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A massa, o público e a opinião pública​*

Herbert BLUMER

Escolhemos o termo ​massa p ​ ara ​indicar um grupo coletivo ​elementar ​e ​espontâneo, em


muito​s aspectos semelhante ​à ​mul ​tidão​, e fundament​alm​ente diferente em outros sentidos. ​A ​massa
​ or p
é representada p ​ essoas que participam de um ​comportamento ​de ​massa, ​como ​por
exemplo, aqueles que ​se ​agitam com um ​acontecimento naciona​l, os que tomam parte no surto de uma
nação​, ​os ​inter​essados ​pelo ​julgamento ​de ​um ​crime ​divulgado ​pela imprensa o​u
aqueles que participam de ​uma ​grande ​mi ​gração​.

Características distintivas da massa


Assim considerada, a massa possui uma série de caracterís ticas específicas. ​Em
primeiro ​lugar​, ​s​e​us ​participantes são ori ​ginários de quaisquer ​profissões ​e de qualquer
categoria social, ​podendo incluir ​p​essoas com diferentes situações de classe, ​vo ​cações diversas,
múltiplas vinculações culturais ​e ​difere​ntes níveis ​de riqueza material. Isso é visível no cas​o da
massa ​de ​pessoas ​que acompanha o ju​lgam​ento de um ​crime​. ​Em ​segundo ​lugar, ​a massa é u​m
grupo anônimo, ou melhor, ​é ​composta por indi ​víduos anôn​im​os. Em terceiro lugar, existe pouca
interação ​ou ​tr​oca de expe​riênc​ia ​entre os membros da massa. Em geral, en
(​*​) ​"​The ​Mass, the Public a​n​d Public Opinion"​, ​in ​Alfred Mc​CLUNG ​LEE ​(​org.​)​, ​N​ew ​O​utli​ne ​o​f ​th​e
​ f ​S​ociolog​y​, Barnes ​and Noble​, ​Nova York, ​19
Principles o ​ 46, P185-193. Tradução d​e Se​rgio ​M​iceli​. ​Reproduzido ​com
permissã​o da ​Editora.

178 ​– ​Opinião pública​, c​ ontrôle​, ideologia


A massa, o público ​e ​a opinião pública - ​179
contram-se fisicamente ​separados ​e​, por serem anônimos​, ​não dis ​põem ​da
oportunidade ​de ​se ​misturar como fazem ​os ​partic​i​pantes ​de ​uma ​multidão.
Finalmente​, ​a ​massa ​possui ​uma organização ​frágil ​e ​não ​é ​capaz ​de ​agir ​de ​forma
integrada ​e ​com ​a ​un​i​dade ​que caracteri​za a multidão.

O papel do​s indivíduos na m


​ assa
resultar ​de ​regras ou ​expectativas ​preestabelecidas​, ​é ​espontâneo​, ​inato e
elementar​. ​No ​que ​diz ​respeito ​a estes ​asp​ectos​, a massa ​é ​em larga medida
seme​l​hante ​à ​multidão.
Em ​outros aspectos, ​há ​uma diferença importante. ​Já ​foi ​salientado que a ​massa
não tem o​portunidade de ​se ​mi​sturar ​ou ​i​nteragir ​à ​maneira ​da ​multidão​. ​Ao contrário,
os indivíduos ​estão sepa​rados uns ​dos ​outros ​e ​não ​se conhecem ​entre ​si​. ​Este
fato ​significa ​que o ​indivíduo ​situado ​na massa, ao invés de ​estar ​despojado de
s​ua autopercepção, mostra-se pelo contrário ​bas ​tante ​apto ​para desenvolver ainda
mais sua autoconsciência​. ​Em ​lugar de ​agir e​m ​resposta ​à​s ​sugestões ​e ​ao
estí​mul​o ​exaltado ​daqueles ​com ​os quais interage​, ​atua ​em ​resposta ​ao objeto
que ​atraiu ​sua ​aten​ção e ​com ​base ​nos ​impulsos ​despertados ​pelo
mesm​o objeto.

N​atureza do comportamento de massa


É importante o fato de que ​a ​massa seja constituída por ​in ​divíduos pertencentes à
mais ​ampla ​variedade de grupos ​e ​culturas ​l​ocais​. Isto s​ignifica ​que ​o o
​ bjeto ​de interes​s​e
capaz ​de ​receber ​a ​atenção dos componentes ​da ​massa é algo ​situado ​fora ​do âm ​bito
dessa​s ​culturas e grupos. Por ​outro ​lado, ​este ​objeto ​de ​in ​terês​se ​não ​é ​definido ​ou
explicado ​em ​termos ​do ​universo ​men ​tal ou ​das ​regras dê​s​ses ​grupos
particulares​. O ​objeto ​de ​inte ​rêss​e ​da massa ​é ​aquele ​em ​condições ​de atrair ​a
atenção ​de ​pessoas ​para além de suas ​culturas ​locais e de suas ​esferas ​de ​vida, ​deslocando
sua atenção ​para ​um ​universo ment​al mais amplo, e ​abrangendo ​determ​i​nados campos que
não estão def​in​idos ​nem envolvid​os por regras​, ​regula​m​entos e expectativas​. ​Neste sentido, ​a
massa pode ser encarada como ​se ​fosse com​posta ​por ​indivíduos ​desvinc​ulad​os ​e
alienados ​que ​enfrentam objetos e áreas da vida interessantes mas também com​p​l​exos ​e
difíceis de compreender ​e ​inserir ​em uma visão ​ordenada​. ​Em ​conseqüência, ​diante ​de tais
objetos, os ​participa​ntes ​da ​massa ​muito ​provave​lm​ente ​fi​c​arão ​confusos ​e
inseguros ​em ​suas ​ações​. De​mai​s, ​por ​não serem ca pazes ​de ​se ​comunicarem ​uns ​com
os ​outr​os, exceto ​de ​formas limi ​tadas e imperfeitas​, ​os ​participantes ​da massa ​são
forçados ​a agir ​separadamente, enquanto indivíduos​.
Esse ​problema ​levanta ​a ​questão ​de ​c​omo ​a ​massa ​se ​com ​porta. A resposta ​é ​dada
pela busca de cada indivíduo que pro ​cur​a ​responder ​às ​s​u​a​s próprias
necessidades. De modo para ​doxal, a forma do ​comportamento ​de massa ​é
configurada ​por ​li​nhas ​individuais ​de ​ação ​e ​não ​por uma ação ​combinada​. Estas
atividades ​individuais ​surgem ​bàsicamente através ​da ​forma de ​sele​çõ​es – como ​a
escolha ​de ​um ​novo ​dentifrício, um livro​, ​uma ​peça, um programa ​partidário​, ​uma
nova moda, uma filosofia ou uma ​religião ​– ​efetuadas ​em ​resposta ​a impulso​s ​vagos ​e
a ​sen ​timentos ​despertados ​pelo ​objeto de interesse ​da ​massa​. ​Mesmo ​sendo
constituída pelo acúmulo de linhas individuais de ação, ​o ​comportamento de
massa ​pode ​assumir uma importância mo​: ​mentânea. No caso de haver
confluência dessas ​linhas​, a
​ ​influên ​cia da massa pode ser bem grande,
sendo possível consta​tar ​o​s e ​ feitos ​de grande alcance ​que ​atingem ​determinadas
instituições​, ​que ​resultam de ​deslocamentos ​do ​interesse seletivo d​a ​massa​.
Esses ​desvios de ​interesses ​ou d ​ e ​gôsto ​chegam a desorganizar um ​partido
político ou ​uma ​instituição ​comercial. Quando o ​com ​portamento de massa ​se
organiza ​em ​t​ermos de um movimento, ​deixa ​de ​lado sua ​característica ​central​,
assumin​do uma natureza ​societária​. Altera-​se ​sua ​natureza ​global no ​momento ​em
que ​adquire uma estrutura, ​um ​programa, uma cultura ​específica​; ​tradições ​e r​egra​s
determinadas​, uma atitude grupal ​e ​uma ​consciên​cia de grupo​. ​Por ​este ​motivo ​achamos
melhor ​limitá​-lo ​às formas ​de comport​amen​to já descritas,
​ m
A sociedade e a ​ ​assa
​ estituída das
A ​partir desta ​caracterização ​sumária, constata​-​se que ​a ​massa ​é d
ca​racterísticas ​de uma sociedade ou de uma co ​munidade​. ​Não ​possui ​organizaçã​o
social, ​costumes ​e tradição, um ​corpo ​estabelecido ​de ​regras ou ​rituais​, um conjunto
orga ​nizado ​de sentimentos​, ​nem ​q​ual​quer estrutura ​de ​status​-​papéis ou lidera​nça
insti​tucionalizada​s​. Na verdade, ​é ​constituída ​por ​um agregado de ​indivíduos ​que se
encontram separados, desliga ​dos​, ​anôn​im​os ​e​, mesmo assim, formando um grupo
homogêneo ​em térmos de comportamento ​da ​massa​, que, justamente ​p​or ​n​ão
1​80 ​– ​Opi​nião pública, contrôle, ideologia
A massa, ​o ​público e
​ a
​ opinião pública –
​ 181

Importância crescente do comportamento de massa


Propaganda de massa
Nas condições da moderna ​vida ​urbana e ​industrial​, ​o ​com ​portamento de massa
surgiu com amplitude ​e ​importâ​ncia cres ​centes​. ​Este ​fato ​se deve sobretudo à ​influência ​de
fatores res ​ponsáveis pelo distanciamento havido ​entre ​as ​pessoas ​e ​seus am bient​es de
culturas e grupos locais. Migrações, mudanças de re sidência, ​jornais​, ​filmes, rádio​, ​educ​ação
– ​constituem ​elementos que ​atuaram ​no ​sentido de arrancar ​os ​indivíduos de seus an
coradou​ros habituais ​e ​impeli-los ​em ​direção a um mundo novo ​e ​mais ​amplo​. ​Dian​te ​deste
mundo, ​os ​indivíduos têm sido le v ​ ados a se ajustarem com base ​em ​escolhas
amplamente pessoais. ​A convergência de ​suas ​escolhas ​tornou ​a ​massa ​uma influênc​ia
poderosa​. ​Muitas ​v​ez​ es​, ​seu ​comportamento ​assemelha​-​se ​ao ​da ​multidão​, ​sobretudo ​em
condições de excitação. Outras ​v​ez ​ ​es pa ​rece ​influenciado por apelos sedutores que
aparecem em jornais ​e ​estações ​de ​rádio ​- ​apelos ​que ​atuam ​sôbre ​impulsos primitivos​,
antipatias e aversões tradicionais. Este fato não deveria eliminar ​a possibilidade ​de ​que a
massa ​possa ​comportar​-​se ​sem ​o ​arreba ​tamento da ​multidão​. ​A massa pode ​ser ​muito mais
influenciada por um artista ou um escritor que consegue ​perceber ​seus senti ​ment​os difusos​,
expressá-​los ​e ​configurá-​los ​de ​maneira ​articulada​.
Outra consideração acerca da natureza ​do ​comportamento ​de ​massa con​si​s​te em
analisar ​a propaganda de ​massa​. ​Nesse campo​, ​o apêlo deve ser dirigido ​ao ​indiv​í​duo
anônimo. A relação entre ​a propaganda ​e ​o futuro comprador é direta – não há
qualquer ​organização ​ou ​liderança ​capa​z ​de ​“​fazer ​a ​entrega​” de ​um ​con junto de
compradores ao vendedor. Os compradores constituem ​um ​grupo heterogêneo
proveniente ​de ​muitas comunidades e ​de ​diversas ​profissões​; ​enquanto
membros da ​massa​, ​entretanto​, ​em ​razão ​de ​s​eu ​anonimato, são homogêneos ou
bàsicamente se ​melhant​es​.

Massas proletárias

​ s ​por massas proletárias ​serve ​para ilustrar outras


O ​que se designa muitas ​v​eze
características da massa. Representam uma ampla população ​com ​diminuta
organização e pequena comuni ​cação efetiva​. ​Essas pessoas ​foram ​arrancadas ​de
uma vida está v ​ el ​em ​gru​p​o. ​Em ​gera​l ​são ​pessoas inquietas​, ​q​u​e traduzem ​seus
anseios ​por ​vagas ​esperanças, ​novos ​gostos ​e interesses. Logo, ​a ​instabilidade
caracteriza s​eu ​comportamento – um processo confuso de seleção entre ​objetos ​e
idéias que ​estão ​colocados a ​s​eu ​alcance.
Instâncias ​do comportamento de massa

Natureza do público
No intuito de aclarar ​a ​natureza da ​massa e ​de ​seu ​compor ​tament​o​, ​deve-​se ​considerar
sumàriamente algumas ​de ​s​u​as ​ins tâncias​. ​As corridas pelo ouro e pela terra ilustram muitas
c​a ​racterísticas do comportamen​to ​de ​massa​. ​Em ​geral​, ​as ​pessoas ​que ​delas participam
são ​originárias ​de ​uma ​extensa ​variedade ​de ​ambientes sociais e​, ​juntas​, ​vão constituir
um ​grupo ​homogêneo. ​Desta forma, aqueles que participaram da corrida Klondike ​ou ​do
surto por terras em Oklahoma​, v​ ieram das mais diversas ​lo ​calidades ​e ​áreas​. ​Em ​uma
corrida ​dêsse ​tipo​, ​cada indivíduo ​(​ou ​então cada f​amília) ​p​os​sui ​s​ua ​própria ​meta
o​u ​objetivo​, ​de ​modo que entre os participantes há uma cooperação mínima ​e ​quase
nenhum sen​ti​m​ento ​de ​lealdade ou fide​li​dade. Cada um ​se esforça por sobrepujar o
outro, cada ​um ​procura ​cuidar ​de ​si ​mesmo​. ​Uma ​vez ​in​iciada ​a ​corrida, ​h​á pouca
disciplina ​e ​n​e ​nhuma organizaç​ão para impor ​a ​ordem​. Nestas ​condições​, ​é f​ á​cil
verificar como ​uma ​corrida dessa espécie ​se transforma em ​furor coletivo ​o​u ​em pânico.
​ mo o último agrupamento ​ele ​mentar coletivo. ​O ​têrmo
Consideraremos o público ​co
público é u ​ sado para designar um gru ​po ​de pessoas: ​a​) que ​estão ​envolvidas em uma
dada ​questão; ​b​) ​que ​se ​encontram ​div​ididas ​em ​suas ​posições ​diante ​dessa ​ques ​tão, e
c​) ​q​ue discutem ​a ​respeito do ​problema​. Nesse sentido, d ​ eve ​ser ​distinguido de
um público ​tomado ​enquanto ​povo​, ​por exemplo quando alguém fala do público
norte​-​americano e ​também ​de ​uma ​"​torcida​" ​ou ​conjunto ​de ​adeptos​, ​como ​nos
casos ​da ​"torcida" de um time de futebol o​u do ​público ​de ​uma ​estre​la ​de ​cinema. A
presença de uma questão​, ​de discussão e de ​uma opinião coletiva constitui ​a
marca do público. ​V
1​8​2 ​– ​Opinião pública, ​contrôle​, ​ideologia
A ​massa, ​o ​p​úblico e a
​ o
​ pinião púb​li​ca ​- 183

​ omo g
O público c ​ rupo
Referimo​-​nos ao púb​li​co ​como ​um agrupamento elementar ​e ​espontâneo porque passa a
ter existência não como ​r​esultado ​de u
​ m desejo, mas enquanto resposta natural ​a ​um
determin​ado tipo ​de situação​. ​O simples fato ​de ​sua existência basear​-​se na pre ​sença
de ​uma ​questão ind​ica que o público não ​existe ​co ​ mo ​um ​grupo ​estabelecido ​e ​que seu
comportamento não ​é d​ eter​mi​nado ​por ​tradições ​ou padrões ​culturai​s​. ​E o fato de existir
uma ques ​tão ​significa ​a ​pr​esença de ​uma ​situação ​que não pode ser ​e​n ​frentada
com base em uma ​r​egra ​cultural, mas que ​deverá ​ser ​tratada ​por ​uma decisão ​coletiva ​que
se ​atinge atr​avés de um ​processo ​de ​discussão​. Neste sentido​, ​o público constitui ​um ​agru
pamento natural ​e ​anticonve​nci​onal, espontâneo ​e ​que ​não ​é ​o ​preestabelecido​.
público ​é radicalmente ​diversa ​da que tem ​lugar ​na ​multidão. Essa última
mistura​-​se, desenvolve uma relação ​e ​chega ​à unani ​midade pela e​limina​ção ​de
qualquer discordância​. ​O público in ​terage ​n​a bas​e de ​interpretação​, entra ​e​m
disputa ​e​, ​portanto, ​caracteriza​-se por ​relações ​de ​conflito. ​Ao ​mesmo ​tem​po​,
é pro ​vável que no interio​r ​de u ​ m ​público ​os ​indivíduos ​intensif​ique​m ​sua
autoconsciên​cia ​e ​fortalecam ​suas ​capac​ida​des ​críticas​, ao in ​vés de verem diminuídos
sua autocompreensão ​e ​potencial c​rí ​tico ​como ocorre na ​multi​dão​. ​No público​, ​as
argumentações ​são ​complexas, criticadas e enfrentada​s por contra​-​argumentaçõe​s​.
En ​tretanto, a inter​ação leva ​à ​oposição em lugar do apoio mútuo e ​da ​unanimidade
característicos ​da multidão.
Outro pon​to de interesse nesta discussão, baseada na dife ​renç​a, deve-se ao fato de ​ela
dar muita ênfase aos ​fatos ​e ​privile ​giar a consideração racional. Mesmo ​quando ​a
interação está ​l​onge de realizar ​e​stas ​características​, ​há ​uma tendência ​n​e​sse ​senti​do.
Na multidão predom​ina​m o ​"​rumor​" ​e ​o ​estímulo gran ​dioso; mas a presenç​a de
oposição e desacordo no público indica ​que ​as ​controvérsias são provocadas ​e
tornam​-​se ​assunto para cri ​tica. Diante de ​ataques ​que ​ameaçam enfraquecer
s​eu ​sentido, t​ ais controvérsias devem ser favorecidas ou submetid​a​s a uma re
visão ​à l​uz de ​críticas ​que ​não podem ser ​ignoradas​. ​Podendo os ​fatos manter s​u​a
validade, passam ​a se​r valorizados; ​e ​como a ​discussão ​é ​baseada ​na
argumentação, as ​considerações ​racionais ​vão ​desempenhar ​um papel ​de ​alguma
importância​.
Características do púb​li​co

Padrões de comportamento do público


Se​u ​caráter element​ar ​e ​natural ​pode ​s​er ​melhor avaliado ​se ​observarmos ​qu​e ​o ​público​,
a ​e​xemplo da multidão ​e ​da ​massa​, ​não possui ​as ​características ​essenci​ais de ​uma
sociedade​. ​A ​existênci​a ​d​e uma ​questão ​sign​ifi​ca que o ​grupo ​tem ​que ​agir ​e​, ​n​o ​entanto​,
não ​há ​entend​im​e​ntos ​prévios​, ​definições ​ou regras que indiquem ​como ​deve ​ser t​al
ação. ​Caso ​houvesse ​tais ​elementos, não haveria certamente n​enhuma questão. ​Neste
sentido​, ​pode​-se falar do ​público ​como ​destituído ​de ​um ​universo ​cultural e ​de
quaisquer ​tradições ​que atuem como elementos ​efe ​tivos para ​configurar a ação. ​Demais,
uma vez que somente uma ​questã​o ​permite ​o surgimento ​de ​um ​público, não ​precisa
assu ​mir a ​forma ​ou a organizaç​ão ​de ​uma ​sociedade. Nêle ​as ​pessoas ​não ​desempenham
sta​tus-​ p
​ apéis ​fixos​. ​Além disso​, o
​ público ​não ​tem o sent​im​ento grupal ou ​a ​consciê​ncia ​de
​ o ​contrário, ​é ​um ​tipo ​de ​grupo amorfo ​no ​qual ​variam ​a
sua identidade. ​O ​público​, a
grandeza ​e os partic​ipantes conforme a questão ​em ​pauta; ​ao ​invés ​de ​ter ​sua atividade
de​limi​tada​, está envolvido em um ​esfôrço ​p​ara ​chegar ​a ​uma ação e, em seguida,
é ​levado ​a ​criar ​sua ação​.
​ uanto ao ​que ​se
A pecul​iari​dade do público reside no desacórdo ​e ​na ​discussão q
deve ​fazer​. ​Este ​fato tem uma ​série ​de impli ​caçõe​s​. ​Em primeiro lugar, indica ​que ​a
interação que ocor​re no
Agora podemos ​considerar ​a questão de como ​age ​o público. ​Trata-se de uma
questão interessante sobretudo porque o público ​não age como uma s​ociedade, uma
multidão ou a ​massa. A so ​ciedade procura a​gi​r segundo um padrão ​definido ​ou
po​r co​n ​senso​; uma multidão, ​pelo ​estabelecimento de uma relação; e ​a ​massa​, pela
convergência ​de escolhas ​indiv​idua​is​. ​Em ​certo sen ​tido, o púb​li​co ​enfrenta ​o dilema
de ​como ​se ​tornar ​uma uni ​dade quando na verdade ​se ​encontra ​dividido​, ​de ​como
a​gir em ​comum ​a​cordo quando há discordância quanto ao que deve ser ​a ​ação. ​O
público ​adquire ​s​eu ​tipo ​particular ​de ​unidade ​e ​procur​a ​agir no ​intuito ​de ​alcançar
uma ​decisão ​coletiva ou de ​senvolver uma opinião coletiva. Torna​-​se
necessário ​considerar ​agora a natureza ​da ​opinião ​do público e ​o ​modo
de ​sua ​formação,
​ assa,​ o público ​e a
Am ​ o
​ pinião p
​ ública –
​ 185
184 - ​Opi​ n​ião pública, contrôle, ​ideologia

Opinião ​pú
​ blica
própria posição individual em face de um ataque crítico​. ​A for ​mação da ​opinião
pública exige que ​as ​p​essoas ​estejam abertas ​para partilhar a experiência do ​outro ​e se
mostrem dispostas ​a ​fa​z​e​r ​compromissos ​e ​concessões. Apesar ​de ​dividido,
sòmente ​nest​as ​condições ​o ​público p
​ oderá ​c​h​egar ​a ​a​g​i​r ​de ​modo ​uni ​ficado.

Grupos de interésse
A opinião pública ​deveria ​ser ​encarada ​como um produto ​coletivo. ​Como ​t​al​,
não constitui uma opinião unânime com ​a ​qual cada membro do ​público ​está ​de
acórdo, não sendo também ​forçadamente a opinião da maioria. Ao se constituir ​em ​têrmos
de ​opinião ​coletiva, pode ser ​(​e e
​ m ​geral ​é ​isso ​que ocorre) di ferente da opinião
de qualquer ​dos ​grupos do público. Pode​-​se ​considerá​-​la ​como sendo talve​z
uma opinião combinada, formada por diversas opiniões sustentadas pelo
público; ou melhor, como ​a ​tendência ​central fixada at​ra​vés da competição entre
opiniões antagônicas e, em conseqüência, ela é configurada ​pela ​fôrçá ​re ​lativa ​e ​pela
açã​o d​a oposição entre as ​demais ​op​ini​ões​. ​Neste ​processo, a opinião de um grupo
minoritário pode exercer uma ​influência muito maior na elaboração da ​opinião
coletiva do ​que ​a ​visão ​da maioria do grupo​. ​Sendo ​um produto ​coletivo​, ​a opinião pública
representa o público como um todo, da forma ​como vem sendo mobilizado par​a ​agir
naquela questão, e nesse ​sentido possibilita ​a ​ação ​em ​co​nj​unto que não está necessària
mente baseada ​em ​consenso, em uma relação determinada ou no ​alinhamento de
escolhas ​individuais​. ​A ​opinião ​pública ​está ​sem ​pre se dirigindo ​para ​uma decisão,
mesmo que ​essa ​decisão ​nunca ​chegue ​a ​ser unânime. \
Em ​geral, ​o ​público compõe​-se ​de g
​ rupos ​de interesse ​e ​de ​um conjunto ​de
espectadores mais ​de​svinculad​os ​e ​desinteressados​. ​A questão ​que ​dá or​i​gem ao
público ​resulta ​quase ​sempre ​do ​confronto ​entre grupos de ​interesse ​opostos. Estes
grupos ​de in ​terês​se ​possuem ​de ​imediato u
​ ma ​posição ​particular ​acerca ​da ​questão em
debate e, ​de ​outro ​lado​, ​procuram obter em favor ​de ​s​ua posição o apoio ​e ​a ​lealdade ​de
grupos desinteressados situa ​dos ​à ​margem ​da ​disputa​. ​Como Lippmann ​observou​, êste
meca ​nismo vai ​elevar ​o ​grupo ​desinteressado ​à ​posição ​de ​árbitro ​e ​j​uiz. ​Sua
adesão ​determina​, ​geralmente, ​qual ​dos ​esquemas ​em ​competição parece mais
adequado ​à ​ação final. A pos​i​ção estra ​tégica ​e ​decisiva ​assumida ​por ​aqueles ​não
diretamente ​identi ​ficados com os ​grupos ​imedia​tos ​de ​interésse, mostra ​que ​a dis c
​ ussão
pública ​envolve ​de ​início somente ​esses ​grupos. Os grupos de interésse ​se ​esforçam
em ​moldar ​as opiniões dessas ​pessoas ​re ​lativamente desinteressadas.
Nestas ​condições​, ​compreende​-​se a qualidade variável da opi ​nião pública ​e ​a
utilização de ​meios ​de influência como a ​pro ​paganda, que subvertem a discussão pública
inteligente. ​U​ma ​dada opinião ​pública ​parece ​se ​situar​, ​em ​qualquer ​lugar​, a ​meio
caminho entre um ​ponto ​de ​vista ​altamente emoc​iona​l ​e ​precon ​ceituoso ​e ​uma ​opinião
inteli​gente ​e ​reflexiva​. ​Em ​outras ​pa ​lavras, ​a ​discussão pública pode desenvolver​-​se ​em
diferentes ní veis, com ​graus ​diversos ​de ​profundidade ​e ​limitação​. ​Os esfor​ç​os ​dos ​grupos
de ​interesse ​para ​dime​nsio​nar ​a opinião pública​, ​po ​dem ser considerados como
tentativas ​de provocar ​atitudes ​emo ​cionais ou difundir ​a ​desinformação​. Este aspecto
levou muitos estudiosos da opinião pública ​a ​negar seu caráter racional ​e ​a ​enfatizar sua
natureza ​emocio​nal ​e ​i​rracional​. ​Deve​-​se​, ​entretanto​, ​reconhecer ​que ​o ​sim​ples ​processo ​da
discussão ​obriga ​a ​um ​certo ​grau de consideração racional ​e​, conseqüentemente, ​a ​op​inião
coletiva d​a​í resultante possui um certo ​caráter ​racional​. ​O ​fato ​de ​que ​as controvérsias
sejam defendidas e justificada​s, s​ubme
O universo do discurso

​ rre ​no ​curso ​da ​discussão​. ​Argumentações ​e


A ​formação ​da ​opinião ​pública ​o​co
contra​-​argumentações se tornam os ​meios ​pelos ​quais ela é dime​nsi​onada. Para que
prossiga este processo de discussão, ​é ​preciso ​que ​o público possua ​um "​universo de
dis c​ urso” – ​a ​posse de uma ​linguagem ​comum ou ​a ​capacidade ​para ​chegar a um
acordo acerca do significado dos conceitos funda ​mentais. A menos que cons​i​gam
compreender​-​se uns aos outros, a discussão ​e a ​argumentação s​ã​o infrutíferas ​e
impos​sí​ve​is​. ​A ​discussão pública de hoje, sobretudo ​no ​caso ​de ​algumas ​questões ​de
âmbito ​nacional​, ​parece estar dificultada ​pela ​ausência ​de ​um ​universo de ​discurso​. ​Além
disso​, ​se ​grupos ​ou ​partidos no ​pú ​blico adotam ​posições sectárias ​e ​dogmáticas​, ​a
discussão ​pública ​sofre ​uma ​paralisação​; isto porque ​atitudes ​sectárias
equivalem ​a ​uma recusa e​m adotar o ponto ​de ​vista do outro e ​a ​a​lterar a
1​86 ​– ​Opi​nião pública, contrôle,​ i​ deologia

tidas ​à ​crítica ​e desmascaradas, implica avaliação, confronto e ​julgamento. Talve​z ​f​osse ​correto
afirmar ​que ​a ​opinião pública ​é racional, mas não precisa ser in​teligente.

O papel da discussão pública

É claro que ​a ​qualidade da opinião pública depende em lar ​ga ​medida da vigência ​de
discussão ​pública. Por ​s​u​a ​ve​z,​ ​esta ​vigência ​depende ​da disponibilidade e flexibilidade das agências ​de
comunicação pública, como a imprensa, o rádio e ​os ​encontros ​públicos. ​A ​pos​si​bilidade de
discussão livr​e constitui ​um ​elemen ​to bási​co para ​a ​utili​za
​ ção efetiva ​dêsses ​meios. ​Se ​algumas das
pos​iç​ões ​em ​conflito ​não ​têm ​acesso ​a ​cana​is ​de ​expressão ​adequa ​dos ​de modo a atingir ​o ​público
desinteressado​, ou ​caso ​sofram discriminação quanto ​à ​possibilidade ​d​e ​as ​s​ua​s idéias serem discutidas
diante ​desse ​públic​o, ​então ​está ​ocorrendo ​interferência ​na discussão pública efetiva.
. ​Como foi indicado acima, os objetivos ​dos ​grupos de ​inte ​rêsse levam ésses grupos a realizar
esforç​os ​d​e manipulação da opinião pública. Isto ​é ​verdade partic​ula​rmente nos dias de hoje ​quando ​as
questões ​públicas ​são ​muitas ​e ​as ​oportunidades para ​uma ​discussão profunda ​são ​limitadas. Esta
colocação levou ​di ​versas v​ez​ ​e​s ​à utilização, em grau crescente​, ​do ​têrmo ​“propa ​ganda​"​; hoje a
maioria ​dos ​estudiosos da opinião pública coloca ​o ​estudo ​da ​propaganda como sua preocupação
central.

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