Você está na página 1de 172

Conhecido 90 público

brasileiro por dois livros


fnndamentais, The soldier and
the state e Political order in
changing societies, Samuel P.
Huntington nos apresenta
agora, com A terceira onda,
uma ampla descrição dos
Samuel E Huntington
processos de democratização em
curso desde os anos 70. Notável
pela abrangência do material
empírico, este livro reúne, em
amplo horizonte comparativo,
as reflexões de Huntington
sobre a democratização de
aproximadamente trinta países.
O leitor encontrará aqui o
caso do Brasil, sobre o qual
Huntington informa com
abundância. Mas o encontrará
junto a muitos outros casos, de
modo a ser visto em
perspectiva. Este livro lhe
A TERCEIRA
oferecerá, de fato, além do
Brasil, uma riqueza de reflexões
sobre a Argentina e o Chile,
~ortugal e Espanha, Nigéria e
ONDA
Africa do Sul, Coréia e
Filipinas, Bulgária e Polônia,
alguns exemplos entre muitos A democratização no final
outros na relação de países cuja
história recente contribui para do século XX
a "terceira onda" de
democratização do mundo
moderno.
Como Huntington nos avisa
logo de início, não se trata de
um livro de teoria. Escolha que,
aliás, permite ao autor uma Tradução
liberdade de análise maior do
que a usual em estudos
Sergio Goes de Paula
acadêmicos, em benefício do
grande público. Também não se
trata, em sentido estrito, de um
livro de história. Trata-se de
um amplo ensaio sobre
processos políticos ainda em
curso, que nos colocam
perguntas para as quais ainda
não temos respostas definitivas.
Aqui, a estrutura aberta do
ensaio constitui nítida
m
p,litora á,ira
vantagem. Metendo-se nas
vestes de um "Maquiavel
democrático", Huntington
oferece-nos algumas
advertências, além de sólidas
descrições e brilhantes análises
empíricas. A "primeira onda de
democratização" vem do século
XIX até 1926; a primeira "onda
de regressão" se dá no período
de entreguerras. A "segunda
onda de democratização" vem
dos anos 40 até o início dos 60;
a segunda "regressão" chega até
os 70. A "terceira onda de
democratização" começa em
Portugal, na "revolução dos
cravos", e atravessa os anos 80.
Quanto pode durar? Temos em
perspectiva uma "terceira onda
de regressão"?
As partes fmais do livro
enfrentam os problemas que
angustiam a todos os que sabem
das dificuldades econômicas, de
liderança e de legitimidade que
afetam a consolidação da
democracia, em países como o
Brasil. Dificuldades que se
encontram em um debate em
curso desde que se iniciou a
transição democrática brasileira
e para o qual este A terceira
onda de Huntington constitui,
assim como os seus livros
anteriores, uma relevante
contribuição.

Samuel P. Huntingtonfoi
presidente da Associação
Americana de Ciência Poütica e
coordenador de planejamento
de segurança do Conselho de
Segurança Nacional dos EUA.
Atualmente, é diretor do
Instituto }ohn M. Olin de
Estudos Estratégicos da
Universidade Harvard.
Série

Temas
volume 39
Política e sociedade

Títul~~~i~i~~I:The third wave: democratization i~~he late ~wentieth ~en~ury \


Copyright 1991 © by Samuel P. Huntington
Publicado conforme acordo com University of Oklahoma Press e Scott Meredith
Literaty Agency, L.P., 845 Third Avenue, New York, NY 10022.
Proibida a exportação para os outros países de língua portuguesa.

Editor
Fernando Paixão
Assistência editorial
Mário Vilela
Preparação de texto
Renato Nicolai
Edição de arte (miolo)
Ediroração eletrônica
Divina Rocha Corte
Capa
Ettore Bottini

1994
Todos os direitos reservados
Editora Ática S.A.
Rua Barão de Iguape, 110 - CEP 01507-900
Te!.: (PABX) (011) 278-9322 - Caixa Postal 8656
End. Telegráfico "Bornlivro" - Fax: (011) 277-4146
São Paulo (SP)
Sumário

PREFÁCIO 7
1. O QUÊ? 13
o início da terceira onda 13
O significado da democracia 15
As ondas de democratização 22
As questões da democratização 35
2. POR QUÊ? 40
Explicação para as ondas 40
Explicação para as ondas de democratização 43
Explicação para a terceira onda 49
O declínio da legitimidade e o dilema do desempenho 55
Desenvolvimento econômico e crises econômicas 67
Mudanças religiosas 80
Novas políticas de atores externos 91
Efeitos-demonstração ou de bola-de-neve 105
Das causas aos causadores 110
3. COMO? PROCESSOS DE DEMOCRATIZAÇÃO 113
Regimes autoritários 114
Processos de transição 124
Transformações 128
Guias de ação para democratizadores 1:
A reforma dos sistemas autoritdrios 143
Substituições 144
Guias de ação para democratizadores 2:
A derrubada dos regimes autoritdrios 151
Transtituições 152
Guias de ação para democratizadores 3:
A negociação das mudanças de regime 162
4. COMO? CARACTERÍSTICAS DA DEMOCRATIZAÇÃO 164
A síndrome da democratização da terceira onda 164
Compromisso e a relação participação-moderação 165
Eleições: surpreendentes ou não 174
Baixos níveis de violência 191
5. POR QUANTO TEMPO? 206
Consolidação e seus problemas 206 Prefácio
O problema do torturador: processar e ~nir vs. perdoar
e esquecer 209
Guias de ação para democratizadores 4:
O tratamento dos crimes autoritdrios 228
O problema pretoriano: militares rebeldes e poderosos 228
Guias de ação para democratizadores 5:
Para domar o poder militar e promover o profissionalismo
militar 247 Este livro trata de um importante - talvez o mais importan-
Y Problemas contextuais, desilusão e nostalgia autoritária 248 te - desenvolvimento político global do final do século XX: a tran-
Desenvolvimento de uma cultura política democrática 253 sição de cerca de trinta países de sistemas políticos não-democráticos
Institucionalização do comportamento político democrático 259 para sistemas políticos democráticos. É um esforço para explicar por
Condições que favorecem a consolidação das novas quê, como e com que conseqüências imediatas essa onda de demo-
democracias 264
cratização ocorreu entre 1974 e 1990.
X 6. ATÉ QUANDO? 272 Este livro lança mão tanto da teoria como da história, mas não
Causas da terceira onda: continuando, enfraquecendo,
é nem uma obra de teoria, nem uma obra de história. Está em algum
mudando? 273
lugar entre as duas;.é primariamente explicativo. Uma boa teoria é
Uma terceira onda reversa? 281
precisa, austera, elegante, e destaca as relações entre algumas variá-
Mais democratização: obstáculos e oportunidades 286
Desenvolvimento econômico e liderança política 306 veis conceituais. Inevitavelmente, nenhuma teoria pode explicar ple-
namente um evento único ou um grupo de eventos. Uma explica-
NOTAS 308
ção, ao contrário, é inevitavelmente complexa, densa, confusa e inte-
lectualmente insatisfatória. Ela é boa não quando é austera, mas
quando é abrangente. Uma boa história descreve cronologicamente
e analisa convincentemente uma seqüência de acontecimentos e
mostra por que um acontecimento leva a outro. Este estudo também
não faz isso. Não apresenta o curso geral da democratização nas dé-
cadas de 1970 e 1980, nem descreve as democratizações de cada
país. Em vez disso, tenta explicar e analisar um grupo particular de
transições de regimes que ocorreram num período limitado de tem-
po. No jargão das ciências sociais, este estudo não é nem nomotéti-
co nem idiográfico. É possível, assim, que tanto os teóricos como os acontecimentos. Quando a terceira onda de democratização chegar
historiadores achem-no insatisfatório. Ele não apresenta as generali- ao fim, será possível uma explicação mais completa e mais satisfa-
zações que os primeiros valorizam nem a profundidade que os últi- tória desse fenômeno.
mos preferem. Meu estudo anterior sobre mudança política, Political order in
Em sua abordagem, este estudo difere significativamente de vá- chan in societies, centrava-se no roblema da estabiltdaêfe politlêã.
rios de meus outros livros. Em tais obras tentei desenvolver generaliza- Escrevi tal livro porque achava que a ordem política era uma cOisa oa.
ções ou teorias sobre as relações entre variáveis-chaves,tais como o po- Meu propósito era desenvolver, no campo das ciências sociais, uma
der político e o profissionalismo militar, a participação e a institucio- teoria geral sobre por quê, como e sob que circunstâncias a ordem po-
nalização política, e os ideais políticos e o comportamento político. As dia - e não podia - ser alcançada. O presente livro centra-se na de-
proposições sobre tais relações são ~ralmente apresentadas como ver- mocratização. Eu o escreviporgue acredito que a democracia é boa em
dades atemporais. Neste livro, no enêtnto, as generalizações estão limi- _si mesma e que, tal como argumento no capítulo 1, tem consequenClas
tadas a uma classe discreta de acontecimentos das décadas de 1970 e positivas para a liberdade individual, a estabilidade interna, a paz lllter-
1980. Um ponto-chave do livro, na verdade, é o de que as democrati- nacional e para os Estados Unidos da América. Como em Political Õr-
)( zações da terceira onda diferiram das ocorridas nas ondas anteriores. der, tentei manter minha análise o mais afastada possível de meus valo-
Enquanto escrevia este livro, às vezes fiquei tentado a propor verdades res; pelo menos em 95% deste livro, esseé o caso. No entanto, pareceu-
atemporais, tais como "As substituições são mais violentas do que as me que ocasionalmente seria útil apresentar explicitamente as implica-
transformações". Tinha então que me recordar que minhas evidências ções de minha análise para os povos que desejassem democratizar suas
vinham dos casos historicamente limitados que havia estudado e que sociedades. Conseqüentemente, em cinco lugares do livro abandonei o
eu estava escrevendo um trabalho explicativo, não teórico. De modo papel de cientista social, assumi o de consultor político, e apresentei al-
que tinha de abjurar o presente do indicativo, atemporal, e, ao invés guns '~Guiasdea~~()_p~r.a_~~n:_()~!~Eiz~c!9_r~(: Se isso me fizer parecer
disso, escrever no pretérito: "Assubstituições foram mais violentas do um aspirante a Maquiavel democrático, que assim seja.
que as transformações". Com muito poucas exceções, fiz isso. Em al- O estímulo imediato para escrever este livro foi o convite para
guns casos, a universalidade da proposição parecia tão clara que não fazer as Conferências Julian J. Rothbaum na Universidade de
pude resistir à tentação de apresentá-Ia em termos mais atemporais. Oklahoma, em novembro de 1989. Nelas apresentei os principais te-
Além disso, no entanto, quase nenhuma proposição se aplicava a to- mas do livro sem, é claro, todas as evidências empíricas que lhes da-
dos os casos da terceira onda. Por isso, o leitor vai encontrar, espalha- vam esteio. O grosso do manuscrito foi escrito no final de 1989 e em
das por todo o texto, palavras como "tendia a ser", "geralmente", "qua- 1990, e não tentei incluir na análise quaisquer acontecimentos ocor-
se sempre", e outros qualificativos semelhantes. Em sua forma final, a ridos depois de 1990. Tenho uma enorme dívida com o Centro de
citada proposição deveria ser: "As substituições normalmente foram Estudos e Pesquisas Parlamentares Carl Albert, da Universidade de
mais violentas do que as transformações". Oklahoma, e com seu diretor, Dr. Ronald M. Peters, Jr., por me ter
Este livro foi escrito em 1989 e 1990, enquanto a classe de convidado para apresentar tais conferências. Minha esposa, Nancy, e
acontecimentos com que ele se preocupava ainda estava se desdo- eu também queremos registrar o quanto apreciamos as infalíveis cor-
brando. O livro, assim, sofre de todos os problemas da contempo- tesia e hospitalidade que na Universidade de Oklahoma recebemos
raneidade e deve ser visto como uma avaliação e explicação preli- do Dr. Peters, de Julian e Irene Rothbaum, de Joel Jankowsky e do
minares de tais transições de regime. Ele recorre a obras de histo- Orador e sra. Carl Albert.
riadores, cientistas políticos e outros estudiosos que escreveram Se o convite para as conferências precipitou a escrita deste li-
monografias detalhadas sobre acontecimentos particulares. Tam- vro, seu ma~rial já vinha germinando em minha cabeça havia algum
bém se apóia extensamente em reportagens jornalísticas sobre tais tempo. Em alguns lugares do manuscrito aproveitei dois artigos an-
teriores: 'Will more countries become democratic?' (PoliticalScience
Quarterly, 99, Summer 1984, p. 191-218) e 'The modest meaning
of democracy', in Robert A. Pastor, ed., Democracy in the Americas:
stopping the pendulum (New York: Holmes and Meier, 1989, p. ] 1-
28). Entre 1987 e 1990 uma Bolsa John M. Olin sobre Democracia
e Desenvolvimento permitiu que eu dedicasse à pesquisa sobre o te-
ma deste livro muito mais tempo e esforço do que de outro modo
seria possível.
Muitas pessoas também contribuíram, tanto conscientemente
como sem o saberem, para este manuscrito. Desde 1983 venho dan-
do em Harvard um curso sol\ç democracia moderna que focaliza os
problemas das transições democráticas. Tanto os estudantes como os
professores assistentes reconhecerão que muito do material deste li-
vro veio do curso; seus comentários e críticas melhoraram em muito
meu pensamento sobre o assunto. Mary Kiraly, Young Jo Lee, Kevin
Marchioro e Adam Posen deram uma ajuda indispensável na pesqui-
sa do material para este livro e na organização de meus arquivos so-
bre o tema. Jeffrey Cimbalo não apenas desempenhou essas tarefas
como, além disso, reviu cuidadosamente a precisão do texto e das
notas nos estágios finais da preparação do manuscrito. Juliet Blackett
e Amy Englehardt aplicaram sua considerável perícia em processa-
mento de textos a esse manuscrito, produzindo com eficiência, rapi-
dez e precisão muitos rascunhos e revisões aparentemente interminá-
veis dos rascunhos. O manuscrito foi lido por inteiro ou em partes
por vários colegas. Houchang Chehabi, Edwin Corr, Jorge Domin-
guez, Frances Hagopian, Eric Nordlinger e Tony Smith escreveram
comentários ricos em idéias, bastante críticos e muito construtivos.
Os membros do grupo de discussão sobre política comparada de
Harvard ajudou com uma discussão muito estimulante da primeira
metade do manuscrito.
Estou muito grato a todas essaspessoas por seu interesse em meu
trabalho e pelas importantes contribuições que fizeram à melhoria da
qualidade de meu esforço. No final, no entanto, continuo responsável
pela argumentação, pelas evidências e pelos erros deste estudo.

SAMUEL P. HUNTINGTON
Cambridge, Massachusetts
Fevereiro de 1991
o quê?

A terceira onda de democratizacão no mundo moderno co-


meçou, implausível e involuntariamente, 25 minutos depois da
meia-noite, numa quinta-feira, 25 de abril, em Lisboa, Portugal,
quando uma estação de rádio tocou a música Grandola Vila
Morena. A transmissão era o sinal de partida para as unidades mili-
tares nos arredores de Lisboa levarem adiante os planos para um
golpe de Estado cuidadosamente elaborados pelos jovens oficiais
que lideravam o Movimento das Forças Armadas (MFA). O golpe
foi levado a cabo com eficiência e sucesso, e com resistência mínima
da polícia de segurança. As unidades militares ocuparam os princi-
pais ministérios, estações de rádio, correios, aeroportos e centros te-
lefônicos. No final da manhã, multidões enchiam as ruas, saudando
os soldados e colocando cravos nos canos de seus fuzis. No final da
tarde, o ditador deposto, Marcelo Caetano, rendeu-se aos novos
chefes militares de Portugal. No dia seguinte voou para o exílio. E
assim morreu a ditadura que havia nascido de um golpe militar se-
melhante, em 1926, e fora governada por mais de 35 anos por um
austero civil, Antônio Salazar, em estreita colaboração com os sol-
dados portuguesesl.
o golpe de 25 de abril foi um começo implausível de um am- - Kerenski também não - retrucou Kissinger2•
plo movimento mundial na direção da democracia porque é mais No entanto, Portugal revelou-se diferente da Rússia. Os
freqüente os golpes de Estado derrubarem do que iniciarem os regi- Kerenski ganharam; a democracia triunfou. Soares tornou-se pri-
mes democráticos. Foi involuntário porque não passava pela cabeça meiro-ministro e, mais tarde, presidente. E o Lênin da revolução
dos líderes do golpe implantar a democracia, muito menos iniciar portuguesa, a pessoa que no momento crucial se utilizou de força
um movimento democrático global. A morte da ditadura não ga- disciplinada para produzir o resultado político desejado, foi um taci-
rantia o nascimento da democracia. Entretanto, liberou um enorme turno coronel favorável à democracia chamado Antônio Ramalho
conjunto de forças populares, sociais e políticas que a ditadura ha- Eanes, que, no dia 25 de novembro de 1975, subjugou os elementos
via reprimido. Nos 18 meses que se seguiram ao golpe de abril, radicais de esquerda nas forças armadas e garantiu o futuro da demo-
Portugal viveu em rumulto. Os oficiais do MFA se dividiram em cracia em Portugal.
facções concorrentes - conservadora, moderada e marxista. Os Em Portugal nos anos de 1974 e 1975, o movimento em dire-
partidos políticos cobriam um espectro igualmente amplo, desde a ção à democracia foi dramático, mas não foi o único. Outras agita-
linha dura do Partido Comunista, à esquerda, até os grupos fascis- ções democráticas menos óbvias ocorriam em outros lugares. Em
tas, à direita. Seis governos provisórios se sucederam, cada um com 1973, no Brasil, líderes do governo do gal. Emílio Médici, já perto
menos a~idade do que o anterior. Foram tentados golpes e con- do final, elaboraram planos para uma distensão*, ou "descompressão"
tragolpes. Trabalhadores e camponeses fizeram greves, manifesta- política, e em 1974, o gal. Ernesto Geisel comprometeu seu novo
ções, e tomaram fábricas, fazendas e meios de comunicação. Em governo com o início do processo de abertura política. Na Espanha,
1975, no aniversário do golpe, os partidos moderados ganharam as o primeiro-ministro Carlos Arias levou, com cautela, a ditadura de
eleições nacionais, mas no outono daquele ano parecia possível uma Franco numa direção liberalizadora, enquanto o país esperava a
guerra civil entre o Norte conservador e o Sul radical. morte do ditador. Na Grécia, aumentavam as tensões no regime dos
O levante revolucionário em Portugal parecia, sob muitos as- coronéis, o que acabou por levar à sua queda em meados de 1974 e,
pectos, uma repetição da Rússia de 1917, tendo Caetano como no final daquele ano, ao primeiro governo eleito democraticamente
Nicolau 11, o golpe de abril como a revolução de fevereiro, os grupos na nova onda de transições. Nos 15 anos seguintes, essa onda demo;:"'"
dominantes no MFA como os bolcheviques; havia igualmente um crática assumiu um âmbito global; cerca de trinta países passaram do
grande tumulto na economia e revoltas populares, e até mesmo o autoritarismo à democracia e pelo menos vinte outros foram afeta-
equivalente da coospiração de Korlinov, com o fracassado golpe de dos pela onda democrática.
direita do general Spinola, em março de 1975. A semelhança não
passou despercebida para observadores argutos. Em setembro de
1974, Mário Soares, ministro do Exterior do governo provisório e lí-
der do Partido Socialista Português, encontrou-se em Washington
com o secretário de Estado Henry Kissinger. Kissinger repreendeu
As transições para a democracia entre 1974 e 1990 são o te-
Soares e outros moderados por não agirem com maior firmeza para
ma deste livro. O p~~~~i~C?J?-a~so.
p_arat!~t~r~~~s.~Ee1l:la_éesclare-
afastar uma ditadura marxista-Ieninista.
cer o significadõ de democracia e de democratização, empregado
- Você é um Kerenski. [...] Acredito em sua sinceridade, mas neste livro. - .. _.. -._._ ...
você é ingênuo - disse Kissinger a Soares.
- Posso garantir que não quero ser Kerenski - replicou
Soares.
o conceito de democracia como forma de governo remonta cracia em termos de teoria normativa, pelo menos nas discussões
aos filósofos gregos. Seu uso moderno, entretanto, data dos levantes acadêmicas dos Estados Unidos, sendo substituídas pelas tentativas
revolucionários na sociedade ocidental no final do século XVIII. de entender a natureza das instituições democráticas, como funcio-
Em meados do século XX, três abordagens gerais sobre o significa- nam e quais as razões para seu desenvolvimento e colapso. O esfor-
do da democracia surgem dos debates. Como forma de governo, a ço principal era fazer da democracia uma palavra menos "oba-obà' e
democracia foi definida em termos de fontes de autoridade do go_i de mais bom sens05•
verno, propósitos do governo e procedimentos para a constituição Seguindo a tradição schumpeteriana, no presente estudo um
do governo. sistema político do século XX é gemocrático na medida em que ne-
Existem problemas sérios de ambigüidade e de imprecisão le seus principais tomadores de decis6escoletivas sejam seleciona-
quando a democracia é definida tanto em termos de fontes de auto- dos através de eleições periódicas, honestas e imparciais em que os
ridade, quanto de propósitos, e a definição utilizada neste estudo é a candidatos concorram livremente pelos votos e em que virtualmen-
processua13. Em outros sistemas governamentais, as pessoas se tor- te toda a população adulta tenha direito de voto. A democracia, as-
nam líderes por nascimento, destino, riqueza, violência, cooptação, sim definida, envolve duas dimensões - co_n_t~taçã~_e participação
aprendizado, designação ou exame. O procedimento central da de- - que Robert Dahl considerou críticas para a sua democracia rea-
mocracia é a seleção dos líderes, através de eleições competitivas, pe- lista, ou poliarquia. Implica também a existência daquelas liberda-
"" 10povo que governam. A mais importante formulação moderna des- des políticas e civis de expressão, publicação, reunião e organização,
se conceito de democracia foi feita por Joseph Schumpeter em 1942. necessárias para o debate político e para a realização de campanhas
Em seu estudo pioneiro, Capitalismo, socialismo e democracia, eleitorais.
Schumpeter apresentou as deficiências do que qualificou de "teoria Tal definição processual de democracia permite que se defina
clássica de democracia", que a definia em termos da "vontade do po- um certo número de "curvas de nível" - em geral agrupadas nas
vo" (fonte) e do "bem comum" (propósito). Demolindo definitiva- duas dimensões de Dahl- que tornam possível avaliar até que pon-
mente tais abordagens ao tema, Schumpeter apresenta o que cha- to os sistemas políticos são democráticos, comparar os sistemas e
mou de "outra teoria de democracia". O "método democrático", diz analisar se eles estão se tornando mais ou menos democráticos. Na
ele, "é o arranjo institucional para se chegar a decisões políticas em medida em que, por exemplo, um sistema político nega o direito de
que os indivíduos adquirem o poder de decidir através de uma luta voto a uma parte de sua sociedade - como o sistema da África do
competitiva pelos votos do povo"4. Sul fez com 70% de sua população, compostos de negros, como a
Por algum tempo depois da Segunda Guerra Mundial, travou- Suíça fez com 50% de sua população, compostos de mulheres, ou
se um debate entre aqueles que, na linha clássica, definiam democra- como os Estados Unidos fizeram com 10% de sua população, com-
cia segundo fonte ou propósito e o crescente número de teóricos que postos de negros sulistas -, ele é não-democrático. Similarmente,
aderiam ao conceito processual de democracia, à maneira schumpe- um sistema é não-democrático na medida em que a oposição não
teriana. Nos anos 70 o debate tinha terminado e Schumpeter vence- tem permissão de participar das eleições, em que a oposição é repri-
ra. Cada v~ maIs-üs-teÓricosestabeleciam distinções entre definições mida ou hostilizada nas ações que pode realizar, em que os jornais de
-raci~~~listas, utópicas e idealistas de democracia, por um lado, e de- oposição são censurados ou fechados, ou em que os votos são mani-
finições empíricas, descritivas, institucionais e processuais, por ou- pulados ou fraudados. Em qualquer sociedade, o malogro continua-
tro, concluindo que somente a última definição permitia a precisão do do principal partido poffi:lcode oIJOslçã.õem chegar aO-pOoer1e=~J
analítica e os referenciais empíricos que tornam utilizável o conceito. vanta necessariamente questões quanto ao grau de competição per-
Diminuíram sensivelmente as acaloradas discussões sobre a demo- mitido pelo sistema. No final dos anos 80, o critério de eleições li-
)-j
~c;' //
----~- --------------~/
vres e imparciais na definição de democracia tornou-se mais confiá- se modo, por um outro, seleci~)I1-ª-4_º-llJLavéL<!~~rna eleição aberta,
vel, devido ao monitoramento cada vez maior das eleições, realizado _li~~~~ilii~iiflaI ~-Enti-et~nt~~-o proc~ssº-~()~~! _4~~~~~~.cratização
por grupos internacionais. Em 1990 chegou-se ao ponto em que a antes e depois de tal eleição normalmente é complexo e prolongado.
primeira eleição num país em vias de democratização só era geral- Impli.~~.r.r()vocaro fim do regime não-democrátic(),inaugurar o re-
mente aceita como legítima se fosse observada por uma ou mais gime democrático e, então, consolidar o sistema democrático.
equipes razoavelmente competentes e neutras de observadores inter- Liberaliza ã contraste, é a abertura parcial de um sistema auto-
nacionais e se estes certificassem que a eleição satisfazia os padrões mano exceto anto à escolha dos chefes de governo através de
mínimos de honestidade e imparcialidade. eleições competitivas e livres. Os regimes autoritários liberalizadores
A abordagem processual de democracia está de acordo com o podem soltar os presos políticos, abrir algumas questões ao debate
uso do termo pelo senso comum. Todos sabemos que golpes mili- público, diminuir a censura, patrocinar eleições para cargos com
tares, censura, eleições manipuladas, coerção e embaraços à oposi- pouco poder, permitir alguma renovação da sociedade civil e dar ou-
ção, prisão dos adversários políticos e proibição de reuniões políti- tros passos na direção democrática, sem submeter os principais to-
cas são incompatíveis com a democracia. Também sabemos que madores de decisões ao teste eleitoral. A liberalização pode, ou não,
observadores políticos bem informados podem aplicar as condi- levar à democratização total.
ções processuais da democracia a sistemas políticos existentes e fa- Vários pontos devem ser acrescentados à definição de demo-
cilmente elaborar uma lista dos países claramente democráticos, craCIa.
dos claramente não-democráticos, dos que estão entre os dois, e Primeiro, a definição de democracia em termos de eleições é
que, com pequenas exceções, observadores diferentes vão compor uma definição mínima. Para alguns, democracia tem, ou deveria
listas idênticas. Sabemos também que podemos fazer, e fazemos, ter, conotações muito mais abrangentes e idealistas. Para eles, "a
julgamentos sobre as maneiras pelas quais os governos mudam verdadeira democracia" significa liberté, égalité, fraternité, efetivo
com o tempo, e que ninguém discutiria a afirmação de que controle civil sobre a política, governo responsável, honestidade e
Argentina, Brasil e Uruguai eram mais democráticos em 1986 do abertura na política, deliberação racional e bem informada, parti-
que em 1976. Regimes políticos nunca se encaixam perfeitamente cipação e poder igualitários e várias outras virtudes cívicas. Trata-
nos esquemas intelectuais e qualquer sistema de classificação tem se, na maior parte, de coisas boas, e pode-se, caso se queira, definir
que aceitar a existência de casos ambíguos, fronteiriços e mistos. democracia nesses termos. Mas isso, no entanto, traz todos os pro-
Por exemplo, historicamente, o sistema do Kuomintang (KMT), blemas que surgem com a definição de democracia por fonte ou
em Taiwan, combinava alguns elementos de autoritarismo, de de- propósito. Normas obscuras não produzem análise proveitosa.
mocracia e de totalitarismo. Além disso, governos com origens de- Eleições abertas, livres e imparciais são a essência da democracia, o
mocráticas podem acabar com a democracia, abolindo ou limitan- inescapável sine qua nono Governos eleitos podem ser ineficientes,
do severamente os procedimentos democráticos, como aconteceu corruptos, de visão estreita, irresponsáveis, dominados por inte-
na Coréia e na Turquia no final dos anos 50 e nas Filipinas em resses específicos e incapazes de adotar as políticas exigidas pelo
1972. Mas, com todos esses problemas, a classificação dos regimes bem público. Tais características podem tornar tais governos inde-
em termos do seu grau de democracia processual continua sendo sejáveis, mas 'não ostofnam não-deJ!l_o_~rátic,?s.A democrad~-é
uma tarefa relativamente simples. uma virtude pública, mas não a tinÍca, e a relação entre a democra-
Se a eleição popular dos principais tomadores de decisões é a cia e as outras virtudes e vícios públicos só pode ser entendida se a
essência da demo~~aCia;então o ponto crítico no processo de demo- democracia for claramente diferenciada de outras características
cratização é a substituição de um governo que não foi escolhido des- dos sistemas políticos.
Segundo'.Qod~~~~fºl1çeber quell!E~ sociedade escolha seus'lí- 1984 acabou com a democracia nigeriana. Pode-se criar sistemas de-
deres políticos 2()r meios democráticos, mas que tais líderes não mocráticos e não-democráticos, e eles podem durar ou não. A esta-
~am um poder reaL Talvez sejam simplesmente testas-de-ferro bilidade de um sistema difere da natureza do sistema6•
ou marionetes de algum outro grupo, Na.I?e4ida em que os mais Quarto, h.á a.q!!estão de tratat:.ade.m()cracia_e_aDão-d~lllQcra-
poderosos toll1adores de decisões coletivas não sejam escolhidos por cia cô~o u~a v~riável dic~tÔ~i~a ou como uma variável-~ontínua:
eleições, o si~t~~~·polItico não é democrático. No entanto, as lim:i- Muitos analistas preferem a última abordagem e desenvolveram me-
nõ· conceito de democracia. Nas de-
taçges_4~_p_()4_t:re_s!ãº_í!llJ>lícltas didas de democracia combinando indicadores de imparcialidade
mocracia~ os _~Qll1adores de decisões eleitos não exercem poder total. das eleições, restrições aos partidos políticos, liberdade de imprensa
Eles partilhamo. pod~r co~ outros grupos da sociedade. Todavia, se e outros critérios. Tal abordagem é útil para alguns propósitos, tais
se tornam simplesmente uma fachada para o exercício de um poder como identificar as variações no grau de democracia entre países
muito maior, por um grupo escolhido de forma não-democrática, (Estados Unidos, Suécia, França, Japão) que normalmente são con-
então tal sistema político claramente é não-democrático. Pode-se le- siderados democráticos, ou variações no grau de autoritarismo em
vantar questões legítimas como, por exemplo, se os governos eleitos países não-democráticos. No entanto, ela apresenta muitos proble-
no Japão ao final da década de 1920 e na Guatemala ao final da dé- mas, tais como o peso dos indicadores. yma abordagem dicotômi-
cada de 1980 eram tão dominados pelos militares a ponto de não ca serve melhor ao propósito deste estudo, porque nosso interes'se é
serem verdadeiramente democráticos. Entretanto, também é fácil a transição de um regime não-democrático para um democrático.
para os críticos de um governo, tanto os de direita como os de es- Além disso, neste estudo, a democracia é definida segundo um cri-
querda, alegar que os eleitos são simples "instrumentos", ou que tério único, relativamente claro e amplamente aceito. Mesmo quan-
exercem sua autoridade apenas por condescendência e com severas do os analistas usam medidas um pouco diferentes, suas avaliações
restrições de algum outro grupo. Tais alegações são feitas com fre- sobre quais sistemas políticos são democráticos e quais não o são
qüênc!<le podem ser verdadeiras. Mas não deveriam ser considera- têm um grau de correlação muito alto? Por conseguinte, o presen-
das verdadeiras antes que isso tenha sido demonstrado. Isso pode te estudo tratará a democracia como uma variável dicotômica, reco-
ser difícil, mas não é impossíveL nhecendo que existem alguns casos intermediários (e.g., Grécia,
Uma terce,ira<il!~stãodi.zrespeito à fragilidade ou estabilidade 1915-36; Tailândia, 1980; Senegal, 1974) que podem ser correta-
de u"insistem;-político democrático. Seria possível incorporar à de- mente classificados como "semidemocracias".
finição de democracia um conceito de estabilidade ou de institucio- Quinto, regimes não-democráticos não têm competição elei-
nalização. Tipicamente, isso se refere ao grau de expectativa de per- toral nem ampla participação na votação. À parte essas característi-
manência de um sistema político. Estabilidade é uma dimensão cen- cas negativas, pouco mais têm em comum. A categoria inclui mo-
tral na análise de qualquer sistema político. No entanto, ele pode ser narquias absolutistas, impérios burocráticos, oligarquias, aristocra-
mais ou menos democrático e mais ou menos estáveL Sistemas apro- cias, regimes constitucionais com sufrágio limitado, despotismos
priadamente classificados como igualmente democráticos podem di- personalistas, regimes fascistas e comunistas, ditaduras militares e
ferir muito quanto à estabilidade. Assim, a Freedom House, em sua outros tipos de governo. Algumas dessas formas foram mais difun-
pesquisa sobre a liberdade no mundo publicada no início de 1984, didas em épocas passadas; outras são relativamente modernas. Em
classificou, adequadamente, a Nova Zelândia e a Nigéria como "li- particular, os regimes totalitários surgiram no século XX, após o co-
vres". Quando tal julgamento foi feito, a liberdade podia muito bem meço da democratização, e tentaram realizar uma mobilização de
não ser menor no último país do que no primeiro. No entanto, ela massa de seus cidadãos para servir aos propósitos do regime. Os
era muito menos estável: um golpe militar no dia de ano-novo de cientistas sociais fazem uma distinção importante e apropriada en-
tre tais regimes e os sistemas autoritários tradicionais não-den:ocrá- A democracia moderna não é simplesmente a democracia do
ticos. Os primeiros têm como características: um partido único, vilarejo, da tribo ou da cidade-Estado; é a democracia da nação-
normalmente liderado por uma só pessoa; uma polícia secreta po- Estado e seu surgimento está associado ao desenvolvimento da na-
derosa e extensa; uma ideologia altamente desenvolvida que descre- ção-Estado. O movimento em direção à democracia no Ocidente se
ve uma sociedade ideal, a qual o movimento totalitário se compro- deu na primeira metade do século XVII. Idéias e movimentos de-
mete a realizar; e penetração governamental e controle da comuni- mocráticos foram uma característica importante, ainda que não
cação de massa e de todas ou da maior parte das organizações so- central, da Revolução Inglesa. As Ordens Fundamentais de
ciais e econômicas. Por outro lado, um sistema autoritário tradicio- Connecticut, adotadas no dia 14 de janeiro de 1638 pelos cidadãos
nal é caracterizado por um único líder ou um pequeno grupo de lí- de Hartford e cidades vizinhas, foram a "primeira constituição es-
deres, nenhum partido ou um partido fraco, nenhuma mobilização crita da democracia moderna"9. Entretanto, as revoltas puritanas
de massa, possivelmente uma "mentalidade", mas nenhuma ideolo-
em geral não deixaram um legado de instituições democráticas nem
gia, governo limitado, "pluralismo político limitado, não responsá-
na Inglaterra, nem na América. Por mais de um século depois de
vel" e nenhuma tentativa de refazer a sociedade e a natureza huma-
1660, o governo nos dois lugares tendeu a se tornar até mesmo
naS. Essa distinção entre totalitarismo e autoritarismo é crucial pa-
mais fechado e globalmente menos representativo do povo do que
ra compreender as políticas do século XX. No entanto, para evitar
tinha sido antes. De vários modos, ocorreu uma ressurgência aristo-
a inconveniência semântica do uso repetido do termo "não-demo-
crática e oligárquica. Em 1750 não existiam no Ocidente institui-
crático", este estudo usa o termo "autoritarismo" para se referir a to-
ções democráticas em nível nacional. Em 1900, tais instituições
dos os sistemas não-democráticos. Formas específicas de regimes
existiam em muitos países. No final do século XX muitos outros
não-democráticos ou autoritários são referidas como sistemas de
países possuíam instituições democráticas. Tais instituições surgi-
partido único, sistemas totalitários, ditaduras personalistas, regimes
militares e outros mais. ram em ondas de democratização (ver figura 1.1).
Uma onda de democratização é um grupo de transições de re-
gimes não-democráticos pàia' democráticos, que ocorrem em um pe-
ríodo de tempo específico e que significativamente são mais nume- (
rosas do que as transições na direção oposta durante tal período..
Uma onda normalmente envolve também liberalização ou demo~
Os sistemas políticos com características democráticas não es- cratização parcial nos sistemas políticos que não se tornam comple-
tão limitados aos tempos modernos. Em várias partes do mundo, tamente democráticos. Jrês ondas de democratização ocorreram no
por muitos séculos os chefes tribais foram eleitos, e em alguns luga- mundo moderno10• Cada uma delas afetou um número relativamen-
res há muito tempo existem, no nível de povoado, instituições polí- te pequeno de países, e durante cada onda algumas transições ocor-
ticas democráticas. Além do mais, o conceito de democracia era, cla- reram na direção não-democrática. Além disso, nem todas as transi-
ro, familiar ao mundo antigo. Entretanto, a democracia dos gregos e ções para a democracia ocorreram durante ondas democráticas. A
dos romanos excluía mulheres, escravos e outras categorias de pes- história é confusa e as mudanças políticas não se encaixam em clas-
soas, como residentes estrangeiros, da participação na vida política. sificações históricas perfeitas. A história também não é unidirecio-
Na prática, o grau de responsabilidade dos órgãos governantes, em nal. A cada uma das duas primeiras ondas de democratização se-
relação até mesmo a esse público restrito, era também muitas vezes guiu-se uma onda reversa, em que alguns países, mas nem todos os
limitado. que previamente haviam feito a transição para a democracia, reverte~
Nota: Classificação dos países na figura 1.1:
Categoria Número Primeira
de países onda (A) Austrália, Canadá, Finlândia, Islândía, Irlanda, Nova Zelândia, Suécia,
Suíça, Reino Unído, Estados Unidos
(B) Chile
(C) Áustria, Bélgica, Colômbia, Dinamarca, França, Alemanha Ocidental,
Itália, Japão, Holanda, Noruega
(D) Argentina, Tchecoslováquia, Grécia, Hungria, Uruguai
(E) Alemanha Oriental, Polônia, Portugal, Espanha
(F) Estônia, Letônia, Lituânia,
(G) Botsuana, Gâmbia, Israel, Jamaica, Malaísia, Malta, Sri Lanka, Trinidad e
Tobago, Venezuela
(H) Bolívia, Brasil, Equador, índia, Coréia do Sul, Paquistão, Peru, Filipinas,
Turquia
(I) Nigéría
(J) Birmânia, Fíji, Gana, Guiana, Indonésia, Líbano
(K) Bulgária, EI Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, Mongólia, Namíbia,
Nicarágua, Panamá, Romênia, Senegal
(L) Sudão, Suriname

ram para uma ordem não-democrática. É muitas vezes arbitrário


tentar especificar com precisão quando ocorre uma transição de regi-
me. Também é arbitrário especificar com precisão as datas das ondas
de democratização e das ondas reversas. Todavia, muitas vezes é pro-
veitoso ser arbitrário, e as datas dessas ondas de mudanças de regime
são mais ou menos as seguintes:
Primeira onda, longa, de democratização 1828-1926
Primeira onda reversa ) - 1922-42
Segunda onda curta de democratização 1943-62
Segunda onda reversa 1958-75
Terceira onda de democratização 1974-

A primeira onda de democratização. A primeira onda teve suas


raíz;~.§nas revoluções americana e francesa. No entanto, o surgi-
mento real de instituições democráticas nacionais é um fenômeno
Mudançaliquida +33
do século XIX. Durante esse século, na maioria dos países as insti-
Total de países= 71
tuições democráticas se desenvolveram gradualmente, e portanto é
_ Fasesdemocráticas ou semidemocráticas
difícil, bem como arbitrário, especificar uma data determinada a
Fases não-democráticas de países anteriormente democráticos partir da qual um sistema político possa ser considerado democráti-
co. Jonathan Sunshine, no entanto, apresentou dois grandes crité-
rios, bastante razoáveis, para definir quando os sistemas políticos do
século XIX conseguiram qualificações democráticas mínimas, no introdução de novas formas de totalitarismo de massa, mais brutais
contexto daquele século: (1) 50% dos homens adultos com direito e abrangentes. As reversões ocorreram em geral naqueles países que
de voto; e (2) um executivo com apoio majoritário em um parla- tinham adotado formas democráticas um pouco antes ou um pouco
mento eleito, ou, então, escolhido por eleições populares periódi- depois da Primeira Guerra Mundial, onde não apenas a democracia
cas. Adotando tais critérios e aplicando-os com bastante liberdade, era nova, mas também, em muitos casos, a nação era nova. Dos r:'[r
pode-se dizer que os Estados Unidos começaram a primeira onda países que introduziram instituições democráticas antes de 1910,
de democratização por volta de 182811.A abolição das qualificações apenas um, a Grécia, sofreu uma reversão depois de 1920. Dos 17
de propriedade nos estados mais antigos e a admissão de novos esta- países que adotaram instituições democráticas entre 1910 e 1931,
dos com sufrágio universal da população masculina aumentou para apenas quatro mantiveram-nas ao longo dos anos 20 e 30.
bem mais de 50% a proporção de homens brancos que votaram de A primeira onda reversa começou em 1922, com a marcha
fato nas eleições presidenciais de 1828. Nas décadas seguintes, ou- para Roma e o fácil controle de Mussolini sobre a frágil e bastante
tros países expandiram gradualmente o sufrágio, reduziram o voto corrupta democracia italiana. Em pouco menos de uma década, as
plural, introduziram a cédula secreta e estabeleceram a responsabi- tenras instituições democráticas da Lituânia, Polônia, Letônia e
lidade dos primeiros-ministros e dos ministérios perante os parla- Estônia foram derrubadas por golpes militares. Países como
mentos. A Suíça, os domínios ingleses de além-mar, a França, a Iugoslávia e Bulgária, que nunca conheceram uma democracia real,
Grã-Bretanha e vários países europeus menores fizeram sua transi- foram submetidos a novas formas, ainda mais severas, de ditadura.
ção para a democracia antes da passagem do século. Pouco depois A conquista do poder por Hitler, em 1933, acabou com a democra-
da Primeira Guerra Mundial, a Itália e a Argentina introduziram re-
cia alemã, provocou o fim da democracia austríaca no ano seguinte
gimes mais ou menos democráticos. Em seguida à guerra, a Irlanda
e, é claro, acabou produzindo o fim da democracia tcheca em 1938.
e a Islândia, que tinham acabado de se tornar independentes, torna-
A democracia grega, que tinha sido perturbada pelo Cisma
ram-se democráticas, e um movimento de massas em direção à de-
Nacional em 1915, foi finalmente sepultada em 1936. Em 1926,
mocracia ocorreu nos Estados sucessores dos impérios Románov,
Portugal sucumbiu ao golpe militar que levou à longa ditadura de
Habsburgo e Hohenzollern. Bem no início da década de 1930, de-
Salazar. Golpes militares ocorreram no Brasil e na Argentina em
pois da primeira onda já ter efetivamente terminado, a Espanha e o
1930. O Uruguai voltou ao autoritarismo em 1933. Em 1936, um
Chile passaram para a coluna democrática. Ao todo, no decurso de
golpe militar desencadeou a guerra civil e, em 1939, a morte da re-
cem anos, mais de trinta países estabeleceram pelo menos institui-
pública espanhola. A nova e limitada democracia introduzida no
ções democráticas nacionais mínimas. Na década de 1830, Toc-
Japão, nos anos 20, foi suplantada pelo governo militar no início
queville profetizou o começo dessa tendência, no momento em que
ela começava. Em 1920, James Bryce fez um retrospecto de sua his- dos anos 30.
tória e especulou se a "tendência para a democracia, que neste mo- Taisynudanças de regime refletiram a ascensão das ideologias
mento é amplamente visível, seria uma tendência natural, devida a comunista\fascista e militarista. Na França, Inglaterra e outros paí-
uma lei geral do progresso social"12. ses onde as 'instituições democráticas permaneceram de pé, movi-
A primeira onda reversa. No entanto, no momento em que mentos antidemocráticos ganharam força, devido à alienação dos
Bryce especulava sobre seu futuro, a tendência para a democracia es- anos 20 e à depressão dos anos 30. A guerra que tinha sido travada
tava diminuindo e em reversão. O desenvolvimento político domi- para tornar o mundo seguro para a democracia liberou, ao invés dis-
nante nas décadas de 1920 e 1930 foi o afastamento da democracia so, movimentos tanto de direita quanto de esquerda cuja intenção
e o retorno a formas tradicionais autoritárias de governo, ou então a era sua destruição.
A segunda onda de democratização. Uma segunda e curta onda feição fortemente autoritária13• A mudança foi mais dramática na
de democratização começou na Segunda Guerra Mundial. A ocu- América Latina. O deslocamento na direção do auroritarismo come-
pação dos Aliados promoveu a inauguração de instituições demo- çou no Peru em 1962, quando os militares intervieram para alterar
cráticas na Alemanha Ocidental, Itália, Áustria, Japão e Coréia, os resultados de uma eleição. No ano seguinte, um civil aceitável pe-
enquanto a pressão soviética extinguiu a incipiente d~mocracia na los militares foi eleito presidente, mas acabou deposto por um golpe
T checoslováquia e na Hungria. No final da década de 1940 e início militar em 1968. Em 1964, golpes militares derrubaram os governos
da de 1950, Turquia e Grécia caminharam para a democracia. Na civis do Brasil e da Bolívia. A Argentina seguiu o exemplo em 1966,
América Latina, durante a guerra, o Uruguai retornou à democracia e o Equador, em 1972. Em 1973, regimes militares tomaram o po-
e o Brasil e a Costa Rica tornaram-se democráticos no final dos anos der no Uruguai e no Chile. Os governos militares do Brasil, da
40. Em quatro outros países latino-americanos - Argentina, Co- Argentina e, mais discurivelmente, do Chile e do Uruguai, foram
lômbia, Peru e Venezuela -, eleições em 1945 e 1946 iniciaram go- exemplos, segundo uma teoria, de um novo tipo de sistema político,
vernos escolhidos pelo povo. Entretanto, em todos os quatro países, o "autoritarismo burocrático"14.
as práticas democráticas não duraram e, no início dos anos 50, seu Na Ásia, os militares impuseram um regime de lei marcial no
lugar tinha sido tomado por ditaduras. No final dos anos 50, Paquistão em 1958. No final dos anos 50, Syngman Rhee passou a
Argentina e Peru moveram-se de volta no sentido de uma democra- solapar o processo democrático na Coréia, e o regime democrático
cia limitada que, no entanto, era altamente instável, devido ao con- que o sucedeu em 1960 foi derrubado por um golpe militar em
flito entre os militares e os movimentos populistas aprista e peronis- 1961. Esse novo regime "semi-auroritário" foi legitimado por elei-
ta respectivamente. Em contraste, no final dos anos 50, as elites da ções em 1963, mas, em 1973, transformou-se em um sistema extre-
Colômbia e da Venezuela negociaram acordos para acabar com as di- mamente autoritário. Em 1957, na Indonésia, Sukarno substituiu a
taduras militares naqueles países e introduzir instituições democráti- democracia parlamentar por uma democracia dirigida e, em 1965, o
cas duradouras. exército indonésio acabou com a democracia dirigida e assumiu o
Enquanto isso, o início do fim dos domínios coloniais do governo daquele país. Em 1972, o presidente Ferdinand Marcos ins-
Ocidente produziu um bom número de novos Estados. Em muitos tituiu um regime de lei marcial nas Filipinas e em 1975 Indira
deles não foi feito nenhum esforço real para introduzir instituições Gandhi suspendeu as práticas democráticas e declarou governo de
democráticas. Em alguns, a democracia era tênue: no Paquistão, por emergência na Índia. Em Taiwan, o regime não-democrático do
exemplo, as instituições democráticas nunca lançaram raízes e foram KMT havia tolerado dissensões liberais nos anos 50, que foram su-
formalmente abolidas em 1958. A Malaísia tornou-se independente primidas nos "anos negros" da década de 1960, quando "qualquer ti-
em 1957 e manteve sua "quase-democracia", com exceção de um po de discurso político" foi silenciado15•
breve período, 1969-1971, de governo de emergência. A Indonésia Na área do Mediterrâneo, a democracia grega caiu depois de
teve uma confusa forma de democracia parlamentar de 1950 a 1957. um golpe de Estado "real" em 1965 e de um golpe militar em 1967.
Em alguns novos Estados - Índia, Sri Lanka, Filipinas e Israel- as Os militares turcos tomaram o governo civil desse país em 1960, res-
instituições democráticas foram mantidas por uma década ou mais, tituíram a auroridade a um governo eleito em 1961, fizeram nova
e, em 1960, a Nigéria, o maior país da África, começou sua vida co- intervenção em um "meio golpe" em 1971, permitiram a volta de
mo democracia. um governo eleito em 1973 e então levaram a cabo uma tomada mi-
A segunda onda reversa. No início dos anos 60, a segunda onda litar total em 1980.
de democratização havia se exaurido. No final dos anos 50, o desen- Durante os anos 60, várias colônias britânicas não-africanas se
volvimento político e as transições de regime estavam tomando uma tornaram independentes e instituíram regimes democráticos que du-
raram por períodos de tempo significativos. Entre eles incluem-se ram força e legitimidade. Embora obviamente houvesse resistência e
]amaica e Trinidad e Tobago em 1962, Malta em 1964, Barbados voltas atrás, como na China em 1989, o movimento na direção da
em 1966 e Ilhas Maurício em 1968. Entretanto, a gran~e maioria democracia parecia ter tomado a característica de uma quase irresis-
dos ,novos países que se tornaram independentes nos anos 60 estava tível maré global, indo de um triunfo para outro.
na Afric,l..O mais importante desses países, a Nigéria, começou co- Tal maré democrática se manifestou primeiro na Europa meri-
mo uma democracia, mas sucumbiu a um golpe militar em 1966. O dional. Três meses depois do golpe português, o regime militar que
único país africano que manteve consistentemente as práticas demo- governava a Grécia desde 1967 entrou em colapso, e um governo ci-
cráticas foi Botsuana. Trinta e três outros países africanos, que ha- vil assumiu o poder, sob a liderança de Constantine Karamanlis. Em
viam se tornado independentes entre 1956 e 1970, converteram-se novembro de 1974, o povo grego deu a Karamanlis e a seu partido
em autoritários com a independência ou muito pouco depois da in- uma maioria decisiva em uma eleição calorosamente disputada e,
dependência. A descolonização da África levou à maior multiplica- no mês seguinte, votou esmagadoramente contra a restauração da
ção de governos autoritários independentes da história. monarquia. No dia 20 de novembro de 1975, apenas cinco dias an-
O movimento global de afastamento da democracia nos anos tes de Eanes derrotar os marxistas-Ieninistas em Portugal, a morte do
60 e no início da de 70 foi bastante grande. Em 1962, segundo uma gal. Francisco Franco deu fim a seu governo de 36 anos sobre a
avaliação, 13 governos no mundo eram resultado de golpes de Espanha. Nos 18 meses seguintes, o novo rei, ]uan Carlos, assistido
Estado; em 1975, havia 38. Segundo outra estimativa, um terço das por seu primeiro-ministro, Adolfo Suárez, garantiu a aprovação par-
32 democracias ativas no mundo em 1958 havia se transformado em lamentar e popular de uma lei de reforma política que levou à elei-
autoritarismo em meados dos anos 7016• Em 1960, entre dez países ção de uma nova Assembléia. Esta esboçou uma nova Constituição
sul-americanos de herança' ibérica, nove haviam eleito democratica- que foi ratificada por um plebiscito em dezembro de 1978 e sob a
mente seus governos; em 1973, apenas dois, Venezuela e Colômbia. qual foram realizadas eleições parlamentares em março de 1979.
Tal onda de transições não-democráticas era ainda mais notável por- No final dos anos 70, a onda democrática se deslocou para a
que envol~ia vários países, como Chile, Uruguai ("a Suíça da América América Latina. Em 1977, os líderes militares do Equador anun-
do Sul"), India e Filipinas, que haviam mantido regimes democráti- ciaram seu desejo de se retirar da política; em 1978 uma nova
cos por um quarto de século ou mais. Essas transições de regime não Constituição foi elaborada; e o resultado das eleições, em 1979, foi
apenas estimularam a teoria do autoritarismo burocrático como ex- um governo civil. No Peru, um processo similar de retirada dos mi-
plicação para as mudanças na América Latina. Também produziram litares possibilitou a eleição de uma Assembléia Constituinte em
1978, uma nova Constituição em 1979, e a eleição de um presiden-
um pessimismo muito mais amplo quanto à aplicabilidade da demo-
te civil em 1980. Na Bolívia, o afastamento dos militares produziu
cracia nos países em desenvolvimento e contribuíram para aumentar
quatro anos confusos de golpes e eleições abortadas, que começaram
a preocupação quanto à viabilidade e funcionalidade da democracia
em 1978 e terminaram com a eleição de um presidente civil em
entre os países desenvolvidos onde existira durante anos17.
1982. Nesse mesmo ano, a derrota da Argentina na guerra contra a
.A terceira onda de democratização. No entanto, mais uma vez a
Grã-Bretanha abalou seu governo militar e levou à eleição, em 1983,
dialética da história retificou as teorias da ciência social. Nos 15 anos
de um presidente civil. Negociações entre militares e líderes políticos
que se seguiram ao fim da ditadura portuguesa em 1974, regimes
no Uruguai conduziram à eleição de um presidente civil em novem-
democráticos substituíram regimes autoritários em aproximadamen-
bro de 1984. Dois meses mais tarde, o longo processo de abertura*
te trinta países na Europa, Ásia e América Latina. Em outros países,
ocorreu uma considerável liberalização nos regimes autoritários.
Ainda em outros, movimentos que promoviam a democracia ganha-
que tinha começado no Brasil em 1974 atingiu o ponto decisivo, neral comunista Wojciech Jaruzelski. Nos últimos meses de 1989, os
com a escolha do primeiro presidente civil do país desde 1964. regimes comunistas na Alemanha Oriental, Tchecoslováquia e Ro-
Enquanto isso, na América Central, os militares também estavam se mênia entraram em colapso, e em 1990 foram realizadas eleições
retirando. Honduras instalou um presidente civil em 'janeiro de nesses países. Na Bulgária, o regime comunista também começou a
1982; os eleitores salvadorenhos escolheram, em maio de 1984, José se liberalizar e surgiram na Mongólia movimentos populares em prol
Napoleón Duarte para presidente em uma eleição calorosamente da democracia. Em 1990, em ambos os países, foram realizadas elei-
disputada; e a Guatemala elegeu uma Assembléia Constituinte em ções razoavelmente imparciais.
1984 e um presidente civil em 1985. Enquanto isso, voltando ao hemisfério ocidental, pela primei-
O movimento democrático também se manifestou na Ásia. No ra vez o partido governante mexicano teve uma vitória apertada na
início de 1977, a principal democracia do Terceiro Mundo, a Índia, eleição presidencial de 1988 e, em 1989, pela primeira vez perdeu
que por um ano e meio estivera sob um governo de emergência, vol- um governo de Estado. Em 1988, o povo chileno votou em um ple-
tou ao caminho democrático. Em 1980, respondendo à violência e biscito para decidir o fim do longo domínio do galoAugusto Pino-
ao terrorismo, os militares turcos pela terceira vez assumiram o go- chet e, no ano seguinte, elegeu um presidente civil. Em 1983, uma in-
verno do país. Em 1983, no entanto, eles se afastaram e das eleições tervenção militar dos Estados Unidos acabou com a ditadura mar-
resultou um governo civil. No mesmo ano, o assassinato de Benigno xista-Ieninista de Granada e, em 1989, com a ditadura militar do
Aquino pôs em movimento o curso dos eventos que conduziram, gal. Manuel Noriega, no Panamá. Em fevereiro de 1990, o regime
em fevereiro de 1986, ao fim da ditadura de Marcos e à restauração marxista-Ieninista na Nicarágua caiu com a derrota eleitoral, e em
da democracia nas Filipinas. Em 1987, o governo militar na Coréia dezembro de 1990 um governo democrático foi eleito no Haiti.
submeteu seu candidato a presidente a uma campanha eleitoral mui- Os anos 70 e o início dos anos 80 também testemunharam a
to disputada e a uma eleição relativamente imparcial, que ele ga- fase final da descolonização européia. O fim do império português
nhou. No ano seguinte, a oposição obteve o controle do parlamento produziu cinco governos não-democráticos. Entretanto, em 1975,
coreano. Em 1987 e 1988, o governo de Taiwan afrouxou significa- Papua-Nova Guiné tornou-se independente com um sistema políti-
tivamente as restrições à atividade política nesse país e se empenhou co democrático. A liquidação do restante do império britânico, basi-
na criação de um sistema político democrático. Em 1988, o governo camente ilhas, produziu doze minúsculas novas nações, quase todas
militar do Paquistão chegou ao fim, e a oposição, liderada por uma mantendo instituições democráticas, embora em Granada tais insti-
mulher, venceu as eleições e assumiu o controle do governo. tuições tivessem de ser restauradas por uma intervenção militar ex-
No final da década, a onda democrática engolfou o mundo co- terna. Em 1990, a Namíbia tornou-se independente, com um gover-
munista. Em 1988, a Hungria começou a transição para um sistema no escolhido por uma eleição supervisionada internacionalmente.
multipartidário. Na União Soviética, as eleições de 1989 para um Na África e no Oriente Médio o movimento no sentido da de-
Congresso Nacional levaram à derrota de vários antigos líderes do mocracia nos anos 80 foi limitado. Em 1979, a Nigéria passou de um
Partido Comunista e a um Parlamento Nacional cada vez mais governo militar para outro democraticamente eleito, mas este, por
agressivo. No início de 1990, sistemas multipartidários estavam se sua vez, foi deposto por um golpe militar no início de 1984. Em
desenvolvendo nas repúblicas bálticas e o Partido Comunista da 1990, uma certa liberalização havia ocorrido no Senegal, na Tunísia,
União Soviética (PCUS) abandonou seu papel de guia. Na Polônia, na Argélia, no Egito e na Jordânia. Em 1978, o governo da África do
em 1989, o Solidariedade venceu as eleições para o Parlamento Sul começou um lento processo de redução do apartheid e de expan-
Nacional e nasceu um governo não-comunista. Em 1990, o líder do são da participação política para minorias não-brancas, mas não para
Solidariedade, Lech Walesa, foi eleito presidente, substituindo o ge- a esmagadora maioria negra do país. Depois de uma pausa e da elei-
ção de F.W KIerk para presidente, o processo foi retomado em 1990
com as negociações entre o governo democrático e o Congresso
Nacional Africano. Em 1990, movimentos democráticos retumban-
tes ocorreram no Nepal, na Albânia e em outros países, cUJaexperiên- Estados Estados Total de Percentagem
çia prévia com a democracia fora modesta ou inexistente. democráticos não-democráticos Estados democrática
do total de
Em geral, o movimento em direção à democracia foi global.
Estados
Em 15 anos, a onda democrática percorreu todo o sul da Europa, es-
tendeu-se por toda a América Latina, moveu-se para a Ásia e dizi- 1922 29 35 64 45,3
mou as ditaduras no bloco soviético. Em 1974, dos dez países da 1942 12 49 61 19,7
América do Sul, oito tinham governos não-democráticos. Em 1990, 1962 36 75 111 32,4
nove tinham escolhido democraticamente seus governos. Em 1973, 1973 30 92 122 24,6
de acordo com estimativas da House ofFreedom, 32% da população 1990 58 71 129 45,0
.do mundo viviam em países livres; em 1976, devido ao governo de
Nota: Essa estimativa do número de regimes omite países com uma população
emergência na Índia, o percentual havia se reduzido para menos de de menos de um milhão de habitantes.
20%. Por volta de 1990, em contraste, perto de 39% da humanida-
de vivia em sociedades livres.
, De certo modo, as ondas democráticas e as ondas reversas suge-
rem um padrão do tipo dois passos à frente e um passo atrás. Até ho-
je, cada onda reversa eliminou algumas, mas nem todas as transições
para a democracia da onda democrática anterior. No entanto, a co- A Suprema Corte acompanha os resultados eleitorais; os cientis-
luna final na tabela 1.1 sugere um prognóstico menos otimista para tas sociais sempre tentam estar em dia com a história, elaborando teo-
a democracia. Os Estados surgem de muitas formas e tamanhos, e rias que explicam por que o que aconteceu tinha que acontecer. Eles
nas décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial, dobrou o núme- tentaram explicar o movimento oscilatório que se afastava da demo-
ro de Estados independentes. Todavia, as proporções de Estados de- cracia nos anos 60 e 70 apontando para a inadequação da democracia
mocráticos no mundo apresentam uma regularidade considerável. nos países pobres, as vantagens do autoritarismo para a ordem políti-
Nos intervalos das duas ondas reversas, 19,7% e 24,6% dos países ca e o crescimento econômico e as razões pelas quais o próprio desen-
no mundo eram democráticos. No pico das duas ondas de democra- volvimento econômico tendia a produzir uma forma nova e mais du-
tização, 45,3% e 32,4% dos países do mundo eram democráticos. radoura de autoritarismo burocrático. A transição dos países de volta
Em 1990,45,0% dos países independentes do mundo tinham siste- à democracia começou enquanto essas teorias estavam sendo elabora-
mas democráticos, a mesma percentagem que em 1922. É óbvio que das. Seguindo a mudança, os cientistas sociais começaram a produzir
o fato de Granada ser democrática tem menos impacto do que se a uma substancial literatura sobre as pré-condições para a democratiza-
China fosse democrática, e a proporção entre Estados democráticos ção, os processos através dos quais ela se dá, e os problemas de conso-
e total de Estados não é tão significativa assim. Além disso, entre lidação dos novos regimes democráticos. Tais estudos aumentaram
1973 e 1990, o número absoluto de Estados autoritários pela pri- em muito o conhecimento disponível dos processos de democratiza-
meira vez decresceu, mas em 1990 a terceira onda de democratiza- ção e a compreensão geral desses processos18•
ção ainda não havia aumentado a proporção de Estados democráti- Em meados dos anos 80, as transições democráticas também
cos no mundo acima de seu pico anterior, 68 anos antes. produziram uma onda de otimismo quanto às perspectivas da demo-
cracia.o comunismo foi visto, corretamente, como o "grande fra- mais fundamental do que a distinção entre democracia e ditadura.
casso", na frase de Zbigniew Brzezinski. Outros foram mais longe, e Todavia, por muitas razões, essa distinção também é crucial.
argumentaram que a "exaustão das alternativas sistemáti~as viáveis" Primeiro, a democracia política está estreitamente associada à
significava a "imperturbável vitória do liberalismo econômico e po- liberdade do indivíduo. As democracias podem abusar, e têm abusa-
lítico". "Vitória da democracia!" foi o grito de outro. O otimismo do, dos direitos e das liberdades individuais, e um Estado autoritário
em relação à democracia, disse um terceiro, está "melhor fundamen- bem regulamentado pode proporcionar um alto grau de segurança e
tado do que o pessimismo reinante em 1975"19. Certamente, os con- ordem para seus cidadãos. Em geral, no entanto, a correlação entre
trastes de visão quanto ao futuro da democracia, entre a metade dos existência de democracia e existência de liberdade individual é mui-
anos 70 e o final dos 80, não poderiam ter sido mais dramáticos. to alta. Na verdade, alguma medida dessa última é um componente
Tais oscilações na opinião informada mais uma vez levantaram essencial da primeira. Inversamente, o efeito a longo prazo da opera-
questões básicas concernentes à relação entre democracia política e ção das políticas democráticas é provavelmente ampliar e aprofundar
desenvolvimento histórico. As grandes questões dizem respeito à a liberdade individual. De certo modo, a liberdade é a virtude pecu-
extensão e à permanência da democracia. Existe uma tendência glo- liar da democracia. Se alguém está preocupado com a liberdade co-
bal, fundamentalmente irreversível e longa, como propõem Toc- mo valor social essencial, deve também estar preocupado com o des-
queville e Bryce, para a extensão dos sistemas políticos democráti- tino da democracia.
cos por todo o mundo? A democracia política é uma forma de go- Segundo, estabilidade política e forma de governo são, como
verno limitada, com poucas exceções, à minoria das sociedades do foi assinalado, duas variáveis diferentes. Todavia, também estão in-
mundo que são ricas e/ou ocidentais? Ou a democracia política é, ter-relacionadas. Muitas vezes as democracias são ingovernáveis, mas
para um número substancial de países, uma coisa de um certo tem- raramente são politicamente violentas. No mundo moderno, os sis-
po, uma forma de governo que se alterna com várias formas de con- temas democráticos estão em geral menos sujeitos à violência civil
trole autoritário? do que os sistemas não-democráticos. Os governos democráticos
Essas questões são importantes? usam muito menos violência contra seus cidadãos do que os gover-
Alguns podem argumentar que não, afirmando que não faz nos autoritários. Ademais, as democracias abrem canais adequados
tanta diferença para um povo ou para seus vizinhos se um país é go- para a expressão da dissidência e da oposição no interior do sistema.
vernado democraticamente ou não. Por exemplo, uma substancial li- Assim, tanto governo como oposição têm menos incentivos para
teratura acadêmica sugere que a maior parte das políticas públicas é usar de violência um contra o outro. A democracia também contri-
definida muito mais pelo nível de desenvolvimento econômico de bui para a estabilidade, ao proporcionar oportunidades regulares de
um país do que pela natureza de seu regime. Corrupção, ineficiên- mudança dos líderes políticos e das políticas públicas. Nas democra-
cia, incompetência, domínio de alguns interesses específicos são en- cias, as mudanças raramente ocorrem de modo dramático, da noite
contrados em todas as sociedades, não importando sua forma de go- para o dia; são quase sempre moderadas e gradativas. Os sistemas de-
verno. Um livro muito conhecido sobre política comparada até mes- mocráticos são muito mais imunes a grandes levantes revolucioná-
mo começa com a afirmação de que "a distinção política mais im- rios do que os autoritários. A revolução, como disse uma vez Che
portante entre os países diz respeito não à sua forma de governo e Guevara, não pode ter êxito contra um governo que "chegou ao po-
sim ao grau de governo"20. der através de alguma forma, fraudulenta ou não, de voto popular, e
Há algo de verdade em tais argumentos. A forma de governo mantém pelo menos uma aparência de legalidade constitucional"21.
não é a única coisa importante num país, nem mesmo provavelmen- Terceiro, a difusão da democracia tem implicações para as rela-
te é a coisa mais importante. A distinção entre ordem e anarquia é ções internacionais. Historicamente, as democracias travaram tantas
guerras quanto os países autoritários. Países de regime autoritário lu- problemas enfrentados pelas novas democracias (capítulo 5).
taram contra países democráticos e lutaram entre si. No entanto, Termina com algumas especulações sobre as perspectivas da futura
desde o início do século XIX até 1990, com exceções apeníls triviais expansão dos regimes democráticos no mundo (capítulo 6).
ou formais, as democracias não lutaram contra outras democracias22• Ao lidar com esses tópicos, utilizaram-se as teorias e generaliza-
Na medida em que esse fenômeno continue, o avanço da democra- ções das ciências sociais, num esforço de ver quais poderiam ajudar
cia no mundo significa a expansão da zona de paz no mundo. Com a explicar as recentes transições. No entanto, este livro não é uma'
base na experiência passada, um mundo dominantemente democrá- tentativa de desenvolver uma teoria geral das pré-condições para a
tico é igual a um mundo relativamente livre de violência internacio- democracia ou para o processo de democratização. Não é uma tenta-
nal. Se, em particular, a União Soviética e a China se tornarem de- tiva de explicar por que alguns países são democracias por mais de i
mocráticas, como as outras grandes potências, a probabilidade de um século, enquanto outros são ditaduras duradouras. Seu propósi-i
uma grande violência entre os Estados será bastante reduzida. t~.'Am~ismodesto, é tentar e~pYcarpor quê, como. e con: que conse- \
Por outro lado, um mundo permanentemente dividido tende a quenClas um grupo de translçoes para a democracIa, maIs ou menos f .
ser um mundo violento. Os desenvolvimentos nas comunicações e cont~~porâneas, ocorreu nos anos 70 e 80 e entender o que essas I'
na economia intensificam as interações entre os países. Em 1858, translçoes podem propor para o futuro da democracia no mundo. J
Abraham Lincoln argumentou que "uma casa dividida contra si pró-
pria não fica em pé. Este governo não pode resistir por muito tempo
sendo meio escravo e meio livre". O mundo no final do século XX
não é uma casa única, mas cada vez mais está se tornando intima-
mente integrado. A interdependência é a tendência dos nossos tem-
pos. Durante quanto tempo um mundo cada vez mais interdepen-
dente pode sobreviver, sendo parte democrático e parte autoritário?
Finalmente, e mais paroquialmente, o futuro da democracia no
mundo é de especial importância para os americanos. Os Estados
Unidos são o mais importante país democrático do mundo moder-
no e sua identidade como nação é inseparável de seu compromisso
com os valores liberais e democráticos. Outras nações podem mudar
fundamentalmente seus sistemas políticos e continuarem a existir
enquanto nações. Os Estados Unidos não têm essa opção. Por isso os
americanos têm um interesse especial no desenvolvimento de um
ambiente global apropriado para a democracia.
O futuro da liberdade, da estabilidade, da paz e dos Estados
Unidos dependem assim, de certo modo, do futuro da democracia.
Este estudo não tenta prever esse futuro. Tenta lançar alguma luz so-
bre ele, analisando a onda de democratização que começou em
1974. Tenta explorar as causas dessas séries de transições (capítulo
2), os processos pelos qúais as transições ocorreram e as estratégias
dos defensores e dos adversários da democracia (capítulos 3 e 4), e os
curto, um acontecimento semelhante, a democratização, ou x, ocor-
re em cada país. O que poderia ter causado esse desencadeamento de
xx? Várias explicações são possíveis.
Causa única. Pode-se conceber que todos os seis xx tenham
uma única causa, A, que ocorreu à parte dos acontecimentos em ca-
da um dos seis países. Pode ser, por exemplo, o surgimento de uma
nova superpotência ou alguma outra grande mudança na distribui-
ção internacional de poder. Pode ser uma grande guerra ou outro
acontecimento importante que tenha tido impacto sobre muitas ou-

Por quê? tras sociedades. Várias nações da América Latina, por exemplo, in-
troduziram regimes democráticos ou fizeram eleições nacionais em
1945 e 1946. As evidências sugerem que esses desenvolvimentos x
foram, em grande medida, o resultado de uma causa única, A, ou se-
ja, a vitória aliada na Segunda Guerra Mundial:

o ndas de democratização e ondas reversas são manifestações


de um fenômeno mais geral em política. Em certas épocas da histó-
ria, acontecimentos semelhantes ocorrem de maneira mais ou menos
simultânea em diferentes países ou sistemas políticos. Em 1848,
aconteceram revoluções em vários países europeus. Em 1968, pro-
testos estudantis irromperam em muitos países de diversos conti-
Desenvolvimento paralelo. Os xx podem ser causados por desen-
nentes. Na América Latina e na África, golpes militares em diferen-
volvimentos semelhantes nas mesmas variáveis independentes (ai,
tes países muitas vezes se juntaram no tempo. Eleições em países de-
a2,etc.) manifestando-se mais ou menos simultaneamente em todos
mocráticos produzem uma oscilação para a esquerda numa década e
os seis países. Alguns teóricos argumentam, por exemplo, que um
uma oscilação para a direita na seguinte. A onda longa de democra-
país tende a se tornar democrático quando ultrapassa certos limiares
tização no século XIX espraiou-se por tempo suficiente para distin-
de desenvolvimento econômico, alcançando um certo nível de
gui-Ia significativamente das posteriores ondas de democratização e
ondas reversas. No entanto, cada uma destas últimas ocorreu duran- Produto Nacional Bruto (PNB) per capita ou uma certa taxa de alfa-
te um período de tempo relativamente breve. O problema é identi- betização. Nesse caso, o progresso democrático em cada país é causa-
. ficar as possíveis causas de ondas como estas na política. do por algo interno e particular a tal país, mas causas semelhantes
Vamos supor um universo de seis países, n~merados de 1 a 6. podem também estar em ação mais ou menos simultaneamente em
Vamos também supor que, num período de tempo relativamente outros países, produzindo resultados semelhantes:
42 A TERCEIRA ONDA

a, .. x, enfrentar conjuntos de problemas muito diversos: inflação em um,


a2 ____ " ---.....• X2 quebra da lei e da ordem em outro, aprofundamento da recessão
a3 .. X3 econômica em um terceiro, derrota militar em um quarto país, e as-
a.
as
"... x.
Xs
sim por diante. Nesse caso, as causas individuais específicas (aI, b2,
C3, etc.) de mudança política agem sobre um conjunto comum de
a6 .. X6 crenças políticas, z, de maneira a produzir respostas similares:

Bola-de-neve. Uma causa importante para x em um país pode a, .. z


__
•. x,
X2
ser a ocorrência de x em outro país. Se os xx ocorressem com abso- b2 Z

luta simultaneidade, isso seria impossível. No entanto, a simulta- C3 .. Z •. X3


neidade perfeita é muito rara e a possibilidade da simultaneidade d. •. z •. x.
isolada está se tornando ainda mais rara. O conhecimento de acon- es .. z •.. Xs
tecimentos políticos significativos cada vez mais é transmitido qua- f6 .. Z .. X6
se simultaneamente por todo o mundo. Portanto, o acontecimento ""-----
x em um país é cada vez mais capaz de disparar um evento compa-
rável quase simultaneamente em um país diferente. Os efeitos-de-
monstração são cada vez mais possíveis. Uma causa única e até mes-
mo idiossincrática, ai, em um país, pode causar XI nesse mesmo
país, mas, a partir daí, XI pode causar eventos comparáveis em ou-
tros países que, por sua vez, podem ter um efeito de bola-de-neve
em ainda outros países.

A variável dependente deste estudo não é democracia, mas de-


mocratização. O propósito é explicar por que alguns países que eram
. autoridrios tornaram-se democráticos num determinado período de
tempo. O foco está na mudança do regime, e não na existência do
Panacéia predominante. É possível que as causas imediatas do regIme.
acontecimento X em diferentes países sejam significativamente dife- Dessa forma, o presente estudo difere dos que tratam basica-
rentes. Tais causas diferentes, no entanto, podem provocar uma res- mente das características das sociedades que têm governos democrá-
posta comum, se as elites dos diferentes países partilharem uma ticos ou não-democráticos. Um certo número de estudos, por exem-
crença comum na eficácia daquela resposta, o remédio, ou panacéia, plo, mostrou altas correlações entre vários fatores econômicos e so-
predominante naquele zeitgeist. Assim como seis indivíduos podem, ciais e a existência de instituições democráticas. No entanto, como
de maneira mais ou menos simultânea, tomar aspirina para curar seis Dankwart Rustow mostrou, uma explicação genética difere de uma
diferentes queixas físicas, da mesma forma seis países podem, simul- explicação funcionall. Quase todos os países ricos são democráticos,
taneamente, engajar-se em transições de regime semelhantes para e quase todas as democracias são ricas. Em si, tal correlação nada diz
_~_ ..~•.•"'-"-- '.,' .'." '. NO .,.: •••••_"",.,"_ 'J--" •• "__ ".c;".~•._.••.
.._ .., ..._~"',._. _1
..l22recausação, e se as democracias foram ricas por um período con- mocrático; e (3) a _consolida~ãod?regimedemocrático. Causas dife-
siderável de tempo antes de se tornarem democráticas (como, falan- rentes e contraditórias p~d~m ser responsayein)õr'câd~ um desses
do relativamente, aconteceu com a maioria dos países do norte da três desenvolvimentos. '
Europa), então a riqueza em si mesma provavelmente não é explica- ...,Aa!1:g.~~~
da. v.ariável in~epe.1l.~~.f.1~~',!-.~,5~~~~~2()ssív~is.
~a.:.~~~.
ção suficiente para sua transição de uma política não-democrática mocratização, também apresenta problemas. As elites políticas alte-
para uma política democrática. De maneira semelhante, historica- ram ou derrubam regimes autoritários e'instalam e consolidam regi-
mente existiu uma alta correlação entre protestantismo e democra- mes democráticos. Por que fazem isso? Estão, é de se supor, agindo
cia; no entanto, muitos países foram protestantes e não-democráti-
cos por dois séculos ou mais, antes de se tornarem democráticos.
Para explicar uma mudança na variável dependente em geral precisa-
mos de alguma forma de mudança na variável independente.
No entanto, o problema fica ainda mais complicado pelo fato
em termos do que supõem ser seus interesses, valores e metas. Se
querem democracia, vão produzir e obter democracia. Ou, como
disse Rustow, a criação da democracia exige que as elites cheguem a
um ':consenso rocessual quanto às regras do jogo"3.J.s~f~iF
, aquilo queE.~~~~Y.~"~~lgÇ,{ªV,!~y.~~._!~_}5:~tlya mais,.importante e
1_
j

de que a mudança na variável independente pode tomar a forma de ·;'!ióTfíêáuva: as crenças e~s~ções .~aseli~e,s,_ políti.ca.s:.!..':ln:~~~~i~.~l
persistência dessa mesma variável independente. Três anos de estag- poderosalllente explicativa, mas não é satisfatória~A democracia po- I
nação econômica sob um regime autoritário podem não provocar de'se-rcri;da mesmo que as pessoas não queIram'. Assim, dizer que a j
sua queda, mas cinco anos de estagnação podem fazê-Io. O efeito cu- democracia será criada se as pessoas quiserem democracia, talvez não
mulativo da variável independente, ao longo do tempo, acaba por seja tautológico, mas é quase. Alguém já observou que uma explica-
produzir mudanças na variável dependente. Ou, como Gabriel ção é aquele lugar onde a mente descansa. Por gue as elites políticas
Almond observou, "mudanças sociais e internacionais podem existir . relevantes guerem a democracia? Inevitavelmente, a mente deseja
por um longo período e só começar a disparar mudanças no sistema avançar um pouco mais ao longo da cadeia causal.
político quando ocorre uma inflexão de curto prazo, ou conjunto de A distinção entre variável independente e variável dependente
inflexões, na curva ou curvas"2. Nesse sentido, obviamente, é muito fica mais clara se elas forem de ordens diferentes, se, como muitas
mais provável que a mudança tenha efeitos políticos quando envol- vezes acontece, uma variável econômica for usada para explicar uma
ve variáveis independentes, tais como tendências econômicas e so- variável política. Toda a tradição intelectual marxista leva a análise
ciais, do que quando envolve outras variáveis. nessa direção. Isso é reforçado pelo fato de que sempre se procuram
~nâmica; é também com-
.bcvaJi;ívddepe,nd~me.nã() é apC::l1a.~ as causas onde elas são mais fáceis de serem encontradas. Para um
"p!~~~~.b§pessoas algumas vezes supõem qué ãcaoãf com' uma dita:" grande número de sociedades, é possível obter dados econômicos,
dura leva à inauguração de uma democracia. No entanto, a verdade inclusive séries estatísticas sobre muitas questões diferentes, desde a
é que é mais provável que os regimes não-democráticos sejam subs- Segunda Guerra Mundial - para as sociedades ocidentais, desde o
tituídos por outros regimes não-democráticos do que por regimes século XIX. Inevitavelmente os analistas são levados a usar tais dados
democráticos. Além disso, os fatores responsáveis pelo fim de um re- e a examinar quais correlações e conexões causais podem existir en-
gime não-democrático podem diferir significativamente dos que le- tre fatores econômicos e democratização. Algumas vezes tais tentati-
vam à criação de um regime democrático. As circunstâncias que con- vas são informadas pela teoria; outras, não.
tribuem para o estabelecimento inicial de um regime democrático Os cientistas .sociais às vezes falam ~~\Eroblema da s2.,~~$d:;
também podem não contribuir para sua consolidação e estabilidade terminaçã(). Com iSSO,normalmente se reterem ao"Faro de eXistir
de longo prazo. Ao nível mais simples, a democraticação envolve:(l) umá multidão de teorias plausíveis para explicar um acontecimen-
? fim de um,!egi~ei.~~!!!árr~; ªtàJi!I~~~~I~~ªiu1!1.s~i[~~ êié- to e ao conseqüente problema de estabelecer a validade relativa de
tais teorias. No entanto, isso é uma questão apenas para os que es- - tradições de tolerância e de compromisso;
tão pre~cupidos em avaliar as teorias. Tal problema não existe pa- - ocupação por uma potência estrangeira pró-democracia;
ra os que estão preocupados em explicar os acontecimentos. Na - influência de uma potência estrangeira pró-democracia;
política quase tudo tem muitas causas. Por que este candidato e - desejo das elites de imitar nações democráticas;
não aquele ganhou a eleição? Evidentemente é necessário um gran- - tradição de respeito à lei e aos direitos individuais;
de número de variáveis e de teorias por trás dessas variáveis para - homogeneidade comunal (étnica, racial, religiosa);
explicar algo tão simples como o resultado de uma eleição.:.,.p~~.~ - heterogeneidade comunal (étnica, racial, religiosa);
ocorrer historicamente, um acontecimento quase tem de ser teori- - consenso sobre valores políticos e sociais;
'"camente sobredetermi~ado. Isso é claramente o que acontece com - ausência de consenso sobre valores políticos e sociais.
. a de111Qçt!lti~çã,0.~, .
As teorias que relacionam tais fatores à democracia e à demo-
~~~umirõs~as foram apresentadas e numerosas variáveis
cratização quase sempre são plausíveis. Cada variável e cada teoria,
,/ indepe;dentesTõf;~ identificadas para explicar a democratização.
I
no entanto, muitas vezes tem relevância apenas para um pequeno
.' Entre as variáveis que se acredita que contribuem para a democracia
número de casos. No meio século que se seguiu a 1940, houve de-
\ e para a democratização, estão as seguintes:
mocratização na Índia e na Costa Rica, na Venezuela e na Turquia,
~ um alto nível global de riqueza econômica; no Brasil e em Botsuana, na Grécia e no Japão. A procura de uma
- uma distribuição de renda ou de riqueza relativamente igualitá- variável independente comum, universalmente presente, que possa
na; ter desempenhado um papel significativo na explicação do desen-
- uma economia de mercado; volvimento político em países tão diferentes está, quase certamente,
- desenvolvimento econômico e modernização social; destinada ao fracasso, se não à tautologia. As causas da democratiza-
- uma aristocracia feudal em algum ponto da história da sociedade; ção diferem substancialmente de um lugar para outro e de um mo-
- ausência de feudalismo na sociedade; mento para outro:.:A l]ul!iplif.i~~~~A.~!~QÚª$~e.~~diYe,r~idad.e.de ex:-
- uma burguesia forte ("sem burguês, nada de democracia", na su- _2~~~êl1_ci~L~llgçr.~m
ª-ill.9y.éÍy~lyalidaçk.d.as.seguintes.~ro posiçõ~s:
cinta formulação de Barrington Moore);
- uma classe média forte; "'; 1. Nenhum fator único é suficiente para explicar o desenvolvimento
- altos níveis de alfabetização e de instrução; da democracia em todos os países ou em um único país.
- uma cultura instrumental, não-consumista; 2. Nenhum fator único é necessário para o desenvolvimento da de-
- protestantismo; mocracia em todos os países.
- pluralismo social e grupos intermediários fortes; 3. Em cada país a democratização é o resultado de uma combinação
- desenvolvimento da contestação política antes da expansão da de causas.
participação política; 4. A combinação de causas que produzem a democracia varia de país
- estruturas democráticas de autoridade no interior dos grupos so- para país.
ciais, particularmente aqueles intimamente ligados à política; 5. A combinação de causas geralmente responsáveis por uma onda
- baixos níveis de violência civil; de democratização difere daquela responsável por outras ondas.
- baixos níveis de polarização política e de extremismo; 6. As causas responsáveis pelas mudanças iniciais de regime numa
- líderes políticos comprometidos com a democracia; onda de democratização em geral diferem das que são responsá-
- experiência de ter sido colônia inglesa; veis por posteriores mudanças de regime naquela onda.
~ Refletindo sobre a diversidade de sociedades que têm governos A vitória dos Aliados na Primeira Guerra Mundial e o desmante-
democráticos, Myron Weiner concluiu que para explicar a democra- lamento dos impérios, ocorrido após a guerra, afetaram a democratiza-
tização era preciso ~h:lr~!:l_~s~'~str~tégi~~Aisponíveis aos que bus- ção de maneira significativa. Os países periféricos europeus -
cam uma revolução democráticà'4.Ésse-conselho chama a atenção, Finlândia, Islândia, Irlanda - tiveram êxito relativo na manutenção de
ad~quadamente, para o.Q.~~~cr~~~ ~~1~4erançapolítica e ~a habi- seus sistemas democráticos; osEStidõsI(;;Jjzados mais ao centro, su-
lidade política nacriação da democraCIa. No entanto, ele nao. deve cessores dos impérios Rm.rlárl0v,Habsburgo e Hohenwllern não tive-
levar a uma total rejeição dos fatores mais amPlos - contextualS, so- ram o mesmo êxit~Em sumâ.;)osfatores primários respons~vêís-peIa
ciais, econômicos e culturais - na explicaçãgA().d~s~ny()lvimento primeira onda de denioctãtízâção parecem ter sido o desenvolvimento
-democrático. Existe uma-cadeia ou funil (escolha sua metáfora) de econômico e social, o ambiente econômico e social das colônias de po-
- causação; e 'fatores internacionais, sociais, econômicos, culturais e, voamento britânicas, e a vitória dos Aliados na Primeira Guerra
mais imediatamente, políticos, estão todos em operação, muitas ve- Mundial e a resultante ruptura dos principais impérios continentais.
zes de maneiras conflitivas, seja para facilitar a criação da democra- Os fatores políticos e militares foram claramente predominan-
cia, seja para sustentar o autoritarismo. . . . tes na segunda onda de democratização. A maior parte dos países
A5 causas da democratização são, assim, vanadas, e seu SIgnIfi- que transitaram para a demácrac.ía nessa onda se encaixa em uma
cado no tempo tende a variar consideravelmente. Aqui não é o lugar entre três categorias. Primeira: os Aliados impuseram a democracia
para uma análise histórica detalhada do que produziu a democratiza- em vários países - Alemanha Ocidental, Itália, Japão, grande parte
ção antes de 1974. No entanto, é adequado fazer um breve resumo da Áustria e Coréia do Sul. Segunda: muitos outros países moveram-
do que parecem ser as g!"incipaiscausas da primeira e da segunda o.n- se numa direção democrática porque os Aliados ganharam a guerra.
da~quanto mais não seja, para estabelecer o contexto para uma dIS- Essa categoria inclui Grécia, Turquia, Brasil, Argentina, Peru,
cussão mais extensa sobre as causas da terceira onda. Equador, Venezuela, Colômbia5• Terceira: o enfraquecimento dos
Desenvolvimento econômico, industrialização, urbanização, o Estados ocidentais provocado pela guerra e o crescente nacionalismo
surgimento de uma burguesia e de uma classe ~édia, o desenv~l~i- em suas colônias de além-mar fizeram com que estas iniciassem um
O mento de uma classe trabalhadora e sua organIzação, e o dechnIo processo de descolonização. Um número significativo de novos
, ,gradual da desigualdade econômica s~o fatores que parece.m t~er Estados já começou como democracia e um número um pouco me-
// desempenhado algum papel nos mOVImentos de democrauzaçao nor manteve as instituições democráticas por um respeitável período
" nos países do norte da Europa no século XIX. Em geral, eram tam- de tempo. Assim, a vitória das democracias ocidentais na Segunda
'/bém países cujo ethos intelectual era formado, em certa medida, por Guerra Mundial e a descolonização realizada por essas democracias
Locke, Bentham, Mill, Montesquieu, Rousseau, e pelo impacto dos após a guerra foram, em grande parte, responsáveis pela segunda on-
ideais da Revolução Francesa. Nos países de povoamento britânico da. Tais acontecimentos foram historicamente discretos. A terceira
_ Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia - muitos
onda teve de resultar de uma diferente composição de causas.
desses fatores estavam em ação, impulsionados por oportunidades
econômicas muito maiores, pela fraqueza dos sistemas existentes de
status, e pela distribuição de renda mais igualitária do que a que era
possível nas sociedades de fronteira. Também se pode conceber que
o protestantismo encorajou a democratização; três quartos dos países
que desenvolveram instituições democráticas antes de 1900 eram Para explicar a terceira onda de democratização é preciso res-
dominantemente protestantes quanto à sua composição religiosa. ponder a duas perguntas. Primeira: por que cerca de trintaJ)~~.~
com regimes autoritários mudaram para sistemas políticos demo- Um segundo padrão de mudança de regime foi o da.!,.egund!
~~~ti~os, mas apr~~imadamente cem outros países autoritários não tentativa. Um país com um sistema autoritário muda para um siste-
. mudaram? Segunda: por que as mudanças de regime em t~is países ma democrático. Este fracassa, porque o país não tem as bases so-
ocorreram nas d,~ç,agas".de1970 e 1980,. e não em qualquer outro ciais para a democracia, ou porque os líderes do novo sistema de-
momento? mocrático realizam políticas extremistas que produzem uma reação
.. Com respeito à primeira pergunta, poder-se-ia imaginar que os drástica, ou algum cataclisma (depressão, guerra) solapa o regime.
países se afastaram ou não se afastaram do autoritarismo dependen- Um governo autoritário chega então ao poder por um período de
do da natureza de seus regimes autoritários. No entanto, a verdade é tempo maior ou menor. Acaba-se, no entanto, por fazer um segun-
que os regimes que se moveram na direção da democracia na tercei- do esforço de introduzir a democracia, com êxito maior, devido, pe-
ra onda eram um conjunto diversificado. Nele estavam incluídos sis- lo menos em parte, ao fato de que os líderes democráticos aprende-
~ temas de partido único, regimes militares, ditaduras personalistas e a ram com a anterior e mal-sucedida experiência democrática. De
:- oligarquia racial da África do Sul. Dentro de cada categoria de regi-
*<~
u
me, alguns países não se democratizaram nos 15 anos que se segui-
.:~ram a 1974: China e Viernã, entre os sistemas unipartidários; Iraque
maneiras variadas, um certo número de países - Alemanha, Itália,
Áustria, Japão, Venezuela, Colômbia - montaram sistemas demo-
cráticos razoavelmente estáveis na segunda onda, após terem sofrido
,\_~-.- <~ e Cuba, entre as ditaduras pessoais. A natureza do regime autoritá- reveses em seus esforços anteriores. Espanha, Portugal, Grécia,
rio, conseqüentemente, não pode explicar por que certos regimes Coréia, T checoslováquia e Polônia se encaixarão nesse padrão de se-
transitaram para a democracia e outros não. gunda tentativa se os seus regimes democráticos da terceira onda se
Um~_~Qorºªgem diferente"'p_araresp(lllder a essa pergunta pode.... estab ilizarem.
ria fõcãfizar as histórias de mudanças de régime nos países que se de- Um terceiro padrão foi o de democracia interrompida. Diz res-
mocratizaram. No padrão cíclico., os países a.lternaram sistemas auto- peito aos países que desenvolver;m regimesdemocrátÍcos- por um
ritários e democÍ"áticos.Tal padrão foi particularmente dominante na período de tempo relativamente prolongado. Em algum ponto, no
América Latina, e inclui países como Argentina, Brasil, Peru, Bolívia entanto, cresceram a instabilidade, a polarização, ou outras condi-
e Equador, mas caracterizou outros países, como Turquia e Nigéria. ções que levam à suspensão dos processos democráticos. Na década
Tais países tenderam a oscilar entre governos democráticos mais po- de 1970, a democracia foi temporariamente interrompida na Índia e
pulistas e regimes militares mais conservadores. Sob um regime de- nas Filipinas por chefes do executivo democraticamente eleitos, no
mocrático, o radicalismo, a corrupção e a desordem alcançam níveis Uruguai por líderes eleitos em cooperação com os militares, e no
inaceitáveis e os militares derrubam-no, com considerável alívio e Chile por chefes militares que derrubaram um regime eleito. No en-
aclamação da população. No entanto, no devido momento, a coali- tanto, a longa experiência de tais países com a democracia tornou
zão que sustenta o regime militar se desfaz, este deixa de tratar efeti- impossível para os líderes políticos que interromperam a democracia
vamente dos problemas econômicos do país, os oficiais com inclina- afastarem inteiramente as práticas democráticas. Em todos os quatro
ção profissional ficam alarmados com a politizaçãodas forças arma- casos, eles eventualmente sentiram-se obrigados a submeter-se a al-
das e, mais uma vez para grande alívio e aclamação da população, os guma forma de voto popular, e foram derrotados.
militares se retiram ou são expulsos do governo. Em tais países, a Um quarto padrão de mudança envolveu a transição direta de

°
mudança de regime desempenha, assim, a mesma função que a mu-
dança de partido num sistema democrático estável:. país não alter-
na entre sistemas políticos democráticos e autoritários; a alternância
um sistema autoritário estável para um sistema democrático estável,
seja através de uma evolução gradual no tempo, seja pela substitui-
ção abrupta do primeiro pelo segundo. Tal padrão é típico das tran-
entre democracia e autoritarismo é o sistema políticódo país. sições da primeira onda. Caso sua democracia seja consolidada, as
tentativas de terceira onda da Romênia, Bulgária, Taiwan, México, países com sistemas autoritários em 1974 e que não se democratiza-;'
Guatemala, EI Salvador, Honduras e Nicarágua vão se aproximar ram em 1990 não tinham tido nenhuma experiência prévia com a
desse padrão. democracia. Assim, em 1974, um excelente instrumento de previsão ,/
Finalmente, há o padrão de descolonização. Um país democráti- para saber se um país com góverno autoritário iria ou ~ão s~ trans-~ b
co impõe instituições democráticas em suas colônias. A colônia tor- formar em democrático era verificar se ele já tinha sido democ~átiço.
na-se independente e, ao contrário da maioria dos países que antes No entanto, em 1989, a terceira onda entrou em uma segunda fase
eram colônias, mantém com êxito suas instituições democráticas. e começou a afetar países sem significativa experiência democrática
Papua-Nova Guiné foi um exemplo disso na terceira onda. Como anterior, entre eles Romênia, Bulgária, União Soviêtica, Taiwan e
apontou Myron Weiner, tal padrão é basicamente o das antigas colô- México. Isso colocou uma questão crucial: até que ponto a terceira
nias britânicas, a maior parte das quais tornou-se independente na onda iria além da primeira e da segunda ondas? Os países que não ti-
segunda onda6• As que restaram e tornaram-se independentes e de- nham tido nenhuma experiência democrática no passado futura-
mocráticas na terceira onda eram, em sua maioria, pequenas ilhas. mente se tornariam democracias estáveis?
Incluíam-se, entre elas, Antígua e Barbados, Belize, Oominica,
Explicações plausíveis para a questão de por que certos países,
Kiribati, São Cristóvão e Névis, Santa Lúcia, São Vicente e as
mas não outros, transitaram para a democracia não são necessaria-
Granadinas, Ilhas Salomão, Tuvalu e Vanuatu. Com a possível exce-
mente respostas à segunda pergunta:, por que tais transições ocorre-
ção das poucas colônias remanescentes (p. ex., Hong Kong,
ram numa época e não em outra? Parece improvável que a concen-
Gibraltar, Falklands), tais países são o último legado do Império
, tração de transições numa década e meia possa ter sido mera coinci-
Britânico à democratização. Por seu pequeno tamanho, a não ser
dência. Parece razoável supor que elas tenham sido produzidas, em
que se afirme o contrário, neste estudo eles estão excluídos das aná-
parte, por causas comuns afetando muitos países, pelo desenvolvi-
lises dos países de terceira onda.
mento paralelo em vários países e pelo impacto de transições ante-
Se usarmos A e D para representar regimes autoritários e de-
riores sobre transições posteriores. No entanto, experiência demo-
mocráticos, relativamente estáveis e duradouros, e a e d para repre-
sentar regimes menos estáveis e de curta duração, os cinco padrões crática prévia não explica por que a mudança para a democracia em
de desenvolvimento de regime podem ser retratados da seguinte tais países aconteceu nas décadas de 1970 e 1980. Similarmente,
atribuiu-se as transições democráticas da década de 1980 a um "an-
maneira:
seio de liberdade" profundamente sentido e difundido entre os po-
1. cíclico: a - d - a - d - a - d vos oprimidos por governantes autoritários. A presença de tal anseio
2. segunda tentativa: A - d - a - O pode distinguir os países que se democratizaram daqueles que não o
3. democracia interrompida: A - O - a - O fizeram, mas não pode explicar por que a democratização aconteceu
4. transição direta: A - O num dado momento. Como mostram os acontecimentos de 1953,
5. descolonização: D/a - O 1956, 1968 e 1980-81, a população da Europa oriental ansiou por
Os países da terceira onda abrangem todos os cinco padrões de liberdade durante décaqas; no entanto, obteve-a apenas em 1989.
mudança de regime. No entanto, dos 29 países que se democratiza- Por que só então, por que não mais cedo? Em outros países, a popu-
ram entre 1974 e 1990, 23 haviam tido experiência prévia com a de- lação pode não ter sentido antes tal anseio por liberdade, mas desen-
mocracia. Em certos casos, tal experiência estava distante no tempo; volveram-no nas décadas de 1970 e 1980. O problema é explicar por
em certos casos, foi breve; em certos casos, tanto distante como bre- que tal desejo surgiu então. A análise é obrigada a procurar outros
ve. Em algum ponto, no entanto, ela aconteceu. A maior parte dos desenvolvimentos que possam tê-lo produzido.
I'" ~~:. /(
54 A TERCEIRA ONDA ~,\.- V"
-----------------~"-~--'-'--~'-'----

"" (- A pergunta a ser respondida é:.gue muda~ças em variáveis in- o declínio


da legitimidade e o dilema
~.'dependentes plausíveis, ocorridas provavelmente nos anos 60 e 70, do desempenho
produziram a variável dependente, mudanças para regime-democrá-
tico, nos anos70 ~}.Q?Cinco de tais mudanças parecem ter desem- Legitimidade é um conceito fraco, que os analistas políticos
penhado papéis sig~ificativos na produção das transições de terceira fazem muito bem em evitar. No entanto, ele é essencial para enten- .
onda nos países em que ocorreram e quando ocorreram: der os problemas enfrentados pelos regimes autoritários no final do
século XX. "O mais forte nunca é forte o bastante para ser sempre o
1. o aprofundamento dos problemas de legitimidade dos sistemas senhor", observa Rousseau, "a não ser que transforme a força em di-
autoritários num mundo onde os valores democráticos eram am- reito e a obediência em dever". De onde vem o "direito" de governo
plamente aceitos, sua dependência com relação a uma legitimida- dos líderes autoritários e o "dever" de obediência de seu povo?
de de desempenho, e o solapamento de tal legitimidade por der- No passado, a tradição, a religião, o direito divino dos reis e o
rotas militares, fracassos econômicos e os choques do petróleo de respeito socialderam legitimidade à ordem não-democrática. Numa
1973-74 e 1978-79; era de populações alfabetizadas e mobilizadas, tais justificativas tra-
dicionais para o autoritarismo perderam sua eficácia.J"Jps tempos
2. o crescimento econômico global sem precedentes da década de
modernos, o autoritarism? tem. si~o justWS.~2o.P_~}.~ nacionalismo e
1960, que elevou os padrões de vida, aumentou o nível de instru-
pela ideologia. No entanto, a eficácia do primeiro éornó"f)'asepara
ção e expandiu notavelmente a classe média urbana em muitos
I j l"''''' ~.,;".".,"~-".- um governo não-democrático depende, em grande parte, da existên-
palses; .".....' t. ..,
~ , cia de um inimigo verossímil das aspirações nacionais de um povo .
3. as profu~das mudanças n~ doutrina e nas ati~idades da Igreja ca- O nacionalismo também é uma força popular e pode legitimar tan-
tólica manifestadas no Concílio Vaticano 11 em 1963-1965 e a to a ordem autoritária como a democrática. A principal justificativa
transformação das igrejas nacionais, que passaram de defensoras ideológica para o autoritarismo nos tempos modernos foi o marxis-
do status quo a opositoras do autoritarismo e proponentes de re- mo-Ieninismo. Ele dá uma razão para a ditadura do partido único
formas sociais, políticas e econômicas; através de uma pequena elite burocrática autoperpetuante. A maio-
4. mudanças nas políticas de atores e~ternos, incluindo, no final dos ria dos regimes autoritários no final do século XX, no entanto, não
era comunista. Assim como os regimes comunistas, eles enfrentaram
anos 60, a nova atitude da Comunidade Européia - que aumen-
grandes problemas para estabelecer e manter sua legitimidade.
tou o número de seus membros -, as grandes mudanças nas po-
A vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial produziu,
líticas dos EUA a partir de 1974 - que passaram a promover os
na prática, a segunda onda de democratização. Também produziu
direitos humanos e a democracia em outros países -, e a dramá-
uma mudança ainda mais difundida e duradoura no ambiente inte-
tica mudança de Gorbachev, no final dos anos 80, na política so-
lectual da política. As pessoas, na maior parte dos países, passaram a
viética com relação à manutenção do império soviético; aceitar - e até mesmo a implementar - a retórica e as idéias da de-
5. efeitos-demonstração ou de bola-de-neve (possibilitados pelos no- mocracia. Passou a existir um ethos democrático mundial. Mesmo
vos meios de comunicação internacional) das primeiras transi- aqueles cuj;;:S-açÕeseramclaramenteantidemôêí-áiicas muitas vezes
ções para a democracia na terceira onda, estimulando e fornecen- justificavam seus atos através de valores democráticos. Os argumen-
do modelos para os esforços subseqüentes de mudanças de regime tos explícitos contra a democracia como conceito quase desaparece-
em outros países. ram do debate público em grande parte dos países. "Pela primeira
vez na história do mundo", observou um relatório da Unesco em do tempo, no entanto, os governos comunistas foram achando cada
1951, "nenhuma doutrina foi apresentada como não-democrática. A vez mais difícil invocar a ideologia comunista para sustentar sua le-
acusação de atitude ou ação antidemocrática freqüentemente é diri- gitimidade. O atrativo da ideologia declinou à medida que a buro-
gida contra os outros, mas os políticos profissionais e os teóricos da cracia estatal se estagnava e as desigualdades sócio-econômicas crista-
política concordam em destacar o elemento democrático nas insti- lizavam-se. A ideologia comunista tornou-se também o principal
tuições que defendem e nas teorias que apresentam"? obstáculo ao crescimento econômico, frustrando a capacidade do
A amplitude das normas democráticas dependia, em grande regime de se legitimar com base no desempenho econômico. Nos
parte, do compromisso que o país mais poderoso do mundo tinha Estados comunistas, dessa forma, o marxismo-Ieninismo inicialmen-
com respeito a tais normas. A principal fonte alternativa de legitimi- te deu legitimidade ideológica, mas quando esta se enfraqueceu, ele
dade, o marxismo-Ieninismo, era desposada pela segunda maior po- tornou impossível desenvolver a legitimidade baseada no desempe-
tência. No entanto, os comunistas regularmente pagavam seu tribu- nho econômico.
to à força dos valores democráticos, enfatizando os elementos demo- Ceteris paribus, a legitimidade da maioria dos regimes declina
cráticos de sua ideol~gia, empregando uma fraseologia democrática com o tempo, à medida que as escolhas vão sendo feitas, as promes-
e minimizando o papel do partido leninista de vanguarda e da dita- sas não são cumpridas e as frustrações crescem. Na maioria dos ca-
dura do proletariado. sos, a coalizão que sustenta o regime também se desintegra com o
-Muitos regimes autoritários nos anos 70 também enfrentaram tempo. Os sistemas democráticos, no entanto, renovam-se através
problemas de legitimidade devido à experiência prévia de seus países das eleições, que tornam possível que uma nova coalizão alcance o
com a democracia. Num certo sentido, o corpo político de suas so- poder com novas políticas e novas promessas para o futuro. Em
ciedades tinha sido infectado pelo vírus democrático, e mesmo que o contraste, a auto-renovação é um problema sério para os regimes
anterior regime democrático não tivesse sido um imenso sucesso, autoritários, e a ausência de mecanismos de auto-renovação contri-
permanecia a crença de que, para ser verdadeiramente legítimo, um bui significativamente para a erosão de sua legitimidade. Claro, o
governo tinha de se basear em práticas democráticas. Dessa forma, problema é mais grave nas ditaduras personalistas, em que a auto-
os governantes autoritários foram levados a justificar seus próprios renovação (excetuando-se a reencarnação) é insolúvel, dada a natu-
regimes com uma retórica democrática e a afirmar que seus regimes reza do regime.
eram verdadeiramente democráticos ou assim se tornariam no futu- Em alguns casos, os regimes autoritários desenvolveram meca-
ro, logo que tivessem resolvido os problemas imediatos enfrentados nismos de substituição regular de seus principais líderes e, assim,
por sua sociedade. mecanismos de renovação, mesmo que limitada. No México e no
----- Os problemas de legitimidade dos regimes autoritários varia- Brasil, institucionalizou-se o princípio de que nenhum presiêfente
ram com a natureza do regime. Os sistemas de partido único que poderia suceder a si mesmo. Os benefícios de tal sistema de sucessão
eram produto do desenvolvimento político nativo, como nos rotinizada eram pelo menos duplos. Primeiro, levava as principais fi-
Estados comunistas revolucionários, no México e na República da guras do establishment autoritário a ter a esperança de que da próxi-
China, tinham uma base de legitimidade mais segura. Ideologia e ma vez tivessem a possibilidade de alcançar a presidência ou um al-
nacionalismo podiam ser utilizados conjuntamente para sustentar to cargo, reduzindo assim os incentivos a se tornarem turbulentos ou
os regimes. Em países onde o comunismo e o sistema de partido a tentar derrubar a liderança existente. Segundo, a sucessão regular
único foram impostos por forças externas, como na Europa oriental, na principal posição de liderança tornava possíveis, e até mesmo
os regimes podiam se beneficiar da ideologia, mas não do nacionalis- prováveis, as mudanças políticas. No México, durante décadas os
mo, que era sempre uma fonte potencial de instabilidade. Ao longo presidentes mais à direita alternaram-se com presidentes mais à es-
querda. De maneira parecida, no Brasil, duas coalizões frouxamente como no Peru e nas Filipinas, os líderes dos regimes autoritários pro-
estruturadas - o grupo da Sorbonne e os nacionalistas - competi- meteram'reformas s'ociais e econômicas. Na maioria dos outros ca-
ram pelo poder entre os militares. O grupo da Sorbonne chegou ao sos, prometeram crescimento e desenvolvimento econômico. No
poder após o golpe de 1964; foi afastado quando o Gal. Artur da entanto, o esforço de basear a legitimidade no desempenho deu ori-
Costa e Silva assumiu a presidência em 1967; voltou ao poder com gem ao que pode ser chamado de dilema do desempenho. Nas de-
Geisel em 1974. Mecanismos e processos como esses tornaram pos- mocracias, a legitimidade dos governantes normalmente depende
sível a tais regimes evitar alguns dos aspectos disfuncionais do auto- do grau em que satisfazem às expectativas dos principais grupos de
ritarismo e deram, além disso, meios de renovar sua legitimidade, eleitores, ou seja, de seu desempenho. A legitimidade do sistema,
mesmo que de maneira limitada. _Cadanovo p!esidente era uma no- no entanto, depende de procedimentos, da possibilidade de os elei-
val'romessa, 'lua~to mais não s~a. pórque era diferente do anterior. tores escolherem seus governantes através de eleições. Depois que
De 1929 a 1989, o México teve um regime autoritário excepcional: chegam ao poder, os governantes eventualmente não conseguem
mente estável, que exigia um volume muito modesto de repressão já um bom desempenho, perdem legitimidade, são derrotados nas
que sua legitimidade era garantida tanto por sua ideologia revolucio- eleições e um conjunto diferente de governantes assume. A perda de
nária, como pela mudança regular de seus líderes políticos. Os regi- legitimidade de desempenho pelos governantes leva à reafirmação
mes comunistas nativos tinham a primeira, mas não a segunda; o da legitimidade processual do sistema. Nos sistemas autoritários
Brasil tinha a segunda, mas não a primeira. que não são de partido único, no entanto, não era possível qualquer
O problema de legitimidade dos regimes militares e das dita- distinção entre a legitimidade do governante e a legitimidade do re-
duras personalistas dos anos 70, particularmente os que foram cria- gime. Um desempenho fraco solapava a legitimidade tanto dos go-
dos na segunda onda reversa,~y"olu(ranLt!picamente através de três vernantes como do sistema.
fases. A derrubada do regime democrático por um regime autoritá- Em sua análise de oito crises importantes de desenvolvimento
rio..s;r~qua~es_el?'p.r_~.~(l~dacia
cº!!i~i!l$í-inde_~entil)J~Qto de alívi() e político, indo da Lei da Reforma Inglesa de 1832 às reformas econô-
uma aprovação esmagadora pelo público. Nessa fase inicial, o novo micas de Cárdenas na década de 30, Gabriel Almond, Scott C.
regime se beneficiava dà "legitimidade negativa" derivada dos fracas- Flanagan e Robert J. Mundt descobriram que todos os casos se ca-
sos do regime democrático e de suas aparentes diferenças em relação racterizaram por "componentes de desempenho econômico decli-
a este. Os novos regimes tipicamente se justificavam com base na nante (depressão, desemprego, escassez de alimentos e fome)"9. De
afirmação de que estavam combatendo o comunismo e a subversão maneira semelhante, o desempenho econômico insatisfatório teve
interna, reduzindo o tumulto social, restabelecendo a lei e a ordem, um papel importante~â'produção das crises dos regimes autoritários
eliminando a corrupção e os políticos venais, e incrementando os va- na década de 1970. O impulso para uma reforma social e econômi-
lores, os propósitos e a coesão nacionais. Os coronéis gregos de ca estagnou rapidamente nas Filipinas e eventualmente foi abando-
1967, por exemplo, legitimaram-se através de apelos "à ideologia do nado no Peru. A capacidade de muitos governos autoritários obte-
Estado anticomunistà'; e, em seus anos iniciais, o regime militar rem legitimidade a partir do crescimento econômico foi solapada pe-
brasileiro similarmente buscou legitimidade com base nos "apelos la elevação dos preços do petróleo nos anos 70 e pelas políticas eco-
'anti': anticomunismo, anti-subversivo, anticaos"8. nômicas seguidas pelos governos autoritários.
l!levitavelmente, a legitimidade negativa declinava com o tem- A elevação dos preços do petróleo em 1973-74disparQ!luma
po. Os regimes autoritiri()s das décadas dêl96ÜeT97UTõrám-;(lua- recessão econômica global. Levantou questões referentes à governa-
(
se que fatalmente, levados a encarar o desempenho como uma im- bilidade da democracia no mundo trilateral da Europa, América do
portante, senão a principal, fonte de legitimidade. Em alguns casos, Norte e Japão, e solapou significativamente os esforços dos regimes
autoritários do Terceiro Mundo de usar o desempenho econômico " tornaram-se tão caras que a agricultura ficou de fora do mercado
mundial. I...] Em 1981, o balão estourou. I...] A economia mergulhou
para sustentar sua legitimidade. Países como_Filipina~,. Espanha, ) numa recessão quase que do dia para a noite.
_ Portugal,.Grécia, .Brasile.Uruguai foram atingidos de man~ira parti- Em nove meses, tanto a inflação como o desemprego dispara-
.cularmente séria devido à sua enorme dependência do petróleo im- 'I', l ramo O peso, sob tremenda pressão especulativa, caiu mais de 400%
em valor. Os argentinos que tinham dívidas em dólar subitamente
portado. A segunda alta no preço do petróleo, em 1979, agravou a
"C descobriram que pagá-Ias custava cinco vezes mais pesos. Não con-
situação. Na Alemanha Ocidental, Grã-Bretanha, França, Canadá e seguiam fazer seus pagamentos. L ..] Enquanto isso, os detentores de
Estados Unidos os partidos no governo foram afastados. No Terceiro poupanças, em pânico, começaram uma corrida de longo prazo aos
Mundo, a capacidade dos regimes autoritários ainda restantes de ga- bancos. A.s reservas do país caíram enormemente".
\
rantir sua legitimidade através do desempenho econômico ficou ain-
da mais enfraquecida. As_d~Yaçºes nos preços do petróleo e suas ,""~~Yr~2iu~k O regime militar do começo dos anos 80 adminis-
trou a segunda maior dívida percapita da América Latina e produziu
conseqüências econômicas merecem uma parte significativa do cré-
uma recessão de quatro anos que cortou os salários reais à metade do
dito no enfraquecimento do autoritarismo nos anos 70 e no começo
que valiam uma década antes. ~mPo~tll.B.al, os enormes custos da
dos anos 80. c-,
guerra colonial, combinados com Ôs-aumentos nos preços do petró-
Com raras exceções,.ª,s p-Qlíticasadmªºa.5. pelos governºsauto~
leo e com a má administração econômica, produziram resultados
ritários para tratar as crises do petróleo e da dívida muitas vezes pio:
econômicos similarmente infelizes.
r~ram a situação econômica, produzindo estagnação, depressão, in-
flação, taxas de crescimento baixas ou negativas, crescimento da dí- Uma das outras baixas Iprovocadas pela guerra] foi a economia
vida, ou alguma combinação de tais condições, e portanto solapa- portuguesa. Na época do golpe, a taxa de inflação do país tinha che-
ram ainda mais a legitimidade do regime ..As,FiliPin.as são um bom. /' gado a 30% (a mais alta da Europa ocidental), seu déficit comercial
era o pior de todos os tempos, e o desemprego era uma ameaça - a
exemplo: despeito do constante êxodo de emigrantes que procuravam trabalho
ou fugiam da conscrição.
As bases econômicas da Nova Sociedade começaram a rachar com a Com cerca de metade do dispêndio governamental indo para os
crise do petróleo de 1973-74 e com a recessão global que a ela se se- militares, a taxa de investimento "fixo" de Portugal - o tipo que cria
guiu. As Filipinas, que importavam 90% de seu petróleo, viram qua- empregos e exportações - era a mais baixa de toda a Europa ociden-
druplicarem seus custos de energia, enquanto caíam os preços das tal. I...]
mercadorias de exportação. Com a segunda alta de preços do petró- Portugal, que importa 80% de sua energia e mais da metade de
leo, em 1979, acelerou-se o desmoronamento econômico. Marcos seus alimentos, foi especialmente atingido pelo surto global de reces-
respondeu com mais empréstimos e mais gastos, duplicando a dívida são e inflação que se seguiu ao embargo do petróleo em 1973 pela
externa de Manila entre 1979 e 1983. Quase metade da dívida era de Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). Como os
curto prazo e I...] os líderes internacionais começaram a ficar nervo- mercados de exportação de Portugal estavam ruins, o custo de tudo,
sos com as Filipinas: apenas nos últimos quatro meses de 1982 cerca do bacalhau à entrada para as touradas, crescia mais do que os salá-
de US$ 700 milhões em créditos foram retirados'o.
rios. Embora tanto os sindicatos como as greves fossem proibidos no
Novo Estado, trabalhadores liderados pelos comunistas realizaram
De 1980 em diante a renda per capita nas Filipinas caiu firme- cerca de quarenta grandes manifestações em 1973. Fábricas da
International Telephone and Telegraph, Grundig, British Leyland e de
mente.
outras fi rmas fecharam 12.
Na Argentina as políticas econômicas de Martínez de Hoz, en-
tre 1978 e 1980, criaram um boom artificial A Grécia experimentou um significativo, se bem que desequili-
que não poderia durar. As importações ficaram tão baratas que a in-
brado';'cr;;êimento econômico com o regime militar que assumiu o
dústria local entrou em colapso com a concorrência. As exportações poder em 1967. O novo grupo militar que tomou o poder no final
de 1973, no entanto, "mostrou-se incapaz de tratar dos graves pro- das forças militaresp()rtuguesas de vencer suas guerras coloniais foi a
blemas enfrentados pelo país. [...] A inflação continuou sem contro- causa por trás da formação do MFA e do golpe de Abril. Nas
le, e a Grécia, com poucas fontes domésticas de energia, foi afetada Filipinas, um Movimento de Reforma das Forças Armadas (MRFA),
de maneira particularmente severa pela crise do petróleo que se se- . semelhante ao português, atacou o espírito de compadrismo, a cúr-
guiu à Guerra do Yom Kippur" 13.Nor~u, "as tentativas do regime rupção e a ineficiência que Marcos tinha causado nas Forças Arma-
militar de estimular o crescimento econômico do país [...] fracassa- das filipinas. A percepção da força crescente dos guerrilheiros comu-
ram totalmente. Caiu a produtividade tanto na agricultura como na nistas do Novo Exército do Povo (NEP) nos últimos anos do regime
indústria, caíram os salários reais, aumentou o desemprego aberto, a de Marcos contribuiu para o enfraquecimento do regime. Os altos
inflação subiu e a dívida pública do Peru foi para as alturas". Até custos da Guerra do Afeganistão e a incapacidade dos militares so-
mesmo o Brasil teve problemas de desempenho econômico. À medi- viéticos de levá-Ia a uma conclusão vitoriosa contribuíram para a li-
da que õ regime começou sua democratização gradual, no final dos beralização que Gorbachev promoveu na União Soviética. Na Grécia
anos 70, aumentaram os problemas econômicos e "ocorreu uma cla- e na Argentina, os conflitos provocados p~los regimes militare~';'esUr:'
ra deterioração na capacidade governamental de promover o cresci-
mento econômico e prometer um futuro melhor para todos os bra-
sileiros". Em 1982, grande proporção do público brasileiro atribuía
vr--- taram"efu derrota e na queda de tais regimes.
A legitimidade de um regime autoritário também era solapada
) quando ele cumpria suas promessas. Ao alcançar seu propósito, ele
tais deficiências às falhas da política do governo14. Ai}:: perdia seu propósito. Isso diminuía as razões pelas quais o público
_Q~.r~me~,.çQ.fi.l~.J!.istª-~J01"amrelativamente PEe~ervados das Lcteveria apoiar o regime, dados os seus outros custos (p. ex., a falta de
elevações dos preços dopetróleo e de outros acontecimentos da eco- liberdade). Promovia a incerteza e o conflito no interior do regime
nomia mundial, embora a Polônia e a Hungria tivessem contraído quanto aos novos propósitos que ele deveria perseguir. Na
dívidas substanciais. Seu fraco desempenho econômico foi primaria- Argentina, em 1980 e 1981, por exemplo, a economia tinha entrado
mente resultado das economias de comando que a União Soviética em parafuso. Ao mesmo tempo, o regime tinha eliminado os guerri-
lhes impôs após a Segunda Guerra Mundial. Na década de 50, tais lheiros Montoneros e restaurado a ordem (se não a lei) no país. Isso
economias cresceram a taxas muito elevadas~O crescimento tornou- removeu uma importante razão de apoio ao regime, e o governo mi-
se mais lento na década de 60 e estagnounos anos 70 e 80. O fracas- litar "dava sinais de tédio, precisamente porque tinha alcançado um
so econômico gerou um tremendo descontentamento e alguma opo- de seus principais objetivos: a derrota dos grupos guerrilheiros arma-
sição ao sistema político-econômico existente. No entanto, por si s'" De maneira um pouco semelhante, no Brasil de 1974, "dado o
mesma, tal estagnação econômica não era suficiente para produzir "..p , inequívoco estabelecimento da ordem, o regime era forçado a come-
um movimento na direção democrática~ Não se tornou um fator r çar a institucionalização de longo prazo de seu poder ou, inversa-
que promovesse a demQcratização naquefes países até que a União ~ ente, o início do processo de liberalização"15.Uma situação seme-
Soviética permitisse que isso acontecesse. Na Europa oriental, a po- lhante existia no Uruguai depois que o governo militar eliminara os
lítica estava no comando, e o apoio soviético habituou os regimes Tupamaros. Como sua legitimidade estava baseada em critérios de
comunistas às conseqüências de seu fraco desempenho econômico. desempenho, os regimes autoritários perdiam legitimidade quando
Os fracassos militares contribuíram para a queda ou o enfra- não apresentavam um bom desempenho e também perdiam quando
quecimento de pelo me~os cinco regimes autoritários entre 1974 e apresentavam.
1989. Cresceu a insatisfação das forças militares de duas ditaduras Confrontados com talerosãJldeJ~gÜ!Il).i<i~~ollí<;l!E~_~~~!l-
personalistas, por estarem lutando contra rebeliões que tinham pou- tários podiam responder, e respondiam, de uma ou maismaneir~
cas possibilidades de derrotar. A óbvia incapacidade do governo e entre cinco. -~Primeiro, podiam simplesmente recusar-se a reconhecer ..
'-"'_ ",',,
seu crescente enfraquecimento, na esperança ou na convicção de que os regimes militares). Por outro lado, numa ditadura pessoal, como
de alguma maneira iriam se manter no poder. A fraqueza dos meca- a do xá do Irã, ou como a de Marcos, nas Filipinas, os militares po-
nismos de feedback na maioria dos regimes autoritários e élS ilusões dem não estar na política, mas a política impregna os militares, já
de muitos ditadores personalistas reforçaram tais tendências. No en- que o maior medo do ditador é um golpe de Estado. Portanto, os in-
tanto, nem a esperança nem a crença tendiam a ser confirmadas. competentes e os "camaradas" do ditador são os preferidos nas desig-
Segl!!1_do,o regime podia tentar se manter ~ornando-se cada vez mais nações para os cargos de chefia. Assim, tanto os regimes militares co-
repr~ssivo, substituindo o sentimento de dever, que ia se evaporan- mo as ditaduras pessoais, em geral, têm Forças Armadas de baixo ní-
do, pela obediência obrigatória. Isso muitas vezes exigia uma mu- vel profissional e de baixa eficiência militar. Conseqüentemente, co-
dança nas lideranças do regime, tal como aconteceu na ,QEécjaem mo sugerem os casos da Grécia e da Argentina, provocar uma guer-
1973, na Argentina em 1981 e na China em 1989. Se os líderes do ra é uma estratégia de alto risco.
regime cõncôrdassein substancialmente ~om tal curso, podiam ser Uma quarta opção era tentar estabelecer algumaaparênc:ia de
capazes de retardar significativamente ~s conseqüências de sua queda . legitimidade democrática para o regime. A maioria dos regimes au-
de legitimidade. toritários - à parte os sistemas de partido único baseado em ideolo-
Uma terceira opção eraprovocar um conflito externo e tentar gia - existentes no início dos anos 70 afirmou que no devido mo-
restaurar a legitimidade ap~~<lndop;ua o .nacionalismo. Na primave- mento restauraria a democracia. À medida que declinava sua legiti-
ra de 1974 o regime-de'Ióannidis organizou um golpe que derrubou midade por desempenho, eles passaram a ser cada vez mais pressio-
o arcebispo Makarios em Chipre e instalou um governo favorável à nados para realizar tal promessa e foram cada vez mais incentivados
enosis (união) com a,..Çlréçi;l,Os turcos invadiram Chipre e Ioannidis a tentar se relegitimizar através de eleições. Em alguns casos, os líde-
tentou congregar o exército e o povo grego para lutar contra os tur- res aparentemente acreditavam que poderiam alcançar uma vitória
cos. No entanto, os gregos eram militarmente incapazes de enfrentar honesta nas eleições. Mas isso quase nunca era verdade, particular-
os turcos, e seus comandantes militares recusaram-se a fazê-Io. E as- mente se a oposição conseguisse um grau mínimo de unidade. Dessa
sim o regime dos coronéis desmoronou de maneira humilhante, co- forma, o dilema do desempenho levava ao dilema das eleições.
mo resultado, na verdade, de uma greve de seus próprios oficiais. Na \ Deveriam patrocinar eleições? Se patrocinassem, deveriam mano-
~rgentiQ?:! a .legitimidade do regime militar tinha chegado a um brá-Ias? Se fizessem isso, ganhariam legitimidade? Se não manipulas-
ponto muito baixo em 1982, como resultado de seu fracasso econô- sem as eleições, iriam perdê-Ias?
mico, e o Gal. Leopoldo Galtieri tentou restabelecer o apoio a seu Quinto, os líderes autoritários podiam pegar o touro pelos chi-
governo com a invasão das Falklands. Se tivesse alcançado sucesso fres ~ assumir o comando da tarefa de acabar como goverrlOautori-
militar, teria se tornado um grande herói da história argentina. Seu tário e introduzir um sistemademocráti~~~ I;s~'~~óni:eceunúíítasve~
fracasso e a recuperação britânica da ilha precipitaram a transição zes, mas quase sempre exigiu primeiro uma mudança de liderança
para a democracia no ano seguinte. •\\ no interior do sistema autoritário.
Os esforços dos líderes autoritários de reverter a queda de leg~'- (.:.J
! A queda de legitimidade normalmente provocou dúvidas na
timidade através de uma guerra externa enfrentam um obstáculo cabeça dos líderes autoritários e divisões internas de liderança quan-
inerente. As forças militares dos regimes militares estão envolvid s : to à resposta a escolher. As resultantes hesitação, discórdia e flutua-
na política, às vezes não têm uma estrutura efetiva de comando (co-' ções na ação reduziram ainda mais a legitimidade dos regimes e en-
mo era o caso na Argentina) e vão se tornando mais politizadas U corajaram os grupos políticos a pensarem nos seus sucessores.
medida que o regime envelhece (o que é uma das razões pelas quais O regime sucessor não era necessariamente democrático. Em
os chefes militares com inclinações profissionais desejam acabar com 1978 e 1979 o Irã e a Nicarágua passaram de ditaduras personalistas
modernizadoras para, respectivamente, o fundamentalismo islâmico tenham assumido muitas formas - governos militares, sistemas de
e o marxismo-Ieninismo. À medida que a terceira onda democrática partido único, tirania pessoal, monarquia absoluta, oligarquia ra-
avançava, em meados dos anos 70, também ocorreram muitas tran- cial, ditadura islâmica -, nos anos 80 eles não eram, em geral, vis-
sições para regimes marxistas-Ieninistas na África e em outros lugares tos como alternativas entre si. Excetuando-se a África e àlguns poti.~
no Terceiro Mundo. Após algum conflito, Portugal tornou-se demo- 'cos países em outros continentes, a democracia passou a ser vista
crático; depois da independência, suas antigas colônias transforma- como a única alternativa legítima e viável a um regime autoritário
ram-se em marxistas-Ieninistas. Entre meados dos anos 60 e o come- de qualquer tipo.
ço da década de 1980, o número total de regimes ostensivamente
marxistas-Ieninistas no Terceiro Mundo passou de seis para 17. Em
sua maioria, tais regimes tinham bases relativamente estreitas e não
conseguiram êxito econômico ou estabilidade política. No começo Desenvolvimento econômico e crises
dos anos 60, tanto os políticos latino-americanos como os líderes econômicas
dos Estados Unidos acreditavam que as opções políticas para a
América Latina eram reforma ou revolução, John F. Kennedy ou A relação entre desenvolvimento econômico, por um lado, e
Fidel Castro. No entanto, com poucas exceções, a América Latina
democracia e democratização, por outro, é complexa e provavelmen-
n.ão promoveu nem reforma nem revolução, mas, em vez disso, re-
te varia no tempo e no espaço. 9s fatores econômicos têI!1um im- .
pressão, sob a forma de regimes autoritários burocráticos. Pos-
pacto significativo sobr~ a democratizaçãõ~ mas .ríão~ã~ determi-
teriormente, seus fracassos econômicos eliminaram tal forma de go-
nantes. Existe uma correlação global entre nível de desenvolvimento
verno como alternativa para o futuro imediato.
econômico e democracia, embora nenhum nível ou padrão de de-
Ditaduras de direita, como nas Filipinas ou em EI Salvador,
senvolvimento econômico seja, em si mesmo, necessário ou sufi-
muitas vezes estimularam o crescimento de movimentos revolucio-
ciente para provocar a democratização.
nários de esquerda. No entanto, na América do Sul, a repressão vio-
lenta e bem-sucedida dos regimes militares eliminou fisicamente Os fatores econômicos afetê!~_as democratizaç§~~.4ª!~r.c.~ra
muitos extremistas revolucionários e também levou os marxistas e os onda d~t~~~;~fr~~.P;imei;;, com-~}rapoiit~~~s, os saltos nos
grupos socialistas a fazerem uma nova apreciação das virtudes da de- preços de peú6T~~, em alguns países, e as restrições marxistas-Ieni-
mocracia. Na década de 1980, como observaram Juan Linz e Alfred nistas, em outros, provocaram reveses econômicos que enfraquece-
Stepan, a esquerda latino-americana passou a ver a "democracia pro- ram os regimes autoritários. Segundo, no início dos anos 70 muitos
cessual" como "uma norma valiosa em si mesma e como um arranjo países tinham alcançado níveis globais de desenvolvimento econô-
político que oferecia tanto uma proteção contra o terrorismo de mico que davam uma base econômica para a democracia e assim fa-
Estado, como alguma esperança de progresso eleitoral na direção de cilitaram a transição para a democracia. Terceiro, em alguns poucos
uma democracia social e econômica". De maneira semelhante, um países o crescimento econômico extremamente rápido desestabilizou
dos pais da Teologia da Libertação, o padre Gustavo Gutiérrez, do os regimes autoritários, forçando-os seja a liberalizar, seja a intensifi-
Peru, observou em 1988 que a "experiência com a ditadura fez com car a repressão. O desenvolvimento econômico, em suma, deu a ba-
que os teólogos da libertação apreciassem os direitos políticos"16. O se para a democraCia; as crises, produzidas tanto pelo crescimento r~
colapso dos regimes comunistas na Europa oriental enfraqueceu ain- pido, como pela recessão econômica, enfraqueceram o autori.taQ.s-
da mais a possibilidade do marxismo-Ieninismo como alternativa a mo. Nem todos os três fatores estiveram presentes em todos os paí-
outros regimes autoritários. Assim, embora os regimes autoritár~os . ses,~mas virtualmente nenhum país da terceira onda escapou a todos
'i / i

eles. Eles deram o ímpeto e o contexto econômico para a democra- para a democracia e a maioria dos países que transitam para a demo-
,tização nas décadas de 1970 e 1980. cracia estão situados em tal extrato. À medida que os países se desen-
I' Desenvolvimento econômico~ Os teóricos políticos d<,Jséculo volvem economicamente e passam para essa zona, tornam-se passí-
XVIn argumentavam que os países ricos tendiam a ser monarquias e veis de democratização. Durante a primeira onda de democratização
os países pobres a ser repúblicas ou democracias. Era uma hipótese no século XIX e começo do século XX, nos países da Europa do nor-
plausível para sociedades agrárias. No entanto, a industrialização in- te, a democracia se fez, em geral, quando seu PNB per capita, em dó-
verteu a relação entre nível de riqueza e forma de governo,..e I1o_s~.cll: lares de 1960, se situava entre $300 e $500. Nas décadas de 1920 e
10 XIX surgiu uma correlação positiva entre riqueza e democracia. 1930, uma série de fatores, inclusive crises econômicas, produziram
Continuou forte daí em diante. A maioria dos países ricos é demo- a primeira onda reversa no sentido do autoritarismo. Em geral, no
crática e a maioria dos países democráticos - a Índia é a exceção eiuanto, o desenvolvimento econômico continuou e, portanto, o ní-
mais dramática - é rica. Tal relação foi enfatizada por, Seymour vel econômico da zona de transição que separa as democracias das
Martin Lipset em 1959 e vem sendo muito reforçada por um gran- não-democracias moveu-separa cimaJ9-;-':, hJ -i'- " , \1-,
de número de estudos subseqüentes17• Em 1985, por exemplo, As décadas de 1950 e 1960 foram anos de grande crescimento
Kenneth A. Bollen e Robert W Jackman descobriram que nos anos econômico global, particularmente entre países menos desenvolvi-
60 "o nível de desenvolvimento econômico teve um efeito pronun- dos. Entre 1950 e 1975 o PNB per capita dos países em desenvolvi-
ciado sobre a democracia política, mesmo quando outros fatores mento cresceu a uma taxa média de 3,4% ao ano, uma taxa que "ex-
não-econômicos são considerados. [... ]9 PNB é a variável explica- cedia tanto as metas oficiais como as expectativas privadas"20.Tal ta-
tiva dominante"18. Em 1989, o Banco Mundial classificou como de xa não tinha precedentes históricos nem para os países em desenvol-
"alta renda" 24 países com rendas per capita variando de $6,010 vimento, nem para os países desenvolvidos. Na década de 1960, a
(Espanha) a $21,330 (Suíça). Três deles (Arábia Saudita, Kuwait e "década do desenvolvimento", as taxas anuais de crescimento do
Emirados Árabes Unidos) eram exportadores de petróleo e não-de- PNB dos países em desenvolvimento eram, em média, bem mais do
mocráticos. Dos restantes 21 países de alta renda, todos, excetuan- que 5%, em geral mais do que o dobro das taxas dos países europeus
do-se Cingapura, eram democráticos. No outro extremo, o Banco nas fases comparáveis de desenvolvimento econômico. As taxas de
Mundial classificou como "pobres" 42 países com rendas per capita cada país, claro, variavam consideravelmente - mais altas no sul da
variando de $130 (Etiópia) a $450 (Libéria). Apenas dois deles Europa, Leste Asiático, Oriente Médio e América Latina; mais bai-
(Índia e Sri Lanka) tinham tido qualquer experiência maior com a xas no sul da Ásia e na África. Em geral, no entanto,.Q surto de cres-
democracia. Entre os 53 países de "renda médià', indo do Senegal cimento econômico posterior à Segynda, Gllç-TraMw1dial,qye du-
(PNB per capita de $520) a Oman (PNB per capita de $5,810), ha- rouaréõêhoque d()Fe~róleo de 197.?:?4, levou muitos países para
via 23 democracias, 25 não-democracias e cinco países que podiam, a zona de transição, criando em seu interior as condições econômi-
em 1989, ser plausivelmente classificados como em transição da cas favoráveis ao desenvolvimento da democracia. Num grau bastan-
não-democracia para a democracia. fIe considerável, a onda de democratizações que éomeçou em 1974 ~
A correlação entre riqueza e democracia implica que as'transi- foi pr?d~,do crescimento econÔmiço das 9:11élS déca~as .ant~riores. c
ções para a democracia devem ocorrer primariamente em países si- Nos anos 70, o centro da zona de transição economlCa unha se
tuados em um nível médio de desenvolvimento econômico. Nos deslocado para cima, do nível de $300-$500 (dólares de 1960), an-
países pobres a democratização é improvável; nos pãíses ricos ela já tes da guerra, para a faixa de $500-$1,000. Nove, ou quase metade,
aconteceu. Entre eles existe uma zona de transição política; os países das 21 democratizações da terceira onda ocorreram em países dentro
situados nesse extrato econômico têm maior tendência a transitar de tais limites; quatro ocorreram em países na faixa de $300-$500;
duas (Grécia e Espanha) em países com PNB per capita um pouco se se liberalizaram ou democratizaram entre 1974 e 1989 e se tive-
acima dos $1,000 (dólares de 1960); e seis (Índia, Paquistão, El ram regimes não-democráticos em todos esses anos21• Tais dados,
Salvador, Honduras, Bolívia, Filipinas) em países com PNRper capi- mais uma vez, indicam que os países da terceira onda variaram mui-
ta de menos de $300. A diferença no nível de desenvolvimento eco- to quanto ao nível de desenvolvimento econômico, com a Índia e o
nômico era substancial, da Índia ($87) à Grécia ($1,291), mas cerca Paquistão com PNB per capita para 1976 de menos do que $250, e
de dois terços das transições se deram em países entre $300 e $1,300 a T checoslováquia e a Alemanha Oriental com PNB per capita de
de PNB per capita (dólares de 1960) à época da transição. As transi- mais de $3,000. Dos 31 países que se liberalizaram ou democratiza-
, ções claramente tinham maior tendência a ocorrer em país~-de nível ram, 27, no entanto, situavam-se na faixa de reI!da média, nem po-
médio e médio-superior de desenvolvimento econômico e, como era bres nem 'ric(;s, e -~et;dedospa{ses- dà tercel;a onda tiitham PNB
de se esperar, concentravam-se na zona de renda um pouco acima da per capita entre $1,000 e $3,000. Três quartos dos países que em
que Sunshine observou antes da Segunda Guerra Mundial. 1976 tinham tal nível de desenvolvimento econômico e que em
1976 tinham governos não-democráticos haviam se democratizado
u~[ID~[L~ ~D 'TI ou liberalizado de maneira significativa em 1989. Em suma, um
Desenvolvimento econômico e terceira onda de democratização cientista social que em meados dos anos 70 desejasse prever as de-
mocratizações futuras teria se saído bastante bem se simplesmente
(1) (2) (3) (4) (51 (6) apontasse os países não-democráticos na zona de transição entre
Percentagem $1,000 e $3,000.
PNB per Democratizados/ de países que se Com isso, não estou querendo argumentar que a democratiza-
capita 1976 Democráticos liberalizados Não- democratizaram/
(US$) em 1974 1974-1989 democráticos Total líberalizarama
ção é determinada apenas pelo desenvolvimento econômico. Claro
que não é. Em 1976, a Tchecoslováquia e a Alemanha Oriental esta-
<250 1 2b 31 34 6 vam bem acima na zona econômica rica, onde já "deveriam" ser de-
" (250-1,000 3 11 27c 41 29 mocráticas, e União Soviética, Bulgária, Polônia e Hungria estavam
., ~
I'
lJ ,000-3,000 5 16 5 26 76 bem alto na zona de transição, com renda per capita superior a
>3,000 18 2 3 23 40 $2,000. No entanto, a política e as forças externas contiveram seu
Total 27 31 66 124 32 movimento no sentido da democracia até o final dos anos 80. É inte-
ressante observar que num estudo do início da década de 1960,
Fonte: Os dados econômicos são do World Bank, World Development Report 1978
(Washington: World Bank, 1978), p. 76-7. Phillips Cutright estabeleceu uma forte correlação entre desenvolvi-
a Durante o período de 1974 a 1989, excluindo países que já eram democráticos em mento do nível de comunicações e democracia, e usou-a para chamar
1974.
a atenção para os casos anômalos que ficavam de fora de sua linha de
b Inclusive a índia, que se tornou não-democrática em 1975 e democratizou-se em
1977. regressão. Os principais países europeus, que eram muito menos de-
c Inclusive a Nigéria, que transitou para a democracia em 1980 e voltou ao regime mi- mocráticos do que "deveriam", eram Espanha, Portugal, Polônia e
litar em 1984, e o Sudão, que seguiu caminho semelhante em 1986 e 1989.
Tchecoslováquia22• No ambiente político ibérico, com menos restri-
ções, o desenvolvimento político alcançou o desenvolvimento econô-
A zona de transição da terceira onda também aparece nos da- mico em meados dos anos 70; na Europa oriental isso não aconteceu
dos apresentados na tabela 2.1. Os países são classificados segundo até os controles soviéticos serem removidos, 15 anos mais tarde.
seu PNB per capita de 1976, conforme relatório do Banco Mundial, Cinco países que em 1976 tinham PNB per capita entre
e segundo seus sistemas políticos: se eram democráticos em 1974, $1,000 e $3,000 não tinham se democratizado em 1990. O Iraque e
o Irã eram produtores de petróleo com grande população. O Líbano res de petróleo de população pequena (Arábia Saudita, Líbia e
tinha tido uma forma limitada de democracia, mas desintegrou-se Kuwait) eram não-democráticos, embora em 1976 tivessem um
numa guerra civil após meados dos anos 70. A Iugoslávia que em
l
PNB per capita superior a $4,000, colocando-se bem acima, entre os
certos aspectos tinha sido mais liberal do que outros países comunis- países ricos. Decorre daí que o desenvolvimento econômico de base
tas da Europa oriental, foi sutpreendida pelo surto de democratiza- ampla>-envolvendo.llDla. ind\.lstrialização significativa, pode contri-
ção de seus vizinhos em 1989, embora seus Estados mais ricos, a buir para a democratização, mas o mesmo não acontece com a-ri-
Eslovênia e a Croácia, tenham começado a se mover numa direção queza resultante da venda de petróleo (e, prov~v~lmente, de outros
democrática. A cidade-Estado de Cingapura, o mais rico dos países recursos naturais). Os rendimentos· do petróleo cabem ao Estado:
não-produtores de petróleo do Terceiro Mundo, passou a década de aumentam, assim, o poder da burocracia estatal; e, como reduzem
1980 sob o governo, em geral benigno, sem violência, mas firme, de ou eliminam a necessidade de tributação, reduzem também a neces-
seu rei-filósofo. Ali, como no bloco soviético, a política dominou a sidade do governo de solicitar a concordância de seus súditos quan-
economIa. to à tributação. Quanto mais baixo o nível de tributação, menos ra-
Mitchell Seligson, em uma análise paralela, também identifica zão para o público demandar representaçã024. "Nenhuma tributação
uma zona econômica de transição; argumenta que na América sem representação" era uma demanda política; "nenhuma represen-
Latina as fronteiras que tornavam a democracia possível, embora tação sem tributação" é uma realidade política.
não necessária, eram o PNB per capita de $250 (dólares de 1957) e Em contraste com os padrões dos Estados produtores de petró-
uma taxa de alfabetização de 50%. De onze países latino-america- leo, os processos de desenvolvimento econômico envolvendo uma
nos, apenas três, Argentina, Chile e Costa Rica estavam acima de indu~trialização significativa levam a. uma economia nova; muito
tais patamares em 1957. No entanto, nos anos 80, mais sete nações màI;'-diversificada, complexa e inter-relacionada, cada vez mais difí-
- Brasil, Peru, Equador, EI Salvador, Nicarágua, Guatemala e, mar- cil de ser controlada por regimes autoritários. O desenvolvimento
ginalmente, Honduras - já os tinham alcançado ou ultrapassado. econômico criou novas fontes de riqueza e de poder fora do Estado
Apenas a Bolívia, das onze nações cobertas por tal estudo, ficou sig- e a necessidade funcional de delegar as decisões. Mais diretament~, o
nificativamente abaixo de tais patamares. A base econômica para a .dese,t;tvolvimentoeconômico parece ter promovido mudanças na e~-
democracia estava, assim, se fazendo na América Latina. Isso não ga- trutura e nos valores sociais que, por sua vez, encorajaram a demo-
rantia, é claro, o surgimento da democracia, embora, nos anos 90, cratização. Primeiro, o nível de bem-estar econômico no interior da
em todos esses países houvessem acontecido, ou estavam acontecen- própria so~i~aademodela ."Qs y~ºrese __ ªLadtlldes de seus cidadãos",
do, transições para a democracia. De maneira semelhante, Enrique estimulando o desenvolvimento de sentimentos de confiança inter-
Baloyra mostrou que na América Latina as ditaduras personalistas de pessoal, de satisfação com a vida e de concorrência, que, por sua vez,
velho tipo (Paraguai) tendiam a sobreviver mais do que os regimes têm uma forte correlação com a existência de instituições democrá-
autoritários burocráticos de novo estilo (Brasil)23.A viabilidade de ticas25§. ~gu!190' o desenvolvimento econômico aumenta os níveis
um regime autoritário parece ser uma função mais da natureza de de instrução da sociedade. Entre 1960 e 1981 aumentou consid~r-~-
sua sociedade, do que da natureza do regime. velmente-à-prõporção do grupo etário relevante que freqüentava a
Por que o desenvolvimento econômico e a passagem para o escola secundária nos países em desenvolviment026. Mais pessoas
grupo dos países com níveis de renda média-superior promovem a com maior instrução tendem a desenvolver as características de con-
- democratização? As evidências sugerem que apenas a riqueza pode fiança, satisfação e concorrência que acompanham a democracia.
não ter sido, em si mesma, um fator crucial. O Irã e o Iraque esta- Terceiro, o desenvolvimento econômico faz com que haja mais re-
vam na zona de transição mas não se democratizaram. Três produto- cursos para serem distribuídos entre os grupos sociais, facilitando as-
sim a acomodação e o compromisso. Quarto, o desenvolvimento crescente em sua própria capacidade de defender seus interesses
econômico nas décadas de 1960 e 1970 tanto exigiram como pro- através de uma política eleitoral.
moveram a abertura das sociedades ao comércio, ao investimento e º~rp,ºyitnentos dt;-º_eITl~cratiz~S:~QAa
te~<::~ira
onda não foram
à tecnologia externos, o turismo e as comunicações. O envolvimen- liderados por donos de terra, camponeses nem (excetuando-se a
to de um país na economia mundial criava fontes não-governamen- Polônia) trabalhadores industriais. Em virtualmente todos os países,
tais de riqueza e influência e abria a sociedade para o impacto das os mais.ativos defensores da democratização se originaram da classe,
idéias democráticas dominantes no mundo industrializado. Os go- média urbana. Na Argentina, por exemplo, nos anos 60 e 70, a esco- I
vernos, como o da China, que quiseram abrir suas economias ao lha se deu entre um governo peronista eleito, baseado na classe tra-
mundo para promover o desenvolvimento econômico e mesmo as- balhadora, e um regime militar originado num golpe apoiado pela
sim manter um sistema político fechado, enfrentaram um conflito classe média. Nos anos 80, no entanto, a classe média tinha se torna-
aparentemente insolúvel. Autarquia e desenvolvimento mostraram do numerosa o suficiente para ser o elemento central na vitória do
ser uma combinação impossível; desenvolvimento e influências es- Partido Radical, de Raúl Alfonsín, e para levar os candidatos per
trangeiras liberalizadoras, uma combinação inevitável. nistas a se mostrarem sensíveis a seus interesses. No B@§iJ, a cl~
li.!:lalmente, o desenvolYimmt9 ..!;!=Q!lQJniçQ
PI9111QY~il_~_JCpan- média apoiou de maneira maciça o golpe de 1964. Em meados da
são da .~l~.§~e médi~;...uma proporção cada vez maior da sociedade década de 1970, no entanto, "foram precisamente aqueles setores
consiste em gente de negócios, profissionais liberais, comerciantes, que mais se beneficiaram com os anos de 'milagre econômico' os que
professores, funcionários públicos, gerentes, técnicos, trabalhadores mais veementemente expressaram suas demandas de retorno à regra
administrativos e vendedores. Em certa medida, a democracia tem democrática: a população das grandes cidades, mais desenvolvida~
como premissa a regra da maioria, e isso é difícil numa situação de a classe média"27. -
desigualdades concentradas, em que uma maioria grande e pobre Nas Filipinas, os profissionais liberais de classe média e os
confronta-se com uma oligarquia pequena e rica. A democracia po- homens e mulheres de negócios cerraram fileiras nas demonstra-
de ser possível numa sociedade agrícola relativamente pobre, tal co- ções contra Marcos em 1984. No ano seguinte, os grupos centrais
mo os Estados Unidos do começo do século XIX ou a Costa Rica da campanha de Aquino eram "a classe média, os médicos e advo-
do século XX, onde a propriedade de terras seja relativamente igua- gados não ligados à política, que ofereceram seus serviços voluntá-
litária. Normalmente, no entanto, uma classe média substancial é rios não aos partidos, mas aos candidatos de oposição ou ao Mo-
resultado da industrialização e do crescimento econômico. Em suas vimento Nacional por Eleições Livres (NAMFREL), que agregava
fases iniciais, a classe média não é necessariamente uma força a fa- grupos de vigilância de cidadãos"28. Na Esp~r:ha, o desenvolvimen-
vor da democracia. Em certos momentos, na América Latina e em to econômico criou uma "nação das classes médias modernas", que
outros lugares, gt:..tW9.s.declassemédia~oiaram ativamente ou con- possibilitou o rápido e pacífico processo de sintonia do sistema
corciaram com golpes militares destinados a derrubar governos radi- . político com a sociedade29. Em Taiwan, "os principais atores da
cais ou a reduzir a influência política das organizações operárias ou mudança política" foram os "recém-surgidos intelectuais de classe
camponesas. No entanto, na medida em que foi avançando o pro- média, nascidos durante o período de rápido crescimento econô-
cesso de modernização, os movimentos rurais radicais passaram a mico"30. Na Coréia, o movimento pela democracia nos anos 80 só
ter peso menor no processo político_e a classe média urbana aume~- se tornou uma ameaça séria ao regime autoritário após o surgi-
tou de tamanho, comparada à classe dos trabalhadores industriais; mento, naquela mesma década, de "uma florescente classe média
Assim, diminuíram as potenciais ameaças que a democracia coloca- urbana" e depois que os profissionais liberais de classe média se
va para os grupos de classe média, que passaram a ter confiança juntaram aos estudantes para exigir o fim do autoritarismo. A mo-
bilização das "classes gerenciais e profissionais de Seul [...] talvez ram um crescimento econômico explosivo. Entre 1913 e 1960, a ta-
tenha sido uma força maior do que qualquer outro" fator na tran- xa média composta de crescimento anual foi negativa na Espanha e
sição para a democracia em 1987. Referindo-se às manifestações de menos de 1% na Grécia e em Portugal. Entre 1950 e 1973, as taxas
1987 contra o regime autoritário de Chun, o Economist pergunta- foram de 5,2% na Espanha, 5,3% em Portugal e 6,2% na Grécia. As
va: "O que acontece quando o gás lacrimogêneo encontra a classe taxas de crescimento do PNB nesses três países, entre 1960 e 1973,
média em Seul?"3l. A resposta logo ficou clara: o gás lacrimogêneo foram de 6-8%, enquanto outros países europeus ocidentais apre-
perde. Em vários países, entre eles Espanha, Brasil, Peru, Equador sentaram taxas de 4-5%; entre 1960 e 1980, o PNB per capita cres-
e Filipinas, a comunidade dos negócios, que anteriormente tinha ceu mais rapidamente do que em todos os outros países da
apoiado a criação de regimes autoritários, desempenhou um papel Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
crucial na promoção das transições para a democracia32. Em con- (OCDE), exceto o Japã033.
traste, onde a classe média urbana era menor ou mais fraca, como _O crescimento econôlllico rápido cria rapidamente.ª baBeeco-
na China, Birmânia, Sudão, Bulgária e Romênia, a democracia não nômica para a democradã: quê o crescimento econômico lento cria
teve êxito ou se mostrou instável. lentamente. No entanto, também eleva as expectativas, exacerba ás

K
'te" / O processo de desenvolvimento econômico, que, se O'Donnell
estiver certo, produziu autoritarismo butocrático na década de 1960,
! I também gerou a força para a democratização nos anos 80. Uma
~proximação plausível das conexões causais que levaram a tal resulta-
do é apresentada na figura 2.1.
desigualdades e cria tensões e pressões no tecido social que estimu-
lam a mobilização e as demandas por participação política.-lli.,,,,.
º~ia, por exemplo, nos anos 50 e 60 um crescimento econômico
rápid~ e desigual produziu "maior consciência, politização, frustra-
ção e ressentimento", levando à "inquietação social e à mobilização
política"34. Tais pressões foram uma causa importante para o golpe
povo com mais
~~~~~~-. instrução superior
de 1967, que tinha como um de seus propósitos sufocá-Ias. O cres-
cimento econômico, no entanto, continuou sob o regime militar
~ até 1973. O regime tentou realizar simultaneamente duas políticas
atitudes de cultura
nível mais alto de cívica- apoio para a conflitantes. Ele "tentou deter e reverter o processo de democratiza-
desenvolvimento econômico -~-~.. confiança, -~- ••
- democratização
satisfação,
ção. Mas, ao mesmo tempo, estava comprometido com o cresci-
competência mento econômico rápido e com a modernização"35. Cresceram a
/ frustração social e o descontentamento político. No final de 1973,
,-------~. maior classe média a alta nos preços do petróleo acrescentou uma fonte adicional de
descontentamento; o regime, então, tinha de liberalizar ou aumen-
tar a repressão. Papadopoulos tentou se mover numa direção libe-
ralizadora; os estudantes da Universidade Técnica Nacional
(C;;;;:;;;;;~~~~agem dos países para as'faixas de ren- (Politécnica) protestaram e exigiram mais. As manifestações foram
da média da zona'dnransição econômica levou, assim, a mudanças dissolvidas a tiros, e os militares da linha-duta seguidores de Ioan-
nas estruturas sociais, crenças e cultura favoráveis ao surgimento da nidis derrubaram Papadopoulos, apenas para serem derrubados
democracia. Taxas de crescimento econômico extremamente altas meio ano depois, ao provocar um confronto militar com Chipre.
em alguns países também geraram insatisfação com o governo auto- Na Espanha, contradições semelhantes foram provocadas pelo
ritário então existente. Nas duas décadas anteriores às suas transições "periõaõ··ae·cr~~Cimento econômico sem precedentes" dos anos 60.
em meados dos anos 70, Espanha, Portugal e Grécia experimema- Os líderes do regime de Franco tinham a esperança de que tal cresci-
mento tornasse a população feliz, satisfeita e desinteressada em polí- Médici começou a considerar os modos de produzir uma distensão*.
tica. "Na prática, no entanto, o crescimento econômico rápido exa- O presidente Geisel e seu principal conselheiro, o general Golbery
cerbou ou catalisou os principais conflitos da sociedade espanhola e do Couto e Silva, começaram tal processo e levaram-no adiante até
promoveu mudanças culturais, sociais e políticas que colocaram em 1978. O presidente João Figueiredo continuou-o e ampliou-o, num
dúvida a viabilidade do regime. Os arranjos políticos, originalmente , processo de abertura**. As ações dos dois presidentes evitaram um
construídos numa sociedade basicamente agrária e após uma debili- ~flito social maior e abriram o caminho para a democracia.
tadora Guerra Civil, mostraram-se anacrônicos quando tiveram de Dos anos 60 aos anos 80, as taxas de crescimento alcançadas
enfrentar as tensões de uma sociedade industrializada em rápida pela Coréia do Sul e por Taiwan situaram-se entre as mais altas do
transformação"36. As demandas políticas geradas pelo crescimento mundo. As duas sociedades transformaram-se, economicamente e
rápido superimpuseram-se a uma economia na qual a base econômi- socialmente. Por duas razões as pressões pela democratização nos
ca e social da democracia já estava plenamente estabelecida. Na dé- dois países se deram de maneira mais lenta do que nas sociedades eu-
cada de 1960, Laureano Lopez Rodo, ministro do Planejamento no ropéias e latino-americanas. Primeiro, as tradições culturais confu-
governo de Franco, profetizou que a Espanha tornar-se-ia democrá- cionistas, que valorizam a hierarquia, a autoridade, a comunidade e
tica quando sua renda per capita alcançasse $2,000. Foi o que acon- a lealdade, atrasaram a articulação, pelos grupos sociais, de deman-
teceu. A transição foi ainda estimulada pela oportuna morte de das mais intensas sobre o governo. Segundo, em contraste com ou-
Franco em 1975. Se ele não tivesse morrido naquele momento e se tras sociedades, o rápido crescimento econômico na Coréia e em
Juan Carlos não tivesse se comprometido a criar uma democracia Taiwan ocorreu em um contexto de padrões de distribuição de ren-
parlamentar, a polarização poderia ter levado à violência social e po- da relativamente igualitários. Isso, por várias causas, entre elas os
deria ter diluído seriamente as perspectivas de uma democracia na programas de reforma agrária, no final da década de 1940 e no co-
Espanha. O fato é que os pré-requisitos econômicos e sociais para a meço da década de 1950, e a obtenção precoce de altos níveis de al-
democracia já estavam presentes na Espanha em 1975, e, assim, uma fabetização e de instrução. As desigualdades associadas ao rápido
liderança preparada e comprometida pôde levar a cabo a democrati- crescimento presentes no Brasil estavam, de maneira notável, ausen-
zação de maneira relativamente rápida e tranqüila. tesnesses dois países do Leste asiático. Apesar disso, nos anos 80, o
No final da década de 1960 e início da de 70, o Brasil viveu desenvolvimento econômico tinha chegado a um ponto em que as
um "milagre econômico". De 1968 a 1973 seu PNB cresceu a uma pressões por uma maior participação política levaram os governos
taxa média próxima a 10% ao ano. Isso intensificou sua desigual dis- dos dois países a começar processos de democratização.
tribuição de renda, que já era grande, o que fez com que certas pes- O crescimento econômico muito rápido inevitavelmente colo-
soas retratassem o Brasil como a epítome do desenvolvimento capi- cou desafios para os líderes autoritários. Mas não necessariamente
talista, em que as empresas multinacionais e seus parceiros locais se levou-os a introduzir a democracia. Entre 1960 e 1975, o PNB do
, beneficiavam, enquanto os operários e trabalhadores rurais sofriam. Brasilcresceu a uma taxa média anuJd~ 8°;o.'Ness~
m~;~'~~-~~~s,'
o
Também fez com que Ernesto Geisel, que tinha se tornado presiden- PNB do Irã cresceu a uma taxa de 10%. Entre 1980 e 1987, o PNB
te em 1974, comentasse que o "Brasil vai bem, mas os brasileiros vão da China cresceu também a uma taxa anual de 10%. Tais taxas de
mal". As pressões do rápido crescimento econômico que tinham le- crescimento geraram tensões e pressões altamente desestabilizadoras
vado à extinção do regime militar na Grécia e à transformação da di- nesses três sistemas autoritários, intensificaram as desigualdades e
tadura na Espanha também se manifestavam no Brasil. Seus líderes ?j, .,"] J U :1 ..
militares, no entanto, estavam conscientes de tais pressões e determi- C- .>J ~fi

* Em português no original (N.T.).


nados a acomodá-Ias. No último ano de seu regime o presidente ** Em português no original (N.T.).
~_.
1/
/
A TERCItIRA ONDA

frustrações e estimularam os grupos sociais a fazer exigências a seus tiveram um papel central nas lutas contra governos repressivos.
governos. Os líderes desses três países responderam de três maneiras ._.pare~~.pkus.[yet-ª..hipótesed~9.uea expansão~(?qisÜ@ÁsmQe!lC9:.
diferentes. Geisel abriu; Deng caiu; o xá hesitou. Demoçracia, re- raja o desenvolvimento democrático .
p~ e revolução foram os.r~spectivos resultados de suas escolhas. . -.. Ondeo'-cilsríaIílsffiõ-expanãiU-se significativamente nos anos
r/- '-~ngo prazo, o~envolvimento econômico. cria as 60 e 70? A resposta é: em muito poucos lugares. O caso mais desta-
\ bases para-õs regimes democráticos. A curto prazo, o creSCImento cado foi a Coréia do Sul. Com breves intervalos, a Coréia primeiro
econômico muito rápido e as crises econômicas podem solapar os teve um rêgime civil semidemocrático com Syngman Rhee nos anos
regimes autoritários. Se o crescimento econômico ocorrer sem crise 50, um regime militar semidemocrático com Park Chung Hee nos
econômica, a democracia evolui lentamente, como aconteceu na anos 60, e ditaduras militares com Park e com o Gal. Chun Doo
Europa no século XIX. Se o crescimento desestabilizador ou a crise Hwan nos anos 70 e 80, ocorrendo a transição para a democracia em
econômica ocorrerem sem que se tenha chegado à zona d~ transi- 1987. Ao final da Segunda Guerra Mundial, a Coréia era, basica-
ção, os regimes autoritários podem cair, mas sua substituição por mente, um país budista com uma camada confucionista. Cerca de
regimes democráticos duradouros é altamente problemática. Na 1% da população era cristã - quatro quintos protestantes, um
terceira onda, a combinação de níveis substanciais de desenvolvi- quinto católica. Os convertidos cristãos eram basicamente jovens,
mento econômico e crise econômica de curto prazo foi a fórmula urbanos e de classe média. Suas razões para desposar o cristianismo
econômica mais favorável para a transição do governo autoritário decorriam das profundas mudanças sociais e econômicas que esta-
para o democrátic037. vam acontecendo na Coréia. "Para os milhões que migraram para as
cidades", como descreve um relato, "e para muitos que ficaram no
campo, profundamente alterado, o budismo imobilista da era agrá-
ria da Coréia perdeu os atrativos. O cristianismo com sua mensagem
de salvação pessoal e de destino individual oferecia um conforto
mais seguro num tempo de confusão e mudançà'39.
Dois desenvolvimentos na religião promoveram a democratiza- O cristianismo, ademais, oferece uma base institucional e dou-
ção nos anos 70 e 80. trinária mais segura para a oposição à repressão política. O cristianis-
Existe uma forte correlação entre cristianismo ocidental e de- mo, como disse um sul-coreano, "era diferente, porque promovia a
mocraCia. Ã democr~cia moderna desenvolveu-se primeiro e mais vi- idéia da igualdade e o respeito por uma autoridade independente do
gorosamerite nos países cristãos. Em 1988, o catolicismo e/ou o pro- Estado"40.O autoritarismo confuciano e a passividade budista foram
testantismo eram as religiões dominantes em 39 entre 46 países de- substituídos pela militância cristã. Em 1974, cinco bispos lideraram
mocráticos. Tais 39 países democráticos significavam 57% de um 5000 católicos romanos na primeira grande demonstração contra a
total de 68 países predominantemente cristãos ocidentais. Em con- lei marcial do regime do presidente Park. Muitos dos principais líde-
traste, apenas sete, ou 12%, entre 58 países com outras religiões pre- res dos movimentos de oposição, tais como Kim Dae Jung e Kim
dominantes eram democráticos. A democracia era especialmente es- Young Sam, eram cristãos, e o clero protestante e católico, tais como
cassa entre países predominantemente muçulmanos, budistas ou o Rev. Moon Ik Hwan e o cardeal Kim Sou Hwan, lideraram os ata-
confucionistas38. ques à repressão do governo militar. No início da década de 1980, as
Tal correlação não prova a causação. Mas o cristianismo oci- igrejas tinham se tornado "o principal foro de oposição ao regime".
dental enfatiza a dignidade do indivíduo e as esferas separadas da Em 1986 e 1987, o cardeal Kim, outros líderes católicos e a princi-
Igreja e do Estado. Em muitos países, líderes protestantes e católicos pal organização protestante, o Conselho Nacional de Igrejas, apoia-
ram decisivamente a campanha da oposição em prol de eleições dire- ra mais democrática, destacando-se a supremacia da congregação,
tas para presidente. No conflito com o governo, "igrejas e catedrais com um bispado inexistente ou muito limitado. Em contraste, a
deram uma base institucional para as atividades dos direitos huma- Igreja católica era uma organização autoritária, com seus padres, bis-
nos e da justiça, e um espaço público para opiniões e fés dissidentes. pos, arcebispos e cardeais, culminando no papa e na doutrina da in-
Padres católicos, a Associação Católica Romana de Jovens Tra- falibilidade papal. Os países católicos, como Pierre Elliot Trudeau
balhadores Católicos, a Missão Urbana Industrial e ministros protes- observou, "são autoritários em questões espirituais; e como a linha
tantes eram politizados e passaram a representar uma parte impor- divisória entre o espiritual e o temporal pode ser muito tênue, ou até
tante do movimento antigovernista. A catedral Myong-Dong, em mesmo confusa, muitas vezes eles não têm a inclinação de buscar so-
Seul, transformou-se em lugar simbólico para os dissidentes políti- luções para as questões temporais através da mera contagem de pes-
COS"41.Assim, num certo sentido, a Coréia inverteu a conexão de soas"43. Finalmente, há a tese de Weber: o protestantismo encoraja a
Weber: o desenvolvimento econômico promoveu a expansão da cris- empresa econômica, o desenvolvimento de uma burguesia, o capita-
tandade, e as igrejas cristãs, seus líderes e participantes, foram uma lismo e a riqueza econômica, que facilitam o aparecimento de insti-
~ força importante na transição para a democracia em 1987 e 1988. tuições democráticas.
D O segundo e mais importante desenvolvimento religioso em Até os anos 60 tais argumentos e a associação que eles expli-
favor da democratização foram as profundas mudanças ocorridas na cam, entre religi~o e demo.cracia, pareciam fora de disc~ssão.~~ __ 1/
doutrina, nas lideranças, no envolvimento popular e no alinhamen- não acontece m~ls. Atel"Ct;lr}.gnda~dos.anQs_Zº~,~_80fol 7~l.l9<P- I>
to político da Igreja católica romana, globalmente e em muitos paí- mente uma o-rida católica. Dois (Portugal e Espanha) dos três pri-
ses. "Historicamente, protestantismo e democracia sempre estiv:er~m m(iros~pãíses da--terceíiã'ônda a se democratizar eram católicos. A
ligados. O primeiro impulso democrático no mundo ocidental ocor- democratização, depois, varreu seis países sul-americanos e três da
reu com a revolução puritana no século XVII. A imensa maioria dos América Central. Deslocou-se para as Filipinas, o primeiro país do
países que se tornaram democráticos na primeira onda de democra- Leste asiático a se democratizar, voltou para o Chile, afetou o
tização, no século XIX, eram protestantes. Os países da segunda on- México, e então explodiu na Polônia e na Hungria, países católicos e
da, após a Segunda Guerra Mundial, eram diversificados em termos os primeiros da Europa oriental a se democratizarem. Os países cató-
de religião; apesar disso, nos anos 60 havia uma relação significativa licos assumiram a liderança em todas as regiões do mundo, e a região
entre essas duas variáveis. Em 99 países, é o que mostra um estudo, mais católica de todas, a América Latina, foi a região que se demo-
"quanto maior a proporção da população protestante, maior o nível cratizou mais completamente. No total, .cerca c!.e~~_êsquartos dos"
de democracia". Em contraste, o catolicismo estava associado com a paf~esque transitaram para a democracia entre19l4e 1989 eram
ausência de democracia ou com um desenvolvimento democrático Cltólicos. .
limitado ou tardio. O catolicismo, observou Lipset, "parece antitéti- Como explicar isso? Uma resposta parcial, claro, é que no iní-
co à democracia na Europa antes da Primeira Guerra Mundial e na cio da década de 1970 a maioria dos principais países protestantes já
América Latinà'42. se tinha tornado democrática. As principais exceções eram a
Foram apresentadas três razões plausíveis para tais relações. Alemanha Oriental e a África do Sul, e os líderes da Igreja protestan-
Doutrinariamente, o protestantismo enfatizava a consciência indivi~ te promoveram a democratização nesses países, assim como na
dual, o acesso do indivíduo ao Texto Sagrado, na Bíblia, e a relação Coréia. No entanto, se muitos outros países se tornassem democrá-
direta do indivíduo com Deus. O catolicismo enfatizava o papel in- ticos, teriam de ser católicos, ortodoxos ou não-cristãos. Continua a
termediário dos sacerdotes, simbolizado na missa em latim. pergunta: por que católicos? Uma explicação parcial pode estar na
Segunda, as próprias igrejas protestantes eram organizadas de manei- inversão de outra correlação católica desfavorável que antes existia.
Historicamente, os países protestantes tiveram um desenvolvimento O Vaticano II destacou a legitimidade e a necessidade de mudanças
econômico mais rápido do que os países católicos e alcançaram níveis sociais, a importância de uma ação colegiada pelos bispos, padres e
mais altos de bem-estar econômico. Os países católicos eram países leigos, a dedicação aos pobres, o caráter contingente das estruturas
pobres. No entanto, a partir dos anos 50, os países católicos começa- políticas e sociais, e os direitos dos indivíduos. Os líderes eclesiásti-
ram a apresentar taxas de crescimento econômico mais altas do que cos, afirmava o Vaticano lI, tinham a responsabilidade de "fazer jul-
os protestantes. Em grande parte, é claro, isso se deu porque em geral gamentos morais, mesmo em questões de ordem política, sempre
se situavam em níveis mais baixos de desenvolvimento econômico. que os direitos pessoais básicos [...) tornarem necessários tais julga-
No entanto, não há dúvida de que o crescimento econômico facilitou mentos"46. Tais pontos de vista foram reafirmados e elaborados nas
as transições para a democracia em vários países católicos44. conferências dos bispos latino-americanos de 1968, em Medellin, e
, Uma causa mais abrangente para o surgimento da democracia de 1979, em Puebla, e em reuniões de bispos em outros lugares.
nos países católicos foi a mudança na Igreja católica. Bistofi- Ao mesmo tempo, estavam acontecendo mudanças igualmen-
camente, na península Ibérica, na América Latina e em todos os lu- te significativas no envolvimento popular e nas atividades eclesiásti-
gares, a Igreja católica sempre se associou ao poder local, à oligarquia cas da base da Igreja. Por exemplo, na_Esp~~~a,em 1960, Juan
proprietária de terras e aos governos autoritários. _,Nos anos 60, a Linz observou que ... _.
Igrejamudou. As mudanças em seu interior levaram uma poderosa
• instItuiçãõ social a se colocar em oposição aos regimes ditatoriais, As novas gerações de padres, alguns deles de vocação tardia, talvez
um recrutamento menos rural dodero, uma maior consciência da in-
privaram tais regimes de qualquer legitimidade que pudesse ser da-
justiça social e o contato com a classe trabalhadora, descristianizada,
da pela religião e deram proteção, apoio, recursos e lideranças aos os estudos sociológicos sobre a prática religiosa, a identificação do
movimentos oposicionistas favoráveis à democracia. Até meados da clero com as minorias culturais e lingüísticas do País Basco e da
década de 1960 a Igreja católica normalmente se acomodava aos re- Catalunha, e, acima de tudo, o impacto do concílio Vaticano 11,pro-
duziram um fermento de crítica e inquietação nos mais jovens dentre
gimes autoritários e freqüentemente os legitimava. Após meados os intelectuais, leigos e clero católicos, bem como conflitos com as
dos anos 60, a Igreja quase que invariavelmente se opôs aos regimes autoridades47.
autoritários; e em alguns países, como .Brasil,Chile, Filipinas,
Pol9nia e países da América Central, desempenhou um papel cen- No Brasil, os anos 60 e 70 viram a rápida propagação, por to-
tral nos esforços de mudança de tais regimes. Esse reposicionamen- do o'país, das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que em 1974
to da Igreja católica, passando de baluarte do status quo, normal- chegaram a 40000 e deram um caráter inteiramente novo à igreja
mente autoritário, a força favorável às mudanças, normalmente de- brasileira. Simultaneamente, nas Filipinas, desenvolveu-se uma "es-
mocráticas, foi um grande fenômeno político. Os cientistas sociais querda cristã", abrangendo padres e militantes de base, alguns deles
dos anos 50 estavam certos: o catolicismo era, então, um obstáculo marxistas, outros, defensores de uma democracia social antiimperia-
à democracia. No entanto, depois de 1970 o catolicismo transfor- lista e anticomunista ao mesmo tempo. No final dos anos 70, na
mou-se numa força em prol da democracia, devido a mudanças no .Argentina...a Igreja se afastou dramaticamente de sua anterior colora-
interior da Igreja católica45. ção conservadora e os padres mobilizaram um maciço movimento
Tais mudanças aconteceram em dois níveis. Ao nível global, a de jovens que levou a um "extraordinário renascimento evangélico".
mudança foi realizada pelo papa João XXIII. As mudanças decorre- Similarmente, aconteceu uma "politização na base da Igrejà' na
ram de seu próprio estilo e compromissos, e das doutrinas que ele ar- Polônia e no Chile: "os alicerces da posição da Igreja em cada país re-
ticulou em suas encíclicas. Mas a fonte mais importante foi o concí- montam a movimentos de jovens e agressivos padres fortemente
lio Vaticano lI, que ele conclamou e que se reuniu de 1962 a 1965. identificados com as aspirações da sociedade local e que buscaram
('

1.1'"

organizar ou proteger movimentos sociais não-violentos e autentica- rência Nacional dos Bispos ou uma alta liderança da Igreja explicita-
mente representativos"48. Essas novas correntes de mobilização de mente colocava a Igreja em oposição ao regime. NO"ChillQos brutais
base, combinadas com a nova corrente doutrinária vinda do abusos contra os direitos humanos cometidos pelo regime militar,
Vaticano, criaram uma nova Igreja quase invariavelmente em oposi- pouco depois de chegar ao poder, levaram a um rompimento prema-
ção aos governos autoritários. turo e à formação do Vicariato da Solidariedade, em janeiro de 1976 .
. Nos países não-comunistas, as relaçÕesentre a Igreja e os gov.er.- No Brasil, o rompimento também aconteceu cedo na vida do gover-
nos autoritários atravessaram, em geral, três fases: aceitação, ambiva- no militar, quando a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil apre-
lência e oposição. Inicialmente, os elementos conservadores eram sentou um documento denunciando a doutrina governamental de
em geral dominantes na hierarquia, incorporando a posição históri-
segurança nacional como "fascistà', abrindo o caminho para uma ati-
ca da Igreja enquanto parceira do establishment e defensora da paz
va oposição da Igreja, relembrando aos brasileiros a Alemanha nazis-
social: Em geral, os líderes da Igreja davam as boas-vindas ao estabe-
ta, onde os cristãos "aceitaram as doutrinas do governo sem reconhe-
lecimento de um regime autoritário. Na Espanha, a Igreja contri-
cer que elas contradiziam as verdadeiras exigências da cristandade".
buiu para a vitória de Franco e por muito tempo apoiou seu gover-
Pouco depois, o cardeal de São Paulo dramaticamente confirmou o
no. Os bispos brasileiros adotaram uma "posição entusiasticamente
rompimento quando, num insulto calculado, recusou-se a celebrar
pró-militar" imediatamente após o golpe de 1964. Na Argentina, no
uma missa de ação de graças pelo aniversário do presidente militar
Chile e em outros lugares, a Igreja legitimou, de maneira semelhan-
do Brasilso,_NaEspap.lla)o rompimento aconteceu muito mais tarde
te, os golpes militares49.
na história do regime, com a convocação de uma Assembléia de
À medida que o regime autoritário mantinha-se no poder e nor-
malmente intensificava a repressão, e que a hierarquia nacional sentia Bispos e Padres em Madri, em setembro de 1971. Para a igreja espa-
as tendências convergentes dos movimentos de base e do Vaticano, a nhola, tratava-se de uma reunião extraordinariamente democrática;
posição da Igreja se modificava. No Brasil, nas Filipinas, no Chile, nos seus relatórios foram amplamente divulgados; "deram uma lição de
países da América Central e em outros lugares, duas correntes de pen- democracia" ao povo espanhol e aprovaram resoluções defendendo
samento e ação oposicionistas tendiam a se desenvolver no interior da "o direito à liberdade de expressão, de associação e de reuniÕes sindi-
Igreja. Uma corrente socialista ou "vermelhà' pregava a justiça social, cais, na verdade, todos os direitos cujo exercício havia sido sempre
os males do capitalismo e a necessidade fundamental de ajudar os po- severamente limitado durante o regime de Franco", Como resultado
bres, e freqüentem ente incorporava em seu pensamento vários ele- da assembléia, "a Igreja claramente se separou do Estado e abando-
mentos marxistas da "teologia da libertação". Essa última influência nou o papel de legitimadora do regime"sl. Tais mudanças foram to-
não levou a Igreja na direção da democracia, mas em todos os países, talmente apoiadas pelo Vaticano. Nas Filipinas, o rompimento acon-
exceto a Nicarágua, ajudou a mobilizar os católicos em oposição às di- teceu em 1979, quando o carde~l ]àime Sin pediu o fim da lei mar-
taduras existentes. Na maioria dos países, no entanto, também se de- cial e novas eleições, que Marcos não convocou. Na _~!ge_n.Ena,
senvolveu uma corrente de oposição moderada ou "amarela" (como aconteceu em 1981, com a divulgação, pela Igreja, de um documen-
era conhecida nas Filipinas), que tipicamente incluía a maior parte do to sobre a "Igreja e a Comunidade Nacional". Na .9~~!~E:.~~.< a
episcopado e enfatizava os direitos humanos e a democracia. Como re- Igreja deixou de ser uma defensora da ordem existente e tornou-se
sultado de tais desenvolvimentos, a posição global das igrejas normal- advogada da justiça social, da reforma e da democracia quando os
mente passou da acomodação para a ambivalência. bispos divulgaram "uma série de mais de 15 cartas pastorais e de-
Em algum momento, na maioria dos países, chegou-se a um núncias públicas entre 1983 e 1986, todas elas conclamando ao res-
ponto de rompimento nas relações Igreja-Estado, em que a Confe- peito aos direitos humanos e às reformas social, econômica e agrá-
ria"52. Em .EI ?al~,!~(),lj"a Igreja, liderada pelo arcebispo Romero, garantir eleições honestas55.(O primeiro NAMFREL foi criado com
também rompeu com o governo depois de 1977. propósitos semelhantes pela CIA em 1953.)
Em virtualmente todos os casos em que os líderes da Igreja de- Além de tudo, é claro, a Igreja era uma organização transnacio-
nunciaram o regime, este retaliou com ataques cada vez maiores aos na!. Eventualmente podia-se usar a influência do Vaticano, assim
padres, ativistas, publicações, organizações e propriedades católicas. como a de outras Igrejas nacionais e a de católicos de outros países.
Muitas vezes padres e trabalhadores da Igreja foram presos, tortura- A Igreja brasileira, por exemplo, mobilizou o apoio no exterior "atra-
dos e, às vezes, mortos. Criaram-se mártires. O resultado, muitas ve- vés do Vaticano, do clero e de leigos simpatizantes na Europa e nos
zes, foi um estado de guerra política, ideológica e econômica entre Estados Unidos, e de outros ativistas de fora do Brasil que lutavam
Igreja e Estado, com a Igreja se tornando, como no Brasil, o "mais pelos direitos humanos, gerando, assim, protestos na imprensa ame-
conspícuo adversário" do Estado autoritário e, como no Chile, "o ricana e européia. As críticas de tais setores deixavam os militares
centro da oposição moral ao regime"53. Nas Filipinas e em outros brasileiros particularmente constrangidos"56.
países, a Igreja tornou-se a principal instituição a denunciar a repres- Com a ascensão de João Paulo 11,o papa e o Vaticano assumi- (
são, a defender os direitos humanos e a estimular a transição para a ram uma posição central na luta da Igreja contra o autoritarismo. ~ '.,
democracia~.A única exceção interessante num país profundamente Em sua primeira encíclica, em março de 1979, João Paulo 11denun-
católico foi á Polônia, onde, a partir de 1980, o Solidariedade mono- ciou violações aos direitos humanos e explicitamente identificou a
polizou o papel de principal oposição e a Igreja polonesa, liderada Igreja como "a guardiã" da liberdade "que é condição e base para a
pelo c'!-.utelosocardeal Józef Glemp, desempenhou por vários anos o verdadeira dignidade da pessoa humana". As visitas papais passaram
papel de mediador entre o governo e a oposição. a desempenhar um papel-chave. João Paulo 11parecia ter o dom de
As igrejas nacionais trouxeram muitos recursos para sua guerra apresentar-se em plena majestade pontifical nos pontos críticos dos
contra o autoritarismo. Organizações e edifícios eclesiásticos deram processos de democratização: Polônia, junho de 1979, junho de
refúgio e apoio aos oponentes do regime. Estações de rádio, periódi- 1983 e junho de 1987; Brasil, junho-julho de 1980; Filipinas, feve-
cos e jornais da Igreja articularam a causa da oposição. Como insti- reiro de 1981; Argentina, junho de 1982; Guatemala, Nicarágua, EI
tuição espalhada por todo o país e bastante popular, a Igreja tinha, Salvador, Haiti, março de 1983; Coréia, maio de 1984; Chile, abril
como no Brasil, uma "rede nacional de membros que podiam ser de 1987; Paraguai, maio de 1988.
mobilizados"54. Num certo sentido, era uma máquina política nacio- O propósito de tais visitas, como o de suas muitas visitas em
nal latente, com centenas ou milhares de padres, freiras e ativi~tas outros lugares, era sempre apresentado como pastoral. Seus efeitos
leigos que podiam dar poder popular aos protestos da oposição. eram quase invariavelmente políticos. Em alguns casos, como na
Muitas vezes a Igreja dispunha de líderes, como os cardeais Arns, no Coréia e nas Filipinas, defensores da democratização naqueles países
Brasil, Sin, nas Filipinas, Romero, em EI Salvador, e Kim, na Coréia, lamentaram que o papa não tivesse sido mais explícito no apoio à
que eram políticos extremamente hábeis. A Igreja criou organiza- sua causa. Em geral, no entanto, ele era bem explícito na defesa das
ções, tais como o Vicariado da Solidariedade, no Chile, para dar Igrejas locais em suas lutas contra os governos autoritários, e na
Polônia, Guatemala, Nicarágua, Chile, Paraguai e em outros países
apoio à oposição, e o segundo Movimento Nacional por Eleições
ele claramente se identificou com a oposição ao regime5? Seu maior
Livres (NAMFREL, ou "Nunfrel", como muitas vezes era chama-
impacto, claro, foi na Polônia, onde sua dramática visita, em 1979,
do*) nas Filipinas, para promover o retorno ao processo eleitoral e
como disse um bispo polonês, mudou "a mentalidade de medo, o
medo da polícia e dos tanques, de perder o emprego, de não ser pro-
movido, de ser expulso da escola, de não conseguir um passaporte.
As pessoas aprenderam que, se deixassem de ter medo do sistema, o num programa partidário de união. Um mês antes da eleição, o car-
sistema estava perdido". Essa "primeira grande peregrinação", como deal enviou cartas a todas as 2000 paróquias das Filipinas, instruin-
observou Timothy Garton Ash, foi "o começo do fim" do .comunis- do os católicos a votarem em "pessoas que incorporassem os valores
mo na Europa oriental. ''Aqui, pela primeira vez, vimos aquela ma- evangélicos de humildade, verdade, honestidade, respeito pelos di-
nifestação de unidade social em grande escala, permanente, mas ao reitos e pela vida humana". Isso não deve ter deixado qualquer dúvi-
mesmo tempo extremamente pacífica e autodisciplinada: a multidão da quanto a quem o cardeal estava apoiando, mas mesmo assim ele
tranqüila contra o Partido-Estado, que em 1989 era a marca e cata- foi além, dando um apoio virtualmente explícito a Aquino. Depois
lisador essencial interno das mudanças em todos os países, exceto a que Marcos tentou fraudar as eleições e aconteceu a revolta militar
Romênia (e mesmo na Romênia não foram as multidões que come- em Camp Craeme, ele usou a organização eclesiástica e a rádio da
çaram a violência)."58 Diante de Pinochet, no Chile, em 1987, o pa- Igreja para mobilizar a população em favor dos militares. "Não se
pa expressou a relação da democracia com sua missão: "Não sou o podia deixar de perceber o tom religioso dos três dias de revolta,
evangelizador da democracia; sou o evangelizador da Palavra de com freiras e padres ocupando as linhas de frente das barricadas hu-
Deus. À mensagem da Palavra de Deus, é claro, pertencem todos os manas e os generais rebeldes erguendo a estátua da Virgem diante da
problemas dos direitos humanos; e se a democracia significa direitos multidão. Depois que Marcos finalmente foi para o Havaí, o cardeal
humanos, ela também pertence à mensagem da Igrejà'59. Sin celebrou uma triunfal missa em ação de graças na Luneta, salmo-
Finalmente, os líderes e as organizações da Igreja às vezes in- diando 'Cory' e exibindo o Lábaro."61 O cardeal Sin talvez tenha si-
tervieram politicamente em momentos críticos no processo de de- do, desde o século XVII, o prelado católico de papel mais ativo e po-
mocratização. Em 1978, na República Dominicana, a Igreja de- deroso na definição do fim de um regime e na mudança das lideran-
nunciou as tentativas de interromper a contagem de vptos e de pro- ças políticas nacionais. ,
longar o mandato do presidente Belaguer. Em 1989, os líderes da No geral, se não fosse pelas mudanças no interior da Igreja dr.:t
Igreja do Panamá, de maneira semelhante, denunciaram a fraude tólica e as ações resultantes da Igreja contra o autoritarismo, teria I
eleitoral de Noriega e convidaram as tropas panamenhas a desobe- ocorrido um menor número de transições para a democracia na ter-!
decer as ordens de agir contra os manifestantes de oposição. Na ceira onda, e muitas das que aconteceram teriam se dado mais tarde.
Nicarágua, o cardeal Obando y Bravo organizou a oposição contra País após país, a escolha entre democracia e autoritarismo personifi-
o governo sandinista. No Chile, o cardeal Juan Francisco Fresno, cou-se no conflito entre o cardeal e o ditador. Nos anos 70 e 80, oi
assim como seu predecessor, o cardeal Raúl Silva Enríquez, colo- catolicismo perde apenas para o desenvolvimento eCÇ>nômicocomo i
cou-se à frente na luta contra o regime de Pinochet, e em agosto de a mais generalizada força em prol da democracia. O logotipo da tet-\
1985 desempenhou um papel ativo ao reunir os líderes de 11 parti- ceira onda poderia muito bem ser um crucifixo sobreposto a~
dos políticos para assinar o Acordo Nacional que exigia reformas símbolo do dólar.
constitucionais e eleições. Num momento crucial, em 1986, na
campanha pela democracia na Coréia, o cardeal Kim, num movi-
mento político aberto, defendeu explicitamente a necessidade de
"revisão constitucional" e afirmou: "Nós temos de trazer urgente-
mente a democracia para a Coréia"60.
O envolvimento político mais extremado de um líder da Igreja A democratização num país pode ser influenciada, talvez de
se deu, indubitavelmente, nas Filipinas. O cardeal Sin negociou os maneira decisiva, pelas ações de governos e instituições externas a
acordos segundo os quais Aquino e Salvador Laurel se juntaram ele. Em 1970, em 15 das 29 democracias, como observou Robert
1
Dahl, os regimes democráticos haviam sido instituídos seja em pe- mocratizaçã~.,B-0ma deslegitimou os regimes autoritários nos países!
ríodos de domínio estrangeiro, seja quando o país se tornou inde- católicos; Bruxelas deu incentivos para a democratização na Europa 1
pendente do domínio estrangeiro62.Obviamente, atores e~trangeiros do sul e do leste; W~shin..f~onestimulou a democracia na América I
também derrubam regimes democráticos ou impedem a democrati- Latina e na Ásia; Moscou removeu o principal obstáculo à democra- )
zação em certos países. Talvez se deva dizer que os atores estrangeiros tização na Europã·ô~iiental. Em cada caso, as ações de tais institui-
são importantes na aceleração ou no retardamento dosefeitos do d~- ções externas refletiam mudanças significativas em suas políticas. Se
senvolvimento econômico e social sobre a democratização. Como já não fossem tais mudanças políticas e a influência de tais atores exter-
se observou, quando os países chegam a certo nível econômico e so- nos,~~~,~~eiraonda"te,r!~sido muito mais circunscrita do que foi.
cial, entram numa zona de transição onde aumenta claramente a QJj!tituições eU1:JJPé.iJs. A Comunidade Européia se originou no
probabilidade de tomar uma direção democrática. As influências es- tratado de 195"1 entre França, Alemanha Ocidental, Itália e os três
trangeiras podem levar a tentativas de democratização antes que eles Países-Baixos, que criaram a Comunidade Européia do Aço e do
alcancem tal zona, ou podem atrasar ou impedir a democratização Carvão. Em 1957, os Tratados de Roma criaram a Comunidade Eu-
de países que já chegaram a tal nível de desenvolvimento. Jonathan ropéia de Energia Atômica (Euratom) e a Comunidade Econômica
Sunshine, por exemplo, argumenta que as influências externas na Européia, com os mesmos seis membros. Em 1969, esses três corpos
Europa antes de 1830 eram fundamentalmente antidemocráticas e foram reunidos na Comunidade Européia. Devido ao veto de De
que, portanto, contiveram a democratização. Entre 1830 e 1930, Gaulle à entrada da Inglaterra, em 1963, os membros das comuni-
porém, o ambiente externo era neutro com respeito à democratiza- dades combinadas continuaram sendo os seis países que original-
ção; e assim ela aconteceu em diferentes países, mais ou menos no mente haviam assinado o Tratado de Paris. No entanto, em 1970 a
ritmo estabelecido por seu desenvolvimento econômico e social63. Comunidade mudou de curso e foram abertas negociações com a
De maneira parecida, a vitória dos Aliados na Primeira Guerra Noruega, Dinamarca, Irlanda e Grã-Bretanha. Em 1973, esses três
Mundial produziu instituições democráticas em países da Europa últimos países tornaram-se membros da "primeira ampliação" da
central e oriental que, social e economicamente (excetuando a Comunidade. Em meados de 1970, a questão central era uma maior
Tchecoslováquia), ainda não estavam prontos para elas e que, por- expansão para o sul da Europa.
tanto, não duraram muito. Depois da Segunda Guerra Mundial, a Tal mudança de direção por parte da Comunidade coincidiu e
intervenção soviética impediu a criação de instituições democráticas reforçou os processos de democratização que estavam acontecendo
na Alemanha Oriental, T checoslováquia, Hungria e Polônia, países na Europa mediterrânea. Para a Grécia, Portugal e Espanha, a demo-
que, à época, estavam preparados, em termos econômicos e sociais, cratização e a entrada na Comunidade Européia foram processos
para a democratização. Similarmente, a descolonização criou muitos que avançaram de braços dados. Ser membro da Comunidade era
novos países com instituições democráticas modeladas pelas potên- desejável e até mesmo necessário, em termos econômicos; para ser
cias coloniais, mas com condições econômicas e sociais que eram ex- membro, o país tinha de ser democrático; portanto, a democracia
tremamente hostis (como na África), ou que colocavam graves obs- era um passo essencial para o crescimento e a prosperidade econômi-
táculos ao desenvolvimento democrático. ca. Ao mesmo tempo, pertencer à Comunidade reforçava o compro-
Os ator~s externos ajudaram de maneira significativa as demo- misso com a democracia e dava um apoio externo contra o retorno
cratizações da terceira onda. Na verdade, no final da década de ao autoritarismo. Quando os novos governos democráticos solicita-
1980, as principais fontes de poder e de influência no mundo - o vam a entrada na Comunidade, os membros existentes "não tinham
Vaticano, a Comunidade Européia, os Estados Unidos e a União muito a fazer a não ser aceitá-Ios. Um consenso geral em favor da
Soviética - promoveram, de maneira ativa, a liberalização e a de- ampliação surgiu de maneira muito fácil"64.
A Grécia é associada à Comunidade desde 1962. Com o fim da Unidos se engajar de maneira semelhante e canalizar somas substan-
ditadura militar em 1974, os novos líderes gregos passaram rapida- ciais para as forças que lutavam pela democracia. Dados os imensos
mente a desenvolver essa relação e em junho de 1975 solicitaram o recursos financeiros que a União Soviética estava fornecendo aos co-
status de membro pleno. O governo Karamanlis e os gregos que munistas (estimados em $45-$100 milhões) em 1975, a intervenção
apoiavam tal movimento desejavam promover o desenvolvimento ocidental liderada pelos alemães foi crucial para a democratização
econômico, garantir o acesso dos produtos gregos aos mercados da portuguesa.
Europa ocidental- especialmente os produtos agrícolas -, reduzir O começo da terceira onda coincidiu mais ou menos com a
a dependência com relação aos Estados Unidos e fortalecer as rela- Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa (CSCE), com
ções com os países da Europa ocidental para contrabalançar o poder a Resolução Fin~Aç, tIel~i.~ki e com o começo do que veio a ser co-
da Turquia e dos Estados eslavos. No entanto, também foi crucial o nhecido c()mõ-o Processo rfersrnki. Três elementos nesse processo
reconhecimento, pelos grupos dominantes de centro e conservado- afetaram o desenvolvimento aos direitos humanos e da democracia
res, de que pertencer à Comunidade significaria "a melhor salva- na Europa oriental. Primeiro, a conferência inicial e as subseqüentes
guarda para as tentas instituições democráticas da Grécia"65. adotáram uma série de documentos dando legitimidade internacio-
Na Espanha e em Portugal, em meados dos anos 70, havia um nal aos direitos e às liberdades individuais e à monitoração interna-
desejo generalizado de identificação com a Europa. O turismo, o co- cional de tais direitos em cada país. A Resolução Final, assinada pe-
mércio e o investimento haviam feito com que a economia espanho- los chefes de governo de 35 países europeus e norte-americanos, em
la passasse a ser parte da Europa. Quase metade do comércio exter- agosto de 1975, estabeleceu, como um de seus dez princípios"o "res-
no português era com a Europa. A vocação espanhola, como enfati- peito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais, inclu-
zou Juan Carlos, era com a Europa e na Europa. "O futuro de si,,:~ã-liberdade de pensamento, consciência, religião e crença". O
Portugal", disse o general Spinola, "está, inequivocamente, com a Conjunto TIl do acordo definia as responsabilidades dos governos
Europa."66 Tais sentimentos eram particularmente fortes na classe em promover o livre fluxo de informações, os direitos das minorias,
média de ambos os países, que também era a base social do movi- a liberdade de movimentos e a reunião das famílias. Em janeiro de
mento democrático. Portugal solicitou a entrada na Comunidade 1989, o documento final do encontro da CSCE em Viena incluiu
em março de 1977, a Espanha em junho do mesmo ano. Em ambos provisões mais detalhadas referentes aos direitos humanos e às liber-
os países, como na Grécia, o estabelecimento da democracia era tido dades básicas. Também criou uma Conferência sobre a Dimensão
como necessário para garantir os benefícios econômicos dados pela Humana, realizada em Paris, em maio-junho de 1989, e em
Comunidade, e pertencer à Comunidade era uma garantia da estabi- Copenhague, em junho de 1990. Nesse último encontro foi aprova-
lidade da democracia. Em janeiro de 1981, a Grécia tornou-se mem- do um documento abrangente em que se apoiavam a ordem legal, a
bro pleno da Comunidade e cinco anos depois o mesmo se deu com democracia, o pluralismo político, o direito de formar partidos polí-
Portugal e com a Espanha. ticos e eleições livres e honestas. Ao longo de 15 anos, as nações da
Em Portugal, o impacto da Comunidade sobre a democratiza- CSCE passaram, assim, de um compromisso com um número limi-
ção não se limitava a dar passivamente um incentivo econômico e tado de direitos humanos à defesa do conjunto completo das liber-
um apoio político. O governo da Alemanha Ocidental e o Partido dades e instituições democráticas.
Social Democrata (SPD) tomaram a iniciativa de intervir ativamen- Segundo, a Resolução Final de Helsinki foi atacada por muita
te na luta contra os comunistas e deram recursos substanciais ao go- gente nos Estados Unidos, que afirmava que ela legitimava as fron-
verno português e aos socialistas portugueses67. Com isso também teiras definidas pelos soviéticos na Europa oriental, em troca de pro-
propiciaram um modelo, um incentivo e um meio para os Estados messas relativamente sem importância de respeitar certos direitos
humanos. As subseqüentes conferências da CSCE em Belgrado
(1977-1978), Madri (1980-1983) e Viena (1986-1989), no entan-
to, deram aos Estados Unidos e às nações da Europa oçjdental a
.,
?,
...•...

;, .
'

i".-'
.) gitimou os esforços dos dissidentes internos e dos governos estran-
geiros a induzi-Ios a isso. Não criou democracias, mas ajudou a esti-
mulél,I-:tfaoernr'raspõ1íttcas na Europa oriental e.n.a.Un..ião..S..o.v.i.ética.
oportunidade de pressionar a União Soviética e os países da Europa "OJjjstados Unjio/. A política americana de.promoçãodos direi-
oriental quanto a seus compromissos de Helsinki e de chamar a tos humaooseââ-democracia em outros países começou a mudar no
atenção para violações específicas e exigir correções das mesmas. ~( -

começo da Clécadade 1970 e evoluiu através de quatro fases, entre


Finalmente, o Processo Helsinki também significou a criação,
."" 1~Z_1~ç~12ª,2. No final dos anos 60 e começo dos anos 70, tais me-
em cada país, de comissões ou grupos de observação para monitorar t~s ocupavam uma posição subordinada na política externa america-
o cumprimento do acordo. Iúri Orlov e outros dissidentes soviéticos na. A proposta ativista da Aliança para o Progresso tinha sido deixa-
formaram o primeiro de tais grupos, em maio de 1976, seguido, em da de lado; o governo e o país estavam preocupados com a Guerra
1977, pelo grupo tchecoslovaco e por comitês semelhantes em ou- do Viernã; na política externa, o presidente Nixon e Henry Kissinger
tros países. Tais grupos, muitas vezes perseguidos e reprimidos por favoreciam uma abordagem do tipo realpolitik. Em 1973, no entan-
seus governos, constituíram, apesar de tudo, grupos internos de to, a maré começou a se mover na outra direção. A iniciativa da mu-
pressão em prol da liberalização. dança foi do Congresso e começou na última metade de 1973, com
Em todas as três dimensões, o impacto do Processo Helsinki a audiência (que durou 15 sessões) do Subcomitê das Organizações
foi limitado, mas real. Os governos comunistas encamparam os e Movimentos Internacionais, coordenado pelo deputado Donald
princípios ocidentais referentes aos padrões de direitos humanos e Fraser. O relatório do subcomitê, apresentado no início de 1974, re-
dessa forma se expuseram às críticas internacionais e internas quan- comendava que os Estados Unidos fizessem da promoção dos direi-
do violavam tais direitos. Helsinki foi um incentivo e uma arma que tos humanos uma meta importante de sua política externa; para tal,
os reformadores podiam usar ao tentar abrir suas sociedades. Em sugeria uma série de ações. No ano de 1974, o Congresso acrescen-
pelo menos dois casos, o impacto foi muito direto. Em setembro de tou emendas relativas aos direitos humanos na Lei de Ajuda ao
1989, o governo húngaro, orientado para a reforma, usou o seu Exterior, na Lei de Assistência Mútua e na Lei da Reforma do Co-
compromisso com o direito dos indivíduos de emigrar (expresso no mércio. Três anos depois, foram propostas emendas similares à Lei
documento final do encontro de Viena) para justificar a violação de das Instituições Financeiras Internacionais. Tais emendas em geral
seu acordo com o governo da Alemanha Oriental e a permissão de previam a interdição de assistência a países culpados de fortes viola-
que alemães orientais atravessassem a Hungria a caminho da Alema- ções dos direitos humanos, a não ser que o presidente julgasse que
nha Ocidental. Isso disparou uma série de acontecimentos que levou havia importantes razões para tal. Em 1974, 1975 e 1976, a preocu-
ao colapso do comunismo da Alemanha Oriental. Em outubro de pação do Congresso com os direitos humanos e sua disposição de
1989, a realização de uma conferência da CSCE sobre o meio am- aplicar sanções econômicas aos violadores dos direitos humanos tor-
biente na Bulgária estimulou manifestações em Sofia que foram naram-se dramaticamente evidentes.
brutalmente reprimidas pelo governo e iniciaram a série de aconte- Uma segunda fase na política dos Estados Unidos começou
cimentos que levou à queda do ditador conservador, Todor Jívkov, com o governo dç,Can~r em 1977.~.Carterfez dos direitos humanos
no mês seguinte. o principal tema de sua campanha eleitoral, e eles foram um aspecto
.'A Comunidade Européia promoveu ativamente a democrati- proeminente em sua política externa em seu primeiro ano de gover-
zação, e a perspectiva de pertencer à Comunidaâe roi úill'lncênriw no. Ações presidenciais (tais como, imediatamente depois da posse,
para os países se democratizarem. A CSCE foi um processo 'que sua carta para Andrei Sakhárov e sua recepção a Vladimir Bukóvski
comprometeu os governos comunistas com a liberalização e que le- na Casa Branca); discursos e declarações, pelo presidente, pelo secre-
tário de Estado e por outros membros da administração; a suspensão dos Estados Unidos em 15 países; e votos desfavoráveis ou abs-
da ajuda econômica a vários países; a promoção organizacional dos tenções quanto a empréstimos feitos por instituições financeiras
direitos humanos na burocracia governamental - tudo isso serviu multilaterais;
para enfatizar o papel central dos direitos humanos na política exter- 3. ação diplomática, que incluía a promoção da democratização por
na americana e para colocar os direitos humanos na "agenda mun- uma nova linhagem de embaixadores norte-americanos "defenso-
dial", como disse o presidente Carter. res da liberdade" (cujo protótipo foi Frank Carlucci, em Portugal,
",",~:~n assumiu com a determinação de diferenciar sua políti- no ano de 197569), tais como Lawrence Pezzullo no Uruguai e na
ca externa da de seu antecessor. Um dos elementos de tal distinção Nicarágua, Stephen Bosworth nas Filipinas, Deane T. Hinton em
foi sua crítica à maneira pela qual Carter encarava os direitos huma- EI Salvador, Paquistão e Panamá, Edwin Corr no Peru, Bolívia e
nos, porque centrava-se nos abusos aos direitos humanos individuais EI Salvador, Clyde Taylor no Paraguai, Harry Barnes no Chile e
e não nos sistemas políticos que não respeitavam tais direitos huma- Mark Palmer na Hungria; também incluía as pressões feitas pelo
nos. Assim, de inicio o governo de Reagan rebaixou a importância comandante-chefe do Comando Americano do Sul, no Equador
dos prot51êfiiasde direitos humanos nos regimes "autoritários" na e no Chile;
América Latina e na Ásia e enfatizou a necessidade de desafiar os re-~ 4. apoio material às forças democráticas, que incluía cerca de dez mi-
gimes comunistas. No entanto, ao final· de 1981, sob pressão do lhões de dólares da CIA (Central Intelligence Agency) ao Partido
Congresso e diante das transições democráticas na América Latina, o Socialista Português, em 1975, apoio financeiro substancial ao
governo começou a modificar sua posição, mudança manifestada na Solidariedade, na Polônia, vários milhões de dólares da AID
mensagem do presidente Reagan ao Parlamento em junho de 1982. (Agency for International Development) para garantir a honesti-
Em 1983 e 1984 a política dos Estados Unidos entrou em sua quar- dade do plebiscito do general Pinochet, no Chile, em 1988, e o
ta fase, passando a promover ativamente mudanças democráticas financiamento a ações destinadas a promover a democratização
tanto nas ditaduras comunistas como nas não-comunistas, e simbo- da Nicarágua, em 1990;
lizando o seu compromisso na criação do Fundo Nacional para a 5. ação militar, que incluía, no governo de Carter, o envio de navios
Democracia. No final, tanto o governo de Carter como o governo de de guerra americanos à República Dominicana, para garantir a
Reagan tiveram atitudes "moralistas" na promoção dos direitos hu- apuração honesta das eleições de 1978; no governo de Reagan, 'a
manos e da democracia no exterior68• .invasão de Granada, em 1983; e, no governo de Bush, a presença
,Na terceira .?nda~o.gover~gAos Estados Unidos usouuma s~- de aviões americanos em apoio a Aquino e a invasão do Panamá,
rie de meios - políticos, econômicos, diplomáticos e militares - em 1989; a ajuda militar aos governos democraticamente eleitos
para promover ã democratização. Incluíam os seguintes:' nas Filipinas e em EI Salvador na guerra contra rebeldes marxis-
tas-Ieninistas; e apoio financeiro às rebeliões contra os governos
1. declarações dos presidentes, secretários de Estado e outras autori- não-democráticos no Meganistão, em Angola, no Camboja e na
dades apoiando a democratização, tanto em geral como em deter- Nicarágua;
minados países; avaliações anuais feitas pelo Departamento de 6. diplomacia multilateral, que incluía as pressões sobre a União /
Estado quanto ao respeito aos direitos humanos em outros países; Soviética pelo representante de Carter-Reagan, Max Kam-
defesa da democracia pela Agência de Informação dos Estados pelman, no Conjunto III dos Acordos de Helsinki nas conferên-
Unidos, Voz da América, Rádio Europa Livre e Rádio Liberdade; cias da CSCE em Belgrado e Madri; e tentativas de mobilizar os
2. pressões e sanções econômicas, entre elas a limitação ou proibi- órgãos das Nações Unidas contra notórios violadores dos direitos
ção, pelo Congresso, de assistência, comércio e investimentos humanos.
Até que ponto tais ações ajudaram a democratização? Sem dú- Estados Unidos adotaram uma versão democrática da doutrina de
/vida, o efeito mais significativo foi fazer dos direitos humanos e da Brejnex:ern sua área de influência eles não'permitiria~ ~e gover-
l democracia questões importantes nas relações internacionais. Em nos dem~cráticos fossem derrubados.
1977, como observou a Liga Internacional pelos Direitos Humanos, O impacto das tentativas de Carter-Reagan obviamente varia-
os direitos humanos "pela primeira vez se tornaram uma questão de ram muito de país para país, e seria preciso um esforço extraordiná-
política nacional em muitos países" e "foco de discussão nas organi- rio para avaliar seu impacto até mesmo num único país. Mas duas
zações internacionais e de maior atenção na imprensa internacional. medidas talvez sejam relevantes. Uma delas é o julgamento daqueles
Um fator de grande importância foi a política de direitos humanos a quem as políticas destinavam-se a beneficiar. Em 1986, por exem-
do presidente Carter e dos Estados Unidos". A campanha de Carter, plo, Osvaldo Hurtado, presidente do Equador em 1981-84, eleito
como escreveu Arthur Schlesinger, "alterou o ambiente internacio- democraticamente, afirmou que: "Como nunca no passado, os
nal" e "colocou os direitos humanos na agenda mundial - e na Estados Unidos comprometeram-se com as instituições democráti-
consciência mundial"70. O apoio do presidente Reagan ao Projeto cas; sem as políticas em favor da democracia desposadas pelos presi-
Democracia, em seu primeiro ano de governo, seu discurso de 1982 dentes Carter e Reagan, alguns processos democráticos latino-ameri-
no Parlamento, a criação do Fundo Nacional para a Democracia em canos nunca teriam sido realizados ou não teriam tido êxito". Em
1984, sua mensagem para o Congresso em março de 1986, além das dezembro de 1984, uma semana após ter sido o primeiro presidente
atividades dos diplomatas americanos em vários países, ajudaram a democraticamente eleito no Uruguai desde 1971, Julio Sanguinetti
manter a democratização sob foco nas questões internacionais nos expressou sentimentos semelhantes: "Asvigorosas políticas do gover-
anos 80· e a fortalecer o ambiente intelectual global favorável à no de Carter foram a mais importante influência externa no proces-
democracia. so de democratização uruguaia. Naqueles anos de ditadura, nós, da
Em alguns países, o papel americano foi direto e crucial. Como oposição, tínhamos de lutar praticamente na escuridão. Uma das
os cardeais e os núncios papais, os embaixadores americanos algumas poucas fontes significativas de apoio que tínhamos era a política dos
vezes promoveram acordos entre grupos de oposição e serviram de Estados Unidos, que estavam todo o tempo de olho nas violações
mediadores entre tais grupos e o governo autoritário. Em 1980, dos direitos humanos". Comentando a luta bem-sucedida contra
1983 e 1984, os Estados Unidos realizaram intervenções para impe- Marcos, nas Filipinas, o cardeal Sin observou que: "Ninguém ganha
dir golpes militares que estavam sendo planejados em EI Salvador, aqui sem a ajuda da América". Até mesmo a União Soviética sentiu
Honduras e Bolívia. Em 1987, o presidente Reagan e o secretário os efeitos. "Não sei se o presidente Carter vai entrar na história da
George Shultz insistiram com o presidente Chun, da Coréia, para América", comentou o diretor da seção moscovita da Anistia
que abrisse o diálogo com a oposição, e o Departamento de Estado Internacional em 1980, "mas com sua política já entrou na história
fez "sérias advertências" aos militares coreanos para que não tentas- russa."72
sem um golpe de Estado. No Peru, em janeiro de 1989, um golpe Uma segunda medida do impacto norte-americano sobre a de-
militar parecia iminente; o embaixador americano advertiu vigorosa- mocratização é o julgamento dos que pretendiam manter as ditadu-
mente que os Estados Unidos se opunham a tal golpe; o golpe não ras. Durante os governos Carter e Reagan, os principais líderes dos
ocorreu71. Em várias ocasiões os Estados Unidos agiram para defen- governos autoritários no Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, Filipinas,
der a democracia filipina contra golpes militares. As ações militares China, União Soviética, Polônia e outros países queixaram-se amar-
norte-americanas nesses e em outros casos podem, ou não, ter sido gamente, e, em alguns casos, freqüentemente, da "interferência"
decisivas, mas claramente significaram apoio ao movimento em fa- norte-americana em suas políticas internas. As evidências sugerem
vor da democracia. Na verdade, com Carter, Reagan e Bush, os que na maioria dos casos as queixas eram justificadas.
Até que ponto tais ações ajudaram a democratização? Sem dú- Estados Unidos adotaram uma versão democrática da doutrina de
(vida, o efeito mais significativo foi fazer dos direitos humanos e da Brejn.c;v:em sua área de influência eles nã(; pern"litiriafll q~e go~er-
l..
democracia questões importantes nas relações internaci(mais. Em nos dem~ciáticõs fossem derrubados.
1977, como observou a Liga Internacional pelos Direitos Humanos, O impacto das tentativas de Carter-Reagan obviamente varia-
os direitos humanos "pela primeira vez se tornaram uma questão de ram muito de país para país, e seria preciso um esforço extraordiná-
política nacional em muitos países" e "foco de discussão nas organi- rio para avaliar seu impacto até mesmo num único país. Mas duas
zações internacionais e de maior atenção na imprensa internacional. medidas talvez sejam relevantes. Uma delas é o julgamento daqueles
Um fator de grande importância foi a política de direitos humanos a quem as políticas destinavam-se a beneficiar. Em 1986, por exem-
do presidente Carter e dos Estados Unidos". A campanha de Carter, plo, Osvaldo Hurtado, presidente do Equador em 1981-84, eleito
como escreveu Arthur Schlesinger, "alterou o ambiente internacio- democraticamente, afirmou que: "Como nunca no passado, os
nal" e "colocou os direitos humanos na agenda mundial - e na Estados Unidos comprometeram-se com as instituições democráti-
consciência mundial"70. O apoio do presidente Reagan ao Projeto cas; sem as políticas em favor da democracia desposadas pelos presi-
Democracia, em seu primeiro ano de governo, seu discurso de 1982 dentes Carter e Reagan, alguns processos democráticos latino-ameri-
no Parlamento, a criação do Fundo Nacional para a Democracia em canos nunca teriam sido realizados ou não teriam tido êxito". Em
1984, sua mensagem para o Congresso em março de 1986, além das dezembro de 1984, uma semana após ter sido o primeiro presidente
atividades dos diplomatas americanos em vários países, ajudaram a democraticamente eleito no Uruguai desde 1971, Julio Sanguinetti
manter a democratização sob foco nas questões internacionais nos expressou sentimentos semelhantes: ''As vigorosas políticas do gover-
anos 80 e a fortalecer o ambiente intelectual global favorável à no de Carter foram a mais importante influência externa no proces-
democracia. so de democratização uruguaia. Naqueles anos de ditadura, nós, da
Em alguns países, o papel americano foi direto e crucial. Como oposição, tínhamos de lutar praticamente na escuridão. Uma das
os cardeais e os núncios papais, os embaixadores americanos algumas poucas fontes significativas de apoio que tínhamos era a política dos
vezes promoveram acordos entre grupos de oposição e serviram de Estados Unidos, que estavam todo o tempo de olho nas violações
mediadores entre tais grupos e o governo autoritário. Em 1980, dos direitos humanos". Comentando a luta bem-sucedida contra
1983 e 1984, os Estados Unidos realizaram intervenções para impe- Marcos, nas Filipinas, o cardeal Sin observou que: "Ninguém ganha
dir golpes militares que estavam sendo planejados em EI Salvador, aqui sem a ajuda da América". Até mesmo a União Soviética sentiu
Honduras e Bolívia. Em 1987, o presidente Reagan e o secretário os efeitos. "Não sei se o presidente Carter vai entrar na história da
George Shultz insistiram com o presidente Chun, da Coréia, para América", comentou o diretor da seção moscovita da Anistia
que abrisse o diálogo com a oposição, e o Departamento de Estado Internacional em 1980, "mas com sua política já entrou na história
fez "sérias advertências" aos militares coreanos para que não tentas- russa."n
sem um golpe de Estado. No Peru, em janeiro de 1989, um golpe Uma segunda medida do impacto norte-americano sobre a de-
militar parecia iminente; o embaixador americano advertiu vigorosa- mocratização é o julgamento dos que pretendiam manter as ditadu-
mente que os Estados Unidos se opunham a tal golpe; o golpe não ras. Durante os governos Carter e Reagan, os principais líderes dos
ocorreu71. Em várias ocasiões os Estados Unidos agiram para defen- governos autoritários no Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, Filipinas,
der a democracia fllipina contra golpes militares. As ações militares China, União Soviética, Polônia e outros países queixaram-se amar-
norte-americanas nesses e em outros casos podem, ou não, ter sido gamente, e, em alguns casos, freqüentem ente, da "interferência"
decisivas, mas claramente significaram apoio ao movimento em fa- norte-americana em suas políticas internas. As evidências sugerem
vor da democracia. Na verdade, com Carter, Reagan e Bush, os que na maioria dos casos as queixas eram justificadas.
Tais julgamentos pelos participantes são reforçados em muitos o esforço que recebeu mais publicidade e o mais controverso dos
países pelas avaliações dos observadores especializados. No Peru, em Estados Unidos na promoção da democratização em outro país foi a
1977, segundo Luis Abugattas: aprovação pelo Congresso, contra o veto do presidente Reagan, da Lei
Abrangente Anti-Apartheid de 1986, impondo sanções à África do Sul.
A redemocratização foi, assim, reforçada pelas políticas de direitos Nos debates sobre tal medida, seus defensores argumentavam que as
humanos do governo de Carter e pela necessidade de aumentar a le- sanções teriam impacto significativo sobre a economia sul-africana e
gitimidade externa, devido às negociações da dívida externa. As ne-
obrigariam o regime da África do Sul a agir rapidamente para acabar
gociações com o FMI tinham sido suspensas desde meados de 1976
e o governo militar não foi capaz de retomá-Ias, por sua relutânci~ com o apartheid. Os adversários afirmavam que as sanções iriam afetar
em adotar as "políticas de choque" exigidas pelo Fundo. O Depar- seriamente a economia, diminuir o emprego dos negros, piorar seus pa-
tamento de Estado dos Estados Unidos começou a observar a abertura drões de vida e suas perspectivas de melhoria. Ambas as afirmações
democrática, e cada passo naquela direção recebeu uma resposta po-
sitiva, como, por exemplo, o crescimento da ajuda externa ao regime.
eram exageradas.As sanções dos Estados Unidos, e da menos rigorosa
Além disso, a embaixada norte-americana recebeu ordens de se opor Çomunidade Européia, tiveram algum impacto sobre a economia da
aos oficiais militares direitistas e às facções do capital local que bus- Mrica do Sul na década de 1980. Não é claro que tenham afetado sig-
cavam o continuismo* militar, na linha dos países do Cone Sul, e fez
nificativamente o movimento pela extinção do apartheid. Tal movi-
saber que tal opção não seria aceita pelo governo de Carter. Se a re-
democratização era uma possibilidade depois de julho de 1976 de-
mento começou em 1979, como resultado direto do desenvolvimento
pois de julho de 1977 ela era um fato. ' econômico na África do Sul e da necessidade de permitir que os negros
tivessem acesso aos empregos mais qualificados, estabelecer sindicatos
No Equador, a pressão dos Estados Unidos foi um dos três fa- legaispara os negros, melhorar seu nível de instrução, permitir seu livre
tores que "parecem ter impedido a recaída autoritária" em 1978, e, trânsito e aumentar seu poder de compra. O apartheid era compatível
quando o 'presidente Febres-Cordero quis suspender as eleições de com uma economia rural relativamente pobre; não era compatível com
uma economia complexa, rica, urbana, comercial e industrial. Como
1985, "acabou sendo obrigado a marcá-Ias, por pressão da embaixa-
em outros países, o desenvolvimento econômico gerou liberalização
da dos Estados Unidos". Em 1984, quando o presidente da Bolívia
política. As sanções americana e européia de meados dos anos 80 sem
foi seqüestrado pelas forças de segurança, sua libertação se deu devi-
dúvida afetaram a psicologia e o sentimento de isolamento dos brancos
do à "forte oposição de trabalhadores, de setores militares leais e da
sul-africanos e acrescentaram um incentivo extra ao movimento para o
embaixada dos Estados Unidos". A democratização na República
fim do apartheid. Provavelmente afetaram a velocidade e a natureza de
Dominicana foi rotulada de "transição 'de fora"', e o envolvimento
tal movimento, mas seu efeito foi secundário se comparado ao impac-
dos Estados Unidos culminou em sua intervenção para garantir uma
honesta apuração das urnas na eleição de 1978. No Chile, "a contí-
to da mudança econômica e social na África do Sul. -+I
I,
Não é possível fazer aqui qualquer avaliação do papel dos
nua pressão dos Estados Unidos" ajudou a tornar possível o referen-
do livre e justo do regime de Pinochet em 1988. O governo de
Estados Unidos nas democratizações da terceira onda. No entanto, em 1\/
geral parece que o apoio dos Estados Unidos foi crítico para a demo-
Reagan foi particularmente influente no estímulo à democratização
cratização na República Dominicana, Granada, EI Salvador, Gua- ! ,-
em países como o Chile, EI Salvador, Guatemala e Honduras, por-
temala, Honduras, Uruguai, Peru, Equador, Panamá e Filipinas, eJI
que o establishment militar de tais países tinha tal governo como ba-
contribuiu para a democratização em Portugal, Chile, Polônia, Coréia,
sicamente amigável73•
Bolívia e Taiwan. Tal como a Igreja católica, a ausência dos Estados
Unidos no processo teria significado menos transições democráticas, e
mais tardias.
(,,1 União Soviética. À\lemocratização do final da década de diariam a invasão de 1968, deslegitimizando assim a liderança do
1980 naEnrepaorif:ntalfoVo resultado de mudanças na política so- Partido tchecoslovaco, e de maneira muito clara advertiram os tche-
viética ainda mais dramáticas do que as promovidas pelo Congresso cos contra o uso da força para evitar as mudanças74•
e pelo presidente Carter na política americana dos anos 70. O presi- Na América Latina e no Leste asiático o exercício do poder
dente MilffiªiLGQ[bach.e-vrevogou a doutrina de Brejnev e transmi- americano contribuiu para a democratização; na Europa oriental o
tiu aos governos da Europa oriental, bem como aos grupos de opo- recuo do poder soviético teve efeitos semelhantes. A mudança sovié-
sição, a clara mensagem de que o governo soviético não pretendia tica fez com que manifestantes altamente nacionalistas e pró-demo-
manter a ditadura comunista existente; pelo contrário: iria favorecer cráticos gritassem "Gorby! Gorby!" nas ruas de Leipzig, Budapeste e
a liberalização econômica e as reformas políticas. Não se pode saber Praga, e com que Mikhail Gorbachev se juntasse a João Paulo 11,
o grau de reforma política que Gorbachev apoiava e antecipava. Sem Jimmy Carter e Ronald Reagan como grande promotor transnacio-
dúvida alguma, ele favoreceu a remoção dos chefes da velha guarda, nal de mudanças democráticas no final do século XX.
como Erich Honecker na Alemanha Oriental, Todor Jívkoy na
Bulgária, Milos Jakes na T checoslováquia, e sua substituição pelos
comunistas reformistas que seriam seus aliados naturais. Não é claro
que ele fosse favorável à completa democratização dos países da
Europa oriental e ao colapso virtualmente total da influência sovié-
tica em tais sociedades. Mas foi isso o que suas ações produziram. Um quinto fator que contribuiu para a terceira onda pode ser
A nova abordagem soviética abriu caminho para a derrubada denominado de efeito-demonstração, de contágio, de difusão, de
de líderes comunistas, a participação no poder de grupos não-comu- emulação, de bola-de-neve, ou talvez até mesmo de efeito-dominó.
nistas, a seleção de chefes de governo através de eleições competiti- Ocorre num país uma democratização bem-sucedida e isso encora-
vas, a abertura das fronteiras para a Europa ocidental, e intensificou ja a democratização em outros países, seja porque eles parecem en-
as tentativas de levar as economias a uma orientação de mercado. A frentar problemas semelhantes, seja porque tal democratização suge-
transição .E2LQD.S~íl.. de 1988-89 aparentemente decorreu primaria- re que isso possa ser uma cura para seus problemas, quaisquer que
mente de movimentos internos. No entanto, em agosto de 1989, sejam, ou ainda porque o país que se democratizou é poderoso e/ou
Gorbachev interveio para estimular os líderes do Partido Comunista é visto como um modelo político e cultural. Em seu estudo Crisis,
a participar de um governo do Solidariedade. Em setembro, os so- choice, and change, Almond e Mundt afirmam que os efeitos-de-
viéticos não fizeram objeções a que os hÚngaros".Qbrissemsuas fron- monstração são moderadamente importantes entre as cinco causas
teiras para o Ocidente. No começ7; de outubro, a visita de ambientais que analisaram. Estudos estatísticos dos golpes e de ou-
Gorbachev a]eJllE}9rI~!:tal e sua declaração de que "quem chega- tros fenômenos políticos mostraram a existência, pelo menos em
va tarde era punido pela vi~' foi o sinal para a queda de Honecker. certas circunstâncias, de um padrão de contági075.Analisar os efeitos
O Kremlin deixou claro que as tropas soviéticas não seriam usadas dos efeitos-demonstração em casos individuais é difícil e exige mais
para acabar com os protestos em Leipzig e em outras cidades. Em estudos do que é possível aqui, mas talvez se possa apresentar algu-
novembro, os soviéticos colaboraram na remoção de Jívkov da che- mas hipóteses plausíveis sobre o papel geral dos efeitos-demonstra-
fia do partido na Bu]gária e na criação de um governo reformista, ção na terceira onda.
sob a direção de Petar Mladênov. Com respeito à Tchecoslováquia, Na prática, o que demonstraram os efeitos-demonstração?
Gorbachev estimulou a substituição de Jakes e de Ladislav Adamec Primeiro, demonstraram aos líderes e grupos de uma sociedade a ca-
no verão de 1989. Em novembro, os soviéticos indicaram que repu- pacidade dos líderes e grupos de outra sociedade de acabar com um
sistema autoritário e instalar um sistema democrático. Mostraram desinformados quanto às lutas contra os regimes autoritários em ou-
que isso podia ser feito e assim presumivelmente estimularam as tros países e suas quedas. Graças, em grande parte, ao impacto da co-
pessoas da segunda sociedade a tentar imitar as da primeira. municação global, em meados dos anos 80 a imagem de uma "revo-
Segundo, os efeitos-demonstração mostraram como poderia ser fei- lução democrática mundial" indubitavelmente tornou-se. reálidade
to. As pessoas na segunda sociedade aprendem com a primeira e ten- para os líderes políticos e intelectuais na maioria dos países. E como
tam imitar as técnicas e métodos que foram usados para provocar a as pessoas acreditavam que ela era real, ela tornou-se real em suas
democratização inicial. Grupos coreanos imitaram conscientemente conseqüências. As pessoas podiam perguntar, e perguntavam, sobre
a abordagem do tipo "poder popular" que derrubou a ditadura de a relevância que os acontecimentos políticos em países distantes ti-
Marcos. Às vezes o aprendizado foi resultado de consulta direta en- nham para elas. A luta do Solidariedade naPolônia e a queda de
tre os defensores da democratização e de um processo consciente de Marcos nas Filipinas tiveram uma ressonância no Chile que seria
educação, tal como ocorreu entre os húngaros e seus predecessores muito improvável em décadas anteriores??
espanhóis. Terceiro, os que vêm depois aprendem também sobre os Segundo, se a intensificação das comunicações fazia com que
perigos a serem evitados e as dificuldades a serem vencidas. Os le- acontecimentos distantes parecessem relevantes, os efeitos-demons-
vantes e conflitos sociais em Portugal em 1974 e 1975, por exemplo, tração t()rnjl.yalll:seflinda mais fortes entre paíst;~.geograficamt;nte
estimularam os líderes da democratização na Espanha e no Brasil a próximos e culturalmente semelhantes. A queda do autoritarismo
tentar "um processo de mudança política administrada, para evitar, em Portugal teve um impacto imediato no sul da Europa e no Brasil.
precisamente, a descontinuidade que Portugal sofreu". De maneira "O que precisamos é de um Gal. Spinola para derrubar a junta e fa-
semelhante, os líderes democráticos espanhóis consideraram o golpe zer voltar o governo constitucional", como disse um ateniense em
de Estado dado pelos militares turcos, em setembro de 1980, como junho de 1974, dois meses depois do golpe em Portugal e um mês
"um exemplo perigoso" do que deveria ser evitado na Espanha76. antes do colapso do regime militar grego. O fim dos 45 anos de di-
O papel geral dos efeitos-demonstração na terceira onda pode tadura portuguesa veio também como "um choque profundo para os
ser sintetizado em três proposições. militares espanhóis e um grande estímulo moral para a oposição. O
Primeiro, os efeitos-demonstração foram muito mais impor- fato de que o parente pobre pudesse chegar à democracia só podia
tantes na terceira onda de democratização do que nas duas primei- intensificar as demandas de mudança na Espanha"78. Na natureza
ras, ou, muito provavelmente, em quaisquer outras ondas políticas das coisas, a democratização grega teve poucos efeitos em outros lu-
do século XX. A razão foi a tremenda ,expansão nas comunicações e gares. No entanto, a democratização espanhola foi imensamente re-
nos transportes globais ocorrida na~ décadas que se seguiram à levante e influente na América Latina. Como observou um argenti-
Segunda Guerra Mundial e particularmente a cobertura mundial no, "copiar os Estados Unidos era uma coisa que, dentro do razoá-
pela televisão e pelos satélites de comunicação a partir dos anos 70. vel, nunca poderíamos esperar fazer, mas parecer com a Espanha era
Os governos ainda podiam controlar a imprensa local e, às vezes, po- coisa muito diferente". As transições na Espanha e em Portugal de-
diam virtualmente impedir a população de receber mensagens que monstraram, de maneira muito convincente, que as culturas ibéricas
eles não quisessem. Mas as dificuldades e os custos cresceram acen- não eram inerente e imutavelmente antidemocráticas. Se a Espanha
tuadamente. Isso podia levar a uma extensa rede subterrânea de in- e Portugal podiam fazê-Io, "a América Latina podia libertar-se da ti-
formações, tal como aconteceu na Polônia e em outros países. ranià'. Alfonsín usou amplamente a "metáfora" espanhola para legi-
Rádios de ondas curtas, televisões por satélite, computadores e as timar suas atividades na Argentina79. A democratização argentina,
máquinas de facsímile (FAX) tornaram cada vez mais difícil para os por sua vez, nas palavras do presidente da Bolívia, "ajudou a demo-
governos autoritários manterem suas elites e mesmo seus públicos cracia em toda a América Latina" e teve um impacto particular em
seus vizinhos. O efeito sobre o Uruguai foi, ao mesmo tempo, posi- Gorbachev. Todo mundo pensou: por que estamos ficando para
tivo e negativo. A democracia em seu vizinho maior tornou a demo- trás?". Na T checoslováquia, como Timothy Garton Ash disse, "to-
cracia no Uruguai virtualmente inevitável; mas as primeiras ações do dos sabiam, da experiência de seus vizinhos, o que podia ser feito"82.
regime Alfonsín na perseguição aos antigos governantes militares le- A democratização de alguns países também despertou o orgulho de
varam alguns militares uruguaios a voltar atrás em seu compromisso seus vizinhos. Então a sofisticada, industrializada Espanha, tipica-
de abandonar o poder. "Os argentinos nos causaram um prejuízo mente de classe média, ia ficar atrás do pequeno e pobre Portugal? O
horrível", lamentou Julio Sanguinetti. A democratização argentina Uruguai e o Chile, com sua longa experiência de governo democrá-
encorajou os defensores da democracia no Brasil e no Chile e desen- tico, seriam ofuscados pela Argentina e pelo Brasil? E a T che-
corajou os golpes militares contra os novos regimes democráticos no coslováquia, o único país da Europa oriental com uma verdadeira
Peru e na Bolívia. Alfonsín encontrou-se pessoalmente com líderes tradição democrática, ia se atrasar em relação aos outros?
de grupos de oposição democrática de outros países latino-ame rica- Os processos de democratização da Europa oriental e do Leste
. nos e deu-Ihes seu apoi080. asiático ilustram um terceiro aspecto importante dos efeitos-de-
A queda de Marcos, em fevereiro de 1986, aumentou a ansie- monstração: a mudança, ao longo do tempo, da importância relati-
dade e a esperança entre os líderes autoritários e os democratas de va das causas de uma onda de democratização. O efeito-demonstra-
""\ oposição em outros lugares da Ásia. Seu impacto mais significativo ção, obviamente, não pode afetar a primeira democratização. As pri-
foi na Coréia do Sul. Um mês depois de o cardeal Sin desempenhar meiras democratizações foram resultado de gatilhos, não de bolas-
um papel central na mudança de regime nas ~ilipiflasl o cardeal Kim de-neve. Uma guerra impossível de vencer, uma derrota militar em
pela primeira vez pediu mudança constitúCiõnafe democracia na Chipre, a morte de Franco dispararam as democratizações em
Çoréia..."Há muitas ditaduras na Ásia", disse o líder de oposição Portugal, na Grécia e na Espanha. A derrota nas Falklands, o.'l,Ssassi-
K1m Dae]ung. "Mas apenas na Coréia do Sul e nas Filipinas há pes- nato de Benigno Aquino, e a visita do papa tiveram efeitos seme-
soas que lutam ativamente pela democracia. Elas tiveram êxito nas lhantes na Argentina, nas Filipinas e na Polônia. Tais processos fo-
Filipinas e talvez tenhamos êxito aqui. [...] Este é o momento do po- ram, em grau considerável, autóct<;>peso'":N4;>
entanto, uma vez ocorri-
der popular nos países em desenvolvimento da Ásia. Nunca tivemos das, as mudanças nesses paíse(pioneirds - Espanha, Portugal,
tanta certeza antes."81Parece provável, embora se disponha de pou- Argentina, Filipinas, Polônia -a1udaram a estimular as demandas
cas evidências, que os acontecimentos nas Filipinas e na Coréia aju- " pôr-muâànçassemelnantes em países vizinhos e culturalmente seme-
daram a estimular as demonstrações em favor da democracia na lhantes. O impacto dos efeitos-demonstração não dependeu signifi-
Birmânia, no verão de 1988, e na China, no outono de 1986 e na cativamente da existência de condições econômicas e sociais favorá-
primavera de 1989, bem como tiveram algum impacto sobre a libe- veis à democracia no país que o viveu. À medida que prosseguia o
ralização ocorrida em Taiwan. processo de bola-de-neve, o processo em si tendia a se tornar um
A bola-de-neve mais dramática ocorreu. na Europa oriental. substituto para tais condições. Isso refletiu-se em sua aceleração. É
Depois que a União Soviética concordou, e talvez atlm~~~-;;· enco- como se dizia: na Polônia a democratização levou dez anos, na
rajou a tomada do poder por não-comunistas na Polônia, em agosto Hungria, dez meses, na Alemanha Oriental, dez semanas, na
de 1989, a maré da democratização tomou conta da Europa oriental, Tchecoslováquia dez dias, e na Romênia, dez horas83.
sucessivamente na Hungria, em setembro, na Alemanha Oriental, No final de 1989, um egípcio comentou sobre a política futu-
em outubro, na T checoslováquia e na Bulgária, em novembro, e na ra do mundo árabe: "Agora não há como escapar da democracia"84.
Romênia, em dezembro. Como observou um alemão oriental: Sua previsão resumia a suposição da bola-de-neve enquanto causa:
"Vimos o que a Polônia e a Hungria estavam fazendo; ouvimos como a democratização aconteceu ali, vai acontecer aqui. Mas quan-
do as bolas de neve rolam morro abaixo elas não apenas açeleram e ticas econômicas equivocadas e ineficientes; o êxito em certas metas,
crescem; elas também derretem, em ambientes que não lhes são pro- reduzindo a necessidade do regime (como a derrota das rebeliões
pícios. No final dos anos 80, os efeitos-demonstração produziram guerrilheiras) ou intensificando as tensões sociais e as demandas de
tentativas de democratização em países onde outras condições favo- participação política (como acontece com um crescimento econômi-
ráveis à democracia e à democratização eram fracas ou estavam co muito rápido); o desenvolvimento de divisões no interior das coa-
ausentes. Após os movimentos de democratização nas Filipinas, lizões dominantes nos regimes autoritários, particularmente nos re-
Polônia e Hungria, os coreanos, alemães e tchecoslovacos pergunta- gimes militares, com a politização das Forças Armadas; e os efeitos
ram, adequadamente: "Por que não nós?". Após esses países se de- de bola-de-neve que a queda de certos regimes autoritários têm so-
mocratizarem, os chineses e romenos também perguntaram: "Por bre a confiança dos governantes e das oposições em outros países au-
que não nós?" Nestes casos, porém, se poderia dar respostas claras a toritários. ....""'\
\- tal pergunta. O PNB per ca~ita chinês era ~etade do filipino e um Entre os fatores que contribuíram para o surgimento, nos anos ;
I décimo do coreano; economIcamente, a Chma estava longe da zona
70 e 80, de regimes democráticos em países anteriormente autoritá-
r de transição política. A China não tinha uma burguesia poderosa.
rios estão: níveis mais altos de bem-estar econômico (o mais impor-.~~..'"
Nunca foi ocupada ou colonizada pelos Estados Unidos. O cristia-
tante de todos), levando a uma mais ampla alfabetização, instrução e
nismo era fraco e a Igreja católica quase inexistente. A China nunca
urbanização, ao crescimento da classe média e ao desenvolvimento
teve uma experiência democrática prévia e sua cultura tradicional
de valores e atitudes favoráveis à democracia; mudanças tanto nas
apresenta muitos elementos autoritários. A Romênia era, depois da
bases como nas lideranças da Igreja católica, levando a Igreja a se
Albânia, o país mais pobre da Europa oriental; nunca teve experiên-
opor aos regimes autoritários e a apoiar a democracia; as novas polí-
cia com a democracia; o cristianismo ocidental era quase totalmente
ticas em favor do desenvolvimento democrático, por parte da
ausente; estava isolado das influências externas da Comunidade
Comunidade Européia, dos Estados Unidos e, em meados dos anos
Européia, do Vaticano, dos Estados Unidos e até mesmo da União
80, da União Soviética; e os efeitos de bola-de-neve que o surgimen-
Soviética. No entanto, os efeitos-demonstração foram uma força po-
derosa na promoção dos esforços de democratização tanto na to dos regimes democráticos em países líderes, tais como a Espanha,
Romênia como na China. Levaram a terceira onda dos cravos de Argentina, Filipinas e Polônia, tiveram sobre o fortalecimento de
Lisboa à carnificina de Pequim e Bucareste. movimentos democráticos em outros países.
Essas foram as causas gerais da terceira onda de democratiza-
ção. Diferem muito significativamente das causas principais da se-
gunda onda e, menos significativamente, das causas principais da
primeira onda. O significado relativo de tais causas gerais variaram
de região para região e de um tipo de sistema autoritário para outro,
Os fatores que contribuíram para a queda ou o enfraquecimen- bem como de um país para outro. Seu significado relativo também
to dos regimes autoritários nos anos 70 e 80 incluem: a difusão de variou com o tempo, ao longo da terceira onda. As derrotas milita-
normas democráticas globalmente e em muitos países particular- res, o desenvolvimento econômico e as crises econômicas induzi das
mente; a resultante ausência geral de legitimidade baseada na ideolo- pelos choques do petróleo foram as causas mais importantes nas pri-
gia para os regimes autoritários, exceto os de partido único; derrotas meiras democratizações. Em qualquer país específico, a demQçt~
militares; problemas e fracassos econômicos decorrentes dos cho- ção foi o resultado de uma combinação entre algllmasç;Uls.ª§.g.Ç!..ais
e
ques do petróleo da OPEp, da ideologia marxista-Ieninista e de polí- outros fatores típicos daquele país.
Os fatores gerais criam as condições favoráveis à democratiza-
ção. Não tornam a democratização necessária e apenas possibilitam
os fatores imediatamente responsáveis pela democratização. Um re-
Rime democrático não se instaura pelas tendências, mas pelo povo.
jA5 democracias não são cnadas pelas causas, mas pelos .causadoí:es~"'!
Os líderes políticos e o público têm de agir. Por que Eanes e Soa- CAPíTULO 3
res, Karamanlis, Juan Carlos e Suárez, Evren e Ozal, Geisel e Fi-
gueiredo, Alfonsín, Duarte, Aquino e Ramos, Roh e os dois Kim,
Chiang e Lee, Walesa e Jaruzelski, De Klerk e Mandela, bem como
Como? Processos de
outros líderes em outros lugares, levaram seus países para a demo-
cracia? Os motivos dos líderes são variados e variáveis, complexos e
democratização
misteriosos e muitas vezes pouco claros para eles mesmos. Os líde-
res podem produzir democracia porque acreditam na democracia
como um fim em si mesma, porque vêem-na como um meio para
outros fins, ou porque a democracia é um subproduto de sua tenta-
tiva de alcançar outros fins. Em muitos casos a democracia pode
não ser o resultado que os líderes mais desejam, mas pode ser o re-
sultado menos inaceitável85•
O surgimento de condições sociais, econômicas e externas fa-
voráveis à democracia nunca é suficiente para produzir democracia.
Quaisquer que sejam seus motivos, alguns líderes políticos têm de (C:::-~nteceram as democratizações da terceira onda? O
desejar que ela aconteça ou estar dispostos a dar certos passos, tal co- porquh-o-rómo estão interligados, mas neste ponto da análise a
mo uma liberalização parcial, que podem fazer com que ela aconte- ênfase passa do primeiro para o segundo, g?:s~Cl:!lsas
para os proces-
ça. Os líderes políticos não podem, através do desejo e da perícia, .~~~~~§!P~~~!::J:~.qYCl:.i~ Il_~_ anos 70 e 80 os líderes políticos e o' .
criar democracia onde as pré-condições estejam ausentes. No final povo acabaram com os sistemas autoritários e criaram slstem-;:s-d~- p
dos anos 80, os obstáculos à democracia no Haiti eram tais que frus-
trariam até mesmo o mais qualificado e comprometido líder demo-
mocráticos. Os caminhos para a mudança foram muitos, comõ· I ~.
crático. No entanto, um líder político muito menos qualificado do
muitas foram as pessoas primariamente responsáveis pela mudança. ! ;S
Além disso, os pontos inicial e final dos processos foram assimétri- ; ~
que Lee Kwan Yew poderia ter produzido a democracia em Cin-
gapura. Na terceira onda, as condições para a criação da democracia coso Existem diferenças óbvias entre os regimes democráticos: a0 F
tinham de existir, mas apenas líderes políticos dispostos a correr os guns são presidencialistas, outros parlamentaristas, outros ainda in-
riscos da democracia fizeram com que ela acontecesse. corporam a mistura gaullista dos dois; da mesma forma, alguns são
bipartidários, outros são multipartidários, e existem grandes dife- \0
ren~as ~a na~ureza e na forç~ ~os partido~.]ais diferepças têm mur::-. jfV
.!!.§lg.Qlficaçao._fl<U:il a e~tólblhdade dos SIStemas democráticos quI" f'
os rocessos ue 1
.t~çÚados)m.ª,~>L~1~:!iva,~~~t.~.2~ll.E.a'p~ara
eles!. Da maior importância é o fato de que em todos os regimes temas, o partido efetivamente monopolizava o poder, o acesso a este
dem;cráticos os principais funcion,ários do governo são escolhidos se fazia através da organização partidária e o partido legitimava seu
através de eleições competitivas, em que o grosso da população po- domínio ideologicamente. Tais sistemas muitas vezes alcançaram um
de participar. Os sistemas democráticos têm, assim, um âmago ins- nível relativamente alto de institucionalização política.
titucional comum que estabelece sua identidade. Os regimes auto- Os regimes militares foram criados por golpes de Estado que
ritários - tal como a expressão é utilizada neste estudo - são de- substituíram regimes democráticos ou civis. Neles, os militares
finidos simplesmente pela ausência desse âmago institucional. À exerceram o poder numa base institucional, e em geral os líderes
parte o fato de não serem democráticos, pode ser que eles tenham militares governavam de maneira colegiada, como junta, ou então o
poucas outras coisas em comum. Em conseqüência, será necessário cargo governamental principal circulav:l entre os generais mais im-
começar a discussão sobre a mudança nos regimes autoritários iden- portantes. Os regimes militares foram muito comuns na América
tificando as diferenças entre tais regimes e a significação de tais di- Latina (onde alguns aproximaram-se do modelo burocrático autori-
ferenças para os processos de democratização. A análise, então, Ras- tário) e também existiram na Grécia, Turquia, Paquistão, Nigéria e
sa p~nan!reza d_~._taispro~~~_ra as estratégias utiliza_d~~ Coréia do Sul.
tãnto pelos democratiz<tdores como pelos antidemocratas. Este ca- As ditaduras personalistas eram um terceiro grupo,mais.4W"~
2ftulo conclui as consider;ç~~Ú2b~e";;"aêõffiõ'TJíSêütmão-a!.[úE!as • "sificado, de sistemas não,-democráticos. A característica distintiva de
c~~;lcterísticas comuns das democratizações da terceira onda. uma ditadura personalista é o líder individual ser a fonte de autori-
--_ .•. --",~.,.~-- .. "_._-_ .. - ... _--._~._~. __ .. _--_._-~ .. _.:>

dade e o poder depender do acesso ao líder, de sua proximidade ou


de seu apoio. Essa categoria inclui o Portugal de Salazar e de Cae-
tano, a Espanha de Franco, as Filipinas de Marcos, a Índia de Indira
Gandhi e a Romênia de Nicolae Ceausescu. As ditaduras personalis-
tas têm,xárias origens. As das Filipinas e da Índia foram resultado de
golpes executivos. As de Portugal e da Espanha começaram com gol-
Historicamente, os regimes não-democráticos assumiram uma pes militares (que, no último caso, levou a uma guerra civil), tendo
ampla variedade de formas. Os regimes que se democratizaram na os ditadores subseqüentemente estabelecido bases de poder inde-
primeira onda eram, em geral, monarquias absolutistas, aristocracias pendentes dos militares. Na Romênia, a ditadura personalista deri-
feudais sobreviventes e os Estados que se sucederam aos impérios vou de um sistema de partido único. O Chile de Pinochet começou
continentais. Os que se democratizaram na segunda onda eram como regime militar, mas tornou-se uma ditadura personalista devi-
Estados fascistas, colônias e ditaduras militares personalistas e mui- do à sua prolongada duração, às diferenças que ele tinha com os
tas vezes já tinham tido alguma experiência democrática anterior. Os chefes militares e ao seu domínio sobre estes. Algumas ditaduras
regimes que se moveram na direção democrática na terceira onda personalistas, tais como as de Marcos e a de Ceausescu, ou como as
pertenciam em geral a três grupos: sisEe.ll1as~.4u~~!:tido único, regi- de Somoza, Duvalier, Mobutu e a do xá, são exemplos do modelo
mes militares e ditaduras personalisÜ;.----· ""'-'-~ weberiano de regimes sultanísticos caracterizados por patronato, ne-
r-~ _Q~~istemªs([é partid()-urucoTôramcriªdQ.~_lJ()!.reYQ1!lçÕes
- ou potismo, "panelinhas" e corrupção.
~por imposição soyiética e inc!ll~m çs p<tíse.~_S.2f!l_unistas,
o México e Sistemas de partido único, regimes militares e ditaduras perso-
Taiwari (com a Turquia também se encaixando nesse modelo antes nalistas suprimiram tanto a competição como a participação. O sis-
de sua democratização, na segunda onda, nos anos 40). Em tais sis- tema sul-africano era diferente, na medida em que se tratava basica-
mente de uma oligarquia racial com mais de 70% da população ex-
cluída da política, mas com uma competição entre políticos bastan- Regimes autoritários e os processos de
te intensa no interior da comunidade brânca dominante. A expe- Iiberalização/democratização, 1974-90
riência histórica sugere que a democratização acontece mais facil-
mente se a competição se expande antes da participaçã02• Sendo as-
sim, as perspectivas de uma democratização bem-sucedida seriam Oligarquia
Processos Partido único Personalista Militar racial
~aiores na África do Sul do que em países com outros tipos de siste-
mas autoritários. O processo na África do Sul, de certa forma, se as- Transformação ITaiwan)a ~spanha Turquia
Hungria India Brasil
semelha às democratizações do século XIX na Europa, em que o as- (México) Chile Peru
pecto central era a expansão do sufrágio e o estabelecimento de uma (URSS) Equador
Bulgária Guatemala
forma de governo mais inclusiva. Nesses casos, no entanto, a exclu- Nigéria*
são tinha se baseado em terrenos econômicos, não raciais. No entan- Paquistão
Sudão*
to, os sistemas hierárquicos comunais historicamente têm se mostra- 16 5 3 8
do altamente resistentes à mudança pacífica3. Dessa forma, a concor-
Transtituição Polônia (Nepall Uruguai (África do Sull
rência no interior da oligarquia favorecia a democratização bem-su- Tchecoslováquia Bolívia
cedida na África do Sul; a definição racial de tal oligarquia criava Nicarágua Honduras
Mongólia EI Salvador
problemas para a democratização.
Coréia
Regimes específicos nem sempre se encaixam facilmente em 11 4 5
categorias específicas. No começo dos anos 80, por exemplo, a Substituição Alemanha Portugal Grécia
'Polônia combinava elementos de um sistema decadente de partido Oriental Filipinas Argentina
único e de um sistema de lei marcial com bases milit;ues, liderado Romênia
6 3 2
por um oficial que também era secretário-geral do Partido Comu-
Intervenção Granada (panamál
nista. O sistema comunista na Romênia (assim como sua contra-
2 1 1
partida na Coréia do Norte) começou como sistema de partido úni~
co,. mas nos anos 80 tinha se ülmsformado numa ditadura perso- Totais
35 11 7
'"
~.

~
16
nafista sultanista. Entre 1973 e 1989, o regime chileno era, em f
parte, um regime militar, mas também, diferentemente de outros Nota: O principal critério de democratização é a seleção de um governo através de
uma eleição aberta;competitiva, participatória, honestamente administrada.
regimes militares sul-americanos, em toda a sua existência teve a Os parênteses indicam um país que se liberalizou significativamente mas não se de-
apenas um líder, que desenvolveu outras fontes de poder. Tinha, mocratizou em 1990.
* Indica um país que reverteu ao autoritarismo.
portanto, muitas das características de uma ditadura personalista.
Por outro lado, a ditadura de Noriega, no Panamá, era altamente
personalizada, mas dependia quase inteiramente do poder militar. Na segunda onda, a democratização ocorreu em larga medida
Conseqüentemente, as categorizações da tabela 3.1 devem ser vistas através da imposição externa e da descolonização. Na terceira onda,
como aproximações grosseiras. Onde um regime combinava ele- como vimos, esses dois processos foram menos significativos e limi-
mentos dos dois tipos ele é categorizado em termos do que parecia taram-se, antes de 1990, a Granada, Panamá e a várias antigas colô-
ser seu tipo dominante quando a transição se deu. nias britânicas relativamente pequenas, principalmente na área do
D 118 A TERCEIRA ONDA
.:;::

~ 'J
~ Caribe. Embora as influências externas muitas vezes tenham sido \,.exigências da oposição de eleição direta para presidente, em meados
~ causas significativas das democratizações da terceira onda,,,2s proces,: t-- Ldos anos 80. Cada caso histórico combinou elementos de dois ou
li) sos em si foram predomina.nteIlJ.ente jnter!1os. Tais prqcessos podem mais processos de transição. No entanto, virtualmente todos os casos
ser-localizados ao longo de um contínuum, em termos da importân- históricos aproximaram-se mais claramente de um tipo de processo
cia relativa dos grupos governantes e dos grupos de oposição como do que de outros.
fontes de democratização. Para propósitos analíticos,~J~~il agrupar Como a natureza do regime autoritário se relaciona com a na-
tureza do processo de transição? Como sugere a tabela 3.1, não exis-
:~;:~~~det~:~;p~flar:~i)so~~~:~c~::~d~::1::~r::~:~~id~ tiu uma relação unívoca. No entanto, a primeira teve conseqüências
raram a criação da democracia. ~úbstituiçiô)ruptura**, para Linz) sobre a segunda. ,Com gê~..e.x;çeções~â~ .t.r~siçªe~ ..gç regirn.e;·'
ocorre~ quando ~al,~apel foi desen"lpenhado por.grupos de oposição :2- ?J:i1.i.t~!~_~p.vgJ.y~[~gt!ransf()~!pação
ou trans.tittlição. Nas três exce-
e o regIme autontano entrol;!,,~~so ou fOIderr~bado. O que ~ ções - Argentina, Grécia e Panamá - os regimes militares sofre-
pode ser denominado drtiallstituiçã~),i "ruptforma" bcorreu quan- ~. ram derrotas militares e como resultado entraram em colaps
do a democratização resU1tõtrsuo'stancialmente de uma ação conjun- ~ todos os outros lugares, os governos militares assumiram a liderança
ta dos grupos no governo e na oposiçã04• Em virtualmente todos nas mudanças do regime, às vezes em resposta a pressões populares
casos, tanto os grupos no poder como fora do poder desempenha- da oposição. Os governantes militares tinham mais condições d
ram certos papéis e tais categorias simplesmente distinguem a im- acabar com seus regimes do que os líderes de outros regimes. O
portância relativa do governo e da oposição. chefes militares virtualmente nunca se definiram como governante
Como acontece com os tipos de regime, os casos históricos del permanentes do país. Mantiveram a expectativa de que, uma
mudança de regime não se encaixam necessária e facilmente nas ca- \'(). corrigidos os males que os tinham levado a tomar o poder, abando-
te~o~ias teóricas. Quase todas as tra~si~ões, e não, apenas ~s tra~~tiJ~ ná-Io-iam e retomariam suas funções militares normais. Os militares
tUlçoes, envolvem uma certa negoClaçao - exphclta ou Imphclta, f' tinham um papel institucional permanente, além da política e do
aberta ou oculta - entre governo e grupos de oposição. Às vezes a governo. Em algum ponto, em conseqüência, os chefes militares (ex-
transições começam de um tipo e acabam de outro. No início dos ceto os da Argentina, Grécia e Panamá) decidiram que tinha chega-
anos 80, por exemplo, P. W Botha parecia estar iniciando um pro- do o momento de iniciar um retorno ao governo democrático civil,
cesso de transformação no sistema político sul-africano, mas parou ou de negociar, com os grupos de oposição, o seu afastamento do
antes de democratizá-lo. Enfrentando um ambiente político dife- poder. Quase sempre isso aconteceu após pelo menos uma mudança
rente, seu sucessor, F. W. de Klerk, passou para um processo de ~ na liderança principal do regime militar5•
transtituição, negociando com o principal grupo de oposição. ;;; .Os chefes militares quase invariavelmente colocaram duas con-
dições ou "garantias de sa{dâ"'pâras>é'ãf~;t~~~~-d~põdéf."príffieTia,
Similarmente, os acadêmicos concordam em que o governo brasilei- ~
não deveria haver perseguição, PÜfiíçãõ-õuqliâfqueiõutra retaliação
ro iniciou e controlou o processo de transição por muitos anos. C
contra oficiais militares por quaisquer atos que pudessem ter come-
Alguns argumentam que ele perdeu o controle sobre o processo, co- 'O
tido quando estavam no poder. Segunda, o papel e a autonomia do
mo resultado da mobilização popular e das greves de 1979-80; ou- ~
establíshment militar seriam respeitados, inclusive sua responsabilida-
tros, no entanto, destacam o êxito do governo na resistência às fortes f:
de global pela segurança nacional, sua liderança nos ministérios go-
vernamentais ligados à segurança e, muitas vezes, o controle das in-
* Em espanhol no original (N.T.). dústrias de armamentos e de outras empresas econômicas que tradi-
** Em espanhol no original (N.T.). cionalmente estivessem sob a égide dos militares. A capacidade
garantir a concordância dos líderes políticos civis dependia de seu .' mas onde havia partidos leninistas surgiram questões importantes
poder relativo. No Brasil, no Peru e em outros casos de transfOrmj- ;:YJ referentes à propriedade de ativos físicos e financeiros - perten-
ção, os chefes militares dominaram o processo e os líd~res políticos R ciam ao partido ou ao Estado? O destino de tais ativos também esta-
civis não tiveram escolha a não ser concordar com as exigências. va em questão - deveriam ser mantidos pelo partido, nacionaliza-
Onde o poder relativo era mais equilibrado, como no caso do dos pelo governo, vendidos pelo partido pela maior oferta, ou distri-
Uruguai, as negociações levaram a algumas modificações das deman- buídos de maneira equitativa entre os grupos sociais e políticos? Na
das militares. Os chefes militares gregos e argentinos solicitaram as ';o!) N'icarágua, por exemplo, depois que perderam as eleições, em feve-
mesmas garantias que os outros; no entanto, seus pedidos foram i. reiro de 1990, o governo sandinista aparentemente propôs rapida-
rejeitados pelos líderes civis, e eles tiveram de concordar com uma j- mente "transferir muitas propriedades governamentais para as mãos
renúncia virtualmente incondicional6• dos sandinistas". "Eles estão vendendo casas para eles mesmos, ven-
Dessa forma, era relativamente fácil para os governantes milita-
dendo carros para eles mesmos", afirmou um homem de negócios
res deixar o poder e reassumir seus papéis militares profissionais.
anti-sandinista8• Na Polônia, quando o Solidariedade estava prestes a
Mas o outro lado da moeda é que era também relativamente fácil
assumir o governo, alegou-se coisa parecida, que propriedades gover-
voltar ao poder, caso seus próprios interesses e exigências justificas-
namentais estavam sendo passadas para o Partido Comunista. (No
sem. Um golpe militar bem-sucedido obriga líderes políticos e mili-
Chile, num movimento paralelo, quando o governo de Pinochet
tares a encarar a possibilidade de um segundo golpe. As democracias
saiu do poder, transferiu para o establishment militar propriedades e
da terceira onda que se seguiram a regimes militares começaram a vi-
arquivos que tinham pertencido a outros órgãos governamentais.)
da sob essa sombra.
Em alguns países foi necessário dissolver as milícias partidárias
A transformação e a transtituição também caracterizaram as
ou colocá-Ias sob controle governamental, e em quase todos os
transições dos sistemas de partido único para a democracia no ano
de 1989, exceto na Alemanha Oriental e em Granada. Os regimes de Estados de partido único as Forças Armadas regulares tiveram de ser
partido único tinham uma estrutura institucional e uma legitimida- despolitizadas. Na Polônia, por exemplo, como na maioria dos paí-
de ideológica que os diferenciavam tanto do regime democrático co- ses comunistas, todos os oficiais militares tinham de ser membros do
mo do militar. Ademais, supunham uma permanência que os distin- Partido'Comunista; no entanto, em 1989, membros do exército po-
guia dos regimes militares. A característica distintiva dos sistemas de lonês pressionaram o Parlamento no sentido de proibir os oficiais de
partido único era a íntima interligação entre partido e Estado. Isso pertencer a qualquer partido polític09• Na Nicarágua, o Exército
criava dois conjuntos de problemas, institucional e ideológico, na Popular Sandinista havia sido o exército do movimento, tornou-se
transição para a democracia. também o exército do Estado e teve então de ser convertido em ape-
Os problemas institucionais eram mais severos nos Estados on- nas deste último. Outra questão altamente controversa era definir se
de havia partidos leninistas. Tanto em Taiwan como nos países co- as células partidárias dentro das empresas econômicas deveriam con-
munistas, a "separação entre partido e Estado" era "o maior desafio tinuar a existir ou não. Finalmente, onde o partido único continuou
de um partido leninista" no processo de democratização? Na no poder, havia a questão da relação entre aqueles seus líderes no go-
Hungria, T checoslováquia, Polônia e Alemanha Oriental os disposi- verno e os órgãos partidários superiores, tais como o Politburo e o
tivos constitucionais que definiam o "papel de liderançà' do Partido Comitê Central. No Estado leninista, o último ditava a política ao
Comunista tiveram de ser revogados. Em Taiwan também foram primeiro. No entanto, tal relação dificilmente se compatibilizava
contestados alguns "dispositivos temporários" semelhantes que ha- com a supremacia de órgãos parlamentares eleitos e de gabinetes res-
viam sido acrescentados à Constituição em 1950. Em todos os siste- ponsáveis num Estado democrático.
Como? Processos de democratização

o outro conjunto de problemas era ideológico. Nos sistemas ideológica para um Estado separado; quando a ideologia foi a~an-
de partido único, a ideologia do partido definia a identidade do donada, desapareceu a razão para um Estado da ~emanha Onen-
Estado. Dessa forma, oposição ao partido implicaval.traição ao tal. A ideologia do Kuomintang (KMT.) de~llla o governo. em
Estado. Para legitimar a oposição ao partido, era necessário estabele- Taiwan como o governo da China, e o regIme VIacomo subverSIVos
cer alguma outra identidade para o Estado. Tal problema manifes- os elementos que apoiavam uma Taiwan independente. O proble-
tou-se em três contextos. Primeiro: na Polônia, Hungria, T che- ma aqui era menos grave do que nos outros três. casos, porque a
coslováquia, Romênia e Bulgária, a ideologia e o governo comunis- ideologia legitimava uma aspiração e não uma realIdade. Na verda-
tas tinham sido impostos pela União Soviética. A ideologia não era de, o governo do KMT funcionava porque era o ext,re~amente
essencial para definir a identidade do país. Na verdade, em pelo me- bem-sucedido governo de Taiwan, mesmo que a seus propnos ?~hos
nos três de tais países o nacionalismo se opunha ao comunismo. sua legitimidade dependesse do mito de que era o governo legmmo
Quando os partidos comunistas desistiram de sua pretensão de um de toda a China.
governo incontestado, baseado naquela ideologia, os países redefini- Quando os militares desistem de seu cont~ole sobre o gover~o,
ram-se, de "república popular" para "repúblicà', e restabeleceram o não desistem também de seu controle sobre os mstrumentos de VIO-
nacionalismo, e não a ideologia, como base para o Estado. As mu~ lência com os quais poderiam reass.umir o contro~e d~ ~over?o ..No
danças, assim, ocorreram de maneira relativamente fácil. entanto, a democratização de um SIstema de partIdo UlllCOsIglllfica
Segundo: vários sistemas de partido único onde posteriormente que o partido monopolista coloca em risco.seu con~role sobre ~ go-
se colocou a questão da democratização foram criados por revoluções verno e torna-se mais um partido a compeur num SIstema multIpar-
nacionais. Em tais casos - China, México, Nicarágua e Turquia- tidário. Nesse sentido, sua separação do poder é menos completa do
a natureza e o propósito do Estado eram definidos pela ideologia do que quando os militares se retiram. O partido continua .s~ndo um
partido. Na China, o regime aderiu resolutamente a essa ideologia e ator político. Derrotados nas eleições de 1990, os sandm~stas po-
identificou a oposição democrática ao comunismo como traição ao diam ter esperanças de "lutar de novo outro d~a"e volt~r ao poder
Estado. Na Turquia, o governo seguiu uma política incerta e ambiva- por meios eleitorais 10. Na Bulgária e na Romêllla, os partIdos c?mu-
lente com relação aos grupos islâmicos que desafiavam a base secular nistas ganharam as eleições; em ?U~ros países ~a. Europa Onental
do Estado kemalista. No México, a liderança do Partido Revo- eles tinham expectativas menos OtImIstas de partICIpar de um gover-
lucionario Institucional (PRI) tinha alguns pontos de vista semelhan- no de coalizão em algum momento futuro.
tes quanto ao desafio liberal do Partido Acción Nacional (PAN), de Após a democratização, um partido anteriormente monopo-
oposição, ao caráter revolucionário, socialista, corporativista do lista não está em posição melhor do que qualquer outro grupo po-
Estado concebido pelo PRI. Na Nicarágua, a ideologia sandinista era lítico para restabelecer um sistema autoritário. O. partido abre mã~
a base não apenas do programa de um partido, mas também da legi- de seu monopólio de poder, mas não da oportullldade d:.compeur
timidade do Estado criado pela revolução nicaragüense. pelo poder através de meios democráticos. Quand~ os mtltt:res vol-
Terceiro: em alguns casos a ideologia do partido único definiu tam aos quartéis, abrem mão de ambos, mas tambem mantem a ca-
tanto a natureza do Estado como seu âmbito geográfico. Na pacidade de readquirir o poder por meios não-de~ocr~ti~os. Con-
Iugoslávia e na União Soviética, a ideologia comunista forneceu a seqüentemente, a transição de um sistema de partIdo UlllCOpa~a a
legitimidade ideológica para a criação de Estados multinacionais. Se democracia em geral é mais difícil do que a transição de um regIme
a ideologia fosse rejeitada, desapareceria a base paq o Estado, e ca- militar para a democracia, mas em geral também é mais p~rm~n:n-
da nacionalidade poderia, legitimamente, reivindicar seu próprio tell. As dificuldades de transformação dos sistemas de partIdo ~lllCO
Estado. Na Alemanha Oriental, o comunismo propiciou a base talvez se reflitam no fato de que em 1990 os líderes de TaIwan,
México e União Soviética haviam iniciado a transição de seus regi- lizão governante, os conservadores, os reformistas liberais e os refor-
mes mas estavam se movendo muito lentamente na direção da de- madores democratas; na oposição, os democratas moderados e os
mocratização total. revolucionários extremistas. Nos sistemas autoritários não-comunis-
Os .líderes de ditaduras personalistas mostraram-~e em geral tas, os conservadores no governo normalmente eram vistos como
menos dIspostos a abandonar voluntariamente o poder do que os lí- direitistas, fascistas e nacionalistas. Os adversários da democratização
deres dos regimes militares e dos regimes de partido único. Os dita- na oposição eram normalmente esquerdistas, revolucionários e mar-
dores personalistas dos países que transitaram para a democracia, xistas-leninistas. Os defensores da democracia, tanto no governo co-
bem como os de países que não o fizeram, normalmente tentaram mo na oposição, ocupavam posições intermediárias no continuum
permanecer no poder o máximo de tempo possível. Isso muitas vezes esquerda-direita. Nos sistemas comunistas, a esquerda e a direita
criou tensões entre um sistema de bases políticas estreitas e uma eco- eram menos claras. Os conservadores normalmente eram tidos por
nomia e uma sociedade cada vez mais complexas e modernasl2. stalinistas ou brejnevistas. Na oposição, os adversários extremistas da
Também levou, eventualmente, à derrubada violenta do ditador, tal democracia não eram esquerdistas revolucionários, mas, muitas ve-
como aconteceu em Cuba, Nicarágua, Haiti e Irã, e à sua substitui- zes, grupos nacionalistas tidos como direitistas.
ção por outro regime autoritário. Também na terceira onda de de-
mocratização, ditaduras personalistas foram derrubadas por levantes
em Portugal, nas Filipinas e na Romênia. Na Espanha, o ditador
morreu e seus sucessores lideraram um caso clássico de transforma-
ção democrática por cima. Na Índia e no Chile, os líderes no poder I
Reformadores
su~meteram-se a eleições, na aparente mas equivocada crença de que
\ Governo Democratizadores Liberais
senam c9nfirmados no poder. Quando isso não aconteceu, eles, di-
ferentemente de Marcos e de Noriega, aceitaram o veredito eleitoral. I Radicais Moderados
Oposição Extremistas Democratas
Nos casos de regimes sultanistas, as transições para a democracia fo-
ram dificultadas pela fraqueza dos partidos políticos e de outras ins- , Figtira 3.1 Grupos políticos envolvidos na democratização.
\
tituições. Assim, as transições para a democracia a partir de ditadu-
ras personalistas ocorreram quando o ditador morreu e seus sucesso-
res decidiram-se pela democratização, quando o ditador foi derruba- No interior da coalizão governante, muitas vezes alguns grupos
do e quando ele, ou ela, calculou mal o apoio que poderia obter nu- vieram a favorecer a democratização, enquanto outros se opunham a
ma eleição. ela, e outros, ainda, apoiavam uma reforma ou liberalização limita-
das (ver figuta 3.1). As atitudes da oposição com relação à democra-
cia normalmente também se dividiam. Os defensores da ditadura
existente sempre se opunham à democracia; os adversários da dita-
dura existente muitas vezes se opunham à democracia. No entanto,
quase invariavelmente, eles usavam a retórica da democracia em suas
As transições da terceira onda foram processos políticos com- tentativas de substituir o regime autoritário existente por outro
plexos que envolveram uma série de grupos em luta pelo poder, a fa- que fosse deles. Assim, os grupos envolvidos na política da demo-
vor e contra a democracia e outras metas. Em termos de sua atitude cratização tinham objetivos tanto comuns como conflitantes. Refor-
em relação à democratização, os participantes cruciais foram: na coa- madores e conservadores dividiam-se a respeito da liberalização e da
democratização mas, presumivelmente, tinham em comum o inte- poder suficiente para resistir e produzir uma democratização através
resse de restringir o poder dos grupos dé oposição. Moderados e ra- do mecanismo constitucional de Francol3• Quando os grupos demo-
dicais tinham em comum o interesse de derrubar o regi,me existente cráticos eram fortes na oposição mas não no governo, a democratiza-
e chegar ao poder, mas discordavam quanto ao tipo de novo regime ção dependia de acontecimentos que solapassem o governo e levas-
que deveria ser criado. Reformadores e moderados tinham em co- sem a oposição ao poder. Quando os grupos democráticos eram do-
mum o interesse de criar a democracia, mas muitas vezes se dividiam minantes na coalizão governante, mas não na oposição, o esforço pe-
quanto aos custos de sua criação e quanto à divisão do poder. la democratização poderia ser ameaçado pela violência rebelde e por
Conservadores e radicais eram totalmente antagônicos quanto a um aumento do poder dos grupos conservadores, possivelmente le-
quem deveria governar, mas tinham em comum o interesse no enfra- vando a um golpe de Estado.
quecimento dos grupos democráticos de centro e na polarização da As três interações cruciais nos processos de democratização da-]
política na sociedade. vam-se entre governo e oposição, entre reformadores e conservado-
As atitudes e os objetivos de determinados indivíduos e gru- res na coalizão governante e entre moderados e extremistas na opo-
pos às vezes mudavam no processo de democratização. Se a demo- sição. Em todas as transições essas três interações centrais desempe-
cratização não levasse aos perigos que elas temiam, muitas pessoas nharam algum papel. A importância relativa e o caráter conflitivo ou
que tinham sido reformadores liberais ou mesmo conservadores cooperativo de tais interações, no entanto, variavam com a natureza
poderiam vir a aceitar a democracia. Da mesma forma, a participa- global do processo de transição. ~as t~~nsf~HlJl~Q.e~, a interação en-
ção nos processos de democratização podia levar os membros de tre reformadores e conservadores no interior da coalizão governante
grupos extremistas de oposição a moderar suas propensões revolu-
cionárias e a aceitar as restrições e oportunidades que a democracia
era de importância central; e a transformação só acontecia se os re- B [:::'
formadores fossem mais fortes do que os conservadores, se o gover-
oferecia.
no fosse mais forte do que a oposição e se os moderados fossem mais
O poder relativo dos grupos moldava a natureza do processo de fortes do que os extremistas. À medida que avançava a transforma-
emocratização e muitas vezes se modificava durante tal processo. ção, os moderados da oposição muitas vezes eram cooptados para a
Quando os conservadores dominavam o governo e os extremistas coalizão governante, enquanto os grupos conservadores que se opu-
dominavam a oposição, a democratização era impossível, como, por nham à democratização abandonavam o governo. Nas substituições,
exemplo, no caso de um ditador personalista de direita, decidido a se as interações entre governo e oposição e entre moderados e extremis-
aferrar ao poder, e uma oposição dominada pelos marxistas-Ieninis-
tas eram importantes; a oposição eventualmente tinha de ser mais
tas. A transição para a democracia era, é claro, mais fácil quando os
forte do que o governo, e os moderados tinham de ser mais fortes do
rupos a favor da democracia dominavam tanto o governo como a
que os extremistas. Muitas vezes, as sucessivas defecções dos grupos
o osição. No entanto, as diferenças de poder entre moderados e re-
~. ormadores definiam a forma do processo. Em 1976, por exemplo, a levavam à queda do regime e à inauguração do sistema democrático.
~_nstitll5.~e~? a interação central se dava ~nt~e r~f~rmadores e
oposição espanhola exigia um "rompimento democrático" completo,
moderados entre os quais não houvesse uma dlstnbUlçao de poder
uma ruptura* com o legado de Franco, a criação de um governo
muito desigual, em que cada um deles era capaz de dominar os gru-
provisório e a eleição de uma Assembléia Constituinte que formulas-
pos antidemocráticos de seu lado da linha que dividia o governo e a
se uma nova ordem constitucional. No entanto, Adolfo Suárez tinha
oposição. Em algumas transtituições, o governo e os grupos ante-
riormente de oposição concordavam pelo menos com uma divisão
de poder temporária.
à duração. Na Espanha, menos de três anose meio depois da mor-
te de Franco um primeiro-minisu<;-(IemocratÍzador tinha substituí-
Nas transformações, os detentores do poder no regime autori- do um liberalizador, a legislatura de Franco tinha votado o fim do
tário tomam a frente e desempenham o papel decisivo para acabar regime, a reforma política tinha sido sancionada num plebiscito, os
partidos políticos (inclusive o Partido Comunista) haviam sido le-
com o regime e transformá-Io num sistema democrático. A li_~~
galizados, uma nova Assembléia havia sido eleita, uma Constituição
entre transformaçÕes e transtituições é imprecisa, e alguns casos 1',()-
democrática tinha sido elaborada e aprovada num plebiscito, os
CIém se~legitimamente cIassíficados em qualquer uma das duas ca~
principais atores políticos haviam chegado a um entendimento
tegorias. No geral, entretanto, as transformações foram responsáveis
quanto à política econômica e haviam sido realizadas eleições parla-
por 16 das 35 transições da terceira onda que já haviam acontecido,
mentares já sob a nova Constituição. Suárez disse a seu gabinete
ou pareciam estar a caminho, no final da década de 1980. Entre es-
que "sua estratégia seria baseada na velocidade. Ficaria à frente do
ses 16 casos de liberalização ou de democratização estavam mudan-
jogo, introduzindo medidas mais rapidamente do que os continuis-
ças de cinco sistemas de partido único, três ditaduras personalistas
tas* do regime de Franco poderiam respondê-Ias". No entanto, em-
e oito regimes militares. A transformação exige que o governo selã)
bora as reformas tenham sido comprimidas num pequeno período
mais forte do que a op~çã~: ConseqÜentemente, ela ocorreu em' b
de tempo, elas foram realizadas seqüencialmente. Por essa razão,
regimes militares bem estabelecidos, em que os governos claramen- S afirmou-se que, "fazendo as reformas de maneira atordoante, Suárez
te controlavam os meios básicos de coerção da oposição, e/ou em,
evitou antagonizar muitos setores do regime franquista ao mesmo
sistemas autoritários que tinham sido bem-sucedidos economica- {-
tempo. O último conjunto de reformas democráticas provocou
mente, tais como na Espanha, no Brasil, no México, em Taiwan ~
hostilidade aberta dos militares e de outros franquistas da linha-du-
entre os outros Estados comunistas, na Hungria. Os líderes de tais ra, mas o presidente [Suárezljá tinha obtido grande apoio e toma-
países tinham o poder de levar seus países para a democracia caso do muito impulso". Na realidade, Suárez seguiu aí uma versão alta-
quisessem fazê-lo. Em todos os casos a oposição era, pelo menos no mente comprimida do padrão kemalista de reforma - "Estratégia
início do processo, evidentemente mais fraca do que o governo. No fabiana, tática de blitzkrieg"16.
.fuasiL por exemplo, Stepan observou que, quando "a liº,f:!~Jlzação. No Brasil, em contraste, o presidente Geisel determinou que a
começou, não havia uma oposição política significativa, nenhuma mudança política seria "len.!~.g!~4~~~~ri~. O processo come-
crise econÔmÍêa e"Ílenhum colapso do aparato coe~dtF~ dev«IOã ( çou ao final do governo Médici, emQ2ZJJ continuou nos governos
. qualquei:' derrota militar"14. No Brasil e em outros lug~r~~-ãs p~~ i de Geisel e de Figueiredo, saltou à frente com a instalação de um
soas mais bem situadas para acabar com o regime autoritário eram I presidente civil em 1985 e culminou com a adoção de uma nova
os líderes do regime - e foi o que fizeram. ',' C~ituição em 1988 e com a eleição popular do presidente em
Os protótipos de transformação foram a.,fupanba, o Brasil e, ~. C[9~2JAos movimentos em prol da democratização decretados pelo
entre os regimes comunistas, a Hungria. O caso mais important~ ~ regime, intercalaram-se ações destinadas a tranqüilizar os militares e
caso se materialize, será a Ulli.ão Soviética.~traE~!s:~o,~~:l_sjleiraf0.Áf7" civis de linha-dura. Com efeito, os presidentes Geisel e Figueiredo
uma '~ilizaçã~Lp.QL.cima", ou u~a "liberalização iniciada pelo \ I seguiram uma política de dois passos à frente, um passo atrás. O re-
-regime". Na Espanha, ela foi realizada "por elementos reformistas I sultado foi uma democratização vagarosa, .naqrnUo contrºl~_ºogo-
associados aos responsáveis pela ditadura, iniciando processos de I _y'~rnQsobre o processQjamais (()i~~r~~~~.!!!~a..}11ea.ç~42'
Em 1973, o
mudança política a partir do interior do regime estabelecido" 15. ! --- '; t~ru " ç! CO~
No entanto, as duas transições diferiram significativamente quanto ~ Em espanhol no original (N.T.). -.-- •.•... -
Brasil tinha uma ditadura militar repressora; em 1989, era uma de- foram muito claras. No entanto, podem ser agrupadas em cinco
mocracia total. Costuma-se datar a inauguração da democracia no ~ categorias. Primeira: ~ reform~~<.?.!-~§.,_lll.!!~t~~.yezes_s:o!1clllfam .qu~
Brasil em janeiro de 1985, quando o colégio eleitoral esrolheu um .{' os ct1.s.tosda permal?:~!1-5:1<l.nQJ,ºder - tais como a politização de
presidente civil. No entanto, não houve, d.: ~a,~o,ne?hutll c?~~e~l~~1\ suas Fórças~Ãimadas, a divisão da coalizão que os apoiava, o enfren-
ro; a característíêãêlã:'ffuD".s.Iõrffiªª"<f15ià§ileira
é ser vlrtualm.em~J!!1-=--
\, tamento de problemas aparentemente insolúveis (normalmente
-'p~~síyeL(fi~~i:~_ê-elAgll~l1ºmQQ_Brasil deixou de ser umaditadw~ econômicos) e a crescente repressão - _~i.!1~a!!!_.aJç.a..ll,çªd_Qg.PQIlt2 __
. tornolJ.:5ee-UmaJiem.llWcia..- em que se tornava.~e~~jAyelumas.aída eleg~.ntedo.poder. Os líderes
.. ~~-A Espanha e o Brasil foram os protótipos de mudanças por ci- dos regimes militares eram particularmente sensíveis aos efeitos cor-
ma, e o caso espanhol, em particular, tornou-se o modelo para sub- rosivos do envolvimento político sobre a integridade, o profissiona-
seqüentes democratizações na América Latina e na Europa oriental. lismo, a coerência e a estrutura de comando dos militares. "Todos
Em 1988 e 1989, por exemplo, os líderes húngaros conversaram nós, direta ou indiretamente", observou o Gal. Morales Bermudez
exaustivamente com os líderes espanhóis sobre as maneiras de intro- quando liderou o Peru na direção da democracia, "éramos testemu-
duzir a democracia, e em abril de 1989 uma delegação espanhola foi nhas do que estava acontecendo com essa instituição fundamental
a Budapeste oferecer assessoria. Seis meses mais tarde um comenta- para nossa pátria e, da mesma maneira, com as outras instituições.
dor apontou as similaridades das duas transições: E não queríamos isso". De modo semelhante, o Gal. Fernando
Matthei, chefe da força aérea chilena, advertia: "Se a transição para
Os últimos anos da era Kadar apresentavam algumas semelhanças
a democracia não for iniciada prontamente, iremos arruinar as
com o autoritarismo benevolente do final da ditadura de Franco.
Nessa comparação Imre Pozsgay desempenha o papel do príncipe Forças Armadas de uma maneira tal que nenhuma infiltração mar-
juan Carlos. É o símbolo tranqüilizador de continuidade, no meio de xista conseguiria"18.
uma mudança radical. Economistas de mentalidade liberal com vín-
Segunda: em alguns casos, os reformadores desejavam reduzir
culos com o velho establishment e a nova classe empresarial consti-
tuem a elite tecnocrática para a transição, tal como aconteceu na
os riscos que enfrentavam de manter-se no poder e eventualmente
Espanha com as novas elites burguesas associadas ao Opus Dei. Os vir a perdê-lo. Se a oposição parecia estar ganhando forças, organizar'
partidos de oposição também figuram nessa analogia, emergindo do uma transição democrática era uma maneira de evitar tal situação.
subsolo de maneira muito semelhante à dos exilados espanhóis logo
que se mostrar tornou-se seguro. E, como na Espanha, os oposicionis-
Afinal de contas, é preferível arriscar-se a perder o cargo do que ar-
tas húngaros - moderados em estilo, radicalmente democráticos em riscar-se a perder a vida.
substância - estão desempenhando um papel vital na reinvenção da Terceira: em alguns casos, que incluem Índia, Chile e Tur-
democracia 17.
quia, os líderes autoritários acreditavam que nem' eles ~~'~eúSãs-
sociados perderiam suas posições. Tendo se comprometido a res-
As transformações da terceira onda normalmente evoluíram taurar as instituições democráticas, e diante de um apoio e de uma
através de cinco fases princip~i.s, quatro das quais ocorridas durante legitimidade cada vez menores, .E~i~.f2o.~_t:a.Il~~~_c:>'p!~va~ p~rt~n-
o regime autoritário. . _~~~.!~l!~~~ua leg!.timidade através d<LYQ!O, na suposição de que
Aparecimento dueformqdoref. O primeiro passo era o aparecI- os eleitores iriam mantê-Ios no poder. Tal suposição normalmente
mento, no interior do regime autoritário, de um grupo de líderes, estava errada. (Ver a discussão sobre "eleições surpreendentes",
ou de líderes em potencial, que acreditasse que, ºJnQYimerl!~~a_~~- abaixo, p. 174 e ss.)
reção da democtaCia,era.dese~~ ouae,~árto. ~3~~_cheg~ra.~ Quarta: muitas vezes os reformadores agedÍ!~vam que a demo-
a tal conclusão? As razões pelas quais as pessoas se tornaram refor- P<l;!~~viri(lauIIl~rii:~rlgª JegÍticii~-
. .c:~~tizaçã()traria ben_çfí.f.iºH~.a.t:;U>'
;;d~~~ de~~ratas variaram muito de país para país e raramente dade internacional, redu:ziras.sançÕesdos Estados Uni~os ou outras
sanções contra seu regime e abrir as portas ~ ~ssistência ~conômica e para preservar "os militares como instituição". Em si mesmo, o deba-
militar, aos empréstimos do Fundo Monetano Interna~lOnal (~MI),
te sobre a decisão de sair ou não sair do governo torna-se um argu-
aos convites de Washington e às reuniões internacion~Is dommadas mento para que saiam do governo.
pelos líderes da aliança ocidental. .
AqufsifiJ!A~1!ºier,. :Nãº.ºªsta,vª.exigifem refof.lI1éldoresdemo-
Finalmente: em muitos casos, em que se mcluem Espanha,
crat~s_!1()i!1teriorde um regime autor.it<Írio,eles tinham 'de ter poder
<"} ~, Hungria, Turquia e alguns out~os regimes mi~}tares,?,srefor-
naquele .E.e.,gi~<::;Como isso aconteceu? Em três casos, os líderes que'
madores acredit~,:,am_guea demo.craCIaera a forma corre.t~__~e ~o- criaram o regime autoritário presidiram sua transição para a demo-
verno e que seu país.tinJlà'"evoI~ído até o pO,nto em ~ue, como.ou- cracia. Na Índia e na Turquia, os regimes autoritários foram defini-
tros países desenvolvIdos e respeitados, tambem devena ter um sIste-
dos, desde o início, como interrupções nos padrões formais da de-
ma político democrático. . . ~ mocracia. Os regimes tiveram vida curta, terminando em eleições
Em geral, os reformadores liberais tendiam a ver a lIberallZaçao
organizadas pelos líderes autoritários, na falsa antecipação de que
t) como uma maneira de diluir a oposição a seu regime sem democra-
eles próprios ou os candidatos que eles apoiavam iriam ganhar as
\t tizá-Io totalmente. Reduziriam a repressão, restau~ariam algumas ~i- eleições. No Chile, o general Pinochet criou o regime, ficou no po-
~ erdades civis, diminuiriam a censura, concordanam com uma d~s- der por 17 anos, estabeleceu um longo esquema de transição para a
cussão mais ampla das questões públicas e permitiriam que a SOCIe-
democracia, implementou tal esquema supondo que os eleitores
dade civil - associações, igrejas, sindicatos, organizações empresa-
iriam mantê-Io no poder por mais oito anos, e saiu relutantemente

;r<) Giais -.t ..ive.sse m.aio.r.l.iber..d.ad.e.n..a ~ondu.çã~ ~e suas ativ~~ades..N()__


entanto, os liberalizadores.não.desepy.aIll e1e çoesCQm.+!~t1tlvas,
1 c0l!l.,
quando isso não aconteceu. Em outros casos, aqueles que criaram os
regimes autoritários ou que os lideraram por longos períodos não as-
~ . articipação plena, que pude$semlevar a urn,a mu.4ª!1w.d~.p~~~ sumiram a liderança do processo de levá-Ios ao fim. Em todos esses
Desejavam um autoritarismo mais ameno, maISgentll, maISseguro e
casos, a transição ocorreu porque os reformadores substituíram os
estável mas sem alterar fundamentalmente a natureza do sistema. conservadores no poder.
l,.1 \ / NãQJlá ciúviciade que alguns ..dos.pIQpdQSrefor}Aaclº[e§-L1_ãE.,~~
Os reformadores chegaram ao poder nos regimes autoritários
,,<\ \ segurallçaqUallto ao pontoe~que ..deseJavam ch~ga~ na aber~~ de três maneiras. Primeira, na Espanha e em Taiwan, morreram os
I' Lpolítica do país. E não há dúvIda de que eles tambe~ as vezes acha-
líderes fundadores e que por muito tempo controlaram o poder,
vam necessário mascarar suas intenções: os democratlzadores busca-
Franco e Chiang Kaishek. Os sucessores por eles designados, Juan
vam tranqüilizar os conservadores, dando a impressão de que esta-
Carlos e Chiang Chingkuo, assumiram o poder, mostraram-se sensí-
vam apenas liberalizando; os liberalizadores tentavam ganhar um
veis às enormes mudanças sociais e econômicas que tinham ocorrido
apoio popular mais amplo, dando a im~re~são de que estavam de-
em seus países e começaram o processo de democratização. Na
mocratizando. Conseqüentemente, multlplIcaram-se os debates so-
União Soviética, as mortes, em menos de três anos, de Brejnev,
bre o ponto em que Geisel, Botha, Gorbachev e outros "realmente"
Andrópov e T chernenko permitiram que Gorbachev chegasse ao po-
queriam chegar. . der. Num certo sentido, Franco, Chiang e Brejnev morreram na ho-
O aparecimento de liberalizadores e de democr~tlz~dores no ra certa; Deng Xiao-ping, não.
interior de um sistema autoritário gera uma forçade pnmeI.r~ ()!_4em
\ No Brasil e no México, o próprio sistema autoritário garantia a
para a mudança. po!ític;a.No entanto, também ~ode ter.u.m efeito de mudança regular da liderança. Com isso, era possível, mas não ne-
segunda ordem. Nos regimes militares, em partlcular, ~1Vldeo grupo cessário, que os reformadores assumissem o poder. No Brasil, como
governante, politiza ainda mais os militares e leva, aS~Im,outros ofi-
\ já se mostrou, existiam duas facções entre os militares. A repressão
ciais a acreditarem que "os militares como governo' devem acabar L..iliingiu seu máximo entre 1969 e 1972, durante a presidência de
Médici, um general da linha-dura. Ao final de seu mandato, após
uma grande luta no interior do establíshment militar, o grupo da
Sorbonne, mais flexível, conseguiu garantir a indicação tio general
Ernesto Geisel para presidente, em parte porque seu irmão era mi-
nistro da Guerra. Guiado por seu principal associado, o general
Golbery do Couto e Silva, Geisel começou o processo de democrati-
zação e agiu no sentido de garantir que ele, por sua vez, seria sucedi-
do em 1978 por outro membro do grupo da Sorbonne, o general
João Batista de Figueiredo. No México, em 1981, o presidente José
Lopez Portillo, prestes a terminar o mandato, seguiu a prática pa-
drão e escolheu seu ministro de Planejamento e Orçamento, Miguel
de Ia Madrid, como sucessor. De Ia Madrid era um liberalizado r
econômico e social, e rejeitando os candidatos mais tradicionais, da CC
'-'" O>
'":;;
" "C

velha-guarda, escolheu um jovem tecnocrata reformista, Carlos ~ e "C


0>0
ICe

~ .~~ ~~
Salinas, para continuar o processo de abertura. > o cce.>
~E Ei1l
Onde os líderes autoritários não morreram ou não eram troca-
dos regularmente, os reformistas democratas tiveram de expulsar o
governante e instalar uma liderança pró-democrática. Nos governos
militares, exceto o Brasil, isso significou a substituição, via golpe de
Estado, de um líder militar por outro: Morales Bermudez subs-
tituiu Velasco no Peru; Poveda substituiu Rodríguez Lara no
Equador; Mejía substituiu Gowon na Nigéria19• No sistema de par-
tido único da Hungria, numa conferência especial do Partido em
maio de 1988, os reformadores mobilizaram suas forças e depuse-
ram Janos Kadar, o velho governante, substituindo-o na Secretaria
Geral por Karoly Grosz. Este, no entanto, era apenas um semi-re-
formista, e um ano mais tarde o Comitê Central substituiu-o por
uma comissão de quatro pessoas dominada pelos reformadores. Em
outubro de 1989, um deles, Rezso Nyers, tornou-se presidente do ~ -'O>"
....•
cc .r:
Partido. Na Bulgária, no outono de 1989, líderes comunistas com <5 N
i:j 'Cij
li) o
-'"
propósitos reformadores expulsaram Todor Jívkov da posição de ~ cc
"C O>
:::l o
e.>
o" 20
:.::
"E
O>
O> <: "o .ê' e.> ::ãE o oS!
~ " :<:'"" ~
e.> O> e.> >
:3
li)
o
domínio que ocupava havia 35 anos. As mudanças de liderança as-
O>
li) ==
o
"C
o
cc
ã;

'O>
li)
o "
~ ~ cc
cc_
cc "C to
~ O>
.r: -',;::"
"
o
(!l a: > ::ãE a: LL Ual U
cc
:.:: c- >
o e.>
I- ~
U
sociadas a algumas reformas liberalizadoras e democratizadoras es-
tão resumidas na tabela 3.2. :;
cc CI)
~ lã cc o
O fracasso da liberalização. Uma questão crítica na terceira .~ o E .r:
"cc .~ o "C
.~
li)
'Cij 'O>
"C
cc 'ii; ~ "
cc
e.> cc CI)

"'":::l
:::l 2
~ cc 'x e.> 'CC

onda referia-se ao papel dos reformadores liberais e à estabilidade c-


z'" o- O>
c- al
:::l
c.
li)
,~

cc 'o> 'c CI)


a: '"
:;
LU (!l LU I- :I: ::ãE ,~ ::> al
de uma política autoritária liberalizada. Os reformadores liberais
que sucederam os líderes conservadores normalmente acabaram tentou transformar-se de conservador em liberalizador; isso levou às
sendo figuras da transição, com breves estadias no poder. Em manifestações dos estudantes da Politécnica e à sua sangrenta re-
Taiwan, na Hungria e no México, os liberalizadores rapidamente pressão; seguiu-se uma reação, e o liberalizador Papadopoulos foi
foram sucedidos por reformadores mais democratas. No Brasil, substituído pelo linha-dura Ioannidis. Na Argentina, o general
embora alguns analistas tenham dúvidas, parece razoavelmente cla- Roberto Viola sucedeu o general linha-dura Jorge Videla na presi-
ro que Geisel e Golbery estavam comprometidos desde o início dência e começou a liberalizar. Isso levou a uma reação entre os mi-
com uma democratização bastante significativa20. Mesmo que eles litares, à queda de Viola e à sua substituição pelo generallinha-du-
apenas pretendessem liberalizar o sistema autoritário sem substituí- ra Leopoldo Galtieri. Na China, o poder máximo supostamente ca-
10, Figueiredo estendeu o processo até a democratização. "Tenho bia a Deng Xiao-ping. Em 1987, no entanto, Zhao Ziyang tornou-
de fazer deste país uma democracia", disse em 1978, antes de assu- se secretário-geral do Partido Comunista e começou a abrir o siste-
mir o cargo, e foi o que fez21. ma político. Isso levou às maciças manifestações estudantis na pra-
Na Espanha, o almirante Carrero Blanco, primeiro-ministro e ça Tiananmen em 1989 que, por sua vez, provocaram uma reação
de linha-dura, foi assassinado em dezembro de 1973, e Franco indi- da linha-dura, o esmagamento do movimento estudantil, a derru-
cou Carlos Arias Navarro para sucedê-lo. Arias era o reformista libe- bada de.Zhao e sua substituição por Li Peng. Na Birmânia, o Gal.
ral clássico. Desejava modificar o regime de Franco para poder pre- Ne Win, que governou por 26 anos, ostensivamente abandonou o
servá-lo. Num famoso discurso em 12 de fevereiro de 1974, propôs cargo em julho de 1988 e foi substituído pelo Gal. Sein Lwin, ou-
uma abertura (apertura) e recomendou uma série de reformas mo- tro linha-c\ura. Os protestos crescentes e a violência forçaram Sein
destas, que incluíam, por exemplo, a permissão de funcionamento Lwin a sair~m três semanas. A ele sucedeu um civil, supostamente
de associações políticas, mas não de partidos políticos. Ele "era, de moderado, Maung Maung, que propôs eleições e tentou negociar
coril.ção, conservador e franquista demais para realizar uma verda- com os grupo~ de oposição. No entant~, os protestos continuaram
\
deira democratização do regime". Suas propostas de reforma foram e em setembro\o exército depôs Maung Maung, assumiu o contro-
torpedeadas pelos conservadores do bunker, inclusive Franco; ao le do governo, reprimiu sangrentamente as manifestações e acabou
mesmo tempo, as propostas estimularam a oposição a pedir uma com o movimel1to de liberalização.
abertura mais ampla. No final, Arias "desacreditou o aperturismo, OScc.iile~ do liberalizadl:u:lkªJªmp;g.ç~.o.a~ experiêll.Qªs
assim como Carrero tinha desacreditado o imobilismo"22. Em no- X
d_e W.8otha..4.MilduiLGorba.chev. Os dois líderes introduziram
vembro de 1975, Franco morreu e Juan Carlos sucedeu-o como grandes reforma~ liberalizadoras em suas sociedades. Botha chegou
chefe de Estado. Juan Carlos comprometeu-se a transformar a ao poder em 191'8, com o slogan "Adaptar-se ou morrer", e legalizou
Espanha numa verdadeira democracia parlamentar ao estilo euro- os sindicatos netros, derrubou as leis de casamento, estabeleceu zo-
peu, Arias resistiu à mudança e, em julho de 1976, Juan Carlos nas mistas de cómércio, conferiu cidadania aos negros das cidades,
substituiu-o por Adolfo Suárez, que agiu rapidamente no sentido permitiu-lhes o~ter títulos de propriedade, reduziu substancialmen-
de introduzir a democracia. te o apartheid m~is comezinho, aumentou significativamente os gas-
No entanto, a transição a partir do autoritarismo liberalizado tos com instrução para os negros, aboliu as leis do passe, criou con-
poderia ir tanto para a frente como para trás. Uma abertura limita- selhos nos bairro~ negros, constituídos eleitoralmente, e criou câma-
díl podia criar expectativas de maiores mudanças que poderiam le- ras de deputados de asiáticos e mestiços, embora não de negros.
var a instabilidade, rebeliões e violência; isso, por sua vez, poderia Gorbachev abriu'l,a discussão pública, reduziu significativamente a
provocar uma reação antidemocrática e a substituição da liderança censura, desafiou dramaticamente o poder do aparato do Partido
liberalizadora por líderes conservadores. Na Grécia, Papadopoulos Comunista e intr~duziu pelo menos formas modestas de responsabi-
lidade governamental perante uma legislatura eleita. Ambos deram ~.~Q1_~I~~ç!'-Qlt4~jQUenta.da>-.aJiberalizaçãº. e~timlll,?.u
às suas sociedades novas constituições que incorporavam muitas re- o desejQ_dec_demJ>ÇJ:ã!i'Z,a,~~o.~!Il ~.z.ll!1sg.r.ºP()S
eu desejo..de..repressão
formas e também criavam novos e grandes poderes para p presiden- emogU':.Qli.A experiência da terceira onda sugere, de maneira clara,
te, cargos que então assumiram. Parece provável, no entanto, que que o autoritarismo liberalizado não tem um equilíbrio estável; me-
nem Botha nem Gorbachev desejavam mudanças fundamentais em tade de uma casa não fica de pé.
seus sistemas políticos. Suas reformas destinavam-se a melhorar e Lqj!.il!jZtMd!.E!!!ff •.tniE.-suljygan.dq os co,!se!!!'!:.4f!ref'A conquis-
moderar, mas também a proteger o sistema existente e torná-Io mais ta d~poder permitia que os reformadores começassem a democrati-
aceitável a suas sociedades. Eles próprios disseram isso muitas vc:;zes. zar, mas não acabava com a capacidade dos conservadores de enfren-
Botha não pretendia acabar com o poder dos brancos; Gorbachev tar os reformadores. Os elementos conservadores do que antes fora a
não pretendia acabar com o poder dos comunistas. Como reforma- coalizão governante - o bunker franquista na Espanha, os militares
dores liberais, eles desejavam mudar, mas também preservar, os siste- de linha-dura no Brasil e em outros países latino-americanos, os sta-
mas que comandavam e em cujas burocracias fizeram suas carreiras. linistas na Hungria, a velha-guarda do continente no KMT, os líde-
As reformas liberalizadoras mas não democratizantes de Botha res do partido e a burocracia no PRI, a ala Verkrampte no Partido
estimularam maiores demandas dos negros sul-africanos, no sentido Nacional - não desistiram facilmente. Nas burocracias governa-
de sua plena incorporação ao sistema político. Em setembro de 1984 mental, militar e partidária os conservadores agiram no sentido de
os bairros negros explodiram em protestos que levaram a violência, deter ou diminuir a velocidade do processo de mudança. NQ§.§..iste.~
repressão e utilização de forças militares. No mesmo mOp-1entoaca- }ll.a,~.que nã.Q_~amde_..partido único - Brasil, Equador, Peru,
baram as tentativas reformistas, e Botha, o reformista, ,passou a ser Guatemala, Nigéria e Espanha -grllPo~ milÜa)."~~_c_QOS.elYa.d.9r~.§
visto como Botha, o repressor. O processo de reforma ~óvoltou a se t.~})
tatªffi.gQlp.es.de,~g'!.d()_eJizeram outros ~~f.2.rs..os Q!!!"~d~salojar__ ?s_
dar em 1989, quando Botha foi substituído por F. ~/de KIerk, cu- reforrnadQres cio poder. Na África do Sul e na Hungria, as facções
jas reformas, mais amplas, foram criticadas por Botha e provocaram . conservadoras romperam com os partidos dominantes, acusando-os
seu afastamento do Partido Nacional. Em 1989 e ell1199ü, as refor- de trair os princípios fundamentais em que os partidos se baseavam.
mas liberalizadoras mas não democratizadoras parFciam estimular Os governos reformistas tentaram neutralizar a oposição con-
levantes, protestos e violência comparáveis na 1fnião Soviética. servadora, enfraquecendo, tranqüilizando e convertendo os conser-
Como na África do Sul, grupos comunais lutavam (entre si e contra vadores. A oposição à resistência conservadora muitas vezes exigia
as autoridades centrais. O dilema de Gorbachev eli<lclaro. Avançar uma concentração de poder nas mãos do principal executor das re-
mais, na direção de uma democratização total, sig~ficaria não ape- formas. Geisel definia-se como "o ditador da abertura*" para forçar
nas o fim do poder comunista na União Soviética, \lias, muito pro- .os militares brasileiros a se afastarem da política24.Juan Carlos exer-
vavelmente, o fim da União Soviética. Promover urp.areação linha-
ceu plenamente seu poder e suas prerrogativas para levar a Espanha
dura aos levantes significaria o fim de seus esforços #e reforma eco-
à democracia, e um dos principais exemplos disso foi sua surpreen-
nômica, das relações muito melhores com o Ocide1;ítee de sua ima-
dente escolha de Suárez para primeiro-ministro. Botha e Gorbachev,
gem global como líder humano e criativo. Andrei Sakhárov colocou
como vimos, aumentaram em muito o poder de seus cargos de pre-
as coisas de maneira direta pata Gorbachev em 1989: "Em situações
sidente. Salinas fez valer dramaticamente seus poderes nos primeiros
como essa é quase impossível um caminho moder~do. Tanto o país
anos como presidente do México.
como você, pessoalmente, estão numa encruzilhadf - ou aumentar
ao máximo o processo de mudança, ou tentar ma*ter o sistema ad-
ministrativo de comando com todas as suas caractfrísticas"23.
A primeira exigência dos líderes reformadores era expurgar as S!JJJI21.11:S~!!•.if!"0p..f!!.!ção. Uma vez no poder, os reformadores de-
burocracias governamental, militar e, quando era o caso, partidária, mt9cratas em geral agiram com rapidez para iniciar o processo de de-
substituindo os conservadores nos principais cargos por defensores mocratização. Isso normalmente envolvia consultas aos líderes da
da reforma. Isso foi feito, tipicamente, de maneira seletiva, de modo oposição, dos partidos políticos e dos principais grupos e instituições
a não provocar uma reação forte e de modo a promover fissuras nas da sociedade. Em alguns casos ocorreram negociações relativamente
fileiras conservadoras. Além de enfraquecer os conservadores, os lí- formais e alcançaram acordos ou pactos bem explícitos. Em outros
deres das reformas também tentaram tranqüilizá-Ios e convertê-Ios. casos, as consultas e negociações eram mais informais. No Equador
Nos regimes militares, os reformadores argumentavam que já era e na Nigéria o governo designou comissões para desenvolver planos
tempo de recuar, após um interlúdio autoritário necessário mas limi- e políticas para o novo sistema. Na Espanha, Peru, Nigéria e, poste-
tado, aos princípios democráticos que eram a base do sistema políti- riormente, no Brasil, assembléias eleitas elaboraram novas constitui-
co do país. Nesse sentido, falavam de "um retorno à legitimidade". ções. Em vários casos promoveram-se plebiscitos para aprovar as no-
Nos sistemas autoritários não-militares, os reformadores invocavam vas disposições constitucionais.
uma "legitimidade para trás" e destacavam os elementos de continui- A medida...qu~,..Q~ref.Q[mador,~~.-ª:fasf~y~m_.'?~c_ons~ry~çiQreula, .
dade com o passad025. Na Espanha, por exemplo, a monarquia foi coali-4~~gOYeruí!ffi~l!ta)J tinham ddlUscar reforço.procura.lldQ...o...ap.91~_
restabelecida e Suárez aderiu aos dispositivos constitucionais fran- da oposição,.expandindo a arenaE2HtiC(l.~ÇQl}YQÇ.and9.QS tlºYQ~zru::
quistas ao abolir tal constituição: nenhum franquista poderia alegar pos que, COJ:llQ~J:(;~ijhªdQ::4<l~b~~~~<l?1~!!1_~~.'?Enando .p..?l~~~::~e!.1':~
irregularidades processuais. No México e na África do Sul, os refor- ativos. Os reformadores mais hábeis usaram a pressão de tais grupos
madores do PRI e do Partido Nacional colocaram-se nas tradições e~'favor da democratização para enfraquecer os conservadores, e usa-
partidárias. Em Taiwan, os reformadores do KMT invocaram os três ram a ameaça de um golpe conservador, bem como os atrativos da
princípios de Sun Yatsen. partilha do poder, para fortalecer os grupos moderados na oposição.
Com tais fins, os reformadores no governo negociaram com os
A legitimidade para trás tinha dois atrativos e dois efeitos: legi-
principais grupos de oposição, chegando a acordos explícitos ou tá-
timava a nova ordem, porque era um produto da velha, e legitimava
citos. Na E~h~, por exemplo, o Partido Comunista reconheceu
retrospectivamente a velha ordem, porque tinha produzido a nova.
que erãfrãêo demais para seguir uma "política rupturista* radical" e,
Obtinha o consenso de todos, exceto dos extremistas da oposição
ao invés disso, apoiou uma "ruptura pactada**", embora o pacto fos-
que não desejavam nem o velho regime autoritário nem o novo regi-
se "puramente tácito". Em outubro de 1977, Suárez ganhou o apoio
me democrático. Os reformadores também atraíam os conservadores
dos partidos Comunista e Socialista aos.PactosA!,la !v10ncl~~***,que
ao afirmar que estavam esvaziando a oposição radical e portanto mi-
compreendiam uma mistura de medidas de austeriClã(Jê"econômica
nimizando a instabilidade e a violência. Com tais argumentos,
bastante severas e algumas reformas sociais. As negociações secretas
Suárez, por exemplo, pediu apoio ao exército espanhol, e os elemen- com Santiago Carrillo, o principal líder comunista, "jogaram com o
tos dominantes no exército aceitaram a transição porque "não havia desejo do líder do PCE [Partido Comunista de Espana] de estar per-
ilegitimidade, nenhuma desordem nas ruas, nenhuma ameaça signi- to das alavancas do poder e garantiram seu apoio ao pacote de medi-
ficativa de rompimento e subversão". ~e..-os"refo.rm<l=. __ das de austeridade"27. Na Hungria, no outono de 1989, ocorreram
dores também desc9briram~ueLc:ºmo disse Geisel, "não podiam
avançar sem alguns recuos" e que, portanto, eventualmênte,"comô
no "pacote de abril" de 1977, no Brasil, tinham de fazer'Z;~~~~~Ões * Em espanhol no original (N.T.).
** Em espanhol no original (N.T.).
aos conservadores26. <

*** Em espanhol no original (N.T.).


negociações explícitas entre o Partido Comunista e'a Mesa-Redonda Guias de ação para democratizadores 1: ;f;c9
de Oposição que representava os outros partidos e grupos principais. A reforma dos sistemas autoritários~. 7/,j
No Brasil, desenvolveram-se entendimentos informais ent,e o gover- ~ c,'
no e os partidos de oposição, o Movimento Democrático Brasileiro "
As principais lições que as transformações brasileira, espanholà',,", ./
(MDB), depois Partido do Movimento Democrático Brasileiro e outras têm a dar aos reformistas democratas em governos autoritá- "",-,
(PMDB). gtn Taiwan, em 1986, o governo e a oposição chegaram a rios incluem os seguintes elementos:
um entendimento quanto aos parâmetros segundo os quais a mu-
1. Garanta sua base política. Coloque, o mais rápido possível, defen-
dança política deveria ocorrer e numa conferência que durou uma
sores da democratização em posições-chave de poder no governo,
semana, em julho de 1990, concordaram quanto a um esquema
no partido, nas Forças Armadas.
completo de democratização.
M.oderação e cooperação da oposição democrática - seu en- 2. Mantenha legitimidade para trás, isto é, faça mudanças através
volvimento no processo como parceiros menores -Jo.r~tn ess~nciais dos procedimentos estabelecidos pelo regime não-democrático e
_~transformação bem-sucedida. Em quase todos os países, os prinéi- tranqüilize os conservadores com concessões simbólicas, seguindo
palspariiaoséfe oposição - o MDB-PMDB no.Brasi~,os socialistas a regra de dois passos adiante, um passo atrás.
e comunistas na •.§sp!l.l)E,.a,o Partido Democrático Progressista em 3. Desloque gradualmente seu próprio eleitorado, de modo a redu-
IaiW;ln, o Fórum Cívico na Hungria, a Alianza Popular Revolucio- zir sua dependência com relação a grupos governamentais que se
naria Americana (APRA) nó'Pér~, os Democratas Cristãos no Çhile opõem à mudança e a ampliar seu eleitorado na direção dos gru-
- eram chefiados por mod~rad~; e seguiam políticas moder;das, à~ pos de oposição que defendem a democracia.
vezes diante de consideráveis provocações dos grupos conservadores 4. Esteja preparado para alguma ação extrema dos conservadores pa-
no governo. ra deter a mudança (p. ex., uma tentativa de golpe) - talvez até
O resumo de Skidmore do que ocorreu no Brasil capta cla- valhá a pena estimulá-Ios a isso - e então caia em cima deles sem
ramente as relações centrais envolvidas nos processos de trans- piedade, isolando e desacreditando os mais extremados adversá-
formação: rios da mudança.
No final, a liberalização foi o produto de uma intensa relação dialéti- 5. Tome e mantenha o controle da iniciativa no processo de demo-
ca entre governo e oposição. Os militares que favoreciam a abertura* cratização. Aja sempre a partir de posições de força e nunca intro-
tinham de agir cuidadosamente, para não provocar os da linha-dura.
Suas aberturas para a oposição destinavam-se a atrair os elementos
duza medidas de democratização em resposta a pressões óbvias
"responsáveis", mostrando assim que havia moderados prontos a coo- dos grupos de oposição mais radical.
perar com o governo. Ao mesmo tempo, a oposição estava constante-
6. Mantenha baixas as expectativas quanto ao ponto em que a mu-
mente pressionando o governo para acabar com seus excessos arbi-
trários, lembrando assim aos militares que seu governo não tinha legi- dança poderá ir; fale em termos de manter um processo em cur-
timidade. Enquanto isso, os moderados da oposição tinham de lem- so e não em termos de alcançar uma utopia democrática plena-
brar aos radicais que ficariam nas mãos da linha-dura, caso forçassem
mente elaborada.
demasiadamente. Essa intricada relação política funcionou com êxito
porque havia um consenso, tanto entre militares como entre civis, a 7. Encoraje o desenvolvimento de um partido de oposição responsá-
favor de uma volta a um sistema político (quase) abert028.
vel e moderado, que os grupos principais da sociedade (incluindo
os militares) aceitem como alternativa plausível e não ameaçado-
ra ao governo.
8. Crie um sentido de inevitabilidade acerca do 'processo de demo- nificativos. Dessa forma, os ditadores personalistas tendiam a per-
cratização, de modo que ele se torne amplamente aceito como manecer até morrer ou até o próprio regime chegar ao fim. A vida
um curso necessário e natural dos acontecimentos,. mesmo que do regime tornou-se a vida do ditador. Politicamente e, às vezes, li-
para algumas pessoas ele continue sendo indesejável. teralmente (p. ex., Franco, Ceausescu) as mortes do ditador e do re-
gime coincidiram.
(;----- Os reformistas democratas eram extremamente fracos ou não
! existiam nos regimes autoritários que desapareceram por substitui-
\ ção. Na Argentina e n~, os líderes liberalizadores Viola e
\~~ d B13wfos foram expulsos do poder e sucedidos por militares da
As substituições envolvem um processo muito diferente das [lip.ha-dura. Em. Portugal, Caetano começou algumas reformas libe-
transformações ..Q~.IÇ.fºrmistª~_l1oim~rior do regime são fraco~' ralizad~ras e depois recuou. Nas lilipinas, na RO!!LêJÜ~ e na Alema-
não existem. Os elementos dominantes no governo são conservado- nha Onental, os grupos que cercavam Marcos, Ceausescu e Honecker
res resolutamente opostos à mudança de regime. Conseqüen- . cóntiiiliãiifJ5oucos ou nenhum democratas, ou mesmo liberais. Em
temente, adem()cr.~tização rc::sultade Il.mg<lJJ.ho~eforç;l.dao.p?siçã~' '\f todo.s ?~ seis caS?s: ~s conservadores monopolizavam o poder, e a
. e.ll.1!!a.p.e.t4adeforçag()$oYemQ •.aré queeste.entre em colap~~ i, ~' possIbIlIdade de InICIarreformas a partir de dentro era quase que de
~j~..4err.y:b,ªsl.º.Os grupos que antes eram de oposição assumem o \.~ todo ausente.
poder e então o conflito muitas vezes entra numa nova fase, à medi- \ Um .sistema autoritário existe porque o governo é politica-
da que os grupos no novo governo lutam entre si quanto à naturezaJ mente maIs forte ~o que a oposição. Ele é substituído quando o go-
do regim.e que deve ser instituído~ A§.!I:~§i~~u}I~?~_~t.J1~ envolve verno se torna maIs fraco do que a oposição. Portanto, a substitui-
três fases distintas: aJuta para provocar aqueda. a.qlleda.e~ -~!1Sª-º..gQY..emº-p.dª ..pç!.~§tê;~r;.-;;·aês1õ-
_çãi>_ çJ(j~~Ç}!l.ç_.a..op.Q~i~º
após a.queda. .. que o equilíbrio de forç<l§.~m~ç!1 ..f,!vpr. Quando com:-eç;~;:;;-o~re~-
A maioria das democratizações da terceira onda se deu com al- gimes autorit~rios envolvidos pela terceira onda eram quase sempre
guma cooperação dos que detinham o poder. Até 1990 haviam ocor- populares e unham amplo apoio. Normalmente tinham por trás
rido apenas seis substituições. Elas foram raras nas transições dos sis- uma ampla coalizão de grupos. Ao longo do tempo, no entanto, co-
temas de partido único (uma sobre 11) e dos regimes militares mo acontece com qualquer governo, sua força foi se deteriorando.
(duas sobre 16) e mais comunsnas transiçõ~s,A~§.<l.ÜadurasE~.s- Os regimes militares grego e argentino sofrerª!llª-JlUmilhação de
soais (três sobre s~t~Y:-Cômo-ji di~~e~~:"~~m algumas exceções uma derrota mili~a~..QH~m.e~.portugu.ê~.c::_fjlipinº nã() c()n~~[~l:
(G~~dhi, Evren, Pinochet), os líderes que criaram os regimes autori- . r~m vencerguerras InSUrreClOnalS e o regime filipil19 criou!1m máI:
tários não chegaram ao fim de tais regimes. As mudanças de lideran- . U~e fraudouuma eleição. O regime romeno seguiu políticas que o
ça nos sistemas autoritários eram muito mais prováveis nos regimes colocaram em profundo antagonismo com seu povo e se isolou;
militares através de golpes de "segunda fase" ou, em alguns sistemas tornou-se, portanto, vulnerável ao movimento cumulativo de bola-
de partido único, através da sucessão regular ou da ação de corpos de-neve antiautoritário de toda a Europa oriental. O caso da
partidários constituídos. Raramente, no entanto, os ditadores perso- Aleman?a gEenE~J f2iwª-j§ .ª!llJ~ígll.o.Embora o regime tivesse êxi-
nalistas afastaram-se voluntariamente, e a natureza de seu poder - to relauvo em alguns aspectos, a inevitável comparação com a
pessoal e não militar ou organizacional - tornou difícil sua derru- Alemanha Ocidental era uma fraqueza inerente, e a abertura do
bada pelos adversários do interior do regime e, na verdade, tornou corre~or de trânsito através da Hungria solapou dramaticamente a
improvável a existência de tais adversários em número ou força sig- autondade do regime. A liderança do partido renunciou no come-
ço de dezembro de 1989 e um governo interino assu~iu o poder. católico, os líderes da Igreja foram também adversários precoces e
No entanto, a autoridade do regime evaporou-se e com lSSOdesapa- eficientes do regime. Onde existissem sindicatos que não fossem to-
receram as razões para o Estado alemão oriental. , talmente controlados pelo governo, em algum ponto eles se junta-
A erosão do apoio ao regime algumas vezes aconteceu aberta- ram à oposição. O mesmo aconteceu, e com maior importância,
mente mas, dado o caráter repressivo dos regimes autoritários, era com os grandes grupos empresariais e com a burguesia. Em algum
mais ~rovável que acontecesse às ocultas. Os lídere~ autorit~rios momento os Estados Unidos e outras fontes estrangeiras de apoio
muitas vezes não tinham consciência de sua impopulandade. A msa- também ficaram descontentes. Finalmente e decididamente, os mi-
tisfação oculta manifestava-se então quando algum acontec~ment~ litares resolveram não apoiar o governo ou alinhar-se ativamente
crucial expunha a fraqueza do regime. Na Grécia ~ na Arge~tlna, fOl com a oposição contra o governo.
a derrota militar. Em Portugal e na Alemanha Onental, fOlquando COlls~giientemente, em cinco ellÇreseis substituições - a ex-
sua fonte básica de poder voltou-se contra o regime - o exército, ceção é a Argentina - o descontentamento militar foi essencial pa-
em Portugal, e a União Soviética, na Alemanha Oriental. As ações ra a queda "do regime. Nas ditaduras personalistas de Portugal,
dos turcos, dos ingleses, dos militares portugueses e de Gorbachev Filipinas e Romênia, tal descontentamento militar foi produzido pe-
galvanizaram e trouxeram à luz a insatisfação com o regime por par- las políticas do ditador, enfraquecendo o profissionalismo militar,
te de outros grupos em tais sociedades. Em todos esses casos, apenas politizando e corrompendo o corpo de oficiais e criando forças de
alguns poucos grupos sem força congregaram-se para defender o re- segurança e paramilitares concorrentes. Normalmente era preciso
gime. Muita gente estava insatisfeita com o r~glme, mas, c?mo se que a oposição ao governo (Portugal foi a única exceção) fosse mui-
tratava de um regime autoritário, era necessáno um aconteCimento to ampla para que os militares abandonassem o governo. Onde o
que disparasse e cristalizasse tal insatisfação. descontentamento não era amplo, isso se devia às pequenas dimen-
Os estudantes são a oposição universal; eles se opõem a qual- sões ou fraqueza das fontes mais prováveis de oposição - classe mé-
quer regime que exista em sua sociedade. No en.tanto, por s.imesmos dia, burguesia, grupos religiosos - ou ao apoio ao regime por parte
eles não derrubam os regimes. Por não ter apoiO substanCial de ou- de tais grupos, normalmente como resultado de uma bem-sucedida
tros grupos da população, foram fuzilados p.elo: n:ilitares e pela po- política de desenvolvimento econômico. Na Birmânia e na China as
lícia na Grécia em novembro de 1973, na Blrmama em setembro de Forças Armadas reprimiram brutalmente protestos que, em grande
1988 e na China em junho de 1989. Os militares são o apoio básic? parte, eram liderados pelos estudantes. Nas sociedades economica-
dos regimes. Caso retirem seu apoio, dêem um golpe contra o regl- mente mais desenvolvidas, a oposição ao autoritarismo alcançava
me ou se recusem a usar a força contra os que ameaçam derrubar o um espectro mais amplo de apoio. Quando tal oposição tomou as
regime, o regime cai. Entre a perpétua oposição d~s estu?antes e o ruas nas Filipinas, Alemanha Oriental e Romênia, as unidades mili-
necessário apoio dos militares, há outros grupos cUJOapoiO ou opo- tares não atiraram em grupos amplamente representativos de seus
sição ao regime depende das circunstâncias. Nos sisten:as autoritá- concidadãos.
/-

rios não-comunistas, como o das Filipinas, em geral taiS grupos fi- Uma imag~~muito difundida daura~democráticas é
cam insatisfeitos seqüencialmente. A insatisfação dos estudantes foi de que os gQYernosrepiêsslvos são derrubados pelo "poder popular",
seguida pela dos intelectuais em geral e então p~la dos líde.res dos pela mobilização em massa de cidadãos irados que exigem uma mu-
partidos já existentes, entre os quais muitos poden~n: ter apOlado ou dança de regime e acabam por alcançá-Ia. Alguma forma de ação em
concordado com a tomada autoritária do poder. Tlplcamente, as ca- massa aconteceu em quase todas as mudanças de regime da terceira
madas mais amplas das classes médias - funcionários, profissionais 19nda. No entanto, em apenas cerca de seis transições ocorridas ou
liberais, pequenos proprietários - tornaram-se alienadas. Num país em andamento no final da década de 1980, as manifestações de mas-
sa, os protestos e as greves desempenharaIll..;papéis centr;l~s..Trata-se A ênfase nas transformações com continuidade processual e le-
-das transições nas.Jilipin<;ls, Alemanha Opent~ ~Romem~,.e das gitimidade para trás estava ausente das substituições. Ao contrário,
transtituições na..Coréia, Polônia e TchecoslovaqUl.?-.No ChIle, f~- as instituições, os procedimentos, as idéias e os indivíduos ligados ao .
qüentes ações de massa 'tentaram,' sem suces.so, alterar ~ ~lano e regime anterior foram considerados uma mancha, e o que se deseja-
transformação de Pinochet. Na Alemanha ~nental, caso umco, tan- va era um rompimento nítido e forte com o passado. Os sucessores
to a "sal'd"a como a "voz", nos termos de HtrSchman,
.' desempenha-
. b dos governantes autoritários basearam seu governo numa "legitimi-
ram papéis fundamentais, com o protesto assumm~o pnmeI~o a or- dade para a frente", no que iriam produzir no futuro e na sua disso-
ma de uma maciça migração dos cidadãos e, depOIS,de maCIçasde- ciação e ausência de conexão com o regime anterior.
monstrações de rua em Leipzig e Berl~m. ,. . Nas transformações e nas transtituições os líderes dos regimes
Nas Filipinas, Portugal, Romêma e GreCIa, qua~do o regIme autoritários em geral abandonaram a política e voltaram para os
entrou em colapso, isso se deu rapidamen~e. N~m ~Ia o governo quartéis ou para a vida privada com algum respeito e dignidade. Nas
autoritário estava no poder, no dia segu.mte p na? ,e~tava. Na substituições, pelo contrário, os líderes autoritários que perderam o
Argentina e na Alemanha Oriental, os regImes autontanos perde- poder tiveram destinos infelizes. Marcos e Caetano foram obrigados
ram rapidamente a legitimidade, mas agarraram-se a~ poder en~. a se exilar. Ceausescu foi sumariamente executado. Os oficiais mili-
quanto tentavam negociar os termos da mudança ~e regIme. Na Ar ! tares que governaram a Grécia e a Argentina foram julgados e presos.
gentina, o governo militar do general Reynaldo Blgnone, que ass~-j Na Alemanha Oriental, Honecker e outros líderes foram ameaçados
miu em julho de 1982, logo após a derrota das Falklands, por SeISj de punição, num notável contraste com os acontecimentos na
meses teve um "sucesso relativo" na manutenção de algum cont:f,0l

I
Polônia, Hungria e T checoslováquia. Os ditadores afastados através
sobre a transição. No entanto, em dezembro de 1982, ~ Op~SIÇ
de intervenção estrangeira em Granada e no Panamá foram, similar-
pública cada vez maior e o desenvolvimento das orgamz,açoes e
mente, sujeitos a perseguições e castigos.
oposição levaram a protestos em ~as~a: ~ uma greve g~ral, a prog .~
mação de eleições por Bignone e a rejelçaO, pelos part1d~s ~e OpOSI
JJ Em geral, o colapso pacífico de um regime autoritário produ-
~~ ziu um momento glorioso, embora breve, de euforia pública, de cra-
ção, dos termos propostos pelos milit~res p~r~ a trans~erencla de po-
{\ vos e de champanhe, que não houve nas transformações. O colapso
der. A autoridade do periclitante regIme mlhtar co?t1nu~u se dete-
também produziu um vácuo potencial de autoridade ausente nas
riorando até ser substituído pelo governo de Alfonsm, el~~toem ou-
transformações. Na Grécia e nas Filipinas, tal vácuo foi rapidamen-
tubro de 1983. "O governo militar entrou em colapso , escreve~
te preenchido pela ascensão ao poder de Karamanlis e de Aquino, lí-
um autor; "não tinha nenhuma influência sobr.e a :scol~a de c:ndI-
datos nem sobre as próprias eleições, não exclUl~ nmguem e nao re- deres políticos populares que guiaram seus países para a democracia.
servou poderes ou prerrogativas de veto para SI.mesmo n~ futuro. No Irã, o vácuo de autoridade foi preenchido pelo aiatolá, que guiou~
Ademais, não foi capaz de garantir sua autonomIa em relaçao ao fu- \, o Irã para outras partes. Na Argentina ~1!.t~l:1Uha@yiental, os
turo governo constitucional, não obteve a pro~essa d~ u~a futura I governos de Bignone e4e~ preencheram de maneira fraca o
r
,' mI'litar, nem , tampouco - dado o candIdato vItonoso'lh-, "29a intervalo entre o colapso dos regimes autoritários e a eleição de go-
po 1ltlca I-

vernos democráticos.
base para um acordo na luta, ainda em curso, co?tra ~ guern a~
Na Alemanha Oriental, no começo de 1990, a ~Ituaça? era pareCI- Antes da queda, os grupos de oposição se unem no desejo de
da, com um governo comunista fraco e desacredItado amda se agar- provocá-Ia. Após a queda, aparecem as divisões e eles lutam a res-
rando ao poder, e seu primeiro-ministro, Hans Modrow, desempe- peito da distribuição de poder e da natureza do novo regime que
nhando o papel de Bignone. deve ser estabelecido. O destino da democracia foi determinado pe-
10 poder relativo dos democratas moderados ~ dos radic~i~ ~ntid5::\ Guias de ação para democratizadores 2:
mocráticos. Na Argentina e na Grécia, os regImes autontanos nao \ _ A derrubada dos regimes autoritários
se mantiveram por muito tempo no poder, os partidos polít!cos ra-l~
pidamente ressurgiram e havia u.m consenso global entre. lIderes e h"<
A história das substituições sugere os seguintes guias de ação
grupos políticos quanto à neceSSld~~e.de restabele.c:r rapIda~ente I para os moderados democratas de oposição que tentam derrubar um
as instituições democráticas. Nas FIlIpmas, a oposIçao aberta a de- regime autoritári03!:
mocracia, à parte a rebelião do NEP, também era mínima.
1. Focalize sua atenção na ilegitimidade ou na legitimidade duvido-
Na Nicarágua, Irã, Portugal e Romênia, o colapso abrupto das
sa do regime autoritário; esse é o ponto mais vulnerável. Ataque o
ditaduras levou a lutas, entre os grupos e os partidos até então ~a
regime em questões gerais que sejam de preocupação ampla, tais
oposição, pelo exercício do poder e pelo tipo de regime que devena
como a corrupção e a brutalidade. Se o regime estiver tendo um
ser criado. Na Nicarágua e no Irã, os democratas moderados p~rde-
bom desempenho (particularmente econômico), tais ataques não
ramo Em Portugal, como se observou nas páginas iniciais deste lIvro,
serão efetivos. Logo que seu desempenho fraqueje (coisa que de-
ocorreu uma agitação revolucionária entre abril.d~e197~ e noven;~ro verá acontecer), chamar a atenção para a sua ilegitimidade é a ala-
de 1975. A consolidação do poder pela coalIzao anudemocrauca
vanca mais poderosa para desalojá-lo do poder.
marxista-leninista do Partido Comunista e oficiais esquerdistas era
2. Tais como os governantes democráticos, os governantes autoritá-
inteiramente possível. No final, após intensas lutas entre fa~çõe~~i- rios afastam, ao longo do tempo, seus primeiros defensores.
litares, mobilizações de massa, manifestações e greves, a açao mIlitar
Encoraje tais grupos insatisfeitos a apoiar a democracia como a
de Eanes pôs Portugal num caminho democrático. "O que começou alternativa necessária para o sistema corrente. Faça esforços espe-
como um golpe", observou Robert Harvey, "tornou-se uma revolu- ciais para ganhar líderes empresariais, profissionais de classe mé-
ção que foi detida por uma reação antes que se tornasse uma anar- dia, figuras religiosas e líderes dos partidos políticos, a maior par-
quia. Do tumulto, nasceu uma democraCla . "30 . . te dos quais provavelmente apoiou a criação do sistema autoritá-
Em Portugal as escolhas se davam entre uma democracIa bur- rio. Quanto mais "respeitável" e "responsável" parecer a oposição,
guesa e uma ditadura marxista-leninista. Na .Romên~a, e~ 199~, as mais fácil será conquistar outros defensores.
escolhas eram menos claras, mas a democracIa tambem nao era me- 3. Cultive os generais. Em última análise, a queda do regime depen-
vitável. A falta de partidos e grupos oposicionistas efetiva~ente ~r- derá deles, se vão apoiar o regime, se vão juntar-se a você na opo-
ganizados, a ausência de experiência prévia com a democracIa, ~ VIO- sição ou não, ou se vão ficar de lado. O apoio dos militares pode
lência ocorrida na derrubada de Ceausescu, o profundo desejo de ser de grande ajuda quando ocorrer a crise, mas tudo o que você
vingança contra pessoas associadas à ditadura, tudo isso_combinad? realmente precisa é que os militares não se disponham a defender
com o amplo envolvimento de grande parte da populaçao com a d~- o regIme.
tadura e com o grande número de líderes do novo governo, ~ue u- 4. Pratique e pregue a não-violência. (Ver p. 195 ss.) Entre outras
nham participado do velho regime - nada era de bom auguno pa- coisas, isso tornará mais fácil para você conquistar as forças de se-
ra o surgimento da democracia. No final de 1989, alguns romenos gurança: os soldados em geral não têm simpatia por pessoas que
entusiasticamente compararam o que estava acontecendo em seu jogam coquetéis Molotov neles.
país com o que tinha acontecido duzentos anos antes na França. 5. Agarre todas as oportunidades de expressar sua oposição ao regi-
Talvez também notassem que a Revolução Francesa acabou numa me, o que inclui participação nas eleições que ele organizar. (Ver
ditadura militar. abaixo, p. 185 e ss.)
! .wt

6. Desenvolva contatos com os meios de comunicação global, com


Como? Processos de democratização

negociar uma mudança de regime - diferentemente da situação de -;


--
domínio conservador, que leva à substituição - mas não se dispõe a f
organizações estrangeiras de direitos humanos e com organiza-
iniciar uma mudança de regime. Ele tem de ser empurrado e/ou pu- \i

ções transnacionais, tais como as Igrejas. Em particular, mobilize


xado para negociações formais ou informais com a oposição. Na
defensores nos Estados Unidos. Os congressistas americanos es-
oposição, os democratas moderados têm força suficiente para domi-' \
tão sempre procurando causas morais para conseguir publicidade
nar os radicais antidemocráticos, mas não para derrubar o governo. ,
para si mesmos e usá-Ias contra o governo americano. Dramatize
Portanto, eles também vêem virtudes na negociação. ~.--J
sua causa e forneça-Ihes material para imagens na televisão e dis-
Aproximadamente 11 das 35 liberalizações e democratizações
cursos que dêem manchetes.
que ocorreram ou começaram nos anos 70 e 80 aproximaram-se do
7. Promova a unidade entre os grupos de oposição. Tente criar orga-
modelo de transtituição. As mais notáveis se deram na Polônia,
nizações abrangentes que facilitem a cooperação entre tais gru-
pos. Isso é difícil e, como mostram os exemplos das Filipinas,
_Icl1~c()~!~Y~lliª"JjJr.uguai e Coréia; as mudanças de r~gime na
Bolívia, Hon~llras,.I;:l Salvador e _Nicadgt,!a também envolveram
Coréia, Chile e África do Sul, os governantes autoritários muitas
elementos significativos de transtituição. Em EI Salvador e Hon-
vezes são especialistas em promover a desunião entre a oposição.
duras, as negociações em parte foram feitas com o governo dos
Um teste de suas qualificações para se tornar um líder democrata
Estados Unidos, que agiram como delegados dos democratas mode-
em seu país é sua capacidade de suplantar tais obstáculos e garan-
rados. Em 1989 e 1990, a África do Sul iniciou um processo de
tir algum grau de unidade na oposição. Lembre-se da verdade de
transtituição, e a Mongólia e o Nepal pareciam estar se movendo na-
Gabriel Almond: "Grandes líderes são grandes construtores de
quela direção. Alguns aspectos da transtituição também estiveram
coalizão"32.
presentes no Chile. O regime de Pinochet era suficientemente forte,
8. Quando o regime autoritário cair, esteja preparado para preen-
cher rapidamente o vácuo de autoridade que daí resulta. Isso po- no entanto, para resistir à pressão da oposição de negociar a demo-
de ser feito das seguintes maneiras: colocando à frente um líder cratização e teimosamente aderiu ao esquema de mudança de regime
popular, carismático, favorável à democracia; organizando rapi- que tinha estabelecido em 1980.
damente eleições para dar legitimidade popular a um novo gover- .~a.~p.gillliçªes bem-sucedidas, os grupos dominantes, tan-
no; e construindo legitimidade internacional obtendo o apoio de to no governo como na oposição, reconheceram sua incapacidade de
atores estrangeiros e transnacionais (organizações internacionais, determinar unilateralmente a natureza do futuro sistema político 'em
os Estados Unidos, a Comunidade Européia, a Igreja católica). sua sociedade. Muitas vezes os líderes do governo e da oposição che-
Reconheça que alguns de seus antigos parceiros vão querer esta- garam a tal conclusão após testar a força dos outros e decidirem-se
belecer uma nova ditadura deles mesmos e silenciosamente orga- por uma dialética política. De início, a oposição geralmente acredi-
nize os defensores da democracia para contrabalançar esse esfor- tava que seria capaz de provocar a queda do governo em algum mo-
ço, caso ele se materialize. mento, num futuro não muito distante. Muitas vezes tal crença era
completamente irrealista, mas na medida em que os líderes de opo-
sição acreditassem nela, era impossível entabular negociações sérias
com o governo. Em contraste, o governo geralmente acreditava, de
~nício, que poderia efetivamente conter e reprimir a oposição sem
mcorrer em custos inaceitáveis. As transtituições ocorreram quando
,Nas transtituições a democratização é produzida pelas ações
mudaram as crenças de ambos. !\2~..pcr..çcl2e.u"quenão_eraJQJ-
combinadas do governo e da oposição. No interior do governo, o
te o suficiente para derrubar ó governo. Q governo percebeu que a
equilíbrio entre conservadores e reformistas é tal, que ele se dispõe a
()po~~~~~_I1~()era forte o suficiente para aumentar significativamen- série de conflitos e de movimentos de protesto" precederam a concor-
te os custos da não-negoçiação, em termos de uma maior repressão dância militar quanto a um cronograma de eleições33. Tanto na
que levasse a uma maior alienação dos grupos defensores do gover- Coréia como no Uruguai, o regime militar tinha, anteriormente, su-
no, maiores divisões no interior da coalizão governante, maior pos- focado os protestos pela força. Na primavera de 1987, no entanto, as
sibilidade da tomada do governo pela linha-dura e perdas significa- manifestações tornaram-se mais maciças e de base mais ampla, envol- •
tivas de legitimidade internacional. vendo cada vez mais a classe média. O governo primeiro reagiu de sua
A dialética da transtituição muitas vezes implicou uma seqüên- maneira habitual, mas depois mudou, concordou em negociar, e acei-
cia distinta de passos. Primeiro, o governo se engajou em algum tipo tou as demandas centrais da oposição. Na Polônia, as greves de 1988
de liberalização e começou a perder poder e autoridade. Segundo, a tiveram um impacto semelhante. Como explicou um comentador,
oposição explorou tal afrouxamento e enfraquecimento do governo "as greves tornaram a mesa-redonda não só possível, como necessária
de modo a ampliar o apoio que tinha e a intensificar suas atividades, - para ambos os lados. Paradoxalmente, as greves eram fortes o su-
com a esperança e a expectativa de que logo seria capaz de derrubar ficiente para obrigar os comunistas a sentarem-se à mesa, mas fracas
o governo. Terceiro, o governo reagiu violentamente para conter e demais para permitir que os líderes do Solidariedade recusassem as
suprimir a mobilização do poder político da oposição. Quarto, os lí- negociações. Por isso as conversações aconteceram"34.
deres do governo e da oposição perceberam que estava se delineando Nas transtituições, as confrontações olho-no-olho na praça
um impasse e começaram a explorar as possibilidades de uma transi- central da capital, entre a massa de manifestantes e as fileiras da po-
ção negociada. Esse quarto passo, no entanto, não era inevitável. lícia, revelaram as forças e as fraquezas de cada um. A oposição era
Pode-se conceber que o governo, talvez após uma mudança de lide- capaz de mobilizar apoio maciço; o governo conseguia conter e en-
rança, usasse brutalmente suas forças políticas e militares para res- frentar a pressão da oposição.
taurar seu poder, pelo menos temporariamente. Ou a oposição po- A política na. África do_Sul nos anos 80 também evoluiu ao
deria continuar a desenvolver suas forças, erodindo ainda mais o po- longo do modelo dos quatro passos. No final dos anos 70, P. W.
der do governo e eventualmente provocando sua queda. As transti- Botha começou o processo de reforma liberalizadora, despertando a
tuições, assim, exigiam uma certa igualdade de forças entre governo expectativa dos negros e depois frustrando-a, quando a Constituição
e oposição, bem como alguma incerteza de cada lado quanto ao ven- de 1983 negou aos negros um papel político nacional. Isso acarretou
cedor de um teste final de força. Em tais circunstâncias, os riscos de levantesnosbairros negros em1984e1985, que estimularam as es-
negociação e de compromisso pareciam menores do que os riscos de p;;-;~ç~sd~s negros de que era iminente o colapso do regime domi-
confrontação e de catástrofe. nado pelos Aftikaner. A violenta e eficiente supressão, pelo governo,
O processo político que leva à transtituição foi, assim, marcado da dissenção negra e branca obrigou então a oposição a rever drasti-
por uma gangorra de greves, protestºs e Il)anifestações, por um la1o, camente suas esperanças. Ao mesmo tempo, os levantes atraíram a
e repressão, prisões, violência policial, estados de sítio e lei marcial, atenção internacional, estimularam a condenação tanto do sistema
por oum? Os ciclos de protesto e de repressão na PolônÍa, do apartheid como da tática governamental, e levaram os Estados
Tchecoslováquia, Uruguai, Coréia e Chile acabaram por levar a Unidos e os governos europeus a intensificar suas sanções econômi-
acordos negociados entre governo e oposição em todos os casos, ex- cas contra a África do Sul. À medida que, para os radicais do Con-
ceto no Chile. gresso Nacional Africano, diminuíam as esperanças de uma revolu-
No Uruguai, por exemplo, .Erot~gos e manifestações cada vez ção, aumentavam, para o governo do Partido Nacional, as preocupa-
" maiores no outono de l~??~~timularam as negociações que levaram ções quanto à legitimidade internacional e quanto ao futuro econô-
ao afastamento dos militares do poder. Na Bolívia, em 1978, "uma mico. Em meados -da década de 1970, Joe Slovo, chefe do Partido
Comunista Sul-Mricano e da organização militar do CNA, argu- por exemplo, Adam Michnik argumentou que a Polônia, assim co-
mentava que o CNA poderia derrubar o governo e chegar ao poder mo a Hungria, estava seguindo o "caminho espanhol para a demo-
através de uma revolução e de uma guerra de guerrilhas sustentada. cracia". Em um nível, ele estava certo, já que tanto a transição espa-
No final dos anos 80, ele continuava comprometido com o uso da nhola como a polonesa eram basicamente pacíficas. No entanto, em
violência, mas via as negociações como o caminho mais provável pa- um nível mais particular, a analogia espanhola não era verdadeira
ra alcançar os objetivos do CNA. Depois que se tornou presidente para a Polônia, porque Jaruzelski não era um Juan Carlos o~ um
da África do Sul, em 1989, F. W de KIerk também enfatizou a im- Suárez (embora Imre Pozsgay, na Hungria, o fosse, até certo ponto).
portância das negociações. A lição da Rodésia, disse ele, era de que Jaruzelski era um democrata relutante, que teve de ser levado, pela
"quando a oportunidade surgiu para uma negociação real e constru- deterioração de seu país e de seu regime, às negociações com o
tiva, não foi aproveitada. [... ] O erro se deu porque, na realidade de Solidariedade37. No Uruguai, o presidente general Gregorio Alvarez
suas circunstâncias, eles esperaram demais antes de aceitar um diálo- quis prolongar seu poder e adiar as eleições, e teve de ser forçado pe-
go e uma negociação fundamentais. Não devemos cometer tal erro, los outros membros da junta militar a fazer avançar a mudança de
e não vamos repetir tal erro"35. Os dois líderes políticos estavam regime. No Chile, o general Pinochet sofreu, de maneira semelhan-
aprendendo com sua própria experiência e com a dos outros. te, pressão dos outros membros da junta, especialmente do coman-
_~o Chile, em contraste, o governo queria e podia evitar as dante da força aérea, general Fernando Matthei, para ser mais aces-
negociações. Ocorreram grandes greves na primavera de 1983, ma.s sível no trato com a oposição; mas Pinochet conseguiu resistir.
uma greve geral foi reprimida pelo governo. A partir de maio de Em outros países, ocorreram mudanças nas principais lideran-
1983, a oposição organizou maciças manifestações mensais nos ças antes de que começassem negociações sérias com a oposição. Na
"Dias de Protesto Nacional". Foram dissolvidas pela polícia, em Coréia, o governo do general Chun Doo Hwan seguiu uma persis-
geral com várias pessoas mortas. Os problemas econômicos e os tente política conservadora de obstruir as demandas da oposição e
protestos da oposição forçaram o governo Pinochet a iniciar o diá- de reprimir suas atividades. No entanto, em 1987, o partido do go-
logo. No entanto, a economia começou a recuperar-se e as classes verno designou Roh Tae Woo como seu candidato à sucessão de
médias começaram a ficar alarmadas com a quebra da lei e da or- Chun. Roh inverteu dramaticamente as políticas de Chun, anun-
dem. Uma greve nacional, em outubro de 1984, foi reprimida com ciou uma abertura política e entrou em negociações com o líder da
muito derramamento de sangue. Pouco depois, o governo restabe- oposiçã038. Na Tchecoslováquia, o secretário-geral do Partido
leceu o estado de sítio que tinha sido cancelado em 1979. Dessa Comunista, conservador e por muito tempo detentor do poder, foi
forma, fracassaram os esforços da oposição de derrubar o governo sucedido pelo moderadamente reformista Milos Jakes, em dezembro
ou de induzi-lo a negociações significativas. A oposição tinha "su- de 1987. No entanto, depois que a oposição passou a se mobilizar,
perestimado sua força e subestimado a do governo"36. Também ti- no outono de 1989, Jakes foi substituído pelo reformista Karel
nha subestimado a tenacidade e a habilidade política de Pinochet e Urbanek. Urbanek e seu primeiro-ministro reformista, Ladislav
a disposição das Forças Armadas chilenas de abrir fogo contra ma- Adamec, negociaram então acordos para a transição para a democra-
nifestantes civis desarmados. cia com Václav Hável e com outros líderes do oposicionista Fórum
As transtituições exigiam que de ambos os lados existissem lí- Civil. Na África do Sul, De KIerk introduziu uma mudança, passan-
deres dispostos a se arriscar à negociação. Em geral, entre as elites do do abortado processo de transformação por cima, defendido por
governamentais havia divisões de opinião quanto às negociações. & seu antecessor, para negociações, do tipo transtituição, com os líde-
vezes, os líderes principais tinham de ser pressionados, por seus co- res da oposição negra. Incerteza, ambigüidade e divisão de opinião a
legas e pelas circunstâncias, a negociar com a oposição. Em 1989, respeito da democratização caracterizaram, assim, os círculos gover-
nantes nas situações de transtituição. Tais regimes não estavam glo- tinha acabado de acontecer em Manila. No entanto, a oposição esta-
balmente comprometidos nem com a manutenção do poder a qual- va dividida, e sua militância assustava os conservadores. O proble-
quer preço, nem com uma decidida mudança para a democracia. ma, como na época disse um observador, era que "o general não es-
Desacordos e incertezas não existiram apenas do lado governa- tá sendo ameaçado por um movimento moderado de oposição uni-
mental das transtituições. Na verdade, era mais provável que os líde- do sob a liderança de uma figura respeitada. Não existe uma Cory
res de oposição que aspiravam a assumir o governo se mostrassem chilenà'39. Na Polônia, por outro lado, as coisas eram diferentes.
como um grupo dividido contra si mesmo do que os líderes de um Lech Walesa era uma Cory polonesa, e o Solidariedade dominou a
decadente governo autoritário. Nas situações de substituição, o go- oposição por quase uma década. Na Tchecoslováquia, a transtitui-
verno suprime a oposição e a oposição tem, em comum, o interesse ção ocorreu tão rapidamente, que as diferenças entre os grupos polí-
dominante de derrubar o governo. Como indicam os exemplos da ticos oposicionistas não tiveram tempo de se materializar.
Nicarágua e das Filipinas, mesmo sob tais condições pode ser extre- Nas transtituições, os democratas moderados têm de ser sufi-
mamente difícil garantir a unidade entre os líderes e os partidos de cientemente fortes na oposição para serem dignos de fé nas negocia-
oposição, e a unidade alcançada muitas vezes é tênue e frágil. Nas ções com o governo. Quase sempre alguns grupos da oposição rejei-
transtituições, em que a questão não é derrubar o governo, mas ne- tam as negociações com o governo. Temem que elas produzam com-
gociar com ele, é ainda mais difícil alcançar a unidade da oposição. promissos indesejáveis e têm a esperança de que uma continuada
Não foi alcançada na Coréia, e por isso o candidato governamental,
pressão oposicionista provoque o colapso ou a derrubada do gover-
Roh Tae Woo, foi eleito presidente com uma minoria de votos, já
no. Na Polônia, em 1988-89, os grupos oposicionistas de direita exi-
que os dois can~idatos oposicionistas dividiram a maioria antigover-
giram o boicote das conversações da Mesa-Redonda. No Chile, gru-
namental opondo-se entre si. No Uruguai, como seu líder ainda es-
pos oposicionistas de esquerda realizaram ataques terroristas que so-
tava preso, um partido de oposição - o Partido Nacional- rejei-
laparam os esforços da oposição moderada de negociar com o gover-
tou o acordo alcançado entre os outros dois partidos e os militares.
no. Similarmente, na Coréia, os radicais rejeitaram o acordo sobre as
Na África do Sul, um grande obstáculo para a reforma democrática
eleições alcançado pelo governo e pelos principais grupos de oposi-
foram as muitas divisões da oposição entre grupos parlamentares e
ção. No Uruguai, a oposição era dominada pelos líderes de partidos
não-parlamentares, entre Afrikaner e ingleses, entre brancos e ne-
políticos moderados e os extremistas não eram um grande problema.
gros, e entre grupos negros ideológicos e tribais. Em momento al-
gum, antes da década de 1990, o governo sul-africano enfrentou ou- Para que ocorressem as negociações, cada partido tinha de
tra coisa que não fosse uma espantosa multiplicidade de grupos opo- conceder algum grau de legitimidade ao outro. A oposição tinha de
sicionistas, cujas diferenças entre si eram muitas vezes tão grandes reconhecer que o governo era um parceiro importante para a mu-
quanto suas diferenças com o governo. dança e implicitamente, se não explicitamente, tinha de concordar
No Chile, a oposição estava seriamente dividida em um grande com seu direito a governar. O governo, por sua vez, tinha de aceitar
número de partidos, facções e coalizões. Em 1983, os partidos opo- os grupos de oposição como representantes de segmentos significa-
sicionistas moderados de centro conseguiram se unir na Aliança tivos da sociedade. Isso era mais fácil para o governo se os grupos
Democrática. Em agosto de 1985, um grupo mais amplo, de cerca oposicionistas não estivessem envolvidos em violência. As negocia-
de doze partidos, juntou-se num Acordo Nacional que exigia uma ções também eram mais fáceis se os grupos de oposição, tais como
transição para a democracia. No entanto, continuaram os conflitos os partidos políticos num regime militar, tivessem sido anterior-
quanto a táticas e lideranças. Em 1986, a oposição chilena mobili- mente participantes legítimos do processo político. Para a oposição,
zou protestos maciços, com a esperança de repetir em Santiago o que era mais fácil negociar se o governo tivesse usado uma violência li-
mitada contra ela e se no governo existissem alguns reformistas de- Às vezes, as negociações em prol de uma mudança do regime
mocratas que partilhassem de suas metas. foram precedidas por "pré-negociações" sobre as condições para en-
Nas transtituições, diferentemente das transformações e das trar em negociações. Na África do Sul, a precondição do governo era
substituições, os líderes governamentais muitas vezes negociavam os que o CNA renunciasse à violência. As precondições do CNA eram
termos básicos da mudança de governo com líderes oposicionistas que o governo aceitasse os grupos de oposição e libertasse os prisio-
que anteriormente tinham sido presos por eles: Lech Walesa, Václav neiros políticos. Em alguns casos, as pré-negociações referiam-se aos
Hável, Jorge Batlle Ibanez, Kim Dae Jung e Kim Young Sam, Wal- grupos e indivíduos da oposição que participariam das negociações.
ter Sisulu e Nelson Mandela. Havia boas razões para isso. Os líderes Algumas vezes as negociações foram IGngas, outras, breves.
oposicionistas que estiveram na prisão não haviam lutado contra o Muitas vezes foram interrompidas quando um partido as abandona-
governo, violentamente ou não; tinham convivido com ele. Tam- va. No entanto, à medida que as negociações prosseguiam, o futuro
bém haviam experimentado a realidade do poder governamental. Os político de cada um dos partidos dependia cada vez mais de seu êxi-
líderes governamentais que haviam libertado seus presos normalmen- to. Se as negociações fracassassem, os conservadores do governo e os
te estavam interessados na reforma, e em geral os que haviam ·sidoli- radicais da oposição estavam prontos para capitalizar tal fracasso e
bertados eram suficientemente moderados para desejar negociar com enfraquecer os líderes que as tinham conduzido. Decorria daí um in-
seus antigos carcereiros. A prisão também fazia crescer a autoridade teresse comum, e a sensação era a de que partilhavam do mesmo
moral dos antigos prisioneiros. Isso lhes ajudava a unir os grupos destino. "De certa forma", observou Nelson Mandela em agosto de
oposicionistas, pelo menos temporariamente, e a manter, para o go- 1990, "agora há uma aliança" entre o CNA e o Partido Nacional.
verno, a perspectiva de que seriam capazes de garantir a concordância "Estamos no mesmo barco", concordou o líder do Partido Nacional
R. F. Botha, "e nem os tubarões da direita nem os tubarões da es-
de seus seguidores quanto a qualquer acordo que se alcançasse.
querda vão fazer qualquer diferença entre nós se cairmos no mar"42.
Num determinado momento da transição brasileira, o general
Conseqüentemente, à medida que as negociações prosseguiam, os
Golbery disse para um líder de oposição: "Mantenha seus radicais sob
partidos se mostravam mais dispostos a assumir compromissos para
controle que nós controlaremos os nossos"40.Manter os radicais sob
chegar a um acordo.
controle muitas vezes exige a cooperação do outro lado. Nas negocia-
Muitas vezes os acordos feitos geraram ataques de outros, tanto
ções da transtituição cada parte tem interesse em fortalecer a outra
no governo como na oposição, que achavam que os negociadores ti-
parte, para que ela possa tratar mais efetivamente com os extremistas
nham concedido demais. Claro, os acordos específicos refletiam ques-
de seu lado. Em junho de 1990, por exemplo, Nelson Mandela co-
tões peculiares a seus países. No entanto, de importância central em
mentou sobre os problemas que F. W de KIerk estava tendo com os
quase todas as negociações era a troca de garantias. Nas transforma-
brancos de linha-dura e disse que o CNA tinha apelado "aos brancos
ções, quase nunca os membros do regime autoritário eram punidos;
para que apoiassem De KIerk. Também estamos tentando facilitar os nas substituições, quase sempre eram. Nas transtituições, essa era,
problemas da oposição branca para ele. Já começamos discussões com muitas vezes, uma questão a ser negociada; os líderes militares do
setores influentes da direità'. Ao mesmo tempo, Mandela disse que Uruguai e da Coréia, por exemplo, exigiram garantias contra processos
seu desejo de se encontrar com o chefe Mangosuthu Buthelezi tinha e punições por quaisquer violações de direitos humanos. Em outras si-
sido vetado pelos militantes do CNA e que ele tinha de aceitar a de- tuações, as garantias negociadas envolviam acordos para a partilha do
cisão, porque era "um membro leal e disciplinado do CNA"41. De poder ou para mudanças no poder através de eleições. Na Polônia, ca-
KIerk obviamente tinha interesse em fortalecer Mandela e ajudá-Io a da lado teve garantida uma parte explícita dos assentos no Congresso.
tratar com seus militantes oposicionistas de esquerda. Na T checoslováquia, os cargos no gabinete foram divididos entre os
dois partidos. Em ambos os países, governos de coalizão'tranqüiliza- 6. Se as negociações forem bem-sucedidas, provavelmente você pas-
ram tanto os comunistas como a oposição de que seus interesses se- sará para a oposição. Conseqüentemente, sua primeira preocupa-
riam protegidos durante a transição. Na Coréia, o partido do governo ção deve ser garantir salvaguardas para os direitos da oposição e
concordou com uma eleição direta e aberta para a presidência, na su- dos grupos que se associaram a seu governo (p. ex., os militares).
posição, possivelmente a partir de um acordo, de que pelo menos dois Tudo o mais é negociável.
candidatos de oposição iriam concorrer, tornando assim altamente Para democratas moderados na oposição:
provável a vitória do candidato do partido do governo.
Os riscos de confrontação, e portanto de derrota, levaram go- 1. Esteja pronto a mobilizar seus seguidores para realizar manifesta-
ções desde que elas enfraqueçam 01\ conservadores no governo.
verno e oposição a negociar um com o outro; e a base para o acordo
No entanto, passeatas e protestos excessivos às vezes os fortale-
foram as garantias de que nenhum deles perderia tudo. Ambos tive-
cem, enfraquecem seu parceiro nas negociações e despertam a
ram a oportunidade de partilhar o poder ou de competir por ele. Os
preocupação da classe média quanto à lei e à ordem.
líderes da oposição sabiam que não iam ser mandados de volta para
2. Seja moderado; tenha uma postura de homem de Estado.
a prisão; os líderes do governo sabiam que não teriam de voar para o 3. Esteja preparado para negociar e, se necessário, faça concessões
exílio. A redução mútua do risco levou reformistas e moderados a quanto a todas as questões, exceto quanto à realização de eleições
cooperar entre si no estabelecimento da democracia. livres e honestas.
4. Reconheça a alta probabilidade de que você vencerá tais eleições e
Guias de ação para democratizadores 3: não realize ações que compliquem seriamente seu governo.
A negociação das mudanças de regime
Para democratizadores do governo e da oposição:
Para reformistas democratas no governo: 1. As condições políticas favoráveis a uma transição negociada não
vão durar indefinidamente. Agarre a oportunidade que elas apre-
1. Seguindo os guias de transformação dos sistemas autoritários (ver
sentam e passe rapidamente para a solução das questões centrais.
acima, p. 143-4), primeiro isole e enfraqueça sua oposição con- 2. Reconheça que seu futuro político e o de seu parceiro depende de
servadora e consolide seu controle sobre o aparato governamental seu êxito em chegar a um acordo sobre a transição para a demo-
e partidário. cracia.
2. Também seguindo tais guias de ação, tome a iniciativa e surpreen- 3. Resista às demandas dos líderes e grupos de seu lado que atrasem
da tanto a oposição como os conservadores com as concessões o processo de negociação ou ameacem o interesse central de seu
que você está disposto a fazer, mas nunca faça concessões sob ób- parceiro nas negociações.
vias pressões da oposição. 4. Reconheça que o acordo a que você chegar será a única alternati-
3. Garanta o apoio à idéia de negociações por parte dos principais va; radicais e conservadores podem denunciá-Io, mas não serão
generais e de ourros oficiais importantes do establishment de segu- capazes de produzir uma alternativa que angarie um apoio amplo.
rança. 5. Quando em dúvida, assuma compromissos.
4. Faça o que puder para aumentar a estatura, autoridade e modera-
ção de seu principal parceiro oposicionista nas negociações.
5. Estabeleça canais confidenciais e confiáveis para negociar ques-
tões centrais com os líderes de oposição.
r.'> Lt {, ~ r. "f~~iJ-.' f ~ C..•.,l)'"
h-- \____ -\)~)-,,,,(JA '

unidades militares armadas aconteceram apenas na Romênia,


Filipinas, Bolívia e Nicarágua. Excetuando-se Filipinas, Romênia e
Alemanha Oriental, multidões enraiveci das de cidadãos não invadi-
ram os palácios presidenciais.
Como as d_enlOcra~iasforam feitas? Foram feit:ls-pelos métodos
da democracia; não havia outra maneira. Foram feitas através de ne'-
gociações, compromissos e acordos. Foram feitas através de ma~ites-
e
tações, campanhas e eleições, através da solução não-violenta das
Como? Características da diferenças. Foram feitas por líderes políticos do governo e da oposi-
ção que tiveram a coragem tanto de desafiar o status quo, como de
democratização subordinar os interesses imediatos de seus seguidores às necessidades
de mais longo prazo da democracia. Foram feitas por líderes tanto
do governo como da oposição que enfrentaram as provocações dos
radicais da oposição e dos conservadores do governo. Foram feitas
por líderes do governo e da oposição que tiveram a sabedoria de re-
conhecer que em política ninguém tem o monopólio da verdade ou
da virtude. ,Çompromissos,eleições e não-violêl1c!;ifoJam a síndro-
me da dem()cratizaçãoda _t~r,Çeira oIlda~Em vários graus, caracteriza-
ram a maioria das transformações, substituições e transtituições da-
A síndrome da democratização da quela onda.
terceira onda

Os países transitaram para a democracia de maneiras dife- Compromisso e a relação participação-


ren tes . No entªnto, apesar d~ t9das as diferença:s,as transJo_~!lla- moderação
ções, sub~-tiÍ:~içõese transtituições da terceira onda têm _~n.:.p~rtan-
tes características em comum. Das mais de 25 democratizações que
As negociações e o compromisso entre as elites políticas estive-
ocorreram ou pareciam estar em andamento em 1990, apenas _~am no cerne dos processos de democratização. Os líderes das prin-
duas, Panamá e Granada, foram resultado de invasão e imposição cipais forças políticas e grupos sociais barganharam uns com os ou-
estrangeiras. A maior parte das outras transições eram semelhantes tros, explícita ou implicitamente, e elaboraram acordos aceitáveis, e
naquilo que lhes faltava. Com a exceção parcial e discutível da até mesmo satisfatórios, para a transição para a democracia. A nego-
Nicarágua, nenhum regime autoritário foi derrubado por uma ciação, o compromisso e os acordos entre reformistas e moderados
prolongada rebelião guerrilheira ou guerra civil. O que se poderia foram, é claro, os elementos centrais das transtituições. Nas transfor-
chamar de levantes revolucionários ocorreram em dois casos, mações, o processo muitas vezes foi implícito, à medida que os refor-
Portugal e Romênia, mas a revolução portuguesa envolveu muito mistas no governo abriram o processo político e os grupos de oposi-
pouca violência e a revolução romena foi um levante urbano auxi- ção modificaram suas demandas e moderaram suas táticas para po-
liado pelas Forças Armadas e foi muito breve. Lutas sérias entre der participar do processo. Às vezes chegou-se também a acordos ex-
plícitos entre os reformistas que lideravam a transição e .os modera- ram a um acordo, o Pacto do Clube Naval, em agosto de 1984. Em
dos de oposição que eles desejavam cooptar. Tanto nas substituições quase todos os casos, os principais participantes eram os líderes do
como nas transtituições, grupos democráticos de oposição negocia- governo e os líderes dos partidos políticos de oposição. Em muitos
ram acordos entre si. Uma vez no poder por substituição, os mode- casos, chegou-se a acordos implícitos ou explícitos com os líderes das
rados que antes eram de oposição em geral tomaram um rumo mé- principais forças sociais e institucionais da sociedade, o que incluía,
dio, fazendo concessões, quando ne~essário, a reformadores, conser- além dos militares, a comunidade empresarial, os sindicatos e, quan-
vadores e radicais. Não importa que a iniciativa para a democratiza- do era o caso, a Igreja.
ção tenha partido do governo, da oposição ou de ambos; em algum Havendo ou não havendo pactos formais, o acordo - explíci-
ponto, os principais atores chegaram a um acordo quanto aos aspec- to ou implícito - era mais fácil de se alcançar quando não existiam
tos cruciais do processo de democratização e do novo sistema que es- discrepâncias muito grandes de poder entre os participantes e quan-
tava para ser criado. do os líderes dos grupos exerciam um controle substancial sobre seus
Tais acordos de introdução da democracia assumiram muitas seguidore.s. O acordo também era mais fácil quando as negociações
formas. As transições no.B_rasil,Peru, Equador e Bolívia foram em eram realIzadas em segredo, por um número relativamente pequeno
geral caracterizadas por "entenditllentos tentativos entre aóposição e de líderes. Na Espanha, mesmo na Assembléia Constituinte os
um representante oficial da coalizão que tentava administrar a tran- acordos principais foram negociados, como dizem os espanhóis,
sição do regime autoritário". Tais entendimentos normalmente en- "atrás da cortina"3. Na Polônia, as negociações da Mesa-Redonda
volviam apenas "acordos tácitos quanto a algumas regras básicas pro- eram relativamente públicas, mas as questões mais importantes
cessuais - normalmente eleitorais - para a transição". Em outros eram discutidas em "conversações secretas, paralelas, [... ] conduzi-
casos, as mudanças de regime assemelharam-se às transições da se- das longe da imprensà', numa casa de campo em Magdalenka, nos
gunda onda na Colômbia e Venezuela em 1957 e 1958, onde pactos arredores de Varsóvia. "Nas conversações secretas participou muito
bem explícitos foram negociados entre os partidos interessadosl. Na menos gente do que nas abertas." Os líderes das negociações, gene-
Espanh;l, o governo de Juan Carlos e Suárez dominou a transição, ral Czeslaw Kiszczak e Lech Walesa, apareciam ocasionalmente nas
mas governo e oposição realizaram uma "política de compromisso", conversações abertas "e logo depois partiam para Magdalenka, onde
chegando a acordos na Assembléia Constiwlnte-qüanrôà.estrutma as conversações continuavam privadamente". Sobre estas apenas
constitucional para a nova democracia e no chamado ~~c.t.0de "eram apresentados comunicados vagos e altamente diplo~áticos,
Moncloa, em outubro de 1977. Neste, todos os partidos políticos como se fossem emitidos por embaixadores de dois países até pouco
-lmp~rtantes, até mesmo socialistas e comunistas, concordaram com te~po em guerra"4. Foi em tais encontros que se chegou aos acordos
um programa econômico abrangente, que incluía limitações sala- baslCosentre o Partido Comunista e o Solidariedade.
riais, desvalorização da moeda, política monetária, maior investi- Os compromiss()~ .~ssumidos nas negoçiações às vezes criaram
mento público, restrições à previdência social, reforma tributária, problemas para os líCfeieipoIíticos quando acontecia, como na
atividades sindicais, controle de indústrias nacionalizadas e outras Es~anha, "serem inaceitáveis para seus seguidores". Na Espanha, en-
questões2'cNaloIê>Ilia, o Solidariedade e o Partido Comunista nego- ~atizou Suárez, foi necessário romper com o padrão do passado, "de
ciaram os acordos da Mesa-Redonda em março e abril de 1989. Na I~posição de alguns poucos espanhóis sobre os demais" e, em vez
Ji~~r.i~, no verão de 1989, líderes do governo e da oposição nego- dISSO,~esenvolver um consenso amplo. No entanto, como apontou
ciaram o acordo "triangular". No outono daquele mesmo ano, líde- ~utro lIder do governo, o acordo entre os partidos políticos levou a
res do governo e da oposição chegaram a acordos para a transição na um pro~esso de insatisfação da sociedade espanhola com os parti-
.Içh~~~sI0.:"~3uia. No 'y:~\!g1.lai,
.líderes militares e partidários chega- dos políticos, porque naquele momento eles não estavam desempe-
nhando adequadamente sua função de representação de interesses"5. mentowicz, "através de duas constelações de forças políticas unidas
Um jornal do Partido Comunista comentou sobre o "des~ncanta- artificialmente e governadas de maneira oligárquica?" Essa, no en-
mento dentro e fora de nossas fileiras" que afligia o partido, porque tanto, pode ser a maneira mais efetiva. _Nate~~i.ra on.~a, as demo-
"todos os partidos estão dizendo a mesma coisa' e "não [havia] uma cracias muitas vezes foram feitas por líderesdispostos a trair os inte-
clara identidade comunista no PCE". Na Bolívia, em 1980, as bases -ress-ésde seus seguidores para poder alcançar tal objetivoS. .
sindicalistas "em geral criticaram" o pacto que seus líderes haviam as- Na maioria dos casos de democratização, um dos compromis-
sinado com os líderes políticos e militares a respeito das eleições pa- sos centrais era o que se pode chamar de "barganha democrática", a
ra a transição; e na Nicarágua, em 1990, membros dos sindicatos an- relação entre participação e moderação. Implícita ou explicitamente
ti-sandinistas sentiram-se igualmente "traídos" pelo acordo feito pe- nos processos de negociação que levaram à democratização, o grau
la presidenta eleita Violeta Chamorro, indicando Humberto Ortega de participação foi ampliado e um número maior de figuras e grupos
para chefe das Forças Armadas6• Na Polônia, militantes veteranos políticos tiveram a oportunidade de competir pelo poder, e de con-
tanto do Solidariedade como do Partido Comunista não ficaram sa- quistá-Io, na pressuposição, expl(cita ou,implícita, de que seriam
tisfeitos com os compromissos assumidos pelos líderes das duas or- moderados em suas táticas e políticas. Nesse sentido, a terceira onda
ganizações. O general Jaruzelski foi atacado pelos conservadores do repetiu as experiências européias da primeira onda, quando o sufrá-
Partido Comunista por "ter concedido demasiado poder para a opo- gio foi estendido para a classe trabalhadora e os partidos socialistas
sição" e por ter abandonado "princípios comunistas fundamentais". abandonaram seu compromisso com a revolução violenta e modera-
Lech Walesa, por sua vez, foi atacado em reuniões sindicais por co- ram suas políticas. Na Itália do final do século XIX, Giovanni
meçar as negociações com o governo e foi denunciado por radicais Giolitti buscou uma política explícita de "desradicalização por incor-
que "passaram a repudiar suas tentativas de fazer compromissos com poração". Na Espanha, Portugal e Grécia do final do século XX, a
as autoridades comunistas". Os militantes do Solidariedade se opu- moderação era "o preço do poder", e os partidos socialistas de tais
nham particularmente ao apoio da liderança do sindicato a países, "através da desradicalização, conquistaram a vitória e obtive-
Jaruzelski para presidente da Polônia. Um importante jornalista do ram a tolerância de seus seguidores, outrora intransigentes"9.
Solidariedade comentou que, como resultado das negociações de Por definição, os regimes autoritários restringem drasticamen-
1989 sobre a formação do governo, "os dois lados estão com medo te a participação política. Os grupos governantes nos sistemas auto-
de seus respectivos eleitorados [... ] e a lógica dos acontecimentos le- ritários muitas vezes encaram determinados líderes oposicionistas e
vará o Partido Comunista e o Solidariedade a acordos ocultos ao pú- certos partidos políticos com especial aversão. A democratização exi-
blico"? Na Hungria, elementos importantes do acordo alcançado gia que tais grupos fossem aceitos como participantes legítimos na
em setembro de 1989 pelo Partido Comunista e pela Mesa-Redonda política. Por décadas, o establishment militar do Peru e da Argentina
da oposição foram contestados por grupos dissidentes de oposição e usou a força para evitar que apristas e peronistas alcançassem ou
recusados por um plebiscito que se realizou dois meses depois. exercessem o poder. Nos processos de democratização desses países,
O colaQ~QoSJegim~~.au.tQritáriºsquase sempre foi eufóricg; nos anos 80, os militares não apenas aceitaram a participação de
. a criação dos regimes. democráticos muitas vezes trouxe desilusão. seus antigos opositores na política, mas também, ao final, sua chega-
Poucos líderes políticos que assumiram os compromissos que cria- da ao poder. Poucos meses depois de tomar posse, na transição gre-
ram tais regimes escaparam à acusação de ter "vendido" os interesses ga, Karamanlis legalizou o Partido Comunista Grego. Enfrentando
dos seus seguidores. O grau desse descontentamento era, num cer- uma situação muito mais difícil e a grave ameaça de um golpe de di-
to sentido, uma medida de seu êxito. "Como o Estado pode se tor- reita, Suárez também legalizou o Partido Comunista Espanhol em
nar democrático", perguntava o intelectual polonês Wojtek La- abril de 1977; Juan Carlos desempenhou um papel fundamental, ga-
rantindo a "relutante aceitação" desse fato pelas Forças Armadas. No ta. No Brasil, o partido de oposição, o MDB, "cooperava com o jo- )
Uruguai, o Pacto do Clube Naval legalizou a Frente Ampla, de es- ,· do governo [ .. .] e a oposIçao
go po 1ltlCO . ~ era extraor d'manamente
. ,
qu;rda. ~a transição brasileira, o banimento dos líderes políticos moderada. Mesmo com as sucessivas cassações*, o MDB pedia mode- I
pre-~4 fOIlevan:ado em 1979; em 1985, o Congresso legalizou os ração a seus membros mais radicais". Na campanha do plebiscito <k--J
partIdos comUnIstas, anteriormente proibidos, e ampliou o direito Pinochet, em 1988, no Chile, a coalizão oposicionista também bus-
de voto para os analfabetos. Em 1989, os eleitores chilenos fizeram cou, consciente e explicitamente, o caminho da moderação13•
uma emenda à Constituição legalizando o Partido Comunista1o• Na As transições, assim, foram ajudadas pela desradicalização dos
Turquia, em 1987, primeiro o Parlamento, depois o eleitorado, revo- novos participantes, os antigos esquerdistas. Eram também ajuda-
garam os banimentos decretados pelos militares que impediam cem das quando aqueles que primeiro chegaram ao poder no novo regi-
pessoas de atuar na política. Na África do Sul, em 1990, o Con- me não estavam muito distantes, politicamente, dos antigos gover-
gress~ Nacional Mric~no foi. legalizado, líderes políticos presos fo- nantes autoritários. Karamanlis era um conservador moderado,
ram lrbertados e os exIlados tIveram permissão de voltar ao país. tranqüilizador para os militares gregos anticomunistas, e Soares era
. O outro lado da barganha democrática foi a moderação na tá- um socialista moderado, tranqüilizado r para pelo menos alguns ele-
tICae na política pelos líderes e grupos recém-incluídos. Isso muitas mentos dos militares portugueses' radicalizados. Juan Carlos e
vezes implicava abandonar a violência e qualquer compromisso com Suárez tinham incontestáveis credenciais franquistas conservadoras.
a revolução, aceitar as existentes instituições sociais, econômicas e Aylwin, um democrata-cristão, era suficientemente conservador pa-
políticas básicas (p. ex., a propriedade privada e o sistema de merca- ra satisfazer os militares chilenos. Em geral, a chegada inicial ao po-
do, a autonomia dos militares, os privilégios da Igreja católica) e der de líderes conservadores e centristas facilitou a transição para a
atuar através de eleições e de procedimentos parlamentares para che- democracia dos regimes autoritários não-comunistasI4• De maneira
gar ~o ~oder ~ para efeti:a~ suas políticas li. Na transição espanhola, parecida, a chegada subseqüente ao poder dos líderes socialistas
o e~~rcIto aceI~o~ os soc~alrstase comunistas como participantes da muitas vezes facilitou a introdução de reformas econômicas e pro-
polrtIca, os SOCIalIStasaceItaram o capitalismo, e os comunistas aban- gramas de austeridade.
donaram seu republicanismo e aceitaram a monarquia, bem como O desejo e a capacidade dos líderes de realizar acordos eram
os acor?o~ especiais com a Igreja católica. Ao persuadir seus seguido- afetados pelas atitudes dominantes em sua sociedade com relação a
res s~Clalrstas,.em 1979, a abandonar seus compromissos com o compromissos. Algumas culturas mostram-se mais favoráveis aos
marxIsmo, Felrpe González abriu o caminho para sua vitória eleito- compromissos do que outras, e, numa dada sociedade, a legitimida-
ral três anos depois. Em Portugal, Mário Soares levou, de maneira de e o valor neles colocados podem variar com o tempo. His-
parecida, os socialistas para o centro. Ao voltar ao poder em 1983, toricamente, espanhóis, poloneses e coreanos, por exemplo, são ca-
como líder de uma coalizão que incluía partidos conservadores, acei- racterizados mais pelo valor que atribuem ao princípio e à honra, do
tou a necessidade de "abandonar as tendências marxista, coletivista e que ao compromisso. Pode-se, no mínimo, fazer a hipótese de que as
- em gra~ m:;no.r -, estatista, seguidas por uma parte importante conseqüências trágicas de tal ênfase, junto com o desenvolvimento
de seu partIdo e Impos um programa de austeridade bastante seve- econômico e social, produziram mudanças em seus valores nacionais
ro. Na Grécia, Papandreou distanciou-se das "posições mais extre- nos anos 70 e 80. Em todos os três países, os líderes políticos expres-
mas e polêmicas" que tinha esposado no passado e agiu com mode- ~ saram a necessidade de realizar compromissos para que fosse possível
ração ~o cargol2• No Peru, a APRA moveu-se para o centro; n~
Ar~ent~na, os peronistas moveram-se para a direita; na Polônia, J
Solrdanedade moveu-se primeiro para o centro e depois para a direi-
conduzir seus países para a democracia. Quando na Coréia, por tiam o "reconhecimento das lições aprendidas com a quebra da de-
exemplo, os partidos do governo e da oposição chegaram a um acor- mocracia no trienio (l945-1948r16.
do sobre uma nova Constituição, falou-se que o "comitê de negocia- Experiências semelhantes de aprendizado quanto à .n:cessidade
dores dos dois partidos fizeram hoje algo que os próprios coreanos de compromissos e de moderação aconteceram nas transIçoes da ter-
reconhecem ser UIpa raridade em sua política: assumiram compro- ceira onda. Na Espanha, por exemplo, Juan Carlos, segundo um líd~r
missos"15.A democratização acontece numa sociedade quando tal político, estava preocupado com as razões "pelas quais a monarqUIa
raridade torna-se uma realidade, e a democracia se estabiliza quando entrou em colapso em 1932. Queria evitar cometer os mesmos erros
tal realidade torna-se um lugar-comum. do avô". Também os líderes do Partido Comunista estavam conven-
Historicamente, os primeiros esforços de estabilizar a democra- cidos de que os erros da década de 1930 tinham de ser evitados. ''A
cia muitas vezes não dão certo; as segundas tentativas muitas vezes memória do passado obriga-nos", disse um deles, "a levar em conta
têm êxito. Uma razão plausível para tal padrão é que as pessoas tais circunstâncias, ou seja, a seguir uma política de moderação. [... )
aprendem, e em vários casos parece ter sido esse o caso. A Venezuela Não podemos nos permitir o luxo de expressar opiniões que possam-.._j
"17 D
foi um exemplo dramático na segunda onda. O primeiro esforço ser mal compreendidas, que sejam, ou pareçam, extremIstas. .
a! I
significativo de estabelecer a democracia na história venezuelana mesma forma, a transição pacífica na Argentina em 1983 "sugere que
aconteceu no chamado trienio* 1945-48. Em 1945, um golpe mili- possa ter havido um tênue processo de aprendizado na Ar~e~tina,
tar derrubou o ditador e introduziu políticas democráticas que, pe- quando se compara com a transição de 1971-1973, em que van~s.la=._
dos do espectro político recorreram à violêncià'18. No Peru, os mIlIta-
los três anos seguintes, foram dominadas pela reformista Acción
res e a APRA passaram por um processo semelhante d~ ap~endiz~do.
Democrática (AD). O governo da AD seguiu políticas radicais que
Na Polônia, em 1981, o Solidariedade tomou uma dIreçao radIcal,
alienaram muitos grupos e levaram a uma extrema polarização. "A
ameaçando derrubar o sistema marxista-leninista; o govern~ reagiu,
democracia no trienio foi marcada pela falta de confiança e ausência
impondo uma lei marcial, colocando o sindicato fora ~a leI e pre~-
de garantias mútuas entre grupos sociais e políticos importantes.
dendo seus líderes. Sete anos depois, ambos os lados haVIamaprendI-
[... ) Seguros de sua maioria, os líderes da AD não levaram em con-
do suas lições: o radicalismo leva à repressão e a repressão não hmcio-
ta a necessidade de fazer compromissos com minorias fortes, por
na. Seguiram políticas de moderação e compromisso, levando a
menores que fossem."
Polônia à democracia em 1988 e 1989.
Essa primeira tentativa de democracia acabou num golpe, em Os democratizadores que vieram depois receberam de seus pre-
1948. Dez anos depois, quando a ditadura militar do Gal. Marcos decessores não apenas um impulso do tipo bola-de-neve. ?ar~ mu~~r
Pérez Jiménez estava se dissolvendo, os líderes da AD e de outros o regime, como também aprenderam lições com a expenenCla prevIa
grupos democráticos agiram explicitamente no sentido de "reduzir dos outros. Os latino-americanos e os europeus do leste levaram a
a tensão e a violência interpartidária, acentuar a questão dos inte- sério as lições de moderação do modelo espanhol. Nas transtituições,
resses e dos procedimentos, e afastar da cena política, na medida os grupos dominantes tanto no governo como na oposição tinham
do possível, questões de sobrevivência e de legitimidade". Os líde- de aceitar o compromisso e a moderação. As transtituições ocorre-
res da bem-sucedida democratização de 1958 eram, em grande ram mais freqüentemente nos últimos anos da terceira onda,. ~ q~e
parte, os mesmos da malsucedida democratização de 1945. Ti- sugere que os grupos envolvidos aprende:am com as ~~penenCl~s
nham se beneficiado com a experiência; suas ações de 1958 refle- anteriores que valia a pena fazer compromISSOS.Na CoreIa, a OpOSI-
ção aprendeu com as Filipinas as lições do poder pacífico do povo, e
o governo percebeu, com o destino de Marcos, as vantagens do com-
promisso. Em certa medida, como disse Timothy Garton Ash, a surpreendentes" foi geral. Ocorreu em todos os três tipos de proces-
transtituição na T checoslováquia foi sos de transição. Considere-se o seguinte:

a beneficiária, e o que lá aconteceu, o ápice de um processo de 1. Como parte de sua política de descompressão, o general Geisel
aprendizagem de dez anos pela Europa central - vindo a Polônia permitiu que em novembro de 1974 fossem realizadas eleições
em primeiro lugar, mas pagando o preço mais alto. Ocupação e gre-
bastante competitivas para o Congresso. O partido do governo,
ve pelos estudantes? Claro, como na Polônia. Não-violência? O
Primeiro Mandamento de todas as oposições da Europa central.
a Aliança Renovadora Nacional (Arena) esperava uma vitória fá-
Partidos fantoches despertando para a vida? Como na Alemanha cil sobre o partido de oposição, MDB, e ainda em outubro
Oriental. Uma mesa-redonda para negociar a transição? Como na "poucos observadores políticos bem informados teriam apostado
Polônia e na Hungria. E assim por diante. Politicamente, a Tche-
contra eles". No entanto, os resultados das eleições "espantaram
coslováquia teve o que os historiadores econômicos chamam de
"vantagens do atraso". Eles puderam aprender com os exemplos dos a todos, inclusive os mais otimistas estrategistas do MDB"20. O
19
outros; e com seus erros . MDB duplicou sua representação na Câmara de Deputados,
quase triplicóu sua representação no Senado e aumentou o con-
trole sobre as Assembléias Legislativas, de um para seis.
2. Em janeiro de 1977, Indira Gandhi, na Índia, que vinha exer-
cendo poderes de emergência, abruptamente convocou eleições
parlamentares para março. Gandhi era a principal figura da p~-
As eleições são a maneira pela qual a democracia opera. Na ter- lítica indiana, mas a coalizão de oposição, Janata, obteve uma VI-
ceira onda foram também uma maneira de enfraquecer e acabar com tória esmagadora. Pela primeira vez na história, o Partido do
os regimes autoritários. Foram um veículo da democratização, bem Congresso perdeu o controle sobre o governo nacional, obtendo
como sua meta. A democratização foi realizada por governantes au- apenas 34% do voto popular; foi também a primeira vez em
toritários que, por uma razão ou outra, arriscaram-se a promover que obteve menos de 40%.
eleições, e por grupos oposicionistas que fizeram pressão em favor 3. Na eleição de transição do Peru, em março de 1980, o governo
?"!:A~é 9E~.~~
das eleições e delas participaram:"b-lis~_()_~~!t:~ç:<:i~~ militar apoiou a APRA e promulgou uma lei eleitoral destinada
eleições não são apenas a vida da democracia; são também <!JllQrte", a melhorar sua representatividade. No entanto, a eleição produ-
da ditadura. ziu "resultados surpreendentes". "A APRA sofreu um colapso
Quando declinava sua legitimidade por desempenho, os gover- eleitoral, obtendo 27% dos votos." A Acción Popular, o partido
nantes autoritários muitas vezes passaram a sofrer pressões cada vez de oposição mais distante dos militares, alcançou uma "vitória
maiores e receberam incentivos cada vez maiores para tentar renovar espantosa", obtendo 45,5% dos votos e ganhando a presidência,
sua legitimidade através de eleições. Os governantes patrocinaram a maioria da Assembléia e um grande número de cadeiras no
eleições acreditando que poderiam prolongar seu regime ou seu go- Senad021.
verno - ou o de seus associados. Quase sempre se desapontaram. 4. Em novembro de 1980, o governo militar do Uruguai promoveu
Com muito poucas exceções, os partidos ou candidatos ligados aos um plebiscito sobre a nova Constituição, que dava aos militares
regimes autoritários perderam ou tiveram uma atuação pífia nas elei- o veto institucionalizado permanente sobre as políticas governa-
ções patrocinadas pelo regime. Os resultados de tais eleições muitas mentais. "Para espanto do exército", o povo rejeitou-a por 57%
vezes surpreenderam tanto os líderes da oposição como os do gover- a 43%. O resultado "surpreendeu tanto os militares quanto a
no. Nos 15 primeiros anos da terceira onda, tal padrão de "eleições oposição"22.Dois anos depois, os militares autorizaram a eleição
de delegados para as convenções dos principais partidos. A opo- governo. Um ano antes, as opiniões bem informadas afirmavam
sição esmagou os militares e um de seus associados mais próxi- que ele iria "ganhar por maioria esmagadora"27. Eufórico com o
mos, o ex-presidente Jorge Pacheco Areco, obteve apenas 27,8% surto econômico, o próprio general estava confiante na vitória.
dos votos de seu partido. No entanto, à medida que a campanha avançava, a oposição
5. O governo de transição militar na Argentina patrocinou eleições mobilizou a opinião pública contra ele. Por 55% a 43%, o elei-
nacionais em outubro de 1983. O Partido Radical, liderado por
torado negou a proposta do general Pinochet de mais oito anos
Raúl Alfonsín, crítico dos militares de muito tempo, obteve uma no poder.
"surpreendente" vitória com inéditos 52% dos votos populares.
10. Em março de 1989, pela primeira vez em mais de setenta anos,
O candidato do outro grande partido, o Peronista, tinha o
os eleitores soviéticos tiveram a possibilidade de votar livremen-
"apoio tácito ou explícito de vários setores militares" e obteve
te para os membros de sua Assembléia Nacional. O resultado
40% dos votos23.Pela primeira vez na história os peronistas per-
foi muito surpreendente, "uma derrota mortificadora para os
deram uma eleição livre.
grandes e poderosos", inclusive um malogro do chefe do parti-
6. Em novembro de 1983, o governo militar da Turquia patroci-
do em Leningrado e de membros do Politburo, dos chefes do
nou eleições para retornar a um governo civil, e os líderes do go-
partido em Moscou, Kiev, Lvov e Minsk, de vários chefes regio-
verno organizaram e explicitamente apoiaram o Partido Na-
nais do partido, de pelo menos dois altos comandantes milita-
cionalista Democrático, dirigido por um general reformado.
"Para surpresa dos militares da Turquià', no entanto, "ganhou a res, bem como de outras' figuras de proa do establishment co-
munista28.
pessoa erradà'24. Os nacionalistas democráticos chegaram num
triste terceiro lugar, obtendo apenas 23% dos votos, enquanto o 11. Nas eleições polonesas de junho de 1989, o Solidariedade obte-
Partido da Pátria, de oposição, chegou ao poder com 45% dos ve uma esmagadora vitória, absolutamente não prevista, ga-
votos. nhando 99 das 100 cadeiras no Senado e 160 das 161 para as
7. Nas eleições para a Assembléia Nacional da Coréia, em fevereiro quais podia concorrer na Câmara. Dos 35 candidatos que eram
de 1985, o recém-formado partido de oposição, o Partido altos funcionários do governo e que não tiveram concorrentes,
Democrático Nova Coréia, foi "inesperadamente bem", con- 33 não obtiveram os necessários 50% dos votos para a eleição.
quistando 102 das 276 cadeiras do Congress025.E isso com uma Os resultados foram descritos como "surpreendentes" e encara-
campanha "fortemente controlada pelo governo, em que os par- dos com "descrença" tanto pelo governo como pelos defensores
tidos de oposição afirmavam que era impossível uma votação do Solidariedade, que estavam "despreparados" para eles29.
honestà'. 12. A vitória de fevereiro de 1990, na Nicarágua, da União Nacional
8. Em 1985, o governante militar do Paquistão, general Zia-ul- de Oposição (UNO), liderada por Violeta Chamorro, foi a elei-
Huq, organizou eleições parlamentares, mas antes proibiu que ção mais completamente espantosa em qualquer lugar até aque-
os partidos políticos designassem seus candidatos. Os partidos la data. Foi descrita como "surpreendente derrota eleitoral",
boicotaram formalmente as eleições. A despeito de tais circuns- "mudança surpreendente", "surpreendente derrota nas eleições"
tâncias, "um grande número de candidatos com posições proe- e uma "surpreendente expressão da vontade popular da Nica-
minentes no regime de lei marcial ou que eram identificados ráguà', que "surpreendeu muitos analistas políticos" e produziu
como defensores de Zia foram derrotados"26. "surpreendidos sandinistas"3o.A despeito das previsões de que os
9. No Chile, em outubro de 1988, o general Pinochet submeteu-se sandinistas ganhariam facilmente, beneficiando-se de seu con-
a um plebiscito que decidiria sua continuação ou não à frente do trole do governo e do acesso a seus recursos, Chamorro obteve
oito das nove administrações regionais e obteve 55,2% dos vo- Desvios mais significativos do padrão surpreendente ocorre-
tos, contra 40,8% para Daniel Ortega. ram nas eleições da Romênia, Bulgária e Mongólia, em maio, junho
13. Em maio de 1990, em Mianma (antes denominada Birmânia), e julho de 1990. Na Romênia, a Frente de Salvação Nacional assu-
o Conselho da Lei do Estado e da Restauração da Ordem, mili- miu o governo após' a queda de Ceausescu e cinco meses mais tarde
tar, patrocinou as primeiras eleições multipartidárias em 30 obteve uma vitória substancial nas eleições de maio de 1990. Na
anos. O resultado foi "espantoso", uma "surpresà'. A Liga Na- Bulgária, o Partido Comunista, que havia décadas governava o país,
cional pela Democracia obteve uma "vitória surpreendentemen- . mudou seu nome para Partido Socialista e ganhou o controle sobre
te esmagadorà' e elegeu 392 das 485 cadeiras em disputa na a Grande Assembléia Nacional. Na Mongólia, o secretário-geral e
Assembléia Nacional; o Partido de União Nacional, apoiado pe- outros líderes importantes do Partido Comunista foram substituí-
los militares, obteve 10. Durante a campanha, o líder da Liga e dos, formaram-se partidos de oposição e foram realizadas eleições
quatrocentos de seus militantes foram presos e o partido foi sub- competitivas nas quais os comunistas ganharam entre 60 e 70% das
metido a uma série de constrangimentos e restrições3!. cadeiras no Parlamento. Em todos os casos as principais figuras do
lado vencedor tinham sido funcionários dos regimes comunistas.
14. Em junho de 1990, nas primeiras eleições multipartidárias nos
Como explicar tais aparentes desvios do padrão surpreendente
28 anos de independência da Argélia, a Frente de Salvação
de eleições? Três fatores podem ter sido relevantes. Primeiro, os no-
Islâmica, de oposição, "obteve um êxito surpreendente", que foi
vos líderes distanciaram-se dos antigos governantes autoritários.
recebido na África do Norte e na Europa com "um silêncio sur-
Evidentemente, nem Ceausescu nem Todor Jívkov poderiam ter ga-
preendido"32. A Frente Islâmica obteve o controle de 32 provín-
nho eleições livres em seus países em 1990. Ion Iliescu, o líder da
cias e 853 conselhos municipais. O partido único anteriormen- Frente de Salvação Nacional, havia sido membro do regime de
te dominante, a Frente de Libertação Nacional, ganhou 14 pro- Ceausescu, mas fora expulso do Comitê Central do Partido
víncias e 487 conselhos municipais. Comunista. Petar Mladênov e seus associados na Bulgária tinham

L _~P~~2~.2s"e~~~s_~~~2S, os governantes autoritários patrocinaram


, eleições e perdçra}l).:-nª~QJJtiveram resultados muito piores do que
eles e outros hªyiªlll prc:;visto:Ocorreram exceções a tais padrões, on-
de governantes autoritários patrocinaram eleições livres e eles ou
seus amigos ganharam? Um caso ambíguo foi o referendo de setem-
derrubado Jívkov, o velho ditador; foram eles os reformadores que
derrubaram os conservadores no processo de transformação búlgaro.
Uma mudança menos dramática de liderança aconteceu na
Mongólia.
Segundo, coerção e fraudes na condução das campanhas e das
eleições podem ter desempenhado algum papel. Na Romênia e na
bro de 1980, no Chile, em que 68% dos eleitores aprovaram a
Bulgária, os observadores internacionais dividiram-se quanto a me-
Constituição apresentada pelo general Pinochet. A oposição, no en-
dida por que os grupos governantes tentaram influenciar desonesta-
tanto, foi seriamente perseguida e não houve registro eleitoral nem
mante as eleições; tais esforços foram, aparentemente, mais comuns
qualquer maneira significativa de investigar fraudes33. Na Coréia,
na Romênia do que na Bulgária. Em ambos os casos, os observado-
em 1987, o candidato apoiado pelo governo militar, Roh Tae Woo, res estrangeiros identificaram alguns elementos de coerção e práticas
foi eleito presidente com uma maioria relativa de 36% contra os ou- desonestas, mas a opinião dominante foi de que não afetaram deci-
tros três candidatos. Os dois candidatos de oposição, que há muito sivamente o resultado das eleições.
vinham combatendo o governo militar, obtiveram, juntos, um total O terceiro, e mais importante fator foi a natureza das socieda-
de 54% dos votos. Se tivessem unido suas forças, provavelmente te- des. Como já se disse, os grupos de classe média urbana foram as
riam ganho as eleições. principais forças a pressionar pela democratização nos países da ter-
ceira onda. Em 1980, apenas 17% da população romena moravam O caráter de protesto de tais votos nas eleições surpreendentes
em cidades com mais de 500 000 habitantes, comparados, por reflete-se na natureza tênue da unidade da oposição. Indivíduos e
exemplo, a 37% na Hungria. Tanto a Bulgária como a Romênia grupos que represen~a~am ideologias pol~ticas ~uito diferentes e
eram, em grande medida, sociedades camponesas e ambas tinham com queixas muito distIntas quanto ao regime ulllram-se para votar
níveis de desenvolvimento econômico inferiores aos dos outros paí- contra ele. Muitas vezes, a oposição era uma coalizão variegada de
ses da terceira onda da Eutopa do leste e do sul, bem como de alguns grande número de partidos com pouca coisa em c~m~m, exceto sua
países também da terceira onda no Leste Asiático e na América do oposição aos governantes no poder. Tanto na NlCaragua como no
Sul. A Mongólia ainda era, de maneira considerável, uma sociedade Chile, por exemplo, as coalizões de oposição eram compostas de 14
pastoral, com três quartos da população vivendo fora de sua única partidos, que iam da extre~a direita à extrem~ _esquerda.. ~a
cidade grande, e com menos de mil quilômetros de estradas asfalta- Bulgária, onde ganhou o partido do governo, a coahzao de OpOSi?aO
das. Em todos os três países, os partidos de oposição eram fortes nas incluía 16 partidos e movimentos. Em muitas eleições, o partido
cidades; os partidos que sucederam os regimes comunistas venceram . que liderava a oposição era um partido novo e recentemente forma-
no campo, o que lhes deu votos suficientes para repô-Ios no governo. do que, qualquer que fosse sua visão ideológica predominante, podia
Produzir um resultado surpreendente numa eleição patrocinada por servir de veículo novo e não desacreditado para quaisquer frustrações
um regime autoritário foi, talvez, um teste que definiu se um país e ressentimentos que os eleitores tivessem com o regime. Parece alta-
havia alcançado um nível de desenvolvimento sócio-econômico ca- mente improvável, por exemplo, que a maioria dos argelinos em
paz de garantir um regime democrático. 1990 estivesse firmemente comprometida com o fundamentalismo
A freqüência do padrão de eleições surpreendentes nas transi- islâmico. No entanto, votar na Frente de Salvação Islâmica era a ma-
ções do autoritarismo para a democracia levanta três questões im- neira mais efetiva de expressar sua oposição ao partido que vinha go-
portantes .. vernando a Argélia havia três décadas. Além disso, havia o fenômeno
Primeira, por que os governantes autoritários ou os grupos in- das viúvas e órfãos. Grupos heterogêneos de oposição aglutinaram-se
timamente associados a eles perderam de maneira tão consistente em torno dos parentes sobreviventes de heróis nacionais martiriza-
tais eleições? A resposta mais óbvia, e provavelmente mais válida, é dos: Corazón Aquino, Benazir Bhuto, Violeta Chamorro, Aung San
que perderam as eleições pelas mesmas razões pelas quais os líderes e Suu Kyi. Tais líderes dramatizaram a questão do bem versus mal,
partidos que ficaram no poder por muito tempo perdem as eleições que no caso era o regime dominante, e forneceram um símbolo
nos Estados democráticos. Todos os líderes acabam por perder seu magnético e uma personalidade em torno da qual todos os tipos de
apoio e sua legitimidade iniciais. O público procura uma alternativa. grupos dissidentes poderiam se agrupar. No geral, o povo raramente
Na maioria das eleições surpreendentes, os eleitores claramente esta- perdeu a oportunidade de dar seus votos de protesto contra gover-
vam dando votos de protesto contra o sistema autoritário existente. Dantes autoritários duradouros.
Pode ser que eles tenham, ou não, dado votos afirmativos, em favor Segundo, dado tal padrão de derrotas surpreendentes, por que
da democracia. No entanto, eles não podiam votar contra os titula- os governantes autoritários patrocinaram eleições em que tinham
res do cargo sem também votar contra o sistema. As derrotas dos ti- tanta probabilidade de perder? Ao que parece, foram levados por
tulares dos cargos em grande número de democracias industrializa- uma variedade de fatores, que incluem a noção da necessidade de fa-
das na década de 1970 e começo da década de 1980 não destruíram zer reviver sua legitimidade declinante no país, o predomínio de
a democracia; renovaram-na. Em contraste, a derrota eleitoral dos normas democráticas, globalmente e em sua sociedade, e o desejo de
governantes autoritários normalmente significou o fim efetivo do respeito e de legitimidade internacionais (simbolizada por uma re-
regime autoritário. cepção formal pelo presidente no gramado da Casa Branca). Além
disso, na maioria dos casos, não há dúvida de que os riscos de reali- sição disseram que queriam adiar as eleições. marcadas para maio,
zar eleições pareciam pequenos. Os regimes autoritários normal- porque não tinham recursos nem tempo sufiClentes para preparar-se
mente têm poucos mecanismos de feedback, e os ditadores natural-
para elas. ." .
mente tendiam a acreditar que tinham suficientes conexões com seu A lógica de tais posições govermstas e OposlclOmst.as~quanto ao
povo para ganhar seu endosso. E, claro, os líderes autoritários tam- momento das eleições parece óbvia: os grupos de oposlçao se bene-
bém controlavam o governo, quaisquer que fossem as organizações · . m com mais tempo para preparar-se para as eleições. No en-
fiIClana . 1 I' .
políticas que tivessem permissão para existir, e substanciais recursos
tanto, existem poucas evidências empíricas em .apolO a ta oglCa.
financeiros; portanto, era razoável supor que poderiam dominar o
Na democratização de segunda onda da TurqUia, por exemplo, o
que parecia ser uma oposição fraca, de bases estreitas, desorganizada
governo passou as eleições para julho de 1946 para :'pegar o novo
e fragmentada. Os governantes autoritários concluíam, então:
partido [de oposição] antes que ele pudesse s~ ~rgamzar c~~pleta-
"Como posso perder?". Em medida considerável, as democratiza-
mente"35, mas o partido foi muito bem nas eleiçoes. Nas eleiço,:s co-
ções da terceira onda avançaram com a falsa confiança dos ditadores.
reanas de fevereiro de 1985, o Partido Democrático Nova COrela, de
A confiança dos governantes autoritários de que poderiam ven-
oposição, formado poucas semanas antes das eleições, ganhou 29%
cer as eleições que patrocinavam era, sem dúvida, ainda mais incre-
mentada por acharem que poderiam manipular os processos eleito-
dos votos e 67 das 184 cadeiras eleitas na Assembléia Nacional36: :or
todos os relatos imparciais, Ferdinando Marcos perdeu suas eleiçoes
rais. Três artifícios foram empregados com freqüência. Alguns líderes
tentaram alterar os resultados alterando o momento das eleições. "de repente", e o Solidariedade obteve uma vitória esmagadora ~as
Tanto eles como seus adversários normalmente acharam que eleições eleições com que.tinha concordado tão relutantemen.te por acreditar
mais cedo beneficiariam o governo, pelo simples fato de serem reali- que era cedo demais. As evidências não são conclUSivas,mas clara-
zadas, o que chamaria a atenção do público, enquanto eleições mais mente não apóiam a proposição de que o governo sempre s.eb~nefi-
tarde beneficiariam a oposição, porque davam-lhe tempo para se or- cia ao convocar eleições antecipadas e que a oposição se prejudica ao
ganizar, atrair os eleitores e mobilizar seus militantes. Marcos convo- participar delas. . , . .
cou "de repente" uma eleição, na esperança de que a oposição esti- Segundo, os governantes autontanos mUitas. vezes ma~obr~-
vesse desorganizada e despreparada. No Brasil, a oposição aceitou o ram fraudulentamente as eleições, estabelecendo sistemas eleitorais
adiamento das eleições municipais marcadas para maio de 1980 por- altamente favoráveis ao governo, atrapalhando e intimidando a opo-
que temia não estar preparada para elas34.Nas negociações da Mesa- sição e empregando recursos governam.entais ~a ,c~mpanha. Levadas
Redonda polonesa, o governo pressionou em favor de eleições mais ao extremo, é claro, tais táticas garantiam a vltona governamenta~,
cedo, e o Solidariedade acreditou estar fazendo uma grande conces- mas faziam das eleições uma farsa. No entanto, na maioria das elei-
são ao concordar com isso. Na Hungria, o governo desejava para lo- "ções surpreendentes listadas acima, os grupos no poder fizeram es-
go uma eleição popular presidencial, porque supunha que seu prová- forços, algumas vezes bastante grandes, de orientar as eleições,a seu
vel candidato, Imre Pozsgay,tinha grande visibilidade e uma possibi- favor e nem mesmo assim tiveram êxito. Ao longo de uma decada,
lidade muito boa de ganhar. A oposição achou que era isso o que iria de 1974 a 1984, o governo brasileiro regularmente reviu suas leis so-
acontecer e fez pressão em favor de um plebiscito sobre a questão, bre eleições, partidos e campanhas, na esperan~a de ~eter o firme
em que o público aprovou que o Parlamento escolhesse o primeiro crescimento do poder da oposição. Não conseguIU. MaiS uma vez, a
presidente. Na Tchecoslováquia, foram expressas preocupações se- evidência é fragmentária, mas a que existe sugere que, a não ser que
melhantes, quanto à vantagem que eleições antecipadas dariam aos sejam levadas ao extremo, as táticas de manipulação não garantem a
comunistas; e na Romênia, em fevereiro de 1990, os líderes de opo- vitória governamental.
Os governantes autoritários que patrocinaram eleições para re-
Quando a manipulação do momento e dos procedimentos
forçar sua legitimidade em queda estavam numa posição em que
eleitorais não bastava, a alternativa que restava aos governantes auto-
não poderiam ganhar. Se fizessem jogo limpo, sofreriam uma derro-
ritários era a fraude e o roubo diretos. Os governantes autoritários
ta "surpreendente". Se manipulassem o momento e os processos de
podem roubar as eleições, caso queiram. Muitas vezes no passado
maneira que não fosse extrema, provavelmente também seriam der-
conseguiram fraudá-Ias silenciosamente, de maneiras não-óbvias, de
rotados. Se roubassem as eleições, perderiam legitimidade, ao invés
modo que, embora todos soubessem que as eleições eram roubadas,
de ganhá-Ia. As razões que os levavam a realizar eleições - queda de
ninguém podia provar. Por exemplo, nas eleições de julho de 1978,
na Bolívia, o general Banzer se empenhou numa "fraude maciça" pa- legitimidade e pressão da oposição - eram também as razões pelas
ra conseguir que seu candidato, o general Pereda Asbun, recebesse quais eles perdiam as eleições. O dilema insolúvel que enfrentavam
exatamente os 50% dos votos necessários37. No entanto, à medida foi resumido com precisão pelo Cal. Fernando Matthei, comandan-
que a terceira onda avançava, a democratização tornou-se um fenô- te da força aérea chilena, pouco antes da eleição de 1988: "Se o can-
meno reconhecido de política global, os meios de comunicação de- didato do governo vencer, todos vão dizer que foi fraude. Se perder,
ram mais atenção a elas e as eleições passaram, cada vez mais, a ser todos dirão que foi uma eleição limpa. De modo que é de nosso in-
motivo de monitoramento internacional. teresse, mais do que de quaisquer outros, poder mostrar que se trata
No final dos anos 80, observadores estrangeiros tinham se tor- de uma eleição absolutamente limpà'38. Em 1990, os sandinistas,
nado uma presença familiar e indispensável em quase todas as elei- também confiantes na vitória, sentiram a necessidade de organizar
ções de transição. Em alguns casos, tais missões eram patrocinadas uma eleição limpa e convidaram um grande número de observado-
pelas Nações Unidas, pela Organização dos Estados Americanos, ou res estrangeiros para testemunhar tanto sua honestidade como sua
por órgãos intergovernamentais. Em outros casos, organizações pri- vitória. Os resultados de ambas as eleições confirmaram a argumen-
vadas faziam tal serviço. Em 1990, o National Democratic Institute tação de Matth~i. Covernantes autoritários só conseguem legitimar
for International Affairs tinha organizado missões de observadores seu regime através de eleições quando acabam seu regime através de
internacionais nas eleições de terceira onda em cerca de treze países. eleições.
Delegações do Congresso dos Estados Unidos e de outras Assem- Terceiro, eleições patrocinadas por regimes autoritários tam-
bléias também se fizeram presentes em alguns casos. O ex-presiden- bém colocam problemas para os grupos de oposição. Devem partici-
te Jimmy Carter desempenhou um papel ativo e contribuiu com sua par das eleições ou devem boicotá-Ias? Dado o padrão de derrotas
autoridade para várias de tais missões. surpreendentes dos governantes autoritários, qual seria a razão, se é
Observadores estrangeiros dificultaram ou impossibilitaram que existe, para a oposição não se aproveitar da oportunidade ofere-
que os governos silenciosa e secretamente roubassem as eleições. cida pela eleição patrocinada pelos autoritários? Tais questões no r-
Roubos evidentes, no entanto, como no Panamá e nas Filipinas, ~almente não surgiam quando a transição do regime estava clara-
anulavam o propósito das eleições, que era aumentar a legitimidade mente a caminho: quando os reformistas democratas estavam no
nacional e internacional dos governantes. Se, por outro lado, o go- poder e agindo decididamente no sentido de um processo de trans-
verno se recusasse a permitir que observadores estrangeiros "impar- furmação, quando os líderes de um governo militar explicitamente
ciais" testemunhassem as eleições, isso em si mesmo era uma prova afirmavam que estavam voltando aos quartéis, quando os líderes do
de que ele as estava manipulando. O sutgimento e a difusão do fenô- !Overno e da oposição concordavam quanto a um processo de trans-
meno do observador estrangeiro foi um grande desenvolvimento dos tituição. Em tais circunstâncias, os principais grupos de oposição
anos 80 e aumentou significativamente a importância das eleições tlPrmalmente não tinham razão para não participar.
no processo de democratização.
No outro extremo, os democratas de oposição tinham pouco a meçou a liberalizar-se. Os dois principais partidos de oposição (o
ganhar ao aceitar indicações para os governos autoritários e assim Movimento para a Democracia na Argélia e a Frente de Forças
dar-Ihes legitimidade. Se o fizessem, afastar-se-iam de seus eleitores Socialistas), mas não a Frente de Salvação Islâmica, defenderam a
e se tornariam dependentes dos governantes autoritários. ç> gover- abstenção nas eleições locais e provinciais da Argélia.
no de Jaruzelski, na Polônia, e o governo de Botha, na Africa do Os governos conservadores e liberalizantes patrocinaram elei-
Sul, por exemplo, tentaram seduzir os líderes de oposição com car- ções para reforçar a legitimidade de seus regimes e/ou ampliar sua
gos em conselhos consultivos. Do ponto de vista ~a promoção da . permanência pessoal no poder. Dessa forma, a participação nas elei-
democracia, os líderes da oposição na Polônia e na Africa do Sul es- ções por pelo menos alguns grupos de oposição era essencial para os
tavam corretos ao negar-se a participar. Em geral, os democratas de governos. Marcos, por exemplo, gostou da decisão de Benigno
oposição também não participavam de eleições para Congressos Aquino de concorrer para a Assembléia em 1978, quando estava
sem poder e que fossem apenas um instrumento do governo. Em preso e esperando a execução de sua pena de morte, "porque isso le-
1973, por exemplo, Papadopoulos tentou fortalecer seu regime, . gitimava o exercício". Por isso os governos tantas vezes tentaram der-
prestes a soçobrar, prometendo eleições parlamentares. Os líderes rotar os esforços de boicote. Na eleição para a Assembléia paquista-
dos partidos políticos gregos recusaram-se a participar. George nesa, em 1985, "a propaganda contra as eleições e o estímulo a seu
Mavors, chefe do banido Partido de União do Centro, disse muito boicote foram declarados uma ofensa punível pela lei" e "os jornais
bem: as prometidas "eleições têm um único propósito: legitimar a receberam ordens, em fevereiro de 1985, de não publicar qualquer
ditadura cobrindo-a com um Parlamento castrado que não terá o declaração em favor da campanha de boicote". Nas eleições munici-
poder de debater, quanto mais de decidir, qualquer uma das ques- pais de 1988, o governo da África do Sul igualmente "proibiu os
tões vitais da nação"39. grupamentos de oposição pró-boicote e definiu como sendo fora da
Entre esses dois extremos, a questão do boicote muitas vezes lei o estímulo ao' boicote"40.
surge quando são convocadas eleições tanto por um regime conser- As campanhas de boicote mudavam a questão das eleições: pas-
vador como por um regime liberalizador cujas intenções finais a res- sava de "em quem votar" para "votar ou não". O êxito de tais esforços
peito da democracia não sejam claras. Os líderes da oposição filipi- variava, dependendo da unidade dos grupos de oposição a favor do
na, por exemplo, travaram um debate acirrado e acabaram discor- boicote, da percepção popular das intenções do governo, e da expe-
dando quanto à questão do boicote nas eleições patrocinadas p~r riência popular anterior com eleições. A maioria dos negros sul-afri-
Marcos em 1978 e 1984 para a Assembléia Nacional e para a presI- canos nunca tinha votado antes, de modo que não é de surpreender
dência em 1986. A maioria dos líderes políticos negros da África do que apenas 20% dos eleitores negros potenciais tenham votado nas
Sul - mas não todos eles - defenderam o boicote às eleições mu- eleições municipais em 1983 e cerca de 30% em 1988. Trinta por
nicipais; os líderes políticos mestiços e asiáticos dividiram-se quanto c;ento dos eleitores mestiços e cerca de 30% dos indianos participa-
à participação nas eleições parlamentares de 1984 e 1989. Três entre ram das eleições parlamentares na África do Sul, e em 1989 o compa-
quatro partidos de oposição defenderam o boicote às eleições presi- tecimento foi relativamente baixo. Na República Dominicana, em
denciais da República Dominicana em 1974, quando parecia que o 1974, a taxa de abstenção foi também de cerca de 70%.
governo Belaguer tinha pouca ou nenhuma intenção de entregar o .;; Algumas tentativas de boicote tiveram menos êxito. Os princi-
poder. Por insistência dos Estados Unidos, os grupos de oposição tpaís grupos da oposição espanhola defenderam o boicote ao plebis-
boicotaram as eleições nicaragüenses de 1984. Os líderes políticos .' fito sobre a reforma política em dezembro de 1977, mas 77% dos
paquistaneses defenderam o boicote às eleições para a Assembléia tleitores foram às urnas. Essa votação, no entanto, era patrocinada
Nacional organizadas em 1985 pelo regime de Zia, quando este co- por um governo claramente comprometido com as reformas demo-
cráticas. Na eleição para a Assembléia Nacional de maio de 1984, gras, para atrapalhar os adversários. No entanto, o partido de oposi-
nas Filipinas, 80% do eleitorado votou, a despeito dos apelos em ção, MDB, entrou em todas as eleições da melhor maneira que pô-
contrário dos grupos esquerdistas de oposição. Nas eleições de 1985 de, foi gradualmente ampliando sua força e seu controle sobre os ór-
para a Assembléia Nacional do Paquistão, boicotadas pelos partidos gãos legislativos, usou tais posições para pressionar o governo a avan-
políticos, muitos candidatos de oposição foram eleitos e os partidos çar a democratização e, como resultado, foi sendo visto cada vez
depois admitiram ter cometido um erro ao defender a abstenção. mais como um governo alternativo responsável42.Ao mesmo tempo,
Cerca de 40% dos eleitores potenciais abstiveram-se das eleições lo- sua atividade fortaleceu os reformistas democratas no governo no
cais e provinciais na Argélia em 199041. trato com a forte resistência conservadora dos militares.
Quais eram, então, a eficácia e a sabedoria dos boicotes como Na África do Sul, os defensores do boicote reduziram em mui-
estratégia para a oposição democrática? Um boicote bem-sucedido to a participação nas eleições nas Câmaras mestiça e asiática do
não acabava com um regime autoritário nem afastava o governo do Parlamento em 1984. No entanto, alguns dos eleitos, ao menos, usa-
poder. Ele reduzia sua legitimidade, é bem verdade, que era uma das ram efetivamente suas posições na campanha contra o apartheid. A
razões pelas quais os governos reagiam tão vigorosamente contra os sessão de 1985 do Parlamento repeliu as leis que proibiam casamen-
esforços de boicote. Por outro lado, boicotes malsucedidos eram tos e sexo inter-raciais e impediam a formação de partidos políticos
mostras de fraqueza da oposição. Mais importante, os boicotes mui- multirraciais. Também reduziu as restrições ao emprego e a locais de
tas vezes significavam oportunidades perdidas, a escolha de uma saí- moradia dos negros nas áreas urbanas. Os membros mestiços e
da não-produtiva ao invés de uma voz significativa. A própria parti- indianos do Parlamento deram "ímpeto" a tais mudanças. Allan
cipação numa campanha eleitoral muitas vezes dava oportunidade, Hendrickse, líder do partido trabalhista mestiço, "forçou Botha a ir
dependendo das restrições governamentais, de criticar o governo, de contra a lei que impedia partidos multirraciais ao apresentar candi-
mobilizar e organizar os militantes de oposição e de chamar a aten- datos mestiços' para as Câmaras indianas. O Partido Trabalhista tam-
ção da população. Era um incentivo à atividade política, e os regimes bém pode ter ajudado a reduzir as 'leis do passe', que controlavam os
autoritários só são mudados ou derrubados através de atividade po- movimentos dos não-brancos, e encorajou uma comunidade negra a
lítica. Quando a eleição era conduzida com um mínimo de honesti- resistir aos planos governamentais de desalojá-Ia de seu lugar ances-
dade, a oposição muitas vezes obtinha resultados extraordinários. tral"43.Subseqüentemente, Hendrickse usou seu controle sobre a câ-
Na melhor das circunstâncias, alcançava uma vitória "surpreenden- mara mestiça do Parlamento para exigir que o presidente Botha ve-
te" e assumia o governo. Mesmo não acontecendo isso, os candida- tasse a Lei de Áreas de Grupo em troca de sua concordância com
tos de oposição fizeram campanhas eficientes em eleições patrocina- uma emenda à Constituição de adiamento das eleições parlamenta-
das pelo governo no Brasil, Taiwan, México, Filipinas, Paquistão e res de 1989 para 1992. Botha recusou a proposta, e as eleições foram
União Soviética. realizadas em 1989. Na África do Sul e nos outros lugares, os repre-
Até mesmo sucessos eleitorais modestos foram capitalizados sentantes eleitos encontraram maneiras de pressionar o governo e
para enfraquecer o governo. Peping Cojuangco argumentou que a com ele barganhar no interesse das reformas democráticas.
oposição filipina deveria concorrer nas eleições de 1984 para a Os mais dispostos a boicotar as eleições eram os grupos de opo-
Assembléia Nacional, embora claramente não fosse conseguir a sição radical antagônicos à democracia. Os rebeldes marxistas-Ieni-
maioria, porque: "Se você consegue 30 [assentos na Assembléia nistas das Filipinas e EI Salvador desprezaram as eleições. Grupos de
Nacional] desta vez, as pessoas vão acreditar que isso é possível, e nas oposição como a Organização pela Libertação da Palestina (OLP) e
próximas eleições esses 30 vão se multiplicar". No Brasil, nos anos o CNA dos anos 80, que se recusaram a participar das eleições, em-
70, o governo restringiu as campanhas eleitorais e mudou suas re- bora limitadas ou desonestas, eram em geral dominados por líderes
que não se opunham a substituir um regime não-democrático por cionária para impedir que os negros colaborem." O contraste entre
outro. Nas eleições filipinas de 1984, a Frente Nacional Demo- os dois caminhos foi bem resumido por Álvaro Cunhal, líder do
crática, dominada pelos comunistas, liderou a campanha de boicote Partido Comunista Português, em 1976:
contra Corazón Aquino e os outros candidatos democratas que par-
Na Revolução Portuguesa, dois processos intervieram, duas dinâmi-
ticiparam das eleições contra o regime de Marcos. Eles intensifica- cas, com características completamente diferentes. De um lado, a di-
ram o uso de violência durante a campanha. "A oposição que con- nâmica revolucionária, criada pela intervenção da força material -
corre nestas eleições", disse um líder comunista, "são todos oportu- popular e militar - diretamente na transformaçâo de situações, na
conquista e no exercício de liberdades, na derrota e na derrubada dos
nistas. A oposição real são os boicotadores."44 Ele estava certo. Sua
fascistas, na oposição às tentativas contra-revolucionárias, na realiza-
"oposição real" se opunha tanto ao regime de Marcos como à demo- ção de profundas transformações econômicas e sociais, na tentativa
cracia. Seus oportunistas políticos estavam usando as urnas e não as de criar um Estado a serviço da Revolução, e na criação de órgãos de
poder (inclusive órgãos militares) que garantissem o processo demo-
armas ara fazer renascer a democracia filipina.
crático e correspondessem à transformação revolucionária.
A lição da terceira onda parece clara: os líderes autoritários que Do outro lado, o processo eleitoral, entendido como a escolha por
queriam se manter no poder não deveriam ter convocado eleições; os sufrágio universal dos órgãos de poder, tendendo a subordinar qual-
grupos de oposição que queriam democracia não deveriam ter boi- quer transformação social a uma legalidade constitucional prévia e
não reconhecendo a intervenção dos militares na vida política, ou a
cotado as eleições convocadas pelos líderes autoritários. intervenção criativa, predominante, das massas no processo revolu-
No curso das transições para a democracia, em geral as eleições cionári046.
também promoveram moderação política. Incentivaram um movi-
\ \
mento para o centro, tanto dos partidos de oposição que queriam o ~-~ Na terceira onda, a "dinâmica eleitoral" levou do autoritarismo - \
poder, como dos partidos governamentais que queriam manter o à democracia; a "dinâmica revolucionária" levou de uma forma de
poder. Em sua primeira eleição, em abril de 1975, os eleitores portu- \~utoritarismO-aDl.ltra.
_ "_.~_._.-.- . ~'.-'·n".~. .•__ .~._

gueses rejeitaram decididamente as alternativas marxistas radicais e


deram seu apoio aos partidos centristas moderados. Dois anos de-
pois, os eleitores espanhóis agiram de maneira parecida em sua pri-
meira eleição, que foi apropriadamente descrita como "um triunfo
da moderação e do desejo de mudança"45. Os eleitores da Grécia, El
Salvador, Peru, Filipinas e de outros países também deram um apoio Grandes mudanças políticas quase sempre envolvem violência.
minúsculo aos revolucionários esquerdistas e, é claro, os eleitores ni- A terceira onda não foi exceção. Quase todas as democratizações en-
caragüenses expulsaram os esquerdistas do poder. Com poucas exce- tre 1974 e 1990 implicaram uma ~certavrolê~cia, mas o nívcl
B!.~bal
ções, o público consistentemente rejeitou os velhos regimes e os seus não foi alto. Acontecendo através de compromissos e eleiçõés, á
associados e também rejeitou as alternativas extremistas a tais regi- maioria das democratizações da terceira onda foi relativamente pací-
mes. "Nada de ditadores, nada de revolucionários" foi, na verdade, a fica se comparada a outras transições de regime.
máxima dos votantes nas eleições de transição da terceira onda. A violência política envolve pessoas que cometem danos físicos
As eleições eram um caminho que se afastava do autoritarismo. a pessoas ou propriedades, de modo a afetar a composição ou o com-
A revolução era outro. Os revolucionários rejeitaram as eleições. portamento do governo. Uma medida imperfeita, mas amplamente
"Não permitiremos que organizações-fantoches apresentem candi- usada, de violência política, é o número de mortes ocorridas por ra-
datos", disse o chefe da ala militar do CNA a respeito das eleições zões políticas em determinado tempo ou em conexão com determi-
municipais de 1988 na África do Sul. "Usaremos a violência revolu- nado acontecimento. Estimar, mesmo com precisão muito baixa, o
número de mortes políticas na terceira onda é extraordinariamente zaram-se. Assim, as mortes na guerra civil da Nicarágua, diferente-
difícil. Conceitualmente, a violência que é parte da democratização mente das ocorridas em EI Salvador, Guatemala, Filipinas e Peru,
deve ser diferenciada da violência que pode ocorrer durante a demo- podem ser adequadamente vistas como parte dos custos da democra-
cratização, tal como o assassiqato de rotina, pelo governo, de supos- tização.
tos opositores (o que é uma característica inerente de muitos regimes Entre os países da terceira onda, a Nicarágua se destaca pelo
autoritários), e dos confrontos étnicos, que podem ser um produro número de mortos na lura pela gemocratização. Para o período
da liberalização e da democratização. 1974-1990, a.África doSul provavelmente vem em segundo lugar.
Numa minoria de países os esforços de democratiza,çª,()oforam Neste país, 575 pessoas foram mortas no massacre de Soweto, em
acompanhados por grande violência. A violência mais ampla ocor- 1976; cerca de 297, pelas forças governamentais, pelo CNA e ou-
. reu onde havia um esforço sustentado de conflito armado entre go- tros, entre 1977 e 1984; estima-se que cerca de 3 500 foram mortos
vernos e movimentos de guerrilha por um longo período de tempo. nas rebeliões dos bairros negros entre 1984 e 1988, e entre 3 500 e
.Na Guatemala, EI Salvador, Filipinas e Peru, os marxistas-Ieninistas 5 000 a mais, na luta entre grupos negros, entre 1985 e 1990. No
seinsurgiram't6htra os governos autoritários de seus países; tais re- total, algo entre 9 500 e 10 000 sul-africanos morreram por violên-
gimes foram substituídos por governos democraticamente eleitos; cia política entre 1976 e 1990.
as rebeliões, no entanto, continuaram. Na Guatemala e em EI Sal- Incidentes ou ações específicas também produziram números
vador, as mortes políticas resultantes das rebeliões contra os regimes significativos de mortos em alguns países. As invasões norte-ameri-
autoritários foram bastante consideráveis. As estimativas dos mortos canas resultaram na morte de cerca de 120 ou f50 pessoas em
na Guatemala, entre 1978 e a eleição de Vinicio Cerezo, em 1985, Granada, e pelo menos 550, talvez 800, no Panamá. O exército co-
vão de 40 000 a 100000. Os assassinatos políticos em EI Salvador, ,real?:9matou pelo menos 200 pessoas, possi~elment~ 1 000, no inci-
entre o golpe reformista de 1978 e a subida ao poder de Duarte, em dente de Guanju, em maio de 1980. Provavelmente 1 000 pessoas,
1984, foram estimados em algo entre 30 000 e 45000. Tais mortes talvez 3 000, foram mortas pelos militares da Birmânia, na repressão
foram o resultado do uso de violência, muitas vezes brutal e indiscri- ao movimento democrático, em agosto e setembro de 1980. Algo
minado, pelas forças de segurança de governos autoritários em guer- entre 400 e 1 000 pessoas foram mortas em Pequim, no colapso do
ras contra movimentos rebeldes que tentavam derrubá-Ios e instau- govetno chinês em junho de 1989. Pelo menos 746 pessoas foram
rar regimes marxistas-Ieninistas.,As mortes não foram o resultado de mortas nos golpes de Estado na Bolívia em 1979 e 198047•
esforços de democratização, do governo ou da oposição, Illas de uma No entanto,. na grande maioria~clospaís~s da terc.eiraonda, os
guerra entre dois grupos não-democráticos. Na Nicarágua,~~~tim()u- níveis globais de violência foram muito baixos. Isso foi claramente o
se que 23 000 pessoas foram mortas na guerra civil entre 1981 e que aconteceu nas primeiras transições no sul da Europa. Em
1990. Não é certo que uma vitória militar dos contras* tivesse pro- Portugal, por exemplo, no golpe que começou a terceira onda, foram
mortas 5 pessoas e 15 foram feridas. No ano seguinte, menos de 12
duzido um governo democrático na Nicarágua. No entanto, a rebe-
pessoas morreram por violência política. Ao que parece, no verão de
lião dos contras foi um dos muitos fatores que levaram o regime san-
1975 várias outras pessoas foram mortas nas revoltas camponesas
dinista a convocar eleições. Depois que se instaurou um regime de-
anticomunistas ao norte de Portugal. Um soldado foi morto no
mocrático, os contras, diferentemente dos marxistas-Ieninistas de EI
abortado golpe de direita de 11 de março de 1975, e mais 3 no gol-
Salvador e da Guatemala, deram por finda sua rebelião e desmobili-
pe e no contragolpe de 25 de novembro de 197548• Em um ano e
meio de levante revolucionário em_Portllgal, no entanto, as mortes
.R?líticas provavelmente não chegaram a 100. A transição espanhol~
também foi relativamente não-violenta. Nos quatro anos entre 1975 mundo entre 1974 e 1990. Da "revolução dos cravos" em Lisboa à
e 1978, registraram-se 205 mortes políticas; 13 por grupos extremis- "revolução de veludo" em Praga, a terceira onda foi predominante-
tas de direita, 23 por grupos marxistas-Ieninistas, 62 pela polícia e mente pacifica.
pela Guarda Civil e 107 pelos separatistas bascos do ETA49.À parte O que explica ()sbaix()s p.fveisde vi()l~ncia em tais ml!:da,nç,~s
a morte, pelo exército, de 34 pessoas no incidente da Politécnica, a de regime?
transição grega foi relativamente sem violência. Primeiro, a experiência de alguns países com altos níveis de
Também as transições dos regimes militares nos países da violência civil antes da democratização começar, ou em seu começo,
América do Sul, com aexceçã.0parcialdo Chil~, em geral foram pa- levou governo e oposição a repudiarem a violência. Espanha e Grécia
cificas. Não hoüvêvirtualmente nenhum derramamento de sangue viveram guerras civis sangrentas, antes e depois da Segunda Guerra
nas mudanças de regime na Polónia, Alemanha Oriental, Hungria e Mundial. Os governos militares do Brasil, Uruguai e Argentina em-
Tchecoslováquia. Tais transições, como escreveu Timothy Garton pregaram muita violência em "guerras sujas" contra grupos terroris-
Ash, foram "notáveis por sua quase completa falta de violência. [... ] tas, nas décadas de 1960 e 1970. Um efeito de tais guerras foi elimi-
Não se derrubou nenhuma Bastilha, não se montou nenhuma gui- nar ou reduzir drasticamente a oposição extremista radical do tipo
lhotina. Os postes de luz foram usados apenas para a iluminação pú- da de Marighela, comprometida exclusivamente com a violência51.
blica"50.Em Taiwan, o acontecimento mais dramático na luta pela Um segundo efeito foi produzir em todos os setores da sociedade
democratização foi o chamado "incidente de Kaohsiung", em que a reação de "nunca mds"*. Em dezembro de 1982, por exemplo, a
ninguém foi morto, mas foram feridos 183 policiais desarmados. transição argentina sofreu um impasse quando alguns participantes
Nas Filipinas, um país cuja cultuta geralmente é considerada como de um protesto autorizado investiram contra barreiras policiais em
valorizadora da violência, ocorreram mortes tanto pelo regime de frente ao palácio presidencial; a polícia respondeu com gás lacrimo-
Marcos, como pelos rebeldes marxistas, mas os números foram limi-
gêneo e uma pessoa foi atingida por um tiro dado por um agente de
tados e os principais grupos de oposição não empregaram violência.
segurança do governo. O presidente Bignone e os líderes dos parti-
Na Coréia, após o incidente de Guanju, a violência foi contida e
dos de oposição reagiram prontamente para evitar mais violência, e
aconteceram muito poucas mortes políticas. O retorno à democracia
a Igreja propós um "Dia de Reconciliação Nacional". Depois disso,
na índia e na Turquia, após suas breves experiências de governos au-
a transição argentina continuou "relativamente pacifica, se compara-
toritários, também se deu com violência mínima, como também
da à de múitos outros países"52.De maneira semelhante, nos protes-
aconteceu na transição da Nigéria.
tos coreanos de 1986 e 1987, a polícia teve o cuidado de evitar o uso
Obviamente ocorreu violência na terceira onda, mas em geral
de armas de. fogo, para não repetir o massacre de Guanju. Em
foi muito limitada. Entre 1974 e 1990, em mais de trinta esforços de
Taiwan, as táticas tanto do governo como da opdsição foram igual-
democratização, excetuando-se a Nic~ o total de mortes polí-
mente e fortemente afetadas pelas lembranças do incidente de
tica~ provavelmente foi de cerca d~~rtemente concentradas
Kaohsiung. Em dezembro de 1986, por exemplo, os principais líde-
na Mrica do Sul e no continente asiático. A morte de tais pessoas foi,
res da oposição de Taiwan que condenaram os elementos que, no
obviamente, algo trágico. No entanto, comparado às centenas de
meio de uma multidão, haviam apedrejado carros de polícia no aero-
milhares de pessoas mortas em conflitos de comunidades, em guer-
porto, anunciaram que "a segurança deveria vir primeiro, e a liberda-
ras civis e internacionais, e considerando os resultados positivos ob-
de em segundo lugar", e cancelaram os planos de 20 manifestações.
tidos em termos de mudança política, o custo em vidas humanas da
terceira onda foi extraordinariamente baixo. A democratização foi
responsável por uma parte infinitesimal das mortes políticas no
Em Leipzig, na Alemanha Oriental, em outubro de 1989, tanto as 1989, não fizeram isso. Em Leipzig, em 9 de outubro de 1989, a si-
autoridades comunistas como os líderes de oposição reconheceram a tuação parecia periclitante: havia sido planejada uma manifestação
necessidade de evitar "outro Pequim"53. maciça e "os batalhões de choque, as forças de segurança e os mem-
Segundo, diferentes níveis de violência estavam, em alguma bros dos 'grupos de combate' paramilitares estavam prontos para
medida, associados a'diferentes processos de transição. Cerca de me- limpar a praça Tiananmen da Alemanha Oriental com seus cassete-
tade das transições entre 1974 e 1990 foram transformações, em tes e, como se verificou depois, com munição real"54. No entanto,
que os reformistas democratas do governo tinham força suficiente nunca foi dada a ordem de usar força contra os 70000 manifestan-
para iniciar e, em grande parte, controlar o processo de mudança de tes. Aparentemente, isso foi o resultado da ação de líderes locais, ci-
regime. Dessa forma, o governo tinha poucos incentivos para recor- vis e partidários, com o retardado aval do líder comunista nacional,
rer à violência e a oposição tinha poucas oportunidades de fazê-Ia. O Egon Krenz. Em geral, em toda a Europa oriental, com a exceção da
Chile foi uma exceção notável, onde o governo aderiu a um rígido Romênia, ocorreu, como observou Garton Ash, uma espantosa au-
esquema de transformação do regime e a oposição lançou mão de sência de "grande violência contra-revolucionária"55. Tanto nas Fi-
manifestações maciças para tentar acelerar as mudanças e forçar o lipinas como na Europa oriental, provavelmente a principal razão
governo a negociar. Nas transtituições, os reformistas democratas por trás da relutância dos líderes do governo em usar a força nos mo-
que dominavam o governo e os democratas moderados que domina- mentos de crise do processo de democratização era a expressa oposi-
vam a oposição tinham em comum o interesse de minimizar a vio- ção dos governos das superpotências. Em contraste, a influência de
lência, já que buscavam chegar a um acordo quanto aos termos da tais poderes restritivos estava totalmente ausente na China, Bir-
transição. Nas substituições, há mais registros de mortes, e as duas mânia, Romênia e África do Sul, e era muito fraca no Chile.
intervenções militares causaram grandes derramamentos de sangue Quando os governos autorizam o uso da violência, ela só se
em dois pequenos países. No entanto, o predomínio das transforma- torna real quando tais ordens são obedecidas. O ultima ratio regum*
ções e, em menor grau, das transtituições minimizou a violência na não é as armas, mas a disposição dos que têm armas de usá-Ias em fa-
terceira onda. vor do regime. Tal disposição variou muito. Em geral os exércitos
Terceiro, a disposição dos governos conservadores de ordenar o não gostam de usar suas armas contra os cidadãos que, por dever,
uso de violência contra os grupos de oposição variou consideravel- eles têm que proteger. A polícia e as tropas de segutança interna nor-
mente, como também variou a disposição das forças de segurança de malmente se mostravam mais dispostas do que as unidades militares
cumprir tais ordens. Na China, na Birmânia, na África do Sul e no regulares a usar violência para dominar protestos e desordens. Os go-
Chile, líderes de mentalidade violenta defenderam o uso de força, e vernos autoritários muitas vezes criaram forças especiais de seguran-
unidades policiais e militares empregaram grande violência para re- ça - o Securitate, na Romênia, os "batalhões da dignidade", no
primir manifestações pacíficas, ou não tão pacíficas, da oposição. Panamá, as tropas do Ministério do Interior, em diversos países -
Em outros casos, no entanto, os líderes governamentais não agiram especialmente recrutadas e treinadas para defender o regime.
tão decididamente, parecendo relutantes em ordenar o uso de força Os soldados e a polícia em geral não obedeciam ordens de usar
contra seus próprios concidadãos. Como o xá do Irã, Marcos oscilou violência quando se identificavam com a população ~m que deve-
em suas instruções aos militares, à medida que cresciam os protestos riam atirar. Conseqüentemente, os regimes autoritários tratavam de
após a eleição de fevereiro de 1986. Na Polônia, na Alemanha criar diferenças étnicas, sociais ou raciais entre os que usavam a vio-
Oriental e na T checoslováquia, por muitos anos os governos comu- lência do regime e os que eram alvo dela. O governo sul-africano
nistas não hesitaram em usar a força para reprimir a oposição. No
entanto, nos momentos cruciais da transição do regime, em 1988 e
sempre designava policiais negros para áreas tribais diferentes das nea; ou 2) estava num nível relativamente baixo de desenvolvimen-
deles próprios. O governo soviético tentou uma política semelhante to econômico e social. Os regimes autoritários em sociedades em
com respeito às nacionalidades daquele país. O governo chinês usou que o desenvolvimento econômico havia produzido uma classe mé-
unidades militares compostas de camponeses oriundos de províncias dia substancial, simpática à democratização, tinham maior relutân-
distantes contra os estudantes da praça Tiananmen. Quanto mais cia em ordenar o uso de força para reprimir a dissenção, e as tropas
homogênea a sociedade, mais difícil era para o regime usar violência de segurança de tais regimes mostravam-se menos prontas para obe-
para reprimir a oposição. O mesmo princípio também provavelmen- decer tais ordens.
te explica, pelo menos em parte, o número relativamente alto de Quarto, os grupos de oposição também variaram muito quan-
mortes provocadas pelas forças dos Estados Unidos em suas invasões to à extensão em que usaram, toleraram ou rejeitaram o uso de vio-
de Granada e do Panamá. lência. Esse tema colocou de maneira muito mais crítica e dramáti-
De maneira semelhante, quanto mais ampla e mais representa- ca algumas das mesmas questões surgidas nos debates a respeito do
tiva socialmente fosse uma manifestação de massa, mais relutantes as boicote às eleições patrocinadas pelos regimes. Em muitos casos, a
unidades militares e policiais se mostravam quanto ao uso da violên- polícia e as forças de segurança prenderam centenas ou milhares de
cia. Em setembro de 1984, a polícia de Manila usou "armas de fogo, pessoas e as torturaram ou assassinaram. As atividades das forças ofi-
cassetetes e gás lacrimogêneo" para dissolver uma manifestação anti- ciais foram muitas vezes suplementadas pelas atividades de "esqua-
governamental de 3 000 pessoas, composta em grande parte de estu- drões da morte" paramilitares semi-oficiais. Em tais circunstâncias,
dantes e de esquerdistas, com o resultado de 34 pessoas hospitaliza- era forte a tentação de dramatizar a causa da oposição (ou mais do
das (12 por ferimentos de armas de fogo)56.No mês seguinte, a po- que isso) explodindo instalações governamentais, jogando coquetéis
lícia não interferiu numa demonstração de 30 000 pessoas organiza- Molotov em veículos do governo, atirando em soldados e na polícia
da por grupos empresariais e pelo cardeal Sino Na confrontação em e seqüestrando e executando funcionários notoriamente brutais. Em
frente ao Camp Craeme, em fevereiro de 1986, as unidades do exér- que medida a oposição democrática deveria recorrer a tais táticas
cito filipino claramente não quiseram abrir fogo contra os religiosos, contra um regime repressivo que usa de violência? As respostas dos
profissionais liberais e donas-de-casa ali reunidos. De maneira seme- grupos de oposição variaram: nunca, algumas vezes, sempre. As res-
lhante, as forças de segurança coreanas mostraram-se muito mais postas apresentam uma alta correlação com o compromisso global
dispostas a usar de força contra as manifestações de estudantes radi- dos grupos com a democracia. Os democratas moderados rejeitaram
cais do que contra as de funcionários, técnicos e pequenos negocian- a violência; os grupos radicais advogaram a violência.
tes. Na T checoslováquia, o ministro da Defesa garantiu aos líderes Na maioria dos países da terceira onda, a principal corrente dos
do Fórum Cívico que o exército tcheco não atiraria em cidadãos grupos de oposição buscara a democracia através de meios não-vio-
tchecos. Na Romênia, unidades armadas recusaram-se a abrir fogo lentos. A Igreja católica, como vimos, foi uma força importante na
contra os participantes das manifestações em Timisoara; e depois democratização de muitos países, e o papa, os bispos locais e a maio-
disso () exército voltou-se contra o regime e desempenhou um papel ria do clero sempre defenderam a não-violência58. Homens de negó-
crucial na supressão do Securitate, que permaneceu leal aos cios da classe média urbana, profissionais liberais e funcionários ad-
Ceausescu. Mesmo na China, algumas unidades do exército recusa- ministrativos, que muitas vezes dominavam a oposição democrática,
ram-se a abrir fogo contra os civis, e seus oficiais foram depois sub- geralmente rejeitavam a violência e tentavam minimizá-Ia. Os líderes
metidos a investigações e à corte marcial5? dos partidos políticos tinham interesse em empregar os métodos em
Assim, o uso de força contra a oposição foi mais eficiente que eram, presumivelmente, especialistas - negociações, compro-
quando: 1) a sociedade era socialmente ou comunalmente heterogê- missos, eleições - e em evitar as táticas de terrorismo e rebelião em
que os outros eram melhores. Dessa maneira, as origens sociais dos
movimentos moderados de oposição modelaram não apenas seu anos 80 fossem acompanhadas de violências provocadas por estu-
apoio à democracia, mas também seu apoio aos meios não-violentos dantes radicais.
de realizar a democracia. Em muitos países, alguns grupos de oposição estavam clara-
O grau em que a oposição se comprometeu com a não-violên- mente comprometidos com o uso de violência contra os regimes
cia ~ariou c~nforme o país. "Numa revolução", escreveu Benigno não-democráticos que enfrentavam. Isso incluía os grupos marxista-
Aqumo no dIscurso que preparou para ser proferido no aeroporto de leninistas e maoístas em EI Salvador, Filipinas, Peru e Guatemala
Manila, "não existem, na verdade, vitoriosos, mas apenas vítimas. que lutaram contra os regimes autoritários e contra seus sucessores
Não te~os que destruir para construir"59. Nos anos que se seguiram democratas. No Chile, o Partido Comunista e as organizações revo-
ao assassmato dele, Corazón Aquino manteve com firmeza esse com- lucionárias esquerdistas a ele associadas por muito tempo promove-
promisso com a não-violência que, sabemos, culminou na demons- ram violências contra o regime Pinochet, e entre 1960 e 1990 o
tra ão maciça do poder popular composto por homens de negócios, Congresso Nacional Mricano empregou violência contra o regime
7
freIras e estudantes que derrubou o regime de Marcos em fevereiro sul-africano. Grupos de oposição usaram de violência contra três ti\
de 1986. Na Europa oriental, desde o início o Solidariedade se opôs pos de alvos: 1) membros do governo (líderes políticos, policiais,
às táticas revolucionárias e defendeu a não-violência. Como disse soldados) e instalações governamentais (delegacias policiais, torres de
um líder do Solidariedade durante a fase clandestina da organização, transmissão, depósitos, instalações de comunicação); 2) "colabora-
quando a tentação de usar a violência era, presumivelmente, mais dores", ou seja, indivíduos que ostensivamente defendiam a oposi-
forte, o Solidariedade era "contra quaisquer atos de violência, bata- ção ou pertenciam a grupos de oposição mas que, supostamente,
lhas de rua, tropas de choque, atos de terror, organizações armadas também agiam como informantes, agentes ou funcionários do regi-
- e não aceitamos qualquer responsabilidade por atos de violência". me não-democrático; 3) instalações civis, tais como lojas, shopping
"Conhecemos muitas revoluções, grandes revoluções e pessoas màg- centers e teatros, presumivelmente para demonstrar a força da oposi-
níficas", disse Walesa, "que depois de tomar o poder produziram sis- ção e a incapacidade do governo de garantir a segurança. Muito se
temas muito piores do que os que destruíram." Os que começavam debateu, nos grupos de oposição, quanto aos méritos relativos desses
derrubando Bastilhas, advertiu, de maneira semelhante, Adam diferentes tipos de alvos e particularmente quanto à moralidade e à
60
Michnik, acabavam construindo as suas próprias . O Solidariedade eficiência de ataques terroristas aleatórios contra civis. Além disso, os
criou o modelo de movimentos de oposição não-violenta que gera- grupos de oposição comprometidos com a violência discutiram so-
ram as tr~sições na Alemanha Oriental e na T checoslováquia. bre os méritos relativos da guerrilha urbana e rural e sobre a vanta-
Na Africa do Sul, o Congresso Nacional Mricano aderiu a uma gem e o momento de realizar grandes ofensivas e levantes populares.
política de não-violência por quase meio século, até o massacre de Nos anos 70 e 80 os líderes do Congresso Nacional Mricano
Sharpeville, em 1960, após o qual o CNA mudou de política, passou muitas vezes defenderam o papel da violência como tática em sua lu-
a defender o uso da violência e criou sua própria organização militar, ta contra o apartheid. "A violêncià', como disse o líder Thabo Mbeki
Umkhonto we Sizwe. Outros líderes negros, tais como o arcebispo em 1987, "é um importante elemento de mudança"62. Inicialmente
Desmond Tutu e o chefe Mangosuthu Buthelezi, continuaram adep- o. ~NA concentrou-se em instalações do governo: delegacias poli-
tos da não-violência. "Revoluções sangrentas contra opressões terrí- CIaIS, torres de transmissão, usinas elétricas e outras instalações.
veis", Buthelezi advertiu, "não trazem automaticamente grandes me- Entre outubro de 1976 e dezembro de 1984, o CNA realizou 262
Ihorias."61 Também na Coréia, os principais grupos de oposição re- ataques armados, em geral contra esse tipo de alvo. Nos três anos
jeitaram o uso da violência, embora as manifestações de meados dos qu~ se seguiram a setembro de 1984, começo da permanente in-
qUIetação nos bairros negros, o número de ataques quadruplicou, e
os negros associados ao regime tornaram-se, cada vez mais, os alvos tante violência, tanto dos policiais como dos manifestantes. Em
preferidos. Depois que a polícia abriu fogo contra os manifestantes Leipzig, em 1989, foram realizadas, todas as noites de segunda-
de Sharpevil1e, em setembro de 1984, foram mortos seis conselhei- feira, manifestações pacíficas contra o regime.
ros negros, inclusive o prefeito de Sharpeville. Nos anos seguintes, 2. Os grupos de oposição organizaram manifestações nos aniversá-
centenas de negros suspeitos de serem colaboradores foram mortos. rios de acontecimentos notáveis, tais como os massacres de
Nos nove meses que se seguiram a setembro de 1984, radicais negros Sharpevil1e e de Soweto, na África do Sul, o massacre de Guanju,
atacaram conselheiros negros, mataram cinco e queimaram as casas na Coréia, e o assassinato de Benigno Aquino, nas Filipinas.
de 75. Em julho de 1985 apenas dois dos 38 conselhos ainda esta- 3. Foram organizadas manifestações como parte de uma campanha
vam em operação. No final de 1985 e em 1986 ocorreu um grande para induzir ou obrigar o governo a concordar com as exigências
aumento de outro tipo de ataque, com mais assaltos contra alvos ci- da oposição. Tanto no Brasil como na Coréia, por exemplo, pro-
vis "fáceis" nos primeiros seis meses de 1986 do que nos três anos moveu-se uma série de manifestações maciças em prol de eleições
anteriores. Declarações dos líderes do CNA sugerem sérias diferen- populares diretas para presidente, uma exigência da oposição.
ças entre eles quanto à correção de tais ataques63• 4. Finalmente, os grupos de oposição organizaram manifestações
No Chile, os grupos de oposição radical concentraram-se pri- em resposta a arbitrariedades do governo, tais como o assassinato
mariamente em instalações governamentais e oficiais. Durante os de manifestantes pacíficos e de prisioneiros políticos ou outros
três primeiros meses de 1984, por exemplo, ocorreram 80 explosões atos particularmente ultrajantes. Em alguns casos, principalmen-
de linhas férreas, instalações e estações de rádio, e por três vezes a te na África do Sul, um ato de brutalidade levava a uma manifes-
área central do país sofreu um blackout. Em 29 de outubro de 1984, tação, muitas vezes sob a forma do funeral da vítima da brutalida-
doze explosões em cinco cidades danificaram repartições governa- de, o que, por sua vez, provocava novos atos de brutalidade, dan-
mentais, bancos e centrais telefônicas. No total, mais de 400 ataques do origem a outros funerais e outras manifestações. Essa seqüên-
terroristas ocorreram no Chile em 1984, e cerca de 1 000 num pe- cia de acontecimentos levou, em agosto de 1985, o governo sul-
ríodo de doze meses em 1985-198664• A violência oposicionista no africano a proibir os cortejos fúnebres.
Chile culminou em setembro de 1986, com a tentativa da Frente
O ql1:~que~ q~~as ocasionasse, as manifestações de massa qua-
Patriótica Manuel Rodríguez (FPMR) de assassinar Pinochet; o ge-
se invariavelmente criavam uma situação propícia à violência.
neral escapou, mas cinco de seus guarda-costas foram mortos.
Mesmo quando eram organizadas por moderados firmemente com-
Em virtualmente todos_Q§.p.ªi~e.s.umª.tªtig central da op?~~o
prometidos com a não-violência, pelo menos alguns de seus partici-
era-promover passeatas ou manifestações de massa contra o re,gipe.
pantes estavam dispostos à violência. Radicais se aproveitavam da
Tais demonstrações mobilizam e dirigem a insatisfação, permitem
cobertura e proteção dadas pelas manifestações para jogar pedras ou
que a oposição teste as dimensões de seu apoio e a eficiência de sua
organização, geram publicidade, muitas vezes de alcance internacio- coquetéis Molotov em veículos da polícia ou do governo. Muitas ve-
nal, estimulam as divisões no interior do regime e, se o regime res- zes grupos que apoiavam a violência se destacavam da manifestação
ponder violentamente, podem criar mártires e novas razões de indig- principal para desfechar ataques em alvos do governo. Por outro la-
nação. Os protestos em massa da oposição eram tipicamente convo- do, e isto aconteceu muitas vezes, até mesmo manifestações pacíficas
cados em quatro tipos de ocasiões: podiam servir de desculpa para a polícia recorrer à violência. Em su-
1. Em alguns casos, os grupos de oposição organizaram manifesta- ma, os protestos em massa às vezes: 1) geravam violência inadverti-
ções sistemáticas. Por exemplo, no Chile, em 1983-84, a oposição damente, 2) criavam oportunidades para os radicais usarem violên-
realizou manifestações mensais de protesto que envolveram bas- cia, 3) criavam oportunidades para os conservadores usarem violên-
cia, e 4) criavam oportunidades para os agentes conservadores ataca- Desmond Tutu partilharam a experiência de terem sido presos pelos
rem a polícia e assim criar uma justificativa para uma violência go- regimes não-democráticos de seus países. Também tiveram em co-
vernamental maciça contra a oposição. mum a experiência de arriscar suas próprias vidas para impedir o lin-
O uso de violência foi uma questão importante na discussão chamento de agentes governamentais por multidões enfurecidas.
entre grupos de oposição radical e moderada. Os comprometidos Assim, vários fatores reduziram os níveis de violência nas de-
com a violência em geral eram mais jovens (normalmente, estudan- mocratizações da terceira onda. Num grau considerável, tais fatores
te~).do que os que defendiam táticas não-violentas. Era típico que também contribuíram para o êxito dos esforços de democratização.
cntIcassem os adeptos da não-violência como "oportunistas" e cola- A intervenção externa violenta produziu democracia em vários casos
boradores do regime. Na Coréia, por exemplo, havia um abismo on- na segunda onda e em Granada e no Panamá, na terceira. A violên-
de, de um lado, estavam Kim Dae ]ung, Kim Yopung Sam e demais cia de grupos no interior da sociedade não teve o mesmo resultado.
líderes dos principais partidos de oposição, e, de outro, os jovens es- Os líderes de regimes autoritários podem usar a violência para man-
tudantes radicais e seus turbulentos associados que formavam o ter seu governo; seus adversários radicais podem usar a violência pa-
grosso das marchas de protesto e que usavam tais ocasiões para ata- ra derrubar tais regimes. A primeira ação impede que a democracia
car a polícia. ÀI> vezes os estudantes denunciavam os líderes da opo- venha a existir; a segunda mata-a ao nascer. Em toda a história, re-
sição moderada da mesma forma que estes denunciavam os líderes voltas armadas quase nunca produziram regimes democráticos.
do governo. Tais denúncias, segundo Kim Dae ]ung, "espantavam" Entre 1860 e 1%0, em nove das onze tentativas malsucedidas de de-
os líderes moderados65. Colocavam-nos numa posição difícil, pois mocratização, ocorreu substancial violência civil nos 20 anos que
eles queriam se dissociar das táticas que os estudantes usavam, mas, precederam o esforço de democratização. No mesmo período, ape-
ao mesmo tempo, queriam mobilizar os estudantes para as manifes- nas duas das oito tentativas bem-sucedidas foram precedidas por
tações pacíficas de massa através das quais desejavam derrubar o re- violência civil substancial66• Similarmente, entre 1974 e 1990, levan-
tes violentos acabaram com os regimes autoritários na Nicarágua,
gime. Quando o governo concordou com eleições populares livres
Iêmen, Etiópia, Irã, Haiti, Romênia e em outros lugares. Nenhum
em 1987, os estudantes continuaram insatisfeitos, distanciados e
dos casos, com a possível mas altamente problemática exceção da
mantendo seus compromissos de usar protestos e violência para pro-
Romênia, resultou em democracia. O recurso à violência aumentou
mover reformas socialistas e o fim da influência americana na
o poder dos especialistas em violência tanto no governo como na
Coréia.
oposição. Governos criados por moderação e compromissos gover-
No Chile, os líderes políticos das principais correntes de oposi-
naram com moderação e compromissos. Governos produzidos por
ção também tentaram se distanciar do partido comunista, da FPMR
violência governaram com violência.
e de outros grupos que usavam violência contra o regime. Nas
Filipinas, as forças de Aquino rejeitaram tanto o uso da violência co-
mo a cooperação com os que usavam violência. Na África do Sul, em
contraste, grupos e líderes da oposição que defendiam a não-violên-
cia, como Tutu e outros líderes religiosos, Buthelezi e a coalizão libe-
ral- a Frente Democrática Unida - não tinham escolha a não ser
cooperar com o CNA.
Inevitavelmente, os radicais de oposição e as multidões enfure-
cidas ficavam tentados a recorrer à violência e os principais líderes
muitas vezes tinham dificuldades em contê-Ios. Adam Michnik e
ritarismo? Duas reversões aconteceram na África nos anos 80:
Nigéria em 1984 e Sudão em 1989. São casos idiossincráticos ou as
primeiras manifestações do que seria um colapso muito mais exten-
so de novos governos democráticos?
As especulações quanto ao futuro poucas vezes são esclarecedo-
ras; as previsões para o futuro muitas vezes são constrangedoras. Os
capítulos anteriores examinaram o quê, o porquê e o como das tran-
sições de terceira onda para a democracia. Este capítulo tenta prosse-
Por quanto tempo? guir a abordagem empírica analisando: 1) dois importa~tes proble-
mas enfrentados pelas novas democracias; 2) os passos neCessáriosno
desenvolvimento das instituições políticas democráticas e de uma
cultura política democrática; e 3) os fatores que possivelmente afe-
tam as probabilidades de consolidação democrática.
Os pai~e_s~Ilf~~}}..t-ªI.ªm
tx~s_tiPQs_<!t:Q.rQblermstlo.desenvolvi-
ment:ü'ena consolidação de seus novos sistemas políticos democrá~
t~c:os.rQ~pfõblé;;;~s·de transif~ecorriam direta~ente do fenômeno
da mudança de regime autoritário para democrático. Incluíam os
problemas de estabelecer novos sistemas constitucionais e eleitorais,

o s reformistas democratas no país A chegaram ao poder e


começaram a transformação do sistema político de seu país. O dita-
afastar funcionários favoráveis ao autoritarismo e substituí-los por
outros favoráveis à democracia, revogar ou modificar leis inadequa-
das à democracia, abolir ou modificar drasticamente órgãos autoritá-
dor conservador do país B voou para o exílio num jato da Força rios, como a polícia secreta, e, em países que antes eram de partido
Aérea dos Estados Unidos, gerando imensa euforia entre seu povo, único, separar as propriedades, funções e pessoal do governo e do
e os democratas moderados da antiga oposição enfrentam agora os partido. Em muitos países, dois importantes problemas de transição
desafios do governo. Os democratizadores do governo e da oposi- diziam respeito a: 1) como tratar os funcionários autoritários que
ção no país C sacrificaram os interesses imediatos de seus seguido- clamorosamente violaram direitos humanos - o "problema do tor-
res e chegaram a um acordo em torno da essência de um novo siste- turador"; e 2) como reduzir o envolvimento militar na política e es-
ma democrático. Em todos os três países, pela primeira vez em tãb~I~cer um padrão profissional de relações civis-militares - o
anos, eleições livres e honestas haviam produzido um governo po- "pr()bJe.fl1aprçwriano" .
pularmente escolhido. Uma segullºªçª1ÇgQIE! de problemas poderia ser chamado de
E então? Que problemas os novos sistemas democráticos en- proble'/11.ilS. COU~I~61i5. Esses decorriam da natureza da sociedade, de
frentam? A democracia resiste? Os novos sistemas consolidam-se ou sua economia, cultura e história, e, até certo ponto, são endêmicos
entram em colapso?l Na primeira e na segunda onda reversa, 20 paí- ao país, qualquer que seja sua forma de governo. Os governantes au-
ses com sistemas políticos democráticos mudaram para formas auto- toritários não resolveram tais problemas e, com toda probabilidade,
ritárias de governo. Quantos dos 30 países que transitaram para a os governantes democráticos também não o farão. Como tai~_pr()-
democracia nos anos 70 e 80 deverão voltar a alguma forma de auto- blemas eram específicos a cada país e não ao fenôm~no c~~~~ da
transiçã<?,.elesobvialll~med.if~riam de um país para outro. No en- o problema do torturador: processar e punir
tanto, entre aqueles preponderantes entre as democracias da terceira vs. perdoar e esquecer
onda, estavam as rebeliões, os conflitos comunitários, os antagonis-
mos regionais, a pobreza, a desigualdade sócio-econômica, a infla- Entre outras coisas, os novos regimes democráticos tiveram de
ção, a dívida externa, as baixas taxas de crescimento econômico. Os decidir o que fazer com os símbolos, doutrinas, organizações, leis,
comentadores muitas vezes chamaram a atenção para as ameaças funcionários públicos e líderes do sistema autoritário. Por trás de tais
que tais problemas significavam para a consolidação de novas demo- problemas muitas vezes estão questões de identidade nacional e de
cracias. No entanto, à parte o baixo nível de desenvolvimento eco- legitimidade política. Um problema comum referia-se aos crimes
.nômico, o núm~ro e a gravidade dos problemas contextuais de ~m" cometidos por membros do regime anterior2• Os governos democrá-
país mostraram-se muito pouco relacionados com seu êxito ou ff{l- ticos que se sucedem a outros regimes democráticos aproveitam as
casso na consolidação da democracia. oportunidades de denunciar a incompetência, a ccirrupção e as frau-
Finalmente, à medida que as novas democracias se consolida- des do governo anterior e processar seus membros que disso tenham
ram e alcançaram uma certa estabilidade, passaram a enfrentar pro: culpa. Os governos democráticos que se sucederam a governos auto-
blemas si~t.~mjJQ,s:,.
""'_ ••.
..gecorrentes do funcionamento do sistema de-
,". _•... ·0. ,. - "'_ ••••• ~_"~~.",.u . .' ,__ ,'".,', '. __ ' ;,~",,",,~._",,-<...,,
ritários enfrentaram um problema muito mais sério, mais carregado
mocrátÍco. Os sistemas políticos autoritários enfrentam proble- de emoções e politicamente mais sensível. Como o governo demo-
mas que decorrem de sua natureza particular, tais como a excessi- crático deveria reagir às acusações de brutais violações dos direitos
va concentração de decisões, feedback deficiente, forte dependên- humanos - assassinatos, seqüestros, torturas, estupros, prisões sem
cia da legitimidade de desempenho. Outros problemas são, em julgamento - cometidas pelos membros dos regimes autoritários?
geral, .~aracterísticas eeculiares dos§istemas democráticos: parali- O correto seria processar e punir, ou perdoar e esquecer?
sação, incapacidade de tomar decisões, suscetibilidade à demago- Os regimes autoritários dos anos 70 e 80 deram muitas razões
gia, domínio de interesses econômicos adquiridos. Tais proble- para que tal problema surgisse. Durante os anos de governo militar,
mas afligiram democracias duradouras, e as novas democracias da quase 9 000 argentinos desapareceram, presumivelmente assassina-
terceira onda presumivelmente não estarão imunes eles. Oescâ- a dos pelas forças de segurança, e muitos outros foram seqüestrados e
lonamento desses três tipos de problemas é apresentado esquema- torturados. Durante seus anos de governo militar, o Uruguai teve,
ticamente na figura 5.1. segundo uma estimativa, a maior proporção de prisioneiros políticos
em qualquer país do mundo: um entre 50 uruguaios foram presos,
em um momento ou outro, e muitos foram torturados. Cerca de du-
Evolução Política zentas pessoas desapareceram ou foram mortas na prisão. Na Grécia,
Tipo de Sistema Fase de Sistema o número de pessoas torturadas ou que sofreram outros abusos apa-
problema: Autoritário Transição Democrático rentemente chegou às centenas. No Chile, cerca de oitocentos civis
Contextual foram mortos durante ou imediatamente após o golpe, em 1973, e
Transicional outros 1 200 foram mortos nos anos seguintes. Quando foi declara-
Sistêmico da uma anistia, em 1979, cerca de sete mil prisioneiros foram liber-
tados da cadeia. O regime de Ceausescu violou os direitos humanos
básicos de milhares de romenos. Na América Central, as ditaduras
de esquerda e de direita trataram suas populações, particularmente
as minorias raciais, de maneira igualmente brutal. Mesmo no Brasil, Nos países onde houve flagrantes violações dos direitos huma-
cerca de 81 civis foram mortos e 45 desapareceram na guerra contra nos, ocorreram grandes debates sobre qual deveria ser a ação do regi-
as guerrilhas urbanas, entre 1966 e 19753• Os atos contra indivíduos me democrático. Argumentou-se que os responsáveis por tais crimes
algumas vezes foram complementados pela violência em massa con- deveriam ser processados e punidos porque:
tra manifestantes, como nos massacres de Guanju e da Politécnica,
1. A verdade e a justiça exigiam-no; o regime sucessor tinha o dever
respectivamente na Coréia e na Grécia.
moral de punir crimes horrendos contra a humanidade.
Tais ações pelos governos autoritários do final do século XX
2. O processo é uma obrigação moral devida às vítimas e às suas fa-
não diferiram muito das praticadas pelos regimes autoritários ante-
mílias.
riores. Tal comportamento tornou-se uma questão central em suas
3. A democracia é baseada na lei, e deve ficar claro que nem os altos
sociedades, em grande parte devido ao desenvolvimento da preo-
funcionários civis ou militares nem os policiais estão acima da lei.
cupação global com os direitos humanos na década de 70. Isso se
Como disse um juiz uruguaio, criticando a proposta de anistia do
manifestou na legislação sobre os direitos humanos no Congresso
governo democrático: "Democracia não é apenas l~berdade de
dos Estados Unidos, no surgimento de organizações de direitos opinião, direito de fazer eleições, e assim por diante. to domínio
humanos (tais como a Anistia Internacional, a Freedom House, a da lei. Sem igual aplicação da lei, a democracia está morta. O go-
Americas Watch e organizações semelhantes na CSCE), no papel verno está agindo como um marido enganado pela esposa. Ele sa-
mais ativo das organizações intergovernamentais de defesa dos di- be, todos sabem, mas ele insiste em dizer que tudo vai bem, re-
reitos humanos, e nas ações do governo de Carter, que colocou a zando todo dia para não ser obrigado a enfrentar a verdade, por-
questão dos direitos humanos na agenda mundial. Como resultado, que então terá de fazer alguma coisa a respeito"4.
quando os governos democráticos chegavam ao poder, não podiam 4. Os processos são necessários para dissuadir futuras violações dos
deixar de enfrentar as violações dos direitos humanos pelos regimes direitos humanos pelos funcionários de segurança.
que os tinham antecedido, mesmo que, como normalmente aconte- 5. Os processos são essenciais para estabelecer a viabilidade do siste-
cia, as tentativas de punição não tivessem precedentes em suas so- ma democrático. Se os establishments militar e policial puderem
ciedades. impedi-Ias através de influência política ou de ameaças de golpe,
A importância central dos direitos humanos reflete-se na natu- a democracia não existe de verdade no país, e deve prosseguir a
reza das acusações feitas contra os membros dos governos autoritá- luta para estabelecê-Ia.
rios. Os líderes do regime militar grego foram acusados de realizar 6. Os processos são necessários para garantir a supremacia dos valo-
um golpe de Estado e foram condenados por alta traição. No entan- res e das normas democráticas e para encorajar o público a acredi-
to, em virtualmente todos os outros países, as acusações e condena- tar neles. "A não ser que os principais crimes sejam investigados e
ções referiam-se ao assassinato, ao seqüestro e à tortura de indiví- punidos, não pode haver um verdadeiro crescimento da confian-
duos. Em mu.itos países houve amplo apoio popular para a criação ça, nenhuma 'implantação' das normas democráticas na socieda-
do sistema autoritário, portanto teria sido politicamente constrange- de como um todo; e, portanto, nenhuma 'consolidação' genuína
dor, e difícil, processar as pessoas por criarem tal sistema. A preocu- da democracia."s
pação global com os direitos humanos centrava-se não na ilegalida- 7. Mesmo que a maioria dos crimes do autoritarismo não seja alvo
de do regime, mas nas ações ilegais de seus agentes. Os funcionários de processos, no mínimo é necessário trazer à luz a extensão dos
autoritários foram processados não por terem matado a democracia crimes e a identidade dos responsáveis, e assim estabelecer um re-
constitucional, mas por terem matado indivíduos. gistro público completo e incontestável. O princípio da responsa-
bilidade é essencial para a democracia, e a reponsabilidade exige justo - consolidar a paz de um país onde hoje em dia os direitos
"expor a verdade" e insistir em "que as pessoas não sejam sacrifica- humanos estão garantidos, ou buscar uma justiça retroativa que
das por um bem maior; que seu sofrimento seja revelado e que a poderia comprometer tal paz?"8.
responsabilidade do Estado e de seus agentes na causação de tal
Esses, em resumo, foram os argumentos a favor e contra a ins-
sofrimento fique clara"6.
tauração de processos contra crimes autoritários nos países da tercei-
Os que se opõem à perseguição apresentam os seguintes argu- ra onda. Na prática, o que aconteceu não foi muito afetado por con-
mentos contrários: siderações morais e legais. A definição foi quase que exclusivamente
política, foi modelada pela natureza do processo de democratização
1. A democracia deve se basear na reconciliação, no esquecimento,
e pela distribuição do poder político durante e após a transição. No
pelos principais grupos da sociedade, das divisões do passado.
final, as ações políticas nos países da terceira onda solaparam os es-
2. O processo de democratização envolve o entendimento explícito
ou implícito entre grupos de que não haverá retaliação pelos cri- forços de processar e punir os criminosos autoritários. Em alguns
mes passados. países, ocorreu uma justiça sumária para algumas poucas pessoas; em
3. Em muitos casos, tanto os grupos de oposição como as forças do quase todos os países, não ocorreram processos e punições. Entre os
governo violaram abertamente os direitos humanos. Uma anistia países que se democratizaram antes de 1990, a G'fécia foi o único
geral e ampla é uma base muito mais forte para a democracia do onde um número substancial de funcionários autoritários foram su-
que quaisquer tentativas de processar um lado, ou outro, ou am- jeitos a julgamentos e punições significativos.
bos. Dado o caloroso debate político e a intensidade emocional de
4. Os crimes dos membros dos governos autoritários foram justifica- tal problema, como se pode explicar tal resultado?
dos na época pela necessidade de acabar com o terrorismo, derro- Primeiro, cerca de metade das democratizações pré-1990 fo-
tar as guerrilhas marxistas-leninistas e restaurar a lei e a ordem na ram transformações iniciadas e comandadas pelos líderes dos regi-
sociedade, e naquele momento suas ações foram amplamente mes autoritários existentes. Tais líderes em geral eram reformistas
apoiadas pelo público. democratas que, na maioria dos casos, haviam substituído líderes
S. Muitas pessoas e grupos na sociedade tiveram culpa nos crimes conservadores anteriores. Estes, obviamente, não desejavam ser pro-
cometidos pelo regime autoritário. "Todos nós acabamos acostu- cessados por crimes que pudessem ter cometido. Os reformistas de-
mados com o sistema totalitário", argumentou Václav Hável, "e sejavam induzir os conservadores a concordar com o processo de de-
aceitamo-lo como um fato imutável, ajudando assim a perpetuá- mocratização, e para isso era essencial garantir-lhes que não seriam
10. Em outras palavras, todos somos - se bem que, naturalmen- punidos pelo regime democrático que se sucederia. Além disso, os
te, em vários graus - responsáveis pela criação do aparato totali- regimes autoritários onde os reformistas tiveram condição de substi-
tário. Nenhum de nós é apenas sua vítima; todos somos respon- tuir os conservadores foram, em geral, responsáveis por menores (e
sáveis por ele."? menos hediondas) violações dos direitos humanos do que os regimes
6. A anistia é necessária para estabelecer a nova democracia em bases onde os conservadores se mantiveram no poder até o amargo fim.
sólidas. Mesmo que existam argumentos legais e morais para se Portanto, em virtualmente todos os regimes autoritários que inicia-
abrir processos, tais argumentos cairiam diante do imperativo ram sua transformação para a democracia, um decreto de anistia foi
moral de criar uma democracia estável. A consolidação da demo- parte do processo. Tais anistias tipicamente se aplicavam a quaisquer
cracia deve ter precedência sobre a punição dos indivíduos. Ou, crimes cometidos, durante um período de tempo especificado, tan-
como disse o presidente Sanguinetti, do Uruguai: "O que é mais to pelos agentes do regime como por membros da oposição. Os regi-
mes brasileiro e chileno decretaram tais amstias em 1979. A esquerda continuaram a insistir em que deveria ser possível abrir
Guatemala fez o mesmo em 1986. Os generais turcos garantiram sua processos; mas os líderes democratas moderados ~nfatizaram apenas
imunidade contra processos antes de permitir que um governo de- que era desejável realizar investigações. Poucos dias antes de se tor-
mocrático fosse eleito em 1983. nar presidente, Aylwin afastou-se de seu caminho habitual para tra~-
Nesses e em outros casos de transformação, os regimes autori- qüilizar os militares. "A idéia de um julgamento não pas~a por mi-
tários não apenas agiam em seu próprio interesse, ao legislar sobre a nha cabeçà', disse ele. "Não é minha intenção promover Julgamen-
anistia, como também tinham o poder de fazer com que a anistia vi- tos. [... ] [Não tenho vontade] de perseguir ou antagonizar o general
gorasse. Argumentou-se que, como resultado, os regimes democráti- Pinochet ou qualquer outra pessoa."iO Coerente com esse tema de
cos que a eles se sucederam não eram democracias reais, já que não reconciliação nacional, imediatamente depois de assumir o poder
tinham o poder de levar à justiça aqueles que, nos regimes autoritá- Aylwin libertou prisioneiros políticos do regime de Pinochet que
rios, haviam cometido crimes. Na Guatemala, por exemplo, os mili- não haviam cometido atos de violência.
tares declararam uma anistia para si mesmos quatro dias antes de en- A criação de um sistema democrático sempre implica compro-
tregar o governo ao presidente civil democraticamente eleito, missos entre os grupos politicamente poderosos quanto ao que o go-
Vinicio Cerezo, em janeiro de 1986. Cerezo aceitou a anistia, am- verno pode fazer e o que não pode. O estabelecimento da democra-
pliou-a ainda mais e prontamente admitiu que não continuaria co- cia venezuelana no final da década de 1950 exigiu os compromissos
mo presidente por muito tempo se tentasse processar os soldados de honrar os privilégios da Igreja, respeitar a propriedade privada e
guatemaltecos pelas aparentemente numerosas violações aos direitos realizar uma reforma agrária. Será que o sistema político resultante
humanos ocorridas durante o regime militar. Portanto, argumen- era não-democrático por causa de tais restrições? Será que um siste-
tou-se, o governo de.Cerezo não era "um governo democrático, nem ma é não-democrático porque o governo não tem o poder ou a von-
mesmo um governo que estivesse realizando uma transição para a tade de processar os criminosos do regime autori~io anterior? Se
democracià'9. assim for, então nenhum sistema democrático estabelecido através
A mesma acusação podia ser feita, e foi feita, contra o regime de transformação é democrático, porque é claro que nenhum líder
pós-Pinochet, no Chile. A coalizão multipartidária que apoiou autoritário transformará seu sistema em democracia se esperar que,
Patricio Aylwin na eleição para presidente, em 1989, adotou um com isso, ele ou seus associados sejam processados e punidos.
programa que propunha que o Congresso derrubasse a lei de anistia Governos suficientemente fortes para realizar transformações são su-
de 1979 e suspendesse por um ano a lei que limitava os processos ficientemente fortes para cobrar tal preço. Se não fossem, possivel-
contra assassinatos e outros crimes violentos. Os líderes militares mente metade das transições da terceira onda pré-1990 não teria
chilenos advertiram para as conseqüências, caso se tentasse conti- ocorrido. Rejeitar a anistia em tais casos é excluir a forma de demo-
nuar nessa linha. Em outubro de 1989, ainda no poder, o general cratização mais comum.
Pinochet declarou: "O dia em que tocarem em um único de meus A situação era bem diferente com regimes autoritários que não
homens será o fim da lei do Estado". O comandante da Força Aérea saíram por força, mas foram substituídos por fraqueza. Nor-
Chilena, Gal. Fernando Manhei, por dez anos lutou contra malmente tais regimes não previram seu fim, e portanto não ten~a-
Pinochet e pressionou por uma democratização mais rápida. No en- ram proteger-se, promulgando anistias. A mais not~vel ex~~ção.fOla
tanto, advertiu ele em 1989, as tentativas de derrubar a lei de anistia Argentina, onde o general Bignone chefiou um regime militar mte-
ameaçariam tal processo. As Forças Armadas "não aceitariam" pro- rino por 16 meses, desde a queda da junta até a eleição de um gover-
cessos: "Se tentarem nos colocar no pelourinho, como na Argentina, no democrático. Seu governo fez várias tentativas, todas elas fracas-
isso vai ter as mais graves conseqüências". Os líderes da oposição de sadas, de livrar militares e policiais de processos. Primeiro, tentou
negociar um acordo com os líderes civis; tal esforço foi "amplamen- sofrerem humilhações militares em conflitos externos. Nos dois ca-
te ridicularizado". Depois, transmitiu pela televisão uma reporta- sos os governos democráticos que os sucederam eram totalmente
gem sobre a guerra contra os terroristas de esquerda, na esperança de controlados por um partido e chefiados por um líder altamente res-
justificar suas ações; "saiu pela culatrà'. A seguir, tentou negociar um peitado e popular. Nos dois casos, também, quando o governo de-
acordo secreto com os líderes sindicais conservadores do movimen- mocrático foi eleito" a opinião pública defendeu maciçamente o jul-
to peronista, mas isso foi denunciado pelos outros líderes da oposi- gamento e a punição dos culpados por violações dos direitos huma-
ção e a tentativa teve de ser abandonadall. Finalmente, poucas sema- nos. Na Grécia, como disse um analista, essa era "a mais sensível e
nas antes das eleições, o governo de Bignone decretou uma "Lei de explosiva das demandas populares" 12. O mesmo pode se dizer da
Pacificação Nacional", que garantia imunidade contra investigações Argentina. Os dois novos governos tentaram satisfazer as demandas
e instaurações de processos para todos os militares e policiais, por populares e o imperativo moral implantando um programa que tra-
virtualmente quaisquer ações, incluindo "crimes comuns e crimes tasse das violações de direitos humanos.
militares afins" realizados durante a guerra contra o terrorismo. A Os dois governos enfrentaram problemas semelhantes ao de-
anistia aplicava-se também a um pequeno número de terroristas, senvolver suas políticas. Tinham de determinar quem deveria ser
uma dúzia, talvez, que não haviam sido presos e condenados e que processado, por que crimes, de que maneira, quando, e diante de
não estavam no exílio. Tal lei foi imediatamente denunciada por to- quais tribunais. Quando as ditaduras personalistas foram derrubadas
dos os líderes políticos da oposição. O governo democrático repeliu na Colômbia, Venezuela, Filipinas e Romênia, os julgamentos e as
a lei de anistia duas semanas depois de assumir o poder, em dezem- punições foram, em grande parte, limitados ao ditador, à sua família
bro de 1983. e a seus auxiliares mais próximos. Já a substituição de um regime mi-
Os membros de governos autoritários que caíram ou foram litar implicava um desafio mais difícil. Tanto na Argentina como ~ .,
derrubados foram alvo de punições. Após serem afastados do poder Grécia era claramente necessário processar os principais líderes~d, '< '
pelas forças militares dos Estados Unidos, Bernard Coard e outros governo militar. Mas até que ponto da hierarquia militar e policial os
13 líderes do regime comunista de Granada foram condenados por julgamentos deveriam ir? O governo de Alfonsín tentou tratar es
assassinato e outros crimes e receberam longas sentenças de prisão. questão dividindo os potencialmente culpados em ~s categorias:
Se Noriega não tivesse sido levado para os Estados Unidos sob a
1. os que tinham dado ordens para violar direitos humanos;
acusação de tráfico de drogas, teria encarado várias acusações em seu
2. os que cumpriram tais ordens;
próprio país. Os Ceausescu enfrentaram uma justiça bastante sumá-
3. os que cometeram violações dos direitos humanos além das ações
ria. Antes de sua eleição, Corazón Aquino ameaçou Marcos com
que tinham sido ordenadas.
processos judiciais, a que ele escapou voando para o exílio. Honecker
e seus associados inicialmente evitaram punições sérias; ele era velho Segundo a política do governo, policiais e militares que caíssem
e doente, mas no final de 1990 acabou sendo acusado de ter ordena- nas categorias 1 e 3 eram indiciados e julgados; os da categoria 2 só
do a morte de alemães orientais que haviam tentado escapar pelo eram julgados quando sabiam que as ordens que haviam recebido
Muro de Berlim. eram claramente ilegítimas.
Os mais sérios e amplos esforços de julgar e punir criminosos As condições enfrentadas pelos governos Alfonsín e Karamanlis
autoritários foram feitos na Grécia e na Argentina. Superficialmente, eram, assim, muito semelhantes. Mas os resultados a que os dois go-
a situação nesses dois países parece ter sido bem semelhante. Os dois vernos chegaram foram muito diferentes. Em agosto de 1975, nove
governos militares eram claramente culpados de violações substan- meses depois de Karamanlis ter sido eleito primeiro-ministro, os 18
ciais dos direitos humanos. Ambos entraram em colapso depois de oficiais superiores do governo militar haviam sido indiciados, julga-
dos e condenados por alta traição. No primeiro julgamento sobre calmamente aceitado - e, em parte, aprovado - a tática violenta
torturas que se seguiu imediatamente, 32 policiais militares (14 ofi- empregada pelos militares ao desempenhar com sucesso sua missão.
ciais e 18 soldados) foram indiciados; 16 foram condenados. Três Além disso, as violações, menos substanciais, dos direitos humanos
outros julgamentos, em 1975, no Exército, na Marinha e na polícia, cometidas pelos militares gregos tinham menos justificativas.
mais dois no final de 1976, e um julgamento dos principais chefes Finalmente, o regime militar grego foi um regime de coronéis, a que
militares pelo massacre da Politécnica resultaram em outras condena- se opunham alguns militares superiores. Portanto, entre os militares
ções e sentenças de prisão. No total, entre 100 e 400 julgamentos por gregos alguns elementos apoiavam as tentativas de julgamento do
tortura foram realizados em toda a Grécia, nos quais um grande nú- governo, enquanto os militares argentinos, quaisquer que fossem
mero de pessoas foi condenado por violações dos direitos humanos13. suas diferenças, unanimemente a elas se opuseram. Tais fatores, no
No final de 1976, dois anos após o governo democrático assumir o entanto, explicam apenas parte da diferença entre o êxito grego e o
poder, tinha sido feita justiça num volume substancial e a questão dos fracasso argentino ao tratar de tal questão. Muito mais importantes
processos e das punições foi deixada de lado na política grega. foram as políticas e as estratégias dos dois governos.
Tanto em termos absolutos como proporcionais, as violações Karamanlis fez duas coisas. Primeiro, agiu rapidamente, en-
dos direitos humanos foram maiores na Argentina do que na Grécia. quanto seu apoio popular estava no auge. Sua política foi de "puni-
A comissão de investigação designada por Alfonsín concluiu que as ção rápida, decisiva, digna de fé, mas também contida e circunscri-
forças de segurança haviam feito "desaparecer à força" pelo menos ta"15.Confirmado no cargo pelas eleições de 1974, Karamanlis pre-
8 960 pessoas, tinham mantido uma rede de 340 centros de deten- parou planos para processar os violadores dos direitos humanos. O
ção e tortura, cerca de 200 oficiais, cujos nomes foram identificados, apoio a tais ações cresceu muito com uma séria tentativa de golpe
haviam se envolvido diretamente em tais operações e muitos outros militar em fevereiro de 1975. Capitalizando a reação popular contra
também tinham participado da repressão14. Por sete anos após tal fato, rapidamente iniciou os indiciamentos e julgamentos através
Alfonsín assumir o poder, a questão de como tratar das violações de da justiça civil normal, com o resultado de que em 18 meses o pro-
direitos humanos agitou, e às vezes convulsionou, a política argenti- cesso estava basicamente concluído. Segundo, deu garantias ao cor-
na, estimulando pelo menos três tentativas de golpes militares. po de oficiais de que não o estava ameaçando institucionalmente.
Quando tudo foi dito e feito, um total de 16 oficiais (incluindo Sua "política de proteger das críticas o corpo de oficiais e sua sensi-
membros das juntas militares governantes) foram levados a julga- bilidade às suas demandas e exigências profissionais evitou uma pos-
mento e dez foram condenados por violações de direitos humanos. sível reação dos oficiais da ativa. A política de expurgo limitado aos
Ao contrário da Grécia, na Argentina as tentativas de julgar e punir principais elementos da junta, conduzida segundo os procedimentos
não serviram nem à justiça nem à democracia e, ao invés disso, pro- legais regulares e após a paixão pública haver arrefecido, também di-
duziram confusão moral e política. A Argentina ficou com memó- minuiu em muito a ansiedade do corpo de oficiais". A questão do
rias do trauma cívico causado pelas tentativas de processar crimino- torturador, dessa forma, virtualmente desapareêeu da política grega
sos autoritários que contrabalançaram as memórias do trauma cívico por 14 anos, para ser revivida de maneira muito breve em dezembro
e pessoal causado pelos horrendos crimes que cometeram. de 1990, quando o governo conservador anunciou que perdoaria
Como se pode explicar a diferença nos resultados argentino e sete dos oito membros da junta ainda na prisão. No entanto, diante
grego? Em parte, deveu-se ao fato de que houve na Argentina uma da grita pública e da recusa declarada do presidente Karamanlis de
séria ameaça à segurança interna, de que o governo peronista que an- assinar o decreto, o governo reverteu rapidamente sua posição16•
tecedeu a junta militar havia orientado os militares a "eliminar" os O fracasso das tentativas de julgamento na Argentina e a séria
terroristas e de que amplos setores da população argentina tinham crise que isso gerou na democracia argentina resultaram, em grande
parte, das políticas do governo Alfonsín. Elas provocaram um gran- menores. Um ativista queixou-se: "somos sempre o mesmo ban-
de atraso no julgamento e na punição dos violadores dos direitos do"17.A opinião pública estava mudando, a resistência militar esta-
humanos, e encorajaram os militares a resistir a tal processo. A me- va crescendo, e em dezembro de 1986 Alfonsín propôs o punto fi-
dida que o tempo passava, a indignação pública e o apoio aos pro- nal*, uma lei que proibia a abertura de novos processos. Os grupos
cessosderam. lugar à indiferença, e os militares recuperaram a in- em defesa dos direitos humanos denunciaram a proposta, mas a
fluência e o status que tinham perdido com a humilhação de 1982- maioria dos argentinos estava indiferente e fracassou uma tentativa
1983. de mobilização de tim protesto de 24 horas. O Congresso aprovou a
Imediatamente após tomar posse, Alfonsín repeliu a anistia de lei, e foram feitas acusações de última hora contra cerca de 200 ofi-
Bignone, designou uma comissão civil chefiada por Ernesto Sábato, ciais, muitos na ativa. Os militares deixaram claro que se opunham
um romancista, para investigar os crimes militares, iniciou o proces- fortemente ao julgamento desses últimos. Ao mesmo tempo, o mais
so contra nove oficiais militares superiores e garantiu a aprovação de importante grupo em defesa dos processos~ as Mães da Praça de
uma legislação que dava base legal para processar os violadores de di- Maio, dividiu-se, e suas passeatas semanais passaram a se assemelhar
reitos humanos através das hierarquias militar e policial. Tais ações a "uma reunião de velhas primas ou velhas amigas, muitas acompa- .
provocaram medo, preocupação e oposição do establishment militar. nhadas de seus maridos, filhos e netos"18. .
Ao mesmo tempo, no entanto, Alfonsín também fez passar uma le- Em abril de 1987, uma tentativa de obrigar um oficial a com-
gislação pela.qual os oficiais militares acusados de violações de direi- parecer à corte provocou a chamada Rebelião da Páscoa, na qual
tos humanos eram inicialmente julgados em cortes militares. Dessa unidades do exército de duas bases se amotinaram e fizeram várias
forma, ele deu aos militares primeiro os incentivos, depois os meios exigências ao governo. Alfonsín conseguiu obrigar os rebeldes a se
de obstruir os processos. renderem, mas concordou com suas principais exigências. Demitiu o
O caso dos nove generais e almirantes foi ao Conselho Su- chefe do Estado-Maior do Exército e, com grande objeção dos gru-
premo das Forças Armadas no começo de 1984. Oito meses depois, pos de direitos humanos, garantiu a aprovação da lei de "obediência
em setembro, o Conselho declarou que não tinha encontrado "nada devidà', que efetivamente impedia o processo contra todos, exceto
digno de objeção" nas ações dos membros da junta. O caso foi então um punhado de oficiais da reserva. Em janeiro e dezembro de 1988
transferido para a Corte Federal de Apelação. O processo levou ali foram reprimidos outros levantes militares, mas isso pressionou ain-
mais um ano, e o julgamento, em dezembro de 1985, condenou da mais o governo a suspender os processos. Em 1989, o candidato
cinco e absolveu quatro dos membros da junta. Em 1986, mais sete peronista, Carlos Menem, foi eleito presidente. O Partido Peronista
oficiais superiores foram indiciados e no final cinco foram condena- tinha então laços íntimos com os militares e Menem designou um
dos por violações aos direitos humanos. Enquanto isso, prossegui- defensor da anistia para ministro da Defesa e um favorito dos amo-
ram as investigações e foram indiciados muitos outros oficiais. tinados para chefe do Estado-Maior do Exército. Em outubro de
Pesquisas de opinião pública em 1984 e 1985 mostraram am- 1989, Menem perdoou 60 guerrilheiros e todos os militares e poli-
plo apoio aos processos, particularmente dos principais comandan- ciais acusados ou sujeitos a acusações de violações dos direitos huma-
tes militares. No entanto, a preocupação com essa questão também nos, exceto os cinco membros da junta ainda na prisão. Em dezem-
começou a desaparecer. Um ano depois da posse de Alfonsín, afir- bro de 1990, Menem perdoou os cipco membros da junta, outro ge-
mava-se que: "Muitos argentinos estão perdendo o interesse nos de- neral, que desde 1988 se encontravlJ.extraditado nos Estados Unidos
saparecidos*". As manifestações de apoio aos processos eram cada vez e que esperava julgamento por assassinato de 38 pessoas, e um líder
montonero. Isso provocou intensa amargura, antagonismo e indig- tre o governo Roh e a oposição, centradas nos julgamentos, proces-
nação. Quase 50 000 pessoas protestaram em Buenos Aires. "É o dia sos e possíveis reparações às vítimas de Guanju. No final, chegou-
mais triste da história argentina", afirmou Alfonsín19• se a um "acordo secreto", em que Chun foi testemunha num julga-
Na Grécia, o confronto entre o governo democrático e os mi- mento pela Assembléia que foi televisionado. Esse caso um tanto
litares chegou ao clímax numa tentativa de golpe três meses após a estridente não satisfez a oposição, mas ajudou Roh a distinguir seu
eleição do governo. Na Argentina, o clímax se deu numa tentativa governo do de seu antecessor.
de golpe três anos e meio depois da eleição do governo. A tentati- Na Nicárágua e na Coréia, ocorreram negociações entre gover-
va de golpe na Grécia deu legitimidade e gerou apoio aos proces- no e oposição após um governo ter sido eleito democraticamente.
sos. A tentativa de golpe na Argentina levou o governo a abando- Em outros casos, foi feito um acordo entre líderes autoritários e de
nar os processos. Alfonsín não conseguiu agir rápida e decidida~ oposição antes do novo governo ser eleito. No Uruguai, por exem-
mente em 1984, quando a opinião pública apoiava a ação, e isso plo, no verão de 1984 militares e alguns líderes políticos negocia-
fez com que os processos pelos direitos humanos se tornassem uma ram os acordos para a transição para a democracia, conhecidos co-
vítima das mudanças das relações de poder e das atitudes do públi- mo o Pacto do Clube Naval. Há controvérsias quanto à extensão
co. O resultado, como disse Ernesto Sábato, foi que na Argentina: das garantias recebidas pelos militares contra a abertura de proces-
"Quem bate uma carteira é jogado na cadeia, e quem torturou fica sos. Mais tarde, tanto o general Medina como o presidente
livre"20. Sanguinetti afirmaram que a questão nunca foi discurida. Alguns
Em contraste com o que aconteceu nas transformações e nas civis afirmaram que os militares receberam garantias de que o go-
substituições, nas transtituições os termos da anistia foram nego- verno não iria processá-Ios, embora não fosse impedir a abertura de
ciados explícita ou implicitamente entre governo e oposição. Na processos pelos cidadãos que quisessem fazê-Io. Outros disseram
Nicarágua, por exemplo, os sandinistas apresentaram uma propos- que os militares receberam garantias de que também tais ações se-
ta de anistia que depois foi modificada para satisfazer as objeções riam bloqueadas e Wilson Ferreira, líder do Partido Blanco, de opo-
da oposição democrática. Na Coréia, o presidente Chun 000 sição, mais tarde afirmou que abandonara sua oposição à anistia
Hwan sem dúvida alguma apoiou ~eu colega Roh Tae Woo para porque os militares haviam recebido garantias contra a abertura de
presidente, na suposição, e com ifacordo implícito, de que ele e processos nas negociações do Clube Naval (de que ele não partici-
seus associados não seriam processados por quaisquer ações que ti- para, por estar na prisão)22.
vessem realizado em seus sete anos de governo autoritário. No en- Os generais uruguaios sofreram fortes pressões internas e inter-
tanto, depois que Roh foi eleito, vieram à tona exigências de escla- nacionais (dos Estados Unidos e das democratizações brasileira e ar-
recimento de crimes cometidos pelos integrantes do governo de gentin~) para acabar com seu governo. Mas não foram expulsos.
Chun. Elas incluíam, principalmente, o massacre de Guanju, mas NegOCIaram sua saída; como observou um comentarista político
havia, além disso, "muitas denúncias bem documentadas de tortu- uruguaio: "os generais acreditam que estão saindo do governo de ca-
ras, maus-tratos e mortes não-explicadas de pessoas sob custó- beça erguida e com as bandeiras desfraldadas"23. Não há dúvida de
dia"21.Os congressistas da oposição exigiram punição para Chun e que na época se supunha que no Clube Naval se tinha chegado a al-
mais cinco outros que se dizia serem os responsáveis pelo massacre. gum ac~rdo quanto aos julgamentos. Dadas a dimensão e a gravida-
Em 1988 e 1989 a questão foi intensamente debatida na Coréia. d~ das .vIOlaçõesdos direitos humanos, parece provável que os gene-
Em novembro de 1988, Chun apresentou desculpas públicas e en- raISdeIxaram o poder porque receberam alguma garantia ou então
tão retirou-se para um distante mosteiro budista. Enquanto isso, porque ambos os lados acreditaram que julgamentos sérios estavam
continuavam sendo realizadas negociações igualmente intensas en- fora de questão.
No ano e meio após a posse, em março de 1985, do novo go- que se opunham à anistia perderam; mas do outro lado não havia,
verno eleito, os cidadãos uruguaios iniciaram 38 processos contra como disse o presidente Sanguinetti, "nenhuma sensação de triun-
150 oficiais, por assassinato, tortura, seqüestro, estupro e outros cri- fo"25.Haviam se passado nove anos desde o início do processo de de-
mes. Os militares declararam que não permitiriam que seus pares mocratização e quase cinco anos desde que um governo democrati-
fossem levados à corte. Querendo evitar um confronto maior, que camente eleito assumira o poder.
significaria o fim de seu regime, Sanguinetti propôs uma anistia ge- Na Europa oriental, à parte a Romênia e a Alemanha Orien-
ral para os militares, em parte justificada pelo fato de que ele já ha- tal, a tendência global inicial era perdoar e esquecer. A questão da
via perdoado os terroristas e outros prisioneiros políticos encarcera- punição nunca surgiu, na realidade, na Hungria; e Hável, na
dos pelos militares. Os partidos de oposição no Congresso derrota- Tchecoslováquia, Mazowiecki, na Polônia, e Iákovlev, na União
ram essa proposta e apresentaram um plano de anistia parcial, que Soviética, manifestaram-se, todos eles, contra as acusações crimi-
também foi derrotado. O primeiro julgamento em que oficiais mili- nais. No entanto, em vários países surgiram exigências de investiga-
tares deveriam comparecer à Corte estava marcado para 23 de de- ções e processos contra os responsáveis pelos crimes mais notórios.
zembro. No último momento, os líderes oposicionistas mudaram Um líder comunista em Praga foi julgado e sentenciado a quatro
de posição, o Congresso trabalhou por toda a noite de 22 de dezem- anos de prisão por usar de violência contra manifestantes. Dois ge-
bro, foi aprovada uma lei geral de anistia, o primeiro julgamento foi nerais da polícia secreta polonesa foram presos e acusados de "insti-
cancelado e nenhum outro julgamento foi realizado. gar e dirigir" o assassinato do padre ]erzy Popieluszko em 1984. Na
No entanto, a batalha política no Uruguai estava apenas come- Bulgária, Todor ]ívkov foi posto em custódia por seis meses e liber-
çando. Durante o debate da lei de anistia, pesquisas de opinião pú- tado em julho de 1990, com as acusações contra ele ainda sendo in-
blica mostraram que 72% da população apoiavam a punição dos vestigadas.
culpados por violações dos direitos humanos24. Dois meses depois de A história das tentativas dos governos democráticos de levar à
aprovada a lei, uma ampla coalizão de políticos de oposição, ativistas justiça os membros de governos autoritários que cometeram crimes
pelos direitos humanos, vítimas e suas famílias, padres, jornalistas, apresenta algumas conclusões indiscutíveis. A justiça era uma função
advogados e outros começaram uma campanha para submeter a lei de poder político. Os membros de governos autoritários fortes que
de anistia a um plebiscito. Isso exigilÍ as assinaturas de um quarto voluntariamente saíram do poder não foram processados; os de regi-
dos eleitores, ou 555 701 assinaturas de uma população total de um mes autoritários fracos que entraram em colapso foram punidos, se
pouco mais que três milhões de pessoas. A campanha de obtenção prontamente processados pelo novo governo democrático. ''A justi-
de tais assinaturas dominou a política uruguaia por dois anos. O go- çà', observou Ernesto Sábato, "funciona assim. Ela é lenta. A única
verno, o Tribunal Eleitoral, os militares e alguns líderes políticos de justiça rápida é a dos países totalitários e despóticos."26 Ele estava er-
oposição fizeram imensos esforços, alguns honestos, outros desones- rado. A justiça democrática não pode ser a justiça sumária do tipo da
tos, para obstruir a obtenção e a verificação das assinaturas. No final, que foi infligida aos Ceausescu, mas também não pode ser uma jus-
em dezembro de 1988, o Tribunal Eleitoral concluiu que os defenso- tiça lenta. Desaparece o apoio popular e a indignação necessária pa-
res do plebiscito tinham obtido 187 assinaturas válidas a mais do ra fazer da justiça uma realidade política; os grupos associados ao re-
que o necessário e o Congresso marcou o plebiscito para 16 de abril gime autoritário, antes desacreditados, restabelecem sua legitimida-
de 1989. Após uma campanha acirrada, que incluiu ameaças não de e influência. Nos novos regimes democráticos, ou a justiça acon-
muito veladas dos militares de que não aceitariam a recusa da lei, tece rapidamente, ou não acontece.
53% dos eleitores uruguaios votaram a favor da lei de anistia e 40%, Com o final dos regimes autoritários, o que se queria era a ver-
contra. Isso resolveu a questão, mas ninguém ficou satisfeito. Os dade, assim como a justiça. Na Argentina, tal demanda foi satisfeita
pelo relatório, apresentado em setembro de 1984, da Comissão estariam se matando até hoje."28 Outros, no Uruguai e em diversos
Sábato, indicada pelo presidente Alfonsín no mês de dezembro ante- lugares, argumentaram que a verdade era mais importante do que a
rior. A Comissão ouviu os testemunhos de vítimas, suas famílias, justiça; que era essencial apresentar todos os fatos acontecidos para
funcionários e outros, pesquisouéexaustivamente os registros oficiais dar algum consolo às vítimas e às suas famílias, expor e humilhar os
e visitou centros de detenção e de tortura. As 400 páginas do resumo torturadores e desenvolver uma consciência e determinação públicas
do relatório eram apoiadas por 50 000 páginas de documentação. As que garantissem que tais ações realmente não se repetiriam. Aryeh
revelações e provas no relatório aumentaram a probabilidade de que Neier apresentou de maneira concisa essa posição: "Sabendo o que
a promessa de seu título seria realizada: Nunca mds*. Nas Filipinas, a aconteceu, uma nação é capaz de debater honestamente por que e
presidente Aquino indicou uma Comissão Presidencial sobre como crimes horríveis podem ser cometidos. Identificar os responsá-
Direitos Humanos para investigar basicamente os abusos policiais, e veis, e mostrar o que fizeram, é marcá-Ios com um estigma público
não os militares, que, afinal de contas, tinham-na ajudado a chegar que em si é uma punição, e identificar as vítimas e mostrar como fo-
ao poder. O presidente da Comissão morreu pouco depois de sua in- ram torturadas e mortas, é uma maneira de reconhecer seu valor e
dicação, e a Comissão dissolveu-se em menos de um ano, sem mui- dignidade"29.
to impacto. No Brasil, o processo de transformação e o nível muito Nos países que antes eram comunistas, a principal dificuldade,
mais baixo de violência criminosa impediu que o governo democrá- tanto na abertura de processos como na revelação dos crimes, era a
tico realizasse uma investigação como na Argentina. A Arquidiocese generalidade do regime, a extensão em que tantas pessoas aceita-
de São Paulo, no entanto, produziu um relatório baseado nos regis- ram-no e colaboraram com ele, e o medo do que os processos e as
tros oficiais, semelhante ao relatório Sábato e com o mesmo título: investigações poderiam mostrar. O testemunho de Jívkov diante do
Nunca maís**. No Chile, Aylwin se opôs aos julgamentos, mas de- Parlamento búlgaro, tantas vezes marcado, foi repetidamente adia-
terminou que a verdade deveria ser revelada. O governo nomeou do, devido aos nomes que ele poderia revelar. O problema mais
uma Comissão para a Verdade e a Reconciliação, que deveria ser a agudo eram os imensos arquivos da polícia secreta. Deveriam ser
"consciência moral da nação", que investigou e fez um amplo relato abertos a todos, ficar disponíveis apenas para os que moviam pro-
sobre as mortes políticas e os desaparecimentos durante o governo cessos, ficar trancados, ou ser destruídos? Os arquivos da Alemanha
mil.itar.A suposição era de que os resp~sáveis pelos crimes não de- Oriental incluíam, ao que se sabe, os nomes de seis milhões de pes-
venam ser processados, mas as vítimase suas famílias deveriam rece- soas, e em 1990 vários parlamentares e ministros do regime que se
ber compensações27. sucedeu foram denunciados como colaboradores da polícia. Muitos
No Uruguai, a desejabilidade da "verdade", assim como da temiam que uma abertura não-seletiva dos arquivos poderia enve-
"justiça", foi tema de debate. Os defensores da anistia também eram nenar a vida pública nas novas democracias, e uma abertura geral
contra as investigações e a revelação dos crimes autoritários. dos arquivos da Alemanha Oriental também poderia ter efeitos na
Esquecer era essencial, assim como perdoar. ''A anistia não significa Alemanha Ocidental. Na Romênia, os enormes arquivos do
que os crimes não aconteceram; significa esquecê-Ios", argumentou Securitate foram colocados num local secreto, sob guarda militar.
o senador Jorge Batlle. ''A questão fundamental", disse Sanguinetti, "Se tivéssemos publicado os arquivos, como algumas pessoas suge-
"é saber se vamos olhar para o futuro ou para o passado. [... ] Se os riam", observou um funcionário do governo, "poderia acontecer li-
franceses ainda estivessem pensando na Noite de São Bartolomeu, teralmente algo pior do que uma guerra civil, com amigos voltan-
do-se contra amigos, quando descobrissem o que estava contido
* Em espanhol no original (N.T.). neles."30 Em alguns aspectos, a verdade, assim como a justiça, era
** Em português no original (N.T.).
uma ameaça à democracia.
Guias de ação para democratizadores 4: me. Nos Estados comunistas e, em menor grau, na República da
O tratamento dos crimes autoritdrios China a maioria dos oficiais militares pertencia ao partido gover-
nante;'células e organizações partidárias permeavam a hierarqui~ ~i-
litar e os órgãos partidários de comando formulavam as polltlcas
1. Se ocorreu transformação ou transtituição, não tente processar os
militares assim como todas as outras. O problema para o Estado de-
funcionários autoritários por violações de direitos humanos. Os
mocráti;q que se sucedia a tais regimes era separar partido e ex~rci-
custos políticos de tais esforços serão maiores do que os ganhos
to, e substituir a subordinação militar a um partido pela subordma-
moraIS.
ção militar a um sistema democrático ~ultipa~ti~ário. Nos países da
2. Se ocorreu substituição e se você achar que é moralmente e poli-
Europa oriental a separação entre partIdo e exercito se deu com rela-
ticamente desejável, processe rapidamente os líderes do regime
tiva facilidade. Na União Soviética ocorreram intensos debates sobre
autoritário (no máximo um ano após assumir o poder), deixando
a "despartidarização" dos militares; a legislação ap~ov~da em 199?
claro que não vai processar os de nível médio e baixo.
modificou as funções da Administração Política PnncIpal, mas deI-
3. Descubra um meio de chegar a um relato público completo e de-
xou intata a estrutura de células partidárias, a despeito da argumen-
sapaixonado de como e por que os crimes foram cometidos.
tação de que "não existem nos exércitos dos países democráticos ne-
4. Reconheça que na questão "processar e punir vs. perdoar e esque- nhum órgão que implante a ideo IogIa . d e um partI'd o UlllCO
' . "31 . N ?
cer", cada alternativa apresenta graves problemas, e que o cami- entanto, em geral os sucessores democráticos das ditaduras de partI-
nho menos insatisfatório será: não processe, não puna, não per- do único enfrentaram menos dificuldades para estabelecer o contro-
doe e, acima de tudo, não esqueça. le civil do que as democracias que se seguiram aos regimes militares
e às ditaduras personalistas. .
Problemas diferentes e mais sérios surgiram dos establtshments
o problema pretoriano: militares rebeldes e militares que foram substituídos (ou seja, der~~bados) no ~rocesso
poderosos de transição ou que se tornaram altamente polltlzados nas d~taduras
personalistas. Os oficiais de baixo e mé~io esc;~ão de ~aIs est~b-
lishments muitas vezes tinham pontos de VIstapolltlcos ou IdeologIas
o problema de tratar com as ações criminosas de funcionários bem desenvolvidos, sentiram de maneira muito forte sua perda de
autoritários se sobrepôs a outro, mais a~lo, mais duradouro e po- poder e de status, e se sentiram ameaçados pelas f~rças ati:as e domi-
liticamente mais sério, enfrentado por muitas novas democracias: a nantes na nova política democrática. Dessa maneIra, muitas vezes se
necessidade de domar o poder político do establishment militar e de dedicaram a uma série de atividades políticas destinadas a derrubar o
fazer das Forças Armadas um corpo profissional comprometido com novo regime democrático ou a forçar mudanças em suas lideranças
a segurança externa do país. Os problemas civis-militares das novas ou políticas. As ações políticas mais dramáticas eram, claro, os levan-
democracias assumiram uma entre três formas, dependendo do tipo tes militares e as tentativas de golpe de Estado.
de regime autoritário, do poder do establishment militar e da nature- Foram tentados golpes, ou foram seriamente planejados, em
za do processo de transição. pelo menos dez países que se democratizaram entre mead~s dos a?~s
As forças militares das ditaduras de partido único, com a pa- 70 e final dos anos 80. Na Nigéria e no Sudão, os golpes tiveram eXI-
tente exceção da Nicarágua e a parcial exceção da Polônia, geral- to, e foram restabelecidos os regimes militares que haviam acabado
mente estiveram sob o firme controle do partido. Não tentaram gol- alguns anos antes. No entanto, deve-se distinguir entre golpes que
pes nem desempenharam um papel importante na política do regi- são reações ao que se vê como fracassos de sistema democrático, e
golpes que são reações a perspectivas de êxito da democratização. Milans del Bosch na Espanha. Em virtualmente todos os casos, o co-
Ta~to o golpe nigeriano como o sudanês se aproximam mais do pri- mando militar superior apoiou o governo ou, pelo menos, não
m~lf~ do. que do segundo tipo. O golpe nigeriano ocorreu após uma apoiou a tentativa de golpe. Além disso, em geral os golpistas não fo-
e1eIçaodIsputada: que .repôs no poder um presidente tido em geral ram capazes de mobilizar o apoio de grupos civis importantes ou de
como corrupto e IneficIente; o golpe sudanês seguiu-se a três anos de governos estrangeiros influentes. Nesses aspectos, as tentativas de
inepto governo civil, durante o qual os problemas econômicos e a re- golpe nas transições da terceira onda diferiram significativamente
volta por todo o país cresceram significativamente. Tentativas de dos golpes bem-sucedidos da segunda onda reversa. Um dos mais sé-
go.l~e aco~teceram também na Guatemala e no Equador, onde os rios esforços de golpe antidemocrático, por exemplo, ocorreu nas
mIlitares tinham voluntariamente se afastado do poder. Tais tentati- Filipinas em dezembro de 1989 e envolveu muita luta e muitas mor-
vas aparentemente estavam relacionadas com lutas intramilitares. Na tes. Alguns líderes políticos apoiaram o golpe tacitamente, mas não
Guatemal~, o governo civil eleito claramente manteve o poder com de maneira ativa; grupos civis importantes a ele se opuseram. O
o c?nsentImento d~s Forças Armadas, e as tentativas de golpe de mesmo fez o ministro da Defesa, Gal. Fidel V. Ramos e o alto co-
~aIO de 1988 e maIO de 1989 foram rapidamente reprimidas pelas mando militar. Num momento crítico, os Estados Unidos intervie-
lIderanças governamentais e militares, sem que se soubesse muito ram decisivamente, com aviões americanos levantando vôo para dis-
bem quais os motivos dos golpistas. Segundo o comentário de um suadir as forças favoráveis ao golpe.
importante político guatemalteco: ''A única explicação possível é que Em geral, a vulnerabilidade dos governos eleitos variava com o
se :rata de um grupo muito isolado. O exército foi o poder que de- nível de desenvolvimento sócio-econômico da sociedade. Em socie-
finIUesse processo [de democratização]. Eles não estão loucos - eles dades rurais e em sociedades pobres, os oficiais militares favoráveis
estão no controle"32. ao golpe muitas vezes conseguiam obter apoio ativo e cooperação
As tentativas de golpe foram mais freqüentes nos países que entre as elites civis. À medida que declinava o poder dos proprietá-
eram o extremo oposto da Guatemala, ou seja, países onde as Forças rios de terra e crescia o da burguesia e da classe média, diminuía a
Armadas haviam sido humilhadas por derrotas ou politizadas por di- base social para os golpes militares. No Peru, as reformas agrárias do
tadores personalistas. Registraram-se sete tentativas de golpe ou regime militar de Velasco enxugaram a elite proprietária de terra e
conspirações na Grécia; sete golpes ou levantes militares ocorreram portanto reduziram em muito a ameaça de golpes ao regime demo-
nas Filipinas; cinco na Argentina; três na Espanha. No entanto, en- crático subseqüente. Na Espanha, líderes empresariais e outras elites
tre :974 e 1990, excetuando-se os casos ambíguos da Nigéria e do civis se opuseram aos golpes e apoiaram a democracia. Alfonsín ar-
Sudao, nenhum governo democratizado r foi derrubado por golpes gumentou que na Argentina os golpes "sempre foram de caráter ci-
de Estado militares. / vil-militar" e que a chave para evitá-Ios era romper o elo entre gru-
Dada a aparente fragilidade das novas democracias, como isso pos civis e militares33.No entanto, a verdadeira chave era a mudan-
foi possível? Derrubar um governo através de um golpe de Estado ça no equilíbrio de forças entre grupos civis na sociedade argentina e
normalmente e:á!seapoio, .seja do alto comando militar, de impor- o novo predomínio numérico das classes médias, que já não tinham
tantes. gru~os CIVIS"de um Influente agente estrangeiro, seja de uma que depender dos militares para se proteger do poder organizado dos
combInaç~o dos tres. Os golpes contra a democratização foram, em sindicatos peronistas. Assim, nas ameaças de golpe de maio de 1985
geral, realIzados por oficiais de médio escalão. Os mesmos oficiais e na crise da Semana Santa, em abril de 1987, Alfonsín foi capaz de
chefiaram sucessivas tentativas de golpe: Tte.- Cel. Aldo Rico e Tte.- mobilizar centenas de milhares de pessoas que se manifestaram a seu
Cel. ~o~amed Ali Seineldin na Argentina, Cel. Gregorio Honasán favor nas ruas de Buenos Aires. O poder das massas contrapôs-se ao
nas FIlIpInas, Tte.- Cel. Antonio Tejero Molina e Tte.- Gal. Jaime poder de fogo dos militares. Em agosto de 1974, na primeira fase da
transição grega, os líderes militares desafiaram o pedido de
As tentativas de golpe eram a forma mais extrema de ação po-
Karamanlis de que certas unidades de tanques fossem removidas de
lítica dos oficiais insatisfeitos. Às vezes tais oficiais também se enga-
Atenas. Karamanlis replicou: "Ou vocês tiram os tanques de Atenas
jaram em outras formas, mais normais, de atividade política. Na
ou o povo vai decidir a questão na praça da Constituição"34. Os tan-
Espanha, por exemplo, entre as tentativas de golpe de fevereiro de
ques foram embora. Se o grupo civil politicamente dominante na
1981 e de outubro de 1982, os oficiais de baixo e médio escalão ma-
Grécia ainda fosse o dos proprietários de terra, e se os grupos nume-
nifestaram seu descontentamento e 100 jovens oficiais assinaram um
ricamente dominantes ainda fossem o dos trabalhadores rurais, o re-
sultado muito provavelmente teria sido.diferente. manifesto público protestando contra o tratamento dado pela im-
prensa aos militares e argumentando que "para melhor cumprir sua
As tentativas de derrubar. os novos governos democráticos fra-
cassaram porque os golpistas não foram capazes de atrair para seu la- missão, os militares não precisam ser profissionalizados, democrati-
do a classe média e outros grupos da coalizão política que tinham zados, ou passar por expurgos". Pelo que se diz, apenas uma vigoro-
tornado possível a democratização. As tentativas de golpe, na reali- sa ação dos oficiais militares superiores impediu que várias centenas
dade, eram ações desesperadas de retaguarda, praticadas por milita- de oficiais assinassem tal declaraçã035. Na Guatemala, por várias se-
res conservadores. Como a ofensiva de Ardennes de dezembro de manas antes da tentativa de golpe de maio de 1988, um grupo mili-
1944, eram tentativas de reverter o curso dos acontecimentos depois tar anônimo divulgou comunicados assinados pelos "Oficiais das
da guerra já ter sido perdida. Um golpe contra um novo regime de- Montanhas" .
mocrático é um sinal de que a democratização está funcionando. O As Forças Armadas portuguesa e filipina tornaram-se altamen-
fracasso de tal tentativa é um sinal de que a democratização está fim- te politizadas durante o período de governo autoritário. Em ambos
cionando bem. os casos, oficiais de escalão médio formaram associações para pro-
Embora nenhum governo tenha sido derrubado por um golpe mover a reforma e a democracia, o Movimento das Forças Armadas
de transição entre 1974 e 1990, as tentativas de golpe e os levantes (MFA) em Portugal, e o Movimento pela Reforma das Forças
militares afetaram, na ocasião, as ações do governo. As tentativas de Armadas (MRFA) nas Filipinas. O MFA foi o principal grupo res-
golpe na Guatemala, em maio de 1988, e na Argentina, em abril de ponsável pelo fim do regime de Caetano; o MRFA teria sido o prin-
1987 e dezembro de 1988, visavam, entre outras coisas, forçar mu- cipal grupo na derrubada do regime de Marcos, se isso não tivesse si-
danças no comando militar superior. Nos dois últimos casos, alcan- do antecipado pela vitória eleitoral de Aquino. Uma vez ocorridas as
çaram seus objetivos. Na Argentina, a Rebelião da Páscoa, em abril mudanças de regime em ambos os países, muitos dos oficiais que ti-
de 1987, levou o governo, além do mais, a proclamar sua lei de nham estado na vanguarda da oposição às ditaduras também vieram
"obediência devida", impedindo efetivamente o processo contra ofi- a se opor aos governos democráticos que as sucederam. Essa conti-
ciais da ativa por violações de direitos humanos. Dessa forma, as nuidade da oposição militar é sintetizada nas Filipinas pelo Cel.
tentativas de golpe foram uma maneira pela qual os ofiçiaisdissiden- Gregorio Honasán, um importante membro do MRFA, que liderou
tes pressionaram os governos a mudar suas políticas ou comandan- dois golpes contra o governo de Aquino, e em Portugal pelo Cel.
tes. Em geral, os governos foram lenientes no tratamento dado aos Otelo Saraiva de Carvalho, líder intelectual do MFA, que depois de
golpistas. Na Espanha, Tejero e Milans del Bosch foram condenados 1980 associou-se às Forças Populares 25 de Abril (FP-25), um grupo
a 30 anos de prisão, mas isso foi uma exceção. Quando processados clandestino que desencadeou uma campanha terrorista contra a de-
e punidos, os chefes das tentativas de golpe normalmente receberam
mocracia portuguesa. Em 1983, outros oficiais formaram uma orga-
castigos mínimos, e os soldados que participaram de tais esforços ge-
nização paralela não-violenta, a Associação do 25 de Abril, destina-
ralmente não receberam nenhuma punição.
da a manter vivos os objetivos radicais e revolucionários do MFA.
Essa organização recebeu apoio substancial de oficiais militares tan- os militares foram os patrocinadores da democratização, com o tem-
to da ativa como da reserva. po os novos governos foram reduzindo os privilégios dos militares,
Com o tempo, as tentativas de golpe contra os novos regimes assim como, nos países onde os militares foram vítimas da democra-
democráticos tornaram-se menos freqüentes. Uma importante me- tização, com o tempo os novos governos reduziram as tentativas de
dida de consolidação democrática (ver abaixo, p. 251 ss.) é a passa- golpe dos militares.
gem, através de eleições, do controle governamental de um partido Na Turquia, Brasil, Chile, Portugal, Nicarágua e em outros
para outro. Na Grécia e na Espanha, as perspectivas de vitória de países, poderosos establishments militares tentaram manter, no perío-
partidos esquerdistas, o Panellinio Sosialistiko Kinima (Pasok) e os do pós-transição, poderes e prerrogativas que poderiam ser conside-
socialistas, respectivamente, levaram a rumores de golpe e, aparente- rados "anormais" numa democracia constitucional. Primeiro, insisti-
mente, a conspirações visando golpes. Em Portugal, a conquista do ram em que fossem incluídas nas constituições medidas especiais
poder pelo conservador Partido Social Democrata promoveu especu- que davam aos militares a responsabilidade pela lei, pela ordem e pe-
lações semelhantes, como resultado do domínio das ideologias mar- la segurança nacional, "para garantir a ordem institucional da repú-
xista e esquerdista entre os militares portugueses. Em meados dos blica" (Chile) ou "preservar as conquistas da revolução" (Portugal).
anos 80, no entanto, todos os três países haviam se movido para Implícitas em tais medidas estava a possibilidade de que, por inicia-
além do ponto em que eram possíveis tentativas de golpe de transi- tiva própria, os chefes militares interviessem na política e realizassem
ção. Isso não significa necessariamente que em tais países os golpes ações (inclusive, pode-se conceber, sobrepor-se a um governo eleito)
eram impossíveis para sempre. Se o sistema democrático deixasse de para garantir que tais responsabilidades fossem assumidas.
produzir um governo minimamente efetivo, ou se grupos impor- Segundo, em alguns casos as ações do regime militar eram tor-
tantes abandonassem a coalizão pró-democracia, os golpes ainda po- nadas irreversíveis. Na Turquia, por exemplo, os militares decreta-
deriam ser possíveis. No entanto, não seriam golpes de transição. ram que 631 leis que eles tinham promulgado durante seu governo,
Seu alvo seria a democracia, não a democratização. entre 1980 e 1983, não poderiam ser modificadas ou criticadas. O
Os regimes democráticos que se seguiram aos regimes militares poder de revogar a lei marcial foi concedido ao chefe das Forças
que deixaram o poder voluntariamente em geral enfrentaram um Armadas. No Chile, o governo militar fez passar leis que atribuíam
conjunto diferente de problemas. Confrontaram-se não com oficiais aos militares o poder de comprar e vender equipamentos e proprie-
alienados e descontentes que se opunham à democratização, mas dades sem necessitar da aprovação do governo.
com a continuidade do poder e da influência dos líderes militares Terceiro, algumas vezes foram criados novos órgãos governa-
que tornaram possível a democratização. Como já se observou, tais mentais dominados pelos militares. A Constituição de Portugal, por
líderes militares, na verdade, definiram seus termos para abandonar exemplo, previa um Conselho da Revolução, com membros das
o governo. O problema para os líderes eleitos da nova democracia Forças Armadas, para aconselhar o governo e julgar a constituciona-
era reduzir o poder e os privilégios do establishment mjlitar a um ní- lidade das leis. Na Turquia, o Conselho de Segurança Nacional, que
vel compatível com o funcionamento de uma democracia constitu- tinha sido o centro do poder no regime militar, foi reconstituído co-
cional. Em países com um nível mais baixo de desenvolvimento eco- mo conselho consultivo do presidente, sendo, seus membros, oficiais
nômico e social, tais como Guatemala e EI Salvador, isso era difícil, militares da reserva36.
se não impossível, de realizar. Qualquer que tenha sido a redução do Quarto, algumas vezes os próprios oficiais militares superiores
poder dos militares em EI Salvador, ela foi, em grande medida, pro- assumiram posições importantes nos novos governos democráticos.
duto do poder do governo dos Estados Unidos e não do poder dos Nos países com sistemas presidenciais do estilo americano, oficiais
presidentes civis Duarte e Alfredo Cristiani. Em outros países onde militares ocupavam cargos ministeriais com um presidente civil; no
Brasil, seis entre os 22 ou 26 membros do Ministério eram oficiais Acordos como esses eram infrações significativas da autoridade
militares. Nos regimes parlamentares ou semiparlamentares, oficiais normal de governos eleitos. Em geral, provavelmente era mais fácil
militares, como Eanes em Portugal ou Evren na Turquia - ambos para os novos regimes democráticos estabelecer seu controle sobre
haviam dirigido a transição para a democracia - tornaram-se presi- militares rebeldes que fossem fracos, do que sobre militares corpora-
dentes e entraram em luta com seus primeiros-ministros civis quan- tivos que fossem fortes. No entanto, embora os militares que coope-
to aos poderes de seus respectivos cargos. No Chile, o presidente du- raram com a democratização pudessem tentar prolongar seu poder,
rante o governo autoritário, general Pinochet, permaneceu como co- os registros sugerem que em países com nível médio de desenvolvi-
mandante-chefe do exército no governo democrático. Na Nicarágua, mento econômico o poder militar tendia a diminuir com o tempo.
o ministro da Defesa do governo autoritário, general Humberto Em Portugal, por exemplo, os militares derrubaram a ditadura por
iniciativa própría, dominaram o governo por dois anos depois disso,
Ortega, continuou como comandante-chefe no governo democráti-
e tinham grande prestígio entre os portugueses. No entanto, a mani-
co e os sandinistas mantiveram seu domínio e controle do corpo de
festação constitucional do poder militar, o Conselho da Revolução,
oficiais.
foi abolida em 1982, foi promulgada uma Lei de Defesa Nacional
Quinto, os militares muitas vezes tentaram garantir a autono-
que subordinava os militares a um gabinete responsável perante o
mia futura das Forças Armadas, particularmente a independência,
Parlamento, os poderes do presidente foram reduzidos, e Mário
com relação ao governo civil eleito, de controle de pessoal e de fi-
Soares, o grande adversário do coronel Eanes, sucedeu-o como pre-
nanças. No Brasil, os militares garantiram-se quanto ao controle to-
sidente. Dez anos depois da revolução, as relações entre civis e mili-
tal das promoções. Os militares chilenos decretaram que o chefe das
tares estavam "se aproximando do modelo desejado de controle civil
Forças Armadas e o da polícia não poderiam ser afastados por sete
objetivo"38.
anos, que o governo recém-eleito não reduziria o tamanho dos con- No Brasil, os militares afastaram-se do controle do governo de
tingentes e que as Forças Armadas estabeleceriam seu próprio orça- bandeiras desfraldadas, mantendo intatos seu poder e prestígio.
mento. O exemplo chileno impressionou os militares nicaragüenses. Depois disso, no entanto, o primeiro presidente eleito diretamente,
"Ao discutir os modelos que deveriam ser seguidos na criação de um Fernando ColIor, prendeu um importante general por fazer declara-
equilíbrio pós-eleitoral entre as forças militares e o governo que aca- ções políticas, passou uma reprimenda em outro, irmão de um pre-
bara de ser eleito, os líderes e oficiais sandinistas falaram abertamen- sidente militar anterior, por defender aquele general, e reduziu a re-
te de países como o Chile - colocando-se no papel do ditador mi- presentação militar no gabinete de seis para quatro ministérios.
litar daquele país, Augusto Pinochet." Mas os sandinistas foram Além disso, reduziu o tamanho do principal órgão de informação, o
além de Pinochet e promulgaram uma lei (datada de antes de seu Serviço Nacional de Informações (SNI), que sempre tinha sido che-
afastamento do poder, mas possivelmente elaborada depois) que per- fiado por um general, e colocou à sua frente um civil. Civis substi-
petuava e ampliava o poder do exército sandinista. Tal lei deu ao co- tuíram os militares na equipe presidencial e foram colocados em po-
mandante-chefe das Forças Armadas, e não ao presidente, o poder sições importantes, que tratavam da energia nuclear e da Amazônia,
de indicar o novo comandante; o comandante-chefe também tinha dois temas de grande preocupação para os militares. O presidente
o poder, entre outras coisas, de nomear todos os oficiais militares, ColIor também cortou drasticamente o orçamento militar e recu-
comprar armas, equipamentos e outros ativos, organizar e distribuir sou-se a garantir reajustes de custo de vida aos militares, gerando
os militares, adquirir e construir instalações, criar empresas que satis- consideráveis reclamações e protestos nas fileiras. Em conseqüência,
fizessem às necessidades das Forças Armadas e preparar o orçamento os oficiais insatisfeitos ameaçaram o governo não com um golpe,
militar3? mas com uma ação legal. No Peru, os militares eram, historicamen-
te, uma importante força política; no entanto, ao assumir o poder, vimento de um padrão "normal" de relações entre civis e militares
em julho de 1990, o presidente Alberto Fujimori abruptamente de- foi significativamente afetado pelas políticas e ações dos novos go-
mitiu os chefes da Marinha e da Força Aérea. No Chile, menos de vernos democráticos com relação às suas Forças Armadas. Em vários
um ano depois do temível general Pinochet afastar-se da presidência, países o primeiro ou o segundo governo democrático iniciou progra-
membros de sua família sofreram acusações de corrupção e, ao que mas bastante abrangentes para estabelecer o controle civil das Forças
se diz, ele pensou em deixar o cargo de comandante do exército. Armadas, profissionalizá-Ias, reorientá-Ias das missões de segurança
"Pinochet é um gato, e não um tigre", observou um importante po- interna para as de segurança externa, reduzir a presença dos militares
lítico chilen039• nos ministérios e acabar com as responsabilidades não-militares, e
Na Turquia, os militares foram sempre vistos como uma insti- garantir que tivessem o status e o respeito que seu profissionalismo
tuição nacional reverenciada e identificada com os valores da repú- merecia. Karamanlis e Papandreou, González e seu ministro da
blica secular kemalista. No entanto, em 1987, quatro anos após os Defesa Narcís Serra, Alfonsín, García e Aquino, todos eles lutaram
militares deixarem os cargos políticos, um plebiscito restituiu os di- por programas abrangentes de modernização e profissionalização
reitos aos líderes políticos civis, inclusive dois primeiros-ministros militares. Tais programas normalmente eram uma combinação de
que os militares haviam afastado da política, e em julho de 1987 o estímulos e punições que afetavam pelo menos cinco aspectos do es-
governo civil acabou com a lei marcial. Simultaneamente, o primei- tablishment militar41•
ro-Ministro Turgut Ozal demitiu o novo chefe do Estado-Maior das
1. Profissionalismo. Como outras instituições, os exércitos de-
Forças Armadas e substituiu-o por outro mais a seu gosto. "Três
senvolvem um conjunto dis~into de valores, crenças e atitudes. Nos
anos atrás, quando os civis tinham acabado de chegar, questionar os
establishments militares profissionalizados, eles normalmente se apro-
militares era impensável", comentou um observador turco. ''Agora as
ximam de uma visão militar conservadora que reconhece as funções
pessoas estão mostrando um pouco mais de coragem, um pouco
limitadas dos militares e é compatível com o controle civil. No en-
mais de autoconfiança." Em 1989, a Turquia repetiu a mudança de
tanto, em muitos sistemas autoritários os militares têm visões muito
posição que tinha ocorrido em Portugal: o primeiro-ministro civil,
mais politizadas. No regime de Franco, os militares espanhóis desen-
Ozal, substituiu o general, Evren, como presidente da República.
volveram uma ideologia intensamente de direita, diferente do "con-
Historicamente, na Turquia, nos conflitos políticos entre chefesmi-
servadorismo normal" da maioria dos exércitos, que enfatizava pa-
litares e líderes civis, os últimos perdiam. Em 1990, no entanto, nu-
tria*, centralismo, antiliberalismo, anticomunismo, catolicismo ro-
ma ação sem precedentes, o chefe do Estado-Maior demitiu-se, em
mano e valores sociais tradicionais. Os oficiais espanhóis deram pou-
protesto contra as políticas do presidente Ozal referentes à crise do
co apoio à democracia: nas eleições de 1979 mais de 50% dos votos
golfo Pérsico e ao fundamentalismo islâmico. Seis anos depois de
militares se dirigiram aos partidos de direita, que receberam 7% da
deixarem o poder, "as tradicionais prerrogativas dos soldados" esta-
votação total. Estima-se que em 1981 talvez 10% dos oficiais espa-
vam claramente "sendo erodidas por um fluxo permanente de críti-
nhóis fossem democratas42• Em Portugal, os grupos dominantes do
ca e de ações"40.
corpo de oficiais aderiram a ideologias esquerdistas, revolucionárias
Em países com militares fracos e despolitizados, o funcio~
e marxista. Os oficiais militares filipinos do MRFA desejavam refor-
mento da democracia foi reduzindo, com o tempo, o número de
mas drásticas na sociedade, no governo e nas Forças Armadas e ti-
tentativas de golpe. Em países com establishments militares fortes e
nham pontos de vista pouco claros quanto à possibilidade de realizar
com forte espírito cooperativo, o funcionamento da democracia foi
reduzindo, com o tempo, os poderes e os privilégios dos militares,
herdados do governo autoritário. Em ambas as situações, o desenvol-
tais fins através de meios democráticos. Na Argentina e em outros Para reforçar esse ponto, os novos líderes democráticos tenta-
países da América Latina, os establishments militares eram permeados ram alterar os sistemas de treinamento e de instrução militar.
por um intenso anticomunismo, que normalmente significava anti- Papandreou reorganizou o currículo nas escolas militares de manei-
socialismo e antiliberalismo. Na África do Sul, por quatro décadas os ra a enfatizar o profissionalismo e chamar a atenção para os perigos
militares foram os defensores das instituições e da ideologia do do totalitarismo. Alfonsín promoveu mudanças nas doutrinas ensi-
Estado de apartheid. Os militares turcos eram os principais defenso- nadas nas escolas militares argentinas e introduziu nas escolas de
res, na sociedade turca, da ideologia kemalista, secular, nacionalista e guerra cursos dados por civis sobre o papel das Forças Armadas nu-
estatizante, e os militares nicaragüenses, obviamente, estavam total- ma democracia. O governo de Aquino criou um novo centro nacio-
mente comprometidos com os dogmas revolucionários sandinistas. nal de treinamento para fortalecer o profissionalismo e as técnicas de
Entre os militares da Europa oriental, muitíssimos se diziam comu- combate entre os militares filipinos. González promoveu a educação
nistas convictos. dos oficiais espanhóis na tentativa de levá-los aos níveis profissionais
A substituição de tais concepções extremamente políticas por de seus aliados na Organização do Tratado do Atlântico Norte
uma ética profissional não-política foi de alta prioridade para os no- (Otan). Na Espanha, Grécia e outros lugares, líderes democratas en-
vos governos democráticos. Para realizá-Ia foram necessários imensos corajaram a passagem para a reserva de oficiais mais velhos, acelera-
esforços, muito tempo e algum risco. Os novos governos tentaram ram a promoção de oficiais mais jovens e profissionalmente mais
promover os valores profissionais e a importância da abstenção mili- bem orientados, e enfatizaram o mérito, em vez da antigüidade, co-
tar da política através de exortações e doutrinações, treinamentos, mo critério de promoção.
mudanças de currículo das escolas militares e revisão dos sistemas de 2. Missão. Para despolitizar os militares, era necessário orientá-
promoções. Na Grécia, tanto Karamanlis como Papandreou defen- los para o desempenho de missões puramente militares. Em muitos
deram a necessidade de um profissionalismo estrito, e Evangelos países, as Forças Armadas tinham uma série de funções não-relacio-
Averoff, ministro de Defesa de Karamanlis, comentou certa vez: nadas com a segurança militar. Quase sem exceção, os novos gover-
"Fiz-lhes uma extensa lavagem cerebral quanto aos méritos da de- nos democráticos tentaram afastar suas forças militares de funções
mocracia. Creio que não há um único oficial para o qual eu não te- não-militares e de segurança interna e dirigir sua atenção para a mis-
nha falado pessoalmente pelo menos três vezes". A importância de são de defender a segurança externa do país. Na Argentina, Alfonsín
despolitizar as Forças Armadas também era um tema constante pa- passou para os civis, tirando das Forças Armadas, o controle sobre as
ra Papandreou. "O governo", disse ele num determinado momen- Fabricaciones Militares, um imenso complexo industrial- o maior
to, "está determinado a não permitir qualquer solapamento da empregador do país - que operava linhas aéreas domésticas e fabri-
obra das Forças Armadas através de atividades políticas nas fileiras, cava muitos bens civis, assim como equipamentos militares. Seu su-
e isso é um aviso em todas as direções, sem exceção." Em seus pri- cessor, Carlos Menem, preparou em 1990 planos para vender a par-
meiros meses no poder, o presidente Aylwin, do Chile, disse a ticipação militar em oito empresas, que incluíam uma metal-mecâ-
Pinochet, bastante abruptamente, "que mantivesse o exército fora nica, um estaleiro e várias companhias petroquímicas. Na Grécia, o
da políticà'. O acordo alcançado entre os sandinistas e o recém-~- governo acabou com o controle militar de uma estação de rádio e de
gado governo da UNO especificava: ''As Forças Armadas terão um um banco. Por outro lado, no Brasil, movimentos comparáveis fo-
caráter profissional e não pertencerão a qualquer partido políti- ram impedidos pela manutenção da influência dos militares depois
CO"43. Juan Carlos, Alfonsín e Aquino também muitas vezes chama- da redemocratização.
ram a atenção para a necessidade de uma total abstenção dos mili- Obviamente, a reorientação dos militares foi mais fácil de rea-
tares quanto à política. lizar quando existiam ameaças plausíveis à segurança externa. A rapi-
dez com que os militares turcos abandonaram o poder após suas in- Buenos Aires, e transferiu suas unidades para outras bases pelo país.
tervenções de 1%0, 1971 e 1980 estava, em certa medida, relacio- O ministro de Defesa de Felipe González, Narcís Serra, tentou redu-
nada com sua preocupação quanto ao que era percebido--oomo zir de nove para seis o número de regiões militares da Espanha, esta-
ameaça militar soviética. Após deixar o poder em 1974, os militares beleceu algumas brigadas móveis e deslocou as unidades militares
gregos puderam se ocupar completamente não apenas com suas res- para fora das grandes cidades. Intensa resistência do corpo de oficiais
ponsabilidades na Otan, como, ainda mais importante, com a amea- forçou o adiamento da implantação de tais planos. No final de
ça que significava seu aliado na Otan, a Turquia. Tanto Karamanlis 1987, o governo de Aquino tinha afastado das cidades muitos quar-
como Papandreou adotaram atitudes altamente nacionalistas desti- téis-generais de divisões e de brigadas, colocando-os no campo, para
nadas a agradar aos militares. Destacaram o papel independente da enfrentar mais efetivamente a rebelião comunista. Em Portugal, no
Grécia na Otan e tentaram reduzir sua identificação militar com os entanto, dez anos após a revolução, o exército ainda não tinha ne-
Estados Unidos e sua dependência em relação a este país. Papan- nhuma missão significativa de segurança e ainda estava, em sua
dreou deu grande ênfase à ameaça turca e à resultante necessidade de maior parte, aquartelado em "bases nos subúrbios de Lisboa e das ci-
que os militares gregos cultivassem sua perícia militar. Suas políticas dades principais"46.
destinavam-se a "criar um clima que forçasse os militares a se preo- Os governos democráticos, como já notamos, não são necessa-
cupar com questões relacionadas à sua preparação para a possibilida- riamente mais pacíficos do que os governos autoritários. No entan-
de de guerra com o perene 'inimigo' do leste"44. to, as democracias quase nunca lutam com outras democracias, e os
Para os militares espanhóis, a Otan foi o equivalente funcional novos governos democráticos muitas vezes tentaram resolver antigas
da Turquia para os militares gregos. Foi razão de uma missão de se- disputas internacionais. Nos governos de Alfonsín e de Menem, as
gurança externa e de uma extensa rodada de novas demandas e novas relações argentinas melhoraram tanto com a Grã-Bretanha como
atividades para as forças espanholas, estimulando o moral e o prestí- com o Chile. Com o advento da democracia na Espanha, Gibraltar
gio militar. Como disse um analista de defesa de Madri, a Otan "ser- tornou-se uma questão menor nas relações anglo-espanholas. No
viu de terapia ocupacional para as Forças Armadas. Por décadas, sob entanto, à medida que os governos democráticos vão resolvendo suas
Franco, estiveram em ostracismo perante os países civilizados. disputas internacionais, eles podem também privar suas Forças
Então, de repente, tiveram permissão de sentarem-se ao lado de ou- Armadas de missões externas que reduziriam a probabilidade de tais
tros oficiais superiores dos países da Otan, foram convidados a par- forças intervirem na política interna. Do ponto de vista do controle
ticipar de jogos de guerra, ganharam novas armas para brincar. Eles civil, feliz é o país que tem um inimigo tradicional.
eram respeitáveis"45.Os militares filipinos, peruanos e salvadorenhos 3. Liderança e organização. Tanto o primeiro governo demo-
tinham, evidentemente, grandes rebeliões internas para enfrentar - crático como os que lhe sucedem normalmente substituíram as
embora a experiência sugira que as frustrações e o caráter dominan- principais chefias das Forças Armadas. Isso era da maior importân-
temente político da guerra contra rebeldes muitas vezes gerem, no cia com respeito a militares fracos e politizados, porque era essencial
interior do corpo de oficiais, ideologias políticas e incentivos a de- que os novos líderes democratas pudessem confiar na lealdade dos
sempenhar papéis políticos. principais chefes militares. Foi menos necessário onde a liderança
Ao buscar reorientar seus militares na direção de ameaças ase- militar suprema abandonou voluntariamente o governo, já que, su-
gurança, os novos governos democráticos tentaram relocalizar as postamente, ela apostava no sucesso do regime democrático que se
Forças Armadas, de modo que estivessem em um lugar melhor situa- seguia. No entanto, em ambas as situações os líderes democratas
do para defender a nação do que para derrubar seu governo. normalmente trataram prontamente de remover os chefes militares
Alfonsín dissolveu o Primeiro Exército da Argentina, baseado em existentes e substituí-Ios por outros em cuja lealdade pudessem con-
fiar. Isso aconteceu na Grécia, Espanha, Portugal, Argentina, 4. Tamanho e equipamento. As Forças Armadas dos Estados au-
Filipinas, Paquistão, Turquia e Polônia. Na Argentina, no entanto, toritários tendiam a ser superdimensionadas e subequipadas. Com a
a pressão militar, inclusive algumas tentativas de golpe, obrigaram notável exceção da Grécia, os novos líderes democratas geralmente
Alfonsín a substituir alguns dos que indic~por oficiais mais acei- procuraram reduzir o orçamento e o contingente militar. As dimen-
táveis ao establishment militar. sões gerais do establishment militar foram drasticamente reduzidas na
Os líderes democratas também fortaleceram seu controle alte- Espanha, Argentina, Nicarágua, Peru, Uruguai e Portugal. Na Es-
rando a estrutura do establishment de defesa. Nesse sentido, em feve- panha, Argentina e Grécia, grande número de oficiais superiores fo-
reiro de 1977, o primeiro governo democrático da Espanha criou ram transferidos para a reserva, diminuindo significativamente os
um Estado-Maior das Forças Armadas. Levando ainda mais adiante números do corpo de oficiais, bastante inchado. Os orçamentos mi-
esse objetivo, seu sucessor criou os postos de ministro da Defesa e de litares foram cortados em muitos países; o dos militares argentinos,
chefe do Estado-Maior da Defesa e definiu que cabia ao primeiro- por exemplo, caiu de cerca de 6% do PNB para cerca de 2%. Na
ministro "administrar, dirigir e coordenar" os serviços militares. No Grécia, no entanto, os dois primeiros governos democráticos manti-
Peru, o governo de García criou um Ministério da Defesa e o presi- veram os orçamentos militares e o contingente, devido ao confronto
dente Collor prometeu o mesmo no Brasil. Em Portugal, o anôma- com Chipre, que permanecia aceso. No Chile, os termos da demo-
lo Conselho da Revolução, composto de militares, foi abolido. Na cratização não permitiram reduções nas Forças Armadas. Na Nica-
Nicarágua, os sandinistas, de saída, e o governo de Chamorro, aca- rágua, entretanto, os líderes do governo de Chamorro, inclusive o
bando de chegar, concordaram que os militares deveriam "ficar sob Gal. Humberto Ortega, remanescente sandinista e chefe do exérci-
to, comprometeram-se a reduzir suas tropas de 70 000 homens pa-
as ordens do presidente da República, como estabelecido na
ra 35000 ou 40000.
Constituição e na lei", e a própria Chamorro assumiu a posição de
No Peru, o governo de García cortou vários programas de com-
ministro da Defesa47.Na Grécia, Papandreou também era ministro
pras de armas, incluindo uma encomenda de 26 caças Mirage 2 000.
da Defesa, bem como primeiro-ministro. No Chile, no entanto, o
No entanto, para a maioria dos novos governos democráticos, a moder-
general Pinochet insistiu em que, como comandante-chefe do
nização das Forças Armadas era uma alta prioridade e eles realizaram, e
Exército, se subordinaria ao presidente, e não ao ministro da Defesa,
até mesmo ampliaram, a compra de novos equipamentos. Isso se desti-
um civil.
nava tanto a reforçar a orientação externa de seus militares, como a pro-
Ao criar o cargo de ministro da Defesa, os novos governos de-
mover a satisfação militar e o apoio ao novo regime. Na Espanha, por
mocráticos estabeleceram uma posição em que teriam mais facilida-
exemplo, o equipamento do exército sob o regime de Franco era infe-
de de indicar um civil do que no caso dos ministérios militares, cu- rior e obsoleto, e os governos democráticos inauguraram grandes pro-
jos ocupantes, pelo menos na América Latina, sempre tinham sido gramas de investimento e modernização. Na Grécia, Papandreou "ten-
oficiais militares. Ao estabelecer uma chefia central do Estado-Maior tou diversificar e melhorar a qualidade das armas, equipamentos, orga-
da Defesa, os novos governantes criaram um cargo que teriam mais nização e sistema de comunicações" das Forças Armadas. Na Ar-
flexibilidade para preencher do que os cargos de ministro de cad~- gentina, Alfonsín levou avante grandes compras de novos equipamen-
ma, e para o qual poderiam designar um oficial defensor da demo- tos que tinham sido encomendados pela junta militar48•
cracia. Na Grécia e na Espanha, os governos democráticos designa- 5. Status. Em todos os países os oficiais militares são muito preo-
ram almirantes para tais postos, de maneira a contrabalançar a in- cupados com seu status material- salários, habitação, assistência mé-
fluência dominante do exército e por se tratar de elementos oriundos dica e outros benefícios -, com sua reputação e com a maneira pela
de uma arma menos inclinada aos golpes de Estado. qual são vistos pelo povo de seu país. Em geral os novos governos de-
mocráticos são sensíveisa tais preocupações; no entanto, não seguiram Guias de ação para democratizadores 5:
uma política uniforme com respeito aos benefícios materiais. O gover- Para domar opoder militar epromover o
no de García reduziu os salários dos oficiais e isso, juntamente com profissionalismo militar52
outras queixas entre os militares, estimulou rumores de golpe no co-
meço de 1989. Na Argentina, o salário dos militares caiu 50% em ter- 1. Faça rapidamente um expurgo ou passe para a reserva todos os
mos reais nos quatro primeiros anos do governo democrático, o que, oficiais potencialmente desleais, o que inclui os principais defen-
pode-se supor, foi um elemento a mais na insatisfação e na disposição sores do regime autoritário e os militares reformistas que o aju-
ao golpe dos oficiais argentinos. González, na Espanha, e Aquino, nas daram a criar o regime democrático. Esses últimos têm mais ten-
Filipinas, aumentaram o_%.Í.láriode seus militares. Karamanlis e dência a perder o gosto pela democracia do que o gosto pela in-
Papandreou aumentaram os salários, os benefícios de habitação e de tervenção na política.
serviços médicos, e as aposentadorias dos militares gregos49• 2. Castigue sem piedade os líderes de tentativas de golpe contra seu
Os líderes democratas também tentaram aumentar o prestí- novo governo, pour décourager les autres*.
gio e o moral dos militares e garantir aos oficiais que o governo e a 3. Limpe e consolide a cadeia de comando nas Forças Armadas.
nação apreciavam seus serviços. Na Grécia, Karamanlis e seu mi- Remova ambigüidades ou anomalias, deixando claro que o che-
nistro da Defesa várias vezes "louvaram o patriotismo das Forças fe civil do governo é o comandante dos militares.
Armadas e sua devoção à legalidade e ao processo constitucional", e
4. Faça grandes reduções no tamanho de suas forças militares. Um
Papandreou não apenas assumiu o cargo de ministro da Defesa, mas
exército que vinha assumindo o governo é grande demais e, com
"fez visitas quase que diárias ao quartel-general das Forças Armadas,
toda probabilidade, tem oficiais demais.
onde ele até tinha um gabinete". Além disso, pediu a Karamanlis, o
5. Seus oficiais militares acham que são mal pagos, têm casas ruins
presidente, "que assumisse um papel mais visível nas questões milita-
e são mal equipados - e provavelmente têm razão. Use o di-
res"so.Após seus primeiros meses no poder, os líderes do governo de
nheiro economizado com a redução do contingente para au-
Alfonsín reconheceram a necessidade de corrigir a visão militar de
mentar os salários, as pensões e os benefícios e melhore suas con-
que o novo governo democrático e a sociedade civil os via com des-
dições de vida. Vai valer a pena.
prezo e hostilidade. Juan Carlos, Aquino, Alfonsín, Collor e outros
líderes das novas democracias aproveitaram as oportunidades que 6. Reoriente suas forças militares para missões militares. Você tem
tiveram de se identificar simbolicamente com os militares, enfati- boas razões para querer resolver conflitos com outros países. No
zando as dimensões militares de seu cargo, visitando instalações mi- entanto, a ausência de uma ameaça estrangeira pode deixar os
litares, participando de eventos militares e, no caso de Juan Carlos, seus militares desprovidos de uma missão militar legítima e esti-
usando o uniforme militar. Em seus nove primeiros meses de po- mular sua inclinação para pensar em política. Compare os ga-
der, Collor compareceu a aproximadamente cinqüenta cerimônias nhos da remoção de uma ameaça estrangeira com os custos po-
mili taresS1• tenciais da instabilidade em casa.
No total, entre 1975 e 1990 os governos da terceira onda con- 7. Em harmonia com o redirecionamento dos militares para propó-
seguiram, em geral, derrotar os golpes de Estado, reduzir suas tent~ sitos militares, reduza drasticamente o número de tropas estacio-
tivas, diminuir gradualmente a influência política dos militares e nadas na capital ou em torno dela. Desloque-as para as frontei-
seus papéis não-militares, desenvolver o profissionalismo militar e ras ou para outros lugares relativamente distantes e despovoados.
inaugurar padrões de relações civis-militares semelhantes às existen-
tes nas democracias industrializadas ocidentais.
Por quanto tempo? /~:J-"\
r 249

8. Dê brinquedos para eles. Ou seja, dê-Ihes novos e atraentes tan- muito precária dos principais problemas contextuais enfrenta~~; po
ques, carros blindados, artilharia e equipamentos eletrônicos so- democracias da terceira onda nos anos 70 e 80, nos países em que
fisticados (os navios são menos importantes; a Marinha não dá eles eram mais graves:
golpes). Os equipamentos novos vão deixá-Ios felizes e ocupados 1. rebeliões importantes: EI Salvador, Guatemala, Peru, Filipinas;
tentando aprender a operá-Ios. Se você jogar bem as suas cartas
2. conflitos étnicos/comunais (à parte as rebeliões): Índia, Nigéria,
e fizer uma boa impressão em Washington, será capaz de trans-
Paquistão, Romênia, Sudão, Turquia;
ferir grande parte do custo para os contribuintes norte-america-
3. pobreza extrema (baixo PNB per capita): Bolívia, EI Salvador,
nos. Com isso você tem o benefício adicional de poder advertir
Guatemala, Honduras, Índia, Mongólia, Nigéria, Paquistão, Fili-
os militares de que só vão continuar a ganhar esses brinquedos
pinas, Sudão;
caso se comportem bem, porque os desagradáveis deputados
4. graves desigualdades sócio-econômicas: Brasil, EI Salvador, Gua-
americanos não gostam de intervenções militares na política.
tem ala, Honduras, Índia, Paquistão, Peru, Filipinas;
9. Como os soldados, como qualquer pessoa, gostam de que gos-
tem deles, -aproveite todas as oportunidades de se identificar 5. inflação crônica: Argentina, Brasil, Hungria, Nigéria, Peru, Filipi-
com as Forças Armadas; dê medalhas; elogie os soldados e afir- nas, Polônia, Uruguai;
me que eles incorporam os mais altos valores da nação; e, se 6. dívida externa substancial: Argentina, Brasil, Hungria, Nigéria,
constitucionalmente for apropriado, apareça de uniforme. Peru, Filipinas, Polônia, Uruguai;
10. Desenvolva e mantenha uma organização política capaz de mo- 7. terrorismo (à parte as rebeliões): Espanha, Turquia;
bilizar seus defensores nas ruas da capital se for tentado um gol- 8. grande envolvimento do Estado na economia: Argentina, Brasil,
pe militar. Bulgária, T checoslováquia, Alemanha Oriental, Hungria, Índia,
Mongólia, Nicarágua, Peru, Filipinas, Polônia, Romênia, Espa-
Se você seguir essas dez regras, pode ser que não evite os golpes,
nha, Turquia.
mas provavelmente vai derrotá-Ios. Pelo menos até o final de 1990,
Suárez e González, Karamanlis e Papandreou, García e Fujimori, Os oito problemas listados acima são uma lista razoável dos
Alfonsín e Menem, Collor, Ozal e Aquino seguiram em geral essas principais problemas contextuais enfrentados pelas novas democra-
regras e permaneceram nos cargos. Em suas sociedades, isso não era cias na terceira onda. Os julgamentos quanto aos países onde tais
pouca coisa. problemas eram graves são casuísticos e ad hoc. Se, no entanto, tais
julgamentos têm alguma validade, eles sugerem que esses 29 países
da terceira onda poderiam ser agrupados em três categorias, em ter-
mos do número de problemas contextuais graves que enfrentam:
Problemas contextuais, desilusão e nostalgia
autoritária 1. quatro ou mais problemas contextuais graves: Brasil, Índia,
Filipinas, Peru;
Para se consolidarem, os novos regimes democráticos têm, de 2. dois ou três problemas contextuais graves: Argentina, Bolívia, EI
alguma maneira, de tratar de problemas transicionais, tais como en- Salvador, Guatemala, Honduras, Hungria, Mongólia, Nicarágua,
frentar o legado do autoritarismo e estabelecer um controle efetivo Nigéria, Paquistão, Polônia, Romênia, Espanha, Sudão, Turquia;
sobre os militares. Desafios mais persistentes decorrem dos proble- 3. menos de dois problemas contextuais graves: Bulgária, Chile,
mas contextuais endêmicos a cada país. Em alguns deles, não eram T checoslováquia, Alemanha Oriental, Equador, Grécia, Granada,
numerosos nem graves; em outros, eram ambos. A seguir, uma lista Coréia, Portugal, Uruguai.
Já se argumentou que as novas democracias que enfrentam nômeno surgiu primeiro em 1979 e 1980 na Espanha, onde foi cha-
problemas contextuais graves têm de solucioná-Ios para desenvolver mado de eI desencanto*, um termo que se difundiu por toda a
a legitimidade essencial à consolidação da democracia. Essa proposi- América Latina. Em 1984, dez anos depois da derrubada da ditadu-
ção geral tem sido reforçada pela argumentação de que a não-solu- ra, a "alegria e o entusiasmo criativo que acompanharam a transição
ção do problema mais sério do país - seja ele dívida, pobreza, infla- para a democracia" haviam desaparecido e "o espírito político predo-
ção ou rebeliões - significaria o fim da democracia naquele país. Se minante" era de "apatia e desilusão". Em 1987, a euforia com a de-
for esse o caso, então a principal questão passa a ser: AI> novas demo- mocratização na América Latina tinha "dado lugar, em todo o in-
cracias de terceira onda que enfrentam problemas contextuais graves quieto continente, a frustrações e desapontamentos com os resulta-
(que também atormentaram seus predecessores autoritários) conse- dos até então obtidos". Em 1989, "uma onda de desilusão popular
guirão resolver tais problemas? Em alguns casos, os novos regimes com as lideranças políticas brasileiras e um explosivo espírito de des-
democráticos podem enfrentar com êxito seus problemas indivi- contentamento social haviam substituído as grandes esperanças de
duais. No entanto, na esmagadora maioria dos casos parece alta- 1985, quando milhões de brasileiros celebraram a restauração do
mente p~o~ável que os 'regimes democráticos da terceira õndà'Jl~O governo democrático após duas décadas de governo militar". No
conseguirão tratar eficientemente de tais problemas e, com muita Paquistão, menos de um ano após a transição, "um sentimento de
probabilidade, nisso não terão nem mais nem menos êxito do que impaciência e de tristed' havia "substituído a euforia que saudou o
seus antecessores autoritários. Rebeliões, inflação, pobreza, dívida, retorno do país à democracia". Um ano após o colapso das ditaduras
desigualdade e/ou burocracias inchadas continuarão mais ou menos no Leste europeu os observadores falavam do fenômeno da "depres-
como acontecia nas décadas anteriores. Isso significa u~ fllt~~() ine- são pós-totalitarismo" e do espírito de "desapontamento e desilusão"
vitavelmente desanimado r para as democracias de terceira onda? que varria a regiã053•
'para alguns pode muito bem significar isso.,Claramente~.ª 4e,~ Politicamente, os anos após o primeiro governo democrático
mocracia esteve sob grande pressão em países como Filipinas(Peru i chegar ao poder foram normalmente caracterizados pela fragmenta-
Guatemala. Os problemas são numerosos e severos; não vão dêSãpa- ção da coalizão democrática que havia produzido a transição, pelo
recer e não vão ser resolvidos. Outros países enfrentam conjuntos dec1ínio na eficiência dos líderes iniciais dos governos democráticos
apenas um pouco menos graves de problemas contextuais. e pela crescente conscientização de que o advento da democracia
Problemas contextuais não-resolvidos ou aparentemente inso- não iria, por si mesmo, dar solução aos principais problemas econô-
lúveis reforçaram as tendências à desilusão com as novas democra- micos e sociais enfrentados pelo país. A insolubilidade dos proble-
cias. Na maioria dos países, a luta para criar a democracia foi vista mas, as restrições do processo democrático, as deficiências dos líde-
como moral, perigosa e importante. O colapso do autoritarismo ge- res políticos tornaram-se a ordem do dia. Os líderes das novas demo-
rou entusiasmo e euforia. As lutas políticas na democracia, em con- cracias muitas vezes passaram a ser vistos como arrogantes, incompe-
traste, rapidamente passaram a ser vistas como amorais, rotineiras e tentes, corruptos, ou alguma combinação dos três.
mesquinhas. O funcionamento da democracia e o fracasso dos novos Uma das reações à democracia foi a "nostalgia do autoritaris-
governos democráticos para resolver os problemas endêmicos à so- mo". Ela não foi significativa em países onde os regimes autoritários
ciedade geraram indiferença, frustração e desilusão.
haviam sido extremamente violentos, incompetentes ou corruptos,
pouco tempo após a inauguração do regime democrático, ge- ou onde os governantes relutaram em se afastar do poder. Foi mais
neralizou-se o desapontamento quanto ao seu funcionamento na
Espanha, Portugal, Argentina, Brasil, Uruguai, Peru, Turquia, Pa-
quistão, Filipinas e na maioria dos países da Europa oriental. Esse fe-
comum onde a ditadura havia sido moderada, onde havia ocorrido que as elites políticas e o povo realmente escolhem seus líderes atra-
um certo êxito econômico e onde os líderes do regime, de maneira vés de eleições, ou seja, um teste comportamental quanto à institu-
mais ou menos voluntária, haviam-no transformado em democra- cionalização de práticas democráticas na política do país.
cia. Em tais países, as memórias da repressão se enfraqueceram e fo-
ram, de certa forma, substituídas por imagens de ordem, prosperi-
dade e crescimento econômico durante o período autoritário. Na
Desenvolvimento de uma cultura
Espanha, por exemplo, as avaliações do governo Franco em termos
política democrática
de satisfação geral, padrão de vida, lei, ordem e eqüidade social
cresceram entre 1978 e 1984: "quanto mais o ditador se diluía no
passado, mais róseas se tornaram as lembranças de Franco". Esse A questão da cultura democrática chama a atenção para a rela-
efeito, do tipo "a ausência faz crescer o amor", também esteve pre- ção entre o desempenho ou a eficiência dos novos governos demo-
sente no Brasil. Em 1989, a reavaliação do governo Geisel estava "a cráticos e sua legitimidade - em outras palavras,!!. gra_l!~mque as
pleno vapor. Hoje em dia seu governo é lembrado com saudade, co- elites e o povo acreditaIll novalor do sistema"ci.emº"çrªt!C~.Numa ar-
mo um tempo em que a inflação anual estava bem abaixo de 100%, gumentação essencialmente pessimista sobre tal relação, Diamond,
em vez de se situar na faixa dos quatro dígitos, e quando era seguro Linz e Lipset afirmaram que uma razão primária para a instabilida-
andar pelas ruas do Rio de Janeiro à noite". Em 1978, à pergunta de dos regimes democráticos e outros no Terceiro Mundo era a
de que governo ou regime tinha melhor conduzido Portugal, o nú- "combinação de baixa legitimidade e baixa eficiência". Os regimes
mero de cidadãos portugueses que escolheram a ditadura de começam com baixa legitimidade e portanto é difícil serem eficien-
Caetano foi três vezes maior do que o dos que escolheram os regi- tes, e "regimes com baixa eficiência, especialmente quanto ao cresci-
mes democráticos de Mário Soares. Em 1987, sete anos após a mento econômico, tendem a se manter com baixa legitimidade"55.
inauguração da democracia no Peru, os moradores de Lima escolhe- Com efeito, as novas democracias estão num beco sem saída: sem le-
ram o Gal. Juan Velasco, ditador militar do Peru de 1968 a 1975, gitill1idade:nã~d~~~~-;~fi~i~~~~"s-;-s~m-dlciênda, nã,opodem de-
como o melhor presidente do país desde 1950. Em 1990, a reputa- senvolver legitimidade.
ção tanto do Gal. Zia como do Gal. Ayub Khan cresciam no _Até que...p~~~oe~s_<l~ipQtesepe§siIIlista.~~jlls_ti.fica?
Paquistã054. A incapacidade dos_ngvos re.gL~e_s4e~fIlocrátic?s ~e resolver
A dificuldade em resolver os problemas e a desilusão popular problemas contextuàís duradouros e graves não signifI~a necessaria-
forám:-cáràcterísticas muito difundidas nas novas democracias: mente seu colapso. AL<:g!!.imidadedos regimes autoritários'(1nclusi-
Colocaram dramaticamente a questão da capacidade d~ sobrevIvên- ve, no final, dos regimes comunistas} acabou dependendo quase que
cia dos novos regimes: eles se consolidariam ou entrariam e~~cl~p- .~Kçlusiya_J:!1.~E:~~_~.?~esemI'e~g().
A legi.t~1Ídade dos regimes demo-
so? A essência da democracia é a escolha dos governantes elll-erer:: cráticos claramente dependç parcialmente'do desempenho. No en-
ções regulares, honestas, abertas e competitivas, onde o grosso da tanto, também depende de p~ocessose procedimentos. A legitimida-
população possa votar. Um dos critérios da força da democracia se- de de governantes ou governos em particular pode depender do que
ria o grau em que as elites políticas e o povo firmemente acreditem eles possam dar; a legitimidade do regime deriva dos processos elei-
que os governantes devam ser escolhidos dessa maneira, ou seja, torais pelos quais os governos são constituídos. A legitimidade de de-
um teste de atitude quanto ao desenvolvimento de uma cultura po- sempenho tem algum papel nos regimes democráticos, mas não é
lítica democrática no país. Um segundo critério seria a extensão em tão importante quanto o papel que tem nos regimes autoritários e é
secundária em relação à legitimidade processual. O que determina a [... J, nenhum partido acusou os vários governos de criar o proble-
sobrevivência das novas democracias não é, primariamente, a gravi- ma. Nenhum partido afirmou que o problema poderia ser melhor
dade dos problemas que enfrentam ou sua capacidade de resolvê-Ios. tratado fora do regime democrático". No Peru, de maneira bastante
É a maneira pela qual os líderes políticos reagem à sua incapacidade semelhante, a experiência mostrou que "um movimento de guerrilha
de resolver os problemas enfrentados pelo país. pode unir os atores políticos em torno da democracia como a única
Regimes democráticos com problemas contextuais extraordi- alternativa para a guerra civil"s7.
nariamente graves sobreviveram no passado. Como Linz e Stepan Segundo, a estabilidade da democracia depende da capacid~4e
c
enfatizaram, o argumento de que crises econômicas necessariamente do pàvo ,de~'dist1n:güueÍ1tie o regime e os governos e governantes.
solapam os regimes democráticos é desmentido pela experiência eu- NaVenezuela, por exemplo, em 1983, 25 anos após a inauguração
ropéia na década de 1930. Os sistemas democráticos sobreviveram à do regime democrático de segunda onda, a opinião pública mostra-
Grande Depressão em todos os países, exceto na Alemanha e na Áus- va-se muito desiludida com o desempenho de seus governantes elei-
tria, inclusive em países que sofreram choques muito mais fortes do tos, mas não com seu sistema de elegê-Ios. Como foi observado num
que esses dois. Sobreviveram, nas palavras de Ekkart Zimmerman, estudo, a despeito do "descontentamento com o governo, não há na-
devido à "capacidade dos líderes dos grupos de se unirem, formarem da que indique descontentamento semelhante com o método de se-
novas coalizões, algumas vezes reafirmando coalizões antigas (como leção do governo". Enquanto uma proporção substancial (34,2%)
na Bélgica) e então chegarem a um acordo sobre como conduzir a dos venezuelanos acreditavam que a situação de seu país justificava
economià'. Similarmente, nos anos 60, os novos regimes democráti- um golpe, apenas cerca de 15% apoiava uma alternativa específica
cos na Colômbia e na Venezuela enfrentaram desafios tão graves ao regime democrático. Menos pessoas do que em 1973 acreditavam
quanto os enfrentados pelas democracias da terceira onda. A lição de que o governo seria melhor sem os políticos e que os políticos eram
seus casos, como Robert Dix resume, é de que "a engenharia políti- indiferentes aos problemas do país. Em 1983, "os venezuelanos con-
ca pode, em medida substancial, ser um substituto para a falta de tinuavam apoiando a maneira pela qual seus governos assumiam o
condições econômicas e sociológicas para a democracia nas nações poder, cada vez mais insatisfeitos com o que eles faziam uma vez as-
do Terceiro Mundo"s6. sumido o cargo, e convencidos de que o sufrágio era a única manei-
_~c~~t<l:b.il~dad~~o.s ;re~~me~d~~o~:áti~os d~pendc(P!~m,e~r~) rade melhorar as coisas"s8.No geral, a despeito da contínua incapa-
da cagacIdade das pnnCIpaIS elites polltlcas - lideres pawaanos, cidade dos governos eleitos de enfrentar adequadamente os proble-
chefes militares, líderes empresariais - de agir juntos para tratar mas de seu país, os venezuelanos estavam mais comprometidos com
dos problemas enfrentados pela sociedade e não explorar tais probT~- a democracia em 1983 do que em 1973.
mas em busca de sua imediata vantagem política ou material. Os no- Nos seis anos que se seguiram a 1983, a Venezuela enfrentou
vos regimes democráticos não podiam, e não puderam, se"livrar das problemas econômicos cada vez maiores, decorrentes, em grande
rebeliões e do terrorismo existentes havia muito tempo. A questão parte, da queda dos preços do petróleo. Em 1989, a crise econômi-
crucial para a estabilidade era a maneira pela qual as elites políticas e ca havia criado uma situação "em que as expectativas tinham se
o R~vOresponderam a tal situação. Nos anos 60, as elites na Co- mantido constantes, enquanto a capacidade do governo de satisfazê-
lô~ia e na Venezuela colaboraram na tentativa de enfrentar tais Ias havia declinado". No entanto, isso não significou uma ameaça à
problemas. Fatos semelhantes aconteceram nas democracias da ter- democracia:
ceira onda. A Espanha, por exemplo, enfrentou o permanente pro-
o alto nível de frustração não é canalizado para ativismos ilegais e
blema do terrorismo basco. No entanto, nenhum partido político violentos, mas para processos e mecanismos mantenedores do siste-
tentou explorar a questão para "deslegitimizar o regime democrático ma. Verificamos que os venezuelanos de classe média e baixa utiliza-
ram principalmente quatro maneiras de enfrentar psicologicamente a como sistema político de sua avaliação quanto ao desempenho do
crise com que se defrontam: protesto legal, adaptação, resignação e
emigração.59
partido no poder. Tal distinção é crucial para o funcionamento da
democracia.
A diferença entre apoio à democracia e apoio aos governos que Sob certas circunstâncias, pode-se conceber que a nostalgia pe-
as eleições democráticas produzem também ficou clara na Espanha. lo autoritarismo abra o caminho para a "morte lentà' de um regime
Entre 1978 e 1984 houve "uma dissociação gradual entre o apoio ao democrático, com os militares ou outras forças autoritárias reassu-
regime democrático e a satisfação com o que parecia ser a mera efe- mindo o poder62.A nostalgia, no entanto, é um sentimento, não um
tividade da democracia"60. Nos últimos anos do regime de Franco, o movimento. De maneira mais geral, a nostalgia autoritária era mais
desemprego era dos mais baixos na Europa (3%, em média) e a taxa uma evidência da tendência do público de distinguir entre gover-
nantes e regimes. Os cidadãos da Espanha, Portugal, Brasil e Peru
de crescimento econômico era uma das mais altas no mundo (cerca
achavam que Franco, Caetano, Geisel e Velasco eram governantes
de 7%, em média). Nos primeiros anos da democracia, no final dos
eficientes mas, ao mesmo tempo, também apoiavam maciçamente a
anos 70 e início dos anos 80, o desemprego subiu para 20% e o cres-
democracia como um sistema melhor de governo.
cimento econômico caiu para menos de 2%. A confiança na capaci-
A desilusão com os governantes democráticos e a nostalgia pe-
dade da democracia de resolver tais problemas variava amplamente.
lo autoritarismo eram um primeiro passo essencial no processo de
Em 1978, 68% dos entrevistados achavam que a democracia permi-
consolidação democrática. Eram também um sinal de que as elites e
tiria a solução dos problemas enfrentados pelo país. Em 1980 e
o povo estavam descendo do "pico" eufórico e efêmero da democra-
1981, a maioria da população achava que a democracia não podia
tização e se adaptando à "baixa" laboriosa e suja da democracia. Es-
resolver os problemas do país. No entanto, no final de 1982 e em
tavam aprendendo que a democracia se apóia na premissa de que os
1983, uma maioria substancial (55% e 60%) tinha voltado a ter
governos fracassam e que, portanto, há que existir maneiras institu-
confiança na capacidade da democracia de resolver os problemas da
cionalizadas de mudá-los. A democracia não significa que os proble-
Espanha. No entanto, a despeito de tais flutuações na confiança da
mas serão resolvidos; significa que os governantes podem ser removi-
população de que a democracia poderia resolver seus problemas, o dos; e a essência do comportamento democrático é fazer essa última
apoio a ela manteve-se consistentemente alto e até mesmo cresceu. coisa, porque a primeira é impossível. A desilusão e a queda de ex-
Em 1978, 77% dos espanhóis acreditavam que a democracia era o pectativas que ela produz são os fundamentos da estabilidade demo-
melhor sistema político para a Espanha. Esse número caiu para 69% crática. As democracias se consolidam quando as pessoas aprendem
em 1980, mas subiu para 81 % em 1981 e para 85% em 198361. que a democracia é uma solução para o problema da tirania, mas não
Como esse consistente e amplo apoio à democracia como siste- necessariamente para qualquer outro problema.
ma político pode se reconciliar com as variações na confiança na ca- Uma característica marcante dos 15 primeiros anos da terceira
pacidade dos governos democráticos de tratar os problemas? A res- onda foi a virtual ausência de grandes movimentos antidemocráticos
posta, claro, é o ciclo eleitoral. Em 1978, os eleitores ainda tinham nas novas democracias. Em muitos países ainda existiam grupos au-
confiança no novo governo Suárez. Em 1980 e 1981, com o crescen- toritários remanescentes (tanto conservadores como extremistas). A
te ri&lr econômico, eles haviam perdido a confiança naquele gover- nostalgia autoritária materializou-se em vários deles. O entusiasmo
no, eem 1982 colocaram Felipe González e os socialistas no poder. pela democracia, a participação nas eleições e a popularidade dos lí-
Feito isso, sua confiança na capacidade da democracia de resolver os deres democráticos declinaram significativamente. No entanto, nos
problemas da Espanha foi lá para cima. Como os eleitores venezue- 15 primeiros anos da terceira onda, em nenhum país se desenvolveu
lanos, os espanhóis separavam, dessa forma, seu apoio à democracia um movimento político de massa em grande escala que ameaçasse a
legitimidade do novo regime democrático e colocasse uma alternati- nião no sentido de uma posição mais favorável à democracia ocorreu
va explicitamente autoritária. Pelo menos nos países que transitaram de maneira ainda mais lenta e menos completa.
cedo para a democracia na terceira onda, parecia dominante o con- Por que houve consenso quase instantâneo quanto à democra-
senso quanto à desejabilidade da democracia. Na Espanha, como foi cia após o final das ditaduras na Espanha e no Peru, enquanto le-
indicado acima, em cinco pesquisas entre 1977 e 1983 a grande varam duas décadas para se desenvolver consensos comparáveis após
maioria dos entrevistados concordava que a democracia era o melhor o colapso do autoritarismo na Alemanha e no Japão? Nestes países,
sistema político para um país como a Espanha. Como concluiu um em certo grau as pessoas mudaram de opinião, mas em grau muito
estudo, "as bases de apoio do regime democrático são muito mais va- maior as pessoas mudaram. Pessoas mais jovens e mais instruídas são
riadas - mais amplas e mais ambíguas - do que no caso do regime mais favoráveis à democracia. O apoio à democracia na Alemanha
autoritário que o precedeu. O regime democrático está menos estri- aproximou-se da unanimidade quando o povo alemão passou a ser
tamente ligado a interesses particulares; sob esse aspecto, ele goza de composto de pessoas que tinham recebido instrução e passado suas
autonomia relativa". O amplo apoio à democracia não se limitou à vidas adultas na República Federal65. Na Espanha e no Peru, em
Espanha. No Peru, por exemplo, em quatro pesquisas de opinião contraste, o amplo apoio à democracia pouco depois da inauguração
pública, entre 1982 e 1988, os cidadãos de Lima apoiaram a demo- de regimes democráticos significou que tal apoio geral existia no re-
cracia em maiorias que variavam entre 66% e 88%, e, numa amos- gime autoritário, ou que as pessoas que haviam apoiado o autorita-
tra definida nacionalmente, 75% escolheram a democracia como o rismo antes da transição, ou pelo menos concordado com ele, mu-
sistema mais desejável para seu país63• Evidências mais fragmentárias daram de idéia muito rapidamente após a transição. Nenhuma alter-
sugerem níveis semelhantes de apoio à democracia em outros países nativa é exatamente boa para a democracia. Se a primeira alternati-
da terceira onda. va for verdadeira, os regimes autoritários existiram naquelas socieda-
Esse amplo consenso quanto à democracia nos países da tercei- des mesmo havendo um apoio maciço à democracia. Se a segunda
ra onda imediatamente após as mudanças de regime contrasta forte- for verdadeira, as pessoas que rapidamente mudaram de opinião e
mente com o desenvolvimento relativamente lento do apoio à de- passaram a ser favoráveis à democracia após a transição muito prova-
mocracia, e aos valores e atitudes associados à democracia, na velmente poderiam mudar, de maneira igualmente rápida, numa di-
Alemanha e no Japão após a Segunda Guerra Mundial. No começo reção antidemocrática, caso as circunstâncias assim o permitissem.
da década de 1950, mais de um terço dos alemães indicou que Na Alemanha e no Japão, o amplo apoio à democracia foi o produ-
apoiaria ou seria indiferente a uma tentativa de um novo Partido to de uma mudança generacional, e portanto tende a ser irreversível
Nazista tomar o poder e um pouco menos de um terço apoiava a res- no curto prazo. Na Espanha e no Peru, o amplo apoio à democracia
tauração da monarquia. Quando solicitados a identificar o período foi aparentemente o resultado de uma mudança de opinião, e portan-
em que a Alemanha esteve melhor, 45% escolheram o império pré- to pode ser reversível no curto prazo.
1914,42% o Terceiro Reich, 7% a República de Weimar, e 2% a
nova República Federal. O apoio à República Federal elevou-se para
42% em 1959 e para 81% em 1970. Em 1953, 50% achavam que a
democracia era a melhor forma de governo para a Alemanha; em Institucionalização do comportamento
1972, 90%. O desenvolvimento do apoio para a democracia - e político democrático
das atitudes de confiança e de competência cívica que caminham
~juntos com a democracia - ocorreu, assim, lentamente, ao longo Em termos de comportamento, a desilusão com os novos siste-
das duas décadas64• No Japão, nos anos 50 e 60, a mudança de opi- mas democráticos manifestou-se de quatro maneiras. Primeiro, mui-
tas vezes levou à resignação, ao cinismo e ao distanciamento da polí- amplo e variado apoio do povo. No entanto, uma vez no poder, os
tica. Na maioria das novas democracias, os níveis de votação eram al- candidatos populistas bem-sucedidos não seguiram, geralmente, po-
tos durante a transição, mas declinaram, algumas vezes drasticamen- líticas econômicas populistas, mas lançaram programas rigorosos de
te, nas eleições subseqüentes. A diminuição da participação política austeridade, destinados a cortar os dispêndios governamentais, a
pode ter sido indesejável em termos da teoria democrática, mas, em si promover a concorrência e a baixar os salários.
mesma, não ameaçou a estabilidade das novas democracias. As reações contra os detentores do poder e contra o establish-
Segundo, a desilusão manifestou-se numa reação contra os ti- ment são as respostas democráticas clássicas ao fracasso político e à
tulares dos cargos. Como na Espanha, os eleitores podiam tirar o desilusão. Através de eleições, um conjunto de governantes é desti-
partido governante e substituí-Io por um outro grupo de governan- tuído do cargo e um outro conjunto assume, produzindo mudanças,
tesoEssa, claro, é a resposta democrática habitual, e ocorreu freqüen- se não melhorias, na política governamental. A democracia se conso-
lida à medida que tais respostas internas ao sistema tornam-se insti-
temente nas novas democracias da terceira onda. Os líderes e os par-
tucionalizadas.
tidos no poder foram, na maioria das vezes, derrotados ao tentarem
Um critério para medir tal consolidação é o teste das duas
a reeleição. Os partidos que assim chegaram ao poder, na primeira
transferências de votos. Por esse teste, uma democracia pode ser con-
ou na segunda renovação após o estabelecimento da democracia,
siderada consolidada quando o partido ou grupo que toma o poder
normalmente seguiram políticas mais moderadas, bem de acordo
na eleição inicial, no momento da transição, perde a eleição seguin-
com a principal corrente de opinião em seus países. Em particular,
te e passa o poder para os vencedores, e quando tais vencedores pa-
os partidos identificados com a esquerda - os socialistas em Por- cificamente passam o poder para os vencedores da eleição seguinte.
tugal e na Espanha, o Pasok na Grécia, os peronistas na Argentina A seleção de governantes através das eleições é o cerne da democra-
- geralmente adotaram políticas econômicas e financeiras altamen- cia, e a democracia só é real se os vencedores estão dispostos a deixar
te conservadoras e ortodoxas quando chegaram ao poder (a principal o poder como resultado das eleições. Muitas vezes a primeira mu-
exceção foi o governo da APRA, com García, no Peru). dança eleitoral tem significado simbólico. A transição de 1989 na
Terceiro, a desilusão com a democracia às vezes produziu uma Argentina foi a primeira passagem, desde 1916, de um presidente
resposta contra o establishment. Nesse caso, os eleitores não apenas eleito de um partido para um presidente eleito de outro partido. As
rejeitaram o partido no poder; rejeitaram também o principal parti- eleições de 1985 e de 1989 no Peru marcaram a segunda e a terceira
do ou grupo alternativo do establishment político e deram seu apoio vez no século XX que naquele país um presidente eleito transferiu o
a um grupo ou partido de fora. Essa resposta foi mais comum nos poder para outro.
sistemas presidenciais, em que os candidatos ao cargo principal con- Uma segunda transferência de votos mostra duas coisas.
correm numa base mais individual do que partidária; dessa forma, Primeiro, que dois grandes grupos de líderes políticos na sociedade es-
em geral foi mais freqüente na América Latina, onde foi identificada tão suficientemente comprometidos com a democracia para abando-
com o populismo. Exemplos notáveis da resposta anti-establishment nar os cargos e o poder após perderem uma eleição. Segundo, que tan-
foram as bem-sucedidas candidaturas de Fernando Collor no Brasil to as elites como o povo estão operando no interior do sistema demo-
e de Alberto Fujimori no Peru. A candidatura de Carlos Menem na crático; quando as coisas não dão certo, você muda os governantes,
Argentina apresentou algumas características populistas, embora não o regime. Duas transferências de votos é um teste sério para a de-
também fosse o candidato do que se poderia dizer ser o mais forte mocracia. Os Estados Unidos não passaram por ele até os democratas
partido político do país. Os candidatos populistas bem-sucedidos de Jackson entregarem o poder aos conservadores em 1840. Depois da
ganharam o cargo com base em apelos políticos anti-establishment, Segunda Guerra Mundial, o Japão foi tido, de maneira correta e uni-
com pouco ou nenhum apoio de partidos políticos existentes e com versal, como uma nação democrática, mas não passou por esse teste, e,
na verdade, jamais passou por uma transferência de votos. Entre 1950 Grupos extremistas de oposição também tentaram desafiar os
e 1990, a Turquia sofreu três intervenções militares e várias primeiras novos regimes democráticos. No entanto, por sua própria natureza,
transferências de votos, mas nunca uma segunda. grupos radicais que empregavam a violência, como o Sendero
Em três países (Sudão, Paquistão e Nigéria), entre os 29 que ti- Luminoso no Peru, o NEP nas Filipinas ou a FLNFM (Frente de
veram eleições de transição entre 1974 e 1990, os governos instaura- Libertação Nacional Farabundo MartO em EI Salvador, não eram ca-
dos por elas foram afastados por golpes militares ou executivos. Em pazes de mobilizar um amplo apoio da população dos novos países
dez outros países com eleições em 1986 ou mais tarde, nenhuma ou- democráticos. Grupos extremistas que empregaram táticas mais pa-
tra eleição nacional aconteceu antes do final de 1990. Em 15 dos cíficas também tiveram pouco sucesso. Em maio de 1990, na
restantes 16 que tiveram uma ou mais eleições após a transição elei- Coréia, por exemplo, estudantes radicais organizaram manifestações
toral, ocorreu uma primeira transferência de votos, sendo Turquia a e tumultos para relembrar o décimo aniversário do massacre de
exceção. Em seis dos oito países que tiveram duas ou mais eleições Guanju. Uma manifestação envolveu quase 100000 pessoas, outras
nacionais após a eleição de transição, ocorreu uma segunda transfe- variaram entre 2000 e 10000. Foram as maiores manifestações des-
rência de votos, sendo as exceções a Espanha e Honduras. Em 22 do de as que ocorreram em 1987 e que levaram o partido no poder a
total de 28 eleições nos 16 países, os candidatos ou partidos titulares concordar com as eleições. As manifestações de 1990 contra um go-
foram derrotados e a oposição chegou ao poder. Em suma, o proces- verno eleito, no entanto, não atraíram o amplo apoio das manifesta-
so democrático estava funcionando: os eleitores regularmente afasta- ções de 1987 contra o regime autoritário. Apenas uma "fração míni-
ram os que detinham o poder e estes sempre passaram o cargo para mà' da grande população estudantil da Coréia aderiu às manifesta-
os novos escolhidos pelos eleitores. À parte os três casos de governos ções de 1990 e a classe média delas se absteve, devido à sua "falta de
democráticos derrubados por golpes, em termos de institucionaliza- confiança na capacidade da oposição de formar um governo alterna-
ção, o processo eleitoral democrático estava, em 1990, vivo e bem tivo". "A classe médià', comentou-se então, "prefere resmungar em
disposto nos países da terceira onda. casa diante dos aparelhos de televisão."66Em geral, os grupos conser-
Uma quarta e mais extrema manifestação política de descon- vadores e extremistas remanescentes tenderam a se isolar nas mar-
tentamento seria uma resposta dirigida não de maneira geral aos gens da política nas novas democracias nos anos 70 e 80.
grupos no poder ou ao establishment, mas ao próprio sistema demo- A difusão de práticas políticas democráticas nas democracias de
crático. As forças políticas concretas que se opunham à democracia terceira onda refletiram a ausência de alternativas autoritárias. Juntas
incluíam tanto os grupos conservadores sobreviventes ao regime au- militares, ditadores personalistas e partidos marxistas-Ieninistas ti-
toritário como os grupos extremistas de oposição ao regime autoritá- nham tentado e fracassado. A democracia era então a única alterna-
rio. Em alguns casos, os grupos conservadores incluíam elementos tiva. A questão crucial, claro, era se continuaria assim ou não, ou se
dos militares, mas, como se apontou acima, normalmente se trata- apareceriam novos movimentos promovendo novas formas de auto-
vam de grupos de oficiais descontentes de escalão médio, a que se ritarismo. O grau em que tais movimentos se materializassem e ob-
opunham as lideranças militares e que não mobilizavam um apoio tivessem apoio significativo iria, presumivelmente, depender da me-
significativo dos grupos civis. Em países anteriormente comunistas, dida em que o comportamento democrático, incluindo as transfe-
elementos das burocracias partidária e estatal, incluindo a polícia se- rências de votos, tivesse se tornado institucionalizado.
creta, também realizaram ações de retaguarda contra a democratiza- Além disso, no entanto, havia a possibilidade de que, com o
ção. Na Nicarágua, os sindicatos conservadores controlados pelos tempo, as alternativas internas à democracia se exaurissem. Quantas
sandinistas abertamente desafiaram o governo democrático eleito, vezes o povo estaria disposto a substituir um partido ou coalizão por
ameaçando "governar por baixo". Outro, na esperança de que um deles resolvesse os problemas enfren-
tados pelo país? Quantas vezes os eleitores estariam dispostos a eleger ra tentativa. É razoável concluir que, no tocante à estabilização das
um líder de fora, carismático e populista, acreditando que ele fosse democracias de terceira onda, uma experiência democrática anterior
capaz de fazer milagres econômicos e sociais? Em algum ponto, o é melhor do que nenhuma. Estendendo essa proposição, pode tam-
povo poderia se desiludir não apenas com os fracassos dos governos bém ser razoável~~óte~ ~e gy.<::.J.LOla.experiência ma~.lº~~e,
mais recente c.Q!]1a democra,ia é maisJà.yorá,Y"eUtçQns9Jicl.ª.Ç~º <ie-
I~
democráticos, mas também com os fracassos dos processos democrá-
ticos. Ele talvez viesse a desejar passar de reações contra os detento- ~que.umaexp.eriênciamais eurtLe mais~tante. Como k,1 '
res do poder e contra o establishment para reações contra o sistema. indica a tabela 5.1, cinco países - Uruguai, Filipinas, India, Chile e
Se as opções democráticas parecessem estar esgotadas, líderes políti- Turquia - tiveram 20 anos ou mais de experiência democrática
cos ambiciosos teriam fortes incentivos para produzir novas alterna- após a Segunda Guerra Mundial antes de sua democratização de ter-
tivas autoritárias. ceira onda - embora no caso da Turquia ela tenha sido interrompi-
da por breves intervenções militares em 1%0 e 1971. No outro ex-
tremo, dez países não tiveram nenhuma experiência democrática
após a Segunda Guerra Mundial; e seis - EI Salvador, Nicarágua,
Condições que favorecem a consolidação das Romênia, Bulgária, Mongólia e Sudão - nunca tiveram nenhuma
novas democracias experiência democrática antes da terceira onda.

Queçºpqi~çQe~R!ºmov.:emél_c:?_~~()ligª-窺_ das.instimkQes polí-


ticas democráticas e de uma cultura polític:a democrática no~iises Experiência democrática antes da Segunda Guerra Mundial
da terceira ond.a? Ern 1990, a terceira onda tinha apenas 15 anos,- dos países de terceira onda
ainda não haviam ocorrido retornos para tal questão e não-erapos·sí-"
vel nenhuma resposta definitiva. No entanto, estavam disponíveis' Anos de democracia após
a Segunda Guerra Mundial
dois corpos de evidências potencialmente relevantes. Primeiro, a ex- e antes da terceira onda
periência da consolidação das democracias da primeira e da segunda
Uruguai*, Filipinas, índia, Turquia, Chile*
ondas podia servir de lição para as da terceira onda. Segundo, como
Grécia*, Equador, Peru, Bolívia, Coréia,
já se disse, os fatores que promoveram a inauguração dos regimes de- Paquistão, Brasil
mocráticos não necessariamente promoveram sua consolidação. Argentina*, Honduras, Guatemala, Hungria*,
Entretanto, alguns podem fazer isso. Além do mais, é razoável con- Tchecoslováquia*, Granada, Nigéria
cluir que alguns fatores servirão melhor à consolidação democrática Espanha*, Portugal*, EI Salvador, Polônia*,
Alemanha Oriental*, Romênia, Bulgária,
do que outros. Seria tolice tentar prever em que países a democracia
Nicarágua, Sudão, Mongólia
se consolidará e em que países isso não acontecerá, e aqui não se fa-
rá nenhuma tentativa de tal previsão. No entanto, pode ser útil, em-
bora especulativo, tentar identificar as variáveis que poderiam afetar
a consolidação democrática e definir em que medida elas estiveram Segundo, como já se enfatizou no capítulo 2, existe uma alta
presentes ou ausentes em cada país da terceira onda. O êxito na con- correlação entre o nível de desenvolvimento econômico e a ocorrên-
solidação pode ser influenciado por vários fatores. cia de regimes democráticos. Uma economia mais industrializada e
Primeiro, como já se disse anteriormente, no século XX muito moderna significa uma sociedade mais complexa e uma população
poucos países criaram sistemas democráticos estáveis em sua primei- mais instruída, e tudo isso é favorável à inauguração dos regimes de-
•• mocráticos. _~~~r~,:eI?lausível
a hip_~~~~~.~~~~E.a~~~Il1~~E~~ Terceiro, o ambiente internacional e os atores estrangeiros de-
"L vorável à consolidação dos novos regimes democrát~<:0lg~_q,!eno ca--' sempenharam papéis significativos na criação das democracias de ter-
,t
~" \ ,so das sociedades não-i?d~strializa~as: Se o PNB per cafita (der?~7) ceira onda ..r.2de~se.slp<.?.E...9.~e
gffiªmp.ielgeexterp.p que apóie a de- )
'\, \ for tomado como um mdlCe aproxImado de desenvolvImento SOCIO- mQcraciatambém deve ser favorável à su~ cQJ:1soliciação(ver tabela
econômico, os países da terceira onda se encaixam em categorias rela- 5.3). Aqui, "ambiente externo" significa governos estrangeiros e outros
tivamente claras (ver tabela 5.2). Espanha (com um PNB per capita
de $6,010), Alemanha Oriental e provavelmente Hungria, Tche-
coslováquia e Bulgária se situavam no grupo superior, seguidos pela Ambiente externo e consolidação democrática em
Grécia (PNB per capita de $4,020). Vários outros países também es- países da terceira onda
tavam acima da marca de $2,000, entre eles Portugal, Uruguai,
Ambiente externo
Coréia, Brasil e provavelmente os três outros países da Europa orien- de consolidação
tal. No patamar inferior estavam os quatro países com PNB per capi-
Alemanha Oriental, Espanha, Portugal,
ta menor do que $500. No final de 1990, dois deles (Nigéria e Grécia
Sudão) tinham revertido ao governo militar e num terceiro, Paquistão,
Tchecoslováquia, Hungria, Polônia, Turquia,
o governante democraticamente eleito havia sido sumariamente afas- Filipinas, Guatemala, EI Salvador, Honduras,
tado do cargo pelo chefe de Estado, supostamente a pedido do exérci- Nicarágua, Granada, Bolívia

to. Em 1990, em conseqüência, a Índia era o único país extremamen- Favorável Peru, Equador, Uruguai, Coréia, Chile
te ·pobre-ünaeademocraciá. cõfitinuava claramente intata.---~ Indiferente/desfavorável Argentina, Brasil, índia, Nigéria, Sudão,
Romênia, Bulgária, Mongólia

Nota: As c1assifícações quanto ao ambiente externo estão baseadas nos julgamentos


impressionistas do autor. Apóiam-se na suposição de que tanto a Comunidade
Níveis de desenvolvimento econômico dos países Européia como os Estados Unidos continuarão a se preocupar com a promoção da de-
de terceira onda mocracia.

PNB per capita


de 1987lem dólaresl atores que são eles próprios democráticos, favorecem a existência de
regimes democráticos em outros países, têm relações estreitas com o
Espanha, Alemanha Oriental,
Tchecoslováquia, Hungria, Bulgária
país recentemente democrático e são capazes de exercer influência
Grécia, Portugal, Argentina, Uruguai, Brasil,
sobre este. A unificação da Alemanha tornou o futuro da democra-
Polônia, Romênia, Coréia cia, no que antes era a Alemanha Oriental, idêntico ao do ambiente
1,000-1,999 Peru, Equador, Turquia, Granada, Chile democrático estável no que antes era a Alemanha Ocidental.
500-999 Guatemala, EI Salvador, Honduras, Pertencer à Comunidade Européia é muito vantajoso por razões eco-
Nicarágua, Bolívia, Filipinas nômicas, e ser um governo democrático é pré-condição para qual-
índia, Paquistão, Nigéria, Sudão quer membro; portanto, os membros da CEE da terceira onda
Fontes: Países de fora da Europa oriental: World Bank, World development report 1989 (Espanha, Portugal e Grécia) têm fortes incentivos para manter suas
(New York: Oxford University Press, 1989), p. 164-5. Países da Europa oriental: instituições democráticas. Outros países, como a Turquia, Hungria,
Estimativas da CIA, "Eastern Europe: long road ahead to economic well-being" (Paper
presented to the Subcommíttee on Technology and National Security, Joint Economic T checoslováquia e Polônia, desejam tornar-se membros, e tal possi-
Committee, United States Congress, May 16, 1990), p. 1-6. .---/
Nota: A Mongólia é omitida por falta de dados. bilidade é um incentivo para que mantenham sua democracia.
Alguns países têm relações muito estreitas com os Estados Unidos e
foram fortemente influenciados por eles. Isso inclui os países da retorno ao autoritarismo. É de se supor que as forças responsáveis por
América Central, Granada, Bolívia e Filipinas. Países onde a influên- suas transições mais tardias deverão tornar a consolidação mais difícil
cia dos Estados Unidos esteve presente, mas provavelmente foi me- nos países da Europa oriental, Coréia, Paquistão e Nicarágua, bem
nos forte, incluem Peru, Equador, Uruguai, Coréia, Turquia, como nos países (tais como Taiwan, África do Sul, União Soviética e
Polônia e Chile. A influência das principais potências democráticas México) que em 1990 ainda estavam em processo de liberalização.
foi relativamente fraca na Argentina, Brasil, Índia, Nigéria, Sudão, Quinto, uma questão crucial obviamente refere-se à relação en-
Romênia, Bulgária e Mongólia67• tre processos de transição e de consolidação. Faz diferença para a
consolidação se o país transita para a democracia através de transfor-
Uffi~JID~[L& ~ c~
mação, substituição, transtituição ou intervenção? Pode-se apresen-
Inauguração da democracia em países de terceira onda
tar argumentações plausíveis a favor e contra as vantagens de cada
um desses processos no que se refere à consolidação. Uma questão
Data da eleição afim refere-se ao papel da violência na transição e apresenta proble-
fundadora
mas semelhantes. Por um lado, pode-se argumentar que uma transi-
j;~ha, Portugal, Grécia, Equador, índia, ção pacífica e consensual favorece a consolidação democrática. Por
C, Nigéilij',
,_ ••••. _' J outro lado, também se pode argumentar que uma transição violenta
1980-83 \ Peru,Argentina, Bolívia, Honduras, Turquia
" . ~_" o.'"'
tende a desenvolver entre a maioria dos grupos populacionais uma
1984-87 Uruguai, Brasil, Filipinas, EI Salvador, profunda aversão aos derramamentos de sangue e, portanto, a gerar
Guatemala, Coréia, Granada, Sudão
um comprometimento mais profundo com as instituições democrá-
Paquistão, Polônia, Hungria, Alemanha
Oriental, Tchecoslováquia, Romênia, ticas e seus valores. No geral,p~re~e mais l?l.a~~i\,e!.a_~ipótesede que
Bulgária, Nicarágua, Chile, Mongólia uma transição conséfíSúárê-menos violenta é uma base melhor para
México, União Soviética, África do Sul, a consôlídâçãô di democracia do que o conflito e a violência. Se for
Taiwan, Nepal, Panamá
esse o caso,~s transtituições negociadas podem ser de máXima ajuda
à consolidação; a seguir viriam as transformações; e as substituições
Quarto, o momento da entrada de um país na terceira onda e intervenções dariam a menor ajuda à consolidação (ver tabela 3.1,
pode ser um indício dos fatores que têm um impacto sobre a conso- acima). Também se pode fazer a hipótese de que, qualquer que seja
lidação da democracia naquele país (ver Tabela 5.4). Os países que a natureza do processo, quanto menos violência envolvida, mais fa-
começaram a transição para a democracia mais cedo na onda fize- voráveis serão as condições para a consolidação democrática. Se as-
ram-no, em grande parte, por razões internas. Influências externas e sim for, haveria problemas de consolidação em EI Salvador, Gua-
o efeito de bola-de-neve foram mais significativos como causas de temala, Nicarágua, Granada, Panamá, Romênia e África do Sul.
democratização para os países que fizeram a transição mais tarde na Sexto, argumentou-se anteriormente que a consolidação da de-
onda. 'parece razoável a hipótese de que o domínio de causas inter- mocracia não era simplesmente uma função do número e da severi-
nas, em geral presentes nas primeiJ;as transições da terceira orida, dade dos problemas contextuais enfrentados. O âmago da questão
tendeu a ser mais favorável à consolidação democrática do q!li~-~L era, em vez disso, a maneira pela qual as elites políticas e o povo res-
influências externas, mais presentes nas transições finais na terceira pondiam a tais problemas e à incapacidade dos novos governos de-
onda ..Na medida em que isso tenha sido um fator, favoreceu a co~: mocráticos de resolver tais problemas. No entanto, isso não queria
solidação nos países do sul da Europa, Índia, Equador e Peru. Qeveria dizer que os problemas enfrentados por uma nova democracia fos-
ter favorecido a consolidação na Nigéria, mas não evitou un;rápido sem totalmente irrelevantes para sua consolidação. O número e a na-
tureza de problemas contextuais graves podem ser uma variável entre são sugestivos, e as vantagens de mudar para um sistema parlamen-
outras a afetar a consolidação democrática (ver p. 248-50 acima). tar foram levantadas por vários latino-americanos, inclusive Raúl
Outros fatores além desses seis inquestionavelmente afetam o Alfonsín. No entanto, ainda são escassas as evidências de que os re-
êxito ou o fracasso da consolidação. No entanto, a extensão e dire- gimes parlamentares contribuem para a consolidação democrática.
ção de tais influências nem sempre é fácil de avaliar. Pode-se supor, Uma questão semelhante surge com respeito à natureza dos sistemas
por exemplo, que a natureza e o êxito do regime autoritário possam partidários nas novas democracias. A democracia é melhor servida
afetar as perspectivas de consolidação de seu sucessor democrático. por muitos partidos, cada um deles representando um interesse eco-
A perspectiva de consolidação democrática é afetada pelo fato do nômico, social, regional, comunal ou ideológico particular? Ou é
regime autoritário ser um regime militar, um sistema de partido melhor servida por dois partidos abrangentes, cada um deles dando
único, uma ditadura personalista ou uma oligarquia racial? É possí- uma alternativa de governo plausível e responsável e cujas lideranças
vel fazer uma série de hipóteses e argumentações conflitivas entre si poderiam cooperar mais facilmente para enfrentar severas crises eco-
inclusive a de que a natureza do sistema autoritário anterior nã~ nômicas, máfias do tráfico e ameaças de rebelião? Mais uma vez, fal-
tem quaisquer implicações significativas para a consolidação de seu tam as evidências para um julgamento num sentido ou no outro. --,
sucessor democrático. Da mesma forma: a consolidação democráti- Se os fatores discutidos acima são relevantes quanto à consolida-
ca é ~~i~ prováv~l no rastro do que pode ser chamado de regimes ção das novas democracias e se fizermos a duvidosa suposição de que
au~ontanos relativamente bem-sucedidos (p. ex., Espanha, Brasil, são igualmente relevantes, alguns julgamentos amplos podem ser fei-
TaIwan, Coréia, Chile) ou após regimes relativamente malsucedidos tos quanto às condições mais favoráveis e as menos favoráveis para a
(p. ex., Argentina, Filipinas, Portugal, Bolívia, Romênia)? Tal distin- consolidação. As conclusões não são surpreendentes. Globalmente, as
ç~o, obviamente, está relacionada a diferenças nos processos de tran- condições de consolidação são mais favoráveis nos~pãtse;({õSürda
SIção,mas ela própria também poderia ser uma variável independen- Europa, na Alemanha Oriental, Uruguai e Turquia. Para um grande
te. Mas em que direção? Pode-se argumentar que as reações das eli- grupo de países, as condições são menos favoráveis, mas ainda positi-
tes e do público aos fracassos patentes de regimes autoritários malsu- vas: inclui T checoslováquia, Chile, Equador, Bolívia, Peru, Hon-
cedidos seriam uma força positiva para a consolidação democrática. duras, Argentina, Brasil, Filipinas, Índia, Polônia e Hungria. Con-
No entanto, também se pode argumentar que as nações diferem em dições menos favoráveis são as da Guatemala, Granada, Nigéria, EI
suas capacidades políticas e que um povo que fez do autoritarismo Salvador, Paquistão, Nicarágua, Bulgária e Mongólia. Finalmente,
um sucesso (p. ex., o espanhol) fará o mesmo com a democracia, en- Sudão e Romênia parecem especialmente deficientes quanto às con-
quanto um povo que não foi capaz de criar um sistema autoritário dições que possam garantir a manutenção da democracia. ,..,..j

bem-sucedido (p. ex., os argentinos) não deverá ter mais êxito na Muitos fatores influenciarão a consolidação da democracia nos
consolidação de um regime democrático. países de terceira onda e sua importância relativa não é clara. No en-
A consolidação democrática pode também ser afetada pela na- tanto, parece mais provável que a manutenção ou fracasso da demo-
tureza das instituições democráticas que são estabelecidas. Por exem- cracia depende primariamente da extensão em que os líderes políti-
plo, já se argumentou, de maneira bastante plausível, que um siste- cos desejarem mantê-Ia e estiverem dispostos a pagar o preço por is-
ma parlamentar contribui mais para o êxito das novas democracias so, em vez de dar prioridade a outros objetivos.
do que um sistema presidencial, já que ele reduz o aspecto "tudo ou
nadà' da política, normalmente exige uma coalizão de partidos para
f?r~ar um governo e cria oportunidade para se estabelecer um equi-
lIbno entre chefe de Estado e chefe de govern068• Tais argumentos
uma onda reversa significativa e as formas que tal onda reversa pode
assumir; e 3) os obstáculos e as oportunidades para a democratização
que possam existir nos países que até 1990 não tinham se democra-
tizado. As páginas seguintes tentam analisar esses fatores; e as frases
finais nas discussões de cada tópico quase sempre terminam com
pontos de interrogação.

Até quando? Causas da terceira onda: continuando,


enfraquecendo, mudando?

A tendência para a democratização dos anos 70 e 80 continua-


rá nos anos 90? Çinco causas gerais da tercêira óilda foram discuti-
das no capítulo 2. Duas delas - o problema da legitimidade dos re-
gimes autoritários e o desenvolvimento econômico - serão discuti-
A democratização em quase trinta países entre 1974 e 1990 das abaixo, em conexão com os possíveis obstáculos a uma maior de-
e a liberalização em vários outros ch~!ll.~.~"~,!g:1!!t.~()"para uma ques- mocratização. Esta seção focaliza três outros fatores identificados co-
",~~o,,~§si~~am tais democratizações parte de uma "revolução de- mo tendo um papel significativo na terceira onda.
, mocrática"grobal", contínua e sempre em expansão, que acabaria al- Um deles foi a difusão do cristianismo e, mais especificamente,
cançando virtualmente todos os países do mundo? Ou eram elas as principais mudanças na doutrina, no interesse e no compromisso
uma expansão limitada da democracia, em sua maioria a reintrodu- social e político da Igreja católica ocorridas nos anos 60 e 70. A ex-
ção em países que a tinham experimentado no passado? Se a tercei- pansão do cristianismo teve seu impacto mais notável na Coréia.
ra onda chegou ao fim, será seguida de uma terceira onda reversa Existem outras áreas onde o cristianismo está se expandindo e onde, O
que eliminará muitos dos ganhos da democracia nos anos 70 e 80? conseqüentemente, a democratização tornou-se mais provável? A ;/
Haverá um retorno a uma situação comparável aos níveis mais bai- resposta mais óbvia é a África. Em 1985, o número de cristãos na. c'/)
. ".-y,
xos de democratização já vividos, quando um quinto ou menos dos África foi calculado em 236 milhões, e estimava-se que chegaria a '
países independentes do mundo tinham governos democráticos? 400 milhões no início do século XXI. Em 1990, a África subsaaria-
,A ciência social não pod.e dar respostas 纺fiªyei~);l. tª,is,p~ffi!:ln- na era a única região do mundo onde, em muitos países, um núme-
tas, n.eQl,tap!QºI,lc;ºqualql,ler cientista social. Entretanto, pode s"er ro substancial de católicos e protestantes vivia sob regimes autoritá- <-

possível identificar alguns dos fatores que afetafãõa futura expansão rios. Em 1989 e 1990, líderes cristãos estavam em oposição ativa {(
ou contração da democracia no mundo e fazer as perguntas que pa- contra a repressão no Quênia e em outros países africanosl. À medi- <~
recem mais relevantes para o futuro da democratização. Os fatores da que o número de cristãos se multiplicar, é de se supor que não de-
críticos incluem: 1) a extensão em que as causas da terceira onda clinará a atividade dos líderes da Igreja em defesa da democracia, e
tendem a continuar operando, ganhando força, enfraquecendo-se que seu poder político aumentará. Em 1989, afirmou-se que o cris-
ou sendo suplementadas ou substituídas por novas forças promoto- tianismo também estava "em atividade na China, principalmente
ras da democratização; 2) as circunstâncias que podem fazer surgir entre os jovens", embora os números ainda fossem muito pequenos.
Em Cingapura, em 1989, talvez 5% da população fosse~ cri~tãos,
ses da Europa oriental, ou à Turquia?É de ~~_~1.lporq1.l~.~
mas o governo estava cada vez mais preocu~ado com a dlf~sao do
Comunidade só seja capaz de absorver um número limitado de paí-
cristianismo e envolvido em disputas a respeito de suas medldas re-
ses num dado período de tempo.
pressivas com o arcebispo cat~lico de Cingapu~a.e com o s:c.ret:rio As respostas a tais perguntas terão implicações para a estabili-
executivo da Comissão de Justiça e Paz da ArqUldlOceseCatohca . O
dade da democracia na Turquia e nos países da Europa oriental. Na
fim aparente da proscrição e das hostilidades à .r~ligião na.l!nião
Turquia, a falta de andamento de sua solicitação estava começando a
Soviética talvez leve ao aumento dos fiéis e das atlVldades rehglOsas,
estimular um "recuo islâmico" em 19903• Dada a posição periférica
com implicações para o futuro da democracia naqu.ele país. .
da Turquia, seu legado muçulmano, as intervenções militares passa-
Em 1990, o ímpeto católico para a democratização havl~, em
das e seus dúbios antecedentes quanto aos direitos humanos, a de-
grariaepart~;se·esgotado. A maior part: ~os país~s cat~licos havia se
mocracia turca provavelmente precisava do apoio da CEE, pelo me-
democratizado ou, como no caso do Mexlco, se hberallZado..A capa-
nos tanto quanto a democracia na Espanha, Portugal e Grécia nos
cidade do catolicismo de promover uma expansão mais ampla da d~-
anos 70. Caso tal apoio não seja dado, o futuro da democracia turca
mocracia sem ele próprio se expandir estava limitada ao Paragual,
ficará ainda mais incerto. A perspectiva de pertencer à Comunidade
Cuba, Haiti e alguns países da África, tais co~o o S,e~egale ~-Cos~a
também poderia reforçar as novas democracias nos países ao leste da
do Marfim. Além do mais, em que grau a IgreF catohca contmuana
Europa central. No entanto, em nenhum país com governos autori-
a ser uma força poderosa para a democratização, como fora nos anos
tários tal perspectiva propiciaria um incentivo à democratização.
70? O papa João Paulo 11promoveu consistent~mente um con:e,rva,-
A retirada do poder soviético permitiu a democratização na
dorismo teológico. Seriam as atitudes do Vaticano em relaçao ao
Europa oriental. Se a União Soviética terminar ou restringir drastica-
controle do nascimento, aborto, sacerdócio feminino e outras ques-
mente seu apoio ao regime de Castro, poderá ocorrer em Cuba um
tões, consistentes com a promoção da democracia na sociedade e na
movimento em direção à democracia: Fora isso, pouca coisa mais a
política mais amplas? . _ União Soviética poderia ou iria fazer para promover a democracia
O papel de outros agentes externos de democrati~açao. t~m- fora de suas froni:-eiras.â questão-chave era o que aconteceria déntro
bém parecia estar mudando. Em abril de 1987, a TurqUla S~hCltO~
da própria União Soviética. Com o afrouxamento do controle sovié~
sua associação plena à Comunidade Européia. Um de seus mcenti-
tico, parecia provável que a democracia fosse restabelecida nos
vos foi o desejo dos líderes turcos de refor~ar a modernização ,e ~s
Estados bálticos. Movimentos em direção à democracia também
tendências democráticas no país, e conter e lsolar as forças favoravels
existiam em outras repúblicas. A inauguração e a consolidação da
ao fundamentalismo islâmico na Turquia. No entanto, na CEE a
democracia na República Russa, caso ocorram, seriam, isoladamen-
perspectiva da associação turca foi acolhida com pouco entusiasmo e
te, o ganho mais dramático para a democracia desde os anos que se
alguma hostilidade (da Grécia). Em 1990, a liberação da Europa
seguiram à Segunda Guerra Mundial. No entanto, no final de 1990,
oriental também levantou a possibilidade de entrada da Hungna,
as forças conservadoras estavam se reafirmando, tanto na Rússia
T checoslováquia e Polônia. Assim, a Comunidade enfrentou dois
quanto na União Soviética, enfatizando a necessidade de reimpor a
problemas. Primeiro, deveria ela dar prioridade ao aumento de nú-
ordem e a disciplina e levantando a possibilidade de um Termidor
mero de seus associados ou ao "aprofundamento" da comunidade
soviético.
existente, agindo no sentido de uma maior união econômica e po.lí-
Nos anos 70 e80, osEstados Unidos foramQprinç~.2-~9-
tica? Segundo, se a decisão fosse expandir o número de seus aSSOCia-
tor d~democr~ti;~ção. Se continuarão a representar tal papel,. de;
dos, deveria ela dar prioridade aos membros da Associação Européia
pende de sua vontade, capacidade e interesse. Antes de ~eados da
de Livre Comércio, tais como a Áustria, Noruega e Suécia, aos paí-
década de 70, a promoção da democracia nem se,rn.pr~L?luma alta
prioridade da política exterior americana. O fim da Guerra Fria e da países católicos já não era mais autoritária, assim <tarn_b~_~_c:~~9.-
- disputa iàeõlÓgicã-cõma União Soviética poderia eliminar uma das dade dos Estados Unidos em promover a democracia tinha, de al-
razões para apoiar ditadores anticomunistas, mas poderia também gum modo, se esgotado, porque já havia sido exercida()ndep~d~~1~'
reduzir os incentivos para qualquer substancial envolvimento ameri- sê-Ia com mais facilidade. Os países da América Latina, Carffie,
cano no Terceiro Mundo. No início dos anos 80, os elaboradores da Europa e Leste asiático, que eram mais suscetíveis à influência ame-
política americana tinham aprendido a lição - a democracia era um ricana, haviam, com poucas exceções, se tornado democráticos. Em
baluarte mais forte contra o comunismo do que os regimes autoritá- 1990, o México era o único país importante onde os Estados Unidos
rios de bases estreitas. Se diminuiu a ameaça do comunismo, tam-
ainda poderiam exercer uma influência significativa em favor da de-
bém diminuiu a necessidade de promover a democracia como sua al-
mocratização.
ternativa mais robusta. Além disso, tanto Carter como Reagan trata-
Os países não-democráticos na África, Oriente Médio e Ásia
ram a política exterior em termos moralistas, atribuindo aos direitos
continental eram menos suscetíveis à influência americana. Em
humanos e à democracia um papel retórica central e, em grande
1988, por exemplo, os manifestantes em favor da democracia na
medida, um papel real, significativo, entre os objetivos de sua políti-
Birmânia aclamaram os Estados Unidos por suas denúncias da re-
ca exterior. O presidente Bush, ao contrário, quando comparado
pressão governamental, "agarrados a qualquer migalha de esperança
com seus dois predecessores, parecia consideravelmente mais prag-
de uma intervenção dos Estados Unidos", e em determinado mo-
mático do que moralista em sua abordagem. Em abril de 1990, o se-
mento foram arrastados pelo entusiasmo com a notícia de que a
cretário de Estado James Baker declarou: "Acima da repressão está a
democracia. O tempo de varrer os velhos ditadores está passando rá- Marinha norte-americana tinha entrado em águas birmanesas5• Em
pido; o tempo de construir novas democracias chegou. É por isso determinadas ocasiões, em apoio à democracia, a Marinha dos
que o presidente Bush definiu nossa nova missão como sendo a pro- Estados Unidos navegou em águas da República Dominicana, Haiti,
moção e a consolidação da democracià'. Contudo, muitas vezes ou- Panamá e Granada. Pode-se até imaginar que em algum momento
tras metas pareciam ter uma prioridade maior. Isso ficou mais evi- ela navegue em águas cubanas com a mesma missão. No entanto, a
dente na política do governo em relação à China em 1989 e 1990. Birmânia está no limite exterior de alcance dos interesses e do poder
Depois da praça Tiananmen, o ex-presidente Reagan declarou com americanos. Ali os Estados Unidos somente enviaram protestos di-
eloqüentes frases wilsonianas: "Não se pode massacrar uma idéia. plomáticos e negaram ajuda econômica. A capacidade dos Estados
Não se pode jogar tanques contra a esperança"4. O presidente Bush Unidos de promover a democracia entre africanos e chineses é igual-
ordenou a seu consultor de segurança nacional que se encontrasse se- mente limitada.
cretamente com os líderes chineses. Com exceção da América Central e do Caribe, o golfo Pérsico
<ºe~sªfºxm~2deseiº alllericano de promover a democracia é a área mais importante do Terceiro Mundo onde os Estados
pode se manter ou nªl? Por outro lado, a capacidade-americana de Unidos continuam a ter interesses vitalmente importantes. A Guerra
fazê-Ia tendia a se mostrar limitada. As falas sobre o declínio ameri- do Golfo e o envio de mais de 500 000 soldados americanos para a
cano no final dos anos 80 muitas vezes eram exageradas. Entretanto, região estimularam as demandas dos movimentos a favor da demo-
de fato, os déficits no comércio e no orçamento impuseram novos li- cracia no Kuwait e naArábia Saudita e deslegitimaram o regime de
mites aos recursos que os Estados Unidos poderiam usar para exercer Saddam Hussein, no Iraque. Grandes deslocamentos de tropas ame-
influência nos países estrang~s. Além disso, assim como a capaci- ricanas no golfo, se fossem mantidas por um certo tempo, seriam
"dade futura da Igreja católica em_promover a Jemocraciâ~rr; países um impulso externo poderoso para a liberalização, ou mesmo para a
autoritários encontrava-se grandemente reduzida, pois a maioria dos democratização, e tais deslocamentos, com toda probabilidade, só
poderiam ser mantidos por muito tempo se ocorresse um movimen- no Egito, Jordânia, Tunísia e Argélia a abrir mais espaço político pa-
to em direção à democracia. ra a expressão do descontentamento. Como resultado do que acon-
A importância dos Estados Unidos para a democratização en- tecia na Europa oriental, um jornalista egípcio observou: "agora não
volve mais do que o exercício direto e intencional do poder america- há como escapar da democracia. Todos esses regimes árabes não têm
no. Nos anos 80, os movimentos em favor da democracia em todo o outra escolha a não ser ganhar a confiança de seu povo e se subme-
mundo foram inspirados no exemplo americano. Em Rangum, os ter à escolha popular"?
defensores da democracia carregaram a bandeira americana; em a exemplo da Europa oriental teve seu principal efeito sobre os
Johannesburg reeditaram The Federalist, em Praga cantaram Wé shall líderes de outros regimes autoritários e não sobre o povo que eles go-
overcome; em Varsóvia leram Lincoln e citaram Jefferson; em Pequim vernavam. Os governantes marxistas-leninistas do Iêmen do Sul, por
erigiram a Deusa da Democracia; em Moscou, John Sununu aconse- exemplo, "viram com temor a queda dos regimes da Europa oriental,
lhou Mikhail Gorbachev quanto à organização de uma presidência6• temendo o mesmo destino", e por isso imediatamente se apressaram
a modelo democrático americano era atrativo em parte porque de- em consumar a união com o Iêmen do Norte, para evitar tal destino.
fendia a liberdade, mas também, há que se supor, em parte porque O presidente Mobutu reagiu com horror à imagem na televisão do
passava uma imagem de força e sucesso. As pessoas, como na segun- cadáver sangrento de seu amigo Nicolae Ceausescu. Alguns meses
da onda após a Segunda Guerra Mundial, queriam imitar o modelo mais tarde, comentando que "Vocês sabem o que se passa no mun-
vencedor. do", anunciou que permitiria que dois partidos além do seu dispu-
a que aconteceria, no entanto, se o modelo americano não tassem as eleições em 1993. Na Tanzânia, Julius Nyerere observou:
mais encarnasse força e sucesso, não mais parecesse ser o modelo "Se houver mudanças na Europa oriental, outros países com sistema
vencedor? No final dos anos 80, muitos argumentaram que "o declí- de partido único e adeptos do socialismo também serão afetados". A
!lio americano" era a verdadeira realidade. autros argumentaram Tanzânia poderia aprender "uma ou duas lições" com a Europa
contrário. Entretanto, virtualmente ninguém negava que os Estados oriental. No Nepal, em abril de 1990, o governo anunciou que o rei
Unidos enfrentavam problemas graves: crimes, drogas, déficits co- Birendra estava suspendendo o banimento nos partidos políticos,
merciais, déficits orçamentários, baixos níveis de poupança e investi- como resultado da "situação internacional" e "das expectativas cres-
mento, redução do crescimento da produtividade, má qualidade da centes do pOVO"8.
instrução pública, decadência dos centros das cidades. As pessoas, NOGlJ.tantu•.na allS,ê!1ciade condições fa.v()~áveis.
no país_afeta.:
em todo o mundo, poderiam chegar a ver os Estados Unidos como do, ~_~f~~t?de bola-de-neve:por si mesD;Q,éUllla causa fraca d~_de-
um poder em declínio, caracterizado pela estagnação política, inefi- mocratização. A democratização nos países A e B não é razão, em si
ciência econômica e caos social. Se isso acontecesse, os fracassos per- mesma e por si mesma, para a democratização no país C. Nos anos
cebidos dos Estados Unidos seriam inevitavelmente vistos como fra- 80, a legitimidade da democracia como sistema de governo chegou a
cassos da democracia. a atrativo mundial da democracia estaria sen- ser aceita por todo o mundo. Entretanto, as condições econômicas e
sivelmente reduzido. sociais favoráveis à existência da democracia não existiam em todo o
Q impa~to de bola-de-neve sobre a democratização foi clara- mundo. Para qualquer país em particular, a "revolução democrática
mente evidente em 1990 na Bulgária, Romênia, Iugoslávia, Mongó- mundial" poderia produzir um ambiente externo favorável à demo-
lia, Nepal e Albânia. Também afetou os movimentos pela liberaliza- cratização, mas não poderia produzir, naquele país, as condições ne-
ção em alguns países da Arábia e da África. Em 1990, por exemplo, cessárias para a democratização.
afirmou-se que a "insurreição na Europa oriental" tinha "incentiva- Na Europa oriental, o principal obstáculo para a democratiza-
do as demandas de mudanças no mundo árabe" e levado os líderes ção havia sido o controle soviético. Uma vez removido, o movimen-
to para a democracia se desenvolveu com facilidade. Parece imprová- cimento econômico para encorajar os direitos humanos e a demo-
vel que o único obstáculo importante para a democratização no cracia nos países pobres. Em 1990, nenhuma dessas possibilidades
Oriente Médio, África e Ásia fosse a inexistência de um exemplo de parecia muito provável, mas depois dos acontecimentos de 1989 se-
democratização na Europa oriental. E se os governantes podiam es- ria ousadia descartar qualquer coisa.
colher o autoritarismo antes de dezembro de 1989, não é claro por
que não poderiam, se quisessem, escolhê-Io depois de dezembro de
1989. O efeito de bola-de-neve seria real apenas na medida em que
fosse real em suas mentes e os levasse a acreditar na desejabilidade
e/ou necessidade de democratização; Os acontecimentos da Europa
oriental, em 1989, indubitavelmente encorajaram os grupos demo- Em 1990, ao menos duas das democracias da terceira onda ti-
cráticos de oposição e amedrontaram os líderes autoritários de ou- nham revertido a governos autoritários. Como sugerido no capítulo
tros lugares. No entanto, dada a prévia fraqueza dos primeiros e a re- 5, os problemas de consolidação poderiam levar a futuras reversões
pressão a longo prazo dos últimos, parece inevitável algum ceticismo em países onde fossem fracas as condições para manter a democra-
em relação a quanto de progresso significativo na direção da demo-
cia. No entanto, a primeira e a segunda onda democrática foram se-
cracia o impulso da Europa oriental realmente produzirá na maior
guidas por fortes ondas reversas que iam além dos problemas de con-
parte dos remanescentes países autoritários.
solidação e durante as quais a maioria das mudanças de regime em
.....
v _EJJ)J990.,~muit'ls das causas Qdgil!ais da terceira onda já ti-
todo o mundo foi de democracia para autoritarismo. Se a terceira
nham significativamente enfraquecido ou se exaurido. A Casa
onda de democratização diminuiu ou chegou a um termo, que fato-
Branca, o Krêmlin, o Vaticano ou a Comunidade Européia não ti-
nham uma posição forte para promover a democracia nos países on- res poderiam produzir e caracterizar uma terceira onda reversa?A ex-
de ela não existia, na Ásia, África e Oriente Médio. Entretanto, não periência da primeira e da segunda onda reversa pode ser relevante.
era impossível que novas forças favoráveis à democratização pudes- Uma ampla exploração de tais mudanças de regime está além do al-
sem emergir. Em 1985, quem pensaria que em cinco anos Mikhail cance deste estudo. No entanto, as seguintes generalizações parecem
Gorbachev estaria facilitando a democratização na Europa oriental? ser válidas para as duas primeiras ondas reversas.
Pode-se conceber que, nos anos 90, o FMI e o Banco Mundial pos- Primeira, as causas das mudanças dos sistemas políticos demo-
sam se tornar muito mais poderosos do que têm sido na exigência de cráticos para autoritários foram ao menos tão variadas quanto as
democratização política, assim como na liberalização da economia, causas das mudanças do autoritarismo para a democracia, e em par-
como pré-condição para assistência econômica. Pode-se conceber te a elas se sobrepuseram. Entre os fatores que contribuíram para as
que a França possa vir a se tornar mais ativa na promoção da demo- transições da primeira e segunda ondas reversas estão:
cracia entre suas antigas colônias africanas, onde sua influência con-
tinua substancial. Pode-se conceber que a Igreja ortodoxa possa sur- 1. a fraqueza dos valores democráticos entre os principais grupos de
gir como uma poderosa influência para a democracia nos Bálcãs e na elite e o público em geral;
União Soviética. Pode-se conceber que um defensor da versão chine- 2. a crise ou o colapso econômico que intensificaram os conflitos so-
sa da glasnost, do tipo de Gorbachev, possa chegar ao poder em ciais e acentuaram a popularidade de remédios que só poderiam
P~qui~. Pode-se conceber que um novo Nasser jeffersoniano possa ser impostos por governos autoritários;
dlfundu uma versão democrática do pan-arabismo no Oriente 3. as polarizações social e política muitas vezes produzidas pelas ten-
Mf<lio. Pode-se conceber que mesmo o Japão possa usar o seu cres- tativas dos governos de esquerda de introduzir ou parecer intro-
duzir demasiadas reformas sócio-econômicas importantes num executivos ocorreram na segunda onda reversa na Coréia, Índia e
tempo muito curto; Filipinas. No Uruguai, as lideranças civis e militares cooperaram
4. a determinação de grupos conservadores de classes média e alta para o fim da democracia através de um golpe misto, militar e exe-
em excluir do poder político os movimentos populistas e esquer- cutivo.
distas e os grupos de classe baixa; Terceira, em muitos casos, tanto na primeira quanto na segun-
5. a falência da lei e da ordem resultante de terrorismo ou insurrei- da onda reversa, os sistemas democráticos foram substituídos por
ção; formas historicamente novas de governo autoritário. O fascismo era
6. a intervenção ou conquista por um governo estrangeiro não-de- diferente das formas anteriores de autoritarismo por sua base nas
mocrático; massas, sua ideologia, sua organização partidária e suas tentativas de
7. o efeito de bola-de-neve, sob a forma de efeito-demonstração, do penetrar e controlar a maior parte da sociedade. O autoritarismo
colapso ou da derrocada dos sistemas democráticos em outros burocrático diferiu das formas anteriores de governo militar na
países. América Latina por seu caráter institucional, sua suposição de dura-
ção indefinida e suas políticas econômicas. A Itália e a Alemanha nos
Segunda, as transições da democracia para o autoritarismo, ex-
anos 20 e 30, e o Brasil e a Argentina nos anos 60 e 70 foram os paí-
ceto as produzidas por atores estrangeiros, quase sempre foram pro-
ses de ponta na introdução dessas novas formas de governo não-de-
duzidas por aqueles que, no sistema democrático, estavam no poder
mocrático e forneceram os exemplos que grupos antidemocráticos
ou próximo ao poder. Com apenas uma ou duas possíveis exceções,
de outros países tentaram imitar. As duas novas formas de autorita-
os sistemas democráticos não terminaram por meio de voto ou re-
rismo foram, na verdade, uma reação ao desenvolvimento social e
volta populares. Na primeira onda reversa, movimentos antidemo-
econômico: na Europa, a expansão da mobilização social e da parti-
cráticos com uma retaguarda popular considerável chegaram ao po-
cipação política, e, na América Latina, a exaustão da fase de desen-
der na Alemanha e na Itália, e estabeleceram ditaduras fascistas. As
volvimento econômico de substituição de importações baseada no
conquistas nazistas acabaram então com a democracia em sete ou-
populismo.
tros países europeus. Na Espanha, na primeira onda reversa, e no
As causas e formas das duas primeiras ondas reversas não po-
Líbano, na segunda, a democracia terminou em guerra civil.
dem propiciar previsões quanto às causas e formas de uma possível
No entanto, a esmagadora maioria das transições da demo-
terceira onda reversa.,Entret~E.toJ._e,)(peJjênc.iªs
préyias sugerem, na
cracia ou tomou a forma de um golpe militar, em que os oficiais
verdade, algumasyossív~iHªl!Sa$_d~uma terceiraj)udarev.ersa.
militares (normalmente o comando supremo do Exército) destituí- _ ... ::--------'~_.
ram os líderes democraticamente eleitos e instalaram alguma forma -" l~alhas sistêmicas dos regimes democráticos para operar efetiva-
de ditadura militar, ou de golpes executivos, em que os principais me'nte podem solapar sua legitimidade. No final do século XX, as
chefes executivos escolhidos democraticamente acabaram efetiva- principais fontes ideológicas não-democráticas de legitimidade,
mente com a democracia, concentrando o poder neles próprios e principalmente o marxismo-Ieninismo, ficaram desacreditadas. A
geralmente declarando um estado de emergência ou de lei marcial. aceitação geral das normas democráticas significava que os gover-
Na primeira onda reversa, golpes militares acabaram com os siste- nos democráticos eram ainda menos dependentes da legitimidade
mas democráticos nos novos países da Europa oriental e na Grécia, de desempenho do que eram no passado. Todavia'3i~_cap~~i~~de
Portugal, Argentina e Japão. Na segunda onda reversa, os golpes prolongada de produzir riqueza, prosperid~~e,.~qüi~ade,justiç_a,
mil~tares acabaram com a democracia em muitos países da América ordem interna ou segurança externa, pó4~, ao longo do temp~,
Ladna, Indonésia, Paquistão, Grécia, Nigéria e Turquia. Golpes solapar a legitimidade até mesmo dos governos democráticos~-A
medida que se diluem as lembranças dos fracassos autoritários, é democráticos do Leste asiático podem ficar significativamente en-
provável que aumente a irritação com os fracassos democráticos. fraquecidos.
~ 2. Mais especificamente, ~l~.~~l~~.o..~~onô1lJ:~~~.er~1interna,cional 6. Como nos anos 20 e nos anos 60, .E2ç!~m,4e.Q.ovosurgir várias
nos moldes de 1929-30 poderia solapar a legitimidade da demo- formasde autoritarismo que pareçam apropriadas às necessidades'
cracia em muitos países. A maioria das democracias sobreviveram "dos temp~s. Existem várias possibilidades:
à Grande Depressão dos anos 30. Todavia, algumas sucumbiram a) O nacionalismo autoritário pode se tornar um fenômeno fa-
e provavelmente outras também sucumbiriam em resposta a um miliar nós países do Tercei~o Mundo e também na Europa
desastre econômico semelhante no futuro. oriental. As revoluções de 1989-90 na Europa oriental foram
3. Uma guinada para o autoritarismo dada por qualquer grande po- primariamente movimentos democráticos anticomunistas ou
. tência democrática ou democratizadora poderia desencadear movimentos nacionalistas anti-soviéticos? Se for o último, re-
ações semelhantes, el!l fm:ma de bola-d~-neve, em outros países. gimes nacionalistas autoritários podem voltar em alguns países
Uma inversão do sentido na direção do autoritarismo, na Rússia da Europa oriental.
ou na União Soviética, deslocaria os efeitos da democratização em b) Ofundamentalismo rel~gioso tem sido mais dramaticamente
outras repúblicas soviéticas, na Bulgária, Romênia, Iugoslávia e predominante no Irã, mas tanto os movimentos fundamenta-
Mongólia e, possivelmente, na Polônia, Hungria e T checos- listas xiitas quanto sunitas podem chegar ao poder em outros
lováquia. Isso poderia significar uma mensagem aos déspotas de países. Os movimentos fundamentalistas judeu, hindu e cris-
outros lugares: "Vocês também podem voltar aos negócios". O es- tão também já foram fortes. Quase todos os movimentos fun-
tabelecimento de um governo autoritário na Índia poderia ter damentalistas são antidemocráticos, por restringirem a parti-
um efeito-demonstração significativo para outros países do cipação política àqueles que aderem a um determinado credo
Terceiro Mundo. religioso.
4. Mesmo que um país importante não reverta para o autoritarismo, c) O autoritarismo oligárquico poderia se desenvolver tanto nos
a mudança para a ditadura por vários países recém-democráticos, países ricos como nos pobres, como reação às tendências nive-
por lhes faltarem muitas das usuais pré-condições para a demo- ladoras da democracia. A que extremo pode chegar uma pola-
cracia, possivelmente poderia solapar a democracia em outros rização sócio-econômica antes que a democracia se torne im-
países em que tais pré-condições fossem fortes. Isso seria uma bo- possível?
la-de-neve reversa.' .--, d) Uma ditadura populista poderia surgir no futuro como acon-
5. Se um Estado não-democrático desenvolvesse muito seuP2der e teceu no passado, como reação à proteção da democracia aos
começasse a se expandir além de suas fronteiras, isso também po- direitos de propriedade e a outras formas de privilégio. Nos
deria estimular movimentos autoritários em outros países. Tal es- países em que a propriedade da terra ainda é um questão, a in-
tímulo seria particularmente forte se em seu processo de expansão capacidade das democracias em fazer reformas agrárias pode
o Estado autoritário derrotasse militarmente um ou mais países estimular uma volta ao autoritarismo.
democráticos. No passado, todas as principais potências que se e) Ditaduras comunais podem surgir em democracias em que
desenvolveram economicamente também tenderam a se expandir dois ou mais grupos étnicos, raciais ou religiosos participem da
territorialmente. Se a China conservar seu sistema autoritário de política. Como na Irlanda do Norte, África do Sul, Sri Lanka
g0'erno, desenvolver-se economicamente nas próximas décadas e e em outros lugares, um grupo pode tentar estabelecer o con-
expandir sua influência e controle no Leste asiático, os regimes trole sobre toda a sociedade.
~,
Todas essas formas de autoritarismo existiram no passado. Não
está além do entendimento humano imaginar novas formas no futu-
ro. Uma possiblidade pode ser uma ditadura tecnocrática eletrônica, Um obs~"á.c;1!l~QlJçiSQ"'p_()~e.n.s.!<.t,lfJ.lente~ignificativo
a mais.de-.
em que o governo autoritário fosse legitimado e possibilitado pela moc:~~izaçõesfoi a virtual ausência de_~x:periência.com a democracia
capacidade de manipular a informação, os meios e recursos sofistica- º.ª_.m;üoii~~â6S paísef4\le.~cantiriuar,ilffiªutoritários nos anos 90.
dos de comunicação. Nenhuma dessas velhas ou novas formas de au- Dos 29 país~~qiie-s~democratizaram entre 1974 e 1990, 23 haviam
toritarismo é altamente provável; é também difícil dizer que nenhu- tido alguma experiência democrática anterior. Em 1990, apenas um
ma delas é totalmente impossível. pequeno número de países não-democráticos poderia reivindicar tal
experiência. Entre eles incluem-se alguns poucos da terceira onda
que sofreram recaídas (Sudão, Nigéria, Suriname e, possivelmente,
Paquistão), quatro países da segunda onda que sofreram recaídas e
Mais democratização: obstáculos e não se redemocratizaram na terceira onda (Líbano, Sri Lanka,
oportunidades Birmânia, Fiji) e três países que se democratizaram na primeira on-
da mas que foram impedidos pela ocupação soviética de se redemo-
Em 1990, aproximadamente dois terços dos países no mundo cratizarem ao final da Segunda Guerra Mundial (Estônia, Letônia,
não tinham regimes democráticos. Tais países se situavam, em geral, Lituânia). Yir~1!alE!_~E.!.~od~s._~~2!1_!f.2~.9º .9U n:~.* pªíses não-de.:
em quatro categorias geoculturais; mocráticos em 1990 não. tiveram eXl?~riênciasignificativa com g<?-
.yernos democráticos: ÍSsõ, obviamente, não é um impedimento de-
1. regimes marxistas-Ieninistas de origem autóctone, entre eles a
cisivo para adêmocratização, ou então nenhum país seria democrá-
União Soviética, onde ocorreu uma liberalização nos anos 80 e
tico. No entanto, excetuando-se as antigas colônias, quase todos os
onde existiam movimentos democráticos em muitas repúblicas,
países que se democratizaram depois de 1940 tiveram alguma expe-
mas onde as forças conservadoras continuavam fortes;
riência anterior com a democracia. Será que os países sem tal expe-
2. países africanos do sub-Saara, que, com poucas exceções, conti- riência serão capazes de se democratizarem no futuro?
nuaram sendo ditaduras personalistas, regimes militares, sistemas Em vários países, um obstáculo à democratização tende a desa-
de partido único, ou alguma combinação dos três; parecer na década de 1990. Como apontado no capítulo 3, os líde-
3. países islâmicos, do Marrocos à Indonésia, que, com exceção da res que criam os regimes autoritários ou que permanecem por mui-
Turquia, e, problematicamente, do Paquistão, tinham regimes to tempo no poder em tais regimes normalmente tornam-se empe-
não-democráticos (embora em 1990 alguns parecessem estar se li- dernidos conservadores e adversários da democratização. Alguma
beralizando); e forma de mudança de liderança no interior do sistema autoritário
tem de preceder o movimento para a democracia. Em alguns regi-
4. países do Leste asiático, da Birmânia, através do Sudeste asiático,
mes autoritários, a mortalidade humana deverá garantir tais mudan-
até a China e a Coréia do Norte, que incluíam sistemas comunis-
ças nos anos 90. Em 1990, os velhos e controladores líderes da
tas, regimes militares, ditaduras personalistas e duas semidemo-
China, Costa do Marfim e Malavi tinham mais de oitenta anos de
cracias (Tailândia e Malaísia).
idade. Os da Birmânia, Indonésia, Coréia do Norte, Lesoto e Vietnã
~, os~~~~á~ulos à democratização eas.forças a seu
_~1ll tai~J)_aíses, tinham mais de setenta, e os líderes, também antigos, de Cuba,
favoypodem ser divididas em três.categoÚas amplas: pQÜdcas~cultu- Marrocos, Cingapura, Somália, Síria, Tanzânia, Zaire e Zâmbia ti-
rais e econômicas. nham sessenta anos ou mais. A morte ou a saída do cargo de tais lí-
deres removeria um obstáculo à democratização em seus países, mas Sukarno, na Indonésia. Tais líderes chegaram ao poder através do
não a tornaria necessária. sistema eleitoral e então usaram seu poder para solapar tal sistema.
Entre 1974 e 1990, a democratização aconteceu em ditaduras Tinham pouco compromisso com valores e práticas democráticas.
personalistas, regimes militares e sistemas de partido único. A demo- Mais geralmente, mesmo quando os líderes asiáticos, africanos
cratização em plena escala não aconteceu, no entanto, em Estados e do Oriente Médio conformaram-se mais ou menos às regras da
comunistas de partido único que eram os resultados de revoluções democracia, muitas vezes fizeram-no relutantemente. Muitos líde-
internas. A liberalização estava sendo feita na União Soviética, e res políticos europeus, norte-americanos e latino-americanos na úl-
muito possivelmente isso poderia levar à total democratização na tima metade do século XX foram defensores, bem como praticantes
Rússia. Na Iugoslávia, movimentos no sentido da democracia esta- ardentes e articulados da democracia quando estavam no poder. Já
vam acontecendo na Eslovênia e na Croácia. A revolução comunis- os países asiáticos e africanos, pelo contrário, não geraram muitos
ta iugoslava, no entanto, foi em grande parte uma revolução sérvia, chefes de governo que também fossem apóstolos da democracia.
e as perspectivas para a democracia na Sérvia são, no mínimo, duvi- Citando, para comparação, oito chefes de governo latino-america-
dosas. No Camboja, um regime comunista revolucionário extraor- nos de oito diferentes países, quem eram os equivalentes asiáticos,
dinariamente brutal foi substituído por um regithe comunista me- árabes ou africanos de Rómulo Betancourt, Alberto Lleras Ca-
nos brutal, imposto por uma força externa. Em 1990, a Albânia pa- margo, José Figueres, Eduardo Frei, Fernando Belaúnde Terry, Juan
recia estar se abrindo; mas na China, Vietnã, Laos, Cuba e Etiópia, Bosch, José Napoleón Duarte e Raúl Alfonsín? Jauaharlal Nehru e
regimes marxistas-Ieninistas produzidos por revoluções pareciam Corazón Aquino o eram, e pode ter havido outros, mas são em pe-
determinados a continuar regimes marxistas-Ieninistas. As revolu- queno número. Não vem à mente nenhum líder árabe, e é difícil
ções em tais países foram nacionais, bem como comunistas, e por- identificar qualquer líder islâmico que tenha construído uma repu-
tanto o comunismo e a identidade nacional estavam intimamente tação como advogado e partidário da democracia enquanto estives-
ligados, como evidentemente não havia acontecido na Europa se no poder. Por que isso? A pergunta leva inevitavelmente à cultu-
oriental ocupada pelos soviéticos. Quais eram os obstáculos à libe- ra e à economia.
ralização em tais países: as origens e a natureza do regime, a longa
permanência (em alguns casos) de seus líderes no poder, ou sua po-
breza e atraso econômico?
Um sério impedimento à democratização era a ausência ou Argumenta-se que as grandes tradições históricas e culturais do
debilidade de compromisso real com os valores democráticos entre mundo variam significativamente quanto à medida em que suas ati-
os líderes políticos na Ásia, África e Oriente Médio. Os líderes po- tudes, valores e crenças e os padrões comportamentais relativos aos
líticos fora do poder têm boas razões para defender a democracia. O mesmos conduzem ao desenvolvimento da democracia. Uma cultu-
teste de seu compromisso democrático acontece quando eles estão ra profundamente antidemocrática impediria a difusão das normas
no poder. Na América Latina, os regimes democráticos normal- democráticas na sociedade, negaria legitimidade às instituições de-
mente foram derrubados por golpes de Estado militares. Isso tam- mocráticas e dessa maneira complicaria em muito, ou mesmo impe-
bém, claro, aconteceu na Ásia e no Oriente Médio. Nestas regiões, diria, o surgimento e o efetivo funcionamento de tais instituições. A
no entanto, os próprios líderes eleitos foram também responsáveis tese cultural aparece sob duas formas ..}\y-e.csâux.f:stútivaafl.tma...q.ue.
pelo fim da democracia: Syngman Rhee e Park Chung Hee, na ,apenas a cultura ocidental dá uma base adequada para o desenvolv~-
Coréia; Adnan Menderes, na Turquia; Ferdinand Marcos, nas mento das instituições democráticas e que a democracia é, conse- ..
Filipinas; Lee Kwan Yew, em Cingapura; Indira Gandhi, na Índia; -qi.ienteme~te, em geral inapropriada para as sociedades não-oc;iden-
\
tais. Nos primeiros anos da terceira onda, tal argumento foi apresen- Coréia do Sul, Mongólia, Namíbia e Senegal). Entre os 30 países
tado explicitamente por George Kennan. A democracia, disse ele, que se tornaram democráticos na terceira onda, 26 eram países
ocidentais ou países onde houve forte influência ocidental.
era uma forma de governo "que evoluiu nos séculos XVIII e XIX no
A.tese da cultura ocidental tem implicações imediatas para a de-
noroeste da Europa, basicamente nos países que ficam às margens do
mocratização nos Bálcãsena lJnião Soviética. Historicamente tais
canal da Inglaterra e do mar do Norte (mas estendendo-se um pou-
áreas eram parte d~~ 'impé;ios cz~ri'sta;;~~~~no; suas religiõe~ do-
co pela Europa central), e que foi então levada para outras partes do
minantes eram o cristianismo ortodoxo e o islamismo, e não o cristia-
mundo, inclusive a América do Norte, onde populações daquela
nismo ocidental. Ia!sár~<l~!1ã_~Jç!:amsignifjcª~iyam~ntepenetradas
área do noroeste da Europa fixaram-se como povoadores originais,
ou como colonialistas, e estabeleceram os padrões dominantes de
~sllitl,!!a_oci<f~r.u~: não tiveram as experiências ocidentais com o
feudalismo, a Renascença, a Reforma, o Iluminismo, a Revolução
governo civil". A democracia, conseqüentemente, tem uma "base re-
Francesa e o liberalismo. Como sugeriu William Wallace, o fim da
lativamente estreita tanto no tempo como no espaço; e ainda estão
Guerra Fria e a queda da cortina de ferro podem ter deslocado a crí-
para serem produzidas evidências de que ela seja a forma natural de
tica linha política divisória na direção leste, para os limites do cristia-
governo para populações de fora de tais estreitos perímetros".
nismo ocidental em 1500. Começando ao norte, tal linha vai na dire-
Portanto, não há "nenhuma razão para supor que a tentativa de de-
ção sul mais ou menos ao longo da fronteira entre Finlândia e Rússia,
senvolver e empregar instituições democráticas seja o melhor cami-
das fronteiras ocidentais das repúblicas bálticas, através da: Bie-
nho para muitos desses pOVOS"9. A democracia, em suma, era apro-
lorrússia e da Ucrânia, separando a Ucrânia católica romana da Ucrâ-
priada apenas para os países do noroeste da Europa, e talvez da
nia ortodoxa, para o sul e depois para o oeste na Romênia, separando
Europa central, e para as ramificações constituídas por suas colônias
a Transilvânia do resto do país, e então para a Iugoslávia, mais ou me-
de povoamento.
nos ao longo da linha que separa a Eslovênia e a Croácia das outras
As evidências em apoio da tese da cultura ocidental são impres-
repúblicaslO• Tal linha pode agora estar separando as áreas onde a de-
~\ sionantes, embora não totalmente convincentes: mocracia poderá florescer daquelas onde isso não acontecerá.
'.,J 1. A democracia moderna originou-se no Ocidente. ~~~~ersã~ m~Ilos restritiva do argumento do obstáculo cultu-
2. Desde o começo do século XIX, a maioria dos países democráti- -!~l. é a de que não há umaÓnIéa cultura peculiarmente favorável à
cos é de países ocidentais. .democracia, mas de que uma ou mais culturas lhe são peculiarmen-
3. Fora da área do Atlântico Norte, a democracia se difundiu mais te hostis. As duas culturas mais freqüentemente citadas são o confu'"
nas antigas colônias britânicas, nos países com forte influência cionismo e o islamismo. Três perguntas são relevantes para determi~
americana e, mais recentemente, nas antigas colônias ibéricas na nar se tais culturas colocam obstáculos à democratização no final do
América Latina. século XX. Primeira, em que medida os tradicionais valores e crenças
4. Dos 29 países democráticos no fim da segunda onda reversa, em confucionistas e islâmicos são hostis à democracia? Segunda, caso o
1973, 20 eram da Europa ocidental e povoados por europeus e la- sejam, em que medida tais culturas de fato dificultaram o progresso
tino-americanos, oito eram antigas colônias britânicas, mais o no sentido da democracia? Terceira, se fizeram isso, em que medida
Japão. tenderão a continuar a fazê-Io no futuro?
5. Dos 58 países democráticos em 1990,37 eram países da Europa ConfUcionismo. Quase não existe desacordo entre os acadêmi-
ocidental e povoados por europeus e latino-americanos, seis eram cos quanto à proposição de que o confucionismo tradicional era
/ da Europa oriental, nove eram antigas colônias britânicas, ameri- não-democrático ou antidemocrático. O único elemento moderador
canas e australianas e mais seis outros países (Japão, Turquia, era a medida em que, na estrutura clássica do governo chinês, o sis-
tema de exame abria carreiras aos que tinham talento, sem conside- nos de dissidentes radicais. Os críticos democráticos "da corrente
ração com a posição social. No entanto, mesmo que fosse esse o ca- principal" não romperam com os elementos mais importantes da
so, um sistema de promoção por mérito não faz uma democracia. tradição confucionista12• Os modernizadores da China foram os le-
Ninguém descreveria um exército moderno como democrático ape- ninistas confucionistas, na expressão de Lucian Pye, dos partidos
nas porque os oficiais são promovidos com base em suas capacida- Nacionalista e Comunista. No final dos anos 80, quando o rápido
des. O confucionismo chinês clássico e seus derivados, na Coréia, crescimento econômico na China produziu uma nova série de de-
Vietnã, Cingapura, Taiwan e, de maneira diluída, no Japão, enfati- mandas de reforma política e de democracia por parte de estudantes,
zava o grupo mais que o indivíduo, a autoridade mais que a liberda- intelectuais e grupos de classe média urbana, a liderança comunista
de e as responsabilidades mais que os direitos. ABsociedades confu- respondeu de duas maneiras. Primeira, articulou uma teoria do "no-
cionistas não tinham uma tradição de direitos contra o Estado; na vo autoritarismo", baseada nas experiências de Taiwan, Cingapura e
medida em que existissem direitos individuais, eles eram criados pe- Coréia, justificada pelo argumento de que, para um país no estágio
lo Estado. Preferia-se a harmonia e a cooperação ao desacordo e à de desenvolvimento em que estava a China, o autoritarismo era ne-
concorrência. A manutenção da ordem e o respeito pela hierarquia cessário para alcançar um desenvolvimento econômico equilibrado e
eram valores centrais. Os conflitos de idéias, grupos e partidos eram conter suas conseqüências instabilizadoras. Segunda, a liderança re-
considerados perigosos e ilegítimos. Mais importante ainda, o con- primiu violentamente o movimento democrático em Pequim e em
fucionismo misturava sociedade e Estado e não dava nenhuma legi- outros lugares no verão de 1989.
timidade a instituições sociais autônomas que se contrapusessem ao Na China, a economia reforçou a cultura em oposição à de-
Estado em nível nacional. Na "China tradicional não havia nenhu- mocracia. Em Cingapura, Taiwan e Coréia, o crescimento econô-
ma concepção da separação entre o sagrado e o profano, o e~piritual mico espetacular criou as bases econômicas para a democracia no fi-
e o secular. A legitimidade política na China confucionista apoiava- nal dos anos 80. Em tais países a economia se chocou com a cultu-
se no Mandato dos Céus, que definia a política em termos de mora- ra ao modelar o desenvolvimento econômico. Em 1990, Cingapura
lidade". Não havia bases legítimas para uma limitação do poder, era o único país não-exportador de petróleo de "alta renda" (tal co-
porque o poder e a moralidade eram idênticos. "Pensar que o poder mo definido pelo Banco Mundial) que não tinha um sistema polí-
pudesse ser corrupto e necessitasse de um freio e de uma contraposi- ticodemocrático, e seu líder era um articulado expoente dos valores
ção institucional é uma contradição em termos"l1. confucionistas em oposição aos da democracia ocidental. Os ameri-
Na prática, as sociedades confucionistas ou influenciadas pelo canos, argumentava Lee Kwan Yew, acreditam em "partidos múlti-
confucionismo têm sido pouco hospitaleiras com a democracia. No plos, dissenso, discussão, discursos fortes, conflitos - e acreditam
Leste asiático, apenas dois países, Japão e Filipinas, tiveram uma ex- que dos conflitos nasce o esclarecimento". Na verdade, entretanto,
periência prolongada com governos democráticos antes de 1990. o "mercado de idéias, ao invés de produzir esclarecimento harmo-
Em ambos os casos, a democracia foi o produto da presença ameri- nioso, tem levado, de vez em quando, a tumultos e derramamentos
cana. As Filipinas, além do mais, são um país dominantemente ca- de sangue". A concorrência política não é "a maneira pela qual as
tólico, onde virtualmente não há confucionismo. No Japão, os valo- culturas japonesa, chinesa ou asiática fazem as coisas. Ela leva à
res confucionistas foram reinterpretados e misturados com sua tradi- controvérsia e à confusão". A política de embates entre adversários
ção cultural autóctone. está particularmente fora de lugar numa sociedade multirracial co-
A China continental nunca teve qualquer experiência com go- mo a de Cingapura, e em Cingapura, declarou Lee, "ninguém tem
vernos democráticos e a democracia do tipo ocidental tem sido o direito de me subverter". Nos anos 80, Lee fez do ensinamento e
apoiada ao longo dos anos apenas por grupos relativamente peque- da promulgação dos valores confucionistas uma alta prioridade em
sua cidade-Estado13• Medidas vigorosas foram também tomadas pa- nà', observou um líder religioso da Coréia, "a negociação e o com-
ra limitar e impedir o dissenso e para evitar a circulação de publica- promisso não são reconhecidos como norma social, mas como um
ções críticas ao governo e às suas políticas. Cingapura era, assim, último recurso. Os estudiosos confucionistas nunca usaram a palavra
uma anomalia confucionista entre os países ricos do mundo. compromisso. Eles tinham de manter sua pureza de consciência, e
Continuará assim depois que Lee, que criou o Estado, desaparecer esse traço cultural ainda está presente. Como podemos formar uma
da cena política? democracia onde o compromisso é uma maneira de vida?"15.No fi-
No final dos anos 80, tanto Taiwancomo a Coréia moveram-se nal dos anos 80, a urbanização, a instrução, o desenvolvimento de
numa direção democrática. Historicamente, Taiwan sempre foi uma uma classe média substancial e a impressionante difusão do cristia-
parte periférica da China. Foi ocupada pelos japoneses por 50 anos e nismo enfraqueceram o confucionismo enquanto obstáculo à de-
seus habitantes rebelaram-se em 1947 contra a imposição do contro- mocracia na Coréia. No entanto, ainda não era claro se a luta entre
le chinês. O governo nacionalista chegou em 1949, humilhado por a velha cultura e a nova prosperidade havia sido definitivamente re-
sua derrota diante dos comunistas. Tal derrota tornou impossível solvida em favor da última.
"para a maioria dos líderes nacionalistas manter a postura de arro- A interação entre o progresso econômico e a cultura asiática pa-
gância associada às noções confucionistas tradicionais de autorida- rece ter gerado uma variedade leste-asiática, bem distinta, de institui-
de". O rápido crescimento econômico e social enfraqueceu ainda ções democráticas. Em 1990, em nenhum país do Leste asiático, ex-
mais a influência do confucionismo tradicional. O surgimento de ceto as Filipinas (que, em muitos aspectos, é mais latino-americana
uma vasta classe empresarial, composta, de início, principalmente de do que leste-asiática), ocorreu uma transferência de votos de um go-
nativos de Taiwan, criou, de maneira muito não-confucionista, uma verno popularmente eleito de um partido para um governo popular-
fonte de poder e de riqueza independente do Estado, que era domi- mente eleito de outro partido. O protótipo era o Japão, indubitavel-
nado, de início, por continentais. Isso produziu em Taiwan uma mente uma democracia, mas uma democracia que, na verdade, ainda
"mudança fundamental na cultura política chinesa, que não aconte- não havia passado pelo teste da primeira transferência de votos, para
ceu na própria China, nem na Coréia ou no Vietnã - e nunca real- não falar do teste da segunda transferência. O modelo japonês de de-
mente existiu no Japão"14. Em Taiwan, dessa forma, o espetacular mocracia do partido dominante tendia, como apontou Pye, a se di-
desenvolvimento econômico esmagou um legado confucionista rela- fundir por outros lugares no Leste asiático. Em 1990, dois dos três
tivamente fraco, e no final da década de 1980 Chiang Chingkuo e partidos de oposição da Coréia fundiram-se com o partido do gover-
Lee Teng-hui reagiram às pressões produzidas pelas mudanças eco- no para formar um bloco político que efetivamente impediria o par-
nômicas e sociais e gradualmente começaram a abrir a política em tido restante, liderado por Kim Dae Jung e com bases na região
sua sociedade. Cholla, de alcançar o poder nacional. O presidente coreano Roh Tae
Na Coréia, a cultura clássica incluía elementos de mobilidade e Woo justificou tal fusão pela necessidade de "obter estabilidade polí-
de igualitarismo. No entanto, também continha componentes con- ticà' e de enfrentar a "explosão de conflitos há muito tempo reprimi-
fucionistas prejudiciais à democracia, inclusive uma tradição de au- dos entre diferentes classes, gerações e regiões". "Devemos acabar",
toritarismo e de governo por um homem forte. Como observou um disse ele, "com as confrontações e divisões em torno de interesses
acadêmico coreano, "as pessoas não se pensam como cidadãos com partidários"16. No final dos anos 80, o desenvolvimento democrático
direitos a exercer e responsabilidades a cumprir, mas tendem a olhar em Taiwan parecia estar se deslocando no sentido de um sistema elei-
para cima em busca de direção e de favores para poder sobreviver". toral em que o KMT deveria continuar sendo o partido dominante,
Na tradição confucionista, a tolerância com o dissenso tem pouco com o Partido do Progresso Democrático, formado em 1986, confi-
lugar, e a heterodoxia era deslealdade. "Na tradição religiosa corea- nado a um papel permanente de oposição. Na Malaísia, a coalizão
dos três principais partidos das comunidades malaia, chinesa e india- coalizões não apenas concorrem livre e eqüitativamente pelo poder,
na, primeiro no Partido da Aliança e depois na Frente Nacional, tam- mas também que tenderão a se alternar no poder. É bem verdade
bém controlou o poder de maneira inquebrantável, contra todos os que em algumas sociedades ocidentais, tais como a Suécia, um par-
concorrentes, desde os anos 50 até os anos 80. Em meados da década tido vem se mantendo no poder há muitas eleições. Isso, no entanto,
de 80, o representante e sucessor de Lee Kwan Yew endossou um ti- é a exceção. Os sistemas de partido dominante do Leste asiático que
po semelhante de sistema partidário em Cingapura: talvez estejam surgindo parecem envolver concorrência pelo poder,
mas não alternância, e participação de todos nas eleições, mas parti-
Acho que um sistema estável é aquele em que existe um partido polí-
tico principal, que represente um amplo espectro da população. Você c.ipação no poder apenas para os do partido "da corrente principal".
pode ter alguns outros partidos na periferia, partidos muito sérios. Eles E a democracia sem transferência de votos. O problema central em
são incapazes de ter pontos de vista mais amplos mas, apesar de tudo, tal sistema é traçar as fronteiras entre "o domínio do partido domi-
representam interesses seccionais. E o partido principal é reeleito to-
do o tempo. Acho que isso é bom. E não vou pedir desculpas se aca-
nante e o grau de tolerância de uma oposição"18.Esse tipo de sistema
barmos com essa situação em Cingapura17. político representa uma adaptação das práticas democráticas ociden-
tais de modo a servir aos valores políticos asiáticos ou confucionistas.
Um primeiro critério para a democracia é uma concorrência As instituições democráticas funcionam não para promover os valo-
igual e aberta pelos votos entre partidos políticos, com a ausência ou res ocidentais de concorrência e mudança, mas os valores confucio-
com níveis mínimos de impedimentos ou de restrições do governo nistas de consenso e estabilidade.
aos grupos de oposição. O Japão claramente passou por esse teste Os sistemas democráticos ocidentais, como se mostrou, são
durante muitas décadas, com liberdade de expressão, de imprensa e menos dependentes da legitimidade de desemp~nho do que os siste-
de reunião e com condições razoavelmente igualitárias de concorrên- mas autoritários porque a culpa de um mau desempenho é atribuí-
cia eleitoral. Nos outros sistemas asiáticos de partido dominante, da aos titulares do poder, não ao sistema, e o afastamento e a renova-
por muitos anos o campo de jogo se inclinava, muitas vezes forte- ção dos titulares do governo levam à renovação do sistema. As socie-
mente, em favor do governo. No entanto, no final dos anos 80, as dades do Leste asiático que adotaram, ou pareciam estar adotando, o
condições estavam se tornando mais igualitárias em alguns países. modelo de democracia de partido dominante tiveram níveis inéditos
Em 1989, na Coréia, o partido do governo era incapaz de obter o de desempenho econômico entre 1960 e 1980. O que acontecerá,
controle sobre o Congresso. Presumivelmente tal impossibilidade foi no entanto, quando (e se) taxas de crescimento de 8% do PNB de-
um fator importante para sua subseqüente fusão com dois de seus saparecerem, quando aumentarem o desemprego, a inflação e outras
opositores. Em Taiwan, as restrições sobre a oposição foram sendo formas de problemas econômicos, quando se intensificarem os con-
gradualmente levantadas. É, assim, concebível que outros países do flitos econômicos e sociais?Numa sociedade ocidental, a reação seria
Leste asiático pudessem se juntar ao Japão no que se refere a um pôr para fora os detentores do poder. Numa democracia de partido
campo de jogo eqüitativo onde o governo sempre ganhasse. Em dominante, no entanto, isso significaria uma mudança revolucioná-
1990, os sistemas de partido dominante do Leste asiático cobriam ria num sistema político baseado na suposição de que um partido
um continuum entre democracia e autoritarismo, com o Japão em sempre deverá estar no poder e os outros partidos, sempre fora dele.
um extremo, Indonésia no outro, e Coréia, Taiwan, Malaísia e Se a estrutura de competição política não permitir que isso aconteça,
Cingapura entre os dois, mais ou menos nessa ordem. a insatisfação com o mau desempenho do governo poderia muito
Tal sistema, assim, satisfazia os requisitos formais da democra- bem levar a tumultos, manifestações, protestos e tentativas de mobi-
cia, mas diferia significativamente dos sistemas democráticos predo- lizar o apoio popular para derrubar tal governo. O governo então fi-
minames no Ocidente. Aqui, supõe-se que os partidos políticos e as caria tentado a reagir, suprimindo o dissenso e impondo controles
autoritários. A questão, então, é a seguinte: em que medida a combi- venções militares; o Paquistão tem tido governos militares interrom-
nação leste-asiática de partido dominante, que une procedimentos pidos por eleições ocasionais. O único país árabe a manter por um
ocidentais e valores confucionistas, pressupõe um crescimento eco- período significativo uma forma de democracia, embora da varieda-
nômico substancial e sustentado? Será que tal sistema poderá resistir de consociada, foi o Líbano. Sua democracia, no entanto, na verda-
durante uma prolongada queda ou estagnação econômica? de significava oligarquia consociada, e 40-50% de sua população era
Islã. A "democracia confucionistà' é claramente uma contradi- cristã. No momento em que os muçulmanos passaram a ser maioria
ção em termos. Não é claro se uma "democracia islâmica" também é. no Líbano e começaram a se afirmar, a democracia libanesa entrou
O igualitarismo e o voluntarismo são temas centrais no islã. A "for- em colapso. Entre 1981 e 1990 apenas dois dos 37 países do mundo
ma de alta cultura do islã", argumentou Ernest Gellner, é "dotada de com maioria muçulmana tinham sido considerados "livres" pela
um certo número de características - unitarismo, ética normativa, Freedom House em suas pesquisas anuais: Gâmbia por dois anos e
individualismo, valorização dos textos sagrados, puritanismo, aver- República Turca do Chipre do Norte, por quatro. Qualquer que se-
são igualitária à meditação e à hierarquia, carga muito pequena de ja, em teoria, a compatibilidade entre islã e democracia, na prática
fórmulas mágicas - que são congruentes, pode se supor, com as exi- eles não têm andado juntos.
gências da modernidade e da modernização"19. Também são, de ma- Os movimentos de oposição aos regimes autoritários, na
neira geral, congruentes com as exigências da democracia. No entan- Europa do sul e oriental, na América Latina e no Leste asiático, qua-
to, o islã também rejeita qualquer distinção entre comunidade reli- se universalmente esposaram valores democráticos e proclamaram
giosa e comunidade política. Portanto, não há nenhuma contraposi- seu desejo de introduzir processos democráticos em suas sociedades.
ção entre César e Deus, e a participação política está ligada à filiação Isso não significa que invariavelmente teriam introduzido institui-
religiosa. O islã fundamentalista exige que num país muçulmano os ções democráticas caso tivessem tido a oportunidade de fazê-Io. Pelo
governantes políticos sejam muçulmanos praticantes, a shar'a deve menos, no entanto, eles articulavam a retórica da democracia. Nas
ser a lei básica, e o ulama deve ter um "voto decisivo na articulação, sociedades islâmicas autoritárias, ao contrário, nos anos 80 os movi-
ou pelo menos no exame e na ratificação de todas as políticas gover- mentos que explicitamente faziam campanha por políticas democrá-
namentais". Na medida em que a legitimidade governamental e a ticas eram relativamente fracos, e a oposição política mais poderosa
política decorrem da doutrina religiosa e do conhecimento da reli- tendia a se originar dos fundamentalistas islâmicos.
gião, os conceitos islâmicos de política diferem e contradizem as pre- No final dos anos 80, problemas econômicos internos, combi-
missas das políticas democráticas. nados com os efeitos de bola-de-neve da democratização em outros
A doutrina islâmica, assim, contém elementos que tanto po- lugares, levaram os governos de vários países islâmicos a reduzir seus
dem ser favoráveis como desfavoráveis à democracia. Na prática, controles sobre a oposição e a tentar renovar sua legitimidade através
com uma exceção, nenhum país islâmico manteve um sistema polí- de eleições. Os principais beneficiários iniciais de tais aberturas fo-
tico completamente democrático por qualquer extensão de tempo. A ram os grupos fundamentalistas islâmicos. Na Argélia, a Frente de
exceção é a Turquia, onde Mustafá Kemal Atatürk rejeitou explicita- Salvação Islâmica arrebatou as eleições locais de junho de 1990, as
mente os conceitos islâmicos de sociedade e de política, e vigorosa- primeiras eleições livres desde que o país havia se tornado indepen-
mente tentou criar uma nação-Estado secular, moderna, ocidental. dente em 1962, obtendo 65% dos votos populares e ganhando o
A experiência da Turquia com a democracia não tem sido um suces- controle de Alger, 32 das 38 províncias, e 55% dos 15 000 cargos
so absoluto. Em outra parte do mundo islâmico, o Paquistão tentou municipais. Nas eleições jordanianas, em novembro de 1989, os
a democracia em três ocasiões, nenhuma das quais de longa duração. fundamentalistas islâmicos ganharam 36 das 80 cadeiras do
A Turquia teve sua democracia interrompida por eventuais inter- Parlamento. No Egito, muitos candidatos associados à Irmandade
Muçulmana foram eleitos para o Parlamento. Em vários países, os países católicos não seriam capazes de se desenvolver economica-
grupos fundamentalistas islâmicos estavam, ao que se relata, traman- mente da mesma maneira que os países protestantes. No entanto,
do revoluções contra os regimes existentes2o• Os resultados eleitorais nos anos 60 e 70, países católicos tornaram-se democráticos e, em
dos grupos islâmicos refletiam, em parte, a ausência de outros parti- média, tiveram taxas de crescimento econômico mais altas do que as
dos de oposição, seja porque haviam sido suprimidos pelos gover- dos países protestantes. De maneira semelhante, em certo momento
nos, seja porque boicotaram as eleições. Apesar de tudo, os funda- Weber e outros argumentaram que os países com culturas confucio-
mentalistas pareciam estar ganhando força nos países do Oriente nistas não produziriam um desenvolvimento capitalista bem-sucedi-
Médio. Entre os grupos que se mostraram mais simpáticos ao funda- do. No entanto, nos anos 80 uma nova geração de acadêmicos via o
mentalismo, encontravam-se os comerciantes e os mais jovens. A confucionismo como uma das causas importantes para o espetacular
força de tais tendências levou os chefes de governo seculares na crescimento econômico das sociedades do Leste asiático. No prazo
Tunísia, Turquia e em outras partes a adotar as políticas advogadas mais longo, será que a tese de que o confucionismo impede o desen-
pelos fundamentalistas e a realizar gestos que demonstrassem seu volvimento democrático será mais viável do que a tese de que o con-
compromisso com o islã. fucionismo impede o desenvolvimento econômico? Argumentos de
A liberalização nos países islâmicos, dessa maneira, aumentou que determinadas culturas são obstáculos permanentes ao desenvol-
o poder de importantes movimentos sociais e políticos cujo compro- vimento, numa direção ou noutra, devem ser encarados com um
misso com a democracia era questionável. A posição dos partidos certo ceticismo.
fundamentalistas nas sociedades islâmicas parecia, em alguns aspec- Segundo, as grandes tradições culturais históricas, tais como o
tos, com a posição dos partidos comunistas nos países da Europa islã e o confucionismo, são corpos altamente complexos de idéias,
ocidental nos anos 40 e depois nos anos 70. A seu respeito se pode crenças, doutrinas, suposições, escritos e padrões comportamentais.
fazer perguntas parecidas. Os governos existentes continuarão a abrir Qualquer grande cultura, incluindo até mesmo o confucionismo,
suas políticas e a realizar eleições em que os grupos islâmicos pode- tem alguns elementos que são compatíveis com a democracia, da
rão competir livremente e igualitariamente? Os grupos islâmicos ga- mesma forma que tanto o catolicismo como o protestantismo têm
nharão o apoio da maioria em tais eleições? Se ganharem as eleições, elementos claramente não-democráticos21• A democracia confucio-
os militares, que, em muitas sociedades islâmicas (p. ex., Argélia, nista pode ser uma contradição em termos, mas a democracia numa
Turquia, Paquistão e Indonésia) são fortemente seculares, permitirão sociedade confucionista pode não ser. A questão é: que elementos no
que formem o governo? Se formarem um governo, vão se seguir po- islã e no confucionismo são favoráveis à democracia e como, e em
líticas islâmicas radicais que solaparão a democracia e afastarão os que circunstâncias, eles podem se sobrepor aos elementos não-de-
elementos que, em sua sociedade, apresentam-se como modernos e mocráticos em tais tradições culturais?
orientados para o Ocidente? Terceiro, mesmo que a cultura de um país seja, num certo
Os limites dos obstdculos culturais. Pode-se supor que as culturas momento, um obstáculo à democracia, historicamente as culturas
islâmicas e confucionistas colocam obstáculos insuperáveis ao de- são dinâmicas, não são passivas. As crenças dominantes e as atitudes
senvolvimento da democracia. No entanto, existem várias razões pa- de uma sociedade mudam. Embora mantendo elementos de conti-
ra questionar a gravidade de tais obstáculos. nuidade, a cultura dominante em uma sociedade pode diferir signi-
Primeiro, argumentos culturais semelhantes não se mantive- ficativamente do que era uma ou duas gerações antes. Nos anos 50 a
ram no passado. Como já se notou, em determinado momento mui- cultura espanhola era normalmente descrita como tradicional, auto-
tos acadêmicos argumentaram que o catolicismo era um obstáculo à ritária, hierárquica, profundamente religiosa e orientada para a hon-
democracia. Outros, na tradição weberiana, argumentaram que os ra e para o status. Nos anos 70 e 80, tais palavras não tinham virtual-
dos anos 70 e declinou para uma taxa anual de 2,2%, nos anos 80.
mente nenhum lugar numa descrição das atitudes e dos valores es-
panhóis. A5 culturas evoluem, e, como na Espanha, provavelmente a Dessa forma, nos anos 80 os obstáculos econômicos à democratiza-
ção aumentar;;--~~>nsivelmente na África. A5 perspectivas para 'os
causa mais importante de mudança cultural é o próprio desenvolvi-
mento econômico. anos 90 não são encoraja9:0ras. Mesmo q~e ;'matéiiíliZem'mãimas
-""~ econô~i~as,' red~ção da dívida e assistência econômica, o Banco
Economia ''') Mun,qlal previu para a África uma taxa média anual de crescimento
do Produto Interno Bruto (PIE) de apenas 0,5% para o resto do sé-
Poucas relações entre os fenômenos sociais, econômicos e polí- cul022• Se essa previsão estiver correta, os obstáculos econômicos à
ticos são mais fortes do que as que se dão entre o nível de desenvol- democratização na África subsaariana continuarão sendo esmagado-
vimento econômico e a existência de uma política democrática. res PQLUm bom tempo do século XXI.
Como vimos, as mudanças de autoritarismo para democracia, entre O Banco Mundial foi mais otimista em suas previsões para o
1974 e 1990, estavam fortemente concentradas em uma "zona de crescimento econômico da China e dos países não-democráticos da
transição", nos níveis médios superiores do desenvolvimento econô- Ásia do sul. Entretanto, os baixos níveis de desenvolvimento econô-
mico. A conclusão parece clara. A pobreza é um importante, prova~ mico em tais países geralmente significavam que, mesmo com taxas

mocrático. º
velmente o mais importante, obsaêüIõ~pârã; desenvolvimento de-
f1!tUJo,dad~mocraciadepende do flltYfCl,dod~senv()l-
vimento ec~~ômico. Os obstáculos ao desenvolvimento econôIl}ico
de crescimento anual per capita de 3-5%, as condições econômicas
favoráveis à democratização ainda levarão muito tempo para surgir.
Em 1990, alguns países não-exportadores de petróleo - Cin-
são obstáculos à expansão da democracia. gapura, Argélia, África do Sul, Iugoslávia - haviam chegado aos ní-
Aterceira onda de democratização foi impulsionada pelo ex- veis de desenvolvimento econômico da zona de renda média supe-
traordinário crescimento econômico global dos anos 50 e 60. Tal rior ou acima dela, onde se poderia esperar transições para a demo-
era de crescimento chegou ao fim com o aumento do preço do pe- cracia. Irã e Iraque, dois exportadores de petróleo com populações
tróleo em 1973 e 1974. Entre 1974 e 1990, a democratização se substanciais e algum desenvolvimento industrial, também estavam
acelerou em todo o mundo, mas o crescimento econômico ficou nessa zona. Em tais países, as pré-condições para a democratização es-
mais lento. As taxas médias anuais de crescimento do PNB per capi- tavam de algum modo presentes, mas a democratização ainda nãoha-
ta para os países de renda baixa ou média, entre 1965 e 1989, eram via ocorrido. Dezoito outros países com governos não-democráticos
as seguintes: estavam em níveis um pouco mais baixos de desenvolvimento econô-
1965-73 4,0% mico - na categoria de renda média inferior do Banco Mundial, que
1973-80 2,6% incluía, em 1988, países com um PNB per capita entre $500 e
1980-89 1,8% $2,20023• Para dois desses, Líbano e Angola, não existem dados de
renda disponíveis. Nove dos 16 países restantes tiveram em 1988 ren-
Entre as diversas regiões havia diferenças substanciais nas taxas
das per capita entre $1,000 e $2,000. Entre esses estavam três países
de crescimento. A5 taxas do Leste asiático permaneceram altas nos
árabes (Síria, Jordãnia e Tunísia), dois países do Sudeste asiático
anos 70 e 80, e as taxas globais de crescimellto na Ásia do sul au-
(Malaísia e Tailãndia), três da América Latina (Panamá, México e
mentaram. Por outro lado, as taxas de crescimento no Oriente
Paraguai) e um país africano (República dos Camarões). Tais países
Médio, África do norte, América Latina e Caribe declinaram violen-
estavam prontos para se mover para a zona de transição política de
tamente dos anos 70 aos anos 80. A5 taxas na África subsaariana caí-
renda média superior. Em cinco dos nove (Malaísia, Jordãnia,
ram verticalmente. O PNB per capita na África estagnou no final
Tunísia, República dos Camarões e Tailàndia), o PIB cresceu a uma por região, nos anos 70 e 80, poderá se transformar, nos anos 90, em
taxa média anual de 3,4% ou mais entre 1980 e 1988. Se essas taxas
uma característica dominante nas políticas do Oriente Médio e da
de crescimento continuarem, em algum momento dos anos 90 é
África do norte. A questão da economia versus cultura seria então:
provável que surjam, em tais países, condições econômicas favoráveis
que formas de política surgiriam nesses países quando a prosperida-
à democratização. Se a Síria, Paraguai, Panamá e México forem ca-
de econômica interagisse com os valores e as tradições islàmicos?
pazes de atingir taxas de crescimento significativamente mais altas
do que as atingidas entre 1980 e 1988, eles também vão se mover Na China, em 1990, os obstáculos à democratização eram po~
líticos, econômicos e culturais; na África, eram predominantemente
para níveis de desenvolvimento econômico compatíveis com a de-
econômicos; nos países de rápido desenvolvimento do Leste asiático
mocratização.
Os sete países não-democráticos com PIB per capita para 1988 e em muitos países islàmicos, eram primariamente culturais.
entre $500 e $1,000 eram Congo, Marrocos, Costa do Marfim,
Egito, Senegal, Zimbábue e Iêmen. Nos anos 80, a maioria desses
PNB per capita em 1988: Rendas alta e média dos
países tinha taxas substanciais de crescimento econômico. Se pude-
países não-democráticos
rem manter tais taxas, irão para a zona econômica favorável à demo-
cratização na prim~ira parte do século XXI. Renda média Arábia/ Sudeste
(em dólaresl Oriente Médio asiático
A esmagadora maioria dos países onde, nos anos 9.0, estaV:(!!ll
surgindo as condições econômicas cO,mpatíveiscom a demoçr,ltiza- Renda alta (Emirados Cingapura
ção ficava no Oriente Médio e na Mrica do Norte. O bem-estar (>6,0001 Árabes Unidos)a
econômico de muitos desses países (aqueles entre parênteses na tabe- (Kuwaitl
(Arábia Saudital
la 6.1) dependia das exportações de petróleo, uma situação que au-
mentou o controle da burocracia estatal e, conseqüentemente, pro- Renda média (iraquel (Gabão)
piciou um clima menos favorável à democratização. En~retanto, ~sso alta (2,200-5,500) (Irã) África do Sul
(Líbia)
não significava que essa democratização fosse necessanamente Im-
(Omãl*
possível. Apesar de tudo, as burocracias estatais da Europa oriental Argélia
exerceram um controle ainda mais completo do que o dos exporta-
Renda média Siria Malaísia* Camarões* Panamá
dores de petróleo. Pode-se imaginar que em algum momento tal inferior Jordânia* Tailândia* México
controle pudesse entrar em colapso entre os últimos, tão dramatica- (1,000-2,200) Tunísia* Paraguai
mente como ocorreu com os primeiros. Entre os outros Estados do
Marrocos Congo*
Oriente Médio e da África do norte, a Argélia já atingira um nível Egito* Costa do Marfim
condizente com a democratização; a Síria estava se aproximando de- lêmen* Zimbábue
le; Jordània, Tunísia, Marrocos, Egito e Iêmen do Norte estavam Líbano Senegal*
abaixo da zona de transição, mas cresceram rapidamente nos anos Angola

80. As economias e sociedades do Oriente Médio estavam chegando Fonte: World Bank. World Development Repon 1990 (New York: Oxford University
Press, 1990), p. 178-81.
ao ponto em que seriam ricas e complexas demais para seus diversos
a O parêntese indica um importante país exportador de petróleo.
sistemas de governo autoritários, tradicionais, militares e de partido * Indica um país com uma taxa média anual de crescimento do PIB de mais de 3% en-
tre 1980 e 1988.
único. A onda de democratização que havia corrido o mundo, região
Desenvolvimento econômico e gressiva substituição dos sistemas políticos autoritários por democrá-
liderança política ticos. O tempo está do lado da democracia.
,9 desenvolviment~conômico torna a democr~!i.~p,?!sível; a
liderança política a torna real. Para as dem.ocracias se tornarem reais,
A história provou que tanto os otimistas quantos os pessimistas
as futuras elites políticas terão que acreditar minimamente que a de-
erraram quanto à democracia, e os acontecime~tos futuros ~rã~~ro~
mocracia é um mal menor como forma de governo para suas socie-
vavelmente continuar a fazer o mesmo. Obstaculos formIdaveIs a
dades e para elas próprias. Também terão que ter as habilidades pa-
expansão da democracia existem em muitas sociedades. A terceira
ra efetuar a transição para a democracia tanto contra os radicais co-
onda, a "revolução democrática global" do final do século XX, não
mo contra os conservadores, que inevitavelmente existirão e que ten-
durará para sempre. !:l,a pode s,~r,.~:.~u.i~aporuma nova vaga de ~u- tarão com persistência solapar seus esforços. A democracia se espa-
toritarismo, constituindo uma terceIra onda reversa. Isso, no entan-
lhará pelo mundo na medida em que aqueles que exercem o poder
to, não impediria que uma quarta onda de democratização se dese~- no mundo e em cada país desejem que ela se espalhe. Por um século
volvesse em algum momento do século XXI.,C~r:'_i~erando o_re~I~- e meio, depois que Tocqueville observou o surgimento da democra-
tro passado, os dois fatores primordiais que afêt.am a futura:st~f)1lI- cia moderna na América, ondas sucessivas de democratização chega-
dade e expansão da democracia são o desenvolVImento economICOe ram à praia da ditadura. Encorajada por uma crescente maré de pro-
a liderança política. . gresso econômico, cada onda avançou mais longe e sua vazante foi
Muitas sociedades pobres permanecerão não-democrátIcas pe- menor do que a precedente. A história, mudando a metáfora, não
lo tempo em que permanecerem pobres. No entanto, a pobrez/~não avança em linha reta, mas quando líderes hábeis e determinados a
é inevitável. No passado, supunha-se que nações como a CoreIa do empurram, ela avança.
Sul estavam mergulhadas em atraso econômico, mas entã.o assom-
braram o mundo por sua capacidade de se tornarem rapIdamente
prósperas. Nos anos 80, um novo consenso surgiu entre os econ~-
mistas desenvolvimentistas quanto às maneiras de promover cresCI-
mento econômico. O consenso dos anos 80 pode ser, ou não, mais
duradouro e mais produtivo do que os diferentes consensos entre os
economistas dos anos 50 e 60. Todavia, a nova ortodoxia da neo-or-
todoxia produziu resultados significativos em muitos países. E~-
tretanto, duas advertências são necessárias. Primeira, o desenvolVI-
mento econômico para os países que se desenvolveram muito tardia-
mente - ou seja, principalmente a África - pode muito be~ ser
mais difícil do que foi para os primeiros a se desenvolverem, pOISas
vantagens do atraso são mais do que contrabalança~as p~la lacuna
crescente e historicamente sem precedentes entre paIses ncos e po-
bres. Segunda, podem surgir novas formas de autoritarismo que se-
jam convenientes às sociedades ricas, dominadas pela inf~r~ação e
baseadas na tecnologia. Se tais possibilidades não se matenalIzarem,
o desenvolvimento econômico poderá criar condições para uma pro-
Transitions fiom authoritariam rule; tentative conclusions about uncertain
democracies (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1986), p. 6-14;
Alex Inkeles, 'Introduction: on measuring democracy', Studies in Cornpa-
rative International Development, 25 (Spring 1990), p. 4-5; Tatu Van-
hanen, The emergence o/ democracy: a comparative study 0/119 States, 1850-
1979 (Helsinki: Finnish Society of Sciences and Letters, 1984), p. 24-33.
6 Para os problemas da relação entre estabilidade e democracia, ver Ken-

Notas neth A. Bollen, 'Poli ti cal democracy: conceptual and measurement tr;lps',
Studies in Comparative International Development, 25 (Spring 1990),
p. 15-17.
7 Inkeles, 'On measuring democracy', cit., p. 5. Bollen defende a idéia de va-
riáveis contínuas e medidas contínuas, sugerindo que a democracia varia em
graus, como a industrialização. No entanto, certamente não é isso o que
acontece, e, como mostraram os acontecimentos de 1989-90 na Europa
oriental, os países podem passar rapidamente da não-democracia para a de-
mocracia. Não podem passar rapidamente de não-industriais para industri-
ais, e além do mais, a respeito da industrialização, os economistas em geral
concordam em quais países são industrializados e quais não são. O próprio
1 Para descrições do planejamento e execução do golpe de 25 de abril, ver índice numérico de Bollen, medindo seis indicadores de democracia, em
Robert Harvey, Portugal: Birth o/ a Democracy (Londres: Macmillan, 1965, agrupa 27 países com uma contagem de 90 ou mais, no topo de uma
1978), p. 14-20, e Douglas Porch, The Portuguese Armed Forces and escala de O a 100. Estão incluídos aí todos os países que em geral teriam si-
Revolution (Londres-Stanford: Croom Helm-Hoover Institution Press, do classificados como democráticos em 1965, com a exceção da Alemanha
1977), p. 83-7, 90-4. Ocidental, com uma contagem de 88,6. Ver Bollen, 'Political democr;lCY',
2 Citado em Tad Szu!C, 'Lisbon and Washington: behind the portuguese rev- cit., p. 13-4, 18, 20-3. Para uma exposição sucinta das razões para uma
olution', Foreign Policy, 21 (Winter 1975-76), p. 3. abordagem dicotômica dessa questão, ver Jonathan Sunshine, 'Economic
3 Para uma elaboração mais extensa dessas dificuldades, ver Samuel P. causes and consequences of democracy: a study in historical statistics of the
Huntington, 'The modest meaning of democracy', in Robert A. Pastor, European and European-populated English-speaking countries' (Ph. D.
ed., Democracy in the Americas: stopping the pendulum (N ew York: Holmes diss., Columbia University, 1972),p. 43-8.
and Meier, 1989), p. 11-8, e Jeane J. Kirkpatrick, 'Democratic elections, 8 Juan J. Linz, 'Totalitarian and authoritarian regimes', in Fred. I. Greenstein
democratic government, and democratic theory', in David Buder, Howard
& Nelson W. Polsby, eds., Macropolitical Theory, V. 3 do Handbook o/polit-
R. Penniman & Austin Ranney, eds., Democracy at the polls (Washing-
ical science (Reading, Mass.: Addison-Wesley, 1975), p. 175 ss. Ver tam-
ton: American Enterprise Institute for Public Policy Research, 1981),
bém Carl]. Friedrich & Zbigniew Brzezinski, Totalitarian dictatorship and
p.325-48.
autocracy, 2. ed. (New York: Praeger, 1965), passim.
4 Joseph A. Schumpeter, Capitalism, socialism, and democracy, 2. ed. (New
9 G. P. Gooch, English democratic ideas in the seventeenth century, 2. ed. (New
York: Harper, 1947), capo 21 e p. 269.
York: Harper, 1959), p. 71.
5 Ver Robert A. Dahl, Polyarchy: participation and opposition (New Haven:
10 Para gráficos semelhantes, mas não idênticos, do surgimento desigual das
Vale University Press, 1971), p. 1-10; Giovanni Sartori, Democratic theory
(Detroit: Wayne State U niversity Press, 1962, p. 228 ss; Kirkpatrick, políticas democráticas, ver Robert A. Dahl, Democracy and its critics (New
'Democratic elections', cito p. 325 ss; Raymond English, Constitutional Haven: Vale University Press, 1989), caps. 1,2, 17; Ted Robert Gurr,
democracy vs. utopian democracy (Washington: Ethics and Public Policy Keith Jaggers & Will H. Moore, 'The transformation of the western Srate:
Center, 1983); G. Bingham Powell, Jr., Contemporary Democracies (Cam- the growth of democracy, autocracy, and state power since 1800', Studies
bridge: Harvard University Press, 1982), p. 2-7; Juan J. Linz, 'Crisis, break- in Comparative Development, 25 (Spring 1990), p. 88-95; Vanhanen,
down, and reequilibration', in Juan j. Linz 6- Alfred Stepan, eds., The Emergence o/ democracy, cit., passim; Dankwart A. Rustow, 'Democracy: a
breakdown o/ democratic regimes (Baltimore: Johns Hopkins University global revolution?', Foreign Ajjàirs, 69 (Fali 1990), p. 75-6; Powell,
Press, 1978), p. 5-6; Guillermo O'Donnell & Philippe C. Schmitter, Contemporary democracies, cit., p. 238; e S. P. Huntington, 'Will more
countries become democratic?', Political Science Quarterly, 99 (Summer (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1986),4 v.; e Larry Diamond,
1984), p. 195-8. Juan J. Linz & Seymour Martin Lipset,eds., Democracy in developing coun-
11 Jonathan Sunshine, 'Economic causes and consequences of democracy', tries, (Boulder, Colo.: Lynne Rienner, 1988-89), 4 v. O livro de Linz e
cit., p. 48-58. Segundo Sunshine, os Estados Unidos atingem critério de Stepan apresenta a transição da segunda onda reversa para a terceira onda
direito de voto em 1840. Entretanto, as evidências de Walter Dean de democratização, incluindo estudos tanto do surgimento quanto do co-
Burnham indicam indubitavelmente o ano de 1828. Ver William N. lapso da democracia.
Chambers, 'Party development and the American mainstream', in Willian 19 Francis Fukuyama, 'The end of history?', The National Interest, 16
N. Chambers & Walter Dean Burnham, eds., The American party systems: (Summer 1989), p. 3; Charles Krauthammer, 'Democracy has won',
stages ofpolitical development (New York: Oxford University Press, 1967), Washington Post National Weekly Edition, Apr. 3-9, 1989, p. 24; Marc C.
p. 12-3. Plattner, 'Democracy outwits the pessimists', Wall Street Journal, Oct. 12,
12 James Bryce, Modern democracies (New York: Macmillan, 1921), v. 1, p. 1988, p. AlO. Cf. Zbigniew Brzezinski, The grand failure: the birth and
24. death ofcommunism in the twentieth century (New York: Charles Scribner's
13 Rupert Emerson, 'The erosion of democracy', Journal of Asian Studies, 20 Sons, 1989), passim.
(Nov. 1960), p. 1-8, identifica 1958 como "o ano do colapso do constitu- 20 Samuel P. Huntington, Political order in changing societies (New Haven:
cionalismo democrático nos novos países". Yale University Press, 1968), p. 1.
14 Ver Guillermo A. O'Donnell, Modernization and bureaucratic-authoritari- 21 Che Guevara, Guerrilla warfare (New York: Vintage Books, 1961), p. 2.
anism: studies in South America politics (Berkeley: University of California, 22 Existe uma literatura considerável sobre a natureza, extensão e possíveis
Institute ofInternational Studies, 1973), e David Collier, ed., The new au- causas desse fenômeno. Ver: Dean V. Babst, 'A force for peace', Industrial
thoritarianism in Latin America (Princeton: Princeton University Press, Research, 14 (Apr. 1972), p. 55-8; R. J. Rummel, 'Libertarianism and inter-
1979). national violence',Journal ofConflict Resolution, 27 (Mar. 1983), p. 27-71;
15 Tun-Jen Cheng, 'Democratizing the quasi-leninist regime in Taiwan', Michael W. Doyle, 'Kant, liberal legacies, and foreign affairs', Philosophy
Wor!d Politics, 41 Ouly 1989), p. 479-80. and Public Affairs, 12 (Summer/Fall 1983), p. 205-35, 323-53, e
16 S. E. Finer, The man on horseback: the role of the military in politics, 2. ed. 'Liberalism and world politics', American Polítical Science Review, 80 (Dec.
(Harmondsworth: Penguin Books, 1976), p. 223; Sidney Verba, 'Problems 1986), p. 1151-69; Ze'ev Maoz & Nasrin Abdolali, 'Regime types and in-
of democracy in the developing countries', Remarks, Joint Seminar on ternational conflict, 1816-1976', Journal ofConflict Resolution, 33 (Mar.
Political Development, Harvard-MIT, Oct. 6, 1976, p. 6. 1989), p. 3-35; Bruce Russett, 'Politics and alternative security: toward a
17 A mudança na literatura sobre o desenvolvimento político, que de um foco more democratic, therefore more peaceful, world', in Burns H. Weston,
na democracia passa para um foco na estabilidade e a maior atenção ed., Alternative security: living without nuclear deterrence (Boulder, Colo.:
nas contradições e crises do desenvolvimento é brevemente descrita em Sa- Westview Press, 1990), p. 107-36.
muel P. Huntington, 'The goals of development', in Myron Weiner &
Samuel P. Huntington, eds., Understanding political development (Boston:
Litde, Brown, 1987), p. 3. O interesse pela democracia ocidental está re-
fletido em Michel Crozier, Samuel P. Huntington & Joji Watanuki, The
crisis of democracy (New York: New York University Press, 1975) e em 1 Dankwart A. Rustow, 'Transitions to democracy: toward a dynamic mod-
Richard Rose & B. Guy Peters, Can government go bankrupt? (New York: e!', Comparative Polítics, 2, (Apr. 1970), p. 337 ss.
Basic Books, 1978). 2 Gabriel A. Almond, 'Approaches to developmental causation', in, Gabrie!
No dia 11 de fevereiro de 1976, a pedido dos diretores da CIA, dei uma A. Almond, Scott C. Flanagan e Robert J. Mundt, eds., Crisis, choice, and
palestra para os analistas da Agência sobre "O declínio global da democra- change: historical studies of political development (Boston: Litde, Brown,
cia". Desnecessário dizer que eu tinha algumas teorias bastante convin- 1973), p. 28.
centes para explicar a gravidade e a seriedade desse fenômeno. A terceira on- 3 Rustow, 'Transitions to democracy', cit., p. 337.
da de democratização tinha então 21 meses. 4 Myron Weiner, 'Empirical democratic theory', PS, 20 (FalI 1987), p. 863.
18 As principais coletâneas são as seguintes: Juan J. Linz & Alfred Stepan, eds., 5 Para comentários sobre o impacto do êxito dos Aliados sobre a democrati-
The breakdown ofdemocratic regimes (Baltimore: Johns Hopkins University zação em alguns países latino-americanos, ver: Cynthia McClintock, 'Peru:
Press, 1978); Guillermo O'Donnell, Philippe C. Schmitter & Laurence precarious regimes, authoritarian and democratic', in Larry Diamond, Juan
Whitehead, eds., Tramitiom from authoritarian rule: prospects for democracy J. Linz & Seymour Martin Lipset, eds., Democracy in developing countries:
Latin America (Boulder, Colo.: Lynne Rienner, 1989), p. 344; Laurence Pastor ed., Democracy in the Americas: stopping the pendulum (New York:
Whitehead, 'Bolivia's failed democratization, 1977-1980', in Guillermo Holmes and Meier, 1989), p. 47; New York Times, July. 27, 1988, p. A2,
O'Donnel, Philippe C. Schmitter & Laurence Whitehead, eds., Transitions citado em George Weigel, 'Catholicism and democracy: the other twenti-
from authoritarian rule: Latin America (Baltimore: Johns Hopkins eth-century revolution', in Brad Roberts, ed., The new democracies: global
University Press, 1986), p. 52-3; Luis A. Abugattas, 'Populism and after: u.s.
change and policy (Cambridge: MIT Press, 1990), p. 33.
the Peruvian experience', in James M. MaIloy & MitcheIl A. Seligson, 17 Seymour Martin Lipset, Political man: the social bases ofpolitics (New York:
eds., Authoritarians and democrats: regime transition in Latin America Doubleday, 1960), p. 45-76, e Lipset, Political man, rev. ed. (Baltimore:
(Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 1987), p. 122; Aldo C. Vacs,
Johns Hopkins University Press, 1981), p. 469-76; Robert Dahl, Polyarchy:
'Authoritarian breakdown and redemocratization in Argentina', in MaIloy
participation and opposition (New Haven: Yale University Press, 1971),
& Seligson, eds., Authoritarians and democrats, cit., p. 16.
p. 62-80; Seymour Martin Lipset, Kyoung-Ryung Seong & John CharIes
6 Wiener, 'Empirical democratic theory', cir., p. 862.
Torres, 'A comparative analysis of the social requisites of democracy'
7 Richard McKeon, ed., Democracy in a world of tensions: a symposium pre-
(Unpublished paper, Stanford Universiry, 1990).
pared by UNESCO (Chicago: University ofChicago Press, 1951), p. 522,
18 Kenneth A. BoIlen & Robert W. Jackman, 'Economic and noneconomic
citado em Giovanni Sartori, The theory of democracy revisited (Chatham, N.
determinants of political democracy in the 1960s', Research in Political
J.: Chatham House Publishers, 1987), p. 3.
Sociology (1985), p. 38-9. O importante estudo de Zehra F. Arat, questio-
8 Harry Psomiades, 'Greece: from the Colonel's rule to democracy', in John
nando essa relação, é seriamente prejudicado por uma metodologia que
H. Herz, ed., From dictatorship to democracy: coping with the legacies of au-
combina numa única variável dependente as mudanças no interior dos
thoritarianism and totalitarianism (Westport, Conn.: Greenwood Press,
regimes e as mudanças de um regime para outro. Ver Arat, 'Democracy and
1982), p. 251; Scott Mainwaring & Eduardo J. Viola, 'Brazil and Ar-
economic development: modernization theory revisited', Comparative
gentina in the 1980's', Journal of International Affairs, 38 (Winter 1985),
p.203. Politics, 21 (Ocr. 1988), p. 21-37.
19 Jonathan H. Sunshine, 'Economic causes and consequences of democracy: a
9 Gabriel Almond & Robert J. Mundt, 'Crisis, choice and change: some ten-
tative conclusions', in Almond, Flanagan & Mundt eds., Crisis, choice and study in historical statistics of the European and European-populated,
change, p. 628. English-speaking countries' (Ph. D. diss., Columbia University, 1972),
10 Arthur Zich, The Marcos era', Wilson Quarterly, 10 (Summer 1986), p. p. 109-10, 134-40.
126. 20 David Morawetz, Twenty-five years of economic development 1950 to 1975
II Edward Schumacher, 'Argentina and democracy', Foreign Affairs, 62 (Washington: WorId Bank, 1977), p. 12.
(Summer 1984), p. 1077. 21 Idealmente, seria mais apropriado listar os países economicamente por seu
12 Thomas C. Bruneau, 'Discovering Democracy', Wilson Quarterly, 9 (New PNB per capita em 1974, quando começou a terceira onda. No entanto,
Year's, 1985), p. 68-9; Boston Globe, Dec. 3, 1984, p. 2. para tal ano os dados são muito limitados. O primeiro relatório de desen-
13 Richard Clogg, A short historyof modern Greece, 2. ed. (Cambridge: volvimento anual do Banco Mundial, publicado em 1978, apresenta dados
Cambridge University Press, 1986), p. 198. Para uma argumentação segun- de 1976 para 125 entidades políticas, incluindo países com economias cen-
do a qual o desempenho econômico do regime militar grego foi, no geral, tralmente planejadas. Essas últimas estimativas não são muito precisas, e
insatisfatório, ver Constantine P. Danopoulos, 'Military professionalism nos anos seguintes o Banco desistiu de apresentar dados para os países de
and regime legitimacy in Greece, 1967-1974', Political Science Quarterly, economia planificada que não fossem seus membros. Esses dados são sufi-
98 (FalI 1983), p. 495-8. cientemente acurados, no entanto, para a classificação dos países em quatro
14 Jane S. Jaquette & Abraham F. LowenthaI, The Peruvian experiment in grandes grupos que se faz nesta análise. Ver W orId Bank, World Develop-
retrospect', World Politics, 39 Gan. 1987), p. 284; Thomas R. Rochon & ment Report, 1978 (Washington: WorId Bank, 1978), p. 76-7.
Michael J. MitcheIl, 'Social bases of the transition to democracy in Brazil', 22 Phillips Cutright, 'National political development: measurement and analy-
ComparativePolitics, 21 (Apr. 1989), p. 309. sis', American Sociological Review, 28 (Apr. 1963), p. 253-64.
15 Virgilio R. Beltran, 'Political transition in Argentina: 1982 to 1985', Armed 23 MitcheIl A. Seligson, 'Democratization in Latin America: the current cy-
Forces and Society, 13 (Winter 1987), p. 214-6; Mainwaring & Viola, cle', e 'Development, democratization, and decay: Central America at the
'Brazil and Argentina', p. 203. crossroads', in MaIloy & Seligson, eds., Authoritarians and democrats, cit.,
16 Juan Linz & Alfred Stepan, 'Political crafting of democratic consolidation p. 6-11, 173-7; Enrique A. Baloyra, 'Conclusion: toward a framework for
or destruction: European and South American comparisons', in Robert A. the study of democratic consolidation', in Enrique A. Baloyra ed., Compar-
ing new democracies: transition and consolidation in mediterranean Europe Conaghan, 'Party politics and democratization in Ecuador', in Malloy &
and the Southem Cone (Boulder, Colo.: Westview Press, 1987), p. 297. Seligson, eds., Authoritarians and democrats, cit., p. 146-7; Burton, Impos-
24 Para uma análise perspicaz e detalhada dos diferentes impactos sobre o de- sibledream, cit., p. 283; New York Times, Sept. 4,1984, p. DI.
senvolvimento político e econômico na Arábia Saudita e no Iêmen do 34 P. Nikiforos Diamandouros, 'Regime change and the prospects for democ-
Norte dos rendimentos do petróleo e das remessas monetárias, ver Kiren racy in Greece: 1974-1983', in Guillermo O'Donnell, Philippe C. Schmit-
Aziz Chaudhry, 'The price of wealth: business and State in labor remittance ter & Laurence Whitehead, eds., Transitions from authoritarian rule: South-
and oil economies' (Ph. D. diss., Harvard Universiry, 1990). em Europe (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1986), p. 149.
25 Alex Inkeles & Larry J. Diamond, 'Personal development and national de- 35 Psomiades, 'Greece', in Herz, ed., From dictatorship to democracy, cit., p.
velopment: a cross-national perspective', in Alexander Szalai & Frank M. 252.
Andrews, eds., The quality o/life: comparative studies (London: Sage Pub- 36 Kenneth Medhurst, 'Spain's evolutionary pathway from dictatorship to
lications, 1980), p. 83; Lipset, Seong & Torres, 'Social requisites of democ- democracy', in Pridham ed., New Mediterranean democracies, p. 30-1.
racy', cit., p. 24-5; Ronald Inglehart, 'The renaissance of political culture', 37 Para uma análise semelhante, sucintamente apresentada, ver Lipset, Seong
American Political Science Review, 82 (Dec. 1988), p. 1215-20. & Torres, 'Social requisites of democracy', cit., p. 18-9.
26 Lipset, Seong & Torres, 'Social requisites of democracy', p. 25-6; World 38 Os países foram classificados em termos de religião segundo as informações
Bank, World Development Report 1984 (New York: Oxford University de John Paxton, ed., The Statesmans Yearbook 1988-1989 (New York: St.
Press, 1984), p. 266-7. Cf. Dahl, Polyarchy, cit., p. 74-6 . Martin Press, 1988). Países muito pequenos ou onde nenhuma religião é
27 Scott Mainwaring, 'The transition to democracy in Brazil', Joumal o/ predominante foram omitidos dos cálculos.
Interamerican Studies and World A.ffairs, 28 (Sept. 1986), p. 152. 39 Henry Scott Stokes, 'Korea's Church militant', New York Times Magazine,
28 New York Times, Oct. 8, p. A3; Sandra Burton, Impossible dream: the Nov. 28, 1972, p. 68.
Marcoses, the Aquinos, and the unfinished revolution (New York: Warner 40 Citado em James Fallows, 'Korea is not Japan', Atlantic Monthly, 262 (Oct.
Books, 1989), p. 327. 1988), p. 30.
29 Nancy Bermeo, 'Redemocratization and transition elections: a comparison 41 Stokes, 'Korea Church militant', p. 105; Washington Post, Mar. 30, 1986,
ofSpain and Portugal', Comparative Politics, 19 Oan. 1987), p. 222. p. A19; New York Times, Mar. 10, 1986, p. A3; Sook-Jong Lee, 'Political
30 Tun-jen Cheng, 'Democratizing the KMT regime in Taiwan'. Paper pre- liberalization and economic development in South Korea' (Unpublished
pared for Conference on Democratization in the Republic of China, paper, Harvard University Department of Sociology, Center for Research
Taipei, Taiwan, Republic of China, Jan. 9-11, 1989, p. 20. Para uma dis- on Polities and Social Organization, 1988), p. 22.
cussão mais aprofundada sobre a nova classe média e sua política em 42 Kenneth A. Bollen, 'Political democracy and the timing of development',
T aiwan, ver o número especial sobre esse assunto da Free China Review, 39 American Sociological Review, v. 44, n. 4 (Aug. 1979), p. 583; Lipset, Seong
(Nov. 1989) e Chu Li-Hsi, 'New generation electorate', Free China Review, & Torres, 'Social requisites of democracy', cit., p. 29.
40 (Fev. 1990), p. 48-50. 43 Pierre Elliot Trudeau, Federalism and the French Canadians (New York: St.
31 The Economist, June 20, 1987, p.39; Apr. 15, 1989, p. 24; James Cotton, Martin's Press, 1968), p. 108, citado em Lipset, Seong & Torres, 'Social
'From authoritarianism to democracy in South Korea', Political Studies, 37 requisites of democracy', cit., p. 29.
Oune 1989), p. 252. 44 Inglehart, American Political Science Review, 82, p. 1 226-8.
32 Ver Bermeo, Comparative Politics, 19, p. 219 ss.; Linz & Stepan, 'Political 45 Por que e como essas momentosas mudanças aconteceram na Igreja católica
crafting', in Pastor ed., Democracy in the Americas, p. 48; Fernando H. é algo que está além do escopo deste estudo. George Weigel identifica
Cardoso, 'Entrepreneurs and the transition process: the Brazilian case', in vários fatores, desde o final do século XIX, como responsáveis pela mu-
Guillermo O'Donnell, Philippe C. Schmitter & Laurence Whitehead, eds., dança na posição da Igreja quanto ao Estado democrático liberal. Ele afirma
Transitions from authoritarian rule: comparative perspectives (Baltimore: que os Estados Unidos e os bispos americanos foram "particularmente im-
Johns Hopkins Universiry Press, 1986), p. 137-53. portantes". Sua influência, diz ele, culminou no Vaticano 11 e em sua
33 Allan Williams, Southem Europe transformed: political and economic change Declaração de Liberdade Religiosa (Dignitatis Humanae Personae), um
in Greece, Italy, Portugal and Spain (Londres: Harper & Row, 1984), p. 2-9; "fruto da experiência e dos experimentos americanos", especialmente do
Alfred Tovias, 'The international context of democratic transition', in teólogo americano John Courtney Murray. Ver George Weigel, 'Catholi-
Geoffrey Pridham, ed., The new Mediterranean democracies: regime transi- cism and democracy: The other twentieth-century revolution', in Brad
tion in Spain, Greece, and Portugal (London: Frank Cass, 1984), p. 159; Roberts, ed., The new democracies: global change and US. Policy (Cam-
Jane S. Jaquette & Lowenthal, World Politics, 39, p. 390; Catherine M. bridge: MIT Press, 1990), p. 20-5. Caso a argumentação de Weigel seja
válida, os Estados Unidos desempenharam dois papéis na produção da ter- 58 Time, Dec. 4, 1989, p. 74; Timothy Garton Ash, 'Eastern Europe: the year
ceira onda: diretamente, através de suas novas políticas nos anos 70 e 80 of truth', New York Review ofBooks, Feb. 15, 1990, p. 17.
(ver a seguir, p. 97-103) e, a uma certa distância, através de seu impacto na 59 Feliccian Foy, ed., 1988 catholic almanac (Huntington, Ind.: Our Sunday
Igreja católica. Visitor Books, 1987), p. 34.
Com raras exceções, os cientistas sociais ignoraram o significado das mu- 60 New York Times, Mar. 10, 1986, p. A3.
danças na Igreja católica para o desenvolvimento democrático, assim como 61 Rosalinda Pineda Ofrenco, 'The catholic Church in Philippine politics',
inicialmente ignoraram os desenvolvimentos - de importância compará- ]ournal ofContemporary Asia, v. 17, n. 3 (1987), p. 329; Time, Feb. 3,
vel, se bem que totalmente diferentes - no Islã dos anos 60 e 70. Uma ex- 1986,p.34,Feb. 17, 1986,p.36,39.
ceção é o livro de George C. Lodge, publicado em 1970: Engines of change: 62 Dahl, Polyarchy, cit., p. 197. Acrescentei a Irlanda aos 14 casos que Dahl es-
United States interests and revolution in Latin America (New York: Alfred pecifica em sua análise.
A. Knopf). 63 Sunshine, 'Economic causes and consequences ofDemocracy', cit., p. 134-40.
46 Citado em Brian H. Smith, The Church and politics in Spain: challenges to 64 Frans A. M. Alting Von Geusau, 'Shaping the enlarged community: a sur-
modern catholicism (Princeton: Princeton University Press, 1982), p. 284. vey', in J. S. Schneider ed., From nine to twelve: Europe's destiny?, (Alphen
47 Juan J. Linz, 'Religion and politics in Spain: from conflict to consensus aan den Rijn: Sijthoff and Noordhoff, 1980), p. 218.
above cleavage', Social Compass, v. 27, n. 2/3 (1980), p. 258. 65 Susannah Verney, 'Greece and the European Community', in Kevin
48 Jackson Diehl, Washington Post National Weekly Edition, Jan. 5, 1987, Featherstone & Dimitrios K. Katsoudas, eds., Political change in Greece: be-
p. 29; Thomas P. Skidmore, The politics of military rule in Brazil, 1964- fim and after the colonels (London: Croom Helm, 1987), p. 218.
1985 (New York: Oxford University Press, 1988), p. 78 e também p. 27; 66 Howard J. Wiarda, 'The significance for Latin America of the Spanish de-

Hugo Villela G., 'The Church and the process of democratization in Latin mocratic transition', in Robert P. Clark & Michael H. Haltzel, eds., Spain
America', Social Compass, v. 26, n. 2/3 (1979), p. 264; Brian H. Smith, in the 19805: the democratic transition and a new international role (Cam-
'Churches and human rights in Latin America: recent trends on the sub- bridge, Mass.: Ballinger Publishing, 1987), p. 159; Bermeo, 'Redemoc-
continent', in Daniel H. Levine, ed., Churches and Politics in Latin America ratization and transition elections', cit., p. 218; Kenneth Maxwell, 'Portu-
gal: a neat revolution', New York Review ofBooks, June 13, 1974, p. 16.
(Beverly Hills: Sage Publications, 1979), p. 155-93.
67 Thomas C. Bruneau, 'Portugal in 1970: from regime to regime' (Paper pre-
49 Skidmore, Politics of military rule, cit., p. 78, 334; Thomas C. Bruneau,
pared for Annual Meeting, American Political Science Association,
The political transflrmation of the Brazilian Church (Cambridge: Cam-
Washington, D. C., Aug. 28-31, 1980), p. 15-6.
bridge University Press, 1974), p. 222-3; Bruneau, p. 182-216, detalha dez
68 Ver Tamar Jacoby, 'The Reagan turnaround on human rights', Foreign
incidentes do crescente conflito Igreja-Estado no Brasil entre julho de 1966
A./fairs, 64 (Summer 1986), p. 1066-86. Para uma rápida visão geral da
e começo de 1972.
política de direitos humanos dos Estados Unidos enfatizando as semelhan-
50 Skidmore, Politics of military rule, cit., p. 137; Mark A. Uhlig, 'Pinochet's
ças entre as abordagens de Carter e Reagan, ver Paula Dobriansky, 'Human
tyranny', New York Review ofBooks, June 27, 1985, p. 38.
rights and the U.S. foreign policy', in Roberts, ed., The new democracies,
51 Alfred Fierro Bardaji, 'Political positions and opposition in the Spanish
p. 145-61; sobre o papel do Congresso, ver David P. Forsythe, Human
catholic Church', Government and Opposition, 11 (Spring 1976), p. 200-1.
rights and USO ftreign policy: Congress recomidered (Gainesville: University
Ver também Cooper, Catholicism and the Franco regime, cit., p. 35-44.
of Florida Press, 1988); e, para uma análise da política de Carter, Joshua
52 Gordon L. Bowen, 'Prospects for liberalization by way of democratization
Muravchik, Uncertain crusade: ]immy Carter and the dilemmas of human
in Guatemala', in George A. Lopes & Michael Stohl, eds., Liberalization rights (Lanham, Md.: Hamilton Press, 1986).
and Redemocratization in Latin America (New York: Greenwood Press, 69 "Carlucci, com forte respaldo da Alemanha Ocidental, propôs uma política
1987), p. 38. de sutil apoio aos socialistas. Também manteve distância dos direitistas de
53 Skidmore, Politics of military rule, cit., p. 137; Mark A. Uhlig, 'Pinochet's linha-dura a quem anteriormente Washington ouvia; ajudou a fortalecer a
tyranny', New York Review ofBooks, June 27, 1985, p. 38. esquerda moderada entre os militares e trabalhou intensamente para dar
54 Skidmore, Politics of military rule, cit., p. 184. substancial ajuda econômica à coalizão de oficiais do exército socialistas e
55 Burton, Impossible dream, cit., p. 217. moderados que desbarataram os comunistas e soldados radicais em novem-
56 Skidmore, Politics of military rule, cit., p. 137. bro de 1975." Kenneth Maxwell, 'Regime overthrow and the prospects for
57 Ver as reportagens do New York Times sobre as visitas papais mais impor- democratic transition in Portugal', in Guillermo O'Donnell, Philippe C.
tantes. Schmitter & Laurence Whitehead, eds., Transitions from authoritarian rule:
Southern Europe (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1986), 76 Kenneth Maxwell, 'Regime overthrow and the prospects for democracy
p. 131. transition in Portugal', in O'Donnell Schmitter & Whitehead, Transitions
A idéia de que era responsabilidade do embaixador americano promover a from authoritarianism rule: Southern Europe, cit., p. 132; Jose Maravall, The
democracia no país em que servia, e não simplesmente manter boas relações transition to democracy in Spain (London: Croom Helm, 1982), p. 65.
com seu governo, por mais horrendo que ele fosse, assinalou uma mudança 77 New York Times, May 14, 1989, p. E6.

revolucionária no ethos do Departamento de Estado. É necessário um estu- 78 Washington Post, June 19, 1974, p. AIO; Paul Preston, The triumph of

do sério do porquê e como ocorreu essa mudança na mentalidade buro- democracy in Spain (London: Methuen, 1986), p. 60.
79 Falcoff, 'The democratic prospect', in Roberts, ed., The new democracies,
crática, de aproveitadores a defensores da liberdade.
70 Citado em Muravchik, Uncertain crusade, cit., p. 214.
cit., p. 67-68; Robert A. Pastor, 'How to reinforce democracy in the
71 Whitehead, 'Bolivia's failed democratization', in O'Donnel Schmitter
Americas: seven proposals', in Pastor, ed., Democracy in the Americas, cit.,
& Whitehead, eds., Transitions from authoritarian rule: Latin America, p. 143; Howard J. Wiarda, 'The significance for Latin America of the
p. 66, 223; New York Times, Nov. 29, 1984, p. A3, Jan. 15, 1989, p. 6; Spanish democratic transition', in Clark & Haltzel, eds., Spain in the
1980s, cit., p. 165-72.
Time, June 29, 1987 p. 22; Economist, Jan. 21, 1989, p. 40.
80 New York Times, Dec. 13, 1983, p. 3, Jan. 22, 1984, p. E3; Washington
72 Tais citações podem ser encontradas, respectivamente, em Osvaldo Hur-
Post, Jan. 25, 1984, p. A5.
tado, 'Changing Latin American attitudes: prerequisite to institutionalizing
81 New York Times, Mar. 15, 1986, p. A7; Boston Globe, Apr. 5, 1986, p. 1.
democracy', in Pastor, ed., Democracy in the Americas, cit., p. 101; Boston
82 Timothy Garton Ash, 'The revolution of the magic lantern', New York
Globe, Dec. 3, 1984, p. 2; Burton, Impossible dream, cit., p. 343; New York
ReviewofBooks,Jan. 18, 1990, p. 51; Time, Nov. 27,1989, p. 41.
Times, Aug. 1, 1980, p. A23.
83 Essa observação, pelo que sei, é de Timothy Garton Ash. Ver Ash, cit., New
73 Ver Luis A. Abugattas, 'Populism and after: the Peruvian experience', in
York Review ofBooks, Jan. 18, 1990, p. 42.
Malloy & Seligson, eds., Authoritarians and democrats, cit., p. 132; Philip
84 New York Times, Dec. 28, 1989, p. A13.
Mauceri, 'Nine cases of transitions and consolidations', in Pastor, ed.,
85 Sobre os líderes e suas escolhas, ver Samuel P. Huntington & Joan M.
Democracy in the Americas, cit., p. 217, 229; Cynthia McClintock, 'The
Nelson, No easy choice:polítical participation in developing countries (Cam-
prospects for democratic consolidation in the "least likely" case: Peru', in
bridge: Harvard UniversityPress, 1976), p. 159-71 e Larty Diamond, 'Crisis,
Diamond, Linz & Lipset, eds., Democracy in developing countries; cit.,
choise and structure: reconciling alternative models for explaining democ-
Howard J. Wiarda, 'The Dominican Republic: mirror legacies of democ-
ratic success and failure in the Third World' (Paper presented to Annual
racy and authoritarianism', in Diamond, Linz & Lipset, eds., Democracy
Meeting, American Political Science Association, Atlanta, Georgia, Aug.
in developing countries: Latin America, cit., p. 137; New York Times, Oct.
31-Sept. 3, 1989). Ver também o capítulo 3, a seguir, para uma discussão
4, 1988, p. A6; Mark Falcoff, 'The democratic prospect in Latin America', sobre os motivos para a democratização.
in Roberts, ed., The new democracies, cit., p. 68-9.
74 Timothy Garton Ash, 'Eastern Europe: the year of truth', New York Review
of Books, Feb. 15, 1990, p. 17; Michael Dobbs, 'Gorbachev: riding the
tiger', Washington Post National Weekly Edition, Jan. 8-14, 1990, p. 6-7; Capítulo 3
Washington Post, Nov. 22,1989, p. 1; 'The new Germany', Economist, June
30, 1990, p. 4-5; e, geralmente, Renée Nevers, The Soviet Union and I Ver, p. ex., G. Bingham Powell, Jr., Contemporary democracies: participa-
Eastern Europe: the end of an era (London: International Institute for tion, stabilíty and violence (Cambridge: Harvard University Press, 1982),
Strategic Studies, Adelphi Paper n. 249, 1990). chaps. 5-9; Juan J. Linz, 'Perils of presidentialism', Journal of Democracy, 1
75 Almond & Mundt, 'Tentative Conclusions', in Almond, Flanagan & (Winter 1990), p. 51-69.
Mundt eds., Crisis, choice, and change, cit., p. 626-9; David L. Huff & 2 Robert A. Dahl, Polyarchy: participation and opposition (New Haven: Yale
James M. Lutz, 'The contagion of political unrest in independent Black University Press, 1971), p. 33-40.
Mrica', Economic Geography, 50 (Oct. 1974), p. 352-67; Richard P. Y. Li 3 Ver Donald L. Horowitz, 'Three dimensions of ethnic politics', World
& William R. Thompson, 'The "coup contagion" hypothesis', Journal of Polítics, 23 Qan. 1971), p. 232-6; Samuel P. Huntington & Jorge L
Conflict Resolution, 19 (Mar. 1975), p. 63-88; James M. Lutz, 'The diffu- Dominguez, 'Political development', in Fred L Greenstein e Nelson W.
sion of political phenomena' in Sub-Saharan Mrica', Journal of Political and Polsby, eds., Handbook of Political Science, v. 3 (Reading, Mass.: Addison-
MilitarySociology, 17 (Spring 1989), p. 93-114. Wesley, 1975), p. 74-5.
4 Por razões que, sem dúvida, esrão profundamenre enraizadas na natureza 7 Tun-jen Cheng, 'Democratizing the quasi-Ieninist regime in Taiwan',
humana, os acadêmicos muitas vezes têm as mesmas idéias mas preferem World Politics, 41 Ouly 1989), p. 496.
usar diferenres palavras para elas. Minha divisão tripartite dos processos de 8 New York Times, Mar. 9, 1990, p. AI, AlI, Mar. 11, 1990, p. E3.
transição coincide com a de Donald Share e Scott Mainwaring, mas temos 9 Bronislaw Geremek, 'Postcommunism and democracy in Poland', Washing-
nossos próprios nomes para tais processos: ton Quarterly, 13 (Summer 1990), p. 129.
10 New York Times, Mar. 11, 1990, p. E3.
Huntington Linz SharelMainwaring
11 Para uma conclusão semelhanre, ver L William Zartman, 'Transition to
(1) transformação reforma transação
democracy from single-party regimes: lessons from North Africa' (Paper
(2) substituição ruptura queda/ colapso
presenred to Annual Meeting, American Poli ti cal Association, Atlanra,
(3) transtituição extricação
Georgia, Aug. 31-Sept. 3, 1989), p. 2-4.
12 Ver Richard K. Bens & Samuel P. Hunrington, 'Dead dictators and the ri-
Ver Juan J. Linz, 'Crisis, breakdown, and reequilibrium', in Juan]. Linz &
Alfred Stepan, eds., The breakdown of democratic regimes (Baltimore: Johns oting mobs: does the demise of authoritarian rulers lead to political insta-
Hopkins University Press, 1978), p. 35; Donald Share & Scott Main- bility?', International Security, 10 (Winrer 1985-86), p. 112-46.
waring, 'Transitions through transaction: democratization in Brazil and 13 Ver Raymond Carr, 'Inrroduction: the Spanish transition to democracy in
Spain', in Wayne A. Selcher, ed., Politicalliberalization in Brazil: dynamics, historical perspective', in Robert P. Clark & Michael H. Haltzel, eds.,
dilemmas, and fu tu res prospects (Boulder, Colo.: Westview Press, 1986), Spain in the 1980s: the democratic transition and a new international role
p.177-9. (Cambridge: Ballinger, 1987), p. 3-4.
5 Ver Martin C. Needler, 'The military withdrawal from power in South 14 Alfred Stepan, 'Inrroduction', in Stepan, ed., Democratizing BraziL' problems
America', Armed Forces and Society, 6 (Summer 1980), p. 621-3. oftransition and consolidation, cito (New York: Oxford University Press,
6 Para uma discussão sobre os termos em que os militares organizaram suas 1989), p. ix.
saídas do poder, ver Robert H. Dix, 'The breakdown of authoritarian 15 Ibidem; Scott Mainwaring, 'The transition to democracy in Brazil',Journal
regimes', Western Political Quarterly, 35 (Dec. 1982), p. 567-8, para as of Interamerican Studies and World Affairs, 28 (Spring 1986), p. 149;
"garanrias de saída"; Myron Weiner, 'Empirical democratic theory and the Kenneth Medhurst, 'Spain's evolutionary pathway from dictatorship to
transition from authoritarianism to democracy', PS, 20 (Fali 1987), p. 864- democracy', in Pridham, ed., New Mediterranean Democracies, cit., p. 30.
5; Enrique A. Baloyra, 'Conclusion: toward a framework for the study of 16 Paul Preston, The triumph ofdemocracy in Spain (London: Methuen, 1986),

democratic consolidation', in Enrique A. Baloyra, ed., Comparing new p. 93; Donald Share & Scott Mainwaring, 'Transitions through transac-
democracies: transition and consolidation in Mediterranean Europe and tion: democratization in Brazil and Spain', in Wayne A. Selcher, ed.,
Southern Cone (Boulder, Colo.: Wesrview Press, 1987), p. 299-300; Alfred Political liberalization in Brazil: dynamics, dilemmas and future prospects
Stepan, Rethinking military politics: Brazil and the Southern Cone (Boulder, Colo.: Wesrview Press, 1986), p. 179; Samuel P. Hunrington,
(Princeton: Princeton University Press, 1988), p. 64-5; Philip Mauceri, Political order in changing societies (New Haven: Yale University Press,
'Nine cases of transitions and consolidations', in Robert A. Pastor, eds., 1968), p. 344-57.
Democracy in the Americas: stopping the pendulum (New York, Holmes and 17 Jacques Rupnik, 'Hungary's quiet revolution', New Republic, Nov. 20,
Meier, 1989), p. 225, 229; Luis A. Abugattas, 'Populism and after: the 1989, p. 20; New York Times, Apr. 16, 1989, p. E3.
Peruvian experience', in James M. Malloy & Mitchell A. Seligson, eds., 18 Citado por Abugattas in Malloy & Seligson, eds., Authoritarians and democ-
Authoritarians and democrats: regime transition in Latin America (Pitts- rats, cit., p. 129, e por Sylvia T. Borzutzky, 'The Pinochet regime: crisis
burgh: University of Pittsburgh Press, 1987), p. 137-9; Aldo C. Vacs, and consolidation', in Malloy & Seligson, eds., Authoritarians and democ-
'Authoritarian breakdown and redemocratization in Argenrina', in Malloy rats, cit., p. 85.
& Seligson, eds., Authoritarians and democrats, cit., p. 30-1; P. Nikifouros 19 Ver Needler, 'The military withdrawal', p. 621-3, sobre os golpes de "segun-
Diamandouros, 'Transition to, and consolidation of, democratics politics da fase" e sobre a observação de que "o governo militar que devolve o poder
in Greece, 1974-83: a tenrative assessmenr', in Geoffrey Pridham, ed., The aos civis não é o mesmo que arrebatou o poder do governo constitucional".
new mediterranean democracies: regime transition in Spain, Greece, and 20 Stepan, Rethinking military politics, cit., p. 32-40 e Thomas E. Skidmore,
Portugal (London: Frank Cass, 1984), p. 54; Harry ]. Psomiades, 'Greece: 'Brazil's slow road to democratization: 1974-1985', in Stepan, ed., Democ-
from the colonels rule to democracy', in John H. Herz, ed., From dictator- ratizing Brazil, cit., p. 33. Essa inrerpretação coincide com minha própria
ship to democracy: coping with the legacies of authoritarianism and totalitari- impressão das inrenções de Golbery que formei em 1974, ao trabalhar com
anism (Westport, Conn.: Greenwood Press, 1982), p. 253-4. ele sobre planos para a democratização brasileira. Para uma argumenração
oposta, ver Silvio R. Duncan Baretta & John Markoff, 'Brazil's Abertura: a 33 Washington Post, Oct. 7, 1983, p. A3; Laurence Whitehead, 'Bolivia's failed
transition from what to what?', in Malloy & Seligson, eds., Authoritarians democratization, 1977-1980', in Guillermo O'Donnell, Philippe C.
and democrats, cit., p. 45-6. Schmitter & Laurence Whitehead, eds., Transitions from authoritarian rule:
21 Citado em Francisco Weffort, 'Why democracy?', in Stepan, ed., Democ- Latin America (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1986), p. 59.
ratizing Brazil, cit., p. 332. 34 "Leoplitax" (identificado como um "comentador político da imprensa clan-
22 Raymond Carr & Juan Pablo Fusi Aizpurua, Spain: dictatorship to democra- destina polonesa"), Uncaptive Minds, 2 (May-June-July 1989), p. 5.
cy, 2. ed. (London: Allen & Unwin, 1981), p. 198-206. 35 Steven Mufson, 'Uncle Joe', New Republic, Sept. 28, 1987, p. 22-3; Wash-
23 Citado em David Remnick, 'The struggle for light', New York Review of ington Post National Weekly, Feb. 19-25, 1990, p. 7.
Books, Aug. 16, 1990, p. 6. 36 Edgardo Boeniger, 'The Chilean road to democracy', Foreign AjJàirs, 64,
24 Ver Stepan, Rethinking military politics, cit., p. 42-3. (Spring 1986), p. 82I.
25 Giuseppe Di Palma destacou o significado da legitimidade para trás em 37 Anna Husarska, 'A talk with Adam Michnik', New Leader, Apr. 3-17, 1989,
'Founding coalitions in Southern Europe: legitimacy and hegemony', p. 10; Marcin Sulkowski, 'The dispute about the general', Uncaptive
Government and Opposition, 15 (Spring 1980), p. 170. Ver também Nancy Minds, 3 (Mar.-Apr. 1990), p. 7-9.
Bermeo, 'Redemocratization and transition elections: a comparison of 38 Ver James Cotton, 'From authoritarianism to democracy in South Korea',
Spain and Portugal', Comparative Politics, 19 Gan. 1987), p. 218. Political Studies, 37 Gune 1989), p. 252-3.
26 Stanley G. Payne, 'The role of the Armed Forces in the Spanish transition', 39 Economist, May 10, 1986, p. 39; Alfred Stepan, 'The last days ofPinochet?',
in Clark & Haltzel, eds., Spain in the 1980s, p. 86; Stepan, Rethinking mil- New York Review ofBooks, June 2, 1988, p. 34.
itary politics, cit., p. 36. 40 Citado por Weffort, 'Why democracy?', in Stepan, ed., Democratizing Brazil,
27 Teses apresentadas pelo Comitê Central, Nono Congresso, Partido cit., p. 345, e por Thomas G. Sanders, 'Decompression', in Howard
Comunista da Espanha, 5-9 de abril de 1978, citadas em Juan J. Linz, Handelman e Tomas G. Sanders, eds., Military government and the move-
'Some comparative thoughts of the transition to democracy in Portugal and ment toward democracy in South America (Bloomingron: Indiana University
Spain', in Jorge Braga de Macedo & Simon Serfaty, eds., Portugal since the Press, 1981), p. 157. Como observa Weffort, tal conselho não fazia muito
revolution: economic and political perspectives (Boulder, Colo.: Westview sentido no Brasil. Antes de começar seu processo de transformação, o regime
Press, 1981), p. 44; Preston, Triumph ofdemocracy in Spain, cit., p. 137. militar brasileiro tinha eliminado fisicamente a maioria dos radicais sérios. O
28 Skidmore, 'Brazil's slow road', in Stepan, ed., Democratizing Brazil, cit.,
conselho do ajudante é muito mais relevante em situações de transtituições.
41 Time, June 25, 1990, p. 2I.
p.34.
42 Mandela, citado em Pauline H. Baker, 'A turbulent transition', Journal of
29 Virgilio R. Beltran, 'Political transition in Argentina: 1982 to 1985', Armed
Democracy, 1 (Fali 1990), p. 17; Botha, citado em Washington Post
Forcesand Society, 13 (Winter 1987), p. 217; Scott Mainwaring & Eduardo
National Weekly Edition, May 14-20, 1990, p. 17.
J. Viola, 'Brazil and Argentina in the 1980's', Journal of International
AjJàirs, 38 (Winter 1985), p. 206-9.
30 Robert Harvey, PortugaL· birth of a democracy (London: Macmillan, 1978),
p.2.
31 Myron Weiner formulou um conjunto de recomendações semelhante e
mais conciso: "Para os que buscam a democratização, as lições são as 1 Enrique A. Baloyra, 'Conclusion: toward a framework for the study of
seguintes: mobilize uma oposição em larga escala e não violenta contra o democratic consolidation', in Enrique A. Baloyra, ed., Comparing new democ-
regime, busque apoio do centro e, se necessário, da direita conservadora, racies:transition and consolidation in Mediterranean Europe and the Southern
contenha a esquerda e evite que ela domine a agenda do movimento, adule Cone, (Boulder, Colo.: Westview Press, 1987), p. 299. Sobre as negociações e
algumas seções dos militares, busque a cobertura simpática da imprensa oci- acordos venezuelanos e colombianos, ver T erry Lynn Karl, 'Petroleum and
dental e pressione os Estados Unidos em busca de apoio". 'Empirical demo- political pacts: the transition to democracy in Venezuela', in Guillermo
cratic theoty and the transition from authoritarianism to democracy', PS, O'Donnell, Philippe C. Schmitter & Laurence Whitehead, eds., Transitions
20 (Fali 1987), p. 866. from authoritarian rule: Latin America (Baltimore: Johns Hopkins University
32 Gabriel A. Almond, 'Approaches to developmental causation', in Gabriel A. Press, 1986), p. 196-219; Daniel H. Levine, 'Venezuela since 1958: the con-
Almond, Scott C. Flanagan & Robert J. Mundt, eds., Crisis, choice, and solidation of democratic politics', in Juan J.Linz & Alfred Stepan, eds., The
change: historical studies of political development (Boston: Litde, Brown, breakdown ofdemocratic regimes (Baltimore: Johns Hopkins University Press,
1973), p. 32. 1978), p. 93-8; Alexander W. Wilde, 'Conversations among gendemen: oli-
garchical democracy in Colombia', in Linz e Stepan, eds., Breakdown ofde- dation (New York: Oxford Universiry Press, 1989), p. 33-4; Economist,
mocratic regimes, cit., p. 93-8; Jonathan Harrlyn, 'Colombia: the politics of Sept. 17, 1988, p. 48.
violence and accomodation', in Larry Diamond, Juan J. Linz & Seymour 14 Myron Weiner, 'Empirical democratic theory and the transition from au-
Martin Lipset eds., Democracy in developing countries: Latin America thoritarianism to democracy', PS, 20 (Fali 1987), p. 865.
15 New York Times, Sept. 1, 1987, p. 1.
(Boulder, Colo.: Lynne Rienner, 1989), p. 306-7.
16 Levine, 'Venezuela since 1958', in Liz & Stepan, eds., Breakdown ofdemoc-
2 Jose Maravall, The transition to democracy in Spain (Londres: Croom Helm,
1982), p. 42-4; Donald Share & Scott Mainwaring, 'Transitions through ratic regimes: Latin America, cit., p. 89-92; Philip Mauceri, 'Nine cases of
transaction: democratization in Brazil and Spain', in Wayne A. Selcher, ed., transitions and consolidations', in Robert A. Pastor, ed., Democracy in
Americas: stopping the pendulum (New York: Holmes and Meier, 1989),
Political Liberalization in Brazil: dynamics, dilemmas, and future prospects
p.215.
(Boulder, Colo.: Westview Press, 1986), p. 175-9.
17 'Ali the Spains: a survey', Economist, Nov. 3, 1979, p. 3; Gunrher, 'Democ-
3 Raymond Carr, 'Introduction: the Spanish transition to democracy in his-
ratization and parry building', in Clark & Haltzel, eds., Spain in the 1980s,
torical perspective', in Robert P. Clark & Michael H. Haltzel, eds., Spain
cit., p. 58.
in the 1980s: the democratic transition and a new international role
18 Scott Mainwaring & Eduardo]. Viola, 'Brazil and Argentina in the 1980s',
(Cambridge, Mass.: Ballinger, 1987), p. 4-5.
JournaloflnternationalAffàirs, 38 (Winter 1985), p. 208-9.
4 Wojtek Lamentowicz, 'Dilemmas of the transition period', Uncaptive
19 Timothy Garton Ash, 'The revolution of the magic lantem', New York
minds, 2 (Nov.-Dec. 1989), p. 19.
Review ofBooks, Jan. 18, 1990, p. 51.
5 Carr, 'Introduction', in Clark & Haltzel, eds., Spain in the 1980s, cit.,
20 Skidmore, 'Brazil's slow road', in Stepan, ed., Democratizing Brazil, cit.,
p. 4-5, e Richard Gunther, 'Democratization and parry building: the role
p.9-10.
of parry elites in the Spanish transition', in Clark & Haltzel, eds., Spain in
21 Luis A. Abugattas, 'Populism and after: the Peruvian experience', in James
the 1980s, cit., p. 54-8.
M. MaIloy & MitcheIl A. Seligson, eds., Authoritarians and democrats:
6 James Dunkerley & Rolando Morales, 'The crisis in Bolivia', New Lefi
regime transition in Latin America (Pittsburgh: Universiry of Pittsburgh
Review, n. 155 Oan.-Feb. 1986), p. 100-1; International Herald Tribune, Press, 1987), p. 137-8.
Apr. 28-29, 1990, p. 3. 22 CharIes Guy GilIespie & Luis Eduardo Gonzalez, 'Uruguay: the survival of
7 New York Times, Mar. 2, 1989, p. 1, Mar. 24, 1989, p. AIO. old and autonomous institutions', in Diamond, Linz & Lipset, eds.,
8 Lamentowicz, Uncaptive minds, 2 (Nov.-Dec. 1989), p. 19. Democracy in developing countries: Latin America, p. 223-4; Economist, Dec.
9 Salvador Giner, 'Southern European socialism in transition', in Geoffrey 4, 1982, p. 63; New York Times, Dec. 2, 1980, p. A3, Dec. 6, 1980, p. 3.
Pridham, ed., The new Mediterranean democracies: regime transition in Spain, 23 Aldo e. Vacs, 'Authoritarian breakdown and redemocratization in
Greece, and Portugal (London: Frank Cass, 1984), p. 140, 155. Argentina', in MaIloy & Seligson, eds., Authoritarians and democrats, cit.,
10 Kenneth Medhurst, 'Spain's evolutionary pathway from dictatorship to p. 16; New York Times, Nov. 1, 1983, p. 1, A14; Washington Post, Nov. 1,
democracy', in Pridham, ed., New M.editerranean democracies, cit., p. 38; 1983, p. AI.
Bolivar Lamounier, 'Challenges to democratic consolidation in Brazil' 24 Time, Nov. 21, 1983, p. 43; Washington Post, Nov. 5, 1983, p. AIO; New
(Paper presented Annual Meeting, American Political Science Association, York Times, Nov. 6, 1983, p. 6.
Washington, D.e., Sept. 1-4, 1988), p. 19-20; New York Times, Aug. 1, 25 Washington Post, Feb. 13, 1985, p. AI, A28.
1989, p. A4. 26 Leo E. Rose, 'Pakistan: experiments with democracy', in Larry A. Diamond,
11 Para uma declaração semelhante sobre os compromissos necessários, ver Juan]. Linz & Seymour Martin Lipset, eds., Democracy in developing coun-
Giuseppe Di Palma, 'Government performance: an issue and three cases tries: Asia (Boulder, Colo.: Lynne Rienner, 1989), p. 125-6.
in search of theory', in Pridham, ed., New Mediterranean democracies, cit., 27 Jose Luis Cea, 'Chile's difficult retum to constitutional democracy', PS, 20
p.175-7. (Summer 1987), p. 669.
12 Giner, 'Southern European socialism', in Pridham, ed., New Mediterranean 28 New York Times, Mar. 28, 1989, p. 1; Economist, Apr. 1, 1989, p. 39.

democracies, cit., p. 149, e P. Nikiforos Diamandouros, 'Transition to, and 29 New York Times, June 6, 1989, p. AI; Economist, June 10, 1989, p. 43-4.

consolidation of, democratic politics in Greece, 1974-83: a tentative assess- 30 New York Times, Feb. 27, 1990, p. A12, Mar. 1, 1990, p. A20, Mar. 8,

ment', in Pridham, ed., New Mediterranean democracies, cit., p. 64. 1990, p. A3; Boston Globe, Feb. 27, 1990; Tom Gjalten, 'Let's make a
13 Thomas E. Skidmore, 'Brazil's slow road to democratization: 1974-85', in deal', New Republic, Mar. 19, 1990, p. 14; Washington Post National
Alfred Stepan, ed., Democratizing Brazil: problems of transition and consoli- Weekly Edition, Mar. 5-11, 1990, p. 7.
31 New York Times, May 29, 1990, p. A9; Dai/y Telegraph (London), May 28, 45 Raymond Carr & Juan Pablo Fusi Aizpurua, Spain: dictatorship to democra-
1990, p. 12; Ios Angeles Times, July 10, 1990, p. H2. cy (London: Allen & Unwin, 1981), p. 227.
32 New York Times, June 14, 1990, p. 1, June 15, 1990, p. A9; Washington 46 Chris Hani, citado em Economist, J une 18, 1988, p. 46; Alvaro Cunhal, cita-
Post National Week/y Edition, June 18-24, 1990, p. 18. do em Kenneth Maxwell, 'Regime overthrow and me prospects for democ-
33 Ver Manuel Antonio Garreton, 'Political processes in an authoritarian ratic transition in Portugal', in Guillermo O'Donnell, Philippe C. Schmitter
regime: the dynamics of institutionalization and opposition in Chile, 1973- & Laurence Whitehead, eds., Tramitiom from authoritarian rule: Southern
1980', in J. Samuel Valenzuela & Arturo Valenzuela, eds., Military rule in Europe (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1986), p. 123.
Chile: dictatorship and oppositions (Baltimore: Johns Hopkins University 47 Esses dados sobre mortes políticas originam-se basicamente de reportagens
Press, 1986), p. 173-4. Um plebiscito anterior, em janeiro de 1978, convo- na imprensa e devem ser vistos com algum ceticismo. Por um lado, as
cava a população chilena a se articular em torno de Pinochet em oposição à primeiras estimativas de mortes em qualquer "incidente" ou "massacre" são
"agressão internacional" contra seu país. Assemelhava-se aos plebiscitos quase sempre exageradas e estão sujeitas a correções posteriores. Ver, por
nos países fascistas e comunistas em que os governos sempre obtinham mais exemplo, a redução das informações iniciais de 2700 mortes em Pequim
do que 90% dos votos; no entanto, apenas 75% dos eleitores chilenos em junho de 1989 e de 60000 pessoas mortas em Bucareste em dezembro
apoiaram Pinochet nesse plebiscito. de 1989. New York Times, June 3, 1990, p. 20; Economist, Jan. 6, 1990,
34 Skidmore, 'Brazil's slow road', in Stepan, ed., Democratizing Brazil, cit., p. 47. Por outro lado, os relatórios dos governos normalmente subestimam
p.23. as mortes que suas forças de segurança provocaram ou sofreram, e muitas
35 George S. Harris, Turkey: coping with crisis (Boulder, Colo.: Westview Press, mortes políticas às vezes não aparecem nas estimativas oficiais ou indepen-
1985), p. 59. dentes, porque os assassinos ou amigos da vítima cuidam dos corpos pri-
36 Sung-joo Han, 'South Korea: politics in transition', in Diamond, Linz & vadamente. Para um sofisticado modelo de análise de mortes políticas na
Lipset, eds., Democracy in developing countries: Asia, p. 283-4; Gregory África do Sul entre 1977 e 1984, ver Hendrik W. van der Merwe, 'A tech-
Henderson, 'Constitutional changes from the first to the sixth republics: nique for the analysis of political violence', Politikon, 16 (Dec. 1989),
1948 to 1987', in Ilpyong J. Kim & Young Whan Kihl, eds., Political p. 63-74. O South Mrican Institute of Race Relations estima que 8 577
change in South Korea (New York: Korean PWPA, 1988), p. 38. pessoas morreram por violência política entre setembro de 1984 e outubro
37 Laurence Whitehead, 'Bolivia's failed democratization, 1977-1980', in de 1990. Wayne Safro, Special report on violence against black town council-
O'Donnell, Schmitter & Whitehead, eds., Transitions from authoritarian lors and policemen Oohannesburg: South Mrican Institute of Race Rela-
rule: Latin America (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1986), p. tions, Dec. 1990), p. 1.
58-60. 48 Ver Douglas L. Wheeler, The military and the Portuguese dictatorship,
38 Citado em Alfred Stepan, The last days ofPinochet?', New York Review of 1926-1974: "The Honor of the Army"', in Lawrence S. Graham & Harry
Books, June 2, 1988, p. 33. M. Makler, eds., Contemporary Portugal' the revolution and its antecedents
39 Citado em Constantine P. Danopoulos, 'From military to civilian rule (Austin: University ofTexas Press, 1979), p. 215; John L. Hammond,
in contemporary Greece', Armed Forces and Society, 10 (Winter 1984), 'Electoral behavior and political militancy', in Graham & Makler, eds.,
p.236-7. Contemporary Portugal, cit., p. 269-75; Douglas Porch, The Portuguese
40 Sandra Burton, Impossible dream: the Marcoses, the Aquinos and the unfin- armedforces and the revolution (London: Croom Helm, 1977), p. 165,228;
ished revolution (New York: Warner Books, 1989), p. 102; Hasan-Askari Thomas C. Bruneau, 'Discovering democracy', Wilson Quarter/y, 9 (New
Rizvi, The civilianization of military rule in Pakistan', Asian Survey, 26 Year's 1985), p. 70-1.
(Oct. 1986), p. 1076-7; Economist, Oct. 29, 1988, p. 43. 49 Rafael Lopez-Pintor, 'Los condicionamentos socioeconómicos de Ia acción
41 Karl D. Jackson, The Philippines: the search for a suitable democratic so- política en Ia transición democrática', Revista Espafíola de Investigaciones
lution, 1946-1986', in Diamond, Linz & Lipset, eds., Democracy in de- Sociológicas, 15 (1981), p. 21, reproduzido em Jose Ignacio Wert Ortega,
veloping countries: Asia, p. 253; Rizvi, 'Civilianization of military rule', The transition from below: public opinion among the Spanish popula-
p. 1076-7; Economist, June 16, 1990, p. 45; New York Times, June 15, tion from 1977 to 1979', in Howard R. Penniman & Eusebio M. Mujal-
1990, p. A9. Leon, eds., Spain at the pools, 1977, 1979, and 1982: a study ofthe nation-
42 Citado em Burton, Impossible dream, cit., p. 200-1; Economist, Sept. 10, al elections (Durham, N.C.: Duke University Press, American Enterprise
1988, p. 44-7. Institute, 1985), p. 344.
43 Economist, June 29, 1985, p. 38 ss. 50 Timothy Garton Ash, 'Eastern Europe: the year of the truth', New York
44 Burton, Impossible dream, cit., p. 208-11. Review ofBooks, Feb. 15, 1990, p. 18.
51 Francisco Weffort, 'Why democracy?', in Stepan, ed., Democratizing Brazil, or destruction: European and South America comparisons', in Robert A.
cit., p. 341-5. Pastor, ed., Democracy in the Americas: stopping the pendulum (New York:
52 Mainwaring & Viola, 'Brazil and Argentina', cit., p. 208; New York Times, Holmes and Meier, 1989), p. 41-61; Laurence Whitehead, 'The consolida-
Dec. 17, 1982, p. A6, Dec. 18, 1982, p. 3, Dec. 20,1982, p. A2. tion of fragile democracies: a discussion with illustrations', in Pastor, ed.,
53 Ramon H. Myers, 'Political theoty and recent political developments in the Democracy in the Americas, cit., p. 79-95; e Charles Guy Gillespie, 'Demo-
republic of China', Asian Survey, 27 (Sept. 1987), p. 1013; New York cratic consolidation in the Southern Cone and Brazil: beyond political dis-
Times, Dec. 1, 1986, p. A3, Dec. 2, 1986, p. A6; Washington Post National articulation', Third World Quarterly, 11 (Apr. 1989), p. 92-113.
Weekly Edition, Jan. 22-28, 1990, p. 10. 2 Para um tratamento cuidadoso de tais questões, com referência à segunda
54 Timothy Garton Ash, 'The German revolution', New York Review of Books, onda e aos primeiros casos da terceira onda, ver John H. Herz, 'On
Dec. 21, 1989, p. 16. reestablishing democracy after the downfall üf authoritarian or dictatorial
55 Ash, cit., New York Review ofBooks, Feb. 15, 1990, p. 19. regimes', Comparative Politics, 10 Quly 1978), p. 559-62, no qual Herz
56 New York Times, Sept. 28, 1984, p. A3. definiu a questão como sendo: 'Forgive and forget, or prosecute and
57 Economist, Feb. 17, 1990, p. 35.
purge?', e Herz, 'Conclusion', in John H. Herz, ed., From dictatorship to
58 Ver J. Btyan Hehir, 'Papal foreign policy', Foreign Policy, 78 (Spring 1990),
democracy: coping with the legacies of authoritarianism and totalitarianism
p. 45-6, para a declaração de João Paulo 11 de que "a violência é má, a vio-
(Westport, Conn.: Greenwood Press, 1982), p. 277-81. Para uma com-
lência é inaceitável como solução para os problemas" e que portanto não
paração da experiência da terceira onda na Argentina, Brasil e Uruguai, ver
pode haver uma doutrina da "revolução justa", um ponto de vista que não é
Alfred Stepan, Rethinking military politics: Brazil and the Southern Cone
partilhado universalmente pelos católicos.
(Princeton: Princeton University Press, 1988), p. 69-72, 107-8, 115-6, e
59 Benigno Aquino, discurso preparado para ser proferido a 21 de agosto de
para uma excelente discussão sobre questões políticas e morais, ver Aspen
1983 no aeroporto de Manila, New York Times, Aug. 22, 1983, p. A8.
60 Zbigniew Bujak, citado em David S. Mason, 'Solidarity as a social move-
Institute, Justice and SocietyProgram, State crimes: punishment or pardon
ment', Political Science Quarterly, 104 (Spring 1989), p. 53; Lech Walesa, (Queenstown, Md.: The Aspen Institute, Papers and Report of a
entrevista por Neal Conan, National Public Radio, 5 de fevereiro de 1985; Conference, Nov. 4-6, 1988, 1989).
Ash, 'Eastern Europe', cit., p. 19. 3 Tais dados, que inevitavelmente são apenas aproximados, originam-se de
61 Chefe Mengosuthu G. Buthelezi, 'Desinvestiment is anti-black', Wall Street diversas fontes, inclusive as citadas em conexão com as estimativas do capí-
Journal, Feb. 20, 1985, p. 32. tulo 4, a respeito das pessoas mortas nas democratizações. Para os dados do
62 New York Times, Jan. 20, 1987, p. 3; Jeffrey Herbst, 'Prospects for revolution Chile, ver também New York Times, Aug. 1, 1989, p. A4, Mar. 13, 1990,
in South Mrica', Political Science Quarterly, 103 (Winter 1988-89), p. 681-2. p. A3, e, sobre o Brasil, New York Times, Dec. 15, 1985, p. 15.
63 Economist, July 27, 1985, p. 26; Washington Post National Weekly Edition, 4 Citado em Lawrence Weschler, 'The great exception: I - liberty', New
July 21, 1986, p. 15. Yorker, Apr. 3, 1989, p. 84.
64 Washington Post, Mar. 28, 1984, p. A16; New York Times, Oct. 30, 1984, 5 Whitehead, 'Consolidation offragile democracies', in Pastor, ed., Democra-
p. AI; Boston Globe, Oct. 31, 1984, p. 3, Nov. 28, 1984, p. 17; Charles cies in the Americas, cit., p. 84.
Lane, 'Marcos, he ain't', New Republic, July 7, 1986, p. 21. 6 Aryeh Neier, 'What should be done about the guilty?', New York Review of
65 New York Times, May 15,1986, A21, June 17, 1986, p. A2, Mar. 4, 987, Books, Feb. 1, 1990, p. 35.
p. A3, Aug. 4, 1987, p. A13. 7 Vaclav Havel, 'New Year's Address', Uncaptive Minds, 3 Qan.-Feb. 1990),
66 William Flanigan & Edwin Fogelman, 'Patterns of democratic develop- p.2.
ment: an historical comparative analysis', in John V. Gillespie & Betty A. 8 Citado em Weschler, cit., New Yorker, Apr. 3, 1989, p. 84.
Nesvold, eds., Macro-quantitative analysis: conflict, development, and democ- 9 Neier, cit., New York Review ofBooks, Feb. 1, 1990, p. 35.
ratization (Beverly Hills: Sage Publications, 1971),487-8. 10 New York Times, Aug. 1, 1989, p. A4, Mar. 10, 1990, p. 4; Boston Globe,
Dec. 10, 1989, p. 17.
11 New York Times, May 29,1983, p. E3.
12 P. Nikiforos Diamandouros, 'Transition to, and consolidation of, democra-
tic politics in Greece, 1974-83: a tentative assessment', in Geoffrey Prid-
1 Para outras discussões sobre os problemas da consolidação democrática, ver ham, ed., The new Mediterranean democracies: regime transitions in Spain,
Juan Linz & Alfred Stepan, 'Political crafting of democratic consolidation Greece, and Portugal (London: Frank Cass, 1984), p. 57.
13 Harry Psomiades, 'Greece: from rhe colonel's rule ro democracy', in Herz, Zagorski, 'Civil-military relations and Argentine democracy', Armed Forces
ed., From dictatorship to democracy, cit., p. 262-5. O número exato de julga- and Society, 14 (Spring 1988), p. 423.
mentos de torturadores é incerto, porque foram realizados em várias juris- 34 Psomiades, 'Greece', in Herz, ed., From dictatorship to democracy, cit.,
dições e envolveram diversos crimes (agressão,abuso de autoridade) difíceis p.207.
de disringuir dos casos de crimes normais. 35 Eusebio Mujal-Leon, 'The crisis of Spanish democracy', Washington
14 Ver Nunca mds: the report o/ the Argentina National Commision on the Quarterly,5 (Spring 1982), p. 104; New York Times, Nov. 15, 1981, p. A17,
Disappeared (New York: Farrar Strauss Giroux, 1986), p. 10, 51 et passim. Nov. 21,1981, p. 2.
15 Diamandouros, 'Democratic politics in Greece', in Pridham, ed., New 36 Thomas C. Bruneau & Alex MacLeod, Politics in contemporary Portugal
Mediterranean democracies, cit., p. 58. (Boulder, Colo.: Lynne Rienner, 1986), p. 118-26; Washington Post, Jan.
16 Psomiades, 'Greece', in Herz, ed., From dictatorship to democracy, cit., 28, 1984, p. A17, A24.
p. 263-64; New York Times, Dec. 31, 1990, p. 3. 37 New York Times, Mar. 11, 1990, p. E3, E21, Sept. 18, 1990, p. 11; Time,
17 Peter Ranis, 'The dilemmas of democratization in Argentina', Current Mar. 26, 1990, p. 26.
History, 85 Gan. 1986), p. 30; Elizabeth Fox, 'Argentina: a prosecution in 38 Bruneau & MacLeod, Politics in contemporary Portugal, p. 24. Ver, em geral,
trouble', Atlantic Monthly, 255 (Mar. 1985), p. 42. capítulos 1 e 6, e Walter C. Opello, Jr., Portugal's political development: a
18 New York Times, Dec. 28,1986, p. E3, Feb. 21, 1987, p. 4; Economist, Dec.
comparative approach (Boulder, Colo.: Westview Press, 1985), capo7.
13, 1986, p. 42. 39 New York Times, Sept. 9, 1990, p. 6, Dec. 6, 1990, p. A14, Jan. 22, 1991,
19 New York Times, Dec. 30, 1990, p. 9.
p.A17.
20 International Herald Tribune, June 27-28, 1987, p. 5.
40 Henri J. Barkey, 'Why military regimes fail: the perils of transition', Armed
21 James Cotton, 'From authoritarianism to democracy in South Korea',
Forces and Society, 16 (Winter 1990), p. 187; New York Times, July 3,
Political Studies, 37 Gune 1989), p. 257.
1987, p. A5, Dec. 4,1990, p. A13; Economist, July 4,1987, p. 47.
22 Wesctiler, New Yorker, Apr. 3, 1989, p. 83; Stepan, Rethinking military pol-
41 Ver, em geral, Diamandouros, 'Democratic politics in Greece', in Pridham,
itics, cit., p. 70-1. Apoiei-me basicamente na avaliação de Weschler quanto
ed., New Mediterranean democracies, cit., p. 60; Constantine P. Dano-
à controvérsia sobre a anistia no Uruguai. Seus artigos para o New Yorker
poulos, 'From balconies to tanks: post-junta civil-military relations in
foram depois reunidos em livro, A mirac!e, a universe: settling accounts with
torturers (New York: Pantheon Books, 1990).
Greece', Journal o/Political and Military Sociology, 13 (Spring 1985), p. 91,
23 Danilo Arbilla, citado em Newsweek, Jan. 28, 1985, p. 23.
95; McClintock, 'Prospects for democratic consolidation', cit., p. 134; Paul
24 Weschler, cit., New Yorker, Apr. 3, 1989, p. 85.
Heywood, 'Spain: 10 June 1987', Governmentand Opposition, 22 (Autumn
25 New York Times, Apr. 18, 1989, p. A8. 1987), p. 397-98. Danopoulos usa a metáfora da cenoura e do chicote para
26 Ernesto Sabato, citado em Washington Post, Feb. 2, 1986, p. C5. descrever as políticas militares de Karamanlis e Papandreou.
27 Neier, 'What should be done', p. 34; New York Times, June 3, 1990, p. 6,
42 Shubert, cit., Armed Forces in Society, 10, p. 535-7; Martin C. Needler,
June 11. 1990, p. A4.' 'Legitimacy and the armed forces in transitional Spain' (Paper prepared for
28 Lawrence Weschler, 'The great exception: II - impuniry', New Yorker, Meeting, International Political Science Association, Rio de Janeiro, Aug.
Apr. 10, 1989, p. 92-3; Boston Globe, Apr. 16, 1989, p. 20. 10-14, 1982), p. 16.
29 Neier, 'What should be done', cit., p. 34. 43 International Herald Tribune, May 30, 1990, p. 5; New York Times, Mar.
30 Gabriel Schoenfeld, 'Crimes and punishments', Soviet Prospects, 2 (Oct. 31, 1982, p. A4; Times (London), Mar. 29, 1990, p. 13.
1990); Janusz Bugajski, 'Score settling in Eastern Europe', Soviet Prospects, 44 Danopoulos, 'From balconies to tanks', cit., p. 91-2; Salvador Giner,
2 (Oct. 1990), p. 1-3; New York Times, Jan. 1,1990, p. A13, July 7, 1990, 'Southern European socialism in transition', in Pridham, ed., New Mediter-
p. A8, Nov. 11, 1990, p. A16; Times (London), May 29,1990, p. 11. ranean democracies, cit., p. 151; New York Times, Mar. 31,1982, p. A4.
31 'Problems in the Soviet military', SovietlEast European, Report, 7 (Sept. 20, 45 Citado em New York Times, July 22, 1989, p. 3.
1990), p. 1-2; New York Times, July 5, 1990, p. A7. 46 'On the edge of Europe: a survey of Portugal', Economist, July 30, 1984,
32 New York Times, May 11, 1989, p. A7. p.7.
33 Cynthia McClintock, 'The prospects for democratic consolidation in the 47 New York Times, Oct. 28, 1983, p. A5, Jan. 24, 1984, p. A2; Times
"Ieast likely" case: Peru', Comparative Politics, 21 Gan. 1989), p. 142; (London), Mar. 20, 1990, p. 13.
Adrian Shubert, 'The military threat to Spanish democracy: a historical 48 Danopoulos, 'From balconies to tanks', cit., p. 93; Zagorski, 'Civil-military
perspective', Armed Forces and Society, 10 (Summer 1984), p. 535; Paul W. relations', cit., p. 424.
57 Linz & Stepan, 'Political crafting', in Pastor, ed., Democracy in the Americas,
49 Danopoulos, 'From balconies to tanks', cit., p. 89; Theodore A. Cou-
cit., p. 49; McClintock, 'Prospects for democratic consolidation', cit.,
loumbis & Prodromos M. Yannis, 'The stability quotient ofGreece's post-
p.127.
1974 democratics institutions', Journal o/ Modern Greek Studies, 1 (Oct.
58 Enrique A. Baloyra, 'Public opinion and support for democratic regimes,
1983), p. 366; New York Times, Jan. 15, 1989, p. 6; Economist, Jan. 21,
Venezuela 1973-1983' (Paper prepared for Annual Meeting, American
1989, p. 40.
Political Science Association, New Orleans, La., Aug. 29-Sept. 1, 1985),
50 Danopoulos, 'From balconies to tanks', cit., p. 89, 93; New York Times,
p. 10-1.
Mar. 31, 1982, p. A4.
59 Makram Haluani, 'Waiting for the revolution: the relative deprivation of
51 New York Times, Dec. 6, 1990, p. A14.
the J-curve logic in the case ofVenezuela, 1968-1989' (Paper prepared for
52 O Economist ofereceu conselhos bem semelhantes aos líderes das novas de-
Annual Meeting, American Political Science Association, Atlanta, Georgia,
mocracias quanto ao trato com seus militares:
Aug. 31-Sept. 3, 1989), p. 9-10. .
Esqueça pecados passados - ou, pelo menos, não queira puni-Ios [...] 60 McDonough, Barnes & Lopez Pina, 'Democratic legitimacy in Spain', cit.,
Seja forte, e também tenha muito tato [...] p.751.
Trate-os generosamente [ ] 61 Esses dados sobre economia e opinião pública foram tirados de Linz &
Mantenha-os ocupados [ ] Stepan, 'Political crafting', in Pastor, ed., Democracy in the Americas, cit.,
Ensine-os a respeitar a democracia [...] p.43-5.
Ganhe o povo para seu lado - mas tome cuidado para não prometer mais 62 Ver Guillermo O'Donnell, 'Challenges to democratization in Brazi1', World
do que pode dar [...] Policy Journal, 5 (Spring 1988), p. 281-300.
Se tudo o mais falhar, acabe com o exército. 63 McDonough, Barnes & Lopez Pina, 'Democratic legitimacy in Spain', cit.,
Economist, Aug. 29, 1987, p. 36. p. 752-3; McClintock, 'Prospects for democratic consolidation', cit.,
53 Washington Post, May 5, 1984, p. A17; Washington Post National Week/y, p.140.
Nov. 9, 1987, p. 17; Juan de Onis, 'Brazil on the tightrope toward democ- 64 Para esses e outros dados sobre mudanças na cultura política alemã, ver
racy', Foreign A./fairs, 63 (FalI 1989), p. 128; New York Times, June 5, 1989, Kendall L. Baker, Russell J. Dalton, Kai Hildebrandt, Germany trans-
p. A9; Tzvetan Todorov, 'Post-totalitarian depression', New Republic, June formed: polítical culture and the new polítics (Cambridge: Harvard Univer-
25, 1990, p. 23-5; New York Times, Nov. 9, 1990, p. AI, AIO. sity Press, 1981), passim, mas especialmente capo 1 e p. 273, 287; David P.
54 Peter McDonough, Samuel H. Barnes, Antonio Lopez Pina, 'The growth of Conradt, 'Changing german political culture', in Gabriel A. Almond &
democratic legitimacy in Spain', American Polítical Science Review, 80 Sidney Verba, eds., The civic culture revisited (Boston: Little, Brown, 1980),
(Sept. 1986), p. 743; New York Times, May 7, 1989, p. 2E; Thomas C. p. 212-72, e 'West Germany: a remade political culture?', Comparative
Bruneau, 'Popular support for democracy in post-revolutionary Portugal: Political Studies, 7 Ouly 1974), p. 222-38.
results from a survey', in Lawrence S, Graham & Douglas L. Wheeler, eds., 65 Baker, Dalton & Hildebrandt, Germany transformed, cit., p. 68-9, 285;
In search o/ modern Portugal: the revolution and íts consequences (Madison: Warren M. Tsuneishi, Japanese political style (New York: Harper, 1966),
University ofWisconsin Press, 1983), p. 35-6; McClintock, 'Prospects for p.17-21.
democratic consolidation', cit., p. 142. 66 International Herald Tribune, May 10, 1990, p. 1, May 16, 1990, p. 1, May

55 Larry Diamond, Juan]. Linz & Seymour Martin Lipset, 'Democracy in de- 21, 1990, p. 2; Times (London), May 11, 1990, p. 10.
veloping countries: facilitating and obstructing factors', in Raymond D. 67 Numa análise sobre as razões pelas quais os pequenos países do Caribe, em

Gastil, ed., Freedom in the world: polítical rights and civilliberties 1987- sua maior parte antigas colônias britânicas, mantiveram a democracia, Jorge
1988 (New York: Freedom House, 1988), p. 231. I. Dominguez chama a atenção para o papel do subsistema internacional e
56 Linz & Stepan, 'Political crafting, in Pastor, ed., Democracy in the Americas, de outros Estados do Caribe, bem como dos Estados Unidos, na ação con-
cit., p. 46, 58-9, e Ekkart Zimmerman, 'Economic and poli ti cal reactions tra golpes e outras ameaças à democracia. O sistema internacional do
to world economic crises of the 1930s in six European countries' (Paper Caribe deu prioridade à "democracia em relação à não-intervenção (o opos-
presented for convention, Midwest Political Science Association, Chicago, to do que tem sido a norma mais comum na América Latina)". 'The
Apr. 10-12, 1986), p. 51, citado em Linz & Stepan, 'Political crafting', cit., Caribbean question: why has liberal democracy (surprisingly) flourished? A
p. 46; Robert A. Dix, Book review, American Political Science Review, 83 rapporteur's report' (Unpublished paper, Harvard, University, Center for
(Sept. 1989), p. 1055. International Affairs, Jano 1991), p. 31.
68 Ver Juan J. Linz, 'The perils of presidentialism', Journal of Democracy, 1 I i Yu-sheng Lin, 'Reluctance to modernize: the influence of confucionism on
(Winter 1990), p. 51-70, e os artigos de Donald Horowitz, Seymour China's search for political modernity', in Joseph P. Liang, ed., Confu-
Martin Lipset & Juan J. Linz, Journal of Democracy, 1 (Winter 1990), cianism and modernization: a symposium (Taipei: Wu Nan Publishing Co.,
p. 73-91. 1987), p. 25. Para uma interpretação um pouco diferente sobre direitos hu-
manos e o governo das leis na tradição confucionista, ver Stephen B. Young
& Nguyen Ngoc Huy, The tradition ofhuman rights in China and Vietnam
(New Haven: Vale Center for International and Area Studies, Council on
Southeast Asia Studies, 1990). Eles argumentam que havia uma dualidade
entre virtude e poder na tradição confucionista, mas admitem que o poder
I Para relatos muito úteis, ver Economist, Sept. 10, 1988, p. 43-4, Dec. 24, tornou-se cada vez mais concentrado nos tempos modernos.
1988, p. 61-6 e Aug. 5, 1989, p. 75. 12 Ver Daniel Kelliher, 'The political consequences of China's reforms',
2 Economist, May 6, 1989, p. 34, Nov. 11, 1989, p. 40-1; Times (London), Comparative Politics, 18 Quly 1986), p. 488-90, e Andrew J. Nathan,
Apr. 12, 1990, p. 12; The Observer, May 29, 1990, p. 18. Chinese democracy (New York: Alfred A. Knopf, 1985).
3 Times (London), Apr. 24, 1990, p. 11. 13 Economist, Apr. 23, 1988, p. 37, Nov. 5, 1988, p. 35; New York Times, May

4 Ver secretário James Baker, 'Democracy and American diplomacy' (Ad- 20, 1982, p. A2, July 10, 1988, p. E2; Ian Buruma, 'Singapore', New York
dress, World Affairs Council, Dallas, Texas, Mar. 30, 1990), e as obser- Times Magazine, June 12, 1988, p. 118.
vações de Ronald Reagan na English-speaking Union, London, citado no 14 Lucian W. Pye & Mary W. Pye, Asian power and politics: the cultural dimen-
New York Times, June 14, 1989, p. A6. sions of authority (Cambridge: Harvard University Press, 1985), p. 232-6.
5 Stan Sesser, 'A rich country gone wrong', New Yorker, Oct. 9, 1989, p. 80-4. 15 New York Times, Dec. 15, 1987, p. A14; Gregory Henderson, Korea: the
6 A identificação dos Estados Unidos com a democracia ficou dramatica- politics ofthe vortex (Cambridge: Harvard University Press, 1968), p. 365.
mente evidente nas manifestações contra o regime militar em setembro de 16 Economist, Jan. 27, 1990, p. 31; New York Times, Jan. 23, 1990, p. 1.

1988, em Rangum: "Meio milhão de birmaneses eufóricos desfilaram pelas 17 Goh Chok Tong, citado em New York Times, Aug. 14, 1985, p. A13.

ruas de Rangum, passando diante das abandonadas repartições governa- 18 Lucian W. Pye, 'Asia 1986 - An excepcional year', FreetÚJm at Issue, 94
mentais. O centro da manifestação era a Embaixada Americana. Quando o Qan.-Feb. 1987), p. 15.
19 Ernest Gellner, 'Up from imperialism', The New Republic, May 22, 1989,
embaixador, Burton Levin, passou em seu carro oficial, com as bandeiras
americanas desfraldadas nos paralamas, a multidão aplaudiu; como bem p. 35-6; R. Stephen Humphreys, 'Islam and political values in Saudi
sabiam os birmaneses, os Estados Unidos tinham sido a primeira nação a Arabia, Egypt, and Syria', Middle EastJournal, 33 (Winter 1979), p. 6-7.
20 New York Times, July 1, 1990, p. 5.
condenar os assassinatos brutais sob o governo de Sein Lwin, no início de
21 Para uma breve descrição das muitas formas da política islâmica, ver
agosto. Todos os dias faziam-se discursos em frente da Embaixada. O tema
Mahnaz Ispahani, 'The varieties of Muslim experience', Wilson Quarterly,
dos discursos era a democracia e a América se tornou o símbolo de tudo o
13 (Autumn 1989), p. 63-72.
que os birmaneses queriam ou sentiam falta. Alguns manifestantes car-
22 World Bank, World development report 1990 (New York: Oxford University
regavam a bandeira americana, e, num determinado momento, um grupo
Press, 1990), p. 8-11, 16, 160, e Sub-Saharan Africa: from crisis to sustain-
de estudantes foi para a porta da Embaixada e recitou o Discurso de
able growth (Washington: World Bank, 1990).
Gettysburg, palavra por palavra, em inglês". Stan Sesser, 'A rich country
23 Esses e os subseqüentes dados do PNB per capitae taxas de crescimento de
gone wrong', New Yorker, Oct. 9, 1989, p. 80~1.
PNB e PIB são do World Bank, World development report 1990, p. 178-81.
7 New York Times, Dec. 28, 1989, p. A13; International Herald Tribune,
May 12-13, 1990, p. 6.
8 Times (London), May 27, 1990, p. A21; Time, May 21, 1990, p. 34-5;
Daily Telegraph, Mar. 29, 1990, p. 13; New York Times, Feb. 27, 1990,
p. AIO, Apr. 9, 1990, p. A6.
9 George F. Kennan, The cloud of danger (Boston: Little, Brown, 1977),
p.41-3.
10 Ver William Wallace, The transformation ofWestern Europe (London: Royal
Institute ofInternational Affairs, Pinter, 1990), p. 16-9, e Michael Howard,
'The remaking ofEurope', Survival, 32 (Mar.-Apr. 1990), p. 102-3.
Samuel P. Huntingtonfoi
presidente da Associação
Americana de Ciência Política e
coordenador de planejamento
de segurança do Conselho de
Segurança Nacional dos EUA.
Atualmente, é diretor do
Instituto lohn M. OÜn de
Estudos Estratégicos da
Universidade Harvard.

Você também pode gostar