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A RELIGIÃO ROMANA NO PERÍODO DE OTÁVIO AUGUSTO E O PANTEÃO DE

AGRIPA – UMA ANÁLISE A PARTIR DO DE ARCHITECTURA DE VITRÚVIO

Macsuelber de Cássio Barros da Cunha1


macsuelber@hotmail.com

Resumo:
A religião é um aspecto de extrema importância nos estudos referentes à Antiguidade. Roma
possuía na religião uma potência norteadora da vida e dos atos de seus cidadãos, sempre em
busca da paz com os deuses (pax deorum). Sob esta perspectiva Otávio Augusto empreende
uma restauração religiosa de modo a revitalizar as tradições dos antepassados, o mos
maiorum, isto é, o costume dos ancestrais, bem como revitalizar os aspectos materiais desta
religião através da restauração e construção de templos. É sob o seu governo que é construído
o Panteão de Agripa, templo que tinha como objetivo conter todos os deuses do panteão
romano. Neste mesmo período surge também a obra De Architectura, de Vitrúvio, contendo
regras definidas para a construção dos templos. Neste trabalho temos como objetivo analisar,
a partir da obra de Vitrúvio, a relação entre a religião romana, a construção do Panteão e as
políticas de Otávio Augusto a esse respeito.

Palavras chave: Religião; Panteão; Vitrúvio.

Abstract:
Religion is an aspect of utmost importance in studies concerning the Seniority. The religion
was a guiding power of life and deeds of its citizens, always in seek of peace with the gods
(pax deorum). From this perspective Octavius Augustus undertakes a religious restoration in
order to revive the traditions of the ancestors, mos maiorum, i.e., the custom of the ancestors,
as well as revitalizing the material aspects of the religion by restoring and building temples. It
was under his government which is built the Pantheon of Agrippa, temple which aimed to
contain all the gods of the Roman pantheon. In this same period arouse also the work De
Architectura of Vitruvius, containing defined rules for the construction of temples. In this
work we aim to analyze, from the work of Vitruvius, the relationship between the Roman
religion, the construction of the Pantheon and Octavius Augustus' policies in this regard.

Keywords: Religion; Pantheon; Vitruvius.

1
Mestrando pela Universidade Federal de Goiás - UFG
Roma passou de uma pequena cidade às margens do rio Tibre para um Império que
dominou a região mediterrânica. Os romanos passaram a ter o controle de toda a Itália
peninsular, expandindo o seu domínio na Sicília, no norte da África, Espanha, Grécia e Ásia
Menor. No período do Principado, Roma consegue dominar todas as terras banhadas pelo mar
mediterrâneo, que passa a ser conhecido como Mare Nostrum. Esta dominação é perceptível
em diversas esferas: militar, cultural, religiosa, arquitetônica, etc.; com isso operou-se
mudanças em todos os tecidos da sociedade romana. A população e o tamanho da cidade se
expandiram, a quantidade de riqueza aumentou ainda mais drasticamente, tanto através do
espólio de guerra quanto na forma de comércio. (ORLIN, 2007, p. 58-70).
Essa extraordinária expansão leva os romanos a terem contatos e a se relacionarem
com culturas diversas, e nestes contatos acaba por haver trocas culturais, ou para ser mais
preciso, acaba ocorrendo mesclas culturais de modo que não se pode falar em uma cultura
genuinamente romana, pois em cada região dominada por Roma ocorrem estas mesclas
culturais, gerando por assim dizer uma nova faceta neste grande mosaico que compõe este
multiculturalismo romano, até porque os romanos tinham uma forma peculiar de dominação,
pois eles não destruíam a cultura dos povos conquistados, nem ao menos impunham suas
crenças ou seu modo de vida, mas pelo contrário sua dominação era feita mediante a cobrança
de impostos, e a necessidade de participação nos cultos ao imperador e nas festas oficias.
As províncias, portanto, no que se refere à religião, não eram obrigadas a abolir suas
crenças em favor das tradições religiosas romanas, de modo que muitos autores defendem que
na verdade não houve algo que se pudesse chamar de “uma religião romana”, mas na verdade
teriam existido “religiões” no plural. De acordo com Michael Lipka:
A religião romana não era independente da sociedade. John Scheid observou com
propriedade que: “Não existiu, na verdade, tal coisa como uma ‘Religião Romana’,
apenas uma série de religiões romanas, existiu tantas religiões romanas quanto
grupos sociais” (2009, p. 167).

Além disso, mesmo que algumas províncias fossem vistas com suspeitas por parte
das autoridades romanas, por possuírem costumes que rejeitavam e negligenciavam o modo
tradicional de honrar aos deuses2 ou costumes considerados supersticiosos3, ainda assim
foram toleradas desde que não afetassem a “harmonia” dentro do império. Segundo James

2
De acordo com Rives (2007, p. 183) a palavra latina impius, e a grega atheos, designava não apenas a pessoa
que formalmente negava a existência dos deuses, mas também, e com maior frequência, alguém que rejeita e
negligencia os modos tradicionais de honrar aos deuses, dentre os quais podemos destacar a prática do sacrifício
de animais, visto como o mais importante símbolo de piedade.
3
Para Rives (Ibidem, p. 184), superstitio era definida entre os romanos mais pelo que não era do que pelo que
era. De modo que qualquer comportamento religioso que as pessoas consideravam impróprio, inaceitável, ou
incorreto, eles chamavam de superstição.
2
Rives (2007, p. 186), a razão de não haver uma política de hostilidade com relação ao ateísmo
e à superstição:
[...] é que os objetivos do domínio romano eram largamente limitados à cobrança
de impostos e a manutenção da paz e estabilidade social, incluindo a administração
da justiça e a resolução de disputas. Como resultado, simplesmente não era o
trabalho dos oficiais romanos corrigir e perceber peculiaridades das práticas ou
crenças religiosas entre as pessoas sobre os quais eles tinham autoridade. Eles
assim, raramente intervinham em questões religiosas, a menos que a paz e a ordem
pública parecessem estar em jogo.

Percebe-se assim uma estreita relação entre religião e política em Roma. A bem da
verdade, na antiguidade não havia uma separação entre estas esferas, de modo que religião,
política e outros campos de ação estavam interligados de tal sorte que um não era visto sem o
outro. A partir desta perspectiva o impacto do expansionismo territorial foi sentido não só na
esfera política, quanto religiosa, cultural, entre outras. Talvez a consequência mais óbvia para
os habitantes de Roma, foi que a expansão territorial trouxe consigo uma expansão no panteão
romano, o que resultou na construção de novos templos em toda a cidade aos novos deuses.
Eric Orlin defende que a ideia de expandir o Panteão, em resposta à expansão do
território não é uma necessidade ou algo típico do mundo antigo. A expansão do panteão e,
especialmente, a incorporação das divindades estrangeiras, revela a mesma disposição para
estender a comunidade romana para além das meras paredes da cidade de Roma. Ao mesmo
tempo, como já o dissemos, os romanos não privam as comunidades locais de seus cultos. Há
também, em alguns casos uma espécie de barganha com as divindades estrangeiras. Sobre este
aspecto é interessante citar que:
[...] no caso de guerra, os deuses dos inimigos poderiam ser seduzidos por
evocatio, um voto oferecendo a eles a continuação de culto e possivelmente mesmo
um templo em Roma, se eles retirassem a proteção deles de sua cidade natal
(BEARD, NORTH e PRICE, 2004, p. 34).

Essa política de adoção de divindades estrangeiras por parte das autoridades romanas
é chamada por alguns estudiosos, de modo geral, de sincretismo. Porém esta palavra remete a
união de crenças diferentes ou mesmo contraditórias, o que não é regra geral nas tradições
religiosas romanas, de modo que se podem destacar diferentes formas neste processo de
adoção. Há por exemplo, aquelas divindades estrangeiras que foram vistas como homologas
das romanas, ou seja, eram vistas como equivalentes dos deuses romanos, apenas com nomes
diferentes, devido ao fato da língua ser diferente, como por exemplo, a deusa Vênus e sua
similar grega Afrodite. A este tipo de identificação dá-se o nome de interpretatio romana ou
interpretatio graeca, quando se usam os nomes latinos ou gregos respectivamente. Ocorrem
também casos em que houve uma equação de dois deuses distintos, que passam a ser tratados

3
como um só por possuírem funções semelhantes. Nestes casos geralmente o nome de um dos
deuses acaba se tornando um epíteto do nome do deus ao qual ele foi assimilado. Há também
os deuses que não possuindo um similar no panteão romano foram levados a Roma e adotados
com seu nome e com as características que lhes eram peculiares, como é o caso do deus
Apolo, que passa a ser adorado em Roma com a maioria dos atributos que possuía na Grécia.
Porém é necessário lembrar que estas estratégias religiosas utilizadas em Roma não
se dão de forma desorganizada, mas pelo contrário, para que novos deuses fossem cultuados
em Roma e adentrassem em seu panteão era necessário que o Senado desse o seu parecer
favorável, o que fez regularmente, destacando o controle final do Senado sobre a religião
romana.
Com o “fim” da república4 a religião romana passou por uma grande restauração sob
o governo de Otávio Augusto, restauração não só moral, em busca de reforçar a tradição dos
antepassados (mos maiorum), como também uma restauração de mais de oitenta templos e
construção de muitos outros, de modo a demonstrar a riqueza da capital, com a construção do
Império territorial, bem como a estabilidade trazida pelo governo augustano. Além disso, sob
Augusto há a construção de diversas obras públicas, tudo isso de modo a fazer da Urbs uma
cidade especial, monumental e um modelo a ser seguido pelas províncias:
Roma implanta o modelo da Ciuitas por excelência por todas as partes. Em vez da
anterior situação do mundo clássico, poleis independentes, agora a base segue sendo
a cidade, mas com uma limitação: existe uma CIDADE e as restantes devem
acoplar-se a este modelo, assim como em uma escala maior estão sob a direção
emanada da figura do Imperador (PRIETO e MARIN, 1979, p.101).

Augusto soube melhor que ninguém se utilizar de estratégias de valorização do


passado, buscando através de seus feitos demonstrar estabilidade e prosperidade em Roma,
ligando-se diretamente a um passado glorioso e divino. Uma destas estratégias, que
destacaremos aqui, foi o engrandecimento e monumentalização do império através de obras
arquitetônicas. Ele construiu o suntuoso templo de Apolo no Palatino e a partir de 28 a.C.
empreendeu com força a restauração de diversos templos, tendo como seu “braço direito”
Agripa, seu amigo pessoal e posteriormente seu genro.
Segundo Dion Cássio, Agripa teria embelezada Roma à sua própria custa e é sob as
ordens dele que foi concluída em 27 a.C. a construção do Panteão, com o objetivo de abrigar
dentre outras estátuas, as de Augusto e dele próprio, porém com a recusa de Augusto de

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Com Augusto opera-se uma importante mudança em diversos aspectos, de tal modo que a republica dá lugar ao
principado. Ainda assim, para os indivíduos da época a republica não havia deixado de existir e Augusto em
momento algum se deixa ver como um inovador, mas pelo contrário teve uma política de valorização do
passado, de restauração de costumes antigos, mostrando-se como um restaurador da ordem e da paz que haviam
desaparecido nos períodos de turbulência e de guerras civis que chegam ao fim com a derrota de Marco Antônio.
4
colocá-las na cela principal, ao lado das estátuas de Marte e de Venus, Agripa teria colocado
então a estátua de Júlio Cesar, enquanto que sua estátua, juntamente com a de Augusto teriam
ficado em uma antessala.
Através das descobertas arqueológicas sabe-se que este templo possuía uma planta
retangular, construído com blocos de travertino e forrado com mármore, suas colunatas
possuíam ainda capitéis em bronze. Deste templo quase nada restou, pois um incêndio teria
destruído-o, o que fez com que ele fosse reconstruído pelo imperador Adriano no século II
d.C., com um formato circular como ainda pode ser visto nos dias atuais, pois este templo
reconstruído por Adriano encontra-se em perfeito estado de conservação. Segundo D. S.
Robertson (1997, p. 290-296) o Panteão reconstruído por Adriano é “uma das obras mais
célebres e gloriosas da arquitetura antiga, a mais antiga construção coberta importante do
mundo, ainda intacta”. Porém voltaremos a falar desta reconstrução mais adiante.
Cremos que o Panteão de Agripa, juntamente com as outras obras arquitetônicas
empreendidas por ele se ligava a uma espécie de promoção do grupo ligado a Augusto, de
modo a afirmar e ressaltar os costumes religiosos tradicionais de Roma, além de fazer frente
aos aspectos culturais vindos do oriente.
Neste mesmo período (provavelmente em 27 a.C.) surgi o De Architectura de
Vitrúvio, que é dedicado ao imperador Augusto e que traz regras detalhadas para a construção
de diversos tipos de edifícios.
Muito pouco se sabe sobre o autor do De Architectura, a não ser o que ele mesmo
deixou escrito sobre si no interior da obra.
Vitrúvio foi arquiteto, engenheiro, agrimensor e pesquisador romano que viveu no
século I a.C. A tradição manuscrita traz Vitruuius como o nome do autor, sem nenhum
prenome ou cognome. Ao que tudo indica Vitrúvio foi um engenheiro no exército de Júlio
Cesar e mecenado de Otávio Augusto. Sabe-se também que projetou um edifício em Fano, do
qual nada restou nos dias atuais.
Sua obra é composta de dez livros onde versa sobre a arquitetura, planejamento
urbano, técnicas e materiais de construção, ordens gregas, templos, edifícios públicos, etc.
Vitrúvio dedica os livros 3 e 4 unicamente aos templos, suas medidas, comensurabilidades,
proporções, partes e ordens a que pertencem.
Para compreender qual o estatuto do templo na antiguidade, ou seja, qual o
significado que o templo possuía para um homem antigo como Vitrúvio nos utilizaremos de
um trecho de sua obra onde diz: “Por conseguinte, se (os gregos) nos transmitiram regras para

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todas as construções, elas destinam-se sobretudo aos templos dos deuses, porque as
qualidades e os defeitos dessas obras permanecem eternos” (De architectura, 3,1,4).
Este trecho deixa claro, a concepção que se tinha dos templos dos deuses, ou seja,
podemos perceber claramente sua crença na eternidade do templo, reflexo da eternidade dos
deuses que o habitam. Sendo assim o templo era a morada do deus da cidade e como tal não
era aberto ao público para a adoração da divindade sempre que se quisesse.
A arquitetura religiosa romana se utiliza dos cânones da arquitetura grega, de tal
modo que Vitrúvio confere à arquitetura grega um caráter modular, ou seja, que serve de
medida para a arquitetura romana. Este aspecto demonstra o quão ligado ele estava à política
de valorização de passado empreendida por Augusto, política esta que buscava através do
engrandecimento da cidade demonstrar a estabilidade conquistada por ele e a anuência das
divindades aos seus feitos. O trecho seguinte é esclarecedor:
Tendo, porém, notado que não apenas te preocupas com a vida comum de todos e
com a ordem do Estado, mas igualmente te empenhas com a oportunidade dos
edifícios públicos, porque a Cidade não foi apenas engrandecida, através de ti, com
as províncias, mas também a dignidade do Império foi sublinhada pela egrégia
autoridade dos edifícios públicos, julguei que não deveria adiar, mas, bem pelo
contrário, deveria te apresentar, quanto antes, estes escritos sobre estas coisas [...]
(Ibid., 1, Pr., 2).

Neste trecho Vitrúvio esclarece que buscou não adiar a publicação de sua obra ao
perceber a preocupação de Augusto não só com a vida em comum e com a ordem do Estado,
como também com a importância dos edifícios públicos. Sobre este aspecto devemos lembrar
que Augusto se orgulhava de ter encontrado Roma uma cidade de tijolos e de tê-la
transformado numa cidade de mármore, tal o número de construções e reconstruções
realizadas por ele.
Vitrúvio também vê a arquitetura como imitação da natureza, pois segundo ele, este
seria a única forma de se conseguir a perfeição dos traços arquitetônicos. Dentro desta busca
de imitação da natureza outro ponto que traduz sua forma de pensar é a relação que ele
estabelece entre as medidas do corpo humano e as medidas do templo, pois para ele o corpo
humano era o grande referencial para se pensar a relação modular de cada parte do templo
com relação a sua totalidade. Ele diz:
Acontece que o umbigo é, naturalmente, o centro do corpo; com efeito se o homem
se puser deitado de costas com as mãos e os pés estendidos e colocarmos um centro
de compasso no seu umbigo, descrevendo uma circunferência, serão tocados pela
linha curva os dedos de qualquer das mãos ou dos pés. Igualmente, assim como o
esquema da circunferência se executa no corpo, assim nele se encontra a figura do
quadrado; de fato se medirmos da base dos pés ao alto da cabeça e transferirmos

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essa medida para a dos braços abertos, será encontrada uma largura iguala altura,
como nas áreas definidas em retângulo com o auxilio do esquadro (Ibid., 3,1,3).5

Percebemos também na obra de Vitrúvio um comprometimento com o belo, de forma


que deixa claro que o arquiteto tem como objetivo produzir obras belas para o deleite de quem
as vê, sendo bastante claro e preciso com relação à disposição de esculturas e relevos nos
templos de modo a conseguir a melhor colocação de tais ornatos para que todos pudessem
visualizá-los da melhor forma possível:
Todos os elementos que serão dispostos acima dos capitéis das colunas, ou seja,
epistílios, frisos, cornijas, tímpanos, frontões, acrotérios, deverão ter a sua frente
inclinada para diante a duodécima parte da sua altura, porque, quando paramos
diante do frontispício e prolongamos duas linhas a partir do olho, atingindo uma
delas a parte inferior do templo e a outra o seu topo, a que tocar o ponto mais alto
será a mais extensa. Assim, quanto mais longa é a linha de visão que avança para a
parte superior, mais inclinada para trás nos surge no seu aspecto. Se, porém, como
acima foi escrito, estiverem inclinadas para a frente, então parecerão diante dos
olhos como dispostos a fio de prumo e esquadro (Ibid., 3, 5, 13).

Este aspecto é extremamente significativo na Roma de Augusto, pois ele se utiliza


com maestria da arquitetura e iconografia para se afirmar ainda mais como um governante
portador de uirtus, tendo como um de seus principais atributos a pietas. A paisagem da cidade
como um todo era uma grande lição visual sobre a relação entre a cidade, os deuses e o
imperador, de modo que Augusto se apropria do passado intentando recriar uma história na
qual o seu nome e o de sua família estivessem diretamente ligados a uma linhagem de origem
heroica, se ligando a Marte e Venus, a Enéias, Rômulo e Remo, dentre outros.
Esta característica de Augusto foi percebida por Vitrúvio (Ibid., 1, Pr., 3) que diz
“[...] verifiquei que edificaste e edificas no momento presente muitos monumentos e no futuro
te preocuparás com edifícios públicos e privados, para que sejam entregues à memória dos
vindouros como testemunho dos feitos notáveis”.
Nesta passagem mais uma vez fica clara a importância que a arquitetura possuía para
dignificar a imagem do imperador, de tal modo que um imperador, pra ser um bom imperador
tinha que possuir, entre inúmeras características, a de ser um bom construtor, distribuindo
assim suas benesses também com relação à cidade com a construção de edifícios públicos.
O Panteão de Agripa possuía, portanto, uma grande importância política e religiosa,
pois além de estar engrandecendo Roma com a “egrégia autoridade dos edifícios públicos”,
ainda vinculava a imagem de Augusto com uma linhagem divina, de modo que sua estátua
ocupava o mesmo templo que a de seu pai adotivo deificado, Julio Cesar, e as de Venus e

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É esta comparação que levará, no renascimento, Leonardo da Vinci a desenhar o famoso “Homem Vitruviano”
que se encontra na memória de muitas pessoas.

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Marte. Devido a isso alguns autores chegam a afirmar que Agripa ao erigir o templo tinha a
intenção de criar uma espécie de culto à gens Julia. Não é de admirar que tenha surgido com o
tempo o culto ao Genius do Imperador, pois ao promover a apoteose de seu pai por adoção,
Júlio César, tornando-o um Diuus, ele passava a ser um Diui filius, de modo que todos
deveriam prestar culto não só ao novo deus do panteão, Júlio César (nos templos construídos
para tal finalidade), como também ao Genius do Imperador. Além disso, depois de Augusto,
diversos outros imperadores foram deificados. Isso se dá, pois as características de um bom
imperador se mesclavam a algumas características dos deuses, como ressalta James Rives
(2007, p. 155) “Era o imperador que garantia a paz, a segurança e a prosperidade do império;
neste respeito ele era como um deus para as pessoas do império, uma vez que a habilidade de
conceder benefícios era uma característica definidora dos deuses”.
É evidente que a construção de templos enquanto um benefício concedido pelo
imperador foi de extrema importância durante todo o principado, de tal modo que Michael
Lipka chega a firmar que:
Em uma cultura politeísta, a densidade demográfica e a variação, causada pela
imigração, eram equivalentes a um denso e constante sistema de mudanças de
conceitos divinos, todos competindo uns com os outros. A única garantia de
estabilidade e continuidade era um permanente foco espacial para o culto (2009, p.
188).

O templo era este foco espacial com o potencial de garantir estabilidade e


continuidade das tradições religiosas, o que a nosso ver, foi percebido por Augusto, Agripa,
Vitrúvio e o grupo ao qual se ligavam. De modo que o Panteão é um dos exemplos que
podem ser tomados para se perceber a relação entre Vitrúvio e a política levada a efeito por
Augusto.
A importância deste templo se destaca ainda mais após a reconstrução empreendida
por Adriano, pois ao reconstruir a Panteão ele buscava se conectar, por assim dizer, a
Augusto, demonstrando uma estabilidade e continuidade com um tempo que possuía um lugar
de destaque na “memória coletiva”. Segundo Richard Sennett (2003, p. 84):
[Adriano] procurou ligar-se ao primeiro imperador; cunhando moedas que
mostravam uma fênix nascendo das cinzas, emblema da restauração da ordem e da
unidade em Roma, sob o Divino Augusto. Todos os atos de Adriano assinalavam seu
desejo de enfatizar a inexistência de riscos entre o passado e o futuro, minimizando
a ideia de mudança. Foi exatamente com esse espírito que ele deu início à
construção do Panteão.

Porém no lugar do antigo templo retangular, ele constrói então um templo com
planta circular. Vale ressaltar que reconstruções de templos eram comuns desde a época de
Augusto e que, segundo Karl Galinsky (2007, p.71-82), a arqueologia nos mostra que tais

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reconstruções quase nunca envolviam uma réplica exata da antiga estrutura. Em vez disso, um
novo e diferente edifício seria construído sobre o antigo fundamento, ainda que a diferença
não fosse radical.
O templo reconstruído por Adriano consiste num pórtico com dezesseis colunas
coríntias sobre as quais se encontra o entablamento e o frontão. Sobre este tipo de coluna
podemos dizer que eram as mais belas, delicadas e graciosas, de tal modo que Vitrúvio a
compara com a “delicadeza virginal” das donzelas, além disso, os capitéis desta coluna eram
os mais trabalhados que poderiam existir, tudo isso contribuindo ainda mais para a beleza do
templo. Contiguo ao pórtico se encontra a construção circular denominada rotunda, devido ao
fato de ser encimado por uma cúpula. Apesar de cúpulas já serem construídas por outros
povos, é certamente com o romano que ela alcança sua sofisticação e perfeição,
principalmente pelo fato de Roma se utilizar do concreto em suas construções. No alto desta
cúpula se encontra uma abertura circular de 9 metros de diâmetro que permitia a entrada da
luz solar no interior do templo.
Este templo reconstruído por Adriano pode ser relacionado à obra de Vitrúvio, de tal
modo que Richard Sennett (2003, p.94) estabelece analogias entre a criação do espaço e a
criação de uma corporeidade orgânica, relacionando as medidas da rotunda do Panteão com o
corpo humano a partir da perspectiva de Vitrúvio que tratamos anteriormente e que ganhou
forma através das mãos habilidosas de Leonardo da Vinci no renascimento. Sendo assim,
sobre a figura do corte vertical do Panteão (Fig. 1) pode-se sobrepor a figura do “Homem de
Vitruviano” de da Vinci (Fig. 2) de tal modo que fica clara a influência da obra de Vitrúvio na
construção deste templo.

Fig. 1: Corte vertical do Panteão Fig. 2: O “homem vitruviano”

Com Adriano esta estrutura arquitetônica foi elaborada com o objetivo de abrigar
todos os deuses do panteão romano, incluindo aqueles deuses estrangeiros que haviam sido
agregados pelos romanos no período das expansões territoriais. É por isso que este templo
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possuía uma forma circular, pois em todo o diâmetro do templo havia espaços embutidos na
parede onde se encontravam as estátuas das divindades, portanto as próprias divindades, pois
de acordo com o pensamento antigo a estátua era a própria divindade. Vale lembrar que nem
todas as estátuas se encontravam no Panteão, pois como já mencionamos, dentro da
perspectiva romana, muitas de suas divindades eram similares em suas funções às de outros
povos, só mudando os nomes, de tal modo que em muitos casos uma mesma estátua
representava diversos deuses, com funções semelhantes.
Percebe-se assim o importante papel desempenhado por este templo desde sua
construção por Agripa, em 27 a.C., ano em que o imperador, segundo suas palavras6,
“devolveu” o poder ao senado e ao povo (res publica restituta) e recebeu do senado o título de
Augustus. Este templo, ligando-se diretamente a uma estratégia de afirmação da figura de
Augusto, fazia referência à gens Júlia, da qual ele descendia e que possuía ligação direta com
os deuses. Neste mesmo ano emblemático é publicado o De architectura, no qual detectamos
uma forte ligação à política de Augusto de valorização do passado e de engrandecimento de
Roma, através das obras arquitetônicas, ressaltando assim, mais uma vez, a posição de
destaque que a construção de templos possuiu neste período de transição entre a república e o
principado, bem como, o papel de destaque que continuou a possuir, o que pode ser percebido
através da reconstrução do Panteão no período de Adriano.

6
“Durante o meu sexto e sétimo consulado, depois de ter feito finalmente acabar as guerras civis, tendo
assumido o supremo poder por consenso universal, transferi o governo da República, passando-o da minha
pessoa às mãos do senado e do povo romano” (AUGUSTO, Res Gestae, Cap. 34).

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