Você está na página 1de 225

Estética Digital

Sintopia da arte, a ciência e a tecnologia

CLAUDIA GIANNETTI

TRADUÇÃO

Maria Angélica Melendi

Belo Horizonte • 2006


Sumário

APRESENTAÇÃO 11

INTRODUÇÃO 13

Capítulo 1 ARTE, CIÊNCIA E TÉCNICA 19


B r e v e percurso 19
A r e v o l u ç ã o do controle e o parâmetro
"informação" 23
Origens das teorias baseadas na informação 23
A constituição de duas novas disciplinas:
Cibernética e Inteligência Artificial 24

Capítulo 2 ESTÉTICA E COMUNICAÇÃO CIBERNÉTICA 33


O processo de f o r m a l i z a ç ã o e a teoria estética 33

Estética R a c i o n a l 37

Estética Informaciona l 38

Estética Cibernética 47
Arte Cibernética: alguns exemplos 49
Estética da Percepção S3
Estética Cerativa e Estética Participativa 54

Capítulo 3 ESTÉTICA E CONTEXTO COMUNICATIVO 59


Crítica às Estéticas Informacional e Cibernétic a 59

A c o m u n i c a ç ã o , os meios e a cultura 60

A c o m u n i c a ç ã o , a interação e os sistemas 64

Media art c o m o sistema e processo


intercomunicativo 69

A imposição estética: entre a s e d u ç ã o e a


canonização 72

A arte a l é m da arte: paradigmas estéticos


da media art 77
Plurimedialidade e interdisciplinaridade
(sobre a arte da instalação audiovisual) 80
Ubiqüidade e desmaterialização 86
Originalidade versus multiplicidade e simulação 103
Autor e receptor 108
Meta-autor e receptor-partícipe 111
Capítulo 4 ARTE INTERATIVA 117
Interatividade 117
A questão da interface 117
Interação humano-máquina:
entre a comunicação e o controle 123
V a r i a b i l i d a d e , hipertextualidade e interatividade 128
R e a l i d a d e virtual: o m u n d o c o m o c e n á r i o interativo 137
Ficção e RV 137
A construção da realidade e da virtualidade:
a perspectiva do observador 142
Mimesis e simulacrum 146
O papel da interação humano-máquina
na construção da RV 152
V i d a artificial: a arte da vida in silico 156
Simulação de vidas paralelas e IA 156
Arte genética, criação robótica e vida artificial 161

Capítulo 5 ENDOESTÉTICA 175


Do discurso ontológico à a r g u m e n t a ç ã o sistêmica 1 75

Endoestética e arte/sistema interativo 1 78


Os princípios da Endoffsica 1 78
RV, IA e VA:
Estéticas da simulação como endossistemas 182
A Endoffsica como modelo estético 189

EPÍLOGO

Sistema, interatore Endoestética 197

GLOSSÁRIO

A l g u m a s definições terminológicas 203

REFERÊNCIAS

Livros 213

Catálogos, revistas, periódicos, webs, C D - R o m


ÍNDICE ONOMÁSTICO 227
233
Apresentação

N ã o é freqüente encontrar um texto sobre a estética digital c o m as carac-


terísticas propostas por Claudia Giannetti neste livro. Paralelamente às refe-
rências sobre as transdisciplinas que englobam, na atualidade, arte, ciência e
tecnologia da informação, proporciona dados específicos e precisos sobre a
trajetória que conduz à sintopia, como a autora denomina no subtítulo. Trata-se,
justamente, de uma c o n j u n ç ã o topológica, na qual convergem esses afluentes.

Nestas breves linhas não seria pertinente nos determos em questões tais
c o m o a teoria da informação, os processos de inteligência artificial ou os desen-
volvimentos da C i b e r n é t i c a , abordadas por Giannett i c o m clareza e abran-
g ê n c i a . Considero imprescindível, no entanto, destacar duas idéias matrizes
entrelaçadas, presentes no seu discurso, c o m as quais compartilho totalmente.
A primeira consiste em que não existe uma medida estética baseada em uma
suposta informação imanente, c o m independência do contexto e/ou do obser-
vador que assume a "significação". C o m outras palavras, não existe significação
independente do observador. A segunda indica que a significação estética (pelo
mesmo motivo citado "na primeira") provém da construção contínua, na qual é
considerável a importância da emocionalidade, função subjetiva que ainda é
um projeto incipiente nas construções das tecnologias da informação. Fator
importante, sobre o qual Claudia Giannetti já tinha escrito c o m anterioridade. 1

Por isso, sua proposta de uma Endoestética, em um paralelismo intuitivo


c o m a Endofísica, é a que melhor se adeqúa a esse " n o v o " mundo das produções
digitais. Nestas, a a ç ã o do sujeito interator- c o m sua e m o c i o n a l i d a d e impli-
cada - e a construção de modelos de análise descrevem, juntas, o que é mais
genuíno a esse território estético.

Os por Giannetti denominados paradigmas se articulam, comodamente,


c o m seu pronunciamento a favor do Construtivismo (Teoria Sistêmica); só assim
se entende que possam ser assimilados os resvaladiços fenômenos gerados por essas
tecnologias. Giannetti discorre sobre plurimeios, interdisciplinaridade, multipli-
cidade, simulacro, variabilidade, indeterminação, hipertexto, meta-autoria. Cada
um desses potentes conceitos reclama uma postura receptiva dinâmica, propensa
mais que nunca à transformação, apartada de um "objeto-centrismo". A autora
se refere às idéias estéticas centradas no objeto como produto concluído, fechado,
definitivo. Os elementos idiossincráticos deste universo (virtualidade, variabilidade,
permeabilidade, contingência), acertadamente por ela mencionados, soterram
de forma sutil e eficaz o já insustentável objeto, promovido pela sociedade de

1 Ver Algunos mitos dei final dei milênio. Contra Ia trivialización de Ia tecnocultura. Buenos Aires:
Libros dei Rojas, 2001.
c o n s u m o . S e esse p r o c e s s o j á foi i n i c i a d o p e l a s m a n i f e s t a ç õ e s artísticas d o
s é c u l o XX (arte c o n c e i t u a i , arte participativa, antiarte...), c o m as t e c n o l o g i a s da
i n f o r m a ç ã o , o objeto c o m o tal, do ponto de vista da idiossincrasia definida por
G i a n n e t t i , é situado fora do e s p a ç o dos debates. P e l o m e n o s de m o m e n t o .

Margarita Schuitz
Faculdade de Artes/Universidade do Chile

12 - CLAUDIA GIANNETTI
Introdução

C o m a modernidade sucedem-se mudanças radicais no que diz respeito


à c o n d i ç ã o do sujeito, à relação dos indivíduos com o entorno, à visão e à
compreensão do mundo e à crença tradicional na objetividade do universo e da
realidade. Simultaneamente, levantam-se novos questionamentos acerca do
fundamento das ciências e do reconhecimento da necessidade de superar os
dogmatismos ortodoxos e interconectar as diversas disciplinas.

A partir de princípios do século XX, c o m e ç a m a surgir, nos diferentes


campos do saber, novas teorias que têm em c o m u m um ceticismo em relação às
idéias que marcaram profundamente as ciências e a cultura ocidentais. Por volta
da década de 1950, questionamentos sobre a verdade, a realidade, a razão e o
c o n h e c i m e n t o estão no centro do debate entre r a c i o n a l i s m o e relativismo.
Diversas teorias renunciam à sua especificidade disciplinar para se aproximar
gradualmente da noção de inter-relação, c o m o podemos ver no estudo das
mensagens e da c o m u n i c a ç ã o humano-máquina da Cibernética, postulada c o m o
modelo de cruzamento de ciências, ou, mais recentemente, a filosofia pós-
moderna e sua idéia de pensamento contaminado.

No c a m p o da arte, esse relativismo se manifesta de diferentes maneiras.


Podemos encontrá-lo no e x p e r i m e n t a l i s m o das primeiras v a n g u a r d a s ; nas
m u d a n ç a s radicais no entendimento dos processos de recepção da obra; na
tendência a estabelecer nexos, relações ou reciprocidades entre os diferentes
campos artísticos - sobretudo nas criações intermídia ou mixed media, inter-
vencionistas, interdisciplinares etc. -; e na potencialização dos vínculos entre
arte, ciência e tecnologia. Alguns exemplos de princípios do século XX ilustram,
notavelmente, essas idéias. No Manifesto Suprematista de 1922, Kasimir Malevich
enfatizava a dependência do Cubismo de uma ordem científica objetiva e a
relação do Futurismo c o m as tecnologias de l o c o m o ç ã o . A constatação dos
futuristas de que a técnica moderna estava mudando todos os âmbitos da criação
humana não era uma mera retórica. Vladimir Tatlin já anunciava, em 1914, a
nova relação entre técnica, arte e vida por meio do lema "a arte na técnica". 1
Essa primeira geração de artistas vanguardistas apostava na progressiva disso-
lução das barreiras que dividiam tanto as diferentes artes entre si (artes plásticas,
arquitetura, literatura, música, c i n e m a etc.), c o m o a arte da esfera da tecno-
logia. C o m o surgimento da fotografia, ficava claro para alguns artistas que as
novas tecnologias de geração e reprodução de imagem podiam ser - e seriam -
ferramentas consideráveis para a arte, desde que fosse possível conceber uma
linguagem criativa específica.

' Cf. K. M a l e w i t s c h . Suprematismus - Die gegenstandslose Welt. Colônia: D u M o n t Buchverlag, 1989,


p.l 06; Vladimir Tatlin. Retrospektive. Colônia: D u M o n t Buchverlag, 1 993, p.35.
A prática artística que, desde então, v e m incorporando os chamados novos
meios - primeiro a fotografia e o cinema, depois o vídeo e o computador - e os
novos sistemas de telecomunicação - primeiro o correio e o telefone, depois a
televisão e a Internet - influencia, principalmente a partir dos anos 1960, o
progressivo a b a n d o no das pretensões academicistas e ortodoxas que aspiravam
manter as limitações tanto da arte em relação às técnicas tradicionais e aos
âmbitos restritos, quanto da estética em relação aos fundamentos ontológicos.

Essas novas propostas geram profundas transformações, nem sempre com-


preendidas ou aceitas pela comunidade artística. A isto, acrescenta-se a contro-
vérsia, intensificada nos últimos decênios, em torno das proclamadas crises da
arte e da estética. No centro dessa controvérsia, difundida por alguns teóricos
da pós-modernidade, tudo parecia apontar para uma autêntica dissolução de
ambos os campos: o da arte e o da estética. Essa polêmica nasce, em parte, do
fato de a teoria estética e a prática artística seguirem caminhos divergentes. A
expansão do uso das tecnologias como ferramentas da arte colocou em evidência
uma profunda e progressiva cisão entre a experiência artística, a crítica de arte
e a estética. Estas, que deveriam manter uma correspondência sincrônica e
congruente, foram tomando, porém, caminhos discordantes. A ruptura entre
corpus teórico e prática artística gerou um paradoxo, que é, sem dúvida, um dos
motivos da insistência na proclamação da "morte" da arte.

Estamos, porém, convencido s de que certos sintomas de transição não


podem ter c o m o conseqüência a eliminação radical dos campos envolvidos. É
necessário buscar formas de p e n s a m e n to e experiências diferentes, q u e per-
mitam a assimilação e a análise - nunca a negação - dos fenômenos contempo-
râneos. A prática e a teoria da media art e, especificamente, da arte interativa
permitem o entendimento dessas novas formas. Esse c a m p o artístico parte de
algumas premissas essenciais, que originam novas concepções: a reação contra
a teoria estética centrada no objeto de arte e favorável à reflexão sobre o processo,
o sistema e o contexto; a ampla interconexão entre as disciplinas; e, finalmente,
uma redefinição dos papéis do autor e do observador.
Parece-nos fundamental esclarecer, antes de tudo, algumas questões
terminológicas. Entendemos a media art não c o m o uma corrente autônoma,
mas c o m o parte integrante do contexto da criação artística contemporânea. O
fato de empregar o termo media é um recurso para diferenciá-lo (e não afastá-lo)
das manifestações artísticas que utilizam outras ferramentas que não as baseadas
nas tecnologias eletrônicas e/ou digitais. Apesar de optar aqui por empregar, de
modo geral, o termo media art, reconhecemos que outros termos, c o m o arte
eletrônica, conseguem, também, transmitir o caráter mais amplo e global das
manifestações artísticas que utilizam as chamadas novas tecnologias (audiovi-
suais, informáticas, telemáticas). Por outro lado, quando falarmos de arte ou de
sistema interativo, nos referiremos, especificamente, à arte/sistema que emprega
interfaces técnicas para estabelecer relações entre o público e a obra. Somos
conscientes de q u e algumas t e n d ê n c i a s artísticas estabeleceram , das mais
diversas maneiras, v í n c u l o s entre obra e espectador, b u s c a n d o a c e n t u a r o
caráter compartilhado da criação. Essas manifestações, que se valem de modos

14 - CLAUDIA GIANNETTI
ou m e i o s n ã o t e c n o l ó g i c o s para lograr a inter-relação do o b s e r v a d o r c o m a
obra, serão denominadas arte participativa.

A c o m p r e e n s ã o do c o m p l e x o processo de m u d a n ç a nas esferas artística


e estética, assim c o m o da intrincada trama de relações interdisciplinares, requer
um e s t u d o dos f e n ô m e n o s e das teorias q u e t o r n a r a m possível e c o n t i n u a m
p e r m i t i n d o a sintopia da arte, da c i ê n c i a e da tecnologia. N ã o basta d e s c r e v er o
estado atual da arte, limitando-nos a o l h a r no seu epicentro. É necessário esten-
der-nos por territórios mais a m p l o s e m o m e n t o s históricos contíguos - m e s m o
sem intenção de proceder a um percurso historicista - q u e permitam compreender
as transições c o n s e c u t i v a s e as propostas c o n t e m p o r â n e a s .

Assim, o p r i m e i ro propósito deste livro consiste em analisar os aspectos,


manifestações e teorias fundamentais q u e emergem, se d e s e n v o l v e m e c o n d u z e m
ao processo de transformação dos paradigmas estéticos a partir da e x p a n s ã o da
arte, p e l o uso das n o v a s tecnologias, e seu v í n c u l o c o m a c i ê n c i a .

O s e g u n d o o b j e t i v o é abordar as t e n d ê n c i a s atuais da pesquisa artística


a c e r c a da interatividade, cujos postulados e teorias nos o f e r e c e m argumentos e
c o n t e ú d o s para o tema central deste livro, a saber: a proposta de u m a c o n c e p ç ã o
estética inerente aos contextos e às e x p e r i ê n c i as de c r i a ç ã o , a p r e s e n t a ç ã o e
r e c e p ç ã o das obras f u n d a m e n t a d a s na interatividade, o q u e nos levará à articu-
l a ç ã o da n o ç ã o de Endoestética. Essa proposta n ã o tem pretensões dogmáticas,
n e m de v a l i d a d e universalista - o q u e seria contrário ao caráter p r o f u n d a m e n t e
d i n â m i c o e mutante das manifestações artísticas a t u a i s - , mas se limita a i n d i c a r
algumas possibilidades de r e n o v a ç ã o dos discursos estéticos, e l a b o r a d o s por
alguns teóricos e artistas q u e m e n c i o n a r e m o s adiante. N ã o se trata, entretanto,
de u m a a d e q u a ç ã o ou a d a p t a ç ã o c o m e d i d a de m o d e l o s estéticos tradicionais e
de suas m e t o d o l o g i a s . O a r g u m e n t o p r i n c i p a l consiste em q u e essas n o v a s
pesquisas e práticas artísticas salientam a n e c e s s i d a d e de se d e s v i n c u l a r dos
m o d e l o s e postulados anteriores, provenientes em sua grande maioria do legado
da m o d e r n i d a d e . Esse d i s t a n c i a m e n t o permitirá abordar n o ç õ e s e c o n c e i t o s q u e
d e l i n e i e m p e r s p e c t i v a s i d ô n e a s de análise, interpretaçã o e c o m p r e e n s ã o da
estética de a c o r d o c o m os contextos das obras interativas.

Q u e r e m o s destacar q u e a estrutura do livro segue, d e l i b e r a d a m e n t e , a


f e i ç ã o de u m a rede - metáfora da cultura c o n t e m p o r â n e a -, a fim de abordar um
p a n o r a m a a m p l o e multidisciplinar. P r e t e n d e m o s p r o p o r c i o n a r ao leitor funda-
mentos relevantes para distinguir a trama plural q u e e n v o l v e as teorias da media
art e n t e n d i d a c o m o sistema. N ã o e x p l i c a m o s de maneira exaustiva todos os
modelos, propostas ou métodos teóricos existentes - tarefa impossível de se
abranger n u m ú n i c o livro -, mas e s t a b e l e c e m o s um fio c o n d u t o r que, passand o
pelas diferentes idéias procedentes das c i ê n c i a s , das t e c n o l o g i as e das artes,
l e v e à revisão das n o ç õ e s de arte, estética e observador.

Os temas estão agrupados em c i n c o capítulos ou partes principais. N a s duas


primeiras analisamos, de diversos ângulos, os passos q u e c o n d u z e m à descons-
trução dos c â n o n e s estéticos, relativamente estáveis até a entrada do século X X ,
e c o m os quais a maioria das pessoas ainda está f a m i l i a r i z a d a . No primeiro
c a p í t u l o f o c a l i z a m o s , entre as diferentes correntes científicas e t e c n o l ó g i c a s ,

Estética Digital - 15
duas que consideramos fundamentais: a Cibernética e a Inteligência Artificial.
Os aspectos estritamente científicos ou técnicos desses âmbitos não corres-
p o n d e m ao nosso domínio, portanto nos centramos no estudo do modo c o m o
essas disciplinas influenciaram algumas tendências da arte e da teoria estética,
tema do segundo capítulo.

N o v a s correntes teóricas, diretamente influenciadas pela Cibernética e a


Teoria da Informação, c o n c e b e m o parâmetro informação c o m o a c h a v e para a
c o m p r e e n s ã o dos processos estéticos. Busca-se uma contraposição às tendên-
cias subjetivistas, idealistas, transcendentais ou epistemológicas das teorias es-
téticas derivadas da tradição kantiano-hegeliana. Entre as diferentes propostas
que se desenvolveram a partir da Cibernética, dedicamos especial atenção, no
segundo capítulo, àquelas que estabelecem um víncul o mais estreito c o m a
incipiente computer art da época, e que aprofundam no estudo das teorias esté-
ticas que exploram as transformações da função do artista, do conceito de arte e
da esfera do espectador, a saber, as Estéticas Racional, Informacional, Ciberné-
tica, Gerativa, Participativa e da Percepção.

As artes e suas estéticas c o n f o r m a m um d o m í n i o plural imerso no


c o n t e x t o social, que oferece modelos de realidades baseados no consenso, na
cooperação e na rede dos indivíduos, e que se constituem a partir de formas de
c o m u n i c a ç ã o e interação. Esse é o tema central do terceiro capítulo. A media art
reflete e reproduz esse modelo interativo e interconectado, expande o próprio
conceito de arte para o de sistema (a arte além da arte) baseado na comunicação.
Analisamos nesse capítulo as progressivas mudanças dos paradigmas estéticos
marcados pelo uso das novas tecnologias e a forma como eles se manifestam nas
práticas artísticas atuais. Somos conscientes de que os "materiais" que investigamos
estão em constante processo de transformação, e por isso não pretendemos
encontrar ou propor fórmulas ou conceitos definitivos. Nosso objetivo central é
examinar em profundidade os principais aspectos e desenvolvimentos de algumas
das manifestações e teorias artísticas que marcam, hoje, a estética da media art.

O quarto capítulo centra-se nas mais recentes tendências da arte intera-


tiva - instalações interativas, realidade virtual, sistemas de vida e inteligência
artificiais -, a partir das quais se faz cada vez mais notável a inter-relação entre
arte, ciência e tecnologia. (O âmbito da criação em rede ou telemática - net art,
web art etc. - foi analisado em outra publicação, Ars telematica, 2 de forma que
nos limitaremos a algumas reflexões pontuais sobre o tema.) A recepção da arte
assume uma relevância peculiar a partir da relação original entre as pessoas e as
obras mediante interfaces técnicas. A realidade virtual, a vida artificial e a inteli-
gência artificial como sistemas incorporados à arte pressupõem novas experiências
participativas e interativas, q u e permitem integrar o espectador no contexto
da obra. São modelos de um tipo de entorno tecnicamente ativado, no qual
s o m o s s e m p r e parte d o sistema q u e o b s e r v a m o s e c o m q u e i n t e r a g i m o s .

2 Claudia Ciannetti. Ars telematica - telecomunicación, internet y ciberespacio. Barcelona: ACC


L'Angelot, 1998.

16 - CLAUDIA GIANNETTI
O diálogo entre obra e espectador se estabelece não só sobre a base da linguagem
ou da reflexão, mas, sobretudo, de u m a maneir a prática e intuitiva, no sentido
c i r c u l a r da c o m u n i c a ç ã o , na m e d i d a em q u e se estimula a própria a ç ã o do
p ú b l i c o no entorno da obra. O r e c o n h e c i m e n t o da p o s i ç ã o central e ativa q u e
o c u p a o o b s e r v a d o r é o requisito básico q ue nos permite dilatar as fronteiras da
teoria estética para a idéia de Endoestética. Esse tema - tratado no último capí-
tulo - pretende oferecer um m a r c o teórico relevante para o e n t e n d i m e n t o da
natureza da arte e dos seus m o d e l o s baseados em sistemas interativos.

O uso das novas t e c n o l o g i as na arte e o tipo e s p e c i al de inter-relação


entre a c i ê n c i a e a c r i a ç ã o atual suscitam problema s de diferente í n d o l e - de
práticos e formais até c o n c e i t u a i s e filosóficos -, q ue só p o d e r ã o ser resolvidos
c o m o t e m p o e a e x p e r i ê n c i a . A l g u m a s dessas questões são a b o r d a d a s no livro;
para muitas, p r o p o m o s possíveis respostas sujeitas a correções ; para outras, for-
m u l a m o s perguntas q u e d e v e m originar novas reflexões.

C o m a f i n a l i d a d e de oferecer i n f o r m a ç ã o a d i c i o n a l e dar u m a v i s ã o das


tendências, i n c l u í m o s u m a série de e x e m p l o s e descriçõe s de obras q u e consi-
d e r a m o s relevantes. No entanto, r e n u n c i a m o s a especifica r t e c n i c i s m o s sobre
seus f u n c i o n a m e n t o s internos ou sobre as m á q u i n a s utilizadas. Por outro lado,
a m p l i a m o s a r e f e r ê n c i a ou a e x p l i c a ç ã o de diferentes teorias científicas , nas
q u e se a p o i a m postulados c o n c e i t u a i s e propostas criativas. Reforça-se, assim, o
v í n c u l o entre arte, c i ê n c i a e t e c n o l o g i a . P r e o c u p a m o - n o s em a b o r d a r resumi-
d a m e n t e , em alguns casos, seus f u n d a m e n t o s principais, p o r é m sem entrar em
e s p e c i f i c a ç õ e s exaustivas. A d m i t i m o s q u e seria pretensioso querer oferecer u m a
r e l a ç ã o erudita e c o m p l e t a de todos os temas q u e estão inter-relacionados c o m
as diferentes teorias científicas e filosóficas afins, por isso nos limitamos àquelas
q u e c o n s i d e r a m o s essenciais.

Por último, um b r e v e c o m e n t á r i o sobre o título deste livro. M e s m o t e n d o


utilizado o singular, estamos conscientes de qu e não p o d e m o s falar de uma única
n o ç ã o u n i f o r m e e universal de estética, da m e s m a forma q u e já n ã o d e v e m o s
entender a estética c o m o u m a disciplina isolada e singular. O subtítulo, por sua
vez, enfatiza a idéia geral, refletida nos diferentes capítulos, de nexo p r o f u n do
entre os três âmbitos: arte, c i ê n c i a e tecnologia. O c o n c e i t o de sintopia foi empre-
gado em diferentes contextos - e é e m p r e g a d o a q u i - a fim de dilatar a idéia de
i n t e r d i s c i p l i n a r i d a d e para u m a d i m e n s ã o de c o e s ã o entre maneira s de pensar e
m é t o d o s diversos, n ã o só somatoriamente , mas, sobretudo, criativamente. 3

U m a v e z q u e vários dos temas aqui tratados estão e m p l e n a e m e r g ê n c i a ,


t e r m i n a m o s esta introdução salientando a necessidade de prosseguir na pesquisa
e na busca de respostas para questões q u e não p u d e m o s abordar ou analisar em
detalhe, seja pela circunscrição temática ou pelos limites dos atuais conhecimentos.

3 Cf. Ernst Põppel. "Radikale Syntopie an der Schnittstelle von C e h i r n und Computer", in: Christa M a a r ;
Ernst Põppel; T h o m a s Christaller (Eds.). Die Technik auf dem Weg zur Seele. Reinbek, Hamburgo:
Rowohlt Verlag, 1996, p.12-13.

Estética Digital - 17
CAPÍTULO 1
Arte, ciência e técnica

Breve percurso

Desde suas origens, arte e técnica englobam noções tanto aglutinadoras ou


complementares, c o m o diferenciadoras. Esse não é o lugar para tentar reconstruir
historicamente os caminhos que seguiram os conceitos de arte e técnica, assim
c o m o suas relações c o m a ciência, até chegar ao conceito de "belas artes" -
a c e p ç ã o consolidada no século XIII -, ou ao sentido que lhe atribuímos atual-
mente. Porém, é interessante mencionar sucintamente algumas das transformações
que sucederam no decurso do uso e significação desses termos até a etapa atual,
quando os vínculos entre as três áreas voltam a ser relevantes. N u m primeiro
momento, se constata a progressiva diferenciação entre artesanato e arte; 1 numa
segunda etapa, se impõe a separação dos métodos, objetivos e instrumentos das
ciências, da técnica e da arte; e, por último, c o m o resultado da contundente
controvérsia (sobretudo, a partir da Revolução Industrial) acerca da distinção entre
o humanismo da arte, o racionalismo da ciência e o pragmatismo da técnica
(dos instrumentos e das máquinas), se passa a reivindicar a autonomia da arte.

A partir do século XIX, a polêmica entre arte e artesanato, ou arte e tecno-


logia, se polariza paulatinamente, sobretudo c o m o aparecimento e o uso na
arte de máquinas c o m o as da fotografia e da cinematografia. Posturas radicais
adversas ao nexo entre arte e técnica, c o m o as dos decadentistas John Ruskin e
W i l l i a m Morris, confrontam-se c o m as idéias renovadoras da vanguarda. O caso
da fotografia é, sem dúvida, paradigmático. Desde a metade do século XIX,
pintores realistas, c o m o Millet e Courbet, utilizam a imagem fotográfica c o m o
modelo de referência. A aceitação da imagem técnica não é, porém, unânime.
Baudelaire não aceita a fotografia, por ser o "refúgio de todos os pintores frustrados,
mal dotados ou demasiado preguiçosos" (1859). Essa controvérsia se mantém
por mais de 70 anos após a aparição da técnica fotográfica. Nos anos 1930,

¹ A antigüidade clássica empregava dois termos para designar o que atualmente se engloba dentro do
amplo conceito de arte. Por um lado, o termo tékne significava a atividade de produção manual de
objetos a partir do conhecimento, habilidade e posse dos instrumentos necessários. Escultura e pintura
eram consideradas, então, produtos da tékne, assim c o m o outras atividades que, hoje em dia, conside-
ramos artesanato. Por outro lado, atividades c o m o a música, a dança ou a poesia não se incluíam nesse
conceito, mas se reuniam sob o termo mousiké. A distinção básica da tékne consistia no fato de q u e
esta implicava certa manualidade, o domínio de uma técnica e suas ferramentas de produção, enquanto
q u e a poesia e a música, c o m o se pode entrever no diálogo platônico, pertenciam a uma categoria de
c o n h e c i m e n to superior, considerada de inspiração divina. Por outro lado, não se estabelecia uma dife-
rença entre algumas disciplinas científicas e artísticas. Ao mesmo c a m p o da música pertenciam tanto a
gramática, a retórica e a dialética, c o m o a matemática e a astronomia.
W a l t e r B e n j a m i n continuava considerando a imagem fotográfica o motivo da
crise da pintura: " N o momento em que Daguerre conseguiu fixar as imagens da
câmara escura, os técnicos substituíram os pintores." 2
Contrários a essa visão nostálgica, artistas pertencentes às correntes
vanguardistas (Futurismo, Dada, Suprematismo, Construtivismo, Bauhaus) apoiam
a interdisciplinaridade e a assimilação das novas técnicas, e defendem sua
inserção no mundo da cultura e da arte. Sabe-se que as seqüências fotográficas
de Eadweard Muybridge e as cronofotografias de Jules-Etienne Marey foram utili-
zadas por vários artistas em suas investigações sobre o movimento e a relação
espaço-tempo, c o m o pelo grupo de Paris-Puteaux (incluindo Frank Kupka e
M a r c e l D u c h a m p ) , pelos futuristas italianos e a vanguarda russa. No "Manifesto
Técnico da Pintura Futurista", de 1910, está implícita a referência à cronofotografia:
" U m cavalo correndo não tem quatro patas, mas 20, e seus movimentos são trian-
gulares". Em 1923, Kasimir Malevic h estima que "na arte, na ciência e na técnica
mudaram a forma de representação. A realidade muda com o movimento e deixa
novos rastros. A nova arte conseguiu novas percepções da mesma aparência
através do fenômeno do movimento e se transformou, assim, em uma nova arte." 3
O artista húngaro Lászó Moholy-Nagy, uma das figuras centrais da Bauhaus,
propõe o emprego das ferramentas técnicas para conseguir a convergência entre
as artes: arquitetura, cinema, fotografia, artes plásticas e desenho. Entre as soluções
formais que elabora, M o h o l y - N a gy postula o "sistema potencial dinâmico-cons-
trutivo" c o m o solução para a criação de esculturas que flutuem livres no espaço
da mesma maneira que os filmes, que são movimento espacial projetado. C o m
essa c o n c e p ç ã o original de o c u p a ç ã o do espaço mediante a utilização de novas
técnicas, M o h o l y - N a g y instaura as bases da instalação, c o m suas implicações
interdisciplinares e multimídias. A pergunta do futuro, segundo M o h o l y - N a g y ,
não estaria relacionada c o m a o p ç ã o excludente entre pintura ou cinema, mas
" c o m a assimilação da construção ótica em todos os aspectos possíveis hoje em
dia. Esses são, atualmente, a fotografia e o cinema, assim c o m o a pintura abstra-
ta e o jogo cromático da luz." 4 A idéia central para uma inter-relação entre as
disciplinas é, por conseguinte, a c o n v i v ê n c ia não excludente entre as artes e
entre essas e as técnicas que possam ser empregadas.
T o m a n d o a devida precaução de não cair no determinismo tecnológico,
podemos constatar que as mudanças na técnica tiveram conseqüências relevantes
para a linguagem artística. Desde o emprego da camera obscura no Renascimento,
que possibilitou um novo enfoque óptico da realidade, até a utilização do compu-
tador, que transforma de maneira radical o próprio fazer artístico, as tecnologias
progressivamente assimiladas pela arte incidem não somente na linguagem, mas na
própria aparência estética das obras. No século X X , a aceitação desse processo

2 W a l t e r B e n j a m i n . " L a obra de arte en Ia é p o c a de su r e p r o d u c t i b i l i d ad t é c n i c a " , in: Discursos inter-


rumpidos I. M a d r i : Taurus, 1989, p.45.

3 Kasimir M a l e v i c h . " S u p r e m a t i s m u s 1/46", o p . cit., p.219.


4 Lászó M o h o l y - N a g y . " D i s k u s s i o n über Ernst Kallai's Artikel Malerei und Fotografie", no c a t á l o g o da
e x p o s i ç ã o Moholy-Nagy, M u s e u m F r i d e r i c i a n u m Kassel. Kassel: V e r l a g C e r d Hatje, 1991, p.154.

20 - CLAUDIA GIANNETTI
c o n d u z , sobretudo a partir dos anos 1950, às pesquisas realizadas por artistas
ou por grupos de artistas no q u e c o n c e r n e à u t i l i z a ç ã o das c h a m a d a s n o v a s
tecnologias, gerando, assim, o a p a r e c i m e n t o da arte e l e t r ô n i c a ou media art.

Ao m e s m o t e m p o em q u e se p r o d u z a a p r o x i m a ç ã o entre arte e tecno-


logia, tenta-se reconstruir a ponte de u n i ã o entre c i ê n c i a e arte. P o d e m o s citar
alguns e x e m p l o s : a T e o r i a da Gestalt influencia tanto a pintura c o m o a teoria
estética, conduzido-a s a reflexões metódica s sobre a p e r c e p ç ã o , a gênesis das
formas e seus efeitos. V e r e m o s , mais adiante, c o m o as idéias da C i b e r n é t i c a ,
assimiladas por u m a serie de artistas, d e s e m p e n h a m u m a influência d e c i s i v a no
decorrer das pesquisas artísticas e estéticas. Os diferentes ramos da m a t e m á t i c a
t a m b é m d e s p e r t a m g r a n d e interesse entre alguns artistas, c o m o os construti-
vistas, q u e investigam a a p l i c a ç ã o de m o d e l o s matemático s ou geométricos na
arte. A teoria dos fractais e as teorias dos sistemas dissipativos t a m b é m con-
q u i s t a m vários adeptos no m u n d o da arte, sendo q u e seus atratores são empre-
gados, h o j e em dia, c o m o recursos estéticos em obras da net art. P o d e r í a m o s
citar muitos outros exemplos .

Os estudos da r e l a ç ã o entre arte e c i ê n c i a são e l a b o r a d o s a partir de


diferentes pontos de vista. A e s p e c u l a ç ã o mais generalista limita-se à constatação
d e p a r a l e l i s m o s nos d e s e n v o l v i m e n t o s d e ambas. Assim, W e r n e r Heisenberg,
pai, j u n t o c o m M a x P l a n c k , da teoria quântica, propõe, em seus escritos publi-
c a d o s em 1970, u m a c o m p a r a ç ã o entre as t e n d ê n c i a s à abstração na c i ê n c i a e
na arte. S e g u n d o Heisenberg , o passo à g e n e r a l i z a ç ã o é sempre um passo em
d i r e ç ã o à abstração. Ao longo do século X X , esse processo de abstração foi cons-
tatado tanto na Q u í m i c a c o m o na Física. A teoria da Física atômica, por exemplo,
c o l a b o r o u para q u e a n o v a Física se transformasse em mais abstrata do q u e era
antes. N o s últimos anos do s é c u lo X X , de a c o r d o c o m Heisenberg, arte e c i ê n c i a
b u s c a m a expansão, a a m p l i a ç ã o . A m b a s e n t e n d e m os f e n ô m e n o s ou a v i d a de
forma não limitada a um e s p a ç o definido, mas em r e l a ç ã o c o m toda a natureza
e c o m o universo. Essa t e n d ê n c i a a a m p l i a r as fronteiras tem outra vertente, q u e
é a de suprimir os limites, os sistemas c o n v e n c i o n a i s . H e i s e n b e r g d e n o m i n a
essa t e n d ê n c i a de Entstaltung(oposto a Gestaltung, p r o v e n i e n t e de Gestalt), quer
dizer, d e f o r m a ç ã o , n ã o no sentido de desfiguração, mas de d e s c o n s t r u ç ã o da
forma. A forma se debilita em r e l a ç ã o ao c o n t e ú d o . Isto significa u m a m u d a n ç a
na própria c o n c e p ç ã o da arte, assim c o m o significou u m a m u d a n ç a na c i ê n c i a .
Na Física a t ô m i c a , a busca de n o v a s possibilidades formais ou de e s q u e m a s
m a t e m á t i c o s só c o n d u z i u a formas i n o v a d o r a s no m o m e n t o em q u e o c o n t e ú d o
das n o v a s r e l a ç õ es m u d o u . S e g u n d o Heisenberg, da m e s m a m a n e i r a q u e na
c i ê n c i a , as n o v a s formas artísticas só p o d e m surgir de n o v o s c o n t e ú d o s , e n ã o o
contrário. Fazer u m a n o v a arte, c o m o fazer u m a r e v o l u ç ã o e m c i ê n c i a , significa
tornar visível novos conteúdos, novos conceitos, e não só descobrir novas formas. 5

O u t r a questão, mais c o m p l e x a q u e a c o n s t a t a ç ã o dos paralelismos entre


arte e c i ê n c i a , é a pergunta sobre o grau em q u e a arte influi na c i ê n c i a . Para
Peter W e i b e l , essa questão d e v e ser respondida por m e i o da metodologia , o q u e

5 W e r n e r Heisenberg. Physik und Erkenntnis, in: Obras completas, Tomo ill. Munique: Piper Verlag, 1985.

Estética Digital - 21
i m p l i c a c o m p a r a r a c i ê n c i a e a arte c o m o métodos. A c i ê n c i a caracteriza-se por
seu caráter m e t o d o l ó g i c o , p o r é m - c o m o constata W e i b e l - n ã o se c o s t u m a
c o n s i d e r a r a arte c o m o um m é t o d o .

Nossa primeira reivindicação consiste em que a arte e a ciência só podem ser


comparadas de forma razoável se aceitarmos que ambas são métodos. Isso não
quer dizer que afirmamos que ambas têm os mesmos métodos. Somente dese-
jamos afirmar que ambas têm uma perspectiva metodológica, inclusive se os
seus métodos são ou podem ser diferentes.6

Arte e c i ê n c i a p o d e r i a m ser consideradas, por conseguinte, convergentes


no a s p e c t o m e t o d o l ó g i c o . S e g u n d o W e i b e l , a c i ê n c i a está i n f l u e n c i a d a pela
arte do p o n t o de vista dos métodos, e não dos produtos ou das referências.
" P o r q u e sempre qu e a ciência tende a tornar seus métodos demasiado autoritários,
d e m a s i a d o dogmáticos, a c i ê n c i a volta-se em d i r e ç ã o à arte e à m e t o d o l o g i a da
arte, q u e é a pluralidade de métodos." 7 D a d o q u e a objetividade, tanto em c i ê n c i a
c o m o e m cultura, n ã o p o d e existir d e forma separada d a c o n s t r u ç ã o social, " a
arte e a c i ê n c i a se e n c o n t r a m e c o n v e r g e m no m é t o d o de c o n s t r u ç ã o s o c i a l " . 8
Essa linha de p e n s a m e n t o e n c o n t r a sua expressão mais radical na contri-
b u i ç ã o feita, no c a m p o da filosofia da ciência, por Paul Feyerabend. C o m o crítico
do r a c i o n a l i s m o científico, F e y e r a b e n d c o n s i d e ra q u e tanto os artistas c o m o os
cientistas, q u a n d o e l a b o r a m u m estilo o u u m a teoria, c o m f r e q ü ê n c i a t r a b a l h a m
c o m a segunda intenção de chegar à apresentação da v e r d a d e ou da "reali-
d a d e " . Por isso, os estilos artísticos estão estreitamente v i n c u l a d o s aos estilos do
p e n s a m e n t o . O q u e d e t e r m i n a d a forma de pensar e n t e n d e por c o n c e i t o s c o m o
os de verdade ou de realidade é o q u e essa forma de pensar afirma q u e é verdade.
Q u a n d o s e elege u m estilo, u m a realidade, uma f o r m a d e v e r d a d e , s e e l e g e u m
p r o d u t o h u m a n o . Em outras palavras, F e y e r a b e n d expressa a i m p o s s i b i l i d a d e
da r a c i o n a l i d a d e e da lógica absolutas em r e l a ç ã o ao q u e é u m a c r i a ç ã o da
m e n t e h u m a n a . P a r a F e y e r a b e n d , esse fator relativista e de certa m a n e i r a irra-
c i o n a l , inerente a toda c i ê n c i a , é o q u e a faz mais próxima da arte. " A s c i ê n c i a s
n ã o s ã o i n s t i t u i ç õ e s d e u m a v e r d a d e o b j e t i v a , m a s artes n o s e n t i d o d a c o m -
p r e e n s ã o progressiva da arte." 9

A a r g u m e n t a ç ã o de F e y e r a b e n d reflete o característico c e t i c i s m o q u e v a i
s e f o r m a n d o e m torno das idéias q u e m a r c a r a m tão p r o f u n d a m e n t e a s c i ê n c i a s
e a cultura o c i d e n t a i s até o s é c u l o X X . C o m o já h a v í a m o s m e n c i o n a d o , as ques-
tões sobre a v e r d a d e , a realidade, a razão e o c o n h e c i m e n t o são centrais no

6 Peter W e i b e l . " T h e U n r e a s o n a b l e Effectiveness of the M e t h o d o l o g i c a l C o n v e r g e n c e of Art a n d S c i e n c e " ,


in: C. S o m m e r e r y L. M i g n o n n e a u (Eds.). Art & Science. V i e n a / N o v a Y o r k : Springer Verlag, 1998 (trad,
esp. " L a i r r a z o n a b l e e f e c t i v i d a d de la c o n v e r g ê n c i a m e t o d o l ó g i c a del arte y la c i ê n c i a " , in: C l a u d i a
C i a n n e t t i (Ed.). Arte facto & ciência. M a d r i : F u n d a c i ó n T e l e f ô n i c a, 1999, p.46).

7 I b i d e m , p.51.
8 Ibidem.
9 Cf. P a u l F e y e r a b e n d . Adeus à razão. Lisboa: E d i ç õ e s 70, 1991.

22 - CLAUDIA GIANNETTI
debate entre o r a c i o n a l i s m o e o relativismo, um debate que, a l é m da c i ê n c i a ,
afeta d i r e t a m e n t e a arte. Jorge W a g e n s b e r g argumenta que, se a essência da
c i ê n c i a fosse a investigação a partir de um m é t o d o q u e unisse os três p r i n c í p i o s
da realidade, da inteligibilidad e e da dialética, ao observar rigorosamente a
c o m p l e x i d a d e dos objetos, c o m o a da própria mente, e buscar identificar neles
esses três princípios, seria possível perceber q u e o objeto se o p õ e ao m é t o d o .
N ã o resta, portanto, outra saída q u e o p r o c e d i m e n t o de " a b r a n d a r o m é t o d o " ,
por m e i o do q u a l "a c i ê n c i a deriva até a i d e o l o g i a " .

A essência da ideologia já não é a investigação, mas a crença. Deste discurso se


deduz que é necessário preencher com ideologia todas aquelas lacunas que a
ciência deixa vazias. (...) Se o conhecimento que buscamos não é de leis, mas de
imagens do mundo, abandonar o método cientifico pode ser muito recomen-
dável; inclusive convém adotar princípios radicalmente opostos. E o caso da
arte, uma forma de conhecimento na qual o criador tem muito pouco interesse
de se distanciar da criação. 10

U m a n o v a r e l a ç ã o entre c i ê n c i a e arte i m p l i c a r e c o n h e c e r q u e a m b a s
possuem caráter gerativo, na m e d i d a em q u e se c a r a c t e r i z a m pela c r i a ç ã o de
m u n d o s ou visões de m u n d o s . Por conseguinte, "o m u n d o da arte e o m u n d o da
c i ê n c i a já não estão i d e o l o g i c a m e n te enfrentados", c o m o constata llya Prigogine,
"a m u l t i p l i c i d a d e de significados, a o p a c i d a d e f u n d a m e n t a l do m u n d o estão
refletidas por n o v a s linguagens e novos formalismos." 1 1

A revolução do controle e o parâmetro "informação"

Origens das teorias baseadas na informação

A r e v o l u ç ã o t e c n o l ó g i c a r e c e b e seu p r i m e i r o i m p u l s o d a R e v o l u ç ã o
Industrial do s é c u l o X I X , q u e a b r e as portas ao processo de m e c a n i z a ç ã o e
p r o v o c a o q u e o especialista em c o m u n i c a ç ã o J a m e s B e n i g e r c h a m a de " c r i s e
do c o n t r o l e ' " 2 . C o m o a u m e n t o i m p e r a t i v o da v e l o c i d a d e de p r o c e s s a m e n to da
i n f o r m a ç ã o , a m e c a n i z a ç ã o a c a r r e t o u a n e c e s s i d a d e de s i n c r o n i z a r o progres-
s i v o a u m e n t o d a p r o d u ç ã o m e d i a n t e sistemas d e controle. E m v i r t u d e dessa
crise do controle, as investigações centraram-se na busca de s o l u ç õ e s baseadas
nas t e c n o l o g i a s da r e t r o a l i m e n t a ç ã o , do c o n t r o l e a u t o m á t i c o e do processa-
mento de informação.

10 Jorge Wagensberg. "Las regias del juego", in: Wagensberg, Jorge (Ed.), Proceso al Azar. Barcelona:
Tusquets Editores, 1986, p.13.

¹¹ llya Prigogine. "Enfrentándose con Io irracional", in: Wagensberg, Jorge (Ed.), Proceso al Azar, op.
cit., p . l 58.
12 James Beniger. The Control Revolution. Technological and Economic Origins of the Information
Society. Cambridge: Harvar d University Press, 1986.

Estética Digital - 23
Em 1 868, Clerk M a x w e l l escreveu seu estudo, titulado On governors, no
qual realiza uma análise teórica dos mecanismos de controle e informação.
M a x w e l l não só identificou exatamente os principais problemas, mas propôs
soluções para as questões mais prementes. Sua contribuição é básica para o
advento da profunda mudança que Beniger denomina " r e v o l u ç ão do controle".
Assim, nas últimas décadas do século XIX se desenvolve uma série de procedi-
mentos e inventos técnicos que servem de fundamento, a partir do final dos
anos 1940, para a c o n c e p ç ã o de uma nova teoria: a Cibernética. 1 3

A revolução do controle não só gerou técnicas de retroalimentação e


uma nova hierarquia dos meios, mas o conjunto desses desenvolvimentos tam-
bém revolucionou os modos por meio dos quais a sociedade se reproduz cultu-
ralmente. 14 Isto inclui o c a m p o das comunicações, mas também o âmbito das
artes, já que as tecnologias atuam diretamente sobre o conjunto de maneiras
socioculturais de reprodução.

Até essa época, porém, os assuntos relacionados c o m os mecanismos


de controle e a u t o m a ç ã o c o n t i n u a v a m a ser articulados em torno de um parâ-
metro c o m u m : a energia. Energia era o conceito básico na mecânic a de N e w t o n
e p e r m a n e c e u c o m o propriedade essencial das ciências naturais, passando
para as ciências relacionadas c o m a m e c â n i c a, a acústica, a eletricidade e a
óptica. De m o d o equivalente, a invariante "massa" d e s e m p e n h a v a um papel
fundamental na Física. O progressivo d e s e n v o l v i m e n t o das t é c n i c a s de pro-
d u ç ã o , q u e por sua v e z supôs uma nova relação entre os seres humanos e as
máquinas, passou a requerer outros c o n c e i t o s e outras teorias q u e investi-
gassem diretamente o processo de c o m u n i c a ç ã o entre os sistemas biológico e
tecnológico.

A constituição de duas novas disciplinas:


Cibernética e Inteligência Artificial

" S ó se pode entender a sociedade mediante o estudo das mensagens e


das facilidades de c o m u n i c a ç ã o de que ela dispõe, e, além disso, (...) no futuro,
desempenharão um papel cada vez mais preponderante as mensagens inter-
cambiadas entre homens e máquinas, entre máquinas e homens e entre máquina
e máquina." 1 5 A frase resume a expectativa do matemático norte-americano
Norbert W i e n e r (1894-1964), expressa no seu livro The human use of human
beings. Cybernetics and Society, publicado em 1950, posterior a seu primeiro
estudo técnico, Cybernetic, or control and communication in the animal and in
the machine (1 948). No mesmo ano de 1 950, outro matemático, o inglês Alan
Turing (1912-1954), c o l o c o u o p r o b l e m a da c a p a c i d a d e de r a c i o c í n i o das

¹³ Cf. J o c h e n Schulte-Sasse. " V o n der schriftlichen zur elektronischen Kultur: Über neuere W e c h s e l b e -
ziehungen zwischen Mediengeschichte und Kulturgeschichte", in: Hans U l r i c h G u m b r e c h t / Ludwig
Pfeiffer (Eds.). Materialitãt der Kommunikation. Frankfurt: Suhrkamp Verlag, 1988, p.429-453.
14 Cf. J o c h e n Schulte-Sasse, op. cit., p.433.
15 Norbert W i e n e r . Cibernética y Sociedad. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1958, p.16.

24 - CLAUDIA GIANNETTI
máquinas. No ensaio "Computing machinery and intelligence", publicado na
revista Mind, Turing parte de uma pergunta básica: " P o d e uma m á q u i n a pensar?"

Os t e m a s da c o m u n i c a ç ã o entre os distintos sistemas ( c o m o os sistemas


biológicos e os tecnológicos) e a c a p a c i d a d e para reproduzir, por meios técnicos, a
lógica do pensamento h u m a n o eram, até meados do século X X , apenas idéias com-
partilhadas por alguns pesquisadores isolados, c o m o Charles B a b b a g e (1 792-1871),
C l a u d e S h a n n o n , W a r r e n W e a v e r , H e r m a n n S c h m i d t , a l é m d e W i e n e r e Turing.
A partir dos a n o s 1950, esses temas converteram-se, em p o u c o t e m p o , nos dois
c a m p o s f u n d a m e n t a i s de investigação: C i b e r n é t i c a e Inteligência Artificial 1 6 .

O s textos anteriormente citados p r o v o c a r a m u m a v e r d a d e i r a a v a l a n c h e


de publicaçõe s q ue especulavam, analisavam e giravam em torno dessas questões.
Só nos três anos após 1950 publicaram-se mais de mil artigos sobre a questão da
inteligência e da c o m u n i c a ç ã o entre as m á q u i n a s . É necessário lembrar que,
q u a n d o T u r i n g e s c r e v e u seu artigo, existiam no m u n d o somente quatro compu-
tadores e l e t r ô n i c o s ( " M a r k I" e " E D S A C " na Inglaterra, " E N I A C " e " B I N A C " nos
Estados U n i d o s ) . 1 7 M e s m o q u e a tese de T u r i n g estivesse basead a em m o d e l o s
teóricos, os investigadores sentiram-se estimulados a tentar confirmá-la ou negá-la
e m p i r i c a m e n t e m e d i a n t e a c o n s t r u ç ã o de m á q u i n a s que, no p r i n c í p i o , existiram
s o m e n t e na i m a g i n a ç ã o dos cientistas.

A C i b e r n é t i c a - termo d e r i v a d o do grego q u e significa a arte de c o n d u z i r


(no sentido figurado, os homens na sociedade ou, em outras palavras, em governar)
- trata de a m p l i a r a teoria das mensagens a p l i c a d a aos c a m p o s da c o m u n i c a ç ã o
e do c o n t r o l e das máquinas . S e u propósito é " d e s e n v o l v e r u m a l i n g u a g e m e
t é c n i c a s q u e nos p e r m i t a m n ã o só e n c a r a r os p r o b l e m a s m a i s g e n é r i c o s de
c o m u n i c a ç ã o e regulação, mas, a l é m disso, estabelecer um repertório a d e q u a d o
de idéias e m é t o d o s para classificar suas manifestações particulares por concei-
tos." 1 8 Para o d e s e n v o l v i m e n t o dessa teoria mais a m p l a das mensagens, N o r b e r t
W i e n e r r e c o n h e c e o i m p u l s o p r o p o r c i o n a d o pela probabilística. Na sua origem
se e n c o n t r a m as idéias de W i l l i a r d G i b b s sobre a n e c e s s i d a de de introduzir a
p r o b a b i l i d a d e na Física. S e g u n d o Gibbs, o universo, junto c o m todos os sistemas
f e c h a d o s q u e c o n t é m , t e n d e de f o r m a natural a piorar ou a p e r d e r seus c a r a c -
teres distintivos, a passar do estado m e n o s p r o v á v e l ao mais p r o v á v e l , de um
estado de o r g a n i z a ç ã o e de d i f e r e n c i a ç ã o , no q u a l existem d e m a r c a ç õ e s e
formas, a outro de c a o s e identidade. " N o universo de G i b b s , a o r d e m é m e n o s
p r o v á v e l e o caos, mais p r o v á v e l . " ' 9

O o b j e t i v o da C i b e r n é t i c a é, por conseguinte, lutar contra a t e n d ê n c i a


das c o m u n i c a ç õ e s e dos sistemas de r e g u l a ç ão ao desequilíbrio da o r g a n i z a ç ã o
e c o e r ê n c i a . Isto é, contra a t e n d ê n c i a a se perder no c a o s e na entropia. N e s t e

" Abreviatura: IA.


17 O primeiro computador digital que dispunha de um programa foi desenvolvido em 1941 pelo alemão
Konrad Zuse.
18 Norbert W i e n e r , op. cit., p.17.
19 Ibidem, p.14.

Estética Digital - 25
sentido, W i e n e r analisa os parâmetros e os limites da c o m u n i c a ç ã o entre os
i n d i v í d u o s e as m á q u i n a s . Ao observar certas analogias entre m á q u i n a s e orga-
nismos vivos, o m a t e m á t i c o constata q u e n ã o há n e n h u m a razão para q u e as
p r i m e i r a s n ã o se a s s e m e l h e m aos seres h u m a n o s , pois " a m b o s r e p r e s e n t a m
b o l s õ e s d e e n t r o p i a d e c r e s c e n t e " , o q u e significa q u e são e x e m p l o s d e fenô-
m e n o s locai s antientrópicos.

T u r i n g t a m b é m d á prioridad e a o tema d a c o m u n i c a ç ã o , i n c l u s i v e a l é m
da questão estratégica da construção material da m á q u i n a "discreta" inteligente.
Na proposta de seu c o n h e c i d o e x p e r i m e n t o - o " j o g o da i m i t a ç ã o " , c o m o ele o
d e n o m i n a , ou a " p r o v a de T u r i n g " , c o m o é c o n h e c i d a - para a v e r i f i c a ç ã o da
inteligência de um c o m p u t a d o r digital (imaginário), Turing n ã o aborda a possível
c o n s t r u ç ã o m e c â n i c a de u m a m á q u i n a dessas características, mas se p r e o c u p a
mais c o m o processo de s i m u l a ç ã o da c o m u n i c a ç ã o entre pessoas e m á q u i n a s .
Nisto T u r i n g segue a tradição q u e aspira valoriza r a c a p a c i d a d e de r a c i o c í n i o
segundo a c a p a c i d a d e de uso da linguagem, da semântica h u m a n a . Esse método
já h a v i a sido sugerido, por e x e m p l o , por Descartes, q u e i n d i c a v a c o m o signo
distintivo dos seres pensantes a utilização significativa ou lógica da linguagem.
O d o m í n i o da s e m â n t i c a c o n t i n u a r á sendo, por muito t e m p o , o p r o b l e m a fun-
d a m e n t a l da IA.

Por outro lado, a C i b e r n é t i c a de W i e n e r centra-se, p r i n c i p a l m e n t e , no


aspecto da r e s o l u ç ã o o p e r a c i o n a l do p r o b l e m a da c o n c e p ç ã o de u m a lingua-
g e m e s p e c í f i c a q u e permita a c o m u n i c a ç ã o entre os diferentes sistemas. N ã o se
trata de e s q u e c e r a semântica, mas de adequá-la a o b j e t i v o s concretos . N e s t e
sentido, a teoria de W i e n e r postula a d e t e r m i n a ç ã o de u m a n o v a invariante para
toda a c i ê n c i a c i b e r n é t i c a, premissa f u n d a m e n t a l para e n t e n d er o a l c a n c e da
proposta dessa t e o r i a, a s a b e r : a s u b s t i t u i ç ã o do c o n c e i t o de e n e r g i a p e l o
c o n c e i t o d e i n f o r m a ç ã o c o m o parâmetro e l e m e n t a r d a c o m u n i c a ç ã o .

O m o d e l o da teoria da i n f o r m a ç ã o é a p l i c a d o a sistemas abertos, ao


c o n t r á r i o d a m e c â n i c a d e N e w t o n , q u e t r a b a l h a v a c o m sistemas f e c h a d o s . Essa
diferença é f u n d a m e n t a l , já q u e possibilita a c o n e x ã o e a c o m u n i c a ç ã o entre
sistemas distintos, e entre estes e o m u n d o exterior. N a s c i ê n c i a s naturais, a
" m a s s a " e a " e n e r g i a " m a n t ê m um v í n c u l o direto c o m a matéria. O c o n c e i t o de
" i n f o r m a ç ã o " , p e l o contrário, n ã o v e m m e d i a d o p e l o d e " s u b s t â n c i a " , mas s e
baseia nas p r o p r i e d a d es m u t á v e is do seu c o n j u n t o , isto é, a i n f o r m a ç ã o p o d e ser
r e p r o d u z i d a ( d u p l i c a d a , c o p i a d a ) , destruída (apagada) o u repetida.

Damos o nome de informação ao conteúdo do que é objeto de intercâmbio com


o mundo externo, enquanto nos ajustamos a ele e fazemos com que se acomode
a nós. O processo de receber e utilizar as informações consiste em ajustar-nos às
contingências de nosso meio e de viver de maneira efetiva dentro dele (...) Viver
de maneira efetiva significa possuir a informação adequada. Assim, pois, a
comunicação e a regulação constituem a essência da vida interior do homem,
tanto como de sua vida social. 20

20 N o r b e r t W i e n e r , o p . cit., p . l 7-18.

26 - CLAUDIA GIANNETTI
Isto significa q u e , para q u e u m a c o m u n i c a ç ã o seja efetiva, o funda-
m e n t a l n ã o é a q u a n t i d a d e de i n f o r m a ç ã o q u e possa circular, mas a p r o p o r ç ã o
dela q u e possa c h e g a r a fazer parte da c o m u n i c a ç ã o .

De a c o r d o c o m a C i b e r n é t i c a , a i n f o r m a ç ã o significativa é a q u e conse-
gue passar através dos "filtros", e não a t o t a l i d a d e da i n f o r m a ç ã o transmitida.
W i e n e r nos c o l o c a u m e x e m p l o claro: q u a n d o uma pessoa o u v e u m fragmento
de música , a m a i o r parte do som chega a seus sentidos e ao cérebro. Se a pessoa
c a r e c e da p e r c e p ç ã o e da e d u c a ç ã o necessárias para o e n t e n d i m e n t o estético
da estrutura m e l ó d i c a , essa i n f o r m a ç ã o se e n c o n t r a r á c o m um o b s t á c u l o (o
" f i l t r o " ) . P o r é m , se se trata de um m ú s i c o p r e p a r a d o , essa partitura e n c o n t r a r á
u m a o r g a n i z a ç ã o interpretativa plena de significado, p o d e n d o c o n d u z i r a u m a
a p r e c i a ç ã o estética e a um e n t e n d i m e n t o ulterior. "A i n f o r m a ç ã o semantica-
mente significativa, na m á q u i n a ou no ser h u m a n o , é a q u e c h e g a a um meca-
nismo a t i v a d or do sistema q u e a recebe. (...) Do ponto de vista da C i b e r n é t i c a , a
s e m â n t i c a d e f i n e a q u a n t i d a d e de significado e regula sua perda nos sistemas de
comunicações."21

No âmbito da informação e dos sistemas de c o m u n i c a ç ã o , W i e n e r d e d i c a


especial a t e n ç ã o à questão dos autômatos e ao d e s e n v o l v i m e n t o das f u n ç õ e s de
r e t r o a l i m e n t a ç ã o [feedback). A idéia central consiste em estabelecer um sistema
de c o n t a t o entre as m á q u i n a s e o m u n d o exterior m e d i a n t e dispositivo s senso-
rials, q u e a l é m de adverti-las sobre as circunstâncias q u e as c e r c a m , as f a z e m
c a p a z e s de ajustar sua c o n d u t a futura aos fatos passados. Por conseguinte, a
r e t r o a l i m e n t a ç ã o é um m é t o d o para regular sistemas, i n t r o d u z i n d o neles os
resultados de sua a t i v i d a d e anterior, de m a n e i r a q u e a i n f o r m a ç ã o já obtida
possa m u d a r os m é t o d os gerais e a forma de atividade. Para tal, essas m á q u i n a s
d e v e m possuir " ó r g ã o s centrais de d e c i s ã o q u e d e t e r m i n e m o q u e tê m de fazer
em um d e t e r m i n a d o m o m e n t o s e g u n d o a i n f o r m a ç ã o q u e a r e t r o a l i m e n t a ç ã o
lhes p r o p o r c i o n o u e q u e elas a c ü m u l a m m e d i a n t e m e c a n i s m o s a n á l o g o s à
memória de um organismo vivo."22

I n d e p e n d e n t e m e n t e d e A l a n Turing, W i e n e r questiona a v i a b i l i d a d e d e
realizar s i m u l a c r o s eletrônicos do cérebro por m e i o de m á q u i n a s digitais. Se a
C i b e r n é t i c a c o n s i d e r a a estrutura de u m a m á q u i n a ou de um o r g a n i s m o c o m o
um i n d í c i o do q u e se p o d e esperar dela, e n t ã o " t e o r i c a m e n t e , se p u d é s s e m o s
construir u m a m á q u i n a q u e imitasse a fisiologia h u m a n a , sua c a p a c i d a d e inte-
lectual e q ü i v a l e r i a à do h o m e m . " 2 3 S e g u n d o W i e n e r - a partir de um sistema de
r e t r o a l i m e n t a ç ã o - " s e a i n f o r m a ç ã o q u e p r o c e d e dos m e s m o s atos da m á q u i n a
p o d e m u d a r os m é t o d o s gerais e a forma de atividade, temos um f e n ô m e n o q u e
p o d e chamar-se d e a p r e n d i z a g e m . " 2 4

21 Norbert W i e n e r , op. cit., p.88.


22 Ibidem, p.32.
23 Ibidem, p.54.
24 Ibidem, p.57.

Estética Digital - 27
No e n s a i o de T u r i n g t a m b é m e n c o n t r a m o s referências claras à necessi-
d a d e de criar sistemas q u e p e r m i t am a c o m u n i c a ç ã o entre pessoas e m á q u i n a s .
Turing, c o m o W i e n e r , d e d i c a u m c a p í t u l o a o tem a d a a p r e n d i z a g e m a p l i c a d a
ao c o m p u t a d o r . S e u s e n f o q u e s e c o n c l u s õ e s , p o r é m , são e s s e n c i a l m e n t e dis-
tintos. Partindo do p r i n c í p i o de q u e "a e d u c a ç ã o p o d e se efetuar s e m p r e q u e a
c o m u n i c a ç ã o em ambas às direções, quer dizer, entre professor e aluno, se estabe-
leça por a l g u m m e i o " , sua teoria deixa clara a n e c e s s i d a de de criar sistemas q u e
a s s e g u r e m essa c o m u n i c a ç ã o b i d i r e c i o n a l . 2 5 P a r a e l e , deve-se c o n t a r c o m
c a n a i s d e c o m u n i c a ç ã o " n ã o e m o c i o n a i s " , m e d i a n t e o s quais seria " p o s s í v e l
ensinar u m a m á q u i n a (...) a o b e d e c e r a ordens dadas em a l g u m a linguagem, por
e x e m p l o , u m a linguagem s i m b ó l i c a . " 2 6

P o r c o n s e g u i n t e , a idéi a de T u r i n g a p o n t a para a c o n c e p ç ã o do q u e
c h a m a m o s a t u a l m e n t e de " i n t e r f a c e " entre pessoas e c o m p u t a d o r e s digitais.
Esse e l e m e n t o " i n t e r m e d i á r i o " se basearia em um " t r a d u t o r " ou um programa
q u e transformaria as i n f o r m a ç õ e s transmitidas através de u m a l i n g u a g e m simbó-
lica na l i n g u a g e m do c o m p u t a d o r , o c ó d i g o binário. Pode-se então dizer q u e a
interface abre um v e r d a d e i r o c a n a l de c o m u n i c a ç ã o entre a m b o s os sistemas,
h u m a n o e eletrônico.

A partir desse ponto, T u r i n g dá um passo a l é m da teoria da retroalimen-


t a ç ã o d e W i e n e r , n a m e d i d a e m q u e projeta u m sistema d e a p r e n d i z a g e m
b a s e a d o n o i n t e r c â m b i o d e i n f o r m a ç ã o e n t r e seres h u m a n o s e m á q u i n a s ,
e n q u a n t o q u e a idéia de W i e n e r se limita aos processos recursivos no interior
de c a d a sistema. Isto se deve, p r i n c i p a l m e n t e, à diferença de e n f o q u e de a m b o s
os m a t e m á t i c o s sobre a possibilidade de c o m p a r a ç ã o entre os sistemas.

N o r b e r t W i e n e r parte do p r i n c í p i o de s e m e l h a n ç a entre os seres v i v o s e


as m á q u i n a s : " A f i r m o q u e o f u n c i o n a m e n t o físico do ser v i v o e de a l g u m a s das
mais n o v a s m á q u i n a s eletrônicas são exatamente paralelos em suas tentativas
a n á l o g a s de regular a entropia m e d i a n t e a retroalimentação." 2 7 O u , em outra
passagem:

Entre o sistema nervoso e a máquina automática existe uma analogia fundamental,


pois são dispositivos que tomam decisões baseando-se em outras que tomaram
no passado (...) No sistema nervoso, grande parte desta tarefa se efetua em pontos
de organização extremamente complicados chamados sinapses, onde um certo
número de fibras que entram estão conectadas com uma só que sai. (...) As sinapses
destas últimas correspondem às chaves de comutação da máquina. 28

O processo de a p r e n d i z a g e m ajusta, por conseguinte, as i n f o r m a ç õ e s


a d q u i r i d a s c o m os resultados de atividades passadas.

25 A l a n Mathison Turing. " L a maquinaria de computación y Ia inteligência", in: Margaret A. B o d e n


(Ed.). Filosofia de Ia inteligência artificial. M é x i c o D. F.: Fondo de Cultura Econômica, 1 994, p.77.
26 Ibidem, p.77-78.
27 Norbert W i e n e r , op. cit., p.25.
28 Ibidem, p.32.

28 - CLAUDIA GIANNETTI
Para A l a n Turing, ao contrário, existem diferenças entre o c o m p o r t a m e n t o
d o sistema n e r v o s o h u m a n o , n o q u al " o s f e n ô m e n o s q u í m i c o s são t ã o impor-
tantes q u a n t o os elétricos", 2 9 e as c a p a c i d a d e s de u m a m á q u i n a de tipo discreto.
M á q u i n a s d e estado discreto q u e f u n c i o n a m m e d i a n t e saltos repentinos para
passar de um estado a outro, "estritamente f a l a n d o , n ã o existem (...), já q u e em
realidade tudo se m o v e de maneira contínua". 3 0 Por conseguinte, " u m a m á q u i n a
d e e s t a d o d i s c r e t o d e v e ser diferente d e u m a m á q u i n a c o n t í n u a " . 3 1 Essa sepa-
r a ç ã o é a que, por um lado, impediria a c o n e x ã o direta entre seres h u m a n o s e
m á q u i n a s e, por outro, r e i v i n d i c a r i a o d e s e n v o l v i m e n t o de um " c a n a l " - u m a
interface - q u e permitisse essa c o m u n i c a ç ã o . 3 2 A proposta de T u r i n g significa,
portanto, um passo substancial em d i r e ç ã o ao d e s e n v o l v i m e n t o das interfaces
eletrônicas q u e t o r n e m possível a c o m u n i c a ç ã o entre pessoas e m á q u i n a s e,
portanto, a c r i a ç ã o dos sistemas digitais interativos.

Esse " c a n a l de c o m u n i c a ç ã o " é o q u e p e r m i t e o i n t e r c â m b i o de infor-


m a ç õ e s d e f o r m a b i d i r e c i o n a l (professor-aluno-professor) e , e m c o n s e q ü ê n c i a ,
a a p r e n d i z a g e m . C o m base nesse m é t o d o , T u r i n g refuta a o b j e ç ã o de A d a Love-
lace, 3 3 f o r m u l a d a e m 1842. Lady L o v e l a c e , baseando-se nas investigações c o m
a m á q u i n a a n a l í t i c a ( E n g e n h o A n a l í t i c o ) de B a b b a g e , afirma q u e a m á q u i n a
p o d e fazer a q u i l o q u e s a b e m o s c o m o lhe ordena r q u e f a ç a e, por isso, n ã o p o d e
fazer algo r e a l m e n t e n o v o : " O E n g e n h o A n a l í t i c o não tem a m e n o r pretensão d e
originar nada. As coisas q u e s a b e m o s c o m o lhe o r d e n ar fazer, essas sim, p o d e
fazê-las todas." 3 4 A o c o n t r á r i o dessa tese, T u r i n g sustenta q u e " u m a caracterís-
tica i m p o r t a n t e d e u m a m á q u i n a q u e a p r e n d e é q u e , c o m f r e q ü ê n c i a , seu
professor ignorará g r a n d e parte d a q u i l o q u e se passa em seu interior, m e s m o
q u e seja c a p a z de prever, de certa forma, o c o m p o r t a m e n t o de seu a l u n o " . 3 5
A l é m do mais, adverte q u e a m á q u i n a d e v e ter u m a certa p o r ç ã o de " i n d i s c i p l i n a "
ou de caráter aleatório, para q u e seu c o m p o r t a m e n t o possa ser " i n t e l i g e n t e " . E
j u s t a m e n t e esse e l e m e n t o a l e a t ó r i o q u e lhe outorga a f a c u l d a d e " c r i a t i v a " : a
c a p a c i d a d e para c h e g a r a s o l u ç õ e s de problemas.

A l a n T u r i n g define a c o m p u t a ç ã o c o m o o m a n e j o formal de s í m b o l o s
(não interpretados) m e d i a n t e a a p l i c a ç ã o de regras formais. 3 6 "A idéia q u e está
por trás dos c o m p u t a d o r e s digitais pode-se e x p l i c a r d i z e n d o q u e se trata de
m á q u i n a s c u j o o b j e t i v o é executar q u a l q u e r o p e r a ç ã o q u e possa ser r e a l i z a da

29 A l a n Turing, op. cit., p.59.


30 Ibidem.
31 Ibidem, p.71.
32 Cf. W u l f R. Halbach. Interfaces: medien- und kommunikationstheoretische Elemente einer Interface-
Theorie. M u n i q u e : Fink Verlag, 1994, p.143.
33 Filha de Lorde B y r o n e colaboradora de Charles Babbage.
34 Ada A. Lovelace. "Sketch of the Analytical Engine Invented by Charles Babbage". Genebra, 1842,
reimpresso em P. y E. Morrison, Charles Babbage and His Calculating Engines. N o v a York, 1962, p.
248-249,284.
35 A l a n Turing, op. cit., p.79.
36 Cf. M. A. Boden, op. cit., p . l 0.

Estética Digital - 29
por um c o m p u t a d o r h u m a n o " , afirma Turing. 37 Seria necessário, assim, intro-
duzir uma variante da pergunta inicial (Podem as máquinas pensar?), que se
relacionasse c o m o processo que permitiria a simulação de tais operações por
meio de uma máquina universal. A questão é sabermos se seria possível criar
um programa apropriado para essa simulação e se uma máquina dotada desse
programa poderia desempenhar adequadamente sua função. M e s m o que possam
existir máquinas discretas que superem a prova de Turing, não o fariam por
serem réplicas exatas do sistema nervoso humano, mas porque estariam dotadas
de um programa apropriado. Portanto, c o m o afirma o próprio Turing, o problema
é principalmente de programação.

De fato, não foi necessário esperar os 50 anos previstos por Turing para
que fosse possível "programar computadores com uma capacidade de armazena-
mento em torno de 109 para que tomem parte perfeitamente no jogo da imitação". 38
Esses programas já foram criados e superaram a prova de Turing c o m um alto
grau de interatividade. Conseqüentemente, poderíamos concluir que o problema
não se limita à indagação sobre as possibilidades da IA, já que é mais complexo
do que sugere a interpretação literal de sua possível definição. 3 9 Por isso, deve-
ríamos nos colocar, antes de tudo, c o m o propõe o próprio A l a n Turing, as ques-
tões: O que entendemos por inteligência? C o m o definimos o significado dos
termos " m á q u i n a " e "pensar"?

A c o n v i c ç ã o nas possibilidades da IA, de acordo c o m o artigo de Turing,


é compartilhada por vários adeptos posteriores, c o m o Herbert Simon ou Allen
Newell. 4 0 No entanto, um grande número de investigadores, c o m o John Searle
ou Hubert Dreyfus, discordam dessa tese. 41 A m b a s propostas constituem, de
fato, os fundamentos das principais correntes no c a m p o da investigação em IA:
o enfoque "tradicional", baseado no processamento seqüencial e com uma única
unidade central de processamento; e o conexionismo, baseado no sistema de
redes neuronais (artificiais), c o m um processamento paralelo que armazen a
informação de maneira distribuída.

Igualmente encontramos opositores severos e seguidores pertinazes da


teoria cibernética. A mesma c o n c e p ç ã o mecanicista do mundo, que se entrevê
nas idéias de W i e n e r , é recuperada por teóricos defensores da Cibernética, que
propõem uma radicalização da equivalência entre seres humanos e máquinas.
A m o Baruzzi, por exemplo, assume uma posição reducionista, já que "o que
nós, seres pensantes, temos a capacidade de ser está em sua totalidade definido

37 A l a n Turing, o p . cit., p.56.

38 Ibidem, p.62.
39 Cf. M. B o d e n , op . cit., p.17.

40 Cf. H e r b e r t A. S i m o n e A l l e n N e w e l l . " L a c i ê n c i a de Ia c o m p u t a c i ó n c o m o investigación e m p í r i c a :


s í m b o l o s y b ú s q u e d a " , in: M a r g a r e t A. B o d e n . Filosofia de Ia Inteligência Artificial, op. cit., p.122-152.

41 Cf. J o h n R. Searle. Minds, Brains, and Science. Londres: B B C Publications, 1984 (trad, port.: Mente,
Cérebro e Ciência. Lisboa: E d i ç õ e s 70,1984); H u b e r t L. Dreyfus. What Computers Can't Do: The Limits
of Artificial Intelligence, 2 ed. N o v a Y o r k : H a r p e r & R o w , 1979.

30 - CLAUDIA GIANNETTI
f u n c i o n a l m e n t e - de m a n e i r a a n á l o g a a u m a m á q u i n a -, ou seja, o d i a g r a m a
deste processo se evidencia na máquina. Assim, a máquina é, também, uma mostra
do próprio p e n s a m e n t o " . 4 2 B a r u z z i atribui à ferramenta, c o m o produto h u m a n o ,
em virtude da a n a l o g i a q u e ela estabelece entre ser h u m a n o e m á q u i n a , a cono-
t a ç ã o de "sujeito c r i a t i v o " : "O p e n s a m e n t o sub spezie machinae remonta a um
sujeito m e c â n i c o , q u e experimenta sua réplica nos produtos h u m a n o s . " 4 3

O u t r o p i o n e i r o da C i b e r n é t i c a , H e r m a n n S c h m i d t , c o n f i r m a esse caráter
construtivo d a disciplina , m e s m o q u e lhe d ê outra d i m e n s ã o . S c h m i d t c o n f e r e
um significado a n t r o p o l ó g i c o à C i b e r n é t i c a , na m e d i d a em q u e c o l o c a o desen-
v o l v i m e n t o t é c n i c o a serviço das transformações no âmbito h u m a n o . "A primeira
a u t o d e t e r m i n a ç ã o universal do ser h u m a n o na natureza a i n d a n ã o atingida pela
t é c n i c a baseia-se na o b j e t i v a ç ã o da idéia, do simples pensar. Da mesma maneira,
a segunda a u t o d e t e r m i n a ç ã o universal do ser h u m a n o no m u n d o t é c n i c o se
f u n d a m e n t a na objetivação do pensamento e na atuação, q u e nos une ao trabalho
c o m o n o v o m u n d o artificial da técnica." 4 4 Em Schmidt, a progressiva introdução
do m u n d o t é c n i c o na esfera do h u m a n o não tem um caráter opressor, mas, ao
contrário, a s s u m e um sentido de " l i b e r a ç ã o do espírito h u m a n o " , já q u e a vida
o r g â n i c a c o n s e g u e sua liberdad e e c o n s c i ê n c i a na m e d i d a em q u e entra no
processo de d e s s u b j e t i v a ç ã o por m e i o da m e c a n i z a ç ã o . S e u e n s a i o sobr e a
t é c n i c a d o c o n t r o l e , p u b l i c a d o e m 1941, c o n f e r e a o autor u m a d e s t a c a d a
p o s i ç ã o c o m o u m dos f u n d a d o r e s d a teoria cibernética. 4 5 N o entanto, S c h m i d t
d i v e r g e e m alguns pontos d a corrente d e f e n d i d a por N o r b e r t W i e n e r . E n q u a n t o
W i e n e r n ã o a b r a n g e o m u n d o da p e r c e p ç ã o e do p e n s a m e n t o , isto é, o m u n d o
s u b j e t i v o d o p r o c e s s a m e n t o d a i n f o r m a ç ã o , S c h m i d t d e f e n d e q u e a s circuns-
t â n c i a s ou os estados subjetivos constituem a temática científica original da
C i b e r n é t i c a A n t r o p o l ó g i c a . Essa corrente humanista dentro da C i b e r n é t i c a será
a p o i a d a por u m a série de seguidores, cujas teorias a b a r c a m os c a m p o s da Psico-
logia da I n f o r m a ç ã o , da C i ê n c i a C i b e r n é t i c a da L i n g u a g e m e da S o c i o l o g i a
C i b e r n é t i c a , entre outros.

A partir dessas premissas e da atual p e r s p e c t i v a , a C i b e r n é t i c a e a IA


n ã o t ê m interesses e x c l u s i v a m e n t e científicos, e c o n ô m i c o s o u t é c n i c o s . C o m o
c a m p o s s o c i o t é c n i c o s q u e d e t e r m i n a m e t r a n s f o r m a m as estruturas de c o m u -
n i c a ç ã o , a v i s ã o do m u n d o e do p r ó p r i o ser h u m a n o , assim c o m o suas idéias
de v a l o r e s , essas teorias p o s t u l a m diversas questões filosóficas r e l a c i o n a d a s ,
entre outras, c o m a p e r c e p ç ã o , a c o g n i ç ã o , a l i n g u a g e m , a é t i c a e a e s t é t i c a .

42 Arno Baruzzi. Mensch und Maschine. Das Denken sub spezie machinae. Munique, 1973, p.58.

Citado por Reiner Matzker em: Das Medium der Phanomenalitât. Wahrnehmungs- und erkenntnistheo-
retische Aspekte der Medientheorie und Filmgeschichte. M u n i q u e : W i l h e l m Fink, 1993, p.147.
4 3 Ibidem, p,148.

44 Hermann Schmidt. Die anthropologische Bedeutung der Kybemetik. Reproduktion dreier Texte aus

denjahren 1941, 1953 und 1954. Quickborn, 1965, p.5 e segs. Citado por Reiner Matzker, op. cit.,
p.151.
4S Hermann Schmidt. Denkschrift zur Cründung eines instituis fur Regelungstechnik. Berlim: Verein
Deutscher Ingenieure, 1941.

Estética Digital - 31
A tecnologia da informação, ao propor uma automatização dos processos mentais,
incide direta ou indiretamente nas disciplinas relacionadas c o m a cognição e a
criatividade humanas.
Douglas R. Hofstadter aborda, no seu c o n h e c i d o livro Códel, Escher,
Bach: um entrelaçamento de gênios brilhantes, essa estreita relação entre o
funcionamento dos sistemas formais e informais (biológicos ou técnicos) e a
criatividade ou a estética. 46 Hofstadter, c o m o anteriormente Turing, parte de
uma questão básica: as palavras e os pensamentos estão regidos, ou não, por
regras formais? Sabemos que a formulação do Teorema da Incompletude, de
Kurt G õ d e l (1931) 47 - um ponto de inflexão para a lógica, a matemática e a
filosofia -, c o l o c o u em evidência a distância, até então inadvertida, entre racio-
cínio h u m a n o e raciocínio m e c â n i co ou, c o m o observa Hofstadter, a diferença
existente entre a noção de verdade e a noção de demonstrabilidade. 4 8
Isso significa que os processos que se atêm a raciocínios estritamente
dedutivos poderiam ser programados (e programáveis) tecnicamente num só
nível. Os processos da imaginação e do pensamento exigem, no entanto, diversas
camadas ou níveis, que impedem o uso de qualquer linguagem formal direta,
porque não admitem uma correspondência clara c o m elementos da realidade.
Criatividade, ficção e imaginação não seriam informatizáveis, pois se apoiam
em certos conhecimentos ou manifestações não interpretáveis.

C o n c l u i n d o , a problemática da possibilidade de simulação do cérebro e


a criação de um sistema eficaz de IA não está no desenvolvimento propriamente
técnico ou na complexidad e que supõe "copiar" exatamente o funcionamento
cerebral, mas depende de quantas e quais características da consciência humana
queremos simular. Essa constatação nos induz a questionar a possibilidade de
simular, informaticamente, a c a p a c i d a d e humana de criação artística. Aborda-
remos esse tema nos próximos capítulos.

46 D o u g l a s R. Hofstadter. Gódel, Escher, Bach: An Eternal Golden Braid. Basic Books Inc., 1 979 (trad,
port.: Gôdel, Escher, Bach: um entrelaçamento de gênios brilhantes. S ã o Paulo: Imprensa O f i c i a l SP,
2001).

47 Kurt G õ d e l . " Ü b e r Formal Unentscheidbare Satze der Principia Mathematica und Verwandter Systeme
I". Monatshefte für Mathematik und Physik, 38, 1931, p.1/3-198.
48 D o u g l a s R. Hofstadter, op. cit., p.98.

32 - CLAUDIA GIANNETTI
CAPÍTULO 2
Estética e comunicação cibernética

O processo de formalização e a teoria estética

As idéias da Cibernética e da IA significam uma revolução no que se


refere ao c a m p o de estudo e à maneira interdisciplinar de compreendê-lo. Do
ponto de vista da lógica, porém, elas se mantêm dentro de uma certa tradição
filosófica. E essencial lembrar que uma parte representativa da filosofia oci-
dental baseia-se na idéia da absoluta formalização do pensamento humano. E
nessa corrente que as reflexões sobre os conceitos de verdade e realidade se
inserem. Neste sentido, poderíamos traçar uma linha ao longo da história que
uniria Aristóteles, Hull, Hobbes, Leibniz e Babbage, a Turing, N e w e l l e Simon. 1

Ao longo desse processo de f o r m a l i z a ç ã o , p o d e m o s p e r c e b e r uma


progressiva circunscrição da verdade objetiva aos campos da lógica e da mate-
mática, enquanto se reserva, gradualmente, a verdade metafísica às atividades
relacionados c o m o sensível, c o m o a arte.
A questão da formalização, tomada do ponto de vista da lógica baseada
no cálculo, surge pela primeira vez na Idade M é d i a , enquanto que no período
c o m p r e e n d i d o entre a filosofia clássica e a Escolástica, a f o r m u l a ç ã o segue
a lógica aristotélica, que tinha por principal tarefa reduzir todas as formas de
raciocínio ao silogismo.
A lógica aristotélica parte da necessidade de comprovar uma afirmação
para que possa ser considerada científica e para que os enunciados sejam aceitos
c o m o verdadeiros. Aristóteles defendia que todas as verdades básicas pode m
ser expressas em forma de proposições. Assim, o c á l c u l o não seria um processo
para a comprovaçã o de uma afirmação, mas sim para a solução de um problema.

De fato, uma das mudanças fundamentais na lógica o b e d e c e a uma alte-


ração em seu objetivo básico. No momento em que a lógica passa a servir
essencialmente aos propósitos heurísticos, deixa de examinar os enunciados
expressos para dedicar-se a descobrir novos enunciados. Transforma-se, assim,
em arte. 2 Segundo esse raciocínio, a lógica se aproxima do cálculo, entendido
c o m o um recurso m e c â n i c o para a solução de problemas. Abre-se, portanto, a

1 Herbert A. Simon e Allen N e w e l l são investigadores de IA e criadores da primeira máquina "inteligente"


propriamente dita, o " S o l u c i o n a d or Geral de Problemas". Eles se baseiam na idéia de que existem leis
amplas e universais do pensamento e que a inteligência sempre implica o uso e a manipulaçã o de
diversos sistemas de símbolos.

2 Cf. Sybille Kramer. Symbolische Maschinen - Die Idee der Formalisierung in geschichtlichem Abrili.
Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1988, p.87.
via às primeiras considerações sobre a possibilidade de que uma máquina realize
esse processo. Sã o essas premissas que nos permitem entrever um c a m i n h o que
vai da Idade M é d i a - e sua proposta de m e c a n i z a ç ão formal - até o século X X ,
c o m a técnica heurística empregada em sistemas de IA.

Essa nova função da lógica tem suas raízes no pensamento do filósofo


catalão R a m ó n Llull (1235-1315). Em sua obra Ars magma et ultima, a lógica se
transforma em instrumento a serviço de uma ciência universal, c o m base na
qual se poderiam formular enunciados verdadeiros sobre a realidade. Em sua
filosofia, verifica-se uma confluência entre o propósito de reagrupar em uma
scientia generalis todas as ciências dispersas em várias disciplinas e a vontade de
encontrar, a partir dessa ciência, a clavis universalis que lhe abrisse o c a m i n h o
até a p r o p o s i ç ã o de uma infinidade de e n u n c i a d o s verdadeiros . O c o n c e i t o
de linguage m universal apóia-se na idéia de criar uma linguagem s i m b ó l i c a
da ciência que funcione, não c o m o um meio de c o m u n i c a ç ã o , mas c o m o um
instrumento formal para alcançar a verdade.

Outra proposta inovadora de Llull consiste em aplicar a combinatória


c o m o método para chegar aos enunciados, viabilizando a execução do processo
de maneira m e c â n i c a . Esse método se baseia na derivação , de forma automá-
tica, de um número ilimitado de proposições de uma quantidade limitada (54)
de termos básicos (o alphabetum), empregados de forma abreviada por meio de
letras-signos. Para facilitar essa combinação, Llull utiliza figuras e quadros geo-
métricos. Na quarta parte de seu Ars magna et ultima, uma de suas figuras se
assemelha a uma máquina mecânica, formada por três discos unidos pelo centro:
enquanto o disco externo é fixo, os internos são móveis. Sobre esses discos estão
gravadas letras-signos. Assim, por meio das rotações contrárias dos discos é
possível criar, de forma mecânica, todas as combinações prováveis de termos.

Figura 1 - D i a g r a m a de R a m ó n Llull

34 - CLAUDIA GIANNETTI
A partir de Hull, a lógica deix a de ser um ars demonstrandi e transfor-
ma-se em ars inveniendi, um instrumento heurístico para chegar a p r o p o s i ç õ e s
verdadeiras e universais por m e i o de o p e r a ç õ e s lógicas. O processo q u e utiliza
baseia-se na c o m b i n a ç ã o formal dos elementos, o p e r a ç ã o que, por seu caráter
m e c â n i c o , p o d e r i a ser, a p r i n c í p i o , r e a l i z a d a por u m a m á q u i n a . E m outras
p a l a v r a s , afirmar a c a l c u l a b i l i d a d e dos problema s significa considerar a possi-
b i l i d a d e de q u e sejam resolvidos por u m a m á q u i n a , isto e q ü i v a l e a presumir
u m a analogia entre o f u n c i o n a m e n t o lógico do cérebro h u m a n o e o de u m a
m á q u i n a lógica. S u p õ e q u e o r a c i o c í n i o h u m a n o é b a s e a d o em regras, q u e
f u n c i o n a m - assim c o m o a lógica - de forma i n d e p e n d e n t e do c o n t e ú d o da
i n f o r m a ç ã o q u e m a n i p u l a m . O processo se transforma, então, n u m " j o g o de
s í m b o l o s " , q u e e s t a b e l e c e r e l a ç õ e s entre os e l e m e n t o s o b j e t i v o s (os t e r m o s
básicos), livres de contexto ou significado, sobre a base de princípios ou regras
abstratas p u r a m e n t e formais. 3

Nessas hipóteses sobre a c a l c u l a b i l i d a d e e n c o n t r a m o s as premissas que,


p a s s a n d o por T h o m a s H o b b e s e a r e d u ç ã o d e t o d o r a c i o c í n i o a o c á l c u l o ;
G o t t f r i e d W i l h e l m L e i b n i z e a idéia de criar uma linguagem de c á l c u l o puro; e
Charles B a b b a g e e a c o n c e p ç ã o da m á q u i n a analítica, c o n d u z e m ao propósito
de f o r m a l i z a ç ã o do p e n s a m e n t o h u m a n o e de c r i a ç ã o de m á q u i n a s s i m b ó l i c a s
q u e possam suprir essa f u n ç ã o , processo q ue c u l m i n a c o m as investigações da
IA de T u r i n g e dos c o m p u t a d o r e s digitais.

Q u a l seria, então, o v í n c u l o entre essa transformação da linguagem lógica


e o processo de f o r m a l i z a ç ã o na teoria estética? A clássica pergunta sobre a
f u n ç ã o da l i n g u a g e m e sua u t i l i z a ç ã o para se chegar à v e r d a d e se postula tanto
no c a m p o das c i ê n c i a s c o m o no da filosofia. A idéia de Llull, de encontrar u m a
l i n g u a g e m u n i v e r s a l , c o n t i n u a v i v a nas p r o p o s i ç õ e s dos n e o p o s i t i v i s t a s n a
orimeir a m e t a d e d o século X X , tais c o m o M o r i t z S c h l i c k , Rudolf C a r n a p , H a n s
H a h n ou O t t o N e u r a t h . Essa linha de p e n s a m e n t o da c o n t i n u i d a d e à busca de
solução, por m e i o da c r i a ç ã o de um sistema formal, dos p r o b l e m a s c o l o c a d o s
pela M e t a f í s i c a , por e x e m p l o , o da natureza da r e a l i d a de ou da r e l a ç ã o entre o
c o n h e c i m e n t o do m u n d o e a v e r d a d e . A c o m p r e e n s ã o de um d e t e r m i n a d o
c a m p o estaria, portanto, v i n c u l a d a à f o r m u l a ç ã o de u m a teoria q u e se apoiasse
em leis, m o d e l o s e normas.

É p r e c i s o e n t e n d e r q u e o f o r m a l i s m o , da m e s m a m a n e i r a q u e nosso
f u n d a m e n t o c u l t u r a l e social, é um sistema artificial. O p r i m e i r o " m u n d o arti-
f i c i a l " foi c r i a d o c o m a s t é c n i c a s d e r e p r e s e n t a ç ã o plástica d o e n t o r n o ( c o m o
a arte rupestre). O u t r o s m u n d o s artificiais foram gerados a partir da instauração
da l i n g u a g e m por m e i o do alfabeto e da escrita. Ao l o n g o da história da huma-
n i d a d e c o n c e b e r a m - s e , c o n t i n u a m e n t e , n o v o s níveis e processos de artificiali-
d a d e , os q u a i s r e s p o n d i a m às necessidades , impostas em c a d a é p o c a , relacio-
n a d a s c o m a c r i a ç ã o d e sistemas d e c o m u n i c a ç ã o a d e q u a d o s .

3 O "aparelho de discos" lluliano constitui, assim, uma aproximação da lógica e da técnica, método
que será abordado, posteriormente, por Descartes e Leibniz.

Estética Digital - 35
E n c o n t r a m o s um b o m e x e m p l o para a tentativa de elabora r um sistema
lógico de c o m u n i c a ç ã o na teoria geral da c o m u n i c a ç ã o , d e s e n v o l v i d a por C l a u d e
E. S h a n n o n e W a r r e n W e a v e r , a partir de 1948. S h a n n o n dedica-se a investigar,
de m a n e i r a o b j e t i v a , os c a r a c t e r e s físicos das m e n s a g e n s e suas respectiva s
p r o p r i e d a d e s estatísticas. Trata-se d e u m a p r o p o s i ç ã o d e f o r m a l i z a ç ã o a n á l o g a
à da lógica ou das c i ê n c i a s físicas. O m o d e l o de c o m u n i c a ç ã o de S h a n n o n e
W e a v e r baseia-se, segundo eles, na seguinte questão:

O problema fundamentai da comunicação consiste em reproduzir, exata ou


aproximadamente, em outro ponto, uma mensagem selecionada em um ponto
qualquer. Freqüentemente, as mensagens têm significado, isto é, elas fazem
referência ou tem correlação com algum sistema com certas propriedades físicas
ou conceituais. Estes aspectos semânticos da comunicação são irrelevantes para o
problema da engenharia. O aspecto significativo está no fato de que a mensagem
atual é uma determinada, que foi selecionada entre um repertório de mensagens
possíveis. O sistema tem de estar desenhado para operar em qualquer seleção
possível, e não só naquela na qual se encontra no momento, já que isto não se
sabe durante o desenho. 4

Segundo o diagrama esquemático do sistema de c o m u n i c a ç ã o de Shannon,


u m a fonte de i n f o r m a ç ã o ( i n f o r m a t i o n source) s e l e c i o n a , a p r i n c í p i o , u m a men-
sagem determinada ( message ) de um possível repertório (set of possible messages)
e a transmite através de um m e i o ( transmitter) a um determinado receptor ( desti-
nation), q u e a r e c e b e através de outro m e i o (receiver). Nesse processo p o d e
h a v e r uma fonte de ruídos {noise source) que interfere na transmissão da mensagem.

Figura 2 - C l a u d e E. S h a n n o n . Sistema de c o m u n i c a ç ã o

4 Claude Shannon e Warren Weaver. The mathematical theory of communication. U r b a n a , 1949, p.31
( " T h e f u n d a m e n t a l p r o b l e m of c o m m u n i c a t i o n is that of r e p r o d u c i n g at o n e point either exactl y or
a p r o x i m a t e l y a message selected at another point. Frequently the messages h a v e m e a n i n g ; that is they
refer to or are correlated a c c o r d i n g to s o m e system w i t h certain p h y s i c a l or c o n c e p t u a l entities. T h e s e
s e m a n t i c aspects of c o m m u n i c a t i o n are irrelevant to the e n g i n e e r i ng p r o b l e m . T h e significant aspect is
that the actual message is o n e selected from a set of possible messages. T h e system must be designed to
operate for e a c h possible selection, not just the o n e w h i c h w i l l actually be c h o s e n s i n c e this is unkno-
wn at the t i m e of design.")

36 - CLAUDIA GIANNETTI
C o m o S h a n n o n frisa, no processo " t é c n i c o " de c o m u n i c a ç ã o , a i n f o r m a ç ã o n ã o
denota significado, mas se refere à quantidad e de sinais ( signals ) q u e pode haver
n u m a m e n s a g e m . Portanto, para S h a n n o n e W e a v e r , o p r o b l e m a p r i n c i p a l da
t é c n i c a de c o m u n i c a ç ã o - por e x e m p l o , a m e d i ç ã o da q u a n t i d a d e de informa-
ç ã o ou da c a p a c i d a d e do c a n a l - encontra-se no â m b i t o da m a t e m á t i c a e da
física, sendo i n d e p e n d e n t e dos sinais ou dos códigos, ou de se os emissores ou
receptores são m á q u i n a s ou seres h u m a n o s .

Nessa m e s m a linha de p e n s a m e n t o inscreve-se u m a n o v a corrente esté-


tica, diretamente influenciada pela Cibernética, q u e c o n c e b e a i n f o r m a ç ã o c o m o
a c h a v e para a c o m p r e e n s ã o dos processos estéticos. Busca-se, por m e i o da
f o r m a l i z a ç ã o , u m a c o n t r a p o s i ç ã o às t e n d ê n c i a s subjetivistas, transcendentais
ou existenciais das teorias estéticas inscritas na tradição kantiano-hegelianas. O
f u n d a m e n t o de um sistema estético formal n ã o te m por fim aprofundar a inter-
pretação ou os juízo s de valor, mas, ao centrar-se no próprio sistema da obra,
e l e ordena o significado dos elementos e dos signos por ela empregados. Toda obra
de arte e, de um m o d o geral, toda expressão artística passam a ser c o n s i d e r a d a s
c o m o m e n s a g e m transmitida entre u m i n d i v í d u o (ou u m microgrupo) c r i a d o r
(artista/s), d e n o m i n a d o emissor, e um i n d i v í d u o (ou grupo) receptor, por inter-
m é d i o de um canal de transmissão (sistema de sensações visuais, auditivas etc.). 5

A proposta de aproximar-se da arte a partir da teoria da informação revela


um certo paralelismo c o m a definição de estrutura da mensagem formulada pela
Semiótica: um emissor envia uma mensagem ao receptor e, para isso, emprega um
código e um canal de c o m u n i c a ç ã o . Para Charles Morris, um dos fundadores da
Semiótica, a arte é linguagem para a c o m u n i c a ç ã o de valores. Essa função valorativa
deve-se ao fato de q u e os signos representam objetos finais. A partir dessa perspec-
tiva reducionista, a linguagem baseia-se em qualidades sintáticas previsíveis e con-
clusivas. C o m essa premissa, a teoria em torno da Estética Racional valoriza o objeto
artístico c o m o um sistema de signos que transporta informações estéticas formalizáveis.

Estética Racional

O passo i n i c i a l para c o n s e g u i r a f o r m u l a ç ã o de p r o p o s i ç õ e s e n o r m a s
de p r o c e d i m e n t o e v a l o r a ç ã o para u m a estética centrada no c o n c e i t o de men-
sagem consiste em adaptar a teoria da informação à estética. C o m outras palavras,
f o r m a l i z a r a l i n g u a g em e os parâmetros estéticos. A primeira proposta neste
sentido parte do matemático norte-americano G e o r g e D a v i d Birkhoff. A obsessão
em encontrar regras c o n f i á v e is e objetivas para a legitimação estética da obra
de arte leva Birkhoff, em seu estudo titulado Aesthetic measure (1 933), a propor
uma f ó r m u la para a m e d i d a estética, na qual ' O ' seria a m e d i d a da o r d e m e ' C ' ,
a m e d i d a do gasto de material ' M ' . A m e d i d a estética seria representada por
M=0/C.

5 Cf. A b r a h a m A. M o l e s . "A abordagem informacional", in: Mikel Dufrenne (Ed.). A estética e as ciên-
cias da arte. Lisboa: Livraria Bertrand, 1982, p.300.

Estética Digital - 37
Da mesma maneira que W i e n e r , inspirado por Gibbs, insistia na impor-
tância da estatística aplicada à ciência, Birkhoff introduz, em sua teoria estética,
métodos puramente estatísticos para obter uma quantificação da análise da obra.
Trata-se da constituição de uma Estética Racional, que se desvia, notoriamente,
dos modelos estéticos da tradição idealista e romântica.
Podemos entender esse momento c o m o o ponto de cisão da teoria esté-
tica e o de formação das duas principais correntes, que marcam os campos da
investigação estética a partir da segunda metade dos anos 1930. M e s m o que o
objetivo de ambas as correntes seja c o m u m - vincular a legitimação da arte a
fundamentos estéticos confiáveis -, seus discursos seguem caminhos opostos.
Para uma das correntes, que se fundamenta no método, a reflexão sobre a arte só
tem valor enquanto se apóia num procedimento cientificamente válido, capaz
de obter resultados objetivos. Para a outra, na qual os princípios se atêm à idéia
de verdade da arte, a experiência estética, ao não se limitar a uma relação causai
e objetiva, não eqüivale aos conhecimentos alcançados pelas ciências exatas, mas
se baseia em outro tipo de conhecimento subjetivo, em um valor gnosiológico.

A Estética Racional opõe-se, obviamente, à segunda possibilidade e se


empenha em obter teorias válidas que apoiem a proposta de racionalização
estética. Esta consiste, basicamente, em questionar as noções de sentido e signi-
ficado da obra de arte, efetuando, assim, uma separação entre o continente e o
conteúdo, a fim de ocupar-se, sistematicamente, do continente. A informação
passa a ser a "unidade de medida" utilizada para valorar a mensagem. Buscam-se
as probabilidades de ocorrência, o estabelecimento de repertórios nos diferentes
níveis de informação e outras noções que conduza m a normas de valoração.
Para Birkhoff, a quantidade de informação é expressão da complexidade
de uma mensagem. A complexidade, c o m o um valor quantificável v i n c u l a d o à
mensagem, constitui, segundo Birkhoff, umas das grandezas essenciais da
p e r c e p ç ã o . Q u a n t o maiores são as relações de ordem na obra de arte, menor
será seu valor estético, enquanto que, quanto mais complexa for a representação,
maior será seu valor estético. A complexidade determina, conseqüentemente, o
grau de novidade e de valor estético contido numa mensagem artística.

Estética Informacional

O filósofo M a x Bense amplia o modelo de Birkhoff introduzindo novos


conhecimentos sobre a teoria da informação, da semiótica e da filosofia. 6 O
vocabulário que utiliza revela o estreito vínculo c o m a terminologia científica
ou técnica que encontramos na Cibernética. Ele define a medida de ordem
c o m o " r e d u n d â n c i a " e o gasto de material c o m o "entropia", ambos os termos

6 Cf. M a x Bense, Aesthetica I (Metaphysische Beobachtungen am Schõneri), 1954; Âsthetische Information


(Aesthetica II). Krefeld, Baden-Baden : Agis-Verlag, 1956; Àsthetik und Zivilisation (Aesthetica III). Krefeld,
B a d e n - B a d e n : Agis-Verlag, 1958; Programmierung des Schónen (Aesthetica IV), Krefeld, Baden-Baden:
Agis-Verlag, 1960; Einführung in die informationstheoretische Àsthetik. Reinbek, H a m b u r g o , 1969.

38 - CLAUDIA GIANNETTI
p r o v e n i e n t e s da c i ê n c i a e largamente utilizados por N o r b e r t W i e n e r . 7 S e g u n d o
Bense, a arte, principalment e a arte moderna, já não pode ser definida em termos
de proporções, simetrias ou h a r m o n i a s c o m o a arte clássica, já q u e enfatiza a
divergência, a evasão da norma. O processo estético tende a uma direção contrária
à do m u n d o físico. A m b o s são, por d e f i n i ç ã o, distintos, u m a v e z q u e o m u n d o
da Física é um m u n d o d a d o , e n q u a n t o q u e o m u n d o da estética é um m u n d o
construído. Falta, segundo Bense, u m a teoria q u e possa valorar o b j e t i v a m e n t e
esse c a m p o e oferecer u m a " p r o g r a m a ç ã o da b e l e z a " .

S u a teoria se perfila, assim, c o m o u m a tentativa de sistematização das


normas estéticas. 8 A proposta da Estética Informacional - termo criado por B e n s e
e e m p r e g a d o pela primeira v e z em sua c o n f e r ê n c i a sobre a "Estética M o d e r n a " ,
em 1 957, na T e c h n i s c h e H o c h s c h u l e de Stuttgart e em seu livro Aesthetica III -
baseia-se na análise estatística da obra e i m p l i c a a necessidade de relegar a um
s e g u n d o p l a n o o sujeito - o receptor -, q u e é substituído, na análise estética,
por regras abrangentes. Posteriormente, B e n s e utiliza o termo Estética G e r a t i v a ,
q u e defin e c o m o "o c o n j u n t o de todas as operações, regras e teoremas, c u j a
a p l i c a ç ã o se dá a u m a q u a n t i d a d e de e l e m e n t o s materiais - q u e p o d e m servir
de signos - c r i a d o s nessas situações estéticas (distribuições e c o n f o r m a ç õ e s ) de
maneira consciente e metódica".9

Bense cria uma clara distinção entre os "materiais" (por exemplo, o pigmento)
e a " s i t u a ç ã o estética" ( o r d e n a ç ã o da cor e da forma na superfície). O " s i g n o " ,
termo q u e resgata da semiótica, i n d i ca u m a c o n s t r u ç ão tridimensional q u e pos-
sui três graus de liberdade: sintática, semântica e pragmática. Estes p e r m i t e m
q u e os signos t e n h a m pesos diversos em diferentes épocas , q u e sejam ambí-
guos. O c o n j u n t o de signos ou a q u a n t i d a d e de e l e m e n t o s materiais constitue m
o repertório. P o r é m , esses e l e m e n t o s n ã o g u a r d a m r e l a ç ã o direta c o m objetos já
existentes, de m o d o que, em u m a a n á l i s e s e m â n t i c a , os signos só f a z e m refe-
r ê n c i a a eles mesmos, isto é, são auto-reflexivos. Por outro lado, B e n s e considera
q u e os signos são inseparáveis do significado e, portanto, são i n f o r m a ç õ e s no
sentido implícito. Essa c o n c e p ç ã o é f u n d a m e n t a l , na m e d i d a em q u e interpreta

7 De acordo com a visão cibernética, a ordem se expressa por meio da redundância, enquanto a trans-
formação procede da inovação.
8 As primeiras propostas de uma interpretação da estética como ciência da arte são formuladas no
século XIX, no círculo positivista de raiz sociológica, como nas obras de Hippolyte Taine ou Jean-Marie
G u y a u , que tentam transferir os princípios das ciências da natureza aos das ciências do espírito. No
entanto, enquanto os positivistas destacam a noção de contexto e a função representativa da arte, a
Estética Racional de Bense se apóia no estudo analítico da própria estrutura da obra, em sua função
"metalingüística" (Roman Jakobson). Bense manifesta, em seu livro Representation unciFundierung der
Realitãten, seu reconhecimento às contribuições fundamentais de Charles S. Peirce e Birkhoff. " O s
conceitos de 'medida formal' (Birkhoff) e de 'classe de signos' (Peirce) formam a pedra angular de uma
ampla e crítica teoria da 'Realidade Estética' (Bense), que se incorporou, progressivamente, à 'Estética
Informacional' (Moles, Bense, Frank, Gunzenhãuser, Maser, Nake, entre outros), criada a partir da
Teoria da Informação ( W i e n e r , Shannon, entre outros)." Cf. M a x Bense, op. cit., p.97.

9 O termo "Estética G e r a t i v a " foi empregado por Max Bense no ensaio entitulado "Projekte generativer
Àsthetik", publicado na revista Rot 19 e também na parte V de seu livro Aesthetica. Texto citado por
Erwin Steller em: Computer und Kunst. M a n n h e i m : BI Wissenschaft Verlag, 1992, p.198.

Estética Digital - 39
o processo estético c o m o um processo i n f o r m a c i o n a l , a c e n t u a n d o a natureza
n ã o e x c l u s i v a m e n t e física do o b j e t o estético.

M a x B e n s e distingue quatro processos essenciais para a síntese estética:


o s e m i ó t i c o , o m é t r i c o , o estatístico e o t o p o l ó g i c o . O p r o c e s s o s e m i ó t i c o
baseia-se no estudo do signo; o processo estatístico cria estruturas locais ou
u m a e s p é c i e de microestética; o métrico, c o m o um p r i n c í p i o de c o n f o r m a ç ã o ,
e m p r e g a parâmetros, c o m o distância, longitude, q u a n t i d a d e , para definir u m a
estrutura g l o b al - a macroestétic a -, q u e se materializa na Cestalt, na figura, na
forma da obra; e o t o p o l ó g i c o , basead o n u m p r i n c í p i o r e l a c i o n a i , aponta as
v a r i a ç õ e s q u e p o d e m ser realizadas sobre u m a d e t e r m i n a d a figura.

C o m a introdução desses dois conceitos de microestética e macroestética,


Bense pretende estabelecer uma distinção clara entre a estética centrada no objeto
de arte e a nova estética baseada na informação. Assim, a macroestética traça uma
reflexão perceptiva e representativa sobre a obra, que está diretamente relacionada
c o m o próprio objeto de arte. Ao contrário, a microestética trata de uma relação
indireta entre a teoria e a obra, baseada em um sistema de signos e de processos.

Toda observação macroestética de uma obra de arte que considere os mesmos


momentos compositivos e icônicos pode, ao menos em teoria, apresentar-se
através de correlações macrofísicas provenientes da mecânica clássica (teoria
das proporções e teorias prospectivas, por exemplo). Ao contrário, a análise
microestética, aprofunda numa temática dos signos que - como a exata teoria
microfísica dos fenômenos quânticos - deve, de fato, utilizar os meios expres-
sivos da semiótica geral e da lógica.10

N ã o é difícil descobrir a q u i o estreito p a r a l e l i s m o entre seu p e n s a m e n t o


estético e as teorias da Física m o d e r n a , tanto t e r m i n o l ó g i c a ( m a c r o f í s i c a e
microfísica) c o m o conceitualmente.

A proposta teórica de M a x B e n s e t e m alguns o b j e t i v os claros: substituir


os valores estéticos tradicionais, baseados na c o m p r e e n s ã o subjetiva e metafísica
da arte, por um estudo o b j e t i v o da própria natureza material da obra. Isto signi-
fica substituir o anterior m é t o d o estético de interpretação por u m a t é c n i c a de
o b s e r v a ç ã o e de c o m u n i c a ç ã o . Ao integrar a arte no contexto da teoria da comuni-
c a ç ã o e , m a i s e x a t a m e n t e , n o d a teoria d a i n f o r m a ç ã o b a s e a d a e m v a l o r e s
m a t e m á t i c o s , B e n s e instaura, mais q u e u m a estética i n f o r m a c i o n a l , u m a "infor-
m a ç ã o e s t é t i c a " . Isto significa e n t e n d e r a obr a d e arte c o m o u m v e í c u l o d e
i n f o r m a ç ã o (de uma informaçã o estética): " A s obras de arte são u m a classe espe-
cial (quer dizer, gerada e n ã o existente) de 'suporte' da ' i n f o r m a ç ã o estética'". 1 1
O termo informação d e v e ser entendido aqui, não no sentido imensurável
da mensagem, notícia ou c o m u n i c a ç ã o em si, mas c o m o um conteúdo informacional
quantificável na transmissão ou armazenamento da informação. Toda informação,

10 M a x B e n s e . Àsthetische Information, o p. cit., p.35.

11 Max Bense, "Àsthetische Kommunikation", in: Semiotik. Allgemeine Theorie der Zeichen. Baden-
B a d e n : Agis-Verlag, 1967, p.18-25.

40 - CLAUDIA GIANNETTI
c u j a m e d i a ç ã o baseia-se na c o m u n i c a ç ã o , é construída por " s i g n o s " . B e n s e pro-
põe no livro Repràsentation und Fundierung der Realitãten (Representação e
fundamento das realidades), u m a b r e v e revisão histórica do processo de desen-
v o l v i m e n t o de u m a teoria estética " m o d e r n a " , q u e o autor relaciona , de manei-
ra intrínseca, c o m u m a teoria não-metafísica, q u e se manifesta na teoria da "Re-
a l i d a d e Estética" o u das " S i t u a ç õ e s Estéticas".

B e n s e d e s t a c a três p e r í o d o s ou fases r e l e v a n t e s . A p r i m e i r a fase se


restringe à c o n c e p ç ã o estética estritamente n u m é r i c a , d e s e n v o l v i d a p e l o mate-
m á t i c o Birkhoff, em sua p r i n c i p a l obra, Aesthetic Measure.

A segunda fase é resumida por B e n s e da seguinte m a n e i r a :

Desenvolvida nos anos 1950 preponderantemente pelos norte-americanos


W i e n e r , Shannon e Weaver, teve início uma nova fase da Estética Teórica. Moles
(Estrasburgo), Bense, Frank, Maser e Nake (Stuttgart) usaram-.na para aplicar o
conceito de informação ao processo e ao estado da "Realidade Estética" (cf. M.
Bense, Àsthetica l-IV, 1954-1960). Especialmente o conceito de "inovação", proce-
dente da pré-Teoria da Informação, foi o que permitiu considerar, através do
conceito de "originalidade" criativa e artística, a "Realidade Estética" como
"informação" (como redundância) no sentido das "Funções de Decisão" de
Mandelbrot (cf. NTF, volume 3, 1956, artigo de A. Moles e M. Mandelbrot). 12

P o r é m , esta segunda fase da Teoria Estética, q u e c o n c e b i a o estético


c o m o u m a f o r m a e s p e c í f i c a d e i n f o r m a ç ã o , d e v e ser e n t e n d i d a c o m o etapa
inaugural, e n ã o c o m o c o n c l u s i v a . A terceira fase, nos anos 1960, q u a n d o o
g r u p o de Stuttgart 1 3 d e s e n v o l v e a Estética I n f o r m a c i o n a l , se revest e de um
c a r á t e r s e m i ó t i c o , i n f l u e n c i a d o , sobretudo, pelo c o n c e i t o de signo categorial,
r e l a c i o n a i e f u n d a m e n t a l , proposto p e l o lógico, m a t e m á t i c o e filósofo norte-
a m e r i c a n o C h a r l e s Sanders P e i r c e (1839-1914).

A p o i a d a nas teorias c i b e r n é t i c a s da i n f o r m a ç ã o e da semiótica, a Estética


I n f o r m a c i o n a l pretende superar as d e m a i s teorias estéticas baseadas na metafísica
ou de o r i e n t a ç ã o h e r m e n ê u t i c a e idealistas. Isto significa a b a n d o n a r , de f o r m a
radical, a reflexão subjetiva em torno de objetos e formas.

Enquanto o interesse de Bense volta-se, principalmente, para as artes plásticas,


A n d r é A b r a h a m M o l e s , outro f u n d a d o r da Estética I n f o r m a c i o n a l , irá abordá-la
por m e i o da lingüística, da m ú s i c a e, e s p e c i a l m e n t e , da arte por c o m p u t a d o r . 1 4

12 M a x Bense, Àsthetische Kommunikation, op. cit., p.97-98. ( V a l e a pena lembrar q u e B e n o i t


M a n d e l b r o t desempenhou um papel importante no desenvolvimento da Teoria da Informação e a
aplicou ao c a m p o da linguagem escrita a partir de 1954.)
13 O grupo de Stuttgart era formado por Bense, Gunzenhâuser, von Cube, Alsleben e Frank (Estética
Informacional), Nake, Nees, Franke e C a r n i c h (Computer Art). O grupo de Paris, com sede no Instituto de
Estética Experimental, tem por membros Francês, Philippot e Moles. Na Espanha forma-se o grupo da Uni-
versidade de Madri, integrado por Camarero, Barbadillo, Yturralde e Greenham (Computer Art). W a l d e m a r
Cordeiro, junto c o m o físico Giorgio Moscati, introduz a Computer Art no Brasil no final dos anos 1960.
11 Cf. A. A. Moles. Théorie de 1'information et perception esthétique, 1958 (trad. al. Informationstheorie
und àsthetische Wahrnehmung. Colônia: D u M o n t Schauberg, 1971); "Cybernétiqu e et oeuvre d'art",
in: Revue d'Esthétique 18, 1965, p.163-182; Art et ordinateur, 1971 ( P a r i s : Blusson Editeur, 1990); "A
abordagem informacional", in: M i k e l Dufrenne (Ed.), op. cit.

Estética Digital - 41
M e s m o que ambos partam dos mesmos fundamentos - a Cibernética de
W i e n e r , a Teoria da informação de Shannon e a Semiótica de Peirce diferem
no propósito final.

As grandes contribuições, tanto de Bense c o m o de A b r a h a m Moles, con-


sistem em suas tentativas de sincroniza r a reflexão estética c o m os desenvol-
v i m e n t o s da arte contemporânea de seu tempo. Neste sentido, suas propostas
são fundamentais, pois reconhece m a necessidade de superar a profunda cisão
entre corpus teórico e prática artística, produzida a partir do c o m e ç o do século
X X . Bense e M o l e s abordam uma série de temas, que passarão a fazer parte do
conjunto de reflexões estéticas em torno da media art.

Ao contrário de Bense, M o l e s consegue superar as abordagens estrita-


mente cientificistas, pois reconhece um fato omitido pela grande maioria dos
defensores da Estética Racional: a constatação da crise da ciência c o m o teoria
racional, uma "crise" cujos sintomas c o m e ç a m a emergir nos finais do século
X I X . Em sua incredulidade em relação aos discursos de legitimação da verdade
científica, M o l e s já aponta para as tendências do pensamento pós-moderno.
Alguns dos conceitos e proposições delineados por ele nos anos 1960 encontram
e c o nas reflexões mais atuais.

U m a de suas propostas mais interessantes considera que as máquinas


d e v e m aproximar-se cada vez mais da arte - e a arte das máquinas uma vez
que são sistemas que possuem, segundo Moles, uma grande c a p a c i d a d e crítica
baseada na c o m b i n a ç ã o de diferentes elementos. Seu valor está na possibili-
d a d e de alcançar, a partir de componentes simples, uma grande complexidade.
Por meio do método que ele denomina "resíduo de uma s i m u l a ç ã o" (que deixa
entrever uma certa inspiração cibernética), tenta reproduzir, de modo artificial e
pela repetição contínua, todos os processos possíveis. A partir desse método de
criação, M o l e s introduz o conceito c h a v e de simulacro. Gerar simulacros não
significa fazer cópias exatas dos "originais", mas novas versões. Seu valor não
se encontra no conceito tradicional de " v e r d a d e " - noçã o essencial na estética
clássica -, mas no "grau de operatividade" que possa alcançar, isto é, o grau de
analogia. Assim, M o l e s propõe, 30 anos antes das teorias que analisariam a
questão da simulação e que conformariam uma das bases primordiais para pensar
a media art, a substituição do conceito de verdade pelo de simulacro.

Do ponto de vista estético, o simulacro implica uma relação entre tecno-


logia e busca de consistência operativa. M o l e s constata a existência de um
estreito v í n c u l o entre a crise do critério de verdade e o advento das novas tec-
nologias baseadas em critérios de operatividade. Ao deslocar uma noção técnica
para o contexto artístico-cultural, M o l e s adianta-se a seu t e m p o e expõe a
originalidade de suas abordagens. Encontramos hipóteses similares em teorias
recentes, c o m o as de Jean-François Lyotard, que afirma que "o critério de opera-
tividade é tecnológico e não é pertinente para julgar o verdadeiro e o justo". 1 5
As técnicas "obedecem a um princípio de otimização de atuações. (...) São, então,

J.-F. Lyotard. La condición posmoderna. M a d r i : Cátedra, 1989, p.11 (Ver t a m b é m A condição pós-
moderna. R i o de J a n e i r o : J o s é O l y m p i o , 1998).

42 - CLAUDIA GIANNETTI
jogos nos q u a i s a pertinênci a não é n e m a v e r d a d e i r a , n e m a justa, n e m a bela,
mas a eficiente". 1 6

S e g u i n d o a teoria de M o l e s , se as m á q u i n a s d e v e m simular, de m a n e i r a
efetiva, a c r i a ç ã o intelectual, então o centro de a t e n ç ã o d e v e ser a simulação de
obras de arte, p e l o seu v a l o r n ã o determinista e sua estrutura p o u c o h i e r á r q u i c a .
Para ele, é necessário d e s e n v o l v e r um ou vários programas e pensar, d e s d e o
início, sobre o p a p e l q u e d e s e m p e n h a r á o artista nesse processo. A n o v a f u n ç ã o
q u e assume o criador em r e l a ç ã o a u m a obra gerada a partir do c o m p u t a d o r é,
segundo M o l e s , por um lado a do esteta e, por outro, a do programador. Esteta
no sentido de q u e e l e d e v e estabelecer todos os critérios artísticos da obra q u e
será produzida pelo programa, enquant o q u e sua f u n ç ã o prática é a de realizar o
algoritmo q u e abranja esse leque estético, t r a d u z i n d o as necessidades criativas
para a l i n g u a g e m binária da m á q u i n a . A idéia de tradução c o m o a ç ã o artística é
p a r t i c u l a r m e n t e sugestiva e u m a mostra da p e c u l i a r c o n t r i b u i ç ã o de M o l e s -
n e m s e m p r e r e c o n h e c i d a - para a teoria da estética digital, p r i n c i p a l m e n t e em
r e l a ç ã o à a n á l i s e do papel do artista e da c o m u n i c a ç ã o h u m a n o - m á q u i n a na
c r i a ç ã o da obra eletrônica. V o l t a r e m o s a esse c o n c e i t o ao nos referir à interface.

Sobre as possibilidades de c r i a ç ã o de programas para g e r a ç ã o de obras de


arte, M o l e s p r o p õ e c i n c o m o d e l o s distintos: o O b s e r v a d o r artificial; o Amplifi-
c a d o r de c a p a c i d a d e ; a Art e p e r m u t a c i o n a l ; a M á q u i n a imaginativa ; e o M o d e l o
protético. O primeiro modelo, o Observador artificial, baseia-se na idéia de
criar um sistema m a q u i n a i de a p r e c i a ç ã o de obras de arte. Essa m á q u i n a d e v e
possuir, para a r e c e p ç ã o de dados, um dispositivo para traduzir as impressões
captadas do exterior em determinados códigos (por exemplo, câmara de televisão,
tradutor analógico-digital). A m á q u i n a processa as i n f o r m a ç õ e s c o n s e g u i d a s por
m e i o de um filtro q u e analisa a " a r q u i t e t u r a " das imagens captadas, s e g u n d o os
parâmetros e s t a b e l e c i d os pelo esteta ou programador. Esse algoritmo permite à
m á q u i n a escolher a i m a g e m q u e mais se aproxima dos valores desejados, quali-
f i c a n d o , assim, a obra s e l e c i o n a d a c o m o obra de arte. Esta é a r q u i v a d a , a fim de
q u e possa ser s e m p r e r e c u p e r a d a . N o m u n d o e m q u e a q u a n t i d a d e d e infor-
m a ç ã o i c ô n i c a ou textual t e n d e a cresce r p r o g r e s s i v a m e n t e , a f u n ç ã o dessa
m á q u i n a seria a de servir de " c r í t i c o m e c â n i c o " para o artista ou esteta. 17

Para a c o n c e p ç ã o do segundo m o d e l o de sistema artificial, M o l e s t o m a a


e x p e r i ê n c i a do artista a l e m ã o Karl O t t o G õ t z . Em sua é p o c a de soldado, d u r a n t e
a Segunda Guerra M u n d i a l , G õ t z c o m e ç a a interessar-se pela estética das imagens
de radar. N o s anos 1950, elas o l e v a m a realizar os primeiros experimentos c o m a
g e r a ç ã o de imagens eletrônicas por m e i o de tubos de raios c a t ó d i c o s, processo
q u e e l e d e n o m i n a de pintura cinética. C o m base nessa t é c n i c a , e l e realiza obras
de g r a n d e c o m p l e x i d a d e de c á l c u l o , investigando as possibilidades do e m p r e g o
da e l e t r ô n i c a na c o m p o s i ç ã o de imagens. Por volta de 1960, G õ t z cria imagens
reticulares a partir de d e t e r m i n a d o s padrões. M e s m o q u e essas imagens estejam

J.-F. Lyotard. La condición posmoderna, op. cit., p.83.


17 U m a função que, atualmente, certos sistemas informáticos de mercado - porém também artísticos -,
podem levar a c a b o através de sistemas de IA ou do que conhecemos por " k n o w b o t " (agente inteligente).

Estética Digital - 43
e l a b o r a d a s à mão , o o b j e t i v o é c h e g a r a u m a pintura de elétrons, em forma de
i m a g e m e m m o v i m e n t o . P o r é m , a tentativa d e montar u m f i l m e c o m imagens
pintadas à m ã o mostra-se c o m o u m a tarefa d e m a s i a d o trabalhosa. C õ t z c a l c u l a
q u e seriam necessários 40 anos para se produzir, desta forma, um f i l m e de d e z
m i n u t o s . S e u o b j e t i v o s ó seria p o s s í v e l s e e m p r e g a s s e , para isto, u m c o m p u -
t a d o r de g r a n d e potência, o que, nesta é p o c a , n ã o era acessível.

T o m a n d o esse fato c o m o e x e m p l o , M o l e s p r o p õ e q u e d e t e r m i n a d a s
m á q u i n a s d e v a m f u n c i o n a r c o m o um Amplificador de capacidade, c o m o assis-
tentes q u e f o r n e ç a m a j u d a ao criador, facilitando, assim, o laborioso processa-
m e n t o de i n f o r m a ç ã o e possibilitando a e x e c u ç ã o de idéias c o m p l e x a s .

Alimenta-se a máquina com uma idéia e com um repertório de signos e ordena-se


que desenvolva esta idéia. Por exemplo, Xenakis acredita que é interessante
classificar os elementos sonoros segundo um certo número de regras simples e se
pergunta como estas regras podem ser percebidas pelo ouvinte. A priori ele não
sabe nada sobre isto; começa a recopilar manualmente os elementos sonoros;
porém, quando a dimensão dos cálculos se toma impossível, ele delega a uma
I B M 704 a realização desta tarefa.18

Esse tipo de m á q u i n a é c o n s i d e r a d o por M o l e s um sistema, n ã o s o m e n t e


de respaldo prático, mas t a m b é m intelectual. É o q u e lhe sugere q u e tal Ampli-
ficador possa abrir um n o v o c a m p o para a c r i a ç ã o artística.
O p r ó x i m o e x e m p l o de " m á q u i n a estética" serve de base para o q u e
Moles chama de Arte permutacional. Ao contrário do primeiro modelo, que
t r a b a l h a c o m as possibilidades abertas do m u n d o exterior, e do segundo, q u e se
limita à r e a l i z a ç ã o de u m a d e t e r m i n a d a idéia, o terceiro m o d e l o trata de inves-
tigar e definir o c a m p o de possibilidades. Por m e i o da c r i a ç ã o de um " a l g o r i t m o
c o m b i n a t ó r i o " , a m á q u i n a d e v e ser c a p a z de pesquisar, sistematicamente, a
t o t a l i d a d e do c a m p o , tarefa impossível para as c a p a c i d a d e s normais de um ser
h u m a n o . N e s t e caso, o artista não cria s o m e n t e o algoritmo s e g u n d o um c ó d i g o
s i m b ó l i c o sobre a base de um repertório, mas assume a r e s p o n s a b i l i d a d e sobre
a obra final. A m á q u i n a p o d e criar u m a grande q u a n t i d a d e de obras possíveis,
q u e serão analisada s e s e l e c i o n a d a s pelo artista.

O quarto m o d e l o i m p l i c a um grau de c o m p l e x i d a d e mais e l e v a d o . Esse


m o d e l o e s t a b e l e c e u m a s i m u l a ç ã o d o processo d e c r i a ç ã o artística ( u m experi-
m e n t o d e r i v a d o , possivelmente, do m é t o d o de r e d u ç ã o c i b e r n é t i c o ). A proposta
consiste em reproduzir, por meio de uma m á q u i n a dotada de certa " i m a g i n a ç ã o " ,
a m a n e i r a de criar do artista, tanto em seus acertos c o m o em seus e q u í v o c o s . O
processo de c r i a ç ã o da m á q u i n a divide-se n u m a parte analítica e outra sintética.
A p r i m e i r a consist e na t r a d u ç ã o dos f e n ô m e n o s p e r c e p t i v o s em d a d o s estatís-
ticos, q u e d e f i n e m as características objetiva s da obra de arte (não se trata de
a b a r c a r a obra em sua totalidade, mas descobrir as regras ou m o d e l o s nos quais

18 A b r a h a m A. M o l e s , " K y b e r n e t i k u n d K u n s t w e r k " , in: W o l f h a r t H e n c k m a n n (Ed.). Âsthetik. Darmstadt:


W i s s e n s c h a f t l i c h e Buchgesellschaft, 1979, p.318 (1 ed. em Revue d'Esthetique 18, 1965).

44 - CLAUDIA GIANNETTI
se baseia). Na etapa sintética, se s e l e c i o n a um dos símbolos ou estilos, definidos
segundo critérios da i m a g i n a ç ã o ou do acaso, e se cria, por m e i o de processos
c o n t í n u o s de busca ou seleção, u m a obra q u e se a d a p t e às premissas estéticas
e s t a b e l e c i d a s p e l o artista. O p a p e l do artista limita-se, a s s i m , à d e f i n i ç ã o
dos parâmetro s artísticos ou estilísticos q u e d e v e seguir o programa, q u e criará
outras obras s e g u n d o esse m o d e l o . O responsável pela e x e c u ç ã o da obra final
já n ã o é o artista, mas a m á q u i n a .

O quint o e último m o d e l o de m á q u i n a de c r i a ç ã o baseia-se na idéia da


integração em níveis sucessivos. A m á q u i n a d e v e f u n c i o n a r c o m o u m a prótese
das limitadas c a p a c i d a d e s perceptivas humanas. Neste sentido, p o d e ser empre-
gada em situações nas quais se torne impossível para as pessoas analisar toda a
i n f o r m a ç ã o recebida; por exemplo, para a c o m p a n h a r u m a seqüência de imagens
apresentadas a uma v e l o c i d a d e superior ao tempo que necessita a retina h u m a n a
para percebê-la ( e m torno de um quarto de segundo). Essa série de imagens
poderia ser c a p t a d a e processada por u m a " m á q u i n a de v i s ã o " , servindo, poste-
r i o r m e n t e , para u m a análise de correlações entre os diferentes elementos icônicos.
T a m b é m poderia ser empregada c o m o base de dados de todo tipo de formas, o q u e
facilitaria a c r i a ç ã o de n o v a s formas. Esse tipo de programa f u n c i o n a , portanto,
c o m o u m a fonte d e estímulos o u u m m e i o d e o b s e r v a ç ã o .

M o l e s é c o n s c i e n t e de q u e essa " i n v a s ã o dos processos m e c â n i c o s em


nosso p e n s a m e n t o " 1 9 p o d e abrir c a m i n h o a u m a v e r d a d e i r a r e v o l u ç ã o sociocul-
tural quantitativa e qualitativa, levando a uma série de perguntas sobre as possíveis
c o n s e q ü ê n c i a s dessas m u d a n ç a s :

Q u e efeitos tem para a sociedade o uso de produtos realizados pela máquina,


como a música aleatória, a linguagem artificial, a pintura programada, os
textos traduzidos por programas, a biblioteca nacional introduzida na memória
do computador? (...) Como imaginamos uma simbiose com as máquinas? (...)
O artista será substituído por máquinas na realização de pinturas, músicas e
literatura, como já acontece com o contador e o operário? 20

Para contestar essas questões, M o l e s c h a m a a a t e n ç ã o para três m u d a n ç a s


f u n d a m e n t a i s q u e c o n t i n u a m sendo, até hoje, os três focos principai s da teoria
da media art, a saber: a f u n ç ã o do artista, o c o n c e i t o de arte e a esfera do espec-
tador. O artista, e v i d e n t e m e n t e , n ã o será substituído pela m á q u i n a , ma s a trans-
f o r m a ç ã o influirá n a f u n ç ã o q u e d e s e n v o l v e n o processo d e c r i a ç ã o d a obra. " O
artista s e t r a n s f o r m a r á e m p r o g r a m a d o r n a m e d i d a e m q u e e l e a c e i t e esta
c o n v e r s ã o . " 2 1 P o r é m , a f u n ç ã o da arte sofrerá u m a transformação radical.

O processo acumulativo da arte se produz devido a uma reação do ser humano


a seu meio ambiente em ciclos socioculturais. Porém, a arte mecânica do futuro

5 Moles, op. cit., p.329.

" Ibidem, p.329-330.


; Ibidem, p.330.

Estética Digital - 45
corresponderá a uma necessidade, a uma exigência de medida. Nós passamos
da arte da espontaneidade criativa à arte de consumo: a arte mecânica dá bons
resultados na concepção de novas produções culturais que abastecem o meio
social através da ingerência dos meios de comunicação de massas; somente esta
arte é capaz de levar a cabo a combinatória, ou de investigar o campo de possi-
bilidades definido a partir de uma base de originalidade. 22

E m r e l a ç ã o a o observador, M o l e s p r e v ê o a p a r e c i m e n t o d e u m a n o v a
"enfermidade" v i n c u l a d a ao mund o da tecnologia: a " a l i e n a ç ã o cultural".23
S e g u n d o M o l e s , o i n d i v í d u o c o n s u m i d o r perdeu, c o m o resultado de seu distan-
c i a m e n t o do i n d i v í d u o criador, todo acesso à e s p o n t a n e i d a d e . Na cultura de
tipo m o s a i c o , baseada no excesso de e l e m e n t o s díspares, formam-se, do ponto
de vista cultural, duas sociedades diferenciadas: u m a constituída quase exclusi-
v a m e n t e por consumidore s culturais ou de produtos elaborados por máquinas;
outra f o r m a d a por intelectuais e artistas, c a p a z e s de certo ascetismo, q u e se
a p ó i a na arte permutacional para, assim, recuperar o jogo original e a espontanei-
d a d e q u e e r a m inerentes à arte desde o princípio. Essa s e p a r a ç ã o entre o m u n d o
da arte e o da s o c i e d a d e de massas seria, segundo M o l e s , o q u e permitiria ao
artista manter sua liberdade, i n c l u s i v e em m e i o à " i n v a s ã o das m á q u i n a s " .

Resta-nos a i n d a expor em q u e consiste, na teoria de M o l e s , essa "outra


v i s ã o " da arte e dos artistas e a forma c o m o a Estética I n f o r m a c i o n a l v a l o r a os
resultados estéticos da media art.

O grande axioma da estética clássica foi ordem e proporção, q u e assumiu,


p r i n c i p a l m e n t e c o m as teorias subjetivistas inglesas, kantianas e do R o m a n t i s m o
a l e m ã o , u m a d i m e n s ã o p r e d o m i n a n t e m e n t e e m o c i o n a l : o belo expressa puro
sentimento, s e m c o n h e c i m e n t o conceituai. Essa idéia de transcendência é nega-
da pela Estética I n f o r m a c i o n a l, q u e c o n d i c i o n a a d e f i n i ç ã o de beleza ao c á l c u l o
de probabilidades. Realizam, portanto, um processo de dessubjetivação dos crité-
rios de beleza , u m a v e z q u e seus valores p o d e m ser " c a l c u l a d o s " por u m a má-
q u i n a , i n d e p e n d e n t e da a p r e c i a ç ã o estética pessoal. 2 4

Afirmar a calculabilidade dos valores estéticos significa, em outras palavras,


reforçar a f o r m a l i z a ç ã o da linguagem artística. Encontramos aqui o fio condutor
q u e nos u n e ao processo de f o r m a l i z a ç ã o descrito no princípi o deste capítulo. O
processo realizado por u m a m á q u i n a " c r i a t i v a " segue uma o r d e m hierárquica
(método do organograma) ou a de distintos níveis de análise. Por exemplo, no
caso de uma criação literária, a máquina c o m e ça trabalhando no nível das palavras,

22 M o l e s , o p . cit., p . 3 3 0.

23 Neste sentido, o autor se relaciona c o m o pensamento crítico-sociai a l e m ã o da modernidade , ilustrado


por G e o r g e S i m m e l (La metropolis, 1903). S i m m e l havia sugerido a f o r m a ç ã o de u m a n o v a d i m e n s ã o
da m o d e r n i d a d e t é c n i c a que, c o m seus m e c a n i s m o s t e c n o l ó g i c o s e a indústria de c o n s u m o , e s t a v a m
p r o v o c a n d o a h o m o g e n e i z a ç ã o , o n i v e l a m e n t o e a d e s p e r s o n a l i z a ç ão do i n d i v í d u o . Assim , s e g u n d o
S i m m e l , surge a q u a l i d a d e de e x i b i ç ã o de todas as coisas e a n o ç ã o de cultura c o m o c r i a ç ã o s e m p r e
transitória. Essa transitoriedade seria o reflexo do dinamismo inerente à m e c a n i z a ç ã o e à industrialização
em massa, q u e levaria os indivíduo s da s o c i e d a d e moderna a uma nova p e r c e p ç ã o do t e m p o .

24 T a l v e z a idéia m a i s próxima da proposta i n f o r m a c i o n a l seja a da teoria pitagórica, q u e postula q u e o


n ú m e r o está na base de todas as v a l o r a ç õ e s .

46 - CLAUDIA GIANNETTI
c r i a n d o simples "letrismos"; no estágio seguinte, passa a processar fonemas e pro-
duzir poesia "ultraletrista"; o próximo passo consiste na c r i a ç ã o de frases q u e
c o n d u z a m a u m a "literatura p e r m u t a c i o n a l " ; e no último nível escreve todo um
"livro permutacional" . "A idéia do programa se apresenta c o m o o próprio algoritmo
do espírito. Esse método significa u m a f o r m a l i z a ç ão das etapas do pensamento." 2 5
Se o artista transforma-se em programador, se os valores estéticos estão
predeterminados por um sistema o p e r a c i o n a l e se a obra segue os métodos de
criação estabelecidos, então nos resta averiguar qual seria, nesse contexto, a função
do esteta. Ou será q u e não haveria mais a possibilidade de um j u í z o estético?

S e g u n d o A b r a h a m M o l e s , o esteta assumiu, durante muito t e m p o , u m a


p o s i ç ã o inferior e adversa, pois era o b r i g a d o a a p l i c a r sua teoria às obras criada s
por outros. No contexto da Estética I n f o r m a c i o n a l , o esteta p o d e colocar-se no
m e s m o nível q u e o artista. Desta maneira o esteta

(...) seleciona os elementos dos programas para o repertório da máquina e determina


a hierarquia dos níveis em que deve ser empregada. Os organogramas evidenciam
que qualquer máquina de análise pode, também, ser empregada como máquina
de síntese, isto é, como fonte para as obras de arte. Nestas obras de arte, o esteta
assume a posição - senão de autor no sentido real, uma vez que o autor desapa-
rece por trás da obra - pelo menos de diretor ( manager ) e de responsável, 26

Pode-se considera r a teoria de A b r a h a m M o l e s c o m o a que, de forma


mais inteligível, d e t a l h a d a e reveladora , investiga as teorias da C i b e r n é t i c a e da
i n f o r m a ç ã o a p l i c a d a s à estética e à p r o d u ç ã o artística baseada nos sistemas com-
putadorizados. E s p e c i a l m e n t e relevantes e de u m a a p l i c a ç ã o c l a r i v i d e n t e são
suas reflexões em torno dos c o n c e i t o s de s i m u l a c r o e tradução, seus diferentes
m o d e l o s de " m á q u i n a s criativas", assim c o m o suas análises sobre c o m o as trans-
f o r m a ç õ e s estéticas m o d i f i c a r a m as n o ç õ e s de artista, obra de arte e espectador.
C a b e aind a destacar sua p e c u l i a r previsão de que, na m e d i d a em q u e os artistas
f a z e m uso de a p a r e l h o s e a s s i m i l a m sua linguagem, eles p o d e m c h e g a r a trans-
formar a media art n u m a prática cultural c o n s i d e r á v e l . " T a l v e z este fato provo-
q u e u m a m u d a n ç a radical na idéia q u e fazemos dos artistas e da obra de arte." 2 7
C o m o constataremo s mais adiante, a l g u m a s das pertinentes intuições d e M o l e s ,
articuladas entre os anos 1 950 e 60, confirmam-se em finais do s é c u l o X X .

Estética Cibernética

D u r a n t e as d é c a d a s de 1960 e 70, alguns seguidores de M a x B e n s e e


A b r a h a m M o l e s c o n t i n u a r a m d e s e n v o l v e n d o tanto o s c a m p o s d o p e n s a m e n t o
teórico, c o m o o da práxis artística. Herbert W. Franke, assim c o m o os alunos de M a x

25 O princípio mais parecido ao da teoria informacional talvez seja o da doutrina pitagórica, na qual o
número constitui a base de todas as valorações.
26 Moles, op. cit., p.328.
27 Ibidem, p.331.

Estética Digital - 47
Bense, Siegfried Maser e Helmar Frank, dão continuidade à investigação da Esté-
tica Informacional que, no caso de Maser, conduz a uma Estética Numérica (Maser,
1970), e no de Helmar Franke, à Estética Informacional de fundo psicológico. 28
Helmar Frank e Herbert W. Franke tentam obter uma síntese das teorias de
Moles e Bense. Para eles, é especialmente relevante a contribuição de Moles para
a inter-relação entre o estudo da percepção e a teoria da informação. A Psicologia
da Informação, originada dessas proposições, servirá de base para os princípios
estéticos d e s e n v o l v i d os por esses pesquisadores. As principais c o l a b o r a ç õ e s
dessa disciplina consistem em se desvincular da idéia romântica segundo a qual o
observador é um simples "consumidor inerte" de arte e sustentar que, por um
lado, " n ã o existe uma percepção passiva" e, por outro, a "obra de arte é objeto de
c o m u n i c a ç ã o " (Moles). Corrigem, assim, um lapso na teoria de Bense a respeito
da omissão da função partícipe do receptor na obra de arte. Um ponto de vista
que Bense assimila, sem dúvida, da teoria cibernética wieneriana, que tampouco
incluiu o mundo da percepção subjetiva em seu programa de investigação, uma
vez que não considerava esse fenômeno passível de observação estatística.

H e l m a r Franke e Herbert Franke aproximam-se, portanto, da outra


c o r r e n t e humanista da Cibernética, fundada por Hermann Schmidt, que defende
que os estados ou circunstâncias subjetivas constituem a temática científica ori-
ginal da Cibernética Antropológica e H u m a n a . Para diferenciar sua teoria esté-
tica daquela da escola de Bense, Franke propõe o termo Estética Cibernética.

Em seu artigo "Kunst kontra T e c h n i k " ("Arte contra técnica", Paris, 1978),
Franke destaca a posição central dos processos de p e r c e p ç ã o na prática da
informação estética. 29 Para sua valoração, deve-se recorrer à disciplina ciberné-
tica da Psicologia da Informação, que permite investigar a dimensão do fluxo de
informação assimilável pelos sentidos humanos. Essa informação estética esbarra,
porém, num dilema: espera-se que uma obra de arte produza um efeito dura-
douro no tempo, portanto, que tenha um alto grau de complexidade, mas, ao
mesmo tempo, constata-se que as c a p a c i d a d e s físicas do receptor se circuns-
c r e v e m a determinados limites. 30

Referindo-se à apercepção, Helmar Frank constata que, se na adaptação


à c a p a c i d a d e subjetiva de assimilação se produz uma "sobreoferta" de infor-
m a ç ã o , esta dá lugar à irritação, enquanto que uma "suboferta" produz monotonia.
Para solucionar o problema que o artista enfrenta no momento da criação -
atingir um nível de complexidade sem ultrapassar os limites de percepção do
observador -, Franke propõe o "Mehrebenenmodell" , o modelo de vários níveis.
"O artista d e v e elaborar os diversos 'estratos' que configurem a obra e, além

28 Cf. A. Moles e Helmar Frank. Crundlagenprobleme der Informationsãsthetik und erste Anwendung
auídie mime pure. Dissertation. Stuttgart: T e c h n i s c h e H o c h s c h u l e , 1959; Kybernetische Analysen sub-
jektiver Sachverhalte. Quickborn/Hamburgo: Verlag Schnelle, 1964; Herbert W. Franke. Phanomen
Kunst. C o l ô n i a : D u M o n t B u c h v e r l a g , 1974 (2. ed.).

29 Cf. H e r b e r t W. Franke. WegezurComputerkunst. V i e n a : Edition d i e D o n a u H i n u n t e r , 1995, p.50-61.


30 A c a p a c i d a d e de assimilar informação, o t e m p o ou v e l o c i d a d e de p e r c e p ç ã o h u m a n a está a v a l i a d o
em C = 16 bit/seg. Franke, em seu texto de 1978, c a l c u l a em 20 bit/seg., v a l o r que, em sua mais recente
p u b l i c a ç ã o (1996), c o m H e l m a r Frank, foi corrigido para 16 bit/seg.

48 - CLAUDIA GIANNETTI
disso, p o d e e s t a b e l e c e r inter-relações e n t r e estes estratos, aos q u a i s o espec-
t a d o r poderá se d e d i c a r , em fases posteriores, ao processo de a s s i m i l a ç ã o . " 3 ' O
o b j e t i v o desse m o d e l o c i b e r n é t i c o centra-se na possibilidade de ser a p l i c a d o na
prática, ao contrári o dos discursos filosóficos de outras correntes estéticas.

Para Franke, a arte q u e está basead a nas novas tecnologias, c o m o a arte


por c o m p u t a d o r , dispõ e das p o t e n c i a l i d a d e s necessárias para a l c a n ç a r u m a sim-
biose entre o p e n s a m e n t o r a c i o n al e a c r i a ç ã o estética. C o m o f o r m a artística
r e l a c i o n a d a c o m o m u n d o t e c n o c i e n t í f i c o , essa arte serve-se de e l e m e n t o s esté-
ticos p r a t i c a m e n t e e x c l u í d o s do â m b i t o das artes plásticas, em geral por serem
c o n s i d e r a d o s s e m f u n d a m e n t o , c o m o , por e x e m p l o , a q u e l e s v i n c u l a d o s o u
gerados pelo pensamento da matemática, da ciência, da lógica e da engenharia.
A Estética C i b e r n é t i c a e a Computer Art apresentam-se, assim, c o m o m o d e l o s
de inter-relações profundas entre a arte, a c i ê n c i a e a t é c n i c a , p r i n c i p a l m e n t e
aquelas t é c n i c a s v i n c u l a d a s c o m o p r o c e s s a m e n to de i n f o r m a ç ã o por m e i o s
informáticos.

Esses m o d e l o s estéticos são os q u e p r o p o r c i o n a m à arte por c o m p u t a d o r


n o v a s p r á t i c a s . V a l e a p e n a citar, e n t r e elas, a sugestiva r e f e r ê n c i a de F r a n k e
à p o s s i b i l i d a d e de criar "sistemas interativos q u e p r o p i c i e m u m a e s p é c i e de
c o m u n i c a ç ã o estética entre o p ú b l i c o e o programa: um tipo de j o g o q u e p o d e
ser e x e c u t a d o através de telas, projeções e outros meios." 3 2

C o m a p u b l i c a ç ã o do primeiro m a n u a l sobre a Estética I n f o r m a c i o n a l ,


e m 1967, H e r b e r t W . F r a n k e n ã o s ó c o n t r i b u i , d e m a n e i r a d e c i s i v a , para a
nstauração dessa disciplina, c o m o p r o p o r c i o n a , t a m b é m , novos c o n c e i t o s para
a Estética C i b e r n é t i c a . Ao falar dos "sistemas interativos" e da p a r t i c i p a ç ã o do
p ú b l i c o n a o b r a , F r a n k e d e l i n e i a u m a d i m e n s ã o i g n o r a d a p e l a estética bense-
" i a n a : o a s p e c t o n ã o m e n s u r á v e l da e x p e r i ê n c i a v i v i d a p e l o e s p e c t a d o r no
p r o c e s s o de p e r c e p ç ã o e c o m p r e e n s ã o da obra de arte. Essa c o n s t a t a ç ã o contri-
bui para sensibilizar respeito aos desacertos da Estética I n f o r m a c i o n a l e, por
outro lado, para t o m ar c o n s c i ê n c i a da impossibilidad e de a l c a n ç a r u m a teoria
estética factível, q u e explique os efeitos estéticos e artísticos baseando-se, exclu-
sivamente, em v a l o r e s q u a n t i f i c á v e is e racionais. A i n d a q u e as raízes da inves-
tigação de F r a n ke a p o n t e m para a Estética I n f o r m a c i o n a l, seu c e t i c i s m o adianta
a q u i l o q u e h o j e s e c o n s t a t a : q u e o s o b j e t i v o s c i e n t í f i c o s d a Estética Informa-
c i o n a l resultaram n u m programa e n u m m o d e l o utópicos.

Arte Cibernética: alguns exemplos

A C i b e r n é t i c a , c o n s i d e r a da c o m o um c r u z a m e n t o de c i ê n c i a s q u e tenta
inter-relacionar os conhecimentos tratados de forma até então isolada pelas distintas
disciplinas científicas, i m p u l s i o n a a v o c a ç ã o experimental e interdisciplinar a
q u e se refere Franke. T a l v e z sejam esses componentes, o experimental e o pluri-
medial, os q u e mais atraíram a a t e n ç ã o dos vários criadores da é p o c a .

31 Herbert W. Franke. Wege zur Computerkunst, op. cit., p.54.


32 Ibidem, p.58.

Estética Digital - 49
A partir de m e a d o s dos anos 1 950, artistas influenciados pelos enfoques
e m é t o d o s c i b e r n é t i c o s , c o m o o h ú n g a r o N i c o l a s S c h õ f f e r (1 91 2 - 1 992), e n t ã o
r a d i c a d o na F r a n ç a ; o c o r e a n o N a m J u n e Paik, r a d i c a d o na A l e m a n h a e d e p o i s
nos Estados U n i d o s , e o b r i t â n i c o C u s t a v M e t z g e r , e n t r e outros, c o m e ç a r a m
a c r i a r o b r a s de arte, principalmente environments, b a s e a d o s em sistemas
e l e t r ô n i c o s , e m p r e g a n d o sensores, c é l u l a s f o t o e l é t r i c a s e outras t e c n o l o g i a s
disponíveis na época.

Em 1954, para o Salon cies Travaux Publics em Paris, S c h õ f f e r cons-


truiu, em c o l a b o r a ç ã o c o m o c o m p o s i t o r P i e r r e H e n r y e o e n g e n h e i r o J a c q u e s
Bureau, a Torre Cibernética, de 50 m e t r o s de a l t u r a , c o m v á r i o s a m p l i f i c a -
d o r e s i n s t a l a d o s . A partir de 1956, S c h õ f f e r c o m e ç o u a d e s e n v o l v e r a séri e
de e s c u l t u r a s c i b e r n é t i c a s Cysp ( n o m e f o r m a d o p e l a s i n i c i a i s de Cybernetic
e Space-Dynamism). S u a s e g u n d a T o r r e C i b e r n é t i c a , p r o j e t a d a em 1 9 6 1 para
o P a r q u e La B o u v e r i e , em Lüttich, p o s s u ía 52 metros de altura . N e l a e s t a v a m
i n s t a l a d o s 6 6 m ó d u l o s d e e s p e l h o s q u e , c o n t r o l a d o s e l e t r o n i c a m e n t e , pro-
d u z i a m m a n i f e s t a ç õ e s a u d i o v i s u a i s l u m i n o d i n â m i c a s . D a s torres-esculturas,
S c h õ f f e r p a s s o u a p r o j e t o s m a i s a m b i c i o s o s , tais c o m o a Ville Cybernétique,
de 1966, q u e pretendia integrar o e s p e c t a d or n u m impactante contexto
e s p a ç o - t e m p o r a l . A i m p o r t â n c i a desse projeto, s e g u n d o F r a n k P o p p e r , con-
sistia em n ã o se l i m i t a r ao c a m p o e s t r i t a m e n t e artístico, mas a d e s e m p e n h a r
uma dupla função sociotécnica e urbanística.

Para Schõffer, não se trata simplesmente de criar uma escultura gigantesca. A


torre estaria provida de leitores e computadores que tratariam a aluvião de infor-
mações emitidas no rumor da cidade e que as restituiriam em forma de sinais
luminosos de diferentes cores e intensidades. Acrescente-se que a torre, conce-
bida com uma altura de 344 metros, teria varandas abertas ao público e um amplo
espaço reservado para exposições. A sala de controle central também seria aces-
sível aos visitantes, permitindo-lhes sentir a vida da torre.33

Essas e o u t r a s o b r a s d e S c h õ f f e r d e m o n s t r a m , a l é m d e seu c a r á t e r
i n t e r d i s c i p l i n a r , sua v o n t a d e de integrar o o b j e t o da arte ao e n t o r n o e trans-
f o r m á - l o n u m sistema em constante processo. Essas idéias tornam-se evidente s
em outra s é r ie de obras denominada Cromoclinâmica. As obras, segundo
S c h õ f f e r , d e v e m m u d a r c o m o os seres h u m a n o s e a natureza , portanto, d e v e m
e v i t a r o e s t a d o inerte do o b j e t o . P a r a c o n s e g u i - l o , S c h õ f f e r p r o g r a m a nos
seus p r o j e t o s e l e m e n t o s i n d e t e r m i n i s t a s i n f l u e n c i á v e i s tanto por f e n ô m e n o s
n a t u r a i s - q u e r e s p o n d e m , por m e i o de sensores e l e t r ô n i c o s , às m u d a n ç a s
c l i m á t i c a s ou à p r e s e n ç a de pessoas - c o m o pela a ç ã o de intérpretes - q u e
respondem à m a n i p u l a ç ã o do espectador. Nessa proposição e n c o n t r a m o s os
f u n d a m e n t o s - de s u m a i m p o r t â n c i a no c o n t e x t o da media art - da o b j e ç ã o
ao culto do objeto e da ênfase no processo de criação, c o m o explica Schõffer
em uma entrevista a Douglas Davis:

33 Frank Popper. Arte, acción y participación. Madri: Ediciones Akal, 1989, p.225.

50 - CLAUDIA GIANNETTI
Creio que o elemento essencial na criação artística consiste em ressaltar o efeito
da idéia, mesmo quando se vai além do objeto. A tecnologia me permitiu fazê-lo.
Minhas técnicas cromodinâmicas apontam, justamente, para esta meta. No cinema
convencional, o filme está programado segundo a idéia. Na série Cromodinâmica,
a programação libera o efeito direto e reduz o objeto apresentado a seu sumário
papel. Isto é, na medida em que a programação da idéia foi transferida para a
programação do resultado, o objeto na criação artística encontra-se, irrevogavel-
mente, afetado. Isto demonstra o que sempre se considerou verdade: que a arte não
é feita com as mãos ou com os músculos, mas sim com a imaginação criativa.34

O i n d e t e r m i n i s m o inerente à p a r t i c i p a ç ã o do espectador na obra é u m a


das questões p r i m o r d i a i s tanto para Schõffer c o m o para vários artistas contem-
porâneos d e d i f e r e n t e s d i s c i p l i n a s . O m ú s i c o n o r t e - a m e r i c a n o J o h n C a g e
propõe, por e x e m p l o , a inserção do i n d e t e r m i n i s mo no processo sonoro. S e u
m é t o d o consiste em introduzir na c r i a ç ã o m u s i c a l todo tipo de ações, gestos
físicos, sons, inclusive o silêncio c o m o fração de som, destruindo a c o n t i n u i d a d e
sonora c o n v e n c i o n a l e a estrutura h a r m ô n i c a d i r e c i o n a l . A proposta de C a g e é
abrir c a m i n h o para u m a n o v a maneira de captar a música por m e i o da u n i ã o
entre ruído, texto, a ç ã o e i m a g e m . Neste sentido, ele cria u m a série de c o m p o -
sições q u e i n t r o d u z e m e l e m e n t o s t é c n i c o s o u humanos , q u e p o t e n c i a l i z a m o u
p r o v o c a m o indeterminismo, c o m o na peça para 12 rádios, Imaginary Landscape
N° 4 (1951), e x e c u t a d a por dois participantes, ou Music Walk (1958), para
distintos espaços, nos quais o p ú b l i c o p o d e c i r c u l a r e escolher o q u e escutar.

P r o f u n d a m e n t e i n f l u e n c i a d o pelas idéias de J o h n C a g e e da C i b e r n é t i c a ,
Nam J u n e Pai k r e l a c i o n a o c o n c e i t o de liberdade c o m os p r o b l e m a s da comuni -
c a ç ã o na arte. T a n t o suas c o m p o s i ç õ e s c o m o , posteriormente, suas obras de
arte eletrônica p r o p õ e m a c o m u n i c a ç ã o , não c o m o um m o d o de transmissão de
mensagens informativas ou explicativas, mas c o m o uma forma de interação livre
entre p ú b l i c o e obra. S e g u n d o Paik, a forma de indeterminismo pesquisada pelos
músicos sofre, principalmente, de univetorialidade. " N a maioria das peças musicais
indeterministas - afirma P a ik - o compositor atende à possibilidade de d e c i s ã o
ou à liberdad e do intérprete, mas n ã o à do p ú b l i c o . O o u v i n t e só possui uma
liberdade, q u e consiste em escutar ou não a música." 3 3

As reflexões sobre o espaço-tempo, o indeterminismo, a filosofia zen, a


p a r t i c i p a ç ã o do p ú b l i c o na obra de arte, a c o m u n i c a ç ã o , a interdisciplinaridade
e o e m p r e g o de a p a r e l h o s eletrônicos na arte estão presentes nas obras expostas
n a primeir a e x p o s i ç ã o d e N a m J u n e Paik n a G a l e r i a Parnass d e W u p p e r t a l , e m
1963. A mostra está estruturada em duas partes, explícitas já no próprio título:
Exposition of Music - Electronic Television. Na parte dedicada aos objetos
sonoros, Paik exibe, entre outros, quatro " p i a n o s preparados", pensados para q u e
o visitante possa tocá-los e manipulá-los, assim c o m o c i n c o a p a r e l h o s sonoros
m a n i p u l a d o s - magnetofones e fonógrafos -, q ue c o n v i d a m o espectador a atuar

" Douglas Davis. Vom Experiment zur Idee. Colônia: D u M o n t , 1975, p.145.
35 N a m J u n e Paik. Niederschriften eines Kulturnomaden (Edith Decker, comp.). C o l ô n i a : DuMont
B u c h v e r l a g , 1992, p.100.

Estética Digital - 51
e a c o m p o r sua própria música. Por exemplo, a obra Schallplattenschaschlik
consiste num toca-disco c o m a possibilidade de acumular dez níveis de discos
em movimento, e um braço com um cabo longo, que permite ao visitante escutar
qualquer um dos discos. Em outra obra, Random Access, estão pendurados e
distribuídos aleatoriamente na parede fragmentos de fitas magnéticas. A c a b e ç a
reprodutora do magnetofone foi desmontada, porém continua enviando infor-
m a ç ã o ao aparelho, de maneira que o visitante pode passá-la sobre as fitas e
reproduzir os sons dos fragmentos musicais. Esses e outros objetos sonoros cons-
tituem a série denominada Participation Music.
A parte da exposição dedicada à Electronic Television é formada por 12
televisores, cujos dispositivos de recepção foram manipulados, ou cujos impulsos
de sincronismo do aparelho originam distorções, como formas circulares, manchas,
listras etc., isto é, imagens que, do ponto de vista técnico, não são mais que
defeitos ou ruídos. Alguns dos televisores funcionam c o m o versões visuais de
seus objetos sonoros para intervir, transformando-se em Participation TV. Um
televisor possui um interruptor de pé acoplado que, ao ser a c i o n a d o pelo espec-
tador, provoca uma pequena explosão de luz na tela. O u t r o possui um micro-
fone que transforma as vibrações da voz humana em vibrações visuais. Seguindo
esse mesmo princípio, Paik une a outro televisor um aparelho de rádio conec-
tado, cuja intensidade de transmissão faz c o m que o único ponto de luz, no
centro da tela negra, aumente ou diminua conforme o volume. Participation Music
ou Participation TV são exemplos importantes dessa primeira etapa de desen-
volvimento da arte participativa, na qual se buscam estratégias tanto para incor-
porar processos indeterministas à criação eletrônico-visual, c o m o para propor-
cionar uma nova forma de intervenção do público no funcionamento da obra.

Entre os anos 1950 e os 60, surgem também as primeiras obras geradas


em computador, que abrem o c a m p o à Computer Art. Suas origens remontam
a experimentos executados, em 1952, pelo norte-americano B e n Laposki, q u e
c r i o u as primeiras imagens eletrônicas c h a m a d a s Abstrações Eletrônicas ou
Oscillons, geradas por aparelhos eletrônicos e tubos de raios catódicos. O pri-
meiro sistema de plotagem gráfica para uso comercial, o C a i C o m p , lançado no
mercado em 1959, marcou o começo da era da infografia. 36 As primeiras obras
audiovisuais que empregaram sistemas eletrônicos foram criadas por Peter Sche-
ffler, que utilizou em seu filme Order in Disorder, de 1960, geradores aleatórios
e computadores, e por John W h i t n e y , realizador de cinema abstrato, um dos
pioneiros norte-americanos na utilização de sistemas eletrônicos c o m fins
artísticos, que produziu o filme Catalog entre 1961 e 1962.

Nessa etapa inicial, as obras de Arte Cibernética e de Computer Art


manejaram os conceitos de informação e comunicação e pretenderam ser sistemas
abertos e funcionar como tal, possibilitando a conexão entre meio, artista e obra,
entre obra e público, ou entre obra e contexto. Outras correntes, c o m o as da
Arte Cinética, principalmente nas versões que empregam sistemas eletrônicos,

16 O t e r m o inglês Computer Graphics foi c r i a d o em 1960 por W i l l i a m Fetter, que, j u n t o c o m A l s l e b e n ,


d e s e n v o l v e u o p r i m e i r o programa de infografia.

52 - CLAUDIA GIANNETTI
t a m b é m se mostraram sensibilizadas à situação de " i n é r c i a " , tanto da obra de
arte c o m o d o espectador. C o m o d e m o n s t r a m o s e x e m p l o s d e Schõffer o u Paik,
os artistas c o m e ç a r a m a questionar a p o s i ç ã o passiva do espectador frente à
obra de arte e a formular propostas q u e motivassem a p a r t i c i p a ç ã o do p ú b l i c o .
A obra se abriu à informaçã o proveniente do espectador ou do meio, infundindo,
assim, a idéia de u m a c o m u n i c a ç ã o b i d i r e c i o n a l .

Estética da Percepção

A s s i m c o m o H e r b e r t Franke, H e l m a r Frank t a m b é m busca u m a saída


possível para a teoria da Estética C i b e r n é t i c a . Frank e n t e n d e a n e c e s s i d a d e de
sua r e n o v a ç ã o por m e i o da a s s i m i l a ç ã o de e l e m e n t o s da P s i c o l o g i a da Infor-
m a ç ã o , q u e influencia n ã o só no aspecto p e d a g ó g i c o dessa teoria, mas t a m b é m
nos seus c o n t e ú d o s . C o m essa proposição, Frank se inscreve em outra e s c o l a da
Cibernética, a Antropocibernética.

Frank p r o p õ e u m a teoria estética estritamente v i n c u l a d a ao processo de


p e r c e p ç ã o da arte. Esse tipo de processo estético sugere, definitivamente, u m a
r e l a ç ã o i m a n e n t e entre o d e s e n v o l v i m e n t o artístico e o transcurso da v i d a : arte
e v i d a são, segundo essa visão, inseparáveis. " O s processos estéticos estão vincu-
lados, de distintas m a n e i r a s , ao transcurso do c o t i d i a n o e n ã o p o d e m ser sepa-
rados deste facilmente." 3 7 C o m o o m o d e lo de vários níveis de Franke, H e l m a r Frank
t a m b é m c o n c e b e um m o d e l o de v a l o r a ç ã o sucessiva da obra, q u e permita o
c o n h e c i m e n t o progressivo da c o m p l e x a estrutura da m e s m a . A l é m da citada
teoria da p e r c e p ç ã o , esse m o d e l o trabalha tanto c o m e l e m e n t o s da teoria do
c o m p o r t a m e n t o - q u e p e r m i t e m julgar o papel q u e d e s e m p e n h a m as e m o ç õ e s
no processo estético -, c o m o da teoria do c o n h e c i m e n t o . Esses elementos propor-
c i o n a m um contexto a partir do q u a l se p o d e considerar o c o n t e ú d o da obra.

Um dos f u n d a m e n t o s da estética b a s e a d a na teoria da p e r c e p ç ã o é a


a n á l i s e da trajetória da i n f o r m a ç ã o . Esse processo fisiológico e c o g n i t i v o , des-
crito por Frank e e Frank, 3 3 t e m i n í c i o nos órgãos sensorials, nos quais se p r o d u z
a primeira etapa do processamento de i n f o r m a ç ã o . P o r é m , há u m a grande dife-
rença entre a i n f o r m a ç ã o p e r c e b i d a e a i n f o r m a ç ã o assimilada posteriormente
pela c o n s c i ê n c i a , j á q u e o s d a d o s q u e a í c h e g a m são s e l e c i o n a d o s e codifi-
c a d o s d e múltiplas formas. D a i n f o r m a ç ã o recebid a n a m e m ó r i a temporal, o n d e
p o d e se manter de u m a a d u a s horas, só u m a p e q u e n a parte (cerca de 0,05 bit/
seg.) c h e g a à m e m ó r i a p e r m a n e n t e , à qual se presume u m a c a p a c i d a d e entre
10 5 e 10 8 . Podem-se recuperar d a d o s na c o n s c i ê n c i a da m e m ó r i a t e m p o r a l e da
p e r m a n e n t e por m e i o d e associações.

Segundo esse ponto de vista, qualquer informação - inclusive a informação


estética, os s e n t i m e n t o s e as e m o ç õ e s - está sujeita a processos f i s i o l ó g i c o s
específicos, q u e determinam sua assimilação. U m a sobrecarga de informação p o d e

17 Helmar Frank, "Informationsãsthetik - Kybernetische Àsthetik", in: H e l m a r Frank; Herbert Franke.


Àsthetische Information, op. cit., p.37.
M Cf. H e l m a r Frank; Herbert Franke. Àsthetische Information, op. cit., p.116-117.

Estética Digital - 53
provocar irritação, assim como um nível muito baixo produz sensação de mono-
tonia. A informação transmitida por uma obra de arte deve manter um equilíbrio
quantitativo e, por outro lado, gerar tipos de informação pouco redundantes
(princípio da exceção ou inovação): quando se alcança esse nível, se produz no
espectador a sensação agradável de ter captado algo novo, algo criativo.
A partir da teoria da informação, Frank propõe uma ampliação do pro-
cesso de c o m u n i c a ç ã o . De acordo c o m essa sugestão, a informação estética
não dependeria exclusivamente de um sentido de c o m u n i c a ç ã o unidirecional -
emissor-mensagem-receptor -, mas deveria permitir ao sujeito receptor se trans-
formar em emisor no contexto da obra de arte. N ã o se trata, porém, de uma
c o m u n i c a ç ã o "automática", produto de um reflexo inconsciente. Para Frank, a
criatividade consiste, justamente, na c o n c e p ç ã o consciente de signos comuni-
cativos, e não no emprego dos signos reais. Assim, a criação e a recepção esté-
ticas são valoradas de maneira proporcional ao grau de automatismo que contêm:
quanto mais automatizadas, menos valor estético possuem. A idéia de Frank, neste
sentido, não está muito distante dos conceitos cibernéticos de redundância e
complexidade. Está claro, assim mesmo, que sua postura vai contra a corrente
da Arte Cibernética que pesquisa no c a m p o da indeterminação, do aleatório ou
da randomização, processos originados, basicamente, de forma automática.

As idéias da arte c o m o processo e a dupla posição do observador c o m o


receptor e emissor são temas desenvolvidos por outros pesquisadores, assim
c o m o por artistas cibernéticos, pioneiros da Computer Art, tais como os alemães
Frieder Nake, C e o r g Nees ou Kurd Alsleben; os norte-americanos M i c h a e l Noll,
Leon H a r m o n e Kenneth Knowlton; os espanhóis M a n u e l Barbadillo, José M a r i a
Yturralde e Eusebio Sempere; e, no Brasil, W a l d e m a r Cordeiro e Giorgio Moscati,
entre outros.

Estética Gerativa e Estética Participativa

As obras de Computer Art se fundamentam, em sua primeira etapa, em


regras, repertórios ou parâmetros de base a partir dos quais se estabelecem
determinadas repetições e variações. As raízes dessa prática se encontram na
corrente neoconstrutivista das artes plásticas, desenvolvida depois da Segunda
G u e r r a M u n d i a l . 3 9 As obras geradas em c o m p u t a d o r de M a n f r e d M o h r , A.
M i c h a e l Noll, Frieder N a k e e G e o r g Nees dão sinais dessa influência. Porém,
enquanto o Construtivismo centrava-se na aplicação de modelos matemáticos
e/ou geométricos à arte, o Neoconstrutivismo, assim c o m o a Arte Gerativa ou
Processual, trabalham com a visualização de algoritmos que possibilitam ampliar
seu c a m p o formal com a introdução de novos processos. A diferença é que o
trabalho " m a n u a l " da maioria dos neoconstrutivistas os obriga, por questões
práticas, a se restringirem a estruturas de relativa simplicidade, enquanto as obras
geradas pelo computador permitem a criação de estruturas complexas.

M C o m o nas obras de H e r m a n de Vries, Kurt Ingeri, Gerhard von Graevenitz, Peter Struycken e Zdenèk
Sykora.

54 - CLAUDIA GIANNETTI
C a b e a q ui lembrar que, nos anos 1960, se d e s e n v o l v e u m a m e t o d o l o g i a
de a n á l i se em torno da teoria gerativa, centrada, sobretudo, no c a m p o da teoria
da linguagem . N o a m C h o m s k y p r o p õ e m o d e l o s "gerativos e transformativos"
q u e analisam as diferentes estruturas - superficial e profunda - das frases. Trata-se
de m o d e l o s dedutivos, c u j o o b j e t i v o não é analisar os fatos ou produzir frases,
mas sim d e s c r e v e r o processo de p r o d u ç ã o de c a d e i a s abstratas e determinar
um c o n j u n t o de regras " g e r a t i v a s " q u e a b r a n g e m a sintaxe, a s e m â n t i c a inter-
pretativa e a f o n o l o g i a . O r a c i o n a l i s m o de C h o m s k y não está muito distante da
estética racionalista i n f o r m a c i o n a l ou c i b e r n é t i c a . O propósito de vários artistas
q u e t r a b a l h a m c o m o c o m p u t a d o r de gerar a obra a partir do d e s e n v o l v i m e n t o
de um d e t e r m i n a d o processo de s e l e ç ã o de repertório e distribuição estatística
guarda, certamente, relação c o m a proposta da gramática gerativa de considerar
a existência de m e c a n i s m o s de c o n s t r u ç ão gerativos.

Frieder N a k e adota uma perspectiva programática e a r e l a c i o n a c o m as


características próprias da arte basead a na c r i a ç ã o processual. Para N a k e , o
e s s e n c i a l m e n t e n o v o na Estética I n f o r m a c i o n a l é o c o n c e i t o de algoritmo. O
algoritmo, c o m o u m a "regra d e j o g o " , consiste e m " u m a lista finita d e instruções
muito definidas. Para c a d a p r o b l e m a de u m a classe de problemas, o algoritmo
encontra uma solução por meio de vários passos finitos que executam as instruções
u m a depois da outra." 4 0 O sistema de algoritmos é especialmente útil para artistas
q u e t r a b a l h a m c o m s e q ü ê n c i a d e imagens e encontra u m a produtiva a p l i c a ç ã o
nos programas informáticos. As imagens passam a ser imagens de repertório,
sujeitas à r e d u n d â n c i a estética ( r e i n c i d ê n c i a contínua), e p o d e m ser entendidas,
conseqüentemente, c o m o "variações sobre um tema". As obras baseadas nessa esté-
tica gerativa p e r m i t e m a c r i a ç ã o de situações estéticas q u e p o d e m ser especifi-
c a d a s por v á r i o s passos diferentes, m e s m o q u e limitados.

Para G e o r g Nees, o c o m p u t a d o r é um " g e r a d o r " de processos criativos,


cujos produtos são m o d e l o s de obras de arte. A essência do trabalho r e a l i z a do
no c o m p u t a d o r é, s e g u n d o Nees, a s e l e ç ã o e a distribuição dos signos n u m
c a m p o d e t e r m i n a d o ( c o m p o s i ç ã o ) . A c o m p o s i ç ã o p o d e basear-se em u m a dis-
t r i b u i ç ã o estatística, por toda a superfície da obra, dos e l e m e n t o s s e l e c i o n a d o s a
partir de um repertório. Seu trabalho infográfico 23-Ecke, de 1964, é um e x e m p l o
p a r a d i g m á t i c o da Estética G e r a t i v a baseada no p r i n c í p i o estocástico e na redun-
d â n c i a estética. N e e s parte de um repertório q u e consiste em u m a grande quan-
t i d a d e de linhas verticais, horizontais e p e r p e n d i c u l a r e s de distintos t a m a n h o s e
posições. Elas passam por um processo de o r d e n a ç ã o aleatório, q u e determina
23 polígonos, distribuídos, sistematicamente, n u m a retícula de 14 x 19 c m . O
o b j e t i v o das pesquisas de N e e s é praticar a teoria da i n f o r m a ç ã o de m a n e i r a
qualitativa, a l é m de mostrar o a u m e n t o e a d i m i n u i ç ã o da i n o v a ç ã o e da redun-
d â n c i a nas m u d a n ç a s sistemáticas da imagem. 4 '

40 Frieder Nake. Âsthetikals Informationsverarbeitung, 1974, p.188. Citado por Erwin Steller, Computer
und Kunst. Programmierte Cestaltung: Wurzeln und Tendenzen neuer Âsthetiken. Mannheim:
Wissenschaftsverlag, 1992, p.198.
41 Cf. Erwin Steller. Computer und Kunst, op. cit., p.1 77-178.

Estética Digital - 55
Na C i b e r n é t i c a o c o n c e i t o de r e d u n d â n c i a está i n t i m a m e n t e relacio-
n a d o c o m o de complexidade e ambos devem ser julgados de acordo c o m um
sujeito referente (um observador). A proposta estética de Nees não é diferente.
Q u a n t o mais conhecidos são os modelos ou as formas de um repertório, mais
redundantes e menos complexos serão. Conseqüentemente, diminui o grau de
inovação da obra. A informação estética se fundamenta, portanto, não só nos
conteúdos transmitidos, mas, principalmente , no receptor da m e n s a g e m : o
p ú b l i c o . O artista Manfred Mohr, por exemplo, aplica intencionalmente ele-
mentos que perturbam ou destroem a simetria e o equilíbrio, para conseguir
uma tensão visual e, assim, certo interesse estético. 42

Enquanto as contribuições gerativas centram-se, basicamente, na reso-


l u ç ã o processual da obra, outros enunciados, de influência cibernética, carac-
terizam-se pela pesquisa sobre o papel do espectador. Nos anos 1960, o artista
Kurd Alsleben analisa, tanto em seus trabalhos c o m o em seus textos, a possibi-
lidade de criar uma obra de arte "dialogante", na qual o ponto de referência não
seja a simples c i r c u l a ç ã o de informação, mas uma verdadeira c o m u n i c a ç ã o
estética. Em seu livro Redundância estética (Àesthetische Redundanz, 1962),
Alsleben se apóia no desenvolvimento de obras intencionais e nas teorias de
Helmar Frank, especialmente nos aspectos de sua investigação sobre a percepção,
relacionada c o m a Estética da Informação. Seu posterior interesse e trabalho
c o m a arte da t e l e c o m u n i c a ç ã o ou arte em rede a v a n ç a m nessas idéias. A arte
que transita pela rede de c o m u n i c a ç ã o apóia-se em um tipo de c o m u n i c a ç ã o
interpessoal aberta, não estando destinada, portanto, a um p ú b l i c o determi-
nado. O elemento fundamental é a c o m u n i c a ç ã o : a arte c o m o "trânsito". U n i d a
ao processo de c o m u n i c a ç ã o está a idéia da participação, e essa se alcança na
medida em que o artista oferece ao público um c a m p o de atuação, e não mais
uma obra definitiva e acabada.

Os princípios básicos dessas distintas reflexões estéticas - Estéticas In-


formacional, Cibernética , Gerativa - desenvolvidas no período entre o pós-
guerra e os anos 1960, mesmo que se diferenciem em pontos de vista especí-
ficos, têm antecedentes comuns, adotam uma mesma c o n c e p ç ã o normativa e
têm propósitos cientificistas. Ainda que p r o p o n h a m uma f o r m a l i z a ç ã o da lin-
guagem artística e, desta maneira, um distanciamento das estéticas metafísi-
cas, algumas delas (principalmente no caso de Bense) trabalham c o m concei-
t o s enraizados das teorias estéticas clássicas, tais c o m o os de " b e l e z a " ou "ori-
g i n a l i d a d e " , ainda que pretendam "racionalizá-los" propondo fórmulas con-
cretas para sua a p r e c i a ç ã o .

O recurso das distintas correntes estéticas de índole racionalista à forma-


l i z a ç ã o e à metodologia sistemática fundamentada na medida significa uma ten-
tativa de encontrar enunciados universais, válidos para todos os campos da arte.
Herbert Franke, por exemplo, considera que, para reunir sob um único conceito
de "arte" desde a pintura até a fotografia e o vídeo, é preciso que existam enun-
ciados válidos para todos esses campos que permitam obter uma teoria da arte

42 Cf. M a n f r e d M o h r . Mela Language II, 1974.

56 - CLAUDIA GIANNETTI
global. " O o b j e t i v o e s p e c í f i c o consiste, por tanto, e m e n c o n t r a r m o d e l o s d e
c o n h e c i m e n t o e de j u í z o estético q u e possam ser a p l i c a d o s a todas as artes." 4 3
Os estetas c i b e r n é t i c os t ê m c o n s c i ê n c i a de q u e isto só é possível traba-
l h a n d o c o m u m grau d e abstração e x t r e m a m e n t e alto. N ã o s e p o d e a l c a n ç a r
essa meta u t i l i z a n d o os p a r a d i g m a s das teorias estéticas " t r a d i c i o n a i s " , u m a v e z
q u e grande parte delas tenta explicar os processos estéticos por m e i o de conceitos
subjetivistas ou de proposições estilísticas. As teorias de fundo subjetivo defendem
a idéia de q u e o j u í z o estético, c o m o j u í z o de gosto, n ã o p o d e ser f o r m u l a d o à
margem do sentimento, reafirmand o a impossibilidad e de c o m u n i c á - l o a partir
de conceitos ou de regras lógicas universais. Ao contrário, os formalistas defendem
a autonomia da forma e um juízo estético baseado em categorias físicas, portanto
no c o n h e c i m e n t o e na a p r e c i a ç ã o dos e l e m e n t o s concreto s da arte, tais c o m o as
formas, as cores, as f r e q ü ê n c i a s etc.

Hoje, deveria haver ampla aceitação do fato de que a arte não é um processo
físico. Desde a criação da Cibernética sabe-se que em nosso mundo, além dos
aspectos materiais e energéticos, existe outro aspecto a partir do qual se pode
chegar à compreensão da estrutura de ação de nosso mundo. Este aspecto é o da
informação. Asseguramos que esta perspectiva adapta-se perfeitamente ao fenô-
meno da arte: toda atividade artística está relacionada com a informação. No ato
criativo se gera a informação; na recepção por parte do público a informação é
processada; e pelo meio a informação é transmitida, o que é, normalmente, deno-
minado comunicação. Assim, partindo da base da Teoria da Informação ou da
Cibernética, abreviamos o caminho até a proposição de um modelo artístico geral.44

Enfim, a " i n f o r m a ç ã o " passa a ser o parâmetro-chave para a c o m p r e e n s ã o


dos processos estéticos e para a e s t r u t u r a ç ão de u m a teoria estética. O q u e
distingue as diferentes correntes baseadas ou i n f l u e n c i a d a s pela C i b e r n é t i c a é a
forma de julgar esse parâmetro " i n f o r m a ç ã o " . A escola de B e n s e t e n d e a condi-
c i o n a r seus j u í z o s estéticos a estudos analíticos da estrutura, e n q u a n t o q u e a
e s c o l a de Frank busca u m a síntese entre a Teoria da I n f o r m a ç ã o , a Teoria da
P e r c e p ç ã o e a N e u r o l o g i a (tendência q u e c o n d u z à P s i c o l o g ia da I n f o r m a ç ã o ).
A Estética Informacional benseniana trabalha c o m métodos quantificáveis, enquanto
a Estética C i b e r n é t i c a de Franke e Frank p r o p õ e o p r i n c í p i o dos m o d e l o s suces-
sivos, q u e consiste em m o d e l o s f u n c i o n a i s e práticos a p l i c á v e i s à obra para
permitir u m a a p r o x i m a ç ã o progressiva e por partes - do m a is simples ao m a is
c o m p l e x o - à sua estrutura. E n q u a n t o a estética b e n s e n i a n a pretende c o n c e b e r
uma n o r m a e s s e n c i a l m e n t e racional, q u e denega q u a l q u e r t r a n s c e n d ê n c i a a o
espectador, a estética frankeana r e c o n h e c e a influênci a dos v a l o r e s subjetivos
no processo estético.

Q u a n d o B e n s e p r o c l a m a q u e "a arte d e v e r i a c h e g a r a 'liberar-se' meto-


d i c a m e n t e dos objetos e das formas c o m o v e í c u l o s de processos estéticos e a

" Herbert Franke. " G i b t es eine asthetische Information?", in: Frank e Franke. Àsthetische Information,
op. cit., p.106.

" I b i d e m , p.106-107.

Estética Digital - 57
reduzir a imitação estética à mesma proporção da abstração estética, permi-
tindo, por meio da e m a n c i p a ç ã o do meio estético, a introdução de uma cinética
estética", 45e\e está propondo, em outras palavras, uma ruptura explícita c o m a
teoria estética precedente, que sempre remeteu aos objetos e às formas. A "ciné-
tica" se refere a esse outro modo de conceber a obra, não mais c o m o um objeto
a c a b a d o e inerte, mas c o m o uma estrutura que mantém, de maneira latente, a
possibilidade de transformar-se, converter-se e diversificar-se (como a informação).
Entender a obra c o m o informação significa, conseqüentemente, abrir passo a
esse tipo de c o n c e p ç ã o estética.

A partir dessas novas interpretações dos fenômenos artísticos e da pro-


gressiva assimilação e integração da arte às novas tecnologias, a própria idéia
de "obra de arte" sofre um giro conceituai, na medida em que, ao acentuar sua
c o n d i ç ã o aberta e formativa (que permite a experiência), afasta-se, progressiva-
mente, de sua a c e p ç ã o hermética e intuitiva. Esse é um passo de fundamental
importância, uma vez que significa a superação do valor ou experiência estéti-
cos baseados na fruição puramente subjetiva, postura propagada pelo Roman-
tismo e que perdura, de certa forma, ainda em nosso século. V a l e a pena lem-
brar que foi, precisamente, o espólio gnosiológico das obras que assegurou a
reflexão estetológica baseada no gosto subjetivo, sem conceito e sem contexto.
Sabemos que a superação do discurso subjetivista da estética em favor de uma
revalorização comunicativa da arte experimenta uma marcada influência das
teorias da Fenomenologia, da Hermenêutica e da Semiótica. C o m a Estética
Informacional ou a Cibernética, constata-se, de forma mais evidente, o abismo
entre as estéticas ontológica ou metafísica e a estética racionalista.

45 Max Bense. Literaturmetaphysik ( D e r Schriftsteller in der technischen Welt). Stuttgart: Deutsche


Verlags-Anstalt, 1 9 5 0 , p.84.

58 - CLAUDIA GIANNETTI
CAPITULO 3
Estética e contexto comunicativo

Crítica às Estéticas Informacional e Cibernética

O grande mérito das estéticas racionalistas foi propor um modelo estético


baseado em um novo parâmetro de investigação: a informação. Reconhecemos,
porém, que a ortodoxia de algumas posturas no contexto das Estéticas Racional,
Informacional ou Cibernética foi motivo para que estas se enfrentassem, num
determinado momento, c o m seus limites dogmáticos. A própria lógica da Estética
Informacional denota um paradoxo considerável: a noção de " c o m u n i c a ç ã o "
está estreitamente relacionada com a de "informação". M a x Bense e, em geral, a
Estética Informacional entendem o processo estético c o m o um sistema comuni-
cativo sucessivo e sistemático, composto de um encadeamento de quatro elementos:
a realização da obra, a informação, a recepção e a crítica. Bense considera a
informação estética c o m o sendo diferente da informação semântica, uma vez
que seu objetivo principal não é transmitir significado, mas o que ele denomina
de "realização" . Ele propõe um sistema baseado na transmissão unidirecional
da informação. Essa tendência, fortemente objetivista, reduz, conseqüentemente,
a c o m u n i c a ç ã o a um simples problema de output do "discurso" do objeto esté-
tico, e é precisamente esse fato que permite à Teoria Informacional transformar
os paradigmas estéticos - c o m o a beleza - em conceitos quantificáveis.

Reduzir o fundamento estético a uma apreciação absolutamente racional


e numérica (a informação c o m o valor quantitativo) da obra acaba por negar a
ela e à experiência estética - e aqui está o paradoxo - um possível valor gnoseo-
lógico, impedindo, assim, o processo de c o m u n i c a ç ã o aberta ou de intercâmbio
de informação.

Bense propõe um tipo de estrutura de c o m u n i c a ç ã o seqüencial, unidire-


cional e r e d u c i o n i s t a . A c o m u n i c a ç ã o , para ele, refere-se a um p r o c e s s o
de transmissão de informação no sentido do "clássico" modelo de Shannon e
W e a v e r : não há espaço para a relação intersubjetiva e nem se valorizam "seman-
ticamente" os elementos de possível interferência no fluxo da i n f o r m a ç ã o .
T a l v e z , um dos equívocos dessa teoria tenha se originado numa imprecisão
lingüística muito freqüente e pouco analisada na época. O emprego do termo
informação, proveniente da Teoria da Informação de Shannon, corresponde,
em sua a c e p ç ã o precisa, ao de sinal, o qual, c o m o meio para transmissão de
uma mensagem, não encerra em si nenhum significado. A confusão entre infor-
mação e sinal provocou, sem dúvida, certas ambigüidades no marco teórico.

Nossa objeção aos argumentos da teoria informacional centra-se, preci-


samente, na equivocada compreensão da comunicaçã o c o m o uma simples "trans-
ferência" de informação de um emissor a um receptor, sem levar em conta nem
os sujeitos que participam no processo de c o m u n i c a ç ã o, nem o contexto no
qual se dá, nem seus valores semânticos. A Estética Informacional na medida
em que valoriza as propriedades previsivelmente finalizáveis, ou seja, quantifi-
cáveis, restringe-se somente às estruturas sintáticas, o que resulta na limitação
da informação a um nível superficial e restrito. A tentativa de encontrar uma
" m e d i d a " estética baseada na informação está destinada ao fracasso, uma vez
que parte do pressuposto da existência de um significado imanente na obra de
arte, isto é, independente do observador e do contexto.

A idéia de um significado " e m si", u n i c a m e n t e sintático, contradiz o


próprio sentido de c o m u n i c a ç ã o , uma vez q u e a informação isolada (o sinal)
não c o n t é m n e n h u m valor cognitivo. É somente por meio da c o m u n i c a ç ã o ,
entendida c o m o intercâmbio dialógico entre sujeitos ou c o m o c o n e x ã o entre
estruturas, q u e a informação p o d e chegar a assumir um sentido estético. A
Estética Informacional defrauda, justamente, no seu ponto essencial: na com-
preensão da relação entre informação e c o m u n i c a ç ã o no âmbito estético. Por
isso, torna-se necessário buscar outra c o n c e p ç ã o e definição da c o m u n i c a ç ã o
a p l i c á v e l a esse c a m p o .

Se inscrevermos o estético no contexto da c o m u n i c a ç ã o, isto significa,


em outras palavras, entender a estética c o m o uma categoria processual imersa
no sistema social. Neste sentido, os fundamentos de uma estética entendida
como processo comunicativo estariam vinculados não à teoria shannoniana ou
cibernética, mas à Teoria de Sistemas e ao Construtivismo. Porém, antes de nos
atermos ao tema da estética, é imprescindível examinar os significados especí-
ficos que queremos dar à relação entre comunicação e arte, principalmente por
c o n h e c e r a multiplicidade de acepções que ambos os termos possuem.

A comunicação, os meios e a cultura

D e v e m o s entender a c o m u n i c a ç ã o c o m o um processo artificial baseado


em modelos, ferramentas e instrumentos que m a n i p u l a m símbolos em nível de
códigos. Esse ponto de vista é compartilhado, entre outros, por V i l é m Flusser,
q u e considera a c o m u n i c a ç ã o humana um fenômeno não natural. É, inclusive,
antinatural - afirma Flusser -, uma vez que seu objetivo é armazenar informação.
Ela é negativamente entrópica. A comunicação humana seria um processo
q u e v a i contra a tendência geral da natureza à entropia e ao caos. Entendida
desta maneira, a c o m u n i c a ç ã o se apresenta c o m o um processo intersubjetivo
e reativo, ao contrário da dimensão natural e objetiva defendida pela teoria
informacional.

As informações intersubjetivas, quando existentes, são armazenadas na


memória e estão conectadas entre si. As informações geradas pela c o m u n i c a ç ã o
baseiam-se em símbolos. Eles têm significados que podem se referir a outros
símbolos ou a fenômenos concretos. As novas informações são resultado de
combinações freqüentemente imprevisíveis e improváveis de símbolos - imagens,
palavras ou números - de informações existentes. Flusser nos dá um exemplo
claro dessa relação:

60 - CLAUDIA GIANNETTI
Por exemplo, a nova informação "visão do mundo newtoniana" não saiu da cabeça
de Newton, mas é fruto da computação da mecânica "terrena" (Galiieu) com a
mecânica "celeste" (Kepler). Este tipo de computação chama-se diálogo. Em re-
lação ao exemplo dado: um diálogo entre Galiieu e Kepler. Este tipo de diálogo
pode se dar na memória de uma pessoa, como se deu, por exemplo, na cabeça de
Newton. O diálogo pode ser provocado pelo acaso - como no exemplo acima,
através da queda de uma maçã (si non è vero, è ben trovato). Anteriormente isto era
denominado "inspiração" ou "processo criativo", porém, na atualidade já pode
ser programado pelo computador, o que explica a massa de novas informações que
nos acomete hoje em dia. Este tipo de informações, geradas de forma dialógica,
é transmitida a outras memórias (humanas ou artificiais), onde é armazenada. A
esta transmissão se denomina discurso. Os discursos podem ser classificados segundo
sua estrutura: por exemplo, uma estrutura "emissora" - como a da televisão ou
dos periódicos -, "ramificada" - como nos discursos das ciências ou das artes -
e "aberta" - como nas classes. (...) A estrutura da sociedade pode ser entendida
como uma rede de estruturas discursivas superpostas umas às outras.'

As formas discursivas e d i a l ó g i c as geralmente se auto-implicam, isto é,


não p o d e h a v e r d i á l o g o sem um discurso prévio, u m a v e z q u e as i n f o r m a ç õ e s
são transmitidas pelos discursos; da m e s m a forma, n ã o p o d e existir discurso
sem d i á l o g o , já q u e os discursos t r a n s m i t e m as i n f o r m a ç õ e s e l a b o r a d a s nos
diálogos. Isto i n d i c a q u e a c o m u n i c a ç ã o só é possível q u a n d o existe um equilí-
brio entre os diálogo s e os discursos. Só p o d e existir d i á l o g o q u a n d o existem
dois ou mais sistemas " c o n e c t a d o s " ( e m relação)_entre si c o m a a j u d a de um
" c a n a l " (meio ) através do q u a l a i n f o r m a ç ã o c i r c u l a em a m b a s as direções.

Segundo Flusser, a progressiva confusão gerada na compreensão e diferen-


ciação entre discurso e d i á l o g o resulta da possibilidade, nos atuais sistemas de
( t e l e ) c o m u n i c a ç ã o , da informação seguir um c a m i n h o unidirecional ou reduzir-se
ao nível de m á x i m a redundância (a desinformação). Conseqüentemente, m e s m o
q u e existam sistemas de c o m u n i c a ç ã o qu e sejam dialógico s em sua estrutura
(por estarem c o n e c t a d o s entre si e dispor de um c a n a l pelo qual c i r c u l a a infor-
m a ç ã o ) , n ã o a l i m e n t a m o diálogo, ou até m e s m o o i m p e d e m . Esse é o c a s o dos
sistemas c o n e c t a d o s q u e são idênticos, nos quais a c o m u n i c a ç ã o é u n i c a m e n t e
redundante e n ã o d i a l ó g i c a, uma v e z q u e a m b o s a b r a n g e m os m e s m o s c o n h e c i -
mentos; ou, ao contrário, sistemas c o m p l e t a m e n t e distintos, o n d e a c o m u n i c a ç ã o
passa a ser puro ruído, visto q u e um não p o d e assimilar nada do outro. Q u a n d o
um sistema está integrado a outro, as i n f o r m a ç õ e s passam somente do m a i o r
para o menor, e n q u a n t o q u e na d i r e ç ã o contrária a i n f o r m a ç ã o é redundante.

N e s t e contexto, o g r a n d e p r o b l e m a surge q u a n d o c o m e ç a a existir um


d e s e q u i l í b r i o entre as formas d i a l ó g i c a s e as formas discursivas u n i c a m e n t e
emissoras e de estrutura p i r a m i d a l ( f e c h a d a ao d i á l o g o ) . S e g u n d o Flusser, a
estrutura social atual caracteriza-se, c a d a v e z mais, por u m a forma de discurso
e x c l u s i v a m e n t e " e m i s s o r a " e por formas de diálogo baseadas em i n f o r m a ç õ e s
em g r a n d e parte redundantes. " D o m i n a , na atualidade, u m a forma de discurso

' Vilém Flusser. Die Revolution der Bilder-Der Flusser-Reader zu Kommunikation, Medien und Design.
M a n n h e i m : B o l l m a n n Verlag, 1995, p.17.

Estética Digital - 61
que impede os diálogos, existindo a ameaça de que a estrutura social se desin-
tegre numa massa amorfa." 2

Este é o perigo da chamada "sociedade da informação", uma sociedade


que se dedica, sobretudo, à " c o m p u t a ç ão de símbolos" e cuja idiossincrasia
consiste, basicamente, no controle do fluxo de informação. O filósofo acredita
que existam duas possíveis definições para a "sociedade da informação". N u m a
delas, a geração, o processamento e a distribuição de informações desempe-
nhariam um papel central; na outra, a informação constituiria uma "forma de ser",
cujo interesse fundamental se concentraria no intercâmbio de informação inter-
pessoal. Na primeira prevalece a forma discursiva, na outra a forma dialógica.

A análise desses caminhos conduz a duas importantes teses: por um lado


a constatação de que o poder da revolução da c o m u n i c a ç ã o muda o significado
de mundo e, por conseguinte, de nossa cultura; e por outro lado, que esse pro-
cesso sofre a crise dos valores considerados, até agora, inerentes à humanidade
(ou ao ideal de humanidade). Neste sentido, podemos inscrever o pensamento de
Flusser no contexto do pensamento pós-moderno. De fato, seus ensaios escritos
na décad a de 1970 sobre a teoria da c o m u n i c a ç ã o abordam, precisamente,
temas essenciais que seriam desenvolvidos posteriormente por teóricos c o m o
Jean-François Lyotard ou Gianni Vattimo. Seus ensaios "Umbruch der menschlichen
Beziehungen?" ("Transformação das relações humanas?", 1973-1974), "Vorle-
sungen zur K o m m u n i k o l o g i e " ("Lições sobre c o m u n i c o l o g i a " , 1977) e " D i e
kodifizierte W e I t " ( " O mundo codificado", 1978) proporcionam considerações
substanciais que antecipam os argumentos-chave do pensamento pós-moderno:
a crise da c o n c e p ç ã o unitária e linear da história (Flusser fala, freqüentemente,
de pós-história); a influência dos meios de c o m u n i c a ç ã o no processo de trans-
formação da linguagem e da c o m u n i c a ç ã o interpessoal; a função dos códigos e
das tecnoimagens no processo da progressiva especialização, por um lado, e da
massificação generalizada, por outro. São transformações que conduzem, direta
ou indiretamente, a uma multiplicação das visões do mundo - e conseqüente-
mente, à crise dos conceitos de realidade e verdade-, e a uma nova compreensão
do sujeito desprendida do peso humanista.

Ao examinar o problema a partir de diferentes perspectivas - a crise dos


grandes relatos cuja função legitimadora é apontada por Lyotard; a instabilidade
e a " c o n t a m i n a ç ã o " do saber humano, teorizadas por Vattimo; ou o crescente
poder do código na instauração da simulação e do sistema de reprodução em
nossa sociedade, defendido por Jean Baudrillard -, giramos sempre em torno de
duas questões essenciais: as transformações radicais geradas pelas novas tecno-
logias digitais e de telecomunicação, e a conseqüente preponderância dos meios
de c o m u n i c a ç ã o no seio das sociedades e de suas visões de mundo - suas "ver-
dades" e "realidades" - em detrimento do sujeito e das visões individuais.

Essa nova maneira de interpretar a relação do sujeito c o m os meios abre


espaço para uma consideração ainda mais radical sobre o papel da c o m u n i c a ç ã o

2 V. Flusser, o p . cit., p.1 7.

62 - CLAUDIA GIANNETTI
em nossa s o c i e d a d e : a s o c i e d a d e não está f o r m a d a por pessoas, mas por comu -
n i c a ç õ e s . Essa teoria, defendida por N i k l a s L u h m a n n , postula um n o v o e n f o q u e
da T e o r i a de Sistemas na m e d i d a em q u e a b a n d o n a , definitivamente , o m o d e l o
organicista, no q u a l p r e v a l e c i a a p o s i ç ã o central do i n d i v í d u o na r e l a ç ã o parte-
todo. Essa v i a c o n d u z à d e s a n t r o p o m o r f i z a ç ã o da n o ç ã o de organismo e, em
c o n s e q ü ê n c i a , à d e s c e n t r a l i z a ç ã o do sujeito em r e l a ç ã o ao sistema-meio.

Essa hipótese representa u m a m u d a n ç a c o n s i d e r á v e l na c o m p r e e n s ã o do


i n t e r c â m b i o entre o i n d i v í d u o e a s o c i e d a d e : n ã o são os i n d i v í d u o s os agentes
de c o m u n i c a ç ã o , mas os próprios sistemas sociais. O q u e os constitui n ã o é o
e n c a d e a m e n t o de atuações, mas a c o m u n i c a ç ã o . "A s o c i e d a d e é um sistema
social constituído por comunicações e somente por comunicações", afirma Luhmann.
O próprio significado de c o m u n i c a ç ã o m u d a q u a n d o deixa de ser um dispositivo
u n i c a m e n t e i n f o r m a c i o n a l ou de transmissão e passa a ser o dispositivo funda-
mental da d i n â m i c a dos sistemas sociais.

L u h m a n n pretende, desta m a n e i r a , liberar a c o m u n i c a ç ã o dos profundos


v í n c u l o s c o m as proposições ontológicas e antropológicas. A c o m u n i c a ç ã o passa
a ser e n t e n d i d a n ã o c o m o u m a ferramenta "externa" , mas c o m o um processo
auto-referente dos sistemas, e como tal, auto-drnâmico e auto-regulador dos
mesmos. Por esse motivo, a efetividade da c o m u n i c a ç ã o é mais i m p r o v á v e l q u e
conjecturável.

Em primeiro lugar, é improvável que alguém compreenda o que outro quer dizer,
tendo em conta o isolamento e a individualização da sua consciência. O sentido
só se pode entender em função do contexto e, para cada um o contexto é, basi-
camente, o que a sua memória lhe faculta. A segunda improbabilidade é a de
aceder aos receptores. É improvável que uma comunicação chegue a mais
pessoas do que as que se encontram presentes numa situação dada. O problema
assenta na extensão espacial e temporal. (...) A terceira improbabilidade é a de
obter o resultado desejado. Nem sequer o fato de uma comunicação ter sido
entendida garante que tenha sido também aceita. Por "resultado desejado"
entendo o fato de que o receptor adote o conteúdo seletivo da comunicação (a
informação) como premissa do seu próprio comportamento, incorporando à
seleção novas seleções e elevando assim o grau de seletividade. 3

T o d a s essas improbabilidades, a l é m de obstáculos para a c o m u n i c a ç ã o ,


a t u a m c o m o "fatores de dissuasão". É necessário, então, criar m e c a n i s m o s q u e
sirvam para transformar a c o m u n i c a ç ã o i m p r o v á v e l em p r o v á v e l , c o n t o r n a n d o ,
assim, esses três p r o b l e m a s básicos apontado s por L u h m a n n . A h u m a n i d a d e
investiu um g r a n d e esforço para superar esses obstáculos, c r i a n d o os " m e i o s "
a d e q u a d o s , c o m o o b j e t i v o de facilitar a i n t e r c o m u n i c a ç ã o . Um desses meio s
foi a l i n g u a g e m , q u e permitiu, por m e i o do e m p r e g o de g e n e r a l i z a ç õ e s simbó-
licas, a transmissão e u m a m a i o r p e n e t r a ç ã o das c o m u n i c a ç õ e s interpessoais.
Os meio s de difusão e registro, c o m o a escrita, v ê m c u m p r i n d o a f u n ç ã o de
t r a n s c e n d e r o s limites d a c o m u n i c a ç ã o v e r b a l . L u h m a n n d e s t a c a a i n d a u m

3 Niklas Luhmann. A improbabilidade da comunicação. Lisboa: Passagens, 1992, p.41-43.

Estética Digital - 63
terceiro tipo de meio: os "meios de c o m u n i c a ç ã o simbolicamente generalizados".
Esses s u r g e m n o m o m e n t o e m q u e a s t é c n i c a s d e d i f u s ã o p e r m i t e m a trans-
m i s s ã o de informações para um número d e s c o n h e c i d o de indivíduos "ausentes".
A imprensa, a televisão e, mais recentemente, a Internet d ã o forma e determina m
esse tipo de meio . Sua e f e t i v i d a de deve-se ao longo processo de a p r e n d i z a g e m
no seu m a n e j o e n ã o p o d e ser m e d i d a pelo simples " c o n s u m o " do meio , mas
pela c a p a c i d a d e de usá-lo para assegurar a c o n t i n u i d a d e desse tipo e s p e c í f i c o
de comunicação.

já t í n h a m o s d e s t a c a d o a crescente i m p o r t â n c i a do c ó d i g o nas teorias


c o n t e m p o r â n e a s da c o m u n i c a ç ã o . Para L u h m a n n , o c ó d i g o é por si um v e í c u l o
de c o m u n i c a ç ã o e, c o m o tal, regula a totalidade dos processos e c a n a l i z a a
i n f o r m a ç ã o para a s redes d e relações sociais. P o r é m , c o m o u m a e s p é c i e d e
" o p e r a d o r " , o c ó d i g o d e s e m p e n h a u m a atividade basicamente funcional, neutra
e d e s p r o v i d a de v a l o r e s a d i c i o n a i s. C o n s e q ü e n t e m e n t e , é necessário buscar os
significados, n ã o nos códigos, mas nas relações dos sistemas c o m seus contextos.

A Teoria de Sistemas recente, tal como a vejo, abandonou a sua perspectiva tradi-
cional introduzindo uma referência explícita ao ambiente. A noção de ambiente
não implica somente que algo mais existe fora do sistema em estudo. Não se trata
de distinguir entre "aqui" e "em qualquer outro lugar". A nova tese, em vez disso,
propõe o seguinte: as estruturas e processos de um sistema só são possíveis em
relação a um ambiente, e só podem ser entendidas se estudadas nesta relação.
Assim é, pois só por referência a um ambiente é possível distinguir (num sistema
dado) algumas funções como um elemento e outras funções como uma relação
entre elementos. Exagerando um pouco, podemos até dizer que um sistema é a sua
relação com o seu ambiente, ou que é a diferença entre sistema e ambiente."

Isto significa, em outras palavras, que a veracidade e a falsidade, a utilidade


ou i n u t i l i d a de de um sistema de v a l o r e s d e p e n d e m do contexto e do referente.
A cultura, por exemplo, não pode ser uma adaptação homogênea de uma realidade
i n d e p e n d e n t e , pois ela oferece m o d e l o s de realidades baseados no c o n s e n s o
dos i n d i v í d u o s d a s o c i e d a d e e m q u e a c o n t e c e . D a m e s m a forma, d e v e r í a m o s
substituir nossa v i s ão " d a " arte c o m o e n t i d a d e transcendente, por um postulado
q u e torne possível sua c o m p r e e n s ã o c o m o um d o m í n i o plural, imerso no sistema
social e de c o m u n i c a ç ã o de um determinado contexto, argumento esse q u e ana-
lisaremos nos dois próximos capítulos.

A comunicação, a interação e os sistemas

Se entendermos a c o m u n i c a ç ã o c o m o um tipo de inter-relação intencional


e s p e c í f i c a entre seres v i v o s n u m d e t e r m i n a d o contexto - inter-relação q u e se dá
por m e i os q u e e m p r e g a m códigos constituídos por um repertório de signos e
significados - , então estamos f a l a n d o d e u m tipo d e c o m u n i c a ç ã o e n t e n d i d a

4 N. L u h m a n n , o p. cit., p.99.

64 - CLAUDIA GIANNETTI
c o m o interação. Nesse caso, a interação d e v e ser c o n s i d e r a d a uma c a p a c i d a d e
Inerente ao ser h u m a n o ao atuar c o m o o b s e r v a d or e ser parte integrante de um
contexto específico . Portanto, o observador n ã o p o d e ser e n t e n d i d o indepen-
d e n t e m e n t e do m e i o c o m o q u a l se relaciona . O o b s e r v a d o r p o d e interagir tanto
c o m a e n t i d a d e o b s e r v a d a - i n c l u s i v e q u a n d o se trata do próprio o b s e r v a d o r -,
quanto c o m o seu meio . Q u a n d o L u h m a n n fala d a c o m u n i c a ç ã o c o m o processo
auto-referente dos sistemas e, como tal, autodinâmico e auto-regulador dos
mesmos, refere-se, justamente, a esta c i r c u l a r i d a d e da o r g a n i z a ç ã o dos seres
v i v o s q u e lhes permite estabelecer relações e interações. E, efetivamente, a natu-
reza c i r c u l a r de sua o r g a n i z a ç ã o q u e faz q u e os sistemas v i v o s seja m auto-refe-
renciais. Os seres v i v o s participa m recursivamente, por m e i o de suas interações,
da g e r a ç ã o e r e a l i z a ç ã o de u m a rede de processos que, ao m e s m o t e m p o em
q u e são p r o d u z i d o s e m a n t i d o s por eles, c o n s t i t u e m essa m e s m a r e d e de
processos d e p r o d u ç ã o .

A idéia de formula r u m a c i ê n c i a da o r g a n i z a ç ã o dos sistemas c o m base


nos princípios de c o n e x ã o entre todos seus e l e m e n t o s é proposta pela primeira
vez em p r i n c í p i o s do s é c u l o XX pelo investigador russo A l e x a n d e r B o g d a n o v . 5
Sua teoria sistêmica, qu e pretende abranger todas as experiências organizadoras
em c o n j u n t o, introduz os c o n c e i t o s básicos de sistemas abertos (referentes aos
sistemas v i v o s ) e de retroalimentação , convertendo-se na precursora da Ciber-
nética e da teoria sistêmica proposta d u a s d é c a d a s d e p o i s por L u d w i g v o n
Bertalanffy. 6 P o r é m , os escritos de B o g d a n o v n ã o tiveram, em sua é p o c a , reco-
n h e c i m e n t o n e m d i v u l g a ç ã o . As idéias do b i ó l o g o austríaco Bertalanffy sobre a
Teoria G e r a l de Sistemas f o r a m as q u e f a v o r e c e r a m a transformaçã o do pensa-
mento sistêmico n u m m o v i m e n t o científico a p l i c á v e l aos mais diversos c a m p o s .
O m e l h o r e x e m p l o , c o m o v i m o s antes, foi sua a p l i c a ç ã o à teoria c i b e r n é t i c a ,
q u e d e f e n d e q u e os sistemas v i v o s se o r g a n i z a m em f o r m a de rede, e q u e os
ciclos de r e t r o a l i m e n t a ç ã o lhes p e r m i t e m auto-regular-se e auto-organizar-se.
Assim, surgem os c o n c e i t o s centrais das teorias sistêmica e c i b e r n é t i c a : auto-
reguiação., auto-organização e retroalimentação.

A mais a m p l a c o n t r i b u i ç ã o para a c o m p r e e n s ã o e difusão da teoria da


auto-organização foi p r o p o r c i o n a d a pela investigação do físico e c i b e r n é t i c o
H e i n z v o n Foerster, d i v u l g a d a em finais dos anos 1950 e, p r i n c i p a l m e n t e, a
partir d a p u b l i c a ç ã o d e seu e n s a i o " O n S e l f - O r g a n i z i n g S y s t e m s a n d their
E n v i r o n m e n t " , e m 1960. H . v o n Foerster c o n h e c i a p e r f e i t a m e n t e o s c o n t e ú d o s
da Cibernética e da Teoria da Informação, assim c o m o os princípios da Teoria de
A u t ô m a t o s (Turing e v o n N e u m a n n ) e da Teoria G e r a l de Sistemas ( P a u l W e i s s e
L u d w i g v o n Bertalanffy). Partindo desses precedentes, o cientista p r o p ô s a apli-
c a ç ã o d e c o n c e i t o s c o m o o s d e r e d u n d â n c i a , entropia o u i n f o r m a ç ã o (Ciberné-
tica), b e m c o m o os de auto-regulação, a u t o n o m i a e o r d e m hierárquica (Teoria

5 Alexander Bogdanov. Tektología. Publicado na Rússia em três volumes entre 1912 e 1917.

' V e r L u d w i g von Bertalaffly. " D e r Organismus ais physikalisches System betrachtet", in: Die Naturwis-
senchaften, vol. 28,1940, p.521 -531; "The Theory of O p e n Systems in Physics and Biology", in: Science,
vol. 111, 1950, p.23-29; General System Theory. N o v a York: Brazilier, 1968.

Estética Digital - 65
de Sistemas) à questão da o r g a n i z a ç ã o . S e g u n d o v o n Foerster, todo sistema v i v o
a u t ô n o m o - " a u t ô n o m o " n o sentido q u e s o b r e v i v e , prospera o u d e s a p a r e c e
sob suas próprias leis - é f e c h a d o do ponto de vista o r g a n i z a c i o n a l , isto é, sua
o r g a n i z a ç ã o é c i r c u l a r , auto-referencial e recursiva. Para ele, a " r e a l i d a d e é
u m a c o n c e p ç ã o interativa, p o r q u e o o b s e r v a d o r e o o b s e r v a d o f o r m a m um par
m u t u a m e n t e d e p e n d e n t e " . A o b j e t i v i d a d e é, c o n s e q ü e n t e m e n t e , u m a ilusão do
sujeito de q u e a o b s e r v a ç ã o p o d e existir sem ele. Isto i m p l i c a q u e a o b s e r v a ç ã o,
se p r o d u z por m e i o do a c o p l a m e n t o entre o b s e r v a d o r e a u n i d a d e do sistema,
no próprio c a m p o no q u a l opera a unidade.

N o s anos 1970 e 80, as idéias sistêmicas básicas, centradas nos conceitos


de i n t e r a ç ão (relação), c o n e c t i v i d a d e (rede) e contexto (meio), f o r a m desenvol-
v i d a s por u m a série de pesquisadores, q u e as redefiniram ou a d a p t a r a m a novas
teorias.7 P o r é m , um n o v o i m p u l s o a esse m a r c o t e ó r i c o p r o v é m da teoria
da autopoiese8, d e s e n v o l v i d a , a partir dos anos 1970, p e l o b i ó l o g o c h i l e n o
H u m b e r t o M a t u r a n a junto c o m o neurocientista F r a n c i s c o J. V a r e l a . A teoria da
a u t o p o i e s e reúne, de m a n e i r a inusitada, dois c a m p o s que, até então, h a v i a m
sido tratados de maneira i n d e p e n d e n t e : a biologia ou teoria da o r g a n i z a ç ã o dos
seres vivos, e a teoria cognitiva, centrada na questão da percepção e compreensão
dos f e n ô m e n o s . Em 1969, M a t u r a n a defende a tese de q u e o sistema nervoso é
um sistema f e c h a d o .

A principal característica que distingue o sistema nervoso é ser uma rede fechada
de neurônios interatuantes, nos quais cada estado de atividade neural gera outros
estados de atividade neurônica. Dado que o sistema nervoso é um subsistema
constituído numa unidade autopoiética, opera gerando estados de relativa atividade
neural que participam na realização da autopoiese do organismo que integra.9

N e s t e sentido, os sistemas v i v o s são sistemas autopoiético s n u m e s p a ç o


físico. A c o n s e q ü ê n c i a básica da o r g a n i z a ç ã o autopoiétic a é q u e " t u d o o q u e
t e m lugar n u m sistema a u t o p o i é t i c o está s u b o r d i n a d o à r e a l i z a ç ã o de sua auto-
poiese, do contrário, desintegra-se", uma v e z q u e as m u d a n ç a s de estado do
o r g a n i s m o e do sistema nervoso e as m u d a n ç a s de estado do m e i o a t u a m reci-
p r o c a m e n t e , de forma q u e c o n d u z e m a u m a a u t o p o i e s e contínua. 1 0

Isto significa q u e os sistemas v i v o s estão d e t e r m i n a d o s pela estrutura, e


sua característica constitutiva é a autopoiese. T u d o o q u e o c o r r e em um sistema
v i v o te m lugar dentro dele. O d o m í n i o das interações nos seres h u m a n o s é o
d o m í n i o c o g n i t i v o, justament e p o r q u e somos, c o m o seres vivos, sistemas cogni-
tivos, e a v i d a , c o m o processo, é um processo de c o n h e c i m e n t o . N o v a s formas

7 C o m o llya Prigogine e as estruturas dissipativas; M a n f r e d Eigen e os hiperciclos ; H e r m a n n H a k e n e a


teoria laser etc.

8 Autopoiesis: auto significa " d e si m e s m o " - a u t o n o m i a e auto-organização - e poiesis, do grego


" p o e s i a " , significa c r i a ç ã o , portanto, c r i a ç ã o de si mesmo.
9 H u m b e r t o M a t u r a n a . La realidad: jobjetiva o construída? II. B a r c e l o n a : Ed. Anthropos, 1996, p.227.

10 I b i d e m , p.226.

66 - CLAUDIA GIANNETTI
de i n t e r a ç ã o e n o v o s instrumentos p o d e m a m p l i a r o d o m í n i o c o g n i t i v o . "A
e x p a n s ã o dos processos cognitivos (atuar e interatuar) no d o m í n i o das simples
relações p e l o sistema nervoso tornou possíveis interações n ã o físicas entre os
organismos e, portanto, a c o m u n i c a ç ã o . " "

Essas interações n ã o físicas são as q u e nos d i f e r e n c i a m dos organismos


q u e não possuem sistema nervoso, nos quais as interações são s o m e n t e físicas
(por e x e m p l o , em u m a planta a a b s o r ç ã o de um fóton realiza a fotossíntese). A
c o m u n i c a ç ã o c o m o interação é parte integrante do sistema a u t o p o i é t i c o e, c ò m o
processo c o g n i t i v o, n ã o se refere a u m a realidad e independente, mas é " u m a
o p e r a ç ã o d e c o o r d e n a ç ã o d e c o m p o r t a m e n t o s entre o b s e r v a d o r e s " , por m e i o
dos quais nós, seres h u m a n o s, p r o d u z i m o s um m u n d o de a ç õ e s aceitáveis. 1 2

Q u a n d o f a l a m o s d o " m u n d o " q u e h a b i t a m o s o u d e nossa " c u l t u r a " ,


p a r e c e q u e nos referimos a algo externo e i n d e p e n d e n t e de nós ou a u m a reali-
dade objetiva. Ao contrário dessa c o n c e p ç ã o , a teoria construtivista d e f e n d e
que, em p r i m e i r o lugar, a m b o s são s e m p r e plurais, pois se referem a diferentes
ambientes; e logo, q u e os m u n d o s em q u e v i v e m o s são s e m p r e p r o d u z i d o s por
nossas ações, e n ã o existem de forma independente do qu e fazemos no contexto
da nossa c o m u n i d a d e .

A partir dessas premissas e do p o n t o de vista a u t o p o i é t i c o , se p o d e


formular três c o n c l u s õ e s fundamentais: q u e os f e n ô m e n o s cognitivos, i n c l u s i v e
a linguagem e a c o m u n i c a ç ã o , não p o d e m ser associados a u m a f u n ç ã o conota-
:iva ou denotativa de u m a r e a l i d a de i n d e p e n d e n t e do o b s e r v a d o r ; q u e as "pro-
d u ç õ e s " de nossas culturas são, c o n s e q ü e n t e m e n t e , resultado das interações
entre seres h u m a n o s e entre esses e seu contexto e s p e c í f i co ou nicho ( c o m o o
n o m e i a M a t u r a n a ) ; q u e as culturas ou seus produtos - c o m o a arte - n ã o se
constituem c o m o entidades " i n d e p e n d e n t e s " o u realidades objetivas existentes
de forma a u t ô n o m a em r e l a ç ã o ao nosso sistema, mas são sempre d e p e n d e n t e s
do sujeito ou observador, isto é, de nosso sistema (cognitivo) auto-referencial.
Parafraseando W e r n e r H e i s e n b e r g , p o d e r í a m o s dizer q u e o q u e o b s e r v a m o s
não é a obra em si, mas a obra exposta ao nosso m o d o de observar. 1 3

U m dos m e l h o r e s e x e m p l o s d o e m p r e g o dos parâmetros d e o r g a n i z a ç ã o


em sistemas interativos é a i n s t a l a ç ã o de K e n R i n a l d o , Autopoiesis. Q u i n z e
esculturas robóticas de vid a artificial, controladas por microprocessadore s e c o m
articulações c i n é t i c a s (braços), apresentam-se d e p e n d u r a d a s no teto. As escul-
turas d e s e n v o l v e m c o m p o r t a m e n t o s c o m u n s ao grupo, gerados por u m a rede
eletrônica de intercomunicação e tons audíveis de telefone. A troca de informações
entre os robôs se p r o d u z por m e i o de c a d e i a s de bits controladas por algoritmos,
c o m dispositivos aleatórios q u e d e t e r m i n a m o m o v i m e n t o c i n é t i c o do c o n j u n t o
e a e v o l u ç ã o do e n t o r n o sonoro. A i n f o r m a ç ã o transmitida por u m a escultura

Humberto Maturana, op. cit., p.214.


:3 Ibidem, p.265.
; W e r n e r Heisenberg: "O que observamos não é a natureza em si mesma, mas a natureza exposta ao
nosso método de observação".

Estética Digital - 67
exerce influência sobre a atuação das demais e dá lugar à e v o l u ç ã o e à organi-
z a ç ã o coletiva no sistema. Os braços robóticos reagem, individualmente ou em
grupo, à presença ou movimento do espectador. Essa interação gera evoluções
progressivas em tempo real que também induzem o sistema à auto-organização.
M e i o e observador desempenham, assim, um papel especialmente relevante,
uma vez que interferem no comportamento individual e do grupo como se fossem
seres biológicos. Essa instalação interativa propõe dois níveis de organização: o
processo de organização interna, gerado pela intercomunicação entre os robôs
e dependente do meio, e um sistema de organização dos sensores inteligentes
empregados, q u e permite potencializar as c a p a c i d a d e s do software para pro-
cessar os dados: captar a presença de elementos estranhos e gerar feedback
imediato. Assim, a obra investiga, pela simulação tecnológica de vida artificial,
os mecanismos "orgânicos" da autopoiese, e acentua a interdependência dos
indivíduos, a função do observador e a estreita relação c o m o contexto para a
geração de significado e c o m u n i c a ç ã o .

O modelo da autopoiese de Maturana e Varela propicia, sem dúvida,


novas formas de a p r o x i m a ç ã o às questões da investigação cognitiva. Esse
m o d e l o , junto às contribuições de H e i n z von Foerster, ou, no c a m p o da psico-
logia cognitiva, de Ernst von Glasersfeld, dá impulso a um novo discurso conhe-
cido c o m o Construtivismo ou Construtivismo Radical, cuja idéia central é que
somos parte do mundo que construímos e que nossa vida depende das inter-
relações ou relações entre as partes que formam um sistema interconectado ou
em rede. A profunda revolução que supõe essa tese consiste na negação, de
forma categórica, de qualquer possibilidade de compreensão dos sistemas por
meio de métodos analíticos ou reducionistas, precisamente porque se baseia no
princípio da auto-organização.

Porém, queremos aqui destacar nosso ponto de vista, de certa forma


discordante da postura mais ortodoxa do Construtivismo. O perigo das investi-
gações centradas nos processos internos da rede neuronal encontra-se, em grande
parte, nas c o n c e p ç õ e s acerca de modelos que apontam para um imaginário
fechado, que desconhece um exterior. A interpretação da realidade é, necessa-
riamente, uma construção cultural e social subjetiva, portanto, está mediada
pelo contexto no qual se inscreve o observador. O sistema nervoso pode ser
operacionalmente fechado, no sentido do puro funcionamento interno, mas na
construção do conhecimento, interior (mente) e exterior (ambiente) estão inter-
relacionados. Ao contrário de algumas teorias construtivistas mais ortodoxas,
que não oferecem abertura suficiente para a reflexão sobre o sentido e a com-
preensão formulados pelo observador a partir de sua experiência de mundo,
Niklas Luhmann e Siegfried Schmidt dedicam uma parte importante de suas
análises sistêmicas às relações sociais e seus aspectos epistemológicos.

Para a p e r c e p ç ã o ou a construção da realidade são imprescindíveis


outros processos que geram um modelo do próprio corpo (do eu), um modelo
espaço-temporal e um modelo de lugar no espaço-tempo. A importância do
sistema límbico - os componentes emocionais e intencionais - nas operações
do cérebro torna evidente que a compreensão e a interpretação da realidade
não são produtos exclusivos da fisiologia neural.

68 - CLAUDIA GIANNETTI
Se não pudéssemos nos mover no espaço, se nossos sentidos não estivessem
incorporados ao circuito de motricidade, cognição e memória, não poderíamos ver,
ouvir ou pensar em nenhuma realidade, muito menos numa realidade virtual.14

O qu e experimentamo s c o m o realidade é um c o n h e c i m e n t o que, a julgar


pela e x p e r i ê n c i a, estamos c o m p a r t i l h a n d o c o m o s demais, u m a v e z q u e sua
c o n s t r u ç ã o se faz pela interação c o m outras pessoas, nos âmbitos de consenso,
língua e cultura.

R e s u m i n d o , a c o g n i ç ã o é um processo criativo d e p e n d e n t e do sujeito e


de sua r e l a ç ã o c o m o m e i o , da m e s m a maneira q u e o c o n j u n t o de nosso saber,
a cultura e a arte se constituem a partir do consenso, da c o o p e r a ç ã o e da rede
entre os i n d i v í d u o s integrantes de c a d a s o c i e d a d e ou contexto.

Media art como sistema e processo intercomunicativo

A l b e r t Einstein afirmou, e m certa o c a s i ã o , q u e a s teorias c i e n t í f i c a s e r a m


c r i a ç õ e s livres d a m e n t e h u m a n a . O m a i s m a r a v i l h o s o , para e l e , era q u e ,
a p e s a r disto, p o d i a m c h e g a r a e x p l i c a r o m u n d o . P o d e r í a m o s dize r o m e s m o
e m r e l a ç ã o à arte, pois ela, c o m o c r i a ç ã o livre d a m e n t e h u m a n a , n ã o e x p l i c a
um m u n d o i n d e p e n d e n t e, mas reflete sobre a e x p e r i ê n c i a do sujeito no m u n d o
em q u e v i v e e o f e r e c e distintas f o r m a s de e x p l i c a r o m e i o no q u a l sujeito e
obra estão imersos.

Propomos, agora, voltar n o v a m e n t e nossas análises para a tese de Flusser,


segundo a qua l a f u n ç ã o da arte é inventar outros mundos, abrir passo a outras
realidades. A q u e l e q u e cria u m a obra de arte n ã o só articula a si m e s m o e seu
ambiente, mas e s t a b e l e c e um diálogo, por m e i o da obra, c o m outros sujeitos e
projeta outras realidades. Esse diálogo se constitui c o m o c o m u n i c a ç ã o , q u e dá
lugar à criação, à transmissão, ao intercâmbio e à m e m o r i z a ç ã o de informações.
A arte, ao se valer desse processo, assume a finalidade de Weltverànderung, de transfor-
m a ç ã o do mundo c o m o dilatação de nossas realidades (conhecimentos, experiências,
sensações, p e r c e p ç õ e s etc.). N ã o fosse assim, a arte se restringiria a um m o d e l o
redundante, pois n ã o ofereceria n e n h u m a contribuição cognitiva e sensitiva nova.

Desta perspectiva, c a d a realidade parte das e x p e r i ê n c i as e das reflexões


tanto d a q u e l e q u e cria c o m o d a q u e l e q u e observa, sendo, assim, u m a r g u m e n t o
dentro de u m a (possível) e x p l i c a ç ã o . O processo de diálogo ( c o m u n i c a ç ã o ) c o m o
o p e r a ç ã o num d o m í n i o de consensualidade pode produzir a expansão e a geração
de um n o v o d o m í n i o de c o n s e n s o . Isto significa a d i l a t a ç ã o das experiências ,
das reflexões e dos argumentos q u e p o d e m m u d a r os parâmetros de e n f o q u e da
realidade. A arte c o m o forma de c o m u n i c a ç ã o inscreve-se, portanto, no d o m í n i o
do c o n h e c i m e n t o . E f u n d a m e n t a l , p o r é m , e x p l i c i t a r o q u e e n t e n d e m o s po r
' d o m í n i o d o c o n h e c i m e n t o " e m r e l a ç ã o à s f a c u l d a d e s c o m u n i c a t i v a s (artís-
ticas) dos seres h u m a n o s .

Siegfried Schmidt. " ; C i b e r c o m o oikos? O: Juegos sérios", in: Ars Telematica, op.cit., p.103.

Estética Digital - 69
A p e s a r das tentativas reducionistas da c i ê n c i a ou da filosofia, não
p o d e m o s s e p a r a r , nos seres h u m a n o s , a e m o ç ã o da r a c i o n a l i d a d e . A v i d a
h u m a n a entrelaça-os n u m fluxo i n d i v i s í v e l por m e i o d o q u a l p r o d u z i m o s dife-
rentes d o m í n i o s d e r e a l i d a d e . Explícita o u i m p l i c i t a m e n t e , esses d o m í n i o s s e
r e v e l a m nas nossas i n t e r a ç õ es c o m outros, d e p e n d e n d o d e nossa c a p a c i d a d e
d e nos e m o c i o n a r .

De fato, o que faz de nós, seres humanos, uma classe peculiar de animais, não é
a coerência operacional de nossa racionalidade, que é a coerência operacional
de nossa práxis de viver como sistemas viventes em coordenações de ações, mas
nosso viver dentro da linguagem, no entrelaçamento constitutivo do linguajar e
da emocionalidade. 15

Assim, o d o m í n i o de nosso c o n h e c i m e n t o é o resultado de u m a simbiose


entre os fluxos e m o c i o n a i s e as o p e r a ç õ es racionais. É, a l é m disso, nossa capaci-
d a d e de nos e m o c i o n a r q u e determina a forma c o m o nos m o v e m o s nos nossos
diálogos. M u d a n ç a s na e m o ç ã o ou no ânimo constituem mudanças nas premissas
operativas da e x p e r i ê n c i a do o b s e r v a d o r e, portanto, nas c o n d i ç õ e s q u e susten-
t a m seus argumentos explicativo s racionais. O s observadores, c o m o c o n f i r m a
M a t u r a n a , n u n c a e n t e n d e m os no vazio, sempre a p l i c a m o s - ao aceitar ou recusar
q u a l q u e r c o i s a , d e p e n d e n d o d a satisfação o u n ã o d e d e t e r m i n a d a pauta n o
nosso ato de e n t e n d er - a l g u m tipo d e t e r m i n a d o de critério de a c e i t a b i l i d a d e ao
q u e e s c u t a m o s, v e m o s , sentimos ou pensamos. Esse tipo de critério é determi-
n a d o e m o c i o n a l e r a c i o n a l m e n t e . Assim, ao falar de c o n h e c i m e n t o em r e l a ç ã o
ao d o m í n i o da arte, não falamos de uma a p r o x i m a ç ã o a seus possíveis conteúdos
exclusivamente a partir da razão, mas enfatizamos que a participação das e m o ç õ e s
ou e x p e r i ê n c i a s sensorials no processo de a s s i m i l a ç ã o da obra é inseparável do
processo d i a l ó g i c o .

Em vista do q u e foi anteriormente exposto, f o r m u l a m o s duas hipóteses


conclusivas. Primeira: as explicações da arte são, essencialmente, não reducionistas e
não transcendentais, porque nelas não há busca de uma única e definitiva expli-
cação para o domínio da arte. Segunda: a função da arte é a transformação do mundo
- e n t e n d e n d o por transformação a dilatação de nossa(s) realidade(s) e, por con-
seguinte, de nossos conhecimentos e experiências. Essa transformaçã o se dá a
partir das interações ou relações dialógicas (comunicação) q u e p o d e m se estabe-
lecer, b e m c o m o da linha explicativa q ue adotamos, a qual, por sua vez, d e p e n d e
do domínio emocional e contextual no q u al nos e n c o n t r e m o s no m o m e n t o de
a s s i m i l a ç ã o . C o m base nesses argumentos, f o r m u l a r í a m o s , então, a seguinte
questão: C o m o a arte p o d e realizar o processo c o m u n i c a t i v o ?

A c o m u n i c a ç ã o , ou r e l a ç ã o dialógica, e n q u a n t o ato dentro da lingua-


gem, consiste n u m a o p e r a ç ã o nos d o m í n i o s da c o n s e n s u a l i d a d e q u e p o d e m se
expandir, transformar, restringir ou d e s a p a r e c e r c o m ou sem a manifestaçã o de
n o v a s o p e r a ç õ e s . C o m o nós, seres h u m a n o s , v i v e m o s e m c o m u n i d a d e s organi-
zadas em redes de diferentes classes de relações q u e se c r u z a m e se a c o p l a m

15 H u m b e r to Maturana, op. cit., p.47-48.

70 - CLAUDIA GIANNETTI
umas às outras, participamos , simultâne a ou sucessivamente , de muitas e dife-
rentes " c o n v e r s a ç õ e s " (ou domínios) .

O d o m í n i o da arte, no qual nos centraremos, se caracteriz a por ser espe-


c i a l m e n t e c o m p l e x o , u m a v e z q u e s e serve e m grande parte d e u m a l i n g u a g e m
metafórica, s i m b ó l i c a e n ã o ordinária. D e s d e Kant, o belo é c o n c e b i d o , no j u í z o
estético, c o m o a q u i l o q u e deleita, universalmente, sem c o n c e i t o . Portanto, o
j u l g a m e n t o de gosto, ao n ã o conter f i n a l i d a d e c o n c e i t u a i , levaria c o n s i g o um
valor estético d e u n i v e r s a l i d a d e. C o m o j á h a v í a m o s constatado, existem muitos
d o m í n i o s de r e a l i d a d e e todos são igualmente válidos, portanto os significados
transmitidos por u m a o b r a n ã o p o d e m p o s t u l a r n e n h u m a e x i g ê n c i a d e acei-
t a ç ã o universal, n e m p o d e m ser inerentes ao objeto. O receptor q u e capta a obra
p o d e e n t e n d e r a m e n s a g e m por se encontra r no m e s m o d o m í n i o de r e a l i d a d e e
aceitá-la sem c o n t r a d i ç ã o e m o c i o n a l , porém pode se encontrar em u m a realidade
diferente e reagir negativamente; ou pode reagir c o m desinteresse ou indiferença.

Portanto, n ã o p o d e ser f u n ç ã o da obra - c o m o p r o p õ e m a l g u m a s teorias


semióticas 1 6 - impor sua " v i s ã o do m u n d o " e esperar q u e o o b s e r v a d or aceite-a
impassível mente, ou interprete-a de forma considerada adequada. Nesse caso não
existiria a c o m u n i c a ç ã o , pois se trataria de u m a estrutura discursiva p i r a m i d a l .
(O q u e n ã o q u e r dizer q u e no sistema da arte n ã o exista esse tipo de discurso, ou
q u e n ã o se tente incuti-lo por m e i o de estratégias de poder e de marketing,
questão q u e a n a l i s a r e m o s no p r ó x i m o item.)

As obras deveriam , efetivamente, operar c o m o convites para q u e os obser-


vadores t e n h a m acesso ao seu d o m í n i o de realidade e se interessem por sua visão
de m u n d o . N ã o deveri a ser a i n t e n ç ã o essencial de u m a obra m u d a r o d o m í n i o
c o g n i t i v o do o b s e r v a d o r ou da c o m u n i d a d e , m e s m o q u e isto possa ocorrer na
m e d i d a em que, no contexto de sua estrutura ou entorno, i n c o r p o r e u m a n o v a
i n f o r m a ç ã o q u e passe a ser considerada pertinente por esses sistemas cognitivos.

P o r é m , se u m a obra c o n s e g u e q u e um f u n d a m e n t o, até então inaceitáve l


para u m o b s e r v a d o r o u u m a c o m u n i d a d e d e observadores, s e transforme e m u m
n o v o d o m í n i o c o n s e n s u a l e , portanto, e m u m n o v o d o m í n i o d e c o n h e c i m e n t o ,
então ela logrou n ã o só um ato de c r i a ç ã o , mas de e x p a n s ã o da v i s ã o do m u n d o
dessa c o m u n i d a d e .

C o n s e g u i r transformar a destruição p ú b l i c a de um v i o l i n o ' 7 n u m a a ç ã o


artística aceita, a posteriori, pela c o m u n i d a d e cultural supôs, para N a m J u n e
Paik, um ato notável, pois f a v o r e c e u a reflexão e o debat e (diálogo) no seio
dessa mesma c o m u n i d a d e sobre o sentido da arte e, especificamente, da música.
O q u e n ã o quer dizer q u e o c a m i n h o tenha sido sempre o do diálogo . P e l o
contrário, q u a l q u e r proposta q u e possa significar u m a a m e a ç a para a existência
de um d o m í n i o c o g n i t i v o consensual - c o m o o da m ú s i c a clássica - p r o v o c a

16 Entre outras, a teoria do "leitor-modelo" de Umberto Eco, que pretende o desenvolvimento de uma
estratégia c o m o objetivo de produzir um possível tipo de leitor ideal.

" A ç ã o de N a m J u ne Paik, Neo-Dada in der Musik, no espaço Düsseldorfer Kammerspiele, Düsseldorf,


em 16 de junho de 1962.

Estética Digital - 71
fortes reações emocionais adversas na comunidade. A performance Neo-Dada
in der Musik- a destruição do violino - foi uma dessas ameaças. Em verdade, se
olharmos rapidamente as manifestações artísticas do século XX, encontraremos
inumeráveis exemplos deliberadamente polêmicos, que conseguiram expandir o
domínio do conhecimento na medida em que induziram a instituição "arte" a se
autoquestionar.

D e v e m o s buscar o sentido das artes e de suas estéticas nas funções que


estas desempenham no interior de cada uma das comunidades humanas, e na
sua c a p a c i d a d e de, por meio de uma linguagem própria (forma, estrutura etc.),
estabelecer diálogos (emocionai s e conceituais) c o m o observador ou a comu-
nidade de observadores, já que, pelo processo comunicativo, as obras podem
passar a fazer parte do domínio cognitivo.

A imposição estética: entre a sedução e a canonização

Analisamos, por um lado, a c o m u n i c a ç ã o c o m o um dispositivo funda-


mental da dinâmica constitutiva dos sistemas sociais e, por outro, o papel essencial
que desempenha m as relações entre sistemas e contextos e a importância dos
meios na geração do processo de c o m u n i c a ç ã o . T a m b é m constatamos que a
cultura não pode ser uma adaptação homogênea de uma realidade indepen-
dente, pois ela oferece modelos de realidades baseados no consenso dos indiví-
duos da sociedade na qual ela é gerada. Neste sentido, a arte é entendida c o m o
um domínio no sistema de comunicação de nosso meio social baseado na consen-
sualidade. Isto nos leva a refletir sobre a maneira c o m o estão se constituindo,
hoje, os domínios de consensualidade.

N ã o é novo afirmar que os sistemas sociais são sistemas conservadores.


T a m p o u c o que os sistemas conservadores são propensos a perpetuar os pre-
ceitos, organizações e dimensões nos quais se baseiam. U m a nova regra ou
idéia, um novo membro, d e v e concordar c o m os princípios consensuais de uma
c o m u n i d a d e para que possa, assim, fazer parte de seu sistema. Porém, ao longo
de todo o século X X , a atitude dos artistas e suas propostas não costumaram
seguir o c a m i n h o da adaptação e, muitas vezes, optaram por travar polêmicas
c o m o próprio sistema. A controvérsia pode ter o valor positivo de gerar mudança,
já que, pela própria constituição conservadora dos sistemas sociais, essas trans-
formações não podem suceder c o m o resultado de uma operação "normal " dentro
de um sistema social. Postulamos a existência de quatro possíveis resultados das
atitudes ou idéias que provocam polêmica: o membro de um sistema social que
provoca uma polêmica que não é considerada adequada para o sistema, aban-
dona a c o m u n i d a d e , é ignorado, afastado ou expulso, ou, p e l o contrário ,
seu c o m p o r t a m e n t o é adotado pelo sistema e ele se converte num inovador. 1 8
O mesmo seria válido para uma obra de arte em relação ao seu contexto. Se o
novo estilo ou tendência fosse adotado somente por parte dos membros, o sistema

18 Cf. Maturana, op. cit., p.73.

72 - CLAUDIA GIANNETTI
s o c i a l se d i v i d i r i a em sistemas sociais n o v o s ou se desintegraria, ou as f r a ç õ e s
lutariam entre si para i m p o r seu sistema. D i t o isto, c a b e ressaltar q u e existe m
d u a s v i a s p r i n c i p a i s para a l c a n ç a r a i n t e g r a ç ã o d e o b r a s d e arte o u artistas
no sistema: a s e d u ç ã o (via d i a l ó g i c a ) ou a c a n o n i z a ç ã o (via do c o n t r o l e e
da coação).

As operações que se dão no cérebro são influenciadas e, inclusive, coman-


dadas p e l o sistema l í m b i c o , isto é, por c o m p o n e n t e s e m o c i o n a i s e intencionais,
por m e i o dos quais o c é r e b r o a v a l i a e orienta suas próprias o p e r a ç õ e s . Isto signi-
fica que, em todas as reflexões sobre a c o g n i ç ã o q ue efetuemos, d e v e m o s ter
sempre presente a natureza desse processo, c o m a n d a d o e e q u i l i b r a d o e m o c i o -
nalmente. 1 9 A d i n â m i c a e m o c i o n a l , q u e permite estabelecer o tipo de d i á l o g o
inovador, passa através da sedução. Sua i m p o r t â n c i a nos sistemas sociais e,
e s p e c i a l m e n t e , na arte, seria tema para outro ensaio; aqui, limitaremo-nos a
essa b r e v e referência. 2 0 D e v e m o s destacar, apenas, qu e sua estratégia d i a l ó g i c a
é e v i d e n t e m e n t e oposta à perversão, à c o r r u p ç ã o , ao e n g a n o ou a q u a l q u e r
a ç ã o q u e i m p l i q u e utilizar subterfúgios e m a l í c i a s para a l c a n ç a r seus fins.

À sedução dialógica se o p õ e a via das estratégias de domínio, coação e


imposição. H a v í a m o s m e n c i o n a d o o fato de que, na atualidade, os m e i os de
c o m u n i c a ç ã o de massa e m p e n h a m - s e em intensificar o c o n t r o l e do fluxo da
informação, transformando a c o m u n i c a ç ã o em uma forma discursiva puramente
p i r a m i d a l . Assim, os temores de Flusser p a r e c e m se confirma r c a d a dia mais.
V e m o s acontecer algo semelhante no c a m p o da arte - um subsistema da cultura -,
e n t e n d i d a h o j e c o m o um sistema f u n c i o n a l baseado no i n t e r c â m b i o de merca-
doria (indústria cultural). Os interesses p o l í t i c o - e c o n ô m i c o s associados c o m os
meios d e c o m u n i c a ç ã o d e massa p r e t e n d e m manter dentro d e seu raio d e a ç ã o
- no interior de seu sistema - toda e q u a l q u e r g e r a ç ã o de i n f o r m a ç ã o , i n c l u s i v e
aquelas q ue pudessem ser consideradas "inovadoras " para o sistema. No moment o
e m q u e u m a parte limitada d a c o m u n i d a d e d o m i n a g r a n d e parte dos m e i os d e
i n f o r m a ç ã o d a c o m u n i d a d e e m geral, s e e s t a b e l e c e a p o s s i b i l i d a d e d e impo-
s i ç ã o ou m a n i p u l a ç ã o do discurso. N ã o há mais lugar para a s e d u ç ã o n e m para
o diálogo. As estratégias de poder dos sistemas sociais conservadores e dos meio s
por eles d o m i n a d o s se v a l e m de táticas discursivas de c o n t r o l e para garantir a
p r e s e r v a ç ã o dos c o n s e n s o s no sistema.

N ã o se d e v e m e n o s p r e z ar o papel q u e os meios de t e l e c o m u n i c a ç ã o
d e s e m p e n h a m h o j e na sustentação desse c o m p o r t a m e n t o . Os setores q u e inte-
gram esses m e i o s - a imprensa, o rádio, a televisão e as redes telemática s - são
determinantes do próprio m e i o e parte integrante da rede (de c o m u n i c a ç ã o ) .
D e v e m sua e f e t i v i d a d e ao fato de d e s e n v o l v e r um tipo de i n f o r m a ç ã o e s p e c í f i c o
para esses meios, q u e lhes permite assegurar a c o n t i n u i d a d e de u m a forma esta-
b e l e c i d a de " c o m u n i c a ç ã o " baseada na tática discursiva do c o n t r o l e da infor-
m a ç ã o . De fato, trata-se aqui de r e c o n h e c e r (e explorar) o próprio p o d e r de

:5 Cf. Siegfried Schmidt, Luc Ciompi, Erhard Oeser e Franz Seitenberg.


20 J e a n Baudrillard dedicou a esse assunto todo um livro: Da sedução. Campinas: Papirus, 1 991.

Estética Digital - 73
f u n c i o n a m e n t o d a rede c o m o u m sistema a u t o p o i é t i c o d e g e r a ç ã o d e c o m u n i -
c a ç ã o por m e i o d a c o m u n i c a ç ã o . M a s , q u e m d o m i n a esses meios?

M a n u e l Castells, em sua ampla análise da relação entre os meios de comu-


n i c a ç ã o e a p o l í t i c a , identifica o d o m í n i o dos m e i o s nas s o c i e d a d e s d e m o c r á -
ticas por grupos empresariais c a d a v e z mais c o n c e n t r a d o s e interconectados à
escala global ( c o m o as c o r p o r a ç õ e s às quais se refere Flusser). 21 Esses grupos
p r i v a d o s m a r c a m as pautas da imprensa, da televisão, do rádio e, mais recente-
mente, da Internet, de f o r m a q u e os m e i o s p ú b l i c o s se v ê e m o b r i g a d o s a apro-
x i m a r sua c o n d u t a à dos grupos de meios de c o m u n i c a ç ã o privado s para sobre-
v i v e r à c o m p e t i ç ã o global, uma v e z q u e d e p e n d e m i g u a l m e n te dos índices de
a u d i ê n c i a e de suas correspondentes fontes de lucro por m e i o da p u b l i c i d a d e ,
q u e , por sua vez, segue os bons resultados de audiência. Os interesses c o m e r c i a i s
m a r c a m as pautas do tipo de i n f o r m a ç ã o (conteúdo) e da forma c o m o é transmi-
tida essa i n f o r m a ç ã o . Os laços de i n t e r d e p e n d ê n c ia são reforçados pel o fato de
q u e " o m u n d o dos meios d e c o m u n i c a ç ã o está s u b m e t i d o a u m a c o m p e t ê n c i a
constante, m e s m o q u a n d o seja u m a c o m p e t ê n c i a o l i g o p ó l i c a . S e u m a c a d e i a d e
t e l e v i s ã o ou um jorna l p e r d e c r e d i b i l i d a d e , a c o m p e t ê n c i a retirará d e l e sua cota
de a u d i ê n c i a ( m e r c a d o ) " . 2 2 Os meio s apresentam-se c o m o neutros e distantes
para manter o seu grau de c r e d i b i l i d a d e frente ao p ú b l i c o .

Além disso, num mundo cada vez mais saturado de informação, as mensagens
mais efetivas são as mais simples e as mais ambivalentes, as que deixam lugar
para as projeções das pessoas. As imagens são as que melhor se adequam a esta
característica. Os meios audiovisuais são os principais alimentadores das mentes
das pessoas no que diz respeito aos assuntos públicos.23

Os fluxos de informação são a base da f o r m a ç ã o da o p i n i ã o pública e,


conseqüentemente, o v e í c u l o principal dos meios para participar na sua confor-
m a ç ã o . A participação a c o n t e c e a partir da seleção e da filtragem da informação,
assim c o m o do m o d o em q ue ela se apresenta nos meios, c u j o objetivo final é
f a v o r e c e r d e t e r m i n a d a s posturas ou pontos de vistas. Desta maneira , o c o n t r o le
se torna invisível, o que c o n d u z às contra-filtrações, por meio das quais os meios se
convertem n u m c a m p o de batalha entre grupos de poder na luta para debilitar-se
m u t u a m e n t e e controlar a opiniã o pública. A presença ativa nos meios, seja de
idéias e projetos políticos, seja de postulados e c o n ô m i c o s , sociais ou culturais,
torna-se imprescindível para sua a c e i t a ç ão e integração no consenso público.

No caso da arte, o processo de conservação e controle se dá por intermédio


de programas de legitimação, c o m o ocorre no contexto do sistema cultural. Essas
estratégias estão constituídas por princípios, normas ou c o n c e i t o s estabelecidos

21 V e r M a n u e l Castells. La era de Ia información. Economia, sociedad y cultura. El poder de Ia identida:


vol. 2. Madri: Alianza Editorial, 1998, p.345-391. Ver a trilogia: A era da informação: economia, soc/edace
e cultura. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 1999.
22 Ibidem, p.347-348.
23 Ibidem, p.346.

74 - CLAUDIA GIANNETTI
pela c o m u n i d a d e interessada, q u e são e l e m e n t o s essenciais na c o o r d e n a ç ã o
dos sistemas c o g n i t i v o s e de c o m u n i c a ç ã o .

As táticas de l e g i t i m a ç ã o aspiram, sobretudo, à e f e t i v i d a d e e à funciona-


lidade em r e l a ç ã o ao seu sistema ou subsistema. A f u n ç ã o dos meio s e n v o l v i d o s
nesse processo - q u e p o d e m ser tanto os da c o m u n i c a ç ã o c o m o outros meios, tais
c o m o galerias, museus, salas de e x p o s i ç ã o , grupos de críticos de arte, c o l e ç õ e s
privadas etc. - consiste em propagar seu programa e seus respectivos e l e m e n t o s
de l e g i t i m a ç ã o c o m o " ú n i c o " programa legítimo, e ignorar, prescindir, desarti-
cular o u e l i m i n a r q u a l q u e r p r o p o s i ç ã o p o t e n c i a l q u e possa interferir, u m a v e z
q u e seu programa só p o d e se i m p o r e destacar na m e d i d a em q u e é c o n h e c i d o
e c o m p a r t i l h a d o (aceito c o m o legítimo em seu próprio d o m í n i o ) por u m a quan-
t i d a d e importante de pessoas desse sistema social, por sua v e z i n f l u e n c i a d o
pelo próprio sistema de p o d e r m i d i á t i c o q u e o legitima. Os motivo s q u e figuram
na base de c a d a estratégia de l e g i t i m a ç ã o p o d e m ser os mais diversos: políticos,
e c o n ô m i c o s , mercantilistas, ideológicos, sociais, religiosos, entre outros.

N ã o nos c a b e a q u i a tarefa de especificar esses e l e m e n t o s constitutivos,


u m a tarefa por si só impossível, considerando-se q u e c a d a sistema social desen-
v o l v e seu p r o g r a m a e s p e c í f i c o e q u a l q u e r t e n t a t i v a d e g e n e r a l i z a ç ã o está
c o n d e n a d a à i m p r e c i s ã o ou à arbitrariedade. P o r é m , a c r e d i t a m o s q u e p o d e ser
interessante discorrer sobre um f e n ô m e n o bastante difundido na cultura ocidental
e no contexto da arte, q u e se repete, c o m diferentes matizes, em vários sistemas
sociais: o processo de c a n o n i z a ç ã o . É importante destacar o papel preponde-
rante q u e esse processo p o d e desempenha r nos programas de legitimação da arte
e, em geral, dos subsistemas da cultura. Para definir esse processo nos b a s e a m o s
nas análises propostas por Siegfried J. S c h m i d t sobre a literatura, q u e p o d e m ser
f a c i l m e n t e a d a p t a d a s ao â m b i t o artístico (plásticas, eletrônicas etc.). 24

No contexto da arte, se e n t e n d e por c a n o n i z a ç ã o um tipo de processo


social q u e outorga a u m a obra (ou a um c o n j u n t o de obras de arte), ou a um
artista, u m a p o s i ç ã o destacada na escala de valores, q u e lhe permite se tornar
parte do saber cultural c o l e t i v o . Essa escala de valores não se refere exclusiva-
mente a valores estéticos, mas inclui, também, os valores sociais, políticos, econô-
micos de um sistema social. A c a n o n i z a ç ã o é, p r i n c i p a l m e n t e, um processo de
d i f e r e n c i a ç ã o , q u e permite a e l e i ç ã o de obra(s), artista(s), estilo(s), tendência(s),
moda(s) etc. Conseqüentemente, o f e n ô m e n o de c a n o n i z a ç ão implica um processo
p a r a l e l o de e s q u e c i m e n t o e segregação de outra(s) obra(s), outro(s) artista(s),
outro(s) estilo(s)... Esse processo se realiza em c o n s o n â n c i a c o m os meios afins
(galerias, museus, crítica, c o l e ç õ e s , entre outros) e os sistemas de c o m u n i c a ç ã o
determinantes q u e o p e r a m nesse sistema social, s e g u n d o os interesses q u e esses
d e f e n d e m e q u e são inerentes à d i f e r e n c i a ç ã o e à c a n o n i z a ç ã o .

As decisõe s seguem u m a série de pautas - mais f u n c i o n a i s q u e estéticas


- e l e v a m em conta, entre outros fatores, sua r e l a ç ã o c o m o sistema e d u c a t i v o ,
sua f u n ç ã o n a c o n s t i t u i ç ã o d e u m a i d e n t i d a d e n a c i o n a l , sua p e r s p e c t i v a d e

24 Cf. Siegfried J. Schmidt. Die Welten derMedien. Braunschweig/Wiesbaden: V i e w e g , 1996, p.79-94.

Estética Digital - 75
valor no mercado e a necessidade de legitimação das coleções (de museus ou
privadas). Com razão, Regis Debray aponta que "não há contradição entre um súbito
aumento dos preços na Sotheby e a multiplicação dos concílios, hagiografias e
encíclicas sobre o sentido último do quadrado branco sobre fundo branco". 2 5

Valor e tempo são duas categorias inseparáveis do processo de canoni-


zação. A "duração " é inerente à própria função do cânone: a canonização aspira
a um reconhecimento continuado ao longo do tempo, enquanto dure o interesse
em jogo. Para a coleção permanente de um museu, por exemplo, o modelo ideal é
o de atemporalidade: conseguir que seu valor seja inquestionável em qualquer época.

O objetivo último do processo de legitimação consiste em determinar os


conteúdos do discurso da história da arte, última escala no c a m i n h o até a cano-
nização. Assim, a história da arte moderna e contemporânea é a história da arte
centro-européia e norte-americana, ou dito de outra maneira, a arte dos países
política e e c o n o m i c a m e n t e dominantes no mundo; ou ainda, das sociedades ou
grupos que dominam os meios. C o m o enfatizava Debray, não devemos confundir
a mundializaçã o da cultura norte-americana, por exemplo, c o m a difusão de
uma cultura mundial.

H a v í a m o s nos referido antes às construções de nossas histórias c o m o


atividades sempre plurais e c o m o atos parciais. A partir das estratégias de poder,
o processo de seleção de dados de um contexto e das suas interpretações faz
parte e segue os programas de legitimação. Trata-se não só de "construir" a
história, de escrevê-la, mas de eleger os elementos que se tornarão parte da
memória (processo que eqüivale à seleção e filtragem da informação pelos meios).
O "fazer parte" da história representa a admissão irrefutável no mercado de arte
e a ascensão do prestígio, o que significa a ascensão do valor de mercado.

O discurso ontológico concedeu, de certa maneira, o poder de escrever


a história da arte à c o m u n i d a d e artística e à crítica, uma vez que sua perspectiva
essencialista permitia evitar os condicionantes contextuais em favor de uma
visão baseada no objeto de arte; em conseqüência, sua história foi sempre a
história das formas autônomas.

Todas essas reflexões são essenciais para entender o contexto no qual se


inscreve, atualmente, a media arte seu processo de aceitação nos meios - lento,
porém, contínuo - que v e m experimentando. A arte e suas instituições (como os
museus) funcionam c o m o espelhos da sociedade. Na etapa pós-industrial de
progressiva globalização, experimenta-se, no Ocidente, a dissolução da chamada
"alta cultura" numa cultura de consumo de massas. Da mesma forma, o museu
- entendido antes c o m o centro gerador de c o n h e c i m e n t o e experiências esté-
ticas - tende a transformar-se num foco de turismo cultural, integrado na explo-
siva indústria do ócio. O boom de construção e renovação de espaços para
museus d e d i c a d o s à arte contemporânea ou, especificamente, à media art,
q u e se produz a partir dos anos 1980 e, sobretudo, nos anos 90, só pode ser

2S Régis Debray. Vida y muerte de Ia imagen. História de la mirada en Occidente. Barcelona: Paidós,
1994, p.209.

76 - CLAUDIA GIANNETTI
e n t e n d i d o no contexto do próprio boom do turismo cultural i n t e r n a c i o n a l de
massas e da n o v a a p r e s e n t a ç ã o da arte nos meio s de c o m u n i c a ç ã o c o m o um
produto inserido no â m b i t o da indústria do e s p e t á c u l o e do entretenimento.
Alguns dos p r i n c i p a i s centros de media art, q u e d e v e m sua i m p o r t â n c i a , princi-
palmente, a suas instalações físicas, utilizam-se da grande atração q u e e x e r c e m
hoje as novas t e c n o l o g i a s - seja por m e i o de exposições e m b l e m á t i c a s ou de
grandes festivais c o m o tática para atrair o turismo cultural de massas, para incre-
mentar o n ú m e r o de visitantes e, servindo-se disso, legitimar sua existência.

Na atualidade, esses centros enfrentam um árduo problema ao pretender


manter uma linha c o n c e i t u a i coerente e atender à d e m a n d a de um p ú b l i c o q u e
busca, cada vez mais, o puro tecno-entretenimento e, ao mesmo tempo, satisfazer as
nstituições públicas ou privadas que financiam esses custosos espaços e sua progra-
mação. As instituições t e n d e m a avaliar o grau de importância ou obsolescência
desses centros só em f u n ç ã o de valores quantitativos de bilheteria. As estratégias
para tentar escapar a essa difícil controvérsia estão, no entanto, por consolidar-se.

U m a teoria estética sobre a media art c o m o a q u e p r o p o m o s aqui, q u e


não se baseia em conceitos de verdade, realidade, objetualidade, transcendência,
a u t o n o m i a e o r i g i n a l i d a d e (sobre os quais trataremos nos capítulos seguintes),
p r o v a v e l m e n t e terá d i f i c u l d a d e de ser aceita p e l o sistema e s t a b e l e c i d o de legi-
t i m a ç ã o e poder. Um dos motivos consiste no grau de instabilidade q u e p o d e
gerar no interior da s o c i e d a d e de c o n s u m o , o b c e c a d a pel o prestígio do objet o
e n ã o pelo o b j e t o m e s m o ) e seus v a l o r es s i m b ó l i c o - e c o n ô m i c o s (beleza, origi-
nalidade, preciosidade) , e apegada a certas n o ç õ e s estrategicamente articuladas
de r e a l i d a d e e v e r d a d e . P o r é m , de maneira a n á l o g a à p r o p o s i ç ã o q u e formula-
remos no p r ó x i m o c a p í t u l o sobre a arte, é urgente propor e a r g u m e n t a r um
r e p o s i c i o n a m e n t o da teoria estética a partir de u m a estética além da estética.

A arte além da arte: paradigmas estéticos da media art

T a l v e z agora nos e n c o n t r e m o s mais próximo s de u m a possível d e f i n i ç ã o


(ou redefinição) da arte em r e l a ç ã o à teoria da c o m u n i c a ç ã o v i n c u l a d a à teoria
sistêmica e ao construtivismo radical.

C o m o muitos pensadores e teóricos destacam, um dos traços mais mar-


cantes da arte, hoje, é o fato de não poder determinar c l a r a m e n t e os seus limites.
Em outras palavras, no m o m e n t o em q u e tudo p o d e ser arte, faltam critérios
gerais para sua d e f i n i ç ã o . M a r c e l D u c h a m p já havia d e i x a d o c l a r o q u e a arte é
c o l o c a r a arte em questão. Isto significa q u e a não-arte é t a m b é m u m a forma de
arte. Os objets trouvés e os ready-mades já t r a n s f o r m a v am os objetos, por um
processo de recontextualização , em objetos de arte. N ã o só o Pissoir, mas inclu-
sive os a p a r e l h o s de c o n s u m o de massa passam a fazer parte da esfera da arte:
César e x p õ e, em 1962, u m a telev.isão c o m o obra de arte.

A literatura experimenta um processo semelhante. Do silêncio de R i m b a u d


à página em b r a n c o de M a l l a r m é , se trata de questionar a f u n d o os d o g m a s da
escrita e tentar transmitir o i n e x p r i m í v e l . O t e ó r i c o f r a n c ê s C l a u d e M a u r i a c

Estética Digital - 77
inventou, nos anos 1950, o termo a-literatura para englobar todos os tipos de
manifestações literárias de vanguarda que tentam se libertar dos moldes da esté-
tica tradicional. A idéia de a-literatura poderia ser aplicada, também, a outros
campos, c o m o a-música, a-pintura, a-cinema...
Os exemplos de "a-arte" são diversos. A partir dos anos 1940, J o h n
C a g e c o m e ç a a experimentar c o m os c h a m a d o s pianos preparados. Para ele,
trata-se de a m p l i a r o potencia l da s o n o r i d a d e do instrumento, a m p l i a r as
possibilidades da c o m u n i c a ç ã o acústica. Preparar o instrumento representa
integrar uma série de materiais entre as cordas, dentro do piano, conseguindo
obter, assim, novos sons. O passo seguinte consiste em incluir na música os
sons dos meios. Cage c o m e ç a a utilizar rádios em seus concertos, criando
uma inter-relação entre distintas linguagens provenientes de diferentes meios
de c o m u n i c a ç ã o . T u d o isto c u l m i n a numa obra titulada por C a g e de 4'33",
interpretada pela primeira vez no Festival de W o o d s t o c k , em N o v a York, 1 952.
4'33" consiste numa peça sem sons próprios, na qual o intérprete d e v e estar
quatro minutos e trinta e três segundos diante do piano c o m a tampa fechada.
Essa obra significa o desaparecimento da própria música c o m o c o m p o s i ç ã o
predeterminada pelo autor em favor dos sons indeterminados e potenciais do
entorno: um exemplo de "a-música".

Da mesma forma, o primeiro filme de N a m J u n e Paik - que dura uma


hora - não tem imagens. Em 1965, Paik realiza sua incursão inaugural no cinema
experimental c o m a obra Zen for Film. Lembramos que em sua exposição reali-
zada em W u p p e r t a l , Exposition of Music - Eletronic Television, ele utiliza tele-
visores manipulados no dispositivo de recepção, propondo, assim, trabalhar c o m
o ruído, a interferência. À medida em que interfere na trajetória dos elétrons, o
artista destrói a própria i m a g e m televisiva. Em Zen for Film, é a não-interfe-
rência, a falta de imagens, o próprio ato da obra: o único que há para ver durante
a projeção são as partículas de pó que estão diante da lente do projetor e na
película de celulóide transparente.

Experiências semelhantes são propostas por outros artistas, c o m o Claes


Oldenburg, que no mesmo ano de 1965 apresenta o happening Moviehouse,
uma seção de cinema sem filme; ou Peter W e i b e l , que, em 1966, mostra um
"filme sem filme" que se limita ao simples foco de luz do projetor.

Da mesma forma, Robert Rauschenberg, em 1952, cria suas White Paintings


(quadros sem pintura), que são formadas por superfícies sobre as quais o pó se
a c u m u l a e nas quais as sombras das pessoas podem se projetar. Em 1958, Yves
Klein realiza sua exposição Le Vide na Galeria Iris Clert, de Paris: uma mostra
sem obras, sem objetos, na qual o espaço vazio assume a função de obra.

Já não são estritamente válidos nem os juízos de valor de beleza, nem os


atributos qualitativos, nem os conceitos tradicionais das teorias estéticas. Quan-
do Piero M a n z o n i assina um corpo humano e o declara c o m o Living Sculpture
(1961) - "This is to certify that (...) has been signed by my hand and is therefore,
from this date on, to be considered an authentic and true w o r k of art." ("Isto
certifica que (...) foi assinada por minha mão e, portanto, a partir desta data deve
ser considerada uma autêntica e verdadeira obra de arte.") - além de incidir,

78 - CLAUDIA GIANNETTI
c o m o muitos artistas na é p o c a , na e q u a ç ã o arte=vida, estende a d e n o m i n a ç ã o
" a r t e " à t o t a l i d a de dos seres h u m a n o s , e transforma o c o r p o em ferramenta e
suporte para a arte. A partir dessas e outras experiências, toda e q u a l q u e r tenta-
tiva de estabelecer n o v o s limites ou e s p e c i f i c a ç õ e s para a arte se torna i n e f i c az
e supérflua.

Do m e s m o m o d o , desde a P o p Art se dissipam as fronteiras entre a "alta


c u l t u r a " e a " c u l t u r a p o p u l a r " , entre a arte " a c a d ê m i c a " e a arte " t r i v i a l " . Na era
da progressiva intromissão dos meios de c o m u n i c a ç ã o de massas em todos os
âmbitos sociais, a arte passa a ser, t a m b é m , uma parte da cultura da mídia.

O m e l h o r e x e m p l o dessa t e n d ê n c i a é o inegável processo de estetização


dos próprios meios, sobretudo os audiovisuais, patente na simbios e entre arte e
p u b l i c i d a d e . N ã o é mera c o i n c i d ê n c i a que, d u r a n t e t o d o o s é c u l o X X , os teó-
ricos da arte estivessem obstinados em p r o c l a m a r a " c r i se da arte", o q u e aponta
para u m a crise dos c o n c e i t o s . A c o n h e c i d a a f i r m a ç ã o do artista J o s e p h Kosuth
apóia esta idéia: " T h a t it is art is true a priori." ( " Q u e isso seja arte é v e r d a d e i r o ,
a priori." 1969). Em outras palavras, a arte seria uma definição de arte e, portanto,
uma tautologia.

P r i n c i p a l m e n t e a partir da d é c a d a de 1 960, o e m p e n h o da teoria estética


concentra-se em a m p l i a r a d e f i n i ç ã o da arte além da arte. O f o c o de interesse já
não é a a u t o n o m i a da obra de arte, tão debatida na etapa m o d e r n a (um fato já
assimilado pela arte c o n t e m p o r â n e a ) , mas a e m a n c i p a ç ã o da arte da própria
arte. Isto significa superar a t e n d ê n c i a c o m u m da m o d e r n i d a d e de tratar os argu-
mentos de um discurso no interior do próprio discurso. 2 6 A c o n s c i ê n c i a da crise
da teoria estética ( " m o r t e da arte", " m o r t e do autor") se produz no m o m e n t o em
q u e se r e c o n h e c e q u e a r e d u ç ã o de seu discurso e a l i m i t a ç ã o de sua reflexão
são frutos de sua obsessão pelo objeto de arte.

E importante recordar q u e esse processo não é v i v i d o e x c l u s i v a m e n t e no


âmbito da arte ou da cultura, mas q u e é e x p e r i m e n t a d o em diferentes c a m p o s .
Na c i ê n c i a , por e x e m p l o , depois da r e v o l u ç ã o c o n c e i t u a i da relatividade, o
T e o r e m a da Incompletude de Kurt G õ d e l desarticula o dogma em torno da indes-
trutível c o e r ê n c i a da lógica m a t e m á t i ca ( P r i n c i p i a Mathematica), na m e d i d a em
q u e revela q u e n e n h u m sistema a x i o m á t i c o p o d e produzir todas as v e r d a d e s
relativas à teoria dos números, exceto se for um sistema incoerente. Visto de
outra m a n e i r a, G õ d e l liberta a m a t e m á t i c a da própria f i n a l i d a d e m a t e m á t i c a : a
demonstrabilidade. (O paradoxo é que a teoria de G õ d e l é indemonstrável, porém
verdadeira.) C o m o já apontava Thomas S. Kuhn, em 1969, as revoluções implicam,
entre outras coisas, o a b a n d o n o das g e n e r a l i z a ç õ es c u j a força se centrava, até
então, nas tautologias.

N ã o é por a c a s o que, em princípio s dos anos 1960, K u h n c o l o c a em


crise o e s t a b e l e c i d o m o d e l o de progresso linear das c i ê n c i a s ao indicar q u e seu
d e s e n v o l v i m e n t o n ã o segue u m a estrutura a c u m u l a t i v a , mas q u e se dá pelas
r e v o l u ç õ e s q u e i m p l i c a m u m a m u d a n ç a d e paradigma .

- b Cf. c o m a teoria da legitimação do saber de Lyotard, op. cit.

Estética Digital - 79
Tampouco é por acaso que Kuhn questione a eficácia dos modelos lineares
praticamente na mesma época em que a teoria de sistemas dinâmicos (matemá-
ticas da complexidade) c o m e ç a a tratar os fenômenos não-lineares, e que a
teoria da história entre em sua etapa pós-histórica.

Todas essas mudanças de paradigmas encontram similares no mundo da


cultura. A arte no século XX está igualmente empenhada em demonstrar que
não há, e não pode haver, progresso em arte, não pode haver coerência estilís-
tica gradual e lógica - c o m o pretenderam alguns historiadores -, e muito menos
uma continuidade evolutiva. A estratégia de definir a arte além da arte significa,
em efeito, negar qualquer possibilidade de conceber uma nova compreensão
da arte c o m base em conhecimentos acumulativos e historicamente lineares,
assentados na tradição formal e estética. Significa reivindicar uma reconstrução
do c a m p o a partir de novos fundamentos, que c o l o c a m em crise algumas de
suas generalizações teóricas básicas e muitos de seus métodos.
Recapitulando, alguns desses fundamentos p o d e m ser resumidos nas
seguintes idéias: as explicações da arte são constitutivamente não reducionistas
e não transcendentais; a função da arte é a dilatação de nossa(s) realidade(s),
conhecimentos e experiências; esse processo pode se realizar de forma dialógica
ou consensual (sedução) ou por meio da canonização (controle ou coação).
Passamos, a seguir, a examinar outras mudanças de paradigmas que acompa-
nham especificamente a media art.

Plurimedialidade e interdisciplinaridade
(sobre a arte da instalação audiovisual)

No s é c u l o XX geram-se novos métodos e formas de expressão, entre


os quais se destacam as propostas artísticas relacionadas c o m a c r i a ç ã o de
environments 27 ou instalações. Em linhas gerais, as instalações podem se carac-
terizar pelas seguintes particularidades: a prática interdisciplinar e híbrida con-
gênita; a ruptura c o m a forma fechada do objeto; a ênfase nas idéias de site-
specificity e de intervenção; a investigação da relação entre contexto (espaço,
arquitetura, ambiente, entorno etc.), tempo (duração) e partes componentes
da obra; a multiplicidade e inter-relação de elementos ou materiais (idéia de
expanded collage ou expanded assemblage); a preocupação pelo papel que
desempenha o receptor; o protagonismo da noção de processo (em contraposição
à de obra única, permanente e acabada); a compreensão da obra c o m o espaço
social, público; e a potenciação do caráter plurissensorial das obras.

Algumas dessas características estão presentes em propostas precursoras


c o m o as de Kurt Schwitters e seu Merzbaur28 a exposição International Exhibition
of Surrealism, organizada em 1938 em Paris por Duchamp; 2 9 a primeira exibição

27 Termo utilizado, principalmente, a partir dos anos 1960.


28 O Merzbauera uma "construção labiríntica", iniciada por Schwitters em 1920 com elementos internos,
e ampliada, entre 1925 e 1935, a um contexto arquitetônico.
29 Marcel Duchamp apresentou uma montagem cenográfica que incluía seu environment 100 Bags of Coal.

80 - CLAUDIA GIANNETTI
de Ambiente Spaziale, de Lúcio Fontana, na Galleria Del Naviglio, 1948; o
environment c i n é t i c o Homage to New York, de J e a n T i n g u e l y , apresentado nos
jardins do M u s e u of M o d e r n Art de N o v a York, em 1960, e muitas outras. S ã o
obras q u e t e n t a m superar, de certa forma, os limites do objet o ( c o m o a autodes-
truição do environmentem Homage to New York), na medida em q u e investigam
a integração e e x p a n s ã o da obra no e s p a ç o ( c o m o na Exhibition of Surrealism)
ou transformam o próprio e s p a ç o em obra ( c o m o no Merzbau).

D e p o i s da m e t a d e da d é c a d a de 1950, os artistas se e m p e n h a m em trans-


gredir as fronteiras dos gêneros e das artes, inter-relacionando os mais diversos
c a m p o s - música, teatro (ação, happening, performance), dança, c i n e m a (audio-
visuais), artes plásticas, entre outros - e e m p r e g a n d o meios insólitos, sejam eles
"naturais" (água, fogo, ar e luz), c o m o m e c â n i c o s , t e c n o l ó g i c o s e eletrônico s
radar, laser, televisores, câmeras). Minutiae, uma apresentação no Black
M o n t a i n C o l l e g e , e m 1955, c o m objetos d e Robert R a u s c h e n b e r g , d a n ç a d e
M e r c e C u n n i n g h a m e m ú s i c a de J o h n C a g e , é um m o d e l o p a r a d i g m á t i c o e
precursor dessa proposta de hibridismo.

O e s p a ç o p r o j e t a do por Le Corbusier e Edgar Varèse, para o P a b e l l ó n da


Philips R a d i o C o r p o r a t i o n , construído para a Exposiçã o U n i v e r s a l de 1958, em
Bruxelas, é um e x e m p l o pioneiro da interdisciplinaridade e das idéias de c r i a ç ã o
específica de um environment r e l a c i o n a d o c o m o contexto arquitetônico. A idéia
central era trabalhar os c o n c e i t o s de e s p a ç o e t e m p o por m e i o da arquitetura e
da música. Concordaram, antecipadamente, em não saber a b s o l u t a m e n t e
nada sobre o q u e c a d a um faria. O r e s u l t a d o foi s u r p r e e n d e n t e : Le C o r b u s i e r
e l a b o r o u u m p a v i l h ã o n o q u a l c e n t e n a s d e p r o j e t o r e s d e slides e m i l h a r e s
de luzes, c r i a v a m um a m b i e n t e instável e efêmero , e n q u a n t o soava o Poème
Electronique de V a r è s e , em mais de 4 0 0 alto-falantes. A proposta p o d e ser
c o n s i d e r a d a c o m o u m dos precursores d a instalação a u d i o v i s u a l .

A partir dos anos 1960, o afã associacionista se d e s e n v o l v e de m a n e i r a


extraordinária. P o r um lado está a v o n t a d e de trabalhar no a n o n i m a t o (questio-
nando o s i g n i f i c a d o da " a s s i n a t u r a " do artista) e, por outro, a idéia de interme-
d i a l i d a d e e de reunir diferentes e s p e c i a l i d a d e s n u m t r a b a l h o c o m u m . ZERO,
um grupo c r i a d o em 1958, em Dusseldorf, por O t t o P i e n e e H e i n z M a c k (a eles
se junta G ü n t h e r U e c k e r posteriormente), testemunha a v o n t a d e de marcar novos
inícios - o ponto de partida "zero" - para a arte, estabelecendo relações mais intensas
entr.e a obra, o e s p e c t a d or e o m e i o a partir da utilização das n o v a s técnicas.

O u t r o s grupos q u e se f o r m a r a m nesses anos foram o CRAV (Croupe de


Recherche d'Art Visuel), c r i a d o em Paris, em 1960, por J u l i o Le Pare, H o r a c i o
Garcia-Rossi, F r a n ç o i s M o r e l l e t e Y v a r a l , q u e instigava a p a r t i c i p a ç ã o ativa do
espectador; USCO (US Company, N o v a York), em 1962, no qua l artistas, enge-
nheiros, poetas e cineastas investigava m a inter-relação entre c i n e m a , música,
iluminação, audiovisual, artes plásticas etc.; E.A.T. (Experiments in Art and
Technology), c r i a d o em 1966, no M I T Center for A d v a n c e d V i s u a l Studies, por
Robert R a u s c h e n b e r g e o e n g e n h e i r o B i l l y Klüver, c o m a c o l a b o r a ç ã o de Fred
W a l d h a u e r e Robert W h i t m a n , o r g a n i z a ç ã o q u e pretendia potencializar a relação
entre as tecnologias, a indústria e a arte. Em geral, os trabalhos desses grupos
a p o n t a v a m , sobretudo, para a idéia de processo, para o uso das t e c n o l o g i a s na

Estética Digital - 81
p r o d u ç ã o das obras e para o d e s e n v o l v i m e n t o de formatos e x p a n d i d o s , q u e se
a p r o x i m a v a m da instalação e do environment.

O e m p r e g o das tecnologia s a u d i o v i s u a i s e de t e l e c o m u n i c a ç ã o c o m o
meios para a arte permite dar um passo além. A r e i v i n d i c a ç ã o da televisão c o m o
m e i o artístico a c o n t e c e muito c e d o , já em 1952, no M a n i f e s t o do Movimento
Spaziale per Ia Televisione, escrito p e l o artista a r g e n t i n o L ú c i o F o n t a n a e assi-
n a d o por outros 17 artistas. N e s s e manifesto, Fontana e x p õ e as possibilidades
do rádio e da t e l e v i s ã o c o m o n o v a s fontes de c r i a ç ã o artística. S u a proposta era
radical e, sem d ú v i d a , i n o v a d o r a para a é p o c a .

A televisão é o meio que esperávamos como complemento de nossos conceitos.


(...) Certamente a arte é eterna, porém esteve sempre unida à matéria. Nós,
entretanto, queremos libertá-ia e que, através do espaço, possa durar um milênio,
ainda que em uma transmissão de um minuto. (...) Nós, os espacialistas, nos
sentimos como artistas de hoje, uma vez que as conquistas da técnica já estão a
serviço da arte que praticamos.30

A partir de m e a d o s dos anos 1960, c o m a c o m e r c i a l i z a ç ã o das primeiras


c â m e r a s portáteis de v í d e o , c o m e ç a a desenvolver-se a videoarte. N a m J u n e
Pai k d i v u l g a seu p r i m e i r o manifesto v i d e o g r á f i c o e m 1965. Paik resume, e m u m
panfleto, o q u e e l e c o n s i d e r a v a , na é p o c a , c o m o os quatro pilares f u n d a m e n t a i s
da arte baseada no Eletronic Video:

1. É uma necessidade histórica - se existe uma necessidade histórica na história


- que, à passada década da música eletrônica, sobrevenha uma nova década da
televisão eletrônica.

2. Variabilidade e indeterminismo são tão subdesenvolvidos nas artes visuais


como o parâmetro sexo na música.

3. Assim como a técnica da colagem substituiu a pintura a óleo, os tubos de raios


catódicos substituirão o quadro.
4. Um dia os artistas trabalharão com acumuladores, resistências e semicondutores,
assim como hoje em dia utilizam pincéis, violinos e lixo.31

P a i k ressalta q u e as novas t é c n i c a s a p l i c a d a s à arte i m p l i c a m propostas


c o n c e i t u a i s distintas, c o m o o i n d e t e r m i n i s m o . Para divergir do discurso narra-
t i v o do c i n e m a c o m e r c i a l e da l i n g u a g e m da c o m u n i c a ç ã o de massas da tele-
v i s ã o , Pai k e m p r e g a imagens proveniente s da m e s m a televisão, distorcendo-as,
destruindo-as e fragmentando-as. A c o l a g e m e a m o n t a g e m de imagens, a repe-
t i ç ã o obstinada de u m a m e s m a s e q ü ê n c i a , a destruição p e r m a n e n t e da informa-
ç ã o , a estrutura rítmica das seqüências , todos esses recursos tentam conferir um
caráter n ã o linear à obra.

30 Lúcio Fontana. Concetti Spaziali. Torino: G i u l i o Einaudi, 1970, p.140.


31 N a m J u n e Paik, reproduzido no catálogo da exposição " N a m J u n e Paik, W e r k e 1946-1976, Musik -
Fluxus - V i d e o " , 2 ed. Colônia : Kõlnischer Kunstverein, 1980, p.118.

82 - CLAUDIA GIANNETTI
As experiências iniciais c o m o v í d e o buscam estabelecer formas de inter-
r e l a ç ã o entre este e o c i n e m a experimental ou a performance. Essa intermediação
d e s e m p e n h a um p a p e l relevante na c o n f i g u r a ç ã o do repertório iconográfico, no
d e s e n v o l v i m e n t o de técnicas e processos de tratamento da imagem e sua expansão
no e s p a ç o . C o m o no c i n e m a underground e experimental, t a m b é m no v í d e o
pretende-se, nessa primeira etapa entre os anos 1960 e 70, u m a d e s c o n s t r u ç ã o
da estética " r e a l i s t a " da representação midiátic a da realidade.

A esses propósitos soma-se o d e s e n v o l v i m e n t o da n o ç ã o de e s p a ç o e de


entorno, assim c o m o o v í n c u l o entre espectador e a obra, q u e c u l m i n a m em
propostas próximas das instalações ou environments. C o m o e x e m p l o s desta-
cam-se as primeiras apresentações multimonitor de N a m J u n e Paik (TVClock, 1963;
Moon in the Oldest TV, 1 965), obras nas quais o artista trabalha e x p l i c i t a m e n t e
os c o n c e i t o s q u e até h o j e são u m a constante em g r a n d e parte desse tipo de
instalações: a n o ç ã o de t e m p o e a idéia de sugerir uma c o n t i n u i d a d e e s p a c i a l e
c o n c e i t u a i entre as múltiplas imagens distribuídas nos diversos monitores.

O u t r a s manifestações q u e d e s e n v o l v e m c o n c e i t o s s e m e l h a n t e s são as
c r i a ç õ e s do c i n e m a direto ( o n d e os i n d i v í d u o s interpretam seu próprio papel);
as p r o j e ç õ e s múltiplas sobre várias telas ou c ú p u l a s ( c o m o o Movie Drome de
Stan V a n d e r b e e k , em c u j o e s p a ç o os espectadores assistem deitados no chão) ;
environments q u e utilizam dispositivos de circuito f e c h a d o de televisão; e as
diferentes formas de expanded cinema (um formato p r o f u n d a m e n t e híbrido, q u e
pode incluir projeções, environments, performance, ações, participação do
público etc.). Em 1966, o filme Continuous Sound and Image Moments, de
T j e b b e v a n Tijen, dá o i m p u l s o inicial ao expanded cinema; a partir daí, suas
d i f e r e n t e s f o r m a s são d e s e n v o l v i d a s por artistas c o m o Peter W e i b e l , V a l i e
Export, Jeffrey S h a w o Stan V a n d e r b e e k . 3 2

MovieMovie, de T h e o Botschuijver , Jeffrey S h a w , T j e b b e v a n T i j e n y S e a n


W e l l e s l e y - M i l l e r , apresentada em 1967, é uma mostra da c o n c e p ç ã o de expanded
cinema c o m o f o r m a de c\r\e-ação-environment e um exemplo do papel que
d e s e m p e n h a m a p e r f o r m a n c e, o a u d i o v i s u a l, a música, o tratamento do ambi-
ente e a arte participativa no d e s e n v o l v i m e n t o da c o n c e p ç ã o do q u e se denomi-
nará, posteriormente, a instalação interativa. MovieMovie, uma espécie de multi-
media event, consistia n u m g l o b o de plástico de grandes dimensões , q u e abri-
gava no seu interior diversos performers; sua superfície externa servia de tela de
projeção de filmes abstratos e de luzes de cores; os espectadores p o d i a m parti-
cipar no environment, m u d a n d o as formas da arquitetura p n e u m á t i c a e, assim,
as p r o j e ç õ e s . Os m o v i m e n t o s dos performers i n f l u e n c i a v a m na g e r a ç ã o dos sons
da m u s i c a e l e t r ô n i c a e x e c u t a d a p a r a l e l a m e n t e e c o n e c t a d a , por sua v e z , c o m
efeitos de luz estroboscópica.

32 As contribuições pioneiras de M a r y E. Bute no c a m p o do que ela mesma d e n o m i n o u Seeing Sound


são especialmente relevantes. Em 1936, publicou o ensaio "Visual M u s i c , sychronized in Abstract
Films by Expanding C i n e m a " , trazendo, além de reflexões interessantes sobre o tema, dois termos
fundamentais: Visual Music e Expanded Cinema. A expressão expanded cinema foi utilizada posterior-
mente por Stan V a n Der Beek e, em 1965, por Jonas M e k a s para definir um novo tipo de cinema-
environment. G e n e Y o u n g b l o o d empregou-a c o m o título de seu c o n h e c i d o livro, publicado em 1970.

Estética Digital - 83
MovieMovie é considerada uma das obras exemplares dos experimentos
de expanded cinema, que integram materiais e formas em suas instalações, ações,
performances e environments, que servem de base para muitas das futuras insta-
lações interativas: telas móveis e superfícies de projeção semitransparentes que
permitem a formação de um espaço (relação entre imagem, estrutura/arquitetura
e espaço/meio); participação do público de maneira direta, intervindo na forma
da tela, movendo-se no espaço da projeção ou oferecendo seus corpos c o m o
superfície de projeção (feedbackentre imagem e receptor, entre imagem e som);
projeções cinéticas; e processo e tempo c o m o elementos constitutivos da obra. 33

Nessa mesma época, outros artistas exploram também o potencial do vídeo,


de seus dispositivos e dos monitores como recursos de expansão da imagem por
meio de estruturas mais complexas. A inserção do monitor nos environments ou nas
esculturas/objetos, o emprego de sistemas multicanais, multimonitores e de disposi-
tivos de circuito fechado de televisão são recursos muito utilizados nas duas pri-
meiras etapas da videoinstalação (finais dos anos 1960 e nos 70). C o m o havíamos
apontado antes, a relação que se estabelece entre a performance, a videoarte, a arte
participativa e o environment propicia o desenvolvimento de determinadas formas
de instalações audiovisuais ou de subgêneros, como a videoperformance.

Esse tipo de intermedialidade emerge em meados dos anos 1970, em con-


seqüência de uma tendência na performance de reduzir o forte destaque dado à
presença física do sujeito ou do seu corpo e de buscar, no audiovisual (a represen-
tação do corpo), uma forma expandida de ação. Por exemplo, a videoperformance
de Vito A c c o n c i , Command Performance (Nova York, 1974), consiste em uma
transmissão ao vivo através de um monitor, na qual o artista convida o público a
realizar sua própria performance. Progressivamente, os performers vão concen-
trando a atenção no fenômeno de transmissão. O monitor se transforma numa
janela, por meio da qual o artista garante sua presença, apesar da ausência de seu
corpo, e postula uma aproximação mais imediata do público com a obra. O emprego
das técnicas audiovisuais permite uma renuncia à performance unicamente como
ritual físico articulado pelo artista, em favor da idéia da performance c o m o expe-
riência vivida pelo espectador. É uma forma de desmaterializar a presença do
artista e potencializar o vínculo entre o público e a obra.

A partir de meados dos anos 1960, nas instalações que empregam siste-
mas de circuito fechado de televisão, o artista já não está presente, mas é o
próprio espectador que assume, consciente ou involuntariamente, a função de
performer diante da câmera. As instalações audiovisuais de D a n G r a h a m , Frank
Gillette ( W y p e Cicle, 1969), Les Levine (iris, 1968), B r u c e N a u m a n (Live/Taped
Video Corridor, 1968/69), Peter Campus ( Interface, 1972) ou Peter W e i b e l ( Der
Traum vom gleichen Bewusstsein aller, 1979) servem de exemplos representa-
tivos para toda uma geração de artistas que exploram as possibilidades do sistema
de circuito fechado, no qual incorporam o fator tempo (como o freqüente uso
do tempo diferido) e integram o espectador na obra.

33 Cf. Peter W e i b e l , "Jeffrey Shaw: Eine Gebrauchsanweisung", in: Anne-Marie Duguet, H. Klotz, P.
W e i b e l (Eds.). Jeffrey Shaw - eine Gebrauchsanweisung. Karlsruhe: ZKM/Cantz Verlag, 1997, p.9.

84 - CLAUDIA GIANNETTI

•a» i
Figura 3 - Peter W e i b e l , Der Traum vom gleichen Bewusstsein aller(0 sonho de uma consciência igual
para todos), 1979

No espaço do já " h i s t ó r i c o " environment arquitetônico de G r a h a m ,


Present Continuous Past(s), de 1974, o visitante é obrigado a uma autoconfron-
tação por meio de um jogo de espelhos e da reprodução retardada, no monitor,
de sua própria imagem captada por uma camera de vídeo. G r a h a m questiona a
percepção individual do tempo, sua experiência sensorial e, principalmente, a
diversidade da própria realidade. Essas manifestações de criação intencional de
performances involuntárias por parte do público insistem, principalmente, no
processo de observação e participação, no qual a câmera assume a posição de
observador interno que capta o observador externo num sistema fechado. Nesse
processo, o espectador c o m o observador externo é transformado em obser-
vador interno por meio de sua inserção na imagem do vídeo. Sua atuação ao
vivo dentro da obra se constitui c o m o documento performático audiovisual.

A D o c u m e n t a 6 de Kassel (1977), que é, seguramente, a que melhor


refletiu a situação cultural de sua época, favorece o apogeu público da arte da
performance e da videoarte, bem c o m o da simbiose entre elas. É também um
momento emblemático de expansão dos discursos e dos novos meios. O fenô-
meno performático, contudo, se prepara para a crise - ou pausa de meditação -
dos anos 1980, superando seus complexos de limitação e distanciamento c o m a
chamada expanded performance (um paralelismo c o m a expressão expanded
cinema), que busca novos caminhos a partir do emprego de meios eletrônicos.
O vídeo, tanto na versão performática como na de instalação, tende a abandonar

Estética Digital - 85
seus formatos "tradicionais" e ocupar o espaço por meio da projeção. As técnicas
de som eletroacústico, o fax, a fotocopiadora, o laser, o computador, as teleco-
municações, todos esses novos meios começam a ser mesclados aos mais diversos
tipos de eventos e obras.

A partir dos anos 1 980, constata-se um deslocamento do foco de atenção


e interesse no c a m p o das instalações audiovisuais. Depois dos anos áureos da
utilização de multimonitores, que tem seu ponto culminante nas criações mega-
lômanas de videowall ou nas macroinstalações, c o m o The More The Better (com
1.003 monitores), de N a m June Paik, manifesta-se uma progressiva tendência a
liberar a imagem da " c a i x a " do monitor. Os artistas experimentam, cada vez
c o m mais freqüência, as inúmeras possibilidades, entre elas, as projeções video-
gráficas e a aplicação de sistemas eletrônicos interativos na obra de arte.
Os novos sistemas eletrônicos possibilitam o desenvolvimento de uma
tendência de investigação e inter-relação entre corpo e mente, entre mundo
exterior e interior, pondo ênfase na participação do observador e em sua inte-
gração na obra. Nesse contexto, apreciamos a anteriormente citada tendência a
evitar os formatos c o n v e n c i o n a i s, apostando tanto em uma nova dimensão
perceptiva da imagem que enfatiza o processo de desmaterialização, c o m o no
anseio de manejar o espaço e o tempo. O espaço, c o m o lugar de e n c e n a ç ã o e
simulação, atua c o m o suporte da instalação, c o m o parte de sua sintaxe e ele-
mento de integração. Isso significa uma considerável propensão a potencializar
a experiência sensorial e perceptiva, favorecendo as analogias e o imaginário,
em detrimento das formas puramente discursivas ou conceituais.

Todos os exemplos anteriormente citados constatam, além da expansão


espaço-temporal e material da arte, sua clara vontade plurimedial e interdisci-
plinar. Em suas mais diversas formas - da instalação audiovisual aos sistemas
interativos, dos hipermídia à realidade virtual, da rede aos ciberespaços -, no
conjunto, a c h a m a da arte eletrônica ou media art reforça, de maneira contun-
dente, a idéia de intermedialidade.

Do nosso ponto de vista, o sentido de interdisciplinaridade no c a m p o da


media art abrange um âmbito ainda mais vasto que os já familiares enunciados sobre
as relações entre arte e tecnologia. Q u a n d o falamos de cruzamento das artes, das
tecnologias e das ciências, nos referimos a um processo de aproximação, conti-
güidade, interferência, apropriação, interseção e compenetração, que conduz à
geração progressiva de redes de contato e de influências multidirecionais não
hierárquicas. Assim, a media art não deve se limitar à mera utilização de certas
tecnologias, nem ter nas máquinas o único atributo que a caracteriza e, muito menos,
o único fim. Pelo contrário, d e v e ser uma arte que encontra nos meios tecnoló-
gicos um c a m i n h o de expansão e um vínculo com outras manifestações criativas.

Ubiqüidade e desmaterialização

A transgressão aos limites convencionai s da arte se produz por meio da


articulação e da prática de alguns novos enfoques. U m a das noções funda-
mentais é a de ubiqüidade, um termo que recentemente foi c o l o c a d o em uso
pelas teorias sobre as redes telemáticas, mas cuja a c e p ç ã o vai além do simples

86 - CLAUDIA GIANNETTI
uso da Internet. U b i q ü i d a d e na arte c o n t e m p o r â n e a aponta a sua r e i v i n d i c a ç ã o ,
n e c e s s i d a d e e c a p a c i d a d e de expandir os espaços da arte e para a arte, assim
c o m o de dilatar sua d i m e n s ã o temporal . Isto i m p l i c a rejeitar a idéia estética
centrada no o b j e t o de arte, em sua existência material e p e r m a n e n t e . É fácil
constatar o a p a r e c i m e n t o de diferentes manifestações de arte efêmera q u e se
c a r a c t e r i z a m pela sua a d a p t a b i l i d a d e ao e s p a ç o e a possibilidad e de se servir de
q u a l q u e r tipo de material.

T o d o s os projetos de arte por satélite q u e c o m e ç a m a ser d e s e n v o l v i d o s


a partir dos anos 1 970 são, em realidade, tentativas de transformar o m e i o tele-
visivo em um m e t a m e i o para a arte, permitindo sua u b i q ü i d a d e espaço-temporal.
Esse foi o propósito, por e x e m p l o , de N a m J u n e Paik: realizar uma obra q u e
acontecesse, s i m u l t a n e a m e n t e, em diferentes espaços. A o b s t i n a ç ã o de Pai k em
estabelecer u m a m e t a c o m u n i c a ç ã o resulta n u m a de suas p r i n c i p a is contribui-
ções para a arte da t e l e c o m u n i c a ç ã o : seus projetos de Satellite Art.

Na partitura To it Yourself, escrita por Paik em 1961, e l e indic a para o


intérprete: " T o q u e em S ã o F r a n c i s c o a m ã o esquerda da Fuga n° I (em dó m a i o r j
do Wohltemperiertes 7 (J. S. B a c h ) . T o q u e em S h a n g a i a m ã o direita da Fuga
n º 1 (em dó maior) do Wohltemperiertes / (J. S. B a c h ) . C o m e c e e x a t a m e n t e às
12 horas do dia 3 de m a r ç o ( G r e e n w i c h M E Z ) c o m o m e t r ô n o m o no t e m p o do
c o m p a s s o Jí = 80. A m b a s as partes p o d e m ser transmitidas s i m u l t a n e a m e n t e
pelo o c e a n o c h a m a d o P a c í f i c o . " 3 4
j
Essa idéia fixa de realizar uma obra qu e fosse executada simultaneamente
em distintos c o n t i n e n t e s perseguiu Pai k durante 15 anos, até q u e c o n s e g u i u
consumá-la na i n a u g u r a ç ã o da D o c u m e n t a 6 de Kassel, em 1977, c o m u m a
transmissão v i a satélite de p e r f o r m a n c e s realizadas ao v i v o na Europa e nos
Estados Unidos: Nine Minutes Live. Porém, foi com o projeto Good Morning
Mr. Orwell (1984), o r g a n i z a d o entre o Centro P o m p i d o u , de Paris, e a c a d e i a
W N E T - T V , d e N o v a York, q u e Paik c o n s e g u i u u m a transmissão v i a satélite que,
a l é m de simultânea, era participativa. S e g u n d o Paik, o evento foi "o primeiro uso
global interativo de satélite entre artistas i n t e r n a c i o n a i s " . C e r c a de 50 artistas de
todo o m u n d o se r e u n i r a m em um m e s m o e s p a ç o televisivo ao m e s m o t e m p o , e
atuaram, ao vivo, ou inclusive simultaneamente (pelo uso de split-screen): Joseph
Beuys, Robert C o m b a s , Y v e s M o n t a n d , B e n Vautier, Laurie A n d e r s o n , J o h n Cage,
M e r c e C u n n i n g h a m , A l l e n Ginsberg, M a u r i c i o Kagel, Charlotte M o o r m a n , Philip
Glass e outros.

Assim como Mozart soube empregar o recém-inventado clarinete, o artista de


Satellite Art deve criar esta arte de acordo com sua gramática e suas condições
físicas. (...) É preciso pensar em como alcançar uma coesão interativa entre as
distintas partes do mundo, como solucionar os problemas de diferenças de horário,
como jogar com a improvisação em relação ao determinismo, os ecos, os acopla-
mentos e os espaços vazios no sentido de Cage, e como superar, rapidamente, as

34 N a m J u n e Paik. " A u s einem Interview mit Gottfried M i c h a e l Koenig", in: Werke 1946-1976 - Music-
Fluxus-Video, op. cit., 1976, p.51.

Estética Digital - 87
diversidades culturais, as expectativas e a mentalidade das diferentes nações. A
Satellite Art deve extrair o melhor destes fatores, criando uma sinfonia multitem-
poral e multiespacial. 35

A arte por satélite deveria transformar-se, segundo Paik, na "obra não-mate-


rial mais important e da s o c i e d a d e pós-industrial".

Os temas da t e l e c o m u n i c a ç ã o v i n c u l a d a à arte e à idéia de u b i q ü i d a d e


t o m a r a m impulso decisivo nos anos 1970, época q u e c o m e ç a r a m a ser geradas
n o v a s propostas em diversas partes do m u n d o . Em 1972, um dos pioneiros da
Computer Art, o brasileiro W a l d e m a r Cordeiro, 3 6 atribuiu a crise da arte contempo-
rânea à " i n a d e q u a ç ã o dos meios de c o m u n i c a ç ã o , enquanto transporte de infor-
mações, e à ineficácia da informação enquanto linguagem, pensamento e a ç ã o " . 3 7
A arte centrada no objeto material limitaria o acesso do p ú b l i c o à obra e, por
esse motivo, se manteria " a q u é m da d e m a n d a cultural quantitativa e qualitativa
da sociedade moderna".

A obra que implicitamente define o espaço físico de seu próprio consumo seto-
riza o ambiente, pressupondo uma zona específica para a fruição artística. (...) A
setorização comunicativa e informativa conflita com o caráter interdisciplinar e
integrado da cultura planetária. A utilização de meios eletrônicos pode propor-
cionar uma solução para os problemas comunicativos da arte mediante a utilização
das telecomunicações e dos recursos eletrônicos, que requerem, para otimização
informativa, determinados processamentos da imagem.38

As idéias de C o r d e i r o sobre uma c o n e x ã o global e um a m p l o acesso livre


do p ú b l i c o à obra, por m e i o da t e l e c o m u n i c a ç ã o , a n t e c i p a r a m a proposta da
arte em rede e as n o ç õ e s de u b i q ü i d a d e e p a r t i c i p a ç ã o .

O f o c o de a t e n ç ã o principal , na é p o c a , reduzia-se à investigação sobre a


m e t o d o l o g i a e as estratégias para c o l o c a r essas idéias em prática. Na Espanha,
u m a das primeiras e x p e r i ê n c i a s nesse sentido foi Cadaqués Canal Local, um
projeto d e A n t o n i M u n t a d a s , q u e utilizava u m c a n a l d e t e l e v i s ã o regional para
transmitir u m a p r o g r a m a ç ã o - reportagens e entrevistas - p r o d u z i d a pelo artista
e sua e q u i p e de c o l a b o r a d o r e s no p o v o a d o de C a d a q u é s . Era o a n o de 1974 e,
na Espanha, havi a um ú n i c o c a n a l oficial de televisão. Esse projeto de t e l e v i s ão
c o m u n i t á r i a transgredia, assim, n ã o só o â m b i t o artístico e t e l e c o m u n i c a t i v o ,
mas i n c i d i a no contexto s o c i o p o l í t i c o . O fato de apresentar " s u a " p r o g r a m a ç ã o
nos bares do p o v o a d o ou no Cassino, o n d e o televisor f u n c i o n a v a c o m o ele-
m e n t o socializante , d e m o n s t r a v a a p r e o c u p a ç ã o do artista em estabelece r u m a

35 N a m J u n e Paik. " L a V i e - Satelliten. Eine Begegnung - Ein Leben", in: Niederschriften eines Kultur-
nomade, op. cit., p.157.
36 A g r a d e ç o a Carlos Fadon V i c e n t e e a Eduardo Kac por me terem facilitado a informação sobre
W a l d e m a r Cordeiro.
37 W a l d e m a r Cordeiro (Ed.). Arteônica - o uso criativo de meios eletrônicos nas artes. São Paulo: Editora
da U n i v e r s i d a d e de São Paulo, 1972, p.3. V e r também: http://www.visgraf.impa.br/Gallery/waldemar/
catalogo/arte.htm.
38 Ibidem, p.4.

88 - CLAUDIA CIANNETTI
r e l a ç ã o entre " a r t e e v i d a " . Este foi o título da e x p o s i ç ã o q u e M u n t a d a s realizou,
no m e s m o ano, em M a d r i , na G a l e r i a Vandrés, e na qual apresentou, entre outras
obras, a instalação Emisión/Recepción. A partir da dupla p r o j e ç ã o de u m a série
de slides q ue reproduziam, numa parte, imagens de programas da T V E ( T e l e v i s ão
E s p a n h o l a ) e, na outra, imagens dos telespectadores situados em bares e em suas
casas, e n u n c i a v a - s e a restrição imposta pela estrutura da c o m u n i c a ç ã o televisiva
q u e se limita ao fluxo de i n f o r m a ç ã o u n i d i r e c i o n a l .

Outros exemplos interessantes foram Two Way-Demo, o r g a n i z a d a em


1977 p e l o grupo constituído por W i l l o u g h b y Sharp, Liza Bear, S h a r o n G r a c e y
C a r l Loeffler. A t e l e a ç ã o por satélite realizada pela emissora M C T V c o n e c t a v a ,
ao v i v o , diversos artistas situados em dois pontos distantes: N o v a Y o r k e S a n
F r a n c i s c o . N e s s e m e s m o ano, Kit G a l l o w a y e Sherrie R a b i n o w i t z apresentaram,
em c o l a b o r a ç ã o c o m a N a s a , a primeira p e r f o r m a n c e interativa entre grupos de
bailarinos l o c a l i z a d o s na costa do A t l â n t i c o e do P a c í f i c o dos Estados U n i d o s ,
c r i a n d o u m e s p a ç o d e a t u a ç ã o virtual.

Terminal Consciousness, organizado por Roy A s c o t t em 1980, foi o


p r i m e i r o projeto artístico i n t e r n a c i o n al de t e l e c o n f e r ê n c i a feita por c o m p u t a d o r
que, por m e i o da rede Planet de Infomedia, c o n e c t o u Ascott, na Inglaterra, c o m
Keith A r n a t t ( G a l e s ) , E l e a n o r A n t i n (La J o l l a , C a l i f ó r n i a ) , D o n B u r g y (East
M i n t o n , Massachussetts), Dougla s D a v i s ( N o v a York), Douglas H e u b l e r ( N e w h a l l ,
Califórnia) e J i m P o m e r o y (San Francisco). Esses experimentos pioneiros, baseados
na transmissão v i a satélite e em rede, v i a b i l i z a r a m a i n c i p i e n t e arte da teleco-
m u n i c a ç ã o , p r e p a r a n d o , assim, o c a m p o para o futuro a p a r e c i m e n t o da arte
t e l e m á t i c a , v i n c u l a d a à i m p l e m e n t a ç ã o d a Internet c o m o rede d e c o m u n i c a ç ã o
p ú b l i c a e de acesso m u n d i a l livre.

D e p o i s d o a b a n d o n o dos e s p a ç o s c o n v e n c i o n a i s das galerias o u museus


e a o c u p a ç ã o dos e s p a ç o s públicos, as ruas, as cidades, a p a i s a g e m etc. ( l a n d
art, performance, happening...), é, sem d ú v i d a , c o m o e m p r e g o dos c h a m a d o s
n o v o s meios, c o m o os sistemas de t e l e c o m u n i c a ç õ e s , q u e essa dilatação espaço-
t e m p o r a l e material a s s u m e os sentidos mais a m p l o s de u b i q ü i d a d e (a possibili-
d a d e d e estar e m todas a s partes e m q u a l q u e r t e m p o o u simultaneamente) , d e
d e s m a t e r i a l i z a ç ã o (a i n d e p e n d ê n c i a da existência física/material do objeto) e
de p a r t i c i p a ç ã o (a u t i l i z a ç ã o dos recursos interativos q u e permite a rede).

E necessário destacar u m a questão central, na qual vários artistas e teóricos


(tais c o m o G e n e Y o u n g b l o o d o u V i l é m Flusser) insistem: transformar o s m e i o s
d e c o m u n i c a ç ã o discursivos e m meio s participativos significa, realmente, u m a
r e v o l u ç ã o . A t e c n o l o g i a necessária para p o t e n c i a l i z ar essa r e v o l u ç ã o já existe -
e a World Wide Web é u m a prova dela; porém, a questão é q u e u m a r e v o l u ç ã o
das c o m u n i c a ç õ e s n ã o d e p e n d e u n i c a m e n t e da tecnologia, mas, principalmente,
d a p o t e n c i a l i z a ç ã o d a c o m u n i c a ç ã o interpessoal. N ã o d e p e n d e e x c l u s i v a m e n te
do fluxo ou da massa de informaçã o q u e possa circular, mas da a m p l a e irrestrita
a c e i t a ç ã o da s o c i e d a d e a esses meios, de seu uso c o m o forma de i n t e r c â m b i o
real, e n ã o s o m e n t e c o m o mais um v e í c u l o da era da i n f o r m a ç ã o .

Portanto, u m a arte q u e t r a b a l h e c o m esses meios n ã o d e v e limitar-se a


adaptar e ajustar m o d e l o s do passado ou de outros m e i os - estratégia m u i t o
apreciada pela retórica pós-moderna -, mas d e v e ser c a p a z de criar novos modelos.

Estética Digital - 89
Esse foi o objetivo do projeto Die Welt in 24 Stunden (O Mundo em 24 Horas),
c o n c e b i d o por Robert Adrian para o festival Ars Electronica' 82 em Linz. Sua
idéia era investigar o "espaço eletrônico" criado a partir do uso de meios de
t e l e c o m u n i c a ç ã o de baixa tecnologia ( low-tech), c o m o o fax, o telefone ou o
slow-scan-television, para a transmissão de propostas artísticas a partir de 15
cidades do mundo. C o m a teletransmissão, essas propostas perdiam o caráter
objetual para transformar-se em "vestígios documentais de uma atividade", segundo
Robert Adrian. M e s m o que o resultado do experimento não tenha obtido muito
êxito, o conceito de estabelecer uma intercomunicação bidirecional entre artistas
localizados em diferentes partes do mundo serviu para incitar à reflexão em
torno das verdadeiras possibilidades do meio e do espírito participativo do grupo.
Em textos posteriores, Adrian r e c o n h e c e que a dificuldade enfrentada pelo
projeto de network não foi causada pelos problemas técnicos, mas pela falta de
consciência, por parte dos colaboradores, da necessidade fundamental, num
projeto de t e l e c o m u n i c a ç ã o e interação, de abandonar os individualismos e
apostar numa criação partilhada. O problema estava, conseqüentemente, na
aceitação (ou compreensão) de que a meta não era conseguir um produto "real"
final (o objeto), mas que a obra era a própria intercomunicação.

No Brasil, as manifestações mais representativas de arte e c o m u n i c a ç ã o


se expandem ao longo dos anos 1980. Em 1983, Julio Plaza - que no ano ante-
rior havia coordenado o projeto Arte pelo Telefone, em São Paulo - organizou,
para a 17 a Bienal Internacional de São Paulo, a exposição Arte e Videotexto,
composta de oito núcleos com a participação de artistas de diferentes áreas, por
exemplo, Arte sobre Arte, c o m obras do próprio Julio Plaza e Regina Silveira;
Arte sobre o Meio, c o m a participação de Vera C h a v e s Barcellos e W a g n e r
G a r c i a ; Interarte, c o m obras de J a c Leirner e M á r i o Ramiro; Arte Visual, com
Alex Flemming, A n a M a r i a Tavares, Carmela Gross, Nelson das Neves; Arte
Narrativa, c o m Lúcia Santaella, entre outros. A esta se seguiu uma prolífica ativi-
dade em torno da integração dos meios de c o m u n i c a ç ã o e da arte, c o m o os
projetos de M á r i o Ramiro ( Clones - Uma Rede de Rádio, Televisão e Videotexto,
junto c o m W a g n e r Garcia, São Paulo, 1983), Eduardo Kac, Carlos Fadon Vicente:
exposições c o m o a retrospectiva de obras de arte e c o m u n i c a ç ã o Arte: Novos
Medios/Multimeios - Brasil 70/80, na FAAP - Fundação Armando Alvares Penteado,
São Paulo, 1985; ou a criação do Instituto de Pesquisa em Arte e Tecnologia,
IPAT, que reuniu um grupo de artistas e teóricos, c o m o Julio Plaza, Carlos Fadon
Vicente, Artur Matuck, M i l t on Sogabe, Paulo Laurentiz, A n n a Barros, Arlindo
M a c h a d o , Gilbertto Prado, W a g n e r Garcia, entre outros, para pesquisar e orga-
nizar eventos de arte e comunicação, utilizando inicialmente slow-scan television
(televisão de varredura lenta), videotexto e fax. 39

39 A g r a d e ç o as informações facilitadas por Carlos Fadon Vicente. Cf. Gilbertto Prado, Arte Telemática:
dos intercâmbios pontuais aos ambientes virtuais multiusuário. São Paulo: itaú Cultural, 2003; E d u a r c :
Kac, Luz & letra: ensaios de arte, literatura e comunicação. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 200-
e Telepresence & bio art: networking humans, rabbits & robots. Annarbor: University of M i c h i g a r
Press, 2005; S i m o n e Osthoff, "From mail art to telepresence: communication at distance in the works ot
Paulo Bruscky and Eduardo Kac", in: Annmari e Chandler and N o r i e N e w m a r k (Ed.). At a distance:
precursors to art and activism on the Internet. Cambridge: M I T Press, 2005.

90 - CLAUDIA GIANNETTI
Esses e x e m p l o s nos p e r m i t e m c o n s t a t a r o d e s e n v o l v i m e n t o d e d u a s
d i r e ç õ e s claras de investigação a respeito das possíveis formas de c o m u n i c a ç ã o
na media art: a c o m u n i c a ç ã o estrita h u m a n o - m á q u i n a (autor-ferramenta, ou
e s p e c t a d o r - m e i o ) , e a c o m u n i c a ç ã o aberta emissor-receptor-meio (autor/es-
espectador/es-meio). Esses d o i s n í v e i s d e c o m u n i c a ç ã o s e p e r f i l a m c o m o
e l e m e n t o s p r i m o r d i a i s para a c o m p r e e n s ã o d a c o m u n i c a ç ã o c o m o processo
artificial, q u e se baseia em modelos, ferramentas e instrumentos. A arte da inter-
c o m u n i c a ç ã o se apresenta, assim, c o m o um processo intersubjetivo e reativo,
u m a v e z q u e a c o m u n i c a ç ã o é e n t e n d i d a c o m o interação q u e encerra um tipo
de transmissão b i d i r e c i o n a l de i n f o r m a ç ã o entre pessoas e m á q u i n a s em um
d e t e r m i n a d o contexto. Em vista disso, os sujeitos n ã o p o d e m ser c o n s i d e r a d o s
i n d e p e n d e n t e m e n t e do m e i o c o m o q u a l interagem.

Por esses motivos, a arte da t e l e c o m u n i c a ç ã o ( T e l e c o m m u n i c a t i o n Art)


centra-se, desde o início, na p r o p o s i ç ã o ou estruturação de um m o d e l o telepar-
ticipativo. O projeto Electronic Cafe International pretende incidir p r e c i s a m e n t e
sobre esse ponto. C r i a d o por Kit G a l l o w a y e Sherrie R a b i n o w i t z em 1984, no
contexto do Olympic Arts Festival de Los Angeles, sua proposta era criar um
e s p a ç o acessível às pessoas, no q u a l elas pudesse m d o c u m e n t a r p u b l i c a m e n t e
suas v i d a s ou criar algo c o m o sistema. 4 0

O tipo de l o c a l i z a ç ã o qu e os artistas escolheram para instalar seus centros


de c o m u n i c a ç ã o p ú b l i c o s demonstra a importância da idéia de p o t e n c i a l i z ar o
e n c o n t r o e o diálogo : os cafés de bairro, c i n c o lugares c o m referências é t n i c a s
distintas. A d i v e r s i d a d e cultural c o m o m o d e l o de integração se dá, conseqüen-
temente, tanto no contexto geográfico c o m o no contexto do e s p a ç o virtual de
comunicação.

N u m projeto d e 1989, G a l l o w a y e R a b i n o w i t z distribuíram v i d e o f o n e s


em distintos lugares do m u n d o , a fim de expandi r a rede a u d i o v i s u a l de comu-
n i c a ç ã o a longa distância e direto. Essa proposta a n t e c i p a o q u e v e m a ser o
t e c i d o t e l e m á t i c o instaurado pela Internet.

O m o d e l o n ã o institucional, multicultural e global de c o m u n i c a ç ã o in-


terpessoal de Electronic Cafe impulsiona a idéia de uma relação horizontal, n ã o
hierárquica e d i n â m i c a entre i n d i v í d u o s ou grupos. A l é m disso, a p ó i a a n o v a
v i s ã o do artista c o m o ativista cultural e partícipe, q ue permite u m a redefiniçã o
do seu papel social, u m a ressocialização dos espaços culturais, assim c o m o a
p o s s i b i l i d a d e da integração entre as distintas artes e disciplinas. Os últimos pro-
jetos de Electronic Cafe foram, progressivamente, a b a n d o n a n d o o m u n d o low
tech e integrando c a d a v e z mais sistemas telemático s interativos e t e c n o l o g i a s
de r e a l i d a d e virtual, tentando, p o r é m , conserva r a ideologia original de esta-
b e l e c e r um n e x o entre os diferentes c o n t i n e n t e s e f a v o r e c e r o t r a b a l h o con-
j u n t o , o network, entre os artistas.

O grupo Ponton d e s e n v o l v e outro e x p e r i m e n t o representativo da tele-


p a r t i c i p a ç ã o p ú b l i c a . Piazza Virtuale, u m a p r o d u ç ã o da V a n G o g h TV (o c e n t r o

1,0 Para outras informações, ver: http://www.ecafe.com/index.html.

Estética Digital - 91
de produção de televisão de Ponton), consistiu num projeto realizado durante a
D o c u m e n t a de Kassel (1992), que utilizou o canal de televisão alemão Z D F ,
dois satélites e os estúdios eletrônicos de Ponton, provisoriamente instalados
numa praça de Kassel. Ao longo dos 100 dias que durou o projeto, os telespec-
tadores da cidade e de seus arredores podiam conectar-se a esse canal e participar
através de seus telefones ou modem, visualizando sua atuação ao vivo na televisão
de suas casas. Os estúdios estavam equipados com computadores conectados à
rede, especialmente programados para poder receber chamadas telefônicas ou
informações via Internet, que passavam a fazer parte do sistema instantâneo e
televisivo de boletins eletrônicos ( B B S ) audiovisuais. Deste modo, era o público
que concebia, de forma fluida e interativa, os conteúdos daquele canal.

A falta de regras ou instruções, moderadores ou locutores, roteiros ou


conceitos preestabelecidos para a realização dos programas gerava conteúdos
audiovisuais caóticos e profundamente dinâmicos. Os objetivos de Ponton
consistiam, exatamente, em oferecer esse tipo de propostas de produção de
informação não-linear e não discursiva, e em criar uma televisão interativa não
comercial e completamente desvinculada dos sistemas corporativos baseados
no poder e controle.

A l é m disso, a possibilidade de uso do telefone c o m o interface entre o


observador e o sistema B B S fez de Piazza Virtuale um experimento realmente
popular. Até 20 telespectadores podiam participar, simultaneamente, por meio
das pulsações dos marcadores de telefones de tom, que apareciam na tela c o m o
se fossem consoles de navegação. Os teleparticipantes podiam conversar c o m
outros participantes, criar música eletrônica em sessões de improvisação, pintar
ou desenhar usando programas parecidos c o m o Photoshop, controlar a câmera
adaptada a um sistema robótico dentro dos estúdios de V a n G o g h TV etc. Ao fim
do projeto, o número de chamadas emitidas foi de 130 mil.
O que está em jogo nesse tipo de experimento não são os resultados
propriamente estéticos, mas as propostas inovadoras para a geração de outras
formas criativas e socializáveis de utilização de novos meios, principalmente
tendo em vista a atual fase de crescente descrédito dos discursos de liberdade e
um distanciamento dos idealismos, os quais aparentam ser processos de rup-
tura, mas que, c o i n c i d i n do c o m Lyotard, "suspeitamos ser mais uma maneira de
esquecer ou de reprimir o passado, isto é, de repeti-lo, que uma maneira de
superá-lo". 41

N o s sistemas cada vez mais complexos e inexoráveis que a sociedade


pós-industrial está c o n t i n u a m e n t e gerando, as soluções ideais, independentes
e democráticas - c o m o Electronic Cafe ou Piazza Virtuale - são consideradas
por um a m p l o segmento da p o p u l a ç ã o e por uma parte consideráve l dos críti-
cos de arte c o m o uma mescla de ingenuidade e disparate. U s a n d o as palavras
de Lyotard: "A exigência de simplicidade aparece em geral, hoje em dia, c o m o

41 Jean-François Lyotard. La pos-modernidad (explicada a los ninos), 6 a ed. B a r c e l o n a : Ed. C e d i s a ,


1 996, p.90. ( O p ó s - m o d e r n o explicado às crianças. Lisboa: D o m Quixote, 1 999.) V e r também: Jean-
François Lyotard. A condição pós-moderna, 5 a ed. R i o de Janeiro: José O l y m p i o , 1 998.

92 - CLAUDIA CIANNETTI
u m a p r o m e s s a d e b a r b á r i e " . 4 2 O u , c o m o a p o n t a U m b e r t o E c o e m seu livro
Apocalípticos e integrados: " S e a c u l t u r a é um fato aristocrático, c u l t i v o zelo-
so, a s s í d u o e solitário de u m a i n t e r i o r i d a d e refinada q u e se o p õ e à vulgarida-
de da m u l t i d ã o , (...) a mer a idéia de u m a cultura p a r t i l h a d a po r todos, produ-
zida de m o d o q u e se a d a p t e a todos, e e l a b o r a d a a m e d i d a de todos, é um
contra-sentido m o n s t r u o s o . " 4 3

S a b e m o s q u e o m o d e l o de t e l e c o m u n i c a ç ã o aberto e r a m i f i c a d o da rede
p o d e chegar a desestabilizar a estrutura hierárquica ou piramidal de nossa socie-
d a d e e a c o l o c a r em questão o elitismo da-cultura, na m e d i d a em q u e se cons-
titui c o m o um ( c i b e r ) e s p a ço no q u a l os participantes desfrutam, a p r i n c í p i o , do
m e s m o status ( m e s m o q u e sejamos conscientes do p a r a d o x o q u e isso i m p l i c a ,
u m a v e z q u e o acesso à rede é, a i n d a , um privilégio de minorias). M e s m o assim,
p o d e m o s dizer q u e os usuários a s s u m e m u m a dupla f u n ç ã o : são espectadores e,
ao m e s m o t e m p o , participantes e atores. D e s e m p e n h a m um d u p l o p a p e l c o m o
observadores do e s p e t á c u l o q u e a c o n t e c e e c o n s u m i d o r e s da i n f o r m a ç ã o q u e
circula, a l é m de integrantes desse espetáculo e parte da informação. S ã o usuários
e, s i m u l t a n e a m e n t e , criadores da rede.

Nessas duas últimas décadas, as n o ç õ e s de network e p a r t i c i p a ç ã o


m a n t i v e r a m - s e c o m o pilares das p r o d u ç õ e s de arte para a Internet. No entanto,
já necessário distinguir as obras interativas (net-specific) d a q u e l a s de web art,
cu ja essência f u n c i o n a l consiste na n a v e g a ç ã o hipertextual, por i n t e r m é d io de
links ou c o n e x õ es entre páginas, que não permitem a intervenção direta do usuário
n a obra, o u c u j a a ç ã o d e s e l e c i o n ar p r o v o c a alterações pré-programadas. U m a
parte representativa das p r o d u ç õ e s dos últimos anos segue essa t e n d ê n c i a e,
talvez, a m a i o r i a seja m e n o s experimental q u a n t o à linguage m e mais trivial no
q u e c o n c e r n e à n a v e g a ç ã o do q u e muitas das obras da primeira etapa da arte
em rede, nos anos 1990. V á r i a s obras de web art seguem f a z e n d o uso da tela e
da estrutura c o m o se fosse um livro t r a d i c i o n a l : o c l i q u e c o r r e s p o n d e a um
simples "passar de p á g i n a " , considerando-se a pessoa q u e f o l h e i a c o m o um
leitor n ã o mais ativo ou passivo do q u e a q u e l e de um livro. N e s s e caso, m e s m o
q u e o m e i o digital e suas p o t e n c i a l i d a d e s sejam outras, se v a l e das m e s m a s
formas c o n v e n c i o n a i s ou a n á l o g a s de uso e t r a n s m i s s ã o de i n f o r m a ç ã o . A
t e n d ê n c i a estetizante informalista, por outro lado, converte a tela em m e r o c a m p o
no q u a l se d e s d o b r a m atrativos jogos visuais. S ã o obras f e c h a d a s e, portanto,
muitas delas p o d e m ser visualizadas off-line. Ao contrário, os projetos interativos
de net art são, c o n c e i t u a i e f u n c i o n a l m e n t e , d e p e n d e n t e s da rede e da a t u a ç ã o
do usuário, o qual p o d e p r o v o c ar m u d a n ç a s tanto no sistema c o m o no processo.
Em alguns casos, o usuário é c o n v i d a d o a colaborar ativamente na obra, e n v i a n d o
i n f o r m a ç ã o ou dados, q u e passam a formar parte do sistema.

Porém, nos últimos anos constatamos uma redefinição do enfoque. En-


quanto as noções de comunidades virtuais ou trabalhos em rede da primeira etapa

42 Jean-François Lyotard, op. cit., p.92


45 Umberto Eco. Apocalípticos e integrados. Barcelona: Tusquets, 1995, p.27-28 ( Apocalípticos e integrados.
6 a Ed. São Paulo: Perspectiva, 2004.)

Estética Digital - 93
partiam de um modelo participativo centralizado, no qual todas as contribuições
chegavam a um mesmo "espaço" (fosse físico ou virtual, no servidor), ou formavam
parte de um mesmo contexto, atualmente detectamos a tendência a um modelo
distribuído ou descentralizado, no qual a obra "viaja", se dispersa, se multiplica e,
inclusive, se "instala" nos múltiplos receptores (computadores), ficando à mercê
dos usuários. Um exemplo é a versão de Z d e 2002, do artista espanhol Antoni
Abad, 44 que consiste em um freeware que, ao ser descarregado pelo usuário no
PC, se instala no seu computador adotando a forma e os comportamentos de uma
mosca. C o m a instalação de Z, o sistema cria uma mosca personalizada e gene-
ticamente única, 45 que faz parte, porém, de uma ampla comunidade de inumeráveis
moscas dispersas por todo o mundo. Isto significa que, por trás de cada mosca, há
uma pessoa que a faz reviver cada vez que se conecta à Internet. Por meio da
tecnologia de P 2P e da interface da mosca, cada pessoa pode comunicar-se c o m
outra mosca (usuário) de qualquer país e lugar através do chat ou correio eletrô-
nico segundo distintos critérios: zona horária, moscas on-line, gráfico de evolução
da comunidade, árvore genealógica do enxame, idioma etc. C o m o afirma Abad,
o objetivo de Zé a criação de uma rede de comunicação distribuída, indepen-
dente de qualquer servidor central. Cada mosca é cliente e servidor ao mesmo
tempo. Ao final do projeto, será distribuído o código-fonte a comunidades horizon-
tais interessadas na construção de redes de comunicação e informação distribuída.

A novidade nesse tipo de obra está na idéia de que o artista, ou sua obra,
já não são os únicos núcleos receptores e emissores, mas que a distribuição do
código em forma de agente transforma os usuários em nós (nodes) de inter-relações
e em multiplicadores, e que as existências dos agentes e dos usuários, enquanto
nós, dependem das c o m u n i c a ç õ e s de uns c o m os outros. Isto aborda a pergunta
sobre o network e o sistema, assim c o m o sobre sua estética, de uma maneira
nova e peculiar, uma vez que a inscreve na reestruturação do modelo de socia-
bilidade, até agora baseado, principalmente,-no individualismo em rede. O novo
modelo fundamenta-se em comunidades auto-organizadas e implica a perda
consciente do controle do artista sobre a obra, já que transfere ao usuário a
responsabilidade de ação e intervenção no sistema. Por outro lado, a continui-
dade da obra depende da intercomunicação entre os usuários e"da progressiva
geração de uma arquitetura flexível de contatos, que expande a plataforma e
cria sempre novas comunidades.

Esse complexo processo e a experiência de mobilidade ou variabilidade


incidem diretamente nas noções de realidade e de materialidade, que se tornam
igualmente flexíveis, mutáveis e virtualizáveis. A rede é um exemplo evidente
da pluralidade de realidades e da tendência à conversão ou simulação do real
num espaço virtual {virtual entendido aqui como suspensão do real). Um espaço
cuja experiência fluida e lúdica potencializa o sentido de atemporalidade e

44 D i s p o n í v e l e m : w w w . z e x e . n e t (a primera versão foi co-produzida por M E C A D - M e d i a Centre


d'Art i Disseny de Barcelona - para a mostra Net_Condition e pode ser visitada na galeria virtual em
www.mecad.org/gale.htm).
45 A genética da mosca contém um bit de informação e é formada por uma cadeia de 32 zeros e uns que
definem seu comportamento individual.

94 - CLAUDIA GIANNETTI
imaterialidade. Os d i s c u r s o s m a i s r e c e n t e s s o b r e a estética da desmateriali-
zação, em particular sobre a estética da desaparição, c o m o os de Jean-Françoi s
Lyotard, J e a n B a u d r i l l a r d , P a u l V i r i l i o , Peter W e i b e l , V i l é m Flusser, entre outros,
apesar de divergir em diversos pontos, se articulam, coincidentemente , em torno
do processo cronocrático (Peter W e i b e l ) v i v i d o pela s o c i e d a de atual, seus efeitos
sobre a p e r c e p ç ã o h u m a n a do tempo, a a c e l e r a ç ã o artificial, a desintegração do
c o r p o e da matéria, e a s i m u l a ç ã o espacial.

N u m a emblemática exposição no Centro P o m p i d o u de Paris, realizada em


1985, Jean-François Lyotard investigou, de maneira exaustiva, esse processo q u e
c o n d u z àqueles por ele d e n o m i n a d o s "imateriais". Les Immatériaux pretendeu
mostrar a transformação da r e l a ç ã o dos seres h u m a n o s c o m a matéria d e s d e a
tradição moderna, herdeira da tradição cartesiana, até a c o n c e p ç ã o pós-moderna,
m a r c a d a p e l o a p a r e c i m e n t o dos n o v o s materiais, p r i n c i p a l m e n t e n o c a m p o das
t e c n o c i ê n c i a s , a informática e a eletrônica . Ao termo matéria 4 6 se v i n c u l a u m a
série de d u a l i s m o s : matéria versus logística (nos c o m p u t a d o r e s ) ; matéria versus
forma (na análise de u m a obra); matéria versus espírito (na filosofia e na teologia);
matéria versus energia (na física clássica); matéria versus estado (na física moderna);
matéria versus p r o d u t o (no processo da r e p r o d u ç ã o ) etc. Na t r a d i ç ão m o d e r n a ,
o ser h u m a n o se entendia c o m o d o m i n a d o r da matéria, da natureza, e conseguia
seu o b j e t i v o em v i r t u d e da linguagem q u e lhe permitia articular o q u e é possível
(um projeto) e o q u e é real (matéria). C o m o imaterial surge, s e g u n d o Lyotard,
uma c o n t r a d i ç ã o , já q u e o material não é matéria para um projeto. O material é
c o n s i d e r a d o o c o m p l e m e n t o d o s u j e i t o para a l c a n ç a r seus o b j e t i v o s , seus
p r o j e t o s ; o imaterial produz, ao contrário, u m a incerteza para as pessoas, u m a
v e z q u e a m e a ç a sua i d e n t i d a de c o m o ser h u m a n o . O " h u m a n o " c o m o a d j e t i v o
substantivado, definia um antigo d o m í n i o do c o n h e c i m e n t o e das intervenções,
q u e h o j e t e m o s q u e partilhar c o m a t e c n o c i ê n c i a . E n q u a n t o o c o n c e i t o d e
material torna-se c a d a v e z m a i s d é b i l ( e x p e r i ê n c i a , m e m ó r i a , t r a b a l h o , auto-
n o m i a , c r i a ç ã o ) , progressivamente se fortalece a idéia de u m a interação genera-
lizada. N e s s e processo de interação, segundo Lyotard, o material d e s a p a r e c e
c o m o u n i d a d e independent e (ondas eletrônicas, ondas sonoras, ondas lumino-
sas, partículas e l e m e n t a r e s etc.).

O p r i n c í p i o da estrutura o p e r a c i o n a l n ã o se baseia, assim, na substância


estável, ma s n u m a série d e i n t e r a ç õ e s instáveis. A o s imateriais s e a s s o c i a m
n o v o s processos de interação q u e estão m u d a n d o a m a n e i r a de atuar no m u n d o
e, c o n s e q ü e n t e m e n t e , os m e s m o s projetos h u m a n o s (a arte, a filosofia, a socio-
logia, a c i ê n c i a . . . ) .

As reflexões sobre a imaterialidade se e x p a n d e m , o b v i a m e n t e, ao âmbit o


do h u m a n o . As teorias propostas pela filosofia, a sociologia, a p s i c o l o g ia e as
artes sobre a instauração do pós-humanismo estão baseadas no surgimento de
u m a n o v a f o r m a de v i d a híbrida - ao m e s m o t e m p o b i o l ó g i c a , e l e t r ô n i c a e

46 Lyotard recorda que, em sânscrito, mâtram significa matéria e medida, e sua raiz provém de mât, que
significa "fazer c o m as mãos", medir, construir. Cf. Epreuves d'écriture, catálogo da exposição Les
Immatériaux. Paris: Centre G e o r g e Pompidou, 1985.

Estética Digital - 95
artificial - q u e c o n d u z a u m a transformaçã o radical da própria n o ç ã o de c o r p o
e de sujeito. Essa c o n s t a t a ç ã o está o r i g i n a n d o u m a série de discursos, alguns
s u m a m e n t e especulativos, sobre a "desmaterialização" do corpo. Porém, d e v e m o s
p o n d e r a r q u e n ã o s e trata a q u i d e u m " d e s a p a r e c i m e n t o " d o corpo/sujeito,
a b s o r v i d o pelos meios eletrônicos e telemáticos, mas sim do e c l i p s e de determi-
n a d o s c o n c e i t o s históricos de c o r p o e de sujeito, d e v e d o r e s da v i s ã o espiritua-
lista ou idealista q u e a i n d a sinala, m e s m o q u e de longe, o h o r i z o n te cartesiano.

P a u l V i r i l i o e Peter W e i b e l d e s c r e v e m esse processo em termos de u m a


"era da a u s ê n c i a " , q u e gera u m a estética baseada no absum,47 q u e significa
longitude e distância espaciais, assim c o m o c a r ê n c i a , perda e inexistência. A
media art a c o l h e as e x p e r i ê n c i a s das primeiras manifestações de u m a estética
da a u s ê n c i a , surgidas sobretudo a partir de 1945 (Fontana, M a n z o n i , Klein, C a g e
e outros c i t a d o s a n t e r i o r m e n t e ), assim c o m o a t e n d ê n c i a à d e s m a t e r i a l i z a ç ã o
do o b j e t o artístico e outras estratégias de imaterialidade , q u e d o m i n a m a arte e
a teoria nos anos 1960 e 70 ( c o m o analisa Frank P o p p e r em seu livro d e d i c a d o
ao Déclin de 1'object, 1975, q u e já aponta o processo de d e s m a t e r i a l i z a ç ã o e
d e s i n t e g r a ç ã o d o o b j e t o d e arte). T o d a s essas m a n i f e s t a ç õ e s f a z e m parte d o
p r o g r a m a para situar a arte além da arte, c o m o v i m o s no c a p í t u l o anterior. Essas
e x p e r i ê n c i a s são a r t i c u l a d a s d e f o r m a m a i s r a d i c a l e m c o n s o n â n c i a c o m a s
transformações propagadas pelas tecnologias .

Já não vivemos somente nas ruas e nas casas, mas também nos fios telefônicos,
nos cabos e redes digitais. Estamos telepresentes num espaço de ausência. Aqui,
onde nos encontramos, estamos ausentes, e onde não estamos, somos onipre-
sentes. A história da arte desde o século XIX até a atualidade mais imediata
proporciona uma série de claros indícios da desaparição do espaço na experiência
do tempo e da telepresença no espaço virtual.
O espaço imaterial da telecomunicação, o espaço virtual desmaterializado da era
tecnológica, não é somente um espaço da ausência, um espaço da falta, mas é tam-
bém um novo espaço da presença, da telepresença, um novo espaço situado além
do visível, que sempre esteve ali, mas que nunca pôde ser visto. O tecnoespaço e
o tecnotempo se situam além da experiência física; são espaços que se tornaram
experimentáveis por meio das máquinas telemáticas, espaços de tempo invisíveis.48

O fato das m e n s a g e n s c i r c u l a r e m sem mensageiros, s e n d o transmitidas


em f o r m a c o d i f i c a d a e através de o n d a s eletromagnéticas ; dos sinais e as infor-
mações v i a j a r e m incorpóreos em torno do mundo a uma v e l o c i d a d e qu e permite
q u e sejam, praticamente, onipresentes e simultâneas, produz no m u n d o e no ser
h u m a n o a experiência de um processo de relativização, em virtude do qual se
relativizam, também, as condições das coisas em si. Se a d u p l i c a ç ã o do espaço e do
t e m p o pela s i m u l a ç ã o converte, segundo W e i b e l , o tempo v e r d a d e i r o e o espaço
natural em pontos controvertíveis, o próprio corpo se torna t a m b é m questionável.

47 Raiz latina de "ausência".


48 Peter W e i b e l . "La Era de Ia Ausência", in: Claudia Ciannetti (Ed.), Arteen Ia era electrónica. Perspec-
tivas de una nueva estética. Barcelona: L'Angelot/Goethe Institut, 1997, p.110.

96 - CLAUDIA CIANNETTI
A telemática, por exemplo, permite ao corpo viver na dicotomia entre a telepre-
sença ubíqua sempre e q u a n d o se dá a ausência física. Por m e i o da transformação
tecnológica e das próteses, o corpo, enquanto e l e m e n t o central de c o m p r e e n s ã o
da realidade, afasta-se, paulatinamente, de sua representação histórica. Apesar do
c o r p o na rede ser, do p o n t o de vista físico, s i n ô n i m o de a u s ê n c i a , da perspec-
tiva s i m b ó l i c a e do imaginário, p o d e ser um corpo "presente".

O melho r e x e m p l o desse processo é encontrado na c h a m a d a arte da tele-


presença, 4 9 q ue se caracteriza por u m a dupla presença, física e imaterial, e q ue
investiga as possibilidades dos meio s telemáticos e das tecnologia s de telerrobó-
tica 5 0 para a criaçã o de formas de coexistência em espaços reais e virtuais de ações
sincrônicas, executadas por observadores ou artistas. Rara Avis (1996) é o n o m e
de u m a obra de telepresença de Eduardo Kac, q u e conjuga a instalação física c o m
a c o n e x ã o telemática pela Internet, o q u e significa dois tipos de participação:
local, por m e i o do uso de c a p a c e t e de realidade virtual, e à distância, através da
rede. No contexto local há um e n o r m e viveiro c o m cerca de 30 pássaros reais e
um telerrobô em forma de arara, no qual estão instalados, no lugar dos olhos do
pássaro, duas camera s C C D ( C h a r g e - C o u p l e d Device). U m c a p a c e t e d e realidade
virtual, situado diante do viveiro, permite ao espectador perceber o entorno do
ponto de vista da arara; portanto, a pessoa é transportada ao interior do v i v e i r o e
observa a si própria da perspectiva do telerrobô. A l é m disso, há um paralelismo entre
os m o v i m e n t o s de c a b e ç a do espectador c o m o c a p a c e t e e os da c a b e ç a da arara.

A instalação está p e r m a n e n t e m e n t e c o n e c t a d a à Internet e permite q u e


participantes remotos t a m b é m o b s e r v e m o e s p a ç o da galeria do ponto de vista
do telerrobô. Assim, o c o r p o do pássaro artificial é c o m p a r t i l h a d o , em t e m p o
real, por participantes locais e participantes à distância, de q u a l q u e r parte do
m u n d o , pela Internet.

Ao permitir ao participante local estar indiretamente dentro e fisicamente fora do


viveiro, esta instalação criou uma metáfora que revelava como a nova tecno-
logia da comunicação permite romper as fronteiras ao mesmo tempo em que as
reafirma. A instalação também tratava temas sobre a identidade e a alteridade,
projetando o espectador dentro do corpo de um pássaro raro. (...) Esta obra criou
um sistema auto-organizado de dependência mútua, no qual os participantes
locais, os animais, um telerrobô e os participantes à distância interagiam sem
comando, controle ou intervenção externa direta. Uma vez que a peça combi-
nava entidades físicas e não físicas, fundia fenômenos perceptivos imediatos
com uma intensa consciência do que nos afeta, embora esteja visualmente
ausente e fisicamente distante. A ecologia local do viveiro foi afetada pela eco-
logia da Internet e vice-versa.5'

49 O termo telepresença é empregado por M a r v i n Minsky no artigo "Telepresence", escrito em 1980 e


publicado, posteriormente, na OMNI Magazine, m a i o 1 983.
50 Entendida c o m o o controle remoto de robôs não autônomos.
51 Eduardo Kac. " O r n i t o r r i n c o y Rara Avis. El arte de telepresencia en Internet", in: Ars Telematica -
Telecomunicación, Internet, Ciberespacio. Barcelona: L'Angelot, 1998, p. 124-1 25. Ver também
http://www.ekac.org/ornitelep.html e "A Arte da Telepresença na Internet", in: Diana Domingues (Ed.).
A arte no século XXI. S ã o Paulo: Edusp, 1997, p.315-324.

Estética Digital - 97
Figura 4 - Eduardo Kac, diagrama de Rara Avis, 1996

Em 1994, q u a n d o propus agrupar as diversas manifestações performá-


ticas que utilizam as novas tecnologias audiovisuais e sistemas interativos ou
telemáticos c o m o termo metaformance, ressaltei a tendência geral da media art
em potencializar o desenvolvimento da interface entre a obra e o espectador/
partícipe, que permitira a c o m u n i c a ç ã o dialógica entre eles. Por um lado, o
processo de interação entre máquina e performer, ou a aplicação das novas
tecnologias, passa a ser um elemento inerente à obra. Por outro, o próprio
emprego da técnica permite ao artista/performer prescindir de sua presença
física no espaço da ação, muitas vezes substituída por aquela da imagem eletrô-
nica. Porém, possibilita que o espectador seja convidado a assumir seu lugar na
c o n s u m a ç ã o da (inter)ação. Por exemplo, na obra de Kac, esses três níveis são
c o l o c a d o s de forma explícita. O resultado é uma e s p é c i e de arte híbrida,
baseada num princípio reativo.

Essa tendência não só se confirma, c o m o ganha, progressivamente, peso


e significado. A metaformance não se refere exclusivamente, portanto, à versão
expandida da performance ( expanded performance). Sua característica princi-
pal é a c a p a c i d a d e de gerar um novo tipo de evento, no qual os conceitos de
obra, performer, público, entorno e procedimento estão, em maior ou menor
medida, circunscritos à relação entre ser humano e máquina (digital, telemática
etc.). Conseqüentemente, o dispositivo da interface torna-se cada v e z mais
preponderante.

98 - CLAUDIA GIANNETTI
Figura 5 - Eduardo Kac, Rara Avis, ponto de vista da arara robótica

Figura 6 - Eduardo Kac, Rara Avis, arara robótica Figura 7 - Eduardo Kac, estrutura interna do robô

Estética Digital - 99
A metaformance não restringe a importância da referência ao corpo, da
mesma forma que não desvirtua a investigação sobre a relação entre arte e vida.
Porém, altera profundamente a maneira de abordar ambas as questões e amplia
os conteúdos dos e n u n c i a d o s artísticos. Em estreita sintonia c o m as transfor-
m a ç õ e s ocorridas nos mais distintos âmbitos, resultantes da revolução digital e
biotecnológica, o artista assume a difícil tarefa de gerar novas ferramentas con-
ceituais a partir das novas ferramentas técnicas. A m b a s são imprescindíveis para
tratar, criativamente, esses processos de mudança radical experimentados pela
sociedade e o indivíduo contemporâneo.

Enquanto o que poderíamos chamar de tendência-espelho da performance


caracteriza-se pela utilização do corpo c o m o lugar de produção do imaginário
do sujeito, 52 a etapa eletrônica o emprega em sua forma sintética e artificial
c o m o plataforma do espetáculo.

C o m o manifestação paradigmática, pode-se citar o Carnal Art ou Chirur-


gical-Performance da artista francesa Orlan, que se serve das novas tecnologias
cirúrgicas c o m o meio, de seu corpo c o m o matéria e da sala de operação c o m o
cenário artístico (e espetacular) para suas metaformances. A camera registra a
transformação real de seu corpo (rosto) por meio de operações de cirurgia esté-
tica. O processo de mudança de identidade registrado em vídeo é a própria obra
de arte, transmitida, via satélite, para galerias de N o v a York ou de outras cidades.
Sua a ç ã o sobre o próprio corpo não se limita unicamente à reflexão sobre os
conceitos de beleza em nossa sociedade, 5 3 mas remete, diretamente, contra a
questão da identificação entre sujeito e corpo. As novas tecnologias, c o m o as
usadas em microcirurgias ou nas implantações biotécnicas, permitem o que Orlan
denomina de " r e e n c a r n a ç ã o " . A desconstrução e a nova construção por frag-
mentos da aparência externa do indivíduo rompem, forçosamente, c o m a estreita
relação entre imagem e identidade. U m a pessoa em outro corpo (em um corpo
esteticamente transformado) é, segundo os critérios sociais e legais, outra pessoa:
é um sujeito (artificialmente) reencarnado.

O uso das tecnologias permite, assim, a desconstrução eficaz do milenar


fetichismo existente em torno da realidade, da matéria e do sujeito. O performer
"tradicional" - adjetivo empregado aqui sem c o n o t a ç ã o pejorativa -, q u e rei-
v i n d i c a a essência da identidade física no processo de criação, pretende estabe-
lecer uma relação de c u m p l i c i d a d e c o m o público: o corpo (ação) do artista
busca uma a p r o x i m a ç ã o direta do corpo (mente) do observador pela união
espaço-temporal. Seu corpo é um corpo-ponte entre obra e receptor em um
tempo e acontecimento reais, eliminando a ilusão cênica.

52 N o s anos 1990, a progressiva tendência à desmaterialização (do objeto, do corpo) provoca não só
respostas que pretendem integrar esses processos na arte (Satellite Art, Arte Telemática, net art etc.),
mas, também, reações adversas, c o m o a reafirmação do corpo c o m o m o d e l o de referência, c o m o
matéria a priori. Na última década, uma corrente que se manifesta nas artes plásticas, na fotografia ou na
performance, volta a insistir (como nos anos 1960 e 70) na presença física, na corporeidade contextuali-
zada: a matéria do corpo constitui uma plataforma de discurso. O corpo, c o m o parte dos mecanismos de
poder, não é neutro. Através do corpo se pretende articular os discursos de gênero, etnia, classe e raça.
53 Um dos objetivos de O r l a n é transformar-se em modelo de beleza ideal, baseando-se em protótipos
das figuras femininas de pinturas famosas, c o m o a Monalisa de Leonardo ou a Vênus de Botticelli.

100 - CLAUDIA GIANNETTI


P a r a a metaformance, ao c o n t r á r i o , a p r e s e n ç a f í s i c a é i r r e l e v a n t e e
t e n d e a ser substituída pela o r d e m v i s u a l digital. O c o r p o f u n c i o n a , simulta-
n e a m e n t e , c o m o m o d e l o f í s i c o para a c o n v e r s ã o ó p t i c o - i c o n o g r á f i c a digital,
e c o m o corpo interface, q u e p e r m i t e o a c e s s o à m o r f o g ê n e s e do i m a g i n á r i o
m u l t i m e d i a l . O c o r p o interface inibe, deste m o d o , q u a l q u e r tentativa de
a p r o x i m a ç ã o à realidade natural. O espectador é imerso n u m a atmosfera
a r t i f i c i a l , na q u a l a d i s t â n c i a f í s i c a e n t r e i m a g e m e c o r p o v i s í v e l só é supe-
rável por m e i o de uma interação virtual. A s i m u l a ç ã o ou a ç ã o se dá num
e s p a ç o virtual a t e m p o r a l . O t e m p o perde seu sentido s e q ü e n c i a l e unidire-
c i o n a l e m f a v o r d o t e m p o m a n i p u l á v e l e i n f i n i t a m e n t e r e c u p e r á v e l por m e i o
da eletrônica. A q u i , se desdobra, de forma evidente, a idéia de u b i q ü i d a d e
e imaterialidade.

A o b r a de net art de E v a W o h l g e m u t h é um e x e m p l o c o n t u n d e n t e
dessa p e r d a d e s e n t i d o d a m a t é r i a ( b i o l ó g i c a ) c o m o p a r a d i g m a d a r e a l i d a d e .
Bodyscan54 c o n s i s t e n a i m a g e m d o c o r p o d i g i t a l i z a d o d a artista, q u e c o b r a
" v i d a " n a m e d i d a e m q u e p e r m i t e o a c e s s o l i v r e d o s v i s i t a n t e s a o s e u inte-
rior. A t r a n s f o r m a ç ã o d o c o r p o n u m a z o n a t o p o g r á f i c a v i r t u a l , n u m c a m p o
d e e x p l o r a ç ã o , está e m c o n s o n â n c i a c o m o s e n u n c i a d o s p ó s - b i o l ó g i c o s
p r a t i c a d o s e p r o p o s t o s por d i v e r s o s artistas. S u a s o b r a s e x p õ e m o a l c a n c e
das m u d a n ç a s g e r a d a s p o r m e i o d o s p r o c e s s o s d e i n t e r a ç ã o , u b i q ü i d a d e e
telepresença em relação à " a t u a ç ã o no m u n d o " . Por um lado, os atuais
s i s t e m a s i n f o r m á t i c o s p e r m i t e m a o artista c r i a r u m d u b l ê v i r t u a l , m u d a r sua
forma ou dar v i d a a diferentes personagens c o m os quais p o d e atuar no
c i b e r e s p a ç o . D e s t e m o d o , p o d e t e l e t r a n s p o r t a r seus c l o n e s v i r t u a i s , c o n -
trolá-los à d i s t â n c i a e a n i m á - l o s e m t e m p o real, d e f o r m a q u e r e a l i z e m
suas ciberperformances. Os temas relacionados com o desdobramento de
personalidade e a relação sujeito-corpo ganham uma perspectiva inusitada
c o m a possibilidade do c l o n a d o virtual.

O artista S t e l a r c , por e x e m p l o , p r o p õ e a t r a n s i ç ã o do i n d i v í d u o bioló-


g i c o para o cibersistema a partir de um n o v o projeto de c o r p o e, portanto, do
h u m a n o . S e g u n d o ele, a m i c r o t e c n o l o g i a u t i l i z a d a e i m p l a n t a d a no c o r p o
p e r m i t i r á r o m p e r c o m as fronteiras biológicas.

A pele era, como superfície, o início do mundo e, simultaneamente, o limite do


indivíduo. (...) Expandida e penetrada por máquinas, a pele já' não é mais a
superfície plana e sensível de um lugar ou uma parede intermediária. O indi-
víduo se encontra, agora, fora da pele; porém, isto não significa nem uma sepa-
ração, nem uma ruptura, mas uma compressão da consciência. A pele já não
representa clausura. 55

54 Disponível em: http://thing.at/bodyscan.


55 Stelarc. " A u f dem W e g zum Postmenschlichen", in: Erzeugte Realitaten II. Berlim: N e u e Gesellschaft
für Bilden, 1994, p.11. V e r também Stelarc, " D a s estratégias psicológicas às ciberestratégias: a profética,
a robótica e a existência remota", in: Diana Domingues (Ed.). A arte no século XXI-a humanização das
tecnologias. S ã o Paulo: Editora Unesp, 1997, p.52-62.

Estética Digital - 101


Stelarc leva à prática artística tanto a idéia da interface externa, c o m o a da
v i a direta por m e i o de próteses invasivas. No primeiro caso, o artista e m p r e g a
dispositivos a c o p l a d o s a seu c o r p o - c o m o em Third Hand -, ou q u e c o n e c t a m
m á q u i n a s a partes do seu c o r p o - c o m o em Multiple Muscle Stimulator, q u e por
interfaces c o m p u t a d o r i z a d a s p o d e executar a p r o g r a m a ç ã o e a m a n i p u l a ç ã o de
m o v i m e n t o s m u s c u l a r es involuntário s à distância. S e u Stomach Sculptureé um
e x e m p l o de prótese invasiva e de u m a arte intracorporal. S e g u n d o Stelarc, atu-
a l m e n t e o q u e " t e m sentido já n ã o é a liberdad e de idéias, mas a l i b e r d a d e de
formas: a l i b e r d a d e de m o d i f i c a r e m u d a r o c o r p o " . A pergunta já n ã o e s p e c u l a
se a s o c i e d a d e permitirá a l i b e r d a d e de expressão ao ser h u m a n o , mas se a ética
h u m a n a autorizará aos i n d i v í d u o s a r e a l i z a ç ã o de c o d i f i c a ç õ e s genéticas huma-
nas alternativas. "A l i b e r d a d e f u n d a m e n t a l significa, para as pessoas - prosse-
g u e Stelarc -, a f a c u l d a d e de autodetermina r o destino de seu A D N . A transfor-
m a ç ã o b i o l ó g i c a d e i x o u de ser fruto da c a s u a l i d a d e , para ser o resultado de u m a
e l e i ç ã o . " Trata-se de m a n i p u l a r a própria estrutura do c o r p o , e esse fato consti-
tui o p r i n c í p i o b á s i c o do e n f o q u e do p ó s - e v o l u c i o n i s m o. " A s pessoas agrupadas
por fragmentos são e x p e r i m e n t o s pós-evolutivos", afirma Stelarc. 5 6

À medida que praticamos a função de conexão por cabos, produzindo mais


sensações de feedback de alta fidelidade de imagens, sons, tato e de força entre
corpos, começamos a gerar poderosos corpos fantasmas. A sensação do corpo
à distância interposto por sua pele e suas extremidades nervosas, elimina a
distância psicológica e espacial entre os corpos na rede. Internet se converte
num meio não só de transmissão de informação, mas, também, num modo de
transcondução, que afeta a ação física entre corpos.57

A t e c n o l o g i a torna-se c a d a v e z mais invisível, na m e d i d a q u e v a i sendo


transplantada para o interior do c o r p o . E n q u a n t o nas metaformancesde O r l a n o
a t a q u e à integridade do c o r p o produz-se na " s u p e r f í c i e " do c o r p o por m e i o da
m i c r o c i r u r g i a , no c a s o de Stelarc, baseia-se na e x p a n s ã o das f u n ç õ e s de seus
m e m b r o s e órgãos por m e i o s t e c n o l ó g i c o s - um passo em d i r e ç ã o à c r i a ç ã o do
cibersistema " h u m a n o " - , c o m o fica e v i d e n t e nos próprios títulos d e suas ações:
Event for Amplified Body, Involuntary Arm and Third Hand, Images Without
Organs: Absent Body/Scanning Robot. Suas metaformances implicam, necessa-
riamente, a p e r f o r m a n c e (no sentido literal do inglês: r e n d i m e n t o ) das próteses
t é c n i c a s q u e utiliza. M a i s recentemente, c o m o em Ping Body, o c o r p o desapa-
r e c e c o m o instrumento de atuação: o c o r p o fantasma (virtual), o receptor (agentes
remotos) e a m á q u i n a r e a l i z a m a metaformance via Internet.

Ping Body é um b o m e x e m p l o da a u s ê n c ia extrema, na m e d i d a em q u e


transforma o c o r p o n u m e l e m e n t o o c o , n u m c o r p o anfitrião para a p r o j e ç ã o e a
a t u a ç ã o de agentes remotos (ver d i a g r a m a a seguir).

56 Stelarc. " V o n Psycho- zu Cyberstrategien: Prothetik, Robotik und Tele-Existenz", in: Kunstforum
International, n° 132, nov. 1995-jan. 1996, p.74.
57 Stelarc. "Visiones parásitas - experiencias alternantes, íntimas e involuntárias", in: Ars Telematica,
op. cit., p. 133.

1 0 2 - CLAUDIA GIANNETTI
Figura 8 - Stelarc, diagrama de Ping Body

Q u a n d o Stelarc p r o p õ e c o m Ping Body c o l o c a r e m rede u m c o r p o q u e


p o d e ser h a b i t a d o e m a n i p u l a d o por usuários da Internet, está p r o p o n d o u m a
n o v a c o n c e p ç ã o de identidade e c o n s c i ê n c i a de realidade pessoal: o c o r p o c o m o
objeto e c o m o sujeito ao m e s m o t e m p o ; o c o r p o n ã o mais c o m o um sistema
f u n c i o n a l f e c h a d o , mas c o m o um m e i o receptor e de interface entre sujeito e
observador, entre sujeito e entorno, entre sujeito e m á q u i n a .

Esta aposta no p r o c e s so de d e s m a t e r i a l i z a ç ã o (do c o r p o , do sujeito)


v o l t a a incidir, de u m a outra perspectiva, na crise dos c o n c e i t o s de r e a l i d a d e e
v e r d a d e . Do ponto de vista da arte, a reestruturação e a r e f o r m u l a ç ã o dessas três
c o n c e p ç õ e s básicas - sujeito (corpo), r e a l i d a d e e v e r d a d e - são as premissas
para u m a a p r e c i a ç ã o estética das propostas da media art.

Originalidade versus multiplicidade e simulação

A media art e m suporte digital a l c a n ç a uma dimensã o peculiar: a profunda


m u d a n ç a introduzida pela t e c n o l o g ia digital incide, p r i n c i p a l m e n t e , no modus
de g e r a ç ã o e transmissão de i n f o r m a ç ã o e, sem d ú v i d a , na própria essência da
m e s m a . U m a v e z q u e a estrutura interna do c ó d i g o binári o dissipa completa-
m e n t e a diferenç a entre u m a letra, u m a forma, um som ou um n ú m e r o , os d a d o s
introduzidos no c o m p u t a d o r p o d e m gerar tanto imagens, c o m o músicas, sons

Estética Digital - 103


ou textos. C a d a pixel é c a l c u l á v e l e transformável i n d i v i d u a l m e n t e , de m a n e i r a
q u e as i m a g e n s ou sons p o d e m ser alterados à v o n t a d e . Na m e d i d a em q u e a
d o c u m e n t a b i l i d a d e e a v e r a c i d a d e da i m a g e m se p e r d e m c o m as possibili-
d a d e s de m a n i p u l a ç ã o digital, as questões sobre a a u t e n t i c i d a d e e a referencia-
l i d a d e das imagens eletrônicas ou infográficas d e v e m ser, portanto, p l e n a m e n t e
reformuladas.

Na informática, o acesso livre a q u a l q u e r bit de i n f o r m a ç ã o e suas possi-


b i l i d a d e s de a r m a z e n a m e n t o permitem, por um lado, superar a unidimensiona-
lidade da l i n g u a g em a n a l ó g i c a e seu v í n c u l o c o m o sistema de estruturação
linear e, por outro, admitir a ilimitada r e c u p e r a ç ã o e reprodução da informação.
A d e c i s i v a ruptura c o m os m o d e l o s da cultura o c i d e n t al de s e q ü e n c i a l i d a d e e
c e n t r a l i d a d e do discurso, assim c o m o de o r i g i n a l i d a d e (ou irreprodutibilidad e
da obra) p o d e ser c o n s i d e r a d a c o m o u m a transformaçã o inerente ao processo
t e c n o l ó g i c o e, em especial, ao de digitalização.

A crise da idéia de o r i g i n a l i d a d e na era digital n ã o d e v e ser somente


constatada, c o m o assumida, u m a v e z q u e é inerente ao sistema. Esse fato altera,
igualmente, os c o n c e i t o s de autor e de autoria. A instauração da ideologia do
original esteve associada ao a d v e n t o das n o ç õ e s de p r o p r i e d a d e intelectual,
gênio, i n d i v i d u a l i d a d e e singularidade do processo criativo. A "superstiçã o do
s é c u l o " - a c r e n ç a no gênio, c o m o q u a l i f i c o u N i e t z s c h e - entrou no discurso
estético pelas mão s de Kant, q u e afirmou a r e l a ç ã o i m a n e n t e entre o r i g i n a l i d a d e
e g e n i a l i d a d e . E digno de a t e n ç ã o o fato dessa n o ç ã o ter c o n s e g u i d o manter-se
até nossos dias, apesar das diferentes tentativas descontinuístas. C o m a perspec-
tiva da c r i a ç ã o digital, toma-se c o n s c i ê n c i a plena de q u e o p r o b l e m a da origi-
n a l i d a d e prescinde de qualquer f o r m u l a ç ã o em termos utópicos. Esses se fizeram
notar ao longo de tod o o s é c u l o X X , c o m o na citada teoria aurática de W a l t e r
B e n j a m i n , na qual o c o n c e i t o de " a u r a " serve c o m o metáfora estética para apoiar
sua tese sobre o processo de degeneração artística na era da reprodução técnica.
No processo de s o c i a l i z a ç ã o (no sentido de massificação), o fim da aura é o fim
de u m a estética elitista, q u e c o n d u z , s e g u n d o B e n j a m i n , à d e p l o r á v e l "liqui-
d a ç ã o do v a l o r da t r a d i ç ão na h e r a n ç a cultural". 5 8 O lamento pela perda da
aura e q ü i v a l e ao l a m e n t o nostálgico pela perda do mítico e r o m â n t i c o v a l o r de
a u t e n t i c i d a d e ligado à c r i a ç ã o individual (manual, direta e genial), tão arraigado
na t r a d i ç ã o intelectual burguesa. É t a m b é m o lamento da classe intelectual, qu e
p e r d e o p r i v i l é g i o do acesso à cultura, c o m o fica patente no seguinte c o m e n -
tário d e B e n j a m i n :

A contemplação simultânea de quadros por um grande público, que se iniciou


no século XIX, é um sintoma precoce da crise da pintura, que não foi determinada
apenas pelo advento da fotografia, mas independentemente dela, através do apelo
dirigido às massas pela obra de arte.59

58 W a l t e r Benjamin. "A obra de arte na época de sua reprodutibiiidade técnica", in: Obras escolhidas I
magia e técnica, arte epolítica. São Paulo: Brasiliense, 1 987, p.1 76.
59 Ibidem, p.188.

1 0 4 - CLAUDIA GIANNETTI
A i d e o l o g i a do o r i g i n a l só p o d i a manter-se, deste m o d o , n u m m a r c o
estético m a i s a m p l o , q u e se a p o i a v a , por um lado, na t r a n s c e n d ê n c i a do b e l o e,
por outro, na atitude p u r a m e n t e c o n t e m p l a t i v a do observador. S e g u n d o esse
discurso, a figura do receptor n ã o d e s e m p e n h a r i a n e n h u m papel no m e c a n i s m o
de c o n s t r u ç ã o do mito da originalidade, já q u e esse mito centraria-se, unica-
mente, na essência e existência objetual da obra. Se pensarmo s no a r g u m e n t o
de B e n j a m i n , s e g u n d o o q u al a r e p r o d u ç ã o t é c n i c a atrofia a aura, d i v i s a m o s o
g r a n d e e q u í v o c o e a c o n t r a d i ç ã o de sua hipótese. A " a u r a " é u m a categoria da
p e r c e p ç ã o e, c o n s e q ü e n t e m e n t e , só p o d e ser gerada no processo de r e c e p ç ã o ,
de m o d o q u e não é inerente à originalidade, autenticidade ou irrepetibilidade da
c r i a ç ã o do objeto, isto é, n ã o está v i n c u l a d a à matéria ou ao m e i o de p r o d u ç ã o ,
mas ao o b s e r v a d o r . O processo de r e c e p ç ã o , a u n i c i d a d e ou m u l t i p l i c i d a d e do
objeto, a p a r e c e c o m o u m a mera questão prática relativa à a c e s s i b i l i d a d e à obra.
É p r e c i s a m e n t e à essa a c e s s i b i l i d a d e q u e se dirige a crítica de B e n j a m i n , o c u l t a
sob a forma de u m a revisão do papel da t é c n i c a no processo de m a s s i f i c a ç ã o da
arte. "A r e p r o d u ç ã o massiva c o r r e s p o n d e em efeito à r e p r o d u ç ã o de massa", 6 0
afirma B e n j a m i n , a p o n t a n d o c o m isso b a s i c a m e n t e para d u a s d e n ú n c i a s : a
d e s i n t e g r a ç ã o do mito da " e x c l u s i v i d a d e " intelectual da arte e, por outro, ao
temor à t r a n s f o r m a ç ã o dos produtos culturais em meios de c o n t r o l e de massas
m a n e j a d o s pelos poderes totalitários.

A o b j e ç ã o à idéia de o r i g i n a l i d a d e torna-se, entretanto, mais explícita


c o m a i n t r o d u ç ã o das n o v a s tecnologia s q u e p e r m i t e m a s i m u l a ç ã o do processo
de c r i a ç ã o . Um e x e m p l o p a r a d i g m á t i c o é Aaron. O artista inglês H a r o l d C o h e n
p r o p õ e u m a r g u m e n t o prático q u e e x p õ e outro tipo d e p r o b l e m á t i c a e m r e l a ç ã o
à autoria e a autenticidade. Na informática, os sistemas expertos q u e estão sendo
e m p r e g a d o s c o m êxito nos c a m p o s d a q u í m i c a , d a biologia, d a m e d i c i n a o u d a
técnica, são programas dedicados a resolver problemas e a informar dentro de uma
área e s p e c i a l i z a d a d e c o n h e c i m e n t o s . C o h e n c r i o u u m sistema experto d e arte
(uma série de programa s informáticos), d e n o m i n a d o Aaron, q u e está p r o j e t a do
n ã o só para s i m u l a r q u a d r o s ou d e s e n h o s " n o estilo d e " , ma s para cria r traba-
lhos c o m estilo próprio qu e são considerados pelo artista c o m o obras (e n ã o c o m o
pseudo-simulacros). " T a l v e z eu seja, um dia, o primeiro artista q u e d e p o i s de
sua morte p o d e r á realizar uma e x p o s i ç ã o c o m obras inéditas recentes", afirma
C o h e n . 6 1 N e s s e caso, as obras criada s pela m á q u i n a n ã o são s i m u l a ç õ e s das
obras de C o h e n , mas o programa é o s i m u l a c r o do próprio artista. Isto nos indu-
ziria a questionar o v a l o r "artístico" dessas obras. P o r é m , antes de entrar no
tema específic o de valores, d e v e m o s tratar outra questão, igualmente c o m p l e x a .

Q u a n d o A l a i n T u r i n g f o r m u l o u sua p o l ê m i c a pergunta - Pode uma má-


quina pensar?-, c o m a qual p r a t i c a m e n te inauguro u a filosofia da Inteligência
Artificial, tratava de questionar a r e l a ç ã o entre s i m u l a ç ã o e fato real. Foi o ponto

60 W a l t e r Benjamin, op. cit., p.191.

" V e r os catálogos Harold Cohen: Computer-as-Artist. Pittsburgh: Buhl S c i e n c e Center, 1984; Harold
Cohen. Londres: Tate Gallery, 1983. Cf. Claudia Giannetti, "Estética de la simulación", in: Arte en la
era electrónica, op. cit.

Estética Digital - 105


de partida da discussão sobre a possibilidad e de d e s c r e v e r um e x p e r i m e n t o de
laboratório q u e servisse de critério para d e c i d i r se um c o m p u t a d o r é c a p a z de
pensar ou n ã o (a prova de Turing). A p r e o c u p a ç ã o básica - se é q u e p o d e m o s
resumir de f o r m a t ã o s u m á r i a - q u e d e s d e e n t ã o m a r c o u as pautas das investi-
g a ç õ e s da IA, está v i n c u l a d a à questão do s i m u l a c r o . Esta se s u b d i v i d e em dois
t e m a s f u n d a m e n t a i s : a s i m u l a ç ã o c o m o um f e n ô m e n o c u j a s características se
a p r o x i m a m d a q u e l a s do q u e é s i m u l a d o - q u e nesse c a s o c h a m a r í a m o s pseudo-
simulação; e a s i m u l a ç ã o c o m o u m a c ó p i a exata do q u e é s i m u l a d o , c o m a
ressalva de q u e essa c ó p i a foi criada de maneir a artificial. As investigações da
IA têm, c o m o ponto de partida, a pergunta se u m a s i m u l a ç ã o do p e n s a m e n t o
h u m a n o por meios técnicos p o d e ser, ou chegar a ser, u m a simulação , e não uma
p s e u d o - s i m u l a ç ã o . No c a s o e s p e c í f i c o de Aaron, a questão seria se o programa,
u m s i m u l a c r o d e C o h e n , p o d e ser c o n s i d e r a d o , c o m o C o h e n , u m artista.

Se Aaron fosse c o n s i d e r a d o um artista, e n t ã o a pergunta seguinte seria:


P o d e um c o m p u t a d o r s i m u l a r a c a p a c i d a d e c r i a t i v a no sentido estético? Essa
foi u m a das questões centrais discutidas nos meios tecnoartísticos a partir dos
a n o s 1960 (Frieder N a k e , A b r a h a m M o l e s etc.). M e s m o q u e essa n ã o seja uma
discussão recente em termos históricos, adquire um n o v o interesse na atualidade,
d e v i d o às possibilidade s crescentes dos sistemas de IA e de sua progressiva apli-
c a ç ã o nas obras da media art.

A l g u n s p r o g r a m a s i n f o r m á t i c o s, d e n o m i n a d o s G r a m á t i c a d e Formas,
estão s e n d o c r i a d o s a partir de estudos exaustivos das características formais das
o b r a s d e d e t e r m i n a d o s pintores. A s n o v a s i m a g e n s geradas por c o m p u t a d o r
através d e algoritmos q u e s i m u l a m trabalhos n o estilo d e K a n d i n s k y , d e M i r ó ,
de Piet M o n d r i a n , entre outros. A q u i p o d e r í a m o s voltar a questionar a pseudo-
s i m u l a ç ã o e a s i m u l a ç ã o . U m a obra c r i a d a a partir de um p r o g r a m a q u e simula
o estilo de um artista é u m a obra ou um s i m u l a c r o ? E significativo o fato de que,
para um leigo, seja muitas v e z e s difícil distinguir entre um original do autor e
u m a obra gerada digitalmente.

A e s p e c i a l i s t a em IA, M a r g a r e t A. B o d e n , dedicou-se, nos ú l t i m o s anos,


a pesquisar as p o s s í v e i s r e l a ç õ e s entre c o m p u t a ç ã o e c r i a t i v i d a d e , ou c o m o
p o d e r i a um p r o g r a m a de c o m p u t a d o r gerar idéias criativas. P r i m e i r a m e n t e , é
necessária u m a a n á l i s e d a a c e p ç ã o d o termo criatividade , que, s e g u n d o B o d e n ,
c o n s i s t e na c a p a c i d a d e das pessoas em p r o d u z i r idéias criativas, isto é, novas,
s u r p r e e n d e n t e s e c o m q u a l i d a d e . P o r é m , a c r i a t i v i d a d e n ã o é um f e n ô m e n o
d o tudo-ou-nada.

Não é sequer uma questão de grau, porque não existe um espectro único a partir
do qual possam se situar os casos individuais. (...) Uma idéia pode ser nova só
em relação à mente do indivíduo a qual pertence, ou mesmo, até onde sabemos,
em relação ao conjunto da história da humanidade. 62

62 Margaret A. B o d e n . " C o m p u t i n g and creativity", in: T. B y n u m (Ed.). The Digital Phoenix: How
Computers Are Changing Philosophy. Oxford: Blackwell, 1998 (trad. esp. "Computación y creatividad",
in: Claudia Ciannetti (Ed.). Arte facto & ciência. Madri: Fundación Telefônica, 1999, p.26).

106 - CLAUDIA GIANNETTI


Os parâmetros de n o v i d a d e e surpresa são f a c i l m e n t e a l c a n ç á v e i s pelos
sistemas de IA, c o m o Aaron, utilizando parâmetros estéticos ou transformações
surpreendentes ao acaso. M a i s c o m p l e x o é o critério de valor, já q u e existe o
d i l e m a de q u e as " a s idéias se c o n s i d e r a m valiosas por tod o tipo de razões, e
essas razões em si m e s m a s v a r i a m ao longo do t e m p o e do e s p a ç o " . 6 3 Conse-
q ü e n t e m e n t e , a questão seria se um c o m p u t a d o r poderia r e c o n h e c e r o v a l o r do
resultado de sua p r o d u ç ã o . Para B o d e n , o p r o b l e m a p o d e manifestar-se de d u a s
maneiras: em p r i m e i r o lugar, " p o d e r í a m o s perguntar se ao programa p o d e m ser
d a d o s alguns critérios de a v a l i a ç ã o ( q u e c o n s i d e r a m o s ) a d e q u a d o s , a fim de
q u e e l e os a p l i q u e a u t o m a t i c a m e n t e a suas próprias idéias i n o v a d o r a s . Em
s e g u n d o lugar, p o d e m o s perguntar se o programa em si poderia apreciar , real e
genuinamente, o valor".64

C o m o s a b e m o s , existem programas informáticos artísticos q u e d i s p õ e m


de d e t e r m i n a d o s critérios de a v a l i a ç ã o e que, inclusive, p o d e m autodesen-
v o l v e r n o v o s v a l o r e s s e g u n do o êxito das p r o d u ç õ e s realizadas ( c o m o no c a s o
dos sistemas de v i d a artificial ou programas q u e t ê m heurísticas para m o d i f i c a r
os e s p a ç o s c o n c e i t u a i s , ou para m u d a r suas próprias heurísticas). Portanto, a
controvérsia estaria na questão da i n t e n c i o n a l i d a d e e da c o n s c i ê n c i a , isto é, se
os c o m p u t a d o r e s saberiam, realmente, o q u e estariam f a z e n d o ao a u t o v a l o r a r
sua obra. É e v i d e n t e q u e Aaron não p o d e refletir sobre suas criações e t a m p o u c o
tem, n e m real n e m v i r t u a l m e n t e, n e n h u m a c o n e x ã o causal c o m o m u n d o mate-
rial. P o r é m , da m e s m a m a n e i r a q u e programas c o m o o Eurisko p o d e m explorar
e transformar seu próprio estilo de processamento, n ã o seria absurdo postular
q u e um p r o g r a m a desse tipo pudesse produzir arte.

O ponto crucial aqui é que compreendemos tão pouco sobre este sentido parti-
cular da consciência, que apenas sabemos como falar dele e ainda menos como
explicá-lo. Quando dizemos com tanta confiança que temos consciência, não
sabemos o que estamos dizendo. Nestas circunstâncias, não temos condição de
provar que nenhum computador poderia chegar a ser consciente. Enfim, se a
criatividade envolve, mais que a avaliação auto-reflexiva das idéias, a experiência
consciente, e se nenhum computador pode ter experiência consciente, então
nenhum computador poderá "realmente" ser criativo. Porém, este "se" condi-
cional é muito hipotético.65

Ainda não p o d e m o s responder, de forma inequívoca, todas essas perguntas


e t e m o s muitas outras q u e n e m sequer s a b e m os e x a t a m e n t e c o m o formular.
P o r é m , o interesse despertado por esses debates se fixa no q u e s t i o n a m e n t o dos
c o n c e i t o s de artista, autoria, originalidade, obra de arte, criatividade, c o n s c i ê n c i a
do significado de c r i a ç ã o e v a l o r artístico, assim c o m o na reflexão sobre os
processos mentais e n v o l v i d o s na c r i a ç ã o e na r e a l i z a ç ã o artísticas.

63 Margaret A. Boden, op. cit., p.31.


64 Ibidem, p.32.
65 Margaret A. B o d e n . La mente creativa. Mitos y mecanismos. Barcelona: Cedisa, 1994, p.378.

Estética Digital - 107


Autor e receptor

C o m o apontamos, algumas das "generalizações" colocadas entre parên-


tesis pelos questionamentos pós-modernos referem-se ao autor e ao receptor ou
observador. Essa preocupação, porém, não é nem tão contemporânea, nem tão
pós-moderna c o m o se pode insinuar. A proclamação da "morte do autor" pelos
herdeiros contemporâneos do pensamento hegeliano foi, sem dúvida, polêmi-
ca, mas só pode ser entendida num amplo contexto de reflexão em torno das
funções de autor e receptor desenvolvidas ao longo de todo o século X X . Neste
processo destaca-se a figura do russo Mikhail Bakhtin (1895-1975), esquecido
até os anos 1970 e considerado, hoje em dia, um dos mais representativos teó-
ricos da literatura. Profundo crítico do formalismo ( " A estética formalista, de
fato, não é mais que uma estética material."), propõe uma igualdade de impor-
tância entre autor e receptor da obra, assim c o m o uma c o n c e p ç ã o da dimensão
estética muito mais ampla, uma vez que a situa de forma dialógica no vasto
contexto da prática cultural, filosófica e histórica. Seu ensaio "O problema do
autor", escrito provavelmente na primeira metade dos anos 1920, só foi publi-
c a d o em russo em 1975 e se conservou unicamente em partes. Porém, os frag-
mentos existentes são suficientemente consistentes para transmitir as idéias fun-
damentais de Bakhtin. M e s m o que seus argumentos sejam dirigidos à literatura,
são, sem dificuldade, extrapoláveis para outros campos da arte.

Bakhtin questiona, a princípio, a importância que se pode dar ao "mate-


rial" c o m o qual trabalha o autor: a língua. " U m poeta não cria no mundo da
língua, mas somente utiliza a língua. A tarefa do artista determinada pela tarefa
artística principal, em relação ao material, pode ser expressa c o m o superação
do material."66 Essa forma de minar, do interior, os argumentos deterministas ou
positivistas, eqüivale perfeitamente às distintas formulações descontinuístas que
assinalamos em outros capítulos, especialmente duas delas: a crítica à centrali-
dade do discurso estético no objeto ou na matéria; e a rejeição da teoria infor-
macional e sua obsessão pelo código (ao que poderíamos acrescentar, deste
modo, uma crítica do próprio Bakhtin: "O código representa unicamente um
recurso técnico da informação e não tem significado cognitivo e criativo. O
código é o contexto estabelecido deliberadamente e mortificado." 6 7 ).

A esses questionamentos de base, Mikhail Bakhtin acrescenta uma série


de perguntas incisivas:

Acaso devemos perceber as palavras de uma obra literária precisamente como


palavras, ou seja, em seu determinismo lingüístico? Acaso devemos sentir uma
forma morfológica justamente como tal, uma forma sintática como sintática, uma

" M i k h a i l Bakhtin. Estética de Ia creación verbal. M é x i c o : Siglo X X I , 1992, p.168, grifo do autor; ver
t a m b é m Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992; e ainda, A cultura popular na
Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais, trad. Yara Frateschi Vieira. São
Paulo: H u c i t e c; Brasília, Editora da Universidad e de Brasília, 1993.
67 M. Bakhtin. " D e los apuntes de 1970-1971", in: Estética de Ia creación verbal, op. cit., p.370.

1 0 8 - CLAUDIA GIANNETTI
série semântica como semântica? Acaso a totalidade de uma obra literária vem a
ser, no essencial, uma totalidade verbal?

E conclui:

O que é preciso entender não é o aparato técnico, mas a lógica imanente à


criação e, principalmente, é preciso que se compreenda a estrutura axiológico-
semântica na qual transcorre e se aprecia, valorativamente, a criação; é preciso
compreender o contexto no qual se dota de sentido um ato criativo.68

D i t o de outra maneira , a p r e d o m i n â n c i a da matéria ou da forma reduz a


tarefa artística a um m o m e n t o s e c u n d á r i o e totalmente d e t e r m i n a d o .

A superação do material d e v e vir a c o m p a n h a d a , do m e s m o m o d o , de


u m a revisão do papel do autor e do receptor. B a k h t i n introduz, assim, o tem a da
" c r i s e da a u t o r i a " . Para ele, a crise do autor n ã o está r e l a c i o n a d a e x c l u s i v a-
m e n t e c o m o i n d i v í d u o ou c o m seu âmbit o de c r i a ç ã o , mas i m p l i c a a revisão do
próprio lugar da arte na totalidade da cultura, u m a v e z q u e o " o b j e t i v o do artista
n ã o d e v e ser superar outros na arte, mas [superar] a arte m e s m a " . O m o m e n t o
de crise é, para B a k h t i n , o da não-aceitaçã o das áreas da cultura em seu deter-
m i n i s m o . S u a p r o p o s i ç ã o sintoniza perfeitamente c o m a idéia de situar a arte
além da arte. O autor é e n t e n d i d o c o m o parte intrínseca da obra e, portanto, sua
existência c o m o i n d i v í d u o d e s a p a r e c e para ressurgir no processo de r e c e p ç ã o
d o leitor. " O autor n ã o p o d e n e m d e v e ser por nós d e f i n i d o c o m o pessoa,
p o r q u e estamos nele, v i v e n c i a m o s sua visão ativa." Conseqüentemente , "o autor,
antes de tudo, d e v e ser c o m p r e e n d i d o a partir do a c o n t e c i m e n t o da obra c o m o
seu participante." 6 9

Em seus escritos de 1 9 7 0 - 1 9 7 1 , Bakhtin expõe, d e f o r m a mais direta, a


idéia de um receptor ativo, q u e participa no " a c o n t e c e r " da obra. Por um lado,
n ã o se p o d e entender o processo de leitura e c o m p r e e n s ã o de u m a obra c o m o
u m a simples t r a d u ç ã o de u m a linguagem a l h e i a a ela própria, u m a v e z q u e a
c o m p r e e n s ã o d o leitor consiste e m sua c a p a c i d a d e d e c o m p l e t a r a o b r a d e
forma ativa e criativa. Para Bakhtin, a q u e l e q u e c o m p r e e n d e , aproxima-se da
obra c o m u m a v i s ã o de m u n d o própria, c o m seu ponto de vista, a partir de suas
posições e, portanto, transforma o ato de ler em um ato de "co-criatividade". M a i s
u m a v e z B a k h t i n nos s u r p r e e n d e c o m sua v i s ã o p r e m o n i t ó r i a : a l é m d e trans-
formar o receptor em p a r t í c i pe do ato de c r i a ç ã o , valor a esse sucesso c o m o um
ato d e " i n t e r a ç ã o " :

O complexo acontecimento do encontro e da interação com a palavra alheia foi


subestimado quase totalmente pelas respectivas ciências humanas (principalmente
pela ciência literária). (...) O objeto verdadeiro é a interação e a relação mútua
entre os espíritos.70

68 M. Bakhtin, op. cit., p.169.


69 Ibidem, p.180-181.
70 Ibidem, p.366.

Estética Digital - 109


A arte se abre ao receptor por meio de um processo interativo que se
plasma no processo co-criativo de recepção da obra.
Encontraremos n o v a m e n t e essas idéias básicas numa série de teorias
pós-modernas dedicadas à questão do autor, do observador e da obra interativa.
Esse diálogo contextual e hipertextual que se aplica de igual modo à relação
entre os textos e as situações extra-textuais (do entorno) condu z a uma genera-
lização do conceito de texto, que também está presente na Teoria de Sistemas,
nos princípios do Estruturalismo e, especialmente, nos trabalhos de Levi-Strauss,
Lacan e Derrida.

A m e s m a p r e o c u p a ç ã o e n c o n t r a m o s na p r o d u ç ã o artística d o s anos
1960 e 70, c o m o na arte c o n c e i t u a i , na arte c i n é t i c a e p a r t i c i p a t i v a , na
primeira arte c i b e r n é t i c a e, mais a m p l a m e n t e , a posteriori, na media art.
M a i s q u e u m a mera transformaçã o do e n f o q u e da questão, significa uma
substituição p a r a d i g m á t i ca do m o d e l o de p e r c e p ç ã o ( c o m o foi a p l i c a d o na
Minimal Art, na Op Art, entre outros) pelo m o d e l o de linguagem, isto é, de
estruturação semântica de elementos não necessariamente lingüísticos. Isto
p e r m i t e investigar tanto os e l e m e n t os sociais (contexto) c o m o os elemento s
s e m â n t i c o s no " t e x t o " da obra.

A partir das teorias semiológicas e estruturalistas, torna-se mais sistemática


a investigação sobre a relação entre artista-obra-observador e, especificamente,
sobre a maneira c o m o a recepção pode fazer parte da construção da obra. En-
quanto as primeiras indicam que a obra de arte só adquire significação por meio
do ato de recepção da mesma, as segundas suprimem a intenção de autoria única
do artista, já que a obra não é entendida c o m o propriedade individual, mas como
elemento inerente ao sistema no qual se origina: o autor se transforma, assim,
também em intérprete. Esses são pontos de partida que conduzem a duas posturas
distintas: declarar, r a d i c a l m e n t e, a " m o r t e do autor", c o m o R o l a n d Barthes;
ou reformular a teoria estética, c o m o propõe a estética da recepção (movimento
lançado a partir de 1965, no contexto da Universidade de Constanza, que tem em
W o l f g a n g Iser e Hans Robert Jauss seus destacados representantes).
A estética da r e c e p ç ão pretende superar os e q u í v o c o s das teorias ante-
riores, que fracassaram na articulação coerente da relação autor-obra-receptor,
entendida c o m o um processo de c o m u n i c a ç ã o . Crítica c o m a falta de perspec-
tiva contextual dos enunciados estruturalistas, recupera a noção de historicidade
c o m o fator intrínseco (idéia já apontada, c o m o vimos, por Bakhtin nos anos
1920). Trata-se, principalmente, de liberar o discurso estético de sua auto-refe-
rencialidade (a análise da obra no interior da própria obra), introduzindo outros
elementos na metodologia de valoração, como a relativização histórica, o marco
de sentidos, a esfera cultural do leitor etc.

Jauss desenvolve sua estética da recepção c o m base em dois argumentos


inter-relacionados: primeiro, o "horizonte literário interno" é definido pela
própria obra; segundo, o "horizonte de expectativas" concernente ao receptor e
ao processo de recepção nunca é neutro, mas sempre contextual, uma vez que
o receptor pertence a uma época e uma sociedade determinadas. W o l f g a n g Iser,
porém, distancia-se do primeiro argumento e propõe uma "estética do efeito",

1 1 0 - CLAUDIA CIANNETTI
c u j o o b j e t i v o é investigar os efeitos q u e a obra causa no receptor a partir de um
"triplo a v a n ç o d i a l é t i c o do texto, do leitor e da interação q u e a c o n t e c e entre
eles". 7 1 O processo de r e c e p ç ã o é o q u e permite ao objeto ou ao texto conver-
ter-se em obra. V e m o s r e c u p e r a d a , aqui, a idéia de Bakhtin c o m respeito à inte-
ração obra-espectador.

Constatamos, assim, q u e em m e a d o s dos anos 1970, a discussão em torno


a discursos polarizados (autoria única - receptor partícipe) se m a n t é m v i v a , sendo
q u e Bakhtin, 50 anos antes, já havia realizado u m a síntese r e v e l a d o r a - t a l v e z
d e u m a m a n e i r a m e n o s sistemática, p o r é m não m e n o s significativa. N o entanto,
é preciso ressaltar dois termos propostos por Iser q u e a b r e m n o v a s perspectivas
ao receptor. Por um lado, o de " v i r t u a l i d a d e da o b r a " , q u e lhe c o n f e r e u m a
c o n d i ç ã o aberta e d i n â m i c a , necessária para q u e o receptor possa "ativá-la". 7 2
Um texto (ou u m a obra) é um espaço inconcreto, pleno de alusões extra-textuais
e p o t e n c i a l i d a d e s significativas, p o r é m , t a m b é m de e s p a ç os " v a z i o s " à espera
de sua c o n c r e t i z a ç ã o . 7 3 Por outro lado, está a idéia da d u p l a vertente de "leitor
i m p l í c i t o " e "leitor r e a l " . E n q u a n t o o p r i m e i r o é receptivo às estruturas do texto,
o s e g u n d o joga c o m a reconstrução da obra. 7 4

G r a n d e parte das teorias q u e d i s c o r r e m sobre as n o ç õ e s de autor e


r e c e p t o r t r a b a l h a , portanto, c o m d u a s hipóteses c o m u n s : a c e n t r a l i d a d e d o
discurso no objeto definido e c o n c l u í d o (o texto na maioria dos casos); e segundo,
a pressuposiçã o de q u e o o b j e t o ou o texto incorpora um significado ou q u e é
possível q u e o receptor lhe confira um significado d e t e r m i n a d o. A m b a s propo-
sições são questionadas pelas novas interpretações q u e a p a r e c e m v i n c u l a d a s à
media art, e s p e c i a l m e n t e nos c a m p o s interativos e telemáticos, tema q u e abor-
daremos no próximo capítulo.

Meta-autor e receptor-partícipe

As obras participativas p e r m i t e m o acesso do o b s e r v a d o r à e x p e r i ê n c i a


criativa de u m a m a n e i r a n ã o só mental - c o m o sugere a estética da r e c e p ç ã o -
mas t a m b é m factual e explícita. V i m o s , anteriormente, c o m o a Art e C i b e r n é t i c a ,
c o m base nas teorias da c o m u n i c a ç ã o b i d i r e c i o n a l , p r o p õ e a r e f o r m u l a ç ã o da
p o s i ç ã o " p a s s i v a " d o espectador diante d a obra d e arte. C i t a m o s c o m o e x e m p l o
a Tour-lumière Cybernétique de N i c o l a s Schõffer, q u e pretendia estabelece r um
d i á l o g o aberto entre obra, o b s e r v a d o r e meio. A arte participativa preocupa-se,
p r i m o r d i a l m e n t e , c o m essa abertura d a obra à i n t e r v e n ç ã o d o observador. U m
passo ainda mais radical é d a d o pelos sistemas interativos digitais. S ã o sistemas
c o m p l e x o s , abertos e pluridimensionais, nos quais o receptor, q u e c h a m a r e m o s

71 W o l f g a n g Iser. El acto de leer. M a d r i : Taurus, 1987, p.12 (O ato da leitura: uma teoria do efeito
estético. São Paulo: Editora 34, 1999.)
72 Recordamos q u e U m b e r t o Eco fala, a partir da semiótica, de "obra aberta".
73 E c o fala de "elementos não ditos".
74 E c o fala de "leitor m o d e l o " que participa de m o do " c o o p e r a t i v o " na interpretação.

Estética Digital - 1 1 1
aqui interator, 75 além de "atuar" mentalmente no espaço da obra, desempenha
um papel prático f u n d a m e n t a l na sua efetivação. Tanto o processo de inte-
g r a ç ã o ativa do observador c o m o as peculiaridades do sistema digital interativo
dão lugar a novos questionamentos sobre os paradigmas estéticos e incitam a
uma revisão essencial das posturas sobre a relação entre criação e recepção,
sobre a função do receptor e o significado de autor.
U m a a m p l i a ç ão radical de nossos marcos conceituais, c o m o supõe a
media art, implica também mudanças importantes na forma de percepçã o origi-
nada por esse tipo de obras. O artista norte-americano M y r o n Krueger, um dos
precursores da arte interativa, c o m e ç o u seu trabalho nesse c a m p o c o m o obje-
tivo de investigar precisamente as variações na percepção do espectador provo-
cadas pelos sistemas interativos. Krueger partiu de um interesse básico: estudar
o fenômeno da relação entre o ser humano e o computador, fenômeno que ele
considera o mais significativo de nossa época. Depois de estudar ciências eletrô-
nicas, descobriu que, para compreender as potencialidades da interface humano-
máquina, teria que partir de critérios não estritamente técnicos, mas estéticos.

Seu primeiro environment interativo denominado Clowflow foi exposto


ao público em 1 969. Tratava-se de uma instalação na qual seis interruptores de
pressão ativavam-se quando as pessoas caminhavam sobre eles. Dado o elevado
número de visitantes no espaço, o sistema esteve continuamente ativado e as
pessoas não perceberam que a obra reagia a sua presença. Essa falha permitiu a
Krueger descobrir que o objetivo não era, exatamente, criar arte interativa, mas
converter o sistema interativo numa forma artística acessível e compreensível
ao p ú b l i c o . Isso s u p u n h a subordinar os interesses p u r a m e n t e estéticos tradi-
c i o n a i s à criação de uma relação interativa entre o observador - transformado
em partícipe ou interator - e a obra. Havia, portanto, que redefinir três c a m p o s
essenciais: o da percepção, da exibição e da estrutura.

Nesse tipo de instalação reativa, o estudo da percepção é fundamental,


já que a obra d e v e reagir ante a conduta humana - isto é, "interpretar" correta-
mente a ação do interator-e deve existir uma consciência por parte do público
da c a p a c i d a d e de reação da obra - em conseqüência, deve favorecer a capaci-
dade de "entender" corretamente a proposta de diálogo que oferece a obra. Isto
significa dar uma nova dimensão ao sistema e ao receptor, por conseguinte, os
aparelhos informáticos utilizados na obra d e v e m , a l é m de processar infor-
m a ç ã o , captar e "perceber" as mensagens enviadas pelo público. Por outro lado,
o observador entra em contato direto c o m a obra, modificando-a segundo suas
ações. É importante insistir no fato de que se trata de uma intervenção direta,
freqüentemente intuitiva e funcional, ao contrário da dimensão intelectual dos
receptores " m o d e l o " ou " i m p l í c i t o " antes citados.

5 Espectador e observador são termos que, do ponto de vista da relação entre receptor e obra, têm uma
..conotação contemplativa e distanciada, portanto, inadequados para expressar o vínculo interativo entre
ambos. A palavra "usuário", empregada comumente, provém da função de "uso" que as pessoas fazem do
computador ou de outro aparato, que não é, necessariamente, uma ação interativa. Assim, propomos o
termo interator para fazer referência àquela pessoa que participa ativamente na obra e interage c o m um
sistema. O termo foi empregado no c a m p o do teatro interativo por Kristi Allik e Robert M u l d e r no texto
"Electronic purgatory", publicado no catálogo Ars Electronica 1992, p.207-208.

112 - CLAUDIA GIANNETTI


Figura 9 - M. Krueger, Videoplace, imagem da projeção

Krueger propõe, definitivamente, a p l i c a r à arte o m o d e l o dos seres v i v o s


em interação c o m o meio, no qual a p e r c e p ç ã o e a atividad e física estão estrita-
m e n t e v i n c u l a d a s . " N a vida real, nos e n v o l v e m o s c o m o m u n d o " , afirma o artista.
Assim deveria ser, t a m b é m, na arte: a arte interativa d e v e transformar a obra n u m
espaço, n u m a m b i e n t e experimentáve l física e c o g n i t i v a m e n t e pelo visitante.

As obras que exigem uma ação física põem em funcionamento uma parte do cérebro
desprezada pela cultura ocidental em favor da experiência cerebral puramente
passiva. (...) Porém, é possível imaginar um alto grau de implicação numa expe-
riência que questione algumas hipóteses sobre a realidade e sobre o próprio caráter
da experiência, tanto no momento em que essa se desenvolve como depois.76

Q u a n d o f a l a m o s d e interação , d e p a r t i c i p a ç ã o por parte d o p ú b l i c o ,


i n c i d i m o s e m outro a s p e c t o b á s i c o , s e m d ú v i d a distinto dos m o d e l o s d e "inte-
r a ç ã o " entre obra e receptor propostos por Bakhti n ou por Iser: a n o v a estrutura
da obra de arte interativa. U m a obra flexível, q u e dê lugar à i n t e r v e n ç ã o do
público, d e v e ser dotada, necessariamente, de uma estrutura aberta, q u e permita
esse acesso. Isto significa distanciar-se do m o d e l o de estrutura definida e acaba-
da da obra de arte " t r a d i c i o n a l " , c o m o p r o p õ e m as reflexões em torno da idéia

76 M y r o n W. Krueger. " U n cuarto de siglo de arte electrónico interactivo", no dossiê Fisiones y fusiones:
arte, cultura y nuevos médios (coord. Claudia Giannetti), n° 53. Madri: Letra Internacional, nov.-dez.
1997, p.55.

Estética Digital - 113


de d e s m a t e r i a l i z a ç ã o . A arte interativa subvert e o sistema o b j e t u a l estável e
c o n c l u í d o pelo artista, um sistema p r e d o m i n a n t e em nossa cultura o c i d e n t a l e
em suas manifestaçõe s artísticas. Trata-se de instaurar um c a n a l de i n t e r c â m b i o
de i n f o r m a ç ã o entre obra, espectador e m e i o q u e c h e g u e a configurar u m a rede
dialógica suficientemente aberta, na qual não c i r c u l e m somente dados, mas por
m e i o da q u a l se a l c a n c e a c o m u n i c a ç ã o . A s s i m , n ã o se trata de p r o c l a m a r ,
c o m o muitos têm feito, a morte do autor, mas de impulsar uma nova compreensão
d o c o n c e i t o d e autoria.

O e x e m p l o do nexo entre H a r o l d C o h e n e Aaron e x p õ e essa c o m p l e x a


situação d o criador e m relação c o m o s processos t e c n o l ó g i c o s d e p r o d u ç ã o ,
q u e afetam, direta ou indiretamente, o m o d o de r e c e p ç ã o da obra. A pergunta
sobre " q u e m " é o autor da obra nos leva a um d e s d o b r a m e n t o i n e l u d í v e l. V á r i o s
teóricos, entre outros D o u g l a s Hofstadter, p r o p õ e m a figura do meta-autor, q u e
seria o autor do resultado. No c a s o de C o h e n , o autor do resultado é o programa
Aaron; portanto, esse é c o n s i d e r a d o o autor das obras geradas, e n q u a n t o C o h e n
é o meta-autor, c o m o criado r do sistema Aaron. " A o ser h u m a n o c o r r e s p o n d e o
mérito de ter i n v e n t a d o o programa, p o r é m não o de ter tido em sua própria
c a b e ç a as idéias produzidas pelo programa." 7 7

P o d e m o s constatar o d e s e n v o l v i m e n t o de um processo s e m e l h a n t e nas


obras interativas, naquela s em q u e a p a r t i c i p a ç ã o ativa do interator é um fator
constituinte do próprio processo de g e r a ç ã o da obra. N e s s e caso, a f u n ç ã o do
interator p o d e r i a c h e g a r a ser a de co-autor da obra ( d e p e n d e n d o do grau de
interatividade permitido e o f e r e c i do pela obra, assunto q u e e l u c i d a r e m o s mais
adiante), e n q u a n t o o artista se c o n v e r t e em meta-autor. Porém, essas categorias
n ã o d e v e m ser entendidas de maneira hierárquica ou segundo distintos níveis de
i m p o r t â n c i a ; é f u n d a m e n t a l concebê-las c o m o partes c o m p l e m e n t a r e s da obra.

P o d e p r o v o c ar grande desconcerto o fato de um programa, ao dispor de


diversos níveis de a u t o n o m i a , d e s e m p e n h a r um p a p e l efetivo na c r i a ç ã o , ou de
querer e q u i p a r a r o imaginário h u m a n o c o m a c a p a c i d a d e de p r o c e s s a m e n t o de
d a d o s f o r m a l m e n t e p r e d e t e r m i n a d o s de um software, escrito para desempe-
nhar u m a tarefa precisa. O compositor M i k h a i l M a l t destaca os p r o b l e m a s resul-
tantes da c o m p a r a ç ã o entre a f o r m a l i z a ç ã o c o m p l e t a da c r i a ç ã o - no seu caso,
m u s i c a l - e o ato h u m a n o de c o m p o r , no qual o autor se m o v e no reino dos
sentidos e se expressa por meio de uma linguagem qu e possui alguns significados
e, p r i n c i p a l m e n t e , u m a grande m a r g e m de a m b i g ü i d a d e .

Ambigüidade que dá lugar a analogias, metáforas e qualquer outra forma de


ralação incerta, das que se alimenta, muitas vezes, o imaginário do compositor.
(...) Em compensação, o computador pertence a outro mundo, um mundo pura-
mente sintático, regido por regras estritas de transformação e de cálculo. Este
universo muito particular não tolera a ambigüidade. Toda mensagem mandada

77 Douglas Hofstadter. Gódel, Escher, Bach: un eterno ygrácil bucle, S ed. Barcelona: Tusquets Editores
& Conacyt, 1 995, p.673. ( C õ d e l , Escher, Bach: um entrelaçamento de gênios brilhantes. Brasília: Ed.
U n B , 2001.)

1 1 4 - CLAUDIA GIANNETTI
a um sistema qualquer deve estar de acordo com um código preestabelecido.
As instruções devem ser formalmente explícitas, uma vez que a máquina não
sabe interpretar ordens em função de situações específicas ou de contextos gerais
(exceto, naturalmente, se isto tiver sido previsto na sua programação!). 78

S e g u n d o essas c o n s i d e r a ç õ e s, o e m p r e g o da C o m p o s i ç ã o Assistida por


C o m p u t a d o r - C A C e m escrita m u s i c a l adeqúa-se mais aos m o d e l o s d e c o m p o -
s i ç ã o lógicos e q u e s e g u e m certas analogias, q u e aos m o d e l o s metafóricos, esti-
lísticos ou estéticos. A grande n o v i d a d e da u t i l i z a ç ão do c o m p u t a d o r para a
c r i a ç ã o " n ã o consiste na f o r m a l i z a ç ão da teoria, mas na f o r m a l i z a ç ão da prática,
da a c e i t a ç ã o , do â m b i t o t r a d i c i o n a l da e x p e r i ê n c i a pessoal, do intransmis-
s í v e l " . 7 9 Os criadores atuais d e v e m ser conscientes de q u e a f o r m a l i z a ç ã o é um
" s u p o r t e " intelectual para a arte, a l é m de converter-se em um instrumento para
potencializar a c o m u n i c a ç ã o h u m a n o - m á q u i n a. Argumento q u e recalca a idéia de
q u e não p o d e existir u m a hierarquia de importância na r e l a ç ã o entre meta-autor
e autor-/nferafor-máquina no processo de criação, no qual a máquina desempenha
um p a p e l ativo, já q u e as c o n t r i b u i ç õ e s de a m b o s são sempre c o m p l e m e n t a r e s
e baseiam-se na c u m p l i c i d a d e ; ponto de vista contrário à idéia conservadora de
q u e a m á q u i n a é u m a simples ferramenta passiva e n ã o m e d i a d o r a .

Os e x e m p l o s e reflexões anteriores c o n d u z e m a u m a c o n s t a t a ç ã o funda-


mental: a arte atual, q u e utiliza uns e outros meios, ferramentas ou suportes, n ã o
só se questiona c o n s t a n t e m e n t e a si mesma, mas suscita o debat e sobre o p a p e l
do artista, a p o s i ç ã o de o b s e r v a d o r frente à obra de arte, a f u n ç ã o da obra, o
p a p e l da m á q u i n a no processo de c r i a ç ã o e - o q u e é f u n d a m e n t a l - a r e l a ç ã o
entre artista, obra e receptor. A c o n t í n u a r e i n c i d ê n c i a nessas questões, assim
c o m o a s distintas perspectivas o u pontos d e vista adotados e m c a d a m o m e n t o ,
d e m o n s t r a m q u e n ã o é possível estabelecer d e f i n i ç õ es universais ou introduzir
m o d e l o s inflexíveis e h o m o g ê n e o s para todo o c o n j u n t o da c r i a ç ã o artística
c o n t e m p o r â n e a , c o m o p r e t e n d i a a Estétic a I n f o r m a c i o n a l o u C i b e r n é t i c a ,
p o r q u a n t o a própria arte c o l o c o u em prática u m a d i n â m i c a de constante reno-
v a ç ã o e r e f o r m u l a ç ã o desses c o n c e i t o s e relações.

78 M i k h a i l Malt. "Reflexiones sobre el acto de c o m p o n e r " , in: Eduardo Reck Miranda (Ed.). Música y
nuevas tecnologias. Perspectivas para el siglo XXI. Barcelona: L'Angelot, 1999, p.66.
79 Ibidem, p.67.

Estética Digital - 115


CAPÍTULO 4
A r t e interativa

Interatividade

A questão da interface

No primeiro capítulo tratamos a questão da prova de Turing e destacamos


sua ênfase especial na necessidade de gerar, para tornar possível a c o m u n i c a ç ã o
entre seres humanos e máquinas, um elemento "intermediário" que funcionasse
c o m o "tradutor" das informações transmitidas em linguagem simbólica para a
linguagem do c o m p u t a d o r (código binário). A idéia de Turing antecede a con-
c e p ç ã o do que chamamos atualmente a interface entre pessoas e sistemas eletrô-
nicos, um "intermediário" necessário, já que, ao contrário da c o m u n i c a ç ão direta
entre máquinas (por meio de interfaces de hardware e de software), o acopla-
mento entre mentes e máquinas (do ponto de vista da tecnologia atual) ainda
não é inteiramente possível.

O modelo de comunicaçã o de Claude Shannon, citado no segundo capí-


tulo, mesmo que seja um modelo convencional e unidirecional, oferece uma
segunda pauta para a compreensão da comunicação por meio da interface. En-
quanto o processo de comunicação linear não aceita a retroalimentação, o sistema
de correção na transmissão de dados, necessário em virtude da existência de fontes
de ruído, dispõe de um sistema de feedback. Esse sistema de correção baseia-se
num enunciado fundamental, segundo o qual todas as formas de acoplamento entre
sistemas sofrem os efeitos (isto é, os ruídos) da distância existente entre os sistemas
acoplados. Esse fato acentua a necessidade de minimizar a separação espaço-tem-
poral entre emissor e receptor, ou de desenhar um sistema de interface que permita
um acoplamento cada vez mais contíguo e sincronizado entre ambos. De acordo
com a concepção matemática da comunicação de Shannon, seria possível detectar
e descrever essas fontes de ruído, precisamente porque se presume a possível
geração de um canal de comunicação formalizado de maneira "racional", isto é,
não-emocional. Porém, investigações sistêmicas mais atuais questionam essa hipó-
tese e revelam que no campo da comunicação humana intervém perturbações
provenientes das próprias pessoas implicadas na comunicação, que podem chegar
a ser muito mais intensas que as "fontes de ruído" entre emissor e receptor, descritas
por Shannon. A questão, portanto, centra-se na eventual possibilidade de ade-
quar a arquitetura dos diferentes sistemas aos problemas específicos da comuni-
cação humana e, no caso de ser viável, qual seria o processo empregado. 1

' Cf. W u l f R. Halbach. Interfaces: Medien - und kommunikationstheoretische Elemente einer Interface-
Theorie. M u n i q u e : W i i h e l m Fink Verlag, 1 994.
As interfaces técnicas ( H u m a n Computer Interfaces) desempenham um
papel semelhante ao dos " m e i o s " que os seres humanos necessitamos para
c o m u n i c a r e facilitam o acoplamento entre diferentes sistemas. Nesse processo,
trata-se tanto de buscar a redução da distância e do tempo de c o m u n i c a ç ã o
c o m o de alcançar a otimização do tempo de reação e da flexibilidade na inter-
relação. Essa o t i m i z a ç ã o implica reconsiderar a c o m p r e e n s ã o das posições
assumidas por cada sistema - sujeito e máquina - q u e intervém no processo
de c o m u n i c a ç ã o : o sujeito deixa de ser o operador que controla consciente e
integralmente uma ferramenta; e a m á q u i n a experimenta um c r e s c i m e n t o pro-
gressivo no grau de independência de seu funcionamento, isto é, já não é uma
"simples" ferramenta "inerte" no sentido tradicional.

Figura 10 - W i l l i a m Bricken, m o d e lo de interface, 1983 (1)

O gradual nivelamento de posição e importância no processo de comu-


n i c a ç ã o humano-máquina fica perfeitamente evidente no modelo de interface
proposto por W i l l i a m Bricken. 2 C o m esse modelo, Bricken tenta minimizar as
distâncias entre os sistemas (A) e (B) e, por outro lado, fazer notar a influência mútua
do processo de interação nos agentes. Isto significa que cada transmissão de
informação exerce influência nos estados dos sistemas acoplados e os define.
No Ponto 4 do Diagrama 2, Bricken introduz outro elemento de c o n i v ê n c i a: o
contexto. O limite da inteface entre os agentes representa, segundo ele, o conhe-
cimento do contexto da interação por parte dos agentes interatuantes. A intro-
d u ç ã o do parâmetro contexto no processo de interação significa, igualmente, a
inserção de sua c o n d i ç ã o c o m o fator influente no processo de c o m u n i c a ç ã o .
Na medida em que os sistemas compartilham o mesmo contexto, este é parte
integrante da interação e, ao mesmo tempo, pode ser alterado por esse processo.

2 W i l l i a m Bricken. " A n Interface M o d e l " , texto interno de A T A R I Systems Research, Ms (Draft), 1983,
p.5, citado por W u l f H a l b a c h , op. cit., p.161.

1 1 8 - CLAUDIA GIANNETTI
Figura 11 - W i l l i a m Bricken, modelo de interface, 1983 (2)

V a l e a p e n a voltar a m e n c i o n a r a postura q u e adota N i k l a s L u h m a n n em


r e l a ç ã o ao fator contexto. E n q u a n t o a teoria dos sistemas a b a n d o n o u a idéia de
totalidade constituída por partes c o m objetivo de introduzir a referência explicita
ao meio, L u h m a n n dá um passo além, na medida em q u e c o n d i c i o n a a existência
das estruturas e dos processos de um sistema à sua r e l a ç ã o c o m um d e t e r m i n a d o
contexto, e afirma q u e aqueles só p o d e m ser e n t e n d i d o s em referência a este.
Esta i n t e r d e p e n d ê n c i a i n d i ca q u e n ã o é possível pensar ou gerar um sistema
interativo de forma i n d e p e n d e n t e , q u e seja a p l i c a d o a posteriori c o m o produto
a c a b a d o a um contexto q u a l q u e r . " E m presença de pessoas, os sistemas intera-
tivos se d e s e n v o l v e m a fim de resolver, por m e i o da c o m u n i c a ç ã o , o p r o b l e m a
da d u p l a c o n t i n g ê n c i a . A presença i m p l i c a a perceptibilidade , portanto, o aco-
p l a m e n t o estrutural a processos cognitivo s c o m u n i c a t i v o s e n ã o c o n t r o l á v e i s . " 3
A c o m u n i c a ç ã o na v i d a real, deste ponto de vista, é u m a o p e r a ç ã o a d a p t a d a ao
meio, p o r é m essa d e p e n d ê n c i a n ã o p o d e ser c o m p l e t a m e n t e c o n t r o l a d a de for-
ma c o g n i t i v a , isto é, n e n h u m a c o m u n i c a ç ã o é c a p a z de controla r c a d a um dos,
passos do processo. Ao contrário, para q u e um sistema artificial interativo sejal
efetivo, é necessário criar um c o m p o n e n t e q u e m a n t e n h a a e q u i v a l ê n c i a entre'
a ç ã o - r e a ç ã o : a interface humano-máquina. "O q u e entra no lugar de tal garantia,
de e q u i v a l ê n c i a é, u n i c a m e n t e , a referência t e m p o r a l da c o m u n i c a ç ã o , (...) u m a
v e z q u e esta opera de forma recursiva, isto é, a c o p l a d a a si m e s m a , e é por isto,
q u e t a m b é m p o d e refletir-se e corrigir-se a si m e s m a . " 4

3 Niklas Luhmann. Die Cesellschaft der Gesellschaft, vol. 2. Frankfurt: Suhrkamp Verlag, 1997, p.814

" I b i d e m , p.125-126.

Estética Digital - 119


Paralelamente ao contexto, o fator temporal é, por conseguinte, outro
referente que desempenha um papel relevante, tanto da perspectiva da própria
otimização da interação como processo recursivo, c o m o da perspectiva do lapso
de tempo de reação de ambos os sistemas. Esses são, de fato, alguns dos motivos
pelos quais os especialistas investigam, sistematicamente, as possibilidades de
alcançar uma interação em tempo real. Algumas definições do termo "interativi-
d a d e " a l u d e m à temporalidade dos programas, que permite " a ç õ e s recíprocas
no modo conversacional, c o m usuários, ou em tempo real, c o m aparelhos".'
Inclusive alguns autores acreditam que a noção de tempo real, inventada pelos
informáticos, resumiria, perfeitamente, a característica principal da informática:
a concentração no presente, o tempo pontual ou a operação em curso, que se
o p õ e aos estilos hermenêuticos, ao tempo circular da linguagem ou ao tempo
linear das sociedades históricas. 5

Apesar da atual popularidade da idéia de tempo real, concordamos c o m


Friedrich Kittler e W u l f Halbach, que valoram os chamados processos interativos
em tempo real c o m o simulações do chamado tempo real, uma vez que qualquer
transmissor ou receptor necessita um tempo específico de codificação e decodifi-
c a ç ã o da mensagem (sem mencionar o tempo necessário de entendimento e
processamento da informação recebida, ou o tempo de preparação e reflexão da
mensagem a enviar). O tempo real, como fator que indicaria a destruição de toda
e qualquer distância ou de espaços intermediários, significaria a coincidência
absoluta da codificação e decodificação do ponto de vista cognitivo. "Todas as
teorias atuais que pretendem distinguir entre tempo histórico e tempo eletrônico,
assim c o m o entre tempo dilatado e tempo real, são mitos. Real Time Analysis
significa, única e exclusivamente, que a demora ou a dilatação do tempo, o
tempo morto ou a história, são processados de modo tão rápido que permite saltar
para o próximo frame a tempo", 6 ou como confirma a conhecida asserção de
Frederick Brooks: " T h e hardest part of communication is the last four inches." 7

A vontade de otimizar o processo de interação e o tempo de reação


sujeito-máquina redunda na potencialização da visualização e da percepção, a
partir de outros sentidos humanos, da informação existente e m a n e j a d a no
computador. C a b e lembrar que, no início, as informações processadas pelos
computadores não eram "visíveis" aos usuários, portanto não era possível acessar,
de forma direta e imediata, os códigos. Esse obstáculo c o m e ç o u a ser superado
a partir de 1949, c o m o desenvolvimento, sob a direção de Jay Forrester no M I T ,
do Whirlwind Computer, que integrava o primeiro monitor c o m o um display
interativo, d i n â m i c o e visual, e do c h a m a d o na época light gun, uma espécie de
caneta eletrônica c o m células fotoelétricas na extremidade, que permitia mani-
pular a informação diretamente na tela, c o m o as canetas ópticas atuais. Esses dois

5 Cf. Pierre Lévy. As tecnologias da inteligência. São Paulo: Editora 34, 1993.
6 Friedrich A. Kittler, " R e a l T i m e Analysis - T i m e Axis M a n i p u l a t i o n " , in: G e o r g Christoph Tholen;
M i c h a e l O. Scholl (Eds.). Zeit-Zeichen - Aufschübe und Interferenzen zwischen Endzeit und Echtzeit.
W i n h e i m : Acta Humaniora, 1990, p.372. Cf. com W. H a l b a c h , op. cit., p.153.
1 "A parte mais difícil da c o m u n i c a ç ã o são as quatro ultimas polegadas." [N.T.]

120 - CLAUDIA GIANNETTI


dispositivos f o r a m os e l e m e n t o s básicos q u e permitiram o d e s e n v o l v i m e n t o dos
sistemas interativos baseados na v i s u a l i z a ç ã o de imagens eletrônicas.

C o m o b j e t i v o de p o t e n c i a l i z ar a v i s u a l i z a ç ã o de d a d o s para q u e o obser-
v a d o r pudesse perceber opticament e o processo gerado pela interação h u m a n o -
m á q u i n a , I v an E. S u t h e r l a n d d e s e n v o l v e u , em 1962, o p r o g r a m a de m a n i p u -
l a ç ã o direta d e n o m i n a d o Sketchpad. O uso da c o m p u t a ç ã o gráfica facilitava a
o p e r a ç ã o de acesso à i n f o r m a ç ã o e a p a r t i c i p a ç ã o de forma ativa no sistema.
Esses f o r a m os passos iniciais no sentido de facultar a integração sensorial do
e s p e c t a d o r no e s p a ç o do sistema, apesar de esses primeiros dispositivos terem o
i n c o n v e n i e n t e de manter a distância física entre o o b s e r v a d o r e a tela.

O p r ó x i m o passo consistiu em atenuar essa distância c r i a n d o um sistema


interativo imersivo. O primeiro protótipo, o Head-Sight-Television-System,
d e s e n v o l v i d o em 1 958 pela P h i l c o Corporation , consistia n u m m o d e l o de capa-
cete a d a p t á v e l à c a b e ç a c o m um p e q u e n o monitor situado à frente dos o l h o s do
usuário. A i m a g e m v i n h a de u m a c â m a r a q u e o usuário a c i o n a v a por m e i o do
m o v i m e n t o de sua c a b e ç a , produzindo a sensação de q u e a pessoa se d e s l o c a v a
dentro da imagem. Entre 1966 e 1970, Sutherland d e s e n v o l v e u o Head-Mounted
Display, u m a versão mais a v a n ç a d a de um c a p a c e t e de v i s u a l i z a ç ã o esteroscó-
pica, q u e permitia a interação " d e n t r o " do sistema a partir das imagens infográ-
ficas situadas diante dos o l h o s do o b s e r v a d o r.

N o s sistemas atuais, o o b s e r v a d or q u e c o l o c a o c a p a c e t e ou os ó c u l o s de
v i s u a l i z a ç ã o e s t e r e o s c ó p i c a participa de um sistema interativo imersivo que, ao
m e s m o t e m p o q u e a u m e n t a seu c o n t r o l e sobre o entorno artificial q u e capta
v i s u a l m e n t e , o distancia do contexto natural (de " s u a " realidade). As infografias
p o d e m estar construídas c o m o " m o d e l o d e m u n d o " , mais c o n h e c i d o por Reali-
d a d e Virtual ( R V ) (apesar de que, do ponto de vista científico, se costum a optar
pela expressão virtual environment). U m a das diferenças básicas entre os sistemas
interativos i m e r s i v o s e não-imersivos está no tipo de interface u t i l i z a d a . No
p r i m e i r o caso, a t e n d ê n c i a é fazer " d e s a p a r e c e r " a presença física da interface,
e n q u a n t o que, no outro caso, o e m p r e g o habitual do t e c l a d o ou do mouse c o m o
e l e m e n t o s intermediários entre o b s e r v a d or e m á q u i n a d e t e r m i n a m u m a forma
de acesso externo à i n f o r m a ç ã o .

A i m e r s ã o " n a " i m a g e m apresenta-se, c o n s e q ü e n t e m e n t e , c o m o u m


f e n ô m e n o c a r a c t e r i z a d o pela translocalidade. S e g u n d o E d m o n d C o u c h o t , "en-
q u a n t o q u e a i m a g e m t r a d i c i o n al é um f e n ô m e n o l o c a l i z a d o , sempre a s s o c i a d o
a um lugar ou a um suporte fixo ou m ó v e l , a i m a g e m digital (em sua forma
eletrônica) não a p a r e c e designada e x c l u s i v a m e n t e a um lugar reservado a o n d e
possa esquivar-se, mas se m a n t é m s e m p r e i l o c a l i z á v e l e r e l o c a l i z á v e l . É um
f e n ô m e n o t r a n s l o c a l . " 8 A esse e s p a ç o virtual soma-se um t e m p o s i m u l a d o ,
sem referências diretas à r e a l i d a d e de nosso m u n d o , um t e m p o h í b r i d o q u e
c o n f u n d e o t e m p o da m á q u i n a c o m o do sujeito, q u e não existe a u t o n o m a m e n t e ,
u m a v e z q u e está v i n c u l a d o ao usuário do sistema interativo.

8 Edmond Couchot. "Entre lo real y Io virtual: un arte de Ia hibridación", in: Claudia Giannetti (Ed.). Arte en Ia
era electrónica. Perspectivas de una nueva estética, op. cit., p.81.

Estética Digital - 121


Esse entorno espaço-temporal simulado e artificial pode ser entendido,
assim, c o m o uma forma de representação digital da (pseudo)realidade dupla-
mente mediatizada, já que emprega símbolos, signos e linguagem audiovisual
criados c o m o ferramentas para a c o m u n i c a ç ã o e simula, a partir da aplicaçã o
digital dessa forma de c o m u n i c a ç ã o , uma terceira "natureza" constituída c o m o
cenário artificial.

Finalmente, outra questão determinante centra-se no conceito de tradução."


V i m o s que M o l e s já se referia à tradução c o m o um dos principais fatores na
relação humano-máquina. Do ponto de vista da construção técnica, a interface
assume a função de traduzir e transmitir a informação entre os sistemas conec-
tados ou acoplados. Se as interfaces são necessárias para possibilitar a interação entre
dois ou mais sistemas organizados distintamente, fica claro que as formas e as
estruturas dos sistemas implicados devem desenvolver um meio de c o m u n i c a ç ã o
inteligível mediante a tradução adequada. C o m o aponta Halbach, é exatamente
no conceito de "tradução " que se encontra o problema, pois, além de conectar
distintos canais de entrada e saída, tem que regular e transmitir diferentes pro-
cessos de codificação. Ademais, "ao tratar-se de uma interface humano-máquina,
ou os canais de entrada e saída podem ser adaptados entre eles, uma vez que as
pessoas, c o m o sistema autopoiético, não os possuem; ou não se pode falar de uma
tradução de processos e códigos, já que as formas de representação subsimbó-
licas do sistema nervoso humano (ainda) não foram decifradas. Isto é válido
também para as expectativas da neurobiologia e da neurociência, que preten-
dem, c o m projetos de investigação específicos, chegar a uma simbiose entre
células nervosas e silício." 9 O propósito dessas investigações é conseguir um
sistema sem "tradutor", que permita o acoplamento direto e contíguo entre ele-
mentos biológicos e digitais, c o m o poderia ser a implantação da interface dire-
tamente no cérebro humano. Podemos ver, por exemplo, as investigações de Ke-
vin Warnick, do Instituto de Cibernética da Universidade de Reading, Inglaterra,
q u e em 1998 implantou uma cápsula c o m microchips no braço, que lhe permite
interagir, de forma direta, c o m elementos (portas, luzes etc.) de uma casa inteli-
gente. O u t r o exemplo é o IBVA-System ( Interactive Brainware Visual Analyzer),
que permite o emprego das ondas cerebrais em biofeedbacks que facilitam a
interação direta por meio da função neural, que envia ordens simples de execução
a um computador.

Em resumo, a interação c o m base na interface humano-máquina marca,


de um lado, uma mudança qualitativa das formas de c o m u n i c a ç ão pelo emprego
dos meios tecnológicos, que incide na reconsideração do fator temporal (tempo
real, tempo simulado, tempo híbrido), na ênfase na participação intuitiva mediante
a visualização e a percepção sensorial da informação digital, na geração de
efeitos de imersão e translocalidade, e na necessidade da tradução de processos
"codificados. Por outro lado, dá testemunho da transformação da cultura baseada
na escritura, nas estruturas narrativas logocêntricas e nos contextos reais, em uma
cultura "digital" orientada oara o visual, sensorial, retroativo, não-linear e virtual.

9 W u l f H a l b a c h , op. cit., p . l 6 6 .

1 2 2 - CLAUDIA GIANNETTI
Interação humano-máquina: entre a comunicação e o controle

Os dispositivos de interação e as interfaces f u n c i o n a m c o m o e l e m e n t o s


de c o n t r o l e c o m o o b j e t i v o de manter a e q u a n i m i d a d e da c o m u n i c a ç ã o . O
c o n t r o l e - c o n s c i e n t e ou i n c o n s c i e n t e - é uma das p r e o c u p a ç õ e s básicas das
investigações nos sistemas interativos. No primeiro capítulo h a v í a m o s analisado
os efeitos da " r e v o l u ç ã o do c o n t r o l e " sobre os desenvolvimento s das tecnologias
de r e t r o a l i m e n t a ç ã o e da c o m u n i c a ç ã o h u m a n o - m á q u i n a . C o m as t e c n o l o g i as
digitais p o d e m o s considera r q u e se p r o d u z u m a segunda r e v o l u ç ã o do controle,
na q u a l estão e n v o l v i d o s n ã o só os sistemas diretamente v i n c u l a d o s à r e a l i d a d e
( o b j e t u a l i d a d e , m a t e r i a l i d a d e ) , mas t a m b é m , dispositivos b a s e a d o s e m parâ-
metros de v i r t u a l i d a d e (artificialidade, imaterialidade).

O s sistemas atuais transmitem a o o b s e r v a d o r impressões o u sensações


parciais de suas a t i v i d a d es sensoriais ou motoras, u m a v e z q u e as possibilidades
de i n t e r a ç ã o e g e r a ç ã o de outputs ( c o m o i m a g e n s t r i d i m e n s i o n a i s em movi-
m e n t o , som etc.) estão limitadas ao próprio universo de dados de c a d a programa,
q u e constitui o context o no qual atua o observador. Na m e d i d a em q u e o obser-
vador não pode controlar totalmente o processo cognitivo da c o m u n i c a ç ã o
interativa, o fato de atuar em um contexto s i m u l a d o a c e n t u a a n e c e s s i d a d e de
q u e parte do c o n t r o l e se e n c o n t r e no sistema, i n t e r m e d i a d o p e l a interface.
E n q u a n t o se m a n t e n h a essa f u n ç ã o do controle, a hipotética realidade, gerada
artificialmente, n ã o p o d e c h e g a r a ser u m a réplica perfeita do m u n d o em q u e
v i v e m o s , visto q u e , então, seria tão i n c o n t r o l á v e l c o m o e l e (sem m e n c i o n a r q u e
a t e c n o l o g i a atual n ã o está apta para isto).

Portanto, se p o n d e r a r m os de forma pragmática sobre as finalidades das


tecnologias interativas, c o m o as de R V , perceberemo s qu e o propósito primordial
não é criar um simulacro total (incontrolável c o m o a própria vida), mas ao contrário.
Os sistemas de R V , por e x e m p l o , são empregados, c a d a v e z mais, na experimen-
t a ç ã o e na f o r m a ç ã o , c o m o na m e d i c i n a em cirurgias c o m p l e x a s ( p r i n c i p a l m e n t e
cardiologia e neurocirurgia), em intervenções perigosas no m e i o ( c o m o as reali-
zadas por pilotos e astronautas) etc. Em todos esses casos, trata-se de m o d e l o s
virtuais para instruir a r e a l i z a ç ã o de práticas perigosas da forma mais perfeita
possível. S ã o sistemas artificiais, mediante os quais o observador pode atuar e testar
a viabilidade de um controle maior. Isto se relaciona c o m a necessidade de alcançar,
por m e i o de diferentes tipos de controle virtual, a experiência para o d o m í n i o das
atuações na v i d a real. G e r a l m e n t e , nos sistemas artificiais, a interatividade pro-
p o r c i o n a ao interatora sensação de expansão de seu universo cognitivo e de suas
c a p a c i d a d e s sensório-motoras. Portanto, teríamos q u e indagar c o m o é p r o d u z i d o
o nexo psicossensorial h u m a n o - m á q u i n a , l e v a n d o em c o n s i d e r a ç ã o o horizonte
psíquico e físico do interatore os condicionantes da máquina e do entorno virtual.

" P a r a q u e u m a m á q u i n a t e n h a êxito n o j o g o d e i m i t a ç ã o , d e v e propor-


c i o n a r u m a parte c o n s i d e r á v e l d a q u i l o q u e as pessoas c o n s i d e r a m , na sua auto-
o b s e r v a ç ã o , c a r a c t e r í s t i c a s da sua p s i q u e . " 1 0 Em outras palavras , a m á q u i n a

10 O s w a l d W i e n e r . " N o t i z e n zum Konzept des Bio-Adapters", in: O s w a l d W i e n e r . Schriíten zur Erkennt-


nistheorie. Viena/Nova York, Springer Verlag, 1996, p.95.

Estética Digital - 123


deveria estar programada de tal forma que desse ao interatora sensação de estar
movendo-se ou dialogando com um sistema, c o m o se este fosse um interlocutor
real. Em vista disto, é essencial levantar a questão acerca da possibilidade de um
computador ou sistema computadorizado ser, ou poder chegar a ser, efetiva-
mente, um interlocutor adequado para a comunicação humana. Segundo a tese
do especialista em neuroinformática Christoph von der Malsburg, num diálogo,
os interlocutores devem dispor de autonomia e liberdade de ação, contar com
sistemas de valor e de motivação e, a princípio, com experiências de mundo
semelhantes. Em qualquer intercomunicação, quando existe a necessidade de
controle, o diálogo c o m o tal desaparece e é substituído pelo discurso ou pelas
estratégias de m a n i p u l a ç ã o . Isto é precisamente o que a c o n t e c e na interação
humano-máquina, segundo von der Malsburg. Enquanto o controle for o eixo prin-
cipal, o computador não poderá assumir a posição de interlocutor numa comuni-
c a ç ã o c o m seres humanos, pois a máquina funciona c o m o meio de c o m u n i c a ç ã o
ou c o m o reprodutor, c o m o potencializador ou ampliador das funções humanas.

Esse é justamente o ponto que provoca dissensão entre as diferentes cor-


rentes, tanto no contexto das ciências informáticas, c o m o da media art. Alguns
artistas, c o m o M y r o n Krueger, D a v i d Rokeby ou Roy Ascott, mantêm um certo
otimismo tecnológico e acreditam ser possível estabelecer um diálogo prolixo
entre o sujeito que interage c o m a obra e o sistema computadorizado. Outros,
c o m o Lynn Hershman, destacam, seguindo a linha de pensamento de v o n der
Malsburg, que as determinações psicoculturais do observador limitam a capaci-
dade do sistema (obra) para produzir, no espectador, reações antes inexistentes,
o que descarta qualquer possibilidade de transformar a máquin a num interlo-
cutor. U m a terceira posição entende a máquina c o m o intermediário técnico,
q u e permite estabelecer um diálogo entre dois ou mais interatores, c o m o no
caso das obras dos artistas Paul Sermon ou Agnes H e g e d ü s . "

C a d a uma dessas posições gera usos distintos dos sistemas interativos. As


obras de M y r o n Krueger ou Luc Courchesne 1 2 aplicam diferentes formas de simu-
lação, a fim de produzir no espectador a ilusão de que é ele quem controla o
sistema. Ao contrário, as propostas de Hershman costumam incidir na idéia da
d u a l i d a d e existente entre controlador e controlado e, conseqüentemente, na
inter-relação ou jogo de poder, que pode estabelecer-se entre usuário e máquina.
Outras posições, c o m o a de Peter W e i b e l , tentam evidenciar o peso do contexto
para a inter-relação c o m a obra e sua compreensão; ou c o m o a de Jeffrey S h a w ,
que costuma empregar uma linguagem de códigos e símbolos não-convencio-
nais para pôr em evidênci a a dificuldade de se alcançar um verdadeiro diálogo
humano-máquina. Sermon y Hegedüs utilizam o sistema técnico c o m o meio de
c o m u n i c a ç ã o entre duas ou mais pessoas que podem estar fisicamente distantes.

" Ver as obras de Hegedüs, The Televirtual Fruit Machine (1993), Between the Words (1995), ou de Sermon,
Telematic Visions (1993). É interessante notar que ambos os artistas criam instalações interativas, nas
quais d e v e sempre haver mais de um interator e a c o m u n i c a ç ã o entre eles não utiliza a linguagem
falada ou escrita, mas formas de c o m u n i c a ç ã o p o u c o usuais, tais c o m o a gestual ou corporal.
12 V e r as obras Portrait One (1990) e Family Portrait fl993).

124 - CLAUDIA GIANNETTI


Enfim, do ponto de vista q u e p o d e r í a m o s c h a m a r idealista, a t e c n o l o g i a o c u p a
um lugar d e s t a c a d o e é parte f u n d a m e n t a l da investigação do artista; e do ponto
de vista mais crítico, as m á q u i n a s são empregadas c o m o ferramentas a serviço de
u m a idéia conceituai ou de uma busca intelectual qu e c o n c e d e significado à obra.

D e s s a s atitudes se d e s p r e n d e m diferentes m a n e i r a s de e n t e n d e r a inter-


f a c e . O recurso da s i m u l a ç ã o destaca a f u n ç ã o da interface c o m o um m o d e l o
implícito de interação entre usuário e sistema e, portanto, dissimulado: o usuário
acredita q u e p o d e controlar o sistema, m e s m o c o n s c i e n t e da i m p o s s i b i l i d a d e de
e n t e n d e r a m a n e i r a p e l a q u a l o faz. N e s s e caso, p r e v a l e c e a estética da simu-
l a ç ã o , na q u a l a ilusão de ser partícipe no sistema interativo baseia-se, princi-
p a l m e n t e , na estratégia da obra de dissimular o grau real do d i á l o g o h u m a n o -
m á q u i n a ou a própria existência do mesmo. No outro caso, p r e v a l e c e a tendência
de r e m a r c a r a s u p e r f i c i a l i d a d e na q u a l se m a n t é m a r e l a ç ã o entre o usuári o e
a obra; c o n s e q ü e n t e m e n t e , se utiliza u m a interface explícita, c u j o o b j e t i v o é
destacar os limites da i n t e r a ç ão entre a m b o s os sistemas.

A a ç ã o do observador é, assim, parte essencial e c o m p l e m e n t a r do sistema


interativo. A entrada do sujeito " n a " obra (interativa, t e l e m á t i c a etc.) abre um
debate sobre a f o r m a na qual se produz sua " e x i s t ê n c i a " (atuação) s i n c r ô n i c a
c o m o sistema, e sobre a r e l a ç ã o entre o entorno do sujeito e o contexto do
sistema. O q u e significa perguntar-se pelas diferentes tipologias dos sistemas
interativos e suas estratégias.

A s t e c n o l o g i a s d e i n t e r f a c e integradas e m sistemas a u d i o v i s u a i s digitais


p e r m i t e m , a t u a l m e n t e , u m a série de i n v e s t i g a ç õ e s sobr e a inter-relação entre
r e a l i d a d e - v i r t u a l i d a d e - o b s e r v a d o r - e n t o r n o . A o c o n t r á r i o das i m a g e n s analó-
gicas, os d a d o s digitais p e r m i t e m a v a r i a b i l i d a d e e a m a n i p u l a ç ã o dos parâ-
metros de i n f o r m a ç ã o q u e constituem a representação. D i v e r s a s obras de media
art que e m p r e g a m sistemas retroativos e imagens digitais c o s t u m a m considerar,
direta ou i n d i r e t a m e n t e , as possíveis v a r i a ç õ e s q u e o o b s e r v a d o r , por m e i o da
interface, p o d e gerar na o b r a a partir da m a n i p u l a ç ã o de dados , b e m c o m o a
f a c u l d a d e d e gerar n o v o s e s p a ç o s o u e n t o r n o s virtuais.

Em linhas gerais, p o d e m o s detectar, segundo o grau de interatividade


h u m a n o - m á q u i n a dos m o d e l o s de sistemas interativos, três tipos de interativi-
d a d e m e d i a t i z a d a s por imagens, representações, sons, sistemas robóticos etc. 1 3 :
1 ) sistema mediador: reação pontual, simples, normalmente binária a um programa
d a d o ; 2) sistema reativo: i n g e r ê n c i a em um programa por m e i o da estruturação
d e seu d e s e n v o l v i m e n t o n o â m b i t o d e possibilidades dadas. Trata-se d e u m a
i n t e r a t i v i d a d e de s e l e ç ã o , q u e i m p l i c a a possibilidade de acesso m u l t i d i r e c i o n a l
a i n f o r m a ç õ e s a u d i o v i s u a i s para a e x e c u ç ã o de o p e r a ç õ e s p r e d e t e r m i n a d a s pelo
sistema e, portanto, limitadas a elas; 3) sistema interativo: estruturação indepen-
d e n t e d e u m p r o g r a m a q u e s e d á q u a n d o u m receptor p o d e atuar t a m b é m c o m o
emissor. Trata-se de u m a interatividade de c o n t e ú d o , na q u a l o interatordispõe

13 Cf. c o m outras propostas de Françoise Holtz-Bonneau, La imagen y el ordenador. Madri: Fundesco,


1986, p.88; e Simon Penny, "Automatisiertes kulturelles Spiel. Versuch einer Systematisierung der inte-
raktiven Kunst", in: Rõtzer, Florian. Schõne neue We/fenfMunique : Klaus Boer Verlag, 1995, p.263-279.

Estética Digital - 125


de um grau maior de possibilidade de intervir e manipular as informações audio-
visuais ou de outra natureza (como as robóticas) ou, em sistemas mais complexos,
gerar novas informações.
E d m o n d C o u c h o t sugere uma diferenciação adicional entre interação
* externa e interna. A interação externa consiste na interface humano-máquina,
assim c o m o nas formas oferecidas pelo entorno, cujos dados são processados
pelo computador por intermédio de diferentes interfaces. A interação interna
corresponde, ao contrário, ao comportamento c o m u n i c a t i vo entre os próprios
objetos virtuais (os elementos constitutivos da RV), que pode gerar modelos de
comportamento para a a n i m a ç ã o dos chamados atores de sínteses. 14

Do ponto de vista dos dispositivos técnicos, H e i n z v o n Foerster propõe a


diferenciação entre máquinas triviais e não-triviais, segundo o âmbito na qual
atuam. As triviais são descritíveis em seu modo causai e, c o m o máquinas previ-
síveis, só são viáveis em âmbitos não-físicos, c o m o no das matemáticas; ao con-
trário, são sempre não-triviais as máquinas que existem no espaço físico, já que
este está c o n d i c i o n a d o aos processos entrópicos. Pode-se diferenciar entre dois
tipos de m á q u i n a s não-triviais: as que, no seu c o m p o r t a m e n t o , p r e t e n d e m
aproximar-se às triviais; e as que, sem dissimulação, comportam-se de forma
não-trivial. As primeiras são máquinas funcionais que desempenham tarefas con-
cretas; as segundas são máquinas potencialmente propícias à interatividade. 15
Vista de outra perspectiva, que tem c o m o ponto de referência o compor-
tamento e a consciência, Peter W e i b e l distingue três níveis de interação: 1) A
interação sinestésica, que consiste na interação entre materiais e elementos,
como, por exemplo, imagem e som, cor e música; 2) a interação sinérgica, que
se produz entre estados energéticos, c o m o em obras que reagem à m u d a n ç a no
entorno; e 3) a interação comunicativa ou interação cinética entre pessoas e
entre pessoas e objetos. Em qualquer dos casos, o ambiente ou contexto da obra
é determinante para a efetivação da mesma. H a v í a m o s visto anteriormente que
a introdução do elemento contexto no processo de interação p õ e m em evidência
sua c o n d i ç ã o c o m o fator influente no processo de c o m u n i c a ç ã o . Logo, o limite
ou a abrangência da interação é proporcional ao próprio limite ou abrangência
" i n f o r m a c i o n a l " do contexto interativo.

N u m a instalação interativa de 1 991, Peter W e i b e l reflete sobre a relação


de d e p e n d ê n c i a entre observado r e contexto a partir de sua a t u a ç ã o n u m
espaço simulado. Cartesianisches Chaos (Caos Cartesiano) consiste em uma
plataforma de madeira sobre o solo, equipada c o m censores, e uma grande
projeção sobre a parede frontal de imagens da superfície da água. O observador,
ao c a m i n h a r sobre a plataforma, gera sinais digitais que controlam a imagem
digital projetada. Assim, o espectador que se encontra no espaço real p o d e ver

14 Cf. E d m o n d Couchot, op. cit. V e r também E. Couchot. "A arte pode ainda ser um relógio q u e adianta?
O autor, a obra e o espectador na hora do tempo real", in: Diana Domingues (Ed.). A arte no século XXI
-a humanização das tecnologias. São Paulo: Unesp, 1997, p.135-143.
,s Cf. Peter Krieg, "Versuch über Interaktion und M e d i e n " , in: Georg Hartwagner et. al. (Eds.). Künstliche
Spiele. M u n i q u e : Klaus Boer Verlag, 1993, p.180-181.

1 2 6 - CLAUDIA GIANNETTI
d e fora, c o m o o b s e r v a d o r e x t e r n o , esse e s p a ç o p r o j e t a d o . C a d a m o v i m e n t o ,
cada pressão sobre o solo de madeira p r o v o c a as respectivas o n d u l a ç õ e s
nas i m a g e n s da s u p e r f í c i e da água, sem q u e a teia ou a i m a g e m das o n d a s
s e j a m t o c a d a s . S e n d o a água um sistema d i n â m i c o , pode-se intensificar a on-
d u l a ç ã o até q u e e l a a l c a n c e u m estado c a ó t i c o , o c a s i o n a n d o a a u t o d e s t r u i ç ã o
da i m a g e m (as o n d a s " i n u n d a m " a i m a g e m ) . Portanto, o o b s e r v a d o r faz parte
d a f o n te d e distorção . N a m e d i d a q u e o a m b i e n t e d e p e n d e d o o b s e r v a d o r ,
a m b o s s e c o m p l e m e n t a m para constituir u m sistema i n t e r d e p e n d e n t e .

Essas q u e s t õ e s t o r n a m - s e m a i s e v i d e n t e s e c o m p l e x a s se e x a m i n a m o s ,
por e x e m p l o , o s s i s t e m a s t e l e m á t i c o s q u e u t i l i z a m Internet p a r a a c r i a ç ã o d e
m u n d o s v i r t u a i s (ou c i b e r e s p a ç o s ) interativos, nos q u a i s s e p r o d u z u m des-
d o b r a m e n t o d o s u j e i t o e m interator real e v i r t u a l . ' 6 N o s m e i o s t e l e m á t i c o s ,
joga-se c o m a idéia da p r e s e n ç a do o b s e r v a d o r , a l c a n ç a d a por m e i o de textos,
i m a g e n s e sons. Esses d a d o s g e r a d o s p e l o o b s e r v a d o r e i n t r o d u z i d o s p o r
f o r m a s s i m b ó l i c a s n o sistema p r o d u z e m u m a e x i s t ê n c i a d u a l i s t a : n ã o c o m o
c ó p i a m i m é t i c a d o " E u " , mas c o m o " O u t r o " . A o falar d e sistemas r e t r o a t i v o s
r e l a c i o n a d a s c o m o c o r p o e c o m suas f u n ç õ e s , se c o s t u m a a l u d i r às próteses,
q u e s e r v e m d e a p o i o , p r o l o n g a m e n t o , r e p r o d u ç ã o o u s u b s t i t u i ç ã o d e partes
do c o r p o . No c a s o dos sistemas telemáticos e de telepresença, já n ã o p o d e m o s
m a i s f a l a r d e próteses n o s e n t i d o t r a d i c i o n a l , v i s t o q u e n ã o s e trata d a m e r a
p r o l o n g a ç ã o d o E u ( c o r p o ) d o sujeito, mas d e O u t r a (re)presentação desse
sujeito c o m base e m d a d o s ( m e d i a n t e gráficos, sons, e s c r i t u r a f o n é t i c a , i c o n o-
g r á f i c a o u s i m b ó l i c a etc.).

Isto sugere que, n u m sistema t e l e m á t i c o e n u m contexto virtual, a tele-


presença n ã o é um c o m p l e m e n t o da r e a l i d a d e do o b s e r v a d o r, pois substitui
m e n t a l m e n t e u m a r e a l i d a d e por outra e torna supérflua a n e c e s s i d a d e de u m a
a t u a ç ã o e q u i v a l e n t e . A l é m disso, na telepresença, m e s m o q u e os e l e m e n t o s da
c o m u n i c a ç ã o refiram-se ao sujeito ( i n f o r m a ç õ e s do ou sobre o sujeito), n ã o o
representam ou o r e p r o d u z e m c o m p l e t a m e n t e , já q u e n ã o é sua i m a g e m ou
escritura q u e são transportadas. Ao contrário, estas consistem em c o d i f i c a ç õ e s
do sujeito. Isto significa que, ainda q u e estejamos f a l a n d o de u m a certa auto-
referencialidade , n ã o se trata de m e ro e s p e l h a m e n t o literal. O sujeito, ao intro-
duzir-se no sistema c o m o O u t r o , se transforma em objeto. C o m o sujeito-objeto,
sua i d e n t i d a de p o d e ser construída, m o d i f i c a d a , reformulada, destruída: trata-se
de u m a existência t e m p o r a l e hipotética c o m o e l e m e n t o p u r a m e n t e utilizável
n u m contexto virtual. A i n d a q u e o o b s e r v a d or por trás desse sujeito-objeto (e
agente efetivo do m e s m o ) seja u m a pessoa situada n u m e s p a ç o e n u m t e m p o
definidos, a o entrar c o m o O u t r o n o c o n t e x t o virtua l d o sistema t e l e m á t i c o ,
a s s u m e a perda t e m p o r a l de suas referências físicas e pressupõe a a m b i g ü i d a d e
de sua t e l e p r e s e n ç a.

16 Para potencializar a aparência de " m u n d o " c o m o um possível espaço " r e a l " , a partir de 1994, come-
çaram a se desenvolver interfaces para a World Wide W e b em três dimensões, que adotaram a denomi-
nação V R M L - Virtual Reality Markup Language, cujo objetivo é criar uma linguagem standard especí-
fica para a descrição de ambientes em 3 D , conexões e hiperligações na Internet.

Estética Digital - 127


De fato, todos os discursos sobre a "desaparição" do sujeito ou sua des-
materialização questionam esse processo.' 7 Em outras palavras, o sujeito-objeto,
esse Outro no sistema telemático, não é "imagem e semelhança" do observador
ou de seu corpo. Isto é assim por dois motivos principais: por um lado, os códigos
(bits) só se referem a eles mesmos, não são significativos, mas sim ativos; e por
outro lado, no que concerne ao sistema telemático, já não se pode falar de uma
diferenciação entre corpo e sujeito, visto que essa figura do Outro pode existir
sem corpo. A distinção entre "interior" e "exterior", entre espaço e tempo, existe
unicamente no contexto do mundo cognitivo. O observador, em sua vida real,
dispõe de um corpo que está estruturado e que consiste em uma unidade espacial
(como um container). U m a vez que toda referência espacial e matérica (locali-
zação, território, corpo físico etc.) desaparece no mundo de dados digitais, tam-
pouco sobrevive a c o n c e p ç ã o de estrutura espacial e física fechada do corpo.

A existência e atuação do sujeito-objeto se dá pela interação c o m o con-


texto virtual, já que é esta que lhe permite estar no sistema, intervir na obra e
controlá-la. Conseqüentemente, as interfaces desempenham um papel, não tan-
to de v e í c u l o de intercomunicação do sujeito, mas de extensão do próprio siste-
ma. Tanto a interação c o m o sistema, c o m o a interação c o m outros sujeitos-
objetos no contexto do sistema, se produzem sempre indiretamente, graças à
existência da interface. Porém, aqui impera a estética da simulação e, portanto,
a efeitos cognitivos, o interator pode chegar a identificar-se c o m o mundo virtu-
al e sentir-se imerso no sistema artificial. Assim, a interface empregada em am-
bientes diretamente vinculados às pessoas ou sociedades (arte, jogos etc.), além
de definir a relação entre interator e máquina, é o lugar no qual " m á q u i n a e
cultura se v i n c u l a m " . De dispositivo instrumental, a interface passa a ser um
"artefato cultural", um recurso do imaginário para a produção de ambientes
virtuais experimentáveis cognitiva e sensorialmente, estando em grande parte
vinculada e determinada pelos parâmetros culturais humanos. 1 8

No entanto, as linhas de pesquisa procuram dar um passo além, no sentido


de superar esses limites culturais. Boa prova disto encontramos no campo da VA, já que
o espaço de dados no qual se desenvolvem os seres artificiais não tem equivalências
estruturais na esfera do humano. É outro espaço (não-espaço), um topo sem proprie-
dades ou qualidades físicas e, portanto, não admite a reprodução perfeitamente
análoga do sujeito e de seu meio. Em sistemas de V A , a meta não se limita a transfor-
má-los num mero lugar de representação do ser humano, mas de expandir seus
horizontes epistemológicos e as possibilidades das experiências cognitivas e sensorials.

Variabilidade, hipertextualidade e interatividade

Paralelamente ao desenvolvimento dos sistemas de interface, nos anos


1980 desenvolveram-se os primeiros environments interativos de Jeffrew S h a w ,

17 V e r terceiro capítulo. Cf. com as teorias de Jean Baudrillard, Paul Virilio, Peter W e i b e l , V i l é m Flusser,
Slavoj Zizek e Peter Zee.

" Cf. Simon Penny. "Automatisiertes kulturelles Spiel", in: Florian Rõtzer, op. cit., p.264-265.

1 2 8 - CLAUDIA GIANNETTI
M y r o n Krueger e D a v i d R o k e b y , assim c o m o os environments ou instalações
interativas b a s e a d o s na t é c n i c a do v i d e o d i s c o .

J e f f r e w S h a w c o n c e b e u , em 1 983-84, Points of View, seu primeir o envi-


ronment interativo c o n t r o l a d o por c o m p u t a d o r , no qua l o e s p e c t a d or senta-se
em frente a u m a p r o j e ç ã o e pode, por m e i o de um joystick,' 9 m a n i p u l ar a i m a g e m
d e u m c e n á r i o c o m 1 5 hieróglifos egípcios ( c o m o u m alfabeto visual n o q u a l
c a d a letra representa u m a figura fictícia). O m o v i m e n t o dos signos produz, deste
m o d o , m u d a n ç a s no som (músicas e textos de artistas ou escritores c o n h e c i d o s ) .
Nessa obra, S h a w trata a c o m p l e x i d a d e da c o m u n i c a ç ã o e da c o m p r e e n s ã o da
possível r e l a ç ã o entre i m a g e m , texto e som. O interator n a v e g a sem r e a l m e n t e
aperceber-se de u m a trajetória clara e sem consegui r decifrar o sentido último
dos signos. Essas idéias são u m a constante no t r a b a l h o de S h a w , m a r c a d o pela
p r e o c u p a ç ã o em integrar o espectador na obra por m e i o de diferentes dispositivos
de interface, p o r é m, sem cair na eufórica c o n c e p ç ã o , própria dos sistemas de
R V , de utilizar a i m a g e m c o m o m e i o de r e p r o d u ç ã o fiel da realidade.

Entre 1988 e 1991, S h a w d e s e n v o l v e várias versões da instalação intera-


tiva The Legible City, u m a de suas obras mais c o n h e c i d a s , na q u a l utiliza u m a
b i c i c l e t a c o m o interface entre o interator e a c i d a d e virtual projetada sobre u m a
g r a n d e tela. P o r é m , a i m a g e m da c i d a d e ( M a n h a t t a n , 1989; A m s t e r d a m , 1990;
Karlsruhe, 1991) está "construída" metaforicamente, c o m grandes letras e palavras
q u e substituem os edifícios que conformam, no conjunto, um plano análogo ao da
c i d a d e em questão. Ao p e d a l a r a b i c i c l e t a ou m o v e r o g u i d o m , o p ú b l i c o p o d e
deslocar-se virtualmente e em tempo real pelas ruas da cidade (um virtual voyaging,
c o m o f o r m u l a S h a w ) . O c a m i n h o p o d e ser aleatório, sem um o b j e t i v o final, ou
d e t e r m i n a d o m e d i a n t e u m p e q u e n o monitor instalado n o g u i d o m , q u e permite
a o c o n d u t o r e s c o l h e r o c a m i n h o desejado. C o n t u d o , c o m o e m outras obras d e
sua autoria, a arquitetura de letras, palavras e símbolos f a v o r e c e a livre associaçã o
e não se deixa interpretar de m o d o i n e q u í v o c o , transformando o processo de
r e c e p ç ã o no próprio tem a da obra. Experiência s semelhantes p o d e m ser v i v i d a s
pelo p ú b l i c o em outras instalações interativas de S h a w , c o m o em The Narrative
Landscape (1 985), Alice's Room (1 989) o The Virtual Museum (1991 ). 20

O desenvolvimento da tecnologia do videodisco, em 1975, pelas empresas


T e l e f u n k e n e D e c c a - na é p o c a c h a m a d o T e D (Televisio n D i s c) - f a v o r e c e a
i n v e s t i g a ç ã o d e sua a p l i c a ç ã o nos c a m p o s d o c i n e m a e d a arte i n t e r a t i v a ,
m e s m o q u e seu primeiro propósito tenha sido c o m e r c i a l e militar ( c o m o no
c a s o da t e c n o l o g i a telemática , de RV e outras). O primeiro e x p e r i m e n t o , intitu-
l a d o Movie Map, foi realizado em 1978-79 pel o A r c h i t e c t u r e M a c h i n e G r o u p ,
dirigido por N i c h o l a s N e g r o p o n t e no M I T e f i n a n c i a d o pelo D e f e n s e A d v a n c e d
Research Projects A g e n c y dos Estados U n i d o s . Movie Map p o d e ser considerado
o p r i n c i p a l a n t e c e d e n t e de The Legible City de S h a w . Nesse caso, o v i a j a n t e
p o d e navegar pelas imagens reais ( c o m q u a l i d a d e v i d e o g r á f i ca o u infográfica)

" T i p o uma a l a v a n ca utilizada em jogos informáticos c o m o dispositivo de controle.


20 Para mais informação sobre S h a w e suas obras, ver catálogo de sua retrospectiva: A n n e - M a r i e
Duguet; H e i n r i ch Klotz; Peter W e i b e l (Eds.). Jeffrey Shaw. An user's manual. From Expanded Cinema to
Virtual Reality. Ostfildern: Cantz Verlag, 1997.

Estética Digital - 129


Figura 12 - Jeffrey S h a w , The Legible City, 1 988-1991. C o l e ç ã o Z K M M e d i e n m u s e u m , Karlsruhe

Figura 13 -Jeffrey S h a w , Revolution, 1990

1 3 0 - CLAUDIA GIANNETTI
das ruas da c i d a d e de Aspen, no Colorado, escolher entre as diferentes estações do
a n o e as direções, e buscar informação sobre determinados lugares ou edifícios. 2 1

Entre 1982 e 1983, no C e n t er for A d v a n c e d Virtual Studies ( C A V S ) do


M I T , O t t o P i e n e p r o d u z i u , j u n t o c o m Rus G a n t , V i n G r a b i l l , B e n D a v i s e outros,
dois v i d e o d i s c o s d o c u m e n t a i s c o m a a p r e s e n t a ç ã o dos artistas q u e t r a b a l h a v a m
nesse centro, b e m c o m o o Sky Disc, c o m vários projetos e ensaios sobre temas
r e l a c i o n a d o s c o m o ar, o c é u e as t e l e c o m u n i c a ç õ e s , apresentado na e x p o s i ç ã o
itinerante Sky Art. O u t r o grupo associad o ao C A V S , o Film a n d V i d e o G r o u p
(em 1 988, passou a denominar-se Interactive C i n e m a G r o u p ) , d e s e n v o l v e u , em
1984, o Elastic Movies Disc, i n c l u i n d o obras de Bill S e a m a n , L u c C o u r c h e s n e ,
Ellen Sebring, Russell Sasnett e R o s a l y n Gerstein.

Nesse mesmo ano, Lynn H e r s h m a n criou Lorna, sua primeira instalação


interativa q u e emprega o videodisco, apresentada na Galeria Fuller G o l d e e n , em
São Francisco. Hershman, q u e c o m o S h a w vinha do mund o da performance, com-
bina nessa obra aspectos e elementos de suas últimas ações, The Dante Hotel e
Roberta Breitmore, nas quais reflete sobre as questões da identidade, das relações
entre arte e vida e entre realidade e ficção. 22 A complexidade do tratamento iconográ-
fico contrasta c o m a s i m p l i c i d a d e formal da instalação, que se limita a uma tela, frente
à qual o público p o d e sentar-se e interagir por meio de um c o m a n d o à distância. O
videodisco contém 36 breves capítulos (num total de 17 minutos), c o m imagens de
uma m u l h e r claustrofóbica c h a m a d a Lorna, q u e está c o n f i n a d a em seu aparta-
mento e se mantém conectada ao m u n d o exterior unicamente por meio do telefone
e da televisão. O público pode selecionar determinados objetos do seu apartamento
e, através deles, recolher informações sobre a vida e a personalidade de Lorna.
Assim, o espectador pode reconstruir, de forma não-linear, a história do persona-
gem, tomar decisões sobre sua vida, ou deixar-se aconselha r por um comentarista
ou moderador , q ue aparece c o m o figura intermediária entre o público e a obra. No
final, a história tem três conclusões possíveis: Lorna continua sua vida trancada em
seu apartamento; consegue liberar-se e vai viver em Los Angeles; ou se suicida.

Lorna, assim c o m o Elastic Movies Disc, a l é m de dar um passo na d i r e ç ã o


da arte interativa, i n c i d e na i n v e s t i g a ç ã o sobre a t e c n o l o g i a da i n f o r m a ç ã o
b a s e a d a na l i n g u a g e m hipertextual. A p e s a r de q u e o f r e q ü e n t e m e n t e c i t a d o
e n s a i o de V a n n e v a r Bush , As We May Think23 - c o n s i d e r a d o a primeira propo-
sição q u e e n u n c i a u m a n o v a forma de ter acesso à i n f o r m a ç ã o de m o d o não-
linear - tivesse sido e d i t a d o nos anos 1940, não teve repercussão p ú b l i c a até
m e a d o s da d é c a d a de 80. O projeto de B u s h consistia em criar um sistema
d e n o m i n a d o Memex, q u e funcionasse c o m o extensão da memória humana, c o m
um a c e s s o a s s o c i a t i v o e intuitivo. B u s h h a v i a partido da a n á l i s e do p r ó p r i o

21 Em 1985, Jean-Louis Boissier recupera a idéia da viagem virtual na sua instalação interativa Le Bus,
que també m emprega videodisco, apresentada na exposição Les immatériaux, em Paris.
22 Para mais informação ver L. Hershman, "Fantasias sobre el anticuerpo. Lujuria y deseo en el
(ciber)espacio", in: C. Giannetti (Ed.), Arte en Ia era electrónica. Perspectivas de una nueva estética, op.
cit., p.60-71.
23 V a n n e v a r Bush. " A s We M a y Think", in: Atlantic M o n t h l y 176, jul. 1945, p. 101-108. T a m b é m dispo-
nível em: http://www.theatlantic.com/doc/194507/bush.

Estética Digital - 131


funcionamento cerebral do ser humano: "A mente humana opera por associação.
Depois de apreender um fato ou uma idéia, a mente salta, instantaneamente,
para o dado seguinte que lhe é sugerido por associação de idéias, seguindo
alguma intrincada trama de caminhos conformada pelas células do cérebro." 2 4
A proposta de Bush tornou-se possível c o m a transição da tecnologia
analógica, que utiliza um tipo de armazenamento de informação linear, à tec-
nologia digital, que põe fim à imposição de seqüencialidade, ao possibilitar o
acesso direto a qualquer bit de informação.
A idéia do Memex influencia investigadores como Theodor Nelson, Douglas
Englebart 25 e Andries van Dam, 2 6 entre outros pioneiros do hipertexto. Em 1965,
Nelson, apoiando-se na teoria de Bush, explora as potencialidades do por ele
denominado hipertexto - uma forma de escritura não-seqüencial ( nonsequential
writing), c o m o ele o define - unido a sistemas informáticos, cujos principais
elementos seriam os hiperlinks ou enlaces. Nelson expõe suas idéias no livro
Literary machines, publicado em 1981, 27 no qual define o hipertexto c o m o uma
escritura não-seqüencial, um texto que bifurca e permite tanto a participação do
leitor, c o m o uma leitura adequada à tela do computador. Trata-se de uma série
de b l o c o s de texto c o n e c t a d o s entre si por links que formam diferentes itinerá-
rios para o usuário. 28 Nos anos 1970, Nelson expandiu essa noção ao conceito
de hypermedia [hipermídia], que se caracteriza por englobar diferentes meios
(vídeo, fotografia, computador etc.) e vários tipos de informação, como imagens fixas
e/ou em movimento, textos, infografias, som etc., num mesmo suporte (como o
videodisco ou o C D - R O M , e mais recentemente o D V D ) .

As principais características da forma hipertextual consistem na ramifi-


c a ç ã o do texto e na possibilidade de interromper uma seqüência (por meio do
clic do mouse ou do toque em uma tecla) e passar a outro nível. Os diferentes
níveis de informação textual e gráfica não costumam estar ordenados por cate-
gorias hierárquicas, mas sim como uma rede de conexões, cujos links ou ligações
configuram a estrutura descontínua da obra. Quaisquer que sejam as noções
c o n v e n c i o n a i s aplicáveis às criações analógicas ou impressas, c o m o as de cen-
tralidade do discurso, conclusão, final ou obra acabada, não correspondem à
nova perspectiva hipertextual. O sistema digital permite lançar mão de princí-
pios indefinidos, finais múltiplos ou conclusões parciais, que a c a b a m gerando
um estilo próprio.

24 " T h e human mind (...) operates by association. W i t h one item in its grasp, it snaps instantly to the next
that is suggested by the association of thoughts, in a c c o r d a n c e with some intricate w e b of trails carried
by the cells of the brain." V. Bush, "As We M a y Think", op. cit.
25 Douglas C. Engelbart desenvolve, a partir de 1962, sistemas de tratamento de texto, c o m o Augment,
e apresenta, em 1968, na Conferência Fall Joint Computer, a a p l i c a ç ã o técnica do conceito de hiper-
texto - o oN-Line-System ( N L S ) -, que é parte de Augment.
26 Andries van D a m constrói, em 1967, na B r o w n University, o primeiro sistema de hipertexto realmente
funcional, que é empregado de forma ampla. Um de seus colaboradores é Theodor H. Nelson.
27 Versão revisada em 1993.
28 Theodor Nelson. "Literary M a c h i n e s " , citado por George L a n d o w . Hipertexto. Barcelona: Paidós,
1995, p.15.

1 3 2 - CLAUDIA GIANNETTI
O tipo de d e s l o c a m e n t o q u e o leitor/usuário//interator d e v e realizar pel o
hipertexto para acessar os vários níveis de i n f o r m a ç ã o confere à obra um caráter
espacial, t e m p o r a l e d i n â m i c o . P o r é m , a c o n d i ç ã o temporal é c o m p l e t a m e n t e
diferente d a q u e l a da o r g a n i z a ç ã o e d u r a ç ã o das narrativas seqüenciais , visto
q u e os c o n t e ú d o s só existem em forma a r m a z e n a d a (potencial) e em rede. As
v a r i a ç õ e s do t e m p o de leitura e do tipo de trajeto eleito dentro da c o n s t e l a ç ã o
textual significam, igualmente, v a r i a ç õ e s do fio narrativo.

Essa c o n s t r u ç ã o anti-hierárquica, c o n t i n g e n te e não-linear c o n f o r m a o


q u e s e d e n o m i n a p e n s a m e n t o pós-logocêntrico o u n ô m a d e , q u e foi ampla-
m e n t e a r t i c u l a d o por C i l l e s D e l e u z e e Félix Cuattari, a partir de suas n o ç õ e s de
rizoma - u m a rede c a o t i c a m e n t e distribuída -, e de espaço s ou viagen s " l i s o s " -
abertos a um f u t u r o i n c e r t o - nos q u a i s os p o n t o s estão s u b o r d i n a d o s à traje-
tória. Em c o n c l u s ã o , u m a parte f u n d a m e n t a l da significaçã o da obra recai no
d i n a m i s m o , na f l e x i b i l i d a d e e na n a v e g a ç ã o q u e propõe, e n ã o e x c l u s i v a m e n t e
em seu c o n t e ú d o . 2 9

Um b o m e x e m p l o seria a n a r r a ç ã o hipertextual Afternoon, de M i c h a e l


J o y c e , f r e q ü e n t e m e n t e um m a r c o de referência para grande parte da crítica q u e
investiga a narrativa não-linear. 3 0 O leitor encontra nada m e n o s q u e 539 seg-
mentos narrativos, a partir dos quais p o d e acessar 951 links q u e g e r a m u m a
o r g a n i z a ç ã o em rede c o m p l e x a , na qua l o leitor p o d e entrar e sair em q u a l q u e r
ponto. O fio narrativo se constrói c o m o um palimpsesto, c a m a d a por c a m a d a ,
o n d e se s e d i m e n t a m as origens da história. Essa o c u l t a ç ã o parcial transforma
c a d a link n u m a descoberta para o leitor.

As estratégias não-lineares são adotadas por diferentes tipos de produções


e d e s e n v o l v i d a s de m a n e i r a s h e t e r o g ê n e a s . Espen J. A a r s e t h p r o p õ e q u a t r o
d i s t i n ç õ e s ou níveis de não-linearidade:

1) O texto não-linear simples, cujas unidades de escritura ou significantes resultam


totalmente estáticas, abertas e exploráveis pelo usuário; 2) o texto não-linear
descontínuo ou hipertexto, que pode cruzar-se com "saltos" {links explícitos) de
um significante a outro; 3) o cibertexto determinado, no qual o comportamento
dos significantes é previsível, apesar de condicional e de incorporar o elemento
de representação de personagem, e 4) o cibertexto indeterminado, cujos signifi-
cantes são dinâmicos e imprevisíveis.31

No entanto, essas a m p l a s categorias n ã o são estáticas e a l g u m a s obras


p o d e m se situar entre elas e dar orige m a outra forma de interação. Para Aarseth,
as diferenças entre hipertexto e cibertexto consistem, por um lado, na tendência da
c i b e r t e x t u a l i d a d e ao e m p í r i c o e à e v a s ã o da narrativa ou argumento , t e n d ê n c i a

29 Guattari e D e l e u z e fazem distinção entre estruturas estriadas em árvore e estruturas lisas em rizoma.
No hipertexto, as estruturas hierárquicas e lineares são logocêntricas, e as lisas e não-lineares, nôma-
des. V e r G. Deleuze; F. Guattari. Rizoma (Introducción). V a l e n c i a : Pretextos, 1997.
30 Ver M. J o y c e . Afternoon: a story. Cambridge: Eastgate Systems, 1987.
31 Espen J.Aarsetb. " N o linealidad y teoria literaria", in: Georg e P. L a n d ow (Ed.). Teoria del hipertexto,
op. cit., p.84.

Estética Digital - 133


que não se encontra na novela hipertextual. Por outro lado, o cibersistema, ao
permitir alterar o próprio texto, transforma o usuário em intérprete de um papel
no contexto da obra. Em conseqüência, o usuário assume parte da responsabili-
dade do desenvolvimento do cibertexto, ao contrário do hipertexto, no qual,
ainda que o interator seja responsável pelo tipo de trajeto que seleciona, o texto
(autor) mantém o controle sobre os conteúdos.

Aarseth atribui a origem do cibertexto a dois campos da informática, a


saber, os programas de diálogo baseados em sistemas de IA, como Eliza de Joseph
W e i z e n b a u m (1966), e aos jogos informáticos de aventura, c o m o Adventure,
primeiro do gênero que se difundiu em finais dos anos 1970. A m b o s seriam
exemplos de cibertexto determinado, já que uma série de ações do usuário produz
sempre os mesmos conjuntos de resultados, que são, portanto, previsíveis. Os
sistemas de IA permitem gerar modelos de interação mais complexos e flexíveis,
de forma que os inputs dos usuários dão lugar a resultados imprevisíveis. Um
exemplo seria o projeto Oz - Interactive Drama and Believable Agents, desen-
volvido pelo grupo de investigadores da Universidade de Carnegie M e l l o n , cuja
arquitetura inclui um interator, uma teoria de apresentação e um observador
interno ou drama manager, que contempla todos os acontecimentos e interage
c o m personagens simulados (believable agents) num mundo virtual ou interac-
tive story world. 32 Outro exemplo é a versão telemática expandida do Multi-
User Dungeon ( M U D ) - um jogo interativo c o m personagens manipuláveis, cuja
primeira versão apareceu em 1980 e depois ficou c o n h e c i d o c o m o T i n y M U D
(1989-1990) -, que aposta na co-criatividade dos usuários para configurar objetos
e interpretar papéis. O propósito de um M U D não é ser lido, mas experimentado
por um ou mais personagens assumidos pelos usuários. C o m o destaca Aarseth,
no cibertexto o usuário pode converter-se em algo parecido a um autor, porém
não no autor do sistema, mas num autor dentro do cibertexto.

Paralelamente a essas experiências, outros c a m p o s t a m b é m exploram


as idéias em torno da estrutura, da leitura ou da p e r c e p ç ã o não-linear ou não
seqüencial. C o m o havíamos visto no terceiro capítulo, John Cage, por exemplo,
a partir dos anos 1950, c o m e ç a a trabalhar c o m os parâmetros de variabilidade
e indeterminação na música (que posteriormente serão assimilados por N a m
June Paik em sua obra). Seus concertos, feitos c o m rádios sintonizadas, ao vivo,
om diferentes estações, a l c a n ç a m uma forma de pluridimensionalidade c o m o
a dos hipertextos. Assim, suas apresentações interdisciplinares, c o m o Minutiae
(1955), incidem na idéia de intermedialidade própria das hipermídias. N ã o é
mera c o i n c i d ê n c ia que Cage estivesse profundamente influenciado pelas idéias
do I Ching, o livro das mutações, o oráculo chinês de mais de três mil anos, cujo
texto foi ampliado por diferentes pensadores e segue mudando até nossos dias.
A partir de um sistema combinatório de 64 hexagramas, formados por seis linhas
contínuas ou descontínuas, o I Ching permite ao leitor obter respostas a suas

32 Para mais informação ver J. Bates, "Computational Drama in O z " , in: Working Notes oftheAAAI-90
- Workshop on Interactive Fiction and Synthetic Realities. Boston, 1990; B. Laurel, Computers as
Theater. Reading: A d d i s o n - W e s i e y Publishing C o m p a n y , 1991; e t a m b é m disponível e m : http://
www.cs.cmu.edu/afs/cs.cmu.edu/project/oz/web/oz.html.

1 3 4 - CLAUDIA GIANNETTI
perguntas m e d i a n t e u m p r i n c í p i o aleatório ( j o g a n do m o e d a s o u palitos), q u e
forma as c o m b i n a ç õ e s binárias a partir das quais o hexagrama é p r o d u z i d o .
Desta m a n e i r a, chega-se a um significado ou sabedoria. V á r i o s autores v ê e m ,
nessa e n g e n h o s a m a n e i r a de incluir o leitor na obra a partir do ritual de formu-
lações e j o g o a l e a t ó r i o , um p a r a l e l i s m o c o m a estrutura não-linear, conside-
r a n d o o livro das mutações c o m o precursor da escritura e da leitura participativa
e hipertextual. N e s s e contexto, v a l e a p e n a lembrar a proposta de R a m ó n H u l l
de a p l i c a r a c o m b i n a t ó r i a c o m o m é t o d o para chegar a e n u n c i a d o s relevantes,
q u e t a m b é m é c o n s i d e r a d a um a n t e c e d e n t e dos sistemas c o m b i n a t ó r i o s digitais.

De m e a d o s dos anos 1960 em diante, as n o ç õ e s de não-linearidad e e


interatividade e n c o n t r a m a p l i c a ç ã o t a m b é m n o c a m p o a u d i o v i s u a l . G r a h a m e
W e i n b r e n 3 3 d e s e n v o l v e , em 1967, seu filme interativo One Man and his Jury,
apresentado no p a v i l h ã o da C h e c o s l o v á q u i a por o c a s i ã o da Exposição Mundial
de Montreal. D u r a n t e a p r o j e ç ã o , em d e t e r m i n a d os m o m e n t o s o f i l m e p a r a v a e
o p ú b l i c o podia selecionar, por meio de botões instalados nos braços das cadeiras,
q u a l o r u m o q u e queria dar à história. A i n d a q u e se tratasse de um e x p e r i m e n t o
limitado, visto q u e as c o n t r i b u i ç õ e s do p ú b l i c o consistiam s o m e n t e na s e l e ç ã o
de um itinerário a u d i o v i s u a l que, m e s m o sendo plural, era preestabelecido , a
idéia de romper c o m a d e t e r m i n a ç ã o u n i d i r e c i o n a l da n a r r a ç ã o t e m importantes
i m p l i c a ç õ e s , tanto para a estrutura da obra, c o m o para a atitude do espectador.
Por um lado, a obra adota u m a estrutura ramificada e p l u r i d i r e c i o n a l ; por outro,
o p ú b l i c o se vê e n v o l v i d o na e l e i ç ã o subjetiva ou c o n c e i t u a i do desenvolvi-
m e n t o do roteiro, sentindo-se participante da obra.

A partir da d é c a d a de 1970, nos mais diversos c a m p o s , e muitas v e z e s de


maneira interdisciplinar, multiplicam-se as investigações sobre as possibilidades
de p a r t i c i p a ç ã o do p ú b l i c o e da a p l i c a ç ã o da linguagem hipertextual. N i c o l a s
Schôffer, Pierre H e n r y e A l w i n N i k o l a i s d e s e n v o l v e m u m trabalho i n o v a d o r e m
forma de e s p e t á c u l o musical, visual e plástico, intitulado Kyldex. A p r e s e n t a d o
em 1973 na ópera de H a m b u r g o , esse tipo de música expandida se defin e c o m o
um e x p e r i m e n t o c i b e r n é t i c o l u m í n i c o - d i n â m i c o (daqui v e m a sigla do título:
Kybernetisch-luminodynamische Experimente). A participação do público con-
sistia em d e c i d i r o curso da obra. C a d a pessoa r e c e b i a na entrada c i n c o cartões
de diferentes cores qu e correspondiam a diferentes significados: parar = vermelho;
mais r á p i d o = v e r d e ; e x p l i c a r = b r a n c o ; mais lento = azul; repetir = a m a r e l o .
D u r a n t e a a p r e s e n t a ç ã o h i p e r m í d i a , q u e consistia n u m c o n c e r t o d e m ú s i c a
e l e t r ô n i c a a c o m p a n h a d a de p r o j e ç õ e s de c i n e m a e de slides, i l u m i n a ç õ e s c o m
luzes e s t r o b o s c ó p i c a s , raios, p r i s m a s e a ç ã o de c r o n o - e s c u l t u r a s c i n é t i c a s
c o n t r o l a d a s à distância, o p ú b l i c o d e v i a fazer uso dos cartões e decidir , assim, o
desenrolar da obra. C i n c o observadores localizados diante do cenário registravam
as sugestões do p ú b l i c o , q u e levantav a os cartões ao final de c a d a segmento e
i n t r o d u z i a m a cor d o m i n a n t e n u m sistema e l e t r ô n i co q u e transmitia o resultado,
tanto a Schôffer c o m o a u m a central q u e c o n t r o l a v a os dispositivos técnicos.

33 W e i n b r e n nasceu em Johannesburgo, em 1947, radicou-se primeiro em Londres (1951) e, posterior-


mente, nos E U A (Los Angeles, 1971; N o v a York).

Estética Digital - 135


Desta forma, as decisões tomadas pelo público influenciavam diretamente no
curso da obra em seus diferentes níveis. Tanto o tipo de estruturação da obra
c o m o o m o d o de vivê-la por parte do p ú b l i c o e x p e r i m e n t a v am uma transfor-
m a ç ã o considerável.

A a u d i ç ão "tradicional" de um concerto sempre esteve marcada por uma


organização fixa, estável e inalterável, assegurada pela definição completa (seja
pela partitura, pré-gravação etc.) do transcurso da obra, durante a qual o público
d e v e se manter totalmente passivo. Em Kyldex, o processo e a sucessão de infor-
m a ç ã o (audiovisual, sonora, cenográfica etc.) tornam-se flexíveis, na medida
em que são dependentes da vontade imprevisível do público, que pode optar
por c i n c o parâmetros distintos. A peça se constrói c o m o um processo dialógico
entre obra ( c o m o sistema aberto) e p ú b l i c o ( c o m o partícipe), entre os frag-
mentos (cada segmento e sua seqüência circunstancial) e o todo, entre conteúdo
e contexto. Considerando a oscilação potencial de sua estrutura, cada apresen-
tação é, portanto, sempre a estréia de uma obra reformulada.

One Man and his Jury e Kyldex propõem diferentes aproximações às


noções de hipertexto c o m suas formas de links, linearidades interrompidas,
sinapses de transição e enfoque pluridirecional, que geram um espaço de liber-
dade que d e v e ser preenchido ou redefinido pelo público. A definição que
M i c h a e l Joyse propõe para o conceito de hipertexto construtivo pode ser perfei-
tamente extrapolada para esse tipo de obras, entendidas c o m o espaços para a
improvisação e a descoberta, nos quais os usuários p o d e m seguir múltiplas
linhas de associação, em vez de ter que situar as asserções numa lógica única.
Os e x e m p l o s anteriores nos permitem constatar c o m o as idéias de variabili-
dade, indeterminação e potencialidade (virtualidade) assumem, cada vez mais,
relevo no contexto da criação artística e passam a ser os fundamentos caracte-
rísticos da media art. 34

W e i n b r e n , depois da experiência c o m o c i n e ma interativo, continua sua


investigação sobre as novas formas e estruturas audiovisuais utilizando o suporte
do videodisco. Em suas duas obras - The Erl King (1986) e Sonata (1991/93) -
W e i n b r e n aperfeiçoa as técnicas interativas de narração e consegue efetuar uma
fragmentação dos conteúdos textual, sonoros e iconográficos, c o m o resultado
da abertura à participação ativa do público na obra, sem renunciar ao encadea-
mento conex o da narrativa, preservando o sentido amplo da obra.

O trabalho The Erl King, que se apresenta sob a forma de instalação intera-
tiva, está estruturado em diferentes níveis de narração, que formam uma rede
espaço-temporal complexa, cujo fio do discurso é a c a n ç ã o de Schubert Der
Erlkõnig, cantada por Elisabeth Arnold no início da obra. A ela somam-se as refe-
rências ao próprio relato de Goethe, Erlkõnig, e ao texto de Siegmund Freud Traum

34 Cf. c o m Peter W e i b e l . Segundo W e i b e l , "a construção de mundos de eventos controlados pelo


contexto são, definitivamente, o centro da computer art, cujas possibilidades específicas, a saber, vari-
abilidade, virtualidade e viabilidade, são empregadas de forma magistral, e é comparável à construção
da realidade na teoria quântica". Peter W e i b e l , "Transformationen der Techno-Ãsthetik", in: Florian
Rõtzer (Ed.). Digitaler Schein. Frankfurt: Suhrkamp Verlag, 1991, p.242.

1 3 6 - CLAUDIA GIANNETTI
vom brennenden Kind. Através da tela tátil, o p ú b l i c o p o d e eleger esses diferentes
níveis e navegar por eles. Ao contrário da estratégia de c h a m a d a explícita à parti-
c i p a ç ã o do p ú b l i c o , a d o t a da em Lorna por L y n n H e r s h m a n , The Erl King e l u d e
q u a l q u e r tipo d e i n d i c a ç ã o ( c o m o o c o r r e t a m b é m c o m Afternoon, q u e opta pela
i n v i s i b i l i d a d e dos links). Intuitivamente o interator, ao tocar a tela, n ã o só p o d e
m u d a r d e c e n a , c o m o a m p l i a r o u ver ilustrações d a história, q u e s e d e s e n v o l v e
de forma surrealista, tanto por seus questionamento s psicanalíticos, c o m o por
sua própria estruturação temporal. 3 5 A i n d a q u e a dialétic a entre a r e a l i d a d e e a
f i c ç ã o (do s o n h o ou da saga) seja um assunto relevante na p e ç a, o e l e m e n t o
central é, p o r é m , a f o r m a ç ã o da estrutura hipertextual da obra, q u e induz o
interator a m o d i f i c a r seu m é t o d o t r a d i c i o n a l de leitura e visão, na m e d i d a em
q u e a a t u a l i z a ç ã o do leque de possibilidades do relato d e p e n d e de sua iniciativa.

TV-Helm (Pichler), One Man and his Jury ( W e i n b r e n ) , Kyldex (Schõffer


et. al.), Clowflow(Krueger), Very Nervous System ( R o k e b y ) , Elastic Movies Disc
(Film a n d V i d e o G r o u p s Lorna ( H e r s h m a n ) , Le Bus (Boissier), The Erl King
( W e i n b r e n ) ou The Legible City ( S h a w ) são alguns dos e x e m p l o s mais relevantes
da primeira etapa, entre os anos 1960 e 80, da e x p a n s ão dos environments,
instalações, c i n e m a , c o n c e r t o o u experimento s participativos, q u e p e s q u i s a m
as idéias de o b s e r v a d o r interno e participante, de interface, de sistema intrínse-
co, de h i p e r m i d i a l i d a d e e de hipertextualidade. Essas noções, e m p r e g a d a s de
forma criativa, m a r c a m a l g u m a s das pautas básicas da arte interativa e a b r e m
novas perspectivas à e x p e r i ê n c i a estética. O p r ó x i m o passo será p r o p o r c i o n a r
ao observador/ interator a possibilidade de situar-se no contexto da obra, n ã o só
c o m o um agente q u e se identifica, mas t a m b é m c o m o parte integrante da mesma.
O processo de imersão, já anteriormente investigado por P i c h l e r e q u e é explo-
rado, a t u a l m e n t e , pelos sistemas de R V , p r o v o c a o c o l a p s o das distâncias entre
contexto da obra (ficção) e contexto do o b s e r v a d o r (realidade). A imersão m a r c a
a diferença entre os sistemas hipertextuais baseados n u m a rede de ligações -
inputs e x p l í c i t o s - às q u a i s o interator t e m a c e s s o por m e i o de i n t e r f a c e s
t é c n i c a s externas, e os sistemas interativos baseados em interfaces internas c o m
s i m u l a d o r e s de inputs táteis ou corporais implícitos.

Realidade virtual: o mundo como cenário interativo

Ficção e RV

A literatura de f i c ç ã o c o n c e b e u m o d e l o s de m u n d o s virtuais, q u e prece-


d e r a m os a v a n ç o s t é c n i c o s, as e x p e r i ê n c i a s e os questionamentos em torno da
R V . O escritor e teórico O s w a l d W i e n e r , n u m ensaio v i s i o n á r i o intitulado " D e r
bio-adapter (für w. p i c h l e r ) " , 3 6 escrito entre 1965 e 1966, a b o r d a questõe s

35 Constatamos certa afinidade c o m os filmes de M a y a Deren e seu conceito de "verticalidade temporal".


36 O ensaio foi incorporado à sua novela Die Verbesserung von Mitteleuropa, Roman (A melhora da
Europa Central, romance), 1969.

Estética Digital - 137


essenciais r e l a c i o n a d o s à e x p a n s ã o das c a p a c i d a d e s h u m a n a s pel o uso de inter-
faces internas e a c o n s e q ü e n t e f a c u l d a d e de control e do m e i o . I n f l u e n c i a d o
pelas idéias de Buckmister Fuller e da Cibernética, W i e n e r elabora u m a estratégia
t e c n o l ó g i c a para "substituir o m u n d o , isto é, assumir, c o m o emissor e receptor
de i n f o r m a ç õ e s vitais ( a l i m e n t a ç ã o e diversão, m e t a b o l i s m o e m u d a n ç a espiri-
tual), as f u n ç õ e s até agora totalmente insuficientes do entorno existente".37 A
s o l u ç ã o formal e n c o n t r a d a assemelha-se a um traje e n v o l v e n t e , u m a e s p é c i e de
segunda p e l e o u " ú t e r o " , d e n o m i n a d o " t r a j e a f o r t u n a d o " , q u e a j u d a aos seres
h u m a n o s a superar a situação " m i s e r á v e l " e " t e d i o s a " na qual se e n c o n t r a m o
m u n d o e eles mesmos. Ao se introduzir no traje do bio-adapter, as pessoas " s e
transformam n u m a u n i d a d e s o b e r a n a " . Já n ã o são mais d e p e n d e n t e s do c o s m o s
n e m necessitam c o n t i n u a r a história do d o m í n i o do m u n d o , p o r q u e se c o l o c a m
n u m a p o s i ç ã o superior a ele.

O s impulsos q u e c h e g a m a o traje por m e i o d e censores são analisados,


s e l e c i o n a d o s e transcodificado s n u m " e s p e l h o de i n f o r m a ç ã o " , isto é, em infor-
m a ç õ e s equivalentes. A v i s ã o do entorno deixa de ser direta: por e x e m p l o , " s e
vê a i m a g e m das pernas, e n ã o as próprias pernas". O o b s e r v a d o r interno p o d e
atuar por m e i o do traje nessa n o v a realidade, p o r é m , n ã o p o d e distinguir entre
os f e n ô m e n o s de o b s e r v a ç ã o interna e os de o b s e r v a ç ã o externa, já q u e se
e n c o n t r a imerso na própria representação.

O i n c o n v e n i e n t e é que, u m a v e z c o l o c a d o o traje, já n ã o se p o d e mais


a b a n d o n á - l o , " j u s t a m e n t e p o r q u e u m a pessoa q u e se e n c o n t r a em fase de adap-
t a ç ã o já n ã o p o d e mais v i v e r fora do bio-adapter". Esse processo de a s s i m i l a ç ã o
c u l m i n a na c o n e x ã o direta dos órgãos sensoriais do sujeito c o m o emissor de
i n f o r m a ç ã o d o adaptador, b e m c o m o n o a n i q u i l a m e n t o d o sistema n e r v o s o d o
o b s e r v a d o r , q u e termina totalmente a c o p l a d o à estrutura.

Apesar de sua nuanc e insólita e solipsista, W i e n e r esboça algumas questões


essenciais, q u e e n c o n t r a m o s nas atuais reflexões em torno da R V , a saber: a da
c r i a ç ã o de um sistema t é c n i c o q u e permita a s i m u l a ç ã o do m u n d o e a c o m u n i -
c a ç ã o c o m " o u t r a " r e a l i d a d e a partir de uma p o s i ç ã o " e x t e r n a " ; a d e s a p a r i ç ã o
da interface a partir de a c o p l a m e n t o s diretos; a t r a d u ç ã o ; a imersão c o m p l e t a e
a c o n s e q ü e n t e i n d e t e r m i n a ç ã o entre r e a l i d a de da m á q u i n a e r e a l i d a d e h u m a n a ;
a prática da realidade a u m e n t a d a . A m e n s a g e m intrínseca do texto de W i e n e r
remete à p r o p o s i ç ã o de u m a s o l u ç ã o e d i f i c a n te para a h u m a n i d a d e :

O bio-adapter oferece, em suas bases, o primeiro modelo impugnável de uma


solução cabal para todos os problemas do mundo; ele encarna a oportunidade
do nosso século: a superação da filosofia por meio da técnica (além da linguagem
como argumento contra o solipsismo).38

37 O s w a l d W i e n e r . " A p p e n d i x A - D e r Bio-Adapter", in: Schriften zur Erkenntnistheorie. V i e n a ; N o v a


Y o r k : Springer, 1996, p.46.

38 O s w a l d W i e n e r , o p . cit., p.46.

1 3 8 - CLAUDIA GIANNETTI
P o d e r í a m o s considerar o bio-adaptercomo u m a versão f u n c i o n al d a q u i l o
q u e N i e t z s c h e p r e n u n c i a v a em filosofia: a r e d u ç ã o da r e a l i d a d e h u m a n a a u m a
" f á b u l a " , à diferenç a que, aqui, esta se constitui a partir do exterior por u m a
máquina.

S e g u i n d o uma linha de pensamento análoga, o escritor D a n i e l F. G a l o u y e


p u b l i c a , u m a n o antes d o texto d e O s w a l d W i e n e r , e m 1964, a n o v e l a d e
c i ê n c i a - f i c ç ã o Simulacron-3, i9 na qual d e s e n v o l v e um ponto de vista peculiar,
q u e t a m b é m apresenta paralelismos c o m o m e c a n i s m o dos sistemas de RV e,
p r i n c i p a l m e n t e , c o m seus e n u n c i a d o s c o n c e i t u a i s . E n q u a n to O s w a l d W i e n e r
circunscreve-se às questões pós-humanas e formais do sistema interativo imersivo,
o centro do a r g u m e n t o da n o v e l a de G a l o u y e está na reflexão sobre a questão
cognitiva da s i m u l a ç ã o de outras realidades. A intenção do autor não é imaginar
as possibilidades t é c n i c a s do sistema, mas abordar p r o b l e m a s r e l a c i o n a d o s c o m
a p e r c e p ç ã o e o c o n h e c i m e n t o , por e x e m p l o , os temas sobre a d i f e r e n c i a ç ã o
entre realidade natural e realidade simulada, a objetividade da realidade, o papel
do observador , a r e l a ç ã o entre o b s e r v a d o r interno e o b s e r v a d o r externo. Em
m u n d o s c r i a d o s artificialmente, ou em m o d e l o s de m u n d o s virtuais, se desata o
conflito e m torno d a questão d o c o n t r o l e d e c a d a m o d e l o d e m u n d o através d e
o b s e r v a d o r e s externos.

Simulacron-3 p r o p õ e a s i m u l a ç ã o , m e d i a n t e o e m p r e g o de supercompu -
tadores digitais, d e u m a g r a n d e c i d a d e c o m m i l h a r e s d e habitantes virtuais
c o n t r o l a d a por u m a m a c r o e m p r e s a . Os habitantes são i n d u z i d o s a acreditar
q u e v i v e m em um " m u n d o real". O objetivo do experimento é utilizar a p o p u l a ç ã o
s i m u l a d a para testar produtos c o m e r c i a i s antes q u e eles sejam distribuídos no
m e r c a d o real. Os técnicos da empresa se transformam, portanto, em observadores
externos do m u n d o s i m u l a d o. Por sua vez, os habitantes da c i d a d e virtual são
seres tão c o m p l e x o s , q u e p o d e m , eles mesmos, simular m o d e l o s de m u n d o sob
seu c o n t r o l e. Esses outros m u n d o s s i m u l a d o s pelos seres virtuais t a m b é m estão
habitados por i n d i v í d u o s que, c o m o eles, a c r e d i t a m v i v e r em um m u n d o real. A
e x p a n s ã o e m u l t i p l i c a ç ã o gradativa do sistema ( c o m o uma forma fractal q u e se
repete de m a n e i r a idêntica), assim c o m o o grau de v e r a c i d a d e do m e s m o , leva
os e n g e n h e i r os da grande empresa - os considerado s habitantes do m u n d o " r e a l "
- a d u v i d a r da a u t e n t i c i d a d e de sua própria r e a l i d a d e : t a l v e z eles m e s m o s
v i v a m na ilusão de encontrar-se n u m m u n d o a p a r e n t e m e n t e real, já q u e seria
factível q u e fossem, t a m b é m , seres v i r t u a i s c o n t r o l a d o s por o b s e r v a d o r e s ex-
t e r n o s a partir de um sistema superior ao deles. G a l o u y e insinua q u e a suspeita
dos t é c n i c o s é v e r d a d e i r a.

Essa n o v e l a nos p e r m i t e e s t a b e l e c e r nexos c o m as atuais t e c n o l o g i a s


emergentes de RV e IA, e c o m os discursos cada v e z mais complexos, provenientes
dos c a m p o s das ciências cognitivas, a neurobiologia e a t e c n o c i ê n c i a , sobre as
noções de realidade e de observador, temas q ue analisaremos mais adiante.

39 Esta obra serviu de roteiro para o filme de Rainer Fassbinder, intitulado Weltam Draht, produzido em
1973, e de Roland Emmerich, The 13th Floor, de 1999. Citada por Otto Rõssler em "Endophysik. Physik
von innen", e no catálogo de Ars Electronica. V i e n a : P V S Verleger, 1992, p.51.

Estética Digital - 139


Antes de mais nada, é interessante mencionar, a grosso modo - já que
não se trata aqui de indagar sobre questões puramente técnicas - algumas
características dos sistemas de realidade virtual. 40
Podem-se distinguir entre seis sistemas interativos de RV: sistemas de RV
não-inteligentes; sistemas de VR c o m representações visuais realistas; sistemas
de VR c o m representações visuais fotorrealistas; sistemas de VR que empregam,
de forma variável, processos de IA para gerar objetos sem inteligência própria;
sistemas de VR que empregam, de forma variável, processos de IA para gerar
objetos inteligentes e que possuem interfaces entre os sistemas de IA. A l é m das
representações visuais, existem também outras possibilidades, c o m o a repre-
sentação de estruturas acústicas, estruturas sensorials, gustativas e olfativas. Do
ponto de vista da relação do interator c o m o sistema, pode-se diferenciar, prin-
cipalmente, entre sistemas não imersivos, nos quais o observador aproxima-se
do entorno virtual de uma maneira extrínseca, c o m o se olhasse através de uma
janela para outra realidade na qual pode intervir; e sistemas imersivos, em que
o interator se sente acoplado ao mundo virtual e, portanto, imerso em um entorno
artificial. Enquanto os primeiros podem utilizar telas de projeção ou monitores,
os outros empregam dispositivos, c o m o os capacetes de imersão e os óculos
digitais, ou o tipo de estrutura cúbica onde o visitante pode entrar, d e n o m i n a d o
C A V E ( A u t o m a t i c Virtual Environment) ou caverna digital, com sistema de
processamento distribuído ( clusters de imagens) e projeções estereoscópicas
sobre três ou quatro lados do cubo. (São possíveis outras classificações segundo
a complexidade do sistema.) Por outro lado, sistemas que permitem visualizar
as informações de dados sobre um objeto, corpo ou espaço real, sobrepondo
estruturas geradas por computador ou modelos virtuais à "matéria" real, se ins-
c r e v e m no âmbito da realidade aumentada. Tecnologias de apresentação c o m o
video see-through (VST), optical see-through ( O S T ) e janela sobre o mundo,

40 A tecnologia de RV se compõe, basicamente, de um sistema que substitui os inputs naturais dos


sentidos humanos por inputs sintéticos gerados por programas informáticos que permitem a interação
entre o usuário dos dispositivos de RV e os objetos simulados e representados por imagens infográficas
em três dimensões que podem ser manipuladas. Esses dispositivos consistem, essencialmente, em um
simulador de visão e áudio (Head-Mounted Display), que pode estar equipado c o m dois monitores de
cristal líquido e de sistema de som, e simuladores de inputs táteis ou corporais ( dataglove, ou luvas
digitais; datasuit, ou traje de dados; eyeball tracking, ou dispositivo de rastreio de movimento da pupi-
la; biocensores etc.). Os grandes capacetes ou as interfaces volumosas são substituídos, progressiva-
mente, por óculos ligeiros, biocensores ultra-sensíveis, luvas ou trajes de dados, q u e enviam ao usuário
sensações de pressão e de força.

A fim de que o observador possa atuar no espaço virtual de forma semelhante à que faria na realidade,
são necessários esses sistemas de input, que captam os outputs ou informações exteriores (com o o
movimento das pupilas, os gestos ou movimentos corporais, a fala etc.), os processam e geram inputs
sintéticos paralelos, produzindo a sensação de que o cenário artificial acompanha o olhar, a posição
ou os gestos do observador no contexto do sistema (por isso a expressão viewpoint dependent imaging,
c u n h a d a por Scott Fisher, c o m a qual define a tecnologia de RV). Desta maneira, uma parte da
interação se produz de maneira inconsciente, quase automática, já que o sistema se sensores capta os
movimentos naturais do observador (pupila, cabeça, braços, pernas, corpo, deslocamento no espaço
etc.), ou detecta os sinais elétricos emitidos pelos músculos do usuário. Essas ações não são produzidas
c o m o inputs explícitos, c o m o poderia ser o gesto de clicar um mouse ou tocar uma tela tátil.

1 4 0 - CLAUDIA GIANNETTI
b e m c o m o sistemas d e rastreamento o u m a p e a m e n t o ( G P S , serviços d e locali-
z a ç ã o inalábricos, tecnologia s de v i g i l â n c i a ou teledetecção) , a m p l a m e n t e utili-
zadas nos â m b i t o s militares e médicos, p o d e m ser c o n s i d e r a d as instrumentais
de realidade aumentada.

A i n d a q u e possam integrar-se na RV outros sistemas t e c n o l ó g i c o s mais


c o m p l e x o s c o m o os de IA, q u e possibilitam um i n c r e m e n t o qualitativ o na reali-
z a ç ã o de n o v a s prestações de m a n e i r a " i n t e l i g e n t e " , persistem os p r o b l e m a s da
e f e t i v i d a d e da representaçã o ou v i s u a l i z a ç ã o e da e f e t i v i d a d e do output. Isto é,
do grau de s i m u l a ç ã o imersiva do a u d i o v i s u a l e a rapidez de transformaçã o
(pois o nível de prestação d e p e n d e da c a p a c i d a d e de m e m ó r i a e da v e l o c i d a d e
de p r o c e s s a m e n t o do c o m p u t a d o r ) . O u t r a questão q u e costum a ser conflitiva é
a da simetria de r e a ç ã o da m á q u i n a em r e l a ç ã o à a ç ã o do interator, p e r c e b i d a
por este através de sons, imagens a n i m a d a s e/ou em 3 D , efeitos táteis ou retornos
de esforço.

Em r e l a ç ã o à primeira questão, é importante destacar o p a r a d o x o exis-


tente em torno da e f e t i v i d a d e da imagem. A i n d a q u e se possa valorar, entre
outras coisas, o n ú m e r o de pixels, as f r e q ü ê n c i as e o grau de realismo visual da
representação ( r e l a c i o n a d o , em grande parte, c o m os métodos de shadings e
r e n d e r i z a ç ã o para a g e r a ç ã o de imagens fotorrealistas, c o m a representação das
texturas - superfícies fractais etc. ou c o m a c o m b i n a ç ã o inteligente dos pro-
cessos de g e r a ç ã o de imagens), n e m sempre é a q u a l i d a d e da i m a g e m o fator
c o n d i c i o n a n t e d a s e n s a ç ã o d e imersão. M u i t o s artistas, c o m o M y r o n Krueger,
q u e t r a b a l h a m c o m m u n d o s simulado s baseados e m gráficos imaginários muito
e s q u e m á t i c o s , c h e g a m a conseguir a identificaçã o do usuário c o m a r e a l i d a d e
s i m u l a d a sem n e c e s s i d a d e de recorrer a efeitos visuais fotorrealistas ou m e s m o
de c a p a c e t e s de imersão. S u a instalação Videoplace (1974-75), por e x e m p l o ,
consiste em um e s p a ç o c o m u m a grande tela, na qual se projeta a i m a g e m da
silhueta d o v i s i t a n t e c a p t a d a po r u m a c â m a r a d e v í d e o e p r o c e s s a d a p e l o
c o m p u t a d o r . A m á q u i n a gera os gráficos correspondentes e outros " o b j e t o s "
abstratos, c o m os quais o visitante p o d e interagir, c o m o n u m a e s p é c i e de meta-
jogo. O interator p o d e m o v e r os objetos e m a n i p u l a r esses gráficos bidimensio-
nais projetados, estabelecendo um diálogo c o m sua própria "réplica". A l é m disso,
é possível c o n e c t a r várias instalações e v i n c u l a r seus ambientes, de forma q u e
os interatores possam ver em " s e u " entorno a representação dos participantes
das outras instalações. Desta maneira, Krueger estabelece um estreito v í n c u l o
entre a pessoa e seu d u b l ê (sua sombra), existente e v i r t u a l m e n t e " a t i v o " na tela,
assim c o m o entre os interatores locais e aqueles distantes, d a n d o a s e n s a ç ã o de
p a r t i c i p a ç ã o n u m a m b i e n t e virtual e c o m u n i c a t i v o . S e m grandes parafernálias
t e c n o l ó g i c a s , s e m e m p r e g o d e imagens e m 3 D , sensores o u dispositivos d e da-
dos, Krueger c o n s e g u e criar um a m b i e n t e o n d e o o b s e r v a d o r e x p e r i m e n ta a
s e n s a ç ã o de v í n c u l o entre contexto real e m u n d o virtual ( u m a n t e c e d e n t e do
q u e s e d e n o m i n a agora r e a l i d a d e a u m e n t a d a ) .

Videoplace é t a m b é m um b o m ponto de referência para formula r a per-


gunta sobre a simetria na c o m u n i c a ç ã o h u m a n o - m á q u i n a , na qual as interfaces
d e s e m p e n h a m o p a p e l essencial. Essa e outras instalações interativas, q u e se
c a r a c t e r i z a m pela s i m p l i c i d a d e t e c n o l ó g i c a , d e m o n s t r a m ser possível a l c a n ç a r

Estética Digital - 141


uma simetria no diálogo humano-máquina sem recorrer a recursos high tech.
Porém, as recentes investigações c o m interfaces de alta tecnologia aspiram a
abrir caminho s todavia mais imersivos, apesar de serem poucas as obras que,
usando esses dispositivos, possam ser consideradas c o m o bem-sucedidas do
ponto de vista conceituai, intuitivo e formal.
O desenvolvimento de luvas de retorno de força e de percepções táteis,
por exemplo, permite ampliar a transmissão ao interatorde sensações "reais" de
contato (peso, resistência, suavidade ou rugosidade da superfície, delicadeza,
rigidez etc.) c o m os objetos simulados. A háptica, c o m o nova ciência dedicada
à percepção tátil, que conecta a biologia, a mecânica e a informática, investiga
as interações humanas c o m o ambiente virtual por meio do emprego de dispo-
sitivos acopláveis ao corpo do usuário, c o m o os biossensores que permitem a
m a n i p u l a ç ã o de objetos virtuais. Enquanto todos esses tipos de interface são
externos ou não-invasivos, as recentes pesquisas buscam, c o m o havíamos men-
c i o n a d o anteriormente, métodos invasivos que permitam uma conexão direta e
transparente entre o cérebro do observador e o sistema.

A construção da realidade e da virtualidade:


a perspectiva do observador

Antes de passar a uma reflexão sobre outras potencialidades da tecno-


logia dos sistemas interativos e de adentrar no estudo da construção de mundos
simulados que utilizam os sistemas de RV, é preciso indagar sobre o juízo e o
comportamento humanos c o m relação a seu meio; sobre c o m o ele assimila esse
meio e c o m o o constrói segundo seus condicionantes psíquicos e físicos. 41 Essas
questões são essenciais para elucidar os possíveis vínculos que podem gerar-se
entre o ser humano e um ambiente simulado no qual esteja imerso ou c o m o
qual interaja, bem c o m o para definir as características que d e v e m ser integradas
no processo de c o n c e p ç ã o e produção do sistema.

Examinamos, anteriormente, a importância das investigações de Turing


para o desenvolvimento da automatização dos processos de c á l c u l o (que resul-
taram no desenvolvimento da IA), assim como das teorias do controle e da comu-
nicação de Norbert W i e n e r , ou a teoria da informação de C l a u d e Shannon.
Resta-nos ainda citar uma quarta teoria que exerce influência tanto sobre as
investigações tecnológicas sobre computadores - como a arquitetura elaborada por
John von N e u m a n n ou a criação de modelos formais de pensamento em IA -,
c o m o sobre as teorias cognitivas e neurofisiológicas, nas quais se apoiam muitas
das obras interativas e de vida artificial atuais.
A hipótese da atribuição dos processos de c o n h e c i m e n t o e de certos
tipos de funções lógicas às redes neurais é abordada pelo neurofisiólogo W a r r e n
M c C u l l o c h e pelo matemático W a l t e r Pitts no artigo "A logical calculus of the
ideas inmanent in nervous activity" (1943). Eles entendem o sistema nervoso

Cf. W u l í H a l b a c h , op. cit., p.1 71.

1 4 2 - CLAUDIA GIANNETTI
c o m o " u m a rede de neurônios, o n d e c a d a um deles tem um c o r p o c e l u l a r e
p r o l o n g a m e n t o s . Suas uniões ou sinapses sempre se e n c o n t r a m entre o a x ô n i o
do n e u r ô n i o e o c o r p o celula r de outro neurônio." 4 2 Os p r o b l e m a s principai s
consistem, s e g u n d o os autores, em c a l c u l a r o c o m p o r t a m e n t o de q u a l q u e r rede
e em encontra r u m a q u e se c o m p o r t e de u m a maneir a específica, q u a n d o tal
rede exista.

Para realizar esse cálculo, eles se baseiam nas seguintes suposições físicas:

1) A atividade do neurônio é um processo de "tudo ou nada". 2) Um número fixo


dado de sinapses deve ser estimulado durante o período de adição latente para
poder excitar um neurônio em qualquer momento, e este número é independente
da atividade e da posição prévia do neurônio. 3) O único intervalo significativo
dentro do sistema nervoso é o sináptico. 4) A atividade de qualquer sinapse
inibitória evita, absolutamente, que o neurônio se estimule nesse momento. 5) A
estrutura da rede não se altera com o tempo.43

Para expor essa teoria, M c C u l l o c h e Pitts recorrem à linguagem simbólica


de R u d o l f C a r n a p (1938), acrescentando-lh e c o n h e c i m e n t o s sobre o c á l c u l o
p r o p o s i c i o n a l de Bertrand Russell e Alfred N. W h i t e h e a d (1927). Esse c á l c u l o
deveria mostrar a d e p e n d ê n c i a da correspondência q ue existe, nas p r o p r i e d a d t s
estruturais específicas da rede nervosa, entre a p e r c e p ç ã o e o " m u n d o externo" .

A i n d a q u e a a m b i ç ã o materialista e a tentativa de f u n d a m e n t a r a teoria


n u m c á l c u l o lógico dessem ao ensaio um caráter e s p e c u l a t i v o e, hoje em dia,
em parte criticável, algumas das c o n c l u s õ e s são e s p e c i a l m e n t e visionárias.

Nosso conhecimento do mundo, incluindo a nós mesmos, é incompleto quanto


ao espaço e indefinido quanto ao tempo. (...) É bastante evidente o papel que
desempenham os cérebros para determinar as relações epistêmicas entre nossas
teorias e nossas observações, bem como entre estas e os fatos, visto que está
claro que toda idéia e toda sensação é realizada pela atividade que ocorre dentro
dessa rede, e que nenhuma dessas atividades determina, por completo, os afe-
rentes reais.44

Neste sentido, o lugar destinado a todos os processos q u e e n v o l v e m a


inteligência seria o cérebro. "A e x p e r i ê n c ia c o n f i r ma que, se nossas redes n ã o
estão definidas, nossos fatos são indefinidos e não p o d e m o s atribuir ao 'real' n e m
sequer u m a q u a l i d a d e ou 'forma'. Ao determinar a rede, o objeto não c o n h e c í v e l
do c o n h e c i m e n t o , a 'coisa em si', deixa de ser não c o n h e c í v e l . " 4 5 A neurofisio-
logia p o d e r i a abrir o c a m p o para a c o m p r e e n s ã o das atividades mentais, tanto

12 W a r r e n S. M c C u l l o c h e Walter H. Pitts. "A logical calculus of the ideas inmanent in nervous activity",
in: Bulletin of Mathematical Biophysics 5, p.l 1 5-1 33; reeditado em W. S. M c C u l l o c h , Embodiments of
Mind. Cambridge: M I T Press, 1 965, p.l 9-39.
43 M c C u l l o c h e Pitts, op. cit., p.36.
44 Ibidem, p.50.
45 Ibidem.

Estética Digital - 143


do ponto de vista cognitivo c o m o psíquico. Seria a única maneira de evitar que
a mente "seja mais fantasmagórica que um fantasma", c o n c l u e m os autores.
A importância desse artigo pode ser analisada de diferentes perspectivas.
Para a informática, um estudo formal da rede permitiria determinar as funções
processadas pelo cérebro, tornando-as computáveis. Esse seria o primeiro passo
no sentido de pretender simular as mesmas funções por meio de uma máquina.
O objetivo consistiria, enfim, no desenho de redes capazes de reproduzir o
processo de c o m p u t a ç ã o que a mente realiza. O artigo de M c C u l l o c h e Pitts
pode ser visto, portanto, c o m o um dos fundamentos do d e s e n v o l v i m e n t o do
programa de investigação em IA de tendência conexionista, baseado em uma
arquitetura paralela, na medida em que estabelece uma analogia entre as redes
neurais humanas e as redes digitais.

Porém, é importante destacar que tal trabalho de sistematização já havia


sido refutado, mais de uma década antes, pelo Teorema da Incompletude de
G õ d e l (1931), segundo o qual os processos intuitivos e mentais não se deixam
representar completamente por um sistema formal. A pretensão de algoritmizar
o saber humano, c o m o algumas correntes racionalistas em IA ambicionam , se
baseia na consideração cartesiana de que o saber é consciente e explícito. C o m o
confirma a nova neurociência, os processos mentais no cérebro são, inicial-
mente, todos implícitos, e só os mecanismos específicos (access consciousness)
no cérebro transformam uma parte desses processos em conscientes e, portanto,
explícitos. D a d o que só uma parte do conhecimento humano é explícita e outra
parte considerável permanece implícita, enquanto não seja possível alcançar
esse saber implícito t a m p o u c o será possível uma formalizaçã o completa do
saber humano. C o m o afirma Ernst Põppel, sabemos mais que sabemos; ou c o m o
admite Carl Friedrich von W e i z s á c k e r : a consciência é um ato inconsciente.
Ainda que esse conheciment o implícito permaneça intangível, ele forma parte
de nossas ações e sensações.

Da perspectiva neurofisiológica, a teoria segundo a qual nosso acesso à


realidade é um processo sempre mediado pela função da rede neural confirma
a idéia já intuída por Kant, quando afirmava que não podemos observar o mundo
c o m o é realmente, mas só interpretá-lo por meio de estruturas mentais implícitas
que não são lógicas em si mesmas. A mesma noção encontramos na teoria sobre
a aprendizagem humana, de Jean Piaget, que argumenta que o saber nunca
pode ser visto c o m o " c ó p i a do mundo ôntico", pois o conhecimento só pode
emergir da práxis de nossas ações e das operações de nosso pensamento. A
inteligência organiza o mundo na medida em que se auto-organiza. Essa hipótese
resulta na distinção entre observadores internos e externos (idéia já exposta,
anteriormente, na novela de Galouye), que é inerente à atual tecnologia da RV.

O argumento fundamental defendido por M c C u l l o c h e Pitts - a saber,


que a percepçã o não pode ser definida c o m o uma função dos órgãos sensorials,
uma vez que é atribuída ao funcionamento da rede neural do cérebro - também
foi refutado por novos conhecimentos científicos ( c o m o o da rede psicossomá-
tica); contudo, apresenta uma importante hipótese relativista, segundo a qual a
explicação sobre a construção da realidade está subordinada, necessariamente,

1 4 4 - CLAUDIA GIANNETTI
ao observador . Em outras palavras, a r e a l i d a d e q u e construímos n ã o p o d e ser
vista c o m o representação d e u m m u n d o o b j e t i v o i n d e p e n d e n t e.

A t r a n s f o r m a ç ã o s u b s t a n c i a l c o n s i s t e no m o d o c o m o se e n f o c a m os
processos cognitivos: à m e d i d a em q u e se rejeita a teoria t r a d i c i o n a l de q u e o
sistema de p e r c e p ç ã o h u m a n o está em contato direto c o m o m u n d o , a pergunta
já n ã o se limita às questões epistemológicas, mas remete, p r i n c i p a l m e n t e ; ao
próprio f u n c i o n a m e n t o dos processos cognitivos, seus efeitos e seus resultados.

A t e n d ê n c i a a c o n c e d e r um relevo maior à figura do o b s e r v a d o r n ã o se


manifesta, exclusivamente, na neurofisiologia, porquanto tem antecedentes funda-
mentais nas investigações da Física. 4 6 Sobretud o a partir da teoria da d i n â m i c a
não-linear, investigada por llya Prigogine nos anos 1940, e f o r m u l a d a em sua
tese sobre os f e n ô m e n o s irreversíveis (apresentada em 1 945 e p u b l i c a d a em
1947) e em seu livro Introduction to Thermodynamics of Irreversible Processes
(1954), s e c o n f e r e a o o b s e r v a d o r u m p a p e l primordial, d e m o d o q u e e l e deixa
de ser um o b s e r v a d o r " a b s t r a t o " para passar a ser um sujeito p a r t í c i p e dos
processos ( c o m p l e x o s , caóticos , de auto-organização, dissipativos etc.).

As r e v o l u ç õ e s da Física e das n o v a s investigações interdisciplinares nas


c i ê n c i a s superam, de forma definitiva, q u a l q u e r tipo de d e t e r m i n i s m o estrito ou
de m o d e l o s empiristas, q u e d e f e n d e m a existência da realidade ú n i c a e universal
existente c o m i n d e p e n d ê n c i a d o observador, o u q u e interpretam sua p o s i ç ã o
c o m o um receptor b a s i c a m e n t e passivo e s u b o r d i n a d o a u m a o r d e m externa
d a d a . Essa superação é apoiada por diferentes teorias, c o m o as do construtivismo
radical, da sinergética, da autopoiesis ou da a u t o - r e f e r e n c i a l i d a d e , q u e coin-
c i d e m na i n c o r p o r a ç ã o da n o ç ã o de auto-organização. Dessas teorias se d e d u z
q u e é no d o m í n i o das e x p l i c a ç õ e s q u e surgem os conflitos sobre a r e a l i d a d e e a
v e r d a d e , ou m e l h o r , sobre as realidades e as pretendidas verdades. As explica-
ç õ e s se m a n t ê m no contexto da práxis de v i v e r do o b s e r v a d o r e se constituem,
t a m b é m , em d e f i n i ç õ es q u e nada mais são q u e reflexões do o b s e r v a d o r formu-
ladas por m e i o da linguagem, já q u e nós, " o s seres h u m a n o s , a c o n t e c e m o s na
linguagem". N e s t e sentido, c o m o assinala M a t u r a n a , a realidade não é uma
experiência, mas sim um argumento dentro de uma explicação. Do que se
c o n c l u i q u e a s diferentes r e a l i d a d e s v i v i d a s por c a d a u m dos o b s e r v a d o r e s
d e p e n d e m da linha explicativa q u e adotemos. Constitutivamente, a r a z ã o - c o m o
expressão da c o e r ê n c i a o p e r a c i o n a l h u m a n a dentro da linguagem - n ã o p o d e
dar acesso ao o b s e r v a d o r a u m a suposta r e a l i d a de existente i n d e p e n d e n t e d e l e ^
m e s m o ou de seu entorno . A ú n i c a maneira de fazê-lo é a partir da g e r a ç ã o de ^
m u n d o s simulados, nos quais imperam estruturas de vidas ou realidades virtuais, ^
e o n d e os o b s e r v a d o r e s p o d e m exercer um c o n t r o l e sobre o e n t o r n o s i m u l a d o , ^ í ,
d a d o q u e as realidades estão construídas c o n s c i e n t e e f u n c i o n a l m e n t e . Nesses
sistemas é possível a existência de observadores internos e externos. ^

46 A Teoria da Relatividade de Albert Einstein, além de propor uma nova dimensão de espaço, tempo e
matéria, q u e perdem seu status absoluto, confere ao observador uma posição de destaque. A Teoria
Q u â n t i c a de M a x Planck, W e r n e r Heisenberg e Erwin Schrõdinger significa mais um passo em direção
à relativização dos objetos físicos e à potencialização do papel do observador.

Estética Digital - 145


Mimesis e simulacrum

Nas investigações de vida artificial ( V A ou A-life), pode-se diferenciar


entre uma "versão débil", que se limita a gerar modelos dos processos mentais e
criar no computador simulações do cérebro; e uma "versão forte", que pretende
que um programa digital de VA seja tão complexo que permita produzir processos
inteligentes e intrinsecamente significativos.

Estabelecendo um paralelismo c o m essas categorias, distinguiremos dois


níveis de simulação: uma "simulação débil", que se limita a originar formas de
representação a partir de informações explícitas proporcionadas pelos seres
humanos; e uma " s i m u l a ç ão forte", que poderia, a partir do seu próprio sistema,
produzir novas estruturas. A primeira está orientada para a eficiência do progra-
ma em aplicar, corretamente, as informações predeterminadas; enquanto que,
na simulação forte, se trata do emprego cabal da a c e p ç ã o de simulacrum c o m o
uma produção sem original. No teatro ou no cinema, por exemplo, o limite da
ilusão se encontra na consciência do espectador de que aquilo que ele vê é
ficção. A simulação c o m o simulacrum, ou c o m o simulação forte, ao contrário,
não marca uma fronteira clara, uma vez que é apresentada c o m o um fato e o
espectador não tem meios para distinguir se realmente é ou não um fato real (ou
pelo menos desconfiar da sua falsidade ou veracidade).

Certamente uma das melhores mostras do poder da simulação forte é o


já clássico exemplo do programa de rádio de Orson Welles, "The war of the worlds"
("A guerra dos mundos"), emitido em 1938, e que, c o m o se sabe, provocou
pânico entre a população que escutava o programa, que acreditou que se tratava
de uma invasão real - narrada por W e l l e s - dos marcianos nas proximidades de
N o v a York. Se uma simulação, para ser efetiva, deve conseguir que as pessoas façam
parte (mental ou fisicamente) do modelo, então o êxito de W e l l e s foi completo.

A complexidade de ambos os tipos de simulação - forte e débil - não se


reduz ao par de modelos, visto que cada um deles pode se ramificar. Um bom
exemplo são as várias distinções secundárias propostas por Ernst von Glasersfeld,
que define os dois campos c o m os termos de ficção consciente e ficção incons-
ciente. C o m relação à ficção consciente (ou simulação débil, c o m o c h a m a m os
aqui), von Glasersfeld sugere oito níveis distintos, assim definidos: "rede de idéias",
criadas sem levar em c o n s i d e r a ç ã o sua v i a b i l i d a d e no m u n d o real; "idéia per-
feita", que ainda que seja inalcançável, serve de referência ideal; "postulados
explicativos", que só são percebidos no mundo real por meio de seus efeitos;
"hipóteses", de caráter fictício; "mentira", que se distancia da realidade de forma
intencional; " i m a g e m fictícia", construção intencional de estruturas que têm
uma experiência real limitada; "brinquedos", que podem ser o que aparentam ser;
e "jogos", que se aproximam da ficção e que se desenvolvem c o m o processos
de criação em que se mantém a consciência de sua não-veracidade.

A respeito das ficções inconscientes (ou simulações fortes), von Glasersfeld


distingue entre "ilusões da percepção", que não podem ser diferenciadas da
realidade e q u e c o s t u m a m ser c h a m a d a s de "ilusões o b j e t i v a s " , visto q u e
p o d e m ser percebidas também por outros observadores; "percepções virtuais",
que diferem da anterior pela dependência da posição espacial do observador

1 4 6 - CLAUDIA GIANNETTI
( c o m o no caso da observação de um arco-íris); e "ilusões no sentido figurado", q u e
n ã o são c o m p a r t i l h a d a s por outras pessoas e não c o i n c i d e m c o m a realidade. 4 7

O discurso sobre a s i m u l a ç ã o tem vários antecedente s na história da


filosofia e, t a m b é m , c o m o v e r e m o s mais adiante, na teoria dos meios, de m o d o
q u e e l e n ã o surge, c o m o se postula muitas vezes, c o m as n o v a s tecnologias.
Ernst v o n G l a s e r s f e l d c h a m a a a t e n ç ã o para dois destacados precursores, q u e
i n v e s t i g a r a m p r o f u n d a m e n t e a questã o da f i c ç ã o , e c u j a s teorias são funda-
m e n t a i s para u m a a m p l a c o m p r e e n s ã o do assunto: B e n t h a m e V a i h i n g e r . O
filósofo J e r e m y B e n t h a m (1748-1832 ) e l a b o r o u sua teoria sobre a f i c ç ã o entre
1760 e 1814, q u e foi p u b l i c a d a em 1 824 sob o título de The Book of Fallacies,
from the unfinished papers of Jeremy Bentham, e incluíd a no livro Bentham's
Theory of Fictions (1932). 4 8 S e g u n d o v o n Glasersfeld, sua hipótese, de q u e na
l i n g u a g e m se e n c o n t r a a orige m da f i c ç ã o , foi o primeiro preceito " o p e r a c i o n a l "
para a c o n s t r u ç ã o dos c o n c e i t o s, a n t e c i p a n d o as d e f i n i ç õ e s o p e r a c i o n a i s de
P e r c y B r i d g m a n (1936), as análises o p e r a c i o n a i s de J e a n Piaget e as semântica s
o p e r a c i o n a i s d e S í l v i o C e c c a t o . H a n s V a i h i n g e r ( 1 8 5 2 - 1 9 3 3 ) e s c r e v e u sua tese
" D i e L e h r e v o n der w i s s e n s c h a f t l i c h e n Fiktion" ( " A teoria d a f i c ç ã o c i e n t í f i c a " )
entre 1876-77, q u e foi p u b l i c a d a soment e em 1911 no livro Philosophie des Ais
Ob (Filosofia do como se). C o m base na teoria do " c o m o se" (Als-ob-Lehre) de
Kant, V a i h i n g e r e x a m i n a nessa obra a f u n ç ã o da f i c ç ã o na c o n s t r u ç ã o dos signi-
ficados, tanto na c i ê n c i a c o m o na filosofia, na ética ou na religião. P o r outro
lado, analisa c o m o essa forma de o b s e r v a ç ã o participa na c o n s t r u ç ã o de um
m u n d o irreal, o m u n d o " d o c o m o se", no q u a l " n ã o tem sentido perguntar pelo
seu sentido" . V a i h i n g e r se propôs e n u m e r a r todos os m é t o d o s q u e as pessoas
a p l i c a m para operar c o n s c i e n t e m e n t e c o m idéias ou juízos falsos. S e g u n d o sua
teoria, os métodos da f i c ç ã o se manifestam nessa c o m p l e x a c o n j u n ç ã o do " c o m o
se" e estão d i s s e m i n a d o s em m a i o r ou m e n o r m e d i d a por todas as c i ê n c i a s.

A c o n t r i b u i ç ã o básica de B e n t h a m e V a i h i n g e r consistiu em desconstruir


os m u n d o s da a p a r ê n c i a e da f i c ç ã o , n ã o para prescindir deles, mas para com-
provar, ao contrário, de q u e maneira se c o n v e r t e m em e l e m e n t o s constitutivos
de nossa realidade. E n q u a n t o para a metafísica a a p a r ê n c i a t e m um v a l o r trans-
c e n d e n t a l , nas suas teorias assume u m a f u n ç ã o instrumental, na m e d i d a em q u e
faz parte da própria c o n s t r u ç ã o da v e r d a d e através da linguagem. Isto significa
q u e a o r g a n i z a ç ã o do discurso s i m b ó l i c o perde, sem a f i c ç ã o , sua c o e r ê n c i a .
O u c o m o professa L a c a n : " A v e r d a d e te m a estrutura d a f i c ç ã o . "

A f i c ç ã o assume, assim, um caráter inelutável, pois, ao ser parte inerente


do i m a g i n á r i o , n ã o é relegada a u m a existência paralela e d e s c o n e c t a d a da
realidade, mas se integra ao discurso da v e r d a d e . Ao investigar o papel dos
e l e m e n t o s s i m b ó l i c o s, sociolingüísticos, ideais e ideológicos na c o n s t r u ç ã o da
realidade, a obra de B e n t h a m , ainda q u e possa p e c a r pela excessiva p r o p e n s ã o
utilitarista, se c o n f i r m a c o m o um a n t e c e d e n t e f u n d a m e n t a l da s e m i ó t i c a , da
psicanálise e da lingüística (Frege, Russel, W i t t g e n s t e i n , N e u r a t h , Lacan).

47 Cf. Ernst v o n Glasersfeld. "Fiktion und Realitát aus der Perspektive des radikalen Konstruktivismus",
in: F. Rõtzer e P . W e i b e l (Eds.). Strategien des Scheins, M u n i q u e : Bôer Verlag, 1991, p.169-172.
48 Charles Kay O g d e n , Bentham's Theory of Fiction, Londres, 1932.

Estética Digital - 147


Enquanto grande parte dos postulados, até o século XI X e princípios do
XX, centraram-se na análise da linguagem, com o advento dos novos meios de
c o m u n i c a ç ã o baseados no discurso audiovisual abriu-se uma nova linha de
investigação em torno da funçã o que as imagens técnicas (sobretudo audiovi-
suais) desempenham na construção de nossa realidade. Neste sentido, o papel
exercido pelos meios e seus dispositivos técnicos não consistiria em reproduzir
a realidade, mas construí-la.
U m a das linhas de pensamento circunscrita à teoria dos meios que defende
essa idéia c o m e ç a a ser elaborada paralelamente à aparição do cinema. Essa
corrente pretende investigar não só a relação entre a práxis das produções e os
desenvolvimentos técnicos, mas, principalmente, as possibilidades estéticas e
fenomenológicas que esses meios proporcionam. Para os primeiros teóricos do
cinema que adotam essa via, como Béla Balázs ou Rudolf Arnheim, o cinema
c o m o meio visual representa o grande momento de mudança na história da cultura.

M u i t o antes de Marshall M c L u h a n e sua Calaxia Gutenberg, Balázs já


interpreta - em livros c o m o Der sichtbare Mensch oder die Kultur des Films (O
homem visível ou a cultura do cinema), de 1924 - a passagem da cultura baseada
na linguagem falada (a c o m u n i c a ç ã o por meio de recursos simbólicos precisos
e estáveis) a uma cultura do gesto e da mímica (da c o m u n i c a ç ã o visual em
movimento) c o m o a terceira revolução depois da etapa da imprensa. Essa revo-
lução denota o grande salto da faculdade de ver restringida a um ponto de vista
fixo (o q u e M c L u h a n chamaria, posteriormente, a "extensão tipográfica do
h o m e m " ) à faculdade de ver aberta a múltiplas perspectivas.

Ao contrário de outras teorias sobre os meios de princípios do século XX,


que a c e n t u a m o fator técnico ( c o m o Eisenstein, P u d o w k i n ou Brecht), tanto
Balázs c o m o Arnheim c o n c e b e m esses meios c o m o formas artísticas, nas quais
o espectador desempenha um papel central. 49 Segundo Balázs, seria pela imagem
que a cultura assumiria um caráter universal (universalismo que defenderia,
posteriormente, M c L u h a n e seus discípulos por meio do conceito de aldeia global),
na medida em que o cinema mudo favoreceria a criação de um "tipo internacional"
de ser humano. Balázs entende a teoria do cinema como teoria da recepção, em que
a realidade do cinema é entendida como a realidade construída com meios fílmicos.
C o m o cinema também fica evidente a necessidade de pensar num "quarto"
elemento, que é o tempo. A linguagem escrita e a imprensa favoreceram a elabo-
ração da idéia de um tempo e um espaço contínuos e abarcáveis. Os meios
audiovisuais implicam outras relações e experiências do tempo. O primeiro passo
foi dado pela fotografia e sua "visualização" do tempo em relação ao espaço,
ainda que se tratasse de "congelar" essa visão temporal em uma imagem atem-
poral: uma forma de garantir (documentar) a presença na ausência. O cinema,
ao contrário, torna visível a experiência do tempo em movimento (dinamismo).

49 Por e x e m p l o , nos livros Film ais Kunst{\ 932, trad. port. A arte do cinema. Lisboa: E d i ç õ e s 70, 1989)
e Rundfunk ais Horkunst (1936, trad. esp. Estética radiofônica. Barcelona: Gustavo Cili, 1980), Ar-
n h e i m c o m p a r a o c i n e m a e o rádio c o m a pintura, a m ú s i c a, a literatura, isto é, c o m outras formas
artísticas, e n ã o c o m outras " t é c n i c a s " .

1 4 8 - CLAUDIA GIANNETTI
O t e m p o e o e s p a ç o contínuos e assimiláveis (da cultura da imprensa) e sua esté-
tica linear, s e q ü e n c i a l ou histórica, c e d e m e s p a ç o para a c r i a ç ã o de c o n e x õ e s
temporais fragmentadas e simultâneas. Em vista disto, p o d e m os falar de u m a nova
estrutura "narrativa" do m u n d o - tanto no sentido de ficção c o m o de não-ficção -,
q u e já n ã o se atém aos parâmetros de linearidade, f i n a l i d a d e ou discursividade ,
mas aos de i n t e r c o n e x ã o simultânea e a c e l e r a d a de fragmentos (audiovisuais).

Pensadores atuais, c o m o V i l é m Flusser, Gõtz Groftklaus ou Dietmar Kamper,


p o s t u l a m q u e o s seres h u m a n o s j á n ã o v i v e m o s , hoje, e x c l u s i v a m e n t e " n o "
m u n d o , n e m " n a " linguagem, mas, p r i n c i p a l m e n t e , " n a s " imagens: nas imagens
q u e p r o d u z i m o s do m u n d o , de nós m e s m o s e de outras pessoas; e nas imagens
do m u n d o , de nós m e s m o s e de outras pessoas q u e nos são p r o p o r c i o n a d a s
pelos meios técnicos. Essa teoria confirma q ue nossa c o m p r e e n s ã o (e construção)
do m u n d o e da realidade, afora integrar " n o s s a s " imagens internas presentes em
nossas m e m ó r i a s o u sistemas neurais, t a m b é m i n c o r p o r a , t a l v e z n a m e s m a
m e d i d a , as imagens "externas" e as informações q u e circulam a partir das "memó-
rias" mediais. 5 0 Essas memórias se convertem em repertório e servem, por exemplo,
para fundamentar a história c o n t e m p o r â n e a . Exemplos recentes seriam as guerras
d o G o l f o , d o Afeganistão o u d o Iraque, cujas imagens retransmitidas a o m u n d o
d e m o n s t r a r a m o e n o r m e a b i s m o c r i a d o entre os fatos reais, aos quais os teles-
pectadores n ã o tiveram acesso, e os episódios ficcionais transmitidos ao p ú b l i c o
pelos meios de t e l e c o m u n i c a ç ã o , criados a partir de estratégias de difusão baseadas
na censura e na m a n i p u l a ç ã o das imagens.

Q u a n d o Jean Baudrillard denuncia que "a Guerra do Golf o não teve


lugar" 5 1 e aponta o a b a n d o n o da atitude a favor ou contra da guerra ( c o m o no
c a s o da G u e r r a do V i e t n ã ) e a instauração da atitude a favor ou contra da "rea-
l i d a d e " da guerra, está c o n f i r m a n d o a transformação da história (entendida c o m o
d e s c r i ç ã o e análise de fatos) n u m a e s p é c i e de relato de c i ê n c i a - f i c ç ã o audiovi-
sual ( e n t e n d i d o c o m o n a r r a ç ã o e c r i a ç ã o de dados). " S e o não-lugar da guerra
se faz transparente, p o d e r á ser i m a g i n a d o na fantasia, do contrári o se dispersa
no t e m p o real da informação. Fortalece-se a ilusão da guerra, em v e z de confirmar
a falsidade de sua realidade." 5 2 Nesse caso, o s i m u l a c r o é total: o real n e m é
r e p r o d u z i d o n e m m a n i p u l a d o , n e m t a m p o u c o d e s a p a r e c e e m favor d o imagi-
nário. Ao contrário, outra r e a l i d a d e s i m u l a da é gerada artificialmente. As coisas
ou fatos v i s í v e i s ou reais n ã o são reinterpretados, mas substituídos por outros
fatos visíveis, ou " m a i s verdadeiros q u e os v e r d a d e i r o s ". N u m a esfera distante
da história, a própria história já n ã o p o d e refletir-se n e m demonstrar sua exis-
t ê n c i a : q u a l q u e r relato ( c o m o s i m u l a ç ã o da história) p o d e transformar-se em

50 Cf. Dietmar Kamper. Bildstorungen. Im Orbit des Imaginaren. Stuttgart: Cantz Verlag, 1 994; V i l é m
Flusser, Die Revolution der Bilder. Der Flusser-Reader. M a n n h e i m : B o l l m a n n Verlag, 1995; Gõtz
GroRklaus, Medien-Zeit, Medien-Raum: Zum Wandel der raumzeitlichen Wahrnehmung in der Mo-
derne. Frankfurt: Suhrkamp Verlag, 1995.
51 Cf. J e a n Baudrillard. La guerre du Golfe n'a pas eu lieu. Paris, 1991.
52 J. Baudrillard. Die Illusion des Endes oder Der Streilc der Ereignisse. Berlim: M e r v e Verlag, 1 994,
p,104.

Estética Digital - 149


história. 53 Ou c o m o constata Dietmar Kamper, o fato de estar completamente na
imagem impede a percepção do status desse estar-na-imagem. "O mundo ao
qual se tem acesso só c o m e ç a no verso da imagem. A percepção daquilo que
constitui o m u n do só se desprende no corte do filme." 5 4 Q u a n d o já não tivermos
a c a p a c i d a d e para questionar se vivemos ou não em um mundo artificialmente
construído, nossa cultura passará a ser, totalmente, um simulacro.

Neste contexto, podemos constatar uma diferenciação entre as constru-


ções miméticas e as que poderíamos chamar simulações potenciais. 55 Enquanto
a mimese centra-se na questão da aparência, a simulação trata da identificação.
Na mimese existe a consciência da ênfase na ficção, enquanto que a simulação
busca a d u p l i c a ç ã o artificial e a transformação da ficçã o numa possível reali-
dade. Porém, ambos compartilham um fundamento essencial: estão baseados
na ilusão. A capacidade mimética foi empregada, durante séculos, na experiência-
ou no conheciment o da realidade humana. O princípio da simulação pretende
proporcionar ao observador o conhecimento do possível.
Na tentativa de salvar uma proximidade c o m a realidade do entorno do
observador, os meios eletrônicos e de c o m u n i c a ç ã o utilizam, freqüentemente,
estratégias miméticas de aproximação à percepção, à sinestesia ou à cognição.
Para estabelecer uma analogia com nossa proposta anterior de diferenciação
entre duas formas de simulação, estaríamos falando, ao nos referirmos à mimese,
de uma simulação débil, na qual a informação transmitida opera ao nível da
aparência e tenta reproduzir as percepções do tempo e do espaço do meio ou
do corpo do observador. U m a simulação forte significa, porém, o eclipse do
princípio mimético, uma v e z que a virtualidade (ou o potencial) torna-se mais
iminente e não pretende representar a realidade mesma, mas revelar-se c o m o
um modelo de realidade (peculiar). Enquanto a simulação mimética se mantém
adscrita ao tempo subjetivo do observador (consecutivo), a s i m u l a ç ã o forte
implica a instauração da noção de simultaneidade e da idéia de espaço virtual
c o m o "espaço-tempo".

O uso das técnicas visuais para gerar simulações de espaço-tempo marca,


progressivamente, as estratégias de criação de modelos de mundo virtual. Talvez
um dos primeiros exemplos na história sejam as projeções de Athanasius Kircher,
no século X V I I . Sabemos que o conhecimento do princípio óptico da c h a m a d a
camara obscura remonta a Aristóteles, que observou, no interior de uma habi-
tação escura, a imagem do sol em eclipse parcial, projetando-se no solo através
de um pequeno orifício. Leonardo da V i n c i foi um dos primeiros artistas que, no
século X V , serviu-se de uma câmara escura, à qual fez várias referências em seu
Codex Atlanticus. Athanasius Kircher, um jesuíta e cientista alemão, ampliou a
utilização da câmara escura e fez sua fama em Roma mostrando na igreja, aos

53 Cf. Baudrillard e Canetti.


54 Dietmar Kamper. Bildstõrungen. Im Orbit des Imaginàren. Stuttgart: Cantz Verlag, 1994, p.83.
ss Etimologicamente, o termo mimesis, proveniente do grego, significa, em sua origem, a capacidade de
conseguir determinados efeitos por meio de gestos corporais. Simulação provém do latim e significava,
a princípio, a criação de imagens por meios técnicos, imagens que parecem idênticas à realidade.

1 5 0 - CLAUDIA GIANNETTI
fiéis assustados, a primeira visão " v i v a " do inferno. 56 O q ue para nós pode parecer,
hoje, u m tanto grotesco, e m m e a d o s d o s é c u l o X V I I seguramente foi m o t i v o d e
g r a n d e espanto e serviu, para muitos cristãos, c o m o argument o p o d e r o s o contra
o pecado. K i r c h e r seguiu a idéia da Bíblia Pauperum. 57 O jesuíta integrou à
c â m a r a escura u m a luz artificial interna e u m a lente (que t i n h a m a f u n ç ã o da
fonte de luz e da lente de um projetor atual), transformando-a em u m a e s p é c i e
de lanterna mágica. Isso lhe permitiu projetar imagens d e s e n h a d a s a u m a dis-
tância de até 150 metros (segundo i n f o r m a ç õ es da é p o c a ) , as quais a p a r e c i a m
p r o p o r c i o n a l m e n t e a m p l i a d a s pelo efeito da lente.

P o r é m , a sutileza de seu i n v e n t o era a i n d a m a i s s u r p r e e n d e n t e . Para


sugerir a sensação de vitalidade em suas projeções "infernais", utilizava recursos
c o m o o e m p r e g o de f u m a ç a para dar a idéia de m o v i m e n t o às figuras, ou a
i n c l u s ã o de insetos estranhos em suas imagens do inferno, q u e a m p l i a d o s 100
v e z e s p a r e c i a m monstros d i a b ó l i c o s .

Kircher utilizava a i m a g e m p r o v e n i e n t e de um aparato c o m o estratégia


de persuasão a s e r v i ç o de u m a c r e n ç a . O jesuíta tornou v i s í v e l u m a i m a g e m
mental - a do inferno, dos d e m ô n i o s ; e m p r e g o u a s i m u l a ç ã o para transformar
em realidade um m u n d o totalmente fictício. Se H i e r o n y m u s B o s c h ofereceu, por
m e i o da pintura, u m a n o v a v i s ã o da esfera do infernal, e x a l t a n do sua d i m e n s ã o
anti-humana e antinatural - e, por conseguinte, a n t i m u n d o frente ao celestial e
ao terrenal -, Kircher conseguiu , c o m sua a ç ã o , incorporar a e x p e r i ê n c i a do
infernal à v i d a m u n d a n a , perfilando, assim, u m a v i s ã o de inferno intraterrena.

A a p r o p r i a ç ã o de Kircher da i m a g e m imaterial " e m m o v i m e n t o " , para


p r o v o c a r u m a d e t e r m i n a d a r e a ç ã o sensível n u m grupo d e pessoas, p o d e ser
c o n s i d e r a d a c o m o u m a s i m u l a ç ã o q u e extrapola per se o â m b i t o do sagrado
para atuar no â m b i t o da cultura, da estética. Transforma o e s p a ç o da igreja em
e s p a ç o para a e x p e r i ê n c i a de u m a r e a l i d a de ( q u e p o d e r í a m o s c h a m a r ) " v i r t u a l "
e ao v i v o . A e x p e r i ê n c i a simultâne a e direta q u e os fiéis teriam de outro m u n d o
(o inferno) até então n ã o v i s u a l i z a d o (aceito, p o r é m ininteligível) p o d e r i a ter
p r o v o c a d o u m a s e n s a ç ã o de imersão em outra realidade. Assim, é significativo
q u e psicólogos, c o m o Ernst Põppel, c o n s i d e r em o ato de assistir a u m a c e r i m ô n i a
na igreja c o m o u m a das atividades h u m a n a s q u e mais a b s o r v e m o o b s e r v a d o r
de forma imersiva. ( N a igreja s e m p r e se tenta d i m e n s i o n a r o q u e se escuta, o
q u e se v ê , o q u e se c h e i r a e a s e n s a ç ão de grupo de tal forma q u e nos c o m o v a ,
afirma Põppel.) A i n d a q u e baseado na ilusão, o inferno visual de Kircher pretendia
p r o p o r c i o n a r ao o b s e r v a d o r o conhecimento do possível (a existência virtual do
m u n d o infernal).

N o s s o interesse e m dar u m e x e m p l o d e s i m u l a ç ã o d e u m a é p o c a remota,


q u e emprega recursos elementares, é deixar patente q u e a estratégia de s i m u l a ç ã o
independe dos recursos qu e se utilizem. N ã o é por dispor, hoje em dia, de sistemas

56 Cf. C. Ciannetti. "Estética de la s i m u l a t i o n " , in: Arte en la era electrónica - perspectivas de una
nueva estética, op. cit.
57 U m a tática muito difundida desde a Idade M é d i a para aproximar os fiéis à palavra de Deus por meio
do emprego de imagens, pois a grande maioria das pessoas na época era analfabeta.

Estética Digital - 151


de RV imersivos c o m tecnologia de última geração que a simulação será poten-
cializada. Em muitos casos acontece exatamente o contrário: as interfaces que
os usuários d e v e m utilizar são tão incômodas que a c a b a m por provocar o efeito
oposto do desejado: tornam evidente que se está conectado a um aparelho audiovi-
sual ficcional. Para que o simulacro baseado na tecnologia de RV seja eficaz,
corpo e mente devem compartilhar um mesmo (ciber)espaço. Isto pode chegar
a ser possível q u a n do as interfaces são internalizadas até o ponto de se tornarem
invisíveis, potencializando a fusão entre o simulacro e a realidade - como, por
exemplo, através de microescâners de raio laser, desenvolvidos para uso militar,
por meio dos quais se projetam imagens diretamente na pupila, sem necessidade
de uma tela ou capacete intermediários. Siegfried Schmidt, Jaron Lanier e outros
autores c o n c o r d a m que o fenômeno do simulacro, da RV ou do ciberespaço
chegará a ser inovador quando permita operar com o corpo e a mente, e interagir
e c o m u n i c a r c o m outros sujeitos; quando existir uma diferença acentuada entre
o espaço virtual e o entorno real, isto é, que aquele não seja mero espelho deste.
Nesse caso, a questão estaria em saber c o m o alguém que opera em um simu-
lacro tecnológico (na simulação forte) saberia se se encontra dentro ou fora
dessa pseudo-realidade. Schmidt propõe que, enquanto controlarmos as condi-
ções de entrada e de saída, ou seja, enquanto ainda formos conscientes de que
podemos, no caso da RV, colocar ou tirar as interfaces, também controlaremos
a distinção entre simulacro e realidade, por mais real que possa nos parecer o
espaço virtual, já que nosso corpo, e não a técnica, atua c o m o elo entre o cibe-
respaço e a realidade. Ainda que pudéssemos viver experiências sensorials idên-
ticas em " a m b o s " os espaços, a consciência de nosso corpo nos indicaria se nos
encontramos em nossa "realidade" ou em um simulacro.

Porém, visto que nossos critérios de realidade são socialmente vinculantes


e obtidos a partir de experiências de caráter sociocultural, nas quais confluem
condicionantes biológicos e psíquicos, se a construção de uma realidade simulada
se produzisse de forma biológica e sociocultural (por intermédio da comunicação
e da interação c o m outros sujeitos, ou por meio de efeitos plurissensoriais), então
o simulacro poderia ser experimentado c o m o realidade. Estaríamos falando,
conseqüentemente, de uma superação da distância entre entorno, sujeitos e
máquina, e da sincronicidade entre virtualidade e experiência da realidade.

O papel da interação humano-máquina na construção da RV

O m e i o é gerado e mantido pelos seres h u m a n o s de maneira informa-


c i o n a l ("dotada de sentido") por meio da percepção, da sensório-motricidade,
da c o g n i ç ã o , da m e m ó r i a , da e m o ç ã o e da ação, tanto c o m u n i c a t i v a c o m o
não-comunicativa.

O meio constitui uma globalidade ordenada de saber que é ecologicamente válida


para os sistemas de conhecimento e que é adquirida pelos membros de uma
sociedade ao longo da reprodução sociocultural da mesma. Em outras palavras:
cada indivíduo já nasce num entorno dotado de sentido, é socializado com relação
a ele e não trata nunca com "a realidade enquanto tal". (...) A evolução, a língua,

1 5 2 - CLAUDIA GIANNETTI
a estrutura social e as ordens simbólicas da cultura proporcionam os modelos
convencionais para a geração de um comportamento típico. Um saber compar-
tilhado de forma coletiva, capaz de orientar uma atuação individual, resultará da
atuação social dos indivíduos e orientará, por sua vez, a atuação social destes.
Assim, as realidades podem ser descritas como resultados de construções sociais
produzidas dentro do indivíduo enquanto lugar empírico desta construção. 58

A realidade, assim c o m o a virtualidade, compartilha a idiossincrasia de


serem construções dependentes do observador e da sociedade. Visto desta perspec-
tiva, não seria totalmente certo estabelecer uma oposição entre real e virtual, pois a
diferença entre ambos repousa no grau de estabilidade pretendido. A virtualização
parte de um determinado estado para gerar novas situações ou respostas instáveis,
isto é, sempre modificáveis. O virtual não é, portanto, materializável ou localizável
espaço-temporalmente (o aqui e agora do "real"), visto que é intangível e não tem
uma presença atual. Essa n o ç ão torna-se mais explícita nos modelos virtuais de
ciberespaço, nos quais impera a desterritorialização, a ubiqüidade, a desmateriali-
zação, a mutabilidade. Apesar dessa distinção, há q ue considerar q u e o real e o
potencial não se apresentam sempre separados de forma clara e diferenciada, uma
v e z q u e p o d e m operar em conjunto sincrônica ou assincronicamente, b e m c o m o
fazer parte, em algum momento e de maneira consecutiva, simultânea ou comple-
mentar, d o f e n ô m e n o o u processo analisável. N a esfera d o a m b i e n t e e m q u e
v i v e m o s , experimentamos nossas realidades c o m o acontecimentos fáticos, enquanto
q u e nos mundos virtuais predomina a estratégia da simulação de processos, o n d e a
realidade virtual é experimentada c o m o um contexto de possibilidades.

No q u e se refere aos diferentes sistemas de R V , seria necessário distinguir


entre a q u e l e s q u e t ê m um caráter f e c h a d o e auto-referencial - q u e se o r g a n i z a m
e auto-organizam s e m sair da esfera de seus possíveis, isto é, não p o d e m expan-
dir-se (não g e r a m n o v a i n f o r m a ç ã o ) - e outro tipo, q u e c o r r e s p o n d e aos m u n d o s
virtuais gerados por sistemas de IA e V A , que, apesar de se e x e c u t a r e m a partir
da auto-referencialidad e e da auto-organização, por sua c a p a c i d a d e de gerar
n o v a s informações , são d e s d o b r á v e is (geram i n f o r m a ç ã o n ã o preexistente na
m e m ó r i a ) . A o p r i m e i r o grupo p e r t e n c e m o s sistemas d e R V não-inteligentes c o m
representações visuais realistas, imaginárias ou fotorrealistas. Nestes, o m a r c o
de o b s e r v a ç ã o do interator a b r a n g e todos os estados potenciais e d e t e r m i n a d o s
da m á q u i n a . A s i m u l a ç ã o se mantém dentro da margem de c o m p o r t a m e n t o deli-
mitado. C o n s e q ü e n t e m e n t e o m o d e l o de interação do observador c o m o sistema
não p o d e desviar-se da e x e c u ç ã o da s i m u l a ç ã o prevista, a i n d a q u e muitas v e z e s
o interator n ã o seja c o n s c i e n t e disto, visto o e l e v a d o n í v e l de a r t i f i c i a l i d a d e
( s i m u l a ç ã o da s i m u l a ç ã o ) . Ao segundo tipo c o r r e s p o n d e m tanto os sistemas de
V R q u e e m p r e g a m , d e forma v a r i á v e l , processos d e I A para gerar objetos sem
inteligência própria ou objetos inteligentes q u e possuem interfaces entre os sis-
temas d e IA, c o m o o s sistemas d e V A c o m algoritmos genéticos q u e s i m u l a m
processos e v o l u t i v o s ou formas de a p r e n d i z a g e m estabelecida s g e n e t i c a m e n t e
(cruzamento, método de try and error, seleção). A i n d a q ue se trate de um tipo de

!8 Siegfried Schmidt. "^Ciber c o m o oikos? O: Juegos sérios", in: C. Ciannetti (Ed.) Ars Telematica -
telecomunicación, internet y ciberespacio, op. cit., p.104.

Estética Digital - 153


autômatos de estados finitos, p o d e m originar simulações não previstas pelo obser-
vador, de f o r m a q u e a interação do o b s e r v a d or c o m o sistema é e x p e r i m e n t a d a
c o m o emergente. N o p r ó x i m o c a p í t u l o e x a m i n a r e m o s alguns e x e m p l o s d e obras
interativas q u e se i n s c r e v e m nesse segundo tipo.

Q u a n t o a o p r i m e i r o m o d e l o , a l g u m a s obras a l c a n ç a m tal grau d e com-


p l e x i d a d e q u e p e r m i t e m a g e r a ç ã o de um a m b i e n t e interativo, no q u a l a pessoa
participa a t i v a m e n t e dentro de um m a r c o de possibilidades. Nesse tipo de produ-
ções, os c o n c e i t o s ou os c o n t e ú d o s d e v e m estar p r o f u n d a m e n t e v i n c u l a d o s à
s o l u ç ã o formal e t é c n i c a da mesma, pois o /'nferatordeve relacionar-se de forma
inteligível e intuitiva c o m a obra. O artista D a v i d R o k e b y demonstra q u e a pro-
d u ç ã o de a m b i e n t e s virtuais p o d e empregar soluções formais e, portanto, inter-
faces, q u e e n v o l v e m o interatorde u m a m a n e i r a sensorial e n ã o e x c l u s i v a m e n t e
visual. C o m sua série de instalações d e n o m i n a d a Very Nervous System ( 1 9 8 6 -
1993), R o k e b y p r o p õ e redefinir, a m p l i a r e alterar a u t i l i z a ç ã o do c o m p u t a d o r e
a c o m p r e e n s ã o da interface para a c r i a ç ã o de a m b i e n t e s artificiais:

Embora o computador funcione de forma exclusivamente lógica, a linguagem da


interação deveria ser construída de maneira intuitiva. Embora o computador separe
a pessoa de seu corpo, o corpo deveria estar fortemente implicado. Embora o
manuseio do computador se efetue num campo mínimo de circuito integrado, o
vínculo com o computador deveria se dar num espaço inteligível e dimensionado
à medida humana. Embora o computador seja objetivo e desinteressado, a expe-
riência com ele deveria ser íntima.59

Essa proposta de ultrapassar o limite das a p l i c a ç õ e s da t e c n o l o g i a eletrô-


nica se c o n c r e t i z a no uso insólito q u e o artista faz da interface. E n q u a n t o a
m a i o r i a das interfaces são restringidas e definidas de forma explícita, o tipo de
interface e m p r e g a d a por R o k e b y n ã o é ó b v i a n e m visível, já q u e o c u p a u m a
g r a n d e extensão espacial.

Apesar desta dispersão, a interface está estruturada de maneira ativa e forte pelo
tempo e pelo espaço. A interface se transforma num campo de experiências,
num encontro multidimensional. A princípio, a linguagem do diálogo é ininteli-
gível, porém se desenvolve à medida em que se continua experimentando e
acumulando práticas. Esta complexa instalação é um circuito baseado em um
rápido feedback, que não é só "negativo" ou "positivo", inibidor ou estimulante.
Ao contrário, o circuito depende de uma transformação constante, da mesma
maneira que observador e computador mudam numa reação mútua. Um aden-
tra-se no outro, até que a idéia de controle desapareça e a relação se transforme
num encontro e numa participação real.60

Seu interesse principal é conseguir estabelecer um diálogo entre observador


e obra a partir da c r i a ç ã o interativa de um e s p a ç o virtual. C o m essa f i n a l i d a d e ,

59 D a v i d Rokeby, " V e r y Nervous System", in: Hastwagner; Iglhaut; Rõtzer. Künstliche Spiele. M u n i q u e :
Bôer Verlag, 1993, p.320.
60 Ibidem, p.320-323.

1 5 4 - CLAUDIA GIANNETTI
cria p r i m e i r o um sistema espaço-temporal, no qual o espectador se transforma
em interator. A i n d a q u e sejam os gestos e os m o v i m e n t o s do o b s e r v a d o r interno
no a m b i e n t e a c ú s t i c o do sistema os q u e c o n f i g u r a m as e x p e r i ê n c i a s sonoras, o
interator não te m u m a c o m p r e e n s ã o geral do sistema q u e lhe permita o c o n t r o l e
absoluto sobre o e s p a ç o virtual. Ele d e v e descobrir, intuitivamente, a "lingua-
g e m " sensório-motora, por m e i o da qual poderá dialogar c o m o c a m p o sonoro
e transformá-lo.

A p r e o c u p a ç ã o c o m o m o d e l o de interface e a confrontação entre espaços


real e virtual são, t a m b é m , questões centrais na instalação interativa Handsight
(1992) da artista húngara A g n e s H e g e d ü s . No e s p a ç o da instalação, H e g e d ü s
situa uma grande esfera de acrílico transparente c o m um orifício na parte superior.
N e s s e caso, a artista opta por utilizar u m a interface metafórica: u m a e s p é c i e de
g l o b o ocular q u e capta as imagens do entorno real ou virtual, as quais são proje-
tadas n u m a g r a n d e tela. O o b s e r v a d or p o d e segurar esse g l o b o e d i r e c i o n a r sua
v i s ã o tanto no e s p a ç o do entorno real c o m o , ao introduzi-lo dentro da esfera,
no e s p a ç o virtual. O o l h o t é c n i c o f u n c i o n a , assim, c o m o prótese externa do
interator, através da q u a l e l e p o d e observar os m u n d o s real e virtual e penetrar,
c o m o sujeito extrínseco, na R V . De forma totalmente intuitiva, o interator sente-se
m o t i v a d o a explorar as representações do espaço virtual por m e i o do m o v i m e n t o
do olho-interface dentro da esfera. Essas imagens têm u m a estética marcada-
m e n t e antinaturalista, c o m o b j e t i v o d e a c e n t u a r a i n d a m a i s a g r a n d e c i s ã o
entre a m b a s as posições: a p o s i ç ã o externa do o b s e r v a d or e de seu entorno, e a
p o s i ç ã o interna p e r c e b i d a através da prótese ocular. A obra é um e x e m p l o c l a r o
de sistema interativo q u e n ã o se produz c o m o mera e x p l o r a ç ã o t é c n i c a , mas
c u j o o b j e t i v o é investigar a c a p a c i d a d e do sistema de p r o p o r c i o n a r ao p ú b l i c o
novas e x p e r i ê n c i a s estéticas v i v i d a s de forma intuitiva e sensorial.

Esses dois e x e m p l o s s e r v e m para e v i d e n c i a r as i m p l i c a ç õ e s básicas da


elaboração de c e n á r i os virtuais, experimentáveis de forma interativa pelo
o b s e r v a d o r . A primeira i m p l i c a ç ã o consiste em que, em sistemas interativos ou
virtuais, o a m b i e n t e é d e p e n d e n t e do o b s e r v a d or e de seu contexto. O sentido
de a m b i e n t e t e c n i c a m e n t e construído é a s s i m i l a d o e interpretado p e l o sujeito a
partir da m e m ó r i a , da p e r c e p ç ã o , da c o g n i ç ã o e da e m o ç ã o , assim c o m o da
sensório-motricidade e das a ç õ e s c o m u n i c a t i v a s e sensorials. A segunda, e c o m o
c o n s e q ü ê n c i a da primeira, q u e a significação e a efetividade da obra de RV
estão e s t r e i t a m e n te v i n c u l a d a s à a t u a ç ã o do interator, c o n s e q ü e n t e m e n t e , a
i n t e r f a c e h u m a n o - m á q u i n a d e v e adequar-se ao o b j e t i v o do sistema no q u e diz
respeito a c o m o e em q u e grau se dá a p a r t i c i p a ç ã o do observador. A terceira,
q u e a estruturação aberta e c o n t i n g e n te da obra m i n a as c o n c e p ç õ e s material,
objetual e c o n c l u í d a , características da estética ontológica, e transforma o e s p a ç o
físico em i m a g i n á r i o. Assim, a interatividade na arte está constituída por c i n c o
e l e m e n t o s idiossincráticos, a saber, a virtualidade , a v a r i a b i l i d a d e , a permeabi-
lidade, a c o n t i n g ê n c i a e a v i a b i l i d a d e de c o m p o r t a m e n t o . 6 '

61 Cf. Peter W e i b e l . "Postontologische Kunst; Virtualitãt, Variabilitãt, Viabilitàt", in: Romana Schuler
(Ed.). Peter Weibel Bildwelten 1982-1996. V i e n a: Triton-Verlag, 1996, p.242. V e r também o conceito
de viabilidade em Ernst von Glasersfeld. Einführung in den Konstruktivismus. M u n i q u e, 1985.

Estética Digital - 155


Vida artificial: a arte da vida in silico

Simulação de vidas paralelas e IA

C o m o comentamos no capítulo anterior, se costuma chamar de "versão


forte" da vida artificial aquela proveniente das investigações em IA que não se
limitam a gerar modelos de processos mentais e fazer simulações do cérebro no
computador, mas que pretendem que o hardware equivalha à mente e que um
programa de IA produza processos inteligentes. A visão da vida artificial, enten-
dida a partir dessa interpretação, abrange uma série de pontos fundamentais,
desenvolvida por vários teóricos c o m o Christopher G. Langton, Herbert A. Simon,
Stan Franklin, Claus E m m e c h e ou Steven Levy. C o m o biologia do possível a
vida artificial não se restringe à v i da baseada no c a r b o n o tal c o m o a conhe-
c e m o s (que é o objeto da biologia experimental), mas se ocupa da vida tal
c o m o poderia ser, para usar a expressão de Langton ( life-as-it-could-be).

A análise e a explicação dos seres vivos constituem o eixo principal da


investigação biológica, enquanto que a vida artificial se ocupa de desenvolver
um método sintético dos processos ou comportamentos vitais por meio de com-
putadores ou outros meios. Langton define a VA c o m o "o estudo dos sistemas de
criação h u m a n a que exibem condutas características dos sistemas viventes
naturais." 6 2 Em outras palavras, a vida artificial indaga acerca de condutas ou
processos generalizados equivalentes às condutas desenvolvidas pelos orga-
nismos vivos. O que difere a vida artificial da vida real é o fato de ser desenhada
ou projetada pelos seres humanos, mas não no mesmo sentido trivial que se
desenha um robô, já que a metodologia que segue a arquitetura dos programas
de VA 6 3 permite, a partir da interação entre as unidades constitutivas do sistema,
comportamentos novos e imprevistos que emergem de uma maneira complexa
e não linear. O que é "artificial" da c h a m a d a vida in silico circunscreve-se a
seus componentes: chips de silício, fórmulas, regras de computaçã o etc. Porém,
nem a vida real, nem a artificial estão determinadas só pela matéria da qual são
construídas, mas também pelo processo. Segundo a teoria da V A , a essência da

62 V e r seu artigo publicado em: Christopher C. Langton (Ed.). Artificial Life: The Proceedings of an
Interdisciplinary Workshop on the Synthesis and Simulation of Living Systems. Los Alamos, Nuevo
M é x i c o : set. 1987. Essa e d i ç ã o recopila os trabalhos da histórica primeira reunião internacional sobre
vida artificial realizada em setembro de 1987, no Laboratório N a c i o n a l de Los Alamos, N o v o M é x i c o -
livro considerado a " b í b l i a " da vida artificial.

63 "A programação de baixo para cima remete ao fato de que nossas proteínas estão 'programadas' de
forma relativamente explícita pelo A D N , porém não há um gene que especifique diretamente a forma
do rosto e o número de dedos. Esta classe de programação contrasta c o m o princípio de programação
na IA. Nesta tenta-se construir máquinas inteligentes por meio de programas feitos de cima para baixo:
se programa o comportamento total a priori, dividindo-o em subseqüências de comportamento estrita-
mente definidas que, por sua vez, se dividem em precisas sub-rotinas, sub-rotinas menos etc., descen-
dendo progressivamente até o mesmo código da máquina. O método de baixo para cima da vida
artificial imita ou simula os processos da natureza que se organizam por si mesmos. Também poderíamos
chamar estes processos de 'auto-organização s i m u l a d a ' . " Claus Emmeche, Vida simulada en el orde-
nador - Ia nueva ciência de Ia inteligência artificial. Barcelona: Gedisa, 1998, p.33.

1 5 6 - CLAUDIA GIANNETTI
vida é constituída mais pela forma desse processo do q u e pela matéria. No c a s o
em q u e se ignore o substrato material, pode-se conseguir abstrair a lógica q u e
g o v e r n a o processo ou as c o n d i ç õ e s sob as quais qualquer coisa p o d e ser consi-
derada v i v a , tanto na v i d a real, c o m o na artificial.

Assim, a biologia c o n t e m p o r â n e a aceita q u e não p o d e h a v e r n e n h u m a


d e f i n i ç ã o da v i d a q u e não tenha e x c e ç õ e s ou outras faltas, u m a v e z q u e a v i d a
é um c o n c e i t o vago, prototípico, q u e reflete um continuum na natureza. " T o d a
p r o p r i e d a d e q u e a p l i q u e m o s à v i d a é tão a m p l a , q u e t a m b é m p o d e ser a p l i c a d a
a muitos sistemas i n a n i m a d o s , ou tão específica, q u e não p o d e incluir e x e m p l o s
contrários q u e intuitivament e c o n s i d e r a m o s v i v o s . " 6 4

J. D a y n e Farmer e Aletta d ' A . B e l i n r e l a c i o n a m oito p r i n c í p i os essenciais


da vida real, q u e apresentamo s a q u i de forma resumida: mais q u e um objet o
material e s p e c í f i c o , a v i d a é u m a c o n f i g u r a ç ã o no espaço-tempo, u m a clar a
forma de o r g a n i z a ç ã o ; a v i d a busca a auto-reprodução; a v i d a está associada
c o m o m o n o p ó l i o de i n f o r m a ç ã o para u m a auto-representação; a v i d a prospera
c o m a a j u d a do m e t a b o l i s m o ; a v i d a participa em interações f u n c i o n a i s c o m o
a m b i e n t e ; as partes dos seres v i v o s têm u m a crítica d e p e n d ê n c i a interna de
umas em r e l a ç ã o às outras; a v i d a e x i b e u m a estabilidad e d i n â m i c a diante de
perturbações; c o m o linhagem, a vida tem a c a p a c i d a d e de e v o l u c i o n a r . 6 5

Se c o m p a r a m o s as características da vida real, definidas por D a y n e Farmer


e Aletta d ' A . Belin, c o m algumas propriedades dos organismos artificiais, consta-
tamos várias e q u i v a l ê n c i a s : por e x e m p l o , são configurações e formas de organi-
z a ç ã o ; são c a p a z e s de reproduzir-se; t ê m auto-representação; as instruções do
programa p o d e m ser interpretadas c o m o " q u i m i c a m e n t e " ativas - ainda q u e de
u m a classe de química radicalmente diferente da q ue é própria à atividade enzimá-
tica da c é l u l a -, e por isto, em certo sentido, têm m e t a b o l i s m o ; entram em inte-
rações f u n c i o n a i s c o m seu entorno ( h a r d w a r e virtual ou real); suas partes são
m u t u a m e n t e interdependentes, u m a v e z q u e os organismos digitais são pequena s
totalidades f u n c i o n a i s ; são estruturas q u e p o d e m ser estáveis dentro de seus
ambientes preferidos; estão capacitados para se desenvolverem em uma linhagem. 6 6

A controvérsia em torno da questão sobre se os organismos de v i d a arti-


ficial estão " v i v o s " c o m o estamos nós, os organismos reais, p o d e ser a b o r d a d a
de diferentes formas. P o r é m , é necessári o destacar q u e os seres de VA são
o r g a n i s m o s digitais c o m estruturas inteiramente i n f o r m a c i o n a i s e, neste sentido,
formais, e n q u a n t o q u e os organismos v i v o s são biofísicos. Q u a n t o a essa dife-
r e n c i a ç ã o , os cientistas d i v e r g e m no m o m e n t o de traçar u m a linha i n e q u í v o c a
de s e p a r a ç ã o entre uns e outros. Por e x e m p l o , os vírus informáticos, aind a q u e
sejam organismos artificiais, p r o v o c a m d a n o s reais nos sistemas informáticos, se
reproduzem, são ativos e desenvolvem uma função vital, o que leva alguns cientistas

64 Emmeche, op. cit., p.50.


65 Cf. D o y n e Farmer e Alletta d ' A . Belin. "Artificial life: The coming evolution", in: Langton et al. Arti-
ficial Life II. R e d w o o d City: Addison-Wesley, 1992, p.815-833.
66 V e r c o m o exemplo Thomas S. Ray, "Tierra - la idea de crear una amplia red de reservas de biodiver-
sidad para organismos digitales",-in: C. Giannetti (Ed.). Ars Telematica, op. cit., p.143-148; também
disponível em: http://www.his.atr.jp/~ray/tierra/.

Estética Digital - 157


a se aventurare m em afirmar, ainda q u e metaforicamente, q u e estão " v i v o s " . Os
c h a m a d o s worms (vermes) são outro tipo de p r o g r a m a s i n f o r m á t i c o s surgidos
na Internet em 1998, q u e não a t u a m diretament e no sistema dos c o m p u t a d o r e s ,
mas são hospedeiros auto-replicantes que p o d e m conter códigos tipo vírus capazes
de fazê-lo. Os worms p o d e m estar ativos de maneira a u t ô n o m a e penetrar nos
c o m p u t a d o r e s através das redes telemáticas.

C o m o argumenta Eugene Spafford, os vírus informáticos só se a p r o x i m a m


d o q u e d e n o m i n a m o s v i d a d e forma aparente, u m a v e z q u e essa c o m p a r a ç ã o ,
mais q u e remeter a u m a proeza científica, representa, p r o v a v e l m e n t e , um erro
de definição.

Sugerir que os vírus informáticos sejam entes vivos implica pressupor que parte
de seu entorno - os computadores, os programas ou os sistemas operativos -
representa, também, uma forma de vida artificial. Pode existir vida em um
ecossistema estéril e vazio? Uma definição de "vida" deveria incluir, provavel-
mente, uma menção ao meio no qual esta surgiu.67

A teoria da s i m b i o s e d e s e n v o l v i d a pela cientista L y n n M a r g u l i s p o d e


nos proporciona r novos elementos para u m a análise mais profunda da questão.
S e g u n d o sua hipótese, os seres simples especializados em diferentes f u n ç õ es esta-
b e l e c e m sucessivas alianças e pactos para criar superestruturas c a d a v e z mais
gerais e complexas, q u e lhes permitam enfrentar as adversidades do meio. De
a c o r d o c o m Margulis, herdamos diretamente a riqueza genética daqueles animais
q u e p u d e r a m sobreviver às maiores extinções ocorridas na terra. A s o b r e v i v ê n c i a
era a causa determinante dos grandes problemas, cuja resolução c o m e ç o u há
quatro bilhões de anos por m e i o das cadeias de D N A procariótico capaze s de se
r e c o m b i n a r e m e gerarem mutações. A s e l e ç ã o natural, ao proteger as bactérias
e seus descendentes mediante respostas efetivas ao m e i o ambiente, a r m a z e n o u
soluções para os diferentes problemas em relação ao meio. O sistema de armaze-
n a m e n t o consistiu nas seqüências informativas de ácidos nucléicos e a c a p a c i d a d e
desses ácidos, R N A e D N A , de interagir c o m proteínas na v i z i n h a n ç a imediata.
Há mais ou menos 700 milhões de anos, a evolução dos primeiros sistemas nervosos
e cerebrais a l c a n ç o u o nível de aprendizagem e de pensamento, u m a maneira
mais rápida de resolver os problemas f u n c i o n a n d o individualmente.

Esta nova forma neural de resolução de problemas não utilizava os métodos darwi-
nianos de morte individual ou de intercâmbio genético, mas métodos associados
aos do psicólogo Skinner, isto é, por meio de modificações do comportamento. Em
vez de se armazenar no DNA, o comportamento variável e o reforço seletivo,
obtidos a partir do meio ambiente, se armazenavam em interações seletivas entre
células excitáveis ou neurais que respondiam diretamente ao meio ambiente.68

67 Eugene Spafford, " C o m p u t e r Viruses as Artificial Life", disponível em: http://vx.netlux.org/lib/


aes02.html.
68 Lynn Margulis e Dorian Sagan. Microcosmos. Barcelona: Tusquets, 1995, p.252-253; O queéa vida?
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

1 5 8 - CLAUDIA GIANNETTI
Essa teoria nos abre u m a n o v a via de interpretação e de q u e s t i o n a m e n t o
dos algoritmos genéticos ou dos sistemas de V A , q u e seriam processos análogos
à q u e l e s e x p e r i m e n t a d o s pelas c a d e i a s d e D N A p r o c a r i ó t i c o das bactérias. A
questão seguinte seria se esses sistemas de V A , c o m b i n a d o s c o m um sistema de
IA, poderiam chegar a encontrar uma solução equivalente à forma neural humana
de r e s o l u ç ã o de p r o b l e m a s a partir de m o d i f i c a ç õ e s do c o m p o r t a m e n t o .

Esse postulado é a i n d a mais p o l ê m i c o e as posições dos cientistas são


c o m p l e t a m e n t e divergentes. E n q u a n t o um grupo c o n d i c i o n a o c o n h e c i m e n t o
da inteligência h u m a n a à c o m p r e e n s ã o da c o n s c i ê n c i a - do q u e se d e d u z q u e
seria impossível conseguir reproduzir o sistema neural, porquanto a c o n s c i ê n c i a é
inacessível; outro, de t e n d ê n c i a reducionista, r e i v i n d i c a q u e p o d e r e m o s repro-
duzir artificialmente uma inteligência consciente no momento em que decifremos
o sistema físico de interconexões neurais. Para isso, é necessário examinar, antes,
dois p r o b l e m a s r e l a c i o n a d o s c o m a d e f i n i ç ã o do c o n c e i t o de consciência: os
p r o b l e m a s fáceis e os p r o b l e m a s duros. Os fáceis apóiam-se na investigação de
c o m o o c é r e b r o integra a i n f o r m a ç ã o q u e lhe chega de fontes díspares e se serve
dela para c o n t r o l a r o c o m p o r t a m e n t o . O caráter d e c i s i v o q u e c o m p a r t i l h a m
esses p r o b l e m a s fáceis consiste em q u e todos se referem a c o m o se realiza u m a
f u n ç ã o c o g n i t i v a o u d o c o m p o r t a m e n t o . O p r o b l e m a d u r o consiste, a o con-
trário, em c o m o os processos físicos do cérebr o d ã o lugar à c o n s c i ê n c i a .

A l g u n s cientistas, partindo da idéia de q u e a c h a v e da questão está no


p r o b l e m a da c o n s c i ê n c i a , p r o p õ e m q u e a substituição gradual e precisa dos
n e u r ô n i o s por m i c r o c i r c u i t o s de silício poderia c o n d u z i r a sistemas artificiais
r e a l m e n t e inteligentes, c o m e x p e r i ê n c i a consciente. 6 9

Esse tipo de a r g u m e n t a ç ã o nos faz lembrar dos f u n d a m e n t o s da Estética


I n f o r m a c i o n a l e observa r certo p a r a l e l i s m o entre eles. A m b o s a c r e d i t a m q u e
tudo o q u e p r o d u z o ser h u m a n o ( i n c l u s i v e a arte) tem sua o r i g em na lógica
formal, e q u e as p r o d u ç õ e s e o c o m p o r t a m e n t o baseados na razão se c o n s t r o e m
a partir de u m a s e q ü ê n c i a de processamentos de i n f o r m a ç ã o, sem referência
específica a um c o r p o qu e usa essa inteligência. Conseqüentemente , as questões
a analisar seriam: É possível estabelecer a c o n e x ã o entre um chip e l e t r o q u í m i c o
a l t a m e n t e integrado e estável, c o m milhares ou m i l h õ e s de feixes de fibras ner-
vosas dos prolongamentos dos neurônios? E possível estabelecer a c o n e x ã o direta
entre b i l h õ e s de n e u r ô n i os ou as c é l u l a s gliais e as microestruturas ativas? E se
isto fosse possível, conseguiríamos, assim, u m a IA consciente?

Para Ernst Põppel, as teorias reducionistas se auto-invalidam no m o m e n t o


em q u e c o n s t a t a m o s q u e não se trata de simples nexos entre c é l u l a s nervosas,
mas d e u m a c o n e x ã o interneural q u e forma u m a rede e x t r e m a m e n t e c o m p l e x a .
C a d a c é l u l a e n v i a informação a, aproximadamente, d e z mil outras e c a d a célul a
nervosa recebe informações de dez mil outras. Se tomamos um bilhão de neurônios
do cérebro, haveria um total de mil billões de conexões interneurais. U m a c é l u la
p o d e estar ativa ou inativa, de forma que, teoricamente, u m a c é l u l a nervosa

69 Cf. D a v i d J. Chalmers. " E l problema de la c o n c i e n c i a " , in: Investigador! y ciência. Barcelona: Prensa
Científica, fev. 1996, p. 60-67 (1 ed. em Scientific American, 1996).

Estética Digital - 159


possui 2 1 0 0 0 0 estados funcionais, o que representaria 10 3000 estados. Tudo isto
põe em e v i d ê n c i a que, d a da sua impressionante quantidade , os estados fun-
c i o n a i s das células nervosas não são calculáveis, e a duração do universo não
seria suficiente para realizar esse cálculo. Se não são matematizáveis, tampouco
seria possível reproduzir artificialmente esses estados funcionais.

Para que se possa ter um parâmetro de comparação, Põppel sugere que,


ainda que possamos determinar em qual atividade o cérebro se encontra quando
se está lendo, e s c r e v e n do etc., seria impossível pretender c a l c u l a r todos os
conteúdos que são representados na consciência, isto é, o que está sendo lido,
falado etc. ou o número de atividades neurais que supõem essas ações. Para
Põppel, portanto, as experiências individuais não são quantificáveis. No terceiro
capítulo, constatamos que a atribuição de méritos criativos a um programa infor-
mático se frustra ao confrontar-se c o m o problema da c o n s c i ê n c i a . O argu-
mento contra a possibilidade de simulação da inteligência consciente não seria
uma o b j e ç ã o a priori, mas se basearia em questões práticas: não teríamos tempo
suficiente de nos duplicarmos perfeitamente num sistema técnico, visto que uma
vida muito longa dura três mil milhões de segundos (E. Põppel).

Centrando-nos no c a m p o da criatividade e no emprego artístico desses


sistemas, a pergunta principal já não seria, portanto, se esses sistemas poderiam
"substituir" o artista (tema examinado a partir do exemplo de Aaron), mas se
limitaria a questionar se esses processos de VA ou IA podem levar à geração de
novos métodos de complexidade c o m possíveis resultados estéticos ou c o m
enunciados cognitivos ou conceituais consistentes.

Vários experimentos c o m vida ativa e artificial baseados em sistemas de


agentes inteligentes - os knowbots - pretendem reproduzir comportamentos
próprios dos seres v i v o s e inteligentes. Os knowbots p o d e m ter uma represen-
tação tridimensional c o m órgãos que podem desenvolver os diversos sentidos -
audição, olfato, tato - assim c o m o se mover e se deslocar em seu entorno. Suas
vidas no mundo artificial baseiam-se nas possíveis inter-relações c o m seres de
sua espécie e c o m o entorno, empregando, para isto, os sentidos e os movimentos
de que dispõem. São seres que, c o m o as crianças, podem aprender do entorno,
c o m outros knowbots e c o m os próprios seres humanos, por meio de um dispo-
sitivo de " m e m ó r i a " baseado em um sistema especialista. Essas pesquisas de VA
podem abrir c a m i n h o a novas teorias sobre o processo de aquisição de conhe-
cimento do entorno e da linguagem simbólica.

Esses sistemas nos fazem recordar a declaração de M a r v i n Minsky que,


em resposta à questão sobre c o m o as tecnologias informáticas mudarão nossas
vidas e nossa cultura, afirma que não serão os computadores ou a potência da
tecnologia os que provocarão as transformações de nossas ciências e humani-
dades, mas sim o fato de que eles nos ajudarão a entender nossa própria vida, a
compreender o que é o conhecimento, o cérebro humano, c o m o aprendemos,
pensamos e sentimos. 70

70 Cf. M a r v i n M i n s k y . " H o w Computer S c i e n ce w i l l change our lives", in: Langton/Shimohara, Artificial


Life V, op. cit., p.25.

1 6 0 - CLAUDIA GIANNETTI
Arte genética, criação robótica e vida artificial

Um dos primeiros eventos internacionais dedicado ao tema monográfico


da IA e da chamada arte genética foi a edição de 1993 do festival Ars Electrónica
de Linz, Áustria. O festival reuniu um grupo notável de artistas, teóricos, cientistas
e investigadores, para debater e confrontar o estado da questão a partir de dife-
rentes aspectos. Da perspectiva da arte, definiu-se uma série de conceitos que
até então estavam dispersos ou eram ambíguos, e se exibiu uma seleção de
obras representativas, seja pela investigação estética ou pela pesquisa tecnoló-
gica nos campos da VA e da IA. A edição de 1999 de Ars Electrónica, Life
Science, propôs uma atualização do tema e novos projetos de arte genética.
Peter W e i b e l , diretor da edição de 1993, considera a arte genética como
o equivalente artístico da tecnologia genética, na medida em que pretende
simular processos vitais por meio do emprego de novas técnicas e questionar os
efeitos e as conseqüências desse tipo de simulações e gerações sintéticas de
vida. A partir da diversidade de termos que foram sendo empregados nos últimos
20 anos para denominar esse tipo de arte, sugerimos agrupar as diferentes mani-
festações artísticas em três campos principais que, por sua vez, englobam outros
campos específicos 7 ':
- Arte genética: intervenções artificiais nos processos de crescimento de
materiais biológicos e investigação das possíveis mudanças formais ( evolutionary
art); 72 representação bi ou tridimensional de criaturas artificiais ( virtual creatures) 73
ou dos códigos genéticos; 74 processos biológicos de procriação e reprodução de
microorganismos, como bactérias empregadas em quadros ( biogenetic art ou
bioarte); 75 representação de processos de manipulação genética e intervenções
em seres humanos ( genetic engineering). 76
- A r t e robótica: seres automatizados tridimensionais (autômatos) que
simulam comportamentos de seres vivos reais, como os mecanismos de busca,

71 A ordenação e a reunião das distintas classificações nas três definições aqui propostas são da autora.
W e i b e l e outros autores sugerem uma classificação de campos mais ampla. Cf. Peter W e i b e l . " Ü b e r
genetische Kunst", in: Ars Electrónica 93. V i e n a : P V S Verleger, 1993, p.420-421.
72 G e o r g e Cessert realiza uma hibridização em diferentes tipos de plantas e documenta o processo;
Eduardo Kac, em Gênesis, investiga a mutação de duas bactérias que m u d a m de cor a partir do contato
entre elas.
73 C o m o os seres zoosistêmicos de Louis B e c dos anos 1970: os seres manipulados de Thomas Crünfeld
ou de Eric Fong.
74 C o m o as obras de Inigo Manglano-Ovalle , que reproduzem os códigos genéticos de seres humanos;
as representações de elementos genéticos em quadros de Kevin M o o r e , Suzanne Anker ou de A n d r e w
Lester.
75 C o m o a utilização de bactérias manipuladas geneticamente nos quadros de D a v i d Kremer; a obra
Micróbios de Kandinsky, de Peter C e r w i n Hoffmann, que utiliza cultura de bactérias provenientes de
um quadro de Kandinsky.
76 C o m o a arte t r a n s g ê n i c a d e E d u a r d o K a c , b a s e a d a n o uso das t é c n i c a s d e e n g e n h a r i a gené-
tica para transferir material de uma e s p é c i e a outra ou para criar organismos v i v o s c o m genes
sintéticos.

Estética Digital - 161


auto-preservação, interatividade, movimento etc;77 a robótica aplicada como
prótese ou extensão de seres vivos. 78
- V i d a artificial: configurações eletrônicas e programas que desenvol-
v e m criaturas ou organismos de vida artificial imaterial, com representação em
duas ou três dimensões, que têm comportamentos semelhantes ao dos seres
vivos reais e simulam processos vitais, como a codificação informacional, a
reprodução e a extinção de um grupo de indivíduos (populações); autômatos
celulares ou algoritmos que simulam o desenvolvimento de seres vivos e que
têm um caráter de modelo genético (algoritmos genéticos); sistemas de VA que
podem interagir com os seres humanos ( interactive evolution).
Começaremos analisando os sistemas de VA . Existem três processos de
reprodução celular artificial especialmente importantes para o funcionamento
de um algoritmo genético e sua estrutura genético-cromossômica: a seleção, o
cruzamento e a mutação. O conjunto de soluções ou população inicial cria-se,
normalmente, de modo aleatório. A seleção na população inicial consiste em
eliminar certos membros em favor dos que se consideram mais adequados. O
cruzamento traz consigo novas soluções e é um mecanismo de otimização,
enquanto que a mutação assegura a entrada de novo material genético no con-
junto. Os algoritmos genéticos são, portanto, uma técnica aleatória de otimização
a partir da abordagem de um marco de investigação, que emprega conjuntos de
soluções potenciais. A partir de um conjunto aleatório de soluções potenciais,
inicia-se o processo evolutivo que produz novas gerações sucessivas. A melhor
opção potencial se escolhe como resposta ou se define como boa solução,
Muitos trabalhos de Karl Sims, cientista e artista, centram-se na investi-
gação da origem de imagens e de seres virtuais por meio desse tipo de algo-
ritmos genéticos. Sua proposta de evolução interativa, por exemplo, consiste na
simulação de ciclos vitais simples que geram uma população, na qual sobre-
v i v e m os membros considerados "melhores". Estes se reproduzem e geram novos
seres, que são cópias ou combinações de elementos de seus pais, às vezes com
pequenas variações ou mutações aleatórias, que podem se transformar em
traços favoráveis que introduzem melhorias no conjunto da população. Um
observador externo pode influenciar, de forma interativa, nesse ciclo, selecio-
nando, por exemplo, os seres com "qualidades" estéticas mais interessantes e
definindo, assim, os critérios de "sobrevivência".

Segundo Sims, os fragmentos do código informático funcionam como cro-


mossomos que descrevem o processo de crescimento dos seres virtuais. O código
digital, comparável com o A D N , é o genótipo, enquanto o resultado virtual, o
organismo, é o fenótipo. A intervenção do observador no processo evolutivo deve
ser entendida como uma colaboração entre a pessoa e a máquina, na medida em
que o observador toma decisões sobre a estética visual e, baseando-se nelas, o
computador tem a capacidade de gerar, matematicamente, as imagens virtuais
complexas. No formato de instalação interativa, como em Genetic Images (1993)

77 C o m o os robôs lutadores do artista Mark Pauline, de San Francisco, cujas apresentações ou performances
se convertem em lutas entre os robôs até a autodestruição; ou os robôs do artista C h i c o MacMurtries.
78 C o m o o braço robótico que emprega Stelarc em suas performances c o m um terceiro braço.

162 - CLAUDIA GIANNETTI


ou Calápagos (1997), o artista utiliza u m a série de monitores q u e v i s u a l i z a m uma ^
" p o p u l a ç ã o " de imagens. Por m e i o de censores, o visitante p o d e decidir, segundo Ç
critérios estéticos, qual das imagens sobreviverá. Elas c o m e ç a m , então, seu pro- fs*
cesso de e v o l u ç ã o , originando descendentes c o m variações e c o m b i n a ç õ e s dos "O
elementos de seus " p a i s " . A l g u m a s mutações p o d e m aumentar a c o m p l e x i d a d e
visual das imagens e produzir novas propostas estéticas.

A s e l e ç ã o de c i n c o possibilidades significa q u e o visitante e l e g e u u m a


entre m a i s d e u m m i l h ã o d e possíveis linhas d e d e s e n v o l v i m e n t o . Esse n ú m e r o
é s u f i c i e n t e m e n t e g r a n d e para permitir q u e c a d a visitante, c o m seus v a l o r e s
estéticos pessoais, possa c h e g a r a resultados muito diversos, a i n d a q u e às v e z e s
inesperados para o próprio espectador, visto q u e nesse processo e v o l u t i v o arti-
ficial - c o m o nas e v o l u ç õ e s naturais - t a m b é m f a z e m parte fatores aleatórios ao
observador. D u r a n t e o transcurso da e x p o s i ç ã o da instalação interativa, o com-
putador a r q u i v a todas as imagens s e l e c i o n a d a s mais de u m a v e z pelos observa-
dores, q u e passam a ser c o n s i d e r a d a s " a s favoritas". O visitante p o d e voltar a
visualizar sua i m a g e m favorita e reativar o processo e v o l u t i v o a partir do ponto
c o n h e c i d o . D e s t e m o d o , o o b s e r v a d o r pode , a q u a l q u e r m o m e n t o , reiniciar o
processo de e v o l u ç ã o a partir de 1 6 imagens simples iniciais.

Artistas c o m o S i m s propõem, na verdade, uma n o v a maneir a de c o n c e b e r


a c r i a ç ã o artística. À pergunta se p o d e m o s considerar essa e v o l u ç ã o de i m a g e n s
c o m o u m processo criativo, S i m s argumenta:

Um elemento do acaso pode ser um componente importante em algumas formas


de criatividade. Talvez esse processo possa ser comparado ao de um artista que
tenta melhorar um estilo já existente, ou que busca novas idéias experimentando
com a aleatoriedade, examinando os resultados e descartando os menos interes-
santes. Deste modo, pode ser similar à forma com que a sociedade aceita ou
recusa certas modas ou estilos de arte e com que copia e modifica aqueles que
são aceitos, de tal modo que parecem originados aleatoriamente, gerando novos
estilos e novas variações. (...) Nesta evolução simulada, entretanto, as alterações
aleatórias são executadas pelo computador. Em nenhum caso é o usuário quem
executa as experimentações aleatórias. Sua função se limita, exclusivamente, a
tomar as decisões estéticas relacionadas às imagens preferidas. Nesse processo,
a figura do "criador" parece estar ausente, ainda que os resultados aos quais se
possa chegar sejam muito complexos e interessantes. Se levarmos em conta que
o espectador realiza a seleção entre um enorme número de possibilidades, estará
sendo criativo o espectador ou será necessária a presença de um "criador"? (...)
Essa classe de técnicas pode mudar alguns aspectos de nossa tendência antropo-
cêntrica. Temos dificuldade para acreditar que não fomos "criados" por um deus,
mas que somos frutos de um acidente natural da evolução. Igualmente, temos
dificuldades para crer que a evolução artificial pode competir com nossas habili-
dades de criação ou, inclusive, superá-las. Com essa instalação, espera-se cons-
cientizar o observador do poder do processo evolutivo em geral - em suas
variadas formas tanto em nosso mundo real, como no mundo simulado -, e,
inclusive, proporcionar uma habilidade estética ainda inexplorada para alguns.79

79 Karl Sims. " G e n e t i c Images", in: Revue Virtuelle Notebook5. Paris: Centre Georges Pompidou, 1993.

Estética Digital - 163


N e s s e tipo d e o b r a , o a t o d e c r i a ç ã o d o artista c o n s i s t e e m p r o g r a m a r
e s s e c o m p l e x o sistema de algoritmo genético, i n t r o d u z i n d o e d e m a r c a n d o o
f u n c i o n a m e n t o b á s i c o do programa. A partir desse ponto, sua p o s i ç ã o passa a
ser " e x t e r n a " , c o m o a de q u a l q u e r outro observador. O processo de c r i a ç ã o das
obras ( n o c a s o de Sims, as imagens geradas informaticamente ) e a própria obra
são frutos do " t r a b a l h o " da m á q u i n a em interação c o m o espectador ou interator.
É outro e x e m p l o c l a r o do d e s d o b r a m e n t o da autoria, ao qua l nos referimos em
c a p í t u l o s anteriores: o a p a r e c i m e n t o da figura do meta-autor, c o m o o autor da
m á q u i n a (algoritmo) auto-geradora, autora do processo e dos resultados.

David Goldberg, i n v e s t i g a d o r ness e c a m p o , s u g e r e o u t r a p o s s í v e l


r e l a ç ã o dos a l g o r i t m o s g e n é t i c o s c o m a c r i a t i v i d a d e . Q u a n d o s o m o s c r i a t i v o s ,
f r e q ü e n t e m e n t e e l e g e m o s u m a série d e s o l u ç õ e s existentes n u m d e t e r m i n a d o
c o n t e x t o e outra série q u e está f u n c i o n a n d o n u m c o n t e x t o diferente, e as jun-
t a m o s para tentar criar u m a n o v a proposta o u s o l u ç ã o . S e g u n d o G o l d b e r g ,
esse t i p o de p r o c e s s o de t r a b a l h o , p r ó p r i o da c r i a t i v i d a d e h u m a n a , é s i m i l a r à
s e l e ç ã o e r e c o m b i n a ç ã o dos algoritmos genéticos, q u e p r o p o r c i o n a m u m m o d o
m e c â n i c o d e a u t o m a t i z a r a c r i a t i v i d a d e o u outra m a n e i r a d e c o m p r e e n d e r
nossa c r i a t i v i d a d e .

Essa linha de r a c i o c í n i o c o n e c t a c o m a idéia já e n u n c i a d a por V i i é m


Flusser em p r i n c í p i o s dos a n o s 1990 sobre o processo de c r i a ç ã o e n t e n d i d o
c o m o i n t e r c â m b i o , interseçã o e t r a n s f o r m a ç ão de i n f o r m a ç ã o preexistente e
existente entre autor e entorno.

O que faz realmente o autor? Ele reúne informações que encontra em obras já
produzidas, segundo critérios de seu tempo e de sua cultura. A esse acúmulo de
informação adiciona informações que adquiriu em sua própria vida. Nas infor-
mações adquiridas pode haver ruídos, isto é, informações que até então não„
existiam. O conjunto de informações é processado pelo autor, quer dizer, é mo-
dificado e computado, de forma que gera nova informação. Contudo, o autor '
não só trabalha em nível simbólico e processa os códigos, através dos quais ele
recebeu as informações acumuladas. A nova informação sintetizada também tem
que ser aplicada a um certo material para transformar-se em obra. O material,
sua coisificidade, oferece certas resistências a esse processo, e o resultado dessa
disputa dialética é a obra de arte.80

A p o s i ç ã o d e Flusser, a i n d a q u e i n c o r r a e m c e r t o r e d u c i o n i s m o s e
p e n s a r m o s na c o m p l e x i d a d e da c r i a t i v i d a d e h u m a n a , é perfeitamente a p l i c á v e l
ao processo de c r i a ç ã o de sistemas de V A . Os "ruídos", aos quais se refere Flusser,
p o d e r i a m ser as i n t e r v e n ç õ e s dos interatores ( c o m o no caso de Sims), e n q u a n t o
que a "disputa dialética" corresponderia ao processo de seleção. A n d r e w
H o r n e r e D a v i d E. G o l d b e r g , por e x e m p l o , ao d e s c r e v e r o m é t o d o de g e r a ç ã o
m u s i c a l a partir de algoritmos genéticos, f a l a m da existência de um p o n t o inicial
- um primeiro conjunto de informação que determina a melodia " p r i m á r i a " -,

80 V i l é m Flusser, " V o m Autor o d e r v o m W a c h s e n " , in: Rótzer; Rogenhofer (Eds.). Kunstmachen?Munique:


Bôer Verlag, 1991, p.68.

1 6 4 - CLAUDIA GIANNETTI
a partir da q u a l a estrutura artificial e v o l u i até outra m e l o d i a final especifica. 8 1
B r u n o D e g a z i o , por sua vez, ao definir o programa c r i a d o por e l e para investigar
as a p l i c a ç õ e s dos algoritmos genéticos nas c o m p o s i ç õ e s musicais, d e n o m i n a d o
Musical Organism Evolver(MOE), aponta dois c o m p o n e n t e s principais: o sistema
e v o l u t i v o e o c o n v e r s o r . O sistema e v o l u t i v o realiza os processos de e m p a r e l h a -
m e n t o de c r o m o s s o m o s , c r u z a m e n t o e m u t a ç ã o genética, e x e c u t a n d o os traços
essenciais d o processo d e d e s e n v o l v i m e n t o . ( C o m p a r a n d o c o m a c o n c e p ç ã o d e
Flusser, seria o c o n j u n t o de i n f o r m a ç õ e s q u e é p r o c e s s a d o e m o d i f i c a d o de
forma a gerar n o v a i n f o r m a ç ã o . ) O c o n v e r s o r transforma um c r o m o s s o m o , o
q u a l consiste, b a s i c a m e n t e , n u m a série de instruções (ou parâmetros musicais),
n u m a estrutura de d a d o s musicais. O c o n v e r s o r e x a m i n a c a d a gene no cromos-
s o m o em questão e a p l i c a , no grau e s p e c i f i c a d o p e l o c o n t e ú d o deste gene, um
processo de s e l e ç ã o . O uso musical dos algoritmos genéticos só a l c a n ç a seu
v e r d a d e i r o êxito q u a n d o a p l i c a d o às s e q ü ê n c i a s de o p e r a ç õ e s mais longas, isto
é, q u a n d o há a possibilidade de d e s e n v o l v i m e n t o do processo. Neste sentido, o
algoritmo g e n é t i c o se c o n v e r t e n u m a estrutura de c o n t r o l e para u m a macrolin-
g u a g e m m u s i c a l , s u p e r v i s i o n a d a por m e i o d e t é c n i c a s d e p r o g r a m a ç ã o gené-
t i c a . Do p o n t o de vista de D e g a z i o , a i m p o s i ç ã o dessa estrutura resulta mais
importante para o êxito m u s i c a l desse projeto q u e as conquistas do processo de
algoritmos genéticos. 8 2

Louis B e c , artista francês q u e v e m investigando, d e s d e 1970, a r e l a ç ã o


entre arte, c i ê n c i a e t é c n i c a , v a i um p o u c o a l é m de G o l d b e r g em suas conside-
rações sobre a r e l a ç ã o entre c r i a t i v i d a d e e pesquisa em sistemas artificiais. B e c
m a n t é m o ponto de vista de q u e a VA serve, metaforicamente , de p o n t o de
u n i ã o entre os e x p e r i m e n t o s artísticos e as visões científicas no sentido de adap-
t a ç ã o do sentido, do espírito, da i n v e n ç ã o e da p r o d u ç ã o . B e c n ã o e n t e n d e sua
c r i a ç ã o c o m o "obra de arte", mas c o m o uma investigação. T a m b é m não se auto-
d e n o m i n a artista, e sim zoosistêmico, una m e s c la de cientista, artista e t é c n i c o .

O p r i m e i r o m o d e l o b i o l ó g i c o de seu zoosistema ( c a m p o c o n f i g u r a d o a
partir da inter-relação entre as c i ê n c i a s da v i d a , a inteligência artificial e a con-
f o r m a ç ã o sistêmica) foi c r i a d o em 1972, em forma escultórica tridimensional,
sendo q u e alguns seres dessa série c h e g a r a m a ter d e z metros de altura. Essas
obras são e x e m p l o s de arte genética. N o s anos 1980, c o m e ç o u a d e s e n v o l v e r
seres de v i d a artificial, c r i a d o s a partir de algoritmos genéticos. D e s d e então,
questiona se os escultores de h o j e n ã o são, realmente, os b i o i n f o r m á t i c o s ou os
construtores de robôs q u e c r i a m esculturas vivas. Para B e c , a maquinalidade d a
v i d a artificial é m a i s u m a situação espiritual q u e u m a causa instrumental. Ele
d e s c r e v e esse f e n ô m e n o c o m o c r i a ç ã o de u m a hipo-zoo-lógica, q u e surge em
forma de a u t ô m a t os celulares, algoritmos genéticos, sistemas vivos, m o d e l a ç ã o
d e inteligência coletiva , robôs etc., q u e estão e m interação c o m u m e n t o r n o
artificial m u t á v e l q u e p o d e ser f a v o r á v e l ou, às vezes, hostil.

81 A n d r e w Horner e D a v i d E. Goldberg. " G e n e t i c Algorithms and Computer-Assisted M u s i c Compo-


sition", in: Proceedings of the International Computer Music Conference, 1991, p.479-482.
82 Bruno Degazio. " L a e v o l u c i ó n de los organismos musicales.", in: Eduardo R. Mirand a (Ed.). Música y
nuevas tecnologias. Perspectivas para el siglo XXI. Barcelona: A C C I'Angelot, 1999, p.139-150.

Estética Digital - 165


Figura 14 - Louis Bec, série Upokrinomènes, 1998-2000. Imagem superior: Attila; imagem inferior: Digital

1 6 6 - CLAUDIA GIANNETTI
A VA p o d e ser c o n s i d e r a d a , c o n s e q ü e n t e m e n t e , um lugar p r i v i l e g i a d o
no q u a l se o p e r a a transformaçã o dos sistemas de representação. S e g u n d o B e c ,
no processo m a q u i n a i p o d e haver distintas formas de representação do ser vir-
tual: forma b i d i m e n s i o n a l ; forma tridimensional ; representação e m m o v i m e n t o ;
e r e p r e s e n t a ç ã o em processo de transformação . Desta maneira, as p r o d u ç õ e s de
V A a t u a m c o m o o p e r a d o r e s d e u m a m u t a ç ã o estética n o processo e , simultane-
a m e n t e , r e v e l a m suas fases de e v o l u ç ã o . Neste contexto, a a t i v i d a d e artística é
e n t e n d i d a c o m o c a m p o de investigação e de e x p e r i m e n t a ç ã o da p e r c e p ç ã o ,
das e m o ç õ e s , d a m e m ó r i a , d a f o r m a ç ã o d e c o n c e i t o s, d o t e m p o , d o espaço, d o
m o v i m e n t o , das trajetórias, dos processos e das relações entre seres h u m a n o s ,
seres artificiais e m á q u i n a s .

De a c o r d o c o m B e c , o processo maquinai efetuado pela VA contribui para


a o r i g e m de u m a n o v a estética da a u t o n o m i a , na qual as mais importantes pro-
d u ç õ e s do sistema artificial se mostram de forma programática. Esta estética se
e s t a b e l e c e c o m o expressão das interações entre as diferentes partes do sistema.
Trata-se de u m a estética q u e transfere c o n h e c i m e n t o s b i o l ó g i c o s à t e c n o l o g i a e
vice-versa. U m a estética, c u j o s sintomas são estados sucessivos q u e p o d e m ser
vistos através de transformações morfogenéticas. U m a estética da v i s u a l i z a ç ã o ,
na q u a l algo o c u l t o volta a aparecer, a emergir. U m a estética e n t e n d i d a c o m o
processo, pois na interatividade não há n e n h u m a resposta instrumentalizada,
mas sim perspectivas potenciais q u e se a p r o x i m a m da v i r t u a l i d a d e da c r i a ç ã o .

A estética da a u t o n o m i a proposta por B e c baseia-se no fato de os seres


v i r t u a i s p o d e r e m criar, por m e i o da r e p r o d u ç ã o e da m u t a ç ã o , outros seres
virtuais c o m u m a estética distinta. Por outro lado, implica uma "estética da ampu-
t a ç ã o " , q u e significa, para B e c , q u e nossas extensões t e c n o l ó g i c a s nos o b r i g a m
a adaptar-nos ao m e i o artificial e, por isto, e s q u e c e r ou suprimir as atitudes q u e
se c o n v e r t e r a m em obsoletas, b e m c o m o integrar, c o m o próteses, os instrumentos
q u e a m p l i a m nossas c a p a c i d a d e s . 8 3

O u t r o passo nessa linha de investigação aspira a a l c a n ç a r um nível mais


p r o f u n d o de inter-relação entre obra e espectador. A artista U l r i k e G a b r i e l , por
e x e m p l o , busca, nos seus trabalhos, estabelecer um v í n c u l o mais estreito entre
o b s e r v a d o r e obra, na m e d i d a em q u e c o n d i c i o n a o f u n c i o n a m e n t o do sistema
ao f u n c i o n a m e n t o do c o r p o do interator. Terrain 01, u m a instalação interativa
de arte robótica de 1993, consiste n u m " m i c r o c o s m o " (um e s p a ç o físico circular
definido) h a b i t a d o por u m a c o l ô n i a de p e q u e n o s robôs (sistemas d i n â m i c o s ) do
tipo d e v e í c u l o s c i b e r n é t i c o s a u t ô n o m o s . O s robôs estão e q u i p a d o s c o m c é l u l a s
fotoelétricas - de forma qu e a luz é a principa l fonte de energia desses sistemas
- e c o m censores, q u e f u n c i o n a m c o m o órgãos de p e r c e p ç ã o para q u e possam
mover-se l i v r e m e n t e pelo m i c r o c o s m o e p e r c e b e r o m o v i m e n t o e a p o s i ç ã o dos
d e m a i s s e m chocar-se. O processo de m o v i m e n t o e " v i d a " ativa desses robôs

83 Cf. Louis B e c , " D a s T e c h n o b i o m oder die Prãmissen einer zweiten D a r w i n s c h e n Revolution", in:
Erzeugte Realitàten II. Berlim: N e u e Geseilschaft für Biidende Kunst, N G B K , 1994, p.13-32, 40-42;
" P r o l e g o m e n a . Ésthetique et Epistémologie Fabulatoire de la V i e Artificielle", in: Ars Electrónica. Vie-
na, 1993, p.172-180; " Ü b e r das Wiederflottgemachte", in: Rótzer/ W e i b e l (Eds.). Cyberspace. Zum
medialen Cesamtkunstwerk. M u n i q u e : Boer Verlag, 1 993, p.357-365.

Estética Digital - 167


depende totalmente, portanto, da intensidade da luz sobre eles projetada. Essa
intensidade está subordinada, num segundo nível, a um sistema interativo que
estabelece o contato indireto entre observador externo e os robôs. Um disposi-
tivo adaptado à c a b e ç a do interator detecta, sensorialmente, suas atividades
cerebrais que, transmitidas ao sistema, são as que regulam a intensidade da luz
sobre ele projetada. Assim, o mundo interno e o mundo externo estão interco-
nectados de forma recíproca e inversa por uma interface indireta e uma forma
de c o m u n i c a ç ã o imaterial (as ondas cerebrais): quanto mais intensa ou caótica
seja a atividade cerebral do interator, mais apático será o comportamento da
colônia de robôs, ou quanto mais baixas sejam as ondas cerebrais, mais caotica-
mente se moverá a colônia. 8 4

As investigações que Christa Sommerer e Laurent M i g n o n n e a u v ê m ela-


borando, desde 1992, nos proporcionam outros parâmetros interessantes para
adentrar-nos nas possíveis contribuições do espectador ao processo de simu-
lação e geração de V A , bem c o m o na visualização e percepção ativa por parte
do público dessas elaborações e de seus resultados. Na conhecida e várias vezes
premiada obra Interactive Plant Growing, de 1992-93, se estabelecem parâ-
metros sensorials de diálogo entre interatore obra mediante uma interface " v i v a " ,
'e se transmite uma visão dinâmica da obra c o m o um sistema em constante evo-
lução, de fácil percepção visual por parte do público. A instalação interativa
Consta de c i n c o plantas reais e uma grande tela na qual se projeta a visualização
formal do processo de crescimento virtual das plantas. Ao aproximar-se das
plantas reais ou tocá-las, o espectador ativa um sistema de geração de dados, os
quais são traduzidos em imagens infográficas em movimento de plantas virtuais
em crescimento acelerado. O interator pode alterar e controlar o crescimento
virtual de mais de 25 plantas geradas, simultaneamente, pelo computador em
três dimensões. O sistema funciona através da captação do potencial elétrico de
cada planta real mediante censores colocados em suas raízes. Esse potencial
elétrico é c o m p a r a d o ao potencial elétrico que o /nferatortransmite à planta ao
aproximar-se dela. A diferença de voltagem varia d e p e n d e n d o da distância
entre o interator (sua mão, por exemplo) e a planta, variando, analogamente, os
resultados do crescimento virtual na imagem. Os sinais elétricos, ampliados e
filtrados, são enviados a um conversor, que os transforma em dados digitais
transmitidos, então, ao computador, que processa a informação em forma de
imagens infográficas tridimensionais e em movimento. Ao aproximar-se das
plantas, o interator pode ativar o crescimento e a transformação (tamanho,
rotação, cor, posição etc.) da aparência das plantas virtuais. Todas as variações
na imagem dependem, em última instância, da sensibilidade do interator para
'nteragir c o m o sistema e encontrar a distinta graduação da distância entre seu
corpo e o vegetal. Ainda que a velocidad e acelerada do crescimento virtual não
corresponda ao crescimento real, a aparência das plantas virtuais, seus movi-
mentos e processos de e v o l u ç ã o são opticamente similares.

Ver outras obras de U. Gabriel, que também incidem na questão do v í n c u l o entre os sistemas bioló-
gicos e artificiais, c o m o Breath (1992) ou Perceptual Arena (1993).

1 6 8 - CLAUDIA CIANNETTI
Estética Digital - 169
© 99, Christa & Laurent

Figura 16 - Christa Sommerer & Laurent Mignonneau, Life Spades II (c), 1999 (desenvolvida no A T R
M I C Labs, Japão)

170 - CLAUDIA GIANNETTI


Em 1996, Sommerer e Mignonneau elaboraram CENMA - Genetic
Manipulator, u m a instalação interativa qu e permite ao visitante criar, manipula r e
explorar o d e s e n h o g e n é t i c o de criaturas artificiais. CENMA é u m a e s p é c i e de
" m á q u i n a de c r i a ç ã o " , q u e permite ao /'nferaformanipular a microescala (a escala
dos genes) e em t e m p o real, por m e i o de programas genéticos, a natureza de
formas e figuras tridimensionai s abstratas de a m e b a s artificiais.

Em 1997, os artistas a m p l i a r a m o c o n c e i t o do m a n i p u l a d o r g e n é t i c o
GENMA e a p l i c a r a m o p r i n c í p i o de " d e s e n h o a b e r t o " a u m a i n s t a l a ç ã o intera-
tiva e t e l e m á t i c a c h a m a d a Life Spacies. A obra tem uma c o m p o n e n t e física,
instalada n o I C C I n t e r c o m m u n i c a t i o n M u s e u m d e T ó k i o , e u m a vertente virtual
q u e utiliza a rede t e l e m á t i c a . Por m e i o de formas e imagens evolutivas , os visi-
tantes da instalaçã o situada no I C C e os visitantes c o n e c t a d o s à web de Life
Spacies na Internet p o d e m interagir entre eles. Por m e i o de um sistema de codi-
f i c a ç ã o q u e traduz textos em formas ( text-to-form), isto é, em c ó d i g o s genéticos,
q u a l q u e r pessoa p o d e criar sua própria criatura artificial e n v i a n d o um c o r r e i o
e l e t r ô n i c o c o m u m a d e s c r i ç ã o escrita. Assim, forma, figura, c o r e textura das
criaturas são d e t e r m i n a d a s a partir dos parâmetros c o n t i d o s no texto. A multipli-
c i d a d e e v a r i e d a d e dos textos faz c o m q u e as criaturas a d o t e m a p a r ê n c i a s hete-
rogêneas e individuais. A partir da r e c e p ç ã o do e-mail, a criatura é gerada e
c o m e ç a a " v i v e r " no environment situado no museu, o n d e os visitantes locais
p o d e m interagir d i r e t a m e n t e c o m ela. O autor do texto r e c e b e um curriculum
vitae e u m a i m a g e m de " s u a " criatura, sendo informad o de seu t e m p o de v i d a ,
seus d e s c e n d e n t e s e c l o n e s gerados.

O processo de interação local c o m as criaturas se p r o d u z por m e i o de


u m a tela tátil. No m o m e n t o em q u e o visitante s e l e c i o n a u m a criatura, esta se
c l o n a e cria u m a c ó p i a perfeita de si m e s m a . P o r é m , se d u a s pessoas, situadas
e m lugares diferentes, c o i n c i d e m n o m e s m o e s p a ç o virtual, p o d e m eleger d u a s
criaturas e d e s e n c a d e a r a u n i ã o de a m b a s e a c r i a ç ã o de d e s c e n d ê n c i a . D e s t e
m o d o , o sistema m u d a e e v o l u i s e g u n d o a interação do visitante e o comporta-
m e n t o das criaturas. D e v i d o ao fato de q u e as regras de interação n ã o estão
p r e d e t e r m i n a d a s e se d ã o em múltiplos níveis, cria-se um sistema aberto e com-
plexo de v i d a artificial, no q u a l c a d a e n t i d a d e está presente " f í s i c a " (no I C C ) ou
v i r t u a l m e n t e (na Internet). Desta m a n e i r a, se d ã o três níveis de g e r a ç ã o de seres
virtuais: por m e i o dos textos e n v i a d o s via e-mail, através da interaçã o local, e a
partir da auto-reprodução das criaturas, q u e permite q u e o genótipo se propa-
gue por i n t e r m é d i o do sistema e crie, de forma e v o l u t i v a , grupos de diferentes
espécies. O c o m p o r t a m e n t o e a a p a r ê n c i a das criaturas d e p e n d e m , assim, da
p a r t i c i p a ç ã o do teleusuário, da i n t e r v e n ç ã o do interator local e da própria evo-
l u ç ã o desses seres.

Neste sentido, não podemos prever o desenvolvimento do projeto, nem mesmo a


forma das criaturas que surgirão, pois esse processo depende, exclusivamente,
da quantidade e da complexidade das mensagens enviadas, do modo de repro-
dução das criaturas e da decisão tomada pelo visitante local. Life Spacies é um
sistema no qual a interação, a inter-relação e o intercâmbio se produzem em
nível humano-humano, humano-criatura, criatura-criatura, humano-ambiente,

Estética Digital - 171


criatura-ambiente e entre vida real-vida artificial. (...) O artista somente define a
estrutura, a partir da qual o público passa a ser responsável por aquilo que vê e
que cria. Isto oferece ao espectador grandes perspectivas. Quando o visitante
consegue converter-se em parte do sistema, percebe que não existem soluções
predefinidas de como atuar ou visualizar, uma vez que a obra se faz através de
sua interação. (...) Neste tipo de instalações, na medida em que as imagens já
não são estáticas, pré-fixadas e previsíveis, estas se convertem num processo
vivo que demonstra a influência da interação do público e o princípio interno da
variação, mutação e evolução. As imagens processadas já não são reprodutíveis,
pois mudam e evoluem continuamente. Uma obra com estas características pode
considerar-se um sistema vivo, que representa a relação e a interação entre a
vida (real) e a vida artificial.85

D o s e x e m p l o s a n t e r i o r m e n t e citados, desprendem-s e t r a n s f o r m a ç õ e s
p r o f u n d a s , n ã o só no m o d o de c o n c e b e r (produzir) a obra, mas na p r ó p r i a
m a n e i r a de entender a arte e a f u n ç ã o do espectador. A l é m disso, e v i d e n c i a m
q u e esse tipo d e m u d a n ç a s está v i n c u l a d o , forçosamente, a o d e s e n v o l v i m e n t o
de n o v a s tecnologias , s e m as quais seria impossível propor d e t e r m i n a d as ques-
tões estruturais, c o n c e i t u a i s e estéticas. Essas não são, p o r é m, a f i r m a ç õ e s n o v a s
ou recentes. Q u e o uso de d e t e r m i n a d a s t é c n i c a s ou m á q u i n a s i n f l u e n c i a o
p r ó p r i o processo de c r i a ç ã o , já havia sido a d v e r t i d o por N i e t z s c h e , q u e ao usar
sua primeira m á q u i n a de escreve r o b s e r v o u q u e " d a s S c h r e i b z e u g sich in d i e
G e d a n k e n m i t e i n s c h r e i b e " ("a m á q u i n a de escreve r se co-escreve no pensa-
m e n t o " ) . P a u l V a l é r y r e c o n h e c i a , e m p r i n c í p i os d o s é c u l o X X , que, u m a v e z q u e
n e m a matéria, n e m o e s p a ç o, n e m o t e m p o são o q u e e r a m antes, todas as artes
já n ã o p o d e m ser entendida s c o m o em outras é p o c a s, e q u e já n ã o se p o d e mais
evitar os efeitos das c i ê n c i a s e das práxis modernas. Tais i n o v a ç õ e s m o d i f i c a r ã o
a t é c n i c a das artes e c h e g a r ã o a transformar o próprio c o n c e i t o de arte - prog-
nosticava V a l é r y . O u , c o m o dizia R e n é Berger: toda t é c n i c a t e m u m a d i m e n s ã o
estética q u e i n f l u e n c i a tanto nossa s e n s i b i l i d a d e , c o m o nossa i m a g i n a ç ã o e
nossas fantasias.

No terceiro c a p í t u l o v i m o s c o m o se p r o d u z i u o ponto de inflexão no q u e


d i z respeito à t r a n s f o r m a ç ã o da n o ç ã o de arte e s u g e r i m os u m a r e d e f i n i ç ã o
desse c o n c e i t o c o m base na teoria da c o m u n i c a ç ã o , a teoria sistêmica e o cons-
trutivismo. A b o r d a m o s as questões f u n d a m e n t a i s da media art r e l a c i o n a d a s c o m
a interdisciplinaridade , a d e s m a t e r i a l i z a ç ã o ou a d e s c o n s t r u ç ã o do objeto de
arte e de seu sentido de o r i g i n a l i d a d e e, t a m b é m , c o m a e x p a n s ã o ao meta-
autor e o interator, sobre os quais os e x e m p l o s de VA e IA p r o p o r c i o n a m d a d o s
c o n t u n d e n t e s . N e s s e tipo de obras p r e v a l e c e o processo sobre o resultado final,
p r e d o m i n a a investigaçã o a c e r c a da i n t e r c o m u n i c a ç ã o obra-interator sobre as
possíveis contribuições purament e formais ou conceituais. Paralelamente, v i m o s
q u e as estruturas e os processos de u m a obra só são analisávei s e perceptíveis
e m r e l a ç ã o a u m d e t e r m i n a d o c o n t e x t o , e s ó p o d e m ser e n t e n d i d o s c o m o
p r o c e s s o c o m u n i c a t i v o no q u e se refere a esse m e s m o contexto.

85 C. Sommerer e L. M i g n o n n e a u . "Art as a Living System", in: Christa Sommerer e Laurent M i g n o n n e a u


(Eds.), Art @ Science. Viena , N o v a York: Springer Verlag, 1998, p.158-160.

172 - CLAUDIA GIANNETTI


A partir de todos esses fatores r e l a c i o n a d o s c o m a arte interativa, consta-
tamos um c l a r o d e s l o c a m e n t o do sentido t r a d i c i o n al de arte para o sentido de
sistema (apesar de n ã o pretender, c o m isto, substituir um termo por outro), e
c o n s i d e r a m o s esse fator c o m o o ponto d e t e r m i n a n te desse processo. 8 6

O s e n u n c i a d o s q u e resultam d a a n á l i s e dos sistemas q u e utilizam I A o u


VA nos p e r m i t e m constatar q u e o e n f o q u e d e i x o u de ser o de u m a obra de arte
q u e reflete sobre as imagens do m u n d o (a r e p r o d u ç ã o ou interpretação da v i s ão
de m u n d o ) , para passar a ser o de um sistema q u e questiona o próprio m u n d o ,
nossas realidades, nossos meios, nossa vida, nosso sistema biológico; um sistema
q u e proporciona novas visões de mundo. A criação atual, baseando-se no método
processual e no m o d e l o de sistema, a d q u i r e um r e n o v a d o sentido no contexto
s o c i o c u i t u r a l , em o p o s i ç ã o aos postulados q u e r e m e t e m à perda de f u n ç ã o da
arte no m u n d o c o n t e m p o r â n e o . D e s t e m o d o , as idiossincrasias do processo, a
interatividade e o sistema transformam, forçosamente, os paradigmas estéticos,
tema q u e a n a l i s a r e m o s n o p r ó x i m o c a p í t u l o .

86 Em 1985, Fred Forest afirmou: "Situar a arte, hoje em dia, nos sistemas dispostos em diversos níveis
de organização da realidade a partir da superação dos estreitos limites das disciplinas, me parece uma
tarefa necessária e inevitável". (Ver Fred Forest, "Manifeste pour une esthétique de la c o m m u n i c a t i o n " ,
in: Pouise Poissant [ed.]. Esthétique des Arts Médiatiques. Q u e b e c : Université du Q u e b e c , 1995, p.36.)
Roy Ascott, no catálogo do Interactive Media Festival, San Francisco, 1995, substitui a noção de arte
pela de sistemas. Cf. Louis B e e e Peter W e i b e l .

Estética Digital - 173


CAPÍTULO 5
Endoestética

Do discurso ontológico à argumentação sistêmica

A o p o s i ç ã o radical entre os paradigmas estéticos modernos e os deba-


tidos na pós-modernidade, e s p e c i a l m e n t e a partir da reflexão em torno da
media art, nos permite analisar a profunda transformação motivada pela crise e
a revisão dos significados dos conceitos ontológicos e f e n o m e n o l ó g i c o s de
sujeito, realidade e verdade, que desemboca numa crise dos próprios conceitos
estéticos tradicionais relacionados c o m as noções de autor, beleza, obra de arte
original, objeto, observador e verdade.

O principal problema que enfrentou a estética moderna consistiu em


c o m o conciliar a subjetivação do belo c o m a exigência de critérios objetivos
que fizessem uma ponte c o m o mundo real. Essa estética buscou um equilíbrio
entre a posição subjetivista, fundamentada na beleza, no sentimento e na imagií-
nação, e a idéia de que a obra de arte é inseparável de uma certa forma de
objetividade encontrada no m u n d o externo, na natureza. Essa o b j e t i v i d a de
externa poderia validar a existência do gosto universal professado pela estética
moderna. A tradição cartesiana afirmava que a universalidade do gosto se expli-
cava por sua relação c o m um mundo objetivo, enunciado pela razão. A aproxi-
m a ç ã o a essa "idéia de m u n d o " por meio da atividade estética se realizaria
"através de um mediador especialmente sensível, um "gênio". O gênio - o artista
- seria aquele que teria a c a p a c i d a d e natural de representar, na obra, a ordem
do m u n d o real, exterior à obra. Assim, a arte seria um instrumento para o conhe-
cimento de uma r e a l i d a de alheia ao sujeito, a realidade do m u n d o . Já expu-
semos os argumentos que e v i d e n c i a m a inadmissibilidade desse postulado.

No século X X , a grande maioria dos discursos estéticos se p r e o c u p o u


em descobrir e definir a essência da arte e, c o m essa premissa, se encerrou,
hermeticamente, dentro de um discurso ontológico. Se percorrêssemos as teorias
estéticas contemporâneas, constataríamos o predomínio da investigação compar-
timentada, circunscrita a um enfoque específico. Os estruturalistas empenha-
ram-se em elaborar uma estética voltada para a "leitura" e a interpretação da
estrutura da obra, enquanto a semiótica se interessou, principalmente, pela
dialética entre emissor e receptor, o papel do leitor, a elaboração dos signos e a
natureza dos códigos.

U m a corrente da teoria crítica, da qual Theodor Adorno é um exemplo,


enfatizou a "materialidade" da obra c o m o elemento constitutivo de seu signifi-
cado, e a necessidade de superar a redução da arte a seu valor de troca no
contexto da indústria cultural.
As teorias fenomenológicas e hermenêuticas trataram de reencontrar o
c a m i n h o até o valor gnosiológico da obra e da experiência estética por meio de
uma reformulação da teoria do conhecimento. As possíveis interpretações da
fenomenologia husserliana deram origem a outros enunciados estéticos, em sua
maior parte divergentes. Para Roman Ingarden, a análise estética devia se liberar
da observação puramente factual, física da obra, para centrar-se na experiência
perceptiva do objeto. Já M i k e l Dufrenne entendia o artista c o m o um mediador,
através do qual a realidade manifestaria o cognoscível.

Em sua vertente mais vinculada às ciências da c o m u n i c a ç ã o , a estética


se dedica a investigar os processos sociais que desprendem formas expressivas
.no contexto da c o m u n i c a ç ã o , assim c o m o os fenômenos de expressão estética
que desempenha m uma função comunicativa (os meios de c o m u n i c a ç ã o , os
espetáculos, as cerimônias sociais etc.). No contexto da arte, podem-se distinguir
diferentes maneiras de abordar a problemática da comunicação : a partir da inves-
tigação do papel do espectador no contexto da obra, o que conduz, conseqüen-
temente, a uma análise da recepção e à premissa de que a obra de arte não pode
ser definida de forma independente de c o m o é assimilada; ou do enfoque mais
sociológico, que incide no estudo dos efeitos da arte sobre o espectador, a comuni-
dade ou a cultura, c o m o propõe Fred Forest na "estética da c o m u n i c a ç ã o " . '

Em resumo, grande parte das teorias estéticas românticas, modernas e con-


temporâneas, ao refletir sobre a criação artística, se reduz à análise de aspectos
concretos relacionados c o m o objeto de arte (como a solução formal da obra ou o
estudo de suas estruturas), ou à investigação de seus valores cognitivos intrínsecos
ou, ainda, de seus critérios semânticos. Em sua maioria, pretende-se ou pres-
supõe-se que seus modelos generalistas possam chegar a abranger todas as artes.

C o m o já constatamos anteriormente, a arte não se presta a esse essenci-


alismo universalista, na medida em que sempre volta a questionar sua própria
essência. Essa resistência c o n d i z c o m sua c o n d i ç ã o de idéia m o d e l a d a por
um sujeito (direta ou indiretamente), imersa num sistema contextual no qual,
seguindo o curso do raciocínio relativista, existem tantos domínios de valoraçã o
igualmente legítimos, c o m o diferentes classes de operações de diferenciação
que p o d e m ser feitas pelos receptores.

1 Ver Fred Forest. Manifeste pour une esthétique de la communication, in: Plus Moins Zéro, n° 43.
Bruxelas, out. 1985. (Reeditado em: Pouise Poissant [Ed.], Esthétique des Arts Médiatiques. op. cit.,
p.25-61.) O u t r o teórico da estética da c o m u n i c a ç ã o é M a r i o Costa.
A expressão estética da comunicação foi empregada no início dos anos 1980, em particular por Fred
Forest, em seu Manifeste pour une esthétique de la communication, em referência aos fenômenos
artísticos q u e empregam diferentes tecnologias (infografia, vídeo, telemática etc.). Para Forest - tam-
bém c o n h e c i d o por sua contribuição ao movimento da arte sociológica a partir dos finais dos anos
1960 -, o artista da c o m u n i c a ç ã o se transforma num tipo de arquiteto da informação, q u e incide na
modificação não só dos hábitos da percepção, mas também das atitudes do espectador, das formas de
sensibilidade e da própria interpretação da arte. A estética da c o m u n i c a ç ã o se constitui c o m o uma
reflexão sobre a natureza, a circularidade e a representabilidade das mensagens no contexto da comu-
n i c a ç ã o social contemporânea. A c o m u n i c a ç ã o é, por si mesma, produtora de realidades; o artista que
trabalha c o m os meios tecnológicos e de t e l e c o m u n i c a ç ã o torna-se um fabricante de realidades; e a
estética da c o m u n i c a ç ã o ambicion a contribuir para a apreensão dessas realidades e favorecer uma
nova c o n c e p ç ã o do mundo.

1 7 6 - CLAUDIA GIANNETTI
V i m o s , t a m b é m , q u e o s sistemas sociais h u m a n o s s e c o n s t i t u e m c o m o
redes d i a l ó g i c a s e, portanto, são sistemas de c o o r d e n a ç õ e s de o p e r a ç õ e s na
linguagem . A arte, ao produzir-se e existir nessa rede d i a l ó g i c a e no d o m í n i o
das interações entre os seres h u m a n o s e entre estes e o meio, não p o d e limitar-se
a ser um tipo " e s p e c i a l " de objeto, n e m i m p l i c a r um significado a u t ô n o m o , n e m
t a m p o u c o ser u m a forma de e x p e r i ê n c i a i n d e p e n d e n t e do observador . T o d o s os
atos da p e r c e p ç ã o encontram-se p r o f u n d a m e n t e unidos à pré-história da expe-
riência i n d i v i d u a l ou c o l e t i v a , isto é, à m e m ó r i a (do o b s e r v a d o r, da s o c i e d a d e ) ,
e são s e m p r e v a l o r a d o s e m o c i o n a l m e n t e pelo sujeito. C a d a ato de p e r c e p ç ã o é,
a l é m disso, um ato de a ç ã o virtual. 2 Esse argument o v a i contra os f u n d a m e n t o s
tanto da estética racionalista c o m o da metafísica, s e g u n d o os quais é possível
encontrar, fora do sujeito e da obra (no m u n d o natural ou real), um critério
o b j e t i v o d e v a l o r estético. 3

Q u a n d o a f i r m a m o s q u e existem diferentes d o m í n i o s d e a n á l i s e igual-


mente legítimos, a p o n t a m o s para a f u n ç ã o do o b s e r v a d o r (ou da c o m u n i d a d e )
c o m o a q u e l a q u e consiste em a p l i c a r as o p e r a ç õ e s de d i f e r e n c i a ç ã o . O obser-
v a d o r (ou a c o m u n i d a d e ) pode optar por usar qualquer um dos diferentes domínios
de v a l o r a ç ã o c o m o d o m í n i o de explicação, dependendo do critério por ele eleito.
Em outras palavras, p o d e m existir tantas definições ou análises da arte quanto s
diferentes d o m í n i o s de e x p l i c a ç õ e s sejam possíveis, já q u e estes d e p e n d e m dos
critérios de a c e i t a b i l i d a d e de c a d a o b s e r v a d o r ou c o m u n i d a d e . Disto se p o d e
c o n c l u i r q u e as definições ou e x p l i c a ç õ e s sobre a arte, seus sistemas e produtos,
n ã o p o d e m ser n e m reducionistas n e m transcendentais, p o r q u e n ã o é factível a
v e r i f i c a ç ã o de u m a ú n i c a e definitiva e x p l i c a ç ã o por n e n h u m a e n t i d a d e. Os
observadores v i v e m n u m "multiversa, isto é, em muitas e diferentes e igualmente
legítimas, porém não igualmente desejáveis, realidades explicativas e que, nessas,
um d e s a c o r d o e x p l i c a t i v o constitui um c o n v i t e à u m a reflexão responsável de
c o e x i s t ê n c i a , e n ã o u m a n e g a ç ã o irresponsável do outro". 4

C a d a d o m í n i o de e x p l i c a ç õ e s constitui um d o m í n i o de ações q u e
são a c e i t a s c o m o a ç õ e s legítimas n u m d e t e r m i n a d o d o m í n i o d o e n t o r n o d e
um observador ou de uma comunidade. D a d o que cada domínio de ações é um
d o m í n i o d e c o n h e c i m e n t o nesse d o m í n i o , c a d a d o m í n i o d e e x p l i c a ç õ e s espe-
c i f i c a u m d o m í n i o d e c o n h e c i m e n t o . O d o m í n i o d e c o n h e c i m e n t o é , desta
forma, um domínio em processo que se constitui como processo. Assim, todos
os o b s e r v a d o r e s q u e e m p r e g a m o m e s m o critério de v a l i d a ç ã o para suas expli-
c a ç õ e s o p e r a m e m d o m í n i o s c o g n i t i v o s q u e s e e n t r e c r u z a m e c r i a m , portanto,
d o m í n i o s d e e x i s t ê n c i a isomorfos.

2 Cf. Ernst Póppel. " A s estéticas cultivadas pela história da cultura não podem ser valoradas de forma
independente da maneira c o m o experimentamos nossa experiência", in: " W e n n die M a s c h i n e láuft, ist
sie nicht mehr zu reparieren", in: Florian Rõtzer (Ed.), Vom Chaos zur Endophysik. M u n i q u e : Bôer
Verlag, 1994, p.149.

3 Argumento em concordância com a c o n c e p ç ã o tradicional clássica e moderna de q u e existe um


universo objetivo externo aos indivíduos.
4 Humbert o Maturana. La realidad: iobjetiva o construída? I. Fundamentos biológicos de Ia realidad.
Barcelona: Editorial Anthropos, Universidad Iberoamericana (México, D.F.), Instituto T e c n o l ó g i co y de
Estúdios Superiores de O c c i d e n t e (Guadalajara, M é x i c o ) , 1995, p.20-21.

Estética Digital - 177


Conseqüentemente, entende-se que a arte/sistema e a estética, assim c o m o
as ciências, as religiões, as filosofias, as ideologias etc., constituem diferentes
domínios operativos de explicações e de ações da vida dos observadores, sendo
assim, domínios de c o n h e c i m e n t o segundo suas preferências operacionais. 5
Esse é o argumento principal que propomos para fazer o b j e ç ã o às teorias
que consideram que a arte é uma entidade que existe de forma independente do
observador, c o m o sustentam as ontologias transcendentais. O observador (ou a
c o m u n i d a d e ) é quem aceita ou recusa uma manifestação c o m o formulação de
um critério implícito ou explicito de aceitabilidade aplicada a partir de sua
maneira de entender. Logo, a inclusão ou não de uma obra ou ação no d o m í n i o
da arte, assim c o m o o sentido estético conferido a essa obra ou ao conjunto de
manifestações artísticas, é uma operação feita pelo observador (seja este o reali-
zador ou não da obra ou ação) ou pela comunidade. A aceitação por parte de
um grupo de observadores (de uma c o m u n i d a d e ou sociedade) desse critério
dependerá de que essa c o m u n i d a d e empregue, ou esteja disposta a empregar
ou compartilhar, para suas explicações, o mesmo critério cognitivo particular,
tenha ele um fundo estético ou esteja motivado por interesses comerciais, polí-
ticos ou de marketing (como já analisamos).
Resumindo, o domínio da arte é um domínio consensual entre os membros
de uma sociedade. Isto significa que as criações artísticas, c o m o práticas con-
textuais, estão imersas numa rede de relações socioculturais, e c o n ô m i c a s etc.
Por conseguinte, a teoria estética que professa esse tipo de enunciad o não pode
basear-se em fórmulas ou critérios ortodoxos, transcendentais, analíticos ou
reducionistas, mas deve partir de modelos amplamente processuais, contextuais e
inter-relacionais. O próprio termo "arte", sua a c e p ç ã o e seu uso fazem parte
desse sistema consensual. Essas considerações são fundamentais para se fazer
uma análise específica das manifestações artísticas baseadas nos sistemas inte-
rativos, visto que os paradigmas desse tipo de criação seriam inabordáveis de
uma perspectiva essencialista ou ontológica.

Endoestética 6 e arte/sistema interativo

Os princípios da Endofísica

Desde a década de 1980, vem-se elaborando a teoria da Endofísica. Surgida,


principalmente, a partir dos trabalhos do cientista alemão Otto E. Rõssler, que
também é um dos protagonistas no desenvolvimento da teoria do caos (hipercaos;
Atractor de Rõssler, 1976), a Endofísica parte da diferenciação entre sistemas e

5 Cf. Maturana, op. cit., p.23.


6 A primeira proposta de analisar as peculiaridades das obras de arte interativas e de RV, a partir dos
princípios propostos pela Endofísica, é formulada por Peter W e i b e l , em 1992. (Ver Peter W e i b e l . "Virtu-
elle Realitãt: Der Endo-Zugang zur Elektronik", in: Florian Rõtzer e Peter W e i b e l [Eds.]. Cyberspace -
Zum medialen Gesamtkunstwerk. Munique: Bôer Verlag, 1993, p.15-46.) As idéias em torno da Endoes-
tética aqui desenvolvidas devem seus enunciados às propostas de W e i b e l e às teorias de Otto E. Rõssler.

1 7 8 - CLAUDIA GIANNETTI
m o d e l o s , e dos p r i n c í p i o s da o b s e r v a ç ã o externa de m o d e l o s e de sistemas
internos. O centro da questão está no reconhecimento de que nós, seres humanos,
s o m o s parte d o u n i v e r s o e o b s e r v a d o r e s d e nosso m u n d o , d o q u a l s o m o s ,
n e c e s s a r i a m e n t e , partícipes. C o m o tais, n ã o temos acesso direto ao m u n d o , n e m
p o d e m o s observar, de fora, o m u n d o em q u e v i v e m o s , de m a n e i r a q u e o q u e
o b s e r v a m o s , a realidade, sempre incorpora um e l e m e n t o de subjetividade . Para
aproximar-se de forma externa a modelos de mundo, a Endofísica propõe trabalhar
c o m o e x o m o d e l o s (modelos externos) de endossistemas (sistemas internos), utili-
zando, para isto, instrumentos c o m o os c o m p u t a d o r e s .

S e g u i n d o as idéias de O t t o E. Rõssler, depois da Teoria da Relatividade, da


M e c â n i c a Q u â n t i c a , da Teoria do C a o s e das teorias da auto-organização, ocorre,
pela quinta v e z no século X X , um questionamento radical de nossa c o m p r e e n s ã o
da realidade. Há u m a linha coerente q ue vincul a as distintas fases de relativização
da o b j e t i v i d a d e em v i r t u d e da v e l o c i d a d e da luz, da o b s e r v a ç ã o e da imprevisi-
bilidade. A Endofísica se situa no final desse itinerário, na m e d i d a em q u e con-
trapõe a figura t r a d i c i o n a l do o b s e r v a d o r externo (exofísica) à do o b s e r v a d o r
interno. A questão da o b s e r v a ç ã o interna se diferencia do p r o b l e m a da depen-
d ê n c i a do observador, e n u n c i a d o na Física Q u â n t i c a , u m a v e z q u e nesta o pro-
b l e m a da m e d i d a é a i n d a e n t e n d i d o c o m o objetivo, e n q u a n t o q u e na Endofísica
o o b s e r v a d or interno é, no sentido exato, constitutivo. A relativização e a depen-
d ê n c i a do observado r torna-se, assim, mais radical ainda. A Endofísica demonstra
em q u e m e d i d a a r e a l i d a d e o b j e t i v a d e p e n d e , necessariamente, do o b s e r v a d o r.

S e g u n d o Rõssler, a partir do d e s e n v o l v i m e n t o da perspectiva no Renas-


c i m e n t o e da teoria de G r u p p e n , no sécul o X I X , s a b e m o s q u e as a p a r ê n c i a s do
m u n d o d e p e n d e m da l o c a l i z a ç ã o do observador, no sentido da co-distorção. A
m u d a n ç a de p o s i ç ã o do o b s e r v a d o r influencia, diretamente, o ponto ou â n g u l o
d e o b s e r v a ç ã o . N a Endofísica, o n o v o p r i n c í p i o d e c o v a r i â n c i a i n d i c a q u e " o s
m o v i m e n t o s dentro do o b s e r v a d o r transformam o m u n d o " . Isto i m p l i c a q u e a
pretensão de c o n s e g u i r u m a d e s c r i ç ã o c o m p l e t a do m u n d o só é possível a partir
de u m a s i t u a ç ã o fora do m u n d o . P o r é m , essa p o s i ç ã o exterior ao m u n d o só é
factível n u m m o d e l o de m u n d o , e não na realidade mesma. A Endofísica propõe,
para isto, u m a teoria da s i m u l a ç ã o e do m o d e l o .

O t t o E. Rõssler r e v e l a q u e a idéia para a i n v e s t i g a ç ã o da E n d o f í s i c a


surgiu-lhe por c a s u a l i d a d e , lendo os escritos q u e se c o n s e r v a r a m de dois livros
sobre Física do filósofo pré-socrático Anaxágoras . Neles, o filósofo d e s e n v o l v e
u m a i m a g e m de m u n d o na q u al um espírito {nous) externo ao m u n d o é o ú n i c o
q u e p o d e c o n t r o l a r o c a o s interno, e n q u a n t o q u e "todas as outras coisas c o n t ê m
umas as outras". Na Física clássica, acreditava-se q u e o o b s e r v a d or estava na
p o s i ç ã o desse " e s p í r i t o ". P o r é m , isto é impossível, já que, ao sermos parte do
m u n d o q u e observamos, não p o d e existir um superobservador. A única maneira
q u e p o d e m o s encontra r para adotar essa p o s i ç ã o é a partir da c r i a ç ã o de u m a
interface entre o o b s e r v a d o r e o objeto (o resto do m u n d o ) , de forma q u e um
esteja na m e s m a posição q u e o outro, ainda qu e n ã o sejam idênticos. No entanto,
por d e f i n i ç ã o , essa interface é inacessível no interior de nosso m u n d o . O acesso
a essa interface só é possível n u m mundo simulado, um modelo de mundo como, por
e x e m p l o , um m u n d o artificial c r i a d o no c o m p u t a d o r . A Endofísica se apresenta,

Estética Digital - 179


assim, c o m o uma expansão das ciências naturais. No "universo" gerado no com-
putador, o observador pode adotar uma posição fora do universo não-trivial e
conseguir uma descrição completa do mesmo.
C o m o antecedentes da Endofísica, Rõssler cita as teorias do físico James
Clerk M a x w e l l e do filósofo da ciência Karl R. Popper. O primeiro elaborou, no
século XIX, a idéia do " d e m ô n i o " que se encontraria fora do sistema termodinâ-
mico; já Popper defendia a impossibilidade de uma auto-observação completa
na Física, considerada por ele c o m o determinista, e propunha uma formulação
no estilo de G õ d e l para a mecânica quântica.
Mas, desde a época de M a x w e l l algo mudou. O motivo disto, segundo
Rõssler, não se encontra numa nova psicologia ou numa potencialização do
experimento ou, ainda, na ampliação dos conhecimentos matemáticos, mas no
aparecimento do computador. " U m século atrás, só c o m uma grande porção de
fantasia poderia-se imaginar um operador externo ao mundo cinético: só um
demônio poderia impugnar a segunda lei da termodinâmica desde fora. H o j e, a
partir do descobrimento da simulação dinâmico-molecular realizado por Aider
e W a i n w r i g h t (que c o l o c a r a m pela primeira v e z bolas de bilhar num compu-
tador), desapareceu completamente qualquer suspeita de magia." 7
D a v i d Finkelstein, físico norte-americano que desenvolveu o programa
para a Física holística, mas discreta, ofereceu, em 1983, o exemplo explícito de
um autômato finito (computador), cujo estado interno era diverso do existente
objetivamente. Finkelstein propôs, então, as definições de "Exofísica e Endofí-
s i c a " para separar, respectivamente, a "Física de fora", da "Física de dentro",
criando o termo Endofísica.

Na mesma época, Edward Fredkin, especialista em engenharia eletrônica,


descreveu o primeiro modelo de universo explícito simulado por computador:
um autômato celular de tipo reversível. Esse universo se c o m p õ e unicamente de
informação. Construí-lo de uma forma concreta significa, também, determinar
todas as suas propriedades. A partir desse ponto, pode gerar propriedades mate-
riais por si mesmo, internamente. A idéia de Fredkin consiste em que, no nível
mais fundamental, o autômato descreve as formas de movimento do mundo
físico, porque nesse nível o universo é um autômato celular em três dimensões.
O m u n d o é, para Fredkin, um gigantesco reticulado celular, que consiste em
elementos fundamentais ou unidades lógicas, cada um dos quais calcula, em
nível completamente local, seu estado no próximo picossegundo em função dos
estados das células vizinhas. A informação processada nesse nível básico é a
sustância que forma a matéria e a energia da Física. No universo (simulado) de
Fredkin, um elétron não é nada mais que uma forma de informação, e um
elétron em trajetória é uma forma que se " m o v e " . Na realidade, não se move,
simula apenas mover-se, porque o movimento é tão virtual c o m o o próprio uni-
verso simulado. Claus Emmeche, biólogo dinamarquês, propõe uma pergunta-
c h a v e sobre essa forma de mundo simulado, a partir da qual nos confrontamos
c o m o problema do observador interno e do observador externo.

7 Otto E. Rõssler. Endophysik. Die Weltdes inneren Beobachters. Berlim: M e r v e Verlag, 1992, p.130.

180 - CLAUDIA GIANNETTI


Se o universo é, de fato, um autômato e as leis naturais são seu software, então
sempre estaremos impedidos de saber como é o hardware. Visto que no universo de
Fredkin, nós mesmos seríamos meta-entidades virtuais de um programa cósmico,
nunca saberíamos nada sobre a máquina primária.8

Rõssler r e c o n h e c e que, de um ponto de vista endofísico, a o b s e r v a ç ã o


perfeita é um p r o b l e m a .

Por exemplo, num modelo de mundo físico, as trajetórias microscópicas de todas


as partículas de mesma cor contidas no observador, possivelmente não podem ser
percebidas a partir de uma observação macroscópica. Seria necessário um supe-
robservador, que, por sua vez, também necessitaria outro superobservador, até
chegar a um observador "completo" que pudesse se auto-observar integralmente.9

Isto é, de u m a perspectiva interna, exigir u m a d o c u m e n t a ç ã o c o m p l e t a é


n ã o só i m p r a t i c á v e l c o m o n ã o faz n e n h u m sentido.

Se as partículas são realmente equivalentes no que diz respeito a todas as pro-


priedades individuais, então não é preciso saber, de forma endofísica, qual é
qual. Não existe nenhuma situação imaginável na qual a substituição de uma por
seu clone transformaria qualquer resultado. Este é o argumento da simetria.' 0

Os elementos centrais da investigação da Endofísica são, por conseguinte,


o observador e a interface. R e c o n h e c e r o protagonismo do observador em seu
contexto é o requisito básico para dilatar as fronteiras q u e limitam nosso próprio
m u n d o . Isto significa reconhecer q u e a realidade objetiva é u n i c a m e n t e o lado
interior (endo) de um m u n d o exterior (exo). A possibilidade de construir modelos
de m u n d o q u e c o n t e n h a m um observador interno explícito e q u e possam ser
m o d e l o s de m u n d o de nfvel inferior gerados pelo c o m p u t a d o r tem a vantage m de
q u e um m u n d o artificial não é obrigado a seguir o m o d e l o de universo completa-
mente realista. Esse método de modelos de m u n d o oferece a possibilidade funda-
mental de introduzir-se para a l é m da interface, entre o observador e o m u n d o
("dar u m a espiada por detrás da cortina", c o m o diz Róssler). Isto nos permite
entender, parcialmente, as distorções peculiares a toda o b s e r v a ç ã o no contexto
de nosso próprio m u n d o . N u m m u n d o simulado dessa maneira, a princípio os
observadores internos p o d e m ter acesso a determinadas a ç õ e s e intervenções e
p o d e m tirar c o n c l u s õ e s dos seus resultados para seu próprio m u n d o . O q u e tenta
demonstrar O t t o E. Rõssler é que, ainda q u e as atuais c a p a c i d a d e s dos computa-
dores n ã o sejam suficientes para gerar um tipo de o b s e r v a d o r ( c o m o u m a estru-
tura dissipativa, m a c r o s c o p i c a m e n t e irreversível e temporal) por m e i o de u m a
s i m u l a ç ã o m i c r o s c ó p i c a, esses meta-experimentos não são meros "jogos mate-
máticos" e pressupõem u m a m u d a n ç a importante de mentalidade.

8 Claus Emmeche. Vida simulada en ei ordenador. Barcelona: Gedisa, 1998, p.141.


9 Otto E. Rõssler, op. cit., p.62.
10 Ibidem, p.63.

Estética Digital - 181


A pergunta primordial da Física passaria a ser: c o m o se mostra o univer-
so e x p l i c i t a m e n t e m a t e m á t i c o , se o b s e r v a d o de dentro?

Dito de uma maneira mais precisa, se perfilam duas questões: (1) Existem proprie-
dades externas que são acessíveis de dentro? (Pergunta de Gõdel.) (2) Existem
propriedades internas válidas, que não estão presentes se o mesmo sistema é
observado de fora?"

Às duas perguntas é preciso v i n c u l a r duas constatações: q u e a autêntica


r e a l i d a d e é diferente d a q u e l a q u e a nós se apresenta; e q u e as v e r d a d e s diver-
g e m entre si de a c o r d o c o m suas origens, de dentro ou de fora (esse p r i n c í p i o
generaliza, de certa forma, o programa m a t e m á t i c o de C õ d e l ) .

O mundo, que parece um sistema de realidade virtual no qual não há uma saída
de emergência, só pode ser observado de dentro. Contudo, podem-se gerar mundos
de nível inferior no computador, nos quais a interface entre observador explícito
e o resto de seu mundo pode ser investigada explicitamente. 12

Essa i n v e s t i g a ç ã o s e d e f i n e c o m o meta-experimento, o u e x p e r i m e n t o
n u m a segunda esfera, b a s e a d o inteiramente na d i f e r e n c i a ç ã o entre exo e endo.

A m u d a n ç a conceituai implícita na teoria da Endofísica suscita, sem dúvida,


problemas de aceitação no seu âmbito correspondente. O próprio Rõssler confirma
q u e a Física ainda não se recuperou da c o m o ç ã o provocada por Niels Bohr quando,
nos anos 1930, utilizou a n o ç ã o de c o m p l e m e n t a r i d a d e para afirmar q u e a vali-
d a d e de u m a d e s c r i ç ã o física era limitada q u a n d o se tratava de entender a vida ou
a c o n s c i ê n c i a ; em outras palavras, q ue não se pode esperar, a princípio, uma
descritibilidade do m u n d o independente do observador. A c o m p l e m e n t a r i d a d e é
uma propriedad e do m u n d o em todos os níveis, não só no da Física:

O que Bohr provavelmente tinha diante de si era uma vaga visão do princípio de
Gõdel, quatro anos antes que Gõdel. (...) Von Neumann, Popper e Finkelstein
tentaram tirar as primeiras conseqüências disto. O princípio decididamente novo
é o da introdução do observador num modelo de mundo reversível. O observa-
dor generalizado de Bohr - a sociedade cientifica, que se entendia numa lingua-
gem natural, utilizando termos clássicos e evidentes - é substituído pelo obser-
vador individual. (...) Esse é o ponto que diferencia o novo modelo de Física
(aqui) formulado, da antiga Física.13

RV, IA e VA: estéticas da simulação como endossistemas

A r e l a ç ã o t r a d i c i o n a l e n t r e o o b s e r v a d o r e a o b r a de arte b a s e o u - s e
na existência i n d e p e n d e n t e de a m b o s e no p o s i c i o n a m e n t o c o n t e m p l a t i v o do

11 Otto E. Rõssler, op. cit., p.97.


12 Ibidem, p.117.
13 Ibidem, p.174.

182 - CLAUDIA GIANNETTI


sujeito frente ao o b j e t o artístico. Para sustentar essa c o n d i ç ã o , a estética se
c i r c u n s c r e v e u aos pressupostos o n t o l ó g i c o s (que c o n f e r e m à obra u m a f u n ç ã o
de v e r a c i d a d e ) e restringiu a essência do nexo o b s e r v a d o r - o b ra à f r u i ç ã o ou
prazer estético. O p r i m e i r o passo no sentido de desarticular essa rígida polari-
d a d e entre sujeito e o b j e t o é d a d o pela arte participativa, q u e c o m e ç a a se
desenvolver a partir da d é c a d a de 1950.

No entanto, as obras participativas, c o m o as de arte cibernética, estavam


construídas de maneira extrínseca. O observador estava situado fora do sistema e os
dispositivos de inpute output e r a m controlados por e l e do exterior. Os conceitos-
c h a v e se l i m i t a v a m aos de controle e retroalimentação, e n t e n d e n d o o controle
c o m o a u t i l i z a ç ã o de d a d o s para intervir no sistema do exterior e regulá-lo,
e n q u a n t o o f e n ô m e n o de r e t r o a l i m e n t a ç ã o seria i n e r e n t e à m á q u i n a e estaria
b a s e a d o na n o ç ã o de aprendizagem, isto é, a informação q u e procedia das pró-
prias o p e r a ç õ e s da m á q u i n a para mudar os métodos gerais e a forma de atividade.

B u s c a r a p a r t i c i p a ç ã o intrínseca do espectador na obra passou a ser u m a


das linhas importantes de investigaçã o no â m b i t o da media art. A m u d a n ç a
p r i m o r d i a l se d e u c o m o surgimento de sistemas de v i s u a l i z a ç ã o da i n f o r m a ç ã o
digital e imersã o na i m a g e m , c o m o b j e t i v o de p r o p i c i ar um m a i o r feedback ou
r e l a ç ã o de i n t e r d e p e n d ê n c i a entre o o b s e r v a d o r e o sistema. Em 1956, o artista
M o r t o n H e i l i g construiu o Sensorama, q u e consistia n u m protótipo em f o r m a de
c a b i n e de c i n e m a multisensorial e em 3D para u m a pessoa e que, a i n d a q u e n ã o
dispusesse de c o m p u t a d o r , possuía v i s ã o b i n o c u l a r do f i l m e e p r o p o r c i o n a v a
sensações táteis e olfativas ao usuário. S e u interesse estava na investigaçã o das
possibilidades de transportar o espectador para dentro do f i l m e e e x p a n d i r as
formas de expressão artísticas, trabalhand o c o m os diferentes sentidos humanos.
H e i l i g p r o d u z i u c i n c o filmes para o Sensorama, sendo q u e o m a i s c o n h e c i d o é
a v i a g e m de m o t o c i c l e t a através de N o v a York. A idéia básica de Sensorama era
" i n t r o d u z i r " o e s p e c t a d o r na i m a g e m e torná-lo participante da m e s m a .

Em 1967, W a l t e r Pichler criou o TV-Helm, a n t e c i p a n d o o uso do c a p a c e t e


de v i s u a l i z a ç ã o de R V , e e s t a b e l e c e u as bases precursoras dos c o n c e i t o s em
torno do emprego artístico desse sistema. O TV-Capacete de Pichler enfatizava, além
disso, a m u d a n ç a p a r a d i g m á t i c a em r e l a ç ã o ao p o s i c i o n a m e n t o do espectador,
já q u e e s t a b e l e c i a um estreito v í n c u l o entre o sujeito e a perspectiva da obra.

A i n t e n ç ã o de P i c h l e r era transformar o sujeito n u m o b s e r v a d o r interno


do sistema. Isto era possível na m e d i d a em q u e o sistema e n v o l v i a completa-
m e n t e seu c a m p o de v i s ã o e p e r c e p ç ã o . A obra c o l o c a v a em prática a conver-
g ê n c i a , n u m m e s m o e s p a ç o artificial e n v o l v e n t e (fechado), entre o sistema de
r e p r o d u ç ã o de imagens e o o l h ar do observador .

A fusão definitiva é a l c a n ç a d a a partir da e l a b o r a ç ã o de programa s de


a n i m a ç ã o interativos, feitos para serem v i s u a l i z a d os em monitor - c o m o o q u e
C h a r l e s Csuri c r i o u em 1970, e q u e foi p e n s a d o para ser e m p r e g a d o artistica-
mente (as imagens p o d i a m ser m a n i p u l a d a s por m e i o de um lápis ó p t i c o) -, e do
a p e r f e i ç o a m e n t o dos c a p a c e t e s de v i s u a l i z a ç ã o e s t e r e o s c ó p i c a - c o m o o Head-
Mounted Display (Sutherland, 1966-70) e o VIEW-System (Virtual Interface
Environment Workstation), que vem sendo pesquisado desde 1985.

Estética Digital - 183


Figura 17 - Fleischmann, Bohn, Strauss, Liquid Views or The Virtual Mirror of Narcissus, 1993

Figura 18 - Fleischmann, Bohn, Strauss, Liquid Views or The Virtual Mirror of Narcissus, 1993, diagrama
de instalação

1 8 4 - CLAUDIA GIANNETTI

k
Segundo Scott S. Fisher, que junto c o m outros membros do A m e s Research
C e n t e r da N a s a t r a b a l h o u nesse projeto, o o b j e t i v o era criar um n o v o tipo de
interface q u e se aproximass e o m á x i m o possível das c a p a c i d a d e s sensorials e
c o g n i t i v a s dos seres h u m a n o s . O VIEW-System dá um passo importante para a
imersão do e s p e c t a d or nas imagens virtuais tridimensionais geradas pelo com-
putador e seu c o n d i c i o n a m e n t o ao m o v i m e n t o e à v o z do interator. Este p o d e
olhar, em arcos de c i r c u n f e r ê n c i a de 3 6 0 graus, o entorno o r i g i n a d o artificial-
m e n t e e m a n i p u l a r , pelo uso de dispositivos adaptados ao corpo, os objetos
virtuais existentes nesse e s p a ç o sintético. 14 A idéia de participação extrínseca do
p u b l i c o na obra c e d e e s p a ç o ao c o n c e i t o de participação intrínseca ou de intera-
tividade: obra e interator se e n c o n t r a m n u m a r e l a ç ã o de i n t e r d e p e n d ê n c i a .

Essas propostas de t r a n s f o r m a ç ã o do o b s e r v a d o r em interator interno,


que participa num m o d e l o de m u n d o construído artificialmente, j o g a m c o m a
idéia (ou s i m u l a c r o ) d e q u e a pessoa p o d e introduzir-se a l é m d a i n t e r f a c e
h u m a n o - m á q u i n a (o q u e Rõssler interpretava c o m o " d a r u m a espiada por detrás
d a c o r t i n a " ) . N e s s e t i po d e m u n d o s i m u l a d o , d e e n d o s s i s t e m a, o o b s e r v a d o r
interno move-s e e m d u a s r e a l i d a d e s : a r e a l i d a d e d e sua c o n s c i ê n c i a d e q u e
p a r t i c i p a de um j o g o de s i m u l a ç ã o , e a r e a l i d a d e de sua p e r c e p ç ã o q u e lhe
i n d i c a q u e sua p r e s e n ç a e c o n d u t a t ê m i n f l u ê n c i a ativa n o m u n d o artificial, d e
f o r m a q u e as distorções p e c u l i a r e s à sua o b s e r v a ç ã o se refletem e se p r o d u z e m
no a m b i e n t e no q u a l se e n c o n t r a imerso. A estética da s i m u l a ç ã o soma-se,
nesse t i po de o b r a s interativas, a e n d o e s t é t i c a : o interator d e s e m p e n h a u m a
f u n ç ã o dentro da obra, compartilha uma experiência espaço-temporal no
interior do sistema; a obra se apresenta c o m o u m a s i m u l a ç ã o de m u n d o pecu-
liar, como um endossistema.

D e p e n d e n d o do grau de i d e n t i f i c a ç ã o e e n v o l v i m e n t o do interator no
sistema, p o d e se passar de u m a interatividade ou s i m u l a ç ã o débil - c o m o , por
x e x e m p l o , a da i m a g e m fictícia c o m o c o n s t r u ç ã o i n t e n c i o n al de estruturas q u e
tem u m a experiência real limitada, ou a dos jogos, nos quais o interator m a n t é m a
c o n s c i ê n c i a da não-veracidade -, a u m a s i m u l a ç ã o forte ou f i c ç ã o inconsciente,
na q u a l o o b s e r v a d o r n ã o p o d e diferenciar a r e a l i d a d e da f i c ç ã o , e x p e r i ê n c i a
q u e p o d e ser v i v e n c i a d a i s o l a d a m e n te ou ser c o m p a r t i l h a d a por outros observa-
dores q u e s e e n c o n t r e m n o m e s m o e s p a ç o f i c c i o n a l .

Q u a l q u e r a p r o x i m a ç ã o à estética da s i m u l a ç ã o e à endoestética, próprias


da arte interativa, d e v e toma r em c o n s i d e r a ç ã o o fato de q u e q u a n d o f a l a m o s de
m u n d o s artificiais, realidades virtuais, m o d e l o s d e m u n d o etc., n ã o p o d e m o s
nos referir a u m a c o n s t r u ç ã o q u e se p r o d u z " f o r a " de nosso sistema c o g n i t i v o e
de nossa c o m p r e e n s ã o e r e l a ç ã o c o m o m e i o (possível ou real), pois os refe-
rentes c o n t i n u a m s e n d o os nossos referentes socioculturais e cognitivos. T a l v e z
u m a parte da problemática em torno da RV encontre-se no próprio termo, pois e l e
insinua a p o s s i b i l i d a d e da existência de um m u n d o paralelo, sem n e n h u m a refe-
rência ao m u n d o em q u e v i v e m o s . Visto q u e as construções de nossas histórias

14 Cf. Scott S. Fischer. " W e n n das Interface im virtuellen verschwindet", in: Manfred W a f f e n d e r (Ed.).
Cyberspace - Ausfliige in virtuelle Wirklichkeiten. Hamburgo: Rowohlt, 1991.

Estética Digital - 185


são atividades sempre plurais que se baseiam nos processos de seleção de dados
da memória e de (re)interpretação a partir da própria experiência, conhecimento
e interesse, o ato de historiar não consiste numa reprodução completa e imparcial
do passado - o que por si seria impossível mas na composiçã o de uma nova
visão tanto da experiência passada a partir de fragmentos, c o m o da compreensão
e da c a p a c i d a d e interpretativa do observador. Algo semelhante se produz na
construção das realidades artificiais, nas quais intervém nossa experiência do
mundo - que é a fusão dos reflexos, por meio da linguagem, de nossas vivências -, a
seleção e a condensação de dados ou conhecimentos do passado, aplicados no
presente, e nossa c a p a c i d a d e de gerar novos dados a partir do imaginário.
Um bom exemplo é a obra Liquid Views or The Virtual Mirror of Narcissus,
de M o n i k a Fleischmann, Christian A. Bohn e W o l f g a n g Strauss, de 1993. 15 A
partir do mito de Narciso, os artistas se v a l e m das metáforas do espelho - o n d e
o observador se confronta consigo mesmo - e da fonte c o m o representação do
universo digital. Ao se aproximar e olhar na superfície líquida da água (a imagem
na tela imita o efeito da o n d u l a ç ã o da água numa fonte), o observador vê sua
imagem refletida, inserida numa cena virtual. Ao tocar a superfície da água (na
tela tátil), o interator provoca ondas que distorcem seu reflexo (o programa do
computador muda simultaneamente, por meio do morphing, a forma de repre-
sentação da imagem do observador capturada da realidade através de uma
c a m e r a de vídeo), acompanhadas de seu respectivo som aquoso. A progressiva
intervenção do interator acentua a distorção, mas, depois de um certo tempo
sem tocar a superfície, a água se acalma e volta a ser um espelho líquido. A
interface do espelho-tela pode ser interpretada, assim, c o m o uma plataforma de
inserção do m u n d o real no m u n d o virtual, um jogo da i m a g e m dentro da
i m a g e m . P e l o caráter envolvente da instalação, a interface não é percebida de
maneira consciente como tal - se faz transparente como a água -, de maneira que
se produz uma interação ou simulação forte, em que os observadores compar-
tilham os mesmos espaços real e virtual e confundem, sensorialmente, ambos os
contextos. A imagem real do observador reproduzida na imagem ficcional do
espelho-tela remarca a dualidade existente entre a observação do m u n d o e de si
mesmo na realidade refletida de uma superfície (simulacro de uma fonte-espelho
assimilado c o m o real) e a imersão sensorial no entorno virtual da tela de com-
putador. Essa dualidade correspondente aos diferentes níveis de realidade ( exo
e endo) revela, de forma significativa, o duplo jogo da endoestética.

Esse e outros exemplos já enunciados no quarto capítulo ajudam-nos a


compreender e interpretar melhor as transformações conceituais que comporta
a prática da endoestética propiciada pela utilização, na arte, dos sistemas inte-
rativos de R V , IA e V A , entendidos c o m o dispositivos para a c r i a ç ã o de reali-
dades ou ambientes virtuais vivenciáveis internamente pelo interator, ou c o m o
mecanismos que geram histórias paralelas, exo-realidades.

Is Cf. M o n i k a F l e i s c h m a n n e W o l f g a n g Strauss. " I m a g e s of the B o d y in the H o u s e of I l l u s i o n " , in:


L. M i g n o n n e a u e C. S o m m e r e r (Eds.). Art @ Science, op. cit., 1998, p.133-147; " D i g i t a l e M u s e
internet?", in: V V . A A . , Perspektiven der Medienkunst. Karlsruhe, Ostfildern : ZKM/Cantz Verlag,
1996, p.115-116.

1 8 6 - CLAUDIA GIANNETTI
Os meios eletrônicos, em seu conjunto, representam a tentativa do ser humano
de simular, no interior de seu universo, uma evasão para fora do universo. Os
mundos mediáticos são mundos artificiais e modelos de mundos criados pelo ser
humano, que deixam claro que este só é um observador interno no mundo, mas
que, nos mundos mediáticos, pode ser um observador interno e externo simulta-
neamente. (...) Neste mundo é possível, pela primeira vez, estabelecer uma
comunicação entre o observador interno e o externo, entre o mundo interno
(endo) e o externo (exo).16

P a r a l e l a m e n t e ao i n c r e m e n t o da a p l i c a ç ã o , em arte, dos sistemas de R V ,


IA e V A , se d e s e n v o l v e m diferentes m é t o d o s de a n á l i s e das obras interativas.
U m a das t e n d ê n c i a s mais c o n h e c i d a s ocupa-se d o m e c a n i s m o estrutural, subes-
t i m a n d o contextos e interatores. Refere-se, i n v a r i a v e l m e n t e , a c o m o se p r o d u z a
interatividade entre usuário e i m a g e m , de c o m o atua o sistema de controle,
c o m o i n t e r v ém a interface, c o m o se g e r a m as obras, c o m o se c o n t r o l a m , c o m o
i n d u z e m a a ç ã o etc. Centra-se, enfim, em aspectos r e l a c i o n a d o s c o m o d e s e n h o
da estrutura. S e g u n d o essa posição, a teoria d e v e explicar o m o d o c o m o se
c o n s t r o e m , o r g a n i z a m , f u n c i o n a m e utilizam as t e c n o l o g i as e os sistemas, para
fazer inferências ou controlar ações. Logo, dentro dessa linha de a r g u m e n t a ç ã o ,
o " c o m o " torna-se mais essencial q u e o " q u ê " .

C o n t u d o , tanto para a reflexão estética no c a m p o da arte/sistema intera-


tiva, c o m o para a v a l o r a ç ã o dos recursos t e c n o l ó g i c o s , e n t e n d e m o s q u e o inte-
resse central d e v e recair sobre q u e tipo de i n f o r m a ç ã o e c o m u n i c a ç ã o se está
o r i g i n a n d o e quais são os conteúdos e a estética das mesmas. Em outras palavras,
por e x e m p l o , em sistemas de R V , não basta criar obras q u e se limitem a repro-
duzir, de forma a u d i o v i s u a l e espetacular, fragmentos de nossas realidades. O
a l c a n c e desses dispositivos - q u e i n c i d e m na estética da s i m u l a ç ã o - está con-
d i c i o n a d o a sua c a p a c i d a d e de originar a m b i e n t e s suficiente e q u a l i t a t i v a m e n t e
consistentes, c o m o para gerar c o n t e ú d o s v i v e n c i á v e i s , d e f o r m a c o g n i t i v a e
plurissensorial, p e l o s seres h u m a n o s .

A q u e l e s sistemas o u o b r a s d e R V e I A q u e n ã o a p o s t a r e m nessa s o l u ç ã o
c o n t i n u a r ã o m a i s p r ó x i m o s ( a i n d a q u e t e c n o l o g i c a m e n t e m a i s a v a n ç a d o s ) dos
panoramas, cosmoramas , dioramas, fotoramas, teatroscópios ou cineramas
q u e d o p r e t e n d i d o " c i b e r e s p a ç o " . 1 7 C o n t i n u a r ã o , c o m o seus m o d e l o s prece-
dentes, m a i s p r ó x i m o s da idéia de " v i a g e m c o m os o l h o s " a r e a l i d a d e s exis-
tentes r e p r e s e n t a d a s - c o m o os p a n o r a m a s l o n d r i n o s do s é c u l o X V I I I e X I X e
suas diferentes viagens simuladas 1 8 -, qu e dão a sensação de imersão em outras

16 Peter W e i b e l . " R e a l i d a d Virtual: el endoacceso a Ia electrónica", in: Claudia Ciannetti (Ed.). Media
cultura. Barcelona: A C C 1'Angelot, 1995, p.19.
17 Entre os séculos XVIM e X I X se desenvolveu uma série de espaços de simulação em forma de panora-
mas (Robert Barker, 1787-1791); cosmoramas (Raoul Crimoin-Samson, 1897); dioramas (Daguerre,
1822); stereopticon e fotoramas (Charles A. Chase, 1894; Lumière, 1900); teatroscópios (Alfred Bréard,
1900); ou cineramas (Raoul Crimoin-Samson, 1900).

" Os panoramas ofereciam imagens montadas em forma circular em tamanho real e em perspectiva,
que s i m u l a v a m passeios por paisagens de P l y m o u t h (1 797), Constantinopla (1801), Roma (1803),
Gibraltar (1805), N e p a l (1820) etc.

Estética Digital - 187


experiências virtuais. De uma certa maneira, as produções artísticas mais recentes
d e m o n s t r a m uma clara p r e o c u p a ç ã o - ainda q u e os resultados não sejam
totalmente satisfatórios - por prover os sistemas interativos baseados em sistemas
de RV e IA de estruturas tão complexas, plurissensoriais e múltiplas, q u e
possam ser experimentadas pelo interator como reais e irreais ao mesmo tempo e
das quais o p ú b l i c o possa inferir conteúdos consistentes do ponto de vista
c o n c e i t u a i ou sensorial.

N u m ambiente interativo, no qual o observador pode interferir c o m o


emissor e manipular as informações audiovisuais existentes ou originar novas
informações, a significação e a efetividade da obra estão condicionadas tanto à
atuação do interator c o m o ao desempenho do sistema. V i m o s que os computa-
dores não p o d e m f u n c i o n a r totalmente c o m o interlocutores n u m a comuni-
c a ç ã o c o m seres humanos. No entanto, para que se possa estabelecer um diálogo
- ainda que fictício - entre interator e sistema, este d e v e simular a c a p a c i d a d e
do usuário de "assimilar" as mensagens. O interator acredita poder controlar o
sistema ou comunicar-se c o m ele, ainda que tenha consciência de não entender
o modo c o m o o faz. A ilusão de ser partícipe no sistema interativo baseia-se,
principalmente, na estratégia da obra de dissimular o grau real de diálogo
humano-máquina, ou a própria existência do mesmo por meio de interfaces
implícitas. Contudo, isto não pode ser considerado c o m o regra geral, já que,
c o m o vimos em exemplos anteriores, determinados artistas elegem estratégias
que consistem em utilizar interfaces explicitas que não dissimulam os limites da
interação humano-máquina.

A interação, quer explícita ou simulada, reclama uma estruturação aberta


e contingente da obra, o que indica o predomínio do processo sobre as concepções
material, objetual e concluída, próprias da estética ontológica. Aos paradigmas
estéticos idiossincráticos das obras interativas - a virtualidade, a variabilidade,
a contingência, a mutabilidade e a simulação - podemos adicionar as seguintes
noções provenientes da Endofísica, que descrevem e definem o m u n d o intera-
tivo, virtual e endoestético dos meios eletrônicos de RV, IA e V A : são meta-
experimentos que possuem lados internos (endo) e externos (exo); são modelos
de mundo; baseiam-se na interface; podem ter diferentes níveis de realidade
(por exemplo, exo e endo); e suas operações internas se adaptam à distorção da
perspectiva (ou atuação) do observador,' 9

P o r t a n t o , da m e s m a forma q u e a E n d o f í s i c a, a Endoestética trata dos


m u n d o s a r t i f i c i a is b a s e a d o s n a interface, nos q u a i s p o d e m o s p a r t i c i p a r
(endo) e o b s e r v a r (exo) ao m e s m o t e m p o . C o m essa d u p l a a t u a ç ã o do inte-
rator n u m u n i v e r s o s i m u l a d o se p o d e m explorar as p r o p r i e d a d e s de nosso
m u n d o . " U m a n o v a t e c n o l o g i a q u e , a o c o n t r á r i o d e todas a s outras c o n h e -
c i d a s , n ã o só m u d a algo no m u n d o , mas o próprio mundo, se r e v e l e c o m o
uma possibilidade cognitiva."20

19 Cf. Peter W e i b e l (1995), op. cit.


20 Otto E. Rõssler. Das Flammenschwert. Berna: Benteli Verlag, 1996, p.35.

1 8 8 - CLAUDIA GIANNETTI
Figura 19 - Peter W e i b e l , Die Wand, der Vorhang (Grenze, die), Fachsprachlich Auch: Lascaux
[A Parede, o Telão (Limites, os), em Linguagem Técnica Também: Lascaux], 1994

A Endofísica como modelo estético

U m a obra paradigmátic a para a c o m p r e e n s ã o das idéias endoestéticas


de observador interno e observador externo n u m sistema s i m u l a d o é Die Wand,
der Vorhang (Grenze, die), Fachsprachlich Auch: Lascaux [A Parede, o Telão
(Limites, os), em Linguagem Técnica Também: Lascaux], instalação interativa
de Peter W e i b e l , de 1994. No espaço da instalação, uma m a c r o p r o j e ç ão repro-
duz a i m a g e m digital de um m u r o de tijolo. U m a c â m e r a de v í d e o capta a figura
do espectador no m o m e n t o em q u e ele entra no espaço da obra. Os movimentos
do espectador gravados pela câmera são transmitidos ao computador e traduzidos

Estética Digital - 189


"èm seqüências de sinais digitais que atuam sobre a imagem do muro, e a trans-
formam. Desta maneira, a figura do espectador (seu contorno) é introduzida na
projeção, c o m o se estivesse prensada contra a parede por fora. A pressão (simu-
lada) do observador sobre o muro provoca a respectiva distorção de sua imagem
de acordo c o m o contorno do interator. O interator torna-se parte da imagem, o
que demonstra que ele provoca, no sistema interativo artificial do qual participa,
a mesma distorção que um observador produz na realidade.

Esse tipo de virtualidade baseia-se no que W e i b e l denomin a fenômeno


arco-íris. Um arco-íris pode ser fotografado. No entanto, não se lhe pode fazer
uma estereofotografia, sobretudo se ambas as câmeras estão situadas a longa
distância uma da outra para conseguir um efeito estereoscópico de alta qualidade.
U m a pessoa pode ver um arco-íris na natureza, pode, inclusive, fotografá-lo,
porém não pode reproduzi-lo tridimensionalmente, porque, na verdade, sua
natureza não é objetiva.

Um exemplo de obra que evidencia esse fato é Simulation Room-Mosaic


of Mobile Data Sounds, uma instalação interativa realizada em 1993 pelo grupo
interdisciplinar KR+cF (Knowbotic Research). A instalação ocupa três espaços:
um real, em cujo interior é gerado um segundo espaço virtual por meio de um
modelo sonoro. O terceiro espaço é de controle e visualização. O interator usa
um private eye (um minimonitor que é c o l o c a d o diante dos olhos e que emite
informações visuais enviadas à distância) para auxiliar na sua orientação e
n a v e g a ç ã o no espaço virtual, bem c o m o um sistema de rastreio espacial ( space-
tracking)i, que permite que se mova pelo espaço real, equipado c o m uma série
de alto-falantes. O espaço real funciona c o m o uma espécie de banco de dados
sonoros, que simula as regras de um organismo complexo que se reestrutura,
continuamente, por meio de um sistema de auto-organização. Desta forma, o
espaço real se transforma em virtual para o espectador. Os dados sonoros (decla-
rações de pessoas c o m estruturas sonoras individuais) são recebidos por meio
da rede telemática, provenientes das mais diversas partes do mundo. Pequenos
fragmentos acústicos (como grupos que compartilham as mesmas características
sonoras) e suas características estabelecem as regras e seus efeitos, c o m o se fosse
uma sociedade habitada por agentes. Esses agentes são portadores dos dados
sonoros no espaço virtual. A partir da navegação por esse espaço virtual (por
meio dos óculos digitais), o interator pode entrar em contato c o m esses agentes
e ativar (pelo sensor) suas informações sonoras, dando origem a uma "compo-
s i ç ã o " no espaço real. Assim, a interação do visitante c o m o espaço sonoro
virtual - um sistema definido matematicamente -, se produz por meio de seu
deslocamento através do espaço real. No espaço real de controle, uma grande
projeção audiovisual permite ao público acompanhar os movimentos do interator
pelo espaço real e as transformações, por ele produzidas, no espaço virtual sonoro.
Em Simulation Room, espaço real e virtual se sobrepõem. O observador
interno ( interator ), ainda que esteja situado fisicamente num mundo real, parti-
cipa na construção de um modelo de mundo artificial no qual se encontra também
imerso; enquanto isso, observadores externos a c o m p a n h a m ambas ações (real e
virtual) em tempo real. O observador interno interage c o m os dados emitidos
por participantes externos - as pessoas de qualquer parte do mundo que enviam

1 9 0 - CLAUDIA GIANNETTI
suas mensagens v i a Internet -, e que, desta m a n e i r a , se torna m v i r t u a l m e n t e
presentes c o m o agentes no e s p a ç o de dados da instalação. A partir desses dados,
o o b s e r v a d o r interno ou interator cria n o v a s s e q ü ê n c i a s de d a d o s - sucessões
i n f o r m a c i o n a i s - q u e são percebidas c o m o c o m p o s i ç õ e s sonoras no e s p a ç o acús-
tico. Portanto, o b s e r v a d o r interno e participantes externos se e n c o n t r a m n u m
e s p a ç o virtual, no qual intercambiam dados para gerar novas estruturas de comuni-
c a ç ã o , q u e s e c o n v e r t e m nos e l e m e n t o s constitutivos d o m u n d o s i m u l a d o .

Essa obr a nos leva a c o m p r e e n d e r m e l h o r a proposta de a p l i c a ç ã o do


m o d e l o da Endofísica à teoria estética: n u m m u n d o s i m u l a d o , os o b s e r v a d o r e s
internos p o d e m ter acesso a d e t e r m i n a d a s a ç õ e s e intervenções, de c u j o s resul-
tados p o d e m tirar c o n c l u s õ e s para seu próprio contexto. Isto se torna possível a
partir da c r i a ç ã o da interface entre o b s e r v a d o r e e s p a ç o (real e de dados). N e s s e
tipo de m u n d o simulado, nos transformamos em observadores internos e externos
simultaneamente.

A r e a l i d a d e do o b s e r v a d o r e a d e p e n d ê n c i a do o b s e r v a d o r da a p a r ê n c i a
do m u n d o , assim c o m o sua distinção entre os f e n ô m e n o s r e l a c i o n a d o s c o m o
o b s e r v a d o r interno e o o b s e r v a d o r externo, o f e r e c e m importantes pautas de
reflexão para as estéticas da auto-referencial idade, da virtual idade (do caráter
imaterial dos e l e m e n t o s constitutivos do m u n d o virtual), da interatividade (da
s u b o r d i n a ç ã o do sistema ao o b s e r v a d o r ) e da interface (o m u n d o e n t e n d i d o
c o m o u m a questão de interface) q u e c a r a c t e r i z a m a Endoestética.

Figura 20 - KR + cF ( K n o w b o t i c Research), Simulation Room-Mosaic of Mobile Data Sounds, 1993.


Diagrama da instalação

Estética Digital - 191


A análise endoestética é adequada para discorrer sobre os mais diversos
tipos de arte interativa, em que o público faz parte do sistema que observa e
c o m o qual interage e cujas ferramentas digitais são entendidas c o m o artefatos
inerentes ao endossistema e aos seus próprios processos. C o m uma série de
obras desenvolvidas a partir de 1977, Peter W e i b e l investiga e demonstra a
relatividade do m u n d o c o n d i c i o n a d a ao observador, bem c o m o as possibili-
dades em torno do observador interno, do m u n d o c o m o interface e da cons-
trução de espaços e realidades virtuais. A videoinstalação Inverser Raum (Espa-
ço Inverso), de 1 977, simula um modelo de mundo artificial inserido num espa-
ço real, mas que, paradoxalmente, é inacessível ao observador. U m a camera
escondida dentro de uma caixa preta, ao lado do monitor, está protegida e ilu-
minada por dentro, de forma que a camera se transforma num observador inter-
no, que focaliza uma fotografia do espaço colocada na lateral da caixa preta,
transmitindo-a, ao vivo, para o monitor. 21
Em várias de suas instalações em circuito fechado, a camera assume a
posição de observador interno. Com Beobachtung der Beobachtung: Unbes-
timmtheit (Observação da Observação: Indefinição, 1973), Imaginàrer Raum
(Espaço Imaginário) e Der Traum vom gleichen BewuBtsein alter (O sonho de
uma mesma consciência para todos), ambas obras de 1979, W e i b e l inicia uma
série de trabalhos que propõem dois níveis de realidade - exo e endo -, permi-
tindo ao observador mover-se num espaço artificial, tanto do lado interno da
interface c o m o do externo. Na primeira instalação, uma câmera focaliza linhas
deformadas, estiradas no chão real. U m a segunda câmera grava outras linhas
complementares. Ambas enviam seus sinais, através de um mesclador que as
combina, ao monitor, no qual se gera um espaço virtual artificial. O espectador
(observador externo) se m o v e num espaço virtual construído, não por ele, mas
pelo observador interno, que, nesse caso, é a câmera. Der Traum vom gleichen
BewuBtsein alter questiona a existência de um lado objetivo externo, que supere
a relatividade da perspectiva condicionada ao observador.

A partir dos anos 1 990, c o m as possibilidades abertas pelas novas tecno-


logias digitais, W e i b e l c o m e ç a uma nova série de obras, nas quais o observador
interage c o m a imagem virtual do espaço no qual se encontra, manipulando-a
em tempo real. Por exemplo, Tangible Bild (Imagem Tangível), de 1 991, realizada
c o m Bob O ' K a n e , utiliza uma tela tátil instalada no espaço, onde se encontram
as coordenadas cartesianas situadas numa das paredes e, em outra, uma projeção.
A imagem do observador captada pela câmera de vídeo é transmitida ao v i v o na
tela e o espectador pode transformá-la por meio do toque interativo.
N ã o é a imagem, nem o observador, mas a interface a que é abordada.
Na medida em que os interatores se encontram na imagem, se transformam em
parte do sistema que eles observam. O efeito resultante dessa configuração

21 Para mais informação, ver o catálogo monográfico de Peter W e i b e l , Bildwelten, coord. Romana
Schuler. Viena: Triton-Verlag, 1 996; e o ensaio "Virtuelle Realitãt oder der Endo-Zugang zur Elektronik",
in: F. Ròtzer, P. W e i b e l (Eds.). Cyberspace: Zum medialen Gesamtkunstwerk. M u n i q u e : Bôer Verlag,
1993, p.15-46.

192 - CLAUDIA GIANNETTI


c o n s i s t e e m q u e c a d a t o q u e , m u d a n ç a e m a n i p u l a ç ã o n a tela d o m o n i t o r
p r o v o c a distorções idênticas (ainda q u e virtuais) n a i m a g e m real projetad a e m
direto. Desta m a n e i r a , o o b s e r v a d o r r e a l m e n t e está na i m a g e m , e n q u a n t o seu
c o r p o p e r m a n e c e n o e s p a ç o real. Esse seria u m e x e m p l o c l a r o d o e n d o a c e s s o
à eletrônica.

O u t r a linha de i n v e s t i g a ç ã o no c a m p o da arte interativa explora o pos-


sível v í n c u l o entre sistemas b i o l ó g i c o s ( c o r p o h u m a n o ) e artificiais ( e s p a ç o
v i r t u a l ) . C o m o a n a l i s a m o s a n t e r i o r m e n t e , n a i n s t a l a ç ã o r o b ó t i c a interativa
Terrain 07, U l r i k e G a b r i e l interconect a o m u n d o interno e o m u n d o externo
de f o r m a r e c í p r o c a e inversa m e d i a n t e u m a interface direta e u m a m a n e i r a de
c o m u n i c a ç ã o imaterial (as o n d a s cerebrais do interator). Já em sua i n s t a l a ç ã o
Perceptual Arena, de 1993, c o m o m o v i m e n t o das p u p i l as e da respiração, o
e s p e c t a d o r p o d e m a n i p u l a r e construir formas abstratas geradas p e l o c o m p u -
tador, q u e são projetadas sobre u m a g r a n d e tela. Q u a n t o mais intensos são o
o l h a r e a r e s p i r a ç ã o , m a i s a t i v a s e a u t ô n o m a s são as f o r m a s a u d i o v i s u a i s .
Essa estreita c o n e x ã o interativa transforma o interator em o b s e r v a d o r interno
d e u m m u n d o g e r a do artificialmente , u s a n d o c o m o m e i o u m a interface q u e
v i n c u l a atividades orgânicas c o m atividades gerativas do algoritmo da m á q u i n a .

Figura 21 - Peter W e i b e l , Beobachtung der Beobachtung: Unbestimmtheit (Observação da Obser-


vação: Indefinição), 1973

Estética Digital - 193


O resultado desse nexo é visualizado através da imagem projetada, q u e p o d e
ser percebida por observadores externos. Nesse sistema, o interatoré levado a
participar no processo de construção da obra visual, não c o m os métodos
c o n v e n c i o n a i s de m a n i p u l a ç ã o que i m p l i c a m a utilização das mãos ou do
deslocamento físico, mas por meio dos processos naturais do corpo: olhar e
respiração. A interação c o m o sistema se produz a partir de uma p e r c e p ç ã o do
observador de si mesmo, do autocontrole de sua respiração e de seu olhar.
Isto dá lugar a uma maior identificação do interator c o m o sistema ao qual está
c o n e c t a d o e gera a sensação de ser naturalmente participante desse m u n do
virtual. Perceptual Arena ou outras obras que empregam interfaces implícitas
(não c o n v e n c i o n a i s ) , c o m o a instalação interativa Osmose, de Char D a v i e s
(1995), 2 2 levam a efeito as idiossincrasias da endoestética. Sã o exemplos para-
digmáticos de um tipo de interatividade entre público e obra originada de
forma intuitiva, que permite a participação ativa sem que esta esteja condicio-
nada aos c o n h e c i m e n t os prévios e competentes do interator.

As investigações em torno das possibilidades de comunicação não-verbal


tanto entre interator e obra, c o m o entre diferentes interatores não-locais, são
aplicadas na série de obras de Paul Sermon, Telematic Dreaming (1992), Tele-
matic Vision e Telematic Seánce (1993). Por meio da telepresença, Sermon
emprega a noção de observador real c o m o parte do sistema virtual que observa
e c o m o qual interage de forma interna. Essas instalações telemáticas utilizam
dois espaços interconectados em rede, localizados em lugares diferentes (dois
museus situados na mesma cidade ou em cidades diferentes, por exemplo), nos
quais situa, de forma idêntica, os mesmos objetos ou environments - duas
camas, dois sofás ou duas mesas, respectivamente -, de modo a constituir dois
espaços perfeitamente equivalentes. No caso de Telematic Vision, por exemplo,
um monitor é c o l o c a d o diante de cada sofá azul (que permite o efeito chro-
makey), de maneira que o público possa visualizar a ação no espaço visual
telemático. Câmeras situadas em cada um dos espaços captam as imagens e os
movimentos dos observadores sentados nos sofás, que são enviadas, através de
uma linha de R D S I , a um mesclador c o m gerador de efeitos de vídeo, que torna
a transmitir aos monitores uma nova imagem do sofá, na qual se v ê e m sentadas
juntas as pessoas que estão fisicamente separadas. Assim, os interatores situados
corporalmente em lugares distantes se reúnem, pela telepresença, num mesmo
espaço virtual que pode ser visto através do monitor. O público se transforma
em voyeur de seu próprio espetáculo, ao mesmo tempo em que se dissipa a
clara divisão entre o corpo remoto ou telepresente e o corpo físico real. O
interator, aqui, passa a existir (virtualmente) em e entre ambos os lugares. Nesse
tipo de mundos telemáticos simulados, as pessoas são observadoras internas e
externas simultaneamente.

22 Osmose é uma instalação de realidade virtual, na qual o interator utiliza um traje de dados e óculos
estereoscópicos. A respiração do usuário determina os parâmetros de deslocamento do interator na
imagem e da transformação da paisagem visualizada.

1 9 4 - CLAUDIA GIANNETTI
As p o t e n c i a l i d a d e s q u e a p a r e c e m c o m as tecnologias digitais e suas apli-
c a ç õ e s no c a m p o da c r i a ç ã o artística transformam, necessariamente, tanto os
instrumentos, a forma e a estruturação das obras de media arte, especificamente,
da arte interativa, c o m o , de m o d o mais profundo, o tipo de linguagem, seus
c o n c e i t o s e sua esfera de investigação. A Endoestética d e v e ser vista c o m o um
m o d e l o teórico que, baseando-se em métodos interdisciplinares, pretende pro-
p o r c i o n a r as n o ç õ e s essenciais para entender e analisar essas m u d a n ç a s e as
p r o d u ç õ e s atuais q u e se s e r v e m das possibilidades criativas oferecidas pelos
n o v o s recursos t e c n o l ó g i c o s interativos.

As i m p l i c a ç õ e s da Endoestética para a própria n o ç ã o de arte se a p o i a m


em seus c o n c e i t o s de auto-referencialidade, s i m u l a ç ã o e v i r t u a l i d a d e (desmate-
r i a l i z a ç ã o no sentido de d e s o b j e t u a l i z a ç ã o ) ; interatividade, relatividade e con-
tingência; p r o e m i n ê n c i a do interator no contexto da obra (observador interno e
externo) e interface. A reflexão sobre a estética além da estética e a passagem do
sentido da arte ao sentido de sistema, c o m o p r o p u s e m o s anteriormente, resulta
na c o m p r e e n s ã o e na a n á l i s e dos sistemas interativos a partir da perspectiva da
Endoestética. Essas obras se definem c o m o sistemas complexos, flexíveis, circuns-
tanciais, h i p e r m i d i a i s e m u l t i d i s c i p l i n a r e s , q u e t ê m por o b j e t o e s p e c í f i c o o
p r o c e s s o i n t e r c o m u n i c a t i v o (cognitivo, intuitivo, sensorial, sensório-motor etc.)
em seus mais diversos níveis ( p ú b l i c o e sistema; sistema e interator, interatores
no sistema; a m b i e n t e e sistema etc.), tanto em plataformas interativas on-line
c o m o off-line. Do ponto de vista da Endoestética, essas obras só existem c o m o
tal (só a d q u i r e m sentido e d e s e n v o l v e m sua p e r f o r m a n c e ) na m e d i d a em q u e se
dá a inter-relação ativa e contígua (real ou virtual) entre o(s) interator{es) e o
sistema (a obra). O sistema interativo, c o n s e q ü e n t e m e n t e , é sempre p o t e n c i a l e
não existe a t i v a m e n t e de forma a u t ô n o m a , visto qu e está s u b o r d i n a d o à contri-
b u i ç ã o do observador ou do entorno, seja visual, sonora, tátil, gestual ou motora,
seja energética (ondas cerebrais) ou corpora l (respiração, m o v i m e n t o ) .

O estudo dos sistemas interativos baseado na Endoestética permite abor-


dar a c o n s t r u ç ã o de e s p a ç os e realidades virtuais c o m o sistemas ou m o d e l o s de
m u n d o s ; a relatividade do sistema c o n d i c i o n a d o ao observador; e as possibili-
dades de integrar, por m e i o da interface, observadores internos e um sistema
(virtual) q u e p o d e ser o b s e r v a d o da perspectiva externa. A Endoestética permite
c o m p r e e n d e r a p o t e n c i a l i d a d e da c r i a ç ã o para a l c a n ç a r u m a Weltverãnderung,
u m a t r a n s f o r m a ç ã o do m u n d o c o m o dilatação de nossas realidades (experiênci-
as, p e r c e p ç õ e s , sensações etc.) e o c o n h e c i m e n t o de nosso m e i o a partir do
q u e s t i o n a m e n t o do nosso m u n d o , de nossas verdades, de nossas culturas, de
'nossa vida, de nosso sistema biológico .

Estética Digital - 195


Epílogo

Sistema, interator e Endoestética

Capítulo após capítulo, examinamos teorias estéticas e científicas, revi-


sões históricas, análises de obras, posturas de artistas, paradigmas da media art
e outras questões que consideramos básicas para aprofundar-nos em aspectos
essenciais da relação entre arte, ciência e tecnologia, a fim de facilitar a com-
preensão das reflexões estéticas acerca da media arte de traçar o c a m i n h o até a
teoria da Endoestética que finaliza este livro.

A partir da análise da Cibernética, da Inteligência Artificial e da Teoria


da Informação, elucidamos o modo no qual essas disciplinas influenciam, em
uma primeira etapa, as tendências artísticas que se apoiam no parâmetro da
informação c o m o chave para a compreensão dos processos estéticos. As Estéticas
Racional, Informacional e Cibernética buscam, a partir da formalização, uma
contraposição às tendências subjetivistas, idealistas, transcendentais ou episte-
mológicas das teorias estéticas que derivam da tradição kantiana-hegeliana.
Apesar de essa contribuição ser valiosa, os argumentos da teoria informacional
centram-se, precisamente, na equivocada compreensão da c o m u n i c a ç ã o c o m o
uma simples "transferência" de informação objetiva de um emissor a um receptor,
não levando em consideração nem as contribuições dos sujeitos que participam
no processo de c o m u n i c a ç ã o , nem o contexto ou seus valores semânticos. A
tentativa de encontrar uma " m e d i d a " estética baseada na informação está desti-
nada ao fracasso, já que parte do pressuposto da existência de um significado
imanente na obra de arte, isto é, independente do observador e do contexto.
N ã o obstante, essa corrente conseguiu dar os primeiros passos na postulação de
uma reflexão estética que buscasse encontrar novas teorias a partir dos projetos
tecnoartísticos e das transformações radicais geradas pelas novas tecnologias
digitais e de telecomunicação.

Exploramos alguns dos princípios do Pós-Estruturalismo, da Teoria dos


Sistemas e do Construtivismo Radical, segundo os quais a explicação sobre a
construção da realidade está subordinada, necessariamente, ao observador.
Assim, a realidade que construímos não pode ser vista c o m o representação de
um m u n d o objetivo independente. O saber do observador, o conjunto de nosso
saber, a cultura e a arte constituem-se a partir do consenso, da cooperaçã o e da
rede de indivíduos integrantes de cada sociedade ou contexto. A cultura não é
uma a d a p t a ç ã o h o m o g ê n e a de uma r e a l i d a d e independente, mas o f e r e c e
m o d e l o s de realidades baseados no consenso (natural ou induzido) dos indiví-
duos da sociedade na qual tem lugar.
Esse processo pode se restringir a um c a m i n h o construtivo e se deixar
conduzir pela sedução dialógica (consenso natural), ou se ater à via das estra-
tégias de domínio e imposição (consenso induzido). Esta última via está marcada
pela necessidade de conservação e controle de poder que se manifesta por meio
de programas de legitimação desenvolvidos c o m base nos interesses específicos
do meio ou coletivos, sejam políticos, econômicos ou mercantilistas, sejam ideo-
lógicos, sociais, culturais, religiosos etc. A função dos meios envolvidos nesse
processo - os meios de comunicação ou outras entidades como galerias, museus,
salas de exposição, o grupo de críticos, as coleções privadas etc. - consiste em
desenvolver táticas para legitimar seu programa e ignorar, desarticular ou eliminar
qualquer proposição potencialmente contrária. No c a m p o da arte, a principal
estratégia de legitimação se vale do processo de canonização, que outorga a uma
obra, um estilo, uma tendência, um artista etc., uma posição destacada na escala
de valores, o que lhe permite fazer parte do saber cultural coletivo e de sua história.

A r e l a t i v i z a ç ã o de nossa v i s ã o da arte c o m o e n t i d a d e t r a n s c e n d e n t e
e universal implica sua substituição por um delineamento que possibilite sua
compreensão como um domínio plural dentro do sistema social e de comunicação
de um determinado entorno, e m p e n h a do no projeto de dilatação de nossas rea-
lidades (conhecimentos, experiências, sensações, percepções etc.). Da mesma
forma que a teoria pós-moderna persevera em ampliar a definição da arte além
da arte (a e m a n c i p a ç ã o da arte da própria arte), propomos um reposiciona-
mento da teoria estética além da estética.

A análise de determinados aspectos das Teorias Sistêmica e Construtivista


nos deixa entrever os vínculos ou paralelismos existentes entre estas e os novos
paradigmas que emergem c o m as obras de media art. Em consonância c o m
esses postulados, entendemos a estética c o m o uma categoria processual imersa
no sistema social e no contexto da c o m u n i c a ç ã o ; em outras palavras, c o m o
processo comunicativo, contextual e relativista, que incide em um questiona-
mento radical de nossa compreensão da realidade, da objetividade (verdade) e
do observador (sujeito). Essas três concepções básicas são revisadas, desmistifi-
cadas e desconstruídas pela media arte pelas noções que se desenvolvem para-
lelamente ao uso de determinadas tecnologias. A emergência de novos paradigmas
torna patente esse processo: plurimedialidade, interdisciplinaridade, ubiqüidade,
temporalidade, interatividade, virtualidade, artificialidade, desmaterialização,
multiplicidade, simulação, variabilidade, indeterminação, hipertextualidade,
meta-autoria, interator, interface etc. U m a considerável ampliação de nossos
marcos conceituais, c o m o supõe a media art, implica mudanças substanciais no
que diz respeito à forma de percepção originada por esse tipo de obras, e dá
lugar a uma debilitação, evasão e dissidência radicais das idéias estéticas cen-
tradas no objeto de arte, sua existência matérica e permanente, a originalidade,
a autonomia, a verdade, a genialidade e o observador passivo.

Ao observarmos o âmbito específico da arte interativa, constatamos a trans-


formação do papel do sujeito (criador ou observador). A relação tradicional entre
observador e obra de arte baseava-se na existência independente de ambos e no
posicionamento contemplativo do sujeito frente ao objeto artístico. Para sustentar
essa condição, a estética se circunscreveu aos pressupostos ontológicos (que

198 - CLAUDIA GIANNETTI


conferem à obra uma função veritativa) e restringiu a essência do nexo observador-
obra à fruição ou prazer estético. A arte interativa estabelece a c o m u n i c a ç ã o aberta
emissor-receptor-meio (autor/es - obra/sistema/interface - espectador/ interator-
contexto) e resulta, por isto, n u m a relação de interdependência e complementari-
d a d e entre criador, obra/sistema e interator (observador interno e partícipe).

A l é m da f u n ç ã o do sujeito no contexto da obra, outra repercussão ine-


rente à utilização de sistemas virtuais, c o m o os da Inteligência ou V i d a Artificial,
consiste no q u e s t i o n a m e n t o da gênesis participativa ou " c r i a t i v a " da m á q u i n a ,
u m a v e z q u e o aparato experiment a um i n c r e m e n t o progressivo no grau de
i n d e p e n d ê n c i a de seu f u n c i o n a m e n t o . Isto induz a reflexões sobre os processos
mentais e c o g n i t i v o s h u m a n o s e n v o l v i d o s na c r i a ç ã o e r e a l i z a ç ã o artísticas, e a
p r e s u m í v e l v i a b i l i d a d e de sua f o r m a l i z a ç ã o .

Para q u e um sistema artificial interativo seja efetivo é necessário criar


um e l e m e n t o - a interface h u m a n o - m á q u i n a - q u e m a n t e n h a a f l e x i b i l i d a d e e a
n e u t r a l i d a d e entre a ç ã o - r e a ç ã o , q u e traduza de forma d i a l ó g i c a os d a d o s e
o t i m i z e a distância e o t e m p o de c o m u n i c a ç ã o entre sistema e interator. Esses
c o m p a r t e m o m e s m o contexto, q u e p o d e ser alterado pelo processo interativo,
g e r a n d o f e n ô m e n o s d e t r a n s l o c a l i d a d e e i m e r s ã o (por e x e m p l o , mediante
dispositivos de inputs táteis ou corporais implícitos).

R e s u m i n d o , a interação c o m base na interface h u m a n o - m á q u i n a m a r c a


u m a m u d a n ç a qualitativa das formas de c o m u n i c a ç ã o m e d i a n t e o e m p r e g o dos
meios t e c n o l ó g i c o s . A estrutura aberta e contingente da obra mina a c o n c e p ç ã o
material, o b j e t u a l e c o n c l u í d a , c a r a c t e r í s t i c a da estética o n t o l ó g i c a , e trans-
f o r m a o e s p a ç o físico em imaginário. Os processos interativos de u m a obra só
são a n a l i s á v e i s e p e r c e p t í v e i s em r e l a ç ã o a um d e t e r m i n a d o c o n t e x t o, e só
p o d e m ser e n t e n d i d o s c o m o processo c o m u n i c a t i v o no interior desse contexto.
A i n t e r a ç ã o s u p õ e a e x p a n s ã o dos c o n c e i t o s de autor e o b s e r v a d o r aos de meta-
autor e interator. A s s i m, a i n t e r a t i v i d a d e na arte está c o n s t i t u í d a por q u a t r o
e l e m e n t o s idiossincráticos, a saber, a virtualidade, a v a r i a b i l i d a d e , a permeabi-
lidade e a c o n t i n g ê n c i a . Por outro lado, a interface h u m a n o - m á q u i n a revela a
t r a n s f o r m a ç ã o da c u l t u r a b a s e a d a nas estruturas narrativa s l o g o c ê n t r i c a s e
seqüenciais, n u m a cultura "digital", orientada para o visual, sensorial, retroativo
e não-linear (hipertextual). Isto demonstra a peculiar potencialidade da tecnologia
digital ( i n c l u i n d o a telemática) para superar as fronteiras do p u r a m e n t e instru-
mental e transformar-se em recursos do imaginário para a g e r a ç ã o de entornos
(virtuais) e x p e r i m e n t á v e i s de forma cognitiva e sensorial.

A partir de todos esses fatores r e l a c i o n a d o s c o m a media art, e especifi-


c a m e n t e c o m a arte interativa, constatamo s um c l a r o d e s l o c a m e n t o do sentido
da arte para o de sistema ( n ã o p r e t e n d e m o s c o m isto substituir um termo por
outro), e c o n s i d e r a m o s esse fator c o m o o ponto determinant e do processo. De
m a n e i r a a n á l o g a , as novas práticas sistêmicas baseadas no uso de t e c n o l o g i a s
interativas r e c l a m a m u m a teoria estética de a c o r d o c o m seus métodos. A Endo-
física, estreitamente v i n c u l a d a ao Construtivismo, é u m a fonte de idéias i d ô n e as
e nos estimula a postular e esclarecer as proposições ao redor de u m a endoesté-
tica, projetada c o m o m o d e l o teórico pertinente para abarca r as diferentes mani-
festações de sistemas interativos e artificiais.

Estética Digita] - 199


A Endofísica, c o m base numa teoria da simulação e do modelo, tem por
objeto investigar o observador e a interface. Nós, seres humanos, somos parte
do mundo, ao qual não temos acesso direto, nem podemos observá-lo de fora,
de maneira que o que observamos, a realidade, sempre tem um elemento de
subjetividade. Para a Endofísica, essa posição exterior ao m u n d o só é factível
em um modelo, e não na realidade mesma. Por isso é necessária a criação de
uma interface entre o observador e o mundo ou um modelo de mundo, como,
por exemplo, um mundo artificial criado no computador.
Os paralelismos c o m os sistemas de RV, IA ou VA empregados na arte
são excepcionais, e os termos provenientes da Endofísica descrevem e definem
exatamente o m u n d o interativo e virtual dos meios eletrônicos: são meta-expe-
rimentos que possuem lados internos (endo) e externos (exo); são modelos de
mundo; baseiam-se na interface, podem ter diferentes níveis de realidade (por
exemplo, exo e endo); e suas operações internas se adaptam à distorção da
perspectiva (ou da atuação) do observador.
A realidade do observador e a dependência do observador da aparência do
mundo, postuladas pela Endofísica, assim como sua distinção entre os fenômenos
relacionados c o m o observador interno e o observador externo, oferecem impor-
tantes pautas de reflexão para a estética da auto-referencialidade, da virtualidade
(do caráter imaterial dos elementos constitutivos do mundo virtual), da interativi-
dade (da relatividade do observador em relação ao sistema e à do interator no
contexto do sistema), e da interface (o sistema mediador entre o mundo artificial e
o sujeito), que em seu conjunto formam os princípios básicos da endoestética.
É possível que uma teoria estética, como a que propomos aqui em relação
à media arte, especificamente, à arte interativa, que já não se baseia nos conceitos
clássicos de verdade, realidade, objetualidade, transcendência, autonomia, origi-
nalidade etc., e n c o n t r e restrições e resistências em posturas dogmáticas ou
nostálgicas ou naquelas que, saídas do interior da sociedade de consumo, são
obcecadas pelo objeto e seus valores simbólico-econômicos (beleza, originali-
dade, preciosidade) e submissas às noções estratégicas de realidade e verdade.
A contradição interna do pluralismo contemporâneo se reflete também
nesse âmbito: reivindica-se a marcha desenfreada em direção às novas tecno-
logias e se evita ou se resiste a aceitar as transformações radicais inerentes a sua
integração e uso na cultura. Está claro que a desconstrução dos valores tradi-
cionais da arte e da sua estética c o m e ç o u no interior da arte mesma, a partir do
momento em que incorporou aos seus métodos os das tecnologias digitais.
Parafraseando a idéia sobre a V A , segundo a qual o computador é para o
investigador o que a natureza foi para o cientista natural clássico, poderíamos
dizer que, na atualidade, os sistemas digitais e telemáticos são para o criador,
em seu papel de pesquisador, o que as leis da perspectiva foram para o artista
renascentista, isto é, mais q u e meros instrumentos, uma v e z q u e e x e r c e m
influência nas próprias premissas e na c o n c e p ç ã o da arte e de sua estética.

A arte c o m o sistema está, portanto, mais próxima do que nunca da


c i ê n c i a , e a ciência contemporânea que trata livremente tanto da necessidade
quanto da contingência ( c o m o a Endofísica) se converte na arte do possível, que

2 0 0 - CLAUDIA GIANNETTI
indaga n ã o só c o m o é o m u n d o , mas c o m o poderia ser e c o m o p o d e m o s , do
m o d o m a i s e f i c az e c o n v i n c e n t e , criar n o v o s m o d e l o s d e m u n d o por m e i o dos
recursos c o m p u t a c i o n a i s ( c o m o p r o p õ e a Endoestética). A d i l a t a ç ã o de nossas
próprias e x p e r i ê n c i a s de m u n d o s t a l v e z nos a j u d e a c o m p r e e n d e r m e l h o r a
i m p o r t â n c i a e as conseqüências de nossas ações sobre nosso meio, e a assumir,
c o m modéstia e tolerância, nosso papel na c o n s t r u ç ã o de " r e a l i d a d e s " sociais.

D e v e r í a m o s , agora, nos perguntar s e teria r a z ão W y n d h a m L e w i s a o


estimar q u e o artista sempre se encontra e s c r e v e n d o u m a d e t a l h a d a história do
futuro p o r q u e é c o n s c i e n t e da natureza do presente.

Estética Digital - 201


Glossário

Algumas definições terminológicas 1

Algoritmo - Procedimento matemático ou lógico que, mediante a decomposição do pro-


blema em um número finito de seqüências ou passos, permite obter a solução correta. A
principal característica de um algoritmo é eliminar qualquer imprecisão: as regras devem
descrever operações que sejam tão simples que possam ser executadas por uma máquina.

Analógico - Representação dos valores mutáveis de uma propriedade por meio do uso de
um indicador que pode variar de forma contínua. O sinal é reproduzido de maneira análoga,
isto é, proporcional à do fenômeno a transmitir. Opõe-se ao digital.

Arte da telecomunicação - telecommunication art - Manifestação no campo da arte que


utiliza os recursos ou dispositivos dos meios de telecomunicação, tais como o telefone, o
rádio, a televisão, as redes telemáticas etc., para criar obras pensadas especificamente para
esses meios, que incidem, de forma especial, na execução ou na estruturação de modelos
teleparticipativos. Ver net art.

Arte eletrônica - media art - Segmento da arte contemporânea que utiliza as tecnologias
eletrônicas e/ou digitais (audiovisuais, computadorizadas, telemáticas).

Arte genética - Criação de criaturas virtuais por meio de algoritmos genéticos que têm uma
representação bi ou tridimensional. O sistema de algoritmo genético permite intervir nos
processos de crescimento de seres virtuais, na investigação das possíveis mudanças formais
e na simulação de processos biológicos de procriação e reprodução de microorganismos.
Os três processos de reprodução celular artificial especialmente importantes para o funcio-
namento de um algoritmo genético e sua estrutura genético-cromossômica são: a seleção,
o cruzamento e a mutação. Em alguns casos as obras de arte genética estabelecem modelos
de interação com o observador. Denominada também bioarte.

Arte interativa - Segmento da arte contemporânea que utiliza as tecnologias eletrônicas e/ou
digitais (audiovisuais, computadorizadas, telemáticas) interativas baseadas em interfaces
técnicas, que permitem estabelecer relações dialógicas entre o público e a obra ou sistema.
Algumas manifestações artísticas estabeleceram vínculos entre obra e espectador das mais
diversas maneiras, buscando, assim, acentuar o caráter compartilhado da criação. Os hiper-
mídias, os sistemas de realidade virtual, telemáticos e de IA, empregados em diversas

' F o n t e s : G r a n d e p a r t e das d e f i n i ç õ e s foi f o r m u l a d a , a m p l i a d a o u m o d i f i c a d a p e l a a u t o r a . Dic-


cionario para usuários de computadoras e Internet. México: Prentice Hall Hispanoamericana,
1 995; C l a u s E m m e c h e . Vida simulada en ei ordenador, op.cit.; F r a n ç o i s e H o l t z - B o n n e a u . La
imagen y el ordenador. Madri: Fundesco, 1986; Elisabeth J a p p e . Performance, Ritual, Prozess.
Munique/Nova York: Prestel-Verlag, 1993; R u d o l f F. Craf. Diccionario de eiectrónica. M a d r i :
Ediciones Pirâmide, 1984; B o b Cotton e Richard Oliver. The Cyberspace Lexicon. Londres:
P h a i d o n Press, 1994.
instalações interativas que criam elementos e espaços específicos, nos quais o interator
(veja verbete adiante) pode agir. A estrutura aberta do sistema, o dinamismo, a relação
espaço-temporal e a ação constituem os focos essenciais desses sistemas complexos e
multidimensionais, nos quais o público desempenha papel fundamental.

Arte participativa - Manifestações da arte contemporânea que se valem de modos ou


meios não tecnológicos para conseguir a aproximação entre o observador e a obra. O
diálogo se estabelece não somente através da linguagem ou da reflexão, mas, principal-
mente, de maneira material, na medida em que se estimulam as ações do observador.

Arte robótica - Seres automatizados tridimensionais (autômatos) que simulam comporta-


mentos de seres vivos reais, tais como os de busca, auto-preservação, interatividade, movi-
mento etc. (como os robôs lutadores de Mark Pauline, de San Francisco, cujas apresentações
se convertem em lutas entre os robôs até a auto-destruição; ou os robôs de Chico MacMurtries).
Emprego da robótica como prótese ou extensão de seres vivos (como o braço robótico que
Stelarc utiliza como terceiro braço em suas performances).

Arte telemática - arte em rede - Ver net art.

Autômato - Dispositivo que executa, automaticamente, operações predeterminadas ou


responde, de forma automática, a instruções codificadas. Máquina que exibe propriedades
de um ser vivo. Mecanismo fixo ou móvel que possui a capacidade de manipular objetos
externos sob o controle constante de uma programação prévia.

Autopoiesis - Auto significa "si mesmo" - autonomia e auto-organização - e poiesis, do


grego "poesia", significa criação, portanto, criação de si mesmo. Termo criado pelo biólogo
Humberto Maturana e o neurocientista Francisco J. Varela.

Capacete de dados - Ver head-mounted-display.

C A V E Automatic Virtual Environment- Espaço fechado em forma de cubo para a geração


de RV imersiva, feita por meio de amplas projeções estereoscópicas que ocupam dois ou
três lados, bem como o solo e o teto do cubo, de forma que o observador, situado dentro
desse espaço, tem a sensação de imersão.

C D - R O M - Abreviação de Compact Disc Read Only Memory, disco compacto de memória


somente para leitura. Tecnologia de armazenamento ótico que utiliza discos compactos.

Ciberespaço - Cyberspace - Espaço virtual criado por sistemas de computação (ciber).


Pode tomar a forma de mundos de realidade de sistemas conectados à rede dos que parti-
cipam múltiplos usuários. O termo foi empregado por William Gibson, em seu livro Neu-
romante, para descrever um espaço tridimensional e digital aberto ao acesso dos usuários
por meio de interfaces técnicas.

Cibernética - Termo derivado do grego que significa a "arte de conduzir" (em sentido
figurado, os homens na sociedade ou, resumindo, governar). Aplica-se à teoria das mensagens
no campo da comunicação e do controle das máquinas, com objetivo de conseguir a
resolução operacional e a concepção de uma linguagem específica, que permita a comuni-
cação entre os diferentes sistemas, assim como entre indivíduos e máquinas. Seu propósito
é desenvolver sistemas e técnicas que permitam estabelecer um repertório adequado de idéias
e métodos para classificar, por conceitos, suas manifestações particulares. Propõe a substi-
tuição do conceito de energia pelo de informação como parâmetro elementar da comuni-
cação. Um dos pioneiros da Cibernética foi o matemático norte-americano Norbert Wiener.

204 - CLAUDIA GIANNETTI


Data glove - luva de dados - Dispositivos empregados nos sistemas de RV que permitem
ao usuário manipular objetos virtuais ou deslocar-se no ambiente virtual.

Data suit - traje de dados - Dispositivos empregados nos sistemas de RV, que permitem ao
usuário mover-se ou deslocar-se no espaço ou cenário virtual.

Digital - Designa, por oposição a analógico, a representação de dados ou de magnitudes


físicas por meio de caracteres, assim como dos sistemas, dispositivos ou procedimentos,
que empregam esse modo de apresentação discreta. Os dados representados em forma
digital podem ser manipulados para produzir um cálculo ou outra operação. Nos compu-
tadores eletrônicos digitais, dois estados elétricos correspondem aos 1 e 0 dos números
binários. Emprega-se, também, o termo numérico.

Enlace - vínculo - link- Em um sistema informático, instruções que conectam um programa


ou documento a outro, permitindo um endereçamento contínuo entre eles.

Environment - No contexto artístico, indica um espaço criado, construído ou adaptado


pelo artista por meio do emprego de diferentes materiais, que proporciona ao observador
experiências físicas e espaciais. É freqüentemente confundido com a instalação. O envi-
ronment abrange um espaço físico delimitado e mais reduzido, enquanto que a instalação
utiliza espaços mais amplos, públicos, ou a própria natureza (como as obras de Christo,
Otto Piene etc.). O título da exposição de Jim Dine e Claes Oldenburg na Martha Jackson
Gallery de Nova York, em 1961, foi uma das primeiras que empregaram o termo: "Environ-
ments, Situations, Places".

Expanded cinema - cinema expandido - Formato híbrido que pode incluir projeções de
cinema, environments, performances, ações, participação do público etc. O impulso inicial
foi dado em 1966 com o filme Continuous Sound and Image Moments, de Tjebbe van
Tijen. A partir daí, artistas como Peter Weibel, Valie Export, Jeffrey Shaw ou Stan Vanderbeek,
desenvolveram formas diferentes.

Graphical User Interface - G U I - interface gráfica para o usuário - Representações


gráficas que usam ícones para simbolizar as características do programa com o qual o
usuário interage. Os G U I s funcionam como interfaces com menus, quadros de diálogo,
quadros de deslocamento, botões etc.

Luva de dados - Ver data glove.

Head-mounted-display - capacete de dados - Capacete ou óculos estereoscópicos. Con-


junto estereoscópico de óculos que, colocado na cabeça ou diante dos olhos, produz uma
sensação de espaço tridimensional. Esses dispositivos são parte integrante dos sistemas de
RV e permitem aos usuários visualizar o espaço, a cena ou o mundo virtual.

Hipermídia - Sistema de hipertexto que utiliza recursos multimídia (gráficos, vídeo, ani-
mação e som).

Hipertexto - Método de preparação e edição de texto, principalmente em suporte digital,


através do qual os leitores podem escolher seus próprios caminhos. Formado de nós (uni-
dades informativas pequenas e controláveis), hipervínculos (ou vínculos, ou links) no texto
que permitem acessar qualquer nó vinculado. Além do hardware, podem-se usar suportes
como o CD-ROM, o D V D ou a rede da World Wide Web.

Estética Digital - 205


IA (Inteligência Artificial) - Campo da filosofia e da ciência da computação cujo propó-
sito é dotar os sistemas de algumas características associadas à inteligência humana, tais
como a capacidade de entender a linguagem natural e reagir diante de situações novas.
Alan Turing é considerado o fundador desse campo, cuja denominação foi dada por John
MacCarthy.

Input - entrada - Dado para ser processado. Processo de transferência de dados de uma
memória externa para a memória interna de um computador.

Instalação - No campo da arte, método de geração de novas formas de expressão como


processos que buscam os seguintes objetivos: a prática interdisciplinar e híbrida congênita;
a ruptura com a forma fechada do objeto; a ênfase nas idéias de site-specificity e de inter-
venção; a investigação da relação entre contexto (espaço, arquitetura, ambiente, entorno
etc.), tempo (duração) e partes que compõem a obra; a multiplicidade e inter-relação de
elementos ou materiais (idéia de expanded collage ou expanded assemblage); a preocu-
pação pelo papel que desempenha o receptor; o protagonismo da noção de processo (que
se contrapõe à de obra única, permanente e acabada); a compreensão da obra como espaço
social, público; a potencialização da polissensorialidade das obras.

Instalação audiovisual - A terminologia aplicada às instalações audiovisuais foi-se defi-


nindo progressivamente, delimitando os campos e diferenciando-a das várias manifestações,
mas a condição limítrofe ou permeável dessas obras impede uma classificação precisa.
Assim, o termo genérico "instalação audiovisual" designará alguns tipos básicos (entre
tantos matizes e ramificações), tais como: videoescultura, videoenvironment, videoinsta-
lação e instalação com videoprojeções. A diferença básica entre os tipos que incluem
vídeo e a instalação audiovisual, está no fato de que esta contém também as instalações
que empregam outros sistemas audiovisuais, como as projeções de slides ou laser (com
componente acústico), ou as instalações com projeções de cinema ( expanded cinema).

Instalação em circuito fechado - closed-circuit-installation - Instalação que utiliza uma


câmara de vídeo que capta o objeto ou sujeito em um determinado espaço, emitindo sua
imagem, manipulada ou não, em tempo real ou diferido, para um ou mais monitores (ver
instalação audiovisual).

Instalação interativa - Ver arte interativa e instalação.

Instalação multicanal, multimonitor - Instalação que utiliza monitores para configurar o


conjunto da obra. Pode empregar diferentes obra de vídeo (multicanal) ou um vídeo mono-
canal que é visualizado em diferentes telas, simultaneamente ou com defasagem de tempo.
Esta forma foi, inicialmente, utilizada por Nam June Paik em seu TV Clock (1963): o artista
dispôs 12 televisores preto-e-branco em semicírculo dentro de um espaço, criando, assim,
um ambiente específico. Esse tipo de instalação refere-se à noção de tempo; à idéia de
continuidade espacial e conceituai entre as múltiplas imagens distribuídas nos diversos
monitores, criando uma espécie de mosaico visual e uma relação entre a realidade e a
simulação, entre os elementos reais e as imagens eletrônicas. A utilização da videoimagem
como simulacro da realidade é parte fundamental da estética da instalação multimonitor
(ver instalação audiovisual).

Interação - Processo que define o hardware, os programas ou as condições de desdobra-


mento das operações que permitem ações recíprocas em modo conversacional ou dialógico
com usuários ou com aparelhos.

2 0 6 - CLAUDIA GIANNETTI
Interator - Em sistemas interativos, pessoa que não só "atua" mentalmente no espaço da
obra, mas que desempenha um papel ativo e interage com o sistema. Espectador e obser-
vador são termos que, do ponto de vista da relação entre receptor e obra, têm uma conotação
contemplativa e distanciada e, por outro lado, são inadequados para expressar o vínculo
interativo entre ambos. A palavra "usuário", comumente empregada, provém da função de
"uso" que a pessoa faz do computador ou outro aparelho e que não é, necessariamente,
uma ação interativa. O termo foi empregado no campo do teatro interativo por Kristi Allik
e Robert Mulder, em 1992.

Interface - Conexão entre os dispositivos de hardware, entre dois aplicativos, ou entre um


usuário e um aplicativo que facilita a troca de dados mediante a adoção de regras comuns,
físicas ou lógicas. Tal dispositivo permite remediar os problemas de incompatibilidade
entre dois sistemas, atuando como um conversor que permite a conexão.

Interface gráfica para usuário - ver Graphical User Interface - G U I .

Internet - Sistema de redes de computação ligadas entre si e de alcance mundial, que


facilita a comunicação de dados, tais como registro remoto, transferência de arquivos,
correio eletrônico e grupos de notícias. Uma parte da Internet é formada pela World
Wide Web.

Link - Ver enlace.

Metaformance - Tendência da media art cujo objetivo é potencializar o desenvolvi-


mento da interface entre a obra, o performer e o espectador/participante, permitindo,
assim, a comunicação dialógica entre eles. O processo de interação entre a máquina
e o performer, ou a aplicação das novas tecnologias, passa a ser um elemento carac-
terístico. O emprego da técnica permite ao artista /performer prescindir de sua pre-
sença física no espaço da ação, sendo, muitas vezes, substituída pela imagem eletrô-
nica. Permite, também, convidar o espectador a assumir seu lugar na consumação da
(inter)ação. A metaformance não se configura como uma versão expandida da perfor-
mance ( expanded performance), mas se caracteriza, principalmente, por sua capaci-
dade de gerar um novo tipo de evento, no qual os conceitos de obra, performer,
público, meio e processo estão, em maior ou menor grau, circunscritos na relação
entre o ser humano e a máquina (digital, telemática etc.). Isso faz com que o disposi-
tivo de interface se torne preponderante. Enquanto o que poderíamos chamar de
"tendência-espelho" da performance caracteriza-se pela utilização do corpo como
lugar de produção do imaginário do sujeito, a etapa eletrônica e a metaformance o
emprega em sua forma sintética e artificial, como plataforma do espetáculo.

Net art - web art - arte telemática - arte em rede - Os diferentes termos definem as obras
artísticas criadas a partir de programas de composição de páginas (aplicativo que reúne
texto, gráficos e som), que utilizam um web site para editar a obra. As principais caracterís-
ticas dessas obras são, entre outras, estar acessível (on-line) por meio da Internet, ser uma
obra realizada e pensada para o meio telemático e dispor de recursos interativos ou hiper-
textuais (ver arte da telecomunicação).

Off-line - sem conexão - Em comunicação de dados significa não estar conectado a outro
computador ou à rede. Utiliza-se, também, para fazer referência ao uso de suportes como
o C D - R O M e o DVD, que trabalham independentes de conexão com a rede.

Estética Digital - 207


On-line - conectado - Estar diretamente conectado a um computador e ter acesso a ele.
Em comunicação de dados significa estar conectado a outro computador ou terminal
remoto. Em um sistema telemático, significa terminais que se conectam a uma linha de
transmissão, ou estar conectado a uma rede, como a Internet, ou que um arquivo ou uma
aplicação estão disponíveis em rede para os usuários. Pode-se referir a obras de net art
como obras on-line.

Output - saída - Informação transferida da memória interna à memória externa ou secun-


dária de um computador. A transferência de informação em um processo informativo.

Pixel - Neologismo norte-americano resultante da contração do anglo-americano picture


element e da abreviação em PIX da palavra picture. Unidade de base de uma imagem
informática ou elemento gráfico, construída pela menor superfície homogênea correspon-
dente ao ponto de amostragem.

Realidade Virtual (RV) - Realidade gerada por computador. O sistema pode submergir (pro-
cesso de imersão) o usuário na ilusão de um mundo gerado pelo computador, permitindo-lhe
que este seja livremente percorrido. Para isso, o usuário utiliza interfaces como, por exemplo,
o capacete de dados (head-mounted-display), que mostra imagens estereoscópicas, as luvas
de dados (data glove), ou o traje de dados (data suit), que permitem manejar objetos virtuais
ou deslocar-se no ambiente virtual. Seu campo de aplicação potencial inclui a arquitetura, a
medicina, a arte e o entretenimento, entre outros. A palavra virtual provém de "vis", que quer
dizer "força". De vis derivam "vir", "masculino", "virtus": "virtude", no sentido de qualidade
do masculino, e "virtual". Isto significa que, segundo a etimologia, esse significado não tem
vínculo direto com o sentido de virtual que empregamos hoje em dia. Alguns teóricos sugerem
que, de "virtus", por ter sua origem em "força", provém a idéia de atuação, e a virtualidade,
em sua acepção atual, está relacionada à ação. Da perspectiva ontológica, virtual significa o
que advém do possível e se aproxima da realidade.

Recursão - Repetição contínua da mesma operação ou grupo de operações. Instrução de


programa informático que faz com que um módulo ou sub-rotina se auto-invoque. Pode-se
usar uma função recursiva para implantar estratégias de busca ou executar cálculos repe-
titivos no computador.

Redundância - Repetição intencional, de forma distinta ou não, de um elemento infor-


mativo já proporcionado, com o objetivo de aumentar a confiabilidade de uma função
particular. Em transmissão de informação é a fração da informação total contida em uma
mensagem, que pode ser eliminada sem perder informação essencial.

Realimentação - retroalimentação - feedback- Método para regular sistemas, introduzindo


neles os resultados de sua atividade anterior, de forma que a informação já obtida possa
mudar os métodos gerais e a forma de atividade. Fluxo de retorno de informação no sistema
de controle, para que as características reais possam ser comparadas com as características
previstas. A realimentação é obtida pela comparação entre a resposta atual e a resposta
desejada e qualquer variação é tomada como sinal de erro que, combinado com o sinal
original de controle, ajuda a fazer que o sistema funcione corretamente. Os sistemas que
empregam realimentação são denominados sistemas fechados.

Robótica - Termo que descreve a disciplina que estuda, desenha e cria mecanismos e
técnicas de concepção e utilização de robôs e seus componentes, capazes de realizar
tarefas determinadas e adaptar-se ao seu entorno.

208 - CLAUDIA GIANNETTI


Ruído - Informação não pertinente, misturada à informação útil de um sinal que perturba a
qualidade inicialmente prevista para uma mensagem sonora ou visual dentro de um siste-
ma dinâmico, elétrico ou mecânico.

Simulação - Palavra advinda do latim simulacrum e que significava, a princípio, a criação


de imagens, por meios técnicos, que parecem idênticas à realidade. Opõe-se a mimesis,
que está centrada na questão do "parecido", da "relação com", enquanto que a simulação
trata da igualdade, da identificação. Na mimesis existe a consciência da ênfase na ficção,
enquanto que a simulação busca o dublê artificial e a transformação da ficção em uma
possível realidade. Porém, ambas compartilham um fundamento essencial: estão baseadas
na ilusão, prática relacionada com a expressão e a atuação dos indivíduos. Alguns filósofos
a definem como "cópia sem original" quando o espectador não pode diferenciar a realidade
da simulação.

Sistema experto - Programa dedicado a resolver problemas e dar conselhos dentro de uma
área de conhecimento especializada, por exemplo, o diagnóstico médico, o desenho de
automóveis, o estilo de um artista etc.

Telemática - Palavra formada pela contração de telecomunicação e informática. Conjunto


de serviços que permitem enviar ou receber informação pública ou privada e efetuar certas
operações por meio de um sistema conectado a uma rede de telecomunicações.

Telepresença - Representação eletrônica ou digital em um espaço de dados remoto de um


usuário localizado em um espaço real, de forma que origine uma presença virtual do
usuário neste ou em outro espaço virtual. Ilusão ou sensação de estar imerso em uma
realidade virtual, por exemplo, através de sistemas de RV suficientemente convincentes
que propiciem a (tele)presença em um lugar ou espaço remoto virtual. Marvin Minsky
empregou o termo como título de seu artigo, publicado em 1980 e, posteriormente, editado
por OmniBook of Computers & Roboters, 1983.

Telerrobótica - Robô móvel controlado por um operador humano por meio de um sistema de
processo de dados que opera em conjunto com sistemas de telecomunicação. Os comandos
são enviados de um local a um robô localizado em outro local e conectado em rede.

Tempo real - Denominação para o tempo de reação do computador, muito breve em


relação à capacidade de percepção humana, pelo qual se tem a sensação de instantanei-
dade entre ação e reação. O computador, por sua grande capacidade e velocidade de
processamento de dados, é capaz de apresentar os resultados com suficiente rapidez para
controlar e permitir fazer mudanças no processo. Como analisam alguns cientistas, o tempo
real efetivo, no entanto, é uma ilusão.

Traje de dados - Ver data suit.

Usuário - O usuário final. Pessoa que usa um sistema informático e seus programas de
aplicação para realizar tarefas e produzir resultados. Usuário da rede refere-se a pessoas
que estão conectadas à Internet.

VA (vida artificial) - A-Life - Área de investigação científica dedicada à criação e ao


estudo de simulações, por computador, de organismos digitais "vivos". Tentativa de sinte-
tizar a vida com base em algoritmos genéticos e outros tipos de dados específicos, tais
como as informações sobre as condições do meio, reações, processos naturais etc. Além da
informática e da biologia, suas raízes alcançam a física, a filosofia, a arte e a matemática.

Estética Digital - 209


Videoarquitetura - Algumas instalações com multimonitores assumem formas arquitetônicas,
tais como pirâmides, portais, colunas, habitações, corredores e labirintos; substituem ou
simulam solos ou tetos, ou estão implícitas na arquitetura, simulando elementos construtivos.

V i d e o d i s c o ( videodisk) - Tecnologia interativa usada em computador que proporciona até


duas horas de informação em vídeo, guardada em suporte de armazenamento óptico so-
mente de leitura. São desenhados para a recuperação de acesso aleatório de imagens,
incluindo vídeo fixo e contínuo.

V i d e o e s c u l t u r a - Pode empregar um ou mais monitores e canais, em relação ou não


com outros elementos. Sua principal característica formal é a concepção de uma obra
"fechada", um conjunto que não depende da relação com o espaço. Considera-se a
artista japonesa Shigeko Kubota a introdutora do termo videoescultura, que define esse
tipo de obra.

Videofonia - Associação da telefonia e da televisão que permite que dois interlocutores


possam se ver durante uma conversação telefônica. O aparelho, denominado videofone
ou visiofone, é composto por uma camera e uma tela de visualização conectada a uma
linha telefônica.

Videoinstalação - Pode empregar um ou mais monitores e canais, com a utilização ou não


de outros elementos. Sua principal característica é estabelecer uma relação com o espaço
e o meio, seja o espaço dado, seja um espaço criado ou definido especialmente para a
instalação. Outras características importantes são o fator tempo, que tanto pode estar
presente na obra como relacionado com a idéia de percurso feito pelo visitante; a interde-
pendência de diversos elementos e seu freqüente caráter multidisciplinar e, ainda, a idéia
de "colocar em cena", que pode ser aplicada, com freqüência, a diferentes tipologias. Tem
caráter transitório ou efêmero, ou seja, a instalação não é concebida como obra perma-
nente, pois se adapta a cada espaço. Dentro do campo da videoinstalação diferenciam-se
as instalações em circuito fechado, instalação multicanal ou multimonitor, a videoarquite-
tura, instalações com videoprojeção, entre outras.

Videoperformance - Emprego do vídeo como forma de documentação da performance ao


vivo (como as documentações performáticas de Walter de Maria em finais dos anos 1960),
como parte integrante na ação, seja através de monitores, cameras ou projeções (como nas
videoperformances de Nam June Paik e Charlotte Moorman), ou como performance video-
gráfica criada especificamente para o meio (tendência desenvolvida a partir dos anos 1970,
como na telegaleria de Cerry Schum, produzida em 1970, que convidou artistas conceituais
e da land art para produzir videoperformances específicas para a televisão).

Videoprojeção - Começa a ser utilizada pelos artistas Peter Campus e Bill Viola na segunda
metade dos anos 1970. Entretanto, foi a partir da segunda metade dos anos 1980 que
passou a ser mais comum, pois nessa época os projetores de vídeo foram aperfeiçoados e,
progressivamente, seus preços diminuíram. Também nessa época, com os novos sistemas
de retroprojeção os aparelhos foram eliminados do espaço de exibição. As instalações
expandiram suas dimensões e se desdobraram no espaço, chegando a ocupar macroam-
bientes. Essas manifestações evidenciam uma tendência, uma vontade de fazer evadir a
imagem das limitações do monitor, numa tentativa de potencializar a idéia de imateriali-
dade da obra e, ao mesmo tempo, reforçar as sensações vividas pelo espectador por meio dos
efeitos impactantes e envolventes da macroprojeção. Parte considerável das instalações
com projeções adotam uma forma expandida ao utilizar aparelhos eletrônicos, adentrando

2 1 0 - CLAUDIA GIANNETTI
no campo da instalação multimídia. Essas instalações aproximam-se, também, das insta-
lações fílmicas, que, apesar do menor grau de expansão, têm manifestações importantes
nas obras de artistas como Robert Whitman, Edmund Kuppel e Bill Lundberg (ver instalação
audiovisual).

V R M L - Virtual Reality Markup Language - Interface em três dimensões para a World


Wide Web, cujo objetivo é criar uma linguagem-padrão específica para descrição de ce-
nários em 3D, conexões e hiperlinks na Internet.

Web site ou página de Internet - Conjunto de documentos relacionados entre si e que


conformam, juntos, uma apresentação com hipertexto. Os documentos não têm que se
arquivar no mesmo sistema de computação, mas podem estar vinculados de maneira
explícita, proporcionando, geralmente, botões de navegação interna. Empregado como
abreviação de web site ou sítio web, que é o sistema de computação de um provedor que
se instalou para editar documentos na Web.

Web art - Ver net art.

World Wide Web ( W W W ) - Sistema global de hipertexto que utiliza a Internet como seu
mecanismo de transporte. Criada em 1989, no Laboratório Europeu para Física de Partículas
(CERN), na Suíça, a Web baseia-se no Protocolo de Transporte de Hipertexto (http), um
padrão da Internet que especifica a forma de localizar e adquirir recursos de um aplicativo
armazenado em outro computador na Internet. O protocolo http proporciona um acesso
transparente e sensível na utilização de documentos Web, entre outros. Ao incorporar a
hipermídia, a Web se torna o meio ideal para publicação de informação na Internet.

Estética Digital - 211


Referências

Livros

A A R S E T H , Espen J. Cybertext. Perspectives on Ergodic Literature. Baltimore: Johns Hopkins


University Press, 1997.

A D O R N O , Theodor. Teoria estética. Lisboa: Edições 70, 2000.


ALSLEBEN, Kurd. "Computerkunst - Form als ethisches Fragen", in: Dencker, Klaus Peter
(Ed.). Interface 7, op. cit., p.104-111.

A R N H E I M , Rudolf. Film als Kunst (1932). Frankfurt do Meno: Fischer Taschenbuch Verlag,
1979 (trad, port.: A arte do cinema. Lisboa: Edições 70, 1989).
A S C O T T , Roy. "La arquitectura de la cibercepción", in: Giannetti, Claudia (Ed.). Ars
Telematica, op. cit., p.95-101.
B A C H E L A R D , Gaston. Der neue wissenschaftliche Geist. Frankfurt do Meno: Suhrkamp
Verlag, 1994 (trad, port.: A formação do espírito científico. Rio de Janeiro: Contraponto,
2003).
B A K H T I N , Mikhail M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François
Rabelais. 4. ed. São Paulo: Editora Hucitec, 1999.

BALÁZS, Béla. Dersichtbare Mensch oderdie Kulturdes Films (1924). Munique: Hanser, 1982.
. "O Homem Visível"; "Nós Estamos no Filme", in: Xavier, Ismail (Org.). A experiência

do cinema. Rio de Janeiro: Graal, 1983.


BARTHES, Roland. Elementos de semiologia. 13 ed. São Paulo: Cultrix, 2000.
B A U D R I L L A R D , Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 1991.
. Das Jahr 2000 findet nicht statt. Berlim: Merve Verlag, 1990.
. Da sedução. Campinas: Papirus, 1991.
. Die Illusion des Endes oder Der Streik der Ereignisse. Berlim: Merve Verlag, 1994.
. Les stratégies fatales. Paris: Editions Grasset & Fasquelle, 1983 (trad, port.: As estra-
tégias fatais. Rio de Janeiro: Rocco, 1999).
B E N I G E R , James. The Control Revolution. Technological and Economic Origins of the
Information Society. Cambridge: Harvard University Press, 1986.
B E N J A M I N , Walter. "Das Kunstwerk im Zeitalter seiner technischen Reproduzierbarkeit".
Frankfurt do Meno: Suhrkamp Verlag, 1977 (1a ed. francesa in: Zeitschrift für Sozialfors-
chung, 1936; 1 a ed. alemã in: Schriften, Frankfurt do Meno, 1955; trad, port.: "A obra de
arte na época de sua reprodutibilidade técnica", in: Obras escolhidas I. Magia e técnica,
arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1987).

BENSE, Max. Àsthetische Information(Aesthetica II). Krefeld/Baden-Baden: Agis-Verlag, 1957.


. Àsthetik und Zivilisation (Aesthetica III). Krefeld/Baden-Baden: Agis-Verlag, 1958.
BENSE, Max. Programmierung des Schõnen. Krefeld/Baden-Baden: Agis-Verlag, 1960.
. "Àsthetische Kommunikation", in: Henckmann, Wolfhart (Ed.). Àsthetik, op. cit.,
p.332-338 (1a ed.: "Semiotik. Allgemeine Theorie der Zeichen", in: Internationale Reihe
Kybernetik und Information, B.4. Baden-Baden: Agis-Verlag, 1967. p.18-25).
. Einführung in die informationstheoretische Àsthetik. Reinbek/Hamburgo, 1969.
. Representation und Fundierung der Realitãtem: Fazit semiotischer Perspektiven.
Baden-Baden: Agis Verlag, 1986.
. Pequena estética. 3. ed. São Paulo: Perspectiva. Col. Debates, 2003.
B E R G E R , René. "Les arts technologiques à I'aube du XXIe. siècle", in: Poissant, Louise
(Ed.). Esthétique des arts médiatiques, op. cit. Vol. I, p.77-88.

B E R G E R , René. "L'Artiste et la machine: changements technologiques et nouvelle dimen-


sion esthétique", in: Eisenbeis, M.; Hagebõlling, H. (Ed.). Synthesis. Die visuellen Künste in
der elektronischen Kultur. Offenbach: Hochschule für Gestalgung, 1989, p.20-39.
B O D E N , Margaret A. The Creative Mind: Myths and Mechanisms. Londres: Weidenfeld &
Nicolson, 1990 (ed. Ampliada: Londres: Abacus, 1991; trad, esp.: La mente creativa. Mitos
y mecanismos. Barcelona: Gedisa, 1994).
. (Ed.). The Philosophy of Artificial Intelligence. Londres: Oxford University Press,
1990 (trad, esp.: Filosofia de la Inteligência Artificial. México, D.F.: Fondo de Cultura
Econômica, 1994).
. Die Flügel des Geistes. Kreativitãt und Künstliche Intelligenz. Munique: Artemis
Verlag, 1992.
. "Computing and creativity", in: T. Bynum (Ed.). The Digital Phoenix. Oxford:
Blackwell, 1998 (trad, esp.: "Computación y creatividad", in: Giannetti, Claudia (Ed.). Arte
facto & ciência. Madri: Fundación Telefônica, 1999, p.25-34).
. (Ed.). Dimensions of Creativity. Cambridge, M A : M I T Press, 1994 (trad, port.:
Dimensões da criatividade. Porto Alegre: Artmed, 1999).
B Y N U M , Terrell Ward; M O O R , James H. (Ed.). The Digital Phoenix: How Computers are
Changing Philosophy. Oxford/Maiden: Blackwell Publishers Ltd., 1998.
C A M P B E L L , Jeremy. The improbable machine: What new discoveries in artificial intelli-
gence reveal intelligence about how the mind really works. Nova Cork: Simon & Schuster,
1989 (trad, esp.: La Máquina increíble. México DF.: Fondo de Cultura Econômica, 1994).
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
. O poder da identidade. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
. Fim de milênio. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
C A U N E , Jean. Esthétique de la communication. Paris: Presses Universitaires de France,
1997.
C L A U S , Jürgen. ChippppKunst: Computer - Holographie - Kybernetik - Laser. Frankfurt do
Meno/Berlim: Ullstein, 1985.
. Das elektronische Bauhaus: Cestaltung mit Umwelt. Zurique: Edition Interfrom,
1987.
C O P E L A N D , Jack. Artificial Intelligence: A Philosophical Introduction. Oxford/Cambrid-
ge: Basil Blackwell, 1993 (trad, esp.: inteligencia Artificial. Una introducción filosófica.
Madri: Alianza Editorial, 1996).
C O U C H O T , Edmond. "Synthèse et simulation", in: Poissant, Louise (Ed.). Esthétique des
arts médiatiques, op. cit. Vol. II, p.275-290.

214 - CLAUDIA GIANNETTI


C O U C H O T , Edmond. "Entre lo real y lo virtual: un arte de la hibridación", in: Giannetti,
Claudia (Ed.). Arte en la era electrónica. Perspectivas de una nueva estética. Barcelona:
A C C L'Angelot/Goethe Institut, 1997.

. "A arte pode ainda ser um relógio que adianta? O autor, a obra e o espectador na
hora do tempo real", in: Domingues, Diana (Ed.). A arte no século XXI, op. cit., p,135-143.
DAVIS, Douglas. Art and the Future. Nova YorkAVashington: Praeger Publishers, Inc., 1972.
D E B O R D , Guy. La societé du spectacle. Paris: Éditions Buchet-Chastel, 1972 (trad, port.: A
sociedade do espetáculo e comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro:
Contraponto, 1 997).
D E B R A Y , Regis. Vie et mort de 1'image. Une histoire du regard en Occident. Paris: Galli-
mard, 1992 (trad, esp.: Vida y muerte de Ia imagen. Historia de Ia mirada en Occidente.
Barcelona: Paidós, 1994).

D E G A Z I O , Bruno. "La evolución de los organismos musicales", in: Miranda, Eduardo R.


(Ed.). Música y nuevas tecnologias, op. cit., p.139-150.
D E L E U Z E , Gilles; G U A T T A R I , Félix. Rhizome (Introduction). Éditions de Minuit, 1976 (trad,
esp.: Rizoma (Introducción). Valencia: Pre-textos, 1997).

D E N C K E R , Klaus Peter (Ed.). Interface 1 - Elektronische Medien und künstlerische Kreativi-


tát. Hamburgo: Hans-Bredow-Institut, 1992.
DERRIDA, Jacques. La deconstrucción en Ias fronteras de Ia filosofia. Barcelona: Paidós, 1993.
. Gramatologia. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004.
. A escritura e a diferença. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2002.
D O M I N G U E S , Diana (Ed.). A arte no século XXI: a humanização das tecnologias. São
Paulo: U N E S P , 1997.

. Criação e interatividade na ciberarte. São Paulo: Experimento, 2002.


D O R F L E S , Gillo. O devir das artes. Lisboa: Pub. Dom Quixote, 1988.
. Elogio da desarmonia. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
DREYFUS, Hubert L. What Computers Can't Do: The Limits of Artificial Intelligence. 2nd ed.
Nova York: Harper & Row, 1979.

D R E Y F U S , Hubert L.; D R E Y F U S , Stuart E. Mind over Machine. Nova York: The Free Press,
1986.

D U G U E T , Anne-Marie; KLOTZ, Heinrich; W E I B E L , Peter (Ed.). Jeffrey Shaw - A user's


manual. From Expanded Cinema to Virtual Reality. Ostfildern: Cantz Verlag, 1997.
ECO, Umberto. Obra aberta: forma e indeterminação nas poéticas contemporâneas. 9. ed.
São Paulo: Perspectiva, 2005.

. Tratado geral de semiótica. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003.


. Apocalípticos e integrados. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004.
E M M E C H E , Claus. The Garden in the Machine: The emerging science of artificial life.
Princeton University Press, 1994 (trad, esp.: Vida simulada en el ordenador - la ciência
naciente de la vida artificial. Barcelona: Gedisa, 1998).

E N C A R N A Ç Ã O , José; PÕPPEL , Ernst; S C H I P A N S K I , Dagmar et al. Wirklichkeit versus Vir-


tuelle Realitát - Strategische Optionen, Chancen und Diffusionspotentiale. Baden-Baden:
Nomos Verlagsgesellschaft, 1997.

FASSLER, Manfred; H A L B A C H , W u l f R. (Ed.). Cyberspace: Gemeinschaften, virtueile Kolo-


nien, Õffentlichkeiten. Munique: Wilhelm Fink Verlag, 1994.

Estética Digital - 215


FASSLER, Manfred; H E N T S C H L À G E R , Ursula; W I E N E R , Zelko (Ed.). Webfictions - Zertreute
Anwesenheiten in elektronischen Netzen. Viena/Nova York: Springer-Verlag, 2002.
FAULSTICH, Werner. Medienãsthetik und Mediengeschichte. Heidelberg: Carl Winter
Universitàtsverlag, 1982.
. Medientheorien. Gõttingen: Vandenhoeck & Ruprecht Verlag, 1991.
FELDERER, Brigitte. Wunschmaschine-Welterfindung. Eine Ceschichte der Technikvisionen
seit dem 18. Jahrhundert. Viena: Springer-Verlag, 1996.
F E Y E R A B E N D , Paul. Adeus à razão. Lisboa: Edições 70, 1991.
. Contra o método. 3. ed. Rio de Janeiro: F. Alves, 1989.

FISHER, Scott S. " W e n n das Interface im Virtuellen verschwindet", in: Waffender, Manfred
(Ed.). Cyberspace - AusfIüge in virtuelle Wirklichkeiten. Reinbeck/Hamburgo: Rowohlt, 1991.
FISHER, Scott S. "Virtual Interface Environments", in: Laurel, Brenda. The Art of Human-
Computer Interface Design, op. cit., p.423-438.
. "Virtuelle W e l t und Selbsterfahrung", in: Rótzer, Florian (Ed.). Vom Chaos zur En-
dophysik, op. cit., p.275-281.
FLESSNER, Bernd (Ed.). Die Welt im Bild. Wirklichkeit im Zeitalter der Virtualitãt. Friburgo:
Rombach Verlag, 1997.
FLUSSER, Vilém. Ins Universum der technischen Bilder. Gõttingen: European Photography,
1985.
. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. São Paulo:
Hucitec, 1985.
. Cestern - Versuch einer Phãnomenologie. Dusseldorf: Bollmann, 1991 (trad, esp.:
Los gestos - Fenomenología y comunicación. Barcelona: Herder, 1994).
. Krise der Linearitãt. Berna: Benteli Verlag, 1992.
. Lob der Oberflãchlichkeit: Für eine Phãnomenologie der Medien. Mannheim: Bo-
llmann Verlag, 1993.
. Vom Stand der Dinge. Eine kleine Philosophie des Design. Gõttingen: Steidl Ver-
lag, 1993.
. Vom Subjekt zum Projekt: Menschwerdung. Mannheim: Bollmann Verlag, 1994.
. Die Revolution der Bilder - Der Flusser-Reader zu Kommunikation, Medien und
Design. Mannheim: Bollmann Verlag, 1995.
. Kommunikologie. Mannheim: Bollmann Verlag, 1996.
. Medienkultur. Frankfurt do Meno: Fischer Taschenbuch Verlag, 1997.
. "^Agrupación o conexión?", in: Giannetti, Claudia (Ed.). Ars Telematica, op. cit.,
p.13-16.
FOREST, Fred. "Manifeste pour une esthétique de la communication", in: Poissant, Louise
(Ed.). Esthétique des arts médiatiques, op. cit. Vol. I, p.25-61 (1a publ. in: Plus Moins Zéro.
Bruselas, 1985, n. 43).
F O U C A U L T , Michel. A arqueologia do saber. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.
. A ordem do discurso. 11. ed. São Paulo: Loyola, 2004.
FRANK, Helmar G.; FRANKE, Herbert W. Àsthetische Information - Eine Einführung in die
kybernetischeÀsthetik. Berlim/Paderborn: Akademia Libroservo/l.f.Kybernetik-Verlag, 1997.
FRANK, Helmar G. Kybernetische Analysen subjektiver Sachverhalte. Quickborn/Hamburgo:
Verlag Schnelle, 1964.

2 1 6 - C L A U D I A GIANNETTI
FRANK, Helmar G. "Informationsãsthetik - Kybernetische Âsthetik", in: Frank, Helmar G.;
Franke, Herbert W. Àsthetische Information, op. cit., p.1-101.
FRANKE, Herbert W. Phãnomen Kunst. Die kybernetischen Crundlagen der Âsthetik.
Colônia: DuMont Buchveriag, 1974.
. Kunst kontra Technik. Frankfurt do Meno: Fischer Verlag, 1978.
. Computergraphik - Computerkunst. Berlim: Springer-Verlag, 1985.
. Leonardo 2000: Kunst im Zeitalter des Computers. Frankfurt do Meno: Suhrkamp
Verlag, 1987.
. "Gibt es eine àsthetische Information?", in: Frank, Helmar G.; Franke, Herbert W.
Àsthetische Information, op. cit., p.105-139.
. "Informationstheorie und Âsthetik", in: Rõtzer, Florian (Ed.). Vom Chaos zur
Endophysik, op. cit., p.398-407.
. Wege zur Computerkunst. Viena/St. Peter am Wimberg: Edition die Donau hinunter,
1995.
F R A N K L I N , Stan. Artificial Minds. Cambridge/Londres: The MIT Press, 1997.
FRIELING, Rudolf; DANIELS, Dieter. Medien Kunst Aktion - Die 60er und 70er Jahre in
Deutschland. Viena/Nova York: Springer Verlag, 1997.
. Medien Kunst Interaktion - Die 80er und 90er Jahre in Deutschland. Viena/Nova
York: Springer Verlag, 2000.
G A L O U Y E , Daniel F. The 13th Floor. Colônia: Verlag Kiepenheuer & Witsch, 1999 (título
original da 1a ed. publicada em 1964: Simulacron - 3; trad, port.: Simulacron - 3. Rio de
Janeiro: O Cruzeiro, 1968).
G I A N N E T T I , Claudia. Arte, ciência y técnica: el espejo de la naturaleza. Vision, realidad y
movimiento de la câmara obscura a la fotografia. Barcelona, 1993 (inédito).
. (Ed.). Media Culture. Barcelona: A C C L'Angelot, 1995.
. Nam June Paik: en el principio era el electron. Barcelona, 1995 (inédito).
. (Ed.). Arte en la era electrónica - perspectivas de una nueva estética. Barcelona,
A C C L'Angelot/Goethe-lnstitut Barcelona, 1997.
. (Ed.). Ars Telematica - telecomunicação, Internet e ciberespaço. Lisboa: Relógio
d'Agua, 1998 (ed. esp.: Ars Telematica - telecomunicación, Internet y ciberespacio.
Barcelona: A C C L'Angelot, 1998).
. (Ed.) Arte facto & ciência. Madri: Fundación Telefônica, 1999 (ed. conjunta com o
catálogo "Epifanía", de Marcel.lí Antúnez Roca).
. "Ars Telematica: estética de ia intercomunicación" (ef a/.), in: La Feria, Jorge (Ed.).
Cine, video y multimedia. La ruptura de Io audiovisual. Buenos Aires: Libros dei Rojas,
2001, p.137-160.
. Vilém Flusser und Brasilien. Colônia: Vilém-Flusser-Archiv/Buchhandlung Walther
Kõnig, 2002.
. " D i e spezifische Sprache der Medien", in: Fassler, Manfred et at. (Ed.). Webfictions,
op. cit., p.198-203.
. "Arte humano/máquina. Virtualización, interactividad y control", in: Sánchez,
Domingo Hernández (Ed.). Arte, cuerpo, tecnologia. Salamanca: Ediciones Universidad
Salamanca, 2003, p.211-221.
. "Estética digital", in: V V . AA. A arte pesquisa. Maria Beatriz de Medeiros (Org.).
Brasília, D.F.: Mestrado em Artes UnB, 2003, p.192-195.

Estética Digital - 217


GIANNETTI, Claudia. Vídeo online. Barcelona: e-mediateca, 2004. Disponível em: <http://
www.mediatecaonline.net/videonline>.
. Aesthetik of the Digital. Karlsruhe: Medienkunstnetz, 2005. Disponível em: chttp://
www.medienkunstnetz.de/themes/aesthetics_ of_the_digital>.
G I E D I O N , Siegfried. Mechanization Takes Command. Fair Lawn, N.J.: Oxford University
Press, 1948 (trad, esp.: La mecanización toma el mando. Barcelona, Gustavo Gili, 1978).
GLASERSFELD, Ernst von. Wissen, Sprache und Wirklichkeit. Arbeiten zum radikalen
Konstruktivismus. Braunschweig/Wiesbaden: Verlag Friedrich Vieweg & Sohn, 1987.
. "Fiktion und Realitãt aus der Perspektive des radikalen Konstruktivismus", in: Rõtzer,
Florian; Weibel, Peter (Ed.). Strategien des Scheins, op. cit., p.161-175.
G Õ D E L , Kurt "Über formal unentscheidbare Sãtze der Principia Mathematica und Verwandter
Systeme I", in: Monatshefte für Mathematik und Physik. Vol. 38, 1931, p.173-198.
GROSSKLAUS, Gõtz. Medien-Zeit, Medien-Raum: Zum Wandel der raumzeitlichen
Wahrnehmung in der Moderne. Frankfurt do Meno: Suhrkamp Verlag, 1995.
G U M B R E C H T , Hans Ulrich; PFEIFFER, K. Ludwig (Ed.). Materialitàt der Kommunikation.
Frankfurt do Meno: Suhrkamp, 1988.
HABERMAS, Jürgen. Der Philosophische Diskurs der Moderne. Frankfurt do Meno:
Suhrkamp, 1985 (trad, port.: O discurso filosófico da modernidade. 2. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2002).
. Technik und Wissenschaft als Ideologie. Frankfurt do Meno: Suhrkamp, 1975 (trad.
port.: Técnica e ciência enquanto ideologia. Lisboa: Edições 70, 2001).
H A L B A C H , W u l f R. Interfaces: Medien - und kommunikationstheoretische Elemente einer
Interface-Theorie. Munique: W i l h e l m Fink Verlag, 1994.
H A R T W A G N E R , Georg; I G L H A U T , Stefan; R Õ T Z E R , Florian (Ed.). Künstliche Spiele.
Munique: Klaus Boer Verlag, 1993.
H E I D E G G E R , Martin. " D i e Frage nach der Technik"; " D i e Kehre", in: Die Technik und
die Kehre. Pfullingen: Neske, 1962, p.5-47 (trad, port.: A questão da técnica. São Paulo:
Cadernos de Tradução/Universidade de São Paulo - Departamento de Filosofia, n. 2, 1997,
p.40-93).
H E I S E N B E R G , Werner. Physik und Erkenntnis. Cesammelte Werke, Band III. Munique:
Piper Verlag, 1985.
HEMKEN, Kai-Uwe (Ed.). Bilder in Bewegung. Traditionen digitaler Àsthetik. Colônia:
DuMont Buchverlag, 2000.
H E N C K M A N N , Wolfhart (Ed). Àsthetik. W e g e der Forschung. Band XXXI. Darmstadt:
Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1979.
H O F S T A D T E R , Douglas R. Códel, Escher, Bach: An Eternal Golden Braid. Basic Books
Inc., 1979 (trad, port.: Gõdel, Escher, Bach: um Entrelaçamento de Gênios Brilhantes. São
Paulo: UnB , 2000).
H O L T Z M A N , Steven. Digital Mosaics. The aesthetics of cyberspace. Nova York: Touchstone/
Simon & Schuster, 1998.
H U H T A M O , Erkki. "From Cybernation to Interaction: ein Beitrag zu einer Archãologie der
Interaktivitàt", in: Felderer, Brigitte (Ed.). Wunschmaschine-Welterfindung, op. cit. (trad,
esp.: " D e la cibernación a la interacción", in: Giannetti, Claudia (Ed.). Arte facto & ciência,
op. cit., p.13-23).
H Ü N N E K E N S , Annette. Der bewegte Betrachter. Theorien der interaktiven Medienkunst.
Colônia: W i e n a n d Verlag, 1997.

2 1 8 - C L A U D I A GIANNETTI
I G L H A U T , Stefan; M E D O S C H , Armin; RÓTZER, Florian (Ed.). Stadt am Netz: Ansichten
von Telepolis. Mannheim: Bollmann Verlag, 1996.
I G L H A U T , Stefan; RÕTZER, Florian; S C H W E E G E R , Elisabeth (Ed.). Illusion und Simulation:
Begegnung mit der Realitãt. Ostfildern: Cantz Verlag, 1995.
ISER, Wolfgang. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. São Paulo: Editora 34,
1999.
JAUSS, Hans Robert. Poetik und Hermeneutik. Munique, 1964.
. "O prazer estético e as experiências fundamentais da Poiesis, Arethesis e Katharsis",
in: Costa Lima, Luis (Org.). A literatura e o leitor. Textos de estética da recepção. 2. ed. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
KAC, Eduardo. "Ornitorrinco y Rara Avis. El arte de Ia telepresencia en Internet", in: Giannetti,
Claudia (Ed.). Ars Telematica, op. cit., p.119-127.
. Telepresence, Biotelematics, Transgenic Art. Maribor: Association for Culture and
Education, 2000.
. Luz & letras. Ensaios de arte, literatura e comunicação. Rio de Janeiro: Contra
Capa, 2004.
KAMPER, Dietmar. Bildstórungem: Im Orbit des Imaginãren. Stuttgart: Cantz Verlag, 1994.
. Imagem e violência: o corpo vivo, o corpo morto. São Paulo: Cise, 2000.
. Estrutura temporal das imagens. São Paulo: Cise, 2002. Também disponível em:
<http://www.cisc.org.br>.
K A M P E R , Dietmar. W U L F , Christoph (Ed.). Rückblick auf das Ende der Welt. Munique:
Klaus Boer Verlag, 1990.
KANT, Immanuel. "Kritik der Urteilskraft". In: Kants gesammelte Schriften. Preufiische Aka-
demie der Wissenschaften. n. 23, 1968 (trad, port.: Crítica da faculdade do juízo. 2. ed. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2002).
KRÀMER, Sybille (Ed.). Symbolische Maschinen - Die Idee der Formalisierung in geschi-
chtlichem Abriss. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1988.
. "Spielerische Interaktion", in: Rõtzer, Florian (Ed.). Schõne neue Welten?, op. cit.
(trad, esp.: "Interacción lúdica. Reflexiones acerca de nuestra relación con Ias herramientas",
in: Giannetti, Claudia (Ed.). Arte facto & ciência, op. cit., p.35-42).
. Medien Computer Realitãt. Wirklichkeitsvorstellungen und Neue Medien. Frankfurt
do Meno: Suhrkamp Verlag, 1998.
KRIEG, Peter, "Versuch über Interaktion und Medien", in: Hartwagner, Georg; Iglhaut,
Stefan; Rõtzer, Florian. Künstliche Spiele, op. cit., p.180-187.
K R U E G E R , Myron W. Artificial Reality II. Reading, Massachusetts/Menlo Park, California/
Nova York: Addison-Wesley Publishing Company Inc., 1991.
. "Videoplace and the Interface of the Future", in: Laurel, Brenda. The Art of Human-
Computer Interface Design, op. cit., p.417-422.
K U H N , Thomas S. The Structure of Scientific Revolutions. Chicago: University of Chicago
Press, 1962 (trad, port.: A estrutura das revoluções científicas. 7. ed. São Paulo: Perspec-
tiva, 2003).
K Ü N Z E L , Werner; H E I K O , Cornelius. Die Ars Ceneralis Ultima des Raymundus Lullus.
Studien zu einem geheimen Ursprung der Computertheorie. Berlim: Edition Olivia Künzel, 1991.
K U R Z W E I L , Raymond. The Age of Intelligent Machines. Massachusetts Institute of Tech-
nology, 1990.

Estética Digital - 219


L A C A N , Jacques. "Psicoanalisis y cibernética, de la naturaleza del lenguaje". Conferencia
realizada em junho de 1955, publ. in: The Seminar of Jacques Lacan, Book II. Cambridge:
Cambridge University Press, 1988.

L A N D O W , George P. (Ed.). Hyper Text Theory. Baltimore/Londres: The Johns Hopkins


University Press, 1994 (trad, esp.: Teoria del hipertexto. Barcelona: Paidós, 1997).
. Hipertext. The convergence of contemporary critical theory and technology. Balti-
more/Londres: The J. Hopkins University Press, 1992 (trad, esp.: Hipertexto. Barcelona:
Paidós, 1995.).
L A N G T O N , Christopher G. (Ed.). Artificial Life: The Proceedings of an Interdisciplinary
Workshop on the Synthesis and Simulation of Living Systems. Los Alamos, Nuevo Mexico,
Sept.1987. Vol. VI. Reading, Massachusetts et air. Addison-Wesley Publishing Company
Inc., 1989 (7. ed., 1995).

. "Artificial Life", in: Langton, Christopher G. (Ed.) Artificial Life, op. cit., p.1-47.
L A N G T O N , Christopher G.; S H I M O H A R A , Katsunori (Ed.) Artificial Life V: Proceedings
of the Fifth International Workshop on the Synthesis and Simulation of Living Systems.
Cambridge/Londres: The MIT Press, 1997.

LAUREL, Brenda (Ed.). The Art of Human-Computer Interface Design. Reading, Massachu-
setts etal.: Addison-Wesley Publishing Company Inc., 1990 (12. ed. 1999).
. Computers as Theatre. Reading, Massachusetts et a I.: Addison-Wesley Publishing
Company Inc., 1993 (7. ed. 1999).
LEARY, Timothy, "The Interpersonal, Interactive, Interdimensional Interface", in: Laurel,
Brenda. The Art of Human-Computer Interface Design, op. cit., p.229-234.
LEEKER, Martina. Mime, Mimesis und Technologie. Munique: W i l h e l m Fink Verlag, 1995.
LÉVY, Pierre. Les technologies de I'intelligence. Paris: Éditions La Découverte, 1990 (trad,
port.: As tecnologias da inteligência. O futuro do pensamento na era da informática. 8. ed.
Rio de Janeiro: Editora 34, 1999).

. Qu'est-ce que le virtuel? Paris: Edtions La Découverte, 1995 (trad, port.: O que é o

virtual? 2. ed. São Paulo: Editora 34, 1997).


. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.
LEVY, Steven. Artificial Life. Pantheon Books/Random House, 1992.
. Artificial Life. A Report from the Frontier. Where Computers Meet Biology. Nova
York: Vintage Books Edition, 1993.
LOEFFLER, Carl Eugene. "Interaktive Computerkunst", in: Dencker, Klaus Peter (Ed.). Inter-
face I, op. cit., p.65-69.
L O V E J O Y , Margot. Postmodern Currents. Art and Artists in the Age of Electronic Media.
Upper Saddle River, N e w Jersey: Prentice Hall, 1997 (1. ed. 1992).

LOVELACE, Ada A. "Sketch of the Analytical Engine Invented by Charles Babbage". Genebra,
1842; reimpresso em: Morrison, Philip e Emily (Ed.), Charles Babbage and His Calculating
Engines. Nova York, 1962, p.248-249; 284.
L U H M A N , Ulrike; W E I B E L , Peter (Ed.). Àsthetik der Absenz. Bilder zwischen Anwesenheit
und Abwesenheit. Munique/Berlim: Klinkhardt & Biermann, 1994.
L U H M A N N , Niklas. " D i e Evolution des Kunstsystems", in: Rõtzer, Florian (Ed.) Vom Chaos
zur Endophysik, op. cit., p.382-397.

. "Sthenographie", in: VV.AA. Beobachter. Konvergenz der Erkenntnistheorien?


Munique: W i l h e l m Fink Verlag, 1990, p.119-138.

2 2 0 - CLAUDIA GIANNETTI
L U H M A N N , Niklas. A improbabilidade da comunicação. Lisboa: Passagens/Vega, 1992.

. Die Cesellschaft der Cesellschaft. Vol.1. Frankfurt do Meno: Suhrkamp Verlag, 1997.
. Die Gesellschaft der Cesellschaft. Vol.2. Frankfurt do Meno: Suhrkamp Verlag, 1997.
. Die Kunst der Cesellschaft. Frankfurt do Meno: Suhrkamp Verlag, 1995 (2. ed.
1996).
L Y O T A R D , Jean-François. A condição pós-moderna. 5. ed. Rio de Janeiro: José Olympio,
1998.
. (Ed.). Immaterialitãt und Postmoderne. Berlim: Merve Verlag, 1985.
_. Le Différend. Paris: Les Editions du Minuit, 1983.
. L'inhumain. Causeries sur le temps. Paris: Éditions Galilée, 1988 (trad, port.: O
inumano: considerações sobre o tempo. 2. ed. Lisboa: Estampa, 1997).
. Le Posmoderne expliqué aux enfants. Paris: Éd. Galilée. 1986 (trad, port.: O pós-
moderno explicado às crianças. 3. ed. Lisboa: D o m Quixote, 1999).
M A A R , Christa; PÕPPEL, Ernst; CHRISTALLER, Thomas (Ed.). Die Technik auf dem Weg zur
Seele. Forschungen an derSchnittstelle Gehirn/Computer. Reinbeck/Hamburgo: Rowohlt, 1996.
MALEWITSCH, Kasimir. Suprematismus - Die gegenstandslose Welt. Colônia: DuMont
Buchverlag, 1989.
M A R G U L I S , Lynn. O planeta simbiótico. Uma nova perspectiva da evolução. Rio de Janeiro:
Rocco, 2001.

M A R G U L I S , Lynn; S A G A N , Dorian. Microcosmos: quatro bilhões de anos de evolução


microbiana. São Paulo: Cultrix, 2004.
_. O que é a vida? Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
MARINETTI, Filippo Tommaso. Manifestos y textos futuristas. Barcelona: Ed. dei Cotai, 1978.
M A T U R A N A , Humberto R. La realidad: iobjetiva o construída? I. Fundamentos biológicos
de Ia realidad. Barcelona: Editorial Anthropos/Universidad Iberoamericana (México, D.F.)/
Instituto Tecnológico y de Estúdios Superiores de Occidente (Guadalajara, México), 1995.

. La realidad: jobjetiva o construída? II. Fundamentos biológicos dei conocimiento.


Barcelona: Editorial Anthropos/Universidad Iberoamericana (México, D.F.)/lnstituto Tec-
nológico y de Estúdios Superiores de Occidente (Guadalajara, México), 1996.

. Was ist Erkennen? Munique, R. Piper G m b H & Co. KG, 1994.


. A ontologia da realidade. 3. ed. Belo Horizonte: Editora U F M G , 2002.
_. "Elemente einer Ontologie des Beobachtens", in: Gumbrecht, Hans Ulrich; Pfeiffer,
K. Ludwig (Ed.). Materialitãt der Kommunikation, op. cit., p.830-845.

. "The Biological Foundations of Self Consciousness and the Physical Domain of


Existence", in: V V . A A . Beobachter. Konvergenz der Erkenntnistheorien?Munique: W i l h e l m
Fink Verlag, 1990, p.47-118.

M A T U R A N A , Humberto R.; V A R E L A , Francisco J. A árvore do conhecimento. As bases


biológicas da compreensão humana. Campinas: Psy II, 1995.
. De máquinas e seres vivos. Autopoiese, a organização do vivo. 3. ed. Porto Alegre:
Artmed, 1997.
M A U R I A C , Claude. L'Alitterature contemporaine. Paris: Ed. Albin Michel, 1969 (trad, esp.:
La Aliteratura Contemporânea. Madri: Guadarrama, 1970).
McCORDUCK, Pamela. Denkmaschinem: Die Ceschichte der künstlichen Intelligenz.
Munique: Markt & Technik Verlag A G , 1979.

Estética Digital - 221


M c C U L L O C H , Warren S.; PITTS, Walter H. "A Logical Calculus of the Ideas Inmanent in
Nervous Activity", in: McCulloch, W. S. Embodiments of Mind. Cambridge: MIT Press,
1965, p.19-39 (trad, esp.: " U n cálculo lógico de las ideas inmanentes en la actividad ner-
viosa", in: Boden, Margaret A. (Ed.). Filosofia de la Inteligência Artificial. México D.F.:
Fondo de Cultura Econômica, 1994, p.33).

M c L U H A N , Herbert Marshall. The Gutenberg Galaxy. Toronto University Press, 1962 (trad,
port.: A Galáxia Gutemberg. A formação do homem tipográfico. São Paulo: Ed. Nacional,
1972).

. Understanding Media. The extension of man. McGraw-Hill, 1964 (trad, port.: Os


meios de comunicação como extensões do homem. 13. ed. São Paulo: Cultrix, 2003).
M c L U H A N , Herbert Marshall; P O W E R S , Bruce. The Global Village - Transformations in
World Life and Media in the 21 st Century. Nova York: Oxford University Press, 1989.
M E R S C H , Dieter; NYÍRI, J. C. (Ed.). Computer, Kultur, Geschichte. Beitrãge zur Philosophie
des Informationszeitalters. Viena: Passagen Verlag, 1991.
M E T Z C E R , Rainer. Kunst in der Postmoderne. Dan Graham. Colônia: Walther Kõnig, 1996.
MEYER , Christian; W E I B E L , Peter (Ed.). Das Bild nach dem letzten Bild. Colônia: Galerie
Metropol/Buchhandlung Walter Konig, 1991.

M I R A N D A , Eduardo Reck (Ed.). Música y nuevas tecnologias. Perspectivas para el sigto XXI.
Barcelona: A C C L'Angelot, 1999.

M O L E S , Abraham A. "A abordagem informacional", in: Dufrenne, Mikel. L'Esthétique et


les sciences de I'art, op. cit., p.300-327.

. "Cybemétique et ceuvre d'art". Revue d'Esthétique, n. 18, 1965. p.163-182.


. "Design und Immaterialitãt", in: Rõtzer, Florian (Ed.). Digitaler Schein: Àsthetik der
elektronischen Medien, op. cit., p.160-182.
. Art et ordinateur. Paris: Biusson Editeur, 1990 (1. ed. 1971; trad, port.: Arte e com-
putador. Porto: Edições Afrontamento, 1990).
. Informationstheorie und ãsthetische Wahrnehmung. Colônia: Du Mont Schauberg,
1971 (1. ed. Théorie de I'information et perception esthétique, 1958).
M O R A V E C , Hans. "Simulación, conciencia, existencia", in: Giannetti, Claudia (Ed.). Arte
facto & ciência, op. cit., p.55-71 (versão adaptada pelo autor do capítulo 7 do livro Robot:
Mere Machine to Transcendent Mind. Oxford: Oxford University Press, 1998).
. Mind Childrem: The Future of Robot and Human Intelligence. Londres: Harvard
University Press, 1988 (trad, port.: Homens e robots: o futuro das inteligências humana e
robótica. Lisboa: Gradiva, 1992).

M Ü L L E R - T A M M , Pia; S Y K O R A , Katharina. Puppen, Kõrper, Automatem: Phantasmen der


Moderne. Düsseldorf/Colônia: Kunstsammlung Nordrhein-Westfalen/Oktagon, 1999.
M Ü N K E R , Stefan; ROESLER, Alexander (Ed.). Mythos Internet. Frankfurt do Meno: Suhrkamp
Verlag, 1997.

NAKE, Frieder. Àsthetik ais Informationsverarbeitung. Grundlagen und Anwendungen der


Informatik im Bereich ãsthetischer Produktion und Kritik. Viena/Nova York, 1974.
NAKE, Frieder (Ed.). Die ertràgliche Leichtigkeit der Zeichen. Àsthetik, Semiotik, Informa-
tik. Baden-Baden: Aegis-Verlag, 1993.
N E L S O N , Theodor H. "The Right W a y to Think About Software Design", in: Laurel, Brenda.
The Art of Human-Computer Interface Design, op. cit., p.235-244.

. Literary Machines. Swarthmore, Pa.: [s.c.], 1981.

2 2 2 - CLAUDIA GIANNETTI
O G D E N , Charles Kay. Bentham's Theory of Fiction. Londres: Routledge, 1932.
O R L A N . De fart charnel au baiser de I'artiste. Paris: Éditions Jean-Michel Place, 1997.
P E N N Y , Simon. "Automatisiertes kulturelles Spiel. Versuch einer Systematisierung der in-
teraktiven Kunst", in: Rotzer, Florian. Schóne neue Welter)?, op. cit., p.263-279.
P E N R O S E , Roger. The Emperor's New Mind: Concerning Computers, Minds, and the Laws
of Physics. Nova York: Oxford University Press, 1989.

POISSANT, Louise (Ed.). Esthétique des arts médiatiques. Vol. I e II. Saint-Foy (Quebec):
Presses de 1'Université du Quebec, 1995.

PÒPPEL, Ernst. " W e n n die Maschine I a u ft, ist sie nicht mehr zu reparieren", in: Rotzer,
Florian (Ed.). Vom Chaos zur Endophysik, op. cit., p.148-160.

. "Radikale Syntopie an der Schnittstelle von Cehirn und Computer", in: Maar, Christa
et al. (Ed.). Die Technik auf dem Weg zur Seele, op. cit., p.12-29.
P O P P E R , Frank. Arte, acción y participación - El artista y la creatividad de hoy. Madri:
Akal, 1989.
RAY, Thomas, S. "Tierra - La idea de crear una amplia red de reservas de biodiversidad
para organismos digitales", in: Giannetti, Claudia (Ed.). Ars Telematica, op. cit., p.143-148.
R E I C H A R D T , Jasia (Ed.). Cybernetic Serendipity. The computer and the arts. Londres/Nova
York: Studio International, jul. 1968 (3. ed. nov. 1968).

R O S N A Y , Joel de. L'homme symbiotique. Regards sur le troisième millénaire. Editions du


Seuil, 1995 (trad, port.: Homem Simbiótico: perspectivas para o terceiro milênio. Petrópo-
lis: Vozes, 1997).
RÕSSLER, Otto E. Endophysik - Die Welt des inneren Beobachters. Berlim: Merve Verlag,
1992.
. Das Flammenschwert oder Wie hermetisch ist die Schnittstelle des Mikrokonstruk-
tivismus? Berna: Benteli Verlag, 1996.
. " D i e W e l t ais Schnittstelle", in: Rõtzer, Florian (Ed.). Vom Chaos zur Endophysik,
op. cit., p.349-368.

. " D e r Leibniz-Effekt: Das symmetrie-induzierte Verschwinden der Realitãt" in:


Rõtzer, Florian; Weibel, Peter (Ed.). Strategien des Scheins: Kunst, Computer, Medien, op.
cit., p.277-289.
. "Endophysik - Physik von innen", in: Cerbel, Karl; Weibel, Peter (Ed.) Ars Electro-
nica, op. cit., p.49-55.
. "Mikro-Kunstruktivismus", in: VV.AA. Lab Jahrbuch 1995/96 für Künste und Appa-
rate. Colônia: Walther Kõnig/Kunsthochschule für Medien, 1996, p.208-227.
RÕTZER, Florian (Ed.). Digitaler Schein. Àsthetik der elektronischen Medien. Frankfurt do
Meno: Suhrkamp Verlag, 1991.
. (Ed.). Vom Chaos zur Endophysik: Wissenschaftler im Cespràch. Munique: Klaus
Boer Verlag, 1994.

. (Ed.). Schòne neue Welten? Auf dem Weg zu einer neuen Spielkultur. Munique:
Klaus Boer Verlag, 1995.
RÕTZER, Florian; R O C E N H O E E R , Sara (Ed.). Kunst machen? Gespràche und Essays. Muni-
que: Klaus Bôer Verlag, 1991.

RÕTZER, Florian; W E I B E L , Peter (Ed.). Strategien des Scheins: Kunst, Computer, Medien.
Munique: Klaus Boer Verlag, 1991.

Estética Digital - 223


RÕTZER, Florian; W E I B E L , Peter (Ed.). Cyberspace: Zum medialen Cesamtkunstwerk.
Munique: Klaus Boer Verlag, 1993.
SCHEFE, P.; HASTEDT, H.; DITTRICH, Y.; KEIL, G. (Ed.). Informatik und Philosophie. Man-
nheim/Leipzig/Viena/Zurique: B. I. Wissenschaftsverlag, 1993.
SCHMIDT, Hermann. Denkschrift zur Gründung eines Instituts für Regelungstechnik. Ber-
lim: Verein Deutscher Ingenieure, 1941.
SCHMIDT, Siegfried J. Àsthetizitãt - Philosophische Beitrãge zu einer Theorie des Àsthetis-
chen. Munique: Bayerischer Schulbuch-Verlag, 1972.
. Kunst: Pluralismen, Revoltem. Berna: Benteli Verlag, 1987.
. "Jenseits von Realitãt und Fiktion?", in: Rõtzer, Florian; Weibel, Peter (Ed.). Strategien
des Scheins, op. cit., p.83-92.
. "Medien: Die Kopplung von Kommunikation und Kognition", in: Kramer, Sybille
(Ed.). Medien Computer Realitãt, op. cit., p.55-72.
. (Ed.). Der Diskurs des Radikalen Konstruktivismus I. Frankfurt do Meno: Suhrkamp
Verlag, 1987 (6. ed. 1994).
. (Ed.) Der Diskurs des Radikalen Konstruktivismus II. Frankfurt do Meno: Suhrkamp
Verlag, 1992.
. Die Welten der Medien. Grundlagen und Perspektiven der Medienbeobachtung.
Braunschweig/Wiesbaden: Friedrich Vieweg & Sohn, 1996.
. Kalte Faszination. Medien, Kultur, Wissenschaft in der Mediengesellschaft.
Weilerswist: Velbrück Wissenschaft, 2000.
. "^Ciber como oikos? O: Juegos serios", in: Giannetti, Claudia (Ed.). Ars Telematica,
op. cit., p.102-116.
SCHULTE-SASSE, Jochen. "Von der schriftlichen zur elektronischen Kultur: Über neuere
Wechselbeziehungen zwischen Mediengeschichte und Kulturgeschichte", in: Gumbrecht,
Hans Ulrich; Pfeiffer, Ludwig (Ed.). Materialitàt der Kommunikation. Frankfurt do Meno:
Suhrkamp, 1988.
S C H W A R T Z , Hans Peter (Ed.). Media Art History. Munique/Nova York: Prestel-Verlag, 1997.
SEARLE, John R. The construction of social reality. Nova York: The Free Press, 1995 (trad,
esp.: La construcción de la realidad social. Barcelona: Paidós, 1997).
. Minds, Brains, and Science. Londres: B B C Publications, 1984 (trad, port.: Mente,
cérebro e ciência. Lisboa: Edições 70, 1984).
. Mente, linguagem e sociedade. Filosofia no mundo real. Rio de Janeiro: Rocco,
2000.
S I M O N , Herbert A. The Sciences of the Artificial. Cambridge/Massachusetts/Londres: MIT
Press, 1981.
SLOTERDIJK, Peter. Medien-Zeit. Drei gegenwartsdiagnostische Versuche. 2. Aufl. Stutt-
gart: Cantz-Verlag, 1994.
S O M M E R E R , Christa; M I G N O N N E A U , Laurent (Ed.). Art @ Science. Viena/Nova York:
Springer Verlag, 1998.
STEELS, Luc. "Die Zukunft der Intelligenz", in: Bollmann, Stefan (Ed.). Kursbuch Neue
Mediem, op. cit., p.321-333.
STELLER, Erwin. Computer und Kunst. Programmierte Gestaltung: Wurzeln und Tendenzen
neuer Àsthetiken. Mannheim: Wissenschaftsverlag, 1992.
STÕHR, Jürgen (Ed.). Àsthetische Erfahrung heute. Colônia: DuMont, 1996.

224 - CLAUDIA GIANNETTI


TETENS, Holm. Ceist, Gehirn, Maschine - Philosophische Versuche über ihren Zusame-
nhang. Stuttgart: Philipp Reclam, 1994.
TRILLAS, Enric. La inteligencia artificial. Máquinas y personas. Madri: Editorial Debate, 1998.
T U R I N G , Alan Mathison. "Computing Machinery and Intelligence", in: Mind, vol. LIX,
n. 2236. Oxford: Oxford University Press, 1950.

V A R E L A , Francisco. Connaftre: les sciences cognitives, tendences et perspectives. Paris:


Editions du Seuil, 1988 (trad, port.: Conhecer. As Ciências Cognitivas. Tendências e Pers-
pectivas. Lisboa: Instituto Piaget, 2001).
. A realidade inventada. Campinas: Edit. Psy, 1994.
. El fenômeno de Ia vida. 2. ed. Santiago: Dolmen, 2002.
VARELA, Francisco; T H O M P S O N , Evan; R O S C H , Eleanor. The Embodied Mind: Cognitive
science and human experience. Cambridge: MIT Press, 1991 (trad, port.: A mente incorpo-
rada. Ciências cognitivas e experiência humana. Porto Alegre: Artmed, 2003).
V A T T I M O , Gianni. La fine delia modernità. Milano: Garzanti Editore, 1985 (trad, port.: O
fim da modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. São Paulo: Martins
Fontes, 1996).
. La società trasparente. Milan: Garzanti Ed., 1989 (trad, port.: A sociedade transpa-
rente. Lisboa: Relógio d'Água, 1992).
VIRILIO, Paul. Esthétique de Ia disparition. Paris: Editions André Balland, 1980 (trad, esp.:
Estética de Ia desaparición. Barcelona: Anagrama, 1988).
. L'art du moteur. Paris: Éditions Galilée, 1993 (trad, port.: A arte do motor. São
Paulo: Estação Liberdade, 1996).
. L'inertie polaire. Paris, Christin Bourgois Éditeur, 1990 (trad, port.: A inércia polar.
Lisboa, D o m Quixote, 1993).
. Velocidade e política. São Paulo: Estação Liberdade, 1996.
. La machine de vision. Paris: Editions Galilée (trad, port.: A máquina da visão. Rio
de Janeiro: José Olympio, 1994).
. O espaço crítico e as perspectivas do tempo real. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993.
VV.AA. Der elektronische Raum -15 Positionen zur Medienkunst. Ostfildern: Cantz Verlag,
1998.
. Installation Art. Londres: Thames and Hudson Ltd., 1994.
. Perspektiven der Medienkunst. Ostfildern: Z K M Karlsruhe/Cantz Verlag, 1996.
. Postmoderne und Dekonstruktion. Texte franzósischer Philosophen der Cegenwart.
Stuttgart, Reclam, 1990.
W A F F E N D E R , Manfred (Ed.). Cyberspace: Ausflüge in virtuelle Wirklichkeiten. Hamburgo:
Rowohlt, 1991.
W A G E N S B E R G , Jorge (Ed.). Proceso al azar. 2. ed. Barcelona: MetatemasATusquets Editores,
1996.

W E I B E L , Peter (Ed.). Jenseits der Erde: Kunst, Kommunikation, Gesellschaft im orbitalen


Zeitalter. Viena: Hora-Verlag, 1987.
. (Ed.). Kontext Kunst. Colônia: DuMont Verlag, 1994.
. Offene Handlungsfelder. Colônia: DuMont Buchverlag, 1999.
. (Ed.). Zur Rechtfertigung der hypothetischen Natur der Kunst und der Nicht-ldentitàt
in der Objektwelt. Colônia: Robert Fleck/Galerie Tanya Grunert, 1992.

Estética Digital - 225


WEIBEL, Peter (Ed.)- Eigenwelt der Apparate-Welt. Pioneers of Electronic Art. Linz: Ars
Electronica, 1992.
. "Virtuelle Realitãt: Der Endo-Zugang zur Elektronik", in: Weibel, Peter; Rõtzer,
Florian (Ed.). Cyberspace, op. cit., p.15-46 (trad, esp.: "Realidad Virtual: el endoacceso a la
electronica", in: Giannetti, Claudia (Ed.). Media culture, op. cit., p.9-24).
. "Das Bild nach dem letzten BiId", in: Weibel, Peter; Meter, Christian (Ed.). Das Bild
nach dem letzten Bild, op. cit., p.183-211.
. "The unreasonable Effectiveness of the Methodological Convergence of Art and
Science", in: Sommerer, Christa; Mignonneau, Laurent (Ed.). Art & Science, op. cit. (trad,
esp.: "La irrazonable efectividad de la convergência metodológica del arte y la ciência",
in: Giannetti, Claudia (Ed.). Arte facto & ciência, op. cit., p.43-54).

. "Transformationen der Techno-Àsthetik" in: Rõtzer, Florian (Ed.). Digitaler Schein:

Àsthetik der elektronischen Medien, op. cit., p.205-245.


. Bildwelten 1982-1996. Coordinado por Romana Schuler. Viena: Triton-Verl., 1996.
. Die Beschleunigung der Bilder. In der Chronokratie. Berna: Benteli Verlag, 1987.
W E I B E L , Peter; DECKER, Edith (Ed.). Vom Verschwinden der Feme. Telekommunikation
und Kunst. Colônia: DuMont/Buchverlag, 1990.
W E I B E L , Peter; M E Y E R, Christian (Ed.). Das Bild nach dem letzten Bild. Colônia: Buchhan-
dlung Walther Kõnig, 1991.
W E I N B R E N , Grahame. "Ein interaktives Kino", in: Dencker, Klaus Peter (Ed.). Interface I,
op. cit., p.58-64.
W E I Z E N B A U M , Joseph. "Künstliche Intelligenz ais ein Schlüssel zur elektronischen Produ-
ktion von Wissen?", in: Dencker, Klaus Peter (Ed.). Interface 7, op. cit., p.166-174.
W E L S C H , Wolfgang; PRIES, Christine (Ed.). Àsthetik im Widerstreit: Interventionen zum
Werk von Jean-François Lyotard. Weinheim: VCH-Acta Humaniora Verlag, 1991.
W E L S C H , Wolfgang. Àsthetisches Denken. Stuttgart: Philipp Reclam, 1990.
WIENER, Norbert. The Human use of Human Beings: Cybernetics and Society. Boston:
Houghton Mifflin, 1950 (1. ed.) (trad, port.: Cibernética e sociedade: o uso humano de
seres humanos. 4. ed. São Paulo: Cultrix, 1973.
. Cibernética, ou comunicação no animal e na máquina. 2. ed. São Paulo: Universi-
dade de São Paulo, 1970.

. Inventar: sobre Ia gestación y el cultivo de las ideas. Barcelona: Metatemas/


Tusquets, 1995.
W I E N E R , Oswald, "der bio-adapter", in: Rõtzer, Florian; Weibel, Peter (Ed.). Cyberspace -
Zum medialen Gesamtkunstwerk, op. cit., p.114-126.
. "Simulation und Wirklichkeit", in: Reck, Hans Ulrich (Ed.). Kanalarbeit, op. cit.,

p.311-327.
. Probleme der Künstlichen Intelligenz. Berlim: Merve Verlag, 1990.
. Schriften zur Erkenntnistheorie. Viena/Nova York: Springer, 1996.
W I N K L E R , Hartmut. Docuverse. Zur Medientheorie der Computer. Munique: Boer Verlag, 1997.
Y O U N G B L O O D , Gene. Expanded Cinema. Nova York: E. P. Dutton & Co. Inc., 1970.
. "Metadesign", in: Rõtzer, Florian (Ed.). Digitaler Schein: Àsthetik der elektronischen
Medien, op. cit., p.305-321.
. "Electronic Cafe International. El desafio de crear al mismo nivel que destruímos",
in: Giannetti, Claudia (Ed.). Ars Telematica, op. cit., p.28-44.

2 2 6 - C L A U D I A GIANNETTI
ZIELINSKI, Siegfried. Audiovisions. Cinema and Televisions as Estrades in History. Amsterdam:
Amsterdam University, 1998.

. Archãologie der Medien. Zur Tiefenzeit des technischen Hõrens und Sehens. Reinbek/
Hamburgo: Rowohlt Verlag, 2002.
ZIMMERLI, Walther Ch.; WOLF, Stefan (Ed.). Künstliche Intelligenz: Phiiosophische
Probleme. Stuttgart: Philipp Reclam Jun. G m b H & Co, 1994.

Catálogos (cat), revistas (rev), jornais (jor), webs (web),


C D - R O M (cd)

A B E & SHIKATA. "Ulrike Gabriel: Perceptual Arena", in: Art and Technology by Art &
Design, Londres, Academy Group Ltd., 1994, p.60-65 (rev).
A D R I A N X, Robert, "Elektronischer Raum", in: Kunstforum International. Ruppichteroth,
N° 103, sept./oct. 1989, p. 142-147 (rev).
ARTE E S C I E N Z A . XLII Esposizione Internazionale d'Arte la Biennale di Venezia. Venecia,
1986 (cat).
ARS E L E C T R O N I C A 1986. Festival für Kunst, Technologie und Gesellschaft. Linz, Linzer
Veranstaltungsgesellschaft mbH-LIVA, 1986.

ARS E L E C T R O N I C A 1987. Festival für Kunst, Technologie und Gesellschaft. Linz, Linzer
Veranstaltungsgesellschaft mbH-LIVA, 1987.

ARS E L E C T R O N I C A 1988. Festival für Kunst, Technologie und Gesellschaft. Linz, Linzer
Veranstaltungsgesellschaft mbH-LIVA, 1988.
ARS ELECTRONICA 1989. GERBEL, Karl; LEOPOLDSEDER, Hannes (Ed.). Kunst im Zeitsprung.
Linz, Landesverlag Linz, 1989.

ARS E L E C T R O N I C A 1990. H A T T I N G E R , Gottfried; W E I B E L , Peter (Ed.). Digitale Trãume


(Band I); Virtuelle Welten (Band II). Linz, Landesverlag Linz, 1990.
ARS E L E C T R O N I C A 1991. GERBEL, Karl (Ed.). Out of Control. Linz. Landesverlag Linz, 1991.
ARS E L E C T R O N I C A 1992. GERBEL, Karl; W E I B E L , Peter (Ed.). Die W e l t von Innen - Endo
& Nano. Viena, PVS Verleger, 1992.
ARS ELECTRONICA 1993. GERBEL, Karl; WEIBEL, Peter (Ed.). Genetische Kunst - Künstliches
Leben. Viena, PVS Verleger, 1993.
ARS E L E C T R O N I CA 1994. GERBEL, Karl; W E I B E L , Peter (Ed.). Intelligente Ambiente. Viena,
PVS Verleger, 1994.
ARS ELECTRONICA 1995. GERBEL, Karl; WEIBEL , Peter (Ed.). Mythos Information. Welcome
to the W i r e d World. Viena/Nova York, Springer, 1995.
ARS E L E C T R O N I C A 1996. STOCKER, Gerfried; S C H Õ P F , Christine (Ed.). Memesis. The
Future of Evolution. Viena/Nova York, Springer, 1996.
ARS E L E C T R O N I C A 1997. STOCKER, Gerfried; S C H Õ P F , Christine (Ed.). Fleshfactor Infor-
mationsmaschine Mensch. Viena/Nova York, Springer, 1997.
ARS E L E C T R O N I C A 1998. Philosophien der neuen Technologie. Berlim, Merve Verlag, 1989.
ARS E L E C T R O N I C A 1999. STOCKER, Gerfried; S C H Õ P F , Christine (Ed.). LifeScience. Viena/
Nova York Springer, 1999.
ARS E L E C T R O N I C A 2001. Takeorer - W e r macht die Kunst von morgen? Viena/Nova York,
Springer, 2001.

Estética Digital - 227


A S C O T T , Roy; L O E F F L E R , Carl Eugene (Ed.). "Connectivity: Art and Interactive Tele-
communications". Leonardo Journal of the International Society for the Arts, Sciences and
Technology. Oxford, Nova York et al., Pergamon Press, 1991, Volumen 24, N° 2 (rev).
BEC, Louis. "Squids", in: DEAF Festival 97, Rotterdam,V2_Organisatie, 1997, p.279-314 (cat).

. "Prolegomena", in: Gerbel, Karl; Weibel, Peter (Ed.). Genetische Kunst - Künstliches
Leben. Ars Electronica 1993. W i e n , PVS Verleger, 1993, p.172-179.

. "Zoosystemiker, Monographie, Die Upokrinomene", in: Kunstforum International.


Ruppichteroth, n° 97, nov/dez. 1988, p. 136-149 (rev).
BERGER, René. "Kunst und neue Technologien", in: Kunstforum International. Ruppichteroth,
n° 97, nov/dez. 1988, p.110-119 (rev).
B U S H , Vannevar. "As We May Think", in: Atlantic Monthly 176. Julho de 1945, p.101-108
(rev). Também: http://www.theatlantic.com/doc/194507/bush (web).
C H A L M E R S , David J., "El problema de la consciência", in: Investigación y Ciência. Barce-
lona, Prensa Científica, fevereiro de 1996, p.60-67 ( I a ed. em Scientific American, 1996).
C O H E N , Harold. Londres, Tate Gallery, 1983 (cat).

. Harold Cohem: Computer-as-Artist, Pittsburgh, Buhl Science Center, 1984 (cat).


C O R D E I R O , Waldemar. Arteônica - o uso criativo de meios eletrônicos nas artes. São
Paulo, Editora das Américas/Editora da Universidade de São Paulo, 1972 (cat).

. Uma aventura da razão. São Paulo, Museu de Arte Contemporânea da Universidade


de São Paulo, 1986 (cat).
D R U C K E R , Johanna, "Digital Reflections: The Dialogue of Art and Technology", in: Art
Journal, Vol.56 No. 3, Nova York, 1997, p.2 (rev).
E C H E V E R R Í A , J a v i e r , " T e c n o c u e r p o s T I C " , in: M E C A D e-journal 9/2005, http://

www.mecad.org/e-journal/numero9/htm l/frameset. htm.


E L E C T R O N I C CAFE International: http://www.ecafe.com/index.html (web).
FABRIS, Annateresa, "Waldemar Cordeiro: Computer Art Pioneer", in: Leonardo Journal,
Cambridge, M A , The MIT Press, 1997, Vol. 30, N° 1, p.27-31 (rev).

F O N T A N A , Lúcio. El Espacio como exploración. Madri, Palacio Velazquez, 1982 (cat).


F R A N K E , Herbert W. "Informationstheorie und Asthetik", in: Kunstforum International.
Ruppichteroth, n° 124, nov/dez.1993, p.229-234 (rev).
G I A N N E T T l , Claudia (dir.). "Las múltiplas dimensiones en el arte de la instalación", in:
Lapiz Revista Internacional de Arte, Madri, n° 105-XII, Outubro 1994, p.24-33 (rev).

. "Media/dor: el naixement d'una nova categoria d'artistes", in: Papers d'Art, Girona,
n° 64, Jul./Set. 1995 (rev).

. "Tres máscaras del tiempo", in: Letra Internacional, Madri, n° 39, Jul./Ago. 1995,
p.57-58 (rev).

. "Arte e Hipermedia: entre proyecto y proceso reactivo", in: Revista Zehar, Arteleku,
San Sebastian, n° 31, 1996, p.33-35 (rev).

. "Cultura Telemática", in: CIMAL Arte Internacional, Valencia, N° 46, 1996, p.11-13
(rev).

. "Cultura e arte na era telemática", in: Jornal Estado de Minas/Caderno Pensar, Belo
Horizonte, 27 set. 1997 (jor).

. " D e Ia tele-visión a Ia telemática - El futuro dei audiovisual", in: Festival de Vídeo


de Navarra, Pamplona, Simposio Internacional, Nov. 1997 (cat).

2 2 8 - CLAUDIA GIANNETTI
GIANNETTI, Claudia. "Espacio telemático y creación digital", in: Letra Internacional, Madri,
n° 53, Nov./Dez. 1997, p.32-33 (rev).
. (Hg.). "Fisiones y fusiones: arte, cultura y nuevos medios", Spezialdossier, in: Letra
Internacional, Madri, n° 53, Nov./Dez. 1997, p.32-64 (rev).

. "Estética de la Simulación", in: Arte Virtual - Realidad Plural, Monterrey/México,


Museo de Monterrey, 1997, p.23-32 (cat).

. "Metaformance - El sujeto-proyecto", in: Luces, câmara, acción (...) jCorten!


Videoacción: el cuerpo y sus fronteras, Valencia, I V A M Centre Julio Gonzales, 1997, p.91-
101 (cat).

. "Lo Humano y lo Invisible", http://www.connect-arte.com, 1996-97 (Web), in: W o r k


in Progress, Barcelona, L'Angelot, 1997.

. "Algunos mitos del final del milênio - Contra la trivialización de la tecnocultura", in:
Mostra d'Arts Electròniques 1998, Barcelona, Centre d'Art Santa Monica, 1998, p.16-21 (cat).
. "Arte telemático: modelos de intercomunicación", in: Revista Zehar, San Sebastián,
n° 36, 1998, p.16-19 (rev).

. "Interfaz: Arte + Diseno en Ia Era Digital", in: Revista Arte y Parte, Madrid, n° 17,
Okt./Nov. 1998, p.44-49 (rev).

. "El arte electrónico: cruces, redes e interactividad", in: Confrontacions, Tarragona,


Escola d'Art i Disseny, 1999, p.49-53 (cat).
. "REDesign - Proyectos online; netprojects", in: Festival de Creación Audiovisual
de Navarra, Pamplona, 1999, p.59-60 (cat).

. "im.pact-com.pact - Muestra de arte en C D - R O M " , in: Festival Vid@rte - Festival


de Vídeo y Artes Electrónicas, México DF., 1999 (cat).

. "Ars Telematica: The Aesthetics of Intercommunication", in: Weibel, Peter; Dru-


ckrey, Timothy (Hg.), net_condition - art and global media, Cambridge/MA, MIT Press,
2000, p. 1 62-1 67 (cat); publ. esp.: "Ars Telematica: Estética de la Intercomunicación" in:
Ghrebh - Revista de Comunicação, Cultura e Mídia, CISC, n° 5/2004, http://revista.
cisc.org.br/ghrebh5/ ).

. (Hg.). ArteVision. A history of the electronic art in Spain, Sabadell-Barcelona,


M E C A D , 2000 (CD-ROM).
. " D e la crisis de la imagen técnica", in: Mostra d'Arts Electròniques 2000, Barcelona,
Centre d'Art Santa Monica, 2000, p.17-19 (cat).

. "Reflexiones acerca de la crisis de la imagem técnica, la interfaz y el juego", in:


Análisis, Bellaterra, Universitat Autônoma de Barcelona, n°. 27, 2001, p.151-158; e in:
www.bib.uab.es/pub/analisi/021121 75n27p1 51 .pdf (rev).

. "Link_Age: tiempo lúdico_gesto crítico_espacio poético", in: Link_Age, Oviedo,


Obra Cultural Cajastur, 2001, p.8-15 (cat).

. "El arte electrónico: cruces, redes e interactividad", in: L'Art a finals del segle XX,
Girona, Universitat de Girona/Ajuntamente de Girona, 2002, p.89-92.

. " W W W A r t . Breve balance de la primera década del net art", in: Revista Red Digital,
Madrid, Ministério de Cultura de Espanha, Nov. 2002 http://reddigital.cnice.mecd.es (web).

. "El arte como sistema. Entre el network e Internet", in: Lapiz, Madrid, n° 187-188,
XXI, 2002, p.68-75 (rev).

. "Arte, tecnologia y participación. Apuntes sobre el espírito lúdico en Brasil", in:


Sublime, Gijón, Edita Integra Diseno i Comunicación, n° 6/2002, p.24-25 (rev).

Estética Digital - 229


G i A N N E T T I , Claudia. "Arte_tecnología_tendencias", in: Art.es, Madrid, n° 2/2004, p.56-
57 (rev).

. "Los Museos, Ias tecnologias y la virtualidad", in: Art.es, Madrid, n° 3/2004. (rev).
.. "Posthumanismo y espacio expandido", Art.es, Madrid, n° 4/2004. (rev).

. "Agente interno. El papel dei artista en Ia sociedad de Ia información", in: Inventario


n° 10. Otras formas de producción y distribución del arte. Madrid, A V A M , 2004, p.85-90 (rev).
G O O D M A N , Cynthia (Ed.). InfoArt. The Digital Frontier - From Video to Virtual Reality.
Nova York, Rutt Video Interactive, 1996 (cd).

H E R S H M A N , Lynn Hershman, "Fantasias sobre el anticuerpo. Lujuria y deseo en el


(ciber)espacio", in: M E C A D e-journal, n° 1/1999, http://www.mecad.org/e-journal/archi-
vo/numero1/reindex.htm.

KAC, Eduardo. "Foundation and Development of Robotic Art", in: Art Journal, Vol. 56, n°
3, Nova York, 1997, p.60-67 (rev).

. "Waldemar Cordeiro's Oeuvre and Its Context: A Biographical Note", in: Leonardo
Journal, Cambridge, M A , The MIT Press, 1997, Vol. 30, n° 1, p.23-25 (rev).
K N O W B O T I C Research+cF. "IO_Dencies - Questioning Urbanity", in: DEAF Festival 98,
Rotterdam, NAI Publishers/V2_Organisatie, 1998, p.230-246 (cat).

. "The Urban as Field of Action", in: DEAF Festival 97, Rotterdam, V2_Organisatie,
1997, p.59-75 (cat).

K R U E C E R , Myron W. " U n cuarto de siglo de arte electrónico interactivo", in: Giannetti,


Claudia (org.). "Fisiones y fusiones: arte, cultura y nuevos medios". Dossier especial, in:
Madri, Letra Internacional, n° 53, nov./97, p.54-64 (rev).
LES I M M A T É R I A U X . Epreuves d'écriture. Paris, Centre George Pompidou, 1985 (cat).
LINKE, D e t l e f B., "Theoids, Androids and Clonoids", in: DEAF Festival 97,
Rotterdam,V2_Organisatie, 1997, p.227-254 (cat).

M A T U R A N A , Humberto R. "Metadesign", in: DEAF Festival 97, Rotterdam, V2_Organisatie,


1997, p. 167-203 (cat).

. " W e Link Systems", in: DEAF Festival 98, Rotterdam, NAI Publishers/V2_Organisatie,
1998, p.230-246 (cat).

M A Y N A R D , Patrick (Ed.). Perspectives on the Arts and Technology. Special Issue. The
Journal of Aesthetics and Art Criticism. The American Society for Aesthetics at the Univer-
sity of Wisconsin-Madison and Marquette University. Volume 55, núm.2, 1997 (rev).
M O R A V E C , Hans. "The Universal Robot", in: Cerbel, Karl (Ed.). Out of Control. Ars Elec-
tronica 1991, op. cit., (cat).

M U N T A D A S Proyectos. Madri, Fundación Arte y Tecnologia, 1998 (cat).

M U N T A D A S , Antoni. On Translation: The Games. Atlanta, The Atlanta College of Art


Gallery, 1996 (cat).

NAKE, Frieder. "Künstliche Kunst. In der W e l t der Berechenbarkeit", in: Kunstforum Inter-
national. Ruppichteroth, N° 98, enero/feb. 1989, p.85-94 (rev).

O R L A N . "Résumé", in: VV.AA., Erzeugte Realitáten II - Der Kõrper und der Computer.
Berlim, Neue Gesellschaft für Bildende Kunst, 1994, p.12 (cat).
O U R S L E R , Tony. San Sebastian, Sala Rekalde, 1998 (cat).

P O N T O N , "European Mobile Media Art Project", in: Kunstforum International. Ruppichteroth,


N° 103, sept./oct. 1989, p. 110-123 (rev).

2 3 0 - CLAUDIA GIANNETTI
POPPER, Frank, "Visualization, Cultural Mediation and Dual Creativity", in: Leonardo Journal,
Cambridge, M A , The MIT Press, 1996, Vol. 29, No.4, San Francisco, p.311 (rev).
R Õ S S L E R , Otto E./ W E I B E L , Peter. "Unsere Regenbogenwelt", in: Linz, Ars Electronica
1992. Cerbel, Karl/Weibel, Peter (Ed.), op. cit., p.13-21 (cat).
RÕSSLER, Otto E. "The W o r l d as an Accident", in: DEAF Festival 98, Rotterdam, NAI
Publ ishers/V2_Organisatie, 1998, p.172-182 (cat).
S E R M O N , Paul. "Telematic Presence: An Interview by Johan Pijnappel". in: Art and Tech-
nology by Art & Design. Londres, Academy Group Ltd., 1994, p.80-87 (rev).
S H E R M A N , Tom. "Primary Devices: Artists' Strategic Use of Video, Computer and Tele-
communications Networks", in: Ascott, Roy; Loeffler, Carl E. (Ed.). "Connectivity: Art and
Interactive Telecommunications". Leonardo Journal., op. cit., p.123-125 (rev).
SIMS, Karl. "Interaktive Evolution", in: Gerbel, Karl; Weibel, Peter (Ed.). Genetische Kunst
- Künstliches Leben. Ars Electronica 1993, op. cit., p,119-212.

S O M M E R E R , Christa; M I G N O N N E A U , Laurent. A-Volve. Evolucion Artificial. Madri,


Fundación Arte y Tecnologia, 1996 (cat).
. "Arte como sistema vivo", in: Sabadell, M E C A D e-journal n° 3, marzo de 2000.
(www.mecad.org/e-journal) (web).
S P A F F O R D , Eugene, "Computer Viruses as Artificial Life", in: http://vx.netlux.org/lib/
aes02.html (trad, esp.: "Virus informáticos: una forma de vida artificial", in: M E C A D
e-journal, n° 3/2000, http://www.mecad.org/e-journal/archivo/numero3/reindex.htm).

STELARC, "Parasite Visions", in: DEAF Festival 97, Rotterdam, V2_Organisatie, 1997, p.11-31
(cat).
TATLIN, Vladimir Retrospektive. Colônia, DuMont Buchverlag, 1993 (cat).

V V . A A . Actualité du virtuel. Revue virtuelle. Paris, Centre Georges Pompidou, 1996 (cd).
. Múltiplas Dimensões. Lisboa, Centro Cultural de Belém, 1994 (cat).
. The Aesthetic Status of Technological Art, Special Section, in: Leonardo Journal of
the International Society for the Arts, Sciences and Technology. Cambridge, M A , The MIT
Press, 1999, Volumen 32, Número 3, parte 1 (rev).
_. The Aesthetic Status of Technological Art, Special Section, in: Leonardo Journal of
the International Society for the Arts, Sciences and Technology. Cambridge, M A , The MIT
Press, 1999, Volumen 32, Número 4, parte 2 (rev).
. Art and Technology. Art & Design. Londres, Academy Group Ltd., 1994 (rev).

W E I N B R E N , Grahame, "Ein interaktives Kino", in: Kunstforum International. Ruppichteroth,


N° 103, sept./oct. 1989, p.225-231 (rev).

Estética Digital - 231


índice Onomástico

Aarseth, Espen )., 133-134 Beuys, Joseph, 87

Acconci, Vito, 84 Birkhoff, George David, 37-39, 41

Adorno, Theodor W . , 1 75 Boden, Margaret A., 28-30, 106-107


Adrian X, Robert, 90 Bogdanov, Alexander, 65
Allik, Kristi, 112 Bohn, Christian A., 184, 186
Alsleben, Kurd, 41, 52, 54, 56 Bohr, Niels, 182
Anaxágoras, 179 Boissier, Jean-Louis, 130, 137
Anderson, Laurie, 87 Botschuijver, Theo, 83
Anker, Suzanne, 161 Bréard, Alfred, 187
Antin, Eleanor, 89 Brecht, Bertolt, 148
Aristóteles, 33, 150 Bricken, William, 118-119
Arnatt, Keith, 89 Brooks, Frederick, 120
Arnheim, Rudolf, 148 Bruscky, Paulo, 90
Arnold, Elisabeth, 136 Bureau, Jacques, 50
Ascott, Roy, 89, 124, 173 Burgy, Don, 89
Bush, Vannevar, 130-131

B Bute, Mary E., 83


Bynum, Terrell Ward, 106
Babbage, Charles, 25, 29
Bakhtin, Mikhail M., 108-111, 113
c
Balázs, Bela, 148
Barker, Robert, 187 Cage, John, 51, 78, 81, 87, 96, 134

Barros, Anna, 90 Campus, Peter, 84

Barthes, Roland, 110 Carnap, Rudolf, 35, 143

Baruzzi, Arno, 30-31 Castells, Manuel, 74

Baudelaire, Charles, 19 César, 77

Baudrillard, Jean, 62, 73, 95, 128, 149-150 Chalmers, David J., 159

Bear, Liza, 89 Chase, Charles A., 187

Bee, Louis, 161, 165-168, 173 Chaves Barcellos, Vera, 90

Belin, Alletta d'A., 157 Ciompi, Luc, 73

Beniger, James, 23-24 Cohen, Harold, 105-106, 114

Benjamin, Walter, 20, 104-105 Combas, Robert, 87

Bense, Max, 38-42, 47-49, 56-58 Cordeiro, Waldemar, 41, 88

Bentham, Jeremy, 147 Couchot, Edmond, 121, 126

Berger, René, 1 72 Courchesne, Luc, 124, 130

Berners-Lee, Tim, 84 Cube, Felix von, 41

Bertalanffy, Ludwig von, 65 Cunningham, Merce, 81, 87


D Forest, Fred, 173, 176
Forrester, Jay, 120
Daguerre, Louis-Jacques M., 187
Frank, Helmar, 39, 41, 48, 50, 53-54, 56-57
Dam, Andries van, 131
Franke, Herbert W . , 41, 47-49, 53, 56-57
Davies, Char, 194
Franklin, Stan, 156
Davis, Ben, 130
Fredkin, Edward, 180-181
Davis, Douglas, 50-51, 89
Freud, Sigmund, 136
Debray, Regis, 76
Fuller, Buckmister, 138
Degazio, Bruno, 1 65
Deleuze, Cilles, 133
G
Descartes, René, 26, 35
Dreyfus, Hubert, 30 Gabriel, Ulrike, 167-168, 193
Duchamp, Marcel, 20, 77, 80 Calloway, Kit, 89, 91

Duguet, Anne-Marie, 84, 124 Calouye, Daniel F., 139, 144


Cant, Rus, 130

E Garcia, Wagner, 90
Carcia-Rossi, Horacio, 81
Eco, Umberto, 71, 93, 111
Garnich, Rolf, 41
Eigen, Manfred, 66
Gerstein, Rosalyn, 130
Einstein, Albert, 69, 145
Gessert, George, 161
Eisenstein, Sergej M., 148
Gibbs, Williard, 25
Emmeche, Claus, 156-157, 180-181 Gillette, Frank, 84
Emmerich, Roland, 139 Ginsberg, Allen, 87
Engelbart, Douglas C., 131
Clasersfeld, Ernst von, 68, 146-147, 155
Export, Valie, 83
Glass, Philip, 87
Gõdel, Kurt, 32, 79, 114, 144, 180, 182
F Goethe, Johann Wolfgang von, 136

Fadon Vicente, Carlos, 88, 90 Goldberg, David E., 164-165

Farmer, James Doyne, 157 Gõtz, Karl Otto, 43, 44

Fassbinder, Rainer, 139 Grabill, Vin, 130

Fetter, William, 52 Grace, Sharon, 89

Feyerabend, Paul, 22 Graevenitz, Gerhard von, 54

Finkelstein, David, 180, 182 Graham, Dan, 84-85

Fisher, Scott S., 140, 185 Grimoin-Samson, Raoul, 187

Fleischmann, Monika, 184, 186 Gross, Carmela, 90

Flemming, Alex, 90 GroSklaus, Gõtz, 149

Flusser, Vilém, 60-62, 69, 73-74, 89, 95, Grünfeld, Thomas, 161
128, 149, 164-165 Guattari, Felix, 133

Foerster, Heinz von, 65-66, 68, 126 Gumbrecht, Hans Ulrich, 24


Fong, Eric, 161 Gunzenhãuser, Rul, 39, 41

Fontana, Lucio, 81-82, 96 Guyau, Jean-Marie, 39

2 3 4 - CLAUDIA GIANNETTI
H KICiver, Billy, 81
Knowbotic Research, 190-191
Hahn, Hans, 35
Kosuth, Joseph, 79
Haken, Hermann, 66
Kramer, Sybille, 33
Halbach, Wulf. R., 29, 117-118, 120, 122,
Kremer, David, 161
142
Krieg, Peter, 126
Hartwagner, Ceorg, 126
Krueger, Myron, 112-113,124,129,137,141
Hegedüs, Agnes, 124, 155
Heilig, Morton, 183 Kuhn, Thomas S., 79-80

Heisenberg, Werner, 21, 67, 145


Henckmann, Wolfhart, 44 L
Henry, Pierre, 50, 135
Lacan, Jacques, 147
Hershman, Lynn, 124, 130, 137
Langton, Christopher G., 156-157, 160
Heubler, Douglas, 89
Laposki, Ben, 52
Hobbes, Thomas, 33, 35
Laurel, Brenda, 134
Hoffmann, Peter Gerwin, 161
Laurentiz, Paulo, 90
Hofstadter, Douglas R., 32, 114
Le Corbusier, 81
Horner, Andrew, 164-165
Le Pare, Julio, 81
Leibniz, Gottfried Wilhelm, 33, 35
I Leirner, Jac, 90

Ingarden, Roman, 176 Lester, Andrew, 161

Ingeri, Kurt, 54 Levine, Les, 84

Iser, Wolfgang, 110-111,113 Levy, Steven, 156

Llull, Ramón, 33-35, 135

J Loeffler, Carl, 89
Lovelace, Ada, 29
Jakobson, Roman, 39
Luhmann, Niklas, 63-65, 68, 119
Jauft, Hans Robert, 110
Lumière, Louis Jean, 187
Joyce, Michael, 133
Lyotard, Jean-François, 42-43, 62, 79, 92, 95

K
M
Kac, Eduardo, 88, 90, 97-99, 161
Machado, Arlindo, 90
Kagel, Maurício, 87
Mack, Heinz, 81
Kamper, Dietmar, 149-150
MacMurtries, Chico, 162
Kandinsky, Wassily, 106, 161
Malewitsch, Kasimir, 13, 20
Kant, Immanuel, 37, 46, 71, 104, 144, 147,
Mallarmé, Stéphane, 77
197, 219, 235
Malsburg, Christoph von der, 124
Kircher, Athanasius, 150-151
Mandelbrot, Benoit, 41
Kittler, Friedrich, 120
Manglano-Ovalle, Inigo, 161
Klein, Yves, 78, 96
Manzoni, Piero, 78, 96
Klotz, Heinrich, 84

Estética Digital - 235


Margulis, Lynn, 158 Newell, Allen, 33
Maser, Siegfried, 39, 41, 48 Newton, Isaac, 24, 26
Matuck, Artur, 90 Nietzsche, Friedrich, 104, 139, 172
Maturana, Humberto, 66-68, 70, 72, 145, Nikolais, Alwin, 135
1 77, 1 78 Noll, A. Michael, 54
Matzker, Reiner, 31
Mauriac, Claude, 77 O
Maxwell, James Clerk, 24, 180
O'Kane, Bob, 192
McCulloch, Warren, 142-144
Oeser, Erhard, 73
McLuhan, Marshall, 148
Ogden, Charles Kay, 147
Mekas, Jonas, 83
Oldenburg, Claes, 78
Metzger, Custav, 50
Orlan, 100, 102
Mignonneau, Laurent, 22, 167-172, 186,
224, 226, 231, 236 Osthoff, Simone, 90

Minsky, Marvin, 97, 160


P
Miró, Joan, 106
Moholy-Nagy, László, 20 Paik, Nam June, 50-53, 71, 78, 82, 83, 86-
Mohr, Manfred, 54, 56 88, 134, 206, 210
Moles, Abraham André, 37, 39, 41 -48,106, Pauline, Mark, 162
122
Peirce, Charles Sanders, 39, 41-42
Mondrian, Piet, 106
Pfeiffer, Ludwig, 24
Montand, Yves, 87
Philippot, Michel, 41
Moore, Kevin, 161 Piaget, Jean, 144, 147
Moorman, Charlotte, 87 Pichler, Walter, 137, 183
Morellet, François, 81 Piene, Otto, 81, 130
Morris, Charles, 37 Pitts, Walter, 142-144
Morris, William, 19 Planck, Max, 21, 145
Moscati, Giorgio, 41 Plaza, Julio, 90
Mulder, Robert, 112 Poissant, Louise, 173, 176
Muntadas, Antoni, 88-89 Pomeroy, Jim, 89
Poppel, Ernst, 144, 151, 159-160, 177
N Popper, Frank, 50, 96
Popper, Karl R., 180, 182
Nake, Frieder, 39, 41, 54-55, 106
Prado, Gilbertto, 90
Nauman, Bruce, 84
Prigogine, llya, 23, 66, 145
Nees, Georg, 41, 54-55, 56
Pudowkin, Wsewolod, 148
Negroponte, Nicholas, 129
Nelson, Theodor H., 131
R
Neves, Nelson das, 90
Neumann, John von, 65, 142, 182 Rabinowitz, Sherrie, 89, 91

Neurath, Otto, 35 Ramiro, Mário, 90

2 3 6 - C L A U D I A GIANNETTI
Rauschenberg, Robert, 78, 81 Sogabe, Milton, 90

Ray, Thomas S., 157 Sommerer, Christa, 22, 168-172, 186


Rimbaud, Arthur, 77 Spafford, Eugene, 158
Rinaldo, Ken, 67 Stelarc, 101-103, 162

Rokeby, David, 124, 129, 137, 154 Steller, Erwin, 39, 55

Rõssler, Otto E., 139, 178-182, 185, 188 Strauss, Wolfgang, 1 84, 186

Rõtzer, Florian, 125, 128, 136, 147, 154, Struycken, Peter, 54

164, 167, 177-178, 192 Sutherland, Ivan E., 121, 183

Ruskin, John, 19 Sykora, Zdenèk, 54

Russel, Bertrand, 143, 147


T
s
Tatlin, Vladimir, 13
Sagan, Dorian, 158 Tavares, Ana Maria, 90
Santaella, Lucia, 90 Tholen, Ceorg Christoph, 120
Sasnett, Russel, 130 Tijen, Tjebbe van, 83
Schlick, Moritz, 35 Tinguely, Jean, 81
Schmidt, Hermann, 25, 31, 48 Turing, Alan Mathison, 24-30, 32-33, 35,
Schmidt, Siegfried J., 68-69, 73, 75, 152- 65, 105-106, 117, 142
153
Schõffer, Nicolas, 50-51, 53, 111, 135, 137 u
Scholl, Michael O., 120
Uecker, Günther, 81
Schrõdinger, Erwin, 145
Schuler, Romana, 144, 192
V
Schulte-Sasse, Jochen, 24
Schwitters, Kurt, 80 Vaihinger, Hans, 147

Seaman, Bill, 130 Valéry, Paul, 172

Searle, John, 30 VanDerBeek, Stan, 83

Sebring, Ellen, 130 Varela, Francisco J., 66, 68

Seitenberg, Franz, 73 Varèse, Edgar, 81

Sermon, Paul, 124, 194 Vattimo, Gianni, 62


Shannon, Claude E., 25, 36-37, 39, 41-42, Vautier, Ben, 87
59-60, 117, 142 Vinci, Leonardo da, 150
Sharp, Willoughby, 89
Virilio, Paul, 95, 96, 128
Shaw, Jeffrey, 83-84, 124, 128-130, 132,
Vries, Herman de, 54
137, 205
Shimohara, Katsunori, 160
Silveira, Regina, 90
w
Simmel, George, 46 Waffender, Manfred, 185
Simon, Herbert A., 30, 156 Wagensberg, Jorge, 23
Sims, Karl, 162-164 Waldhauer, Fred, 81

Estética Digital - 237


Weaver, Warren, 25, 36-37, 41, 59
Weibel, Peter, 7, 21-22, 78, 83-85, 95-96,
124,126,128-129, 136,147, 155,161, 167,
173, 178, 187-190, 192-193, 205
Weinbren, Crahame, 135-137
Weiss, Paul, 65
Weizenbaum, Joseph, 134
Weizsácker, Friedrich von, 144
Welles, Orson, 146
Wellesley-Miller, Sean, 83
Whitehead, Alfred N., 143
Whitman, Robert, 81
Whitney, John, 52
Wiener, Norbert, 24-28, 30-31, 38-39, 41-
42, 48, 142
Wiener, Oswald, 123, 137-139
Wohlgemuth, Eva, 101

Xenakis, Iannis, 44

Youngblood, Gene, 83, 89


Yvaral, Jean-Pierre, 81

z
Zizek, Slavoj, 128
Zuse, Konrad, 25

2 3 8 - CLAUDIA GIANNETTI

Você também pode gostar