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UFMS – CPTL

HISTÓRIA – LICENCITURA

Docente: Profª.Drª.: Mariana Esteves de Oliveira


Discente: Matheus Medeiros Piquera

AVALIAÇÃO DE HISTÓRIA MODERNA II

1. Defina o conceito e apresente brevemente o processo de Acumulação Primitiva do


Capital e utilize, para tanto, o mínimo de (3) três textos/autores trabalhados na
disciplina:

A acumulação primitiva de capital é um conceito proposto por Marx no primeiro


volume de sua obre, “O Capital”, e se trata de um conceito fundamental para
compreender a gênese do capitalismo. Para Marx o processo de criação da máquina
capitalista que culminaria na luta de classes tem um início claro na expropriação do
trabalhador rural do campo, o capitalismo não tem seu início nas cidades, mas sim no
campo. Marx define o início da acumulação de capital só pode se dar pela reorganização
generalizada das relações de produção e não simplesmente num avanço mercantil e dos
meios de produção. Marx defende que a abstinência não poderia levar a acumulação de
capital visto que o sistema não era capitalista e não apoiaria este avanço, há de se ter
uma revolução das relações de produção e ela se dá no campo. Marx propõe:
Na história da acumulação primitiva são particularmente importantes as
épocas em que grandes massas humanas são repentina e violentamente
despojadas de seus meios de subsistência e jogadas ao mercado sob a forma
de proletários privados de tudo. Todo o processo repousa sobre a
expropriação do produtor rural, do camponês. (MARX, p.173)

Na análise sobre os processos que apoiaram a acumulação primitiva de capital


Marx coloca em evidência os cercamentos na Inglaterra e as legislações inglesas que
apoiavam também o processo de acumulação. Primeiramente tratando das legislações,
Thompson (1998) analisa a gênese do que culminaria na Lei Negra, que controlava
totalmente a participação da camada desapropriada de terras das florestas inglesas. Marx
defende que o capitalismo surge com violência e sujo de sangue, desapropriando as
terras colocando os pobres na situação de vagantes e vagabundos e depois utilizando das
leis para criminalizar os atos de vagabundagem para tirar qualquer alternativa daquela
classe que não fosse vender a única coisa que lhes restava que era sua força de trabalho.
Thompson (1998), analisando a legislação britânica, compreende também este processo
na prática, percebendo a contínua perseguição da burguesia contra a caça nas florestas,
que já eram no período propriedades privadas, o pobre tenta sobreviver na situação de
vagabundo e não encontra alternativas, pois cada vez mais as leis os perseguem até o
estopim da Lei Negra que criminaliza totalmente os atos de caça nas florestas britânicas.
Os cercamentos também marcam o início da desapropriação do trabalhador rural
de seus meios de subsistência e de acordo com Marx dão o início a acumulação de
capital na Inglaterra, que é por sua vez a progenitora do capitalismo. Wood (2000)
defende que mesmo no século XVII, ainda que houvessem relações de mercado
recorrentes ao redor do globo, não havia a predominância da noção de lucro, de um
mercado que gerasse lucro e que fosse a base dos meios de produção. A autora defende
que os camponeses tinham acesso aos meios de produção e não precisavam, portanto,
oferecer sua força de trabalho como mercadoria, então ela analisa que o caso na
Inglaterra era diferente. A Inglaterra tinha um governo já unificado no século XVI e
uma base econômica já fortalecida que era emergente muito por conta da sua agricultura
que já era uma base de mercado muito forte.
Por se caracterizar como base de mercado, a agricultura inglesa no período do
século XVI e XVII já começava a exibir traços de produtividade elevada em vista de
lucro, e a própria questão da propriedade da terra começou a ser tratada como mercado,
e os melhoramentos agrários visando o lucro eram prioridade, com isso surge a
preocupação com a posse da terra e os cercamentos servem como propulsionador da
acumulação de capital. Com os cercamentos no século XVII, o camponês que antes não
era colocado completamente numa relação de mercado, pois tinha posse dos meios de
produção, agora era controlado por uma série de fatores que o transformaram na classe
operária, no que viria a ser o modo de produção capitalista.
Estes são fatores que demarcam o processo principal e inicial da acumulação
primitiva de capital na Inglaterra, mas muitos outros fatores também fazem parte deste
processo, a exploração das colônias no novo mundo, o disciplinamento das mulheres, a
religião como propagadora do modo de produção, a defasagem da indústria artesanal,
entre muitos outros fatores se seguiram para classificar a acumulação primitiva de
capital.
2. Ellen Wood (2000) sugere que o capitalismo não se originou nas cidades, mas no
campo. Como ela explica essa tese?

Ellen Wood analisa a maior defesa ao capitalismo urbano que seria no caso a do
capitalismo sendo algo ligado a natureza humana que seguiria seu curso para esse
caminho inevitavelmente, como uma expansão dos processos de escambo. A autora, no
entanto, assinala que não se trata de a produção ser rural ou urbana que demarca o início
do capitalismo, mas sim as relações de propriedade entre produtores e apropriadores.
Para a autora, o que caracteriza completamente o modo de produção capitalista, é
a expropriação dos produtores, cuja punica forma de obterem acesso aos meios de
produção, para que possam sobreviver, é vendendo sua força de trabalho para receberem
um salário, numa relação de mercado cíclica, onde os capitalistas podem se apropriar da
mais-valia produzida pelos trabalhadores sem precisarem de uma coerção direta, o
sistema de mercado atua por eles (WOOD, 2000).
O capitalismo tem dependência das relações de mercado que se caracterizavam
pela existência dos imperativos de competição, acumulação e maximização do lucro.
Essas engrenagens propulsionam a máquina do mercado capitalista. Mas defendendo o
surgimento do capitalismo no campo e não nas cidades, Wood, utilizando desses
conceitos caracterizantes do capitalismo analisa a situação da Europa.
Wood percebe que na Europa do século XVII o mercado existia, mas suas
condições de competição não se sustentavam, o lucro era tido apenas pelo ato de
“comprar barato para vender caro”, e isso não sustenta a lógica de melhoramento da
produção dentro de um processo competitivo visando a acumulação. No geral os
camponeses tinham acesso aos meios de produção (terras cultiváveis) e não precisavam
oferecer sua força de trabalho como mercadoria e a lógica capitalista não se aplicava
mesmo havendo um pleno comércio entre as grandes cidades emergente no período
inclusive extra continental.
Porém o que caracteriza o nascimento do capitalismo no meio rural é a exceção e
não a regra, o fato dela antes ter analisado o fato da Europa no século XVII e ter
encontrado argumentos que demonstravam que o capitalismo não existia de fato ainda
que houvesse mercado urbano constante, havia uma exceção no meio rural que mercava
a presença de um futuro capitalismo nascente, o caso inglês.
A Inglaterra já contava com fatores que propiciavam a acumulação primitiva de
capital como a unificação de seu reino, a existência de estradas, mas principalmente na
base principal de sua economia emergente ser na área da agricultura. A maior parte das
terras inglesas estava em posse de arrendatários e não de camponeses proprietários e as
relações de produtividade começavam a se ver presentes dado o estado da agricultura e
do estado inglês, a produtividade substituía a coerção direta na forma de espremer mais
renda dos camponeses por parte dos senhores de terras. Um mercado que exigia a
produtividade se consolidava e a própria posse de terras se tornava um mercado. Dessa
forma, não tardou para que os interesses da burguesia se tornassem o da propriedade de
terras para controlarem os meios de produção do lucro, e assim gerando nos futuros
cercamentos, que extinguiam os direitos de uso da terra pelo camponês através dos
costumes que eram utilizados para dar o sustendo as pessoas no período (WOOD,
2000).
Com os cercamentos todos os fatores característicos do capitalismo começaram a
se tornar cada vez mais evidentes e finalmente após tirar tudo do camponês expropriado,
com apoio da legislação para tais fins, a burguesia tomou a força de trabalho do
camponês como mercadoria, a única coisa que a classe trabalhadora tinha a oferecer, e
assim nasce o capitalismo, em meio rural como defendido por Wood.

6. Silvia Federici (2017), na Introdução e Cap. 2 de “O Calibã e a Bruxa”; afirma que o


processo de disciplinarização das mulheres, especialmente pela caça às bruxas, está
relacionado à acumulação primitiva da era moderna. Como ela justifica e argumenta
essa relação?

Relacionado a questão das mulheres e a acumulação primitiva de capital,


Frederici (2017) aborda uma dimensão abrangente que se centra principalmente nas
relações reprodutivas e de controle populacional europeias. Para o capitalismo
emergente a ideologia que centralizava o trabalho na vida econômica como forma
essencial, precisava-se de trabalhadores, mão-de-obra a ser explorada, e num contexto
da saída da Idade Média, onde a Europa havia sido assolada pela Peste Negra, e com
dezenas de guerras que devastaram a população, havendo uma forte redução de sua
população, o controle populacional era essencial.
O controle do corpo feminino era primariamente destinado a gerar mais força
trabalhadora, a autora argumenta inclusive que haviam sanções severas destinadas a
mulheres consideradas culpadas de cometer crimes reprodutivos. A figura das famosas
bruxas da cultura medieval que faziam parte de seu imaginário sexista, era a de
mulheres que sacrificavam crianças em rituais profanos, crianças estas essenciais para a
exploração do trabalho, como abordado por Marx. Cria-se então uma cultura de controle
corporal feminino para atender as necessidades do capitalismo nascente e encerrar o
descontrole populacional que poderia prejudicá-lo.
Frederici (2017) argumenta que a família já no século XVII passa a ter uma
importância singular como uma instituição chave na transmissão da propriedade e na
reprodução da força de trabalho. Num contexto onde as mulheres vinham de uma
situação de um relativo maior controle sobre seus corpos e sobre a reprodução, foi
necessário a burguesia travar uma guerra contra a figura feminina e sua sexualidade
para se garantir a segurança do mantenimento da situação pré-capitalista e o controle
social. Esta guerra foi travada principalmente utilizando-se da caça as bruxas, uma
justificativa conveniente que permitia se apropriar de uma questão cultural para esse
controle social.
Para a autora, o corpo da mulher servia de instrumento para a reprodução do
trabalho e para expansão da força de trabalho, tendo apenas a necessidade reprodutiva e
funcionando de acordo com as vontades dos homens, da burguesia dominante, que
tomava o controle de seu corpo e o obrigava a funcionar fora do ritmo próprio de
controle feminino. Nesse aspecto, o corpo feminino, faz parte amplamente da questão
da acumulação primitiva de capital, sendo essencial para sua reprodução, literalmente e
figurativamente.
Frederici ainda traça críticas a análise de Marx nesse aspecto, ela aponta a
negligência de Marx na questão do corpo feminino, onde este poderia servir como meio
de exploração para o acúmulo primitivo de capital, ou também como forma resistência
na recusa da reprodução transformando esse num aspecto fundamental da luta de
classes.

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