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• •
A ANTI MAÇONARIA
•
E OS MOVI M ENTOS

fUNdAMENTAlisTAS
NO fi M do séc, XX
IR:. DESCARTES DE SOUZA TEIXEIRA

Maçonaria dos "acei-
tos" nasceu e se desen-
volveu sob inspiração,
dedicação e obstinação
de um punhado de ide-
alistas, mas sob olhares
desconfiados de alguns outros, preo-
cupados, desconfiados e potenciais
detratores. Não bastaram os seus pro-
clamados ideais altruistas e princípios
universais de fraternidade, tolerância,
liberdade e de união daqueles que - de
outra forma - viveriam eternamente
distantes. Também não foram sufici-
entes a bagagem cultural-científica,
seriedade e a honradez de seus primei-
ros líderes e legisladores, nem a de-
claração pública dos seus princípios e
obrigações de 1723. Nada disso foi su-
ficiente para neutralizar ânimos
preconceituosos ou dissipar desconfi-
anças dos que, em realidade, viam na
nova confraria uma potencial ameaça
às suas posições de poder, um foco de
conspiração e caldo de cultura de no-
vas heresias.
A realidade é que a história regis-
tra que, mal a segunda edição da Cons-
tituição de Anderson - a Carta Magna
dos maçons - saía do prelo, a primeira
condenação, formal e universal da
nova sociedade vinha à luz, eivada de
pesadas acusações: o papa Clemente
XII lançava a bula In Eminenti, em 04
de maio de 1738. A nova "sociedade"
era alvo oficial de suspeição e acusa-
da de vários desvios com relação às
doutrinas da Igreja. Assim, os católi-
cos seriam excomungados se dela par-
ticipassem. Inaugurava-se o movimen-
to antimaçônico.
a O discurso organizado contra a
nova sociedade de homens livres, in-
cluindo certa coerência e sugerindo
alguma lógica interna, ganhava tons de
intolerância e de clara disputa pelo
poder. Imaginavam seus mentores que
homens de diversas crenças e origens,
comprometidos por juramento firma-
do secretamente, sujeitos a penalida-
des severas em caso de perjúrio, esta-
riam urdindo uma campanha para des-
truição da Igreja e da ordem secular
constitui da. Evidente ameaça aos po-
deres estabelecidos, era o que
concl uiam os 'defensores' do
establishment.
Embora importante, aquele não foi
o único evento antimaçônico. Em rea-
lidade, inaugurou uma série de outros.
Era o início de uma movimentação or-
ganizada contra a Maçonaria, com vá-
rios desdobramentos subseqüentes.(1)
Já na primeira metade do Séc.
XVIII, fatos saídos das próprias lojas
não foram menos perturbadores. Al-
guns adeptos, que posteriormente
abandonaram a Maçonaria, decidiram
divulgar os usos, costumes, rituais e
até mesmo formas de reconhecimento
dos irmãos. Imaginavam, com tais ges-
tos de ruptura dos compromissos as-
sumidos em loja, poder solapar as ba-
ses da fraternidade, demonstrar publi-
camente suas eventuais fraquezas, as
falaciosas conspirações e presumíveis
práticas heréticas, ou ainda - como
admitido por muitos analistas hoje -
ganhar algum dinheiro e fama.
Assim surgiram, no início do séc.
XVIII, Samuel Prichard, com sua fa-

. ..
'
 mosa "Masonry Dissected" (Maçona-
ria Dissecada) (1730); o Abade Pérau
com "L 'Ordre des Franc-Maçons
Trahi et Leur Secret Révélé" (1745);
Louis Travernol, com "La désolation
des entrepreneurs modernes du temple
de Jérusalem ou noveau catéchisme
des franc-maçons " (1744); o Abade
Larrudan, com "Les Franc-Masons
Écrasés" (1747), e muitos outros pos-
teriores. Tal conduta foi combustível
para as ações antimaçônicas por mui-
to tempo. Diríamos que ainda hoje é
prática muito usual, imitada em pleno
final do século XX. Oportunistas, a
serviço de fins nem sempre claros, têm-
se valido de conhecimentos obtidos no
interior da Ordem para divulgá-los,
exibindo interpretações as mais varia-
das, quase sempre superficiais, e tra-
zendo confusão à mente dos mal-in-
formados. As informações sobre o in-
terior da Ordem, conforme imagina-
vam, se abertamente disponíveis e se-
gredos revelados, alimentariam men-
tes sensacionalistas, preconceituosas e
ávidas por identificar mazelas, desvi-
os heréticos e outras fantasias. Servi-
riam ainda às mais estranhas exegeses
dos algozes da Ordem. Seriam, portan-
to, com boa probabilidade, excelente
oportunidade de negócios no mercado
editorial.
O exemplo mais tristemente lem-
brado, embora não o único, vem do
perjuro Leo Taxil/, que na segunda
metade do século XIX, resolvendo
abandonar a Maçonaria, deixou desas-
troso rastro de diatribes, levantando, a
partir de sua fértil imaginação,
fantasiosas acusações, fraudes e intri-
gas, uma das quais, associando os ri-
tuais das lojas com cultos pagãos e
satânicos, traria lamentáveis impactos
até hoje.
Embora desmascaradas posterior-
mente, as ficções de Taxil mancharam
a imagem da instituição e, mais do que
isto, contribuíram para plasmar na
mente de muitos incautos,
preconceituosos e despreparados, a
falsa conotação de satanismo associa-
da às reuniões das lojas maçônicas.
Viabilizou, por outro lado, diversas
• J I ,
atividades antimaçônicas posteriores.
Assim, de dentro das próprias lo-
jas saíram muitos dos que perturbaram,
e ainda perturbam, o bom desenvolvi-
mento de sua obra espiritual, fraternal
e construtivista, engrossando as filei-
ras de poderosas hostes antimaçônicas.
Alguns ex-maçons, de ontem e de hoje,
postam-se como arautos de campanhas
antimaçônicas, amparados por recur-
sos inalculáveis e fazendo praça de seu
conhecimento e convívio fruídos do
interior das lojas. Alguns desses têm
obras traduzi das e recém-publicadas
no Brasil, como demonstramos neste
trabalho. Outros estão divulgando os
seus "achados" na Internet. Incautos
não faltam para levar a sério as farsas
que se difundem por toda parte contra
a Ordem, sob a razoável bem-sucedi-
da estratégia do marketing das "reve-
lações dos mistérios ocultos, ensinos
secretos agora revelados, enigmas de-
cifrados, conspirações desmascaradas
etc ..., etc ... ".
Nos EUA, o chamado Morgan
Affaire iniciou amplo processo
antimaçônico. Foi o acontecimento
histórico mais abrangente e, por isso,
importante: um escandaloso incidente
em Batavia, Estado de Nova York, em
1827, motivado pela publicação de tex-
tos dos rituais dos graus simbólicos,
usos e costumes internos às lojas, en-
volvendo o perjuro William Morgan,
e David C. Miller, um outro ex-maçom,
jornalista e proprietário de uma peque-
na oficina gráfica na cidade. O desen-
cadear de uma série de desdobramen-
tos de tal publicidade trouxe terríveis
conseqüências. Anunciou-se que
Morgan teria sido, posteriormente à
publicação, seqüestrado e assassinado
pelos maçons, que foram daí postos
sob suspeita pela sociedade civil. A
Maçonaria americana sofreu traumá-
tico revés: o escândalo alcançou todo
o país, a ponto de esvaziar várias lo-
jas. Algumas chegaram a abater colu-
nas, e uma frente civil contra a Maço-
naria, de alcance nacional, engendrou
a organização de um partido político
antimaçônico, caso único na história.
Visava desalojar os maçons dos diver-
sos organismos do governo e assim
neutralizar sua influência política.
Tinha início o movimento
antimaçônico nos EUA, com eviden-
tes interesses políticos, por trás do dis-
curso nacionalista, conservador e cris-
tão. Não era o estranho desaparecimen-
to de William Morgan que motivava a
reação, mas a movimentação dos
maçons nos procedimentos judiciais
que se seguiram, acusados de proteger
irmãos, culpados e suspeitos, confor-
me sustentam alguns historiadores e
relatos de testemunhas. Não seria pos-
sível entender-se os movimentos
antimaçônicos nos Estados Unidos da
América sem o estudo acurado do
Morgan A.fJaire e suas consequências
mais imediatas, entre 1826 e 1840.
Com o início do Séc. XX, mesmo
com as duas guerras mundiais a per-
turbar todo o cenário, com novos ato-
res e estruturas político-sociais ainda
ensaiando-se, o discurso e a práxis
antimaçônicos prosseguiram, ainda
mais radicalizados. Na Europa, a Igre-
ja Católica Romana ganhou novos ali-
ados nessa movimentação. A implan-
tação dos regimes ditatoriais fascistas
na Espanha, na Itália e em Portugal,
bem como a revolução comunista rus-
sa em 1917, além da ascensão do na-
zismo na Alemanha, acrescentaram
mais componentes ao caldo de cultura
onde se desenvolveram discursos vio-
lentos e a prática de verdadeiras
barbáries contra os maçons.
Na Espanha franquista, no Portu-
gal salazarista e na Rússia comunista,
dois grupos - ideologicamente antagô-
nicos - mas politicamente alinhados
por suas posições autoritárias e
,--
,
antidemocráticas, dominaram gover-
nos notoriamente antimaçônicos. Uns
e outros viam na Maçonaria uma ame-
aça aos seus planos. Maçons e judeus
estariam alinhados, conspirando inter-
nacionalmente em busca de um mes-
mo propósito: ocupar o poder em todo
o mundo. Os comunistas, por sua vez,
viam um complô judaico-maçônico a
serviço do capitalismo ocidental e do
dominio imperialista. Os fascistas fo-
ram além. Foram os mais radicais
opositores da Ordem em toda a histó-
ria, na teoria e na prática. Acusavam o
"complô" formado pelos maçons, ju-
deus e comunistas, para a derrubada
do poder constitui do. Para
que se entenda aquele
momento vivido pe-
los maçons sob
hostes fascistas,
oportuno é o comen-
tário de Benimelli,
em sua respeitável
obra "Maçonaria X
Satanismo ':
"Todas as situações
políticas totalitárias ti-
veram de recorrer à uti-
lização dos ingredientes
'anti' do sistema, em espe-
cial o antijudaismo, o anticomunismo
e a antimaçonaria. Os casos de
Mussolini, quando dissolveu as lojas
italianas em 1925, e o de Hitler, que o
imitou em 1934, 'como defesa contra
a conspiração judeu-maçônica', são
suficientemente expressivos e conhe-
cidos. Da mesmaforma se poderia fa-
lar dos regimes de Vichy, com o Mare-
chal Petain, ou de Lisboa, com Salazar.
Na Espanha, os que foram utilizados
de um modo persistente pelo regime--
de Franco foram o anticomunismo e a
antimaçonaria, que chegaram a cons-
tituir componentes muito importantes
da dialética do sistema .... houve uma
tendência a identificar a Maçonaria
com comunismo; identificação que se
estabeleceu, em certo sentido, inclu-
sive no terreno jurídico, já que delitos
atribuídos igualmente a maçons e co-
munistas pela legislação espanhola,
desde a lei de 10 de março de 1940
até a criação do Tribunal de Ordem
Pública (T o.P) em 1963, permanece-
ram individualizadas pela tendência
em maior ou menor gravidade, a sub-
verter os princípios básicos do Esta-
do, perturbar a ordem pública, a dis-
seminar a derrocada na consciência
nacional.í"
De dentro e de fora da Maçonaria,
nasceram e se desenvolveram, pois,
atitudes e posições contra a própria
Ordem, suscitando acusações, minan-
do sua imagem e deturpando publica-
mente a mensagem sobre seus reais
propósitos. Egressos da Ordem, não
raro, estiveram associados a tradicio-
nais grupos de antimaçons, "jogando
mais lenha na fornalha". A grande
maioria das campanhas sempre
tiveram regi- ~ ~
mes autoritários
por trás e conotações políticas
evidentes.
ão podemos hoje acusar
Leo Taxil, sem deixar de ver a
extensão do respaldo que rece-
beu da Igreja e dos governos fascistas
para a disseminação de suas
estapafúrdias idéias. Na realidade, es-
tava em jogo a defesa do poder políti-
co-autoritário da Igreja, ameaçada, em
sua estabilidade, pelos novos governos
laicos europeus em plena ascensão e
diante da iminente queda das monar-
quias e ditaduras que contavam com
sua tácita aliança. Nos países sob for-
te influência católica - como Portugal,
Espanha e Itália - foram os próprios
regimes totalitários que criaram cam-
panhas contra a Maçonaria. A história
não registra movimentos organizados
contra a Ordem originados no seio de
governos democraticamente constitu-
ídos. O corolário nos parece claro: a
Maçonaria representa uma ameaça,
suas doutrinas e seus princípios se con-
trapõem aos planos totalitários de do-
mínio, são contrários às formas abso-
lutistas de poder e não se compatilizam
com o cerceamento das liberdades in-
dividuais. Não por outra razão encon-
tram resistência e oposição junto aos
regimes não-democráticos de nossos
dias. Não por outra razão encontram
resistência e oposição junto aos regi-
mes não-democráticos de nossos dias.
Não por outra razão foi banida do Irã
em 1979, tão logo Khomeini assumiu
o poder absoluto. Não sem motivo está
banida do Iraque, não existe na Repú-
blica Popular da China, nem na Líbia,
nem em Uganda, nem na Argélia, nem
em outras ditaduras ("teocráticas" ou
não).
Nos EUA, os movimentos contra a
Ordem Maçônica tiveram desenvolvi-
mento diferente da Europa. As
campanhas
~
~
<-=
contra o
"poder político", atribuí-
do à Maçonaria, vieram de grupos po-
lítico-religiosos conservadores que
pretendiam disputar, a seu modo, po-
sições de mando na nova república, na
virada do Séc XVIII. Contribuíram
para isto, além do impacto do Morgan
Affaire, certo temor, difuso na Europa
e chegado às plagas americanas, atri-
buído ao complô dos Illuminati com
os maçons, contra toda a ordem em
vigor, após a deflagração da revolução
francesa em 1789. Não se falava de
outra coisa, senão de uma reviravolta
total nos governos, nas instituições, na
Igreja e na própria cultura nacional,
pela implantação de uma nova ordem,
tendo por trás a poderosa e secreta ali-
ança da franco-maçonaria com os
Illuminati.
Esse temor, aliado às conhecidas
conseqüências locais do malfadado
Morgan Affaire, serviu para criar o am-
biente psicossocial de onde se origi-
nou e se desenvolveu a antimaçonaria
amencana.
Chegamos ao fim do século XX
vislumbrando nova reviravolta
antimaçônica. Movimento contra os
maçons se aglutina nos EUA. Desta
vez, dentro de um cenário político-
institucional novo, repleto de grandes
. ..
~
mudanças, carregado de incertezas,
muitas perplexidades e novos atores.
Acusações diversas, infundadas e ci-
entificamente desonestas, são dispara-
das contra a Ordem, reacendendo ve-
lhos slogans: religião pagã contrária
ao cristianismo, praticante de culto sa-
tânico, culto fálico, foco de conspira-
ções contra a ordem tradicional
estabelecida e a cultura cristã-ociden-
tal, imagem do anticristo previsto na
Bíblia, responsável por atividades
aéticas praticadas clandestinamente
contra a sociedade americana [crimes,
escândalos, complôs e campanhas se-
cretas contra o cristianismo], a servi-
ço de um modelo universal de gover-
no - contrário às pretensões da nacio-
nalidade e à preservação da cultura
americana tradicional - conservadora,
cristã -fundamentalista.
A origem de todas essas diatribes
pode ser identificada nos grupos cris-
tãos fundamentalistas americanos.
Embora minoritários quando conside-
rados no amplo leque dos grupos da
sociedade americana, contam com
substancial ajuda do establishment
conservador, o acesso a uma respeitá-
vel rede de comunicações (rádio, TV,
imprensa, Internet e cadeias editoriais),
apelam ao sentimento religioso ame-
ricano, contam com a aliança da "di-
reita" política e demonstram disposi-
ção de investir recursos vultosos em
seus propósitos.
Mensagens contrárias à Ordem par-
tem principalmente de eminentes teó-
logos, pastores e pregadores leigos,
estribados no conhecimento da Bíblia,
na sua interpretação literal e brandin-
do posições fundamentalistas bem co-
nhecidas.
A presença no Brasil de represen-
tantes dessa corrente já podemos
detetar: livros são publicados e farta-
mente distribuídos pelas editoras e li-
vrarias evangélicas. Filial de organi-
zação americana dedicada ao estudo de
seitas estranhas, ocultismo, e outras he-
resias, há algum tempo está instalada
no País. Ao lado da pregação do Evan-
gelho, que lhe dá certo amparo
institucional e imagem oficial de mis-
são religiosa, empregam parte substan-
cial dos seus recursos para editar e pro-
mover mensagens acusatórias contra
outros grupos, seitas, inclusive a Ma-
çonaria, considerados anticristãos ou
heréticos - para dizer o mínimo. Au-
tores antimaçons americanos como W.
Schnoebelen, J. Ankerberg, John
Weldon e Scott Horrel, encontram ago-
f/ .....
fl# ..[J.
~fI ra espaço no mercado edi-
\., torial brasileiro pela ampla
c..J promoção e distribuição de
.... ..... suas obras, já traduzidas,
no País. Todas de caráter
antimaçônico.
Nos EUA, vozes individuais e al-
gumas escassas organizações têm-se
levantado, em resposta à torrente
acusatória dos antimaçons. A Masonic
Service Association, a Philalethes
Society, o Center for Interfaith Studies
e algumas lojas de pesquisas maçôni-
cas, com especial destaque para a
Southern California Research Lodge,
a Research Lodge of Oregon n° 198
AF &AM e a Texas Lodge of Research,
têm contribuído para trazer à tona a
verdade, por meio dos trabalhos que
disseminam. Ilustres escritores, pes-
quisadores maçons e maçonólogos
americanos, como Peter P. Trei, Ph.D.;
Dennis Stocks; E. Arthur Haglung
(Past-Grão Mestre da Grande Loja da
California); Reid McInvale; James T.
Tresner, Ph.D.; Rev. Baron Dr. Lloyd
Worley; Gary Leazer; Art de Hoyos;
S. Brent Morris e o famoso Ir:. John
Jamieson Robinson, já falecido, têm-
se destacado por suas contribuições,
com refutações objetivas e equilibra-
das, pondo a nu farsas, so-
fismas, mentiras, precon-
ceitos e variadas diatribes
contra a Maçonaria, res-
peitando, todavia, o direito de cada um
à livre expressão de suas opiniões e
crenças.
Nossa crítica básica, porém, aos
estudos e análises dos maçons, veicu-
lados até agora sobre esse contencioso,
r-
é que suas abordagens requerem fender a posição dos maçons. Mas o tura maçônica.
maior aprofundamento. Tal que não deixa de ser frustrante é nin- Estamos, evidentemente, longe de
aprofundamento se toma tão mais ne- guém haver tentado abordar o que está esgotar o entendimento do problema.
cessário quanto mais perplexos ficam por trás de todo esse tiroteio. Não são Mas precisamos focá-lo em sua origem
os maçons diante de tão agressivas e conhecidos estudos detalhados de todo e não só nos seus sintomas visíveis.
insólitas acusações, como pudemos o cenário por onde circulam as Como poderemos responder as ques-
exemplificar ao longo deste trabalho. "catilinárias" antimaçônicas tões do tipo: Que motivos estarão mo-
Todas as tentativas de estabelecer um deste fim de século. Falta-nos vendo sistemática e agressivamente
entendimento desse processo, que hoje uma visão "holística" de todo grupos antimaçons a divulgar suas acu-
está mais radicalizado e generalizado, esse processo, que mostre aos sações em todos os canais de comuni-
ainda que válidas, são dominadas por maçons o verdadeiro foco de cações disponíveis? O que poderá ex-
uma visão fragmentária do problema. interesse dos opositores da plicar tão maciça concentração de re-
Nada até agora tem sido feito para en- Ordem e até onde preten- cursos aplicados na condenação públi-
tender o todo, segundo uma perspec- dem chegar. Do entendi- ca da Maçonaria, com base em falsos
tiva abrangente. O Ir:. Dennis mento amplo de todo argumentos, como ocorre nos dias atu-
Stocks, por exemplo, cita, em seu pre- o processo, dependerá ais? Será que todo o esforço para con-
cioso ensaio "Casebook: Another o posicionamento dos denar a Maçonaria por suas ligações
Look at Antimasonry" divulgado na maçons a respeito. com práticas satânicas ainda encontra
Internet, a análise que fez o Ir:. M.M. Muitos historiadores eco entre setores da população? Se não
Hamill sobre as acusações e analistas dos movimen- há eco, por que razão insistir na mes-
antimaçônicas na obra "The Sins of tos antimaçônicos dos ma tecla de 200 atrás? Será que todas
our Masonic Fathers" (Os Pecados de séculos anteriores che- essas falsas acusações não encobrem
nossos Antepassados Maçons). Hamill garam a traçar motiva- problemas outros por que passa fração
classifica as acusações antimaçônicas ções, explicando acirra- da sociedade conservadora americana?
em três grupos: mentos e radicalizações Nossa tese, cujos fortes indícios a
• acusações relacionadas à condu- e tentando uma expli- seu favor apresentamos neste trabalho,
ta secreta da ordem; cação abrangente, mui- é que as transformações pelas quais
• o mal-entendido das relações da to acima e além da tro- passa o mundo atual, vivendo o cha-
Maçonaria com as religiões; ca de impropérios que mado pós-modernismo, com a chama-
• insinuações de corrupção, ati- se registrava. As con- da globalização da economia, as faci-
vidades aéticas e outros com- tribuições de Jacques lidades de comunicações, a migração
portamentos, ditos clandesti- Lemaire, J. M. crescente de grupos populacionais, o
nos, escudados pelas relações Roberts, Jean Baylot, desenvolvimento vertiginoso da nova
entre maçons, Alec Mellor e Luc economia asiática desestabilizando tra-
Stocks disseca-as uma por Néfontaine são bom dicionais economias ocidentais, o
uma. Responde com serenidade, exemplos de tenta- avanço da ciência e da tecnologia cri-
competência, e clareza aos tivas de esclareci- ando novos paradigmas e derrubando
algozes da Ordem, acusação por mento abrangente mitos, e a queda das barreiras políti-
acusação. E fica por aí. Em ge- dos movimentos co-ideológicas leste/oeste com o fim
ral, assim tem sido a forma antimaçônicos do comunismo soviético, estão engen-
como a posição dos maçons (4). O que se drando crescente radicalização em gru-
tem sido colocada contra a nota hoj e é que pos nacionalistas conservadores, em
avalanche de acusações tal abordagem várias regiões do planeta. E nos EUA
que lhes são desferidas. É abrangente, não está sendo diferente. O fim da
compreensível que as- se existe, guerra fria não implica novo período
. . ..
SIm se micrem as cam- ainda não pacífico. Nova guerra já se vislumbra
panhas de resposta apare- neste limiar de século XXI. Analistas,
aos detratores. ceu na respaldados em levantamentos e refle-
Não deixa de ser li te- xões, sustentam que conflitos regionais
uma forma vá- ra- isolados, e de natureza cultural, são
lida de de- como o soar das primeiras trombetas a
prenunciar graves confrontos, agora de
natureza cultural -
no qual a religião

• J,.
tem papel preponderante. Bosnia,
Chechênia, Caxemira, radicalismo
islâmico no Irã, crises políticas e as-
sassinatos em massa na Argélia, con-
flitos religiosos diversos na India e
no Sri Lanka, terrorismo no Japão e
entre nações árabes,
fundamentalismo cristão nos EUA
cada vez mais radicalizado,
skinheads na Alemanha e Le Pen na
França atacando imigrantes e as no-
vas culturas em seus territórios, são
apenas alguns prenúncios da nova
onda de choque aproximando-se.
Os ataques à Maçonaria nos dias
atuais não podem ser entendidos se-
não neste cenário mais abrangente.
Não estamos tratando com um fenô-
meno isolado. O contencioso entre
Maçonaria e grupos radicais-conser-
vadores deve ser visto como parte de
um novo conflito, desta vez de na-
tureza cultural que, como diz Samuel
Huntington, é multipolar
multicivilizacional. (5) Acabou a
bipolarização engendrada ao longo
dos cinqüenta anos de guerra fria, na
qual o comunismo foi o bode
expiatório e o grande vilão, o gran-
de artífice do mal, na percepção da
extrema-direita americana.
Inicia-se agora, conforme admi-
tem analistas - Huntington à frente -
uma guerra multipolar envolvendo
diversas correntes onde culturas
(leia-se, religiões), e não ideologias,
estão em choque. Onde
fundamentalismo se radicaliza, pois
que pressionado pelas culturas que
lhes são antagônicas e que se arro-
jam a minar seu próprio terreno de
atuação, assumem posições ofensi-
vas. Tiros são disparados em várias
direções. São alvos também, por
exemplo, outros grupos cristãos, di-
tos liberais, os cientistas que susten-
tam descobertas e teorias conflitantes
com a Bíblia, grupos feministas, de-
fensores do aborto, grupos homosse-
e xuais, os secularistas de uma forma
geral, os imigrantes, os humanistas,
e muitos outros "istas".
Com sua postura universalista,
pacífica e tolerante, unindo diferen-
tes correntes religiosas, etnias, posi-
ções políticas e filosóficas, embora
defensora de valores e princípios
básicos inarredáveis, a Ordem dos
Maçons Livres, Antigos e Aceitos,
(...sem preocupações de fronteiras e
de raças ...), é alvo predileto daque-
les que defendem o separatismo, po-
o sições exclusivistas, fechadas, into-
lerantes e conservadoras, como se
fossem eles os responsáveis diretos,
e únicos, pela integridade do derra-
deiro bastião de uma antiga ordem
cujas fronteiras precisam ser defen-
didas, a todo custo, em face da ame-
açadora invasão de novas culturas.
Há, portanto, uma evidente disputa
de poder no ar, além - é claro - dos
tecnologicamente avançados satéli-
tes artificiais e dos aviões de carrei-
ra. Aí devem estar focalizadas as nos-
sas preocupações analíticas, pelo me-
nos assim pensamos e sustentamos
neste trabalho.

1. Na realidade, considera-se a bula "In Eminenti" como marco histórico mais

importante, mas outras campanhas surgiram na Inglaterra contra afraternidade
dos free-masons antes de 1738, de ordem política. De toda forma, a bula "ln
Eminente ", pelo alcance universal e pelo poder autoritário, resulta em
importante pedra inaugural na caminhada de acusações que se seguem, urdidas
contra a Ordem. Uma das mais abrangentes narrativas desse período é feita
por J MRoberts na obra "La Mythologie des Sociétés Secretes ", chap.Ill-Lés
Débuts de l'Antimaçonerie, pp.67-96. (cf. Bibliografia).

2. Pseudônimo de um aventureiro, imaginativo criador de logros e contador de

estórias, Gabriel Antoine Jogand-Pagés, nascido em Marselha, França, em 21
de março de 1854. Diz a história quefoi aceito na Maçonaria, na Loja "Temple
de L'Honneur", em 1881. Pouco depois delafoi expulso, nào havendo chegado
mais do que ao grau de Aprendiz (cf. Mackey, Enc. of Freemasonry). Dele a
história narra as mais incríveis peripécias, incoerências e trapaças. E, para os
maçons, ficou sendo o grande responsável pelas acusações de satanismo
atribuídas às práticas ritualísticas da Ordem. Em realidade, todos os ataques
atuais, dos novos algozes da Maçonaria, denunciando "raiz luciferiana ", tem
nas obras caluniosas desse cidadào suas reais (ejamais por eles citadas) origens.

3. CI José Antonio Ferrer Benimeli, Maçonaria x Satanismo, Ed. Maçônica

"A Trolha ", VaI. 2, p.15. Muito boa tradução do respeitado trabalho "EI
Contubernio Judeo-Masónico-Comunista ", em que o autor disseca os
movimentos ontimaçõnicos europeus, principalmente nos países latinos.
Comprova até que ponto a cegueira dos movimentos antimaçônicos pode chegar.
Um dos destaques no trabalho é sua descrição sobre a verdadeira obsessào de
Franco contra a Maçonaria desde 1936, quando chegou ao poder na Espanha.
O autor registra e comprova verdadeiras atrocidades cometidas contra os
maçons, com perseguições e fuzilamentos sumários. Do texto é possível
depreender que, somente entre 1936 e 1937, mais de 300 maçons foram
sumariamente fuzilados, todas as lojas fechadas, vários irmàos se refugiaram
em outros países e muitos perderam seus bens e propriedades (cf Benimeli,
op.cit.pp.74-9)

4. Todas as obras, dos autores aqui citados, que tratam desta matéria, constam
da bibliografia anexa ao final deste trabalho.

5. Samuel P Huntington, O Choque de Civilizações, Objetiva, 1997, pp.19-29

. ."