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Universidades Lusíada

Bencheci, Natalia, 1988-


Viagens de arquitectura : o Panteão de Roma e o
museu La Congiunta
http://hdl.handle.net/11067/1611

Metadados
Data de Publicação 2015-09-10
Palavras Chave Arquitectura - Estética, Criatividade, Percepção
Tipo article
Revisão de Pares Não
Coleções [ULL-FAA] RAL, n. 5 (1.º semestre 2014)

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http://repositorio.ulusiada.pt
BENCHECI, Natalia (2014). Viagens de arquitectura: o Panteão de Roma e o Museu La
Congiunta. Revista Arquitectura Lusíada, N. 5 (1.º semestre 2014): p. 75-88. ISSN 1647-900

viagens de arquitectura:
o panteão de roma e o museu la congiunta

Natalia Bencheci
nataliabencheci@gmail.com

Resumo
A experiência arquitectónica é sempre uma experiência estética quando esta tem a
capacidade de nos emocionar profundamente. Os níveis de emoção estética passa pela
sensibilidade sobre os acontecimentos espaciais únicos e, igualmente, pela intelectualização
dessa mesma experiência. A arquitectura constitui e fala-nos de significados, de ideias.
Poderíamos falar da arquitectura enquanto referência cultural dominando a paisagem ou
adoçando-se estrategicamente a ela; a arquitectura enquanto imagem dos desejos e sonhos
do próprio homem.
Experienciar arquitectura implica estar atento ao que se vê, mas também provocar
conscientemente e conduzir o nosso corpo à experiência. Implica questionar como vivemos
um edifício, o que pretendemos extrair desta experiência. Como este se relaciona com o seu
entorno e o porque disto; como entramos na arquitectura e que sensações produz em nós;
como se materializam os seus limites e como comunica com o exterior ou com a sucessão de
outros tantos espaços. Onde é que os nossos sentidos tendem a concentrar-se? Como é a luz
e o som que gera? O que apela ao tacto, ao cheiro?
Assim, segundo Jesús Mª Aparicio Guisado, os edifícios tornam-se a primeira fonte de
conhecimento da arquitectura. Esta fonte não se esgota apenas na compreensão material de
um edifício enquanto objecto, mas apresenta-se, sobretudo, enquanto porta que se abre ao
mundo do pensamento e da interpretação.
A arquitectura deve ser capaz de criar atmosferas e vivências transversais ao tempo.
O homem vive de conforto e qualidade e esta relação secular do homem com o espaço
arquitectónico busca, incessantemente, o diálogo e a procura do Belo. A arquitectura deve ser
capaz de constituir lugares em que o homem possa habitar poeticamente.

Palavras-chave
Experiência, Percepção, Poética, Memória, Criatividade.

Abstract
The present dissertation arises from a sense of acquaintance with fundamental questions
of architecture such as the way we fashion buildings and how creative processes take shape
from such architectural experience. The aesthetic experience as sense experience means that
we perceive either architecture or the world itself on a sensitive way. Furthermore, we may talk
about actual living by taking that experience to the level of conscientiousness. Yet, by being
an individual one should keep in mind that mind-body-world means relativity on acquaintance
that springs from individual intrinsic own characteristics and where knowledge takes place and
memory plays a fundamental role on its organization by giving mind-body-world an existential
consistency that frames our own existence as well as creates an active framework for creativity
itself. Consequently, the creative act embodies an high accuracy and specificity that only the
art object displays.
The role of memory becomes indispensable at the level of experience because it gives
temporal continuity to former experiences and thus grounds experience permanently and yet if
also becomes fundamental on the creative process of designing. The genesis of this process

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lies on the complexity of relation that mind, body and world builds up and memory organizes
and records on a mind-body-word basis where former actual experiences form the hard core
of the creative mind that flourishes and might be directed conscientiously, intuitively and,
last but not least, aesthetically. We may than think on the number of aesthetic experiences
that the individual has perform on a general way and on a special way on the quality and
sense dimension of such experiences. It is a permanent demand to feed memory with new
experiences that mean novelty independently of a chronology, of the age of the art object.
All aesthetic experience is a mean to build up the power of the subject that consequently
increases creativity whose complexity we may not understand completely but that we can,
nonetheless, inquire into.

Key-words
Experience, Perception, Poetry, Memory and Creativity.

Sempre que se pensa em arquitectura, sucede, inevitavelmente, uma sequência


de imagens e sensações, tanto mais reais e presentes quanto a intensidade da própria
experiência que teve a capacidade de as armazenar no “baú” da nossa memória. O processo
de entendimento da arquitectura passa por via de três fases fundamentais e tem o seu
fundamento válido explicado na corrente filosófica da fenomenologia.

A percepção é vista enquanto acto de validação da experiência estética que é sempre


particular e subjectiva. A reflexão ajuda-nos a compreender a possibilidade de combinações
e intensidade dos elementos essenciais da arquitectura e da importância das obras de
arquitectura. Culminando este processo na validação de um processo criativo particular, pois,
acredita-se que seja essencial alimentar a sensibilidade, a intuição e a memória, na medida
em que a experiência estética pode levar à produção de projectos estéticos.

Foi sob esta perspectiva que, para sustentar a precisão da experiência estética, recorre-se
à selecção criteriosa destas duas obras de arquitectura, paradigmáticas referências enquanto
experiência arquitectónica in situ. São obras que foram visitadas com algum espaço temporal
de intervalo durante o percurso académico. Uma delas, desde cedo teve a enorme capacidade
de despertar um grande interesse, mas juntamente com muitas outras obras, estas foram
fundamentando as vivências, as memórias e a própria sensibilidade arquitectónicas. Aqui,
pretende-se fundamentar, teoricamente, o carácter único da consciência da percepção e da
particular beleza das sensações obtidas quando habitamos no espaço e no tempo real das
coisas.

E é sob o efeito da emoção estética e intelectual que se debruça a escolha de falar sobre:
o Panteão de Roma, enquanto condensador da ideia de “espaço ideal” através da emoção
da luz; e sobre o Museu La Congiunta de Peter Märkli1, em Giornico, enquanto caixa de som
e solitude.

Gostaria de explorar o que há de essencial nestas grandes obras de arquitectura. Pela


sua unicidade, estas constituem exemplos paradigmáticos da história da arquitectura e, por
sua vez, revelam-se como referências incontornáveis para qualquer arquitecto.

O presente artigo centra-se no ponto de vista do acto da experiência e da consciência


dos cinco sentidos sobre a percepção destas obras de arquitectura que se encontram,

1 Peter Märkli (1953 - ) arquitecto suíço, nasceu em Zurich. Enquanto se formava na ETH de Zurich, desenvolvia
uma relação de familiaridade com o arquitecto Rudolf Olgiati e o esculptor Hans Josephsohn, tornando-se seus
ídolos. Desde 1978 tem o seu próprio atelier de arquitectura em Zurich. E desde 2003 que lecciona Projecto
na ETH de Zurich. As suas obras mais importantes são: La Congiunta (1992), em Giornico; Casa Gantenbein
(1995), em St. Gallen, e PicassoHaus (2008), em Basileia.

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sempre, prontas para serem percepcionadas e habitadas, independentemente do tempo que


representam, e independentemente das circunstâncias dos seus autores e dos mais variados
agentes incluídos na sua construção ou divulgação.

Apenas tenta-se descrever, poeticamente, as nossas experiências em cada uma destas


arquitecturas. Esta consciência sobre as nossas sensações provoca estímulos criativos, que
através do uso da memória e da intuição, ganham uma componente operativa muito forte no
chamado processo criativo.

Panteão de Roma [118-128]

O edifício ergue-se na sua mais imponente autonomia e beleza, capaz de nos envolver
numa relação forte connosco mesmos num tempo indefinido, ou até infinito. Este edifício vive
de uma espacialidade única, quase absoluta. Uma majestosa definição como esta torna-se
modesta quando nos referimos ao Panteão de Roma.

O Panteão é uma obra que fala por si, melhor do que outro alguém o consegue fazer; é
um edifício com alma própria. Não será por acaso que o Tempo tratou de o escolher como a
obra de arquitectura por excelência, um dos grandes paradigmas da criação humana.

O impacto que o Panteão produz, quando é visitado pela primeira vez, é de uma emoção
inexplicável. E quando nos apresentamos diante dele livres de expectativas sobre ideias
arquitectónicas e pré-conceitos, presenciamos uma experiência genuína, tão sensorial e
quase irracional que, inconscientemente, somos conduzidos àquilo que se poderia chamar
de essência arquitectónica. Provavelmente, experiências tão ricas como esta, leva muitas
pessoas a sonhar e a escolher estudar e pensar mais profundamente a arquitectura.

Umas das descrições mais fascinantes sobre esta magnifica obra é a de Steven Holl
que, poeticamente nos expões as suas emoções arquitectónicas: “No espantoso espaço do
Panteão, primeiramente senti paixão, a forte capacidade da arquitectura envolver todos os
sentidos. Todos os dias, a sua aparência mudava dramaticamente a luz que passava através
do óculo aberto. Nas manhãs chuvosas, a luz reflectia-se nas gotas da água da chuva que
caíram lentamente sobre o chão [...]. Num dia nebuloso seduzia a luz proveniente do grande
orifício, a neblina torna a luz ainda mais visível, como que de um cilindro sólido de luz do sol
matinal se tratasse. [...] A sua silenciosa clareza, organizada pela luz e pela sombra, abrangeu
a minha imaginação com esta abstracta e invertida noção de espaço interior e exterior.”2

Nos espaços de arquitectura, que emocionam verdadeiramente, há uma tendência


de ficarmos irracionalmente desorientados nas nossas sensações. O sentido de estar,
sensitivamente, perdidos num espaço, sem ter necessariamente a noção do que estamos a
experienciar é, também, emoção.

Estar no espaço do Panteão provoca estímulos sensoriais que permitem tomar a


consciência de que a experiência é única e que tem o seu carácter particular, no entanto, não
se sabe porque é que e o que é que acontece precisamente. Muitas vezes, é necessário voltar
a habitar o espaço para entender que é fundamental adquirir uma certa dose de sensibilidade
na leitura dos elementos que constituem a arquitectura e que nos ajuda a decifrar a sua
própria linguagem e significados intrínsecos. Entender que é num processo de descrever

2 In the tremendous space of the Pantheon, I firstfelt the passion, the forceful capacity, of architecture to engage all
the senses. Each day, its appearence varied with the dramatically changing shaft of light that passed through the
open occulus. On rainy mornings, the cylinder of downpouring light contained flashes of raindrops reflected as
they slowly fel to the floor [...]. A hazy day rendered the light from the great round orifice more visible, like a solid
cylinder of morning sunlight. [...] Its silent clarity, ordered by light and darkness, embraced my imagination with its
abstract inversion of interior and exterior space. (Holl em A+U, 1994, p. 122)

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acontecimentos e de descoberta de uma lógica que associa estes acontecimentos que se


pode chegar à essência das coisas.

Para tal, recorre-se à memória para reviver o que de mais relevante ficou impresso nela - o
momento que nos tocou. Mas também para recuperar a ideia do que é o edifício no seu todo,
sendo que, apenas mentalmente, na cabeça de cada um de nós, está a apreensão da totalidade
de uma coisa. A coisa, por sua vez e inevitavelmente, é constituida por partes que tomam uma
sequência particular segundo uma lógica que as organiza enquanto todo.

Curioso é de notar que a fotografia é, sem dúvida, um instrumento que é capaz de captar
as demais partes de um edifício mas nunca o seu todo. A fotografia capta um experior ou um
interior, sempre separadamente. E até a própria percepção in situ tem uma certa insuficiência
de captar o todo, logo à primeira. A percepção capta sempre sequências de partes de um todo
que só se deixa entender e apreender enquanto um todo no nível intelectual da experiência,
através de um percurso. Assim, a fotografia revela-se um óptimo auxiliar de memória, enquanto
instrumento fundamental para reviver ambientes.

A propósito da fotografia, Antonio Jiménez Torrecillas cita, resumindo, algumas das ideias
fundamentais do uso da fotografia no processo de aprendizagem: “[…] Fotografar é anotar um
momento, congelá-lo, porque em nós provocou mudanças e não queremos esquecê-lo. (...)
Luis Barragán acumulou fotografias importantes ao longo da sua vida. Passava longas horas
olhando-as observando as imagens por si escolhidas, na tentativa de ver para além daquilo que
mostravam, tentando transportar-se para o primeiro momento em que as viu, para não esquecer
essa primeira sensação e todas as impressões que essa experiência despertara em si próprio.
Tudo aquilo que a fotografia não diz mas que, todavia, percebemos nela. Porque quem fotografa
pode, por via do acto de contemplar, recordar o impulso que presidiu à captação daquela imagem.
E quem aprendeu algo numa fotografia, pode reviver o momento dessa aprendizagem.”

E não será por acaso que quando pensamos no Panteão de Roma, a primeira imagem que
nos surge ao reviver o momento de aprendizagem, seja a da luz. Aquela luz é especial.

E porque, exteriormente, o edifício se apresenta em forma de um tambor cilíndrico, duro,


pesado e fechado por uma cúpula suavemente encurvada; nada faz antecipar a espectacularidade
do espaço interior. A sensação que temos a partir do seu interior é a de um espaço cavernoso
mas soberbamente divino. Porque naquele espaço de sombras, apenas um vão deixa que a
luz caia de cima. Uma luz tão abundante como magnífica que adquire a geometria cilíndrica do
vão. É como se de uma faca de luz, que corta a escuridão do seu interior, se tratasse. E assim,
a luminosidade, altamente controlada, infiltra-se no espaço para produzir esse efeito de raio de
luz que invade o interior do Panteão e, consequentemente, a nossa alma.

O espaço é abstracto e absoluto na medida em que não estabelece quaisquer relações


directas com um exterior; com uma paisagem que nos revele as transformações e a passagem
do tempo. E é nesta abstracção que vivemos o silêncio da arquitectura. Um silêncio receptivo,
que nos faz reviver e recordar. Recordamos os passos dos romanos que se desvaneceram aos
poucos para nos restituir a lentidão do tempo e o silêncio do passado.

Assim, este espaço vive para além de uma dependência com um ser exterior a ele próprio,
criando uma atmosfera única e atemporal, apenas através da luz zenital que escorre pelo óculo
de 9 metros de diâmetro neste espaço adireccional no qual cabe, abstractamente, uma esfera de
43,5 metros de diâmetro. Esta é uma esfera que se inscreve no volume interior do edifício e tem
a medida exacta para sentirmos a extraordinária enormidade do espaço. A dilatação reduz-nos à
nossa condição de pequenez enquanto humanos, perante a presença de um espaço assim.

E apesar do peso evidente dos aproximadamente 7 metros de espessura dos muros,


delicadamente, neles são escavados os nichos aos quais se acrescentam umas colunas à

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frente. O efeito de aberturas que estas colunas provocam, impedem que nos sintamos presos
no interior do Panteão.

A curvatura da cúpula é “esculpida” de caixotões na ideia de “colocar os materiais e


superfícies, propositadamente, à luz e observar como reflectem.” (Zumthor, 2009a, p. 61) Existe
o peso efectivo das coisas, mas que é anulado pela força poética da luz zenital que o óculo
deixa entrar. Sentimo-nos dominados pela imensidão e por algo especial, que esta luz produz
em nós.

Sentir a atmosfera envolvente, gera em nós a sensação de leveza, pois é através dos
sentidos que o ser humano valida o seu conhecimento mais primitivo sobre as coisas. O homem
sonhou, acreditando que, por a cúpula ser tão alta, a chuva poderia evaporar-se antes de chegar
ao chão. Por isso è que o Panteão “[…] proclama la belleza de la arquitectura despojada, sólo
tensada por la luz, música sublime a través de instrumentos de viento.”3 (Baeza, 2009, p. 11)

E não será por acaso que o pórtico é orientado a norte. Assim se posiciona, propositadamente,
para dar profundidade à entrada, criando uma sombra intensa e fazendo desaparecer na
escuridão da sombra o elemento arquitectónico pelo qual tivemos acesso ao interior do edifício.
Aqui, a escala do pórtico é particularmente importante. Estamos a falar de uma intenção de
projecto, porque tudo na arquitectura tem uma razão de ser, e aqui, no Panteão o objectivo é o
de conseguir reforçar o acontecimento principal daquele espaço, dando ênfase àquela luz divina
que cai do céu, tão teatralmente, em dias quando a luz do sol é intensa.

Assim, esquecemos do facto de termos entrado pelo pórtico. A sensação é a de como se


estivéssemos entrado naquele espaço pelo óculo, trazidos pela luz, à semelhança do episódio
da Casa Farnsworth, tal como Alberto Campo Baeza nos conta, num dos seus textos, Quando
Mies van der Rohe entrou pelo óculo do Panteão dentro da Casa Farnsworth:

[…] Mies van der Rohe pretendia aterrar com a sua casa-nave no centro do espaço
romano esférico. [...] Porque como raio haveria uma casa tão magnífica e tão
magnificada, tão grande, de passar por aquele pequeno óculo por onde o sol se
introduzia no Panteão? [...] E eis que chegou o momento e deu-se o milagre. […] As
dimensões do Panteão, com os 43,5 metros do diâmetro da sua esfera interior e os
9,5 metros de diâmetro do disco do seu óculo tornam perfeitamente possível que
a casa Farnsworth, que mede 9 metros de largura4, entre sem qualquer problema,
voando, através daquele orifício divino. (Baeza, 2011, p. 38)

Alberto Campo Baeza refere-se à importância de conhecermos o mundo, também através


das medidas exactas das coisas. Não esquecendo que “el conocimiento posterior al sensitivo
(…) es el que realiza a través de la inteligencia. La inteligencia nos hace ir más allá de la
apariencia de las cosas, nos hace llegar a su substancia.”5 (Guisado, 2008, p. 13)

Este edifício, sublimemente antigo, “[…] fala do tempo antes do próprio tempo; a ausência
de tempo ou, pelo menos, a extraordinária pedra que mantém as questões do tempo em aberto.
Em cada edifício, o pensamento e a percepção parecem estar em equilíbrio; aqui, o fenómeno
está ao nível do poder das ideias.”6 (Holl, 1994, p. 124).

3 “[...] proclama a beleza da arquitectura despojada, tencionada apenas pela luz, música sublime emitida por
instrumentos de sopro.” (Tradução nossa)
4 As dimensões a que o autor Alberto Campo Baeza se refere têm um carácter poético. Sendo que as dimensões
reais são: diâmetro do óculo do Panteão é de 9 metros e a largura da Casa Farnsworth é de 8,40 metros.
5 “o conhecimento depois dos sentidos (...) é o que se realiza através da inteligência. A inteligência faz-nos ir para
além da aparência das coisas, faz-nos chegar à sua essência.” (Tradução nossa).
6 […] speaks of the time before time; an empty time or at least a prodigious stone instant that keeps questions of
time open. In each building, thought and perception seemed balanced; here phenomena felt equal to the power
of the ideas. (Holl, 1994, p. 124)

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Para Peter Zumthor (2009b, p. 12), “a arquitectura tem o seu espaço de existência.
Encontra-se numa ligação especial com a vida.” A arquitectura é “um recipiente sensível
para o ritmo dos passos no chão”. E o Panteão de Roma é, sem dúvida, um recipiente em
que “nada falta, nada sobra; esta definición contiene ya toda la genialidad de la poética
aristotélica.”7 (Muntañola, 1981, p. 22) É um recipiente com uma geometria precisa e as
proporções apuradas. Por assim dizer, parece que todos os elementos que compõem esta
arquitectura reforçam a ideia de estar tudo no seu devido lugar, não pecando nem por falta
nem por excesso. Segundo o Pallasmaa, trata-se de um ideal inalcançável, este o da beleza,
que toca momentaneamente o eterno. Estamos a falar de um ideal de beleza que é expressa
no Panteão de Roma através da sua temporalidade imaterial.

E dentro do Panteão, nem a presença excessiva de pessoas que se encontram no espaço,


ao mesmo tempo que nós, nem o ruído que elas produzem, impedem de nos sentirmos sós na
mais profunda contemplação das suas qualidades. A contemplação é “um jogo absolutamente
superior à vida; contemplar absortos pelo espaço que nos envolve, que nos deixa voar por
entre imaginários distantes, ali, diante de nós também eles construídos.” (Durão, 2008)

Há mais de 400 anos, até Miguel Ângelo não se absteve quando pronunciou as seguintes
palavras sobre o Panteão de Roma: “desenho angélico e não humano”.

Ilustração 1 – Frontão do Panteão de Roma. (Ilustração nossa, 2011).

7 “nada falta, nada sobra; esta definição contém já toda a genialidade da poética aristotélica.” (Tradução nossa).

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Ilustração 2 – Pórtico do Panteão de Roma. (Ilustração nossa, 2011).

Ilustração 3 – Vista interior sobre a cúpula do Panteão de Roma. (Ilustração nossa, 2011).

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Ilustração 4 – Interior do Panteão de Roma. (Ilustração nossa, 2011).

Ilustração 5 – Interior da cúpula do Panteão de Roma. A riqueza de luz e da sombra através


da materialidade. (Ilustração nossa, 2011).

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Museu La Congiunta [1992] – Peter Märkli

Tudo começa no Vale Levetina, por entre maciços rochosos gigantescos como que
ameaçando desde sempre a pequena vila de Giornico. Por entre as casas típicas de montanha,
espalhadas pelo Vale com os seus telhados acentuados, procura-se pela chave algures num
café no centro da vila. Chave na mão. Percorre-se por entre casas, travessam-se belas pontes
de pedra. Deixam-se para trás as casas e até as torres das igrejas românicas que marcam
o território, até nos “perdermos” por entre as vinhas. E, assim, encontramo-nos perante o
Museu La Congiunta. Este insólito volume maciço de betão - pedra artificial - quase numa
afronta metafórica com as montanhas em seu redor. Caminha-se ao longo de toda a fachada
do edifício até darmos com a porta de aço. Ousamos entrar. Somos apenas nós e o espaço –
esta caixa de luz e de som.

Cada espaço funciona como um instrumento grande, colecciona, amplia e transmite os


sons. […] Infelizmente, muitas pessoas hoje em dia já não reparam no som do espaço. […]
Acho que os edifícios soam sempre. […] Acho muito bonito construir um edifício e pensá-lo a
partir do silêncio. (Zumthor, 2009a, p. 29-31)

E estes espaços de La Congiunta soam particularmente bem e que, profundamente,


impressionam e emocionam. O frio intenso que se fazia sentir, naquele dia chuvoso;
humedecendo intensamente as paredes, tornando indistinguivéis o interior do exterior.
Internamente, as esculturas de Hans Josephsohn, estrategicamente organizadas em cada
um dos espaços, têm uma presença sublime.

Nesta experiência a sós, conseguimos sentir o ressoar da nossa própria respiração, que
ao sair do nosso corpo e ao embater na matéria do bronze das esculturas, amplia as suas
ondas sonoras. Curiosamente, é raro apercebermo-nos do som do nosso próprio respirar.
Mas neste espaço, a nossa respiração quase que produz eco.

Rendidos ao poder do som, a nossa visão quase que é esquecida. Mas regressamos a
ela assim que o medo fica instalado em nós, devido à experiência sonora que nos domina.
Porque a luz tem, igualmente, o seu papel na caracterização desta sequência de espaços.

Não existe qualquer dispositivo de luz artificial. É a luz natural que ordena os espaços e
enaltece a obra escultórica. À noite, o Museu não existe.

Os espaços acontecem, sequencialmente, num eixo assimétrico concretizado pela


sequência de vãos com as mesmas dimensões que a porta de entrada. Simbolicamente,
a sequência de espaços corresponde à ordem cronológica das obras de arte. Os vãos são,
simultaneamente portas e janelas porque, curiosamente, permitem atravessar os espaços
mas também têm a capacidade de os delimitar enquanto entidades independentes.

Mas a arquitectura, mais do que ter sida feita especialmente para aquelas esculturas,
fala-nos dela própria; fala-nos de arquitectura. O primeiro espaço é, religiosamente, uma
espécie de nártex, arquitectonicamente falando, cuja proporção quase cúbica e luz difusa nos
prepara para o próximo acontecimento espacial.

O segundo espaço é uma espécie de galeria baixa nas suas proporções e inundada de
luz. As esculturas, por magia, parecem desprender-se da matéria das paredes e flutuam no
espaço. A luz é mágica por vezes.

Ao entrar no terceiro espaço somos invadidos “agressivamente” pela presença


das esculturas enormes. Pois no segundo espaço alegre, cheio de luz, nada nos faz
prever tal invasão. Este espaço torna-se ainda mais especial depois de termos feito este
percurso sensitivo. Este dilata-se verticalmente. Assim, a luz é mais séria e controlada, cai

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cuidadosamente sobre as paredes em busca das esculturas dispostas à esquerda do eixo.


Estas viram-se para as quatro celas dispostas, sequencialmente, do lado direito do eixo. As
celas, cada uma encimada por um lanternim. Uma luz zenital cai filtrada pelo amarelo do vidro
e dá calor aos espaços e às esculturas aí expostas.

Tudo se resume à um exercício simples e ricamente complexo de variações entre


profundidades e alturas sobre uma constante que é a largura dos espaços.

É, sempre, uma experiência memorável e sensível neste silêncio pavoroso de Giornico.

Ilustração 7 – Museu La Congiunta. Aldeia de Giornico, Ticino, Suíça. (Ilustração nossa, 2011).

Ilustração 8 – Museu La Congiunta, perspectiva sobre o volume exterior do edifício. (Frias, 2010).

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Ilustração 9 – Museu La Congiunta, abrimos a porta e mergulhamos no primeiro espaço.


(Ilustração nossa, 2011).

Ilustração 10 – Museu La Congiunta. Interior, primeiro espaço, abrem-se, sucessivamente,


portas à nossa frente. (Ilustração nossa, 2011).

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Ilustração 11 – Museu La Congiunta, terceiro espaço com outro conjunto de esculturas de


Hans Josephsohn. (Frias, 2010).

Ilustração 12 – Museu La Congiunta, um dos espaço de nichos; perspectiva sobre o uma


escultura situada no terceiro espaço expositivo. (Frias, 2010).

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Conclusão

Nós, humanos, somos seres sensíveis. O nosso corpo e a nossa alma, indissociáveis,
sentem e só recorrendo à eficácia da memória e da nossa intuição que somos seres capazes
de criar.

Posto isto, seria inconcebível pensar numa arquitectura puramente racional, visto que é
algo concreto e não totalmente abstracto. Esta existe para o homem habitar poeticamente.
A arquitectura é matéria, é algo palpável. E porque a arquitectura tem esta capacidade não
só de proteger o homem enquanto corpo, mas, essencialmente de o estimular enquanto ser
pensante, detentor de uma alma que sente e pensa. A arquitectura acolhe-o, impedindo que
os seus pensamentos se percam na distracção da natureza.

Por via da experiência e através da intelectualização do conhecimento sensível, a leitura


de um edifício torna-se sempre única. Relativiza-se no acto pensante de cada indivíduo que
a experiencia. Somos sensíveis à qualidade da luz que é captada no interior dos espaços.
Somos sensíveis à tactilidade dos materiais que a constituem. Somos sensíveis aos cheiros
e aos sons que se produzem dentro e em torno da arquitectura. A obra revela-se completa
quando reflecte sensações fortes em cada espaço vivido.

A percepção e a experiência estética revelam as essências de qualquer arquitectura.


A envolvência dos sentidos na relação do nosso corpo com os espaços arquitectónicos
estabelece-se em movimento e é em movimento que contemplámos e acedemos à beleza
das coisas.

A arquitectura enriquece-nos, constantemente, enquanto seres sensíveis e pensantes.


A experiência sensível, relativa de indivíduo para indivíduo, dá consistência ao nosso modo
particular de estar no mundo. Fortalece a individualidade e particularidade de um ser único
no mundo. Assim, torna-se importante aprender a ver e a estudar tudo que nos envolve.
Podemos e devemos englobar na nossa aprendizagem outras referências como as artes
plásticas, a música, a literatura, a própria natureza. Mas é na própria arquitectura que vamos
buscar conceitos, ideias e emoções muito particulares desta disciplina. No entanto, tudo o que
é capaz de nos emocionar é essencial ao nosso existir e ao nosso pensar.

É fundamental alimentarmos constantemente o nosso imaginário e treinarmos a nossa


sensibilidade perante as coisas e o mundo. A criatividade cultiva-se todos os dias. Experienciar
obras paradigmáticas de arquitectura leva-nos mais facilmente em contacto com aquilo que é
belo e poético nelas. Assim, pela experiência estética chegamos à sua essência.

Créditos das imagens: Natalia Bencheci e Gonçalo Frias

Bibliografia/Referências bibliográficas:

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www.arquitectos.pt/documentos/1246274436W0nGK1mg5Yw98SG9.pdf>
ZUMTHOR, Peter (2009a) – Atmosferas. Barcelona: Editorial Gustavo Gili.
ZUMTHOR, Peter (2009b) – Pensar a Arquitectura. Barcelona: Editorial Gustavo Gili.

Natalia Bencheci (Moldávia, 1988).


Obteve o grau de mestre arquitecta pela Universidade Lusíada de Lisboa, Portugal (2012).
Frequentou a Accademia di Architettura di Mendrisio, Suíça, em Programa Erasmus
(2011-12), na qual teve como professores os arquitectos Valerio Olgiati e Francisco e
Manuel Aires Mateus. Desenvolveu as pesquisas para a dissertação de mestrado com
o título “Da experiência estética ao processo criativo na arquitectura” na qual obteve a
classificação de 19/20 valores (2012). Foi-lhe atribuído o Prémio de Melhor Aluna do
curso de Arquitectura da Universidade Lusíada com a média final de curso de 17,48/20
valores. Participou em diversos concursos para estudantes nos quais obteve 2 Menções
Honrosas e um Primeiro Prémio (2011). Actualmente, colabora com os arquitectos Bonetti
e Bonetti Architetti em Lugano, Suíça.

88 Revista Arquitectura Lusíada nº. 5

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