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A UMBANDA DO TERCEIRO MILÊNIO- por TÚLIO ALVES FERREIRA

AS IMAGENS NA UMBANDA E O SINCRETISMO RELIGIOSO

No início da espécie humana, os primeiros homens, por não possuírem nenhum tipo de
ferramenta, colocavam pedras enormes numa posição vertical, transformando-as em
deuses. Quando começaram a surgir as primeiras ferramentas, feitas de pedra ou de
madeira mais resistentes ao atrito, bem como de pedaços de ossos afiados das presas
abatidas ou encontradas mortas, o homem começou a dar forma às imagens. As formas
iniciais eram de animais que os primeiros seres humanos admiravam; posteriormente, as
imagens tomaram a forma do próprio homem. Num processo psíquico de projeções
inconscientes, o homem deslocou sua força interior para essas imagens, tornando-se, de
alguma forma, prisioneiro delas. Até hoje, o homem busca sua força perdida e, cheio de
esperanças, negocia com as imagens seu futuro, acreditando mesmo poder regatear com
elas, através de orações, velas, flores e alimentos. As ferramentas, antes de
transformarem as pedras virgens e os menires sagrados da natureza em imagens, na
realidade, transformaram os próprios homens em estátuas de carne, sem sua força
interior, preenchidos apenas por um grande vazio. A Umbanda do terceiro milênio não,
precisa de nenhum tipo de imagem, pois sabe que a força está no próprio homem. Mas o
umbandista, ainda prisioneiro de uma série de condicionamentos herdados de seus
antepassados, com um forte apelo de seu inconsciente coletivo ou, mesmo, por uma
bagagem genética, não conseguiu abdicar das imagens. São raros os terreiros de
Umbanda que possuem um mínimo de imagens de santos da Igreja Católica, de caboclos,
de pretos velhos e Exus. Na verdade, as imagens, criadas pelo homem com o intuito de
veneração, representam um grande comodismo mental, pelo qual seus adoradores não
precisam pensar em mais nada, pois transferem toda a capacidade de decisão para elas. É
uma grande ilusão acreditar que as energias cósmicas, os orixás, podem ser prisioneiras
de qualquer imagem, pois elas são transcendentes. Em 1970, conheci um senhor
chamado Antônio, que morava na cidade de Goianésia, no Estado de Goiás. Ele tinha um
excelente poder de psicocinésia (capacidade de movimentar objetos com a força mental)
e uma de suas mais espetaculares façanhas era fazer com que duas imagens ficassem
balançando, dando trombadas entre si, numa espécie de dança mágica. Muitas pessoas
que presenciavam esse espetáculo acreditavam que ele dava vida às imagens e, com isso,
reforçavam a própria fé (condicionamento) no poder individual das imagens. Conheci,
também, um feiticeiro que enterrava imagens de santos com a cabeça para baixo, com o
intuito de prejudicar seus inimigos. Ele não conhecia, tenho certeza, a lei número um da
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magia: a lei do retorno. Se aquele feiticeiro enterrasse a imagem de lado, ou de cabeça


para baixo ou para cima, não faria nenhuma diferença, pois o resultado obtido por sua
magia negra estava em sua própria força mental negativa que, desprendendo uma
energia com um forte potencial destruidor, saia à cata de sua vítima. O resultado dessa
magia não dependeria mais do feiticeiro, a partir de suas projeções negativas, mas da
qualidade do campo vibratório, da aura ou corpo bioplásmico, da pessoa ou das pessoas
escolhidas como alvo. Todavia, pela prática, sei que uma imagem pode reter
provisoriamente uma energia psíquica e ficar magnetizada por um médium, mantendo
um campo vibratório muitas vezes captado por outro sensitivo e, dependendo do alcance
desse campo vibratório, poderá proteger as pessoas que realimentam essa energia
através de suas forças mentais, num processo de transferência psíquica. Não se trata de
aprisionar numa simples imagem de barro, madeira, mental, etc., as energias do santo,
caboclo, preto velho ou Exu, mas sobretudo as energias do médium, que teve suas forças
mentais desenvolvidas por seus mentores espirituais. Só podemos compreender a
validade de uma imagem quando ela tem o sentido de lembrar-nos o seu personagem.
Tenho, por exemplo, em meu consultório uma imagem de São Francisco de Assis. Não
adoro essa imagem; ela é um símbolo. Ao olhar para ela, vejo esse maravilhoso santo
como um modelo a seguir, por seu desprendimento, sua humildade, sua dedicação ímpar
aos pobres e doentes, seu amor sem limites pelos animais e seu carinho todo especial
pela mãe-natureza. Sem nenhuma dúvida, dos santos da Igreja Católica, São Francisco
de Assis é o mais próximo da freqüência vibratória da Umbanda. Tive essa convicção
quando, um dia, tomando um passe no terreiro Nossa Senhora da Glória, do falecido pai
de santo Jorge, incorporado com um preto velho me disse: “Filho, preto velho estava
vendo você sentado lá trás no terreiro, envolvido por luz muito grande. Era a falange de
São Francisco que lhe dá muita proteção.” Acredito pessoalmente que a imagem é
desnecessária nos terreiros de Umbanda. Sou pela sua linha evolutiva, pelo seu
despojamento externo, reforçando a força interior do médium. Mas minha forma de
pensar não é definitiva. Estou sempre pronto a alterá-la. Nunca ficarei envergonhado de
mudar de opinião, pois nunca foi vergonhoso raciocinar. Certa vez, ao entrar no meu
terreiro, recebi uma comunicação intuitiva de uma entidade, que chamamos de “Seu”
João: “Compre uma imagem para mim. Imediatamente respondi: “Sim, um dia
comprarei.” Na verdade, eu estava apenas tentando ganhar tempo, pois não acho
conveniente aumentar o condicionamento natural dos médiuns através de imagens, pois
invariavelmente eles passam a “limitar” as energias, que não têm limites, prejudicando
sua compreensão real. Mas, exatamente duas horas depois, quando cheguei à repartição
onde trabalhava, entrou um amigo trazendo um embrulho nas mãos e disse: “Túlio,
trouxe um presente para você.” Respondi: “Não vai me dizer que é uma imagem”. Ele
retrucou, surpreso: “Mas é uma imagem.” Concluí: “Só falta ser do Seu João.” Era uma
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imagem do “Seu” João. O amigo me contou que, durante o almoço, naquele dia, tivera
vontade de comprar uma imagem para a entidade para a qual sua esposa trabalhava, a
cabocla Jandira. Saiu com a esposa e foi a uma casa de artigos religiosos. Encontrou a
imagem da cabocla, mas mudou de idéia na hora, resolvendo comprar a de “Seu” João
para me dar de presente. De nada valeu o protesto de sua esposa, que alegou já existir
aquela imagem no terreiro que eles freqüentavam. Explicou-lhe que seria para mim
aquele presente e que depois compraria uma para sua cabocla, pois não tinha no
momento condições de comprar duas imagens. Não tive alternativa: a imagem solicitada
naquele dia chegou mais cedo do que eu esperava, e foi colocada no terreiro. Com o
passar do tempo, ela rachou; pensei então em retirá-la, mas para minha surpresa um de
meus cunhados entrou uma noite no terreiro com outra imagem idêntica e a ofereceu
para substituir a velha. Assim, continuará existindo a imagem de “Seu” João no terreiro,
até o dia que ele julgar necessário, talvez para causar impacto psicológico nos
freqüentadores ou em mim mesmo. No meu livro Casos verídicos e fenômenos de
Umbanda, conto a história da imagem do caboclo Tibiriçá e como a obtive. Eu acreditava,
naquela época, que a imagem de um caboclo pudesse representar sua energia vibratória.
Hoje sei que nenhuma imagem poderá representar qualquer espírito ou espíritos que
utilizam o pseudônimo de caboclo. O caboclo está muito além de qualquer imagem, pois
é um símbolo, representa o desprendimento que o médium de Umbanda precisa ter,
representa o fim do apego às coisas materiais, do egoísmo, tornou-se um excelente
símbolo por se apresentar na natureza despido, na sua forma natural de ser. Criar uma
imagem para representar o desprendimento e a energia que atua principalmente no
psiquismo das pessoas, que é a energia do caboclo, é muito difícil; sua imagem significa
na realidade apenas uma tentativa válida, mas não totalmente representativa. O
verdadeiro umbandista precisa compreender que o caboclo, essa energia de um número
infinito de espíritos que um dia tiveram corpos, aliada à energia psíquica dos homens,
está muito além de uma simples imagem e, quanto mais conseguirmos imaginário como
uma energia que vibra em toda a natureza, sem as barreiras do espaço e do tempo, mais
próximo estaremos da realidade. A imagem do caboclo, com toda a sua estereotipia, é
uma representação; essa energia não tem forma definida; como qualquer espírito, toma a
forma que lhe convier. Quando num terreiro um médium vidente, ao fazer vidência,
percebe a presença de um caboclo ao lado do médium, isso não significa, em absoluto,
que seja essa, necessariamente, a sua forma pois, não tendo um corpo físico no espaço,
ele toma qualquer forma em nossa dimensão, apresentando-se ao vidente como uma
ideoforma, criada em sua mente pela energia do caboclo, para diferenciá-la da energia
emitida pelos pretos velhos. Não devemos confundir as imagens dos terreiros de
Umbanda, que representam a energia dos pretos velhos, com a figura humana dos pretos
velhos. A figura do preto velho é um símbolo. Ela representa o espírito de humildade, de
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serenidade, de paciência, de que o médium não pode abrir mão se pretende evoluir
espiritualmente. No espaço, ela é constituída de uma infinidade de espíritos que
desencarnaram e, hoje, atuam nessa freqüência vibratória. Na falange dos pretos velhos
e dos caboclos - que não é constituída apenas por esse tipo de espíritos - existem
espíritos que tiveram em vida o corpo de um preto velho ou de um índio; mas mesmo
esses espíritos tiveram corpos de médicos, de sapateiros, de bombeiros, de bancários, de
padres, etc. Muitas vezes, fazendo vidências para as pessoas, não vi o espírito de um
preto velho, mas senti a energia da falange dos pretos velhos. Não havia necessidade de
criar na minha mente uma ideoforma, pois era capaz de identificá-la naturalmente,
embora no início um preto velho tenha se materializado para que eu pudesse identificá-lo
melhor. Muitos umbandistas também passam por esses estágios; outros ficam por muito
tempo nessa fase, durante a qual só compreendem a vibração dos pretos velhos, criando
imagens mentais. A medida que os mentores espirituais de cada médium percebem sua
evolução, aumentam sua intuição e, assim, em qualquer circunstância, o preto velho,
essa energia maravilhosa, pode se manifestar através de exemplos de amor, de perdão,
de caridade, etc. Não devemos pensar que somente diante da imagem de um preto velho,
de um caboclo ou de um Exu é que podemos ver atendidas as nossas orações, pois
podemos entrar em sintonia vibratória com essas energias em qualquer lugar; basta que
alteremos a freqüência de nossa vibração. Quando, na Umbanda, se fez o sincretismo
religioso entre os Orixás (energias da natureza, emanadas das pedras, das plantas, da
água, do ar, do fogo, etc.) e alguns santos da Igreja Católica, isso representou sem
dúvida uma tentativa válida de conciliar o espírito de religiosidade das pessoas que
freqüentavam as duas religiões. Mas, na verdade, esse sincretismo causa algumas
confusões para os próprios umbandistas, devido ao regionalismo. Por exemplo, a energia
emanada do metal, na África, conhecida como Ogum, no Brasil tentam representá-la no
Rio de Janeiro e outros Estados como sendo o santo da Igreja Católica conhecido como
São Jorge, enquanto na Bahia o mesmo Ogum é tido como sendo um outro santo dessa
Igreja, conhecido como Santo Antônio. Na verdade, nem a imagem de São Jorge nem a
de Santo Antônio representam com fidelidade a energia de Ogum. Essa energia é parte
da vibração emitida pelos metais contidos na natureza e no corpo de todos os animais; é
também parte da energia psíquica projetada no espaço todas as vezes que um animal
sente impulsos para tomar uma atitude; é o espírito de luta de todo tipo de vida pela sua
própria sobrevivência. Assim é praticamente impossível que exista uma imagem que
possa exprimir com exatidão essa energia cósmica. Quando um médium, em qualquer
terreiro, está atuado com uma entidade chamada Ogum, não está incorporado com essa
energia em sua forma pura, mas está trabalhando através de comunicações telepáticas
com eguns, espíritos de pessoas que já desencarnaram, e que atuam, por sua freqüência,
na falange da energia de Ogum. Esta é a grande diferença entre um Orixá e um egum. O
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orixá nunca teve um corpo animal, ao passo que o egum já teve diversos corpos de
animais racionais ou, num passado distante, de irracionais. O sincretismo religioso se fez
obedecendo a vários requisitos, como regionalismo, associação de idéias, etc. O orixá
Oxosse, por exemplo, é representado por São Sebastião pelo fato de a imagem do santo
ser representada corri o corpo cheio de flechas, que lembram o índio, que por sua vez
lembra as matas, a energia vibratória de Oxosse. Oxosse é a energia emitida pelos
vegetais. No homem, essa energia é representada através da sua capacidade de
introversão, de seu espírito de observação, de seu interesse de um modo geral pelo
desconhecido, etc. Mas São Sebastião não é Oxosse, pois ele foi um homem, como
homem teve um corpo e, ao desencarnar, tornou-se um egum. Dentro do sincretismo
religioso, para representar Xangô, a energia emanada pela vibração dos minerais e, no
homem, por seu espírito de justiça, seu apurado senso crítico e seus ideais em defesa dos
oprimidos, foram escolhidos três santos da Igreja Católica. Desta vez, os santos foram
escolhidos por se apresentarem dentro das características da personalidade dos
chamados filhos de Xangô como, por exemplo, São Pedro, representando Xangô Alafin,
São Jerônimo, Xangô-Caô, e São João Batista como sendo Xangô-Agodô. Assim, Xangô,
sendo a energia emanada dos minerais, um Orixá, não pode ser os santos acima pois,
apesar de terem desenvolvido um magnífico papel social, não perderam sua condição de
seres humanos e, consequentemente, de eguns. As imagens de Iemanjá sofrem um maior
número de variações, dependendo da região. A imagem mais conhecida é a de uma
mulher de cabelos longos, de cor branca, sobre as águas, mas é representada como sendo
Nossa Senhora da Glória, da Penha, das Candeias, etc. Mas nenhuma imagem traduz
realmente a energia das águas salgadas, cuja vibração encontra sintonia no ser humano
pelo espírito paternal ou maternal, conforme o caso. Sendo Iemanjá uma energia
procedente das vibrações das águas salgadas, não poderia ser representada com
fidelidade por nenhum egum. Em qualquer terreiro de Umbanda, notadamente no Estado
do Rio de Janeiro, a imagem de Nossa Senhora da Conceição é tida como Oxum, a energia
emanada das águas doces, da cachoeira e, no ser humano, como o espírito de ternura, de
meiguice, etc. A imagem de Nossa Senhora da Conceição é, na verdade, a imagem de um
egum e desta forma não pode representar a imagem do orixá Oxum. Na mesma linha de
sincretismo, o orixá lansã ficou sendo representado pela imagem de Santa Bárbara. A
energia emanada pelo ar, conhecida por lansã, tem sua representatividade no ser
humano através do espírito de liberdade. A energia do ar, por sua forma volátil, e sendo
um orixá, é a que tem menos possibilidade de ser representada por um egum. Poucos
terreiros utilizam, dentro de sua linha de sincretismo religioso, a imagem de Nossa
Senhora de Santana para representar o orixá Nanã-Buruquê. Na natureza, suas energias
procedem das águas salobras e, nos seres humanos, pelo alto espírito de proteção às
diversas criaturas. A representação deste orixá por uma santa também fica prejudicada
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por ela ter sido um egum. Os umbandistas têm um grande respeito e até evitam fazer
comentários sobre dois orixás que representam a doença e a morte: são os orixás
Obaluaê e Omulú, respectivamente. Dentro do sincretismo religioso, escolheram para
representá-los os santos da Igreja Católica nas imagens de São Roque, com suas feridas,
e de São Lázaro, por sua ligação com a morte. Mas tanto as doenças como a morte só
podem ser representadas por elas mesmas. Muitos são os orixás que poderíamos
continuar descrevendo, mas os dois mais importantes, e que causam maior polêmica, são
os orixás Oxalá e Exu. Muitos umbandistas negam até que Exu seja um orixá devido à
sua infeliz comparação com o diabo da Igreja Católica. Quando entramos em qualquer
terreiro de Umbanda, é comum encontrarmos uma imagem de Jesus no Congá (altar),
representando Oxalá e, na entrada, dentro de uma casinha (firmeza do terreiro) a
imagem do diabo, representando o orixá Exu. Jesus não é Oxalá, muito embora sua
freqüência vibratória faça parte integral do orixá Oxalá. No universo, existem dois
princípios básicos: um princípio agregador e outro desagregador, que atuam em todos os
sentidos. Oxalá é o princípio agregador; nos animais sua correspondência é o amor e,
como energia cósmica, não tem forma, e Jesus, um maravilhoso homem santo, teve um
corpo para cumprir sua missão de cordeiro de Deus, foi um egum. Existe uma correlação
tão estreita entre o orixá Oxalá e o amor de Jesus que realmente fica muito difícil
separá-los. O orixá Exu é o princípio desagregador, uma energia que, atuando no campo
oposto da energia de Oxalá, é tão intensa quanto a outra. Uma energia existe em função
da outra; elas se completam e não teriam nenhum sentido em separado. Os orixás Oxalá
e Exu estão em todos os outros orixás, num processo constante de transformação;
consequentemente, estão também no homem. O orixá Exu não é bom nem mau;
dependendo da finalidade com que está sendo utilizado, é uma energia como todas as
outras energias, simplesmente aética. Representar essa energia como sendo a imagem
do diabo inventado pela religião católica, historicamente como um elemento de coação, é
uma grande infelicidade. Nós, umbandistas, não acreditamos na existência do diabo, e
muito menos em sua forma humanóide, com pés de cabra, rabudo e com chifres, fedendo
a enxofre. A confusão existe sobre o orixá Exu com o possível diabo, pelo fato de que,
durante as atuações mediúnicas, o médium toma uma postura disforme, com as mãos em
forma de garras, simbolizando o mal. O simbolismo do mal que o médium representa é a
sua parte má, numa eterna luta para vencer sua parte boa. Muitos espíritos que vibram
numa freqüência próxima da freqüência do orixá Exu, utilizam o nome de Exu; mas os
médiuns não estão incorporados com a energia pura do Exu, pois volatizariam
imediatamente; eles estão manifestados com espíritos da falange dos Exus; é diferente.
O mesmo acontece quando os médiuns estão incorporados com outros orixás: estão, na
verdade, manifestados com espíritos dessas falanges. Muitas vezes trabalhei no terreiro
manifestado com entidades da falange dos Exus, sem necessariamente ficar com o corpo
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numa posição disforme, sem nenhum prejuízo para a qualidade do trabalho mediúnico.
Das imagens, a mais sem sentido é a imagem da pomba-gira. Normalmente, sua imagem
é a de uma mulher semidespida, com os seios de fora, com ares de prostituta. É
lamentável essa estereotipia, pois a energia sexual, que garante a perpetuação das
espécies, não tem forma definida; dizer que a energia kundalínica, ou a libido, tem a
forma de uma mulher sensual, é praticamente a mesma coisa que afirmar que a energia
elétrica tem a forma de um elefante. A energia sexual, impropriamente chamada de
Pomba-gira, não é uma exclusividade da mulher; ela está presente em todos os animais,
de qualquer sexo. Em algumas regiões da África, essa mesma energia sexual é
representada por um pênis ereto, que também não é a sua melhor representação, pois
estaríamos atribuindo a energia sexual apenas aos homens. O fato desta energia sexual,
em suas manifestações mediúnicas, ter uma preferência pelas mulheres, não lhes dão
esta primazia para representá-la com exclusividade, pois a energia sexual pode atuar
tanto num sexo como no outro. Trata-se muito mais de um condicionamento e
insegurança por parte dos homens, pois as mulheres trabalham com espíritos da linha
dos Exus com segurança, sem nenhum sentimento de machismo. No médium,. sua
característica de sensualidade com acentuados traços de feminilidade é uma
representação sobretudo arquetípica, uma projeção inconsciente da própria sexualidade
do médium. Sérios desequilíbrios psicológicos podem ser atenuados, ou quase extintos,
quando o médium equilibra sua energia sexual, através dos trabalhos mediúnicos com
espíritos da falange da pomba-gira. Em nosso terreiro, os médiuns que atuam com as
pombas-giras trabalham num clima excelente, sem fantasias mentais ou mesmo sem
vestimentas. Lamentavelmente, em terreiros que visitei, vi médiuns representando sua
própria sexualidade reprimida, usando indevidamente o nome dessa falange. A energia
sexual não foi, não é e nem será sinônimo de prostituição; o médium pode perfeitamente
controlar seus impulsos, ensinando as entidades dessa linha a trabalharem num
ambiente positivo. Qualquer terreiro de Umbanda tem o direito de colocar quantas
imagens quiser em seu Congá. Mesmo que essas imagens não estejam dentro do
sincretismo religioso entre a Umbanda e a Igreja Católica. Alguns terreiros possuem
imagens de Buda, de Santa Rita de Cássia, de Nossa Senhora Aparecida, do padre Cícero,
etc. O que importa de fato é o trabalho de caridade que o terreiro efetua. A crença ou
não nas imagens irá apenas determinar a linha de atuação do centro. O que mais importa
é a caridade. Numa preparação para o terceiro milênio, o ideal seria não ter imagens ou
não ter até mesmo o próprio terreiro. As matas, as praias, as cachoeiras, etc. seriam,
como de fato são, terreiros naturais para a prática da Umbanda, num contato direto com
as energias dos orixás. Muitos umbandistas estão tão condicionados com suas imagens
ou com o próprio terreiro que sentem muita dificuldade para entrar em contato com seus
mentores fora do ambiente de religiosidade que criaram. A caridade deve ser feita em
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qualquer lugar ou época, pois a dor não tira férias, não conhece domingo nem feriado. O
médium da Umbanda pode atuar de forma consciente, sem qualquer estereótipo, quando
for preciso ajudar ao próximo. Na realidade, Olorum (Deus) não precisa de templos feitos
pelo homem. Ele precisa do próprio homem; daí tê-lo feito como seu templo vivo.
A VELA

A vela é, com certeza, um dos símbolos mais representativos da Umbanda. Ela está
presente no Congá, nos pontos riscados, nas oferendas e em quase todos os trabalhos de
magia. Quando um umbandista acende uma vela, mal sabe que está abrindo para sua
mente uma porta interdimensional, onde sua mente consciente nem sonha com a força
de seus poderes mentais. A vela funciona na mente das pessoas como um código mental.
Os estímulos visuais captados pela luz da chama da vela acendem, na verdade, a fogueira
interior de cada um, despertando a lembrança de um passado muito distante, onde seus
ancestrais, sentados ao redor do fogo, tomavam decisões que mudariam o curso de suas
vidas. A vela desperta nas pessoas que acreditam em sua força mágica uma forte
sensação de poder. Ela funciona como uma alavanca psíquica, despertando os poderes
extra-sensoriais em estado latente. Uma das várias razões da influência mística da vela
na psique das pessoas é a sensação de que ela, através de sua chama, parece ter vida
própria. Embora, na verdade, saibamos, através do ocultismo, que o fogo possui uma
energia conhecida como espíritos do fogo ou salamandras. Muitos umbandistas acendem
velas para seus guias de forma automática, num ritual mecânico, sem nenhuma
concentração. É preciso muita concentração, e respeito ao acender uma vela, pois a
energia emitida pela mente do médium irá englobar a energia do fogo e, juntas, irão
vibrar no espaço cósmico, para atender a razão da queima dessa vela. Sabemos que a
vida gera calor e que a morte traz o frio. Sendo a chama da vela cheia de calor, ela tem
um amplo sentido de vida, despertando nas pessoas a esperança, a fé e o amor. No ritual
da magia, o mago entra em contato com seu mundo inconsciente, depositário de suas
forças mentais, onde irão ser utilizadas para que alcancem seus propósitos iniciais.
Qualquer pessoa que acender uma vela, com fé, está nesse momento realizando um ritual
mágico e, consequentemente, está sendo um mago. Se uma pessoa utilizar suas forças
mentais com a ajuda da magia das velas, no sentido de ajudar alguém, irá receber em
troca uma energia positiva; mas, se inverter o fluxo das energias psíquicas, utilizando-as
para prejudicar qualquer pessoa, o retorno será infalível, e as energias de retorno são
sempre mais fortes, pois voltam acrescidas da energia de quem as recebeu. As pessoas
que utilizam a força da magia das velas - que, na realidade, despertam as forças
interiores de cada um - com propósitos maléficos, não são consideradas magos, mas
feiticeiros ou bruxos. Infeliz daquele que, na ânsia de destruir seus inimigos, acende
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velas com o formato de sapo, de diabo, de caveira, de caixão, etc., principalmente nas
cores vermelha ou preta, pois está assumindo um terrível compromisso cármico com os
senhores do destino. Todos os nossos pensamentos, palavras e atos estão sendo
gravados na memória do infinito, ninguém fica impune junto à justiça divina. Voltaremos
ao planeta Terra quantas encarnações for preciso para expiar nossas dívidas com o
passado. Por outro lado, feliz daquele que lembra de acender uma vela com o coração
cheio de amor para o anjo da guarda de seu inimigo, perdoando-o por sua insensatez,
pois irá criar ao seu redor um campo vibratório de harmonia cósmica, elevando suas
vibrações superiores. Ao acender velas para as almas, para o anjo da guarda, os pretos
velhos, os caboclos, para a firmeza de pontos, no Congá, para um santo de sua
preferência ou como oferenda aos orixás, é importante que o umbandista saiba que a
vela é muito mais para quem acende do que para quem está sendo acesa, tendo a mesma
conotação do provérbio popular que diz: A mão de quem dá uma flor, fica mais
perfumada do que a de quem a recebe. A intenção de acender uma vela gera uma energia
mental no cérebro da pessoa. Essa energia é que a entidade espiritual irá captar em seu
campo vibratório. Assim, a quantidade de velas não influirá no valor do trabalho; a
influência se fará diretamente na mente da pessoa que está acendendo as velas, no
sentido de aumentar ou não o grau da intenção. Desta forma, é inútil acreditar que
podemos comprar favores de uma entidade negociando com uma maior ou menor
quantidade de velas acesas. Os espíritos captam em primeiro lugar as vibrações de
nossos sentimentos, quer acendamos velas ou não. Daí ser melhor ouvir uma das
máximas de Jesus que diz: “Antes de fazer sua oferenda, procure conciliar-se com seu
irmão.” Não é conveniente, ao encontrar uma vela acesa no portão do cemitério, nas
encruzilhadas, embaixo de uma árvore, ao lado de urna oferenda, apagá-la por
brincadeira ou por outra razão. Devemos respeitar a fé das pessoas. Um de meus
sobrinhos, ao passar por uma encruzilhada na cidade satélite do Gama, por brincadeira
chutou um despacho, apagando as velas, de forma zombeteira. Quebrou o pé em
seguida, e, quando tirou o gesso, num passeio de moto, a roda da moto saiu e ele voltou a
quebrar o mesmo pé que havia chutado o despacho. Expliquei-lhe que ele deveria
retornar à encruzilhada e refazer o despacho. Refeito o trabalho, ele não quebrou mais o
pé. Precisamos respeitar o sentimento de religiosidade das pessoas, principalmente
quando acender uma vela faz parte deste sentimento. Se ao acender uma vela a pessoa
tiver um forte poder de magnetização, torna-se mais perigoso apagar a vela. Mas, se ela
não estiver magnetizada, fica a critério de cada um. Experiências feitas com a máquina
Kirlian, que fotografa a aura das pessoas e objetos, constataram que um objeto qualquer,
após sua magnetização, tem sua aura imediatamente aumentada. Um amigo me contou
que no Rio de Janeiro haviam feito um despacho no meio de uma encruzilhada, com velas
acesas e outras coisas mais. Um colega que lhe estava dando carona, para zombar,
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resolveu passar com o carro por cima do despacho e, para seu azar, havia um vazamento
de gasolina. Foi o bastante para incendiar o carro, obrigando o meu amigo a uma bela
corrida. Tudo isso poderia ter sido evitado se ele soubesse respeitar a crença do próximo.
Nos trabalhos de Umbanda existe uma grande preocupação com o uso de velas virgens,
ou que não estejam quebradas. A princípio, pensei tratar-se de mera superstição, mas
depois compreendi que a vela virgem estava isenta da magnetização de uma vela usada
anteriormente, evitando assim um choque de energias, que geralmente anula o efeito do
trabalho de magia. Somente no caso da vela quebrada encontrei um componente
supersticioso: psicologicamente, a pessoa acredita que um trabalho perfeito precisa de
instrumentos perfeitos. Se o trabalho obtiver sucesso, o detalhe da vela quebrada não
será notado: mas, se falhar, será tido como o principal fator de seu fracasso o fato de a
vela estar quebrada. Em muitos terreiros existe uma recomendação para só se
acenderem velas com palitos de fósforos, evitando acendê-las com isqueiro ou em outra
vela acesa. Normalmente, os terreiros fazem uso de pólvora, chamada de fundanga, nos
trabalhos de descarrego. O enxofre que a pólvora contém também está presente nos
palitos de fósforo. Ao entrar em combustão, a chama repentina, dentro de um ambiente
místico, provoca uma reação psicológica muito eficiente, além de alterar
momentaneamente a atmosfera ao seu redor, devido à sua composição química, em
contato com o ar. A mente do médium capta essas vibrações, que funciona como um
comando mental, autorizando-a a aumentar seu próprio campo vibratório, promovendo
desta forma uma limpeza psíquica no ambiente. Não é a pólvora que faz a limpeza, mas a
mente do médium, se ele conseguir ativá-la para este f i m. Na Umbanda, alguns médiuns
ficam em dúvida sobre se a vela de sete dias tem a mesma eficiência de sete velas
normais. Sabemos, de acordo com a psicologia, que um comportamento pode ser
modificado através do reforço. No fato de se acender uma vela isoladamente não há
nenhum tipo de reforço que se baseia na repetição. Assim, ao acender uma vela durante
sete dias, as pessoas são reforçadas diariamente em sua fé e, repetindo os pedidos,
dentro desse ritual de magia, ficam realmente com maiores probabilidades de despertar a
própria mente e alcançar seus propósitos. Na prática, constatamos que dificilmente uma
vela de sete dias queima durante todo esse tempo. Para trabalhos de meditação o uso
das velas é excelente pois, além da ‘diminuição dos estímulos visuais na semi-escuridão,
força a atenção para a chama da vela, aumentando sua capacidade de concentração. O
contraste do claro-escuro contribui para lembrar as pessoas da necessidade de uma
iluminação interior. Na Umbanda, o uso da vela branca é o mais freqüente, devido à sua
representação como símbolo da pureza. A cor branca na Umbanda é a cor do orixá Oxalá.
Daí a razão do uso de velas brancas na maioria dos rituais de magia, dentro da associação
da pureza/Oxalá. O orixá Ogum, tido como senhor das guerras, tem uma vibração muito
forte. As velas vermelhas, quando acesas dentro de seu ritual, vibram na mesma
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freqüência, com resultados mais favoráveis. Considerando que a força da vela está mais
na força mental do mago, a cor irá concorrer no sentido de favorecer sua capacidade de
concentração, devido à conjugação de freqüências idênticas. Se houver uma inversão nas
cores das velas, isso poderá ou não alterar o resultado dos trabalhos de magia, pois
dependerá em grande parte da força mental do mago. Ficou estabelecida que a cor
amarela, que deriva da vermelha, é a cor do orixá lansã, também pelo fato de ser uma
energia de luta. As velas acesas para lansã deverão ser da cor amarela, para continuar
em sua freqüência vibratória. A variação de quantidade de velas deve ser a mesma que
se acende para qualquer outro orixá ou entidade, de acordo com os objetivos da magia.
Todavia, o umbandista deverá ter o cuidado de acender sempre um número ímpar de
velas, pois no ocultismo os números ímpares não se anulam, por terminarem sempre em
um; daí sua força mágica, por não ser um número divisível. Acender apenas uma vela tem
o sentido de unidade, de unificação. Três velas representam na mente humana a
trindade divina (Pai, Filho e Espírito Santo). Cinco velas representam em nosso
inconsciente coletivo o próprio homem. Sete velas significam a junção do espiritual (3)
com o material (4), ou simbolizam a união entre o microcosmo (homem) e o macrocosmo
(Deus), e assim por diante. A cor azul, com sua vibração serena, vibra na mesma
freqüência do orixá Oxum, a senhora das águas doces. A vela de cor azul tanto pode ser
acesa para Oxum como para Iemanjá, que aceita em seu ritual velas brancas. Por isso
alguns terreiros preferem usar velas bicolores, nas cores azul e branca, para Iemanjá.
Estabeleceu-se que a cor marrom-ocre é a cor do orixá Xangô, levando-se em
consideração a neutralidade dessa mesma cor. A energia de Xangô emana dos minerais,
que possuem uma variedade muito grande de cores. Curiosamente, prevaleceu a cor
mais freqüente, que a das pedras sobre a superfície da terra. A cor verde, por seu
equilíbrio vibratório, obtido pela junção das cores amarela e azul, vibra na freqüência do
orixá Oxosse, o senhor das matas. Assim, uma vela de cor verde, acesa numa mata, que
tem a cor verde, possui uma força vibratória muito forte, facilitando o trabalho de magia.
A cor rosa, com sua vibração cheia de vida, vibra na freqüência da energia da falange dos
espíritos das crianças, conhecida na Umbanda como Erês. Velas bicolores, nas cores azul
e rosa, são acesas também com o mesmo resultado das velas cor-de-rosa. A vela de cor
preta, com sua vibração pesada, simboliza a morte física e tem a mesma freqüência do
orixá Omulú, o senhor da calunga ou do cemitério. Essa cor de vela jamais deve ser
utilizada, pois sua freqüência é altamente negativa. Tivemos no terreiro uma experiência
ruim com uma vela de cor preta. Um dia eu estava descansando em casa, quando uma
das médiuns do terreiro telefonou-me dizendo que tinha sonhado que atrás da sala onde
trabalhava havia um trabalho de magia negra feito para matá-la. Procurei tranqüilizá-la,
pedindo que, se achasse o trabalho de magia, pegasse com a mão esquerda, guardasse e
na sessão seguinte levasse para o terreiro. Na primeira sessão ela levou o trabalho para
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o preto velho analisar e anular seus efeitos. Estava muito assustada, pois o trabalho era
exatamente como havia visto em sonho. O preto velho, chamado Pai Francisco da Guiné,
pediu uma vela de cor branca para enfiar uma agulha que havia sido encontrada, fazendo
parte do trabalho de magia feito contra a médium. Não havia nenhuma vela branca no
terreiro, havia somente um pacote de velas de cor preta, levado por engano por um dos
participantes. Ao ser informado da existência das velas pretas, ele demorou a tomar uma
decisão. Depois, muito pensativo, disse à médium: “Minha filha, temos que quebrar este
trabalho de magia para desmanchar a maldade que fizeram contra você, mas teremos de
tomar muito cuidado, pois não queremos levar a pessoa que fez este trabalho de magia
negra. Não gostaríamos de usar vela de cor preta, mas temos que salvar sua vida, que
está correndo perigo. Porém, esta vela que agora está com a agulha enfiada
lateralmente deverá ser a terra de ninguém, para não prejudicar por acesa num tabela o
seu proprietário, pois ao seu redor se agruparão diversos tipos de energias negativas,
para anular o efeito da magia feita por esta infeliz criatura.” O preto velho indicou o lugar
que a vela deveria ser acesa. Ao sair do terreiro, passei pelo local e participei do ritual
para acender a vela. No dia seguinte voltei ao terreiro e, ao passar perto do mesmo local,
havia um caminhão carregado de areia com as rodas para cima. Perguntei às pessoas
que estavam na pista do asfalto e elas disseram que, perto da meia-noite, sem nenhuma
explicação, o caminhão havia capotado, e que por sorte o motorista não ficara
machucado. Não sabemos o que aconteceu com a pessoa que fez o trabalho de magia
negra; a médium, porém, vive feliz com sua família. As velas bicolores, nas cores
vermelha e preta, são utilizadas para o orixá Exu. Devem ser acesas com muita cautela e
de preferência por quem conhece os segredos da magia, ou seja, por quem conhece a
“mironga”. A vela vermelha e preta, quando está queimando a cor vermelha, tem o
sentido de luta; quando está queimando a cor preta significa a vitória sobre o objetivo
proposto inicialmente. As velas bicolores, nas cores branca e preta, são utilizadas nos
trabalhos de magia dos pretos velhos e devem ser usadas sob a orientação direta dos
próprios pretos velhos. Para os trabalhos de alta magia, recomenda-se o uso de velas de
cera, por sua constância e pela força de sua chama. É a vela ideal para as cerimônias de
batismo das crianças, onde elas serão amenizadas do carma de seus inimigos de vidas
passadas. Não recomendamos aos umbandistas fazerem velas com restos de outras
velas, seja qual for o motivo, pois as conseqüências são imprevisíveis. Com magia não
devemos nos arriscar; ou temos certeza ou não a realizamos. Os restos de velas estão
impregnados das energias mentais de quem as acendeu. Aproveitar esses restos é o
mesmo que querer aproveitar os restos dessas energias; como não sabemos com qual
intenção as velas foram acesas, haverá fatalmente um choque entre as diversas energias.
A vela acesa para o anjo da guarda (que seu campo vibratório representa) deverá ser
acesa, sempre, com um copo d’água ao lado, para captar as cargas negativas que poderão
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prejudicá-lo nas tarefas que irá realizar. A vela acesa para seu anjo da guarda deverá
obedecer ao seguinte ritual: um copo com água limpa, um pedaço de papel quadrado, de
cor branca, para vibrar na mesma freqüência da vela, com seu nome, ou o nome de quem
você deseja ajudar, escrito em forma de cruz, ou seja, o nome na posição vertical e na
horizontal. A vela deverá ser colocada à direita do copo d’água. Os resultados são
excelentes e o único cuidado deverá ser o de acender a vela num lugar seguro, para
evitar incêndio. Na Umbanda do terceiro milênio o Homem deverá estar plenamente
consciente de que sua força mental é a sua grande aliada e nunca a sua inimiga. Deverá
libertar-se gradativamente dos valores exteriores criados por sua mente e valorizar-se
mais. Seu grande desafio é superar a si mesmo. Em vez de acender uma vela, deverá
acender sua chama interior e tornar-se um iluminado e, com o brilho dessa chama
sagrada, mostrar o caminho aos seus irmãos.

OFERENDAS E DESPACHOS
(EBÓS - Obrigações)

No dia 31 de dezembro de cada ano, o litoral brasileiro recebe milhões de flores, de velas
e pequenos presentes, como oferendas, pelos umbandistas ou simpatizantes desse
movimento religioso. Essas oferendas são para Iemanjá, a senhora das águas salgadas.
A cada flor lançada ou vela acesa, uma súplica, um pedido, uma esperança ou um
agradecimento são feitos, alimentando a fé, essa mola propulsora, que lançará no mar
cósmico, nesse oceano espacial, o amor de cada um, como uma oferenda sagrada, cheia
de perfumes, exalados pelos corações de seus filhos. A oferenda, essa oferta mágica,
sempre esteve presente nos hábitos de todos os povos. Existe uma universalidade no
propósito da oferenda, onde cada um faz uma doação de parte de si mesmo. Ao fazer uma
oferenda, o umbandista está repetindo um gesto que seus ancestrais faziam antes de
cada caçada, num momento de concentração e fé, para garantir a sobrevivência da tribo.
Se a caçada fosse bem-sucedida, a oferenda havia sido aceita; no caso de fracasso, ela
fora rejeitada, e tudo começava novamente numa nova caçada. Na Umbanda, as
oferendas variam de acordo com a simpatia dos umbandistas por outras correntes
religiosas. Assim, variam desde uma simples flor, até um prato feito com os requintes de
uma habilidosa culinária. Quando um médium recebe a obrigação de levar a uma
cachoeira velas e flores brancas para o orixá Oxum, energia que emana da água doce, a
intenção da entidade que passou essa obrigação é colocá-lo em contato com essa
energia, provocando uma sintonia vibratória. O orixá Oxum tem sua vibração própria,
imantando toda a área ao seu redor. O médium, ao entrar nesse campo energético,
começa a captar e a sintonizar suas energias com as energias da água doce, que possuem
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similaridade com suas próprias energias, e nesse processo de interação sua mente
aprende como promover de novo essa sintonia vibratória, com o conseqüente
fortalecimento de seu campo psíquico, em qualquer lugar em que ele esteja, mesmo a
uma notável distância física da cachoeira. Uma vez que a mente humana consegue
captar uma freqüência vibratória, seja de Oxum, de Ogum, de Xangô, etc. ela não
esquece nunca mais. As oferendas facilitam um entrosamento entre a mente humana e as
energias extracorpóreas, facilitando a interação energética. Existem pessoas que são
capazes de fazer uma oferenda muito simples e conseguem obter um resultado positivo,
ao passo que outras pessoas precisam sofisticar ao máximo uma oferenda e os resultados
são fracos ou negativos. Além do fator merecimento, existe a lei do livre-arbítrio, que
assegura às pessoas o direito de reagir diante das situações aflitivas, nos momentos em
que necessitam de sua força mental para reprogramar seu futuro. A força não está
exclusivamente no tipo ou na quantidade de oferendas, mas sobretudo na mente do
ofertante. Os objetos que fazem parte das oferendas possuem uma força energética
mínima, funcionando muito mais no sentido mágico, no encantamento visual. A
mensagem genética do processo de oferenda é muito forte e encontra uma admirável
receptividade no inconsciente coletivo das pessoas. Assim, a oferenda funciona como
uma alavanca psíquica, pois vem sendo utilizada através de milênios. Todo despacho é
uma oferenda, mas a recíproca não é verdadeira, ou seja, nem toda oferenda é um
despacho. A oferenda em si é um gesto de amor, enquanto o despacho pode ter um
sentido muito diverso. Se uma pessoa oferece a Oxosse, energia que emana dos vegetais,
uma vela verde, acesa ao lado de um cuité (vasilha de coco), dentro de uma floresta, e
pede ao senhor das matas saúde, força e sabedoria, ela está fazendo uma oferenda. Mas
se ela vai à mesma floresta, acende uma vela verde e pede para Oxosse afastar seus
inimigos, essa pessoa está fazendo um despacho, pois ele tem o sentido de demanda. Na
oferenda, o umbandista não assume um compromisso cármico que possa prejudicá-lo;
mas no despacho, se houver um sentido de agressão e não de defesa, invariavelmente,
ele aumentará seus débitos com os senhores do destino, mesmo que veladamente
procure dissimular, alegando a si mesmo tratar-se de uma oferenda, pois suas intenções
são captadas em primeiro lugar. O amor ainda é a arma mais eficiente e forte,
principalmente se municiada de perdão, para vencer nossos inimigos desta ou de outras
encarnações. Alguns umbandistas acham que as oferendas são uma forma de pagamento.
Assim eles acreditam que quanto mais complicada e cara for uma oferenda ou despacho
mais valorizado será o pagamento. As entidades não fazem da vida um mercado persa.
Elas não estão brincando de pechinchar favores. Por isso, a oferenda deve ser feita num
gesto gratuito, sem o propósito de negociar graças, pois seus sentimentos serão sempre
captados na sua forma verdadeira. No início, quando comecei a freqüentar os terreiros de
Umbanda, freqüentei um terreiro onde se tinha o hábito de sacrificar um galo, como
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oferenda ao povo da rua (Exus). Aprendi a realizar um trabalho de magia que consistia
em sacrificar um galo, tendo os seguintes cuidados: nada poderia ser desperdiçado,
deveriam ser guardadas as penas, o sangue, os pés, a cabeça e os órgãos internos. O
galo deveria ser limpo e cozido naturalmente, com os temperos normais. Após o almoço
e o jantar, o que sobrasse, como ossos e restos de carne não consumidos, seriam
juntados com a parte que não foi cozida e levados a uma encruzilhada, afastada da
cidade. Um cuidado era indispensável: o de que a encruzilhada fosse de terra e não
asfaltada, pois a camada de asfalto altera as vibrações do trabalho. Chegando à
encruzilhada, eu cumprimentava os donos da rua (os Exus) e fazia o despacho, que
normalmente tinha o cunho de oferenda. Durante muitos anos repeti esse ritual de
magia, até que, no dia 13 de junho de 1983, quando fui sacrificar um galo de cor
vermelha, perdi a coragem. Ao ouvir o galo cantar de forma tão sonora, fiquei sem
coragem de sacrificá-lo. A noite, durante a sessão, minha esposa perguntou à entidade a
quem normalmente fazíamos a entrega do galo se havia algum problema no fato de não
ter sido feito o sacrifício. A entidade respondeu: “Não precisamos do sacrifício de animais
em encruzilhada ou em outro lugar qualquer. Se muitas vezes pedimos às pessoas que
façam sacrifícios de animais, é com o intuito de despertá-las. Mas, a partir do momento
em que elas são capazes de usar sua força mental, independentemente de quaisquer
artifícios, somos os primeiros a mudar o tipo de trabalho de magia. Na verdade, não
precisamos do sacrifício de animais, pois a energia de que o médium precisa está em sua
mente e não em simples seres vivos. As pessoas precisam lembrar sempre que no espaço
cósmico não possuímos um corpo físico; portanto, não temos olhos para ver, nariz para
cheirar as oferendas, nem vamos comer esses alimentos. Somos vibrações e, sendo
assim, captamos vibrações. Em primeiro lugar, captamos as vibrações mentais e depois
as vibrações das oferendas. As vibrações das oferendas são importantes, mas não são
essenciais. As vibrações essenciais são as da mente das pessoas. A partir de hoje, nosso
aparelho está dispensado desse tipo de trabalho de magia, mas continuaremos a indicá-lo
para outras pessoas, que ainda não podem despertar sua própria mente de outra forma.”
Minha esposa perguntou qual seria a forma de fazer uma oferenda para o povo da rua (os
Exus) e a entidade completou sua explicação: “Muitos umbandistas deverão fazer suas
oferendas como são capazes de fazê-las, com ou sem animais, mas recebemos com muito
mais alegria a oferenda quando ela é transformada em doação a uma pessoa carente,
pois captamos as vibrações de alegria na mente de quem está recebendo a doação e, com
muito mais intensidade, na mente de quem a está fazendo.” Quando uma pessoa vai a um
terreiro e é avisada de que existe um trabalho feito contra ela, sua primeira preocupação
é a de desmanchar esse trabalho de magia negra. Qualquer trabalho feito para
prejudicar alguém é considerado um trabalho de magia negra. Os trabalhos realizados
para ajudar ou para desmanchar outro trabalho são chamados de magia branca. O
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verdadeiro umbandista nunca usa a magia negra, pois conhece os efeitos da lei de
retorno ou da lei de causa e efeito. Infelizmente, existe a magia negra, porque existem
pessoas que não são capazes de perdoar, ou possuem muita inveja e são sempre
portadoras de uma índole perversa. São, na verdade, criaturas infelizes, sempre
revoltadas com o sucesso alheio. Assim como uma pessoa pode projetar um pensamento
positivo, Pode também projetar um negativo. Nem sempre é necessário que se faça um
trabalho de oferenda ou um despacho para se projetar uma energia mental. Se você tiver
ódio de uma pessoa, onde ela estiver ela receberá carga negativa, da mesma forma que,
se você rezar com fé, ela receberá essa energia positiva através da oração. Quando num
terreiro uma pessoa é informada de que existe um trabalho feito contra ela, isso não
significa necessariamente que alguém foi a uma encruzilhada ou a outro lugar qualquer
arrear um trabalho de magia contra ela. Na maioria dos casos, a entidade está se
referindo a uma projeção mental negativa, que pode ser de inveja, de ciúme, de ódio, etc.
Participei muitas vezes de um trabalho de limpeza espiritual, afastando os obsessores,
que não tinham vibrações de espíritos, mas eram formas mentais, sendo assim muito
mais um trabalho de limpeza psíquica. Assim, se uma pessoa estiver projetando vibrações
de ódio contra você, já está havendo um trabalho mental contra a sua própria pessoa.
Para desmanchar esse trabalho ou um despacho feito num lugar qualquer você será
aconselhado a fazer um despacho, para anular os efeitos dessa carga negativa. Só você
pode desmanchar um trabalho que lhe fizeram, pois sua mente precisa criar ou reforçar o
campo vibrat6rio ao seu redor, a chamada aura. Uma entidade vai lhe passar uma
obrigação, que consiste num banho de descarrego, ou numa oferenda, ou mesmo num
despacho, além de um passe espiritual, para ativar a sua mente, pois ela sabe que as suas
defesas são de sua responsabilidade. Não adianta exigir das entidades proteção se você
não fizer a sua parte, mantendo suas vibrações constantes, reforçando-as através da
caridade, do amor, do perdão e de uma vida equilibrada. Lamentavelmente, muitas
pessoas são ludibriadas em sua boa fé, deixando vultosas importâncias na mão de falsos
umbandistas, que se aproveitam da dor alheia. Eles alegam que têm forças para
desmanchar um trabalho de magia negra. Ingenuamente, as pessoas acreditam e,
sugestionadas pela fé nos espertalhões, sem saber quebram o trabalho pela própria força
mental. O verdadeiro umbandista não ilude ninguém, não cobra por seus trabalhos de
caridade, não usa estratagemas para tirar dinheiro dos outros. Quando uma entidade de
luz que trabalha com um umbandista de verdade pede a uma pessoa um material para
desmanchar um trabalho, ela sabe que a finalidade desse trabalho é despertar a sua
mente e assim exige que a própria pessoa faça a oferenda. É muito importante que a
pessoa, sob o efeito de uma magia, participe da anulação desse trabalho. Nenhuma
pessoa deve dar dinheiro para alguém desmanchar um possível trabalho contra ela; a
própria pessoa é que precisa fazer a oferenda ou despacho, para aumentar suas forças
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mentais e abrir seus caminhos. Se uma pessoa conseguir anular os efeitos de um trabalho
mental feito contra ela, sem o uso de qualquer tipo de oferenda ou despacho, melhor
ainda, pois esta é a forma ideal. Certa vez, uma senhora chegou ao nosso terreiro,
dizendo que lhe haviam informado que uma pessoa tinha feito um terrível trabalho de
magia negra contra ela, e queria que a entidade lhe dissesse o nome dessa pessoa.
Depois de observar bem sobre a cabeça dessa senhora, a entidade falou: “Sim, existe um
trabalho horrível feito contra você. Mas eu gostaria de ser dispensado de revelar o nome
dessa pessoa.” Diante da insistência daquela senhora, a entidade disse: “Bem, já que é
indispensável revelar o nome de quem lhe fez um trabalho, o nome dessa pessoa é tal.” O
nome dito pela entidade era o nome dela, pois era ela mesma que, com ódio do mundo,
agia assim para se agredir. Não podemos acusar as pessoas de estarem nos prejudicando
o tempo todo, de ver em tudo a ação dos espíritos, de acreditar que sempre existe
alguém preocupado em fazer despachos contra nós. Precisamos superar nossas
fraquezas, encarar nossos problemas de frente e enfrentar as dificuldades do dia-a-dia
com altivez. O Homem do terceiro milênio precisa aprender a se libertar de suas muletas
psíquicas, para caminhar mais rápido, pois ninguém, por mais que o ame, poderá
caminhar por ele. Preste atenção: a hora é chegada. Ouça quem tiver ouvidos para ouvir,
veja quem tiver olhos para ver. Mas, se for impossível de todo você caminhar sem
muletas psíquicas, ande com elas, pois o importante é seguir o caminho, seja de que
forma for.
TRANSE – INCORPORAÇÃO

O transe tem um papel fundamental nos trabalhos de Umbanda. O transe é um estado


mental no qual o ego do médium diminui sua capacidade de decisões próprias, assumindo
o comando de sua mente e uma parte de seu inconsciente, que entra em sintonia com as
vibrações do espaço cósmico.Quando uma pessoa está em vigília, seu cérebro emite
ondas betas; quando está dormindo, a emissão é de ondas deitas. Entre as emissões de
ondas cerebrais betas e deltas situa-se o estado alfa, que caracteriza o transe, também
chamado de incorporação. As ondas mentais entre o estado alfa e o estado deita, ou
seja, entre o transe e o estar dormindo, são chamadas de tetas.Nessa faixa de ondas
atuam os obsessores.No estado alfa, o médium acredita que está incorporado com uma
entidade, mas, na verdade, ele está em sintonia mental com essa entidade, num processo
telepático. Seu cérebro emite ondas que vibram na terceira e na quarta dimensões. Daí a
origem do nome médium, que caracteriza a pessoa que pode mediar entre duas
dimensões. Assim o médium projeta a sua mente no espaço cósmico e capta as vibrações
da entidade. Na realidade, não há uma incorporação, mas um prolongamento das
vibrações de sua mente.Todas as Pessoas são médiuns. A diferença está no grau de
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mediunidade pois, quando elas dormem, entram e saem da quarta dimensão


naturalmente.Há uma grande polêmica sobre se o médium fica inconsciente ou não
durante a incorporação. Muitos médiuns alegam a inconsciência, para não inibir as
pessoas que consultam suas entidades, embora permaneçam totalmente conscientes
durante as manifestações mediúnicas.Muitas vezes o médium é sugestionado pelo
dirigente do terreiro, que faz um amaci sobre sua cabeça, convencendo-o de que após
essa cerimônia ele ficará atuando de forma inconsciente. Na realidade, ele continuará
consciente; porém, ao despertar do estado de transe, não se lembrará de nada que
aconteceu durante a incorporação. Daí ele acreditar que passou a ser um médium
inconsciente. Outros, porém, fazendo o mesmo amaci, não conseguem
auto-sugestionar-se para ficarem inconscientes. Mas é importante que o médium saiba
que sua mente passou a dar um comando ao cérebro para esquecer tudo, quando
despertar. Mas tudo o que ele fez foi absolutamente consciente. O fato de lembrar ou
não do que aconteceu durante a incorporação é muito semelhante ao processo de sonhar:
poderemos lembrar ou não dos sonhos que tivemos durante a noite.É comum um médium
alegar que tomou esta ou aquela atitude sem saber o que fazia, pois estava incorporado.
Na verdade, ele tomaria a mesma atitude se estivesse desperto. O transe apenas libera a
vigilância do superego.A própria entidade espiritual que está atuando no médium pode
comandá-lo para que fique inconsciente ao despertar. Mas a maioria dos médiuns
trabalha sem perder a consciência durante toda a incorporação, percebendo tudo o que
está acontecendo. Os médiuns que trabalham de forma consciente podem não realizar
grandes proezas, pois inibem muitas mensagens, por insegurança natural ou por excesso
de zelo; porém, dificilmente serão obsidiados. Muitos médiuns sentem grande
insegurança por trabalharem no terreiro, incorporados, de forma consciente. Ficam sem
saber se são eles mesmos ou as entidades que estão atuando. Chegam, inclusive, a
perder o ritmo do trabalho, prejudicando o desenvolvimento da mediunidade.Os médiuns
precisam saber que a mente pode trabalhar em estado alfa, no nível anímico ou
mediúnico, sem prejuízo dos trabalhos de caridade.No nível anímico, sua mente, ao
alterar a freqüência normal, entra em estado alfa e busca informações no inconsciente
coletivo, nas suas experiências de vidas passadas ou da vida presente, na mente das
pessoas que estão ou não participando da sessão espiritual, podendo ainda vasculhar
todo o presente, o passado ou o futuro.No nível mediúnico, sua mente, ao alterar a
freqüência normal, entra em estado alfa e sintoniza a freqüência vibratória de uma
entidade espiritual, passando a receber informações, dela ou de outros espíritos, sem a
participação total da mente.Assim, a importância de trabalhar em estado anímico ou
mediúnico está ligada diretamente aos resultados obtidos no trabalho realizado. Muitas
vezes, os meios justificam o fim.Nos primeiros instantes em que um médium começa a
desenvolver sua mediunidade, ele trabalha mais em estado anímico. Logo em seguida,
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após a confirmação de seu mentor espiritual, seus trabalhos mediúnicos ficam


mesclados: uma é parte anímica, a outra, mediúnica.No transe, o médium não pode
perder nunca sua parte anímica, pois correrá, o risco de transformar o processo de
incorporação numa obsessão.Na obsessão o médium perde o controle da manifestação
mediúnica, despertando todo o seu inconsciente e ficando à mercê do obsessor. Os
fenômenos passam do campo da paranormalidade para o da anormalidade.É muito
importante o médium preservar sua parte anímica, intercalando-a com a mediúnica, pois
uma das razões da mediunidade é justamente desenvolver o médium, aperfeiçoando-o
para futuras missões espirituais. Se ele só trabalhasse em estado mediúnico, onde ficaria
sua oportunidade de evoluir?Sempre tive dificuldade para determinar o percentual de
atuação de um guia na mente de seu aparelho(médium). Pois esse percentual irá variar
entre as informações já contidas na mente do médium, sua capacidade paranormal ou
mesmo sua evolução espiritual.Assim, um médium poderá trabalhar, durante uma sessão
espirita, variando os estados anímicos e mediúnicos, sem nenhuma perda para a
qualidade do trabalho.Tanto no estado anímico como no mediúnico o médium pode ficar
letargizado, mantendo os mesmos estereótipos de seus mentores, ou seja, com a posição
habitual de cada entidade. Um médium em estado de letargia poderá ficar sem sentir
fome, frio, dor, etc., durante toda a incorporação.Infelizmente, existe a mistificação, que
causa os mesmos prejuízos que um trabalho mediúnico feito por espíritos atrasados ou
por médiuns que atuam em estado anímico com fins nocivos. No processo de
mistificação, a pessoa simula que está incorporada para tirar algum tipo de proveito.
Isso geralmente acontece com trabalhos pagos.Nos casos de mistificação, o mistificador
tem total consciência de que não existe nenhum espírito atuando em sua mente, ele
simula de propósito. No animismo, em estado de plena consciência, o médium fica em
dúvida sobre se é a sua própria mente ou um espírito que está dando a mensagem. Mas,
como seu propósito é a caridade, essa dúvida fica em segundo plano. Nos casos de
mediunidade inconsciente, o médium irá atuar tanto anímica como mediunicamente.
Mas, como ao desincorporar ele perde a consciência, não terá dúvidas sobre se foi sua
mente ou não que realizou o trabalho.Da mesma forma que um médium pode atuar
mediunicamente com entidades atrasadas, fazendo o mal, se ele tiver uma índole má,
poderá, em estado anímico, usar sua própria negatividade para prejudicar uma
pessoa.Muitas vezes é preferível um médium trabalhando conscientemente em estado
anímico, utilizando a força de sua mente para ajudar o próximo, do que um médium
incorporado com entidades negativas, sem consciência de sua incorporação, mas
prejudicando o próximo.Algumas pessoas insistem em afirmar que só existe o estado
anímico, que o estado mediúnico é mero fruto da imaginação dos espíritas. Obviamente,
essas pessoas nunca passaram por uma experiência mediúnica, que é indescritível. Só
quem a conhece poderá falar sobre essa maravilha com que o mundo espiritual nos
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brinda.Certa vez, no Maranhão, um amigo perguntou-me como eu conseguia conciliar a


parapsicologia e a Umbanda, pois a primeira explicava todos os fenômenos paranormais
como produtos exclusivos da mente e a segunda como produtos dos espíritos. Enquanto
pensava numa forma para lhe responder, aproximou-se de mim o meu guia espiritual e
contou-me a seguinte história: “Um cientista resolveu um dia fazer uma experiência
sobre a convicção. Pegou dois meninos para criar, no momento em que haviam acabado
de nascer. Um deles, foi criado num quarto sem janelas, de onde só saía durante a noite.
Com o outro menino ele fez o contrário, Ficava em outro quarto e saía apenas durante o
dia. Quando os dois ficaram adultos, o cientista provocou um encontro entre ambos em
outro quarto e ficou escutando o diálogo.Um dos rapazes tomou a palavra e falou: ‘Adoro
passear entre as árvores, ouvindo os pássaros cantando, sentindo o calor do sol, com sua
cor avermelhada, destacando-se no céu azul, onde nuvens brancas brincam de criar as
formas mais bizarras. Adoro sentir o perfume variado das flores, com suas colorações de
mil matizes. Sinto imensa alegria em olhar o verde das matas fazendo contraste com o
marrom das montanhas.O outro rapaz, que ouviu tudo atentamente, respondeu: ‘Onde
fica esse lugar maravilhoso?Conheço apenas a escuridão, que só melhora quando no céu
surge a lua, com sua claridade, assim mesmo durante um certo tempo. Além do preto e
do branco não conheço outra cor. Não sei o que são as flores e escuto apenas o silêncio
da noite. Já senti um perfume, mas apenas um aroma.A discussão ficou muito violenta
quando ele ficou sabendo, pelo outro rapaz, que esse mundo ficava logo ali, atrás da
porta. Isso era impossível, pois durante anos ele também havia passado por aquela
mesma porta e não tinha visto absolutamente nada do que o outro lhe contara.
Finalmente, o cientista deu seu trabalho por encerrado e mostrou a ambos que existia o
dia no mesmo lugar que existia a noite. Esclareceu que, dentro da realidade de cada um,
suas convicções eram exatas. A verdade não era absoluta. Não estava errado o que
conhecia somente o dia, pois estava fazendo uma descrição exata do que vira, como não
estava errado o outro, que só conhecia a noite. Felizes são as pessoas que possuem a
oportunidade de conhecer o dia e a noite.”Repeti ao amigo maranhense a história que
havia acabado de ouvir, esclarecendo que aqueles que insistiam em ver na Umbanda só
fenômenos espíritas cometiam o mesmo engano dos que insistiam somente na existência
dos poderes mentais. Eles estavam certos apenas dentro de suas realidades. No meu
caso, com a ajuda de meus mentores espirituais, eu havia conhecido o dia e a noite,
sabendo que um começava quando o outro terminava, de uma forma natural, o mesmo
acontecendo com os fenômenos anímicos e mediúnicos.Todas as pessoas possuem o
direito sagrado de ter suas próprias convicções, mas devem ter humildade e respeitar o
direito das outras de possuírem também as suas crenças. A verdade é muito relativa;
dela todos possuímos uma partícula.Tentei, certa vez, descrever a manifestação
mediúnica a um grupo de amigos, contando uma história que havia recebido
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intuitivamente: “Estava chovendo e uma pedrinha, encostada em sua pedra-mãe, ficou


curiosa quando viu uma gota d’água saltar de uma folha, que ficava no alto de uma
árvore e, brilhando sob o reflexo do sol, mergulhar no lago, perdendo-se toda. A
pedrinha perguntou à pedra-mãe o que era ser uma gota d’água e sumir no lago. A
pedra-mãe, com sua sabedoria secular, respondeu: A experiência é um fenômeno
individual e só serve para quem passa por ela. De nada lhe adiantará saber sobre a
sensação da gota d’água, pois você jamais irá passar por ela; nem o lago saberá
responder para uma segunda gota d’água, pois essa experiência só pertenceu à primeira
gota: é uma experiência única.Portanto, devemos aceitar as críticas contra a
mediunidade de uma forma natural, sem exigir das pessoas uma compreensão para a
qual ainda não estão preparadas.Ninguém é médium por acaso. A mediunidade é uma
ferramenta com a qual resgatamos parte de nossas dívidas passadas, através do trabalho
de caridade.As entidades utilizam nossa mediunidade em dois sentidos. No primeiro,
para nos ajudar, através da oportunidade de fazer a caridade, despertando nossa mente;
no segundo, como uma chance de que elas também possam evoluir. Os médiuns
precisam das entidades, da mesma forma que elas precisam deles. O trabalho espiritual
quase sempre é bilateral.As entidades ficam felizes quando os médiuns decidem trabalhar
também em estado mediúnico, e não só em estado anímico, pois dessa forma conseguem
diminuir seus débitos pretéritos.Freqüentei um terreiro de Umbanda cujo dirigente
contou-me a seguinte história: “Nós éramos de uma família muito católica, e não
aceitávamos sequer a idéia do espiritismo. Mas, para nossa surpresa, todos os dias 31 de
dezembro de cada ano nossa mãe assumia uma expressão diferente da sua expressão
normal e dizia coisas que iriam acontecer no ano seguinte. E, por incrível que pareça, as
previsões eram certas. Numa dessas oportunidades, com voz diferente, ela falou: ‘A
partir de hoje, esta mulher vai adoecer e nenhum médico irá curá-la; estamos cansados
de esperar que ela se decida a fazer a caridade através da incorporação. Havíamos
combinado no espaço que ela reencarnaria e que nós teríamos uma oportunidade de
fazer a caridade através dela. Como ela fugiu ao nosso trato, não teremos complacência.
Depois de algum tempo, nossa mãe levantou da cama e disse: ‘Amanhã, às 17 horas,
deixarei este corpo. Terminou minha missão’. Realmente, ela faleceu no dia seguinte e
eu assumi, sem querer, sua missão cármica.”A mediunidade pode ser uma bênção para
aqueles que a praticam fazendo o bem, como pode ser um terrível castigo para os que
fingem ignorá-la, sabendo que possuem uma missão ou, pior, quando a utilizam para fins
mesquinhos.Educar a mediunidade é praticamente criar um seguro de saúde física e,
sobretudo, mental. A energia emanada da mente do médium que não a educou volta-se
invariavelmente contra ele mesmo, apresentando-se de várias formas. Uma das formas
mais comuns são as alucinações visuais ou auditivas, com o conseqüente desequilíbrio
psicológico. A mediunidade, todavia, também pode apresentar-se de forma suave e a
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principal característica de que um médium precisa desenvolver essa mediunidade e a


repetição dos fenômenos.Os fenômenos mediúnicos possuem estreita ligação com os
fenômenos extra-sensoriais, ficando difícil separar,por exemplo, uma telepatia anímica
de uma telepatia mediúnica.Uma coisa, porém, é certa: quando uma pessoa tem de fato
uma forte mediunidade e não a desenvolve, educando seus efeitos, terminará
invariavelmente num hospício.Todavia, se tiver a oportunidade de ir a um centro espírita,
de qualquer linha de trabalho mediúnico, suas chances de ter uma vida normal são
altíssimas.Lamentavelmente, muitas religiões ainda possuem preconceito contra a
mediunidade e assistem, impassíveis, a demanda de seus fiéis.A Umbanda não alimenta
nenhum tipo de preconceito, seja de cor, de credo, de raça ou social; suas portas estão
abertas a todas as pessoas que estejam precisando da caridade. Ela não está preocupada
com a religião das pessoas, mas com elas mesmas. A Umbanda não é o primeiro degrau
da evolução do Homem, nem o segundo e nem o último, pois sabe que na escada da vida
o importante é o próprio Homem.A Umbanda tem um ditado curioso que diz: “Quem não
vem pelo amor vem pela dor.”Mas, felizmente, o amor à caridade tem levado milhões de
pessoas aos terreiros, para desenvolver a mediunidade. Embora nem todos os médiuns
sejam possuidores de excelentes dotes paranormais, podem tornar-se valorosos
trabalhadores da seara divina, podendo efetuar a caridade através do transe, como
também na qualidade de cambonos.É muito variável a forma de as pessoas chegarem aos
terreiros. Umas são levadas, empurradas pela dor; outras por um elevado espírito de
solidariedade humana, outras por mera curiosidade e a maioria porque vêem na
Umbanda uma possibilidade de solução imediata para seus problemas. Estes fazem da
Umbanda uma forma de espiritismo utilitário.Conversando certa vez com uma entidade,
minha esposa comentou como era triste ver no terreiro pessoas interessadas
exclusivamente em resolver seus problemas particulares, muitos de cunho material,
usando os trabalhos de caridade da Umbanda, sem pensar no próximo e só retomando ao
terreiro, invariavelmente, quando estavam com novos problemas. A entidade respondeu:
“Sabemos que existem pessoas preocupadas somente com elas mesmas; são prisioneiras
de um grande egoísmo. Procuramos ajudá-las, resolvendo seus problemas, brincando de
pechinchar obrigações, de propósito. Mas as que podem ser aproveitadas, depois de
algum tempo, sem que percebam, estarão vestidas de roupas brancas, descalças, fazendo
parte do corpo mediúnico do terreiro. Usamos a solução de seus problemas da mesma
forma que vocês utilizam mel num prato para pegar as moscas.”Realmente, muitas
pessoas vão ao terreiro “buscar lã e saem tosqueadas”, e terminam nos ajudando nos
trabalhos de caridade.Uma das partes mais importantes do processo de desenvolvimento
mediúnico é o trabalho de desobsessão. As energias negativas dos obsessores são
afastadas pelos médiuns, que são chamados de “médiuns de descarrego” possibilitando à
pessoa que está recebendo o passe desenvolver sua própria mediunidade.No terreiro, o
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médium nem sempre capta apenas a freqüência vibratória de um espírito obsessor, que
geralmente se manifesta urrando, gritando, muito agitado, como também dos espíritos
sofredores, que se apresentam nos médiuns através de gemidos e choro.Com o passar do
tempo, percebi que os médiuns eram capazes de captar também formas mentais, como
inveja, ódio, ciúme, etc., projetadas por alguém na pessoa que está tomando o passe.
Nesse momento, os médiuns incorporam com essas formas mentais, sentindo os mesmos
efeitos de um espírito. Choram como se estivessem com um espírito sofredor e gritam
como um obsessor.Acreditamos que seja mais uma representação da mente do médium,
habituado a sentir esses sintomas num processo normal de transferência, no qual as
vibrações negativas de um espírito saem, passando da mente da pessoa que está
obsidiada para a mente do médium.Quanto mais um médium captar as vibrações
negativas que acompanham uma pessoa mais irá eliminar suas próprias energias
negativas, pois as entidades que fazem a limpeza espiritual em sua mente levam toda a
carga negativa. Daí a expressão muito usada na Umbanda: “É dando que se
recebe.”Durante o desenvolvimento mediúnico, como no momento em que o médium
recebe um espírito obsessor, ela poderá gritar, xingar, rosnar, tomar as mais curiosas
expressões corporais, num processo catártico, embora isso não constitua uma regra
geral.Além de observar a captação de formas mentais pelos médiuns, percebi e passei
pessoalmente pela experiência de incorporar não com o espírito de pessoas que já
faleceram, mas com o espírito de pessoas vivas.Realmente não se trata de um fato novo,
pois é sabido que, quando uma pessoa dorme, é comum seu espírito sair, sob a forma de
projeção mental, e atuar na mente dos médiuns, até mesmo de países diferentes. Nesse
caso, a comunicação é feita através da telepatia, que é uma forma de comunicação
universal. Se assim não fosse, seria um grande desperdício de tempo o médium trabalhar
espiritualmente durante algumas horas apenas nos dias de sessão.Quando uma pessoa
começa a freqüentar um terreiro, sem que ela perceba de uma forma nítida, sua mente já
está assimilando os trabalhos espirituais, familiarizando-se com os rituais daquele
terreiro e doando energias psíquicas aos mais carentes.Após freqüentar” durante algum
tempo, o terreiro, os médiuns começam a desenvolver sua mediunidade e, nesse
momento, estarão usando o processo de aprendizagem mais antigo, que é o da imitação.
Esse processo de imitação é válido e importante, mas até certo ponto. A partir desse
ponto é prejudicial à evolução do médium, e chega às vezes até a ser grotesco, pois o
médium perde sua autenticidade, passando a ser apenas uma cópia de seu
modelo.Conheci em Brasília um terreiro no qual a dirigente dos trabalhos espirituais,
quando recebia seu guia, mancava de uma perna. Estranhamente, todos os médiuns
daquele terreiro, quando recebiam as entidades daquela falange também mancavam. Em
rituais que visitei, vi inúmeros médiuns trabalhando com espíritos dessa falange, sem
nunca mancarem.Os médiuns devem preservar seu estilo próprio de atuar com seus
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mentores, pois isso enriquece a Umbanda através da variedade de atuações, cada uma
aprimorando sua forma de fazer a caridade.Certa vez, em nosso terreiro, um médium, ao
incorporar pela primeira vez com o seu guia o caboclo Pena Azul, pediu três folhas de
mangueira. Ele trabalhou durante toda a sessão com aquelas folhas na mão esquerda.
Era sem dúvida um trabalho de magia, cuja razão e significado só ele, o caboclo, sabia.
Na sessão seguinte, antes de o caboclo incorporar em seu aparelho, lá estavam
novamente três novas folhas de mangueira, colhidas por alguém para presenteá-lo.
Quando recebi o meu guia, que dirigia os trabalhos, ele esclareceu que a força de um
médium era interior e jamais exterior, que havia sido válido o trabalho de magia, mas que
aquilo não poderia ser transformado num hábito de trabalho pois, do contrário, não
haveria folhas de mangueira suficientes para os outros caboclos, além de condicionar o
médium a só trabalhar com três folhas na mão.A imitação precisa ser combatida com
mais rigor pelos dirigentes dos terreiros. Cada médium precisa estabelecer com seus
mentores seus próprios códigos de trabalho.Quando a imitação não é combatida, começa
a haver outro fenômeno: a competição. Assim, se um médium coloca um penacho
quando está incorporado com seu caboclo, outro médium do terreiro se acha na
obrigação de usar um penacho maior com seu guia. Se isso não for possível, usa também
um saiote de penas. Se isso ainda não bastar, usa também arco e flechas, como já vi
várias vezes. É uma cena muito triste ver os médiuns vestidos de índios, como se fossem
a um baile de fantasias, para tentar fazer a caridade. Nada disso é preciso. A força é
interior, está na mente do médium, que ‘ a reforça com as energias de seus guias,
bastando para isso uma concentração séria.Deixei de visitar um terreiro, apesar de ali
realizarem um bom trabalho mediúnico, porque ficava com medo de levar uma
machadada nos pés, pois o dirigente trabalhava atuado, usando uma machadinha de
ferro. Ele alegava que era da falange de Xangô. Daí a razão da machadinha. O fato de
trabalhar com a machadinha nas mãos não era o mais grave; o perigo era quando ele
resolvia mostrar suas habilidades, vibrando a machadinha contra o chão de cimento,
soltando faíscas para todos os lados. Acredito que, naquele terreiro, muitos médiuns
incorporavam de susto.Se não houver um esclarecimento para alguns médiuns da
Umbanda, qualquer dia eles irão entrar no terreiro montados num cavalo branco, com
espada, escudo, lança e capacete, dizendo que estão incorporados com Ogum.Para
trabalhar num terreiro, o médium deve vestir-se com discrição, sem precisar chamar a
atenção das pessoas. Lamentavelmente, por falta de informações e puro animismo,
fazem de alguns terreiros mais um baile de fantasias do que uma casa de caridade.Em
nosso terreiro usamos roupas brancas, simbolizando a pureza de sentimentos,
imprescindível num trabalho de caridade. Somente nos trabalhos com os exus é que
usamos calças pretas e camisas vermelhas. A cor das roupas não prejudica os trabalhos;
antes, podem ajudá-lo com suas vibrações próprias. Os adereços é que devem ser
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evitados.Muitos médiuns de terreiros pouco esclarecidos quando visitam nosso terreiro


causam um verdadeiro estardalhaço para incorporar, causando risos entre os outros que
sabem que aquilo é uma projeção do próprio médium visitante. As pessoas que estão
assistindo ao trabalho podem até pensar que incorporar dói, devido aos gritos, urros,
grunhidos, saltos acrobáticos que antecedem o recebimento do guia. Nada disso é
necessário. Não é preciso ficar de olhos virados ou arregalados, babando ou bufando,
para dizer que está com um guia. Basta respirar um pouco mais acelerado para oxigenar
o cérebro, facilitando a incorporação.A incorporação deve ser discreta e calma; o médium
precisa ter autocontrole. Nunca esqueço o dia em que, trabalhando em nosso terreiro,
cujas paredes eram de madeira, uma senhora incorporou e, em vez de sair pela porta,
resolveu derrubar a parede aos empurrões. Não sei até hoje a quem ela queria
impressionar.Mas, para nossa alegria, recebemos médiuns visitantes que incorporam
muito bem, demonstrando bom senso e equilíbrio emocional.Algumas vezes trabalhei
com o preto velho Pai Francisco, usando a minha voz natural, sem nenhum artifício no
linguajar e sem perder a qualidade da manifestação mediúnica. Ele agia assim por saber
que a pessoa com quem estava conversando estava preparada para compreendê-lo. Para
outros, todavia, era preciso chamar um cambono para traduzir sua fala. Ele me
esclareceu um dia, dizendo que, às vezes, assim procedia para sondar a reação das
pessoas; outras vezes o fazia quando em sua falange havia grande variedade de espíritos
para transmitir as mensagens, uns mais evoluídos, outros menos. Todos tinham a sua
oportunidade.Certa vez, por ocasião da invasão do JAPI, visitei um terreiro que nem
existe mais. O dirigente, acreditando que estava me impressionando, disse: “Aqui no
meu terreiro, para testar os médiuns, uso este caldeirão com azeite fervendo, para eles
enfiarem a mão quando estão ‘ incorporados.” Não vi o teste, não precisava, pois sabia
que em estado letárgico, independentemente de alguém estar ou não incorporado, isso é
absolutamente possível, não provando nada, a não ser o estado de letargia da pessoa
num dado momento.Não são as provas que comprovarão de fato a evolução dos espíritos,
pois entidades atrasadas possuem até mesmo mais facilidades para se prestarem a esse
tipo de papel. Qualquer entidade, se for do seu interesse, pode letargizar um médium.
Isso não significa, necessariamente, que ela é uma entidade de luz.Certa vez, num
terreiro, no Gama, passei por uma interessante experiência de letargia.Ao iniciar os
trabalhos a dirigente pegou sete velas acesas e passou pelos braços e pernas. Quando
percebi, estava lá na frente, também passando as velas acesas pelos meus braços e
pernas, só que cheios de cabelos, e nada aconteceu. Ainda assim não me sinto mais
incorporado ou menos incorporado que um médium que não passou velas acesas pelo
corpo.Não podemos fazer da Umbanda um espetáculo de circo. Os terreiros são casas de
caridade. Muitos tratamentos serão efetuados nos planos físicos, mentais e espirituais,
daí a necessidade de muita seriedade. Umbanda é um hospital de emergência,
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desempenhando um papel social sem precedentes na história do Brasil, com seus


milhares de terreiros. Graças a esse trabalho, muitas pessoas ficaram curadas de suas
doenças físicas ou mentais.Se não houvesse a Umbanda, seria difícil andar pelas ruas sem
encontrarmos milhares de pessoas desequilibradas, pois não temos condições de bom
tratamento para as doenças mentais em nossos hospitais e hospícios.O transe observado
na Umbanda já é uma forma eficiente de terapia, principalmente durante sua fase inicial,
onde o médium passa por uma fase de catarse. Sabemos que essa liberação da energia
reprimida e liberada através dos choques entre a energia do médium e a do guia,
funciona de uma forma equivalente ao eletrochoque, embora numa escala menor, mas
com os mesmos resultados e sem seqüelas, o que é mais importante.Na Umbanda,
assistimos milhões de umbandistas ajudando milhares de irmãos que necessitam de uma
caridade, sem objetivar nenhum lucro econômico, apenas o lucro humano.Muitas pessoas
podem fazer a caridade sem entrar num terreiro de Umbanda, sem incorporar, ou sem o
uso de roupas especiais, usando apenas a intuição. Durante o processo intuitivo elas
ficam ligadas diretamente às informações contidas no espaço cósmico, onde tudo é
registrado. Muitos guias espirituais já atingiram um estado tão evoluído que, sem as
pessoas saberem, são despertadas por eles, para fazerem a caridade, tendo a intuição
desenvolvida. Esses guias trabalham num total anonimato. Mas o número dessas
pessoas é pequeno, pois a intuição representa a forma mais evoluída da mediunidade.Na
Umbanda do terceiro milênio a intuição será a forma mais sutil da mediunidade a ser
utilizada, pois ela independe de qualquer ritual e pode ser utilizada em qualquer
circunstância. No processo intuitivo, as pessoas podem ser auxiliadas por seus mentores
num nível tão elevado que só percebem a presença de seus mentores através da
profundidade das mensagens.Para uma grande caminhada, o primeiro passo é o mais
importante, pois vem logo depois da intenção. Assim, na caminhada espiritual, a
incorporação é o primeiro passo e a intuição o derradeiro.

OS CANTICOS, OS ATABAQUES
E A DANÇA

Um povo que canta e dança é um povo feliz. Existe um ditado popular que diz: “Quem
canta seus males espanta.” O Brasil, apesar de sempre enfrentar as mais diversas
dificuldades, tem um povo feliz pois, para o brasileiro, cantar e dançar faz parte de sua
vida. Se observarmos uma mulher lavando roupa à beira de um rio, ou colocando a roupa
no varal, iremos perceber que ela está trabalhando, cantarolando, como se o seu canto
lhe desse forças para cumprir as tarefas do dia-a-dia. Muitas pessoas, nas mais diversas
profissões, sem perceberem, estão sempre cantarolando; talvez elas conscientemente
nem saibam a força do canto em suas mentes. Qualquer mãe sabe que a cantiga faz seu
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filho dormir de forma mais relaxada. Por isso, cantigas de ninar fazem parte do folclore
de todos os povos. O hino nacional de um país é, na verdade, o seu canto de amor à pátria
e em muitos momentos faz com que seus filhos chorem de emoção. Quando cantamos, a
vibração do som ativa uma parte do nosso cérebro, provocando as mais variadas reações.
Assim, poderemos rir ou chorar, dependendo do ritmo da música, de sua letra ou dos
motivos de nosso cantar. As pessoas devem cantar e dançar. Impedi-Ias de viver esse
momento encantado é uma forma de torná-las infelizes. A Umbanda, como expressão
popular, por ser uma religião que nasceu sobretudo na alma do povo brasileiro, jamais
poderia deixar de ter em seu ápice o canto e a dança. As letras das músicas
afrobrasileiras variam de um terreiro para outro, mas o ritmo praticamente não sofre
alterações, mantendo uniforme o sentido dos cânticos. A Umbanda é magia, e essa magia
está presente nos pontos riscados ou cantados. Assim, grande parte das letras das
músicas nos terreiros tem o sentido de um ponto cantado, funcionando na mente dos
médiuns como uma forma de despertar suas forças mentais. De acordo com o ritmo da
música, a canção na Umbanda tem um sentido de demanda ou de firmeza dos trabalhos.
Podemos perceber essa diferença nas letras’das músicas, como por exemplo:
“Se meu pai é Ogum
vencedor de demanda,
ele vem de aruanda
prá salvar filhos de Umbanda,
Ogum, Ogum, Yara
Ogum, Ogum, Yara
Salve os campos de batalha,
salve a sereia do mar,
Ogum É, Ogum Yara.”

Quando os médiuns cantam esse ponto, significa que uma energia negativa precisa ser
anulada dentro. do terreiro. Assim, os médiuns emitem ondas mentais positivas, na
freqüência vibratória do orixá Ogum para equilibrar as energias do terreiro. Por outro
lado, quando os médiuns necessitam manter as energias equilibradas por mais tempo,
cantam outro ponto, com a seguinte letra:
“Ogum Beira-Mar
o que trouxe do mar,
Ogum Beira-Mar
o que trouxe do mar,
quando ele vem, beirando a areia,
vem trazendo no braço
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o rosário da mãe sereia.”

No desenvolvimento mediúnico, os cânticos exercem um papel fundamental. Eles atuam


como elementos fixadores das energias dos guias na mente dos médiuns. Com o passar
do tempo, a repetição dos cânticos funciona como uma eficaz forma de condicionamento.
Todas as vezes que um médium ouve determinado ponto cantado, fica automaticamente
predisposto ao trabalho mediúnico. Daí a recomendação das entidades para não
cantarem pontos fora do terreiro, se não for para realizar algum trabalho de magia.
Durante o processo de desenvolvimento mediúnico, há uma grande variedade de pontos
cantados para todas as linhas dos Orixás. Assim o médium irá sentir mais vibrações com
os pontos relacionados com seus orixás principais. Quando são cantados no terreiro os
pontos homenageando o orixá Oxosse, são também chamados para o desenvolvimento os
filhos de Oxosse. A mesma sistemática ocorre para outros Orixás, sempre chamando
seus filhos de santo, quando seus pontos são cantados, para desenvolver a mediunidade.
Num terreiro, durante toda a sessão, os cânticos devem ser mantidos como uma forma de
evitar a dispersão mental, alterando o teor vibratório dos trabalhos. Como o trabalho de
Umbanda é dinâmico, a captação de energias positivas ou negativas irá ocorrer durante
todo o tempo, sendo necessário cantar para equilibrar as energias. Assim, serão
cantados os pontos de demanda ou de firmeza, para todos os Orixás principais, como
Ogum, Oxosse, Xangô, Oxalá, Yemanjá, Oxum, lansã, e durante as giras do povo da rua
(exus), para os exus e as pombas-giras. Em nosso terreiro não possuímos atabaque.
Assim, para reforçar os cânticos, batemos palmas num ritmo próprio, a fim de conseguir
um efeito mais forte na mente dos médiuns. Porém, a maioria dos terreiros de Umbanda
utiliza o atabaque em seus diversos trabalhos, principalmente nos dias de festa em
homenagem aos Orixás ou guias principais. O atabaque é uma espécie de tambor feito de
couro de cabra, tocado normalmente com as mãos e em alguns casos com pequenas
varetas. Terreiros mais tradicionais só utilizam couro de bodes especialmente criados
para esse fim. A pessoa encarregada de tocar o atabaque é chamada de Ogã, e é muito
respeitada no terreiro pois, além de ser responsável por parte da beleza dos trabalhos,
sabe o momento de variar o ritmo, alterando a freqüência dos mesmos. Todas as
entidades, quando estão manifestadas no terreiro, dirigem-se até os ogãs,
cumprimentando-os, batendo palmas e curvando ligeiramente o corpo, ou tocam o chão
com as pontas dos dedos, três vezes, na frente dos atabaques. O som dos atabaques
foram selecionados durante séculos como sons ideais para provocar descargas psíquicas
na mente das pessoas. Nas diversas tribos da Africa ou do Brasil houve uma pesquisa
empírica nesse sentido, resultando no agradável ritmo que a Umbanda usa em seus
terreiros. A partir do instante em que a mente do médium penetra na freqüência
vibratória do atabaque ele entra em transe. Então, estando em transe, começa em sua
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mente um processo de catarse que libera as energias reprimidas, acumuladas pela tensão
diária, promovendo um excelente equilíbrio psicológico. Cada toque do atabaque tem um
significado próprio. Assim, existe um toque específico para a gira de caboclos, pretos
velhos, exus, para a falange dos boiadeiros e para os diversos orixás. Alguns terreiros
trabalham sob o ritmo de apenas um atabaque, mas a maioria deles utiliza três
atabaques. Grande parte dos terreiros está acrescentando outros instrumentos musicais,
além dos atabaques, descaracterizando o primitivismo natural dos rituais. Terreiros
localizados em áreas centrais das grandes cidades procuram evitar o uso dos atabaques,
para que o batuque não cause problemas com a vizinhança. Todavia, há os que não usam
o atabaque sob a alegação que desperta o atavismo selvagem dos médiuns, provocando
mais um estado anímico do que mediúnico. O ritmo das batidas dos atabaques pode ser
acelerado ou diminuído. Só não diminui a fé dos umbandistas, que aumenta cada dia
mais, independentemente do uso ou não dos instrumentos de percussão. A dança vem
como um complemento natural dos cânticos e do som dos atabaques ou das palmas. Ela
é uma expressão corporal, de profundo significado na mente humana. Ao dançar, o
médium está se reportando a estágios primitivos da sua mente. São estágios antigos,
mas reais; daí a necessidade de dar vazão às energias contidas nessa parte da mente.
Cada orixá tem uma representatividade própria de sua dança, repetindo-se os gestos
ritualísticos. Mas os caboclos, os pretos velhos, e raramente os exus, quando
manifestados em seus aparelhos, não possuem uma dança típica, havendo uma variação
de médium para médium. A dança de um médium incorporado por um caboclo
apresenta-se curiosamente com uma identificação muito próxima da dança rituaiística de
nossos indígenas. Podemos determinar três fatores para essa coincidência: o primeiro
seria uma mensagem genérica; o segundo uma projeção anímica da mente do médium,
buscando os gestos em seu inconsciente coletivo; e o terceiro seria uma manifestação
mediúnica provocada pela própria entidade manifestante. Muitos terreiros de Umbanda
possuem uma identificação maior com os terreiros (roças) de Candomblé. São os
terreiros chamados de Omolocô, pois além do ritual da Umbanda utilizam também os do
Candomblé. Nesses terreiros, a dança dos médiuns, quando incorporados com as
vibrações dos orixás, repetem os gestos ritual(sticos de cada orixá. Nos terreiros de
ritual Omolocô, como nos de Candomblé, a dança respeita uma série de
condicionamentos; cada Orixá se manifestando sempre dentro de sua própria
representação, repetindo, através dos gestos, a sua história. Na Umbanda, considerando
que a dança está mais restrita aos caboclos, pretos velhos e exus, ela é mais espontânea.
Observamos em nosso terreiro que pessoas de nacionalidade estrangeira encontram
maior dificuldade para dançar no estilo do brasileiro. A dança, como processo de terapia,
é chamada de biodança, pela integração da mente com o corpo. Na Umbanda, a dança é
utilizada comcr um eficiente auxiliar do estado de transe, sendo, na verdade, também
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uma biodança, com seu aspecto de integração. Há pessoas que dançam de uma forma
solta, com movimentos livres, e outras que dançam como se tivessem receio de
relaxarem. Mas os cânticos, as palmas batidas com ritmo, os atabaques, conseguem
finalmente atuar na mente das pessoas, auxiliando-as nesse processo de relaxamento e
equilibrando-as de forma psicossomática. Em nosso terreiro, quando uma pessoa recebe
um passe pela primeira vez, é comum a entidade que está realizando o trabalho de
limpeza energética, nesse caso@ o caboclo, provocar um estado de transe nessa pessoa.
Quando a pessoa entra nesse estado de transe leve, o caboclo faz com que ela dance,
aumentando a profundidade do transe. As vezes se torna engraçado observar a
expressão de espanto no rosto das pessoas que foram tomar passe e ficaram dançando o
tempo todo. Elas terminam de dançar muito assustadas. Os cânticos e as danças
continuarão na Umbanda do terceiro milênio, pois essas mensagens são arquétipos tão
entrosados na mente dos umbandistas, que não podemos fazer uma dicotomia, sob pena
de provocar uma anulação da própria Umbanda.
COLARES, DEFUMADORES E ERVAS
Depois de algum tempo, desenvolvendo a mediunidade, o médium receberá seu mentor
espiritual. Essa entidade espiritual recebe o nome de “guia de cabeça”. Esse espírito,
que atuará no médium juntamente com uma falange de outros espíritos, terá uma
parcela de responsabilidade no desenvolvimento mediúnico de seu aparelho (médium). O
guia de um médium poderá ser um caboclo ou uma cabocla, um preto velho ou uma preta
velha, mas apenas simbolicamente, pois na realidade essas entidades tomam essas
formas para os videntes a fim de facilitar a identificação do tipo de freqüência vibratória,
pois na verdade não possuem formas delineadas no espaço cósmico. Uma das primeiras
providências de um guia será estabelecer o tipo de colar que seu aparelho (médium)
usará como proteção. O colar é um compromisso entre o médium e seu guia. Um
compromisso do médium em fazer a caridade, buscando a evolução, e do guia em guiá-lo
através dos perigosos caminhos da vida. Esse colar especial recebe o nome de guia, numa
alusão direta ao “guia de cabeça” do médium. Todavia, há uma generalização na
Umbanda em chamar de guia todos os colares usados pelos médiuns. Não existe uma
regra fixa entre os terreiros para o uso dos colares (guias). Uns adotam o critério de
iniciar seus médiuns com uma guia branca, a ser usada pendurada no pescoço ou
atravessada no tórax, representando a energia do Orixá Oxalá. Esse colar poderá ou não
ser substituído quando o médium receber seu “guia de cabeça”, dependendo da
orientação que ele traçar nesse sentido. Outros terreiros, para facilitar a identificação dos
orixás principais dos médiuns, adotam o uso de guias (colares) coloridas. As guias serão
utilizadas nas cores dos orixás. Por exemplo: se uma pessoa é filha do orixá Oxosse,
receberá instruções para usar uma guia de cor verde. Mas se o dirigente do terreiro
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entender que deverão ser desenvolvidos dois orixás à mesma época, poderá indicar o uso
de uma guia bicolor. Se as cores dessa guia forem verde e azul, esse médium estará
sendo desenvolvido na freqüência vibratória dos orixás Oxosse - verde, e Oxum - azul.
Outros terreiros, todavia, preferem que a guia seja recomendada diretamente pelo
mentor espiritual que irá dirigir a cabeça do médium. Assim, ele somente usará o colar
(guia), quando seu próprio “guia de cabeça” indicar. Porém, é comum os médiuns
possuírem mais de uma guia, obedecendo muitas vezes a um impulso instintivo, guiados
na realidade por processos inconscientes. Poucos terreiros adotam o critério de não
utilizarem guias (colares) para seus médiuns. A quantidade de guias no pescoço de um
médium não irá influir diretamente na qualidade do trabalho mediúnico. Desta forma,
um médium poderá usar guias de vários tipos e cores, enquanto um outro poderá usar
apenas uma única guia, sem grandes diferenças no resultado final do trabalho mediúnico.
A força é mental, ela está na mente do médium e, se ele não a possuir, não serão as guias
(colares) que irão criar essa força mental. Cada terreiro convenciona o tipo de
guia-padrão a ser utilizada pelos seus médiuns. Em nosso terreiro, observamos o
seguinte: os caboclos tanto escolhem guias feitas por contas de “lágrimas de Nossa
Senhora”, como por contas de vidros. Já os pretos velhos, em sua maioria, preferem as
guias feitas com contas de “lágrimas de Nossa Senhora”. Desde o início, quando passei a
freqüentar os terreiros de Umbanda, utilizo uma guia de contas de “lágrimas de Nossa
Senhora”, de acordo com a orientação de meus mentores espirituais. Certa vez ganhei um
colar muito bonito, feito com dentes de porco. Na sessão seguinte, coloquei esse colar no
pescoço, junto com minha guia habitual. Quando incorporei com o caboclo Tibiriçá, sua
primeira providência foi puxar o colar, arrancando-o de meu pescoço. Naquele dia ele
começava a impedir-me de ser mais um dos colecionadores de guias da Umbanda.
Todavia, minha vaidade continuou insistindo para que eu tivesse mais de uma guia no
pescoço. Assim, certa noite, eu estava trabalhando atuado com o preto velho, Pai
Francisco, quando um dos freqüentadores do terreiro colocou em meu pescoço um colar
de contas de vidro, nas cores preta e branca, dizendo: “Pai Francisco, esse colar é um
presente para o senhor.” O preto velho agradeceu com toda a humildade mas,
intimamente, fiquei eufórico, pois assim teria duas guias: uma feita com contas de
“lágrimas de Nossa Senhora” e, agora, outra feita de contas de vidro. Minha alegria não
demorou mais do que alguns minutos, pois bastou que outra pessoa se sentasse no
banquinho para falar com o Pai Francisco para sair com o colar de contas de vidro
pendurado no pescoço, como presente do preto velho. Como médium consciente,
lembro-me de ter ouvido naquela oportunidade a seguinte justificativa para presentear
essa pessoa com o colar de contas de vidro: “Minha filha, todas as vezes que você usar
esta guia de aço, que está pendurada em seu pescoço, ficará muito triste, pois ela atrai
muitas vibrações cósmicas, que entram em choque com as suas vibrações. Jogue-a na
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água corrente e use esta guia de preto velho abençoada por mim.” Nesse momento, Pai
Francisco tirou a guia do pescoço e a colocou no pescoço da moça que estava consultando
com ele. Até hoje, muitos anos depois, continuo usando apenas uma guia durante os
trabalhos de Umbanda. Todavia, como utilizo a guia apenas durante as sessões, ou em
ocasiões especiais, por debaixo da camisa, utilizo uma guia de firmeza todos os dias,
retirando-a apenas para tomar banho e dormir. Essa guia especial para firmeza nunca é
usada junto com a guia principal. Apesar da vibração maior estar na mente do médium, e
não na guia que ele usa, existe uma vibração mínima no material utilizado para a
confecção dessa guia. Assim, deve-se evitar o uso de guias feitas de contas de plásticos,
que podem ser substituídas pelas de contas de vidro quando o médium quiser utilizar
guias coloridas, pois a vibração das contas de vidro é muito melhor e superior que as das
contas de plástico. Normalmente, as guias são preparadas pelas entidades espirituais
num processo de magnetização, usando a energia do médium quando ele está
incorporado. Assim, quando está sendo preparada, uma guia receberá a energia cósmica
da entidade e a energia psíquica do médium. Quando um colar recebe essas energias, a
energia contida em seus elementos (contas de vidro, sementes etc.) é liberada,
completando dessa forma sua capacidade de proteção ao médium. Certa vez, eu estava
trabalhando incorporado com o caboclo Tibiriçá, quando ele pegou um terço, benzeu e
entregou a uma moça que estava assistindo a sessão, e disse: “Moça branca, estamos
preparando este terço para você usar no pescoço. Não faça nenhuma viagem sem estar
com este terço junto de você, pois, do contrário, correrá sério risco de vida.” Dois meses
depois desse fato, estávamos viajando junto com essa moça quando o carro capotou. Ela
foi lançada a alguns metros de distância e ficou em coma dois dias, quando, de repente,
acordou sem nenhum ferimento grave, beijou o terço que ainda continuava em seu
pescoço e agradeceu a Deus por estar viva. Alguns cientistas fizeram a seguinte
experiência: fotografaram um colar antes de ser preparado por um curandeiro.
Utilizaram na experiência uma máquina Kirlian, que fotografa a aura dos objetos, e
perceberam que a aura do colar havia aumentado de tamanho após sua preparação pelo
curandeiro. Sabemos que a máquina Kirlian capta na fotografia apenas uma parte da
aura, não em sua totalidade; pois é justamente essa parte mais sutil da aura que interage
com a aura do médium, fortalecendo seu campo bioenergético. As vezes as energias
negativas projetadas sobre uma pessoa são tão fortes que, se ela estiver usando uma
guia no pescoço, esta poderá arrebentar ao receber o impacto mental. Por incrível que
pareça, certa vez magnetizei seis vezes uma guia de cor branca para uma senhora que
morava ao lado do apartamento de meus pais e, lamentavelmente, essa guia não resistiu
aos impactos mentais negativos dos quais ela era vítima. Usei vários tipos de fios para
confeccionar a guia, aconselhei que a guardasse, quando não a estivesse usando, dentro
de um saquinho de pano branco, e que não deixasse ninguém tocara depois de cada
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magnetização. Mas era inútil todo esse cuidado pois, ao retirar a guia de dentro do
saquinho, encontrava todas arrebentadas. Finalmente, na sétima vez, consegui
magnetizá-la colocando-a dentro de um copo com água do mar, por três dias seguidos.
Devo dizer ainda que, durante os meses que preparei essa guia, duas gatas que eram
criadas por essa senhora morreram com tumores na barriga. Certa vez, captei
intuitivamente que um grande amigo chamado Salim precisava lavar sua guia com água
salgada, pois ela poderia arrebentar, devido ao excesso de energias negativas. Escrevi
uma carta para o Salim e usei como portador da mesma um seu cunhado, que ia visitá-lo.
Curiosamente, ao receber minha carta no final da tarde, Salim ficou surpreso, pois sua
guia havia arrebentado justamente naquele dia, na parte da manhã. Para diminuir as
energias negativas que as guias acumulam, elas deve ser defumadas periodicamente,
equilibrando assim suas energias cósmicas. As defumações são imprescindíveis nos
trabalhos de magia realizados nos terreiros de Umbanda. As ervas utilizadas no processo
de defumação foram selecionadas através de milênios, não só pelo aroma mas pelos
efeitos causados na mente humana, de acordo com seus fins. A defumação mais usual na
Umbanda é feita com uma mistura de cinco elementos: incenso, benjoim, alfazema,
alecrim e mirra. Quando as pessoas realizam trabalhos de defumação em suas casas, elas
utilizam, além dos componentes habituais, como o incenso, o benjoim, o alecrim, a mirra
e a alfazema, a palha do alho e a borra de café. Certa ocasião, em Belo Horizonte, um
psiquiatra achou curioso o fato de eu defumar uma grande sala de seu hospital
psiquiátrico para ministrar um curso de relaxamento. Ele alegou que, se as ervas
tivessem de fato o poder de afastar os espíritos, ele iria colocar uma fogueira cheia de
folhas no pátio do hospital, afastando assim todas as perturbações de seus pacientes.
Expliquei-lhe que não era, e nunca havia sido, a fumaça que afastava os espíritos
perturbadores. As matérias utilizadas para a defumação haviam sido selecionadas
durante milênios. Essas matérias, constituídas de determinados pós, resinas, folhas, etc.,
foram selecionadas pela rara propriedade que possuíam quando queimadas. A fumaça,
ao ser inalada por uma pessoa durante a defumação, entra em contato com sua corrente
sangüínea. Os elementos químicos absorvidos pelo organismo, através da fumaça,
durante a defumação, provocam no córtex cerebral uma reação capaz de aumentar a
freqüência vibratória de suas ondas mentais. São essas ondas mentais projetadas pela
mente das pessoas que na verdade “defumam” os ambientes, devido a seu conteúdo
energético de carga positiva, expulsando assim as ondas mentais negativas. Afirmar que
são as ervas que defumam, através apenas da fumaça, é cometer um lamentável engano.
Portanto, concluí, falando ao psiquiatra, que não adiantaria de fato acender uma fogueira
com as ervas para defumar se não houvesse por perto uma pessoa treinada para fazer a
defumação. Qualquer pessoa pode fazer uma defumação; os resultados positivos dessa
defumação, porém, irão variar de acordo com a capacidade de cada um em despertar
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suas forças mentais e “varrer” as energias negativas de um ambiente. Todas as vezes que
um médium vai ao seu terreiro ele passa por um processo de defumação. Assim, ele
começa de forma inconsciente a fazer uma associação entre o cheiro da fumaça da
defumação e o estado mediúnico , criando dessa forma, um processo de
condicionamento. Este condicionamento irá facilitar para que ele entre mais facilmente
em transe, todas as vezes que participar da sessão. As ervas não são utilizadas na
Umbanda apenas para ser queimadas; elas desempenham um papel de muita importância
no tratamento das doenças, através dos chás, bem como para o equilíbrio psicológico,
nos chamados banhos de descarrego. Sabemos que determinadas drogas podem provocar
transformações químicas no organismo das pessoas, podendo excitar ou inibir suas
reações psicológicas. A alopatia e a homeopatia fazem largo uso das drogas, tanto sob a
forma de pílulas, como sob a forma de xaropes, de chás, de injeções, etc., por
conhecerem seus efeitos. Na Umbanda, as ervas, além de usadas sob a forma de chás,
são utilizadas como banho de descarrego ou como amaci (feitura de cabeça). O processo
de assimilação, pelo organismo humano, dos componentes químicos das ervas, é o
mesmo no chá como no banho de descarrego. Na verdade, o maior orifício de nosso
corpo não é a boca, mas o próprio corpo através de seus milhões de poros. Assim, as
ervas, quando fervidas em água, despertam suas potencialidades e, ao entrarem em
contato com o corpo de uma pessoa, seus elementos químicos são absorvidos pelos poros
e assimilados muito mais rapidamente pelo organismo, provocando, em conseqüência,
alterações psicossomáticas. Pessoalmente, em minhas pesquisas sobre alterações do
comportamento humano, pude observar melhoras sensíveis em alguns tipos de
desequilíbrios comportamentais, em que as pessoas fizeram uso da prática do banho de
descarrego com ervas especiais. Dentre essas ervas, aquelas cujos efeitos foram mais
sensíveis foram a arruda, a guiné, a espada-de-são-jorge, a alfavaca, o alecrim, a
alfazema. Conversando com outros dirigentes de terreiros, fui informado de que, além
dessas ervas, eles fazem uso de outras, com excelentes resultados; porém, minhas
pesquisas foram concentradas nas ervas que citei anteriormente. De forma empírica,
muitas outras ervas estão sendo pesquisadas e serão aproveitadas pela homeopatia e,
mais tarde, pela alopatia. No Brasil, devido à variedade de ervas dentro de nossa enorme
flora, poderemos realizar um trabalho sério, com profundos conhecimentos sobre a
aplicabilidade de nossas ervas. A experiência obtida pela Umbanda no uso das ervas não
deverá ser desprezada, mas observada mais atentamente, evitando desnecessárias
pesquisas paralelas. Em minhas experiências com ervas não consegui determinar o
percentual de diferenciação entre o efeito provocado pela composição química das ervas
e o grau de sugestionabilidade das pessoas, no processo de equilíbrio psicológico. Dessa
forma, dependendo do grau de sugestão de uma pessoa, ela poderá usar um banho de
descarrego, com ervas não específicas para este fim, obtendo quase que o mesmo
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resultado de um banho com ervas tradicionais. Todavia, não podemos negar os


resultados dos banhos de descarrego na mente das pessoas, porque não foi feito nenhum
estudo para mensurar esses efeitos. Considerando que o importante é ajudar as pessoas
a se encontrarem e que os banhos de descarrego colaboram nesse sentido, os terreiros
deverão insistir em sua prática, colaborando indiretamente com a ciência. Se uma pessoa
sente-se mais segura e confiante usando uma guia no pescoço, defumando
periodicamente a casa, tomando um chá de ervas receitado por um preto velho, ou
mesmo um banho de descarrego, ela está agindo muito mais corretamente que uma
outra que, muitas vezes, por preconceito, medo ou desconhecimento, vive infeliz e
deprimida, por vergonha de fazer uso desses artifícios. Não é vergonhoso fazer uso da
magia da Umbanda para ser feliz; vergonhoso é ser infeliz por causa dos preconceitos,
que muitas vezes nos impedem até mesmo de raciocinar.

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