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E O TRIUNFO DO \·NACIO·NALISMO
BRASlLEIRO

Editora Itatiaia Lin1itacb


Editora da Universidade de São Paulo
UNICAMP
O PROBLEMA DO NACIONALISMO BRASILEiRO

O governo de Getúlio Dornelles Vargas, 1930·1945, provocou muita contra·


vérsia, desde que surgiu como conseqüência da revolução de 1930, e, não obstante
a 'varíedade de interpretações, tem sido, de um modo geral, reconhecido como o
mais significativo dos momentos decisivos na História contemporânea do BrasU. A
controvérsia se resume, em última análise; em se saber se o regime representou me·
ramente uma mudança das personalidades políticas, a S\.lbstituição de "uns" pelos
"outros", ou um movimento legitimamente revolucionário, ou, pelo menos, legiti·
~amente reformista, dotado de cer.to teor ideol6gico 1 • Hoje, contudo, um ponto
de vista geralmente aceito é que a verdade se situa entre. os dois extremos,. isto é,
que Vargas foi algo mais que um político cético e pragmático, embora longe de ser
um revolucionário, e que as mudanças por ele introduzidas foram além das que re·
sultam, em via de regra, de um golpe de Estado, sem constituírem, por outro lado,
alterações de um caráter plenamente revolucionário. O que se percebe é que,influen·
ciado, de início, por mudanças que já estavam ocorrendo dentro da sociedade brasi·
leira, assim como por pressões vindas de fora, Vargas agiu no sentido de acelerar e
dirigi~ mudanças mais amplas e mesmo mais rápidas. Astutamente, aguardou a mar·
cha dos acontecimentos, colocou-se à sua frente, e conseguiu efetuar aquelas amplas
mudanças na st;>ciedade provocando os menores choques possíveis 2 • Mas como, então,
é lícito indagar-se, Vargas, ao contrário dos seus antecessores, foi capaz, não somente
de dominar o cenário político, como também de exercer um comando positivo do
conjunto do desenvolvimento de uma sociedade crescentemente dinâmica? Como
conseguiu. tornar-se o poderoso árbitro de facções vivamente hostis umas às outras,
tanto revolucionárias como não-revolucionárias? Esse êxito notável é atribuído, quase
sempre, à Sl,la indiscutível habilidade política, e, realmente, .isso é verdade, em grande
parte. De qualquer maneira, porém, tal explicação é demasiadamente simplista, uma
vez que não leva em c·onsideração os aspectos políticos, econômicos, sociais e cultu·
rais de uma força que se fez sentir no Brasil de maneira acentuada e crescente, e que
grandemente contribuiu para o sucesso de Vargas: a força do nacionalismo.
Assim sendo, para se compreender com maior clareza o fenômeno Getúlio
Vargas, tem-se de focali7.~·lo dentro da contextura mais ampla do nacionalismo bra· ·
sileiro. O objetivo de'ste estudo, portanto, é o de examinar aquele relacionamento,

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traçando o desenvolvimento do nacionalismo, tanto antes do advento de Vargas ao
poder, como durante os anos em que permaneceu como chefe de Estado, até a sua
queda, em 1945. übediente a esse ponto de vista, é tríplice a tese aqui apresentada:
em primeiro lugar, o nacionalismo brasileiro, que vinha se fazendo sentir, constan·
temente, desde fins do Século XIX, já alcançara um estágio relativamente elevado
antes da revolução de 1930- Vargas não foi, com certeza, o seu criador: em segundo
lugar, a feição verdadeiramente característica do regime de Vargas foi o seu naciona·
lismo, que, ao mesmo tempo, criou um novo estilo para a política brasileira e repre·
sentou, do ponto de vista político, um papel funcional, fortalecendo Vargas, afere·
cendo-lhe uma esfera mais la·rga de ação governamental do que existira anteriormente;
em terceiro lugar, no que diz respeito à eficácia política, o nacionalismo brasileiro
alcançou o seu apogeu sob o governo de Vargas, durante os anos do Estado Novo,
1937·1945, quando o regime se tornou crescentemente radical. 3 .
O problema, portanto, consiste em avaliar-se os efeitos de um novo sistema de
valorização - o nacionalismo - sobre a política brasileira, tendo como palco uma
sociedade em processo de transição sócio-econômica e' cultural de tradicional para
moderna4 • Trata-se de ressaltar o desenvolvimento paralelo do nacionalismo, em seus
aspectos intelectual e da prática política, e a crescente interdependência dos dois.
Ver-se-á como uma idéia, de início periférica em face da realidade política nacional,
tornou-se uma de suas feições dominantes, como uma força ideológica adquiriu im•
portância institucional e popular, e como o nacionalismo ofereceu uma estrutura
geral para o desenvolvimento nacional. Também a esse respeito, Vargas, como era
de seu feitio, apoderou-se de uma força que pairava no ar, dela tirou proveito e im·
primiu-lhe uma nova direção.
Tendo em vista o período a ser estudado, de fins do Século XIX a meados da
década de 1940, a tarefa que temos pela frente consiste, essencialmente, em acom·
panhar·se a evolução da geração nacionalista de 1930. Com efeito, foi aquela gera·
ção que nasceu depois da proclamação da República em 1889, alcançou a maturi· ,,
dade aproximadamente por ocasião da Primeira Guerra Mundial e, apoiando-se em
bases já lançadas pela geração nacionàlista anterior, rebelou-se contra a permanência
do statu quo na década de 1920, integrou-se no sistema durante o regime de Vargas
(1930-1945) e foi responsável pelo primeiro pleno florescimento do nacionalismo
brasileiro 5 • Antes, porém, é preciso ter uma noção exata do que se entende por na·
cionalismo e revolução, assim como o conhecimento do aspecto geral e das caracte·
rísticas essenciais do nacionalismo brasileiro em seu desenvolvimento histórico, isto
é, sua natureza intrínseca, seus principais componen.tes e suas diversas variedades.
Somente depois disso, poder-se-á fazer, de maneira proveitosa, o estudo minucioso
daquela geração, de seus antecedentes e da sua contribuição.

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De um modo geral, pode-se dizer qUe as revoluções são violentas rupturas
sociais com expressão política, em que um grupo dominante tradicional é desalo·

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jado por um novo grupo, que, em via de regra, dispõe maior apoio popular. No pro·
cesso revolucionário, o Estado é revitalizado, tornando-se mais forte e eficiente, em
conseqüência tanto· das mudanças institucionais, como do aflu~o ·de novos ele·
mentos para a burocracia e o exército. Ao mesmo tempo, a sociedade experimenta a
ruptura das divisões de casta ou de classe tradicionais, e, do ponto de vista econômi·
' co, ocorre uma considerável redistribuição da propriedade, em via de regra de ma·
neira mais eq~itativa. Teoricamente, também, toda a ordem sócio-econômica é re·
constituída de acordo com novas idéias ou princípios. Assim sendo, uma revolução
apresenta·· um real sentido psicológico, qualquer que seja o grau, a longo prazo, do
seu êxito ou fracasso na área de transformação social. Muitas vezes, ela cria uma cer·
ta mística .em torno de suas realizações, reais ou imaginárias. De maneira cada vez
mais acentuada, a partir do Século XVII, o .atrativo da revolução tem-se fortalecido,
em consequência de uma série de revoltas bem-sucedidas registradas pela História, a
princípio no Ocidente e depois no ~mundo não-ocidental. Devido a isso, ·a revolu·
ção, ou, pelo menos, a idéia da revolução, tem merecido ampla aceitação recente-
mente, em muitos países subdesenvolvidos, como meio de resolver os seus enormes
problemas e acelerar o progresso 6 •
Embora muitas vezes relacionado com a revolução, o nacionalismo tem-se re·
velado um fenômeno muito mais complexo e difuso. Em sua essência, consiste em
um sistema de avaliação que sustenta o ponto de vista de que o Estado-nação cons·
titui o grupo mais elevado na ordem social e, como tal, eleve ser o foco primordial
da lealdade do cidadão e ter o poder çle tomar as decisões finais na: direção dos ne·
gócios humanos. Todos os outros interesses, de grupo ou individuais, são considera-
dos como sendo de importância. sccunclárfa. No plano internacional, os s~us obje·
tivos principais se resumem, em via de regra, na independência e fortalecimento da
nação com relação aos países estrangeiros, e, no plano interno, na integração e no
desenvolvimento. Uma presunção fundamental é que os povos do mundo são, ou
devem ser, divididos em nações, cada uma das quais sui generis, do ponto de vista
cultural, e que o progresso humano pode ser alcançado mais facilmente dentro de
um contexto no plano nacional. O governo nacional auto-determinado independente
é considerado como a (mica forma legítima de organização política, uma vez que
devem coincidir a nação cultural e o Estado político. Além disso, todavia, o nacio-
nalismo é, ao mesmo tempo, tanto o mecanismo destinado a promover a consecu-
ção dos objetivos nacionalistas, como o processo ou estilo de sua realização efetiva,
de modo que, tomado em seu conjunto, o nacionalismo tem realidade na idéia, na
função e no fato 7 •
Em suas manifestações ostensivas; o nacionalismo tem-se mostrado em três
nínis distintos mas inter-relacionados·: o ideológico, o institucional e o popular.
, Ideologicamente, é encontrado em escritos q\,le, habitualmente, começam com uma
crítica da sociedade existeJ1 te e, em seguida, oferecem um plano para a renovação
ou realização nacional. Institucionalmente, conquanto jamais seja por si mesmo
uma instituição, assegura, com freqüência, a base para um movimento de massas,

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um parti~b político, uma constituição, ou pode expressar-se, de maneira significàti·
: va, através de várias organizações educacionais, propagandísticas, militares, trabalhis-
tas, empres~riais, feministas, juvenis, esportivas, profissionais ou culturais. Também
pode ser institucionalizado simbolicamente em bandeiras, festividades, monumenfos,
canções e preces, ou pode ser personificado em heróis nacionais. Do ponto de vista
pÔpular, manifesta-se através de cidadãos que têm uma fé implícita na supremacia
da naçfo, uma fé que é tacitamente conservada em tempos nonnais, mas proclama-
da com entusiasmo, ou· mesmo com fervor, nos momentos de crise.
Embora cronologicamente o nacionalismo apareça primeiro como ideologia,
estendendo-se, em seguida, aos níveis institucional e popular, nas últimas décadas
tem-se notado um crescente inter-relacionamento entre todos os três níveis. À medi·
da que se fortalece institucionalmente e conquista aceitação popular, têm de ser fel·
tos constantes reajustamentos ideológicos, a fim de satisfazer as exigência·s procc·
dentes daqueles níveis, assim como se adaptar às necessidades do desenvolvimento
geral, político, econômico, social e intelectual. Também se observa uma constante
interação entre ~odos os níveis do nacionalismo e outras tendências ideológicas im·
portantes, tais como o conservadorismo, o liberalismo e o socialismo. Em todas essas
manifestações, porém, o nacionalismo tornou-se a feição central da vida política
moderna.
A despeito de sua importância contemporânea, o nacionalismo é um fenôme·
. no histórico relativamente recente. Surgiu na Europa do Século XVIH, como uma
ideologia que cotnbinava o patriotismo (sentimento muito mais antigo, envolvendo
a devoção à terra natal e a disposição de defendê-la), as teorias da soberania em voga
e o estadismo com as nascentes idéias de nacionalidade (a consciência de se perten·
cer a um grupo nacional culturalmente distinto, muitas vezes supostamente supe·
rior a todos os outros). No fun daquele século, o nacionalismo estendeu-se nos pla·
nos institucional e popular, através da Revolução Francesa, quando foi derrubada a
monarquia e estabelecida uma república, em nome do povo francês. Q novo Estado
francês teve de adaptar-se à nação cultural, e à nova ordem sqcial passou a depender
do talento individual, e não dos privilégios herdados. O nacionalismo espalhou-se
rapidamente para outros países europeus, e, ao mesmo tempo, variedades do prato·
nacionalismo abriram caminho em algumas possessões européias ultramarinas, farta·
lecendo as aspirações de independência. A partir de então, tem havido uma cres·
cente tendência, por parte da nação-Estado, de relegar tanto o tradicional Estado
dinástico na Europa como o território colonial fora de lá. Essa tendência, todavia,
limitou-se principalmente ao mundo europeu, inclusive ·às Américas, no Século
.XIX:, só adquirindo significação global no Século XX. ·
Desde o seu início, pelo menos no sentido ide"al, o nacionalismo atacou a es·
trutura sócio-política do Ancien Régime e o domínjo imperial por parte de uma po·
tência estrangeira. Os cidadãos e as nações passaram a ter predominância sobre as
castas e os impérios. O igualitarismo e a independência têm sido os objetivos supre·
mo·s do nacionalismo. Também atacou o espírito de cosmopolitismo que prevaleceu

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na Europa do Século XVlll, e negou a validade das antigas idéias de universalismo.
O único valor universal legítimo tem sido o do Estado-nação. Como é natural, os
seus ideais mais elevados têm sido muitas vezes diluídos, e o seu fervor oscilou ampla·
mente, segundo o tempo e o lugar. Algumas variedades de nacionalismo têm sido
militantes e revolucionárias, exigindo a consecução imediata e completa dos seus
objetivos. Tal foi o caso do jacobinismo na França e da luta pela independência da
Irlanda· no Século XX. Outras têm-se mostrado mais restritas e evolucionárias, dis·
postas ao compromisso c à consecução dos seus objetivos através de reformas grada·
tivas. A Alemanha de Blsmarck e o Canadá do fim do Século XIX e do Século XX
são exemplos nesse sentido, representando tentativas de se ajustarem - em vez de ·
romperem radicalmente - ao antigo regime e ao colonlallsmo. Além disso, têm ha·
vldo :yários casos de variedades e.spúrlas, que vestiram a reação, a falta de escrúpUlo
e a. ambição pessoal com o manto de um nacionalismo retórico e não substancial,
tendo pouco Interesse real por mudanças. O Portugal de Salazar e o Haltl de Duva·
lier servem de exemplos. O nacionalismo, destarte, tem percorrido a escala d·a revo·
lução à reação, e as flutuações dessa espécie nlnda são bem eVidentes hoje em dia. À
medida, porém, que o nacionalismo se difunde crescentemente através do mundo,
as suas formas mais radicais se mostram consideravelmente atraentes, de novo, co·
mo no caso da revolução, em particular nos países subdesenvolvidos.

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As idéias nacionalistas vindas da Europa se espalharam no Brasil em fins do
Século· XVIII, como ocorreu na América Latina em geral, fortalecendo o patrio-
tismo nat!vista já existente e fazendo surgir variedades de protonacionallsmo (algo
mais que o patriotismo local, mas carente de um sentimento de nacionalidade ela·
ramente definido), que deram suporte ideológico a numerosos movimentos pela
independência 8 • Naquele tempo, contudo, as condições do Brasil, ao contrário
das que prevaleciam em algumas partes da América Espanhola, não eram favoráveis
ao desenvolvimento do nacionalismo. Em conseqüência, o nacionalismo brasileiro
seguiu um. curso diferente daquele dos seus vizinhos e, assim sendo, adquiriu uma
natureza distinta.
Devido, principalmente, ao fato de haver sido alcançada a se·paração de Por·
tugal rápida e sem tumultos revolucionários e dentro da estrutura monárquica da
Casa de Bragança, o nacionalismo representou um papel funcional menos Impor·
tante na conquista da Independência. O 11ovo Imperador, Dom Pedro I, simples·
mente substituiu o velho rei, João VI, como objeto de lealdade, em 1822. Em se·
guida, o novo monarca eliminou as possibilldades ideológicas e Institucionais apre·
sentadas pelo nacionalismo incipiente, autocrlticamente impossibilitando a ação dos
seus inspiradores, como José Bonifácio, por exemplo. O crescimento PC?tenclal do
nacionalismo foi, mais a !ante, afetado pela abdicação, em 1831, de Dom Pedro a
favor de seu filho ainda criança, que, embora satisfazendo os interesses brasileiros à

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custa dos portugueses, assegurou a continuação da monarquia no Brasil. Durante a
· década da Regência que se seguiu, os dirigentes políticos que, pessoalmente potle-
riam ser atraídos pelo nacionalism!J, utilizaram, pragmaticamente, o símbolo da co-
roa, e não da nação, como o mais apto a manter a unidatle e evitar a desintegração
territorial. Em meados do século, quando afinal o Império se consolidou, sob Dom,
Pedro li, o que surgiu foi um tipo de Ancien Régime domesticado, que, fundamen-
talmente, servia aos interesses da aristocracia nativa. Essa aristocracia encontrava-
se. economicamente presa, mercê de uma produção agrícola em grande escala des·
tinada à exportação, a um sistema de comércio mundial, mas permanecia virtual-
mente autônoma nos limites de suas fazendas e de suas divisões regionais. O Impé-
rio garantia-lhe ordem e estabilidade, mas não uma coerente direção nacional. Além
disso, como os brasileiros, em virtude de sua heranÇ.~.portuguesa, se achavam cultu-
ralmente isolados- do resto ela América do Sul, não oéorrcu uma necessidade impe-
. riosa de criarem uma nação ou uma identidade própria, a fim de distingui-los dos
seus vizinhos, como no caso da Argentina, por exemplo. A unidade superficial man-
tida péla monarquia e pelos frouxos laços culturaís conspirava contra o advento
de um nacionalismo genuíno, do mesmo modo que outros fatores, ta.is como o pro-
longamento da escravidão e a falta de uma perfeita integração política, geográfica,
social, econômica e psicológica. Tanto o cosmopolitismo como a política de campa-
nário, especialmente a última, fizeram-se sentir como poderosas forças sociais durante
o Império. Os interesses pessoais, regionais ou de castas, assim como outros semelhan-
tes, assumiam desmesurada importância. Naquele período, portanto, a expansão do
nacionalismo constituiu um caso indiscutível de suspensão do desenvolvimento 9 •
Por outro lado, desd.e o fim da década de 1880, a expansão do nacionalismo
brasileiro foi vigorosa e firme. Quando o Imperador, tendo perdido o contato com a
realidade nacional, e, em conseqüência, tendo. também perdido a maior parte das
bases em que se apoiava, foi afastado por um golpe de Estado, em 1889, o símbolo
unificador da Coroa desapareceu com ele. Para que o Brasil continuasse intacto como
um Estado viável, tinha de ser encontrado um novo centro de lealdade. Somente
então, nos últimos anos do Império, quando se tornara evidente a iminência da sua
queda, foi que o nacionalismo experimentou um despertar, e, gradativamente, o sím-
bolo da Nação substituiu o da Coroa. Nas primeiras décadas da Rept'!blica, porém,
o nacionalismo floresceu sobretudo no plano ideológico, e, embora a sua institucio-
nalização e a sua popularização estivessem se fazendo sentir, de certo modo, no tem-
po da Primeira Guerra Mundial, seu principal desenvolvimento em tais planos ocor·
reu depois de 1930. Ideologicamente, estabeleceu-se com rapidez e persistência uma
mentalidade nacionalista, a qual, a despeito de lhe faltar ortodoxia e uma coesão sis-
temática, persistiu até o presente. Essa con~jstência é muito menos visível no plano
institucional e não se manifestou no plano popular.
A natureza característica do nacionalismo brasileiro deriva, em parte, dé seu
·aparecimento retardatário; Não ·se associou, primordialmente; â conquista da inde·
pendência e à hostilidade aos portugueses. Não reviveu como reação direta ao domí-

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nio político estrangeiro ou outras ameaças vindas do exterior, mas antes como rea·
Ção a crises internas. Tal fato, combinado com a prolongada ausência de séria ameaça
política externa durante o Século XX, contribuiu para reduzir a um mínimo seu
conteúdo de ·hostilidade ao estrangeiro politicamente inspirada. Além disso, o nacio·
nalismo reapareceu quando o Brasil se encontrava em plena regeneração e emanei·
pação cultural, e de pronto se revestiu de acentuado aspecto cultural," que persistiu
por muitos anos. Posteriormente com o advento do progresso econômico e, conse·
qüentemente, social ocorrido na década de 1930, destacaram-se, de maneira crescente,
aqueles aspectos do nacionalismo. Acima de tudo, então, foi ele orientado para um
deseiwolvimento interno construtivo, primeiramente no sentido do fortaledmento
cultural da nação, e, em seguida, no sentido de criar um Estado-nação ~aderno,
integrado e mais equilibrado 1 tendo COmO matéria•prima uma SOCiedade atrasada,
ainda sofrendo dos males de seu passado colonial. Não se tratava de um nacionalismo
caracteristicamente xenófo.bo, internacionalmente belicoso ou· estridentemente anti·
colonial. Também nele se refletia;, em parte, a falta de experiência no exílio por parte
dos nacionalistas brasileiros. Como a repressão política interna foi, em geral, dimi-
nuta, o nacionalismo desenvolveu-se livremente no País; escapando, assim, do ran·
cor; do entusiasmo exaltado e das qualidades utópicas comuns ao nacionalismo de
muitos países latino-americanos, que refletiam uma formulação elaborada durante
uma grande permanência no exílio. Em seu conjunto, portanto, o nacionalismo bra-
sileiro tem ostentado surpreendente equilíbrio e moderação e uma capacidade muito
mais acentuada de encarar os problemas internos do que tem ocorrido com muitos
nacionalismos latino-americanos.
Como o nacionalismo, a revolução representou um papel na História do Brasil
desde o começo do Século XIX, e também a sua natureza distinguiu-se de outras
variedades latino-americanas, principalmente sob dois aspectos. Em primeiro lugar,
a violência, pelo menos em nível nacional, não se tem mostrado significativa nas
revoluções brasileira!., e, em segundo lugar, tem havido um elevado grau de com·
promisso e de acomodação sócio-política relacionados com as . revoluções, que lhes
dá um teor quase evolucionário e impede qualquer ruptura profunda ou duradoura
dentro da sociedade. Sem dúvida, a violência, apesar de certa crença em contrário
bastante espalhada, não tem faltado, de modo algum, à sociedade brasileira, tanto
no setor privado, como ocorre nas ·brigas de fam11ias e no banditismo, como no setor
político, manifestada em revoltas separatistas regionais, lutas de coronéis (chefes
políticos locais) inimigos e rebeliões de descontentes políticos e sociais (por ex.:
levantes de escravos, movimentos messiânicos e outras insurreições de caráter regia·
nal). Tais sublevações, todavia, tém ficado isoladas no espaço e no tempo, e não
ocorreram manifestações de violéncia prolongadas ou amplas nos níveis mais eleva·
dos da política nacional. Cada uma das trés "revoluções" brasileiras, as de 1822,
1889 e 1930, alcançarrun rápido sucesso político e militar, através de golpes de Es·
tado, limitando,· desta, te, a utilização de forças armadas e evitando lutas prolonga·
das, envolvendo grandes exércitos revolucionários. Em conseqüência, não se criou

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no Brasil uma tradição revolucionária claramente delineada, como ocorreu, por
exemplo, no México ou em Cuba 1 0 •
TSlvez tenha sido esse baixo teor de intensidade revolucionári~J:, com a ausên·
cia de prolongadas e encarniçadas hostilidades, que tem tornado possível a reconci·
liação final e relativamente pacífica das facções revolucionárias vitoriosas com os
seus antecessores desalojados. Cada uma daquelas revoluções, convém salientar, foi
seguida de um;i reação contra-revolucionária, mas essa última sempre se frustrou, e
chegou-se a um compronússo. Aquelas revoluções mereceriam mais ser chamadas de
golpes de Estada socialmente significativos, uma vez que não acarretaram rupturas
sociais violentas. Cada uma delas, por outro lado, permitiu uma importante acomo-
dação social, vinculada à ascensão de um grupo governante novo e mais amplo. Su-
cederam-se, na posição predominante, a burocracia mercantil portuguesa, a aristo-
cracia rural escravocrata (predominantemente nordestina), a oligarquia agrocomer-
cial, baseada no café (centralizada em São Paulo) e a elite burocrática comercial e
industrial. Em caso algum, um grupo venceu completamente o outro; não qcorre-
ram violentas redistribuições de riqueza e completas remodelações da ordem social.
Sempre, o grupo dominante ascendente se reconciliou com aquele que supera. As
profundas mudanças econômicas e sociais que tiveram lugar, processaram-se paula·
tina e irregulannente.
Ao mesmo tempo, cada revolução acarretou acentuada àlteração da estrutura
política formal, e cada regime· subseqüente se norteou por novos prüicípios: monar-
quismo, republicanismo e nacionalismo. ~ bem verdade que as idéias nacionalistas
se evidenciaram em todas as revoluções, mas somente na de 1930 o nacionalismo se
tornou a idéia dominante, e somente a partir de então manteve permanente signifi-
cação política. O fato de terem ocorrido revoluções no Brasil levando a radicais mu-
danças políticas e a significativos reajustamentos sociais sem serem acompanhadas
de guerra civil ou da ruptura da ordem social parece "indicar tanto que as instituições
sociais e os padrões de comportamento vigentes eram fundamentalmente fortes e ao
mesmo templo flexíveis, como também que a arte da política se achava altamente
desenvolvida no plano informal. Além disso, instituições poderosas, como a Igreja
Católica e o exército, que poderiam ter disputado a autoridade com o governo, de
um modo geral desempenharam um papel restrito na política, e não agravaram as
divisões sociais, como ocorreu muitas vezes em outros países da América Latina.
Assim, a despeito das revoluções e de uma grave debilidade das instituições políticas
nacionais, o Brasil tem-se mostrado surpreendentemente estável.

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Como o nacion~ismo brasileiro divergiu em suas origens, em sua reação diante
dos problemas internos específicos e em sua relação com a revolução, também se
distinguiram o seu conteúdo total e a sua prioridade e combinação de objetivos.
Nesse sentido, as variedades do nacionalismo têm compreendido, embora em pro·

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porção e intensidade desiguais, os seguintes componentes: 1) a busca da identida4e
nacional. 2) o impulso patriótico, 3) o ataque ao regionalismo, 4) a exigência de fe·
gitimidade política, moralidade e eficiência políticas, e 6) a preocupação com aj14s·
tiça social. Individualmente, é claro, alguns desses componentes do naci~nalismo
brasileiro são, muitas vezes, alvos do interesse de pessoas que podem ou não ser na·
cionalistas. Assim, por exemplo, os industriais e as autoridades fiscais serão defenso·
res de tarifas protecionistas, assim como os homens humanitários e os dirigentes sin-
dicais se preocupam com a justiça social. Coletivamente é que eles se tornaram face·
tas do nacionalismo, embora cada um eles possa teridentidade distinta e importân·
cia própria. Os nacionalistas, pois, se preocupam com eles, primordialmente, como
partes de um todo, relacionadas entre si dentro da estmtura do problema nacional
em seu conjunto. E, como o problçma nacional vem sendo considerad.o, cada vez
mais, como um problema de subdesenvolvimento, o nacionalismo brasileiro, com
seu matiz particular de componentes, tem visado a assegurar o impulso necessário
para um desenvolvimento global, assim como a defender os direitos, 'interesses e va·
lares nacionais específicos 1 1 •
Em primeiro lugar e de maneira destacada, porém, o nacionalismo brasileiro
tem-se preocupaqo com a procura da identidade nacional. Em que consiste exata·
mente a Nação brasileira? Quem são os brasileiros, o que os caracteriza e quais são
as bases da nacionalidade brasileira? Então, uma 'vez descoberta e compreendida a
essência da brasilidade, ela pôde ser cultivada e utilizada para fortalecer a unidade
naçional. Desse modo, foi possível superar os fortes e tradicionais centros regionais
de identidade. primária. Durante os séculos de domínio português, embora se com·
preendesse nas camadas mais elevadas o status de colônia do Drasil e houvesse um
certo ressentimento contra os reinóis (portugueses peninsulares) privilegiados, por
parte dos brasileiros natos, era escasso ou faltava de todo o sentimento de se per·
tencer a uma nação, e a identidade permanecia altamente fragmentada, a tal ponto
que, como salientou um observador, "cada·fanu1ia é uma república" 12 • A força des·
sa identidade básica da família ou do clã persistiu durante todo o período colonial
e por bastante tempo no Século XIX. Com a independência, sem d~vida, alguns bra· ·
sÜciros se identificaram com a nação, mas se tratava de um número relativamente
pequeno de intelectuais e políticos, que estavam muito adiante de seu tempo. Havia,
contudo, uma compreensão mais ampla de que o Brasil, como um império, consti·
tuía uma comunidade de interesses (s~ciais, políticos e econômicos) diferente de
Portugal, e espalharam-se idéias, de fundo literário e romântico, da individualidade.
cultural do Drasil, pela utilização de temas nativistas. Mais tarde, o advento daRe-
pública deu novo alento simbólico e jurídico à idéia do destino distinto do Brasil e
levou a uma afirmação mais positiva da dignidade e respeitaqilidade do País dentro
da comunidade internacional. Ao mesmo tempo, um número maior de intelectuais,
buscando a originalidade cultural, participou do desp~rtar nacionalista e dediCOU·
se à exploração literária, .listórica, sociológica e antropológica da nação e ao estudo
dos problemas básicos nacionais. Esse processo foi, de certo modo, acelerado e po·

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pularizado pelo movimento modernista da década de 1920. Além disso, a sociedade
brasileira tornou-se mais dinâmica em fins do Século XIX e princípios do Século
XX, tendo-se deteriorado a olhos vistos a posição da famt1ia como centro dominante
de identidade. Somente a partir de 1930 observou-se uma identificação mais ampla
e mais geral com o Brasil, a nação, como entidade sócio-psicológica e cultural, relacio·
nada com o mundo lusitano, mas dotada de personalidade própria, desenvolvida
através de uma experiência histórica sui generis. Então, como o grupo dirigente pas·
sou afinal a considerar o Estado como corporificação política da Nação, tanto a
procura como o amadurecimento da identidade nacional foram levados a cabo com
.mais vigor, não apenas por intelectuais isolados, mas como questão política, por
intermédio da maquinaria governamental: a burocracia, o sistema educacional e o
exército. Em conseqüência, tornando-se a Nação mais claramente definida e melhor
conhecida, o povo, aomesmo te111po, com ela se identificou de maneira mais acen·
tuada.
~-ar4or patriótico, que é o elemento central na maioria elas formas de nacio·
nalismo, e, ~fe' al.gü"m"inodo, essencial a todas, tem sido menos importante no caso
do Brasil. Faltando graves ameaças externas, políticas ou militares, o patriotismo
tem-se expressado por um amor passivo ao País ou em reação contra as ameaças inter·
nas, reais ou imaginárias, provocadas por grupos nacionais minoritários supostamente
ligados a maquinações externas. Sem dúvida, têm ocorrido· explosões de ardoroso
patriotismo local, desde os tempos da colônia, mas sem repercussão a nível nacional,
a não ser durante breves períodos. Isso se reflete na escassez de heróis nacionais signi·
ficativos como símbolos de patriotismo. Não há um llolivar, um San Martin, um
Juarez ou um Martí, precisamente porque não ocorreram grandes lutas pela sobrevi·
vência nacional contra inimigos externos. A mais genuína figura heróica do Brasil é
José Bonifácio, o "Patriarca da Independência", que simboliza o racionalismo e de·
terminada moderação, mais que o ardor patriótico. Tem sido difícil transformar mi·
litares como Caxias, Osório e Tamandaré, que, com a ajuda argentina e uruguaia,
venceram e virtualmente destruíram o Paraguai, em símbolos, ou civis como Rio
Branco, cujos triunfos diplomáticos acrescentaram quilômetros de selva ao territó·
rio brasileiro.
O patriotismo tem tido, geralmente, uma influência moderada nas relações
internacionais do Brasil, e, exceto em raros casos, como o da Guerra do Paraguai,
não resultou em expansionismo militar. Desde 1889, especialmenteJ tem·se voltado
para o melhoramento da reputação e posição nacional do Brasil. Esse intuito provo·
cou a participação ativa em organizações internacionais como a União Pan·Ameri·
cana, as Conferências de Haia e Versalhes, a Liga das Nações, as Nações Unidas e a
Organização dos Estados Americanos, assim como o envolvimento em ambas as guer·
ras mundiais. Ao mesmo tempo, os tradicionais e estreitos laços de relacionamen~o
com a Grã-Bretanha foram, aos poucos, sendo superados por uma crescente ligação
com os Estados Unidos. Nas últimas décadas, contudo, alguns nacionalistas, tanto
no governo como fora dele, têm-se inclinado para uma política externa independente,

24
baseada mais decididamente no interesse nacional e menos nas diretivas de Washing•
ton. De acordo com esse ponto de vista, a amizade com os Estados Unidos seria
mantida, mas o Brasil procuraria estabelecer uma faixa mais ampla' de relações fora
da Europa Ocidental e das Américas, e alguns prevêem para o País um papel de lide·
rança dentro da· América Latina e mesmo no âmbito mais vasto do "Terceiro Mun·
do" de países subdesenvolvidos. Apesar de esporá-dicas intervenções dos Estados
Unidos nos assuntos internos do Brasil, aquela reação patriótica origina-se., predo·
•minantemente, mais de necessidades psicológicas, agravadas por questões econômicas,
do que de uma ameaça real, política ou militar. De um modo geral, todavia, o ardor
patriótico nesse sentido vem-se mostrando cada vez mais forte, e o espantalho do
imperialismo ianque vem sendo agitado, cad·a vez com mais freqüência.
Por outro lado, internamente, o patriotismo foi estimulado pelo 'temor de que
grupos nacionais minoritários, vivendo no Brasil, se mostrassem desleais para com a
Nação. Sentimentos antigermânicos mostraram-se particularmente fortes, sobretudo
durante a Segunda Guerra Mundial, quando muitos acreditavam. que os nazistas ·pre·
tendiam transformar em colônia o Sul do Brasil. Em uma ou outra ocasião, todavia,
a maior parte dos outros grupos minoritários (por exemplo: japoneses, italianos,
portugueses, judeus e norte-americanos) têm provocado desconfiança, mas o ressen·
timento em tais casos tem·se originado, muitas vezes, do sucesso econômico alcan·
çad·o por imigrantes c não por 1,1m temor real de subversão. SeJa qual for o caso, no
entanto, o fato é ue o patriotismo contribuiu para a. olítica de restrições im ostas
'à imigração, apartir de 1 30, embora o es ectro da amea a Inter a t h linado
ou, pe o menos, se cs oca o, epois aa Segunda Guerra Mundial. A partir de então,
I. com efeito, a ameaça interna tem sido encarada corno tendo conotação política ou
1,.
'. ~ econômica e não relacionada com as minorias étnicas. Destacam-se, a esse respeito,
os entreguistas, em conluio com o capitalismo internacional, e os comunistas .
.O ataque nacionalista ao regionalis~o tornou-se necessário em virtude da extre·
·ma fragmentação social do Brasil, resultante do próprio tamanho do País, dos pa·
drões históricos de sua colonização, de sua pronunciada diversidade geográfica, da
predominância da sociedade rural e da falta de um único foco centralizador. A fim
de construir uma nação consistente, aquele" ... vastíssimo arquipélago de ilhas hu·
manas"' 3 , como um historiador descreveu, com felicidade, o Urasil, teria de se uni·
ficar, física, cultural e politicamente. A magnitude desse problema de há muito fora
reconhecida. l\·lesmo pouco depois da independência, José Bonifácio sugeriu a trans·
ferência da capital do País para um ponto central, para enfrentar a ameaça de desin·
tegração geográfica. Essa idéia de uma nova capital, localizada no centro do País, foi
mais tarde proclamada em todas as constituições do Brasil, e, naturalmente, tornou·
se uma realidade com Bras11ia, na· dêcada de 1950, criando-se, assim, um símbolo
vivo de unidade e progresso. Para a unificação física, os nacionalistas têm exigido a
melhoria dos sistemas de transporte e comunicação., a fim de serem interligadas efe.
tivamente todas as partes uo País, e a promoção do desenvolvimento econômico de
algumas regiões isoladas que apresentam problemas, como o Nordeste e a Amazônia.

25
Também têm defendido programas de colonização interna, destinados a encher os
vazios entre os bolsões isolados de população, assegurando-se maior continuidade
social e mais ampla utilização dos recursos naturais. Cultural e psicologicamente,
tem-se esperado que o conhecimento acerca das várias regiões se difunda mais larga·
mente e que, à medida que se acentue a curiosidade intelectual por todos os aspectos
da vida brasileira e aumentem as investigações nesse sentido, as características co·
muns se tornem mais evidentes, e se supere o provincianismo.
No que diz respeito à integraÇão política, tinha de ser contido o predomínio
das regiões e Estados mais poderosos, como o Nordeste Imperial ou São Paulo e Mi·
nas Gerais republicanos: teria de ser pasto de lado o patriotismo regional ou estadual.
O governo central, além disso, teria de se tornar realmente nacional, representando
os interesses de todas as partes do País e mantendo um justo equilíbrio entre elas.
Embora algum progresso tivesse· ocorrido em tal direção, os nacionalistas se torna·
ram cada vez mais preocupados com o problema supra-regional da crescente dispari·
dade entre os centros urbanos progressistas e o sertão estagnado. Tem-se afim1ado
que existem, na realidade, "dois Drasis", um moderno e o outro ·arcaico, e que é mis-
ter reconciliá-los. Uma nação não ·pode ser formada apenas por cidades grandes;
também as massas rurais têm de caber dentro dela. ··
As_..reivindicações de legitimidade. eficiência e moralidade foram formuladas
iniciaimente..pelos nacionalistas oposicionistas contra os situacionistas, que os acusa·
·~
vam de falta de representatividade e, muitas vezes, corrupção. Embora tais acusa·
ções já fossem feitas contra o expoUativo sistema colonial português e contra o falso
parlamentarismo do Império, assumiram maior significação depois do advento da
, República e da pseudodemocracia que criara. As acusações mais comuns eram a de
que o grupo governante existente tinha uma base demasiadamente estreita, servindo
a interesses especí~cos, e não aos interesses nacio~ais, o que se chocav.a. com a. nova
) realidade nacional. Também não eram poupadas a ineficiência burocrátiÇ,.,a., a utiliza·
(.; ção de cargos públicos em benefício próprio e ã fraude -eieitoral destinada à perpe-
tuação do monopólio político. Em resumo: estava sendo fraudada a vontade sobe-
rana do povo. A fim de combater mais eficazmente o poder em mãos da aristocra·
: ·., cia, da oligarquia ou da elite, muitos nacionalistas tentaram se apoiar em uma base
' popular mais ampla, e não faltaram apelos em tal sentido. O novo regime, argumen-
. ··.>;
·:~' tavam, teria de ser legítimo e honesto, servindo a todas as necessidades nacionais
genuínas, inclusive as dos grupos sociais antes ignorados pelo governo, e os políti·
'· r.': cos deveriam tornar-se mais representativos. Além disso, o governo teria de ser soli-
,(•'
damente estruturado, com base em uma constituição adequada ao Brasil, e não
copiada de algum modelo estrangeiro. Como parte desse ataque, organizaram-se
campanhas de civismo, destinadas a arrancar o povo, ou pelo menos setores do povo,
da apatia e incutir no maior número possível de cidadãos a consciên.cia do ~~e.t...cí:.
vico. Assim, seriam restauradas a legitimidade e a integridade morá!, em cons.eqüência
tãn'to da agitação pela elite nacionalista de cima para baixo, como pela participação
cívica mais ampla, de baixo para cima.

26
Isso nem sempre assegurava, tod~via, que o novo regime fosse democrático,
uma vez que exigências semelhantes eram feitas por nacionalistas de todos os tipos.
Assim, para os expoentes do civilismo (controle do governo pelos civis), a legitimi·
dade tinha de ser alcançada através da ampliação do sufrágio popular expressivo e
do advento da genuína democracia liberal,. ao passo que, para os que acreditavam no
militarismo, o ideal seria uma forma disciplinada e orgânica de democracia, dirigida
por militares imparciais e patriotas. Entre esses dois pólos de opinião, presentes de
maneira cada vez mais acentuada desde a queda do Império, os próprios militares
passaram a encarar seu papel político como o de fiador ou árbitro da legitimidade e
da moralidade e, de certo modo, presumiram caber-lhes a herança ~o poder mede·
rador imperial, que permitia ao Imperador fazer os ajustamentos políticos decisivos.
Assim sendo, os.militares intervieram ocasionalmente para restaurar ou manter ale·
gitimidade política, sem terem imposto, até 1964, um regime longo e abertamen·
te militarista por sua própria conta. Algumas vezes, os militares apoiaram decidida·
mente os nacionalistas civis; outras vezes, opuseram-se a eles vigorosamente, mas não
conseguiram criar, eles próprios, qualquer posição nacionalista consistente. Na reali-
dade, permaneceram desunidos em várias facções nacionalistas e antinacion;Uistas.
Os nacionalistas que alcançaram o poder com apoio militar posteriormente formu·
laram programas, elaboraram constituições e, com grau variável de sucesso, procura-
ram pôr em prática reformas condizentes com as suas reivindicações originais. A
despeito de sua crescente participação no governo, não se concretizou, entre os
· nacionalistas, um consenso sobre a natureza da legitimidade.
Um movimento reivindicatório em prol do desenvolvimento econômico, do
protecionismo e da autonomia, assim como outros componentes do nacionalismo
brasileiro, se fez sentir no príncípio do Século XIX, mas logo foi abafado, durante o
Império, quando prevaleceu economicamente uma forma de neocolonialismo, satis-
fatório às necessidades de aristocracia privilegiada. Tanto quando surgiu, como
quando renasceu, em fins do século, aquele movimento atuou essencialmente em
duas direções: 1.1ma interna, outra externa. A economia deveria ser fortalecida me-
diante a diversificação e maior aproveitamento dos recursos naturais· e protegida
contra a exploração estrangeira. Deveria ser posto de lado o padrão tradicional de
agricultura extensiva, com a produção de um ou alguns poucos artigos primários
destinados a serem exportados para um ou alguns poucos países estrangeiros, porque
tal coisa beneficiava quase exclusivamente às classes privilegiadas do País e a interesses
comerciais estrangei-ros. Tornava-se necessária uma economia mais bem equilibrada,
operando para o benefício real da maioria dos brasileiros. De fato, para que uma
nação verdadeiramente forte se "tornasse realidade, era necessária a integração dos
que vinham sendo marginalizados e desamparados economicamente, assim como a
modernização da economia, para se tornar mais abrangente, mais altamente dife-
renciada, e, acima de tudo, mais produtiva e auto-suficiente.
Com poucas exceçõf ., contudo, os padrões tradicionais, habitualmente susten·
tados pelo apoio governamental, persistiam até 1930. A partir de então, por outro

27
lado, embora a tendência tivesse surgido muitos anos antes, os aspectos econômicos
do movimento passaram a preocupar cada vez mais acentuadamente os nàcionalistas.
Tal fato tem-se manifestado de muitas maneiras, desde as exigências para uma rápida .
industrialização como para a revitalização da agricultura. Têm surgido toda a sorte
de planos para o desenvolvimento econômico, vinculados a ideologiás que vão do
socialismo a'o Estado corporativista e ao capitalismo dirigido. Advogaram-se medi·
das protetoras, para assegurar emprego aos brasildiros à custa das- minorias cstran·
geiras e para o controle do capital estrangeiro, embora não se tenha chegado a um
acordo sobre a extensão de tal controle. Ao mesmo tempo, uma bàse econômica só-
lida deveria ser estimulada por meio da execução de grandes obras públicas, graças ao
fortaiecimento de numerosas instituições financeiras públicas, fazen'do-se uma ava·
liação técnica realista das possibilidades econômicas do Brasil, e, na opinião de alguns
nacionalistas, mesmo por meio de mudanças estruturais, como a liquidação do sis·
tema latifundiário graças à reforma agrária. De um modo geral, todavia, julgou-se
necessário uma planificação econômica mais ampla por parte do governo, em par·
ticular sob a forma de programas de desenvolvimento regi~nal em grande escala,
como o destinado ao Nordeste assolado pelas secas, assim como de companhias esta-
tais destinadas à exploração de grandes indústrias, tais como a síde'rúrgica, a petroleira
e a produção de energia elétrica. Também se admitia que o governo deveria determi-
nar o papel que elementos estrangeiros, tanto privados como públicos, pudessem
desempenluir no desenvolvimento da economia nacional. Nas últimas três décadas,
contudo, embora muitas ·daquelas aspirações tenham sido alcançadas e tenha sido
impressionante o progresso em alguns setores da economia, os nacionalistas sentiram·
se frustrados, em face· do desequilíbrio do crescimento econômico ter·se tornado
mais acentuado e mais forte o poder de certos grupos financeiros. Acham, assim que,
de certo modo, ainda precisa ser destruída a estrutura econômica neocolonial.
Como um último componente, a ·preocupação E.<?.!!l..a. ~.s.t!ç,a....;.sq,pj_al.tem refle·
tido a concepção nacionalista de que uma nação poderosa deve apoiar-se em um corpo
político integrado, .cujos cidadãos a ele se sintain ligados pelo gozo de c.ondições de
vida satisfatórias . .A fim de alcançar tal CQ.!.sa, torna-se necessário que o governo vele
pelo bem-estar. dos cidadãos; uma vez que, se todos os brasileiros puderem viver
com dignida-de e ser úteis dentro da sociedade, colherão a máxima vantagem tanto
cada um em particular como a Nação em seu conjunto. Naturalmente, isso é impos·
sível enquanto o grosso da população estiver relegada a uma condição social inferior,
devido a dispositivos discriminatórios legais, rígida separação de classes, preconceitos
profissionais ou raciais, pobreza, ignorância, etc .. Com a intenção de transporem
esses obstáculos, os nacionalistas têm atacado os elementos privilegiados da socieda-
de e proposto a adoção de medidas corretivas que ofereçam melhores oportunida-
des aos indivíduos ora desamparados. No Século XIX, a abolição da escravatura
constituiu a questão social mais importante, até que a emancipaÇão foi proclamada,
tardiamente, em 1888. Sendo que os argumentos contra a escravidão, apresentados
por homens como Joaquim Nabuco, salientavam principalmente os seus efeitos ne-

28
gativos sobre o progresso da Nação. Mais tarde, nos primeiros anos d~ República,
acentuaram-se ainda mais as perspectivas de integração social. A aristocracia titulada
deixara de existir, foram eliminadas as restrições de ordem econômica impostas aos
eleitores e deu-se a separação da Igreja e do Estado. No flm do século, havia entre os
nacionalistas uma crescente consciência dos problemas sociais em toda a sua com-
plexidade, o que os tornou mais veementes em suas críticas de caráter social. O go·
vemo, porém, pouco fez em prol dti integração social dos cidadãos, a não ser instl·
tuindo o serviço militar obrigatório ..Foi depois de 1930 que se tornou vigoroso o ..
esforço em prol da justiça social. O governo passou a promulgar leis de proteção ao\ i
trabalho e a tomar medidas visando ao bem-estar das camadas laboriosas. Entre-outras
conquistas anticliscriminatórias, a mulher adquiriu o direito de voto. O sistema edu·
cacional foi revitalizado, dando-se ênfase à educação cívica. De qualquer modo, ape-
sar de algumas melhorias sociais, continuaram a e~istir problemas muito sérios. A
justiça social dispersou-se desequilibradamente. As populações urbanas, mesmo as
suas classes laboriosas, foram as mais beneficiadas, e sendo negligenciadas as zonas
rurais. As propostas de reforma agrária tiveram escassa repercussão, c, de um modo
geral, as massas rurais permaneceram ignorantes, pobres e à mercê dos patrões, os
donos das terras. A frustração dos nacionalistas acentuou-se, assim, pela constante
impossibilidade de afastar os obstáculos opostos pela estrutura social das zonas ru·
rais à efetiva integração nacional. Além disso, muitos valores tradicionais da socie·
dade rural se transferiram para ambientes urbanos, onde também passaram a atuar
no sentido de retardar uma mudança social significativa.

* **
Como o nacionalismo brasileiro tem sido afetado, constantemente, por estí-
mulos internos e externos e compreendido um certo número de componentes variá-
veis, sua forma jamais foi monolítica; tem ele se manifestado em numerosos tipos e
variedades. Em ocasião alguma foi alcançado algo próximo de um consenso naciona-
lista total, embora em certas ocasiões tenha havido muito mais acordo entre os na·
cionalistas· do que em outras. Além disso, o nacionalismo tem estado constantemente
sujeito à in'fluência de outras ideologias ou correntes de pensamento dominantes, tais
como o liberalismo, o positivismo, o evolucionismo, o constitucionalismo, o sebas-
tianismo, o jacobinismo, o clericalismo, o militarismo, o socialismo: o anarquismo,
o maximalismo, ~ comunismo, o fascismo, o tradicionalismo e o modernismo, que
têm dado coloração ainda n'lais característica a determinadas variantes do movimento
nacionalista. De um modo geral, todavia, das incontáveis variedades de nacionalismo
surgidas desde o seu aparecimento, podem ser distinguidos quatro grandes tipos, de
importância duradoura. Esses quatro, que se têm manifestado durante a era republi-
cana em várias declarações, movimentos, facções, partidos, coalizões e frentes, assim
como contato com a arl.esão de numerosas pessoas não-filiadas, são os seguintes: I)
o liberal-democrático, 2) o· autoritário do centro, 3) o progressista-conservador,
e 4) o pragmático.

29
.."-
As diferenças que caracterizam esses quatro grandes tipos em via de regra se
apresentam ao longo de duas dimensões: uma vinculada ao grau de mudanças dese·
jáveis da estrutura social, e a outra relacionada com a amplitude da éentralização do
poder necessária para a consecução de tal objetivo. Em resumo, a variação tem ori·
gem nas diferenças a respeito do fim a que se visa e dos meios que cada ti'po. deve
empregar. No que diz respeito à desejada transformação estrutural da sociedade, os
quatro tipos têm-se colocado desde a direita, advogando o progresso e as refonnas
com um deslocamento evolucionário dentro da ordem tradicional, até a esquerda,
defendendo o rompimento revolucionário com o passado. Quanto à centralização
do poder, as concepções a respeito variam da insistência em uma democracia federal
desceRtralizada, baseada no sufrágio universal efetivo, à exigência de ditaduras elitis·
tas e autoritárias. No Brasil, contudo, aqueles quatro grandes tipos jamais alcançaram,
e poucas vezes mesmo se aproximaram dos possíveis extremos ao longo de qualquer
urna das dimensões, do que resulta que a corrente principal do nacionalismo brasileiro
tern·se mostrado, em seu conjunto, antes moderada do que extremista 14 •
Embora, de um modo geral, os quatro grandes tipos do nacionalismo tenham
permanecido separadamente identificáveis, houve, ao mesmo tempo, considerável
flexibilidade e variação dentro de cada tipo, bem como a tendência de dois ou mais
tipos se juntarem, ocasionalmente. Assim, por exemplo, o tipo liberal-democrático
tem variado quanto à amplitude de suas reivindicações em prol da mudança da estru·
tura social, ao passo que o progressista-conservador tem oscilado entre as posições
autoritária e democrática, e o tipo autoritário do centro absorveu variados el~men·
tos liberais-democratas e progressistas-conservadores. De qualquer maneira, o tipo
pragmático é o que tem mostrado maior fie}{ibilidade e capacidade de adaptação,
tendo-se revelado capaz de mover-se ao longo de qualquer uma das dimensões. A
grande 'mobilidade nacionalista é responsável, em parte, pelo sucesso da Revolução
de 1930 e de Getúlio Vargas, que, sem sombra de dúvida, foi e é o nacionalista
pragmático brasileiro por excelência. A variação acentuou-se ainda mais pelo apare·
cimento periódico de variedades parecidas, sob um ou outro aspecto, a algum ou
alguns dos quatro grandes tipos e, no entanto, bem estranhas, sob outros aspectos, ã
corrente principal do nacionalismo brasileiro. Tal foi o caso, na década de 1930, do
aparecimento da Aliança Nacional Libertadora e do Integralismo, ambos os quais
muito influenciados, ideologicamente, por movimentos estrangeiros (o comunismo
e o fascismo, respectivamente), e tendo também recebido apoio .prático de potência$
estrangeiras. (Gráfico)
O conjunto de características fundamentais que diferenciaram os quatro gran·
des tipos de nacionalismo, contudo, mostrou acentuada conÜnuidade e sustentou
completa flexibilidade e adaptabilidade. Assim, a variedade liberal-democrata tem·
se apresentado •como civil, antirnilitarista, secular, legalista, parlamentarista, porta·
voz da classe média (mais tarde também da classe popular) anti portuguesa, pró·Esta·
dos Unidos (mais tarde pró-Terceiro Mundo) e pró-livre empresa (mais tarde pró·
bem-estar social ou socialista); o centro-autoritário, militarista, secular, golpista

30
Foto 2- LuiS Carlos Prestes em Porto Soares, 28 de fel'ereiro de 1928.
Duas Dimensões_ de Diferenciação de Tipos de Nacionalismo Brasileiro
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Objetiv?s - Extensão da Transformação Estrutural da Sociedade


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(admilinüo o golpe de Estado como meio de mudança de regime), bonapartista, po-
sitivista (maís tarde tecnocrata), elitista quanto à casta militar, de.fensora da cla:sse
média e corporativista; os conservadores-progressistas, civilistas, pró-catolicismo,
favoráveis à estatização, tradicionalistas, defensores da classe alta e da classe média,
pró-portugueses, antiamericanos c pró-livre empresa ou corporativistas; e os pragmá-
ticos civilistas, mas fortemente aliados com facções dos militares, não-paulistas-mi-
neiros, personalistas, patriarcais, defensores da classe média (mais tarde tambétn das
camadas populares) e não-doutrinários. Além desses conjuntos de características
bem distintas, porém, todos os quatro tipos apresentam qualidades comuns. Todos
têm-se mostrado essencialmente urbanos, progressistas e modernos. Todos têm ata-
cado o fracasso, a intransigência e a falta de direção do antigo regime e reconhecido
a necessidade ele ser ampliada a planificação nacional. Todos têm reconhecido a na-
tureza dinâmica da sociedade; dentro do Drasil e na maior parte do mundo. Embora
tenham divergido, por vezes asperamente, quanto aos objetivos específicos e os meios
de alcançá-los, a preocupação primordial de todos tem sido o bem de seu país.

***
Di~pondo, agora, de definições satisfatórias do que se deve entender por revo-
lução e nacionalismo, assim como de uma noção geral do caráter do nacionalismo
brasileiro, estamos em condições de fazer uma análise ma"is pormenorizada das fases
principais do desenvolvimento do nacionalismo brasileiro do fim do Século XIX até
1945. Em ordem cronológica, porém não demasiadamente rigorosa, são elas: 1) o
despertar nacionalista- a primeira geração nacionalista (da década de 1880 a 1914),
· 2) uma nova geração - agitação c rebelião nacionalistas ( 1915·1929), predomínio
nacionalista- fluidez c confusão (1930-1937), 4) nacionalistas intrusos- comunis·
mo e fascismo, e 5) o triunfo do nacionalismo -O Estado Novo (1937-1945). Em
oposição a um ajustamento geral para cada fase, o foco permanece firmemente nas
contribuições feitas por nacionalistas brasileiros, intelectuais participantes ou políti-
cos em atividade, que se esforçaram, individual ou coletivamente, para enfrentar
em sua plenitude o problema nacional. A questão será tratada seletivamente, somente
sendo levados em consideração as contribuições de longo alcance no movimento
nacionalisfa brasileiro em geral e os rumos contemporaneamente significativos. Não
se trata, de modo algum, de um levantamento pormenorizado das manifestações na-
cionalistas. Esperamos que tal estudo, e as conclusões a· que se chegou sobre a gera-
ção nacionalista de 1930, contribuam para uma explicação mais clara do fenômeno
político de Getúlio Vargas.

NOTAS

1 - As melhores exposiçfies iniciais desses pontos de vista opostos são, respectivamente:


Barbosa Lima Sobrinho, "A ve.Jade sobre a revolução de outubro" (São Paulo, Unitas, 1933) e
Virgílio de Mello Franco, "Outubro de 1930", (Rio de Janeiro?, Schmldt, 1931). Devido à in-
tensidade e à dura.ção da contr<lvérsia, a sua bibliografia é enorme; como guias para outros ma-

31
teriais. além das fontes bibliográficas comuns, ver: "Díbliogralia da llistória do Brasil, 1930-
1955", no "Boletim da Ulblioteca da Câmara dos Deputados", V (jan/junlio 1957), UJ·IJJ;
"Bibliografia sobre o Estado Novo (o título varia), em "Cultura Política", l (nov.l941) (conti-
nuada nos números seguintes); Aureliano Leite, "Bibliografia da Revolução Constitu~ionalista",
em "Revista da História" (São Paulo), XXV (julho/set. 1962); "Nacionalismo", em "Boletim de
Biblioteca da Câmara dos Deputados", Xl Oan/junho 1962), 165-77; Thomas E. Skidmore; "Po·
lltics In Drazil, 1930-1964, An Experiment In Democracy" (Nova York, Oxford, 1967), pngs.
331-429.
2 -Para um estudo sobre Vargas, recente e, em geral, desapaixonado, veja-se: John W. F.
DuUes, "Vargas of Brazil: A Politlcal Biography" (Austin, Universidade do Texas, 1967) págs.
18,342 e passim.
3 - Lamentavelmente, na maior parte dos estudos sobre o nacionalismo brasileiro tem-
se feito sentir uma das duas tendências do exagero. Uma afirma que o nacionalismo surgiu muito
cedo, já no período colonial, enquanto outros o interpretam como uma ocorrência em grande
parte posterior à segunda Guerra Mundial. Como exemplo da primeira está Barbosa Lima So·
brinho, "Desde quando somos nacionalistas?" (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1963) e da
última: Frank Bonilla, "A National Ideology for Development: Drazil", in K. H. Silvert (ed)
"Expectant Peoples, Nationallsm and Development" (Nova York, Random House, 1963) págs.
232-64.
4 - Conquanto esses termos,. tradicional. transitório e moderno, ainda estejam sendo ca·
lorosamente discutidos no plano teórico, como demonstram as obras de Almond, Apter, I;>eutsch,
Lerner, Lipset, Pye e Rosrow, e seus críticos, podem ser usados em um sentido geral, implicando
um continuum vindo de uma antiga sociedade estática através de um período conturbado de
reajustamento, para uma nova sociedade, mais moderna, estabilizada de novo, mas ainda dinâ-
mica. Admite-se em geral que esse processo de mudança-desenvolvimento -deve acarreta( altera·
ções fundamentais na atitude social, concepção do mundo e comportamento político, ass'im como
avanços econômicos e tecnológicos. Sobre a aplicação e críticas ela teoria do desenvolvimento
econômico na América Latina, ver: K. H. Silvert, "Expectant Peoples ... " págs. 3·38,427-SO;
Alfred Stepan, "Political Development Theory; The Latin American Experience", in "Journal
o f International Affairs", XX,2 (1966), 223-34. Uma bem conhecida, interessante e controver·
tida análise da sociedade brasileira, em seus aspectos antigos e modernos é: J acqucs Lambert,
"Le Brésil, struture social et institutions politiques" (Paris, Armand Collin, 1953). Sobre a capa·
cidade do Brasil de se adaptar e resistir à rápida modernização, veja-se: José Hon6rio Rodrigues,
"Conciliação e reforma no Brasii: um desafio histórico-cultural" (Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 1965). Também de interesse, sobre as mudanças e resistências às mudanças, sob aspec-
tos gerais, latino-americanos e brasileiros, são os artigos da coletânea "Resistência à mudança"
{Rio de Janeiro, Centro Latino-Americano de Pesquisas em Ciências Sociais·, 1960).
5 - Sobre a abertura da "brecha entre as gerações", durante a Primeira Guerra Mundial,
veja-se: Gilberto Freyre, "Ordem de Progr~sso" (Rio de Janeiro, José Olympio, 195 ( ), págs.
LVI·LX e passim. Talvez o melhor pronunciamento coletiv.o de jovens brasileiros, êxpressando
os deveres nacionalistas da sua geração, seja: A. Carneiro Leão e outros, "Â margem da História
da República" (Rio de Janeiro, "Annuário do Brasil", 1924).
6:- Seria supérfluo mencionar aqui a extensa bibliografia sobre a revolução e a sua teo·
ria. Sobre a recente discussão da teoria e tipologia revolucionária, veja-se: Lawrence Stone. ''Theo·
ries of Revolution", in "World Polit.ics", XVIIl,janeiro de 1966), 159-76. A introduÇão e sumá-
rio de ''The Anatomy of Revolution" de Crane Drinton, embora escritos em 1938, ainda são
interessantes por suas generalizações, e sua restrição quanto ao uso da expressão "revolução",
no sentido de que só oode desistnar grandes convulsões políticas e sociais continua, tanto legíti·
ma como praticamente, útil. A esse respeito, veja-se também: James C. Davis, "Toward a Theory
of Revolution", in "American Sociological Review", XXXVll (fevereiro de 1962).
7 - Também seria inútil discutir os principais estudos sobre o nacionalismo. Para ava1ia·
ção das pe~quisas sobre o problema, ver: Luis Snyder, "The Meaning ofNationalism" (New Brus-

32
wick, N. J. R lll!~l~rs llnivl.'rsity l'rcss, 195-1) c Kurl W. Dcutst:h, "Thc Dcvclopmenl o f Re~carch
on Nationalism nnd on Suprnnationallntegration, 1953-1965'', em seu "Nationalism and Social
Communication" (H ed., Cambridge, Massachusetts Institute of Technology Press, (1966), págs.
7-14. Embora continuem a ser publicadas inúmeras obras sobre o nacionalismo, e conquanto
ainda haia considerável variedade de opiniões sobre a sua natureza, assim como sobre a maneira
mais adequada de se estudá-lo, há mu.itos pontos de acordo, 110 que tange à definição de sua essên·
cin. Este c os três pnrál!rafos sel!uintcs procuram aorcscntar, sob a forma de uma estrutura con-
ceptual válida, um resumo da tcor·ia do nacionalismo contemporâneo, que, embora não tenha
sido tirado de nenhuma obra em particular, reflete, em parte, várias idéias.de Deutsch, Friede·
rich, Hayes, Keddourie, Kohn, Lipset, Minogue e Silvert. Também decorre da experiência adqui·
rida, tanto como aluno quanto como. professor, em seminários sobre os problemas do na cio na·
lismo.
8 - Apenas recentemente, foi o problema do nacionalismo latino-americano sujeito, de
algum modo, a uma análise sistemática por parte de sociólogos. Constituíram animadores esfor-
ços pioneiros: "Nationallsm in Latin America", de Arthur P. Whitaker (Gainesville, University
o f Florida Press, 1962) e a coletânea organizada por Robert N. Durr de artigos de vários autores,
"Latin America's Nationalistic Revolutions", Annals of American Academy of Political and
Social Science", CCCXXXIV (março de 1961). Mais recentemente, apareceram bons estudos ge-
rais sobre o problema: Artlmr P. Whitaker c David C. Jordan, "Nationalism in Contemporarv
Latin America" (New York, Free Press (1966), e Gerharcl Mnsur, "Nationalism in Latin Ameri·
ca" (New Yo'rk, Macmillan (1966). Essas obras foram segÚidas por grande número de artieos e
mono11rafias sobre vários aspectos do problema. De especial interesse são o.~ num.erosos trabalhos
de Kal..man H. Si!vert, que há vários anos. e quase sozinho, tem-se esforçado para apresentar o
nacionalismo latino-americano à luz da Ciência ·social contemporânea.
9 - Embora muito se tenha escrito, particularmente nos últimos anos, sobre o nacionalis·
mo brasileiro, pouca coisa existe sob a forma de uma síntese histórica objetiva. Em sua maioria,
as obras são polêmicas por natureza, como produções dos próprios nacionalistas brasileiros. En-
tre os mais notável~, estão os recentes trabalhos de Hélio Jnguaribe, Guerreiro Ramos, Nelson
Werneck So<:lré, Álvaro Vieira Pinto, Cândido Mendes de Almeida, Celso Furtado, José Honório
Rodrigues, Caio Prado Júnior, e, em geral, os dois "lsebinnos" (membros do ISEII-lnstit'uto Su·
perior de Estudos Dra~ileiros) e os colaboradores da "Revista Brasiliensc" c "Revista da Civili-
zação Brasileira". Para um resumo do nacionalismo brasileiro, veia·sc: Vamireh Chacon; "ARe·
volução do Trópico" (Rio de Janeiro,lnstituto Brasileiro de Estudos Afro·Asiáticos,1962) págs.
82-118. O único estudo geral mais completo é: E. Dradford Durns: "Nationalism in Brazil"
(New York, Praeger, 1968). Uma tentativa de definição e tipologia do .nacionalismo. tomando
como exemplos o Brasil e a África Portuguesa é: Ronald H. Chilcotc, "Development and Natio·
nalism in Drazil and Portuguese Africa", in "Com,Jarative Política! Studies'', l (janeiro de 1969),
501·25.
10 -A despeito da atenÇão que a "revolução" latino-americana tem recebido, também
ela tem sido geralmente descrita sem rigor teórico suficiente. Um esforço para corrigir essa prá·
ticn é: Charles W. Anderson, ''Toward a Theory of Latin Americnn Politics" (Madison, LTC,
University o f Wisconsin, 1964 ). Interessantes observações sobre a revolução no Brasil, ou a sua
ausência, são encontradas em J. H. Rodrigues, "Conciliação e Reforma"; Franklin de Oliveira,
"Revolução e contra-revolução no Brasil" (3!.1 ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira 1962).
Nelson Werneck Sodré, "Introdução à revolução brasileira" (2~ ed., Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 1963); Caio Prado Júnior, "A revolução brasileira" (São Paulo, Brasillense, 1966).
Veja-se também a coletânea de artigos de Irving Louis Horowitz e outros, "Revolution i'n
Brazil" (Ne\'V York, Dutton, 1964).
11 - O problema cl J subdesenvolvimento geral, embora comprccntliúo e atacado por pre·
cursores do nacionalismo, como José Bonifácio e Tavares Bastos, no Século XlX, só assumiu um
papel central e permanente no nacionalismo brasileiro no fim danuele século. Posteriormente,

33
Duas Dimensões de Diferenciação de Tipos de Nacionalismo Brasileiro

I ~máximo--Objetivos- Extensão da Transformação Estrut1,1ral da Sociedade--mínimo


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UMA NOVA GERAÇÃO- AGITAÇÃO NACIONALISTA E REBELIÃO

Uma vez fixados os rumos principais do nacionalismo brasileiro e traçadas as


suas feições por seus mais destacados defensores, nos primeiros anos da República,
coube, em grande parte, aos membros da geração nacionalista seguinte a tarefa de
dar·ll.1e plena consistência. Aqueles jovens, muitos dos quais eram admiradores de
Sílvio Romero e Euclides da Cunha ou discípulos de Alberto Torres 1 , e que, a prin·
cípio estavam ligados à gera·ção anterior através de seus sob.reviyentes, como~
bos~ •. pou~a pouco ~st.tl~~~ênio da. vid~ intel~'!.~
rpõtftiCa do Dfãsit:-Be-sse modo, o nac10nahsmo tornou-se pfeêfõmmante naquela ge-
'""~contrário do que ocorrera antes. A contnbuição dagueles int~leciuai~
·antes da revol~""!o de t9~J.~~õu a sé .f.!zer sentir pouc'? a~~es d.~·rir!i~~
~~~n~~J!!l1!Sres.:_~:._rreocup_!l~ão intelectual!.. e cuhninou na dé5!da t!e=-
19'2152_2.,~9 uma_reb~®-2. maisJ~~.!}!!:J!li~.~da contra mu.itos setores ~~~~!.~~_9uo, re~;=
belião ess1!_~,t._~e m~nifest~.~~ espet:_.culanne!'lte no moviment~._!llo~e~n~~ta ··>-.
nos levan!es tenent!!t~l:.l::r».guela epoca. contudo. os objetivos e a atuação dos n~io·
,.-nalistas eram, em seu conjunto, negativos. O que importava era atacar a velha ordem,
e nao constrmr uma outr"ã;-e"sp·:rtll'ãrõrêssentimento nacionalista,. em vez de estimu-
lar inovações positivas 2 • Assim fazendo, esperavam criar tanto um sentimento mais
largo. de consciência nacional como um clima social mais receptivo às mudanças.
Também se observou naquela época proliferação de grupos, partidos, movimentos e
facções nacionalistas, nos quais a participação coletiva obumbrou a individual. Foi
ali, então,· em seus coletivos protestos contra o fracasso da velha geração, retratado
na esterilidade da vida intelectual e na estagnaç~o do sistema político da "República
Velha", que os nacionalistas encontraram, essencialmente, os seus objetivos e, em·
bora sem fonnular um programa doutrinário coerente, contribuíram na preparação
do terreno para a revolução de 1930 e o florescimento do nacionalismo que dela
resultou.
Ocorreu, ainda, naquele período uma crise nacional que.abalou o Brasil e con·
tribuiu para acelerar o progresso do nacionalismo, como a decadência e a queda da
monarquia haviam feito, em fins do Século. XIX. Embora daquela vez, a crise, a Pri-
meira Guerra Mundial, tenha sido essencialmente externa, os seus efeitos internos
no Brasil foram tah :..z ainda mais profundos. Pc;>r um lado, forçou o Brasil a uma

59
o pals Ievaoo a preocupar-se St:IliUUt:JHI:; l.iVlll YlUIVô> a;,p., ... v .. uv ............ ~ ..... ·~·· ····-···-·
Politicamente, o entusiasmo pela causa dos aliados estimulou um surto de patriotis-
mo que levou à fonnação de organizações patrióticas, à perseguição das minorias
gennânicas de imig~antes, e, afinal, à participação na, guerra. Ao mesmo tempo, a
tragédia do colapso' europeu pôs em foco a debilidade básica da civilização tradicio-·
nalmente idolatrada, provocando um amplo recesso do "transoceanismo" (admissão
da superioridade da Europa sobre o Brasil). Disso resultou um grande interesse pelas
possibilidades do Brasil e estimulou a busca da "brasilidade". Economicamente, os
deslocamentos internos, combinados com a prosperidade do tempo de guerra, fruto
do aumento da procura de produtos brasileiros pelo estrangeiro e da escassez de artigos
manufaturados vindos do exterior, reveiavam as deficiências de uma economia aberta·
mente dependente e unilateral. Também o problema da integração e justiça social se
fez sentir mais claramente,· em parte devido ao crescimento da classe média e classes
laboriosas urbanas e em parte devido ao advento da revolução social na Europa.
De um modo geral, a conseqüência do impacto da guerra wbre a sociedade
brasileira foi uma mudança drástica da opinião pública, o aparecimento de uma men-
talidade rebelde, cuja feição central era um pronunciado conflito de gerações. Para
a geração mais jovem, os efeitos da guerra, combinados com a desilusão em face das
debilidades da República Brasileira, que se intensificaram mais tarde com a come-
moração do centenário da independência em 1922, soaram como um chamamento à
luta, uma luta em que contasse consigo mesma e traçasse o seu próprio destino. Den-
tro de uma atmosfera crescentemente revolucionária, surgiu um novo espírito de
otimismo e urna tomada de rumo, frutos de um completo desencanto com o passado,
ou, pelo menos, com o passado recente. Eram ostos de lado os antigos valores e
estilos euroru'lUS. A fé na razão foi abalada por novas correntes e pensamento, como
~e. vista de qer~son e êi~ FreÚd.1,.Q.\u:e..ai.f.o~irràcionais da intuJção e~.
~bconsciente, e as te.orias cnltmaisJ!t.M.ê]~ ~e ~ª'rumg~_!~~~~~~!!:!l!·
Tudo isso provocou uma séria inquietude e urna ânsia de experimentação, e embora,
ocasionalmente, alguns poucos se deixassem arrastar aos extremos do nÜlisrn~
f!l,ai-Q.!__E.arte dos jovens nacionalistas esfor ou-se para alcançar a "modernidade"
'dentro de uma estrutura distintamente brasileira, atacan o apenas as arreiras sociais
-ôrgã~~;squevlain no éarníriho do progresso: Assim-sendo, umâVez-que os frad1CiO.
··nais" mo-delõ'ievãl'ores alienígenas deixaram de ser admitidos para a solução dos pro-
blemas brasileiros, intelectual ou politicamente, desfechou-se um ataque maciço con·
tra os membros da velha geração que insistiam em manter as suas convicções ante-
riores ou em pennanecer essencialmente cosmopolitas em sua visão, por motivos
sentimentais ou atraídos por vantagens materiais. Foi, portanto, esse espírito de
rebelião nacionalista que ganhou impulso durante a Primeira Guerra Mundial e carac-
terizou a década de 1920, especialmente a partir de 1922 3 •
Dentro desse espírito rebelde, que marcou a súa época, o nacionalismo intelec·
tual alcançou um estágio de desenvolvimento mais elevado e mais complexo. O que

60
aspecto do uma orientação crítica permanente de continuidade ideológica. De fa·
to, a nova mentalidade de consciência crítica e de auto-análise criada pela geração
precedente fizera-se realidade, em um sentido mais amplo e mais coletivo, e em 1930
o nacionalismo se tornara, sem sombra de dúvida, impor~ante centro de referência
intelectual. Assim, muito embora a década de 1920 não tenha sido particularmente
criativa, quer quanto à formulação original, quer quanto ao aperfeiçoamento da
ideologia nacionalista, sem dúvida o foi no que diz respeito à institucionalização e
divulgação. do nacionalismo - ainda que se fazendo sentir, sobretudo, em círculos
intelectuais e sociais restrit9s. Embora negativo e fragmentado como permaneceu,
o nacionalismo ofereceu uma alternativa ã nova geração, e foi então a primeira vez
que começaram a emergir escolas e movimentos nacionalistas bem-caracterizados.
De maneira crescente, durante e depois da Primeira Guerra Mundial assumiu uma vi·
talidade e identidade coletiva que lhe faltara ~nteriormente. Isso se tornou, sem
demora, evidente em manifestações tão significativas como a publicação da primeira
revista verdadeiramente nacionalista do País, a Revista do Brasil, o entusiasmo pela
Semana de Arte Moderna, as várias facções do movimento modernista que continua-
ram a surgir e o esporádico aparecimento de esforços coletivos, como À Margem da
História da Reptíblica 4 • A despe_ito desse surto de atividades, porém, os intelcc~
~nalistas ainda perm_:~ecla.t,E.,!.~j!~d..er- · ao envolvimento prático
n~J1ol.í.ti.c<h> Não somente eram excluídos de uma participação e etlva t-rtrrlira
política existente, como também não juntaram as suas forças às dos revolucionários
políticos, aos quais poderiam ter oferecido apoio ideológico. Na realidade, afastara-
raro-se ainda mais da política e se concentraram nos aspectos puramente intelectuais
da rebeldia.
As origens da agitação polítíca e do espírito de revolta daquela geração po-
dem ser buscadas em 1910, na campanha civilista de Rui Barbosa. Nesse caso, o que
influenciou os jovens nacionalistas incipientes, mais ainda que o idealismo democrá-
tico de Rui, foram os seus incansáveis e ardorosos ataques ao velho regime. Aquela
foi a primeira campanha presidencial realmente popular, levada a cabo em todo. o
País, com o objetivo de mobilizar a opinião pública e conquistar o apoio principal·
mente da classe média, para derrotar o candidato "governamental" ou "oficial" 5 •
A derrota de Rui Barbosa constituiu o primeiro de uma série de chocantes exemplos
da· natureza fundamentalmente fraudulenta da democracia brasileira, tal como era
posta em prática, através da impudente "política dos governadores". Embora na·
quele período tivessem ocorrido tentativas de organização política positiva, primeiro
sob a forma de ligas patrióticas, por ocasião da Primeira Guerra Mundial, e mais tar·
de sob a forma de partidos "democráticos", na década de 1920,~também o naciõllas,
~mo polít~ permaneceu ~nte negativo. Isso se patenteou em suas mais
sérias manifestações, as revoltas "tene_!!~u.e.le decênjo....que foram rebeliões
b ~quer programa bem formulado contra um sistema político intransi·

"""""'-~~·~==-,=· ' .... ···-· -···· ... _.,_ __...,..


61
aspectos, aquelas revoltas foram mais subconscientemente ao que expucnameme
nacionalistas.
Com a guerra, porém, houve outro desvio no desenvolvimento do nacionalismo.
político: a predominância do militar sobre o civil. Desde meados da década de 1890,
com exceção do breve surto do "hermismo" que se seguiu à campanha de 1910, ha-
viam predominado os elementos civis, principalmente· os encabeçados por Rui Bar-
bosa. O gradativo aumento da influência militar resultou, em parte, de um crescente
sentimento de frustação com o mau funcionamento do processo democrático, mas
também de uma imagem mais favorável e patriótica que o exército conquistou du-
rante a guerra, e da alteração das suas próprias características, com a adoção do ser-
viço militar obrigatório 7 • Assim, o movimento tenentista, embora integrado, na dé-
cada de 1920, por uma pequena minoria de oficiais do exército, representou a ascen-
dência do tipo de nacionalismo autoritário do centro, ao passo que o decJínio do
nacionalismo liberal-democrata era evidente, não só por causa das derrotas cte Rui
Barbosa, como também pela relativa impotência dos esforços da nova geração em se
organizar de maneira eficaz, como se patenteou com as ligas patrióticas e os parti-
dos democráticos. Dos tipos de nacionalismo restantes, somente o cons'ervador-pro-
gressista, manifestado na expansão do movimento sócio-político católico, teve im-
portância duradoura naquele período. Realmente, com a morte de Pinheiro Macha-
do, em 1915, ocorrera um hiato no desenvolvimento do nacionalismo pragmático,
que se fez sentir até que Getúlio Vargas disputou a Presidência da República, como
candidato da Aliança Liberal, em 1929-1930* Embora o nacionalismo político fosse
incapaz de tomar o poder naquela época, e conquanto o movimento tenentista per-
manecesse amorfo e destituído de conteúdo ideológico, como o ressentimento na-
cionalista se espalhara mais e se expressara por meio da rebelião armada; achava-se
aberto, psicologic.amente, o caminho para a revolução d~ 1930. (Gráfico)

***
Embora a agitação nacionalista viesse sendo mantida há vários anos, ao nível
individual, a primeira convocação institucional importante pa'ra um esforço coletivo,
na nova geração, foi feita pelaRevista do Brasil (1916-1924). Publicada em São Paulo,
inicialmente sob a direção de Monteiro Lob11to, aquele periódico, seguindo a sua
expressa finalidade, procurou constituir um núcleo de propaganda nacionalista, esti-
mulando os jovens escritores a apresentarem estudos sobre os principais problemas
do País e as raízes históricas da cultura brasileira. Não se destinava a ser uma revista
dedicada exclusivamente a assuntos históricos, literários e científicos, e sim a abor-

Como a variedade pragmática de nacionalismo lançada por Getúlio Vargas. no fim da dé-
cada de 1920 estava diretamente relacionada com a revolução de 1930 e o regime que se
seguiu, o assunto será discutido no Capítulo IV.

62
~~U~ t;;Ul\.UU:;~ ~ç \,;Ulll}JlUUlÇLÇldJ.ll ê:1 iÇYQ.l a. \,.IAUV UJU "'~I.Vl'J'V pa .. a..av••'-''-' uv """"'aua-- -. ...

mobilizar os intelectuais para o· serviço do País, pois estavam convencidos de que, na


ocasião, a solidariedade nacional só poderia ser alcançada por meio da palavra e da
pena. Os brasileiros deveriam ser levados a olhar para si mesmos, e, dessa introspec-
ção, resultaria uma corrente de idéias c sentimentos comuns e uma nova concepção
da consciência nacional. Is~o, por sua vez, fortaleceria moralmente o Brasil, permi-
tindo uma afim'lação mais vigorosa da personalidade nacional e a eliminação. da tutela
estrangeira, tanto cUltural como política. Além disso, os diversos elementos étnicos
e sociais de todas ·as partes do País se fundiriam, gradativamente, para formarem uma
sociedade nacional integrada. Desse modo, a Revista do Brasil serviu de foco institu-
cional para um grupo de intelectuais nacionalistas, que concorreu para continuar e
divulgar a auto-análise nacional defendida pelos inovadores da geração anterior 8 •
Conquanto, durante os oito anos de sua existência, a revista refletisse a preo-
cupação por quase tocli.:c; os aspectos do nacionalismo brasileiro, desde o estímulo
patriótico até o desenvolvimento econômico, sua feição geral se manteve no plano
c.ultural, salientando a necessidade de se buscar a id·entidade nadonal e o problema
d~ unidade. Encarando, sob um enfoque mais severo, a realidade brasileira, os reda-
tores, partindo de muitos pontos de vista, procuravam isolar e explicar as caracterís·
ticas essenciais da brasilidade e esclarecer os obstáculos que se opunham à unidade
nacional. Alguns viam como indispensável o estudo da História do Brasil, isto é,
a reabilitação do passado, a fim de se compreender o presente 9 • Outros adotavam
um enfoque antropológico ou geográfico mais empíiico, salientando a necessidade
de um estudo cuidadoso das variações étnicas e· regionais, de modo que pudessem
ser identificados e fortalecidos os laços culturais comuns 1 0 • Outros ainda voltavam~
se para o folclore, a arte tradicional ou as características lingüísticas como sendo as
fontes da nacionalidade 11 • De um modo geral, todavia, notou-se uma acentuada
tendência de se procurar as origens da nação brasileira ·.na cultura popular e tradi·
cional, rejeitando-se o cosmopolitismo das grandes cidades do litoral 11 • Com isso,
reafirmou-se o conceito de Euclides, no sentido de que o sertão era a rocha viva da
civilização brasileira, assim como a sede de seus mais prementes problemas.
Essa preocupação com o sertão também foi acompanhada por um crescente
interesse pela justiça social. Reagindo vigorosamente contra o idílico retrato do inte·
rior apresentado pelos nacionalistas românticos do Sécúlo XIX e seus sucessores, vá-
rios escritores novos, procurando retratar o cenário rural com maior realismo, con·
seguiram, de fato·, chamar a atenção para os seus problemas de maneira muito viva.
Destacou-se entre eles Monteiro Lobato, diretor da Revista do Brasil, que, em uma
série de artigos publicados em seu periódico e reunidos em vários livros, criou um
novo estereótipo do caboclo, o matuto brasileiro. Seu personagem, Jeca Tatu, pas·
sou a simbolizar. a situação geralmente desventurada da sociedade camponesa brasi-
leira. Enfraquecido pela doença e pela desnutrição, desconhecendo em via de regra
tudo além de seu ambiente imediato e dominado pela superstição, o Jeca aceitava

63
tinha a menor idéia de pertencer a uma nação. Assim, o herói romiinttco ae Alencar,
Peri, foi desbancado pelo Jeca Tatu de ?-.1onteiro Lobato, figura satírica, mas neo-
realista, de uma vítima da sociedade, que passou a ser a imagem do brasileiro rural
- representando a verdadeira decadência moral e material das massas. Mais uma vez,
fazendo eco ao de Euclides, o nacionalismo de Lobato visava, criando aquele este- .
réotipo, a convencer um círculo mais largo de brasileiros que a sua pátria era um País
enfermo, precisadíssimo de tratamento' 3 •
Essa constatação da enfermidade do País, inevitavelmente levava a revista, de
vez em quando, a focalizar a política. Não somente a prática política republicana
constituía um sintoma da enfermidade nacional, como tratava de impedir que fos-
sem ministrados os remédios necessários à cura. O ponto alto do envolvimento da
"Revista do Brasil" na política com a campanha presidencial de 1919, terminou
com a derrota final de Rui Barbosa. Em sua última batalha cívica, Rui conseguiu
fechar a brecha existente entre as duas gerações, reconhecendo, como os nacionalis-
tas mais jovens, a necessidade da justiça social para o desenvolvimento econômico e
a moralidade pública. A revista o apoiou naquela campanha, publicando os seus dis·
cursos mais importantes, que defendiam as idéias mais avançadas do pensamento na-
cionalista 1 4 • Em um daqueles discursos, Rui Barbosa chegou a aludir à figura de Jeca
Tatu, ao salientar a urgência da reforma da sociedade rural 1 5 • Mesmo depois de sua
derrota, a revista continuou a elogiar Rui, em uma série- de artigos, como denodado
. campeão do progresso nacional e único estadista brasileiro honrado e de valor. Mais.
ainda, os artigos refletiam amarga desilusão com o corrupto regime republiqano, afir-
mando que Rui Barbosa fora fraudulentamente despojado d·a sua vitória nas urnas.
As eleições, afirmavam, eram uma farsa, servindo apenas para formalizar o já resol-
vido. Talvez, concluíam, o necessário fosse um surto revolucionário, capaz de pro-
duzir um novo líder heróico, no estilo de Napoleão, que teconstituísse à força todo
o sistema político 1 6 •
Apesar de se preocupar principalmente, de maneira bem clara, com os aspectos
internos do nacionalismo, a "Revista do Brasil" não deixou de refletir, de certo mo-
do, os sentimentos patrióticos anti-estrangeiros, que começaram a se espalhar durante
a Primeira Guerra Mundial, principalmente depois que o Brasil entrou no conflito
ao lado dos aliados. Mesmo então, contudo, em via de regra os seus artigos patrióti-
cos mostravam-se cautelosos e moderados, de acordo com a política editorial da re-
vista, anunciada desde o princípio, de evitar a xenofobia ou a hostilidade para com
estrangeiros. Assim, enquanto alguns artigos atacavam vigorosamente a Alemanha
por seu autoritarismo e expansionismo militar, e aludiam ao perigo de deslealdade
por parte de imigrantes alemães radicados nos Estados do Sul, outros artigos mos-
travam-se contrários aos excessos do ardor patriótico ou sugeriam a adoção apenas
de medidas pacíficas mais eficazes para a integração dos imigrantes na sociedade ..
Um articulista chegava mesmo a lamentar a suspensão da imigração européia imposta
pela guerra, que concorrera para a modernização do País, e opinava que _deveria ser

64
UU~ UlrltlU:t, UCYl\.iU a .,ua _al)\JÇJIU.""'li"".&.U pvn.•.a.\olu v vvvu.vn••v-, .,._...,_•••-·•-· ... - .. --~----·-

COmO motivo principal de preocupação patriótica. Também a esse respeito a intensi-


dade das críticas variou, desde apelos pela internacionalização da Doutrina de Mon-
roe no hemisfério, até advertências mais sérias acerca da "ameaça ianque'\ conside-
rada como patente nas passadas intervenções norte-americanas em Cuba, Porto Rico
e México ou no crescente impacto do despotismo e_conômico. De um modo geral,
contudo, aqueles protestos antiamerieanos eram poucos, cautelosos e refletiam prin·
cipalmente um ressentimento não específico em relação as atitudes .paternalistas e
protetoras dos Estados Unidos e sua presumida hegemonia no Novo Mundo. Parti-·
cularmente desagradáveis para os nacionalistas brasileiros foram os farisaicos concei-
tos de Woodrow Wilson sobre a missão civilizadora e democratizadora dos Estados
Unidos 18 •
Enquanto a "Revista do Brasil" constituiu um marco instituc~onal do nacio-
nalismo brasileiro, no _plano intelectual, a Semana de Arte Moderna, realizada em
São Paulo, em fevereiro de 1922, ano do centenário da independênda nacional, foi,
certamente, o maior acontecimento no plano da propaganda levado a cabo pela nova
geração~ ..e:_sfechando um ataque frontal contra uma estrutura cultural consid~J]...da
decrépita, umram-se mõrnetrlatieanretrte enrcrmãenliããileêõ1êtfv·ã··m~iJà,(yãJii'1!ades
Cte."fêií.ãeilCfãsmtelectlnr.i·s;=s\tdtrt.anm..::l:m}!ia.::l~.ifos···par.-:rsê·inanirestar·emY9 .·Assim,
}õVensartistas plásticoS,CÕ.mpositores e homens de ·letràs:-rn-rrüenciâdospelo vanguar-
dismo europeu, assim como pelo patriotismo cultural, uniram-se, irmanados pelo
espírito de rebelião, para proclamarem o rompimento com o passado e lançarem um
apelo em prol de uma radical inovação cultuJ"al. O ímpeto revolucionário inicial
Semana foi, portânto, de natureza essencialmente ttestrufi\iã:;"'E>"effunctan o violenta-
me o cu tur81, o conformtsmo, a ngt éz aC"ã<f'érnica e os tabus sacra-
mentados pelo tempo, os participantes do movimento esperavam derrubar a vell~a
ordem e criar uma atmosfera que_ estimulasse a remodelação da intelectualidade n,a·
cional, baseando-se em parte em .uma adaptação atualizada das correntes do pen~a­
mento ocidentais de após-guerra às mutáveis _condições do Drasil 2 0 • Embora a alian-
ça intelectual da Semana de Arte Moderna fosse efêmera, o clima revolucionário de
opinião, que seus participantes tinham conseguido criar, continuou a se expandir
nos anos seguintes do decênio, quando várias tendências intelectuais delinearam
mais claramente o movimento modernista, formando facções e escolas de maior du-
ração.
O modernismo, todavia, pem1aneceu como uma rebelião literária e artística
não-engajada, até mais ou menos 1930, quando entrou em uma segunda fase, carac·
terizada por um enfoque muito mais amplo e mais realista dos problemas sociais21 •
Durante a maior parte da década de 1920, os jovens modernistas, em sua maioria sÓ
se preocupavam com a estética, a poesia, os estilos artísticos e a linguagem, e não
com a política e com 1•ma participação social direta, e sua revolta se manifestava
principalmente quanto à forma, e não quanto ao conteúdo. Mesmo quando a sua

65
vezes o fizeram de maneira exótica, digna do exagero artiticial aos vemos esmos cul-
turais que condenavam. Assim, a despeito da torrente de. temas nativos e das tentati-
vas explícitas de "nacionalizar" padrões literários importados, o movimento moder·
nista naqueles anos ficou devendo muito mais â avant-garde européia do que a ino-
vadores intelectuais brasileiros, como Euclides da Cunha e Sílvio Romero 22 • O
nacionalismo ainda não era o centro do movimento modernista·, como acontecia
com a Revista do Brasil e outras produções coletivas da época. Foi apenas um ele-
mento de um complexo e mais amplo fenômeno, que serviu, não·obstante, para dra·
matizá-lo e realçá-lo.
Somen~e no fun do decênio, o nacionalismo assumiu maior importância dentro
de certas facções modernistas, quando os anseios por mudanças sociais e institucio-
nais se combinaram, pouco a pouco, com interesses por uma reforma que anterior-
mente visava apenas aspectos puramente literários ou artísticos. Realmente, ao ser
assegurada a vitória na batalha contra a velha ordem no Brasil, a atenção de alguns
modernistas se voltou para outros aspectos do problema nacional; que eram postos
· em destaque pela crescente agitação política. Ao mesmo tempo, uma mudança geral
de rumo, no sentido de dar-se menos importância â forma e mais ao conteúdo, anun·
ciou a iminência de uma nova fase do modernismo, mais socialmente orientada, assim
como maior influência recíproca entre o nacionalismo inteléctual e o político, que
ocorreria na década de 1930. ~mudança de mma se fez sentir, e!_rticularmente,
no antagonismo de duas facções do movimento .. Uma delas era o grupo da "Antro- 7
pttãgía'' '· fruto do antigo movimento a;p~~,iQ,.na.cJQn~J§.!!l..,QJ\.siü®!!Tnfct:::"a!::
~~~!e,~~E}!J~Js.!o_1?_runffiY:il~.~~~,.~!!.~~rm~!!.!l~!J1.!Jitt~~.,.:T~E!..!?!.I}Rltup.f,
7

~l~g!.JL.the..qi.4§},.Jl9JJ~' .. Çhe!_OU o. movimento a defender a volta., ao com.J?~.!,Q,~~t~9~~'--~··


,'!!_aturai e afim1~r qu~ não podt~itaVerto~s,Q.."'RQJ.íU_~~..,t@lk.,
-~-l@'sà"'~~c-Mliltos "antropôfágistas", porém, abando'ná·
ram esse ·culto esotérico do homem natural e rejeitaram as visõ'es ideali~adas de uma
vida nas selvas brasileiras. Em vez disso, foram levados a simpatizar com a sorte dos
pobres, especialmente os pobres do campo, e procuraram retratar os problemas so-
ciais com maior realismo literário e artístico. Levados por essa preocupação, alguns
mesmos se engajaram politicamente, em via de regra ha esquerda. A ou!!:_a facção f~_i __ "
o movimento "Yerde~~marelo", ou "Anta'' em sua_ fa~.E}. RQlt~t~Jor, que se opôs forte·
. r:mentéâAntro.v.ragia. tantõi:íõfêàuiãdosêlJ.ê. Ótico sentbnentruisiffo. =~J~
~~~ --·~~--~·Dos_.9.gjs....glJ!RQ!t....OS.
=---~------
x.

L..como por seu mal:W.Ç.,oberto cosmopolitismo. "ve_rde-~-


ílilas~se, em geral, ma1S1nchnaãoS"ã'Política e aos problemas sociais,
· ppis_s~stentavam qu ao mrstia na edüêaçãÕ.iiãcrôilá1Iit[A2!·b~rasileiros;
de acordo com as realidããeSnãc1õi1âTs:Tam1JemntsTo~rmn;cfêtõdos os-mõâ-ernis--"
tas, os que mais claramente se mostravam continuadores de Euclides e Alberto Tor-
res. Fundamentalmente, achavam que teriam de construir uma nação integrando os
vários elementos históricos, étnicos, sociais, religiosos e políticos que existiam real-
mente na sociedade. Cabia-lhes um esforço heróico, coletivo e ativo para renovar o

66
Foto 10- Presidente Getúlio Vargas, foto oficial, 1934.
Foto 9 -Membros do Clube 3 de Outubro.
Da esquerda para a direita-: sentados -João Alberto (lq gra~·ata borboleta), Osvaldo Aranha (4<!},
Pedro Ernesto Batista (5<!}, Filinto 1\lül/er (lri?, em pé, JC! fileira) -Augusto Amaral Peixoto
{4q,terno branco). ·
Duas Dimensões de Diferenciação .de Tipos de Nacionalismo Brasileiro
-- - ·--

~máximo--Objetivos- Extensão da Transformação Estrutural da Sociedade-- mínimo

o Esquerda I Centro L Direita


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~ ~ I I Movimento
~ ·~ Tehentismo 1 Só-.;io-Político
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Foto 11 - Gilberto Freire, foto publicada na revista "O Cruzeiro".
tante numa espécie descompromissada de Incesto espiritual. Agora, cnegara o tem·
po de agir, de levar um programa ao povo, ultrapassando o círculo estreito dos in te·
lectuais. As futuras reformas sociais, no entanto, teriam de se faz.er dentro de um
sistema ordeiro e através das instituições conservadoras tradicionais. Devido ao fato
de estarem dispostos à ação e de se oporem a um nacionalismo jacobino mais radical,
diversos dos literatos integrantes do "Verde-amarelismo" se tornaram políticos da
direita, depois de 1930 2 3 •
Outra tendência nacionalista aind·a dentro do movimento modernista manifes-
tou~dntécad:r de 1~20, atr,a,ye:s de~Jõ"PTaâo,~~te~ç:e;'1r
.. ~éfã~&"rrrãrs""wrhr,fo-rã:1rrif'-aõri)rfnêip~;rs~ ()rgafliiid9'i~T~parfõn~s=aã'Se'!úãna . d_~ ....
Ji!!:
·· '· -~ÁTte""-Me:l'de<r-na-t'€onl""'~scven'saiõ~'' 'Retrarõ''êtcl"'ti rasil' ', i.~~!rii~Jtte.,.,a:ntêcip.o.l,l.,.o
Jtrp'õõõ êstudÕ1ãôôrári1icõ~íP}~!]iilitii~~]9~~"$e,.pQp\l,lªri~Q,U na d~cada
:~eguiniê:Nãêfüêlã'õnrã~'PauTô~i>~ado procurou pôr a nu, através de uma visãôlmpres-
·S'ianTSta:-Tessência do seu país, além de meros fatos históricos. Utilizando a análise
mais que a narração, esperava apresentar aspectos profundos da evolução psíquica do
caráter nacional, em vez de expor pormenorizadamente um panorama cronológico.
Encarando a História sob uma concepção orgânica e despersonalizada, viu o desenvol-
vimento brasileiro como uma tragédia, na qual a preocupação dominante com a grati-
ficação sexual e o enriquecimento monetário- não mitigada pelos ideais religiosos,
estéticos, políticos, intelectuais ou artísticos - deixara, após três séculos, os. brasi-
leiros entregues a um estado de profunda indiferença, melancolia e fatalismo. Eram,
na verdade, um povo triste em uma terra radiosa. Como entidade coletiva,. portanto,
o Brasil era anêmico, atrofiado e ainda crescendo, como uma criança doente. Em
conseqüência, devido à amplitude dos males sociais, Prado previa que seria preciso
um abalo cataclísmico, como uma revolução, para eliminar aqueles males, e que a
· execução de uma tabula rasa social e política teria de proceder a inevitável renova·
ção da sociedade. A despeito de sua visão das intoleráveis condições do presente e
da convulsão revolucionária futura, Prado se manteve otimista, acreditando no pro·
gresso natural do homem e chegando à conclusão de que o futuro não pod'eria ser
pior do que o passado 24 • De fato, com aquele tenebroso retrato;ele esperava liber·
tar o Brasil de seu passado negativa·, fazendo com que os brasileiros tomassem cons·
ciência de seus males.
Apesar de constituir uma expressão isolada, sem o continuado impulsQ propa·
gador da "Revista do Brasil" ou a prolongada e espetacular vitalidade do movimento
modernista, o sentido de consciência da geração e da solidariedade entre os intelec·
tuais nacionalistas talvez tenha sido mais claramente exposto na coleção de ensaios,
"À Margem da História da República". Concebidos como uma declaração coletiva
de fé no Brasil, aqueles ensaios representaram a exposição, por doze componentes
da geração republicana, de suas idéias, crenças e aspirações comuns. Embora livres
da ortodoxia de qualçJer escola particular, aqueles jovens escritores se sentiam uni·
dos pelo fato de pensa.rem como brasileiros e de se mostrarem dispostos a cumprir a

67
mtssao ae sua geraçao. uo mesmo rnouu y_ut: éli) l$vlclyu"" !'""""""'" ........... ·~·~-~r·--
independência, p!:lla consolidação do Império, pela Abolição e pela República, incum~
bia·lhes uma tarefa que consideravam mais construtiva, embora também muito mais
árdua. Definindo a posição de sua geração e examinando os diversos aspecto~ do pro·
blema nacional, de muitos ângulos e segundo muitos pontos de vista pessoais, os
autores dos ensaios procuraram estimular o fortalecimento da nacionalidade brasi·
leira, óuscando soluções sociológicas capazes de despertar as energia,s adormecidas
dentro da sociedade. Como admiradores de Albei:to Torres, aceitavam a responsa·
. bilidade intelectual de se esforçarem, juntos; na busca de soluções e de revelarem
. a coragem moral e a competência científica necessária à transfonnação do Brasil
em um Estado naCional moderno. A missão daquela geração, portanto, consistia em
converter o nacionalismo, que era acima de tudo uma atitude intelectual, em um valor
duradouro, sustentado por um entusiástico apoio popular. Assim, "À Margem da
História da República", ao contrário da maioria dos enforços coletivos do decênio,
revestiu-se de um rumo ideológico expresso, e foi rico em sugestões para reformas
de desenvolvimento nacional, embora os seus autores não conseguissem apresentá·
las como um consenso sistemático 2 5 •
Publicados em 1924, por ocasião do trigésimo quinto aniversário da República,
aqueles ensaios, marcados por seu ecletismo geral e acentuada variedade ·intelectual,
estavam relacionados entre si por diversos laços ideológicos, derivados não apenas
da solidariedade nacionalista da sua geração, como também da desilusão comum
com a. República e a geração que a instituiu. Em todas as críticas, as elites intelectuais
e políticas anteriores eram atacadas por sua mentalidade artificial, utópica e aprio· ·
rística. Por um lado, os homens de letras brasileiros .não haviam compreendido que,
como era impossível isolar a vida intelectual da política, estavam fugindo às suas
responsabilidades, ao evitarem o envolvimento social e político. Por outro lado, tam·
bém os políticos tinham vivido em um mundo de sonhos, elaborando um sistema
político alheio à realidade nacional e às condições econômicas e sociais em processo
de transfonnação. Em conseqüência, a nova geração deveria ser socialmente engaja·
da e sociologicamente dirigida2 6 • Até mesmo os grandes inovadores do passado, em-
bora reverenciados por seu engajamento e pelo papel de destaque que representaram
no despertar do nacionalismo, eram criticados por lhes faltarem suficiente rigor cien·
tífico 2 7 • Intelectualmente, o Brasil nece·ssitava de um novo espírito indutivo de
objetivismo. A sociedade deveria ser estudada empiricamente e através de uma pes-
quisa de seus elementos básicos, para a devida aplicação da metodologia da Ciência
Social, que propiciasse um conhecimento mais realista do problema nacional, dife·
rente dos devaneios tradicionais dos "pensadores", por m~is perceptivos que pudes·
sem ser. Também do ponto de vista político, urgia apelar para soluções· práticas, e
não para mais idealismo e ilusão. O governo teria de tornar-se mais adaptável às va·
riadas e crescentes pressões econômicas. Embora esses jovens em geral fonnulassem
satisfatoriamente as suas próprias advertências em pr.ol de 'um engajamento social e
político, tanto em seus escritos como em suás atividades, não havia acordo entre

68
l'~-·-··-·· ---r-o------···--
VOS, apesar de seu sincero interesse pelas reformas sociais, e mesmo aqueles que pro·
fessavam, enfaticamente, novas doutrinas das Ciências Sociais, como recém-conver·
tidos, freqüentemente se mostravam incapazes de se livr~r de ·seus antecedentes be·
letristas 28 • Além disso, não obstante as suas diferenças, todos fizeram parte de uma
nova geração de pensadores, fortemente influenciada por seus antecessores naciona·
listas e, no entanto, deles separados pelo ambiente da sociedade em processo de traris·
formação na qual viviam.
Assim, a desilusão provocada pelos fracassos de um passado recente alimen·
tava o espírito reformista comum a todos aqueles escritores, quaisquer que fossem
as suas opiniões pessoais sobre a prioridade dos objetivos ou sobre os meios mais
eficientes de transformar a sociedade. Havia um visível acordo entre eles no sentido
de que, embora houvesse necessidade urgente de ampla reforma, e talvez mesmo de
uma reconstrução total, tal coisa poderia ser feita sem alteração da ordem. Os seus
ensaios não eram, de modo algum, um incitamento à luta armada, mas antes o apelo
a uma "revolução branca" de tal magnitude que· fizesse surgir uma "segunda repú·
blica". Fortemente influenciados pelas idéias e pela orientação de Alberto Torres,
como um deles, aquele mesmo escritor almejava uma reforma política, especial·
mente uma reforma constitucional, como o caminho mais seguro para uma trans·
formação social. Depois de analisar o problema nacional brasileiro, apresentava uma
fórmula de medidas "cientificamente" determinadas que levariam a uma espécie de
Estado nacional cooperativo, sindicalista, que preservaria os direitos da liberdade
privada, mas exigiria a sua justificação como função social. Para isso, o governo de·
sempenharht um papel mais ativo na sociedade, protegendo o direito dos trabalha·
e
dores, das crianças das mulheres, impondo o voto e o serviço militar obrigatório, e
dirigindo a produção, o consumo, a imigração, a colonização, e a utilização da terra
(a terra então improdutiva). Em resumo, o governo supervisionaria a vida religiosa,
moral, estética, jurídica, política, econômica e educacional. Além disso, como o
Brasil estava sujeito a pressões externas por parte de potências mais poderosas, teria
de seguir uma política nacionalista em suas relações exteriores2 9 • Um enfoque socio·
lógico menos dogmático e mais realista, contudo, foi adotado por outro admirador
de Torres, que, embora também se referindo ao problema político, admitiu que
recursos extragovernamentais poderiam ser usados para se conseguir uma reforma
política e social significativa. Em sua opinião, o necessário não era a adoção de mais
prescrições formais para se impor a transformação social de cima para baixo, dentro
da estrutura administrativa, mas o real fortalecimento dos grupos de pressão de fora
do governo, representando os interesses econômicos e sociais mais modernos. Além
disso, mostrava-se favorável à formação de partidos políticos que expressassem mais
amplamente a· opinião pública e a mobilizasse de maneira mais eficaz. O governo
teria de tornar-se nacionalista. Como ponto de partida, seria indispensável compre·
ender-se clarament~. a verdadeira natureza dá sociedade brasileira e o foco oligárquico
de seu poder político. Era insensato continuar a acusar os velhos políticos republi·

69
sistema político satisfatório para as exigências tradicionais da sociedade brasileira,
mesmo violando o idealismo de uma constituição impraticável. Agora, aqueles poli·
ticos teriam de ser forçados a se curvar às novas exigências de uma sociedade em
processo de transição 3 0 •
Qualquer que fosse o enfoque adotado, no entanto, o centro nevrálgico de
qualquer programa reformista teria de ficar no campo da educação. Afinal fie contas,
aqueles jovens escritores consideravam a missão de sua geração como sendo princi-
palmente um esforço educacional. Os brasileiros teriam de aprender onde se encon-
travam, como haviam falhado rio passado e como poderiam lutar por um futuro me-
lhor. Além disso, o mais sério problema atual, fruto dos grandes erros passados, era
a perpetuação de um sistema educacional obsoleto, aristocrático, beletrista e bacha-
relesco, voltado apenas para uma pequena elite e jgnorando a imensa maioria da
população. Era um sistema adequado a uma sociedade tradicional de senhores e
escravos, e não a um moderno Estado nacional. Assegurava requinte cultural e pres-
tígio social para a camada superior de "doutores" e "bacharéis", e não capacidade
prática e incentivos morais para as pessoas de todos os níveis sociais. Assim sendo, a
fim de se assegu!ar o progresso, todo o sistema de ensino teria de ser reformado
qualitativa e quantitativamente. Impunha-se c.omo o seu verdadeiro objetivo a inte-
gração de todos os brasileiros em uma sociedade genuinamente nacional, em conso-
nância com o resto do mundo moderno. A educação teria de tornar-se nacional, po-
pular e tecnológica. Não seria preciso dizer que· a consecução de tal objetivo exigiria
um esforço prolongado e harmônico por parte dos nacionalistas, tanto intelectual
como politicamente 3 1 •

***
No funde 1915, muitos homens de inclinação democrática da nova geração
passaram a participar politicamente em um novo· movimento nacionalista que, mais
tarde, seguiu os rumos imprimidos por Rui Barbosa na luta contra a velha ordem.
Começando como uma campanha popular, nascida da agitação política mundial e
da exaltação patriótica decorrente da Primeira Guerra Mundial e da simpatia pelas
potências ocidentais, tal moviJ:nento não tardou a refletir uma grande decepção diante
da incapacidade do governo brasileiro de enfrentar com eficiência os problemas fun-
damentais da Nação. Com o tempo, o movimento também ultrapassou a sua imple-
mentação institucional no tempo da guerra e logo após o término do conflito, com
as suas ligas patrióticas, para assumir a forma de agrupamentos democráticos na
década de 1920, que mais tarde participaram da coalisão pplítica da Alianç~ Liberal
e depois da Revolução de 1930. Assim, durante aquele período, os nacionalistas li-
berais-democratas, organizados em várias ligas e partidos, permaneceram fora do
poder e atuaram, coletivamente, como líderes civis da oposição política. Como tal,
preocuparam-se, sobretudo, com a educação e a propaganda. Procuraram mobilizar

70
0 fiOVU ~8pll1LU Ut:: lHlVlUlUlll;)lllU.vuu~ç\{u'-"ll'-"'u"""au.. ..,,.auv.:r•u..u .......... l' ____ ····------ 6 __ _

elaboração ideológica de programas reformistas pormenorizados, que teriam sido


obrigados a elaborar, se tivessem conseguido participar do governo. Em vez disso,
seg1.1iram em geral as diretrizes de Rui Barbosa, embora com variações em muitos
partidos e facções, uma vez que não surgiu homem algum em condições de ocupar o
lugar deixado por Rui, desde a sua morte em 1923 3 2 • :

Sob certo aspecto, um aspecto de importância vital, contudo, os rumos do


nacionalismo liberal-democrata mudaram, e mudaram espetaculârmente. Foi em sua
atitude com relação aos militares, pois as condições do País haviam se modificado
muito desde os dias da "campanha civilista'' de 1910. Não somente a sinistra ameaça
4o militarismo, que Rui Barbosa agitara, deixara de se concretizar, como se tornava
inevitável a reabilitação da imagem do exército, com a declaração de guerra, que
despertou grande entusiasmo patriótico, e a subseqüente implantação do serviço mi·
litar obrigatório, em 1916·. O resultad~ final foi uma gradativa aproximação entre os
nacionalistas civis e liberais e os militares e autoritários. Essa aproximação iniciou·
se com os contatos entre políticos e intelectuais civis e os militares, nas ligas patrió·
ticas, que continuaram esporadicamente durante a década de 1920 e culminaram na
aliança revolucionária de 1930. Ao mesmo tempo, mesmo os mais firmes advogados
da defesa nacional e do serviço militar obrigatório não aprovavam o ressurgimento
do militarismo político. Muito ao contrário, a instrução e experiência militar para
todos os civis eram consideraQ.as o meio mais seguro de se impedir a ascendência da
casta militar como uma força política distinta, uma vez que se confundiriam a sacie·
dade e o exército. Todos os cidadãos seriam soldados, e o exército se tornaria verda·
deframente nacional 3 3 •
Desde o começo, a despeito do clamor do seu patriotismo, as ligas considera·
ram o problema da defesa nacional principalmente como de caráter interno. Sem
dúvida, o exército deveria estar bem preparado para defender o Brasil contra qual-
quer possível ameaça externa, mas sentiam que o perigo imediato vinha de d~ntro,
sob a forma de falta de unidade nacional. O necessário, portanto, era a completare·
generação da sociedade, que uniria todos os ·brasileiros, especialmente os imigrantes
não-integrados, em uma verdadeira nação. Para isso, seria indispensável um gigantesco
esforço educacional - moral, cívico e físico, assim como intelectual- e, a esse res·
peito, o exército poderia desempenhar, graças à instrução militar obrigatória, um
importantíssimo papel, além do desempenhado pelos sistemas escolares primário e
profissional 34 • Organizações patriótica~. como a Liga da Defesa Nacional e a Liga
Nacionalista, também representariam o seu papel, lutando pela conversão cívico·
patriótica· de todos os cidadãos, através Q.e uma cainpanha de propaganda popular e
pela criação de sociedades educaci.onais e grupos de estado especiais. A esse respeito, o
·nacionalismo das ligas assumiu um caráter quase religioso, bem novo no Drasil e que
não ocorreu outra V(" .G antes da década de 1930. Durante anos, foram publicados
manuais de instrução moral e cívica, que ensinavam aos cidadãos os seus direitos e

71
t:l.
F}

Foto 12 - Caio Prado Júnior (d esquerda).


----- -
·A FRENTE DA INSU·RREI
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SOB OSEU COMMAN:D~


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LEVANTOU-SE, ESTI
MADRUGADA, A GUA~
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I odu u lorç.u ianm<lu .. qllf pablit'toroN .. oatroiOcalt qor 1,;
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ç&t .. lf1Tiln oacionol, d.ttl'llliMro•j-•• .... pe;da, •..,,,,., .. nrilit,
olo pu1o .. P.rooiH a· ...de. M soltro-an.. 1 r_.olidoM do ltnolt ""'' upi

OMOVIMENTO ESTENDE-SE
TODO OTERRITORIO DO PA
Em S.,· Paulo, o commando das for~
revolucionarias toi assumi.
pelo general Miguel Cos
------- --··--·-
0 AVISO DE PRESTI
aos se.us companheir'
Tetto do MuTilO datlo,OOllltm, ~ Rerol~tsl~j&mJI1llllpta.spa_'11rr
!XI' LuiL !Mias Prestts aas seus romoanlrl· ; las li~~~ JJJpiJ!an·H pan ~Jr
111! de rmiDÇAo: 1 dt'{lniUMno gomoo dt tnhl4lo o
':0 Comitê RevoluciorwiD. lOba mi· ; de Get•Jiitl Vargas,
nha dlnr.ç!o. !rente aos arootecimeolos IDia ~ bln mo OJI1XI'Ioo
que se d'!<focadeam DO oort~ do pait ei mmados.
l.Dltaa 1~ ilisl~llaráo de UIIIA rlicla~ura Rio rtr Jal!f!ro. 26 foe ll"•·
reartl~nari.l. deride QUP tooa1 a.• fo~d.l 19l5 ·lU.IZ CJ.BlOS PP.~IFS"

Foto 13 -Reprodução da Jf! página de 'Jt Manhã", Jornal da Aliança Nacional Libertadora.
devoção ritual à Nação. Entre outras coisas, o jovem era aconselhaclo a amar o seu
ij país acima de tudo mais e trabalhar arduamente em seu benefício, servi-lo no esco-
tismo e no serviç<;> militar, pagar os impostos, falar bem o seu idioma (conselho des-
I tinado aos imigrantes de idiomas não-portugueses), celebrar os feriados nacionais e
r I honrar a bandeira e o culto dos heróis3 5 • Além disso, as ligas realizavam conferências
em que se faziam verdadeiros sermões cívicos sobre temas ~emelhantes, salientando,
I sobretudo, a importância da educação, do desenvolvimento econômico, do sufrágio
! legítimo e do serviço militar para a unidade nacional e o respeito à·Pátria36 •
i
Pouco a pouco, porém, nos primeiros anos ~a década de 1920, quando se esfriou
.I
o ardor patriótico inspirado pela guerra e se esvaeceu o espírito marcial, as forças do
nacionalismo liberal-democrata voltaram a ser mais COf!.vencionais e menos militan-
l tes formas. de organização política em vários partidos e facções. Essa tendência se
I
I
acentuou ainda mais em 1924, quariqo constantes surtos de rebelião chefiados por
jovens oficiais do exército acarretaram a- decretação e o estado de sítio .e o fecha-
mento das ligas pelo governo, que receava que elas se tornassem focos de atividade
subversiva. Interrompeu-se, assim, a franca reaproximação entre nacionalistas civis
e militares, e os. seus contatos, de então para diante, tiveram de se fazer discretamente.
Além disso, intensificou-se o facciosismo nas fileiras democráticas depois da morte
de Rui Barbosa, em 1923. Conquanto os jovens nacionalistas liberais permaneces-
sem como herdeiros diretos do pensamento políticp de Rui e continuassem os seus
ataques ao velho regime e as suas exigências em prol de uma democracia de verdade,
baseada no sufrágio livre, mostravam-se divididos ideologicamente sobre a questão
social, assim como fragmentados regionalmente. Até 1929_, cqm a formação da Alian-
,_ça Lib;r~l, nã~~~~~~-i-~~-~~~!:}o~1,~Ll~~'~cc~}1~:!!~~-~
r~~~~ dos·eremen~os ma1s conservadores p~qcuravam apenas a asc'ért"""'"'
· dent1~ eleitoral das classes méd1as, através da reforma ele1toral, como acontecera na
Argentina3 7 • Ao mesmo tempo, os liberais mais ardentes iam mesmo além da posi-
I ção de Rui em face da reforma social e pregavam mais diretamente a completa incor-
! pora,ção do proletariado à nova sociedade democrática 3 8 • Entre os dois extremos,
uma vasta maioria de moderados acorria ao doutrinário Partido democrata de São
Paulo ou ao Partido Libertador· do Rio Grande do Sul, um pouco mais revolucioná-
rio, que acabaram se juntando em uma frente comum, com a formação d~rtid~
I Democrático Nacional, em setembro de 1927. Os programas daqueles partidos, po·
!~vãfu--pmrca afenÇao• a-qúest~üpandq-se, aCima d_é"1~~õ:-êõmã~
I! nece-sstdade,...~~::g_rn[::t!tõmía:::üf.cli.i[f!!_Ç9.ruífuiJ~J~~qY'êb.tã~::õn-m'Rn<lt?~Ii9
põlítitoâetáfo exer~E_po~ dive~sas~~CJ.l:ll!~-e.~~-~~r-~ Em vista das mudan-
I ÇãSsõciãls que estavam ocorrendo no Brasil havia muitos anos, da acentuada ten-
dência para acentuar-se o lado social da ideologia nacionalista liberal e do crescente
espírito de aberta rebeldia visível de um modo geral em toda a sociedade, aqueles
I programas, que não somente subestimavam a importância da justiça social como vir-
tualmente ignoravam o problema do desenvolvimento econÔmico, tornavam-se cada
vez mais anacrônicos. No fim do decênio, portanto, os jovens nacionalistas liberais

II
l
72
a~toritários e pragmáticos4 °.
Em 1922, quando a velha geração nacionalista, incapaz, mais uma vez, de se
unir para combater eficazmente a velha ordem política, sofreu outra derrota eleito·
ral e se absteve de recorrer a uma alternativa revolucionária, um grupo de jovens ofi·
ciais do exército reagiu, pronunciando-se contra o governo. Desencadeou, então um2
gradua~ rep~tição, ma~s ,t~rde conhecida ~?mo;,~ene~s~o·:1.-~~~.J!~=41~J.!>J~:S9,]?JP~
de nac1onahsmo autontano, com base m~1tar,qtfe':'Se mamfestara allt,en<?.rmente nc

-:~~~]g~~~
-~íilzado. ~Como os liberais-democratas, com os quais mantiveram contatos esporá
diêõ&'eêllegaram mesmo a tentar aliançás, os tenentes desempenharam naquela épo·
ca um papel essencialmente negativo. Lutavam pelo que viam como moralizaçãc
política, inspirados por um vago sentimento nacionalista. Frustrados pelo que consi
deravam as repetidas negativas das vit(>rias democráticas em 1910, 1919 e 1921, E
ressentidos com as medidas recentemente tomadas pelo governo contra os militares
que culminaram com o fechamento do Clube Militar e a prisão de seu presidente, c
Marech·al Hermes da Fonseca, os jovens oficiais voltaram-se, como último recurso
para a insurreição armada, como o único meio que lhes restava de protestar contn
os abusos do poder e o ultraje à sua honra. Em uma série de revoltas, inici.ada corn c
levante de um grupo de jovens oficiais .no Forte de Copacabana, em 5 de julho d1
·1922, 41 os "tenentes" trataram de mostrar, espetacularmente, o seu descontenta
menta contra o statu quo e chamar a atenção para as suas aspirações reformistas
Desse modo arrebataram dos políticos civis dos partidos democráticos a lideranç:
da luta contra a velha ordem, e, através de um incipiente, maldefinido nacionalism<
autoritário, tornaram-se uma força social dinâmica. Nesse processo, a dispo$ição. d:
sociedade brasileira tornou-se crescentemente rebelde, e das hastes tenentistas eme1
giram alguns heróis populares, que, na década de 1930, iriam se tornar algumas da
mais destacadas figuras políticas da sua geração. Somente depois de 1930, quand1
os tenentes assumiram um papel político importante dentro do governo revolucio
nário, assim como nas forças da oposição, é que se caracterizou mais claramente
natureza autoritária do seu nacionalismo, à medida que o ~ovimento tenentista, s
desenvolvia em nível ideológico e institucional42 • ·

r"'~;!J~§,_AJ!l~!Ç~"'~~~s,!l:~E!~-~pr~Jtag»,t~~g_-~_~é~~!,o _tiversl~~~dl
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·trióti~o não IiáViaffi apenas alterado a imagem do exército perante os civis, com
tarribém estimulado uma auto-avaliação por p~rte de elementos do exército. lss·
ocorreu principalutente na Escola Militar do Realengo, onde os cadetes adquirirar

J.
li:llC'UI U:í lil'tVil UV \ICUU01a.U.a.5"111 u""u•&v u.., .;rwu t;..,.•w.yw..,... - .... _. ...... _ - ----- -..,- ...,.

fosse principalmente tecnológico em suà orientação, os cadetes também se torna-


vam cada vez mais conscientes dos problemas sociais que flagelavam o Ihasil e espe-
cialmente da disparidade entre a sua dedicação ao dever, à honra, à disciplina e ao
bem da Nação e a corrupção dos políticos que se perpetuavam no poder, para bene-
fício de uma minoria de privilegiados. O resultado foi um crescente espírito coletivo
de reformismo, aspirando p.or um novo Brasil, em que a República fosse realmente
republicanizada e permitisse o progresso social. Com o tempo, muitos dos jovens
oficiais passaram a ver o seu papel como o de restauradores da democracia e da liber-
dade. Aos seus olhos, a tirania de fato posta em prática por um velho regime que
perdera o rumo dava-lhes o direito, e até mesmo o dever, de se revoltarem. A revolu-
ção tornou-se, então, a missão patriótica da sua geração, e os tenentes consideravam
o exército como o real guardião da constitucionalidade e árbitro da legitimidade 4 3 •
Apesar da indecisão ideológica que continuava a caracterizar o nacionalismo
do movimento tenentista durante o ciclo revolucionário da década de 1920, as revol-
tas contra o governo foram sempre justificadas por motivos patrióticos. Além disso,
quaisquer que fossem as suas divergências pessoais quanto à melhor maneira de rees-
truturar a sociedade, os jovens oficiais e os oficiais mais velhos que a.eles se tinham
juntado concordavam plenamente que o objetivo primordial era a derrubada de um
governo técnica e administrativamente incompetente e que perdera a sua legitimi-
dade. Esse governo e os "políticos profissionais" que o controlavam haviam, flagrante
e repetidamente, violado tanto o espírito como a letra da Constituição. Em resumo:
o governo, em todos os níveis, fora reduzido a uma coleção de satrapias corruptas, e
o povo era impotente para reformá-lo pelos meios legais. Assim, como o exército
nacional jurara defender a Constituição, não poderia se isolar d.entro da Nação. Não ·
poderia permitir o sacrifício da ordem interna ou do prestígio internacional do País,
mesmo se isso implicasse desobediência às atuais autoridades superiores civis.e mili-
tares. Sua obrigação primordial era para uma autoridade·mais alta: a Constituição. Ne-
gando qualquer ambição política, os re':'olucionários salientavam que eram levados
pelo sentimento do dever e estavam lutando por princípios de integridade moral,
consciência patriótica, probidade administrativa e responsabilidade política. Acima
de tudo mais, concebiam as suas revoltas como um movimento de restauração e re·
denção para a Nação e para o exército, e as idéias reformistas que apareciam em suas
diversas proclamações não passavam de modestas aspirações (por ex.: o voto secreto
ou a melhoria do ensino) emprestadas dos liberais-democratas44 •
Os aspectos mais revolucionários do tenentismo foram expressados não em
palavras, mas em atos, tais como os da "Coluna Prestes", que tentou em vão buscar,
no campo, apoio popular para a causa revolucionária, durante uma dramática mar·
cha de dois anos através dos sertões4 5 • Ao mesmo tempo, a natureza mais ampla,
mais romântica da revolução personalizou-se nos chefes tenentistas, com'o Luís Car-
los Prestes, Siqueira Campos, Miguel Costa e Juarez Távora. Não obstante, formou-

74
oora se manne:n:anuo com pouca ue~lueHcla e, e1u vut uç ,._!5'"• """"'" u" ""'"''"'"
menos destacados, que se mostravam me.nos interessados no apoio da classe rnédia.
Menos sujeitos às pressões da opinião pública, esses líderes puderam mais abertamente
manifestar sua descrença na liberal democracia e sua esperança em uma reestrutura·
ç~o mais radical da sociedade e do sistema político. Um desses tenentes chegou mes-
mo a elaborar um completo programa constitucional. Em um texto que fazia lem·
brar o apresentado no decênio anterior por Alberto Torres, buscava o fortalecimento
do governo nacional à custa dos Estados e a predominância do poder executivo sobre
o legislativo, que deveria ser revestido de uma representatividade corporativa, assim
como regional46 • Também deveria existir um conselho nacional que serviria de árbi·
tro nas questões internas políticas e sociais e resolveria os conflitos que pudessem
surgir entre os vários níveis e ramos do governo. Os candidatos aos cargos públicos
mais importantes teriam de apresentar um pormenorizado programa político, basea-
do em uma ampla análise dos problemas nacionais. Certos dispositivos tratavam da
expansão do sistema educacional e do serviço militar obrigatório para todos 4 7 • Entre
as propostas· mais radicais, contavam-se artigos tratando da organização de coopera-
tivas e sindicatos agrícolas, da proteção dos recursos naturais, do rigoroso controle
do comércio externo, da validade apenas do casamento civil, do ensino gratuito e
obrigatório para crianças de seis a treze anos de idade, do direito de todos os cida-
dãos ao trabalho e em horários prescritos em lei, da distribuição de 50% dos lucros
aos empregados em todas as empresas industriais e comerciais, da nacionalização da
navegação de cabotagem e d~ regulamentação da propriedade agrária, a fim de im-
pedir a existência de latifúndios, prejudiciais ao interesse geral 4 8 • Conquanto fosse
mantido externamente o processo eleitoral democrático, o documento revelava uma
preocupação muito maior com os problemas da unidade nacional, eficiência admi·
nistrativa, proteção do País, progresso social e econômico e regeneração moral e cívica
do que com as formalidades da liberal democracia. E essa mudança de foco dos meios
para os objetivos, assim como a compreensão de que seriam necessários meios mais
enérgicos para alcançar os objetivos desejados, prenunciava os rumos que o tenentis-
mo iria tomar logo depois da Revolução de 1930.
O nacionalismo conservador dessa nova geração, contudo, assumiu um caráter
muito mais abertamente autoritário do que se manifestara no movimento tenentista,
mas, ao contrário dos militares rebeldes. seus rivais, os seus adeptos se mostravam vi·
goro~amente anti-revolucionários ou contra-revolucionários, em particular depois do
levante de 1922. Também eles, como a maioria dos liberais e dos autoritários, con·
cebiam a sua própria missão como sendo a de promover a regeneração moral da Na·
ção, poré111 mais firmemente apoiada na realidade histórica e cultural do Brasil e
que deveria se completar sem. alteração da ordem. Alarmados pelo que considera·
vam como a marcha para a anarquia política e espiritual, que levaria à desintegração
nacional, e frustrados pela inanidade de seus sonhos sebastianistas, os nacionalistas
conservadores aceitautm tardiamente a República. Realmente, não só o regime se

75
.. -·· - ....... --····--·---- --· .... -_.,. __________ r----- &

servadores pensavam, assim, em reformar o sistema por dentro, conquistando a ade-


são dos dirigentes políticos ao seu nacionalismo particular e promovendo as mudan·
ças jurídicas e constitucionais necessárias. Como a legitimidade política já não podia
repousar no princípio da monarquia, o governo, estabelecido em bases nacionais,
deveria tratar de reviver e estimular os laços culturais e históricos que contribuíam
para manter a unidade do País. Naturalment-e, para os conserv'\dores, de importância
capital nesse sentido eram o cristianismo e a Igreja Católica. As~im, no período com·
preendido entre a guerra de 1930, o nacionalismo conservador centralizou-se em um
movimento sócio-político católico, em parte derivado do ·monarquismo da geraçã'o
anterior, mas também em parte refletindo um renascimento mais amplo das princi-
pais correntes católicas do pensamento europeu4 9 • Embora jamais tivesse sido orga·
nizado um partido político ca~ólico 5 0 , aquela variedade de nacionalismo manifestou-
se, institucionalmente, em efêmeras organizações nacionalistas, assim como, de certo
modo, no Centro Dom Vital, que se tornou o centro do ativismo leigo católico. De
maior significação, contudo, foi a sua evolução ideológica, que teve grandes conse-
qüências políticas mais tarde, na década de 1930 5 1 •
De 1917 até depois de 1920, os jovens conservadores, juntamente com os anti·
gos monarquistas mais vell1os, lançaram uma campanha nacionalista que se expres-
sava através de periódicos como "Brazilea" e "Gil 13las", e çontou com o apoio de
organizações como a propaganda Nativista, a Ação Social Nativista e a Academia
Brasileira de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais 5 2 • Embora sem"clhante em
alguns aspectos (defesa do voto e .do serviço militar obrigatório, melhoramento do
ensino e integração geográfica) ao movimento sustentado pelas ligas patrióticas de
orientação liberal, para promover o patriotismo e os valores nacionalistas, dele dife·
ria vivamente em cêrtos aspectos fundamentais. Como herdeira ideológica do mo-
narquismo, e não dos ideais do civilismo, a campanha conservadora era basicamente
defensiva, protecionista e restauradora- reconciliando-se, mesmo com a República,
até a ponto de exaltar Floriano Peixoto como herói nacional. Assim, os conservadores
procuravam alertar o Brasil contra o que viam como uma corrente subterrânea çle
anarquismo e revolução vinda da Europa e danos!pllente manifestada no llrasil, sob
a fonna de crescente agitação social e subversão contra o governo. Esperavam com-
bater essa ameaça, consolidando os valores tradicionais da cultura, indispensáveis
para a preservação da nacionalidade brasileira e o fortalecimento do Estado. Em
conseqüência, os excessos libertários do liberalismo e o internacionalismo deveriam
ser combatidos por meio de medidas como a.nacionalização da imprensa e a imposição
de restrições, tanto sobre os estrangeiros residentes no País como sobre as empre· ·
sas estrangeiras. A fim de se conseguir tudo isso e aplicar-se amplamente o seu pro·
grama pacífico, que advogava, entre outras coisas, a emancipação intelectual, finan-
ceira e econômica do Brasil, assim como a emancipação das mulheres, os conserva·
dores preconizavam uma refonna constitucional segundo linhas corporativistas d~ntro
do regime político existente, e tentaram consegui-la de Presidentes da República

76
cratas, o Iervor reug10so ao seu nac1onausmo, 1onge ae ser secu1ar, estava urevoga·
velmente vinculado ao catolicismo tradicional, e eles lutavam pela união da Igreja
com o Estado 5 3 •
À medida que a ameaça de desordem social foi parecendo agravar-se, nos pri·
meiros anos da década de 1920, o nacionalismo conservador foi-se tornando cada
vez mais ardentemente anti-revolucionário e pró-católi'co. A figura central dessa ten-
dência reacionária foi J ackson de Figueiredo. católico praticante, que fundou o Cen·
I , tro Dom Vital no Rio de Janeiro 54 • Aquela organização cedo se tornou o centro
tanto do nacionalismo cons~rvador como da Ação Social Católica. Em seu jornal,
"A Ordem", e na coleção de monografias "Eduardo Prado", Jackson e os seus ·segui·
dores constantemente pregaram a doutrina da ordem. A revolução era considerada
como "satânica" e como a negação básica do nacionalismo e da religião. Em resumo:

I
era o mais grave dos males, e nem ela, nem qualquer erro ideológico ou herético que
a encorajassem poderia ser tolerado. Eram, assim, atacados, ao mesmo tempo, o li·
beralismo, o socialismo, o bolchevismo, a maçonaria, o protestantismo e o cqsmo·
politismo. A democracia fora longe demais: o Brasil tinha de voltar ao passado; e en-
contrar a salvação na Nação e na lgreja 5 5 • Apesar de sua preocupação anti·revolu·
cionária, os nacionalistas daquele grupo deram alguma atenção à justiça social. Acha·
vam que os abusos naquele campo poderiam ser corrigidos se a política e a sociedade
fos!iem moralizadas. Poderiam ser feitas reformas, dentro da ld 6 • Além disso, cons·
tituía dever moral do governo promover o progresso social e econômico do País, e
muita coisa poderia ser feita sem se mudar fundamentalmente a estrutura tradicio·
nal da sociedade·. Embora o nacionalismo conservador também acabasse sucumqindo,
annal, ao crescente élan revolucionário, depois de 1930, os ideólogos do Centr9 con-

I
tribuíram substancialmente para a sua doutrina da ordem. De fato, não somente
criaram, pela primeira vez no Brasil, uma escola claramente definida de pensrurento
nacionalista da direita, como serviram de ligação entre duas facções política~ mais
engajadas na política: os monarquistas da geração anterior e os integralistas de sua·
própria geração 5 7 •

NOTAS

1 -Gilberto Freyre, "Ordem e Progresso" (Rio de Janeiro, José Olympio, 1959), 1; LVIII
e possim. Para um comentário sobre algumas influências da antiga geração sobre a nova, assim
como uma definição mais generalizada do papel e responsabilidade nacionalista da última, ver:
Cândido Motta Filho, "Alberto Torres e o tema da nossa geração" (Rio de Janeiro, Schmidt,
1937).
2 - Afrânio Coutinho, "An lntroduc~ion to Literature in Brazil" (Trad. de Gregory Ra·
bassa, N.Y., Columbia University Press, 1969, pág. 220, uma sucinta apresentação de uma.nova
interpretação, agora largamente aceita, da mentalidade revolucionária do período.
3 - lbid., pág~ 203-20. Sobre aquela mudança fundamental de mentalidade, ver tam·
bém: João Cruz Costa, "Contribuição à História das idéias no Brasil" (Rio de Janeiro,José Olym·

77
J.7"TJJ• JJdJSiJ• .I.JV-JV• VIIIQ. '-"111.CI.\ol't'D l&l.""&""~""' . . aa•v, •••-• • • - - •••••--•·•-•••- - - · · • - - - - - - - - , ..,. __ . .

tar aquele período através do testemunho de dezenas de figuras de destaque da geração é: "Tes·
tamento de uma geração", de Edgard Cavalheiro (Porto Alegre, Globo, 1944).
4 - "Revista do Brasil", de Lannoy Dorin, publicado na "Revista Brasilicnse", 45 (janeiro·
fevereiro de 1963), págs. 52·67, apresenta um estudo geral daquela importante publicação. Sobre
os antecedentes do movimento modernista, ver: Mário da Silva Brito, "História do modernismo
brasileiro", vol. I, "Antecedentes da Semana de Arte Moderna" (São Paulo, Saraiva, 1958) e,
sobre a sua evolução posterior, Afrânio Coutinho, "Introdução à Literatura", páginas 210-54;
"Á margem da História .•." (Rio de Janeiro, Anuário do Brasil, 1924). .
5 -José Maria Bello, "História da República, 1889·1954" (4~ ed. São Paulo, Nacional,
1959), págs. 246-52.
6 - o fenômeno tenentista, particularmente no que diz respeito às suas origens, ainda
não foi adequadamente estudado, Rico material sobre os próprios levante~ é encontrado nos pri·
meiros volumes.de "O Ciclo de Vargas" (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1964 e posterior·
mente). Um excelente e conciso estudo está em "Revoluções do Brasil contemporâneo, 1922/
1938" de Edgard Carone (S'âo Paulo, Coleção Buritl, 11, 1956). Para estudos interpretativos,
ver: Robert J. Alexander, "Drazilian tenentismo" em "Hispanic American Historical ·Review",
XLIV (maio de 1956), 229-42;JohnD. Wirth, "Tenentismo in the Drazilian Revolution of 1930",
"Hispanic American Historical Review", XLIV (maio de 1964), 161-79, embora esses últimos
artigos se limitem ao papel político tenentista durante e após a Revolução de 1930.
7 - Uma breve, mas interessante análise da natureza mutável do exército está em "A po· l,
l{tica geral dó Brasil", de José Maria dos Santos (São Paulo, Magalhães, 1930), págs. 455-58.
8 - Os objetivos fundamentais daquele periódico são apresentados no primeiro editorial,
de seu número inaugural "Revista do Brasil", (janeiro de 1916), págs. 1-5. Em um outro edito-
rial, "Revista do Brasil" XII (novembro de 1919), 193-96, foram feitas sugestões para a amplia·
ção dos assuntos.abordados, de modo que a revista fosse realmente a expressão da alma nacional.
Os diversos assuntos foram agrupados em categorias, tais como história, sociologia, etnografia, fol-
clore, biografia, mulheres do Brasil, tipos de população, linguagem, costumes·, tradições, artes e
. geografia. Ver também: Lannou Dorin, "Revista do Brasil".
9 - Manuel de Oliveira Lima, "A revolução de 1817", "Revista do Brasil", lV (abril de
1917), 431-43; Alceu Amoroso Lima, "Pelo passado nacional", "Revista do Brasil", III (setem·
bro de 1916), 1·5.
10 - E. Roquette Pinto, "O Brasil e a anthropogeographia", "Revista do Brasil", I1l (de·
zembro de 1916) 322-35.
11 - Olavo Bilac, "Sobre algumas lendas ao Brasil", "Revista do Brasil", IV (abril de
1917), 366·81; Ricardo Severo, "A arte tradicional no Brasil" "Revista do Brasil", IV (abril de
1917); Amadeu Amaral, "O diaiecto caipira", "Revista do Brasil", Ili (setembro, outubro de
1916), 22-33, 119·30.
12 - Rubens do Amaral, "Manifestações do nacionalismo", in "Revista do Brasil", XII
(novembro de 1919), 218·25. Ver, especialmente, os capítulos iniciais e ffnais do livro de F.J.
Oliveira Viana, publicado posteriormente, "Populações meridionais do Brasil", um pioneiro estu·
do sócio-psicológico, salien'\ando a influência preponderante das culturas rurais de S~o Paulo,
Minas Gerais e Rio de Janeiro para o desenvolvimento nacional em seu conjunto, "Revista do
Brasil", VI (junho-agosto de 1917), 129-46, 415·26; "Psicologia das revoluções meridionais",
"Revista do Brasil", VI (novembro-dezembro de 1917); 298-310,453-68.
13- Em seu romance, "O Guarani" (1857), o grande romancista brasileiro,.José de Alen·
car, criara em Peri um tipo altamente idealizado do índio. O personagem Jeca Tatu foi criado
por Lobato em um conto "Urupês", publicado em volume com o mesmo título em 1918: ver a.
edição posterior das "Obras Completas-Urupês" (São Paulo, Brasiliense, 1961), I, 277·92, que
também inclui um estudo crítico por Edgar Cavalheiro, assim como uma boa bibliografia. Em

78
Looaw como propaganama ao nac10nausmo, ··urazman LJterature··lN. Y., .K.nopr, l~ll), pãgs.
277-91. Ver também: Monteiro Lobato, "a nossa doença", "Revista do Brasil", VIl (janeiro de
1918), 3-12.
14 - Ruí Barbosa, "As classes conservadoras", "Revista do Brasil", X (março de 1919),
255-88; "A questão social e política no BrasÚ", "Revista do Brasil", X (abril de 1919), 381-421;
(discurso sem títúlo) "Revista do Brasil", XI (maio de 1919), 1-8.
15 -Rui Barbosa, "A questão social ..." 381-82.
16 - "O novo governo",·"Revista do Brasil", X (agosto de 1919), 289-90; "O momen.to",
"Revista do Brasil", XII (setembro de 1919), 1·2, XIII (janeiro, fevereiro e março de 1920), 3-4,
93-94, 189-90.
17 - Hélio Lobo, "A América na guerra", "Revista do Brasil", IX (dezembro de 191.8),
447-51; X (março de 1919), 301.04; X (abril de 1919), 41-47; Afrânio de ~iello Franco, "Pelo
nacionalismo", "Revista do Brasil", VII (março de 1918), 305.07; Jorge de Lo rena, "Defesa na·
cional", "Revista do Brasil", IV (janeiro de 1917), 65-69; Dreno Muniz de Souza, "Immlgração
e indesejáveis", "Revista do Brasil", IX (outubro de 1918), 133-48.
18 -Oliveira Lima, "A Doutrina de Monroe", ''Revista do Brasil", Il (maio de 1916),
1·5; "O perigo yankee", "Revista do Brasil", XI (junho de 1919), 97-98; Fernando de Azevedo,
"A ilusão americana", "Revista do Brasil", XI (junho de 1919), 155-62.
19 - Não somente os antecedentes da Semana vinham de bem antes, na década anterior,
como o grupo responsável pela sua reallzação já estava formado em 1921, e marcou· a realiza·
ção para I 922, em parte por causa do valor simbólico do centenário. Ver: Mário da Silva Brito,
"A revoluçio modernista" in Afrânio Coutinho, "A literatura no Brasil" .(Rio de Janeiro, São
José, 1959) lll, 441-49. Essa obra também descreve, com alguma minúcia, os acontecimentos
da Semana, págs. 448-5 7.
20 - A clássica memória autocrítica do modernismo, que salienta os seus objetivos revo·
lucionários destruidores, é "O movimento modernista", de Mário de Andrade (Rio de Janeiro,
Casa do Estudante do Brasil, 1942), págs. 13, 25,39-40,44-45 e passim.
21 -Ver: Afrânio Coutinho, "Introdução à literatura", págs. 219-30.
22 - Mário de Andrade, "O movimento modernista", pág. 26. Um exemplo do cosmo·
politismo dq movimento em seus primeiros anos encontra-se"no manifesto de lançamento dare·
vista "Kiaxon", que apareceu em maio de 1922, "Manifestos modernistas", "Revista do Livro",
IV (dezembro de 1959); 185-86.
23 - Sobre essa mudança, ver: Mário da Silva Brito, "A revolução modernista", págs.
457-82. O "Manifesto Antropófago" apareceu em maio de 1928, e da Escola Anta, "Nhengaçu
Verde Amarelo", um ano depois, "Manifestos modernistas", págs. 192·202. Ver também: Raul
Bopp, "Movimentos modernistas no Brasil, 1922-1928" (Rio de Janeiro, São José, 1966), como
reminiscências de um antropofagista, e, para o ponto de vista "verde e amarelo", Menotti del
Picchia "Nacionalismo e Semana de Arte Moderna" (Brasília, lmpr~nsa Nacional, 1962).
24 - Paulo Prado, "Retrato do Brasil. Ensaio sobre a tristeza brasileira" (4~ ed., Rio de
Janeiro, 1931), págs. 11, 115-30, 153-55, 187-88, 200, 204, 207-212, 216-21 e passim. A pri·
meira edição daquele ensaio foi publicada em 1928.
25 - "Á margem da História da República; ideais, crenças e aflfmações: Inquérito por
escritores da -geração nascida com a República" (Rio de Janeiro, "Anuário do Brasil", 1924),
págs. 9, 13·16, 34 7·50. O fato de estarem os autores,, A. Carneiro Leão, Celso Vieira, Gilberto
Amado, Jonathas Serrano, José Antônio Nogueira, Nuno Pinheiro, Oliveira Viana, Pontes de
Míranda, Ronald de Carvalho, Tasso da Silveira, Tristão de Athayde e Vicente Licínio Cardoso,
financeira, assim como intelectualmente, comprometidos com a sua missão nacionalista, é indi·
cado pela nota na página 7, explicando como custearam a publicação do livro. Embora alguns
deles fossem modernista~. ainda que só marginalmente, o objetivo e a própria linguagem do livro
o coloca além dos limites do modernismo. Sobre a natureza e a história do nacionalismo brasi·

79
,, .............. t"",...., ••__ •r-o._..,_, ·--·
26 - "À margem da História", págs. 14·16. Sobre a dupla necessidade de engajamento e
visão sociológica, vejam·se os ensaios: "Política e letras", págs. 23 7-92, por Tristão de Athayde,
e "O idealismo da Constituição", págs. 137-60, por Oliveira Viana. .
27 - Em uma obra posterior, "Instituições políticas brasileiras" (Rio de Janeiro, iosé
Olympio, 1955), Oliveira Viana, o mais sociologicamente orientado de todos os participantes da
coletânea, atribuiu os fracassos de Rui Barbosa e Alberto Torres em parte ao desenvolvimento
rudimentar das Ciências Sociais no Brasil, em sua época, devido à falta de conhecimentos reais
sobre as condições nacionais e seu descompasso com a sociedade tecnológica emergente; ver
págs. 464·74, 483·90. Nelson Werneck Sodré oferece uma breve análise do pensamento de Oli·
veira Viana em meados da década de 1930, em sua "Orientações do pensamento brasileiro" (Rio
de Janeiro, Vecchi, 1942).
28 - Um interessante comentário sobre aqueias duas correntes intelectuais opostas, cujos
componentes eram apelidados, respectivamente, "jeunesse dorée" e "sociólogos anônimos",
está em: Guerreiro Ramos, "A crise do poder no Brasil" (Rio de Janeiro, Zal\ar, 1961), págs.
141' 152-82.
29 - Pontes de Miranda, "Preliminares para a revisão constitucional" em "À margem da
História", págs. 161·200.
30 -Oliveira Viana, "O idealismo na constituição", em "À margem da História", págs.
137-60.
31 - A. Carneiro Leão, "Os deveres das novas gerações brasileiras" e Gilberto Amado, "As
instituições políticas e o meio social no Brasil", em "À margem da História", págs.17-33, 57-78.
32 - Edgard Cavalheiro apresenta trechos documentários refletindo a progressão do que
ele chama de dissidência da classe média em face da campanha civilista, através da Aliança Libe·
ral, em seu livro "A Primeira República, 1889·1930" (São Paulo, Difusão Europ~ia do "Livro,
1969), págs. 228-45. Ver também seu "Revoluções do Brasil", págs. 76·79. Para uma memória .
pessoal de um jovem nacionalista que esteve intimamente relacionado com numerosas organiza•
ções políticas em São Paulo, vej11·se: Paulo Nogueira Filho, "Idéi11s e lutas de um burguês pro·
gressista, l. O Partido Democrático e a Revolução de 1930" (São Paulo, Anhembi, 1958).
33 - Esse ponto de vista era vigorosamente sustentado por Olavo Bilac, poeta da, geração
anterior, que, mais do que qualquer outra pessoa, foi responsável pelo lançamento da campanha
patriótica do tempo da guerra. Ele levou a sua mensagem nacionalista principalmente aos jovens
estudantes e membros das forças armadas, em uma série de discursos feitos entre 1915 .e 1917.
Veja-se: "A Defesa Nacional" (Rio de Janeiro, Liga da Defesa Nacional, 1917) pág. 7, 138 e pas·
sim. Devido aos seus esforços em prol do serviço militar obrigatório, Getúlio Vargas, em 1939,
decretou que o dia do seu aniversário natalício, 26 de dezembro, fosse o "Dia do Reservista", e,
em, 1966, Olavo Bllac foi declarado "Patrono do Serviço Militar" pelo Presidente H. Castelo
Branco. Veja-se: Moacir Araújo Lopes, "Olavo Biiac, o homem cívico" (Rio de Janeiro,lmpren·
sa Nacional, 1968) págs. 43-45.
34- Olavo Bilac, "A Defesa Nacional", págs. 125-42.
35 -Ver, por exemplo, Coelho Neto, "Breviário Cívico" (Rio de Janeiro, o Norte,1921),
págs. 145·59 e passim, e A. Sampaio Dória, "O que o cidadão deve saber" (São Paulo, Olegário
Ribeiro, 1919), págs. 241-58 epassim;
36 - J.F. de Assis Brasil, "Idéia da Pátria" (São Paulo, Piratininga, 1918), pág. 5 epassim.
37 -Afonso Arinos de Melo Franco, "Um estadista da República" (Rio de Janeiro, José
Olympio, 1955), III, 1299.
38 - Um proeminente defensor de uma forma m11is moderna de nacionalismo social-de·
mocrata foi o jornalista Maurício de Lacerda. Ver, de sua autoria, "Entre duas revoluções" (Rio
de Janeiro, Leite Ribeiro, 1927) e "Segunda República" (Rio de hneiro, Freitas Bastos, 1931).
Veja-se também: Everardo Dias, "Maurício de Lacerda", "Revista Brasiliense", 27 (janeiro/fe·
vereiro de 1960), 145·56.

80
se em .. Idéias e lutas" de Yaulo Nogueua !:'Uno, u, O'+l""t.L 1 O'+::f•;>_v,l"jc5~auon,uiiuLv•~~p•oo••>~• ..•
muitos comentários sobre o complicado diálo'go entre nacionalistas e não-nacionalistas, civis ~
militares, radicais e conservadores, no período, págs. 87·272. Sobre o Partido Libertador no con:-
texto partidário do Rio Grande do Sul, ver: E.F. de Souza Docca, "História do Rio Grande do
Sul" (Rio de Janeiro, Sbnões, 1954), 365·75, e A.R. Fay Azevedo e F. Contreiras Rodrigues,
"Os partidos políticos do Rio Grande do Sul. Dois pontos de vista", "Revista Brasileira de Estu·
dos Políticos", nQ 2 (l'ulho de 1957), 76·98. Ver também: A.A. de Melo Franco, "Um Estadista
da República", lll, 1282·83, 1305.()8.
40 - Como foi o caso com BUac e as ligas patrióticas, o lider do PD, Antônio Prado, e o
do PL, Assis Brasil, pertenciam à geração nacionalista anterior.
41 - Sobre a série de acontecbnentos que precederam de perto o primeiro surto revolu·
cionário, ver: Edgard Carone, "Revoluções do Brasil", págs. 26·35, e Glauco Carneiro, "História
das revoluções brasileiras" (Rio de Janeiro, O Cruzeiro; 1965), I, 223·27.
4 2 - Edgard Carone, "Revoluções do Brasil", págs. 65-67.
43 - As fases de formação do tenentismo antes de 1922 foram bem descritas na biogra·
fia d·o chefe da revolta de Copacabana, Siqueira Campos, por Glauco Carneiro: "O revolucionário
Siqueira Campos" (Rio de Ja'neiro, Record, 1966) I, 56-62, 78·79, 97·150. A idéia do direito à
revolução foi expressada mais amplamente por Juarez Távora em seu "À g·uisa de depobnento
sobre a revolução brasileira de 1924" (São Paulo, O Combate, 1927),1, 81·102.
44 - As primeiras justificativas nesse sentido foram feitas nos depoimentos de oficiais,
depois da abortada revolta de 1922. Para exemplos, veja-se: Hélio Silva, "1922, sangue na areia
de Copacabana" (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1964), págs. 459-64,493·502. As justi·
ficativl,ls (o~am, posteriormente, expressadas em vários manifestos dirigidos ao povo. Vejam-se,
por exemplo, os que foram reproduzidos por J. Nunes Carvalho em "Revolução no Brasil, 1924-
1925" (2ª·ed., Rio de Janeiro, São Benedito, 1930), págs. 172·80, e em apologias como a de
Juarez Tavora, "Á guisa de depoimento".
45 - Edgard Carone, "Revoluções do Brasil", pág. 67. italo Landucci conta as façanhas
da Coluna Prestes em "Cenas e episódios da Revolução de 1924 e da Coluna Prestes" (2~ ed.,
São Paulo, Brasiliense, 1952).
46- J. Nunes'de Carvalho, "Revolução no Brasil", págs. 233·50.
47 -Ibid., págs. 238,241-42, 253·54, 261.
48- Ibid., págs. 242-43, 264-65, 270.
49 -Alceu Amoroso Lbna, o mais destacado pensador leigo católico de sua geração, dés·
creve em "A literatura no Brasil", de Afrânio Coutinho (III, 395-428), "A reação espiritualistf'
da década de 1920, que relaciona com o modernismo e com o tenentismo.
50 - O episcopado brasileiro jamais estbnulou a criação de um partido católico na Re·
pública, argumentando não haver necessidade, devido à inexistên.cia de qualquer partido antica·
tólico. Na verdade, receava que a criação de um partido católico provocasse uma reação antica·
tólica. Ver 1ackson de Figueiredo "A reação do bom senso" (Rio de Janeiro, Anuário do Brasil,
1922) págs. 45-46.
51 -Para um breve resumo do pensamento político católico, veja-se: Guerreiro Ramos,
"A cx:ise do poder", págs. 141·51. Ramos também se refere às organizações nacionalistas conser·
vadoras da década de 1920, no contexto da expansão do pensamento sociológico brasileiro, em
J . sua "Introdução crítica à sociologia brasileira" (Rio de Janeiro, Andres,1957), págs. 62-65.
52- Guerreiro Ramos, "Introdução ...", págs. 62-65.
53 - Os m~nifestos da Propaganda Nativista e dá Ação Social Nacionalista encontram·
se em "A política nci Brasil ou o nacionalismo radical", de Álvaro Bomilcu (Rio de Janeiro, Leite
Ribeiro & MaurUlo, 1920), págs. 179·84. Essa obra é também a melhor fonte isolada de infor·
mações sobre a expansão t:l J nacionalismo conservador naquele período, e de sua inspiração anti·
revolucionária. Sobre a predileção dos conservadores pelo protecionismo econômico, veja·se

81
1917), e, sobre o'-seu conteúdo católico, "As duas bandeiras, ~atollctsmo e brasUiaaoe ·, ae AICI·
bíades Delamare (Rio de J àneiro, Anuário do Brasil, 19 24 ). ·
54 - Sobre os pontos de vista de. J ackson quanto ao movimento nacionalista em geral,
veja-se seu "Do nacionalismo na hora presente" (Rio de Janeiro, Livraria Católica, 1921), no
a
qual, devido ao seu sentimento tradicionalista, insurge-se contra xenofóbia antiportuguesa re·
v~lada por alguns dos seus compatriotas.
55 -Ibid., págs. 28-29. Ver também: Hamflton Nogueira, "A doutrina da ordem" (Rio
de Janeiro, Centro .O. Vital, 1925), págs. 33, 87-91 e passim.
56 - Jackson de Figueiredo, "A reação do bom senso", pág. 21.
57 - Francisco lglésias apresenta um completo estudo .sobre Jackson e o seu papel na
história das. idéias do Brasil, em seu "Estudo sobre o pensamento reacionário: Jackson de Figuci·
redo", "Revista Brasileira de Ciências Sociais", li (julho de 1962), 3·52. V. também: Guerreiro
Ramos, "A crise do poder", págs. 144-5 1.

82
IV

PREDOMÍNIO NACIONALISTA- FLUIDEZ E CONFUSÃO

Em fins de 1930, estavam maduras as condições, tanto para o sucesso de uma


revolta militar, como para o predomínio do nacionalismo brasileiro, sob a direção
da jovem geração. Tais condições, fundamente enraizadas e de há pouco emergentes,
evoluíram de tal modo que transformaram o que começara principalmente como uma
tentativa regionalista de restabelecer o equilíbrio do poder político nacional em um
prolongado e vigoroso movimento nacionalista. De .fato, como golpe de Estado de
outubro, que selou o destino do velho regime, iniciou-se um processo de nacionali·
zação do sistema político, que foi marcado por fluidez e confusão, até assuinir uma
fonna mais altamente estrutura~a no Estado Novo, proclamado em 1937 1 • Ao mes·
mo tempo, o processo de nacionalização cultural recebeu um novo e grande impulsc
com o movimento modernista entrando em uma fase de maior compromisso social2
Os primeiros anos do decênio, portanto, constituíram um período de contradições 1
conflitos, de intermitentes avanços, paradas e recuos, durante o qual os nacionalis
tas rebeldes, intelectuais e políticos, da década de 1920 se tornaram os reformista
experienciais mais práticos da década de ·1930.
No entanto, no meio daquele caos e fragmentação facciosa, começou a estrei
tar-se a- brecha que separava os intelectuais e políticos nacionalistas e observou·s
uma erescente interação entre as duas esferas de vida, À medida que aumentou
consciência social dos intelectuais e eles passaram a se preocupar mais com os prc
blemas concretos que assolavam o Brcasil, a vida cultural se integrou melhor na vid
nacional em seu conjunto, e os intelectuais envolveram-se com mais freqüência n
política e na administração pública, levados pela esperança de encontrarem soluçõ1
para aqueles prementes problemas. Ao mesmo tempo, os políticos se voltaram pa1
os intelectuais, ao buscarem o apoio ideológico necessário a dar legitimidade e fort
f:
lecer o novo regime revolucionário e ao iniciarem a execução de programas de reg
neração e desenvolvimento nacional. Esse espírito de cooperação fortaleceu-se, e
primeira prioridade do nacionalismo, em vez dos ataques ao statit quo, passou as
a construção de uma nova ordem. Além disso, a atenção dos intelectuais, como
dos políticos, se voltou, cada vez mais, para os problemas econômicos e sociais, t
dia para dia mais 13raves, e para a urgente necessidade de se criar um Estado mais for1
mais intervencionista, que pudesse enfrentar com eficácia tais problemas. Embora
Foto 15- Cartaz integralista da AIB para recrutamento.
Estado Novo, os nacionalistas daquele tempo puderam, em parte, consolidar politi·
camente, o regime de Vargas, firmar as tendências ideológicas e institucionais exis·
tentes e protegê-lo contra a dupla ameaça da insurreição contra-revolucionária e do
ataque do extremismo ideológico, de inspiração externa. De um modo mais amplo,
fora dos círculos estritamente governamentais, os nacionalistas conseguiram lançar
uma larga reconstituição de valores no rumo de uma nova síntese, destinada à mo·
dernização e mais firmemente nacional em sua orientação.
A revolução de 1930, como tem acontecido com quase todas as revoluções,
teve várias causas mediatas e imediatas, que se combinaram oportunamente para pro·
vocar ·a sua irrupção em um determinado momento e depois fazê-la tomar os seus
mmos, mas, em seu caso, duas precondições foram. decisivas, a saber: as tendências
bem delineadas do regionalismo e do nacionalismo. O potencial revolucionário estava,
sem dúvida, presente no desequih1nio básico da sociedade brasileira, nas muitas ten·
sões provocadas pela dinâmica da modernização e no mau funcionamento elo sistema
político, cada vez menos eficiente. A imprecisa tendência revoluCionária que preva·
lecia anteriormente foi agravada em 1930, por diversos acontecimentos chocantes,
como o efeito do colapso financeiro, a derrota eleitoral da Aliança Liberal chefiada
por Getúlio Vargas, o assassinato de João Pessoa companheiro de chapa de Vargas
como candidato à vice-presidência da República e a revolução ocorrida na Argentina 3 •
De qualquer maneira, porém, o regionalismo estava realmente no centro de toda a
crise da sucessão presidencial que provocou diretamente a revolução 4 , e o naciona·
lismo tornou-se a feição distintiva do regime revolucionário que surgiu. A Aliança
Liberal começou como uma coalisão eleitoral de forças regionalistas (principalmente
as de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Para111a), reagindo contra a tentativa de
São Paulo de prolongar a sua hegemonia na política nacional, escolhendo como can·
didato "oficial" à Presidéncia da República um paulista para suceder a outro, o que,
naturalmente, contrariava o tradicional padrão rotativo em que Minas e São Paulo
se alternavam no poder, como fora estabelecido na ''política dos governadores", a
fim de assegurar um contínuo equilíbrio do podet regional. A coalisão ampliou-se
depois, incluindo elementos nacionalistas dissidentes: primeiro,_ os· dos partidos de·
rnocráticos e de algumas facções socialistas e, quando a Aliança não conseguiu con·
quistar o poder das urnas, de "tenentes" revolucionários 5 • Assim, uma causa comum
juntou as forças do regionalismo e do nacionalismo. Foi só depois da queda daRe·
pública Velha, contudo, que o nacionalismo, pouco a pouco, assumiu um papel po·
lítico central, ajudando a fortalecer o regime revolucionário contra os seus inimigos.
Assim fazendo, o nacionalismo e a revolução se fortale'ceram mutuamente, o que
concorreu; pelo menos em parte, para o sucesso de ambos e a simultânea decadência
do regionalismo.
Também a crise econômica que castigou o Brasil na década de 1930 atuou
como um catalisador, na intensificação do nacionalismo dentro rlo regime de Vargas.
Os sinistros efeitos da depressão mundial afetaram em primeiro lugar, de maneira

84
cípio da década, justamente quanoo a proauçao ao ra1s a.Ican'iilvil uuvv •çw•u..,, v
preço do café no mercado internacional sofreu uma queda de cerca de dois terços,
nível do qual não se recuperou substancialmente, até a década de 1940. A fim de
impedÚ o colapso daquele setor fundamental da economia, o governo teve de con·
ceder maiores subsídios do que concedera nos anos anteriores, para aj~dar os cafei·
cultores. Além ·disso, teve de enfrentar o de-crescimento das reservas monetárias e o
esgotamento das fontes normais de crédito no exterior. E, mais ainda, a situação fi.
nanceira do Brasil no plano internacional se agravou e as taxas de câmbio se torna·
ram menos favoráveis, em vista da provada incapacidade do País de manter o paga·
menta regular da dívida extema. Desse modo, deteriorou-se ainda mais a capacidade
de importação de produtos estrangeiros, já reduzida devido à queda dos preços do
café e resultante redução de divisas disponíveis. No entanto, isso teve também con·
seqüências pos~tivas, pois o governo ·reagiu estimulando a expansão da indústria na·
cional, para a súbstituição das importações. Todos aqueles graves transtornos econô·
micos serviram para mostrar· a natureza vulnerável da economia unilateral do Brasil
e a necessidade de maior diversificação e planificação geral. O mais importante, po·
rém, é que o governo nacional foi forçado, com crescente freqüência, a intervir prag·
maticamentc para enfrentar determinadas crises econômicas à medida que surgiam,
c assumir um papel em geral mais ativo na direção da economia, a fim de evitar uma
catástrofe nacional 6 •
Em última análise, porém, pode-se considerar 1930 como o grande momento
decisivo da História brasileira na primeira metade do Século XX, uma vez que mar·
cou, política e intelectualmente, o fim de uma era. Não somente assinalou o verda·
deiro colapso político da República "Velha", como simbolizou, mesmo, a vitória
modernista no plano cultural. A velha geração caíra, e, sob esse aspecto, a batalha
já fora vencida pela nova geração. Sob outro aspecto, porém, a batalha estava ape·
nas começando, pois se tinh'a pela frente a árdua tarefa da reconstrução nacional.
Assim, 1930 também foi o início de uma nova era, de acelerada transição econômica
e social, traumatizada, no começo, pela desintegração do velho regime e também pelo
impacto de perturbadoras correntes vindas de fora do país. Isso impôs à nova geração
a tremenda responsabilidade de construir e atacar ao mesmo tempo, e a reação inicial
a esse desafio foi de confusão. Carentes de qualquer plano de ação predeterminado
e não tendo chegado a qualquer acordo firme sobre a maneira de proceder, os nacio·
nalistas, no começo da década de .1930, avançaram caoticamente_, em um misto de
esperança e de angústia. Aos trancas e barrancos, procuraram proteger a vitória que
tinham conquistado e planejar para o futuro. Isso levou, por parte dos políticos e
militares, assim como dos intelectuais, a todas as espécies de tentativas para analisa·
rem as dificuldades, formularem ideologias de desenvolvimento, organizarem-se e
conquistarem apoio para as suas concepções conflitantes. o .resultado final de tudo
isso foi um prolopgado período de facciosismo, rebelião, reconciliação, anarquia 1
guerra civil, compromisso e vacilante progresso, de certo modo fazendo lembrar a

85
a sua versão "oficial" de nacionalismo, com exclusão de todas as outras·.
No meio dessas confusões e dissensões que caracterizaram os primeiros anos
do decênio, o nacionalismo intelectual mostrou formidável vitalidade, fazendo da·
quele período um dos mais criativos e produtivos. Amplamente diversificados como
eram, em opiniões ou táticas, os intelectuais nacionalistas se concentraram, indivi-
dual e coletivamente, para estudarem a realid.ade brasileira. Ao mesmo tempo que se
tornavam mais participantes, social e politicamente, mostravam-se atentos ao pano-
rama mundial, e a mentalidade nacionalista almejada pelos inovadores da geração
passada afinal se manifestou com plena pujança. Os intelectuais se sentiam orgulho-
sos de serem brasileiros e, em número crescente, se dedicavam à interpretação da
originalidade e dignidade da cultura brasileira em todos os seus aspectos. Ao mesmo
tempo, não evitavam discutir, com espírito crítico, os graves problemas econômicos
e sociais, por mais desagradáveis ou difíceis que fossem. Em conseqüência, tornaram·
se a forma favorita de expressão os ensaios sociológicos, os estudos históricos, os
opúsculos político-ideológicos, as investigações antropológicas e os romances de fun-
do social. Essa tendência foi muito bem ilustrada pela publicação da série "Brasilia-
na", que, entre 1931 e 1937, lançou mais de cem volumes sobre todos os aspectos
da cultura brasileira8 • De maneira mais limitada, a variedade e o alcance da persua-
são ideológica se manifestaram significativamente em outras séries, tal como a "Co-
leção Azul", nas quais as interpretações sociais refratavam o espectro político desde
a social-democracia até o fascismo 9 • Publicaram-se, também, naquele período, muitas
análises individuais importantes da sociedade ·brasileira por nacionalistas, as quais
tiveram não somente um grande impacto ·imediato como uma influência duradoura
de primeira ordem. Destacava-se entre elas a obra de Gilberto Freire, e particular·
, mente o primeiro volume daqueles em que levou a cabo o seu ambicioso esforço de
\. explicar a essência da "brasilidade" em sua formação histórica, que ele trata - de
maneira bastante interessante -:- como uma expansão da cultura regional nordesti·
na 10 • Finalmente, em meados da década de 1930, com a derrota dos esquerdistas,
começou a se fazer sentir no centro político um certo consenso nacionalista intelec·
tual, ilustrado por séries como os "Problemas Políticos Contemporâneos". Reunidas,
então, aquelas contribuições da nova geração de intelectuais engajados no naciona-
lismo foi de tal magnitude, quantitativa e qualitativamente, que, sob esse aspecto, o·
período pode ser considerado como a idade de ouro do nacionalismo brasileiro.
O desenvolvimento paralelo no plano da política prática, no entanto, foi ainda
mais caótico e, ao mesmo tempo, menos evidentemente criativo do que na esfera
intelectual. Não obstante a introdução de elementos da ideologia nacionalista na
arena política e a apresentação de programas inspirados pelo nacionalismo, o gover-
no foi incapaz de se proclamar ou se afirmar como um reginle nitidamente naciona-
lista, antes de estabelecer o Estado Novo, em fins de 1937. Até então, as atividades
políticas do dia-a-dia eram muito intensas e a consolidação do poder político centra-
lizado muito débil para permitirem a elaboração de um grande projeto nacionalista.

86
Foto 16 - Pll'nio Salgado.
Duas Dimensões de Diferenciação de Tipos de Nacionalismo Brasileiro

- rná.x:imo --Objetivos - Extensão da Transformação Estrutural da Sociedade-- mínimo


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Liberalismo-Democrático I
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.... ._. .,.

ideológicos e institucionais tivessem sido manifestados ·bem cedo. De fato, quase


imediatamente depois de ter assumido o poder, Vargas começou a se"r atacado, de
dentro e de fora de sua coalisão revolucionária. Dentro, as dissenções puseram em
confronto os nacionalistas nberais-democratas e os autoritários, que haviam se unido
uns aos outros c a Vargas, principalmente para dcrmbarem a Rep\tblica Velha. Dentro
e fora da coalisão, também se fazia sentir uma proliferação de conflitantes reivindi-
cações regionais e pessoais, para agravar ainda mais a falta de apoio ao governo. Fora,
observou-se o ressurgimento das forças antinacionalistas, contra-revolucionárias, o
que resultou na guerra civil com São Paulo em 1932 e o compromisso constitucional
de 1934. Outras ameaças de fora vieram de um bloco de nacionalistas conservadores
que vestiram a roupagem do fascismo no movimento Integralista e de elementos da
esquerda liberal-democrata que se filiarani à frente de· oposição popular da Aliança
Nacional "Libertadora, dominada pelos comunistas*. Ao mesmo tempo, outras fac-
ções liberais, autoritárias .e conservadoras preferiram colaborar com Getúlio em seu
enfoque nacionalista não-doutrinário dos problemas nacionais. Tudo isso acarretou
uma confusão de luta de facções e mutáveis alianças políticas, entre a qu_al Vargas
tinha de procurar caminho cautelosa e pragmaticamente, sofrendo reveses e efetuan·
do .acordos, visando à estabilidade e à consolidação do poder central. Além disso,
como o compromisso constitucional de 1934 e a restauração da democracia não
conseguiram resolver a questão política, tal objetivo só foi atingido nos meses que
se seguiram à,.repressão das revoltas desencadeadas pela ANL, no fim de 1935 1 1 ,
quando o regime gravitou outra vez para o autodtarismo. Nesse meio tempo, contudo,
vários aspectos do nacionalismo entrelaçaram-se naquele jogo político e, à medida
que o tempo passava, foram adquirindo maior importância. Assim, o nacionalismo,
nos planos ideológico, institucional e popular, foi assumindo papel de relevo na po·
lítica brasileira, e ficou aberto o caminho para a realização, no Estado Novo, de uma
réplica política da idade de ouro intelectual do nacionalismo. (Gráfico)

***
Os novos rumos do nacionalismo intelectual na década de 1930 jamais foram,
então, melhor apresentados do que na monumentalA~ÇoleÇãoBrasiliana" 12 • Conce-
bida por seu editor, Fernando de Az~vedo, durante muitos anos empenhado ativa-
mente na reforma de ensino, como um maciço e constante esforço educacional, a
coleção se destinava a pennitir e estimular os brasileiros medianamente instruídos à
descoberta e à compreensão de sua própria. ·pátria. Sua intenção era popularizar o
sério exame da realidade nacional proposto inicialmente por Euclides e a que mais
tarde fizeram eco, coletivamente, os membros da nova geração sem se limitarem a

* Ver no Capítulo V uma exposição sobre essas duas variantes do nacionalismo.

87
nWlSta, os VUlUUlt:~ Ué1 \;Ulcyau Vl.lQ.YQ..IU \oi.Q.U•H.V.LUU.U- .... _,_ .. _ _ _ _ _ _ - - - - - - - - - - - -

da cultura brasileira, assim como corrigir algumas de suas auto-imagens míticas bas-
tante difundidas. A "Brasiliana, e as outras séries, que tinham se tornado possíveis
em parte pela vigorosa expansão da indústria editorial brasile.ira, formaram uma espé-
cie de enciclopédia brasileira, que apresentou um panorama da nacionalidade. Espe-
rava-se, então, que aqueles estudos variados, honestos e pormenorizados, tratando de
uma multidão de temas brasileiros, estimulassem um conhecimento maior do passado,
que poderia· ser utilizado para promover o progresso presente e futuro 1 3 • Assim,
aquelas co"teções, especialmente a "Brasiliana", representaram o melhor do espírito
engajado da viqa intelectual b~asileira e o afastamento da excessiva preocupação
com as fonnas literárias e artísticas, características da década de 1920, em benefí·
.cio de uma preocupação primordial com a crítica social e o revisionismo histórico.
De fato, na década de 1930, os intelectuais nacionalistas, em número sempre cres-
cente e independentemente de suas tendências políticas, se dedicaram, ativa e pro·
fissionalmente, à solução dos problemas nacionais 1 4 •
A despeito de sua inspiração nacionalista, a "Brasiliana", como algumas das
coleções publicadas mais tarde, manteve um sólido empenho erudito, procurando
quase sempre a objetividade, e, conquanto muitos ardorosos intelectuais nacionalis-
tas da época tivessem contribuído para a série, poucos de .seus volumes sofreram dis-
torções flagrantemente ideológicas. I-louve, é certo, exceções, a mais gritante das
quais foi a "História Secreta do Brasil", da autoria de Gustavo Barroso 1 5 • De fato,
naquela obra difamadora, o autor, destacado teórico integralista, chegou ao cúmu·
lo de manchar a erudição histórica do Brasil com o nacionalismo anti-semita. Em via
de regra, contudo, mesmo as obras mais claramente nacionalistas foram tentativas
discretas de análise social e política. Entre elas, encontravam-se estudos recentes de
escritores como Oliveira Viana, Azevedo Amaral e Afonso Arinos de Melo Franco e
reedições de obras dos antigos nacionalistas e de precursores, como Alberto Torres,
José Bonifácio e Tavares Bastos. Havia também estudos críticos e biográficos de ·
outros nacionalistas, como Sílvio Romero e Euclides da Cunha. Em conjunto, po·
rém, aquelas obras marcadamente nacionalistas constituíam apen(!.s uma fração do
total de volumes publicados na série. A grande maioria destinava-se a esclarecer de·
tenninados aspectos do passado brasileiro ou a explicar as condições presentes e não
apresentava consideraçõ-es diretamente ideológicas. Assim, prevaleceram na série as
monografias históricas e geográficas, ao mesmo tempo em que se dava atenção a
problemas de Antropologia, Lingüística, Sociologia, Ciências Físicas e Naturais, Po·
lítica, Educação, Literatura, Economia, Religião, Saúde Pública, Agricultura e Filo-
sofia. A coleção ainda incluía, além de obras novas de autores brasileiros, um certo
número de traduções de recentes estudos sobre o Brasil, assim como novas edições
de alguns dos clássicos relatos de viagem dos tempos coloniais e do Século XIX 1 6 •
Além da evidente erudição e mérito didático dos títulos individuais da "Bra-
siliana", contudo, a série em seu conjunto, e, em grau menor as outras séries que

88
UI.I.L.;t&.a~&&V"• ..,,....,_ ..,-•••""'•• .. - -- .... .,..,. • ..,._,.. ____ •·---------·-- -- .--c;;;r·- .. "

ções como a primeira mobilização em larga escala bem-sucedida de seus talento$ no


interesse nacional, como muitos dos estudos publicados refletiram mais amplaménte
a crescente maturidade da vida intelectual e educacional do Brasil. Com efeito~ ao
lado do engajamento sócio-político, surgiu um modo mais sério de encarar o pr~fis­
sionalismo disciplinar, graças ao qual o enfoque mais rigoroso e especializado, eXigi-
do pelo "novo criticismo '' e pelas Ciências Sociais, começou a desafiar seriamente o
enfoque· tradicional, mais amadorista, dos "pensadores". Desse modo,11quelas qole·
ções refletiram duas das grandes tendências intelectuais visíveis no Brasil da dééada
de 1930 -o engajamento e o nascente profissionalismo científico social - q\l,e se
apoiaram mutuamente e que;'tendo recebido maior estímulo por parte do govef'no,
combinaram-se para assegurarem o pleno florescimento do nacionalismo intélec·
tuai 1 7 •
Como outros intelectuais nacionalistas de sua geração, Gilberto Freyre,jque
r. • contribui~ para as "Brasilianas" e foi·o primeiro editor da "Coleção Docume~tos
Brasileiros", encarnou, de maneira destacada, aquelas duas tendências, mas com um
vigor fora do comum. Ao.mesmo. tempo, conservou um certo grau de audácia irnagi·
nativa e ambição intelectual, talvez mais características do "pensador" tradicional
do que de um moderno cientista social. Levado, então, por uma verdadeira int~ição
nacionalista, especializado em- antropologia e tendo a inclinação especulativa d~ um
pensador, Freyre dirigiu as suas energias para uma revisão fundamental da me~tali·
dade histórica brasileira 1 8 • Como Paulo Prado, procurou, através de um estudo i~ter­
pretativo panorâmico, analisar ~ verdadeira essência da realidade cultural brasireira,
mas, ao contrário de Prado, temperou seus próprios retratos impressionistas com
uma metodologia histórica e ·social-científica mais sólida. Mais importante ainda,
escapou das melancólicas conclusões de Prado a respeito da natureza trágica dol pas·
sado do Brasil. Muito ao contrário, sustentou Freyre que a dinâmica influência)recí·
proca histórica entre .~.let~entos.étnic()S e culturais contr!~!~.I.!.~!~ mesmo antagô·
nicos tinha, de fato, produzido no Brasil uma nova, vital e ~aracterística fo~a de
civilização, da qual os brasileiros deviam se orgulhar muito. Em sua opiniãov não
somente a miscigenação racial e o amálgama cultural haviam criado o núcleo d·~ um
novo tipo de sociedade "luso-tropical" na América, como lançado as bases de\ uma
variedade sui generis de democracia étnica e social. Em todas as suas obras, Gil~erto
Freyre procurou explicar as bases históricas da identidade nacional e divulgar( uma
nova e posiijyª-~ag~m do brasileiro. Em sua incansável procura da identidaqe do
Brasil e em suas considerações acerca dos problemas nacionalistas relaciona~os -
unidade, preservação da cultura, legitimidade política e justiça social- Freyre,!mais
do que qualquer outro escritor de seu tempo, conseguiu reabilitar o. passado riacio-
nal19. i
Para ele, porém, a chave para a compreensão da identidade nacional seria encon-
trada na diferença entre as várias regiões do País - em seu caso principalmertte as

89
""1--··-·-J ····-·-- ··- •"-·--.. •• -··· ···- ·····-···- ····-·-----.-. . .,--, ,. ._. ....,-_. . . . - ---~-r--·-
lhando um objetivo básico com o movimento modernista de São Paulo c do Rio, o
de uma cabal renovação das letras brasileiras, foi mais confessadamente regionalista
e menos ligado ao internacionalismo e à avant-garde. Assim com a sua preocupação
pela realidade histórica e pelos elementos da cultura popular- folclore, costumes
sociais, gostos, tendências e costumes populares e outros aspectos da vida cotidiana
- o movimento nordestino tirou as suas forças mais das Ciências Sociais, principal-
mente da Antropologia, do que das correntes literárias e artísticas dominantes na
Europa, que tanto tinha contribuído para inspirar o modernismo 2 0 • Criticando, de
um modo geral, tanto o prejudicial cosmopolitismo como a falsa modernidade, Freyre
sustentava que só se poderia alcançar uma maior compreensão da identidade brasi·
leira no estudo das realidades específicas, presentes e tradicionais, no plano regional.
A primeira tarefa consistia· em tornar a descobrir e defender os valores da cultura
regional. Depois. como a cultura no plano nacional era, na sua opinião, em grande
parte a projeção e conjunção de seus vários componentes regionais, a essência da
cultura nacional poderia ser compreendida com maior clareza, quando o movimento
nordestino e outros novos movimentos regionalistas se unissem e concentrassem a
sua atenção nos valores culturais que ultrapassassem o plano regional para assumirem
uma significação mais largamente nacional. Convém salientar que Freyre e os seus
compatriotas regionais atribuíam uma importância especial ao Nordeste, como for·
mador da cultura brasileira em geral. Realmente, diziam, não somente aquela região
oferecera a sede inicial da fusão cultural que formou o núcleo da sui generis civiliza-
ção brasileira, como permaneceu como um centro dinâmico de mistura cultural e a
região mais criativa quanto ao desenvolvimento de valores p'olíticos, estéticos e inte· Ir
lectuais2 1 •
Além da diversidade regional, Freyre concluiu, pois, que uma sólida base para
a unidade nacional existia certamente na essência lusitana e católica da cultura bra-
sileira tal como fora moldada por uma característica experiência colonial americana.
Achava, além disso, que aquela essência luso~brasileira, fortemente enraizada na so-
ciedade tradicional do Nordeste e mais tarde alterada em escala nacionalmais ainpla
deveria ser preservada e protegida. Em face da natureza aberta, pluralista, tolerante
e assimiladora da sociedade brasileira, assim como de seu pronunciado regionalismo,
era absolutamente necessário ao bem nacional um mínimo saudável de uniformidade
cultural luso-brasileira, em particular a unidade lingüística2 2 • Sem se tornar estreita
ou estridentemente nacionalista e sem sacrificar o seu regionalismo, o seu e~traor·
dinário "panlusitanismo" ou os valores humanísticos ocidentais, Gilberto Freyre
defendia vigorosamente a cultura nacional, especialmente em face da ameaça do pan-
germanismo no Sul do Brasil. Salientou, então o perigo da propaganda cultural pró-
germânica e antibrasileira que se espalhava entre as minorias de imigrantes alemães
pouco assimilados e pregou a necessidade de serem tomadas providências urgentes
para acelerar a integração daqueles elementos na sociedade luso-brasileira. Tal fato

90
germaOICaS \.efJUJil lJC' :;ta illl1i:l:.Ut:UU\.Iê1~t jiiCI\} UICI&U_, Q\.W Cl YVl&\.&&"QV UfUUiliM u..., a~ou .. ~ov•••

o português c aceitarem os valores mais fundamentais da cultura tradicional 2 3 •


Entre aqueles valores culturais fundamentais que deveriam ser protegidos,
nenhum era mais importante para Freyre d9 que aquilo que chamava de democracia
social brasileira (racial, étnica e cultural), o que, não é preciso dizer, se chocava com
as doutrinas raciais alemãs de arianismo daquele tempo. Utllizando a refutação antro-
pológica da idéia de que uma raça era intrinsecamente inferior a uma outra, o escri·
tor exaltava as virtudes do Brasil, o país historicamente mais bem-sucedido do mundo
na fusão étnica e cultural. Segundo o seu ponto de vista, o rumo básico do Brasil -
longa marcha para a social democracia- resultara do equilíbrio histórico e do abran·
damento dos· antagonismos sociais; dentro de um sistema patriarcal característico,

l\ em um ambiente tropical. Além disso, talvez fosse naquele retrato do seu país como
o. modelo emergente de um novo tipo de social democracia, baseado na l.larmoniosa_.
I_llistur.a.s.l~_Jaças e culturas, que Gilberto Freyre ofereceu a sua maior contribuição
para o pensamento nacionalista. Assim fazendo, concorreu para eliminar a antiga
opinião, muito difundida, no sentido de que tal mistura havia enfraquecido e não
fortalecido o Brasil, e, embora tivesse sido acusado, mais tarde, de ser apologista da
escravidão e dos valores da sociedade aristocrática, o fato é que tem sido enorme o
impacto causado por suas idéias raciais no Brasil, desde que tiveram uma repercussão
nacional, com a publicação de "Casa Grande e Senzala" 24 • Muito embora apresen·
tando um quadro um tanto idl)ico das relações raciais no Brasil, a tese de Freyre
sobre a democracia social brasileira foi, de modo acentuado, responsável pela cria·
ção de uma nova imagem - em parte real e em parte mítica - que deu aos brasilei-
ros um crescente sentimento de orgulho nacionaJ,..-
~------
Motivo de menos preocupação para Freyre foi o valor da democracia política,
pelo menos no sentido formal mais estreitamente relacionado com as tradições anglo·
americanas. Preocupou-se, todavia, com o problema da legitimidade política no Brasil
e, ocasionalmente, chegou a participar ativamente na política e no governo 2 5 • A
opinião de· Freyre era a de que o melhor caminho a ser seguido. pelo Brasil em busca
da democracia política consistia de colocar a estrutura governamental e a prática
administrativa mais em contacto com as realidades, tradições e necessidades sociais
do País. O erro grave da República Velha fora o seu pouco realista apego às formalida·
des da democracia e à imposição de um modelo copiado elos Estados Unidos, e ina·
plicável ao I3rasil. Apesar de certas objeções de ordem ética à ditadura de Vargas e
de divergências teóricas com os seus ideólogos, ainda considerava o Estado Novo
como sociologicamente mais legítimo do que os regimes republicanos anteriores.
Também, a despeito de alguns sentimentos ambivalentes a respeito de certas políticas
de Vargas, considerava Getúlio um consumado realista político, que se esforçava·
para conciliar um governo central forte e eficiente com a diversidade regional e local.
Se, às vezes, Vargas errava no rumo de uma supercentralização, em conjunto levava
a cabo um esforço sincero para· realizar os ajustamentos administrativos dentro da

91
Foto 17- Mocinha e Bandeira.
UNICAMP:
BIBLIOTEr.A r.FNTR td
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Enquanto a obra de Gilberto Freyre e os estudos da "Brasiliana" exploravam


uma ampla faixa da cultura brasileira, outros intelectuais nacionalistas focalizavam a
atenção mais intensamente, em problemas sociais e políticos de interesse imediato.
Além disso, o seu enfoque era mais polêmico do que erudito. A "Coleção Azul",
editada por Augusto Frederico Schmidt, entre 1932 e 1933, representou um notá·
vel esforço coletivo nesse· sentido, cujos participantes mostraram-se os melhores
comentaristas da revolução de 1930 e de suas caóticas conseqüências 2 7 • Desanima-
dos com a prolongada desordem política e com a aparente incapacidade do govetno
de Vargas de adotar com firmeza qualquer programa, aquelesjovensescritoressalien·
taram a necessidade de maior participação político-social dos intelectuais de sua
geração, que, parecia-lhes, deviam colaborar na consumação. de uma revolução ge-
nuinamente brasileira. Chegara o momento para os intelectuais de aceitarem qual-
quer sacrifício pessoal necessário e afirmarem o seu nacionalismo diretamente na
arena política, onde os seus talentos poderiam ser aproveitados na formulação de
programas específicos de desenvolvimento de tão urgente necessidade 2 8 • Embora os
estudos publicados naquela série, assim como em outras semelhantes, não apresen-
tassem pormenorizadas prescrições ideológicas, ofereciam críticas objetivas das con-
dições passadas e presentes e refletiam o abandono generalizado dos antigos ideais
liberais-democratas, em favor de um ponto de vista reformista mais radical. Além
disso, acima de tudo afirmavam a necessidade de uma ideologia nacionalista e indi·
cavam alguns dos rumos fundamentais que as reformas institucionais deveriam tomar.
A despeito, portanto, da variedade de suas inclinações ideológicas- que iam
da social democracia ao quase fascismo - todos aqueles novos pensadores expressa-
vam, de maneira mais ou menos acentuada, o imperativo revolucionário, que se fazia
sentir no começo da década de 1930. Assim, à semelhança de muitos outros intelec-
tuais nacionalistas da época, reagiam mais diretamente às crises políticas e aconse-
lhavam soluções mais radicais para os problemas nacionais do que ocorrera no decê·
nio anterior29 • Salientando, como fizera antes Alberto Torres, a primazia da reforma
política e administrativa, rejeitavam não somente a forma distorcida e corrupta de
democracia praticada na República Velha, como também a sua purificação ideal,
como fora preconizada pelos cruzados da oposição, com Rui Barbosa à frente. Na
verdade, Rui tornara-se a sua bête·noire, condenado por seu bovarismo político e.
seu divórcio das realidades brasileiras. Qualquer tentativa para a restauração do im-
praticável sistema liberal democrático baseado nas tradições anglo-saxônias estava
condenada ao fracasso e somente serviria aos interesses regionais e oligárquicos3 0 • A
estrutura governamental deveria ser refeita segundo moldes bem brasileiros, que esti-
mulassem o desenvolvimento geral e servissem às necessidades da Nação em seu con-
junto. Ao mesmo tempo, aqueles intelectuais mostravam-se contrários à adoção de
qualquer ideologia importada, como o fascismo italiano ou, especialmente, o comu-
nismo.interilacional. A tarefa seria mais árdua: ,criai um sistema próprio 3 1 •

92
. . .
vemo central ao mesmo tempo forte e eficiente, e, portanto, capaz de levar a cabo
as reformas indispensáveis. Assim sendo, mesmo quando confessadamente inclina·
dos para a democracia, como era o caso de Virgínio Santa Rosa - que foi, também,
o mais sagaz daqueles escritores, do ponto de vista sociológico - o que desejavam
era um novo tipo de sistema democrático,-que desse ênfase à ordem política e ao
progresso social, e não à liberdade. Como salientava Santa Rosa, o problema mais
grave que o Brasil enfrentava então era o da disciplina, e não o da liberdade. Criti·
cando a ineficiência do regime de Vargas, que chamava de "Ditadura sem Ditador",
aquele escritor defendia a necessidade de se elaborar melhor a ideologia do tenentis·
mo, que poderia servir de base à transformação do governo em um Estado "técnico"
mais moderno 32 • A fim de ficar organizado com maior eficiência, o governo teria
de consolidar o seu poder político, assegurando um monopólio sobre as forças arma·
das e a administração da justiça. As milícias estaduais semi-independentes teriam de
ser federalizadas e os governos regionais privados da autoridade primordial. Haveria,
assim, uma mudança fundamental do poder, passando dos governadores estaduais e
caudilhos provinciais, que serviam tradicionalmente aos interesses das oligarquias
ntrais, para o governo central, que seria o árbitro .entre todos os interesses conflitan·
tes, em benefício da Nação e, especialmente, poderia apoiar os setores mais moder·
nos da sociedade, em particular a pequena burguesia urbana, e também às classes
trabalhadoras. Uma vez consolidado com mais firmeza, o Estado nacional estaria em
condiç.ões de pôr em prática várias reformas sociais. Sem apresentar um programa
pormenorizado, Santa Rosa salientou que o capitalismo brasileiro teria de ser modi·
ficado, tornando-se mais responsável socialmente. Os trabalhadores deveriam ser
organizados em sindicatos e os seus direitos protegidos pela legislação social. Pode-
riam ser organizadas cooperativas de produção e consumo, e seriam nacionalizados
os recursos naturais de importância vital, como as minas. Além disso, Santa Rosa
considerava a reforma agrária como absolutamente indispensável para completar a
revolução, 11ão somente com a melhoria social e a integração econômica das massas
mrais, como também na luta contra o poder das oligarquias. A base de poder do la·
tifúndio teria de ser alterada estruturalmente, como proteção contra a aineaça de
movimentos contra·revolucionários 3 3 •
Mais tarde, ainda na década de 1930, idéias nacionalistas radicais, embora cada
vez mais restritas ao centro e centro-direita políticos - especialmente depois dos
fracassados levantes da frente popular em 1935 - foram sustentadas de maneira ainda
mais ardorosa em outras séries polêmicas, como "Problemas Políticos Contemporâ·
neos", publicada por José Olympio (1934-1937) 34 • O intuito confessado daquela
série era de examinar a crise política contemporânea do Brasil, tanto dentro de seu
próprio contexto histórico interno como à luz da moderna teoria política, de um
modo mais geral. Ao mesmo tempo, era claramente mais parcial do que a "Coleção
Azul". Realmente, de sua dúzia e meia de volumes, mais da metade era da autoria
de ativos dirigentes ou teóricos integralistas, dois dos quais iriam se tornar ideólogos

93
socl;x .e político católico 3 5 • A série refl~ti~, assim, os pontos de vista ele intelectuais
que eram essencialmente ativistas políticos, e não simples "pensadores'\ e dois dos
escritores tinham mesmo se tornado servidores do órgão de propaganda do Estado,
em 1936 36 •
Mais ainda, além da tendência para o ativismo intelectual, praticamente todos
os volumes daquela série refletiam ·o claro consenso de que o pensamento naciona-
lista estava-se expandindo no Brasil em meados da década de 1930 à medida que a
esquerda revolucionária ia sendo eliminada. Levados por novas frustrações com os
fracassos da democracia e cada vez mais temerosos do comunismo, aqueles intelectuais
mostravam uma mentalidade ao mesmo tempo reformista do centro e autoritária.
Com traços do tenentismo, da doutrina social católica contemporânea e da moderna
tecnocracia estatal européia, o objetivo fundamental nacionalista era o de comple-
tar a revolução adaptando-a a uma nova forma de organização política progressista,
que levasse em consideração as realidades sociológicas brasileiras. ·Qualquer compro-
misso democrático estava condenado ao fracasso. A democracia era considerada im-
possível, então, não somente porque se mostrara impraticável e não brasileira, como
porque estava fora de moda. Nesse sentido, o emergente consenso nacionalista cons-
tituiu a réplica, como ideologia política, do movimento modernista da década de
1920, pois expressava a aspiração política de ser ao mesmo tempo moderna e brasi-
leira. Também, do mesmo modo que o modernismo literário em sua fase heróica ini"
cial, o modernismo político se preocupou, freqüente e indevidamente com a forma
e o estilo, mais do que com um desenvolvimento programado realista. Isso foi verda-
de em particular no caso dos integralistas, que tomaram emprestados da Europa os
estilos autoritários em voga. Uma vez, porém, despidos de seu aparato externo facista
externo e basicamente periférico, até mesmo os integralistas participaram de um
consenso ideológico mais amplo, que se aproximava daquele que iria ganhar a sanção
ofi~ial de Vargas durante o Estado Novo. Assim, no fim de 1937 o terreno estava
bem preparado, ideologicamente, para o novo Estado, disciplinado, intervencionista
nos campos social e econômico, que foi proclamado por Vargas. Isto é, por um "Es-
tado Novo" que Já vinha sendo pedido havia mais de três anos por muitos jovens
ativistas intelectuais 3 7 •

***
No que tange à intromissão do nacionalismo na esfera da política prática,
aquela era de ascendência nacionalista começou com o ressurgimento do liberalismo
democrático na Aliança Liberal oposicionista, em 1929. Embora a aliança se tivesse
formado principalmente em resposta a descontentamentos regionais, e não naciona-
listas, o seu programa, desde o início, se parecia muito com as anteriores campanhas
.cívicas de Rui Barbosa, em particular a última, quando a preocupação com a justiça
. social temperou o seu liberalismo mais clássico 3 8 • O empenho máximo era a renova-

94
aaoçao ae uma sene Ut: [t:1Vllllii:l :IV\;li11;), 'l.,lU<1UUV ...........,. .. •vvvaaw-- · - - - - - - - ------
da, como meio de conquistar o poder, depois de sua derrota eleitoral de 1930, GOn·
tudo, ocorreu um cisma das fileiras liberais-democratas, quando Vargas, sob a p.res·
são dos tenentes e de outros elementos, ampliou a fase ditatorial do começo do seu
regime, com o governo provisório. A mais séria defecção foi a dos democratas o~o·
doxos do Partido Democrático de São Paulo, que, quando se desvaneceu o sonho,
havia tanto acalentado, de uma democracia imaculada, juntaram as suas forças às
dos derrotados políticos da "República Velha, em seu Estado, e acabaram se rebe·
lando abertamente contra Vargas, na contra-revolução "Constitucionalista" paulis·
ta de 1932. Nesse meio tempo, um bloco de outros nacionalistas liberais permariecia
dentro do regime, adaptando-se ao enfoque político mais pragmático de Vargas. ~f ais
tarde, mesmo depois de ter sido formalmente estabelecido um sistema democrático,
dentro do compromisso constitucional de 1934, os nacionalistas democráticos con·
tinuaram desunidos. Isso se tornou bem visível nas dU:as grandes correntes que se
tornaram as principais adversárias eleitorais na campanha presidencial de 1937, para
a sucessão de Vargas. Depois, com a proclamação do Estado Novo, ambas aquelas
facções, assim como os restantes elementos nacionalistas democráticos, entraram
em prolongado estado de hibernação 3 9 • ;

Conquanto no fim da década de 1920 o nacionalismo liberal democrata ~ives·


se perdido muito de sua vitalidade e se tornado excessivamente doutrinário! nos
partidos democráticos, e sentisse a falta de uma liderança vigorosa e jovem, iinda
assim ofereceu o cerne da ideolQgia da Aliança, quando nada por falta de coisa
melhor. Sem sombra de dúvida, os participantes mais dinâmicos da aliança e dare·
vohição que dela surgiu foram o próprio círculo pragmático de Vargas e os tenentes
autoritários. Ne.nhum desses dois grupos, todavia, dispunha ·de uma ideologia; pró·
pria no plano nacional, quando a aliança se formou 40 • Assim, segundo a gasta tra·
dição liberal, a aliança focalizou inicialmente na sua campanha a questão da zpora·
lização política, que, com a sua vitória, se faria sentir com o alistamento eleitoral
correto, o voto secreto e obrigatório, a eliminação da fraude eleitoral e o fortaleci·
mcnto dos partidos p.olíticos fora da estrutura governamental. O programa apresen·
4
tava algumas imprecisas medidas para a proteção dos direitos dos trabalhadores 1 •
Além disso, Vargas, a princípio, adotou aquele rotineiro programa oposicionista e
reformista, por causa de seu comprovado efeito c.omo pr.opaganda e da respeitabili·
dade política. Afastou-se, porém, desse ponto de partida, gradativa e pragmatica·
mente, à medida que isso foi-se tornando possível, distanciando-se do nacionalismo
liberal-democrata ortodoxo no rumo de maior centralização do poder e da reforma
social e planejamento econômico. ·
Embora muitos nacivnalistas liberais da Aliança continuassem a colaborar
com o regime de Vargas, depois que ele se estabeleceu, outros começaram a se afas·
tar, quando Getúlio insistiu em buscar a consolidação do seu próprio poder poli·
tico, em vez de tomar providências imediatas para a "reconstitucionalização" do

95
tribuíra grandemente na elaboração da ideologia original da aliança, reconctuou-se
com os seus antigos adversários do Partido Republicano Paulista, formando com
eles uma "Frente Única" contra Vargas, exigind·o a volta da ordem constitucional e
da autonomia dos Estados42 • O PD tratou, então, de elaborar de novo o seu pró-
prio programa nacionalista, que, outra vez, foi uma mistura de idealismo democrá-
tico mesclado com uma certa preocupação por reformas sócio-econômicas, tendo o
primeiro elevada prioridade. Ao mesmo tempo, deu maior ênfase ao renascimento
do federalismo e à proteção dos direitos estaduais, sustentando, como fizera Rui
Barbosa, que um governo verdadeiramente democrático e genuinamente nacional no
Brasil, dependia de um sistema federal eficiente 4 3 • Tomando essas diretrizes, o PD
concorreu para formar uma sólida cor.rente de nacionalismo democrático, que atuou
além dos limites do regime de Vargas, e assim continuou até os últimos meses de
1937, apesar da derrota das forças "constitucionalistas" de São Paulo em 193244 •
Foi somente alguns anos mais tarde, porém, depois de ter sido restaurada a
democracia constitucional, no acordo de 1934, que a facção democrática oposicio-
nista assumiu de novo lugar de destaque no cenário político nacional. Isso se deu na
campanha presidencial de 193 7, quando o seu porta-voz, Annando de Salles Oliveira,
disputou a sucessão de Vargas com José América de Almeida, o chamado candidato
"oficial" e representante da facção democrática nacionalista que cooperara com o
governo. De um lado, Annando, então governador de São Paulo, lançou uma cam-
panha patriótica, de acordo com a tradição do Partido Democrático, dando a devi·
da atenção aos interesses e realizações do seu Estado, mas também salientando q
ideal de um equilfbrio federal entre todos os Estados. Também defendia a necessi-
dade de se evitarem os extremismos políticos e de se buscar um sólido desenvolvi-
mento econômico45 • De outro lado·, José América, ex-membro do ministério de
Vargas e senador pelo Estado nordestino da Parafba, lançou um programa mais radi·
cal e populista, defendendo a maior aplicação da política trabalhista progressista e
extensão de maiores beneffcios aos pobres, doentes e outros elementos sociais des-
validos, assim como às mulheres e às crianças. Também elogiou a Constituição de
1934, por ter sintetizado a democracia política e a democracia social e econômica,
e advertiu, não somente contrà as ameaças do comúnismo e do integralismo, como
. contra um possível ressurgimento do militarismo político 4 6 • Apesar de seu otimis-
mo, no sentido de que a democracia iria prevalecer, a verdade é que o nacionalismo
democrático se encontrava em posição precária, nos últimos meses de 1937. Falta-
vam-lhe vitalidade e coesão ideológica, além de estar dilacerado por complicações
regionais e personalistas. Ao mesmo tempo, continuava a aumentar a ameaça, real
ou imaginária, da subversão extremista, da esquerda ou da direita. O espírito da época
aconselhava a adoção de uma fonna mais disciplinada de Estado nacional, que era
também mais conveniente para as ambições políticas de Vargas.
O desejo generalizado de ordem e disciplina política, que prevaleceu durante a
década de 1930, também se somou à relativa força dos nacionalistas autoritários em

96
Foto 20 - Queima de bandeiras estaduais.
adquiriram inicialmente em 1930, quando a Aliança Liberal se transformou em um
movimento militar que dependia de apoio militar. Sua posição melhorou ainda mais,
quando foi confiado a vários "tenentes" um papel de importância na consolidação
política e nos esforços para a reconstrução do Governo Provisório, porque Vargas
sentiu que poderia confiar mais em sua disciplina e lealdade do que nas dos poli·
ticos profissionais4 7 • Assim, o tenentismo, que havia, dramaticamente, simbolizado
os ressentimentos nacionalistas contra o governo, durante toda a década de 1920,
passou a constituir o centro da inovação nacionalista, ideológica e institucionalmente,
nos primeiros anos do regime de Vargas. Como os liberais-democratas, porém, os
autoritários sofreram os efeitos do facciosismo, desde o tempo em que se preparava
a revolução, quando o líder mais popular, até então, dos tenentes, Luís Carlos Pres·
tes, trocou a Revolução de 1930 pelo comunismo stalinista*, o que foi seguido por
outras defecções pessoais e ideológicas. Aos poucos, porém, o tenentismo assumiu
um rumo mais firmemente reformista, do centro, pró-classes médias, quando ,a sua
liderança passou para oficiais do exército recém-convertidos, como Goes Mol\teiro,
que eram mais cautelosos e adaptáveis politicamente do que alguns dos "revolucio-
nários históricos" mais idealistas do princípio da década de 1920. Durante dois anos,
contudo, o nacionalismo autoritário manteve um alto nível de jacobinismo, quando
os tenentes, juntamente com políticos civis de tendências semelhantes, procuraram,
principalmente no Clube 3 de Outubro, delinear a ideologia da revolução como base
para a fonnação de um partido revolucionário nacional46 • Mais tarde, quando Var-
gas foi obrigado a reduzir a atividade jacobina, em seguida à fracassada revolta de
1932 em São Paulo, o movimento começou a perder o seu ímpeto, e, quando a de·
mocracia constitucional foi formalmente restaurada, em 1934, já não era significa-
tiva a o·s ens1 · ~entes, como corpo organizado. De
então até 1937, os autoritários que se mantiveram fiéis a Vargas colaboraram com
mais boa vontade para refonnar e fortalecer o governo, e, com isso, abriram caminho
para o Estado Novo, que satisfaz, sob muitos aspectos, os seus ideais nacionalistas e
revolucionários4 9 •
Pouco depois da queda da República Velha, as incertezas ideológicas da :Alian·
ça e da Revolução de 1930 levaram à formação do Clube 3 de Outubro, com o qual
se esperava que pudesse ser alcançado um consenso quanto às idéias nacionalistas e
institucionalizada a mística revolucionária, sob a forma de um partido político. Em·
bora o partido político naci.onal não chegasse a se concretizar e a influência política
t

do Clube, como organização,jamais tivesse sido profunda, foi por ele elaborado um
programa de reconstrução política e social, que refletia as idéias de Alberto Torres,
tanto de um modo geral como em muitas particularidades 5 0 • Além disso, aquele
programa era a proclamação ideológica nacionalista mais sistemática e altamente por·

V. Capítulo V.

97
Daquela vez, contudo, originou-se de um grupo de oficiais do exército e políticos
civis. que estavam em atividade no próprio centro governamental responsável pela
adoção de determinada política, e não por um pensador político na realidade perifêri-
co. Mais uma vez, tomando como ponto de partida a necessidade de moralização era·
cionalização do governo, o programa advertia contra a repetição dos erros dos demo-
. cratas idealistas da República Velha e salientava a necessidade de se adotar um sis·
.tema que tirasse a sua força da experiência política mundial e dos modernos princí·
pios de Sociologia, mas fosse, fundamentalmente, adaptado à realidade brasileira.
Tornava-se necessário um forte governo central, a princípio ditatorial e depois demo-
crático, que fosse capaz de pôr em prática o programa de objetivos políticos, sociais
e econômicos. Em t~?das as esferas do governo deveria haver elevado grau de planifi·
cação para o desenvolvimento, que seria, quase exclusivamente, centralizada em vá-
rios conselhos técnicos do governo nacional. Em conseqüência, embora fosse preser·
vada a forma federativa de governo e a administração ficasse descentralizada, os di-
reitos dos Estados já não seriam tolerados como princípio válido para impedir que o
governo central agisse no interesse do País. O importante era o fortalecimento do
·governo nacional .e,.mais amplamente, dos alicerces da nacionalidade brasileira. Para
· ' se seguir tal rumo, era fundamental uma total reorganização das forças armadas.
· Todas elas seriam juntadas em um único Ministério da Defesa, e o serviço militar
tornar-se-ia obrigatório para todos os cidadãos do sexo masculino. Mais importante,
o antigo sistema de milícias estaduais distintas seria abolido e todas as unidades mi·
litares seriam nacionalizadas. Além disso, o governo deveria ser expurgado e todos
·aqueles que tivessem ocupado cargos administrativos importantes entre 1922 e 1930,
a. nã'o ser que fossem julgados merecedores de confiança por um tribunal revolucio-
nário 51.
Conquanto o programa tivesse dado considerável atenção aos pormenores da
organização política, de. acordo com as linhas de um Estado corporativista discipli·
. nado e indiretamente democrático 5 2 , sua principal preocupação ideológica se voltava
para a reforma econômica e social. De fato, o seu aspecto novo era a maior ênfase
.dada ao nacionalismo econômico. Depois do fortalecimento da nacionalidade por
meio de um governo central, o programa atribuía ao desenvolvimento econômico
prioridade sobre todas as outras questões. Propunha uma série de medidas destinadas
a submeter indivíduos, grupos, classes e empresas regionais e estrangeiros a centro·
les que promovessem o bem da Nação. Os direitos da propriedade privada e do capi·
tal seriam ajustados de acordo com a utilidade social e o interesse público, ainda
mesmo se isso significasse a expropriação. Especificamente, a política governamental
favoreceria providências tais como a redução dos latifúndios, a form3:ção de peque-
nas propriedades rurais, a colonização de terras devolutas, a nacionalização de recur-
sos naturais como as minas, o estímulo â diversificação da agricultura assim como à
produção industrial, a reforma tributária a fim de que os impostos onerassem mais
· pesadamente a propriedade e ~e adotasse um imposto so~re a·renda progressivo, a

98
fii1ll.G<11,(<1U UU:í Ll<lll:í!JU1LCli C l.iVUlUIUI.iilyVC;>, n. V1UCU& ""&'•ua" .,...., l'uvaa,.. ..,..,. ""' ·~··~·~

para a justiça social, a respeito da qual o programa S'alientava a necessidade de se


intensificar a organização profissional, sindical e cuhural, de uma legislação especí·
fica para proteger os direitos dos trabalhares, da melhoria das condições de trabalho
e da garantia de um salário mínimo, da formação de cooperativas, de substancial
aumento da assistência púl;>Iica e de amplo melhoramento do sistema educacional 5 3 •
Assim, em seu conjunto, e surpreendentemente, uma vez que representavaemJrande
parte as aspirações de jovens oficiais do exército, o programa do Clube se preocu·
pava quase exclusivamente com a organização, o desenvolvimento interno. e não
com o problema das ameaças externas.
Mais tarde, em 1934, embora a volta à democracia constitucional aparente·
mente assinalasse a derrota final dos tenentes, cujo poder político real estava em
decadência desde a contra-revolução paulista dois anos antes, os nacionalistas auto·
ritários - longe de se darem por vencidos - apenas alteraram o modus operandi para
exercerem sua influência em um plano mais reduzido e menos evidente, dentro da
estrutura governamental. Sem sombra de dúvida, desaparecera o ardor revolucionário
do começo da década de 1930, e o tenentismo já não oferecia um ponto de apoio
viável para o consenso da ideologia nacionalista. O Clube 3 de Outubro, enfraquecido
pelo facciosismo, falhara em seu próposito de criar um partido nacionalista, e Var·
gas, tendo sido forçado a reconciliar-se com os democratas dissidentes e mesmo com
antigÕs inimigos anti-revolucionários, já não dependia tanto do apoio tenentista para
permanecer no poder. A influência tenentista, no entanto, deixou a sua marca na
nova Constituição democrática, que, não só estabeleceu um governo central mais
forte do que o da Constituição de 1891, como também incluiu medidas destinadas a
pro111over a reforma social e econômica5 4 • De qualquer maneira, o novo sistema foi,
em geral, recebido com ceticismo pelos tenentes, e alguns deles, como Pedro Ernesto,
acabaram rompendo com Vargas e se juntando à ANL, mais radicalmente revolucio·
nária. Outros, mais maleáveis, como Goes Monteiro, não viam outra alternativa a
Vargas no momento, e preferiram continuar apoiando o regime, trabalhando em prol
da reforma militar e de um maior fortalecimento do poder nacional, embora admi·
tindo que poderia se tornar necessário o ressurgimento de um nacionalismo aberta·
mente autoritário no futuro, se o novo sistema não conseguisse resolver a crise eco·
nôm.ica e moral do Brasi1 5 5 • A crise, realmente, persistiu, e mesmo se agravou ainda
mais, com as revoltas da ANL em 1935 e o ambiente de pânico diante da "ameaça
vermelha" e da crescente atividade anticomunista que se seguiu. Em fins de 193 7, as
condições estavam maduras para a reinstalação de um Estado autoritário, mas os te·
nentes divididos. Alguns ainda se encontravam presos, alguns apoiaram a candidatura
· de Armando Salles, outros a de José Amérioo, enquanto outros ainda desejavam a per·
manência de Vargas 5 6 • Assim sendo, quando triunfou, com o Estado Novo, um certo
tipo de nacionalismo autoritário, logo se apoiou no personalismo pragmático de Ge·
túlio, e não em alguma forma de tenentismo mais doutrinário ou institucionalizado.

99
Enquanto, naqueles turbulentos anos de meados da década de 1930, muitos
nacionalistas conservadores progressistas eram, cada vez mais, arrastados para o dinâ-
mico torvelinho do integralismo, o movimento político-social católico mais orto-
doxo, organiz<!.do por J ackson de Figueiredo na década anterior, continuou a se
expandir autonomamente, tanto no nível ideológico como no institucional sob a
nova e muito menos reacionária direção de Alceu Amoroso Lima, que fora intelectual
nacionalista atuante muito antes de sua conversão espiritual 5 1 , o movimento assu-
miu uma orientação mais altamente social-reformista, acorde com as crescentes ne-
cessidades do l3rasil e as últimas doutrinas sociais papais, expressadas na encíclica
"Quadragesimo Anna" de Pio XII (1931). Opondo-se tanto ao liberalismo' quanto
o
ao socialismo, embora não plenamente de acordo com extremis~o revolucionário
do nacionalismo integral, a alternativa nacionalista de Amoroso Lima sintet~zava a
fllosofia política de Jacques Maritain e o programa de refonnaeconômica de Alberto
Torres. Visava à pacífica e gradual instituição de um regime moderno, neotomista,
baseado em uma união funcional da Igreja e do Estado, no fortalecimento da nacio-
nalidade brasileira, em uma sociedade disciplinada e pluralista, em um governo cor-
porativista e moderadamente autoritário e uma economia capitalista moralmente
contida e socialmente justa 5 8 • Durante anos, aqueles objetivos gerais, assim como
numerosos programas específicos, foram defendidos por um certo número de gru-
pos de ativistas sociais católicos, que acabaram se juntando em 19~5, como o ramo
brasileiro da Ação Católica, tendo Amoroso Lima como presidente. Mesmo então,
contudo, por insistência do episcopado brasileiro, a Ação Católica se manteve como
uma instituição que só exercia uma influência política indireta, não disputando elei-
ções como um partido pqlítico plenamente organizado 5 9 •
Assim, embora adotando uma atitude mais progressista a respeito das reformas
sociais e econômicas, os nacionalistas católicos ortodoxos da década de 1930 ainda
eram fortemente anti-revolucionários em suas táticas e seguiam uma linha política
conservadora e autoritária. De há muito comprometidos com uma doutrina ele ordem,
mantinham uma política de conciliação e cooperação com as autoridades constituí-
das, e isso foi tão verdade no governo de Vargas como fora na República Velha. Desde
o começo do novo regime, quando o Cardeal Leme usara os seus bons ofícios para
levar a revolução a uma solução pacífica, os nacionalistas católicos trataram de mo-
bilizar a opinião pública e de exercer pressão sobre o governo para "recristianizar" o
País. Atacando a Constituição "ateísta" de 1891, apela·ram para o regime revolucio-
nário no sentido de tomar medidas para a proteção da família (contra o divórcio) e
a favor da educação religiosa nas escolas. ~1ais tarde, diante da perspectiva da restau-
ração da democracia, formaram a Liga Eleitoral Católica, um grupo de pressão super-
. partidária destinada a controlar os votos dos católicos, apoiando os candidatos que
adotassem os seus programas e princípios, e provocando grande agitação, sempre
que estavam em jogo questões específicas morais e religiosas. En1 parte devido aos
esforços desses grupos, foram feitas concessões aos ideais dos nacionalistas católicos

100
Foto 21 - Oração d Bandeira.
.(.
I

,1.

Foto 22 - Cartaz do DIP para a campanha pela construção da Sidenírgica Nacional,


cismo e a favor da brasilidade" u. Mesmo quando a ameaça da subversão comunista
se fez sentir, depois das revoltas da ANL em 1935, o movimento nacionalista católico
manteve a sua posição independente e trabalhou com redobrado vigor para combater
a ameaça dentro da Ação Católica, em vez de fazer causa comum com os mais atuan-
tes integralistas 6 1 • Sem sombra de dúvida, havia fortes laços sentimentais entre os
dois movimentos, assim como membros comuns, mas o episcopado brasileiro jamais
apoiou abertamente o integralismo. Devido a essa posição independente, o nacio-
nalismo católico sobreviveu à criação do Estado Novo e subseqüente liquidação do
integralismo. De fato, tanto o episcopado como os nacionalistas católicos em geral
aceitaram imediatamente a imposição da ditadura de fato e procuraram atuar com
eficiência no novo regime, que, esperavam, simpatizaria com muifos dos seus obje-
tivos6 2 •
Conquanto a própria versão pragmática nacionalista de Getúlio Vargas só se
concretizasse inteiramente como um todo coerente depois de seu triunfo formal-
mente marcado pela instituição do Estado Novo, suas principais tendências ideoló·
gicas e políticas já eram discerníveis desde 1930. Por sua natureza prática e não-
doutrinária e pelo seu aprendizado político - na tradição, positivista, castilhista,
machadista, borgista, do homem forte, vigorante no Rio Grande do Sul- inclinado
para a autocracia, Getúlio se colocou à frente da marcha dos aconteciinentos polí-
ticos no fim da década de 1920 e se manteve no rumo que ela tomou durante os
cinco lustros seguintes. Inicialmente, quando procurou unir as diversas facçÕes opo-
sicionistas na Aliança Liberal, sua plataforma eleitoral, se fez em grande parte segundo
os moldes plenamente aceitáveis do nacio.nalismo liberal-democrata. Mesmo então,
____,porém, haJTia_fnrtes_Jndícios-da-tendência-par-a~s--re-f~mras-eeenêmieas-e-sociais--que
se iriam tornar a característica p'rincipal do seu regime. Em fins de 1930, quando
alçado ao poder. graças a recursos revolucionários, ele criou por decreto um governo
provisório que dependeu em grande parte do apoio dos tenentes autoritários e refle-
---fltiu-otttraimpurtante tendência ôo getuhsmo: .a consolidação do poder central à custa
dos interesses estaduais e locais. Nos sete anos que se seguiram, enquanto Vargas
lutava ciu entrava em acordo com as facções nacionalistas mais convencionais e com
os movimentos extremistas influenciados pelo estrangeiro, aqueles rumos fundamen·
tais do seu nacionalismo pragmático foram reafirmados, de vez em quando, e, em
conjunto, ganharam força, ideológica e politicamente, apesar d"e alguns reveses oca-
sionais e temporários. Ao mesmo tempo, conquanto menos claramente delineada,
começou a se fazer sentir uma nova tendência rumo· à divulgação, entre o povo, dos
valores nacionais. Assim, em 1937, a maior parte dos elementos do· nacionalismo de
Getúlio - desenvolvimento econômico, justiça social, eficiência política, unidade
naCional, patriotismo e orgulho da identidade nacional- tinham-se manifestado, de
uma maneira ou de outra, em seu regime 63 • Restava para o Estado Novo dar-lhes
equiltbrio dentro dos limites de uma ideologia mais abrangente, ampliar as suas bases
institucionais e promovér sua propaganda e aceitação pelo povo.

101
tormanao como uma vaneuauc Ullil.llll.ii uv ui:l.•...vu.u•~u•v, .................... ~- 1--~-~---- __
doutrina liberal e se adaptando constantemente às exigências políticas do dia. A
princípio, houve um pouco para cada .uma, ou pelo menos para a maioria, das varie·
dades do nacionalismo, na plataforma de Getúlio para a Aliapça- desde a restaura·
ção da democracia à reforma militar, da defesa do café à anistia política, da luta
contra a seca à c::olonização da Amazônia - tudo apresentado dentro das fórmulas
habituais de civismo e patriotismo. Houve, contudo, uma preocupação maior com
as questões sociais e econômicas do que ocorria comumente nos círculos liberais·
democratas. Em termos gerais, Vargas salientou a necessidade de uma legislação tra·
balhista e assistencial, destinada a proteger o proletariado, e da expansão do sistema
de educação publica gratuita, que elevasse o nível moral, intelectual e econômico do
povo, e promovesse a integração das populações rurais isoladas e dos inúgrantes .
.Também se referiu à necessidade do desenvolvimento econômico, inclusive o melho·
ramento do sistema de comuniçações e do aumento e diversificação da produção
agrícola, assim como da exploração mais sistemática de outros recursos naturais -
especialmente do carvão e do ferro, de grande importância para a segurança nacio-
nal, por serem indispensáveis para uma industrialização em larga escala 64 • Outra
grande tendência do ge~ulisrno cedo surgida - a da centralizaçãQ do poder político
- manifestou-se pouco depois de Vargas ter chegado ao poder, na Lei Orgânica
do Governo Provisório, de 11 de novembro de 1930. Ali, como adaptação prática à
situação revolucionária, Getúlio abandonou, embora ostensivamente só por .urna ne·
cessidade passageira, os ideais democráticos da Aliança a favor de um sistema autori·
tário de governo em que todo o poder legislativo e executivo estava concentrado em
suas mãos e em representantes por ele nomeados. E isso acontecia tanto no plano
nacional corno nos planos estadual e municipal, onde o poder passava a ser exercido
por interventores estaduais e por prefeitos municipais nomeados, por sua vez, pelos
interventores. Para assisti-lo no governo, foram criados um Conselho Consultivo Na-
cional e tribunais políticos espeCiais. Assim, pela primeira vez na História do Brasil,
estabelecia-se formalmente um regime revestido, em certo sentido, de legitimidade
baseada nos princípios da ditadu~a. Mais do que isso, aquele novo tipo d~ sistema
autoritário centralizado não somente se prolongou por cerca de quatro anos, sob a
forma do governo provisório, como, mais tarde, serviu, em seus aspectos m~is essen-
no
ciais, de modelo para a centralização do poder Estado Novo 6 5 • .

Partindo de tais bases ideológicas e políticas, o nacionalismo de Vargas foi posto


em prática de diversas maneiras. Nos primeiros dias do governo provisóriO, foram
criados os Ministérios do Trabalho e da Educação, destinados a oferecerem ~ma con-
i.,. tínua base institucional às reformas sociais, assim como cooperarem na a.lnpliação
da base de apoio a Getúlio. Seguiu-se, durante alguns anos, uma série de decretos
proteg.endo os direitos dos trabalhadores, providenclanclo ll fixação do ~~ário míni·
mo, reconhecendo sindicatos e restringindo a imigração de trabalhadores estrangeiros.
Embora paternalistas e muitas vezes mais simbólicas do que substanciais, 'reformas
nesse sentido, assim como de maior significação educacional e cultural constaram

102
subsolo, bancos e companhias de-seguro. As;im, ao passo que o governo pe-rmaneci~
menos inovador, em geral, no plano do desenvolvimento econômico e seguia ufua
política liberal mais convencional do que no setor da reforma social, havia uma tácita
aceitação dos princípios econômicos nacionalistas e, levado pela necessidade, dec~r­
renfe da crise econômica da década de 1930, ele começou a intervir, mais freqüente
e diretamente, no funcionamento da economia 66 •
Quanto à eficiência. política, a tendência para uma real centralização do poder
no Estado Nacional continuou a se acentuar depois de seu aparente revés com ares-
tauração da democracia e do federalismo em 1934, embora tal tendência só se mani·
festasse através de medidas fragmentárias, e mais de fato do que de' direito. O exér-
j
cito foi reorganizado e tratou-se de estender o seu monopólio sobre as milícias.esta·
I
duais quase independentes. Iniciado com a derrota da rebelião de São Paulo em 1932,
esse processo só foi completado com a federalização das forças do Rio Grande ·do
Sul, em outubro de 1937. O poder da polícia foi ainda mais fortalecido pelas medi·
das de emergência concedidas a Vargas, bem no funde 1935, depois das revoltas da
ANL, medidas essas sucessivamente renovadas, devido à ameaça de subversão comu·
·'· nista 6 7 • A centralização administrativa, iniciada no governo provisório, culminou
com a criação de um só órgão governamental revestido de autoridade total para levar
a cabo a reforma do serviço público civil da União, em outubro de 19396 a. Até mesmo
na área d'a propaganda, destinada a difundir os valores do nacionalismo e popularizar
o getulismo, assim como fiscalizar a expressão oposicionista, as sementes do Estado
Novo foram lançadas bem cedo, julho de 1934, com a fundação do Departamento
Nacional de Propaganda, e já haviam deitado fortes raízes no fim de 1937 6 9 • De um
modo geral, p·or:tanto, tudo estava preparado para a consagração final da nova polí·
tica e o triunfo do nacionalismo ocorrido nos primeiros anos do Estado Novo.

NOTAS

1 -A despeito do grande número de livros sobre a Revolução de 1930 e o regime deVar·


gas, (v. Capítulo I, nota 1), não há um estudo interpretativo satisfatório sobre a caótica ev:olu-
ção política do Brasil, entre 1930 e 1937. Novamente, Edgard Carone, em "Revoluções do Brasil
contemporâneo, 1922·1938" (São Paulo, Coleção Buriti, 11, 1965) oferec~ um interessante re·
lato, os últimos volumes de "O ciclo de Vargas" de Hélio SUva (Rio de Janeiro, Civilização Bra·
sileira, 1964 e subseqüentemente) ainda apresentam muita informação sobre os fatos e a repro·
dução de documentos pertinentes. Outra fonte de cronologia e documentos é a série de Paulo
Nogueira Filho, "Idéias e lutas de um burguês progressista" (Rio de Janeiro, José Olympio,
1.
1965 e subseqtientemente). Há, ainda, grande número de materiais úteis em "Vargas of BrazU:
A Political Biography", de Jolm W. F. Dulles (Austin, University ofTexas,1957), págs. 49-168.
2 - Sobre a mudança fundamental de rumo ocorrida no movimento modernista, vej!l·se:
Afrânio Coutinho, "An introduction to Literature in BrazU" (trad. de Gregory Rabassa, N; Y.,
Columbia University Press, 1969) págs. 230·54. •
3 - Para avaliação das várias "causas" da revolução, veja-se: José Maria Bello, "História
$,.
da República, 1889-1954" (4hd. São Paulo, Nacional, 1959), pág~. 312-34.

.103

__,.}._____··-···-·······--"'-·-----------------------------
causas da revolução.
S- John W.F. Dulles, "Vargas of Drazil", págs. 52·71.
6 - Celso Furtado discute, mais ou menos pormcnorizadamente, as complicações dos
deslocamentos econômicos em "The Economic Growth of Brazil (trad. de Ricardo W. de Aguiar
e Eric C. Drysdale, Berkeley, University o f California Press, 1965), págs. 203-24, e mais resu-
midamente, em sua "Dlagnosis of the Drazillan Crisis" (trad. de Suzette Macedo, Derkeley, Uni-
versity of California Press, 1965), págs. 98-100. Para uma interpretação da maneira como, a
atenção do nacionalismo brasileiro se voltou para a esfera econômica, durante o governo de Var-
gas, v. E. Bradford Burns, "Nationalism in Brazil" (N. Y. Praeger, 1968), págs. 77-89.
7 - Uma vívida descrição do torvelinho político da época se encontra em "O Brasil novo"
de Leoncio Basbaum, em sua "História da República" (São Paulo, Edagilt, 196 2) III, 11, 119.
Sobre os novos rumos intelectuais da década de 1930, v.: Nelson Werneck Sodré, "Orientações
do pensamento brasileiro" (Rio de Janeiro, Vecchi, 1942).
8 -Encontram-se interessantes comentários sobre os objetivos e realizações da·quela ·série
em "'Síntese dos volumes da coleção Brasiliana" (São Paulo, Nacional, 1937?).
9 - Para uma descrição dessa série, ver: Edgard Carone, "Coleção Azul, crítica pequeno·
burguesa à crise brasileira depois de 1930" in "Revistá Brasileira de Estudos Políticos", n<2 25/26
(Julho de 1968/janeiro de 1969), 249-95.
10 - Monteiro Lobato, em seu prefácio ao livro de Diogo de Melo Meneses, "Gilberto
Freyre" (Rio de Janeiro, Casa do Estudante do Brasil, 1944), pág. 8, relembra que "Casa Grande
· Senzala" de Freyre apareceu como o cometa de Hallcy na cena literária braslleira. ·
11 - Sobre esse crítico período de consolidação, v.: Edgard Carone, "Revoluções do Bra-
sil", págs. 148-69, e, especialmente, Lourival Coutinho, "O General Goes depõe" (3'! ed., Rio de
Janeiro, Coelho Branco, 1956). Esse último livro dá mais esclarecimentos sobre todo o desdo-
bramento das relações entre civis e militares, desde 1930 até a queda do Estado Novo.
12 - A Brasiliana, formalmente designada a 5ª série da "Biblioteca Pedagógica Brasileira",
foi lançada pela Companhia Editora Nacional de São Paulo em 1931. Dentro de poucos anos, já
tinham sido publicados mais de duzentos títulos, e como a publicação continua, o total já deve
se aproximar dos quatrocentos. Vejam-se: "S{ntese dos volumes para um catálago, com anota-
ções, dos livros publicados durante os dez primeiros anos, e "(ndice da Coleção Brasiliana" de
Edson Nery da Fonseca, em "Revista do Livro" XII (3Q trimestre de 1969), 123-66.
13 - Fernando de Azevedo apresenta um breve retrospecto e faz uma ligeira apreci~ção
da "Brasiliana" em seu "Para a análise e interpretação do Brasll", em "A educação entre dois
mundos, Obras Completas" XVI (São Paulo, Melhoramentos, s/d), págs. 15·17. Veja-se também
sua "Brazilian Culture" (N.Y., Macmillan, 1950), págs. 190-91. Destacam-se, entre as coletâneas,
"Documentos Brasileiros", coligidos por Gilberto Freyre e publicados por José Olympio, a par-
tir de 1936, e "Biblioteca Histórica Brasileira", dirigida por Rubens Borba de Morais, para a
Martins, de São Paulo, e publicada a partir de 1940. V.: Aníbal Rodrigues Coelho, "Catálogo e
(ndice da Coleção Documentos Brasileiros", em "Revista do Livro", XI (4Q trimestre, 1968),
111-38, e Maria Emília Melo e Cunha "Catálogo e índice da Coleção Biblioteca Histórica Brasi-
leira", em "Revista do Livro" XII (2Q trimestre de 1969), 151-62.
14 - Evidentemente, o espírito engagé que se espaÚtou entre os intelectuais brasileiros,
com a conseqUente radicalização na esfera mais ampla, refletiu tendências contemporâneas euro-
péias e americanas, assim como também decorreu da crise interna. V.: Antônio Cândido, "lntro-
ducción a la literatura de Brasil" (Caracas. Monte Avila, 1968), págs. 72·75.
15 -São Paulo, Nacional, 1937-1938, 3 volumes.
16 -V. "Síntese dos volumes" e Edson Nery da Fonseca, "IÍldice".
17 -V. Pedro Calmon, "História do Brasil" (Rio de Janeiro, José Olympio, 1959) VII,
2354-57, e "Síntese dos volumes", págs. 3-14, em que a Brasiliana é avaliada, retrospectivaménte,
por muitos dos seus colaboradores.

104
111011\.U ~V UÇi'"'.I&JIAV UA tJV'"'A'-"UilUV t'- ... · - - • ••- -·-•-• ---- - - - - - - --- -· ..•. _
dramático aparecimento de "Casa grande e senzala" (Rio de Janeiro, Maria & Schmidt), que tev1
treze edições em português e foi traduzida para diversas línguas estrangeiras. Foi continuad1
com "Sobrados e mocambos" (São Paulo, Nacional, 1936) e "Ordem e p1ogresso" (Rio de Janel
ro, José Olympio, 1959). Depois disso, a Editora José Olymplo do Rio publicou esse e outro
livros de Freyre, formando a série "Obras Reunidas". Multo antes, em 1924, Freyre já indicar:
o sentimento de sua geraçao de que lhe cabia a missão de uma renovação histórica, que se cum
priu, em grande parte, com "Casa grande e senzala". Veja-se "Apologia pro generatione sua" en
sua "~~gi~o é t:ad~!ão" (Rio de Janeiro, José Olympio, 1941) págs. 75·77. Também "CaSl!-grar.
de • . . pags. Xl·xlu.
19- A despeito do impacto imediato e da permanente importância de sua obra, Gilbert'
Freyre ainda não foi objeto de um estudo satisfatório; sequer foi compilada uma bibliografia d
seus numerosos trabalhos. Comemorando os vinte e cinco anos de publicação de "Casa grande
senzala", mais de sessenta in~electuais brasileiros contribuíram, abordando vários aspectos d
sua obra e de sua influência, para a coletânea "Gilberto Freyre: Sua ciência, sua filosofia, su
arte" (Rio de Janeiro, José O.lympio, 1962). Para um ~studo anterior e inteligente de sua impo1
tância, veja-se: Lewis Hank~, "Gilberto Freyre: Brasilian Social Historiao", em "Journaloflnte1
American Relations", I (julho, 1939), 22-44. A própria reação de Freyre aos prirri~iros vin1
anos de crítica a "Casa grande e senzala"foi sintetizada em seu prefácio à edição da obra em h
glês, traduzida por Samuel Putnam, "The Masters and the s·laves" (211 ed., N. Y., Knopf, 1956
págs. xvlli-lxx.
20. Embora o regionalismo nordestino e o movimento tradicionalista datem de meadc
da década de 1920, se mostrassem, desde o começo, mais próximo do espírito e do estilo d
modernismo em sua segunda fase, mais comprometida socialmente, e iniciada em fins daque·
década, do que da rebeldia "Heróica" da Semana de Arte Moderna. Sobre esse relacionamenl
dos dois movimentos, veja-se: "Gilberto Freyre e o movimento regionalista e tradicionalista d
Nordeste; seu equacionamento com o modernismo brasileiro", em seu "José Lins do Rego: m'
dernismo e regionalismo" (São Paulo, Edart", 1961), págs. 25-67; veja-se também a lntroduç2
do autor na mesma obra, págs.15-23.
21 - Gilberto Freyre, "Manüesto Regionalista de 1926" (Rio de Janeiro,lmprensa 0:
cial, 1955), págs. 15-21, 48, 54; Gilberto Freyre, "Nordeste" (3~ ed., Rio de Janeiro, José OlyJ
pio,1961), págs.176-77 e passim. Esse último apareceuem 1937.
22- Gilberto Freyre, "Brazil: An Interpretation" (N.)"., Knopf, 1945) págs. 66-90.
23 - Essas oph1iões foram manifestadas por Freyre ein muitas ocasiões, mas foram mt
vigorpsamente enunciadas no fim da década de 1930 e princípio ~a década seguinte, quandc
ameaça extern~ alemã e afinal a Segunda Guerra Mundial acirraram os conflitos culturais int1
nos. V. o seu "O mundo que o português criou" (Rio de Janeiro, José Olympio, 1940). pá1
31-41, e "Uma cultura ameaçada: a luso-brasileira" (21} ed. Rio de Janeiro, CEB, 1942), PÍI
60-80.
24 - V. "The Masters and the Slaves", págs. xi-xvil, 79-80, e Lewis Hanke, "GilbeJ
Freyre", págs. 30-44.
25 - Freyré ocupou certos cargos diplomáticos e foi deputado federal, tendo participa
da Assembléia Constituinte de 1946. Chegou mesmo a ser preso, em 1934, por atividades pc
ticas. V, "Who's Who in Latin America" (3!}ed., Stanford, California, Stanford University Pre
1948) VI, 99·100, e "The Masters and the Slaves", págs. V-VI.
26- Gilbérto Freyre, "Social andPoliticalDemocracyinAmerica", "AmericanSchola:
IX (Primavera de 1940), 228-36; Gilberto Freyre, "Brazil: An lnterpretation", págs. 73-90; C
berto Freyre, "Slavery, Monarchy and Modern Brazil", "Foreign Affairs", XXXIII Gulho
1955), 633; Gilberto Freyre, "Misconceptions of Brazil", Foreign Affairs", XL.(abril de 196
459.
27 - A Coleção Azul só chegou a publicar cinco volumes: 1) l\lartins de Almeida, "Brasil
errado"; 2) Afonso Arinos de Melo Franco, "Introdução à realidade brasileira"; 3) VirgÍnia San·
ta Rosa, "O sentido do tenentismo"; 4) Alcindo Sodré, "A gênese da desordem", 5) Plínio Sal·
gado, "Psicologia da revolução" (Rio de Janeiro-8chmidt-Editor, 1932-33), embora estivessem
projetados oito, inclusive a reedição de "Machiavel e o Brasil" de Octávio de Faria (2ªed. Rio
de Janeiro, Schmidt, 1933). V. Edgard Caronc, "Coleção Azul", pág. 252. Duas das obras de co-
laboradores dessa coletânea defendem idéias estreitamente relacionadas com o nacionalismo:
"Preparação ao nacionalismo", de Afonso Arinos de Melo Franco (Rio de Jan·eiro, Civilização
Brasileira, 1934) e "A desordem, ensaio de interpretação do momento", de V~gínio Santa Rosa,
(Rio de Janeiro, Schmidt, 1932). Sobre o papel de destaque de todos aqueles escritores- exceto
Plínio Salgado, que foi líder político militante -como publicistas da Revolução de 1930, veja·
se: "Presença de Alberto Torres" Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968), de Barbosa Lima
Sobrinho, págs. 500-07, que mostra a influência de Alberto Torres sobre as suas idéias.
28 - Por "intelect\Jais", esses autores de fato querem dizer todos os jovens instruídos do
DrasU.qualquer que seja a sua profissão. V.: A.A. de Melo Franco, "Introdução ... ", págs. 5-10,
e "Preparação ..." págs. 7·9, 15-25. Sobre a necessidade de dedicação e sacrifício, v.: Octávio
de Faria, "Machiavel ..•", págs. 214-20; Martins de Almeida, "Brasil errado" (2ª ed., Rio de
Janeiro, Simões, 1953), págs. 145.
29 - Um inquérito ainda mais amplo de convicções ideológicas por parte de quarenta
intelectuais da nova geração pode ser visto em "Para onde vai o Brasil?" (Rio de Janeiro, Renas-
cença, 1933).
30- Martins de Almeida, "Brasil errado", págs. 9·14; Virgínia Santa Rosa, "O sentido
do tenentismo", págs. 10·162, e "A desordem", págs. 15·17, 56-67, 17 5·7 8.
31 - Virgínio Santa Rosa, "O sentido do tenentismo", págs . .109-10, e "A desordem",
págs. 186·89; Afonso Arinos de Melo Franco, "Preparação ... ", págs. 15·25, 169-89. Em seus
argumentos finais, Afonso Arinos relaciona a força do nacionalismo em uma so.cledade com o
instinto sexual.de um indivíduo, dando a entender que é organicamente determinado. Para Plínio
Salgado, naturalmente, a verdadeira revolução nacionalista brasileira era a integralista; v. "Psico·
logia da revolução", págs. 179-87. V. Capítulo V.
32- "O sentido do tenentlsmo", pág. 126: "A desordem", pág.168, 171-82,186-89. (A
forte influência de Alberto Torres sobre Santa Rosa é particularmente visível nesses trechos).
33- "O sentido do tenentismo", págs. 110·14, 173-89.
34 - Esse editor ofereceu, de fato, uma espécie de "Câmara de c()mpensação" para as
variedades do pensamento centro-autoritário da época. V.: Mário de Andrade, "O movimento
modernista" (Rio de Janeiro, Casa do Estudante do Brasil, 1942), pág. 62.
35 -As contribuições integralistas foram: Miguel Reate, 1) "0 Estado moderno" (1934),
4) "Formação da política burguesa" (1934) e 13) "Atualidades de um mundo antigo"; Plínio
Salgado: 2) "O sofrimento unlversal"(3ied., 1936), 3) "A qu~ta humanidade" (1934) 12) "Pala·
vras novas dos tempos novos" (1936) e 17) "Psicologia da revolução" 33 ed., (1937); Hé\io Via-
na 5) "Formação brasileira" (1935); Gustavo Barroso 9) "O quarto Império" (1935). Os livros
dos futuros propagandistas do Estado Novo foram: Antônio José Azevedo Amaral lO) "A aven·
tura política do Brasil" (1935);José Maria Bello, "Panorama do Brasil" (1936). O líder católico
leigo Alceu Amoroso Lima acrescentou: 11) "No limiar da idade nova" (1935). As restantes
contribuições foram: Paulo Menotti del Picchia, 7) "Soluções nacionais" (1935); Cândido Mata
Filho, 8) "Introdução à política moderna" (1935); A. de Lima Campos, 16) "O imperativo eco·
nômico brasileiro" (1937).
36 - Como prematuros exemplos de !lpologias oficiais nesse setor nacionalista, V,: Aze·
vedo Amaral, "Renovação nacional" (Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1936) e José Maria
Dello, "A questão social e a solução brasileira" (Rio de Janeiro, Imprensa Oficial, 1936), sendo
ambos os livros publicados pelo Departamento de Imprensa e Propaganda.

106
3·1 -Veja-se, em parucu1ar, roenu~n utH rtwi;Hu•, "'u'u'~"'"'" ........., .. w·~ t'-c· --- - ., --·-·
é usada a expressão "Estado ·Novo" já em 1935; vejam-se também páginas 267-82, sobre a evo-
lução de sua ideologia nacionalista.
38 - Os líderes da Aliança, esperando o apoio de todas as partes do Brasil, salientaramio
seu patriotismo e negaram vigorosamente qualquer sentido regionalista no movimento; veja-se a
entrevista de Antônio Carlos, que governava Minas· Gerais, no "Diáx:io Nacional" de 22 de agosto
de 1929, rcproduzldn por l'aulo Nogueira Filho em "Idéias e lutas de um burguês progressista,
I, O Partido Democrático e a Revolução de 1930" (São Paulo, Anhembi, 1958) li, págs. 689-9P.
39 - Para uma bibliografia desse período, bem como para os demais anos do regime de
Vargas, veja-se: "Bibliografia de História do Brasil, 1930-1955'', "Boletim da Biblioteca da Câ-
mara dos Deputados", VI Oaneiro/junho, de 1957),.85-133.
40 - Sobre a formação e características da Aliança Liberal e da formação da coalisão de
facções revolucionárias que se seguiu, veja-se: Afonso Arinos de Melo Franco, "Um estadista da
República"(Rio de Janeiro, José Olympio, 1955),lll, 1305-55. ,i
41 - O Manifesto da Aliança Liberal de 20 de setembro de 1929 está resumido em "Id~'tas
e lutas de um burguês progressista", I, "O Partido", li, 693-98, de Paulo Nogueira Filho.
42- Ver a proclamação da Frente Única Paulista de 16 de fevereiro de 1932, em "Idéias
e lutas ... , 11. A guerra cívica, 1932" 11, 383-84; de Paulo Nogueira Filho (Rio de Janeiro, José
Olympio, 1966).
43 -lbid., li, 398-407, incluindo também o programa do P.D. de 11 de junho de 1932.
Sobre a posição antit.enentista dos democratas paulistas, ver: Júlio de Mesquista Filho, "Memó-
rias de um revolucionário" (São Paulo, Anhembi, 1954) págs. 35-41 e pa$tim.
44 -A bibliografia sobre a Revolução de São Paulo (é extensa, se bem que, em geral, po·
lêmica. Ver: Aureliano Leite "Bibliografil\ da Revolução Constitucionalista", "Revista de His·
t6ria", XXV Gulho/setembro de 1932), 145-66.
45 - "Jornada Democrática': de Armando de Salles Oliveira (Rio de Janeiro, José Olym·
pio, 1937) é uma coletânea de seus principais discursos políticos em 1935 e 1936. Sobre a cam·
panha de 1937, assim como de seus antecedentes nacionalistas, v.:A. C. Pacheco e SUva, "Arman·
do de Salles Oliveira" (São Paulo, Martins, 1966) págs. 95·104, 137-45. ;
46 - Os discursos mais Importantes da campanha estão reunidos em "A palavra e o tem·
po", de José Américo de Almeida (Rio de Janeiro, José Olympio, 1965), págs. 47-83.
47- V.: Lourival Coutinho, "O General Goes depõe", pág. 240,
48- Ibid., págs. 156·57.
49 - Ainda não há um estudo satisfatório abrangendo toda a extensão do movimento
tenentista. Das análises contemporâneas, a interpretação mais interessante é a de Virgínio Santa
Rosa, em "O sentido do tenentisino", embora só trate do movimento até 1932. Sobre o seu des·
do.bramento posterior, assim como anterior, ver: Robert J. Alexander, "Brazilian Tenentisnio",
"Hispanic American Historical Review", XXXVI (maio de 1956), 229-42; John D. Wirth, "Te·
nentismo in the Brazilian Revolution of 1930", "Hispanic American Historical Review", XLIV
(maio de 1964), 161-79; Jor4an Young, "Military Aspects of 1930 Brazilian Revolution", "l-iis·
panic American Review", XLIV (maio. de 1964), 180·96. :
50 - Clube 3 de Outubro, "Esboço de um programa revolucionário de reconstrução;po·
lítica e social do IJrasil.
51- Ibid., págs. 5·8, 13, 16, 39, 46, 66, 69, 72·73, 75,78-80.
52- Ibid., págs. 17-45.
53 -/bid.,págs.. l1,13,15,45-65, 75-78.
54 - Goes Monteiro, Osvaldo Aranha e Oliveira Viana foram os porta-vozes da posição
do tenentismo na comissão que elaborou a Constituição de 1934. V. Afonso Arinos de Melo
Franco, "Um estadista da República", III, 1407-20. Ver também: Karl Loewenstein, ~·niazil
under Vargas" (N.Y., Macmillan, 1944), págs. 20-26.

107
55 - Sobre as opiniões de Goes, expostas pouco antes da restauração ela democracia, veja-
se seu "A Revolução de 30 e a finalidade política do exército" (Rio deJaneiro,Aderson, 1934?),
págs. 194-201. Sobre·o seu crescente desengano com a república restaurada veja-se; Lourival
Coutinho, "O General Goes depõe", págs. 231-321.
56 - V.: Alzira Vargas do Amaral Peixoto, "A vida de Getúlio, n9. 7, As razões do Estado
Novo", "Fatos e Fotos", lii (jullio de 1963) (páginas sem numeração).
57 - Isso foi inspirado em 1928, por sua amizade por Jackson e a influência dos escritos
de um destacado filósofo neotomista, Jacques Marltain: V. M. Ancilla O'Neill, "Tristão de Athay-
de and the Catholic Social Movement in Brazil" (Washington D.C., Catholic University o f Ame·
rica Press, 1939) págs. 59-62.
58.- Amoroso Lima faz um caloroso elogio da sociologia política de Maritain em seu
"No limiar da idade nova", págs. 29-78. Um resumo de suas próprias convicções políticas basea-
das no humanismo cristão encontra-se em sua "Política" (4~ ed., Rio de Janeiro,.Agir 1956).
Essa última obra, publicada pela primeira vez em 1932 e reeditada em 1939, também inclui uma
crítica a Alberto Torres, que ele considerava o maior dos pensadores políticos brasileiros, pág.
156. Ao mesmo tempo, porém, que o admirava entusiasticamente por suas idéias de reforma
econômica, Amoroso Lima discorda dos seus pontos de vista políticos, por ignorarem os fatores
espirituais. Págs. 155-207.
59 - Sucintas descrições das atividades das organizações católicas intelectuais,estudantis,
trabalhistas. e polítjcas encontram-se em. "Tristão de Athayde ... ",de M. Ancilla O'Beill, págs.
106-40 ..
60 - Sobre as atividades políticas dos nacionalistas católicos ortodoxos da década de
1930 e o relacionamento entre as várias organizações e o episcopado, assim como entre o epis·
copado e o governo, v. Laurita Pessoa Raja Gabaglia, "O Cardeal Leme, 1882-1942" (Rio de Ja-
neiro, José Olympio, 1962), págs. 216-26; 289-333. Trechos dos estudos e programas da L.E.C.
estão incluídos em "Tristão de Athayde •.. " de M. Ancilla O'Neill, págs. 133-38. Veja-se tam·
bém o Título V da Constituição de 1934.
61 - Laurita Pessoa Raja Gabaglia, "O Cardeal Leme", págs. 334-49,358-60. Um exem-
plo da expansão do polêmico anticomunismo católico está em Waidemar Falcão, "Contra o co-
munismo anticristão" (Rio de Janeiro, 1938).
62 - Laurita Pessoa Raja Gabaglia, "O Cardeal Leme", págs. 367-72; M. Ancilla O'Neill,
"Tristão de Athayde", págs. 138-40. Alceu Amoroso Lima distinguiu o lntegralismo da década
de 1930 e a democracia cristã da década de 1940 (que procedia diretamente de seu próprio na-
cionalismo católico ortodoxo anterior, mais autoritário) como dois movimentos nacionalistas
católicos diferentes, derivados da ampla revolução estética·e espiritual de 1922. Veja-se seu "A
reação espiritualista", em "A literatura no Brasil", de Afrânio Coutinho (Rio de Janeiro, São
José, 1959}, III, 426·28. Também considerava a passagem de um ponto de vista autoritário para
um democrático como a segunda grande conversão de sua vida. V. •iPolítica", págs.13·14 (f.n. 3).
63 - Os objetivos e realizações nacionalistas do regime foram resumidos, na ocasião, por
Vargas e seus porta-vozes. De particular importância nesse sentido são: "Manifesto à Nação" de
, ...Getúlio Vargas (Rio de Janeiro,Imprensa Nacional, 1934), págs. 9-18, 111·16, e pa:r:rim, e "Re·
·.·novação Nacional" de Azevedo Amaral.
64 - Sua plataforma política, tal como foi apresentada em 2 de janeiro de 1930, aparece
em sua "Nova Política do Brasil" (Rio de Janeh:o, José Olympio, 1938), I, 15-54.Essa coletâ-
nea dos principais discursos de Vargas, de 1930 a 1945, foi lançada pelo Departamento Nacio-
nal de Propaganda, em um dos grandes esforços propagandísticos do Estado Novo para popula·
rizar a "nova política" de Vargas (veja-se o sucinto prefácio de seu editor, José Olympio Pereira
Filho, I, 5). Sobre a plataforma, como fonte de ideais do Estado Novo, veja-se também: John F.
Normano, "The Economic Ideas of Getúlio Vargas" (Boston, Mass. Latin American J::conomic
Institute, 1941?), págs. 6·7 e pa:r:rim.

108
can Unlon··, LAV \janeiro oe l:t;;Jl}, uv""o· •· .. p•v""'"'"Y"'" ~v ov·-···- r·-·-------- __ ...
que estabeleceu os princípíos do federalismo e da democracia. "Decreto n<2 1" em "Constitui-
ção da República dos Estados Unidos do Brasil acompanhada das leis orgânicas desde 15 de no·
vembro de 1889" (Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1891) págs. 43-44. Ver também: Karl
Loewenstein, "Brazil under Vargas" (N.Y. Macmillan, 1944) págs. 17·19.
66 - Robert N, Lcvlne apresenta uma lista das principais medidas refor.mistas tomadas
antes de 1937, em "The Vargas Regime: The Criticai Years, 1934-1938". (N.Y. Columbla Uni·
versity Press, 1970) págs. 39-40. Sobre o crescente intervenclonlsmo econômico e Incipiente
nacionalismo do período, v. Warren Dean, "The lndustrialization of São Paulo, 1880·1945".
(Austin, University of Texas Press, 1969), págs. 181-206. Ver também: Títulos IV e V da Cons-
tituição de 1934, Embora essa constituição seja, quase sempre, considerada como uma refuta·
ção do autoritarismo do governo provisório e como um compromisso ideológico insustentável,
Karl Loewenstein, em seu "Brazil under Varga~", págs. 21-26, acha que provavelmente ela cons·
tiluiu um elo de ligação entre o passado liberal e um futuro de mentalidade mais social, mais co·
letivista,
67 - John W.F. Dulles, "Vargas do Brazll" págs. 152-SS, 162-64. Uma descrição mais
minuciosa das medidas tomadas para conter o poder de Flores da Cunha e seus "provisórios",
no Rio Grande do Sul, encontra-se em "The Vargas Regime" de Robert M. Levine, págs.l39-4 7.
68 - Fritz Morstein Marx e Bryce Wood, "The Brazilian Civil Service", "lnter·American
Quarterly li (outubro de 1940), 46-4 7; Gilbert Byron Siegel, "The Vicissitudes o f Governamen-
tal Reform in Drazil: A Study o f the Dasp" (University of Pittsburgh, Tese de Doutorado, 1964.
Ann Arbor, Mich. University Microfilms) págs. 76-85.
69 - Karl Loewenstein, "Brazil under Vargas", pág. 238. "Renovação nacional", de Aze·
vedo Amaral, é um dos poucos exemplos das primeiras tentativas de apologia propagandística
do regime de Vargas pelo DNP.

109
VI

O TRIUNFO DO NACIONALISMO- O ESTADO NOVO (1937-1945)

O golpe de Estado de 10 de novembro de 1937 assinalou o fim de uma vigo-


rosa competição entre nacionalistas rivais - assim como o fim do sistema democrá-
tico - e introduziu, com o Estado Novo, uma nova fase no desenvolvimento do na-
cionalismo brasileiro e no regime de Vargas. Em um âmbito mais largo, político e
governamental, todavia, o golpe não estabeleceu, de imediato, um monopólio efetivo
para Vargas sobre o nacionalismo brasileiro, se bem que proclamasse, dramaticamente,
a abertura de uma nova época e anunciasse as suas intenções naquele rumo. De fato,
o Estado Novo, à medida que evoluiu, atribuiu substância formal a várias tendências
que se faziam sentir havia algum tempo, em particular desde o fim de 193 51 , no sen-
tido da consolidação do poder político de Vargas e da enunciação de um programa
nacionalista mais explícito e coerente. Haviam desaparecido as incertezas de seu
comportamento político e muito da imprecisão de suas idéias nacionalistas do começo
da década de 1930. Tudo aquilo fora varrido pelo golpe de Estado, juntamente com
a incômoda e desajeitada maquinaria democrática governamental do compromisso
constitucional de 1934. O novo Estado era, ao mesmo tempo, abertamente autoritá-
rio e proclamadamente nacionalista, e a sua impqsição foi um ousado passo dado
por Vargas a fim de combater a crônica desordem política e econômica do Brasil.
Desse modo, o nacionalismo brasileiro atingira um estágio mais alto e mais·
construtivoJ pois já não se manifestava primordialmente em críticas intelectuais do
problema nhcional, em programas governamentais isolados ou em ideologias e movi-
mentos ativos de partidos extremistas da oposição, mas constituía o cerne de um
propósito do governo, no sentido de um desenvolvimento global, que se concretiza-
-Jla nos anos seguintesrPela primeira vez, pois, o nacionalismo se encontrava princi-
palmente no. domínio das planificações governamentais e com os dirigentes do po-
_,sler político .. De fato, a sua direção fora monopolizada em grande parte por Vargas e
seu grupo de administradores, que passaram a exercer um poder político mais real
do que qualquer governo brasileiro anterior'2. Realmente, promovendo uma varieda-
. de de nacionalismo forte, pragmático e mais intrinsecamente brasileiro, Vargas pôd~
derrotar, ou pelo menos suprimir, os seus inimigos políticos de todos os lados, e
controlar o florescimento do nacionalismo político, no qual conquistou as suas mais
significativas vantagens e que lhe assegurou maior avanço no plano popular 3 • Fói,

132
.t'·

Foto 24 - Cartaz para arrecadação de fundos para a Guerra.


·Duas Dimensões de Diferenciação de Tipos de Nacionalismo Brasileiro

+-----máximo-- Objetivos - Extensão da Transfonnação Estrutural da Sociedade--mínimo


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Esquerda
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se tornou uma teiçao pennanentc e cem:raJ aa VIua puum;;" ,],a;,uçua, ...u.v ................ ~
como em função, uma vez que Vargas de'le se utilizou, tnnto para. fortalecer a sua 1
própria posição, como para estimular o progresso nacional.
Enquanto, em um sentido, .o nacionUlísmo tomou nova direção durante o Es·
tado Novo, transferindo o seu foco primordh\1 do plano intelectual para. o da ação
política, em outro sentido, a sua transformação, guiada pelos dirigentes do novo re·
gime, representou, em grande pa'rte, o apogeu de várias tendências nacionalistas po·
líticas e intelectuais, algumas das quais vinham-se fazendo sentir havia muitos Q.nos.
Sem dúvida, a mais significativa foi a da participação de elementos militares nacio·
nalisticamente inspirados nas decisões políticas e administrativas do governo. De fato,
foi o estímulo de militares, como os generais Eurico Dutra e Gocs Monteiro, quej
levaram Vargas a adotar o autoritarismo e uma forma mais entusiástica de nacional
lismo 4 • O nacionalismo do novo Estado, a esse respeito, representou um amálgama
da variedade centro-autoritária histórica, manif~stada antes no florianismo, hennismo
e tenentismo, com o pragmatismo pessoal de Vargas. Outra tendência importante
foi continuada em uma fusão mais acentuada do nacionalismo político e do intelec·
tual dentro dv governo, que, pela primeira vez, patrocinou a expansão do naciona·
lismo intelectual em larga escala. Em conseqüência, dentro do sistema político,.inte·
lectuais tornaram-se ideólogos, apologistas ou propagandistas do novo Estado, ou
foram amaciados com sinecuras, e os intelectuais que ficará.m fora do s~stema se exi·
laram ou tiveram de calar-se. O regime também refletiu a tendência para a crescente
radicalização do nacionalismo, não somente quanto aos meios, em seu apoio ao auto·
ritarismo, como também dos fins. Aceitando o fato de que aquela sociedade, já
sujeita a um processo de mudança, teria de se modernizar mais rapidamente, e qu(
seria necessário um grau mais elevado de planificação nacional, muitos nacionalista!
se tornaram cada vez mais convencidos da conveniência e necessidade mesmo, d(
alterações fundamentais na ordem econômica e social, e disso resultou um novo des
- vio para a esquerda na posição do governo. Assim, a velha ordem foi mais pesada
mente atacada, e o governo se tornou muito mais preocupado com os aspectos eco
nômicos do nacionalismo. Notou-se, finalmente, uma tendência para a exaltação d(
patriotismo, fundada em ameaças externas reais ou imaginárias, e a crescente aspl
_ração de que o Brasil.adotasse uma política externa mais corajosa e independente
Seguindo essas tendências, o nacionalismo brasileiro pouco a pouco estabeleceu ur.
equihbrio básico em seus componentes. O nacionalismo tornou-se essencialment
político, estimulado por um maior sentimento de confiança cultural e dignidade,
tratando, primordialmente, de alcançar o progre.sso econômico e social, dentro d
uma estrutura de fortalecimento interno e independência internacional. (Gráfico)
\ O fato de terem aquelas tendências se fundido e dado frutos positivos no E:
tado Novo é atestad·o pela realista adaptação· do novo regime às exigências gera
políticas, sociais e econômicas e ao desenvolvimento cultural do Brasil, nos últimc
anos da década de 1930 e no começo da década seguinte. Em resumo, as condiçõ(

13
tro-autoritária, e no entanto pragmática, proclamada pelo Estado Novo, uma vez
que a base ideológica e pragmática para tal variedade fora suficientemente estabele-
cida nos sete anos precedentes de competição e experimentação nacionalistas·. Mais
uma vez, Vargas leu corretamente os sinais dos tempos, e, como ocorrera em 1930,
uma combinação ·particular de condições internas e externas permitiu uma mudança
política mais radical. Entre essas condições, destacavam-se a rápida urbanização, o
impulso para a industrialização, o crescimento do proletariado, as ameaças de sub-
versâ'o ou colapso político, a maior desilusão com os processos democráticos, a po-
pularidade pessoal de Vargas, a apatia pública, o sucesso dos regimes autoritários na
Europa e na América Latina e a crescente rivalidade entre o Eixo e as potências oci·
dentais. Todas elas, de maneira mais ou menos acentuada, facilitaram a mudança.
Além disso; a direção política de Vargas se mostrava conveniente para m11itos dos
setores mais altamente modenúzados das elites sociai~ e econônúcas. Acima de tudo,
porém, o Brasil caminhou na direção de um governo central mais forte, mais radical-
mente nacionalista, porque isso se tinha tornado muito mais possível, politicamente,
do que fora antes. Depois·da vitória das forças nacionais sobre as de São Pauio, em
1932, e especialmente depois da repressão das revoltas comunistas de 1935, Vargas
esforçara-se, diligentemente, para consolidar a sua posição política, subjugando ou
corrompendo os adversários e se rodeando de partidários leais nos círculos militares
e administrativos. Em uma série de manobras, em que conseguiu aliar-se mais fir·
memente com elementos militares nacionalistas autoritários, como o General Goes
Monteiro, para fortalecer a defesa do governo nacional contra rebeldes potenciais
como Flores da Cunha, e obter o apoio de vários líderes políticos importantes 5 • Foi
ass~ que, no fim de 1937, Vargas estava em condições de se tornar o dono real de
sua própria casa.
Embora, no Estado Novo, o maior impulso do naci~nalismo brasileiro tenha·
se feito sentir na esfera da ação política, o seu florescimento intelectual prosseguiu,
ainda que de maneira mais restrita que nos anos anteriores. Longe de querer abafar
a criatividade intelectual nacionalista, o novo regime procurou, primordialmente,
colocá-la dentro do que considerou limites razoáveis no quadro da especulação ideo-
" lógica, suprimindo os inflexíveis extremistas radicais, tanto da esquerda como da
direita. Ao mesmo tempo, estimulou aqueles que apoiavam o regime ativamente e
mesmo muitos dos que o aceitavam tacitamente. O governo também arregimentou
ideólogos oficiais ou quase oficiais, como Francisco Campos e Azevedo Amaral, para
oferecerem ao Estado Novo a sua ideologia formal e explicarem a sua razão de ser.
E, em escalões inferiores, numerosos intelectuais ajudaram no lançamento de uma
torrente de propaganda governamental, grande. parte da qual produzida sob os aus-
pícios do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), um órgão recém-criado,
incumbido de expor a política e os programas de Vargas, assim como de censurar os
que lhe fizessem oposição. Tal propaganda se fez3-~uit_<?..~_~veis, desde programas
populares de rádio até a revista especializada ~~!!1lr_a, ~olítieà~' 6'. Fora dos círculos
políticos e governamentais ativos, os intelectuais se concentravam, individual e cole·

134
mais sens1ve1s a poauca uu qut: UiLllC111l "•uv ....... MU~W
-··--------- • _

ríodo, porém, a despeito do patrocínio oficial, das restrições impostas, da persegui-


ção aos recalcitrantes e das fugas para o exílio, a contribuição interna dos intelectuais
nacionalistas continuou significativa, tanto qualitativa quanto quantitativamente. O
autoritarismo do Estado Novo, não provocou, pela subversão ou pelo terror, o eclipse1
da produtividade intelectual nacionalista 7 •
Por mais sübstanciais que tenham sido, porém, essas contribuições intelectuais,
foram espetacularmente obscurecidas pelas inovações políticas e governamentab do
Estado Novo, pois foi nesse sentido que ocorreu o verdadeiro triunfo do nacio~alis·
mo 8 • Com efeito, pela primeira vez, Vargas se viu em posição de força política ela·
ramente reconhecida, da qual pôde, com confiança, observ!J.r e dirigir a elaboração
de uma políÚca nacionalista de longo alcance, que julgava útil, tanto para fort~lecer
o seu poder político pessoal, como para a~segutar uma estrutura geral capaz de pro·
mover o desenvolvimento nacional. Durante um período de oito anos, as ramifica-
ções dessa política avançaram em todos os planos - ideológico, institucional:e po·
pular - e percorreram a escala dos componentes nacionalistas - abrangendo •a efi·
ciência política, a redução da autonomia regional e a promoção do cresciment9 eco·
nômico, mas também revelando um impulso no patriotismo, a preocupação Çom a
justiça social e a determinação de alcançar uin se-ntimento mais firme e gener~izado
de identidade nacional. Sob todos os aspectos, no entanto, Vargas estendeu 'o mo·
nopólio de sua variedade pragmática do nacionalismo, com exclusão de to~as as
outras. Moderado e centrista em sua coloração, o "getulismo" do Estado Nov9 con·
1
\tou com o mais entusiástico apoio dos nacionalistas autoritários, mas també*1 ape·
lou grandemente para aqueles de mentalidade cafólica conservadora, assim'como
para muitos membros das novas elites econômicas, que eram progressistas, m;as não
necessariamente nacionalistas. As massas urbanas, também, o apoiaram, mas em
grande parte, devido a sua posição paternalista como "o pai dos pobres". Alérrl disso,
muitos ex-integralistas passaram a apoiar Vargas, depÕis da proscrição do seu desen·
volvimento abertamente extremista. Até mesmo alguns nacionalistas liberais~demo·
cratas acabaram admitindo o regime, devido às suas tendências refonnistas .. ;Assim,
póliticamente, Vargas forjou o mais elevado grau de consenso nacionalist~ que o
Brasil jamais experimentara, e o autoritarismo do novo regime pennitiu que qnacio·
nalismo triunfasse substancial e simbolicamente, assim como em estilo e mecanismo.

~
O nacionalismo se tornou Úm valor inextricavelmente vinculado aos processos de
modernização, uma feição central e duradoura da vida política brasileira - destinadl
a permanecer por longo tempo depois da queda de Vargas e do descrédito do Estad<
Novo. ,

***
Entre os políticos-intelectuais do regime[Francisco Campos foi quem qferece1
a mais imediata e evidente contribuição à ideologia nacionalista do Estado Nove

13
em·longa associação com os círculos mais chegados a Vargas, Campos mostrara grande
atividade na organizaçfo da Aliança Liberal e fora o primeiro Ministro. da Educação
do Bràsil, tendo ocupado o cargo durante dois anos. Tentara, em sua terra, o Estado
de Minas Gerais, arregimentar as forças revolucionárias de 1930 sob a bandeira de
uma legião semifascista, semelhante à de Miguel Costa em São Paulo. Depois, já em
1936, Campos, desanimado com a ineficiência da democracia restaurada, começou a
fazer sondagens políticas sobre a conveniência de uma reforma constitucional, e, em
fevereiro de 1937, sob a direção de Getúlio, completara o esboço de uma nova carta
constitucional para o Brasil 1 0 • Embora proclamada com o Estado Novo, em 1Ode
novembro de 1937, a constituição quase que só teve um valor simbólico. Marcou,
espetacularmente, o estilo nacionalista para o novo sistema e proclamou os máxi-
mos ideais da recomposição da ordem política e da intervenção do Estado na ccono·
mia e mi. sociedade, mas tais medidas jamais foram postas em prática, legalmente.
Assim, não se tratou de uma institucionalização concreta do nacionalismo, pois a
constituição teria d~ ser aprovada por um plebiscito de âmbito nacional (Art. 187),
o que nã'o ocorreu. Em vista disso, durante todos os anos do Estado Novo, Vargas
governou por meio de decretos, de acordo com o estado de emergência nacional de·
cretado (Art. 186), em vez de atuar dentro da estrutura constitucional. De qualquer
maneira, a constituição representou um esquema da completa reforma política, eco·
nõmica e social, e, muitas de suas disposições foram postas em prática por subse·
qüentes iniciativas presidenciais 11 • Além disso, o próprio Campos, que foi Ministro ·
da Justiça e do Interior até 1943, desempenhou um contínuo papel administrativo,
assim como ideológico, na condução do novo regime, com a sua forma intensificada
de nacionalismo.
Embora, tecnicamente, tivesse buscado inspiração p·ara a constituição em vá-
rias fontes estrangeiras- a carta era, em grande parte, um pastiche de elementos ita·
lianos, alemães, austríacos, poloneses, portugueses e até irlandeses 12 - Campos
explicou as causas que a tinham provado, assim como o Estado Novo, em seu con·
junto, quase que inteiramente em termos internos do Brasil. Em um breve preâmbulo,
ele resumiu para Vargas a justificação do golpe de Estado. A desordem, as lutas
partidárias, a demagogia, os antagonismos de classe, o conflito ideológico extremista
e a violência imperavam ã solta. Na realidade, o Brasil estava às vésperas de uma
guerra civil, e, agravando ainda mais a crise, havia a crescente ameaça de infiltração
comunista. Ao mesmo tempo, as velhas instituições governamentais já não eram ca·
pazes de enfrentar a situação. Assim, com o apoio das Forças Armadas e conta.ndo
com a opinião pública, Vargas proclamou o Estado Novo, a fim de preservar a uni·
dade e independência nacional, bem como assegurar a tranqüilidade política e social
necessária ao progresso. Pouco depois do golpe, Campos começou a ampliar essas
justificações em uma série de entrevistas, discursos e artigos, em que expôs, mais
completa e pormenorizadamente, a ideologia do novo regime. Afinnou, então, que
o Estado Novo não constituía apenas uma salvação momentânea do·Brasil, em uma

136
çao UÇ .l ;/JV. Llt; 14\.V' lVf,V t&V ua.-.va-,- --- · ---T-- ~ a. _

gias renovadoras do País, visando à derrubada da velha ordem e procurando uma nova
ordem viável, tivera um certo sucesso e se mostrara promissora, sob o governo provi•
sório, mas túdo isso se frustrara, com a restauração da democracia constitucional em
1934, que forçou a volta aos erros da República Velha. Assim, o Estado Novo repre·
sentava um esforço para repor a Revolução no seu caminho certo e assegurar a. nova
ordem que ela buscara. Ideologicamente, Campos tentou incorporar as realidades e
aspirações brasileiras a um plano teórico de Estado, cujos atributos principais eram a
força, a disciplina e a eficiência. E desde o começo, afirmou que o novo reginie con·
tava com o verdadeiro apoio nacional, pelo menos por parte dos elementos sãos e
progressistas da sociedade 13 • Assim, Campos exaltou o Estado Novo como sendo
oportuno, viável e legítimo .
.Alegitim.ida.de política.do Estado N.ovo,_to~_ayj;l,_estava. relacionada com o que
Francisco Campos cliai11.ava de um tipo mais moderno de democracia, a "substantiva",
em oposição à democracia "formal" no sentido tradicional, e isso exigia a reformula·
ção da ordem política, de acordo com linhas autoritárias. Achava ele, assim, que o 10
de novembro marcara o começo de uma nova época, caracterizada por um novo clima
de ordem. Condenando a antiquada liberal democracia, que, com o seu facciosismo
partidário e anarquia legislativa, somente servia a interesses limitados, pessoais, locais
e de grupos, e estimulava a propagação do comunismo, Campos sustentava que a nova
constituição concretizaria os ideais democráticos.de maneira muito mais ampla do
que as chamadas cartas democráticas de 1891 e f934. A essência da democracia resi·
dia na vontade do povo, e o meio de se chegar a isso seria atentar para as realidades
· sociais, e não confiar em mecanismos formais predeterminados,· como o sufrágio
universal e a limitação do termo presidencial. De fato, muitas vezes no passado a ma·
quinaria da democracia frustrara os seus próprios ideais. Na opinião de Campos, so·
brepondo os fins democráticos aos meios democráticos, a nova constituição estava
lançando uma forma mais direta de democracia, responsável perante o povo em seu
conjunto e na qual os direitos individuais seriam limitados e equilibrados com os di·
reitos de toda a comunidade nacional. A vontade da Nação já não seria ignorada, em
benefício de alguns poucos privilegiados 14 • Ao mesmo tempo, fortalecemlo grande·
mente o governo nacional à custa de candidatos ao poder que se apoiavam em bases
reduzidas, Campos esperava assegurar, tanto a possibilidade de proteger e sustentar o
regime, como a efiCiência necessária para levar a cabo as reformas advogadas pelos
revolucionários de 1930. Campos, como antes Alberto Torres, considerava uma orga·
nização política nacionalist~ e forte como condição sine qua non para o desenvol·
vimen'to econômico e social que os tempos modernos exigiam. Em conseqüência, a
Constituição centralizou nas mãos do Presidente a preponderância no Estado (Arts.
13-14 e 73-84) e, na prática, os seus poderes ainda foram acrescidos, pois o parlamento
nacional (Arts. 38-56) jamais foi convocado. Além disso, dentro do espírito e dos
rumos gerais estabelecidos pela constituição, o novo regime evoluiu politicamente

137
mçao se xez pragmancameme, reagmao as necess10aoes orasueuas, em vez ue :>egua
à letra os dispositivos mais gritantemente fascistas da carta 1 5 •
Essa tendência foi ainda mais acentuada na esfera econômica, na qual Campos
se mostrara m1iis interessado em alcançar os fins democráticos do novo regime c onde
a sua adesão às idéias da organização corporativista mostravam mais claramente as suas
afinidades ideológicas com o fascismo italiano e o integralismo brasileiro. A Constitui-
ção determinava, expressamente, a criação de um Conselho Econômico Nacional, inte-
grado por representantes do capital e do trabalho vindos de vários setores da econo-
mia: indústria, agricultura, comércio, transportes e bancos. Aquele seria um órgão do
mais alto nível, planificado r e regulador, encarregado da reorganização corporativista
da economia nacional, e que exerceria ampla autoridade na direção geral da economia
e no equilíbrio de suas numerosas forças (Arts. 57-63). Embora jamais posto em prá-
tica, aquele dispositivo constitucional, assim como outras prescrições da carta perti-
nentes à ordem econômica (Arts. 135-155), eram simbólicos, indicando a tendência
para a intervenção na economia a que o Estado Novo se propunha. Foram especial-
mente significativos como rejeição do tradicional liberalismo .econômico, pois Campos
acreditava que a empresa privada não controlada já não era capaz de satisfazer às exi-
gências da economia e da sociedade modernas, complexas por natureza, e, na verdade_,
muitas vezes se mostrava mesmo prejudicial. Segundo o seu ponto de vista, o corpora-
tivismo iria estruturar melhor a economia, em benefício de todos, e isso acabaria ser-
. vindo aos ~resses nacion~ Ao mesmo tempo, assim se enfrentaria a ameaça do
comunismo, c~alhures no mundo moderno 16 •
Campos também pretendia promover as finalidades sociais da nova democracia,
e, sem dúvida, por causa de sua ligação com a planificação educacional 1 7 , a Con~titui­
ção dedicava muita atenção à reforma do sistema educacional (Arts. 128-133). Nesse
sentido, os ideais básicos de se assegurar oportunidade igual à educação e do ensino
público gratuito de modo algum constituíam novidade no Brasil. Campos, porém, re-
~a 'as novas diretivas dos últimos anos insistindo que a escola deveria estar organi-
_ç_!l!!!_ente integrada na sociedade em seu conjunto, e ser usada como um instrumento
___2ª-~.a proteger e preservar a Nação. Em conseqüência, a educação puramente intelec-
tual de origem liberal teria de ser substituída por uma outra mais completa, abran-
_g~ndo a inst~ção moral ~ c(yica e a educação físic3:, além das disciplinas habituais.
Tàmbém foi salientada a necessidade de novas. escolas técnicas e profissiànais. Acima
de tudo, Campos não via a educação como um fim em si mesma, e sim como um
meio de preparar cidadãos para cumprirem as suas obrigações parft com a Nação e
proporcionar-lhes os instrumentos para cumpri-las com a eficiêt1cia exigida pela
sociedade moderna 1 8 ,
...Enquanto Campos deu ao Estado Novo a sua constituição, estabelecendo tanto
os seus objetivos ideológicos formais como o seu teor nacionalista, Azevedo Amaral,
um dos mais profundos analistas sócio-políticos da década, tornou-se o mais eloqüente
apologista do novo regime, assim como de Vargas pessoalmente. Jornalista, pensador

138
passamento da Constituição de 1934, e profetizou a Vinda de um ··novo es1:auo óra·
sileiro". No ano seguinte, ele já começara a servir ao governo como propagandista
ativou. Depois do golpe de Estado de 10 de novembro, o seu papel consistiu :em
explicar, tanto porque o Estado Novo constituía a transformação imediata e radical
aconselhável em face da crise atual, como porque, ao mesmo tempo, o novo regime
estava de acordo com o desenvolvimento histórico do Brasil. Não se tratava, pois, afir·
mava, de uma criação arbitrariamente imposta. O novo regime era inteiramente mo-
derno e, ao mesmo tempo, perfeitamente brasileiro. Representava.a identific~ção
final do Estado com a Nação. Os politicos profissionais tinham, afinal, sido expulsos
do governo, e Getúlio, longe de ser um caudilho, que tencionasse apenas perpetuar
o seu poder pessoal, era o primeiro estadista de verdade capaz de dominar o cen.ário
político nacional. Além disso, Amaral exaltava o novo regime como a concretiz~ção
institucional do nacionalismo ideológico, que ele próprio formulara amplamente,
fora dos círculos governamentais, nos anos anteriores 2 0 • :

Esperando expor o regime a uma perspectiva mais clara, Azevedo Amaral 'ana-
lisou historicamente a sua razão de ser. Começou com a premissa de que os p9vos
bem-sucedidos na IIistória têm sido aqueles que puderanl se adaptar à realidade e
continuar se ajustando às alterações da realidade - aqueles que se mostraram capazes
·de manter o equilíbrio entre as suas instituições políticas e a organização social e
econômica. No passado, salientava, os brasileiros tinham falhado a esse resp~ito.
Primeiro, a adnúnistração colonial se mostrara crescentemente mal-adaptada à,s ne-
cessidades locais, e depois o Império, expediente artificial desde o começo, se.~fas-
. tara ainda mais da realidade, em seus anos finais. A proclamação da República em
1889 fora um passo na direção certa, mas o novo regime liberal-democrata tanibém
deixara de caminhar de acordo com o seu tempo. Seu sistema federativo dera ori·
gem a uma excessiva autonomia estadual, e, a despeito da adesão doutrinária ao prín·
cipio do sufrágio efetivo, degenerara, no estilo latino-americano, a uma irrisória cari·
catura da verdadeira democracia. Além disso, opinava, a República Velha, incapaz
de se ajustar às mudanças econômicas e sociais que estavam ocorrendo, entrata em
decadência, desde 1910. Isso se tornou ainda mais aparente na década de j920,
quando o regime ficou abertamente sujeito a uma série de rebeliões intuitivas enão-
ideológicas. Afinal, a República atingiu, como acontecera antes com a monarquia, a
uma quase decrepitude. A Revolução de 1930 oferecera apenas exéquias mil~tares
a um sistema que já estava ~m decomposição antes de morrer2 ·1 • A revolução, por
sua vez, não conseguiu assegurar o equilíbrfo necessário, já que as suas forças eram,
. desde o começo, muitíssimo contraditórias e carentes de sólida orientação ideoló·
gica. Somente o magnetismo pessoal de Vargas, com a sua perspicácia política, seu
pragmatismo e sua convicção nacionalista, mantivera uma certa estabilidade, durante
a fase crítica de transição, nos primeiros anos que se seguiram a 1930. As possibili-
dades de se conseguir de novo o equilíbrio foram reduzidas ainda mais pela Consti·
tuição de 1934, monstruoso amálgama a elementos ideológicos antagônicos, que

139
Alem aisso, a pernussiViaaae ao novo ststema aemocratlco estunwara, por onussao,
o choque entre o comunismo e o fascismo, ambos os quais eram doutrinários, inspi-
rados pelo estrangeiro e inaplicáveis às realidàdes brasileiras. O caos político resul-
tante levara Vargas a implantar o Estado Novo, a fim de impedir a anarquia e a de-
sintegração nacional2 2 •
Encarando, de novo, de um ponto ·de vista orgânico, o desenvolvimento polí-
tico de sua pátria, Azevedo Amaral viu a constituição do Estado Novo como oresul-
tado de uma mutação política que, afinal, permitira ao Brasil re~onhecer o precário
equilíbrio entre as instituições e a realidade sócio-econômica. Realmente, aquela
carta, ao contrário das três que a haviam precedido, conseguira, com felicidade, arti· ·
cular uma nova ordem política acorde com as tradições históricas do País c com as
suas circunstâncias presentes. Como tal, assinalava a emancipação espiritual do Dra·
sil na esfera política. Além disso, o seu realismo derivava, em grande parte, do fato
de ter sido criada intuitivamente pelo gênio político nacionál, em vez de ter sido
tomada emprestada de um modelo estrangeiro e remodelada, con1o ocorrera no pas-
sado. O resultado era o Estado Novo, um sistema baseado em uma ideologia nacio·
nalista coerente e no duplo princípio da democracia e do autoritarismo, que era, de
fato, a expressão orgânica da Nação. Longe de ser contraditória, sustentava Azevedo
Amaral, -ª...nl.CiQl...:~~ançada consubstanciação da :Nação com o Estado,l organizado
segundo linhas autoritárias, iria permitir o advento de uma sociedade genuinamente
democrática, que não fora possível sob afarsa do fguillitarismo político liberal. o
espírito e a finalidade precípua do Estado Novo eram democráticos, no mais com-
preensivo sentido nacional. Ao mesmo tempo, o autoritarismo era imperativo para
a salvação coletiva da Nação, em face da crescente ameaça representada pelos tota-
litários, fascistas e comunistas. Desse modo, o regime de Vargas estava entrando em
uma nova e mais construtiva fase, em que o governo, sem afetar desnecessariamente
ás iniciativas e liberdades individuais, poderia, de maneira mais ativa e eficiente, inter-·
vir na sociedade, a fim de promover o bem de toda a Nação.
Para Amaral, a intervenção estatal era essencial principalmente na esfera do
desenvolvimento econômico. Como ·o liberalismo econômico já !lão era possível e o
controle totalitário era indesejável, o Estado Novo teria de lançar novas diretivas pa-
ra a planificação governamental, que promoveria a reconstrução econômica, à luz
das mudanças ocorridas nos vinte anos anteriores. O novo regime teria de coorde·
nar, ajustar e equilibrar, eficientemente, os vários setores da ordem econômica, assim
como salvaguardar os interesses públicos, e, ao mesmo tempo, preservar o sistema
capitalista e sustentar o princípio do individualismo econômico, tanto de pessoas
como de grupos. Na opinião de Amaral, o "New Deal" de F:ranklin Roosevelt, nos .
Estados Unidos, era o melhor exemplo do conceito de economia dirigida, que o Dra·
sll deveria adotar. Era um sistema progressista, mas não perigosamente radical. Por
outro lado, ao contrário de Francisco Campos, Azevedo Amaral não apoiava entu·
siasticainente os ideais de organização corporativista do Estado Novo, embora os

140
veis de produção, poderia o Brasil começar a resolver os seus graves problemas sociais
e culturais, e uma base econômica bem sólida também era essencial para a segurança
nacional. Sustentando que o dese.nvolvimento econôniico era o objetivo principal,
Azevedo Amaral ~hegava a atacar o que considerava como disposições erroneamente
nacionalistas, as que restringiam o afluxo de capital estrangeiro e a imigração. Tanto
investimentos maciços como a entrada no País de imigr.antes especializados eram
necessários piua tal desenvolvimento:.~ 4 •
Examinandá os aspectos institucionais do Estado Novo, Azevedo Amaral deu
atenção particular à_ figura pessoal de Getúlio Vargas, e procurou explicar o seu pa·
pel simbólico e funcional na implantação da nova política." Com. isso, visava, tam·
. bém, a reabilitar a idéia do personalismo como uma força política construtiva. Var-
gas, como "Chefe da Nação" e "Chefe de Estado", refletia o consenso político na-
cional, o que não acontecera com nenhum outro líder brasileiro. Admiravelmente
qualificado para o tempo e as circunstâncias, a crise revoludonária de 1930 dera-lhe
oportunidade de renovar a nacionalidade brasileira e exercer maior poder político
do que havia sido possível, anteriormente, aos presidentes da república. Como um
inovador, ele passou a personificar o espírito de na~ionalismo que caracterizava o
novo Brasil, e ao qual deu um rumo mais firme, à medida que disseminava seu novo
credo de valores políticos. Como político, combinando um instinto pela ordem com
uma aguda percepção de problemas nacionais ·passados e presentes, conseguiu esta-
belecer um modus vivendi equilibrado entre suas próprias idéias e metas, e aquelas
da sociedade como um todo. E isso só foi possível devido a sua não-vinculação a um
sistema ideológico e à ausencia de fanatismo doutrinário- o que lhe dava a necessá-
ria flexibilidade para lidar efetivamente com qualquer que fosse o problema especí-
fico do momento. Assim, Getulio tornou-se o mais consumado realista político e o
mais pragmático líder nacionalista de seu tempo 2 5 •
Para Azevedo Amaral, assim como para muitos outros intelectuais com preo-
) .cupações políticas, a revista Cultura Política, (1941-1945) representou uma plata-
forma para· a expressão coletiva de suas idéias, em harmonia com os objetivos de
\ Vargas e do Estado Novo. Tanto quanto a Revista do Brasil fizera vinte anos antes,
Cultura Política procurava mobilizar os intelectuais brasileiros para a tarefa de reno-
vação da cultura nacional, encorajando-os a ex.aminarem com profundidade os varia-
dos problemas de desenvolvimento que assolavam o país. Ao contrário de Revista do
Brasil, contudo, este jornal, editado por Almir de Andrade16 , era uma criação do
próprio governo e publicado pelo Departàmento de Imprensa e Propaganda. Desse
modo, bem diferente daquela tendência intelectual independente de antes, que se
caracterizara pelo interesse abrangente pela cultura em geral, e, quando tratava de
política, era para criticar o estilo cosmopolita da República Velha, a revista Cultura 1
Política foi primordialmente polític~. desde que surgiu, e, em pouco, se tornõu-ÕI
principal órgão teórico do Estado Novo. Como tal, a sua finalidade cÕilSistla em

141
menta oa totauuaue ua cunuut pupunu, c1u paun.. uuu '"i"a•uv "v .... ~ .... ~... ~ .. -
menta com as diversas políticas e programas do novo regime. Embora rotineiramente
a revista disseminasse informações específicas sobre o governo e fizesse a sua propa·
ganda, também procurava definir e esclarecer os rumos fundan1entais da Nação, assim
como despertar a consciência política de brasileiros de todas as partes do País e ca..
nalizar as suas energias para o bem comum2 7 • Outro de seus objetivos era o de apre·
sentar o regime à luz da História, mostrando, por exemplo, que, em parte, a nova
política representava a consecução de propostas nacionalistas anteriores, tais como
algumas das apresentadas por Alberto Torres 211 • O propósito geral de Cultura Polí-
tica era, portanto, positivo e construtivo, ligado à conscientização quanto às pàssibi·
!idades nacionais, dentro do espírito geral do Estado Novo, dinâmico e visando ao
desenvolvimento. ·
Coerente com o seu subtítulo, Revista .Mensal de Estudos Brasileiros, a Cul·
tura Polftica oferecia cada mês um grande número de· artigos, comentários, discur·
sos, entrevistas, documentos, estudos, notícias e bibliografias sobre assuntos signifi-
cativos na época. Em seu plano mais elevado, mais oficial, a revista não somente
publicava declarações políticas importantes de Getúlio e outros membros do primeiro
escalão governamental, como, durante dois anos, manteve uma seção especial de~li­
cada à definição e interpretação de todos os aspectos do pensamento político do
Presidente 2 9 • Ao mesmo tempo, outras seções tratavam de problemas sociais e po·
Iíticos; estrutura judicial do País; trabalho e economia nacional; atividades legisla·
tivas e administrativas do governo; acontecimentos sociais, intelectuais e artísticos,
e, quando se tornou iminente a entrada do Brasil na guerra, assuntos militares e de·
fesa nacíonal 3 0 • Mais tarde, com a guerra, a·revista adotou um formato menos rigi-
damente categorizado e passou a cobrir uma variedade ainda maior de assuntos. Esses
assuntos corriam toda a escala das questões nacionais - da mudança do papel da
mulher na sociedade à necessidade d uma nova capital para o País, do bem-estar
social à preparação militar, s relaçõeSrac1ru.s • reforma do serviço público civil,
do folclore à produção siderúrgica, a e ucação primária à abertura da navegação
no Amazonas 31 - mostrando assim. que Vargas e o seu governo se preocupavam
com todos os a::,pectos da vida nacional.
A esse respeito, Cultura Política encarnava a presunção fundamental de que o
Estado Novo constituía a integridade da cultura e da política. Em seus artigos, Almir
de Andrade apontava como um dos fracassos da liberal democracia sua errônea con·
vicção de que aqueles dois aspectos da vida eram distintos e podiam ser separados.
O homem vivia em sociedade, e o governo não passava de uma expressão da cultura
popular em seu conjunto. Quando dissociada da cultura, a política degenerava em
uma estéril luta de facções. E a indiferença das elites culturais pela política era sinal,
ou de imaturidade, ou de decadência. A ordem política tinha por finalidade assegurar
a organização para a manutenção da paz, conciliação dos interesses, harmonização
de tendências e satisfação das exigências da época, a fim de que a sociedade pudesse

142
sua cultura mais intensamente, dando-lhe um conteúdo social útil e um sentimento
mais firme de dedicação ao bem comum. E, finalmente, aquela união total da vida
- política e cultura - não apenas era realista e conveniente para as condições nacio·
nais, como também acorde com o humaltismo em geral e os valores cristãos 3 2 •

* * "'
Enquanto os apologistas e ideólogos intelectuais ofereciam ao Estado Novo o
seu amparo teótico, Getúlio Vargas e seus principais acessares políticos procediam
pragmaticamente, com a institucionalização prática do novo regime, e a procura de
apoio popular, através da.~-~..!!.C?~!Q_ e da propagªJ)çla. No golpe de Estado de 1Ode
novembro de 1937, no estilo clássicÕ.. de ·tais ocorrências, Getúlio Vargas repudiou o
seu papel constitucional democrático, para assumir poderes ditatoriais, por um perío-
do indeterminado 3 3 • Como justificativa para aquela ação radical, apontou a urgência
de enfrentar a crise política do Brasil: caótica rivalidade partidária, caudilhismo re·
gional, ameaça do comunismo e da luta de classes. O aparelhamento governamental
existente, argumentou, já não podia satisfazer às exigências da vida nacional, quer
no setor político, quer no econômico. O golpe tornou possível o fortalecimento do
Estado, que se investiu nos poderes necessários para a consecução de vários objetivos
nacionalistas e progressistas. Implícito em sua argumentação também estava o fato
de permitir o golpe de Estado a sua permanência no cargo, para elaborar construti·
vamente o seu programa nacionalista, obstado pela oposição política ativa 34 • Basea·
do nessas razões, o Estado Novo continuou a evoluir ele uma maneira altamente per·
sonalista e pragmática, nos anos que se seguiram. Muitas vezes, ele mostrou sinais de
sua rica e variada herança ideológica, refletidos, de uma maneira ou de outra, por
exemplo, na necessidade de organizaÇão política manifestada por Alberto Torres,
nas doutrinas de justiça social defendic!as pelo movimento sócio-político católico,
na busca da unidade nacional e de um poder executivo forte advogados pelos mili·
tares positivistas e nas aspirações para o desenvolvimento econômico e o bem-estar
social preconizados por Rui Barbosa. De um modo ·geral, contudo, o novo regime
encarnou uma aspiração geral mais importante, sempre sustentada pelos nacionalis·
tas brasileiros. Foi a tentativa de se adaptar politicamente à realidaue nacional, pondo
de lado as doutrinas predeterminadas, de origem estrangeira, a Um de promover o
progresso em toda a Nação .
........-
Uma vez que todas as reformas nacionalistas dependiam do seu sucesso, a tarefa
. mais premente do novo regime foi a de consolidar e centralizar o poder do governo
l__!l~cional. Contando, desde o começo, com o decidido apoio das Forças Armadas 3 5 ,
Vargas pôde voltar a sua atenção para a reorganização das instituições civis, políticas
e administrativas. No plano nacional, conservou algumas delas, tais como a estmtura
ministerial, virtualmente intacta, vinda do antigo sistema democrático; outras foram

143
- --------·~--7 ·-·- - .. ...
do serviço público civil foram profundamente modificadas. De maior significação,
no que diz respeito ao poder político real, o Estado Novo permitiu a Vargas mais
uma vez englobar em suas mãos as funções legislativas e executivas, como sucedera
antes, no governo provisório. Esse modus operandi pessoal e autoritário estendeu-se
por todos os oitos anos do regime; apesar dos dispositivos constitucionais (Arts. 38·
56), jamais foi convocado um congresso nacional como ramo independente do go·
vemo. Vargas pennaneceu como a autoridade suprema, para fonnular a política,
pô·la em prática através de decretos e supervisionar a sua aplicação administrativa.
Desse modo, ele e os seus agentes exerceram um incontestado monopólio sobre a
coordenação dos negócios públicos, interna e externamente 3 6 • E foi-lhe possívelle·
var avante a campanha nacionalista mais vigorosamente, sem se ver diante de empe·
cilhos de ordem institucional dentro do p,róprio governo.
Por outro lado, no plano administrativo, a reorganização do serviço público
civil foi um fato de altíssima importância na consolidação do governo nacional.
Também a esse respeito, como em muitos outros aspectos do novo reginie, o De·
partamento Administrativo do Serviço Público (DASP), uma espécie de superminis·
tério, com uma larga faixa de responsabilidades administrativas, c.ontinuou muitas
das tendências refonnistas que já se tinham evidenciado em meados da década de
,) 1930, mas com muito mais vigor quanto à centralização e controle. Criando o DASP,
.) em julho de 1938, Vargas procurou, não somente J!lOQernizar a burocracia, a fim de
~) . .melhç~ar a q\!~idade da administração p~blica, como n.ãêiCmaiizá-la, para que o ser·
viço público civil, à semelhança do militar, pudesse servir de in~trumento de integra·
ção política. O objetivo geral do DASP era, pois, de sobrepor uma elite tecnicamente
eficiente ·e apolítica -leal à hierarquia do departamento e ao Presidente da Repú·
.l
blica- à burocracia tradicionalmente venal e ineficiepte, ligada, por laços de clien·
tela ou nepotismo, a interesses locais ou a outros tipos de interesse não-nacionais.
Nesse sentido, esperava-se que o novo órgão abrisse caminho entre os ·empecilhos
estruturais e pessoais à refonna, presentes nos antigos ministérios e repartições pú-
blicas. Para chefiar o DASP, Vargas escolheu Luís Simões Lopes, um tecnocrata
modelo, que compartilhava as suas crenças em um sistema racional de autorid.ade,
tendo o próprio Vargas como centro. Assim, a alta burocracia e a ditadura passaram
a se apoiar mutuamente, à custa do estilo dos "políticos profissionais" do velho regi·
me. Em conseqüência, O DASP, além de seus deveres de administração do pessoal,
elaboração de orçamentos e aquisição de material, encarregou-se da importantíssima
função de selecionar e treinar um quadro de funcionários de escol, dos quais depen·
dia a desejada transfonnação do sistema, em todos os níveis. Novos burocratas alta·
mente especializados se tornaram necessários para incutir os valores de eficiência e
moralidade em todo o serviço público civil, assim como elevar o nível moral, de um
modo geral, e estimular um esprit de corps nacionalista 3 7 •
Além do esforço para fortalecer o Estado nacional brasileiro, o Estado Novo
também procurou conter a força política centrífuga exercida, antes, pelos Estados.

144
11011 para uma nacionalidade comum,·os Estados foram reduzidos a meras unidades
administrativas do governo central. Vargas pôs em prática essa política ressuscitando
a figura do "interventor, adotada pelo governo provisório. Os interventores passa·
ram a ser os coordenadores-chefes dos negócios estaduais, substituindo os tradicio·
nais governadores. Eram pomeados diretamente pelo Presidente, perante ele respon·
sáveis e por ele demissíveis ad 1111ttlm. No que se refere às pessoas, todavia, a mudan·
ça não foi muito drástica, uma vez que apenas dois governadores foram imediata·
mente afastados, com a proclamação do novo regime. Os outros foram mantidos
nos cargos, sendo nomeados interventores, excepto em Minas Gerais onde o Gover·
nador conservou o seu título. De qualquer maneira, já não tendo sido eleitos e nem
obedecendo a uma constituição estadual, somente conservaram a sua posição enquan-
to merecessem a confiança de Vargas. Além disso, embora tivessem absorvido os pode-
res legislativo e executivo em seus respectivos Estados, à semelhança de Vargas no pla-
no nacional, seu pode-r, ao contrário desse último, estava sujeito à fiscalização dos
. novos órgãos administrativos, assim como ao veto final do Presidente da República.
O controle ficou a cargo de novos departamentos administrativos criados ·em cada
Estado para racionalizar e nacionalizar as funções nas burocracias estaduais, à seme-
lhança do DASP com o serviço público civil da União. Aqueles órgãos, apelidados
de "daspinhos", executavam ainda o papel fiscalizador, para impedir a usurpação
pessoal do poder por um interventor, mediante exame de legislação; controle dos
órgãos tributários e financeiros, e manutenção de linhas de comunicação informais
com o governo nacional. Por sua vez, os daspinhos,juntamente com os interventores,
controlavam os governos das municipalidades. No conjunto, o Estado Novo centrali-
zou o governo brasileiro em grau muito mais elevado do que acontecera anterior·
mente 315 •
Além da centralização governamental, contudo, a gravidade do problema re-
gional levou Vargas a uma série de gestos simbólicos e psicológicos, destinados a
diminuir a tradicionallealdade.aos Estados. Espetacularmente, em uma comemora-
, ção do Dia da Bandeira, realizada apenas duas semanas depois do golpe de Estado,
as bandeiras estaduais foram queimadas na cerimônia, e Vargas declarou que já não
havia grandes e pequends Estados, mas apenas um grande Brasil 3 9 • Adestruição das
bandeiras estaduais foi executada de acordo com a Constituição (Art. 2), que, expres-
samente, proibia o uso de bandeiras, hinos e símbolos que não fossem os da Nação.
A partir de então, Vargas procurou personificar a preocupação pela Pátria como um
todo e a imparcialidade em face de qualquer Estado ou região, embora muitas vezes
salientasse a necessidade de desenvolver certas zonas atrasadas do País - de "marchar
para o Oeste", de abrir a Amazônia, de reabilitar o Nordeste 40 • Viajando mais pelo
Brasil do que acontecera antes com qualquer outro Presidente, Vargas constante-
mente explicava os objetivos e programas do Estado Novo, tais como se aplicavam às
diversas situaç?íes locais. Ao mesmo tempo, procurava convencer os Estados mais im-
portantes, especialmente São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, a encararem de

145
; . seu conJUnto. 1amoem sauentou a necessiUaue rJe :oe memuLiilt:m u:s Lti:111"1Juuc""
comunicações, a fim de que o País ficasse mais unido fisicamcnté 1 •
O nacionalismo do novo regime encarou, igualmente de frente as questões de
como enfrentar a crise econônúca que se fazia sentir e como planificar o futuro de-
senvolvimento. Naquela esfera, como na esfera política, tratava-se de uma derrota
do liberalismo e do fortalecimento do Estado, especificamente a sua capacidade de
intervir na economia e fixar os seus rumos principais. Era intenção de Vargas estimu-
lar e guiar com firmeza a transformação econômica geral que se 'processava no Bra-
sil, há vários anos. Aquela esfera de envolvimento nacionalista também representou
uma vitória para o -novo espírito tecnocrata, em seus esforços para. maior racionali-
zação e nacionalização da econonúa brasileira, dentro, porém, de uma estrutura capi-
talista, e, não socialista. O desenvolvimento tinha de se equilibrar com o interesse
nacional, dando-se prioridade à expansão do mercado interno, assim como à diversi-
ficação e à auto-suficiência, de importância vital para a defesa nacional. A princípio,
isso levou a uma série de medidas protecionistas, tais como a suspensão do pagamento
da dívida externa, a adoção do controle cambial e afixação de prioridades para as
importações, mas o crédito para o desenvolvimento foi expandido, e o governo ofe-
receu incentivos tributários e de outras naturezas para estimular diretamente certos
setores da indústria e da agricultura. Mais tarde, para proteger a economia contra os
efeitos da guerra, Vargas nomeou Coordenador da Mobilização·Econômica, um ex-
"tenente", João Alberto Lins de Barros, que foi investido de amplos poderes para
distribuir materiais, controlar salários, racionalizar transportes c estimular as expor-
tações. O objetivo geral, tanto na indústria como na agricultura, era da substituição
de importações, sendo atribuída alta prioridade à iri1portação de maquinaria e outros
bens de produção. Durante os anos do Estado Novo, então, o interesse e·conômico
nacionalista do governo se voltou para a industrialização, e, embora Vargas interfe-
risse nas operações dos negócios privados, a atitude dos industriais foi cada vez mais
favorável à ditadura. O nacionalismo e a indústria acabaram se apoiando mutuamente,
levados pelo interesse recíproco 4 2 •
Ao mesmo tempo que dirigia as suas energias principalmente para o desenvol-
vimento econômico no setor privado, o novo regime tomou algumas providências
para conter a influência indevida de estrangeiros na economia, e estabeleceu a indús-
tria siderúrgica nacional, através de uma sociedade de economia ·mista, pública e pri-
vada, mas inteiramente brasileira. Seguindo a política geral de "o Brasil para os bra-
sileiros", o governo restringiu ainda mais a proporção de empregados estrangeiros
no Brasil, e protegeu os direitos dos brasileiros em situações tais como salários iguais
e acesso a posições de chefia. Na prática, porém, essas exigências foram muitas vezes
afrouxadas, em troca do aumento da produtividade. Além disso, determinou o go-
verno que certas atividades econômicas, como a exploração dos recursos do subsolo,
fossem reservadas exclusivamente a empresas brasileiras 4 3 • Foi porém, a' indústria
siderúrgica nacional, espetacularmente enc.arnada na usina de Volta Redonda, que

146
combinação de considerações de ordem militar, econômica, política, técnica e ideo-
lógica, Volta Redonda foi saudada por Vargas como ô sinal ddinitivo da emancipa·
ção econômica do País. Os efeitos econômicos da nova indústria foram imediatos, e
positivos, pois ela agiu como um catalisador, acarretando também o desenvolvimento
de muitos outros setores da economia. Mais significativamente, porém, representou
o alvorecer de uma nova era industrial, que iria sobreviver ao Estado Novo, e atestou,
simbolicamente, a capacidade do Brasil tornar-se, no campo econômico, um moderno
Estado naciona14 4 •
O ardor patriótico foi outra característica nacionalista do Estado Novo, e se
concentrou, inicialmente, no problema interno das minorias estrangeiras não-assimi·
ladas, e, depois, externamente, na participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial.
Durante o ano de 1941, Vargas se preocupou, acima de tudo, no plano internacio-
nal, em assegurar uma política externa mais independente, e foi bem-sucedido em
explorar a rivalidade entre os Estados Unidos e a Alemanha. Assim f~endo, assegu-
rou reais vantagens econômicas para cada um e manteve uin delicádo equilíbrio entre
as duas facções políticas internas: uma, pró-eixo, chefiada por Goes Monteiro, a
outra, pró-aliados, encabeçada por Osvaldo Aranha. Durante aqueles anos; o impulso
patriótico se voltou principalmente 4 5 para o combate à ameaça que grupos minori·
. tários, em particular os de origem alemã dos Estados do Sul, pareciam representar
para a unidade nacional. Sentimentos anti-estrangeiros se acirraram em reação a um
surto de nacionalismo pangermânico e especialmerite aos esforços de agentes polí-
ticos e culturais de llitlcr de nazificar estrangeiros residentes no Brasil e brasileiros
de origem ou descendência alemã. Entre as manifestações con\ra a "quinta coluna"
que se seguiram, o governo tomou uma série de providências para coibir as ativida-
des políticas e propagandísticas de estrangeiros e controlar a imigração. Os estran·
geiros tinham de se registrar na polícia, e podiam ser deportados se tivessem ativi·
dades suscetíveis de pôr em perigo o Estado, e a inúgração foi restringida, por meio
de um sistema de quotas, de acordo com o país de origem dos imigrantes. Além disso,
os imigrantes não mais poderiam se separar da população, vivendo em colônias iso-
ladas. A fim de contrabalançar a doutrinação nacional-socialista alemã, com mais
eficiência, o governo lançou uma ativa can1panha de abrasileiramento. Foram proi·
·\)idos jornais em língua estrangeira, todas as escolas tinham de ser dirigidas por bra-
sileiros e todas as aulas dadas em português, foram mudados os nomes estrangeiros
de localidades, e os pais já não podiam mandar os fllhos estudar no estrangeiro.'Os
núlitares receberam o encargo especial de promoverem a assimilação de fllhos de: es-
trangeiros, por meio do serviço militar, e todos os servidores públicos tiveram a in-
cumbência de cooperarem para a integração à consciência nacional comum de cida-
dãos brasileiros de origem estrangeira4" 6 •
Não é preciso dizer que a Segunda Guerra Mundial exaltou grandemente o
patriotismo brasileiro no plano popular, e, enquanto os alemães permaneciam como
alvo principal do· furor patriótico, a atenção se voltou para a ameaça externa apre-

147
~ti.?~~l.Q.~~ ~Çi·~ :.. ~~\'~:.:~~~~-~--. --.- ----~---
m.a.n4a. a 11~~~s mer,c~t~s .~rasileiros, que provocou a declaração de guerra do Brasil,
~% agqstq cie ,1.9;4,2,,;\'argas.lanço~ up1 apelo em prol da mobilização geral dos recur-
~.oülupt~os ,e ,ma~erials ."do País. Pediu aos brasileiros que se unissem, esquecendo
~ antigas,diyergências e os interesses pessoais, em favor da defesa nacional. A unidade
g~cl()·p~,eisolid_ari"e4~~e,do hell?Ísfério erám os imperativos do momento, e ele pro-
meteu. q~e. :9,-~ra$~~-o~ba~eria por sua causa justa, até ser alcançada uma vitória de-
~isiv~~·-'··; P~. u_~,-W()~O, geral, os.brasileiros atenderam a esse apelo, e, além de forne-
cer _homens, bases e materiais para a defesa continental e aparelhar os setores-chaves
da economia para. o esforço de guerra, o Brasil também enviou tropas para combater
na ''Europa.: Tiran'do; súill:iolicamente, contingentes de todos os Estados do País, o
êxército:· foimo\(uina' Força· Expedicionária Brasileira (FEB) de cerca de 25.000
homéns~· Essa.foi:Ça/'ciue ~deserrip!'nhou bem a sua tarefa, na fase final da campanha
iÚilÚma;'fol à'úruca unldaÚlatino-americana a participar ativamente na guerra. Con-
seqüente.mente/~ FEJl con~órreu para aumentar o prestígio do Brasil no exterior,
·â~ mesmp· ~empo: qu~ s~' tomou o grande símbolo do orgulho patriótico em seu país.
Também' 'oferectnfaos''militares oportunidade de reequiparem e modernizarem o
exército'naciOllal~a-:; !),'• , ' • · : . '' ·..

-<~:_.:r:~ó_',q~e 'diz,~e~pe'u~'àjustiÇasociale à "democracia econônúca", o Estado Novo,


"c;o~ ·a· p~o,~eç~o 'paternalista e assistência social às classes trabalhadoras, acelerou uma
~~pdél}cia· que_já ~e· fazia s~ntir desde os primeiros anos da década de 1930. Uma vi-
gorosa 'p~lítica. trabalhista· foi posta em prática pelo novo e dinâmico Ministro do
· Trabalho·, Alexandre Marcçmdes Filho, especialmente durante a guerra, quando Var-
·gas_lançava apelos: patrióticos aos operários, em um esforço de mobilizá-los para a
''biltalha'·d.a'·produção",·e e·m.apoio aos preparativos núlitar'es e à causa aliada. Var-
g~s 'de h~ muito'reéonhecera que nenhum governo moderno pode cumprir os seus
en~argos .sein satisfazer 3.S'justas aspirações das classes trabalhadoras, mas insistia pa-
,ra''que)ss~;.~e fizess~ dentro da ordem e da tranqüilidade social. Louvando-se em
'p_rincípi~{cristãos fundamentais, achava que o Estado deveria patrocinar a colabo-
ração -~,ntre ~m.pregados e· empregadores, para benefício dos interesses mais altos da
Pátria~ Aluti, de ela~~~~- era prejudicial "à consecução desse objetivo, e, para impedi-
. la,· o governo :decretou ·uma ampla legislação social. Consolidando as leis anteriores e
· baixando 'outras,' deu-s~ atenção a: melhoramento das condições de trabalho, salário
· mínimo;· assistência médica, aposentadorias e pensões, ajuda à família, ensino técnico
·e .profissional:' et~ ... Embora muitas dessas medidas não tenham sido postas plena-
mente'.~m. p~ática,'no.princípio da década de 1940, a preocupação pelas massas tra-
, balhadoràs ·que r.evelou; valeu· a Getúlio o apelido de "O Pai do Povo"4 9 • Movendo-
-~'-enÚal:direÇão~·yarg~ exp_andiu ainda mais a sua base de apoio político, ao dar às
_Classes ··trabalhadoras um lugar de destaque em seu plano para o desenvolvimento
'.nacional: Ao mesmo tempo, porém, expurgou o movimento trabalhista de seus ele-
.' mentosimais radicais; os comunistas e anarco-sindicalistas, e mesmo das facções li-
:':berais menos' radicais; que não se mostravam dispostas a cooperar. Tornou-se, tam-
, ?ém,'vi~tualmente 'impossível para um sindicato funcionar sem o reconhecimento

. '148
portainenl:O UaS enuuaues qut: It:I,;UUI~C\.Olil • .a..:.u1 "'v"""'i.............. , ....
v v• . . - · - - · - - _ _ .. ___ .

organizações trabalhistas, como os círculos operários católicos, que floresceram du·


rantc o Estado Novo, estavam longe de ser órgãos representativos dos trabalhadores
para discussões e ajustes coletivos. Seu papel era o de conciliar as questões com os·.
empregadores, cooperando com a justiça especiai do trabalho, e ajudar a execução
4o programa de assistência social do novo regimes 0 • ~ELE:. ~S
Uma preocupação nacionalista final do Estado Nov.o foi manifestada em se_u
programa de promover, popularmente, um §_en.t~1Q..cl.~_idetltida~~ ~a_çional comum
e positivo. Nesse sentido, Vargas pro.curou consolidar a~fragmentária contribuição
que os intelectuais vinham apresentando, havia anos, e canalizar os futuros esforços
mais eficazmente, através do sistema educacional e do recém-criado DIP. Por um lado,
o Ministério da Educação, sob a competente direção de Gustavo Capanema, fundou
novos órgãos, como o Instituto Nacional dó Livro, destinado a maior divulgação de
escritos sobre a cultura brasileira, ao mesmo tempo que mantinha os centros mais
tradicionais de expansão escolar; A missão fundamental das escolas, porém, foi re·
definida .como se destinando a estimular valores tais como a nacionalidade, a dis·
ciplina, o vigor físico, o trabalho, a parcimônia c a moralidade, assim como ensinar
os assuntos acadêmicos usuais. A História do Brasil, a Geografia e a instrução moral
e cívica assumiram maior importância. As escolas, com efeito, deveriam servir ao
·duplo objetivo de formar, tanto profissionais competentes, como cidadãos conscien·
tes, ·necessários ao progresso econômico e à defesa nacionais 1 • Por outro lado, o
Departamento de Imprensa e Propaganda, chefiado por Lourival Fontes, dedicava-
se principalmente a experimentar novos enfoques ,da nacionalização da cultura e à
difusão emocional dos valores nacionais. Juntamente com as suas outras responsa-
bilidades de propaganda e censura, o DIP esforçou-se para imbuir o público com um
novo sentimento de dignidade e orgulho de ser brasileiro, em parte apoiado no reco-
nhecimento das realizações políticas, econômicas, militares e sociais do regime de
Vargas. De um modo geral, as diversas atividades do departamento constituíram um
en,orme esforço educacional, às vezes coordenado com os de outros órgãos, como
escolas ou o exército, e outras vezes isolado. Além disso, ao mesmo tempo que pu-
blicava e distribuía material escrito de conteúdo nacionalista, o DIP utilizava outros
meios de divulgação, como o filme e o rádio. Foi principalmente através do último
que o departamento pôde atingir milhões de brasileiros, inclusive analfabetos e crian·
ças, em regiões remotas do País, que não podiam ser alcançadas de outro modo.
Também a novidade de programas como a "Hora do Brasil" concorreu para a propa·
ganda do regime. Ao lado disso, o departamento introduziu elementos de naciona-
lismo nas artes plásticas e na música, e fundou várias organizações patrióticas, dedi·
cadas ao esporte ou a atividades juvenis. Simbolicamente, também, promoveu· o culto
da Pátria, com a exibição de bandeiras, hinos, feriados, paradas, etc. assim como o
culto de Vargas, como a própria personificação do nacionalismo brasileiro 5 2 •

149
NOTAS
,,
:· .,,.:-';"! . . . ; .
>ftú·J'~/:1.;:;'~~~-··n<~n-_;~~;~_r:
há ·muito. aceito _o ponto de vista de que o estabelecimento do Estado
c•nuv'"' _.,,. .._.v .. ,b.em~de:aC9r.do:_com a·re~idade política brasileira e foi necessário para Vargas se
J.."'m""t••T:,,.,n·: po?er;(veja~se';' por exemplo, "Brazil under Vargas" de Karl Loewenstein, N.Y ., Mac·
944,hpágs:'I26·38)~:·a· explicação oferecida por alguns, tal como Leoncio Basbaum em
-.,::~,~a;~.nl:>"ul-ll sincera da }lepública'' (São Paulo, Edaglit, 1962), lll, 116), 4 de que o Estado No-
)§JNfl#JJ,P_!e1s~~~1~~-confirmou a situação do statu quo, exagerando-a muito e a complicando demais.
· · '4é:depender do apoio e a aprovação militar, Vargas eontrolou mais os mi·
.:'f-JiuaJre:~•uu au.e'aual.aUt!l' outro rtesidente do Brasil. V. Rollie E. Popino "O processo político no
92~~·194!i~,!.·\ ~11\:'~~~.evista,lJrasileira de Estudos Políticos", nq 17 (julho de 1964), 92 e

;i;?;ü?~~~~~-~-·,;~,;~}l'·:b:•-;~E-~~~~!·~;;~;~:~~-:;~~~~;et~'ção de que~ Estado'Novo estava fundamentalmente


.:•·.,_,,..._.,._.....,••,.... ,com a~_tradi'çõe_s históricas nacionais e com as inclinações pessoais de Vargas é sucin·
,..,,_.,. . _~··· ..w·~--·-·w'apresentada.por'Í\fonso Arinos de Melo Franco, em "Evolução da crise brasileira" (São
;:Nacional,11965) tpágs:'79·8L Isso contraria muitos escritos contemporâneos polêmicos,
que'idenunciavam o 'novo; regime .como abertamente fascista, como, por exemplo, Samuel Put·
nam,;.:~'Fascist Penetration;in· Latin America", "Communist" XVII (maio de 1938), 458-67 e
,Dictatorship in.BrasU>t, "Science and Society", V (Primavera de 1941), 97·116. ,
;:.,;<:-:.:.•:~;,;.,,__.:;:.-·;.-_,.,"'J~'pn\~ 'c:On\'iil~~nte' llrÜmação da convicção dos militares de que a golpe de 10 de no-
. vembro· era' necessário e desejável está em "O general Goes depõe", de Lourival Coutinho (31! ed.,
· . Rio de J~neiro; Coelho Branco~-_1956), págs.•307·21.
, .. . . ~u:Aúv s, ....:_,Ibld.Ner também~ Pedro Calmon, "História do Brasil" (Rio de Janeiro, José Olym·
·, • '· >,:pio;<-1961),,:VI,··223.~~~;_.;!()hn-;w.F. Dulles, "Vargas of..Brazil" (Austin, University of Texas,
·/ .~9~-n. págs.162~s.~,:~'''.i;:,,:,., ... , .._ ·.,
·:\'\' . :,6~r,Para,.~múuci~ta análise, e um índice parcial da revista, veja-se: Marcus Figueiredo,
~!Çultura,Política, Revista teórica do Estado Novo", "Dados", nQ 4 (1968), 221-46.
!l~f,~t.i:';;·,~q~L;. Um'levantamentci'da~bibliografia nacional, "Bibliografia brasileira" (Rio de Janeiro,
Instituto~ Nacional do Livro, 1941-1954), para os anos de 1938-1945, atesta a riqueza da produ·
~ividade intelectual durante o Estado Novo •
. · ·.· . Yr".:.:\:;.8.'.-i.~-S~pree~dent~mente, até _agora não há um estudo realmente satisfatório do Estado
· .' No_vo;·.pe;um modo' geral,'.o melhor ainda é a avaliação contemporânea de Karl Loewenstein,
"BrazU underYargas".''Por o~tro lado, como uma das feições características do Estado Novo foi
jpropaganda:e a explicação de;suas várias políticas e ações, a bibliografia referente ao regime é
:;:;.ú:iD!~O:·i: muito_jgrande~\Como;,guia;.veja-se;"Bibliografia sobre o Estado Novo", "Cultura Po~ítica", I
(novembro de 1941),,1n-:78 (essa bibliografia continuou nos números seguintes da revista, va·
.. - riándp de:título).:·;,,·~·.:~.·:' .::-;~ ·. ·: ·
;-:·;(;i~·::-:;:9 ~~-':e ~ter~ssa.nte registrar-se que Francisco Campos iria de novo representar o seu papel
. ·de 'fazedor de 'constituições;· quando, muito depois de ter-se retirado· da vida pública, foi encar·
, regado;ijuntamente<com outro jurista, de elaborar o primeiro "Ato Institucional" do governo
·militar. que se seguiu ao golpe de Estado de 1q de abril de 1964. V. John W.F. Dulles, "Unrest in
Brazil. ~o,.lit!crl~hlpj~Y;.Çrisis, 1955~1964". (Austin, University of Texas Press, 1970), págs.
~54~5.1.• .:J . ' . : • • .. •
·:··_'·t~·')'~-'10;--:- Lourival Coutinho, "O General Goes depõe", págs. 280-82, 291·92.
· ·:: ';;{!'·'~ 11~·;...· Para' uma análise da estranha natureza extralegal da constituição, veja-se: Karl Loe·
. 'wenstein;' "Brazil under Vargas",- págs. 46-49. As referências à própria Constituição foram tira··
·. das·de: "Constituição dos Estados Unidos do Brasil e leis constitucionais ns. 1, 2, 3 e 4". Rio
de Ja,neiro; Imprensa ~acionai, 1941.
· ·-'~-·-· .-12·.~ Sobre a natureza eclética da Constituição, ver: Karl Loewenstein, "Brazil under
·Vargas~·. ~ágs.1.22-25. ·
..
declarações ideológicas de Campos sobre o Estado Novo, enue .1:1.) 1 e uotv,
14 - Ibid., págs. 42-45, 74-80, 211.
15 - Sobre a "brasilidade" do Estado Novo, ver: Carlos Delgado de Carvalho, "The New
Democracy in Brazil", In "Rice lnstitute of Liberal and Technical Learning". "Rice Insti~ute
Pamphlets", XXVII (outubro de 1940), 289·311. Também Karl Loewenstein em seu "BrazU
under Vargas", págs. 369-73, observa que, embora os escritos de Campos empregassem uma lin·
guagem fascista, o regime não poderia ser classificado como tal.
16 - Francisco Campos, "O Estado Nacional", págs. 61-64; Karl Loewenstein, ''BrazU
under Vargas''; págs. 127, 343. Ver também: Warren Dean, ''The Industrializatlon of São Paulo,
1880-1945" (Austin, University ofTexas Press,1969), págs. 209-11.
17 - Campos atuou nesse campo primeiramente em nível estadual, em Minas Gerais, du-
rante o funda década de 1920. V. osseusdiscursosdaqueleperíodo,reunidosemsua "PelaCivill·
zaÇão Mineira" (Belo Horizonte, Imprensa Oficial, 1940). Outra coletânea de discursos, "Educa·
ção e Cultu;a", (Rio de Janeiro, José Olympio, 1940), também trata de sua preocupação com o
ensino a nível nacional, antes do Estado Novo. ·
18- Francisco Campos, "O Estado Nacional", págs. 64-66.
19 - Entre os primeiros escritos de Azevedo Amaral estão "Ensaios Brasileiros" (Rio de
Janeiro, Omera & Barreto, 1930) e "O Brasil na crise atual" (São Paulo, Nacional, 1934). Essa
última obra foi a de número 31 da série "Brasiliana", e as suas profecias a respeito do Estado
Novo apareceram no volume lO da série "Problemas Políticos Contemporâneos", "A aventura
política no Brasil" (Rio de Janeiro, José Olympio, 1935), págs. 7·8. Sobre a significação,nacio·
nalista daquelas duas séries, veja-se Capítulo IV. · i
20 -Azevedo Amaral, "O Estado autoritário e a realidade nacional" (Rio de Janeiro, Jo·
sé Olympio, 1938), págs. 5-8, 38-39. Essa obra, cujo objetivo principal era justificar o Estado
Novo, foi completada mal haviam transcorrido dois meses da proclamação do novo ~egime.
Veja-se também: Azevedo Amaral, "Getúlio Vargas, estadista" (Rio de Janeiro, Pongetti;1941)
pág. 25 e p.:zssim. ,:
21- Azevedo Amaral, "O Estado autoritário", págs. 9·10, 16·17, 24-30,33-35,:44-45,
. 49-50, 55, 58-63, 74·77, 87·97. ..
22 - Ibid., págs. 101-103, 105.06, 109·12·115-28. V. também págs; 141-67,247-57 e
passim, onde ele chega, em algumas considerações, a negar que houvesse semelhança entre o
Estado Novo e o fascismo ou integralismo, ou ainda- e nem precisaria dizer- o comunismo.
23 - Ibid., págs. 127, 134·38, 157-58, 173-79, 186-92, 196.
24 - Ibid ., págs. 193·204, 209-46.
25 - lbid., págs. 191-92; Azevedo Amaral, "Getúlio Vargas estadista", págs.l7·18,25-44,
84·92, 95, 102.05, 141·72. A reabilitação do personalismo político por parte de Amaral ante·
cedeu à criação do Estado Novo. Veja·se "Renovação nacional" (Rio de Janeiro, Imprensa Na·
cional, 1936) seu primeiro folheto de propaganda escrito para o governo, no qual compara Var·
gas a políticos democratas, como Leon Blum e Franklin Roosevelt.
26 - Almir de Andrade já tinha bem fmnadas as suas concepções ideológicas, antes d(
assumir a direção de "Cultura Política". Ver sua "Força, cultura e liberdade" (Rio de Janeiro
José Olympio,1940). ·
27 - As principais declarações de Almir Andrade sobre a política editorial da revista sã(
encontradas nos seguintes artigos de "Cultura Política": "A evolução política e social do Brasil"
l (março de 1941); "O segundo ano de Cultura Política, um programa e umarealização",II (abrl
de 1942), 1-10; "O Estado Nacional e a missão de Cultura Política", li (agosto de 1942), 7-10.
I· 28 -V. "A primeira República, vista por Alberto Torres", "Cultura Política",l(abril d
1941), 193.
29 - Sobre os intuitos daquela seção, veja-se "Cultura Política", 11 (agosto de 1942), pái
92. Aquelas interpretações ideológicas, juntamel)te com outros materiais pertinentes da revist;

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foram.'depois publicados em uma coletânea separada, como suplemento ao número III (abril de
:1943), "O pensamento político do Presidente" (Rio de Janeiro,lmprensa Nacional, 1943), ·
· -., · ,·' 30 - Os objetivos básicos daquelas seções eram anunciadas em cada número, até o 18.
;..Ver, por exemplo, "Cultura Polltica", 11 (agosto de 1942), págs. 12, 124, 152,206,'278, 296,
.)•304.n:{'f";i!i;::<("lit;':\';j';··(,~\:.i,..,,;/(··~ni> • ..
:t.Mni;,jr·3L::"":Essa grande variedade de assuntos que despertavam o interesse da revista se torna
· .bem'evldente no minucioso índice da '·'Cultura Política" preparado por Paul B. Ganster, da Uni·
: versldade da Califórnia, ~iverslde, 1965/66 (ms. não-publicado). ·
'" . ~·, 32 -:V. Almir de Andrade,"'Política e cultura", em "Cultura Política", I (abril de 1941),
~: .iS-8: e·_:'Influêncla: política sobre a evolução social, intelectual e artística do Brasil", artigo não·
,y·,assinado,-."Cultura:Polítlca':,:t(abiil de 1941), 239, que era a segunda parte de um longo artigo
(...,de:l8 partes.··. ,'><•=·>> •\;:{"f~\•i>-l··i'·''•. t ;!,-...;
· :.;\'<:. ,.,:\::: 33: -' Para uma interessante comparação entre a proclamação do Estado Novo por Vargas
e a:do.iSegundo Império por Napoleão Ill, veja.-se: Charles Morazé, "Les Trois Ages du Brésil''
.(Paris, Annand CoUn,·1954), págs. 43, 125-34, ·· · · · .
,,,::ti·i·'ll.34<'·'i·'Getúllo!Yargas,,~'Proclamação ao povo brasileiro, na .noite de 10 de novembro de
d93n',': em sua "A'nova política do Brasil" (Rio de Janeiro, José Olympio, 1938), V, 15·32 •
. '·• Vej~-se também"O novó regime e as realidades brasileiras", em "A nova política", VI, 149-58.
. '·'b: <:.~iJÓ35 -'~!Vargas salientou .várias vezes o ·acordo que havia entre ele e as Forças Armadas; ve-
jam-se~ 'por ,exemplo ~·A ação~ conjunta do poder público e das Forças Armadas na defesa da or·
. •dem'~ e',''O :Estado ·Novo.' e as Forças Armadas", em "Nova política", V, 109·16, 237-45. Goes
.. Monteiro'.conítrmou•o_.;fato,.por parte.do exército,· em "O General Goes depõe", de Lourival
·.Coutlr).ho, págs. 319-21.,;,::,~;- ~·. :- .';~· -' ; '
"'·: '36 -.V, Karl Loewenstein, "Brazil under Vargas", págs. 76-84 •
.. ·'' ·;:i 37: !- O melhor.estudo sobre· o DASP, até agora, é o de Gilbert B. Siegel, "The Vicissitu-

des of Governamental Reform in Brazil. A Study of the DASP" (Ann Arbor, Mlch. University
.Microfilmes, 1964), v. págs. 86·90, 95-100, 123-33, 312·15. Lawrence S. Graham apresentou
!uma sucinta análise do DASP durante o Estado Novo, em "Civil Servlce Reform In Drasil.I,rincl·
· ples versus Practioe. (Austin; Universlty of Texas Press, 1968), págs. 28·37. Ver também: Karl
.Loewenstein, '.'BrazU under Vargas", pág. 96·105; Frltz Morstein Marx e Bryce Wood, "The Dra-
. zillan Civil Service", "Inter·Amcrican Quarte~ly", li (outubro de 1940), 42-63. Alnda não são
claros.os .motivos da incapacidade de Getúlio de fundar um partido político nacionalista único,
.. :que servisse como um. terceiro instrumento de integração nacional, juntamente com o exército e
·'a burocracia.: Segundo parece, fez uma tentativa, em maio de 1938, quando, estimulado por ele,
· Amaral Peixoto fundou a Legião Cívica Brasileira. A ocasião, porém, não era propícia à funda-
ção de tal partido de massa, devido ao recente descrédito e supressão do integralismo, e a des-
. confiança· do~ exército· diante de qualquer coisa que se assemelhasse a uma organização paramili-
' •tar•.Veja-se: Afonso Arinos de Melo Franco, "História do partido político no direito constitu-
.. · ·cional_.brasileiro!!.(Rio de Janeiro,.1948), págs. 90·91.
''< .::'>!,'"/ ,·7[3.8;"=" Karl Loewenstein,i'~Brasil under Vargas", págs. 59-15. Para uma lista dos governa-
....... :dores que continuaram como Interventores e dos que foram afastados, ver: Alzira Vargas do
::: :Amaral Peixoto,·_~'GetúlioNargas, meu pai" (21! ed., Porto Alegre, Globo, 1960), págs. 402·14.
i· ~,,,::+,39 ,_ Em uma comovente reflexão sobre essa cerimônia, a fii.ha de Getúlio, Alzira, con-

fessou que_lhe foi muito dolorosa a queima das bandeiras estaduais, especialmente a do seu Estado
..: (natal, o Rio .. Grande do Sul. V." Getúlio Vargas, meu pai", págs. 335-37.
:.':' ,'·í··•t1ri40 ,~_·Por.exemplo,:.,~'Cruzada rumo ao oeste", "O destino brasileiro do Amazt>nas" e
,':'{,/; ~~~.~{~;r:~~~ç~~~~~t~;~~~~~!~-~~.~~~:~i~ de Pernambuco" em "A nova política", VIII, 27-32,73-
'\::: ; :[,, (;·i<Al ;-~Muitos,discursos abordando a questão do regionalismo em face do Estado Novo,
' que Vargas fez em suas viagens, encontram-se em "A nova política", V·X, passim.
, <: ·' .>'~·:', ;\: 42t--;Warren;DeanJ'The.industrialization of São Paulo", págs. 207-16, 221-24, 227·29.
, ••• ,. <. , Morris ::f:.. Cooke examina atentamente os problemas decorrentes da expànsão e deslocamento
:: .<•;·:~
econômico, durante o princípio da década de 1940, em "Brazil on the March·S Study in Inter·
national Cooperatíon" (N .Y ., McGraw·Hill, 1944). Cooke chefiou a missão técnica enviada pelos
Estados Unidos para ajudar o Brasil a expandir a sua própria indústria e fazer os ajustamentos
necessários em face da guerra. V. págs. vii-xi e passím.
43 - Kad Loewenstein, "BrazU under Vargas", pág. 205-10.
44 - Uma minuciosa descrição da fundação de Volta Redonda e da expansão da iridús·
tria siderúrgica brasileira se encontra em "The Politlcs of Brazillan Development,1930·19$4",
de John D. Wirth (Stanford, Stanford University Press, 1970), págs. 114·29 e passlm. V. tam·
bém: Getúlio Vargas, "Volta Redonda e a capacidade construtiva dos brasileiros (a 7 de maio
de 1943)", em "Nova Política", X, 49-61. ·
45 - Sobre esse malabarismo econômico e político, ver: John W.F. Dulles, ''Vargas of
Brazil", págs. 193·205, 209-25, e John D. Wirth, "The :Politics of Brazilian Development", págs.
61-68.
46 - Karl Loewenstein, "Brazll under Vargas", págs. 155, 160-72, 181-84,187-200.
47 -Getúlio Vargas, "Discurso (a 7 de setembro de 1942)", "CulturaPolítica",Il (outu·
bro de 1942)~ No mesmo número da revista, há uma proclamação do Ministro da Guerra às For·
ças Armadas, págs. 11·12. ·
48 :... Para um sucinto relato do esforço de guerra do Brasil, ver: John W.F. Dulles, "Vax·
gas of Brazll", págs. 233-44.
49 - Comparax especialmente os discursos de lQ de maio de Getúlio Vargas, ''O Estado
Novo e as claues trabalhadoras" {1938) em "A nova política", y. 197-205; "0 patriotismo do
trabalhador brasileiro e a nova política trabalhista do governo" (1943), "A nova política'', X,
27-37, e "Cooperação e solldaxiedade entre os grupos socWs" (1944), "A nova política", X,
283-93. A Consolidação das Leis do Trabalho foi decretada por Getúlio e Marcondes, em 1Q de
maio de 1943. Uma de suas muitas edições é: Adriano Campanhole, ''Consolidação das Leis do
Trabalho e leis complementares" (São Paulo, Atlas, 1965).
50 - Não há estudos aprofundados sobre o movimento traball,ista durante o Estado Novo.
Para breves referências, ver: Robert J. Alexander, "Labor Relations in Argentina, Drazil and
Chile" (N. Y., Macgraw·Hill, 1962) págs. 59-64, e Howard J. Wlarda, ''The Brazlllan Catholic
Labor Movement, (Amherest, University of Massachussetts, Labor Relations and Resear.ch Cen·
ter, 1969) págs. 14-16. Essa última obra salienta a influência da encíclica papal Quadragesfmo
Anno, (1931) na expansão dos círculos operários.
51 - Sobre a importância do papel nacionalista das escolas, ver: Deodato de Morais,
"Educação e Estado Novo", "Cultura Política", I (novembro de 1941), 26·36,e Lourenço Filho,
''Tendências da educação brasileira" (São Paulo, Melhoramentos,l940), págs. 41-43, 95·122. O
último livro é da autoria de um educador, havia muito empenhado na reforma do ensino e que
ocupava, então, o cargo de Diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos.
52 - Como exemplo da grande diversidade de atividades culturais a cargo do DIP, ver:
"As atividades·culturais do DIP", "Cultura Política", II, (outubro de 1942), 207-16, Vertam·
bém: Karl Loewenstein, "Brazil under Vargas", págs. 237-43, 285-309, e Walter R. Sharp, "Me·
thods of Opinion Control in Present·Day Brazil", "Public Opinlon Quarterly", V. (março de
1941), 3-16.

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