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GEORGES OIDI-HUBERMAN 14. A IMAGEM AR!

)E

14. A IMAGEM ARDE Kant perguntou em tempos: «O que é orientar-se no pensamento»? 6 Não só não
nos orientamos melhor no pensamento desde que Kant escreveu o seu opúsculo,
como a imagem alargou de tal forma o seu território que hoje se torna difícil pen-
Se fica em brasa, é porque é verdadeira (wennes aujbrennt ist es echt).l sar sem «orientar -se na imagem». Jean-Luc Nancy afirmou recentemente que o
pensamento filosófico terá conhecido a sua viragem mais decisiva quando «a
A verdade (...) não se manifesta no desvelamento, mas antes num imagem enquanto mentira» da tradição platónica sofreu uma reviravolta capaz
processo que, por analogia, poderíamos designar por abrasamento do de promover «a verdade enquanto imagem», ideia cuja condição de possibilidade
véu [...], um incêndio da obra, no qual a forma atinge o seu mais alto terá sido forjada pelo próprio Kant com o termo assaz obscuro - como são frequen-
grau de luz (eineVerbrennungdes Werkes,in welcherseineFormzum temente os grandes conceitos filosóficos -de «esquematismo transcendental».7
HohepunktihrerLeuchtkraftkommt).2 Trata-se de uma questão candente, delicada, complexa . Pelo que gostaría-
mos de encontrar a sua resposta sem tardar, bem como o caminho que ela abre e
Queria ver alguma coisa em pleno dia; estava satisfeito com o que conduz ao juízo, ao discernimento ou até à ação. Todavia, porque se trata de
conforto proporcionado por uma penumbra agradável; uma pergunta complexa, estamos sempre atrasados no que toca à esperança de
tinh a pelo dia um desejo de água e de ar. Se ver era o fogo, uma resposta. Entretanto, a pergunta persiste e agrava-se: arde. Ao que parece,
exigia a plenitude do fogo, e se ver era o contágio da loucura, jamais a imagem - e o arquivo que ela forma, se ela se multiplica e se nós deseja-
desejava loucamente essa loucura. 3 mos recolher, compreender essa multiplicidade -, jamais a imagem se impôs
com tanta força no nosso universo estético, técnico, quotidiano, político, históri-
co. Jamais ela mostrou tantas verdades tão cruas; e, não obstante, jama is ela nos
A imagem arde: inflama-se, consome-nos em retorno. Em que sentidos- eviden- mentiu tanto, solicitando ao mesmo tempo a nossa credulidade, jamais ela foi
temente plurais - se deve compreender esta afirmação? Aristóteles iniciou a sua objeto de tantas censuras e destruições. Jamais, portanto- e esta impressão ad-
Poética com uma constatação fundamental: a de que a interpretação de imitar vém sem dúvida da situação atual, do facto de ser uma situação candente -, a
deve ter em conta os seus distintos sentidos. Pode dizer-se que toda a estética imagem foi objeto de tantas discórdias, de revindicações contraditórias e de re-
ocidental nasceu destas distinções. 4 Mas a imitação, como se sabe, tem atraves- jeições cruzadas, de manipulações imorais e de execrações moralizantes .
sado sucessivas crises (o que não quer dizer que tenha desaparecido, passado de Como orientar-se no meio de todas estas bifurcações, de toda s estas poten-
validade, ou que já não nos diga respeito). Assim, seria necessário saber em que ciais armadi lhas? Não será que devemos - hoje mais do que nunca - saber ouvir
diferentes sentidos arder constitui hoje, para a imagem e a imitação, uma «fun- aqueles que, antes de nós e em contextos históricos ainda mais candentes, tenta-
ção» paradoxal, ou melhor, uma disfunção, uma doença crónica ou recorrente, ram produzir um pensamento crítico sobre as imagens, seja sob a forma de uma
um mal-estar na cultura visual: algo que exige, por conseguinte, uma poética Traumdeutung [interpretação dos sonhos], como Freud, de umaKulturwissenchaft
capaz de incluir a sua própria sintomatologia. 5 [ciência da cultura], como Aby Warburg, de uma prática dialética da montagem,
como Eisenstein, de uma gaia ciência à altura do seu próprio não-saber, como
Bataille na sua revista Documents, ou ainda sob a forma de um «trabalho das
passagens» (Passagenwerk), como Walter Benjamin? A nossa dificuldade em
orientarmo-nos não se deve ao facto de uma umca, · ·imagem ser capaz , de ante-

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mão, de reunir tudo isso e, por conseguinte, de ter de ser sucessivamente com-
preendida como documento e objeto de sonho, como obra e objeto de passagem,
como monumento e objeto de montagem, como não-saber e objeto de ciência?

No âmago de todas estas questões talvez esteja a seguinte pergunta: a imagem


pode dar origem a que tipo de conhecimento? Que tipo de contributo ao conheci-
mento histórico este «conhecimento pela imagem» é capaz de dar? Para respon-
der corretamente a esta questão seria necessário reescrever toda umaArqueologia
do Saber das Imagense, se possível, escrever em seguida uma síntese que se pode-
ria chamar As Imagens,as Palavrase as Coisas.Em suma, seria preciso retomar e
reorganizar um imenso material histórico e teórico. Para dar uma ideia do carác- ••
ter crucial de tal conhecimento - isto é, do seu carácter não específico e não fe- Fig. 79 -80. Duas Etapas da Formação da Borbolt ta Morpho peltidt s.
chado, que decorre da sua própria natureza, próxima de um cruzamento, de uma
«encruzilhada» - talvez baste lembrar que a secção Imaginar da Biblioteca de
Warburg, com todos os seus livros de história de arte, de ilustração científica ou borboleta Há muito boas pessoas que acham
de iconografia política, não se pode compreender, e nem sequer utilizar, sem o os traços de uma falena, de uma b .. h ocos e por conseguinte, jamais
d nder com estes ic ar ' b
recurso cruzado, crucial, às duas outras secções intitulada s Falare Agir.8 que não têm na a a apre borboleta. Isto porque a bor o-
t po a ver passar uma d
Ao longo de toda a sua vida, Warburg tentou fundar uma disciplina que evi- vão querer perder o seu em 1 t m mais a ver com o acidente o
- f - passar pe o que e
taria , nomeadamente, que se voltasse a levantar a sempiterna questão - para leta, justamente, nao az senao ' h e aquilo que não perdura é menos
• · M ·t boa gente ac aqu
que com a substancia. Ul a , d E't-ao friável uma borbo 1e-
Bergson, o «falso problema» por excelência - de saber o que vem «primeiro », se ue O que e uro. '
verdadeiro do que o que dura ou do q
a imagem ou a linguagem ... Enquanto «iconologia dos intervalos», a disciplina
inventada por Warburg apresentava-se como a exploração de problemas for- ta dura tão pouco... d"z Mas «estético» nem sempre
' , . , t 'fco» comose i · .
E para mais e bonito, e «es e i ' d ticular da verdade his-
mai s, históricos e antropo lógicos através dos quais, como ele dizia , se poderi a fi .onais da verda e, em par .
é um elogio na boca dos pro ssi , . , um como se fosse a cere1apor
«reconstituir o laço de co-naturalidade [ou de coalescência natural] entre a pa- ,. rgiosa «Estetico» e .
lavra e a imagem» (die natürliche Zusammengehorigkeitvon Wort und Bild).9 tórica, filosófica, pohtica oure i . d d orat1·voe de inessencial. Assim,
. 1 · t é algo e ec . ,
cima no bolo que sena o rea ' is o ' . ' rdade. Pior, dir-se-a
- é grande coisa, o que e ve -
dir-se-á que uma borboleta nao . fiorma é tão fascinante, nao
lh d sencial: se a sua ,
que ela desvia o nosso o ar o es d do falso? Seria ent ão prefenve 1
Arrisquemos uma parábola, a que podemos dar o nome de Parábolada falena (as ,. um sinal de que ela encerra os po eres
falenas, que em francês tanto se podem dizer no feminino como no masculino, sera isso . mais séria.
deixá-la passar, e passar a outra coisa, lhar observar, contemplar.
são as borboletas às quais Aby Warburg se dirigia durante os seus episódios de
as também há pes soas mais propensas para od p' am que o movimen-
loucura, preferindo -as aos seres humanos, de quem ele desconfiava ora com ra- M • . a verda e. ens
Elas atribuem às formas uma apetencia para
zão ora de forma desrazoável). 10 Imaginemos então a imagem emprestando- lhe
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to é mais real do que a imobilidade, que a transformação das coisas talvez nos
ensine mais do que as próprias coisas. Perguntam-se se o acidente não manife s- ador nato e se am. d a n ão pensamos em tornar-nos es-
Se não formos um caç . os mais modestamente, que-
tará a verdade com tanta justeza quanto a própria substância (ambos insepará- P . quer que seia, vam , .
ecialistas ou em possuir o que Ih Pomo -nos portanto, em movimento:
veis, a seus olhos). Aceitam assim tomar, mas não perder, o tempo necess ário . 0 nosso o ar. ' · 1
rer seguir a imagem com d d" atrás da imagem. Admiramos ne a
para olhar para uma borboleta que passa, isto é, para uma imagem que surpreen- de to o o ia . ,
emoção. Corremos, sem re ' b f mento das asas, os padrões imposs1-
demos na cimalha de um museu ou nas páginas de um álbum de fotografias. Por p
recisamente aquilo que nos escapa, o adI aparecem ao sabor de um percurso
vezes, estas pessoas vão até ao ateliê ou ao laboratório, seguem a fabricação da - e vem, • aparecem e es . . "f' ·1d"
veis. de fixar , que vao . 1 Mas a n01te cai.. E' cada vez mais d1 ic1 is-
imagem, observam a crisálida, esperam, com os olhos bem abertos, pelas latên- imprevisível. Emoções smgu ares. - Esperamos. Nada. Voltamos para
cias da forma há muito prisioneira. Surpreendem, às vezes, um momento de ges- cernir a imagem. Ela desapareced. Emorçeatao'r ·1·a e de repente, a imagem reapare-
tação, veem qualquer coisa ganhar forma: emoçãodessa descoberta. Até que a i ima asec , .
casa. Acendemos ave a por c . Mas compreendemos rapidamente que a
imagem se torna matura - como a falena imago- e levanta voo. Outra emoção e
(fig. 79-80). Emoção. Ficamos quase felizes. . ue não andava à nossa volta,
c . 1 não nos seguia, q , .
imagem não nos amava, que e a l t O que ela deseja é a chama. E a
O paradoxo reside aí: é quando podemos enfim vê-Ia, em toda a sua beleza, . a por comp e o.
que, certamente, nos ign~rav é dela que ela se aproxima, se afast~, ~e rea-
forma e cores, que ela bate as asas. Já não a vemos senão de forma descontínua . volta da chama que ela vai e ve~ , f da Sobre a mesa jaz um mmusculo
Pouco depois, ela persegue o seu voo e parte. Perdemo-la de vista: agravação do prox1·ma mais um pouco. Emoçao pro un .
paradoxo. O seu esplendor colorido torna-se um pequeno ponto negro, minúscu- floco de cinza.
lo, no ar. Em breve, já não veremos mais nada, ou antes: não veremos senão o ar.
Outro tipo de emoção.

Queremos segui-Ia para olhar para ela. Pomo-nos nós próprios em movimen- . r a falar de imagens sem falar de c~nzas. As
Não podemos, portanto, contmua b s mortais inventaram para mscrever
to: emoção. Das duas uma: se formos um caçador nato, fetichista, ou angustiado imagens fazem parte daquilo que os po) re s suas próprias consumações. É por
com a hipótese de a perder, tentaremos, logo que possível, apanhá-Ia. Corremos, d · u de temor e ª · as
os seus tremores (de eseio o d ·sta antropológico, opor as imagens e
visamos, lançamos a rede: apanhamo-la. Outro tipo de emoção . Sufocamos a d d um ponto e vi · para
conseguinte absur º'. e . s tout court. Juntos, eles constituem,
maravilha num bocal com éter. Voltamos para casa. Delicadamente, prendemos palavras, os livros de imagens e os h::ulo para a memória, ainda que o tesouro
a falena com alfinetes numa superfície de cortiça. Envidraçamo-la. Vemos ago- cada um de nós, um tesouro ou um t, . steJ·a traçada na areia até que uma vaga
ra perfeitamente a reticulação das formas, a organização das simetrias, o con- fl q
seja um simples oco ou ue a memona , . está
e sujeita a ser esquecida,
· ca d a tesouro
traste das cores : nova emoção. Mas apercebemo-nos - rapidamente ou passado a dissolva. Sabemos que cada memor~a ·t a ser profanado. Assim, cada vez que
muito tempo, apesar da alegria do troféu e da frescura sempre viva das cores - °
sujeito a ser pilha
. d o, ~ada túmulo
, suie1
u os Cento e Vinte Dias de Sodorna- talvez
que falta o essencial a esta imagem: a sua vida, os seus movimentos, os seus ba- abrimos um livro - seia ele a Genes~o pensar nas condições que tornaram
timentos, os seus percursos imprevisíveis e até mesmo o ar que dava um meio a dev
êssemos reservar alguns segun os para 1· d1·antede nós, o facto de ele ter
tudo isso. A emoção cai, talvez mude. Compensamos com a erudição, coleciona- , texto estar a i, ·br
possível o simples milagre que e o , l Queimaram-se tantos livros e b1_ 10-
mos, compramos outros alfinetes e outras tábua s de cortiça, vivemos com o chegado até nós. Houve tantos obstacu os. mos o nosso olhar sobre uma ima-
cheiro do éter, classificamos, tornamo-nos especialistas. Possuímosas imagens. d
Podemos enlouquecer com isso. tecas.11 Do mesmo mo o, ca da vez. que - pousa. pediram a sua destrmçao,· - o seu
cond1çoes que im 12
gem deveríamos pensar nas . C o corrente destruir as imagens.
desaparec1me
. nto · É tão fácil, foi sempre a

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Cada vez que tentamos construir uma interpretação histórica - ou uma «ar-
queologia» no sentido que Michel Foucault dava a esta palavra -, devemos ter
cuidado para não identificar o arquivo de que dispomos, ainda que proliferante,
com os factos e os gestos de um mundo de que ele não nos dá senão alguns ves-
tígios. O próprio do arquivo é a sua lacuna, a sua natureza esburacada. Ora, mui-
tas vezes as lacunas são o resultado de censuras deliberadas ou inconscientes, de
destruições, de agressões, de autos de fé. O arquivo é muitas vezes cinzento, não
só por causa do tempo que passou, mas também por causa das cinzas de tudo o
que o rodeava e que ardeu. É quando descobrimos a memória do fogo em cada
folha que não ardeu que experimentamos a barbárie documentada em cada do-
cumento da cultura. Essa experiência foi muito bem descrita justamente por
Walter Benjamin, cujo último texto, que ele estimava acima de tudo, o texto que
ele estava a redigir na altura em que se suicidou foi sem dúvida atirado para a
fogueira pelos fascistas. «A barbárie esconde-se no próprio conceito de cultu-
ra», escreve. 13 Isso é tão verdade que até a recíproca é verdadeira: não devería-
mos reconhecer, em cada documento da barbárie algo como um documento da
cultura, que nos dá não só a sua história, para falar com simplicidade, mas tam-
bém a possibilidade de fazer a sua arqueologia crítica e dialética? Não se pode
escrever uma «simples» história da partitura de Beethoven encontrada em
Auschwitz perto de uma lista de músicos destinados a executar a Sinfonia nº5
pouco antes de eles próprios serem executados por carrascos melómanos. 14

Fazer uma arqueologia da cultura - depois de Warburg e de Benjamin, de Freud


e de alguns outros - é uma experiência paradoxal, que se estende entre tempora-
lidades contraditórias, entre a vertigem do excesso e a vertigem simétrica do
nada. Se quisermos, por exemplo, escrever a história do retrato no Renascimento
sentimos imediatamente esse excesso quando nos confrontamos com a quanti-
dade de obras que proliferam nas paredes dos museus (a começar pelo «corredor
Fig. 81. Aby Warburg,Atlas dt Imagens Mntmosynt, 1927-1929.Prancha 79·
Vasari», essa extensão da Galeria dos Uffizi onde se encontram nada menos do
que setecentos retratos); porém, como Warburg mo strou no seu magistral artigo
de 1902, não se pode compreender essa arte maior se não tivermos em conta o
nada deixado pela destruição massiva, na época da Contra-Reforma, de toda a

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produção florentina das efígies votivas de cera queimada no claustro da San-


tíssima Anunciada, de que hoje não podemos ter uma ideia senão a partir de o que é então orientar-se no pensamento da história? Warburg não hesita em
imagens aproximativas - as esculturas em terracota policroma, por exemplo - ou ôr a ui em prática uma paradoxal «regra para a orientação do espírito», mais
P q · 1 d. , . - ·
de outras sobrevivências bem mais tardias.is tarde enunciada por Walter Benjamin em duas formu as a miraveis: nao so «a
Debatemo-nos assim, frequentemente, com um imenso e rizomático arquivo história da arte é uma história de profecias», nomeadamente políticas, mas tam-
de imagensheterógenas,difícil de dominar, de organizar e de compreender por- bém cabe ao historiador em geral abordar o seu objeto - a história como devir
que o seu labirinto é justamente feito de intervalos e de lacunas tanto quanto de das coisas, dos seres, das sociedades - «a contrapelo» ou «no sentido contrário
coisas observáveis . Procurar fazer uma arqueologia implica sempre correr o risco do pelo, demasiado luzidio», da história-narração, essa disciplina há muito alie -
19
de pôr, uns ao lado dos outros, bocados de coisas sobreviventes que vêm de locais nada das suas próprias normas de composição literária e memora tiva. A monta-
separados e de tempos disjuntos pelas lacunas e que por isso são necessariamen- gem será precisamente uma das respostas fundamentai s a este problema de cons-
te heterógenos e anacrónicos. Ora, este risco chama -se imaginaçãoe montagem. trução da historicidade.Uma vez que não é orientada simplesmente: a montagem
Na última prancha do atlas Mnémosinecoabitam, nomeadamente, uma obra- escapa às teleologias, torna visíveis as sobrevivências, os anacr~msmos, os en-
-prima da pintura renascentista (A Missa de Bolsenapintada por Rafael, no Vati- contros entre temporalidades contraditórias que afetam cada obJeto, ~ada acon-
cano), fotografias da concordata estabelecida, em Julho de 1929, por Mussolini e tecimento cada pessoa, cada gesto. É assim que o historiador renuncia a contar
pelo papa Pio XI, bem como xilografias antissemitas (das Profanaçõesda Hóstia) «uma hist~ria », mas, ao fazê-lo, consegue mostrar que a his tória é insep~ráve l
contemporâneas dos grandes pogromseuropeus do fim do século xv (fig. 8l).16 o de todas as complexidades do tempo, de todos os estratos da arqueologia, de
caso desta reunião de imagens é tão emblemático quanto perturbante: uma sim- todos os pontilhados do destino. _
ples montagem - à primeira vista gratuita, forçosamente imaginativa, quase sur- A montagem foi, como se sabe, tanto o método literário quant~ a assunçao
realista, como as audácias, contemporâneas, da revista Documents dirigida por epistemológica de Benjamin no seu Livro das Passagens.20 A analogia ~ntre a es-
George Bataille - terá produzido a anamnese figurativa da relação entre um acon- colha desta escrita e as pranchas de Mnémosinedemons tra uma atenç_aocomu_m
teci~_ento político-religioso da modernidade (a concordata) e um dogma teológico - dada à memória - não à coleção das nossas recordações, na qual se ap01a o croms-
-poht1co de longa duração (a eucaristia); mas também entre um documento de ta, mas à memória inconscient e, que se deixa menos contar do que interp:eta~ ª
cultura (Rafael a ilustrar no Vaticano o dogma em questão) e um documento de partir dos seus sintomas-, uma atenção cuja profundidade e ~o~r~deter~maça~
barbárie (o Vaticano a entrar em complacência com uma ditadura fascista). apenas podem ser evocadas pela montagem. Mais ainda, a dialetica das im~gen
A montagem warburguiana produz assim um magistral clarão a partir de de warburg - com a sua incarnação vertiginosa, a saber, esse atlas de um milhar
uma interpretação cultural e histórica, retrospetiva e prospetiva - essencialmen- de fotografias que estará para o hi storiador da arte como o projeto do Livr~ p~r~
- d · em dialeti-
te imaginativa - de todo o antissemitismo europeu: recorda de antemão que 0 o poeta Mallarmé21 _ reencontra-se em grande par_:ena n~çao. ima~
2
·1 ' ' ca que Benjamin pôs no centro da sua própria noçao de histoncidade.
mi agre de Bolsen a deu praticamente uma data de nascimento à perseguição
· ' lbum de fo-
elab~rada e sistemática dos judeus nos séculos XIV e xv; 1 7 e revela, em seguida Tudo isto, claro está, não quer dizer que bastana percorrer um a
- mais de quinze anos antes do «mundo civilizado» ter descoberto os campos de tografias da época para compreender a hi stória que elas eventualmente d.oc~-
1
~oncentração nazis -, o teor aterrador do pacto que uniu um ditador fascista ao mentam. As noções de memória, de montagem e de dialética estão lá para ~~i-
inofensivo «pastor» dos católicos.is car que as imag ens não são nem imediatas, nem fáceis de compreender. Abas,
t espontaneamente
elas nem sequer estão «no presente», como frequentemen e e

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Fig. 82. A vila de Passchendaele(Flandres)


antt s do stu bombardtamtnto, 1917.
Fig. 83. A vila de Passchendaele (Flandres)
apósoseu bombardeamento,1917.

s: pensa. E é precisamente porque as ima ens não -


sao capazes de tornar visíveis r 1 - g estao «no presente» que elas mo -, ele não deixará a arte e a imagem nas mãos dos seus inimigos políticos.
e açoes entre tempos ·
cam a memória na história Gill D 1 . mais complexas que impli- Aliás, Jünger e os seus acólitos «mostram surpreendentemente pouco interes-
. es e euze di-lo-á mais t d ,
« p arece-me evidente que · - ar e, a sua maneira· se» pela imagem angustiante por excelência que, em 1930, continua a assombrar
, a imagem nao está no pr [ , .
e um conjunto de relações de t d . esente .... JApropria imagem todos os espíritos na Alemanha como em França: a das máscaras de gás, isto é,
, · empos as quais deco
mult1plo comum, seja como . . . rre o presente, seja como dos ataques químicos onde se viu bruscamente abolida «a distinção entre civis
- . o mais pequeno d1v1sor As 1 -
ca sao vistas pela percepção ord. , . - . re açoes de tempos nun- e combatentes» e, com ela, «a base principal [do] direito internacional ».25
. . mana, mas sao-no na ·
SeJacnadora. Ela torna sensíve· . , . imagem, desde que esta Esta guerra, diz então Benjamin, foi ao mesmo tempo química (pelos seus
is, v1s1ve1s,as relaçõe d .
presente».23 Esta é também - s e tempos irredutíveis ao meios), imperialista (pelos seus objetivos) e até desportiva (pela sua «lógica dos
a razao pela qual esta - .
questão candente, requer toda .• . questao, amda que seja uma recordes de destruição» levada «até ao absurdo») (fig. 82-83). Ora, é a partir de
. uma paciencia - forçosa d 1
as imagens possam ser olhad . mente o orosa - para que uma tal montagem de ordens de realidade diferentes que Benjamin se torna ca-
, . as, mterrogadas no n
tona e a memória sejam ouvid . osso presente, para que a hi s- paz de dar à guerra uma nova legibilidade filosófica e histórica a partir da «dis-
as, mterrogadas nas imagens.
paridade gritante entre os meios técnicos gigantescos e o ínfimo trabalho de
elucidação moral de que estes são objeto». 26 Seria inexato afirmar que a situa-
Exemplo: Walter Benjamin no seu rese ., . ção , desde então, não mudou. Contudo, a nossa assemelha-se tanto a ela - inclu-
publicada Guerra e Guerreiros u p b nte - J~ sombno - de 1930. Acaba de ser
sive nos recordes - que devemos compreender o seguinte: Benjamin, a partir da
na Grande Guerra como se d'. mBao_ra~rgamzadaporErnstJünger.24Estamos
' iz. en1amm perc b . d. sua «imagem dialética», libertou imaginativamente harmonia s temporais, es-
ponente fascista desta recolh d , . . e e ime iatamente que a com- truturas inconscientes, longas durações a partir do minúsculo fenómeno cultu-
. _ a e textos e md ·, d
t1zaçao recorrente de . issociave 1 e uma espécie de este-
' «uma transposição de f; . ral que a publicação deste livro representou em 1930. Ao ler Jünger a contrapelo,
arte pela arte para o domínio d - sen reada », diz ele, «das teses da
a guerra». Nao obstante - ou talve . Benjamin tornou legível, na guerra imperialista de 1914-1918, algo que clarifica
z por isso mes- - para nós - alguns aspetos das guerras imperialistas de hoje.
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celeste (Vénus deusa) e a ordem viscera l (Vénus aberta), a ordem das belezas lá
«Sinal secreto.Corre de boca em boca uma ideia de Schuler 27 segundo a qual em cima e a dos horrores cá em baixo. Tão velha quanto a Ilíada - até quanto a
todo o conhecimento deve conter um grão de não-sentido, tal como os tapetes e própria imitação32 -, essa ideia tornou-se muito moderna depois dos Desastres de
os frisos ornamentais da Antiguidade apresentavam sempre uma ligeira irregu- Goya. o artista e o historiador ter iam, portanto, uma responsabilidade comum,
laridade no seu desenho. Por outras palavras, o decisivo não é a progressão de a de tornar visível a tragédia na cultura (para não a separar da sua história), mas
conhecimento em conhecimento, mas a fenda no interior de cada um deles. também a cultura na tragédia (para não a separar da sua memória).
Imperceptível marca de autenticidade que o distingue de qualquer mercadoria Isso supõe que se olhe para «a arte» a partir da sua função vital: urgente,
fabricada em série». 28 Poderíamos chamar sintoma a este «sinal secreto». Não candente, impacientetanto quanto paciente. Supõe que o historiador seja de ante-
será o sintoma a fenda nos signos, o grão de não-sentido e de não-saber de onde mão capaz de ver nas imagens o que sofre,onde se exprimem os sintomas (o que,
um conhecimento pode tirar o seu momento decisivo? efetivamente, Aby Warburg procurava fazer), em vez de procurar saber quem é
culpado (o que procuram os historiadores que, como Morelli, identificaram o seu
trabalho com uma prática policial). 33Isso implica que «em cada época [se deva]
Alguns anos mais tarde, Paul Valéry anota esta frase na recolha de textos intitu- arrancar de novo a tradição ao conformismo em vias de a subjugar» - e que esse
lada Maus Pensamentos:«Tal como a mão não pode largar o objeto que a queima gesto surja como uma espécie de aviso dos incêndiospor vir.34
sem que a sua pele com ele se funda e a ele se cole, também a imagem, a ideia
que nos torna loucos de dor, não pode sair da alma, e todos os desvios e esforços
por parte do espírito para dela se desfazer arrastam-na com eles».29 Saber olhar para uma imagem seria tornar-se capaz de discernir onde é que ela
Man Ray, que tão bem fotografou o pó e a cinza, relembra, por sua vez, a arde, onde é que a sua eventual beleza dá lugar a um «sinal secreto», a uma crise
necessidade de reconhecer, na própria imagem, «aquilo que, tragicamente, so- não atenuada, a um sintoma; numa palavra, onde é que a cinza não arrefeceu. Ora ,
breviveu a uma experiência, evocando o acontecimento mais ou menos clara- é preciso lembrar que, para Benjamin, a idade da imagem nos anos trinta é, antes
mente, como as cinzas intactas de um objeto consumido pelas chamas». Mas de mais, a da fotografia: não uma fotografia caritativamente admitida no território
acrescenta que «o reconhecimento desse objeto dificilmente visível e tão frágil, das belas-artes («a fotografia enquanto arte»), mas uma fotografia capaz de modi-
35
bem como a sua simples identificação, por parte do espectador, com uma expe- ficar de uma ponta à outra esse mesmo território («a arte enquanto fotografia»).
riência pessoal similar, exclui qualquer possibilidade de classificação [...] ou de É, aliás, no preciso momento em que enuncia esta tese que Benjam in faz os seus
assimilação a um sistema».3º comentários mais duros acerca da «fotografia criativa», o «elemento criativo» -
como hoje se diz um pouco por toda a parte - tinha-se então transformado nesse
36
«fetiche cujos traços só ganham vida graças à alternância das luzes da moda».
Uma das grandes forças da imagem consiste em aparecer simultaneamente Contra a fotografia de arte e a sua divisa «O mundo é belo»,3 7 a artefotográfica
como sintoma (irrupção no saber) e como conhecimento(irrupção no caos). Note- contribui, se for bem compreendida, para quebrar o limite de toda e qualquer
-s~ qu~ ~alter Benjamin exigia ao artista exatame nte a mesma coisa que exigia representação, ainda que realista. Benjamin vai buscar a sua formulação a Bertolt
ª si propno enquanto historiador: «A arte consiste em escovar a realidade de trás Brecht: «Cada vez menos, o simples facto de «dar a ver a realidade» nos diz algo
para a frente», a contrapelo. 31Warburg, por sua vez, dizia que o artista é aquele sobre essa realidade. Uma fotografia das fábricas Krupp ou da A.E.G. não revela
que faz com que se compreendam mutuamente os astra e os monstra, a ordem praticamente nada sobre estas instituições ».38 A obra de Atget - que deve ser
GEO RGE$ 0 101-HUBE RMAN 14 . A IMAGEM ARDE

considerada no seu conjunto, isto é, no seu sistema biface, puramente documen-


tária, por um lado, e proto -surrealista, por outro - responderá a este argumento É precisamente por este motivo - porque as imagens de Atget estão a modificar
com uma nova capacidade de «desmaquilhar o real».39 A idade da imagem aqui a sua própria linguagem filosófica - que Benjamin, nesse célebre texto sobre a
evocada por Benjamin é aquela em que «a fotografia não procura nem agradar fotografia, desconcerta o seu leitor com a famosa questão da aura. Por um lado,
nem sugerir, mas transmitir uma experiência e um ensinamento».4º essas imagens <<sugama aura do real como a água de um navio à beira do nau-
frágio», maneira de dizer que afotografia nos liberta, nos «explica»da aura, do
único, do longínquo e do olhar religioso a que ele apela. 43 Por outro lado,
Assim, o que Benjamin admira no trabalho fotográfico de Atget não é senão a Benjamin admite a sua fascinação pela «trama singular de espaço e de tempo»,
sua capacidade fenomenológicapara «transmitir uma experiência e um ensina- pela «aparição única de um longínquo, por mais perto que esteja», que se mani-
mento» que «desmaquilhe o real»: marca fundamental de «autenticidade» que festam no «cinzento enternecedor» dos daguerreótipos resplandecentes, tais
decorre de uma «extraordinária faculdade de se fundir com as coisas».41Mas 0 como a perturbante fotografia do jovem Kafka ou as imagens melancó licas de
que significa fundir-se com as coisas?Sem dúvida, estar no terreno . Ver sabendo- David Octavius Hill. 44
-se olhado, envolvido, implicado.Mais ainda: ficar, demorar -se, habitar durante Nessa altura, diz ele, «a técnica mais exata podia dar às suas produções um
um certo tempo de acordo com esse olhar, com essa implicação . Fazer desse valor mágico». O «equivalente técnico» da aura das coisas, a saber, o mezzotin-
tempo uma experiência . Em seguida, fazer dessa experiência uma forma, desdo- to, a grisalha das provas antigas ou ainda essa «zona vaporosa que por vezes
brar uma obra visual. No final do seu artigo, Benjamin propõe um utensílio teó - circunscreve[ ...] a oval, agora em desuso, do recorte», tudo isso acaba por pro-
rico, de grande simplicidade e justeza, para distinguir esta forma de <<transmitir duzir um autêntico fenómeno de aura intrínseco, «implicado» no médiumfoto-
uma experiência e um ensinamento», como ele diz, da simples <<reportagem» gráfico.4sAura «secularizada», evidentemente: já não é a pres~nç~~ítica do
que não é senão visita passageira, afloramento da realidade, ainda que espetacu- deus ou da ninfa que nos faz tremer diante da imagem, mas, mais tnv1almente
lar: <<Asinjunções que a autenticidade da fotografia encerra nem sempre podem e mais crucialmente, o real histórico do lugar fotografado ou então, «naquela
ser elucidadas pela prática da reportagem, cujos clichés visuais, por associação, peixeira de New Haven, que baixa os olhos com um pudor tão indole~te e s:du-
não suscitam senão clichés linguísticos junto de quem olha para eles».42 tor, [esse] algo que é impossível reduz ir ao silênc io e que reclama 1mpenosa -
Benjamin chama a isso um analfabetismo da imagem:se aquilo para que mente o nome dessa mu lher que ali viveu, que ainda é real na fotografia e que
olham só vos evoca clichés linguísticos então estão diante de um cliché visual e . .
jamais passara' a ser mte1ramen t e " ar t e " ».46 . . .
não de uma experiência fotográfica. Pelo contrário, se estiverem perante tal ex- De onde vem este irredutível da fotografia? Menos de um <<1ssoex1stm»
periência, a legibilidadedas imagensdeixa de ser evidente justamente porque se [«ça-a-été» de Barthes], compreendido como o último «noema» da fotogr'a~a,
vê privada dos seus clichés, dos seus hábitos: suporá, em primeiro lugar, o sus- do que de uma conjunção notável - porém pouco evidenciada nos comentanos
pense,a mudez provisória diante de um objeto visual que vos deixa desconcerta- deste texto tão célebre - que atravessa o instrumento fotogra'fi co mteira~~n · · te
dos, despossuídos da vossa capacidade para lhe dar um sentido e até mesmo .
construído entre um real e um inconsciente. · O rea 1 esta'l' a - d"1ant e do ob1et1vo'
para a descrever; imporá, em seguida, a construçãodesse silêncio sob a forma de mas O fotógrafo também está lá implicado (o que pode ser fatal em sit~ação de
~m trabalho sobre a linguagem capaz de criticar os seus próprios clichés. Uma guerra). Quando o olhar do operador se enrola no visor, ele é levado a isola~ ~u
imagem bem olhada seria assim uma imagem que soube desconstruir e, em se- a «expl icar» um real que, contu do, o «1mp . 1·1ca». O m . consciente . é_necessano
, .
guida, renovar a nossa linguagem e, por cons eguinte, o nosso pensamento. (por vezes também alguma inconsciência) para gerir essa s1tuaçao. E assim

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14. A IMAGEM ARDE
GEORGES DIDI-HUBERMAN

Fig. 85. Manus cri tos dt Zalmen Lewental encontrados em


Fig. 84. Manuscritos de Zalmen Lewental encontr ados em
Auschwitz-Birkenau, 1962 (contentor). Auschwit z-Birkenau, 1962 (conteúdo).

que, na imagem fotográfica, o espaço é «elaborado de maneira inconsciente» Quando as tropas dos aliados se aproximavam dos campos de extermínio e
• • 1 '

como mconsciente e a temporalidade fotográfica, segundo Benjamin: essa de concentração, os nazis, como se sabe, procederam à destruição sistemática
«pequena centelha de acaso, de aqui e de agora», da qual temos doravante dos seus arquivos fotográficos . As cerca de quarenta mil imagens que hoje cons-
um frágil rasto visual debaixo dos olhos. O que daí resulta? Benjamin fala de tituem a documentação de Auschwitz-Birkenau não são senão os restos, que al-
um «buraco», que deve ser literalmente compreendido como o buraco provo- guns prisioneiros salvaram das chamas, de uma imensa iconografia d~ genocí -
cado por uma queimadura: «o real queimou, por assim dizer, a imagem, abrin- dio.4s Em 1945, um sobrevivente do Sonderkommando de Auschwitz, Alter
do nela um buraco »47 (die Wirklichkeit den Bildcharakter gleichsam durchge- Foincilber, declarou, no processo de Cracóvia, ter enterrado uma máquina foto-
sengt hat). )
gráfica _ contendo muito provavelmente, um rolo de película impressionada'
mas por revelar - nas imediações dos crematórios: «Enterrei perto dos cremato-
rios de Birkenau uma máquina fotográfica, restos do gás num a caixa de metal e
O fogo com que arde a imagem abre sem dúvida «buracos» persistentes mas é algumas notas em iídiche sobre o número de pessoas que desciam dos con:iboios
ele próp~io passageiro, tão frágil e discreto como o fogo que queima a fal:na que destinadas a serem gaseificadas. Recordo-me do lugar exato onde enterrei esses
49
se aproxima demasiado da sua vela. É preciso olhar longamente para a dan ça da objetos e posso mostrá-lo a qualquer momento».
fal~na para ter uma chance de surpreender esse breve momento . É mais fácil e Essa máquina fotográfica nunca foi encontrada. Essas imagens ou estão - de-
mais frequente não chegar a ver nada. Também é muito fácil tornar invisí vel o finitivamente? provisoriamente? - misturadas com a cinza - ou já foram dela ex-
fogo com que arde uma imagem: os dois meios mais notórios consistem ou em traídas e deitadas ao fogo pelos pilhantes que, após a Libera ção, investiram o
«afogar» a imagem numa fogueira ainda maior, num auto de fé de imagens ou campo de concentração à procura dos supostos «teso uro s» dos judeus . Hoje só
em «sufocar»
. a imagem na enorme massa d e chches . , que por aí circulam.' se conhecem as quatro fotografias tiradas pelos membros do Sonderkommando,
Destruir e desmultiplicar são as duas formas de tornar uma imagem invisível: perto do crematório V, em Agosto de 1944. Mas podemos perceb~r que, quer e~-
pelo nada e pelo excesso. tejam (na maior parte dos casos) perdidas na cinza quer tenham sido dela extra i-

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GEORGES DIDI-HUBERMAN 14. A IMAGEM ARDE

das, estas imagens constituíram-se, a um dado momento, por se terem aproxi- Uma arte da contrainformação: outra forma de dizer como se pode «escova r a
mado do fogo da história e da destruição _Como as falenas que se aproximam da história a contrapelo». Outra forma de exprimir, hoje, o objeto comum ao artista
chama, quase todas são consumidas. Raríssimas e preciosas, as que sobrevive- e ao historiador. Esse objeto passa pelo documento. Confrontado com a ausên-
ram - que chegaram até nós, para nós - chegaram carregadas de um saber que cia de qualquer «estatuto ontológico estável do documento », Régis Durand teve
deve ser perpetuado com o nosso olhar (fig. 84-85). razão em insistir naquilo que sistematicamente é preciso pôr em questão peran-
te essa «noção flutuante»: o olhar- que Durand, infelizmente, acaba por reduzir
ao que ele chama a «nossa competência de espetadores» - e aforma. 53 Uma for-
Hoje, as imagens de violência e de barbárie organizadas são numerosas. A infor- ma sem olhar é uma forma cega. Precisa do olhar, evidentemente, mas olhar não
mação televisiva manipula perfeitamente as duas técnicas do nada e do excesso é simplesmente ver, nem sequer observar com mais ou menos «competê~cia>~:
- censura ou destruição, por um lado, sufocamento por desmultiplicação, por ou- 0 olhar supõe a implicação, o ser-afetado que se reconhece, nessa mesma impli-
tro - para garantir a cegueira generalizada. O que fazer contra esta dupla coação cação, como sujeito. Reciprocamente , um olhar sem forma e sem fór~u~a per-
que nos aprisiona à alternativa não ver nada ou não ver senão clichés? Gilles manece um olhar mudo. É necessária a forma para que o olhar aceda a lingua-
Deleuze, que também procurava como «arrancar uma Imagem aos clichés e gem e à elaboração, único modo de, com um olhar, «transmit ir uma experiênci~
virá-la contra eles» 50 , deu uma pista ao evocar aquilo a que ele chama, em subs- e um ensinamento », ou seja, a possibilidade de uma explicação, de um conheci-
tância, uma arte da contrainformação: «A contrainformação só é efetiva quando mento de uma relação ética: devemos, portanto, implicar-nos em para ter uma
' .
se torna um ato de resistência . Que relação a obra de arte estabelece com a co- hipótese - dando forma a uma experiência, reformulando a nossa lmguagem -
municação? Nenhuma . A obra de arte não é um instrumento de comunicação. de nos explicarmos com.
A obra de arte não tem nada a ver com a comunicação. [...) Ela só tem algo a ver Vivemos na época da imaginação dilacerada. A informaç ão, com a sua ~es-
co_ma ~nformação e com a comunicação enquanto ato de resistência. Que relação multiplicação de imagens, dá-nos em excesso. Somos incitados a não acred i~ar
misteriosa se estabelece entre uma obra de arte e um ato de resistência, sendo em nada daquilo que vemos e, finalmente, a não querermos ver nada daqmlo
que os homens que resistem não têm nem tempo nem por vezes a cultura neces- que temos debaix o dos olh os. Os ossários de Timisoara fora1:1excessiv~mente
sária para ter a mínima relação com a arte? Não sei. [...) Nem todos os atos de mostrados, depois ficámos a saber que com verdadeiros cadaveres podiam ser
resistência são obras de arte, ainda que, de certa forma, o sejam. Nem toda s as feitos falsos ossários. Assim, para muitos, a própria imagem encontra-se , pelas
obras de arte são atos de resistência, mas, de certa forma, não deixam de O ser». s1 manipulações sem fim de que foi objeto - e de que sempre foi objeto: não há_~ma
Na esteira de Deleuze, poderíamos dizer que uma obra resiste se souber ver idade de ouro da imagem, mesmo Lascaux é uma manipulação -, «defimt1va-
«n~ que_advém» o acontecimento, que Deleuze define - de uma forma que, à pri- mente desacreditada» e, pior ainda, afastada de toda e qualquer atenção críti-
meira vista, parece estranhamente lírica e empática - como «o puro exprimido ca.s4 Foi assim que os verdadeiros ossários de Batajnica, a cerca de duas horas de
q~e nos faz sinal e nos espera». 52 Uma obra resiste, portanto, se souber «desa- carro de Timisoara, se tornaram invisíveis para muitos.
brigar» a visao, · imp
· - ou seia, ·
· t·ica-' La enquanto esta se manifesta como «aquilo que Contrariamente às atitudes antidialéticas, fundadas na generalização e na
nos olha», retificando ao mesmo tempo o próprio pensamento, isto é, explicando- rigidez das oposições, a imagem exige - porque não podemos lidar com .ela se~
-a , expondo -a, exp1·icitan ··
· d o-a ou criticando-a com um ato concreto. pôr a nossa imaginaç ão a trabalhar - que pratiquemos a arte do _funambulo.
afrontar O perigoso espaço da implicação, onde nos movemo s d~hca~ame~te,
arriscando, a cada passo, a queda e o abandono (da crença, da 1dentificaçao);

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manter-se em equilíbrio tendo como instrumento o nosso próprio corpo ajudado ser amiúde demasiado frágil ou demasiado melancólico para a vida ativa, dema-
pela maromba da explicação (da crítica, da análise, da comparação, da monta- siado míope ou demasiado sensível, demasiado magro ou demasiado gordo, de-
gem). Explicação e implicação contradizem-se certamente, como a retidão da masiado delicado ou com os pés demasiado achatados para entrar para o exérci-
maromba contradiz a improbabilidade do ar. Mas depende de nós o saber utilizá- to - ser o espectador de um naufrágio? Santo Agostinho e, mais tarde, Voltaire
-las em conjunto, vendo em cada uma delas uma forma de desenrolar o impensa- fustigaram a curiosidade mórbida do espectador ao estetizarem a infelicidade
do da outra. As explicações de Raul Hilberg sobre a organização geral do sistema de outrem, transformando o naufrágio num ícone; Goethe, no campo ainda fu-
concentracionário nazi dão a razão e a «maromba» necessárias ao testemunho megante da batalha de lena, manteve-se em silêncio, um silêncio que alguns
de Filip Müller, implicado no pavoroso quotidiano dos crematórios de Auschwitz; qualificaram de «judicioso»; Hegel pensou que seria possível racionalizar a in-
mas este dá ao saber produzido por aquelas uma «atmosfera» e uma incarnação justiça mortífera da natureza ou dos homens de forma a atingir , no naufrágio
também elas necessárias .55 como na batalha, a famosa razão na história; Schopenhauer, perante tal infelici-
Não devemos ficar surpreendidos por encontrar uma vez mais na obra de dade, esperava antes que daí adviesse a pura expressão do sublime; mais próxi-
Benjamin a expressão mais justa deste duplo exercício, desta dupla distância à mo de nós, Burckhardt viu essa situação como uma prova radical onde se decide
qual todo e qualquer conhecimento das coisas humanas se deveria votar; conhe- a própria possibilidade da história enquanto conhecimento: «Gostaríamos de
cimento esse em que somos ao mesmo tempo sujeito e objeto, observado e ob- conhecer a vaga [responsável pelo naufrágio], mas há que admitir que essa vaga
servador, aquele que está distanciado e aquele que está envolvido. Esta expressão somos nós mesmos».ss
vem de Goethe e aplica-se, no espírito de Benjamin, ao atlas de imagens de Lucrécio, como se sabe, foi quem inventou a imagem filosófica do «naufrá -
August Sander, cuja neutralidade e sistematicidade parecem ter evitado todas as gio com espectador» no início do segundo livro do De Rerum Natura. Com que
armadilhas da empatia. Sander, contudo, construiu uma «observação exempta , fim a convocava? Com uma finalidade ética: o espectador do naufrágio - ou de
é certo, de qualquer preconceito, até mesmo de audácia, mas igualmente terna uma batalha sangrenta - não se deve sentir culpado por estar são e salvo
(aber auch zarte), no sentido em que Goethe evoca um "empirismo terno (eine (reconhece-se aqui o epicurismo de onde provém todo o raciocínio). Porém,
zarte Empirie), que se identifica intimamente com o objeto e assim se transfor- «deve pôr em evidência a diferença que existe entre a necessidad e da felicidade
ma numa verdadeira teoria"». 5 6 e a implacável vontade da realidade física» 59 ou histórica. O espectador do nau-
frágio deve assim transformar a sua sorte no suporte de uma sabedoria que ou-
tros poderão aproveitar.
Não só o próprio conhecimento tem os seus momentos de emoção, mas também A emoção toma-nos quando estamos diante de certas imagens onde somos,
certas coisas - as coisas humanas - só são susceptíveis de serem interpretadas e por assim dizer, os espectadores de um naufrágio - embora num tempo cada vez
explicadas pela via necessária de uma compreensão implicativa, de uma «vivên- menos diferido. A atitude filosófica não consiste em desviar o olhar dessas ima-
cia», de uma preensão quase táctil dos problemas tratados. 57 Claro que isso não gens para afastar a emoção - que, efetivamente, nos desorienta, nos dispersa -
quer dizer que «julgamos lá estar», mas que se reconhece que o objeto do conhe- substituindo-a por uma explicação racional. Ela consistiria antes em fundar
cimento, nesse momento, trabalha intimamente para a constituição do próprio essa explicação, a sua própria racionalidade, sobre o olhar e a emoção de que é
sujeito que conhece.
feita a experiência. O que não quer dizer que nos vamos pôr a chorar por nós
Há, aliás, toda uma tradição filosófica, muito bem reconst ituída por Hans mesmos. Gilles Deleuze di-lo de uma forma muito simples: «A emoção não diz
Blumenberg, onde surge a pergunta: que importância terá para o pensador- esse «eu». [...] Estamos fora de nós. A emoção não é da ordem do eu, mas do aconte-

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14. A IMAGEM ARDE
GEORGES DIDl · HUBERMAN

cimento. É muito difícil dar conta de um acontecimento, mas não me parece que
esta compreensão implique a primeira pessoa. Seria necessário recorrer à tercei-
ra pessoa, como o faz Maurice Blanchot quando afirma que há mais intensidade
na proposição «ele sofre» do que em «eu sofro»».6º

Três semanas depois do fim do genocídio de 1994, o artista chileno Alfredo Jaar
decide partir para o Ruanda levando no bolso a sua máquina fotográfica e bas-
tantes rolos de película. Enquanto constituía um importante arquivo de imagens
no próprio terreno dos massacres - cruzando, sem dúvida, inúmeros fotojorna-
Fig. 86. Alfredo Jaar , Os Olhos de Gutet e Emerita , 1996. Mesa de luz e diaposit ivos.
listas enviados pelas agências do mundo inteiro - Jaar refletia sobre os limites,
não do seu trabalho enquanto tal, mas do possível futuro desse trabalho, em par-
ticular sobre a sua legibilidadeproblemática no contexto social da arte e da in-
formação. Esses milhares de imagens eram mais do que um resultado: supu- far, revelou e imprimiu as suas imagens, mas envolveunesse processo uma refle-
nham o processo, não eram possíveis sem a própria viagem, sem os encontros xão sobre a «qualidade de informação» 63 (information quality) que lhes deve-
com os sobreviventes, sem «as emoções, as palavras e os pensamentos» dessas mos conferir: outra forma de exprimir que este trabalho responde, efetivamente,
pessoas. 61 Era então necessário, para explicar - para que eventualmente um às preocupações de uma «arte da contrainformação» baseada numa crítica agu-
apreciador de arte tivesse, numa galeria, de se debater intimamente com essa da da desinformação que nos rodeia. Evocou-se justamente a ligação entre este
situação-, implicar esse processo, essas emoções, essas palavras e essas ideias trabalho e o cinema crítico de Jean-Luc Godard e, por conseguinte, a importân-
na apresentação das próprias imagens. cia capita l da montagem nos dispositivos de Alfredo Jaar: um dos mais simple s
Uma das obras que decorre dessa viagem, Real Pictures [ImagensReais] consistia, já em 1990, em queimar a imagem do mar, se assim se pode dizer,
(1995), dispunha algum as caixas «minima listas » cheias dessas imagen s pesa- numa obra biface - intitulada Water - onde a beleza das vagas se confundia com
64
das, que não eram inacessíveis, como o disseram alguns críticos de arte, mas o drama dos refugiados vietnamitas que erravam nas suas jangadaS.
estavam em sofrimento, à espera de uma legibilidadepossível, futura. Uma outra Uma nova versão de Lament of the Images foi apresentada em Kassel, em
ob,ra, The EyesofGutete Emerita [OsOlhosde Gutete Emerita] (1996), era consti- 2oo2. o espectador era bruscamente «implicado» numa grande tensão dialética

tuida por um imenso amontoado de diapositivos - mais de um milhão tal como entre dois espaços concomitantes, um onde podia mergulhar no escuro e outro
. ' onde ficava encadeado por uma enorme superfíc ie de luz branca. Na sala obscu-
mais de um milhão de pessoas da minoria Tutsi do Ruanda foram massacradas
em algumas semanas -, que podiam ser consultados e que mostravam todos a ra flutuavam, contudo, três textos, três informações exatas - três factos, três lu-
mesma imagem, os dois olhos de uma sobrevivente com quem o artista tinha gares, três datas - cuja montagem criava uma verdadeira eficácia «explicativ a»
conversado (fig. 86) . O conjunto destas obras acabou por se intitular Lament of acerca do destino das imagens, das nossas imagens,hoje: o primeiro conta va a
the images [Lamentodas ImagensJ.62 história da prisão de Robben Island onde Nelson Mandela esteve detido durante
Est~ «lamentação das imagens» não é nem lacrimejante nem desesperada, vinte e oito anos e onde foi obrigado a extra ir o calcár io das rochas , ficando todo
' .
mas ativa e dialética. O artista não renunciouàs imagens, não deixou de fotogra- branco com a cal extraída, com os olhos queimados pela refração do sol (os pn-

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14. A IMAGEM ARDE
GEORGES 0101-HUBERMAN

sioneiros tinham pedido, em vão, que lhes dessem óculos escuros); o segundo
evocava antigas carreiras de calcário na Pensilvânia, reconvertidas, nos anos
cinquenta, em abrigos antiaéreos e, mais recentemente, num local para armaze-
nar definitivamente - ou seja, num local inacessível - os dezassete milhões de
imagens compradas por Bill Gates aos fundos dos arquivos Bettmann e United
Press International; o terceiro explicava como é que, em Outubro de 2001, o mi-
nistério americano da Defesa tinha aperfeiçoado uma técnica de apagamento
visual dos bombardeamentos de Cabul, nomeadamente ao comprar a exclusivi-
dade dos direitos de todas as imagens satélite do Afeganistão e dos países vizi-
nhos então disponíveis. 65 Como se a guerra já não consistisse apenas em incen-
diar cidades e aldeias, mas em apagar o contrafogo político contido em cada
imagem da história.

Fig. 87. Claudio Parmiggiani, Sem Título, 2005


(deta lhe), Fuligem, fumo, fragmentos de asas
de borboletas sobre tela .
A imagem é muito mais do que um simples recorte praticado no mundo dos aspe-
tos visíveis. É uma marca (empreinte), um sulco, um rasto visual do tempo que ela
quis tocar, mas também dos tempos suplementares - fatalmente anacrónicos
' ler la politesse» quando se parte bruscamente, sem avisar ninguém ). Arde por
heterogéneos entre si - que ela, enquanto arte da memória, não pode deixar de
causa da sua audácia, que torna qualquer recuo, qualquer retiro impossível (em
aglutinar. É cinza misturada, mais ou menos quente, de vários braseiros (fig. 87).
francês costuma-se dizer «bruler les ponts », «ince ndiar as pontes», o que signi-
Assim arde a imagem . Arde por causa do real de que ela, a um dado momento,
fica «cortar relações», ou «bruler ses vaisseaux», «queimar os navios», a respe i-
se aproximou (tal como se diz, nos jogos de adivinhas, «está quente, está a ar-
to de uma situação que não deixa margem para recuo). Arde por causa da dor de
der» quando queremos dizer que alguém «está quase a tocar no objeto escond i-
onde provém, e que transmite a quem quer que tome o tempo de a ela se apegar.
do»). Arde por causa do desejo que a anima, da intencionalidade que a estrutura,
Enfim, a imagem arde por causa da memória, o que significa que ela arde ainda,
da enunciação ou até mesmo da urgência que ela manifesta (tal como se diz,
mesmo quando já não é senão cinza: maneira de dizer a sua essencial vocação
«arder de desejo» ou «estar a ferver» quando alguém se impacienta). Arde por
causa da destruição, do incêndio que quase a pulverizou, de que ela escapou e de para a sobrevivência, para o apesar de tudo.
Mas para o saber, para o sentir, é necessário ousar, é necessá rio aproximar o
que hoje, por conseguinte, pode oferecer o arquivo e a possível imaginação. Arde
seu rosto da cinza. E soprar devagar para que a brasa, por baixo, recomece a
co~ a aurora, quer dizer, com a possibilidade visual que se abre com o seu pró-
propagar o seu calor, a sua luminosidade, o seu perigo. Como se, da imagem
prio consumo: verdade preciosa mas passageira porque votada a apagar -se (tal
cinzenta, se erguesse uma voz: «Não vês que ainda estou a arder?»
como uma vela nos alumia mas, porque arde, se destrói a si mesma). Arde por
·
causado se u movimen ·
to intempestivo, ·
· por ser incapaz de parar a meio caminho (2004)

(como se.diz, por ser incapaz de «queimar as etapas»), uma vez que consegue
sempre bifurcar ou partir bru scamente noutra direção (em francês diz-se «bru-

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phie» (trad. M. de Gandillac), p. 313-314 ~
17 comentada deste texto por A. Gunthert, Études
R. M. Rilke, «Vois...» (esboço), p.1746. Cf. nomeadamente A. Lazzarini, II miracolo di [«Pequena história da fotografia », p. 256-257
W. Benjamin, Origine du drame baroque Bolsena. P. Francastel, «Un mystere parisien photographiques, nº 1, 1996, p. 6-39) .
- trad. modificada N.T.] (citando J. W. Goethe,
36 w.Benjamin, «Petite histoire de la photogra-
allemand, p. 28. [Origem do Drama Trágico illustré par Uccello», p. 295-303. L. Poliakov, Maximen und Rejl.exionen, p. 435).
Histoire de l'antisémitisme, I, p. 140-187. phie» (trad. M. de Gandillac), p. 317-318.
Alemão, p. 17-18.Trad. modificada. Sempre que 57 Cf. L. Binswanger, «Apprendre par expérience,
18 Cf. C. Schoell-Glass, Aby Warburg und der [«Pequena história da fotografia», p. 259
necessário, modifica-se a tradução portuguesa comprendre, interpréter en psychanalyse», p.
de W. Benjamin de acordo com a tradução Antisemitismus, p. 220-246. -trad. modificada. N.T.]
155-172.H. Maldiney, «Comprendre», p. 27-86.
19 37 Ibid ., p. 318 [ibid., p. 259] (alusão à obra de
francesa com que G. D-H. trabalha. N.T.] W. Benjamin, «Paralipomenes et variantes à 58 H. Blumenberg, Naufrage avec spectateur, p.
L'<Euvred'art à l'époque desa reproduction A. Renger-Patzsch, Die Welt ist schiin).
M. Blanchot, La Folie du jour, p. 21. 44-49, 57-59, 64, 71-72e 79-82.
38 Ibid., p. 318 [ibid., p. 259 - trad. modificada.
Aristóteles, La Poétique, 1, 1447a, p. 29. mécanisée», p.180 [«Paralipómenos e varia ... », 59 Ibid., p. 34 (citando Lucrécio, De natura rerum,
p. 503], e «Sur le concept d'histoire», p. 343 N.T.] (citando B. Brecht, «Der Dreigroschen-
Cf. G. Didi-Huberman, «Imitation, représenta- II, verso 1-5).Cf. ainda H. Blumenberg, Le souci
tion, fonction», p. 59-86. [«Sobre o conceito da História», p.13]. prozess», p. 469).
traverse lejl.euve, p. 7-47.
20 39 Ibid ., p. 309 [Ibid., p. 253.]
I. Kant, Qµ'est-ce que s'orienter dans la pensée? W. Benjamin, Paris, capita /e du XIX ' siecle. 60 G. Deleuze, «La peinture enflamme l'écriture»,
21 40 Ibid., p. 318-319 (Ibid., p. 260 - trad. modificada.
I. Kant, Critique de la raison pure, p. 150-156 J. Scherer, Le «Livre» de Mallarmé, 1978. p.172.
[Crítica da Razão Pura, p.181-187], comentada 22 Cf. G. Didi-Huberman, Devant le temps, p. N.T.]
61 A. Jaar, citado por R. Gallo, «Representation of
41 Ibid., p. 309 [Ibid., p. 253- trad. modificada. N.T.]
em J.-L. Nancy, Au fond des images, p. 147-154. 85-155.C. Zumbusch, Wissenschaft in Bildern, Violence, Violence of Representation», p. 57.
42 Ibid., p. 320. [Ibid., p. 261- trad. modificada. N.T.]
Mais precisamente, as secções fundamentais 2004. Cf. ainda A. Jaar e V. Altaio, Let There Be Light.
23 43 Ibid., p. 310-311. [Ibid., p. 254 - trad. modificada .
da Kulturwissenschaftliche Bibliothek Warburg G. Deleuze, «Le cerveau, c'est l'écran», p. 270. 62 Cf. D. B. Balken, Alfredo Jaar: Lament ofthe
estavam organizadas segundo a tripartição 24 E. Jünger (ed.), Krieg und Krieger, 1930. N.T.]
Images.
25 44 Ibid., p. 298-299 e 306-307. [Ibid., p. 245-246 e
Bild-Wort-Handlung, ao que se sobrepunha a W. Benjamin, «Théor ies du fascisme 63 S. Horne, «Acts ofResponsibility», p. 29. A.-M.
questão, omnipresente, da Orientierung. Cf. S. allemand», p. 201. [«Teorias do fascismo p. 250-252-trad. modificada. N.T.]
Ninacs, «Le regard responsable», p. 53-61, que
45 Ibid., p. 300 e 307-308. [Ibid., p. 246 e p. 251-252
Settis, «Warburg continuatus. Description alemão», p. 97.] cita nomeadamente as seguintes declarações
d'une bibliotheque», p. 122-173. 26 bid., p. 199-201. [Ibid., p. 96-97.] - trad . modificada. N.T.]
do artista: « [...] é preciso perguntarmo-nos
27 46 Ibid ., p. 299. [Ibid., p. 245-246 - trad. modifica-
A. Warburg, «L'art du portrait et la bourgeoisie Alfred Schuler (1865-1923)foi um arqueólogo como é que uma imagem que representa o
florentine», p. 106 (trad. modificada). especialista dos cultos e mistérios da da.N.T.] sofrimento, perdida num mar de consumo,
10 47 Ibid., p. 300. [Ibid., p. 246- trad . modificada. N.T.]
Cf. G. Didi-Huberman, «Savoir-mouvement Antiguidade pagã. Cf. A. Schuler, Gesammelte ainda nos pode tocar . Infelizmente, na maior
48 Cf. R. Boguslawska-Swiebocka e T. Ceglowska,
(l'homme qui parlait aux papillons) », p. 7-20 Schriften, I. Cosmogonische Augen. parte dos casos ela é incapaz de o fazer. [...]
[cf. cap. 2, supra]. 28 W. Benjamin, «Breves ombres [II]», p. 349. KL Auschwitz, p. 18.
É por isso que considero que as minhas
11 49 A. Foincilber [ou Fajnzylberg], «Proces-
Cf. L. X. Polastron, Livres en feu. [«Breves sombras», p. 244-245-trad. instalações são exercícios fúteis, utópicos,
12 modificada. N. T.] -verbal », p. 218.
Cf. D. Freedberg, Iconoclasts and their Motives. necessários apenas para garantir a minha
29 50 G. Deleuze, Cinéma 1, p. 283. [A Imagem-
S. Michalski (ed.), Les Iconoclasmes. L'art et les P. Valéry, Mauvaises pensées et autres, p. 812. própria sobrevivência. Estes exercícios são
révolution. B. Scribner (ed.), Bilder und 30 Man Ray, «L'âge de la lumiere », p. 1. -Movim ento, p. 278 -trad. modificada. N.T.]
"reais"? São. São capazes de preencher o vazio,
31 51 G. Deleuze, «Qu'est-ce que l'acte de création?»,
Bildersturm im Spiitmittelalter und in der W. Benjamin, «Adrienne Mesurat», p. 110. o espaço entre a realidade de onde provêm e a
frühen Neuzeit. A. Besançon, L'Image interdite. 32 W. Benjamin, «Sur le pouvoir d'imitation», p. 300-301. sua representação? Não. Mas isso não os torna
52 G. Deleuze, Logiquedusens, p.175. Sobre a
D. Gamboni, Un Iconoclasme moderne e The p. 359-363. irreais. [...] O que fazem as obras mais
Destruction of Art. B. Latour e P. Weibel (ed.), 33 «vidência» segundo Gilles Deleuze, cf.
Sobre esta oposição metodológica, conseguidas: elas propõem uma experiência
Iconoclash. cf. G. Didi-Huberman, « Question de détail, D. Zabunyan, «"Ce que de toute façon je
estética, informam e reclamam uma reação.
13 vois"», no prelo, cf. id., Gilles Deleuze: voire,
W. Benjamin, Paris, capitale du XIX ' siecle, question de pan», e «Pour une anthropologie A obra tem o poder de tocar tanto os sentidos
p.485. des singularités formelles», p. 145-163. parler,penser au risque au cinéma.
quanto a razão, é um equilíbrio muito
14 34 53 R. Durand, «Le document, ou le paradis perdu
Cf. D. Mickenberg, C. Granof e P. Hayes (ed.), W. Benjamin, «Sur le concept d'histoire», complexo, quase impossível de atingir, que
The Last Expression, p. 121. p. 431 [«Sobre o conceito da História», p. 11] de l'authenticité», p. 33 e 36.
determina a intensidade da reação».
15 54 D. Baqué, Pour un nouvel art politique, p. 177
A. Warburg, «L'art du portrait et la bourgeoisie (cf. M. Lõwy, Walter Benjamin: avertissement 64 Cf. B. Clearwater, «Alfredo Jaar», p. 88. M.
florentine», p. 101-135.Cf. G. Didi-Huberman, d'incendie). (e, em geral, p. 175-200).
Cohen Hadria, «Alfredo Jaar», p. 42-43.
55 Cf. F. Müller, Trois ans dans une chambre à gaz
«Ressemblance mythifiée et ressemblance 35 W. Benjamin, «Pe tite histoire de la photogra- Cf. V. Athanassopoulos, «Alfredo Jaar», P· 30-33.
65
d'Auschwitz. R. Hilberg, La Destruction desjuifs
oubliée chez Vasari», p. 383-432. phie» (trad. M. de Gandillac), p. 315[«Pequena
l6 d'Europe, 1988.
A. Warburg, Gesammelte Schriften, II-1. história da fotografia », p. 257- trad. modifica-
56 W. Benjamin, «Petite histoire de la photogra-
Der Bilderatlas Mnemosyne, p. 132_133. da . N. T.] (assinale-se ainda a tradução

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