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EXPLORADORES E EXPLORADOS

Marta Harnecker e Gabriela Uribe


1976
Prólogo à Edição Chilena

As revoluções sociais não são feitas pelos indivíduos, pelos «grandes personagens», por
muito brilhantes ou heróicos que sejam. As revoluções sociais são feitas pelas massas
populares. Sem a participação das grandes massas não há revolução. É por isso que uma das
tarefas mais urgentes neste momento é que os trabalhadores se eduquem, elevem o seu nível
de consciência, se capacitem para responder às novas responsabilidades que surgem dentro
do processo revolucionário que o nosso país vive.

Se queremos transformar a nossa sociedade numa nova sociedade temos de ser capazes, por
um lado, de compreender quais são as suas características principais na actualidade, como é
que se explica o seu carácter «capitalista dependente», que papel desempenhou o
imperialismo na nossa situação actual de subdesenvolvimento e, por outro lado, saber com
que forças sociais conta a classe operária para lutar contra esta situação.

Além disso devemos saber através de que processo histórico foi possível chegar a este triunfo
das forças populares, dado que ele representa apenas o resultado final de um longo período
de luta de classes durante o qual a nossa terra foi banhada pelo sangue de operários,
camponeses e estudantes.

Mas para podermos responder a todas estas perguntas suscitadas pela nossa realidade e para
estarmos aptos a resolver outras que surgirão à medida que este processo se desenvolve,
necessitamos de um conhecimento prévio, um conhecimento que nos sirva de instrumento
para analisar a realidade e para guiar a nossa acção. Este conhecimento é o Materialismo
Histórico que podemos definir como o conjunto dos conhecimentos científicos acerca da
sociedade. Por intermédio do Materialismo Histórico sabemos o que é que determina a
organização e funcionamento da sociedade e porque é que se produz a mudança de um tipo
de sociedade para outro; isto é, conhecemos as leis fundamentais da sociedade.

É o conhecimento científico de qualquer realidade que permite actuar sobre ela e transformá-
la. Assim, por exemplo, o médico para poder curar os seus doentes necessita de ter um
conhecimento prévio acerca das doenças, como nascem, como se manifestam e como se
tratam, isto é, necessita de conhecer as leis gerais da medicina. Este conhecimento é o
instrumento teórico que ele usa para observar um doente em particular, chegar a um
diagnóstico e fazer um tratamento que transforme esse doente num homem são. O mesmo
acontece com a realidade social: para podermos transformar uma determinada sociedade
temos de fazer uma análise dessa realidade que nos permita actuar sobre ela. O instrumento
teórico que usamos neste caso é o conhecimento científico da Sociedade, ou Materialismo
Histórico.

Esta série de Cadernos de Educação Popular (CEP) propõe-se precisamente fornecer, sob
uma forma acessível e ao mesmo tempo rigorosa, os instrumentos teóricos mais importantes
para compreendermos o processo de modificação social e podermos delinear quais devem ser
as características da nova sociedade que queremos construir.

Mas para podermos responder a todas estas perguntas suscitadas pela nossa realidade e para
estarmos aptos a resolver outras que surgirão à medida que este processo se desenvolve,
necessitamos de um conhecimento prévio, um conhecimento que nos sirva de instrumento
para analisar a realidade e para guiar a nossa acção. Este conhecimento é o Materialismo
Histórico que podemos definir como o conjunto dos conhecimentos científicos acerca da
sociedade. Por intermédio do Materialismo Histórico sabemos o que é que determina a
organização e funcionamento da sociedade e porque é que se produz a mudança de um tipo
de sociedade para outro; isto é conhecemos as leis fundamentais da sociedade.

É o conhecimento científico de qualquer realidade que permite actuar sobre ela e transformá-
la. Assim, por exemplo, o médico para poder curar os seus doentes necessita de ter um
conhecimento prévio acerca das doenças, como nascem, como se manifestam e como se
tratam, isto é, necessita de conhecer as leis gerais da medicina. Este conhecimento é o
instrumento teórico que ele usa para observar um doente em particular, chegar a um
diagnóstico e fazer um tratamento que transforme esse doente num homem são. O mesmo
acontece com a realidade social: para podermos transformar uma determinada sociedade
temos de fazer uma análise dessa realidade que nos permita actuar sobre ela. O instrumento
teórico que usamos neste caso é o conhecimento científico da Sociedade, ou Materialismo
Histórico.

Esta série de Cadernos de Educação Popular (CEP) propõe-se precisamente fornecer, sob
uma forma acessível e ao mesmo tempo rigorosa, os instrumentos teóricos mais importantes
para compreendermos o processo de modificação social e podermos delinear quais devem ser
as características da nova sociedade que queremos construir.

Os sete primeiros títulos desta série são os seguintes:

— Explorados e Exploradores

— Exploração Capitalista

— Monopólios e Miséria
— Luta de Classes

— Imperialismo e Dependência

— Capitalismo e Socialismo

— Socialismo e Comunismo

Se bem que cada um destes textos contenha um tema que pode ser compreendido sem ser
necessária a leitura dos outros, a melhor maneira de estudá-los é seguindo a ordem da série,
visto que os primeiros temas vão ajudando a compreender os seguintes. O tema deste
primeiro caderno, por exemplo, é o estudo dos diferentes aspectos da sociedade, e do modo
como eles se relacionam e estão organizados. Aqui apenas se diz que esta organização se
modifica de uma sociedade para outra, sem se entrar no estudo da maneira como se produz
esta transformação. É mais à frente, no caderno n.° 6 – Capitalismo e Socialismo — que se
dará amplo desenvolvimento a este tema, já que para o compreendermos, são necessários
outros elementos que estudaremos nos Cadernos que o antecedem. Em todo o caso, sempre
que num caderno um assunto é apenas mencionado, indicar-se-á, por meio de notas, em que
número da série se pode estudá-lo mais a fundo.

Cada caderno contém, para além do desenvolvimento do tema, um pequeno resumo, um


questionário para que o leitor possa controlar a sua própria leitura, e uma bibliografia para
aqueles que queiram estudar mais a fundo cada um dos temas. Isto permite o estudo e leitura
colectiva dos CEP, que recomendamos como a melhor forma de aproveitar esta publicação,
já que assim os trabalhadores poderão ajudar-se mutuamente a compreender o texto, poderão
trocar experiências, enriquecer o tema com exemplos tirados da sua própria realidade e
discutir em conjunto como aplicar estes conhecimentos à luta diária.

Pedimos aos nossos leitores, e especialmente aos trabalhadores, que nos façam chegar as suas
opiniões, as suas críticas, as suas perguntas, para irmos melhorando cada vez mais esta série,
de modo que ela cumpra de maneira cada vez mais efectiva os objectivos que se fixou. Para
isso devem dirigir-se a

M. H.

G. U.

Nota dos adaptadores

Nas últimas semanas, a luta dos trabalhadores portugueses desenvolveu-se


extraordinariamente; centenas de milhares de trabalhadores desencadearam greves, ocupação
dos locais de trabalho, manifestações de rua, ocupação de casas, etc. É por isso que se
sempre foi necessária a divulgação em termos acessíveis do conjunto dos instrumentos
científicos que permitem às classes trabalhadoras realizar a análise e a transformação
revolucionária da sociedade, o materialismo histórico, neste momento isso é uma tarefa
urgente.

Este é o objectivo dos Cadernos de Educação Popular. Esta tradução realizada sobre o
original chileno procurou adaptar o texto à realidade portuguesa. Para isso tivemos muitas
vezes de recorrer à completa transformação do texto, vendo-nos no entanto obrigados a
respeitar o pensamento político dos autores.

1. O trabalho do homem e as riquezas naturais

Ao contrário do que sempre nos disseram para tentar justificar a miséria em que vive o povo
Português, Portugal não é um país pobre.

Os nossos rios representam uma grande fonte de energia eléctrica. No nosso subsolo existem
grandes quantidades de vários minérios. A nossa extensa costa encerra uma grande riqueza
de peixe.

Mas estas riquezas naturais de nada servem sem o trabalho do homem.

Sem o trabalho dos mineiros as pirites, o urânio e outras riquezas minerais ficariam para
sempre enterradas. Sem o trabalho de muitos homens as águas dos nossos rios perder-se-iam
no mar sem serem aproveitadas para iluminar as cidades e fazer andar as fábricas. Sem o
trabalho dos pescadores o mar não entregaria os seus peixes. Sem o trabalho dos
camponeses, a terra não entregaria os seus frutos.

É portanto o trabalho do homem que permite arrancar à natureza as suas riquezas. Mas a que
mãos é que vão parar as riquezas? Vão parar às mãos dos trabalhadores?

Não. Todos sabemos que a esmagadora maioria da riqueza criada pelos trabalhadores vai
parar às mãos dos capitalistas. Uma pequena minoria da população recebe a esmagadora
maioria do rendimento criado pelos trabalhadores, que ficam com as migalhas. Enquanto os
trabalhadores têm que viajar pendurados nos autocarros, os seus patrões têm dois ou três
carros. Enquanto muitos trabalhadores não têm um sítio onde viver condignamente, os seus
patrões têm duas ou três casas em diferentes lugares do país. Enquanto uma grande parte dos
trabalhadores só têm um fato decente, quando o têm, os seus patrões têm os guarda-fatos
cheios de fatos. Enquanto os filhos dos trabalhadores se alimentam mal e muitas vezes
prejudicam a sua saúde e a sua inteligência com isso, os filhos dos patrões deixam pratos
cheios de comida que vai para o lixo, porque já estão fartos de comer.
Porque é que um punhado de capitalistas acumula tanta riqueza, enquanto a maioria do povo
tem apenas o indispensável para sobreviver?

Porque razão foram eles e não os trabalhadores que acumularam riqueza, quando foram estes
últimos que extraíram as riquezas da natureza e, com o seu trabalho, produziram novas
riquezas?

Para podermos responder a estas perguntas devemos deter-nos por momentos na análise do
processo de produção, isto é, devemos analisar quais são os elementos que tornam possível a
transformação da natureza em produtos úteis aos homens.

2. O processo de produção: força de trabalho e meios de produção

Para estudarmos todos os elementos que entram no processo de produção, tomemos O


exemplo de uma costureira ou de um sapateiro.

Quando a costureira trabalha, o que faz? A costureira trabalha um determinado corte de pano
para transformá-lo num vestido e para isso utiliza, por um lado, linha, botões, fecho éclair,
etc., e, por outro lado, tesouras, agulha, máquina de costura. Para além disso tem necessidade
de alugar uma casa para se instalar, e tem de iluminá-la e aquecê-la para poder trabalhar.

Definiremos cada um destes elementos do processo de produção da seguinte maneira:

Chamaremos MATÉRIAS-PRIMAS aos objectos que são transformados no processo de


produção, para constituírem o produto final.

No nosso exemplo as matérias-primas são: o pano, a linha, os botões, o fecho éclair, etc.
Todos estes elementos passam a constituir o vestido, de uma maneira ou de outra são parte
dele. Se faltar uma destas matérias-primas, a costureira não poderá produzir o vestido(1).

Chamaremos INSTRUMENTOS DE PRODUÇÃO a todas as coisas que directa ou


indirectamente nos permitem transformar a matéria-prima em produto final.

Os instrumentos de produção que nos permitem transformar directamente a matéria-prima


são as ferramentas de trabalho e as máquinas. No nosso exemplo: as tesouras, a agulha, a
máquina de coser.

Os instrumentos de produção que actuam de forma indirecta, mas não menos necessária, são:
os locais de trabalho, os meios de iluminação e aquecimento, etc.
Sem matéria-prima e sem instrumentos de produção, não se pode produzir nada. Eles são os
meios materiais para realizar qualquer tipo de trabalho. Por isso, chamá-los-emos meios de
produção.

Chamaremos MEIOS DE PRODUÇÃO a todos os objectos materiais que intervêm no


processo de trabalho.

Estes meios não devem ser confundidos com os bens de consumo, que são todos aqueles
bens que se consomem de forma individual, por exemplo: alimentos, vestuário, habitação,
artigos para o lar, artigos escolares, etc.

Detenhamo-nos agora a analisar o último elemento que intervém no processo de trabalho: a


actividade humana realizada pelo trabalhador que utilizando os instrumentos de produção
transforma a matéria-prima (o pano, no nosso exemplo) num produto final (o vestido, no
nosso exemplo).

A nossa costureira, ao trabalhar, gasta energia física e mental.

A esta energia gasta durante o processo de trabalho chamaremos FORÇA DE TRABALHO.

A fadiga depois de um dia de trabalho não é senão a maneira como se manifesta fisicamente
este gasto de energia que ocorre durante o processo de produção. A boa alimentação e o
descanso permitem recuperá-la.

A análise de todos estes conceitos permite-nos chegar à conclusão de que os elementos


fundamentais de todo o processo de produção são a força de trabalho do homem e os meios
de produção.

Estes elementos encontram-se presentes tanto no trabalho realizado pela nossa costureira,
como no trabalho realizado na grande indústria moderna.

Mas existe uma diferença entre o trabalho isolado da costureira e o trabalho colectivo que
realizam numerosos trabalhadores numa indústria moderna.

Qual é essa diferença?

O trabalhador isolado realiza ele mesmo todo o trabalho e tem um total domínio ou controle
sobre este. A costureira faz todo o vestido sozinha e decide ela mesmo quando, onde e como
trabalhar. Isto não acontece assim na grande indústria moderna, em que existe uma grande
especialização do trabalho, em que os operários se dividem em grupos que realizam
diferentes trabalhos parcelares, que, ao somar-se uns aos outros, dão o produto final. Assim,
o automóvel, por exemplo, é fruto do trabalho combinado de muitos trabalhadores.

Ora bem, esta especialização do trabalho torna necessária a presença de um grupo de


trabalhadores que tem por função ou tarefa principal coordenar os diferentes trabalhos
especializados, do mesmo modo que o maestro coordena a acção dos diferentes músicos.
Este trabalho de coordenação e controle vai desde as secções da fábrica até aos mais altos
níveis. O nível mais alto é ocupado pelo administrador ou gerente da empresa; os outros
níveis estão ocupados por uma série de chefes, capatazes, supervisores, etc.

«Do mesmo modo que os exércitos militares, o exército operário, comandado pelo capital,
exige toda uma série de chefes (directores, capatazes, contramestres) que durante o processo
de produção dão as ordens em nome do capital»(2).

Usaremos o termo trabalhadores indirectos para nos referirmos a estes trabalhadores que
estão colocados na fábrica entre os operários e o patrão.

Em todos os processos de produção onde existe especialização devemos distinguir, por


conseguinte, dois tipos de trabalhadores: por um lado os que trabalham desempenhando
tarefas parcelares na transformação directa de matéria-prima, a que chamaremos
TRABALHADORES DIRECTOS; por outro lado, os que desempenham funções de
coordenação, vigilância e controle, a que chamaremos TRABALHADORES
INDIRECTOS(3).

Perante o que vimos até aqui podemos concluir o seguinte:

Sem trabalho humano nada se produz. Porém, sem meios de produção o homem não pode
trabalhar.

Depois de termos definido todos estes conceitos podemos voltar à nossa pergunta inicial:

Se são os trabalhadores que extraem as riquezas da natureza, se são eles que produzem novas
riquezas, porque é que a maior parte destas riquezas vai parar a outras mãos, às mãos de um
grupo minoritário da população?
Notas de rodapé:
(1) De um ponto de vista mais vigoroso, seria necessário distinguir entre matéria-prima e
matéria bruta. Esta última é a que se encontra na natureza, sem ter sido submetida a nenhum
trabalho humano. Exemplo: o carvão no fundo das minas; os bosques que servirão para
extrair madeira, etc. Matéria-prima é aquilo que já sofreu um trabalho anterior: o carvão já
extraído da mina; a madeira já cortada, etc. (retornar ao texto)

(2) «O Capital», Livro I — Edições Centelha — Coimbra. (retornar ao texto)

(3) Entre estes tipos de trabalhadores criam-se determinadas relações, a que chamaremos
RELAÇÕES TÉCNICAS DE PRODUÇÃO, que dependem do controle que os indivíduos
tenham dos instrumentos de produção e do processo de produção no seu conjunto. No
sistema capitalista desenvolvido, os trabalhadores directos não controlam as máquinas
porque são elas que impõem aos operários o seu próprio ritmo, a sua própria eficiência
técnica. Os trabalhadores directos também não controlam nem o andamento nem a finalidade
do processo de produção: é o capitalista, por intermédio dos trabalhadores indirectos, que
decide quando, como e quanto se deve produzir tendo em consideração exclusivamente os
seus interesses capitalistas (desenvolveremos este tema mais amplamente no Caderno n.° 4,
«Luta de Classes» e no Caderno n.° 6, «Capitalismo e Socialismo»). (retornar ao texto)

3. A propriedade privada dos meios de produção, origem de toda a exploração

A esta pergunta só podemos responder se nos perguntarmos:

Nas mãos de quem é que estão os meios de produção?

Nas mãos de quem é que estão as fábricas?

O que podemos responder para já é que não estão nas mãos dos trabalhadores mas sim nas
mãos do capital estrangeiro e do capital nacional.

E porque é que é importante fazermo-nos esta pergunta?

Porque os meios de produção, como observamos no ponto anterior, são as condições


materiais de toda a produção. Sem estes meios não se pode produzir. E por isso os que
conseguiram apropriar-se destes meios e conservá-los nas suas mãos podem obrigar os que
os não possuem a submeter-se às condições de trabalho que eles fixem.

Para tornar isto mais claro vejamos um exemplo: o camponês que é dono de um pedaço de
terra suficientemente grande para lhe permitir viver juntamente com a sua família e que é
dono de instrumentos de produção, pode dedicar-se a trabalhar para si mesmo, não
necessitando de ir a lado nenhum oferecer a sua força de trabalho.
Numa situação muito diferente está o camponês sem terra, o filho de uma família de
pequenos agricultores, a quem o pedaço de terra da família não dá sustento. Vê-se obrigado a
ir em busca de trabalho nos arredores e vai oferecer a sua força de trabalho ao latifundiário,
dono de uma grande propriedade agrícola, que para a poder cultivar necessita de contratar
mão-de-obra assalariada. O camponês sem terra, para não morrer de fome, tem de aceitar as
condições de trabalho que o patrão lhe oferece. Tem de aceitar trabalhar a troco de um salário
muito baixo, tem de aceitar que o patrão fique com uma parte importante dos frutos do seu
trabalho(1).

O mesmo acontece com os operários que trabalham na indústria. Para poderem viver têm de
oferecer a sua força de trabalho aos capitalistas: estes pagam-lhes um determinado salário e
obtêm, graças ao seu trabalho, grandes lucros que não vão parar às mãos dos trabalhadores
mas sim às mãos dos industriais. Se os operários reclamam o patrão diz-lhes: «De que é que
se queixam? Contratei-os para trabalharem oito horas por dia a 10$00 à hora; não é o que
lhes estou a pagar? Eu sou o dono desta fábrica! Se não gostam das condições de trabalho
vão à procura de trabalho noutro sítio.» Mas como os operários sabem que em qualquer outro
sítio lhes dirão o mesmo sujeitam-se a trabalhar para enriquecer o dono dos meios de
produção.

Partindo dos exemplos vistos podemos dizer que no processo de produção se estabelecem
determinadas relações entre os proprietários dos meios de produção e os produtores directos
ou trabalhadores. Os donos dos meios de produção exploram os que não possuem estes
meios.

Ora bem, isto não acontece apenas no sistema capitalista mas também nos sistemas de
produção que lhes são anteriores. No sistema esclavagista, por exemplo, o amo era dono não
só da terra e dos outros meios de produção mas também dos homens que trabalhavam na sua
terra, que remavam nos seus barcos, que serviam nas suas casas.

Estes homens eram considerados pelo amo como mais um «instrumento de produção» e por
isso obrigava-os a trabalhar até; ao limite das suas forças, dando-lhes de comer e permitindo-
lhes descansar somente para recuperar a energia despendida durante o trabalho de modo a
estarem prontos para trabalhar no dia seguinte.

No sistema servil, o senhor feudal, dono do meio de produção mais importante, a terra,
entregava pequena parcela de terreno aos camponeses. Estes, em troca da terra recebida,
eram obrigados a trabalhar nos terrenos do senhor um grande número de dias do ano sem
receber nada como paga desse trabalho e deviam sobreviver com o que produzissem no seu
pequeno terreno.

Em resumo, em todos os sistemas de produção que analisámos, em que os meios de produção


estão nas mãos de um pequeno número de pessoas, os donos destes meios apropriam-se do
trabalho alheio, exploram os trabalhadores, isto é, estabelecem-se relações de exploração
entre estes grupos.

No entanto a exploração não existiu sempre. Nos povos primitivos, onde se produz apenas
para sobreviver, não existe propriedade privada dos meios de produção; estes pertencem a
toda a comunidade e os produtos obtidos através do trabalho dos seus membros são
repartidos entre todos de forma igualitária.

Nestes povos não existem relações de exploração mas sim relações de colaboração recíproca
entre todos os membros da sociedade.
A exploração não é, portanto, algo eterno, tem uma origem histórica bem determinada. Ela
aparece quando, numa sociedade, um grupo de indivíduos consegue concentrar nas suas
mãos os meios de produção fundamentais(2), despojando destes meios a maior parte da
população. Ela desaparecerá quando desaparecer a propriedade privada dos meios de
produção e estes passarem a ser propriedade colectiva de todo o povo(3).

Notas de rodapé:

(1) No caderno n.° 2, «A Exploração Capitalista», desenvolver-se-ão as causas desta


situação. (retornar ao texto)

(2) Para que isto aconteça é necessário que essa sociedade tenha alcançado um grau de
desenvolvimento económico que permita pelo menos, obter um excedente, ou seja, que
permita obter mais produtos do que os necessários para o consumo imediato; este excedente
é apropriado por esse grupo. (retornar ao texto)

(3) As condições materiais desta passagem serão analisadas no Caderno n.° 6, «Capitalismo e
Socialismo». (retornar ao texto)

4. As relações sociais de produção

Vimos até aqui como em todos os processos de produção se estabelecem determinadas


relações entre os proprietários dos meios de produção e os trabalhadores ou produtores
directos.

A estas relações que se estabelecem entre os homens, determinadas pela relação de


propriedade que estes têm com os meios de produção, chamaremos RELAÇÕES SOCIAIS
DE PRODUÇÃO.

Podemos distinguir dois tipos fundamentais de relações sociais de produção: a relação


explorador/explorado e as relações de colaboração recíproca.

a) A relação explorador/explorado.

A relação explorador/explorado existe quando os proprietários dos meios de produção vivem


do trabalho dos produtores directos. As principais relações de exploração são: as relações
esclavagistas, nas quais o amo é não só proprietário dos meios de produção como também da
própria pessoa do escravo e, portanto, da sua força do trabalho; as relações servis, nas quais o
senhor é o proprietário da terra e o servo depende dele e deve trabalhar gratuitamente para ele
durante um certo número de dias por ano; e por último, as relações capitalistas, em que o
capitalista é o proprietário dos meios de produção e o operário deve vender a sua força de
trabalho para poder viver.

b) Relações de colaboração recíproca.

As relações de colaboração recíproca estabelecem-se quando existe propriedade social dos


meios de produção e quando nenhum sector da sociedade explora outro. Por exemplo, as
relações de colaboração recíproca que existem entre os membros das comunidades primitivas
ou as relações de colaboração que caracterizam a sociedade comunista.

Ora bem, é importante esclarecer que as relações que se estabelecem entre os homens no
processo de produção não são apenas relações sociais, relações humanas. São relações entre
agentes da produção, isto é, entre homens que realizam tarefas bem determinadas na
produção de bens materiais. Já vimos de que modo estas relações dependem da forma como
estes agentes estão relacionados com os meios de produção: proprietários/não proprietários.

A relação que se estabelece entre os homens resulta da sua relação de propriedade com
determinadas coisas: os meios de produção.

Enquanto os meios de produção forem possuídos por um pequeno número de pessoas as


relações entre os homens que os possuem e os que não possuem não poderão deixar de ser
relações de exploração, de opressão, isto é, relações antagônicas, relações em que os
interesses de um grupo se opõem totalmente aos interesses do outro grupo.

Os interesses dos exploradores consistem em prosseguir a exploração dos trabalhadores para


poderem continuar a gozar da sua situação de privilegiados. Os interesses dos trabalhadores
dirigem-se no sentido da destruição dessa situação de exploração.

Este é um ponto muito importante pois deita por terra todas as ilusões suscitadas por alguns
acerca da "colaboração entre os operários e patrões". As relações entre operários e patrões
não poderão ser fraternais, amistosas, enquanto as relações destes com os meios de produção
não se modificarem, isto é, enquanto não se termine com a propriedade privada capitalista
dos meios de produção; porém nessa altura o patrão como tal também desaparecerá. As
relações sociais de produção são, portanto, relações que se estabelecem independentemente
da vontade ou do desejo dos homens O capitalista explora e explorará o operário mesmo que
não o queira fazer, mesmo que pessoalmente lute contra essa exploração, pois as leis do
sistema capitalista são inflexíveis. Se o capitalista paga salários muito elevados e, apesar
disso mantém os mesmos preços para poder vender está a diminuir os seus lucros. Porém,
uma parte dos lucros deve ser reinvestida na empresa para poder aperfeiçoar a sua tecnologia
e desse modo poder competir com os seus concorrentes no mercado. O que acontece então é
que este capitalista vai ficando para trás até que chega o momento em que já não pode
competir com os preços mais baixos dos outros capitalistas que melhoraram as suas
indústrias e, portanto, vai à falência.

Portanto no sistema capitalista apenas se apresenta uma alternativa aos trabalhadores: «ou a
sua exploração ou a morte dos empresários».

Ora bem, quando o marxismo afirma que ó necessário destruir as relações capitalistas de
produção, que é necessário que «o empresário morra» não está a afirmar que os capitalistas
devem ser destruídos fisicamente. A afirmação corresponde a algo muito diferente; o que
deve desaparecer não é a pessoa do capitalista mas sim a exploração, isto é, o papel de
explorador que este desempenha. Se o capitalista aceita ser expropriado e oferece os seus
serviços ao novo sistema económico que se pretende implantar, desaparecerá como
capitalista, como explorador, mas não desaparecerá como homem, pelo contrário, pode agora
cumprir uma função de verdadeiro serviço à sociedade.

5. A reprodução das relações sociais de produção: papel do Estado e da Ideologia

As relações que se estabelecem entre os homens no processo de produção vão-se repetindo


sem interrupção porque criam as condições necessárias à sua continuação: amos e escravos,
senhores e servos, capitalistas e operários. Isto é aquilo a que se chama reprodução das
relações de exploração.

Mas ao mesmo tempo que as relações de produção se repetem ou reproduzem vão-se


desenvolvendo as contradições internas destes sistemas. Por exemplo, no sistema capitalista
geram-se contradições entre a riqueza e a miséria, entre as imensas possibilidades da
produção e as limitações do consumo, entre os operários e os capitalistas, etc. É o
desenvolvimento destas contradições que permite a destruição do sistema(1).

De que maneira conseguem os exploradores manter a exploração do povo?

Como é que os exploradores fazem para que estas relações de exploração se repitam
continuamente?

Fazem-nos exclusivamente por intermédio da propriedade privada dos meios de produção?

Até este momento vimos que o facto dos meios de produção estarem nas mãos de uma
minoria, os capitalistas, explica a situação de exploração em que vive a maioria: os
trabalhadores.
Pelo facto de serem os donos dos meios de produção, os capitalistas têm na sua mão o poder
económico e, como são senhores deste poder, controlam também outros aspectos da
sociedade.

O Estado, por exemplo, não é um aparelho neutro, ao serviço de toda a sociedade, como os
capitalistas nos pretendem fazer crer. O Estado sempre tem servido os interesses daqueles
que detêm o poder económico. No nosso país os governos capitalistas usaram com
frequência o exército, a polícia, a G. N. R., para reprimir os trabalhadores quando as suas
lutas punham em perigo o seu sistema de domínio: são testemunhas mudas destes factos os
inúmeros massacres em a classe operária derramou o seu sangue. Por outro lado, todos os
trabalhadores sabem que nunca existiu uma justiça igual para todos os portugueses, que
existe a lei do pobre e a lei do rico. Se um grande latifundiário proprietário rouba a terra a um
pequeno camponês passam-se anos sem que a justiça se mexa para a devolver. Se os
camponeses recuperam a terra que lhes havia sido roubada a polícia intervém para repor a
ordem, isto é, para repor uma situação em que os interesses dos grandes proprietários da terra
não fiquem prejudicados.

Os donos dos meios de produção, tendo nas suas mãos o poder económico, têm nas suas
mãos o Estado com todo o seu aparelho: exército, polícia, tribunais, funcionários públicos,
etc. Tem nas suas mãos portanto não só o poder económico como também o poder político.

Para além de controlarem o Estado e as leis, os donos dos meios de produção mais
importantes controlam também as emissoras de rádio, os jornais, a televisão, as editoras de
livros, etc., isto é, os meios de comunicação de massa. E também controlam o conteúdo dos
programas de ensino em todos os níveis.

Através deste controle dos meios de e de difusão de ideias, enganam o povo convencendo-o
de que o sistema de explorarão em que vivem é bom, e que se eles vivem em más condições
tal facto não se deve ao sistema mas sim a defeitos individuais: preguiça, embriagues, falta
de capacidade intelectual, etc. A este controle dos meios de difusão de ideias e de educação
chamamos poder ideológico.

Ora os capitalistas põem tanto o seu poder político como o seu poder ideológico ao serviço
dos seus interesses económicos. Como os capitalistas obtêm os seus lucros à custa do
trabalho dos operários, usam o seu poder político e ideológico para que esta situação se
mantenha, isto é, para facilitar a reprodução destas relações de produção. Deste modo, todas
as estruturas da sociedade têm como função fundamental reproduzir as relações de
exploração, isto é, estão ao serviço do grupo explorador contra os explorados.

É por isso que o marxismo afirma que não existe difusão de ideias de tipo neutro, que não
existe um Estado ao serviço de todo o povo, que tanto o Estado como a ideologia estão ao
serviço dos interesses económicos das classes exploradoras. Por conseguinte, não se pode
eliminar a propriedade privada dos meios de produção se não se destruir o poder político e
ideológico que a defende.

Notas de rodapé:

(1) Este assunto será desenvolvido no Caderno n.° 6: «Capitalismo e Socialismo». (retornar
ao texto)

6. Modo de produção. Infra-estrutura e superestrutura

Até aqui vimos que para explicar a origem da desigualdade na repartição das riquezas num
determinado país tivemos de analisar o modo como nesse país se produziam os bens
materiais. Em todas as sociedades a produção dos bens materiais efectua-se debaixo de
determinadas relações de produção: esclavagistas, feudais, capitalistas, etc.

Além disso vimos que estas relações não mudam todos os dias, antes pelo contrário, tendem
a manter-se e a reproduzir-se. Nesta reprodução que se dá ao nível da economia, intervêm
outros elementos sociais: as leis, a justiça, as ideias, etc., que pertencem a um nível diferente
da sociedade.

O conjunto destes elementos económicos, jurídicos, políticos e ideológicos constitui a


sociedade. Todas as sociedades são, portanto, organizações complexas em que existem dois
níveis: um nível económico e um nível jurídico-político-ideológico. Ambos se conjugam
para manter o funcionamento da sociedade no seu conjunto. No entanto estes níveis não têm
a mesma importância para o funcionamento da sociedade. Vimos que o nível económico — a
forma como os homens produzem os bens materiais e as relações que se estabelecem entre
eles no processo de produção — é o nível fundamental, aquele que determina todo o
funcionamento da sociedade; são as relações que se estabelecem entre os proprietários dos
meios de produção e os trabalhadores que nos revelam o segredo mais escondido a base mais
oculta de toda a sociedade e são elas que nos explicam porque é que surgem determinadas
formas de Estado e determinados tipos de ideias nessa sociedade.

Um dos grandes contributos de Marx e de Engels foi precisamente o terem descoberto que a
sociedade se organiza de acordo com a forma como os homens produzem os bens materiais,
ou mais precisamente, segundo as relações de produção que se estabelecem no processo de
produção e que são estas relações que mudam de um tipo de sociedade para outra.
Para exprimir de forma científica estas descobertas, Marx, no seu estudo da sociedade
capitalista, falava da sociedade como um «modo de produção». Deste modo, consoante as
relações de produção de acordo com as quais as sociedades se organizam, assim falamos de
modo de produção esclavagista, servil ou feudal, capitalista, socialista, etc.

Em resumo:

Em toda a sociedade entendida como «modo de produção», distinguimos dois níveis


fundamentais: o nível económico e o nível jurídico-político-ideológico.

De entre estes dois níveis, é o nível económico que desempenha o papel fundamental dentro
da sociedade, é o nível económico a base sobre a qual se levanta todo o edifício social.

Por isso chamaremos «infraestrutura» ao nível económico. Ao outro nível, formado por
elementos jurídico-políticos (Estado, direito, etc.) e ideológicos (ideias e costumes sociais),
chamaremos «superestrutura».

Por outro lado, como vimos, a infraestrutura determina a superestrutura. Isto significa que o
Estado, as leis, as ideias que se difundem numa sociedade não são elementos neutros, ao
serviço de todos, mas sim elementos que estão ao ser viço da infraestrutura económica,
permitindo a esta a sua reprodução contínua.

7. Modo de produção e formação social

Até aqui quando usámos a palavra sociedade referimo-nos sempre a uma sociedade em que
havia um único tipo de relações de produção: esclavagistas, servis ou capitalistas.
Mas existem ou existiram na realidade sociedades tão puras? Existem sociedades em que
reine um único tipo de relações de produção?

Se, por exemplo, pensarmos em Portugal há uns anos atrás, constatamos que juntamente com
as relações de produção capitalistas, que se encontravam principalmente nos centros urbanos
e mineiros, as relações de produção que existiam no campo entre latifundiários e camponeses
estavam muito mais próximas da servidão que do capitalismo, eram relações semi-servis; o
camponês não era livre, não vendia a sua força de trabalho por um salário, mas devia sim
trabalhar a terra do patrão com as suas próprias ferramentas, para receber em troca um
pedaço de terra onde viver e do qual se pudesse alimentar.

Por outro lado, além dos capitalistas e dos operários, dos latifundiários e dos camponeses,
existiam inúmeras pessoas que se dedicavam a fazer objectos em suas próprias casas ou a
cultivar a sua própria terra, levando seguidamente os seus produtos ao mercado; estes
artesãos e pequenos agricultores trabalhavam como pequenos produtores independentes
ligados ao mercado.

Constatamos assim que nessa época podíamos afirmar que em Portugal existiam vários tipos
diferentes de relações de produção: capitalistas, semi-servis, pequena produção
independente, etc.

O que acontecia em Portugal há anos atrás ocorre ainda hoje se bem que com algumas
diferenças pois a maior parte das relações semi-servis vão desaparecendo gradualmente para
se transformarem em relações capitalistas.

Os camponeses trabalham hoje como os operários industriais, com ferramentas pertencentes


ao patrão e recebendo a maior parte do pagamento do seu trabalho sob a forma de salário, se
bem que ainda se conservem muitas influências de carácter ideológico das relações de
produção anteriores.

Noutros países existem relações semi-servis no campo e nalguns existem mesmo grupos que
vivem em comunidades onde as relações de colaboração recíproca são as mais importantes.

Então porque é que ao falarmos da sociedade nos referimos sempre a sociedades em que
existe um único tipo de relações de produção?

Porque para compreender o que é a sociedade e distinguir um tipo de sociedade de outro


usamos o método cientifico de explicar as coisas por meio de conceitos, isto é, investigamos
qual é o elemento fundamental que determina a organização e funcionamento da sociedade e
qual é o elemento fundamental que caracteriza cada um dos diferentes tipos de sociedade.
Concluímos que este elemento fundamental são as relações de produção e que cada
sociedade se distingue da outra por ter determinado tipo de relações de produção.
É para poder estabelecer esta distinção entre os diferentes tipos de sociedade que nos
referimos a um único tipo de relações de produção em cada caso.

Isto leva a considerar a sociedade como «modo de produção».

Chamaremos MODO DE PRODUÇÃO ao conceito científico de sociedade que nos indica


como ela se organiza com base nas relações de produção.

Com esta ideia clara que temos da sociedade, isto é, com os conceitos científicos que
alcançámos, podemos estudar as sociedades concretas, por exemplo, Portugal. Neste caso já
não se trata de compreender o que é uma sociedade ou de saber que existem diferentes tipos
de sociedades mas sim de estudar uma sociedade que existe e que temos de conhecer para
poder transformar.

É para fazer isto, para conhecer uma sociedade real, que necessitamos dos conceitos
científicos de sociedade; eles são os instrumentos que usamos para conhecer e transformar a
realidade social.

Em todas as sociedades reais encontramos simultaneamente diferentes relações de produção


dominando uma delas as restantes.

Por isso o mais importante é assinalar por meio do estudo dessa sociedade em particular, qual
é a relação de produção dominante e de que maneira domina as restantes.

São estas relações dominantes que permitem caracterizar uma sociedade determinada.

Por exemplo, quando falamos de Portugal dizemos que é um país capitalista. Fazemos igual
afirmação relativamente a todos os países da Europa. Isto não significa que nestes países
apenas existam relações de produção capitalistas. Também existem, como vimos, outras
relações de produção que desempenham um papel secundário e que se vão desagregando à
medida que se desenvolvem as relações de produção capitalistas.

Estas relações de produção diferentes dão origem a grupos sociais diferentes. Estes grupos
sociais que se diferenciam entre si pelo lugar que ocupam na produção dos bens materiais,
denominámo-las classes sociais(1).

Portanto, nesta sociedade concreta, a infraestrutura ou nível económico não é uma


infraestrutura simples, formada por um só tipo de relações de produção, mas uma
infraestrutura complexa em que há diferentes relações de produção. Isto implica que a
superestrutura ou nível jurídico-político e ideológico, seja também complexa. Nela,
juntamente com elementos dominantes que estão determinados pelas relações de produção
dominantes, existem elementos secundários, determinados pelas outras relações de produção.
O poder político, por exemplo, não resulta sempre do domínio puro de uma única classe mas
pode resultar do domínio conjunto de duas ou mais classes contra os sectores explorados.
Quando estudamos ou falamos de uma sociedade real, de um determinado país, num
momento determinado da sua história e em que existem diferentes relações de produção,
utilizamos o termo «formação social».

Chamaremos FORMAÇÃO SOCIAL a toda a sociedade historicamente determinada.

Resumindo, analisámos qual a diferença entre o conceito de sociedade ou modo de produção


e uma sociedade historicamente determinada ou formação social.

Estes conceitos permitem-nos compreender que para estudar uma formação social devemos
dirigir a nossa atenção em primeiro lugar para o estudo do modo como se produzem nessa
sociedade os bens materiais, quais são as relações de produção que ocorrem, qual destas
relações é a dominante, que efeitos produzem estas relações nos níveis político, ideológico,
etc.

Para realizar este estudo devemos observar a realidade concreta, procurar dados concretos,
estatísticos ou de outro tipo, e estudá-los usando 08 conceitos que vimos. Não devemos
nunca confundir estes conceitos com a realidade que estamos a estudar, isto é, não devemos
nunca aplicar de forma cega e mecânica esquemas puros.

Não devemos, por exemplo, confundir a sociedade portuguesa com o conceito puro de modo
de produção capitalista; já vimos que em Portugal existem outras relações de produção além
das relações de produção capitalistas.

Além disso, se estudarmos estas relações de produção observando de forma concreta a nossa
realidade, descobriremos que elas estão deformadas e submetidas às relações capitalistas dos
países mais avançados(2).

Para concluir devemos afirmar que o conceito de modo de produção nos indica que em todas
as formações sociais os elementos da superestrutura ajudam a manter e a reproduzir as
relações de produção, mas em cada caso este facto tem características particulares.

Por isso, a luta dos trabalhadores contra a exploração económica exercida pelas, classes
dominantes requer, para ter êxito, que se conduza ao mesmo tempo uma luta para destruir
também os aparelhos por meio dos quais se exerce o poder político e ideológico das classes
exploradoras. Exige, além disso, um conhecimento profundo da maneira como se exerce este
domínio nesse país.

Esta luta dos trabalhadores contra a exploração vai sendo facilitada pois simultaneamente
com a tendência para a reprodução das relações de produção surgem, no seio da própria
sociedade capitalista, as condições que conduzem à sua destruição; agudizam-se as suas
contradições internas e crescem e fortalecem-se as classes sociais que farão desaparecer este
sistema de exploração.
Por isso os trabalhadores devem preparar-se para uma longa batalha e para utilizar todas as
formas de luta que sejam necessárias para destruir definitivamente toda a exploração.

Notas de rodapé:

(1) O caderno de Educação Popular n.° 4: «Luta de Classes», aprofunda este tema. (retornar
ao texto)

(2) No Caderno n.° 5 desenvolveremos este ponto. (retornar ao texto)

RESUMO

Neste texto procurámos explicar porque é que sendo os trabalhadores que arrancam as
riquezas à natureza e produzem novas riquezas, são os que estão em piores condições na
sociedade. Para responder a esta pergunta tivemos primeiro que estudar os diversos
elementos do processo de produção: matéria-prima, instrumentos de produção, meios de
produção, força de trabalho. Estudados estes elementos, assinalámos que, sendo os
instrumentos de produção as condições materiais indispensáveis para todo o processo de
produção, os seus detentores, podem impor aos trabalhadores, que não os possuem,
condições de trabalho que lhes permitem apropriar-se duma parte do trabalho alheio: é assim
que nascem as relações de exploração. O processo de trabalho é portanto um processo
histórico que se desenrola sob determinadas relações sociais de produção. Estas tendem a
reproduzir-se e na sua reprodução intervêm os elementos jurídico-político, e ideológicos que
são controlados por quem detém o poder económico.

Esta análise levou-nos a definir sociedade duma forma científica mediante o conceito do
modo de produção. Este conceito resume duma forma clara o facto de as relações de
produção serem o centro organizador de todos os aspectos da sociedade. O modo de
produção é composto por uma infra e por uma superestrutura, sendo a infraestrutura que
determina em última instância a superestrutura. Finalmente distinguimos o conceito de modo
de produção do de formação social, que se refere a uma sociedade historicamente
determinada. Acabámos insistindo em que a luta contra a exploração económica, para ser
bem sucedida, deve destruir os aparelhos através dos quais se exerce o poder político e
ideológico das classes exploradoras. Concluímos que nesta luta as classes dominantes nunca
renunciarão de forma voluntária aos seus privilégios e por isso os trabalhadores devem
preparar-se para uma longa batalha utilizando todas as formas de luta que sejam necessárias
para destruir definitivamente a exploração.
Do que dissemos anteriormente vemos que este caderno se limita a fornecer os conceitos
mais importantes para o estudo da sociedade, sem entrar no entanto no estudo das
contradições que explicam a razão da mudança da sociedade de um tipo para outro. Este tema
será desenvolvido no caderno n.° 6 «Capitalismo e Socialismo».

BIBLIOGRAFIA

I. TEXTOS PEDAGÓGICOS

Harnecker, Marta: Os conceitos elementares do Materialismo Histórico (Edição brasileira).

Politzer, George: Princípios Fundamentais de Filosofia. Hermus — Livraria Editora, Lda.


Quarta parte, da pág. 213 à 317.

Huberman y May: Princípios elementales del Socialismo. Prensa L. S. Santiago, 1964.

Konstantinov: El materialismo histórico. Editorial Grijalbo, México, 1960.

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