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Herbert BLUMER
Massas proletárias
Natureza do público
No intuito de aclarar a natureza da massa e de seu compor tamento, deve-se considerar
sumàriamente algumas de suas ins tâncias. As corridas pelo ouro e pela terra ilustram muitas
ca racterísticas do comportamento de massa. Em geral, as pessoas que delas participam
são originárias de uma extensa variedade de ambientes sociais e, juntas, vão constituir
um grupo homogêneo. Desta forma, aqueles que participaram da corrida Klondike ou do
surto por terras em Oklahoma, v ieram das mais diversas lo calidades e áreas. Em uma
corrida dêsse tipo, cada indivíduo (ou então cada família) possui sua própria meta
ou objetivo, de modo que entre os participantes há uma cooperação mínima e quase
nenhum sentimento de lealdade ou fidelidade. Cada um se esforça por sobrepujar o
outro, cada um procura cuidar de si mesmo. Uma vez iniciada a corrida, há pouca
disciplina e ne nhuma organização para impor a ordem. Nestas condições, é f ácil
verificar como uma corrida dessa espécie se transforma em furor coletivo ou em pânico.
mo o último agrupamento ele mentar coletivo. O têrmo
Consideraremos o público co
público é u sado para designar um gru po de pessoas: a) que estão envolvidas em uma
dada questão; b) que se encontram divididas em suas posições diante dessa ques tão, e
c) que discutem a respeito do problema. Nesse sentido, d eve ser distinguido de
um público tomado enquanto povo, por exemplo quando alguém fala do público
norte-americano e também de uma "torcida" ou conjunto de adeptos, como nos
casos da "torcida" de um time de futebol ou do público de uma estrela de cinema. A
presença de uma questão, de discussão e de uma opinião coletiva constitui a
marca do público. V
182 – Opinião pública, contrôle, ideologia
A massa, o público e a
o
pinião pública - 183
omo g
O público c rupo
Referimo-nos ao público como um agrupamento elementar e espontâneo porque passa a
ter existência não como resultado de u
m desejo, mas enquanto resposta natural a um
determinado tipo de situação. O simples fato de sua existência basear-se na pre sença
de uma questão indica que o público não existe co mo um grupo estabelecido e que seu
comportamento não é d eterminado por tradições ou padrões culturais. E o fato de existir
uma ques tão significa a presença de uma situação que não pode ser en frentada
com base em uma regra cultural, mas que deverá ser tratada por uma decisão coletiva que
se atinge através de um processo de discussão. Neste sentido, o público constitui um agru
pamento natural e anticonvencional, espontâneo e que não é o preestabelecido.
público é radicalmente diversa da que tem lugar na multidão. Essa última
mistura-se, desenvolve uma relação e chega à unani midade pela eliminação de
qualquer discordância. O público in terage na base de interpretação, entra em
disputa e, portanto, caracteriza-se por relações de conflito. Ao mesmo tempo,
é pro vável que no interior de u m público os indivíduos intensifiquem sua
autoconsciência e fortalecam suas capacidades críticas, ao in vés de verem diminuídos
sua autocompreensão e potencial crí tico como ocorre na multidão. No público, as
argumentações são complexas, criticadas e enfrentadas por contra-argumentações.
En tretanto, a interação leva à oposição em lugar do apoio mútuo e da unanimidade
característicos da multidão.
Outro ponto de interesse nesta discussão, baseada na dife rença, deve-se ao fato de ela
dar muita ênfase aos fatos e privile giar a consideração racional. Mesmo quando a
interação está longe de realizar estas características, há uma tendência nesse sentido.
Na multidão predominam o "rumor" e o estímulo gran dioso; mas a presença de
oposição e desacordo no público indica que as controvérsias são provocadas e
tornam-se assunto para cri tica. Diante de ataques que ameaçam enfraquecer
seu sentido, t ais controvérsias devem ser favorecidas ou submetidas a uma re
visão à luz de críticas que não podem ser ignoradas. Podendo os fatos manter sua
validade, passam a ser valorizados; e como a discussão é baseada na
argumentação, as considerações racionais vão desempenhar um papel de alguma
importância.
Características do público
Opinião pú
blica
própria posição individual em face de um ataque crítico. A for mação da opinião
pública exige que as pessoas estejam abertas para partilhar a experiência do outro e se
mostrem dispostas a fazer compromissos e concessões. Apesar de dividido,
sòmente nestas condições o público p
oderá chegar a agir de modo uni ficado.
Grupos de interésse
A opinião pública deveria ser encarada como um produto coletivo. Como tal,
não constitui uma opinião unânime com a qual cada membro do público está de
acórdo, não sendo também forçadamente a opinião da maioria. Ao se constituir em têrmos
de opinião coletiva, pode ser (e e
m geral é isso que ocorre) di ferente da opinião
de qualquer dos grupos do público. Pode-se considerá-la como sendo talvez
uma opinião combinada, formada por diversas opiniões sustentadas pelo
público; ou melhor, como a tendência central fixada através da competição entre
opiniões antagônicas e, em conseqüência, ela é configurada pela fôrçá re lativa e pela
ação da oposição entre as demais opiniões. Neste processo, a opinião de um grupo
minoritário pode exercer uma influência muito maior na elaboração da opinião
coletiva do que a visão da maioria do grupo. Sendo um produto coletivo, a opinião pública
representa o público como um todo, da forma como vem sendo mobilizado para agir
naquela questão, e nesse sentido possibilita a ação em conjunto que não está necessària
mente baseada em consenso, em uma relação determinada ou no alinhamento de
escolhas individuais. A opinião pública está sem pre se dirigindo para uma decisão,
mesmo que essa decisão nunca chegue a ser unânime. \
Em geral, o público compõe-se de g
rupos de interesse e de um conjunto de
espectadores mais desvinculados e desinteressados. A questão que dá origem ao
público resulta quase sempre do confronto entre grupos de interesse opostos. Estes
grupos de in terêsse possuem de imediato u
ma posição particular acerca da questão em
debate e, de outro lado, procuram obter em favor de sua posição o apoio e a lealdade de
grupos desinteressados situa dos à margem da disputa. Como Lippmann observou, êste
meca nismo vai elevar o grupo desinteressado à posição de árbitro e juiz. Sua
adesão determina, geralmente, qual dos esquemas em competição parece mais
adequado à ação final. A posição estra tégica e decisiva assumida por aqueles não
diretamente identi ficados com os grupos imediatos de interésse, mostra que a dis c
ussão
pública envolve de início somente esses grupos. Os grupos de interésse se esforçam
em moldar as opiniões dessas pessoas re lativamente desinteressadas.
Nestas condições, compreende-se a qualidade variável da opi nião pública e a
utilização de meios de influência como a pro paganda, que subvertem a discussão pública
inteligente. Uma dada opinião pública parece se situar, em qualquer lugar, a meio
caminho entre um ponto de vista altamente emocional e precon ceituoso e uma opinião
inteligente e reflexiva. Em outras pa lavras, a discussão pública pode desenvolver-se em
diferentes ní veis, com graus diversos de profundidade e limitação. Os esforços dos grupos
de interesse para dimensionar a opinião pública, po dem ser considerados como
tentativas de provocar atitudes emo cionais ou difundir a desinformação. Este aspecto
levou muitos estudiosos da opinião pública a negar seu caráter racional e a enfatizar sua
natureza emocional e irracional. Deve-se, entretanto, reconhecer que o simples processo da
discussão obriga a um certo grau de consideração racional e, conseqüentemente, a opinião
coletiva daí resultante possui um certo caráter racional. O fato de que as controvérsias
sejam defendidas e justificadas, subme
O universo do discurso
tidas à crítica e desmascaradas, implica avaliação, confronto e julgamento. Talvez fosse correto
afirmar que a opinião pública é racional, mas não precisa ser inteligente.
É claro que a qualidade da opinião pública depende em lar ga medida da vigência de
discussão pública. Por sua vez, esta vigência depende da disponibilidade e flexibilidade das agências de
comunicação pública, como a imprensa, o rádio e os encontros públicos. A possibilidade de
discussão livre constitui um elemen to básico para a utiliza
ção efetiva dêsses meios. Se algumas das
posições em conflito não têm acesso a canais de expressão adequa dos de modo a atingir o público
desinteressado, ou caso sofram discriminação quanto à possibilidade de as suas idéias serem discutidas
diante desse público, então está ocorrendo interferência na discussão pública efetiva.
. Como foi indicado acima, os objetivos dos grupos de inte rêsse levam ésses grupos a realizar
esforços de manipulação da opinião pública. Isto é verdade particularmente nos dias de hoje quando as
questões públicas são muitas e as oportunidades para uma discussão profunda são limitadas. Esta
colocação levou di versas vez es à utilização, em grau crescente, do têrmo “propa ganda"; hoje a
maioria dos estudiosos da opinião pública coloca o estudo da propaganda como sua preocupação
central.