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OAVIO OREW

Professor de Geografia da Universidade de Dublin

PROCESSOS INTERATIVOS
HOMEM - MEIO AMBIENTE

Tradução de
João Alves dos Santos

Revisão de
Suely Bastos
3ª edição

Coordenação editorial de
Antonio Christofoletti

bertrand
brosil _I

~
Título original: Man-Enuironment Processes
Publicado originalmente por George Allen & Unwin (Publishers) Ltd,
Londres.
© Copyright byD. Drew 1983.

Composição: Copidart
Capa: Isabel
CIP-Brasil, Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, R].
Prefácio
Drew, David
D831p Processos interativos homem-meio ambiente I David Drew;
3.ed. tradução de João Alves dos Santos: revisão de Suely Bastos;
coordenação editorial de Antonio Christofoletti. - 3.ed. - Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil. 1994. Cientistas malucos ou desagradáveis invasores vindos do espaço já foram
224p.
os personagens habituais dos autores de ficção científica a transformar o
Tradução de: Man-environment processes nosso mundo - normalmente para pior. No fmal do século XX, esses arti-
Inclui bibliografia fícios tornaram-se redundantes tanto na ficção como na realidade, pois é o
ISBN 85-286-0426-8
próprio homem que vem alterando o planeta, acidental e intencionalmente, às
1. Homem -Jnfluêncía sobre a natureza. I. Título. vezes em escala impressionante. Além das mudanças climáticas que se verifi-
CDD - 574.5222 caram no decurso de milhares de anos, o homem é hoje o mais poderoso
304.28 agente individual da alteração das condições na superfície terrestre.
94-1318 CDU -577.4
Até há pouco, comparativamente, os estudos geográficos versavam
sobre o funcionamento de aspectos específicos do mundo humano ou físico
1994 (natural) ou sobre a medida em que o ambiente se refletia nos atos humanos.
Impresso no Brasil Os fatores do ambiente físico serviam, ao menos em parte, para "explicar" os
Printed in Brazü
padrões das atividades humanas como, por exemplo, os povoados à beira de
Todos os direitos desta tradução reservados à: fontes ou estudos dos padrões de vegetação natural. As forças econômicas,
EDITORA BERTRAND BRASIL S.A. sociais e tecnológicas eram praticamente olvidadas nessa relação direta homem-
Av. Rio Branco, 99 - 202 andar - Centro
20040-004 - Rio de Janeiro - RJ
ambiente. Em larga medida, os estudos ambientais e ecológicos preocupavam-
Te!.: (021) 263-2082 - Fax: (021) 263-6112 - Telex: (21) 33798 se com o ambiente "natural" em que o homem era freqüentemente encarado
Caixa Postal 2356/20010 - Rio de Janeiro - RJ como um intruso indesejável, a ser ignorado se possível. Nenhuma dessas teses
Av. Paulista, 2073 - Conjunto Nacional pode ser considerada inteiramente realista nos dias de hoje, pois, embora os
Horsa I - Grupos 1301/1302
seres humanos constituam uma das formas de vida do planeta, eles se tornaram
01311-300 - São Paulo - SP
Te!.: (011) 285-4941/285-0251 Telex: (11) 37209
agora mais do que organismos passivos ocupando um nicho ecológico. O
Fax: (011) 285-5409 homem não só pode transformar e expandir o seu nicho, mas também afetar
os mecanismos do sistema da Terra ~m maior ou menor grau, em maior ou
Não é permitida a reprodução total ou parcial desta obra, por quaisquer
meios, sem a prévia autorização por escrito da Editora.
menor escala. Ele vem procurando, em ritmo acelerado, modificar o ambiente
para se contentar a si mesmo, em vez de mudar seus hábitos para melhor se
Atendemos pelo Reembolso Postal. adaptar ao ambiente.
O homem não é o senhor da Terra. Ainda é válido dizer que não conse-
gue viver em multidão onde não possa cultivar alimentos - mais da metade da
superfície terrestre -, mas por toda a parte a sua dependência da incons-
tância da natureza é quase total. Ele pode amenizar a realidade nua e crua

v
1
VI Processos Interativos Homem - Meio Ambiente

do ambiente e, por causa disso, a moderna geografia tem de ampliar os seus


horizontes para levar em conta o impacto do homem sobre a natureza, como
sendo um dos aspectos mais importantes do mundo atual. O presente livro
pretende ser uma introdução a essa visão de geografia.
Está dividido em três partes. A Parte A resume as relações homem-am-
biente no passado e no presente e fornece um quadro do papel do homem Agradecimentos
como agente de modificação ambiental. A Parte B (Capítulos 3-8) lida com o
impacto do homem sobre aspectos particulares do ambiente físico (solo,
vegetação, relevo, oceanos, águas continentais), dando especial destaque à
modificação dos processos naturais. Como esses "compartimentos" da Gostaria de agradecer às seguintes organizações e pessoas que me permi-
natureza se acham estreitamente interligados, é impossível isolar os efeitos das tiram reproduzir ilustrações (os números entre parênteses referem-se a figuras
atividades humanas. Na Parte C são apresentados exemplos ilustrativos do do texto, salvo indicação em contrário):
impacto geral da agricultura, do desenvolvimento industrial e da expansão
urbana sobre o ambiente, enquanto o capítulo final versa sobre perspectivas W.R. Mead (1.2); Central Office of Information, HMSO (1.5); D.A.
e políticas, na medida em que se torna cada vez maior o potencial de transfor- Gillmor (1.7, 1.8); a Fig.2.5 foi adaptada de The Florida experience (L.J.
mação do ambiente pela ação da espécie humana. Carter), edição de Resources for the Future, Inc. da The Johns Hopkins Uni-
versity Press, com licença desta; as Figs. 2.8 e 2.11 foram reproduzidas com
David Drew licença dos Anna/s of the Association of American Geographers, vol. 66, 1976,
p. 225, Fig. 1, p. 227, Fig. 2, p. 230, Fig. 4 e p. 232, Fig. 5 (P. Gersmehl);a
Fig. 3.2 foi adaptada de Modern farming and the soi/ (Agricultural Advisory
Dublin, março de 1982
Council), com licença do HMSO; a Fig. 3.3 foi adaptada do Journal of
Biogeography, vol, 2, 1975 (E. Maltby), com licença das Blackwell Scientific
Publications; M. Conry (3.4); C.B. Cox (4.1); a Fig. 4.2a foi reproduzida de
Evo/ution of crop p/ants (N. Simmonds), com licença do Longman Group;
Departamento de Agricultura dos Estados Unidos da América (4.2b); W.B.
Johnston (4.4); a Fig. 4.6b foi adaptada de Science, vol. 174, p. 16, Fig. 3
(W.1. Aron & S.H. Srnith) , com licença da Associação Americana para o
Avanço da CIência; T.R. Oke (5.1); a Fig. 6.3a foi adaptada dos Proceedings
of the Internationa/ Forest Hydrology Symposium (W.E. Sopper & H.W.
Lull, Orgs.; A.R. Hibbert), com licença da Pergamon Press; Serviço flores-
tal do Departamento de Agricultura dos EUA (6.3b); H.C. Pereira (6.13);
F.H.W.C. Green (6.6); a Fig.6.11 foi adaptada de Hydrogeology of the
London basin e de Water resources in Eng/and and Wa/es 1973 (Junta de
Recursos Hídricos), com licença do HMSO; lliinois Geological Survey (6.9);
C. Kirby (6.12); Sociedade Americana de Limnologia e Oceanografia (6.15,
6.16); H.M. French (7.1); McGraw-Hill (7.2); E.C.F. Bird (7.3); a Fig. 7.5
foi adaptada de Transaction of the Institute of British Geographers, n<?21,
1955 (A. Coleman), com licença do Instituto dos Geógrafos Britânicos;
J.F. Poland (7.6); a Fig. 8.3 apareceu primeiramente no New Scientist, de

VII
VIII Processos Interativos Homem - Meio Ambiente

Londres, revista semanal de ciência e tecnologia; a Fig. 93 foi adaptada de


Vegetation and soils- a world picture, 2~ ed. (S.R. Eyre), com licença de
Edward Arnold; J. G. Evans (9.4); G.E. Hol1is (10.1); a Fig. 10.2 foi adapta-
da de The climate of London (T.J. Chandler), com licença do Hutchinson
Publishing Group; J.L. Goldman- (103); a Fig. 10.4 foi reproduzida da
Geographical Review, vol. 56, 1966 (P. A. Leigh ton) , com licença da Sociedade
Sumário
Geográfica Americana; Geological Survey dos EUA (11.2).

Prefácio V
Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. VII

PARTE A - O HOMEM E O AMBIENTE: INTRODUÇÃO . . . . . . . 1


1. O ambiente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.1. Cultura e ambiente .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2. O controle humano sobre a natureza 4
1.3. Gradientes de manipulação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.4. Conclusões 18
2. O homem e a ação do meio físico 19
2.1. O sistema do planeta Terra. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2.2. Sistemas naturais e intervenção humana 33

PARTE B - IMPACTO DO HOMEM SOBRE ASPECTOS DO AM-


BIENTE 43
3. Solos .. . . . . . . . . .. . .. .. . . . . 43
3.1. Introdução 43
3.2. Alteração dos solos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
33. Alteraçãofísica 48
3.4. Alteração química 50
3.5. Criação de novos solos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
3.6. Conclusões 56
4. Plantas e animais 57
4.1. Introdução 57
4.2. Vegetação.............................. 60
43. Animais 67
4.4. Conclusões 72

IX
x XI

5. A atmosfera . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 11. Conclusões . 193


51. Introdução . 73 11.1 . O impacto do homem sobre a Terra . 193
5.2. Pontos de atuação no sistema atmosférico . 74 11.2. O futuro . 194
5.3. Escalas de mudança . . . . . . . . . . 76 113. As relações homem-ambiente .. 194
5.4. Mudança climática por inadvertência . 79
5.5. Mudança climática deliberada . 82 Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199
5.6. Conclusões . 86 203
Índice .
6. A água . 87
6.1. Introdução . 87
6.2. O ciclo hidrológico: pontos de intervenção . 88
6.3. Modificações em grande escala da água superficial . 109
6.4. Novas fontes de água . 121
6.5. Conclusões . 122
7. As formas de relevo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
7.1. Introdução . 123
7.2. Regiões permageladas [permafrost} . 124
7.3. Morfologia fluvial . 127
7.4. Ambientes litorâneos . 128
7.5 . Movimentos de massa . 132
7.6. Tectônica artificial - subsidência da terra . 132
7.7. Conclusões . 136
8. Os oceanos . 137
8 .1 . In trod ução . 137
8.2. O homem e os oceanos . 139
8.3. Conclusões . 143

PARTE C - O IMPACTO HUMANO EM GERAL. . . . . . . . . . . .. 145


9. O ambiente rural-agrícola. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 145
9.1. Introdução à agricultura. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 145
9.2. Escalas de agricultura 146
9.3. Efeitos da agricultura 146
9.4. A paisagem inglesa 153
9.5. Amazônia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 171
10. O ambiente urbano-industrial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 177
10.1. Introdução 177
10.2. Hidrologia urbana. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 178
103. O clima urbano 181
10.4. Paisagens urbano-industriais 188
10.5. A ecologia urbano-industrial . . . . . . . . . . . . . . . . .. 189
PARTE A - O HOMEM E O
AMBIENTE: INTRODUÇÃO

1. O ambiente

1.1. Cultura e ambiente

o homem não é uma criatura racional, embora haja quem pense o


contrário. Suas atitudes para com a Terra e suas reações ao ambiente têm
variado através do tempo e ainda variam entre regiões e culturas (Fig. 1.1). O
homem primitivo via a natureza como sinônimo de Deus, a exemplo de
muitos povos "primitivos" de hoje e, portanto, ela devia ser temida, respeitada
e aplacada. No mundo desenvolvido da atualidade, as abordagens para a
mudança ambiental oscilam desde "se pode ser feito, faça-se" até a filosofia
da "volta à natureza" dos mais extremados ecologistas. A tradição cultural
tem desempenhado o seu papel na determinação do comportamento das
pessoas em relação ao ambiente. Por exemplo, a região sudeste da China
apresenta semelhanças ambientais com o sudeste dos Estados Unidos, mas são
muito diferentes em termos da reação humana aos referidos meios ambientes.
Já se disse que a maneira como o homem ocidental encara o seu meio
ambiente deriva em parte da idéia cristã-judaica segundo a qual, ao invés das
outras criaturas, o homem foi feito à imagem de Deus, tendo portanto o
direito de dominar o mundo.

"Deus os abençoou e disse: Crescei e multiplicaí-vos, e enchei a terra, e


sujeitai-a, e dominai sobre os peixes do mar, e sobre as aves do céu, e sobre
todos os animais que se movem sobre a terra" (Gênesis, Capítulo 1ç,
v.28).
2
o Homem e o Ambiente: Introdução o Ambiente 3

"Em uma economia socialista planificada, o curso dos processos natu-


Fatores ambientais Fatores humanos rais diverge progressivamente do natural e sofre transformações dírecío-
nadas" (Marx).
relevo demografia
solos
clima
economia
cultura --_o I Tecnologia ] Aos olhos de Marx, portanto, o domínio do mundo da natureza ainda
vegetação (história era desejável e somente as condições sociais impediam a sua consecução. Uma
minerais social, vez que os trabalhadores fossem senhores de seus destinos, o domínio seria
água pessoal, etc.) certo.
É discutível se esta ética ocidental tornou possível ou ajudou a desen-
decisaõ volver a moderna tecnologia industrial e agrícola, aumentando imensamente
Realimentação as ilusões humanas de domínio sobre a natureza, mas a verdade é que essas
(alterações) inovações são quase inteiramente obra das civilizações ocidentais. Foi essa
Mudanças no uso
do solo - I Uso da terra I atitude em relação à vida, aliada ao engenho humano, que levou às mais
profundas transformações do meio ambiente físico.
Em outras culturas, a concepção de mundo produziu reações muito
diferentes em relação à natureza. Os índios dos Estados Unidos viam na
natureza virgem símbolos diretos do mundo espiritual, o que em certa medida
também caracteriza áreas de alto desenvolvimento cultural influenciadas pelas
Figura 1.1 - Filtragem sobre como o homem encara e reage ao ambiente natural. religiões orientais. A unidade do homem e da natureza está implícita no
budismo do sudeste da Ásia, no taoísmo chinês e no xintoísmo nipônico. Na
antiga China, determinados aspectos da Terra eram considerados manifes-
A noção de um mundo destinado ao benefício do homem foi igualmente tações do ser cósmico: as montanhas eram o corpo, as rochas os ossos, a água
enunciada pelos gregos da antiguidade. "As plantas foram criadas por causa era o sangue, as nuvens a respiração. Destacava-se a unidade que estava subja-
dos animais e os animais por causa do homem" (Aristóteles, Politica, 350 cente ao aparente caos da natureza. A noção budista do consumo como o
a.C.). meio de chegar simplesmente à felicidade, sendo ideal o máximo de felicidade
A idéia do homem como um ecônomo ou guardião do mundo da natu- com o mínimo de consumo, contrasta vivamente com o pensamento oci-
reza também existe, de certa forma, no pensamento pré-cristão, e essa falta de dental, que equipara aumento de consumo com ''viver melhor".
total separação do homem e da natureza ainda persiste, em grau limitado, no A ciência analítica, que interpreta as coisas em função de suas partes,
islarnismo e no judaísmo. O cristianismo, sobretudo em seus pronunciamentos não surgiu no mundo oriental e, até· há pouco, a harmonia com o meio
oficiais, talvez em parte como reação aos cultos pagãos da fertilidade da terra ambiente era uma atitude mais difundida que a luta e a conquista. O homem
(por exemplo, festas sazonais como o Primeiro de Maio e outras), dá sempre como elemento da natureza constitui uma noção relativamente recente no
ênfase à separação entre os seres humanos e o resto da criação. Esse distan- pensamento ocidental, em parte como conseqüência do darwinismo, que não
ciamento mental no pensamento do Ocidente perdura até hoje. Embora a o descrevia senão como outra forma de vida sobre a Terra. Alterações preju-
ética cristã já não mantenha essa atitude fundamental, a idéia da natureza
diciais ao ambiente, resultantes das atividades humanas, acabaram por redun-
como um inimigo a ser combatido e subjugado permanece como parte de
dar na atual concepção "ecológica", na qual o homem não passa de um mero
nossas concepções econômicas e científicas. O progresso equivale por vezes ao
controle da natureza e do mundo natural, que se julga consistir de "fatores de componente do ecossistema geográfico.
produção" ou meios pelos quais o homem pode se beneficiar materialmente. Nenhuma dessas abordagens é necessariamente "correta" ou "íncor-
É interessante notar que o mundo irreligioso do marxismo também adotou re t a " ,mas todas afetaram poderosamente o modo como o homem procurou
essa concepção da natureza, se é que não a intensificou. O fim da exploração moldar o ambiente que o cerca. Outrora, tais diferenças teriam interesse
de classes e a revolução proletária, nessa ótica, substituem o investimento e a puramente acadêmico, mas hoje em dia a relação do homem com o meio está
tecnologia como requisitos preliminares para o domínio do mundo. chegando a uma situação crítica, na medida em que as mudanças por ele
4 o Homem e o Ambiente: Introdução 5
o Ambiente

realizadas talvez se tornem irreversíveis, se não trouxerem consigo imprevi- regra geral, uma localização correspondente aos fatores mercado e mão-de-
síveis alterações de fundo. O homem já deixou de ser mero aspecto da biogeo- obra, ficando as de terminantes naturais confinadas à descoberta de uma área
grafia (simples unidade de um ecossistema), para se tornar cada vez mais um agradável para a moradia do pessoal. No entanto, não se pode dizer que o
elemento afastado do meio físico e biológico em que vive. Quando se tomar homem seja independente do meio. Citemos Ellen Semple: "A civilização
capaz de fabricar ou sintetizar alimentos de matérias inorgânicas - perspecti- alargou a trela do homem e almofadou-lhe a coleira ... mas a trela nunca se
va que não é improvável -, um vínculo basilar, o do homem com a terra viva, solta". Torna-se evidente que a espécie humana ainda está sujeita à natureza,
estará rompido. como o demonstram as péssimas colheitas de cereais na URSS, a diminuição
das pescas no Peru, por não ter ocorrido a ascensão de águas frias da corrente
litorânea de Humboldt, as secas do Sudão e da Etiópia, etc. Todos os anos a
1.2. O controle humano sobre a natureza imprensa noticia desastres semelhantes em alguma parte do mundo. Em certa
medida, o esforço que se requer para a obtenção de um dado retomo é
1.2.1. Determinismo, possibilismo e controle total proporcional ao grau de submissão às condições naturais - contrariar a "natu-
reza das coisas" exige mais esforço. As aplicações de tecnologia ultramoderna
;'"
"Os habitantes das regiões basálticas são difíceis de governar, propensos têm de ser estudadas com o maior dos cuidados, a fim de que sejam ade-
à insurreição e ímpios", pontificava o abade Giraud Soulavie há cerca de quadas ao meio ambiente e não tragam mais prejuízo do que benefício à
quatrocentos anos. No início do nosso século, Ellen Semple pensava que os população.
povos montanheses eram essencialmente conservadores e que, na Alemanha, Os exemplos a seguir são ilustrativos do domínio da natureza sobre o
as diferenças climáticas explicavam a natureza jovial e prazerosa dos bávaros, homem e vice-versa, variando a intensidade e a extensão geográfica dos
assim como o austero e enérgico caráter dos saxões do norte do país. fenômenos.
Semelhantes opiniões são consideradas hoje como pertencentes à esfera
lunática da geografia; no entanto, ainda que nas páginas deste livro se des-
taque a importância do homem na alteração do meio físico, convém notar 1.2.2. A natureza dominando o controle?
que também há outras opiniões. A teoria segundo a qual as condições naturais
governam o comportamento do homem e até mesmo aspectos do seu caráter Divisas de terras em Yorkshire. Os materiais empregados na construção
chama-se determinismo ou causalidade. Trata-se de uma noção derivada da de divisas de terras numa pequena área do norte de Yorkshire podem ser
idéia pós-darwiniana do homem enquanto produto da seleção natural, por vistos na Fig. 1.2. Também se pode ver a geologia local, que compreende
inexoráveis processos da natureza. Que a natureza obedece a um grande calcário carbonífero a Norte e a Leste, arenito no Sul, formações hulhíferas*
plano, ao qual o homem tem de se conformar e, dessa forma, prosperar, eis e folhelho a Oeste. Até recentemente, as cercas eram feitas com os materiais
uma tese inteiramente fora de moda. Há uma tese alternativa, que é a do disponíveis e apropriados. Na área aflorante de calcário, praticamente todos
possibilismo; o homem não é passivo, mas sim um agente geográfico, apto os muros divisórios são feitos com blocos desse material; nos solos mais
a agir sobre o meio e a modífícã-lo, dentro de limites naturais de espaço e de profundos com mata esparsa, situados ao Sul, as cercas vivas respondem por
possibilidades de desenvolvimento. um terço do total. As formações hulhíferas e o folhelho são impróprios para
Conforme já se observou, é impossível explicar as decisões e atividades fazer blocos e, por isso, não há nenhum muro que os empregue. Até os
humanas com base apenas nas limitações ambientais. Para que o deterrninismo resultados da glaciação são perceptíveis na distribuição dos tipos de divisórias.
fosse plenamente válido, a localização de uma fábrica seria determinada pela Regra geral, o movimento do gelo, nessa área, efetuou-se de Norte para Sul,
localização de matérias-primas e energia, admitindo a existência de um
mercado. Na realidade, os fatores econômicos, sociais e políticos, ou mesmo
o capricho pessoal do empresário, têm, no mínimo, importância igual. Por
* Em inglês, Coal Measures. Segundo D. Dineley, D. Hawkes, P. Hancock e B. Williams,
exemplo, a localização da indústria automobilística, no mundo inteiro, Earth resources - A dictionary of terms and concepts, Londres, 1976, são rochas em
quase que se tornou totalmente independente dos elementos naturais; além que ocorrem veios de carvão intercalados entre camadas de argila, arenito e folhelho.
disso, setores mais recentes (como a tecnología microeletrônica) têm, em (N. do T.)
6
o Homem e o Ambiente: Introdução o Ambiente 7

100
exposta à violência dos tempestuosos ventos do Oeste do Atlântico, serve para
ilustrar uma forma de subordinação ou de acomodação com a natureza, muito
diferente da que se observa nas áreas agrícolas das planícies inglesas. A faixa
o' I I I t· "
ocidental está recoberta de areias de origem glacial, que formam dunas relati-
vamente estabilizadas por gramíneas. Já a faixa oriental assenta em argila
barrenta densa e mal drenada, também de origem glacial. A agricultura, na
península, concentra-se na pecuária de corte, em conjunto com discretas
100 culturas de forragem, aveia e batata. O pastoreio na escassa vegetação das
E
dunas logo desnuda o terreno, e o vento promove a rápida erosão da areia. Do
~
c mesmo modo, o gado não pode ser levado para os brejos ao nível do mar, com
a
~ .. . ARENITO··
. ....
sua vegetação grosseira de gramíneas. Contudo, em uma estreita faixa central
(l o' I [~ • 'r ~_-, o o I
da península, a areia impeli da da área oeste pelo vento misturou-se com a
argila barrenta, formando um bom solo margoso, bem drenado.
.'~ .~ :ãi !~
.2 ; _~
Os lados extremos da península, tanto a Leste como a Oeste, cons-
100 8 :; 8+ = tituem áreas negativas em termos humanos, mas a área margosa do centro
E 100 p::;::q. .p::q:;!A i i
abrange todos os gêneros de aproveitamento e é intensivamente explorada. As
F'"
c
estradas principais acompanham mais ou menos as divisas dos reduzidos
'"~ campos da marga. As fronteiras administrativas, ou seja, os povoados, também
o .' ".' ..--o:w o
I
Um
I
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o I I I.',.rzr::t I v"', sofrem a influência do meio físico e se estendem na direção Leste-Oeste,
Moteriais de divisórias englobando assim segmentos de cada tipo principal de solo. As fazendas
Figura 1.2 - Materiais usados para construir as divisórias das propriedades e a geologia refletem o mesmo padrão. Na península de Mayo, o homem seguiu a opção
do local, em Ingleton, Yorkshire. Os diagramas de blocos representam a mais fácil, curvando-se à lógica do meio, em vez de procurar adaptá-lo à sua
quantidade de divisórias que, na área de afloramento de um tipo particular
vontade.
de rocha, são construídas pelo uso de determinado material (conforme
dados de Mead, 1966). Áreas áridas. As regiões quentes e desérticas do mundo continuam
virtualmente inabitadas. A presença do homem está determinada, em termos
absolutos, pela disponibilidade de suprimento permanente de água, assim
criando depósitos erráticos de blocos calcários nas formações hulhíferas e no
como o volume da população é diretamente proporcional à quantidade de
arenito, mais jovens. Por isso, há muros feitos de matacões de calcário na área
água disponível. Os desertos requerem a maior soma de habilidade e tecno-
das formações hulhíferas e outros feitos de arenito e calcário na área do
logia para a sua transformação, motivo pelo qual continuam a ser, em larga
arenito, mas não se vê um só muro de rochas importadas na área dominante
por calcário. medida, os bastiões das sociedades "primitivas". Por exemplo, os bosquí-
manos do deserto de Kalahari, na África do Sul, são caçadores e colhedores
Essa vinculação entre um aspecto do ambiente natural e um aspecto da
que não fazem provisões para o futuro, usam o mínimo de instrumentos e não
atividade humana está mudando nos dias que correm, com o uso de cercas
praticam a agricultura. Eles mal se apartam da natureza e sua influência sobre
de arame e madeira. Modemamente, quase todos os cercados utilizam esses o meio ambiente é mínima. No entanto, tal sociedade, assim como outras do
materiais, inclusive os reparos nas antigas divisas. Em parte, isso acontece gênero, vive atualmente sob pressão de "culturas tecnológicas" exteriores e
porque erguer cercas é relativamente mais barato, mas também demonstra não é provável que perdure por muito tempo. Os bosquímanos estão come-
como a gente pode, em pequena escala, escapar às limitações impostas pelos çando a se dedicar à agricultura e já se preocupam com as divisões políticas do
recursos do meio circundante.
sul da África.
Mullet de Mayo. O extremo noroeste do Condado de Mayo, na região O pastoreio nômade ainda constitui uma prática generalizada nas
ocidental da Irlanda, constitui estreita península que se estende de Norte a margens dos desertos africanos. A procura de pastagens para os animais signi-
Sul e se chama Mullet de Mayo (Tainha de Mayo). Península rasa, remota e
fica que os nômades não têm povoação fixa. Acompanham o crescimento da
9
o Ambiente
8 o Homem e o Ambiente: Introdução
....

vegetação induzido pelas chuvas anuais, ao longo de rotas com centenas de Pro jeto de '"
quilômetros. Tamanho grau de dependência está ficando raro no mundo, mas importaçõo ~ Barragem
de ~a do ~. Roosevelt
o meio semiárido continua a ser uma área de problemas para o homem, como Colorado
.•..•..•. ,(~.....
..... '.~.~
a:
...
se verá no Capítulo 2.
.•..•..•,i: ..
,,.'......•..
/
.: .' . Barragem
1.2.3. O homem dominando o controle . . ~ Coolidge
~.: '.": ... .,.. \
Phoenix, Arizona. Um contraste extremo com a adaptação ao meio
' ' . ~:-.,
semiárido dos pastores nômades pode ser encontrado na região quase desér- ''..;;,"'.~
" .. R. 'GIL
tica e semelhante do sudoeste dos Estados Unidos. Phoenix, no Arizona,
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constitui uma ampla área urbana com 1,2 milhão de habitantes no deserto de ,
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,'."
Gila, extensão norte do grande deserto de Sonoran. A precipitação anual varia
muitíssimo, mas, normalmente, é inferior a 200 mm, a temperatura é quente
O 50km
,
I

,.. '
", ,

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e a vegetação natural forma uma cobertura parcial de artemísia tridentada e
suculenta. Todavia, como se vê na Fig. 13, a área de Phoenix constitui um
I I \
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oásis com cerca de 400 quilômetros quadrados de extensão naquilo que
- legenda -
outrora foi quase deserto. Nos arredores da cidade cultiva-se algodão da I" •••• "
i'""') extensão da órea irrigado __ rio
melhor qualidade, alfafa, frutas cítricas, tâmaras e figos. Também se criam I;.'~""

ovelhas. Essa transformação ambiental foi conseguida graças à manipulação


~ .xtensão da área urbana ~ reservatório
em grande escala de recursos hídricos, com os quais foram irrigadas amplas ~ de Phoeni~ t::::::l
áreas de solos mal desenvolvidos. A importação de energia, sob a forma de
petróleo e de fertilizantes, intensificou ainda mais as potencialidades da área.
Os dois rios sazonais da região, o Gila e o Salt, foram represados a montante Figura 1.3 - O oásis de Phoenix.
de Phoenix no começo do século, a fim de proporcionar água na época de
estiagem - o que fez secar o leito dos rios a jusante das represas. Atualmente,
a área consome 6.500 milhões de metros cúbicos de água por ano, quase o dependendo do nível de desenvolvimento tecnológico e econômico. Assim,
dobro da precipitação anual. O déficit é coberto extraindo água de poços como no caso de Phoenix, o fato de o meio se haver tomado mais agradável
artesianos, processo que só pode continuar no ritmo atual por mais alguns atrai mais gente para o local, aumentando a procura de bens e serviços e
anos devido à queda do nível do lençol freático. Pretende-se agora trazer água provocando novas alterações no ambiente.
via canais e dutos da represa Parker, no rio Colorado, perto da divisa com a
Califórnia, a cerca de 250 quilômetros de distância. Assim conseguiu prosperar
urna das cidades mais dinâmicas do mundo, apesar das limitações ambientais. 1.2.4. Vivendo com a natureza?
Residências individuais, grandes áreas urbanas, instalações permanentes
na Antártica, fazendas avícolas - tudo são exemplos, em variada escala, do Padrões regionais de agricultura na Inglaterra. A marca das atividades
excelente domínio do homem sobre o meio físico, ainda que sempre susten- agrícolas do homem na paisagem será descrita no Capítulo 9, mas expomos
aqui um breve apanhado das diferenças regionais de métodos agrícolas na
tado por recursos de fora, inclusive energia. A importação de recursos para
suprir as deficiências locais constitui a essência do mundo desenvolvido. Gera Inglaterra, para apresentar. um exemplo de equilíbrio entre o homem e o
maior grau de interdependência entre povos e países e responde pela compli- ambiente. A paisagem inglesa é típica do mundo desenvolvido, na medida em
cada estrutura jurídica, social e econômica do mundo moderno. Por sua vez, a que apenas pouca coisa ainda não foi alterada pelo homem, embora o que
existência de tal estrutura faculta a ampliação do domínio do meio ambiente,
10 o Homem e o Ambiente: Introdução 11
o Ambiente
mudou varie muito dentro de curtas distâncias. A legenda da Fig. 1.4 foi
mino - Legenda -
disposta como uma progressão vertical de domínio crescente do meio físico,
culminando em amplas áreas urbanas. incultivada
Poder-se-ia esperar que os padrões de exploração agrícola fossem forte-
mente influenciados pelo clima, solo, condições topográficas e talvez geoló- criaçõo de oado

gicas. Em termos genéricos, a influência se toma evidente na Fig. 1.4, onde se ••


"O
latidnios
o
nota a diferença entre planícies e montanhas. Seja como for, as conseqüências .">
'0;
dos fatores históricos, sociais, econômicos e tecnológicos transrnutaram enor- c; cultura mista
!c;
memente toda e qualquer relação determinística direta entre o homem e o
terra arável
meio. Eis três exemplos ilustrativos.
horticultura
Lake District. Das sólidas rochas paleozóicas do centro do Lake Dis-
max.
trict não resultou senão um solo pobre e pedregoso. Somente nos vales há
• urbanizada
terras profundas e férteis. As fazendas são pequenas (20-40 hectares) e, nor-
malmente, são formadas por vales e morros. Nos vales semeia-se forragem e
radicela, mas a lavoura está preponderantemente voltada para a criação de o 100 km
I I
gado, principalmente ovino. O Lake District representa bem a Inglaterra
montanhosa, na sua aparente conformidade às restrições de clima, topografia
e solos. Não obstante, mesmo aí o homem diverge da natureza. A melhoria
das terras é a regra, faz-se o cruzamento seletivo dos carneiros, os laticínios
progridem, apesar dos custos, tanto mais que é imperioso importar rações,
devido ao longo inverno e à falta de capim na primavera. Neste sentido, Fens
"terra crítica" é realmente uma expressão econômica e não ambiental. Em
época de grande procura e preços altos, nela a agricultura, artificialmente,
atinge um nível superior; nas épocas "medianas" volta-se à criação pouco
intensiva de gado e, quando os preços caem, a terra chega a ser abandonada de
todo.

Os "Fens". Os pauis (The Fens) são áreas de terras mais férteis da


Inglaterra, abrangendo acima de 280 mil hectares de planícies uniformes.
A maior parte do paul propriamente dito (turfa) é artificial, pois foi recu-
perado por drenagem - os longos e estreitos campos estão separados por
valas. Da maior importância é a lavoura, em que se empregam 85% das terras;
as pastagens permanentes estão reduzidas a pequenas franjas de pesados
terrenos argilosos. Os brejos prestam-se a quase todos os tipos de agricultura,
mas estão muito perto dos formigueiros humanos do sul da Inglaterra para
que a lavoura represente uma opção econômica. Mais uma vez se apaga a
relação entre o homem e o meio físico. A drenagem, a adição de elementos
microconstituintes (cobre e manganês) ao solo, bem como a defesa contra a Figura 1.4 - Distribuição dos tipos de agricultura na Inglaterra (de modo altamente
generalizada). Os tipos estão classificados de acordo com o grau de intensi-
erosão, tudo é necessário para que se mantenha o atual padrão de atividade
vidade (valor da produção por unidade de superfície). (Dados conforme o
agrícola.
Central Office of Information, 1971.)
13
o Ambiente
12 o Homem e o Ambiente: Introdução i. '1

Área de Londres. Uma vista de olhos à Fig. 1.4 nos revelará o contraste
entre a atividade agrícola nas duas áreas até agora consideradas e na área de
Londres. A diversidade é a regra, que se deve mais à proximidade do vasto
mercado londrino do que à variedade de condições naturais. Os solos e a
drenagem apresentam ainda significado local - por exemplo, o gado predo- CANA DA
mina nos pesados terrenos de Wealden -, mas, acima de tudo, há um gradien-
te de crescente controle do ambiente na cidade. A horticultura está genera-
lizada especialmente' ao norte de Kent e no vale do Tâmisa; no vale do Lea,
EUA
a introdução de mudanças no uso da terra alcança o máximo, com a concen-
tração de estufas para o cultivo comercial de plantas, a maior da Inglaterra.
No conjunto da área, é fraca a relação entre agricultura e solo, já que as
impropriedades da terra podem ser corrigidas de maneira econômica por
1500 Eeúmeno 5
fertilizantes, drenagem ou o que for necessário. O alto grau de controle refle-
te-se nos custos - o investimento aplicado em, digamos, 1 hectare de estufas,
desabitodo
talvez seja cem vezes maior do que o necessário para 1 hectare de lavoura
mista e até mil vezes maior do que para a mesma área dedicada à criação de
gado. Custos tão altos implicam que o lucro por unidade territorial na agri- Eeúmeno 4

cultura tem de ser suficientemente grande para 'justificar esse uso em termos
subdesenvolvida
econômicos. No entanto, quanto maior a intensidade das alterações feitas
pelo homem, tanto menor a área em que elas se aplicam, devido à limitação
1000
de recursos, mão-de-obra e financiamento, tudo envolvendo o uso de energia.
Ecúmeno 3

Ontário, Canadá. Um exemplo em grande escala de equilíbrio entre o .' .


homem e o meio, embora um equilíbrío difícil, é exposto na Fig. 1.5. O
Canadá é um país altamente desenvolvido, mas de forma muito desigual, em
E
..,..
eul tlvóvel . '.
,

termos econômicos. Os desníveis abruptos em matéria de ambiente e de


desenvolvimento são característicos na trajetória do sul para o norte. As
mudanças de clima (de temperado a ártico) e de solo (espesso e fértil, ou
500
rocha pura) refletem-se na brusca rarefação da densidade populacional
quando se marcha para o norte. A Fig. 1.5 mostra uma faixa de 200 quilô- Ecúmeno 2
metros de largura e 1.500 quilômetros de comprimento, no sentido Norte- extensivo
Sul, em Ontário, região oriental do Canadá, com a densidade demográfica e as
rural
principais características físicas. O contraste entre o norte e o sul é chocante,
(península dos lagos)
desde a área urbana uniforme de Toronto e a região rural mais esparsa, mas
ainda uniforme da Península dos Lagos, até as comunidades "pioneiras" do Ecú meno 1
centro e do norte de Ontário. A faixa foi dividida em ecúmenos ou grau de urbano
o
colonização da terra. São estes os tipos de ecúmenos:
- legenda -
1. intensivo (urbano, suburbano e agricultura intensiva, com o mais
alto grau de controle ambiental); •
povoação
( 1000
Ç.
disperso
pessoas
)
D::J'ar.o urbano ~ rIo

2. extensivo (inteiramente agrícola, alto grau de influência humana na Figura 1.5 _ Densidade dernográfica e ecúmenos na parte oriental de Ontário, no Canadá.
vegetação e no solo);
14 o Homem e o Ambiente: Introdução 15
o Ambiente
3. exploratório (centros pequenos e isolados de intensa mudança am-
biental: neste caso, uma reação aos recursos naturais, como madeira, energia
hidrelétrica (EHE), cobre, níquel, ferro, urânio e cobalto). Entre esses centros
perduram extensas áreas virgens. O uso de tecnologia permite ao homem
sobreviver em uma taiga (floresta de coníferas), que de outra forma seria
inóspita, quando a motivação econômica for suficiente;
4. subdesenvolvido (não há assentamentos permanentes, relação sem
complicações entre o homem e o meio envolvendo a caça, também com
emprego de armadilhas); ~------
5. desabitado, com exceção de bases militares e postos de exploração t.
. ,~
mineral (não há ecúmeno) na zona subártica. E~u<!..dO! _

Essa parte do Canadá apresenta sucessivos graus da influência do


homem sobre o ambiente e deste sobre o homem. Uma faixa semelhante de
norte a sul da URSS, com condições físicas quase idênticas, mostraria man-
chas mais amplas de ecúmenos dos tipos 2 e 3.
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Ç> J;
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1.3. Gradientes de manipulação
r--l ombientes sem cont,g-It : ~'contrtl. parcial: ~ quase domiClâncla :
L-...J ecUlMnO ~ L.:...:.....J ecilrnenos 3- 4
Os exemplos de ínteração homem-ambiente dados na Seção 1.2 de- ~ ealmenol 1 - 2

monstram a variedade do domínio do homem sobre a natureza e vice-versa.


De fato, os casos estudados alinham-se em vários pontos ao longo de um Figura 1.6 - Graus do controle humano sobre a superfície terrestre.
gradiente de manipulação ambiental que vai do controle quase total do
ambiente, alcançado numa residência com calefação, ar condicionado e vários
outros aparelhos, até a influência mínima sobre o meio físico exercida, medida, atividades agrícolas ou florestais, já que elas são responsáveis por
digamos, pelos indígenas australianos. A graduação do domínio, ou influência, alterações espaciais bastante extensivas para serem cartografadas à escala
apresenta dois aspectos: intensidade da alteração imposta e extensão da área mundial. As áreas cobertas de gelo e as subárticas, os desertos, as montanhas
de alteração. Conforme se viu na Seção 1.2, com o aumento da intensidade a e certas zonas de floresta úmida formam as áreas notoriamente em branco no
área atingida diminui. Assim, por exemplo, o uso do praguicida DDT, princi- mapa e, como mostra a Fig. 1.7, nelas a densidade demográfica ou é baixa ou
palmente nas zonas temperada e tropical, fez que esse produto químico arti- é zero. A ausência física do homem, em dada área, não significa obrigatoria-
ficial se disseminasse por toda a biosfera: tanto os pingüins da Antártida mente que a sua influência não se faça sentir. Alterações no regime dos
como as focas do Ártico têm algo de DDT no organismo. Eis aí uma alte- oceanos ou dos climas podem afetar a Terra como um todo.
ração ambiental de baixa intensidade e grande extensividade. Em sítios de Outro aspecto da relação do homem com o meio - a relação do tempo
mineração a céu aberto, o ambiente muda por completo, mas apenas numa - é mostrado na Fig. 1.8. Em grande parte, o volume da população, as inova-
área relativamente limitada. ções tecnológicas e o impacto ambiental mantêm um nexo entre si. Um
A influência do homem sobre o meio está desigualmente distribuída avanço tecnológico, como a irrigação, permite a sobrevivência de mais gente,
na face da Terra. A Fig. 1.6 apresenta uma classificação muitíssimo genera- o que, por sua vez, leva à "colonização" de novas terras ou ao uso mais
lizada da Terra por níveis de domínio do homem sobre o meio, que corres- intensivo de áreas já ocupadas. Em qualquer das hipóteses, aumentará a
pondem à noção de ecúmeno discutida na seção anterior. Distinguem-se três influência do homem sobre o meio físico. A taxa de expansão demográfica
categorias: incontrolado, parcialmente controlado e áreas com alto grau de era muito baixa até há pouco tempo, sendo admissível que, na pré-história, o
dominância humana. Necessariamente, essa distribuição reflete, em larga incremento da população fosse condicionado pelos mesmos fatores que
17
16 o Homem e o Ambiente: Introdução o Ambiente

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cada vez maior do homem para criar o seu próprio ambiente foi a capacidade a.. ~ '" 'E
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de manter uma população em crescimento constante, fenômeno que distingue li - o..
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o homem do restante dos seres vivos. Não obstante, foram os avanços nas I I I I J 'O'"
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pessoas, sendo a estimativa para o ano 2000 de 6 a 8 bilhões. As mutações g g g g g g 8 ~~
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ambientais introduzidas pelo homem marcham no mesmo ritmo. Na Fig. 1.8 oç
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podemos ver até que ponto vêm aumentando o teor de chumbo no gelo da os
Groenlândia, exemplo vivo dos efeitos colaterais que a atividade humana .~
produz sobre o meio físico. '""
·1

18 o Homem e o Ambiente: Introdução 19

l.4. Conclusões

Este capítulo resumiu as várias opiniões sobre a relação homem-am-


biente, ao mesmo tempo que exemplificou algumas reações do homem ao
meio que o cerca. A escala da manipulação ambiental no tempo e no espaço 2. O homem e a ação do meio físico
deu origem às variadas paisagens culturais da Terra.
No entanto, a natureza das mutações que o homem impõe à superfície
da Terra está condicionada por vários fatores que operam em harmonia. Por
exemplo, a abordagem geral ao mundo físico está culturalmente determinada 2.1. o sistema do planeta Terra
e, com toda e qualquer mudança cultura!, surge uma nova abordagem. À luz
deste quadro, a capacidade do homem para modificar a natureza é lirrútada
pelo nível da tecnologia e dos recursos econôrrúcos de que dispõe. Finalmente,
temos a motivação para a mudança. Os motivos são vários, contando-se entre
os mais importantes o anseio de bem-estar, segurança e lucro. As forças
econôrrúcas, como a 'proxirrúdade do mercado (agricultura na área de Lon- 2.1.1. Introdução
dres) ou o valor dos bens .produzidos (petróleo em regiões remotas), podem
assegurar o envio de recursos necessários para o desenvolvimento intensivo
de uma dada área. Da mesma forma, considerações de segurança podem
receber tamanha prioridade que deixem em segundo plano as considerações
econômicas e ambientais (bases militares na região ártica do Canadá) na o mundo em que o homem vive deve ser dividido em classes, cate-
modificação de uma área. À medida que a sofisticação tecnológica e político- gorias e seções para que lhe faça algum sentido. Na Antiguidade, os gregos
econômica aumenta, cada vez menos se toma previsível o comportamento do consideravam que o mundo se compunha de fogo, água, terra e ar; o homem
homem em relação ao ambiente, em termos de fatores ''naturais''. moderno classifica os seres vivos, os minerais e os tipos de solo. O objeto
da geografia recebe tratamento idêntico ao dos livros sobre outras ciências.
Essa abordagem é necessária para começar a compreender a imensa comple-
xidade da evolução do conjunto da Terra.
Tal método de estudo apresenta, contudo, certas desvantagens. Uma das
características da Terra é a interdependência das partes que formam o con-
junto. A conexão é geral, de forma direta ou tênue, sendo impossível "com-
preender" qualquer aspecto isolado sem referência à sua função como parte
do conjunto do mundo. No que conceme ao tema desta obra, nada mais
verdadeiro. Quando o homem provoca uma alteração no seu ambiente, visa
normalmente um fim imediato e óbvio. Por exemplo, a construção de uma
casa, evidentemente, altera o meio pelo fato de substituir um trecho de
grama ou de floresta por um bloco de concreto, madeira e vidro. Mas a
mudança não se resume a isso. A construção irá alterar parcialmente o clima
circundante, o clima modificado alterará o caráter do solo e da vegetação
vizinha e, por sua vez, a mutação do solo e da vegetação redundará em altera-
ções posteriores do clima local. O telhado conduzirá as águas da chuva dife-
o Homem e a Ação do Meio Físico 21
20 o Homem e o Ambiente: Introdução

rentemente do que faria a vegetação preexistente, e assim por diante. Neste 2.1.2. Sistemas naturais
exemplo, as modificações introduzi das no ambiente foram em grande parte
Já descrevemos o funcionamento da Terra como sendo o de um sistema
involuntárias e, aparentemente, tão reduzidas que se diriam insignificantes.
gigantesco. Um sistema é um conjunto de componentes ligados por fluxos de
No entanto, somente a diminuta escala da intervenção torna a construção energia e funcionando como uma unidade. Assim, o aquecimento central de
da casa de interesse puramente acadêmico em termos de mudança ambiental. uma casa representa um sistema, do mesmo modo como um reservatório de
Na outra ponta da escala, se se desencadeasse uma guerra nuclear, presumi- água ou a atmosfera. Se o sistema recebe energia do exterior e devolve ener-
velmente com a única intenção de aniquilar o inimigo, quase todos os aspec- gia, diz-se que é um sistema aberto. Se a energia e, por conseqüência, a massa,
tos do Pl.aneta seriam alterados, ficando alguns irreconhecíveis, e as reações são retidas dentro do sistema (autocontenção), diz-se que é um sistema
em cadeia, sobretudo as biológicas, poderiam lançar as bases de um meio fechado.
ambiente inteiramente diverso, em futuro distante. Muito embora a Terra possa ser considerada corno um enorme sistema,
De que forma ver então o funcionamento da Terra como um todo com- ela pode ser dividida em inúmeros subsistemas. Três subsistemas são óbvios:
preensível, no seu complexo inter-relacionamento? Um dos métodos consis- o atmosférico, o continental ou litosférico e o aquático ou hidrosférico. e
te em encarar o Planeta como uma imensa máquina integrada, movida a na zona de interação dessas três unidades (Fig. 2.1) que ocorre a vida (bios-
energia, trabalhando subdividida em incontáveis máquinas menores que fera). Esta figura simplifica ao máximo a interação dos três ambientes.
operam dentro da estrutura geral do conjunto da máquina terrestre.
A energia que move a máquina da Terra provém da gravidade, do âmago 0energ;0
da Terra e do próprio movimento da Terra, mas em grau muito superior
provém do Sol, da radiação solar. e a energia do Sol que dá origem às formas
de relevo, aos climas e à vida. Sem a radiação solar, a Terra ficaria morta,
escura e quase imutável. A energia solar alcança a Terra via atmosfera, distri- energ;o energ;o
bui-se de modo variado e desigual pelo Pl.aneta, cumpre a sua função e depois
volta ao espaço. Em um dado período de tempo, a emissão é igual à retirada.
Entre a entrada e a saída, a energia flui por diversos canais (transferências) e
(] c:)
se acumula por longos períodos de tempo (carvão, petróleo) ou pequenos
períodos (solo, animais). Os seres humanos são depósitos de uma fração
infinitesimal dessa corrente de energia.
A intervenção do homem na evolução da Terra faz defletir, em nível
muito indefinido, a direção das correntes de energia (pela colheita de semea-
duras, em vez de deixar que as plantas murchem e devolvam a sua energia
acumulada ao solo, por exemplo), altera a magnitude das correntes de energia
(desviando água dos rios) e diminui ou acrescenta os depósitos de energia
natural (mineração de carvão, adição de fertilizantes artificiais ao solo).
(L,g,o
Figura 2.1 - Interação e interconexão dos grandes conjuntos do ambiente natural.
Encarando as coisas desta forma, toma-se evidente que as ações do homem
não podem ser confinadas e que elas acarretarão conseqüências em muitas
partes do meio físico, além do local da intervenção. Se esta vier a ter "bons" Portanto, a Terra opera como uma hierarquia de sistemas, todos parcial-
ou "maus" efeitos, em larga ou pequena escala, depende da natureza da mente independentes mas firmemente vinculados entre si. A intervenção
mutação operada e do ponto do meio físico em que se aplicou a alteração. humana não pode afetar de maneira significativa a atividade dos sistemas em
Veremos a seguir alguns exemplos de intervenção em diversos ambientes. escala global, como o sistema atmosférico, mas os sistemas de ordem inferior,
22 o Homem e a Ação do Meio Físico 23
o Homem e o Ambiente: Introdução

sobretudo aqueles que envolvem seres vivos (ecossistemas), são vulneráveis de compostos fosfáticos vêm aumentando com a exploração de substâncias
às mudanças feitas pelo homem. Os exemplos a seguir são de subsistemas naturais ricas em fosfato e com o uso de fosfato mineral como fertilizante e a
em escala global em que houve certo grau de intervenção humana e, portanto, fabricação de detergentes. Os resíduos dos detergentes vão parar diretamente
de modificação da atuação do sistema. na água e o excesso de fertilizantes fosfatados segue o mesmo curso do nitra-
to. A poluição do mar Báltico, descrita no Capítulo 8, deve-se principalmente
Ciclo do nitrogênio. O ciclo do nitrogênio terrestre (como sucede com ao excesso de fosfatos usados pelo homem. Altas cargas de fosfato provindas
o ciclo-do carbono) constitui um sistema relativamente aberto, com volumo-
,----+- ---------+----,
sas entradas provenientes da atmosfera e largas perdas devidas à desnitrifíca- I
I I
ção e à lixiviação (Fig.2.2). No fluxo do sistema há um circuito natural
entre a biomassa e o solo - amônia-nitrato-proteína -, prevalecendo um I
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,- F~a~ã~ - -L __ __
I
..1 _
equilíbrio geral, ao menos durante breves períodos de tempo. A intervenção 'I quirnico I I , I
Atmosfera __ ...•.. --r-- I , NOz/N20 I
humana no ciclo do nitrogênio é considerável, atualmente. A invenção do - - -, I I poluição do ar ,
N2
processo de Haber para a síntese de amônia do nitrogênio atmosférico, no - - T ---
. começo do século, libertou o homem da dependência de fontes naturais, t I
I I
assim como introduziu enormes quantidades de compostos nitrogenosos I
I
"artificiais" no ciclo natural. O volume de nitrogênio de origem industrial , I
é hoje superior a um quarto do produzido biologicamente e, dentro de breves
Animais t- - - -l
------,
: Fertilizantes I
I
anos, as duas fontes estarão igualizadas. Os nitratos são empregados sobretudo
em explosivos e em fertilizantes artificiais e, felizmente, esta última aplicação
proteína NH2 f-----1 o I I artificiais I +,
é a que tem maior efeito sobre o ciclo. f :!
c:
'8.
~I
------
I
A simplificação geral dos ecossistemas (Capítulo 9) resultante da agri-
o o
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'a 'a s• ~I I
I

••••
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c: • I
,
cultura, junto com a coleta e a caça (plantas e animais), diminuiu os depósitos ~~ H +,
õl
biológicos de nitrogênio. Por outro lado, o desmatamento e a drenagem de
terras intensificaram a lixiviação do solo, ampliando assim o diâmetro do
i! 11-
18.1
, 1- - - -
I
--,

tubo de saída do sistema (acumulação terrestre - acumulação aquática, na


Fig.2".2). Em resumo, a intervenção humana tem significado um aporte
Plantas
pro1eina NH2
1 1
J - --I

I
i
,
-.,...
Homem
.,.---I
,

...•.. _...1 I

,
L.. .- - - ...•-T
imenso de nitrogênio para a parte biológica do ciclo (duplicada em áreas de
agricultura intensiva), a diminuição da reciclagem interna e um curto-circuito
de partes do ciclo (colheitas). O excesso de nitrato perdido para o ciclo acaba
:!
c:

~
~
~
~.

'f
I

I
I
I

chegando aos rios e lagos, mas em tais quantidades que por vezes o ecossis- Solo I ,- -P -I .-- - -,
, o uiçoo ,
tema natural não é capaz de processã-lo. Daí o excesso de nutrientes e NH 4_
- N02 -. _ NOli
1 I da agua I
alterações ocorridos na ecologia da água doce. Um dos sintomas desse fenô- I -,-
meno é o excessivo crescimento de algas. ~c: o I I

Ciclo do fàsforo. O subciclo do fosfato, envolvendo a transferência


de fosfatos entre o solo, a biomassa e o solo, constitui um sistema relativa-
eg!:!8.
l

~.~
.:;
+
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I
•I
I
I
mente fechado (Fig. 23). Faz parte do ciclo maior que envolve deposição nos 1-
Água .• -I
oceanos, incorporação em rochas fosfáticas, soerguimento, intemperismo e
incorporação ao solo, mas o ciclo biológico apresenta baixo nível de trocas
(entradas e saídas). Ou melhor, apresentava: a atividade humana comprimiu Figura 2.2 - O ciclo do nitrogênio: as linhas tracejadas indicam áreas de intervenção
imensamente a escala de tempo em que o ciclo do fósforo opera. As entradas humana no referido ciclo.
24 o Homem e o Ambiente: Introdução
o Homem e a Ação do Meio Físico 25
de esgotos no sistema hídrico de um dado local contaminam a água potável.
Mais uma vez, um ciclo natural sofreu radical alteração e um sistema quase contrário dos dois exemplos anteriores, o ciclo natural do mercúrio não tem
fechado anteriormente se tomou em parte aberto. um componente biológico significativo, pois a substância não faz parte
importante dos organismos vivos. Entretanto, a concentração biológica
ocorre sobretudo nos organismos marinhos, devido à acumulação de mer-
cúrio nos tecidos orgânicos, quando por difusão na água ocorre teores ele-
Cicio global
Animais vados. Essa amplificação biológica já atingiu os seres humanos, através da
ingestão de peixes contaminados (veja amplificação do DDT, Capítulo 9).

Plantas ~
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concentração
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Figura 2.3 - O ciclo do fósforo. O bloco superior mostra o ciclo mundial fechado a ;§ 1
longo prazo. O diagrama principal mostra o subciclo biótico, em que as
I
linhas tracejadas indicam as áreas de intervenção humana.
r-..l-...,
Solo Mercúrio - ..•.. --l Mineraçõo I
Ciclo do mercúrio. O mercúrio oferece o exemplo de uma substância nas rochas L _ .,.. _ J
que só se apresenta em pequeníssima quantidade nos sistemas naturais. Tra- L: L
poluição do ar e.•.do solo _
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ta-se de um metal pesado, que não é fácil de transportar, mas que hoje circula sedimentos
em volume muito maior devido à sua extração, concentração e disponibili-
dade final para fins industriais (Fig.2.4). A produção mineira corresponde Figur~ 2.4 - O ciclo do mercúrio, com referência especial à concentração biológica no
atualmente a 230% da entrada por processos naturais de intemperismo. Ao ambiente aquático. As linhas tracejadas indicam áreas de intervenção
humana.
o Homem e a Ação do Meio Físico 27
26 o Homem e o Ambiente: Introdução
Alterações percentuais reduzidas nas concentrações de bióxido de carbono,
Essa intensificação nos fluxos circulares ou taxa de mobilização das em qualquer sentido, são o suficiente para provocar mudanças (desestabilizar
substâncias naturais é uma característica da intervenção humana nos sistemas o sistema), estando ao alcance do homem produzir tais alterações (Capí-
da natureza. Por exemplo, a taxa de mobilização do ferro aumentou 1.300%, tulo 5). A intervenção efetiva em outros pontos do movimento da atmosfera
a do manganês 400% e a do chumbo 1.200%. Da mesma forma, as cargas de _ alterando os níveis de albedo" ou refletividade em uma grande área ou a
sedimentos em rios também se multiplicaram. À medida que os sistemas e evaporação em grande escala, por exemplo - exigiria um esforço muito maior
ciclos naturais são de tal maneira acelerados, eles vão-se ajustando às novas para chegar ao mesmo grau de mutação no sistema. Como é lógico, uma
condições, alcançando muitas vezes um novo equilíbrio. intervenção humana deliberada ocorre naqueles pontos vulneráveis ou de
alavanca do meio físico, onde um mínimo de esforço produz o máximo
de resultados. No caso dos recursos hídricos, a intervenção da engenharia
2.1.3. A estabilidade dos ambientes naturais de projetos concentra-se mais no estágio do fluxo fluvial do ciclo hidrológico
do que no estágio da precipitação pluvial. É muito mais fácil chegar-se à
Embora as atividades destinadas a alterar o ambiente, na sua maioria, alteração da biosfera por mudança na vegetação, como o desmatamento, do
tenham a intenção de ser benéficas do ponto de vista humano, o grau de inter- que alterando os outros fatores interdependentes do solo ou do clima.
relação dos fenômenos naturais a que nos referimos explica que mudanças O método empregado para iniciar uma alteração ambiental recebe o
inesperadas, ou até reações em cadeia, venham a resultar daquilo que preten- nome de desencadeamento (trigger), sendo vários os fatores: fogo, introdução
dia ser uma "benfeitoria" isolada. A intensidade dessas alterações inadvertidas de uma planta ou espécie animal estranhas, eliminação de um fator condicio-
depende em primeiro lugar do esforço (ou tensão) aplicado ao sistema pelo nante (por exemplo, adicionando certo adubo a uma planta) de vegetais
homem e, em segundo lugar, do grau de suscetibilidade à mudança (sensibi- ou animais, introdução de novo componente no ambiente (precipitação
lidade) do próprio sistema. radiativa, por exemplo).
Efetivamente, os sistemas mudam com o tempo, mas em longa duração Embora todos os sistemas sejam cadeias com elos de força variável,
(alterações climáticas, abertura de vales, colonização de vegetais, por exem- também acontece de alguns sistemas naturais se desintegrarem com maior
plo). À escala humana do tempo, os sistemas naturais parecem estáticos, facilidade do que outros, com uma rápida e irreversível modificação em seu
na sua maioria, mas até isso é verdadeiro apenas para efeito estatístico, já todo. Por exemplo, os sistemas biológicos (ecossistemas) reagem mais rapida-
que na realidade os sistemas oscilam em tomo de uma situação média - mente à tensão e oferecem menos resistência do que os sistemas inorgânicos.
estado conhecido como equilíbrio dinâmico. Por exemplo, ainda que a flora Tudo está na dependência da intensidade do impacto provocado pelo homem
de um campo possa variar em espécies, tipo e abundância no curso dos anos, nos aspectos do meio físico, desde o relativamente superficial, no caso do
em correspondência a flutuações climáticas e de pastoreio, de modo geral relevo, até o profundo, no caso de conjuntos de formas de vida. Os solos,
o caráter da flora permanecera constante, a menos que uma ou mais das que são em parte bióticos e em parte abióticos (inorgânicos), têm sofrido
variáveis dominantes (clima, solo, população) imponha uma alteração arn- um grau intennediário de mudança.
biental perdurável e de largas proporções. Entretanto, se se aplicar ao sistema Mesmo dentro de uma esfera particular do meio físico, varia ampla-
um esforço externo suficiente (ímpeto de mudar), então todo ele pode esta- mente a suscetibilidade às modificações impostas. Por exemplo, há ambientes
belecer um novo equilíbrio dinâmico, em nível diferente de operação. No climáticos e, portanto, vegetais e terrestres, equilibrados entre dois estados
exemplo da flora do campo, uma drenagem extensiva do solo poderia alterar diferentes, nos quais uma leve pressão exercida em dada-direção eliminaria
de tal forma o caráter e a umidade do solo de modo a provocar o aparecimen- o equihbrio, causando drástica mudança. As áreas mediterrâneas, da índia,
to de uma vegetação dominante de tipo mais xerófilo (resistente à seca).
Todos os sistemas naturais possuem um elo fraco na cadeia de causa
e efeito: um ponto em que o mínimo acréscimo de tensão (ímpeto de mudar)
traz consigo alterações no conjunto do sistema. Por exemplo, no sistema
• Albedo, do latim albus (branco), significa brancura ou alvura, e se usa em astronomia
atmosférico, as menores alterações na composição da atmosfera podem para medir a capacidade de reflexão. Um corpo que brilha por luz reflexa tem um albedo
desencadear mudanças climáticas à escala mundial, sendo provavelmente de 1/2, se reflete ou projeta metade da luz que incide sobre ele. (N. do T.)
mais atuantes as modificações no teor de poeira e de bióxido de carbono.
28 o Homem e o Ambiente: Introdução 29
o Homem e a Ação do Meio Físico

do centro-oeste americano, e parcela significativa da Austrália são particular- ~


r-.
mente suscetíveis à erosão pluvial, nas condições atuais. Se houver a remoção
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da vegetação reinante, grandes áreas correm o risco de se tomarem suscetíveis
à erosão, tais como a Ásia do Sudeste, a América Central, o centro-norte da ~'"
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América do Sul e o centro-leste da África. São áreas geográficas em que uma eu
leve deterioração do estado da vegetação, resultante das alterações climáticas
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naturais ou de desmatamento, provocaria a erosão do solo em larga escala e, c
portanto, alterações na geomorfologia, na hidrología, nas características do
solo e, provavelmente, no clima local. O tesultado seria, dessa forma, uma
'" -ª::2'"
mutação nas condições globais do ambiente. No Capítulo 7, damos um 'õ
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exemplo da intervenção humana em ambientes tão sensíveis (tundra), além o
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do apresentado na última seção deste capítulo. X
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A Fig.2.5 apresenta uma tentativa de descrever a resistência do meio ~ '"op..
às mudanças (grau de estabílidade) em uma área particular: a F1órida, nos .5
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Estados Unidos. Compare-se o mapa do uso da terra com o da resiliência
ambiental - até que ponto o meio tolera as mudanças impostas sem que se 0_
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verifique uma alteração no conjunto do sistema. Na verdade, o mapa sim-


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plifica muito as coisas, pois a reação ao esforço diverge em função dos diver- CI).Q
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sos aspectos do ambiente - praias, aquíferos, terrenos e assim por diante.
Cada aspecto de um sistema natural apresenta um limiar para além do gu
a mudança imposta se torna irreversíve1 e é necessário estabclecer um
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novo equilíbrío. Para além do limiar, o regresso ao sistema anterior será c
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possível se o esforço for eliminado . .Q limiar varia de acordo com cada sis- "§
tema, mas sempre é possível que a magnitude do distúrbio exceda a capa- eu

..
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~cidade de recuperação, como no caso da glaciação ou da vulcanicldade
que alteram a vegetação, os solos e os processos geomorfo1ógicos. A idéia
dos limiares em sistemas está representada, de forma esquemática, na
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a
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Fig.2.6.
Uma trilha de pedestres. sobre qualquer gramado ilustra com clareza ~
ai
a noção de limiar. O constante pisar compacta o solo, diminui o teor de
infiltração e leva ao predomínio de plantas horizontais, rentes ao terreno. o
<..J s
e
Quando a compactação atinge certo nível e o solo já está bastante nu, a chuva X
o
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começa o trabalho de erosão. Antes desse estágio, se a passagem de gente ~ o
diminuísse, a vegetação original voltaria a se refazer ao fim de algum tempo, o '"::3
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mas depois dele a erosão retira a camada superficial do solo e os nutrientes ~ o ~ o ., !! 3
vegetais, de modo que ainda menos plantas sobrevivem, o que permite maior
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erosão. O limiar da recuperação foi ultrapassado e, mesmo que a trilha deixe o o ~ ao
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de ser percorrida, a recuperação ao estado original é muito demorada. Se a
trilha continua a ser usada, ela pode se transformar num canal de água efê-
mero, aprofundando-se a cada chuvarada, até chegar à rocha viva (Fig. 2.7).
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Mesmo neste exemplo, o limiar varia com o clima, a declividade do terreno e ""
31
30 o Homem e o Ambiente: Introdução o Homem e a Ação do Meio Físico

o tipo de solo. Os exemplos dos capítulos finais mostram que a ação humana
é amiúde responsável por impelir os sistemas naturais para além do seu limiar. Sistema inicial
O caso da trilha, com que ilustramos a desestabilização do sistema, (prado virQem)
também exemplifica outro aspecto do funcionamento dos sistemas - a exis-
tência de mecanismos que tendem a reforçar ou a diminuir a tendência de um
sistema para a mudança. São os chamados mecanismos de realimentaçi!j
jfeedback).
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( solo compoctodo, menos
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fi elo I e com veQetoção
\ sazonal e pa rclo I )
\ (b) novo nível de equilíbrio dinâmico
esforço eliminado (b) -----..l_ /"--,./ --, __/ -, _ / -,,_ Figura 2.7 _ Diagrama assinalando alteração no estado do sistema devido à tensão
continuada. O exemplo representa a erosão de um pasto sujeito ao pisoteio
constante em uma trilha do terreno. O sistema pode-se estabilizar em
qualquer dos estados intermediários assinalados, ou pode inverter a direção
se a tensão for eliminada antes de se ultrapassar o limiar. Observa-se tam-
Tempo • bém um circuito de realimentação positiva acentuando o processo de
erosão.
Figura 2.6 - Reação de um sistema ambiental perante um esforço ou tensão que lhe é
imposto: (a) com a cessação do esforço antes do nível do limiar há con-
dições para sua recuperação e restauração; (b) com a continuação do A discussão da operação dos sistemas vem sendo feita em termos de
esforço, até que o sistema ultrapasse o nível do limiar, não há mais condi- cadeias unidirecionais de causa e efeito (transferências de massa e energia),
ções para se voltar ao estado original. Quando há a eliminação do esforço, a mas na realidade as coisas raramente são tão simples. Há circuitos no sistema
estabilização ocorre em um novo nível de equilíbrio.
33
o Homem e a Ação do Meio Físico
32 o Homem e o Ambiente: Introdução
Na seção que se segue, três estudos detalhados ilustram algumas das
permitindo que as mudanças no "efeito" (vegetação mais pobre no caso da concepções discutidas neste capítulo; a primeira examina o modo de operar
trilha) alterem o modo como opera o mecanismo de causalidade (compacta- de um sistema natural e os efeitos da intervenção humana em sua operação.
ção do terreno), alterando, portanto, o "efeito" de uma maneira diferente.
Em um sistema de aquecimento central, o termostato situado em algum lugar
da casa forma um circuito de realimentação,já que, ao reagir às mudanças de 2.2. Sistemas naturais e intervenção humana
temperatura, pode modificar o funcionamento da caldeira. Os mecanismos de
realimentação servem para resistir aos efeitos da mudança imposta ou para 2.2.1. O ciclo dos nutrientes minerais
acelerã-los. As realimentações positivas reforçam a direção da mudança
original. No exemplo da trilha, ocorre realimentação positiva à medida que a Em última análise, a obtenção de alimentos depende da operação do
erosão intensificada faz diminuir a capa vegetal, o que por sua vez aumenta a ciclo de nutrientes minerais. Neles se incluem o nitrogênio, o fósforo, o
suscetibilidade à erosão. Outro exemplo de realimentação positiva contribuiu cálcio, o potássio e ciclos hidrológicos, junto com numerosos elementos
para alterar a vegetação e os solos da região montanhosa da Grã-Bretanha microquímicos. Isso tem sido um foco de intervenção humana, voluntária ou
(Capítulo 9). Nas áreas montanhosas, a alta precipitação e a baixa tempera-
involuntariamente, há milhares de anos.
tura estimulam uma excessiva lixiviação dos solos, removendo-lhes o óxido de Na Fig. 2.8 vê-se um modelo muito simplificado do ciclo mineral. Os
cálcio e acidificando-os, quer dizer, tomando-os menos férteis. A vegetação minerais são absorvidos do solo pelas plantas, incorporam-se no tecido vege-
bem enraizada (árvores) pode melhorar o processo de Iixiviação , absorvendo o tal, retomam à superfície como restolho e voltam ao solo via decomposição e
óxido de cálcio pelas raízes, incorporando-o no tecido da planta e devol- líxiviação. Trata-se de um sistema fechado, sem ganhos nem perdas para o
vendo-o depois ao terreno. Se a vegetação de raízes fundas desaparecer, por
causas naturais ou humanas, as plantas de raízes superficiais não serão capazes
de fazer subir o óxido de cálcio do fundo. O solo se acidificará depressa,
deixando crescer apenas a vegetação tolerante ao ácido (vegetação calcifuga).
O restolho de tais plantas será ácido, aumentando a acidificação do solo, de
modo que somente plantas cada vez mais ácido-tolerantes poderão crescer.
'\ ~ aspecto auto-intensificante da acidificacão do solo constitui um efeit
lpositivo de realimentação.
. A realimentação negativa é ilustrada pela relação normalmente estável
entre vertentes do vale e o rio em sua base, que transporta material de intem-
perismo proveniente das vertentes. Se o leito do rio se rebaixa Jlor qual~
d.POSlçã%r
razão, as vertentes do vale ficarão mais alcantiladas, mais material decom- morte dos tecidos \ ~~~~rção pelas

i I

~
.1
- posto será arrastado para a corrente, aumentando-lhe a carga de mãteriai
)etrítico, até que cessa a incisão e se restabelece o equilíbrio dinâmi~en~
rio e as vertentes. Nos capítulos a seguir surgem vários exemplos de meca- -. \'"
o~ nismos de realimentação: se forem positivos, aceleram toda e qualquer
mudança iniciada pelo homem; se forem negativos, reduzem o seu efeito.
retorno com a
decomposição
da restolho

s
\. A abordagem sistêmica descrita neste capítulo oferece apenas um meio

tft
<f de compreender o mundo natural. Para que seja util, ainda temos de apre-
sentar informações detalhadas sobre o real funcionamento de cada sistema.
Entretanto, no contexto da interferência humana no ambiente, a aborda~
~ sistêmica pode servir como meio de previsão das mudanças, de avaliação da
'tI "n~bilidad, dos sistemas naturais e de determinação dos pontos d,~-
Figura 2.8 _ Ciclo dos nutrientes minerais, formulado como um sistema fechado (con-
forme Gersmehl, 1976).
!'II ,_rência e dos limiares de sistemas que terão de ser modificados.
34
O Homem e o Ambiente: Introdução o Homem e a Ação do Meio Físico 35

Estocagem (kgfha) Transferências (kg/ha/anoj


Biomassa Restolho Total Solo-Planta Planta-Restolho
.. Ecossistema

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''''da dl.,ol"da preclpltaçõo
no chuva (utrodo)

j Tundra 160 280 440 40 38

·/
Carvalhal 6.000 800 6.800 380 250

I
qu.do '-v/do
(I morte do.
Pradaria 1.200 800 2.000 700 700

8
Deserto 150 O 150 85 85
Floresta úmida
Restolho "'o'.a co,"_ a
a•• o"ào
planto,
,.'a. tropical 11.000 180 11.180 2.000 1.500

. :''';:::18~~aa As grandes diferenças em quantidades absolutas de nutrientes estocados


são evidentes entre os ecossistemas, tal como é a distribuição diferenciada dos
nutrientes entre as armazenagens.
Solo
",do no
A taxa de transferência interna de nutrientes, assim corno a externa,
"CoaM'Mo
~
".,do por
depende da umidade, da temperatura e da quantidade e tipo dos organismos
Uxlv/oçôo
presentes. Tais fatores funcionam como válvulas de segurança nas trocas entre
•• "ada ..,~
lHcompo./poo os depósitos ou acumuladores do sistema (Fig. 2.10). A capacidade e a inten-
d. rocha. - legendo _
sidade relativas de utilização dos depósitos, juntamente com a magnitude dos
o
C:::::J
válvula int.ma {
vários tipos de transferência são mostrados na Fig. 2.11, que aborda os mais
vólvula d. entrada fatore, QUf.. T temperotu~

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1---
af,tom o P Preclpltoçoo
válvula de aaldo
fhnco
V IIr •• yftfo.
importantes tipos mundiais de solo-vegetação-clima.
O depÓsito
-.- fron,fII,inclo
Em condições ambientais estáveis, a atividade dos ciclos minerais toma-
se equilibrada, com as entradas e saídas estreitamente equiparadas, propor-
cionando alto grau de conservação interna da massa e da energia. Qualquer
Figura 2_9 - O ciclo de nutrientes mine-
Figura 2_10 - Válvulas de Controle so- alteração no ambiente desestabilizaria o sistema, numa amplitude que de-
rais, formulado como um
sistema aberto (conforme bre mecanismos de trans- pende do grau da modificação imposta e da sua sensibilidade total ou parcial.
Gersmehl, 1976). ferência do ciclo de nu- Se se remove a cobertura florestal de certa área, a transferência de nutrientes
trientes minerais (confor- minerais do solo para a biomassa reduz-se abruptamente, tal como o volume
me Gersmehl, 1976).
acumulado de biomassa. A água, já agora desnecessária para a transpiração,
removerá mais nutrientes do solo por lixiviação e escoamento, ao mesmo
meio em geral. A Fig. 2.9 mostra um modelo mais realista, com os mesmos
tempo que aumenta o aporte de águas pluviais ao solo devido à falta de inter-
depósitos e transferências, mas revelando entradas e saídas de fora (sistema
ceptação das copas das árvores. Dessa forma, a acumulação global no sistema
aberto). A ação atmosférica, a precipitação pluvial, o transporte de terra e os
declina até que se chegue a novo equilíbrio, a nível inferior. Se a mudança na
fertilizantes artificiais são entradas externas; a lixiviação, a água de escoamen-
vegetação se devesse a alterações naturais (por exemplo, clima), o sistema
to e as colheitas representam saídas do sistema. O volume global de nutrientes
poderia mudar em caráter permanente, mas a velocidade de mudança seria
minerais dentro do ciclo, difere de um lugar para outro, e esse volume global,
baixa, sem probabilidade de reações catastróficas. Se a mudança fosse devida
o potencial de fertilidade, é em grande parte determinado pelos valores abso-
ao desmatamento, o sistema poderia recuperar-se, restabelecendo-se os níveis
lutos das entradas e saídas. A distribuição proporcional de nutrientes entre a
originais de vegetação e nutrientes, desde que não se ultrapassassem os limia-
três armazenagens também varia. Damos no quadro seguinte exemplos de tais
res dos ciclos dos nutrientes. Na Fig. 2.12 vê-se quais seriam os efeitos da
variações para alguns ecossistemas naturais (restolho e armazenagem na
derrubada da floresta de carvalhos sobre o ciclo mineral. A colheita de safras
biomassa) e taxas anuais de transferência (dos solos às plantas e das plantas ao
restolho). produz o mesmo efeito, mas a aplicação de fertilizantes artificiais compensa a
estocagem do solo, que diminuiria com a perda das folhagens.
37
36 o Homem e o Ambiente: Introdução O Homem e a Ação do Meio Físico

Floresta marítimo Taiga Tundro

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(o) Antes do
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I ,;\ 0~os
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desmatamento

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Figura 2.11 -
biomassa S solo
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R restolho

Operação do ciclo de nutrientes minerais nas principais regiões de clima-


vegetação-solos do mundo. A grandeza das armazenagens de nutrientes é I
®~®
/\
proporcional às quantidades absolutas e relativas dos nutrientes armaze- - Legenda -
nados. A espessura das setas de transferência é proporcional à quantidade R restolho
de nutrientes transferidos (conforme Gersmehl, 1976). B biomassa S solo

Figura 2.12 _ Mudanças no ciclo de nutrientes minerais de uma região de floresta decÍ-
Os ecossistemas dotados de mecanismos rápidos e eficazes de transfe-
dua, antes e depois do corte das árvores.
rência recuperam-se da desestabilização com mais facilidade que os outros.
38
o Homem e o Ambiente: Introdução
o Homem e a Ação do Meio Físico 39

Contudo, se uma grande proporção dos nutrientes está contida em um dos


a falta de comida durante parte do ano impediam a sua multiplicação. De
depósitos (na biomassa, em vez de no solo, como no caso da floresta úmida
repente, uma série de alterações ambientais desconexas permitiu, de forma
tropical), o esforço aplicado a esse depósito causará mais prejuízos ao sistema:
indireta, uma explosão populacional: 30 milhões de coelhos em 1939, 60 a
trata-se de um ponto de interferência. Portanto, a Fig. 2.11 pode ser vista
100 milhões em 1950, com uma densidade de cerca de cinqüenta animais por
Como representação do grau de estabilidade dos vários ecossistemas, pois o
hectare em amplas regiões. A generalizada demarcação de propriedades com
ciclo dos nutrientes minerais não afeta apenas a situação do solo e da vege-
sebes proporcionou aos coelhos tocas ideais, enquanto a semeadura de for-
tação, mas, por via deles, o clima local, a operação de parte do ciclo hidro-
ragens e acriação de prados para o gado deram-lhes condições de resistir ao
lógico e a carga de sedimentos e de material 'em solução dos rios. Os ecossís-
"mato de fome" do começo da primavera. Por outro lado, como os proprie-
temas com baixa estocagem absoluta e mecanismos de transferência com
tários se dedicavam à caça de lebres e de aves, que eram igualmente os preda-
capacidade limitada (taiga, tundra, deserto) são aqueles a que o homem, com
dores dos coelhos, já não havia restrições à proliferação. A eliminação das
mais facilidade, pode infligir alterações de forma permanente (Seção 2.2.3.,
cercas vivas depois da guerra (Capítulo 9) levou os coelhos a se concentrarem
Capítulo 9). Os ecossistemas com armazenagens ou transferência dominantes
nos ambientes mais favoráveis que restaram. As conseqüências foram notáveis.
(solo nas estepes, biomassa na floresta úmida, transferência do restolho
Em começos da década de 50, a agricultura perdeu colheitas no valor de apro-
(folhagem) para o solo no chaparral) podem ser rapidamente modificados
ximadamente 200 milhões de libras, a preços de 1980. Além disso, os coelhos
pela interferência nesse aspecto particular. Os. dotados de uma distribuição
deram origem a outras alterações ambientais.
aproximadamente igual de nutrientes entre os depósitos e de mecanismos
Certas formas de relevo modificaram-se, pois as tocas socavaram as'
de eficiência comparável (floresta marítima, floresta decídua) oferecem a
vertentes e estas recuaram um pouco, em certos locais. As margens dos rios e
maior resistência ao esforço, seja natural ou induzido pelo homem.
as defensas marítimas ficaram reduzidas, ocorrendo rupturas e inundações.
Os métodos usados para submeter a experiências e "melhorar" as
Onde o solo era poroso, a destruição da vegetação estabilizadora e o desnuda-
operações de um ecos sistema visam reforçar o elo mais fraco e, portanto,
mento da terra provocaram a erosão eólica.
variam de ambiente para ambiente. Nos desertos há alta concentração de
O principal efeito da proliferação dos coelhos foi a mudança da vege-
nutrientes no solo, mas a pobreza das transferências inibe a sua reciclagem
tação. Eles são roedores seletivos, preferindo as plantas tenras e evitando as
pelos outros armazenadores. Assim, a válvula de comando (a água), que
espécies arbóreas e sem paladar. Uma cobertura vegetal rasa com muitas
afeta os índices de transferência, precisa ser mais aberta através da irriga-
espécies caracteriza as áreas de intensa pastagem desses animais, mas em deter-
ção. Os ecossistemas de tundra são vulneráveis à degradação ambiental,
minados locais podem ocasionar ecossistemas inteiramente diferentes. Na base
com cobertura vegetal pobre e solos pouco férteis, mas são difíceis de absor-
dos vales áridos de solos de greda, na Inglaterra, as tocas estercadas estimu-
ver melhorias, Não só é reduzido o volume absoluto de nutrientes do sistema,
laram o crescimento de urtigas e arnieiros, o que por sua vez atraiu uma nova
mas as transferências também são limitadas pela falta de energia térmica,
coisa que não é fácil de corrigir em larga escala (Capítulo 7). fauna, incluindo pombos, corvos e ratos silvestres.

2.2.2. Coelhos na Grã-Bretanha 2.2.3. Deserttficaçao

A introdução de formas estranhas de vida em dada área tem muitas As terras semiáridas do mundo constituem exemplos básicos de am-
vezes provocado reações em cadeia, imprevisíveis no início. Um exemplo bientes em delicado equílíbrío, propensos a rápida degeneração em caso de
disso são os coelhos que os normandos trouxeram para a Grã-Bretanha, para leve pressão. Em termos humanos, a margem para erros na exploração dessas
alimentação e uso das peles. A princípio, os animais foram mantidos em regiões é pequena, ao passo que as conseqüências de uma conduta equivocada
viveiros e, ainda que alguns escapassem, a população de coelhos bravos se têm amplitude continental. Desertificação é um vocábulo de significado
manteve escassa até o século XIX, talvez abaixo de um milhão. amplo, que inclui várias alterações climáticas, ecológicas e geomorfológicas,
que diminuem a produtividade biológica de uma área, tomando-a enfim ina-
.Embora o coelho não tivesse nenhum competidor sério no plano da
proveitável para a agricultura. Quase todas as terras áridas se acham em
busca de alimento e da procriação, exceto a lebre, os predadores naturais e
situaÇão de risco e a F AO (Food and Agriculture Organization) das Nações
41
o Hornern e a Ação do Meio Físico
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drados) pode triplicar. Os países do Terceiro Mundo, tanto das Américas
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atingidos e há mais de 20% sob tal ameaça. ~., ôe1: ~

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pluviométricos e, após a seca, ocorre a erosão eólica. Julga-se hoje,noentanto,
que a ação humana pode intensificar esses processos naturais e talvez deses- '"
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tabilizar o ambiente além do limiar da recuperação. O fator desencadeante da ~
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desertificação é o excesso de população, pelo fato de o povo abandonar o Q.)

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comunidades humanas estáveis. Essas zonas concentradas são as mais pro- 2 ed ~ "Ó o ~
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caprinos, destrói a própria vegetação arbórea e a coleta de lenha agrava o ~ '"


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problema. A semeadura de cereais desnuda o solo durante parte do ano.
Todos os fatores se combinam para alterar os climas na proximidade da
superfície (microclimas), do solo e da vegetação. Durante um período de seca,
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o rebanho de gado a princípio aumenta, na tentativa de suprir alimentação,
mas, à medida que a vegetação se torna cada vez mais esparsa, grande parte do
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rebanho morre e sobrevém o colapso econômico e a fome. A erosão eólica Q fi:

pode agir com mais força, incidindo sobre extensas áreas de solo desnudo.
Quando as chuvas voltam, a superfície já é vulnerável à erosão das enxurradas,
originando ravinas e sulcos, degradando ainda mais a terra, onde só vingará ta
uma vegetação mais pobre. Eis uma ampliação extrema do exemplo da erosão o
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da trilha apresentado na Seção 2.1.3. ~ :g ~
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Supõe-se que uma realimentação positiva posterior poderá ocorrer,
acelerando o processo de desertificação. Os valores do albedo (refletividade) .g
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convecção, assim como prolonga e reforça a subsidência natural do ar nos ~


sistemas subtropicais de alta pressão, prevalecentes nos semidesertos. Com
43
42 o Homem e o Ambiente: Introdução

isto, diminuem as possibilidades de chuva, aumenta a seca e enfraquece mais o


sistema vegetal, completando-se o ciclo por auto-amplificação. A Tabela 2.1
resume os efeitos do processo de desertificação sobre vários aspectos do
ambiente. A demonstração conclusiva da desertificação toma-se difícil, mas
parece não haver dúvidas quanto a um exemplo observado no Oriente Médio.
IMPACTO DO HOMEM SOBRE
Em 1968, levantou-se um muro ao longo da linha de cessar-fogo entre o
PARTE B
Egito e Israel no deserto de Negev-Sinai. Do lado israelense, somente alguns
ASPECTOS DO AMBIENTE
rebanhos de animais se alimentavam dos pastos e em larga medida a natural
vegetação enfezada ficou intata. Estimava-se o albedo de tal superfície em
25%. Do lado egípcio, cabras, ovelhas e camelos continuaram a pastar extensi-
vamente. Os beduínos cultivavam pequenos lotes de terra e colhiam as folhas
de um arbusto comum, artemísia, para usar como cobertura. Dentro de três
3. Solos
anos, era acentuada a diferença entre os dois lados. Visto de satélites, o lado
egípcio parecia muito mais claro e dotado de maior refletividade, com um
albedo de 37%. A temperatura das duas áreas começou a divergir, com o
máximo de 45°C no verão, do lado mais escuro de Israel, e 40°C do lado do
3.1. Introdução
Egito. No inverno, as temperaturas máximas eram, respectivamente, de 33° e
de 30°. As diferenças de volume pluviométrico não foram apuradas, mas a
área mais escura e mais quente estava recoberta por uma convecção maior de
nuvens. Tudo indicava que estava em andamento, do lado egípcio do muro, o Esta parte do livro trata dos efeitos provocados pelo homem em aspec-
processo de desertificação por obra do homem. tos particulares do meio físico, embora se tome evidente não ser realista
subdividir o meio físico dessa maneira. E nada mais verdadeiro do que com
o tema deste capítulo - os solos. Os solos de uma dada área representam,
a vários títulos, um sumário ou extrato de todos os fatores do ambiente
humano ou seja lá o que for do local. A importância do solo para o homem
como base da agricultura é óbvia, mas o seu ponto nevrálgico no ambiente
como um todo se tomará evidente com as inúmeras referências a solos nos

capítulos seguintes.
Dado o seu caráter altamente genérico, a Fig. 3.1 e a Tabela 3.1 repre-
sentam um guia razoável sobre as amplas variações existentes nos tipos de
solos. Os tipos enumerados são solos zonais, divididos de acordo com uma
classificação global em que solo, vegetação e clima estão presumivelmente
interligados, sendo o clima a causa primeira e os solos e a vegetação os efeitos.
O homem ainda não conseguiu alterar conjuntos completos de grupos de
solos zonais, a ponto de ser impossível reconhecê-los, como se fez com a
vegetação (Capítulo 4). No entanto, alterar a vegetação para fins agrícolas
ou florestais, com a conseqüente mudança no microclima, leva inevitavel-
mente à modificação das propriedades do solo, em face da estreita relação
causal dos três aspectos.
45

SoloS
44 Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente
Tabela 3.1 _ Principais tipos de solos, regiões climáticas e zonas de vegetação.

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Zona climática
Solos zonais
Zona de vegetação
Solo zonal

solo castanho do Ártico


tundra
tundra podsol
floresta de coníferas (taiga)
boreal terra bruna

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oceânica temperada
mediterrânea
floresta mista
floresta mediterrânea.
estepe; pradaria
terra roxa
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e, desintegração inibida de matéria orgânica
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o- química e a sua biologia, mas pouco a sua textura e estrutura. As mudanças
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mais drásticas correspondem normalmente às tentativas, bem-sucedidas ou
não, de melhorar a produtividade da terra (fertilidade) - por exemplo,
I recorrendo a fertilizantes, irrigação ou drenagem. O exemplo ~xtremo de
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l formado carreando areia e algas marinhas das praias.
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3.2. Alteração dos solos
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Os solos vivem em equilíbrio dinâmico com os fatores que determinam
as suas características: o clima, os materiais de origem, a topografia, a biota
e o tempo. Qualquer mudança em uma dessas variantes afetará o solo; a
·47
46 Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente Solos

reação a determinada mudança ambiental, porém, varia de solo para solo em


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3.2). Certos aspectos do solo modificam-se rapidamente, mas outros são
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parte química e a biológica variam com muito mais facilidade, o que traz
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especialmente os relativos à água edáfica. Dessa forma, a irrigação simula
um clima mais úmido; o acréscimo de cal restabelece o carbonato retirado
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porlixiviação, que ocorre nos solos das regiões úmidas .
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dos diferentes graus de atividade humana. A Tabela 3.3 indica a natureza
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das mudanças do perfil de solo bruno, ocasionados por séculos de uso
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agrícola. A parte mais alterada do solo é o horizonte cultivado superior,
chamado de horizonte agrícola, no qual o remexer constante da terra
-glã impediu o estabelecimento de horizontes químicos e físicos normais. De
o e modo típico os solos cultivados são mais ricos de nutrientes vegetais básicos,
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especialmente de fosfatos, do que as terras por cultivar, mas são mais pobres
em matéria orgânica.
•.. .~ 'O O restante desse capítulo examina diversas maneiras pelas quais os solos
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r::r ca o •..e., foram modificados pelo homem, de modo consciente ou não.
49
48 Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente
Solos

Tabela 3.3 - Mudanças nas características do perfil do solo de uma planície


inglesa, devido à agricultura intensiva. o r (o) grã nulos
rochosos
morgo
argiloso
Caractertstica do 10
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solo Estado Natural Com agricultura intensiva ~ blocos
Q) morgo
"t) prlsmótlcos
conteúdo Horizonte A alto (7%) horizonte de lavoura uniforme (3 -5%) o ~ argiloso
orgânico Horizonte B 0% ~
"t)

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.•.."
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a. 30\ morgo de prismótico
Horizonte B/C max. calagem argila síltioO

nitrogênio médio/baixo sazonalmente alto (nitrato) 40

equilíbrio Ca 80% Ca 70%


catiôntico Mg 5% Mg 5% ( b)
cambiável K 5% K 10% gronuloção
P 3% P 12% Or morgo maciço
argiloso
H 7% H 4%
blocos
morgo maciços
estrutura Horizonte granular A Não-estruturado/grosso A/B E 10 ~
o
..... argiloso
Horizontes grossos B/C Subsolo firme A/B
~o moroo de achatado
pH Aumenta no perfil
inferior de 5,5 - 7
uniforme c. 6,5
~c r argila síltlco

.•.."
atividade biológica alta média ~
30 r morgo de
argila slltlco
prlsmótlco

40

3.3. Alteração física Figura 3.2 _ Deterioração estrutural provocada pelo uso de arado em solos acastanhados
(brunizens), formados em sedimentos argilo-<;ascalhentos, na Grã-Bretanha.
3.3.1. Deterioração estrutural causada pela lavoura Em (a), perfil original do solo; em (b), após a lavra (conforme o Agricul-
tural Advisory Council, 1970).
A crescente mecanização da lavoura vem permitindo que a terra seja
lavrada e gradeada em épocas do ano em que o solo, em outros tempos,
estaria demasiadamente úmido e pesado para trabalhar. Os agricultores vivem do trator e, quando a terra assenta, permanece como um horizonte de baixa
sob pressão econômica para semear o mais cedo possível. O resultado foi a
penneabilidade à infiltração de água.
deterioração da estrutura de solos síltico-argílosos de algumas regiões da
Inglaterra. Mudou a estrutura (Fig. 3.2) de um tipo de solo aberto e drenagem
livre para outro de horizonte compacto e estrutura maciça, que impede ao
3.3.2. Erosão do solo
mesmo tempo a drenagem e o desenvolvimento de raízes. Na Fig. 3.2b, o solo
apresenta um horizonte de "camadas de subsolo" com uma estrutura achata- O mais negativo dos efeitos do homem sobre o solo, evidentemente,
da à profundidade de 25 -30 centímetros. A camada se forma quando o solo consiste em criar condições para que se dê a erosão parcial ou total. Estrita-
é lavrado ainda em estado plástico, fácil de moldar e enlamear. A base do mente falando, não se trata tanto de uma alteração do caráter do solo como
sulco tem uma camada de finas partículas espalhadas pelo arado e pelas rodas
50
Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente 51
SoloS
.le um fato geomórfico, motivo pelo qual apresentaremos nesta obra vários do fósforo. Se se aplicam fertilizantes por muito tempo, a química do solo
exemplos de erosão total.
fica muito simplificada, com o estoque de nutrientes fortemente concentrado
Uma erosão catastrófica do solo é mais comum em ambientes de equí- em cálcio, fósforo e potássio. Outros elementos catiônticos são deslocados do
h1 rio delicado (semiáridos ou montanhosos, sobretudo), onde o solo é facil- estoque e lixiviados do solo pela água da chuva. Por sua vez, isso pode contri-
mente erodível. No entanto, a degradação física e química do solo está muito buir para o desencadeamento de mudanças na estrutura do solo. Os solos ricos
mais generalizada, e mesmo a agricultura mais cuidadosamente empreendida em potássio podem desenvolver uma estrutura colunar ou prismática, dura e
fará aumentar as perdas de cinco a cinqüenta vezes, em relação às terras refratária quando seca, lodosa quando molhada. O uso contínuo de fertili-
dotadas de cobertura vegetal natural. Ao promover a erosão, o homem está zantes à base de sulfato de amônio acidifica o solo e, portanto, pode "fixar"
efetivamente encurtando a duração geomorfológica e acelerando muito um outros nutrientes, não os tomando acessíveis às plantas (o zinco é um desses
processo natural (veja Capítulos 7 e 9). No imenso cinturão cerealífero dos microconstituintes). Os solos que foram estrumados ou usados como pasta-
Estados Unidos, os solos férteis tinham dois metros de profundidade e mais; gens por longos períodos costumam ser ricos em fosfato, podendo acumulã-lo
todavia, ao fim de um século de lavoura, um terço dessa profundidade desa- em um horizonte fosfático distinto com concentrações de 1.000 p.p.m. ou
pareceu em amplas áreas.
mais.
A erosão iniciada pelo homem não é necessariamente prejudicial. Na A aplicação científica de fertilizantes pode servir para o exato controle
bacia do Mediterrâneo, os solos velhos e profundos das vertentes tinham da química do solo, variando o equilíbrío de nutrientes segundo a planta
perdido quase todos os nutrientes desde o horizonte A e seu potencial agrí- cultivada e, de modo semelhante, o grau de acidez do solo (pH) pode ser
cola era limitadíssimo. O desbaste das florestas, mil a 5 mil anos atrás, provo- mantido dentro do limite ótimo dé ligeira acidez (PH 5 a 7) adicionando
cou a erosão pluvial do frágil hor.zonte A (solo arável), deixando à super- cal nas regiões úmidas. O reconhecimento de que as plantas requerem certos
fície o horizonte B, mais compacto e argiloso (subsolo). Desde aí, surgiu um elementos, em quantidades mícrométricaa, permitiu tomar muito mais
solo novo, "rejuvenescido", a partir do anterior subsolo. férteis os solos deficientes em um ou vários de tais elementos, mediante a sua
adição. O acréscimo de produtos com molibdênio, em teor de 100 gramas por
hectare, em conjunto com fertilizantes à base de fosfato, nos pastos das terras
3.4. Alteração química altas da Nova Zelândia, permitiu que se multiplicassem as bactérias que estabi-
lizam o nitrato, o que por sua vez estimulou o crescimento do trevo para
3.4.1. Fertilizantes artificiais forragem, na ausência de nitrato disponível. O uso de áreas turfosas já explo-
radas para a agricultura normalmente requer a adição de todo um espectro
As tentativas de conservação ou de melhora da fertilidade da terra de grandes e pequenos nutrientes vegetais, ausentes no solo orgânico. Ele-
através de fertilizantes químicos são relativamente novas, embora já se use há mentos como o cobre, o boro, o zinco e o ferro comumente faltam em solos
séculos estrumar e adubar a terra com argila rica em cal. Com a invenção dos orgânicos.
fertilizantes químicos, no século XIX, e com o reconhecimento da natureza
dos nutrientes das plantas, tomou-se possível alterar à vontade certos aspectos
da composição química dos solos. Hoje, os países desenvolvidos usam em 3.4.2. Salinização e dessalinização
geral os fertilizantes sintéticos. Basicamente, os fertilizantes artificiais mistu-
ram os nutrientes primordiais: nitrogênio, potássio e fósforo. Junto com o Os solos com alto conteúdo de sal (sais de potássio, sódio, magnésio e
cálcio, como nutriente condicionante, aquelas substâncias formam uma versão cálcio), ou altamente alcalinos, são característicos das regiões áridas e semiá-
muitíssimo simplificada da mescla de nutrientes vegetais acumulada no solo ridas. Trata-se de solos intrazonais desenvolvidos em pontos baixos de uma
natural, provinda do intemperismo das rochas e da decomposição de matéria Paisagem, devido à concentração e posterior evaporação da água de escoa-
orgânica. mento, que dissolveu sais da área circunvizinha, ou à existência de um nível
O cálcio, o potássio e o fósforo acumulam-se durante longos períodos hidrostático suficientemente próximo da superfície para permitir um movi-
em forma iôntica, à superfície de partículas de argila semelhantes a placas, mento ascendente (capilar) de água, que se evapora e deposita os sais dissol-
assim como se "fixam" (convertidos em forma insolúvel), no caso do cálcio e vidos. Os solos de tais áreas podem ser potencialmente férteis, desde que
52 53
Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente
Solos

irrigados. A irrigação, no entanto, corre o risco de ter mau uso: pode ser deposite no solo mais perto da superfície durante a estação seca. A menos que
usada para dessalinização, o que é bom, mas também pode causar a saliní- a pluviosidade e a irrigação sejam suficientes, em seguida, para fazer infiltrar o
zação de solos até então férteis. sal para o perfil do solo, ele se acumulará gradualmente até que o solo se
Os solos salinos (solonetz) são recuperados por lavagem prolongada, tome inútil. Na região de Bhakra, no Punjab, a irrigação elevou o nível hidros-
normalmente por pulverização de água de boa qualidade. Um sistema de valas tático em cerca de 9 metros nos primeiros dez anos de emprego dessa técnica,
de drenagem a profundidade adequada é indispensável para retirar a água numa área de 2,7 milhões de hectares. Na bacia do rio Murray, no sudeste da
salina do solo lixiviado. Uma vez removidos os sais nocivos - principalmente Austrália, os esquemas de irrigação, na década de 50, também tiveram vida
o sódio -, talvez seja necessário adicionar cálcio para restaurar a estrutura e o curta, pois as concentrações de sal na água de escoamento aumentaram dez
equilíbrío químico, empregando os processos de troca iôntica. vezes no período. Os efeitos de tal processo sobre o solo dependem em parte
Se a salinização se deve a um alto lençol aqüífero, as valas de drenagem dos sais predominantes. Se o cálcio é abundante, então a drenagem da terra
têm de ficar suficientemente abaixo da zona de ascensão capilar da água devolverá o solo ao estado original, mas, se os sais de sódio formam mais que
subterrânea para impedir que se restabeleça o processo de salinização. Os 12% do conteúdo salino global, então as partículas do tamanho de argila se
solos que se tomaram salinos por influxo da água de escoamento vinda de dispersam, a estrutura se perde e o solo vira um autêntico solonetz.
áreas circundantes poderão ser lavrados a fundo e tratados com gipsita para Muito embora uma gestão cuidadosa permita irrigações por séculos, a
melhorar a drenagem vertical e restabelecer o equilíbrío iôntico (cálcio) salinização tem constituído uma conseqüência quase inevitável a longo prazo.
adequado ao crescimento das plantas. Tais métodos foram empregados para O aumento gradativo do conteúdo de sal dos solos do Crescente Fértil, na
corrigir extensas áreas de terra, sobretudo nas estepes da URSS, nas regiões de Mesopotâmia, o berço da agricultura, infere-se do conteúdo cada vez maior de
estuário da Romênia. Os russos recorreram a uma solução diluída de ácido sal nos tijolos empregados na construção de casas locais, no decurso dos
sulfúrico para a remoção de sais: com isso o excedente de água de escoa- séculos. A destruição de suas terras aráveis pela salinização talvez esteja na
mento (lixiviada) contém sulfatos de sódio e cálcio em solução. O efeito origem do colapso desta e de outras velhas civilizações do mundo semiárido.
dessas técnicas de dessalinização reside em converter o solonetz intrazonal em
uma versão bem aquosa do solo zonal da área, chemozem no caso das estepes,
em poucos anos. 3.5. Criando novos solos
Vistas do ar, muitas terras de semeadura que foram irrigadas por um pe_
ríodo de vários anos mostram, entre o verde, manchas cinzentas que parecem 3.5.1. A regeneração dos solos de Exmoor
húmus. É o resultado do raquítico desenvolvimento das plantas pela salinízação,
representando o início de um processo que há de transformar a área num Um ambiente diametralmente oposto ao acima descrito é o das terras
quase deserto, no qual apenas sobreviverão as plantas dotadas de maior tole- altas da Grã-Bretanha. Os solos de Exmoor, ao norte de Devon e a oeste de
rância ao sal. Cerca de 20 a 40% das terras irrigadas do mundo são afetadas Somerset, entre 300 e 500 metros acima do nível do mar, são gleys turfosos,
até certo ponto pela salinização. Estima-se que a cada ano se perde tanta terra mal drenados, ácidos e onde vinga uma vegetação esparsa, dominada por
para o cultivo por salinização quanto a que se recupera devido a novos esque- Molinia (erva púrpura das charnecas). A correção desses solos vem sendo feita
mas de irrigação. Somente na Indía há 4 milhões de hectares afetados. intermitentemente há duzentos anos. As técnicas modernas consistem em arar
Nas regiões áridas, tanto a água subterrânea como a superficial são por a fundo, adição de fertilizante calcãrio e nitrogenoso e re-semeadura com
natureza mais salinas do que nas zonas úmidas. Além disso, a água usada para Festuca (capim-do-prado) e Agrostis (agróstea). São consideráveis as alte-
irrigação é a água de escoamento provinda de uma área muito mais ampla do rações no caráter do solo daí resultantes, como se vê na Fig. 3.3. As proprie-
que a mera chuva que cai na área irrigada. São necessários 30 hectares de dades químicas, físicas e biológicas são descritas para o solo natural e para o
bacia abastecedora, pelo menos, para irrigar um hectare de terra nas regiões COrrigido, a 5 centímetros de intervalo ao longo do perfil do solo. Os níveis
semiáridas; por conseguinte, os sais dissolvidos dos 30 hectares concentram-se menores da água edáfica e o maior pH do solo corrigido ampliam a vida do
na gleba de um hectare. solo (São dados os níveis de bactérias e de fungos), enquanto a oxidação reduz
A irrigação prolongada eleva o nível hidrostático, até que, ao chegar a 1 o Conteúdo de carbono. A quantidade de minhocas centuplicou no solo
ou a 1,5 metro abaixo da superfície, a ascensão capilar permitirá que o sal se corrigido.
55
54 Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente Solos
Isto está em oposição frontal aos processos da natureza e a situação do
Densidade por volume (g cm-3)
solo corrigido exige atenção constante. Onde a atenção foi negligenciada, os
o
,
1
I
2
,
solos começaram a reverter ao seu caráter original, em reação aos fortes
Umidade (%) Micro ~ org./ cml controles naturais do clima das terras altas, da topografia e do material de
o 20 40 60 4 6
origem ou ancestral.
(a) Nõo regenerada

3.5.2. Os solos plaggen da Irlanda


boctérias fungos

.
~
ü
;:
Nas regiões da Europa onde o solo não é fértil, o homem
pequenas áreas de solos artificiais, regra geral acumulando uma grossa
formou
camada
i de material orgânico rico sobre o solo original. A estes solos é que se dá o
; 5 I. " 'I nome de plaggen, querendo dizer solos de "torrão". A Fig. 3.4 mostra o perfil
o

-'-'>"~~"lr,w,""~,.".,..·,-"'-"'~'~
M

~ nível do solo
nível do solo
~
~ 10 I. I, Or r"".•..•.•••. Ap1 argila 4% pH 7.5
i Ap argila 10% pH 6.0
.ilte 9% Co 10%

I------------ I
allte 15% Ca 0%
areia 87%
areia 75%
Ap2
15 1
1
~1 ~1

•......
A2 argila
silte
10% pH 6.0
15% Ca 0%
75%
I argila
sllte
areia
3%
6%
91%
pH 7.5
Ca 10%
~ solo de
plaggen
areia
E
(b) Regenerado
--~
(.)

Q)
81 argila
silte
9% pH 5.9
28% Ca 0%
bactérias funoos ~o 50 areia 63'10

.
~
i;
c:
.•..~
e
Q.
A2 argila
,11te
areia
4%
7%
89%
pH 7.4
Ca 0%

i
~ 5 82 argila 14% pH 5.8
8 argila 15% pH 6.4
o
,lIte 22% Ca 0%
:s
M

sllte 20% Ca 0%
o areia 63%
areia 66%
~
~
;;
; 10
100l
"õ pH 6.3
.!:
C C argila 14%
argila 20% pH 5.8 ,ilte 23% Ca 0%
silte 23% Co 0% 63%
areia
areia 57%

4 6 _ Legenda _
pH (b) Solo plaggen
densidade do solo (a) Solo natural
~ 20 ~O i •• umidade .'
carbono aludo .•.tl F'igura 3.4 _ Perfis do solo perto da costa do Condado de Kerry , na Irlanda. Em (a), solo
Carbono (%) ~ pH
natural da área; em (b), solo das proximidades, com espessos horizontes de
Figura 3.3 - Modificações nas características do solo de Exrnoor, devido aos processos plaggen criados pelo homem (oonforme Conry, 1976). .
de regeneração (conforme Maltby, 1975).
56 Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente

de um solo plaggen na costa de Kerry, no sudoeste da Irlanda, lado a lado


com o perfil do solo natural da região. A intensividade da lavoura fez perder
cálcio e nutrientes vegetais desses solos arenosos, perda que foi compensada
com o acréscimo de novos horizontes plaggen, formados de areia rica em cal,
algas marinhas e limo. Para obter uma camada de plaggen com 65 centímetros
de espessura é preciso aplicar 10 mil toneladas por hectare de material. Os 4. Plantas e animais
horizontes do plaggen diferem em vários pontos do solo original. O pH subiu
de 6 para 7,5, o conteúdo de carbonato de cálcio foi de O para 10%, o con-
teúdo orgânico de O para 5% e o conteúdo de areia de 75 para 90%. O aumen-
to do conteúdo orgânico e do pH permite que os solos plaggen respondam 4.1. Introdução
bem à aplicação de fertilizantes, que podem acumular-se deforma praticável.
O efeito geral foi a melhora da fertilidade dos solos, que no Condado de
Kerry são aproveitados para a cultura de cenoura e cebola, ainda que, em
certos casos, a adição em quantidades micrométricas de cobalto, boro e
Como o alimento é uma necessidade básica do homem, as suas fontes
manganês tenha sido necessária para obter o potencial máximo do solo.
diretas, as plantas e os animais, têm sido submetidas a maior grau de controle
por mais tempo do que qualquer outro aspecto do ambiente natural. A grande
mudança na relação entre o homem e os demais seres vivos ocorreu com a
3.6. Conclusões
transição da sociedade mesolítica (caça e coleta) para a economia neolítica
(agricultura, domesticação). Isso marcou a evolução dos seres humanos da
Os exemplos aqui fornecidos sobre alterações no caráter dos solos reali-
condição de animais vivos, com um nicho ecológico apropriado, para a de
zadas pela mão humana representam pequena amostra de um tema de larga
uma força controladora de outros organismos, a ponto de se tomarem o fator
importância, ao qual nos referimos direta ou indiretamente muitas vezes nesta
primordial do controle da evolução. Em certa medida, a seleção humana
obra.
Nos últimos tempos, a crescente conscientização das questões ambien- substituiu a seleção natural.
O envolvimento do homem no mundo biológico pode ser considerado
tais despertou a atenção para li relação do homem com o solo. Os resultados
como uma modificação de ecossistemas naturais (Capítulo 2) em que fluxos
variam, desde o ponto de vista da "lavoura orgânica", que se abstém dos ferti-
de energia e de substâncias entre e dentro do mundo vivo e físico são diversi-
lizantes artificiais, às técnicas de semeadura "sem arado". Por mais admiráveis
ficados, ampliados ou diminuídos, seja por acaso ou com a intenção de
que sejam as razões desses movimentos, o homem tem de modificar o solo e o
que nele cresce a fim de comer. O problema até agora por resolver é·até que aumentar o bem-estar da espécie humana.
As alterações nos padrões da vegetação e dos animais obedeceram a.uma
ponto e como os solos de determinada área podem ser manipulados em bene-
fício da agricultura, mas sem infligir prejuízos "inaceitáveis" ao mundo da série de razões. A defesa dos interesses humanos levou à virtual eliminação de
predadores de animais e à vitória parcial na luta contra as doenças veiculadas
natureza.
por organismos vivos. Foram suprimidos, na medida do possível, os compe-
tidores na captação de alimentos, sejam carnívoros, herbívoros e pragas dos
vegetais ou rivais na disputa de nutrientes para as plantas (ervas daninhas,
vegetação natural). De forma mais positiva, o homem operou a sua versão do
darwinismo pela domesticação e a criação seletiva de plantas e animais que lhe
são mais úteis. Os resultados finais variam desde granjas de frangos a flores
exóticas de jardim. .

57
59
58 Plantas e Animais
Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente

A Fig. 4.1 mostra a origem de algumas plantas e animais domésticos


hoje existentes em todo o mundo. A difusão de formas de vida para além de
sua área natural de ocorrência constitui mais um aspecto significativo da inter-
ferência. Muitas vezes, a introdução de espécies estranhas obedece ao fato de
serem importantes fontes de alimento, mas, outras vezes, a introdução se fez
para controlar alguma praga ou então por simples curiosidade, para ver como
o recém-chegado enfrentava o novo ambiente. Por outro lado, muitas intro- I
'\ 1958
duções não foram deliberadas, mas acidentais - animais ou insetos transpor-
u>
tados em barcos e sementes trazidas com a roupa, por exemplo. A Fig. 4.2a ~g~~
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~" 18.3 ç:?r:>

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SUDESTE DA ÁSIA.
AMÉRICA CENTRAL EUROPA iNDIA. CHINA
.• - milho ~ 1 - beterraba dt forro98m 2 ~ - lentllho 32 - orroz
2 - pimenta v.rmelho 12 - poinço 22 - bi.ão 33 - cono-de-QÇÚeor
13 - centeiO 23 - ee metrc 34 - ehâ
AMERICA DO SUL
-14 - evetc 24 - cabra 35 - algodão do V. Mundo
3 - algodõo ee N. Mundo
15 - CiJonso 25 - comelo 36 - ~ojo
4 - tomote
5 - tabaco
46 - coelho 26 - ooto 37 - limdo
38 - banana
6 - bototo ORIENTE MÉDIO A'SIA CENTRAL
39 - loranja
7 - omendol", '17 - trigo 27 - maçô
40 - bibos
8 - feiJôo escorlot. 18 - c ••••ado 28 - pero
41 - ubu
9 - abatold 19 - olfoto 29 - cebola
42 - el,fonl.
10 - Ihomo 20 - .rvilha 30 - cOl/alo
43- búfalo
31 - loquI 44 - cachorro
FIgUra 4.2 - Processo de difusão de animais e plantas. Em (a), a transferência da videira
de sua área de origem (sombreada) (conforme Simmonds, 1976). Em (b),
difusão do estorninho europeu nos Estados Unidos, entre 1891 e 1928,
Figura 4.1 -- Origem de alguns animais domésticos e plantas (conforme Cox , Heaíev e após sua introdução em Nova lorque (conforme Elton, 1958).
Moore, 1973).

\.
61
60 Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente Plantas e Animais

mostra o processo de difusão da videira desde a sua área original de dornesti-


cação no sudoeste da Ásia, há 6 mil anos. Difusão muito mais rápida e menos
proposital foi a do estominho europeu, depois de levado para o Central Park
de Nova Iorque,em 1891 (Fig.4.2b).
A influência do homem sobre a biosfera não foi uniforme: por exem-
plo, os que sofreram as maiores alterações foram os animais dentro da cadeia
alimentar e as plantas perto do seu limite de tolerância ambiental. No entan-
~.
•.....•..'â '~
to, à escala global, o conceito de biogeografia como a relação entre os orga-
nismos e o ambiente físico já não é válido. Mencionou-se no Capítulo 2 que [. -.,-'~ ~1!r -~
--
~~
u --

---4
E..9u2.dO!
a biosfera é particularmente vulnerável à mudança e, de maneira mais óbvia I,

do que em outros aspectos do ambiente, "tudo vive em conexão com tudo".


O resultado das ligações íntimas que caracterizam os ecossistemas foi que a
intervenção do homem, regra geral, produziu inesperadas reações em cadeia
:lft-------
de mudanças. - w ~
80"",,4
Península d e /'
( FigAA)

4.2. Vegetação

4.2.1. Modificando padrões da vegetação


~

D
f7'""'l
fundra

floreslO bar.ol (talg0)



F-=:'l
~
8
L.:;J
esclerófila (mediterrôneo)

lovono

deserto
~ floresta

D ....
umldo tropical

O·taçõo de montanha

~ "tepel prado rio

floresto temperado .~
Um mapa convencional dos grandes tipos de vegetação está na Fig. 4.3. mil dec,'duo
florestas tropicala

Nessa escala e segundo este método de levantamento cartográfico, a Grã-Bre-


Figura 4.3 _ Distribuição teórica dos principais tipos de vegetação da Terra (contorme
tanha está coberta por floresta decídua. De fato, semelhante mapa constitui
Drew,1977).
um documento histórico, que indica relações idealizadas entre solos, vege-
tação e clima expressas como tipos-clímax de vegetação (o ótimo de vegeta-
ção para um determinado ambiente). Assemelha-se muito menos à realidade
A modificação da vegetação européia representou um processo demo-
do que o mapa de solos do mundo dado no capítulo anterior. Assim, a
rado (Capítulo 9), mas nos últimos tempos o ritmo foi um pouco acelerado
floresta decídua da Europa mostrada no mapa foi, em larga medida, conver-
por toda parte do mundo. A Fig.4.4 demonstra as drásticas mudanças na
tida em pastos ou em terra arável; a maior parte da floresta mediterrânea é
vegetação impostas numa área de floresta decídua em South Island, Nova
hoje terra agrícola ou moita enfezada e a maior parte da floresta úmida tro-
Zelândia, durante um período de noventa anos. Atualmente a vegetação é
pical (selva) virou floresta secundária ou cerrado.
formada de pastagens, cerrado e trechos isolados da floresta original. Pode-se
Mesmo nas regiões de agricultura limitada, muitas vezes a vegetação não
comprovar a ocorrência de alterações assim tão rápidas em todo o mundo.
é inteiramente nativa, praticando-se o reflorestamento. Nas regiões serniáridas,
Claro que a manipulação da vegetação natural passa por matizes. Uma
como as áreas de desertificação descritas no Capítulo 2, regra geral o homem
zona florestada pode modificar-se ligeiramente por cortes seletivos de árvores
transtomou o equilíbrio ecológico natural aumentando o número de animais
ou ser convertida inteiramente em pasto, em terra arável ou em terra de
herbívoros (gado), resultando no final a redução do status da vegetação, a
agricultura intensiva. Se a vegetação existente é formada por pradarias, sua
disseminação de plantas com exigências ambientais mais modestas - plantas
modificação é possível introduzindo animais herbívoros que escolhem o
xerófitas (resistentes à seca), plantas resistentes ao fogo e plantas intragáveis.
alimento, usando fertilizantes ou semeando novas espécies vegetais, como
Eis aí um exemplo de evolução forçada, em que a defesa contra os efeitos
sucedeu nas Grandes Planícies da América do Norte. (Nestes últimos dois
colaterais da atividade humana é o primeiro requisito da sobrevivência.
63
62 f\lIntas e Animais
Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente
casos, as alterações são profundas.) A tendência geral tem sido para degradar
ÕÕ'
o estado da vegetação, reduzindo a diversidade das espécies e a biomassa e
'"o-.... encaminhando a vegetação para o tipo final árido do gradiente hídrico úmido-
E c::' meso-xérico (de úmido para seco).
:li
.8 Mudanças irreversíveis nos tipos de vegetação somente se verificam se o

]
~
..c:: estado do solo também é alterado. Deste modo, grandes áreas do mundo são
..,o
artificialmente mantidas como pradarias (vegetação de plagioclímax), mas a
'"
6
.8
não ser que o solo se tenha alterado radicalmente em reação à nova vegeta-
c:: ção, ao clima ou à erosão, o menor relaxamento da pressão imposta pelo
o
2, homem fará reverter a vegetação, gradativamente, ao seu equilíbrio natural.
o
V")
Há exceções em zonas sensíveis, onde o limiar foi ultrapassado e a vegetação
....
o-
original jamais retoma. Prováveis exemplos disso são a floresta úmida tropical
o'"
-o e as regiões semiáridas.
.....
00
As alterações deliberadas da vegetação (agricultura) são tratadas no
;::
'" Capítulo 9. Os exemplos de modificações na distribuição de plantas e animais,
c::
c
'.;
" apresentados no restante deste capítulo, são de mudanças em grande parte
{\1;.., ... >
<=
"., c 'Õ

., acidentais, sobretudo as de pequena escala.


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o ., ''''
10 e
o
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~.o ~ o
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'"c:: 4.2.2. Vegetação: mudanças em pequena escala
-3
tn
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-e
E Primaveras. As primaveras, outrora flores comuns da mata, assim como

~]
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o
ã'"
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~c::
'"
i%I
as prímulas, planta dos prados abertos, ocupavam habitats bem diferentes.
Na Grã-Bretanha, a perda das matas e a modificação das terras de pastoreio
forçou ambas as espécies a ocupar um nicho comum artificialmente construí-
do em sebes e soutos aparados. A proximidade levou à miscigenação e produ-
-e
'" ziu uma planta intermediária, com o longo pedúnculo da prímula coroado
'"
"3 pelas flores da primavera. Outra influência humana reside no fato de escolher
,§ ou arrancar ambas as espécies para decoração. Hoje em dia a prímula verda-
c
c,
'" deira é relativamente rara e a distribuição da primavera se alterou em grande
-e'" escala, não existindo mais, virtualmente, perto dos centros urbanos.
.8
c::
'E" Flora das ferrovias. Os meios de transporte exerceram influência na
g -:u'" flora inglesa. Seja carroça, automóvel, trem ou canal, o resultado foi o entre-
~c:: ~ laçamento contínuo, relativamente uniforme e aberto dos habitats do país .
.~ c
';: .E c'" Desta forma, as espécies convenientes recebem condições ideais de propa-
~~~~ t., !
~
.• f;,'"
o
;: '<I:
'<t'
I
gação com o mecanismo artificial de dispersão representado pelo meio de
transporte. A difusão de tais espécies foi rápida e linear, ao contrário da
S eiit '"""
.§> progressão normalmente va~arosa no campo de amplas frentes de avanço.
~
64
Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente Plantas e Animais 65

o exemplo mais conhecido de flora das ferrovias é o de wna planta 4.2.4. A flora mediterrânea: mudanças em grandes escalas
estranha (mediterrânea), a tasneira de Oxford [Senecio squalidus}, que esca-
pou do Jardim Botânico de Oxford em 1790. Noventa anos depois alcançava As áreas de clima mediterrâneo ocupam apenas 3% da superfície da
a linha da Great Westem Railway naquela cidade, para se espalhar celere. Terra, mas a importância delas, em termos humanos, está fora de qualquer
mente por todas as linhas da ferrovia no sul da Inglaterra, medrando no proporção com o seu tamanho, especialmente na área mediterrânea da
transtornado chão e com a sua penugenta semente deslocada para diante Europa, mas também em regiões como o sul da Califómia. A instabilidade e a
pelas correntes de ar geradas pelos trens ao passar. Plantas nativas como a vulnerabilidade são características da vegetação mediterrânea, principalmente
tasneira viscosa (Senecio viscosus) espalharam-se pelo ambiente árido do das florestas. Isso reflete a natureza intermediária do clima, em parte tem-
cascalho da linha, ao passo que a criação de ambientes opostos, frios e úmidos perado, em parte tropical, assim corno a áspera e montanhosa natureza de
à entrada dos túneis e à sombra das plataformas possibilitou a migração de muitas áreas mediterrâneas. A seca e a pluviosidade exemplificam o regime
certas espécies de fetos. Nos últimos anos, a rede de estradas de ferro foi de precipitação, estimulando a erosão do solo, ao passo que a diversidade
truncada, limitando bastante os habitats. Os modernos trens de alta veloci- da natureza da flora florestal (quatro vezes o número de espécies das florestas
dade são agentes poderosos de dispersão via correntes de ar, mas o uso de temperadas) deixa cada espécie mais propensa à extinção.
herbicidas pulverizados para controlar a vegetação dos aterros reduziu seve- Um ambiente em tão delicado equilíbrio se torna muito sensível à
ramente a variedade das espécies, permitindo, assim, o desenvolvimento das influência humana, a qual rompeu em larga escala os ecossistemas regionais.
resistentes, como a lígula (Corrigiola litoralis], Do ponto de vista humano, as regiões mediterrâneas estão equilibradas entre
a fertilidade e a frugalidade, ficando o equilíbrio na dependência da forma
como se lida com a terra. O modelo ideal de uso do solo exigiria manter as
4.2.3. Mudanças em média escala florestas nas montanhas e praticar a agricultura nas planícies, mas tal sistema
raras vezes foi empregado, tanto na bacia do Mediterrâneo propriamente
Vietnã. Durante a guerra do Vietnã (1954-1973) o homem exerceu dito como em qualquer parte do mundo. Na área européia, sobretudo, o
fortíssimo controle sobre a vegetação - floresta úmida tropical _, para fins conflito entre pastoreio e agricultura foi decisivo na determinação do destino
puramente militares. Um quinto de toda a área florestal foi desfolhada da vegetação natural.
pelas forças norte-americanas, usando poderosos herbicidas, com concentra- Calcula-se que os tipos de vegetação criados pelo homem ocupam mais
ção trezes vezes maior que a necessária para matar ervas daninhas em agri- de 3/4 das terras altas da região mediterrânea da Europa. Áreas de coloni-
cultura. Calcula-se que os efeitos perdurem por cem anos, desconhecendo-se zação mais recente passaram por mudança comparável. Por exemplo, no
em grande parte as conseqüências ecológicas. Os bombardeios ainda causaram Chile e na Califómia, até a grama e as ervas dos pastos, onde antigamente
maior impacto, convertendo 2 mil quilômetros quadrados de selva em terra havia floresta, são importadas quase todas da Europa, pois suportam melhor
nua, somente no ano de 1971.
o pisoteio do gado que a flora natural.
No entanto, é na Europa que as mudanças sofridas pela vegetação medi-
Opúncia. O cacto opúncia foi levado da América do Sul para a Austrá- terrânea estão bem documentadas. As florestas de carvalhos ou de pinheiros,
lia, como cerca eficaz para o gado. Encontrou lá um espaçoso nicho e se que formam a vegetação natural de cerca de 80% da zona montanhosa, vêm
alastrou de forma descontrolada, arruinando praticamente 250 mil quilôme- sendo exploradas há pelo menos 10 mil anos. Boa parte da madeira foi usada
tros quadrados de terra de lavoura, estrago comparável ao do coelho. Desco- para construção ou para carvão, mas áreas imensas foram desmatadas no todo
briu-se que a aplicação de produtos químicos não produzia nenhum efeito ou em parte para a criação de pastos. O corte de florestas ocorreu em surtos
e acabou por se adotar uma forma de controle ecológico "natural". Outra de atividade divididos em períodos diferentes, mas as perdas maiores se
espécie estrangeira foi importada da América do Sul, a mariposa Cactoblastis deram nos três últimos séculos. A remoção da cobertura florestal e o pasto-
cactorum, cujas larvas penetram na opúncia e destróem a planta por dentro. reío, que impede a regeneração, gerou microclimas mais extremos, permitiu
Em três anos a população de opúncias diminuiu 80% e, ao fim de vinte anos, uma extensa erosão do solo e, mesmo que a terra tenha sido abandonada,
tinha-se estabelecido um equilfbrin natural entre o cacto e o predador, perma- SOmente wna vegetação menor surgiu. A Fig.4.5 ilustra a seqüência da
necendo a população de opúncias em nível aceitável. degradação vegetal associada ao corte de florestas para fins agrícolas ou de
66
Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente 67
Plantas e Animais
pastoreio. O ritmo em que a regressão se efetiva, em cada caso, depende de
a regeneração da floresta. Contudo, as áreas de intenso pastoreio ou exaustas
fatores locais de solo, topografia e clima, juntamente com a intensidade e a
duração do esforço imposto pelo homem. pela lavoura, virtualmente se tomarão desertos nos quais somente as plantas
mais tenazes sobreviverão, como o asfódelo. Essas áreasjá ultrapassaram um
A perda de floresta estimula as espécies vegetais leves e resistentes à
limiar que não lhes permite recuperar a condição original.
seca a se tomarem dOminantes; de modo semelhante, o pastoreio faz disse-
Napoleão, que nasceu na Córsega, dizia que seria capaz de reconhecer
minar as plantas intragáveis e as que se propagam por vergôntea. A mudança,
a terra natal mesmo de olhos vendados, só pelo cheiro da vegetação aromá-
regra geral, se dá de uma vegetação mesofítica para outra xerofítica. O
tica. Essas plantas, entretanto, são as do maquis (mato) e petit maquis ou
maquis e o chaparral, que caracterizam boa parte das regiões mediterrâneas,
garrigue, que hoje recobrem uma larga proporção da Córsega, em substituição
são floras relativamente ricas e, se não forem perturbadas possibilitarão talvez
às florestas originais de carvalhos e pinheiros. A vegetação da Córsega foi
muito mais degradada pela ação do homem do que a de qualquer outra região
Floresta de climax
mediterrânea comparável. Mais de 75% da zona agrícola potencialmente
azinheira sobreiro importante, que se' situa entre as altas montanhas e a planície costeira, se
pinheiro
desmatamento transformaram em chaparral. A floresta natural restringe-se a capões isolados
paro eu Iti vo

o
..
Q;
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Floresta secundário
no meio de um mar de maquis, sendo evidente a associação de uma vegetação
ainda mais degradada tgarrigue) com o povoamento. São grandes áreas de
~ terras aráveis abandonadas .
., Carvalho quermes
o pinheiro As florestas originais de carvalhos sempre verdes, nas montanhas mais
"- altas, foram extensivamente abatidas para a obtenção de carvão e tanino nos
"
o

i
E
!
Moquis alto / matagal
séculos XV e XVI, mas elas já tinham começado a desaparecer muito antes.
Já no século V a floresta de faias estava começando a substituir o carvalho,
~ pois os inúmeros porcos mantidos nas serras comiam os brotos e as bolotas,
o lentisco louro cisto Agricultura
'o
o- ~ inibindo a regeneração. Mesmo hoje, a Córsega tem 30 mil suínos, quando o
o mOrangueiro te rraplenagem
~ " ótimo se calcula em 4 mil. A tradição pastoral da ilha levou ao corte de vastas
'" 8.~
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<> florestas de faias e pinheiros, expondo o solo a severa erosão, mesmo em
~ ~ abandono
vertentes comparativamente suaves. O pastoreio dos sumos, cabras e ovelhas
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E
Maquis baixo /'garrigue
impediu o rebrotar das espécies, ao passo que o abandono da terra, com o
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alfazema
alecrim
tomilho
cisto
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declínío da economia, fez com que o espinhoso maquis se tomasse impene-
~ trável. Atualmente, a vegetação da Córsega é, em grande parte, produto da
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Estepe
intervenção humana.


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asfódela uparto
4.3. Animais

"
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c 4.3.1. Relação entre o homem e os animais
8-
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.g Descalvada
~ solo nu
Mais do que com a vegetação, a interferência humana nas populações
xerófita a animais redundou em efeitos mais abrangentes e imprevisíveis, como no
exemplo com o coelho (Capítulo 2). Quanto mais alto estiverem os animais
na cadeia alimentar, maior é o grau do controle exercido pelo homem. Apesar
Figura 4.5 - Seqüência da degradação e regeneração para a vegetação mediterrânea dos inseticidas, as populações de insetos são na sua maioria relativamente
sob influências humanas ou naturais.
imunes ao controle humano e chegam mesmo a proliferar em ambientes
69
68 Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente P\lIntas e AniInais
As colônias européias conheceram a introdução de animais em escala
"controlados". Os animais de maior porte são menos numerosos e mais fáceis muito superior e em período mais curto. Um exemplo significativo é o da
de manipular. A erradicação de certas espécies e a criação seletiva de outras Nova Zelândia, onde, no decurso dos últimos cem anos, foram acrescentados
fizeram aumentar a quantidade de animais herbívoros, à custa dos carnívoros à faun nativa o coelho, o ouriço-cacheiro, o rato, a lebre, o ancinho, a
(caçados para eliminação das espécies predadoras ou por divertimento). doninha , o furão, a raposa, a cabra, o gato, o cão, o cervo, o gambá, o melro,
Também houve reduções e eliminações por destruição do habitat, freqüente- a
a gralha, o pato bravo, o tentilhão, o pintassilgo e a cotovia.
mente uma conseqüência indesejada do mau uso da terra. A extinção e a Três exemplos de ecossistemas animais modificados são apresentados a
introdução de espécies animais são aspectos opostos da manipulação humana, seguir: extinção, proliferação e mutações em larga escala num ecossistema
embora possam ocorrer conjuntamente. Quando se levaram cabras para as
ilhas Galápagos, no Pacífico Oriental, as populações indígenas de tartarugas aquático.
gigantes e de iguanas declinaram rapidamente, já que todas estavam compe-
tindo pelos mesmos alimentos, as cabras com mais êxito.
4.3.2. Modificando ecossistemas animais
No mínimo duzentas espécies de mamíferos e de aves se extinguiram nos
últimos três séculos, em conseqüência da atividade humana. A taxa foi de Grande borboleta azul. A fauna com pequena população natural e
uma espécie por ano no século atual. Outras 250 espécies estão em vias de de- habitat muito restrito (falta de adaptabilidade) é particularmente propensa à
saparecimento. A maior delas - a baleia azul - vem rareando nos últimos anos. extinção, como resultado da atividade humana. Isso pode acelerar um pro-
A captura nas águas do Antártico foi superior a 5 mil exemplares em 1950, cesso natural ou reverter uma tendência natural (colonização). Muitas vezes,
1.700 em 1960 e zero em 1970. É matéria de grande especulação o efeito, as borboletas entram nesta categoria, pois as lagartas de certas espécies são
sobre os ecossistemas marítimos, da extinção de uma espécie como esta. altamente seletivas na escolha do alimento. A grande borboleta acobreada
Variam muito as razões que levaram à introdução de espécies animais tinha desaparecido da Grã-Bretanha desde 1865, por causa da drenagem dos
em novos habitats. Às vezes houve vontade deliberada, científica ou de outra Fens, e a sucessora dela, vinda da Holanda, apenas sobrevive com extremos
natureza; outras vezes, foi por inadvertência. O sucesso de uma espécie levada
para novo habitat depende da existência de um nicho vago para ocupar. cuidados no paul de Woodwalton.
Também se supõe que a grande borboleta azul (fI-faculinea arcon), raro
Alguns animais introduzidos, atualmente naturalizados na Inglaterra em maior exemplar nativo das terras baixas do sul da Inglaterra, se extinguiu por volta
ou menor número, incluem: de 1980. O ciclo vital da borboleta é altamente especializado. As lagartas
alimentam-se de flores e sementes de tomilho durante três semanas, antes de
gamo, rato doméstico pré-história se tomarem crisálidas. Estas, em seguida, caem ao chão e são levadas para o
coelho, faisão, rato preto, carpa Idade Média subsolo por uma espécie particular de formiga, que obtém delas uma secreção
rato marrom, cervo, esquilo cinza séculos XVII-XIX doce, ao mesmo tempo que lhes proporciona um ambiente seguro no formi-
visão, canguru pequeno 1900 gueiro até o mês de maio, quando a borboleta emerge. O crescente aproveita-
ratão do banhado 1930 mento das baixadas em atividades agrícolas fragmentou a imensa população
sapo de ventre amarelo 1950 de borboletas azuis em ''ilhas'', ao mesmo tempo que o declínio da população
peixe ciprinídeo 1960 de coelhos possibilitava que as áreas remanescentes de turfa desenvolvessem
gerbilo, porco-espinho de crista 1970 um tipo mais espigado de vegetação, excluindo aquela bem roçada pelo gado
que as formigas preferiam. Então, é provável que o número de borboletas
As populações de muitos desses imigrantes são demasiado reduzidas, azuis caiu abaixo do mínimo necessário para a perpetuação da espécie; sua
mas outras, como o esquilo cinza, prosperaram imensamente. Este já superou extinção exemplifica o que a destruição deliberada de um habitat é capaz de
de muito o esquilo vermelho nativo em todas as regiões, menos no oeste, onde
tem poucos inimigos naturais e acredita-se que tem sério efeito sobre a popu- fazer.
lação de aves, pelo fato de destruir ovos. Por comparação, os canguruzinhos Parasitas do coqueiro, Malásia. A extinção acidental de um inseto não é
do Derbyshire levam uma existência confinada, sem nenhum inimigo natural nada em comparação com as explosões populacionais provocadas pelo homem
senão o homem.
71

70 Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente Plantas e Animais


A explosão populacional do arenque do Atlântico somente aconteceu
ao retirar algum freio à expansão dentro do ecossistema. Na área de Sabah, em rneados da década de 60, talvez porque o seu principal predador, a truta
Malásia, derrubou-se a mata na década de 50 para estabelecer plantações de do lago, tinha diminuído muito de número devido à lampreia. A queda na
coqueiros. Esta ficaram cercadas por um anel de mata secundária (degradada), quantidade de peixe comercial foi rápida; no final dos anos 60, procedeu-se à
com a floresta virgem (natural) ao longe. A floresta secundária ofereceu uma
base para inúmeros parasitas do coqueiro, entre os quais a broca e o bicho do
cesto (lagartas). Tais parasitas são sedentários, raramente se movendo de um
lugar isolado e seguro para outro, na mesma árvore. Recorreu-se à pulveri-
zação extensiva com DDT, mas os resultados foram exatamente o contrário
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do que se pretendia. Os predadores naturais dos parasitas são insetos que 'f°L/ .....
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esvoaçam sobre as árvores em busca de alimento e, como foram eles os mais (a)
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I atingidos pelo inseticida, seu número foi drasticamente reduzido. Livre de , J ".
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predadores, a população de parasitas dos coqueiros explodiu. ~: 5
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A pesca nos Grandes Lagos. Embora os Grandes Lagos da América do


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Norte formem uma unidade hidrológica, com drenagem para o Atlântico 1955 1960

através do rio São Lourenço, o lago situado em cota mais baixa, o Ontário,
estava, na origem, biologicamente isolado do conjunto por causa das Cata-
ratas do Niágara, que ligavam o São Lourenço com o lago Erie. As Cataratas
também ofereciam uma barreira à navegação, até que foram superadas no
século XIX pela construção de canais. O canal de Erie (Fig.4.6a) ligava o
rio Hudson, no Estado de Nova Iorque, com o lago Ontário através do rio
Oswego (1819) e foi depois, em 1825, estendido até o lago Erie. O canal
de Welland (1829) oferece uma rota direta entre os lagos Ontário e Erie.
Os canais também são condutos biológicos, mas isso foi muitos anos
l !ompreio
antes que se tomassem evidentes os efeitos, em termos de transformações na A arenque '"
quantidade, composição e distribuição de espécies de peixes. Duas espécies dO A.

invasoras foram as responsáveis por muitas dessas mudanças, o arenque do


Atlântico e a lampreia, parasita hematófago do mar alto. O arenque foi encon-
trado em 1860 no lago Cayuga e no lago Seneca, no rio Oswego, tendo
migrado do rio Hudson. Pouco depois, o peixe alcançava o lago Ontário e, em
poucos anos, a pesca no lago entrou em colapso, pois a população de savelhas, Figura 4.6 _ Alterações na pesca dos Grandes Lagos. Em (a), difusão da lamprcia e do
cabozes, lúcios e arenques do lago não podia competir com o arenque do arenque do Atlântico nos Grandes Lagos, após a construção dos canais de
Atlântico. Vinte anos mais tarde, a lampreia alcançava o lago Ontário. Erie e de Welland. Em (b), modificações na população de peixes do lago de
A migração prosseguiu através do sistema dos Grandes Lagos (Fig.4.6a), Michigan, em 1950-1970 (confonne Aron e Smith, 1971).
mas 120 anos se passaram, desde a abertura dos canais, antes que o arenque
do Atlântico e a lampreia fossem descobertos nos lagos mais distantes, o
Michigan e o Superior. Estes lagos, que são fundos, proporcionaram um pulverização de produtos químicos com vistas a matar as larvas da lampreia
ambiente ideal principalmente, para a lampreia, pois ela prefere viver nas nas correntes de desova. Depois, importou-se o salmão do Pacífico (até 10
águas profundas, sempre frias. A Fig. 4.6b mostra quais foram as mudanças na milhões por ano) para caçar, no lago, o arenque do Atlântico, e tentar restabe-
população de peixes do lago Michigan nos últimos anos, desde a chegada dos lecer algo que se assemelhe a um ecossistema anterior ao canal. .
dois invasores.
72

Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente


4.4. Conclusões

Corno a vegetação intata representa a resposta biológica à totalidade dos


fatores arnbientais (solo, clima, relevo), também a sua correlação com esses
outros subsistemas globais é muito sensível. Em várias partes deste livro
tratamos dos efeitos colaterais das mudanças na vegetação praticadas pelo
homem: nos solos (Capítulos 3 e 9); no clima (Capítulos 2 e 5); na Judro. 5. A atmosfera
10gia (Capítulo 6). As conseqüências das modificações na distribuição de
animais, normalmente, apresentam alcance igual, embora sejam mais sutis
e difíceis de descobrir, corno vimos no presente capítulo.
No princípio, o interesse do homem pelo mundo biolÓgico derivava da 5.1. Introdução
necessidade de comer e de competir com os predadores, objetivos atual.
mente promovidos pelo controle genético de plantas e animais e pelos esfor-
ços para controlar os insetos transmissores de doenças ou os próprios micror-
ganismos.

No entanto, lado a lado Com esta abordagem "racional" e empírica do


mundo natural, tem havido inconstância relativamente a outras formas de o homem alterou pela primeira vez a ação local da atmosfera e, portan-
vida, o quedasónatureza.
agora começa a mudar, com o homem aceitando sua integração to, o clima, há 7 ou 9 mil anos, ao mudar a face da terra com a derrubada
no mundo
de florestas, a semeadura e a irrigação. As mudanças climáticas daí resul-
tantes, porém, foram quase imperceptíveis, tal qual as tentativas deliberada-
mente feitas há pouco tempo no mesmo sentido.
O homem tem a tendência de se curvar ao vento, literal e metaforica-
mente, no que diz respeito ao clima, adaptando-se às condições reinantes em
vez de procurar modificá-Ias: as casas são situadas em posições protegidas, as
safras sensíveis ao gelo são plantadas nas encostas dos vales, onde a tempe-
ratura flutua menos (faixa térmica), e não no fundo deles, a irrigação é empre-
gada para compensar a falta de chuvas e assim por diante. Mesmo hoje, o
controle das forças atmosféricas é quase inteiramente defensivo, procurando-
se evitar as piores conseqüências de urna seca, de um tufão ou do frio exces-
sivo. O controle positivo do clima é extremamente limitado em área e intensi-
dade, embora se tenham desenvolvido esquemas de larga escala para defletir
processos atmosféricos. Por exemplo, já foi sugerido represar o rio Congo, na
África Central, para criar um lago de 3 milhões de quilômetros quadrados
(10% da superfície do continente africano). Esse corpo aquático, com elevada
perda por evaporação, injetaria umidade no fluxo de monção, o que, por sua
vez, faria aumentar a precipitação pluviométrica na área sujeita a secas de
Sahel, ao norte da África. De escala semelhante são as idéias de desviar
grandes correntes oceânicas, como a Corrente do Golfo e a de Kuro Shivo, ou
de impedir a troca de águas entre o Oceano Pacífico e o Ártico, construindo
uma barragem no Estreito de Behring. Todos esses projetos são provavelmente
75
74 Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente
A Atmosfera

viáveis no sentido tecnológico, mas a nossa ignorância dos pormenores da de esforçO possa produzir uma alteração verdadeiramente significativa. É
ação da atmosfera implica que não está de maneira alguma claro qual a cadeia possível ter uma noçãO da magnitude dos fluxos de energia atmosférica se se
de causa e efeito que poderia resultar de intervenções de tão larga escala. O adlnitir que a combustão de mil toneladas de carvão gera urna unidade de
que é certo é que não seria benéfico para todos os povos da Terra. energia. Compare-se então com os seguintes fenômenos, que envolvem ener-
Não obstante, é provável que no decurso deste século o homem tenha
começado inadvertidamente a acelerar o ritmo de mudança do clima do globo, ~a:
sobretudo no hemisfério Norte. É muito difícil avaliar a magnitude dessas Energia envolvida
mudanças ou ter a certeza se elas são naturais ou não, mas supõe-se que a (unidades)
tendência natural para o esfriamento no clima mundial desde a década de 50 10
já foi detida, esperando-se um aquecimento perceptível lá pelo ano 2000. Por Trovoada 10.000
volta de 2050 talvez tenhamos o clima mais quente dos últimos mil anos. As Bomba nuclear grande 100.000
mudanças nas regiões polares devem ser duas a três vezes maiores que a média Consumo mundial diário de energia 1.000.000
mundial; se o gelo derreter em proporções consideráveis, isso provocaria Depressão de latitude média 10.000.000
outras grandes e talvez irreversíveis distorções na circulação atmosférica e nos Circulação das monções 1.000.000.000
padrões do equilíbrio térmico. Essas alterações são consideradas como sendo Recepção diária de radiação solar, global
prováveis conseqüências diretas da modificação da composição atmosférica,
especialmente do teor de poeira e bióxido de carbono. Ao contrário dos
demais aspectos do ambiente físico até agora examinados, a atmosfera é um Por esta base, a capacidade do homem para desviar ou alterar seme-
sistema contínuo e único, de modo que as mudanças são transmissíveis em lhante fluxos de modo significativo, quanto mais empurrar o sistema para
toda a sua extensão. Portanto, alterações no segmento atmosférico do ciclo além dos seus limiares, parece muito limitada, com exceção das zonas climá-
do carbono, digamos, ou no albedo de amplas áreas da superfície terrestre, ticas delicadamente equilibradas, como as regiões semiáridas propensas à deser-
possivelmente não darão início a mutações climáticas de escala local, mas sim tificação, descritas no Capítulo 2. No entanto, há pontos fracos dentro da
de escala mundial. atmosfera, em dois dos quais o homem está agindo na atualidade.
Mudanças na refletividade da superfície (albedo) alteram o aquecimento
da atmosfera inferior e elas estão relacionadas a uma alteração no uso da
5.2. Pontos de atuação no sistema atmosférico terra. Em segundo lugar, mas potencialmente muito mais importante, é a
composição da atmosfera, sobretudo a quantidade presente de gás de bióxido
o determinante fundamental do clima é a entrada de radiação solar que de carbono. O aumento da concentração deste gás, devido primeiramente à
impulsiona os mecanismos da atmosfera. Todos os elementos do clima - tem- queima de combustíveis fósseis e, como efeito secundário, ao desmatamento
peratura e padrões de pressão, o vento e a precipitação pluviométrica - são (Seção 5.4.2), é considerado o responsável pela tendência do clima mundial
efeitos secundários da diferença de aquecimento da atmosfera e da superfície para o aquecimento. Como o bióxido de carbono é um agente importante da
da Terra. Portanto, as alterações introduzidas no equilíbrio térmico irão absorção da radiação de ondas longas, tal substância ocupa urna posição deci-
causar mudanças climáticas máximas e a maior seqüência de mudanças ulte- siva no equihbrio térmico, de modo que pequenas modificações na sua
riores. As alterações introduzi das no funcionamento dos processos secun- concentração são capazes de produzir intensas flutuações na temperatura do
dários, como a precipitação pluviométrica e o sistema dos ventos, tendem a globo.
ter efeitos mais restritos. Todas as tentativas deliberadas de modificação Os exemplos de alteração climática apresentados neste capítulo estão
climática visavam esses processos secundários (dispersão da névoa ou preci- distribuídos segundo uma escala (de mícro a macro: da casa ao hemisfério) e,
pitação de chuvas, por exemplo). depois, conforme as mudanças sejam inadvertidas ou deliberadas. Todas as
Por felicidade, talvez, a vasta escala do sistema atmosférico e os enor- alterações de larga escala são acidentais, tal como efetivamente ocorre com a
mes fluxos de energia que se verificam, implicam que são relativamente redu- mais intensa mudança de mesoescala - o típico clima urbano considerado no
zidos os pontos de interferência no sistema, em que uma pequena aplicação Capítulo 10.
76
Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente
A AtJI10sfera 77
5.3. Escalas de mudança
(jet-stream), forma-se a~m~ da zona de fluxo turbulen~o. O e~ifício Irá
5.3.1. Mudança microclimática converter em calor a radiação solar que entra, de forma diferente a das vizi-
nhanças, dependendo da cor, textura e densidade dos materiais de construção
do edifício. Muitos edifícios atuam como ilhas miniaturais de calor, devido
o motivo primordial da construção de edifícios é obter abrigo, criando tanto ao aumento da absorção e subseqüente irradiação de energia solar como
um clima inteiramente controlado e artificial dentro de pequenina área. No
ao calor produzido por combustão. Deste modo, o edifício possuirá uma fraca
entanto, todo edifício cria igualmente o seu próprio microclima, diferente na
célula de convecção própria com ar quente ascendente. A umidade é menor
vizinhança imediata, que tanto pode ser como não ser desejável. Deveria ser
perto da estrutura, pois a água da superfície é depressa removida por drenos
obrigatório para os arquitetos modernos considerar esses aspectos climáticos
ao projetar uma construção. Os climas urbanos (Capítulo 10) formam uma nas áreas construídas.
assembléia tremendamente complexa de milhares de climas locais sobre.
postos, criados pelas estruturas.
Um único edifício modifica muitos dos parâmetros climáticos, ainda
5.3.2. Mudança mesoclimática
que em escala diminuta. A Fig. 5.1 mostra a alteração da circulação de vento
n 1 área em volta de um edifício. O fluxo livre e lamínar entra em disrupção, Nas áreas rurais, o clima sofre alterações em grandes espaços (talvez
criando alta pressão no lado contra o vento e baixa pressão com redemoinho centenas ou milhares de quilômetros quadrados) por mudança no uso da
no lado abrigado. Uma Corrente miniatural de ar, em fluxo de alta velocidade terra. Os efeitos são maiores junto do chão, mas as condições atmosféricas são
alteradas em uma abóbada de 30 a 100 metros de altura. Isso é discutido no
contexto do ambiente da mata tropical, no Capítulo 9, mas o desmatarnento

- (a) Seção longitudinal mostrando as zonas de fluxo

,... - -- ti., ..
nas regiões de clima frio e seco provoca os mesmos efeitos.
Nos territórios do nordeste do Canadá, fez-se uma queimada numa área
de taiga com podsol subjacente. O microclima local, medido 24 anos depois,

~~S? revelou características bem diferentes do clima existente nas matas vizinhas.
Os níveis de albedo eram inferiores aos da mata (16% contra 19%). Por conse-
qüência, a absorção acrescida de radiação pelo terreno na área queimada
gerou maiores temperaturas à superfície (mais IOoC no verão) e no solo
(b) Seçõo longitudinal mostrando os perfis de
I velocid9de 10
vent,o I (mais 4°C). A falta de uma zona "protetora" de vegetação - apenas vingam

1
~/jfg~'~-~--- 2 3 4 5
pequenos arbustos e erva - fez aumentar a temperatura do solo e ainda mais a
variação da temperatura de dia e de noite (37°C em vez de 28°). Os gradien-
tes térmicos nos 10 centímetros mais baixos da atmosfera aumentaram de
5 para 7°Cjcentímetro.
À falta de árvores, a velocidade do vento aumentava ao nível do ter-
reno, diminuindo a capa de neve em 20% e a umidade do solo, mas facilitando
(e) Planta do padrõo de fluxo do ar a infiltração de água da chuva, pois não há folhas para interceptá-Ia. A longo
Legenda prazo, isso alterará a evolução do solo (maior lixiviação), e daí a vegetação e
A fluxo normal novamente, portanto, o microclima.
B fluxo deslocado Ainda que as alterações climáticas aqui exemplificadas se afigurem
e turbu lêncio
grandes; na realidade estão em larga medida concentradas .nas mais baixas
o fluxo descendente (rumo)
camadas da atmosfera, diminuindo rapidamente os efeitos com a altitude. São
raros os exemplos comprovados de alterações climáticas de média escala
Figura 5.1 - Modificação do padrão de fluxo de ventos nas vizinhanças de um edifício
(conforme Oke, 1978). devidos à atividade humana, fora das áreas urbanas e talvez daquelas recente-
mente reflorestadas.
81

80 Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente A At!T1osfera


d 000 p.p.m. faria decrescer a radiação infravermelha cessante em 0,3%
alguns podem funcionar como núcleos de condensação em tomo dos quaís se oeqde, 25por seu turno, elevaria até 0,5°C as temperaturas da superfície da
formam as gotículas das nuvens. Sabe-se que tal efeito ocorre nas limitadas
zonas que cercam as cidades. Terra.O escapamento dos veículos motorizados forma um grupo de poluentes
As emissões gasosas para a atmosfera são capazes, com maior probabíjj, atl11osfériCoSque inclui o monóxido de carbono e o bióxido de nitrogênio.
dade que a poeira, de desencadear mudanças climáticas, já que podem perma, Nas áreas de forte insolação algumas dessas substâncias, bem como os nídro-
necer indefinidamente em suspensão. O bióxido de carbono atmosférico faz carbonetos, são capazes de ter a sua composição química alterada, formando
parte do ciclo mundial do carbono, embora represente uma zona acumuladora novos compostos devido à ação da luz solar na atmosfera (alteração fotoquí-
de relativo curto prazo, em comparação com as reservas oceânicas e vegetais. [llÍca). A Fig. 5.2 ilustra a transformação do bióxido de nitrogênio na com-
Ele atua como um filtro de radiação (Seção 5.2), deixando entrar a radiação plexa composição nitrato de peroxiacetil (PAN), que é prejudicial à vege-
de ondas curtas mas absorvendo a radiação cessante em várias faixas infra- tação, estraga a borracha e irrita os olhos. Essa alteração fotoquímica de
vermelhas, aquecendo assim a atmosfera inferior e resfriando a estratosfera. rejeitos industriais constitui no momento um fenômeno exclusivamente
A queima de combustíveis fósseis e o desmatamento aumentaram a
concentração do bióxido de carbono atmosférico de cerca de 0,027% há cem urbano.
anos para cerca de 0,033% nos dias de hoje. Prevê-se que o nível passará para
0,044 no ano 2000 e para 0,06 em 2050, a perdurar a taxa atual de uso de
Bió~idO de
combustíveis fósseis. Atualmente, o homem responde por 20% de toda a nitrogêniO
produção de bióxido de carbono e já conseguiu deslocar de modo significativo
as reservas globais de carbono: agora, a quantidade acumulada na atmosfera é
igual à da biomassa, embora isso se deva em grande parte à redução da
biomassa por desmatamento. Se as emissões de bióxido de carbono conti- di sso cioçóo por

nuarem a aumentar à taxa atual, pode se verificar uma elevação da tempera- Ácido nítrico ...- radiação solar

tura de aproximadamente O,3°C por década, ainda que o aquecimento seja


talvez irregular, com o máximo ocorrendo nas latitudes 500S e 50oN, no
sentido dos pólos.
Mais importantes, em termos quantitativos, são as emissões de gás de Oxidant.s
10xiQinio
anidrido sulfuroso. Conquanto ele paire no ar por pouco tempo, seus efeitos at'õmico)
podem ser graves (Capítulo 10).
Um grupo estranho de substâncias liberadas na atmosfera, provindas de •
refrigerantes e aerossóis propelentes, é formado pelos clorofluorometanos
(as principais descargas industriais são de FG-ll e FC-12). Esses chamados + hidrocarbo-
+
+ anldrldo oxigênio
n.tos r.ativos
freons são substâncias atóxicas, muito estáveis, que, se alcançam a estratosfera, sulfurosO

podem perdurar por setenta anos, sofrendo como único grande declínío Ir
natural uma lenta decomposição por raios ultravioleta na estratosfera.
~
A concentração de freons na troposfera, atualmente, é de cerca de I
0,0002' p.p.m., mas estima-se que chegará ao máximo de quase 0,0003 p.p.m. Nitrato d. Ozõnlo

em começos do próximo século, quando uns 65% serão constituídos por


Trióxldo
sulfuroso
peroxiacetillPAV) I
FC-12. Dessa época em diante, as taxas de desagregação e de produção
estarão aproximadamente equiparadas. Julga-se que os freons exercem efeito
direto sobre o equilíbrio térmico da Terra, na medida em que se comportam Figura 5.2 _ Reação em cadeia de processos fotoquímicos na atmosfera, provocados por
de maneira afim ao bióxido de carbono, absorvendo a radiação cessante (que emissões de veículos a motor e de combustão.
sai) na faixa de 8 a 15 mícrons do infravermelho. Uma concentração de freons
83

82 Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambie


nte '" ",tfll°sfera
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É enorme, contudo, a variedade de substâncias lançadas no ar pelo eo ~ =õl
tO
homem. Muitas são indefinidas, mas em quantidades muito pequenas para que "'-ó o
c:b o •.• tO
-óo-ó
se admita a sua capacidade de modificar a ação da atmosfera. Uma de tais o ..: '"
substâncias que talvez produza efeitos, no entanto, é o gás radiativo emitido
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t: $ e
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pelas usinas de energia nuclear, o criptônio 85. Embora ele não faça combi_ <?o '-~~ z -e o e
nações químicas na atmosfera, sua desintegração radiativa produz eléctrons
o.
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que iontizam localmente o ar. Isso tem o efeito de aumentar a condutividade o., '>4> I tO
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das camadas inferiores da atmosfera, reduzindo o campo elétrico entre a ~o~,~"
° i 1) C' '"
Terra, com carga negativa, e a atmosfera superior, com carga positiva. Em ~" fc: =0==
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teoria, isso deveria levar à redução da eletricidade atmosférica (trovoadas). A
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iontização das camadas inferiores da atmosfera aumentou de 10 a 15% nos
últimos trinta anos. Não ficou demonstrado, contudo, que a freqüência das
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trovoadas tenha mudado. o • o ..:
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5.5. Mudança climática deliberada /
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5.5.1. Proteção contra as geadas o ';j tO


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o controle deliberado do equilíbrio térmico, fora das habitações, só é g~.2
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praticável em pequena escala e em áreas reduzidas, unicamente por razões -ó'-'",
econômicas. Por exemplo, os grandes clubes de futebol podem dar-se ao luxo / o ., '"
de possuir aquecedores elétricos do solo para que se possa jogar em época de 01
'" -ó .,
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geadas. As temperaturas do solo e do ar, nos centímetros mais baixos da 1/ ;; .......- ., õI


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atmosfera, podem ser elevadas usando revestimento de palha sobre as semen- 11 r .3 e';
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teiras, que reduz o albedo e retarda a re-radiação de energia. Com as colheitas 81 o'-~
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particularmente sensíveis às geadas - as frutas cítricas são um bom exemplo
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- talvez valesse a pena agir ativamente para tentar manter as temperaturas do e tO Õ
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ar dentro da camada de vegetação acima do nível crítico do prejuízo por e f -e
geadas. As técnicas empregadas somente são eficazes em condições marginais, ::s 8. ~
onde só é necessário elevar uns poucos graus a temperatura. Do mesmo modo, ~~E
cd
"i-ó8.õ
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também só podem ser usadas em locais afetados pelo esfriamento radiativo do
ar (in situ). O esfriamento por advecção (injeção de ar frio) envolve a contínua ~ ~ ~ ~
cd 1& •.•• "C)
-e ~ ~ tO
substituição do ar artificialmente aquecido por ar frio e exigiria quantidades ,g..,.. •..• -ótO .5o
impossíveis de consumo de energia. ~ :O'õ
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Um método comum consiste em colocar aquecedores artificiais (sobre-


tudo em pomares) na zona da cultura (Fig. 5.3). As correntes de convecção
geradas misturam e aquecem as camadas de ar baixas, situadas a 5-15 metros,
~
o
...•.•.
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rompendo a inversão da temperatura e a camada de ar frio à superfície, que
caracteriza as geadas de radiação. Também se empregam ventiladores que -
o
(UI) Oloe op ,eA!U op DUI!:lD DJn,,\;,

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agitam o ar, para sustar a inversão e misturar ar mais quente vindo do alto,
sem a adição de calor artificial.
84
Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente 85
'" Atmosfera
Um método algo mais arriscado de controle da temperatura reside em
de rebaixamento dos fluxos de vento, com modificação do clima local. A
usar o calor latente da fusão, liberado quando efetivamente se verifica o
extensãO da zona de influência e a intensidade da alteração climática depen-
congelamento da água. Quando a temperatura cai logo abaixo de zero, espar-
dem da altura, grossura e natureza da faixa de abrigo. Embora essas faixas
ge-se uma fina camada de água sobre as plantas. Ao congelar, o calor emitido
ajuda a retardar o resfriamento posterior. sejam usadas na Grã-Bretanha (mais como sebes do que como fileiras de
árvores), é nas áreas marginais das terras aráveis, devido à falta de chuva e ao
risco de erosão do solo, que as faixas de abrigo são mais valiosas.
5.5.2. Faixas de abrigo Na década de 30, depois do episódio da dust-bowl ("concha de poeira")
nos Estados Unidos, 30 mil quilômetros de faixas de abrigo foram plantados
na região atingida do meio-oeste. Supõe-se que a renda agrícola aumentou de
Os métodos passivos de mudança climática local são bem mais comuns 5 a 25% nos campos protegidos por essas cercas quebra-ventos.
que o exemplo anterior. Um dos mais antigos, registrado pela primeira vez em
Norfolk no século XVIII, consiste no plantio de fileiras de árvores para cortar
o vento e proporcionar melhor clima a sua volta. A faixa de abrigo serve para 5.5.3. Alteração da umidade atmosférica
proteger uma residência exposta, diminuir a erosão eólica do solo ou reter a
umidade do solo, reduzindo a velocidade do vento e, por conseqüência, o A tentativa de alteração das condições da umidade atmosférica constitui
coeficiente de evaporação.
um exemplo, com certo grau de êxito, de manipulação de um aspecto do
Os efeitos de uma faixa de abrigo na velocidade e na direção do vento clima em escala mediana. Sérios esforços têm sido feitos para dispersar as
vêem-se na Fig. 5.4, que mostra a pequena zona de ascensão e a extensa zona gotículas de nuvens (dispersão da neblina) e para induzir a coalescência das
gotículas (fazer chover). É possível dispersar a neblina em áreas limitadas, em
15
geral aeroportos, desde que a neblina não seja muito densa,em outras palavras,
quando existe um ponto de alavanca para alterar as condições atmosféricas
para outras que não sustentem as gotículas em suspensão.
12 --------~~~ ~
• ~ O congelamento das neblinas pode ser feito pelo espalhamento de
•..... pequeníssimas partículas de gelo seco ou iodeto de prata, para induzir as
E
gotículas de água a congelar nas partículas, formando eventualmente cristais
o 9 bastante grandes para se precipitarem ao solo por ação da gravidade. As
o
:;:: neblinas quentes são de dispersão mais difícil, ainda que misturando o ar ene-
~
~ voado com ar mais seco, do alto, mediante o uso de rotores de helicóptero,

..e
'"
.q
6 algumas vezes dê certo. A neblina pode ser "germinada" com partículas
higroscópicas (hidrato de lítio ou uréia), que absorvem vapor de água,
secando por isso o ar e provocando a evaporação da neblina. O método mais
3 comum consiste em aquecer artificialmente a camada de neblina, aumentando
. assim a sua capacidade de vapor de água até um nível suficiente para evaporar
a Umidade disponível. O sistema Turboc1air, existente no Aeroporto de Orly,
o • em Paris, consiste em doze motores a jato em câmaras subterrâneas, sendo
200 100 capaz de remover a neblina por uma extensão de 1.200 metros.
200 300 400 soo
A técnica de "germinação", descrita acima, também se usa para desen-
Distância horizontal (m )
C~dear a precipitação de nuvens, onde o regime pluviométrico seja insufi-
<lente. Baseia-se na presunção de que as nuvens à temperatura correta, que não
Figura 5.4 - Redução da velocidade do vento nas vizinhanças de uma faixa de abrigo, P.roduzem precipitação, não têm partículas pequeníssimas em número sufí-
formada por árvores com 6 metros de altura.
CIente, em tomo das quais a coagulação das gotículas das nuvens se verifica, a
86 Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente

fim de criar cristais de gelo bastante grandes para caírem ao chão. A adição de
partículas super-resfriadas de gelo seco ou de iodeto de prata, ou de combi-
nações de nitrato de amônio ou uréia, visa corrigir a deficiência.
A adição das partículas se faz por pulverização aérea ou por vaporização
a partir do solo. A "germinação" de nuvens somente é bem-sucedida quando
as condições naturais se aproximam das necessárias para que a chuva caia. O
que o homem pode fazer é empurrar o sistema para o limiar do estado de
6. A água
precipitação. É difícil, evidentemente, saber se a chuva que cai de uma nuvem
"germinada" se deve à "germinação" ou se ela teria caído de qualquer ma-
neira. Seja como for, alega-se que certos projetos desenvolvidos na Austrália 6.1. introdução
e nos Estados Unidos são responsáveis por um aumento de 10 a 30% no
índice pluviométrico de áreas com milhares de quilômetros quadrados.
Também se tem procedido à germinação de furacões, com o objetivo de
congelar rapidamente as gotículas de água e, portanto, a liberação do calor
latente da fusão. Parece que isso reduz a velocidade máxima dos ventos em
partes da circulação do furacão, se for germinada a área imediata ao "olho". Pode-se dizer que a água doce é o mais importante recurso da humani-
Em 1969, o Projeto Stormfury, dos Estados Unidos, germinou cinco furacões dade, individualmente considerado. À escala mundial, o que inibe a expansão
no Caribe a duas horas de intervalo com iodeto de prata, na altitude de 10 da agricultura e o povoamento de vastas regiões é a insuftciência de água. À
mil metros. A velocidade do vento diminuiu entre 15 e 30%. Igualmente escala local, os recursos hídricos determinam a localização de certas indústrias,
espetaculosos foram os esforços para impedir as tempestades de granizo, tão como a geração de' energia; antigamente, o estabelecimento de povoações
prejudiciais à agricultura, disparando invólucros contendo núcleos de coagu- estava em relação estreita com a localização de rios e fontes. As povoações
lação contra as nuvens - passivos de produzir saraiva, objetivando causar a dos oásis oferecem um exemplo cabal.
precipitação antes que se formem as pedras de granizo. Do ponto de vista humano, as limitações impostas pela água são supri-
mento insuficiente (desertos, estiagem) ou demasiado (pântanos, inundações).
De resto, excessos ou deficiências podem ocorrer em qualquer lugar, por
5.6. Conclusões motivos sazonais ou ocasionais.
Em parte, foi por causa da absoluta importância da água potável que a
Em comparação com as mudanças provocadas pelo homem e discutidas alteração na sua ocorrência no tempo e no espaço provocou as primeiras
no restante deste livro, a influência humana sobre o clima é muito mais difícil tentativas do homem para modificar o ambiente natural. Na verdade, o desen-
de avaliar. É certo que o clima fica alterado à escala estritamente local, por volvimento da agricultura e da sociedade organizada sempre esteve vinculado
exemplo, nas proximidades de edifícios. Em perspectiva mais ampla, a peque- ao controle da água, especialmente para irrigação. As civilizações do antigo
níssima alteração acaso induzida pelo homem pode ser suplantada pela mu- Egito e da China, assim como da India e da Mesopotâmia, chamam-se "civi-
dança natural. Nosso conhecimento do sistema atmosférico mundial ainda é lizações hidráulicas". Sua ascensão e subseqüente queda estão intimamente
muito limitado. . relacionadas ao uso e abuso da água.
Mesmo que a alteração do clima por obra do homem seja mais uma A intromissão no ciclo hidrológico tem continuado até o presente. Com
possibilidade futura do que um fato do presente, as respectivas conseqüências o advento da moderna tecnologia, o grau da interferência aumentou de ma-
são enormes. A atmosfera e a terra sólida são os dois aspectos mais indepen- neira assustadora; atualmente, são poucos os sistemas de drenagem, no
dentes do sistema planetário. Por conseguinte, a mudança do clima provocará mundo inteiro, que têm caráter inteiramente natural. Embora o controle dos
mudanças em cascata nos processos geomorfológicos, do solo e da vegetação, sistemas hidrológicos seja maior nos países desenvolvidos, as modificações
o que, por sua vez, por realimentação, trará novas alterações climáticas. 87
89
88 Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente /'. Água

inadvertidas dos mesmos sistemas são universais, em geral por se passar a


utilizar a terra de outra maneira.
Além dos benefícios econômicos e sociais, outra razão para o alto grau
de interferência humana no ciclo hidrológico é a relativa facilidade com que
Pontos de intervenção
se conseguem realizar modificações de grande porte. humana

A propósito dos pontos de interferência discutidos no Capítulo 2, o i mpocto 't".


o o impacto moderado
o sistema hidrológico oferece muitos deles, em que uma pequena mudança, o O O orondt impacto

relativamente, provoca imensa alteração no funcionamento do sistema. Sobre-


tudo na parte terrestre do ciclo hidrológico, pois alterar as partes atmosférica
e oceânica é muito mais difícil. Logicamente, o homem prefere intervir no
sistema hidrológico nos pontos em que a relação custo/benefício seja a
melhor, empregando a tecnologia disponível. De fato, as tecnologias da cons-
trução de represas, desvio de rios, drenagem de terras e extração de água
subterrânea estão altamente desenvolvidas. As perspectivas da construção de 000
Infiltração
maiores represas, grandiosos esquemas de desvio de águas e de rebocamento ------ 00
Umidade da solo
de icebergs através dos oceanos despertam a atenção dos engenheiros e dos
Á;uo -su;te;rõ~g
planejadores. Como sucede com outros aspectos do controle ambiental,
também com a água a capacidade do homem para a efetívação de mudanças 00
escoamento
superou-lhe a sabedoria em termos das possíveis conseqüências de seus atos. d.! ~~r~ci~
o
escoamento
"Se é possível, faça-se", tal é quase sempre a filosofia imperante.
O funcionamento do ciclo hidrológico, principalmente na terra, foi
compreendido pelo homem - ao menos em parte -, desde os primeiros
tempos, em franco contraste com outros aspectos do meio físico, como é o
caso da erosão e do ciclo dos nutrientes. Dessa forma, a tendência tem sido
para conceber e agir sobre a ação do ciclo hidrológico como um conjunto
integrado e inter-relacionado. Isso levou, porém, ao negligenciamento da
relação entre a água e outros aspectos do meio físico, pois só há pouco é
que se formou a idéia de integrar a administração da água com a da terra ou
com a da energia, digamos. Figura 6.1 _ Representação do ciclo hidro!ógico, mostrando grandes e pequenos pontos
A escala da intervenção no ciclo hidrológico varia do diminuto ao gran- da intervenção humana.
dioso: desde os shadufs (baldeamento) empregados na Índia e no Egito para
a transferência de água de um rio para um canal de irrigação, até o desvio de
sistemas fluviais de grandes proporções na URSS; desde tanques de água
na realidade transferências mais demoradas (por exemplo, água subterrânea) e
pluvial para coletar a água dos telhados a vastos lagos artificiais (os Estados
Unidos acumulam perto de cem dias de escoamento médio em reservatórios). algumas transferências mais rápidas (por exemplo, rios) também exercem
limitada função de armazenagem. A Fig. 6.1 pode ser vista como um sísterna
de tubulação através do qual a água se escoa constantemente para baixo,
6.2. O ciclo hidrológico - pontos de intervenção em direção do ponto inferior do sistema, os oceanos. Várias saídas laterais
permitem que escape vapor (evapotranspiração) diretamente para a atmosfera.
6.2.1. Introduçao Na prática, cada retângulo que assinala armazenagem poderia ser sub-
dividido em unidades interligadas menores. Entre muitos dos depósitos, é alto
Pode-se imaginar o ciclo hidrológico como uma série de armazenagens o grau de realimentação. O trajeto seguido pela água através do sistema de
de água ligada por transferências (Fig. 6.1). De fato, muitos "depósitos" são
91
90 Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente A Água

tubulação desde o ponto de entrada (precipitação pluvial) varia de lugar para 8vapotronspiroção precipitaçao

(sa(da) (enlrada)
lugar na superfície terrestre, dependendo da natureza da terra e do clima. Em r--

qualquer localidade, a distribuição da água também muda com o tempo. À -< >-
superfície da terra, a água se concentra em bacias de drenagem, cada uma das
quais funcionando em sua própria série de depósitos e de transferências da
l
água que entra. O escoamento de muitas bacias pode se reunir antes que a
-
'"

:>

--<6::~:J~~::'í~~"
I..·· . . ; .. escoamento
água alcance o mar. Na Fig. 6.2 esclarecemos alguns trajetos fluviais dentro ~ew~ra~o

de uma dada bacia. Cada retângulo (armazenagem) do diagrama mostra um


':':':" .. . ',.

sombreado de acordo com a proporção aproximada de toda a precipitação


que provavelmente passará por ele. A grossura das linhas que ligam os depó-
sitos dá alguma idéia da importância dos vários mecanismos de transferência. o
~l
Evidentemente, não há duas bacias fluviais em que a precipitação
pluviométrica proceda exatamente da mesma forma. Os valores aproximados
l~
.!:
o
""
;;::

"a
da Fig. 6.2 correspondem aos de uma bacia de dimensões médias, com rochas 'ü
:: .. .,
--
a
permeáveis subjacentes, num clima como o da Grã-Bretanha. Toda a água que : .... . . .' ." . . .' tescoomo::'o

entra tem de passar pelo depósito de "superfície", mas daí em diante o


trajeto é muito variável. Por exemplo, numa região semidesértica, quase toda
ARMi\Z~NAGEM:
DÓ;~qLq ..
-
I~
.'
transpiraçõo
~
~-!
., ',',

a água que entra no depósito de superfície pode deixã-lo por evaporação, ::


.: ::.: :.
.~
não sendo usado o restante do sistema de tubulação.
O homem pode alterar a capacidade e a eficiência de muitas das armaze- o ~~
s.•
nagens e transferências. Se a interferência se der em transferência da super- II c:

fície ou do solo, ou em armazenagens, é provável que uma reação em cadeia ~


~ /-,J.._...,..,..,.,... .•..•.•.descarga
provoque mudanças em todo o restante dos depósitos e transferências. . . sublenÔnea
Quanto mais a jus ante (mais baixo) for o ponto da intervenção, menos
elementos do sistemas hidrológico serão provavelmente afetados, ainda que
ARMAiENAGEM::·.·· ---
SUBTk:~RANEA.
a existência de mecanismos de realimentação ou regeneração -no sistema " "
'.

. ..... '··1 Õ
possa, evidentemente, facultar reações em cadeia que remontem através dele. ">
A dimínuiçâo da capacidade do solo para absorver as chuvas, devido a ~
o
prováveis mudanças no uso da terra, poderia afetar a distribuição de água por ~
todos os trajetos ulteriores, ao passo que a subtração da água subterrânea pode- - legenda -
ria afetar apenas o fluxo dos rios, os depósitos lacustres e a vazão para os ocea-
nos. Um exemplo de realimentação artificial do sistema seria o uso da água sub-
1'.><:1 ARMAZENAGEM

terrânea retirada para a irrigação da superfície terrestre situada a montante.


_ TRANSFERÊNCIA
Nas seções a seguir examinamos alguns casos de influência do homem
sobre armazenagens e transferências de água, para depois considerar exemplos
de modificação integrada de vários aspectos do ciclo hidrológico.
Figura 6.2 _ Fluxograma simplificado do segmento terrestre do ciclo mdrológíco- As
armazenagens possuem áreas pontilhadas conforme a proporção da entrada
total de água que processam. A espessura das linhas de transferência é mais
6.2.2. Armazenagens e transferências de superficie ou menos proporcional à importância dos mecanismos de transferência. Os
dados são relativos a uma bacia hidrográfica média da Grã-Bretanha, sob
A água da chuva pode tomar variados rumos logo que chega à superfície utilização agrícola. . .
terrestre. A vegetação, nesse estágio, desempenha importante papel na distrí-
93
92 A Água
Impacto do I:I0mem Sobre Aspectos do Ambiente

buição da água. A interceptação da chuva pelas folhas das plantas (com a


provável reevaporação de alguma água) varia de acordo com a densidade da
(o)
vegetação e as espécies vegetais. Por exemplo, uma cultura de cereais, com
estrutura dominantemente vertical, intercepta menos água do que um
batatal, porque as batatas possuem estrutura horizontal, esparramada, com
folhas largas. Da mesma forma, uma floresta tende a interceptar mais água
que a terra cultivada ou as pastagens. Portanto, qualquer mudança na cober- i1 derrubada 1
tura vegetal afetará, com toda a probabilidade, o volume de água de inter- derrubada 2
ceptação perdida por evaporação. Normalmente, o desmatamento ou o 1963
1930 1940 1950
reflorestamento exerce considerável efeito nas perdas de água. A perda da
Tempo (anos)
cobertura arbórea, a curto prazo, reduz a perda de água do solo por transpi-
ração, pois as raízes profundas das árvores são arrancadas, bem como provoca (b)
maior escoamento das águas na superfície da terra, visto que a antiga manta
amortecedora de folhas caídas foi substituída pela terra nua. Assim, o mais _ aorlcola
certo é que aumente o fluxo direto da água para os rios. A Fig. 6.3a ilustra
o efeito do desmatamento no fluxo fluvial de uma pequena bacia (cerca de
500 hectares) nos Montes Apalaches, nos Estados Unidos. Os cursos de água
dessa bacia e de outra adjacente e semelhante vêm sendo medidos desde
meados da década de 30, sendo os dados da segunda bacia, na qual o uso da
~1
;;::

li
"
Li:
floresta

r,• \
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r,oene ra da

floresta
.....•
.
natural

<,
terra não sofreu alterações, usados para verificação de mudanças naturais na <,
vazão durante o período. Na primeira bacia, houve desmatamento da floresta ..•....•• --'~.~
decídua em 1940. A reação, em termos de caudal dos rios, foi imediata e
o 30 60
espetaculosa, tendo a vazão anual aumentado bruscamente - o equivalente a Tempo depois que a chuva começo (min.)

um aumento de 20% no índice pluviométrico. Nos 23 anos seguintes


Figura 6.3 _ Efeitos do desmatamcnto no fluxo de um rio, na região dos Apalaches. Em
deixou-se que a floresta se regenerasse, o que fez cair proporcionalmente o (a), a quantidade de água proveniente de uma pequena bacia que foi desma-
rendimento da bacia. Em 1963,novo desmatamento provocou outro aumento tada em 1940 e, novamente, em 1963 (conforme Hibbert, 1967); em (b)
súbito do fluxo do rio. Todavia, nas regiões onde grande parte da precipitação estão hidrogramas de aguaceiros em bacias da mesma área, mas sob dife-
é constituída de neve (por exemplo, na URSS, Seção 6.3.5), a floresta poderá, rentes usos do solo: floresta natural, floresta regenerada e agricultura
realmente, fornecer mais água do que as terras de lavoura adjacentes, visto (conforme Dib, 1957).
que as árvores captam e retêm com mais eficiência as neves de inverno.
O aumento do total de água evacuado através dos rios não representa o
único efeito hidrológico causado pelo desmatamento: também aumentam o lentamente após o aguaceiro e atinge um fluxo máximo em nível muito infe-
ritmo e o volume da água de escoamento para o rio. Na Fig. 6.3b, vemos a rior. A bacia parcialmente reflorestada apresenta uma forma intermediária
descarga dos rios (hidrogramas) resultante de aguaceiros, em bacias seme-
entre os dois extremos.
lhantes na região dos Apalaches. Os três hidrogramas representam a água de O reflorestamento reduz o volume da precipitação pluviométrica que
escoamento de três tipos diferentes de uso da terra - floresta nativa, floresta passa pelos sucessivos estágios do ciclo hidrológico. Particularmente nos tró
em parte regenerada após desmatamento e uma bacia inteiramente dedicada à picos, têm-se feito tentativas para reduzir as perdas de água por transpiração,
agricultura (metade pastagens, metade lavoura). A bacia de drenagem com sem mexer no tipo de vegetação. A pulverização da superfície das folhas
lavoura reage prontamente à precipitação pluviométrica e produz um fluxo com substâncias como atrozina tem diminuído as perdas de água até 50%, por
muito maior de água no rio. A bacia com floresta natural processa de modo curtos períodos e em pequenos espaços.
muito diferente a mesma entrada de água, pois a descarga do rio aumenta
95
94 Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente A Água

Nas áreas revestidas de vegetação, em encostas moderadas e suaves, o preci p/toção


evopotronspiroção
mais provável é que o fluxo de água escoada diretamente para o rio seja pe_ (saído) (entrado)
....-
queno, salvo no caso de pesadíssimos aguaceiros. O trabalho do homem (Por 4';::'
exemplo, a lavoura) às vezes deixa a terra nua, o que pode diminuir qualquer
fluxo de água sobre a terra, devido à criação de uma superfície acidentada, ~
com inúmeros sulcos, que retêm a água, até que ela se evapora ou ínfíltra no
terreno. Esta é a situação mais particular no caso da terra arada em contorno,
que se emprega normalmente para reduzir a erosão provocada pelo escoa-
mento de água sobre a terra, e para aumentar a reserva de umidade do solo.
lev~poraçã°I·.··.Ú~M~·~·E·~·A~·~·~.·:
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escoamento

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Na URSS e no Canadá descobriu-se que, lavrando a terra no outono, a água de .' ..
escoamento direto diminuía até 45%. No entanto, se pesados aguaceiros com- ti
's
pactarem e achatarem a superfície arada antes que a vegetação se regenere,
é possível que o escoamento terrestre aumente na superfície mais lisa e
menos permeável. i
"
'li
.s
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Nas áreas semiáridas ou de seca sazonal, os efeitos de qualquer mudança ..
e

-
no uso da terra sobre a hidrologia são mais evidentes. Também existem áreas . escoa·
-.': .' monto .-'.c"
mais propensas à erosão do solo (Capítulo 3) pelas mesmas razões. Deve-se ARMAZENAGEM :...- ~~ J::
tomar medidas para diminuir a intensidade e o volume do escoamento de uma transpiração DO SOLO. a
k"'~
bacia, embora se continue a praticar a agricultura. :- ,.,

O máximo de alteração no caráter das armazenagens e transferências de •.


.2

superfície ocorre nas áreas urbanas, onde a maior parte da superfície está ,g "
u.
inteiramente impermeabilizada por concreto, asfalto ou telhados. A vegetação
quase não existe e a armazenagem superficial de água está reduzida ao mí- 1l
Q. descargo
subterrânea
i ~~
s~
nimo. Dessa forma, as perdas por evaporação são muito baixas e há mais
água disponível para correr através do restante do sistema. Entretanto,
como a Fig. 6.4 mostra, o homem tudo fez para que se tomem gravemente
limitadas as opções abertas à água. Na sua maior parte, tem de correr por
canos de esgoto e bueiros, mal sendo usadas as transferências e depósitos
ARMAZENAGEM
SUBTERRANEA
-
1==

~
inferiores. No Capítulo 10 damos alguns exemplos de tais efeitos.
As alterações verificadas em armazenagens e transferências naturais e, daí,
no funcionamento do ciclo hidrológico, são apresentadas na forma de diagrama
;l
~
- legenda -
nas Fig. 6.5 (em floresta decídua), 6.2 (agricultura) e 6.4 (condições urbanas).
f:"'<·1 ARMAZENAGEM

6.2.3. Armazenagens e transferências no solo _ TRANSFERÊNCIA

Há milhares de anos que se vem tentando alterar as condições da água


f/u.o para os oceànos
no solo. A intenção tanto poderia ser a de aumentar a água acumulada (irriga- (soídaJ
ção e métodos de cultivo) como a de reduzi-Ia (drenagem da terra); intensi-
ficar o coeficiente do movimento da água no solo (alterando a estrutura e a Figura 6.4 _ Alterações no ciclo hídrológico, após uma intensiva urbanização na área da
textura), ou desacelerar o movimento (acrescentando matéria orgânica, bacia. Comparar com a Figura 6.2.
96
Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente
evapot,anspi,açõo A Água 97
precipitaçõo
(saída)
(entrada )
.., ". r-- consolidação). As modificações nas armazenagens de superfície e do solo,
assim como nas transferências de água, raramente obedecem a tentativas
! diretas de alteração do ciclo hidrológico. Antes, pelo contrário, as alterações
hidrológicas subseqüentes é que costumam ser efeitos de "repuxo", benéficos
,1""1.: : ..::7 -,:. 7
OU não. O sistema do solo é o pivô da parte terrestre do ciclo hidrológico,

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atuando como uma zona-tampão entre os sistemas atmosférico e aquático. Se


- ·.:.<.d~Mi~·tE~~G.~·~.
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houve mudanças da hidrologia do solo, elas podem estender-se para cima, no
·.···OA·SUP.ERF.ICIE:." .
',.:',':',' : :',", sentido da atmosfera, e para baixo, para a porção inferior do ciclo.
., ...
A drenagem da terra traz consideráveis efeitos hidrológicos. Nas áreas
õ de agricultura intensiva, de clima úmido, como a Grã-Bretanha, quase todas
.S;

;1 elas já foram mais ou menos drenadas.


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O objetivo da drenagem da terra é duplo: serve para reduzir os níveis
sazonais ou permanentes do nível freático e para remover o excesso de água
da terra por meio de canais artificiais, mais depressa do que em condições
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transpi,açõo DO: ·SOLO· ."
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naturais. Dessa forma, os mecanismos de armazenagem e de transferência são
modificados. A drenagem de campo (drenagem subterrânea) em geral é feita
instalando linhas paralelas de tubos de plástico ou de cerâmica a um ou dois

o
~; "
o
Q.
metros da superfície. Nos solos pesados, podem-se fazer condutos a céu
aberto, denominados drenos de escavação, raspando a terra com um instru-
mento em forma de bala praticamente à tona. Os drenos de escavação correm
." em ângulo reto para os canos de escoamento (plástico ou cerâmica), os quais,

fl
Q.
~~ o::

por sua vez, vazam para valas que geralmente cercam em roda o perímetro
do campo. As valas fazem parte de um sistema integrado de drenagem que por
.-----...L..JI---_....,...,d.sco'ga

ARMAZENAGEM
SU BTERRÂNEA
:.: -:."subtenãnea
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:::.....".'}- -_......J
~.." .. 1------.
último desemboca em um curso de água natural .
Dos 160 mil quilômetros de cursos d'água da Grã-Bretanha, cerca de
90 mil quilômetros são valas artificiais e 3 mil são canais. Calcula-se que, na
Inglaterra e em Gales, há de 1 a 3 quilômetros de canais naturais por quilô-
...
metro quadrado (densidade de drenagem de 1 a 3). Os condutos de drenagem
.~
artificial elevam a densidade para cerca de 2 a 6 km/km". Tais cifras não

- legendo -
~l
~
levam em conta a imensidade de valas e canos; o seu número é incalculável,
pois a drenagem de campos vem sendo praticada há séculos. A Fig. 6.6 indica
a extensão aproximada da drenagem subterrânea na Inglaterra e em Gales, nos
1:".::>1 ARMAZENAGEM anos de 1973-4. Na prática, os bueiros, sarjetas e os sumidouros das cidades
'"ÀRMA"tENAGEM
preenchem as mesmas funções que os drenos de terra da região rural, embora
,·l~.C:~St~:~!
u
- TRANSFERÊNCIA se destinem a escoar a água de superfície.
O impacto hidrológíco da drenagem da terra aumenta muito a densi-
dade de drenagem de uma dada área. Significa isso que a distância que um
pingo de chuva tem de percorrer entre a caída no solo e o ponto de chegada a
Figura 6.5 - Modificações no ciclo hidrológico de uma bacia hidrogrãfíca, após o reflo- um canal é muito reduzida. Além disso, o depósito total de água no solo
restamento. Confrontar com a Figura 6.2, que mostra as condições de uma diminui e a modificação dos níveis hidrostáticos do solo fará aumentar o
bacia semelhante, oão florestada.
coeficiente de escoamento da água do solo para os canais de drenagem. Agora,
98
Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente
A Água 99

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~ Legenda ,/
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-,
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- legenda -
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0- 0,2 % (a) Redede canais em 1840, ~rlo


antes dos trabalhos de I
drenagem / / I Q lago sazonal
0,2 -0,8% / /
/
limit •• aprollimados
I -~ I do bacia
0,8-2,0% I ~ ~/
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/ " .;' o 2 km

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°~ 100 Icm
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(b) Area do bocio atual, /
após drenagem de /
campo e construções/I o
,
!5OOm
,
de canal s /
/
/ (c) Ampliação mostrando todos
/ ." os canais superficiais de
/
/
drenagem
o 2km
/ '----'
J!--
Figura 6.7 - Bacia do rio Clarinbridge , no Condado de Galway.

ter início a drenagem do solo. Nessa área formada por baixadas em parte
cavernosas ou cársticas, de calcário recoberto de colinosos depósitos glaciais,
não havia nenhuma corrente natural contínua. O sistema de drenagem se
reduzia a uma série de depressões profundas e separadas umas das outras e a
alguns lagos sazonais, chamados turloughs. O programa de drenagem do solo
envolveu não só o escoamento subterrâneo e a escavação de uma rede retilínea
Figura 6.6 - Porcentagem das terras recebendo trabalhos de drenagem, na Inglaterra e
em Gales, nos anos 1973-74 (conforme Green, 1979). de valas, mas também a abertura, usando explosivos, de canais artificiais de
rios que levam ao mar. Na Fig. 6.7b só aparecem os rios e os principais drenos
de campo. A Fig. 6.7c é uma ampliação de pequena área que mostra o con-
a água alcança os canais mais depressa e em maior quantidade, diminuindo o junto da rede de drenagem. A densidade original de drenagem, ali, era de
volume disponível para distribuição ou armazenamento em outras partes do aproximadamente 0,2 km/km". Atualmente é de aproximadamente 20
sistema hidrológico e, dessa forma, o escoamento dos aguaceiros para os rios krnjkm", fora a drenagem subterrânea.
tende a aumentar bastante. Os efeitos na armazenagem e movimentação da água subterrânea, nos
Um exemplo extremo de adições feitas pelo homem ao sistema natural níveis dos lagos e no caudal dos rios, foram impressionantes e muitas vezes
de drenagem está contido na Fig. 6.7. Na 6.7a vemos o sistema de drenagem adversos, do ponto de vista humano. Nos meses de verão não há água de
da bacia do rio Clarinbridge, com 92 quilômetros quadrados de área, no Con- Superfície na área, pois a precipitação pluviométrica em excesso é rapida-
dado de Galway, Irlanda, como ele era no começo do século passado, antes de mente descarregada no mar pelo excelente sistema de drenagem. As chuvas de
verão infiltram-se no calcário subjacente. Os níveis de água subterrânea caem
101

100 Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente


'" }.gu~
precipitoÇO o
de 2 a 10 metros, devido ao aprofundamento dos canais fluviais e a maior 8vapotran5piroçõo (entrado)
proporção de água removida da terra por escoamento direto dos canais. Por (.oidO) ,.-----,
conseqüência, aumentaram as valas secas durante o estio e é preciso abastecer
de água as fazendas com caminhões-tanque. As cheias dos rios no inverno
também foram intensificadas pelo eficiente sistema de escoamento das t
águas, prejudicando as margens e depositando grandes quantidades de sedi-
oporo.:, ',,'
mento e resíduos de fertilizantes na zona costeira. Por sua vez, isto parece
ter reduzido a produção de ostras, numa zona .de criação comercial. A inten- - ,'ARM'Ai,E~A.?,E~ :',t - 1

ção era simplesmente melhorar a drenagem do solo, mas o resultado afetou o ~ , ':D~:SUptRFIGI:E"
abastecimento de água subterrânea e de superfície, a ecologia do local e o
;;
fluxo dos rios. A Fig. 6.8 revela os efeitos da drenagem do solo sobre o
ciclo hidrológico, que raramente são tão adversos como estes. '~
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6.2.4. Agua subterrânea ~
ARMAitNAGEM'
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Nas áreas que têm por base rochas permeáveis, parte da precipitação "
pluvial infíltra-se no solo e na rocha, tomando-se água subterrânea. Na hipo-
tronspi,oção
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tética bacia mostrada na Fig. 6.2, cerca de 20% da precipitação penetra no
depósito subterrâneo. Esta água está em movimento e eventualmente reapa-
rece à superfície, sendo a descarga geralmente feita para rios e com menos '\t
~
II:®
descol9o
freqüência para lagos, mares ou fontes (Fig. 6.1). O homem pode extrair
água de uma rocha aqüífera onde quer que seja, abrindo poços. Se o coefi-
ciente de extração for igual. ou menor que o de recarga, o efeito geral se
I ARMAZENAGE~",:': -
resume a um curto-circuito de parte do ciclo hidrológico. A descarga de água
SUBTERRÂNEA:'"
do depósito subterrâneo pode ser feita sempre que desejável por poços e ......
sondas, embora com isso o fluxo para as fontes e rios diminua em proporções
correspondentes.
A água subterrânea serve para muitos fins. Pode ser bombeada para um \1
~
rio a fim de lhe aumentar o fluxo, o que apenas acelera o processo natural de _ legenda -

O",
transferência, ou empregada na irrigação. Neste último caso, a água é devol-
ARMAZENAGEM
vida ao depósito inicial de superfície por um circuito artificial sobre o sistema :',' .

hi drológico.
Serão muito diferentes as conseqüências se a água for extraída do lençol
aqüífero a uma taxa superior à da recarga natural. Para que se mantenha esse
- TRANSFERÊNCIA

fluxo paro 05 oceanos


coeficiente de extração, o líquido deve ser retirado da armazenagem das
(sarda)
rochas, o que faz cair os níveis hidrostáticos da área de ação. O efeito é seme-
lhante ao de esgotar a água de uma bacia que ao mesmo tempo está sendo Figura 6.8 _ Modificações no ciclo hidrológico de uma bacia hidrográfica, após a drena-
enchida com uma torneira. Se houver correspondência na saída e na entrada, gem das terras. Comparar com a Fig. 6.2.
o nível se manterá constante. Se o esvaziamento for mais rápido, o nível cairá.
102 Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente 103
,.Agua

o rebaixamento do nível freático pode ser mínimo com um simples poço,


mas se alastrará por larga extensão se, digamos, uma área urbana se abastece (b) 1915
(o) 1864
com água subterrânea. Se a topografia do lençol aqüífero subterrâneo sofrer
alteração, assim mudará a direção do fluxo da água subterrânea.
Em Londres, por exemplo, o bombeamento de água de poços teve
início em começos do século passado. Até os primeiros anos da década de
50, os níveis do lençol aqüífero caíram constantemente. O fluxo dos rios
cuja nascente se acha em estratos de greda diminuiu e até se verificou discreta
subsidência da terra com a consolidação da rocha desidratada. A queda dos
níveis hidrostátícos já foi detida na região oeste e centro de Londres, com a
~23!5
redução do bombeamento de água dos poços.
220-
Nas regiões costeiras, a redução excessiva do nível hídrostãtico pode
facilitar a entrada de água do mar no lençol aqüífero, contaminando o supri- \ \
mento, o que já aconteceu em limitada extensão nas rochas subjacentes do
estuário do Tâmisa. No sul da Califómia, a contaminação por água salgada
constitui tamanho problema que foi necessário bombear água doce para a
área perto da costa, a fim de elevar artificialmente os níveis de água subter- Legenda
rânea, para dímínuír-lhe a salinidade.
___ •• direção _do flullO de ÓIJIO
Na Fig. 6.9 temos um exemplo de alteração em grande escala das con- lubtarranao
dições da água subterrânea. Nela se vêem mudanças progressivas nos níveis de
água subterrânea num lençol aqüífero de arenito e dolornita na área de Chica- -250- altura do n~val hldrostátlCO
acima do nlval da mor(m)
go, no lllinois. Os primeiros poços abertos no lençol datam de 1864 e, como
denota a Fig. 6.9a, a forma natural do nível hidrostático era um declive suave
õ - -., extensão atual do no
a sul-sudeste. Por volta de 1915 (Fig. 6.9b), a maior parte da água de Chicago i.r ' urbano de ChlcoQO
provinha de poços e o nível freático havia caído 100 metros sob a área urba-
na. A Fig. 6.9c mostra a forma da superfície do nível hidrostático em 1958. o 50km
Nessa altura, a água já estava sendo extraída de uma área muito mais ampla e I I

os níveis eram 230 metros mais baixos que em condições naturais. As linhaS
de circulação da água subterrânea foram invertidas.
A extração de enormes quantidades de água dos depósitos subterrâneOS
acelerou-se em todo o mundo no século atual. O resultado foi a transferência
Fiawa 6.9 - Mudanças nos níveis da água subterrânea na área de Chicago, entre 1864 e
dessa água para outros pontos do ciclo hidrológico. Já se aventou que a 1958 (conforme Suter, 1959).
elevação recente dos níveis da água do mar, assim como o aumento do volume
do gelo polar, talvez representem a água subterrânea que foi deslocada para
novos sistemas de armazenagem, por evaporação e precipitação. Se a responsa- 6.2.5. Controle de rios
bilidade fosse das alterações climáticas, então a elevação dos níveis oceânicOS
faria diminuir o gelo polar, mas parece que o que está aumentando é o volume A modificação dos rios e a da água subterrânea correspondem habitual-
geral da água de superfície. lbente a tentativas deliberadas de melhorar os recursos hídricos de determinada
105
104 Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente I ,.Agua

área, em contraste com as alterações muitas vezes inadvertidas das armaze, ·8


nagens e transferências da superfície e do solo. Ainda que a extração de água
subterrânea esteja em rápida expansão, sobretudo nas regiões semiáridas, a
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manipulação direta de rios ou mesmo de sistemas hidrográficos inteiros ainda ~ o •
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representa o mais profundo impacto que o homem provoca no ciclo hídrolõ- ~ •.. 8
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gico. Os rios &[0 usados para várias finalidades, das quais o suprimento de
água é apenas uma, e as maneiras como se tem procedido a sua alteração refle-
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tem essa diversidade de funções.
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A função natural dos cursos de água é a transmissão da água provinda .. .~


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de várias fontes (Fig.6.1) para o nível de base regional, regra geral, o mar.
Embora os rios sejam primordialmente mecanismos de transferência, também
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subterrânea, pela água do solo e pelo fluxo superficial. Em termos humanos, ~~.~ ~ o
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esta variação de fluxos significaria, num extremo, inundações, e, no outro,
escassez de água.
A intervenção humana em sistemas hidrográficos normalmente tem a
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ver com um ou mais dos seguintes motivos: regularização da descarga, arma- ~ .a~ ~ Q Q
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zenagem de água, aumento do fluxo total, extração de água ou alteração do -8

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canal dos rios. Os efeitos diretos e colaterais dessas atividades são resumidos Oi)

na Tabela 6.1; por sua vez, cada uma dessas categorias será discutida a seguir. esti .~ .!lI
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Regularização da descarga. A quantidade de água a extrair de um rio,
em caráter perene, é determinada pelo caudal mínimo e, se este puder ser ele-
vado, então o suprimento garantido também aumentará. A técnica mais -
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comum de regularização do caudal consiste na construção de represas nas
cabeceiras de um rio. As águas armazenadas no reservatório assim formado
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podem então ser liberadas em quantidade suficiente para manter o fluxo
mínimo a jusante. Quanto maior a flutuação sazonal do débito do rio, mais
úteis serão os reservatórios reguladores (Fig. 6.10). Os rios mediterrâneos,

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com forte débito no inverno e baixíssimas descargas no verão, há muito que
vêm sendo objeto de controle por reservatórios de regularização (Seção
6.3.4). Aliás, há raríssimos rios no mundo que ainda têm um regime inteira-
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mente "natural", inalterado pela ação do homem.
Na Grã-Bretanha, o sistema Servem-Wye oferece exemplo de uma ~
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grande unidade de drenagem em que o débito dos rios é determinado artifi- o a .g .g -e
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cialmente em medida cada vez maior (Fig. 6.11). As cabeceiras dessas bacias
drenam boa parte das terras altas do centro de Gales, estando sujeitas a violen-
tas inundações e grandes variações sazonais de descarga.
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106
Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente
A Água 107

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Figura 6.11 - Regularização do fluxo fluvial na bacia de drenagem do Severn-Wye (con-
forme a Water Resources Board, 1973).
Jon. Junho DIz.

rio 1m. antigo _ rio 1m. novo do


do rio rio I'Ioulorlzado exemplo, o reservatório de Clywedog baixa para um nível que admite 8,5
Figura 6.10 - Efeitos dos reservatórios de regularização sobre o regime do fluxo de um milhões de metros cúbicos de água no dia 19 de novembro de cada ano. Ele
rio. Pode então subir até o dia 19 de maio, quando começa normalmente a aumentar
o fluxo do rio Severn. A emissão de água do reservatório de Clywedog tem
elevado os fluxos mínimos anuais em todos os trechos do rio, mas nos situa-
o
fluxo do Severn está hoje rigorosamente regularizado por uma série dos mais a jusante, em Bewd1ey, o fluxo mantém-se 27% acima do fluxo
de reservatórios na nascente (por exemplo Clywedog), que controlam as varia- médio, em comparação com o mínimo de 10% antes da regularização.
ções na emissão da descarga No verão, permite-se que os níveis do reserva- A mesma capacidade de armazenagem também se usa para absorver
tório caiam, abrindo espaço para receber parte das cheias de inverno. Por inundações geradas por fortes precipitações pluviais nas bacias superiores
de recepção e, dessa forma, proporciona alguma proteção às planícies de
109
108 Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente ,.Água
Redução do fluxo do rio. Aproximadamente 2% do escoamento total
inundação, como a de Shrewsbury, que são propensas a inundações dos
dos rios do mundo é desviado para uso humano. Na sua maior parte, os usuá-
trechos medianos do rio. Pode-se extrair água em pontos do rio mais perto das
rios (domésticos, usinas de geração de energia, indústrias) devolvem a água,
áreas necessitadas, em vez de encanã-la diretamente dos reservatórios para as
ainda que muitas vezes poluída. No entanto, é na irrigação que se emprega
cidades. Assim, a regularização do caudal tem o efeito de compensar as varia-
mais. Desvia-se a água do rio para aumentar a umidade do solo. Se a irrigação
ções da descarga e de propiciar ao homem o aproveitamento da função de
for eficiente, toda a água será aproveitada pelas plantas, abreviando o circuito
transferência natural do rio para atender às suas necessidades de água.
do restante do ciclo e diminuindo proporcionalmente o caudal dos cursos
Aumento da armazenagem natural. Os modernos reservatórios, na sua de água. Trata-se de um uso consuntivo para os rios. Na escala mundial, como
maioria, visam primordialmente a regularização da descarga dos rios, mas mais de 80% da água usada é empregada para irrigação, temos aí um desvio
também conservam a sua antiga função de armazenar grande volume de água, gigantesco do ciclo hidro16gico natural. Atualmente, quase toda a vazão do
suplementando os canais e lagos existentes. As represas nas cabeceiras são Nilo (Seção 6.3.4) vai para irrigação.
ainda os reservatórios mais comuns, mas ultimamente a atenção se voltou para
a possibilidade do represamento no ponto mais baixo do sistema hidrográfíco, Alteração do canal dos rios. Em termos hidro16gicos, uma das ativi-
o estuário. Consegue-se isso elevando as margens deste por aterro, o que per- dades humanas menos importantes é a alteração do curso dos rios. A forma
mite dispor, virtualmente, de toda a água residual do rio. Na Grã-Bretanha há do canal pode ser aprofundada, alargada, estreitada ou ter os lados e a base
vários projetos em estudo e o que parece mais perto de se materializar é o do modificados, em casos extremos, por concretagem. Normalmente, as alte-
estuário do rio Dee. O represamento em estuários, tal como as barragens nas rações visam impedir as cheias, mediante a aceleração e a redução dos obstá-
nascentes, exige a construção de condutos artificiais para a transmissão de culos ao fluxo. Trata-se de melhorar a eficiência do rio enquanto mecanismo
água (aquedutos), para transferi-Ia aonde for necessária. de transferência. Muitos rios tiveram o seu curso modificado dessa forma, em
Muitas metrópoles do mundo são servidas por aquedutos. Por exemplo, maior ou menor grau (Capítulos 7 e 10). Podem ocorrer problemas se um
grande parte da água de Manchester vem de Lake District (Thirlmere, etc.), a longo trecho de um rio corre por um canal de concreto, pois não ocorrem
130 quilômetros de distância, Nova Iorque é abastecida por um aqueduto de as trocas naturais de água entre os depósitos do solo e da água subterrânea e o
225 quilômetros e a água de Los Angeles vem canalizada desde mais de 400 rio. Haverá mais cheias, mas os fluxos mínimos também diminuirão visto que
quilômetros. O efeito de tais mecanismos de transferência, usando as represas o escoamento das margens para o canal já não é possível.
Um rio também pode ter o seu curso alterado por desvios perma-
artificiais, é o retomo da água ao ciclo hidrológico em local distante da
origem. Embora as represas, na sua maior parte, se comportem em termos de nentes do caudal como um todo. O curso do Mississípi, abaixo da confluên-
ecologia e de geomorfologia mais ou menos como os lagos naturais, as bar- cia com o Ohio, foi encurtado em 150 quilômetros retificando os meandros.
reiras de estuário poderão criar sérias e amplas alterações ambientais. A alternativa reside na construção de canais de descarga, que sô transportam a
água excedente do rio principal durante as enchentes. No Capítulo 7 apresen-
Aumento do fluxo dos rios. Se há que adicionar água a um rio para lhe tamos as mudanças nas formas de relevo fluvial provocadas por semelhantes
suplementar o caudal (normalmente em períodos de estiagem), ela tem de ser
obtida de qualquer outro dep6sito do ciclo hidrol6gico. Há casos em que é projetos.
possível recorrer à água subterrânea, trazendo-a para a superfície e despe-
jando-a no rio. Por exemplo, alguns afluentes do Tâmisa atravessam extensos 6.3. Modificaçoes em grande escala da água superficial
lenç6is aqüíferos de greda e calcário jurássico. A estiagem no Tâmisa é com-
pensada descarregando até 500 mil metros cúbicos por dia de água, através de 6.3.1. [ntrodução
poços artesianos. Em geral, não há nenhum ganho real com isto, mas uma sim-
Em parte por causa da multiplicidade dos usos e em parte por causa da
ples transferência de uma armazenagem duradoura (água subterrânea) para
relativa facilidade com que pode ser realizada, a manipulação da água em
um dep6sito de transferência de curto prazo ( o rio). Em segundo lugar, a água
grande escala, envolvendo vários aspectos do ciclo hidro16gico, em determi-
pode ser trazida de outra bacia hídrográfíca completamente separada, por
nada bacia ou entre bacias, está se tomando comum. Os quatro casos a seguir
aqueduto. Essas transferências entre bacias estão se tomando comuns. Trata-
mostram várias escalas de intervenção, em ambientes diversos.
mos delas na Seção 6.3.
110
Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente
AÁgUB 111
6.3.2. O projeto de Kielder
confluência com o Tyne do Sul, a água excedente (acima do necessário para a
o maior projeto britânico de controle e transferência de água trata da conurbação do Tyneside) terá de ser bombeada na direção Sul por 40 quilô-
interligação dos grandes rios do nordeste da Inglaterra: o Tyne, o Derwent, o metros, através de tubulações e galerias, terminando nas cabeceiras do rio
Wear e o Tees (Fig, 6.12). Nas cabeceiras do rio Tyne do Norte, a montante Tees, perto de Eggleston. O caudal mínimo do Tees será assim aumentado,
de Falstone, está se formando um reservatório de controle com 1.000 hecta- contribuindo para aliviar a escassez de água que se sente na área industrial
res, o Kielder Water. A capacidade de retenção do reservatório é de 200 mi- do Teeside. Entre o Tyne e o Tees, o aqueduto propiciará descargas para o
lhões de metros cúbicos, que será empregada para manter um fluxo mínimo Derwent e o Wear, também para ajudar na regularização de seus regimes.
constante a jusante do rio Tyne, assim como para reduzir a severidade das
cheias, pois o reservatório tem capacidade para receber a água de escoamento
das precipitações na área superior da bacia hidrográfica. Logo abaixo da 6.3.3. A Tennessee Valley Authority

O exemplo mais conhecido de alteração em larga escala e com várias

-~,
Barragem de Bakethln O
finalidades de uma bacia hidrogrâfica talvez seja a obra da Tennessee Valley
Repmo Kle/der •..
1 _ 201cm
I
Authority (TV A), no sudeste dos Estados Unidos. A bacia, com 100 mil
quilômetros quadrados, foi uma das áreas mais afetadas pela dust-bowl da
da Ki.'da, ~ década de 30. A agricultura de subsistência, o pastoreio intensivo, o desma-
Estaçõo de ;1 Extração de tamento e outros desacertos tinham exposto vastas extensões de terra a várias
absorçõo e '- :i. Ovington paro formas de erosão, desnudando a camada superficial do solo, aumentando a
bombeamento
de Riding Mil! a área de Tyneside sedimentação nos rios e intensificando as cheias.

~
~
r dutos

tún:~PIOS
~&oerwent
"'~yne
'\

)t;s~~d:~6
.
Medidas de controle foram tomadas tanto na terra como nos rios. O
principal curso de água, desde a montante de Knoxville até a confluência com
o Ohío, em Paducah, é virtualmente um comprido lago, que se formou com a
construção de nove grandes barragens entre 1935 e 1944. Uma série ulterior
, ..r- /"I-... Re;:;(;~rio
de barragens nos afluentes (Fig.6.13a) veio a regularizar por completo o
tunel Derwent- 'I de Derw8nt
Wear ',' ~, ~............-------.;:;.,
R. B~ •• n8 Extração de
Lumley para
caudal do rio, não com um simples reservatório na nascente, mas através de
R Wear '{" Escoadouro um conjunto de barragens ao longo do curso dos rios. O projeto da TV A
a área de
~.',,\ Wear abrangia múltiplas fmalidades,desde a melhora da navegação à geração de
túnel Wear _ iT Wearside
Tees ~: energia hidrelétrica e à drenagem de pântanos. Concomitantemente, toma-
RlI5erWlfÓrio •• ram-se medidas conservacionistas da terra, para reduzir ao mínimo o escoa-
da Cow GI'88II " Escoadou pora a área
li de Eggleslon de Teesicfe.•
mento superficial. Por exemplo, a bacia do Parker Branch (43 hectares)
V _ Groasholme era típica das piores áreas afetadas. Um terço da terra estava sulcado de
ElI traÇÕesda
R.Wlne
'~7;
voçorocas e abandonado, pois as cheias tinham provocado violenta erosão.
•..•'" Broken Scar
e Darlington O trabalho de resgate envolveu o reflorestamento das encostas íngremes com
R.Ba/der
Extração de pinheiros, o plantio de acácias negras nas voçorocas para estabilizá-Ias e o
Blackwel/ desenvolvimento de técnicas agrícolas conservacionistas (Seção 6.2.1). Pas-
sados dez anos, a produção agrícola da bacia havia duplicado, as cheias das
tempestades de verão tinham se reduzido à metade e a quantidade de sedi-
mento nos rios diminuíra 65% (Fig. 6. 13b). A pequena bacia do Parker
Figura 6.12 - Projeto da represa de Kielder, no nordeste da Inglaterra, mostrando o
reservatório de regularização e a localização proposta para o aqueduto Branch foi selecionada pela TVA para estudos especiais, mas um pouco por
(conforme Kirby, 1979). toda a parte da bacia do Tennessee aconteceram alterações semelhantes
no uso da terra e na hidrologia,
112 Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente
AAgua 113
o
'CoB, 6.3.4. O rio Nilo

i -I li
. ,'" Introdução. De todos os grandes rios do mundo, nenhum sofreu tão

~
0.8
I ~
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c: ",a
00 o
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't: ••
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drásticas medidas de controle por tanto tempo como o Nilo. A primeira civi-
lização no antigo Egito dependia inteiramente das águas do Nilo, correndo
~
~!~"iJ ~ '" através de uma terra árida e inóspita Desde a noite dos tempos, a população
-I ~g-
-o.> i '" 0&ri° 'C (e por vezes a prosperidade econômica) viveu sempre em nexo estreito com a
) o~
disponibilidade de água do rio para irrigação. Em certo sentido, as culturas do
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\ aS Q) ....; Nílo representam um exemplo do meio físico exercendo poderoso domínio
{ ~i~
s ~ sobre as atividades humanas. Todavia, apesar das limitações de um ambiente
~~~ crítico, os recursos hídrícos vitais foram aproveitados a tal ponto que o
. &oS ambiente de amplas zonas do vale do Nilo se transformou por completo.
~'o
01:: E! d:!
e Dispondo sempre de mais água, a população do Egito aumentou, obrigando
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ao desenvolvimento de novos projetos de aproveitamento do rio. O ciclo da
!S ~
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<>. 0=8 ~s:: demanda perdura até hoje.
~il,ª
> tf.c:
g '" o Hidrologia do Nilo. Ao longo de 6.700 quilômetros, o Nilo drena 10%
'" .g ã da superfície do continente africano (Fig. 6.14). A baciahidrográfica abrange
~ ~
parte do Egito, Sudão, Eti6pia, Zaire, Uganda, Tanzânia e Quênía, Mais de
o fil~
~ lib,f 60% do caudal do rio provém do Nilo Azul, que nasce nas montanhas da
~~o Etiópia, Esta região tropical é, tradicionalmente, úmida e seca, com o clima
gJ :E ~
,I;l ,...,0r; modificado pela altitude. O Nilo Branco drena uma área muito maior, mas
",e!! contribui com menos de 30% do fluxo, advindo o restante do afluente
•• E! '"
~ ~.~ tO
Atbara, que drena parte das montanhas do norte da Eti6pia e parte do Sudão.
°
(I'J

= l3.
(I)

A jusante da confluência com o Atbara, o Nilo corre no sentido norte para o


-8 ~ ~ Mediterrâneo, num curso de 2.500 quilômetros, onde praticamente não
1ã lã 10<

~
g
:~i
0'C-8
recebe nenhum afluente.
O Nilo Branco tem origem na zona equatorial, onde a estiagem não é
! o~t~ pronunciada O seu caudal, portanto, é relativamente constante durante o
-I ~~,ª ano, o que é reforçado pelo efeito regulador dos lagos Vitória e Alberto, que
o rio atravessa Em contraposição, as cabeceiras do Nilo Azul e do Atbara se
I
e ]%: acham em regiões com marcante concentração pluviométrica nos meses de
-ã ~ os verão, Daí, o regime do Nilo, ao atravessar o deserto egípcio, se caracteriza
!:l ~ ,g
por violento pico de cheias e baixíssimo fluxo no resto do ano. A enchente
8~~ anual alcança Assuã em julho-agosto e o norte do país um mês depois, mais
.-..
.s - I
r<I
II:Í
ou menos. Nada menos que 2/3 da descarga anual do Nilo ocorre entre agosto
e outubro. Dada a irregularidade do regime do rio no descurso do ano, o obje-

.i~ tivo primordial de todos os projetos de aproveitamento tem consistido em dis-


tribuir a descarga com maior uniformidade pelo calendário, ampliando o
abastecimento em cada mês.
114
Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente
AÃgUa 115

. MAR· MEO;TERRÃNEO' .: ..•. quadrados de área. A enchente caminhava no sentido norte, pelo que a inun-
.. ;.-:.... .
. ~ b
1000km
J
dação se propagava a jusante do vale. Quando as águas regrediam, deixavam
uma camada de aluvião, abrindo caminho ao trabalho agrícola, que rendia
uma colheita anual em cerca de 65% da planície de inundação.
Essa harmoniosa relação com o meio foi interrompida há uns 5 mil anos
LÍelA pelo rei Menes, que mandou construir a primeira represa no NUo. Era uma
pequena estrutura a sul de Mênfis, mas que assinalou o começo da luta do
ARÁSIA homem para reter as desperdiçadas águas das cheias do NUo. Com a coerência
SAUOITA
e a disciplina introduzidas pelos faraós, projetos mais ambiciosos de controle
" do rio foram concretizados. Aproximadamente em 1500 a.C., ergueram
paredes em tomo do lago Qarun, 30 quilômetros a sudoeste do Cairo, a fim
de receber água suficiente para a irrigação, por gravidade, de 20 mil hectares
de novas terras. Mais tarde, a invenção da espiral de Arquimedes e do shaduf
permitiu elevar a água acima do seu nível natural e ser usada para irrigação.
Durante a época colonial, a tecnologia da Revolução Industrial facultou
manipulações de porte. No século XIX, os franceses e os belgas construíram
uma barragem ao norte do Cairo, desviando água para três canais que irrigam
terras do delta. Os ingleses elevaram a altura da barragem do Cairo e construí-
, ram a primeira Barragem de Assuã, com 3 quilômetros de comprimento e que
ETIOPIA se destinava a deixar passar as primeiras cheias repletas de sedimentos, re-
tendo a parte mais limpa do caudal da cheia em regressão. Em 1933, a Bar-
,
.". '.....
rv-- ragem de Assuã foi elevada 40 metros, ficando com uma capacidade de 500
L.Rod;ifo / _ milhões de metros cúbicos, em resposta ao rápido crescimento demográfico
IQOENIA
ZAIRE do país. Reservatórios de regularização também foram construidos mais a
II ,../ " montante do rio. As barragens de Sennar e de Roseires, no NUo Azul, permi-
)/ tiram a irrigação de imensa área entre o NUo Azul e o Branco, ao sul de
Cartum, assim como uma barragem nas Cataratas de Owen, em Uganda, veio
-Legenda _
I barragens /represos controlar em parte o caudal do NUo Branco, do lago Vitória em diante .
......<D- ria/logo A Caloralos de Owen Até hoje, o projeto mais ambicioso foi a construção da Grande Bar-
S Sennor
rio sazonal C Awlia ragem de Assuã, na fronteira com o Sudão. O lago Nasser, daí resultante, tem
O Grande de Assuõ uma área de 5. 700 quílõmetros quadrados e capacidade de retenção de 15,5/
canal de Jonglei E Mohommed Ali
109m3 de água. Esta capacidade é superior âs necessidades de regularização
das variações sazonais da descarga e visa compensar a redução abaixo da
Figura 6.14 - Sistema de drenagem do rio Nilo, mostrando as pnnClp81Sestruturas de média do caudal do rio por vários anos. A irrigação perene, e não mais quando
controle fluvial.
das enchentes sazonais da bacia, tornou-se possível em amplas áreas abertas à
agricultura, já sendo possível obter, pelo menos, duas colheitas anuais. A Fig.
6.14 mostra a extensão das estruturas de controle no sistema hidrográfico do
Domesticação do Mio. No Egito pré·dinástico, a sociedade adaptou-se NUo.
ao caráter do Nilo, As cheias de verão ultrapassavam os obstáculos naturais, O efeito cumulativo dos reservatórios reguladores e dos projetos de
inundando as bacias da planície de inundação, com 70 a 100 quilômetros irrigação no regime do NUo foi profundo. A jusante da Grande Barragem de
Assuã, um dos maiores rios do mundo pouco mais é do que um canal. As
116
Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente
A Água 117
mudanças verificadas nas variações do caudal do Nilo nos últimos tempos
podem ser vistas na Fíg, 6.15. No período 1964-74, a Grande Barragem de por se tomar consciência das importantes alterações ambientais para os 33 mil
Assuã foi terminada e enchi da, pondo fim às cheias a jusante do curso. Mais quilômetros quadrados da região do Sudd. Além das prováveis mudanças na
de 80% da descarga de Assuã' é extraída, alcançando o Mediterrâneo apenas vegetação, .na vida selvagem e na humana, é de supor que a contração dos
um fio de água. e
o aproveitamento quase total do rio como recurso hídrico. solos argilosos que atualmente são inundados na estação chuvosa produza
Entretanto, o fluxo total por ano é hoje menor do que antes da construção uma paisagem de cômoros e buracos na sua maior parte. O pântano retém
dos reservatórios, devido à perda de água por evaporação nos lagos. A distri- grande proporção das matérias em solução carreadas pelo NUo Branco e,
buição do caudal pelo tempo é que foi alterada, em benefício do homem. portanto, quando o canal estiver pronto, a concentração de sais dissolvidos
aumentará acentuadamente a jusante do rio. Ao contrário de muitos projetos
anteriores, houve sérias pesquisas sobre os prováveis efeitos ambientais do
empreendimento. Sempre que possível, procura-se reduzir ao mínimo os
;;- .2 efeitos adversos .. Imaginando o futuro, projetos ainda mais ambiciosos já
If'E foram propostos para os trechos médio e superior do NUo, até que, da nas-
o
.•.. 10
cente à foz, o sistema de drenagem tenha sido aproveitado na sua plenitude .
)(
•••• 8
o Outras conseqüências do controle do Nilo. Conforme sucede com
e' 6
quase todas as tentativas de modificação dos sistemas naturais, também com a
8
8l 4
Lago Nas"r cheio regularização do Nilo ocorreram alterações em outros aspectos do ambiente.
o
2 Algumas eram previstas, outras não.
Os lagos e reservatórios atuam como retentores de sedimentos e, no
caso de cheia dos lagos, a maior parte do material em suspensão decanta no
fundo do lago. O lago Nasser retém virtualmente toda a carga suspensa do
Nilo. Por conseqüência, sua capacidade de armazenagem de água vem se redu-
Figura 6.15 - Regime do rio Nilo, na região do delta, antes e depois da construção da
zindo constantemente, ao passo que cessou a deposição do valioso lodo na
Grande Barragem de Assuã (o débito fluvial foi medido no Cairo; confor-
me S. el Din, 1977). planície de inundação situada a jusante. Parte da energia elétrica gerada em
Assuã entra na fabricação de fertilizantes artificiais, indispensáveis para substi-
tuir o lodo que tanto enriquecia o solo.
o canal de Jonglei. No entanto, outras modificações estão projetadas Antes de construída a Grande Barragem de Assuã, 60 a 180 milhões de
para o Nilo. Entre Mongala e Malakal, no Sudão, o Nilo Branco corre por toneladas de sedimento eram depositados, anualmente, na foz dos distribu-
400 quilômetros através da extensa região pantanosa do Sudd. Os pântanos de tários Rosetta e Damietta, no delta do Nilo. A falta de recarga da água subter-
papiro e caniço são inundados nos meses de verão e aproximadamente entre rânea pelo rio, nessa área, vem fazendo com que a água salgada do mar polua
1/3 e a metade da descarga do rio perde-se por evapotranspiração. Ou seja, o lençol aqüífero aluvial do delta. Além disso, vem aumentando a salinidade
mais ou menos o equivalente às perdas por evaporação do lago Nasser. Em das velhas terras de lavoura.
1978 começaram as obras no canal de Jonglei, que tem 320 quilômetros de A jusante da Grande Barragem de Assuã, a descarga relativamente cons-
comprimento e passa ao lado do pântano. Com 50 metros de largura, foi tante do rio permitiu que a vegetação das margens e da água formasse colônias
cuidadosamente construído para manter a velocidade do fluxo em cerca de estáveis, que estreitaram o canal e aumentaram a transpiração da água.
1 metro por segundo, rápido demais para permitir a excessiva deposição de O pequeno fluxo residual que entra no Mediterrâneo provocou mudan-
sedimentos ou o crescimento de ervas daninhas, mas bastante lento para ças na parte sudeste do mar. As zonas costeiras e principalmente as de es-
causar a erosão das margens ou do leito. tuário são, do ponto de vista biológico, normalmente das mais produtivas. A
Embora o projeto do canal de Jongleí estivesse em estudos por muitos falta de nutrientes carreados pela água do Nilo talvez seja responsável pelo
anos, as obras foram adiadas, em parte por motivos econômicos, mas também forte declínio na captura de sardinha e camarão no litoral, desde a construção
da Barragem de Assuã Antes, pescavam-se cerca de 18 mil toneladas de
118
Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente A Água 119

sardinha por ano; hoje, a pesca é irrisória, levando ao desemprego 30 mil


pescadores. wna parasitose, que os homens contraem facilmente. Nos últimos anos, a
doença aumentou repentinamente na área do delta. Finalmente, a falta de
De maneira mais direta, o não-fomecimento de água doce afetou as
vazão de água doce no mar do Levante acelerou a chamada migração Lessep-
correntes marítimas e os níveis de salinidade na área do delta, atingindo talvez
sÜl1lll de organismos do mar Vermelho para o Mediterrâneo, pela via do Canal
inclusive a costa de Israel. Antes da construção da barragem, uma camada
de Suez. Esse movimento unilateral vinha ocorrendo desde a construção do
com 100 metros de espessura de água menos salgada flutuava a norte e a leste
canal, em fins do século passado, calculando-se que de duzentas a quinhentas
do estuário do Nilo, durante as cheias. Os níveis de salinidade eram infe-
espécies estranhas alcançaram dessa forma o Mediterrâneo. A falta de água
riores a 3,9% a uma distância de 80 quilômetros da costa. Essa camada de
doce na embocadura ocidental de Suez apenas facilitou a migração.
água menos salgada desapareceu e, como se pode ver na Fig. 6.16, os níveis
de salinidade ultrapassam atualmente os 3,9%, mesmo nas áreas costeiras.
6.3.5. Mudanças hidrológicas continentais na URSS

, lã se tomaram comuns o controle da descarga dos rios e as transfe-


(o)
, !. '.'._ .,,'
. SIRIA rências de pequena escala entre bacias. Poucos projetos desses foram exe-

,,, !
cutados em escala continental, salvo nos Estados Unidos e na Austrália
(rio Snowy), ainda que pudessem ser considerados como projetos regionais
---------.......... I .I
,'-•• ••-~-- -- --~...... "'3,9% __ ',' ,,' de escala muito grande.
- - - - - - - ~ -- 30- ••. L') <'
.••• I''~ ••
'-";,~ _'ti ----
--.. ••") •••'l>oo. ~o-""
•••••• ,.
"' , • ". A escassez não se deve à falta de idéias ou de tecnología, Têm havido
" , ", • " '-'o~ ,~: ,. OS.AEL I projetos eminentemente práticos e outros completamente malucos, pois o
'-- ", ,~- . 100"
homem dispõe de capacidade tecnológica para transformar os sistemas de
\ o J
\ I drenagem do mundo inteiro conforme lhe aprouver. Se alguma restrição
existe, ela se deve aos custos, que são enormes, e, muito recentemente, à
... tomada de consciência ecológica sobre as possíveis repercussões indesejáveis
(b) \ , para o ambiente.
>3,9% ,
I
<3,9% \
I
,.'...".- .., Um projeto que muitos cientistas pressentem beirar o injustificável,

,,
I , .••- - -~%. - ,," dada a incerteza quanto a seus efeitos colaterais, será aqui examinado. Na
,
," .
?J9Cftr - •• " I
>3,9%
URSS vem-se considerando há vários anos o desvio do curso dos rios que se
escoam para o Oceano Ártico, para que desaguem em direção ao sul, através
das terras semiáridas do Casaquístão, no mar Cáspio. O projeto se acha (em
----' " 1983) na fase de pré-estudos e estará completo no ano de 2010. O empreendi-
1001un mento apresenta vantagens óbvias. As terras de semeadura do sul, potencial-
mente férteis, receberiam farta água de irrigação. Depois, os rios que correm
para o norte, cuja água quase não tem serventia, são sujeitos a sérias cheias na
Figura 6.16 - Alterações (porcentuaís) na salinidade da água no sudeste do mar Mediter- primavera, pois no final do inverno as cabeceiras degelam um pouco antes dos
râneo, considerando a fase (a) anterior e a (b) posterior da construção da trechos inferiores, a norte. A extração de grandes quantidades de água desses
Grande Barragem de Assuã (conforme S. el Din, 1977).
rios reduziria tal problema.
O mais ambicioso desses projetos (Fig. 6.11) envolve o desvio das águas
do sistema hidrográfico Ob-Istysh, a norte, com uma bacia de 2.500 mil
Outros efeitos sobre a biologia do rio e do mar do Levante estão come-
quilômetros quadrados. Uma barragem situada abaixo da confluência dos
çando a surgir. Os fluxos constantemente baixos do Nilo inferior são favo-
rios formaria um lago (ou mar!) duas vezes maior que a Inglaterra e Gales.
ráveis aos moluscos que hospedam os transmissores da esquistossomíase,
Parte do caudal excedente seria transferida ao sul para Tobo1sk, por canal,
120
Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente
A Água 121

declínio. O mar Cáspio recebe 75% de suas águas do rio Volga O desmaia-
Lel/endo mente na bacia de drenagem deste rio reduziu a armazenagem natural de
--- •. - - -
"'ta "_1 do
tranlfwiMkI água, e a.montante de Volgogrado um conjunto de barragens reduziu o rio
ár.a ••• IrrI9aoão a urna série de lagos artificiais, onde a metade ou mais da descarga do rio se
propo,ta,
perde por extração e evaporação. Essa queda na afluência pode explicar o
::~
;":.~~ fWro, atlal declínio do nível das águas do Cáspio desde 1930. Somente na década que vai
(:...:..: .. ,v-. :.;:'::':':..:.'... de 1961 a 1971 o nível caiu 2 metros. Como o mar está raso em boa área da
sua parte norte, o leito aparece em vários lugares e o delta do Volga se esten-
deu 32 quilômetros em direção ao mar nos últimos trinta anos. A pesca no
~::,,:\:,:: .' ~::.' Si~E~'I~
";: mar Cáspio foi severamente afetada
;li
....:.. :. :: ':.:'::.'.:" .' CEN~~.~ }:.
~ Os benefícios em potencial do desvio do Ob-Irtysh-Ienísseí, portanto,
i
parecem grandes. No entanto, a escala do projeto é tal que as conseqüências
poderiam ser sentidas no mundo inteiro. No momento não se podem prever
os efeitos da redução do fluxo de água doce para o Ártico, da formação de
um novo e grandioso sistema de água doce e da irrigação de vastas extensões
da estepe. Já se argumentou que o Oceano Ártico ficaria sem gelo todo o ano
em tomo de extensos trechos. Por seu turno, isso permitiria a formação de
uma nova massa de ar sobre ele, aqueci da pela água O clima da Sibéria Oci-
dental talvez se tomasse menos continental e o aumento da precipitação
1000u :.'
I

..... '. :".:', ',':,': :


J pluvial poderia ser o resultado dos níveis maiores de transpiração na estepe
irrigada

Figura 6.17 - Projetos para a transferência de água entre bacias e para irrigação, na
parte central da URSS. 6.4. Novas fontes de água
Uma forma extrema de intervenção humana no ciclo hidrológico é a
e outra parte seria aplicada num projeto local de irrigação. O restante seria introdução de água ''nova'' no sistema. Até agora, essa água ''nova'' é em
então recalcado sobre a bacia vertente do Irtysh, para um reservatório de quantidade insignificante, mas no futuro, e principalmente nas regiões semi-
armazenagem, e daí iria alimentar, no sul, o rio Amu Dar'ya, no Usbequistão, áridas, a água doce "artificial" talvez afete o funcionamento do ciclo hídro-
correndo então para o mar Cáspio. Durante o percurso, a água seria canalizada lógico.
sob o rio Syr Dar'ya. A distância total entre a Barragem de Ob e o mar de A dessalínízação de água salobra ou de água do mar, usando destilação
Ara! é de 2.500 quilômetros. A ligação posterior do Mar de Aral ao mar por descarga ou métodos de membrana, está ficando muito comum, sobretudo
Cáspio faria aumentar a distância. nas regiões costeiras e nos países ricos. A capacidade mundial de dessaliníza-
ção em 1976 era de cerca de 2.400 milhões de litros de água do mar por dia,
Uma versão ainda mais grandiosa envolve o represamento de outros
aumentando 16% ao ano. Em países como Israel, Austrália e Kuwait, assim
grandes rios drenando para o norte, para as planícies da Sibéria Ocidental
como no oeste dos Estados Unidos, usinas médias de dessalínízação já vêm ope-
como o Ienissei e seu afluente, o Angara, As águas desse lago seriam transfe-
rando há anos. Há uma limitação, que é a enorme quantidade gasta de energia.
ridas para o "mar de Ob". Dessa maneira, mais de 10 mil quilômetros quadra-
Uma idéia mais pitoresca de obter água doce é o rebocamento de ice-
dos de estepes, na Sibéria Ocidental e Casaquistão seriam irrigadas através
desse projeto. bergs da Antártica para as regiões costeiras onde a água é escassa. O ideal é
que os icebergs fossem estáveis e em forma de tábua, com um volume de
O nível das águas do Cáspio e do Aral abaixou rapidamente nas últimas
aproximadamente 1 quilômetro cúbico. Importadores prováveis são a Aus-
décadas e o objetivo do empreendimento também seria deter ou reverter o
trália (sul), Arábia Saudita e Calif6rnia (sul).
122
Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente

Finalmente, têm havido propostas para a construção de condensadores


gigantescos, cheios de água fria do mar, para serem localizados em costas com
ventos oceânicos predominantemente quentes e úmidos. Parte da umidade
atmosférica seria então captada por condensação. Supõe.se que haveria um
3
ganho de 4.000 m /dia com uma série de condensadores localizados nas Ilhas
Virgens, em St. Croix.
~ difícil avaliar o efeito de qualquer destas técnicas de geração de água
doce. Em qualquer hipótese, estará se removendo à força a água de um depó-
sito (oceano, gelo e atmosfera), mas exige-se maior softsticação tecnológica 7. As formas de relevo
e maior investimento para que o volume de água até agora envolvido tenha
importância fora da esfera local.

7.1. Introdução
6.5. ConclusOes

A extensão e a intensividade das alterações discutidas neste capítulo


demonstram a relativa facilidade com que o homem pode manipular a água
doce e a necessidade de assim proceder para a sua sobrevivência. Os fatores
econômicos e sociais constituem as limitações mais freqüentes da alteração Depois da construção da Barragem Hoover e da formação do lago Mead,
da água. A importância das alterações no ciclo hidrol6gico é tal, que são em 1935, essa região dos Estados Unidos, até então estável, começou a sofrer
mencionadas nos Capítulos 3 a 8, onde se trata da influência do homem em pequenos terremotos. Até 1937, cem abalos foram registrados. O terremoto
outros aspectos do ambiente, em contextos tão diversos como água do solo, de Koyna, em dezembro de 1967, que matou duzentas pessoas, também se
vegetação, relevo fluvial, movimento de massa, climas locais e povoamento julga ter resultado da construção de um reservatório. Felizmente, os efeitos
das regiões áridas. provocados pelo homem na ação interna da Terra são por enquanto locali-
zados e, no contexto geral, inteiramente irrelevantes. O mesmo se pode dizer
da intervenção nos processos geomórftcos e na modelagem das formas de
relevo.
As escalas de tempo e de espaço em que operam os mecanismos de
formação da paisagem tomam muito remota a probabilidade de uma inter-
venção sígnífícativa do homem. O relevo constitui produto da estrutura geoló-
gica, do tempo e dos processos geomõrfícos - e só este último fator é que
pode ser objeto de mudança sígnífícatíva. Tais processos são, em larga medida,
determinados pelo clima (intemperismo, transporte) ou controlados pela
gravidade (movimentos de massa) e, com exceção do sistema fluvial e outros
sistemas semelhantes de transporte (Capítulo 6), nos demais normalmente se
observa uma circulação de energia antes difusa do que concentrada. Dessa
forma, não são facilmente "controláveis". Os pontos de influência são poucos
e altos os limiares a alterar; as mudanças feitas pelo homem 84'0 antes locais
do que regionais e mais intensivas do que extensivas. A regra tem exceções:
ambientes sensíveis, como rios, linhas costeiras, regiões semiáridas, o sub-
ártico, podem ser desestabilizados, como nos mostrarão os exemplos apresen-
tados neste capítulo.
125
124 Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente As Formas de Relevo

A ação do intemperismo pode ser acentuada por mudanças no clima gelada. Até há pouco tempo o povoamento dessas regíees era mfnimo, mas a
local, como sucede com o intemperismo químico nas áreas urbanas (Capítulo exploração madeireira e de recursos minerais levou a forte expansão da colo-
10), mas na sua maior parte se intensifica nas estruturas feitas pelo homem. mzação humana do subártíco, principalmente na URSS. Inicialmente, a falta
Os movimentos de massa são acelerados quando se desestabilizam taludes em de apreciação do ambiente acarretou sérios problemas. O homem teve de
obras de construção, assim como a erosão aumenta quando o solo é endure- adaptar seus hábitos às limitações do meio.
cido pelo pisoteio das pessoas em áreas de lazer no campo (Capítulo 2). Os Já se mencionou a tundra como um ambiente crítico e instável, em
mecanismos de transporte, principalmente os fluviais e os litorâneos, estão termos de solo e vegetação. O mesmo vale para o relevo, onde a instabilidade
sujeitos a modífícação. A escavadeira mecânica tornou-se um agente geomór- deriva do derretimento sazonal da camada superficial (camada ativa) da terra.
fico: a ''buldozogênese'' pode criar novas formas de relevos e destruir as Essa camada tanto pode engrossar como afinar, em função de vários fatores
existentes. naturais ou humanos (Fig. 7.1). Embora os processos naturais tenham, de
Como sucede com todos os aspectos do meio físico, as alterações intro- longe, muito maior importância, nem por isso as mudanças provocadas pelo
duzidas no relevo podem ser conseqüência deliberada ou inadvertida de homem deixam de ter significado local. Se a espessura da camada ativa
qualquer outra atividade. "Vales" artificiais são formados na construção de diminui, por compressã'o da superfície ou por escavação, o permafrost derrete
rodovias e ferrovias, assim como podem formar-se por séculos de erosão de até mais fundo. As ferrovias e oleodutos se transfonnam, então, em linhas de
uma trilha, como se deu com as profundas veredas de Devon. Há o caso da terreno altamente erosivo, podendo agir como foco de erosão hidráulica
construção de sistemas de drenagem para controle da hidrologia de uma zona, durante a primavera, período de derretimento. Com o aprofundamento dos
assim como há o da intensa formação de voçorocas por mau uso da terra.
Podem-se formar novas terras aterrando lagoas e pântanos, ou mediante a
deposição de sedimentos excedentes em estuários, devido à erosão do solo
carreada para os rios. Por exemplo, nas cabeceiras do golfo Pérsico acumu- TipO de
mudança ~ Agen!e ~ Processo ~ Resul!ado - Reaçõa
laram-se 250 quilômetros quadrados de terra, em tempos históricos, devido à
erosão nas bacias do Tigre e do Eufrates. Depressões são escavadas para a
exploração de minérios, assim como podem resultar de subsidência do solo,
em função da abertura de minas ou da drenagem da terra.
Somente no que respeita às taxas de erosão e sedimentação do solo
(aumentadas milhares de vezes em certas áreas de alta irregularidade) é que
parece ser o homem capaz de alterar a formação do relevo numa escala que deseQuilibrio ~ derretimento
!érmleo de rrmalrOS!
vai do regional ao continental. De outro modo, ele é um agente geomórfico
importante apenas em escala relativamente pequena ou em grau limitado,
liberação de
como o demonstram os exemplos a seguir. 9"10 ",,[edente

subsidêncla
7.2. Regiões permageladas (permafrost) '" do 9010

Vinte por cento da superfície da Terra estão permanentemente gelados


em profundidades que, segundo o lugar, ultrapassam os mil metros. Metade. da
área do Canadá e da URSS, bem como 80% do Alasca estão em zona perma-

Figura 7.1 _ Processos naturais e antrópicos capazes de promover o derretimento em


• O autor emprega o neologismo para permafrost, contração de permanent frost. Apor- maior profundidade, atuando sobre a espessura da camada ativa, nas áreas
tuguesou-se a contração em inglês. (N. do T.) de permafrost (conforme French, 1979).
127
126 Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente As Formas de Relevo

canais, O degelo também irá mais fundo, com o que se agrava a erosão vertical Fairbanks, produziu um degelo desigual e, em três anos, os campos estavam
- um mecanismo positivo de realimentação que leva ainda a maior erosão transformados em um conjunto de montículos de um metro de altura, no
(Capítulo 2). No norte do Canadá, já se registraram valas de 3 metros de meio do gelo, tomando a terra inaproveitável.
altura ao longo de uma trilha de caminhões, em uma estação. Para sobreviver no ambiente de permagelo, o homem teve que se
As escavações que abrem fossos provocam um degelo semelhante e, se adaptar a ele. A cobertura vegetal é mantida e o isolamento reforçado, prepa-
ali se forma um lago, o permagelo que está por baixo derrete mais, induzindo rando caminhos de pedra britada quando se pretende fazer uma construção.
os fossos a se alargarem por queda das beiradas e erosão. A zona de degelo se As casas recebem alicerces de estacas, que são espetadas a fundo no perma-
aprofunda de modo direto devido a fontes artificiais de calor, como edífí- gelo, erguendo-se acima do nível do chão. Já os oleodutos são sempre sus-
cações ou oleodutos, e remoção da cobertura vegetal da superfície. A
â
pensos e as escavações são evitadas na medida do possível. Um· dos projetos
vegetação atua como camada isoladora, minimizando a transferência de calor mais controvertidos, o da construção do oleoduto para o transporte de petró-
entre o ar e a terra. Se for retirada, o calor atmosférico é conduzido a maior leo dos contrafortes do norte do Alasca para o sul, só foi realizado quando
profundidade abaixo da superfície. A Fig. 7.2 mostra o efeito da retirada todas as medidas práticas haviam sido tomadas para proteger o ambiente.
progressiva da vegetação rasteira perto de Fairbanks, no Alasca. O corte de Mexer com o ambiente de permagelo foi tão prejudicial, em termos de reação
árvores fez reduzir em 28 metros a espessura do permafrost em dez anos e a imediata, que hoje o problema é abordado com a maior cautela.
limpeza total da vegetação levou a camada ativa a aprofundar-se 38 metros no
mesmo período. Embora o corte da vegetação mostrado na Fig. 7.2 fosse
realizado para pesquisa, a limpeza mais extensiva da vegetação tem provocado
7.3. Morfologia fluvial
subsidências terrestres complexas e de larga escala. O desrnatamento de 2
quilômetros quadrados de terra para pastagem, no vale de Tanara, perto de
Já discutimos no Capítulo 6 as alterações feitas em sistemas fluviais em
termos hidrológicos. Seja porém qual for o objetivo dessas alterações, se para
Vegeloção natural Área desmatada Área desmatada
aumentar ou diminuir o caudal, para a formação de reservatórios, a modifi-
( musgo e turfa) ( terra nua)
cação de canais, a construção de pontes ou de molhes, sempre se transtorna
o equilíbrio dinâmico natural do rio. O equilíbrio entre erosão e deposição
muda de localização e de intensidade, além do que as mudanças raramente são
confinadas à zona imediata em que se realizam: o aprofundamento do leito
o
é de um rio talvez afete o seu comportamento por quilômetros e quilômetros,
:; 10 tanto a montante como a jusante.
"-ec 20 CAMADA SAZONALMENTE
Muitas vezes, o que se faz é acentuar ou reproduzir os processos natu-
~ )- DERRETIDA rais. Um reservatório pode simular os efeitos de um lago natural, atuando
c
PERMAFROST i i i i , , •••. (camada ativa) como depósito de sedimentos, formando deltas e, mediante a retirada da
~30
e
o.. carga do rio, contribuindo para intensificar a erosão do leito ajusante. Como
40 alternativa, se se extrai água diretamente do reservatório e o caudal do rio a
jusante se reduz, a erosão diminui, permitindo o assoreamento do canal. O
legenda: aumento ou a diminuição da descarga acelera as alterações que a variação da
I I I I I I i I posição da camada de lIelo apcj. 10 ano. de al.raçõe. na vegetação precipitação pluvial provocaria. O aumento muito grande da carga de sedi-
- - - - - - posição orllllnal da camada de lIelo
mentos que alcança os rios, nas áreas onde se fazem obras de urbanização ou
de agricultura intensiva, simula os períodos naturais de erosão. Em todos os
casos, o que o homem faz é abreviar o tempo e intensificar o efeito de tais
Figura 7.1 - Aprofundamento da camada ativa em dez anos, numa área de permafrost
mudanças. O exemplo que se segue ilustra parte das conseqüências que pode-
do Alasca, onde a vegetação foi modificada em diferentes graus de alte-
ração (conforme Linnell, 1960). rão advir das modificações de um sistema hidrográfico.
129
128 Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente As Formas de Relevo

o rio Willow, em lowa, Estados Unidos da América, que é um afluente O segundo fator é a relativa fragilidade de muitas linhas costeiras, prin-
do Missouri, desenvolve-se no seu curso superior em espessos e compactos cipalmente nos ambientes marinhos batidos pelas ondas (alta energia). Fre-
depósitos sedimentares. Antes das obras realizadas no começo do século, o rio qüentemente, a energia natural e a plasticidade dos materiais são fáceis de
coleava por meandros em canais de 20 a 30 metros de largura, com um romper, desviar, diminuir ou amplificar. As modificações costeiras inten-
gradiente médio de 1 m por 1.000 m, O braço principal do rio foi regulari- cionais destinam-se a prevenir a erosão ou a recuperar terreno, para facilitar
zado num canal com 6 metros, em linha reta, o que fez aumentar o gradiente a atividade econômica do litoral ou para fins de recreio. Os processos naturais
médio para 1 m por 660 m. As mudanças no regime fluvial, devidas princi- afetados são iguais aos que ocorrem nos rios - correntes, marés e ondas. A
palmente à aceleração da velocidade do caudal, foram impressionantes e erosA'o e a deposição de materiais nas praias de recreio já criaram muitos
rápidas. Abriu-se uma ruptura de declive (knickpoint), de três metros, que problemas, como a desestabilização de dunas esparsamente cobertas de vege-
regrediu para montante, através dos canais da cabeceira, acabando por eli- tação, por serem pisoteadas, o que provoca erosão e díspersão em seguida. A
minar os efeitos do nivelamento e provocando alargamento tanto como apro- baía de Seaford, em Sussex, oferece um bom exemplo disso.
fundamento dos canais. Os efeitos sobre a rede de canais e o perfi1longitu- A direçlo dominante das ondas na costa de Sussex, que é sudoeste, pro-
dinal foram extensos, lembrando de perto os induzidos por urna falha natural voca urna migração dominante de materiais das margens no sentido norte-
no nível de base, que se chamam efeitos de rejuvenescimento. oeste para sudeste. A área de Newhaven, mostrada na Fig. 7.3, exemplifica o
Outro resultado desse "rejuvenescimento" causado pelo homem foi o que pode acontecer quando a mígração costeira é impedida por uma estrutura
desmoronamento das margens, com aumento da carga de sedimentos no rio. feita pelo homem. Os molhes do porto (vistos em preto), na foz do rio Ouse,
Estes se depositavam nos trechos baixos do curso e exigiam drenagem. Nas foram construídos para dar proteção contra as marés tempestuosas. O quebra-
cabeceiras, a mesma erosão das margens gerou voçorocas e a degradação da mar estende-se por 800 metros mar adentro e, efetivamente, bloqueia o movi-
terra, enquanto o entrincheiramento do rio a um nível mais baixo fez o nível mento em díreção leste do material das praias. Nos 250 anos decorridos desde
de água dos poços abaixar na região de 3 a 5 metros. Resposta tão drástica de a sua construção, considerável quantidade de material se acumulou a oeste da
um sistema fluvial à interferência humana é excepcional e relaciona-se com os barreira, formando uma praia que em certos lugares tem 300 metros de
níveis baixos dos limiares da área em particular. Seja como for, poucos rios largura. A deriva de material prosseguiu para leste do estuário do Ouse, ao
há no mundo que estejam livres da ação do homem. longo da costa, mas sem substítuíção do material deslocado. Desse modo, as
praias, que são a proteção natural contra a erosão das falésias, foram arras-
tadas, fazendo com que aumentasse a erosão pelas vagas. Isso, por sua vez,
obrigou à construção de paredões costeiros, os quais também alteram a dire-
7.4. Ambientes litorâneos ção e a capacidade erosiva das vagas, mudando assim o padrão de entalha-
mento e deposição ao largo da costa.
Dois fatores são responsáveis pela forte alteração sofrida pelos ambien- Embora os litorais sejam freqüentemente considerados como ambientes
tes litorâneos, superior mesmo à da maioria dos outros ambientes geomôr- "sensíveis", por vezes certas áreas são particularmente instáveis e propensas
ficos. Em primeiro lugar, as costas do mundo inteiro são focos de povoa- a sérias mudanças, mesmo que a interferência humana seja pequena. A linha
mento humano. De toda a população mundial, vivem junto do mar; metade de falésias do litoral de East Anglia caracteriza-se pelo seu rápido afastamento
das cidades do mundo com mais de 1 milhão de habitantes está à beira-mar. (até 1 metro por ano) sob condições naturais e alto teor de migração de
Dessa forma, a pressão sobre a zona litorânea é grande, enquanto se genera- detritos para o largo. As tentativas de proteção, construindo um molhe em
lizam as alterações que visam beneficiar o ser humano. Na Holanda, 75% do frente das falésias, não foram inteiramente bem-sucedidas. A erosão da costa a
relevo costeiro foi radicalmente modificado pela ação do homem, tal como
jusante do molhe é freqüente e rápida, deixando o molhe como única linha de
40% do mesmo relevo nos Estados Unidos. Na Grã-Bretanha, somente a região
defesa; mas, o que é mais importante, se as falésias estão protegidas da erosão
norte da Escócia apresenta largos trechos de relevo costeiro intocado. No
marinha, desaparece a principal fonte de materiais, para a margem costeira.
Japão, a costa que se estende por 100 quilômetros entre Yokohamae Kisarazn
é quase toda artificial, consistindo de ilhas, penínsulas, baías e planícies Cerca de 95% da areia das praias deriva das falésias, contribuindo os calmos
oriundas da atividade antrópica. rios da região com os restantes 5%.
130 Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente
131
As Formas de Relevo

o
A estação balneária de Clacton, ao sul de Harwich, está perdendo celere-
'O
1;1
mente uma de suas maiores atrações - a praia -, por causa das modificações
introduzidas nessa parte da costa de East Anglía. A deriva de materiais ao
~ longo da costa se faz no sentido sul, à taxa de 40 a 70 mil metros cúbicos
gC' por ano. Parte do sedimento forma a restinga de Ponta Colne, na foz do rio
o Blackwater, mas o restante vai alimentar as praias situadas a norte (Fig. 7.4).
'O
,fà Contudo, o estuário de Harwich é dragado, sendo retirados 250 mil metros

o
l cúbicos de sedimento por ano, que é vendido no interior. Em conseqüência
Ir § disso, a migração de materiais continuou para sul de Harwich, mas sem haver
e
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substituição suficiente de material, o que provocou extensas perdas da praia
w de Clacton e o quase total desnudamento do litoral em Walton-on-the-Naze,
Cf)
'S:
Q)
'O até deixar à mostra uma plataforma construída na subjacente formação
Argila de Londres.
~ Exemplos de reações em cadeia provocadas por urna única alteração no
rIl

~ ambiente costeiro são comuns. Por exemplo, no sul da Califórnia, o quebra-


~ mar de Santa Bárbara capta 200 mil metros cúbicos de materiais das praias
'Í3 por ano e, poucos anos a construção, provocou perdas consideráveis nos
~ depósitos de praia ao longo de 16 quilômetros em direção da corrente.
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Figura 7.4 _ Erosão de materiais de praia na área de Oacton, devido à remoção de


~ sedimentos por dragagem do porto de Harwich.
133
132 Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente As Formas de Relevo

7.S. Movimentos de massa resultar da extração ou da adição de líquidos ao solo, ou da extração de


sólidos do subsolo por mineração. A subsidência superficial é comum quando
os solos orgânicos com alto conteúdo de água são drenados. Os Fens, na Ingla-
A queda de taludes formados de solos e outros materiais de regolito terra, Everglades, na F1órida, os pôlderes, na Holanda, todos experimentaram
(movimento de massa), sob a ação da gravidade, é universal. Ele varia em subsidência do solo em amplas áreas, após a drenagem. Aliás, a subsidência
função da natureza do material, da topografia, do clima e da vegetação, mas pode ocorrer quando se faz irrigação. Certos sedimentos de baixa densidade,
pode ser tão lento que se toma imperceptível (creep ou reptação) ou brusco não consolidados, podem ser resistentes ao esforço quando secos, mas, se
(desabamento ou desmoronamento). ficarem completamente molhados pela primeira vez durante a irrigação, sua
Quaisquer mudanças feitas nas encostas, por construção ou escavação, força intragranular enfraquece, levando à rápida compactação e subsidência.
drenagem ou agricultura, são de molde a alterar a natureza do movimento de O loesse e os materiais de cone aluvíal são especialmente propensos a esse
massa. Os deslizamentos nos barrancos dos cortes para a abertura de estradas fenômeno: na parte sudoeste do Vale Central da Califómia, 4,5 metros de
oferecem um exemplo comum onde os taludes se tornam mais íngremes pela subsidência ocorreram em um aluviã'O irrigado pela primeira vez, rompendo
ação humana. o canal e arruinando a rede de írrígação.
Há ocasiões em que a intervenção humana em uma vertente se toma
catastrófica. O reservatório de Vaiont foi construído em estreito vale, no
norte da Itália, em uma zona naturalmente propensa a deslizamentos. Os 100
a 150 metros superiores são de rocha assentada em calcários e argilas, mas os
calcários foram submetidos a extensa dissolução ao longo de fraturas na
rocha. Mesmo sem a interferência do homem, aqueles taludes seriam instáveis,
com o calcário gravemente fraturado propenso a resvalar devagarinho sobre a
argila que lhe estava por baixo. Entretanto, a construção do reservatório
provocou um deslizamento em escala desastrosa. Os níveis de água subter-

;;
rânea no subsolo das encostas do vale elevaram-se com o enchimento do reser-
vatório, enfraquecendo o estrato de calcário ainda mais e lubrificando as
camadas de argila. Em outubro de 1963 veio um período de fortes chuvas,
que elevaram ainda mais o nível da água subterrânea e aumentaram o peso das
camadas cimeiras de rocha, até que, por fim, uma massa rochosa caiu no
reservatório pela vertente abaixo. A queda demorou um minuto, mas o o op 1 km
I I I
volume deslocado continha 240 milhões de metros cúbicos de rocha, atino
gindo uma área do vale que media 1,8 quilômetro de largura por 1,6 quilô- Primeiro fase.grave Fase intermediória
metro de comprimento. A água deslocada transbordou da represa, emitindo F==3
§3
inundaçõo
1933-4
em
O
.. ··: Inundação ou Qrande alaQamenta
janeiro 1936 - janeiro 1949
uma vaga de 100 metros de altura pelo vale abaixo. Morreram 2.600 pessoas.
Neste caso, empurrar um sistema natural para além de seu limiar deu resul- lt--:1
-_-
1 nundapão permanente
1935-6 r;-:-;l
Segunda fase grave
inundaçõo ou Qrande
tados calamitosos. ~ alaQa menta 19!10- 2
Inundação ou alaoarnenta
• eIII jaMlro 1937 borda de elevação
~
7.6. Tectônica artificial - subsidência da terra
FiguIa 7.s _ Estágios sucessivos do crescimento de um lago de subsidência, devido à
A subsidência da terra, associada com a atividade humana, constitui o mineração de carvão, no vale do StOUI, na área carbonífera de Kent (con-
melhor documento de atividade tectônica artificial. A subsidência pode forme Coleman, 1955).
134 135
Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente
As Fonnas de Relevo

A subsidência devido a fatores situados em profundidade é comum em •.!.. ~


$.g
muitas regiões de indústria extrativa. Os ''poços'' de Cheshire são covas cheias o

-.
GD
de água, resultantes da extração subterrânea de sal. Os povoados das áreas "I~ ~'~
t:>,.,
carboníferas costumam apresentar formas dramáticas de subsidência, com
casas arruinadas e estradas com o leito deformado. A subsidência superficial
pode se estender no plano horizontal por uma distância de até a metade da
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profundidade dos trabalhos e, no plano vertical, até 2/3 da espessura do veio I =
de carvão retirado. A Fig. 7.5 mostra uma parte da planície de ínundação do f.....
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rio Stour, na zona carbonífera de Kent. Uma pequena subsidência (até 60 •.. -"1.,0\
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centúnetros) ocorreu na década de 30, após a retirada de um veio de carvão '"ta ~ ~
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com 1;2 a 1,5 metro de espessura. Atualmente, estão afetados quase 4 quilô- ..•,------
1. II\ltfOat6t\OO
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metros quadrados, sujeitos a inundações. A subsidência pode sobrevir catas- ~y '"~
01 "e~
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troficamente. Nas minas de ouro perto de Johannesburgo, formaram-se de-
....::
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..:!Ii")C
pressões com 50 metros de diâmetro e 30 metros de profundidade, depois de ~ ~ ~ i ~ e \D8
0\ c::

fortes chuvas que enfraqueceram os estratos superiores.


(11I)so6od sop DnOD ep \8AIU op Dreno ~";'8
I I'" I ~~ '-'
'..-.1 0'\ o
'" li) ., 10
(11I) OIOS op 8,:I).Jedns OP D\OU!PlsqnS 'o
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Os fenômenos mais extensivos de subsidência são os provocados pela ••• !=;-
~Q)6
extração de água subterrânea, principalmente de um aqüífero pressurizado
(artesiano). No Vale Central da Califórnia houve subsidência de mais de 30
--
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centúnetros em 9 mil quilômetros quadrados de terras, no decurso do século


atual, com o esvaziamento das reservas subterrâneas dos principais aqüíferos.
A Fig. 7.6a mostra as áreas da Califómia mais afetadas e a Figura 7.6b revela
a extensão da subsidência sobre os aqüíferos, no extremo sul do Vale. Ali, o
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nível da água caiu de 60 a 140 metros, com o bombeamento. A Fig. 7.6c


ilustra a relação entre o dec1ínio dos níveis da água e o rebaixamento da jQ'P 2]
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reduziu muito o coeficiente de subsidência entre 1936 e 1943, quando I
.....J ~'" ~a'::''o"
diminuiu a extração de água e os níveis hidrostáticos puderam se recuperar. ., ttI
o 'ttI 'O Õ
~.~ '" '"o
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A extração de petróleo é capaz de produzir uma subsidência intensa,
mas altamente localizada. As jazidas de Wilmington, perto de Los Angeles n
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'O
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tU

(Fig. 7.6a) talvez ofereçam o exemplo mais chocante. De 1928 a 1971 veri-
O ~a8.
o.-:.~
ficou-se uma elipse de subsidência, com uma queda máxima de 9,3 metros. 'Oe",
Como boa parte da área estava apenas a 2 ou 3 metros do nível do mar, foi ., E.. ttI
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preciso construir complicados molhes. O deslocamento horizontal e vertical ~8 ~ êd Q.)
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dos estratos sobre jacentes rompeu oleodutos e destruiu edífícações. $ c:: 8-


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136 Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente

7.7. Conclusões

Embora os exemplos apresentados neste capítulo tendessem a dar ênfase


à impressionante influência do homem sobre o relevo, talvez as alterações
menos evidentes, menos intensas mas mais generalizadas, como a erosão do
solo, é que sejam importantes em escala global. Muitas dessas alterações em
processos geomórficos são conseqüência indireta de ações humanas nos outros
capítulos desta parte do livro: na água, no solo, na vegetação e no clima, por 8. Os oceanos
exemplo. Em última análise, o homem exerceria o maior impacto sobre os
processos geomórfícos e, portanto, sobre a morfologia, se conseguisse, delibe-
radamente ou não, alterar o clima do mundo.
8.1. Introdução

Sete décimos da superfície da Terra estão cobertos por oceanos. No


entanto, este capítulo é o mais curto dos que tratam dos aspectos do am-
biente. O otimista diria que a razão da brevidade é a falta de influência do
homem sobre os oceanos. O pessimista diria que se sabe tão pouco da ação
dos oceanos que não é possível, com certeza, dizer que tipo e que grau de
efeitos exerce a atividade do homem.
O que é certo é a importância dos oceanos no controle dos fluxos glo-
bais de energia e, daí, no ambiente geral do planeta. Embora todos os oceanos
estejam ligados entre si e as únicas barreiras à troca de águas sejam as dife-
renças de temperatura e salinidade, as águas oceânicas não são tão móveis
como a atmosfera. Apesar disso, atuam como agentes eficientíssimos de
dispersão e diluição. Os oceanos podem ser considerados como o volante
gigantesco da Terra, dando estabilidade ao sistema mundial. ~ o que principal-
mente se passa com o equilíbrio térmico, pois os oceanos armazenam vastas
quantidades de radiação solar, mas só ganham e liberam calor lentamente.
Uma conseqüência da função de volante é que todo desvio da sua ação,
induzido ou não pela homem, irá transformar gravemente todo o ambiente
planetário. Infelizmente, ainda não está claro até que ponto vai o delicado
equilíbrio do volante oceânico: qual o grau de esforço capaz de alterar o seu
funcionamento.
Embora esteja no nível mais baixo da cadeia alimentar oceânica, o fito-
planeto (plantas marinhas microscópicas, principalmente algas) é fundamental
para o funcionamento dos ciclos globais do carbono e do oxigênio. O seu papel
na fixação sintética do bióxido de carbono atmosférico libera 75% do oxigênio
138
Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente
Os Oceanos 139
livre da Terra e ainda proporciona uma recepção global de carbono (Capítulo
2). Portanto, o oceano também ocupa uma posição fundamental na manu- 8.2. O homem e os oceanos
tenção dos ciclos químicos. A Fig. 8.1 mostra, em forma simplificada, as
funções de troca e armazenagem dos oceanos. 8.2.1. A natureza da relação

Chega a ser quase verdadeiro dizer que se sabe mais a respeito da Lua
que da profundidade dos oceanos. O ambiente marinho é completamente
alheio ao homem e suas formas de vida evoluíram de maneira inteiramente
Atmosfera separada das formas de vida terrestre; pouco se conhece, em termos compara-
tivos, sobre a ecologia básica ou o sistema de cadeias alimentares que operam
Pllcipitação pu/v..eri-
evaporaçãa zaçaa 0'11, 'nla nos oceanos. Tal ignorância significa que o homem é insensível aos efeitos
calar das mudanças que ele provoca no ambiente subaquático, cujas conseqüências
calor
perda de não silo obrigatoriamente as mesmas ocorridas na terra e cujos organismos
gases
evaporação deposiçãa t talvez não possuam os necessários mecanismos de retroalímentação negativa
plIClP/taÇÕJ car' ono
deposlçõo
para resistir às mudanças.
r--- Oceanos
O homem ainda mantém, com os oceanos, uma relação mesolítica, de
caça e coleta, se excetuarmos as experiências embrionárias com a maricultura;
no entanto, a tecnologia disponível permitiu-lhe interferir nos oceanos em
,.dimentas
• carga em medida considerável. Acredita-se que as águas temperadas do Atlântico Norte
se/lição e do Pacífico Norte estão sendo alvo de uma pescaria que atingiu o seu poten-
cial pleno e que certas espécies estão sendo capturadas acima do limite: as
~ sedimentação precipita çãa
química sardinhas ao largo da Califómia, o salmão a noroeste do Pacífico, o arenque
no Atlântico. A baleia azul, um mamífero, embora sob proteção atualmente,
foi caçada até o ponto de extinção. A influência humana varia em grau, sendo
Fundo dos oceanos
máxima em estuários e plataformas continentais (8% da área oceânica) e
menor nas zonas profundas dos oceanos e nas regiões litorâneas despovoadas.
Seja como for, já não se pode admitir que os oceanos ainda constituam um
ambiente natural.

Terras ascensãa
emersas 8.2.2. Poluiçao oceânica

A grande dificuldade da avaliação da influência humana sobre os oceanos


reside na escala gigantesca e na lenta reação dos grandes sistemas hídricos. A
Figura 8.1 - Funções dos oceanos no mecanismo geral do sistema mundial de energia, extenção cronológica e as possíveis transmutações da cadeia de causa e efeito
considerando as de longo prazo (geológicas) e as de curto prazo (hidro- tomam muito difícil compreender como é que a ação do homem afeta o
lógicas).
regime do ambiente oceânico, o que ainda é mais verdadeiro quando se trata
da poluição. Os oceanos são a lata de lixo do mundo, onde a atitude reinante
ainda é ''longe da vista, longe do coração". Mas eles não representam um
buraco sem fundo, nem tampouco uma fonte inesgotável de alimentos. Ainda
que sejam um vasto depósito de energia, esta se acha esparsamente distri-
buída, o que talvez queira dizer que eles formam um frágil ecossistema.
140
Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente
Os Oceanos 141
Os freqüentes derrames de óleo no mar provocam escândalo e recebem
bastante publicidade quando se alastram muito e causam prejuízo. Segundo se pelos esgotos do nordeste da Inglaterra, em 1968, e em 1972 na Nova Escó-
estima, uns 6 milhões de toneladas de hidrocarbonetos de petróleo chegam cia. As profundidades oceânicas tendem a receber apenas os produtos químí-
aos oceanos anualmente (90% por obra do homem). Supõe-se que finas cama- cos mais persistentes, mas a permanência demorada significa que os orga-
das de óleo podem concentrar poluentes residuais como metais pesados, DDT nismos marinhos ficam expostos a eles por muito tempo.
e aminoácidos. São eles poluentes crônicos, de baixa concentração, e não o As substâncias radiativas se acham presentes, agora, um pouco por toda
óleo em si, que eventualmente produzirão os piores efeitos no regime dos a parte dos oceanos: há césio 137 e estrôncio 90 dos testes de armas nu-
oceanos. A persistência dessas substâncias na água dos mares varia muito: o cleares e, o que é muito mais importante, uma ampla variedade de isótopos
sódio, que é um elemento naturalmente abundante, permanece em solução radiativos provenientes de rejeitos de usinas de energia nuclear.
por mais de 100 milhões de anos, mas os compostos do alumínio precipitam- Os hidrocarbonetos halogêneos de grande peso molecular, como o DDT,
se no fundo em um século. Mas não se conhece quase nada do tempo de alcançam os oceanos quase sempre por deposição da atmosfera e, embora
permanência dos compostos artificiais nas águas oceânicas. A periodicidade da sejam altamente solúveis, representam compostos muito estáveis (Capítulo 9)
mistura dos oceanos também é grande, provavelmente de mil a 3 mil anos. Há e biologicamente concentrados. Acredita-se que os fitoplanctos são prejudi-
uma distinção, em termos de intensidade do efeito e talvez de reação, entre as cados por concentrações moderadas e, portanto, também o são os zooplanctos
áreas de plataforma continental e as bacias oceânicas propriamente ditas (Fig. (animais planctônicos) e as espécies superiores da cadeia alimentar. Hídrocar-
8.2). As plataformas continentais são mais comparáveis às águas interiores,já bonetos de baixo peso molecular, como o triclorometano (Capítulo 5),
que recebem cargas concentradas de poluentes, inclusive resíduos orgânicos e acham-se distribuídos no ambiente como aerossóis, mas também neste caso o
fertilizantes. O equivalente da florescência de algas ocorre nas águas costeiras depósito final são os oceanos. Neles caem 6 mil toneladas por ano e, ainda
quando se verifica um excessivo enriquecimento de nutrientes: por exemplo, que a concentração nos organismos esteja bem abaixo do nível tóxico, não se
as "marés vermelhas" de dinoflagelados que se notaram nas águas poluídas conhecem os seus efeitos a longo prazo.
As crescentes taxas de mobílização de metais mencionadas no Capítulo
2 afetam, conseqüentemente, os oceanos, destino final de desperdícios metá-
licos e lixiviados. Embora venha a ser importante, a longo prazo, a capacidade
de os metais pesados se combinarem com substâncias orgânicas para formar
compostos organometálicos altamente venenosos, até agora apenas o teor de
chumbo (da combustão de petróleo) teve aumento comprovado.
A história do homem e dos mares é inconclusiva: nem sequer sabemos
se os atuais níveis de poluição ou de pesca bastam para causar alterações signi-
ficativas nos oceanos. Da mesma forma, os limiares e os pontos de alavan-
cagem são incertos. No entanto, os mares fechados e menores do mundo
desenvolvido mostram sem margem de erro os efeitos da açâo dos homens.

8.2.3. O mar Báltico


poluição contínua áreas potenciais de
~ e cumulativa O mar Báltico apresenta características geográficas semelhantes ao
r:--:-1
~
poluição
intermitente
1/ poluição, hidrocorbonetos
( rotas de navios - tanque
e regiões produtoras de
petróleo L
Mediterrâneo e ao mar Negro, pois está praticamente separado da principal
circulação oceânica e está cercado por países com população densa. No en-
tanto, está sendo mais afetado pela atividade humana do que os outros dois
mares, devido à sua morfologia particular e à circulação da água. O Báltico
Figura 8.2 - Intensidade da influência antrópica no ambiente costeiro da Europa. recebe imensas entradas de água doce de rios e constitui uma bacia fechada
com uma única saída para o mar do Norte, através de apertados e rasos
142
Impacto do Homem Sobre Aspectos do Ambiente
Os Oceanos 143
(profimdidade máxima, 18 metros) estreitos entre a Dinamarca e a Suécia.
Esta combinação de fatores redunda em que as águas se acham permanente_ zona, por assim dizer, está morta. A desoxigenação resultou de redução dos
mente estratificadas. Uma camada de água doce, com a profimdidade de 50 a níveis de oxigênio dos rios afluentes, da dificuldade de troca vertical das águas
70 metros e um teor de salinidade de apenas 0,6 a 0,7%, sobrepõe-6e a uma e do depósito direto de matéria orgânica, que exigem grandes quantidades de
massa mais salgada e, portanto, mais densa (l a 1,2%) de água profunda. este oxigênio para atingir estabilidade química nos altos fundos.
gradiente de salinidade chama-se halométrico *. Ele impede o câmbio das O enriquecimento das águas superficiais com nutrientes (resíduos de
águas e, dessa forma, a massa de água profunda permanece isolada, sendo um fertilizantes, esgotos) fez aumentar a produção original, que por sua vez leva
porão e uma zona de concentração para os poluentes que a alcançam. mais matéria orgânica a cair no fundo. O incremento de poluentes químicos
Os efeitos do homem sobre os mares vêm ilustrados na Fig. 83, em que é mostrado pela triplicação da concentração de fosfato entre 1955 e 1970,
se empregam os níveis de oxigênio e de fósforo para representar a qualidade em conseqüência do uso cada vez maior de fertilizantes artificiais e deter-
da água. Os dados provêm da Fossa de Landsort (cerca de 250 metros). Os gentes sintéticos.
níveis de oxigênio dissolvido declinaram de 30% de saturação em 1900, para As camadas superficiais do mar também atuam como zona de concen-
virtualmente zero nos dias que correm. O fundo do mar tornou-se um ambi- tração de produtos químicos exóticos. Por exemplo, a população de focas
ente degradado (carente de oxigênio) e a existência de sulfureto de hidro- cinzentas do Báltico diminuiu 80% nos últimos anos, segundo se pensa, por
gênio indica a presença de bactérias que degradam o sulfato, ou seja, que a comerem peixes contaminados com difenilo policlorinetado (polychlorinated
biphenyl, PCB). O Báltico constitui um ambiente marítimo em que talvez já
se tenham dado alterações irreversíveis provocadas pela atividade humana.

3
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fosfoto / 8.3. Conclusões
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Antigamente, o homem temia a vastidão dos oceanos e, como pareciam
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,, I resíduos da terra. Agora já se tomou consciência de que eles são finitos e que
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a poluição começa a ficar preocupante.
A perfuração no litoral ainda representa uma indústria limitada. Os
poços de petróleo são o exemplo mais conhecido, embora se esteja extraindo
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das águas rasas, atualmente, enxofre, areia e pedregulho, magnetita, diamantes,
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,, ouro, cromita, fosfato e tungstênio, entre outras substâncias. Nódulos de

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manganês estão sendo dragados do mar alto. À medida que se vão conhecendo
melhor os recursos do fundo dos mares, a mineração tende a aumentar em
extensão e profundidade, criando novos problemas de poluição.
1900 1910 1930 19!10 1970
Ainda que os mares abertos sejam "internacionais", foi muito difícil
Ano
que as nações chegassem a um acordo sobre a sua utilização, principalmente
no que se refere li poluição. A economia é a responsável pela falta de acordo.
Figura 8.3 - Modificações na qualidade da água, na Fossa de Landsort, no mar Báltico
Da mesma forma a Lua, que não tem nenhum valor econômico imediato, hoje
(a figura foi originariamente publicada no New Scientist, de Londres,
revista semanal de ciência e tecnologia). não pertence a ninguém e nela as atividades humanas são governadas pelo
Direito Internacional.

• Foi assim que traduzimos halocline, já que da halometria se diz ser o processo para
avaliar a qualidade das soluções salinas. (N. do T.)
PARTE C - IMPACTO HUMANO EM
GERAL

9. O ambiente rural-agrícola

9.1 Introdução à agricultura

A Parte C deste livro examina o impacto global do ser humano sobre o


ambiente causado pelas suas duas principais atividades sócio-econômicas: a
agricultura (vida rural), discutida neste capítulo, e a indústria (vida urbana),
discutida no Capítulo 10. As três seções seguintes oferecem uma introdução à
agricultura, tratando o resto do capítulo de exemplos concretos. A atividade
agrícola representa a tentativa mais generalizada de controle do ambiente
humano. Ao contrário dos complexos urbano-industriais, as mudanças devidas
à agricultura são, ou eram até há pouco, antes extensivas do que intensivas,
antes parciais do que totais. Tem-se definido a agricultura como "a arte de
perturbar o equilíbrio da natureza de modo mais seguro para nosso bene-
fício" (Wigglesworth). Embora a frase possa definir as boas práticas agrícolas,
a função primordial da agricultura é a manipulação dos ecossistemas naturais
a fim de elevar ao máximo a produção de gêneros alimentícios (energia).
Quanto mais sofisticada a forma da agricultura, mais deformados se tomam os
ecossistemas naturais e maior a proporção do fluxo de energia do sistema que
escoa para o uso humano.
À escala mundial, as idéias de determinismo discutidas no Capítulo 1
parecem que funcionam até certo ponto. Através da história, a agricultura
sempre esteve na dependência dos elementos naturais, principalmente das
intempéries, dependência que se agrava quando surge a carestia, ou as epide-
mias que atacam culturas e animais. Dos quatro grandes tipo de vegetação do
147
146 o Impacto Humano em Geral o AJIlbiente Rural-Agrícola
equilíbrio dinâmico, atingindo o máximo de produção de biomassa compa-
mundo (pradarias, matas, tundra e desertos) em certa medida somente os dOis
tível com o ambiente dado. Os ciclos naturais de energia e massa (Capítulo 2)
primeiros são utilizados de maneira intensiva pela agricultura. De resto, estima_
funcionam em larga medida como sistemas fechados, pois os nutrientes das
se que apenas 12% da superfície terrestre servem para a agricultura produtiva.
plantas ficam retidos dentro do sistema solo-vegetação. A agricultura trans-
foIIJla deliberadamente esse equilíbrio, com a intenção de manipular certos
9.2. Escalas de agricultura aspectos para obter o máximo rendimento de gêneros alimentícios selecio-

Os efeitos da agricultura sobre o ambiente relacionam-se diretamente nados Em


para conseqüência,
o homem. reduz-6e a maturidade do ecossistema, reduzindo-6e a
com a escala em que ela é empreendida. Há dois aspectos a considerar: pri- wn nível inferior (seral) de desenvolvimento. A diversidade de espécies ani-
meiro, a intensidade e o grau da alteração provocada ao solo e à vegetação mais e vegetais cai muito, assim como a variedade de tipos de solo. Daí, os
preexistentes; segundo, a área em que se deu a alteração. complexos e entrelaçados ciclos de sustentação da vida são simplificados,
As economias pré-agrícolas (caça, coleta) desviavam energia dos depó- entrando em curto-circuito. O exemplo mais extremo de tal efeito é a con-
sitos naturais (frutas, folhas, animais) para o homem, mas, como só é possível versão do complexíssimo ecossistema das matas tropicais em plantações ou
manter populações reduzidas por este meio, o impacto global sobre o am-
biente era negligenciável. As primitivas formas agrícolas (com origem há 8 fazendas de monocultura.
Em segundo lugar, a produtividade da terra (em termos de produção
ou 9 mil anos) constavam da limpeza de pequena parte da mata ou floresta primária de biomassa por unidade de superfície) também se reduz, normal-
para plantio durante alguns anos. Quando a terra dava sinais de exaustão, a mente, por causa da simplificação do ecossistema. A floresta úmida tropical é
cultura era abandonada e a vegetação se regenerava de maneira natural. Nessa o ambiente terrestre mais produtivo do mundo. Se arbitrarmos a produção
atividade, empregavam-se plantas e animais semidomesticados. As áreas eram deste sistema em cem unidades de biomassa por unidade de superfície, então
pequenas, as entradas de energia artificial (fora do labor humano) também a produtividade relativa dos outros sistemas será aproximadamente a seguinte:
eram reduzidas. Eis aí um exemplo de agricultura de baixa intensidade e
abrangência restrita, com escassa alteração ambiental. O pastoreio primitivo,
Sistemas naturais
sobretudo em zonas arborizadas, deve ter provocado mudanças ambientais 100
floresta úmida tropical
mais extensas, com a mata desbastada ou cortada para a formação de pastos. 30-40
floresta temperada 5
No extremo oposto estão os trigais das pradarias norte-americanas, em pastos em pradarias 0,5
que um só tipo de planta ganha dominância total em milhões de hectares, deserto
com as propriedades do solo determinadas pelo uso de fertilizantes; os insetos
Sistemas agrfcolas artificiais
e as formas de vida mícrobiológicas restringidos pela aplicação de praguicidas; 3,5
em resumo, com maciças entradas de energia externa introduzidas no sistema. trigo 5
afiOZ 4
Entre os dois extremos medeiam exemplos de pequeníssimos sistemas
milho 4
de alta intensidade - jardins e hortas - e outros enormes, mas de baixa batatas 15
intensidade, tais como fazendas de gado bovino ou pastos para ovinos. O trigo e fertilizante
4
primeiro destes sistemas causa alterações impressionantes no ambiente de wgetais - deserto irrigado
áreas restritas; o segundo traz mudanças mais sutis em amplos espaços.
Os dois últimos exemplos ilustram a terceira conseqüência da agriCul-
tura. Fora do nível mais primitivo, a agricultura exige a aplicação de energia
9.3. Efeitos da agricultura
externa no seu ecossistema, em parte para substituir as perdas por lixiviação
dos nutrientes e pelas colheitas e em parte para aumentar a produtividade,
9.3.1. Efeitos diretos como no caso das áreas irrigadas. Portanto, as terras de lavoura são zonas de
admissão maior de energia que as outras. Também constituem sistemas muito
A biosfera e, portanto, todas as coisas vivas são produto da interação da
energia solar com a superfície terrestre. Em condições naturais, chega-se a um mais abertos que os ecossistemas naturais.
148
o Impacto Humano em Geral o Ambiente Rural-Agrícola 149

Um dos traços da agricultura modema e intensiva é a elevadíssima


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.i.... defonnação das correntes naturais de energia e da aplicação da energia exter-
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de energia, por sobre a energia solar natural que incide na área.
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atingem o máximo em países como a Grã-Bretanha e os Estados Unidos da
América, onde a agricultura é mais "eficaz" - por exemplo, o gado vacum
~ criado nos pastos recebe, na Grã-Bretanha, subsídios que chegam a alcançar
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alcance. Nos Capítulos de 3 a 8 considerou-se o impacto do homem sobre
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!l aspectos particulares do ambiente. A agricultura lida com a epiderme da Terra
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sobre várias facetas do ambiente. O lado direito da tabela poderia se estender
de modo indefinido, com o desencadeamento das reações em cadeia. Note-se
1
~ l igualmente o grau de inter-relação por meio da qual a mudança, digamos, de
uma agricultura itinerante para outra arável, é capaz de alterar o caráter do
8 solo, o microclima, a hidrologia local, os índices de erosão do solo e, por
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conseguinte, a carga de sedimentos fluviais. Por sua vez, os efeitos de reali-
mentação poderão alterar de novo as propriedades de vários fatores am-
bientais; a erosão intensificada alterará a textura e a umidade do solo, o que
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~ mudará a fertilidade da terra, o rendimento das safras e em seguida o micro-
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(DI6.Jeue 9p epDP/Un/D!{)./9Ua ~ cxFnpwd) Dl{)JaUa ap SOIPJsqns NaI
Muitas das alterações mostradas na Tabela 9.1 já foram discutidas em
capítulos anteriores, de modo que só daremos alguns detalhes das mudanças
provocadas pela atividade agrícola.
150
o Impacto Humano em Geral
o Ambiente Rural-Agrícola 151

.9 Fertilizantes. Os efeitos diretos dos fertilizantes sobre os solos foram


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de fertilizantes artificiais awnentaram grandemente, sobretudo nos países
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~ fertilizantes, principalmente nitrogênio. Suprir o solo de nitrogênio é difícil,
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tado pelas plantas. Estima-se que a taxa de aproveitamento é inferior a 50%
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Herbicidas e praguicidas. Os ambíguos resultados da drenagem do solo
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Aldrin) levam anos para se decompor. Os organofosfatados ou carbonatados
(por exemplo, Malathion) não &[0 muito persistentes. Os herbicidas Simazine
e linuron persistem por mais de um ano, mas o Chloroprophon se decompõe
em quatro a cinco semanas. As substâncias duradouras é que potencialmente
são a origem de maiores danos.
153
152 o Impacto Humano em Gera! o Ambiente Rural-Agrícola

restolho no campo, dispensando o arado e a grade. Essa técnica vem sendo


o exemplo mais bem documentado dos efeitos dos resíduos de pra-
praticada em 25% da agricultura norte-americana, o triplo desde 1970.
guicidas é o referente ao DDT. Ainda que já esteja proibido em muitos
A aplicação de praguicidas e herbicidas resulta do rápido avanço da
países desenvolvidos, o seu preço relativamente barato torna o DDT atraente
tecnologia agrícola nos últimos anos. E é ao mesmo tempo um exemplo de
para os mais pobres, onde o seu uso vem crescendo à taxa de 10% ao ano.
alteraçll'o imposta pelo homem ao ambiente, que leva a uma cadeia ímpre-
Ele pode ser levado pelo vento para longe do lugar onde foi aplicado, sob
visível de mudanças entrelaçadas, muitas delas indesejáveis do ponto de vista
a forma de partículas ou de vapor, ou pela água. Aliás, é insolúvel na água
humano. No entanto, as pressões sociais e econômicas que impulsionam a
(1 x 10-3 p.p.m. de saturação) em comparação com outros praguícídas, mas
moderna agricultura (alta produtividade) tornam difícil a sobrevivência de
é muito mais solúvel em lípides e tecidos graxos - organismos vivos. Assim
um agricultor intensivo e "eficiente" sem o emprego de semelhante arsenal
se chega a uma concentração biológica pela qual, muito embora os concen-
trados de DDT no ambiente inorgânico possam ser muito reduzidos, porque químico.
os organismos vivos concentram e retêm a substância, podem acumular con-
centrações milhares ou milhões de vezes maiores. Por exemplo, num estuário,
a água talvez apresente baixíssima concentração de DDT. Mas o zooplancto o 9.4. A paisagem inglesa
concentra mil vezes. Prosseguindo na cadeia alimentar, os peixes pequenos
o concentram 10 mil vezes, e as gaivotas, que se alimentam dos peixes, 1 mi- 9.4.1. Introdução
lhão de vezes o nível das águas do estuário. Desconhecem-se os efeitos disso
Três-quartos da população britânica vivem e trabalham no ambiente
a longo prazo, mas os de curto prazo chegam a ser dramáticos.
As aves que ingerem sementes tratadas com DDT podem morrer. Nos extremamente antinatural das vilas e cidades. Talvez por causa disso é que
Estados Unidos, a pulverização de florestas para elimínação da largarta do se espraiou o anseio do "interior", demonstrado pelo êxodo para as áreas
broto de abeto contaminou rios e matou peixes na década de 50. Normal- rurais nos fins de semana. A conservação do interior recebe muito apoio.
mente, os praguicidas, inclusive o DDT, são mais nocivos aos predadores Por exemplo, houve protestos contra a recuperação de regiões montanhosas
da praga do que a ela mesma, pois os predadores se envenenam ao comer o como Exmoor, o reflorestamento de largas extensões com coníferas e a perda
de cercas vivas. Um dos encantos da província inglesa é a variedade. As traba-
inseto daninho ou o que for que provoca a praga. Ora, a população de pre-
dadores é menos numerosa e, portanto, desenvolve menor imunidade ao lhadas paisagens do sul, de ricas pastagens e campos de cultura pontilhados
praguicida. Ademais, com o declínio da população do organismo que provoca de velhos carvalhos, faias e, até há pouco tempo, olmos; as desoladas e
incaracterísticas montanhas da Escócia e de Gales; as colinas cinza e verde
a praga, também declina a do predador, por falta de alimento; mas a recupe-
de rochas calcárias e os escuros planaltos de turfa - toda essa variedade em
ração da população da praga é rápida, e s6 após um hiato considerável é
acompanhada pelo aumento dos predadores, tempo durante o qual maior superfície muito reduzida.
E, no entanto ... a marca do homem é mais firme no interior da Grã-
quantidade de pesticida se empregou, e assim continua o ciclo (Capítulo 4).
Bretanha do que em qualquer parte do mundo, com exceção da Holanda,
Outro efeito inadvertido do uso de certos praguicidas é o desenvolvi-
do Vale do NUo e de partes da China. Quase todas as paisagens que nós enca-
mento, por mutação, de imunidade geneticamente adquirida à substância em
ramos como "naturais", em termos de solo, vegetação e mesmo de relevo,
muitos insetos. Na Califórnia, 16 das 25 pragas mais daninhas anteriormente
por vezes são grande parte obra do homem. Dois séculos atrás, antes que se
controladas pelo DDT desenvolveram imunidade. O algodão, que recebe
generalizassem os cercamentos de terras (enclosures), a paisagem rural era
metade de todos os praguicidas aplicados nos Estados Unidos, passou a ser
muito diferente, embora estivesse longe de ser o puro produto da natureza.
atacado por pragas imunes a todos os produtos químicos habitualmente
Vinte séculos atrás, a Grã-Bretanha estava recoberta por floresta que só era
empregados.
interrompida pelas montanhas mais altas, pelos pântanos e pelos primeiros
Os praguicidas penetram na cadeia alimentar em teor elevado e, por
desmatamentos feitos pelos homem. O interior do país não constitui o
isso, podem afetar diretamente o homem. E com certeza essa a razão das
resultado da interação das forças naturais e muito menos impera o "equi-
preocupações com o seu uso.
líbrio da natureza". Esses equilíbrio ambiental s6 existe por cortesia: ele
Os herbicidas chegaram mais tarde. Empregam-se com maior intensi-
dade em associação com o plantio sem lavrar a terra, que implica deixar o é imposto e, por vezes, precário.
154 o Impacto Humano em Geral o Ambiente Rural-Agrícola 155

extensíro no ótimo climático, há cerca de 6 mil anos. Desde então, o


Cobertura homem se tomou o principal agente na determinação dos padrões de
Tipo de
vegetação florestal Cultura Clima solo, vegetação, drenagem e geomorfologia do país. Veja de novo as Figs.
o (0/0 ) 100 3.1 e 4.3, que mostram tipos de solos e de vegetação natural do mundo. O
tecnológica sul da Grã-Bretanha se inclui no grupo de solos florestais e o norte no grupo
amieiro
carvalho Normanda como o de podsol fraco. A vegetação natural é a floresta, em grande parte decídua.
1000
olmo atual Na verdade, apenas 7% da Grã-Bretanha são revestidos de floresta - mais
bétula Anglo -Saxõnica verde que decídua - e os solos atuais são um complexo mosaico de desvios
faia
2000
.. Rooono-Bri16nica do tipo original, por obra do homem.
Idade do Ferro
3000 ...
amieiro Idade do deterioração 9.4.2. Influência do homem no meio rural
carvalho .. Bronze (mais umido,
tilia
.. . . l!).a,ͧfri2,l __
4000 ..
.. A mais antiga habitação humana na Grã-Bretanha data provavelmente
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'" Neolítica da penúltima era interglacial, há 200 mil anos. Durante boa parte do Paleo-
ti olmo declina .... ótimo lítico (Fig. 9.2), a habitação era esporádica, com numerosas invasões e retira-
:l eooo climótico
ti
Q.
amieiro (mais quente das. O Paleolítico Superior terminou há uns 10 mil anos, com a paisagem
carvalho .. e seco que praticamente intocada pela atividade humana. Em seguida, o Mesolítico
g'" 6000
olmo hOje)
<t · . tinha urna economia baseada na caça e na coleta. A população era reduzida
tília · .
·. e esparsa. Como sucede nas partes do mundo onde ainda sobrevivem as cul-
7000
aveleira · .
Mesolítica
f------- turas mesolíticas, também na Inglaterra os habitantes tiveram que se adaptar
aos sistemas naturais. Faltavam ainda a tecnologia e a organização necessárias
..
pinheiro ...
... melhorando à alteração das condições existentes. Até que ponto, exatamente, foi a
8000 . ..
.. .. (esquentando) influência do homem do Mesolítico no cenário da Grã-Bretanha, eis o que
pinheiro
· ... .. ainda não se conhece bem, embora deva ter sido limitada.
9000
·. .. Foi a partir do Neolítico (de 5 mil a 4 mil anos atrás; Fig. 9.2) que

y
bétula .. a atividade humana começou a afetar o ambiente em termos materiais. O
pinheiro
40000 · . ... . .'
Neolítico, ou Nova Idade da Pedra, marcou o início da agricultura e, por-
frio
bétula tanto, o primeiro distanciamento humano da dependência absoluta do meio
Paleolítica
tundra .. imediato.
No início do Neolítico, a maior parte da Grã-Bretanha estava coberta
Figura 9.2 - Cronologia pós-glacial da Grã-Bretanha. de florestas. Predominavam o carvalho, a faia e o olmo, com bastante freixos
em certos locais e pinheiros na Alta Escócia. Aqui e ali, por entre as florestas,
brejos e pântanos. A altitude máxima do crescimento das árvores era de 700
o
curioso é que as mais recentes tendências na agricultura do sul e do a 900 metros acima do nível do mar (no momento, o carvalho não cresce
leste da Inglaterra são no sentido da criação de uma paisagrem de vastos acima de 450 metros em Dartmoor e no Lake District, e o pinheiro acima de
campos, de prados verdes e culturas destituídas de árvores. Vista de longe, 640 metros, mais ou menos, nos Caimgorms). Somente nos píncaros a flo-
essa paisagem se assemelha à de 14 mil anos atrás, quando a tundra predo- resta estava ausente, substituída por arbustos ou grama com comunidades
minava, após o recuo da camada de gelo. árticas-alpinas (Fig.9.3). Os solos de cor acastanhada logo se disseminaram,
Os séculos seguintes assistiram à colonização da Grã-Bretanha, primei- em reação ao clima e à cobertura florestal. Nas planícies, as florestas eram
ro por arbustos e depois por uma sucessão de matas que atingiu a maior densas e os solos freqüentemente pesados. Nos solos ácidos, de granulaç[O
156
o Impacto Humano em Geral o Ambiente Rural-Agrícola 157

grosseira ou demasiadamente secos, especialmente nas regiões montanhosas limpar um trecho da mata e plantar ou criar gado nele por alguns anos.
a cobertura florestal era mais fraca. Era aqui que residia o elo mais frágÜ DepoiS, o trecho era abandonado e se recuperava.
no sistema solo-vegetação~lima e, por conseguinte, o ponto da Primeira Nos solos pesados, tal técnica pouco alteraria as condições naturais,
intervenção eficaz do homem. O Neolítico pertence à época chamada de mas o homem do Neolítico demonstrava forte preferência pelos solos mais
ótimo climático, quando as temperaturas eram um tanto mais quentes que as leves de greda, areia e cascalhentos. Os solos secos deste tipo levam mais
de hoje e o índice pluviométrico talvez um pouco menor. tempo para recuperar a fertilidade e a vegetação original, depois de explo-
As invasões ocorridas no Neolítico levaram para a Grã-Bretanha a cul- rados. ~ possível que algumas das charnecas e montanhas abertas de greda
tura do machado de pedra polida, provinda do Oriente Médio, a domestica- do sul da Inglaterra tenham sido desmatadas nessa época, ficando despidas
ção dos animais e o cultivo agrícola. Basicamente, a agricultura consistia em de árvore para sempre .
A área costeira em tomo de Gwithian, em Cornualha, estava revestida
de matas no pré-Neolítico, mas depois que foi convertida em pastos, no
Neolítico, a areia recobriu a área, impedindo a regeneração da floresta.
~.
o,.
O D
-legenda -
floresta de
carvalhos
Assim, as primeiras mudanças permanentes foram feitas em áreas isoladas.
Lá pelo fim do Neolítico e na Idade do Bronze, o equilíbrio entre o homem
E3 pinheiro. e a natureza começou a se inclinar a favor do homem. O solo, a vegetação,
~ outras espécies
a água e a topografia ainda exerciam forte influência no tipo de povoamento,
r"7I charnecas e
mas, gradativamente, ela se tomou menos determinista, com a capacidade
~ turfalras alias

f:"':'1 turfelras
hwnana de decidir, até certo ponto, sobre o caráter do meio circundante. O
~ balxal estudo de grãos polínicos fósseis preservados em pântanos revela que, durante
o Neolítico, a quantidade de olmos declinou bruscamente. O olmo é urna das
árvores mais exigentes em termos de fertilidade do solo e seu declínio se atri-
o 100km
I I bui provavelmente à influência do homem. A tradição, ainda vigente em parte
da Europa, de usar ramos de olmo como forragem talvez se tenha iniciado
nessa época. A bétula, a aveleira, as grarníneas e as ervas silvestres começaram
a substituir o olmo, o que significa mais terra aberta com solo menos fértil.
Na Idade do Bronze e no início da Idade do Ferro, o clima se dete-
riorou um pouco, ficando mais frio e úmido, até que por cerca de 500 a. C. se
tornou bem semelhante ao atual.
A Idade do Ferro (de 500 a. C. em diante) assistiu a mudanças irrever-
síveis no relevo. A nova tecnologia com base nos instrumentos de ferro, os
novos métodos agrícolas e o aumento da população redundaram em maior
controle do meio imediato. Foi então que se formou a paisagem própria das
regiões montanhosas. Estas, uma vez desmatadas, degenaram rapidamente, em
face do clima mais frio e úmido. Os solos escuros se lixiviaram, tomando-se
mais ácidos e podsólícos, ao passo que a erosão do solo se agravava nas
encostas íngremes. A vegetação natural diminuiu proporcionalmente e o
pastoreio tomaria impossível a regeneração das árvores. O manto de turfa se
espalhou sobre as regiões montanhosas que tinham sido até pouco antes culti-
vadas ou florestadas.
Figura 9.3 - Distribuição provável da vegetação há cerca de 6 mil anos, antes da inter-
Pode ser que tais alterações tivessem ocorrido sem a presença do
ferência humana (conforme Eyre, 1968).
homem, corno resultado direto da mudança do clima. No entanto, o sistema
158
o Impacto Humano em Geral
o Ambiente Rural-Agrícola 159

terra marrom-floresta decídua é bastante estável, salvo nas áreas mais enchar.
Em Ilancarfan, Glamorgan, material datado da Idade do Ferro para a
cadas da Grã-Bretanha, sendo altamente provável que o desmatamento fosse
Era Romana, com 3 metros de profundidade, jaz por cima do fundo do vale
responsável pela desestabilização de todo o sistema solo-vegetação nas regiões
pré-histórico, tendo o rio moderno formado terraços nesses depósitos. O
montanhosas. O contraste físico e cultural entre as planícies e as montanhas
material que se acumulou proveio talvez das encostas do vale que foram des-
da Inglaterra, que hoje tanto se nota, formou-se há mais de 2 mil anos e
perdura desde então. matadas na época. O cercamento de terrenos com barreiras e muros teve
início igualmente antes da Era Cristã. Quando as cercas ficavam numa encosta,
Na Fig. 9.4 temos uma ilustração gráfica da mudança ambiental verifi.
começou a primeira modificação humana nos processos de movimento de
cada na transição da Idade do Bronze para a Idade do Ferro. ~ um corte
massa, pois o solo se acumulou a montante da barreira e se adelgaçou a
transversal de um túmulo pré-histórico da região de North York Moors, no
[usante dela, pela encosta abaixo.
que é hoje uma charneca inóspita e ácida. O solo em volta e por cima do
A exploração efetiva das florestas das planícies data da Idade do Ferro,
túmulo é ácido, podsolizado e relativamente estéril. Por baixo, está o solo
assim como da Era Romana e da Britânica. As redes de estradas abriram
agora fossilizado que deveria ter existido na zona quando da construção do
acesso fácil a zonas antigamente remotas e a utilização do arado de aiveca
túmulo. O solo é constituído de terra florestal pardo-escura e contém grã'os
facultou o trabalho nos solos mais fortes, como os de Cotswold Hills. Os solos
pol ínicos de árvores e cereais. Túmulos iguais construídos num período um
pardo-escuros das planícies estavam bem drenados na camada superficial.
tanto posterior apresentam, na parte soterrada, solos de podsol muito ínfe-
Com a expansão da cultura de cereais, os nutrientes desapareciam do solo
riores. Quer dizer, parece ter ocorrido drástica alteração nas condições do solo
e da vegetação em breve espaço de tempo. com a colheita, pela falta de adubação com cal ou estrume, e pela exposição
mais direta aos eventos pluviométricos. A estrutura do solo se deteriorou e,
O desmatamento para a semeadura de cereais e o pastoreio terão trans-
com a perda das árvores de sistema radicular profundo, a drenagem piorou.
tomado o equilíbrio de um ambiente crítico, provocando a líxivíação dos
O conteúdo orgânico atual desses solos não passa de uns 3%, em comparação
nutrientes do solo e, finalmente, a sua acidificação e infertilidade. Também
com 8% na Era Romana. Seja como for, a colonização das planícies e, sobre-
existem provas de que, ao mesmo tempo, houve um rápido acúmulo de sedi-
tudo, da região central, foi lenta e desigual: por exemplo, os saxões se propa-
mentos nos lagos e nas planícies de inundação dos rios. Isso contribuiu para
garam pelos vales dos rios no sudeste da Inglaterra e os nórdicos desbastaram
fazer que o caudal dos rios passasse a correr por um único leito, em vez do
parte do norte do país.
padrão anastomosado que antes existia. A razão mais provável para o aumento
da sedimentação é a erosão do solo nas vertentes. Após a conquista nonnanda, acelerou-se a formação da paisagem feita
pelo homem, devido em parte maior centralização dos sistemas econômico e
â

social. O corte das florestas medievais avançou nos solos mais fortes e, grada-
charneca solo mo~~ tivamente, os solos das baixadas cultivadas desenvolveram um horizonte "ágri-
co", ou de camada superficial, sem os horizontes originais, em resultado do
.~Z~=rf~_: ...
trabalho do arado. A fauna mudou igualmente no mesmo período. Foram de-
liberadamente exterminados o lobo e o urso, ao mesmo tempo que se introduzia
o coelho, que afinal tanto afetaria a ecologia do interior (Capítulos 2 e 4).
Deve-se ainda assinalar pequenas alterações no relevo. Por exemplo, as
Legenda culturas em leivas e regos deixaram a sua marca em muitos lugares, sobretudo

-
~ humus ~.r.j(~ crosta ferruglnosa na região central (Midlands), mas a técnica do arado destruiu depois muitas
dessas marcas. As leivas, até de 5 metros de largura, podem ter sido unidades
.' ... -. camada IIxlviada terra escura levemente
IIxlvi ada de divisâo territorial ou simples métodos de melhora do rendimento, esco-
lhendo-se cultivar apenas nas leivas mais bem drenadas.
Nas áreas das encostas, o relevo equivalente são as faixas nuas, formadas
Figura 9.4 - Solo fóssil marrom-escuro, preservado sob um monumento funerário da
ao longo de um período de pelo menos mil anos. Equivalem aos terraços não-
Idade do Bronze, em uma área de podsol, nos North York Moors (confor-
me Evans, 1976). irrigados do Mediterrâneo. Algumas foram propositalmente formadas, outras
são curvas de nível originadas pelo trabalho do arado ao longo do tempo.
161
160 o Impacto Humano em Geral o Ambiente Rural-Agrícola

A Idade Média também assistiu ao emprego do trabalho organizado para Bretanha rural decorreu lentamente até há pouco tempo. Novas idéias agrí-
a modificação do relevo em larga escala. A drenagem dos Somerset Levels colas, avanços tecnológicos, estruturas sociais e econômicas em mutação, tudo
entre os séculos X e XIV, pelas abadias da localidade (por exemplo, Gas: desempenhou a sua parte na determinação do ritmo e da natureza das mu-
tonbury), bem assim como a construção de diques de recuperação em Lín- danças. Contudo, até a Revolução Agrícola, a escala de tempo das alterações
colnshire são exemplos disso. A roça de turfa em Norfolk e depois o alaga- da paisagem era secular. Os lavradores do passado só tinham condições de
mento da escavação no chuvoso século XV formaram os Norfolk Broads, que arrotear escassas leiras à volta das aldeias; mesmo na Idade Média, não
até há pouco se julgava fossem lagos naturais. Esses grandes corpos hídricos s6 passavam de alguns hectares.
permaneciam abertos por meios artificiais - pelo corte dos juncos e pelo Esse ritmo vagaroso de mudança do interior acabou. A revolução tecno-
cultivo em suas margens. Ao diminuírem essas atividades, a vegetação lógica, social e econômica do século XX repercutiu na agricultura. Agora, e na
começou a invadir os Broads, reduzindo a área de águas abertas. Se não Inglaterra mais do que em qualquer outro país, ela é entendida como uma
houvesse a interferência do homem, os Broads logo desapareceriam. atividade empresarial. A mudança não se deve apenas ao avanço tecnológi.co,
No final da Idade Média, a superfície florestada diminuiu rapidamente, mas também à adesão ao Mercado Comum Europeu, à intervenção cada vez
com a intensidade da demanda de madeira para queimar, fazer casas e cons- maior do governo na política agrícola e à crescente tendência para a apro-
truir navios. A paisagem consistia então de povoados esparsos, cercados por priação e exploração da terra por grandes empresas.
clareiras de pastagens e terra arável, com extensos bosques de floresta virgem
ainda existentes. Nos séculos XVI, XVII e XVIII sobrevieram muitas das
alterações que formaram a paisagem atual. O importante movimento de
demarcação das terras com cercas substituiu os vastos campos abertos por
9.4.3. O interior nos dias de hoje
uma rede de divis6rias que caracteriza a Grã-Bretanha, Ao mesmo tempo,
aumentavam em muito as atividades de pastoreio. Em termos ecológicos, as Uma segunda Revolução Agrícola, menos evidente, verificou-se nas
dezenas de milhares de quilômetros de sebes que foram plantadas criaram últimas décadas. Uma nova concepção da terra foi formada pelos agrônomos,
habtuus e microclimas inteiramente novos (Capítulos 4 e 5). Ofereceram silvicultores, engenheiros de solos e economistas agrícolas, na medida em que
refúgio a animais e insetos deslocados das florestas e mantiveram a população a agricultura passou a exigir capital com mais intensidade.
de aves das florestas. Os freixos e olmos foram replantados nas divisas, princi- Nas terras aráveis, a estrutura e a química do solo vêm sendo muito
palmente na Midlands, criando paisagens de árvores isoladas tão graciosa- modificadas pelas técnicas de gradeamento e pelo uso intensivo de fertili-
mente que foram consideradas tipicamente ''britânicas'', antes que uma praga zantes artificiais. As culturas intensivas estão substituindo os sistemas de
holandesa matasse imensa proporção de olmos na década de 70. rotação, assim como os praguicidas e os fertilizantes substituem os métodos
Os trabalhos de recuperação criaram paisagens artificiais de pôlder na naturais de recuperação do solo. A intensificação do pastoreio torna-se pos-
região leste da Inglaterra. A escala dos projetos se ampliou, com a energia e a sível arando o pasto, adubando-o e voltando a semeã-lo com espécies de
tecnologia proporcionadas pela Revolução Industrial. Desde que a agricultura rápido crescimento.
começou, as mudanças no uso da terra provocavam igualmente mudanças nas O hábito de estabular os animais e de aíímentã-los com forragens im-
características do solo, mas com a chegada da Revolução Agrícola fizeram-se plica a queda em desuso do costume de estrumar a terra, que também deixa
esforços deliberados para alterar as propriedades do solo em larga escala. As de servir de pasto e de ser pisoteada pelos animais. Entradas de energia
charnecas arenosas de Norfolk foram pastos de ovelhas até o século XVIII. externa (por exemplo, rações para o gado, fertilizantes artificiais, combus-
Mais ou menos em 1800, estavam produzindo cereais, pois a aração profunda tíveis) significam que em muitos pontos do interior da Inglaterra o sistema
tinha misturado a camada superficial arenosa com um subsolo mais pesado, solo-vegetação-animais vem operando em níveis de produtividade superiores
formando uma marga fértil. aos que os fatores naturais do ambiente permitiriam por si sós (Seção 9.3 .1).
No decurso do longo período que vai da era pré-cristã à pós-Revolução O regime da umidade do solo está se modificando em muitos lugares,
Agrícola, as regiões montanhosas permaneceram quase inalteradas, com o solo mesmo porque a área drenada sextuplicou entre 1930 e 1970 (Capítulo 6).
e a vegetação degradados pelo pastoreio. Como sucede com tudo que diZ As dimensões e a forma dos campos estão mudando, com tendência para o
respeito à influência do homem sobre o meio ambiente, a alteração da Grã- que se imagina ser o ponto ótimo, economica.n1ente falando, de 20 hectares.
162
o Impacto Humano em Geral
o Ambiente Rural-Agrícola 163

Ao mesmo tempo, vão sendo retiradas as sebes e outras divisórias, sobretudo


na parte leste da Inglaterra.
(a) Atualmente Mesmo as zonas montanhosas e outras regiões desfavorecidas por ativi-
dades primitivas vêm sendo em parte recuperadas. Por exemplo, a charneca de
Dorset está desaparecendo, graças ao plantio de árvores, à construção de
moradias e à extração de areia e pedregulho. Ou seja, a charneca, criada e
mantida artificialmente pelo homem, vai mudar ainda uma vez. Cada vez mais
CHARNECAS TERRA
a terra, a vegetação e o clima da Grã-Bretanha se convertem em "matéria-
ARÁVEL prima" que se pode amoldar, através da tecnologia.
A Fig. 9.5 resume o estado atual do uso da terra no Reino Unido, em
comparação com o que deveria ter sido nos primórdios da agricultura. O
grande aumento de terra "nua" (arável) é evidente. O declínio e a mudança da
área florestal e a criação de ambientes onde predominam a gramínea e a char-
neca também avultam.
Em seguida apresentamos uma análise mais detalhada da influência
humana em certos e determinados ambientes das llhas Britânicas.

9.4.4. Burren, no Condado de Clare


TURFEIRAS BAIXAS (ten) O planalto calcário de Burren, no litoral do Condado de Clare, oeste da
Irlanda, representa uma das paisagens mais estranhas das llhas Britânicas.
Ainda que 0[0 tenha altitude superior a 300 metros, larga parte do planalto de
400 quilômetros quadrados consiste de simples calcário cheio de fendas com
bolsões de vegetação. Constitui um deserto rochoso, em área de alto índice
pluviométrico (1.300 mm p. a.) e temperatura amena (as geadas são raras).
Costumava-se pensar que o solo superficial tinha sido desvestido por
geleiras, a ponto de não ser possível a recolonízação vegetal depois que elas
se retiraram. No entanto, algo indica que a aridez se deve à ação do homem.
Pelo que se imagina, o clima do noroeste da Europa não admite a erosão do
solo em escala catastrófica. Julga-se o ambiente relativamente resistente ao
FLORESTA
processo erosivo (ecossistema estável), em comparação com as regiões semí-
áridas com precipitações de alta intensidade (Capítulos 2 e 3).
No entanto, o Burren fornece exemplo de um fragílimo sistema solo-
vegetação com pouca capacidade para agüentar o esforço ambiental. Mesmo
a limitadíssima tecnologia dos agricultores primitivos foi suficiente para
iniciar a irreversível degradação do solo e, por isso, da vegetação. Pelos
registros históricos, o Burren sempre figurou como é hoje. ''Não há água para
afogar um homem, nem árvore para enforcã-lo", diz-se que foi o comentário
de um lugar-tenente de Cromwell. Presentemente, a região suporta uma popu-
Figura 9.5 - Diagrama radial do uso da terra na Grã-Bretanha. lação de lavradores de poucas centenas de almas, que aproveita algumas leíras
de pasto de inverno para a criação de gado.
164
o Impacto Humano em Geral o Ambiente Rural-Agrícola 165

Nos tempos pré-histórícos, a densidade demográfica era muito maior e


,2
a atividade econômica mais generalizada, mesmo nas partes mais áridas de
hoje. Numerosos túmulos feitos de grandes lajes de pedra, antas fWlerárias '8
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e povoadas, do período Neolítico em diante, são comuns, assim corno se vêem ,s'
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divisas de campos onde não há agora mais que ,pedras. O estudo de pólen ot
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fóssil da região mostra que nos tempos pós-glaciais havia urna pequena flo- ,-~
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resta recobrindo o Burren e ainda se vêem os tocos de um pinheiral por baixo g,e! .~ (\-

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da espessas capa de turfa sobre as rochas vizinhas. Esse pinheiral cresceu em ~o.
solo pardo-escuro derivado da deposição glacial. Acham-se restos de tal solo "'o
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nas fissuras do calcário e em cavernas. O que se deduz do vestígios do solo iil::s
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original preservados sob estruturas fabricadas, corno túmulos e muros, é que a o c';
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erosão coincidiu com a expansão da agricultura no planalto. Na Fig. 9.6 i'E
temos um monumento funerãrío da Idade do Bronze. A superfície à volta do
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túmulo é de pedra, coberta por uma camada de rendzina (solo orgânico
delgado, com base em calcário) em canteiros.
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Dentro do túmulo, o solo é pardo-escuro, livre da erosão pluvial. Monu- ~8.
mentos e muros erguidos nos primórdios do cristianismo não apresentam essa .2
camada de terra mineral no subsolo. Regra geral, estão construídos sobre
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pedras nuas. Portanto, o solo mineral foi removido pela erosão há 2 ou 3 mil ::s '~ -o'""
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anos. Fragmentos carboruferos no velho solo dão a entender que o homem,


atraído pela terra leve e pelos esparsos bosques do Burren, fez queimadas de
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desastrosas conseqüências.
Já se apurou, em outros lugares do mundo, que a remoção da cobertura
vegetal primária das regiões cársticas montanhosas, com alto índice pluviométrí-
co, pode ser catastrófica. Leve corno é, o solo se torna muito vulnerável à ero- .•
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são, sem a capa vegetal e o efeito aglutinador das raizes. Dada a natureza de "o:
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múltiplas fendas e drenagem livre do calcário, basta que as partículas do solo CDo;:; 48
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sejam levadas por alguns metros para serem arrastadas para o subsolo e perdidas. c
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Uma vez removido, o solo só se regenera lentamente, tal qual a vegetação. Os
cabritos pastando - antigamente havia muitos no Burren - impediram que
arbustos e árvores crescessem, a exemplo do ocorrido nas regiões mediterrâneas.
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A atual paisagem, de manchas de vegetação alternando com pedras nuas, é ar- > :::> s
tificial, pois só a atividade humana a mantém assim. Durante a Fome Irlandesa cn
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(por volta de 1850) muitas terras foram abandonadas e ficaram incultas até <t
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hoje. Nos 130 anos decorridos, tomaram-se densas moitas de aveleiraS e t- g -1\1 c: ,-
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capoeiras, com um fino manto de solo orgânico sobre a rocha nua. As velhas CI) ,-
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cercas das propriedades ficaram escondidas no meio do matagal.
O Burren é o exemplo de uma área em que o equilíbrio natural era tão
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delicado que bastou urna pequena interferência do homem para desencadear
FIgUIa 9.6 Cortes de uma anta da Idade do Bronze, na região de Burren, no oeste da
alterações ambientais de caráter fundamental. Outras regiões cársticas mon-
Irlanda, mostrando o solo mineral preservado por baixo do local de ínu-
tanhosas do mundo inteiro experimentaram urna degradação semelhante. mação, em uma área de leiras estéreis de rendzina.
167
166 o Impacto Humano em Geral o Ambiente Rural-Agrícola

9.4.5. As pradarias inglesas As pastagens do sul da Inglaterra também estão sendo alteradas. As flo-
res silvestres e os respectivos insetos desses prados e campinas nunca foram
A terras centrais do sul e do leste da Inglaterra, e principalmente Bast naturais, no sentido de que só conseguiam sobreviver graças ao contínuo
Anglia, Fenland e Yorkshíre, são as mais eficientes do mundo em tennos pastoreio e aos períodos de pousio. Sem isso, ervas e arbustos logo invadiriam
econômicos. A espantosa ordenação da paisagem testemunha o alto grau de as terras. Atualmente, elas são aradas e semeadas de novo, alterando assim a
controle exercido pelo homem. Ali se vêem grandes propriedades (o tamanho flora. Os praguicidas estão modificando a população de insetos. Os acosta-
duplicou entre 1945 e 1975), o que trouxe maior remoção de cercas vivas. mentos das estradas representam um ambiente inteiramente novo e parcial-
Cada quilômetro de cerca que se retira representa um hectare ganho para a mente controlado, contra o qual ainda não se desenvolveu uma reação ecoló-
cultura. Nos últimos vinte anos, de 6500 a 11 mil quilômetros de sebes vivas gica plena, embora já sejam um habitat protegido, abrigando espécies que se
foram arrancadas por ano. estão tomando raras em outros lugares.
Quando se arranca uma sebe, o ecossistema que se desenvolvera em sua
zona de influência também é destruído e o clima local muda. Nem todas as
mudanças associadas à remoção das sebes foram benéficas para os lavradores. 9.4.6. As charnecas
Nas áreas de solos leves de turfa úmida ou de areia do leste da Inglaterra, o
alargamento das propriedades aumentou o fetch local do vento e.conseqüen- A parte das regiões montanhosas do Lake District, os Pennínes e Gales.
temente, a sua velocidade média (Capítulo 5). O efeito de quebra-vento das por exemplo, tem uma aparência diferente. Faixas horizontais de vegetação
cercas vivas diminuiu e, por conseguinte, aumentaram a evaporação e a seca. de variadas cores vão desde o fundo dos vales ao alto dos montes. No fundo
O arar dos campos no outono, seguido pelo emprego da grade de discos na dos vales e um pouco a montante das encostas vêem-se pastos verdejantes,
primavera, reduz o solo a uma finíssima camada. A combinação da alta velo- produto de bons cuidados e fertilizantes. Acima, ficam as encostas de fetos
cidade dos ventos com as finas partículas da terra intensificou a erosão eólica de cor verde-castanho e, mais acima ainda, a grossa grama esbranquiçada a que
principalmente, no Lincolnslúre e no leste de Yorkslúre. Durante os longos se dá o nome de Nardus, Os cumes ou apresentam a púrpura das urzes ou o
intervalos de vento seco característicos do começo da primavera, as partí- escuro da turfeira. As árvores são raras.
culas mais finas deslocam-se para cima ou para baixo; em certas áreas do Tais zonas de vegetação, com as correspondentes diferenças no solo,
Líncolnshire, boa parte do solo superficial já desapareceu. ocorrem em altitudes notavelmente baixas, por vezes inferiores a 500 metros.
No leste de Yorkshíre, a erosão eólica se vê em faixas de solo arenoso O clima, entretanto, pouco varia dentro da mesma zona. Essas regiões serranas
a leste do Vale de York. A primavera de 1967 foi temperada e seca, com estavam quase completamente cobertas de florestas nos tempos pré-históricos,
persistentes ventanias a oeste e sudoeste. O solo secou com rapidez e teve e foi por causa do corte das árvores e do aproveitamento agrícola subseqüente
início a erosão eólica. Geraram-se tempestades de poeira de 15 metros de que se desenvolveu a complicada relação de solo e vegetação dos dias atuais.
altura e dunas de areia de um metro se depositaram contra obstáculos. A O complexo de solos típico das encostas desses montes é mostrado na
estrada de York para Helmsley ficou bloqueada uma semana por deslocações Fig. 9.7, com reflexo na divisão por zonas de vegetação. À falta do dossel
de areia. Na sua maior parte, o material se redepositou nos vastos campos, em protetor das árvores, os solos se tomaram severamente lixiviados (podsol),
vez de se perder, mas foi alto o custo da perda do solo superficial, excelente- mas a forma de uso da terra em si pode afetar a vegetação e, por último, o
mente fertilizado. A retirada das sebes diminuiu ante a evidência dos efeitos desenvolvimento do solo. Por exemplo, costuma-se usar as pastagens de baixo
contrários, e já se tomaram medidas de conservação, entre as quais a pulveri- para o gado bovino e as das encostas mais altas para o ovino. As ovelhas, que
zação do solo com polírneros orgânicos sintéticos para ajudar a estabilizá-I o e foram trazidas pelos monges de Cister no período medieval, escolhem o que
incentivar a agregação das partículas. comem, deixando crescer as plantas mais grossas, como os fetos. As vacas e
Em certas áreas de terra arável, a drenagem e o uso excessivos de adubo bois escolhem muito menos, motivo pelo qual a vegetação dos pastos das duas
artificial talvez sejam responsáveis pelo alto nível de sais em solução na água espécies de animais toma-se diferente, só por causa disso, conforme a altitude
drenada. O teor de nitrato na água subterrânea também se elevou apreciavel- (encosta superior e encosta inferior).
O abandono ou o uso menos intensivo das terras altas também afetou o
mente nos últimos anos, embora a sua associação com o uso de fertilizantes
não seja simples. desenvolvimento do solo e da vegetação, sobretudo no cimo do planalto. Uma
169
168 o Impacto Humano em Geral o Ambiente Rural-Agrícola

Vegetação Solo
Turfelra Charneca ~ erva
turfa "Calluna" 04
-z podsol turfoso
(crosta (+urze) C!>_ capim
de "gley •
ferruginosa
embaixo?)
Grama
Nardu s
]~
11I0
urzes
melhor
(ovelhas) Compos em ~ estado
parte descuraclos trófico
( fetos)
... .' . podsols Pra daria
queimados
turfosos (fundo do drenagem
em velho. herbicidas

I
vale)
campo.
terras
brunas
Ilxiviadas
1(X)- 300 m .
IIIUl estrutura do solo:
04
oi cercados orar, gradear
... -o
.~:I:
terras brunas
~~ r
melhor
(fertilizantes,
• °'0 ciclogem
gado) ~e nutrientes

...•... ... '.'


' L semear de
novO
químico:
adicionar Ca,K,
P,N,microquímicos
Figura 9.7 - Seqüência de solos e vegetação, típicos das encostas dos planaltos da Ir
Grã-Bretanha.

04
8
centeio, trevo podsol bruno
C)
vez desmatada, a terra mais alta s6 pôde ser mantida como pastagem, por ser '4 capim de ovinos artificial
continuamente lavrada e estercada. Quando isso cessou, com o abandono da
tn11I
terra, logo se seguiu a lixiviação, o ensopamento e a possível formação de
turfa ou de crostas ferruginosas. Figura 9.8 _ Possíveis técnicas de recuperação dos pastos das Terras Altas da Grã-
A situação das regiões montanhosas não se alterou, praticamente, nos Bretanha.
últimos setecentos anos, mas o homem tecno16gico, agora, já está fazendo
sentir a sua influência. Por exemplo, 50% das pastagens de carneiros nas char-
será decidido pelo resultado da batalha entre a comunidade dos agricultores e
necas de York do Norte foram aproveitadas para lavoura ou reflorestadas.
aqueles que desejam preservar como está essa parte da herança "natural",
Outras áreas de charneca passaram por idêntica recuperação ou drenagem da
turfa. Mudar o aspecto de tais áreas é em grande parte uma questão econô-
mica, como bem se compreende. Na Fig. 9.8 vemos algumas técnicas de recu- 9.4.7, As Terras Altas da Escócia
peração. A dominância da grama Nardus, menos palatável, em vez da Festuca
e da Agrostis, deve-se ao pasto seletivo dos carneiros. A revegetação implica A única área ''silvestre'' da Grã-Bretanha está nas Highlands (Terras
a melhora da drenagem da terra, a alteração química do solo mediante a Altas) da Escócia. O cenário é magnífico, com suas montanhas batidas pelo
adição de cálcio e de f6sforo, bem como o corte ou a queima da vegetação. vento, nuas ou recobertas de urzes, e está começando a voltar ao que era antes
Então, a terra é semeada de novo com azevém e trevo. O futuro das charnecas da interferência humana.
170
o Impacto Humano em Gera.! o AJIlbiente Rural-Agrícola 171

Há 4 mil anos, as Terras Altas estavam densamente recobertas de l>inho


escocês. Apesar da deterioração do clima, a cobertura florestal se mantinha 9.5. Amazônia
devolvia os nutrientes ao solo e o fundo enraizamento impedia o enchar:
Nas llhas Britânicas, o assalto do homem contra a natureza perdura há
camento, Antes mesmo da época romana começou o desmatamento, quase
centenas de anos, com intensidade crescente. Mas há uma região do mundo
sempre pelo fogo. No tempo dos vikings e depois, o desmatamento continou
cuja paisagem natural vem sendo desfigurada a ponto de ficar irreconhecível,
a fim de permitir o desenvolvimento da pecuária e de desentocar animai;
aliás em assustadora velocidade. Algumas dezenas de anos atrás, a densa
daninhos. A vida selvagem mudou, com a abertura de grandes clareiras: o
floresta úmida da Bacia Amazônica estava entregue a si mesma. A população,
último lobo foi morto em 1860. Em época recente, Com as exigências de duas
muito escassa, vivia ao nível cultural do Mesolítico ou do Neolítico. Como era
guerras mundiais, foi quase extinta a floresta original. O corte das árvores
o caso da Grã-Bretanha há 5 mil anos, as atuais tribos da Amazônia estão
redundou em piores resultados nas Terras Altas do que em qualquer outra
parte da Grã-Bretanha, devido ao clima mais úmido e frio. perfeitamente adaptadas ao ambiente, curvando-se a ele em vez de tentar
dominá-lo. Uma prova dessa harmoniosa relação com a natureza é o hábito
Com a degeneração do solo pardo-escuro para o podsólico e daí ao
da itinerância agrícola. Abre-se uma clareira na mata, geralmente por queimada,
podsólico turfoso, também a flora da floresta desapareceu, para dar lugar â
cultiva-se a terra por alguns anos e depois se a abandona.
limita~ e monótona flora dos solos muitos ácidos. O galo silvestre e a Corça
O abalo do ambiente é mínimo e as sementes penetram na terra sem
vermelha adaptaram~e bem ao novo habitat, assim como surgiram novas
perturbar a camada de cinza e de vegetação residual. Este tipo de agricultura
espécies de aves. Mas, com a saída em massa dos lavradores rendeiros, che-
não suporta uma densidade demográfica superior a uns dez habitantes por
garam exércitos de carneiros que, ao pastarem, garantiam a preservação da
quilômetro quadrado, na floresta úmida tropical. As clareiras voltarão ao
charneca. Atualmente, só restam algumas pequenas faixas da floresta cale-
estado florestal primitivo desde que não sejam muito grandes e que o solo
doníana original, principalmente em escassos e antieconômicos grupos, em
não tenha ficado exposto luz direta do sol por muito tempo. A recuperação
â

ilhas isoladas. A sua persistência e a maior fertilidade do solo onde cresceram,


vegetal plena de uma clareira pode levar um século.
devido i reciclagem dos nutrientes, demonstram que a floresta ainda pode
Esse padrão de uso da terra começou a mudar com a primeira chegada
prospersr nas condições climáticas das Terras Altas.
de colonos Amazônia, no século passado. O maior impacto, no entanto, veio
â

Recentemente, começou o plantio de árvores em três lugares de lá. O


recentemente, com a sistemática exploração econômica da região: corte de
pinheiro e a bétula foram plantadas no leste, mais seco, e outra espécie de
madeira e projetos agropecuários. De repente, a cultura popular passa do
pinho e abeto em locais mais úmidos. O solo empobreceu muito durante os
Neolítico para a modemidade. Do ponto de vista ambiental, uma das zonas
séculos sem árvores para suportar o tipo original de floresta. Mesmo com a
mais frágeis e importantes do mundo vem sendo submetida a uma pressão
melhora do solo mencionada anteríormenre, a floresta plantada terá um nível
tecnológica aparentemente irresistivel. Deve representar a mais profunda
inferior ao da vegetação clímax desse clima (Capítulo 4). Primeiramente,
transmutação de uma paisagem que o homem jamais realizou.
plantaram-se árvores de uma só espécie em vasta quantidade, redundando
Já se disse das florestas úmidas tropicais que eram "desertos florestais".
em uma paisagem sombria, melancólica. Agora, foi adotada uma política de
diversificação. Elas recebem a maior entrada de energia solar de qualquer zona climática e o
maior índice pluviométrico durante todo o ano. São o mais produtivo ecossís-
O (eflorestamento estimulou a imigração de espécies silvestres, inclusive
tema terrestre do planeta (produtividade duas ou três vezes maior que a da
muitos iJtsetos e pássaros e, entre a vegetação rasteira, vários mamíferos de
floresta temperada), com um sistema imensamente complicado de equilíbrios
pequeno porte. Depois, vieram os predadores, como a raposa, o gato bravo e a
entre o vasto número de plantas e de espécies animais.
coruja. O estrago que os cervos fazem na floresta acentua a formação de
Todavia, o sistema de ciclagem e armazenagem de grandes quantidades
clareiras naturais, as quais desenvolvem urna ecologia mais complexa. O
de energia difere, nelas, do predominante no resto do mundo. Altíssima pro-
desbaste da mata ao fim de 25 anos permite que a luz solar chegue em maior
porção de nutrientes acumula-se antes na vegetação do que no solo, sendo
quantidade ao chão, gerando uma subcamada mais espessa de arbustos, silvas
quase fechado o sistema de reciclagem. Na realidade, parte do sistema de
e ervas. 1entamente, o solo responderá a tais mudanças na vegetação e no
ciclagem é totalmente independente do solo. Há epífitas - plantas que vivem
microclirr.a, dando início a sua laboriosa escalada para a fertilidade. Assim,
fixadas em árvores - que derivam o nutriente de folhas caídas e chuva capta-
um ciclo ~e ação humana está começando a se fechar nas Terras Altas.
da na sua rede aérea de raízes. No chão, os nutrientes são extraídos da rasa
172 o Impacto Humano em Geral O Ambiente Rural-Agrícola 173

camada de húmus por fungos, que depois os transmitem às raízes das plantas. relação entre a vegetação e o solo. Muito importante, igualmente, é o micro-
Esses curtos-circuitos deixam ocorrer apenas pequena lixiviação de elementos clima gerado pela floresta. A precipitação pluviométrica anual de 1.800 a
químicos através do solo e, daí, aos rios. 3500 mm,com temperaturas sempre acima de 30°C, converteria rapidamente
Em suma, os solos são quase estéreis, ainda que a operação do ecossis- o solo em laterita estéril se a cobertura vegetal não existisse. O desmatamento
tema florestal úmido disfarce isso muito bem. A luxuriante vegetação cria expõe ali o solo à luz direta do sol em grandes extensões, removendo ao
uma ilusão de fertilidade, mas em nenhuma parte do mundo é tão débil a mesmo tempo a maior parte do depósito de nutrientes. Os prognósticos são
dramáticos.
A Bacia Amazônica (Fig. 9.9) contém, de longe, a maior floresta úmida
OCEi1NO
ATLANTICO
tropical virgem. A floresta autêntica ocorre nas áreas mais bem drenadas
(terra firme); nas planícies de inundação (várzeas) predomina uma vegetação
de menor porte, como o mangue. Em termos de agricultura, as várzeas têm
melhor potencial produtivo, pois são periodicamente inundadas, com depó-
sito de aluvião.
O desmatamento extensivo da Amazônia teve início no começo do
século, na zona de Bragança. O corte de mata ao longo da estrada de ferro
Belém-Bragança abriu 12 mil hectares de terras à agricultura. Mas a maior
parte foi pouco depois abandonada, com os solos exaustos. Hoje em dia
constitui uma área de pobreza e de estagnação econômica e social, recoberta

--- Legenda
rio
limites da bacia
do Amazonas
(/:",:'::
.... .. floresta úmida
,
\

várzeas
por escassa vegetação arbustiva. A Tabela 9.2 explica por que a terra foi
abandonada tão depressa: a perda de nutrientes pela intensa lixiviação foi
muito rápida. Aberta uma clareira, a fertilidade do solo chega a diminuir 80%
em poucos anos. A erosão do solo também poderá remover as partículas do

Tabela 9.2 - Perda de nutrientes do solo (fertilidade) após o desmatamento


de floresta úmida tropical e o uso da terra para agricultura. Os
níveis de fósforo e de elementos orgânicos aumentam de início,
devido às queimadas, mas depois o declínio da fertilidade é
rápido. A perda da capacidade de troca de cationtes (capacidade
para acumular nutrientes) é imediata, por causa da lixiviação.

Características do solo (%)

Capacidade de
Uso da terra Conteúdo orgânico troca de cationte Nitrogênio Fôsforo
Legenda
rodovia, construido ou projetada floresta virgem 100 100 100 100
fronteira do Brasil um ano após
desmatamento 104 82 66 120
(sem uso)

Figura 9.9 - O desenvolvimento da Amazônia, após dois anos


46 51 36 75
de cultivo
174
o Impacto Humano em Geral
o Ambiente Rural-Agrícola 175
solo superficial, aumentando a carga de sedimentos dos rios, com prejuízo
para o regime e o ecossistema fluviais. As taxas de erosão, mesmo em encostas nou vasto projeto destinado a abrir a Amazônia ao povoamento, â indústria
suaves, aumentaram trinta vezes. A intensificaç[o das águas de escoamento e à agricultura. Para tanto, o fundamental é a construção de uma rede de
das áreas desmatadas pode ampliar a magnitude e a freqüência das cheias do rodovias, iniciada em 1970, cruzando a Bacia Amazônica. A Fig.9.9a dá
Amazonas. Embora não haja dados claros, pensa-se que, em Manaus, as ídeía. da extensão da malha rodoviária. A Rodovia Transamazônica, que
enchentes aumentaram consideravelmente desde 1976. tem 5.400 quilômetros, foi projetada para ligar João Pessoa, no Nordeste,
A Fig.9.10 proporciona uma imagem simplificada dos efeitos em com a fronteira do Peru. Outra rodovia - a Santarém-Cuiabá, com 1.670
cadeia provocados pelo desmatamento. A seqüência da degradação pode quilômetros - fará a ínterlígação daquele porto amazonense com o Mato
levar alguns anos apenas; a regeneração, milhares de anos. Grosso. Ao todo, o plano prevê 14 mil quilômetros de estradas.
Cortes com 70 metros de largura estão sendo feitos na mata para a
construção das rodovias, com duas faixas de 100 quilômetros de largura,

1 DESMATAMENlO J de cada lado da estrada, para aproveitamento agrícola. O primeiro objetivo


do desbravamento é a madeira, mas, após, o corte, as terras s!o quase sempre
aproveitadas na críação de gado, especialmente na região sudeste, mais pró-

solo
t xima dos mercados.
crestado r- sem sombra queimadas
menor Embora as várzeas sejam mais apropriadas para a agricultura, quase
evapotronspiroção toda a pecuária e o plantio ocorrem nos solos potencialmente estéreis da
terra firme. Em áreas sempre e cada vez maiores, vem-se ampliando a seqüên-

lixiviaçóo
1 cia do corte-queimada-pastagem. A menos que se tome bastante cuidado
enchentes r- e erosóo
restolho
perdido
menos
durante esta seqüência (por exemplo, semeando tipos de grama européia
chuva que protegem eficazmente a terra), seguír-se-ã a líxívíação e a erosão, com a
queda da produtividade dos pastos. Nos primeiros três a cinco anos em que

perda de
t
perda de
a pecuária teve início, os rebanhos de gado bovino declinaram de 2 para 0,5
cabeça por hectare. Ou seja, a críação vem caindo 5% ao ano, aproximada-
solo aróvel microrga- secos
nismos
mente. A superfície de mata tropical úmida, originalmente, compreendia
mais ou menos 280 milhões de hectares. Na década de 1960 o desmatamento

menor
i começou em base superior a um milhão de hectares por ano, mas subiu para
mais de cinco milhões ao ano desde meados da década de 70.
crescimento
dos plantas A Amazônia representa a primeira e talvez a última oportunidade real
que o homem tem de desenvolver uma vasta área territorial empregando um
j modelo de base tanto ecológica como econômica. O governo brasileiro
VEGETAÇÃO demonstrou a aparente preocupação de que a Bacia Amazônica não fosse
RETARDADA posta a saque. Em teoria, aexploração obedece a regras estritas: por exem-
plo, no mínimo 50% da cobertura florestal deve ser mantida nas zonas colo-
Figura 9.10 - Conseqüências ocasionadas pela remoção da floresta tropical úmida. nizadas. Não faltam idéias sobre o aproveitamento da terra. Vão desde a
utilização de esterco orgânico (o solo não retém os fertilizantes artificiais)
à manutenção de uma cobertura de safras perenes, ao plantio de árvores,
Oito nações compartilham a Bacia Amazônica, mas a esmagadora maio- ao cultivo de espécies indígenas, aos pesticidas naturais e às culturas mistas,
ria da área pertence ao Brasil. Na Amazônia, que ocupa 40% do território empregando pequenas propriedades. Infelizmente, é tal a complexidade da
brasileiro, vivem apenas 4% da população do País. No esforço de mobilização mata tropical em termos de ciclos e ínterações naturais e tal a falta de dados
de uma área de integração nacional, a agência governamental Sudam coorde- básicos sobre o ambiente, que está longe de ser clara qual a melhor solução
para o problema do desenvolvimento.
176
o Impacto Humano em Gera!.

Os profetas da desgraça têm andado muito ativos na Amazônia, Com


vários prognósticos do que acontecerá se o desmatamento for muito longe.
São aqui expostas algumas das teorias. O grande número de espéciesvegetais
da Amazônia significa a limitação de cada uma delas em determinada área.
Por outras palavras, as doenças específicas das plantas ou pragas sofrem
severa coerção. Uma alteração nas culturas agrícolas poderia levar a uma
explosão populacional de certos insetos ou vírus. Da mesma forma, muitas
plantas nativas produzem elementos químicos repelentes ou tóxicos para
10. O ambiente urbano-industrial
afastar os predadores ou as moléstias. Esses mecanismos naturais de defesa,
adaptados ao ambiente, se perderiam com a eliminação das espécies. A
Amazônia é a maior reserva genética do mundo e, uma vez eliminadas, as 10.1. Introdução
espéciesjamais se renovam.
As mais profundas conseqüências do desmatamento, ainda que também
as mais teóricas, dizem respeito a alterações atmosféricas. A substituição As áreas urbano-industriais representam a mais profunda modificação
completa da mata por moitas faria provavelmente aumentar o teor de Co, humana da superfície da Terra, da atmosfera e do ecossistema terrestre.
uns 10%, diminuindo a produção de oxigênio para a atmosfera. A escala Ao contrário dos efeitos da atividade agrícola, os efeitos urbanos são alta-
mundial não se afigura que qualquer desses efeitos tivessegrande significado. mente intensivos e localizados. Nas zonas urbanas os fluxos de energia e de
Mais importante seria a modificação do albedo (refletividade) resultante massa estão concentrados, sendo a maior parte da energia importada. Com o
de tal mudança na capa vegetal. As florestas reverberam cerca de 7% da emprego da energia e da massa há uma reversãopaia um estado difuso e não-
energia solar, ao passo que um cerrado de moitas reverberaria cerca de 25%. concentrado, cuja expressão é calor e dejetos. Cerca de 12% da Inglaterra
Determinado estudo de computação indica que o resfriamento da superfície e de Gales estão edificados, onde portanto existe alteração ambienta! direta,
daí decorrente, juntamente com o declínio da evaporação, faria diminuir mas a alteração atinge muitas extensões além da paisagem de concreto. Por
a ascensâo do ar nas regiões equatoriais, causando por sua vez o resfriamento exemplo, as alterações hidrol6gicas iniciadas na parte urbanizada de uma
da troposfera média e superior, com quedas mais bruscas de temperatura. O bacia hidrográfica poderiam produzir efeito a montante da corrente e ainda
estudo prevê 1,5 a 2,5% a mais de precípítaçao pluvial entre as latitudes 5 a mais a jusante, possivelmente modificando o funcionamento de toda a bacia.
28° Norte e Sul e menos precipitação (por enfraquecimento da convecção) As mudanças climáticas sâo mais evidentes na curta abóbada de ar que
entre as latitudes 45° a 85° Norte e 40° a 60° Sul. recobre uma cidade, mas o vento dominante leva consigo nuvens de ar
Tais idéias são especulações e talvez não ofereçam nenhuma exatidão. poluído para muito longe. As alterações ecológicasprovocadas por ambientes
Sem embarago, as alterações de larga escala nas matas úmidas, que fazem poluídos, ou de qualquer forma conturbados, espraiam-se para muito além
parte da casa das máquinas do clima do planeta, tendem a provocar mudanças dos limites urbanos.
para melhor ou para pior que estarão fora do controle do homem, uma vez Virtualmente, todos os aspectos do ambiente são alterados pela urba-
desencadeadas.
nização e a industrialização, inclusive o relevo, o uso da terra, a vegetação,
a fauna, a hidrologia e o clima. Regra geral, a intensidade da mudança está
ligada à densidade da área edificada e à extensão dá índustrialízação, princi-
palmente da indústria extrativa ou pesada. O gradiente da severidade da
mudança vai do interior rural, através dos subúrbios, e ao centro comercial
ou ao núcleo industrial. As áreas urbanas horizontais, com muitos espaços
verdes, costumam alterar menos o ambiente que os centros industrializados
compactos e verticais.
Nos primeiros capítulos já tratamos de muitos dos desvios, agrava-
mentos e diminuições dos processos naturais que se associam ao ambiente
179
178 o Impacto Humano em Geral. o Ambiente Urbano-Industrial

urbano-industrial, Por isso, o restante deste capítulo se preocupa com o rejeitos ao deixar a área urbana, deixando o Trent sem vida até que suas
resumo de tais alterações com referência a casos particulares. águas sejam diluídas pelas do Derbyshire Dove e do Derwent, mais limpas,
entre Burton e Derby. Mais a jusante, o Trent volta a se deteriorar e chegar
ao estuário, em Humber, inteiramente desprovido de oxigênio.
10.2. Hidrologia urbana A indústria extrativa exerce idênticos efeitos sobre a qualidade da
água, se estiver localizada perto da corrente. A mineração a céu aberto poderá
10.2.1. Introdução
provocar contaminação sedimentológica e química. A extração subterrânea
Muito embora as áreas urbanas raramente ocupem mais que reduzida de carvão muitas vezes faz com que a drenagem ácida das minas chegue
percentagem de uma grande bacia ue drenagem, as alterações no regime do aos rios, como sucede em Gales do Sul. Os efeitos gerais da urbanização e
rio poderão ser suficientemente intensas para abranger amplos espaços. ~ da indústria na hidrologia estão resumidos na Tabela 10.1.
o caso, especialmente, das cidades localizadas no centro ou na parte superior
da bacia, por permitir enchentes e poluição da água em áreas a jusante. O Tabela 10.1 - Efeitos da urbanização sobre o funcionamento de vários as-
comportamento dos córregos existentes dentro da área edificada poderá pectos da hidrologia (+ denota aumento dos efeitos; -, dímí-
ser profundamente conturbado, o que já não acontece com os rios de porte. .nuíção).
As principais diferenças entre a hidrologia das áreas rurais e urbanas
Proceuol hidrológicol afetildo,
estão esboçadas no Capítulo 6. A intensidade da mudança depende de dois
lnftltrrlçilo fredltco &tchentes RUXOl baiXos Sólidos em suspensItJ SólIdos dissolPidos
fatores: primeiro, em que proporção a bacia se tomou impermeável pela Aooctws "rbtutos
N(}IteI

construção; segundo, a natureza do sistema de drenagem artificial instalado ++ +++ ++


tem nUl; desletxo +
+++ +
(drenagem e esgoto). edifK:iOl; ruas +++ +++
e38otOi e rejeit05 +
+
A duplicação da área impermeável de uma bacia, em meio ambiente plerlu; leito alterado; proteçlo contrt chlid

inglês, aumenta o escoamento direto (rápido) em 25 a 50%. Em conseqüên-


cia, é indispensável a instalação de extensa rede de canais artificiais para 10.2.2. Nova cidade de Harlow
receber e evacuar o excesso de água. Essa rede compreende desde os esgotos
domésticos até grandes galerias sob as ruas. A densidade da drenagem urbana A construção de urna cidade inteiramente nova em Harlow, em urna
é três a dez vezes maior que a do meio rural. A cidade de Milwaukee, nos área antigamente rural de Essex, impôs consideráveis mudanças na pequena
Estados Unidos, com uma superfície de 246 quilômetros quadrados, contém bacia (21 quilômetros quadrados) do Canon's Brook. Sob a bacia de drena-
60 quilômetros de canal natural de rio e 2.200 quilômetros de canais arti- gem encontra-se a formação Argila de Londres, quase impermeável, à altitude
ficiais. Dessa forma, cada gota de água tem de percorrer menor distância de 36 a 110 metros. A bacia de captação e os estágios de urbanização sâo
para atingir um canal do que no campo, o que,junto com a íntensífícação vistos na Fíg. lOJa. Ainda que se tenham rasgado algumas estradas e implan-
da água de escoamento, provoca maiores enchentes e menor débito no estilo, tado redes de esgotos em 1951 e 1952, a urbanização propriamente dita
em uma bacia de drenagem urbanizada. Também são minimizados os proces- data de 1953, tal qual as alterações hídrolõgícas registradas. Em 1960, 10% da
sos hidrológicos que contribuem para retardar os fluxos de água para o rio, área estavam recobertos de concreto ou de macadame alcatroado, percenta-
tais como a infiltração no solo, o deslocamento do fluxo subsuperficial e gem que subiu para 16,6% em 1968, embora se considerassem urbanizados
a recarga de água subterrânea. 80% da bacia de drenagem.
A deterioração da qualidade da água é quase inevitável, nas cidades. A O fato de Harlow ser uma cidade "verde" e de estar assentada sobre
atividade construtiva multiplica por 50 ou por 100 a sedimentação e a carga rocha impermeável mínímízou os efeitos hidrol6gicos da construção, mas
de solutos; os rejeitos das indústrias e dos esgotos fazem elevar tanto a ainda assim as alterações, sobretudo nas características do caudal, &[0 evi-
concentração química como o conteúdo orgânico dos rios. As cabeceiras dentes. A Fig. 10.3b mostra as cheias máximas mensais durante o período
do rio Trent estão quase inteiramente localizadas na região altamente urba- de construção. Os picos das cheias se tomaram cada vez maiores e mais
nizada de West Midlands e, portanto, o regime e a qualidade da água depen- abruptos, ao passo que a média móvel (sombreado) indica a tendência gené-
dem do homem. O caudal do rio Tame no verão é constituído por 95% de rica do crescimento do caudal das cheias - aumentou duas vezes desde 1951.
180
o Impacto Humano em Gera!
o Ambiente Urbano-Industrial 181

Os hidrogramas (lOJc) resumem as alterações no caudal do rio como


(o) reaçã"o a uma única chuva (5 rnm de índice pluviométrico em uma hora). O
pico das descargas aumentou 460%, e o tempo para alcançar o pico diminuiu

.7.
50%, assim como diminuem em 50% a duração de cada cheia. Tudo isso reflete
eelação de
o aumento e a mais rápida transmissão da água de escoamento. Os efeitos no
medição -4 fluxo são muito maiores no verão do que no inverno. No verão, a maior parte
doa ~bl~.ç( WN:G0_'"> ••••") da chuva que cai em uma bacia rural é armazenada pelo solo e depois utilizada
pela vegetação, ao passo que no inverno o subsolo pode já estar saturado, fazen-

' _)Ú,,._-"""_:,
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••
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do escoar mais água para o rio. No ambiente urbano, as condições variam
muito menos entre as estações, dada a alta proporção da área impermeável.

(\ \!Y<"H;:it:~}://:~:~ 10.3. O clima urbano

' '"
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' "'-.,.1,- -- --
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_._-'-----',. ----
~
_o, •• "
.,,~ ••••• 10.3.1. Introduçao

Como se viu no Capítulo 5, a influência do homem sobre a atmosfera é


de díficil demonstração e freqüentemente especulativa, salvo em pequena
-legenda -
!t'\1r cheia máxllno mensal escala. A exceção é o ambiente urbano, onde as mudanças induzi das pelo
~ <oL (b)
--- média "'óv. tm !51 m••• ,
homem 84'0 mensuráveis e nítidas. Sobre as cidades paira uma "abóbada
(c) ~ climática" própria, dentro da qual as propriedades de conteúdo, temperatura,
e

i umidade e vento atmosféricos distinguem-se de certa forma do clima regional


~ dominante. Em grandes cidades, com um milhão de habitantes ou mais, o
67 clima alterado paira de 50 a 300 metros acima do solo e se estende dezenas
§ de quilômetros a barlavento.
'Ci
As alterações no albedo e na direção dos ventos foram descritas no
o
l" Capítulo 5 a propósito de um edifício. As cidades ampliam e complicam esses
~ efeitos em larga escala, mas são importantes fontes de calor em si mesmas, em
~
vista da importação e queima de combustíveis fósseis em grande quantidade.
O homem produz, no cômputo geral, reduzido calor artificial, mas ao nível
19!1O-~4 local essa produção é significativa. O cinturão industrial Ruhr-Antuérpia-
o' ! ! J--f-,-se:=:r-=-Wf ...a ! ~ ! I t I J Namur emite 17 langleys/dia* sobre uma superfície de 500.000 quilômetros
e lO l~ eo 2lI 30 3e 40 45 !IO ee EO se ro re 80 se 90 quadrados. Manhattan, o extremo exemplo de urbanização, produz 250
Tempo (h)
langleys/dia. Em tais casos, a produção de calor é suficientemente grande para
gerar processos atmosféricos tais como projeções de coroa solar por con-
Figura 10.1 _
Efeitos da urbanização na bacia do córrego Canon's Brook, na Nova vecção, bem como reações climáticas, temperaturas mais altas e menor
Cidade de Harlow. Em (a), a bacia da drenagem do Canon's Brook e a precipitação de neve.
expansão da Nova Cidade de Harlow, Em (b), cheias máximas mensais no
Canon's Brook de 1951 a 1968, e média móvel de 51 meses para as cheias
máximas mensais. Em (c), hidrogramas para a bacia de drenagem, em
vários estágios de urbanização (conforme HOllis,1974). * Langley: unidade de energia por unidade de superfície, equivalente a um grama-calo-
ria por centímetro quadrado. W. do T.)
182 o Impacto Humano em Geral o Ambiente Urbano-Industrial 183

As alterações atmosféricas, tanto em termos gasosos como de aerossóis, marcante à noite, quando o centro apresenta temperaturas, em média, 2°e
são maiores por sobre as áreas urbanas do que em qualquer outra parte, em- mais altas. O grande número de dias com temperaturas perto do congela-
bora isso exerça menos efeito sobre o clima da cidade do que a degradação mento, no sudeste da Inglaterra, significa que o clima mais quente de Londres
do solo superficial. Acredita-se que as alterações atmosféricas são responsáveis é suficiente para reduzir a ocorrência de geadas e de neve. Na verdade, tem
por mudanças na forma da radiação solar que alcança o solo e talvez pelo mais dois meses livre na estação sem gelo do que o meio rural circundante e o
aumento dos índices pluviométricos das regiões urbanas. Na Tabela 10.2, crescimento das plantas tem mais cinqüenta dias disponíveis.
temos um resumo dos tipos e da ordem de magnitude das mudanças associa- A ilha de calor de Londres caracteriza o seu clima urbano, muito em-
dos com o ambiente urbano-industrial. A seguir, alguns exemplos de alte- bora ele se modifique no tempo e na intensidade de acordo com a estação do
rações climáticas. ano e as condições meteorológicas. O centro é bem mais quente que os bairros
durante todo o ano, mas a ilha de calor suburbana é maior no inverno,
quando aumenta o consumo de combustível nas moradias.
Tabela 10.2 - Modificação do clima regional de uma grande área urbana Segundo cálculos, essa ilha atinge aproximadamente 150 metros na
industrializada. vertical. A Fig. 10.2 mostra a forma da ilha de calor no dia 14 de maio de
1959, quando ela se desenvolveu muito bem sob o céu claro e as suaves brisas
de um anticiclone. A diferença de temperaturas entre o meio rural circundante
Aspecto do clima Grau de mudança

composição núcleos de condensação + 1.000%


atmosférica emissão de gases + 1.500%

temperatura radiação solar -10%


temperatura média anual +1°C
temperatura mínima de inverno + 1,5°C

precipitação precipitação anual +5%


dias de chuva mínima +10%

vento velocidade média do vento -20%


dias calmos +10%

outros radiação ultravioleta (inverno) -30%


umidade relativa (verão) -10%
neblina (inverno) +100%

oL-..-I10 km

10.3.2. A ilha de calor de Londres

Tal como em outras metrópoles, a mortalha de produtos de combustão Legenda


em Londres provoca neblina e encobre a luz do sol. Em comparação com o CJ área urbana -4,5- linhas Ilotérmlcas('t)
meio rural, os subúrbios mais afastados da cidade recebem 16 minutos a
menos de luz solar por dia, os mais próximos 25 minutos a menos e a área
central 44 minutos a menos. A perda, no entanto, é mais que compensada Figura 10.2 - A ilha de calor de cidade de Londres,na noite de 14 de maio de 1959. As
pelo calor artificialmente produzido. A temperatura média anual é de 11°e isotennas estão traçadas com intervalo de 1°C (confonne Chandler,
no centro, de 100e nos subúrbios e de 9,6°e na zona rural. O efeito é mais 1965).
184 o Impacto Humano em Geral o Ambiente Urbano-Industrial 185

e o centro da cidade é de 8° C e a configuração da ilha segue fielmente o nível 10.3.3. Precipitação pluvial na área de Houston
da urbanização. ~ evidente o brusco gradiente entre os subúrbios densamente
povoados de East Ham e West Harn e as margens pantanosas do Tâmisa, no A tendência das grandes áreas urbanas industrializadas para desencadear
lado oriental do mapa - o gradiente é muito maior do que o normal numa a precipitação de chuva nas suas vizinhanças está bem demonstrada com o
frente fria ou quente natural. Os gradientes térmicos são mais moderados a exemplo de Houston, no Texas. Localizada nas planícies uniformes do Golfo
oeste e a sul, onde a transição meio rural-meio urbano é menos abrupta. Ao do México, a cidade viu a sua população e a sua indústria se expandir enor-
norte, uma ponta de ar quente se estende até o vale do l.ea, através de Poplar, memente nas últimas décadas, assim como o seu índice de pluviosidade.
Tottenham e Enfield. No leste do Texas, a pluviosidade diminui de leste para oeste e, por-
tanto, a isoiete corre mais ou menos no sentido norte-sul, como se vê na
Fig.103, relativa a 1908. Esta disposição das chuvas veio se modificando
progressivamente para um modelo celular, centrado ao norte e a oeste de
Houston, como se vê nos outros quadros pluviométricos. O índice de preci-
pitação na área urbana aumentou mais de 1.000 mm em certos casos. Muito
1908 1935 01700
embora haja uma zona de indústria pesada a leste (contra o vento), emitindo
HlOO
1100 i300 aerossóis poluentes, parece provável que a deflexão do ar pelos numerosos
arranha-céus, no centro da cidade, foi também tão importante no desencadea-
mento desta alteração no regime das chuvas.

'300
10.3.4. Smog fotoquimico na Califórnia

As alterações da composição atmosférica por sobre uma cidade variam


de natureza. Nas cidades inglesas, predominam as emissões da combustão
de carvão, dando por vezes origem ao impenetrável nevoeiro enfumaçado
1958 1973 de inverno (smog). Com enorme frota de veículos e sol brilhante, a Califór-
nia experimenta a poluição fotoquímica do ar com PAN (Capítulo 5), deri-
900 vado da emissão de óxidos de nitrogênio. Essa emissão quadruplicou de 1940
para 1970, obrigando a impor severa legislação de controle.
2iOO
A Fig. 10.4 mostra a extensão e a severidade da poluição [smog} foto-
quúnica no começo dos anos 60. Os mais afetados foram os grandes centros
demográficos, São Francisco e Los Angeles, mas cerca de 60% de toda a
Califórnia sentiu os efeitos. Os danos à vegetação, provocados pelos elementos
quúnicos em suspensão, atingiram mais de 30 mil quilômetros quadrados.
Hoo
Los Angeles é particularmente propensa à forte poluição fotoquímica, pois
Legenda está localizada em uma ampla bacia natural, sujeita a inversões térmicas e
_+100- 1101.tol« precipitação onual,,"II'!) c:::J á,.o urborta(1980)
o
I
2!ikft'l
I
com ventos de baixa velocidade. Assim, o smog se intensifica e concentra.
Muitas vezes é impossível avistar a cidade de avião, debaixo daquele véu
Figura 10.3 - Alterações no padrão e na quantidade anual das chuvas em Houston, sombrio, ao passo que da terra o céu se afigura uniformemente cinzento,
Texas, no período 1908-1973 (conforme Goldman, 1976). apesar de não haver nuvens.
186
o Impacto Humano em Geral
o Ambiente Urbano-Industrial 187

400 metros de altura, localizada em Sudbury, no Canadá, emite tanto am-


- Legenda - drido sulfuroso por ano como todas as fontes naturais somadas. No entlUl\o,

O..''·
. . ::
redução da
visibilidade
a emíssão natural de enxofre como ácido sulfídrico talvez se compare C()m
as emissões artificiais de enxofre. A produção de anidrido sulfuroso dU~li•
~ prejulzo às cou entre 1960 e 1980, mas igualmente importante foi o uso de chaIllir\és
E3 plantas descomunais (mais de 180 metros de altura), as quais, embora diminuin.do
irrltação da a poluição atmosférica nas vizinhanças imediatas, fazem que o gás atinja as
• vista
camadas médias da troposfera, sendo assim transportado a enormes distânciGs•
São O resultado foi o aumento da acidez das chuvas nos últimos lUl~s.
Francisco
Antes da Revolução Industrial, a chuva era neutra à reação na maior Plltte
oL---.I
200km
do planeta, mas, atualmente, ela em geral tem 5 a 30 vezes mais acide~ e,
em certos lugares, 100 a 1.000 vezes mais (1-3 unidades de pH). O caso mais
grave de chuva ácida foi o de uma tempestade em Pitlochry, na EscOOia,
em 10 de abril de 1974: no início, ela apresentava um pH de 2,4, equiva1e~te
ao vinagre. As regiões batidas por ventos provenientes das concentraç~es
industriais sentem o máximo efeito, mas as extensões afetadas e o grau de
acidez aumentaram em geral nos últimos anos.
Tanto nas áreas urbanas como nas suburbanas, a chuva ácida acelera o
intemperismo químico (decomposíção) - principalmente de edifícios e,
sobretudo, se forem feitos de calcário. O intemperismo pode ser por disso-
lução direta ou pela formação e precipitação de sulfato de cálcio, que teIQ a
capacidade de acelerar a decomposição de cristais de sal dos materiais de
construção. Circundando a área urbana imediata, há uma zona em que tllm•
Figwa 10.4 - Extensão e severidade da poluição fotoquímica da atmosfera, na Cali- bém são agudos os efeitos da chuva ácida, incidindo num ambiente rotal.
fómia, em 1961-63 (conforme Leighton, 1966). Na Grã-Bretanha, essas zonas de "precipitação" estendem-se por deze.
nas ou centenas de quilômetros para além da fonte de emissão de l.oI1dtes,
Midlands, Lancashire, South Yorkshire, nordeste da Inglaterra e centro da
10.3.5. Chuva ácida Escócia. A concentração de enxofre no solo excede muito o suprinlettto
natural emanado da atmosfera e do intemperismo químico, excedeQ.do
o alastramento da poluição fotoquímica, muito além da sua origem, também de muito a capacidade de processamento das plantas e das bactétias
tem um paralelo ainda mais sério na abrangência da contaminação com que o decompõem. Assim, o crescimento de várias espécies vegetais é tolhido.
anidrido sulfuroso, provindo de emissões industriais. Tal substância perma- Os líquens e as briófitas (musgo e hepática) slro extraordinariamente sensíVeis
nece pouco tempo na atmosfera,já que se dissolve prontamente na água, para ao anidrido sulfuroso e até servem para assinalar a concentração do ~.
se precipitar como ácido sulfúrico diluído. Semelhante acidificação da chuva Tyneside é uma das fontes prováveis da chuva ácida que cai na Esoan•
ocorre naturalmente, em primeiro lugar por causa da dissolução do bióxido dinávia. O efeito da precipitação no solo, nos rios e lagos é maior nas regi~s
de carbono. Teoricamente, isto deveria dar à água da chuva um pH de 5,6, de rochas ácidas (siliciosas) e nos solos finos, onde a capacidade de atJl0tte·
mas na prática, várias substâncias básicas existentes na atmosfera neutralizam cimento é mínima. Tal situação abrange largas extensões da EscandUlá\tia,
em grande parte esse efeito. sendo responsável pela alta da acidez da água de escoamento nas regiões
As emissões industriais de anidrido sulfuroso, atualmente, excedem montanhosas. Já se registraram índices de pH inferiores a 5,0 em rias e
100 vezes as naturais, de origem vulcânica. Na realidade, uma chaminé com lagos da Noruega, cobrindo uma superfície de 33 mil quilômetros quadrados.
O resultado foi a regressão de ecossistemas aquáticos, inibindo a dec(}m·
188
o Impacto Hwnano em Geral o Ambiente Urbano-Industrial 189

posição orgânica e, em casos extremos, matando peixes e afetando toda a rodovias constituem extensões lineares do complexo urbano-industrial. As
cadeia alimentar. Estima-se que a chuva com um pH de 4,3 levará os Úldices emissões dos escapamentos e os despejos nas beiradas acumulam materiais
de pH dos lagos para 5,0, alongo prazo, onde os índices de carbonato natural tóxicos no solo, em níveis que vão de 5 a 50 vezes o normal, principalmente
são baixos (inferiores a 2 mg/Q). A chuva ácida também tolhe o crescimento cádmio, zinco e níquel.
das coníferas, que são as árvores dominantes das florestas da região. Como
as emissões de anidrido sulfuroso devem aumentar de 10 a 20% até o final
do século, os efeitos se agravarão em futuro previsível. Em certos lugares 10.4.2. Derrelição e recuperação nas Potteries
já se estão tomando providências, como a adição de cal aos rios afetados.
A área de Stoke-on-Trent sofre mais que a maioria dos centros urbanos
com a derrelição, pois em 1970 estavam nessa categoria 7% da superfície
10.4. Paisagens urbano-industriais da cidade. :eum terreno desfigurado, com monturos, buracos, depósitos de
lixo e concavidades de subsidência.
10.4 .1. Introdução A recuperação começou desde o final da década de 60, na tentativa
de transformar os ermos em ''parques'', com solos, vegetação, relevo e hidro-
Tanto a urbanização como a indústria extrativa acarretam alteração do logia planejados. Por exemplo, o Central Forest Park, junto de Hanley, era
relevo, mas a indústria, em particular, é responsável pela criação de terra uma das áreas mais abandonadas. Em 52 hectares contavam-se monturos
largada ao deus-dará, como resultado da exploração de pedreiras, da mine- de 100 metros de altura, rejeitos das minas de carvão e enormes covas cheias
ração a céu aberto, dos desaterros, do abandono de edifícios ou, indireta- de água. As escarpas foram limpas, espalhou-se uma fina camada de solo
mente, por subsidência da terra. Na Inglaterra, há 50 mil hectares de terras superficial e semearam-se gramas tolerantes ao ambiente ácido e rico de
consideradas derrelitas e uma área de igual dimensão tida como "transtor- metais. A medida que o solo se "normaliza", vão vingando os arbustos e as
nada" (muito modificada, mas ainda em uso), total que aumenta 1.500 bétulas e, no futuro, talvez haja uma cobertura plena de árvores decíduas,
hectares por ano. que permita a reversão ao carvalhallá existente há duzentos anos. As covas
A derrelição corresponde a uma extrema mudança no uso e no relevo cheias de água se tomaram lagos e está em andamento um ecossistema aquá-
da terra. A paisagem pode ser de covas artificiais, solo terraplanado e montes tico limitado.
de escombros, tudo recoberto de calhaus, escória ou lixo. De modo similar,
a ecologia se transforma para um ecossistema urbano do gênero descrito
na Seção 10.5 ou, se o lixo é tóxico para as plantas, num deserto. Os proces- 10.5. A ecologia urbano-industrial
sos geomórficos que se operam em tais áreas são amiúde iguais aos das regiões
áridas, pois a ausência de vegetação provoca voçorocas e erosão eólica, como 10.5.1. Introdução
qualquer desaterro de topo o demonstra. Em tal ambiente, os microclimas são
extremos e, além disso, de tipo desértico. A primeira característica das áreas urbanas - alta intensidade de mu-
As áreas onde a derrelíção é extrema poderão ir além do limiar da dança - também é evidente a respeito dos ecossistemas. A cidade constitui,
recuperação, ao menos num futuro imediato. Aliás, quase sempre vem uma evidentemente, um complexo ecossistema humano, mas, longe de ser um
segunda rodada de intervenção humana, em geral por motivos estéticos, a deserto para outras formas de vida, ela cria, deliberadamente ou não, uma
fim de permitir e acelerar a recuperação. Mas, de fato, o que se faz, geral- variedade de ambientes que 810 colonizados por criaturas vivas. Alguns deles
mente, mal se parece com o ambiente original. são variantes de condições naturais (parques e jardins), mas outros são antí-
Nas zonas de concentração da indústria pesada, a derrelição ecológica naturais por completo. As espécies adaptáveis conseguem viver nas cidades
costuma se estender até muito longe da fonte. A chuva ácida é um exemplo e, em certos casos, proliferam, a exemplo dos ratos e das moscas. Certas
e, no caso de Sudbury, mencionado na seção anterior, a fumaça das fun- plantas invadem com rapidez os solos degradados, coisa comum nos cantei-
dições inibiu o crescimento da vegetação em dezenas de quilômetros das ros de obras, que pululam nas zonas urbanas. Nas regiões rurais, um nicho
redondezas, matando as espécies mais sensíveis. Neste sentido, as grandes desses é comparativamente raro. Na Segunda Guerra Mundial, uns 40 hectares
191
190 o Impacto Humano em Geral o Ambiente Urbano-Industrial

Pode estar aí um exemplo de seleção natural acelerada, em reação


do centro de Londres viraram entulho com os bombardeios. Passados poucos
â mutação ambiental induzida pelo homem. Com o estabelecimento de
anos, o número de espécies florescentes nesses 40 hectares era quatro vezes
zonas sem fumaça e a imposição de medidas contra a poluição do ar, nos
maior que antes da guerra, com plantas bravas e outras que migraram dos últimos anos, diminuiu a quantidade de mariposas escuras, aparentemente
jardins, como goivos e budléias, para o "solo" não colonizado. Na Europa, como reação direta à dímínuíção dos ambientes fuliginosos.
talvez haja mais raposas nos centros urbanos do que no campo, pois o animal
encontra restos de comida suficientes para sobreviver. Nos Estados Unidos
sucede o mesmo com outros animais.
Outra dístorção dos ecossistemas naturais é a vantagem conferida aos
seres vivos que logram sobreviver sob um esforço ambiental bem severo.
Assim, os rios, nas áreas urbano-industriais, geralmente possuem baixo teor de
oxigênio em solução, estando fortemente poluídos com sedimentos, mate-
riais em suspensão. Muitas vezes, são eutróficos. Somente um reduzido
espectro de vida aquática consegue tolerar esse ambiente.
Antes da Revolução Industrial, o rio Tâmisa continha uma ampla
variedade de peixes: até 1825, captavam-se nele 3,5 toneladas de salmão por
ano. Com o declínio da qualidade da água, as espécies se foram reduzindo
em quantidade e variedade, até que as enguias se tomaram a espécie domi-
nante, pelo fato de tolerarem melhor a poluição. Depois, procurou-se melho-
rar a situação na parte final do Tâmisa e o ecossistema aquático vem-se tor-
nando de novo mais rico. O corolário do que foi dito é que as espécies que
não toleram a poluição, como os líquens mencionados na Seção 10.3.5,
não conseguem viver no ambiente citadino. As árvores sempre verdes passam
mal com o ar enfumaçado, pois as partículas se depositam na face das folhas.
Com a expansão de Londres, os pinheiros do Real Jardim Botânico, em
Kew, a 15 quilômetros do centro, tiveram de ser transferidos para mais
longe, fora da cidade, para poderem sobreviver.

10.5.2. A mariposa cinzenta

A mariposa cinzenta (Biston betularia) adaptou-se rapidamente aos


depósitos de fuligem das cidades industriais inglesas. A principal proteção
da mariposa contra os predadores é a camuflagem, urna cor cinza-escura
mosqueada, que se mistura bem com o líquen do tronco das árvores, lugar
habitual de repouso para elas. Com o escurecimento do tronco, devido às
emanações industriais, a camuflagem original perdeu a eficácia, pois as mari-
posas eram mais claras e os pássaros as comiam. Entre 1850 e 1900 veio a
predominar, nas áreas industriais, uma versão escura da mariposa, invisível
nas superfícies negras. No meio rural, contudo, slro raras.
11. Conclusões

11.1. o impacto do homem sobre a Terra

Como é evidente, o homem já modificou quase todos os aspectos do


seu habitat. O grau da modificação é em parte determinado pela percebida
necessidade de mudar e, em parte, pela sensibilidade ou grau de resiliência
da faceta particular do ambiente. Até o surto industrial e tecnológico do
século XIX, a mutação do habitat era largamente produto ou subproduto
das atividades agrícolas, de forma que a água, o solo e a vegetação eram
mais afetados. Hoje em dia, a ação dos sistemas atmosféricos e o oceânico
também está sendo afetada pelo homem, ao mesmo tempo que se intensifi-
caram muito a extensão e a profunidade das mudanças impostas ao ambiente
hidrológico e ao biológico. A estreita interíígação dos componentes do
mundo natural, sublinhada ao longo desta obra, toma possível, pela primeira
vez, mudanças incontroláveis à escala planetária, desencadeadaspelo homem.
Somente a litosfera e os processos litosféricos, como a tectônica, e de placa,
continua fora da intervenção significativa da humanidade, mas não fora da
imaginação: por exemplo, já se pensou em "lubrificar" a falha de San
Andreas,na Califórnia, para reduzir o impacto dos terremotos.
Na atualidade, o homem é uma espécie ''imprevisível'', no sentido de
que o seu comportamento não constitui necessariamente uma reação ou
uma adaptação ao meio que o cerca, tal qual outros organismos. A íntensí-
fícação do emprego de energia transferida, principalmente combustíveis
nucleares, assim como a engenharia genética, tornam realmente possível
o divórcio quase total de uma parte da espécie humana, pelo menos, do seu
ambiente natural. A econosfera (o mundo econômico) ficará completamente
separada da ecosfera.
194 o Impacto Humano em Geral Conclusões 195

11.2. O futuro exige o conhecimento da distribuição dos fenômenos naturais no planeta,


bem como a consciência do funcionamento dos sistemas naturais, relações
Boa parte do interesse pelas relações homem-ambiente, que esta obra de causa e efeito e interações entre sistemas.
reflete, advém dos efeitos claramente adversos para a Terra de algumas O equivalente político da opinião ambiental evolucionista aSo as Nações
atividades humanas. "Adversos", neste contexto, para o bem-estar de nossos Unidas ou' organizações similares de caráter regional ou mundial. Desde a
semelhantes. Somente uma pequena proporção dos atos humanos acarretou Segunda Guerra Mundial, organizações equivalentes, muitas vezes originárias
conseqüências indesejáveis, quase sempre como resultados secundários de da ONU, vêm coligindo dados e estabelecendo análises sobre o ambiente.
outro ato. No entanto, como salientam os profetas do Dia do Juízo Final Por exemplo, o Programa Ambiental das Nações UIÚdaS(PANU) é responsável
a escala da intervenção nos processos naturais talvez já seja o suficiente para pelo estudo da desertificação à escala mundial, o Programa Hidrológico
provocar alterações ambientais catastróficas ao nível quase planetário. Daí Internacional colige informações hidrométricas, o Programa Biológico Inter-
o nosso interesse! nacional (1964-74) e o Programa sobre o Homem e a Biosfera (Unesco)
Essas alterações poderão resultar do mau uso ou do uso impensado da recolheram e recolhem informações sobre o mundo vivo. A idéia da biosfera
tecnologia, mas as mutações ambientais também se acham ligadas à incens- como o "amortecedor ecológico", almofadando a interface atmosfera-lítos-
sante demanda de recursos de uma população sempre crescente. O vocábulo fera, serviu para realçar a sua importância e redundou em extensas pesquisas
"recursos" não tem um sentido fixo, salvo o de sistemas de sustentação dos internacionais sobre o seu funcionamento.
seres humanos, fato pelo qual ele se altera com o tempo, a tecnologia e a As articulações entre os sistemas humano e físico foram formuladas
cultura. Todavia, a demanda de certas coisas, como energia, terra e matérias- em grande escala e usadas para a previsão de futuros cenários, como, por
primas, vem aumentando três vezes mais depressa do que a população. É exemplo, no Modelo Mundial das Nações Unidas, que divide o globo em
inevitável que, em data futura, as provisões serão inferiores à demanda, quinze modelos regionais, cada qual com 229 variáveis, inclusive medida de
enquanto se vai tomando consciência de que o crescimento infinito é impossí- demanda econômica, recursos disponíveis e poluição gerada.
vel num mundo finito. Em escala bem menor estão os estudos sobre o provável efeito de
São várias as reações ao prognóstico. Ainda há muitos que consideram determinadas atividades humanas no meio físico, ao abrigo do ponto de
praticável a exploração contínua, ou a "economia de cowboy", empregando vista (otimista) de que os planos serão modificados na hipótese de más
o "remédio tecnológico" como instrumento para superar o esgotamento dos conseqüências para o ambiente. O método mais conhecido é o de análise do
recursos ou para corrigir o prejuízo ecológico. Atitude oposta é a dos que impacto ambiental (AIA), desenvolvido nos Estados Unidos. Pode ser apli-
advogam a regressão, o conservacionismo, fazendo com que o homem reduza cado em várias escalas, como o efeito geral de uma barragem no estuário
o controle e a interferência no meio ambiente. Outra opinião conservacíonís- do rio Severn, ou o arrancar de uma sebe viva em dada propriedade; a cons-
ta, mais equilibrada, prega o uso ''sábio'' ou a administração dos recursos, trução de uma cadeia de estações de energia nuclear ou a drenagem de um
reconciliando as necessidades humanas com as limitações do meio físico. pântano.
Para tanto se impõe a compreensão do funcionamento do planeta e, final- A Fig. 11.1 mostra os processos envolvidos na análise do impacto
mente, a consecução de um equilíbrio ou de um estado invariável de admínis- ambiental, muito embora as respostas ainda sejam objeto de considerações
I tração global. políticas e econômicas, tanto quanto à lógica científica. A Fig. 11.2 mostra
uma parte da matriz de Leopold, outro método de análise de impacto. As
ações propostas aparecem na primeira linha horizontal, com títulos tais
11.3. As relações homem-ambiente como Extração de Recursos, Transporte de Terra, Renovação de Recursos,
Tratamento QUírIÚCOe assim por diante. Por sua vez, esses agrupamentos
A velha idéia da Terra como um conjunto unitário, em que o homem são subdivididos, de forma que, embaixo de Tratamento QUírIÚCOaparece
fazia parte inseparável de um sistema de Última e plena conexão, revive agora uso de fertilizante, praguicida e herbícida e outras coisas.
mais sob a visão científica do que sob a teológica ou filosófica. O conceito Na linhas verticais estão fatores do ambiente natural e cultural, bioló-
do homem como guardíão da Terra vigora de novo, mais por egoísmo do que gicos, físicos, químicos e estéticos. Esses títulos também são subdivididos,
por benevolência para com o mundo natural. Essa abordagem científica de modo que a unidade ''biológica'' inclui árvores, pássaros, espécies em
196 o Impacto Hwnano em Geral Conclusões 197

perigo e muitas outras categorias. As "células de interação" formadas pelos


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usando escalas de 1 a 10 em cada caso. Emprega-se um sinal positivo se o
efeito for benéfico. O método oferece uma visão ampla das repercussões
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198
o Impacto Humano em Geral

gerais de uma única atividade sobre o ambiente, mas não revela a série de
efeitos secundários e de realimentação que também são prováveis. Para
formular todos os efeitos da mais simples das intervenções humanas no
meio físico, em tudo menos na menor das escalas, seria necessário um modelo
análogo de incalculável complexidade.
O fator mais limitante no uso destes métodos de análise de impacto
talvez seja o fator que também toma tão incerto o futuro do ambiente: a
ignorância do homem sobre a ação do mundo a que pertence.
Bibliografia

Dada a amplídão dos tópicos abordados nesta obra, os livros e artigos


abaixo incluídos tratam, na sua maioria, de aspectos particulares do ambiente
(por exemplo, solos) que foram afetados pelo homem.
Em cada caso, é indicado um livro que proporciona um bom resumo
dos princípios básicos do tópico, ao lado de textos mais avançados sobre a
relação homem-ambiente.

Leituras genéricas
ARVlLL, R.Man and environment. Londres, Penguin,1967.
DETWYLER, T. R. Man's impllCt on environmem. Nova lorque, MacGraw-Hill, 1971.
GOUDIE, A. The human impacto Oxford, Blackwell,1981.
Muitos artigos importantes aparecem no Geographical Magazine e no Scientific A merican.

Capítulos 1 e 2
CHORLEY, R.J. e KENEDDY, B. A. Physical geography: a systems approach. Engíe-
wood aiffs, N.J. Prentíce-Hall, 1971.
HAGGETT, P. Geography: a medem synthesis. Nova lorque, Harper & Row, 1972.
ODUM, E. P. Ecology. Nova lorque, Holt, Rinehart & Winston, 1976.

Capítulo 3
CURTlS, F. L. e outros. Soils of the British Isles. Londres, Longman, 1976.
KNAPP, B. Soil processes. Londres, George Allen & Unwin, 1979.
UMBREY, S. SOUscience and archaeology. Londres, Academic Press, 1975.

Capítulo 4
BENNETT,C. F.Man andEarth's ecosystems: Nova lorque, W!ley, 1975.
HAWKSWORTH, D. L. (Org.). The changing flora and launa 01 Britain. Londres, Aca-
demic Press, 1974.
SIMMONS, I. G. Biogeography: natural anâ cultural. Londres, Edward Amold, 1979
______ . Biogeographical processes. Londres, George Allen & Unwin, 1981

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201
200 Bibliografia
Bibliografia
Capítulo 5
Capítulo 11
BREUER, G. Weather modification: prospects and problems. Cambridge, Carnbridge
University Press, 1980. LEOPOLD, L. B. e outros. A procedure for evaiuating environmental impacto US Geol.
HANWELL, J.Atmospheric processes. Londres, George Allen & Unwin. 1980. Surv. Circular 645, Washington, OC.
MAT11IEWS, W. H. e outros, Man 's impact on climate. Cambridge, Mass., MIT Press, National Aeademy of Science, The Earth and human affairs. São Francisco, Carnfield
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COATES, D. R. (Org.). Environmental geomorphology. Bingharnton, Universidade do


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DRAKE, C. L. e outros. Oceanography, Nova Iorque, Holt, Rinehart & Winston, 1978.
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BOURNE, R.Assault on the Amazon. Londres, Gollanez, 1978.


DAVIDSON, J. e LLOYD, R. Conservation and agriculture: Nova Iorque, Wiley, 1977.
LENIHAN, J. e FLETCHER, W. W. Food, agriculture and the environment. Londres, L.
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Capítulo 10

COATES, D. R. (Org.). Urban geomorphology. Geol. Soe. Am. Sp. Pap., nl? 174, Denver,
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