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​ Aula 4 - O Império Romano do Oriente (séculos V-IX)


​ Informações importantes
​ O objetivo do Tópico 4 é refletirmos sobre a cristianização do Império Romano
do Oriente e a construção dos dogmas cristãos como sendo parte fundamental
da construção da ideologia imperial.
A história do Cristianismo, sua formação, o processo de conversão das
populações mediterrâneas, a normatização do comportamento cristão, a
fixação dos dogmas e a constituição da instituição eclesial está atrelada à
história social e cultural do império romano e à sua progressiva “orientalização”.
A “Crise do século III”, desestrutura os alicerces da romanidade. As tendências
profundas e latentes de transformação se tornam evidentes e abrem o caminho
para a monarquia e para a adoção do monoteísmo cristão.
Entretanto, após as crises econômica e sucessorial que levaram a um século de
guerras civis a restauração do Império foi possível através da chamada
orientalização geográfica e cultural do Império. A restauração foi iniciada com
Diocleciano (285-306) que passa a governar de Nicomédia (cidade situada Ásia
Menor) e institui o Dominato (285-565), onde o imperador não é mais o Princeps
(primeiro cidadão), mas o Dominus, o senhor, e onde os princípios religiosos da
Res pública romana (ou de seus resquícios) se tornam mais radicais,
assemelhando-se às monarquias orientais e helenísticas. Constantino
(324-337) promulga o Édito de tolerância religiosa (313), convoca o Concílio de
Nicéia (325), funda, em 330, a Nova Roma, ou Constantinopla: é lá que
doravante está situado o centro do poder imperial. Constantino, o Grande,
também escolhe uma religião oriental para apoiar a bases do novo Estado
romano: o Cristianismo. Ambos implementam amplas reformas administrativas,
sócio-econômicas e políticas que vão transformando o Império Romano em um
Império Cristão e a Nova Roma na mímesis da Jerusalém Celeste.
Assim, entre 300 e 330 as instituições fundamentais da Igreja estão já postas:
três séculos a partir da divulgação da mensagem cristã - as cartas de são
Paulo, os Atos dos Apóstolos, o estabelecimento dos evangelhos sinópticos e
do evangelho de João e os escritos dos Pais Apostólicos (Pastor Hermas,
Clemente de Roma, Inácio de Antióquia, Justino o Mártir, Barnabé, Papias de
Hierápolis, Policárpio de Esmirna) ao longo dos dois primeiros séculos – foi o
tempo preciso para a organização de uma série de comunidades locais, em
diversas partes do Mediterrâneo Oriental, Gálias e Península Ibérica, submissas
à autoridade de um bispo. A Igreja episcopal é a base do conjunto de
instituições urbanas nas quais o cristianismo se fundamenta e que permite a
construção de uma hierarquia complexa que toma por referência os quadros
administrativos romanos.
Os estudos recentes sobre o sobre o processo de conversão das classes médias
urbanas do mundo mediterrâneo ao cristianismo ao longo da Antiguidade Tardia
(Peter Brown) demonstram a evidente pertença da formação da doutrina cristã
e do comportamento cristão à cultura e filosofia do mundo grego e latino e o
afastamento progressivo do judaísmo helenístico. Dessa forma, o pensamento
cristão se fundamenta na herança do estoicismo e do neo-platonismo. Essa
dupla pertença cria uma clivagem entre a Patrística latina e a grega. A primeira
se caracteriza por ser moralizante e normativa e a segunda especulativa. De
fato, as principais questões teológicas são construídas, debatidas e fixadas no
Mediterrâneo Oriental, sobretudo nas escolas de Alexandria e Antióquia com
tradições filosóficas com diferentes interpretações da tradição escriturária
(Henri Irenée-Marrou). Após os dois primeiros séculos de constituição do
corpus documental cristão e da Patrística greco-latina o que prevaleceu foi a
literatura Apologética - parte da Teologia cujo objeto é defender o cristianismo.
A apologia (justificação ou defesa, escrita ou oral, de uma coisa ou pessoa) se
torna, então, um dos primeiros gêneros literários cristãos, que, juntamente com
o estabelecimento do corpus neotestamentário, dos textos normativos, como a
Didaché, e dos escritos dos Pais Apostólicos, mas sobretudo com os primeiros
relatos dos Atos dos mártires, o surgimento do monaquismo na Síria e no Egito
e o culto dos santos o espaço social e cultural para o estabelecimento do
cristianismo estava dado. Elemento fundamental para a cristalização do
cristianismo como elemento cultural estruturante do Império e mais tarde das
sociedades medievais, tanto no Ocidente quanto no Oriente, o culto dos
mártires e dos santos amalgamaram práticas e rituais greco-romanos com as
novas necessidades sociais e com as novas formas de se compreender a morte,
o pecado e a caridade (Peter Brown). Entretanto, devido à importância crescente
do cristianismo no interior do aparelho imperial romano, a necessidade de
unificar as diversas tendências e interpretações dos textos cristãos, (fruto
dessa cultura greco-romana e judaico-helenista) Constantino convoca em 325 o
Concílio de Nicéia para unificar as diversas interpretações dos textos
escriturários, assim, a normatização cria a ideia do desvio. Os debates
doutrinários e filosóficos que fundamentam a construção dos dogmas cristãos
como a Trindade (o Credo de Nicéia) e, consequentemente a dupla natureza de
Cristo, abrem o caminho para a construção da concepção de Heresia como
crime tendo como pano de fundo as desigualdades sociais e regionais
mediterrâneas.
A palavra heresia vem do grego hairésis, de hairein, escolher. No grego os
filósofos a utilizavam para designar uma doutrina ou escola específica, sem
nenhuma conotação desfavorável; os bispos a aplicaram para designar uma
doutrina oposta ao que se considerava com a fé cristã, posteriormente
denominada como ortodoxa. É justamente a definição da ortodoxia, do que
seriam os dogmas absolutos do cristianismo, que animou a vida intelectual da
Igreja dos séculos III ao VI, sobretudo na parte Oriental do Império romano, de
língua grega, onde uma elite de filósofos convertidos ao cristianismo discute
com os aparelhos conceituais neo-platônicos o problema da Trindade e da
Cristologia, fundamentos do Cristianismo, implicando as doutrinas da
Encarnação e da Redenção. Assim, o “problema da heresia, nasce com o
cristianismo” (Monique Zerner, Heresia, Dicionário Temático do Ocidente
Medieval). Durante os séculos I e II constitui-se, em meio a controvérsias e ao
nascimento da instituição eclesiástica, o corpo canônico do Novo Testamento,
escritos “ortodoxos’ que descenderiam dos ensinamentos de Cristo. Mas, a
partir de Constantino o problema que colocava, para o Império, uma
multiplicidade de igrejas, práticas e doutrinas fez com que fosse convocado,
como vimos, o Concílio de Nicéia em 325 para que juntamente com um regime
que tendia para a monarquia fosse criada uma Igreja ecumênica. O cristianismo
se tornando uma religião de um Império Autocrático as disputas doutrinárias se
tornam disputas políticas e têm o Imperador como árbitro final determinando o
que é heresia e o que é ortodoxia. Desta forma, as doutrinas consideradas
heréticas são punidas como crime contra o Império/Igreja, permitindo
legalmente a deposição de suas cátedras, a perseguição, o exílio e a morte.
Aqui trataremos apenas das grandes heresias consecutivas as disputas
trinitárias e cristológicas, o arianismo, o nestorioanismo e o monofisismo.
1 – O Arianismo: Arius, Nascido na Líbia (256), discípulo de Luciano de
Antióquia. Padre em Alexandria (Egito) durante o bispado de Alexandre de
Alexandria (323) que lhe encarrega da cura pastoral na igreja de Baucalis.
Doutrina: Nega a eternidade do Verbo, a consubstancialidade do Filho com o Pai
divindade do Filho (subordinado ao Deus eterno e Todo Poderoso) e afirma que
o Filho é uma criatura do pai, o instrumento do qual se serviu o Pai para a
criação do mundo.
Foi condenado e excomungado no Concílio de Alexandria (c. 321). Exilado, na
Síria tem o apoio dos companheiros da escola de Luciano de Antióquia e se
refugia em Cesaréia da Palestina, recebido por Eusébio de Cesaréia e tem o
apoio de Eusébio de Nicomédia, que reúne um sínodo que absolve Arius.
escreve seu livro Thalia em prosa e verso, assim como canções populares.
Constantino convoca o Concílio de Nicéia em junho de 325, quando 300 bispos
condenam solenemente Arius e promulgam o Credo de Nicéia. Após os debates
a palavra homousios (consubstancial) é empregada no “Símbolo de Nicéia” para
expressar a unidade substancial e absoluta entre Deus e Cristo. Os
considerados hereges foram exilados. Porém, diversos grupos continuam a
discutir os dogmas até que que 381 Teodósio, o Grande convoca o Concílio de
Constantinopla para restabelecer a paz na Igreja. Teve a presença de 150
bispos (os legados do bispo de Roma não assistiram); confirma da Fé de Nicéia,
agora denominado Símbolo niceno-constantinopolitano. Define ainda a
divindade do Espírito Santo e condena outros grupos considerados heréticos
como os sabelianos e apolinaristas. Ainda, nesse mesmo Concílio, o Cânone
terceiro reconhece à supremacia do patriarcado de Constantinopla sobre o
Império, o que nunca aceito pelo bispo de Roma.
2 – A questão Cristológica: Apesar de ser um erro fundamentalmente trinitário,
o arianismo afeta a Cristologia. As controvérsias propriamente cristológicas
começam com o apolinarismo.
b) Nestorianismo: Nestorius, monge de Antióquia, e discípulo de Teodoro de
Mopsueste, é elevado ao Patriarcado de Constantinopla em 428.
Doutrina: recusa à Virgem o nome de Theotokos (mãe de Deus). A Virgem seria
a mãe do homem Jesus (Christotokos). O verbo teria se servido de Jesus como
um instrumento para a salvação. A divindade do verbo habitava em Jesus como
em um templo (Cristo como Théophoro (aquele que carrega-Deus); Jesus e o
Filho de Deus seriam pessoas distintas e distingue em Cristo duas pessoas: a
pessoa divina e a pessoa humana. O Concílio de Éfeso, convocado por Teodósio
II em 431, a pedido de Nestório em acordo com o bispo de Roma, Celestino,
conta com a presença de 200 padres e dos legados papais. O Nestorianismo é
condenado e Nestório é deposto do seu patriarcado.
c) Monofisismo: Eutiques, archimandrita de um mosteiro de Constantinopla,
combate o Nestorianismo juntamente com Cirilo de Alexandria e caí no extremo
contrário daquilo que combate. Doutrina: existem em Cristo duas naturezas
antes da união da divindade com a humanidade, depois da união existe uma
natureza (monophysis), assim, Cristo não tem a mesma natureza que os outros
homens.
Concílio de Calcedônia é convocado em 451; o Monofisismo foi vencido
dogmaticamente, mas teve grande vitalidade popular e foi causa de lutas
religiosas e políticas em todo o Oriente.

Essa atividade legislativa que emana do poder do Imperador fazia parte das
funções imperiais desde Otaviano Augusto (atribuição que era, na República
Romana, do Sumo Pontífice). Mas, Constantino, ao convocar o Concílio de
Nicéia abre o precedente para a intervenção imperial que acaba por determinar
os dogmas do Cristianismo, suas práticas e formas de devoção. Mas, aquele
que vai levar a cabo essa função é Justiniano I (527-565) que ergue o
monumento legislativo, o Corpus Juris Civilis que cristianiza as leis romanas
configurando-o como o verdadeiro mundo cristão e o imperador como o grande
defensor dos dogmas e da Igreja.

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