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BH/UF

A R T I G O

CULTURA AUTORITÁRIA NO BRASIL

o presente texto, pro- Estado-nação. Ao ressaltar

N
PAULO HENRIQUE MARTINS*
curamos demonstrar esta cultura com o pacto
que a discussão sobre RESUMO histórico escravista e racista
o artigo procurademonstrarque a discussãosobre
o autoritarismo, no o autoritarismo, no Brasil, não se esgota com o
que serviu para conformar
Brasil, não se esgota com o reconhecimentoda existênciados regimespolíticos a organização das estrutu-
reconhecimento da existên- de exceção, de personalidades carismáticas e ras de poder no Brasil, desde
despóticas e de ideologias políticas não-
cia dos regime políticos de democráticas. Ao tratar do tema pelo recurso à o século XVI, não implica
exceção, de personalidades idéia de cultura autoritária, as reflexões mostram em minimizarmos a impor-
ser o autoritarismo um conjunto secular de
carismáticas e despóticas e tância das novas formas de
representações, crenças, valores e normas que
de ideologias políticas não- impregnaram, historicamente, as instituições poder produzidas com o
democráticas. Ao tratar do públicas e privadas no Brasil, incluindo o Estado. capitalismo global, nos fins
Tais instituições resistem com vigor às tentativas
tema pelo recurso à idéia de de mudançasfeitas pelas forçasmaisdemocráticas do século xx. Ao contrário.
cultura autoritária, preten- afirmando sua condição autoritária construída ao Se de um lado é verdade
demos mostrar ser o autori- longo da história.
que no contexto de uma
tarismo um conjunto secular • Professor do Programa de Pós-Graduação em sociedade complexa e aber-
de representações, crenças, Sociologia da Universidade Federal de ta como a brasileira atual,
Pemambuco.
valores e normas que im- existem formas de auto-
pregnaram, historicamente, por dentro, ritarismo que devem ser explica das a partir da
molecularmente, as instituições públicas e pri- expansão de uma cultura de massa global, de
vadas no Brasil- em particular o que podemos outro, deve-se atentar para o fato que as raízes
denominar de organização política, que tem no da cultura autoritária no Brasil remetem para
seu centro a figura do Estado - e que resistem certas condições singulares que não são
com vigor às tentativas de mudanças feitas pe- explicadas pela contemporaneidade, i.e., certas
las forças mais democráticas. soluções de compromisso marcadas pelo espíri-
Nesta perspectiva, o autoritarismo não é to especulador da empresa colonial, pelo racis-
algo que se agrega ou se elimina das institui- mo utilitário e pelo sentimento nobiliárquico
ções desde que sejam garantidos os direitos que marca a formação e a reprodução dos
democráticos previstos na carta constitucional, clãs ao longo dos séculos.
modificadas as posições dos atores envolvidos A definição do autoritarismo como mani-
no jogo de poder, ou alterados os discursos festação cultural específica parece-nos, enfim,
legitimadores da prática política. Como cultura, pertinente para sugerirmos duas hipóteses: pri-
o autoritarismo constitui um campo de forças meiro, as possibilidades e as velocidades possí-
que fornece a centralidade simbólica e inspira veis das tentativas de democratização das
tradicionalmente a organização das instituições instituições no Brasil dependem do nível de
do poder e da política no Brasil. Assim entendi- resistência oferecida por um campo de poder
do, o autoritarismo constitui um significante das que é movido por uma cultura autoritária secu-
instituições brasileiras que está enraizado na lar; segundo, a exclusão social atualmente co-
experiência colonial, adaptando-se e conservan- nhecida no país se de um lado reflete tendências
do-se sem desaparecer às novas formas de exer- do capitalismo global, de outro, revela a resis-
cício da política surgidas com a formação do tência cultural de uma elite renovada pelo
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industrialismo e pela cultura de massa, mas de regimes antidemocráticos, a partir de um raci-
que se recusa a abrir mão de suas prerrogati- ocínio linear onde é dada mais importância à
vas e privilégios nas tarefas de organização oposição entre Autoritarismo e Democracia que
das instituições sociohistóricas. à própria definição do conceito de autoritarismo.
O artigo está dividido em cinco partes: na Através desta oposição, denuncia-se as restrições
primeira, faremos um balanço da discussão re- ao pluralismo partidário, a formação de estamentos
cente sobre autoritarismo no Brasil; na segun- burocráticos relativamente distantes das pressões
da, exploramos algumas noções e conceitos que sociais e a extensão exagerada da territorialidade
são centrais para a definição de cultura auto- do Estado com efeitos inibidores sobre a organi-
ritária; na terceira, analisamos a historicidade zação espontânea de movimentos sociais e em-
da cultura autoritária no país; na quarta, dis- presariais no campo da sociedade civil. Uma das
cutimos a pertinência de certas teses de Ed- interpretações mais antigas a este respeito é a do
gar Morin e de Eu g ne Enriquez
ê para marxismo, cujos doutrinadores entendiam ser o
construirmos um modelo analítico sobre as Estado capitalista uma instituição essencialmente
conformidades e as brechas da organização autoritária, como se depreende das reflexões de
política, enfim, na quinta parte, exploramos Marx, Engels, Lenin, Gramsci, Althusser e vários
este modelo na contemporaneidade brasileira. outros. Embora legítimo, o esforço de Nicos
Poulantzas de diferenciar Estados, Regimes e
Governos (Poulantzas, 1968), na busca de cria-
LEITURAS CONTEMPORÂNEAS DO AUTORITARISMO NO ção de uma sociologia política marxista, teve efei-
BRASIL tos limitados devido à rigidez oferecida pela teoria
materialista das classes sociais conforme conce-
No Dicionário de Política organizado por bida por seus fundadores. Entre os autores mar-
Bobbio, Matteucci e Pasquino, Mario Stoppino xistas brasileiros que procuraram teorizar
apresenta o que me parece uma classificação objetivamente sobre o assunto deve ser lembra-
coerente dos contextos possíveis de emprego do o sociólogo Florestan Femandes que escre-
da expressão autoritarismo, relacionando três veu um livro intitulado Apontamentos sobre a
diferentes usos: o político ou dos sistemas e teoria do autoritarismo (Fernandes, 1979).
regimes autoritários, o psicológico ou das per- A partir das renovações oferecidas ao
sonalidades e atitudes autoritárias e o ideológi- pensamento sociológico pelas teorias estru-
co ou das ideologias autoritárias. Avança Stopino turalistas e dependentistas dos anos 50 e 60,
que a centralidade do princípio de autoridade é o pensamento marxista conhece na América
um caráter comum do autoritarismo em quais- Latina uma certa inflexão, a partir da qual
quer dos três níveis citados. "Como conseqüên- surge, nos anos 70, um debate sobre
cia também a relação entre comando apodítico autoritarismo que procura destacar a origina-
e obediência incondicional caracterizam o lidade dos regimes políticos em países situ-
autoritarismo ...é claro, por conseguinte, que do ados no contexto periférico do capitalismo
ponto de vista dos valores democráticos, o mundial. Os estudos sobre os regimes auto-
autoritarismo é uma manifestação degenerativa ritários eram apresentados, então, com cer-
da autoridade" (Stopino, 1992a: 94). tas reservas, devido à situação política. Foi
No primeiro caso, o autoritarismo refere- sob este clima politicamente constrangedor
se aos regimes e instituições políticas que privile- dos regimes militares e de uma censura ar-
giam a autoridade governamental e diminuem bitrária, como lembra Paulo Sergio Pinheiro,
de forma mais ou menos radical o consenso, con- que foi organizado um seminário na Unicamp,
centrando o poder político e colocando em posi- em 1975, onde o sujeito central do debate, o
ção secundária as instituições representativas. autoritarismo, teve que ser camuflado para
Assim, em sentido amplo fala-se de regimes se evitar a ação dos censores de plantão: "O
autoritários para se designar toda uma série que queríamos discutir era a questão do

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autoritarismo, a nova constituição de um mo- surpreendido pelo fato da ressurgência do
delo burocrático-autoritário nos países latino- autoritarismo se verificar em sociedades que
americanos ...Mas falar-se de autoritarismo era podiam ser descritas como num processo de
um sacrilégio para os cânones vigentes, de- "modernização", já que a teoria da moderniza-
monstrar interesse em discutir movimentos ção sugeria que o crescimento econômico de-
populares assumia ares de um eventual cri- veria estimular a democratização. Defendendo
me de lesa-majestade" (Pinheiro, 1979:15). a especificidade dos regimes burocrático-auto-
Neste debate estiveram presentes dois dos ritários como modo de explicação daquele apa-
mais importantes teóricos dos regimes autori- rente paradoxo, Cardoso sugere que uma falha
tários, Juan Linz e Guillermo O'Donnell. importante nas discussões sobre autoritarismo
O primeiro, estudioso dos regimes autori- seria a ausência de uma distinção entre estado
tários em geral, adotou a noção de mentalida- e regime político, já que "uma forma idêntica
des para indicar as diferenças entre autoritarismo de estado - capitalista e dependente, no caso
e totalitarismo. Nos regimes (autoritários) situa- da América Latina - pode coexistir com varie-
dos na periferia dos centros ideológicos, diz, os dade de regimes políticos: autoritário, fascista,
arranjos de poder produzidos por mentalidades corporativista e até democráticos" (Cardoso,
indefinidas parecem inibir a articulação ideoló- 1982: p.47). Daí, ele preferir usar a expressão
gica dos regimes, havendo uma capacidade autoritarismo-burocrático para se referir à vari-
mínima dos govemantes organizarem uma coa- edade de regimes políticos e não às formas de
lizão de forças amplas. "Tais regimes pagam um Estado (provavelmente inspirando-se em
preço por sua falta de ideologia, no nosso sen- Poulantzas). Nos anos 80, com o progressivo
tido do termo. Essa ausência limita a capacida- desaparecimento dos regimes militares na Amé-
de de mobilizar as pessoas de forma a criar uma rica Latina, o debate sobre "regime autoritário"
identificação emocional e psicológica das mas- é progressivamente substituído por um outro
sas com o regime" (Linz, 1979: 126-127). O se- sobre "transição democrática", que no Brasil teve
gundo, O'Donnell, especialista na questão muita visibilidade na segunda metade dos anos
latino-americana, constatando o fracasso das teo- 80, quando a chegada das oposições ao poder
rias gerais de desenvolvimento político, explorou deu a impressão de que o autoritarismo estava
o conceito de regime "burocrático-autoritário" com os dias contados'. Nos anos 90, com a
(BA) para designar padrões modernos de domi- perda de vitalidade dos movimentos sociais ur-
nação autoritária. Segundo ele, o surgimento banos e com a persistência de práticas
desses tipos de regimes estaria ligado ao clientelistas e corporativistas e com a denúncia
surgimento de certo tipo de capitalismo com de escândalos, a tese da "transição" tem caído
características próprias, em países como o em descrédito.
Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Chile, mas O segundo sentido do termo autoritarismo
também em países europeus como a Grécia. lembrado por Stopino, o psicológico ou das per-
Para O'Donnell, a instalação dos BA era em sonalidades e atitudes autoritárias, tem seus
boa parte resposta a "processos de alta e rá- precursores em trabalhos como o de Eric Fromm
pida ativação política do setor popular, que é que acreditava existir tipos diversos de caráter
percebida por outros setores como uma ame- humano como marcas autoritárias que poderi-
aça à continuidade dos parâmetros sócio-eco- am ser observadas a partir de quatro orienta-
nômicos dessas sociedades e de suas filiaçôes ções: a receptiva, a exploradora, a acumulativa
internacionais" (O'Donnell, 1979: 31) (1). e a mercantil (Fromm, 1972: 61-76). Entretanto,
Numa outra coletânea de textos sobre o lembra Stopino, o texto fundamental neste campo
autoritarismo na América Latina, organizada por é o trabalho de Theodor Adorno e de seus cola-
David Collier, Fernando Henrique Cardoso, reto- boradores, A personalidade Autoritária, de 1950,
mando argumentos já avançados por Linz e cujo objetivo era descrever o indivíduo potencial-
O'Donnell, inicia sua argumentação, dizendo-se mente fascista, cuja estrutura de personalidade

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seria tal que o tomaria particularmente sensí- mes de exceção. Aqui, poderíamos citar Fran-
vel à propaganda antidemocrática. Há em co- cisco Weffort no livro Por que democracia?
mum nos trabalhos de Fromm e de Adorno a quando procura dinamizar a discussão sobre
vivência do totalitarismo e do anti-semitismo a transição política brasileira nos anos setenta
presente na época da segunda guerra mundial e oitenta dando ênfase às influências de certos
na Europa e, do ponto de vista metodológico, personagens autoritários.
o de recorrerem a uma interpretação psicana- Nos anos 80, no clima da redemocratização
lítica. Diferentemente destas abordagens psi- no Brasil, surge uma terceira linha de reflexão
cológicas, uma outra mais sociológica dos que podemos incluir como possuindo caracte-
comportamentos autoritários, foi oferecida por rísticas deste grupo das personalidades e atitu-
Seymour Lipset, para quem nas sociedades des autoritárias. Trata-se de um grupo de
modernas as classes mais baixas se tomariam intelectuais formado sobretudo por profissionais
progressivamente a maior reserva de compor- da psicanálise que, preocupados em intervir no
tamento autoritário (Stopino, 1992a: 99). debate democrático, trazem para a análise do
No debate brasileiro, as análises sobre social a contribuição desta disciplina. jurandir
personalidades autoritárias são produzidas nos Freire Costa também introduziu uma importante
universos de teorias como a weberiana e a discussão sobre narcisismo e violência na análi-
freudiana que permitem uma análise compor- se do caráter do excluído no Brasil. Inspirando-
tamental mais detalhada. No primeiro caso, se nas teses de Cristhoper Lasch, estudioso do
podemos lembrar a contribuição de Simon narcisismo na sociedade americana, procura dis-
Schwartzman para quem o autoritarismo não é cutir como a questão narcísica rebate nas insti-
necessariamente o resultado de um excesso de tuições brasileiras e em certos grupos que
demandas em um contexto de pouca industri- conheceram de perto a violência como a gera-
alização e recursos limitados (o autor refere- ção AI-5 (Freire Costa, 1986). Em Narcisismo
se, certamente, às teses de Juan Linz e Guillermo em tempos sombrios Freire admite que o Brasil
O'Donnell), mas, talvez, na maioria dos casos, vive dias difíceis devido ao fato que o regime
"a uma reduzida capacidade social de articula- que se sucedeu ao autoritarismo não conseguiu
ção e representação de interesses em um con- capitalizar o desejo de mudança da nação. Por
texto de concentração excessiva de poder nas conseguinte, "neste clima de desorientação e
mãos do Estado" (Schwartzman, 1982). Por ou- ansiedade, os indivíduos tendem a perder, em
tro lado, ele defende a idéia que a persistência maior ou menor grau o sentido de responsabili-
de elementos patrimoniais em um sistema po- dade e pertinências sociais, por si já precários
lítico moderno tem pouco a ver com a cultura nas sociedades burguesas, particularmente na-
e muito com o sucesso ou fracasso do líder quelas subdesenvolvidas como a nossa". Apon-
político em arregimentar forças de apoio. "Em tando para uma possibilidade de pãnico narcísico,
geral, é possível afirmar que posições de privi- Freire refere-se a uma certa cultura narcísica da
légio, uma vez adquiridas, tendem a se subtra- violência, uma forma particular de medo e rea-
ir do mercado e se transformar em monopólios ção ao pânico, que "nutre-se e é nutrida pela
adscritos e imunes ao mercado". Daí, ele pre- decadência social e pelo descrédito da justiça e
ferir usar o termo cooptação política para captar da lei" (Freire Costa, 1988: 128,129). o início
o tipo de relacionamento entre os dois siste- dos anos 90, esse grupo de psicanalistas (Freire,
mas de participação dominantes: o de merca- Calligaris, Birman, Figueiredo entre outros), fun-
do e o tutelar (Schwartzman, 1982: 49,52, 53). dam um fórum de trabalho periódico denomi-
Uma segunda linha de reflexão que de- nado o Sexto Lobo cujo objetivo, no dizer de
dica alguma atenção mais particular às perso- um de seus fundadores, o psicanalista italiano
nalidades autoritárias, é produzida por Contardo Calligares, era de "criar as condições
cientistas sociais preocupados em registrar com de um diálogo pluridisciplinar para quem tenta
mais detalhes passagens relevantes dos regi- hoje intervir discursivamente no sintoma social

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segundo uma ética compatível com a ética da Rua. DaMatta trabalha a questão do autoritarismo
psicanálise (Calligaris, 1991: 12). Em 1992, este no Brasil não apenas como uma necessidade
último lança um livro intitulado Helio Brasil onde das elites mas como uma característica das re-
procura desenvolver a tese de que o coloniza- lações de poder. Lembra que quando estudou
dor europeu que veio para o Brasil era uma o "sabe com quem está falando?" procurou es-
figura essencialmente perversa e incapaz de clarecer que esta fórmula exprimia uma rea-
assumir a paternidade do movimento coloniza- ção violenta e autoritária à impessoalidade e à
dor, ao contrário do que ocorrera nos Estados universalidade da cidadania. Ela "demarca e
Unidos (Calligaris, 1992). separa posições, transformando violentamente
o terceiro caso classificado por Stoppino, um cidadão desconhecido em pessoa detento-
o das ideologias autoritárias, ressaltam-se as ide- ra de cargo importante ou nome de família,
ologias "que negam de uma maneira mais ou com direito a tratamento especial pela autori-
menos decisiva a igualdade dos homens e colo- dade" (Damatta, 1993: 189). Do lado contrário,
cam em destaque o princípio hierárquico, além esclarece ele, o que faz a turba urbana destruir
de propugnarem formas de regimes autoritári- ônibus e trens é promover um gigantesco "sabe
os ..." (Stopino, 1992a: 94). Aqui, ressalta-se de com quem está falando?" que permite juntar e
forma clara e indubitável, a filósofa Marilena dar rosto à massa de indivíduos destituída e
Chauí, para quem o autoritarismo no Brasil se invisível para as autoridades, as elites e o go-
reproduz a partir de um discurso dominante verno (Damatta, 1993: 191). _ estes casos, a
competente que mascara as diferenças de clas- violência parece surgir como um modo drásti-
ses. Para ela o discurso competentete é o dis- co de separar e individualizar, um modo de-
curso instituído que se confunde com a sesperado mas permanente de buscar a
linguagem institucionalmente permitida. "O dis- integração política e social de um sistema vivi-
curso competente é aquele que pode ser pro- do e percebido como fragmentado, dividido e
ferido, ouvido e aceito como verdadeiro ou dotado de éticas múltiplas (Damatta, 1993: 197).
autorizado ...porque perdeu os laços com o lu- O trabalho de Damatta representa um avanço
gar e o tempo de sua origem" (Chauí, 1980: 7). importante para os estudos desenvolvidos a
Para Chauí, não se pode compreender o partir da década de 80 ao ressaltar aspectos
autoritarismo das elites brasileiras apenas anali- culturais das relações de poder que se adentram
sando o Estado e suas instituições. Deve-se com- na história brasileira e que não podem ser postos
preender as representações que cercam o poder em evidência a partir de considerações gené-
e a noção de autoridade. Daí a importância da ricas sobre o autoritarismo. Porém, à medida
ideologia: "Ora, se considerarmos que um dos que procura situar a ambigüidade como um
aspectos mais importantes e eficazes da ideolo- aspecto positivo que serve "a formar um elo
gia reside no esforço imaginário (mas de modo que o conflito desconhece" e a estabelecer
algum ilusório) para estabelecer uma coincidên- relações legítimas entre forças antagônicas
cia entre o discurso social e o político e o dis- (Damatta, 1993: 149), creio que ele termina
curso sobre o social e o político, graças a uma caindo na armadilha da cultura do autoritarismo
lógica da identificação que unifique a realidade no Brasil, que se legitima justamente na exis-
social e política com as representações tência de uma ideologia que permite ao siste-
construídas acerca delas, então as elites são ne- ma político negar lugares precisos aos
cessariamente autoritárias" (Chauí, 1980: 41). indivíduos-cidadãos, para favorecer um siste-
Um outro autor que pode ser incluído ma de hierarquia que reproduz o privilégio
neste grupo é Roberto DaMatta que tenta de- patrimonial e a exclusão social. Insistindo na
monstrar que o autoritarismo é aqui mascarado idéia que a cultura relacional é própria da socie-
por uma lógica da ambigüidade legitimada por dade brasileira, estabelece uma certa confusão
uma experiência relacional triádica (três raças) entre ideologia e cultura, i.e., entre a cultura
e pela falta de divisões claras entre a Casa e a que justifica o poder autoritário e a cultura que

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manifesta uma sene de traços, lembranças, berdade. Por outro lado, do ponto de vista de
normas, valores comuns a todos, independen- uma orientação autoritária, o "igualitarismo
temente da organização política em si mesma. democrático" também seria uma prática
degenerativa por não assegurar a "verdadeira
autoridade" (Stoppino, 1992a: 94-95). O tema é
AUTORITARISMO, AUTORIDADE, CULTURA E PODER escorregadio. Teoricamente a maior parte dos
indivíduos, mesmo os de direita, proclamam-se
A sistematização do conceito de cultura democratas; na prática, porém, o que mais se
autoritária nos leva a tentar aprofundar dois observa é o exercício sutil ou declarado de ati-
temas significantes, o de autoritarismo e auto- tudes que um observador crítico definiria como
ridade e o de cultura epoder, para que possa- autoritárias.
mos melhor entender a natureza, origem e Essas imprecisões reprodu as próprias li-
reprodução de uma certa lógica de dominação mitações do conceito de autoridade tal como é
que se legitima na exata medida em que recu- normalmente apresentado pelos cientistas polí-
sa um reconhecimento simbólico e um lugar ticos. Num sentido muito lato, lembra Richard
político a certos membros da sociedade que Sennett (raciocinando sobre a raiz da palavra
não atendem requisitos de cor, de dinheiro, de autoridade em inglês), o termo remete para a
títulos, de patrimônios de apadrinhamento e idéia de "autor" (Sennett, 1993: 18). Na defini-
de vínculo familiar. ção mais usual, autoridade é uma relação de
poder na qual a obtenção da estabilidade e da
institucionalidade do mando e da disposição de
AUTORITARISMO E AUTORIDADE obedecer incondicionalmente se baseia na cren-
ça da legitimidade do poder. Alerta, porém,
Nas páginas precedentes, vimos que o Stoppino, que estas e outras definições próxi-
autoritarismo não tem recebido um tratamento mas não conseguem dar conta das ambigüida-
teórico específico. Aparece preferencialmente des derivadas de fatores aleatórios que podem
numa relação antitética com a idéia de democra- modificar de forma substancial o aspecto "autô-
cia para justificar a existência de regimes, perso- nomo" da crença na legitimidade e ele cita como
nagens ou idéias que subvertem o ideal exemplo o uso da violência e a dependência
democrático acenando para o fantasma totalitário. psicológica (Stoppino, 1992b: 88-94). Não bas-
A constatação de que as experiências tassem essas ambigüidades, outras tantas po-
autoritárias possuem certas características co- dem igualmente ser assinaladas quando
muns, e.g. centralidade do princípio da autori- consideramos o fato que essas definições de
dade, existência de um comando apodítico e autoridade por serem de inspiração liberal, par-
obediência incondicional, é insuficiente à me- tem do princípio que a relação de poder entre
dida que podemos argumentar serem essas ca- comandante e comandado tem aprioristicamente
racterísticas também compartilhadas por um caráter simétrico justificado pela associação
experiências democráticas, desde que haja um de indivíduos livres e iguais. Esta construção se
acordo político entre os indivíduos-cidadãos. mostra ideológica quando observamos que di-
No fundo, a questão é de saber como se ferentes formas de exercício do poder ocorrem
dá representação de autoridade no interior dos quando se trata por exemplo de uma estrutura
sistemas de poder. Neste sentido, Stoppino tem comunitária - onde há uma prevalência de um
razão de sublinhar que do ponto de vista dos sentimento comunitário e grupal bastante es-
valores democráticos, o autoritarismo seria uma treito -, ou de uma outra, societária, onde pre-
manifestação degenerativa da autoridade, por valece o individualismo como é o caso das
significar uma imposição de obediência, sociedades modernas ocidentais. Do mesmo
prescidindo em grande parte do consenso dos modo, a concepção e o uso do poder também
súditos e oprimindo suas manifestações de li- se altera caso se trate do contato entre duas

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culturas individualistas ocidentais ou entre uma Esta discussão sobre autoridade e
moderna ocidental e uma outra tradicionaF. autoritarismo pode, a meu ver, ganhar um rele-
Sennett lembra que existe uma distância vo sociológico mais importante se a relacionar-
grande entre a definição de autoridade como mos com a questão da cultura e com o debate
paternalismo ou autoridade como patriarcalismo. sobre cultura e poder. Este esforço de conexão
O paternalismo, diz, constitui um modelo que visa possibilitar a elaboração do conceito de
vicejou no Ocidente com a revolução industrial. cultura autoritária que nos permite representar
Apesar da dominação permanecer sob controle a questão do autoritarismo numa perspectiva
do indivíduo do sexo masculino o exercício do mais ampla e teoricamente enriquecedora que
poder se dá em bases mais simbólicas que ma- apenas o conceito de cultura pode nos oferecer.
teriais. Assim, os lugares não são fixados rigida-
mente por uma tradição costumeira e o pai não
pode garantir para seu filho antecipadamente CULTURA E PODER
um lugar no mundo. Ao contrário, no
patriarcalismo e no patrimonialismo, os lugares A discussão sobre cultura ganha relevân-
são garantidos por laços de sangue, a herança é cia para a sociologia nos últimos tempos.
assegurada pelo lugar atribuído ao primogênito Raymond Williams defendia a importância de
não havendo espaço para um discurso uma sociologia da cultura em nome da valori-
igualitarista (Sennett, 1993: 51-53). Embora zação de uma série de disciplinas como a lin-
declinantes nos últimos séculos sob a pressão guagem e a arte que durante muito tempo eram
emancipadora da lógica capitalista, traços im- tidas como periféricas na compreensão do social
portantes das antigas ordens patrimoniais como (Williams, 1981: 12). Para ]effrey Alexander, o
a da representação hierárquica e holística da renas cimento dos estudos culturais em geral e
estrutura grupal foram preservados pelas elites daqueles referentes a cultura e significado, no
terceiro-mundistas na modernização de suas campo da sociologia, devem ser entendidos atra-
instituições públicas e privadas (voltaremos a vés de uma renovação da antropologia, da filo-
falar deste assunto mais adiante). Para o instan- sofia hermenêutica, da semiótica e do
te, é importante fixarmos o seguinte aspecto: se estruturalismo (Alexander, 1987: 22)3.
em sociedades de caráter individualistas como Na verdade, a renovação do interesse
as do Ocidente, o autoritarismo tende a apare- sobre cultura extrapola o que poderia ser um
cer todas as vezes em que o poder é tido como mero modismo acadêmico para surgir como
legítimo por quem o detém, mas não é mais um novo entendimento da modernidade. O mar-
reconhecido como tal por quem a ele está sujei- xista Fredric ]ameson entende que já ultrapas-
to, numa sociedade de traços hierárquicos samos a fase de ver a cultura como expressão
(patrimonialistas, corporativistas, comunitaristas) relativamente autônoma da organização social
o autoritarismo pode surgir por razões diversas. e que a cultura, atualmente, neste novo está-
Quando por exemplo aquele que detém o po- gio do capital, constitui a própria lógica do
der não reconhece simbolicamente e institu- sistema (lameson, 1996).'Se de uma parte
cionalmente a identidade de certos membros e ]ameson tem razão em alegar que as manifes-
recusa, por conseguinte, atribuir um lugar polí- tações culturais atuais (vídeo, cinema, literatu-
tico a este membro - que ele inclusive não re- ra, arquitetura ete.) não devem ser vistas apenas
conhece como outro - na estrutura de poder no plano da ideologia mas também das confi-
legítima e legal. Ilustrando, poderíamos dizer gurações que põem o capital em marcha, por
que o autoritarismo de um governante de uma outro lado há aqueles como o australiano
república democrática não tem o mesmo senti- Gyorgy Markus que entende ser a própria
do que o autoritarismo de um governante numa modernidade uma cultura cuja principal caracte-
monarquia escravista ou numa ordem rística é de conciliar movimentos de criatividade
fundamentalista. e de crítica. Por isso, a oposição entre imagí-

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nação e razão seria ela mesma produto da de Herder um certo holismo moderno, nascido
modernidade cultural (Markus, 1994: 15). no interior do próprio individualismo ocidental
Para além do interesse sociológico ou ao tentar introduzir na cultura moderna, uma
antropológico imediato, o fato é que a palavra subcultura alemã distinta da francesa (Dumont,
cultura - e sua correlata, a palavra civilização - 1983: 119). A presença deste holismo moderno
apresentam sentidos diversos que segundo cer- na Alemanha, explica o antropólogo francês,
tos autores têm a ver com as experiências de faz com que a subordinação seja geralmente
formação dos Estados Nacionais. Isto pode ser reconhecida como normal e necessária e que a
observado pela comparação dos casos francês e necessidade de emancipação do indivíduo seja
alemão. Na França, o termo civilização tem um sentida com menos vigor que a necessidade de
sentido universal que serve para diferenciar o enquadramento e de comunhão: "Ali, onde os
civilizado do bárbaro, enquanto a palavra cul- franceses se contentavam de justapor as nações
tura tem um sentido mais restrito vinculado ao como fragmentos da humanidade, os alemães,
humanismo, à cultura do espírito. Segundo reconhecendo a individualidade de cada uma
Durkheim e Mauss, citados por Jean-Pierre delas, se preocuparam de ordenaras nações na
Durand e Robert Weil 0989: 513), os fenôme- humanidade em função de seus valores - ou de
nos da cultura seriam nacionais (instituições seus poderios" (Dumont, 1983: 130).
políticas, jurídicas, a morfologia social que ser- O interesse de trazer esta discussão sobre
viam para caracterizar uma sociedade determi- as diversas concepções de cultura na Europa
nada) e os fenômenos da civilização seriam tem o propósito de chamar a atenção para o
supranacionais (os mitos, os contos, a moeda, o fato que no Brasil as noções de cultura e civili-
comércio, as belas artes, a língua, os conheci- zação parecem se confundir. Uma justificativa
mentos científicos etc.). "Uma civilização, di- possível para esta confusão poderia ser explicada
zem esses dois autores, constitui uma sorte de pelo contexto da dependência brasileira no mapa
meio moral no qual convivem um certo número da cultura capitalista global. Impactados por esta
de nações e onde cada cultura nacional repre- experiência de periferização cultural, alguns
senta apenas uma forma particular". A sociolo- meios intelectuais tenderiam a exagerar a pre-
gia francesa, esclarecem Durand e Weil, herdou sença dos traços da cultura de massa global
o interesse por um conceito integrador de civi- (Ortiz, 1994 e Ianni, 1995), em detrimento de
lização e de uma certa desconfiança com rela- outras leituras que sem negar a força da
ção ao conceito de cultura, sobretudo quando mundialização destacam as pluralidades cultu-
este ficou associado ao nacionalismo alemão. rais internas (Bosi, 1992) ou as questões raciais
De fato, na perspectiva alemã, a palavra (Sodré, 1988). Este comentário é válido particu-
cultura adquiriu um sentido forte, designando larmente para a questão da cultura do poder
não o desenvolvimento espiritual do indivíduo por ter implicações sobre os movimentos soci-
mas o progresso de uma coletividade. Norberto ais e políticos de resistências e de mudanças no
Elias explica esta variação a partir das condi- interior da sociedade. Apesar da revalorização
ções históricas de emergência da burguesia ale- dos trabalhos de Gilberto Freyre e de Sergio
mã no século XVIII. Afastada do poder em Buarque, autores que buscavam esta
benefício de uma aristocracia que cultivava os especificidade, na prática o campo intelectual
hábitos franceses, esta burguesia vai se expres- no Brasil guarda resistências a um entendimen-
sar em alemão e designar cultura como expressão to mais específico da cultura brasileira, entendi-
de certas virtudes, moralidade e autenticidade mento que não esteja condicionado pelo
própria de um povo (Elias, 1973: 18). Dumont, universo mais amplo da civilização. Prova-
por outro lado, entende que essas diferenças se velmente esta submissão da cultura à civiliza-
relacionam com as formas como o individualis- ção reflete a influência francesa.
mo e o holismo aparecem respectivamente nas Esclarece o arguto Elias que a estrutura
culturas francesa e alemã. Ele detecta na obra do sentimento nacional tal como ela é repre-

112 REVISTA DE CIÉNCIAS SOCIAIS V. 30 N. 1/2 1999


sentada pelas noções de cultura ou de civiliza- gendo novas práticas, sobretudo de caráter pú-
ção varia grande mente de um caso para outro. blico, que não são consagradas pela ordem
Noções desse gênero, continua, lembram certas jurídica moderna/tradicional (Canclini, 1995: 23-
palavras que surgem às vezes em grupos deli- 25). Por outro lado, vemos que um problemá-
mitados como família e seitas e que são plenos tico processo de reatívação de certos conflitos
de sentido para os iniciados mas não dizem arcaicos (racistas, étnicos, religiosos, fundamen-
grande coisa aos profanos. "Elas são o resultado talistas, corporativistas entre outros) emerge por
de experiências comuns. Se expandem e se trans- trás dos signos aparentemente alvissareiros de
formam com o grupo de que elas são a expres- uma cultura de massa mundial, acompanhando
são. É a situação e a história do grupo que se a fragmentação das antigas referências cultu-
refletem nelas". Contudo, complementa, "elas rais nacionais, regionais e locais. Por isso,
permanecerão sempre pálidas, aparecerão sem- ]ohann Amason propõe que a nação "é tam-
pre sem vitalidade aos olhos daqueles que não bém uma combinação mutável da tradição e
partilham suas experiências, cuja linguagem não da modernidade, e as interpretações culturais
traduz a mesma tradição, a mesma situação" que servem para situar a nação num mundo
(Elias, 1973: 15). pluralizado deveriam ser visualizadas contra
No caso brasileiro, esta "estrutura do sen- este fundo" (Amason, 1990: 243).
timento nacional" tem ainda hoje sua Não é fácil, então, se adivinhar quando
específicidade delimitada pela experiência esta globalização/fragmentação é instituinte de
mercantilista e escravista colonial, cuja memó- um novo modelo cultural mais democrático e
ria se reproduz através das instituições nacio- antitradicional, ou quando produz um movimen-
nais. Basta pensarmos no conteúdo autoritário to modernizador/conservador que contamina o
contido na expressão de mando "sabe com quem novo modelo cultural com traços culturais tradi-
está falando?" ou, então, no lugar ocupado pe- cionais e na maior parte das vezes anti-demo-
las empregadas domésticas na hierarquia de cráticos. No nosso entender a apreciação crítica
papéis da família brasileira de classe média e do efeito-global no plano nacional/local, e mais
de classe alta. especificamente sobre o movimento dialético
A reflexão conduzida até este momento do recalque/reativação de conflitos
sobre os temas do autoritarismo x autoridade e sociopsíquicos e históricos nas sociedades naci-
da cultura x poder foi importante para justificar- onais, depende do modo como se produziu o
mos porque o autoritarismo tem uma expressão pactofundadordo imaginário sociohistórico em
particular na experiência cultural brasileira não cada uma dessas sociedades que são
sendo redutível a uma apreciação globalizante. significantes do painel global sem deixarem de
Mas se isto justifica a importância de um texto ser nacionais.
que trate da cultura autoritária no Brasil, não é A idéia de um pacto fundador está pre-
suficiente para explicar a natureza desta mesma sente nas obras de intelectuais importantes da
cultura. modernidade que possuem orientações comple-
tamente diversas como Alexei de Tocqueville e
Sigmund Freud. Em Democracia na América, o
HISTORICIDADE DA CULTURA AUTORITÁRIA NO BRASIL pensador francês inicia seu raciocínio chaman-
do a atenção para a importância de se conhecer
o surgimento de uma cultura de massa o momento inicial dos Estados Unidos, que ele
planetária é profundamente importante para a atribui à experiência de governo comunaI que
formação de novas identidades marcadas pela favoreceu a liberdade burguesa e vetou a liber-
transterritorialidade e pelo multilingüismo. Nessa dade aristocrática dominante na pátria-mãe In-
perspectiva, estor Canclini percebe ser possí- glaterra (Tocqueville, 1981: 88). Em Totem e
vel se repensar a cidadania em conexão com o Tabu, por sua vez, Freud procura explorar um
consumo e como estratégia política, abran- momento simbólico inaugural em que é fun-

MARTINS, PAULO HENRIQUE. CULTURA AUTORITÁRIA NO BRASIL. P. 105 A 132 113


dada a sociedade. Este momento é aquele em núncias para uns e ganhos e reconhecimentos
que os filhos teriam realizado um pacto para para outros. O momento de fundação da
assassinar o chefe da horda e dividir as mulhe- modernidade é, logo, aquele de fixação das
res entre os homens do grupo (Freud, 1965). A representações simbólicas e do ordenamento
grande vantagem desta discussão foi permitir histórico de um pacto que obrigou a ressig-
relativizar a influência das teses evolucionistas, nificação dos imaginários históricos tradicionais.
economicistas e historicistas no seio das ciênci- Por isso, embora tenham sido os gregos os pri-
as sociais que procuravam vincular o desenvol- meiros a descobrirem que toda a instituição da
vimento dos povos e nações a certas leis sociedade é auto-instituinte, foi apenas com a
imutáveis que punham a dinâmica cultural em revolução francesa, esclarece Castoriadis, que
plano bastante secundário. Recentemente, foi colocada pela primeira vez a idéia de uma
Cornelius Castoriadis com seu já clássico A insti- auto-instituição explícita da sociedade
tuição imaginária da sociedade aprofundou a (Castoriadis, 1992: 165-166).
compreensão deste assunto ao demonstrar que O recalcamento dos elementos tradicionais
toda sociedade se institui imaginariamente e ori- alcançou níveis significativos através das revolu-
ginalmente ao associar, de modo mais ou me- ções nos campos da política, da ciência e da
nos autônomo ou heterônomo, de um lado os economia que beneficiaram as práticas de
materiais que ela herdou de sua própria história autonomização embutidas na idéia de um novo
- o instituído-, de outro, a fabricação original a pacto. Ele favoreceu a livre iniciativa e o livre
partir de sua criatividade de novos materiais - o câmbio, o respeito aos direitos à igualdade e à
instituinte (Castoriadis, 1975), liberdade política e o surgimento de uma cultura
Nesta perspectiva, pois, acreditamos que urbana de feição profana e crítica. Por isso, se-
as possibilidades de compreensão da histori- gundo Morse, no contexto anglo-americano da
cidade da cultura autoritária no Brasil depende colonização predominou a convicção de
de como situamos o pacto fundador da socieda- Guillerme de Occam de que as naturezas e as
de brasileira. A título de ilustração, penso ser essências universais apenas poderiam ser conhe-
importante estabelecer algumas comparações cidas através de casos individuais (Morse, 1988).
entre o processo europeu e o latino-americano. Na América Latina, diferentemente, a ima-
Esta análise comparativa para os fins desta re- gem de um pacto civilizatório é menos visível.
flexão, pode contemplar três momentos: primei- A empresa colonial nasce em condições muito
ramente, a do sentido do pacto fundador; em especiais que têm a ver com a situação de Por-
segundo, a da motivação dos atores responsá- tugal no período das expansões marítimas e
veis na inauguração do pacto; em terceiro, a do com as motivações que marcaram os primeiros
lugar do social no imaginário de poder criado. exploradores. A tradição patrimonialista de Por-
tugal (Faoro, 1958), associada a uma tradição
herdada de São Tomás de Aquino que insistia
SENTIDO DO PACTO FUNDADOR na harmonização do mundo de Deus e do mun-
do dos Homens, na complementação das ver-
Na Europa, o pacto fundador assumiu a dades da fé e do mundo natural (Morse, 1988,
forma de um pacto civilizatório, reunindo di- 32), condicionou o imaginário da fundação. O
versos grupamentos societários na construção sucesso do projeto colonial não foi, logo, o re-
histórica de projetos culturais e políticos dife- sultado de um acordo histórico resultante dos
rentes mas articulados em torno das sociedades desejos culturais heterogêneos presentes naquele
nacionais. As alianças políticas foram costura- momento inicial em que lusitanos e tupis se
das, a duras penas, pelos atores envolvidos - a observaram pela primeira vez. Ao contrário,
aristocracia, a burguesia comerciante, a peque- o sucesso deste pacto obedeceu à visão tomista
na burguesia, o campesinato, o proletariado e patrimonialista da Coroa portuguesa, que
urbano entre outros -, significando perdas e re- explica como foi possível conciliar a tradi-

114 REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS v.30 N. 1/2 1999


ção católica e a política de escravização e de do. A burguesia lutou avidamente para quebrar
catequização de negros e índios. Pelas mãos o monopólio do poder patrimonial do Ancien
dos jesuítas, a Coroa pregava a palavra sagra- Régime, porque o espírito despótico e onipo-
da de Deus, pelas mãos de comerciantes e tente da realeza era um impedimento decisivo
produtores, a palavra profana dos homens. O para a fundação de uma sociedade aberta à cir-
ritmo da empresa foi dado pela lógica culação de mercadorias.
íberocêntrica dos europeus, pelo poder das No caso da América Latina, o agrupamen-
armas e pela ameaça de punição e destruição. to que exerceu o papel de significante central
A estratégia de implantação de um siste- foi o oligárquico, reunindo interesses diversos:
ma de dominação autoritário era vista como uma religiosos, econômicos, financeiros, políticos,
política necessária de "civilização" de povos exó- religiosos e burocráticos. Aqui, a linguagem de
ticos, que segundo alguns não possuíam almas e poder era formulada menos pela autoridade do
não eram humanos. O sucesso do pacto funda- dinheiro e mais pela autoridade da glória e da
dor dependeu da arrogância e do racismo de uns ostentação. A oligarquia edificadora do pacto
(a nobreza e os aventureiros portugueses), da colonial se interessava em fundar uma empresa
destruição, escravização e exclusão de outros (os econômica e não uma civilização. Daí, a impor-
povos ameríndios e os povos africanos). Em vez tância de se preservar os privilégios e o espírito
de um pacto de vida que assegurasse a diversi- onipotente que davam sentido às aventuras de
dade - e a liberdade e a igualdade de direitos - enriquecimentos fundados nas práticas da
os colonizadores estabeleceram nessas áreas pac- barbárie. O grupo que aqui aportou era forma-
tos de morte, onde foi imposta a lei dos déspotas do sobretudo por nobres aventureiros, indiví-
segundo uma lógica de controle e de enriqueci- duos de confiança da Coroa e especuladores
mento sem compromissos sociais com os "brasi- destituídos de qualquer vontade política de fun-
leiros". Por conseguinte, a instituição imaginária dar uma experiência de colonização permanen-
do poder colonial não poderia contemplar a idéia te e estável tal como foi verificado na América
européia de nação. Basta verificarmos a lei da do Norte. Até as primeiras décadas do século
terra. Ela foi montada para ser cúmplice de uma XX, o imaginário patrimonialista oligárquico se
prática de usurpação que inicia o povoamento e reproduziu sobre o desejo de pilhagem e de uso
desencadeia o processo de legalização da pro- destrutivo das riquezas naturais e humanas .. A
priedade da terra ao longo dos séculos única e lógica de poder deste grupo sempre foi o da
exclusivamente em benefício dos poderosos "apropriação de riquezas materiais através de
(Holston, 1993). meios freqüentemente autoritários, que garan-
tem o usufruto de privilégios do indivíduo ou
do grupo de identificação e também a integri-
MOTIVAÇÕES DOS cLÃs OLlGÁRQUICOS dade da potência holista, isto é, de uma potên-
cia que assegura a diferenciação hierárquica dos
No caso europeu, o elemento central na indivíduos segundo critérios que privilegiam
rede de significantes que promoveu a imagem sobretudo a integridade do Príncipe, como são
de uma autoridade coletivamente legitimada e os critérios de herança e de lealdade" (Martins,
reconhecida (símbolo do pai cultural), que apa- 1991: 52).
receu como núcleo fundador do processo de O imaginário clânico tem como símbolo
instituição imaginária do sociohistórico, e parti- central a figura histórica e polêmica do coloni-
cularmente do Estado, foi exercido pela bur- zador e não a do colono. Por conseguinte, a
guesia. Esse agrupamento de empreendedores representação imaginária do poder instituinte
econômicos conseguiu, de fato, através da sua necessário à organização da política volta-se para
cultura utilitária, pactuar um projeto histórico o culto da tradição patrimonialista e de uma
que integrou as diferenças comunitárias e ra- ancestralidade confusa. A psicanálise faz um
ciais, para viabilizar a universalidade do merca- registro interessante sobre as características deste

MARTINS, PAULO HENRIQUE. CULTURA AUTORITÁRIA NO BRASIL. P. 105 A 132 115


momento fundador da empresa colonial. Para sário assegurar a sobrevivência de cada grupo,
Contardo Calligaris (1992), o colonizador que as divergências entre oligarcas e burgueses fo-
funda a empresa colonial era uma figura inces- ram minimizadas em favor da manutenção de
tuosa por excelência e o motivo principal de regimes despóticos capazes de garantir a parti-
sua vinda ao Brasil era possuir um referente lha comum e personalizada do poder.
maternal longe da ameaça da castração pater- Na América Latina, a introjeção na práti-
na. Na aventura colonial, ele se viu livre para ca cotidiana, e não apenas no discurso, dos
possuir sadicamente, num gozo ilimitado, os significados do liberalismo sempre foi um pro-
significantes da mãe que eram representados blema de difícil resolução. Constitui um
por diferentes objetos: a terra produtiva, a natu- condicionante central do imaginário oligárquico
reza pródiga, os filhos/as) da Ameríndia e os a existência de certos procedimentos hierár-
filhos(as) da África. Como resultado, perdeu o quicos que diferenciam os indivíduos segundo
liberalismo burguês que propunha o contrato códigos de classificação clânica, que não po-
para criar limites entre parceiros sociais e ven- dem ser revistos por uma estratificação social
ceu o autoritarismo clânico e oligárquico, que aberta como propuseram os teóricos liberais.
se representa pelo vínculo indissociável de leal- Aqueles procedimentos particularistas definem
dade entre parceiros partilhando de mesmas as oligarquias como clãs - e não como classes
condições hierárquicas. - e lhes conferem prestígio numa seleta cole-
O imaginário moderno brasileiro é, as- tividade cujo acesso é permitido a alguns seg-
sim, profundamente marcado pelo poder de mentos: grandes famílias proprietárias, grupos
certas elites que não se comportam propriamente políticos e burocráticos influentes, militares
como classes socioeconõmicas mas como oli- poderosos e, também, industriais e dirigentes
garquias despóticas, legitimadas a partir de uma de importantes grupos econômicos (que se
multiplicidade de fatores: econõmicos, financei- apresentam como classes no mundo burguês
ros, políticos, burocráticos, militares e religio- do trabalho e como clãs no mundo oligárquico-
sos. Oligarquias antigas e novas, à medida que patrimonial da ostentação e da glória). Daí, se-
a experiência de modernização nacional - polí- rem essas oligarquias modernas da América
tica, econõmica e industrial- obrigou as antigas Latina e do Brasil tão identificadas com códi-
oligarquias a se reciclarem e darem espaços para gos de valores tradicionais fundados no racis-
o surgimento de novos agrupamentos movidos mo, na honra e no prestígio, e tão voltadas ao
por razões culturais complexas, nesta mudança cultivo da posse direta de certos objetos re-
para a modernidade. A lógica clânica expressa presentativos da mãe matricial (a posse obses-
a estratégia de poder desenvolvida por esses siva de terras, de títulos e de homens).
grupos oligárquicos para controlarem os meca-
nismos de captação e de distribuição de recur-
sos públicos e coletivos. Perdeu a democracia, LUGAR DO SOCIAL
porque a moral clânica suporta com dificulda-
des a abertura para a negociação e a supressão o lugar do social é muito diferente em
de favores e privilégios. ambas as situações. No caso europeu, o
O que diferencia estas oligarquias recalcamento do despotismo pré-moderno foi
patrimoniais e clânicas da moderna burguesia obtido pelos limites políticos e jurídicos impos-
urbana não é simplesmente o fato do imaginá- tos pela lógica burguesa utilitária e interesseira
rio burguês ser dominado por avassaladoras sobre a cultura aristocrática. Paralelamente, novas
paixões econômicas que submeteram eficazmen- instituições foram construídas visando a disci-
te as antigas paixões da glória (Hirschman, 1979). plina do trabalho. A violência burguesa, funda-
Afinal, partilhar dos prazeres de uma moral uti- dora da modernidade, se materializou sobre a
litária e econômica não é um problema para as repressão de outras violências tradicionais. A
oligarquias. Ao contrário, quando se fez neces- autonomia do mercado de bens e serviços com

116 REVISTA DE CIENCIAS SOCIAIS V. 30 N. 1/2 1999


relação ao antigo poder patrimonial e despó- como uma iniciativa estratégica para a fundação
tico funcionou como uma instituição central da sociedade nacional, no século XIX, por uma
no processo de formação da sociedade ao via autoritária que negligencou a idéia de uma
quebrar a antiga dádiva comunitária que re- negociação aberta com todos os segmentos cida-
duzia a circulação dos bens apenas ao grupo dãos da época. Por não serem nossas elites her-
de base (família, etnia, clãs etc.), abrindo es- deiras de uma cultura religiosa reformada pelo
paço para a emergência do estranho, que é protestantismo, mas de um catolicismo medie-
base da moderna cidadania. O Estado liberal val, elas reagiram com muito mais firmeza às
também teve papel decisivo na criação de pressões liberais voltadas para autonomizar tanto
uma esfera pública ao regulamentar as trocas o indivíduo como as instituições sociais, econô-
limitando a força da dádiva tradicional micas e políticas.
(Godbout, 1992). O Estado foi estrutura do res- Conseqüentemente, a relação de man-
pondendo as demandas de regulação dos con- do/subserviência/exclusão do período coloni-
flitos sociais no bojo dos mecanismos de al e escravista, deu lugar com o fim da
reprodução do sistema capitalista. Juntos, Es- escravidão, não a uma "cidadania conquistada"
tado e Mercado geraram as condições históri- como na Europa, mas a uma espécie de
cas da experiência democrática, ao respaldar "cidania concedida" assim definida por Teresa
uma moral burguesa que comportava a dife- Sales: "na gênese de construção de nossa cida-
rença e a negociação. Perdeu o autoritarismo dania, está vinculada, contraditoriamente, à não
aristocrático e venceu o liberalismo burguês cidadania do homem livre e pobre, o qual de-
com o advento da figura da cidadania - cuja pendia dos favores do senhor territorial, que
complexidade fenomenológica já tivemos detinha o monopólio privado do mando, para
oportunidade de nos referir em outra parte poder usufruir dos direitos elementares de ci-
deste trabalho. dadania civil" (Sales, 1994: 27). A organização
No caso brasileiro, o capitalismo colonial, da política e do Estado e a modernização do
diferentemente do acontecido na Europa, prati- país ficaram marcadas por essas práticas per-
camente destruiu as bases do antigo sistema co- sonalizadas e autoritárias de exercício do po-
munitário local. O recalcamento foi feito de forma der. Esta cidadania concedida é reproduzida
destrutiva, impedindo que a esfera pública se graças a uma "cultura política da dádiva" que
legitimasse nas antigas relações comunitárias. As se sustenta num certo fetiche da igualdade e
diferenças de propósitos entre colonizadores e de encurtamento das distâncias sociais, que tem
nativos impediu quaisquer políticas de justamente a finalidade de esconder as desi-
hibridização que respeitasse as tradições locais. gualdades sociais. Com a República, os meca-
Os colonizadores não chegaram com propósitos nismos de clientelismo e patronagem inspiraram
de fundar o social, mas apenas de se apropriar as relações de mando no meio rural estenden-
de riquezas naturais. Para os "donos do poder" do-se, também, com algumas variações para o
que se fixaram no Brasil desde a colõnia a políti- meio urbano. Se a cultura da dádiva às vezes
ca de povoamento foi a destruição, a humilhação foi contestada politicamente, outras vezes foi
e o avassalamento de terceiros: tanto dos povos imposta ou "concedida" pelo medo e pela vio-
ameríndios e africanos como daqueles segmen- lência. Ela constitui um das formas de expres-
tos de europeus mais humildes que se integra- são da cultura autoritária no Brasil.
ram à empresa colonial como servos e Assim, em sociedades onde as lógicas
trabalhadores braçais livres. O mercado de bens individualizantes conhecem o cerco de lógicas
e serviços não possuía esta função socializadora corporativistas, comunitárias, clânicas, funda-
porque era sobretudo voltado para financiamen- mentalistas entre outras, o enraizamento da re-
to do projeto colonizador e exportador. No plano presentação moderna de cidadania permanece
político, a instituição central (de legitimidade du- uma empreitada instável e limitada pelas estru-
vidosa) era o Poder Colonial e o Estado aparece turas hierárquicas. Daí, Stephen Kalberg (993)

MARTINS, PAULO HENRIQUE. CULTURA AUTORITÁRIA NO BRASIL. P. 105 A 132 117


levantar a tese que a manifestação de uma gênito no sentido que ele está no cerne de uma
cidadania moderna depende do jogo das for- estrutura que aprisiona e submete a lógica indi-
ças culturais. Segundo o autor, a expansão da vidualista a um jogo conspirativo regrado por
esfera pública e o desenvolvimento econômi- uma lógica holística, hierárquica e racista, boi-
co podem ser orientados por modelos cultu- cotando as práticas autonomizantes que produ-
rais de famílias e de clãs. Por conseguinte, zem a cidadania moderna.
prossegue, não há garantia, face a um sistema
significado por grupos de lealdade, que os res-
ponsáveis pela expansão de uma esfera públi- CONFORMISMOS E BRECHAS OFERECIDOS À
ca como a burguesia articulem positivamente DEMOCRATIZAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO POlÍTICA:
iniciativas para assegurar direitos civis e políti- QUESTÕES TEÓRICAS
cos. Conseqüentemente, a "superimposição de
direitos políticos e civis por um Estado-nação As experiências dos movimentos SOCIaIS
permanece instável e em perigo de dissolu- urbanos e rurais nas últimas décadas, associadas
ção, enquanto o favoritismo e as lealdades pes- à emergência de uma cultura de massa global
soais dos clãs, ou de grupos étnicos e religiosos têm contribuído para remodelar as instituições
não for enfraquecido pela expansão de uma privadas e públicas, atingindo particularmente
esfera pública" CKalberg, 1993: 96). Finalmen- o imprinting cultural da organização política e
te, ele conclui que o estímulo ao individualis- do Estado brasileiro. A questão maior que se
mo não contribui necessariamente para apresenta agora é de saber se na esfera da po-
viabilizar a cidadania, que requere outras no- lítica esta remodelação institucional e
ções como responsabilidade cívica, união so- organizacional implica numa eventual substitui-
cial e igualitarismo (Kalberg, 1993: 108). Desta ção da tradicional cultura autoritária por uma
maneira é possível compreendermos que a cul- outra democrática. No caso positivo, é possível
tura autoritária no Brasil pode ser bastante útil que se verifiquem mudanças profundas no pac-
para viabilizar uma modernização conservado- to de poder, apontando para um "contrato soci-
ra sem ter que expandir a esfera pública de al" onde seja colocada a questão da ética como
modo a integrar as populações excluídas das o sugeria Kant. Uma ética que permitisse
instituições econômicas, políticas e culturais. reimaginar os mitos e imagens fundadoras da
Trata-se, por conseguinte, de um equívo- cultura autoritária, reordenar as redes de signifi-
co pensar que com a urbanização do país, com cações simbólicas, reedificar as instituições fun-
a emergência de novas classes sociais e com a damentais como a família, a economia, a política,
modernização das instituições em geral os clãs e o Estado. No caso negativo, em que a cultura
tenham perdido força política. Raciocinar desta autoritária resista aos novos tempos, é possível
maneira não contribui nem para entendermos o se visualizar uma modernização conservadora
autoritarismo que inspira a cultura do poder no que encaminhe autoritariamente soluções
Brasil nem as resistências impostas pelas elites satisfatórias para as questões sociais, que favo-
às lutas democratizantes. O conceito de cultura reça o surgimento de novas ideologias e discur-
autoritária tem justamente o sentido de favore- sos, mas que preserva os lugares desde sempre
cer uma compreensão de como as relações de atribuídos pela tradição despótica e oligárquica.
poder nas instituições em geral, e no sistema Nesta parte do trabalho tentaremos, en-
político e estatal, em particular, estão condicio- tão, explorar as razões porque a cultura autori-
nadas por certas representações e significações tária consegue sobreviver à democratização do
montadas num modelo hierarquizado cujo obje- regime político, explorando paralelamente as
tivo é de selecionar uns e excluir outros segun- linhas de menor resistência por onde as lutas
do critérios de cor, patrimônio, nome de família, democráticas vêm procurando avançar com ex-
apadrinhamento e prestígio social e político. O pectativas positivas. Tentaremos articular, primeira-
autoritarismo nas instituições brasileiras é con- mente, as contribuições de dois sociólogos

118 REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS V. 30 N. 1/2 1999


que, a meu ver, têm uma preocupação práti- de maneira imperativa e proibitiva, a lógica dos
ca com o conceito de cultura, a saber: Edgar discursos, pensamentos, teorias. Esses
Morin com sua noção bioantropológica e determinismos intrínsecos são os princípios
Eu gê n e Enriquez com sua perspectiva organizadores do conhecimento ou paradigmas,
organizacional. que têm um tronco comum com os princípios
profundos da própria organização social, e estão
no princípio de toda a computação/cogitação,
EDGAR MORIN: os DETERMINISMOS E AS i.e., de todo o pensamento humano 0991: 24).
EFERVESCÊNCIAS CULTURAIS4 "Ao determinismo organizador dos paradigmas e
modelos explicativos associa-se o determinismo
Para este autor a cultura é um conceito organizado dos sistemas de convicções e cren-
essencialmente complexo, havendo um tronco ças que, quando reinam numa sociedade, im-
comum indistinto entre conhecimento, cultura põem a todos e a cada um a força imperativa do
e sociedade. Metaforicamente, poderia se dizer sagrado, a força normalizadora do dogma, a for-
que a cultura é uma espécie de megacomputador, ça proibitiva do tabu. As doutrinas e ideologias
que memoriza todos os dados cognitivos e que, dominantes também dispõem da força imperati-
portadora de quase-programas, prescreve as va/coercitiva que leva a evidência aos convictos
normas práticas, éticas políticas dessa socieda- e o temor inibidor aos outros" 0991: 24).
de. "Cultura e sociedade encontram-se em rela- O aprisionamento do conhecimento num
ção geradora mútua e, nesta relação, não multideterminismo de imperativos, normas, proi-
esqueçamos as interaçôes entre indivíduos, que bições, inflexibilidades e bloqueamentos pro-
são eles próprios prtadores/transmissores de duz um certo conformismo cognitivo que
cultura; estas interações regeneram a socieda- esconde um imprinting cultural que marca os
de, a qual regenera a cultura" 0991:17). "Uma humanos desde o nascimento com o selo da
cultura abre e fecha as potencialidades cultura, primeiro familiar e depois escolar, e que
bioantropológicas de conhecimento. Abre-as e prossegue na universidade ou no exercício da
atualiza-as fornecendo aos indivíduos o seu saber profissão. "O imprinting cultural inscreve-se
acumulado, a sua linguagem, os seus paradigmas, cerebralmente desde a mais tenra infância pela
a sua lógica, os seus esquemas, os seus méto- estabilização seletiva de sinapses, inscrições
dos de aprendizagem, de investigação, de veri- iniciais que vão marcar irreversivelmente o es-
ficação etc., mas ao mesmo tempo, fecha-os e pírito individual quanto ao seu modo de
inibe-os com as suas normas, regras, proibições, conhecer e agir" 0991:25). A normalização ma-
tabus, com o seu etnocentrismo, a sua auto- nifesta-se de de maneira repressiva ou
sacralização, com a ignorância da sua ignorânica. intimidadora; ela faz calar os que se sentiriam
Também aqui o que abre o conhecimento é o tentados a duvidar ou contestar. "A normaliza-
que fecha o conhecimento" 0991:18). ção, portanto, com os seus subaspectos de con-
Sobre o determinismo cultural, diz Morin formismos, exerce uma prevenção contra o
que toda sociedade apresenta determinismos desvio e elimina-o quando ele se manifesta. Ela
externos e internos. Os externos são de várias mantém e impõe a norma sobre o que é impor-
ordens como o momento histórico, a localização, tante, válido, inadmissível, verdadeiro, errôneo,
a determinação sociocêntrica que cada socieda- imbecil, perverso. Indica os limites que não
de impõe aos conhecimentos que nela se for- podem ser ultrapassados, as palavras que não
mam, além das determinações de classes, de devem ser ditas, os conceitos que devem ser
castas, de seitas e de clãs. Mas os determinismos desdenhados, as teorias a pôr de lado" 0991:26).
intrínsecos ao conhecimento, diz, são muito mais Mas na história do conhecimento não há
implacáveis por comandarem esquemas e mo- apenas conformismo cognitivo. Há o enfraque-
delos explicativos - os quais impõem uma visão cimento do imprinting, brechas na normaliza-
do mundo e das coisas - e governam/controlam, ção, aparecimento de desvios, evolução de

MARTINS, PAULO HENRIQUE. CULTURA AUTORITÁRIA NO BRASIL. P. 105 A 132 119


conhecimentos. As certezas absolutas, oficiais e enraizou-se progressivamente no seio da socie-
sacralizadas são subvertidas pelas dúvidas, os dade, criando as suas associaçôes e instituições,
mitos são desfeitos pelos conhecimentos e ao cabo de dois séculos, tomou-se nova orto-
empíricos/objetivos, os dogmas são superados doxia no conhecimento do mundo, mas uma
pela contestação e pela critica. As possibilida- ortodoxia de novo tipo 0991: 30-31).
des de enfraquecimento do imprinting cognitivo O culto do novo, apesar de seu conformis-
(paradigmas, doutrinas, estereótipos) e da nor- mo, constitui um terreno favorável à expressão
malização ocorrem a partir de três possibilida- dos desvios. Basta às vezes uma pequena bre-
des: a existência de uma vida cultural e cha no determinismo, produzido por um desvio
intelectual dialógica, o calor cultural e a possi- inovador ou por um abscesso de crise, para se
bilidade de expressão de desvios. A dialôgica criar as condiçâes de transforrnaçâes que podem
cultural implica em uma pluralidade/diversida- se tomar profundas. Podemos assistir com fre-
de de pontos de vista: toda a sociedade com- qüência a um indivíduo sozinho ser portador de
porta indivíduos genetica, intelectual, psicológica uma idéia nova que viria a revolucionar todo o
e afetivamente muito variados e, portanto, pron- campo da crença ou do saber (Jesus, Galileu,
tos a terem pontos de vistas cognitivos muito Newton entre outros). Bem entendido, é neces-
diferentes. O encontro de idéias antagônicas cria sário que o indivíduo, visto inicialmente como
uma zona turbulenta que abre uma brecha no desviante, ou mesmo insano, seja aceito por um
determinismo cultural 0991: 27-28). O calor primeiro grupo de adeptos e que, em ciências,
cultural é propício não a um determinismo rígi- haja experiências que venham reforçar a con-
do, mas a condiçôes instáveis e movediças. Do cepção do inovador. As grandes brechas impli-
mesmo modo que o calor físico significa inten- cam em ruptura do imprinting, podendo evoluir
sidade/multiplicidade na agitação, e choques para uma contestação radical que leva ao derru-
entre partículas, também o calor cultural pode be de verdades reinantes 0991: 32-33),
significar intensidade/multiplicidade de trocas,
confrontos, polêmicas entre opiniôes, idéias,
concepçôes. A dialógica favorece o calor cultu- EUGENE ENRIQUEZ: A ORGANIZAÇÃO COMO SISTEMA
ral, o qual, por sua vez, favorece a dialógica CULTURAL, SIMBÓLICO E IMAGINÁRIOS
cultural. A conjunção da pluralidade, do
comércio de idéias, do conflito, do diálogo, do Durante muito tempo, as organizações
calor, constitui uma alta complexidade cultural foram consideradas como conjuntos estabiliza-
0991: 29). Quanto à possibilidade e expressão dos, racionais ou tendentes à racionalização
de desvios, pode-se salientar que o tendo por objetivo a produção de bens (auto-
abrandamento da norma dá possibilidade de móveis, refrigeradores etc.) ou de serviços ( as-
expressão aos espíritos já secretamente autôno- sistência médica, psicológica etc.), A análise
mos e permite que os desvios potenciais se taylorista encontrou seu sucesso nesta concep-
atualizem. Há uma relação recíproca de causa! ção de organização, cuja imagem é aquela de
efeito entre o enfraquecimento do imprinting! uma máquina cujas peças são perfeitamente
normalização, a atividade dialógica e a expres- substituíveis e que funciona graças a uma
são de desvios. Uma expressão de desvios pro- estrutrura de previsão e de manutenção de cus-
visória ou duradoura não leva necessariamente tos sociais e técnicos mínimos. Mais tarde, sob
ao desaparecimento do imprinting. Apenas nas o impulso da psicossociologia de grupos e da
condiçôes de uma diaIógica aberta (comportan- sociologia da organizações, a organização pas-
do trocas muitos quentes no comércio das idéais sou a ser concebida como um sistema social e
e do conhecimento) que os desvios podem en- humano que conhece problemas de relaçôes,
raizar-se e transformar-se em tendências. As- de decisôes, de participação no poder, de con-
sim, a mentalidade científica, a princípio trole de atividades. O comando, as modalida-
desviante, autonornizou-se e a mesmo tempo des de cooperação, os tipos de conflitos

120 REVISTA DE CIENCIAS SOCIAIS V. 30 N. 1/2 1999


tomaram-se, então, as preocupações centrais dos, se, enfim, a instituição é o lugar do político
dos gestores e dos analistas de estruturas so- e da tentativa de regulação global, a organiza-
ciais. O político e o afetivo passaram a ser ção é aquele das relações de forças cotidianas,
reconhecidos como elementos importantes nas das lutas implícitas e explícitas e das estratégias
organizações. dos atores 0992: 89-90).
Desde alguns anos, uma terceira concep- Como foi dito, a organização se apresenta
ção de organização tem surgido: aquela que como um sistema cultural, simbólico e imaginá-
trata a organização como um sistema ao mes- rio. Como sistema cultural a organização: a) ofe-
mo tempo cultural, simbólico e imaginário, um rece uma cultura, i.e., uma estrutura de valores e
lugar onde se cruzam fantasias, desejos indivi- de normas, uma maneira de pensar, um modo de
duais e coletivos e projetos voluntaristas 0992: apreensão do mundo que orientam a conduta de
10-11). Na verdade, desde sempre as organiza- seus diversos atores; b) possibilita uma armação
ções se constituem em sistemas culturais, sim- estrutural destinada à atribuição de lugares, à deli-
bólicos e imaginários. A diferença é que agora mitação de papéis, à criação de condutas mais ou
todas as organizações (e não apenas as empre- menos estabilizadas e à uniformização de hábitos
sas) procuram, consciente e voluntariamente, de pensamento e de ação que devem facilitar a
construir esses sistemas para poderem mode- edificação de uma obra coletiva; c) desenvolve
lar os pensamentos, penetrar mais intimamen- um processo de formação e de socialização para
te no espaço psíquico, induzir que cada ator possa se definir com relação ao
comportamentos indispensáveis para suas ideal proposto. Todo modelo de socialização es-
dinâmicas (Enriquez, 1992: 39). clarece ele, tem por objetivo selecionar os "bons"
A organização não se confunde com a comportamentos (critério que varia de acordo com
instituição embora uma não exista sem a outra. os valores dos que detêm o poder na organiza-
A instituição é a instância onde verdadeiramen- ção) e tem uma função importante tanto no re-
te se exprime os fenômenos de poder com seus crutamento como na exclusão de membros da
corolários: as leis escritas e as normas explícitas organização. Esses diferentes aspectos da cultura
ou implícitas de conduta. Uma sociedade ape- da organização tanto podem ser coerentes como
nas pode existir se elabora instituições, i.e., "con- entrar em contradição como no caso em que
juntos" que têm uma função de orientação e de valores propondo o respeito do indivíduo en-
regulação social global, intervindo politicamen- tram em choque com uma estrutura autoritária.
te: dos projetos, das escolhas e dos limites que Como sistema simbólico, a organização
a sociedade (seus cidadãos ou seus dirigentes) não pode viver sem secretar mitos unificadores,
se propõem 0992: 77). Uma instituição apenas sem instituir ritos de iniciação e de passagem,
pode existir, porém, através de organizações sem se oferecer heróis tutelares (escolhidos
concretas às quais ela dá nascimento e signifi- freqüentemente entre os fundadores reais ou
cação. As organizações vão exprimir a institui- imaginários da organização), sem narrar ou in-
ção que ela funda e vão entrar em competição ventar uma saga coletiva que representará a
umas com as outras para tentar se tornar o prin- memólia coletiva. Estes mitos, ritos e heróis
cipal veículo institucional. A organização apa- têm por função sedimentar a ação dos mem-
rece, assim, como uma modalidade específica bros da organização, de servir de sistemas de
e transitória de estruturação e de encarnação da legitimação e de atribuir uma significação
instituição. Se a instituição põe a necessidade preestabelecida a suas práticas e a suas vidas
da alienação e dos mecanismos de clivagem, a (Enriquez, 1992: 36).
organização traduz esta necessidade em estilo Como sistema imaginário, a organização
de divisão de trabalho. Se a instituição é o lugar tende a produzir fantasmas e ideais que servem
do poder, a organização será aquele dos siste- para estabelecer os dois sistemas anteriores.
mas de autoridade (da repartição da presunção Neste último sistema há duas formas de imagi-
de competência e de responsabilidade) instala- nários: o enganador e o motor. O imaginário

MARTINS, PAULO HENRIQUE. CULTURA AUTORITÁRIA NO BRASIL. P. 105 A 132 121


enganador Cimaginaire leurrant) permite à or- de análise que nos permita compreender os
ganização levar os indivíduos a caírem nas suas movimentos de resistências e de mudanças co-
próprias armadilhas narcísicas ao oferecer um nhecidos pelas organizações. Tentaremos dar um
fantasma de onipotência que preenche os dese- recorte no interior do grande campo das organi-
jos de afirmação e as demandas de amor dos zações para refletir sobre as unidades políticas,
indivíduos. Assim, a organização dá demons- embora conscientes que na prática o que se
tração de poder ao transformar seus fantasmas passa no campo da política influencia é influen-
em realidade, ao preservá-los dos riscos de fra- ciado entre outros pelos mundos da família, da
tura de identidade que resulta da vida em soci- igreja, da escola, do mercado de trabalho e vice-
edade, ao criar sólidas couraças dadas pelos versa. Esta noção de organização política nos
papéis e pela identidade da organização. "Ao permite compreender como o surgimento e a
prometer responder aos apelos (angústias, de- reprodução de uma cultura autoritária depende
sejos, fantasmas, demandas), a organização tende do modo como as instituições germinam situa-
a substituir os imaginários dos indivíduos pelo ções organizacionais segregadoras e excludentes;
seu próprio imaginário 0992: 38). situações em que a representação e a participa-
Pelo imaginário motor a organização per- ção política são dificultadas em favor de uma
mite aos indivíduos desenvolverem espontane- centralidade política beneficiadora da negocia-
amente sua criatividade sem se sentirem ção intra-elites. A cultura autoritária serve, en-
constrangidos por regras imperativas, pois sem tão, para a organização das mentalidades
imaginário os desejos não se realizam já que conservadoras e para a criação de mitos e/ou
não se reconhecem como desejos. O imaginário ideologias que cimentam autoritariamente as
motor remete para a categoria do diferido a partir relações de poder dentro da sociedade.
de três sentidos: a) diferido como introdutor da
diferença no lugar da repetição; b) diferido como
deslocamento da realização do projeto para mais SISTEMA CULTURAL
tarde, alimentando a utopia; c) diferido como
craidor da ruptura. Freqüentemente, trata-se "de No interior do sistema cultural, conside-
uma série de representações sociais historica- ramos que o principal obstáculo à superação de
mente constituídas, que por permanecerem im- traços tradicionais é refletido pelo Direito não
precisas são mais facilmente admitidas e apenas como carta constitucional ou documen-
interiorizadas" (Enriquez, 1992: 38). to legal, mas como conjunto de dispositivos
Além desta definição sistêmica tripartite, produzidos pelos costumes ou pelas negocia-
deve ser lembrado que existem sete níveis atra- ções e sancionado pela coletividade. As condi-
vés dos quais as organizações podem ser perce- ções históricas de surgimento do Direito
bidas: a instância mítica, a sociohistórica, a depende, porém, da articulação entre aquilo que
institucional, a organizacional strictu sensu (ou é do domínio particular, e aquilo que é do do-
estrutural), a grupal, a individual e a pulsional mínio da coletividade. Nesta perspectiva, com-
((1992: 42). os limites deste trabalho, o preende-se desde logo que o peso excessivo do
detalhamento desta classificação é dispensável. Poder Central na organização das atividades
sociais e nas políticas de modernização na his-
tória do país, influenciou a construção de uma
CONFORMISMOS E BRECHAS OFERECIDOS À ordem legal de bases patrimoniais, o Direito
DEMOCRATIZAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES POLíTICAS: Patrimonial, favorecedora de práticas autoritá-
QUESTÕES BRASILEIRAS rias. Para estruturas políticas como a brasileira,
são oportunas as palavras de Max Weber sobre
Nesta parte final do artigo tentaremos ar- ordens patrimoniais complexas. A ausência de
ticularas contribuições de Edgar Morin e de uma distinção clara entre as esferas do "priva-
Eugéne Enriquez na definição de um modelo do" e do "oficial", diz ele, justifica o faro que

122 REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS V. 30 N. 1/2 1999


na tomada de decisões o dirigente (o príncipe) No momento atual, esta representação
tenda a organizar a política sem considerar se- do conflito como busca de sentido e de legiti-
riamente os interesses particulares dos indiví- midade histórica adquire significação como
duos da comunidade, já que esses interesses uma brecha importante, de um lado porque a
não são essenciais para legitimar o poder do- existência de uma sociedade urbana comple-
minante. É difícil, neste contexto, se criar in- xa dinamiza os movimentos sociais e a pres-
tencionalmente pela Lei, um direito formal ou são política sobre obstáculos oferecidos pela
princípios administrativos novos porque "não tradição patrimonial; de outro, as mudanças
se obedece a regulamentos, mas à pessoa da esfera econômica num mundo de alta
convocada a este fim pela tradição ou pelo tecnologia torna menos atraente do ponto de
soberano que determina a tradição" (Weber, vista econômico-financeiro a manutenção da
226-227). No caso do direito de propriedade terra como reserva de valor.
no Brasil, Holston tem razão ao afirmar que os Também ligado à problemática da
principais beneficiários da lei da terra brasilei- assimetria entre o "oficial" e o "privado", deve-
ra são as elites fundiárias e os especuladores mos assinalar o sistema político piramidal no
imobiliários, e que por toda parte no Brasil, Brasil como uma das causas centrais de confor-
especialmente entre as melhores famílias, "en- mismo. Para Hannah Arendt, esta forma é típica
contramos propriedades que apesar de serem de regimes autoritários com traços tradicionais.
legalmente assentadas, são no fundo, "A pirâmide é, com efeito, uma imagem parti-
usurpações legalizadas. "Neste contexto os con- cularmente adequada para um edifício gover-
flitos pela terra são também disputas pelo sen- namental que tem fora de si mesmo a fonte de
tido da história: "O centro nevrálgico desses sua autoridade, mas tem o centro do poder no
casos é a busca por um título, a busca pelas seu ápice. Deste ápice, a autoridade e o poder
origens que justificam ou desqualificam alega- descem em direção à base de tal modo que
ções. Assim, logo descobri que a disputa em cada um dos estratos sucessivos possui algum
questão não fazia sentido ao menos que fosse tipo de autoridade, mas menos que o estrato
retraçada ao longo do tempo. Litigantes, advo- logo superior. Precisamente por causa deste pru-
gados, juízes, moradores e grileiros: todos es- dente processo de filtragem todas as camadas
tudam a genealogia do conflito para basear do ápice à base são não somente solidamente
seus argumentos atuais sobre a autoridade da integradas no todo, mas constituem entre si uma
história - que, neste caso, começa em 1580" forma de raios convergentes cujo centro comun
(Holston, 1993: 69-70).
IMPRINTING E ORGANIZAÇÕES
MODELO ANALITICO

CONFORMISMOS BRECHAS

L Direito patrimoníal L Direito burguês


2. Sistema Político piramidal 2. Sist. polít. descentralizado
SISTEMA CULTURAL 3 Estratificação hierarquízada (Clãs, estamentos, 3. Estratificaçào simétrica (classes sociais, movimen-
corporações, etc.) tos sociais
4. Regulação Clientelista 4. Regulação Democrática

L Mito do Desenvolvimentismo L Mito da modemidade


2. Mito da crise conjuntural 2. Mito da crise estrutural
3. Mito do profetismo econômico 3. Mito da Cultura complexa
SISTEMA SIMBÓLICO
4. Mito da democracia pragmática 4. Mito da democracia ética
5. Mito do Brasil branco 5. Mito do Brasil mestiço

L Imaginário enganador: L Imaginário Enganador:


pai protetor-estado mãe forte-sociedade
mãe frágil-nação pai frágil-estado
SISTEMA IMAGINÁRIO
2. Imaginário Motor: 2. Imaginário Motor:
espírito lúdico conformista espírito lúdico reformista
conformismo dos cooptados revolta dos excluídos

MARTINS, PAULO HENRIQUE. CULTURA AUTORITÁRIA NO BRASIL. P. 105 A 132 123


é o ápice da pirâmide e a fonte transcenden- rocrático-corporativista patrimonial mais rígida
te da autoridade" (Arendt, 1972: 130). No caso e lenta, devido à presença de grandes proprie-
brasileiro, a preservação desta estrutura pira- tários e especuladores imobiliários oriundos das
midal no século XX deve ser atribuída à com- antigas oligarquias agrárias e burocráticas. Por
petência das elites em promoverem uma isso a expansão capitalista no Brasil não tem
modernização conservadora na qual a perversão conhecido o sucesso retumbante dos tigres asi-
do imaginário escravista foi dissimulada pela áticos. As elites conservadoras disseminadas no
"adoção de um linguagem de poder favorável meio de empresários, burocratas, militares, po-
à modernização econômica, linguagem líticos e intelectuais, tendem a se comportar
legitimada de um lado pelo centralismo buro- como clãs e corporações com estratégias que
crático, de outro pelo localismo oligárquico" nem sempre se harmonizam com as exigências
(Martins, 1994: 8). postas pelas novas tecnologias de poder.
Pouco a pouco, porém, a hegemonia de Agraristas, banqueiros, industriais, militares, fun-
uma sociedade complexa vem abrindo uma cionários, cada grupo a sua maneira ou através
outra brecha remarcável no imprinting cultural. de alianças sabotam e dividem o poder dos es-
Ela vem dinamitando através das décadas a tratos da pirâmide política, contribuindo para
excessiva concentração de poder em mãos de reforçar as hierarquias sociais e ampliar a ex-
um pequeno grupo, favorecendo novo formato pulsão dos mais humildes da sociedade
institucional-organizacional e, de certo modo, organizada.
repetindo o fenômeno europeu quando se veri- A brecha neste sistema de estratifícação
ficou uma desincorporação do poder do prínci- social nasceu com o fracasso do desenvol-
pe que dava forma à sociedade. Este fenômeno virnentismo, tomando evidente a incapacidade
de desincorporação "acompanhou uma separa- do Estado de gerir um plano de modernização
ção entre a esfera do poder, a esfera da lei e a que fosse redistributivista e incorporasse os mais
esfera do conhecimento (Lefort, 1991: 30-31). A humildes (Martins, 1992). Com o fracasso do
constituição de 1988 representa, neste sentido, modelo desenvolvimentista que pregava uma
um novo rompimento com a estrutura pirami- ampla modernização, começou a se observar
dal ao fortalecer o poder dos municípios, obri- uma maior autonomização das atividades fora
gando a uma reforma lenta mas inexorável da do Estado expressas pela dinamização de uma
organização estatal. sociedade de mercado (ampliação da base in-
Um terceiro ponto dentro do sistema cul- dustrial e de serviços) e pelos novos movimen-
tural que deve ser lembrado é o da existência tos sociais. Estes, segundo Irlys Barreira, estão
de uma estratificação hierarquizada em castas, contribuindo para o surgimento de uma nova
clãs, estamentos e corporações que convive lado cultura política que constitui uma alternativa
a lado com uma estratificação classista. Esses crítica às instituições do regime autoritário: "Uma
sistemas de estratificação não são contraditórios espécie de ação política não convencional
e não comprometem a modernização capitalis- redimensiona o curso de experiências que re-
ta, como é ressaltado por Kalberg 0993: 94) ao presentavam o cerne de uma outra forma de
lembrar os casos de certos países asiáticos onde aprendizagem diferenciada, por exemplo, das
prevalecem estruturas clânicas e familiares na instâncias partidárias ou estritamente sindicais"
organização dos negócios. O prejuízo ocorre (Barreira, 1996: 15).
no plano da democracia e da cidadania já que o Um quarto ponto é dado pela regulação
domínio de relações interpessoais contribui para clientelista. A organização do poder está liga-
enfraquecer a formação de uma esfera pública da a uma tradição secular que legitima a dis-
e de uma política impessoal. Diferentemente tribuição de privilégios segundo uma escala
do modelo asiático que é caracterizada por uma de valores e de reconhecimento. Assim, a "so-
competente e ágil burocracia gerencial, o mo- ciedade dos indivíduos" (Elias, 1991), resul-
delo brasileiro é marcado por uma estrutura bu- tante de um longo processo de transformação

124 REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS V. 30 N. 1/2 1999


BH/UFC

do Ocidente, está no Brasil sempre SISTEMA SIMBÓLICO


ameaçada por uma lógica de poder elitista
e conservadora que funciona autoritariamen- A compreensão da organização como sis-
te, de cima para baixo. O consentimento tema simbólico permite põr em relevo certas
não é espontâneo mas obtido no mais das narrativas que são fundamentais para ampliar-
vezes pela ameaça dos poderosos e pelo mos nosso olhar crítico sobre as relações ambí-
medo e culpa dos indefesos, o que gera guas e, às vezes, contraditórias entre as
uma prática de subserviência e de corrupção pressões voltadas para o conformismo e ou-
moral. A cidadania neste caso é apenas con- tras que impulsionam a inovação. A seguir,
cedida, disseminando-se uma prática de enumeramos 5 mitos que marcaram o imagi-
mando e subserviência que, na opinião de nário da modernização brasileira nas últimas
Sales, em última análise se relaciona com décadas e que têm sido questionados com
as próprias raízes da desigualdade brasilei- mais severidade desde os anos oitenta.
ra. No plano ideológico, esta situação pro-
duz um certo fetiche da igualdade: "um a) Mito do Desenvolvimentismo
medidor nas relações de classe que em muito Este mito foi forjado em tomo da idéia da
contribui para que situações conflitivas inevitabilidade do progresso brasileiro. O Bra-
freqüentemente não resultem em conflito de sil, diziam certos especialistas, foi desde sem-
fato, mas em conciliação (Sales, 1994: 37). pre berço de uma promissora economia
Compreensivelmente, toda a abertura do sis- capitalista. Nesta linha, alguns acreditavam que
tema que implique o reforço da autonomia desde o "milagre", já estaríamos pertencendo
dos indivíduos e grupos produz tensões ine- ao seleto grupo das grandes potências industri-
vitáveis no sistema político. A aproximação ais. Ocupávamos o lugar de "oitava potência
de cada novo indivíduo significa um esfor- industrial do mundo" e o crescimento econôrni-
ço de alargamento da rede de clientela, o co seria inevitável, com ou sem democracia. A
que se traduz pelo aumento seja dos custos imensidão das nossas riquezas naturais, lem-
financeiros, seja do tempo necessário à ne- bravam outros, nos traria a autonomia necessá-
gociação com o novo cliente (ritual básico ria para assegurar a matéria-prima de nossas
para se medir a confiança). (Martins, 1994). indústrias. O potencial de nossa produção agrí-
A brecha tem sido criada pelo desenvol- cola e industrial seria assegurado pela riqueza
vimentismo. Por mais conservadora que tenha do solo e pelo tamanho da população a qual,
sido esta experiência, nas últimas décadas, o no entender de alguns mais influenciados pelas
fato é que no interior da pirâmide, a reestru- idéias cepalinas, constituiria a base de um mer-
turação hierárquica das funções administrativas cado consumidor bastante promissor. Finalmen-
e políticas sacudiu ameaçadoramente as regras te, com a grande amplitude de nosso mercado
fechadas do jogo de poder. Essas tensões larga- interno, nossa dependência com relação aos
mente ampliadas com o crescimento dos cen- demais países industrializados se tomaria me-
tros urbanos se distribui sobre as fronteiras que mória do passado.
separam o Estado e a sociedade civil e tendem Este mito se legitimava numa crença equi-
a se ampliar na medida em que os indivíduos vocada: que a modernidade seria basicamente
internalizam a frustração de pertencer a uma um processo de crescimento econômico e in-
comunidade nacional que seria gerada pelo pro- dustrial. Assim, bastaria por um lado, assegurar
gresso como nos esclarece Eliza Reis: "Acredi- a oferta de mão de obra na cidade e, por outro
tava-se que o desenvolvimento dirigido pelo lado, implantar a indústria de base, que a má-
Estado garantiria tanto a incorporação da popu- quina funcionaria por si mesma. Modernidade
lação situada na base da sociedade quanto o era riqueza econômica, era indústria e era ope-
fortalecimento de uma comunidade nacional de rário. De fato, através de uma propaganda bem
interesses" (Reis, 1995: 40). articulada, a tecnocracia brasileira conseguiu

MARTINS, PAULO HENRIQUE. CULTURA AUTORITÁRIA NO BRASIL. P. 105 A 132 125


criar a imagem do país como um imenso can- da dependência. Supunha-se que o Brasil se tor-
teiro de obras: usinas nucleares, ferrovias - naria rapidamente auto-suficiente na produção
de aço -, estradas trans-amazônicas, cresci- petrolífera e que o ritmo de crescimento poderia
mento demográfico acelerado das metrópoles ser mantido a altas taxas.
regionais ...Um punhado de ilusões, um mito A brecha apareceu quando se percebeu
poderoso que encantava a todos. Narrativa que que a recessão econômica não era passageira.
se adentra, portanto, no império e na colônia, De uma parte, não havia mais o problema do
nos trazendo as imagens dos primeiros explora- petróleo para justificar as adversidades
dores a abrirem ansiosamente picadas neste conjunturais. De outro, a extrema concentração
Brasil afora: em busca de metais preciosos, da de poderes no aparelho estatal mostrava ser
escravização de homens ou de outras aventuras inadequada para a criação de soluções ágeis
(significando a destruição de culturas humanas para o enfrentamento da nova situação. A crise
e de reservas ecológicas). era estrutural e deveria ser tratada como uma
A ânsia nacional do crescimento acelera- questão política mais ampla.
do desestabilizou antigos sistemas societais que
possuíam seus próprios mecanismos de c) Mito do Profetismo Econômico
regulação e controle. Ela incentivou uma mo- Vincula-se tanto ao Mito do Desenvol-
dernização desenfreada do aparelho estatal, que vimentismo como ao Mito da Crise Conjuntural.
não se enquadra absolutamente nos ideais Sua história é a seguinte: quem entende da crise
weberianos de racionalidade administrativa. Pelo são os economistas porque tiveram acesso a um
contrário, a modernização estatal ensejou a for- tipo de verdade sobre a Economia que nós, sim-
mação de grandes corporações burocráticas ples Cidadãos, não tivemos. Está subtendido
pesadas e ineptas: contribuindo para a neste mito que a crise é sobretudo econômica.
privatização do Estado, estimulando a corrupção, Ocorre que a questão de construção da
permitindo às antigas oligarquias patrimoniais Sociedade constitui uma empreitada muito mais
se enriquecerem sem abandonar as velhas prá- complexa que aquela referente à organização
ticas clientelistas. Agora, abre-se uma brecha. de um mercado de bens e serviços. Até mes-
O fracasso do desenvolvimentismo gera uma mo para se constituir um mercado desta natu-
desilusão de amplas proporções - o que permi- reza - que é a base do que denominamos
te à sociedade repensar a modernização a partir Economia - onde as pessoas vão produzir e
de outras perspectivas mais complexas. trocar mercadorias de utilidade comum, é ne-
cessário que essas pessoas tenham expectati-
b) Mito da Crise Conjuntural vas, códigos e linguagens comuns ou ao menos
Ele expressa a visão ingênua e comodista intercambiáveis. Que idealizem e adequem o
que vê na crise brasileira uma trama passageira comportamento do outro vis-a-vis do seu pró-
e conjuntural. O problema do desenvolvimento prio comportamento, pois para que A e B pos-
era apenas de desregulação da economia, a ser sam transacionar duas mercadorias é necessário
corrigida via os instrumentos de política econô- que eles convencionem algumas normas, va-
mica. Assim, o ex-presidente militar Ernesto Geisel lores e códigos que funcionam como garantias
defendia a manutenção do ritmo de investimen- das trocas. Garantias que remetem, conseqüen-
tos industriais, apostando na efemeridade da temente, para a instituição da cultura, num plano
desregulamentação. Este mito era reforçado pelo mais restrito, e para a instituição imaginária da
mito do desenvolvimentismo anteriormente abor- sociedade, num plano mais amplo. A prova
dado. A palavra de ordem era continuar a inves- que a idéia de Economia não pode funcionar
tir com rapidez porque o Brasil já tinha uma sem referências a essas garantias é dado pelo
importante indústria de base e nos faltaria pouco fato das convenções econômicas não existirem
para alcançarmos a autonomia econômica e, con- caso haja medo, desconfiança e pretensões de
seqüentemente, afastarmos de vez o fantasma sabotagem da interação social por parte

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dos parceiros envolvidos. Uma Sociedade Na- tante para assegurar a irreversibilidade do "de-
cional ou uma Economia de Mercado não po- senvolvimento econômico". Afinal, com a in-
dem se constituir, a longo termo, em cima dustrialização capitalista, a democracia viria de
do ódio ou da sabotagem afetiva (a lei do qualquer jeito. Era apenas questão de tempo.
Gerson constitui uma sabedoria que apenas Ora, o que estamos observando hoje,
funciona numa hierarquia de privilegiados). no Brasil e no mundo, é que os processos de
Assim o que se chama correntemente de industrialização acelerados com ampla des-
Economia - a mídia quando fala da crise acen- truição das redes de sociabilidades tradicio-
tua a expressão "crise da economia brasileira" - nais, produziram profundas desestabilizações
não é em absoluto uma máquina auto-regulada, dos sistemas culturais e políticos sem justifi-
mas uma série de interações culturais, políticas car os ganhos econômicos. O mundo contem-
e afetivas a viabilizar um certo projeto de soci- porâneo está repleto de experiências de
edade; onde as partes optaram pela produção nações que viveram forte crescimento eco-
de riquezas materiais e financeiras como uma nômico sem haver paralelamente manuten-
estratégia de valorização de status e de prestí- ção dos mecanismos democráticos (as
gio social. Assim, a Economia é um mito, e experiências totalitárias, as ditaduras militares
místicos são igualmente aqueles que chamam a latino-americanas, os sistemas burocráticos do
si a competência de traduzir a verdade daquele leste europeu etc.). Assim, industrialização e
mito, como tentam fazer alguns profetas econo- democracia são fenõmenos que remetem para
mistas. Atrás da "caixa preta" da Economia en- origens diversas: a industrialização é o pro-
contram-se, porém, redes de expectativas sociais cesso burguês e técnico da modemidade; a
se conflituando no processo de instituição de democracia social é o lado político e popular
novos ideais culturais. Nesta rede imaginária, a da modemidade. Democracia não é uma con-
solução das condições materiais de reprodução quista da burguesia, democracia é uma con-
da sociedade constitui um dos aspectos essen- quista da sociedade, dentro do espaço aberto
ciais, sem dúvida, mas nem menos nem mais pela industrialização e pela urbanização. A
importantes que outros relacionados com a edu- tradução desta contestação em termos políti-
cação, a arte, a política, a religião e o lazer. A cos põe em xeque as práticas conformistas
brecha neste mito abriu-se quando se constatou tradicionais.
que a sociedade não podia ser reduzida a um
problema de economia, sendo necessário se e) Mito do Brasil Branco
considerar a questão cultural mais ampla. Esta narrativa, fartamente alimentada por
certos meios intelectuais, pressupõe que as so-
d) Mito da Democracia Pragmática luções para os problemas brasileiros seriam as
Este mito sustentava a ilusão de uma com- mesmos a serem aplicadas pelos países moder-
patibilidade pragmática entre democracia e in- nos que deram certo. Nossa história seria equi-
dustrialização autoritária, como se fosse possível valente e complementar àquelas da Europa e
conciliar facilmente essas duas experiências. A dos Estados Unidos da América. Aqui, o discur-
esquerda brasileira, sobretudo, embarcou longo so dominante procura construir uma imagem
tempo nesta narrativa. Quantas vezes não ouvi- "pura" da cultura nacional. Por isso, teríamos
mos afirmações como esta: "o golpe de estado pouco a ver com as culturas negra e indígena -
dado pelos militares foi uma infelicidade políti- que nos remeteriam a laços de identidade inde-
ca, mas o milagre brasileiro é um fato e a indus- sejáveis com a África e com a Ameríndia. O
trialização irreversível: já somos a oitava potência Mito do Brasil Branco é excludente ao afirmar
do mundo". Assim, supunha-se que a democra- que somos europeus. Ele justificaria o fato de
cia era relativa, podendo mesmo sua elimina- estarmos agradavelmente condenados a dar cer-
ção ser justifícada eventualmente como uma to, e a nos tornarmos necessariamente uma
necessidade ocasional, desde que fosse impor- grande potência industrial - ao contrário por

MARTINS, PAULO HENRIQUE. CULTURA AUTORITÁRIA NO BRASIL. P. 105 A 132 127


exemplo dos africanos e dos indígenas não eu- tasia e nos traz para a realidade brasileira,
ropeus. Oliveira Viana com sua tese sobre a este combinatório de culturas complexas.
necessidade de "ernbranquecer" a população Abre-se mais uma brecha.
brasileira a partir dos contatos entre a raça su-
perior - a oligarquia branca - e as raças inferio-
res - os negros e aborígenes preguiçosos, SISTEMA IMAGINÁRIO
propunha uma solução que refletia este desejo
racista de ser europeu. Embranquecendo a po- O imaginário enganador, como vimos, é
pulação, acreditava Viana, seriam afastados os necessário para que a organização aprisione os
fantasmas africano e indígena, e estaria assegu- desejos de afirmação narcísica, as fantasias de
rado o êxito do projeto nacional brasileiro. onipotência ou as demandas de amor dos indi-.
Nesta narrativa existem, porém, muitos víduos. Pode ser compreendido a partir do modo
equívocos: primeiramente, o de supor o domí- como a cultura do autoritarismo no Brasil con-
nio inconteste de algo denominado "cultura eu- tribuiu para a instituição de um imaginário onde
ropéia", esta noção ambígua dentro da qual se de uma parte o Estado era cultuado como figura
misturam historicamente as avançadas culturas onipotente, de outro a Nação era vista como
industriais (com destaque para Inglaterra, Ale- frágil. Deste modo, uma das estratégias centrais
manha e França) e as atrasadas culturas agrárias das elites brasileiras era de reforçar a domina-
da região, tendo destaque, até recentemente, ção sobre o Estado em nome da defesa da frag-
neste grupo, a península ibérica. Há, pois, um mentação da nação brasileira. Por trás deste
grave equívoco em se reivindicar urna tradição discurso maniqueísta devem ser destacados dois
moderna e ocidental, como o tem feito as nos- pontos, sendo o primeiro a correlação estreita
sas elites, sem se distinguir corretamente as di- entre a cultura autoritária e o domínio patriar-
ferenças internas da Europa ao assimilar sem cal. No imaginário popular, o Estado e seus di-
mais nem menos a tradição ibérica à tradição rigentes (sobretudo presidente e governadores)
dos países europeus industriais. É oportuno lem- são vistos como representantes da figura pater-
brar que a imagem de urna unidade européia e na - dura mas protetora - e a nação como a
"branca" é um fetiche resultante de urna com- figura materna - acolhedora mas desprotegida.
preensão errônea do que significa o termo Eu- O segundo ponto diz respeito ao papel deste
ropa, sobretudo quando nos referimos aos discurso ideológico para justificar uma moder-
séculos anteriores. Portugal e Espanha sempre nização conservadora, visto que a "nação frá-
constituíram a periferia do processo industrial gil" não teria competência para pensar o futuro
europeu, sendo conhecidos mais como culturas do Brasil. Quem teria esta competência era o
agrárias, historicamente marcadas pela presen- Estado e aqueles segmentos que o controlavam
ça árabe, resistentes à industrialização e e o dirigiam.
vocacionadas para a exportação de mão-de-obra A desarticulação deste imaginário
para França e Alemanha. Portugal, nossa "que- desenganador oferecido pela organização polí-
rida avozinha", nunca conheceu nem revolução tica no Brasil se dá quando é alterada a repre-
política, nem revolução industrial, nem revolu- sentação que os indivíduos fazem da relação
ção científica. Além de passar por fora dessas Estado e Sociedade. Le., quando o Estado per-
revoluções modernas Portugal, particularmen- de sua legitimidade simbólica e política como
te, permaneceu como um dos Estados herdei- agente principal da modernização e a Nação
ros legítimos da tradição patrimonial e cristã emerge através de seus movimentos autono-
pré-moderna. A modernização desta pequena mizantes. Assim, para Elimar Nascimento a cri-
nação mercantil apenas se faz hoje graças às se do Estado não é rigorosamente uma crise do
pressões da comunidade européia. Estado, mas uma simples manifestação de uma
De repente, as lutas indígenas e dos outra mais profunda, a do modo de desenvolvi-
movimentos negros nos despertam desta fan- mento que nos regeu de 30 até os anos 80.

128 REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS V. 30 N. 1/2 1999


"Desenhamos um modo de desenvolvimento um individualismo agonístico, extremado, que
que era sustentado num Estado centralizado e é aquele desancorado de compromissos éticos
autoritário, motor e criador do desenvolvimen- (Velho, 1996: 236), e que convive ambigua-
to, sustentado numa matriz política e mente com temas delicados - e que por isso
institucional apenas formalmente universal. mesmo necessitam de muita clareza - para uma
Modo de desenvolvimento que se assentava sociedade que deseja se emancipar de sua tra-
também em um padrão de relações sociais dição hierárquica, como são aqueles do racis-
excludentes, cujo resultado foi o aumento da mo, da sexualidade, da infância, da velhice, da
desigualdade social" (Nascimento, 1996: 41). pobreza entre outros. Para terminar gostaria,
Esta desarticulação do imaginário enganador então, de lembrar Kant ao comentar que a ver-
faz desaparecer gradualmente a "ideologia do dadeira política necessita prestar homenagem
consentimento" construída em tomo do Esta- à moral pois esta última "corta o nó górdio que
do, sugerindo "um quadro de desalento no que a política não consegue desatar, quando ambas
diz respeito à integração dos mais pobres no entram em conflito uma com a outra" (Kant,
conjunto da sociedade e à possibilidade de pre- 1993: 138). Talvez seja esta a última grande
ver uma mudança nas definições restringi das brecha a ser explorada para a fundação de um
da unidade moral" (Reis, 1995: 44). outro imaginário motor que canalize o desejo
O imaginário motor, não custa lembrar, é coletivo para objetos culturais mais sublimes e
produzido quando a organização permite aos gratificantes. Objetos que contribuam para des-
indivíduos explorarem suas criatividades sem fazer o nó da cultura autoritária viabilizando
se sentirem constrangidos por regras imperati- outras formas culturais e sociais.
vas, preservando na experiência da realidade
social o sonho da mudança desejada. Este ima-
ginário é essencialmente lúdico, aspecto obser- NOTAS
vado por Gilberto Freyre nas primeiras décadas
do século e, mais recentemente, por antropólo- (01) Nos anos 80 urna série de trabalhos são publicados
gos e sociólogos que vêm estudando a dimen- em diferentes revistasnacionais dando ênfase à tran-
são informal, espontânea e afetiva da culura sição, entre os quais selecionamos alguns como ilus-
brasileira. A passagem de uma sociedade semi- tração: a questão da passagem do autoritarismopara
fechada e dominada por estamentos, corporaçães a democracia na América Latinaé tratada por Rolan-
e clãs para uma outra marcada pela individuali- do Franco ("Revendo o autoritarismo, repensando a
dade não é, porém, fácil, sobretudo quando esta democracia" in Novos Estudos Cebrap, julho de 1983);
passagem conhece o registro da violência e da MônicaHirst relaciona transição com políticaexterna
exclusão. Para Gilberto Velho "no caso da soci- (Transição democrática e política externa: a experi-
edade brasileira, o que nós tivemos foi a incor- ência brasileira" in Dados, n. 27, Rio, Iuperi, 1984),
poração de modelos individualistas, EliDiniz chama a atenção para as ambigüidades en-
fragmentaria, segmentariamente, dentro de uma tre os movimentos de continuidade e de mudança
sociedade que se regia, se sustentava, funda- (UAtransição política no Brasil:uma reavalização da
mentalmente não só no modelo hierárquico, dinâmica da abertura" in Dados, n. 28, Rio, Iuperi,
mas num modelo hierárquico de natureza mui- 1985);BolivarLamounier condiciona a consolidação
to particular: um modelo de dominação que democráticaao processo de institudonalização('Pers-
tinha como um dos seus eixos a escravidão pectivas da consolidação democrática: o caso brasi-
(Velho, 1996: 234). leiro" in Revista Brasileira de Ciências Sociais, junho
O problema maior nesta passagem para de 1987, Anpocs; Alan Angell discute as condições
uma sociedade complexa e fundada na indivi- necessárias para que a comunidade internacional
dualidade são os efeitos ideológicos do indivi- apoie a transição ("O apoio internacional à transi-
dualismo que se reflete diretamente no ção para a democracia na América Latina" in Lua
abandono da ética. Assim, Velho refere-se a Nova: revista de cultura e política, n.21, Cedec,

MARTINS, PAULO HENRIQUE. CULTURA AUTORITÁRIA NO BRASIL. P. 105 A 132 129


1990). Para uma visão geral dos estudos sobre a BIBUOGRAAA
transição nos anos 80 aconselha-se o livro organi-
zado por Alfred Stepan intitulado Democratizando (987) ALEXANDER, Jeffrey. "O novo movi-
o Brasil (Rio de Janeiro: Paz e Terra), com contri- mento teórico" in Revista Brasileira de
buições de diversos autores importantes. Ciências Sociais, n.4, vol.2, São Paulo,
(1) Para]. Linz, os principais traços dos regimes auto- Anpocs.
ritários são o pluralismo limitado, a ausência de (993) ALEXANDER,Jeffreye SEIDMAN, Steven.
uma ideologia elaborada e a fraca mobilização Culture and society: contemporary
política (Linz,]. "Regimes autoritários" in Estado debates, Cambridge: Cambridge
autoritário e movimentos populares, op. cit., pp. University Press, 1993.
128-131). Para G. O'Donnell, as características (972) ARENDT, Hanna. La crise de Ia culture,
definidoras do regime burocrático-autoritário são: Paris: Ed. Gallimard.
a) resposta a uma forte ativação política do setor (990) ARNASON, Johanah. "Nacionalismo,
popular, sobretudo o urbano; b) posições superio- globalização e modemidade" in Cultura
res do governo ocupadas por pessoas oriundas de global: nacionalismo, globalização e
organizações altamente burocratizadas; c) são sis- modernidade, Petrópolis: Ed. Vozes.
temas de exclusão política; d) são sistemas de ex- (996) BARREIRA, Irl.ys. "A cultura e a política
clusão econômica; f) fazem parte de um processo pelas lentes da sociologia" in GT Cultura
de profundización no capitalismo periférico e de- e política, XX Encontro Anual da
pendente (O'Donnell, "Desenvolvimento político Anpocs, Caxambú.
ou mudança política?" in O Estado autoritário e (992) BOBBIO, Norberto; MATIEUCCI, Nicola
movimentos populares, op. cit., pp. 30-31). e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de
(2) Como tem sido inúmeras vezes ressaltado, o gran- política, vol 1 e 2, 4a. edição, Brasília,
de mérito de Louis Dumont foi justamente de res- Edunb.
saltar a diferença entre holismo e individualismo, (991) BOSCHI, Renato (org.) Corporatiuismo e
demonstrando que o primeiro termo é pertinente desigualdade: a construção do espaço
para se explicar as sociedades tradicionais e o se- público no Brasil, Rio de janeiro: Rio
gundo as sociedades modernas ocidentais, onde Fundo Editora.
germinou uma certa ideologia individualista que (990) BOSI, Alfredo. Dialética da colonização,
orienta grande parte das doutrinas sobre o poder São Paulo: Companhia das Letras.
político (Ver Louis Dumont. Essais sur (992) BUARQUE, Cristovam. A revolução na
l'mdioidualisme une perspective anthropologique esquerda e a invenção do Brasil, São
sur I'idéologie moderne, Paris, EspritlSeuil, 1983). Paulo: Editora Paz e Terra.
(3) Para firmar um debate voltado para o entendi- (991) CALLIGARIS, Contardo. "O porque de
mento da relativa autonomia da cultura, Alexander um nome" in Clínica do social: ensaios
participou da organização de uma coletânea onde (orgs: Tarlei de Aragão, Calligaris, Freire
são postas em destaque diferentes abordagens de costa e Souza), São Paulo: Ed. Escuta.
cultura: funcionalista, semiótica, dramatúrgica, (992) CALLIGARIS, Contardo. Hello Brasil:
weberiana, durkheimiana, marxista e pós-estrutu- notas de um psicanalista francês
ralista (Ver ]effrey Alexander e Steven Seidman. viajando ao Brasil, São Paulo: Ed.
Culture and society: contemporary debates, Escuta.
Cambridge: Cambridge University Press, 1993), (995) CANCLINI, N.G. Consumidores e
(4) As reflexões são extraídas de Edgar Morin em O cidadãos: conflitos multiculturais da
método IV. As idéias: a sua natureza, babitat, vida globalização, Rio de janeiro: Editora
e organização, primeira parte: A ecologia das idéias UFR].
(vide bibliografia). (975) CARDOSO, Fernando Henrique.
m As reflexões são selecionadas de Eugene Enriquez Autoritarismo e democratização, 3. ed.
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