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Avelino Oliveira*
Paulo Castro Seixas**
Luís Pinto Faria***
A CASA INTRODUTÓRIA
A CASA (IN)DEFINIDA
Fig. 1 – Adão a
proteger-se da chuva segundo
Averlino Filareto.
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Na Idade Média, a tradição Vitruviana perdurara em muitos manuscritos, mas serão os humanistas
renascentistas que se reapropriam do texto de Vitruvio, conferindo aos “Dez Livros” do engenheiro
romano a condição de uma obra que é um modelo exemplar. O trabalho de Vitruvio torna-se,
assim, em Teoria de Arquitetura, matéria de ensino e de utilização para os intervenientes
no processo de edificação. Os arquitetos que contribuíram para esse desiderato forma os
renascentistas italianos Leon Battista Alberti, Francesco di Giorgio Martini e Antonio di Pietro
Averlino, mais tarde complementados na renascença tardia por nomes como Andrea Palladio e
Sebastiano Serlio, e tornaram-se universalmente reconhecidos como os primeiros Tratadistas,
já que foram os veículos de divulgação das regras e dos modelos que Vitruvianos. (Cf. Thoenes,
2003, p. 6-19; Choay, 2007).
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Não confundir com o conceito de Pierre Bourdieu que mais adiante referiremos.
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Assim identificamos, Lar, Deus romano de origem etrusca, filho de mercúrio (Deus do
negócio) e de Lara (Deusa do silêncio). O lar encarna a alma dos mortos sob a forma de uma
estatueta pequena que representa um adolescente, protege cada habitação romana e é transmitido
de geração em geração. Aos lares domésticos juntam-se os múltiplos lares públicos, que garantem
a segurança dos caminhos, dos campos, das encruzilhadas e os lares da cidade que são escolhidos
entre os deuses romanos: Jano, Diana e Mercúrio (Schmidt, 1985, p. 168 –184).
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Em relação a esta questão é interessante observar que a palavra grega para família seja um
composto da palavra casa com estirpe, ou seja, pessoas originárias da mesma casa (Pina-Cabral,
1991, p. 131).
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Ao contrário do que acontece nas línguas anglo-saxónicas onde por exemplo a denominação
inglesa couple, remonta ao latim copula, o que demonstra uma origem marcadamente mais
vinculado aos aspetos relacionais humanos do que ao espaço físico de convívio.
autor que as duas primeiras palavras são utilizadas com maior frequência do
que a ultima. Os camponeses dão mais importância à palavra casa, os burgueses
preferem a palavra família. Antropologicamente são também estas duas palavras
que representam maior conteúdo na descrição aos níveis de organização básica
e social: a casa e a família (Pina-Cabral, 1991, p. 110). Como sabemos, a casa
rural dos camponeses é uma estrutura física e social, não necessariamente
familiar, que vive do sustento das terras, agregando uma comunidade que
partilha o espaço físico. A burguesia, por seu lado, mais urbana, reforçou
declaradamente desde o século XVIII a importância da família nuclear
enquanto estrutura fundamental que habita o espaço residencial. Esta
diferenciação ou aproximação aos conceitos de casa e família revelam-se
também nas leituras etimológicas das palavras que dão significado ao habitat.
Em francês ménage significa a vida doméstica, ou seja, o conjunto dos
trabalhos domésticos, mas também todos os membros de uma família,
incluindo os casais na sua vida em comum. Maison, por seu turno possui a sua
raiz etimológica no Latim mansu, particípio passado de maneo que significa
permanecer. A maison francesa tem origem na casa como um lugar estável, um
lugar de segurança. E desde da Idade Média, o termo parece ser aplicado às
instalações residenciais e aos edifícios para fins agrícolas6.
Em Inglês a palavra house provêm das línguas proto-germânicas, por
isso a palavra é idêntica na língua alemã e até em dinamarquês (haus e hus)
e parece semelhante a outros países do norte da Europa7. No entanto, a palavra
parece possuir uma proveniência difícil de contextualizar pois o termo seria
mais usado como um verbo do que como um nome, ou seja, to house significava
receber ou abrigar alguém. Fora do contexto ocidental as comparações são
mais difíceis de estabelecer. Não só porque a formulação linguística é distinta,
como também pelo facto da estrutura gráfica e gramatical possuir regras
muito diferentes. Apesar disso, sublinhamos alguns exemplos dispersos, desde
logo a palavra faraó que tem origem no egípcio per-aa, que significa Casa Grande,
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No português ainda encontramos a palavra manso para descrever uma unidade residencial da
estrutura feudal.
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Em Sueco casa traduz-se por hem, em Holandês por huis, em Islandês por heim e em Norueguês
por hjem.
palavra que designava o palácio. Em árabe a palavra casa é bayt, neste caso
com uma ligação estreita com o significado de família, assinalando até uma
vertente religiosa relevante pois Ahl al-Bayt refere-se no Islão à família do
profeta Maomé. A palavra árabe ahl significa família e bayt casa e esta expressão
significa literalmente aqueles que se reúnem sob o mesmo teto8. No extremo
Oriente Ie é a palavra utilizada para o espaço físico da casa mas é a palavra uchi
que se identifica melhor com o significado de casa familiar, que na cultura
japonesa tem particular importância pois representava (até 1947),
tradicionalmente9, não só a família nuclear, mas também os descendentes e os
ascendentes.
São, como vimos, muitas as palavras que guardam na sua história aspetos
de relevante interesse para o conhecimento d desenvolvimento da habitação
humana. A casa enquanto conceito universal possui várias formas, diferentes
conceitos, articulando-se com os diversos elementos culturais de cada civilização
ou povo. Mas para além do valor implicito nas palavras que os descrevem,
sabemos, tal como refere Rapoport (1969, p. 15) que os edifícios podem ser
estudados de diferentes formas. Podemos observá-los cronologicamente,
mapeando a sua evolução no tempo ou podemos estudá-los a partir de um
ponto de vista específico. No nosso caso, julgamos que este último é o método
mais útil, uma vez que, como vimos, os edifícios primitivos e vernaculares
distinguem-se pela falta de mudança, são, portanto, basicamente não-
cronológicos na sua natureza (Idem). Essas construções também são anônimas,
no sentido de que eles não têm um desenho reconhecido e pouco se sabe
sobre o nome do proprietário ou das circunstâncias específicas de sua
construção, uma vez que são o produto do grupo ao invés do individual
(Ibidem).
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Embora os diferentes povos muçulmanos atribuam diferente significado e importância ao
termo.
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Hoje ainda se mantém entre muitas famílias japonesas a ideia da comunidade familiar que
responsabiliza solidariamente o grupo perante a sociedade mais do que as pessoas individualmente.
médio das medidas do corpo humano para ser pensado de forma a servir
o maior número de cidadãos possível. Só que o desenho de tendência
mecanicista do movimento moderno é agora substituído ou ultrapassado pelo
conceito humanista de desenho amigável e do espaço inclusivo, em especial
nos espaços de habitação. Este facto revela-se na importância que se deu na
última década aos fatores de acessibilidade e mobilidade, nos princípios de
sustentabilidade, ecologia e nos parâmetros de segurança, higiene e salubridade.
Estes são também princípios antropológicos, porque implicam
comportamentos, nomeadamente novos comportamentos, numa sociedade
cada vez mais capaz de fazer viver por mais tempo os seus habitantes. Mas, se
tudo isto transporta a conceção arquitetónica para uma metodologia que trata
o edifício como um objeto, o problema emergente que este trabalho procura
abordar refere-se exatamente a essa dimensão humana que o projeto de
arquitetura deve ter.
Está hoje demasiado banalizada a ideia que a obra de arquitetura
é um produto acabado, um ready-made (herança do movimento moderno), ou
seja, que o trabalho de conceção acaba na inauguração do edifício, restando
para os anos seguintes os processos de manutenção ou em casos mais extremos
de remodelação/transformação, e aí o processo reinicia-se. Acreditamos que
o abandono desta ideia será a charneira que marcará a mudança de paradigma
no trabalho dos arquitetos e das equipas de projeto das casas no futuro – que
é o mesmo que dizer dos edifícios do futuro.
Se observarmos atentamente, alguns dos movimentos político-sociais
já apontam esse caminho. Constatamos, por exemplo, que a regulamentação
contemporânea exige garantias materiais e financeiras a quem constrói. Durante
um período de tempo que varia de pais para país, mas cuja média é os cinco
anos, os promotores asseguram o pleno funcionamento e utilização dos
edifícios, em especial os de habitação. Por outro lado, em países com legislação
construtiva mais avançada, os produtores de espaço têm, desde o final do
século XX, que realizar um dossiê contendo as principais características técnicas
e funcionais do edifício, uma espécie de manual, descriminando materiais e
sistemas construtivos aplicados, planos arquitetónicos e mapas de redes
infraestruturais.
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O “não-lugar” é um conceito cunhado por Marc Augé (autor, pensador e antropólogo de
nacionalidade francês) para caracterizar um espaço que se revela incapaz de dar forma a qualquer
tipo de identidade. Augé define os lugares enquanto espaços antropológicos, ou seja, espaços
com identidade, com elementos relacionais e com referenciais históricos.
O “não-lugar” será então um lugar que não é relacional, não é identitário e não histórico.
As autoestradas, os aeroportos, as grandes superfícies são exemplos de não-lugares.
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Entre 1942 e 1948, Le Corbusier desenvolveu um sistema de medição que ficou conhecido
por «Modulor», baseado na razão de ouro e nos números de Fibonacci e usando também as
dimensões médias humanas (dentro das quais considerou os 183 cm como a altura standard,
o Modulor é uma sequência de medidas que Le Corbusier usou para encontrar harmonia nas
suas composições arquitetónicas. O Modulor foi publicado em 1950 e depois do grande
sucesso, Le Corbusier veio a publicar, em 1955, o “Modulor 2”.
A casa e as suas casas 159
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O trabalho no terreno de Bourdieu serviu para que o sociólogo desenvolvesse o seu conceito
“Habitus”, que procura reintroduzir na antropologia estruturalista a capacidade inventiva dos
agentes (Bourdieu, 2002).
ABSTRACT: This article aims to collect a brief set of ideas about the House as a word and
as a concept. We try to observe the current definition(s) of the dwelling spaces within
their historical and disciplinary context, travelling from the etymology to the new
up-and-coming issues related to urban space theories. This journey starts in the first quest
about the human constructions and its consolidation as the primary cell of urban
space, and continues travelling through the city fabric, therefore as the settling space, and
finally conceiving the building that was named as a ”House”.
KEYWORDS: House. Housing. Residence. Dwelling. Primitive hut.
BIBLIOGRAFIA
Créditos:
Todas as figuras apresentadas são desenhos originais ou reproduções livremente desenhadas
pelo autor, que assim procura uma uniformidade gráfica no sentido valorizar o trabalho e a sua
leitura.