Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
TEORIA DA RESTAURAÇÃO
Cesare Brandi
_______________________________________________________________
1. O Conceito de Restauração
Em produtos industriais (sentido amplo, partindo do mais simples artesanato), o restauro tem
por objetivo restituir sua funcionalidade.
“Mas, quando se tratar, ao contrário, de obras de arte, mesmo se entre as obras de arte haja
algumas que possuam estruturalmente um objetivo funcional, como as obras de arquitetura e,
em geral, os objetos da chamada arte aplicada, claro estará que o restabelecimento da
funcionalidade, se entrar na intervenção do restauro, representará, definitivamente, só um lado
secundário ou concomitante, e jamais o primário e fundamental que se refere à obra de arte
como obra de arte.” (p.26)
É essencial para a obra de arte o seu reconhecimento como obra de arte (p.27).
Como produto da atividade humana, a obra de arte possui duas instâncias: estética (que define
a obra de arte como obra de arte) e histórica (produto realizado em certo tempo e em certo
lugar).
Em outros objetos, a única instância considerada para a restauração (no sentido amplo) é a da
funcionalidade/utilidade. Nas obra de arte, no entanto, a funcionalidade não pode ser
considerada de forma isolada, mas somente com base em sua consistência física e nas duas
instâncias fundamentais (estética e histórica). (p.30)
“a restauração constitui o momento metodológico do reconhecimento da obra de arte, na sua
consistência física e na sua dúplice polaridade estética e histórica, com vistas à sua
transmissão para o futuro.” (p.30)
“A restauração deve visar ao restabelecimento da unidade potencial da obra de arte, desde que
isso seja possível sem cometer um falso artístico ou um falso histórico, e sem cancelar nenhum
traço da passagem da obra de arte no tempo.” (p.33)
A matéria se mostra como “aquilo que serve à epifania da imagem” (p.36) e, como tal, possui
duas funções: aspecto (ex: tinta/pintura de um quadro) e estrutura (ex: tela/madeira).
Na restauração, o aspecto prevalece sobre a estrutura, se o conflito não puder ser conciliado
de outra maneira.
A unidade da obra de arte não deve ser concebida como um “total” (constituído de partes), mas
como um “inteiro”.
“A imagem é verdadeiramente e somente aquilo que aparece.” (p.44) A suposição daquilo que
não se vê (um braço que não aparece em uma pintura, por exemplo) não pertence mais à
contemplação da obra arte, mas à retrocessão da arte à reprodução do objeto natural.
Princípios:
- A integração deverá ser sempre e facilmente reconhecível, mas sem que isso venha a infringir
a própria unidade que se visa a reconstruir (p.47); [distinguibilidade]
- A matéria de que resulta a imagem só é insubstituível quando colaborar diretamente para a
figuratividade da imagem como aspecto e não para aquilo que é estrutura (p.48);
- Qualquer intervenção de restauro não deve impossibilitar, mas, antes, facilitar as eventuais
intervenções futuras (p.48) [reversibilidade]
“o mais grave, em relação à obra de arte, não é tanto aquilo que falta [lacuna], quanto o que se
insere de modo indevido.” (p.49)
[Na arquitetura moderna, a unidade potencial pode estar relacionada às intenções do projeto
original?]
Tentar atuar no primeiro momento (dentro do processo criativo) produz a mais grave heresia da
restauração, que é a restauração fantasiosa.
Atuar no segundo momento visa abolir o lapso de tempo ocorrido desde a conclusão da obra
de arte (restauro de repristinação).
“o único momento legítimo que se oferece para o ato da restauração é o do próprio presente da
consciência observadora, em que a obra de arte está no átimo e é presente histórico, mas é
também passado e, a custo, de outro modo, de não pertencer à consciência humana, está na
história.” (p.61)
“A restauração, para representar uma operação legítima, não deverá presumir nem o tempo
como reversível, nem a abolição da história. A ação de restauro, ademais, e pela mesma
exigência que impõe o respeito da complexa historicidade que compete à obra de arte, não se
deverá colocar como secreta e quase fora do tempo, mas deverá ser pontuada como evento
histórico tal como o é, pelo fato de ser ato humano e de se inserir no processo de transmissão
da obra de arte para o futuro.” (p.61)
“Do ponto de vista histórico, portanto, a conservação da pátina, como aquele particular
ofuscamento que a novidade da matéria recebe através do tempo e é, portanto, testemunho do
tempo transcorrido, não apenas é admissível, mas é requerida de modo taxativo.” (p.73)