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RECENSÃO CRÍTICA:
OUTSIDERS – STUDIES IN THE SOCIOLOGY OF DEVIANCE
(H. BECKER)
Autor:
Gonçalo Marques Pereira Soares Barbosa, 090713036
Sumário
Contextualização ....................................................................................................................2
Síntese da obra .......................................................................................................................3
Crítica contextual ...................................................................................................................7
Referências bibliográficas ..................................................................................................... 10
Anexo I .................................................................................. Erro! Marcador não definido.
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica 2
Outsiders – Howard Becker
Contextualização
Obras como Boys in White: Student Culture in Medical School (1961); Art Worlds
(1982) ou Writing for Social Scientists (2007) são alguns dos destaques deste sociólogo.
A segunda obra, usada para a crítica contextual, denomina-se O poder simbólico, de
Pierre Bourdieu. Serão analisados em particular dois capítulos: I – Sobre o poder simbólico e
VI – Espaço social e génese das «classes». Esta obra é a primeira de um conjunto de ensaios
em que se privilegia a reflexão sobre o ofício do sociólogo e exploram-se conceitos como
espaço social, habitus e campo.
Síntese da obra
Após a leitura dos capítulos da obra, e após a realização da sua ficha de leitura, que se
encontra no anexo I, procede-se agora à sua síntese.
Becker inicia o primeiro capítulo com a apresentação da sua definição de desvio:
«Quando uma regra é quebrada, a pessoa que supostamente a quebrou poderá ser vista como
um tipo especial de pessoa, na qual não se pode confiar para viver sob as regras acordadas
dentro de um grupo. Essa pessoa é designada como outsider.» (Becker, 1973, p. 1)1. O autor
refere ainda que pode existir um segundo tipo de desvio, que ocorre quando o próprio
desviante considera que a pessoa que criou a regra é que é desviante, pois criou uma regra
injusta.
Posteriormente, explora as várias concepções já existentes de desvio, e apresenta
alguns argumentos que expliquem o porquê de estarem erradas ou mais distantes da realidade
do que a que é apresentada pelo próprio. Deste modo, rejeita o desvio estatístico, o desvio
patológico, o desvio como fonte de desequilíbrio numa sociedade e o desvio como
incapacidade de seguir as regras de um determinado grupo, tal como é explicado no quadro 1.
O sociólogo indica que o seu centro analítico não será as características pessoais e
sociais dos desviantes, mas antes o processo pelo qual um indivíduo se torna desviante.
Becker argumenta que o desvio é variável, isto é, pode ser sentido com intensidades
diferentes, e para isso está dependente do tipo de pessoa que comete o desvio e pelo tipo de
1
«When a rule is enforced, the person who is supposed to have broken it may be seen as a special kind of
person, one who cannot be trusted to live by the rules agreed on by the group. He is regarded as an outsider»
(Becker, 1973, p. 1)
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Outsiders – Howard Becker
pessoa que é prejudicada com esse desvio. Para além disso, o autor refere que varia também
com o tempo.
Quadro 1
Concepções de desvio rejeitadas por Becker
Concepções de desvio rejeitado Argumentação do autor para o rejeitar
Demasiado simplista e trivial, pois limita-se à dimensão
Desvio estatístico
estatística. É desvio aquilo que foge à média.
O desvio é encarado como uma doença, contudo os conceitos de
Desvio patológico saúde e doença são subjectivos e variam de sociedade para
sociedade.
Desvio como fonte de desequilíbrio
Visão funcionalista e que ignora a dimensão política do desvio.
numa sociedade
A diversidade de grupos nas sociedades contemporâneas faz com
Desvio como incapacidade de seguir
que o simples facto de seguirmos as regras de um grupo, faça
as regras
com que passemos a ser vistos como desviantes nos restantes.
Para este sociólogo, o desvio surge pela existência de uma pluralidade de grupos, cada
qual com o seu conjunto de regras e normas, levando a que seja não só provável como
constante a existência de comportamentos desviantes.
O autor conclui o primeiro capítulo com uma referência a quem cria essas regras: é
quem detém o poder legal ou extra-legal que tem a capacidade de coagir os outros indivíduos
a seguir as regras que cria. Esse poder varia de acordo com características como género, etnia
ou idade. Becker exemplifica que normalmente são os pais a criarem as regras que os filhos
devem seguir.
Nos capítulos seguintes, Becker analisa um comportamento desviante, o consumo de
marijuana. O autor aplica a sua visão de desvio e apresenta a carreira de um utilizador de
marijuana. O capítulo 3 inicia-se com uma interrogação: o autor questiona qual será o motivo
para alguns indivíduos terem esse consumo. As explicações já existentes para este
comportamento apontam para causas psicológicas, como uma necessidade de fantasia ou de
fugir de problemas psicológicos que o indivíduo não consegue enfrentar.
O sociólogo considera que não há uma motivação desviante que leve a um
comportamento desviante, mas antes o inverso: para um comportamento desviante gera-se
Teorias Sociológicas II – Recensão crítica 5
Outsiders – Howard Becker
uma motivação desviante. Becker tenta perceber quais as mudanças de comportamento que
ocorrem num individuo que levem ao consumo da marijuana por prazer. Ou seja, o sociólogo
desde logo assume um destaque para o consumo por prazer ou recriacional, enfatizando a
dimensão não compulsiva desse consumo.
O autor opta por seguir o método de indução analítica, que «[…] requer que todos os
casos recolhidos na pesquisa confirmem a hipótese. Se é encontrado um caso que não a
confirme, o investigador deve mudar a sua hipótese de forma a incluir o caso que provou a
sua ideia original como errada»2 (Becker, 1973, p. 45). Para a criação da sua hipótese, Becker
entrevistou 50 consumidores de marijuana.
Nessas entrevistas o foco recaiu sobre a história de experiências dos indivíduos com a
marijuana, tentando percepcionar quais foram as grandes mudanças e quais as razões dessas
mudanças. Como resultado, o autor identifica um conjunto de passos que, se forem todos
seguidos, deixam um indivíduo com disponibilidade e vontade de usar a marijuana por prazer,
caso surja uma oportunidade para tal. No quadro 2 estão presentes os três passos identificados
pelo autor, bem como uma breve descrição dos mesmos.
Quadro 2
Passos que um indivíduo deve seguir para ser possível o consumo de marijuana
Passo Descrição
Se o indivíduo não conseguir aprender a técnica, não conseguirá captar a concepção de
Aprender
droga como prazer. A mudança de concepção da marijuana ocorre com maior probabilidade
a técnica
quando o indivíduo participa num grupo em que essa droga seja usada.
O utilizador deve ser capaz de conscientemente identificar os sintomas, e a sua ligação ao
Percepção facto de ter consumido droga. O utilizador não continua se achar que a droga não causa
dos efeitos qualquer efeito. O processo de aprendizagem de identificação dos sintomas passa em
grande parte pela interacção com outros consumidores.
O gosto pela marijuana é socialmente adquirido, como qualquer outro gosto. Se este gosto
Aprender
não for adquirido, a marijuana é vista como algo de desagradável e a evitar-se.
a gostar
Frequentemente esta redefinição ocorre mediante uma interacção com utilizadores mais
dos efeitos
experientes que possam ensinar ao novato a ter prazer com aquela experiência.
2
«The method requires that every case collected in the research substantiate the hypothesis. If one case is
encountered which does not substantiate it, the researcher is required to change the hypothesis to fit the case
which has proven his original idea wrong» (Becker, 1973, p. 45).
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Outsiders – Howard Becker
Quadro 3
Tipos de controlo social ao consumo de marijuana
Tipo Descrição
O facto de a sua posse ser ilegal limita a distribuição a fontes subterrâneas, que não
Limitações no são de fácil acesso ao indivíduo comum. Estando dentro de um grupo com acesso à
fornecimento e marijuana, é uma questão de tempo até que o novato tenha uma oportunidade de
acesso à marijuana experimentar a marijuana. Este contacto leva a que se inicie o segundo estágio da
carreira de consumidor de marijuana, o utilizador ocasional.
Os utilizadores em regra tentam manter em segredo o consumo da marijuana, pois
Manter o consumo acreditam que, caso um não utilizador descubra, os poderá sancionar. Este tipo de
em segredo de não controlo falha quando se ganha a percepção de que os não utilizadores nunca vão
consumidores descobrir caso o utilizador seja cuidadoso. O limite de uso da marijuana é
proporcional ao grau de receio ou medo que o indivíduo tem em ser apanhado.
O indivíduo que tiver em consideração o estereótipo criado para os consumidores
de marijuana constrói um obstáculo ao uso dessa droga. Apenas se esse estereótipo
Definição do acto for neutralizado é que será possível a manutenção do consumo de marijuana. O
como imoral contacto com um grupo de utilizadores, bem como a observação do comportamento
desses utilizadores, poderá levar ao indivíduo a rejeitar a noção tradicional do
consumidor de marijuana.
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Outsiders – Howard Becker
Crítica contextual
Esta obra revelou-se inovadora na forma como a sociologia encara o tema do desvio.
Becker propõe-se logo no início a rejeitar todas as noções de desvio já existentes ao
apresentar uma nova que tem em conta a diversidade de grupos e de regras existentes nas
sociedades. A sua importância para a sociologia do desvio é fundamental.
Outsiders é uma obra intemporal, na medida em que aborda um tema que já existia
desde o surgimento das sociedades humanas, e que se acentua na sociedade contemporânea, o
tema do desvio. Efectivamente, desde que surge uma pluralidade de sociedades com os seus
respectivos grupos e normas específicas, que surge de mão dada o conceito de comportamento
desviante. Logo, é uma obra que mantém a sua utilidade na actualidade, e que certamente
continuará a ser relevante no futuro.
O estilo da escrita é caracterizado por uma linguagem acessível e por uma grande
frequência de exemplificações dos raciocínios efectuados por Becker, o que proporcionam
uma obra com uma grande facilidade de leitura. As partes que foram objecto da ficha de
leitura apresentaram uma estruturação e organização lógica dos conteúdos, com objectivos
bem definidos para cada capítulo.
O recurso ao método da indução analítica porém, não permite uma certeza absoluta de
que a hipótese proposta por Becker seja correcta. Pois se é certo que nas 50 entrevistas
efectuadas a hipótese é confirmada, nada garante que não haverão situações em que esta
situação não se verifique.
Uma das falhas nesta obra surge quando se ignora a variável das características
pessoais e sociais dos desviantes, em detrimento de uma focalização no processo pelo qual
um indivíduo se torna desviante. Becker assume aí uma postura excessivamente
determinística, pois pressupõe que as pessoas que cumpram os passos enumerados no capítulo
3 e que superem os controlos sociais mencionados no capítulo 4, irão comportar-se da mesma
forma e consumir a droga e cometer o comportamento desviante. Por outro lado, e como o
próprio Becker afirma, o desvio é variável na sua intensidade, estando dependente da pessoa
que o comete. Contudo, falha em identificar em que circunstâncias um desvio é cometido com
maior ou menor intensidade. Ainda que tenha consciência de que são vividos de forma
diferente, Becker não distingue o desvio de acordo com características como idade, género,
etnia, actividade profissional ou história de vida.
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Outsiders – Howard Becker
Nesse sentido, Bourdieu apresenta o conceito de classe, que pode ser útil para
preencher essa lacuna, isto é, «[…] conjuntos de agentes que ocupam posições semelhantes, e
que, colocados em condições semelhantes e sujeitos a condicionamentos semelhantes, têm,
com toda a probabilidade, atitudes e interesses semelhantes, logo, práticas e tomas de posição
semelhantes» (Bourdieu, 1989, p. 136). Este conceito, aplicado ao de desvio, permitiria uma
compreensão do desvio por classe, isto é, perceber as diferenças dos indivíduos na forma de
actuar perante o desvio, no grau de resistência perante o desvio e na variabilidade da
intensidade com que cometem o desvio, dependendo da classe que ocupem. Será que um
adolescente proveniente de uma minoria étnica e com uma família instável irá reagir da
mesma forma à marijuana que um adulto de classe média, empresário e pai de três crianças?
Ainda que seja difícil criar um conjunto de classes que abarquem as inúmeras variáveis
possíveis, seria útil e benéfico para o conceito de desvio uma maior percepção das suas
diferenças, por exemplo, de acordo com a classe social de cada indivíduo e que evitaria assim
generalizações abusivas.
Ou seja, a criação de uma tipologia de classes de desvio permitiria, novamente usando
a terminologia de Bourdieu, localizar os indivíduos no espaço social, isto é, num espaço de
várias dimensões «[…] construído na base de princípios de diferenciação ou de distribuição
[…]» (Bourdieu, 1989, p. 133). Desta forma, «Os agentes e grupos de agentes são assim
definidos pelas suas posições relativas neste espaço» (Bourdieu, 1989, o. 134).
Por outro lado, um dos pontos fortes da obra de Becker é pôr em causa as perspectivas
psicologistas sobre o consumo da marijuana, contribuindo para a percepção de que este acto
não constitui um comportamento isolado e independente das outras pessoas, ou que é
exclusivamente associado a problemas mentais ou traumas psicológicos, mas antes o
resultado do contacto com outras pessoas que o consomem e da forte interacção com essas
pessoas, que permite uma reconfiguração do conceito da droga não como algo prejudicial mas
como uma fonte de prazer.
A importância dada à interacção com outros consumidores, bastante visível nos
inúmeros excertos de entrevistas que o sociólogo apresentou ao longo dos capítulos 3 e 4, é
compreensível mediante a inserção do autor na corrente do interaccionismo simbólico, que vê
na interacção o processo pelo qual a capacidade de pensar é desenvolvida e expressa. De
acordo com esta corrente, no processo de interacção ocorre a socialização, que pode alterar a
concepção individual do eu. Efectivamente, é com a socialização num grupo de consumidores
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de marijuana que o indivíduo altera a sua postura perante essa droga, passando de alguém que
reprova o seu consumo, para alguém que o aceita e o efectua.
Outro aspecto relevante na obra, em particular no capítulo 3 e também típico do
interaccionismo simbólico é a interacção como aprendizagem de significados e de símbolos.
É com a interacção que o consumo da droga ganha significado, ficando associado a
determinados efeitos, que devem ser percepcionados por quem consome a droga; por outro
lado, os utilizadores aprendem a usar objectos sociais necessários para o consumo da
marijuana, nomeadamente artefactos ou a linguagem – frequentemente é ao ouvir os outros
dizerem como se sentem após o consumo da droga que os novatos conseguem aprender a
percepcionar os efeitos da marijuana.
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Outsiders – Howard Becker
Referências bibliográficas
Monografias:
BECKER, Howard S. (1973) – Outsiders, Studies in the sociology of deviance. New York:
The Free Press. ISBN 0-684-83635-1
BOURDIEU, Pierre (1989) – O poder simbólico. Rio de Janeiro: Difusão Editorial. ISBN
972-29-0014-5
Páginas Online:
BECKER, Howard S. – Howies Home Page [Em linha]. [Consult. 14 Jun. 2010]. Disponível
em: http://home.earthlink.net/~hsbecker/
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Outsiders – Howard Becker
BECKER, Howard S. (1973) – Outsiders, Studies in the sociology of deviance. New York:
The Free Press. ISBN 0-684-83635-1. p. 1-18; 41-78.
Resumo: No primeiro capítulo desta obra, Becker apresenta o seu conceito de outsider e de
desvio, fazendo de igual modo uma análise crítica às concepções já existentes de desvio. Nos
capítulos 3 e 4, o autor procede a uma aplicação empírica do conceito de desvio,
nomeadamente nos consumidores de marijuana. Numa primeira fase, lista quais os passos
que um indivíduo terá de percorrer até se encontrar disponível e com vontade de consumir
marijuana caso surja uma oportunidade: aprender a técnica; percepção dos efeitos e
aprender a gostar dos efeitos da marijuana. Numa segunda fase, Becker enuncia os três
mecanismos de controlo social a partir dos quais os indivíduos poderão ser constrangidos ou
limitados ao consumo desta droga: disponibilidade da marijuana; manutenção do segredo
desse consumo e ainda a alteração da sua moral para possibilitar o consumo da droga.
Conceitos
Pag. Análise Texto
Ideias-chave
Chapter 1: Outsiders
forbidden things?
Scientific research has
tried to find answers to
these questions».
desviantes. desviante
45 O método escolhido foi o da indução analítica. «The method requires that Método:
every case collected in the indução
research substantiate the analítica
hypothesis. If one case is
encountered which does
not substantiate it, the
researcher is required to
change the hypothesis to
fit the case which has
proven his original idea
wrong».
Para criar a sua hipótese, Becker realizou 50
entrevistas a consumidores de marijuana.
regular.
Ou seja, esta redefinição ocorre mediante uma
interacção com utilizadores mais experientes que
possam ensinar ao novato a ter prazer daquela
experiência.
70 «[…] difficulty in
focusing one’s attention
and in carrying on normal
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