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Intelectuais católicos no século

XX: Os mais ativos no Brasil


Airton de Souza Chrispim
Mestrando em Educação do PPGE sob orientação do Profº Dr. Paolo Nosella da Linha de
Pesquisa História e Teoria do Trabalho docente e do Educador Social.

O presente trabalho expõe a formação dos intelectuais Católicos do século XX. Em nossas pes-
quisas percorremos todo um período de transformação da constituição política e econômica bra-
sileira. As nossas analises resultam de uma investigação bibliográfica de alguns destes intelectuais
e a formação de suas ideias, junto ao contexto social. O ponto central é a fundação da revista ‘A
Ordem’ e a fundação do instituto Dom. Vital.
Palavras chaves: História e historiografia da educação. Educação Católica. Formação de projetos
pedagógicos para a Educação Brasileira.

The present essay exposes the graduation of Catholic intellectuals from twentieth century. In
our researches, we go through a period of transformation on political constitution and Brazilian
economy. Our analysis result from a bibliography searched from some of these intellectual persons
and formation of their ideas added to a social context. The main point is the releasing of magazine
“The Order” and the foundation of Institute Dom Vital.
Key words: History and Historiography of Education. Catholic Education. Foundation of teach-
ing projects to the Brazilian Education.

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Origem A ditadura militar é instaurada, não
concedendo uma autonomia real aos Estados
Os historiadores denominam de República membros, tanto reivindicada. A consolidação
Velha a fase da proclamação de 1889 ao golpe da política republicana acontece somente após
de 1930, período político do país dominado ex- o fortalecimento da estrutura administrativa
clusivamente pelas oligarquias rurais estaduais, do governo provisório, utilizando de medidas
com ocasionais insurreições de alguns grupos concretas nas ações dos Ministros que passam a
ligados às forças armadas. Em sua estrutura, o utilizar principalmente das novas leis referentes
mundo da política brasileira atuava em torno aos seus poderes instituídos. Assim, coube aos
dos partidos estaduais e das disputas locais. As ministérios assumirem as práticas das inicia-
divergências entre as facções das oligarquias, tivas políticas administrativas e legislativas do
em diversos níveis, geram as disputas em torno novo governo:
das eleições presidenciais.
A proclamação da República no Brasil é Enquanto as ações de Rui Barbosa
levantam oposição interna e exter-
um reflexo resultante das conseqüências de um
na, as de Campos Sales, na pasta
longo processo anterior, cujas tensões e com-
da justiça, recebem a aprovação do
plexidades explodem no período ministerial de
Ministério. Vários decretos partem
Ouro Preto. Os episódios e acontecimentos a
desse Ministro, como o do casamen-
serem pontuados são: as tendências federalis-
to civil obrigatório, da secularização
tas, movimento republicano, crises religiosas,
dos cemitérios, da separação da Igreja
questões militares, problemas escravagistas,
do Estado, da organização da Justiça
sucessão imperial, predomínio político de uma
Federal e outros. […] para Campos
aristocracia decadente, ascensão de novas ca-
Sales, em matéria de religião, as refor-
madas oligárquicas, urbanização e a lenta reno-
mas devem ser radicais ou então nada
vação das instituições do Império.
fazer-se; o decreto de 24 de janeiro de
O advento da República é resultado das 1890 é seguido pelo de 26 de junho
idéias de parcela da sociedade. Assim, obser- do mesmo ano, de autoria do próprio
vamos com clareza a ação de um setor social, Campos Sales que, diante da rebeldia
formado de civis e militares; esses últimos, em do clero católico, com atos de acentu-
uma ação rápida, assumem imediatamente as ada oposição e resistência à execução
rédeas do poder, organizando a administração do mesmo decreto, celebrando o ca-
política para governar o Brasil. samento religioso e aconselhamento
O programa positivista sugerido junto ao a não observância da prescrição civil
governo, instituído no país no dia 15 de novem- impõe a celebração do ato civil antes
bro de 1889, foi em grande parte rejeitado pelos do religioso (pelo primeiro decreto a
novos governantes; esses representavam ainda ordem depende da vontade dos cônju-
as idéias da oligarquia militar do país que não ges); o padre que transgredir a lei pode
pretendia em seu novo papel abandonar as pro- até mesmo ser preso”. (CARONE,
postas realizadas por seus antecessores. Edgar 1974 p12)

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No período de reconstrução das várias a seu favor forma a instalação no programa de
representações sociais que configuram a nova ensino das escolas públicas.
comunidade social, com o nome de República O novo regime republicano assume a con-
Velha ou Primeira República, dirigimos nossos vicção em um poder regenerador para socieda-
olhares aos constantes conflitos e mudanças de: a educação. Por meio deste conceito, surge
ocorridas no período, pois, a compreensão des- como possibilidade a construção de uma nova
ses promove o entendimento do regime institu- ordem social. Segundo os professores Carlos
ído no país. Destacamos: Henrique de Carvalho e Wenceslau Gonçalves
Neto o diferencial maior em relação ao Império
• Elevação do novo setor urbano industrial estaria no sentido nacional, na pratica do civis-
que acompanha e enumera crises do setor mo, na difusão da cidadania e no aprimoramen-
agrário de produção de café, aclamando a to da força de trabalho (Cf. RIBEIRO, M L S.
modernização dos meios de transportes e 2005, p266)
comunicação, construindo ferrovias, telé- Em sua pratica de ação política, o novo
grafos, abrindo estradas etc.; regime de governo centra as ações políticas na
• Processo produtivo do capitalismo mun- organização de um modelo de educação, no in-
dial sem controle, com origem em uma terior da ideologia republicana, onde ocorrerá
base inescrupulosa, que busca mercados uma verdadeira luta pelos ideais da educação.
consumidores, ocasionando o conflito da A disputa percorre todo o período da Primeira
Primeira Guerra Mundial; República brasileira. Com o novo modelo edu-
• Introdução de um novo elemento social cacional proposto seria possível alfabetizar a
no país, originado através da imigração, população e também estabelecer as bases da
proporcionando uma ampla diversidade nação, consolidando o regime e formando uma
social, cultura e étnica. mentalidade voltada para o trabalho, a ordem e
o progresso. Em seus escritos, o professor Paolo
O Término do padroado acompanha o Nosella afirma:
modo o novo processo de organização entre o
Estado e Igreja, conduzindo a laicização das […] o modelo de escola brasileira repu-
instituições e da sociedade, com destaque ao blicana (1889 – 1930) assume o papel
sistema escolar público (decreto n.119/1892). de democratizar a educação escolar. A
Esse processo ainda oferece argumentos para o primeira República sabe-se, preten-
movimento de reação por parte da Igreja cató- deu principalmente democratizar o
lica a fim de resguardar o seu domínio e a sua ensino primário. Conseguiu ser vito-
orientação no setor da instituição educacional. riosa? Para ser otimista, diríamos que
Assim, frente às idéias modernistas e seculari- conseguiu uma vitória parcial, mutila-
zantes, a igreja católica empreende um projeto da. A política educacional da primeira
de reforma, utilizando em seu processo edu- Republica, de um lado, foi vitoriosa
cacional a disseminação de uma pedagogia de porque universalizou no Brasil a idéia
cristianização através do ensino religioso, de- de uma rede de ensino primário públi-
sencadeando um movimento junto à sociedade co, gratuito e laico criando um sistema

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escolar apropriado (Escolas Normais pla educação popular. (HILSDORF.
e Grupos Escolares); de outro lado, M L S, 2007, p. 61 e 62).
porém, o sistema criado foi insuficien-
te e insensível ao mundo do trabalho. Na fase anterior ao advento da República,
Por isso, qualificamos essa vitoria com o papel da Igreja católica junto ao Estado não
o termo ‘mutilada’. (NOSELLA, P. decorre enquanto conseqüência do contexto
2002, p46 ) social histórico ou por meio das formulações
intelectuais de seus quadros eclesiásticos, mas
Ao buscarmos entendimento sobre o de- sim de um processo de articulação, somado ao
bate político ocorrido na sociedade no perí- conjunto de alianças, com o aparelho de Estado.
odo, percebemos o discurso sobre educação, Com a proclamação da República se inicia um
não apenas como privilégio dos republicanos, novo momento para a instituição católica. A
mas também como ação ampla do movimento Igreja passa a ser independente do Estado, en-
intelectual da sociedade brasileira: homens de tra na luta para construção e edificação de ações
em direção à legitimação da “religião católica
letras, jornalistas, políticos, padres, ministros
para sociedade brasileira”, utilizando apenas
evangélicos, proprietários de terras e homens
sua própria força:
do povo, esses debateram os seus interesses
sobre os rumos da escolarização da sociedade
A submissão ao poder civil é reconhe-
brasileira. A professora Maria Hilsdorf escreve
cida pelos próprios membros do clero,
sobre a proposta republicana:
tão entranhado é o espírito regalista,
origem de questões que se arrastam ao
[…] ser oferta emancipatória, na me-
longo do império, em que a religião é
dida em que a escola era pensada como
sempre vencida, em que se impõem os
parte de uma totalidade, de um proje-
elementos leigos. Com a República te-
to político que se antecipava às reivin-
mos a separação dos dois poderes, vis-
dicações de outros setores da socie-
ta até pelos católicos como benéfica.
dade; ser dualista, pois, embora fosse Daí dizer-se que só então começa a au-
preciso fornecer ensino a toda socie- toridade da Igreja, sua independência
dade; ser preocupada com a extensão que é reclamada desde a questão que
da escola elementar, reivindicando a envolveu dois bispos e marcou o ápice
alfabetização das massas. Assim, o da tensão entre as forças. (IGLESIAS,
projeto republicano pensa e oferece a F. 1981, p131)
escola nos moldes dos cafeicultores,
antes que outras diferentes cama- O medo proporcionado pelo processo de
das sociais a reivindicassem nos seus laicização do Estado, a presença do pensamen-
próprios moldes; propõe ensino ele- to positivista, nos primeiros anos da República,
mentar e profissional para as massas e oferece o estimulo para formação de consciên-
educação cientifica para as elites ‘con- cias da Igreja. Essa necessitava organizar as suas
dutoras do processo’ e reivindica am- ações perante a maneira de agir e pensar. As

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provas do fracasso momentâneo da Igreja estão mulando os setores da Igreja Católica em bus-
situadas na incapacidade de qualificação para a ca de uma reação, oferecendo uma resposta ao
produção intelectual. Não devemos deixar de novo contexto da sociedade brasileira.
lembrar, os grupos expressivos de intelectuais
inseridos na sociedade brasileira são positivista, Os intelectuais católicos imbuídos da in-
evolucionistas ou apenas indiferentes: tenção de trazer luzes a um melhor entendi-
mento deste objetivo da Igreja situam o inicio de
Se alguns escritores se distinguem na seu trabalho de “recristianização” da sociedade
luta pelo fortalecimento da fé, contra brasileira, por meio da atuação em dois setores:
os positivistas, liberais indiferentes 1) o setor intelectual – que perante a fundação
e maçons, não tem maior repercus- do centro Dom Vital (1922), ocupa o papel de
são, pois, […] não criam escola; ne- organização da Igreja e possui também a res-
nhum deles – um Carlos de Laet, ponsabilidade de agrupar e formar intelectuais
um Eduardo Prado, um Felício dos identificados com o ideário construído por meio
Santos, um Afonso Celso – tem idéia das produções de Jackson de Figueiredo; 2) O
muito clara do que se deve fazer: falta- setor de ordem social – pastoral, Liga Eleitoral
lhes formação filosófica mais segura e Católica (LEC), Ação Católica Brasileira (ACB)
consciência, na denuncia do que lhes e Círculos Operários (CO) visando o estabele-
parece errado, de acordo com o gosto cimento de equilíbrio no relacionamento entre
muito comum dos escritores católicos Igreja, Estado e Sociedade:
por esse tipo de disputa. O catolicis-
mo continua a ser vaga religiosidade, Dentro dos quadros da hierarquia
epidérmico, sem consistência, ape- da igreja, se no Império se verificou a
gada a exterioridade e convenções. É reação dos bispos Dom Vital e Dom
mínimo o numero de padres e baixo o Macedo Costa – lúcidos e conscientes,
nível intelectual […] ( IGLESIAS, F. sobretudo o segundo -, tem-se agora
1981, p. 132) a atividade de outro bispo de Olinda,
Dom Sebastião Leme, que inicia ação
Em um cenário diferenciado da organiza- de ressonância com uma pastoral em
ção política do Império, a sociedade brasileira 1918; pouco depois transferido para o
passa a uma nova configuração; a vida urbana e Rio, elevado a cardeal, pode exercer in-
o mundo operário oferecem um novo momento fluência muito mais extensa e profun-
histórico e político. O avanço do liberalismo e da, tornando-se o animador das ativi-
da visão positivista caracteriza os pensamentos dades leigas de ação católica. Jackson
e ações produzidos em direção a nova realidade de Figueiredo terá nele auxiliar decidi-
política social, distante da instituição Católica. do. (IGLESIAS, F. 1981, p. 133)
No mesmo período histórico ocorre o cresci-
mento do protestantismo, do espiritismo, do Se, por um lado, a laicização do Estado
socialismo e de novos valores sociais (aceitação pode ser considerada uma derrota para Igreja
do casamento civil e educação laicizada), esti- Católica, de outro lado, se percebeu o forta-

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lecimento da Igreja Católica pela unidade da sacudir os adeptos que abraçou e de
doutrina e autonomia exercida diante do poder irritar, pela provocação, o adversário”.
político instituído na Republica. (IGLESIAS, F. 1981, p. 109)

A produção intelectual de Jackson


Jackson de Figueiredo Martins Figueiredo representa um papel de grande im-
portância junto à sociedade quando está assu-
Um ideal a ser construído se inicia sem- me suas ideais. O movimento reacionário por
pre com as idéias de um homem; em nosso caso ele sugerido revigora as ações de uma parcela
devemos perceber como Jackson de Figueiredo ponderável dos intelectuais da vida nacional.
Martins agiu frente ao pensamento reacionário, Segundo Iglesias:
dando um norte à cultura educacional católica.
O intelectual maior do pensamento católico no Pode-se fazer a história do catolicis-
Brasil nasceu em Aracaju, Sergipe, no dia 9 de mo no Brasil antes e depois de Jackson
outubro de 1891. Cursou Direito na Faculdade de Figueiredo, pois ele é ponto de re-
Livre de Direito da Bahia, posteriormente foi ferência obrigatória. Exatamente a
morar na cidade do Rio de Janeiro, onde exer- repercussão é que lhe dá interesse a fi-
ceu a profissão de jornalista e professor, dirigin- gura e ao que escreveu: fundou o cen-
do sua produção intelectual ao universo da po- tro Dom. Vital e a revista A Ordem,
lítica, principalmente em defesa dos interesses atuando de modo aberto e intenso na
da Igreja Católica: política do país, de modo a marcar
posições, transforma o catolicismo
O estudo da obra de Jackson de em força viva, pela convocação dos
Figueiredo, procurando situar prin- correligionários e pelo proselitismo.
cipalmente a sua repercussão, é tema (IGLESIAS, F. 1981, p. 110)
que pode oferecer perspectiva para
o entendimento do Brasil hoje. Está As idéias produzidas por Jackson de
ai uma das fontes de influencias no Figueiredo são uma forma de ilustra-
quadro intelectual do país. Homem ção do pensamento Católico; expressa
possuído por suas idéias, vivendo em grande parte a opinião da socieda-
freneticamente, Jackson Figueiredo de brasileira. Suas posições articulam
é exemplo de autenticidade em cam- o processo de defesa da ordem, da
po onde ela é rara, pela sofisticação tradição, contra a calamidade revo-
comum no domínio da inteligência. lucionária, em seu entender expressa
Se sua obra não é rica de colocações nas idéias do liberalismo ou do so-
originais ou profundas, se lhe falta a cialismo. A produção intelectual de
densidade de pensamento ou a beleza Jackson de Figueiredo Martins é di-
de expressão, impõe-se pela audácia recionada pelos pensamentos dos au-
e pelo tom exaltado em meio morno tores, Henri Massis, Auguste Viatte,
como o brasileiro, pela capacidade de Charles Maurras, Joseph de Maistre,

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Louis Veuillot e os ideólogos da uma luta, sugerindo como resposta a volta ao
Action Française ou do Integralismo passado:
Lusitano, como Antônio Sardinha.
(IGLESIAS, F. 1981, p. 110) […] no culto da tradição, dos elemen-
tos que informam o processo de uma
O pensamento reacionário pode ser reco- cultura, de um povo ou de uma nação,
nhecido também como tradicionalista ou res- a ideologia volta-se para a história, a
taurador, que ignora ou quer negar o processo qual atribuiu valor por vezes absoluto;
dialético da história: não reconhecendo a mudança, entre-
tanto, nessa visão estática, é anti-his-
[…] vê a realidade de maneira ilídica, tórica. O tradicionalismo é romântico
perfeita e bela, que não deve ser altera- e falso; na suposição de uma verdade

da. Negando-se a aceitar ou não reco- eterna, imutável, é anti-histórico, pois


desconhece o fluxo, que é a própria
nhecendo o movimento, pensa em ter-
essência da história. (IGLESIAS, F.
mos de uma filosofia que supõe eterna,
1981 p.112 e 113)
livre do tempo ou do ambiente. Como
a realidade que lhe é dado a viver não
Os pensadores reacionários ou da tradição
é a que idealizou, condena como erro,
fundamentam seus princípios ideológicos nos
desvio da verdade, loucura dos ho-
dogmas religiosos. O sustentáculo da ordem é
mens. E passa a combatê-la, a fim de
o pensamento da Igreja Católica, coordenando
restaurar o que lhe parece certo. Para
as ações da sociedade através de noções hierár-
ele, é absurdo a pretensão de igualda-
quicas. O período indicado como ideal a essa
de, uma vez que os homens são natu-
concepção é a Idade Média, onde os princípios
ralmente desiguais; existe então uma
de valores regem o respeito às autoridades, à no-
hierarquia, com diferentes atribuições
breza e o heroísmo, sendo impossível encontrar
e cada um, em sociedade em que há os
essas relações no período histórico posterior.
que mandam e os que obedecem. Os Os intelectuais reacionários assumem a recusa
movimentos pela liberdade parecem- ao novo, não aceitando a transformação social,
lhe não só perigosos como falsos, fru- onde o quadro histórico possui movimento e se
to de ótica viciada, vistos antes como altera. Em sua visão, o mundo percebido per-
libertários, libertinos ou liberticidas. deu o rumo, estando próximo do fim. A igreja é
(IGLÉSIAS, F. 1981, p.112) a guardiã da ‘ordem e da moral’.
O ano de 1921 marca a vida e a luta de
As formulações do pensamento reacioná- Jackson de Figueiredo em prol do catolicismo.
rio resultam de uma concepção ideológica, onde Com a ajuda de Hamilton Nogueira, Perilo
um estado de coisas parece encerrar toda ver- Gomes e Durval de Morais funda a revista ‘A
dade, assumindo uma face conservadora. È re- Ordem’. Em agosto de 1921 foi editado o seu
acionária, pois o mundo real não apresenta esse primeiro numero, revista modesta de 32 pagi-
estado de coisas, promovendo diante a situação nas, papel regular, disposição de coluna de jor-

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nal. Nesse primeiro numero o editorial escrito momento – erros que nem só os ini-
por Jackson de Figueiredo oferece o resumo do migos da Igreja cometem – e de aplau-
programa a ser seguido pela ferramenta ideoló- so às conquistas reais da ação social e
gica católica. política do catolicismo no seio da na-
ção brasileira. […]
[…] Esta modestíssima revista, de-
sejando ter um lugar entre as publi- […] Amando ardentemente as tradições
cações mais radicadas à doutrina da cristãs, que herdamos da nossa ascendên-
Igreja Católica, Apostólica, Romana, cia européia, não concorremos nunca para
não aspira, entretanto, a ser oficial ou um movimento de ódio contra o estran-
oficiosamente a palavra da autoridade geiro europeu, seja ele de que nacionali-
católica na mais importante das arqui- dade for, mas isto não impedirá que tudo
dioceses brasileiras. […] façamos para que a direção intelectual e
política da nação tenham caráter posi-
[…] Tudo quanto for aqui publicado é tivamente brasileiro. È preciso que em
de exclusiva responsabilidade de seus todos os domínios da nossa vida se faça
redatores, a quem, unicamente, deverá sentir a autoridade do espírito nacional.
ser imputado, pelos inimigos da igre- (MARTINS, J F. 1921, nº 1)
ja, tudo quanto lhes parecer dureza
ou ofensa em nossa maneira de dou- Em seu primeiro numero a revista “A
trinar ou de combater os seus erros. Ordem” contou também com a presença e
Outros também que unicamente a nós publicação dos artigos de: Perilo Gomes, “A
deverão dirigir reparos ou ápodos são Igreja e a Escravidão”; Hamilton Nogueira,
os próprios católicos que em grande “O Espiritismo e a Ciência”; Durval de Morais
maioria, adotaram, no Brasil, todas publicou várias poesias de temáticas cristãs.
sutilezas do mais nefando espírito Jackson assina um capitulo de um ensaio sobre
acomodatício, de que tem resultado Afrânio Peixoto. Faz alusões ao perfil de Dom.
que sejamos, desde os tempos da mo- Sebastião Leme, destacando as suas virtudes e
narquia, uma irrisão política e social enaltece sua atuação frente à Arquidiocese de
aos nossos próprios olhos, a mais tris- Olinda.
te, mais lamentável e ineficiente das O objetivo do grupo era levar suas idéias
forças militantes da história contem- aos pequenos grupos de intelectuais espalha-
porânea de nossa pátria. […] dos por todo Brasil, atrair, mos vários centros
da nação, divulgadores destes ideais. No pe-
[…] Do que já temos dito bem se pode ríodo a revista “A Ordem” se tornou o prin-
inferir que esta revista não trará so- cipal veiculo de difusão das posições católi-
mente ao nosso meio social a pagina cas. Essas posições no campo educacional se
serena de apologia ou documentada expressaram na forma de pressão para o res-
defesa do nosso credo religioso. Ela tabelecimento do ensino religioso nas escolas
será também de combate aos erros do publicas e a difusão de um ideário pedagógico.

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“A Ordem” passou a ser a forma de expressão “A Ordem” desde o seu inicio, com diferen-
da ideologia católica, houve também nesse tes tônicas, é o acompanhamento analítico da
contexto a publicação de livros didáticos para ação da Igreja no Brasil e no mundo. Comenta
o uso nas escolas publicas, com também para a fatos políticos mais importantes, nacionais e in-
formação de professores. ternacionais, e a repercussão entre nós, através
Para o professor Saviani o movimento de dos artigos de elementos do clero e do laicato.
reação católica é: (FERNANDES, C A F. 1989 p. 333)

[…] resistência ativa por quem não se


limitou a manifestar suas discordân- Dom. Sebastião Leme
cias, criticas e observações, alertando da Silveira Cintra
para as conseqüências negativas da
situação então instaurada, o que lhe Em 1922 sobre a liderança de Dom.
conferia um caráter passivo não indo Sebastião Leme é inaugurado o Centro Dom.
além do exercício do direito de discor- Vital. O nome dado ao centro faz referên-
dar. Para além desse limite, o processo cia aos protagonistas da ‘questão religiosa’ ao
de mobilização da Igreja católica pre- lado de Dom. Macedo Costa, bispo de Belém.
encheu as duas condições que defini No mesmo ano de 1922 também se fundou a
caracterizar a resistência ativa, a sa- Confederação Católica que posteriormente
ber: a) quanto à forma, a exigência de passou a se chamar Ação Católica Brasileira.
que a resistência se manifeste não ape- Para Dom. Sebastião Leme o Centro Dom.
nas individualmente, mas por meio de Vital siguinifica “a maior afirmação de inteligên-
organizações coletivas; b) quanto ao cia cristã em terras do Brasil” (Casali, A M D.
conteúdo, a formulações de alternati- 1995, p 155)
vas às medidas em vigor. (SAVIANI, O órgão de representação católica tinha o
D. 2003, p.179 a 180) papel de agrupar e organizar as ações dos in-
telectuais leigos. A educação para este organis-
Cabe destacar, “A Ordem” teve seu perí- mo deveria ser pensada de forma estratégica.
odo de gloria e de maior equilíbrio financeiro Os católicos agindo organizadamente junto ao
após a morte de Jackson de Figueiredo. O seu Centro Dom. Vital formou o maior e principal
principal organizador morreu no dia 04 de no- núcleo de idéias pedagógicas a resistir ao avanço
vembro de 1928 um acidente: foi levado a mor- das idéias novas, debatendo e formulando inte-
te por afogamento. Tristão de Ataíde foi o seu lectualmente em oposição aos renovadores
substituto e entre altos e baixos conseguiu atin- Em suas notas no caderno cárcere, no ini-
gir uma estabilidade e um bom nível nas publi- cio de 1930, Antonio Gramsci escreve:
cações, com base nos colaboradores existentes
e outros que arregimentaram as fileiras do mo- A Igreja, em sua atual, em virtude do
vimento de reação. A Ordem tomou formatos impulso proporcionado pelo Papa da
diferentes ao longo do tempo, na distribuição Ação Católica, não pode contentar-se
da matéria de conteúdo, etc. apenas em formar padres; ela alme-

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ja permear o Estado […] e para isto guerra à postura omissa dos fieis, perante os in-
são necessários os leigos, é necessária teresses da Igreja. Em suas ações, arregimentou
uma concentração de cultura católica junto aos segmentos sociais, intelectuais para as
representada por leigos. Muitas per- causas cristãs. O primeiro grande ato de mo-
sonagens podem se tornar auxilia- bilização dos católicos brasileiros foi sua Carta
res mais preciosos da administração Pastoral, ainda no bispado de Olinda, quando
etc., do que como cardeais ou bispos. escreve um plano de ação, alimentando o pen-
(GRAMSCI, A. 1989, p 308) samento do padre Júlio Maria.

O Cardeal Dom. Sebastião Leme da Em 1930, é promovido à condição de


Silveira Cintra nasceu em Espírito Santo do Cardeal. Durante o Governo Vargas, procurou
Pinhal, no estado de São Paulo, em 20 de janeiro ficar neutro no campo político, embora coo-
de 1882. Iniciou os seus estudos no Seminário perasse com os dirigentes políticos e em caso
Menor Diocesano de São Paulo e posterior- de necessidade buscava apoio desses para suas
mente no Colégio Pio Latino-Americano, em obras religiosas. È o mentor e fundador da
Roma, onde se ordenou sacerdote. Doutor em Liga Eleitoral Católica (LEC), a Ação Católica
Filosofia e em Teologia foi pro vigário geral da Brasileira (ACB), pensou o programa de ensino
Diocese de São Paulo. religioso no então Distrito Federal. Conduziu
Em 1916, assumiu a Arquidiocese de ainda a abertura das faculdades de Direito e
Olinda, atuou intensamente e criou polêmicas. de Filosofia, instaladas, oficialmente, em 1941,
A sociedade de Olinda e parte do clero questio- embrião da Pontifícia Universidade Católica
naram várias de suas atitudes. As campanhas de (PUC) do Rio de Janeiro.
donativos em todas as paróquias, durante as re-
formas na Catedral Metropolitana e do Palácio Palavra que deve ser Meditada
da Soledade (sede da arquidiocese), a venda des- Dom. Sebastião Leme
te último prédio aos jesuítas e a aquisição de um
edifício menor para abrigar a sede, são algumas […] os católicos, somos a maioria do
destas polemicas. O seu bispado assumiu a defesa Brasil e, no entanto, católicos não são
da instrução religiosa, firmando com o Governo os princípios e os órgãos da nossa vida
do Estado um acordo para a introdução do ensi- política. Não é católica a lei que nos
no de Religioso nas escolas públicas. Organizou rege. Da nossa fé prescindem os depo-
também em seu governo centros de catequese. sitários da autoridade.
Criou a Confederação Católica Pernambucana,
a Comissão da Santificação da Família e a Obra […] Leigas são as nossas escolhas, lei-
das Vocações Sacerdotais. Permaneceu em go o ensino. Na força armada da repu-
Pernambuco até 1921, quando foi nomeado ar- blica, não se cuida de religião. Enfim,
cebispo coadjutor do Rio de Janeiro. na engrenagem do Brasil oficial não
Dom. Sebastião Leme, após sua transfe- vemos uma só manifestação de vida
rência para o Rio de Janeiro assumiu a lideran- católica.
ça do movimento católico brasileiro, declarando

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[…] È evidente, pois, que, apesar ligas. Suas ações eram disseminadas por todo
de sermos a maioria absoluta do Brasil, nas primeiras décadas do século XX.
Brasil, COMO NAÇÂO, NÂO
TEMOS E NÃO VIVEMOS VIDA
CATÓLICA. Quer dizer: - somos Alceu de Amoroso Lima
uma maioria que não cumpre os seus (Tristão de Athayde)
deveres sociais.
A revista ‘A Ordem’ foi o instrumento
[…] Obliterados em nossa consci- de pratica de ação movimento cultural católi-
ência os deveres religiosos e sociais, co brasileiro, evoluindo em direção da Neo-
chegamos ao absurdo máximo de for- Escolástica e do Neotomismo, seguindo a
marmos UMA GRANDE FORÇA orientação do pensamento de Jacques Maritain.
NACIONAL, MAS QUE NÃO Alceu Amoroso Lima (1893-1983), conhe-
ATUA E NÃO INFLUI UMA cido como “Tristão de Athayde”, após a morte
FORÇA INERTE. de Jackson de Figueiredo em 1928, assumiu a
SOMOS, POIS, UMA MAIORIA liderança do laicato brasileiro. Tanto na direção
INEFICIENTE. do Centro D. Vital, como a frente da produção
intelectual da revista A Ordem, a partir dessa
[…] Eis ai o grande mal. Grande mal, nova liderança sofreu modificações qualitativas
não há duvida, porque importa no em sua orientação.
menosprezo inadmissível dos nossos Tristão de Athayde é um dos pensadores
deveres para com Deus, a sociedade a da universidade brasileira. Para Amoroso Lima
pátria, deveres religiosos e sociais. a universidade é o mais importante lugar de
transmissão e invenção de cultura da nação. O
(Trechos da carta pastoral de 1916, espírito universitário, resumidamente, para o
no 1º numero de A Ordem 1921.) (Cf. pensador católico é:
MARTINS, J F. 1921. 1º 1921)
1) a crença na existência de uma hierarquia
Com a criação do Centro Dom. Vital, pas- de valores que sustenta a filosofia, a sabe-
sa a existir uma fonte de influência espiritual nas doria, a ciência, a técnica.
camadas intelectuais da sociedade brasileira. A 2) a “unidade e transcendência” – logo, deve
função do centro era atuar a favor do projeto estar acima das demais, cuja função é fazer
do Episcopado Brasileiro e promover a consoli- laço profundo dos diversos cursos e ativi-
dação desse movimento intelectual, oferecendo dades do pensamento. Tal como a própria
o acesso às doutrinas da Igreja junto aos seus palavra “universidade” sugere “universo
ideais, oferecendo a estes a prática social. Em dos saberes”, o espírito universitário não
uma segunda iniciativa temos a Confederação deve se render à fragmentação desse todo
Católica, com o objetivo de reunir o laicato para em especialidades;
a ação comum. A confederação era uma escola 3) o “espírito universitário” é o que visa for-
de formação de líderes, constituída por meio de mar o ser humano em “pessoa integral”,

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universal e dedicada à vida moral. (Lima, Portanto, segundo Alceu, a educação de-
Alceu Amoroso. p. 46, 1944). veria ter uma função de acesso, ou seja, elevar
o espírito humano ao melhor estado, para este
[…] A universidade [portanto] deve poder se desenvolvido: a sabedoria. A edu-
estar em sintonia com o espírito do cação ou formação profissional faz a pessoa
mundo [que naquela época essencial- ser apenas uma “expert” em conhecimentos
mente era ainda visto como totalida- [científicos] seria uma formação insuficiente
de. (Lima, A A M. 1944, p. 220). e até mesmo anti-humanista. A educação de-
veria ser “integral”, ou seja, deveria promover
Por meio dos debates entre católicos e libe- a alma humana ao grau mais elevado de cultu-
rais para formular uma nova concepção de edu- ra, de civilização e sabedoria conquistada pela
cação, nos anos 30, o católico Alceu Amoroso humanidade
Lima interpretava a universidade à frente de A universidade é onde deve ser conserva-
um duplo desafio: onde deveriam ser formadas da a tradição do conhecimento. Mas também é
nesse espaço onde o conhecimento precisa estar
pessoas bem preparadas em cultura geral (pes-
aberto às renovações, através dos empreendi-
soas cultas, porém não necessariamente erudi-
mentos de pesquisas, da aplicação e teste junto
tas, isto é, não enciclopédicas, não diletantes ou
à realidade, e das ações diversas no campo das
de saber superficial) e, também, especializadas
idéias, sempre no sentido de melhorar a huma-
em algum ramo do conhecimento científico.
nidade. A universidade, sobretudo, é a institui-
Acreditava que a pessoa formada nos funda-
ção comprometida com a Verdade, com a busca
mentos da cultura geral estaria afastada da
da verdade ou com o desmascaramento da men-
“tentação do antropocentrismo inumano” e do
tira. Amoroso Lima se inspirando no tomismo
“super-humanismo” (Lima, A M.1961 p 171),
e no aristotelismo acreditava que “a verdade é
também estaria evitando se render ao vício da
sempre uma proporção entre extremos”.
especialidade, cujo pecado é levar o profissional
A idéia de universidade, proposta por Alceu
a ser um sujeito fragmentado ou alienado em de Amoroso Lima, ia contra o tradicionalismo
ver a totalidade das coisas. do ensino brasileiro, considerado verboso, dile-
Como filósofo da educação, sua perspec- tante, superficial, pedante e despreparado para
tiva era humanista e otimista, pois acreditava as exigências da nova ordem de produção in-
na transformação da sociedade a partir de uma dustrial, no Brasil, desde os anos 30. Fernando
educação integral da pessoa humana. O fim úl- Azevedo, de pensamento liberal e marcadamen-
timo da educação haveria de elevar o indivíduo te cientificista, também criticava esse tipo de
a ser uma pessoa, termo emprestado do cristia- ensino, porém, sem dúvida pensava uma univer-
nismo. Ou seja, a categoria ‘indivíduo’ define-se sidade tecnicista e elitista. Amoroso Lima a criti-
como é comum ao homem, ao animal, a planta, cava como um modelo desumano, anti-holístico,
ao micróbio, enfim, a qualquer ser vivo. A cate- e anti-humanista de universidade.
goria cristã ‘pessoa’ indica a substância e pos- No contexto, a Ação Católica brasileira
sui algo do divino, tem espírito e é moralmente tinha como finalidade última formar as ca-
moldado para ações elevadas. madas leigas da sociedade para o trabalho no

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apostolado hierarquizado da Igreja. O vitalis- prática, abranger o mundo, ou melhor, trazer o
mo constituiu um importante movimento po- mundo para dentro de si.
lítico, social e literário com o propósito de de- O papel exercido pelos intelectuais cató-
senvolver a cultura católica superior por meio licos, acima referenciados, representou a bata-
de atividades em diferentes setores, as quais lha pela escolarização e suas idéias percorrem
incluíam conferências, grupos de estudo, o caminho da construção de uma proposta
apostolados diversos, e ainda o sindicalismo educacional, sugerindo a introdução do ensino
cristão. A Ação Universitária Católica tinha religioso nas escolas públicas. Nas análises do
como objetivo congregar estudantes universi- professor Nagle, o debate em prol dessas idéias,
tários católicos, não se resignando ao avanço mudaram o foco das questões a serem resolvi-
cada vez maior do comunismo. das no período da década de 1920.

Tal como o movimento nacionalista


Considerações finais que se ligou ao partido Democrático,
houve aqui outra grande restrição no
Podemos distinguir dois movimentos na temário educacional. Com o apare-
história da Igreja Católica no Brasil. O primeiro cimento do Centro Dom. Vital e de
é o movimento de romanização iniciado no sécu- seu órgão oficial, a revista A Ordem, a
lo XIX, principalmente o papel exercido em sua batalha pela escolarização se transfor-
pratica de ação. Dom. Viçoso Bispo de Mariana mou na luta pela instrução religiosa
formula uma proposta de ação com o objetivo o e pela introdução do ensino religioso
objetivo de tornar a igreja no Brasil, ligada a sé nas escolas oficiais. Dessa forma, pas-
em Roma. Esse recebe o nome de processo de sa para um segundo plano o problema
Romanização da Igreja Católica no Brasil, mas da difusão do ensino em seus diferen-
este apenas norteia os nossos estudos. tes níveis de modalidades: principal-
O segundo movimento tem como marco mente, o esforço para incrementar a
histórico a mudança de Dom. Sebastião Leme atuação da escola primaria ficou redu-
para a diocese do Rio de Janeiro, após a grande zido ao mínimo. Instruir por instruir
agitação ocasionada em sua Diocese recorren- – argumentou-se – é tarefa ociosa e
te de uma carta pastoral por ele escrita. Assim, prejudicial; o que importa é educar,
Dom. Sebastião assume o movimento denomi- e para que haja educação é preciso
nado de neo cristandade, que vê a participação impregnar os processos dos ensina-
da Igreja na vida da sociedade como uma forma mentos da doutrina cristã, católica.
de influir e transformar a sociedade. (NAGLE, J. 2001, p 141)
Neste momento, a Igreja Católica no Brasil
ligada a um modelo de Igreja conservador, o Diante estas posições, as instituições de li-
modelo da cristandade, proposto pelos concí- derança católica sofrem muitas criticas. O prin-
lios de Trento no século XVI e Vaticano I, no cipal ataque a Igreja católica foi à acusação de
século XIX, o qual a Igreja Católica enquanto não ajudar nas ações de combate ao analfabe-

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tismo, apesar de possuir os recursos e estrutura cristandade católica moldando essa civilização,
em sua organização para isso. mesmo com todos os seus contratempos.
A Igreja Católica sempre teve certa supre-
macia e prestígio na sociedade brasileira diante
de suas ações e na elaboração de seus projetos Referências
pedagógicos, independentemente de seu con- CARONE, Edgar. A República Velha (evolução
servadorismo, e, em geral, nunca tinha sido política) 2ª ed. Difel – São Paulo – 1974.
questionada pela sociedade, até meados do sé- FERNANDES, Cléa Alves de Figueiredo. Forense
culo XX. Universitária – Rio de Janeiro 1989.
É simplismo pensar, a questão era de ca- FIGUEIREDO, Jackson de. A Ordem, nº 1,
ráter econômico, a coisa é bem mais profunda, agosto de 1921.
pois, ali no espaço escolar ela não só educava no GRAMSCI, Antonio. Concepção Dialética da
sentido formal da acepção laica, mas ao mes- História, 8ª edição, tradução Carlos Nelson Coutinho,
mo tempo construía, disseminava e conservava Ed. Civilização brasileira – Rio de Janeiro – 1989.

a cultura católica respondendo os objetivos da HILSDORF, Maria Lucia Spedo. História da


ação missionária e histórica da Igreja. A partir Educação Brasileira: Leituras, Thomson 2007.

daí, historicamente as escolas católicas sofrerão IGLESIAS, Francisco. História e ideologia. São Paulo,
Perspectiva, 1981.
a concorrência na conquista das consciências
com o aparecimento das escolas públicas e no NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira
República. 2°ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
futuro as escolas privadas.
Cabe ressaltar que a ingerência da Igreja NOSELLA, Paolo. Qual Compromisso Político?
Ensaios Sobre a Educação Brasileira Pós Ditadura. 2ª
sempre se fez presente, mesmo com a perda de ed. Revista Ampliada – EDUSF, 2002.
sua hegemonia a partir dos anos de 1920, no
Lima, Alceu Amoroso Moreira. Humanismo
âmbito das questões educacionais na sociedade Pedagógico; Editora Stella, 1944.
brasileira. Querendo ou não, essas intervenções
______. Introdução à Economia Moderna, 3ª ed.;
na sociedade e na educação são de direito, inde- Editora Agir 1961.
pendente de tomarem posições conservadoras, RIBEIRO, Maria lisa Santos. Historia da educação em
reformistas ou revolucionárias, pois há de se ad- perspectiva, Ed. Autores Associados – 2005
mitir até o momento a cultura luso-brasileira, a SAVIANI, Demerval. História das Ideias Pedagógicas,
mentalidade e o imaginário estão fundados na Campinas - Autores Associados 2003.

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