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Aula 3

O MUNDO EM QUE O
CRISTIANISMO NASCEU
O cristianismo não surgiu em um vácuo, mas em um contexto histórico e cultural
específico. Ele nasceu dentro de um mundo que já tinha as suas próprias religiões,
culturas e estruturas políticas e sociais. Dentro desse contexto, a nova fé abriu
caminhos, ao mesmo tempo em que definia a si mesma. A revelação de Deus e sua
obra redentora tem um caráter histórico impressionante. As Escrituras nos falam
de um Deus que além de ser transcendente, é também imanente, pessoal. Ele está
sempre se comunicando e se relacionando com os seres humanos, entrando e atu-
ando na nossa história. Toda a Escritura dá testemunho dessa verdade. O evento
máximo dessa manifestação de Deus na história foi a encarnação do seu Filho, Je-
sus. Por isso, para nós cristãos, a história tem um sentido dado pelo próprio Deus.
Ela é linear, tem um princípio e um fim, sob a direção providente e soberana do
nosso Deus, o Senhor da história.

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A Igreja Apostólica e o Início do Cristianismo

A plenitude do tempo e a encarnação do Filho de Deus


Gonzales, historiador e teólogo cristão, diz que desde o começo o cristianismo
existiu como a mensagem do “Deus que amou o mundo de tal maneira” que se
tornou parte dele. Em seu livro, Uma História do Pensamento Cristão, ele fala que
o cristianismo não é uma doutrina etérea, eterna, sobre a natureza de Deus, mas
antes, é a presença de Deus no mundo, na pessoa de Jesus Cristo¹. Sendo assim,
cristianismo é encarnação, existe no concreto e no histórico, sendo inconcebível à
parte do mundo. Por isso, ao relatar acerca do início do cristianismo devemos co-
meçar descrevendo, ainda que sucintamente, o mundo onde essa fé cristã nasceu e
deu seus primeiros passos. A Bíblia nos diz que Deus enviou o seu Filho ao mundo
na plenitude do tempo (Gl 4.4). O termo “plenitude do tempo”, significa um tempo
pronto, cheio, completo. Jesus veio ao mundo no tempo propício para a sua encarna-
ção, vida e morte como para o florescimento da igreja. Isso não significa que foi um
tempo fácil, mas que a forma como o mundo estava organizado facilitou o avanço
da nova fé ao mesmo tempo em que a desafiava. Gonzalez fala que a “plenitude do
tempo” não quer dizer que o mundo estivesse pronto a se tornar cristão, como uma
fruta madura pronta a cair da árvore, mas que, nos desígnios inescrutáveis de Deus,
havia chegado o momento de enviar seu Filho ao mundo para sofrer morte de cruz,
e de espalhar seus discípulos por esse mesmo mundo, a fim de que eles também
dessem testemunho custoso de sua fé no crucificado.²

Pano de fundo imediato do cristianismo: culturas grega, romana e judaica


Historicamente, a época do nascimento de Jesus e início da igreja é chamada de
“Antiguidade Clássica”, que abrange o período desde o século VIII a.C. até o século
V d.C, caracterizado pelo apogeu do império greco-romano. Neste período, na re-
gião do mar Mediterrâneo onde Cristo nasceu, havia três culturas marcantes que
foram o berço do cristianismo: grega, romana e judaica.

1. Cultura grega

Os gregos foram o povo mais intelectualmente desenvolvido, dentre todos os po-


vos da terra. Com as conquistas de Alexandre, o Grande, no quarto século a.C.,
houve uma ampla difusão da língua e cultura gregas em toda a região do Mar Medi-
terrâneo. Suas conquistas tiveram uma base ideológica muito forte. O objetivo de

1. GONZÁLEZ, Justo L,. Uma História do Pensamento Cristão: dos primórdios ao Concilio de
Calcedonia – Vol. 1, São Paulo, Cultura Cristã, Pg. 28.
2. GONZÁLEZ, Justo L,.Uma História Ilustrada do Cristianismo - Vol. 1, São Paulo, Vida Nova,
1995, Pg. 30.

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Alexandre não era simplesmente conquistar o mundo, mas uni-lo sob uma mesma
civilização, de tonalidade marcadamente grega. O resultado disso foi o “helenis-
mo”, que agregava elementos gregos aos diversos povos conquistados. Em termos
gerais, essa ideologia tinha em vista a unidade, que serviu primeiramente ao forta-
lecimento e à expansão do Império Romano e, posteriormente, à pregação e disse-
minação do evangelho por todo o território pertencente ao Império.

Principais contribuições intelectuais dos gregos


• Língua universal: O comércio, a navegação, as emigrações e as colônias gregas
deram à língua grega uma difusão universal. Ela se tornou uma espécie de língua
internacional falada pelos diversos povos que estavam debaixo da dominação gre-
co-romana. Como o grego se tornou a língua comum, muitos judeus que viviam
na diáspora viram a necessidade de traduzir o Antigo Testamento hebraico para a
língua grega, tradução essa que recebeu o nome de Septuaginta (LXX). Já o Novo
Testamento foi escrito diretamente no koiné, o dialeto grego comum entre os po-
vos. Ter uma língua comum em todo aquele amplo território foi providencial para
a disseminação do evangelho, que em pouco tempo saiu para além das fronteiras
da Judéia.
• Reflexão filosófica: Além da contribuição linguística, os gregos também legaram
ao mundo antigo a sua riquíssima reflexão filosófica. Eles aprofundaram o pensa-
mento nas ideias relacionadas às grandes perguntas da vida, tais como: a origem e
o significado do mundo, a existência de Deus e do homem, bem como a existên-
cia do bem e do mal, e muitas outras questões. As principais correntes filosóficas
foram as de Platão, Aristóteles, dos estoicos e dos epicureus. Todas elas estavam
presentes no mundo helênico para o qual bem cedo o cristianismo se dirigiu. O
interesse por novidades e a acurada busca do desconhecido fez com que a mensa-
gem cristã fosse alvo da atenção dos gregos desde o princípio (Jo 12.20 e At 17.21).
Embora o cristianismo não seja uma filosofia, ele utilizou muitos elementos filosó-
ficos para racionalizar, sistematizar e difundir sua doutrina. Muito da linguagem,
conceitos e estruturas de pensamento filosófico são vistos nos próprios escritos
neotestamentários, como por exemplo, quando João usa a palavra “logos”, que era
um conceito filosófico, para referir-se à pessoa de Jesus Cristo no prólogo do seu
Evangelho (João 1.1).
• Vácuo espiritual: Embora a filosofia grega não tenha trazido as devidas respostas
para as questões essenciais da vida, ela fez com que as pessoas passassem a ques-
tionar suas próprias crenças e a buscar algo que lhes desse sentido. Por causa da
crescente inteligência começou-se a lançar dúvidas sobre as histórias a respeito
dos deuses. Muitas delas eram tão incríveis para a mente educada quanto ofensivas

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para os moralmente sensíveis. Embora ainda houvesse muitos cultos pagãos, vários
deles foram mantidos por questões de costume, superstições, comércio ou de or-
gulho cívico. As conquistas romanas também contribuíram para que muitos povos
fossem levados à falta de fé em seus deuses, uma vez que eles não foram capazes de
protegê-los. Tudo isso levou a um vácuo espiritual que, consequentemente, serviu
de abertura para a aceitação da nova fé em Cristo.

2. Cultura romana

O Império Romano emergiu um pouco antes da era cristã, quando Otaviano foi
aclamado como César Augusto, tornando-se o primeiro imperador dos romanos
(27 aC - 14 dC). Se a contribuição dos gregos foi nas áreas linguística, cultural e
filosófica, os romanos deram notável contribuição ao mundo em que surgiu o cris-
tianismo nos aspectos político, jurídico e administrativo. Apesar da helenização do
Império, os romanos tinham o domínio militar, mantinham a ordem e faziam as
leis.

Principais contribuições políticas dos romanos


• Pax romana: Sob um mesmo governo, os povos que compunham a região perten-
cente ao Império Romano, não precisavam mais estar em guerra entre si. Através
da sua legislação avançada, de seu exército e de suas instituições, os romanos cria-
ram um ambiente de ordem e segurança como nunca se vira nas terras em torno
do Mediterrâneo. A paz interna, a ordem e a prosperidade que foram alcançadas
permaneceram, com interrupções ocasionais, por cerca de dois séculos. Essa rela-
tiva paz favoreceu em muito as viagens missionárias e a pregação do evangelho em
todo o Império.
• O papel do exército romano: Como o Império Romano havia se estendido por
uma vasta região, que historicamente tinha uma tradição de guerras entre povos
vizinhos e dominação de outros grandes impérios, para que a relativa paz fosse
possível o exército romano desempenhou um importante papel. Uma vez que os
povos conquistados possuíam línguas, valores e culturas muito diferentes, somado
ao fato de estarem sob o jugo de outro povo, isso tornava o Império Romano em um
caldeirão fervendo de possibilidades de inúmeras tensões e revoltas. Para promover
tranquilidade, segurança e ordem, o estratagema romano se deu por várias vias.
Na medida em que os exércitos avançavam e se fixava nas cidades, havia a trans-
missão dos seus elementos culturais, econômicos, sociais e políticos, dando-lhes
o ar do modo de ser e viver romano, o que contribuía para uma relativa aceitação
da soberania romana ou, pelo menos, os benefícios de seu governo. A presença
física do exército também impunha às regiões o clima de segurança, estabilidade e

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paz, diante das sempre iminentes possibilidades de revoltas ou invasões dos povos
estrangeiros. Assim, o Império protegia e governava as províncias, permitindo que
cada uma elaborasse e administrasse as suas leis e estatutos, à luz do direito romano
e aprovadas pelo Imperador, tendo em contrapartida aceitar a fiscalização romana e
o seu controle militar. A presença do exército permitiu que as viagens, tanto marí-
timas como terrestres, se tornassem mais seguras, o que certamente veio a facilitar
a difusão do cristianismo.
• Ótimo sistema de estradas: Com a Pax romana também veio o crescimento do
comércio e, por causa deste, a construção de estradas. Os romanos construíram
inúmeras estradas que ligavam um lugar ao outro e várias rodovias de concreto que
atravessaram por todo o Império. Isso tornava possíveis viagens cada vez mais lon-
gas, visto que as cidades estavam localizadas estrategicamente às margens dessas
estradas. Como a Palestina, onde nasceu o cristianismo, era um importante cruza-
mento que ligava os continentes da Ásia e da África com a Europa por via terrestre,
o contato e a disseminação da fé cristã foram favorecidos. O ótimo sistema de es-
tradas e o trânsito comercial foram um importante auxílio para a missão de Paulo e
de diversos outros apóstolos em todo o Império.

Desafios da cultura greco-romana para o início do cristianismo


Várias condições foram benéficas para a disseminação do cristianismo no mundo
greco-romano. Mas também houve outros aspectos que serviram de desafio aos
primeiros cristãos. Uma vez que o intento do Império Romano era alcançar unida-
de política entre seus súditos advindos de diversas culturas, parte de sua política
consistia em fomentar maior unidade religiosa possível sem excessiva violência.
Gonzalez fala que isso se fazia mediante o sincretismo religioso e o culto ao Impe-
rador.³
• Sincretismo religioso: Os romanos incentivaram o sincretismo religioso acres-
centando ou associando ao panteão dos seus deuses, os deuses dos diversos outros
povos. Era vantajoso para a unidade do Império que seus diversos súditos pensas-
sem que, ainda que seus deuses tivessem diferentes nomes e atributos, eram todos
os mesmos deuses. Apesar do sincretismo entre os deuses, os romanos perseguiam
e procuravam exterminar qualquer religião que representasse uma ameaça para a
unidade e ordem do Império, o que implicava em um desafio tanto para os judeus
como para os cristãos, por causa da natureza exclusivista da sua fé. O monoteísmo
judaico-cristão era um claro contraste com o politeísmo e a idolatria dos romanos.

3. GONZÁLEZ, Justo L,.Uma História Ilustrada do Cristianismo - Vol. 1, São Paulo, Vida Nova,
1995, Pg. 25.

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Como o judaísmo estava contido dentro de um único grupo étnico, tendo apenas
alguns prosélitos, não representava nenhuma ameaça significativa para o Império
Romano. Já o cristianismo, especialmente quando este começou a se propagar por
todo o Império, foi percebido pelas autoridades como uma influência intrinseca-
mente desestabilizadora e ameaçadora da ordem romana, o que levou à oposição e
perseguição
• Culto ao Imperador: Um desafio ainda maior para o cristianismo foi a prática do
culto ao Imperador. Ao falecer um imperador que fosse considerado digno de hon-
ra, podia se tornar uma divindade do Estado Romano através de uma cerimônia de
apoteose concedida pelo Senado. Todos os súditos deveriam reconhecê-lo como
uma divindade e prestar-lhe culto. Esse era um dos meios que Roma utilizava para
fomentar a unidade e lealdade dos súditos em relação ao Império. Negar-se a pres-
tar esse culto era visto como sinal de deslealdade e até mesmo de traição. A recusa
dos cristãos em participar das celebrações públicas de culto aos deuses romanos ou
ao Imperador fazia com que fossem encarados com suspeita e hostilidade. O culto
ao Imperador foi, sem dúvida, o ponto primordial que destravou a perseguição im-
perial nos três primeiros séculos da Igreja.

3. Cultura judaica

O cristianismo pode ter se desenvolvido no sistema político romano e ter encon-


trado um ambiente intelectual favorável gerado pela influência grega, mas, sem
dúvida, a sua principal matriz foi o judaísmo. Latourette, fala que a fé judaica é o
tronco do qual o cristianismo brotou e floresceu4. Na verdade, a princípio o cristia-
nismo parecia somente uma das diversas seitas do judaísmo. Foi entre os judeus e
como um judeu que Jesus Cristo viveu e morreu. Todos os seus ensinamentos fo-
ram concebidos dentro da cosmovisão judaica e todos os seus primeiros discípulos
eram judeus. O cristianismo, como um movimento surgido no seio do judaísmo,
recebeu deste muitas coisas importantes.

Principais contribuições religiosas dos judeus


• As Escrituras Veterotestamentárias: O povo judeu legou ao cristianismo a forma-
ção das Escrituras Veterotestamentárias e, consequentemente, toda a sua cosmo-
visão. O cristianismo sempre esteve fundamentado nas Escrituras Sagradas, que a
princípio era formado apenas pelo Antigo Testamento. O próprio Jesus disse que
não veio anular nada do que estava escrito na lei e nos profetas, pelo contrário,

4. LATOURETTE, Kenneth Scott, Uma história do cristianismo - vol. 1: Até 1.500 A.D, São
Paulo, Hagnos, 2006, P. 44.

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sua vinda foi justamente para confirmá-los e cumpri-los. Tudo o que Jesus e os
apóstolos fizeram e ensinaram estava fundamentado nas Escrituras Veterotesta-
mentárias. Vemos o uso explícito do Antigo Testamento na explicação dos fatos
e eventos ocorridos com Jesus e na pregação neotestamentária com expressões
como: “segundo as Escrituras”, “como diz a Escritura”, “isto aconteceu para que se
cumprisse a Escritura”. O objetivo destas expressões é indicar a atualidade de uma
palavra dita no passado, reconhecendo sua permanente eficácia. Vemos também o
uso implícito dos conceitos teológicos extraídos do Antigo Testamento. A Igreja
não criou uma linguagem teológica nova, mas apropriou-se da já conhecida lingua-
gem veterotestamentária e a ampliou.
• O monoteísmo: Os judeus receberam a revelação pessoal de Deus e foram esco-
lhidos para serem o seu povo peculiar dentre todos os povos da terra. Eles conside-
ravam seu Deus, Yahweh, como o Deus do universo, o Criador e governador do céu
e da terra. Outros povos tinham seus deuses, mas Yahweh era considerado muito
mais poderoso que eles. Esses eram falsos deuses ou completamente subordinados
a ele. Para o judeu, o centro de sua fé e o seu principal mandamento estavam pre-
sentes na seguinte declaração: “Ouve, ó Israel: O Senhor nosso Deus é o único Senhor;
e amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda tua alma, e de toda a tua
força” (Dt 4.6). Muitas vezes, ao longo da sua história, o povo judeu se desviou do
Senhor e foi seduzido pelos deuses dos outros povos e caindo em idolatria. Mas
nunca mais, depois da sua volta do cativeiro babilônico, caíram em politeísmo e
idolatria novamente. Os cristãos creem no mesmo Deus dos judeus, mas é através
da fé em Jesus que os demais povos, outrora separados de Deus, fazem parte do seu
povo escolhido.
• Sistema ético: Além das Escrituras e da fé no único Deus verdadeiro, os cristãos
herdaram do povo judeu o seu sistema ético. Deus deu a lei para o seu povo para
mostrar-lhes o padrão de como deveriam viver (aspectos morais) e como deveriam
se chegar a ele (aspectos cerimoniais). Cada mandamento estava fundamentado no
próprio caráter santo de Deus, por isso encontramos repetidas vezes nas Escrituras
Veterotestamentárias a expressão: “Sejam santos, porque eu, o SENHOR vosso
Deus, sou Santo”. Jesus viveu conforme a ética dada por Deus ao povo judeu. Na
verdade, ele foi o único homem que nunca transgrediu nenhum dos mandamentos
da lei de Deus, revelada nas Escrituras. Ele veio para mostrar, através de sua vida,
como a lei é em sua essência e forma. Jesus não só obedeceu e reafirmou a lei ve-
terotestamentária, como também nos revelou o seu sentido pleno, mostrando a
sua real intenção e profundidade. Sendo assim, a ética cristã está completamente
fundamentada na ética judaica. Por causa de Cristo e através dele, os cristãos são
capacitados a viver de acordo com a ética do povo de Deus.

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A esperança messiânica: A crença na vinda futura de um Messias era proeminente


na fé judaica. A esperança messiânica constitui, sem dúvida, um dos dinamismos
determinantes do judaísmo. Essa esperança trata-se fundamentalmente do desen-
volvimento da promessa de Deus feita ao seu povo ao longo da história. O título
“Messias” na língua hebraica é o mesmo termo “Cristo” na língua grega, que sig-
nifica “ungido”. Este título exprime a autoridade divina concedida a alguém da
linhagem do rei Davi, que é escolhido e ungido por Deus como seu representante
no meio do povo, com o fim de defendê-lo dos inimigos, administrar corretamente
a justiça e garantir a paz e a prosperidade. Nos períodos de sujeição a governantes
estrangeiros, o Messias era esperado como o libertador desses poderes e como
aquele que estabeleceria o reino ideal em que a vontade de Deus seria perfeita-
mente cumprida. Os cristãos creem que Jesus é esse messias salvador, enquanto os
judeus seguem aguardando a sua vinda.

O judaísmo na época de Jesus e início da Igreja


Desde o cativeiro babilônico os judeus nunca mais foram os mesmos. Esta expe-
riência coletiva teve efeitos muito importantes na sua religião e cultura, como o
surgimento das sinagogas, o estudo da Torah e o desenvolvimento da tradição oral.
Depois, com a influência helênica e a dominação romana, temos, a partir desses
processos históricos, uma nova religiosidade judaica, que foi constituída de grupos
que apoiaram e grupos que resistiram a esses processos. Bruce Shelley fala que
várias facções que surgiram em meio aos judeus, cada uma delas interpretando e
lidando com a crise de uma forma diferente.5

Principais Instituições e grupos religiosos do judaísmo do primeiro século

Surgiu com os judeus da dispersão durante o exílio babi-


lônico. Onde quer que houvesse dez famílias judias, estas
deveriam unir-se e fundar uma sinagoga. Ela tornou-se
local de reunião para oração e estudo das Escrituras e
centro da vida dos judeus, após a destruição do Templo em
SINAGOGA 586 a.C. Nos dias de Jesus, a sinagoga tinha quatro funções
básicas: 1. Escola para crianças, onde eram ensinadas a Lei
e as tradições religiosas dos judeus; 2. Local de ensino e
instrução, onde as Escrituras eram lidas, expostas, e se
faziam orações; 3. Conselho comunitário, onde questões
civis e religiosas eram decididas; 4. Local de interação
social, onde eram realizados diversos tipos de reuniões.

5. SHELLEY, Bruce L., História do Cristianismo: uma obra completa e atual sobre a trajetória
da igreja cristã desde as origens até o século XXl, Rio de Janeiro, Thomas Nelson 2018, P. 19.

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É de origem incerta, a primeira referência documentada,


vem do Período dos Selêucidas. Era a suprema corte dos
judeus. Só podiam fazer parte dele judeus de nascimento.
Seus 71 membros exerciam mandato vitalício. Era presidido
pelo sumo sacerdote, que, nos dias de Jesus, era nomeado
SINÉDRIO pelo governador romano. A jurisdição do Sinédrio limita-
va-se à Judéia. Dava a palavra final nos assuntos de inter-
pretação da Lei. Tomava decisões em questões criminais,
sujeitando-as à aprovação do governo romano. O Senhor
Jesus foi levado perante o Sinédrio (Mc 14.53-55), assim
como também os apóstolos (At 4.15-18; 22.30).

Não constituíam um partido político, mas eram membros


de uma “corporação de profissionais”. Eram, antes de mais
nada, os copistas da Lei. Inicialmente, os escribas eram sa-
cerdotes. Considerados autoridades quanto às Escrituras
Sagradas, exerciam função de ensino. Sua linha de pensa-
mento era semelhante à dos fariseus, com quem aparecem
associados frequentemente nas páginas do Novo Testa-
ESCRIBAS mento. O valor do seu trabalho está na preservação dos es-
critos divinos, bem como na defesa dos princípios da Lei.
Por outro lado, quando passaram a defender a lei oral, os
escribas atribuíam a si mesmos a tríplice missão: 1) definir
e aperfeiçoar os princípios legais decorrentes da Torah. 2)
ensinar não somente a lei escrita, mas também a lei oral, ou
“tradição dos anciãos” por meio da memorização e repeti-
ção. 3) realizar a aplicação da justiça aplicando os princípios
da lei oral.

Como partido, surgiram no segundo século a.C. e foram


uma reação conservadora à influência grega. Por isso, de-
senvolveram uma teologia de separação étnica e ritual.
Davam ênfase excessiva à guarda dos mandamentos, à
tradição dos anciãos e à purificação ritual. Era o grupo
mais popular e importante na época de Cristo. Sustenta-
vam a doutrina da imortalidade da alma, da ressurreição do
corpo, da existência do espírito e dos anjos. Esperavam a
vinda de um Messias e criam nas recompensas e castigos
FARISEUS da vida futura. Porém, sustentavam que a graça divina era
derramada somente sobre aqueles que faziam o que a Lei
manda. Alguns de seus integrantes apoiaram Jesus e se
tornaram cristãos (Jo 3.1-9 | 7.50 | 19.39 | At 5.34-39 |
At 15.5); mas a maioria deles foi advertida por Cristo por
causa da profunda hipocrisia e senso de superioridade
moral (Mt 23 | Lc 12.1).

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Esse partido surgiu na época da invasão grega. Era compos-


to pelos principais sacerdotes e aristocratas ricos. Mostrou-
-se aberto às influências estrangeiras, procurando conciliar
o judaísmo com o helenismo. Consideravam o domínio ro-
mano como uma vantagem para seus interesses. Apesar de
impopulares entre as pessoas comuns, eram eles que con-
trolavam a administração do Templo e o Sinédrio. Aceita-
SADUCEUS vam como inspirado apenas a Torah, olhavam com suspeita
para qualquer revelação posterior à Lei de Moisés, negavam
os escritos dos profetas e a tradição judaica. Não acredita-
vam em anjos, demônios, ressurreição, na vida futura, na
predestinação e quase não tinham esperanças messiânicas.
Desprezavam as paixões nacionalistas e o entusiasmo reli-
gioso. A única coisa que tinham em comum com os escribas
e fariseus era sua hostilidade à pessoa de Jesus e a persegui-
ção aos cristãos.

Não são mencionados na Bíblia, mas, assim como os fari-


seus, devem ter surgido no período Macabeu. Foram, prova-
velmente, uma reação ascética ao externalismo dos fariseus
e ao mundanismo dos saduceus. Se retiravam da sociedade,
viviam em ascetismo e celibato no deserto da Judéia. Viviam
em extrema simplicidade e sob severa disciplina. Vestiam-
-se de branco, evitavam o comércio e não sacrificavam no
templo, tinham os bens em comum, amavam os de dentro,
mas odiavam os de fora. Estudavam as Escrituras e outros
ESSÊNIOS livros religiosos. Possuíam o seu próprio calendário religio-
so e regras rituais de purificação.Tomavam banhos rituais
de imersão diariamente. Aguardavam ansiosamente a vinda
do Messias, e se consideravam o único Israel verdadeiro,
para o qual ele viria. Estavam convencidos de que todas as
profecias do Velho Testamento estavam sendo cumpridas
em seus dias, de modo que aguardavam o fim iminente dos
tempos. Consideravam a si mesmos “filhos da luz” e os de-
mais “filhos das trevas”. Aguardavam o dia da batalha final,
quando então haveriam de obter vitória sobre os filhos das
trevas. Desapareceram por volta de 73 d.C., quando foi con-
quistada a fortaleza de Massada pelos romanos.

Acreditavam que a submissão a Roma era uma traição a


Deus. Eram militantes patriotas judeus, que criam ser jus-
tificável a violência, se esta libertasse a nação dos opressores
estrangeiros. Surgiram durante o governo de Quirino (pró-
ZELOTES ximo, ou na mesma época do nascimento de Jesus) como
um partido clandestino, que fazia oposição a Roma. Eram
também conhecidos como sicários, pelo fato de levarem um
punhal escondido, com o qual atacavam os inimigos. Res-
peitavam o Templo e a Lei. Opunham-se ao pagamento de

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impostos a Roma e ao uso da língua grega. Acreditavam no


Messias que, segundo eles, deveria ser um líder político que
libertasse Israel da ocupação romana. Pelo menos um deles
tornou-se discípulo, “Simão o Zelote” (Mt 10.4; Lc 6.15; At
1.13). Em seu extremismo, acabaram por provocar e enca-
beçar a guerra contra Roma no ano 66, que culminou com
a destruição completa de Jerusalém no ano 70, a dissolução
do “estado” judeu e a dispersão de seu povo.

Samaria era parte da região que constituía o Reino do Nor-


te, também chamado de Israel, após a divisão da nação nos
dias de Roboão, e que foi tomado pelos assírios em 722 a.C.
Por algum tempo, cultuavam num templo erguido no Mon-
te Gerizim, baseando sua religião numa tradução própria do
SAMARITANOS Pentateuco (2 Rs 17). Os samaritanos eram os descenden-
tes da união de colonos trazidos para a Palestina por Sar-
gão, com judeus pobres que permaneceram após a queda
do Reino do Norte. Eram monoteístas, observavam a Lei,
guardavam as festas judaicas, e esperavam um Messias. Os
judeus não se davam com os samaritanos (Ne 4.1,2; Jo 4.8).

Partido político formado por judeus (funcionários e sol-


dados da corte herodiana, alguns proprietários de terras e
alguns comerciantes) que criam que os melhores interesses
do judaísmo estavam na cooperação com os romanos. Seu
HERODIANOS
nome foi tirado de Herodes, o Grande, que, em sua época,
tentou romanizar a Palestina. Mostraram forte hostilidade
para com o Senhor Jesus (Mt 22.16; Mc 3.6). Como os
saduceus, não criam na ressurreição.

Esse foi o contexto histórico, cultural e religioso no qual o cristianismo nasceu.


O que não faltava na Palestina nessa época eram vozes exigindo lealdade, contudo
Jesus não foi apenas mais uma dessas vozes, antes foi a própria Palavra de Deus
encarnada no mundo. Jesus escolheu discípulos improváveis e iniciou o seu minis-
tério de forma simples. A princípio parecia ser apenas mais uma seita judaica pouco
promissora, porém, o cristianismo permanece até os dias de hoje, está presente
em todas as partes do mundo e foi, sem dúvida, o maior influenciador do mundo
ocidental.

Judaísmo e Cristianismo
A Bíblia, de Gênesis a Apocalipse, conta uma única história: A história de Deus
com o seu povo. O Antigo Testamento conta o início dessa história com a eleição
e formação do povo de Israel e o Novo Testamento continua essa mesma história
mostrando como Deus, através de Cristo Jesus, incluiu os gentios como parte do

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seu povo. É importante saber que nossa história, como povo de Deus, não começa
do nada. Nossas raízes estão em Israel, a igreja é o cumprimento das promessas fei-
tas no Antigo Testamento. Contudo, apesar dessa continuidade histórica, judaísmo
e cristianismo não são a mesma coisa. Apesar de estarmos ligados às raízes judaicas,
precisamos estar atentos à verdade de que o entendimento de Jesus como Messias,
Filho de Deus, é necessário e inegociável.

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