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A MAÇONARIA

NA INCONFIDÊNCIA MINEIRA

Ir\ Cláudio Rodrigues Ivanov

São Paulo, 25 de outubro de 2016


Inconfidência Mineira: Definição e Contexto

Inconfidência significa falta de fidelidade ou lealdade para com alguém,


principalmente com o Estado ou com um representante de uma soberania. Alguns
movimentos classificados como inconfidentes foram registrados no Brasil, sendo os
principais a Inconfidência Mineira e a Baiana. No entanto, existem várias divergências
entre os historiadores sobre o uso adequado a palavra “inconfidência” nesses
movimentos. A nomenclatura mais aceita para este movimento seria Conjuração Mineira
já que conjuração quer dizer “conspiração contra o Estado”.
Assim, a Conjuração Mineira, também conhecida como Inconfidência Mineira,
foi um movimento de caráter separatista, ocorrido em Minas Gerais no ano de 1789.
No final do século XVIII, o Brasil ainda era colônia de Portugal e sofria com os
abusos políticos e com a cobrança de altas taxas e impostos. Além disso, a metrópole
havia decretado uma série de leis que prejudicavam o desenvolvimento industrial e
comercial do Brasil. No ano de 1785, por exemplo, Portugal decretou uma lei que proibia
o funcionamento de indústrias fabris em território brasileiro. Vale lembrar também que,
neste período, a extração de ouro era a principal atividade econômica, principalmente na
região de Minas Gerais, e os brasileiros que encontravam ouro deviam pagar o quinto, ou
seja, vinte por cento de todo o ouro encontrado aos cofres portugueses. Aqueles que
eram apanhados com ouro “ilegal” (sem ter pago o imposto) sofriam duras penas,
podendo até serem degredados (enviados à força para o território africano).
Com a grande exploração, o ouro começou a diminuir nas minas, mas, mesmo
assim, as autoridades portuguesas não diminuíam as cobranças.
Todas estas atitudes foram provocando uma crescente insatisfação no povo e,
principalmente, nos fazendeiros e donos de minas, que queriam pagar menos impostos e
ter maior participação na vida política do país. Alguns membros da elite brasileira
(intelectuais, fazendeiros, militares e donos de minas) começaram a se reunir para buscar
uma solução definitiva para o problema. Defendiam o estabelecimento de uma República,
inspirados que eram pelas ideias iluministas da França e pela recente independência
norte-americana.
Embora os livros de história indiquem que o principal objetivo do movimento fosse
libertar o Brasil do domínio português, não havia a intenção de libertar toda a colônia
brasileira, pois naquele momento uma identidade nacional ainda não havia se
estabelecido, de forma que o movimento tinha caráter mais regional. Também não havia
uma intenção clara de libertar os escravos, já que alguns participantes do movimento
dependiam dessa mão de obra e, assim, defendiam que não houvesse grandes
transformações sociais, ainda que alguns outros defendessem a ideia da abolição.
Também é comum ouvir-se que movimento foi delatado por Joaquim Silvério dos
Reis ao governador da província, em troca do perdão de suas dívidas com o governo. No
entanto, ele não foi o único a fazê-lo. O governador da capitania de Minas Gerais, Luís
António Furtado de Castro do Rio de Mendonça e Faro, o Visconde de Barbacena,
mandou abrir a sua devassa (investigação) em junho de 1789 com base nas denúncias de
Silvério dos Reis e também nas de Basílio de Brito, Malheiro do Lago, Inácio Correia
Pamplona, tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, Francisco Antônio de
Oliveira Lopes, Domingos de Abreu Vieira e de Domingos Vidal de Barbosa Laje. Os

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líderes dos inconfidentes foram presos e condenados. Enquanto Tiradentes fora
condenado à forca e ter seu corpo esquartejado, todos os outros foram exilados na África.

O Papel da Maçonaria
A primeira Loja Maçônica que se tem registro no Brasil foi fundada em 1801,
portanto 12 anos após a Conjuração, fato que tem causado muita controvérsia.
O relato que inaugurou a ligação da Maçonaria com a Conjuração Mineira deve-
se ao historiador, jornalista e professor Joaquim Felício dos Santos, que, curiosamente,
nem era Maçon. Em sua obra “Memórias do distrito diamantino da comarca do Serro
Frio”, escrita em 1868, ele afirma que a Conjuração Mineira foi um movimento
estreitamente ligado à Ordem dos Pedreiros Livres.
Ainda que não existissem Lojas registradas em atividade, posto que eram
proibidas na época, há indícios de que grande parte dos participantes da Conjuração,
inclusive o próprio Tiradentes, eram Maçons que se reuniam disfarçadamente nas
residências de Claudio Manuel da Costa, Thomaz Antonio Gonzaga, José Alvares Maciel,
Padre Rolim e de outros homens cultos da época, a princípio para participarem de
arcádias literárias, saraus e outras atividades culturais.
A historiografia acadêmica está longe de um consenso acerca da participação ou
não da Maçonaria na Conjuração Mineira, cujas hipóteses vão desde a ação efetiva até a
negação total. Para exemplificar, o pesquisador Márcio Jardim afirmou que a atuação
maçônica foi importante, porém secundária, sendo seu papel apenas o de aglutinar
pessoas e ideias, responsável mais pela articulação da intelectualidade dos poetas com a
bravura de um alferes.
Alguns afirmam ter sido a Conjuração Mineira um movimento maçônico,
idealizado por Maçons brasileiros, ao mesmo tempo que outros contestam essa
afirmação, alegando não ter havido Maçonaria nesse movimento, por não haver registros
históricos comprovando ter existido, naquela época, Lojas regulares no Brasil e, portanto,
não haver registro de tal assunto ter sido tratado.
Um autor que contesta ter sido o movimento idealizado por Maçons, termina por
afirmar que os historiadores têm se baseado, principalmente, nos “Autos da Inconfidência
Mineira”, que fora manipulado pelos juízes da época que conduziram o processo em total
sigilo, certamente ocultando os fatos verdadeiros:
”O documento básico no qual todos os historiadores têm se baseado são os “Autos da
Inconfidência Mineira”, porém, convém não esquecer que quem tinha o poder na época do
processo dos Inconfidentes era o Portugal opressor.”
(Frederico Guilherme da Costa – Questões Controvertidas da Arte Real – pg. 37).

Assim, se nos basearmos nos Autos da Inconfidência Mineira, não teremos a


história do movimento, tão somente a versão dos juízes, pois, como menciona Arcy
Tenório D’Albuquerque em seu livro “A Maçonaria e a Inconfidência Mineira”, “o processo
tinha sido secreto e arbitrário, e o tribunal supremo gozava das prerrogativas absolutas da
Coroa”.
Arcy Tenório D’Albuquerque relata ainda que:
• Era considerado criminoso ser Maçom. Bastava ter livros escritos em
francês ou possuir a constituição dos Estados Unidos para que um
cidadão fosse perseguido, preso e processado por alta traição;

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• A maior parte da documentação existente foi destruída pelos
conspiradores e os Juízes adulteraram muitos depoimentos, pois tinham
pavor das chamadas ideias novas, da pregação democrática e dos
princípios de dignificação do homem;
• Tamanho era o fanatismo contra a Maçonaria que temiam proferir a
própria palavra. A maçonaria brasileira, na época, sendo uma instituição
clandestina, por força das leis e da própria ignorância do povo, não tinha
liberdade para promover reuniões em locais conhecidos nem tampouco
registrá-las em qualquer tipo de ata, tendo sido destruída a pouca
documentação existente, por ser considerada muito comprometedora;
• Mesmo havendo indícios de que o movimento tenha sido planejado pela
Maçonaria, o pavor que as autoridades da época tinham dela, jamais
permitiria fazer constar, nesses autos, o verdadeiro acontecimento.
Continua ele:

“[…] assim vem sendo balburdiada a história da conjuração mineira. Nesse tumultuar, há
o propósito de falsear, de baralhar para confundir, para ludibriar, para ocultar que a conjuração
mineira foi um movimento maçônico, idealizado por maçons brasileiros que estudavam no
estrangeiro, onde se iniciaram e que procuraram o apoio de um país – os Estados Unidos – cujo
governo era integrado por maçons, isto é, por irmãos, e solicitaram a intercessão de irmão norte-
americano, Thomas Jefferson, sabidamente maçom, pois que frequentava lojas na frança, a
exemplo do que fizera Benjamim Franklin.”
(A. Tenório D’Albuquerque – A Maçonaria E A Inconfidência Mineira – pag 19.)
No entanto, pesquisas realizadas por José Castellani e Frederico Guilherme
Costa (eminentes autores maçons), levadas a público no livro de sua autoria “A
Conjuração Mineira e a Maçonaria que não houve”, na página 145 conclui:
“Como vimos no decurso deste trabalho sobre a Maçonaria que não houve na
Conjuração Mineira, o movimento não foi maçônico, nem poderia ser em função de não EXISTIR
LOJAS à época. Tiradentes jamais foi iniciado sob qualquer circunstância.”

Tiradentes: Maçom ou Não?


A divulgação dos ideais maçônicos era feita principalmente por pessoas que
retornavam da Europa para onde tinham ido estudar. Era comum, entre as famílias
abastadas brasileiras, enviar seus filhos a países da Europa a fim de completarem a sua
educação. Ali eles tinham a oportunidade de frequentar universidades famosas, como a
de Coimbra em Portugal e de Montpellier, na França, onde o pensamento maçônico
fervilhava. Muitos saíam dali iniciados nos augustos mistérios da Ordem.
Retornando ao Brasil, esses estudantes, agora doutores, além de divulgar os
ideais de liberdade, acabavam por arregimentar adeptos propagando o pensamento
maçônico. Era frequente também, naquela época, a Iniciação por Comunicação, ou seja,
a iniciação levada a efeito fora dos templos ou realizada por um maçom com autoridade
para tanto.
Segundo Romulo Ferreira Diniz em seu artigo “A Participação Da Maçonaria Na
Inconfidência Mineira”, Tiradentes foi iniciado pelo Dr. Álvares Maciel (em 1788, no Rio de
Janeiro), que, de acordo com o costume, lhe transmitiu os sinais e ensinou-lhe a palavra

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de passe de aprendiz. O Instituto Tiradentes, sediado na cidade de Viçosa, MG, corrobora
tais afirmações em seu site oficial, no artigo “Tiradentes – Perfil”. Diniz informa ainda que
há historiadores que afirmam que sua iniciação se deu na Bahia, centro de grande
movimentação maçônica.
Já no artigo publicado na Revista Ciência e Maçonaria, o Professor e Advogado
Marco Antônio de Moraes, aprofunda-se no tema e baseia-se em evidências documentais
para afirmar que “não existe qualquer registro e, nos sete volumes dos Autos Devassa da
Inconfidência Mineira, publicados pela Biblioteca Nacional (1936), não há qualquer
referência à iniciação de Tiradentes ou sua condição de maçom” e conclui afirmando que
“Tiradentes não poderia ter sido iniciado na Maçonaria na Bahia enquanto mascateava ao
norte de Minas, por volta de 1774, uma vez que esta ainda não existia.” (pág. 92).
Quanto à execução de Tiradentes ocorrida dia 21 de abril de 1.792, Romulo
Ferreira Diniz informa que alguns historiadores afirmam que, num ato de caráter
maçônico-fraternal, o poeta Cruz e Silva, que além de Maçom e amigo dos
revolucionários, era um dos juízes da Devassa, arquitetou uma operação não-oficial
fazendo com que o carpinteiro Isidro de Gouveia (condenado por outros crimes) fosse
enforcado no lugar de Tiradentes, em troca de ajuda financeira oferecida pela Maçonaria
à sua família. O alferes teria embarcado incógnito para Lisboa e a cabeça de Isidro
Gouveia, que estava acorrentada em uma gaiola no alto de um poste, fora retirada e
colocada numa urna funerária e, em cerimônia fúnebre cristã, enterrada sob um altar
maçônico. Conta também que em 1.969, o historiador Marcos Antonio Correia,
pesquisando sobre José Bonifáco de Andrade e Silva, descobriu na lista de presença da
Galeria da Assembléia Nacional Francesa de 1.793, a assinatura de Joaquim José da
Silva Xavier, que, submetida a exame grafológico, teve a autenticidade comprovada.

Conclusão

Independentemente da controvérsia, devemos reconhecer que:


1) a Conjuração Mineira foi um movimento inspirado na doutrina ideológica
importada da Revolução Francesa, que foi amplamente planejada no interior das Lojas
Maçônicas daquele país, absorvida pelos revoltosos brasileiros e que resultou num dos
mais importantes atos libertadores conhecidos no nosso país;
2) que alguns de seus principais articuladores tinham sido iniciados fora do país e
que, ao retornar, influenciaram decisivamente no movimento;
3) que, se Tiradentes não foi efetivamente iniciado, agiu com a vontade,
determinação e força dignos de um Obreiro da Arte Real. Se foi, os indícios o colocam no
grau de Aprendiz, representando significativo exemplo para todos os novos iniciados.

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Referencias Bibliográficas:
• Frederico Guilherme da Costa – Questões Controvertidas da Arte Real – Vol. 3 – Editora A
Trolha – 1997.

• Arcy Tenório D’Albuquerque – A Maçonaria e a Inconfidência Mineira – Editora Aurora –


Rio de Janeiro – 1976.
• José Castellani – A Conjuração Mineira e a Maçonaria que não Houve (co-autoria com
Frederico Guilherme Costa) - Editora Gazeta Maçônica – 1992.
• Silva, Carlos Eduardo Lins – Morte de Tiradentes tem Contestação – Jornal Folha de São
Paulo, edição de 21 de abril de 1999.
• Site “Maçonaria.net” - artigo: “Maçonaria na Inconfidência Mineira”
http://www.maconaria.net/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=57
• Site Plinio Tomaz – artigo: “Tiradentes – A Verdadeira Hostória”
http://www.pliniotomaz.com.br/downloads/tiradentes.pdf
• Site “Historia do Brasil .Net – Artigo: “Conjuração Mineira - resumo, objetivos, causas“ -
http://www.historiadobrasil.net/resumos/conjuracao_mineira.htm
• Site “Significados” - Artigo “O que é Inconfidência” -
https://www.significados.com.br/inconfidencia/
• Site “Sua Pesquisa .Com” - Artigo “Inconfidência Mineira”
http://www.suapesquisa.com/historiadobrasil/inconfidencia_mineira.htm
• Marco Antônio de Moraes – Artigo “Tiradentes, Maçom Iniciado?” - Revista Ciência &
Maçonaria vol.2 nº 2 , pág. 89-95 – Brasília – Julho/Dez, 2014.
• Site “Instituto Tiradentes” - Artigo “Tiradentes – Perfil” -
http://www.institutotiradentes.com.br/perfil
• Romulo Ferreira Diniz – Artigo “A Participação Da Maçonaria Na Inconfidência Mineira”
disponível em http://lojacavaleirostemplarios.com.br/INCONFIDENCIA.pdf

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