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O que é a razão?

A razão é uma estrutura vazia, uma forma pura sem conteúdos. Essa
estrutura (e não os conteúdos) é que é universal, a mesma para todos os seres
humanos, em todos os tempos e lugares. Essa estrutura é inata, isto é, não é
adquirida através da experiência. Por ser inata e não depender da experiência
para existir, a razão é, do ponto de vista do conhecimento, anterior à
experiência. Ou, como escreve

Kant, a estrutura da razão é a priori (vem antes da experiência e não


depende dela).

Porém, os conteúdos que a razão conhece e nos quais ela pensa, esses
sim, dependem da experiência. Sem ela, a razão seria sempre vazia,
inoperante, nada conhecendo. Assim, a experiência fornece a matéria (os
conteúdos) do conhecimento para a razão e esta, por sua vez, fornece a forma
(universal e necessária) do conhecimento. A matéria do conhecimento, por ser
fornecida pela experiência, vem depois desta e por isso é, no dizer de Kant, a
posteriori. Qual o engano dos inatistas? Supor que os conteúdos ou a matéria
do conhecimento são inatos. Não existem idéias inatas.

Qual o engano dos empiristas? Supor que a estrutura da razão é


adquirida por experiência ou causada pela experiência. Na verdade, a
experiência não é causa das ideias, mas é a ocasião para que a razão,
recebendo a matéria ou o conteúdo, formule as idéias.

Dessa maneira, a estrutura da razão é inata e universal, enquanto os


conteúdos são empíricos e podem variar no tempo e no espaço, podendo
transformar-se com novas experiências e mesmo revelarem-se falsos, graças a
experiências novas.

O que é o conhecimento racional, sem o qual não há Filosofia nem


ciência? É a síntese que a razão realiza entre uma forma universal inata e um
conteúdo particular oferecido pela experiência.

Qual é a estrutura da razão?

A razão é constituída por três estruturas a priori:

1. a estrutura ou forma da sensibilidade, isto é, a estrutura ou forma da


percepção sensível ou sensorial;
2. a estrutura ou forma do entendimento, isto é, do intelecto ou inteligência;
3. a estrutura ou forma da razão propriamente dita, quando esta não se
relaciona
nem com os conteúdos da sensibilidade, nem com os conteúdos do
entendimento, mas apenas consigo mesma. Como, para Kant, só há
conhecimento quando a experiência oferece conteúdos à sensibilidade e ao
entendimento, a razão, separada da sensibilidade e do entendimento, não
conhece coisa alguma e não é sua função conhecer. Sua função é a de
regular e controlar a sensibilidade e o entendimento. Do ponto de vista do
conhecimento, portanto, a razão é a função reguladora da atividade do sujeito
do conhecimento.

A forma da sensibilidade é o que nos permite ter percepções, isto é, a


forma é aquilo sem o que não pode haver percepção, sem o que a percepção
seria impossível. Percebemos todas as coisas como dotadas de figura,
dimensões (altura, largura, comprimento), grandeza: ou seja, nós as
percebemos como realidades espaciais.

Não interessa se cada um de nós vê cores de uma certa maneira, gosta


mais de uma cor ou de outra, ouve sons de uma certa maneira, gosta mais de
certos sons do que de outros, etc. O que importa é que nada pode ser
percebido por nós se não possuir propriedades espaciais; por isso, o espaço
não é algo percebido, mas é o que permite haver percepção (percebemos
lugares, posições, situações, mas não percebemos o próprio espaço). Assim, o
espaço é a forma a priori da sensibilidade e existe em nossa razão antes e sem
a experiência.

Também só podemos perceber as coisas como simultâneas ou


sucessivas: percebemos as coisas como se dando num só instante ou em
instantes sucessivos.

Ou seja, percebemos as coisas como realidades temporais. Não


percebemos o tempo (temos a experiência do passado, do presente e do
futuro, porém não temos percepção do próprio tempo), mas ele é a condição de
possibilidade da percepção das coisas e é a outra forma a priori da
sensibilidade que existe em nossa razão antes da experiência e sem a
experiência.

A percepção recebe conteúdos da experiência e a sensibilidade organiza


racionalmente segundo a forma do espaço e do tempo. Essa organização
espaçotemporal dos objetos do conhecimento é que é inata, universal e
necessária.

O entendimento, por sua vez, organiza os conteúdos que lhe são


enviados pela sensibilidade, isto é, organiza as percepções. Novamente o
conteúdo é oferecido pela experiência sob a forma do espaço e do tempo, e a
razão, através do entendimento, organiza tais conteúdos empíricos.

Essa organização transforma as percepções em conhecimentos


intelectuais ou em conceitos. Para tanto, o entendimento possui a priori (isto é,
antes da experiência e independente dela) um conjunto de elementos que
organizam os conteúdos empíricos. Esses elementos são chamados de
categorias e sem elas não pode haver conhecimento intelectual, pois são as
condições para tal conhecimento.

Com as categorias a priori, o sujeito do conhecimento formula os


conceitos. As categorias organizam os dados da experiência segundo a
qualidade, a quantidade, a causalidade, a finalidade, a verdade, a
falsidade, a universalidade, a particularidade. Assim, longe de a
causalidade, a qualidade e a quantidade serem resultados de hábitos
psicológicos associativos, eles são os instrumentos racionais com os quais o
sujeito do conhecimento organiza a realidade e a conhece. As categorias,
estruturas vazias, são as mesmas em toda época e em todo lugar, para todos
os seres racionais.
Graças à universalidade e à necessidade das categorias, as ciências
são possíveis e válidas; o empirismo, portanto, está equivocado.

Em instante algum Kant admite que a realidade, em si mesma, é


espacial, temporal, qualitativa, quantitativa, causal, etc. Isso seria regredir ao
forno girando em torno do frango. O que Kant afirma é que a razão e o sujeito
do conhecimento possuem essas estruturas para poder conhecer e que, por
serem elas universais e necessárias, o conhecimento é racional e verdadeiro
para os seres humanos.

É isso que a razão pode. O que ela não pode (e nisso inatistas e
empiristas se enganaram) é supor que com suas estruturas passe a conhecer a
realidade tal como esta é em si mesma. A razão conhece os objetos do
conhecimento. O objeto do conhecimento é aquele conteúdo empírico que
recebeu as formas e as categorias do sujeito do conhecimento. A razão não
está nas coisas, mas em nós.

A razão é sempre razão subjetiva e não pode pretender conhecer a


realidade tal como ela seria em si mesma, nem pode pretender que exista uma
razão objetiva governando as próprias coisas.

O erro dos inatistas e empiristas foi o de supor que nossa razão alcança
a realidade em si. Para um inatista como Descartes, a realidade em si é
espacial, temporal, qualitativa, quantitativa, causal. Para um empirista como
Hume, a realidade em si pode ou não repetir fatos sucessivos no tempo, pode
ou não repetir fatos contíguos no espaço, pode ou não repetir as mesmas
seqüências de acontecimentos.

Para Kant, jamais poderemos saber se a realidade em si é espacial,


temporal, causal, qualitativa, quantitativa. Mas sabemos que nossa razão
possui uma estrutura universal, necessária e a priori que organiza
necessariamente a realidade em termos das formas da sensibilidade e dos
conceitos e categorias do entendimento. Como razão subjetiva, nossa razão
pode garantir a verdade da Filosofia e da ciência.

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