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Isabela Frederico
Introdução
povo, nada se pode saber, de primeira mão e em profundidade, sobre como organiza, em
sua mente, as ideias e o próprio mundo material (Heidegger 1993). Isto é tanto mais
válido para os termos centrais de nosso tema, para além do que já dissemos sobre a
dádiva. De fato, o dom constitui um elemento essencial do comportamento humano em
todas as sociedades conhecidas no presente e no passado, como parte essencial do
processo de constituição de relações amistosas. Não por acaso, a própria palavra dádiva
deriva do verbo dar e constitui o gesto básico de relacionamento amistoso. Trata-se de
um desarmamento de espírito, tendo em vista que as relações entre os humanos sempre
está e esteve a um passo do conflito, como advertia o pensador grego antigo Heráclito
(Fr. 53)μ “o conflito é pai de todas as coisas” (Πό ε ο Πατή πά τω ). A dádiva é o
antídoto da guerra.
Etnografia, sempre como viajante recebido como hóspede num mundo ainda sem hotéis
ou estrutura turística.
Kennst du es wohl?
Dahin! Dahin
http://ingeb.org/Lieder/kennstdd.html
(tradução nossa)
Minas Gerais. E a fase mais contemporânea, desenhada por uma atividade turística
respaldada pelo patrimônio cultural material e imaterial e pela área protegida que
compõem o espaço Caracense na atualidade.
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São duas as principais obras que resgatam a sua origem. A primeira delas é de 1948, de autoria de
Augusto de Lima Junior, intitulada “O fundador do Caraça”. Em segundo lugar, com uma abordagem
mais geral, destaca-se o livro “O centenário do Caraça”, escrita em 1920, pelo Padre da Missão Vicentina,
Antônio Cruz. De forma indireta, podemos mencionar também, os relatos do naturalista francês Saint
Hilaire, durante sua passagem pela Serra do Caraça. Sobre a inserção do Caraça no contexto mineiro
setecentistas, destaca-se, de forma bastante contundente, o clássico “As Minas Gerais e os Primórdios do
Caraça”, de autoria de José Ferreira Carrato, em 1λ63.
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Tem-se registro que a irmandade de Nossa Senhora Mãe dos Homens reuniu
23.226 pessoas por toda a província de Minas Gerais (Palú 2012). A hospedaria era
bastante simples e oferecia o básico para a recepção dos peregrinos: dormida e comida.
Mas os elementos que caracterizava a dinâmica da hospitalidade do local, eram os
valores imateriais presentes na acolhida religiosa, vivenciados pelas romarias e a
espiritualidade presente no isolamento do ambiente natural circundante. Além dos
peregrinos, Lourenço recebia na sua ermida a visita de grandes naturalistas europeus
que percorriam o território brasileiro em busca do conhecimento letrado de sua fauna e
flora. Esses viajantes trazem relatos que não se limitam a descrição biológica das
paisagens encontradas, mas resgatam também a própria dimensão da hospitalidade
existentes nos espaços visitados.
Ao lado do francês Saint Hilaire, o Caraça recebe também no século XIX a visita
do alemão Carl Friedrich Philipp Von Martius. Em seus escritos detalhados sobre a
chegada ao santuário, notadamente está presente o elo espiritual associado à
hospitalidade, em ambientes naturais:
“Minha vontade sempre foi e é de que esta Casa seja residência de Missionários
... e seminários para meninos”. Inspirado nesse desejo do Irmão Lourenço, que o rei D.
João VI envia ao Caraça em 1820, dois padres vicentinos para a fundação do chamado
Colégio do Caraça. A célebre instituição mineira recebeu mais de 15 mil alunos, entre
eles importantes personagens nacionais, como os presidentes Afonso Pena e Arthur
Bernardes. Foram feitas alterações na humilde capela barroca e sua ampliação resultou
em uma imponente catedral neogótica, nas entranhas das montanhas do Espinhaço.
O colégio funcionou até 1968 quando foi acometido por incêndio e obrigado a
interromper suas atividades educativas e missionárias. Nesse período de bastante
incertezas, o espírito acolhedor de viajantes ressurge novamente em um caráter mais
contemporâneo, chamado de turismo. A princípio formado por curiosos da região e
familiares dos ex alunos, a atividade, sem planejamento prévio, acarreta uma série de
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impactos ao patrimônio religioso e natural do local. Mas esses efeitos são logo
percebidos e trabalhados pela gestão que funda o seu projeto turístico em três grandes
pilares, baseados em sua tradição religiosa e histórica. Os usos do Caraça estariam
fundamentados então pela cultura, peregrinação e turismo. A década de 1970, que
abriga essas reflexões, destaca-se também pelo cenário global de preocupação ambiental
e a natureza ali presente ganha preocupações conservacionistas, respaldadas pelos
valores espirituais e pela influência de pesquisadores que visitavam e interagiam com o
local.
“Isso que torna o lugar especial, é uma comunhão. Como falam aqui, é um
santuário. É um lugar reservado, sem grandes interferências. Tem a missa todo dia. A
relação que se estabelece com as pessoas hoje em dia é muito consumidora, né. As
pessoas hoje têm a tendência de ir para algum lugar consumir e ir embora e aqui tem
uma coisa que vai além disso, dessa relação só de consumo com o cliente. Aqui tem a
relação da comunhão, da natureza com a religião, com o que a religião tem de melhor.
Hoje em dia a religião deixou um pouco de lado essa coisa do poder, ela voltou mais à
sua origem com as coisas virtuosas.”
“Volto pela beleza do lugar, pelo ambiente especial, pela esperança de vida
animal, pela fauna, flora e por ser um lugar que tem mais amabilidade”
“Essa relação com a Congregação né, não é só turismo, tem a parte da religião.
As pessoas se encontram para conversar. Aqui é mais do que as trilhas, tem essa
herança do Irmão Lourenço. Isso torna especial, é uma comunhão religião com a
natureza”
Considerações Finais
Agradecimentos
Bibliografia
TUAN, Yi-Fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: DIFEL, 1983.
ZICO, J.T. Caraça, ex-alunos e visitantes. Editora São Vicente: Belo Horizonte, 1979.