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ENTRE A RAZÃO

E A EXPERIÊNCIA
Ensaios sobre tecnologia e modernidade

ANDREW FEENBERG

Prefácio
Brian Wayne

Posfácio
Michel Callon

Tradução, ensaios e notas adicionais


Eduardo Beira
com
Cristiano Cruz e Ricardo Neder

2019

Inovatec (Portugal)
com
Indíce

Razão e experiência: teoria crítica, agência e progresso


xi
Eduardo Beira
1. Só um Deus nos pode salvar? xi
2. Redescobrir a tecnologia e o progresso xiii
3. Tecer um fio de Ariadne pelo labirinto via cooperação luso-brasileira -
xvi
sobre a presente edição

Por que precisamos do diálogo entre o Pensamento Latino-Americano


de Ciência e Tecnologia e a Teoria Crítica da Tecnologia? xxiii
Ricardo T. Neder
1. Tecnocratas e novas ciencias xxiii
2. Moralidades xxvi
3. Pensamento latino-americano sobre xxviii
ciencia, tecnologia e sociedade xxviii
4. Intercambios teóricos xxxi
5. Achar o sul xxxv
6.PLACTS e teoria crítica da tecnologia xxxvii
7. O quarto vértice de Sabato xxxix
8. Adequação sociotécnica xli
9. Paradoxo de Casanova xlii
10. Conclusões xlvii
Andrew Feenberg e a teoria crítica da tecnologia
liii
Cristiano C. Cordeiro
Vida e obra lv
Elementos centrais da teoria crítica da tecnologia lvii
Teoria da dupla instrumentalização lxi
Racionalidade sociotécnica lxvii
Democratização da tecnologia lxxv
Referências Bibliográficas lxxxii

ENTRE A RAZÃO E A EXPERIÊNCIA


Andrew Feenberg

Prólogo 3
Brian Wayne

Prefácio 13

PARTE I: PARA ALÉM DA DISTOPIA 25

1. Racionalização democrática: tecnologia, poder e liberdade 29


Os limites da teoria democrática 29
Modernidade distópica 32
Determinismo tecnológico 33
Construtivismo 35
Indeterminismo 37
Interpretando a tecnologia 40
Hegemonia tecnológica 44
Teoria do aspecto duplo 46
A relatividade social da eficiência 48
O código técnico 50
A “essência” da tecnologia em Heidegger 55
Racionalização democrática 58

2. Paradigmas incomensuráveis: valores e meio ambiente 63


Introdução 63
Custos e benefícios 64
Pressupostos básicos 68
Dois exemplos históricos 73
Valores ambientais 77
Conclusão 82

3. Daqui a cem anos, revendo o futuro: a imagem variável da tecnologia 83


Utopia e distopia 83
Filosofia distópica e a política 88
O impacto da Internet 91
Novas formas de agência 94
Intervenções democráticas 98
Conclusão 102

PARTE II: CONSTRUTIVISMO CRÍTICO 105

4. Teoria crítica da tecnologia: uma visão geral 109


Tecnologia e cultura 109
Autonomia operacional 113
Teoria da instrumentalização (1) 116

Estratégias de recontextualização 121


Tecnologia e Democracia 125
Conclusão 129
5. Da informação à comunicação:a experiência francesa com videotexto 131
Informação ou comunicação? 131
O surgimento de um novo meio de comunicação 134
Modernização 135
Voluntarismo 136
Oposição 138
Comunicação 140
O sistema 143
O conflito de códigos 145
Construtivismo social 145
Uma utopia tecnocrática 148
O sujeito espectral 150
A construção social do Minitel 154
Passando o fio pelo interior da burguesia 154
Redes ambivalentes 158
Conclusão: do Teletel à Internet 161

6. Tecnologia em um mundo global 163


Introdução 163
Dois tipos de desenvolvimento tecnológico 164
A globalização do desenvolvimento 169
A teoria do mundo global, de Nishida 172
A filosofia japonesa da tecnologia 180
Conclusão: tecnologia e valores 183

PARTE III: MODERNIDADE E RACIONALIDADE 187

7. Teoria da modernidade e estudos de tecnologia: reflexões sobre como


191
reduzir a distância
Apresentando o problema 191
Ciência da sociedade e história da ciência 194
Sistema ou prática 200
Modernidade como diferenciação 200
A lógica da simetria 206
Dividindo a diferença 214
Interpretação e mundaneidade 214
Instrumentalização de novo: desmundialização e revelação 219
Sujeitos finais 221
Conclusão: por uma síntese 226

8. Da teoria crítica da tecnologia à crítica racional da racionalidade 229


Racionalidade social 229
Tipos de racionalidade 229
A crítica social da razão 233
Marxismo e política da tecnologia 240
Teoria geral da instrumentalização 245
As instrumentalizações 245
Função e significado 253
Códigos de projeto 257
Conclusão 259

9. Entre a razão e a experiência 263


Introdução 263
Um quadro cultural 265
A crítica heideggeriana da tecnologia 270
A nova techné de Marcuse 281
Tecnologia estética 290
Ciência, tecnologia e mundo da vida 297
A complementaridade da natureza e da experiência 303
Conclusão 310
Posfácio 313
Michel Callon

Notas do Autor 323

Referências bibliográficas 333

Notas dos tradutores 347

Indíce onomástico 361


Andrew Feenberg e a
teoria crítica da tecnologia

Cristiano Cordeiro Cruz

O propósito fundamental desta introdução à tradução de Between Reason


and Experience, do norte-americano Andrew Feenberg, é oferecer uma bre-
ve apresentação da sua biografia ao/à leitor(a) não conhecedor(a) do autor
e/ou não familiarizado /a com as suas ideias, bem como um apanhado ge-
ral, ainda que simplificado, de algumas das suas ideias centrais.
Tendo isso em mente, na primeira parte deste capítulo, apresentaremos
alguns dados relevantes da vida e da produção bibliográfica de Feenberg.
Na segunda parte, a mais longa desta introdução, procuraremos apresentar
alguns dos elementos centrais da compreensão de Feenberg sobre o fenô-
meno técnico – e que ele chama “teoria crítica da tecnologia”, evidenciando
a sua vinculação à reflexão de esquerda e à tradição da Escola de Frankfurt.
Apesar da limitação imposta, entre outras coisas, pelo espaço disponí-
vel para este texto e, também por isso, pelos recortes e simplificações (ou
não matizações) que tiveram que ser adotados, esperamos que as próximas
páginas possam contribuir para que o/a leitor(a) se aproprie da discussão
desenvolvida neste livro de uma forma mais profunda e sistemática. E não

liii
liv Cristiano Cruz

apenas para se apropriar dela, mas quem sabe, mesmo para se envolver de
algum modo no processo de conformação democrática da realidade social e
técnica (ou sociotécnica) em que nos é dado viver.
Parece-nos, com efeito, que a intenção central de Feenberg não é senão
a de, munindo-nos de uma afiada reflexão crítica sobre a técnica, capacitar-
-nos e aliciar-nos para participar ativamente no processo político da contí-
nua (re)construção da tecnologia que criamos (ou que nos é proporcionada).
Processo que não nos opõe necessariamente à técnica em si, mas que nos
revela que ela não é um destino, mas sim – e em boa medida – o resultado
da configuração de forças dos distintos atores sociais que se conseguem fa-
zer ouvir nas múltiplas fases do seu projeto e implementação.
Seja como for e adiantando algo que se desenvolverá melhor na segunda
parte desta introdução, é impossível – ou será inevitavelmente condenado
ao insucesso, no entendimento que Feenberg sustenta sobre a tecnologia –,
lutar-se por qualquer transformação valorativa da sociedade (e.g., empo-
deramento popular, equidade, justiça social etc.), sem que se lute, também
ou prioritariamente , pelo desenvolvimento das tecnologias (ou sistemas
técnicos ) capazes de sustentar tais transformações (ou, de uma maneira
mais apropriada, tais valores).

Por fim, cabe ressaltar que os substantivos “técnica” e “tecnologia”, as-


sim como os adjetivos “técnico/a” e “tecnológico/a” serão tomados como
sinônimos ao longo deste texto. Tais palavras, ademais, referem-se, na teo-
ria de Feenberg, tanto a objetos materiais (como ferramentas e máquinas),
quanto a procedimentos , metodologias ou heurísticas imateriais – como
adotados na gestão pública ou privada, na gestão da economia e nos inume
- ráveis métodos ou procedimentos na nossa vida quotidiana – e que visam
assegurar , facilitar ou otimizar a obtenção de um resultado previamente
esperado por quem o emprega , seja ele sucesso profissional , realização
amorosa, disciplinar as pessoas com quem se trabalha, ou seja o que for.

Vida e obra
Andrew Lewis Feenberg nasceu em Nova York, nos Estados Unidos,
em 1943. Filho de um proeminente físico teórico, esteve desde muito cedo
em contato com a ciência, com cientistas e com os aparelhos técnicos por
Andrew Feenberg e a teoria crítica da tecnologia lv

eles utilizados. Não obstante, os seus interesses nas áreas das humani-
dades (marcadamente em filosofia e na literatura) levaram-no a trilhar a
formação em filosofia. Iniciou-a na Universidade John Hopkins, na qual
se graduou (1965), seguindo, então, para a Universidade da Califórnia,
em San Diego, onde obteve o título de mestre (1967). Os anos seguintes,
passou -os na França (na Universidade de Paris ), onde a sua filiação ao
pensamento de esquerda podia encontrar terrenos mais férteis para se de
- senvolver , fora do macartismo dos Estados Unidos nessa época. Estava
lá , assim , em 1968 , o que lhe deu a oportunidade não apenas de
testemunhar os eventos do Maio de 68, como de também tomar parte
ativa neles. Segundo seu próprio testemunho, isso marcaria para sempre
a sua vida – e a sua compreensão do fenômeno técnico e do
imbricamento entre tecnologia e sociedade.
De volta aos Estados Unidos, Feenberg retornou a San Diego e à Uni-
versidade da Califórnia para se doutorar sob orientação de Herbert Mar-
cuse, um dos grandes nomes da Nova Esquerda de então. Obtém o título
de doutor em 1973, aos 30 anos.
Profissionalmente, para além das inúmeras intervenções como confe-
rencista e professor visitante em instituições de prestígio em diferentes
países, Feenberg trabalhou como professor na Universidade Estatal de
San Diego, de 1969 a 2003. Mudou-se então para Vancouver, Canadá, as-
sumindo a posição de professor na Universidade Simon Fraser (posição
que ocupa desde então ) e a cátedra em filosofia da tecnologia (“Canada
Research Chair”).
Entre as muitas publicações de Feenberg, podem-se citar os seguintes
livros: Lukács, Marx and the Sources of Critical Theory (Rowman and
Littlefield, 1981; Oxford University Press, 1986), Critical Theory of Tech-
nology (Oxford University Press, 1991), Alternative Modernity (Universi-
ty of California Press, 1995), Questioning Technology (Routledge, 1999),
Heidegger and Marcuse: The Catastrophe and Redemption of History
(Routledge, 2005), Between Reason and Experience: Essays in Techno-
logy and Modernity (MIT Press, 2010), The Philosophy of Praxis: Marx,
Lukács and the Frankfurt School (Verso Press, 2014) e ainda o seu livro
mais recente, Technosystem: The Social Life of Reason (Harvard Univer-
sity Press, 2017).
lvi Cristiano Cruz

Em português, adicionalmente ao presente livro, podem-se encontrar


as traduções dos seguintes textos (todas disponíveis no site do autor1): ca-
pítulos 1 e 7 de Transforming Technology; Teoria Crítica da Tecnologia
(artigo); Andrew Feenberg: Racionalização Democrática, Poder e Tecno-
logia (coletânea de artigos); A fenomenologia de Marcuse: lendo o capítu-
lo seis de o homem unidimensional (artigo); Tecnologia e finitude huma-
na (conferência); capítulo 4 de Lukács, Marx, and the Sources of Critical
Theory; A libertação de natureza (artigo); O que é filosofia da tecnologia?
(conferência); Da psicologia à ontologia (artigo); Simondon e o constru-
tivismo: uma contribuição recursiva à teoria da concretização (artigo);
A realização da filosofia: Marx, Lukács e a Escola de Frankfurt (capítulo
de Lukács, Marx, and the Sources of Critical Theory). Estão igualmente
disponíveis duas entrevistas realizadas com o autor – “Entrevista com An-
drew Feenberg” (Scientiae Studia, 2009) e “Teoria Crítica, velhos e novos
desafios: entrevista com Andrew Feenberg” (Revista Ideias, 2016) –, além
da edição especial dedicada a ele pela Revista de Filosofia Aurora (2015).
A interação de Feenberg com o público de língua portuguesa deu-se
(ou tem se dado) também por meio da participação dele, dentre outras
coisas, em eventos realizados no Brasil (como o “Fórum Social Mun-
dial” (2008), a “Conferência Internacional da Rede de Tecnologia Social”
(2009) e o “Colóquio sobre a filosofia da tecnologia de Andrew Feenberg:
democracia, racionalidade e invenção” (2013)).
Ademais , foi publicada em Portugal uma nova coletânea de ensaios
mais recentes de Andrew Feenberg , Tecnologia , Modernidade e Demo-
cracia , organizada e traduzida por Eduardo Beira (2015 ). Uma versão
brasileira dessa obra está em preparação e a versão em língua inglesa foi
recentemente publicada (Rowman & Littlefield International ). Esse livro
inclui apenas ensaios posteriores e complementares à presente obra.

Elementos centrais da teoria crítica da tecnologia


As principais contribuições de Feenberg referem-se à área da filosofia
da tecnologia. Em linhas muito gerais, o seu entendimento é que, ainda
que a tecnologia encerre em si uma dimensão irredutivelmente singular,
toda solução técnica é sempre – e não tem como não sê-lo – uma combi-

1 Cf. https://www.sfu.ca/~andrewf/translations.html.
Andrew Feenberg e a teoria crítica da tecnologia lvii

nação ou articulação entre essa dimensão, por assim dizer, instrumental e


uma outra dimensão "mais social ". Com isso , Feenberg procura
evidenciar que:

1) o desenvolvimento tecnológico só é possível por meio de valores


sociais que nos farão, seja projetar, seja selecionar (dentre as
múltiplas alternativas técnicas eventualmente disponíveis ou
possíveis para um mesmo problema ou desafio ) a tecnologia
que melhor incorpora ou encarna determinados valores
considerados essenciais para os atores que conseguirem fazer
valer os seus interesses no momento do projeto. Trata-se aqui
da já clássica questão da subdeterminação do desenvolvimen -
to técnico, que argumenta que, diante de uma mesma questão
a ser resolvida tecnicamente , é logicamente possível (e
historicamente corroborável ) conceberem -se distintas solu-
ções tecnológicas 2. Assim, por exemplo, em face da questão
da produção agrícola , pode -se optar tanto pela solução ado -
tada pelo “agrobusiness ” (latifúndios , monoculturas , uso
intensivo de fatores de produção e agrotóxicos, menor procura
de mão de obra etc .) como pela solução da agroecologia
popular (pequenas propriedades , diversidade de culturas ,
ausência de agrotóxicos , uso intensivo da mão de obra e do
saber dos agricultores etc .); diante da necessidade de se
produzir energia elétrica , pode - se optar tanto pela macro
quanto pela microgeração , tanto por métodos sustentáveis ,
quanto por formas que impactam mais profundamente o meio
ambiente etc .; e relativamente ao problema do destino dos
resíduos sólidos urbanos, pode-se escolher tanto uma solução
articulada em torno de cooperativas de catadores , quanto
uma liderada por grandes empresas do setor de limpeza
urbana (seja para reciclagem ou reuso, seja para incineração).
É inegável, qualquer que seja a solução escolhida, que os valo-
res sociais (sustentados por atores poderosos ) precisam ser
considerados para que tal escolha possa ter lugar. É apenas, ou
fundamentalmente, isso que nos permitirá, por fm, escolher
2 Cf. Pinch & Bijker, 1989; Winner, 1986
lviii Cristiano Cruz

entre as múltiplas alternativas à nossa disposição (ou passíveis


de serem desenvolvidas);

2) os mesmos valores que nos vão possibilitar a escolha entre as


diferentes alternativas tecnológicas para um mesmo desafio
constituem também parte das condições fronteira ou métricas
(incorporadas nos códigos técnicos3) com que a eficiência da
tecnologia será medida. Ou seja, a própria eficiência técnica
é, em certa medida, tributária de elementos não técnicos,
como bem ilustram alguns exemplos históricos que Feenberg
apresenta neste livro: o desenvolvimento das caldeiras nos
Estados Unidos, que passará a ser marcado pela imposição

3 Os códigos técnicos determinam os padrões a serem seguidos na construção de qualquer


artefato ou tipo de solução técnica estabilizada. Eles normatizam o trabalho técnico e ma-
terializam-se em regras que asseguram que as funcionalidades consideradas essenciais
para esse tipo de solução, assim como os valores que lhes estão subjacentes, serão manti-
das e preservadas de alterações que as subvertam. Tais códigos seriam, nesses termos, o
equivalente tecnológico dos paradigmas descritos por Kuhn na ciência, no sentido de, uma
vez estabelecidos, cessar a disputa entre significados (e suas respectivas visões de mun-
do), cristalizando-se funcionalidades a serem garantidas e os valores a serem perseguidos
no seu desenvolvimento posterior (cf. Feenberg, 2019, p. 50-54). Enquanto o paradigma
em vigor não sofrer contestações, o processo seguirá inalterado, impassível. Quando con-
testações ou usos subversivos se impuserem , ele terá que ser reformulado , de modo a in-
corporar sentidos (ou usos) e funcionalidades anteriormente não contemplados , com os
respectivos valores sociais que tais sentidos, usos ou funcionalidades suportam, servem ou
emulam. Assim, quando os valores da produtividade , da submissão da natureza e do lucro
se tornam hegemônicos , por exemplo , na conformação das soluções técnicas agrícolas (
relativizando os valores da sustentabilidade ambiental , do empoderamento popular , da
não concentração do rendimento etc.), os códigos técnicos a regerem tais soluções tendem
a focar essencialmente a produtividade e os lucros brutos , desconsiderando tanto os impac
-tos ambientais não locais ou de médio/longo prazo dessas soluções , quanto as suas conse-
quências sociais sobre terceiros (e.g., agricultores e comunidades rurais ancestralmente
fixados na região dos empreendimentos ). Nesse cenário , tais impactos serão considerados
externalidades , de modo que soluções não canônicas que possam vir a ser propostas –
como as soluções agroecológicas populares – serão desacreditadas como ineficientes ou
menos eficientes do que as canônicas (e, por isso , tecnicamente inferiores ), sendo pro-
postas apenas porque contam com algum tipo de cegueira ideológica ou de obscurantismo
antitecnológico e/ou anticientífico . Apenas quando se logra romper a hegemonia dos valo-
res que conformam o código técnico é que soluções alternativas àquelas prescritas por tais
códigos podem sair da marginalidade social e novos códigos , incorpo rando outro conjunto
de valores sociais , podem , eventualmente , ser erigidos e socialmente sustentáveis. (Casos
históricos de reescrita dos códigos técnicos – e subsequente alteração dos critérios de
eficiência técnica –, em resposta à mudança nos valores sociais conformadores da
tecnologia , são ilustrados no exemplo do desenvolvimento das caldeiras nos Estados
Unidos e no do banimento do trabalho infantil nas fábricas inglesas , ambos mencionados
neste mesmo item 2.)
Andrew Feenberg e a teoria crítica da tecnologia lix

do valor social da segurança (capítulo 1); e o banimento do


trabalho infantil nas tecelagens inglesas, que terá que passar
a responder ao valor de se preservarem as crianças desse tipo
de atividade (capítulo 3). Assim, considerar apenas a maior ou
menor eficiência (diante de códigos técnicos já estabelecidos)
para se escolher ou preterir uma solução técnica não é capaz
de eliminar o fator social da escolha (que está imiscuído nos
códigos técnicos tornados canônicos para o tipo de solução
que se procura ). É por isso que caldeiras menos seguras e
fábricas operadas por crianças , tidas como eficientes (e
aceitáveis ) até certa época , deixam de ser vistas ou aceitas
como tais a partir da mudança na sensibilidade social da
população (ou em alguns dos seus valores);

3) não são apenas os valores sociais caros aos atores que, em


alguma medida, conseguem fazer-se ouvir no processo de
desenvolvimento tecnológico e que atuam na conformação
ou na escolha da solução técnica projetada. Esses mesmos
valores, para além disso, quando essa tecnologia é posta em
uso, são difundidos, emulados ou sustentados socialmente.
Com efeito, por exemplo, a opção por um modo de produção
agrícola baseado na agroecologia popular produz ou reforça
socialmente os mesmos valores – de sustentabilidade
ambiental, empoderamento dos agricultores e das suas
comunidades, fixação da população rural no campo etc. – que
levaram à escolha dessa solução técnica em detrimento da
outra solução do “agrobusiness”. É essa relação de influência
ou conformação mútua que se chamada unidade, ou realidade
sociotécnica4. Ou seja, em boa medida, a tecnologia é aquilo
que a sociedade em que ela foi desenvolvida quer que ela seja (
ou , pelo menos , alguns dos seus atores particularmente
poderosos ), da mesma forma que a sociedade (ou os valores
que a permeiam e estruturam ) é (são ) aquilo que a sua
base tecnológica permite que ela (eles) seja(m).

4 Cf. Dagnino et al., 2004, p. 25-6


lx Cristiano Cruz

Sendo assim , o desenvolvimento técnico mostra -se como sendo uma


arena política , seja porque , pela subdeterminação da tecnologia , as
soluções podem, ao menos em tese, ser feitas com sensibilidade aos valores
sociais que se queiram fazer respeitar , seja porque , por conta da unidade
sociotéc - nica, o tipo de sociedade que se possa querer desenvolver (e os
valores passí- veis de nela serem avançados ou suportados ) é conformado
ou limitado por aquilo que a sua base tecnológica permite sustentar . Com
isso, mesmo em face da ordem tecnocrático -capitalista desempoderadora
em que estamos inseridos, e que se impõe socialmente através das soluções
técnicas (desem - poderadoras ) que produz , é sempre possível opor -lhe
resistência , lutando e avançando em direção a uma ordem (sociotécnica )
mais empoderada , de- mocrática ou popular . É por isso que é urgente a
construção ou desenvolvi -mento de uma teoria crítica da tecnologia 5.
Porque , sem democratizar a técnica , conformando -a aos valores que
democraticamente podemos (ou poderemos vir a) sustentar , seremos
incapazes de democratizar a sociedade.
Por esse caminho de práxis , consciencialização e atuação política –
também, ou eventualmente sobretudo, com relação à tecnologia e aos sis-
temas técnicos – Feenberg acredita que seremos capazes de irmos gradu-
almente nos aproximando de uma ordem social que permita o floresci -
mento das múltiplas potencialidades humanas (e superar a unidimensio-
nalidade denunciada por Marcuse 6). Essa ordem é, para ele, o socialismo
democrático 7, o ideal social pretendido por Marx 8, e que deveríamos per-
seguir.
5 A teoria crítica , do modo como Horkheimer (cf. 1989 [1937 ]) a define , busca não apenas
construir um conhecimento mais verdadeiro sobre a sociedade , mas contribuir para a
transformação ou superação da ordem , em grande nível redutora , ou desumanizante ,
instituída , encaminhando -nos para uma realidade verdadeiramente mais humana e real-
izadora (onde não exista mais opressão nem alienação ). Trata -se, por essa razão , de um
conhecimento que só pode ser construído na interação ativa do/a investigador (a) com a
realidade social, por meio da reflexão acerca das atuações transformadoras intentadas e do
impacto delas sobre o mundo – reflexão que é chamada de práxis. Cresce-se, com isso , em
grau de conscientização e, como consequência , em capacidade de atuação política .
Feenberg , quando chama a sua teoria sobre a tecnologia de “teoria crítica da tecnologia ”,
procura inserir-se não apenas na tradição dessa linha de pensamento da Escola de Frank -
furt (da qual Marcuse , seu orientador de doutorado , é um dos membros mais conhecidos),
como evidenciar o tipo de conhecimento que quer produzir , assim como a intenção
fundamentalmente transformadora e libertadora que ele busca com tal construção.

6 2002 [1964]

7 Cf. Feenberg, 2002, p. 24-7, 54-8, 148

8 Cf. Feenberg, 2002, p. 62


Andrew Feenberg e a teoria crítica da tecnologia lxi

No restante desta introdução, apresentaremos com maior detalhe al-


guns dos elementos centrais dessa compreensão geral de Feenberg.

Teoria da dupla instrumentalização


Na sua teoria da dupla instrumentalização, Feenberg procura articular
o aspecto singular (ou instrumental) de toda tecnologia com a sua face ou
dimensão social. Para isso, alia elementos da compreensão de Heidegger
sobre o fenômeno técnico moderno (instrumentalização primária) com as
modernas compreensões sociológicas da tecnologia, que dão conta da sua
dimensão social (instrumentalização secundária). Assim, como iremos de
- senvolver melhor adiante , no desenvolvimento técnico há uma
conjugação de, por um lado, algo parecido com aquilo que uma boa parte
da Escola de Frankfurt identifica com a racionalidade técnica, tecnológica
ou instru - mental – que rege o desenvolvimento técnico e que , ao
transbordar para o mundo da vida, ou colonizá-lo, concorre para a nossa
desumanização (ou unidimensionalidade ) – com , por outro lado , uma
inevitável contamina - ção ou contágio dessa racionalidade por valores
sociais . Dessa forma , os significados construídos no mundo da vida
conformam, de uma maneira ou outra, o âmbito tecnológico da sociedade
(o qual engloba as esferas do governo e da administração , do mercado e
das tecnologias como corrente - mente as entendemos ), de modo que é
um equívoco falarmos em “racio - nalidade tecnológica ”, sendo mais
apropriado, ao invés disso, falarmos em “racionalidade sociotécnica”.
No nível da instrumentalização primária, temos uma tecnologia que,
ao descontextualizar e reduzir, dispõe de tudo e de todos como matérias-
-primas ou mercadorias, subsistindo unicamente o sentido instrumental
do ser-no-mundo. É a compreensão de um modo de ser que, nos termos
de Heidegger, nos conduz ao enquadramento, isto é, a uma vida decaí-
da, mecanizada, e que, uma vez mergulhada nessa forma tecnológica de
ser e significar a existência, torna-se incapaz de voltar a ser vivida de um
modo autêntico9. Como, entretanto, a tecnologia não é desenvolvida para
máquinas, mas precisa necessariamente de ser inserida num mundo pro-
priamente humano, ou fazer parte dele, o processo de desenvolvimento
tecnológico também tem de contextualizar aquilo que produz, de intro-

9 Cf. Heidegger, 1977 [1955]


lxii Cristiano Cruz

duzir os seus artefatos na rede de significados que caracterizam o nosso


modo de ser-no-mundo. Estamos, então, em face da instrumentalização
secundária, processo de conformação da tecnologia, que se aproxima da
compreensão sociológica moderna desse fenômeno10.
Se na instrumentalização primária estamos diante daquilo que é in-
variável na tecnologia, na instrumentalização secundária, também ela
mandatória, somos lançados para o mundo das contingências. Num caso,
está-se no reino dos imperativos lógicos; no outro, vive-se o mundo das
disputas e das construções socialmente dependentes. E como a realidade
social e existencial construída ou tecnicamente possível não é um resulta-
do, ou desvelamento ontológico (produzido pelo ser) sobre o qual não te-
mos qualquer poder (Heidegger), mas sim uma construção em boa medida
política, superar a condição de menos vida em que nos podemos ver meti-
dos não é uma impossibilidade ou imponderabilidade (Heidegger), mas é
algo ao nosso alcance e resultante das nossas mobilizações e lutas sociais.
Se são duas, e distintas, as instrumentalizações, isso não significa que elas
sejam autónomas, uma em relação à outra. Na verdade, elas interpene-
tram-se e afetam-se mutuamente, sendo unicamente distinguíveis ao nível
da análise11. Desse modo, por exemplo, o corte de uma árvore e a lamina-
ção da madeira (instrumentalização primária) estão também relacionados
com a finalidade que se dará a essa madeira (instrumentalização secundá-
ria), que implica o tipo de árvore que será cortada, assim como o tipo de
corte que deverá ser feito. Semelhantemente, a construção de uma casa de
madeira (instrumentalização secundária com relação à madeira cortada)
deverá obedecer às possibilidades que a sua matéria-prima traz consigo12:

O nível causal está relacionado com a construção de objetos


e sujeitos enquanto natureza [...], ou seja, enquanto submeti-
dos a regras e leis que regulam os seus comportamentos como
materiais. O nível cultural tem a ver com os significados que os
artefatos adquirem no mundo da vida a que pertencem. [...] Es-
ses significados não lhes são meramente atribuídos após o nível

10 Cf. Feenberg, 2002, p. 175-6

11 Cf. Feenberg, 2002, p. 176-7

12 Cf. Feenberg, 2019, p. 118-9


Andrew Feenberg e a teoria crítica da tecnologia lxiii

causal ter tido lugar, mas guiam a escolha e a configuração da


concatenação causal, que é aquilo em que consiste o projeto. [...]
As duas fases juntas identificam potenciais que são selecionados
e combinados na concretização do projeto. As camadas interpe-
netram-se no sentido em que uma relação causal se materializa
apenas na medida em que foi investida com significado cultu-
ral13.

Em termos mais detalhados, as duas instrumentalizações processam-


-se em quatro estágios. Na descrição abaixo, esses estágios estão agrupa-
dos em pares que unem a etapa da instrumentalização primária à etapa que
lhe é complementar na instrumentalização secundária. Os dois primeiros
pares referem-se àquilo que Feenberg chama objetificação, dizendo acima
de tudo respeito ao artefacto produzido e à relação que se estabelece, a
partir disso, com o mundo natural14. Os dois pares seguintes referem-se à
subjetivação, ou seja, ao impacto da ação técnica sobre o agente humano,
na sua relação com as outras pessoas e o mundo natural15.
DESCONTEXTUALIZAÇÃO E SISTEMATIZAÇÃO16. A descontextua-
lização (instrumentalização primária) significa isolar as matérias-primas
do contexto mais amplo em que elas vivem ou se encontram – uma flo-
resta, o subsolo, um ecossistema etc. – de modo a torná-las apropriáveis
e úteis para o desenvolvimento técnico. Porém, para serem incorporadas
no meio social, tais matérias-primas, descontextualizadas e transformadas

13 Feenberg, 2016, p. 297-8

14 Na verdade , Feenberg sustenta em diversos lugares , como em 2019 (p. 247 ), que a ob -
jetificação se aplica , no nível da produção técnica , também ao trabalhador . Com efeito ,
alega ele, no trabalho o indivíduo deve atuar desligado de todos os seus outros espaços de
pertença e vinculação social (que é, como se verá , a descontextualização ) e, além disso ,
apenas segundo a sua condição , por assim dizer , trabalhadora , desconsiderando os as-
pectos religiosos , políticos e outros (o que seria reducionismo ). Contudo , de uma parte ,
nessas análises não fica muito claro se tal coisa estaria no contexto da produção técnica ou
antes no da gestão burocrática (no caso , a gestão do trabalho ). De outra parte , ademais, ele
deixa de explicar – e será complicado de imaginar – no que consistiriam os complemen -
tares desses dois elementos da instrumentalização primária , ou seja, o que viriam a ser,
respectivamente, a sistematização e a mediação desse trabalhador reduzido, nos termos de
Heidegger , a “reserva à disposição ”. Por conta disso, não incorporamos o ser humano nos
dois primeiros pares que apresentaremos.

15 Cf. Feenberg, 2016, p. 298-301

16 Cf. Feenberg, 2002, p. 177-80; 2019, p. 116-21, 247-9


lxiv Cristiano Cruz

pela ação técnica, precisam ser introduzidas numa rede de significados: a


madeira para construção, a lâmpada para iluminação, o carro para trans-
porte e para assegurar um estatuto social etc. Esse processo, próprio da
instrumentalização secundária, e que impacta e é impactado por aquilo
que se pode isolar ou extrair da natureza, chama-se sistematização.
REDUCIONISMO E MEDIAÇÃO17. Não basta, entretanto, descontex-
tualizar a matéria-prima do ambiente e das ligações em que ela se encon-
tra mergulhada na sua ocorrência natural no mundo. O seu emprego, em
cada uso técnico específico, vai precisar, por via de regra, que apenas uma
ou algumas das suas múltiplas potencialidades seja(m) considerada(s):
a árvore que providencia material de construção (e não lenha, sombra,
frutos, bela paisagem, lugar de encontro com a divindade etc.); o terreno
que providencia espaço para se construir um lago artificial (e não lugar
para cultivo, para culto sagrado, construção de uma cidade, pasto, reserva
florestal etc.); e assim por diante. Contudo, para ser integrado ao mundo
da vida, outras qualidades, para além da sua utilidade ou função imediata,
precisam normalmente de ser incorporadas no artefato técnico: o acrés-
cimo de elementos decorativos à casa de madeira; o desenvolvimento de
designs atraentes para máquinas (de eletrodomésticos a automóveis) etc.
Isso seria a mediação (instrumentalização secundária). Tem impacto e
é impactada pelos tipos de materiais apropriados, selecionando aqueles
que dispõem das qualidades mais úteis – para a função pretendida e para
os acréscimos que precisará receber, para poder ser incorporado no meio
social – e estando limitada aos acréscimos suportados pelo artefato (por
conta de sua constituição e da sua(s) funcionalidade(s)/uso(s)):

A atribuição da função requer mais do que uma crença geral


na adequação causal; precisa também de um tipo específico de
operação cognitiva, uma mentalidade técnica que vai para além
da forma imediata do objeto e que o revela à luz do seu potencial
técnico num contexto cultural específico. Na teoria da instru-
mentalização, os correlativos iniciais dessa operação pelo lado
do objeto são chamados descontextualização e redução. O po-
tencial técnico é descoberto através do isolamento do objeto em

17 Cf.Feenberg,2002,p.180; 2019, p. 116-21, 247-9


Andrew Feenberg e a teoria crítica da tecnologia lxv

relação ao seu contexto natural e da sua redução às qualidades


úteis18.

A realização tem lugar nos contextos técnicos e sociais que


guiam a descontextualização e a redução. Eu chamo tais con-
textos sistematização e mediação. [...] Nesse nível, o objeto per-
tence ao mundo da vida, no qual ele está imbricado com vários
outros aspectos da natureza e da vida humana. Assim, o objeto
não pode entrar no mundo social, sem adquirir sentidos dife-
rentes das sistematizações causais e económicas. Esses outros
sentidos consistem nas várias associações do objeto com media-
ções estéticas e éticas do projeto. Desse modo, os objetos técni-
cos não apenas perdem qualidades quando são reduzidos, como
adquirem qualidades [novas] quando são integrados ao mundo
social19.

AUTONOMIZAÇÃO E IDENTIDADE20. A ação técnica é assimétrica,


por excelência, no sentido em que o agente da ação impacta o mundo na-
tural ou humano com a sua ação, muito mais do que é impactado por ela.
Assim, o caçador recebe, como resultado de apertar o gatilho, no tiro des-
ferido, um mero solavanco; o administrador que faz a gestão de forma fria
e dura da sua equipa angaria, com isso, apenas a não simpatia (ou o ódio)
dos seus subordinados, com os quais, porém, não estabelece qualquer vín-
culo social (outro que não o de gestor-gerido); o motorista que dirige um
autocarro precisa simplesmente mover o pé para pôr em movimento uma
máquina com peso várias vezes mais do que o seu próprio peso etc. A isso,
Feenberg chama de autonomização (da ação técnica, em relação às suas
consequências):

A teoria da instrumentalização identifica uma atitude técni-


ca básica que permite aos objetos no mundo serem vistos como
artefatos ou componentes. [...] A atitude básica é autónoma,

18 Feenberg, 2016, p. 299-300

19 (Idem, p. 300)

20 Cf. Feenberg, 2002, p. 180-2; 2019, p. 249-51


lxvi Cristiano Cruz

no sentido de que ela impede simpatia e identificação, atitudes


associadas às relações humanas, i.e., relações com um outro su-
jeito. Na relação técnica, o sujeito não está envolvido em inte-
rações recíprocas. É protegido do feedback dos seus objetos21.

Em contraposição, entretanto, o agente vai sendo moldado pela ação


ou pela postura reiterada que assume no seu dia a dia, adquirindo ou con-
formando assim parte da sua identidade com isso. Desta forma, aquele
que conduz profissionalmente será um motorista, do mesmo modo que o
administrador será um gestor (vendo as pessoas à sua volta como “recur-
sos humanos”). É o que Feenberg chama de identidade22. Além disso, se
estendemos o âmbito da análise das consequências da ação técnica sobre
o mundo, em termos temporais e de âmbitos da vida, tal como o propõe
Ellul23, poderemos perceber, em repetidas situações, que o seu impacto
sobre o agente pode ser bem mais profundo e severo do que aparenta ini-
cialmente. Exemplos disso seriam o advento da poluição, do barulho, da
exaustão dos recursos naturais etc. gerados pelo desenvolvimento técnico
em geral24; a ameaça de superpopulação, por conta da melhoria das condi-
ções de saúde nas sociedades humanas25; e a perda de postos de trabalho
provocada pela automação26.
Também, nesse nível, a interdependência das fases primária e secun-
dária está presente, seja porque a ação técnica conforma e impacta sobre o
agente, seja porque o agente limita a sua autonomia (o seu impacto sobre o
mundo humano e natural), restringindo-a àquilo que o mundo dá conta de
suportar, ou àquilo que nós, seres humanos, definimos como suportável.
POSICIONAMENTO E INICIATIVA27. A ação técnica também é, por
excelência, controladora, manipuladora. E isso, tanto na relação com o

21 Feenberg, 2016, p. 300

22 Cf. Feenberg, 2016, p. 300

23 Cf. 2008 [1954], p. 399

24 Cf. Ellul, 1990, p. 50-51

25 Cf. Ellul, 1962, p. 417; 2008, p. 400-401; 1990, p. 51-54

26 Cf. Ellul, 1962, p. 415-417

27 Cf. Feenberg, 2002, p. 182-3; 2019, p. 246-51


Andrew Feenberg e a teoria crítica da tecnologia lxvii

mundo natural, quanto na relação que se estabelece com sujeitos humanos


vistos como trabalhadores (a serem geridos), cidadãos (a serem governa-
dos), alunos (a serem disciplinados) etc. Há, assim, naquilo que se refere
à relação técnica com outras pessoas, uma tendência à hierarquização, ou
uma possibilidade de ela ter lugar.. Isso seria o posicionamento. Contudo,
tal control nunca é total, ficando sempre subjacente alguma margem de
manobra , que permite aos governados / geridos / consumidores subver -
sões no ordenamento / uso pretendido pelo governo/ gestor/ fabricante .
Isso seria a iniciativa . Nesse nível, a relação entre essas duas dimensões
da instrumentalização é direta , no sentido em que o aumento de uma
delas implica uma redução da outra e que o posicionamento depende ,
seja do que os geridos / governados / consumidores dão efetivamente
conta de se submeterem, seja do quanto estão dispostos a fazê-lo.

Racionalidade sociotécnica
Apresentada nesses termos, a teoria da dupla instrumentalização per-
mite a Feenberg dar um passo em relação à teoria crítica. Tal passo pro-
cura mostrar que a solução para os problemas trazidos pela modernidade,
e identificados com o que se chamou de racionalidade instrumental, não
pressupõe a eliminação ou a delimitação da técnica, a partir de fora, como
pode – e deve! – ser também dado a partir da técnica e de modo interno
a ela própria. Esse seria o caso porque, por um lado, a racionalidade que
preside ao desenvolvimento técnico não é puramente instrumental, como
seríamos levados a crer se reduzíssemos tal processo apenas à instrumen-
talização primária, mas, dado que há que se considerar também a instru-
mentalização secundária, envolve e pressupõe valores sociais. Além disso,
por outro lado, como a técnica traduz e estabiliza os valores sociais que
conseguiram prevalecer no momento do seu projeto (unidade ou realidade
sociotécnica), se tentamos transformar a sociedade sem fazer o mesmo
com respeito ao substrato técnico que a conforma, estaremos condenados
ao insucesso.
Ou seja, a técnica é regida por uma racionalidade sociotécnica que,
como apresentado na teoria da dupla instrumentalização, procura resolver
desafios técnicos que definimos (ou que encontramos) de acordo com os
princípios instrumentais da descontextualização, da redução e do contro-
lxviii Cristiano Cruz

lo, mas que necessita, para tanto, de condições fronteira providas pela cul-
tura – através de significados, limites aceitáveis e múltiplos valores sociais
contingentes.
A tradição crítica, diante da qual a racionalidade sociotécnica teria a
pretensão de representar um passo adiante, tem suas raízes em Weber.
Para este, a racionalidade manifesta-se segundo duas formas autónomas,
a partir da modernidade: a formal – aquela que busca os meios mais efi-
cientes para se alcançar determinado fim assumido – e a substantiva –
que analisa a correção ou adequação dos fins que assumimos28. Para além
disso, o processo de racionalização por que passará o mundo a partir daí
vai-nos conduzir cada vez mais à convicção de que tudo é, ou poderá vir
a ser, passível de ser conhecido (pela nossa ciência) e controlado (pela
nossa técnica), libertando-nos do império das forças misteriosas e impre-
visíveis que moviam a realidade dos grupos primitivos29. É isso que nos
conduzirá à intelectualização, isto é, à racionalização da vida e do mundo
como uma realidade desencantada30, na qual não existem mais interditos
a manipular, ou para nos apropriarmos de tudo o que existe, de acordo
exclusivamente com a utilidade que isso possa ter para a otimização ou
racionalização de toda a nossa vida31. Trata-se, noutros termos, do pro-
gressivo império da racionalidade formal, isto é, da eficiência e do
controle assumidos como princípios não negociáveis e válidos por si
mesmos32.
Com isso, as múltiplas esferas da vida – economia, política, ciência
etc. – que se vão diferenciando e autonomizando socialmente, passam
a operar segundo materializações próprias desses princípios, imunes a
quaisquer controles substantivos33 (em movimento que significará a cisão
da unidade clássica entre o bom, belo e verdadeiro, e que nos conduzirá a
distintas encarnações da separação entre fato e valor ). A modernidade ,
assim, acaba transformando “relações sociais e instituições em objetos de
28 Cf. Habermas, 1984, p. 170-1

29 Cf. Weber, 2004 [1919], p. 12-13

30 Cf. Weber, 2004, p. 85-6

31 Cf. Weber, 2005 [1904-5], p. 13-4, 58

32 Cf. Feenberg, 2002, p. 65

33 Cf. Habermas, 1984, p. 158-165; Stump, 2006, p. 3-4


Andrew Feenberg e a teoria crítica da tecnologia lxix

troca e gestão”34. Chega-se, por esse meio, à “gaiola de ferro” de uma gestão
burocrática sempre mais total e imobilizadora da ação política (ou imune
a ela, porque exercida de forma tecnocrática), ou cerceadora da liberdade
individual (ou seja, não sensível à contingência representada pela singula-
ridade de cada indivíduo). E isso, que é exatamente o oposto da liberdade
prometida ou pretendida pelo iluminismo, seria uma realidade inapelável
no mundo regido pela eficiência e pelo controle formal, ou seja, pela racio
- nalização e pela otimização tomadas como fins por si mesmos35, 36.
De Horkheimer e Adorno a Habermas, passando por Marcuse, perma-
necerá esse diagnóstico de que a modernidade nos conduziu à perda pro-
gressiva do poder da ação social transformadora, por estar fundamentada
numa forma específica de racionalidade – a racionalidade formal, como
lhe chama Weber, ou racionalidade instrumental/ tecnológica, como lhe
chamará a Escola de Frankfurt – que se ocupa unicamente com os meios
– mais precisos (controle ) e mais eficientes – sem se permitir qualquer
controle ou conformação substantiva.
Para os autores da Dialética do Iluminismo, a causa estaria na pro-
gressiva restrição da racionalidade teórica, em cada novo passo que o
conhecimento dava no Ocidente, na procura por garantir a segurança e
por nos libertar das forças e fantasias que a nossa imaginação supunha
existirem37. Porém, o esclarecimento acaba, com isso, por nos interditar
a possibilidade de conceptualizar, isto é, de transcender dialeticamente
aquilo que é imediato e cientificamente enunciável (aquilo que o positi-
vismo afirmava ser o único conhecimento possível de construção) e aca-
bamos por nos conformar a um conhecimento – e a uma prática – apenas
instrumentais do/no mundo38. Ou seja, como paga por esse processo, ve-

34 Feenberg, 2015b, p. 270

35 Trata-se aqui da perspectiva da qual não nos afastamos hoje em dia, com o ordenamento
tecnocrático da vida social, pela qual ações que vão em direção distinta, por exemplo,
daquelas ditadas pelos grandes atores econômicos (i.e., FMI, Banco Mundial, OMC etc.)
são reputadas como irracionais ou ideológicas. Dos governos nacionais não se espera,
nesse contexto, outra coisa senão a concretização dessas diretivas. Com isso, a “gaiola de
ferro” do mundo globalizado torna-se, também ela, globalizada.

36 Cf. Weber, 1978, p. 979-80; Habermas, 1984, p. 247-51; Feenberg, 2019, p.32-3

37 Cf. Horkheimer & Adorno, 2002 [1944], p. 1-4

38 Cf. Idem, p. 15-21


lxx Cristiano Cruz

mo-nos não libertados da determinação do destino, na sua reinstituição


cíclica interminável – como nos mitos que foram sendo superados pelo
esclarecimento – mas, exatamente ao contrário, aprisionados como dan-
tes. Mas, agora, num determinismo cíclico, identificado com as imutáveis
(e inalteráveis) leis da natureza, a que se soma a coerção social, que nos
destitui de qualquer individualidade39.
Marcuse, de sua parte, em movimento que ecoa Horkheimer e
Adorno, identificará na racionalidade instrumental – por ele chamada
tecnológica – que coloniza a nossa vida, a causa da perda da nossa
capacidade de transcender o status quo, sonhando e construindo outros
ordenamentos sociais possíveis40. Há, na sua concepção, uma pluralidade
de potencialidades individuais e coletivas que, em rigor, podem florescer
em múltiplos modos41. Contudo, vivemos num tempo de tal integração
com a racionalidade tecnológica, de tal conformação à tecnologia
instituída, que as tensões clássicas existentes entre indivíduo e sociedade,
entre as classes etc. desaparecem e impedem-nos de superar problemas
claros do nosso tempo (como a permanência da miséria, do trabalho
extenuante, da guerra etc., quando nada disso, por si, seria obrigatório
ou necessário)42. Ou seja, o ordenamento vigente adequa-nos a um modo
de vida rígido, destituindo-nos dessa nossa dimensão “transgressora”,
dialeticamente negadora do estabelecido e condição de possibilidade de
o transpor, atualizando parte daquilo que se traz ou se construiu como
uma potencialidade43. É a unidimensionalidade, ou seja, a eternização do
já dado44 que, com a massificação, é também aquilo que a arte passará a
produzir ou reforçar em nós45.
Já Habermas conceberá dois grandes espaços da vida social, cada qual
regido por uma racionalidade específica. De um lado, haveria o sistema

39 Cf. Idem, p. 7-9

40 Cf. Marcuse, 2002 [1964], p. 14

41 Cf. idem, p. 224-6

42 Cf. idem, p. 3-20; 230-1

43 Cf. Lopes, 2015, p. 123

44 Cf. Marcuse, 2002, p. 14

45 Cf. idem, p. 59-74


Andrew Feenberg e a teoria crítica da tecnologia lxxi

que compreende o mundo da produção material e da administração pú-


blica e que se rege pela racionalidade instrumental (ou, nos seus termos,
racional-intencional)46. Por outro lado, porém, haveria o mundo da vida,
aquele dos acordos que estabelecem significados e horizontes norteado-
res da vida em comum, também racionalizado, mas, ao contrário do que
propunha Weber, segundo uma forma de racionalidade distinta e comu-
nicativa47. A “gaiola de ferro” de Weber manifestar-se-ia, para Habermas,
não na realização da racionalidade própria dessa parte da vida humana,
mas no transbordamento da racionalidade instrumental para o mundo da
vida, na colonização deste por aquela48. Com isso, a solução para a distopia
do controle progressivo e inexorável da vida social de Weber seria não a
transformação ou a eliminação do sistema e da sua racionalidade própria,
mas a contingência desta ao espaço que lhe diz respeito . A técnica – nas
suas manifestações produtivas e administrativas – seguiria a sua normati
- vidade instrumental. E isso, em si mesmo, não seria um mal49.
Marcuse, por seu turno, apontará como saída do aprisionamento, que
também diagnostica, a superação da unidimensionalidade. Isso é possível
porque Eros, a força, pulsão ou tendência que está por trás do nosso im-
pulso por superar as restrições, contenções ou limitações (impostas, em
última análise, pela sociedade), na busca dialética pela realização, subsiste
no ser humano unidimensional, ainda que de forma latente50. Seja como
for, a transformação do status quo exige dois elementos. De uma lado, a
liberdade de que necessitamos para construir o novo que se procura só
pode emergir da luta consciente contra o estabelecido51, ou seja, da con-
jugação entre o Eros e o Logos, como estava presente, por exemplo, na
dialética platónica, na sua tensão entre o “é”, empiricamente verificável, e
o “dever ser”, idealizado ou intuído, diante do qual a realização presente

46 Cf. Habermas, 1984, p. 71-2

47 Cf. Habermas, 1987, p. 153-97

48 Cf. Habermas, 1987, p. 183, 195-6, 305, 332-73

49 Cf. Habermas, 1987, p. 153-97

50 Cf. Marcuse, 2002, p. 131, 150, 170-1

51 Cf. idem p. 227-228


lxxii Cristiano Cruz

se mostrava repetidamente limitada ou aquém do que poderia vir a ser52.


Por outro lado, a transformação só é possível se, ao lado e em decorrência
desse mesmo exercício dialético de tomada de consciência e libertação,
produzirmos uma ordem técnica que permita o novo:

Se a realização de um projeto tecnológico [alternativo] en-


volve uma ruptura com a racionalidade tecnológica prevalecen-
te, a ruptura, pelo seu lado, depende de que continue a existir
a própria base técnica. Porque é essa base que tornou possível
a satisfação de necessidades e a redução da fadiga [humanas],
de modo que permanece a base de todas as formas de liberda-
de humana. A mudança qualitativa encontra-se, assim, [não na
destruição, mas] na reconstrução dessa base, ou seja, no seu de-
senvolvimento com vista a diferentes fins53.

Já para Horkheimer e Adorno, a superação da opressão social, da


“gaiola de ferro”, requer que se volte a conquistar o conceito, isto é, aquilo
que pode nos permitir ter alguma distância à ordem dada e medir o grau
de injustiça do ordenamento instituído54. Ou seja, a mudança do status
quo exige que a razão seja reassumida nas suas possibilidades teóricas,
para além da vertente calculadora que impera hoje em dia.

O respeito científico mítico dos povos pela realidade dada,


que eles próprios criam constantemente, torna-se, por fim, um
fato positivo , uma fortaleza diante da qual até mesmo a ima-
ginação revolucionária se sente envergonhada , como se fosse
utopia, e que degenera em confiança55 na tendência objetiva da
história.56 (...) Dessa forma, o esclarecimento iluminado, sem
o qual a liberdade e a autodeterminação são impossíveis, só se
realizará plenamente quando renegar esse papel de produzir a
52 Cf. idem, p. 129-31, 170-1

53 Marcuse, 2002, p. 236)

54 Cf. Horkheimer & Adorno, 2002, p. 30-32

55 [compliant trust]

56 Idem, p. 33
Andrew Feenberg e a teoria crítica da tecnologia lxxiii

adequação de tudo e todos a essa ordem assumida como objetiva


e necessária57.

Esse diagnóstico de que, apesar do iluminismo, a modernidade, que se


configura também em consequência dele, não trouxe um aumento de liber-
dade e autodeterminação, mas sim um progressivo desempoderamento do
ser humano e, com isso, um cercear crescente das suas múltiplas possibili-
dades de florescer, é um diagnóstico com que Feenberg também concorda.
Isso, para Feenberg, manifestar-se-ia na construção dos diversos códigos
técnicos58, que fundamentam a atuação autónoma dos tecnocratas. Ao
mesmo tempo, como vimos, para ele é inegável que a tecnologia desempe-
nha um papel fundamental nesse processo (de desempoderamento) e que,
por via de regra, ela é blindada, no seu desenvolvimento, contra pondera-
ções substantivas (i.e., valorativas). De igual forma, a dinâmica própria de
nosso tempo naturaliza o ordenamento social instituído, ao cristalizar os
condicionamentos sociais que conformaram os múltiplos projetos técnicos
nos referidos códigos canónicos que balizam sua construção, funcionalida-
de e uso. Como consequência, torna-nos a todos progressivamente menos
aptos a pensar ou mesmo enunciar aquilo que é diferente.
Entretanto, para Feenberg, a falha mais fundamental de todas essas
análises é tomar a racionalidade que preside ao desenvolvimento técni-
co, em todos os âmbitos daquilo que Habermas chamou sistema, como
algo, em si mesmo, neutro e impermeável a valores sociais59. Aquilo que,
na verdade, tais autores analisam não é a racionalidade técnica pura, mas
a conformação que ela adquire sob o ordenamento (substantivo/ valora-
tivo) capitalista hegemónico em que nos encontramos60. Desse modo, não
foi o surgimento de uma racionalidade técnica que nos conduziu ao impé-
rio do controle e da eficiência (reduzindo -nos a uma vida “apenas ” cada
vez mais racionalizada, controlada, otimizada, desencantada), mas sim a

57 Cf. idem, p. 32-34

58 Cf. nota 2.

59 Marcuse, a bem da verdade, reconhece a não neutralidade da racionalidade tecnológica,


mas, na compreensão de Feenberg (cf. 2017a, p. 638-9), a sua crítica, por ser demasiada-
mente abstrata, não permite que sejam dados os passos teóricos que o foram com a incorpo-
ração de contribuições importantes do campo de ciência, tecnologia e sociedade (CTS).

60 Cf. Feenberg, 2019, p. 40-4


lxxiv Cristiano Cruz

conjugação do enorme aumento da nossa capacidade de conhecer cien-


tificamente e de incidir tecnicamente sobre o mundo com a perspectiva
capitalista dessa incidência (o que nos conforma a uma vida mais raciona-
lizada, controlada..., com vista a maximizar o lucro e a minimizar as nossas
possibilidades de insurreição contra esse quadro das coisas). O controle e
a subjugação do mundo natural e humano não decorreriam do ser
próprio da técnica em si (i.e., essa racionalidade calculadora e
controladora), mas sim da sua manifestação capitalista. Fossem outros os
valores a perme - arem e conformarem tal construção e teríamos uma
outra configuração resultante.
Com isso, a grande dificuldade para transformarmos essa ordem que
parece tornar-se cada vez mais totalitária e desumanizante não advém
propriamente de uma colonização do mundo da vida por uma raciona-
lidade que lhe é estranha, porque não comunicativa. De um modo mais
fundamental, essa dificuldade resulta do predomínio hegemónico da ide-
ologia capitalista, que se desdobra na produção de uma ordem técnica
que a reforça e estabiliza e na entronização de uma racionalidade formal
(ou instrumental) que está ao pleno serviço da sua perspectiva substan-
tiva (ou seja , dos valores do controle e do lucro que presidem à visão
capitalista).
Além disso, exceptuando Marcuse, esses autores não tematizam a
questão da técnica ser conformadora da ordem social, por si mesma.
Com isso, o risco que se tem é não conseguirmos mudar a realidade, de
fato, por mais que a procuremos conhecer e analisar criticamente.
Por fim e como consequência dos limites anteriores, não se vê que o
ordenamento sociotécnico em que nos encontramos envolvidos é demo-
cratizável, ou seja, passível de ser conformado por outros valores que não
a submissão ou o controle (com vistas ao lucro ), algo que, na prática ,
isso já tem, ainda que marginalmente (como os exemplos utilizados ao
longo desta introdução o ilustram ). Para tanto , não foi – nem é –
necessária uma transformação profunda no modo de pensar dos agentes
ou , de for - ma ainda mais radical , um novo desvelamento do ser (
Heidegger ). Em alguma medida , diferentemente , bastam , como
veremos na sequência , interesses ou uma causa comum a unir e mover
um grupo de pessoas su- ficientemente fortes em termos políticos (em
sentido amplo, que trans- cende a política institucional).
Andrew Feenberg e a teoria crítica da tecnologia lxxv

Em síntese, então,

[a] teoria da instrumentalização fornece uma alternativa ao


reducionismo, ao mostrar a racionalidade da intervenção cultu-
ral na configuração do aspecto causal do sistema técnico. Esse
contra-argumento ao determinismo abre espaço para a luta so-
cial e para a política no desenvolvimento tecnológico. Em suma,
a teoria da instrumentalização é politicamente significativa não
porque advoga ou apoia qualquer política pública em particu-
lar, mas porque torna a política pensável no mundo do sistema
técnico61.

Democratização da tecnologia
Para Feenberg, existem essencialmente três modos de incidência so-
cial ou democratizante sobre a técnica62. Ela pode:

1) ser apropriada criativamente ou subvertida, ou seja, ser


operada de forma diferente daquela em que foi originalmente
projetada. Exemplo clássico disso é o caso do sistema francês
de telemática Minitel, inicialmente projetado para prover
acesso dos utilizadores a bases de dados, mas que acabou
por se popularizar como uma rede de comunicação entre os
assinantes do serviço a partir do desenvolvimento, por piratas,
de uma funcionalidade suportada pelo equipamento, mas que
inicialmente não estava disponível para ser usada63;

2) ter o seu desenvolvimento submetido a regulamentações/


controles – decididos, formalmente ou não, pelos governos ou
pelos consumidores – que emergem de controvérsias técnicas,
em geral . Exemplos disso vão desde a transformação dos
procedimentos de teste de fármacos, por ocasião da eclosão

61 Feenberg, 2017b, p. 156

62 Cf. Feenberg, 1999, p. 121-9

63 Cf. Feenberg, 1995, p. 144-66; 2019, cap. 5


lxxvi Cristiano Cruz

da epidemia de Sida nos Estados Unidos64 e da alteração


das normas de conduta nos partos norte-americanos65, até
regulamentações ambientais (em torno, por exemplo, de
questões como a conservação da camada de ozono ou da
redução na emissão de gases de estufa), passando por situações
como a mobilização de consumidores da Apple, nos países
ocidentais da Europa e América do Norte, contra as condições
de trabalho dos funcionários da empresa chinesa Foxconn, onde
os produtos da multinacional são fabricados66, e pela melhoria
das condições técnicas de trabalho de categorias profissionais
inteiras67; ou

3) ser projetada em associação com grupos de atores sociais,


incorporando, com isso, pelo menos parte dos valores que eles
partilham. Um dos exemplos desse tipo de democratização na
Europa é o projeto participativo68; no Brasil, a tecnologia social
e aquilo que vem sendo chamado de engenharia popular69
constituem outros exemplos.

Um aspecto que todos esses casos mostram é que, apesar da autonomi-


zação e do posicionamento próprios da instrumentalização primária e sus-
tentados pelos diversos códigos técnicos (que procuram não apenas crista-
lizar os significados, funcionalidades e usos das várias mediações técnicas
como, ao mesmo tempo, blindar o seu desenvolvimento e a sua operação
relativamente a interferências externas de todo o tipo), apesar disso, sub-
siste sempre, como já havíamos destacado, algum espaço para a iniciativa
ou democratização. É o que Feenberg70 chama de margem de manobra.

64 Cf. Colins & Pinch, 1998, cap. 7

65 Cf. Feenberg, 2015a

66 Cf. http://recode.net/2015/04/06/where-apple-products-are-born-a-rare-glimpse-in-
side- foxconns-factory-gates/

67 Cf. Rosner & Markowitz, 1987; Markowitz & Rosner, 2002

68 Cf. Shculer & Namioka, 1993; Hoven et al., 2015

69 Cf. Cruz, 2017

70 1999, p. 112-4
Andrew Feenberg e a teoria crítica da tecnologia lxxvii

Além disso, o primeiro tipo de democratização estaria também mui-


tas vezes associado àquilo que Simondon chama de superabundância
funcional71: um excedente de funcionalidades nas mediações técnicas que
construímos, que muitas vezes permite que possam ser apropriadas para
usos ou operações originalmente não intencionados. Por outro lado, em
algo que se verifica sobretudo nos outros dois tipos de democratização, o
desenvolvimento técnico, por conta da sua insuperável subdeterminação,
permite soluções distintas, que serão assim preferidas ou concebidas em
função das condições fronteira sociais prevalecentes no momento do seu
projeto.
Grosso modo, então, isso que Feenberg chama democratização da tec-
nologia e/ou do seu desenvolvimento refere-se, numa primeira aproxima-
ção, à

1) seleção da solução técnica, entre as múltiplas disponíveis, ou


à customização daquela solução única que se tem à disposição
para se obter algo que responda melhor às necessidades e/ ou
aos valores que o grupo quer ver respondidos/ respeitados; e

2) definição das questões ou problemas que devem merecer


atenção, segundo as condições fronteira trazidas pelo grupo e
que serão, assim, passíveis de ser mais bem conhecidos técnica
e cientificamente e de obterem, a partir daí, uma solução (mais)
adequada.

Este último aspecto, quando se refere a produções técnicas do tipo da


tecnologia social, engenharia popular ou mesmo projeto participativo, tem
implicações epistemológicas bastante sérias, que têm a ver com as meto-
dologias utilizadas no processo de construção (participativa) da solução
tecnológica pelo grupo que a procura72. Esse seria, assim, o terceiro âmbito
de incidência/ atuação de uma procura democratizante, a sensibilização
de cientistas e engenheiros(as) para operarem profissionalmente segundo

71 Cf.Simondon,2008[1965-6],p.171-3;Barthélémy,2014,p.91

72 Cf. Cruz, 2017b


lxxviii Cristiano Cruz

perspectivas ou métodos distintos de boa parte daquilo que está atualmen-


te estabelecido.
Não obstante, para além dessas três áreas ou dimensões da democra-
tização da técnica e do seu desenvolvimento, existiria ainda uma quarta e
última, e que seria a mais básica de todas - a busca por, pura e simples-
mente, se ter acesso à tecnologia.
A despeito, porém, do tipo ou do âmbito da democratização procura-
da, será preciso, por via de regra, um motor ou iniciador político, alguma
força social que, por assim dizer, seja capaz de a fazer acontecer. Feenberg,
a partir dos estudos de caso e dos referenciais teóricos de que parte, re-
conhecerá hoje tal força naquilo que ele chamará de redes de interesses.
Assim, no restante desta seção, detalharemos o que são e como se consti-
tuem, para ele, essas tais redes.

As redes de interesses não são mais do que coletivos de pessoas que


se articulam em função de algum interesse ou agenda comum. Historica-
mente, para Feenberg, elas derivam dos movimentos de democratização
da técnica que emergem, no pós-Segunda Guerra Mundial, com a tomada
de consciência do aumento exponencial do poder de controle e de infligir
danos (a indivíduos , comunidades e/ou meio ambiente ) propiciado pelo
avanço tecnológico73. Na sua primeira etapa, transcorrida na década de
1960, tais movimentos questionavam o poder altamente centralizado dos
governos. O auge dessa fase foi o Maio de 68, na França. Resultou desse
período uma nova forma de militância, que será mobilizada na fase se-
guinte. Nesta, que teve lugar nas décadas de 1970 e 80, o foco passa a ser o
meio ambiente, a medicina e o género.
O terceiro estágio, aquele em que nos encontramos hoje, inicia-se na
década de 1990, com o advento da internet e das lutas ou subversões com
respeito ao uso e às funcionalidades que se vão desenvolver para ou a
partir dela. É a etapa em que efetivamente surgem as redes de interesses,
grupos que usualmente se articulam apenas durante algum tempo e em
torno de exigências pontuais sem que, em termos mais amplos ou noutros
contextos, os seus participantes necessariamente partilhem, por exemplo,

73 Cf. Feenberg, 2015a, p. 500-1


Andrew Feenberg e a teoria crítica da tecnologia lxxix

valores comuns ou uma mesma ideologia74. Seriam exemplos desse tipo de


organização os grupos que lutaram por várias democratizações exemplifi-
cadas ainda há pouco: homossexuais nos Estados Unidos (na batalha pela
mudança dos procedimentos de teste de novos medicamentos); consumi-
dores dos países centrais do capitalismo (na batalha contra as péssimas
condições de trabalho dos funcionários da Foxconn, que fabrica produtos
da Apple); utilizadores do Minitel (que o transformaram numa ferramenta
de comunicação para a interação entre si) etc.
Assim, na constituição das redes técnicas há, fundamentalmente, um
despertar para uma condição que se mostra ou que se torna não (mais)
aceitável; ou, o que seria o mesmo, há a tomada de consciência de uma
potencialidade que não aceitamos mais reprimir. E isso é seguido por uma
associação de pessoas em torno dessa causa, de modo a procurar transfor-
mar esse aspecto específico da realidade75.
A tecnologia, desse modo, opera em dois níveis na constituição de tais
redes. Por um lado, é quase sempre através de alguma mediação técnica
(para além da linguagem) que tais mobilizações podem ter lugar. De fac-
to, esses movimentos procurarão quase sempre algum meio de suporte à
comunicação (como material impresso, rádio, TV, internet, telefone etc.)
para atrair e/ ou informar os seus participantes. Por outro lado, e isso é o
mais importante aqui, são os efeitos de alguma técnica, potencialidades
suas não apropriadas ou soluções alternativas (ao padrão estabelecido)
não perseguidas que proporcionarão a segmentos da sociedade civil uma
agenda ou identidade em torno da qual se unir (ou com a qual se identifi-
car), na luta por as concretizar.
São essas agendas ou identidades que constituem os interesses dos
participantes de uma rede qualquer. Exemplos delas poderiam ser a
contaminação ambiental da região em que se vive (que pode congregar
moradores, ambientalistas e demais interessados/ afetados, na luta por
transformar esse quadro); questões relacionadas com efeitos indesejados
na cadeia produtiva de algum produto (que podem dar oportunidade a
boicotes ao produto ou à empresa, da parte dos consumidores, até que o
problema seja superado); e aspectos associados a uma doença ou condição

74 Cf. Feenberg, 2015a, p. 500-1

75 Cf. Feenberg, 1999, cap. 6; 2019, p. 98-102


lxxx Cristiano Cruz

de saúde específica (que podem mobilizar pacientes, familiares e demais


interessados ou afetados para se garantir mais investigação na área, ou
para alterar procedimentos médicos, por exemplo).
Em suma, então a técnica possibilita e provoca mobilizações sociais
que têm nela o seu objeto (ou objetivo). Tais mobilizações permitem não
só que certas potencialidades não intencionadas, mas presentes, sejam
apropriadas ou desenvolvidas, como tornam possível antecipar ou direcio-
nar o desenvolvimento técnico numa direção que não seria a escolhida por
si, se não fosse essa pressão política.
Não obstante, e naquilo que constitui parte das críticas endereçadas a
Feenberg e à sua teoria, ainda que o ordenamento sociotécnico seja pas-
sível de reconfigurações ou, nos seus termos, democratização, o dado em-
pírico disponível é que, onde quer que tais democratizações tenham tido
êxito, no geral uma de três coisas veio na sequência: ou elas acabaram por
ser cooptadas pela tecnocracia capitalista (como nas grandes explorações
de produção orgânica); ou elas paradoxalmente permitiram um controle
e dominação ainda maiores (como no caso da internet , cujo
desenvolvimen - to , por exemplo , permite / possibilita / apoia tanto
eventos revolucionários , como a Primavera Árabe , quanto o controlw
mais completo de cidadãos , do tipo daquele desenvolvido pela NSA nos
EUA ); ou permaneceram larga - mente marginais (como as culturas
agroecológicas populares , os empreen - dimentos autogestionários de
economia solidária, as fábricas recuperadas por trabalhadores etc.).
Pela sua parte, Feenberg não nega tais observações, que dão conta de
um agenciamento ou, no sentido oposto, de um contingenciamento da
técnica inicialmente subversiva construída, reconhecendo que uma trans-
formação profunda no nosso modo de vida, que conduza ao socialismo de-
mocrático que ele defende como horizonte ideal a ser perseguido, só terá
lugar após uma ampla crise sistémica, que permita a ruptura com o status
quo capitalista-tecnocrático. O seu ponto, de qualquer modo, é mostrar
tanto a razoabilidade da sua racionalidade sociotécnica, quanto a viabi-
lidade da sua democratização (que é testemunhada, como se acabou de
mostrar, por múltiplos eventos em todo o mundo).
Para além disso, há dois aspectos fundamentais relacionados com a
democratização da técnica nas suas múltiplas possibilidades e que não
Andrew Feenberg e a teoria crítica da tecnologia lxxxi

devem ser esquecidos. Por um lado, tais processos são potencialmente


formadores de consciência crítica, por mais que eles sejam movidos por
grupos de pessoas ligadas entre si apenas pelo interesse técnico que têm
em comum. Quanto menos não seja, de fato, esses processos ajudam (ou
podem ajudar) os participantes da rede de interesses tanto a desconstruí-
rem os mitos da neutralidade e unilinearidade do desenvolvimento técni-
co76, quanto a descobrirem mecanismos eficientes de superação, mesmo
que pontual, do ordenamento tecnocrático vigente.
Por outro lado, e naquilo que vale principalmente para soluções que
dão conta de sustentar um ordenamento sociotécnico mais democrático,
socialmente justo e ambientalmente sustentável, de pouco vale enfrentar
uma crise sistémica do tipo que pode derrubar o capitalismo, sem que te-
nhamos para oferecer, para o lugar da tecnologia convencional atual (que
é desempoderadora da ação política, não sustentável etc.), seja um arsenal
mínimo de tecnologias alternativas já implementadas (afinadas com os va-
lores que queiramos fazer avançar) e que possam vir a ser reaplicadas nou-
tras partes, sejam metodologias testadas e eficazes para desenvolvê-las.

76 O mito da neutralidade da tecnologia e/ou do seu desenvolvimento sustenta que toda


solução técnica é neutra, não incorporando nem sustentando socialmente qualquer con-
junto de valores sociais. Para essa compreensão ingénua (ou ideológica) da tecnologia, o
único elemento a guiar o desenvolvimento técnico é o aumento de eficiência por si mesmo,
sendo que esta, ou os códigos técnicos em referência aos quais ela é medida, tampouco
incorporam qualquer valor social. Como consequência disso, e sustentando o igualmente
indefensável entendimento de que os projetos técnicos dão conta de sempre encontrar a
solução ótima de cada problema com o qual se defronta (cf. Simon, 1981 [1969]), o desen-
volvimento tecnológico evoluiria de forma unilinear, de modo que o passo posterior do
avanço técnico em qualquer momento da nossa história só poderá ser um único: aquele
da única solução ótima e mais eficiente para os problemas em questão. Da articulação
(ideológica) desses dois mitos, obtém-se blindagem (adicional) para os códigos técnicos
estabelecidos e, nisso, para o ordenamento sociotécnico (tecnocrático-capitalista) que eles
sustentam ou emulam.
lxxxii Cristiano Cruz

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