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A R T I G O
N
PAULO HENRIQUE MARTINS*
curamos demonstrar esta cultura com o pacto
que a discussão sobre RESUMO histórico escravista e racista
o artigo procurademonstrarque a discussãosobre
o autoritarismo, no o autoritarismo, no Brasil, não se esgota com o
que serviu para conformar
Brasil, não se esgota com o reconhecimentoda existênciados regimespolíticos a organização das estrutu-
reconhecimento da existên- de exceção, de personalidades carismáticas e ras de poder no Brasil, desde
despóticas e de ideologias políticas não-
cia dos regime políticos de democráticas. Ao tratar do tema pelo recurso à o século XVI, não implica
exceção, de personalidades idéia de cultura autoritária, as reflexões mostram em minimizarmos a impor-
ser o autoritarismo um conjunto secular de
carismáticas e despóticas e tância das novas formas de
representações, crenças, valores e normas que
de ideologias políticas não- impregnaram, historicamente, as instituições poder produzidas com o
democráticas. Ao tratar do públicas e privadas no Brasil, incluindo o Estado. capitalismo global, nos fins
Tais instituições resistem com vigor às tentativas
tema pelo recurso à idéia de de mudançasfeitas pelas forçasmaisdemocráticas do século xx. Ao contrário.
cultura autoritária, preten- afirmando sua condição autoritária construída ao Se de um lado é verdade
demos mostrar ser o autori- longo da história.
que no contexto de uma
tarismo um conjunto secular • Professor do Programa de Pós-Graduação em sociedade complexa e aber-
de representações, crenças, Sociologia da Universidade Federal de ta como a brasileira atual,
Pemambuco.
valores e normas que im- existem formas de auto-
pregnaram, historicamente, por dentro, ritarismo que devem ser explica das a partir da
molecularmente, as instituições públicas e pri- expansão de uma cultura de massa global, de
vadas no Brasil- em particular o que podemos outro, deve-se atentar para o fato que as raízes
denominar de organização política, que tem no da cultura autoritária no Brasil remetem para
seu centro a figura do Estado - e que resistem certas condições singulares que não são
com vigor às tentativas de mudanças feitas pe- explicadas pela contemporaneidade, i.e., certas
las forças mais democráticas. soluções de compromisso marcadas pelo espíri-
Nesta perspectiva, o autoritarismo não é to especulador da empresa colonial, pelo racis-
algo que se agrega ou se elimina das institui- mo utilitário e pelo sentimento nobiliárquico
ções desde que sejam garantidos os direitos que marca a formação e a reprodução dos
democráticos previstos na carta constitucional, clãs ao longo dos séculos.
modificadas as posições dos atores envolvidos A definição do autoritarismo como mani-
no jogo de poder, ou alterados os discursos festação cultural específica parece-nos, enfim,
legitimadores da prática política. Como cultura, pertinente para sugerirmos duas hipóteses: pri-
o autoritarismo constitui um campo de forças meiro, as possibilidades e as velocidades possí-
que fornece a centralidade simbólica e inspira veis das tentativas de democratização das
tradicionalmente a organização das instituições instituições no Brasil dependem do nível de
do poder e da política no Brasil. Assim entendi- resistência oferecida por um campo de poder
do, o autoritarismo constitui um significante das que é movido por uma cultura autoritária secu-
instituições brasileiras que está enraizado na lar; segundo, a exclusão social atualmente co-
experiência colonial, adaptando-se e conservan- nhecida no país se de um lado reflete tendências
do-se sem desaparecer às novas formas de exer- do capitalismo global, de outro, revela a resis-
cício da política surgidas com a formação do tência cultural de uma elite renovada pelo
MARTINS, PAULO HENRIQUE. CULTURA AUTORITÁRIA NO BRASIL. P. 105 A 132 105
industrialismo e pela cultura de massa, mas de regimes antidemocráticos, a partir de um raci-
que se recusa a abrir mão de suas prerrogati- ocínio linear onde é dada mais importância à
vas e privilégios nas tarefas de organização oposição entre Autoritarismo e Democracia que
das instituições sociohistóricas. à própria definição do conceito de autoritarismo.
O artigo está dividido em cinco partes: na Através desta oposição, denuncia-se as restrições
primeira, faremos um balanço da discussão re- ao pluralismo partidário, a formação de estamentos
cente sobre autoritarismo no Brasil; na segun- burocráticos relativamente distantes das pressões
da, exploramos algumas noções e conceitos que sociais e a extensão exagerada da territorialidade
são centrais para a definição de cultura auto- do Estado com efeitos inibidores sobre a organi-
ritária; na terceira, analisamos a historicidade zação espontânea de movimentos sociais e em-
da cultura autoritária no país; na quarta, dis- presariais no campo da sociedade civil. Uma das
cutimos a pertinência de certas teses de Ed- interpretações mais antigas a este respeito é a do
gar Morin e de Eu g ne Enriquez
ê para marxismo, cujos doutrinadores entendiam ser o
construirmos um modelo analítico sobre as Estado capitalista uma instituição essencialmente
conformidades e as brechas da organização autoritária, como se depreende das reflexões de
política, enfim, na quinta parte, exploramos Marx, Engels, Lenin, Gramsci, Althusser e vários
este modelo na contemporaneidade brasileira. outros. Embora legítimo, o esforço de Nicos
Poulantzas de diferenciar Estados, Regimes e
Governos (Poulantzas, 1968), na busca de cria-
LEITURAS CONTEMPORÂNEAS DO AUTORITARISMO NO ção de uma sociologia política marxista, teve efei-
BRASIL tos limitados devido à rigidez oferecida pela teoria
materialista das classes sociais conforme conce-
No Dicionário de Política organizado por bida por seus fundadores. Entre os autores mar-
Bobbio, Matteucci e Pasquino, Mario Stoppino xistas brasileiros que procuraram teorizar
apresenta o que me parece uma classificação objetivamente sobre o assunto deve ser lembra-
coerente dos contextos possíveis de emprego do o sociólogo Florestan Femandes que escre-
da expressão autoritarismo, relacionando três veu um livro intitulado Apontamentos sobre a
diferentes usos: o político ou dos sistemas e teoria do autoritarismo (Fernandes, 1979).
regimes autoritários, o psicológico ou das per- A partir das renovações oferecidas ao
sonalidades e atitudes autoritárias e o ideológi- pensamento sociológico pelas teorias estru-
co ou das ideologias autoritárias. Avança Stopino turalistas e dependentistas dos anos 50 e 60,
que a centralidade do princípio de autoridade é o pensamento marxista conhece na América
um caráter comum do autoritarismo em quais- Latina uma certa inflexão, a partir da qual
quer dos três níveis citados. "Como conseqüên- surge, nos anos 70, um debate sobre
cia também a relação entre comando apodítico autoritarismo que procura destacar a origina-
e obediência incondicional caracterizam o lidade dos regimes políticos em países situ-
autoritarismo ...é claro, por conseguinte, que do ados no contexto periférico do capitalismo
ponto de vista dos valores democráticos, o mundial. Os estudos sobre os regimes auto-
autoritarismo é uma manifestação degenerativa ritários eram apresentados, então, com cer-
da autoridade" (Stopino, 1992a: 94). tas reservas, devido à situação política. Foi
No primeiro caso, o autoritarismo refere- sob este clima politicamente constrangedor
se aos regimes e instituições políticas que privile- dos regimes militares e de uma censura ar-
giam a autoridade governamental e diminuem bitrária, como lembra Paulo Sergio Pinheiro,
de forma mais ou menos radical o consenso, con- que foi organizado um seminário na Unicamp,
centrando o poder político e colocando em posi- em 1975, onde o sujeito central do debate, o
ção secundária as instituições representativas. autoritarismo, teve que ser camuflado para
Assim, em sentido amplo fala-se de regimes se evitar a ação dos censores de plantão: "O
autoritários para se designar toda uma série que queríamos discutir era a questão do
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