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A Inconfidência mineira.

A Inconfidência Mineira teve relação direta com as características da sociedade


regional e com o agravamento de sues problemas, nos dois últimos decênios do século XVIII.
Isso não significa que seus integrantes não fossem influenciados pelas novas idéias que surgiam
na Europa e na América do norte,. Muitos membros da elite mineira circulavam pelo mundo e
estudavam na Europa. Em 1787, entre os dezenove estudantes brasileiros matriculados na
Universidade de Coimbra , dez eram de Minas. Coimbra era um centro conservador mas ficava na
Europa, o que facilitava o conhecimento das novas idéias e a aproximação com as personalidades
da época.
Por exemplo , um ex-estudante de Coimbra, José Joaquim da Maia, ingressou na Faculdade de
Medicina de Montepellier , na França, em 1786. Naquele ano e no ano seguinte teve contatos
com Thomas Jefferson, então embaixador dos Estados Unidos na França, solicitando apoio para um
a revolução que, segundo ele, estava sendo tramada no Brasil. Um participante da
Inco0nfidência , José Alvares Maciel, formou-se em Coimbra e viveu na Inglaterra por um ano e
meio. Aí aprendeu técnicas fabris e discutiu com negociantes ingleses as possibilidades de apoio a
um movimento de Independência do Brasil.
Ao lado disso, nas últimas décadas do século XVIII, a sociedade mineira entrara em fase de
declínio, marcada pela queda continua da produção de ouro e pelas medidas da Coroa no sentido
de garantir a arrecadação do quinto. Se examinarmos um pouco a história pessoal dos
inconfidentes, , veremos que tinham razões específicas de descontentamento. Em sua grande
maioria, eles constituíam um grupo da elite colonial, formado por mineradores, fazendeiros,
padres envolvidos em negocios,funcionários, advogados de prestigio e uma alta patente militar, o
comandante dos Dragões, Francisco de Paula Freire de Andrade. Todos eles tinham vínculos com
as autoridade coloniais na capitania, em alguns casos ( Alvarenga Peixoto, Tomás Antônio
Gonzaga), ocupavam cargos na magistratura.
José Joaquim da Silva Xavier constituía, em parte , uma exceção. Desfavorecido pela morte
prematura dos pais, que deixaram sete filhos perdera suas propriedades por dívidas e tentara sem
êxito o comércio. Em 1775, entrou na carreira militar, no posto de alferes, o grau inicial do quadro
de oficiais. Nas horas vagas, exercia o ofício de dentista, de onde veio o apelido algo depreciativo
de Tiradentes.
O entrosamento entre a elite local e a administração da capitania sofreu um abalo com a chegada
a Minas do governador Luís da Cunha Meneses, em 1782. Cunha Meneses marginalizou os
membros mais significativos da elite, favorecendo seu grupo de amigos. Embora não pertencesse a
elite, o próprio Tiradentes se viu prejudicado , ao perder o comando do destacamento dos
Dragões que patrulhava a estratégica estrada da Serra da Mantiqueira.
A situação agravou-se em toda a região mineira com a nomeação do Visconde de
Barbacena para substituir Cunha Meneses. Brabacena recebeu do ministro português Melo e castro
instruções no sentido de garantir o recebimento do tributo anual de cem arrobas. Para completar
essa cota, o governador poderia se apropriar de todo o ouro existente e, se isso não fosse suficiente,
poderia decretar a derrama, um imposto a ser pago por cada habitante da capitania. recebeu ainda
instruções no sentido de investigar os devedores da Coroa e os contratos realizados entre a
administração pública e os particulares. As instruções faziam pairar uma ameaça geral sobre a
capitania e mais diretamente sobre o grupo de elite, onde se encontravam os maiores devedores da
Coroa.
Aqui, abrindo um parênteses, é preciso explicar a origem dessas dívidas. Elas se
originavam, muitas vezes, de contratos feitos com o governo português para arrecadar impostos.
Na época colonial , era comum conceder essa função pública a particulares com boas relações na
administração. Eles pagavam uma quantia ´`a Coroa pelo direito de cobrara os impostos,
ganhando a diferença entre esse pagamento e o que conseguiam arrecadar. Mas, freqüentemente ,
os contratadores nem sequer chegavam, a completar o pagamento à Coroa, daí resultando dívidas
que iam se acumulando.
Os inconfidentes começaram a preparar o movimento de rebeldia nos últimos
meses de 1788, incentivados pela expectativa do lançamento da derrama. Não chegaram, porém , a
por em prática seus planos. Em março de 1789, Barbacena decretou a suspensão da derrama,
enquanto os conspiradores eram denunciados por Silvério dos reis. Devedor da Coroa como vários
dos inconfidentes, Silvério dos Reis estivera próximo destes, mas optara por livrar-se de seus
problemas denunciando o movimento . Seguiram-se as prisões em Minas e a de Tiradentes no
Rio de Janeiro. O longo processo realizado na Capital da Colônia só terminou a 18 de Abril de
1792.
A partir daí , começou uma grande encenação da Coroa, buscando mostrar sua força
e desencorajar futuras rebelais . Só a leitura da setença durou dezoito horas! Tiradentes e vários
outros réus foram condenados à forca. Algumas horas depois uma carta de clemência da Rainha
Dona Maria transformava todas as penas em banimento , ou seja, expulsão do Brasil, com exceção
do caso de Tiradentes. Na manhã de 21 de abril de 1792, Tiradentes foi enforcado num cenário das
execuções do Antigo Regime. Entre os ingredientes desse cenário se incluíam a presença da tropa,
discursos e aclamações à Rainha . Seguiram-se a retalhação do corpo e a exibição de sua cabeça.
Na praça principal de Ouro Preto.
Que pretendiam os inconfidentes?
A resposta não é simples, , pois a maioria das fontes à nossa disposição é constituída
do que disseram os réus e as testemunhas no processo aberto pela Coroa, no qual se decidia,
literalmente, uma questão de vida ou de morte. Aparentemente, a intenção da maioria era a de
proclamar uma República , tomando como modelo a constituição dos estados Unidos. O poeta e
ex-ouvidor Tomás Antônio Gonzaga governaria durante os primeiros três anos e depois disso
haveria eleições anuais. O Distrito Diamantino seria liberado das restrições que pesavam sobre
ele; os devedores da Coroa, perdoados; a instalação de manufaturas incentivada. Não haveria
exercito permanente. m vez disso cidadãos deveriam usar armas e servir , quando necessário, na
milícia nacional.
O ponto mais interessante das muitas medidas propostas é o da libertação dos
escravos, que só excepcionalmente aparece em vários movimentos de rebeldia não só do Brasil
colônia como do Brasil independente. De um lado, no plano ideológico, é incompreensível que
um movimento pela liberdade mantivesse a escravidão; de outro , no plano dos interesses, como é
que membros da elite colonial, dependentes do trabalho escravo, iriam liberta-los? Essa
contradição surge no processo dos inconfidentes , mas é bom ressalvar que nem sempre
depoimentos derivados de interesses pessoais predominaram nas declarações . Alvarenga Peixoto,
um dos maiores senhores de escravos entre os conjurados, defendeu a liberdade dos cativos , na
esperança de que eles assim se tornassem os maiores defensores da República. Outros, como
Alvares Maciel, achavampelo contrário, que sem escravos não haveria que trabalhasse nas terras e
nas minas. Segundo parece, chegou-se a uma solução de compromisso, pela qual seriam libertados
somente os escravos nascidos no Brasil.
A Inconfidência Mineira é um exemplo de como acontecimentos históricos de
alcance aparentemente limitado podem ter impacto na história de um país. Como fato material, o
movimento de rebeldia não chegou a se concretizar , e suas possibilidades de êxito, apesar do
envolvimento de militares e contatos no Rio de Janeiro eram remotas. (...)
Mas a relevância da Inconfidência Mineira deriva de sua força simbólica : Tiradentes transformou-
se em herói nacional , e as cenas de sua morte, o esquartejamento de seus corpo, a exibição de sua
cabeça passaram a ser evocadas com muita emoção e horror nos bancos escolares. Isso não
aconteceu da noite para o dia e sim através de um longo processo de formação de um mito que
tem sua própria história. Em um primeiro momento , enquanto o Brasil não se tornou independente
, prevaleceu a versão dos colonizadores. A própria expressão “ Inconfidência Mineira”, utilizada
na época e que a tradição curiosamente manteve até hoje , mostra isso . “ Inconfidência “ é uma
palavra com sentido negativo que significa falta de fidelidade , não- observância de uma dever,
especialmente com relação ao soberano ou ao estado. Durante o império o episódio incomodava ,
pois os conspiradores tinham pouca simpatia pela forma monárquica de governo. Alem disso , os
dois imperadores do Brasil eram descendentes em linha direta da Rainha Dona Maria,
responsável pela condenação dos revolucionários.
A proclamação da República favoreceu a projeção do movimento e a transformação
da figura de Tiradentes em márti9r republicano. Existia uma base real para isso . Há índiciosde
que o grande espetáculo , montado péla Coroa portuguesas para intimidar a população da colônia ,
causou efeito oposto , mantendo viva a memória do acontecimento e a simpatia pelos
inconfidentes. A atitude de Tiradentes assumindo toda a responsabilidade pela conspiração ., a
partir de certo momento do processo, e o sacrifício final facilitaram a mitificação de sua figura ,
logo após a proclamação da República . O 21 de abril passou a ser feriado, e Tiradentes foi cada
vez mais retrado com traços semelhantes às imagens mais divulgadas de Cristo. Assim se tornou
um dos poucos heróis nacionais, cultuado como mártir não só pela direita e pela esquerda como
pelo povo.
(Fausto, Borís. História do Brasil Ed. Edusp. P.114-119)

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