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CAMPINAS
2010
i
RESUMO
Este ensaio teve por objetivo expor as diferentes concepções de relação entre
pintura de perspectiva e arquitetura desenvolvidas nos forros mineiros da região de
Mariana e Ouro Preto, bem como nos forros das regiões a esta diretamente
relacionada, todas relativas ao período denominado Rococó Religioso. Ao inventariar as
mais prováveis origens dessas pinturas em perspectiva, alinhando original e seu
correlato, foi criado um plano de consistência capaz de referenciar as análises
empreendidas acerca das tipologias espaciais criadas pela relação entre pintura e
arquitetura. O percurso cronológico permitiu salientar as singularidades presentes
nesses exemplos mineiros, os quais foram divididos em dois grandes grupos, cada um
com uma respectiva concepção pictórico-arquitetônica, sendo um aquele que reuniu as
obras que denotam arquiteturas vazadas e o outro, as que apresentam muros-
parapeitados. Demonstrou-se que estas concepções foram exploradas, em relação ao
espaço propriamente arquitetônico que os templos nos quais se inseriam lhes
ofereciam, das mais diversas formas, criando espaços resultantes das interações
dessas obras, com significações bastante distintas. As amostras resultantes deste
ensaio podem ser úteis a possíveis pesquisas iconológicas acerca destas tão singulares
pinturas em perspectiva ainda sobreviventes em Minas Gerais.
ii
ABSTRACT
Key Words: Perspective Painting over Lining, Pictorial Space, Architectural Space,
Rococo Religious Mineiro, Painting, Architecture.
iii
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 1
RELIGIOSO MINEIRO 23
3.4 OS DE MURO-PARAPEITO 68
4 CONCLUSÃO 84
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 87
BIBLIOGRAFIA 89
iv
INTRODUÇÃO
1
número, a fim de que se possa realizar a força necessária para mudar esse intragável
legado de desprezo por esses bens comuns, sendo os artísticos, a propósito, um bom
exemplo do que se vê ocorrer com os bens de toda a sorte.
No primeiro capítulo tentarei expor um percurso, possível de ser mapeado na
história da arte cristã, definido pelas inter-relações entre os meios pintura e arquitetura,
partindo dos seus primórdios e chegando até o período Barroco em Minas. Pretendo,
contudo, não deixar dúvidas de que a enorme abrangência decorrente da minha
intenção, nada possui de um prepotente propósito delimitador e conclusivo sobre tão
extensos e complexos processos históricos, os quais, conscientemente, de forma
alguma serão aqui devidamente tratados, mesmo estando eles inevitavelmente
presentes, e, portanto, subentendidos na minha bem mais modesta intenção. Minha
aposta na arriscada construção desse percurso, a qual acontecerá principalmente nos
três primeiros subcapítulos do primeiro capítulo, é inventariar e expor alguns
parâmetros que façam parte das referências mais diretas das obras mineiras, conforme
mostrarei no quarto e último subcapítulo, criando então, um plano de consistência para
as futuras observações acerca da natureza espacial e semântica que define as obras
mineiras, já no decorrer do segundo capítulo.
Porém, sendo grande demais o universo das obras produzidas em Minas Gerais,
sem considerar os outros pólos nos quais, no Brasil e em períodos equivalentes ao do
rococó religioso mineiro, também foram produzidas obras que relacionam arquitetura e
pintura, no segundo capítulo enfocarei apenas as obras mais emblemáticas produzidas
nas cercanias da antiga sede da Capitania das Minas, Mariana, e do principal pólo
cultural e artístico do período, Ouro Preto. Sabe-se que tais obras até mesmo serviram
de exemplo para a maior parte das que foram produzidas nas outras regiões de Minas,
mas independentemente dessa e de outras eventuais ressalvas, otimistamente creio
que em meio às muitas observações que sucederão, alguns conceitos poderão ser
percebidos e se tornar úteis para abordagens iconológicas de outras obras diferentes
das que serão abordadas, quer seja pela influência que tiveram delas, quer seja pela
origem européia em comum, a qual no primeiro capítulo apresento, ou quer seja ainda
pela inexorável relação entre os espaços pictóricos e os espaços arquitetônicos, a qual
todas essas pinturas aproxima.
2
No primeiro subcapítulo desse segundo capítulo, mostrarei um pouco melhor
esse recorte feito no universo mineiro. No seguinte, as questões espaciais que são mais
comuns entre as obras que serão relacionadas do rococó religioso mineiro. Nos dois
últimos subcapítulos, os dois tipos espaciais que se verificam em praticamente todas as
obras, do referido período em Minas, que ainda podem ser vistas. A respeito disso, se
um dia existiram exemplares de espírito barroco de pinturas em perspectiva nas obras
mineiras, o que delas restou foi muito pouco. O período de decoração barroca parece
não ter tido tempo de conhecer a técnica de pintura em perspectiva, antes que fosse
devorado pelo estilo rococó. Portanto, também por subsistirem um número muito maior
de obras do rococó religioso do que do período barroco, e por serem elas imensamente
mais expressivas, principalmente na medida em que formam um amplo conjunto, é que
serão tais as que fundamentalmente serão abordadas. Contudo essa opção por um
determinado período, assim como a por uma determinada região, será um pouco
melhor exposta em momento oportuno.
Durante minha pesquisa, notei a falta de um número maior de publicações, não
restritas aos ambientes acadêmicos, de trabalhos de base científica sobre o período em
geral, bem como sobre suas obras e artistas. Isso é mais um reflexo da importância
dada aos nossos bens comuns. Não temo em afirmar que faltam, inclusive, estudos de
quase toda a sorte, para que se possa certo dia afirmar que, até mesmo dentro dos
ambientes acadêmicos, se conhece satisfatoriamente aquela herança comum.
Posto isto, faço saber que, as duas principais fontes pelas quais me guiei, foram
as obras de Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira (OLIVEIRA, 2003) e de Carlos Del
Negro (NEGRO, 1958). A primeira, por exemplo, me serviu com os mais seguros dados
históricos possíveis, e com a importante questão do rococó religioso em Minas,
comentando seus diversos aspectos e inclusive dando o devido destaque, dentre a
belíssima decoração que foi produzida, à pintura em perspectiva. A segunda pelo
recorte geográfico dado ao específico gênero pictórico, o qual também serviu à Oliveira,
e pelas preciosas e detalhadas observações de cada pintura pelo referido autor
analisadas. Posso entender e dizer que as outras fontes foram secundárias,
considerando-se estritamente o enfoque dado a esse trabalho. Destaco que foram de
valor incomensurável as viagens que realizei a algumas cidades de Minas e a Lisboa.
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Elas que me permitiram fazer considerações, amparadas pela bibliografia e por
imagens, sobre as obras que infelizmente não pude ainda presenciar.
Mesmo não sendo o objetivo deste, considerando-se a contemporaneamente
crescente diluição dos limites entre os mais diversos meios, acredito que estudos
acerca das obras barrocas e rococós, estilos esses que guardam, como dito, os mais
ricos exemplos de interação entre meios distintos, possam também ser úteis para se
pensar, refletir e projetar hoje.
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O TROMPE-L’OIEL DOS TETOS DA ITÁLIA PARA OS FORROS DE MINAS
Fig.1 – Detalhe dos afrescos tirados da capela de Santa Maria de Taüll, nos Pirineus. 1123.
Fonte: Museu Nacional d’Art de Catalunya, 2008.
Fig.2 – Afrescos tirados da capela de Sant Pere de Sorpe, nos Pirineus. Meados do séc. XIII.
Fonte: Museu Nacional d’Art de Catalunya, 2008.
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Mas não se tratavam de narrações no mesmo sentido das que na renascença
seriam produzidas. Elas se aproximavam mais dos exemplos egípcios, salvaguardadas
as finalidades religiosas específicas de cada uma. Tais pinturas, como mostrou
Gombrich (2008), num período em que livros eram objetos muitos escassos, serviam
aos fiéis, que em sua maioria eram analfabetos mas que aqueles espaços
freqüentavam, como se fossem a própria Bíblia, e por isso intentavam a máxima clareza
e objetividade na comunicação das mensagens por meio das figuras.
7
artista cujo nome não se conhece, na capela de Santa Maria de Taüll nos Pirineus.
Giotto se apropria principalmente das suas paredes, dividindo-as em quadros regulares,
extremamente definidos não só pelos claros limites, mas também pela surpreendente
noção perspéctica que começa a apresentar sua pintura, diferenciando-a em muito das
demais a ela contemporânea, ou das anteriores.
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pictóricas adquirem presença escultórica e outras presença corpórea nessa obra, o que
em momento algum ocorria em Giotto ou nos outros exemplos até aqui abordados.
Tanto para Wölfflin quanto para outros grandes autores, Michelangelo foi o pai do
Barroco, embora não exatamente pelo o que ele fizera na Capela Sistina, e sim muito
mais pelo espírito que ele expressa nas suas obras em geral, a partir das quais: “Sente-
se um certo prazer pelo raro e que estivesse além das regras. O fascínio pelo informal
começa a operar” (WÖLFFLIN, 2006, p. 34). E ele de fato começa a operar a partir de
Michelangelo. Complementando isso, o mesmo autor, quem tão bem investigou o
câmbio do espírito geral da Arte, da Renascença para o Barroco, ainda observou e
ressaltou: “Ao contrário da Renascença, o Barroco não foi acompanhado de teoria. O
estilo se desenvolveu sem modelos. Ao que parece em princípio não havia um desejo
de seguir novos caminhos” (WÖLFFLIN, 2006, p. 34).
Foi, portanto, gozando de maior liberdade em relação aos cânones da
Renascença que a Michelangelo foi atribuída tal paternidade. Não cabem neste trabalho
detalhadas explanações sobre as diferenças dentro da arquitetura, da escultura ou da
pintura ao longo da história. Suponho, ao mesmo tempo, que elas poderiam ser
redundantes ou enfadonhas, além do que, não faltam excelentes obras que tratem de
tais questões. Contudo, a seguir um breve comentário sobre a transição da Renascença
para o Barroco, será útil na intenção de focar melhor aquilo que é proposto.
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AS MAGNAS OBRAS EM TETOS BARROCOS NA ITÁLIA
É proposto por Wölfflin (2006) que a Renascença teve breve duração e que sua
passagem para o Barroco acontece gradualmente, e, não somente, mas também pelas
mãos de Michelangelo, diferentemente do como acima pode parecer ter sido dito. É
sabido que os maiores conhecedores da Antiguidade Clássica na Renascença,
Bramante e Rafael, foram contemporâneos a ele, o qual inclusive foi não só pintor, mais
escultor e arquiteto dentre as suas atuações de maior significação.
Michelangelo, por sua vez, teve longa vida e como arquiteto também nos serve
de significativos exemplos, pois em suas criações goza de certa doze de liberdade que
não se vê nem em Bramante, nem em Rafael (WÖLFFLIN, 2006). Porém, tomarei como
mostras desse fundamental espírito liberto que tanto caracteriza o Barroco, obras mais
emblemáticas que as de Michelangelo poderiam para tanto ser.
Na igreja Il Gesú de Giacomo della Porta, vê-se uma liberdade na composição e
nos tipos de elementos que na Renascença não se via, que com espírito dela seria
incompatível. Além disso, essa igreja foi construída para os Jesuítas, e serviu pela
influência deles desse período em diante, de importante modelo para muitas igrejas que
foram construídas em Lisboa, em especial após o grande terremoto, no período
pombalino, como mostra Oliveira (2003), e também para inúmeras construídas no
Brasil, inclusive nos primórdios do desenvolvimento de Minas.
Num dos mais importantes exemplares de Borromini, tal espírito se expressa
mais libertamente ainda, e não por acaso mais distante se encontra tal produto daquele
que se pode ver em Giacomo della Porta. Il Gesú é característica do começo do
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Barroco, de sua fase mais dura e maciça (WÖLFFLIN, 2006). Ainda segundo o mesmo
autor, São Carlos das Quatro Fontes é pictórica, é verdadeiramente repleta de
movimento.
Assim desde o teto da Capela Sistina até Correggio, vê-se uma distância tão
grande quanto de Bramante a Borromini, embora curiosamente, ela não seja igualmente
verificada em termos cronológicos, no tempo que as separa. Tomando-se a data em
que foi terminada a pintura de Michelangelo e a de Correggio, tem-se uma diferença de
apenas dezoito anos. Já entre a obra de Bramante e a de Borromini aqui citadas, tem-
se cento e setenta e quatro anos! Correggio realizou muito precocemente uma vontade
perfeitamente coerente ao espírito da época consagrada pelas obras Bernini e
Borromini. Não há limite entre a arquitetura e a pintura num espaço como aquele no
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qual ele pintou tal cúpula. O espaço arquitetônico e o pictórico se integram criando uma
nova possibilidade espacial.
Juntamente a esse exemplo, somente outro foi tão influente e importante tal
como afirmou Gombrich a respeito do de Correggio. Andrea Pozzo, monge jesuíta,
teórico e pintor, realizou numa igreja em Roma, de nave coberta por abóbada em forma
de canhão, uma pintura que causa semelhante espanto e admiração. As figuras do
espaço pictórico dela, como as do de Correggio, invadem o espaço arquitetônico que é
simulado como continuação do arquitetônico. No lugar de uma composição ordenada
por uma espiral que causa uma sensação de profundidade muito grande, uma sucessão
de planos quase imperceptíveis evoca algo muito semelhante.
Fig.14 – Andrea Pozzo, Nave da Igreja de Santo Inácio. 1691 - 1694. Roma.
Fonte: Fotografia do autor.
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Nada mais de divisões das superfícies em quadros, nem sequer de uma
apropriação do espaço arquitetônico como mero suporte para a pintura. A partir delas, a
arquitetura passou a ser pensada prevendo-se a pintura, e a pintura considerando-se
aquilo que lhe fornecia a arquitetura. E de modo idêntico também com elas se
relacionou a escultura. Esse artifício presente em tais obras que une o espaço pictórico
ao arquitetônico e vice-versa, o efeito que provocam, foi por alguns teóricos chamado
de “engano do olho”, de trompe-l’oiel.
Não faltam motivos para o fato de essas duas obras terem sido tão influentes.
Elas inauguraram uma nova dimensão na arte cristã ocidental a partir de uma relação
específica entre a arquitetura e a pintura, ao mesmo tempo em que realizaram uma
vontade buscada por muitos que compartilhavam daquele mesmo espírito. Vejamos
alguns os desdobramentos dessas experiências decorrentes que aqui interessam.
16
AS PROVÁVEIS REFERÊNCIAS PARA AS PINTURAS NOS FORROS MINEIROS
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Publicado em Roma, seu tratado tão logo circulou toda a Europa chegando
também em Lisboa. A metrópole cada vez mais rica devido à sua principal colônia,
nesse momento, como faziam tantos outros países europeus, importava a arte e artistas
italianos, tal como, do mesmo modo, num momento subseqüente, importavam todos, o
gosto exuberante francês. Desse modo, juntamente ao tratado de Pozzo, foi pelas mãos
do florentino Vincenzio Bacherelli que em Lisboa foi introduzida a pintura em
perspectiva nos forros feitos com tabuados corridos (OLIVEIRA, 2003, p. 115).
Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira (2003, p. 282) chega a afirmar uma relação
entre aquela que é considerada a obra prima de Manoel da Costa Ataíde, portanto a
pintura no forro da nave da Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto, e a obra
na nave da Igreja de Santo Inácio, de Pozzo. Pode-se supor que Ataíde, a exemplo de
outros pintores nas Minas, tenha realmente tido contato com o importante tratado, pois
ainda hoje restam exemplares, nos acervos raros das mais importantes bibliotecas de
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nosso país, da referida obra do jesuíta, a qual ao menos seguramente circulou pelas
Minas. Com isso, não ignorando que a pintura desenvolvida em Lisboa possui
particularidades que a torna diferente da de Pozzo, entendo que, não somente pela
memória dos portugueses, mas inclusive pelo tratado em si sobre perspectiva pictórica
em arquitetura, e pelas imagens da pintura da Igreja de Santo Inácio nele contida,
Andrea Pozzo, como teórico e artista, exerceu, respectivamente, influência direta e
indireta no barroco mineiro.
Não faltam testamentos dos artistas mineiros, nos quais se encontram provas de
que eles mesmos, além das irmandades, as quais chegaram a ter pequenos, mas
significativos acervos para a região e a época, possuíam alguns livros. No de Ataíde,
são mencionados: “...¶ Hum livro da Bíblia estampado pr 4$800 ¶ Hum Dº segredo das
Artes dous Tomos pr 2$000 ¶ Dicionario Françes pr 2$000 ¶...” (MENEZES, 1965, p.
140), sendo que, Menezes (2007, p.18-19) sugere que seria, a mencionada “Bíblia
estampada”, uma Demarne, ou seja, um livro de gravuras feitas pelo arquiteto e
gravurista francês chamado Demarne. Já Moresi (2007, p. 112) que o outro livro
inventariado como “sobre o segredo das artes”, seria uma parte extraída da publicação
“Da Encyclopedia, da Encyclopedia Methodica, da Encyclopedia prática, e das melhores
obras que tratarão até agora estes objectos”, feita em Lisboa, a qual seria chamada de
“Segredos necessários para os officios, artes e manufacturas, e para outros objetos
sobre a economia domestica”. Ainda segundo Moresi (2007), esse excerto teria dois
volumes, tal qual o que consta no inventário de Ataíde. Outro exemplo, o testamento de
Francisco Xavier Carneiro, além de inúmeros bens e objetos, informa Campos (2007,
nota 9, p. 69) que esse pintor também marianense e contemporâneo de Ataíde,
possuía:
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Com relação às referências que podem ter servido às construções “arquitetônico-
pictóricas” realizadas em Minas, é, sem dúvida alguma, fato que elas aconteceram por
livros ou tratados, como o de Pozzo, ainda que não se possa precisar quais livros de
fato esses dois pintores acima tomados como exemplo possuíam, e pela experiência
dos artistas portugueses que por lá trabalharam e que com os que lá mesmo se
formaram, a dividiram. Já com relação às referências para outras questões que
compõem esse tipo de obra, como modelos de composição para as narrações que
permeavam aquelas obras, novas considerações são necessárias. Assim como não
existiu um só tipo de pintura desenvolvida, por exemplo, nas cercanias da antiga Vila
Rica, quero dizer, um só tipo de concepção de espaço arquitetônico naquelas diversas
pinturas por ali produzidas, não houve também só um modelo para as narrações. Ora,
obviamente não houve somente um artista que lá criou e executou pinturas em forros.
As implicações dessa consideração, contudo, aqui não cabem.
O que de maneira geral é possível afirmar, é que mais três tipos de fontes
impressas, foram fundamentais para a elaboração daquelas preciosas e complexas
obras que envolvem, além da questão de perspectiva arquitetônica pictórica, cenas que,
na forma de quadro, no centro delas são inseridas (OLIVEIRA, 2003). São elas: missais
ilustrados, bíblias ilustradas, e gravuras, sejam em coleções, como a de Demarne,
sejam avulsas. Hannah Levy (1944) tratou categoricamente, apesar da restrita
abrangência de seu trabalho, de encontrar referências nas publicações da época, que
serviram às composições e até aos estilos de alguns trabalhos de alguns pintores.
Oliveira (2003, p. 274), no que toca especificamente as rocalhas que no século XIX
povoaram aquelas pinturas, cita como referência as gravuras de Augsburgo. Outro
exemplo desses tipos de fontes com as quais lidaram os artistas está no testamento do
importante pintor João Nepomuceno Correia e Castro. O próprio pintor diz em seu
inventário: “Declaro que todas as estampas que tenho, riscos e debuxos, os deixo a
Francisco de Paula, e Bernardino de Sena meus aprendizes” (ANDRADE, 1986, p.
125).
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Nos séculos XVIII e XIX nas Minas Gerais Colonial, os artífices
executavam pinturas, painéis e retábulos para decoração dos templos
religiosos. Por não haver uma escola formalizada na época, os artistas
brasileiros aprendiam com os mestres portugueses e nos canteiros de
obras. Certamente, eles tinham acesso aos manuais, tratados,
pequenos dicionários nos quais estava incluída a arte da pintura e que
circulavam em Portugal (MORESI, 2007, p.112).
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ALGUNS TIPOS DE PINTURA EM PERSPECTIVA NOS FORROS DO ROCOCÓ
RELIGIOSO MINEIRO
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parte delas foi perdida ao longo do tempo, principalmente por questões de falta de
conservação, e outra grande parte foi substituída por obras consideradas
sucessivamente mais modernas. Das que restaram, à qual se pode atribuir maior
ancianidade é a na Capelinha de Nossa Senhora do Ó, situada em Sabará, executada
na década de 20 do século XVIII.
Porém as primeiras obras em forro que desenvolvem perspectiva, ainda que em
alguns casos não uma perspectiva arquitetônica de fato, vem do período seguinte, o
qual pode ser delimitado pelos anos de 1750 e 1770. Esse período em que se sabe ter
havido grande atividade artística, tendo muitas construções de igrejas sido concluídas
ou tido suas obras iniciadas durante ele, também por motivos muito parecidos com os
do anterior, poucas obras de pintura relegou ao presente. Ele foi marcado por grande
diversidade e, sobretudo, pelo predomínio da estética barroca. Três partidos bastante
distintos provam a referida variedade e podem ainda ser presenciados: o do forro da
capela-mor da Igreja da Sé de Mariana, de autoria de Manuel Rebelo de Sousa, por
volta de 1760, o do forro da capela-mor da Igreja Matriz de Nossa Senhora de Nazaré,
situado em Cachoeira do Campo, atualmente distrito de Ouro Preto, e atribuído a
Antônio Rodrigues Belo, obra datada de 1755, sendo ela a mais antiga em toda a
Minas, e o executado no forro da capelinha de Bom Jesus de Matozinhos de Itabirito,
construída em 1765, porém do qual se desconhece mais precisamente a data e por
completo a autoria. Os dois últimos partidos serão mais adiante comentados, por
enquanto não será desprezada a oportunidade de um breve comentário sobre o
primeiro.
A obra de Manuel Rebelo de Souza, de estética barroca, é duramente avaliada
por Andrade (1986) que afirma ter faltado ao seu autor ímpeto para vencer o desafio
que lhe apresentava o espaço do teto em forma de abóbada de barrete.
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Contudo, se deixarmos de lado a ansiedade por ver “uma composição
movimentada” (ANDRADE, 1986, p. 190), como a que demonstra ter tomado conta
desse que presidiu o IPHAN e participou da sua fundação, ansiedade essa que
sorrateiramente também pode nos tomar dada a notoriedade das obras de períodos
posteriores, poderemos observar melhor outros detalhes dessa singular relação pintura-
arquitetura dentro da história das obras mineiras.
Essa obra no forro da capela-mor nos remete vagamente, pelo seu artifício
pictórico de complementar a superfície arquitetônica com ornamentos escultóricos, à
famosa abóbada de canhão da Capela Sistina. Porém sua impressão de planaridade
além de muito maior, não é entrecortada por quadros como na obra de Michelangelo,
nem povoada de figuras escultóricas e sim ocupada por figuras também mais planares,
de modo muito semelhante ao das obras parietais do período da arte românica, como
servem de exemplo as encontradas nos Pirineus, na qual a perspectiva não havia ainda
25
tomado conta desses interstícios, criando quadros como o fizera a partir de Giotto. Ela
também se assemelha às essas obras do período românico pela continuidade e
envolvência do espaço arquitetônico, devido à referida planaridade que realiza a
pintura. Além dessas características que resultam numa peculiar obra, pela data de sua
conclusão e considerada a cidade em que foi realizada, pode-se afirmar que ela foi
fundamental na disseminação de um princípio presente em quase todos os partidos das
obras que nos subcapítulos posteriores serão abordadas: os cônegos ocupando os
cantos das composições.
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1773 e 1774, a obra de João Nepumoceno Correia e Castro, na nave da mesma igreja,
realizada entre 1777 e 1787, a de Antonio Martins da Silveira na capela-mor do
Seminário Menor de Mariana, de 1782 e as pinturas de João Batista de Figueiredo na
capela-mor e na nave da Igreja do Rosário localizada em Santa Rita Durão, atual
distrito de Mariana.
O quarto período, de 1800 até 1830, é sem dúvida o mais representativo desse
gênero de arte desenvolvida em Minas. Ele é de fato constituído pelas mais penetrantes
pinturas ali produzidas. Creio que isso não tenha ocorrido por um hipotético maior
domínio da técnica de perspectiva arquitetônica em relação aos demais períodos. João
Nepumoceno Correia e Castro, por exemplo, já demonstrara total conhecimento dos
segredos de tais artifícios. Sei ser tarefa muito difícil resumir o porquê da força mais
pungente presente nas pinturas desses primeiros anos do século XIX, mas tal energia
vibrante certamente, ao menos em boa parte, deve-se a certa originalidade, deve-se à
maturação do caráter genuíno que o gosto rococó em Minas adquiriu. A estética rococó
como um todo, só pode ser entendida a partir de uma grande flexibilidade, de uma não
rigidez e uniformidade, que, por exemplo, também na região da Baviera como mostra
Oliveira (2003), obras singulares, diferentes das de Minas e dos demais lugares por
onde se disseminou tal estética, inspirou.
O ano de 1830 não por acaso foi também o ano da morte de Manoel da Costa
Ataíde. Ele foi o proeminente artista de todo o curso da manifestação desse gênero.
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Suas obras em forro somam um total de cinco pinturas com a devida comprovação de
autoria e sem abertura para grandes questionamentos por parte dos especialistas, dada
as semelhanças do estilo específico do seu autor nelas visivelmente impregnadas. Já a
datação das mesmas ora é imprecisa, conforme me mostrou o exame de fontes
distintas, ora incerta, em razão da não comprovação efetiva da data de execução de
algumas delas, levando por vezes os historiadores a fazerem conjecturas diversas
sobre possíveis datas ou períodos de realização das tais obras.
É praticamente impossível resistir à tentação de elaborar e expor uma hipótese
própria. E não que eu presunçosamente não tenha elaborado uma, mas expô-la me
obrigaria, nesse momento, a desviar significativamente o foco e discorrer mais
profundamente sobre as condições de trabalho na época de Ataíde e também fazer
suposições a cerca de quem teria sido, ou teriam sido, seus mestres. Araújo (2007) e
Oliveira (2003) falam da organização medieval de origem reinol no aprendizado dos
ofícios na Minas daquele tempo. As questões de estilo e partido, por exemplo, apontam
três nomes, que obviamente pedem, cada qual, as devidas justificativas e
considerações. Por outro lado, sabe-se que os artistas num tempo tão farto de ofertas
de trabalho como aquele, contratavam várias obras ao mesmo tempo. Sabe-se também
que o ofício de pintor, por exemplo, normalmente incluía atividades como encarnações
de esculturas, douramentos, pinturas de portas e esquadrias, e que tais artistas não
raramente tomavam a vez de arquitetos ou escultores (ARAÚJO, 2007). Ataíde mesmo,
além de trabalhos de pintura de todos os tipos, realizou riscos para altares (MARTINS,
1974).
Enfim, o que é possível afirmar sobre esse grande artista mineiro do mais rico
período do gênero em questão, é que suas pinturas em forro foram as na capela-mor da
Igreja de Santo Antônio, em Santa Bárbara, executada por volta de 1806, segundo
Oliveira (2003), na nave da Igreja de Santo Antônio em Ouro Branco, sem datação
precisa, na nave da Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto, realizada entre
1801 e 1811 segundo Menezes (2007), na capela-mor da Igreja do Rosário dos Pretos,
em Mariana, ajustada em 1823, conforme Menezes (1965) e na capela-mor da Matriz
de Santo Antônio, em Itaverava, também sem datação precisa.
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Dos contemporâneos de Ataíde destacaram-se as obras de Francisco Xavier
Carneiro na nave da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, em Mariana, ajustada em
1826 e na nave da Igreja de São Francisco de Assis também em Mariana, por sua vez
sem datação precisa, sabendo-se apenas que tal pintor realizou vários trabalhos nessa
igreja entre os anos de 1796 e 1828 (OLIVEIRA, 2003). Mais ao sul, as obras de
Manoel Victor de Jesus na nave da Igreja Matriz de Vitoriano Veloso, atual distrito do
município de Prados e, por fim, completando o conjunto de obras destacadas desse
quarto período, a bela pintura de Joaquim José da Natividade, no forro da nave da
Igreja Matriz de São Tomé das Letras, em Baependi, sendo ambas de datas ainda não
apuradas (OLIVEIRA, 2003). A respeito destes dois últimos artistas, Oliveira (2003, p.
286) afirma fazerem eles parte de uma escola artística autônoma, formada em torno da
cidade de São João Del Rei, conforme indicam pesquisas mais recentes. As obras
deles, contudo, são neste trabalho tomadas conjuntamente as de outros artistas, pois o
enfoque tipológico permite sem maiores problemas tal aproximação. Além do mais, o
câmbio artístico entre as regiões de Ouro Preto/Mariana e São João Del Rei, era muito
mais intenso do que entre Ouro Preto/Mariana e Diamantina, região esta da qual não
incluo obras aqui, sendo nada mais nada menos que a atuação do próprio Aleijadinho
prova disso. Diamantina era o extremo de uma rota na qual São João Del Rei era
caminho de passagem para o escoamento de uma produção com a qual ela também
contribuía. E ainda vale lembrar que Mariana era a sede da capitania e que, junto de
Ouro Preto, constituíam o pólo artístico das Minas.
Desde o final do século XVIII a decadência da mineração já era fato, tanto que,
em certa medida, surpreende o período constituído pelas obras mais importantes
pertencer ao início do século seguinte. Sendo assim, da fase dos trabalhos de Ataíde e
de seus contemporâneos em diante, gradativamente foi-se extinguindo tal gênero
pictórico no território mineiro. Oliveira (2003) nota que especialmente na região de
Diamantina, encontram-se algumas pinturas ainda no começo do século XX. O quinto
período pode, portanto, ter seu início fixado no ano de 1830 e seu fim na última década
do século XIX ou na a ela seguinte.
29
AS CIMALHAS NESSES TEMPLOS
30
simbólica, remonta ao período maneirista (OLIVEIRA, 2003, p. 328, nota
8).
Ou seja, aquilo que chega a Minas Gerais trazido pelos portugueses que lá foram
trabalhar, em termos de referência artística, é um partido que combina a concepção de
Pozzo, com o conceito de quadro riportato via a tradição de “quadro de altar”, por sua
vez originária do próprio local onde tal fusão, para assim simplificar, ocorreu. Em
resumo, o que a princípio diferencia as pinturas de perspectiva portuguesas e mineiras,
das que inaugurou Pozzo, “é a redução quase total da perspectiva aérea na cena
central com personagens celestiais” (OLIVEIRA, 2003, p. 116). Numa nota de seu livro,
a referida autora expõe um pouco do que representa essa diferença:
Não que a perspectiva aérea que compunha a parte central das obras de Pozzo
e que determinou a concepção das pinturas do rococó religioso da Europa Central, não
tenha sobrevivido de alguma maneira nas obras mineiras, com adiante será visto, mas
foi essa característica do padrão português, que se tornou o principal ponto de partida
das obras em Minas.
Porém, grandes modificações nas composições mineiras foram operadas em
relação às obras lisboetas, que inclusive podem ainda hoje serem mensuradas a partir
da já comentada no primeiro capítulo, Igreja de São Paulo, concluída após o grande
terremoto que varreu a maior parte das pinturas do gênero. Mantida nas obras coloniais
a “visão celestial” proporcionada pelo quadro central (OLIVEIRA, 2003), o que se
processou nas terras de Minas Gerais, foi algo muito particular sendo que, só é
mensurável o grande e específico valor dessa criação tipológica original, olhando-se
diretamente para a relação entre pintura e arquitetura que essas obras mineiras, de um
31
modo geral, propõem. Essa mirada para o tipo de relação, entre esses dois meios,
proposta pela referida tipologia, coloca em destaque um elemento decorativo chamado
cimalha.
As pinturas produzidas em Portugal, a exemplo da obra de Pozzo, ou até mesmo
da cúpula pintada por Correggio na catedral de Parma, dão seqüência à arquitetura do
templo. Sobre as ordens arquitetônicas novas ordens construídas com pigmentos são
adicionadas sucessivamente e verticalmente, de modo semelhante como se vê no
exterior do Coliseu, por exemplo, ou em Florença na fachada do Palazzo Rucellai de
Alberti. Cria-se então, uma espécie de pátio interno aberto, a partir do qual se vê ou se
percebe a abóbada celeste, e no centro dela, bem à distância, vê-se a mesma
alegoricamente aberta para o Paraíso. Nas obras do rococó religioso mineiro, nas obras
do terceiro e quarto período apresentados, não há continuidade da arquitetura do
templo. Uma arquitetura de característica própria, de tectônica própria, é simplesmente
apoiada sobre a cimalha e, por conseguinte, sobre as paredes do templo.
A cimalha adquire o papel de um entablamento, suportando ao invés da
cobertura de um templo grego, por exemplo, uma arquitetura de natureza própria,
geralmente leve. É necessário considerar algo ainda anterior a essas questões: os
templos do rococó religioso, de modo geral, apresentam uma redução nas dimensões,
uma vez cotejados aos de estilo barroco, apresentando assim uma escala mais intimista
(OLIVEIRA, 2003). Dentro desses espaços com características mais acolhedoras, onde
não ocorre o acréscimo de verticalidade dado pelo prolongamento, por meios pictóricos,
da sua arquitetura, é possível um contato mais direto com a abóbada celeste, quando
ela existe, e com a visão do Sagrado emoldurada no centro do forro em todos os casos.
A cimalha, diferentemente dos estuques do rococó religioso germânico,
interrompe em definitivo a arquitetura do templo e, de certo modo paradoxal, por meio
do que é sobre ela construído, anuncia de maneira muito mais direta e próxima o
espaço além dela. No rococó religioso germânico a situação é diferente.
Fig. 23 – Johann Baptist Zimmermann, vista da nave da Igreja de Steinhausen. 1728-1735. Baviera.
Fonte: Google Imagens.
Fig. 24 – Johann Baptist Zimmermann, afresco no teto da nave da Igreja de Steinhausen. 1728-1735.
Baviera.
Fonte: Google Imagens.
33
Fig. 25 – Detalhe da cimalha da Igreja de São Francisco de
Assis. Séc. XVIII - XIX. Ouro Preto.
Fonte: Fotografia do autor.
34
OS DE CONSTRUÇÃO VAZADA
Fig. 26 e 27 – Juste-Aurèle Meissonnier, Livre d’Ornemens. 1734. Exemplo das gravuras conhecidas
como gravuras ornamentais de Meissonnier.
Fonte: Oliveira, 2003.
Assim sendo pode-se afirmar que as tais seis figuras lembram, em certa medida,
as sibilas ou os profetas pelo como se relacionam com o espaço pré-existente e com o
pictoricamente criado. Portanto, essa obra mineira no que diz respeito ao como a
pintura se relaciona com a arquitetura pré-existente e com relação ao tipo de arquitetura
que ela cria, é mais próxima da obra de Michelangelo, do que da de Pozzo que, por
exemplo, ignora a curvatura da abóbada de canhão sobre a qual foi pintada. Além
disso, apesar da, mesmo que reduzida, perspectiva aérea dentro quadro central, as
figuras que o habitam, não invadem o espaço arquitetônico-pictórico, tal qual fez em
sua pintura em Santo Inácio o próprio Pozzo ou o fez Correggio em Parma. As mesmas
seis já referidas que ficam em torno dele, igualmente em Michelangelo simplesmente
fazem parte do espaço arquitetônico e também não o invadem. Contudo as
semelhanças com a Capela Sistina param por aí.
Com relação ao quadro central, tem-se na obra de Minas uma derivação
bastante engenhosa do conceito de quadro riportato, que em nada tem a ver com os
quadros da parte central da referida pintura italiana, já que ele é estruturalmente
alegórico e não apenas decorativo. Ele como um todo, e não só por meio de algumas
de suas figuras como ocorre em Pozzo e Correggio, invade o espaço da capela-mor e
37
atravessa o limite da abóbada de barrete, de maneira semelhante ao que se pode ver
na pintura no forro da Igreja de São Roque em Lisboa. Principalmente por essa razão
sua dimensão decorativa torna-se menor do que as demais. A função das seis figuras,
sua relação com o espaço arquitetônico, e sua relação, mesmo que não tão elaborada,
com a porção central (por meio de uma maior exploração das técnicas de perspectiva),
proporcionam como resultado uma abstração quase total das características tectônicas
da cobertura da capela, criando nela uma dimensão significativamente alegórica, e no
seu centro, em meio às nuvens, uma espécie de portal através do qual se vê o Céu.
Por fim o tema da representação do centro dessa pintura é a Coroação de Nossa
Senhora, realizada por meio de uma composição bem próxima das tradicionais
representações barrocas do mesmo tema, diferentemente da que se veria
posteriormente na famosa pintura no forro da nave da Igreja de São Francisco de Assis
em Ouro Preto, já não tão barroca como essa. Dado o ensejo, vale notar outra
semelhança entre ambas, pois elas possuem o quadro central povoado com anjos.
Posto isto, essa seria não só a primeira “pintura em perspectiva” em Minas, bem como
a primeira a usar como tema na porção central a Coroação de Maria.
43
indiscutíveis qualidades. Acredito que tenha sido a intenção de João Nepomuceno
Correia e Castro, emular um teto de alvenaria branco, todo construído com fantásticos e
salientes ornamentos marmóreos, correspondentes às nervuras de enrijecimento da
estrutura dessa abóbada de alvenaria, criando entre eles vãos e ao mesmo tempo
definindo painéis que, por sua vez, receberiam as pretendidas representações. Se
desconsiderarmos o trabalho dimensional que ao longo do tempo sofreu a madeira do
forro, resultando nas frestas que hoje se vê, talvez isso seja mais concebível.
Sendo assim, ter-se-ia nessa obra, o mais próximo correlato, porém em estilo
rococó, ou talvez barroco tardio se não forem consideradas as intervenções de Ataíde,
da obra de Michelangelo, já produzido em Minas. Haja vista, em favor dessa hipótese,
como outrora foi dito, que tal obra “se destaca por sua feição erudita no acervo da
pintura mineira do período colonial...” (ANDRADE, 1986, p. 72).
Fig. 37 – João Nepomuceno Correia e Castro, Outro detalhe da pintura no forro da nave do
Santuário do Bom Jesus de Matozinhos. [1777-1787]. Congonhas do Campo.
Fonte: Google Imagens.
46
Composto para tetos de pequenas dimensões, o partido da decoração
da capela-mor da igreja do Rosário de S. Rita Durão recorda o da
capela-mor do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matozinhos de
Congonhas do Campo (NEGRO, 1958, p. 41).
47
mesma igreja, criam painéis nos seus interstícios, os ornamentos nessa obra em Santa
Rita Durão, criam pequenos volumes, sem função estrutural, de inspiração rococó, que
servem para marcar a correspondência na abóbada dos espaços criados fora dela, e
para organizar a composição, como um todo, em torno do quadro central que apresenta
uma representação de Nossa Senhora do Rosário, aos moldes do conceito de “quadro
de altar posto no teto” ou de um painel de teto.
Nos recintos dos cantos foram sentados os doutores da igreja, sendo eles as
figuras, presentes nessa pintura, mais próximas das sibilas; muito expressivos em suas
atitudes, cujas quais, em comum, denotam estar escrevendo mediante inspiração
divina. São eles: São Jerônimo, São Gregório, Santo Agostinho e São Ambrósio, todos
representados em meio a elaboradas alegorias de forte inspiração barroca. Este
figurado, bastante diferente dos primeiros doutores pintados na Sé de Mariana, serviria,
seguramente, de referência às obras posteriormente criadas por Ataíde. Sobre as duas
figuras negras que se apresentam em pé, cada qual em seu púlpito, Negro (1958, p. 39)
supõem que sejam:
Com essa concepção arquitetônica, essa obra cria uma espacialidade que a
distancia um pouco da do baldaquino ou cúpula que se vê na Capela do Seminário
50
Menor em Mariana. Averiguando mais um pouco, entende-se que todo o espaço que a
pintura cria acima da cimalha é fantástico e não só a arquitetura, sendo que nesse
estrito sentido, ela lembra a obra em Cachoeira do Campo. Na sua porção central,
delimitada por um formato aproximadamente retangular, o que se vê é um portal, o qual
ao invés de flutuar sobre a nave envolto em nuvens, é emoldurado por belíssimos
ornatos e impedido de fato de pousar sobre as estruturas arquitetônicas, pois paira
como se estivesse sustentado pelo gracioso bater das asas de quatro anjos, cada um
bem próximos de um dos cantos do portal. Porém o papel desempenhado por tais anjos
vai muito além do que esta suposta função estrutural. Eles além de guardarem, e
emanarem fortemente, uma delicada beleza, articulam, me atrevo a dizer, toda a
composição: relacionam por sua posição e função nela, as diferentes arquiteturas e as
diferentes representações tanto no quadro central quanto nos cantos. João Batista de
Figueiredo incumbe eles de afirmar a dimensão alegórica do todo.
52
Comparada à vasta composição da nave de São Francisco de Ouro
Preto, a da capela-mor da matriz de Santa Bárbara apresenta-se como
uma pequena jóia de ourivesaria, predominando os aspectos
decorativos sobre os da estruturação arquitetônica. O desenho magro
dos elementos de sustentação, com inclusão de inusitadas colunas
torsas, aliado à inútil projeção em profundidade dos entablamentos,
prejudica o efeito de fuga da perspectiva, desarticulando a ligação com o
quadro central (OLIVEIRA, 2003, p. 282).
55
alguns renomados especialistas, como Oliveira, acreditam que apenas o quadro central
tenha surgido pelas mãos de Ataíde, sendo possível que o restante da pintura tenha
sido executado por aprendizes seus, e afirmam isso, em razão da “qualidade
nitidamente inferior do desenho das projeções arquitetônicas” (OLIVEIRA, 2003, p.
279), compradas às das demais obras do mesmo pintor sobre as quais não lançam
dúvidas. Essa autora chega a inclusive, nessa mesma página dessa mesma referida
obra, lançar idêntica acusação sobre a pintura em Santa Bárbara. Considerando-se a
complexidade da técnica da quadratura, entendida enquanto um meio seguro para se
realizar uma pintura em perspectiva, associada à ousadia plástica dessas composições,
não acredito que isso fosse possível. Creio que o que realizavam os aprendizes eram
tarefas mais simples, que iam do preparo das tintas à no máximo o preenchimento de
superfícies, ou que, se a algum deles tarefa mais importante restasse, como pintar uma
figura secundária, não faltaria a ela o fundamental toque do mestre, finalizando-a.
Parece-me muito improvável que o imensamente desafiador esboço que precede uma
pintura dessas, pudesse ser realizado por um novato. Se até mesmo um talentoso e
prestigiado artista como Francisco Xavier Carneiro, contemporâneo de Ataíde e farto de
encomendas, tentou composições arquitetonicamente mais elaboradas e, “ao falhar”,
optou por construções mais simples (OLIVEIRA, 2003, p. 286), quem dirá a um
aprendiz consegui-las. Se alguém fosse capaz de tal, certamente seria aquele que
ajustava a obra e não um subordinado do mesmo.
56
Fig. 53 – Manoel da Costa Ataíde, Painel central da pintura no forro da
nave da Igreja de Santo Antônio. Séc. XIX. Ouro Branco.
Fonte: Andrade; Frota; Moraes, 1982.
Refletindo sobre essa pintura em Ouro Branco, afirmar ser seu resultado
predominantemente decorativo é algo bastante complicado, pois ao mesmo tempo, ela
parece sugerir outra leitura espacial que não essa. Há na sua composição uma trama
vazada que se distribui por toda a nave sustentando um amplo quadro central do tipo
painel, através da qual se vê o céu com nuvens e anjos sobre as paredes do tempo.
Negro (1958, p. 73) afirma que “a técnica dessa pintura oferece muita semelhança com
a da Matriz de S. Bárbara, notando-se que a composição, para as dimensões da nave,
ficou muito simples e lisa”. Negro (1958, p. 74-75) também afirma que Ataíde optou por:
57
uma impressão de desajeitado; há vazios para aliviar a parte sustentada,
para não a tornar tão pesada. Além disso, ocorrem na pintura grandes
áreas lisas ou muitos elementos retilíneos, portanto inexpressivos, isso
apesar do concheado sustentado apresentar-se ondulante e ricamente
policrômico. O teto da composição pintada não se eleva
imponentemente, agravando-se a sensação de baixeza por dilatar-se
além da largura da nave nas extremidades, devido ao alinhamento
oblíquo das arcadas contínuas.
58
somado à presença mássica do quadro e ao peso muito grande de toda a estrutura, que
inclusive é desamparada devido à ausência de mais elementos ou de determinado
tratamento dos existentes, não chegando a ser fantástica em sua forma, e sim
aparentando contradição devido à mesma ter características estruturais de obras de
serralheria, e materialidade marmórea.
Assim suponho que a melhor forma de se apreciar a beleza dessa pintura, não
seja procurando nela a obra de Andrea Pozzo, muito menos a de Correggio, como
somos naturalmente levados a fazer pelo contexto no qual ela se encontra, e pelo que
viria a fazer, ou já havia feito, o próprio Ataíde em outros forros. Creio que fruir diante
dela, sem anular sua particularidade espacial, seja algo como imaginar-se estando
diante de uma obra tal qual a Mesa dos Pecados Capitais de Bosch, de 1480, ou,
simplificadamente, diante de um imenso painel pintado na vertical e rebatido
horizontalmente no teto, todo emoldurado pela cimalha do templo.
Os outros três forros podem, por dois motivos muito importantes, ser associados.
O primeiro, e menos questionável, trata-se do fato de que todas as pinturas possuem
um desenvolvimento perspéctico independente da curvatura do forro sobre o qual foram
realizadas, descrevendo arquiteturas fantásticas, e de tectônica comum entre si, além
de significativamente singulares se comparadas às outras pinturas mineiras. O segundo
é o fato de possuírem portais e não painéis em sua área central. A validade desse
motivo talvez seja sutilmente questionável acerca da pintura realizada em Mariana,
probabilidade esta que seguramente não se aplica em relação às outras duas e que
creio que não seja maior do que aquele que permite reuni-las. Mas, dada essa hipótese,
aproveito para abordar, em primeiro lugar, a obra que oferece alguma resistência a
essa conjunção proposta. Porém como a realizada em Itaverava guarda muitas
semelhanças com ela, abordar simultaneamente ambas, pode ser menos enfadonho.
Tanto a pintura de Itaverava quanto a de Mariana foram realizadas em forros de
pequenas dimensões, por se tratarem de tetos de capelas-mores. Ambas as pinturas
não dão continuidade à arquitetura e decoração dos espaços onde foram feitas. Aliás,
nenhuma das pinturas do Ataíde, nem das abordadas nesse subcapítulo o faz. A
própria cimalha, como dito em subcapítulo específico, propõe essa cisão entre a
arquitetura e sua ornamentação, e a decoração específica ao forro. A única exceção até
59
aqui tratada é a pintura na igreja em Cachoeira do Campo. Se observada novamente a
decoração das paredes da capela-mor daquela igreja, percebem-se significativas
diferenças em relação aos outros espaços nos quais se inserem as demais pinturas,
destacando-se o fato da inexistência de uma cimalha propriamente dita, e da ocorrência
de uma fragmentação do entablamento que separa toda a ordem, do forro,
proporcionando então as saliências que dialogam diretamente com as figuras pintadas
nele. As obras de Ataíde, a exemplo das demais, só se relacionam com a estrutura do
espaço, com seus eixos, diagonais, vértices e arestas. Essas duas em questão, bem
como a de Ouro Preto, inclusive por sua arquitetura fantástica ignoram os detalhes
ornamentais existentes da cimalha para baixo.
Os elementos arquitetônicos que compõem as duas pinturas são basicamente os
mesmos, notando-se grande destaque para com o entablamento construído
perpendicularmente às paredes laterais da capela e não paralelamente como de
costume, demonstrando assim um hábil procedimento arquitetônico para a realização
do pretendido espacialmente e de seu subjacente significado.
A capela-mor da Igreja do Rosário dos Pretos na sua porção central possui uma
representação da Assunção de Nossa Senhora, inspirada “no modêlo da nave da Igreja
60
do Rosário de Santa Rita Durão” (NEGRO, 1958, p. 77), a qual se apresenta como uma
visão, sob a forma de um portal. Essa caracterização da área central como um portal e
não exatamente como um painel, se deve principalmente à força expressiva dessas
ordens, das quais chamam tanta a atenção os pilares, e não apenas os já referidos
entablamentos, que se desenvolvem ascensionalmente em direção ao centro, mas
também se deve ao fato de estes não demonstrarem servir propriamente como suporte
dos elementos decorativos que cercam o portal, tal qual também se vê na mesma nave
em Santa Rita Durão. Todo esse espaço de origem pictórica ignora em partes a forma
do teto da capela e com isso, alimenta ainda mais essa impressão de se estar diante de
uma visão.
62
aparecem nuvens violáceas. Acrescenta-se a ela uma assembléia de anjos disposta em
quatro púlpitos, cada um em cada extremidade dos eixos longitudinal e transversal, e
também mais quatro púlpitos, um em cada canto, e cada qual com um dos doutores da
igreja, tal qual na nave de Ouro Preto. Complementando-a, os anjos dialogam tanto
com o acontecimento central, quanto com o sujeito que eventualmente esteja
contemplando a obra do chão da capela, e o fazem por meio dos olhares que lançam
numa e noutra direção.
Fig. 58 – Manoel da Costa Ataíde, Portal da pintura no forro da capela-mor da Igreja Matriz de
Santo Antônio. Séc. XIX. Itaverava.
Fonte: Andrade; Frota; Moraes, 1982.
Fig. 59 – Manoel da Costa Ataíde, Detalhe da pintura no forro da capela-mor da Igreja Matriz
de Santo Antônio. Séc. XIX. Itaverava.
Fonte: Menezes, 1965.
63
exemplo, na pintura de Correggio em Parma, mas, sendo dotada de uma profundidade
significativamente maior. Por sua vez, também paradoxalmente, o emolduramento dela
denota limites mais rígidos, mais espessos, chegando até a serem mais pesados. Eles,
associados à profundidade realizada pela perspectiva na composição da representação,
resultam num movimento de fora para dentro do portal, como que sugando quem
estiver admirando-o. Como visto, essas duas obras que a princípio se mostram
bastante semelhantes, detém ricas particularidades.
A pintura na Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto, demonstra várias
semelhanças com a pintura de Mariana, mas principalmente, com a de Itaverava. Negro
(1958, p. 59) afirmou que a pintura em Itaverava “apresenta a redução e a simplificação
do teto da nave de S. Francisco de Assis de Ouro Preto adaptado às dimensões da
capela-mor, com o quadro cruciforme e as mesmas cores vibrantes”.
64
Para compor a pintura na nave, essa que é tida como a obra-prima de Ataíde,
vários elementos arquitetônicos foram distribuídos ao longo do vasto suporte, criando
um amplo espaço fantástico que seria impossível não só em amplitude, mas, por
questões de escala, também em diversidade na capela-mor de Itaverava. Porém, dentre
as semelhanças que ambas demonstram entre si, tem-se, estruturalmente, o mesmo
formato cruciforme da parte central e a mesma divisão de toda a composição em quatro
principais áreas, nas quais, em Ouro Preto, uma diversidade maior de elementos é
edificada, desenvolvendo arquiteturas genuínas e independentes entre si. Essas
construções, pondo de lado o que formalmente possuem de diferente das da capela-
mor da Igreja de Santo Antônio, situam-se nas extremidades dos eixos longitudinal e
transversal, denotando um idêntico planejamento do espaço em ambas as obras. Os
cantos da nave reforçam isso, repetindo também os púlpitos com os mesmos doutores,
porém estes, estando, cada um, acompanhado por um anjo no caso da Igreja de São
Francisco de Assis.
65
arcadas, uma em cada ponta do eixo transversal. Segundo Negro (1958, p. 52), a
respeito dos pórticos, por possuírem “o frontão curvilíneo interrompido, ornamentado
com anjos”, lembram o “que fêz Miguel Ângelo com a Aurora e o Crepúsculo”. Apesar
da independência dessas construções arquitetônicas, elas são sutilmente ligadas, em
torno da área central, por levíssimos elementos dotados de grande movimento. A parte
que corresponde à visão, é novamente evidenciada e colocada em suspensão, por
meio de semelhantes possantes pilares que não parecerem possuir efeito estrutural e
que em direção a ela se lançam, à exemplo também dos que se encontram em Mariana
e não somente em Itaverava. A ambiência é muito bem elaborada, sendo possível
perceber atrás das estruturas arquitetônicas, “jardins deliciosamente iluminados cujas
árvores se desenham contra o céu brilhante” (NEGRO, 1958, p. 52). Fazem lembrar a
insinuação de uma paisagem que provoca a curiosidade de ser descoberta como a que
se encontra na tela Vista através das árvores no parque de Pierre Crozat, de Antoine
Watteau. Além do céu se repete a assembléia de anjos atrás de balcões, com
comportamentos muito próximos aos dos anjos em Itaverava, reforçando, tal qual lá, a
ambiência e seu papel na realização do conceito de visão.
66
querubins e querubins da visão - e em especial destaque anjos musicais, os quais se
apresentam tocando ou cantando alegremente para a Virgem, ela por sua vez coroada
por outros dois querubins e, tendo aos seus pés, a inusitada presença do rei Davi. É
irresistível comentar que as figuras tanto nessa como em algumas outras pinturas de
Ataíde, são mulatas. Nossa Senhora é uma belíssima mulata a olhar fixamente para o
sujeito que estiver no centro da nave contemplando-a em seu trono. Esse gesto da
Virgem colabora para tornar a dimensão do conceito de visão através de um portal,
maior que em qualquer obra de Ataíde. Aliás, nota-se disseminada e arraigada a
influência de uma concepção artística realista na obra dele (nos rostos do figurado e
nas atitudes em que eles se apresentam, na ambiência, na cor da arquitetura que
lembra a da pedra sabão natural da região, na representação da cultura local, sendo
que se sabe que os instrumentos representados faziam parte dos instrumentos usados
na Minas daquela época e que até as partituras pintadas nessa obra de Ataíde contem
“um código musical real e legível” (HILL, 2003, p. 226), que como um todo corrobora
para com o referido conceito. A visão apresenta-se muito próxima de quem está na
nave, não lembrando em nada, por exemplo, o que pintou Pozzo ou Correggio. Apesar
disso, mas sem gerar contradição, nessa área central nota-se significativa profundidade
perspéctica em torno da figura de Maria.
68
o tipo de maior complexidade já abordado. Inclusive, a arquitetura dele é muito menos
fantástica e também mais exeqüível.
Ao olhar para os detalhes que se desenvolvem nesse breve acréscimo
arquitetônico, de fato não mais alto que um parapeito, se nota a representação de
materiais e a presença de volumetria e ornamentação que em nada dialogam com o
que existe abaixo da cimalha. A conversa dessa arquitetura pictórica parece igualmente
restrita à estrutura espacial que a precede, como nos modelos de construção vazada.
Mas, antes de incorrer em contradição, é necessário ser mais atento à tectônica desses
muros-parapeitos e seu significado em relação ao todo no qual se inserem. Na maior
parte dos exemplos de construção vazada, não só a tectônica e sua ornamentação
podiam diferir da que se viam nas paredes dos templos, bem como aquilo que sobre as
cimalhas era acrescido nem exatamente concluía o que vinha abaixo delas, criando, por
exemplo, uma cúpula, ou uma abóbada como o fez Michelangelo, nem uma
continuidade à forma precedente era dada, como o fez Pozzo em Santo Inácio,
continuando a secção quadrangular do espaço da nave de Santo Inácio.
69
diagonais e arestas. A relação se amplia pela continuidade das faces do espaço,
mesmo não sendo realizada de acordo com os materiais, forma e ornatos que
constituem a faces internas das igrejas, como se vê em Santo Inácio. Portanto, o que o
conceito de muro-parapeito continua é o espaço do templo e não sua arquitetura como
um todo. Esse tipo faz lembrar as contínuas balaustradas entremeadas por pedestais
com estátuas, arrematando todo o perímetro do topo de edifícios como a Biblioteca de
San Marco, de Jacopo Sansovino, em Veneza ou o atual Museu da Inconfidência,
antiga Casa de Câmara e Cadeia, em Ouro Preto. Esse segundo modelo, em relação
ao primeiro, segundo Oliveira (2003, p. 283):
71
Cachoeira do Campo. Aliás, a pintura de Itabirito se aproxima muito desta última. Até
nos anjos dispostos ao redor da representação e no meio das nuvens, ambas se
parecem. Apesar disso, a dimensão alegórica da pintura de Cachoeira do Campo é
maior, pois as referidas seis figuras que a compõem parecem estruturar o portal. Já
aqui, nesse exemplo de Itabirito, o portal surge sobre a abóbada da capela-mor, de
modo muito semelhante ao que em São Roque, abóbada esta que acaba tendo suas
dimensões, mas não sua forma, alteradas pela arquitetura que recebe.
Deixe-me ser mais claro acerca desta última afirmação, pois tal observação pede
por isso, já que se tem nela outra fundamental questão do tipo espacial neste
subcapítulo abordado, a qual é em boa parte responsável por proporcionar a riqueza de
variações que se tem nele, e que as obras seguintes cumprirão mostrar. Como o muro-
parapeito, junto da cimalha, esconde o início da abóbada, perde-se a noção exata de
suas dimensões que acabam sendo ampliadas. No caso específico dessa pintura, tal
ampliação deve-se também ao branco que recobre o forro, dificultando assim a noção
de profundidade que se tem dele, a partir do chão da capela-mor, e em meio à
composição como um todo. Manter a forma da abóbada, porém pictoricamente distorcê-
la dimensionalmente, possibilitando obras de significados espaciais bastante distintos, é
uma das mais importantes características desse tipo.
Retomando, a dimensão alegórica é menor em Itabirito que em Cachoeira do
Campo, porque em Itabirito ela se resume ao portal que flutua por si, sem se
esparramar por toda a abóbada, abrangendo a relação estrutural, no sentido simbólico,
como a que possui a outra pintura. Porém, no lugar das seis figuras, tem-se uma bela
arquitetura e seus respectivos habitantes nascidos do Velho Testamento. Negro (1958,
p. 98) devidamente exalta a beleza dessa obra e destaca seu “espírito religioso do
Barroco”. Sobre Francisco Xavier Carneiro, marianense (MARTINS, 1974, p. 152),
conterrâneo de Ataíde, deduz Oliveira (2003, p. 284) que:
72
Mesmo com essas correspondências, a conterraneidade, a contemporaneidade e
a proximidade profissional, Oliveira (2003) mesmo destaca a inferior erudição de
Carneiro em relação à de Ataíde, e supõem que ele tenha adotado o partido de muro-
parapeito, após ter tentado realizar uma pintura em perspectiva com uma arquitetura
mais complexa e não ter obtido sucesso. Quer seja essa a razão para tal, quer não, tal
artista deixou admiráveis obras definidas por muros-parapeitos e concebidas no então
efervescente estilo rococó.
73
ligados pelos muros curvados e pouco ornamentados. No centro da nave tem-se um
painel representando o Dilúvio, com uma curiosa arca feita sob a forma de uma casa de
dois andares.
Rocalhas emolduram o painel como se fossem alto-relevos de madeira, fazendo
com que ele pareça estar aplicado sobre o forro pintado de branco. Apesar da boa
profundidade da composição, em momento algum se tem a forte sensação de estar
diante de um portal como em outras pinturas, não deixando dúvidas de se tratar de um
exemplo de quadro rebatido no teto. As figuras papais em pé atrás dos balcões habitam
o espaço criado entre a cimalha e o começo da abóbada, habitam um espaço próximo
do forro e sobre as paredes, espaço esse já descrito, mostrando-se acima daqueles que
estiverem na igreja.
74
No forro da nave da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, também em Mariana,
Carneiro realizou uma composição ainda mais simplificada, sem figura alguma
ocupando o espaço acima da nave. Nesse sentido toda a alegoria foi extinta, reduzindo
quase a nulidade o significado do espaço pictoricamente criado, este composto apenas
por balcões e plintos encimados por vasos com flores, todos ligados por muros retos.
Em geral, dilatar as dimensões da abóbada cria algo como que uma
materialidade para o Sagrado, ou para uma dimensão dele, ambientando o espaço
previamente para que seja criado na porção central do teto, tanto um painel, quanto um
portal. Portanto, a principal função desse muro-parapeito desabitado, que somente
guarda a propriedade de parapeito pela escala que apresenta e pelo contexto que
permite associá-lo a outros exemplares dos quais tal função é indissociável, nessa obra
é criar um espaço mais apropriado para a dimensão do sagrado expressa pelo painel,
colocado no meio do forro branco. Tal qual o da nave da igreja de São Francisco de
Assis, ele não adquire as dimensões alegóricas de um portal, mesmo contendo uma
representação de um apelo maior à Fé do que a da outra igreja. Tem-se nela “a entrega
do escapulário a S. João Stock pela Mãe Santíssima com o Menino Jesus ao colo entre
nuvens e anjos” (NEGRO, 1958, p. 123). Seu emolduramento também é realizado como
que por alto-relevos, exibindo as características curvas, contracurvas e concheados que
constituem as rocalhas. Lamentavelmente não se pode mais contemplar essa obra, pois
foi perdida num incêndio.
Para sustentar melhor essas afirmações, tomo o exemplo da pintura no forro da
capela-mor da Igreja de Nossa Senhora do Carmo em Sabará, de autoria ainda
desconhecida, com o qual se tem algo oposto ao que Francisco Xavier Carneiro
concretizou nessas duas obras suas. A arquitetura pintada em Sabará apresenta-se
significativamente mais povoada, dado o acréscimo dos anjos, e ao invés de um painel
na sua porção central, ela denota um portal. Mais surpreendente é que, dado o seu
formato cruciforme definido pelos limites da moldura, e contendo ao centro a abertura
em forma de elipse, as extremidades desse portal tocam os únicos balcões inabitados,
estes por sua vez posicionados nas mediatrizes dos lados da capela-mor. Esse contato
pode ter sido sugerido pelas reduzidas dimensões do suporte, ou seja, do forro da
capela-mor. Mas independentemente do processo de criação desse portal, seu
75
resultado produziu um efeito tal que faz com que ele seja entendido, como se estivesse
pousado acima da capela-mor, apoiando somente suas diminutas extremidades nos
referidos balcões, e estando alinhado com o nível superior do muro-parapeito.
76
que os balcões e púlpitos se projetam para dentro da capela-mor, em direção ao seu
centro, para além dos limites da cimalha, ampliando ainda mais o espaço habitável e
tornando-o ao mesmo tempo mais presente.
Fig. 78 – Forro da capela-mor da Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Séc. XVIII. Sabará.
Fonte: Andrade; Frota; Moraes, 1982.
Fig. 79 – Detalhe da pintura no forro da capela-mor da Igreja de Nossa Senhora do Carmo.
Séc. XIX. Sabará.
Fonte: Negro, 1958.
77
porção central da pintura de Cachoeira do Campo). Uma marcante diferença em
relação à Itabirito e Cachoeira do Campo está no significado que Manoel Victor de
Jesus cria, ao, por meio de nuvens menores rodeando o grande amontoado de nuvens
no centro, mostrar a formação da visão central. Ele mostra como o portal surge no meio
da nave da igreja: um redemoinho se forma, varrendo centripetamente as nuvens do
céu, formando no aglomerado resultante em seu centro, uma porta para o Céu. Essas
nuvens que circundam a porção mais central são muito diferentes das que se vê na
pintura de Ataíde em Ouro Branco, pois aquelas não tinham uma função tão clara como
estas, podendo-se dizer que eram mais decorativas.
Fig. 80 – Manoel Victor de Jesus, Portal da pintura no forro da nave da Igreja Matriz
de Nossa Senhora da Penha de Vitoriano Veloso. Séc. XIX. Prados.
Fonte: Oliveira, 2003.
Fig. 81 – Manoel Victor de Jesus, Pintura no forro da nave da Igreja Matriz de Nossa
Senhora da Penha de Vitoriano Veloso. Séc. XIX. Prados.
Fonte: Negro, 1958.
78
Manoel Victor de Jesus também pintou o forro da nave da Igreja de Nossa
Senhora das Mercês, em Tiradentes, existindo prova documental para tal afirmação.
Aliás, é pela comprovação dessa obra em Tiradentes, e pela confrontação estilística
que ela possibilitou, que especialistas chegaram à conclusão de que outras obras são
do mesmo artista, inclusive a realizada em Prados. (OLIVEIRA, 2003, p. 287). Nota-se
que ambas, em todos os aspectos, se desenvolvem de modo muito semelhante.
Porém, é relevante observar que outras variações dessa alegoria das nuvens
carregando as visões ocorreram, dentre as quais se pode destacar o curioso exemplo
da Igreja Matriz da cidade de Santa Luzia. Apoiada no caráter abstrato do fundo branco,
a representação da Assunção de Maria ocorre em duas partes isoladas. Um conjunto
de nuvens maior apresenta Nossa Senhora no Céu rodeada por anjos, e um conjunto
menor disposto abaixo desse, o túmulo aberto de onde Ela ressuscitara. Mais
interessante ainda, é que essa porção da visão que contém o túmulo, não é emoldura
79
totalmente pelas nuvens, dando a impressão de que toda a porção maior acima,
originou-se dessa porção menor no momento em que se abriu a tampa da sepultura. A
visão se forma ali em um só portal, entretanto visto em dois momentos imediatamente
subseqüentes e em espaços distintos.
Por fim, destaco a belíssima obra de Joaquim José da Natividade, natural de São
João del Rei (OLIVEIRA, 2003), na nave da Igreja Matriz de São Tomé das Letras, em
Baependi. Essa pintura guarda muitas semelhanças com a de Manoel Victor de Jesus,
entretanto, não exatamente pela sua qualidade de execução superior, e sim pelo
tratamento mais refinado dado a sua ambiência e pela não rigidez da elaboração da
visão, ela apresenta com mais força o conceito de portal, ela o apresenta de forma mais
real e envolvente.
Acerca dessas questões na obra em Prados, Negro (1958, p. 103) comentando
sobre as nuvens que emolduram a representação central, afirmou: “Nos bordos tornam-
80
se gríseas, maciças, unidas, formando uma moldura, ao invés de se diluir no céu, como
seria de se esperar numa visão...”. O que se tem para apreciar em Baependi é como
que uma resposta a precisa queixa de Negro: o oposto ali acontece e de fato ele faz
muita diferença, mais até do que a maior qualidade do pincel de Joaquim José da
Natividade.
Nessa pintura o portal é concebido de maneira mais elaborada. Não se tem, por
exemplo, uma moldura rígida envolvendo a visão, nem feita de rocalhas nem mesmo de
nuvens. O princípio do redemoinho centripetamente agindo sobre as nuvens do céu, se
repete, porém, através de um movimento mais elaborado, mais real. Sendo assim, ao
invés de formar na porção central uma massa sólida, ele cria um vazio cheio de luz com
o qual transmite a idéia de infinito, representando o Paraíso, e no qual se vê somente o
81
Espírito Santo. Sobre as nuvens que vão gradativamente se dispondo em torno da luz,
são dispostos o Pai, o Filho, inúmeros anjos de tipos diversos e São Tomé das Letras,
um pouco abaixo da Santíssima Trindade. Ainda encorpa a força, a capacidade de
transmitir ao sujeito naquela concepção espacial o significado proposto, e desse modo
amplia a distância qualitativa da sua construção em relação à da outra, o fato de que
algumas das figuras nos púlpitos olham para a visão, outras, assim como algumas
situadas na parte central, olham para o suposto sujeito que possa estar logo abaixo na
nave, lembrando assim o mesmo artifício que usou Ataíde em Ouro Preto, por exemplo.
Além disso, não seria justo deixar de ressaltar a qualidade da construção de seu
muro-parapeito, que se apresenta mais elaborado arquitetonicamente do que se vê em
muitas pinturas que possuem o mesmo tipo arquitetônico, o qual ainda foi dotado de
uma bela decoração e ocupado por um rico figurado.
Sei que comparações são muitas vezes injustas e também não penso que, em
certa medida, não sejam injustas as que acabo de realizar. Por exemplo, a intimidade
ou proximidade que propõem a pintura de Manoel Victor de Jesus aqui comentada, não
possui a de Joaquim José da Natividade, sendo que tal característica já se provou muito
poderosa, em termos de capacidade de comunicar um significado intentado por meio de
uma visão, ou ainda em termos de explorar as qualidades estéticas das relações
espaciais entre a arquitetura e a pintura em perspectiva, mas nem por isso quero
afirmar que a realizada em Prados é melhor do que a em santa Luzia. Reforço que
minha intenção com as comparações, foi mostrar principalmente como alguns
elementos da ambiência e da composição em si, foram explorados na construção do
conceito de portal nesse tão parecido tipo de concepção. Intento com isso auxiliar na
contemplação da dimensão iconológica dessas aparentemente tão próximas, porém
distintas pinturas, mas nunca afirmar que a pintura de Joaquim José da Natividade é
por si, como um todo melhor do que a de Manoel Victor de Jesus. Entendo que elas
produzam resultados diferentes, sendo ambos dotados de valores próprios, mesmo que
em alguns pontos semelhantes ou idênticos, uma possa de fato mostrar mais apuro que
a outra.
82
Como observação final, percebo que algumas hipóteses podem ser articuladas,
até mesmo com bastante propriedade como a que se segue, para justificar o tipo
espacial neste subcapítulo tratado.
Observe-se que foi naturalmente o modelo reduzido de pintura
perspectivista que conheceu maior popularidade em Minas Gerais,
possivelmente por ser de menor custo financeiro e maior facilidade de
execução, dispensando conhecimentos aprofundados de perspectiva
arquitetônica (OLIVEIRA, 2003, p. 286).
Mas o que penso ser mais importante do que tentar justificá-lo, é reconhecer o
quanto ele qualitativamente amplia a diversidade e agrega riqueza ao todo da
decoração religiosa no rococó mineiro.
83
CONCLUSÃO
Penso que não exista um tipo melhor, que não seja melhor a pintura de
construção vazada do que a de muro-parapeito. São diferentes, possibilitam espaços
distintos. Por exemplo, poucas são as pinturas de construção vazada que puderam criar
espaços com a leveza e amplitude como criaram algumas das pinturas de muro-
parapeito, bem como poucas ou nenhuma foram as pinturas de muro-parapeito capazes
de equiparar o caráter fantástico de algumas pinturas de construção vazada.
Do mesmo modo, entendo que não é melhor a pintura que consegue criar
“verdadeira ilusão de profundidade espacial” do que a que não consegue ou nem
intenta. Notei nos diversos autores que examinei, uma mesma ânsia, uma mesma
expectativa por encontrar naqueles forros, perspectivas arquitetônicas bem executadas,
ou simplesmente perspectivas arquitetônicas. Mitchell (2003) alerta para o fato de que o
melhor a se fazer diante de imagens, ou obras, é perguntar a elas qual a razão de sua
vitalidade, ou o que querem elas. Entendo que em muitas situações, como essa, por
exemplo, esses sejam de fato os questionamentos mais apropriados diante de uma
obra. Na presença da grande diversidade de obras que foram produzidas em Minas, da
qual aqui se viu uma parte, não há outro modo para contemplá-las individualmente, que
não seja sem um juízo de valor prévio tão dicotomizante como esse. Só assim se pode
fazer justiça ao que elas têm a oferecer.
Penso que essa obsessão em ver pinturas ilusionistas com perfeitas perspectivas
arquitetônicas, a qual ironicamente torna cego quem dela padece, possua raízes numa
certa síndrome de inferioridade, expressa, por exemplo, na afirmação sobre o “jogo de
perspectivas na melhor tradição européia”, da qual sofrem as culturas catequizadas
num sentido amplo, quero dizer, que acomete todas as pessoas que sofrem a
84
imposição de uma cultura alheia à sua, ou que têm anulada qualquer que seja a
manifestação em cuja potência demonstre autoctoneidade.
Aprofundando mais, penso que esse juízo de valor acerca dessas pinturas, seja
reflexo de um comportamento aprendido, o qual tem relação com a história das
civilizações de um modo geral, indo muito além de ser um aprendizado decorrente só
da plena tecnocracia atual. A história mostra que sempre a civilização que possuiu um
conhecimento técnico que lhe conferisse um determinado poder, ela dele usou para
dominar e subjugar uma outra que não pudesse combatê-lo. A pintura ilusionista em
perspectiva exige um domínio sobre uma técnica muito elaborada e laboriosa na sua
execução, certamente a mais complexa dentre as que foram empregadas em Minas. De
modo impulsivo, enraizado profundamente no inconsciente de quem se põe diante de
tal diversidade, o sujeito se vê levado a valorizar mais aquela obra que demonstra maior
complexidade técnica, pois nesse sentido “natural”, ele estaria se aproximando daquela
que poderia lhe oferecer mais poder ou segurança. Dois comportamentos se vêem
nessas atitudes: um tendendo à vassalagem e o outro à tirania. Ambas atitudes de
quem põe a fé na Técnica, e com isso produz um juízo estético genocida.
O ambiente em que foi produzida toda essa diversidade, da qual nesse trabalho
pode-se ter uma verdadeiramente pequena dimensão, certamente foi tão rico quanto o
quão ricas são essas obras. A todo o momento em que eu supus ter dado conta
estritamente das suas diferenças espaciais e de suas imediatas conseqüência
semânticas, percebi quão maior era a riqueza com a qual me deparava. Se pudesse
expandir este trabalho e relacioná-lo com as também tão genuínas experiências
escultóricas que ocorreram em solo mineiro, sinceramente não faço idéia de quando
poderia encontrar um termo minimamente satisfatório, como acho que encontrei para as
relações espaciais entre pintura e escultura. Não no sentido exato de encontrar um fim,
mas de finalmente encontrar um começo.
Compreendo que algo importante a ser deste trabalho observado é o esboço de
conceitos que permitem pensar e apreciar melhor as pinturas em perspectiva realizadas
em Minas, e talvez até em outros lugares que viveram tão ricos e remotos tempos como
esses que produziram estas. Portanto, sobre o suporte, primeiro notei que ele não se
resumia tão somente ao forro propriamente dito. Depois que, dada a importância de
85
uma escala realista, independentemente de sua precisão, capelas-mores ofereciam, em
geral, condições diferentes das que ofereciam as naves. Além disso, em alguns casos
notei ser fundamental o formato do teto, mas não em todos. Indelével é a importância
do espaço que essas formas desses forros criam para a pintura a ser realizada, sendo a
busca pela “superfície não coberta” deles, a anterior a qualquer pintura, uma referência
constantemente importante. Isso me pareceu estar associado diretamente à intenção de
espaço pretendida pelo pintor, em razão das suas concepções sobre o conteúdo
semântico relativo às representações a serem executadas. Notei algumas pinturas de
expressão mais decorativa e outras mais ilusionistas. Fascinantes altos-relevos se
distribuindo pela superfície das abóbadas. Arquiteturas mais exeqüíveis e outras mais
fantásticas. Em alguns casos, arquiteturas que de tão leves, parecem provisórias,
temporárias, ou ainda cenográficas.
Todas as pinturas possuem uma área central e uma circundante à mesma. Em
função do tratamento dado à área circundante, empreguei os termos arquitetura vazada
e muro-parapeito. As atribuições conferidas à parte que circunda a área central são as
principais responsáveis pelo tipo de espaço que criam pictoricamente, bem como pela
forma que dão ao espaço já pré-existente. Do tratamento dado ao quadro central, em
relação ao seu entorno e em relação a si mesmo, empreguei os termos painel e portal.
Notei ser fundamental a maneira como é realizada a ambiência em torno da área
central, agindo diretamente, mas não exclusivamente, sobre a diferenciação entre portal
e painel. Também, além obviamente do tipo de composição realizada na mesma,
fundamental são as características da perspectiva dentro dessa área central. Em
algumas pinturas se vê um diálogo entre o figurado da área periférica e o da área
central, bem como às vezes, um diálogo direto com o sujeito presente no chão da nave.
Desejo por fim, ponderar que acredito que esses esboços de conceitos possuam
potencial para serem mais bem trabalhados e adquirirem melhores corpos e
embasamentos. Entretanto, são apenas, apesar de úteis, esboços.
86
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS∗
ANDRADE, J. P. de; FROTA, L. C.; MORAES, P. de. Ataíde: vida e obra de Manuel da
Costa Ataíde. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1982.
∗
Baseadas na norma NBR 6023, de 2002, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
87
MUSEU NACIONAL D’ART DE CATALUNYA (Barcelona, Espanha). Museu Nacional
d’Art de Catalunya: guia. Barcelona, 2008.
SILVA, Regina Helena Dutra Rodrigues Ferreira da. Wölfflin: estrutura e forma na
visualidade artística. In: WÖLFFLIN, H. Renascença e Barroco: estudo sobre a
essência do estilo Barroco e a sua origem na Itália. São Paulo: Editora Perspectiva,
2005.
THE SCROVEGNI CHAPEL IN PADUA (Pádua, Itália). Giotto: the Scrovegni Chapel in
Padua. Skira Guide. Milão, 2004.
88
BIBLIOGRAFIA∗
ANDRADE, J. P. de; FROTA, L. C.; MORAES, P. de. Ataíde: vida e obra de Manuel da
Costa Ataíde. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1982.
∗
Baseadas na norma NBR 6023, de 2002, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
89
THE SCROVEGNI CHAPEL IN PADUA (Pádua, Itália). Giotto: the Scrovegni Chapel in
Padua. Skira Guide. Milão, 2004.
90
ÍNDICE DAS IMAGENS
92
Figura 35 João Nepomuceno Correia e Castro, Pintura no forro da nave 43
do Santuário do Bom Jesus de Matozinhos. [1777-1787].
Têmpera sobre madeira. Congonhas do Campo. Fonte: Negro,
1958...............................................................................................
Figura 36 João Nepomuceno Correia e Castro, Detalhe da pintura no forro 43
da nave do Santuário do Bom Jesus de Matozinhos. [1777-
1787]. Têmpera sobre madeira. Congonhas do Campo. Fonte:
Menezes, 1965..............................................................................
Figura 37 João Nepomuceno Correia e Castro, Outro detalhe da pintura 44
no forro da nave do Santuário do Bom Jesus de Matozinhos.
[1777-1787]. Têmpera sobre madeira. Congonhas do Campo.
Fonte: Google Imagens.................................................................
Figura 38 Capela do Seminário Menor. Séc. XVIII. Mariana. Fonte: Negro, 46
1958...............................................................................................
Figura 39 Antonio Martins da Silveira, Pintura no forro da capela do 46
Seminário Menor. 1782. Têmpera sobre madeira. Mariana.
Fonte: Oliveira, 2003.....................................................................
Figura 40 João Batista de Figueiredo, Pintura no forro da capela-mor da 47
Igreja de Nossa Senhora do Rosário. 1790. Têmpera sobre
madeira. Santa Rita Durão. Fonte: Google Imagens....................
Figura 41 João Batista de Figueiredo, Painel central da pintura no forro da 47
capela-mor da Igreja de Nossa Senhora do Rosário. 1790.
Têmpera sobre madeira. Santa Rita Durão. Fonte: Oliveira,
2003...............................................................................................
Figura 42 João Batista de Figueiredo, Detalhe da pintura no forro da 48
capela-mor da Igreja de Nossa Senhora do Rosário. 1790.
Têmpera sobre madeira. Santa Rita Durão. Fonte: Negro, 1958..
Figura 43 João Batista de Figueiredo, Detalhe da pintura no forro da 48
capela-mor da Igreja de Nossa Senhora do Rosário. 1790.
Têmpera sobre madeira. Santa Rita Durão. Fonte: Negro, 1958..
Figura 44 João Batista de Figueiredo, Pintura no forro da nave da Igreja 50
Matriz de Nossa Senhora de Nazaré. 1778. Têmpera sobre
madeira. Santa Rita Durão. Fonte: Negro, 1958...........................
Figura 45 João Batista de Figueiredo, Quadro central da pintura no forro 50
da nave da Igreja Matriz de Nossa Senhora de Nazaré. 1778.
Têmpera sobre madeira. Santa Rita Durão. Fonte: Negro, 1958..
Figura 46 João Batista de Figueiredo, Pintura no forro da nave da Igreja 51
de Nossa Senhora do Rosário. 1790. Têmpera sobre madeira.
Santa Rita Durão. Fonte: Negro, 1958..........................................
Figura 47 João Batista de Figueiredo, Portal central da pintura no forro da 51
nave da Igreja de Nossa Senhora do Rosário. 1790. Têmpera
sobre madeira. Santa Rita Durão. Fonte: Negro, 1958.................
Figura 48 Antônio Francisco Lisboa, Capela-mor da Igreja de São 53
Francisco de Assis. [179?]. Ouro Preto. Fonte: Fotografia do
autor..............................................................................................
93
Figura 49 Antônio Francisco Lisboa, Teto da capela-mor da Igreja de São 53
Francisco de Assis. [179?]. Madeira talhada. Ouro Preto. Fonte:
Fotografia do autor........................................................................
Figura 50 Manoel da Costa Ataíde, Lambri da capela-mor da Igreja de São 54
Francisco de Assis. [1801-1811]. Óleo sobre madeira. Ouro
Preto. Fonte: Fotografia do autor..................................................
Figura 51 Manoel da Costa Ataíde, Detalhe do lambri da capela-mor da 54
Igreja de São Francisco de Assis. [1801-1811]. Óleo sobre
madeira. Ouro Preto. Fonte: Andrade; Frota; Moraes, 1982.........
Figura 52 Manoel da Costa Ataíde, Pintura no forro da capela-mor da 55
Igreja de Santo Antônio. [1806]. Têmpera sobre madeira. Santa
Bárbara. Fonte: Campos, 2007.....................................................
Figura 53 Manoel da Costa Ataíde, Painel central da pintura no forro da 57
nave da Igreja de Santo Antônio. Séc. XIX. Têmpera sobre
madeira. Ouro Branco. Fonte: Andrade; Frota; Moraes, 1982......
Figura 54 Manoel da Costa Ataíde, Pintura no forro da nave da Igreja de 58
Santo Antônio. Séc. XIX. Têmpera sobre madeira. Ouro Branco.
Fonte: Negro, 1958........................................................................
Figura 55 Manoel da Costa Ataíde, Detalhe da visão do portal da pintura 60
no forro da capela-mor da Igreja do Rosário dos Pretos. [1823].
Têmpera sobre madeira. Mariana. Fonte: Andrade; Frota;
Moraes, 1982.................................................................................
Figura 56 Manoel da Costa Ataíde, Pintura no forro da capela-mor da 61
Igreja do Rosário dos Pretos. [1823]. Têmpera sobre madeira.
Mariana. Fonte: Andrade; Frota; Moraes, 1982............................
Figura 57 Manoel da Costa Ataíde, Pintura no forro da capela-mor da 62
Igreja Matriz de Santo Antônio. Séc. XIX. Têmpera sobre
madeira. Itaverava. Fonte: Oliveira, 2003....................................
Figura 58 Manoel da Costa Ataíde, Portal da pintura no forro da capela- 63
mor da Igreja Matriz de Santo Antônio. Séc. XIX. Têmpera sobre
madeira. Itaverava. Fonte: Andrade; Frota; Moraes, 1982............
Figura 59 Manoel da Costa Ataíde, Detalhe da pintura no forro da capela- 63
mor da Igreja Matriz de Santo Antônio. Séc. XIX. Têmpera sobre
madeira. Itaverava. Fonte: Menezes, 1965...................................
Figura 60 Manoel da Costa Ataíde, Pintura (montagem fotográfica da) no 64
forro da nave da Igreja de São Francisco de Assis. [1801-1811].
Têmpera sobre madeira. Ouro Preto. Fonte: Negro, 1958............
Figura 61 Manoel da Costa Ataíde, Pintura no forro da nave da Igreja de 64
São Francisco de Assis. [1801-1811]. Têmpera sobre madeira.
Ouro Preto. Fonte: Andrade; Frota; Moraes, 1982........................
Figura 62 Manoel da Costa Ataíde, Detalhe da pintura no forro da nave da 65
Igreja de São Francisco de Assis. [1801-1811]. Têmpera sobre
madeira. Ouro Preto. Fonte: Fotografia do autor..........................
Figura 63 Antoine Watteau, Vista através das árvores no parque de Pierre 66
Crozat. 1715. Óleo sobre tela. 46,7 x 55,3 cm. Fonte: Google
Imagens.........................................................................................
94
Figura 64 Manoel da Costa Ataíde, Portal da pintura no forro da nave da 67
Igreja de São Francisco de Assis. [1801-1811]. Têmpera sobre
madeira. Ouro Preto. Fonte: Fotografia do autor..........................
Figura 65 Excerto do primeiro volume do tratado de Andrea Pozzo. 1693. 68
Fonte: Pozzo, 1693.......................................................................
Figura 66 Excerto do primeiro volume do tratado de Andrea Pozzo. 1693. 68
Fonte: Pozzo, 1693.......................................................................
Figura 67 Jacopo Sansovino, Biblioteca de San Marco. 1537. Veneza. 69
Fonte: Fotografia do autor.............................................................
Figura 68 José Fernandes Pinto Alpoim, Casa de Câmara e Cadeia. 69
[178?]. Ouro Preto. Fonte: Fotografia do Autor.............................
Figura 69 Arco do retábulo-mor e pintura no forro da capela-mor da Igreja 70
do Bom Jesus de Matozinhos. Séc. XVIII. Itabirito. Fonte:
Google Imagens............................................................................
Figura 70 Detalhe da pintura no forro da capela-mor da Igreja do Bom 71
Jesus de Matozinhos. Séc. XVIII. Itabirito. Fonte: Negro, 1958....
Figura 71 Portal da pintura no forro da capela-mor da Igreja do Bom Jesus 71
de Matozinhos. Séc. XVIII. Itabirito. Fonte: Negro, 1958..............
Figura 72 Nave da Igreja de São Francisco de Assis. Séc. XVIII. Mariana. 73
Fonte: Google Imagens.................................................................
Figura 73 Francisco Xavier Carneiro, Painel central da pintura no forro da 73
nave da Igreja de São Francisco de Assis. Séc. XIX. Têmpera
sobre madeira. Mariana. Fonte: Oliveira, 2003.............................
Figura 74 Nave da Igreja do Carmo. Séc. XVIII. Mariana. Fonte: Google 74
Imagens.........................................................................................
Figura 75 Francisco Xavier Carneiro, Pintura no forro da nave da Igreja do 74
Carmo. [1826]. Têmpera sobre madeira. Mariana. Fonte:
Oliveira, 2003................................................................................
Figura 76 Francisco Xavier Carneiro, Painel central da pintura no forro da 74
nave da Igreja do Carmo. [1826]. Têmpera sobre madeira.
Mariana. Fonte: Oliveira, 2003......................................................
Figura 77 Pintura no forro da capela-mor da Igreja de Nossa Senhora do 76
Carmo. Séc. XIX. Têmpera sobre madeira. Sabará. Fonte:
Negro, 1958...................................................................................
Figura 78 Forro da capela-mor da Igreja de Nossa Senhora do Carmo. 77
Séc. XVIII. Sabará. Fonte: Andrade; Frota; Moraes, 1982............
Figura 79 Detalhe da pintura no forro da capela-mor da Igreja de Nossa 77
Senhora do Carmo. Séc. XIX. Têmpera sobre madeira. Sabará.
Fonte: Negro, 1958........................................................................
Figura 80 Manoel Victor de Jesus, Portal da pintura no forro da nave da 78
Igreja Matriz de Nossa Senhora da Penha de Vitoriano Veloso.
Séc. XIX. Têmpera sobre madeira. Prados. Fonte: Oliveira,
2003...............................................................................................
Figura 81 Manoel Victor de Jesus, Pintura no forro da nave da Igreja 78
Matriz de Nossa Senhora da Penha de Vitoriano Veloso. Séc.
XIX. Têmpera sobre madeira. Prados. Fonte: Negro, 1958..........
95
Figura 82 Manoel Victor de Jesus, Pintura no forro da nave da Igreja de 79
Nossa Senhora das Mercês. Séc. XIX. Têmpera sobre madeira.
Tiradentes. Fonte: Oliveira, 2003..................................................
Figura 83 Portal da pintura no forro da nave da Igreja Matriz de Santa 80
Luzia. Séc. XIX. Têmpera sobre madeira. Santa Luzia. Fonte:
Negro, 1958...................................................................................
Figura 84 Joaquim José da Natividade, Pintura no forro da nave da Igreja 81
Matriz de São Tomé das Letras. Séc. XIX. Têmpera sobre
madeira. Baependi. Fonte: Oliveira, 2003.....................................
Figura 85 Esquema da pintura de Joaquim José da Natividade no forro da 81
nave da Igreja Matriz de São Tomé das Letras. Fonte: Oliveira,
2003...............................................................................................
96