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Programa de economia de água para edifícios

Douglas Barreto

Nos últimos 50 anos as cidades brasileiras apresentaram crescimentos


acentuados, situação que, em muitas delas, agravou os problemas
relacionados à infra-estrutura urbana,privando parte dos habitantes de um
padrão adequado de vida.As populações dessas cidades necessitam de
diversos tipos de serviços públicos e, na essência, o fornecimento de água e a
coleta de esgoto são apontados como aqueles que mais bem-estar social
promovem.

A questão da água de uso urbano é crítica. Normalmente o crescimento


populacional real suplanta o crescimento estimado considerado para
ampliação do sistema de água tratada, situação agravada pelo projeto e
dimensionamento das redes de distribuição de água que não comportam
manter as vazões projetadas pelo aumento das novas ligações, que
acompanham o crescimento das cidades.

Diante dessa questão, os programas de economia de água de uso urbano,


incluídos os programas específicos em edificações, destacam-se como
alternativas necessárias para o uso adequado desse recurso natural,
disponibilizando o excedente e gerando benefícios sociais.

Distribuição da água na natureza


O planeta tem três quartos da superfície terrestre coberta por água, na forma
de oceanos, rios, lagos e geleiras. Também tem os aqüíferos localizados no
seu subsolo, que são abundantes em certas regiões e escassos em outras. De
toda essa aparente fartura, apenas 1% é aproveitável para consumo
humano. A água pura, para fins potáveis, está ficando cada vez mais rara,
distante e cara.

Segundo Peixoto e Oort, 97,5% da água na superfície do planeta se


encontram nos oceanos e os restantes 2,5% se distribuem entre geleiras,
rios, biosfera e atmosfera.Uma parcela de todo esse volume de água se
movimenta no ciclo hidrológico, em torno de 0,03%, segundo os processos de
evaporação, de absorção superficial, de evapotranspiração e de precipitação.
A figura 1 ilustra estes processos de movimentação no ciclo hidrológico com
seus respectivos volumes de água deslocados.

No ciclo hidrológico a ação dos processos de industrialização e urbanização


das cidades afeta a qualidade dessa água que se movimenta. A mudança
climática global e a poluição atmosférica também contribuem para a
degradação dos recursos naturais, e atingem com particular gravidade os de
água doce, afetando a sua qualidade e conseqüente disponibilidade.

Os recursos hídricos, particularmente os de água doce, constituem-se na


parcela essencial e indispensável de todos os ecossistemas terrestres. O meio
de água doce caracteriza-se pelo ciclo hidrológico que também tem seus
efeitos críticos, como enchentes e secas, e cujas conseqüências se tornaram
mais extremas e dramáticas em algumas regiões da Terra.
Figura 1 – Movimentação da água no ciclo hidrológico

Uso urbano da água


As atividades desenvolvidas nas cidades devem passar por adaptações para se
adequarem à utilização racional da água (veja na figura 2 os efeitos da
urbanização no ciclo da água). Tecnologias inovadoras, de aperfeiçoamento
de aparelhos e peças de utilização econômica devem ser estimuladas para
que se possa aproveitar de forma plena e racional a água nas cidades.

A escala da economia de água a ser alcançada é função de ações conduzidas


de acordo com suas especificidades e abrangência no ambiente em questão.
Na escala do macronível, as ações de conservação podem assumir o caráter
de regular a captação de água e a descarga de esgotos nos mananciais que
compõem a bacia, por meio da cobrança por esses usos. Já no nível
intermediário destacam-se ações de conservação e economia como, por
exemplo, o combate às perdas de água na rede pública de distribuição pela
diminuição dos focos de vazamentos.Também se podem ter ações de
educação ambiental, com enfoque à preservação dos recursos naturais.No
micronível o uso da água nos edifícios é dependente dos aparelhos sanitários
e dos hábitos e costumes de seus usuários. Ações de economia de água
devem ser voltadas para a introdução de equipamentos eficientes, de
campanhas de informação e de práticas de projeto do ambiente construído
que contenham os conceitos de economia de água.

O uso da água nas edificações


O uso da água nos edifícios é garantido pela instalação predial e a quantidade
a ser consumida depende de diversos fatores, tais como os tipos de aparelhos
sanitários empregados, os usos e hábitos, e a classe socioeconômica, entre
outros.

O desenvolvimento de aparelhos economizadores de água e de tecnologias


inovadoras voltadas para a redução do consumo nas instalações hidráulicas
prediais devem ser balizados pelo conhecimento dos consumos específicos de
água que ocorrem nos diversos pontos de utilização de um determinado
sistema predial.
Figura 2 – Efeitos da urbanização no ciclo da água (Hall, 1984)

Tabela 1 – CONSUMOS DE ÁGUA OBTIDOS EM 12


CIDADES NORTE-AMERICANAS

Tipo de consumo Só uso interno(%)

Banheira 1,7

Chuveiro 16,8

Bacia sanitária 26,7

Lava-pratos 1,4

Lava-roupas 21,7

Torneiras em geral 15,7

Vazamentos 13,7

Outros usos 2,2

Fonte: "Residential end uses of water". W.B. DeOreo; P.W. Mayer.


AWWA Research Foundation. 1999.

Os percentuais de consumo apontados na tabela 1 referem-se ao perfil obtido


nos Estados Unidos em 12 cidades. Esse conhecimento do consumo
desagregado permite uma série de ações para implantar um programa de
economia de água em escala nas cidades, pois corresponde à identificação das
parcelas individuais de contribuição nos volumes consumidos para cada tipo
de aparelho sanitário existente nas instalações.

O conhecimento desse consumo desagregado permite saber onde se devem


priorizar as intervenções e como quantificar as economias efetivas de água
que serão obtidas a partir de cada ação que for empreendida para que resulte
no novo desenho de um aparelho ou em nova tecnologia.

Os interesses em economizar água


Os programas de conservação e de economia de água, respeitadas as
definições dos níveis de abrangência citados, devem contemplar os diversos
interesses dos seguintes participantes envolvidos: poder concedente;
concessionária; e usuários (consumidores). Do ponto de vista do poder
concedente ou regulador do bem e serviço, a água de uso urbano deve estar
voltada para as necessidades da localidade no que tange aos aspectos de
atendimento da demanda,da quantidade comprometida, da qualidade da água
fornecida, da estrutura da tarifa e das medidas de conservação da bacia
hidrográfica. Para a concessionária, o interesse recai sobre a maximização do
uso do recurso natural de maneira a obter o maior rendimento possível para
alcançar os níveis de ganho necessários para cobrir suas despesas
operacionais e de investimentos na melhoria do atendimento. Para o usuário,
o principal interesse é exercer seu potencial de consumidor do recurso,
considerando os diversos aspectos envolvidos,como a sua propensão ao
consumo gastando menos em termos monetários e exigindo a quantidade e a
qualidade adequada às suas necessidades.

Tabela 2 – FASES DA IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA DE


ECONOMIA DE ÁGUA

Fase Bloco Atividade Conteúdo

Critério de escolha
Diagnóstico 1 Definição do edifício Inserção no consumo
regional

Arquitetônico
Funcional
Levantamento da infra-
estrutura de serviços
Caracterização do prediais Levantamento
2
edifício do suporte de
preservação e
manutenção predial
Tabulação das
informações

Levantamento da série
histórica dos insumos
Levantamento das
atividades e processos
internos
Levantamento das
Levantamento dos
3 atividades e consumos
níveis de variação
internos
Identificação das
atividades e processos
internos
Levantamento da
variação das atividades

Definição do potencial
de economia
Diagnóstico do Avaliação das
4
potencial de economia possibilidades técnicas
Levantamento dos
processos internos

Estabelecimento de
Planejamento da objetivos e metas
Planejamento 5
implantação Definição dos
componentes do
programa
Estabelecimento do
montante de
investimento
Estabelecer o período
de retorno do
investimento
Estabelecer a
necessidade de
treinamento e de
campanhas educativas

Definição dos aparelhos


e peças Definição do
período Áreas de
abrangência da
manutenção
6 Implantação Aprimoramento
Introdução de novas
tecnologias
Mecanismos de
treinamento e de
campanhas educativas

Monitoramento do
consumo e variáveis de
controle
Instrumentação
7 Acompanhamento
Coleta de informações
Sistematização
Apresentação e
acompanhamento

Segregação da(s)
variável(eis) de
controle principais
Determinação do
consumo médio
Estabelecimento do
desvio admissível
Avaliação 8 Controle
Estabelecimento dos
critérios de reavaliação
em função da variação
do parâmetro de
controle
Aferição junto aos
usuários

Avaliação da
intervenção: no
consumo global, nos
consumos específicos,
9 Avaliação
nas variáveis de
controle
Avaliação das despesas
mensais

Subsídios para novos Estabelecimento de


10 programas e projetos índices relativos ao
de edifícios similares consumo
Projeções de consumo

A implantação do programa
Entre várias metodologias que podem ser adotadas, a que segue foi
desenvolvida para o nível "micro" aplicável aos edifícios. Essa metodologia se
identifica e está harmonizada com os níveis de abrangência citados de forma
que haja uma sintonia de objetivos e que os benefícios alcançados na
implantação do programa sejam os mais amplos possíveis.

Na concepção da metodologia estão definidas três fases para o


desenvolvimento do programa de economia de água: de diagnóstico, de
implantação e de avaliação. Nas fases estabelece- se o desenvolvimento de
basicamente dez blocos de atividades que podem ou não ser completamente
realizadas. As fases de implantação da metodologia e o conjunto mínimo de
atividades consideradas em cada bloco estão relacionados na tabela 2.

A tipologia da edificação na qual vai ser implantado o programa deve ser


definida em conjunto com a concessionária de água local, visto que o
programa necessita de informações que sensibilizem o proprietário do imóvel
de forma a influir em seu processo decisório no sentido de convencimento à
participação e continuidade do programa.

A concessionária local pode subsidiar com informações sobre economia de


água e que destaquem a importância do programa,demonstrando a
credibilidade necessária para que se confie na implantação da metodologia,
bem como pode participar da viabilidade por meio de incentivos ou
assistência técnica e operacional, se necessário.

Figura 4 – Diagrama de fluxo da implantação do programa

O prédio onde vai ser implantada a metodologia deve ser objeto de um


estudo preliminar para se averiguar os níveis de consumo de água. Esse
estudo do consumo precede a implantação da metodologia e é importante,
pois pode definir um prédio que, em função dos resultados obtidos, possa ser
considerado como referência para a reprodução das ações empreendidas em
prédios funcionalmente similares.

A metodologia deve ser flexível, pois se pretende que além de implantar de


maneira organizada um programa de economia de água, este resulte em
informações sobre o consumo de água do edifício em uso, para subsidiar os
próximos programas, bem como para projetos de prédios similares.

Assim, quando implantado o programa, há o registro organizado das


informações relevantes que serviram para a efetivação das ações e, também,
o levantamento dos dados de consumo para análise dos resultados dessas
ações.

Como resultado da aplicação da metodologia, além da economia de água


proporcionada,são identificados e registrados os parâmetros influentes no
consumo e que se relacionam com o projeto do edifício, bem como aqueles
que servem para retroalimentação da própria metodologia em si, servindo
para aprimoramento de novos programas.

Todas as etapas previstas na metodologia podem ou não ser realizadas,


dependendo do edifício no qual esteja sendo implantado o programa de
economia de água. Assim, pode-se eliminar ou desprezar aquelas etapas que
não sejam pertinentes ao edifício que se pretende aplicar o programa de
economia de água.

A metodologia contida na figura 4 se traduz num processo dinâmico com


muitos fatores de interação, que resultam num fluxo de informações entre as
atividades, promovendo uma integração entre as ações e os resultados
decorrentes. A figura ilustra as fases da metodologia e suas interações entre
as atividades.

Conclusão
A consciência sobre sustentabilidade está aumentando cada vez mais em
nossa sociedade e, conseqüentemente, o meio técnico da construção civil vem
procurando as formas para atender a essa demanda social.

LEIA MAIS

Water Conservation Guidebook.


American Water Woorks Association. AWWA-Water Conservation Committee.
1993.
Economia de água em edifícios: Uma questão do projeto de necessidades.
D. Barreto. Tese (Doutorado)- FAUUSP. São Paulo, 1998.
Water Conservation:The struggle over definition.
D.D. Baumann. In: Water Resources Research, vol.30, N4, p.428-434, april
1984.
Forecasting Urban Water Demand.
Bruce R. Billings; Vaughan C. Jones. American Water Works
Association.Denver. USA.1996.
Programa nacional de combate ao desperdício de água.
Produto final – Relatórios 1 e 2. Fundação para Pesquisa Ambiental –
Fupam-USP. 1997.
Programa de uso eficiente de água da cidade do México.
B.A. Garcia. In: CIBW62 Seminar. SP. Brasil. Proceedings.1987.
Urban Hydrology.
M.J. Hall. Elsevier. Exxex.1984.
A Cost-Benefit Analysis of Water Use Restrictions.
S.H. Hanke. In: Water Supply & Mannagement. Vol.4. p.268-274, 1980.
Residential Water Conservation Projects.
W. Maddaus.
Sumary.
1987.Denver Colorado.USA.
Le Cicle De L'eau Et Climat.
J.P. La Rechercehe Peixoto; A.H. Oort – Spécial, V21, P570-579, mai, 1990.
Water Conservation Plan – Guidelines.
U.S. Environmental Protection Agency. 1998.

Envie artigo para: techne@pini.com.br. O texto não deve ultrapassar o


limite de 15 mil caracteres (com espaço). Fotos devem ser
encaminhadas separadamente em JPG.

Douglas Barreto Pesquisador do Centro Tecnológico do Ambiente Construído e Coordenador do


Curso de Mestrado em Habitação do IPT
dougbarr@ipt.br

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