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ARANTES, Otília. Lúcio Costa e a “Boa Causa” da Arquitetura Moderna Brasileira.

In:
ARANTES, Otília; ARANTES, Paulo. Sentido da Formação: três estudos sobre
Antonio Candido, Gilda de Mello e Souza e Lúcio Costa. São Paulo: Paz e Terra, 1997.

Otília Arantes é uma professora e intelectual brasileira, com formação pela


Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pela Universidade de São Paulo e pela
Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne), atualmente aposentada pela Universidade de
São Paulo. Dura crítica do modernismo na arquitetura, expõe os questões mal resolvidas
– quiçá mal propostas – do próprio movimento, que acabam sendo refletidas na
concretização do projeto moderno. No livro onde se insere o capítulo aqui discutido,
“Sentido da Formação”, Otília e Paulo Arantes analisam o anseio de dar sentido a uma
cultura autóctone brasileira produzido no século XX, tendo em vista a construção de
narrativas de passado para o Brasil na literatura, nas artes visuais e na arquitetura.

Neste capítulo específico, a autora analisa a vida e obra de Lúcio Costa, se


apoiando no livro “de fechamento” do mestre arquiteto brasileiro, “Registro de uma
vivência”, para estruturar e dar sentido à narrativa moderna tropical, ao passo que
também analisa e se utiliza desta obra de Lúcio Costa para embasar suas críticas. O livro
supracitado do “Dr. Lúcio” não deixa de ser um texto autobiográfico, em passo que
também é, como a própria Otília Arantes afirma, “um enigma sobreposto a outro”
(ARANTES, 1997, p. 117), uma espécie de último nó desatado para o movimento
moderno, uma intricada conclusão que expõe, por fim, o backstage da arquitetura
moderna tropical por dentro, uma espécie de posfácio ao modernismo brasileiro. Assim,
a autora estrutura, a partir da leitura da produção de Lúcio Costa – tanto textual quanto
projetual –, uma análise concisa do pioneiro moderno, tendo em vista suas intenções e
os resultados físicos, políticos e sociais a que estas chegaram.

Lúcio Costa foi um arquiteto e projetista, mas diferentemente de muitos de seus


colegas, foi um articulador político e acadêmico de um movimento que tentou responder
ao aspiração do Brasil de tornar-se moderno. A criação do SPHAN e a utilização do
mecanismo de tombamento muito condizem com as intenções de Lúcio Costa: buscar
um passado brasileiro, estruturando uma narrativa construtiva autóctone, que desse
sentido e base ao anseio de se enquadrar na modernidade dos países centrais. Seus
textos, que procuram e teorizam uma história construtiva protagonizada pelos arquitetos
– também pedreiros – coloniais, dando sentido à uma formação cultural brasileira, tal
qual fizeram também os sociólogos e historiadores do início do XX no Brasil – Gilberto
Freyre, Caio Prado Jr., Sérgio Buarque de Holanda – e, posteriormente até a Lúcio
Costa, no fim do século XX, Fernando Novais, na História da Vida Privada no Brasil.
Assim, Costa acaba por ser uma espécie de mentor intelectual do movimento da
arquitetura moderna, pioneiro teórico e projetual de uma nova arquitetura (chamada pela
autora de “Nova Construção”), e, com frequência, sabendo dar o devido espaço àqueles
que devem protagonizar a cena (leia-se, Oscar Niemeyer), entrando num “ostracismo
voluntário” (id., ibid., p. 117). Uma espécie de mastermind do movimento, Lúcio Costa
se mostrou capaz de derramar seus anseios modernos por todo o século XX no Brasil:
ao mesmo tempo que construía uma história, dava forma a “uma arquitetura honesta –
na qual as colunas de fato suportassem, os arcos verdadeiramente trabalhassem” (id.,
ibid., p. 126), uma arquitetura de fato transparente, e que, ao mesmo tempo, fosse capaz
de dialogar com um passado brasileiro.

Porém, a autora argumenta, em tentativa de clarear uma verdadeira face do


modernismo – em especial seus resultados, no grande esquema das coisas, tanto nos
centros quanto nas periferias do mundo –, que o papel da arquitetura moderna no Brasil
não foi tão revolucionário quanto se pretendia. Trabalhando no eixo de “morte do
modernismo”, os argumentos do texto se estruturam para mostrar que a mesma estrutura
do capitalismo que permite o surgimento de um modernismo nos trópicos é o que o
desfaz num piscar de olhos. Esse capitalismo avançado, muito concentrado e
centralizado, não permite uma ascensão de fato da periferia – uma das pretensões do
modernismo. As mesmas formas elegantes que se viam honestas no começo do século,
passam a ser apenas monumentos fotografáveis de uma tentativa frustrada de
transformar o espaço e o papel de uma nação num grande sistema: “o desejo dos
brasileiros de ter uma arquitetura moderna talvez se reduzisse a simples imagens, texto e
papel”. Os mesmos textos que estruturaram uma nova narrativa da história brasileira,
não passam de papel sem impacto nos sistemas sociais e econômicos.

Apesar de tudo, a autora ainda explicita no texto o papel regionalista da


arquitetura moderna brasileira e o seu papel em trazer à tona o que se escondeu no
modernismo central, mostrando a face real do movimento moderno – a produção dos
monumentos no Brasil, sem estremecer a esfera do social foi capaz de mostrar que as
pretensões modernas quase “revolucionárias” (apesar de antirrevolucionárias) não são o
que demonstravam ser na centralidade europeia. Porém, o milagre arquitetônico
brasileiro, com todo seu sucesso e pretensão de elevar o Brasil ao status da
modernidade, se mostrou – apesar de não em vão – incapaz de mudar as grandes
estruturas; hoje nos sentamos em grandes monumentos, estagnados no capitalismo
global como uma periferia perdedora.

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