Pedreiros- Livres e o Catolicismo Por Claudio Blanc
_....::::. nrante a Idade Média, na
época da Maçonaria Operativa, as guildas de construtores colabora- vam e eram protegidas pela Igre- ja. Foram os maçons operativos, herdeiros do que havia restado da tradição dos construtores do Tem- plo de Salomão, que ergueram grandes catedrais góticas, como Chartres, na França, e Salysbury, na Inglaterra. Nos séculos 17 e 18, porém, quando surgiu a Maçona- ria Especulativa, a situação tinha mudado. Diversas vozes começa- ram a se erguer no sentido de esta- belecer uma nova ordem mundial. Muitos vislumbravam a mudança - e, em alguns casos, até mesmo o fim - dos poderes espirituais e políticos então estabelecidos. Os reis absolutistas iam em rota contrária aos interesses da cada vez mais poderosa classe burguesa, e o Cristianismo, tanto o católico quanto o protestante, preconizava conceitos e ideais que colidiam com a nova visão de mundo proposta pela ciência. Acompanhando a tendência da sua época, alguns visionários, como o poeta e gravador inglês William Blake (1757 - 1827), colocaram sua arte e seu trabalho a serviço da libertação do Homem das supers- tições religiosas e das opressões material é um reflexo do espiritu- políticas. Muitos outros se uniram al. A idéia está contida nos antigos a sociedades secretas, principal- mistérios egípcios, no Gnosticis- mente as maçônicas. Como essas mo, no Cristianismo Místico, na organizações se opunham aos des- Cabala, na tradição hermética e Acompanhando mandos perpetrados pelos poderes em ordens como a dos templários a tendência da papal e real, logicamente passa- e dos rosa-cruzes. Os ritos pratica- ram a ser vistas como "hereges" e, dos pelos membros dessas ordens sua época, alguns mais veementemente, "satânicas". "eram executados como metáforas visionários, como o Não demorou muito para que simbólicas para ilustrar o progresso poeta e gravador se espalhassem rumores de uma do indivíduo da escuridão material conspiração secreta que tramava à luz do conhecimento espiritual", inglês William Blake estabelecer uma nova ordem. Para explica Howard. (1757 - 1827), Michel Howard, pesquisador das Por conta dos conceitos mís- teorias da conspiração, "um as- ticos não-autorizados pela Igreja, colocaram sua arte pecto importante das sociedades várias encíclicas foram publica- e seu trabalho a secretas é sua intenção de unifi- das contra a fraternidade. A mais serviço da libertação car as religiões do mundo". Esse longa delas, Humanum Genus, ideal se baseava na restauração da do papa Leão XIII, foi produzida do Homem das tradição da mística pré-cristã, que em 1884. De fato, foi a Igreja de superstições foi perseguida pela Igreja e mar- Roma quem mais se esforçou para religiosas e ginalizada durante a Idade Média. firmar a idéia de que a Maçonaria Isso porque, segundo Howard, as é subversiva. Mas a primeira con- das opressões sociedades secretas "reconheciam denação expressa foi publicada políticas. Muitos que todas as religiões tinham se bem antes, em 1738. originado de uma espiritualidade Clemente XII, autor da con- outros se uniram a universal, chamada de Filosofia denação, não perdeu tempo para sociedades secretas, Perene, a tradição primordial das demonstrar, "do ponto de vista ca- principalmente antigas sabedorias". tólico, político, moral e social", os A •
Um dos preceitos místicos motivos pelos quais "as associações
as moçomccs adotados pelas sociedades secretas maçônicas devem ser condenadas". é a máxima hermética "assim como Os "motivos" são: "o caráter não- é em cima, também é em baixo". sectário naturalista, na verdade Esse sofisma significa que o mundo anticristão e anticatólico, peculiar da Maçonaria". A Igreja combatia tes também fizeram objeções à a indiferença religiosa que esse ca- Por conta dos Ordem. A Enciclopédia Católi- ráter naturalista implicava. Na prá- ca informa que "curiosamente, tica, a Maçonaria negava a autori- conceitos místicos o primeiro soberano a se unir e a dade papal e afirmava sua filosofia não-autori zados proteger a Maçonaria foi o Impe- baseada nas leis da natureza. pela Igreja, várias rador católico alemão Franciso I, Clemente XII temia que essa da Áustria, enquanto as primeiras postura anticristã (do ponto de encíclicas foram medidas contra a Maçonaria fo- vista da Igreja; os maçons, pelo publicadas contra ram tomadas por governos protes- contrário, aceitavam e continuam tantes: Holanda, em 1735, Suécia, a fraternidade. A aceitando a filosofia cristã) saísse e Genebra em l738; Zurique, em das Lojas maçônicas e se irradiasse mais longa delas, 1740; Berna, em l745". para o resto da sociedade. Clemen- Humanum Genus, Hoje, a atuação política da te XII também condenou a Maço- Maçonaria parece ter diminuído. naria por, secretamente, "perverter do papa Leão XIII, Com os grandes lobbys internacio- o coração do (homem) simples, foi produzida em nais, a força de atuação da Ordem arruinando sua riqueza temporal e 1884. De fato, encontra no mínimo rivais à altura. espiritual": mais uma recomenda- Alguns maçons propõem até mes- ção vinda do temor de ter o poder foi a Igreja de mo repensar o papel da Maçona- papal negado. Clemente XII se Roma quem mais ria no terceiro milênio. A Igreja, opunha igualmente aos juramen- porém, continua a fazer objeções se esforçou para tos feitos pelos maçons. "Os jura- à fraternidade. Muitos maçons mentos são condenáveis porque o firmar a idéia de vêem essas observações como escopo e o objetivo da Maçonaria que a Maçonaria distorções. "A Maçonaria cabe no são 'maus' e condenáveis, e o can- do Cristianismo, da mesma forma didato em muitos casos ignora a é subversiva como o Cristianismo cabe no Ma- importância ou a extensão da obri- çonaria", diz o escritor maçom Ri- gação que ele assume", prescreveu zzardo da Camino. sua encíclica. O papa argumentava que os juramentos constituíam um vos que não são contrários à reli- IGREJA CATÓLICA E abuso. Aos olhos da Igreja, prova- gião e à ordem pública, esses ob- MAÇONARIA HOJE velmente, o abuso era estabelecer jetivos serão, contudo, contrários Num artigo publicado em ~ lealdade a uma outra instituição à ordem pública exatamente por www.veritatis.com.br/conteudo. que não fossem o papa e o rei. A causa da sua existência enquanto asp?pubid=793, Dom Eugênio de Enciclopédia Católica, publicada sociedades secretas baseadas em Araújo Sales, o arcebispo eméri- em 1905, e disponível na internet princípios maçônicos, encorajando to do Rio de Janeiro, afirma que no site www.newadvent.org, ates- e promovendo a fundação de ou- "desde o Papa Clemente XII, com n~~~. ta que, até o começo do século 20, tras sociedades secretas realmente a Constituição Apostólica In emi- a posição da Igreja com relação à perigosas e porque tornam difícil, nenti, de 28 de abril de 1738, até Maçonaria não mudou tanto des- se não impossível, tomar qualquer nossos dias, a Igreja tem proibido de os tempos de Clemente XII. "O ação efetiva contra elas por parte aos fiéis a adesão à Maçonaria ou perigo dessas sociedades ameaça a das autoridades civis e eclesiásti- a associações maçônicas". Apesar 'tranqüilidade do Estado' e a 'saú- cas", conclui o texto. disso, após o Concílio Vaticano de espiritual, das almas' e, conse- Vale observar que a Igreja II (1962 - 1965), foi questionada qüentemente, é incompatível com de Roma não foi a única a conde- a possibilidade de o católico se a lei cível e canônica", orienta a nar os maçons. Além dela e dos tornar maçom. A resposta está no enciclopédia. "Até mesmo admi- governos de praticamente todos Documento da Congregação para tindo que algumas associações os países onde a Maçonaria se a Doutrina da Fé, de 26 de novem- maçônicas buscam realizar objeti- estabeleceu, as Igrejas protestan- bro de 1983, que trata da atitude oficial da Igreja frente à Maçona- ria. O documento estabelece que é "vedado a todos os católicos, eclesiásticos ou leigos, ingressar na organização maçônica". Quem o fizer está "em estado de pecado grave e não pode aproximar-se da Sagrada Comunhão". No entanto, Dom Eugênio Sales observa em seu artigo que aqueles que "a ela se associaram de boa fé e ignoran- do penalidades, não pecaram gra- vemente". A Igreja entende que há diversos tipos de sociedades ma- çônicas, as quais coloca debaixo de uma mesma denominação. O Documento da Congregação para a Doutrina da Fé afirma que "não compete às autoridades eclesiásti- cas locais (Conferência Episcopal, Bispos, párocos, sacerdotes, reli- giosos) pronunciarem-se sobre a natureza das associações maçôni- cas". Como punição para aqueles que se associarem à Maçonaria, o novo Código de Direito Canônico estabelece o seguinte: "Quem se inscreve em alguma associação que conspira contra a Igreja, seja punido com justa pena; e quem promove ou dirige uma dessas as- sociações, seja punido com inter- dito." (cânon 1374). que há tantos membros da Igreja de hostilidade; preservar a própria O documento de 1983 con- na Maçonaria? "O fato de exis- identidade e defendê-Ia não signi- clui que "permanece, portanto, tirem eclesiásticos na Maçona- fica incentivar atritos". Na verdade, inalterado o parecer negativo da ria prova que há falhas na disci- houve uma "profunda modificação" Igreja a respeito das associações plina", responde Dom Eugênio. no relacionamento entre católicos maçônicas, pois os seus princípios Apenas isso. Na verdade, talvez e maçons. "Embora permanecen- foram sempre considerados incon- o que atraia tantos clérigos seja a do separados, existe um clima de ciliáveis com a Doutrina da Igreja congruência entre o pensamento respeito mútuo que permite um di- e, por isso, permanece proibida a cristão e a Ordem. Apesar de re- álogo", explica Dom Eugênio. "O inscrição nelas". O Vaticano ale- conhecer a incompatibilidade en- respeito mútuo e a fidelidade aos gou que as incompatibilidades se tre ambas, a postura da Igreja com ensinamentos da Igreja nos possi- devem "à ideologia dos maçons, relação a Maçonaria. Especulativa bilitam uma convivência pacífica aos conceitos de Verdade, de Re- é hoje bem mais branda do que com os irmãos maçons", conclui. ligião, de Deus, à Revelação, à to- foi nos séculos anteriores. Dom Hoje, a Igreja admite até mesmo a lerância, aos ritos, à perfeição do Eugênio pondera que "reconhecer possibilidade de colaboração pas- homem e à espiritualidade" . uma incompatibilidade doutriná- toral na área da Justiça Social e dos Como explicar, então, por ria não implica fomentar um clima Direitos Humanos.