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Restauração

• Restaurar um edifício não é mantê-lo, repará-lo ou refazê-lo, • 1830: Sr. Vitet nomeado inspetor geral dos monumentos
é restabelecê-lo em um estado completo que pode não ter históricos.
existido nunca em um dado momento. • Contribuições não arqueológicas, mas com um espírito de
• Foi somente a partir do 2º quartel do século XIX que se crítica e de análise que, antes de tudo, fez penetrar a luz na
pretendeu restaurar edifícios de uma outra época, sem que história de nossos antigos monumentos.
tivesse definido precisamente a restauração arquitetônica. • Trecho de um de seus relatórios: “Com efeito, recentes
• Ásia: quanto um templo ou palácio sofre degradações do viagens, experiências incontestáveis não permitem mais
tempo, ergue-se um outro ao lado. Não se destrói, ele é duvidar, hoje, que a Grécia antiga levou tão longe o gosto pela
abandonado à ação do tempo. cor que cobriu de pinturas até o exterior de seus edifícios, e
• Romanos: restituíam, mas não restauravam – tanto que não no entanto, baseados em alguns pedaços de mármore
existe palavra do latim com o significado de restaurar. descoloridos, nossos cientistas, há três séculos, nos faziam
• Ptolomeus: restituíam conforme o modo de seu tempo. imaginar essa arquitetura fria e descolorida. Fez-se algo
• Gregos: davam o cunho do momento a esses trabalhos que se semelhante em relação à Idade Média.”
tornaram necessários.
• O gosto pelas restaurações se manifestou, desde sempre, ao
se findarem os períodos de civilização nas sociedades.
Restauravam-se, ou melhor dizendo, reparavam-se os
monumentos antigos de determinada cultura/civilização
quando um novo domínio surgia. Ex: monumentos gregos no • Vitet: Castelo de Coucy – 1831, relatório ao ministro, propondo
Império Romano; monumentos do império Romano com a uma restauração escrita e documental dessa obra medieval.
ascensão do Catolicismo; igrejas católicas às vésperas da A via foi aberta, outros críticos e cientistas se debruçaram
Reforma Protestante. sobre o tema, e depois deles, os artistas.
• Idade Média: mesma percepção das restaurações antigas. Se
fosse necessário, em um edifício do século XII, substituir um
capitel quebrado, era um capitel do século XIII, XIV ou XV que
se colocava em seu lugar.
• Essa prática produziu alguns equívocos nos estudos dos
estilos e atribuição de datas falsas a certos fragmentos.
• Foi a partir do “nosso tempo” que surgiu o desejo de analisar,
comparar e classificar o passado > Arqueólogos.
• No entanto, esses perscrutadores do passado, esses
arqueólogos têm que vencer preconceitos mantidos com
cuidado pela numerosa classe de pessoas para as quais toda
descoberta ou todo horizonte novo é a perda da tradição.
• Mesmo com o progresso feito pelos arqueólogos, os
arquitetos ainda viam as obras da Idade Média como uma arte • Vitet: pioneiro no estudo e na apreciação dessas artes da
doente. Idade Média.
• De qualquer modo, essas frases ocas, com a ajuda do Museu • 1835, Sr. Mérimée: novo inspetor geral dos monumentos
dos Monumentos Franceses e de algumas coleções, fizeram históricos
com que vários artistas começassem a examinar com • Foi com esses dois padrinhos que se formou um primeiro
curiosidade esses remanescentes dos séculos de “ignorância núcleo de artistas jovens desejosos de penetrar no
e de barbárie”. Inicialmente superficial. Foi então que conhecimento íntimo dessas artes esquecidas: foi sob sua
homens, de modo algum artistas, se viram, assim, fora do inspiração sábia, sempre submetida a uma crítica severa,
alcance da academia, e iniciaram a campanha através de que foram empreendidas restaurações, de início com uma
trabalhos bastante notáveis para o tempo em que foram grande reserva, logo em seguida com mais ousadia e de
feitos. maneira mais abrangente.
Restauração
• 1835 – 1848: Vitet presidiu a Comissão dos Monumentos • Exemplos (página 49 e 50) – “Não se trata aqui, como no caso
Históricos e durante esse período um grande número de precedente, de conservar uma melhoria acrescentada a um
sistema defeituoso, mas de considerar que a restauração
edifícios da Antiguidade Romana e da Idade Média, na França, posterior foi feita sem crítica, seguindo o método aplicado até
foram estudados, bem como preservados da ruína. Deve-se nosso século, e que consistia, em toda reconstrução ou
dizer que o programa de uma restauração era então algo restauração de um edifício, em adotar as formas admitidas no
totalmente novo. tempo presente, nós precedemos segundo um princípio oposto,
• Desde o começo do século, já se tinha tentado dar uma ideia que consiste em restaurar cada edifício no estilo que lhe é
próprio.”
das artes anteriores através de composições fantasiosas,
• Os princípios absolutos nessas matérias podem conduzir ao
mas que tinham a pretensão de reproduzir formas antigas.
absurdo.
(As restaurações feitas nos séculos precedentes eram
• Do mesmo modo, nas partes escondidas dos edifícios,
apenas substituições).
deveremos respeitar escrupulosamente todos os traços que
• Igreja de Saint-Denis: usada como cobaia pelos primeiros
podem servir para constatar as adjunções, as modificações
artistas por 30 anos.
das disposições primitivas.
• Napoleão
• Se for o caso de refazer em estado novo porções do
• Custosa experiência
monumento das quais não resta traço algum, seja por
• Encerrada para retornar ao programa relativo à
necessidades de construção, seja para completar uma obra
restauração estabelecido pela Comissão dos
mutilada, então o arquiteto encarregado de uma restauração
Monumentos Históricos.
deve imbuir-se bem do estilo próprio ao monumento cuja
• Esse programa, antes de mais nada, admite por princípio que
restauração lhe é confiada.
cada edifício ou cada parte de um edifício devam ser
• Cada monumento da Idade Média tem sua escala relativa ao
restaurados no estilo que lhe pertence, não somente como
conjunto, embora essa escala esteja sempre submetida à
aparência, mas como estrutura.
dimensão do homem. Deve-se portanto pensar duas vezes
• É essencial, antes de qualquer trabalho de
quando se trata de completar partes faltantes de um edifício
reparação, constatar exatamente a idade e o
da Idade Média e estar bastante imbuído da escala admitida
caráter de cada parte, compor uma espécie de
pelo construtor primitivo.
relatório respaldado por documentos seguros.
• Substituir toda parte retirada somente por materiais
• Necessário conhecer os princípios e os meios práticos do
melhores e por meios mais eficazes ou mais perfeitos –
estilo específico.
Deveremos suprir essa diminuição de força (toda construção
• O arquiteto encarregado de uma restauração deve conhecer
abandonada perdeu certa parte de sua força) pela potência
exatamente não somente os tipos referentes a cada período
das partes novas, por aperfeiçoamentos no sistema
da arte, mas também os estilos pertencentes a cada escola.
estrutural.
• Em geral, os monumentos ou partes de monumentos de uma
• O arquiteto deve ter a sua disposição vários meios para
certa época e de uma certa escola foram reparados diversas
empreender um trabalho de restauração. Se um desses
vezes, e isso por artistas que não pertenciam à província
meios vier a falhar, um segundo, um terceiro, devem estar
onde foi construído o edifício.
totalmente prontos.
Em se tratando de restaurar as partes primitivas e • Foi graças a esses trabalhos de restauração que indústrias
as partes modificadas, deve-se não levar em conta as importantes se reergueram, que a execução das alvenarias
últimas e restabelecer a unidade de estilo alterada, ou se tornou mais cuidada, que o emprego de materiais se
reproduzir exatamente o todo com as modificações expandiu: pois os arquitetos encarregados de trabalhos de
posteriores? restauração, muitas vezes em cidades ou aldeias ignoradas,
desprovidas de tudo, tiveram de pesquisar as pedreiras e,
É então que a adoção absoluta de um dos dois partidos pode segundo as necessidades, reabrir antigas, formar ateliês,
oferecer perigos. É necessário agir em razão das circunstâncias formar operários, conduzir canteiros, estabelecer métodos
particulares. regulares.
• A centralização administrativa francesa tem méritos e
• O arquiteto deve conhecer os procedimentos de construção vantagens, ela cimentou a unidade política, mas teve seus
admitidos nas diferentes épocas de nossa arte e nas diversas inconvenientes. A centralização não somente tirou as escolas
escolas. das províncias, e com elas os procedimentos particulares, as
Restauração
• indústrias locais, mas também os indivíduos capazes, que • A fotografia parece vir a propósito para ajudar nesse grande
eram todos absorvidos por Paris ou por dois ou três grandes trabalho de restauração dos edifícios antigos. Quando os
centros. A centralização conduzia, no que se refere à arquitetos tinham à sua disposição somente os meios comuns
arquitetura, à barbárie. O saber, as tradições, os métodos, a do desenho, era-lhes bastante difícil não cometer algumas
execução material, se retiravam pouco a pouco das omissões, não negligenciar alguns traços pouco aparentes, e
extremidades. sempre passível de contestação terminado o trabalho de
• As localidades secundárias ficavam assim de fora de todos os restauração. Mas a fotografia apresenta essa vantagem de
progressos da arte, de todo saber, e se viram constrangidas a fornecer relatórios irrefutáveis. A fotografia levou os
confiar a direção dos trabalhos municipais aos encarregados arquitetos a serem ainda mais escrupulosos no respeito
dos trabalhos de viação, aos agrimensores, ou a mestres- pelos mínimos remanescentes de uma disposição antiga, a
escolas um pouco geômetras. melhor se conscientizar da estrutura.
• Os primeiros que pensaram em salvar da ruína os mais belos • Nas restaurações não poderíamos jamais usar
edifícios sobre nosso solo e que organizaram o serviço dos demasiadamente a fotografia, pois muitas vezes se descobre
monumentos históricos, agiram somente por inspiração de em uma prova aquilo que não se tinha percebido no próprio
artistas. monumento.
• Após alguns anos, localidades onde não mais se exploravam • Um princípio dominante da restauração: levar em conta todos
belas pedreiras, onde não se encontravam nem um canteiro, os traços indicando uma disposição. É assim quando se trata,
nem um carpinteiro, nem um ferreiro capaz de fazer outra por exemplo, de completar um edifício em parte arruinado: é
coisa a não ser ferraduras, forneciam a todos os distritos necessário, antes de começar, tudo buscar, tudo examinar,
vizinhos excelentes operários, métodos econômicos e reunir os menores fragmentos tendo o cuidado de constatar o
seguros, viram surgir bons empreiteiros, aparelhadores ponto onde foram descobertos, e somente iniciar a obra
hábeis e viram inaugurar princípios de ordem e de quando todos esses remanescentes tiverem encontrado
regularidade na marcha administrativa dos trabalhos. logicamente sua destinação e seu lugar. Ao reerguer as
• A Comissão dos Monumentos Históricos teve papel construções novas, ele deve, tanto quanto possível, recolocar
fundamental na força contrária a centralização os antigos fragmentos, mesmo que alterados: é uma garantia
administrativa francesa. que oferece da sinceridade e da exatidão de suas pesquisas.
• Todas essas dificuldades não se restringem a fatos
puramente materiais. Uma vez que todos os edifícios nos
quais se empreende uma restauração têm uma destinação,
são designados para uma função, não se pode negligenciar
essa lado prático para se encerrar totalmente no papel de
restaurador de antigas disposições fora de uso.
• Proveniente das mãos do arquiteto, o edifício não deve ser
menos cômodo do que era antes da restauração.
• Com bastante frequência os arqueólogos especulativos não
levam em conta essas necessidades e culpam o arquiteto de
ter cedido às necessidades do presente, como se o
monumento que lhe é confiado fosse seu e como se ele não
tivesse que cumprir os programas que lhe são dados.
• O melhor meio para conservar um edifício é encontrar para
ele uma destinação, é satisfazer tão bem todas as
necessidades que exige essa destinação, que não haja modo
de fazer modificações.
• O melhor a fazer é colocar-se no lugar do arquiteto primitivo
e supor aquilo que ele faria se, voltando ao mundo, fossem a
ele colocados os programas que nos são propostos. Mas
compreende-se, então, que é preciso deter todos os recursos Eugène Emannuel Viollet-le-Duc
que possuíam esses mestres antigos, que é preciso proceder Paris, 27 de janeiro de 1814
como eles mesmos procediam. Lausana, 17 de setembro de 1879
Restauração

• Basílica de Santa Maria Madalena de Vézelay – 1840 • Notre Dame de Paris – 1844

1840 vs. atualmente

Hipótese da Catedral completa vs. Hipótese conservativa


Restauração

• Cidade fortificada de Carcassone – 1849 - 1879 • Castelo de Pierrefonds - 1857


Restauração

• 1814 – 1879 – Restauro estilístico • A partir do Renascimento, em que era notável o crescente
• França: interesse pelas construções da Antiguidade, as noções
• Revolução burguesa de 1789 ligadas ao restauro foram definindo-se e esse movimento
• Busca de um estilo nacional – gótico acentuou-se com as grandes transformações que ocorreram
• O Estado à frente da iniciativa da restauração na Europa no século XVIII – Revolução Industrial, Iluminismo,
• Idealista, romântico Revolução Francesa – que alteraram de forma dramática o
• Através da restauração, procura atingir um estado completo modo como uma dada cultura se relacionava com seu
idealizado do edifício buscando a unidade estilística passado, produzindo um sentimento de proteção a edifícios e
ambientes históricos.
• Georges Cuvier (1789 – 1832) – inspiração de Viollet
• Naturalista e zoologista francês
• Anatomia comparada
• Reconstruções paleontológicas a partir de fósseis

• Princípios:
• Recomenda-se não apenas restaurar a aparência do
edifício, mas também a função
• Recomenda procurar seguir a concepção de origem
para resolver os problemas estruturais utilizando
técnicas atuais (ao mesmo tempo que se preocupa
com as técnicas de origem e compreender os
sistemas estruturais)
• Materiais e técnicas novas melhores, se houver
• Assinala-se a importância de realizar
levantamentos pormenorizados das situações
• Agir somente em função das circunstâncias:
princípios absolutos podem levar ao absurdo (cada
caso é um caso)
• A importância da reutilização para a sobrevivência
da obra, pois restaurar não é apenas uma
conservação da matéria, mas de um espírito da qual
ela é suporte

• Restauração é considerada uma ciência: obedece a


procedimentos e trabalha com critérios

• Grande lição de Viollet-Le-Duc: Conceber a restauração não


como uma reparação, mas como um projeto que trabalha com
uma leitura do edifício. A estrutura e a construção são
valorizadas de maneira nova em relação à Academia.

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