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FICHA TÉCNICA

TÍTULO
O que nos dizem as casas

AUTOR
Carlos Janeiro

DESIGN
Carlos Janeiro

EDIÇÃO
Câmara Municipal / Museu Municipal de Coruche
Novembro 2006

REVISÃO
Ana Paiva

IMPRESSÃO
Guide, Artes Gráfica

DEPÓSITO LEGAL
2487/06

ISBN
972-99637-4-6
978-972-99637-4-2
CONTEÚDOS

Prólogo

PA R T E 1 – NÓS E AS CASAS

A c a s a - Templo do Homem

A domesticidade

PA R T E 2 – I D E N T I DADE E PATRIMÓNIO CONSTRUÍDO

M e m ó r i a e v a l o r histórico - o velho e o antigo

Re l e v â n c i a p a trimonial do Centro Histórico

Re e ncontrar a História

O s e difícios classificados

M a t r i z a r q u i t e c t ónica das “Casas de Coruche”

Ti p o l o g i a c o m p arativa e migração das formas

Pa i s agem em construção

A cor das casas

PA R T E 3 – DO ARQUITECTO À CASA

A r q u itectos, para quê?...

E m jeito de conclusão
“ Fa l e m o s d e c a s a s , d o s a g a z e x e r c í c i o d e u m p o d e r
tão firme e silencioso como só houve
no tempo mais antigo”

Herberto Helder

Prólogo

A expulsão do Paraíso é certamente um dos episódios com


maior simbolismo em toda a mitologia cristã e a desgraça
que recaíu sobre Adão e toda a sua descendência faz
parte do imaginário de qualquer ocidental, seja crente
ou ateu. Tentado pela maçã do Conhecimento, o primeiro
Homem pôs em causa a protecção divina e, com Eva, teve
que enfrentar a hostilidade dos elementos e prover à sua
subsistência, na eterna procura de absolvição pelo Pecado
Original.
Podemos imaginar que Adão se limitava a existir num
Paraíso onde nada faltava, vivendo em completa harmonia.
Aqui reside o primeiro mistério, ou ambiguidade, uma vez
que nada faltava, mas também nada existia para além
do que era criação divina. Não existia mobiliário nem
ferramentas, roupas ou qualquer outro artefacto... nem
casa. Na verdade, as Escrituras não referem qualquer lugar
eleito como espaço de recolhimento ou contemplação, e
o abrigo não era uma preocupação. Ao ser expulso, Adão
sente pela primeira vez a necessidade terrena de abrigo
e intimidade, pelo que a expulsão, sendo um castigo,
está também na origem da capacidade criadora e do
consequente aparecimento da casa.
A condição humana passa por um momento especial onde
também experimentamos aquele sentimento de protecção e
onde nada falta, semelhante ao que Adão e Eva sentiam no
Paraíso - o tempo passado no ventre materno. A expulsão
acaba assim por ser a metáfora do nascimento, momento
em que somos “condenados” a procurar no Mundo, um
lugar onde const ruir o nosso paraíso particular - a casa.
Para lá do Mito, sujeito aos desafios que a existência
colocava e depois de descobriu as vantagens da vida
sedentária, o homem primitivo substitui a caverna por algo
que é uma revolução tão importante como a utilização do
fogo ou a invenção da roda. Junta quatro troncos ao alto,
úne - os em pórtico e cobre o espaço result ante com folhas.
No centro acende o fogo misterioso que evoca os deuses,
que o aquece ou onde cozinha os alimentos, recriando
assim um pequeno paraíso. O Homem c onstruiu a casa,
que é o seu templo.
Construir é natural na espécie humana. Desde os
primórdios da civilização que o Homem cria objectos, mas
de todos eles a casa é o mais comum. Assim, construir
um objecto tão banal como uma casa, não parece à
partida ser mais do que a resposta à necessidade básica
de abrigo, de protecção ou intimidade. Mas a realidade
é bem diversa. Apesar de pertencermos à mesma espécie
e sentirmos necessidades idênticas, nã o utilizamos os
mesmos princípios na construção destes “abrigos”. Pelo
contrário. Na casa investimos muito daquilo que somos ou
que ambicionamos ser, fazendo deste objecto o vestígio
mais importante da nossa existência sobre a Terra. O que
levará o Homem a produzir uma tão grande variedade de
modelos, inventando técnicas, adaptando e transformando
materiais, tornando -nos tão distintos das outras espécies
construtoras?
Confrontados com esta problemática, a nossa justificação
recai no uso que fazemos das construções, nas diferenças
tecnológicas ou nos materiais que melhor servem os
propósitos funcionais e aos quais acedemos com maior
facilidade. Contudo, uma reflexão mais profunda conduz-
nos por uma fenomenologia complexa que se articula com
uma das principais particularidades que faz de nós seres
singulares: sendo a única espécie capaz de reflectir sobre
a existência, o Homem utiliza os objectos para além da
sua função operativa, atribuindo -lhes cumulativamente
um importante valor simbólico. Este simbolismo revela- se
no mito e na preocupação formal que envolve qualquer
uma das nossas criações, onde procuramos um sentido
estético que é responsável por grande parte do equilíbrio
emocional e que faz de nós a única espécie capaz de
produzir arte conscientemente, pelo simples prazer da
contemplação. Construir uma casa é, para além de
uma resposta funcional a um estímulo, a expressão da
capacidade criadora e artística em resposta a necessidades
emocionais que envolvem o desejo de inventar, metáfora
do domínio sobre o meio pela imitação do acto divino,
arquétipo da arquitectura enquanto disciplina filosófica.
A diferenciação iconográfica, mais do que as tecnologias
utilizadas, faz com que construir uma casa tenha tanto de
materialidade pragmática como de exercício filosófico e
artístico. Garantindo intimidade e independência, a casa
que habitamos é também um espaço que partilhamos
e que simultaneamente nos individualiza do mundo,
envolvendo toda uma dialéctica que está para além da
mera operatividade tectónica.
As casas sempre tiveram um papel diferenciador, quer a
nível social quer cultural e a sua morfologia revela- se como
um verdadeiro registo histórico, uma espécie de cápsula
do tempo onde depositamos sonhos e ambições. Símbolo
máximo do sentido de território, a casa e a fenomenologia
que envolve a sua fundação constituem temas caros
à teoria da arquitectura, motivo de estudo e reflexão
para arquitectos, sociólogos, filósofos, antropólogos,
historiadores, economistas, políticos... gente comum.
Neste pequeno ensaio estão reunidas algumas pistas
para uma reflexão crítica sobre o tema da casa e da sua
importância no imaginário colectivo, articulando a ideia
filosófica com a pragmática da sua existência. Propõe - se
um discurso onde se parte do geral para o particular, da
referência académica para a linguagem coloquial, cuja
finalidade é proceder à análise comparativa das casas
presentes num meio cuja urbanidade se confunde com
o espírito rural e pitoresco do gosto popular – a vila de
Coruche e a região envolvente. O concelho não apresenta
uma particular qualidade arquitectónica na sua paisagem
construída, mas porque apresenta uma grande diversidade
de tipologias em diferentes estados de conservação,
permite uma abordagem multifacetada ao fenómeno da
arquitectura doméstica e do peso que a imagem desta
tem nas populações, podendo - se extrapolar para outras
regiões, designadamente para o centro e sul do País.
Falar de arquitectura é também falar dos arquitectos.
Assim como não podemos separar a obra literária do seu
criador, seria igualmente reprovável abordarmos o tema da
casa sem o relacionar com a intervenção dos arquitectos,
cujo âmbito tem sido desvalorizado, mal interpretado, ou
mesmo desconhecido por muitos sectores da população,
que na maior parte das vezes o vê apenas como um simples
desenhador. As casas não são ser meras construções e,
não sendo o único, o arquitecto é aquele que melhor
entende a fenomenologia que envolve a sua concepção,
tornando -as marcas relevantes daquilo que desejamos ser
enquanto passageiros da História. Esta é a razão pela qual
a figura do arquitecto estará sempre presente ao longo
deste livro, dando a conhecer a inevitabilidade da sua
participação como garante da qualidade arquitectónica,
direito inalienável de todos os cidadãos.
Este texto sucede ao estudo desenvolvido para dissertação
de mestrado apresentado em 1998 na Universidade Lusíada
de L isboa, no âmbito da teoria da arquitectura popular, e
desta utiliza alguns excertos, ideias e inquietações.
PARTE 1 – NÓS E AS CASAS

A casa é o Templo do Homem

Deus Arquitecto - Ilustração da


Bible Moralisée, cerca de 1250

Criar é ter a capacidade de manipular um processo


mental em ordem à originalidade e autenticidade, a partir
da tensão entre o inconsciente e a imaginação racional.
Pelo processo criativo, mais ou menos racional, mais ou
menos empírico, proclamamos o domínio sobre a matéria
fazendo uso de sensibilidade, fluência, flexibilidade e
capacidade de síntese próprias do Homem, factores que
nos distinguem como seres dominantes - para o bem e
para o mal.
Como Narciso, deixamo -nos seduzir pela obra criada
e assumimos simbolicamente o lugar do Demiurgo,
maravilhando -nos com o poder que exercemos sobre o
meio. Construir é dar forma a uma ideia e criar uma
casa é construir um Mundo à nossa imagem. Na verdade
podemos até considerar que só sentimos o espaço a partir
da existência do objecto, momento em que relacionamos a
existência, o caos e a ordem, construindo o lugar a partir
do espaço indiferenciado.
A vida humana começa com a relação espacial entre o
noss o corpo e o meio e essa relação continua ao longo 1
Haverá outras formas
da vida tornando - se cada vez mais profunda. O filósofo de apropriação como
por exemplo através
Ortega y Gasset refere que o homem constrói para se do fogo, quando o
isolar. Apropria- se do espaço limitando - o por paredes, Homem se senta em
redor de uma fogueira.
intimiza- o, torna- o o centro do mundo. 1 A casa é assim As lareiras serão com
certeza a reminiscência
um símbolo do Homem e ao mesmo tempo o centro do dessa apropriação
seu universo. Através da casa o Homem habita o lugar, trazida para a
intimidade de um
sentindo - o com todo o corpo. 2 espaço privado que se
transmuta em lar. Daí a
A casa é o elemento que liga o Homem ao Lugar, relação lareira - lar.
permitindo entender que a arquitectura não é apenas
2
Gibson partia
um processo te ctónico mas a materialização de uma do principio que
identidade que associa a adequação dos processos os sentidos são
mecanismos activos,
construtivos à permanência do ser – a resposta funcional – agressivos e indutores,
à manifestação do poder criativo – a resposta emocional. ao contrário do que
se considerava ao
Ambos os aspectos são complementares, e se a função dá entendê-los como
receptivos. Gibson
forma ao objecto, o espírito confere -lhe carácter. elaborou um sistema
de percepção em
A ideia de casa como abrigo original aparece de forma que os fenómenos
recorrente sob diferentes linguagens em inúmeros perceptivos dependiam
de um sistema visual,
tratados clássicos de arquitectura como o de Vitrúvio, sistema auditivo,
Alberti, Ledoux, Fillarete ou Laugier, participando na sistema gusto - olfativo,
sistema de orientação
materialização do pensamento arquitectónico e na sua e sistema háptico,
estes dois últimos de
poét ica. Na sua expressão primária - a cabana primitiva
extrema importância na
- a casa é o arq uétipo e a metáfora da arquitectura, 3 da percepção do objecto
arquitectónico.
casa construída e do habitar, com o poder de conduzir
a uma ideologia de referência constituída por imagens 3
No “De Architectura”
(738-741 D. C.),
primordiais impressas na psique humana. 4 Vitrúvio já invoca a
cabana primitiva como
Vivemos a casa não somente através do pensamento mas origem da arquitectura.
através do sonho, tornando - se, como diri a Bachelard, um
4
A psicologia moderna
mapa dos locais da nossa intimidade, uma espécie de defende a hipótese
topologia que situa os vários fragmentos da memória. 5 de que a busca da
ordem, da proporção
É nela que tomam lugar os principais ac ontecimentos da e da harmonia é
vida: a intimidade, o nascer, o repouso, o alimentar- se, o consubstanciada pela
própria natureza
convívio, a morte... humana. Carl Jung
define uma espécie
Relacionamo -nos de forma tão profunda com as casas de inconsciente
colectivo denominando
que por vezes essa intimidade se torna visível tornando - e seu conteúdo por
se a extensão do próprio ser e reflectindo o que se passa arquétipos.

no nosso interior, tal como as expressões físicas o fazem. 5


Gaston, Bachelard
Não será com muita surpresa que constatamos a forte - A Poética do Espaço,
Martins Fontes, S.
antropomorfia que as casas desenhadas pelas crianças de Paulo, 1993.
todo o mundo apresentam - as janelas são olhos, a porta
é a boca, o telhado o chapéu, etc. 6
À luz da psicologia, a casa é um símbolo de grande
significado quer de ní vel consciente quer inconsciente, e
a relação fruediana que associa a casa à mulher e à mãe
justifica a associação com o nascimento e a sexualidade.
A sedução pelo objecto, mais uma vez transporta a
casa para o plano emocional da intimidade e do prazer
estético.

6
Esta analogia formal
é recorrente na obra
de alguns arquitectos
como é o caso de Siza
Vieira, nomeadamente
n a Fa c u l d a d e d e
A r q u i t e c t u r a d o Po r t o
onde recria o tema do
facies, uma forma de
regresso à infância e à Femme Maison, 1945-47,
ingenuidade perdida. de Louise Bourgois
A domesticidade

As casas são herdeiras de uma longa tradição que começa


há cerca de 6500 anos com o final do nomadismo. Nas
escavações de Jericó e no planalto da Anatólia foram
descobertos vestígios das primeiras casas, reconhecendo -
se na sua organização e orientação, algumas regras
cósmicas de ordem e hierarquia que se iriam reflectir nas
primeiras cidades.
Conforme a entendemos hoje, urbana e multiforme, a casa
tem a sua origem na Idade Média com uma das maiores
revoluções sociais a que assistimos desde os alvores
da civilização ocidental 7 – a criação da cidade livre. A
sociedade que até aí se organizava entre aristocracia,
membros do clero e servos, dava lugar ao aparecimento
de um quarto estrato social muito versátil e de fácil
movimentação vertical com aquelas – a burguesia. Com a
aristocracia a viver em castelos ou palácios fortificados,
os clérigos recolhidos em mosteiros e os servos abrigados
em cabanas ou outras construções mais ou menos
precárias, o cidadão burguês 8 desenvolve estruturas
habitacionais cuja espacialidade permitia uma ocupação
de carácter permanente. Combinando residência e
7
Nas grandes
instalações necessárias ao desenvolvimento de actividades
civilizações clássicas, económicas, a casa burguesa medieval era contudo um
e g í p c ia , g r e g a ,
romana..., são
lugar de pouca intimidade, uma casa mais pública que
conhecidas estruturas privada. Só a partir do séc. XVII, com a separação
urbanas onde as
casas simples já funcional dos espaços e apesar da riqueza apresentada por
existem, embora algumas destas casas, foi possível alcançar a intimidade
na sua maioria não
passem de unidades e o carácter familiar que reconhecemos no simbolismo
básicas que sucedem da casa. Até aí, toda a família (por vezes constituída por
às cabanas, onde
dificilmente se pode mais de vinte pessoas) vivia numa única dependência ou
considerar o conceito
de territorialidade, já
no máximo em duas, dando uma pálida ilusão daquilo a
que pertenciam a um que hoje chamamos lar. Cada vez menos oficina e lugar
núcleo dominado por
um senhor feudal.
público, a casa passa então a ser o reduto da família
que progressivamente assume uma nova organização
8
Habitante da cidade
social compacta, conquistando intimidade, isolamento e
ou burgo.
também uma maior diferenciação social baseada no poder
económico. Conquistada a intimidade, instauraram- se as
raízes da domesticidade e da propriedade territorial nas
gentes mais simples, mesmo que social e culturalmente
indigentes.
Vivemos em cidades, vilas e outros lugares porque
pertencemos a uma espécie gregária cuja sobrevivência
depende da interacção entre os indivíduos. Construir
representa um esforço no processo de criação dos
lugares 9 e dependemos destes para interagirmos uns com
os outros. Contudo reconhece - se que neste processo de
humanização algo se perdeu. Algo que fazia dos lugares e
particularmente das casas, mapas de intimidade , como diria
Bachelard. Perdido que está o sentido da intimidade, factor
determinante na ideia de casa-abrigo, es ta transforma- se
num mero objecto utilitário. Nos últimos 200 anos esta
relação entre Ho mem, lugares e casas tem vindo a tornar-
se cada vez menos um factor de humanização, a despeito
dos esforços modernistas em postular um sistema racional
baseado na medida do homem 1 0 . A cultura urbana não 9
A teoria da
trouxe assim ape nas os benefícios da proximidade. Com a arquitectura refere
urbanidade herdámos também uma relação mecanicista e mesmo que só se
torna lugar o sítio
pragmático com os objectos, tendo - se perdido o sentido investido através
da domesticidad e, o sentido poético do habitar, que as d a c o n s t r u ç ã o . Po r
sua vez esta lógica
casas antigas deixam sentir. Sentimento de perda que leva à criação
faz com que o homem comum, alvo indefeso de todas as de não-lugares
arquitecturas, se sinta atraído pela ideia de retorno às quando se perde
o referenciador
casas simples da nossa infância cuja imagem remete para construído,
um passado tranquilo e acolhedor que nos traz saudade. perdendo-se
também o espírito
A familiaridade que desenvolvemos com as formas do lugar ou genius
loci.
construidas, potenciada pela proximidade com materiais
que fazem parte do quotidiano, provocam um efeito 10
Entre outras
tentativas, a de
de intimidade e conforto emocional que se traduz na Corbusier com
sensação de domesticidade, um sentimento especial a “invenção” do
modulor terá sido
que faz da construção, ...um lar. A dimensão doméstica o maior contributo
encontra- se associada ainda hoje à cultura do encontro, para a prática
da construção
às relações entre quem compra e quem produz, a um
estandardizada,
comércio colorido e pitoresco feito de pe quena economia contribuindo para
que nos obriga a depender uns dos outros, vivendo em a acessibilidade
económico por
sociedade. Mais intenso nas terras pequenas e próprio parte de classes
da pequena urbanidade, este relacionamento social tem progressivamente
mais baixas.
sofrido bastantes modificações, políticas, económicas e
culturais, pelo que também o sentido de domesticidade
se reveste hoje de características diversas,mantendo - se
sobretudo na memória e no imaginário. Se quisermos, na
tradição. A nostalgia pelo passado marca a memória dos
lugares que habitamos, constituindo uma forte oposição à
mudança.
Vulgarmente, definimos a identidade ou carácter dos
lugares, pelas características do ambiente natural e
da relação que a paisagem mantém com as estruturas
construídas pelo Homem, organização urbana e padrão
cenográfico que as casas transmitem. Numa fase pré-
industrial esta imagem dependia muito de um determinado
padrão tecnológico, económico e cultural transmitido
pelos construtores ou ocupantes que incorporavam
materiais existentes na região e respondiam em exclusivo
às exigências funcionais a que as construções deveriam
responder. Uma forma pragmática de entender a
arquitectura, que se estendeu até aos nossos dias.
A casa é também um objecto que tal como um automóvel
ou uma peça de roupa, é símbolo de estatuto e promoção
social. Assistimos hoje a um fenómeno de popularidade
da arquitectura tão curioso como perverso. Por um lado
os arquitectos tornaram o processo criativo cada vez
mais um processo de criação artística, numa procura
de protagonismo e reconhecimento por parte dos seus
pares. Por outro, incapaz de acompanhar este processo de
intelectualização, o cidadão comum, na sua esmagadora
maioria, vê a arquitectura como um fenómeno paralelo
ao processo de construção, assunto tão banal que parece
estar ao alcance de qualquer um. Mais sensível ao
pitoresco e ao efeito “postal ilustrado”, o português que
sempre sofreu de nostalgia crónica, prefere o ambiente
romântico das casas a ntigas ou a sua imitação, recriando
modelos populares que sugerem a paragem no tempo,
defendendo - os como valores que julga salvaguardarem
a identidade cultural. Podíamos simplesmente referir-nos
a este sentimento como algo impresso no subconsciente
colectivo – a saudade.
A saudade faz parte do imaginário nacional e está presente
como princípio filosófico da arquitectura portuguesa.
A saudade só por si implica “algo que não está”, pelo
que deste modo deixa de fazer sentido quando esse algo
existe - o objecto do desejo. Contrariamente ao que pode
parecer, a saud ade não representa qualquer nostalgia
pelo passado, implicando sim uma contínua mudança que
perpectua a inovação, numa constante espera por algo
que está por vir, princípio gerador do impulso criador.
Os materiais locais desempenham igualmente um papel
relevante neste síndrome de nostalgia, determinante
morfológico na arquitectura popular. Orlando Ribeiro 11
refere - se a uma divisão regional baseada nos materiais
de construção, segundo a qual, teríamos em Portugal uma
civilização do granito a norte e uma civilização do barro
a sul, que contribuiu para relecionarmos a construção em
pedra com o norte e as terras elevadas, e em terra nas terras
baixas do sul, sob a forma de adobe, taipa, telha ou tijolo
lambaz. As condições ambientais também condicionavam
as tecnologias usadas, reforçando esse imaginário. A
pluviosidade justificava o tipo de cobertura a adoptar,
sendo inclinada em zonas de maior pluviosidade, planas
ou em açoteia em regiões mais secas. Esta apreciação,
que se circunscreve à arquitectura vernácula, peca por
não ter em conta referências à estrutura do espaço interno
ou aos elementos ornamentais, à excepção de um ou outro
como o caso das chaminés, igualmente determinantes na
morfologia da casa, nomeadamente o tipo de economia
desenvolvida na região e a idiossincrasia própria dos
utilizadores – a maneira de ser dos povos residentes.
Para qualquer p ortuguês nascido durante o período do
Estado Novo não é difícil identificar estes modelos de
casas, pois habituou- se a relacionar com os diferentes
materiais e tecnologias com as diferentes regiões do país.
Fez parte da sua aprendizagem saber que as condições
geográficas e meteorológicas obrigavam à adopção de
formas “típicas”, sujeitas que estavam à utilização de
materiais existentes e ao labor das gentes. Constituía-
se assim um repositório de imagens, em muitos casos
anacrónicas, e de práticas construtivas que se assumiram 11
Ribeiro, Orlando
- Po r t u g a l , o
como veículo e garante do saber tradicional. Mediterrâneo e o
Atlântico, Colecção
Para além da imagem cenográfica que os conjuntos Nova Universidade,
1991
edificados transmitem, na formação do imaginário entra
outro tipo de condicionantes dependentes da exposição
cultural e da capacidade de absorver factores externos
favorecendo a permanência na nossa memória de
determinados modelos em prejuízo de outras referências.
Trata- se de um mecanismo perceptivo que origina a
tendência natural para apreciar o pitoresco, o superficial,
o efeito fácil e o conforto emocional em presença de algo
que nos recorda tempos passados, algo que sentimos
como já fazendo parte de nós. Esta apetência pelo
passado é muitas vezes utilizada por promotores e opinian
makers que exploram o efeito folclórico que as culturas
populares possuem, sucesso nem sempre atingido pela
arquitectura contemporânea cujas linguagens têm um forte
cariz tecnológico e conceptual. Sendo importante para
um desenvolvimento sustentado, a tradição (ou cultura
acumulada) não deve ser utilizada como um obstáculo a
novas propostas que sendo hoje inovação amanhã farão
parte da tradição se a História o justificar. A tradição é
um acumular de novidades que vão permanecendo na
memória colectiva, termos muitas vezes utilizados de
forma leviana.
Uma vez que a ideia de tradição se integra no imaginário
colectivo, será útil perceber como é que ambos os
conceitos se articulam, distinguindo o que se entende por
imaginário comum e imaginário histórico. A tendência
corrente é a de se utilizar o imaginário comum como
referência genérica para a arquitectura dita tradicional,
considerada sempre uma escolha segura por ser mais
“ humanizada”. Em aparente contradição, o gosto popular
é altamente permeável a modas e maneirismo, está
sujeito a estereótipos e fenómenos estéticos elementares
que ocorrem por vezes em curtos períodos de tempo. No
caso da arquitectura, tratando - se de uma manifestação
com grande permanência no tempo, a adopção de novas
formas acaba por se instalar sob o conceito de tradição
em relativamente pouco tempo, desde que não obrigue a
profundas alterações conceptuais. De elaboração simples
e ingénua, a estética popular serve na perfeição os
desígnios de especuladores que exploraram a massificação
da tradição, invadindo o imaginário colectivo com uma
icon ografia estéril mas que surge como refúgio emocional
em período de crise de valores ou de afirmação nacionalista
como aquele que terminou a 25 de Abril de 1974. Quase
todos nós já visitámos ou ouvimos falar do “Portugal dos
Pequenitos” em Coimbra, da responsabilidade política de
António Ferro, verdadeiro catálogo de arquitectura de
estado deste período e símbolo do orgulho nacionalista
que em conjunto com a Grande Exposição do Mundo
Português, de 1940, é o exemplo de como se utilizou o
poder iconográfico da arquitectura para servir a ideologia
política.
Com o alargamento da classe média a outros estratos da
população e a crescente evolução do poder de compra, a
popularidade destas referências cresceu de tal modo que se
tornou paradigmática. Para largas camadas da população,
a ideia de “casa portuguesa tradicional” passa quase
exclusivamente por referências ao colorido pitoresco do
ambiente rural e do sentido estético ingénuo das pessoas
simples, transmutado num mito que muito tem contribuído
para a estagnação cultural das nossas gentes. Todos temos
no íntimo uma imagem de casa que promovemos como
paradigma de tradição ou portugalidade que deu corpo a
vários cíclos do mito da Casa Portuguesa, e que a maioria
desejaria que fosse muito mais que um mito inventado na
Lisboa do início do século XX .
A ideia de domesticidade à portuguesa passa assim pelo
aspecto iconográfico mais que pelo princípio, mas que
promove um sentido de intimidade e de conforto emocional
que experimentamos nas zonas mais antigas ou históricas,
capazes de “inspirar ” os artistas e que é difícil de sentir
nas novas urbanizações, aglomerados desumanizados
que as desastrosas políticas nacionais em termos de
arquitectura e urbanismo, têm vindo a permitir. Algo se
perdeu que urge reencontrar, em ordem à domesticidade,
sem necessidade de recorrermos ao pastiche .
Entre o mito e a História

Alguns factores históricos e mitológicos na construção da


identidade arquitectónica de Coruche

A morfologia das casas não depende unicamente de


factores emocionais, mitológicos ou tecnológicos.
Características antropológicas e circunstâncias geográficas
também se manifestam na identidade arquitectónica, não
sendo prudente desprezar factores que caracterizam a
ideossincrasia de um do povo, e neste caso particular
das populações que habitaram ou habitam a região sobre
a qual incide o trabalho de campo que deu origem ao
presente trabalho - Coruche - mesmo que não se pretenda
atingir o rigor científico de uma investigação sociológica
ou antropológica. A análise de alguns dados permitem
ter uma ideia das principais características que podem
produzir diferenças no modo de habitar este lugar e
consequentemente ter significado na escolha estética e na
espacialidade das casas da região.
Os povos distinguem- se pelas características físicas
ou biológicas, e também pelos costumes e aspectos
comportamentais ditados pelas condições geográficas e
económicas específicas de cada lugar. Estas diferenças em
nada desvirtuam a sua condição, são antes factores que
garantem a identidade , carácter, unidade e independência
da estrutura social. Os sentimentos do português têm sido
normalmente tratados como negativistas pela maior parte
dos autores, como acontece com Francisco da Cunha
Leão 1 2 que contudo, ao carácter saturnino mistura aspectos
contraditórios tais como jovialidade e sociabilidade.
Este forma de ser contraditória plasma- se numa espécie
de ecletismo formal do gosto português onde coexistem
o exuberantemente colorido e a sobriedade das formas,
tendo uma origem provável na miscigenação étnica de que
fomos alvo e da sucessiva pulverização familiar das diversas
camadas sociais. O português cultiva um individualismo
12
Ve j a - s e o s e u e s t u d o , peculiar que lhe permite interagir com a comunidade onde
O e n i g m a Po r t u g u ê s
- Guimarâes Editores,
se integra e ao mesmo tempo manter uma independência
Lisboa, 1992. que hoje se traduz num desejo de isolacionismo e divórcio
cultural em relação aos outros, uma espécie de egoísmo
que o faz preferir a diversidade formal à hegemonia
estilística, a afirmação da individualidade à submissão ao
colectivo.
De todas as culturas que influenciaram o território luso,
devem- se sobretudo aos Celtas, Romanos, Visigodos e
por último aos Árabes que permaneceram entre nós por
quase cinco séculos, as caracteristicas que enformam os
hábitos e modos de ser do povo luso. Desta aculturação
resulta uma falta de unidade social e a o mesmo tempo
esse forte individualismo para o qual terá contribuído o
isolamento geográfico de certas regiões como o nordeste
e o centro ocid ental de Portugal. O individualismo do
povo português é reconhecido por Estrabão, “... nem a
língua é uma só”, ou Gama de Barros, “... a tendência
de cada povoação para constituir uma individualidade é
tão inata, que vemos... cada vila, cada aldeia com a sua
feição particular, os seus costumes próprios.”
A singular independência de carácter do português também
o torna presa da incerteza face ao desc onhecido, e são
várias as práticas que envolvem os rituais de fundação ou
usufruto da casa que foram sendo absorvidos ao longo dos
tempos, fruto do isolamento e dos receios que a solidão
traz. O carácter apotropaico de muitos rituais, sagrados
ou profanos foi perdendo intensidade, sendo a crença
substituída à posteriori por meras práticas plásticas ou
tendências estéticas, uma vez perdida a transcendência. 13
Estas divindades
Algumas destas crenças têm origem em práticas remotas têm origem ibérica e
do seu nome deriva a
relacionadas com divindades pagãs como é o caso dos p a l a v r a l a r, l a r e i r a ,
Lares 13 , divindades que tutelavam a família, a casa e o etc.

fogo. Outras fundam- se em crenças populares que por 14


Juntamente com os
vezes derivam da prática religiosa das gentes simples. O santos, ou alminhas,
a pomba será talvez
rece io pelo desconhecido justifica a benzedura da casa o símbolo de tradição
ou de partes importantes dela, como a da trave mestra, e popular mais usado
como protecção à
a inclusão de símbolos e fórmulas pintadas ou esculpidas casa, numa clara
como santos e crucifixos, escudetes e “espelhos” nas migração a partir do
mito do espírito santo,
fechaduras das portas para que os maus espíritos não de grande importância
entrem, a ferradura esquerda de mula colocada atrás no nosso país.

da porta, campainhas, agnus dei, bonecas (ou lares) nas


15
A palavra gelosia
lareiras e suportes de candeeiros, pombas 14 ou outros deriva do francês
ornatos cerâmicos nos ângulos do telhado para “quebrar jalousie (inveja).
as energias negativas”, o ocre nos cunhais, moldura de
vãos e base das casas contra o “mau- olhado”, colocação
de portadas em gelosia com a mesma finalidade 15 , chifres,
vassoura atrás da por ta, alecrim ou louro benzido, entre
tantas outras formas de garantir a protecção das entidades
benfazejas, existindo mesmo regras a respeitar quanto à
orientação das casas como por exemplo evitar esquinas
e gavetos. Ainda hoje, num período em que a crença faz
cada vez menos parte do nosso mundo, mantemos como
hábito, o de entrar em casa com o pé direito em ocasiões
onde convém promover a boa sorte.
Muito do que é a nossa identidade se deve a este espírito
supersticioso, sujeito a crenças e tradições, mesmo as de
influência exógena.
Naturalmente, o modo de vida e os materiais disponíveis
vieram condicionar a morfologia da casa de Coruche ao
longo dos séculos. O concelho encontra- se numa zona de
transição entre o norte e sul, identificando - se mais com
a horizontalidade e o forte sentido cenográfico do sul,
numa tradição mediterrânica de contraste entre o branco
da cal e o vermelho do barro. No centro do país, e mais
concretamente no Ribatejo, parece fundir- se a casa cúbica
com terraço, descendente da taddart berbere, com a casa
de pátio frequente na Andaluzia, a tighrent igualmente
berbere. A casa é mais “alegre”, opondo - se neste sentido
à casa alentejana, de marcada horizontalidade. De
forma simples, podemos observar alguma exuberância
ornamental, factor atribuível talvez às características do
povo, mais vivo e fala dor, menos contemplativo, bailador
e audaz... bom negociante... herança de negociantes
nortenhos e beirões. 1 6
16
Margarida Ribeiro,
Estudo Histórico de Apesar dos traços em comum notam- se diferenças
Coruche, 1959, edição
da C. M. de Coruche. etnográficas nas populações dos vários povoados do
concelho que evoluíram a partir de latifúndios romanos e
17
Embora algumas de alguns núcleos agrários de economia desenvolvida. Os
notáveis excepções
tenham acontecido romanos trouxeram à região a diferenciação funcional e
como é o caso de simbólica entre a casa do senhor, representada pela villae
uma das principais
indústrias de dominica , a casa do criado, a villae rustica , ou o villicus ,
esmaltagem nacionais,
celeiros ou armazéns para produtos e alfaias agrícolas. A
instalada em Coruche
nos anos 20 do século agricultura e o gado há muito que constituem a base de
findo.
rendimentos da região que ainda hoje tem uma indústria
irrelevante 17 e um artesanato que, salvo raros exemplos,
é pouco caracte rístico. Após a conquista cristã o feudo
agrícola deu lugar à grande propriedade da Igreja e a
região de Coruche é concedida por D. Afonso Henriques à
Ordem de S. Bento de Évora em 1176, mais tarde Ordem de
Avis, instituindo - se como concelho a 26 de Maio de 1182
num esforço de povoamento após a reconquista cristã 18 .
Ao tempo, a população era constituída por cristãos, judeus
e mouros, transformados em foreiros. O aforamento, a
sesmaria e a instituição de casais - pequena habitação
anexa a uma área de cultivo pela qual se pagava renda
ou trocava por trabalho na grande propriedade - foram os
principais responsáveis pela fixação destes povos a que
se juntaram as gentes do norte do reino, Minho e Beiras.
O sistema de aforamento e sesmaria foi subdividindo
o antigo latifúndio com as melhores propriedades a
permanecerem sob o domínio da Ordem. Mencionado pela
primeira vez no séc. XIV, o Monte da Barca, que pertencia
aos Apóstolos do Colégio de Évora, é descrito como tendo
casas altas para habitação senhorial, sacristia, quintais,
jardins, celeiros, estrebaria, forno, pomar, vinhas e casas
térreas para cria dos. 1 9

18
Nesta data institui-
se oficialmente o
concelho como
Casa no Monte da B a r c a , a c t u a l m e n t e c o n v e r t i d a e m l a r d e i d o s o s e território cristão mas
propriedade da Sant a C a s a d a M i s e r i c ó r i a , s e n d o v i s í v e i s a l t e r a ç õ e s e na prática a região
adições c o r r e s p o n d e n d o a d i f e r e n t e s m o m e n t o s . ainda se encontrava
sob pressão militar do
reino do Al-Andaluz.

Para além da re ferência a alguns templos, entre eles as 19


S e g u n d o Margarida
igrejas de S. João, já existente em 1221, S. Pedro, da Ribeiro, no, Estudo
qual existem referências de 1229 e de Sto. António – Histórico de Coruche,
1959, edição da C. M.
anteriormente S. Miguel - que originalmente apresentavam de Coruche.
traça medieval, a igreja quinhentista da Misericórdia
construída por um tal João Lopes, pedreiro contratado
em 1575, a igreja da Nª Sª do Castelo, fundada no séc.
XV, ou das escassas propriedades com maior expressão na
estrutura social, poucos são os registos existentes sobre
outras construções an teriores ao séc. XVII, quer rústicas
quer urbanas. Sabe - se que era na baixa de Coruche
que se situava o centro económico da terra, dada a sua
proximidade com o rio Sorraia, e aí se deveriam situar
muitos das instalações para acomodar residentes e
visitantes.

Praça da Liberdade em 1889 por ocasião do falecimento do Rei D. Luís.


(Arquivo da Câmara)

Aí encontrávamos a Câmara e os Paços do Concelho


que também era cadeia desde o reinado de D. Afonso V.
Conhecem- se ainda informações sobre o Solar dos Britos
na Quinta do Lago, absorvido pela vila e diferindo já da
sua volumetria original, ou o registo de Junho de 1564
que, por alvará do Cardeal D. Henrique, determinava
a anexação à Confraria da Misericórdia de Coruche de
casas para servirem de hospital. Este edifício só deixou
de funcionar como tal em 1993 e apresenta hoje uma
tipologia próxima das casas de habitação deixando
transparecer sucessiva s intervenções de reforma.
Com provável o rigem na Idade Média, aparece -nos no
século XVII o top ónimo “rua das Estalagens”, pressupondo
a existência destas estruturas na vila. Quanto a outros
locais onde se foram concentrando as populações que
dependiam do trabalho rural, segundo o estudo de
Margarida Ribeiro, encontram- se referenciadas desde
épocas medievais várias propriedades que pela sua
importância como locais de permanência e residência se
torna relevante mencionar, provando a intensa ocupação
destes lugares desde épocas recuadas o que leva à
presunção da existência de muitas casas:
Referida em 1271, ainda hoje existe a Herdade da
Azer vada. Em 1274, segundo documento existente no
Tombo, comprou o comendador Fernando Rodrigues a
Herdade do Porto Velho de Sôr. No séc. XV fala- se da
Courela do Pesão, pertença da Misericórdia. No séc. XVI
referem- se as Herdades de Paicães, do Engal, da Escusa,
da Venda, de Boucilhos, de Cavaleiros, das Pomeiras,
das Figueiras do Divor, de Pocilgaes, dos Telles, Montes
das Correntinhas, Velho, Montinhos dos Pegos, do Brito,
Courelas da Pinta, da Minhoteira, das Marinhas, do Arez,
da Moreira, do Pego Redondo, do Casoto, da Requeixada
e do Carvalhal. Esta Courela do Carvalhal é constituída
em 1528 por venda pela Misericórdia, tratando - se da
primeira referência à Misericórdia de Coruche. No séc.
XVII e XVIII existem notas às Herdades da Parreira, dos
Verdugos, das Barbas, do Colmeirinho, da Cadarroeira,
do Biscainho, de Pinçães, do Vale do Gato, de Vale Côvo,
Mon tes dos Mar tinis, do Forro, dos Ruivos, Courela da
Ponte, Casais da Parreira, das Barbas, en tre propriedades
mais pequenas como Choutos e Chãos. 2 0
Pela descrição poderíamos imaginar uma região com
núcleos populacionais desenvolvidos, capazes de albergar
um elevado número de habitantes. Contudo, toda a área
de influência da vila sempre foi pobre em recursos não
sendo atrativa para a fixação de populações até ao século
XX . Na maior p arte e sempre de pequenas dimensões,
as povoações resultaram da concentração das classes
trabalhadoras que sucedeu ao desmembramento da
grande propriedade onde viviam e laboravam, passando à 20
O p .C i t. d e
situação de proprietários de pequenas courelas, hortas e Margarida Ribeiro.
quintais. A sucessiva repartição de terras dá assim origem
a um povoamento de carácter disperso com pequenas
concentrações que mantém o carácter rural da paisagem
e se organiza em pequenos núcleos habitacionais, montes
ou resíduos destes. As maiores propriedades viriam a dar
origem às principais povoações e algumas têm mesmo um
papel relevante na História do concelho como o Couço
a Erra ou S. Torcato. Desta vivência feita de trabalho e
dependência resulta muito da sensibilidade e carácter do
habitante autóctone, umas vezes bairrista e intransigente,
outras sedento de novidade.
PARTE 2 – IDENTIDADE E PATRIMÓNIO
CONSTRUÍDO

Memória e valor histórico - o velho e o antigo

Sinais de degradação
no Centro Histórico de
Coruche

Memória e historicidade são recursos ideológicos que


vulgarmente utilizamos como sinónimos de identidade.
Desta forma, a identidade arquitectónica dependeria em
grande parte da idade das construções, recusando - se tudo
o que ainda não tivesse passado pelo crivo da História.
A preexistência (geração expontânea?), justificaria
assim a capitalização histórica, já que o significado,
protagonismo cultural, valor plástico, arquitectónico
ou cultural, estariam exclusivamente dependentes de
factores temporais. Desta forma, a mudança é vista como
a mais vil inimiga da identidade e da memória, capaz de
matar a tradição e afectar o sentido de originalidade. A
sobrevalorização da memória e do tempo como referência
para a identidade tem várias consequências nefastas. Uma
delas é o perigo da museificação dos lugares antigos
que se manifesta pela falta de correspondência entre os
locais de encontro e convivência, e os lugares de interesse
histórico - cultural, qualidade que deverão ter no futuro os
chamados “Centros Históricos”.
A evolução económica e social conduz-nos inexoravelmente
a uma cultura fortemente urbana, a despeito da natural
resistência que t entamos manter em relação a ambientes
que consideramos pouco humanizados . Numa região
como a de Coruche, este conflito coloca- se de forma
mais intensa pela intimidade que mantém com o meio
predominantemente rural e bucólico das paisagens que
caracterizam o concelho. As suas casas revelam parte
desse conflito, entre o bucolismo da charneca e a
vantagem funcional da vida urbana, reflectindo o carácter
idiossincrático das gentes que habitaram ou ainda habitam
a vila ao longo dos tempos.
Reflexo de quem as ocupa, as casas dão forma ao lugar
e conferem-lhe carácter. À necessidade básica de habitar,
numa lógica de protecção e intimidade, junta- se toda
uma fenomenologia social que faz da casa um importante
signo de reconhecimento hierárquico. Estereótipos formais
são sucessivamente adicionados ao imaginário colectivo,
evocando factores como conforto, nível social e cultural,
sentido de grupo,... tradição.
Antes da emancipação cultural prop orcionada pela
revolução de Abril, o poder instituído serviu- se do dogma
do nacionalismo para, em proveito próprio, utilizar a
defesa de valores populares de uma forma demagógica
e reducionista, controlando e seu bel-prazer a estrutura
social, exortando à manifestação do espírito nacionalista
segundo o princípio de “Deus, Pátria e Família”, que
tipificava os elementos regionais de forma a criar a
ilusão de unidade nacional, em contraciclo com o espírito
modernista que se sentia nos meios mais esclarecidos. Esta
orientação ideológica promoveu um modelo doméstico
centrado na presunção conservadora da existência de
uma “Casa Portuguesa” tradicional, fazendo com que
outros modelos regionalistas fossem entendidos como
retrógrados por alguns sectores da modernidade, tal como
aconteceu com todos os historicismos e ecletismos ao
longo da História mais ou menos recente da Arquitectura
Portuguesa. A “Casa Portuguesa” e os seus sucedâneos,
entre eles o que vulgarizámos depreciativamente sob
a designação de Português Suave , surgem como um
nacionalismo que reivindica a recuperação de uma
tradição genuinament e portuguesa pela inspiração em
modelos autóctones. Este modelo é o mais próximo
cronológica e emocionalmente da rusticidade natural das
camadas populares da classe média actual, integrando - se
com claro à-vontade na paisagem portuguesa. O gosto
ingénuo, a rusticidade e o pitoresco invadiram as opções
arquitectónicas de diferentes estratos sociais e culturais,
contaminando o gosto comum e gerando vários fenómenos
de para-arquitecturas .
Coruche faz parte daquelas localidades onde a nostalgia
queirosiana ainda se faz sentir. Com uma estrutura social
e económica vocacionada para o pequeno comércio,
vasta região de produção agrícola e ambiente pitoresco,
foi preservada dos g randes movimentos predadores de
espaço, ao contrário de outras vilas e cidades de interior.
Urbanisticamente é um caso típico da pequena povoação
que cresceu lentamente. As zonas mais antigas, mais
sedimentadas, têm como elemento estruturador, a rua e é
do resultado do seu cruzamento que resulta o largo ou a
praça, peça fundamental do urbanismo nacional desde a
Idade Média, lugar de encontro público das suas gentes.
Topónimos como o “rossio”, o “ largo” ou a “rua direita”
revelam que a vila vivia intensamente a cultura do encontro
urbano, essencialmente nas classes mais populares já que
na sociedade portugue sa as classes burguesas nunca foram
grandes adeptas do convívio em espaço público. Ao longo
do séc. XX , tais espaços perderam entretanto vitalidade e
simbolismo pelo abandono dos usos tradicionais, como
mercados, cerimónias e festas, representações teatrais
ou corridas de toiros. Muitos destes eventos passaram
a ter lugar no interior de edifícios pelo que aqueles
espaços já não são lugar de encontro, estão ocupados
por estacionamento automóvel ou foram simplesmemte
abandonados. Algumas ruas, estruturalmente espaços
canal que nos levam de um lugar a outro, estão hoje a ser
transformadas em percursos pedonais, recuperando um
papel que já desempenharam na Idade Média, assumindo
a tendência para uma utilização social e de comércio. O
encontro social deu lugar ao encontro ocasional.
A vila de Coruche cresceu de forma insipiente e pouco
estruturada, mesmo quando surgiram as oportunidades
proporcionadas pelo desenvolvimento dos transportes,
fenómeno que produziu importantes objectos polarizadores
da estrutura urbana - primeiro as estações de caminho de
ferro, depois as de camionagem. Foi talvez esta inércia
que preservou muito da malha urbana antiga, sacrificando
todavia as casas que não suportaram o passar dos anos,
por uma ou outra razão. Estas sucessivas perdas deram
origem a fracturas no tecido urbano à medida que novos
edifícios foram acrescentados, dificultando a leitura de
uma identidade arquitectónica singular. Mesmo nas zonas
mais antigas do concelho, encontramos uma considerável 1
O conceito
diversidade de modelos onde coexistem as diferentes de reabilitação
traduz-se hoje na
épocas interligadas por algumas bolsas onde se reconhece necessidade de
uma estrutura medieval, tal como encontramos no Centro reutilizar o edifício
Histórico de Coruche . Neste núcleo, a maioria dos edifícios ou a estrutura
urbana, adaptando-
com mais de 40 anos apresentam graves patologias, fruto os a novas funções,
de construção deficiente, inexistência de manutenção ao contrário do que
antes era sugerido
ou de intervenções que, por erróneas, só antecipam a falando-se apenas
decr epitude. Estas reformas, para além de constituirem de reconstrução.
uma mera cosmética, aceleram a degradação dos Fr e q u e n t e m e n t e
esta conduziu
materiais, tornando a reabilitação das casas demasiado inúmeros imóveis
onerosa ou mesmo impossível 1 . ao abandono e
consequente ruína.
Dentro da vila, e por se localizarem quase sempre em
zonas disfuncionais ou degradadas, a recuperação de
edifícios antigos é muito sensível e implica aceitarmos
um novo equilíbrio arquitectónico onde o novo e o antigo
se encontrem. Isto permitiria recuperar o carácter urbano
e a escala humana, ultrapassando ao mesmo tempo
o anacronismo da “ vila pitoresca” que, existindo na
saudade dos mais velhos, é hoje difícil de conciliar com
os novos valores urbanos. Dada a diversidade de épocas
e modelos, a identidade que procuramos não pode ser
vista como uma ideia genérica de passado mas como um
processo evolutivo que aglutina várias influências. Na
realidade será a irregularidade ou imperfeição geométrica
do casario que confere a Coruche parte do seu carácter
formal.

Zona de protecção (sombreado), de acordo com o decreto nº 28/79 e


perímetro da Zona Histórica (tracejado)

Sem menosprezar a existência a muito curta distância


de outros núcleos que a seu tempo tiveram um papel na
História do concelho, como é o caso da Erra, é inevitável
que uma parte representativa do padrão que constitui a
identidade arquitectónica do concelho de Coruche se
encontre no Centro Histórico e no tecido construído que o
envolve, quer nas casas quer na estrutura urbana.
Que m hoje visitar esta área da vila, reconhece facilmente
uma estrutura formal eclética e a deslocalização de
funcionalidades, mas não pode certamente menosprezar
a sua importância enquanto repositório de referências
urbanas e arquitectónicas.

O Centro Histórico e a relevância patrimonial


O edital camarário de 29 de Maio de 1979 dá
conhecimento sobre a constituição do sítio classificado
que hoje designamos por Centro Histórico de Coruche ,
como consequência de um estudo efectuado pelo extinto
“Serviço Nacional de Parques, Reservas e Património
Paisagístico”. Com um perímetro que hoje nos suscita
algumas reservas ao excluir por exemplo a zona do
chamado “castelo” 2 , incluindo áreas onde ainda não existe
qualquer casa, perspectivava- se que a partir desta altura
parte da vila se encontrasse salvaguardada de “ agressões
ao património ” nos edifícios existentes ou a edificar. Esta
política proteccionista adoptada em Port ugal a partir de
finais dos anos setenta, levada a efeito com meios que
pouco mais seriam que a boa vontade de alguns e refém
de hábitos administrativos com enorme peso burocrático,
veio melhorar a situação de abandono e descuido de
algumas localidades nacionais mas revelou- se vazia de
soluções práticas. Na verdade, a maioria destes planos
foi incapaz de estancar a progressiva degradação e a
especulação dos agentes imobiliários. Tal não aconteceu
em Coruche com maior expressão por s e tratar de uma
vila com uma reduzida valência macroeconómica, mas o 2
Nesta zona terá
investimento na periferia imediata deixou grandes marcas existido um castelo,
provavelmente
que contaminaram o núcleo antigo. Não fora a localização em taipa, cuja
de estruturas importantes como os Paços do Concelho, existência é
o Museu Municipal, igrejas, farmácias ou pequeno referida na
Chronica
comércio tradicional que ainda lhe emprestam alguma Gothorum, onde
vitalidade, o Centro Histórico estaria hoje muito mais se lê que em
1180 “os árabes
abandonado. Sendo uma vila de pequena dimensão, este caem de repente
núcleo deveria continuar a desempenhar um importante sobre o castelo
de Coruche”.
papel polarizador da vida social, pelo que, qualquer
Em virtude deste
estratégia de salvaguarda se deve posicionar de modo a ataque a vila terá
adequar- se aos tempos actuais, prevenindo o futuro. Se ficado desabitada
até 1182 quando
compararmos a vila a um organismo vivo, com o núcleo recebeu carta de
histórico a representar o coração e a periferia os vários foral.
membros, diríamos que sem alguns membros o organismo
sobrevive. Tal será difícil sem o coração, mesmo que este
se apresente doente.

Rua da Misericórdia, no
coração da Zona Histórica,
ainda animada por algum
comércio tradicional.

Que fazer de uma estrutura urbana com claros sinais


de degradação mas q ue mantém uma aura de tradição?
Intervir de forma co smética mantendo infra- estruturas
inadequadas em nome da “História”, ou assumir o
sacrifício de memórias dispersas, assumindo uma nova
identidade?
A recuperação ou reabilitação de património
arquitectónico, em especial o que se encontra em zonas
históricas, coloca uma problemática onde se cruzam dois
aspectos difíceis de conciliar: as razões emocionais e
culturais que determinam a manutenção do imóvel, e as
condições técnicas necessárias e adequadas para este
tipo de intervenção que normalmente englobam custos
elevados. Todos sabemos que as políticas de reabilitação
eficazes são raras, sujeitas ainda a uma legislação
ultrapassada a que os regulamentos municipais, na
sua maioria igualmente retrógrados, vêm dar pouca ou
nenhuma ajuda. Para os representantes do poder local,
nem sempre é fácil tomar decisões técnicas, por falta de
formação ou por não admitirem a ignorância nos domínios
da arquitectura e do urbanismo, negligenciando o apoio
dos peritos, ou ainda por se recusarem a tomar medidas
impopulares e que não garantem um retorno político
positivo a curto prazo.

C e n t r o d a v i l a . U t i l i z a ç ão de linguagem contemporânea, a motivar opiniões diver-


g e n t e s mas a abrir caminho a novas ocupações.

Não é fácil reunir consenso quanto ao valor arquitectónico


de determinados conjuntos quando se trata de edifícios
com um elevado valor sentimental e cuja imagem foi
acre scentada à memória. Nunca gostamo s de nos separar
dos objectos que fomos acumulando ao longo da vida,
mesmo que tenham perdido o sentido prático. Sempre que
limpamos o sótão , somos nós que morremos um pouco. A
autenticidade do centro histórico pode ser uma mais valia
importante para o desenvolvimento da vila mas tem que
ser sustentado por novos tipos de estar, economicamente
viáveis, sem cair em estereótipos massificados que a
especulação imobiliária inevitavelmente transformará em
restauros duvidosos, na maioria dos casos vindo apenas
mascarar a perda inevitável. À falta de esclarecimento
cultural e ao invés de uma verdadeira reabilitação
urbana, defende - se demasiadas vezes uma reconstrução
nostálgica, cosmética, a que eufemisticamente se chama
defesa do património .
Não parece credível qualquer estratégia de salvaguarda
do património que não passe pela sua revitalização e
reutilização, bem como por uma dinâmica de socialização
de uma população que se recusa a conviver num ambiente
urbano medíocre e que pouco tem para lhe oferecer.
Revitalizar o comércio de rua, promover a habitação
e melhorar o espaço urbano é essencial para que o
Centro Histórico se salve da museificação ou da perda
de identidade. Atravessamos um tempo de mudança em
que se torna necessário desenhar estratégias no sentido
de definir o futuro das povoações como Coruche, criando
condições para o desenvolvimento económico a fixação
de jovens.
Coruche está suficientemente próxima de Lisboa para
poder aspirar a um papel relevante na macro - estrutura
urbana, papel já previsto por L . Mumford, E .T. Hall ou G.
Orwell face às exigências das novas formas de trabalho,
ao desenvolvimento inevitável da economia de consumo
e à decadência da condição humana nas cidades,
cada vez mais sentida. Como diria Vergílio Ferreira,
“Lisboa é um lugar onde se está, não onde se vive”.
Os tradicionais modelos de dinâmica de crescimento
das cidades alteraram- se nos últimos vinte anos com
as novas profissões, as novas tecnologias a as novas
acessibilidades. Nas grandes metrópoles do mundo dito
civilizado, é na periferia mais ou menos distante que o
Homem de hoje encontra a necessária paz de espírito,
fazendo dos subúrbios uma opção de vida doméstica. É
claro que em Barcelona, Milão ou Zurique, os subúrbios
rivalizam com qualquer cidade portuguesa em termos de
qualidade das infra- estruturas e nas localidades nacionais
de pequena dimensão como Coruche ainda há um longo
caminho a percorrer. Contudo, o concelho encontra- se
em condições de encarar um ciclo de desenvolvimento
nunca experimentado face à proximidade com a capital
e à mobilidade existente hoje no país sem no entanto se
colocar como uma região satélite. Para um crescimento
saudável e sustentado, a vila necessitará de crescer
culturalmente, desenvolvendo uma atitude crítica positiva
perante as novas exigências em termos de arquitectura
e urbanismo que, se suportadas por uma erudição
humanista, constituirão o suporte para um ambiente
urbano estimulante onde podem coexistir a História, a
modernidade e até o pitoresco. A urgência desta tomada
de consciência torna- se mais evidente quando as últimas
sondagens apontam para uma perda de cerca de um
milhão de habitantes em Portugal nos pró ximos 100 anos.
Se cruzarmos est a tendência com o progressivo abandono
das regiões do interior, isto quer dizer que corremos o
risco de localidades como Coruche se virem a desertificar
se não forem tomadas medidas que evitem a fragmentação
urbana e o abandono dos campos.

Reencontrar a História
Os poucos incentivos, a crise de valores agravada
pela baixa auto - estima nacional, a inexistência de uma
política cultural realista e a dependência económica das
autarquias em relação ao licenciamento de obras novas,
explicam o fraco investimento na área da reconstrução e
reabilitação que no país se ficam pelos cerce de 9% do
total investido na construção. Estamos ba stante abaixo da
média europeia, que neste momento se c ifra em 40% e a
uma distância infinita do Reino Unido onde esse valor se
situa nos 75%.
Os raros exemplos de defesa do património bem sucedidos
não favorecem a confiança face a novas intervenções
deste tipo. Muito do que se fez até hoje constitui uma
“alegoria do património” 3 que dá alento a uma nova
indústria depredadora e especuladora – o turismo cultural.
Visto desta forma a identidade arquitectónica não está
salvaguardada, antes se diluirá na penumbra do tempo.
Existem vários modos de entender a intervenção no
património construído, tendo por objectivo a reutilização
das estruturas arquitectónicas com representatividade no 3
Conforme
contexto histórico - cultural. Os princípios que presidem a designado por
Fr a n ç o i s e C h o a y,
este tipo de intervenção têm mudado bastante desde que
e m L’ A l l é g o r i e d u
Viollet-le -Duc e os seus seguidores estabeleceram uma Pa t r i m o i n e .
filosofia de restauro baseada na reposição hipotética e
historicista do original, nem sempre com bons resultados.
Contra esta metodologia já Marcel Proust 4 apontava em
finais do século XIX para o grotesco do restauro com
a finalidade de congelar o Tempo em vez de o recriar,
convertendo -a em presente. Vários são os documentos que
têm contribuído para uma teoria da preservação, entre
eles a Carta de Atenas nos anos 40, a Carta de Veneza
nos anos 60 e a Carta de Cracóvia em 2000 que actua
no sentido da anterior. Estes documentos vieram contribuir
para um debate alargado sobre os diferentes níveis de
intervenção, introduzindo recomendações sobre a gestão
do processo de alteração da funcionalidade. Deles emana
uma actuação que evi te a museificação dos lugares e da
arquitectura que cond uz fatalmente à aniquilação do seu
significado, originando não -lugares ou não arquitecturas .
É hoje perfeitamente aceite que a salvaguarda do
património passa pela sua conversão, promovendo novas
utilidades e funcionalidades para os núcleos históricos
envelhecidos. A estratégia de reutilização deve assentar
num levantamento das necessidades próprias das
populações residentes, de que Coruche ainda carece,
cujo rigor científico sirva de suporte formal e cultural às
futuras intervenções arquitectónicas, salvaguardando - se o
rigor técnico, a autenticidade e a elegância como factor
de identidade.
A reabilitação não passa apenas pela consolidação ou
reconstrução dos edifícios antigos, mas também por
construção nova que garanta a necessária continuidade
cultural e que sirva de cerzidura entre as diferentes
malhas, acompanhada pela reconversão urbanística e das
infra- estruturas. É possível adaptar as estruturas antigas
às exigências sociais contemporâneas, assegurando a
oferta de um ambien te estimulante que leve à fixação
de actividades económicas diversificadas e à criação de
novas funcionalidades. Um bom ambiente doméstico será
igualmente necessário através da melhoria das condições
de habitabilidade de modo a fixar novas camadas de
população, reduzindo ou anulando o fluxo pendular entre
4
Sobre o tema do
tempo tem uma os serviços, o comércio e os espaços habitacionais.
obra de referência
“ À Pr o c u r a d o Não será possível promover a reabilitação como
Te m p o Pe r d i d o ” . uma alternativa à construção se não se mudarem as
mentalidades quer culturais quer políticas, da população,
dos promotores e dos gestores públicos, fazendo
acompanhar esta mudança de uma política credível
apoiada por legislação realista, actual e esclarecida.
Preservar não é só “reparar ”. É perpetuar a substância
histórica garanti ndo a sua existência futura. Os valores
em causa a proteger e salvaguardar, determinam a
estratégia de intervenção que melhor sirva o equilíbrio
entre valores emocionais e exigências materiais, podendo
passar pela manutenção, reparação ou consolidação,
restauro, renovação, reconstrução (cópia, reconstituição
ou anastilase 5 ), reabilitação, translocação, ampliação e
reinterpretação (obra nova) ou completa substituição.
As solicitações da cultura hodierna obrigam-nos a escolhas
tecnológicas difíceis de conciliar com a ideia romântica
de tradição. Vale a pena fazer um pequeno exercício que
para alguns pode parecer sofista, mas que aponta para
o paradoxo que constitui um modelo de habitação que
apresente soluções contemporâneas e tecnologicamente
evoluídas por dentro e “antiga” por fora. Sob um ponto de
vista conservador, o restauro pode mesmo ser entendido
como o oposto do princípio da criação, acto primordial
para a espécie humana, tal como evidenciado na primeira
parte deste livro. Criar é inventar, construir e inovar, logo,
quando se constrói está- se a criar ou inventar. Nesta linha
de raciocínio, construir com a intenção de conservar é
um paradoxo, tornando ainda mais anacrónica a intenção
de construir como se de algo antigo se tratasse. Como
entender então a ideia de tradição na arquitectura? Se
no plano histórico - cultural, a ideia da preservação de
métodos construtivos e modelos tradicionais se justifica
como repositório de conhecimentos, passando a constituir
uma matriz história de recurso, num plano metafísico
traduz a ideia de imutabilidade ou verdade primordial dos
valores espirituais a recuperar para a nova arquitectura,
distinto da materialidade dada pelo uso ou costume. É
pois no plano metafísico que a tradição se enquadra 5
Reconstrução tipo
no princípio da criação, em que construir constitui um “puzzle”, parcial
contributo para a História e não um acto antropofágico ou total, usando
elementos originais
da mesma. Na v erdade, ultrapassar constantemente algo que ainda se
que consequentemente “passa à História” é talvez a maior encontrem no local.
das tradições. É de mudança que a História é feita, e o É comum em locais
arqueológicos.
novo é precisamente aquilo que um dia será antigo. Não
fora a visão futurista do Marquês de Pombal que apostou
num plano moderno e inovador para a baixa lisboeta e
a “tradição” da arquitectura pombalina ter- se -ia perdido
para nós e para o mundo. Não foi sequer a nostalgia por
uma qualquer fórmula passada que orientaram Manuel
da Maia, Eugénio dos Santos ou Carlos Mardel - que era
húngaro - para fazer face à destruição provocada pelo
terramoto de há 250 anos. Inovar é construir a tradição.
É por isso cada vez mais urgente abandonar a ideia de
preservação do edificado segundo princípios conservadores
e “politicamente correctos”, a imitar o antigo, impedindo
que se possa fazer verdadeira arquitectura contemporânea
onde se desenvolvam novos valores de domesticidade,
simplicidade e conforto emocional. Nenhuma estrutura
urbana sobrevive sem que as pessoas se sintam motivadas
para delas fazerem uso, principalmente se tiver de concorrer
com outras zonas mais ou menos próximas, mais motivantes
ou com uma oferta mais diversificada. A desertificação
das zonas históricas deve - se fundamentalmente à perda
da funcionalidade urbana e à degradação das infra-
estruturas cuja reconversão não é facilmente compatível
com uma visão economicista do problema.
Um centro histórico útil à vila será um lugar vivo onde
seja agradável residir e onde as pessoas se encontrem
beneficiando de uma correcta escala urbana. Mais
importante que “manter alçados” de forma mais ou menos
aleatória será identificar os valores arquitectónicos e
patrimoniais mais significativos, deixando espaço à
renovação natural de todo o organismo. Não se pode
entender uma reabilitação centrada unicamente no
edifício. Reabilitar uma estrutura como a que estamos
a analisar passa obrigatoriamente pela articulação com
a dinâmica urbana onde se insere e a adaptação face
a novas utilizações, onde se incluem a renovação de
infra- estruturas sanitárias e, de importância crucial e
tantas vezes negligen ciado, a adaptação da circulação
viária e pedonal. Esta renovação passa obviamente pela
reestruturação urbanística, assunto cujo desenvolvimento
nos afastaria do tema central deste ensaio.
O planeamento urbanístico que envolve as zonas mais
antigas deve envolver um processo dinâmico regulado por
normativos próprios, onde seja possível articular os valores
a preservar e a sua relação com as necessidades e funções
gerais, em ordem à reutilização patrimonial e à relação
destas zonas com as zonas de crescimento. É possível
respeitar a idiossincrasia do núcleo histórico sem abdicar
da modernidade. Mais que um problema de identidade ou
estilo, a revitaliz ação do núcleo central de Coruche é um
problema de mentalidade e passa por incorporar novas
plásticas que convivam com o património construído e o
valorizem, desde que o valor urbano e a rquitectónico do
conj unto seja inquestionável.

Os edifícios classificados
Ainda que os edifícios que vamos abordar não sejam todos
de utilização doméstica, uma reflexão sobre a identidade
arquitectónica de Coruche passa obviamente por edifícios
que o povo se habituou a considerar históricos e que
acabaram por ser alvo de classificação, mesmo quando o
processo de classificação em Portugal levanta objecções e
nem sempre atinge os propósitos que lhe estão implícitos.

Lo c a l i z a ç ã o d o s e d i f í c i o s c l a s s i f i c a d o s p o r a p l i c a ç ã o d o D e c - Le i n º 2 8 /
79 de 10 de Abril
Desde 1979 e por aplicação do Dec-Lei nº 28/79 de 10
de Abril que Coruche dispõe de uma rede de edifícios
classificados, todos eles situados no Centro Histórico
da vila. À excepção dos edifícios religiosos, as igrejas
de S. Pedro, de Stº António e da Misericórdia, dos
quais se referem apenas a azulejaria, não consta no
edital camarário, datado de 29 de Maio de 1997, nem
na memória descritiva elaborada para a candidatura
à classificação, nenhuma indicação significativa sobre
que parâmetros arquitectónicos se equacionaram para a
escolha destes edifícios que não sejam a antiguidade e a
tipologia (?). Não pomos aqui em causa o valor patrimonial
dos edifícios abrangidos. Será no entanto de considerar
pouco satisfatória uma escolha que recai apenas em
edifícios que a memória local tem por “antigos”, sem se
contemplarem outros casos que inegavelmente encerram
algum valor patrimonial. Igualmente se pode contestar
uma classificação circunscrita ao centro histórico, quando
no concelho existem outros exemplos com idêntico valor
cultural. O interesse pelo passado deve também passar pela
reflexão crítica sobre o passado recente e salvaguarda de
valores patrimoniais que ainda não entraram na lista das
curiosidades históricas e que por isso ainda não apelam à
saudade. A História ta mbém é Hoje.

Igreja de Stº António Igreja da Misericórdia


Igreja de S. P e d r o Pr a ç a d a L i b e r d a d e , 3 6 a 4 0

Rua de S. Fran c i s c o , 2 R. da Misericórdia, 12 a 18

6
Curiosa forma
de dizermos que
se procedeu a
melhoramentos.
De facto as
intervenções nestes
edifícios mais
não fazem do que
p r o l o n g a r- l h e s
o sofrimento e a
Traves - R. da Misericórdia, 46 agonia.
Ru a D i r e i t a , 1 0 2 a 1 1 0 Pr a ç a d a L i b e r d a d e , 1 5 e 1 6

Pr a ç a d a L i b e r d a d e , 1 a 3 Pr a ç a d a L i b e r d a d e , 6 a 9

Largo de S. Pedro, 6 e 7 Te r r e i r o d o B r i t o , 8

A classificação destes edifícios produziu poucos efeitos


práticos mas contribuiu para potenciar a sua imagem como
manifestos de uma certa “tradição”. Em Coruche estão
classificados os edifícios da Igreja de São Pedro, Igreja de
Santo António, Igreja da Misericórdia, o nº 8 do Terreiro
do Brito, nº 6 e 7 do Largo de São Pedro, nº 1, 2, 3, 6, 7,
8, 9, 15, 16, 36 a 40 da Praça da Liberdade, nº 102 a
110 da Rua Direita, nº 12 a 18 da Rua da Misericórdia, nº
1 da Travessa do Lagar e nº 2 da Rua de S. Francisco.
Para além destes, são ainda identificados no estudo que
levou a esta classificação alguns edifícios considerados
de “acompanhamento” e outros identificados como
“dissonantes”. Nos dias de hoje, o regulamento consignado
por aquele edital nem sempre é respeitado, felizmente,
pelo que alguns dos edifícios já sofreram melhoramentos 6
ou foram substituídos.

Edifício classificad o c o m o d i s s o n a n t e , c o m d e c o r a ç ã o r e g i o n a l i s t a .
Ru a d e S. Pe d r o , 1 a 1 5 .
(extrato do proje c t o o r i g i n a l e x i s t e n t e n o s a r q u i v o s c a m a r á r i o s ) .

N a Pr a ç a d a L i b e r d a d e , o u t r o
dos edifícios classificados depre-
ciativamente como dissonantes.
Não se compreende bem a operacionalidade que advém
deste tipo de classificação. O que fazer de um edifício
de acompanhamento? E os dissonantes? Serão alvo
de demolição? Uma observação rápida das fichas de
classificação permitem-nos constatar a superficialidade
dos parâmetros em análise encontrando - se mesmo alguns
paradoxos como considerar importante preservar o alçado
de um edifício que se classifica como dissonante. E o que
se entende por dissonante? Algo com pouco interesse?
Algo que não acompanha o contexto em que se insere e
que por isso é considerado de menor qualidade plástica?
Diríamos antes que dissonante devemos considerar a
irrelevância histórica ou cultural, a falta de qualidade
plástica ou arquitectó nica e nunca a dissemelhança. Em
alguns destes edifícios é evidente a falta de qualidade
plástica ou construtiva, mas também se julgam como
dissonantes, por exemplo, uma casa de 1935 com
interesse plástico ao nível da decoração regionalista de
inspiração Art Deco, ou de acompanhamento um dos mais
interessantes edifícios revestidos a azulejo de Coruche, do
primeiro quartel do século XX .

E d i f í c i o c l a s s i f i c a d o c o m o d e a c o m p a n h a m e n t o . La r g o d e Va l a d a r e s , 6
Se por dissonante considerássemos algo que não
acompanha mimeticamente as linguagens do contexto
em que se insere sendo por isso considerado uma obra
de menor importância, lembramo -nos imediatamente de
faróis, praças fortificadas como encontramos em Évora,
do elevador de Sta. Justa em Lisboa ou da “diferença
de escala” do Aqueduto das Águas Livr es. Deverão ser
abatidos na próxima oportunidade?

Sem dúvida uma construção dis-


sonante. Não poderemos deixar
de considerar o Elevador de Stª
Justa “estranho”, no contexto
arquitectónico da baixa lisboeta.
Mas certamente não passará
pela cabeça de ninguém mandar
restaurá-lo com janelas e métrica
pombalina.

E que dizer da estação de caminhos - de -ferro do Rossio


ou da praça de touros do Campo Pequeno? Não será
na dissonância que reside o valor patrimonial da sua
arquitectura? Quem questionará a diferença de escala
de um hospital ou de um estádio desportivo? Será mais
interessante ou “tradicional” colocar-lhe uma cobertura
em telha e talvez umas molduras em massa só para se
“integrar ” melhor?
Os edifícios do concelho mereciam um estudo mais
profundo com vista a uma classificação isenta e rigorosa,
avaliando da sua qualidade arquitectónica e que seja
consequente.
No plano retórico é certamente de estranhar que num
edifício classificado como tendo muito interesse – o nº 12
a 18 da rua da Misericórdia – lhe seja permitido, entre
outras intervenções, ter uma cobertura de fibrocimento.
Ou outro com visíveis alterações volumétricas ao original
e com adições que não respeitam a provável “traça”
original – nº 2 da rua de S. Francisco e nº 46 da Rua da
Misericórdia - deixando por classificar ou analizar tantos
outros com interesse regional, talvez excluídos por terem
construção mais recen te.
Matriz arquitectónica das “Casas de Coruche”

Ainda que cientificamente pouco se tenha reflectido sobre


eles, os edifícios classificados de Coruche fazem parte
de um património importante, marcando o imaginário
local, mas por si só não garantem uma correcta leitura do
padrão arquitectónico presente na vila e que constitui uma
parte importante da sua identidade. Para obtermos uma
matriz que permita identificar tal padrão, será necessário
lançar um olhar sobre momentos particulares do fenómeno
arquitectónico nacional, identificando referências ou
tipologias que migraram para as casas de Coruche.

Não cabe neste trabalho fazer uma análise particular e


exaustiva às casas do concelho. Não é esse o objectivo
e muitas delas mostram- se difíceis de classificar,
apresentando referências e maneirismos de origem
muito diversa, o que é frequente nas elaborações de
carácter mais popular. O conhecimento dessas referências
passa pela enumeração de tipologias ou modelos mais
representativos, de modo a entender a globalidade e
diversidade da paisagem construída.

Correndo o risco de ferir susceptibilidades no regionalismo


local, o facto é que nunca poderemos falar de “casas de
Coruche” com verdadeira propriedade, como se estas
apresentassem um padrão morfológico reconhecível e
diferenciado do de outros lugares, nomeadamente da
Estremadura, Alentejo ou mesmo do Algarve. Pa r t i n d o
do princípio da não existência de um modelo de casa
portuguesa mas sim várias eleborações que ao longo da
História contribuíram para a identidade nacional, torna-
se ainda mais absurda a ideia de um modelo ribatejano
e muito menos coruchense. O que encontramos são pois
diferentes extractos arquitectónicos que ao se tornarem
familiares nos habituámos a considerar “nossos”,
marcando-nos mais uns que outros pelo seu aspecto
pitoresco ou distinto, mas contribuindo todos para o
padrão arquitectónico e para o imaginário arquitectónico
colectivo.

Sendo uma vila periférica, Coruche não foi poupada às


influências dos grandes centros, nomeadamente Lisboa,
de onde emana uma aura de desenvolvimento que sacia
a avidez de modernidade e o desejo de identificação
com uma certa elite bem sucedida. Situando - se
geograficamente entre o “grande sul” e o “grande norte”
Coruche sofre a influência de ambos, embora as formas
de inspiração mediterrânica pareçam predominar. Como
se referiu anteriormente, a região esteve presa entre
uma economia latifundiária e de pequena subsistência
onde o acesso à cultura não era uma das preocupações
fundamentais. Hoje, no despertar das sensibilidades do
hom em comum para a cultura, e designadamente para a
cultura arquitectónica, as suas tendências formais recaem
nos estereótipos da cultura popular influenciados pelo
clima social onde as famílias consideradas mais distintas
têm ainda uma grande influência. O investimento nos
sinais exteriores como promoção social, produziu nos
últimos anos uma presunção plástica que se traduz na
adopção de elementos de inspiração popular mas que
dificilmente se confundem com a simplicidade, equilíbrio
e elegância ingénua da arquitectura vernácula, da qual
pretendem ser os sucedâneos.

Em plena região turistica do litoral algarviu, pasto para a


especulação imobiliária, encontrámos este mau exemplo de plástica
p o p u l a r, n o m í n i m o a b e r r a n t e .

O Concelho de Coruche vai progressivamente aderindo


a um tímido desenvolvimento social e económico, nem
sempre sustentado por uma aprendizagem cultural de
qualidade que lhe permita resistir aos novos tipos de
eclectismo estético. Com limites urbanos de reduzida
dimensão e trespassado pelo meio rural, a habitação
unifamiliar constitui a principal forma de alojamento. O
súbito crescimento populacional após a revolução de 74
e a melhoria nas acessibilidades, trouxe à vila uma vaga
de novas moradias que revelam o gosto de uma classe
médio -burguesa urbana que não abdica da rusticidade de
uma memória provinciana. É já visível a proliferação de
alguns desses estereótipos que têm vindo a enformar o
gosto comum nos últimos anos, contaminados pelo kitsch
folclórico da nova cultura popular.
Grosso modo podemos afirmar que ao longo da História,
Coruche acompanhou as tendências de gosto mais
cosmopolita, salvaguardadas as distâncias que a sua
dimensão e economia ditavam. Os dados existentes não
permitem estabelecer satisfatoriamente uma cronologia da
História arquitectónica de Coruche, em grande parte porque
no arquivo municipal não existem processos anteriores a
1933, e os existentes devem ser vistos com prudência, pois
apenas uma pequena percentagem das casas construídas
até aos anos 70 eram alvo de licenciamento municipal.
Para as construções mais antigas, é provável que existam
registos particulares, mas tal é difícil de confirmar.

Em Coruche podemos assim observar vários estratos


formais que correspondem a diferentes períodos ou
influências, com as mais recentes a serem fortemente
contaminadas pela industrialização. Muitas apresentam
migrações formais de várias matrizes que, ao sabor do
“gosto” do construtor ou do seu proprietário, que em
muitos casos é o mesmo, apresentam maior ou menor
coerência estilistica. Mesmo em casos formalmente mais
coerentes, encontramos facilmente uma ou outra forma
que não parece pertencer ao mesmo sistema. Esta mistura
de referências aumenta substancialmente nos períodos
caracterizados por sobreposições estilísticas, como foi
a transição do século XIX para o XX e toda a última
metade do século XX , ou quando não existe a intervenção
do arquitecto, normalmente mais atento ao problema
da coerência formal. Como já ficou salvaguardado,
as tipologias propostas devem ser entendidas como
enquadramento geral, pelo que as casas usadas para
ilustrar cada uma das tipologias nem sempre poderão
corresponder na totalidade à realidade estilística e
temporal referenciada. A análise recai sobretudo na casa
enquanto habitação mas nem sempre nos podemos escusar
a considerar outro tipo de edificações que se apresentam
como polarizadoras, ponto de partida para a vivência
doméstica.

Tipologia comparativa e migração das formas

A vila apresenta uma estrutura arquitectónica intrincada


e de referências cruzadas. A paisagem construída é assim
organizada por áreas que foram sendo adicionadas a um
núcleo primordial e reflectem os diferentes momentos
da História da arquitectura doméstica nacional, com
predominância para aqueles que correspondem aos
maiores surtos de crescimento económico ou demográfico.
Nem sempre a região cresceu em consonância com o resto
do país. Este poderá ser um dos motivos que confere às
casas de Coruche um ecletismo típico caracterizado pelo
anacronismo. A diversidade morfológica, que é visível
no i nterior da vila, acaba por se fundir numa imagem
coerente para quem a observa ao longe. Poderemos assim
estabelecer uma base conceptual que nos permita analisar
essa diversidade, através de oito tipol ogias base que
permitirão construir uma matriz comparat iva que, embora
essencialmente morfológica e de uma forma simplificada,
permita fazer uma leitura da cenografia arquitectónica do
concelho, os diversos estratos formais e temporais que,
como já afirmámos, nem sempre são sincrónicos. Iremos
perc eber que qualquer uma destas oito referências ainda
têm um enorme peso no gosto comum, manifestando - se de
forma recorrente nas nossas casas de hoje:

Tipologia 1 – Casa senhorial ou solarenga; Tipologia 2


- Vernáculo rural ou urbano; Tipologia 3 - Eclectismo
romântico; Tipologia 4 - Da Casa Portuguesa ao Português
Suave; Tipologia 5 - Modernismo regional; Tipologia 6
- O “estilo internacional”; Tipologia 7 - O neopopular;
Tipologia 8 - Ecletismo funcionalista
CRONOGRAMA

TIPOLOGIA 1 – Casa senhorial ou solarenga


Se comparada com a arquitectura religiosa, militar ou
institucional, a arquitectura doméstica sempre apresentou
uma linguagem plástica mais sóbria, tendência que se torna
mais evidente nas pequenas construções, designadamente
na casa unifamiliar. Este tipo de casa é aquela que mais
contribui para a definição do imaginário arquitectónico
doméstico e, por extensão, da ideia de meio urbano
tradicional. A sobriedade que aparece naturalmente na
arquitectura doméstica erudita, parece mesmo ser uma
das principais características formais da arquitectura
nacional, se lhe quisermos atribuir uma idiossincrasia .
Quando no resto da Europa, por volta de 1700,
se regressa a uma certa exuberância decorativa
protagonizada pelo maneirismo e pelo barroco, ou
quando o gosto ecléctico impera em meados do séc.
XIX , Portugal adopta formas simples e caracterizadoras
de um espírito nacional quase sempre dominado pela
escassez ornamental e pela miniaturização. Em finais do
7
Inicialmente século XVII, início do século XVIII, o denominado estilo
designado assim por
Júlio de Castilho
chão 7 era a expressão erudita da sobriedade vernacular
e p o s te r i o r m e n t e vindo a consolidar a tendência para a austeridade formal
adoptado por George
Ku b l e r, c a r a c t e r i z a d o que a habitação modesta evidenciava mas por razões
pelas superfícies práticas. Apesar de Portugal se ter mantido quase sempre
planas e ornamentação
simplificada. à margem da influência da antiguidade clássica ou dos
grandes movimentos europeus, este estilo elegante mas
austero evidenciava uma fina influência barroca, pouco
exuberante, inspirada principalmente no norte da Europa.
Na sua nudez ornamental, o estilo chão foi recriado no
período pombalino, estando também presente nas formas
mais clássicas dos solares setecentistas que povoam o
norte do país. A região de Coruche, economicamente
pobre e onde a pedra é escassa, vê adoptar para as casas
burguesas ou aristocratas uma estrutura formal com raízes
nas casas monásticas da época medieval. As sucessivas
reformas enriqueceram-nas com uma tímida inspiração
barroca a lembrar os solares nortenhos, a simplicidade
erudita do estilo chão e do pombalino após o terramoto de
1775. A nudez plástica do estilo chão é, segundo Kubler,
de tradição antiga com raízes num “notável retorno a
princípios sóbrio s ocorridos durante o reinado de D. João
III, após a exuberância ornamental da época de D. Manuel
I... aproveitando possibilidades construti vas do norte da
Europa bem como as que eram peculiares da tradição
portuguesa...” 8
A tendência para uma plástica austera está intimamente
relacionada com a tradição religiosa herdada do
românico, que em Portugal assumiu uma génese ainda
mais simplista que noutras paragens. Já a Ordem de Cister,
pela orientação de Bernardo de Claraval, enunciava a
sobr iedade e o despojo como forma de evitar a distração
em relação ao objectivo primordial - a evocação e
glorificação de Deus - sendo a nudez a forma que melhor
caracteriza a singularidade da obra cisterciense a partir
do século XII, e em concreto aos mosteiros construídos
por esta ordem a instauração dessa estética centrada na
modéstia. Esta lógica seria adoptada para a construção
civil, moldando as estruturas urbanas sob influência
dos edifícios religiosos. Estimulados pelos Jesuítas,
os Beneditinos portugueses continuaram a construir
edifícios despojados, segundo as tradi ções medievais,
favorecendo o gosto pela simplicidade que ainda se
verificava no séc. XVI. Estes edifícios encontram- se um
pouco por todo o país, alguns de traço apalaçado, como 8
Kubler, George - A
acontece em Tomar, Alcobaça ou Tibães, com loggias que Arquitectura Portuguesa
Chã - Vega, Lisboa,
introduzem ou são fonte de inspiração para os telheiros, 1988
fenestração abundante de ritmo clássico, guarnecidas por
molduras de geometria simples ou ainda de inspiração
toscana. A utilização de um nartex ou exonartex como
se observa em Évora 9 vem proteger a joyeuse entrée
materializada na porta. Oferecendo sombra e abrigo, este
elemento assume cara cterísticas marcadamente nacionais
pela função prosaica que adiciona, adaptando - se às
condições, necessidades e tradições locais. Esta fórmula
vai ser imitada por todo o país em edifícios públicos e
privados até ao noss o século, com uma linguagem de
cunho vernacular de grande valor plástico, “constituindo
um sólido substrato para a excelente qualidade visual do
quadro urbano português em cidades e aldeias, casas de
campo e urbanas, habilmente proporcionadas e decoradas
com sobriedade.” 1 0
Grande número de ed ifícios medievais foram substituídos
ou renovados a partir do início do séc. XVII, principalmente
por acção dos Beneditinos que nessa altura pretendiam
aplicar os grandes recursos financeiros decorrentes do
aumento do valor das terras, de que as ordens religiosas
eram as principais possuidoras. Após 1640, perto de
um terço destas propriedades pertenciam à Igreja sendo
grande o número de casas conventuais existentes, cerca
de 450 em meados do séc. XVII, número que continuou a
aumentar até à extinção das ordens religiosas. Paradigma
do estilo chão, Kubler aponta o palácio Corte -Real,
iniciado em 1585 e destruído em 1751, como modelo e
padrão para grande número de casas, tanto na cidade
como no campo, que tinham nas agulhas de forma
piramidal 1 1 sobre os cunhais e a fenestração com molduras
toscanas a sua princip al expressão ornamental.
A escassa ornamentação, característica portuguesa
como já vimos, é levada ao extremo nos exemplos
9
I g r e j a d e S. Fr a n c i s c o
q u e , se g u n d o Ku b l e r, regionais de Coruche, obtendo - se uma construção útil
seria uma provável e económica, raciona l e austera, apesar das dimensões
importação de Herrera.
comparativamente generosas face a outras casas mais
10
Op. cit. ant.
modestas que entretanto vão surgindo nas imediações
11
Que curiosamente
viriam a ser
ou que lhe estão adossadas. A esta simplicidade também
ressuscitadas não será alheia a escassez de materiais de construção
pelos construtores
To m a r e n s e s e p e l o
mais “nobres”, artífices especializados e até de recursos
Estado Novo. económicos que suportassem uma maior opulência. As
famílias mais poderosas do País nunca escolheram esta
região como alvo dos seus investimentos, o que favoreceu
a concentração de recursos num número muito reduzido
de proprietários latifundiários. Um crescimento económico
relevante só viria a acontecer em Coruche na transição do
século XIX para XX e num segundo ciclo, a partir dos anos
40 com o plano de desenvolvimento agrícola de Salazar.

M o n t e d a B a r c a - G r ande casa senhorial agrícola às portas de Coruche que já


não corresponde ao modelo original .

Na tipologia em análise existe uma curiosa semelhança


entre a casa em ambiente urbano e a que encontramos em
ambiente rural, umas e outras pertença das classes que
exploravam a grande propriedade. Viver na Vila era sinal
de elegância pelo que estes proprietários transportavam
para o conforto urbano, a opulência da grande casa de
campo como símbolo do seu poder económico. Alguns
dos edifícios incluídos neste grupo foram adquiridos à
posteriori, por venda directa ou por altura da extinção das
ordens religiosas, mantendo por isso alguns traços eruditos.
De dimensão generosa mas volumetria básica, quando
integrados nos limites urbanos estas casas são elementos
polarizadores e estruturadores do núcleo histórico da
vila em volta das quais a urbe foi crescendo. A principal
diferença que esta tipologia apresenta entre o tipo urbano
e o do campo tem a ver com o carácter aglutinador da
casa urbana. No campo aparece orgulhosamente só ou
como núcleo de um pequeno aglomerado de construções
dependentes.

Apesar da volumetria básica compacta, é comum nestas


casas a existência de espaços abertos, quase sempre pátios
interiores ou varandas integradas no volume geral do
edifício, ao contrário do que acontecerá mais tarde onde
as varandas surgem coladas às superfícies das fachadas.
O uso de pátios interiores está exclusivamente reservado
a casas cuja dimensão o permita. Na tradição árabe esta
peça é fundamental na estrutura da casa, mas apesar da
sua permanência entre nós por quase 500 anos, ainda hoje
teimamos em renegar uma cultura que muito nos deixou e
da qual teriamos muito a aprovitar. Esta arquitectura da
intimidade conservou- se no resto da Península, mas em
Portugal, pátios, terraços e telheiros, reflexo da maneira
de ser e viver transmitidos pela cultura árabes, só viriam
a ser recriados e adaptados à arquitectura doméstica e às
realidades nacionais na transição entre o séc. XIX para o
XX por Raul Lino.
Tradicionalmente o pátio aparece mais a sul enquanto
a varanda é mais utilizada a norte. Deve - se este facto
a razões climaté ricas e a uma ocupação do território de
características diferentes entre os dois pólos. Em edifícios
desta época encontramos alguns pátios interiores com
ligações visuais para a via pública, permitindo acompanhar
o que se passava na rua sem expor o r ecato devido às
senhoras de posição social elevada.
A função destes espaços evoluiu no sentido de hoje se
utilizarem os largos junto das casas para actividades diárias
de trabalho ou lazer, sendo comum uma organização que
nas casas mais populares dispõe de casa principal e casas
de fora separados pelo quintal. As casas de fora são
arrumos segundas cozinhas e fumeiros ou cómodos para
animais. O telheiro aparece provavelmente, por redução
das dimensões do edifício impedindo a formação de pátios
internos. São uma espécie de pátios exteriores em contacto
com a natureza mantendo intimidade e ordem territorial.
Já vimos que todos os edifícios desta tipologia se mostram
austeros na orna mentação, resumindo - se esta à marcação
de vãos com molduras em pedra, cunhais, socos e sub -
beirados, reaparecendo por vezes as volutas com origem
no rolwerk flamengo 1 2 e largamente usadas no barroco
popular. As volutas ou espirais, foram muito utilizadas
no nosso país durante o reinado felipino e um pouco
esquecidas após a Restauração, voltando posteriormente
a reaparecer no nosso vocabulário ornamental. Têm uma
importante simbologia e por esta razão surgem quer na
arquitectura burguesa quer na popula r. Encontram- se
relacionadas com diferentes planos de significação como
a fertilidade pela sua analogia ao caracol, a ressurreição
de Cristo, a cornucópia propiciatória, como interpretação
do yin e yang oriental, ou ainda associado ao labirinto,
sendo talvez o motivo ornamental que mais perdurou no
imaginário tradicional português. Notável exemplo da
utilização destes elementos é a fachada principal em estilo
chão do antigo seminário de Santarém, embora neste caso 12
Donde aliás também
importámos as janela
evidencie uma exuberância pouco comum ao estilo.
de guilhotina. Este
modelo aparece no
Aspirando à nobreza das grandes casas tradicionais, e séc. XVII na Holanda,
profundamente influenciados pelo chamado “Português fruto da reduzida
largura dos edifícios.
Suave” a que aludiremos mais adiante, surgem em Coruche
uma geração de sola res fora de época que também se
fixaram na memória dos coruchenses. Trata- se sobretudo de
casas construídas a partir dos anos 40 do século passado
(XX), que introduzem elementos dispersos provenientes da
arquitectura erudita e vernacular numa colagem eclética
mas aos quais se reconhece algum equilíbrio. Apesar
de não corresponderem a uma época, merecem a nossa
atenção pelo peso social que representam.

Alguns dos exemplos de volutas que podemos encontrar em Coruche, neste caso
dentro da vila.

Com projecto de 1950, esta casa parece representar o paradigma do “andar


nobre” pois o piso térreo foi tratado com alguma displiscência. Uma volumetria a
recordar vagamente o solar onde até o granito aparece imitado pela marmorite.
Pr o j e c t o d e 1 9 5 7 e x e c utado ainda ao sabor solagengo mas de desenho próximo
d o v e r n á c u l o , dir- se -ia mesmo com leve inspiração em Raúl Lino.
( e difício apresentado na figura seguinte)

E d i f í c i o a q u e c o r r e sponde o projecto da imagem anteror, construído como


c e d ência à G.N.R. que ainda hoje o ocupa.

O solar setecentista, formulação nortenha da tipologia


que agora analisamos, apresenta- se distinto na forma,
dimensão e m ateriais, mas responde de igual forma
à sua função simbólica. Manifestamente mais rico,
será um modelo a adoptar pelas famílias com maior
poder económico, com necessidade de se destacar na
mediocridade económica da vila, durante a primeira
metado do século XX e foi utilizado até há relativamente
pouco tempo para acentuar essa diferença de classes.
Pináculos e coruchéus ornamentam os cunhais de algumas destas casas, símbolos
que ornamentavam as casas d e famílias que tinham ou já tinham tido papas na
sua linhagem.

Magnífico exemplar de inspiração solarenga que apesar de se tratar de uma


construção eclética do século XX , apresenta um equilíbrio ao qual não será estranho
o facto de os planos das sucessivas alterações se deverem presumivelmente a
intervenção de um arquitecto. Dos raros existentes no concelho. Nos arquivos da
Câmara Municipal constam processos de ampliações e tratamento de fachadas
datados de 1945 e 1947. O impacto deste edifício é muito prejudicado pelo mau
enquadramento urbanistico. O tratamento das molduras das janelas aparece
em diferentes locais da vila, em casas pertencentes à mesma família ou nelas
inspiradas. É um modelo proveniente do tardo -barroco português, adoptado em
muitos edifícios públicos entre finais do século XVIII e meados do século XIX .

Com uma excepção, o equilíbrio e sobriedade do modelo


original é substituído em Coruche pela miniaturização
e acentuação das formas e pelo ornato que chega
a copiar símbolos e stranhos à tradição familiar, por
desconhecimento da sua origem ou apenas porque são
conotados com casas nobres.
Nos “solares de Coruche” do século XX , materiais “menos
nobres” tomam por vezes o lugar daqueles que escasseiam
na região. O valor cosmético substitui assim a função
estrutural numa clara atitude cenográfica e simbólica.
Tipologia 2 – Vernáculo, popular e urbano

A ideia que vulgarmente temos da casa tradicional vem-nos


por via popular estando ligada às tipologias vernaculares,
simplesmente entendidas como antigas ou típicas .
Na verdade trata- se de um fenómeno de arquitectura
espontânea, desligada daquilo a que chamamos estilo, é
muito difícil precisar o seu contexto temporal.
Ainda hoje esta tipologia tem uma grande influência na
nossa memória expressando - se em modelos mais recentes,
situados entre o vernáculo e um novo maneirismo popular,
fenómeno sobre o qua l iremos reflectir mais adiante.
Albert Demangeon faz a expressão da casa popular
depender do meio geográfico onde se insere. Um conjunto
de influências naturais e humanas levarão o homem a
adoptar este ou aquele tipo de habitação em função das
necessidades imediatas e da interacção com o meio, pela
experiência acumulada ao longo de gerações. A tradição
aparece -nos assim sujeita a factores externos, afastada
dos fenómenos de socialização que tantas vezes são
responsáveis por determinadas orientações estéticas mais
populares.
A casa popular resulta da longa evolução através
das gerações, resumindo experiências culturais e o
conhecimento adquirido sobre materiais e técnicas de
construção. O país apresenta uma grande diversidade
de condições climatéricas, sendo este factor igualmente
determinante. De uma paisagem centro - europeia a
noroeste passa- se gradualmente a uma paisagem atlântica
a oeste e a uma paisagem mediterrânica com reflexos
norte -africanos a sul. As diferenças entre montanha,
planalto e planície e as que se operam quanto à utilização
dos materiais, os hábitos e superstições característicos
dos diferentes grupos, ainda hoje pesam no imaginário do
hom em comum que, afectado pela nostalgia das origens,
ainda sente dificuldade em admitir a sua urbanidade.
A principal característica das casas tradicionais populares
é a simplicidade formal e construtiva. Factores naturais
e culturais, geográficos, humanos, económico - sociais
e etno -históricos, determinam que, por exemplo, a
casa-pátio surja em geral em regiões planas, locais de
exploração intensiva da agricultura como é o caso do vale
do Sorraia. A utilização da taipa ou do abobe e a pobreza
do solo em algumas regiões do sul do país, determinam
as formas e as exigências funcionais a que respondem as
casas, entre o sistema de povoamento, a protecção contra
agentes exteriores ou as necessidades de armazenagem
de diversos produtos. Os modelos de arquitectura popular
apresentam uma tecnologia de construção específica,
organização espacial determinada pelas capacidades
operativas do espaço, ao contrário dos efeitos ornamentais
que na sua maioria não responde a qualquer tipo de
operatividade. As variações formais eram introduzidas por
moti vações emocionais ou práticas, ou ainda por razões
apotropaicas, em que factores económicos ditavam a
simplicidade essencial.
Portugal é um país dividido entre dois mares . A influência
atlântica sente - se acima do Tejo, onde a terra se mostra
dominada pelo relevo acentuado, sopra da pelos ventos
frios do norte e onde a pedra caracteriza a paisagem.
Ao sul, as planícies e o escasso relevo, são temperados
pelo Mediterrâneo e pelas brisas norte -africanas onde o
vermelho da terra contrasta com o verde das searas. Esta
dicotomia modela as principais variantes regionais de
géneros básicos conhecidos da casa popular: casa térrea,
de andar, casa-torre, casa-bloco e casa-pátio (aberto ou
fechado). 1 3 A casa de sobrado é o tipo comum urbano no
país, principalmente no norte. A casa térrea existe por toda
a parte mas principalmente nas províncias do sul onde
assume uma forma básica e característica de habitação,
independentemente do nível económico do proprietário,
predominando sobre a casa sobradada, mesmo no espaço
urbano.

Pr o c i s s ã o d e p e n i t ê n c i a a o t r e m o r d e t e r r a d e 1 9 0 8 .
(Arquivo municipal)

A casa vernacular de Coruche é a sobria e singela, sem


ornamentação, não sendo raros os exemplos de casas
elementares - casas de uma única dependência. É uma
13
Segundo a
classificação de casa que evoca a horizontalidade, tal como na planície
E r n e s t o Ve i g a d e alentejana, sendo frequentes as coberturas com telhados
Oliveira.
de duas águas, de uma 14 ou ainda a combinação de duas
14
Segundo Dauzat, o mais uma. O telhado de quatro águas, mais característico
telhado de uma água do norte, aparece em centros urbanos do sul como
será característico
d a “ c a s a l a t i n a” , reminiscência da construção setecentista. Em modelos
determinado por mais tardios e apesar da utilização de materiais leves,
factores geográficos.
Será o modelo melhor apresenta alguma ornamentação, com motivos procurados
adaptado às encostas em igrejas, pombais e outras construções de utilização
geralmente utilizadas
para a localização não habitacional, gr afittis e motivos geométricos em
ancestral das casas. relevo de grande efei to plástico. A terra como matéria-
prima permite alguma plasticidade. Paredes, arcos,
abóbadas, nichos ou chaminés, ganham maior expressão
plástica e um forte efeito cenográfico acentuada pela
utilização da cal. Além da terra, a cal é porventura o
principal material encontrado na arquitectura meridional,
como agregante ou como revestimento. De referir ainda
que as cobertura s vegetais eram largamente utilizadas nas
casas mais modestas da região centro do País e que a sua
disposição em declive fez prevalecer a cobertura inclinada
ao contrário da cobertura plana ou em açoteia, própria da
construção em terra das planícies do sul.

Na sua maioria, as casas tradicionais do concelho


utilizaram a taipa e o adobe quase até aos anos cinquenta
do século XX com o principal material de construção. Apesar
de alguns reforços a tijolo “de burro”, a taipa tradicional
da região era de má qualidade, a chamada taipa negra,
amassada com desperdício de tijolo ou com seixo. Este
tipo de taipa é muito frequente em Coruche por se tratar
de uma tecnologia própria de vilas e cidades onde a terra
vegetal era de quintais e logradouros, era usada como
principal constituinte mesmo em casas de famílias mais
abastadas. Estamos por isso numa região onde imperava a
construção em terra, num contínuo temporal que herdámos
dos romanos a que a civilização árabe deu novo impulso.
Este facto torna difícil encontrar casas antigas em bom
estado de conservação, quer por abandono quer devido
a manutenção deficiente, já que a partir de certa altura
qualquer arranjo passa pela “picagem” das paredes,
reboco com argamas sa de cimento e pintura a tintas
sintéticas. Sendo incompatíveis com a taipa, o adobe ou
mesmo com o tijolo maciço, a utilização destes materiais
acelera o processo de desagregação dos componentes
levando mais rapidamente ao colapso das estruturas, já
de si pouco resistentes.
A penetração romana é mais sensível no sul, assim como
o domínio árabe. São inúmeros os achados que atestam a
permanência romana em Coruche. As tecnologias utilizadas
pelos romanos ainda hoje inspiram a construção de arcos
e abóbadas com estrutura em tijolo de barro cozido.
De utilização comum nesta região, a taipa e o adobe
descendem também de técnicas romanas de construção.
A taipa assemelha- se à opus caementicium romana
enquanto o adobe descende do later crudua . Também
de introdução romana, tijolos e tijoleiras ( tetradoron )
eram e são utilizados em paredes e muros, no reforço de
cunhais, fundações e vãos, como separador de camadas
de taipa ou na pavimentação das casas. Em menor escala,
a utilização do seixo rolado, abundante na região, era
igualmente usado na composição da taipa ou colocado
sob os beirados para diminuir os salpicos provocados pela
chuva e a consequente deterioração das paredes 15 .
O vernáculo urbano difere do rural na volumetria das
casas. A casa tradicional do meio rural é o “monte”, uma
construção térrea e isolada, baixa e de área reduzida
que na maioria dos casos não ultrapassa os 30 ou 40
m 2 . Podemos encontrar esta casa integrada na grande
propriedade num micro -aglomerado cuja estrutura mais
15
Na região de frequente apresenta uma casa de entrada, que é a casa de
Coruche a aplicação
destas quartzites junto
habitação do lavrador ou senhorio, telheiros, despensas,
aos beirados era fumeiros, cozinha, amassaria, armazéns de produtos e
denominada carreje
ou carrejo, conforme
ferramentas agrícolas, instalações para trabalhadores,
elucida Margarida criados e artífices, e também cómodos para animais.
Ribeiro In Estudos
sobre a Glória do Antes da progressiva desertificação dos espaços rurais,
Ribatejo.
estes aglomerados assemelhavam- se a uma pequena aldeia
organizada em ordem a um centro, com os seus celeiros,
queijaria, rouparia, cavalariças, cocheiras, abegoarias
e no meio, a eira... As casas eram então o reflexo da
vida e de uma paisagem humanizada que as classes
populares recordam com a estranha nostalgia em relação
a um trabalho esforçado, mal pago mas compensado pela
alegria comunitária que hoje desconhecemos mas que
justifica o apego às tradições populares. Não podemos
deixar de encontrar algumas semelhanças entre estes
largos quase urbanos, ponte de reunião das comunidades
e os pátios de tradição árabe e medieval que permitiam
não só a convivência com os vizinhos mas também um
ambiente reservado.

S a n t o A n t o n i n o , C o r uche. A janela já será uma adaptação, pressupondo uma


divisão interna.

O sentido familiar do sul é mais precário. Na origem deste


facto talvez esteja a necessidade das suas populações se
deslocarem em campanha para trabalhar nos campos ,
muitas vezes distantes do local de residência. Até há bem
pouco tempo ainda se verificava este tipo de migração
sazonal que desmembrava as famílias, inicialmente para
regiões vizinhas, posteriormente para terras estrangeiras.
Reduzido o agregado familiar, a dimensão da casa
acompanhava esta redução minimalista. Assim, a casa
tradicional disseminada pelas planícies é pequena, térrea
e repete o pequeno monte alentejano, onde gigantes e
contrafortes reforçam as paredes de taipa ou adobe,
neutralizando impulsos laterais provocados pelo peso das
coberturas sobre o material das paredes, pouco resistente
a este tipo de esforços, recordações de abalos de terra
como o de 1755.

Os contrafortes, ou gigantes, são uma solução estrutural adoptada após o ter-


ramoto de 1775.

Nas casas mais simples as divisões não existem ou


sucedem- se a partir da sala de fora , separadas por
paredes de cumeeira. Raramente têm portas interiores.
A entrada faz- se pela sala de fora ou cozinha ou ainda
em casos raros para um espaço distribuidor. Segundo os
poucos exemplos hoje observáveis, principalmente em
casas mais elaboradas, a estrutura espacial evoca a das
casas setecentistas onde se passava de sala para sala sem
recurso a corredores. O corredor é uma inovação que já
faz parte da gramática usada a partir dos finais do século
XIX nos principais meios urbanos.
Com a evolução das actividades económicas e o abandono
progressivo dos campos foram- se fixando na vila pequenos
comerciantes e alguns artífices emancipados das grandes
propriedades. Instalaram pequenas oficinas nos pisos
térreos das casas, obrigando assim à ut ilização de dois
pisos, o inferior para trabalho, o superior para habitação.
Do séc. XIV e XV são inúmeras as informações que nos
chegaram sobre a vitalidade do comércio na vila. O
parcelamento das grandes propriedades foi ocasionando
o aparecimento de pequenos prédios rústicos, fazendo
aumentar significativamente as zonas de povoamento
disperso, dada a potencialidade agrícola do solo e
facilitando assim ao colono os meios de subsistência. A
casa popular urbana apresenta frequentemente rés - do -
chão e piso, podendo contudo ser térrea, é em geral
baixa, dispondo em alguns casos de loggia ou galeria.
Os elementos construtivos ou ornamentais populares
migraram do campo para o ambiente urbano assumindo
o piso superior características ornamentais ligados ao
desejo de ostentação ou nobreza que transfere para a
urbe o conceito de casa abastada. Uma espécie de solar
à beira-rua.

C a s a s p o p ulares urbanas na Zona Histórica de Coruche

A casa urbana mantém características rurais mas reflecte


o sucesso do seu proprietário ao tornar- se cada vez mais
complexa pela adição de novos elementos construtivos
como escada exterior, chaminés largas, pátios, recantos
ou arcadas que conferem a algumas casas uma grande
plasticidade. Muitas vezes estas casas desenvolvem- se
para as traseiras através de arcos e abóbadas sobre um
pátio interior onde se situa o poço, algumas culturas ou
jardins. Óculos 1 6 , frestas, postigos e outros elementos
ornamentais de formas variadas animam as fachadas
que por vezes são rematadas por platibandas lineares ou
curvas em tijolo vazado, ou com desenhos geométricos e
arabescos lavrados em cal, quase sempre policromados.
De referir que esta policromia era usada como símbolo de
status uma vez que os mais modestos dificilmente tinham
meios para ceder ao luxo da aquisição de pigmentos.

16
Os óculos são
um elemento que A c t u a l m e n t e , a i n d a s u b s i s t em e x e m p l o s d e c a s a s d e i n s p i r a ç ã o v e r n a c u -
inicialmente tinha um lar que serviram propriedades agrícolas e que agora mostram sinais de
enorme peso simbólico adaptação aos tempos modernos.
pois representavam
o “olhar divino”.
Pr o g r e s s i v a m e n t e Na casa de raiz popular de Coruche encontramos a
migraram para a
arquitectura civil e morfologia e plasticidade da casa da Estremadura,
doméstica perdendo o principalmente da zona saloia, do Alentejo e mesmo do
simbolismo.
Algarve no que diz respeito à ornamentação, quando ela
17
Em Muge, zona existe. Os traços que a caracterizam conferem-lhe uma
geograficamente coerência tipológica que não pode ser vista como uma
relacionada com
Coruche, foram morfologia exclusivamente regional, ao contrário do que
encontrados vestígios acontece com a pai sagem natural. Estas construções
de construções
datadas do mesolítico, tiveram uma evolução formal lenta e em alguns casos
destinadas ao não diferem muito das casas que berberes e moçárabes
armazenamento de
víveres, cujo material instalaram na península ou mesmo noutras regiões do
era uma espécie de mediterrâneo 1 7 .
taipa com pedra,
apresentando planta
rectangular muito
Adaptam- se ao gosto ingénuo e tradicionalmente simples
semelhante às casas de quem nelas habitou, alheias a migrações estranhas e
básicas de tradição
árabe.
não estando sujeitas a ideias pré- concebidas de decoração.
Esta casa é mais que um abrigo, é um instrumento de
trabalho que obedece às exigências materiais da região e
apresenta um elevado nível de pragmatismo formal, não
pretendendo ser original mas sim coerente com o que as
rodeia. De volumetria sóbria e pouco audaz revelando a
timidez que leva ao isolamento, marcam a paisagem na
sua simplicidade silenciosa suportando a adversidade e
a indiferença, relacionando - se ao nível primário com a
problemática do habitar e com o mito do abrigo original
do qual descendem. Trata- se por conseguinte de uma
tipologia com uma forte presença no imaginário colectivo,
que conhecerá pequenas alterações até finais do século
XIX , como por exemplo a introdução da chaminé. A ideia
que deve ficar quanto a esta tipologia é que a casa
popular de arquitectura vernácula é uma elaboração
de classes sujeitas ao trabalho primário de subsistência
e desenvolvendo - se numa sociedade pré-industrial,
perdendo o seu carácter inocente e ingénuo com a tomada
de consciência do proletariado industrial. Pode mesmo
dizer- se que fora dos meios mais recônd itos, estas casas
já não existem desde a Revolução Industrial na fórmula
original. As que ainda resistem produzem uma nostalgia
indelével e profunda emoção estética, pela coerência e
sobr iedade formais com que enfrentam a modernidade,
contribuindo para a imagem de identidad e nacional.
TIPOLOGIA 3 – Ecletismo romântico
Por volta dos anos 70 do século XIX as principais cidades
portuguesas conhecem um crescimento inusitado, fruto de
uma insipiente industrialização que finalmente bafejava
o país. Sentindo a pressão que o progresso representava
e a necessidade de acompanhar as últimas tendências,
cidades e vilas procedem a alterações urbanísticas que as
transportaram para a modernidade e que providenciaram
espaço suficiente para os novos habitantes. Em Lisboa,
é demolido o Passeio Público para dar lugar à Avenida
da Liberdade. Ressano Garcia traça entre outros, os
planos das Avenidas Novas segundo o modelo parisiense
de Haussman, dando lugar a uma nova arquitectura
historicista e eclética, símbolo de progresso e novo -
riquismo. Palacetes surgem um pouco por todo o lado
evocando a estética neo -genovesa, o neo -renascimento, os
ambientes de veraneio ou ainda a rusticidade exuberante
do estilo campestre inglês. Ainda que a ideia central do
romantismo bucólico seja a recriação da harmonia com
a natureza, o revivalismo de inspiração romântica tem
maior expressão no ambiente citadino, com a migração
das famílias aristocratas ou recentemente enriquecidas
para os locais da moda no litoral.
Norte Júnior ou Ventura Terra marcam a arquitectura
da capital protagoniz ando a construção de um cenário
arquitectónico importado de outras sencibilidades mas
que dá resposta à avidez pelo sabor co quet t e de outras
metrópoles, principalmente Paris. Ventura Terra encontra-
se vinculado à formação que teve em Paris não obstante
ter frequentado inicia lmente a Academia de Belas -Artes
do Porto. Provinciano de nascimento e admirador do
cosmopolitismo da cidade -luz, transportou este factor
para a profissão vindo a ser extremamente popular entre
os potenciais clientes citadinos da época, sedentos de
se conotarem com a atmosfera luminosa e chique de
Paris. É a grande referência em Lisboa e a ele se deve a
preferência pelo ecletismo parisiense que influenciou o
último período revivalista português. Ainda hoje os seus
edifícios impressionam pela riqueza ornamental dos frisos
de cantaria num intenso contraste com a arquitectura
pombalina que então era considerada pobre.
Neste período, e fruto do mesmo desejo de cosmopolitismo,
surgem as primeiras manifestações nacionais de inspiração
naturalista – o Art Nouveaux - estética que viria a constituir
a pr incipal referência nas artes decorati vas, entre finais
do século XIX e os primeiros anos do XX .
Apesar da plástica sedutora, a Arte Nova tem em Portugal
um carácter episódico e surge principalmente como
expressão de um academismo de início de século, ainda
sob influência do “Beaux Arts”. A arquitectura tentava
pelo desenho globalizante uma recusa coerente ainda
que tímida, face às referências historicistas e coloniais.
Esta estética ele gante vem constituir pois uma forma de
transição para t endências modernistas ainda que refém
da inspiração romântica. Tendo como ponto forte a
azulejaria e os forjados, os poucos exemplos Arte Nova
ainda encontrados no concelho de Coruche surgem
tardiamente atra vés do revestimento de paramentos e em
gradeamentos, varandas e portadas. A tradição oitocentista
do revestimento de fachadas e átrios tem maior incidência
na aplicação de painéis em cimalhas e platibandas de
prédios urbanos mas a casa burguesa isolada também foi
contaminada por esta tendência, principalmente quando
propriedade de gente mais abastada.

Falar de romantismo em arquitectura pode levar a


algumas contradições pelo que este período se caracteriza
mais pelo aspecto eclético que por ideais espelhados
noutras áreas da criação artística cuja fenomenologia
envolve maior espontaneidade. De uma forma sintética
podemos distinguir dois tipos de eclectismo. Aquele
onde as diferenças gramaticais são aglutinadas sob uma
tendência mais ou menos coerente, a que poderemos
chamar com maior propriedade um revivalismo, e outro
que se assemelha a uma colagem tipo manta de retalhos,
de formas mais ou menos delirantes, a roçar o kitsch .
Com a revolução de Ruskin e Morris 18 , que se viria a
estender a toda a Europa, a figura do arquitecto emerge
personificando uma profissão cada vez mais actuante no
meio urbano civil, intervindo não só no ordenamento do
território mas principalmente na concepção de habitação
para industriais ou comerciantes bem sucedidos. O
palacete nobre ou burguês vai permitindo a proximidade
crescente de outras co nstruções suportadas pela ascensão
social, concentrando - se em zonas privilegiadas perto do
litoral. Acedendo a uma riqueza recente e crescente, a
baixa e média burguesia supera a falta de cultural com o
emergente poder económico, investindo na indústria, no
comércio ou na produção agrícola. A moradia representa
agora de forma prosaica o estatuto social da nova classe
burguesa e do seu nível económico, mais do que da sua
cultura, utilizando referências a modelos de arquitectura
“nobre” ou erudita, colagens ecléticas que evocam os
principais momentos da História, nomeadamente a época
dos Descobrimentos, ou o exotismo de outros países.
O ecletismo historicista deste período incorpora citações
estilísticas de inspi ração clássica, do romantismo

18
Pr i n c i p a i s
responsáveis
pelo movimento
Arts & Crafts em
Exemplo típico de “casa
Inglaterra, base
do brasileiro”, a contras -
conceptual para o tar claramente com outras
revivalismo rural casas de emigrantes , bem
inglês. mais recentes.
“ cinderélico ” de Luís II da Baviera ou ainda da tradição
rural inglesa, numa verdadeira explosão romanesca de final
de século. Inicialmente exportado para as várias colónias,
nom eadamente o Brasil, e posteriormente reintroduzido
como expressão de sucesso económico, estas casas têm a
sua principal expressão na conhecida “ casa do brasileiro ”,
a primeira forma assumidamente identificada como casa
de emigrante . Estas casas tiveram grande influência na
arquitectura bur guesa e dada a enorme variedade de
influências, serviram o gosto eclético de final de século,
desde o último terço do século XIX . Nesta época deu- se um
grande fluxo migratório para as américas. Um quinto da
população portuguesa deixa o país - cerca de um milhão de
pessoas - e destes, dois terços escolhem o Brasil. Quando
regressam, as casas apalaçadas com frontões clássicos e
muitas vezes revestidas a azulejos espalham- se um pouco
por todo o lado, em especial a norte com epicentro em
Fafe. O azulejo tem assim um novo fôlego, servindo na
perfeição os princípios decorativos da Arte Nova.

Praticamente inexistente no nosso país, o revivalismo


neoclássico assumiu- se ainda assim como um ideal de
elegância e sobriedade face à exuberância do ecletismo
influenciado pelo “Beaux Arts”, participando através de
apontamentos formais em muitos edifícios sob a forma
de colunas, pilastras e frontões. Tardiamente e ainda
inspirados nesta plástica classicizante, surgem edifícios
menos austeros que repetem a forma italianizante de
Alberti ou Palladio, com um corpo central mais estreito e
elevado, coroado por um frontão.

Esta tipologia apres enta- se em Portugal como uma


expressão experimental, sendo fundamentalmente uma
arquitectura de fachada em que empenas e alçados
posteriores são tratados com displicência. A forma
italianizante foi na maioria dos casos utilizada em
renovações e ampliações de edifícios pré- existentes como
símbolo de modernidade, sendo este um dos modelos
também utilizados pelas classes endinheiradas de Coruche
no virar para o séc. XX , século que o interpretou em
diferentes níveis e escalas.
Ao contrário do que aconteceu na maioria dos países
centro - europeus, em Portugal o classicismo ou o
paladianismo não se fez sentir significativamente à
excepção da sua utilização esporádica em alguns edifícios
públicos. A fórmula revivalista italianizante surge na
transição do século e em Coruche, por exemplo, é utilizada
na reconstrução da fachada do “Hospital da Misericórdia”
ou dos Paços do Concelho, miniaturização do modelo que
a maioria dos edifícios representativos do poder local no
país adoptou, após a renovação da fachada principal do
edifício da Assembleia da República, projecto neoclássico
de Ventura Terra no início do Século XX .
Portugal não se libertaria desta euforia historicista senão
já em meados d o século XX e deste ecletismo fez ainda
parte o revivalismo exótico, nomeadamente o maneirismo
árabe.
A tradição árabe, já expressa no manuelino, constituiu uma
das mais procuradas fontes de inspiração, principalmente
pelo aspecto formal das portas e janelas de arcos em
ferradura, cúpulas bolbosas, contrafortes cilíndricos, uso
de esgrafitos, azulejaria ou ornamentação geometrizante.

La r g o f r o n t e i r o a o e difício da actual Câmara Municipal no último quartel do


s é c u l o XIX (Arquivo da Câmara) e na actualidade.

Não existem em Coruche exemplares marcadamente


revivalistas, à excepção de pequenas citações ornamentais,
como por exemplo no tratamento de beirados. Alguns
elementos, já de si ecléticos ou revivalistas, aparecem
misturados num novo ecletismo entre o neoclássico o
colonialismo e a inspiração árabe. O ferro forjado,
de tradição seicentista, tem grande expressão no Alto
Alentejo e também aparece no Ribatejo em grades,
braços, balaústres, resguardos, etc. sob influência
da chamada arquitectura do ferro e da arte nova ,
enriquecendo e mascarando com alguma erudição os
modelos de inspiração popular. O ecletismo não deve ser
considerado um estilo particular mas sim um fenómeno
que surge ciclicamente na História da Arquitectura e que
assume diferentes morfologias dependendo do período em
que acontece. Interpreta referências de maior relevância
estilística e delas elabora “neos” – neoromânico,
neogótico, neoclássico, neomanuelino, neopopular. O
romantismo que envolve a evocação histórica adiciona-lhe
um gosto exótico, misterioso ou até absurdo, mas sempre
com grande efeito plástico e simbólico 19 .

19
Ve j a - s e o
exemplo de dois
dos principais
ícones do
revivalismo
romântico, o
Pa l á c i o d a Pe n a
e a Quinta da
Regaleira, ambos
Tipologia 4 – Da Casa Portuguesa ao Português
Suave
Acreditar na existência de um paradigma de arquitectura
nacional e com ele justificar tudo o que se constrói em
nome da preservação dos valores tradicionais, simplifica
enormemente a relação com o conceito teórico em
arquitectura. Combinando alguns símbolos, teríamos
uma fórmula que permitia afirmar com propriedade que,
como diz a canção popular, “é uma casa portuguesa, com
certeza”, conseguida apenas com “quatro paredes caiadas
e um cheirinho a alecrim”- não esquecendo o “S. José de
azulejo”. Dito assim pode até parecer pura ironia, mas
o facto é que esta é a ideia que muitos ainda têm dos
principais valores a preservar na arquitectura da casa
para que não se perca uma determinada cultura - a da
“Casa Portuguesa”.
Com o final do século XIX assistimos em Portugal ao
apogeu do revivalismo romântico. Arquitectos como Adães
Bermudes ou An tónio José Dias da Silva serão talvez os
primeiros arquit ectos a protagonizar o maior número
de medievalismos românticos interpretados sob uma
plástica neovernacular, uma das fontes d o paradigmático
fenómeno da Casa Portuguesa . Este modelo, que tem em
Raúl Lino o seu principal representante, foi o que maior
expressão colectiva protagonizou, pela proximidade
com a domesticidade vernacular, embora com poucas
repercussões na arquitectura pública da época 20 .
Concorrendo com o início do forte movimento modernista,
a Casa Portuguesa contribuiu sem dúvida para demonstrar
ser possível desenvolver uma expressão erudita adequada
ao gosto comum, embora algumas vezes pecando, ou talvez
não, pelos efeitos pitorescos dos element os compositivos.
Adães Bermudes viria a ser uma referência fundamental e
determinante na arquitectura doméstica popular, recriando
ou c opiando motivos de inspiração popular nas tipologias
desenvolvidas para as novas escolas primárias de todo o
país, assim como viria a acontecer posteriormente com
as escolas dos centenários que a partir dos anos 40,
com projecto do arquitecto Rogério de Azevedo, seriam
as escolas de todos nós e outra das marcas indeléveis na
paisagem portuguesa.

20
O que não quer
dizer que não
existam exemplos
de regionalismos
na arquitectura
institucional ou
pública até quase à
contemporanidade,
tais como, entre
outros, a Estação
Central do Rossio, de
José Luís Monteiro,
projecto aprovado
e m 1 8 8 8 , a Pr a ç a
d e To u r o s d o C a m p o
Pe q u e n o , p o r D i a s
da Silva, projectada
em 1889, a Igreja
Pa r o q u i a l d e E s p i n h o ,
de Adães Bermudes,
projectada em
1902, ou a Igreja de
Oliveira de Azeméis
de António Correia da
Silva, construída em
1924.
O último revivalismo historicista de inspiração de
inspiração nacional, o neomanuelino, tinha entrado em
declínio no final do século XIX , sendo programaticamente
uma arquitectura do grande edifício, como atestam os
últimos a utilizarem-no - a Estação do Rossio, de José Luís
Monteiro, ou o Hotel do Buçaco, de Manini, que mereceu
de Guerra Junqueiro o desejo “que aparecesse um doido
com um martelo” que o deitasse abaixo.(?) Na arquitectura
doméstica aparecem algumas citações em molduras
de janelas e portas, não esquecendo a célebre “Quinta
da Regaleira” em Sintra, cuja elaboração ultrapassa o
simples estilo.
Em 1893, três anos após o ultimato inglês, em plena
crise de valores e com o orgulho nacional abalado, Paula
Oliveira, Gabriel Pereira e Henrique das Neves levantam
a hipótese da existência de um “typo português de casa ”.
O exacerbar do espírito nacionalista veio trazer para a
arquitectura portuguesa a necessidade de diferenciação,
baseada em tradições e hábitos locais e na exaltação
simbólica da portugalidade . O estudo empreendido por
estes investigadores teve como resultado o levantamento
de algumas tipologias ao nível da arquitectura vernacular,
estudo que só viria a ser retomado com o “Inquérito à
Arquitectura Popular Portuguesa” mais de meio século
depois. Surgido em finais do séc. XIX e atravessando todo
o séc. XX , o fenómeno da Casa Portuguesa surge como
reacção ao estilo académico e burguês de inspiração
Beaux Arts e ao revivalismo historicista. Este movimento,
contemporâneo de outros congéneres europeus como
o britânico Domestical Revival , reuniu sensibilidades
importantes da nossa vida cultural, sendo a primeira
vez que em Portugal se assumia um programa para a
arquitectura doméstica e que assumiria em Raúl Lino
a sua principal expressão, podendo mesmo afirmar- se
revestida de erudição. Era a expressão erudita de um
estilo popular .
A transição para o século XX viria a conhecer uma alteração
profunda nas mentalidades do povo português. A tomada
de consciência política de uma classe até aí esclavisada,
trabalhando em condições sub humanas, manifestada por
sucessivas greves, 2 1 marcaram o início da ascensão nem
sempre fácil de um proletariado desenraizado, produto
da nossa tímida revolução industrial. Estas populações
concentraram- se em três ou quatro núcleos urbanos
agudizando o problema do alojamento da mão - de -
obra indiferenciada e excessiva para as capacidades do
momento, recentemente chegada ao meio urbano. Os
bairros operários que então se construíram para resolver a
situação ou a fix ação em vilas , pátios e ilhas 22 , recriaram
os ambientes provincianos que supostamente promoviam a
integração das populações desenraizadas, onde em alguns
casos nem a hort a faltava o que constituía uma importante
fonte de sobrevivência. Esta estruturas mantinham a
expressão ruralista mas encontravam- se organizados de
modo a esconder dos olhos dos mais abastados as condições
de vida destas cl asses consideradas inferiores. 23
A progressiva evolução económica do operariado e da
pequena burguesia veio trazer a necessidade da criação
de habitação condigna ou de casas onde passar os tempos
livres que estas classes progressivamente conquistaram,
construídas nos lugares de origem ou n aqueles que lhe
conferiam estatu to social. Como símbolo dessa ascensão
a fachada assume enorme importância a partir de finais
do séc. XIX , acentuando o carácter cenográfico da
arquitectura. Pairava no ar uma necessidade de mudança 21
Pr i n c i p a l m e n t e
que se traduzia na ostentação da forma mais que no entre 1909 e
1923 marcando o
conteúdo. Raúl Lino soube interpretar essa necessidade período anarco-
produzindo um tipo de arquitectura que ainda hoje é sindicalista.
identificado como “tradicionalmente português”.
22
Estas estruturas
Raúl Lino tem uma formação influenciada pela sua estadia urbanas, em
em Inglaterra desde os onze anos, e em Hannôver onde especial pátios
e vilas, têm
estudou numa escola industrial. Aí viria a trabalhar com uma origem
Albrecht Haupth que marcaria fortemente os seus estudos na sombria. Alguns
investigadores vêm
área da arquitectura regional. A Grande Exposição de 1900 nesta forma de
em Paris proporcionou-nos uma inflexão na arquitectura, aglomerado uma
tradição árabe que
ao serem propostos dois projectos diametralmente opostos
teria servido quer a
estilisticamente para o pavilhão português, um de Ventura intimidade quer a
Terra e outro de Raúl Lino, que viriam a ser de suprema segregação.
importância para a evolução da arquitectura doméstica. A 23
Po s t e r i o r m e n t e
diferença entre os projectos revelam a formação de cada considerados
um. O de Ventura Terra é de tendência formal francesa segregantes e
discriminatórios,
enquanto o de Raúl Lino é romântico e inspirado nos
foi proibida a
valores vernáculos e de tradição árabe. Uma corrente construção destas
vinculada ao ruralismo e outra à urbanidade, correntes que estruturas a partir
de 1930.
vão permanecer por décadas na arquitectura portuguesa
dando origem a tipologias complementarmente opostas.
Raul Lino é entre nós o responsável pela divulgação de um
movimento com grandes afinidades com o Arts & Crafts , 24
embora tenha sabido adaptá-lo ao caso português
desenvolvendo diferentes modelos da Casa Portuguesa .
Estes modelos adoptam alguns dos materiais e tradições
ornamentais regionais, opondo - se ao gosto inglês e
bávaro do chalé romântico e à tendência revivalista geral.
No dizer de Manuel Rio de Carvalho, Raul Lino “ vai criar
uma obra-prima da arquitectura portuguesa. Repare - se
que escrevo «arquitectura portuguesa» e não «arquitectura
em Portugal». ” 2 5 . Apel a à plástica meridional de volumes
compactos e telhados baixos, influenciada por uma leve
elegância arte nova .

Exemplo quase perfeito do “estilo Raúl Lino” em Coruche.


24
Em especial Em propriedade junto à Avenida do Castelo.
com o contributo
d e P h i l i p p e We b ,
responsável pelo
“Domestic Revival”
Raúl Lino estava consciente da enorme importância
inglês.
que tem a relação entre quem cria e quem encomenda,
25
Lino, Raul - In conseguindo uma perfeita harmonia entre gosto popular
História da Arte e gosto erudito. Talvez este seja o principal motivo do
e m Po r t u g a l , v o l . sucesso que os seus modelos ainda hoje têm na memória
11 - Edições Alfa,
Lisboa, 1986. colectiva.
A influência islâmica do norte de África, quer ao nível dos
elementos ornamentais quer dos materiais de construção,
estendem- se à recuperação do conceito do pátio como
espaço interior íntimo e recatado. Este apetite pelo exotismo
islâmico aparece na obra de Raul Lino, onde o chamado
manuelino alentejano já tinha ido buscar uma das suas
raízes. A dependência algo excessiva dos materiais e de
soluções formais arcaicas, que para alguns é considerado
fundamentalismo, é outro indicador da aproximação ao
gosto popular não menosprezando as raízes culturais
portuguesas nem o espírito de modernidade entendidos
no campo da arquitectura doméstica . A volumetria
cúbica de Raul Lino baseava- se no princípio do “padrão
quadrado” que apontava como o elemento geométrico
que melhor expressava o espírito nacional, conferindo -
lhe uma romanicidade que pode ser apontada como traço
distintivo da arquitectura portuguesa, pela simplicidade,
estabilidade e naturalidade que confere à construção.
O Estado Novo adoptou a gramática da Casa Portuguesa
estabelecendo um sistema de regras compositivas e
fez surgir nos anos 40 e 50 um revivalismo designado
pejorativamente pelos seus detractores por “Português
Suave”. Esta fórmula espalhou- se a todo o território
nacional com o desenvolvimento social e económico da
classe média e média-baixa. Incorpora referências claras
à tradição mudéjar, à arquitectura chã, ao Manuelino e
aos solares setecentistas pelo que não podemos deixar
de reconhecer que o Português Suave traz consigo uma
tradição arquitectónica próxima do que entendemos ser
uma continuidade histórica, que o legitima enquanto
elaboração erudita nacional, com enorme peso no
imaginário colec tivo. A presença deste modelo eclético é
muito grande no país, visto tratar- se de casas relativamente
rece ntes, logo em condições de se encontrarem habitáveis.
A sua falência enquanto modelo já tinha contudo sido
anunciada pelo próprio Raúl Lino, seu inspirador, que em
1933 se queixava da interpretação feita ao seu trabalho,
referindo - se ironicamente aos “ beiradinhos, azulejos,
pilaretes e alpendróides, como se de avós escorreitos
tivessem nascido netos idiotas.” A elite coruchense de
comerciantes bem sucedidos aderiu a este modelo numa
época de crescimento urbano que ao mesmo tempo que
mantinha a rusticidade tradicional garantia o compromisso
com a modernidade, símbolo de esclarecimento cultural.

Os coruchéus com cobertura de telha e beirado são um dos elemen-


tos formais mais caracteristicos do português suave, tal como se vê
n e s t e e x e m p l o n a H e r d a d e d o s Pa v õ e s , a r r e d o r e s d e C o r u c h e

1942 foi um ano marcante na procura de uma identidade


arquitectónica nacional, com o Secretariado da
Propaganda Nacional a definir modelos adequados à sua
estratégia política através de António Ferro. Foi nesse
ano que se iniciou o programa das Pousadas Regionais,
instaladas um pouco p or todo o país e ao “estilo” de cada
região.
A influência da Casa Portuguesa manteve - se até à década
de 50 através da plástica nacionalista, conforme o atestam
os arquivos camarários, apesar de algumas interrupções
formais onde pontuam o art déco e o modernismo regional.
Defendido por nomes como Duarte Pacheco ou António
Ferro, sob orientação ideológica do próprio Salazar, terá
sido este alinhamento político uma das causas da crítica
ao modelo da Casa portuguesa por parte de arquitectos
como Keil do Amaral ou Fernando Távora denunciando
o falacioso e o anacronismo deste vocabulário formal.
Ridicularizado pelas elites culturais, está no entanto
presente em alguns exemplos regionalistas posteriores,
tendo contaminado a obra de representantes importantes
da nossa arquitectura como, entre outros, Cassiano
Branco, Cristino da Silva ou Porfírio Pardal Monteiro.

Extracto de projecto de existente no arquivo municipal, executado


p o r M a n u e l M o n t o i a e m 1 9 5 0 . D e s t e c o n s t r u t o r e x i s t e m m u i t o s e x-
emplos, todos com a mesma linguagem.

Antes da emancipação cultural proporcionada pelo golpe


de e stado de Abril, o poder instituído servia- se do dogma
do nacionalismo para, em proveito próprio, utilizar a
defesa de valores populares de uma forma demagógica
e reducionista, de modo a controlar eventuais desejos
de evolução social. O Estado conservador exortava à
exacerbação do espírito nacionalista através do princípio
“Deus, Pátria e Família”, tipificando os elementos
regionais de forma a criar a ilusão de unidade nacional,
evoluindo num sentido diferente do espírito modernista.
A habitação torna- se um elemento político fundamental
na estratégia de consolidação do regime, numa lógica
de Estado Corporativo . Numa estratégia de integração
das manifestações culturais populares, o regionalismo de
Estado adopta definitivamente a ideia da Casa Portuguesa
em contra- corrente com modernidade, acabando por
provocar uma reacção adversa. Sob a forma de Português
Suave , o ideal saudosista da Casa Portuguesa foi visto
como um retrocesso, como já tinha acontecido com
todos os historicismos e ecletismos ao longo da História
mais ou menos recente da Arquitectura Portuguesa. O
26
Raúl Lino foi
sucedâneo da Casa Portuguesa surge pois como uma mesmo declarado
expressão nacionalista que reivindica a genuinidade da pelo regime como a
tradição portuguesa, quer pela clareza construtiva quer principal referência
teórica na
pela inspiração em modelos autóctones. O Estado Novo arquitectura deste
introduz no modelo original de Raúl Li no 26 uma carga período.
ideológica que assenta em valores espirituais tradicionais
do mundo rural, tendo por catalizador a religião católica.
Destes valores emerge o respeito pela ordem e hierarquia,
princípios subjacentes e comuns ao conceito de família e
de Estado materializados na moradia unifamiliar, modelo
da casa de família a partir dos anos 30. Entendida como
um retrocesso, ou melhor, uma oposição às tendências
internacionais, a cultura arquitectónica e urbanística
implementada pelo Estado Novo não deixa contudo de
apelar à modernidade.
O estado acentuava todo este imaginário através das obras
públicas e de programas de construção de equipamentos
como nunca se tinha visto até então. 27 Para além das
pousadas, já referidas, vários foram os equipamentos
que, não estando rela cionados com a habitação, tiveram
grande impacto nas escolhas formais, fazendo migrar
para a casa os seus símbolos mais marcantes tais como os
mercados, as estações de caminho de ferro e as estações
de correio. 2 8

27
Deste facto é
exemplo as cerca
de 2500 salas de
instrução primária
mandadas construir
p o r S a l a z a r.

28
Enquanto
que para outros
equipamentos Antiga Estação dos Correios, no Centro Histórico de Coruche.
contribuiram
diversos
arquitectos,
as estações de
O português suave estendeu- se até cerca dos anos 70
correios devem-se a tendo sido suburbanizado mais tardiamente em terras
um único arquitecto de interior. A um período caracterizado pela ruralidade
- Adelino Nunes
- que desenvolveu sucede o apelo à urbanidade com tempero tradicionalista
este programa ao e ao mesmo tempo modernista, fruto de alterações no
longo dos anos 30
e 40.
contexto internacional que trouxeram inflexões à política
da habitação, após o final da Segunda Grande Guerra.
Os surtos migratórios que se seguiram à reactivação da
economia originaram a concentração de trabalhadores sem
especialização atraídos aos principais centros urbanos.
Enquanto na cidade a habitação unifamiliar dá lugar ao
bloco de habitação colectiva como forma de responder à
pressão populacional, nas terras de interior como Coruche
as casas unifamiliares continuam a ser a principal
tendência dado o crescimento incipiente e a abundância de
terreno. Não é pois de estranhar que a estética ruralizante
nunca tenha abandonado a vila constituindo ainda a sua
principal referência. Este fenómeno vem acentuar ainda
mais as diferenças entre a metrópole e a província, com
esta a ter alguma dificuldade em fazer a ponte ideológica
entre tradição rural e a urbanidade.

Recentemente, o fenómeno da emigração moderna,


que produziu entre nós tipologias caracterizadas pela
importação de símbolos do bem- estar socio - económico,
e a apetência pelo mundo rural, veio contribui para
desvirtuar o espírito que presidiu à elaboração da Casa
Portuguesa e suas várias expressões, adulterando -a e
vulgarizando -a em elaborações de cariz popular que se
arrogam o estatuto de herdeiras da arquitectura portuguesa
tradicional , agora uma casa portuguesa industrializada,
que dificilmente pode competir com o original quer em
elegância quer em ha rmonia formal. Desta tipologia nos
ocuparemos mais adiante.

Casa que passa quase despercebida e com “apropriações” menos


correctas mas que é uma das mais interessantes da vila.

Ainda menos visível, na


Rua Direita e com interesse
relativo, uma casa
assinada por Korrodi,
descendente de um dos
principais representantes
d a A r t e N o v a e m Po r t u g a l .
As tipologias que se relacionam com valores, materiais
e tecnologias tradicionais são facilmente consensuais
porque não exigem esforço de adaptação. A ideia de
um modelo tradicional de casa portuguesa é o mais
próximo cronológica e emocionalmente da rusticidade
natural das camadas populares da classe média actual,
integrando - se com à vontade na paisagem e no imaginário
rece nte. O gosto tradicional, a rusticidade e o pitoresco
invadiu também as opções arquitectónicas de classes
mais elevadas, constituídas na grande maioria, tal como
aquelas, por gente que sente a nostalgia das raízes rurais
ou provincianas.
Tipologia 5 – Modernismo regional
A influência do Movimento Moderno em Portugal é
paradoxal porque resulta numa via de oposição ao regime
e da confrontação com a estética de Estado. O modernismo
vai ser a expressão q ue a partir do primeiro quartel do
século XX preside ao aparecimento de numerosas obras
que, apesar de assumiram plásticas distintas, procuravam
ultrapassar a crise d e valores artísticos e sociais que
invadira a arquitectura ocidental. Formas regionalistas
adaptadas às realidades locais procuram referências
eruditas, tal como o modernismo radical 29 , e surgem em
numerosas obras anónimas que articulam valores locais e
tradicionais na utilização de materiais, cores ou formas,
legitimando assim uma inovação estilística através da
tradição.

Razões filosóficas, económicas ou tecnológicas trouxeram


sobriedade ornamental aos anos 20. A simplificação
formal, o abandono de exotismos decorativos e um
certo gosto por composições volumétricas mais clássicas
permitiu ao modernismo substituir pela textura e pela cor,
29
Te r m o u s a d o grande parte do peso do ornamento. Com a simplificação
por José Manuel e a geometrização nascia uma nova consciência, uma
Fe r n a n d e s p a r a
distinguir entre a
tendência que viria a ser denominada Art Déco, por
obra modernista, abreviatura do termo francês para artes decorativas.
de espírito Esta tendência, largamente auxiliada pela plasticidade
internacional e
marcadamente recentemente descoberta do betão veio ao encontro de uma
geométrica, na construção mais barata e ao mesmo tempo modernizada.
linha defendida
por Robert Mallet
A ideia de modernidade também influenciava Portugal,
Stevens e uma consciente das vantagens do progresso. O Art Déco era
atitude modernista a expressão desse progresso e de um habitar cosmopolita
regional, de formas
mais expressivas e foi adoptado como símbolo de modernidade, sendo
e que absorve ainda capaz de se adaptar a um repertório formal clássico
tendências locais.
ou tradicional pela simplicidade geométrica que o
caracterizava.
Tendo como base generativa a secessão vienense e a
Deutscher Werkbund , através do trabalho de Otto Wagner,
Hoffmann ou Mackintosh, o Art Déco veio influenciar a
arquitectura e as artes decorativas de toda a Europa
ocidental introduzindo formas geométricas elementares.
Esta estética elegante constituiu um processo decisivo
contra o romantismo e o eclectismo historicista. Estávamos
no período Pós - Guerra e dos radicais anos 20/30
simultaneamente conservadores e modernos onde se
iam plasmando os valores formais quer da Bauhaus quer
do espírito novo de Corbusier. Acentuar a verticalidade
parece ser a principal característica formal desta estética
que se alia simbolicamente ao progresso industrial.

Rua de Santarém e Rua de S. Pedro


O racionalismo modernista é um fenómeno essencialmente
urbano e envolve uma erudição que não está ao alcance
de todos os meios culturais. É assim que fora dos principais
centros urbanos se assiste à adaptação do modernismo a
formas regionais onde à atitude mais erudita, se junta
uma ruralidade que caracteriza o interior provinciano sem
deixar de apelar à modernidade e à exuberância elegante
de uma nova plástica, mantendo uma boa relação com o
gosto popular. Os exemplos desta tipologia são facilmente
confundidos com o Art Déco , ao copiar deste o ritmo e a
geometria de algumas superfícies.

Estado actual do estabelecimento conhecido por “Casa Pombas” com projecto de


1935 e projecto de ampliação

O modernismo, talvez o fenómeno arquitectónico mais


30
Curiosamente,
deste congresso importante do século XX e a consequente transferência
saiu a clara para a matéria do simbolismo do ornamento, também
oposição
aos modelos
contribuiu para que o Art Déco regional assumisse
culturalistas de uma atitude mais de spojada e linear, resultando num
vínculo nacional casamento que em algumas casas produziu efeitos de
por se identificar
com uma grande interesse arqu itectónico, principalmente ao nível
linguagem com da fachada. Alguns arquitectos pós congresso de 1948, 30
ligações ao estado
novo, quando
utilizaram-no como sucedâneo da linguagem vernácula
anteriormente era condimentada com referências à arquitectura modernista.
o estado a rejeitar As formas modernistas que com o tempo invadiram
estas linguagens
por não convirem gradualmente a arquitectura doméstica portuguesa,
ao estado. tipificaram- se vulgarizando a sua utilização. Alastraram
ao meio suburbano e à província, chegando -nos exemplos
de grande criatividade nas moradias modernistas de
Cassiano Branco ou Cristino da Silva entre outros.
A marcação por pilastras e os jogos de volumes em materiais
não estruturais, como o estafe , criam uma arquitectura de
ilusão, surgindo assim todo um vocabulário formal no
tratamento de superfícies recriando elementos formais
clássicos que viriam a constituir a base da composição de
muitos edifícios.
Tal como na tradição Arte Nova, o azulejo continua
a dar um contributo importante no revestimento de
alguns paramentos nas fachadas principais, bem como
nos gradeamentos das varandas. Como refere Heraldo
Bento 31 , Coruche terá beneficiado da existência de bons
mestres que nos primeiros anos do século XX trouxeram
da capital o gosto pelas fachadas forr adas a azulejo.
Em relação a este material trata- se aliás de um terceiro
momento, após uma utilização barroca e solarenga e o
revivalismo colonial.
No concelho existem inúmeros exemplares cuja expressão
modernista aglutina o revestimento cerâmico e os
estucados com a tradição dos baixos -relevos árabes e
as interpretações Art Déco dos elementos vernaculares,
a que não deve ser estranha a contaminação formal
produzida pelas fachadas lisboetas dos “patos -bravos
tomarenses” 32 . Alguns destes edifícios apresentam uma
fach ada modernista mas incluem uma cobertura em telha
31
Historiador local
amador e contador
escondida por platibandas ou mesmo por um beirado à de histórias, que
portuguesa , ao contrário das normas estabelecidas pelo se tem debruçado
sobre as tradições
movimento modernista. Apesar desta miscigenação, não de Coruche.
é raro depararmos com composições de interessante valor
plástico e arquitectónico. 32
Entendemos
este termo como
Longe de podermos falar de um modelo modernista uma facilidade
característico do ambiente urbano coruchense desta terminológica e não
depreciativamente.
época, pensamos que o modernismo se manifesta em Seria tempo de
diferentes elaborações de Art Déco regional, em algum se realizar um
estudo objectivo e
modernismo mais puro e em exemplos recorrentes da não tendencioso
casa portuguesa ao género Raúl Lino que marca em deste fenómeno
Coruche o aparecimento do português suave , fenómeno que se revelou tão
importante para o
essencialmente lisboeta mas que alastrou a todo o país. entendimento da
paisagem urbana
À falta de riqueza gramatical, a maioria destas casas portuguesa.
copiam estereótipos sintácticos acentuando os elementos
estruturais com faixas de cromatismos contrastantes e
texturas pastosas. Os exemplos encontrados no concelho
contribuíram para a simplificação volumétrica e ornamental
de construções populares posteriores, principalmente nos
perímetros urbanos, já que esta tipologia é um fenómeno
com pouca expressão enquanto casa isolada.

Na vila, a elaboração de projectos onde reconhecemos


migrações modernistas são da responsabilidade quase
exclusiva de construtores ou técnicos de projecto que os
importaram da capital. A percentagem de moradias ou
pequenos edifícios urbanos projectados por arquitectos
33
Este valor é dado
por estimativa é escassa, facto que poderá ter limitado a qualidade
uma vez que esta dos exemplos encontrados. Numa consulta aos arquivos
observação estava
fora da pesquisa. camarários, verificou- se que até 1959 os processos
Assim considerando subscritos por arquitectos representavam menos de 1%. 33
o número de
Embora reflectindo a plástica modernista, o modernismo
processos vistos
em colaboração regional é permeável a elaborações descuidadas, de
c o m a E x a . S r a . D. estrutura espacial orgânica, contribuindo para uma
Raquel, responsável
pelo arquivo, e os certa descaracterização dos meios urbanos e periféricos
que se detectaram uma vez encontrada a resistência por parte dos modelos
como subscrições
recorrentes relacionados com a casa portuguesa . Contudo
por arquitectos,
é possível algum encontramos alguns exemplos que pela clareza de
ter escapado por linguagem se aproximam do ideal modernista, apesar
falta de objectivos
específicos embora das intervenções – ou falta delas – e “melhoramentos”
tal seja improvável. menos felizes que hoje apresentam. Nos exemplos que
aqui deixamos não podemos deixar de in cluir um edifício
que, não sendo de arquitectura doméstica, apresenta um
modernismo modesto mas de suficiente interesse plástico
para ser tratado de outra maneira – a conhecida “Auto -
Garagem”, ocupada hoje por uma loja de artigos a preço
reduzido. Um sinal dos tempos.

D a “A u t o - G a r a g e m” r e sta por enquanto o edifício que entretanto já perdeu alguns


e l e m e n t o s metálicos que acentuava o carácter modernista.

Po r menor modernista do mercado municipal


Um dos mais
interessantes projectos
modernistas, datado
de 1943, existente nos
arquivos da Câmara
Municipal de Coruche,
(em alçado planificado)
claramente desvirtuado
pela cobertura inclinada
como se pode ver na
fototografia de 2005

Antigo edifício da Caixa Geral de Depósitos, Praça da Liberdade. Originalmente


apontava para uma linguagem modernista que agora perdeu, embora tenha
ganho actualidade.
Ainda sob influência do ideal modernista, podemos
encontrar em Coruche outras interpretações mais
ecléticas, já num período de grande pressão do “estilo
internacional”, onde se misturam o modernismo com uma
pitada de Português Suave e apontamentos de expressão
colonial, de linguagem mais equilibrada quando se trata
de arquitectura institucional, migrando com formas mais
coloridas para as casas de expressão popular, deixando
transparecer sinais de uma arquitectura dependente da
industrialização dos materiais.

De expressão popular, existem ainda em


Coruche alguns exemplos de modern -
ismo já muito adulterado, como por
exemplo junto à escola básica nº 1 ou
na Aveni da do Castelo.
Tipologia 6 – “International style”
Após a Segunda Grande Guerra, conjugam- se várias
influências no panorama da arquitectura mundial. O
Movimento Moderno dá mostras de declínio, num ambiente
de nacionalismos e regionalismos, mas a sua influência
estará presente mesmo nas tendências que ensaiam maior
ruptura.
O International Style , ou estilo internacional, é
considerado por alguns como um momento específico do
modernismo que se tenta impor no pós -guerra como um
novo “estilo”, designação banida até aí pelo funcionalismo
e pelo racionalismo modernista. As suas bases terão sido
lançadas após uma exposição de arquitectura moderna
em Nova Iorque, em 1931, mas só após o conflito, este
estilo se estendeu a todo o Mundo. O estilo internacional
introduz a industrialização na construção corrente e
caracteriza- se por três princípios básicos: espaço inclusivo
definido por uma volumetria básica; regularidade modular
da sua estrutura deixando as fachadas livres; inexistência
de ornamentação acessória, com o valor plástico a ser
dado pelo ritmo e pela combinação de materiais. Em
Portugal, e apenas com a intenção de servir de referência,
lembramos o Hotel Ritz Lisboa como uma das obras mais
características desta li nguagem.
Com a agonia do racionalismo modernista e a sedução
causada pela imagem do progresso norte -americano, o
estilo internacional não transporta a complexidade da
poética modernista e talvez por esse motivo se tenha
disseminado facilmente, introduzindo na construção o
princípio da standardização ao simplifica os sistemas
construtivos, desenvolvendo processos de fabrico e
introduzindo materiais inovadores. A oferta de materiais
standard e as novas tecnologias permitiam construir
rapidamente e em altura, com os pré-fabricados, o vidro
ou o alumínio a representarem modernidade e progresso.
De plástica ritmada, simples e linear, confunde - se
frequentemente com o movimento modernista sendo
deste um sucedâneo no que diz respeito à utilização
generalizada do betão. É desta tradição que derivam
as últimas gerações de construtores regionais, uns por
terem feito a sua aprendizagem junto aos construtores
tomarenses , outros por via da emigração. A cobertura
plana, solução característica do movimento moderno e
que permitia aproveitar este espaço para terraço ou jardim
recriando o conceito de cidade jardim , foi adoptado por
muitos construtores a trabalhar na capital, não por razões
eruditas mas por razões económicas, vindo a caracterizar
a maioria dos edifícios inspirados neste estilo. O estilo
internacional é o verdadeiro estilo da produção em massa
adoptado pelos industriais de construção civil a partir
dos anos sessenta. Por estar temporalmente muito perto
de nós e por ter sido a base da formação de pedreiros
e empreiteiros, alguns ainda em actividade, este estilo
assume uma presença muito grande, sendo mesmo possível
encontrar as suas formas em casas simples. A influência
deste “estilo” em Coruche assume assim diferentes
níveis, de acord o com a utilização dada ao edifício ou
com a experiência do construtor. Tratando - se de uma
arquitectura relacionada com a ideia de progresso, serão
principalmente os edifícios destinados a s erviços a utilizar
esta plástica. Mas também na arquitectura doméstica se
sente a influencia do International Style , embora com
interpretação livre por parte dos construtores, uma vez
mais denotando a inclusão de elementos de inspiração
popular, tal como já acontecia em relação ao modernismo
regional. Por esta razão, as casas incluídas nesta tipologia
apresentam uma mistura entre o modernista e a utilização
ingénua dos novos materiais colocados à disposição de
toda a gente, mesmo nas terras do interior.
Tipologia 7 – O neopopular

A esmagadora maioria dos portugueses nunca conheceu


um arquitecto, não tem ideia do que será o seu trabalho e
por isso considera excedentária a sua intervenção quando
decide construir uma casa. O que aconteceu nas últimas
quatro décadas do século XX quanto à construção de
casa própria, faria mesmo pensar que estávamos num
país onde todos são construtores e onde cada um advoga
a capacidade de fazer as necessárias opções estéticas
e técnicas, isto é, decidir que “arquitectura” escolher
para dar forma aos seus sonhos e à sua fantasia. Surgem
com especial visibilidade neste período um conjunto de
arquitecturas marginais , umas mais estudadas que outras
e ainda longe de serem bem compreendidas, relacionadas
com um novo ecletismo que caracteriza a moderna cultura
popular. O crescimento desregrado das periferias urbanas
foi e ainda é altamente favorável à massificação da auto -
construção – licenciada ou não – onde grassa a deficiente
qualidade e a especulação de empresários menos honestos,
ou honestos mas incompetentes. O último grande ciclo de
crescimento demográfico para o meio urbano, a partir de
finais dos anos sessenta, e a democratização do consumo
a que não é estranha a massificação da informação, fez
surgir por todo o lado casas atípicas que se caracterizam
pelo processo pragmático de construção, cuja organização
formal primária constitui hoje um fenómeno incontornável
da paisagem suburbana, poluindo mesmo o meio rural.
Estas casas apresentam inúmeras variantes, encontrando -
se enquadradas num fenómeno pararquitectónico de
expressão popular não vernacular. De todas as variantes
que esta tipologia pode apresentar, destacam- se três
grupos mais ou menos separados no tempo, respondendo
a funções e níveis económicos diversos, cuja presença
maciça pode ser entendida como um novo ciclo de
“arquitectura popular ”.

Foros do Paúl, Coruche

O primeiro dos grupos deu origem àquela que conhecemos


por “casa do e migrante” ou, “casa dos franceses”. A
rápida urbanização das populações trouxe desajustes e
inco rporações formais espalhafatosas, em composições
de grande ecletismo cultural, marcadas pela polimorfia
da composição e da escolha de materiais. Este tipo de
casa caracteriza- se pela grande individualidade e por se
afastar do imaginário tradicional, embora incorporando
um ou outro motivo comum na região. Os materiais
tradicionais que já não se compatibilizam com a nova
posição social dos proprietários, são substituídos por
aqueles que a i ndustria oferece, de segunda escolha...
já que o desafogo financeiro nem sempre supre todas as
necessidades. Contrastando com a austeridade do casario
rural, estas casas são também o modelo daqueles que não
sentiram a diáspora mas que anseiam por se identificar
com alguém que “ venceu na vida”. Estas casas já foram
alvo de adequada reflexão teórica que conduziu a uma
postura crítica construtiva, pelo menos para arquitectos
e antropólogos, atenuando o estígma de mau gosto
ostensivo que as envolve. 34
A progressiva integração social das classes de menor
rendimento e baixa formação cultural originou um segundo
grupo de casas, quase autónomo dos outros dois, destes
recebendo migrações formais e tecnologia, resultando num
modelo anónimo, incaracterístico e formalmente muito
pobre, ainda que não totalmente desligado do imaginário
tradicional. São casa s que ao contrário das do grupo
anterior são de ocupação permanente pelo que aglomeram
funcionalidades e formas de diferentes modelos, ao sabor
das necessidades. É ainda comum aparecerem associados
a este modelo anexos, barracões e outras construções
anónimas que contribuem para o aspecto pouco cuidado
e “desconstruido”. Trata- se quase sempre de constuções
clandestinas que deve m ser vistas como não -arquitectura
e infelizmente também são muito comuns no meio urbano.
Não são propriamente barracas porque se assumem
como permanentes, mas seus sucedâneos quer em termos
programáticos quer plásticos.

34
Esclarecedor, é o
estudo que levou à
publicação do livro
“Casas de Sonho”
de Roselyne de
Villanova, Carolina Avenida dos Lusíadas. Con -
Leite e Isabel strução pragmática, caracterís -
Raposo. tica de uma não -arquitectura.
A partir dos anos 30/40 Coruche vê alterar- se o panorâma
da economia local com o desenvolvimento de algumas
indústrias. Os bairros operários cresceram um pouco
por todo o país e a vila também tem os seus exemplares
embora se tratem de micro estruturas ou tenham assumido
o aspecto de bairros periféricos por terem surgido já
num tempo em que a consciência social tinha mudado
bastante. Estão neste grupo o Bairro Novo e o Bairro da
Areia. São casas simples e anónimas na sua maioria, um
tipo de construção que, embora de grande pragmatismo
construtivo e baixo valor formal, indicia uma “inocência”
próxima do vernáculo.

Aspecto geral do “Bairro Novo”

“ B a i r r o d a A r e i a” . Algumas casas já se destacam do conjunto original


Por último, aquela que parece ser a nova vaga da “casa
portuguesa” pela via popular, migrando da construção
espontânea para o licenciamento camarário, de grande
superficialidade conceptual e que está exercer um grande
impacto na paisagem.
Conceptualmente distinta da arquitectura popular
vernácula, nesta elaboração estão presentes diversos
protagonistas que dão corpo à vontade de construir de
um indivíduo ou núcleo familiar. Para além da família e
dos amigos, a forma desta casa está sujeita ao arbítrio do
pequeno construtor ou pedreiro contratado, desenhador
de construção civil, agentes técnicos, comerciantes de
materiais e em alguns casos, de um engenheiro. Cada vez
menos raro é o aparecimento de um arquitecto no processo
de licenciamento. Nem sempre esta presença surge como
uma mais valia, seja pela pouca representatividade deste
face às outras opiniões, seja pela formação deficiente dos
mesmos.

35
Este fenómeno
tem contornos
de su cessor
espiritual da “casa
do emigrante”.
Como aquela
assume motivações Santo Antonino, Coruche
emoc ionais
relacionadas com
aspirações de
ordem social e
Acompanhando o último período de expansão na
desta ca- se por uma construção civil, sem precedentes ao nível da habitação
utilização bastante unifamiliar, este modelo neopopular merece -nos maior
eclética de materiais
standardizados.
atenção por ser aquele que se arroga a pretensão de
herdeiro da arquitectura tradicional portuguesa, ao fazer
uso do formulário plástico tradicional. 35 Este “estilo”
disseminou- se por todo o país mas adaptou- se melhor à
região sul, Estremadura, Alentejo e Algarve, exercendo
grande sedução sobre as camadas intermédias da
população. Muitas destas casas são de utilização sazonal
e a dimensão média que apresentam fazem destas uma
nova forma de ostentação social e económica, sendo
muitas, segundas habitações. A qualidade da construção
é na generalidade bastante superior aos outros modelos
neopopulares ainda que as opções estéticas rocem
frequentemente o kitsch. Diferentes estratos da população
aderiram a esta plástica entre o elementar e o elaborado
que no entanto é adoptada preferencialmente pela classe
média urbana como símbolo de casa tradicional , num
terceiro fôlego da “Casa Portuguesa”, sem a elegância
de Raúl Lino nem a expressão plástica e a vitalidade do
“Português Suave”.
Privilegiadamente próximo de Lisboa, o concelho de
Coruche mantém um certo sabor rural que funciona como
um barómetro de sta tendência, ao situar- se no circuito dos
lugares ideais para a construção de moradias de ocupação
sazonal. O campo está na moda. Fazendo face a um
mercado cada vez mais concorrencial, são já bastantes os
projectos para casas desta tipologia que são elaborados
por arquitectos, embora tal não seja muito comum, pelo
que na quase totalidade dos casos, reconhecíveis aliás,
resultam do exercício de profissionais com formação
alheia à arquitectura e de construtores espontâneos que
exploram o gosto medíocre de uma classe média cada vez
mais alargada.
São casas de dimensão generosa cuja organização dos
volumes é feita de forma intuitiva, sujeita às leis da
pragmática funcional, determinando uma hierarquização
entre os volumes principais do corpo habitacional e os
volumes secundários dos espaços de lazer, de arrumos
gerais ou de garagens. A relação compositiva segue a
mimesis , interpretação estandardizada do imaginário
tradicional. Sem regra compositiva definida, os modelo
mais básicos limitam- se a uma simetria cêntrica e planta
rectangular, embora possam assumir maior complexidade
volumétrica à medida que a casa se vai metamorfoseando
ao longo do tempo, respondendo a desejos de ostentação
por parte dos proprietários ou a necessidades não previstas

Inclusão de elementos estranhos ao vocabulário regional. Estrada do cemitério


novo, arredores de Coruche

inicialmente. Um fenó meno curioso deste aspecto produz


frequentemente uma organização que duplica algumas
funcionalidades levando por exemplo à utilização de
acessos secundários, praticados normalmente no alçado
tardoz, mantendo - se o tratamento especial para a entrada
que ainda se assume como o elemento com maior valor
simbólico. Este “cuidado” origina a incorporação de
elementos estranhos à linguagem corrente tais como
colunas “romanas” ou frontões “gregos”, acentuando
o desejo de promoção e diferenciação social dos
proprietários.
Como se trata de um tipo de construção em que o
planeamento ou projecto, quando existe, serve apenas
propósitos processuais e legais, apresenta normalmente
grandes deficiências arquitectónicas ao nível da estrutura
do espaço e da qualidade plástica. A ornamentação segue
um esquema baseado na marcação cromática de cunhais,
socos, cimalhas, vãos e coroamentos, maneirismo que
substitui os genuinos elementos estruturais em pedra que
já não se produzem ou são de custo muito elevado. Por um
custo muito mais baixo, ficamos com a ilusão de viver num
“pequeno solar ”. A vulgarização dos materiais standard
contribuiu enormemente para a homogeneização de cores
e te xturas e para a multiplicação desta tendência que
começa a sofrer, também ela, o peso da idade.
A ornamentação é um fenómeno essencialmente simbólico
que potencia a sedução de algumas formas de arquitectura,
desempenhando um importante papel na coerência formal
das construções, nomeadamente naquelas que evocam um
saber artesanal ou popular. Na casa sobre a qual agora
reflectimos, a pobreza da linguagem plástica e a indigência
36
Como se não
existissem telhados
estilística que a maioria apresenta, promove a necessidade semelhantes em
de uma certa exuberância dada pela cor e pela linha ou quase toda a bacia
meditarrânica, e
por um qualquer ornamento acessório. A qualidade do
não só.
trabalho artesanal evidenciado na arquitectura erudita
ou popular tradicional, mostra- se difícil ou impossível de 37
A utilização
manter, pelos custos que envolve, pelo desaparecimento generalizada do
vidro na construção
dos artesãos e pela incompatibilidade dos materiais corrente só acontece
existentes face às técnicas artesanais. Tal como a pedra já no século XX.
estrutural, também as madeiras e os metais de qualidade Conhece-se a sua
utilização em casas
abandonaram a arquitectura doméstica para darem lugar nobres durante
às imitações cerâmicas, aos aglomerados, ao alumínio e o apogeu do
aos materiais compósitos. I m p é r i o Ro m a n o ,
reaparecendo nas
igrejas cristãs
da Alta Idade
Média. A partir
d o Re n a s c i m e n t o
começou a ser
aplicado em
palácios ou casas
burguesas mas só
a p ó s a Re v o l u ç ã o
Industrial a
produção permitiu o
acesso fácil a este
material, a partir de
meados do século
XIX. Na arquitectura
popular sempre
foi extremamente
Vale Verde, arredores de Coruche raro assim
como a própria
janela. Os vão
Perdido que está o significado simbólico ou funcional dos eram usualmente
cobertos com papel
elementos arquitectónicos tradicionais, o princípio básico ensebado ou tapado
de composição estrutura- se na superficialidade, do tipo, com portadas de
madeira.
esta janela + aquele telhado + aqueloutra chaminé =
casa à portuguesa. Como o cozido.

Elemento incontornável desta tipologia é o beirado que,


após superada a tendência art déco e modernista, continua
a simbolizar tradição na nova arquitectura popular.
A variante preferida é o chamado “à portuguesa” 36 , a
rematar as coberturas inclinadas em telha “ lusa”, também
esta veio substituir a telha “marselha”, comum na casa
portuguesa dos anos 40 e 50.
De estrutura espacial e construtiva pobre, com a
normalização vieram os pés direitos acanhados ditados
pela industrialização, a sujeitar os vãos a uma geometria
de pequena escala com fenestração tendencialmente
horizontal, contrariando o que era comum em casas de
traça mais antiga. Nas janelas nota- se uma preferência
quase obsessiva por vidraças esquartejadas, ou com
esquadros internos quando se trata de vidro duplo,
acentuando o desejo de copiar elementos tradicionais,
neste caso recuando a um tempo em que era difícil
produzir vidro plano de grande dimensão, 37 perdendo - se a
verticalidade do rectângulo 3x4, este sim, profundamente
enraizado na tradição portuguesa.
A construção corrente aderiu em massa a esta tipologia
que alastrou pela paisagem urbana, em contracorrente
com as ideias de modernidade e evolução cultural. Como
miniaturas da casa burguesa e do so lar setecentista,
beirados e alpendres, cantarias e pilastras, janelas aos
quadradinhos e cornijas em massa de cimento, garantem
que as vulgares “quatro paredes caiadas” se impregnem de
“portugalidade” duvidosa mas pouco dispendiosa, sendo
aceite como modelo que dispensa o debate de ideias.
Será difícil relacionar este modelo com uma tradição
arquitectónica que vá além do revivalismo do Português
Suave na sua forma mais pobre.

U m a u r b a n i zação “moderna” em Santo Antonino, Coruche.


Tipologia 8 – O ecletismo funcionalista
Arquitectura moderna ... com um século de História.

Pátio do Museu Municipal de Coruche. (Arquivo fotográfico do Museu)

A superinformação trouxa à sociedade actual uma nova


crise de valores artísticos, culturais e sociais que já
provocaram outrora iguais períodos de estagnação
estilística e intelectual. O que distingue o período que
atravessamos é o facto de, pela primeira vez, os valores
intelectuais competirem em situação de igualdade com
a cultura popular, com esta a assumir um estatuto
que até agora não tinha conhecido, valorizada pela
representatividade do número de pessoas que a defende
em detrimento da cultura erudita, considerada snob . A
cultura de massas, intimamente relacionada com o livre
acesso ao consumo, vem pois assumir- se como padrão de
gosto, fazendo tábua rasa de todos os valores acumulados
ao longo da História. Naturalmente que o fenómeno da
“globalização” também contaminou a arquitectura que
desde os anos 70 do século findo absorveu diversas
tendências, numa nova atitude eclética que ultrapassa
a referência histórica para se centrar simplesmente na
manifestação individual do gosto e no protagonismo
pseudocultural. Mais que defender um princípio, a
arquitectura funcionalista da casa contemporânea serve
o culto do autor, adoptando uma morfologia próxima da
fórmula modernista e racionalista que finalmente chega ao
conhecimento comum, satisfazendo também a necessidade
de estar por dentro da moda, de uma forma simples e
rápida.
O nível médio da cultura popular tem vindo a aumentar
e começou a incorporar conhecimentos e tendências
conceptualmente mais complexas. A necessidade de
uma maior valorização, orienta as opções estéticas
do homem comum que, condicionado pela formação e
enquadramento social, adere a fórmulas legitimadas pelas
principais referências culturais que lhe garantam um lugar
relevante na sociedade. Com a progressi va afirmação do
arquitecto como profissional qualificado para o exercício
da arquitectura, vimos surgir uma elaboração próxima
de modelos considerados referenciais do movimento
racionalista e funcionalista mas que, por razões de
afirmação individual, se manifestam como interpretações
de uma certa vanguarda. Contudo, tal como se observa
noutros campos da cultura, as vanguardas são sempre
rece bidas com desconfiança e este facto faz com que a
realidade da produção arquitectónica esteja muito mais
próxima do gosto comum do que das grandes referências
culturais. As últi mas gerações de projectistas, altamente
vulneráveis face ao poder económico dos promotores, vêm
produzindo casas formalmente difíceis de classificar mas
onde se reconhecem tendências tardo -funcionalistas onde
se tenta compensar a indecisão formal e conceptual com
citações formais próximas da sensibilidade pós -moderna.
A plástica neofuncionalista faz referência ao movimento
moderno, produzindo um ecletismo referenciado que é
aceite como símbolo de modernidade.
Coruche começa timidamente a dar os primeiros passos
nesta tipologia que entretanto já faz parte do léxico
formal de empreendimentos de luxo, um pouco por todo o
país. Nos poucos exemplos encontrados no concelho, vão
surgindo tentativas de se assumir alguma modernidade,
ultrapassando a cultura conservadora que caracteriza as
populações do interior. São casas que vêm dar resposta
a uma geração de jovens casais com outras ambições
culturais e que não encontram satisfação no anacronismo
tipológico da chamada “casa à portuguesa”. Torna- se
evidente que as escolhas formais e consequentemente a
evolução da arquitectura estão condicionadas pelo tipo de
cultura dos diferentes agentes em presença. A intervenção
do arquitecto em cada vez mais projectos tem contribuído
para uma certa educação do público leigo, não sendo
de desprezar o papel que os media têm tido divulgando
novas tendências e as vantagens deste tipo de intervenção
face à mediocridade formal dos modelos neopopulares.
A dicotomia entre ambiente rural e ambiente urbano está
cada vez mais ténue e começa a ser natural a convivência
entre modelos de inspiração tradicional e inspiração
contemporânea, ainda que para a população residente,
pouco sensível à cultura arquitectónica, as formas
funcionalistas ainda sejam um pouco estranhas.

Paúl, arredores de Coruche

A contemporanidade que se vai implantando como tendência


estética, surge num contexto que pode ser visto como
uma abertura do gosto comum a valores de modernidade
e progresso, mas também como mais uma submissão à
moda, eventualmente tão perniciosa como outra qualquer.
Não deixa de ser interessante verificar a adesão a esta
tipologia como se de um sinal de contemporanidade se
tratasse, desconhecendo todavia o contexto cultural e o
posicionamento conceptual que envolve esta opção. Na
verdade, esta plástica aparentemente actual tem uma
longa tradição histórica, tão antiga ou mais que a Casa
Portuguesa. Anterior ao novo espírito de Corbusier, de
1925, já em finais do século XIX se deram os primeiros
passos no modernismo com a convergência entre
arquitectura clássica e vernácula iniciada por Schinkel,
posteriormente continuada por Adolf Loss, Otto Wagner,
Hoffman ou Peter Bherens.

Ve r d a d e i r o p a r a d i g m a do Modernismo, a Villa Savoye de C orbusier, construída em


1 9 2 8 . N ã o p o d emos deixar de pensar que em Portugal não foi fácil
acompanhar a História.

Casa Steiner de 1910. Adolf Loss


Se as casas neopopulares, sobredimensionadas e altamente
icónicas, se tornaram num simbolo do novoriquismo
medíocre e estéril, este novo tipo de ecletismo mais ou
menos erudito, aparece também como novo símbolo de
status, estilisticamente melhor aceite porque relacionado
com a modernidade e a emancipação cultural.
Aparentemente, o culto do status cultural está a
sobrepor- se ao status conferido pelo poder económico,
convertendo - se numa opção que tem a vantagem de não
depender directamente de um avultado investimento, logo
ao alcance de todos.

Foros do Paúl, arredores de Coruche

Para além da superficialidade que representa uma opção


permeável ao fenómeno da moda, encontram- se vantagens
que não devem ser desprezadas: trata- se de um conceito
arquitectónico muito mais racional que os outros modelos,
capaz de se adaptar às exigências técnicas e económicas
da actualidade, com a perspectiva de se manter actual
por muito mais tempo. É um fenómeno arquitectónico
que não esconde as potencialidades de gestão do espaço
utilizando uma linguagem clara que há muito é familiar
aos arquitectos e que constitui uma mais valia em termos
de interacção com o objecto construído. Ao entrar no
domínio do grande consumo, corre o risco de se banalizar
se os processos de licenciamento continuarem a passar ao
lado dos arquitectos. Sendo de uma grande clareza formal,
é uma linguagem conceptualmente complexa que não deve
ser utilizada levianamente por quem não tenha formação
superior no domínio da arquitectura. Hoje, mais que
nunca, importa orientar o consumidor em áreas técnicas
que forçosamente não domina, no sentido de o servir mas
também de respeitar os princípios da arquitectura que,
sendo uma arte pública, não pertence em exclusivo ao
indivíduo mas também à comunidade. E a arquitectura de
uma comunidade revela a sua História e o papel que cada
um representa face aos vindouros.

Foros do Paúl, arredores de Coruche

Avenida dos Lusíadas, Coruche


Estas casas modernistas não devem se confundidas com
qualquer fenómeno de vanguarda na arquitectura pois
estão lonje de apresentar soluções inovadoras, com
absoluta submissão aos materiais standard . No entando
são uma lufada de ar f resco no panorama da arquitectura
regional e uma agradável surpresa quanto à orientação
do gosto comum.

Edifício de habitação e serviços, Lamarosa, Coruche


A paisagem em construção

De todos os modelos presentes na paisagem construída de


Coruche que temos vindo a descrever, afectados ou não por
expressões regionalistas, os que têm hoje maior visibilidade
são obviamente os mais recentes e deram origem a casas
cujo ciclo de vida útil ainda é relativamente curto. Por essa
razão e porque continuam a aparecer com naturalidade
na prática da construção, a morfologia pragmática dos
modelos neopopulares é aquela que teremos de evocar se
procurarmos uma característica local para a arquitectura
doméstica, notando - se ainda uma presença forte do
português suave nas áreas que cresceram nos anos 40 e
50, fazendo reviver o espírito da casa portuguesa . Apesar
do ecletismo e apropriação formal que encontramos no
português suave , a fonte erudita garante a estabilidade
estilística e a matriz histórica que já não encontramos num
ecletismo popular, ao qual presidem valores que carecem
de justificação conceptual por serem de elaboração
fortuita, regulados apenas por factores de ordem pessoal.
A crise de valores culturais nacionais tem a sua quota-
parte na morfologia destas casas.

Estamos a atravessar um período de banalização da


cultura popular que ao mesmo tempo que resiste à
modernidade, elege a grande superfície como local de
encontro e satisfação lúdica. O consumo e a ostentação
como símbolo de estatuto social são factores que já
presidiam à elaboração na casa do emigrante e que
continuam a ser determinantes nos modelos neopopulares,
importando mesmo alguma plasticidade frequentemente
encontradas naquelas, tais como os planos de cobertura
descontínuos ou a utilização de revestimentos cerâmicos
nos paramentos exteriores. A maioria das casas que
foram construídas segundo estes princípios compositivos
exploram ainda referências ao solar e à grande casa rural,
concorrendo para a promoção provinciana dos motivos
populares, afastando - se da ingenuidade estilística que é a
verdadeira herança da arquitectura vernácula. No modelo
neo -popular da região de Coruche estão implícitos gostos
estereotipados que recorrem ao imaginário popular
rece nte cujo paradigma para a casa portuguesa, qualquer
coisa entre o solar e o “monte alentejano”.
Podemos concluir, como já vimos anteriormente, que
na base generativa da casa de Coruche está todo um
perc urso que nos leva desde a tradição erudita até às
formas regionali zadas da casa portuguesa, do art déco ,
do modernismo ou até de contaminações estranhas à
nacionalidade, dada a estandardização da construção
em geral. Muito afectado pelo gosto particular e pela
banalidade compositiva, temos dificuldade em enquadrar
o neopopular na actual teoria da arquitectura, embora
por vezes surjam exemplos que surpreendem pela
expressividade plástica e sentido de domesticidade.
Adverso a uma estética de contemporaneidade, trata- se
de um fenómeno mais tectónico que arquitectónico que
não consegue suceder historicamente como arquitectura
popular, e muito menos, erudita.
Ao contrário do que acontecia nos anos 60 e 70, as fórmulas
neopopulares já não são sinónimas de “arquitectura sem
arquitecto”. Muitos destes projectistas são atraídos por
esta plástica, quer por deficiência cultural quer por razões
de mercado. A concorrência profissional é hoje muito
diferente da que tinha lugar há vinte anos e os arquitectos
são muitas vezes “ob rigados” a exercícios de pastiche,
unicamente para satisfazerem as tendências da moda.

A cor das casas


Por mais sintética que seja a análise tipológica às casas
de Coruche que vimos a fazer, perderiamos grande parte
da objectividade se nos escusássemos a fazer referência
à grande influência que a cor tem do espírito humano
e ao valor expressivo que confere à arquitectura,
designadamente à arquitectura de inspiração mais
popular.
A importância que a cor teve na arquitectura erudita e
burguesa, ornamental e simbólica, alastrou à arquitectura
doméstica comum mantendo o seu carácter diferenciador,
tendo uma presença forte na arquitectura actual apesar
de se ter perdido muito do simbolismo de outros tempos.
O gosto popular actual utiliza um esquema cromático
primário, vivo e contrastante, em que as cores mais
utilizadas são as que por motivos mais ou menos recentes,
assumiram um carácter de tradição no imaginário
38
Desde a
colectivo. No caso de Coruche, branco, azul, amarelo...
antiguidade que
a cal é utilizada A utilização tradicional da cor ultrapassa a superficialidade
como ligante de
argamassas e a ela do gosto, entrando na formação do imaginário pela via
se deve a excelente da utilidade e do simbolismo. O branco é sem dúvida
resistência que
o aspecto cromático mais predominante na memória
ainda hoje pode
ser constatada colectiva, mas a sua utilização é historicamente recente,
nas construções estando o seu uso di rectamente relacionado com a cal
romanas. Depois
quando esta assumiu funcionalidades de revestimento
deles, os árabes
introduziram superficial. A cal, hidratada e misturada com cera, óleo
melhoramentos ao ou sebo, constituía um excelente material aglomerante
adicionar óleo à cal
para produzir um
para paredes, cuja constituição básica na arquitectura
betume utilizado nas vernacular era a terra, conferindo -lhes isolamento e
alven arias a que resistência acrescida 3 8 . Com o higienismo do século XIX a
se dá o nome de
galagala , ainda hoje
cal foi imposta por regulamento em muitas cidades, tais
utilizado no Magreb. como Lisboa ou Évora, e passou a constituir uma imagem
forte da paisagem nacional 3 9 . A caiação periódica das
casas tinha uma função desinfectante, proporcionando
igualmente excelentes ocasiões de confraternização ao
acontecer próxima das principais ocasiões festivas.
A cor não era comum nas casas mais modestas, embora
frequente em edifícios de maior importância, conforme 39
A cal aparece
atestam as últimas investigações em arqueologia da cor. também na
antiguidade
Durante os séculos XIX e XX a cor foi- se generalizando e,
clássica ocidental,
até à industrialização das tintas, eram usados pigmentos mas é conhecido
minerais ou vegetais adicionados à cal ou em soluções o seu uso como
revestimento interior
aquosas quebrando a hegemonia da cal. O amarelado, o
de pavimentos e
azul, o vermelho, o verde, castanhos ou o negro são usados paredes na China
na região da Coruche desde há bastante tempo, embora de central, em vestígios
de casas com cerca
entre estas se destaque o azul ultramarino, o ocre amarelo de 4000 anos.
e o encarnado “sangue de boi”. Alguns pigmentos eram
encontrados na natureza facilitando o seu uso, mas a 40
Esta propriedade
preferência por estas cores têm subjacentes outras razões, é dada pelo longo
comprimento de
hoje quase esquecidas. No caso do ocr e, por exemplo, onda desta cor que
o minério moído era conhecido e utilizado já no período tal como o verde
mesolítico em rit uais funerários, aplicado em pó sobre os cobre interfere com
o comportamento
defu ntos. Ainda que de forma especulativa, parece -nos destes insectos.
possível ver nesta prática a origem da crença popular que
atribui ao amarelo o poder de afastar entidades nefastas 41
Antes da era
e “mau- olhado”. Ao aplicar esta cor nos vãos de portas industrial o
principal pigmento
e janelas, por onde as forças malfazejas podiam entrar, azul era obtido
estava garantida uma protecção que posteriormente se pela pulverização
alargou a socos e cunhais. Quanto ao azul, parece ter a do lápiz-lazuli,
introduzido na
curiosa propriedade de afastar alguns tipos de insectos, Europa no séc.
tais como os mosquitos, bastante abundantes nestas terras X I I . Pr o v e n i e n t e d o
de várzea 40 . actual Afeganistão e
Irão é de utilização
generalizada
A ideia de uma certa tradição cromática nesta região em toda a bacia
encontra- se generalizada, sendo ainda hoje bastante mediterrânica pelo
comum ouvir a expressão “azul de Coruche” 41 , cor que será incorrecto
c h a m a r- l h e “d e
que encontramos com esta denominação mesmo no Coruche”. Outra
regulamento municipal de edificações ur banas. Tal ideia forma de se obter
deve - se à poética popular mas não tem grande suporte um pigmento azul
era através de uma
histórico, sendo poucos os que hoje continuam a usar massa de vidro
o óxido metálico original, misturado com cal e sebo ou composta por areia,
mesmo só com água como era habitual, por ser uma alcali, carbonato
de cálcio e soda,
tinta barata e disponível em qualquer drogaria. O azul é dando origem a uma
uma cor com um enorme espectro cromático e qualquer tonalidade de azul
tonalidade específica depende da concentração do muito utilizada no
próximo oriente.
pigmento e do tipo de veículo que o suporta, sendo
extremamente difícil de igualar pela via industrial. Com
a mesma simplicidade com que as classes populares
obtinham o azul, também obtinham o ocre amarelo, o
ocre encarnado e o zarcão, o negro fumo e outras cores
obtidas pela mistura entre pigmentos. Para além destas
e com a utilização generalizada das tintas industriais,
surgiram mais recentemente outras cores importadas do
gosto urbano lisboeta e utilizadas como expressão de
ingenuidade popular. O tão evocado azul “de Coruche”
já não se encontra facilmente, sendo hoje tão diverso que
deixou de fazer sentido como costume a perpetuar.
PARTE 3 – DO ARQUITECTO À CASA

Dispomos hoje de grandes facilidades de acesso à


informação e de grande mobilidade, factores que
vieram aumentar consideravelmente as oportunidades de
emancipação social e cultural, diminuindo as diferenças
entre o meio urbano e o rural que eram evidentes há bem
pouco tempo. Contudo, continua a existir a ideia - por
parte dos urbanos - que a província deve proporcionar um
quadro bucólico e relaxante onde possamos descontrair
depois de uma semana de trânsito citadino; uma espécie
de parque temático, verdadeiro retiro espiritual onde será
possível fugir à realidade, mesmo que à custa daqueles
que que têm a “sorte” de ainda morar no paraíso (virtual),
evitando -lhes o contacto pernicioso com os símbolos da
sociedade de consumo, tais como equipamentos, serviços
ou de uma oferta cultural que insista em se centralizar na
cultura urbana.
O desenvolvimento do gosto e da sensibilidade estética
depende muito dos estímulos culturais a que estamos
expostos. Qualquer um de nós, alheios à expressão
contemporânea, mal preparados para reagir positivamente
à ambiguidades e à originalidade ou até ao valor da
História como motor da modernidade, dificilmente se
mostra tolerante quando confrontado com a mudança.
Não será verosímil r elacionar indigência cultural com
interioridade, mas provavelmente irá existir sempre um
maior défice de experiência cultural nas populações mais
afastadas dos principais centros urbanos, uma vez que o
acesso à cultura e à informação é limitado pelo efeito
psicológico da distância, pela economia de subsistência,
pela mediocridade da oferta e pelo imobilismo comum à
maioria das zonas do interior, locais onde a arquitectura
enquanto forma de cultura não é uma prioridade.
Coruche inclui- se no grupo de terras que, apesar da
proximidade com a capital, ainda sente o isolamento
do interior. Sofreu um acentuado despovoamento com o
declínio das grandes propriedades agrícolas nos últimos
quarenta anos, recuperando ligeiramente em meados
dos anos setent a devido ao regresso dos ultramarinos
e de alguns emigrantes. As casas construídas durante
este período são na sua maioria de uma grande pobreza
arquitectónica, facto que advém da massificação da
auto - construção, da falta de planeamento urbano e
da consequente exposição a agentes especuladores. A
construção assumiu então contornos de caos estilístico
entre a casa do emigrante e o “caixote” 1 de cimento e
tijolo, pontuado aqui e ali por esgares a imitar qualquer
modelo mais erudito, que aliás espelha um fenómeno
generalizado por todo o país. É este caos na construção
da casa popular que vê surgir com agrado uma forma
mais coerente, pretensamente defensora da tradição e
onde podemos reconhecer a mesma or igem emocional
que produziu a casa do emigrante . Já nos referimos
detalhadamente a estas tipologias neopopulares, fenómeno
que contribuiu em grande parte para obviar o acesso à
cultura e à promoção social pela via da arquitectura. A
banalização da casa/símbolo trouxe consigo a ideia de
que o arquitecto é um snob que quer fazer passar a ideia
de que uma casa é algo mais que um abrigo. Ou seja.
Para fazer arquitectura basta tijolo, um pouco de cimento
e uma colher de pedreiro! Face a este preconceito, não é
de estranhar a d esconfiança em relação à intervenção do
arquitecto por parte das camadas populares (e não só),
e o desconhecimento em relação a uma herança artística
e técnica fundada nas origens da Histór ia, desde que o
Homem se tornou sapiens .
Ser sensível ao fenómeno arquitectónico e distingui-
lo do natural impulso de construir é fundamental para
promover a participação do cidadão comum na dialéctica
do processo arquitectónico, tomando consciência dos
valores patrimoniais que vale a pena preservar. Ao mesmo
tempo tornará claro o papel do arquitecto como agente
fundamental para o desenvolvimento e melhoria da massa 1
Expressão
crítica necessári a a um saudável desfrutar do objecto que veio a ser
construído e do meio urbano onde se insere, factor cultural vulgarizada pelo
homem comum para
que preside ao desenvolvimento social e económico de
designar qualquer
uma região e das pessoas que aí habitam. construção mais
alta, de linhas
direitas ou com
uma escala à qual
é pouco sensível.
Arquitectos, para quê?...
Um pouco de História...
Os objectivos deste ens aio, revelados no prólogo, são claros
no que respeita às intenções de trazer ao homem comum ,
habitualmente menos esclarecido quanto ao fenómeno da
arquitectura, alguns conceitos que ajudem a compreender
a importância dos arquitectos na salvaguarda do direito a
um meio urbano saudável, estimulante e digno para todos
os cidadãos. A figura do arquitecto sofreu altos e baixos
ao longo dos tempos e neste momento atravessamos
o final de um período negro, com a banalização dos
processos construtivos e o aparecimento de profissionais
com actividades paralelas que em determinados meios se
assumem como desenvolvendo trabalho de arquitecto e
são mesmo confundidos com este. É uma questão cultural
que parece estar a desvanecer- se.
A palavra arquitectura deriva de dois vocábulos que
definem a sua amplitude semântica: arqué – arquétipo
ou modelo ideal; tectón – arte de construir. A prática
da arquitectura implica assim construir de acordo com
princípios formalizadores, pelo que, para o cidadão comum
habituado a conviver o mundo construído, a necessidade
de distinguir entre arquitectura e construção pode parecer
algo presunçoso. Apa rentemente seriam a mesma coisa.
Mas se não nos detivermos a reflectir sobre o que separa
estes dois conceitos, poderemos incorrer no mesmo erro
que incorre quem confunde comida com gastronomia, o
livro com a literatura, o acontecimento com a História.
Embora se considerem fenómenos distintos, as diferenças
entre arquitectura e construção não devem ser entendidas
como uma desvaloriz ação de qualquer das áreas pois
ambos se complementam; a arquitectura só se torna
visível através da construção. Se atendermos à etimologia,
a construção incorpora o conceito tectón , princípio
tectónico ou acto de construir que também existe no termo
arquitectura. Esta funde o princípio arqué com tectón ,
aparecendo este como meio de manifestação de um
princípio formalizador, um ideal ou arquétipo. Construir
segundo princípios formalizadores, difere da construção
na medida em que o espaço difere da matéria e que
o objecto difere da invenção. Tomemos por exemplo a
parede enquanto “ vocábulo” ou elemento da expressão
arquitectónica. É ela que define o espaço, organizando - o
caracterizando - o e isolando - o da ordem (ou caos) natural.
A parede é o limite material necessário à existência e
usufruto do objecto construído e nesta perspectiva deve
ser entendida como ocupação positiva ou material do
espaço. É através dos limites físicos que reservamos para
nós um bocado do mundo. Mas o espaço resultante,
espaço limitado ou definido pela parede, é aquele que
na realidade usamos, tratando - se de uma existência
negativa ou imaterial. O espaço é o objecto de reflexão
e inquietação em arquitectura tornado sensível quando
relacionado com a matéria, numa diatélica de existência
e não existência. A mesma dialéctica se aplica a todos
os elementos arquitectónicos como a janela, ou a porta,
a cobertura, etc. É do domínio da arquitectura justificar
a existência de uma janela, por exemplo, que no fundo
não passa de u m buraco, uma não existência material
que justifica a sua razão de existir (ou não existir). A
apropriação desta não existência material, o vazio ou não
matéria, é o motivo pelo qual construímos – interagir com
o espaço primordial e conquistá-lo. É pois a existência
dos objectos percebidos que torna o espaço referenciado
e funcional quer em termos operativos quer simbólicos. A
perc epção dos objectos pela sua existência representa no
entanto um esforço muito menor face à imaterialidade 2 , e
esta é outra das razões pela qual ao homem comum lhe
interessa mais o aspecto exterior e decorativo das casas,
os limites físicos, que os valores arquitectónicos tais como
expressão espacial ou carácter compositivo do espaço,
ou menos ainda por valores metafísicos como a simbólica
desse mesmo espaço. A arquitectura é uma ciência artística
que comunga da ciência enquanto fenómeno tectónico e
da arte enquanto processo inventivo e formativo. Sendo 2
Quando olhamos
para uma janela, a
um sistema de criação ou invenção, torna- se visível pela
tendência é olhar
materialização da ideia, organizando a matéria segundo para o que está
alinhamentos, ritmos, ordens, conceitos filosóficos... e n r e d o r, o q u e
a marca; do que
finalidades. O modo como se articulam e damos sentido apercebermo-nos
a estes elementos determina a qualidade do objecto do espaço vazio.
arquitectónico e a sua capacidade em reter um pouco da
noss a existência, tarefa da esfera intelectual que não se
deve subordinar a estilos ou moda.
Se para o arquitecto, um projecto é ordenar um conjunto
de referências que dão forma a um ideal, domesticando 3 e
conquistando o espaço, para o homem comum a casa é um
conjunto de elementos materiais dispostos de acordo com
um sistema construtivo que depende mais de quem constrói
do que de quem imagina. É neste paradigma que reside
a desconfiança na figura de um criador não utilizador
directo que não se verificava na arquitectura vernacular,
uma vez que a maioria as casas eram construídas pelo
próprio com a ajuda da comunidade. Era uma arquitectura
sem arquitecto que mantinha residualmente o conceito
imanente da casa- cabana, símbolo primordial do habitar
e instrumento da uma vivência concreta.
A arquitectura vernacular continha uma transtemporalidade
que o homem comum ainda procura, e que também
reconhece na arquitectura dita histórica, fenómeno que
justifica a tendência que tem para modelos tradicionais
ou arcaicos numa clara resistência às novas estéticas.
As linguagens inspiradas em modelos vernaculares têm
a vantagem de estarem menos sujeitas a tendências
estéticas passageiras, já que muitas vezes acontecem de
modo pragmático sem outro contributo técnico que não
seja a arte de saber fazer . Arte e saber fazer são por
seu lado, curiosamente ou talvez não, as duas faces da
arquitectura e razão da sua existência. Por um lado, o
objecto arquitectónico torna- se possível quando apoiado
por conhecimentos técnicos acumulados ao longo do
tempo, por outro, envolve a reflexão científica e um
processo criativo que depende de uma dialéctica próxima
da criação artística, reflexo do gosto e da cultura do
momento.
Já não podemos limitar o conceito de cultura popular à
expressão da ingenuidade e da tradição e a arquitectura
popular também já não é vernácula porque a sociedade
mudou, urbanizando e subvertendo a cultura popular.
Deste modo faz tanto sentido manter fórmulas antigas de
arquitectura como ir de carroça para o emprego. Se até
finais do século XIX era relativamente fácil acompanhar as
mudanças culturais e evoluir com elas, a democratização
cultural e o desenvolvimento da comunicação de massas,
3
Este termo
vieram no século XX miscigenar diferentes correntes
encontra-se
relacionado com a artísticas tornando cada vez mais difícil acompanhar a
casa (domus) e a evolução dos valores culturais. O fenómeno da auto -
c o n s t i t u i ç ã o d o l a r.
construção, a relativa facilidade com que ao longo da
História se manipularam os materiais de construção e
a industrialização dos mesmos, tornaram a arquitectura
uma área aparentemente acessível a qualquer curioso,
permitindo a adaptação do gosto comum a elaborações
ecléticas correspondentes a uma espécie de “auto -
medicação” em construção. Ao uniformizar os modelos de
auto - construção através da industrialização, atenuaram- se
as diferenças que antes permitiam identificar características
locais tornando anacrónica e absurda qualquer tentativa
de construir novo parecendo velho. A proliferação de
pequenos e médios empresários com pouca formação
técnica (e nenhuma artística) a partir dos anos 40, na
figura do empreiteiro ou mestre - de - obra, interromperam
o fenómeno da arquitectura popular tal como persiste
no nosso imaginário, tendo - se perdido a principal
característica que lhe confere qualidade: a ingenuidade,
a elegância e a economia de meios. Os antigos mestres
detinham um “saber fazer ” passado de mestre a aprendiz,
baseado em fórmulas tradicionais que iam sendo
melhoradas lentamente ao sabor das necessidades ou das
crenças mas sempre em pequenas variações, pouco sujeitas
ao gosto ou ao individualismo, recorrendo a conhecimentos
ancestrais e a modelos recorrentes da arquitectura erudita
civil, militar ou religiosa. Esta migração formal dava- se
sobr etudo ao nível do ornamento e era comum o mestre
ter apontamentos cuidadosamente preservados, tais como
o risco de chaminés, cimalhas, grades, lareiras, janelas e
portadas... com relações geométricas qu e radicam numa
tradição quase hermética, mas que não deixavam de ser
um trabalho artesanal sem grande consciência científica
ou artística.
A rapidez com que hoje algumas correntes ou modas se
extinguem faz com que o público menos conhecedor ou
menos interessado se recolha nas mais visíveis, ou nas
que se apresentam como compromissos de continuidade,
contaminando a simplicidade com estranhas migrações.
Movimentos de rotura são quase sempre vistos como algo
dissonante e “ feio”.
Este aparente caos intelectual de fim de século, tem
facilitado a mediocridade, o efémero e os maneirismos
de que enferma qualquer sociedade de consumo.
A arquitectura tornou- se um bem de consumo. O
consumismo aplicado a bens de longa duração com uma
presença forte e constante no nosso meio tem vindo a
produzir a vulgarização do gosto em matéria de objecto
arquitectónico. Ao contrário de outros tipos de expressão
plástica como a literatura, pintura ou o bailado para os
quais é necessário uma preparação teórica e técnica, e
só consome quem quer, a arquitectura é omnipresente e
parece - se apenas com um fenómeno do senso comum,
uma manifestação do pragmatismo tectónico, mais que
uma manifestação de cultura erudita.
Nas zonas de interior e nos subúrbios, com estes a
crescerem cada vez mais afastados dos centros urbanos,
proliferam urbanizações onde se vende a nostalgia do
campo e que no fundo pouco diferem entre si, estejam
a norte, no centro ou no sul. As novas construções nas
aldeias são hoje idênticas a qualquer uma que se faça na
cidade e os materiais tradicionais são os que o mercado
oferece, ou seja, um qualquer.
O processo de mudança entre os modelos populares
tradicionais e os novos modelos assentam na alteração
das funções que se atribuem aos espaços. Um evidente
desejo de urbanidade parece colidir com a adopção de
certas formas e org anizações espaciais destinadas à
habitação unifamiliar e com a funcionalidade original.
Antigas lojas do piso térreo são substituídas por garagens
ou adegas, as cozinhas com lume de chão dão lugar a
espaços funcionais completamente equipados tal como em
qualquer apartamento de cidade e que, na maioria dos
casos, acabará por ser substituído por um anexo, talvez
com forno e assador ou mesmo um fumeiro, onde se pode
estar mais à vontade sem se macular o espaço tão bem
organizado e limpo das cozinhas modernas.
A originalidade ou expressão operativa da casa não provém
dos elementos acessórios que constituem a ornamentação
ou de condicionalismos circunstanciais, muitas vezes
identificados com o estilo . Estes deterioram- se e passam
de moda , sendo contudo de considerar a importância
do ornamento pelo carácter unificador que representa
para um grupo que compensa a falta de riqueza plástica
com os ornamentos industriais mais vulgares. A casa é
acima de tudo um pro duto da existência do Homem, uma
manifestação cultural que o arquitecto usa para registo da
História e glorificação do génio humano.
Historicamente, a intervenção do arquitecto na
arquitectura e na construção é recente, segundo o
modelo actual. Encontramo -nos ainda num período de
transição e adaptação, pelo que o seu contributo está
a colidir com interesses instalados de entidades que,
no sentido de menosprezar a sua importância, acusam
os arquitectos de corporativismo. Interessaria pois saber
a quem não convém o reconhecimento da competência
profissional, cul tural e científica dos arquitectos. Esta
falta de reconhecimento tem uma razão social ainda
mal assimilada, cuja viragem remonta a 1901 quando se
forma a Sociedade dos Arquitectos Portugueses, marcando
a tomada de consciência profissional de uma classe e o
começo da luta pela afirmação de uma arquitectura feita
por arquitectos. Contudo, e ainda que timidamente, só a
partir da revolução urbana de Duarte Pacheco se cria uma
imagem de arquitectura dependente do arquitecto. Ao
nível da população em geral, o papel do arquitecto nesta
altura era ambíguo, como aliás continua a ser. O papel
de projectista esteve durante muito tempo relacionado
com os engenheiros e nem o Estado reconhecia a
equiparação profissional face àqueles. Na função pública,
a subalternidade era tal que um arquitecto de primeira
ganhava tanto como um engenheiro de quarta categoria
ou um agente técnico, situação que ainda se mantinha
em 1940. Nesta altura apenas cerca de 9% dos projectos
licenciados eram da responsabilidade de arquitectos.
Como esta situação não evoluiu muito, e se pensarmos
que até finais dos anos 70 apenas cerca de 45% dos
edifícios se encontravam licenciados 3 , somente 4 a 5% do
construído teria “assinatura” de arquitecto 4 , realidade que 3
Fo n t e I N E .
viu uma pequena evolução favorável na entrada do séc.
XXI. 4
Não querendo
e s p e c u l a r, t o d o s
No primeiro quartel do século XX a formação de sabemos que
ainda existem
arquitectos em Portugal era precária. Era possível ser as chamadas
“arquitecto” por nomeação ou por serviços prestados de “assinaturas
de favor ”. A
reconhecida qua lidade . Este facto levou os arquitectos a verdadeira
procurar formação fora do país, principalmente em França, produção por parte
dos arquitectos
Inglaterra ou Alemanha. Seriam estes paí ses a influenciar estará assim
por via erudita a arquitectura contemporânea em significativamente
inflaccionada.
Portugal. Somando a tendência histórica que temos para
menosprezar o produto nacional, será fácil compreender a
dificuldade que as últimas gerações de arquitectos sentem
em desenvolver uma linguagem que articule um imaginário
estético regional próximo do “grande público”. Também a
arquitectura se encontra sob o fenómeno da globalização
e a variações regionais podem ser um valioso contributo
na eleboração de modelos mais próximos do gosto comum
sem que tal represente um decréscimo qualitativo, mesmo
salvaguardando a indi vidualidade do autor.
Não é fácil para o arquitecto, gerir a ambiguidade da
dialéctica relacionada com o habitar, uma vez que a
sua actividade está materialmente identificada com o
objecto construído. Enquanto criador, o arquitecto tem
um relacionamento com a casa diferente do que tinha,
ou tem, o criador util izador. Habitar está cada vez mais
reservado a uma espécie de intruso, que embora legítimo,
invade um espaço criado por outrem sem se aperceber
das razões emocionais que levaram à sua fundação. O
indivíduo para quem se constrói necessitará por isso de
desenvolver algum esforço de apropriação até se fundir
emocionalmente com a casa, relação que nem sempre se
revela pacífica. Esta separação entre criador e utilizador
tem aumentado nos últimos tempos em grande parte devido
ao protagonismo que a arquitectura “de autor ” tem tido e
que afasta o cliente comum de processos entendidos como
“para elites”. Com a melhoria das condições económicas
por parte de um número cada vez maior de pessoas que
acedem à auto - construção, o arquitecto é visto como um
incómodo quando se tem “uma ideia clara” do que se
pretende. Daí que outro profissional, com uma qualquer
habilitação administrativa seja preferível já que pode
realizar “a mesma tarefa” com maior subserviência. Apesar
dos hábitos se estarem lentamente a mudar, fruto de uma
maior visibilidade de alguns arquitectos, uma qualquer
memória parece desvalorizar o papel a desempenhar nas
sociedades modernas. Afinal só há muito pouco tempo
é que se começou a sentir necessidade (quase sempre
administrativa) de um projecto para construir uma casa, e
elas existem praticamente desde o início da Humanidade.
Em jeito de conclusão
A sociedade actual é muito permeável a ícones e a
arquitectura é um fenómeno intensamente icónico. Por esta
razão nunca se falou tanto do assunto como nos nossos
dias, e este facto levou à valorização do que é superficial
e fútil, confundindo - se o fenómeno da arquitectura com
actividade imobiliária. Para além do aspecto tectónico,
a ar quitectura envolve princípios compositivos e criativos
próximos da praxis artística que é sempre difícil de definir, e
esta necessita de uma intelectualização apenas acessível a
uma elite de conhecedores. Este é um facto incontornável.
A massificação cultural não existe, e provavelmente nem
seria desejável porque tal fenómeno originaria uma
inevitável e gro sseira banalização dos valores, com o
consequente alastramento da mediocridade. Uma cultura
estética elevada não é fácil de atingir. Requer tempo,
atenção, meios económicos e muito trabalho. É difícil
imaginar as consequências de um mundo onde no duche
todos cantarolássemos Hayden ou Stockhausen, onde
apenas fosse vál ida a dramatologia de Berthold Brecht e
as coreografias de Pina Bausch ou ainda onde todos nos
regêssemos pelos postulados de Derrida; do mesmo modo
não parece desejável que no Carnaval ou nos Santos
Populares, celebrássemos com a “Sagração da Primavera”
ou o “Barbeiro de Sevilha”.
Os arquitectos são mal compreendidos por diversos
factores mas alguns dependem exclusivamente deles
próprios, pela utilização de linguagens tendencialmente
eruditas ou demasiado pessoais e a teoria da arquitectura
apresentam- se quase sempre como um exercício
intelectual demasiado filosófico, afastando o cidadão
comum e favorecendo a arquitectura espectáculo. Vivemos
um ecletismo moderno onde muitas vezes os arquitectos
aspiram ao reconhecimento dos seus pares, tanto quanto
do das diferentes camadas de público.
Será talvez utópico, pensar que a arquitectura doméstica
poderá ultrapassar a pressão e a dependência da lógica
consumista, retomando a tradição erudita. A casa
continuará a ser o eterno símbolo de diferenciação social,
mas esta ideia de eternidade é aparente, circunscrevendo -
se à efemeridade do objecto. A casa é uma marca transitória
que hoje não sobrevive mais que duas ou três gerações,
e grande parte da paisagem construída que conhecemos
será profundamente alterada num futuro próximo. O
betão, uma verdadeira revolução técnica generalizada
durante o século XX , é paradoxalmente o responsável pela
redução da longevidade das casas deste período, uma vez
que a sua vida útil não ultrapassa os cerca de 80 anos (na
melhor das hipóteses). Contudo, o consumo de energia
será, no futuro, a principal condicionante à forma das
casas que se deverão adaptar à utilização de energias
renováveis, ditando um novo conceito de tradição, em
nada compatível com a historicidade, mas sim com
os princípios vitruvianos que têm norteado a teoria da
arquitectura nos últimos 2000 anos - firmitas, utilitas,
venustas , isto é, a solidez, a utilidade e a beleza.
Tudo indica que a sensibilidade do homem comum
esteja a mudar permitindo nos tempos que se adivinham
desenvolver linguagens coerentes com uma sociedade
actual ao mesmo tempo que nos aproximamos de uma
nova domesticidade. Ao arquitecto está reservada a
responsabilidade de domesticar as formas que habitamos
repondo a verdade arquitectónica, onde a proporção é
mais importante que a porção.
Fernando Pessoa escrevia: “ falta cumprir- se o mar...”
Ao arquitecto compete cumprir a terra e o espírito...
em cada lugar onde intervêm. Assim na cidade como no
campo.
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