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FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO

LICENCIATURA EM SOCIOLOGIA – 1º ANO


2009/2010

RECENSÃO CRÍTICA:
OUTSIDERS – STUDIES IN THE SOCIOLOGY OF DEVIANCE
(H. BECKER)

Autor:
Gonçalo Marques Pereira Soares Barbosa, 090713036

Docente: Paula Guerra


Unidade curricular: Teorias Sociológicas II

Porto, 5 de Julho de 2010


Teorias Sociológicas II – Recensão crítica 1
Outsiders – Howard Becker

Sumário

Contextualização ....................................................................................................................2
Síntese da obra .......................................................................................................................3
Crítica contextual ...................................................................................................................7
Referências bibliográficas ..................................................................................................... 10
Anexo I .................................................................................. Erro! Marcador não definido.
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica 2
Outsiders – Howard Becker

Contextualização

Realizada no âmbito da unidade curricular de Teorias Sociológicas II do 1º ano da


licenciatura em Sociologia da Universidade do Porto, esta recensão crítica tem como
objectivo a síntese e crítica de uma obra de um autor das escolas de pensamento abordadas
nesta unidade curricular.
Esta recensão será composta por duas partes. Primeiramente, efectua-se uma síntese à
obra escolhida, com o apoio a uma ficha de leitura da mesma. Posteriormente, e com recurso a
uma segunda obra, neste caso não necessariamente de um autor estudado na unidade
curricular, procura-se efectuar uma crítica contextual, criando-se um confronto de opiniões
que permita salientar os pontos fortes e fracos da primeira obra.
Pela relevância do interaccionismo simbólico para a sociologia americana, Outsiders
de Howard Saul Becker apresenta-se como uma das opções para esta recensão. Publicada no
ano de 1963, esta monografia é basilar no currículo deste sociólogo e encontra-se organizada
em dez capítulos. Em resultado da sua extensão e pelas implicações metodológicas da
avaliação desta recensão crítica, apenas poderão ser analisados três desses capítulos: 1 –
Outsiders; 3 – Becoming a marihuana user e 4 – Marihuana use and social control. A sua
síntese corresponderá ao primeiro eixo central desta recensão. Esta obra teve como centro
uma argumentação que demonstrasse que o desvio social é um fenómeno comum, e ao
mesmo tempo rejeitar as visões patológicas de desvio.
Howard Saul Becker nasceu a 18 de Abril de 1928, em Chicago, no estado de Illinois.
Estudou na Universidade de Chicago, onde obteve o bacharelato (1946), o mestrado (1949) e
o doutoramento (1951) em sociologia. Para a sua tese, Becker estudou os professores de
Chicago, debruçando-se sobre os problemas sociais dessa época, nomeadamente das
interacções simbólicas que envolviam questões de raça ou estatuto social.
Grande aficionado pela música Jazz, Becker encontrou no seu professor de piano uma
primeira motivação para a sociologia. Através do contacto com as carreiras de músicos
dançarinos profissionais e das pesquisas a partir daí efectuadas, resulta o livro Outsiders
(1963), objecto de análise desta recensão crítica.
Becker deu aulas nos departamentos de Sociologia de várias universidades dos EUA,
incluindo a de Washington ou a da Califórnia. A par disso, desenvolveu pesquisa, escrita e
ensino em campos da sociologia como a sociologia da arte ou dos métodos qualitativos.
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica 3
Outsiders – Howard Becker

Obras como Boys in White: Student Culture in Medical School (1961); Art Worlds
(1982) ou Writing for Social Scientists (2007) são alguns dos destaques deste sociólogo.
A segunda obra, usada para a crítica contextual, denomina-se O poder simbólico, de
Pierre Bourdieu. Serão analisados em particular dois capítulos: I – Sobre o poder simbólico e
VI – Espaço social e génese das «classes». Esta obra é a primeira de um conjunto de ensaios
em que se privilegia a reflexão sobre o ofício do sociólogo e exploram-se conceitos como
espaço social, habitus e campo.

Síntese da obra

Após a leitura dos capítulos da obra, e após a realização da sua ficha de leitura, que se
encontra no anexo I, procede-se agora à sua síntese.
Becker inicia o primeiro capítulo com a apresentação da sua definição de desvio:
«Quando uma regra é quebrada, a pessoa que supostamente a quebrou poderá ser vista como
um tipo especial de pessoa, na qual não se pode confiar para viver sob as regras acordadas
dentro de um grupo. Essa pessoa é designada como outsider.» (Becker, 1973, p. 1)1. O autor
refere ainda que pode existir um segundo tipo de desvio, que ocorre quando o próprio
desviante considera que a pessoa que criou a regra é que é desviante, pois criou uma regra
injusta.
Posteriormente, explora as várias concepções já existentes de desvio, e apresenta
alguns argumentos que expliquem o porquê de estarem erradas ou mais distantes da realidade
do que a que é apresentada pelo próprio. Deste modo, rejeita o desvio estatístico, o desvio
patológico, o desvio como fonte de desequilíbrio numa sociedade e o desvio como
incapacidade de seguir as regras de um determinado grupo, tal como é explicado no quadro 1.
O sociólogo indica que o seu centro analítico não será as características pessoais e
sociais dos desviantes, mas antes o processo pelo qual um indivíduo se torna desviante.
Becker argumenta que o desvio é variável, isto é, pode ser sentido com intensidades
diferentes, e para isso está dependente do tipo de pessoa que comete o desvio e pelo tipo de

1
«When a rule is enforced, the person who is supposed to have broken it may be seen as a special kind of
person, one who cannot be trusted to live by the rules agreed on by the group. He is regarded as an outsider»
(Becker, 1973, p. 1)
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Outsiders – Howard Becker

pessoa que é prejudicada com esse desvio. Para além disso, o autor refere que varia também
com o tempo.

Quadro 1
Concepções de desvio rejeitadas por Becker
Concepções de desvio rejeitado Argumentação do autor para o rejeitar
Demasiado simplista e trivial, pois limita-se à dimensão
Desvio estatístico
estatística. É desvio aquilo que foge à média.
O desvio é encarado como uma doença, contudo os conceitos de
Desvio patológico saúde e doença são subjectivos e variam de sociedade para
sociedade.
Desvio como fonte de desequilíbrio
Visão funcionalista e que ignora a dimensão política do desvio.
numa sociedade
A diversidade de grupos nas sociedades contemporâneas faz com
Desvio como incapacidade de seguir
que o simples facto de seguirmos as regras de um grupo, faça
as regras
com que passemos a ser vistos como desviantes nos restantes.

Para este sociólogo, o desvio surge pela existência de uma pluralidade de grupos, cada
qual com o seu conjunto de regras e normas, levando a que seja não só provável como
constante a existência de comportamentos desviantes.
O autor conclui o primeiro capítulo com uma referência a quem cria essas regras: é
quem detém o poder legal ou extra-legal que tem a capacidade de coagir os outros indivíduos
a seguir as regras que cria. Esse poder varia de acordo com características como género, etnia
ou idade. Becker exemplifica que normalmente são os pais a criarem as regras que os filhos
devem seguir.
Nos capítulos seguintes, Becker analisa um comportamento desviante, o consumo de
marijuana. O autor aplica a sua visão de desvio e apresenta a carreira de um utilizador de
marijuana. O capítulo 3 inicia-se com uma interrogação: o autor questiona qual será o motivo
para alguns indivíduos terem esse consumo. As explicações já existentes para este
comportamento apontam para causas psicológicas, como uma necessidade de fantasia ou de
fugir de problemas psicológicos que o indivíduo não consegue enfrentar.
O sociólogo considera que não há uma motivação desviante que leve a um
comportamento desviante, mas antes o inverso: para um comportamento desviante gera-se
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica 5
Outsiders – Howard Becker

uma motivação desviante. Becker tenta perceber quais as mudanças de comportamento que
ocorrem num individuo que levem ao consumo da marijuana por prazer. Ou seja, o sociólogo
desde logo assume um destaque para o consumo por prazer ou recriacional, enfatizando a
dimensão não compulsiva desse consumo.
O autor opta por seguir o método de indução analítica, que «[…] requer que todos os
casos recolhidos na pesquisa confirmem a hipótese. Se é encontrado um caso que não a
confirme, o investigador deve mudar a sua hipótese de forma a incluir o caso que provou a
sua ideia original como errada»2 (Becker, 1973, p. 45). Para a criação da sua hipótese, Becker
entrevistou 50 consumidores de marijuana.
Nessas entrevistas o foco recaiu sobre a história de experiências dos indivíduos com a
marijuana, tentando percepcionar quais foram as grandes mudanças e quais as razões dessas
mudanças. Como resultado, o autor identifica um conjunto de passos que, se forem todos
seguidos, deixam um indivíduo com disponibilidade e vontade de usar a marijuana por prazer,
caso surja uma oportunidade para tal. No quadro 2 estão presentes os três passos identificados
pelo autor, bem como uma breve descrição dos mesmos.

Quadro 2
Passos que um indivíduo deve seguir para ser possível o consumo de marijuana
Passo Descrição
Se o indivíduo não conseguir aprender a técnica, não conseguirá captar a concepção de
Aprender
droga como prazer. A mudança de concepção da marijuana ocorre com maior probabilidade
a técnica
quando o indivíduo participa num grupo em que essa droga seja usada.
O utilizador deve ser capaz de conscientemente identificar os sintomas, e a sua ligação ao
Percepção facto de ter consumido droga. O utilizador não continua se achar que a droga não causa
dos efeitos qualquer efeito. O processo de aprendizagem de identificação dos sintomas passa em
grande parte pela interacção com outros consumidores.
O gosto pela marijuana é socialmente adquirido, como qualquer outro gosto. Se este gosto
Aprender
não for adquirido, a marijuana é vista como algo de desagradável e a evitar-se.
a gostar
Frequentemente esta redefinição ocorre mediante uma interacção com utilizadores mais
dos efeitos
experientes que possam ensinar ao novato a ter prazer com aquela experiência.

2
«The method requires that every case collected in the research substantiate the hypothesis. If one case is
encountered which does not substantiate it, the researcher is required to change the hypothesis to fit the case
which has proven his original idea wrong» (Becker, 1973, p. 45).
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica 6
Outsiders – Howard Becker

Em todas as 50 entrevistas realizadas, quem não cumprisse um dos passos, não


continuava a usar a marijuana. De acordo com Becker, se os três passos forem completados, o
indivíduo estará com vontade e disponibilidade para consumir marijuana por prazer.
No quarto capítulo, o autor tenta mostrar que para além de se cumprirem aqueles
passos, os indivíduos ainda têm de ultrapassar outros aspectos para se tornarem consumidores
de marijuana, nomeadamente superar as forças de controlo social. O controlo social sobre os
indivíduos é feito através da aplicação de sanções para comportamentos negativos e
recompensas para comportamentos positivos. Importa perceber que acontecimentos tornam as
sanções ineficazes e que experiências alteram a concepção desse comportamento ao ponto de
um indivíduo o considerar uma possibilidade.
Becker divide a carreira de um consumidor de marijuana em três estágios:
principiante, utilizador ocasional e utilizador regular. Por seu turno, identifica três tipos de
controlo social possíveis, que são identificados e desenvolvidos no quadro 3.

Quadro 3
Tipos de controlo social ao consumo de marijuana

Tipo Descrição
O facto de a sua posse ser ilegal limita a distribuição a fontes subterrâneas, que não
Limitações no são de fácil acesso ao indivíduo comum. Estando dentro de um grupo com acesso à
fornecimento e marijuana, é uma questão de tempo até que o novato tenha uma oportunidade de
acesso à marijuana experimentar a marijuana. Este contacto leva a que se inicie o segundo estágio da
carreira de consumidor de marijuana, o utilizador ocasional.
Os utilizadores em regra tentam manter em segredo o consumo da marijuana, pois
Manter o consumo acreditam que, caso um não utilizador descubra, os poderá sancionar. Este tipo de
em segredo de não controlo falha quando se ganha a percepção de que os não utilizadores nunca vão
consumidores descobrir caso o utilizador seja cuidadoso. O limite de uso da marijuana é
proporcional ao grau de receio ou medo que o indivíduo tem em ser apanhado.
O indivíduo que tiver em consideração o estereótipo criado para os consumidores
de marijuana constrói um obstáculo ao uso dessa droga. Apenas se esse estereótipo
Definição do acto for neutralizado é que será possível a manutenção do consumo de marijuana. O
como imoral contacto com um grupo de utilizadores, bem como a observação do comportamento
desses utilizadores, poderá levar ao indivíduo a rejeitar a noção tradicional do
consumidor de marijuana.
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Outsiders – Howard Becker

Crítica contextual

Esta obra revelou-se inovadora na forma como a sociologia encara o tema do desvio.
Becker propõe-se logo no início a rejeitar todas as noções de desvio já existentes ao
apresentar uma nova que tem em conta a diversidade de grupos e de regras existentes nas
sociedades. A sua importância para a sociologia do desvio é fundamental.
Outsiders é uma obra intemporal, na medida em que aborda um tema que já existia
desde o surgimento das sociedades humanas, e que se acentua na sociedade contemporânea, o
tema do desvio. Efectivamente, desde que surge uma pluralidade de sociedades com os seus
respectivos grupos e normas específicas, que surge de mão dada o conceito de comportamento
desviante. Logo, é uma obra que mantém a sua utilidade na actualidade, e que certamente
continuará a ser relevante no futuro.
O estilo da escrita é caracterizado por uma linguagem acessível e por uma grande
frequência de exemplificações dos raciocínios efectuados por Becker, o que proporcionam
uma obra com uma grande facilidade de leitura. As partes que foram objecto da ficha de
leitura apresentaram uma estruturação e organização lógica dos conteúdos, com objectivos
bem definidos para cada capítulo.
O recurso ao método da indução analítica porém, não permite uma certeza absoluta de
que a hipótese proposta por Becker seja correcta. Pois se é certo que nas 50 entrevistas
efectuadas a hipótese é confirmada, nada garante que não haverão situações em que esta
situação não se verifique.
Uma das falhas nesta obra surge quando se ignora a variável das características
pessoais e sociais dos desviantes, em detrimento de uma focalização no processo pelo qual
um indivíduo se torna desviante. Becker assume aí uma postura excessivamente
determinística, pois pressupõe que as pessoas que cumpram os passos enumerados no capítulo
3 e que superem os controlos sociais mencionados no capítulo 4, irão comportar-se da mesma
forma e consumir a droga e cometer o comportamento desviante. Por outro lado, e como o
próprio Becker afirma, o desvio é variável na sua intensidade, estando dependente da pessoa
que o comete. Contudo, falha em identificar em que circunstâncias um desvio é cometido com
maior ou menor intensidade. Ainda que tenha consciência de que são vividos de forma
diferente, Becker não distingue o desvio de acordo com características como idade, género,
etnia, actividade profissional ou história de vida.
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Outsiders – Howard Becker

Nesse sentido, Bourdieu apresenta o conceito de classe, que pode ser útil para
preencher essa lacuna, isto é, «[…] conjuntos de agentes que ocupam posições semelhantes, e
que, colocados em condições semelhantes e sujeitos a condicionamentos semelhantes, têm,
com toda a probabilidade, atitudes e interesses semelhantes, logo, práticas e tomas de posição
semelhantes» (Bourdieu, 1989, p. 136). Este conceito, aplicado ao de desvio, permitiria uma
compreensão do desvio por classe, isto é, perceber as diferenças dos indivíduos na forma de
actuar perante o desvio, no grau de resistência perante o desvio e na variabilidade da
intensidade com que cometem o desvio, dependendo da classe que ocupem. Será que um
adolescente proveniente de uma minoria étnica e com uma família instável irá reagir da
mesma forma à marijuana que um adulto de classe média, empresário e pai de três crianças?
Ainda que seja difícil criar um conjunto de classes que abarquem as inúmeras variáveis
possíveis, seria útil e benéfico para o conceito de desvio uma maior percepção das suas
diferenças, por exemplo, de acordo com a classe social de cada indivíduo e que evitaria assim
generalizações abusivas.
Ou seja, a criação de uma tipologia de classes de desvio permitiria, novamente usando
a terminologia de Bourdieu, localizar os indivíduos no espaço social, isto é, num espaço de
várias dimensões «[…] construído na base de princípios de diferenciação ou de distribuição
[…]» (Bourdieu, 1989, p. 133). Desta forma, «Os agentes e grupos de agentes são assim
definidos pelas suas posições relativas neste espaço» (Bourdieu, 1989, o. 134).
Por outro lado, um dos pontos fortes da obra de Becker é pôr em causa as perspectivas
psicologistas sobre o consumo da marijuana, contribuindo para a percepção de que este acto
não constitui um comportamento isolado e independente das outras pessoas, ou que é
exclusivamente associado a problemas mentais ou traumas psicológicos, mas antes o
resultado do contacto com outras pessoas que o consomem e da forte interacção com essas
pessoas, que permite uma reconfiguração do conceito da droga não como algo prejudicial mas
como uma fonte de prazer.
A importância dada à interacção com outros consumidores, bastante visível nos
inúmeros excertos de entrevistas que o sociólogo apresentou ao longo dos capítulos 3 e 4, é
compreensível mediante a inserção do autor na corrente do interaccionismo simbólico, que vê
na interacção o processo pelo qual a capacidade de pensar é desenvolvida e expressa. De
acordo com esta corrente, no processo de interacção ocorre a socialização, que pode alterar a
concepção individual do eu. Efectivamente, é com a socialização num grupo de consumidores
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de marijuana que o indivíduo altera a sua postura perante essa droga, passando de alguém que
reprova o seu consumo, para alguém que o aceita e o efectua.
Outro aspecto relevante na obra, em particular no capítulo 3 e também típico do
interaccionismo simbólico é a interacção como aprendizagem de significados e de símbolos.
É com a interacção que o consumo da droga ganha significado, ficando associado a
determinados efeitos, que devem ser percepcionados por quem consome a droga; por outro
lado, os utilizadores aprendem a usar objectos sociais necessários para o consumo da
marijuana, nomeadamente artefactos ou a linguagem – frequentemente é ao ouvir os outros
dizerem como se sentem após o consumo da droga que os novatos conseguem aprender a
percepcionar os efeitos da marijuana.
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Outsiders – Howard Becker

Referências bibliográficas

Monografias:

BECKER, Howard S. (1973) – Outsiders, Studies in the sociology of deviance. New York:
The Free Press. ISBN 0-684-83635-1

BOURDIEU, Pierre (1989) – O poder simbólico. Rio de Janeiro: Difusão Editorial. ISBN
972-29-0014-5

Páginas Online:

ACADEMIC DICTIONARIES AND ENCYCLOPEDIAS - Howard S. Becker [Em linha].


[Consult. 14 Jun. 2010]. Disponível em: http://en.academic.ru/dic.nsf/enwiki/760061

BECKER, Howard S. – Howies Home Page [Em linha]. [Consult. 14 Jun. 2010]. Disponível
em: http://home.earthlink.net/~hsbecker/
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica 11
Outsiders – Howard Becker

Anexo I – Ficha de leitura

BECKER, Howard S. (1973) – Outsiders, Studies in the sociology of deviance. New York:
The Free Press. ISBN 0-684-83635-1. p. 1-18; 41-78.

Resumo: No primeiro capítulo desta obra, Becker apresenta o seu conceito de outsider e de
desvio, fazendo de igual modo uma análise crítica às concepções já existentes de desvio. Nos
capítulos 3 e 4, o autor procede a uma aplicação empírica do conceito de desvio,
nomeadamente nos consumidores de marijuana. Numa primeira fase, lista quais os passos
que um indivíduo terá de percorrer até se encontrar disponível e com vontade de consumir
marijuana caso surja uma oportunidade: aprender a técnica; percepção dos efeitos e
aprender a gostar dos efeitos da marijuana. Numa segunda fase, Becker enuncia os três
mecanismos de controlo social a partir dos quais os indivíduos poderão ser constrangidos ou
limitados ao consumo desta droga: disponibilidade da marijuana; manutenção do segredo
desse consumo e ainda a alteração da sua moral para possibilitar o consumo da droga.

Conceitos-chave: Outsider, rules, deviance, becoming a deviant, career, steps to become a


deviant, social control, kinds of social control, morality.
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Outsiders – Howard Becker

Conceitos
Pag. Análise Texto
Ideias-chave

Chapter 1: Outsiders

1 Becker inicia o primeiro capítulo apresentando a Outsider


sua definição de outsider: é uma pessoa que «When a rule is enforced,
quebrou uma regra, o que leva que seja vista de the person who is
forma diferente e que não possa ser confiada supposed to have broken
para viver de acordo com as regras de um grupo. it may be seen as a special
Há também um segundo sentido de outsider, na kind of person, one who
medida em que o quebrador da regra pode cannot be trusted to live
considerar que quem o julga é que é outsider por by the rules agreed on by
ter criado uma regra injusta. the group.»

2 É necessário ter em conta que há vários tipos de


regras, que podem ou não estar inscritas
formalmente na lei. De igual modo, há diferentes
forças para uma regra, seja a tradição, a lei ou o
consenso geral; da mesma forma, há diferentes
maneiras de cumprir uma regra, dependendo da
função que um indivíduo tem no grupo. Nem
todas as regras têm uma força coercitiva

3 O grau de outside pode variar conforme a


situação, da mesma forma que pode variar o
grau de aceitação da acusação de desvio.
A ciência tem procurado explicações para o «What laymen want to
fenómeno do desvio. O senso comum e as know about deviants is:
teorias científicas interiorizaram que o desvio é why do they do it? How
algo de inerente à pessoa que o pratica. Isto é, can we account for their
existem certas características no indivíduo que rule-breaking? What is
são a causa para desvio ocorrer. there about them that
leads them to do
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica 13
Outsiders – Howard Becker

forbidden things?
Scientific research has
tried to find answers to
these questions».

4 Esse posicionamento, na perspectiva de Becker,


é um erro pois ignora a variável carácter. Para
ultrapassa-lo, a solução passa por construir uma Quatro
definição de desvio. O autor analisa as quatro concepções de
definições existentes de desvio, analisando a desvio
pertinência de cada uma.
A definição mais simples é a exclusivamente Desvio
estatística, que define o desvio como aquilo que estatístico
foge à média. Contudo, revela-se demasiado
simplista e trivial.

5 Uma segunda concepção de desvio vê-o como Desvio


algo de patológico, uma doença. Contudo, é «For people do not agree patológico
impossível haver um consenso sobre o que é on what constitutes
estar doente, dada a grande variabilidade desse healthy behavior. It is
conceito de cultura para cultura ou até de pessoa difficult to find a
para pessoa. definition to find a
definition that will satisfy
even such a select and
limited group as
psychiatrists […]»

7 O desvio como algo que provoca desequilíbrio Desvio como


numa sociedade corresponde à terceira fonte de
concepção de desvio, e que teve como base o desequilíbrios
conceito de desorganização social. Contudo, numa
apresenta-se como uma visão funcionalista e que sociedade
ignora a dimensão política.
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica 14
Outsiders – Howard Becker

8 Uma última visão surge como a mais relativista,


bem como a mais próxima da visão apontada por
Becker no início do capítulo: o desvio é visto Desvio como
como uma incapacidade de seguir as regras do «A society has many incapacidade
grupo. Contudo, falha na identificação de que groups, each with its own de seguir
comportamentos são medidos e julgados como set of rules, and people regras de um
desviantes. belong to many groups grupo
simultaneously. A person
may break the rules of
one group by the very act
of abiding by the rules of
another group. Is he, then,
deviant?»

9 Ao partir da suposição que quem quebra uma


regra e comete um acto desviante é uma
categoria homogénea, comete-se o erro de
ignorar o facto central sobre o desvio: é criado «From this point of view, Desvio é
na sociedade, no sentido de serem os grupos deviance is not a quality criado na
sociais de uma sociedade que criam as regras, of the act the person sociedade
cuja infracção constitui um desvio. commits, but rather a
consequence of the
application by others of
rules and sanctions to an
“offender.”»
Becker conclui então que o grupo de desviantes
não é um grupo com características homogéneas.

10 A única coisa que este grupo tem em comum é o Foco analítico


facto de partilharem o rótulo de outsider. recai sobre o
Becker refere que o foco da sua análise será o processo pelo
processo pelo qual os indivíduos se tornam qual um
desviantes e as reacções desse julgamento, e não indivíduo se
tanto nas características pessoais e sociais dos torna
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica 15
Outsiders – Howard Becker

desviantes. desviante

11 Becker refere o contributo de Malinowski, que


permitiu chegar-se à conclusão de que um acto
ser desviante está dependente de como as
pessoas reagem a ele.

12 De seguida, o sociólogo identifica de que forma


o grau de reacção a um desvio pode variar. Por
um lado, pode diferir com o passar do tempo.
13 Por outro lado, está dependente de quem comete «Boys from middle-class
o desvio e por quem considera ter sido areas do not get as far in Reacção ao
prejudicado por esse desvio. the legal process when desvio é
they are apprehended as variável
do boys from slum areas.»

14 «In short, whether a given


act is deviant or not
depends in part on the
nature of the act (that is,
whether or not it violates
some rule) and in part on
what other people do
about it».
Se for considerado como objecto de estudo os
comportamentos considerados como desviantes,
deve-se também ter em conta que um acto
apenas será categorizado como desviante apenas
se houver uma resposta da outra parte. Isto é, o
desvio não é uma característica inerente ao
comportamento em si, mas que resulta da
interacção entre a pessoa que comete o desvio e
a pessoa que reage a ele.
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica 16
Outsiders – Howard Becker

15 As regras sociais estão na base da criação dos


vários grupos sociais. As sociedades modernas
são caracterizadas por uma diversidade de «Insofar as the rules of
organizações e de grupos. Ora, ao irmos de various groups conflict
acordo com as regras de um grupo, poderemos and contradict one Desvio
estar a ir contra as de outro grupo. another, there will be derivado da
disagreement about the pluralidade de
kind of behavior that is grupos e
proper in any given regras
situation».

16 Poderá ocorrer portanto, que algumas pessoas


considerem estar a ser julgadas de acordo com
regras cuja criação não tiveram participação.
Becker enuncia em que situações as pessoas
tentam forçar uma regra nas pessoas que não a
cumprem: quando uma pessoa de um
determinado grupo não cumpre uma regra do seu
próprio grupo; quando membros de um grupo
acreditam ser para o seu maior benefício que
pessoas de outros grupos sigam determinadas
regras.

17 Becker de seguida questiona-se sobre quem tem


poder para forçar os outros a aceitarem as regras,
concluindo que é uma questão de poder político
e económico. As regras são feitas de umas «Here it is enough to note Regras são
pessoas para as outras. that people are in fact criadas de
always forcing their rules umas pessoas
on others, applying them para as outras
more or less against the
will and without the
consent of those others».
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica 17
Outsiders – Howard Becker

As diferenças na capacidade de criar regras estão


essencialmente no diferencial de poder legal ou
extra-legal de cada indivíduo, de acordo com
características como a idade, o género, a etnia ou
a classe social.

Chapter 3: Becoming a Marihuana User

41 A pergunta de abertura para este capítulo é Qual o motivo


porque é que eles o fazem? Porque é que do consumo
algumas pessoas consomem marijuana? de marijuana?
Algumas tentativas de explicar esse uso
42 baseiam-se na premissa errada de que algum «In the case of marihuana
traço nesses indivíduos é a motivação para estes use, this trait is usually
se envolverem nesse comportamento. identified as
psychological, as a need
for fantasy and escape
from psychological
problems the individual
cannot face».
Na perspectiva de Becker, em vez de haver uma
motivação desviante que leva a um
comportamento desviante, é antes o inverso:
para um comportamento desviante gera-se uma
motivação desviante.
Este capítulo e o seguinte têm como objectivo
apresentar a carreira de um utilizador de
marijuana.

43 O que se tenta perceber é o conjunto de Quais as


mudanças de atitude que leva ao consumo de «What we are trying to mudanças de
marijuana por prazer. understand here is the atitude?
sequence of changes in
attitude and experience
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica 18
Outsiders – Howard Becker

which lead to the use of


marihuana for pleasure».

44 O destaque será dado ao consumo por prazer ou Destaque ao


recriacional, enfatizando a dimensão casual e consumo
não compulsiva desse consumo. casual
A pesquisa realizada por Becker tem ainda o
intuito de realçar a dispensabilidade das
explicações psicológicas deste acto.

45 O método escolhido foi o da indução analítica. «The method requires that Método:
every case collected in the indução
research substantiate the analítica
hypothesis. If one case is
encountered which does
not substantiate it, the
researcher is required to
change the hypothesis to
fit the case which has
proven his original idea
wrong».
Para criar a sua hipótese, Becker realizou 50
entrevistas a consumidores de marijuana.

46 Nessas entrevistas o foco recaiu sobre a história


de experiências dos indivíduos com a marijuana,
tentando percepcionar quais foram as grandes
mudanças e quais as razões dessas mudanças.
Como resultado, o autor identifica um conjunto «The steps outlined Passos a
de passos que, se forem todos seguidos, deixam below, if he undergoes seguir para
um indivíduo com disponibilidade e vontade de them all and maintains the haver se estar
usar a marijuana por prazer, caso surja uma attitudes developed in disponível e
oportunidade para tal. them, leave him willing com vontade
and able to use drug for de usar a
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica 19
Outsiders – Howard Becker

pleasure when the marijuana


opportunity presents
itself.
O primeiro passo corresponde ao aprender da 1º passo:
técnica. O novato normalmente não fica sob o aprender a
efeito da marijuana da primeira vez que técnica
experimenta, só o conseguindo após várias
tentativas, algo que deriva deste ainda não saber
47 fumar de forma correcta. «Without the use of some
such technique the drug
will produce no effects,
and the user will be
unable to get high».
Se o indivíduo não conseguir aprender a técnica,
não conseguirá captar a concepção de droga
como prazer. «[…] he must learn to use
the proper smoking
technique so that his use
of the drug will produce
effects in terms of which
Esta mudança de concepção ocorre com mais his conception of it can
probabilidade quando um indivíduo participa change».
num grupo em que a marijuana seja usada, pois
pode aprender com esse grupo a maneira
correcta de fumar a marijuana.

48 Muitos novos utilizadores têm vergonha de


admitir que não sabem como fumar e aprendem
por outras vias, como a observação e imitação.
Verificou-se em todas as entrevistas que quem 1º passo é
não cumpria esse passo, não continuava a usar a corroborado
marijuana.
O segundo passo corresponde à aprendizagem 2º passo:
da percepção dos efeitos da marijuana no percepção dos
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica 20
Outsiders – Howard Becker

próprio indivíduo. efeitos

49 «It suggests that being


high consists of two
elements: the presence of
symptoms caused by
marihuana use and the
recognition of these
symptoms and their
connection by the user
O utilizador deve ser capaz de conscientemente with his use of the drug».
identificar os sintomas, e a sua ligação ao facto
de ter consumido droga. O utilizador não
continua se achar que a droga não causa
qualquer efeito.
O novato contudo, enfrenta algumas
dificuldades iniciais em identificar os efeitos, e
acaba por pedir auxilio a um utilizador mais
experiente, que identifica detalhes específicos
que o novato ainda não tinha percepcionado
como efeitos da droga.

50 Uma vez mais, o processo de aprendizagem


pode ocorrer por vias mais indirectas como a
observação dos efeitos que os outros identificam
enquanto estão sob o efeito da marijuana.

51 Becker realça o importante papel da interacção


com outros utilizadores para se conseguir «It is only when the
concluir este passo. novice becomes able to
get high in this sense that
he will continue to use
marihuana for pleasure. In
every case in which use
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica 21
Outsiders – Howard Becker

continued, the user had


acquired the necessary
concepts with which to
express to himself the fact
that he was experiencing
new sensations caused by
Verificou-se em todas as entrevistas que quem the drug». 2º passo é
não cumpria esse passo, não continuava a usar a corroborado
marijuana.
52 Quanto maior for a experiência, maior será a
capacidade do utilizador de percepcionar os
efeitos que a droga lhe causa.
Se essa capacidade se perder, o uso de marijuana
pára.

53 O terceiro e último passo corresponde a 3º passo:


aprender-se a gostar dos efeitos da marijuana. aprender a
O gosto pela marijuana é socialmente adquirido, «Marihuana-produced gostar dos
como qualquer outro gosto. sensations are not efeitos
automatically or
necessarily pleasurable».
Se este gosto não for adquirido, a marijuana é
vista como algo de desagradável e a evitar-se.

54 «Given these typically


frightening and
unpleasant first
experiences, the beginner
will not continue use
unless he learns to
Numa das entrevistas citadas por Becker, é redefine the sensations as
graças à interacção com os amigos que o novo pleasurable».
utilizador ganha o prazer pelos efeitos da droga,
tornando-se posteriormente um consumidor
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica 22
Outsiders – Howard Becker

regular.
Ou seja, esta redefinição ocorre mediante uma
interacção com utilizadores mais experientes que
possam ensinar ao novato a ter prazer daquela
experiência.

55 «They may reassure him


as to the temporary
character of the
unpleasant sensations and
minimize their
seriousness, as the same
time calling attention to
the more enjoyable
aspects».

56 Perante um episódio desagradável ou de algum


modo assustador, um utilizador poderá repensar
a sua concepção do consumo da marijuana. Essa
possibilidade está dependente e é variável
conforme o grau de participação que esse
utilizador tem com outros utilizadores. Se a
participação for intensiva, o utilizador consegue
manter a concepção da droga como agradável;
caso não seja intensiva, poderá perder essa
concepção.

58 Verificou-se em todas as entrevistas que quem 3º passo é


não cumpria esse passo, não continuava a usar a corroborado
marijuana.
Se estes três passos forem completados, o
indivíduo está com vontade e disponibilidade
para consumir a marijuana por prazer.
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica 23
Outsiders – Howard Becker

Chapter 4: Marihuana Use and Social


Control

59 Uma outra condição é obrigatória para que uma


pessoa consiga desenvolver um padrão estável
de uso de droga: o utilizador tem também de
lutar contra as forças de controlo social.

60 O controlo social sobre os indivíduos é feito


através da aplicação de sanções para
comportamentos negativos e recompensas para
comportamentos positivos.
Importa perceber que acontecimentos tornam as
sanções ineficazes e que experiências alteram a «[…] what is the
concepção desse comportamento ao ponto de um sequence of events and
indivíduo o considerar uma possibilidade. experiences by which a
person comes to be able
to carry on the use of
marihuana, in spite of the
elaborate social controls
functioning to prevent
such behavior».

61 A carreira de um consumidor de marijuana pode Três estágios


ser dividida em três estágios, cada qual a de consumo
representar um corte diferente com os
mecanismos de controlo social: principiante,
utilizador ocasional e utilizador regular.
Há três tipos de controlo social que serão Três tipos de
analisados ao longo deste capítulo de forma mais controlo social
pormenorizada: limitação do fornecimento e
acesso à droga; manter o consumo em segredo
dos não consumidores; definição do acto como
imoral.
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica 24
Outsiders – Howard Becker

62 A primeira forma de controlo corresponde então 1º tipo:


ao fornecimento da marijuana. fornecimento
O facto de a sua posse ser ilegal limita a
distribuição a fontes subterrâneas, que não são «[…] he must begin
de fácil acesso ao indivíduo comum. participation in some
group through which
these sources of supply
Estando dentro de um grupo com acesso à become available».
marijuana, é uma questão de tempo até que o
novato tenha uma oportunidade de experimentar
a marijuana.
63 O acesso a esse consumo permite que se parta
para o segundo nível de consumo, o de
consumidor irregular. «If an occasional user
Se um indivíduo não está em contacto com begins to move on toward
pessoas que tenha fornecimentos, este deixa de a more regularized and
consumir. systematic mode of use,
he can do it only by
finding a more stable
source of supply than
more-or-less chance
encounters with other
users […]».

64 É necessário então que surja uma oportunidade


para estabelecer contacto com um fornecedor.
Contudo, alguns indivíduos que conseguem esse
contacto podem ainda assim não o usar, pois são
compelidos pelo risco de detenção.

65 Após uma experiência de sucesso, o consumidor


redefine a sua estimativa de perigo existente
pelo consumo.
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica 25
Outsiders – Howard Becker

Aqueles que conseguem estabelecer uma


conexão, pode ocorrer que esta seja quebrada
pela detenção ou desaparecimento do
fornecedor. A instabilidade do fornecimento é
uma forma de controlo social sobre o consumo
regular.

66 Variações na participação de um grupo levam a


variações no acesso à marijuana. «[…] changes in group
participation and
membership lead to
changes in level of use by
affecting the individual’s
access to marihuana under
present conditions in
which the drug is
available only through
A segunda forma de controlo social corresponde illicit sources». 2º tipo:
ao segredo. segredo
Os utilizadores em regra tentam manter em
segredo o consumo da marijuana, pois acreditam
que, caso um não utilizador descubra, os poderá «[…] most marihuana
sancionar. users are secret deviants».

67 Há uma expectativa de que se o segredo for


revelado, as relações pessoais desse indivíduo
que consome serão perturbadas.
Este tipo de controlo falha quando se ganha a «Further participation in
percepção de que os não utilizadores nunca vão marihuana use allows the
descobrir caso o utilizador seja cuidadoso. novice to draw the further
conclusion that the act can
be safe no matter how
often indulged in, as long
as one is careful and
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica 26
Outsiders – Howard Becker

makes sure that nonusers


O utilizador deverá confinar o uso da marijuana are not present or likely to
a locais onde o encontro do mundo dos intrude».
consumidores e dos não consumidores não seja
provável.

68 O uso regular não possibilita um planeamento


mais detalhado para evitar o encontro entre esses
dois mundos. A solução passa ou por uma
mudança de atitude que permita o consumo da
marijuana debaixo dos narizes dos não
utilizadores, ou por um total afastamento de
contacto social com não utilizadores.

69 Um consumidor regular tem em grande


consideração os efeitos no uso da droga caso se
envolva com um não utilizador. Caso seja feito
esse envolvimento, o uso tenderá a reduzir-se a
um nível ocasional.
Caso um consumidor se mude totalmente para
um grupo de utilizadores, este tipo de problemas
deixam de existir. «[…] it is possible for
regular use to occur
except when some new
connection with the more
conventional world is
Face a um uso regular, será quase inevitável uma made».
situação em que um utilizador se encontrará sob
o efeito da marijuana enquanto esteja na
companhia de não utilizadores.

70 «[…] difficulty in
focusing one’s attention
and in carrying on normal
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica 27
Outsiders – Howard Becker

conversation create a fear


that everyone will know
exactly why one is
A solução para esta situação é aprender a behaving this way».
controlar os efeitos da droga aquando da
companhia de não utilizadores, para que estes
possam ser enganados.

71 Quando um indivíduo consegue, com sucesso,


ultrapassar várias situações deste tipo, ganha a
percepção de que conseguirá manter o desvio em
segredo, desde que mantenha a precaução
necessária.

72 O limite de uso da marijuana é proporcional ao


grau de receio ou medo que o indivíduo tem em
ser apanhado.
O último tipo de controlo social corresponde à 3º tipo:
moral. moral

73 O indivíduo que tiver em consideração o


estereótipo criado para os consumidores de
marijuana constrói um obstáculo ao uso dessa
droga. Apenas se esse estereótipo for «He will not begin,
neutralizado é que será possível a manutenção maintain, or increase his
do consumo de marijuana. use of marihuana unless
he can neutralize his
sensitivity to the
stereotype by accepting
an alternative view of the
practice».

74 O contacto com um grupo de utilizadores, bem


como a observação do comportamento desses
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica 28
Outsiders – Howard Becker

utilizadores, poderá levar ao indivíduo a rejeitar


a noção tradicional do consumidor de marijuana,
sendo frequentemente o impulso necessário para
que haja pelo menos uma primeira tentativa de
uso.
Um dos entrevistados argumenta que o uso da
marijuana é menos prejudicial do que outras
práticas feitas pelas pessoas convencionais,
como o consumo de álcool.

75 Para que um consumidor seja ocasional, é


necessária uma reorganização da sua moral para
que este rejeite as morais convencionais sobre
essa droga. Caso o uso progrida para um nível
regular, poderá ter de ocorrer uma nova
reorganização da sua moral.
76 Perante o receio da dificuldade em deixar essa
droga, os utilizadores da marijuana poderão
realizar testes e ficar sem consumir durante
algum tempo. Se nada acontecer, os utilizadores «Tests are made – use is
concluem que não há motivo para ter receios. given up and the
consequences awaited –
and when nothing
untoward occurs, the user
is able to draw the
conclusion that there is
Há outros utilizadores contudo, que vêem o seu nothing to fear».
próprio consumo como problemático e
indicativo de uma falha na sua saúde mental.

77 Esta linha de pensamento irá naturalmente


prejudicar o consumo regular futuro desses
indivíduos
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica 29
Outsiders – Howard Becker

78 Conclui-se então que é com a experiência com a


droga na companhia de outros utilizadores que o
indivíduo consegue desmontar as concepções
morais da sociedade, criando antes uma
concepção que permita o livre uso da marijuana.

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