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UFMS – CPTL

HISTÓRIA – LICENCIATURA

Docente: Prof. Dr.: Vitor Wagner Neto de Oliveira


Discente: Matheus Medeiros Piquera

FICHAMENTO
MENDONÇA, Nadir Domingues. A (des)construção das (des)ordens:
Poder e violência em Três Lagoas – MT (1915-1945). OLIVEIRA, V.
W. N. de (Org.). Campo Grande: Editora UFMS, 2021.
p. 233 • “Qualquer ação ou decisão na vida pública, qualquer
acontecimento maior no quotidiano das pessoas pareciam estar
integrados na política partidária. Não eram somente fatos da
esfera governamental, mas igualmente uma festa, um casamento,
uma morte ou uma demanda na justiça poderiam ser afetados
pelas disputas das facções políticas.”
p. 234 • “O discurso público era, geralmente, em torno de assuntos
públicos, especialmente da política. Sobressaíam os fatos da
política local e regional, num estilo marcado pela violência.
Decisões tomadas no nível do público afetavam fortemente a vida
privada. As ideias políticas revestiam-se de paixão, impregnando
atitudes e expectativas da comunidade.”
p. 235 • “De um lado, os documentos mostraram-nos que os conflitos de
interesses eram resolvidos pela força do poder. Este não residia
propriamente na lei, mas na capacidade de manobras com o
aspecto legal, ou na pura força através das armas. De outro, foi-
nos revelado que os curtos períodos de tranquilidade ocorreram
pela distribuição de cargos e benesses, pela repartição do poder.”
p. 236 • “Deste modo, fatos locais entre os dois partidos políticos,
Republicano Mato-Grossense (os celestinistas) e o Republicano
Conservador (os azeredistas) envolviam, algumas vezes, as
facções das duas comunidades. Foi assim, em 1918, quando o juiz
da comarca de Paranaíba, dr. Honorato Paim, foi vítima da “sanha
dos seus adversários”, do partido Republicano Conservador, os
políticos de Três Lagoas envolveram-se na contenda. Assunto de
botequim e barbearia que deixou a, então, vila em alvoroço, por
longo período.”
p. 237 • “As duas comunidades vizinhas, Três Lagoas e Paranaíba,
entrelaçavam suas questões políticas, também, pela mobilidade de
algumas autoridades, como delegado ou promotor, que ora
ocupava cargos aqui ou lá. Sobre um dos atentados de que foi
vítima o jornalista Elmano Soares, disse uma testemunha que
sabia “por intermédio do Sr. Felipe Farias, atualmente promotor
de Santana do Paranayba, havia sido mandado praticar pelo sr.
delegado de polícia, coletor Estadual, intendente municipal e o sr.
dr. Almeida de Barros.”
p. 238 • “O coronelismo em Mato Grosso caracterizava-se pela disputa de
diversas famílias, revestindo-se em permanente guerra entre elas.
Em Três Lagoas, também não havia um grupo único. Além das
constantes contendas internas havia um contínuo movimento de
ajuste/desajuste com o poder regional.”
p. 239 • “Disputa do poder por várias famílias, movimentos separatistas e
decisões finais dependentes dos acordos no Rio de Janeiro,
tumultuavam a, já violenta, vida política, do município. Desta
forma, a reafirmação do poder do coronel, rompido na ordem
simbólica do mandonismo local, só poderia ser recomposta por
meios ilegais e violentos. Os momentos cruciais localizavam-se
nas eleições. Durante a década de 1920 e início de 30 agudizaram-
se, culminando em revoltas armadas. Vejamos o que significaram
para Três Lagoas esses envolvimentos.”
p. 240 • “Situação semelhante reproduziu-se em 1932, mas invertendo-se
os papéis. O coronel Manoel da Costa Lima esteve sob o comando
geral de diversos grupos rebeldes. Com a rendição dos rebeldes
paulistas, Três Lagoas ficou ocupada militarmente. O grupo que
esteve ao lado de Getúlio Vargas, ao final da revolta, denunciava
o “despudor e cinismo” que “se acobertava nas informações
divulgadas pela imprensa e pelo rádio a serviço do
constitucionalismo.” (GAZETA DO COMÉRCIO, 15 de out. de
1932, p. 1)”
p. 241 • “O mandonismo local traduzia-se nos partidos políticos, tão
somente para afiançarem uma legenda aos mandantes. As eleições
municipais constituíam-se verdadeiro combate. As facções locais
credenciavam- -se pela comprovação da maioria dos eleitores no
município. O “bico de pena” e a “degola” não foram os únicos
meios para obterem tal resultado. Carabinas e revólveres em
emboscada, ou em plena festa, foram também utilizados na
disputa do poder. Foram as “mortes encomendadas”. Um e outro,
mecanismos da violência institucionalizada. O “bico de pena” e a
“degola” expurgavam as “personas non gratas”. As “mortes
encomendadas” eliminavam qualquer indesejável.”
p. 242 • “Os depositários dos poderes executivos e legislativo reclamaram
providencias para “garantia da ordem e da tranquilidade públicas”
que, no seu entender, “estavam seriamente ameaçadas com o ato
violento de que pretendia lançar mão o atual delegado de Polícia.”
Tomavam essa postura diante de uma convocação para eleições a
deputados da Assembleia Estadual, assinada pelo delegado. A
eleição, que seria no edifício da Câmara Municipal, foi impedida
de realizar-se pelas “providências” da Guarnição Militar.”
p. 243 • “Abuso de autoridade e interferência na jurisdição do delegado de
polícia é certo que houve. Justificava-se a “garantia” por ter sido
“requisitada pelo intendente municipal legalmente nomeado e em
exercício”. Ademais, o comandante do Esquadrão de cavalaria,
Raul Betim Paes Lima, foi afastado e processado pela acusação de
arbitrariedade.”
p. 244 • “m Três Lagoas, entretanto, a política seguia outro rumo. Para as
eleições de dezembro de 1920 concorreram duas chapas: uma do
Partido Republicano Mato-grossense, encabeçada pelo coronel
Alfredo Justino de Souza, para intendente Geral do Município. A
outra, do Partido Republicano Conservador, tinha no advogado
Generoso Alves de Siqueira o candidato a chefe do executivo.”
p. 245 • “Em maio, permanecia a situação anômala e os dois intendentes
foram ao Rio de Janeiro, como emissários de sua respectiva
agremiação política, estabelecer as bases de um acordo. O
encontro foi no palácio Monroe com o senador Pedro Celestino e
o deputado Anibal Toledo. (GAZETA DO COMÉRCIO, 1 de mai.
de 1921, p. 1)”
p. 246 • “No final de 1923, após três anos do “memorial acordo político”,
o “partido da fusão” organizou-se “definitivamente”, tomando o
nome de Partido Republicano de Mato Grosso. A comissão central
era integrada, obviamente, pelos chefes supremos: Coronel Pedro
Celestino, coronel Antonio Azeredo, coronel Anibal de Toledo e
coronel Estevão Correa. (GAZETA DO COMÉRCIO, 25 de nov.
de 1923, p. 1)”
p. 247 • “E as questões de maior conflito entre os ordenadores três-
lagoenses, aqui, talvez, estivessem resolvidas, se valesse o escrito:
‘Completo afastamento dos interesses partidários no tocante às
questões fiscais. Independência da magistratura para que esta se
mantenha alheia às lutas partidárias e seja uma garantia efetiva de
todos os direitos.’”
p. 248 • “Ao iniciar 1925, a campanha para presidência do Estado de Mato
Grosso fez renascer as antigas divergências. Novo acordo no Rio
de Janeiro, arbitrado pelo Ministro da Justiça que escolheu Dr.
Mário Correa para suceder Pedro Celestino. Entretanto, a escolha
do vice- -presidente criou novo impasse.”
p. 249 • “Essas denúncias deixam perceber que as discórdias políticas não
permaneciam nos limites políticos. Interesses bem particulares se
cruzavam. Reforçamos a afirmação feita ao início deste capítulo:
é indispensável o cruzamento dos seguintes elementos – poder e
quotidiano.”
p. 250 • “O recurso eleitoral fora encaminhado pelos grupos de Generoso
Siqueira e Fenelon Müller à Junta de Recursos. Por unanimidade
de votos a Junta decidiu que os “recorrentes tinham sido
legitimamente eleitos”. Os candidatos que se orientavam pelo Cel.
Justino convencidos da fraude, inquinaram da nulidade da
apuração e utilizaram o expediente da “dualidade de poderes.””
p. 251 • “A “cordialidade”, de fato, estava longe de existir. Seguiu-se um
período de franca hostilidade. Deste modo, o triênio 1927-29 foi
tão violento quanto os anteriores. O triênio 1930-32 teria o dr.
Bruno Garcia na Intendência Geral e o dr. Generoso Siqueira
como presidente da Câmara. Entretanto, a Revolução de Outubro
interrompeu seus mandatos.”
p. 252 • “Deu-se, ao mesmo tempo, uma ciranda de partidos, de
exonerações, de nomeações, de perseguições, de proscrições,
reacendendo os ânimos, nunca serenados (GAZETA DO
COMÉRCIO, 1931, diversos). O acirramento das rivalidades foi
desencadeado no movimento constitucionalista de 1932.”
p. 253 • “Denunciada a violação de urna da 3ª seção eleitoral, teve seu
resultado anulado. Foi realizado um pleito suplementar também,
em seguida, “anulado”, voltando a valer o pleito primitivo
(GAZETA DO COMÉRCIO, 18 de ago. de 1935, p. 1). Nascia,
desse modo, o voto secreto: sob a custódia das armas e à mercê de
ilegalidades.”
p. 254 • “O primeiro grupo foi processado pela morte de Jordão Bento
Coutinho (vulgo José do Carmo), “de quem Manoel da Costa
Lima era inimigo político e pessoal”. O segundo grupo foi acusado
da morte de Abbadio Cabral de Melo, também inimigo pessoal do
coronel Manoel Cecílio.”
p. 255 • “Ricos e pobres, pelo discurso do dr. Ottílio, deveriam ser
responsabilizados pelos crimes. Entretanto, as possibilidades de
impedirem a ação judicial faziam-nos diferentes. Os pobres eram
“elementos contrários à ordem e nocivos à sociedade”, podendo
“burlar a ação da Justiça.” Os ricos, como “pessoas abastadas,
dispondo de influência pessoal e política”, embaraçariam o
andamento do processo.”
p. 256 • “A partir dessa fase, os processos tomaram novos rumos. Os
depoimentos, claramente combinados, contam uma nova versão.
Nos dois casos, os chefes são inocentados pela atribuição de
responsabilidade a elementos estrangeiros.”
p. 257 • “O fato não podia ser negado, mas distorcido. A nova direção
ocorreu com três testemunhas, elementos do bando: “tinham
atirado para cima apenas para amedrontar e que estranharam de
ter caído um homem morto, ao que retrucou um paraguaio, de
nome Romeiro, que ele tinha atirado para matar, como matara.”
Cabe referir que Romeiro não apareceu em nenhum outro
momento nos autos, a não ser na voz destas testemunhas.”
p. 259 • “Todos “ouviram dizer”, as cinco últimas no entanto, disseram o
que foi forjado como “público e notório” na segunda fase do
sumário. Na primeira, fora voz corrente o contrário. Sob o título
“os crimes de Santa Rita” dizia a Gazeta: “O tenente, Antonin
Valentim de Brito, que fora... proceder o inquérito sobre três
assassinatos atribuídos à família Costa Lima... Os indigitados
autores dos covardíssimos crimes... sumiram no mato para não
serem encontrados.” (GAZETA DO COMÉRCIO, 6 de nov. de
1932, p. 1)”
p. 260 • “Para dominar era comum a perseguição e a destruição do
adversário. As revoltas sempre foram momentos propícios para
esta sanha, de modo a contar com uma cobertura protetora de
legitimidade.”
p. 261 • “Este ciclo de revoltas desencadeava paixões, perseguições aos
rebeldes, acusações aos adversários, ódios encarniçados
provocavam reações coletivas violentas, sempre sob o comando
de algum coronel. Numa ação extralegal, a violência parecia
justificar-se aos olhos dos contemporâneos. Dependendo, é
verdade, da perspectiva em que estivessem.”
p. 262 • “Segundo algumas testemunhas e o próprio Zeca Uberabense,
após a prática do delito, “não só os 4 denunciados, como algumas
pessoas da família Bordes, inclusive José Silvério Borges (Zeca
Uberabense), estiveram bebendo em casa de Dominguinhos e
vivando Zeca Uberabense”.”
p. 264 • “O maior conflito pelo poder entre os ordenadores ocorria no
campo em que o público e o privado se defrontavam. Esta é uma
tese já aceita na historiografia brasileira, apesar de não existir “um
consenso no que diz respeito às relações entre a autonomia
municipal e a autoridade coronelística” (JANOTTI, 1986, p. 45).
Em Três Lagoas os atritos não correspondiam apenas a esta
divisão; assinalavam o surgimento de novas relações sociais entre
os ordenadores.”
p. 265 • “Um conjunto expressivo de autos apontou-nos que as desordens
de maior repercussão surgiam no espaço de poder dos próprios
ordenadores. Os ódios entre as facções políticas e as rivalidades
entre localismo e centro não podem, sozinhos, expressarem os
motivos de tantas desavenças. A desarmonia, em todos os casos,
revelou-se por conflitos de poder. Todavia, somente a disputa do
poder entre os coronéis não explica os aspectos fundamentais
desses conflitos.”
p. 266 • “Excetuavam-se as farmácias, confeitarias, bares, hotéis,
restaurantes, leiterias, cafés, padarias, bilhares e açougues: “Em
caso de infração, era previsto multa, em caso de reincidências a
multa seria dobrada ou cassado a licença.”
p. 267 • “Além do governo e do comércio existia a parte mais fraca: os
comerciários. A visão sobre o problema era confusa: “O comércio
está no seu papel, cerrado fileiras para garantir a integridade do
seu patrimônio moral e material. A classe dos empregados assiste
por igual, esse sacrossanto e indeclinável direito.” (GAZETA DO
COMÉRCIO, 2 de abr. de 1922, p. 1)”
p. 268 • “Em 1934, 12 anos mais tarde, a questão voltava à discussão. O
prefeito Antonio de Souza Queiroz “atendendo a que
comerciantes pediram”, assinou um ato em que o fechamento do
comércio se faria às 19 horas nos dias úteis e domingos e feriados
às 11 horas (GAZETA DO COMÉRCIO, 11 de fev. de 1934, p.
4). Embora, com duração efêmera.”
p. 269 • “A opinião pública coincidia com o conjunto dos fatos: os três- -
lagoenses tinham “o péssimo costume de rebeldia e da
contumácia”. E naquela velha prática pedagógica: “O progresso
dum povo infere-se por sua capacidade tributária e pelo seu
respeito aos poderes constituídos. Por que há de subsistir nos dias
pacíficos que ora decorrem, quem se rebele contra o poder
municipal?” Aí estavam os elementos das constantes desordens
entre os ordenadores: a arrecadação fiscal e o acato à autoridade.
Não só contra a municipalidade rebelaram-se os comerciantes,
prova disto foi o telegrama do presidente do Estado ao Intendente,
Álvaro Feijó: “Lamento pleito contribuintes contra Intendência
sentido se eximirem pagamento municipal principalmente depois
decisão Justiça Federal garantindo direitos municipalidade.”
(GAZETA DO COMÉRCIO, 30 de mai. de 1922, p. 1).”
p. 270 • “Entretanto, a realidade não se mostrava assim. Em muitos
momentos não só o comércio, mas elementos da polícia, da
justiça, do legislativo e do executivo, fazendeiros e comerciantes
buscavam solucionar seus conflitos com a desordem. Na verdade,
orientavam suas ações, muitas vezes, pelas ordens opostas: legal
e anárquica.”
p. 271 • “Vemos uma relação entre esse comportamento rebelde dos
comerciantes e o costume dos poderes em isentar impostos e
perdoar multas. Como também se explica a atitude contraditória
pela maleabilidade da lei e dos órgãos encarregados de zelarem
pela ordem legal. Juntos esses fatores formam uma explicação
coerente.”
p. 272 • “Na fase anterior, a iniciativa privada era constantemente
solicitada pelo Governo. As concessões e contratos davam-se
entre os homens de negócio e o governo estadual ou federal. Deste
modo, além da fraqueza financeira, a autoridade municipal era o
elo mais fraco nessa cadeia. Em relação à cobrança dos impostos
dos contribuintes remissos, o governo municipal não se facultava
de nenhum dispositivo jurídico para suas execuções. A discussão
maior sempre foi sobre a constitucionalidade nas soluções dos
conflitos.”
p. 273 • “O próprio Bernardino Mendes que liderava a rebeldia em 1927,
“sempre esteve à frente das boas iniciativas”. Em 1939, reuniu os
seus amigos e “com eles foi à casa do Cel. Pereirinha da Silva”
propor o fornecimento das pedras para que se fizesse o calçamento
central. A Prefeitura arcaria com o resto (GAZETA DO
COMÉRCIO, 12 de mar. de 1939, p. 1). Esta informalidade, uma
reunião na residência do prefeito, em lugar da prefeitura é mais
um indicador de quanto, ainda, eram esfumaçadas as fronteiras
entre o público e o privado. Era natural, assim, esses choques entre
governo e homens de negócios. Todos ordenadores.”

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