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Livro: A sociedade do espetáculo

DEBORD, Guy

Sobre o autor:

Guy Debord foi um escritor francês que viveu entre 1931 e 1994. Seus textos foram a
base das manifestações do Maio de 68. Em 1950 se associou à Internacional letrista. Os
letristas estavam interessados em transformar a paisagem urbana e fundiam poesia e
música.

Em 1957 a Internacional letrista se juntou a outro movimento artístico que deu origem a
Internacional Situacionista (IS). Debord se intitulava líder dessa organização e se sentia
responsável por manter os ideais do grupo que, inicialmente, era transgredir o limite que
separa a arte e a cultura do cotidiano com o objetivo de que elas fizessem parte da vida
comum. Para eles o capitalismo tem efeito de desvio e é a faculdade criadora sufocante,
dividindo corpo social em produtores e consumidores, ou atores e espectadores.

Sua obra mais conhecida é Sociedade do espetáculo, publicada em 1967.

Em 1971 conheceu Gerard Lebovici, que se tronou seu amigo, editor e produtor. Lebovici
foi assassinado em 1984, sendo Debord o principal suspeito.

Em 1987 escreveu o Jogo da guerra com sua segunda esposa, Alice Becker-Ho.

Em 1989 publicou seus Comentários na sociedade do espetáculo, onde expande e


atualiza seu texto de 67 inserindo novas formas de espetáculo.

Comete suicídio em 1994 e a partir desse fato a sociedade francesa o transformou numa
celebridade.

RESUMO:

O livro é composto por 221 teses que representam as diversas formas que tornam
possível a realidade se constituir como espetáculos que podem ser úteis a manutenção
das ordens previamente estabelecidas como para a inversão ou modificação destas. Essa
ordem pode ser cultural, econômica, social, política, etc.

O início da obra parte da afirmação de que “Toda a vida das sociedades nas quais reinam
as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de
espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente se tornou uma representação” (p.13).
Livro: A sociedade do espetáculo
DEBORD, Guy

A partir desta perspectiva, invoca o que chama de pseudomundo, um mundo constituído


pelas imagens que se apresentam e se destacam na vida. Ou seja, as imagens possuem
uma realidade própria, que acaba por originar a construção de diversas realidades que se
entrecruzam em um movimento dinâmico. (Lembrei da rede do N. Elias). Desse modo, o
espetáculo consolida uma sociedade onde “O espetáculo não é um conjunto de imagens,
mas uma relação social entre pessoas, mediadas por imagens” (p.14).

Na sociedade onde se convive com a indústria moderna, o espetáculo se inicia e se


encerra em si mesmo, transformando o espetáculo na “principal produção da sociedade
atual” (p.17).

Inicialmente, na economia, há um desdobramento de definições sociais onde o ser perde


espaço para o ter. Por outro lado, na contemporaneidade, o ter perde espaço para
legitimar o parecer ter. E assim transforma imagens em realidade social, sendo uma
“reconstrução material da ilusão religiosa” (p.19) e trazendo à tona a necessidade de
sonhar. No entanto, nesse mundo de sonho, o sistema econômico separa o trabalhador
de sua produção, acarretando uma produção circular de isolamento.

Debord considera que “A origem do espetáculo é a perda da unidade do mundo, e a


expansão gigantesca do espetáculo moderno revela a totalidade dessa perda: a
abstração de todo trabalho particular e a abstração geral da produção como um todo se
traduz perfeitamente no espetáculo, cujo modo de ser concreto é justamente a abstração”
(p.23), levando a sociedade espectadora a se distanciar do conhecimento de sua própria
existência. E ainda, na sociedade, o espetáculo corresponde a uma fabricação concreta
da alienação. “(...) O que cresce com a economia que se move por si mesma só pode ser
a alienação que estava em núcleo origina. (...) O espetáculo é o capital em tal grau de
acumulação que se torna imagem” (p.24-25), onde “o desenvolvimento das forças
produtivas foi a história real inconsciente que construiu e modificou as condições de
existência dos grupos humanos (...) e também a ampliação destas condições: a base
econômica de todos os empreendimentos” (p.29). A mercadoria se torna um espetáculo e
passa a preencher a vida social, onde o poder aquisitivo “emissário” é que legitima uma
potência desconhecida.

O trabalhador é um consumidor real de ilusões ao viver uma realidade ampliada. O


dinheiro real é trocado pela mercadoria e sua realidade abstrata, que invade e consome a
realidade concreta cotidiana. Existe uma interdependência entre economia e sociedade.
Livro: A sociedade do espetáculo
DEBORD, Guy

Na realidade, a unidade construída pelo espetáculo é uma divisão de aparências. Ou seja,


está ao mesmo tempo unindo e dividindo, tal como a sociedade moderna. Dessa forma, “a
sociedade portadora do espetáculo não domina as regiões subdesenvolvidas apenas pela
hegemonia econômica. Domina-as como sociedade do espetáculo. (...) Visto em suas
diversas localizações, o espetáculo mostra com clareza especializações totalitárias do
discurso e da administração sociais, mas estas acabam se fundindo, no nível de
funcionamento global do sistema, em uma divisão mundial das tarefas espetaculares”
(p.38-39). E a consequência é a banalização da realidade vivenciada em meio ás imagens
das mercadorias expostas no meio social para a aquisição de realidades abstratas. “Cada
mercadoria considerada separadamente é justificada em nome da grandeza da produção
da totalidade dos objetos, cujo espetáculo é um catálogo apologético 1” (p.43). Portanto,
existe uma pseudonecessidade construída pela sociedade e pelo sistema.

O proletariado se destaca como sujeito e representação. Nesse sentido, “a unidade irreal


que o espetáculo proclama é a máscara da divisão de classes sobre a qual repousa a
unidade real do modo de produção capitalista” (p.49). Uma vez que no “desenvolvimento
complexo e terrível que conduziu a época das lutas de classes para novas condições, o
proletariado dos países industriais perdeu toda a afirmação de sua perspectiva autônoma
e, em última análise, suas ilusões, mas não o seu ver” (p.81). Assim, a teoria
revolucionária passa a ser inimiga da ideologia revolucionária, sabendo que o é.

A apropriação social do tempo e a produção do homem pelo trabalho humano acontece


em uma sociedade dividida em classes. Por isso se discorre sobre o poder, a forma como
este foi construído ao longo do tempo, onde se transformou em irreversível a partir da
ascensão da burguesia.

Segundo Debord, “com o desenvolvimento do capitalismo, o tempo irreversível unificou-se


mundialmente. A história universal torna-se uma realidade. (...) O tempo irreversível da
produção é antes de tudo a medida das mercadorias” (p.101). Por conseguinte, o tempo
da sociedade, que é visto como um tempo geral, nada mais é do que um tempo particular
originado no seio do sistema econômico vigente. “O tempo da produção, o tempo-
mercadoria, é uma acumulação infinita de intervalos equivalentes. É a abstração do
tempo irreversível, e todos os seus segmentos devem provar pelo cronômetro sua mera
igualdade quantitativa. O tempo é, em sua realidade afetiva, o que ele é em seu caráter
intercambiável” (p.103).
1
Apologético - que contém ou abarca apologia; que analisa, desenvolve e/ou defende um pensamento, uma
teoria, uma ideia etc;
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DEBORD, Guy

Deste modo, existe um tempo pseudocíclico criado pela indústria, que possibilita às
sociedades de consumo uma sobrevivência ampliada e que preza o trabalho alienado.
Esse tempo pseudocíclico, é um tempo espetacular “tanto como tempo do consumo das
imagens, em sentido restrito, como imagem de consumo do tempo, em toda a sua
extensão”. Esse é o cenário onde os instrumentos do espetáculo, que passa a dominar o
presente, se encontram.

A partir desta concepção, é possível perceber que o capitalismo transforma as sociedades


externas em unidade. Em uma comunidade global interligada uma à outra. Desta forma, a
sociedade se submete a distância introspectiva através de uma separação espetacular, a
exemplo da realidade construída a partir do turismo. “Subproduto da mercadoria, o
turismo, circulação humana considerada como consumo, resume-se fundamentalmente
no lazer de ir e ver o que se tornou banal. O planejamento econômico da frequência de
lugares diferentes já é em si a garantia de sua equivalência. A mesma modernização que
retirou da viagem o tempo, lhe retirou também a realidade de espaço” (p.112). Portanto,
as forças técnicas capitalistas são entendidas como fatores de separação. De fato, os
turistas, ao se deslocarem constantemente de um espaço geográfico para outro, acabam
transformando o lugar em não lugar. O tempo, o espaço geográfico e o cotidiano das
pessoas que ali habitam é transformado, pelo ir e vir de pessoas nesses espaços, em
atrações que caracterizam a realidade a partir de suas visões de mundo e do capital em
detrimento da descaracterização do real. Ao mesmo tempo uma nova dinâmica é
construída. Isto posto é possível perceber o conceito de cultura, que é uma realidade
abstrata, apesar de ter o poder de materialização.

Segundo Debord, “A cultura é a esfera geral do conhecimento e das representações do


vivido, na sociedade histórica dividida em classes; o que equivale a dizer que ela é o
poder de generalização que existe à parte, como divisão do trabalho intelectual e trabalho
intelectual da divisão (...) [e] a luta entre tradição e a inovação, que é o princípio de
desenvolvimento da cultura das sociedades históricas, só pode prosseguir através da
vitória permanente da inovação. (...) O fim da história da cultura manifesta-se por dois
lados opostos: o projeto de sua separação na história total e sua manutenção organizada
como objeto morto, na contemplação espetacular” (p.119-121).

“O tempo histórico que invade a arte se expressou primeiro na própria esfera da arte, a
partir do barroco. (...) Do romantismo ao cubismo, o curso geral do barroco foi seguido por
uma arte mais individualizada da negação, que se renova perpetuamente até a
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DEBORD, Guy

atomização e a negação completa da esfera artística. O desaparecimento da arte histórica


que estava ligada á comunicação interna de uma elite, que tinha sua base social semi-
idependente nas condições parcialmente lúdicas ainda vividas pelas últimas aristocracias,
traduz também o fato do capitalismo experimentar o primeiro poder de classe que se
confessa despojado de toda qualidade ontológica. (...) A arte em sua época de
dissolução, como movimento negativo que prossegue a superação da arte da mudança e
a pura expressão da mudança impossível” (p.123-124).

Em uma sociedade de classes, a ideologia se constitui como base e estrutura conflitantes.


Essa ideologia, quando materializada em ações, é, na verdade, o espetáculo. “O
espetáculo é o apagamento dos limites do eu (moi) e do mundo pelo esmagamento de eu
(moi) que a presença-ausência do mundo assedia, é também a supressão dos limites do
verdadeiro e do falso pelo recalcamento de toda verdade vivida, diante da presença real
da falsidade garantida pela organização da aparência” (p.140).

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