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Frank B. Holbrook, Editor

Estudos sobre
Apocalipse
temas introdutórios
1

6
Série

Santuário e profecias
apocalípticas
Centro Universitário Adventista de São Paulo
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Frank B. Holbrook, Editor

Estudos sobre
Apocalipse
temas introdutórios

6
Série

Santuário e profecias
apocalípticas

1ª edição — 2012

Imprensa Universitária Adventista


Estudos sobre apocalipse: temas introdutórios

Imprensa Universitária Adventista 1ª edição – 2013


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Revisão: Matheus Cardoso Portuguesa, assinado em 1990, em vigor desde
Normatização: Felipe Carmo, Giulia Pradela janeiro de 2009.

Dados Internacionais da Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Índices para catálogo sistemático:


sumário
7 Princípios fundamentais de interpretação
43 As oito
61 Cenas da “Introdução Vitoriosa”
85 Interpretando o simbolismo do Apocalipse
117 Tipologia do santuário
157 Relações entre Daniel e Apocalipse
173 O uso de Daniel e Apocalipse por Ellen G. White
193 O intérprete e o uso dos escritos de Ellen G. White
207 Debates contemporâneos sobre o Apocalipse
217 Selos e trombetas: algumas discussões atuais
235 Os sete selos
285 Os santos selados e a grande tribulação
321 O anjo forte e sua mensagem
369 Profecias de tempo de Daniel 12 e Apocalipse 12-13
Princípios fundamentais
1
de interpretação
Kenneth A. Strand

Esboço do capítulo
1. Abordagens interpretativas ao Apocalipse
2. Exegese, teologia e hermenêutica
3. Regras gerais de interpretação
4. Regras especiais para a interpretação apocalíptica
5. Propósito e tema do Apocalipse
6. Estrutura literária do Apocalipse

Sinopse editorial. Os cristãos


conservadores creem que a men-
sagem da Bíblia transcende seu tem-
po e cultura. Consequentemente, en-
quanto os anos passam e a distância
dos séculos se amplia entre o mundo
antigo e o moderno, torna-se cada vez
mais importante que os estudantes
das Escrituras se comprometam com
sólidos princípios de interpretação
para que não interpretem erronea-
mente a Palavra de Deus. Isto é espe-
cialmente verdade quanto à descober-
ta das verdades expressas nos livros
apocalípticos de Daniel e Apocalipse.
Neste importante capítulo, o
autor explica em detalhes as carac-
terísticas da profecia apocalíptica,
Estudos selecionados em interpretação profética

destaca o propósito e o tema do livro de Apocalipse, explora a natureza do


seu simbolismo e aponta o caminho para determinar o seu significado.
Todos os sistemas de interpretação do Apocalipse devem começar local-
izando seus diversos segmentos nas estruturas de tempo presente, passada e
futura. Depois de anos de estudo, é a profunda convicção do presente autor que
uma clara compreensão do arranjo literário do Apocalipse provê o fundamento
necessário sobre o qual se pode erigir uma sólida interpretação de suas visões.
O próprio livro profético proporciona a chave para explicar sua estrutura.
Os dados indicam que o Apocalipse é composto de oito visões internamente li-
gadas para formar quatro pares. A profecia se divide naturalmente em duas seções:
capítulos 1 a 14 e capítulos 15 a 22. Quatro visões precedem esta linha divisória natu-
ral (fim do capítulo 14), e quatro visões concluem o livro. As quatro primeiras visões
(série histórica) encontram cumprimento na Era Cristã, preparando o caminho para
o Segundo Advento. As últimas quatro visões (escatológicas — série de julgamentos)
cobrem acontecimentos após o encerramento do tempo da graça. Sendo que uma
compreensão correta da organização do Apocalipse é vital para a interpretação de suas
visões, os dois próximos capítulos também tratarão deste assunto com alguns detalhes.
O livro de Apocalipse tem sido mal compreendido e mal usado mais do que
qualquer outro livro da Bíblia. Mesmo um olhar de relance para o grande número
8 de comentários sobre o Apocalipse revela um amplo cortejo de equívocos, inter-
pretações errôneas e conclusões que não são apenas contraditórias, mas também
com frequência altamente especulativas. Em assinalado contraste com a profusão
de material expositivo sobre o Apocalipse, está a virtual ausência de abordagem
à magnífica teologia do livro. Até o momento, não existe nenhuma abordagem
completa e abrangente à teologia do livro de Apocalipse, e mesmo discussões de
limitados assuntos ou temas teológicos específicos do Apocalipse são relativa-
mente raras e frequentemente superficiais e indignas de confiança.1

Abordagens interpretativas ao Apocalipse


Os comentários sobre o Apocalipse geralmente são classificados nestas
grandes categorias: historicismo, preterismo e futurismo.

1
  Artigos “tópicos” frequentemente representam exegese de uma passagem mais do que uma
teologia do Apocalipse como um todo ou mesmo a teologia da própria passagem. Pode haver al-
gumas exceções em algumas áreas, tais como, por exemplo, cristologia, pneumatologia e eclesio-
logia. Também a ser notado é o capítulo sobre “Doutrina” em H. B. Swete (1908, p. clix-clxxiii).
Este trata os assuntos de monoteísmo, a doutrina de Deus, cristologia, pneumatologia, eclesiolo-
gia, soteriologia e angelologia, mas basicamente apenas faz um levantamento dos dados.
Princípios fundamentais de interpretação

Historicismo. O método histórico pode seguir uma ou outra das duas


abordagens básicas: (1) a abordagem “linear” vê o Apocalipse retratando uma
sequência de acontecimentos que se inicia na Era Apostólica e continua passo
a passo até o grandioso ponto culminante escatológico;2 (2) a abordagem da
“recapitulação” interpreta as várias visões do Apocalipse como percorrendo o
mesmo terreno desde os dias do profeta até o fim dos tempos. Este último tipo
de interpretação tem sido modelo para os adventistas do sétimo dia.3 Em um
ou outro caso as profecias são compreendidas como tendo seu cumprimento no
tempo histórico entre os dias de João e o estabelecimento do reino eterno.
Preterismo. Por outro lado, o preterismo tem se inclinado a interpretar ou todo
o livro de Apocalipse ou virtualmente todo ele como história antiga. A maioria dos
eruditos preteristas considera as profecias do Apocalipse como refletindo eventos e
condições relacionadas à Igreja Cristã e ao Império Romano no próprio tempo de
João, possivelmente alcançando também um breve período além daquele tempo para
abranger acontecimentos antecipados por João. Há, porém, algumas exposições pre-
teristas que admitiriam que as profecias do Apocalipse chegassem até Constantino, o
Grande, no início do quarto século, com a seção de 19:11 em diante possivelmente
pertencendo a um período posterior que é ainda futuro em nossos dias.4

9
2
  Vários intérpretes bem-conhecidos de uma geração anterior foram partidários deste ponto de
vista, tais como Albert Barnes, Adam Clarke, E. B. Elliott e Alexander Keith. Barnes, por exemplo,
trata os sete selos como pertencendo a uma sequência de eventos da Era pós-Apostólica, as sete
trombetas como se iniciando com o saque de Roma pelos visigodos em 410 d.C., o livrinho ab-
erto de Apocalipse 10 como a Bíblia aberta no tempo da Reforma do século 16, e as sete últimas
pragas como refletiva da Revolução Francesa do final do século 18.
3
  O exemplo que ainda é talvez o mais bem conhecido é Thoughts on Daniel and Revelation
de Uriah Smith (múltiplas edições e impressões, inclusive a atualmente disponível “edição
revisada” primeiramente publicada em 1944 pela Southern Publishing Association, em Nash-
ville, Tennessee). Outros escritores adventistas do sétimo dia, inclusive S. N. Haskell e R. A.
Anderson, têm usado a mesma abordagem. O mais recente e completo comentário exibindo-
a é a excelente publicação de C. Mervyn Maxwell (1985, v. 2) God Cares. Entre os escritores
não adventistas, não tenho encontrado nenhum que use a abordagem da maneira como a
usam os adventistas, mas repetições de sequências parciais ou incompletas são apresentadas,
por exemplo, por S. L. Morris (1928) e William Hendriksen (1940).
4
  A origem da opinião preterista é geralmente atribuída a Luis de Alcazar (falecido em 1613),
jesuíta espanhol, em sua monumental Investigation of the Hidden Sense of the Apocalypse [Inves-
tigação do Sentido Oculto do Apocalipse] (publicada postumamente em 1614). Juntamente com
ele e alguns outros antigos expositores católicos, vários comentaristas protestantes de séculos pos-
teriores (por ex., I. T. Beckwith, Moses Stuart e H. B. Swete) têm tido a tendência de admitir um
cumprimento de partes do Apocalipse atingindo os primeiros séculos cristãos pós-apostólicos.
Os comentaristas preteristas de “tradição liberal”, quer sejam eles católicos ou protestantes, inter-
pretam o livro como refletivo do próprio tempo de João.
Estudos selecionados em interpretação profética

Futurismo. O sistema futurista de interpretação vê o cumprimento da maioria


do Apocalipse restrito a um breve período de tempo ainda futuro em nossos dias.
Uma classe secundária de futurismo — em que muitos futuristas e mesmo mui-
tos evangélicos se encontram — é o pré-tribulacionismo/dispensacionalismo.5 Esta
abordagem específica normalmente interpreta Apocalipse 4:1–19:10 como ocorren-
do em um período de sete anos ainda futuro para nós — período que se inicia com
um “arrebatamento” secreto e assinalado em seu final pelo glorioso e visível apareci-
mento de Cristo. Os pré-tribulacionistas/dispensacionalistas consideram esse período
de sete anos como a setuagésima semana de anos da profecia de Daniel 9:24–27, em-
bora a sexagésima-nona semana tenha terminado no início da Era Cristã.6
Outras abordagens. Além das três grandes escolas de interpretação e
sua subdivisões, há hoje uma variedade de outras abordagens interpretativas
ao Apocalipse. Algumas destas se sobrepõem ou abraçam em parte uma ou
mais das abordagens tradicionais, mas todas tendem a colocar sua principal
ênfase em alguma outra direção. Há, por exemplo, várias interpretações não
históricas. Estas veem o Apocalipse como retratando um drama mitológico,
maravilhosos ideais, filosofia de valores ou algo semelhante, sem tocar ab-
solutamente na história real e/ou genuína escatologia.7
Finalmente, deve ser notado que em anos recentes tem havido uma tendên-
10 cia em torno da amalgamação de abordagens. Talvez o mais notável ao longo
desta linha sejam as tentativas de misturar preterismo em futurismo, sendo o
primeiro um pano de fundo para o último (por exemplo, George Eldon Ladd e

5
  Entre um bom número de exemplos, estão os comentários de John Wolvoord (1966) e Hal
Lindsay (1973). O primeiro é um tipo de produção erudita, e o último é uma obra de estilo
popular.
6
  Literatura prolífica tem sido produzida pelos expoentes do ponto de vista, começando com
o seu originador J. N. Darby, da Irlanda, que reuniu a essência do pré-tribulacionismo/dispen-
sacionalismo durante o final de 1820 e a década de 1830. Darby era muito conhecido por sua
atividade na Inglaterra (ele é geralmente considerado como sendo o fundador do movimento
dos “Irmãos de Plymouth”), mas pessoalmente promulgou suas opiniões também no Continente
Europeu e na América do Norte, para a qual fez seis viagens. Na América, a Bíblia de Referên-
cia de Scofield (publicada no Brasil como Bíblia Anotada) tem tido considerável influência em
popularizar a opinião, realçada em anos recentes por publicações de Hal Lindsay. As “teologias
sistemáticas” de Alva McClain e L. S. Chafer também defendem este ponto de vista. Entre uma
série de boas pesquisas e avaliações do pré-tribulacionismo/dispensacionalismo, deve ser tomada
em consideração a crítica justa e muito legível dada por George Eldon Ladd (1956).
7
  Entre os expositores que têm escrito na Inglaterra, os seguintes provavelmente podem ser in-
cluídos (embora talvez com alguma sorte de preterista ou outro tipo de ajuste “histórico” envolvi-
do): E. W. Benson, Raymond Calkins, William Milligan, Paul S. Minear, S. L. Morris e D. T. Niles.
Princípios fundamentais de interpretação

Leon Morris) ou reinterpretar o historicismo em um estilo futurista (particu-


larmente notável em exposições de alguns adventistas do sétimo dia que atual-
mente estão publicando suas opiniões particulares).
Não é o meu propósito neste capítulo ilustrar ainda mais ou avaliar as várias
abordagens. Isto eu tenho feito brevemente em outros estudos com referência
às três tradicionais, algo que também tem sido feito por vários outros escritores
recentes (ver STRAND, 1979, p. 11–16; TENNEY, 1957, p. 135–146). No devido
tempo, serão discutidos certos princípios básicos que irão auxiliar o leitor na
separação de métodos interpretativos infundados daquilo que é são e válido.
Por enquanto, será suficiente apenas salientar que qualquer abordagem baseada
em critérios e opiniões externas (em vez de emergir do Apocalipse em si) deve ser
considerada altamente suspeita. De fato, as confusões tão desenfreadas em muitos
comentaristas, qualquer que seja o seu ponto de vista interpretativo, encontram sua
causa básica na eisegese — isto é, ler no texto algo que não está ali — em vez de pro-
ceder com base na sã exegese — extraindo do texto o que está ali.
Esta armadilha eisegética revela-se de várias maneiras. Estas frequente-
mente parecem plausíveis porque aparentemente se utilizam do válido princí-
pio interpretativo de comparar passagem com passagem. O leitor deve ter em
mente, porém, que não é a soma de passagens citadas, aludidas ou justapostas o
que realmente importa. O que tem valor é a eficiência do procedimento que está 11
sendo usado. De acordo com 2 Pedro 3:16, havia na era do Novo Testamento
aqueles que deturpavam as Escrituras para a “própria destruição deles”. Esta
prática, infelizmente, ainda prevalece muitíssimo em nossos dias, e a interpre-
tação do Apocalipse parece especialmente inclinada a isto.

Exegese, teologia e hermenêutica


A título de introdução, observamos que há diferenças e semelhanças entre
as abordagens teológica e exegética ao livro de Apocalipse. A exegese lida com
um texto ou passagem específica e procura extrair a mensagem pretendida pelo
autor nesse texto ou passagem específica. Isto envolve todas as preocupações
que um exegeta normalmente tem em lidar com qualquer trecho literário (sig-
nificado de palavras, relações sintáticas etc.), contextos históricos e literários
gerais, e qualquer outra informação que possa esclarecer o significado da pas-
sagem, inclusive declarações relevantes que o autor faz em outro lugar.
O estudo teológico utiliza as mesmas ferramentas e princípios her-
menêuticos. Mas enquanto o estudo exegético normalmente significa o são
Estudos selecionados em interpretação profética

e cuidadoso exame de um texto ou passagem específica, o estudo teológico


geralmente abrange os seguintes:
Primeiro, utiliza os resultados exegéticos de vários textos ou passagens
relacionadas. Segundo, procura colocá-los na devida relação uns com os
outros. Finalmente, empenha-se em relacionar esta síntese a evidências e
exposições bíblicas mais amplas dos mesmos assuntos, temas, ou perspecti-
vas teológicas (do Antigo e do Novo Testamento).
Assim, a exegese no Apocalipse faz a pergunta básica fundamental: O que
nos diz esta passagem específica do Apocalipse? O estudo teológico, por outro
lado, faz a pergunta mais ampla: Que temas ou assuntos teológicos são ilumi-
nados e elucidados por esta passagem, e como a apresentação destes temas e
assuntos por este livro se encaixa no contexto mais amplo da teologia do Novo
Testamento e da teologia bíblica como um todo?
Por causa das espécies de interpretações errôneas do Apocalipse que têm
surgido em anos recentes, não somente de escritores não adventistas, mas tam-
bém dentro de certos círculos adventistas, em primeiro lugar reiteramos breve-
mente os bem-conhecidos e geralmente aceitos princípios de interpretação
bíblica. Então daremos atenção mais detalhada a certos assuntos vitalmente
importantes concernentes ao Apocalipse que são muitas vezes desconhecidos
12 ou negligenciados por expositores atuais. O presente capítulo não se sobreporá
indevidamente ao que é apresentado em outro lugar na série Santuário e Profe-
cias Apocalípticas sobre este tema, mas o assunto de uma sã hermenêutica é tão
essencial que alguma reformulação pode até mesmo ser proveitosa (JOHNS-
SON, 2010, p. 259–287; ver HASEL, 2010, p. 288–322).

Regras gerais de interpretação


As regras gerais para a interpretação de qualquer livro da Bíblia obviamente
devem também se aplicar ao livro de Apocalipse. Donde alguns comentários
sobre estas seguem imediatamente abaixo.
As Escrituras como seu próprio intérprete
Os adventistas do sétimo dia creem firmemente que as Escrituras não são
de particular interpretação, mas que homens santos de Deus falaram ao serem
movidos pelo Espírito Santo (2Pe 1:20–21). Este fato da divina inspiração as-
segura que as Sagradas Escrituras são verdade totalmente confiável. Leva à con-
clusão de que as Escrituras são o seu próprio e melhor intérprete, um princípio
interpretativo já mencionado acima.
Princípios fundamentais de interpretação

As passagens bíblicas, porém, não devem ser reunidas de uma forma indevida.
Uma sólida abordagem leva em consideração os seguintes fatos: (1) As Escrituras
não são apenas verdade em um sentido global, mas também contém muitas ver-
dades individuais. (2) Portanto, ao se lidar com qualquer passagem das Escrituras, é
importante verificar precisamente o que trata essa passagem específica e qual é a sua
própria mensagem específica em seu próprio contexto específico. (3) Enquanto a re-
união de duas ou mais passagens bíblicas que têm relevância para o mesmo assunto
iluminará nossa compreensão da verdade divina que está envolvida, a combinação
enganosa de dois ou mais itens que são absolutamente verdadeiros em si mesmos
pode muito bem levar a uma síntese que é totalmente infundada e errônea.
O último ponto precisa de ênfase especial. Por exemplo, se tentarmos fundir
uma biografia totalmente correta de César Augusto com uma biografia totalmente
correta de George Washington (cada um desses indivíduos foi chamado “pai do seu
país”), obviamente teríamos um relato combinado cheio de erros. Assim seria tam-
bém o caso se intrometêssemos um relato factual da carreira militar de Napoleão
Bonaparte em um relato factual da Segunda Guerra Mundial.
Jogar solto deste modo com peças individualmente verdadeiras e comple-
tamente exatas de informação histórica parece ridículo, e certamente é assim.
No entanto, este mesmo tipo de metodologia é similar hoje em determinados
esquemas interpretativos aplicados ao livro de Apocalipse.8 Quer o campo seja 13
historiografia geral ou teologia bíblica (ou, a propósito, qualquer outro campo),
o resultado final não é verdade, mas confusão e erro.
Usar todas as ferramentas disponíveis
Os bereanos são mencionados como sendo “mais nobres” do que os de Tessalôni-
ca, porque eles prontamente recebiam a palavra dos apóstolos e então estudavam as
Escrituras para verificar se a mensagem dos apóstolos era verdadeira (At 17:11). A
procura pela verdade divina deve ser cuidadosa, diligente e equilibrada.
Tal estudo envolve uma comparação adequada de passagem com passagem,
tendo cuidado de que o máximo conhecimento possível seja obtido de cada pas-
sagem bíblica utilizada. Isto sugere um uso sério e apropriado das ferramentas
que estão disponíveis: comentários bíblicos, dicionários bíblicos, manuais bíblicos,

8
  Os adventistas do sétimo dia tendem a ficar surpresos de que os evangélicos dispensacion-
alistas possam mudar a setuagésima semana da profecia de Daniel 9:24–27 da era do Novo Tes-
tamento para um tempo ainda futuro em nossos dias, e que eles tornam Apocalipse 4:1 a 19:10
virtualmente uma exposição da chamada “setuagésima semana” de Daniel. Todavia, certos escri-
tores adventistas recentes de inclinação futurista revelam esse mesmo tipo de método em suas
exposições privadas do Apocalipse.
Estudos selecionados em interpretação profética

obras de referência sobre história e arqueologia bíblicas, mapas e tratados da geo-


grafia das terras bíblicas, léxicos e outros auxílios com referência às línguas bíblicas.
Se possível, o texto bíblico deve ser lido em suas línguas originais.
Conquanto devamos ser cautelosos com o que é simplesmente tradição hu-
mana — algo que muito frequentemente inclui o erro —, devemos reconhecer
que a utilização adequada e criteriosa de relevantes materiais de pesquisa de
fundo histórico e arqueológico, léxicos, e ajudas similares podem ser muito
úteis e esclarecedores na busca e descoberta da verdade bíblica.
Os indivíduos que não são especialistas em relação às várias disciplinas
mencionadas acima não devem desesperar. Informação confiável está pron-
tamente disponível para qualquer um que esteja disposto a estudar. Quer
tais estudantes da Bíblia percebam isto ou não, sua própria leitura das Es-
crituras em português ou em outra língua moderna implica em reconheci-
mento para com eruditos instruídos nas línguas bíblicas e em conhecimen-
tos históricos e outros conhecimentos relevantes para a Bíblia. Felizmente,
também estão disponíveis várias traduções da Bíblia (ao menos em portu-
guês) que podem ser comparadas entre si.
É bom notar que os estudantes da Bíblia que estão realmente buscando a
verdade não farão simplesmente selecionar traduções ou fórmulas tradicion-
14 ais para satisfazer sua própria fantasia sobre pontos controvertidos. Preferiv-
elmente, eles buscarão a preponderância da evidência quanto ao que é correto.
As traduções da Bíblia diferem na escolha das palavras e na maneira de ex-
pressão, embora a verdade divina seja geralmente apresentada em quase todas
as traduções tão acurada e adequadamente que ninguém precisa se desviar —
ao menos em assuntos vitais para a salvação.
É verdade, porém, que algumas traduções são em geral mais confiáveis do que
outras. Como regra, em estudos mais aprofundados, uma tradução do tipo mais
“literal” deve ser preferida ao tipo “livre” ou “paráfrase”.9 Com frequência as pessoas
falarão do último tipo de tradução como a que elas preferem, porque tal tradução
“é muito clara”. A real questão, porém, deve ser esta: Nessas traduções livres, o que é
tão claro — a palavra de Deus ou a opinião do tradutor?

9
  Exemplos de traduções “literais” ou “formais” são: King James, New King James, Revised Stand-
ard Version, New American Standard Bible etc. [Em português: Almeida Revista e Atualizada e
Bíblia de Jerusalém. — Nota do tradutor.] Exemplos de traduções “livres” ou método dinâmico
de tradução: New English Bible, Today’s English Version, Philips Translation, Living Bible etc. [Em
português: Nova Tradução na Linguagem de Hoje, Nova Bíblia Viva e A Mensagem. — Nota do
tradutor.]
Princípios fundamentais de interpretação

Disposição de fazer a vontade de Deus


Outra regra geral de interpretação se relaciona com a atitude do leitor no que
tange à verdade. Conforme declarado por Cristo, “se alguém quiser fazer a vontade
dele [de Deus], conhecerá a respeito da doutrina, se ela é de Deus” (Jo 7:17).
O próprio livro de Apocalipse é muito incisivo em enfatizar que nada deve
ser acrescentado e nada deve ser tirado do que está escrito nele. Realmente,
pronuncia uma bênção sobre aqueles que ouvem a mensagem do livro, e uma
maldição sobre aqueles que a distorcem (veja Ap 1:3; 22:7b, 18–19).

Estudo com oração


O estudo das Escrituras com oração é um princípio da máxima importân-
cia. O mesmo Espírito Santo que inspirou os escritores da Bíblia para registrar
a verdade divina deve também estar presente a fim de iluminar nossa mente
para essa verdade. Este princípio específico poderia ter sido declarado primeiro
entre nossos princípios gerais por causa de sua extrema importância. Em vez
disto, preferi colocá-lo na conclusão, porque abrange todos os outros quando é
experimentado conscienciosamente.
Estudo com oração significa estudo que usa um método idôneo em comparar
passagem com passagem, que se aproveita de todas as ferramentas disponíveis em
efetuar estudo diligente, e é caracterizado por uma disposição de fazer a vontade de 15
Deus e seguir os resultados do estudo aonde quer que eles possam conduzir.

Regras especiais para a interpretação apocalíptica

Impacto da forma literária


A verdade bíblica é multifacetada, e os escritores da Bíblia utilizavam uma
grande variedade de tipos literários a fim de transmitir a mensagem divina. É
fundamental reconhecer que a verdade expressa através de uma forma literária
específica manifesta as características dessa forma e é compreendida somente
quando é dada a devida consideração àquelas características. Narrativas históricas,
prescrições legais, palavras de sabedoria, cartas, reflexões e aclamações poéticas
estão entre os numerosos e variados tipos de literatura incluídos na Bíblia. Tam-
bém às vezes aparecem em combinação uns com os outros.
Para a maioria dos leitores, a diferença entre prosa e poesia é talvez a mais
fácil de reconhecer. Por exemplo, no relato em prosa do Êxodo nos é dito que
Deus enviou “um forte vento oriental” para afastar as águas do mar (Êx 14:21).
No relato poético é feita a declaração de que “com o resfolgar das tuas [de Deus]
narinas, amontoaram-se as águas” (Êx 15:8).
Estudos selecionados em interpretação profética

A qualidade figurativa da expressão poética é imediatamente evidente. A


maioria dos leitores não visualizaria Deus como realmente agachado nas mãos
e joelhos e resfolegando pelas narinas nas águas do mar! E, contudo, esta de-
scrição pitoresca adiciona legítima ênfase e eficiência ao expor uma verdade
divina quando é lida adequadamente como a linguagem figurativa que ela é.
O livro de Apocalipse representa um tipo de literatura e estilo singu-
lar entre os livros do Novo Testamento. Seu paralelo bíblico mais próximo
é o livro de Daniel, no Antigo Testamento. Estes dois livros da Bíblia são
geralmente classificados como “profecia apocalíptica”, em contraste com a
“profecia clássica” (às vezes chamada “profecia geral”), sendo a última repre-
sentada por tais livros como os profetas maiores e menores.
Ambas as espécies de literatura profética ensinam a verdade divina,
como fazem todos os outros tipos de literatura da Bíblia. Mas precisa-
mente como no caso de outros tipos literários, as características peculiares
a este tipo de literatura devem ser levadas em consideração pelo estudante.
Infelizmente, a distinção entre profecia clássica e profecia apocalíptica é
frequentemente obscurecida por expositores da Bíblia.
Nos parágrafos abaixo, primeiro comentaremos brevemente algumas das
características da apocalíptica mais geralmente reconhecidas. Em seguida, tra-
16 taremos com mais detalhes de algumas características dessa literatura às quais
geralmente não é dada a devida consideração.

Características da literatura apocalíptica


Vários autores têm salientado características comuns ao gênero de literatura
conhecido como apocalíptica. A lista seguinte, baseada em grande parte em
meu livro Interpreting the Book of Revelation [Interpretando o Livro de Apoc-
alipse], pode ser considerada representativa (ver STRAND, 1979, p. 18–20).
Assinalados contrastes. A profecia apocalíptica faz uma clara e invariável linha
de demarcação entre o bem e o mal, entre as forças de Deus e as forças de Satanás,
entre os justos e os ímpios, entre salvação para os filhos de Deus e perdição para
os seus inimigos. Entre os numerosos e notáveis contrastes no livro de Apocalipse,
estão o selo de Deus e a marca da besta, a testemunha fiel e verdadeira e a serpente
que engana o mundo, a virgem de Apocalipse 12 e a prostituta de Apocalipse 17, os
exércitos do Céu e os exércitos da Terra, o fruto da árvore da vida e o vinho do furor
da ira de Deus, a Nova Jerusalém em glorioso esplendor e Babilônia em flamejante
destruição, e o mar de vidro e o lago de fogo.
Alcance cósmico. A profecia clássica lida com a situação local e con-
temporânea como seu enfoque primário, com certo grau de ampliação
Princípios fundamentais de interpretação

para retratar o final grande Dia do Senhor. A apocalíptica tem, em vez


disto, como sua própria urdidura e trama, o elemento de alcance cósmico
ou escopo universal. A profecia apocalíptica aborda o grande conflito en-
tre o bem e o mal, não dentro de uma estrutura histórica local e contem-
porânea (como é descrita nas mensagens dos profetas maiores e menores),
mas do ponto de observação que descerra a cortina, por assim dizer, em
todo o mundo e por toda a extensão da história humana.
Por exemplo, Daniel 2 e 7 tratam dos impérios mundiais em sucessão
pelo restante da história terrestre desde o tempo de Daniel até a consumação
final e o estabelecimento do eterno reino de Deus. O Apocalipse, semel-
hantemente, explora grandes desenvolvimentos históricos desde os dias de
João até e inclusive uma descrição do grandioso final escatológico.
Ênfase escatológica. Às vezes os profetas gerais ampliam o escopo dos oráculos
de condenação ou “juízos do Dia do Senhor” — quer seja dirigidos contra Israel,
Judá, Nínive, Babilônia, Moabe, Edom, ou qualquer entidade que poderia ser —
para retratar brevemente um julgamento final no fim da história terrestre. Contudo,
o principal objetivo de seus escritos é para a situação de seus próprios dias.
Por outro lado, a profecia apocalíptica, embora trate a história através do
fluxo do tempo, tem um enfoque especial nos acontecimentos do fim dos tempos.
A apocalíptica descreve uma luta contínua entre o bem e o mal na história, uma 17
história que tende a degenerar-se ao prosseguir no tempo. Mas é uma história que
está realmente se movendo em direção de um fim em cujo tempo o próprio Deus
intervirá diretamente para destruir o mal e estabelecer a justiça.
Em um sentido, podemos afirmar que os profetas gerais consideravam
a história do ponto de vista de sua própria posição no tempo, ao passo que
os profetas apocalípticos visualizam uma extensão da história com um
enfoque especial no ápice final da história.
Origem em tempos de angústia e perplexidade. Em seu ambiente histórico,
a apocalíptica bíblica, como Daniel e Apocalipse, surgiu em tempos de angústia,
perplexidade e perseguição. Assim, parece que a profecia apocalíptica surge quando
horrendas circunstâncias para o povo de Deus poderiam muito bem levá-los a ques-
tionar se Deus está ainda ativo e no controle. E ensina clara e convincentemente que
Deus ainda é, de fato, o Senhor da história, que Ele está com o seu povo, e que os
vindicará plenamente em um magnífico e glorioso ponto culminante escatológico.
A profecia apocalíptica é uma espécie de literatura especialmente apropriada para
proporcionar conforto e esperança aos oprimidos e humilhados servos de Deus em
seu tempo de necessidade crítica de precisamente tal conforto e esperança.
Estudos selecionados em interpretação profética

Base em visões e sonhos. Uma comparação da profecia apocalíptica com a


profecia clássica e outra literatura bíblica indica que a apocalíptica é caracteri-
zada por referência mais frequente a visões e sonhos do que é verdade quanto
a qualquer outro tipo de literatura encontrada na Bíblia. Além disso, o apareci-
mento de anjos para interpretar tais visões e sonhos não é incomum.
Extenso uso de simbolismo. Embora a profecia clássica use simbolis-
mo em certa medida, a apocalíptica pode ser distinguida por isto. O livro
de Apocalipse está permeado de símbolos de várias espécies; seu rep-
ertório de imagens é particularmente rico.
Uso de simbolismo complexo. Além disso, seja qual for o simbolismo
que os profetas clássicos usem, ele tende a seguir padrões fiéis à realidade,
ao passo que a apocalíptica frequentemente se afasta das formas convencio-
nais. Retrata, por exemplo, animais inexistentes na natureza, tais como o
dragão de sete cabeças e a besta do mar de Apocalipse, o leão alado e o ani-
mal de quatro cabeças de Daniel etc. O simbolismo complexo era comum, é
claro, na arte e na literatura do antigo Oriente Próximo.
Resumo. Embora a classificação baseada em tais critérios tenha sido questionada
(ver HANSON, 1975, p. 6–7), muitos eruditos ainda dão peso a estes elementos como
sendo características básicas da profecia apocalíptica. Em todo caso, o simples fato
18 é que há um conjunto de antiga literatura que manifesta em maior ou menor grau
muitos destes elementos; portanto, para fins descritivos e práticos uma classificação
baseada neles parece útil e justificada. Conhecer e compreender tais características
especiais da apocalíptica é, sem dúvida, um primeiro passo na interpretação correta.
Também deve ser notado que todas as características apresentadas acima
não são, necessariamente, completamente exclusivas da literatura apocalíptica.
A extensão em que elas aparecem e a maneira como são usadas na apocalíptica
é, porém, muito distinta e serve para prover um significativo contraste com a
dinâmica evidenciada na profecia clássica.

Continuidade vertical e horizontal


Por mais útil que seja a lista anterior de características, ela não nos leva comple-
tamente ao “coração” da profecia apocalíptica. Talvez não sejamos capazes de com-
preender e apreciá-la suficientemente a menos que possamos pôr de lado nossas
“lentes do século 20” e colocar-nos honestamente dentro da perspectiva bíblica.
Aqui voltamos nossa atenção especificamente para dois elementos abso-
lutamente vitais a compreender se quisermos captar a verdadeira dinâmica
da apocalíptica. Neste estudo, serão denominadas dimensões de “continui-
dade vertical” e “continuidade horizontal”.
Princípios fundamentais de interpretação

Continuidade vertical. A antiga mentalidade semita via o Céu e a Terra em


íntimo contato um com o outro. Infelizmente, esta é uma perspectiva que nós, em
nossa moderna civilização de orientação científica, temos perdido em grande parte.
A mente moderna tende a separar o Céu e a Terra, não simplesmente no sentido
físico ou espacial, mas também espiritualmente. Mesmo como cristãos, nos encon-
tramos frequentemente fora de sintonia com os referenciais e conceitualizações car-
acterísticas dos escritores da Bíblia e seus ouvintes originais.
Deus comunica, é claro, através da linguagem da humanidade. Isto, obviamente,
significa mais do que vocabulário, sintaxe, e coisa semelhante. Envolve toda a estrutu-
ra conceitual das pessoas com quem a comunicação está sendo estabelecida.
Nós, modernos, cremos que nossos referenciais científicos do século 20
são muito melhores do que as conceitualizações dos antigos, e indubitavel-
mente em alguns sentidos os nossos são mais “atualizados” e exatos. Todavia,
quer a cosmovisão seja antiga ou moderna, ela fica muito abaixo das reali-
dades supremas do Universo de Deus. Sua condescendência em comunicar-
se conosco em nossa linguagem — através de nossa estrutura conceitual — é
tão grande que qualquer diferença humana criada por dois ou três milênios
não faz virtualmente nenhuma diferença.
Foi para nós, porém, que a Bíblia foi escrita nos tempos antigos. Por-
tanto, aqueles referenciais relativos aos escritores e ouvintes antigos de- 19
vem ser tidos em mente por nós ao procurarmos compreender hoje a men-
sagem de Deus através de sua Palavra escrita. 10
Conquanto as modernas conceitualizações científicas da realidade tenham
provido alguns importantes ganhos ou corretivos, em outras ocasiões elas têm le-
vado a sério prejuízo. A comprovação científica empírica é simplesmente impossível
para todas as esferas da realidade (de fato, pode estar limitada a uma parte um tanto
pequena da realidade total, como os próprios cientistas estão vindo mais e mais a
perceber). Sugiro que uma das maiores perdas da antiga conceitualização semítica
da realidade é este assunto que estamos considerando: a “continuidade vertical” que
vê o Céu e a Terra em íntimo contato um com o outro.
Esta “continuidade vertical” é básica e axiomática para todo o acervo bíblico,
tanto do Antigo quanto do Novo Testamento. Em nenhuma parte, porém, ela é
mais notavelmente exposta do que na apocalíptica. Não é sem motivo, por exemplo,
que o livro de Apocalipse repetidamente apresente cenários celestiais em conexão

10
  Uma excelente discussão da natureza da inspiração é dada por Ellen G. White (2005) em sua
“Introdução” ao Grande Conflito.
Estudos selecionados em interpretação profética

com sua descrição de atividades que ocorrem na Terra. Realmente, a profecia apoc-
alíptica ilustra e dramatiza este elemento vital da perspectiva bíblica.
A essência e importância deste conceito de “continuidade vertical” con-
forme aplicável às mensagens do livro de Apocalipse tem sido apropriadamente
expressa nas palavras seguintes escritas por Ellen G. White (2000, p. 114): “Uma
coisa compreender-se-á certamente do estudo do Apocalipse — que a ligação
entre Deus e seu povo é íntima e decidida.”
Se quisermos compreender a verdadeira beleza e receber a eficácia das
mensagens de Deus para nós em Sua Palavra, devemos retornar a esse con-
ceito da realidade que põe o Céu em íntimo contato espiritual com a Terra.
Esta verdade é decisiva para nossa compreensão das mensagens dos livros
apocalípticos de Daniel e Apocalipse.
Continuidade horizontal. A segunda característica central da apocalíp-
tica, a dimensão da “continuidade horizontal”, também precisa de cuidadosa
consideração. Da mesma forma que a profecia apocalíptica ilustra e drama-
tiza uma continuidade vertical de atividade entre o Céu e a Terra, assim ela
também ilustra e dramatiza uma continuidade horizontal em sua perspec-
tiva para a frente. A história é um contínuo sob o controle de Deus, que se
aproxima cada vez mais da gloriosa consumação quando o próprio reino
20 divino de justiça será estabelecido para a eternidade.
Este tipo específico de previsão profética que delineia incrementos dentro de um
contínuo histórico é uma característica que está em assinalado contraste com a pro-
fecia clássica. Como já mencionado, a última focaliza o próprio tempo do profeta,
e então pode oferecer uma expansão para um cumprimento ulterior e mais amplo
de alcance cósmico no final do tempo. É apropriado, portanto, falar em um sentido
cósmico de dois pontos focais ou “dois focos” da profecia clássica.
Em contraste, a profecia apocalíptica não procede absolutamente nessa base.
Antes, a profecia apocalíptica vê um continuum, uma progressão ou sequência
na história. Não olha apenas em dois pontos focais — o tempo do profeta e o
final do tempo — com um intervalo entre eles. O estilo apocalíptico é clara-
mente ilustrado, por exemplo, nas sequências da cena da estátua de Daniel 2 e
os quatro animais e seus chifres de Daniel 7.
Mas esta espécie de abordagem apocalíptica não é exclusiva de Daniel. Os
apocalipses não canônicos têm indicações da mesma. Por exemplo, o breve
“Apocalipse das semanas” do Enoque Etiópico (capítulos 9:12–17 e 93:1–10)
divide a história em 10 períodos sucessivos, o último dos quais abrangendo
o juízo final e introduzindo a era eterna. Outra ilustração é a parábola de Ba-
ruque nos capítulos 53 a 74, de uma nuvem de trovoada que chove águas claras
Princípios fundamentais de interpretação

e como tinta em uns alternadamente 12 períodos claros e escuros, chegando


finalmente à consumação escatológica. E também há vários outros exemplos,
inclusive uma visão da águia de muitas asas em 4 Esdras, capítulos 11 e 12, e o
sonho-visão de touros e ovelhas (mais uma tropa de outros animais) no Enoque
Etiópico, capítulos 85 a 90.
Desenvolvimentos ou processos históricos sequenciais são também
evidentes no Apocalipse de João. Certamente podemos pensar nos impres-
sionantes exemplos dentro das sequências dos sete selos e das sete trombe-
tas, os selos sendo abertos em sucessão e as trombetas sendo tocadas em
sucessão. Igualmente, a descrição da animosidade do dragão do capítulo
12 abrange uma sequência, porque ele primeiro ataca o filho varão, depois a
mulher, e finalmente o remanescente da descendência da mulher. Também
indicativa deste tipo de perspectiva sequencial é a referência em 17:10 às
sete cabeças da besta como sendo sete reis, dos quais “caíram cinco”, “um
existe [no tempo de João]”, e “o outro ainda não chegou”.
Temos propositalmente enfatizado esta dimensão de “continuidade hori-
zontal” da apocalíptica por duas razões: (1) ela é absolutamente fundamental
para a descrição apocalíptica dahHistória como uma sucessão de eventos; e (2)
em escritos recentes por certos notáveis eruditos evangélicos (como G. E. Ladd
e Leon Morris), a visão apocalíptica da história tem sido confundida com a 21
abordagem da profecia clássica de “duplo cumprimento” ou “dois focos”.
Por exemplo, Ladd (1972, p. 13; 1960, p. 53) apresenta a ideia de que o livro
de Apocalipse visualiza a besta do mar semelhante ao leopardo do capítulo 13
como um símbolo tanto do antigo Império Romano dos dias de João (preter-
ismo) como de um Anticristo ainda por vir (futurismo). Mas esta espécie de
procedimento interpretativo de dois pontos focais transpõe erroneamente as
características de um tipo de descrição profética para outro tipo, onde ele sim-
plesmente não se ajusta. De fato, quando o modelo de dois focos é imposto aos
livros apocalípticos de Daniel e Apocalipse, ele traz distorção para as próprias
mensagens que Deus pretende transmitir nessas profecias.
A profecia clássica, com sua ênfase nos próprios dias do profeta e uma per-
spectiva ocasional de “dois focos”, nunca descreve detalhadamente os eventos
que conduzem ao final e grande “dia do Senhor”. Não há, por exemplo, nenhuma
referência na profecia clássica a um vindouro poder do Anticristo do fim dos
tempos. Ladd chega a este tipo de Anticristo, como temos notado, impondo
erroneamente a modalidade de profecia clássica de dois focos ao livro de Apoc-
alipse, onde o Anticristo realmente é encontrado. Mas em Apocalipse (bem
como em Daniel), o Anticristo aparece dentro de uma estrutura conceitual
Estudos selecionados em interpretação profética

totalmente diferente, a saber, dentro de um continuum histórico, como um seg-


mento da continuidade horizontal em processo contínuo no Apocalipse.
Resumindo, a própria natureza da profecia apocalíptica descarta preterismo, fu-
turismo e qualquer combinação deles, em favor da abordagem historicista. Este fato é
vital e tem importantes implicações teológicas para nosso estudo do Apocalipse.
Mais um ponto precisa ser aqui esclarecido. Por que este conceito de con-
tinuum histórico surge na apocalíptica em distinção do conceito de “dois fo-
cos” da profecia clássica? Sugiro que um fundo específico da própria literatura
bíblica serve como o modelo para esta característica da apocalíptica, a saber, as
narrativas históricas do Antigo Testamento. A profecia apocalíptica projeta no
futuro uma continuação do relato histórico da Bíblia.
A soberania de Deus e o constante cuidado por seu povo estão sempre
na vanguarda da descrição bíblica do continuum histórico, quer seja ele de-
scrito em acontecimentos passados (livros históricos) ou em eventos futuros
(profecia apocalíptica). Daniel e Apocalipse revelam uma divina soberania
e domínio no que concerne ao movimento progressivo da história além do
próprio tempo do profeta — uma história futura que culminará quando o
Deus do Céu estabelecer o reino eterno que encherá toda a Terra e durará
para sempre (Dn 2:35, 44–45; ver Ap 21, 22.).
22 Em resumo, a mais notável das características geralmente reconhecidas da
apocalíptica é o seu uso de simbolismo. Há, obviamente, uma elevada ênfase sobre
esta característica, e muitos dos símbolos são de natureza complexa. Além disso, os
simbolismos refletem os assinalados contrastes tão evidentes na apocalíptica, e eles
frequentemente proveem evidência de amplo alcance ou alcance cósmico.
Determinar a fonte dos símbolos empregados, averiguar sua extensão de
significado e seu enfoque específico no contexto imediato do Apocalipse são
fatores vitais para o intérprete. O assunto é discutido em outra parte deste vol-
ume.11 Indubitavelmente, a mais mal compreendida e impropriamente usada
faceta da apocalíptica se relaciona com sua continuidade horizontal. Muitas das
características geralmente reconhecidas da apocalíptica às vezes aparecem em
outras literaturas proféticas da Bíblia. Mas a continuidade horizontal da pro-
fecia apocalíptica é uma característica que está em assinalado contraste com a
abordagem à história dada na profecia clássica.
A interpretação teológica do Apocalipse, a fim de ser eficiente, deve ser compatív-
el com essa perspectiva histórica. O Apocalipse abrange, como faz o livro de Dan-
iel, uma progressão passo a passo através da história, não um enfoque polarizado ou

  Veja o capítulo 4 deste volume, “Interpretando o simbolismo do Apocalipse”.


11
Princípios fundamentais de interpretação

sobre o antigo período ou o ponto culminante escatológico ou ambos. Os comentar-


istas que desejam combinar preterismo e futurismo como a melhor abordagem ao
Apocalipse desvalorizam a própria natureza do livro em si como um apocalipse. 12 É
vital que sejamos fiéis à real perspectiva histórica do Apocalipse se quisermos extrair
conclusões corretas acerca das importantes mensagens desse livro.

Debates contemporâneos
Nesta conjuntura, surgem duas perguntas especiais, principalmente
em vista do que foi dito acima a respeito da “continuidade horizontal” da
apocalíptica: (1) Na profecia apocalíptica existe tal coisa como cumprimen-
tos repetidos?; (2) A descrição histórica da apocalíptica visualiza uma in-
definição ou condicionalidade, de sorte que se as condições devessem mu-
dar, os cumprimentos históricos mudariam igualmente?
Cumprimentos repetidos? Em discussões anteriores sobre a apocalíptica,
tenho observado que há certa perspectiva de “filosofia da história” nesta espécie
de profecia (STRAND, 1979, p. 14–16; 1975, p. 29–32). Por “filosofia da história”,
porém, eu não quero dizer a abordagem da “filosofia de valores” que apresenta
fatores ou “ideais” filosóficos sem tocar na realidade histórica. Deve ser en-
fatizado que a profecia apocalíptica lida com fatos e desenvolvimentos reais no
continuum histórico desde o tempo do profeta até o fim dos tempos. Qualquer 23
abordagem que separe o cumprimento das previsões apocalípticas da história
real é contrária à própria essência da descrição histórica apocalíptica.
A espécie de “filosofia da história” para a qual eu chamo a atenção tem certo tipo
de aplicação recorrente. Primeiro, procuraremos evidências e/ou ilustrações do fenô-
meno; e segundo, anotaremos o tipo de material ao qual o fenômeno é aplicável.
Embora a evidência não seja tão nítida, esta espécie de literatura contém
algumas indicações do conceito de que “a história se repete”.
Nos apocalipses não canônicos, por exemplo, a parábola de Baruque sobre a
nuvem de trovoada divide seu continuum histórico em períodos alternadamente
“claros” e “escuros”. Há, de fato, um modelo quase “monótono” de repetição histórica.
No livro canônico de Daniel, o surgimento e queda dos reinos transmite o mesmo
pensamento com respeito à repetitividade da história, especialmente em vista da
declaração fortalecedora de que Deus “remove reis e estabelece reis” (Dn 2:21).

  Expositores que aceitam um cumprimento historicista de certas visões de Daniel e Apoc-


12

alipse no passado, mas que então optam por um segundo e primário cumprimento das mesmas
no fim dos tempos, também estão incluídos.
Estudos selecionados em interpretação profética

O conceito é expressivo do formulário das “bênçãos e maldições” de Deu-


teronômio (27–28) e encontra vívida ilustração na própria história de Israel.
Isto é bem ilustrado, por exemplo, no livro de Juízes. Sempre que Israel fal-
hava em seu compromisso com a aliança, resultava em opressão por nações
estrangeiras. Vinha o livramento sempre que Israel se voltava para o Senhor
em sincero arrependimento. Embora cada exemplo fosse um episódio diferente,
com um diferente juiz dirigindo o livramento, o tipo de fenômeno histórico em
cada caso era o mesmo. Assim, pode ser dito que “a história” israelita “se repetia”
em princípio, embora não em detalhes específicos.
No livro de Apocalipse, encontramos sugestões similares de modelos repeti-
tivos, como na quádrupla-tríplice divisão dentro de vários septetos. Alguém pode
pensar, por exemplo, nas impressionantes similaridades encontradas nas cartas a
Éfeso e Sardes e outra vez naquelas a Esmirna e Filadélfia (a primeira e quinta igre-
jas e a segunda e sexta igrejas, respectivamente, em Apocalipse 2–3).
Além disso, a própria maneira em que o simbolismo é usado em Apoc-
alipse implica às vezes uma repetida (e possivelmente uma contínua) apli-
cação. Particularmente impressionante é a expressão de Apocalipse 11:8: “A
grande cidade que, espiritualmente, se chama Sodoma e Egito, onde também
o seu [das duas testemunhas] Senhor foi crucificado.” Aqui encontramos três
24 lugares (Sodoma, Egito e Jerusalém) reunidos e identificados de tal maneira a
levar nossa mente de volta ao passado distante e em tempo muito mais próxi-
mo. Esses eventos estavam também separados geograficamente.
O que este texto nos diz não é que haverá um segundo ou mesmo um
terceiro cumprimento de Sodoma ou múltiplos cumprimentos do antigo
Egito que oprimiu a Israel. Antes, a mensagem é que estas três entidades
distintas podem ser identificadas em uma espécie de “junção” quanto ao seu
caráter essencial de impiedade e opressão. Donde, elas podem adequada-
mente servir de uma maneira simbólica para a “grande cidade” que person-
ifica e repete um caráter similar de impiedade e opressão.
Também Ellen G. White (2006, p. 588), comentando sobre a visão de João,
faz algumas declarações indicativas deste tipo de repetição histórica. Podemos
notar, por exemplo, esta declaração: “Olhando através dos longos séculos de
trevas e superstições, o exilado encanecido viu multidões sofrendo o martírio
por causa de seu amor pela verdade. Mas viu também que Aquele que sustinha
suas primeiras testemunhas não abandonaria seus fiéis seguidores durante os
séculos de perseguição por que deviam passar antes do fim dos tempos.”
Princípios fundamentais de interpretação

Quando são feitas afirmações de que Ellen G. White apoia cumprimentos repeti-
dos nos livros de Daniel e Apocalipse,13 o contexto do que ela diz deve ser observado
cuidadosamente e que tipo de “repetição da história” está envolvido. Não há um só
exemplo em que ela indique duplos ou múltiplos cumprimentos do chifre pequeno
ou de qualquer dos animais de Daniel ou Apocalipse e seus períodos de tempo.
Essas entidades vêm à existência uma vez, e somente uma vez. Contudo,
sua espécie de serviço como veículos do ataque de Satanás contra Deus e os
santos de Deus pode prontamente, porém, levar a uma repetição dos proces-
sos gerais usados, quer estes sejam enganos ou perseguições (veja João 8:44).
Mas nenhuma profecia apocalíptica é compreendida como incorporando
duplos ou múltiplos cumprimentos em si.
Condicionalidade na apocalíptica? Em recentes escritos privados entre al-
guns adventistas do sétimo dia, é feita a afirmação de que há condicionalidade
nas previsões históricas de livros apocalípticos como Apocalipse. O argumento
é que tais cumprimentos foram apenas parciais — se foram cumprimentos —,
porque certas condições não foram satisfeitas. Portanto, podemos aguardar um
cumprimento ainda futuro. Itens que têm sido colocados nesta categoria são o
grande terremoto, o Dia Escuro e a queda das estrelas (Ap 6:12–17), o final da
profecia dos 2.300 dias de Daniel em 1844, outros períodos de tempo em Daniel
e Apocalipse, e a descrição apocalíptica da história ainda mais geralmente. 25
O que deve ser dito em resposta a esta abordagem é que os princípios enuncia-
dos acima concernentes à descrição histórica da profecia apocalíptica são verda-
deiros para esta questão, bem como para aquela de “cumprimento repetido”. Esses
princípios não permitem nenhum espaço para qualquer falha no cumprimento ou
adiamento da previsão apocalíptica por causa de condicionalidade.
Resumindo, a profecia apocalíptica apresenta uma progressão histórica que
não oferece espaço para variabilidade, quando Deus prevê o que “deve breve-
mente acontecer” (Ap 1:1, KJV). Não há, por exemplo, nenhuma dúvida se os
quatro cavaleiros de Apocalipse 6 estão indo cavalgar; eles realmente irão sair
na progressão indicada. O mesmo é verdade quanto às advertências das trom-
betas, as pragas da condenação, a destruição de Babilônia etc. São estas todas
as coisas que foram mostradas a João e lhe foi dito que aconteceriam. Simples-
mente não está envolvido nenhum elemento de condicionalidade!

  Para uma discussão deste quiasmo, veja o panfleto “Ellen G. White and the Interpretation
13

of Daniel and Revelation” (Instituto de Pesquisa Bíblica, Associação Geral dos Adventistas do
Sétimo Dia).
Estudos selecionados em interpretação profética

Alguém pode argumentar, porém, que há um elemento de condicion-


alidade nas cartas às sete igrejas. Isto é de fato assim. Todo o conceito des-
sas cartas tem a condicionalidade como um referencial inerente. Mas esta
condicionalidade específica não se relaciona com a descrição histórica da
situação das igrejas, mas como as igrejas e os indivíduos que nelas estão
responderão ao apelo de Cristo, como eles decidirão estar no futuro no que
concerne à sua relação de aliança com o Senhor.
A natureza exortatória da literatura epistolar apresenta-se aqui. O fato
de que o livro de Apocalipse é uma carta bem como uma profecia apoc-
alíptica confere-lhe certo sabor de exortação. Mas essa exortação, deve-se
enfatizar, está limitada a apelos (onde quer que se encontrem no livro, veja
16:15, para um exemplo) e não se aplica ao tipo específico de previsão
profética que é parte e parcela da natureza da literatura apocalíptica. Tam-
bém o livro de Daniel tem elementos de condicionalidade em suas seções
históricas e em quaisquer apelos que são feitos.
Contudo, nem no livro de Daniel nem em Apocalipse está a previsão profética
em si sujeita a condicionalidade. Os eventos são fixados e os períodos de tempo
prescritos são definidos e invariáveis. Esses elementos se ajustam aos padrões do
que disse Daniel ao rei Nabucodonosor: “Deus fez saber ao rei o que há de ser fu-
26 turamente. Certo é o sonho, e fiel, a sua interpretação” (Dn 2:45).

Simbolismo em Apocalipse
Como foi notado antes, entre as características gerais da profecia apocalíp-
tica está o seu extenso uso de simbolismo, principalmente simbolismo com-
plexo. O livro de Apocalipse está cheio de simbolismo e imagens, um fato que
causa muita consternação e confusão aos intérpretes. Parte do problema é que
os expositores modernos frequentemente inserem seus próprios significados
nos símbolos em vez de determinar a extensão bíblica do significado.
Ao estudar alguém o Apocalipse, torna-se evidente que a vasta maioria de suas
alusões em simbolismo e imagens é do Antigo Testamento.14 Este assunto é tratado
em detalhes em outro capítulo deste volume. A esta altura simplesmente adicion-
aremos alguns comentários sobre algumas outras considerações.
Função literária do simbolismo. Uma regra válida de interpretação das Es-
crituras é que uma determinada passagem deve ser interpretada literalmente a
menos que esteja presente evidência de linguagem simbólica ou figurativa. Este
princípio funciona bem para a maior parte da literatura bíblica. Mas quando

  Veja o capítulo 4, “Interpretando o simbolismo do Apocalipse”.


14
Princípios fundamentais de interpretação

confrontados pela profecia apocalíptica, devemos reconhecer nesse tipo de lit-


eratura uma preponderância de uso simbólico. Assim, nossa abordagem tem de
ser invertida a fim de que possamos encontrar razões para uma interpretação
literal de muitas passagens.
Em qualquer caso, existem considerações específicas que devemos ter em
mente quando indagamos: Por que há tanto simbolismo na profecia apocalíp-
tica, e, quais são algumas diretrizes para determinar quando esperar o uso sim-
bólico? Com exceção do fato de que o simbolismo é uma característica básica
desse tipo de literatura, vêm à mente as seguintes razões:
1. Descrição eficaz. O símbolo é com frequência a mais conveniente ou vigoro-
sa maneira de descrever uma mensagem. “Um quadro pode substituir mil palavras”,
e frequentemente o faz, mais exata e eficazmente do que uma prolongada descrição
verbal. Mapas rodoviários, fórmulas químicas, esboços do artista, projetos do ar-
quiteto, retratos e esculturas são exemplos de “uso simbólico” que expressam o que
as próprias palavras nunca poderiam retratar adequadamente.
No caso da literatura apocalíptica, que retrata a grande luta entre o bem e o
mal, deve-se esperar o uso de símbolos e imagens. Assuntos de alcance cósmico
não poderiam ser apresentados eficientemente pela expressão literal. Aqui está
o caso em que a incapacidade humana de compreender as complexidades do
conflito moral dá motivo para o uso de símbolos. 27
2. Descrição do futuro. A história futura em si seria um fenômeno difícil de
descrever literalmente de qualquer maneira inteligível para os leitores e ouvintes
da profecia. A revelação alega, é clara, desvendar o futuro, e surge então a pergunta:
Como poderia o futuro ser mais bem retratado do que em termos simbólicos?
3. Símbolos do reservatório comum. Outra explicação para o uso de sim-
bolismo é o fato de que certas expressões simbólicas eram uma parte do vocabu-
lário de Israel, um reservatório do uso simbólico comum. Assim, por exemplo,
as expressões Egito e Babilônia seriam prontamente compreendidas em seu sig-
nificado simbólico no livro de Apocalipse.
Fluidez do simbolismo. Por sua natureza, os símbolos são fluidos. Eles são
figuras de linguagem. Alguns elementos dessa fluidez podem ser notados:
1. O mesmo símbolo pode significar coisas diferentes em diferentes contex-
tos. Por exemplo, o leão pode ser usado para se referir a Cristo (Leão da tribo de
Judá em Ap 5:5), ao diabo (“leão que ruge” em 1Pe 5:8), a Judá (“leãozinho” em
Gn 49:9), e à Assíria e Babilônia (“leões”em Jr 50:17).
2. Símbolos diferentes podem representar a mesma coisa. Por exemplo, o
leão e o cordeiro representam Cristo em Apocalipse 5.
Estudos selecionados em interpretação profética

3. Pode haver uma variação de símbolos retratando a mesma coisa dentro


do mesmo contexto. Por exemplo, Cristo é descrito como sendo tanto o pastor
quanto a porta do aprisco em João 10; as sete cabeças da besta de Apocalipse 17
são declaradas ser tanto sete montes quanto sete reis.
4. Os detalhes podem variar no que são evidentemente os mesmos símbolos.
Por exemplo, os quatro seres viventes de Ezequiel 1 formam o fundo para a cena
do trono de Apocalipse 4. Na primeira passagem cada criatura tem quatro ros-
tos, ao passo que na última passagem cada criatura tem apenas um rosto. Mas
as descrições dos rostos são a mesma em ambos os exemplos. Outros exemplos
seriam os cavalos de Zacarias 1:8 (compare também com 6:2–3) e Apocalipse 6,
e as oliveiras em relação aos candelabros conforme apresentados em Zacarias
4 e Apocalipse 11. O leitor ocidental moderno é inclinado a desejar a exatidão
matemática com respeito ao uso simbólico, mas tal coisa é contrária à própria
natureza do simbolismo. Quando a natureza fluida do símbolo é compreendida,
conforme ilustrada acima, as variações e variabilidade não devem nos inco-
modar. De fato, esta natureza fluida deve ela mesma ser para nós um impedi-
mento contra o excesso de literalismo na interpretação.
É importante, contudo, que permaneçamos dentro dos limites do uso con-
vencional de símbolos. Ao interpretarmos qualquer símbolo específico do livro
28 de Apocalipse, por exemplo, devemos pensar em termos da extensão dos sig-
nificados convencionais. Então fazemos nossa interpretação sobre a base de um
significado que se harmoniza com o contexto específico do Apocalipse.
Realidade interna do simbolismo. Um motivo por que os símbolos são
fluidos é que eles retratam uma realidade interior que funciona além do
significado do item ou itens específicos que servem como sua fonte. Minear
explica esta função como segue:

Este é um modo abrangente em vez de disjuntivo de ver e pensar. Apreende


eventos em termos de sua estrutura interna como respostas à ação divina. A ação
divina em cada época levava a um reconhecível modelo de reações, e o profeta
procurava discernir esse modelo por causa de seus leitores. “Egito” permaneceu
um nome distintivo, mas transmitia uma riqueza simbólica de significado não
limitada pelo contexto original nem desprezadora dele. Por trás desse modo de
ver estava uma postura ontológica distintiva, à qual devemos dar mais atenção
do que geralmente fazemos (MINEAR, 1965–1966, p. 95–96).

Exemplos dessa dinâmica podem ser facilmente supridos no livro de Apocalipse.


De fato, não seria incorreto declarar que isto representa a maneira básica em que
o simbolismo funciona dentro do Apocalipse. Por exemplo:
Princípios fundamentais de interpretação

1. Os símbolos das “duas testemunhas” (Ap 11) têm antecedentes de Zac-


arias 4 e de Moisés, Elias, Jeremias e outros profetas.
2. Na porção central do livro de Apocalipse (8:2–18:24) acha-se uma dupla
descrição do que poderia ser chamado o tema “Êxodo-do-Egito”/Queda-de-
Babilônia”. As primeiras cinco trombetas têm como sua fonte antecedente as
pragas no antigo Egito, enquanto com a sexta trombeta a cena muda de an-
tecedente para o rio Eufrates, o rio de Babilônia (9:14). Semelhantemente, as
primeiras cinco pragas são outra vez baseadas nas pragas do Egito; ao passo que
com a sexta praga a cena muda novamente para o rio Eufrates (16:12).
3. O que poderia ser denominado um tema “Queda-de-Babilônia/”Elias-no-
Monte-Carmelo ocorre na sexta praga (16:12–16) (ver SHEA, 1980, p. 157–163).
Aqui os antecedentes do Antigo Testamento proveem uma realidade
para a comunidade cristã que sobrepuja os significados originais. Nota-
mos dois aspectos de interesse:
1. O constante cuidado de Deus por seu povo nos tempos anteriores con-
tinua com a comunidade cristã, para quem Jesus Cristo é “o mesmo ontem e
hoje e para sempre” (Hb 13:8). O conceito está inerente na afirmação de Cristo
de ser o Alfa e o Ômega (1:8; 22:13). De fato, a nova comunidade cristã, inclu-
sive aquele segmento representado pelas congregações da Ásia que constituíam
a paróquia de João, era uma continuação na linhagem das pessoas a quem Deus 29
tinha escolhido e sustido em face da adversidade e dos ardis do diabo.
2. A igreja cristã representa uma intensificação de tudo o que Deus tem feito
por seu povo no passado. Não somente essa comunidade está na linhagem da
fé, mas representa uma culminação dos propósitos e planos de Deus para o seu
povo. Donde, todas as significativas experiências na história do trato de Deus
com o seu povo escolhido no Antigo Testamento podem ilustrar, ao menos em
um ponto, a experiência que pode ser esperada pelos cristãos. E a experiência
cristã, como já foi notado, transcenderá aquelas experiências ou eventos origi-
nais nos quais se baseiam as representações simbólicas.
Partindo da discussão anterior, vemos que os antecedentes simbólicos estão fre-
quentemente fundidos ou misturados. Essa mistura de simbolismo para as imagens do
Apocalipse é, realmente, característica do livro. Portanto, enfatizamos novamente que
em cada caso os significados originais dos materiais antecedentes não foram destruí-
dos. Nem há uma negação ou minimização dos eventos ou situações históricas alu-
didas nas imagens. Antes, esta mistura de antecedentes simbólicos retrata uma nova
Estudos selecionados em interpretação profética

realidade que transcende qualquer antecedente individual, ou mesmo a combinação


de antecedentes, de sorte que o todo excede a soma das partes.15
Sugestões para a interpretação do simbolismo do Apocalipse. Como uma
questão de conveniência, provemos a seguinte lista de sugestões para a interpretação
dos símbolos do Apocalipse. Esta lista não é abrangente; além disso, o intérprete não
deve usá-la desajeitadamente, mas deve considerá-la um guia sugestivo para o leitor
confrontado pelo vasto e enigmático uso de linguagem simbólica no Apocalipse.16
1. Compreenda o símbolo pelo que ele é: uma figura ou sinal que é fluido e
de natureza representativa.
2. Reconheça as razões para o uso de símbolos na passagem e contexto es-
pecífico em estudo.
3. Descubra tanto quanto possível a fonte ou fontes do simbolismo, obser-
vando o significado original e quaisquer significados derivados para a comuni-
dade que agora o está usando.
4. Considere o símbolo do ponto de vista do tipo de literatura onde ele
ocorre (apocalíptico para o livro de Apocalipse, uma literatura que é caracteri-
zada por uma cósmica ênfase escatológica, assinalados contrastes etc.).
5. Note a relação do símbolo com o principal tema que está sendo tratado.
Por exemplo, a mensagem de qualquer uma das sete trombetas deve ser com-
30 patível com o tema mais amplo de toda a visão das sete trombetas.
6. Considere o símbolo dentro do seu contexto literário imediato ou a con-
figuração textual. Também deve haver compatibilidade neste nível.
7. Interprete o símbolo em relação com o seu uso convencional. Seu signifi-
cado preciso (dentro do âmbito de sua utilização convencional) deve ser deter-
minado pelo tema que está sendo tratado e em harmonia com a configuração
textual imediata — os princípios enunciados nos números 5 e 6 acima.
8. Quando estiver procurando a aplicação histórica, tome cuidado para não
tomar a história sob medida a fim de se ajustar a ideias preconcebidas do que

15
  Em todo este processo tem ocorrido algo que, usando a terminologia de Austin Farrer, po-
deria ser chamado “um renascimento de imagens”. (Este, de fato, é o título do seu comentário;
ver FARRER, 1970) Contudo, há mais do que renascimento. Conquanto renascimento pudesse
referir-se simplesmente a imagens individuais e também possivelmente a combinações, a fusão
ou mistura para a qual tem sido chamada a atenção envolve uma dinâmica na qual amplas rep-
resentações gráficas levam-nos ao centro das grandes realidades ontológicas e soteriológicas da
teologia do Novo Testamento que são vitais e de interesse para a vida contínua e serviço da Igreja
Cristã.
16
  Esta listagem é quase textual de Strand (1979, p. 29).
Princípios fundamentais de interpretação

deveria ser a aplicação da mensagem; antes, deixe que a própria mensagem seja
o guia para o cumprimento histórico.
9. Não procure achar uma aplicação para cada detalhe de um extenso sim-
bolismo; em vez disto, obtenha a imagem ou lição principal. Partes de apresen-
tações simbólicas muitas vezes simplesmente completam o quadro.
10. Reconheça que a extensão de uma apresentação simbólica pode variar
de uma simples metáfora para uma extensa alegoria e que o significado de um
símbolo específico pode variar em diferentes contextos.

Propósito e tema do Apocalipse


Determinar o propósito e tema de determinado livro da Bíblia é um dos pro-
cedimentos básicos da eficiente interpretação bíblica. Isto é verdade para o Apoc-
alipse, bem como para qualquer outro escrito da Bíblia. Como regra, os comentaris-
tas são cuidadosos em anotar pistas indicando o propósito do escritor e o tema. Mas
também tem havido com muita frequência cuidado insuficiente a este respeito com
o livro de Apocalipse. Vejamos o que nos diz o próprio Apocalipse.

Propósito do Apocalipse
O propósito do livro de Apocalipse é apresentado claramente em seu preâm- 31
bulo: “Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos
as coisas que em breve devem acontecer” (1:1).
Em vista desta declaração explícita, é notável que alguns comentaristas
afirmem que o Apocalipse não tem nada a dizer acerca de eventos futuros para
o tempo de João. Sugerem que o Apocalipse é simplesmente um belo retrato de
Cristo e dos ideais que surgem desse retrato. Um belo retrato de Cristo é real-
mente apresentado ao longo do Apocalipse, mas negar o propósito declarado do
livro em desvendar eventos futuros contradiz sua própria asserção.

Duplo tema do Apocalipse


O duplo tema do Apocalipse explica mais detalhadamente o propósito da
profecia. Conforme declarado no prólogo e no epílogo, o tema é o seguinte:

Eis que [Cristo] vem com as nuvens, e todo o olho o verá […]. Eu sou o Alfa
e o Ômega, diz o Senhor Deus, aquele que é, que era e que há de vir, o Todo-
-poderoso (1:7–8).
Estudos selecionados em interpretação profética

Eis que venho sem demora, e comigo está o galardão, que tenho para retribuir
a cada um segundo as suas obras. Eu sou o Alfa e o Ômega, o Primeiro e o Últi-
mo, o Princípio e o Fim (22:12–13).

Segundo Advento. Um importante foco do livro de Apocalipse é o segundo ad-


vento de Cristo. Nosso Senhor virá para pôr fim ao reino do pecado e tristeza, dor e
sofrimento, enfermidade e morte. E quando Ele vier, seu galardão estará com Ele —
um justo galardão para recompensar todas as pessoas segundo as suas obras.
Seu retorno trará a erradicação final do pecado e suas horríveis consequên-
cias de miséria e aflição, destruirá os destruidores da Terra (11:18), e garantirá
uma herança eterna àqueles que têm seguido lealmente em Seus passos.
Sempre presente. Mas Cristo também é retratado no Apocalipse como estando
sempre presente com seus fiéis seguidores durante toda a sua tribulação no presente.
Ele é o Alfa e o Ômega, Aquele que foi morto, está agora vivo, vive para sempre, e
tem as chaves da morte e do Hades (veja 1:17–18). Sua vitória é também nossa
vitória, mesmo em face da morte (ver Ap 12:11). Ou como é dito tão formosamente
no livro de Hebreus, Jesus é o “autor e consumador de nossa fé” (Hb 12:2).

Estrutura literária do Apocalipse


32 Os expositores da Bíblia geralmente tentam determinar não somente o
propósito e tema de um determinado escritor, mas também o seu procedi-
mento em desenvolver esse tema. Assim, os comentaristas frequentemente
incluem um esboço do livro em estudo.
Os comentários do Apocalipse geralmente incluem esboços. Mas quando os
comparamos, descobrimos que a maioria é incoerente uns com os outros e fre-
quentemente incompatíveis com o próprio texto do Apocalipse. Alguns esboços
que diferem entre si são, não obstante, mutuamente compatíveis, como tenho sa-
lientado em outra parte, enquanto outros esboços (a maioria deles) simplesmente
não se ajustam em um modelo coerente (ver STRAND, 1979, p. 33–41).17
Não é o nosso propósito chamar a atenção para a variedade de esboços
disponíveis nos comentários de hoje. Antes, desejamos focalizar um esboço
específico que surge diretamente do próprio texto do Apocalipse. Subsequente-
mente, verificaremos outros padrões literários com uma importante referência
sobre como o Apocalipse deve ser interpretado.

17
  Uma variedade de esboços chama a atenção do leitor. Veja também os ensaios do Apêndice
(p. 65, 75–79).
Princípios fundamentais de interpretação

Um quiasma literário
Devemos permitir que o próprio livro nos dê as indicações para o seu esboço.
Quando é seguido este procedimento, um belo e amplo modelo literário para todo
o livro realmente surge do texto. Toma a forma de um quiasma, isto é, um modelo
de paralelismo inverso. Os dados de suporte para o esboço não podem ser dados em
detalhes aqui, mas algumas observações exigem menção.18
Existe uma importante divisão estrutural entre os capítulos 14 e 15. Um
prólogo e quatro importantes visões precedem essa linha divisória, e qua-
tro importantes visões e um epílogo a seguem. O prólogo e o epílogo são
paralelos um ao outro. Há um paralelismo similar (em ordem inversa) das
visões da primeira divisão do livro com as visões da última divisão. Veja o
diagrama do capítulo 2 deste volume.
Vemos que as visões antes da pausa no final do capítulo 14 tratam principal-
mente da Era Cristã. As visões depois da pausa estão focalizadas na era do juízo
escatológico. As visões da primeira parte do livro revelam que a igreja é defeituosa.
Os santos de Deus são perseguidos, e as forças do mal estão tendo um período de
grande sucesso. Contrastando, as visões que se iniciam com o capítulo 15 revelam
uma mudança radical, de sorte que há gloriosa vitória para os santos de Deus e
ruína para os poderes que outrora dominavam sobre eles.
As visões até o capítulo 14 podem ser caracterizadas como a “era histórica”, e 33
aquelas depois disso como a “era do juízo escatológico”. Na primeira, sai o clamor
das almas debaixo do altar: “Até quando, ó Soberano Senhor, santo e verdadeiro,
não julgas, nem vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra?” (6:9–10). Na
última encontramos uma contrapartida na aclamação: “pois [Deus] julgou a grande
meretriz […] e das mãos dela vingou o sangue dos seus servos” (Ap 19:2).
Nas cenas da primeira grande parte de Apocalipse, as visões 2, 3 e 4 revelam
uma sucessão de eventos ou desenvolvimentos que alcançam e incluem o segundo
advento de Cristo. Assim, o último item de cada série nos leva ao ponto culmi-
nante escatológico final. Contudo, os eventos antes desse ponto culminante lidam
especificamente com a era histórica. Por causa dessa ênfase primária eles podem ser
corretamente designados como visões da “era histórica”.
Na segunda metade do livro as próprias visões manifestam coerentemente a
perspectiva do juízo escatológico. Todavia, elas incluem duas espécies de mate-
rial que pertencem à era histórica: (1) explicações, que necessariamente devem

18
  Para um estudo mais extenso do arranjo literário do Apocalipse e seu impacto sobre a inter-
pretação, veja os dois próximos capítulos do mesmo autor, “As oito visões básicas”; e “Cenas da
‘Introdução vitoriosa’” (ver STRAND, 1979, p. 43–52; 1983, p. 22–23).
Estudos selecionados em interpretação profética

ser do próprio ponto do profeta no tempo a fim de serem compreendidas por


ele e seus leitores; e (2) apelos, que obviamente devem ser aplicados no período
antes do encerramento da graça humana para que sejam ouvidos. Estes não
são “encruzilhadas” nas próprias visões, porque o cenário das visões do juízo
escatológico é invariável, começando com as sete últimas pragas e continuando
através dos eventos subsequentes até que seja atingido o glorioso ponto culmi-
nante na descrição da Nova Jerusalém e da nova Terra.
Quando consideramos esta estrutura quiástica do Apocalipse, imediatamente
vemos que ela bem se alinha com o duplo tema declarado no prólogo e no epílogo.
A primeira grande parte do livro (caps. 1–14) lida com a era em que o Alfa e o
Ômega é o protetor e mantenedor do Seu povo a despeito das provas e perseguições
que podem vir em seu caminho. A segunda grande parte do livro, começando com
o capítulo 15, lida com os juízos escatológicos que se agrupam em torno e se cen-
tralizam na consumação da era: o segundo advento de Cristo.

Determinando o arranjo literário do Apocalipse


A ampla estrutura quiástica que abrange todo o livro de Apocalipse é vital em
suas implicações teológicas Em primeiro lugar, enfatiza o duplo tema da profecia reg-
istrado acima. Ainda mais importante, o esquema habilita o intérprete a reconhecer a
34 localização adequada e a ênfase a ser dada aos temas específicos ou principais ideias
teológicas do livro. Consequentemente, podemos examinar mais de perto os procedi-
mentos pelos quais essa estrutura quiástica foi determinada, um procedimento que
deve guiar na descoberta de todos os padrões literários bíblicos.
Derivado do texto. O ponto de fundamental importância, que não pode ser
enfatizado demais, é que o próprio texto deve ser a fonte e o guia para determi-
nar a estrutura literária. No desenvolvimento do modelo esboçado acima, nen-
huma outra consideração estava envolvida, porque a hermenêutica adequada
requer que retiremos do texto o seu modelo. Mesmo a existência do principal
quiasma tinha de ser vista no próprio texto do Apocalipse.
Muitos estudiosos não tinham considerado a possibilidade de uma estrutura
quiástica em Apocalipse até minha própria descoberta ao longo de um período
de vários anos durante a década de 1950. Hoje, vários pesquisadores estão agora
alerta a isto, inclusive C. M. Maxwell, que tem utilizado meu esboço com ligeiras
adaptações como a estrutura básica do Apocalipse no volume 2 da sua obra (ver n.
3). No processo da descoberta, certos paralelismos no próprio texto continuaram
me confrontando; estes finalmente levaram ao esboço descrito acima.
Princípios fundamentais de interpretação

Seções paralelas. Embora o leitor seja remetido a outro lugar para os dados
que apoiam o esboço que temos apresentado (ver STRAND, 1979, p. 45–47),
algumas observações devem ser feitas aqui.
Primeira, a fim de serem correlativos genuinamente paralelos, as visões de-
vem apresentar evidência de marcante semelhança em itens mencionados, em
amplos contextos básicos ou configurações. Semelhanças isoladas não são im-
portantes neste aspecto. Mas quando há grupos de semelhanças, então levamos
a sério a possibilidade de correlativos quiásticos.
Por exemplo, vários expositores têm notado tais grupos entre o prólogo e o
epílogo. Em cada uma dessas breves seções encontramos menção da mensagem
do livro como sendo enviada por um anjo e referindo-se às coisas que em breve
devem acontecer (1:1; 22:6), referência a João como o receptor da visão (1:9;
22:8), menção das “igrejas” (1:4–6; 22:16), e pronúncia de uma bênção sobre
aqueles que ouvem as mensagens (1:3; 22:7), bem como a declaração do duplo
tema observado anteriormente (1:7–8; 22:12–13).
Muitos expositores reconhecem que a descrição da Nova Jerusalém-nova
Terra nos capítulos finais de Apocalipse evoca (como cumprimento) as promes-
sas feitas aos vencedores nas mensagens às sete igrejas nos capítulos iniciais.
Semelhanças entre as visões “parelhas” (o que temos chamado de tema “Êxodo-
do-Egito/Queda-de-Babilônia”) frequentemente têm sido notadas tais como alvos 35
similares para as trombetas e pragas (terra, mar, rios, e fontes etc.), e tema e paralelis-
mos verbais entre os capítulos 12 a 14 e 17 a 18 (uma mulher em cada um; animais
de sete cabeças e dez chifres; pronunciamentos da queda de Babilônia etc.). Apesar
do reconhecimento de tais semelhanças, os estudiosos do Apocalipse geralmente não
têm discernido como elas são paralelas umas às outras de uma maneira quiástica.
Menos frequentemente observado pelos comentaristas é o paralelismo quiás-
tico entre Apocalipse 4:1 a 8:1 e 19:1 a 21:4. Mas estas duas seções também têm gru-
pos de similaridades. Ambas têm um cenário em que Deus está assentado sobre um
trono, circundado por quatro seres viventes e vinte e quatro anciãos. Nesse cenário
ambas têm aclamações e antífonas semelhantes de louvor a Deus e ao Cordeiro.
Na última visão vem a resposta ao clamor dos mártires da primeira visão,
relacionando-se a Deus como “julgando” e “vingando-os”. Um cavaleiro em um
cavalo branco é retratado em ambas as visões. Desgraça vem aos “reis da terra”
e a outros grupos especificados. É feita referência às bênçãos da habitação de
Deus com o Seu povo e ”enxugando todas as lágrimas de seus olhos” etc.
Certamente tal abundância de semelhanças significativas entre duas visões
indica que elas são correlativas. Quando colocadas em posição com outros
Estudos selecionados em interpretação profética

pares de visões que têm relações semelhantes (conforme indicadas no próprio


texto bíblico), aparece a estrutura quiástica geral do Apocalipse.

Outros quiasmas em Apocalipse


O Apocalipse, além disso, contém outros modelos quiásticos literários além
dos principais que temos discutido. Estes podem abranger capítulos múltiplos,
cobrir um capítulo (Ap 18, por exemplo), ou ocorrer em seções ainda mais
breves. Aqui apresentamos um destes como exemplo. Abrange certos itens e
uma dinâmica específica nos capítulos 12 a 20.
Muitos expositores creem que uma linha divisória básica no Apocalipse
ocorre entre os capítulos 11 e 12. Um motivo é que os capítulos 12 e 13 intro-
duzem o que parece ser um novo elemento, a saber, a trindade antidivina do
dragão, a besta do mar e a besta da terra. Portanto, deve o livro ser dividido
neste ponto em vez de entre os capítulos 14 e 15?
Está claro do texto bíblico que as visões até o capítulo 14 são de fato da
“era histórica” (com três delas culminando no segundo advento de Cristo), en-
quanto as visões subsequentes são colocadas em um cenário depois do término
da graça humana. Contudo, a própria descrição da trindade antidivina mais
“Babilônia” e os adoradores da besta revela um quiasma.
36 Nesta série as entidades descritas entram em cena durante a era histórica
na ordem de:
1. O dragão (cap. 12).
2. A besta do mar e a besta da terra ou “falso profeta” (cap. 13).
3. Babilônia (14:8).
4. Os adoradores da besta (14:9–11).
Eles encontram sua condenação durante a era do juízo escatológico na exa-
ta ordem inversa de:
4. Os adoradores da besta (16:2).
3. Babilônia (16:19–18:24).
2. A besta do mar e o falso profeta (19:20).
1. O dragão (20:1–10).
O ponto significativo a notar aqui é que a linha divisória entre a era quando
eles têm soberania e quando eles encontram sua condenação vem precisamente
quando ocorre a pausa quiástica para todo o livro no final do capítulo 14.

Padrões que revelam sequência


Na seção da era histórica do livro de Apocalipse há um padrão literário
repetido no mínimo três vezes. Inicia-se com o capítulo 4 e termina com o
Princípios fundamentais de interpretação

capítulo 14. Este modelo quádruplo (ou série de modelos) pode ser ilustrado
como no gráfico da página 34.
Nas primeiras três visões da série da era do “juízo escatológico” (Ap 15–
21:4), existe um tipo semelhante de modelo quádruplo, adaptado, é claro, ao
que é apropriado para essa era específica. Embora esteja além do nosso escopo
esquematizar essas visões, notamos que a segunda seção delas pode ser denom-
inada “A progressão julgadora”, e a terceira seção provê “Apelos”.19
Resumindo, concluímos que o Apocalipse tem um notável equilíbrio em
seus padrões literários. Como nota final, devemos observar que as cenas
introdutórias às oito visões são colocadas em um contexto do templo ou
abrangem imagens do templo. Basta salientar que este “cenário do templo”
para as cenas da “Introdução vitoriosa” provê um dos meios pelos quais é
retratada a forte “continuidade vertical” do Apocalipse.

Estrutura literária e interpretação


Embora outros fatores além da estrutura literária do Apocalipse exerçam
impacto sobre sua interpretação, um eficiente procedimento de estudo não
deve excluir a sua entrada. De fato, a estrutura básica e outros padrões que te-
mos indicado acima proveem importantes diretrizes para a interpretação.
Primeira, a estrutura literária indica que qualquer interpretação que faz 37
as mensagens do Apocalipse ou inteiramente históricas ou inteiramente es-
catológicas é incorreta, porque o livro está dividido em grandes partes que
são históricas e escatológicas, respectivamente.
Segunda, absolutamente nenhum método linear de interpretação expondo uma
cadeia de eventos ou desenvolvimentos completamente sequencial é válida, quer
isto seja do ponto de vista preterista, contínuo histórico (historicista), ou futurista.
Porque se o livro deve ser realmente dividido no final do capítulo 14 em divisões
históricas e escatológicas, esse arranjo literário quiástico torna suspeita qualquer
interpretação que cruza a linha divisória com uma contínua sequência de eventos
em “fileira cerrada”. Isto é verdade quer a sequência seja considerada como tendo
cumprimento no mundo antigo, em uma contínua corrente de eventos ao longo da
Era Cristã, ou em uma série de eventos ainda futura.
Terceira, as evidências para recapitulação em Apocalipse (compare as estruturas
literárias em paralelo mencionadas acima) tornam razoável admitir que dentro de
cada parte principal do Apocalipse o mesmo terreno geral é coberto em sequências
repetidas (ao menos de alguma maneira recapitulacionista ou sobreposta). Assim,

  Veja os caps. 2 e 3 deste volume com seus diagramas anexos.


19
Estudos selecionados em interpretação profética

a mesma era ou cenário histórico é visto de diferentes perspectivas ou em aspectos


divergentes nas quatro visões que formam a primeira divisão do livro.
Quarta, devemos interpretar uma dada seção de materiais segundo sua
localização na principal estrutura quiástica do livro. Por exemplo, o chamado
ponto de vista “amilenarista”, que equipara o período de mil anos de Apocalipse
20 com a Era Cristã, é refutado pelo fato de que João o coloca diretamente den-
tro da série de visões do “juízo escatológico”.
Finalmente, não deve ser ignorado que a divisão do livro em duas grandes
partes com subseções análogas pode guiar-nos em torno de uma adequada in-
terpretação de passagens específicas. Além disso, sempre que uma passagem em
uma das divisões do Apocalipse é compreendida, ela pode fornecer pistas com
respeito ao significado da passagem correlativa na outra divisão do livro.

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40
As oito
2
visões básicas1
Kenneth A. Strand

O livro de Apocalipse é uma


peça literária notavelmente bem
construída, contendo uma multi-
plicidade de padrões perfeitamente
entrelaçados. Tais padrões são
mais do que simplesmente demon-
strações de gosto estético e ha-
bilidade de composição, e também
transcendem o propósito útil de
servir como artifícios mnemônicos.

1
  Reimpresso com permissão da Andrews
University Seminary Studies (v. 25 de 1987),
sob o título “The Eight Basic Visions in
the Book of Revelation.”
Estudos selecionados em interpretação profética

Diagrama 1. A estrutura Quiastica


III IV

II 8:2 - 11:18 11:19 - 14:20


Anúncio das Poder do mal
I 4:1 - 8:1
trombetas se opondo a
O trabalho Deus e os seus
Prólogo 1:10b - 3:22
contínuo santos
“Igreja
1:1 - 10a de Deus na (7 Trombetas)
Militante”
Salvaçao
“Êxodo” | “Queda de Babilônia”
(Igreja na (7 selos)
terra: as 7
igrejas)

Realmente, de maneira direta e eficaz, enfatizam vários aspectos da mensagem


42 teológica do livro.
Em escopo mais amplo, todo o Apocalipse está estruturado em um modelo
quiástico geral em que prólogo e epílogo são correlativos e em que as grandes
sequências ou visões proféticas intervenientes são também emparelhadas em
uma ordem quiástica ou inversa. Esta ampla estrutura quiástica e seu signifi-
cado eu tenho tratado em várias ocasiões anteriores (ver STRAND, 1969, p. 43-
51; 1979; 1983, p. 22-23),2 e elas não precisam de detalhes para nossos propósi-
tos aqui, exceto a menção de duas características específicas: (1) Com exceção
do prólogo e do epílogo, há oito grandes sequências proféticas — quatro que
precedem e quatro que seguem uma linha traçada entre os capítulos 14 e 15. (2)
As visões que precedem a linha divisória quiástica têm basicamente uma per-
spectiva histórica (isto é, elas se relacionam com a Era Cristã), e as visões que
seguem a linha divisória quiástica retratam a era do juízo escatológico.
Com respeito ao primeiro item acima, deve ser enfatizado que exis-
tem realmente oito grandes sequências proféticas no Apocalipse, e não

2
  Veja especialmente a discussão o diagrama em 52 no Livro Interpreting the Book of Revelation.
As divisões exatas entre blocos de texto no Apocalipse em vários exemplos têm sido ligeiramente
modificadas no presente artigo da maneira como elas têm sido dadas em publicações anteriores.
As oito

do livro de Apocalipse

V VI
15:1 - 16:17 16:18 - 18:24
VII
“Taças da Poderes do
ira de Deus” mal julgados 19:1 - 21:4 VIII
por Deus Julgamento
21:5 - 22:5 Epílogo
final de Deus
(As últimas 7 “A Igreja 22:6-21
pragas) triunfante”
(2º advento de
“Êxodo” | “Queda de Babilônia” Cristo, o milênio, (“Novo céu e
o julgamento do Nova Terra”;
trono branco) Cidade santa e
nova Jeusalém)

sete, como têm defendido vários intérpretes. 3 Concernente ao segundo


item, várias ressalvas devem ser notadas: da segunda à quarta visões, cada
43
sequência histórica conclui com uma seção que retrata o tempo do juízo
escatológico; e nas visões subsequentes, que em sua essência provê uma
ampliação sobre a era do juízo escatológico, há dois tipos de material que
pertencem à era histórica — explicações (que obviamente devem ser fei-
tas em termos da própria perspectiva do profeta na história) e exortações
ou apelos (que têm valor somente antes do juízo escatológico e que, é
claro, seriam sem sentido no próprio tempo do juízo final escatológico).
Estas ressalvas concernentes às “exceções” ao principal objetivo ou alcance
das visões em cada lado da linha divisória quiástica não devem, porém,

3
  Tais intérpretes têm evidentemente chegado à conclusão de que sendo que “sete” é um núme-
ro-símbolo significativo no Apocalipse — ocorrendo, por exemplo, em quatro septetos explícitos
(as igrejas, selos, trombetas e taças) — também supostamente existe um total de sete visões bási-
cas. Para exemplos da abordagem das sete visões, veja Ernst Lohmeyer (1926), John Wick Bow-
man (1955; 1981, v. 4) e Thomas S. Kepler (1957). Lohmeyer e Bowman também acham septetos
dentro de todas as suas sete principais visões, embora não haja acordo entre eles mesmo quanto
a essas sete visões. Kepler, por outro lado, acha apenas um total de dez subseções (chamadas
“cenas”) dentro de suas sete grandes visões (grandes visões cujos limites textuais variam apenas
ligeiramente das sete grandes visões esboçadas por Bowman).
Estudos selecionados em interpretação profética

Diagrama 2. Estruturas paralelas


I II III IV
Victorious- Victorious- Victorious- Victorious-
introduction introduction introduction introduction
A scene scene scene scene

Basic Prophetic Basic Prophetic Basic Prophetic Basic Prophetic


Description Description Description Description
B

Interlude Interlude Interlude

Eschatological Eschatological Eschatological


44 Culmination Culmination Culmination
E

ser consideradas como materiais de “cruzamento”. Esses dados são partes


importantes de suas próprias sequências, estão na devida posição e falam
significativamente aos contextos em que são encontrados. Além disso,
são unidades distintas e significativas quanto à natureza, colocação e/ou
propósito, dentro de suas próprias visões específicas.
Por razões práticas, a estrutura quiástica abrangente de Apocalipse em
prólogo, epílogo e oito visões é apresentada em forma de esboço no dia-
grama 1, que inclui também minhas sugestões quanto aos limites textuais
e assuntos gerais das várias visões. Neste diagrama e ao longo do restante
da discussão neste artigo, o termo “visões” se referirá a estas oito sequên-
cias proféticas completas, não a experiências visionárias individuais de
menor extensão. Outrossim, os algarismos romanos serão usados para
identificar as visões em sequência.
O presente estudo tem duas grandes finalidades, e os dados pertencentes
a cada uma destas serão apresentados em artigos separados. Primeira, o
As oito

nas 8 maiores visões de Apocalipse


V VI VII VIII
Victorious- Victorious- Victorious- Victorious-
introduction introduction introduction introduction
scene scene scene scene A

Basic Prophetic Basic Prophetic Basic Prophetic Basic Prophetic


Description Description Description Description
B

Interlude Interlude Interlude

Eschatological Eschatological Eschatological


Culmination Culmination Culmination 45
D

ensaio analisa brevemente alguns modelos paralelos nas oito grandes visões
do livro de Apocalipse. Então um estudo acompanhante4 focalizará um pou-
co mais intensamente os específicos blocos de texto que introduzem essas
oito visões e que podem ser designados como “cenas da introdução vito-
riosa”, na medida em que provêem para cada visão um ambiente que retrata
de forma dramática o presente cuidado de Deus por seu povo e dá certeza
da vitória final para os “santos” ou “leais” de Cristo. Para fins de identi-
ficação no presente artigo, os algarismos romanos (I, II etc.) continuarão
sendo usados, como no diagrama 1, para designar as oito visões. Cada visão,
porém, tem ou duas ou quatro principais seções ou blocos de texto, e letras
maiúsculas (A, B etc.) servirão como identificadores para estes.

  Isto aparece como capítulo 3 neste volume.


4
Estudos selecionados em interpretação profética

1. Análise dos padrões dentro das oito visões


A primeira e a visão final (I e VIII) do Apocalipse são compostas de uma “Cena
da introdução vitoriosa” (A), mais outro grande bloco de texto (B) que pode ser
chamado a “descrição profética básica”. As outras seis visões (II-VII) têm estes mes-
mos dois blocos, mas com a adição de dois outros blocos (C e D).
Neste ensaio, os terceiros blocos de texto da segunda até a sétima visões
são fornecidas as legendas básicas do “Interlúdio” — um termo muito reg-
ularmente aplicado pelos exegetas para estas seções específicas nas visões
II, III e IV, mas igualmente aplicáveis às correspondentes (porém muito
mais breves) seções nas visões V, VI e VII. Deve ser notado, porém, que
embora o termo “interlúdio” frequentemente sugira uma interrupção ou
hiato dentro do fluxo do pensamento, o que fazem estes terceiros blocos
de material nas visões IV-VII do Apocalipse é realçar ou intensificar o
objetivo do material que precede imediatamente. 5 O quarto bloco pode ser
designado como a “culminação escatológica”; e em certo sentido, ele e o
“interlúdio” precedente são realmente uma extensão da “descrição profé-
tica básica” iniciada no segundo bloco.
Embora seja necessário posteriormente neste artigo adicionar certos
46 refinamentos para a análise básica precedente, a esta altura devemos re-
sumir em forma de diagrama os resultados alcançados até aqui. Tal re-
sumo é provido no diagrama 2.

2. Resumo dos conteúdos das visões


Nesta conjuntura é útil ter uma visão geral do conteúdo de cada uma
das oito visões. Os resumos aqui apresentados seguem as linhas gerais
da estrutura indicada acima. Deve ser enfatizado que estes são realmente
sumários, e o leitor pode preencher os detalhes consultando os textos in-
dicados para cada uma das visões.

5
  Paul S. Minear (1968, p. 150) tem falado acerbamente sobre este assunto em conexão com o
“interlúdio” que ocorre em 16:15.
As oito

As visões históricas

Visão I, 1:10b–3:22
Bloco A, cena da introdução vitoriosa, 1:10b-20. Cristo aparece a João em
Patmos como o que vive para sempre e Todo-poderoso, que caminha entre os
sete candeeiros de ouro que representam as sete igrejas.
Bloco B, descrição profética básica, capítulos 2 e 3. Cristo dá mensagens
de aprovação, reprovação, advertência e exortação a igrejas individuais como
necessitam suas variadas condições.

Visão II, 4:1–8:1


Bloco A, cena da introdução vitoriosa, capítulos 4 e 5. João vê um trono
armado no Céu, com um mar de vidro e sete lâmpadas de fogo diante do trono,
e com quatro seres viventes e vinte e quatro anciãos ao redor do trono. Em
uma cena dramática e repleta de suspense é feita a declaração de que somente
o Cordeiro morto é digno de tomar da mão dAquele que estava assentado no
trono um livro selado com sete selos e abrir o livro e desatar os selos. Então o
Cordeiro toma o livro, e antífonas de louvor ascendem dos quatro seres viventes,
dos vinte e quatro anciãos e de todo o Universo. 47
Bloco B, descrição profética básica, capítulo 6. Os primeiros seis selos
do livro são abertos, com o resultado de que saem os quatro cavaleiros, almas
debaixo do altar pronunciam um clamor de “Até quando” até que há julgamento
e vindicação para elas, e são dados sinais na Terra e no céu do juízo iminente.
Bloco C, interlúdio, capítulo 7. A sequência é “interrompida” para fo-
calizar o selamento dos 144.000 durante o fim dos tempos.
Bloco D, culminação escatológica, 8:1. O sétimo selo é aberto, ante o qual
há “silêncio no céu” pela duração de meia hora.

Visão III, 8:2–11:18


Bloco A, cena da introdução vitoriosa, 8:2-6. Aparecem sete anjos com
trombetas, e outro anjo se dirige ao altar de ouro e ali oferece incenso cuja
fumaça, misturada com as orações dos santos, ascende a Deus. Em seguida, o
anjo enche um incensário com brasas vivas do altar e o lança sobre a Terra, re-
sultando nos símbolos de juízo de vozes, trovões, relâmpagos e terremoto.
Bloco B, descrição profética básica, 8:7–9:21. As primeiras seis trombetas
são tocadas e liberam forças devastadoras que abrangem os simbolismos de
uma tempestade de saraiva sobre a Terra, uma grande montanha que ardia em
chamas foi atirada no mar, etc. As primeiras cinco dessas trombetas evocam
Estudos selecionados em interpretação profética

imagens das pragas sobre o antigo Egito, mas a sexta trombeta muda o cenário
para Babilônia pela menção do “grande rio Eufrates” em 9:14.6
Bloco C, interlúdio, 10:1–11:13. Um anjo segurando um livrinho aberto
anuncia (10:6) que “já não haverá demora.”7 João recebe a ordem de comer o
livro e assim o faz, achando-o doce na boca e amargo no estômago; o profeta
é então instruído a medir o templo, o altar e o povo (uma alusão direta, como
tenho mostrado em outro lugar, ao ritual do Dia da Expia- ção do final de ano
na antiga religião judaica (STRAND, 1984, p. 317-325); e são descritos o teste-
munho e o ministério das duas testemunhas.
Bloco D, culminação escatológica, 11:14-18. É tocada a sétima trombeta,
resultando no anúncio de que “o reino do mundo se tornou de nosso Senhor e
do seu Cristo”, então se ergue uma antífona de louvor, enfatizando, entre outras
coisas, que chegou o tempo para o julgamento dos mortos, para o galardão dos
santos, e para destruir “os que destroem a terra.”

Visão IV, 11:19–14:20


Bloco A, cena da introdução vitoriosa, 11:19. “O templo de Deus foi aber-
to no céu”, tornando visível “a arca da sua Aliança”; então ocorrem “relâmpagos,
vozes, trovões, terremoto e grande saraivada.”
48 Bloco B, descrição profética básica, capítulos 12 e 13. O dragão, a
besta do mar semelhante ao leopardo e a besta da terra de dois chifres
perseguem o povo de Deus.
Bloco C, interlúdio, 14:1-13. João vê (1) o Cordeiro e os 144.000 santos
vitoriosos em pé sobre o monte Sião, e (2) três anjos voando no céu e procla-
mando mensagens de advertência.

6
  O fenômeno aqui encontrado pode ser denominado o tema “Êxodo-do-Egito”/”Queda-de-
Babilônia”. Ocorre duas vezes, em cada exemplo abrangendo duas visões completas. A primeira
ocorrência é Ap 8:2–14:20 inclusive, e a segunda é Ap 15:1–18:24 inclusive (ver STRAND, 1981,
p. 128-29).
7
  A diferença na tradução não é realmente tão significativa como a princípio poderia parecer. A
passagem é uma óbvia alusão ao livro de Daniel que deveria permanecer selado até “o tempo do
fim” (Dn 12:4; cf. Ap 10:2) e a interrogação feita por Daniel, “Até quando...?” (Dn 12:6). Qualquer
tradução desta declaração específica em Ap 10:6 bem se ajusta como uma resposta à pergunta
feita por Daniel, e realmente é uma proclamação enfática da chegada do período do fim do tempo
projetado — “um tempo, dois tempos, e metade de um tempo” (Dn 12:7). O grego desta última
cláusula de Ap 10:6 diz, hoti kronos ouketi estai. (Cf. o “até quando” de Dn 8:13.)
As oito

Bloco D, Culminação Escatológica, 14:14-20. É ceifada a dupla seara


da terra — (1) a colheita do trigo, e (2) as uvas que são lançadas no grande
lagar da ira de Deus.

As visões do juízo escatológico

Visão V, 15:1–16:17
Bloco A, cena da introdução vitoriosa, 15:1–16:1. Os santos vitoriosos estão
sobre o mar de vidro e cantam o Cântico de Moisés e do Cordeiro, e quando o “san-
tuário do tabernáculo do testemunho” é aberto no Céu, sete anjos saem e recebem
sete taças “cheias da ira de Deus”, a fumaça enche o templo de sorte que ninguém
pode entrar até que as sete pragas dos sete anjos fossem cumpridas, e finalmente é
dada instrução aos anjos para que saíssem e derramassem as sete taças.
Bloco B, descrição profética básica, 16:2-14. São derramadas as primeiras seis
taças da ira, com efeitos devastadores sobre a terra, mar, rios e fontes etc. (Nova-
mente, como no septeto das trombetas, as imagens para as cinco primeiras taças são
modeladas segundo as pragas do antigo Egito, com a cena mudando para Babilônia
ao se referir a sexta taça ao “grande rio Eufrates em 16:12.)
Bloco C, interlúdio, 16:15. Na descrição da sexta taça — a secagem do rio Eu- 49
frates e a presença de espíritos demoníacos que enganam os reis da Terra e os con-
duzem à “batalha do grande dia do Deus Todo-poderoso” (16:12-14) — é inserido
um impressionante macarismo no verso 15: “Eis que venho como vem o ladrão.
Bem-aventurado aquele que vigia.” Então segue-se um comentário acrescentado no
sentido de que o local da batalha é chamado “Armagedom” (v. 16).
Sendo que mudamos para a seção do Apocalipse que provê visões do juízo
escatológico, em vez de pertencer à era histórica, é óbvio que um novo tipo de
“interlúdio” pode ser esperado, como é realmente o caso aqui. Os interlúdios an-
teriores foram descrições de eventos ou condições um tanto detalhadas durante
uma porção final da era histórica. Os interlúdios que ocorrem nas visões V-VII
são antes de uma natureza incisiva, exortatória.
Pode surgir a pergunta: Por que tais interlúdios aqui? Para este especial de
Apocalipse 16:15, Paul S. Minear tem salientado apropriadamente: “A afirmação
revela o terrível perigo em que está o cristão desavisado. Se alguém pergunta com
R. H. Charles: ‘Como poderia alguém dormir durante os terremotos cósmicos que
estavam acontecendo?’ pode-se responder: ‘Isto é apenas o ponto.’ Havia cristãos
dormindo, assim João acreditava, muito imperturbáveis por barulho ou destru-
ição, inconscientes do que estava acontecendo que poderia ameaçar o seu tesouro
ou deixá-los expostos e nus. Estar dormindo era estar inconsciente da urgente
Estudos selecionados em interpretação profética

necessidade do momento. (Compare com os discípulos em Getsêmani — Mc


14:26-42.) A beatitude era designada para sentinelas que haviam se esquecido de
que uma guerra estava sendo travada” (MINEAR, 1968, p. 150).
Bloco D, Culminação Escatológica, 16:17. É derramada a sétima taça da
ira, e sai do trono no templo do céu a declaração: “Está feito!”

Visão VI, 16:18–18:24


Bloco A, Cena da Introdução Vitoriosa, 16:18–17:3a. Ocorrem os sinais
tradicionais de juízo (vozes, trovões, relâmpagos, terremoto e saraivada) e a
“grande Babilônia” entra em “lembrança julgadora” diante de Deus. João é então
levado ao deserto para ver esse julgamento contra Babilônia.
Bloco B, Básica Descrição Profética, 17:3b–18;3. A descrição de Babilônia
como uma prostituta e também da besta cor de escarlate com sete cabeças e dez
chifres sobre a qual ela se assenta é introduzida nos primeiros versos do capítulo
17 (v. 3b-8). Esta cena descritiva é seguida por considerável detalhe explicativo
(v. 9-18) que culmina em uma referência à devastação da prostituta pelos dez
chifres da besta (v. 16-17) e a identificação dessa meretriz como a grande cidade
que reina sobre os reis da terra (v. 18). Nos primeiros três versos do capítulo 18,
uma narração de vários aspectos da corrupção de Babilônia prepara o terreno
50 para o apelo do interlúdio e a descrição da destruição que segue.
Bloco C, Interlúdio, 18:4-8, 20. Antes da descrição real da devastação de
Babilônia pelo fogo, é feito um apelo ao povo de Deus para “sair” de Babilônia,
para que não se tornem participantes de seus pecados e receptores de suas pra-
gas. Nesta conexão há também uma reiteração, de forma detalhada, do decreto
divino de juízo contra Babilônia.Visto que na estrutura quiástica do material do
capítulo 18, verso 20 há um correlativo quiástico dos versos 4-8 (SHEA, 1982,
p. 249-256; STRAND, 1982, p. 53-60), ambos estes “interlúdios” dentro deste
quiasmo específico devem provavelmente ser considerados como o “interlúdio”
total para a maior sequência de 17:3b–18:24. O verso 20 faz um chamado ao re-
gozijo pelo fato de que Deus tem proclamado o juízo contra a própria Babilônia
que havia se imposto sobre o povo de Deus (ver STRAND, 1981, p. 55-59).8
Bloco D, Culminação Escatológica, 18:9-19, 21-24. A seção central do capítulo
18 (v. 9-19) retrata, através de uma tríplice lamentação, a desolação completa de

8
  Para uma tradução atualizada e mais literal de Apocalipse 18:20b, veja Strand (1986, p. 43-45).
No contexto de Apocalipse 18:4-8 e o v. 20 está a lei do testemunho malicioso (ver Dt 19:16-19;
veja também Et 7:9-10).
As oito

Babilônia pelo fogo; e a seção final do capítulo (v. 21-24) enfatiza a condenação de
Babilônia e sua condição inteiramente desolada após o juízo divino sobre ela.

Visão VII, 19:1–21:4


Bloco A, Cena da Introdução Vitoriosa, 19:1-10. N cenário celestial que
é paralelo ao cenário dado no capítulo 4, antífonas sobem em louvor a Deus
por ter Ele julgado a grande prostituta Babilônia e vindicado o povo de Deus;
então é feita referência à esposa do Cordeiro estando pronta para as bodas, e
uma bênção é pronunciada sobre aqueles que são “convidados para a ceia das
bodas do Cordeiro.” (Deve ser notado que embora o cenário do templo celestial
dos capítulos 4 a 5 e do capítulo 19 seja o mesmo, há diferença com respeito à
atividade e perspectiva — um fato também deixado claro pelo conteúdo das
antífonas nas duas visões. A primeira visão pertence claramente à era histórica,
e esta se refere da mesma forma claramente à era do juízo escatológico.
Bloco B, Básica Descrição Profética, 19:11–20:5. O segundo advento de
Cristo é dramaticamente retratado, e são dadas as consequências dele. Ente os
resultados negativos enumerados estão o banquete das aves consistindo dos in-
imigos de Deus (19:17-18), a sorte do lago de fogo para a besta e o falso profeta
(19:19-20), e o aprisionamento de Satanás no “abismo” por mil anos (20:1-3).
Do lado positivo está a primeira ressurreição, em que ressurgem os santos mar- 51
tirizados. Eles então vivem e reinam com Cristo durante mil anos (20:4-5).
Bloco C, Interlúdio, 20:6. “Bem-aventurado e santo é aquele que tem parte
na primeira ressurreição; sobre esses a segunda morte não tem autoridade...”
Bloco D, Culminação Escatológica, 20:7–21-14. São apresentados os
eventos culminantes do final dos mil anos. Do lado negativo estão a soltura de
Satanás, o ressurgimento de sua obra enganadora, o vão esforço de sua confed-
eração maligna para se apoderar do “acampamento dos santos”, e a destruição
final dessa confederação no fogo. Do lado positivo está a visão de João de “novo
céu e nova terra”, com a cidade santa, a Nova Jerusalém descendo do Céu para
a Terra, e o próprio Deus habitando com o Seu povo.

Visão VIII, 21:5–22:5


Bloco A, Cena da Introdução Vitoriosa, 21:5-11a. É feita a proclamação
de que os vitoriosos de Cristo herdarão todas as coisas, e João vê a cidade santa,
a Nova Jerusalém, descendo do Céu para a Terra. (Como um pano de fundo, a
seção final da visão precedente já retratou a condição da Terra depois da desci-
da da Nova Jerusalém (21:1-4).
Estudos selecionados em interpretação profética

Bloco B, Básica Descrição Profética, 21:11b–22:5. A santa cidade, Nova


Jerusalém, é descrita em detalhes.

3. OUTRA ANÁLISE DOS BLOCOS DE TEXTO A, B,


CeD
Com o fundo anterior, podemos agora proceder a algumas outras gen-
eralizações sobre a natureza das respectivas seções (A, B, etc.) dentro das
oito visões. Além disso, podemos sugerir anotações adicionais para as
legendas para estes blocos de texto, além do que já tem sido indicado nas
seções anteriores deste artigo e no diagrama 2.
Ao considerarmos a “Cena da Introdução Vitoriosa” para cada uma das
oito visões, descobrimos que há sempre um cenário básico do templo e/ou
algum tipo de imagem de fundo do templo.9 Portanto, nossas legendas de
“Cena da Introdução Vitoriosa” (bloco A) pode agora ser complementada
com a frase “Com o Cenário do Templo”.
Quanto ao segundo até o quarto blocos de texto (blocos B, C e D),
a diferença em perspectiva deve ser notada entre as visões que precedem a
linha divisória quiástica (visões I-IV) e a visão que a segue (visões V-VII).
52 Com respeito às primeiras, a “Básica Descrição Profética” está dentro da
arena histórica; no tocante às últimas, o material da visão básica dos blocos
B pertence ao juízo final ou escatológico. Portanto, para as visões I-IV a
“Básica Descrição Profética” necessita a qualificação adicional “na História”;
e para as visões V-VIII esta qualificação seria “no Juízo Final”.

9
  Em alguns casos o templo celestial é mencionado explicitamente, como nas cenas introdu-
tórias às visões IV e V; e em outros casos, a alusão ao mobiliário do templo fornece evidência de
um cenário do templo, embora a palavra “templo” não ocorra, como nas cenas para as visões I,
II e III. As únicas cenas introdutórias que não têm um indício tão óbvio às imagens do templo
são aquelas para as visões VI e VIII. No caso da primeira, existe, porém, no verso precedente
(16:17, a taça da praga final, mas também um “um elemento oscilante” ao que segue) a menção
de uma voz “do templo do céu, do trono.” Com respeito à visão VIII, há referência Àquele que
“se assentava sobre o trono” — identificado anteriormente como Deus em Seu templo (cf., ex.,
4:2-11; 19:1-5); e além disso, o bloco de texto imediatamente precedente (novamente um tipo
de “elemento oscilante”) se refere a Deus como “habitando” na “Nova Terra”/”Nova Jerusalém”
com Seu povo (21:3). Adicionalmente deve ser notado que o bloco de texto seguinte, ou “Básica
Descrição Profética” para a visão VIII, declara que o templo na cidade santa Nova Jerusalém “é o
Senhor Deus Todo-poderoso e o Cordeiro” (21:22). Meu segundo artigo desta série explicará com
mais detalhes a natureza e o significado teológico das imagens do templo que aparece nas cenas
introdutórias às oito grandes visões do Apocalipse.
As oito

Quanto aos terceiros blocos de texto (C), nas visões II-IV a designação
básica de “Interlúdio” pode igualmente ser complementada com uma frase
adicional — “Projetando os Últimos Eventos” (significando antes do segundo
advento de Cristo), visto que o “Interlúdio” em cada exemplo se estende sobre
o período de tempo pouco antes da culminação escatológica. Para as visões V-
VII a frase adicional “Exortação ou Apelo’ é apropriada, porque os terrores das
cenas do juízo final são “interrompidos” a fim de prover breves blocos de texto
apresentando incentivo à fidelidade e/ou apelos ao arrependimento. (Em dois
desses exemplos de exortação ou apelo, o interlúdio é lançado, como já temos
visto, basicamente na forma de um macarismo — 16:15 e 20:4.)
As seções sobre “Culminação Escatológica” (os blocos D), todas pertencem à
consumação escatológica final, como foi observado antes, mas aquelas seções con-
clusivas para as visões II-IV provêem uma conclusão climática para as séries que se
relacionam com a era histórica, enquanto que aquelas para as visões V-VII tratam
especificamente da porção final ou terminal da série juízo escatológico já em de-
senvolvimento nas seções anteriores daquelas visões. Os blocos D para as visões
II-IV podem, portanto, ser designados como “Culminação Escatológica: Clímax na
História; e os blocos D para as visões V-VII podem ser denominados “Culminação
Escatológica: O Juízo Final”. O diagrama 3 (da página seguinte) incorpora os refi-
namentos acima mencionados para os dados fornecidos no diagrama 2, e também 53
inclui minhas sugestões quanto aos limites textuais para os blocos de material con-
forme apresentados na segunda seção do presente artigo.

4. CONCLUSÃO
Neste artigo, temos observado que há uma muito coerente e equilibrada es-
trutura literária no livro de Apocalipse. Essa estrutura não tem somente valores
ou qualidades estéticas e mnemônicas, mas também apela significativamente
para a mensagem teológica do livro. Vários aspectos da teologia serão trata-
dos em um artigo subsequente que explorará com mais detalhes as “cenas da
introdução vitoriosa” para as oito visões, mas um significativo foco teológico
pode ser aqui mencionado. A ampla estrutura quiástica em si enfatiza um du-
plo tema que inclui e apóia as várias mensagens do livro — (1) que Cristo é o
Alfa e o Ômega, e (2) que Ele retornará no final da era para recompensar todas
as pessoas segundo as suas obras (Ap 1:7-8 e 22:12-13). Em outras palavras,
Estudos selecionados em interpretação profética

Diagrama 3. Visão geral da estrutura


Historical-Era Visions

I II III IV
Cena da introdução Cena da introdução Cena da introdução Cena da introdução
vitoriosa com vitoriosa com vitoriosa com vitoriosa com
A cenário do templo cenário do templo cenário do templo cenário do templo

(1:10b-20) (caps. 4 e 5) (8:2-6) (11:19)


Básica descrição Básica descrição Básica descrição Básica descrição
profética na profética na profética na profética na
B história história história história

(caps. 2 e 3) (cap. 6) (8:7-9:21) (caps. 12 e 13)


Interludio Interludio Interludio
Enfoque nos Enfoque nos Enfoque nos
D enventos finais enventos finais enventos finais

54 (cap. 7) (10:1 - 11:13) (14:1-13)


Culminação Culminação Culminação
escatológica: escatológica: escatológica:
E Clímax para a história Clímax para a história Clímax para a história

(8:1) (11:14-18) (14:14-20)

Ele é um auxílio e apoio coerente, fidedigno e sempre presente para Seus fiéis
durante esta era de adversidade para eles (cf. Ap 1:17-18; Mt 28:20b; Jo 16:33;
Hb 12:2a; 13:8); e Ele retornará pessoalmente para anunciar a série de even-
tos que destruirá os “destruidores da terra” e que proverá para Seus seguidores
leais a herança da “nova terra” e o cumprimento de todas as boas promessas
feitas a eles (veja Ap 11:15-18; 21:1-4, 7, 22-27; 22:1-5).10 As quatro sequências

  É digno de nota que os itens da promessa feita aos “vencedores” nas sete igrejas (2:7b, 11b,
10

17b, 26-28; e 3:5, 12, 21) são na maior parte mencionados outra vez especificamente em 21:5–22:5
como cumpridos (ex., 21:27; 22:2, 4), bem como sendo mencionados de um modo geral na de-
As oito

e conteúdo do Apocalipse

Eschatological-Judgment-Era Visions

V VI VII VIII
Cena da introdução Cena da introdução Cena da introdução Cena da introdução
vitoriosa com vitoriosa com vitoriosa com vitoriosa com
cenário do templo cenário do templo cenário do templo cenário do templo A

(15:1 - 16:1) (16:18 - 17:3a) (19:1-10) (21:5-11a)


Básica descrição Básica descrição Básica descrição Básica descrição
profética no profética no profética no profética no
julgamento final julgamento final julgamento final julgamento final B

(16:2-14,16) (17:3b - 18:3) (19:11 - 20:5) (21:11b - 22:5)


Interludio Interludio Interludio
Exortação Exortação Exortação
ou apelo ou apelo ou apelo C
(16:15) (18:4-8, 20) (20:6) 55
Culminação Culminação Culminação
escatológica: escatológica: escatológica:
Final julgador Final julgador Final julgador D

(16:17) (18:9-19, 21-24) (20:7 - 21:4)

proféticas que precedem a linha divisória quiástica tratam principalmente do


primeiro aspecto, e as quatro grandes visões subsequentes a essa linha divisória
são dedicadas principalmente ao segundo aspecto.
No encerramento, um item adicional pode também ser brevemente in-
troduzido aqui: Vale ressaltar que nas cenas introdutórias das oito visões, as
imagens do templo revelam um padrão primeiro de um local terreno na visão
I (castiçais que representam igrejas na Terra) seguido por um local celestial nas

claração de que os vencedores herdarão “estas cousas” (21:7).


Estudos selecionados em interpretação profética

visões II-VII (ou [a] uma menção do “templo no céu” ou o seu mobiliário e/
ou [b] um fundo que indica este cenário celestial),11 e seguido finalmente por
um retorno outra vez a um local terrestre na visão VIII (Deus habitando na
“Nova Terra”/Nova Jerusalém” [cf. 21:3, 22]). Este é um impressionante fenô-
meno, cujo significado teológico e cuja correlação com ênfase na teologia geral
do Novo Testamento será apresentado no artigo subsequente desta série.

Referências

BOWMAN, J. W. The drama of the Book of Revelation. Philadelphia: [S.n], 1955.

_____________. Revelation. In: BUTTRICK, G. A.; CRIM, K. R. (Eds.). Interpreter’s


Dictionary Bible. [S.l.]: Abingdon Press, 1981. v. 4.

KEPLER, T. S. The Book of Revelation: a commentary of laymen. New York: Oxford


University Press, 1957.

56
LOHMEYER, E. Die Offenbarung des Johannes. Tübingen: [s. n.], 1929.

MINEAR, P. S. I saw a New Earth: an introduction to the visions of Apocalypse. Wa-


shington: Wipf & Stock Publisher, 1968.

SHEA, W. H. Chiasm by theme and by form in Revelation 18. Andrews University


Seminary Studies, v. 20, p. 249-256, 1982.

STRAND, K. A. An overlooked Old Testament background to Revelation 11:1. An-


drews University Seminary Studies, v. 22, p. 317-325, 1984.

_____________. Apocalyptic prophecy and the church. Ministry, p. 22-23, out. 1983.

  No que concerne à evidente exceção no caso da visão VI, veja o n. 12, acima.
11
As oito

_____________. Interpreting the Book of Revelation: hermeneutical guidelines. 2. ed.


Naples: Worthington, 1979.

_____________. Open Gates of Heaven. Washington: Ann Arbor, 1969.

_____________. Some modalities of symbolic usage in Revelation 18. Andrews Univer-


sity Seminary Studies, v. 24, p. 43-45, 1986.

_____________. The two Witnesses of Revelation 11:3-12. Andrews University Semi-


nary Studies, v. 19, p. 128-135, 1981.

_____________. Two aspects of Babylon’s judgment portrayed in Revelation 18. An-


drews University Seminary Studies, v. 20, p. 53-60, 1982.

57
Estudos selecionados em interpretação profética

58
Cenas da “Introdução
3
Vitoriosa”*
Kenneth A. Strand

Este capítulo é uma continu-


ação do meu capítulo anterior so-
bre a estrutura literária básica das
oito visões do livro de Apocalipse
(STRAND, 1987, p. 107-121). Por
conveniência, o diagrama 3 do meu
artigo anterior é aqui reproduzido
(nas páginas seguintes) como dia-
grama 1 para o presente artigo.
Os blocos de texto nos quais
concentramos nossa atenção neste
estudo são designados como “A”
neste diagrama; a saber, aqueles que
levam o título “Cena da introdução
vitoriosa com ambiente do templo”.
Primeiro, vamos dar uma visão ger-
al do conteúdo dessas cenas para as
Estudos selecionados em interpretação profética

Diagrama 1. Visão geral da estrutura


Historical-Era Visions

I II III IV
Cena da introdução Cena da introdução Cena da introdução Cena da introdução
vitoriosa com vitoriosa com vitoriosa com vitoriosa com
A cenário do templo cenário do templo cenário do templo cenário do templo

(1:10b-20) (caps. 4 e 5) (8:2-6) (11:19)


Básica descrição Básica descrição Básica descrição Básica descrição
profética na profética na profética na profética na
B história história história história

(caps. 2 e 3) (cap. 6) (8:7-9:21) (caps. 12 e 13)


Interludio Interludio Interludio
Enfoque nos Enfoque nos Enfoque nos
D enventos finais enventos finais enventos finais

(cap. 7) (10:1 - 11:13) (14:1-13)


60
Culminação Culminação Culminação
escatológica: escatológica: escatológica:
E Clímax para a história Clímax para a história Clímax para a história

(8:1) (11:14-18) (14:14-20)

visões de I a VIII, e então considerar alguns dos fenômenos específicos e suas


implicações teológicas.

1. Resumo das “cenas da introdução vitoriosa”


Provendo a seguinte visão geral do conteúdo das oito cenas da in-
trodução vitoriosa, forneço aqui um resumo do próprio material textual e
alguns comentários preliminares concernentes a esse material. Deve ser no-
tado nesses resumos que nem todos os detalhes das cenas estão incluídos;1

*  Reimpresso com permissão, AUSS 25 (1987), 267-88, sob o título “As Cenas da Introdução
Vitoriosa no livro de Apocalipse”.
1
  Aqui os resumos estão, contudo, em vários exemplos mais extensos do que os análogos, mas
Cenas da “Introdução Vitoriosa”

e conteúdo do Apocalipse

Eschatological-Judgment-Era Visions

V VI VII VIII
Cena da introdução Cena da introdução Cena da introdução Cena da introdução
vitoriosa com vitoriosa com vitoriosa com vitoriosa com
cenário do templo cenário do templo cenário do templo cenário do templo A

(15:1 - 16:1) (16:18 - 17:3a) (19:1-10) (21:5-11a)


Básica descrição Básica descrição Básica descrição Básica descrição
profética no profética no profética no profética no
julgamento final julgamento final julgamento final julgamento final B

(16:2-14,16) (17:3b - 18:3) (19:11 - 20:5) (21:11b - 22:5)


Interludio Interludio Interludio
Exortação Exortação Exortação
ou apelo ou apelo ou apelo C
(16:15) (18:4-8, 20) (20:6)
61
Culminação Culminação Culminação
escatológica: escatológica: escatológica:
Final julgador Final julgador Final julgador D

(16:17) (18:9-19, 21-24) (20:7 - 21:4)

contudo, precedendo os próprios resumos, são apresentadas as referências


bíblicas apropriadas (como também apresentadas no diagrama 1), e o leitor
pode ir ao próprio texto bíblico para um quadro mais completo.

Introdução à visão I
Texto: Apocalipse 1:10b-20
Resumo: Na Ilha de Patmos (1:9), o Cristo ressuscitado, celestial, aparece a João
em gloriosa visão, revelando-se como Aquele que foi morto, agora vive, está vivo
para sempre, e tem as chaves do Hades e da morte. João vê Cristo segurando

geralmente muito breves, resumos providos na obra de Strand (1987, p. 112-117) The eight basic
visions in the Book of Revelation (ver também os resumos dos conteúdos dos blocos B, C e D das
várias visões).
Estudos selecionados em interpretação profética

sete estrelas em sua mão direita e caminhando entre os sete candeeiros de ouro. As
sete estrelas são definidas como “os anjos das sete igrejas” (v. 20), e os sete
candeeiros são definidos como “as sete igrejas” (1:11) — a saber, Éfeso, Esmirna,
Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodiceia (v.11).
Comentário: O fato de que os candeeiros são imagens do templo é geral-
mente reconhecido pelos exegetas, embora tenha havido diferença de opinião
quanto ao antecedente exato. A interrogação geralmente feita é se esse ante-
cedente é aquele do candelabro do “lugar santo” (primeiro compartimento) do
antigo tabernáculo do deserto (Êx 26:35; no templo de Herodes também havia
um candelabro) ou os dez castiçais do primeiro compartimento do Templo de
Salomão (1 Reis 7:49). Uma terceira alternativa, geralmente omitida pelos co-
mentaristas, é o simbolismo do candelabro de Zacarias 4, que desempenha um
papel muito óbvio como antecedente para uma visão posterior do Apocalipse —
Apocalipse 11, “o templo e as duas testemunhas”.2 Ou talvez tenha havido múlti-
plos antecedentes intencionais.3 O principal detalhe para nós aqui, em qualquer
caso, é que o cenário desta visão e sua imagem do templo está na Terra, não no
Céu. Este fato está claro a partir de duas principais considerações: que o Cris-
to celestial se encontra com João na Terra (em Patmos), e que os “candeeiros”

62
2
  Há implicações teológicas que favorecem considerar o “candelabro” de Zacarias como no mínimo
uma fonte provável para a imagem (ver STRAND, 1981, p. 127-35 e 131-34; 1982, p. 257-61). Não
somente devem ser notadas certas afinidades teológicas, mas também deve ser dada consideração a
outros antecedentes (além de Zacarias 4) para as imagens das oliveiras/candeeiros de Ap 11:4 — a sab-
er, as colunas do templo Jaquim-e-Boaz (cf. 1Rs 7:21; também 2Rs 11:12-14 e 23:1-2), e além delas a
“coluna de nuvem” em que o Senhor apareceu a Moisés e Josué na “entrada” do tabernáculo do deserto
(Dt 31:14-15). Se o antecedente para os sete candeeiros na visão I de Apocalipse está nesta direção, é
o pátio, em vez de um ou outro dos dois compartimentos do próprio tabernáculo/templo, que estaria
em foco aqui (uma possibilidade que é realçada por uma consideração das implicações teológicas de
Ap 11:2 concernente ao “átrio exterior” do templo). Todavia, não devemos negligenciar a possibilidade
de que há múltiplos antecedentes para este simbolismo dos sete candeeiros, bem como para as outras
imagens do livro de Apocalipse. Cf. nota 4, abaixo.
3
  Paul S. Minear (1965/1966, p. 96) tem chamado a atenção para este tipo de fenômeno de anteced-
ente múltiplo em que ele faz alusão como um “modelo trans-histórico” e “um inclusivo em vez de
disjuntivo modo de ver e pensar.” Tanto neste artigo quanto em seu I Saw a New Earth, Minear (1968,
p. 102) faz referência a Ap 11:8, onde há uma aglutinação de várias entidades —Sodoma, Egito, e Je-
rusalém — em uma imagem, a “grande cidade”. Minear sugere que essa “única cidade tinha se tornado
em termos proféticos todas as cidades — Sodoma, Egito, Babilônia, Nínive, Roma”.
Em vários documentos e ensaios eu tenho me aprofundado no fenômeno, referindo-me a ele como a
“mistura” ou “fusão” de imagens. Veja, por exemplo, An Overlooked Old Testament Background to Rev-
elation 11:1 (STRAND, 1984, p. 318-19), onde eu não somente faço alusão às perceptivas observações
de Minear (esp. N. 6 na p. 319), mas também forneço alguns exemplos adicionais (ver também a
discussão de Strand [1981, p. 130-131] Two Witnesses, onde ainda outra ilustração tem sido provida).
Cenas da “Introdução Vitoriosa”

entre os quais Cristo manifesta sua presença são igrejas na Terra. O fato de que
a próxima visão indica uma transição para o Céu, como veremos em nossa at-
enção a essa visão, pode ser considerada uma terceira evidência apontando na
direção do local terrestre desta primeira cena introdutória.
Outro detalhe digno de nota é que esta cena da introdução vitoriosa funcio-
na para prover conforto e segurança aos fiéis seguidores de Cristo: sua presença
está entre eles ao enfrentarem as poderosas forças do engano e perseguição.4
Um aspecto positivo desta espécie é realmente característico de todas as oito
cenas introdutórias para as principais visões do Apocalipse.

Introdução à visão II
Texto: 4:1–5:14
Resumo: João vê uma porta aberta “no Céu” e ouve uma voz chamando-o
a “subir para aqui”. Ele então “acha-se em espírito” e vê “um trono” “no Céu”,
estando um assentado sobre o trono (a saber, Deus, como o próprio contexto e
também outras visões do Apocalipse deixam claro; cf. 4:9-11; 7:10; 19:1-5). Ao
redor do trono estavam vinte e quatro anciãos assentados em tronos; diante
do trono estavam “sete lâmpadas de fogo” e um “mar de vidro” semelhante ao
cristal; e “no meio” e “à volta” do trono estavam quatro seres viventes. Depois
de uma antífona de louvor a Deus por sua condição de Criador, a cena volta-se 63
para um livro em sua mão selado com sete selos — um livro que “ninguém” no
Céu, na terra, ou debaixo da terra era capaz de abrir. Todavia, na progressão
do drama, um Ser foi achado digno de abrir aquele livro — a saber, o Cordeiro
“como tendo sido morto”. Ao tomar o Cordeiro o livro da mão direita do que
estava assentado sobre o trono, seguiu-se uma série de antífonas de louvor.
Comentário: A primeira característica impressionante com que nos de-
frontamos nesta cena é a dupla referência a um novo local — Céu, em contraste
com o ambiente terrestre da cena introdutória da visão I. Esse ambiente celestial
é, de fato, realçado pela dupla referência ao “Céu” — a porta aberta “no Céu”

4
  Engano e perseguição são as duas armas básicas manifestadas pelas forças adversárias ao longo
do livro de Apocalipse, precisamente como no Evangelho de João estas duas más características
resumem a atitude do diabo e seus seguidores (ex., em João 8:44 o diabo é chamado de “homi-
cida desde o princípio” e “pai da mentira”). Encontramos preeminente ilustração em Apocalipse
nas mensagens às sete igrejas, onde há advertência contra o engano (quer seja externo ou que se
auto-impôs) nas cartas a Pérgamo, Tiatira, Sardes e Laodiceia; e onde o perigo da perseguição é
particularmente destacado nas cartas a Esmirna e Filadélfia. As atividades da trindade antidivina
em Apocalipse 12–13 exemplificam ainda mais vigorosamente essas armas demoníacas (note, por
exemplo, os “sinais” enganadores e as atividades de morte e embargo mencionadas em 13:13-17).
Estudos selecionados em interpretação profética

e o trono “no Céu”. As “sete lâmpadas de fogo” localizariam o ambiente mais


especificamente como o “lugar santo” ou compartimento exterior do templo
celestial (o termo “templo no Céu” é usado especificamente em 11:19 e alguns
outros textos).5 Se o “mar de vidro” é imagem baseada no “lavador” ou bacia de
bronze do tabernáculo do deserto (Êx 30:18; 38:8) ou o “mar de fundição” e/ou
dez lavadores ou pias de bronze do Templo de Salomão (1Rs 7:23-39), como
sugerem vários comentaristas, nos parece ter imagens do “pátio exterior” em
vez de imagens do “primeiro compartimento”. Isto em si não apresentaria um
problema com respeito ao mar sendo designado como estando “diante do trono”,
porque todas as facetas da construção do templo poderiam ser consideradas a
partir dessa perspectiva. Mais provavelmente, porém, a base simbólica para esse
“mar de vidro” é o firmamento sobre a cabeça dos seres viventes e sob o trono de
Deus em Ezequiel 1:22-28 e 10:1.6
Esta cena celestial de Apocalipse 4–5 obviamente tem uma ênfase positiva.
Os temas duplos de criação (4:11) e redenção (cap. 5) concedem esperança e
certeza aos seguidores de Cristo, especialmente ao reconhecerem que o Cord-
eiro é julgado digno de desatar os selos e abrir o livro — um livro que tem sido
apropriadamente chamado “livro do destino”.7

64
5
  A imagem do mobiliário do templo fornece pistas quanto à localidade e ao movimento que foram
abordados nos resumos do meu capítulo anterior, mas que se tornarão mais evidentes ao continuar-
mos aqui para prosseguir através das cenas da introdução vitoriosa. Embora os dois compartimen-
tos não sejam especificamente mencionados em combinação com esse “templo no céu” arquétipo
do antigo tabernáculo e templo israelitas, o “mobiliário” que é mencionado se relaciona com os dois
“compartimentos” — conforme são conhecidos não somente do Antigo Testamento e de tradicionais
fontes judaicas, mas também da descrição no livro de Hebreus no Novo Testamento (veja Hb 9:1-5;
cf. Êx 25:8; 26:30-35). Talvez pareça que a presença do trono no contexto da imagem do “comparti-
mento exterior” em Apocalipse 4 reduz o templo celestial a apenas um compartimento “arquitetural-
mente” (embora não funcionalmente), mas tal não é necessariamente o caso (ou em todo caso, não é
de importância fundamental). Veja mais na nota 11, abaixo. Para uma discussão muito proveitosa da
imagem do “templo celestial” no livro de Hebreus (discussão que tem um elevado grau de relevância
também para o Apocalipse), veja Richard M. Davidson (1981, p. 336-367), Typology in Scripture: A
Study of Hermeneutical ΤYIIΟΣ Structures.
6
  Robert H. Mounce (1977, p. 136-137), tem apropriadamente notado isto, e também tem chamado
a atenção para 2 Enoque 3:3 e Salmo 104:3, embora não esteja claro se o próprio Mounce realmente
considera a imagem dessas passagens como fundo ou antecedente para o “mar de vidro” de Apocalipse.
Para uma recente, detalhada e abrangente análise das imagens de Ap 4–5, veja R. Dean Davis (1986).
7
  “Rolo do destino” e “livro do destino” são termos aplicados por vários exegetas e comentaristas
a esse documento selado com sete selos. Muitos que não usam esta exata terminologia indicam
o mesmo conceito em suas discussões do rolo. Edwin R. Thiele (1959, p. 97), utiliza especifica-
mente o termo “livro do destino”. Charles M. Laymon (1960, p. 77), refere-se à cena de Apocalipse
5 como a “preparação para o destino”; e Mounce (1977, p. 142), fala do rolo como contendo “o
Cenas da “Introdução Vitoriosa”

Introdução à visão III


Texto: 8:2-6
Resumo: São vistos por João sete anjos com sete trombetas; mas antes
que eles procedam do templo (no Céu) para soar suas trombetas, outro anjo
aparece com um incensário diante do altar de ouro de incenso. Misturado com
as orações dos santos está o incenso subindo diante de Deus no trono. Então o
incensário é atirado à Terra, seguido pelos símbolos típicos da presença e juízo
divinos: “trovões, vozes, relâmpagos, e um terremoto.”
Comentário: O cenário desta visão é mais uma vez aquele do templo no
Céu, e também é ainda dentro do compartimento exterior ou “lugar santo”. Mas
a atividade agora se mudou para mais perto do santuário exterior, porque o
áureo altar de incenso é onde ocorre a ação.8 Esta cena, como aquelas das visões
I e II, contém o elemento típico da segurança, da certeza — neste caso, a de-
scrição das orações dos santos misturadas com incenso ascendendo à presença
de Deus. Contudo, agora além do aspecto positivo, também há pela primeira
vez um negativo. O uso dos símbolos julgadores de vozes, trovões, relâmpagos e
terremoto, ao ser o incensário com brasas vivas atirado à Terra.

Introdução à visão IV
Texto: 11:19 65
Resumo: João vê aberto o “templo de Deus no Céu”, com a arca do
testamento ou aliança de Deus em vista. Então há “relâmpagos, vozes, tro-
vões, um terremoto e grande saraivada”.

pleno relato do que Deus em sua soberana vontade tem determinado como o destino do mundo”.
Todavia, permanece uma questão fundamental: O que significa o termo “destino”? É a futura
história da Terra a partir da perspectiva de João? Por outro lado, são as recompensas escatológi-
cas distribuídas na terminação da história terrestre? Ou é possivelmente uma combinação de
ambas? William Hendriksen (1940, p. 109), parece ter optado pela terceira possibilidade. O rolo,
se deixado não aberto, sugeriria para ele “nenhuma proteção para os filhos de Deus nas horas de
amarga provação; nos juízos sobre um mundo perseguidor; nenhum triunfo final para os crentes;
nenhum novo céu e nova terra; nenhuma herança futura!” Mounce (1977, p. 141), tem optado
pela primeira alternativa. Juntamente com Thiele (1959, p. 97-98), eu adoto a alternativa do meio.
Minha base para isto é a distinta probabilidade (em minha opinião) que o antecedente para o
livro selado com sete selos deve ser encontrado em uma das formas de uma antiga vontade ou
testamento romano e também no título de propriedade de Jeremias (Jr 32). Thiele (1959, p. 95-
96), tem chamado a atenção para a documentação para o conceito do antecedente do testamento
romano; e, além disso, podemos acrescentar aqui uma referência específica a tal testamento que
foi traduzido para o inglês por Naphtali Lewis and Meyer Reinhold (1955, v. 2, p. 279-80).
8
  Para um estudo da perspectiva do Novo Testamento da relação do altar de ouro com o comparti-
mento mais interior (Lugar Santíssimo), veja, ex., a discussão de Harold S. Camacho (1986, p. 5-12).
Estudos selecionados em interpretação profética

Comentário: Esta cena da introdução vitoriosa leva-nos a um novo


cenário dentro do “templo do Céu”: a saber, dentro do santuário ou “Lugar
Santíssimo”.9 Ali o enfoque de João está sobre a arca do testamento ou alian-
ça de Deus. Com base na analogia do tabernáculo terrestre, os dois aspectos
mais significativos relacionados a essa arca seriam a lei dos Dez Mandamen-
tos e o propiciatório (cf. Êx 40:20). É, portanto, interessante notar que na
“descrição profética” seguinte a luta significativa que o “remanescente” trava
contra o dragão é sobre o que é representado por estas duas características
da arca: os “mandamentos de Deus” e o “testemunho de Jesus” (Ap 12:17).

Introdução à visão V
Texto: 15:1–16:1
Resumo: João vê sete anjos tendo as sete últimas pragas da “ira de Deus”.
Na primeira seção desta cena ele observa sobre “um mar de vidro misturado

9
  Concernente à possível “arquitetura” do “templo do céu”, podem ser feitas as seguintes ob-
servações (cf. também n. 6, acima): (1) É uma noção típica entre os exegetas que o trono de
Deus está confinado ao Lugar Santíssimo do templo, de sorte que a imagem do compartimento
66 exterior em Apocalipse 4 evidenciaria que no arquétipo celestial do antigo tabernáculo/templo
israelita a estrutura de dois compartimentos do último está aglutinada em um compartimento.
Um exemplo desta linha geral de pensamento é o excelente estudo de Mario Veloso (1981, p.
3924-419), The Doctrine of the Sanctuary and the Atonement as Reflected in the Book of Revelation.
(2) Sobre a base de uma possível analogia com o pensamento expresso concernente ao “véu” ou
“cortina” em Hb 10:20 (com seu muito frequentemente negligenciado pano de fundo histórico
do “véu rasgado de alto a baixo em MT 27:51), poderia estar em Apocalipse um conceito subja-
cente de um compartimento no templo celestial, mas o significado funcional do modelo de dois
compartimentos está, contudo, presente em Apocalipse na dinâmica que é evidente de cena para
cena. (3) Uma alternativa sugerida por C. Mervyn Maxwell (1985, v. 2, p. 171), merece atenção:
“A suposição de que o trono celestial de Deus está localizado somente no lugar santíssimo celestial
omite o fato de que nos tempos do Antigo Testamento a presença divina não estava sempre con-
finada ao lugar santíssimo, mas era às vezes patenteada no lugar santo.” Maxwell cita Êx 33:9 e Ez
9:3, e também se refere ao pão da Presença no compartimento exterior. (Em outro lugar no pre-
sente ensaio eu chamo a atenção para Êx 40:34 e Dt 31:14-15, que amplia ainda mais a localização
da presença divina.) (4) Deve ser reconhecido que localizar o símbolo do “trono” no Apocalipse
peca contra o fato de que o próprio uso do símbolo no livro como um tipo de símbolo difuso
(ex., a utilização revelada em Ap 6:16 e 22:3 conforme comparada e/ou contrastada com a que é
apresentada em Ap 4–5). (5) O detalhe de fundamental importância é que o tema do “trono de
Deus” em Apocalipse significa a divina presença e autoridade, e não é basicamente um indicador
de uma localidade específica (e certamente não é confinamento geográfico!). O conceito não é
que o “trono” fixa a localização de Deus, mas antes o inverso: Onde Deus está, ali está o trono! (6)
Finalmente, o antecedente dos capítulos 1 e 10 de Ezequiel, com um trono de Deus que se move,
não deve ser desconsiderado quando se interpreta a cena de Ap 4–5.
Cenas da “Introdução Vitoriosa”

com fogo” aqueles que haviam obtido a vitória sobre a besta, sobre sua imagem,
e sobre o número do seu nome. Esse grupo entoa “o cântico de Moisés [...] e
o cântico do Cordeiro”. Na segunda seção desta cena, João observa “o templo
do tabernáculo do testemunho no Céu” aberto, e sete anjos com as taças da ira
saindo dali. O templo se torna cheio “da fumaça procedente da glória de Deus
e do seu poder”, de sorte que “ninguém podia entrar no templo” até que fossem
cumpridas as sete pragas. Então uma voz do templo ordenou aos sete anjos que
saíssem e derramassem sobre a Terra as sete taças da ira de Deus.
Comentário: Mais uma vez o cenário para a visão é o do Céu — ou mais es-
pecificamente, o templo do Céu. Daquele templo emergem os sete anjos com as
taças da ira. É em combinação com esse templo que um “mar de vidro” tinha sido
visto anteriormente (Ap 4). E é esse templo que agora está cheio de fumaça. Há uma
ênfase positiva no fato de que os santos sobre o mar de vidro entoam o cântico de
Moisés e do Cordeiro, precisamente como os israelitas haviam cantado o cântico de
Moisés depois do livramento do antigo cativeiro egípcio (Êx 14 e 15). E há um duplo
aspecto negativo na cena: primeiro, em que os anjos saem do templo com as taças
da ira a fim de derramá-las sobre a Terra; e segundo, em que o templo está cheio de
fumaça durante o tempo das pragas, de sorte que “ninguém podia entrar no tem-
plo” — uma sugestão, indubitavelmente, de que nenhum ministério de misericórdia
procederia do templo naquela ocasião.10 67

Introdução à visão VI
Texto: 16:18–17:3a (com 16:17 como fundo)
Resumo: Após o sétimo anjo ter derramado sua taça de ira pelo ar, uma grande
voz “do templo, do trono” declara: “Está feito” (16:17). (Isto pode ser considerado
como uma espécie de elemento transicional ou “oscilante” que conclui a sétima pra-
ga e apresenta esta nova cena da introdução vitoriosa.)11 Então seguem imediata-

10
  Esta conclusão é fortalecida também pelos fatos de que (1) as próprias sete pragas são descri-
tas em 15:1 como as “últimas” e como consumando a “ira de Deus”, (2) a descrição no capítulo
16 do derramamento dessa ira divina nas próprias taças não revela nenhum efeito salvífico, mas
antes o oposto (cf. ex., 16:6, 9, 10, 14), e (3) o julgamento de Babilônia é descrito em 16:19 como
sendo uma “lembrança” de Deus que a faz “esvaziar o cálice do furor da sua ira”.
11
  A mais nítida divisão entre sequências na primeira grande parte de Apocalipse (visões I-IV)
abre caminho na segunda grande parte do livro (visões V-VIII) para a presença dos elementos
“oscilantes”. Isto, curiosamente, parece corresponder ao fato de que a natureza recapitulacionista
das próprias sequências em ambas as grandes partes também difere de certa forma em que as
estruturas “cronológicas” ou “sucessão” são menos distintas na segunda grande parte. Note, por
exemplo, as implicações que fluem das breves visões gerais dadas em Kenneth A. Strand (1979, p.
48-49) em Interpreting the Book of Revelation: Hermeneutical Guidelines, With Brief Introduction
Estudos selecionados em interpretação profética

mente os sinais do juízo divino: “E sobrevieram relâmpagos, vozes e trovões, e ocor-


reu grande terremoto, como nunca houve igual desde que há gente sobre a terra;
tal foi o terremoto, forte e grande.” A cidade de Babilônia é dividida, as cidades das
nações desmoronam, e grande saraivada do céu, “com pedras que pesavam cerca
de um talento”. Depois disso, um dos sete anjos tendo as sete taças da ira falou com
João, levando-o para ver o julgamento da grande meretriz (Babilônia, como deixa
claro a descrição profética que vem a seguir).
Comentário: À primeira vista, pareceria que somente um aspecto negativo é
enfatizado nesta cena da introdução vitoriosa, porque utiliza imediatamente os sim-
bolismos julgadores — neste exemplo outra vez salientado, com uma ênfase sobre a
excessivamente furiosa natureza do terremoto e da saraivada. Embora haja somente
juízo negativo na devastação a vir sobre Babilônia por causa do “cálice do vinho do
furor da sua [de Deus] ira” (16:19; veja também 17:1-2), contudo há implicitamente
uma certeza positiva para os santos de Deus nessa cena — em que a abominável
atividade de Babilônia agora terminou, sofrendo ela mesma o juízo divino por suas
más ações. (Cf. 18:20 para um chamado ao “regozijo”.)

Introdução à visão VII


Texto: 19:1-10
68 Resumo: No ambiente do trono, os vinte e quatro anciãos e os quatro seres
viventes (cf. cap. 4), João ouve a voz de “uma grande multidão no Céu” louvando a
Deus por ter julgado a grande meretriz e ter vingado dela o sangue de seus servos.
São entoadas outras antífonas de louvor, e é feito o anúncio de que chegaram as bo-
das do Cordeiro,“cuja esposa a si mesma já se ataviou”. É pronunciada uma bênção
sobre aqueles que são convidados “à ceia das bodas do Cordeiro”.
Comentário: A cena aqui é uma que é obviamente paralela àquela de Apoc-
alipse 4:5 — com o trono, quatro seres viventes, vinte e quatro anciãos, e antí-
fonas de louvor sendo básicas para ambas (para um estudo sobre as antífonas
em ambas as passagens, ver SHEA, 1984, p. 249-257). Contudo, enquanto em
Apocalipse 4:5 há um “livro do destino” ainda a ser aberto, e também enquanto
durante a real abertura dos selos daquele livro no capítulo 6 havia um brado de
“Até quando?” até que viesse a vindicação dos mártires de Deus (veja 6:9-11), há
no capítulo 19 uma impressionante reversão: há aqui louvor e aclamação a Deus
por ter Ele agora ocasionado essa vindicação.
Na introdução da visão VII, há, além disso, uma ênfase sobre a “ceia das bo-
das do Cordeiro” (v. 9) e reverência à “esposa” do Cordeiro (v. 7). A veste branca

to Literary Analysis.
Cenas da “Introdução Vitoriosa”

(v. 8) é reminiscente, é claro, das imagens similares na visão II com respeito aos
mártires do quinto selo e da grande multidão da seção “refletor” (6:9-11 e 7:9-
17, respectivamente). Também deve ser notado que a sequência na visão VII
conclui, muito interessantemente, com outra referência à “esposa” — a saber, a
visão joanina da Cidade Santa, Nova Jerusalém, descendo do céu, da parte de
Deus “como noiva adornada para o seu esposo” (Ap 21:2).

Introdução à visão VIII


Texto: 21:5-11a (e referência aos versos 1-4 como fundo)
Resumo: No contexto do “novo Céu” e “nova Terra”, com “a santa cidade, Nova
Jerusalém”, tendo descido do Céu da parte de Deus, João agora contempla Aquele
que está assentado sobre o trono. Esse Ser divino — o próprio Deus em visões ante-
riores — declara: “Eis que faço novas todas as coisas.” Então Ele fala a João, dizendo:
“Escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras”, e além disso declara a João:
“Está feito! Eu sou o Alfa e o Ômega.” Um duplo decreto é declarado: herança de
todas as coisas para o vencedor; mas destruição no lago de fogo, “que é a segunda
morte”, para aqueles que não são vencedores. Então um dos anjos com as sete taças
da ira leva João a uma alta montanha, mostrando-lhe a grande cidade, a santa Je-
rusalém, descendo do Céu da parte de Deus e tendo a glória de Deus.
Comentário: Em contraste com as cenas introdutórias para as visões II-VII, 69
onde o cenário estava em cada exemplo claramente ainda no Céu, agora há um
pano de fundo que tem um cenário terrestre — uma analogia à situação com
respeito à visão I. Na visão VIII, esta cena introdutória lida realmente com um
cenário de tabernáculo ou templo, mas se a cena em si conforme dada em 21:5-
11a objetiva ser basicamente a partir da perspectiva terrestre ou ser uma transi-
cional do Céu para a Terra não está absolutamente claro (nem é de importância
essencial para o nosso estudo). Em 21:3 é feita a declaração, é claro, de que o
tabernáculo de Deus está na Terra depois da descida da Cidade Santa (v. 2), e
esta porção final da visão VII pareceria prover o cenário para nossa cena de
abertura da visão VIII (que em si, contudo, também reproduz uma descrição da
descida da Nova Jerusalém; 21:10). Em qualquer caso, o principal detalhe é que
o foco desta cena introdutória mudou do templo celestial de tal modo a pôr ên-
fase mais uma vez sobre um local terrestre. A imagem real do templo utilizada
será tratada mais plenamente ainda neste artigo.

2. Algumas implicações bíblicas


Os resumos providos na seção precedente deste capítulo têm trazido
à atenção vários elementos concernentes às cenas introdutórias das oito
Estudos selecionados em interpretação profética

visões principais do Apocalipse. Preeminentes entre aquelas características


estão as seguintes: a difusão da imagem do templo nos ambientes dessas ce-
nas, (2) ênfases positivas e negativas dentro das cenas, (3) certa dinâmica ou
movimento tanto em imagens através do templo quanto no simbolismo de
juízo negativo que aparece nas visões III-VI, e (4) uma similaridade especial
estruturalmente e de conteúdo entre a primeira e oitava visões. Agora va-
mos dar um pouco mais de atenção a esses elementos, mas como uma etapa
preliminar vamos primeiro observar brevemente o tipo de relação que as
cenas introdutórias mantêm com suas próprias sequências proféticas.

Cenas introdutórias e sequências proféticas


Em qualquer análise das cenas introdutórias para as oito grandes visões do
livro de Apocalipse, a primeira consideração lógica e básica é o fato de que há
uma estreita relação entre essas cenas e o restante das sequências proféticas
que elas introduzem. Assim, para a visão I a descrição de Cristo caminhando
entre os sete candeeiros/igrejas precede adequadamente seus conselhos àque-
las igrejas, e para a visão II a cena em que o Cordeiro é proclamado digno de
abrir o livro selado com sete selos e então realmente tomando esse livro da mão
dAquele que está assentado sobre o trono provê um pano de fundo apropriado
70 para a real abertura dos selos pelo Cordeiro.
Essas cenas introdutórias proveem neste sentido um cenário positiva-
mente orientado — uma mensagem de confiança, por assim dizer — que
se relaciona com a sequência que segue. No primeiro exemplo, Cristo as-
segura ao seu povo a certeza de sua presença com eles em suas lutas contra
o engano e a perseguição — lutas que precisam dele palavras de conselho e
encorajamento, e frequentemente repreende (caps. 2 e 3).
Igualmente, na segunda visão há certeza de que as forças liberadas pela
abertura dos selos estão dentro da estrutura redentora da obra que o Cord-
eiro morto efetua no Céu que finalmente resultará na abertura do livro do
destino eterno para os fiéis do Cordeiro (ver nota 8). Os selos são abertos
sucessivamente nos capítulos 6 e 8:1, intensificando em cada passo a pro-
gressão, até que ocorre um silêncio dramático quando o livro em si deve ser
finalmente aberto. O interlúdio no capítulo 7 é muito visivelmente um ap-
ropriado “enfoque nos últimos eventos” para esta sequência específica. Por
seu destaque do selamento dos servos de Deus, há nesse “interlúdio” uma
espécie de trocadilho sobre a terminologia do “selo”. Mas todo o conceito de
propriedade e preservação inerente no simbolismo do “selo” também liga
Cenas da “Introdução Vitoriosa”

muito diretamente esta cena do capítulo 7 com a abertura dos selos.12 Os


144 mil selados de Deus são protegidos das devastações dos cavaleiros dos
primeiros quatro selos,13 e mesmo na espécie de martírio descrita no quinto
selo eles podem repousar na plena certeza do cuidado divino (para um es-
tudo abrangente do quinto selo, ver MUSVOSVI, 1986). Esta ênfase sobre
o cuidado de Deus é realçada ainda mais na descrição das seções b e c do
capítulo 7 (v. 9-17) da grande multidão que vem da grande tribulação (estes,
como os mártires do quinto selo, têm vestiduras brancas!).
O precedente ilustra a maneira em que há estreita correlação entre as ce-
nas da introdução vitoriosa e o restante das respectivas visões que essas cenas
introduzem, e não será necessário entrar em detalhes aqui além dessas duas
amostras. De fato, uma rápida revisão do principal conteúdo de cada visão
pode ser obtida consultando-se a seção 2 do capítulo 2 deste volume. A única
observação adicional que deve ser feita aqui é que embora todas as cenas da
introdução vitoriosa tenham uma nota positiva de segurança para os fiéis de
Cristo, algumas — especialmente aquelas para as visões III-VI (a dupla série
com o tema “Êxodo-do-Egito”/”Queda-de-Babilônia”) — também retratam as-
pectos negativos. Este assunto receberá mais atenção abaixo.

A imagem do templo e seu significado 71


Como já temos observado, a imagem do templo é difusa nas cenas introdutóri-
as às oito principais sequências proféticas do Apocalipse. Para as visões II-VII, os
cenários estão no “templo do Céu”, e o “mobiliário” daquele templo torna-se visível.
Na visão I, porém, a imagem do templo é aquela dos candeeiros que representam
“as sete igrejas” na Terra. E na visão VIII há outra vez um local terrestre — mas
desta vez no contexto da Santa Cidade, a Nova Jerusalém e a “nova terra”, estando o

12
  Os léxicos e dicionários teológicos (tais como Theolofical Dictionary of New Testament) e
obras de referência similares (verbete σøραγις ou sphragis) têm elucidado amplamente o sig-
nificado do processo ou prática do “selo” e do “selamento” no mundo antigo. Para uma referência
sucinta a seis possíveis significados, veja J. Massyngberde Ford (1975, p. 116-17; também a detal-
hada abordagem de FORD, 1981, v. 4, p. 254-59).
13
  Os comentaristas geralmente omitem esta ligação por causa de uma falha em ser suficiente-
mente atenciosos em anotar o antecedente de Zc 6, onde cavalos de várias cores saem para “per-
correrem a terra” (v. 7) e onde, em resposta à indagação profética quanto à identidade dos quatro
grupos de cavalos, um anjo define-os como os quatro ruhôt (ventos) do céu que saem da presença
do Senhor de toda a terra (v. 4-5). Comentaristas que têm feito a conexão incluem G. R. Beasley-
Murray (1974, p. 142) e Leon Morris (1969, p. 113). Infelizmente, a RSV neste exemplo distorce
o significado do hebraico por seu fraseado, “Estes [os grupos de cavalos] estão saindo para os
quatro ventos do céu”, quando em realidade são os ventos ( = cavalos ) que estão saindo.
Estudos selecionados em interpretação profética

próprio Deus “habitando” diretamente com o Seu povo (21:3-4) e “Deus e o Cord-
eiro” são descritos como o “templo” da Nova Jerusalém (21:22).
É imediatamente evidente que todas as três principais aplicações do Novo
Testamento à imagem do templo entram em jogo nessas cenas introdutórias.
Na primeira visão vemos o conceito neotestamentário da Igreja Cristã como o
“novo templo”. Os textos clássicos para o conceito são indubitavelmente 1 Co-
ríntios 3:16-17 e 2 Coríntios 6:16-17, mas certamente há reflexão disto também
em 1 Pedro 2:5, e também na proclamação de Tiago no concílio de Jerusalém
mencionada em Atos 15:13-18. Na última referência mencionada, Tiago faz
aplicação da profecia de Amós 9:11-12 fazendo alusão ao retorno de Deus para
reedificar o “tabernáculo de Davi” que havia caído, como sendo diretamente
aplicável à afluência dos gentios à igreja apostólica.
A mais próxima analogia do Novo Testamento ao uso refletido nas cenas in-
trodutórias para as visões II-VII no livro de Apocalipse é aquilo que é encontrado
no livro de Hebreus. Ali se fala de Cristo como “sumo sacerdote, que se assentou à
destra do trono da Majestade nos céus, como ministro do santuário e do verdadeiro
tabernáculo que o Senhor erigiu, não o homem” (Hb 8:1-2; veja também o v. 5).14
Finalmente, o que é sem dúvida a mais básica e central aplicação da ima-
gem neotestamentária do templo é aquela ilustrada na cena introdutória e na
72 descrição profética da visão VIII do Apocalipse: isto é, uma referência à di-
reta presença divina. No prólogo ao Evangelho de João é declarado que Cristo
“habitou entre nós” (compare com a situação na Nova Terra depois da descida
da Jerusalém celestial, em que é declarado que Deus agora habita com a hu-
manidade [21:3]). Talvez uma referência ainda mais vigorosa seja aquela em
que Jesus declarou: “Destruí este santuário, e em três dias o reconstruirei.” Os
judeus compreenderam isto como se referindo ao templo de Herodes, mas o
Evangelista deu a explicação de que “Ele [Cristo] se referia ao santuário do seu
corpo” e que quando, pois, Jesus ressuscitou dentre os mortos, “lembraram-se
os seus discípulos de que Ele dissera isto” (Jo 2:19-22).
A presença divina era o foco central da antiga economia do templo/tab-
ernáculo de Israel (RODRIGUEZ, 1986, p. 127-145). Foram dadas a Moisés
instruções para que construísse “um santuário, para que Eu [Deus] possa
habitar no meio deles [de Israel]” (Êx 25:8). E quando estava concluída
a construção do tabernáculo, “a nuvem cobriu a tenda da congregação, e
a glória do Senhor encheu o tabernáculo” (Êx 40:36). É este pensamento

  Veja outra vez a excelente dissertação em Davidson (1981, v. 2, 336-367); também “Excursus”
14

de Davidson (1981, v. 2, 367-388) sobre estruturas de tupos em Êx 25:40.


Cenas da “Introdução Vitoriosa”

fundamental — da presença divina — que igualmente penetra as cenas in-


trodutórias às oito visões do Apocalipse. O Cristo divino e sempre vivo é,
no primeiro exemplo, descrito como presente com o seu povo na Terra, sus-
tendo-os e provendo-lhes mensagens através do Espírito Santo (visão I),15
então a cena muda para o santuário celestial, onde Cristo está ativamente
ministrando em favor do seu povo (visões II-VII); e finalmente, quando
Deus e o Cordeiro habitam com os seres humanos redimidos na “nova terra”
e na “Nova Jerusalém” é trazia para a Terra a própria causa fundamental na
intimidade e tangibilidade da presença divina (visão VIII).

Elementos positivos e negativos nas cenas introdutórias


Como foi notado anteriormente, as cenas da introdução vitoriosa para as
visões I e II contêm apenas uma ênfase positiva, mas a terceira cena introdu-
tória adiciona também um elemento negativo. Nessa terceira cena a ênfase
positiva é encontrada na fumaça do incenso misturada com as orações dos
santos subindo a Deus, e o aspecto negativo é descrito em termos do anjo
atirando à Terra um incensário de brasas vivas, com os resultantes sinais de
juízo de vozes, trovões, relâmpagos e um terremoto.
No artigo anterior desta série eu ressaltei que as visões de III a VI con-
sistem de um tema duas vezes repetido que pode adequadamente ser desig- 73
nado como o tema “Êxodo-do-Egito”/Queda-de-Babilônia”. (Veja diagrama
2 na página seguinte para ilustração do tema.) É interessante que é pre-
cisamente em combinação com estas quatro visões que ocorre a mais forte
referência ao juízo negativo. Há também uma progressão de intensidade no
simbolismo do juízo, como observaremos em breve.
As cenas introdutórias para as visões VII e VIII retrocedem parcialmente
para a ênfase positiva das seções comparáveis das visões I e II. Contudo, há
no mínimo uma referência oblíqua (entretanto, vigorosa) ao juízo negativo em
cada uma dessas duas visões finais, embora sua ênfase primária seja positiva.
Para a visão VII, há aclamação a Deus por ter julgado a meretriz e ter vindicado
os santos. Todavia, a bem-aventurança da salvação é a nota tônica das antífonas
de louvor; e especialmente nas referências à noiva do Cordeiro e à ceia das bo-
das do Cordeiro há o máximo de alegria. Para a visão VIII, há inserido dentro

15
  É interessante observar que cada uma das sete mensagens é introduzida por Cristo e então é
resumida em cada exemplo como “o que o Espírito diz às igrejas” — sendo análoga às declarações
do Quarto Evangelho no sentido de que o Paracleto apresentaria as palavras de Cristo (veja, por
exemplo, João 14:25-26; 15:26; 16:12-15).
Estudos selecionados em interpretação profética

de um quadro geralmente ditoso (21:5-11a), um verso que descreve aqueles


que enfrentarão a condenação no “lago de fogo” (v. 8) — uma declaração obvia-
mente apresentada de maneira a contrastar com o galardão dos conquistadores
ou vencedores mencionados anteriormente (v. 7).16

Diagram 2. The “Exodus-from-Egypt”/ “Fall-of-Babylon” Motif in revelation

74 (This diagram is an enlargement of the one in Kenneth A. Strand, “The Two


Witnesses of Revelation 11:3-12,” AUSS 19 [1981]: 129. The discussion of this
motif on p. 128 of that article should also be noted.)

Concernente a esta ênfase positiva e negativa da abertura e fechamento das


cenas da introdução vitoriosa, parece que as ênfases totalmente positivas das
cenas nas visões I e II não são mantidas plenamente paralelas ou equilibradas
em seus correlativos quiásticos nas visões VII e VIII, e isto é por boa razão: a
primeira se refere especificamente aos processos salvíficos em andamento, uma
grande preocupação teológica durante a era histórica; mas a última, a título de
contraste, pertence a um tempo na era do juízo escatológico quando a salvação

16
  Não deve ser despercebido que da mesma forma que 21:7 declara amplamente a recompensa
final para os vencedores nas sete igrejas dos capítulos 2 e 3, 21:8 reflete inclusivamente a conde-
nação dos “não vencedores” daquelas sete igrejas. Os termos “covardes”, “incrédulos”, “impuros”,
“feiticeiros”, “mentirosos” etc., em 21:8, são rememorativos das descrições e conselhos nas sete
mensagens concernentes à fidelidade até à morte (Esmirna), ao perigo dos ardis de Balaão e Jeza-
bel (Pérgamo e Tiatira), e ao falso testemunho contra os fiéis discípulos de Cristo (Filadélfia) etc.
Cenas da “Introdução Vitoriosa”

final e a glorificação aguardam os santos de Cristo, mas onde também há os


“não salvos” cuja condenação agora foi plenamente selada. Esses “não salvos”
não podem ser ignorados na apresentação de um quadro completo, porque
como tem salientado G. E. Mendenhall (1973, p. 83) em um contexto diferente,
a vindicação dos santos de Deus tem dos lados “da moeda”: o anverso que rep-
resenta salvação para os santos tem um lado reverso que significa condenação
para aqueles que têm sido os opressores dos santos.17

“Movimento” na descrição da imagem


Além de uma impressionante dimensão vertical manifesta nas visões do Apoc-
alipse, há certo tipo de movimento horizontal evidente na utilização simbólica den-
tro da sequência das oito cenas da “introdução vitoriosa”. Já temos observado, de
outra perspectiva, o movimento no cenário do templo de um local terrestre para
um local celestial e outra vez de volta para um novo local terrestre (isto é, “nova Ter-
ra”). Mas as próprias cenas do templo celestial (nas visões II-VII) mostram uma in-
teressante progressão no simbolismo que ocorre. Consideraremos isto brevemente,
seguido por observação sucinta também de uma progressão que ocorre na imagem
do juízo negativo utilizada nas visões III-VI.
Imagem do templo celestial. Na visão II, as sete lâmpadas ou tochas de
fogo sugerem um primeiro compartimento ou ambiente do lugar santo. Em 75
seguida, a visão III nos leva ao altar de ouro de incenso, diante do trono, e então
a visão IV expõe à vista a arca da aliança de Deus no santuário interior ou Lugar
Santíssimo (ver nota 11). Isto parece correlacionar-se com uma crescente ênfase
sobre o tempo do fim nas respectivas “descrições proféticas básicas” e interlú-
dios, apesar de todas essas sequências abrangerem a era a partir do tempo do
profeta até o fim. (Este fenômeno tem sido tratado suficientemente no capítulo
anterior e, portanto, não precisa de mais detalhes aqui.)
Depois da linha divisória quiástica, a imagem do templo não mais
abrange o mobiliário do templo, porque as funções representadas por tal
mobiliário — ou as atividades salvíficas indicadas por meio disso — não
existem mais. Ao contrário, a fumaça enche o templo de sorte que nen-
hum ministério de misericórdia continua (15:8); ocorrem os sinais da proc-
lamação e/ou juízo, com apenas referência geral à sua fonte no templo, do
trono, e/ou no céu (cf. 16:17ss.; 19:1-5; 21:5).

  Isto está no contexto de um excelente estudo de NQM (o tema da “vingança”/”vindicação”)


17

na literatura bíblica e outra literatura do antigo Oriente Próximo.


Estudos selecionados em interpretação profética

Imagem do juízo negativo. As quatro visões centrais do Apocalipse — isto


é, III a VI — têm introduções que apresentam forte simbolismo de juízo negativo.
Uma característica interessante é a intensificação da ênfase negativa. Os sinais
na visão III são trovões, vozes, relâmpagos, e um terremoto (8:5); a estes, a visão
IV adiciona “grande saraivada” (11:19); e finalmente, a visão VI apresenta esses
mesmos arautos do juízo mas intensifica consideravelmente o terremoto (“como
nunca houve igual desde que há gente sobre a terra”, 16:18) e a saraivada (com pe-
dras “que pesavam cerca de um talento”, 16:21). A visão V omite esta série especí-
fica de símbolos do juízo, possivelmente porque ao iniciar sua descrição do juízo
escatológico, sua principal ênfase já transmite um pesado fardo de condenação: a
plenitude da ira de Deus sendo exposta à vista a partir do templo nas sete taças e
do próprio templo cheio de fumaça e desocupado (15:5-8).
Em todo caso, o primeiro par de visões com o tema “Êxodo-do-Egito”/”Queda-
de-Babilônia” (visões III e IV) se inicia com cenas introdutórias que já mostram
uma progressão de intensidade de juízo. Esta intensidade é então ainda mais re-
alçada pelas descrições simbólicas do segundo par (visões V e VI). O significado
teológico aqui parece ser o conceito de que o aumento das calamidades é com-
patível com um padrão de contínua e mais flagrante rejeição da oferta de salvação
de Cristo. Como tal, seria uma espécie de comentário ampliado sobre o princípio
76 enunciado por Jesus ao declarar que a condenação do juízo sobre Betsaida, Cora-
zim, Cafarnaum, e outros rejeitadores de Sua misericórdia excederia a de Sodoma
e Gomorra (cf., por exemplo, Mt 10:14-15 e 11:20-24).

Relação das introduções para as visões I e VIII


Já temos analisado o significado teológico da imagem do templo nas oito cenas
introdutórias do Apocalipse. Permanece aqui chamar atenção mais específica para
uma característica especial — a saber, a estrutura envolvente em que a introdução
à visão I e à visão VIII encerram, por assim dizer, as seis introduções intervenientes.
A característica primária do esquema de inclusão é aquela do local — terrestre para
as visões I e VIII, e celestial para as visões II-VII. Assim, a ênfase tanto no início
quanto no final do livro está sobre uma imanência da presença divina.
Há aqui uma sugestão, talvez, dos dois adventos de Cristo e de seus re-
sultados finais? Na primeira cena introdutória, João vê o Cristo que tinha
vindo como Deus encarnado em seu primeiro advento — que foi morto e
então ressuscitou, e que ascendeu ao Céu depois de 40 dias. Agora essa mes-
ma Pessoa divina aparece a João como aquele que foi morto, mas vive para
sempre (Ap 1:17-18) e está presente, caminhando entre Suas igrejas/candee-
iros. Esta cena da introdução vitoriosa assim evidencia a contínua e próxima
Cenas da “Introdução Vitoriosa”

presença desse mesmo Jesus com sua igreja na Terra. Sua própria vitória
durante a encarnação tem assegurado a existência de sua própria comuni-
dade da aliança, e sua própria presença divina permanece verdadeiramente
com o seu povo ao longo da era histórica (por meio do Espírito Santo) (ver
nota 21). No quarto Evangelho, o prólogo se refere a Cristo “habitando entre
nós” (Jo 1:14), mas o Discurso Sobre o Paracleto indica que mesmo depois
da partida de Jesus para o Céu, Ele e seu Pai viriam fazer “habitação” com os
fiéis discípulos de Jesus (veja João 14:15-21, 23).
O correlativo dessa divina presença no “aqui e agora” é a plenitude da experiên-
cia da divina presença dependente do segundo advento de Jesus para trazer rec-
ompensas a todas as pessoas segundo as suas obras (Ap 22:12). Nos estágios finais
dessas recompensas — isto é, na experiência do “novo Céu”/”nova Terra”/Nova Je-
rusalém —, Deus e o Cordeiro outra vez ”habitam” com o seu povo, mas agora essa
habitação é uma presença direta e imediata (veja 21:3, 22; e 21:1-4).
Assim, nas cenas da introdução vitoriosa iniciais e finais encontramos, em
certo sentido, um aprimoramento do duplo tema do Apocalipse (chamado à
atenção em meu artigo anterior): a presença de Cristo com o seu povo na era
presente como o ”Alfa e o Ômega”, e o seu retorno no final da era histórica para
introduzir aqueles eventos que culminarão em sua presença com o seu povo
através da eternidade (cf. Ap 1:7-8 e 22:12-13). 77
Mas, para que função, pois, servem as cenas introdutórias para as visões inter-
venientes? Enquanto imanência é a ênfase das visões I e VIII, inclusive suas cenas
da introdução vitoriosa, transcendência é a ênfase das outras visões. Essas seis visões
destacam atividade no Céu, enquanto o povo de Deus está na Terra. Mas essa tran-
scendência não é de forma alguma indiferença, nem qualquer falta de preocupação
e contato entre o Céu e a Terra. Ao contrário, todas essas visões (através de suas ce-
nas da introdução vitoriosa, e também de suas subsequentes sequências descritivas)
revelam uma muito resoluta continuidade vertical. O que é feito no templo do Céu é
feito para o benefício do povo de Deus na Terra e, portanto, a atividade celestial de-
scrita nas cenas da introdução vitoriosa acham um correlativo imediato nas forças
liberadas sobre a Terra a fim de realizar o propósito de Deus para o seu povo.

Amplas “estruturas envolventes”


Breve menção deve ser feita ao fato de que na análise e discussões precedentes
temos encontrado duas amplas “estruturas envolventes”.18 Uma destas já temos dis-

18
  “Estruturas envolventes” ou “inclusões” são comuns nos padrões literários do Apocalipse.
(ver, por exemplo, SHEA, 1985, p. 33-54, 44-45); para duas evidentes ilustrações deste fenômeno.
Estudos selecionados em interpretação profética

Local terrestre

Local celestial
I VIII
II - IV V - VII

1.Locais Terrestres e Celestiais

Ênfase Ênfase de
inteiramente predominância
positiva positiva
Ênfases tanto positivas como negativas
I & II VII & VIII
III & IV V & VI

2. Ênfases positivas e negativas do juízo

cutido ao tratar do local da imagem do templo para as visões I e VIII, um local


78 terrestre (presente histórico e nova terra, respectivamente); e para as visões II-VII,
um cenário no ”templo do Céu”. A outra estrutura envolvente se relaciona com a
“imagem do juízo negativo” e inclui as severas ênfases do juízo negativo das cenas in-
trodutórias para as visões III a VI dentro da única ênfase positiva das cenas análogas
para as visões I e II, por um lado, e a ênfase predominantemente positiva das cenas
para as visões VII e VIII, por outro lado.19 (Estas duas amplas estruturas envolventes
são apresentadas em forma de esboço no diagrama 3.)
Os dois exemplos de inclusio são de interesse do ponto de vista da arte literária,
é claro. Mas sempre devemos ter em mente que essa arte não era utilizada como um
fim em si mesmo; antes, era incorporada por causa de, e em relação com sua fun-
cionalidade para transmitir vigorosamente a perspectiva e temas teológicos que são
fundamentais no Apocalipse e que constituem o interesse primário do livro.

3. Resumo e Considerações finais

19
  Com respeito ao assunto dos aspectos positivo e negativo, nossa referência é, sem dúvida, a
unicamente as cenas da introdução vitoriosa — os blocos designados por “A” no diagrama 1. Nos
outros blocos de material nas visões I, II e VII, há realmente muitos elementos negativos, mas este
fato não afeta o padrão distintivo que temos notado nas cenas introdutórias.
Cenas da “Introdução Vitoriosa”

O capítulo anterior e o presente têm esboçado certas estruturas literárias do


Apocalipse e dado atenção em particular às cenas da introdução vitoriosa para as
oito principais visões do livro de Apocalipse. É óbvio, em primeiro lugar, que o
Apocalipse é uma peça literária muito nitidamente organizada. Contudo, os pa-
drões literários representam mais do que gosto estético e interesse mnemônico; eles
destacam, de maneira muito real, certos grandes temas e idéias teológicas. Esses são
temas e ideias que se assemelham e aperfeiçoam aspectos da teologia geral do Novo
Testamento, e que são especialmente valiosos ao falarem de esperança e certeza aos
leais seguidores de Cristo em sua luta contra as forças do engano e perseguição.

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Estudos selecionados em interpretação profética

82
Interpretando o
4
simbolismo do Apocalipse
Jon Paulien

Esboço do capítulo
1. O Livro de Apocalipse: Sua Natureza
2. Interpretando o Apocalipse
3. Considerações Finais

Sinopse editorial. Embora o


apóstolo João nunca cite direta-
mente o Antigo Testamento em sua
profecia, é evidente que ele se uti-
liza consideravelmente de suas ima-
gens. Estas alusões, formando um
verdadeiro mosaico da fraseologia
do Antigo Testamento, podem ser
classificadas sob dois formatos: (1)
ecos e (2) alusões diretas.
Através dos séculos, muitos
conceitos do Antigo Testamen-
to se separaram de suas raízes
bíblicas para formar um acervo
de ideias simbólicas comumente
usadas e compreendidas por to-
dos. A utilização desses símbo-
los comuns por João pode ser
Estudos selecionados em interpretação profética

denominada “ecos” (do Antigo Testamento); eles transmitem seu próprio


significado, além de sua matriz original do Antigo Testamento.
Por outro lado, João às vezes modela determinada porção de sua profe-
cia por uma seleção do Antigo Testamento que ele pretende que seus leitores
notem. Designadas como “alusões diretas”, essas passagens do Antigo Tes-
tamento podem esclarecer o significado daquela porção do Apocalipse em
que João usa as imagens emprestadas.
Neste capítulo, o presente autor classifica as “alusões diretas” segundo sua
utilidade na interpretação do Apocalipse e sugere os critérios pelos quais elas
podem ser identificadas como “alusões diretas”.

Que ninguém pense que por não poder explicar o significado de cada símbo-
lo do Apocalipse, é-lhe inútil pesquisar este livro numa tentativa de conhecer
o significado da verdade que ele contém. Aquele que revelou estes mistérios a
João dará ao diligente pesquisador da verdade um antegozo das coisas celestiais.
Aqueles cujo coração está aberto à recepção da verdade serão capacitados a com-
preender seus ensinos, e ser-lhes-á garantida a bênção prometida àqueles que
“ouvem as palavras desta profecia, e guardam as coisas que nela estão escritas”
(WHITE, 2007, p. 584-585).

84
Embora não devamos esquecer o conselho acima, os guias de estudo
sugeridos neste capítulo habilitarão o sério estudante da Bíblia a explorar
com maior precisão os veios da verdade espiritual por baixo da superfície
desta superior profecia das Escrituras.

O livro de Apocalipse: sua natureza


Deus tem considerado apropriado em cada estágio da produção das Escrituras
oferecer Sua revelação em linguagem apropriada ao tempo, local e circunstâncias
do escritor original. Deus não ignora a cultura, formação, estilo literário ou ma-
neiras de pensar dos indivíduos a quem Ele se revela. Em vez disto, Ele procura
diligentemente encontrá-los onde eles estão a fim de que possam compreender, o
máximo possível, Suas revelações a eles e por intermédio deles (cf. 1Co 9:19-23).
Por exemplo, Deus apresentou a mesma mensagem básica a Nabucodonosor
em Daniel 2 como Ele fez ao profeta em Daniel 7. Mas para o rei pagão as nações
foram retratadas na forma de um ídolo. Isto é natural, sendo que ele compreendia as
nações como gloriosas e brilhantes representações dos deuses a quem elas serviam.
Para o profeta hebreu, por outro lado, as nações foram retratadas como ele as via:
animais devoradores e ferozes que estavam escravizando e destruindo o seu povo.
Interpretando o

Deus falou a cada um dentro da sua linguagem e ambiente cultural a fim de comu-
nicar uma mensagem acerca de Seus planos para o futuro.
As palavras que as pessoas usam e os significados que essas palavras
transmitem são o produto da experiência passada de uma pessoa. A lin-
guagem está limitada em expressão ao que é familiar às pessoas em um de-
terminado tempo e lugar. Mesmo o futuro só pode ser descrito na linguagem
da experiência passada e presente de uma pessoa.
Quando o Êxodo de Israel do Egito é descrito no Antigo Testamento, por ex-
emplo, a linguagem usada faz lembrar ao leitor a fraseologia pela qual a poderosa
atividade divina na Criação e no Dilúvio é descrita no livro de Gênesis. Por exemplo,
tanto Noé como Moisés foram livrados por uma “arca” calafetada com betume (Êx
2:3; cf. Gn 6:14). No Êxodo, como na Criação, a presença divina trouxe luz para as
trevas e um divisor das águas (Êx 13:21; cf. Gn 1:3-5; Êx 14-21; cf. Gn 1:6-8). Co-
mum a todas as três descrições é o uso de “terra seca” (Js 4:18; Êx 14:21, 29; cf. Gn
8:11, 13; 1:9, 10) e “sede frutíferos e multiplicai-vos” (Êx 1:7; cf. Gn 9:7; 1:28).
Precisamente como a descrição do Êxodo se utiliza das descrições de ações
divinas anteriores, assim o exílio para Babilônia e a restauração de Babilônia são
descritos nos profetas pela linguagem da Criação e do Êxodo. A Criação, por
exemplo, é o modelo para Isaías 65:17-19. O Êxodo provê o modelo para vários
dos profetas (Os 2:8-15; Mc 7:15-20; Is 4:2-6; 11:15-16; 43:16-19). 85
Da mesma maneira, as profecias concernentes ao Messias foram proclamadas em
termos de um profeta como Moisés, um filho de Davi e um sacerdote segundo a or-
dem de Melquisedeque. Deus, em cada caso, usou a linguagem do passado como uma
ferramenta para comunicar Sua vontade presente e/ou Seu plano para o futuro.
Portanto, não deve ser nenhuma surpresa descobrir que as visões do Apocalipse
não estão cheiras de helicópteros, espaçonaves, computadores e bombas nucleares.
Em vez disto, elas estão expressas nas imagens do passado da igreja do Novo Testa-
mento. Embora se originando no trono de Deus, o Apocalipse foi comunicado em
linguagem apropriada ao tempo, lugar e circunstâncias do autor humano, João.
“A Bíblia não nos é dada em elevada linguagem sobre-humana. A fim de chegar
aos homens onde eles se encontram, Jesus revestiu-Se da humanidade. A Bíblia pre-
cisa ser dada na linguagem dos homens” (WHITE, 2008, v. 1, p. 20). Embora uma pro-
fecia de eventos futuros a partir da perspectiva do autor, a linguagem da experiência
anterior da igreja proveu a linguagem com a qual descrever esse futuro.
Conquanto a Bíblia possa frequentemente descrever nosso futuro, é
importante ter em mente que a linguagem por meio da qual tais profecias
foram comunicadas era a linguagem de outro tempo e lugar que não os nos-
sos. É muito fácil impor ao texto significados mais apropriados ao nosso
Estudos selecionados em interpretação profética

tempo e lugar do que à situação em que Deus originalmente falou. Desco-


brir o significado original da linguagem do^texto nos guarda contra nossa
tendência natural de recriar o texto bíblico à nossa própria imagem.1
Quando falamos de “significado original”, é claro, não devemos supor que o au-
tor original ou a audiência original compreendia plenamente o propósito divino na
revelação a eles comunicada. O que estamos afirmando é que o propósito divino foi
plena e adequadamente representado na frágil e localizada expressão de um falível
escritor humano.2 Portanto, o significado original da linguagem do texto é decisivo
para uma correta compreensão das Escrituras. Aplicar à linguagem do texto signifi-
cados mais apropriados ao nosso tempo e lugar é lançar-nos em uma jornada para
todos os tipos de destinos fantásticos que, embora possam parecer bíblicos, são de
fato contrários à intenção divina para essa passagem.
Portanto, nosso estudo do método se iniciará com um cuidadoso exame da
linguagem do Apocalipse a fim de determinar que procedimentos são mais ap-
ropriados para o estudo do livro. Somente se formos pacientes o suficiente para
estudar o Apocalipse em seus próprios termos compreenderemos corretamente
as visões concedidas ao seu autor (FIORENZA, 1976, p. 13).

Um livro cristão
86 É evidente pela primeira frase (“revelação de Jesus Cristo”) que o Apocalipse
é um livro cristão (1:1). Jesus Cristo está presente em toda parte, tanto explicita-
mente (Ap 1:1, 2, 5, 9; 11:15; 12:10, 17; 14:12; 17:6; 19:10; 20:4, 6; 22:16, 20, 21)
quanto em símbolos (Ap 1:12-16; 5:5-7; 7:17; 12:5, 11; 14:1-3). Há referências a
igrejas (Ap 1–3; 22:16) e à cruz (Ap 1:18; 5:6, 9, 12; 11:8; 12:11). O leitor atento
também se torna consciente de dezenas, se não centenas, de ecos recordando

1
Embora um conhecimento do grego e do hebraico não seja imprescindível para a compreensão da
Bíblia (veja a conclusão deste capítulo), a leitura do texto na língua original nos ajuda a fugir das as-
sociações familiares que as palavras em nosso idioma têm com nosso ambiente moderno. Na tradução
é mais fácil importar inconscientemente significados contemporâneos para nossa leitura do texto.
2
”A Bíblia foi escrita por homens inspirados, mas não é a maneira de pensar e exprimir-se de
Deus. Esta é da humanidade. Deus, como escritor, não se acha representado. Os homens dirão
muitas vezes que tal expressão não é própria de Deus. Ele, porém, não se pôs à prova na Bíblia
em palavras, em lógica, em retórica. Os escritores da Bíblia foram os instrumentos de Deus, não
sua pena. Olhai os diversos escritores. Não são as palavras da Bíblia que são inspiradas, mas os
homens é que o foram. A inspiração não atua nas palavras do homem ou em suas expressões,
mas no próprio homem que, sob a influência do Espírito Santo, é possuído de pensamentos. As
palavras, porém, recebem o cunho da mente individual. A mente divina é difusa. A mente divina,
bem como sua vontade, é combinada com a mente e a vontade humanas; assim as declarações do
homem são a Palavra de Deus” (WHITE, 2008, v.1, p. 21).
Interpretando o

temas, vocabulário e teologia do Novo Testamento.3 Embora o livro tenha um


diferente estilo, vocabulário e assunto, não devemos esperar, portanto, que sua
teologia seja radicalmente diferente do que encontramos em outros textos do
Novo Testamento (HALVER, 1969, v. 32, p. 58).

Uma revelação divina


Segundo o prefácio (1:1-3), o autor compreende sua obra como sendo a de trans-
mitir à igreja uma mensagem visionária de Deus. Ele repetidamente aponta para uma
origem sobrenatural as cenas descritas em seu livro (Ap 1:10-20; 2:7, 11, etc. ; 4:1-2;
10:11; 17:1-3; 19:9-10; 22:6-10). Ele se considera um profeta e sua obra uma profecia.
Sua autoridade é igual à dos apóstolos e dos profetas do Antigo Testamento. As “pala-
vras da profecia” devem ser obedecidas (1:3). Sua autoridade é tão inquestionável que
nenhuma palavra deve ser adicionada ou subtraída (22:18-19).
Por outro lado, há considerável evidência (esboçada abaixo) de que uma multi-
dão de alusões à literatura anterior com a qual João estava familiarizado são bor-
rifadas através das visões. Até que ponto o livro é visionário e até que ponto é ele
pesquisado, desenvolvido e escrito pelo autor humano? Felizmente, não precisamos
fazer tão difícil distinção. Quer as alusões venham de Deus quer sejam o resultado da
meditação de João sobre as visões, isso não faz nenhuma diferença para o resultado.
Se, como ressaltamos acima, Deus sempre fala no tempo, lugar e circunstâncias do 87
escritor original, o produto final (o texto) fala adequadamente em nome de ambos!
Por amor à conveniência e facilidade de expressão, porém, neste capítulo falaremos
geralmente em termos de “a intenção do autor” ou “intenção de João” sem, através
disso, pretender insinuar que o livro é meramente um produto humano.
Para os adventistas do sétimo dia, talvez seja instrutivo relembrar a ex-
periência de Ellen G. White, que teve visões das coisas celestiais semelhantes
àquelas de João. Recentes estudos têm indicado, porém, que ela pesquisou lon-
ga e arduamente para encontrar a melhor maneira de expressar o que ela havia
recebido na linguagem que seria apropriada aos leitores em seu tempo e lugar.
Visões e pesquisa podem trabalhar juntas dentro de um simples ser humano
para produzir um livro que transmita comunicações da mente de Deus.
A presença do elemento divino no Apocalipse indica que o significado
final do livro frequentemente vai além do que o autor humano poderia ter
compreendido. Isto, porém, não autoriza intérpretes a procurar indiscrimi-
nadamente no livro todos os tipos de ampliados significados. Precisamente

3
  Para listas de paralelos à linguagem e temas do Novo Testamento, veja Rudolf Halver (1964, v.
32, p. 58-70), William Milligan (1892, p. 42-70) e Henry B. Swete (1906, p. cli-cliii).
Estudos selecionados em interpretação profética

como Deus limitou-se a si mesmo quando assumiu a natureza humana na


encarnação, assim também se limitou quando escolheu expressar-se na Es-
crituras através da linguagem de autores humanos.4
Conquanto a intenção de Deus possa transcender a compreensão do autor
humano, sua intenção é expressa por meio da linguagem escolhida pelo autor
humano. Portanto, qualquer que seja a intenção divina percebida na passagem,
ela deve ser uma extensão natural da própria linguagem e propósito do autor.5

Um livro profético
Relacionada com a questão da intenção divina é a reivindicação do livro de
prover informação verdadeira em relação ao futuro. O Apocalipse diz respeito
às coisas que “em breve devem acontecer” (1:1); coisas que “hão de acontecer
depois destas” (1:19). Fala do regresso de Cristo e dAquele que “há de vir” (1:7-
8; 4:8). Promete recompensas ao vencedor (2:7, 11 etc.).
O Apocalipse aponta para um futuro tempo de selamento (7:1-3); para
uma futura “hora da provação” (3:10; 7:14); para uma futura multidão
redimida (7:9-11; 19:1-3); para uma grande proclamação final do evan-
gelho (10:8-11; 14:6-12); para um juízo final (11:18; 20:11-15); e para uma
grande batalha final (12–20) culminando na vinda de Cristo (14:14-20;
88 19:11-13.), introduzindo o final e universal domínio de Deus (11:15-17;
21–22:5). Assim, o Apocalipse está preocupado principalmente com even-
tos que são futuros a partir da perspectiva do autor.

Ambiente da Ásia Menor


O texto do Apocalipse esclarece que o livro foi dirigido a sete igrejas da
província romana da Ásia (1:4; cf. 22:16).6 Portanto, não nos deve surpreender

4
  “A Escritura Sagrada, com suas divinas verdades, expressas em linguagem de homens, apresenta
uma união do divino com o humano. União semelhante existiu na natureza de Cristo, que era o Filho
de Deus e Filho do homem. Assim, é verdade com relação à Escritura, como o foi em relação a Cristo,
que ‘o Verbo [ou Palavra] se fez carne e habitou entre nós’ (Jo 1:14)” (WHITE, 2005, p. vi).
5
  Os escritores inspirados nem sempre compreendiam o conteúdo da revelação divina (veja
Daniel e 1Pe 1:10-13). Mas eles retinham o controle do texto (veja nota 8). No caso do Apocalipse,
o texto objetivava fazer sentido para seus leitores originais (Ap 1:3-4, 9-11; 22:16) bem posteriores.
  Nota editorial: A opinião de que o Apocalipse “fazia sentido” para seus leitores originais não
significa que os últimos viam ou esperavam cumprimentos imediatos da profecia total em seus
dias (opinião preterista). Muitos aspectos da visão estavam no futuro distante. As profecias
messiânicas também “faziam sentido” para os profetas do Antigo Testamento, mas eles sabiam
que seu cumprimento seria futuro para os seus tempos (1Pe 1:10-12).
6
  Como com qualquer comunicação apostólica inspirada, a profecia teria tido significado igual-
Interpretando o

se às vezes o livro usa símbolos e conceitos que ocorrem na literatura não bíblica
e na mitologia. O autor não pesquisou, necessariamente, esses símbolos; eles lhe
vieram como expressões vivas que seriam familiares a qualquer um que vivesse
na época na Ásia Menor (MORANT, 1969, p. 19).
Conquanto em princípio possamos estar um tanto desconfortáveis com
a ideia de que um escritor bíblico possa ter empregado em seu livro algumas
figuras mitológicas (por exemplo, animais de sete cabeças), devemos lembrar
a natureza profética do Apocalipse. Os profetas usavam a linguagem comum
da época para comunicar eficazmente. Assim, os estudiosos que têm encon-
trado antigas analogias para várias partes do Apocalipse podem nos ajudar a
compreender melhor a intenção das imagens do livro (ver BETZ, 1969, p. 155;
HEDRIK, 1971, p. 94-95; SWEET, 1979, p. 41).7

Linguagem apocalíptica
É imediatamente evidente que o livro de Apocalipse não está escrito em pro-
sa comum. Logo no início o livro é declarado ser “revelado em símbolos” (1:1,
tradução literal). Uma águia fala, gafanhotos ignoram a vegetação, um grande
dragão vermelho persegue uma mulher através do céu, um leão é transformado
em um cordeiro que vence tudo. Esta não é a linguagem típica do Novo Testa-
mento (HALVER, 1964, v. 32, p.156). O Apocalipse é tão simbólico que o leitor 89
precisa evitar ser demasiado literal na interpretação (MAURO, 1925, p. 23).8
Contudo, tal simbolismo cósmico era uma forma um tanto comum de
procedimento literário naqueles dias. Livros como Enoque Etiópico, 4 Esdras
e 2 Baruque expressam sentimentos e teologia no que tem sido denominada
”linguagem apocalíptica” (ver CHARLESWORTH, 1983-1984, v. 1). Assim, em-
bora a linguagem do Apocalipse seja frequentemente estranha e simbólica, sua
mensagem está fundamentada firmemente na realidade. Muito provavelmente
o leitor cristão do primeiro século tinha relativamente pouca dificuldade em
compreender os principais símbolos do livro (BARR, 1984, p. 40-41).9

mente para outras congregações cristãs (cf. Cl 4:16).


7
  De especial auxílio é o comentário sobre Apocalipse de David Aune da série Word Biblical
Commentary. Aune é um especialista tanto no Apocalipse como no antigo mundo romano.
8
  Não há dúvida de que muitos assuntos em Apocalipse se destinam a ser tomadas literalmente (as
sete igrejas, Cristo, João, guerra, e morte etc.), mas a declaração clara no início (1:1) combinada com os
fenômenos do livro indica que simbolismo é a ferramenta principal do idioma usado no livro.
9
  A construção grega em Ap 1:3 (αкоυō no acusativo) indica que os leitores e ouvintes deveriam
ter suficiente compreensão do livro para obedecê-lo.
Estudos selecionados em interpretação profética

Portanto, o intérprete do Apocalipse dos dias modernos precisará levar em


consideração a literatura apocalíptica dos tempos, que o ajudará a compreender
como a linguagem apocalíptica era entendida no primeiro século d.C.

Importância do Antigo Testamento


Embora possam aparecer algumas alusões a fontes não bíblicas, é certo que o
Apocalipse não pode ser compreendido sem contínua referência ao Antigo Testa-
mento (BULLINGER, 1970, p. 17; FEUILLET, 1959, p. 55; SCROGGIIE, p. 22). Ele
é “um perfeito mosaico de passagens do Antigo Testamento” (MILLIGAN, 1892, p.
72). A total infiltração do Antigo Testamento no Apocalipse indica que ele é a princi-
pal chave para desvendar o significado dos símbolos do livro. Os ouvidos da audiên-
cia de João estavam muito melhor sintonizados para assimilar as alusões ao Antigo
Testamento do que é o caso hoje com muitas congregações cristãs (LINDARS, 1976,
p. 65). O Antigo Testamento fornecia um meio de “descodificar” a mensagem do
Apocalipse que não estava disponível ao observador externo (HOYT, 1953, p. 7).10
Nosso estudo do Apocalipse deve, portanto, incluir uma completa com-
preensão da história, poesia, linguagem e temas do Antigo Testamento. Sem tal
compreensão, o significado do livro permanece oculto em grande parte.

90 Problema de alusões
Afirmar que o Apocalipse está saturado de conceitos do Antigo Testamento por
si só não aborda a questão de como eles são usados no livro. O leitor totalmente
familiarizado com o Antigo Testamento percebe rapidamente que o Apocalipse
jamais cita o Antigo Testamento.11 Antes, alude a ele com uma palavra aqui, um
conceito ali, uma frase em outro lugar (HASEL, 1982, v. 1, p. 105; SWEET, 1979, p.
39). Conquanto esteja claro que o Antigo Testamento é básico para qualquer com-
preensão do Apocalipse, nem sempre está claro a que parte do Antigo Testamento
está se fazendo alusão em um dado verso (VOS, 1965, p. 18).
Um método exegético que desvendará os símbolos do Apocalipse deve
incluir diretrizes para determinar quando e de que maneira o autor está
aludindo ao Antigo Testamento.

Estrutura repetitiva

10
  Embora a autora sem dúvida tivesse experiências visionárias, o que ela escreveu é também
claramente o produto de interpretação e reflexão teológica.
11
  Das dezenas de estudiosos que fazem esta asserção, alguns importantes personagens serão suficientes,
como: Kurt Aland (1975, p. 903), Adela Yarbro Collins (1984, p. 42), Elizabeth Schüssler Fiorenza (1980,
p. 108), Halver (1964, v. 32, p. 11-12), Pierre Prigent (1981, p. 368) e H. Barclay Swete (1902, p. 392).
Interpretando o

À medida que o leitor obtém maior familiaridade com o Apocalipse, torna-


se claro que a estrutura do livro está estritamente relacionada com o seu sig-
nificado. Há sete igrejas, sete selos, sete trombetas e sete cálices ou taças. Mui-
tos temas e símbolos que reaparecem em intervalos regulares (BARR, 1984, p.
43). Quase cada passagem tem analogias em outro lugar do livro. O Apocalipse
contém tal complexidade de entrelaçadas analogias que determinada passagem
pode estar mais estreitamente relacionada com material da outra extremidade
do livro do que com passagens vizinhas (THOMPSON, 1985, p. 16-17). Assim,
o intérprete precisa ter um bom conhecimento da estrutura e conteúdo de todo
o livro e estar ciente do impacto do todo sobre a passagem em estudo.12

Um ambiente de adoração
Uma das mais impressionantes características do Apocalipse é a sua repeti-
da descrição de cenas de adoração no Céu, geralmente no contexto de ima-
gens relacionadas com o santuário do Antigo Testamento (Ap 4; 5; 7:9-12; 8:2-
6; 11:15-19; 15:5-8; 19:1-8). Não somente há um grande número de hinos no
livro (Ap 4:11; 5:9, 10, 12, 13; 7:10, 12; 11:15, 17), mas as próprias bênçãos e
maldições sobre aqueles que lêem e ouvem o Apocalipse indicam uma leitura
pública do livro em um ambiente de adoração (1:3; 22:18-19).
Estes fatos sugerem que precisa ser dada atenção às práticas cristãs de 91
adoração do primeiro século, às imagens do santuário do Antigo Testamento,
aos serviços religiosos da sinagoga judaica e aos targuns aramaicos que se de-
senvolveram nas sinagogas judaicas.

Conclusão
As características do livro de Apocalipse já examinadas chamam a at-
enção para o método. O método adequado para o estudo do Apocalipse re-
fletirá estas características e as utilizará para esclarecer a intenção do autor.
Volvemo-nos agora para um método proposto a fim de “decifrar o código”
deste fascinante livro, com ênfase especial sobre como descobrir e validar
alusões feitas por João a fontes do Antigo Testamento.

  Algumas das melhores estruturas de Apocalipse incluem as apresentada pelos seguintes


12

autores: John Wick Bowman (1955, p. 440-43), Elisabeth Schüssler Fiorenza (1977, p. 358-66),
Leroy C. Spinks (1978, p. 211-22) e K. A. Strand (1972, p. 48).
Estudos selecionados em interpretação profética

Interpretando o Apocalipse
As realidades previamente observadas no texto de Apocalipse sugerem que
o intérprete deve seguir quatro passos fundamentais em seu estudo: (1) Fazer
uma exegese básica (ou exposição) da passagem que está sendo estudada. (2)
Examinar analogias relevantes em outras partes do Apocalipse. (3) Encontrar as
fontes das imagens do Antigo Testamento. (4) Descobrir se o Novo Testamento
expande o significado desses símbolos à luz do evento-Cristo.

Exegese básica
O primeiro passo em torno da compreensão da mensagem do Apocalipse
é determinar o que o autor estava dizendo aos seus leitores originais em seu
tempo, lugar e circunstâncias. O termo “exegese” é uma palavra derivada do
grego que significa “extrair”. Assim isto veio designar o processo de permitir
que o texto bíblico fale por si mesmo, em vez de impor à passagem um signifi-
cado que se origina com o leitor. Consequentemente, a exegese básica dá aten-
ção ao significado das palavras (pelo uso de léxicos e dicionários teológicos), à
sintaxe (como as palavras se relacionam umas com as outras em uma sentença),
à estrutura da passagem e seu contexto imediato e à relação que a passagem tem
92 com sua situação contemporânea.
A situação contemporânea é esclarecida aprendendo-se o que pode ser con-
hecido acerca dos primeiros ouvintes e seu ambiente social, as preocupações
que estimularam o autor a escrever e a literatura paralela da época, se disponível.
Prestimosas introduções ao Apocalipse podem ser encontradas em muitos co-
mentários e em “introduções ao Novo Testamento”. Para o Apocalipse, um ex-
ame de outros escritos apocalípticos é especialmente proveitoso.
Tais métodos de exegese, cuidadosamente efetuados, produzem uma compreen-
são razoavelmente clara da maioria dos livros do Novo Testamento. Mas no Apoc-
alipse eles produzem um resultado insatisfatório. É possível em Apocalipse conhecer
plenamente bem o que João está dizendo e ainda não ter absolutamente nenhuma
ideia do que ele tem em vista (HALVER, 1964, v. 32, p. 7). Assim, é necessário um
método mais amplo, mais teológico de exegese para fazer justiça ao Apocalipse.

Paralelos dentro do Apocalipse


O próximo passo é examinar como os símbolos e estruturas de uma dada
passagem são usados em outros lugares no Apocalipse. Quando o autor tem
claramente definido sua intenção no contexto, é sem propósito procurar inter-
pretações criativas fora do livro. Por exemplo, em 3:21 e 11:18 o autor fornece
um resumo interpretativo em adiantamento do material a seguir. Ignorar esse
Interpretando o

resumo em favor de alguma “chave” externa limitaria, em vez de realçar, a com-


preensão de sua intenção.
O Apocalipse é singular por sua estrutura incrivelmente entrelaçada. Isto
é tanto assim que a chave para o material em uma extremidade do livro pode
frequentemente ser encontrada na extremidade oposta. O contexto imediato de
qualquer passagem pode ser tão vasto como todo o livro. Exemplos de óbvias
estruturas paralelas em Apocalipse incluem as trombetas e as taças, e o cava-
leiro do cavalo branco nos capítulos 6 e 19.
O exame de tais estruturas paralelas habilita o estudante a aplicar às pas-
sagens difíceis ideias obtidas das mais claras. Por exemplo, muitos exegetas con-
cordam que as sete taças ou pragas (cap. 16) são juízos de Deus sobre aqueles
que o rejeitaram. Pareceria razoável, portanto, esperar um tema similar nas sete
trombetas, um segmento em que há pouca concordância.

A fonte do Antigo Testamento


O próximo passo importante é determinar a que texto(s) do Antigo Testa-
mento João está aludindo.
Enquanto nos movemos para esta seção decisiva, o leitor é lembrado
da discussão anterior sobre a autoria divino-humana do Apocalipse. A im-
pressão deixada pelo livro é de visões celestiais escritas por alguém que 93
pesquisou cuidadosamente suas expressões nas Escrituras do Antigo Tes-
tamento. Sendo que João em Patmos talvez não tenha tido acesso ao An-
tigo Testamento, é possível que ele possa ter “pesquisado” sua memória ou
tivesse as alusões trazidas à sua mente diretamente por Deus.
Todavia, quer as alusões surgissem na mente de Deus quer na de João,
elas refletem a mente de Deus e a mente de João à qual Deus se revelou.
Como salientamos anteriormente, expressões tais como “o autor”, “o intento
de João” ou “o autor cita” não devem ser compreendidas como significan-
do que o livro de Apocalipse é meramente um produto humano. Tais ex-
pressões são apenas uma maneira conveniente de se referir à complexidade
da autoria divino-humana do livro em sua totalidade.
Torna-se cada vez mais evidente para aqueles que estudam em profundidade
o Apocalipse que as expressões do livro estão inteiramente saturadas da linguagem,
história e ideias do Antigo Testamento. Assim, é impossível compreender correta-
mente o Apocalipse se o seu antecedente veterotestamental não for levado a sério.
“Podemos dizer de uma forma geral, que até que tenhamos sucesso em expor
a fonte do Antigo Testamento para uma profecia apocalíptica, não temos inter-
pretado essa passagem” (KRAFT, 1974, v. 16a, p. 16).
Estudos selecionados em interpretação profética

Somente quando é compreendida a base ou antecedente do Antigo Testa-


mento se pode esperar que o Apocalipse revele segredos que podem ter sido
perfeitamente claros para o leitor do primeiro século (CORSINI, 1983, v. 5, p. 33;
HOYT, 1953, p. 1-2, 7; MOUBCE, 1977, v. 17, p. 39; TENNEY, 1957, p. 112). O
problema é como saber que texto(s) do Antigo Testamento João tinha em mente
quando ele escreveu (GUNDRY, 1967, p. 4-5; TENNEY, 1957, p. 101; TRUDIN-
GEN, 1963, p. 40; VOS, 1965, p. 18-19, 112). Contudo, o profeta jamais cita o An-
tigo Testamento; meramente alude a ele.13 O problema de identificar uma alusão
torna-se mais complicado quando descobrimos que em muitas ocasiões João
parece ter citado imprecisamente de memória (JOHNSON, 1896, p. 29; SMITH
JR., 1972, p. 61; TOY, 1884, p. xx), ou adaptado à linguagem do Antigo Testa-
mento para se ajustar à sua necessidade (COLLINS, 1984, p. 42; CORSINI, 1983,
v. 5, p. 32; FEED, 1965, p. 129; PERMAN, 1941, p. 53; PRESTON; HANSON,
1949, p. 35; STAGG, 1975, p. 333-334; STENDAHL, 1954, p. 159; VANHOYE,
1962, p. 461-472; VOS, 1965, p. 23-32). É também muito possível que ele tenha
usado uma tradição textual diferente da que temos à nossa disposição (NICOLE,
1940, p. 9-11; TENNEY, 1957; TRUDINGER, 1963, p. 17).
Para complicar as coisas ainda mais, o Antigo Testamento é escrito em uma
língua diferente da do Novo Testamento. Assim, expressões do Antigo Testamento
94 em hebraico são encontradas na “tradução grega” do Novo Testamento (NICOLE,
1940, p. 11-12). Simplificaria grandemente as coisas se o autor do Apocalipse sem-
pre tivesse citado da tradução grega do Antigo Testamento como a Septuaginta.
Mas estudos recentes têm mostrado que o Apocalipse diverge amplamente da Sep-
tuaginta. É muito possível que João fizesse sua tradução (CHARLES, 1920, v. 1, p.
lxvi) e às vezes se utilizasse de tradições textuais que nos são relativamente descon-
hecidas, tais como os targuns aramaicos e a tradição textual hebraica representada
em Qumran (TRUDINGER, 1966a, p. 82-88).
Assim, a busca de alusões não pode ser considerada cientificamente com-
pleta sem um exame muito mais amplo das fontes do Antigo Testamento do que
tem sido possível no passado.14 Felizmente, não é necessário identificar cada
alusão à Bíblia Hebraica a fim de responder ao Apocalipse (COLLINS, 1984,
p. 44, 48). No entanto, controles cuidadosos devem ser postos em prática se

13
  Contraste Apocalipse com o Evangelho de Mateus, que geralmente identifica a fonte de suas
citações do Antigo Testamento (Mt 2:17, 19; 33:3 etc) (VANHOYE, 1962, p. 436).
14
  Além da Sptuaginta, traduções gregas tais como Áquila, Símaco e Teodocião; Targuns Ar-
amaicos tais como Neofiti I e Pseudo-Jônatas sobre o Pentateuco, e as traduções massoréticas,
Qumran e Samaritana do hebraico deveriam ser consultadas.
Interpretando o

uma lista de analogias do Antigo Testamento ao Apocalipse deve ser digna de


alguma coisa (BLACK, 1976, p. 135). É interessante observar que dez impor-
tantes comentaristas sobre o livro de Apocalipse apresentam listas amplamente
divergentes de alusões ao Antigo Testamento no Apocalipse (ver PAULIEN,
1988, v. 11, p. 121-154). Isto demonstra que a tarefa não é fácil.
Duas espécies de alusões. Antes de esboçar um método para determinar a pre-
sença de uma alusão ao Antigo Testamento, devemos distinguir entre duas espécies
de alusões. Uma espécie assume a intenção do autor em apontar para o leitor uma
obra anterior como um meio de expandir os horizontes do leitor. A porção do texto
em estudo só pode ser compreendida à luz da alusão em seu contexto original.15
Uma alusão intencional como esta é chamada “alusão direta”.
O outro tipo de alusão, que chamaremos de “eco”, não depende da atenta con-
sciência de um uso literário anterior (HOLLANDER, 1981, p. 95). Muitas das figu-
ras literárias do Apocalipse eram incertas no ambiente em que João vivia (ALTICK,
1975, p. 94). Embora ele utilize um “símbolo vivo” mencionado em dezenas de lu-
gares do Antigo Testamento, ele não está necessariamente ciente de sua história.
Antes, ele extrai de um fundo comum de linguagem prontamente compreendido
por seus leitores (HEDRIK, 1971, p. 17; EZELL, 1977, p. 21).
Um eco está assim divorciado de seu contexto original. Enumerar passa-
gens do Antigo Testamento em que um eco é encontrado não é proveitoso. O 95
que importa é o significado básico do eco. Um bom exemplo de eco é a figura
de vegetação como um símbolo para o povo de Deus. Usado com tal regulari-
dade parece ter atingido um significado fixo nos tempos do Antigo Testamento
(compare Sl 1:3; Is 5:1-7; Jr 2:21 com Ap 8:7; 9:4). Isto de modo algum exclui,
porém, a possibilidade de que um eco de significado bastante fixo pudesse ser
aplicado diferentemente em diferentes contextos.16
Resumindo, referências alusivas ao Antigo Testamento podem entrar no
Apocalipse de duas maneiras. João pode usar uma fonte do Antigo Testa-
mento direta e conscientemente tendo em mente o seu contexto original. Tal
alusão é “vontade de ser” (BAKER, 1984, p. 7-8). João está plenamente con-
sciente da fonte bem como sua relevância para sua composição. Ele admite

15
  Note as palavras de John Hollander (1981, p. 95) em seu The figure of Echo: A Mode of Allusion
in Milton and After: “O texto ao qual se faz referência não está totalmente ausente, mas é parte da
biblioteca portátil partilhada pelo autor e sua audiência ideal. A intenção de aludir reconhecida-
mente é esencial para o conceito.”
16
  Contraste Apocalipse 7:1-3 e 9:4, onde os vegetais são protegidos dos juízos divinos por uma
marca, com Ap 8:7, onde a vegetação é destruída pelos juízos divinos.
Estudos selecionados em interpretação profética

o conhecimento do leitor tanto da fonte quanto da intenção do autor em


recorrer àquela fonte (HOLLANDER, 1981, p. 106).
Por outro lado, o profeta pode “ecoar” ideias do Antigo Testamento, cuja
origem não o preocupa. Em um eco ele não aponta ao leitor uma fonte de fun-
do específico; meramente utiliza um “símbolo vivo” que geralmente será com-
preendido por seus leitores contemporâneos.
A distinção entre alusões diretas e ecos é muito significativa para o estudo
do Apocalipse. Deixando de fazer esta distinção, os comentaristas às vezes têm
interpretado ecos como se o autor tivesse a intenção de que seu leitor incorpo-
rasse o contexto de uma fonte em sua compreensão do Apocalipse. A distinção
entre alusões e ecos realmente exigem duas diferentes abordagens à interpre-
tação, dependendo da natureza da relação do autor com uma fonte específica
em uma determinada passagem (ALTICK, 1975, p. 95-96).
Alusões diretas. A presença de uma alusão direta requer que o intérprete as-
socie o material à sua fonte (HOLLANDER, 1981, p. 106). João assume que a fonte
de literatura é conhecida e que o leitor pode extrair ideias do contexto da fonte que
melhorem sua compreensão da profecia do Apocalipse. Mas a fim de lidar adequ-
adamente com alusões diretas é necessário identificar corretamente suas fontes.
O procedimento para a identificação de alusões diretas opera por um pro-
96 cesso de eliminação. Analogias sugeridas podem ser recolhidas de comentários,
referências marginais e listas de alusões ao Antigo Testamento. Estas são en-
tão examinadas para ver se satisfazem um ou mais dos três critérios para uma
alusão direta (veja abaixo). Quanto mais critérios uma referência satisfaz, mais
provável é que João tinha em mente essa passagem específica do Antigo Testa-
mento quando escreveu essa porção do Apocalipse.
Os três critérios são os seguintes:
1. Paralelos verbais. O termo “citação” não está claramente definido na litera-
tura (TRUDINGER, 1963, p. 12-15; 1966b). Todavia, uma boa definição é dada por
Trudinger (1966a, p. 82): “Alguém pode dizer que está citando quando usa combi-
nações de palavras de uma forma em que não poderia usá-las se não fosse por um
conhecimento de sua ocorrência nesta forma específica em outra fonte.”
Por esta definição é evidente que o termo “citação” só pode raramente, se algu-
ma vez, ser aplicado ao uso do Antigo Testamento pelo profeta. Apenas ocasional-
mente João usa mais de três ou quatro palavras na mesma sequência em que elas são
encontradas no Antigo Testamento (TENNEY, 1957, p. 101). Assim, os paralelos
verbais podem ser compreendidos em um sentido mais amplo do que as citações.
Um paralelo verbal, portanto, é definido como ocorrendo sempre que pelo
menos duas palavras de mais do que menor significado (artigos, preposições e
Interpretando o

conjunções menores são normalmente excluídos) são paralelas entre uma pas-
sagem do Apocalipse e uma passagem da Septuaginta ou de outra versão do
primeiro século d.C.17 Estas duas importantes palavras podem ser acopladas em
uma frase, ou podem até mesmo ser separadas — desde que estejam em clara
relação entre si em ambas as passagens do paralelo sugerido.
Os paralelos verbais são descobertos colocando-se o texto de Apocalipse lado a
lado com o texto-fonte em potencial. O fraseado que é exato ou semelhante é enfati-
zado, e a relação em potencial entre as passagens é avaliada em uma base preliminar.
Um bom exemplo de paralelo verbal é encontrado em Apocalipse 9:2: “E a fu-
maça do poço subiu como a fumaça de uma grande fornalha” (tradução do autor).
Isto tem uma notável semelhança com o fraseado de Êxodo 19:18 na Septuaginta.18
Um exemplo de um paralelo verbal onde duas palavras-chave não estão ligadas
gramaticalmente pode ser visto comparando-se Apocalipse 9:2 com Gênesis 1:2.19
Quanto mais palavras importantes que são encontradas em comum, maior a proba-
bilidade de que uma alusão direta esteja presente. Uma alusão direta não deve ser
assumida com todo paralelo verbal; a observação de fraseado comum é apenas
parte do processo de acumular evidência para uma alusão direta.
2. Paralelos temáticos. Muitas vezes o profeta claramente tem em mente
uma passagem do Antigo Testamento, mas usa uma diferente palavra grega da
Septuaginta, ou usa apenas uma simples palavra para fazer a conexão. Isto não 97
deve surpreender. As alusões por sua própria natureza não são obrigadas a
reproduzir o fraseado preciso do original (VOS, 1965, p. 112). Podem envolver
ideias bem como fraseado, e incluir semelhança de tema e deliberado contraste
(BAKER, 1984, p. 10; TENNEY, 1957, p. 101). Tais paralelos de uma só palavra
são distinguidos dos “ecos” em que há uma evidente relação temática entre os
contextos em que as palavras paralelas são encontradas.
Os paralelos temáticos podem ser encontrados não somente pela com-
paração com a Septuaginta, mas também comparando-se o intento do gre-
go do Apocalipse com o hebraico e o aramaico do Antigo Testamento (ver

17
  As versões existents na Héxapla de Origenes (FIELD, 1964) provavelmente reflete ao menos
algumas versões correntes quando o Apocalipse foi escrito. Os paralelos verbais não operam na
tradução a menos que a transliteração esteja envolvida. Exemplo: “Messias” é claramente um
paralelo verbal do hebraico meshiach.
18
  Ap 9:2, kai anebē kapnos ek tou phreatos ōs kapnos kaminou megalēs; Êx 19:18 na LXX, kai
anebainen ho kapnos, hōsei kapnos kaminou.
19
  As conexões principais são os termos “trevas” (substantivo, skotos; verbo, skotoō) e “abismo”
(abussos). Gn 1:2, LXX, kai skotos, epanō tēs abussou [...] Ap 9:2, kai ēnoixen to phrear tēs abussou
[...] kai eskotōthē ho hēlios kai ho aēr.
Estudos selecionados em interpretação profética

MCNAMARA, 1978, v. 27a; TRUDINGER, 1966a). Tais equivalentes greco-


semíticos são colocados em uma categoria separada por causa do maior
nível de incerteza quanto à intenção do autor.
Um exemplo de paralelo temático é dado por Tenney (1957, p. 102). Ele
nota que embora o termo “todo-poderoso” ocorra muitas vezes no Antigo
Testamento, somente em Amós 4:13 (LXX) ele é usado em um contexto que
é paralelo a Apocalipse 1:8. O conceito de contextos paralelos provê uma
salvaguarda conta a seleção indiscriminada.
Outro paralelo temático pode ser encontrado comparando-se Apocalipse
9:4 e Ezequiel 9:4. Em ambos os casos é colocado um sinal na testa com a finali-
dade de proteção contra os juízos divinos. As duas passagens são claramente pa-
ralelas, embora seja usada uma palavra grega diferente para “marca”.20 Contudo,
não se deve supor automaticamente apenas deste paralelo que o revelador está
apontando para Ezequiel 9:4. Mas a observação deste tema semelhante é parte
do processo de acumular evidência para determinar a intenção de João.
3. Paralelos estruturais. Às vezes o profeta de Apocalipse usa o Antigo Testa-
mento construindo sobre a estrutura literária ou teológica de seções inteiras sem
necessariamente seguir o fraseado exato (BEALE, 1984, p. 307; HEDRIK, 1971, p.
17; VANHOYE, 1962, p. 440-441).21 Ocorre um paralelo estrutural quando João
98 modela uma determinada passagem em um texto do Antigo Testamento, utilizando
sua linguagem e temas em aproximadamente a mesma ordem.
Um bom exemplo de tal paralelo estrutural pode ser visto comparando-se
Apocalipse 9:1-11 com Joel 2:1-11. Note que ambas as passagens começam com um
toque de trombeta, mencionam trevas, um exército de gafanhotos, uma descrição
daquele exército e finalmente uma referência ao líder daquele exército. Outros pa-
ralelos entre as duas passagens incluem a ansiedade daqueles que são afligidos pelo
exército de gafanhotos, o escurecimento do sol e um ruído de carros.22

20
  Ez 9:4, LXX, semeiōn; Ap 9:4, sphragida.
21
  Este critério inclui o que Morton Smith (p. 78, 115) chama “paralelos de forma literária” e “pa-
ralelos em tipos de associação”. Lars Hartman (1966, p. 126, 95, 118, 137) parece estar sugerindo algo
semelhante ao meu conceito de “paralelo estrutural” em seu uso da frase “padrões de pensamento”. Ele
também observa que Zc 12:2-4 provê a “estrutura” para 1 Enoque 56:5-8 (HARTMAN, 1966, p. 89).
22
  Outros exemplos de paralelos na estrutura literária podem ser vistos comparando-se Apoc-
alipse 1:12-18 com Daniel 7:9-13, e Daniel 10; Apocalipse 13 com Daniel 3 e 7; Apocalipse 18 com
Ezequiel 26-28; e Apocalipse 19:11-16 com Isaías 63:1-6. Alguns até mesmo sugerem que todo
o livro de Apocalipse está estruturado para se assemelhar ao livro de Ezequiel (ver GOULDER,
1981, p. 343-50; VANHOYE, 1962, p. 436-76).
Interpretando o

Os paralelos estruturais não estão limitados às passagens paralelas. Às vezes


eles ocorrem em relação com estruturas históricas ou teológicas mais amplas
que vão além de passagens específicas do Antigo Testamento. Por exemplo, as
sete trombetas bem como as sete últimas pragas de Apocalipse são inquestiona-
velmente paralelas às pragas de Êxodo descritas explicitamente em Êxodo 7–12
e outras porções do Antigo Testamento (Sl 78, 105, 135, 136) e implicitamente
em uma multidão de referências nos profetas. Os relatos veterotestamentais da
Criação, da queda de Babilônia e da conquista de Jericó são vistos como estando
na base do material das sete trombetas.
O que está acima pode parecer semelhante aos paralelos temáticos, mas ali
há uma sutil e importante diferença. Um paralelo temático está limitado a uma
ideia específica em Apocalipse que tem um antecessor em potencial em uma
passagem específica do Antigo Testamento. Juntamente com os paralelos ver-
bais, os paralelos temáticos constituem os básicos blocos de construção pelos
quais podem ser tomadas decisões concernentes à influência.
Contrastando, os paralelos estruturais ocorrem se uma seção de Apocalipse
baseia-se ou em um antecessor literário (como Joel 2:1-11 para Apocalipse 9:1-
11) ou em uma grande estrutura teológica como o tema de Êxodo. Tais paralelos
estruturais normalmente compreendem vários paralelos verbais e/ou temáticos.
Resumo de critérios. A fim de se qualificar como uma alusão direta ao An- 99
tigo Testamento, uma palavra ou frase de Apocalipse deve satisfazer no mínimo
um dos critérios acima. Muitos satisfarão mais do que um.
Dos três, os paralelos verbais são frequentemente o critério mais fraco. Seu
valor como evidência aumenta, porém, quando as várias palavras paralelas au-
mentam e ao ponto em que as palavras paralelas são ordenadas de um modo
semelhante em ambas as passagens. Sendo que os paralelos estruturais consis-
tem de vários paralelos verbais e temáticos integrados, eles normalmente con-
stituem a mais forte evidência para uma alusão direta.
Quanto mais critérios uma alusão direta específica se ajusta, mais certo é que o
autor conscientemente moldou sua passagem tendo em mente o contexto do An-
tigo Testamento (DODD, 1952, p. 126). A certeza é também afetada pelas várias
passagens da literatura anterior em que palavras, conceitos e estruturas específicas
são encontrados. Quando determinado paralelo é singular em literatura anterior, a
probabilidade de que João está dirigindo nossa atenção àquela passagem específica
é correspondentemente aumentada (HARTMAN, 1966, p. 85, 115).
Estudos selecionados em interpretação profética

Classificação de alusões diretas


Nossa lista de alusões diretas ao Antigo Testamento em Apocalipse são ap-
enas probabilidades. Aquele que cria a lista de alusões deve, portanto, indicar o
nível de incerteza envolvido e, onde possível, as razões para essa incerteza.
As alusões em potencial podem ser classificadas em cinco categorias de
probabilidade: alusões certas, alusões prováveis, alusões possíveis, alusões in-
certas, e não alusões.
Alusões certas. Estas existem quando a evidência para dependência é tão deci-
siva que o intérprete está certo ou praticamente certo de que João estava apontando
para um texto antecedente. Um exemplo de alusão certa é a referência à sétima
praga do Egito na primeira trombeta (cf. Êx 9:23-26; Ap 8:7). As pragas do Êxodo
são um paralelo estrutural subjacente às sete trombetas como um todo.
Assim, esperaríamos que João refletisse pragas específicas em vários pon-
tos da narrativa. A ação tanto da primeira trombeta quanto da sétima praga
se origina no Céu, envolve uma mistura de saraiva e fogo caindo sobre a Terra,
e resulta em destruição para a vegetação da Terra. Há também um paralelo
temático: ambos os lances são juízos divinos sobre aqueles que se opõem a Deus
e ao seu povo. Esta afluência de evidência leva esta alusão direta a um alto nível
de certeza que é raro em Apocalipse.
100 Alusões prováveis. Essa classificação é atribuída a uma passagem quando
a evidência de sua relação é considerável, mas fica aquém da certeza absoluta.
Um exemplo de alusão provável é a relação entre a primeira trombeta e Ezequiel
38:22. Os paralelos verbais e temáticos são virtualmente tão extensos como é o
caso com Êxodo 9:23-26. Não somente isso, mas a combinação de saraiva, fogo
e sangue que está sendo usada em juízo é exclusiva para Ezequiel 38.
Todavia, as sete trombetas são uma porção do Apocalipse que tem
apenas referências mínimas a Ezequiel, de sorte que o paralelo estrutural está
ausente. Assim, existe incerteza suficiente no tocante a essa alusão direta para
levá-la a ser classificada como “provável” em vez de “certa”. Contudo, sendo
que as alusões tanto certas quanto prováveis são consideradas suscetíveis de ter
estado na mente do revelador quando ele escreveu, o intérprete deve levar em
consideração o contexto original do texto de origem na interpretação da pas-
sagem de Apocalipse que contém a alusão.
Alusões possíveis. Em uma alusão possível, há evidência suficiente para in-
dicar que João pode ter estado fazendo uma alusão direta à passagem do Antigo
Testamento, mas não suficiente para ser razoavelmente certa. Um exemplo de
uma alusão possível é a relação entre a primeira trombeta e Isaías 30:30.
Interpretando o

Em Isaías 30:30, fogo e saraiva são derramados como juízos sobre os as-
sírios. Contudo, embora a primeira trombeta contenha um paralelo verbal e
um paralelo temático a Isaías 30:30, não se pode falar em nenhum paralelo
estrutural, e os outros paralelos são relativamente fracos. Assim, é possível que
João tivesse em mente essa passagem do Antigo Testamento quando escreveu a
primeira trombeta, mas não há suficiente evidência para uma certeza razoável.
Tal paralelo pode ser instrutivo para o intérprete, mas nunca deve ser usado
como a única evidência para uma interpretação.
Alusões incertas. Estas parecem ter algumas ideias paralelas, mas as alusões
são muito fracas. Entretanto, o intérprete não pode conclusivamente negar que
elas são alusões diretas.
Na margem da vigésima-sexta edição do Novo Testamento Grego de
Nestle-Aland, Ezequiel 5:12 está enumerado como paralelo para a primeira
trombeta. A ausência de paralelos verbais e temáticos indica que é incerto
que João aqui tivesse especificamente em mente Ezequiel 5:12, embora a
expressão “terça parte” esteja presente em ambas as passagens. Mas se o con-
ceito de uma “terça” foi extraído do Antigo Testamento, foi provavelmente
baseado em Ezequiel 5:1-4 ou Zacarias 13:8-9 em vez de nessa passagem.23
O contexto de uma alusão incerta não deve ser usado na interpretação do
Apocalipse, mas pode ser uma fonte para definir um ou mais “ecos”. 101
Não alusões. A categoria de “não alusão” é relevante somente quando se
avalia as listas de alusões sugeridas. Depois de examinar, o intérprete conclui
que não há nenhuma evidência de que o autor tinha em vista um paralelo en-
tre os dois textos. Eugen Hühn, por exemplo, achava que a primeira trombeta
fazia referência a Isaías 2:13, em que árvores são usadas como um símbolo do
soberbo e altivo a quem Deus humilhará (HÜHN, 1900, p. 247). A ausência de
um paralelo verbal no grego, e de quaisquer paralelos temáticos ou estruturais,
nega a esse paralelo sugerido a condição de uma alusão direta. A definição de
árvores por Isaías, porém, pode ser “ecoada” por João na primeira trombeta.
A conclusão de tal estudo deve, é claro, permanecer um tanto experimental. Mas
não é necessário traçar cada paralelo ao Antigo Testamento a fim de compreender
a mensagem básica do livro (COLLINS, 1984, 44, 48). Conquanto o intérprete deva
ser receptivo a nova evidência que possa levar paralelos específicos a serem reavali-
ados de vez em quando, o procedimento acima coloca em uma base mais objetiva a
interpretação de alusões diretas ao Antigo Testamento em Apocalipse.

23
  Ezequiel 5:12 poderia concebivelmente ser relacionado com 5:1-4, que é uma provável alusão,
mas isto não acrescentaria nada à nossa compreensão da primeira trombeta.
Estudos selecionados em interpretação profética

O Novo Testamento
Já temos notado que o livro de Apocalipse é um livro cristão e está repleto de
uma multidão de paralelos a outros livros do Novo Testamento. O que temos no
Apocalipse é uma declaração de Jesus em “muitas, muitas telas” (SCHMIDT, 1947, p.
177). Como um verdadeiro resumo da mensagem do Novo Testamento, ele é com
razão colocado no final do cânon neotestamentário (HALVER, 1964, v. 32, p. 58).
Traçar paralelos de ambos os Testamentos sugere que o livro de Apocalipse é
praticamente uma declaração sumária dos temas de toda a Bíblia (MOLATT, 1984,
p. 30). Um estudioso chama o Apocalipse de “o final da sinfonia bíblica” (MOLATT,
1984, p. 30). Outro declara: “Neste livro todos os outros livros da Bíblia terminam e
se encontram” (JAMIESON; FAUSSET; BROWN, 1961, p. 1526).24
Portanto, o autor do Apocalipse não usa a linguagem e ideias do Antigo Testa-
mento de um modo insipidamente literal (VOS, 1965, p. 36-40). O significado sug-
erido pelas alusões ao Antigo Testamento para os símbolos do Apocalipse deve ser
visto à luz do evento Cristo (EZELL, 1977, p. 23; FORD, 1982, p. 98; KRAFT, 1974, v.
16a, p. 85; LESTRINGANT, 1942, 152). A vitória de Jesus Cristo é o novo princípio
organizador da história no Apocalipse (SCHLIER, 1964, p. 361).
É claro que sua experiência com Jesus e a inspiração do Espírito Santo (1:10)
levou João a cristianizar os materiais do Antigo Testamento com os quais ele es-
102 tava trabalhando (BARR, 1984, p. 42). Assim, nós também devemos interpretar
esses conceitos através do prisma do evento-Cristo (EZELL, 1977, p. 23; FORD,
1982, p. 98). A melhor maneira de fazer isto é procurar paralelos do Novo Tes-
tamento para as expressões do Antigo Testamento no livro de Apocalipse. Este
processo pode ocorrer por meio do mesmo método usado para determinar
alusões ao Antigo Testamento no Apocalipse.
Os escritores do Novo Testamento compreendiam a Cristo como cumpri-
mento do intento básico do Antigo Testamento.25 Isto é verdade não apenas de
escolhidas profecias messiânicas, mas de todo o espectro da história do Antigo
Testamento. Jesus é a nova criação (2Co 5:17), nascido por meio do Espírito que
envolve Maria (cf. Lc 1:35 com Gn 1:2). Ele é o novo Adão (Rm 5 e 1Co 15);
feito à imagem de Deus (2Co 4:4; Cl 1:15), casado com uma nova Eva (Ef 5:32-
33 — a igreja), e em pleno domínio sobre a Terra (Jo 6:16-21), sobre os peixes
do mar (Lc 5:1-11; Jo 21), e sobre todos os seres vivos (Mc 11:2).

24
  Note a aprovação de Ellen G. White (2007, p. 585) a esta declaração em Atos dos Apóstolos
(paralelo verbal e temático!).
25
  João 5:39-40; Lucas 24:25-27, 44-47. Um escelente estudo partindo de uma perspectiva ad-
ventista é Hans K. LaRondelle (1983).
Interpretando o

Jesus Cristo é um novo Moisés (Jo 5:45-47), que é ameaçado em seu nas-
cimento por um rei hostil (Mt 2), passa 40 dias jejuando no deserto, impera
sobre 12 e ordena 70, dá a lei de um alto monte (Mt 5:1-2), alimenta seu
povo com o pão do céu (Jo 6:28-35) e ascende ao Céu depois da ressurreição.
Ele é o novo Israel, que sai do Egito (Mt 2), passa pelas águas (Mt 3:13-17),
é levado pelo Espírito ao deserto, passa pelas águas uma segunda vez (Lc
12:50 — batismo na cruz) e entra na Canaã celestial.
Tais exemplos poderiam ser multiplicados. No Novo Testamento, Jesus é o novo
Isaque, o novo Davi, o novo Salomão, o novo Eliseu, o novo Josué e o novo Ciro. Os
escritores do Novo Testamento veem a vida, morte e ressurreição de Jesus como
cumprindo toda a experiência do povo de Deus desde Adão até João Batista.
Como deveria o cristão se relacionar com esta história? Cumprindo todo
o Antigo Testamento em Sua própria experiência, Jesus estava atualizando essa
experiência para todos os que estão “nEle”. NEle o crente se torna um verdadei-
ro israelita (Gl 3:29; At 13:32-33; 2Co 1:20) quando confessa que Jesus é o Mes-
sias (Jo 1:47-50), Aquele que deveria realizar as esperanças de Israel. Assim todo
o Antigo Testamento torna-se relevante para a experiência do cristão. Quem
crê em Cristo é parte de um novo Israel (LARONDELLE, 1983, p. 121). “Não
há nenhuma mudança na fraseologia empregada no Novo Testamento, mas há
positivamente uma mudança concernente ao povo a quem essas profecias e des- 103
ignações agora se aplicam. No Novo Testamento, fala-se da igreja na linguagem
empregada no Antigo Testamento concernente a Israel” (WERE, 1977, p. 30).
A transferêndcia do Novo Testamento do termo “Israel” da nação judaica
para a igreja tem um profundo impacto sobre a maneira como a história e a pro-
fecia do Antigo Testamento é colocada a serviço da igreja. O Novo Testamento
universaliza as promessas da aliança (PAULIEN, 1984, p. 375). Israel não deve
ser mais visto em termos étnicos ou geográficos (1Pe 2:4-10; Tg 1:1). O Shekiná
é visto na reunião daqueles que creem em Jesus (Mt 18:20). O verdadeiro temp-
lo na Terra é espiritual e mundial, modelado segundo o verdadeiro tabernáculo
dos lugares celestiais (2Co 6:14-18; Gl 4:26; Hb 8:1-2). Babilônia e Egito são
também espiritualizados e representam os inimigos da igreja.
Assim, as imagens do Antigo Testamento não devem ser insipidamente apli-
cadas ao livro de Apocalipse. Como os autores do Novo Testamento, João está
plenamente cônscio do impacto do evento Cristo sobre as realidades espirituais.
A menos que o significado de Jesus Cristo e a cruz sejam deixados a permear os
Estudos selecionados em interpretação profética

símbolos do Apocalipse, a interpretação resultante não será cristã, não importa


quão frequentemente Cristo possa ser nomeado em sua explicação.26

Considerações finais
Por causa das limitações de espaço, este capítulo é demasiado breve para
mostrar todas as implicações de um método exegético para o estudo do Apoc-
alipse. Assim, os aspectos do método que poderiam ser pertinentes para o espe-
cialista foram deixados de lado. Aqueles que gostariam de explorar em profun-
didade os problemas envolvidos na aplicação do método para as complexidades
das línguas originais seriam aconselhados a examinar o meu livro mais técnico
sobre o assunto (ver PAULIEN, 1988, v. 11).
O método não pode ser aprendido pela mera leitura deste capítulo. Deve
ser descoberto em experiência interativa com o texto. Quanto mais tempo se
gasta examinando os paralelos verbais, temáticos e estruturais, mais se tem a
sensação da dinâmica envolvida no uso da linguagem pelo autor.
Para examinar onde o autor está fazendo uma alusão direta, temos de
lidar com probabilidades. Onde não temos certeza se João está fazendo uma
alusão direta, seria melhor deixar o contexto do Antigo Testamento fora da
104 discussão deste texto específico do Apocalipse.
Embora não seja irrazoável, não é^historicamente certo^que^o^autor^do
Apocalipse tivesse acesso a qualquer dos documentos do Novo Testamento. Seu con-
hecimento do ensino do Novo Testamento pode ter vindo através de experiência di-
reta com Cristo, com a tradição oral e/ou documentos agora perdidos para a história.
Assim, é geralmente mais seguro admitir que João se baseia em uma tradição comu-
mente compreendida do que em documentos específicos do Novo Testamento.
Sem dúvida, o não especialista que ler este capítulo se sentirá desanimado acerca
das possibilidades de usar tal método. Com pouca experiência na prática da exegese,
pouca ou nenhuma experiência da apocalíptica judaica ou do ambiente cultural da
Ásia Menor do primeiro século, nenhum conhecimento do grego, hebraico, ou ara-
maico, muitos leitores serão tentados a levantar as mãos em desespero.
Felizmente, embora esse conhecimento e habilidades sejam extremamente
proveitosos, eles são raramente decisivos para a interpretação do livro de Apoc-
alipse. Por exemplo, a vasta maioria de alusões ao Antigo Testamento no livro de
Apocalipse é claramente evidente até mesmo nas traduções em nosso idioma. As

26
  Uma excelente aplicação deste princípio pode ser encontrada em Hans K. LaRondelle (1987,
p. 108-145).
Interpretando o

imagens apocalípticas são certamente estranhas, mas para aqueles que estão famil-
iarizados com o Antigo Testamento, o livro perde bastante de sua estranheza.
Deve-se admitir, é claro, que as habilidades acadêmicas e o preparo do especial-
ista podem salvaguardá-lo de opiniões falhas baseadas em informação inadequada.
Todavia, indivíduos não familiarizados com as línguas originais ou com antigos
materiais básicos podem contribuir grandemente para o contínuo crescimento da
igreja nesta área pela aplicação de outras salvaguardas como as seguintes:
1. Em todas as oportunidades para o estudo, o estudante do Apocalipse deve
orar fervorosamente por uma atitude de aprendizagem e uma abertura à di-
reção do Espírito Santo. Sem oração e a iluminação do Espírito Santo, a obra até
mesmo do mais excelente erudito pode sutilmente se desviar. A intenção divina
não é controlada por mentes seculares. O testemunho unido das Escrituras é
que os “pensamentos [de Deus] não são os vossos pensamentos” (Is 55:8) e as
coisas espirituais “se discernem espiritualmente” (1Co 2:14).
2. O uso de várias traduções pode proteger o estudo da Bíblia da aberração
ocasional introduzida por tradução defeituosa ou por erros na transmissão
manuscrita. Estas podem ser complementadas pelo uso de uma concordância
analítica, como a de Strong ou de Young, que levará o estudante de volta ao fra-
seado original sem a necessidade de aprender um alfabeto desconhecido.
3. A maior parte de um período de estudo da Bíblia deve ser gasta nas seções 105
das Escrituras que são razoavelmente claras. É através de passagens claras das Es-
crituras que as passagens obscuras, tais como os selos e as trombetas do Apocalipse,
podem ser compreendidas mais exatamente. A fascinação excessiva por textos e as-
suntos problemáticos pode resultar em distorção gradual da compreensão, levando
a opiniões estreitas e frequentemente fanáticas que dividirão a igreja.
4. Os resultados do estudo detalhado, como pesquisas de concordância e análise
de alusões, devem ser comparados com muita leitura geral das Escrituras para que a
obsessão com detalhes não desvie ninguém da ênfase central da passagem que está
sendo estudada. É possível provar quase tudo com uma concordância. Este perigo é
minimizado, porém, quando cada passagem é compreendida à luz de muita leitura
geral das Escrituras no contexto, preferivelmente em uma tradução clara e atual-
izada onde o contexto mais amplo pode ser visto a surgir.
5. Os métodos eficientes devem ser aplicados às contribuições que Ellen
White oferece para a compreensão de textos difíceis.27 Muito dano pode ser feito
quando sua autoridade na igreja é usada de uma maneira irregular, resultando

27
  Veja neste volume, capítulo 7, “Uso de Daniel e Apocalipse por Ellen G. White”, e capítulo 8,
“O uso dos escritos de Ellen G. White pelo intérprete”.
Estudos selecionados em interpretação profética

em uma distorção da intenção do escritor das Escrituras. Corretamente com-


preendida, a inspiração se harmoniza consigo mesma. Os princípios 3 e 4 acima
se aplicam também aos escritos do Espírito de Profecia.
6. É prudente que os intérpretes individuais estejam abertos às críticas
construtivas de seus colegas, principalmente daqueles que discordam deles.
Aqueles que discordam de nós frequentemente podem apontar para reali-
dades no texto que temos omitido por causa de nossas estreitas perspectivas.
Tal crítica é particularmente valiosa quando vem de indivíduos que são do-
tados de capacidade invulgar e/ou com recursos, como o conhecimento das
línguas originais, que pode ajudar na exegese.
Concluindo, a tarefa delineada neste capítulo não é fácil, mas é emocion-
ante. Por meio de uma cuidadosa aplicação do método, os estudantes da Bíblia
podem obter uma compreensão mais profunda da mensagem do Apocalipse.
Ao serem tais percepções partilhadas dentro do corpo da igreja, correção mútua
pode ocorrer. Juntos, podemos crescer em nossa compreensão do Apocalipse e
caminhar em direção daquele grande reavivamento prometido.28

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28
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que este livro [Apocalipse] para nós significa, será visto entre nós grande reavivamento.”
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111
Estudos selecionados em interpretação profética

112
Tipologia do santuário
5
Richard M. Davidson

Esboço do capítulo
1. Tipologia Bíblica
2. Compreendendo a tipologia do Santuário
em Apocalipse
3. Tipologia do Santuário no arranjo literário
4. Considerações finais
5. Gráficos 1-4

Sinopse editorial. Até mesmo


uma leitura casual das Escrituras
revela que Deus fala ao seu povo
em uma variedade de maneiras.
Tipologia é um dos métodos pelos
quais o Espírito Santo explicou de
uma maneira concreta ou gráfica as
várias facetas da verdade espiritual.
A mente apreende a representação
simbólica mais prontamente do
que o faz com o raciocínio abstrato.
Neste capítulo, o escritor define a
tipologia bíblica como “prefigu-
rações divinamente designadas (na
forma de pessoas/eventos/institu-
ições) que apontam para o seu cum-
primento antitípico em Cristo e nas
realidades do evangelho produzidas
Estudos selecionados em interpretação profética

por Cristo”. Uma porção significativa das Escrituras repousa sobre esta sube-
strutura tipológica do Antigo Testamento e o cumprimento neotestamentário.
O culto israelita centralizava-se nos ritos e festividades do sistema do templo-san-
tuário. Mais do que ritual, porém, o sistema em si compunha uma integrada tipologia
que prefigurava o evento Cristo e a completa realização do plano da salvação.
O Novo Testamento reconhece um triplo cumprimento de todos os tipos
do Antigo Testamento — inclusive o da instituição do santuário. Assim, a
tipologia do santuário encontra no Novo Testamento (1) um cumprimento
cristológico — em que Cristo é percebido como o verdadeiro templo (Jo 1:14;
2:21); (2) um cumprimento eclesiológico — em que a igreja é compreendida
como o templo de Deus (1Co 3:16, 17; 2Co 6:16); e (3) um cumprimento
apocalíptico — em que Cristo ministra os méritos do Seu sacrifício por nós
no antitípico santuário celestial, na presença de Deus, um ministério que
conclui com o julgamento final (Hb 8:1, 2; 9:24; Ap 3:5).
Não é de surpreender, portanto, descobrir que as visões de João das re-
alidades celestiais centralizam-se no templo-santuário celestial. O enfoque
nesse santuário como o local de toda a atividade divina redentora é parte
integrante do arranjo literário do Apocalipse. Cada uma das suas grandes
sequências visionárias (quer seja sete ou oito, os eruditos diferem quanto ao
114 número) se inicia com um cenário do templo-santuário celestial que afeta a
interpretação da profecia subsequente.
O Apocalipse apresenta progressões lineares e recapitulação. Embora as sequên-
cias individuais — tais como igrejas, selos e trombetas — sigam um movimento de
recapitulação (como as quatro visões de Daniel), as cenas introdutórias do templo-
santuário parecem aludir aos importantes temas do santuário de uma maneira linear.
Duas progressões têm sido identificadas: (1) temas ligados ao ciclo anual de festivi-
dades são mencionados em sua sequência normal do calendário: Páscoa/Festa dos
Pães Asmos, Pentecostes, Trombetas, Dia da Expiação e Festa dos Tabernáculos; e (2)
temas ligados ao serviço sacerdotal são também mencionados em sua sucessão natu-
ral do ministério diário (tamîd) e do ministério anual (Dia da Expiação) do juízo final.
Estas descrições da tipologia do santuário elucidam o duplo e antitípico ministério
sumo sacerdotal de Cristo no templo-santuário celestial.
Assim, a tipologia do santuário no livro de Apocalipse oferece uma
importante chave para a interpretação integral de suas mensagens para a
igreja, e especialmente no fim dos tempos.
Tipologia do santuário

Tipologia bíblica

Introdução
Em anos recentes, vários estudiosos têm ressaltado a importância da
tipologia para os escritores do Novo Testamento. O gráfico 1 exemplifica
algumas dessas modernas avaliações e resumos comparando as duas prin-
cipais opiniões de tipologia bíblica que têm disputado a atenção no mundo
erudito: a tradicional e a “pós-crítica”.1
Em minha tese publicada, procurei determinar a verdadeira natureza da tipo-
logia bíblica. Suas características básicas surgiram de uma análise de passagens es-
criturísticas representativas. Estas eram claramente tipológicas porque os escritores
da Bíblia empregaram os termos hermenêuticos tupos (tipo) ou antitupos (antítipo)
(DAVIDSON, 1981, v. 2). Os seguintes elementos básicos têm consistentemente
surgido desse estudo (ver DAVIDSON, 1981, v. 2; 1984, p. 16-19, 30).

Elementos básicos
Elemento histórico. O elemento histórico salienta o fato de que a tipologia
está arraigada na história. Três aspectos decisivos estão envolvidos. (1) O tipo
e o antítipo são realidades históricas cuja historicidade é assumida e é essencial 115
para o argumento tipológico. Por exemplo, personagens históricas (Adão e out-
ros), eventos (Êxodo, Dilúvio) ou instituições (santuário) são usados como pre-
figurações. (2) Seus antítipos no Novo Testamento são igualmente realidades
históricas. Há uma correspondência histórica entre tipo e antítipo que vai além
de situações paralelas gerais para detalhes específicos correspondentes. (3) Há
uma escalada ou intensificação do tipo para o antítipo.
Elemento profético. O aspecto profético da tipologia bíblica envolve três pon-
tos essenciais: (1) O tipo do Antigo Testamento é uma apresentação antecipada ou
prefiguração do correspondente antítipo do Novo Testamento. (2) O tipo é divina-
mente designado para prefigurar o antítipo do Novo Testamento. (3) Há uma quali-
dade de dever-necessidade acerca do tipo do Antigo Testamento, dando-lhe a força
de um prenúncio preditivo do cumprimento no Novo Testamento. Por exemplo,
Adão é visto como um tipo dAquele “que havia de vir” (Rm 5:14).
Elemento escatológico (do fim dos tempos). Este elemento da tipologia
esclarece ainda mais a natureza da correspondência e intensificação profética

1
  Para discussão mais detalhada do material deste gráfico (com referências bibliográficas para
citações), veja Richard M. Davidson (2009, p. 125-128).
Estudos selecionados em interpretação profética

entre tipo e antítipo. As realidades do Antigo Testamento não estão apenas li-
gadas a quaisquer realidades semelhantes, mas a um cumprimento do fim dos
tempos. Três possíveis espécies de cumprimento escatológico podem ser vistas
sob este tópico: (1) inaugurado, ligado ao primeiro advento de Cristo; (2) apro-
priado, focalizando a igreja enquanto ela vive em tensão entre o “já” e o “ainda
não”; e (3) consumado, vinculado à apocalíptica segunda vinda de Cristo.
Elemento cristológico-soteriológico (centralizado em Cristo e na salvação).
Este aspecto da tipologia salienta seu foco e ênfase essenciais. Os tipos do Antigo
Testamento não são meramente realidades “nuas”, mas realidades de salvação. Eles
encontram seu cumprimento na pessoa e obra de Cristo e/ou nas realidades do
evangelho trazidas por Cristo, o qual é, portanto, o ponto de orientação final dos
tipos do Antigo Testamento e suas realizações no Novo Testamento.
Elemento eclesiológico (relacionado com a igreja). Esta característica da
tipologia bíblica aponta para três possíveis aspectos da igreja que podem estar
envolvidos no cumprimento tipológico: os adoradores individuais, a comuni-
dade corporativa e/ou as ordenanças (batismo e Ceia do Senhor).
Reunindo tudo isto, podemos definir tipologia bíblica como um estudo
neotestamentário das realidades históricas da salvação do Antigo Testamento,
ou tipos (pessoas, eventos, instituições), que Deus designou para corresponder
116 e prefigurar profeticamente seus intensificados aspectos de cumprimento an-
titípico (inaugurado, apropriado, consumado) na história da salvação do Novo
Testamento. Em resumo, o ponto de vista tradicional de tipologia, não a posição
pós-crítica, é confirmado pelos dados das Escrituras (veja gráfico 1).
Estes cinco elementos básicos da tipologia reforçam toda a extensão de
referências e alusões ao santuário no livro de Apocalipse, indicando assim a
natureza tipológica deste material.2 Um olhar mais atento para as implicações
extraídas dos elementos característicos da tipologia bíblica ajuda a esclarecer a
natureza da tipologia do santuário no Apocalipse.

Compreendendo a tipologia do santuário no Apocalipse

Implicações do elemento histórico


O elemento histórico da tipologia bíblica é decisivo, porque enfatiza a reali-
dade literal e espaço-temporal do santuário celestial conforme descrito no livro de

  Isto se tornará evidente ao prosseguirmos examinando o material do santuário no Apocalipse.


2
Tipologia do santuário

Apocalipse. Em toda a tipologia bíblica, tanto horizontal quanto vertical, a realidade


histórica do tipo e do antítipo são indispensáveis para o argumento tipológico.
A veracidade da continuidade histórica entre tipo e antítipo é dupla-
mente enfatizada na tipologia do santuário. O santuário celestial não é so-
mente o cumprimento antitípico neotestamentário do santuário terrestre
do Antigo Testamento, mas é também o protótipo original e preexistente, se-
gundo o qual é modelado o santuário terrestre.
Nas primeiras instruções concernentes à construção do santuário terrestre
está implícito que a realidade do terrestre é derivada da realidade do celestial.
Êxodo 25:40 (cf. Hb 5:8) é a passagem fundamental afirmando a continuidade
básica entre os santuários terrestre e celestial.3 O que está implícito em Êxodo
25 torna-se explícito através do restante do Antigo Testamento.
Passagens dos gêneros cultual, narrativo, poético/sapiencial, profético e
apocalíptico concorrem para designar a realidade espaço-temporal do san-
tuário celestial (ver DAVIDSON, 1976; 1981, v. 2, p. 382-383; SHEA, 2007, p.
5-8; ANDREASEN, 1981, p. 67-86). Cenas da assembleia divina, da liturgia ce-
leste, da corte celestial em sessão4 convergem em atribuir realidade literal a um
lugar no Céu conhecido como santuário ou templo celestial. Fortalecendo estas
surpreendentemente numerosas referências ao santuário celestial está a con-
sistente cosmovisão bíblica que se recusa a dicotomizar a realidade em literal/ 117
terrestre por um lado e não literal/celestial por outro.
Por todo o Novo Testamento é mantida esta mesma cosmovisão bíblica.
A despeito de algumas afirmações contrárias, a evidência é persuasiva de
que o autor de Hebreus rejeita a alegorização dualista e filônica do mundo
celestial a favor de um santuário celestial e liturgia reais. Como o expressa
William Johnsson, “sua preocupação [do autor de Hebreus] em todo o ser-
mão é estabelecer a confiança cristã em fatos objetivos[...]. Divindade real,
humanidade real, sacerdócio real — e podemos acrescentar, um ministério
real em um santuário real” (JOHNSSON, 1979, p. 91, grifo nosso).
É nesta mesma trajetória bíblica que devemos colocar o livro de Apocalipse.
Não se pode desmistificar a realidade do santuário celestial, descartando-o
como imagem dentro de um mundo simbólico da literatura apocalíptica. As

3
  Veja minha exegese de Êxodo 25:40 para prova deste detalhe (DAVIDSON, 1981, v. 2, p. 336-388).
4
  Sobre o concílio ou assembleia divina, veja E. C. Kingsbury (1964, p. 279-86), Whybray (1971) e
Andreasen (1981, p. 77-78). Sobre a correspondência entre a liturgia do templo terrestre e celestial, veja
esp. J. C. Matthews (1902, p. 65-80), Richard Preuss (1958, p. 181-84) e Hans Strauss (1970, p. 91-102).
Sobre o tribunal celestial em sessão, veja Arthur Ferch (1989, p. 157-76) e William Shea (2011).
Estudos selecionados em interpretação profética

passagens de controle do Antigo Testamento, que claramente formam o pano


de fundo para as descrições do santuário em Apocalipse, em todo o seu múlti-
plo testemunho de diferentes escritores usando gêneros diferentes (inclusive o
apocalíptico), harmoniosamente confirmam a realidade objetiva do santuário
celestial. O elemento histórico e a dimensão vertical da tipologia não admitem
uma conclusão diferente no que concerne ao Apocalipse.
Devemos nos apressar em acrescentar, no entanto, que o santuário celestial
não é exatamente como o santuário terrestre. O Antigo Testamento já aponta
para uma intensificação vertical entre terrestre e celestial bem como uma in-
tensificação horizontal entre a sombra do Antigo Testamento e a substância do
Novo Testamento. Como o expressa Ellen G. White:

O esplendor sem-par do tabernáculo terrestre refletia à vista huma na as glórias


do templo celestial em que Cristo, nosso Precursor, ministra por nós perante
o trono de Deus. A morada do Rei dos reis, em que milhares de milhares o
servem, e milhões de milhões estão em pé diante dEle (Dan. 7:10), sim, aquele
templo, repleto da glória do trono eterno, onde serafins, seus resplandecentes
guardas, velam a face em adoração — não poderia encontrar na estrutura mais
magnificente que hajam erigido as mãos humanas, senão pálido reflexo de sua
118 imensidade e glória (WHITE, 2005, p. 414).

Mas a diferença entre o santuário terrestre e o celestial não é que o celestial


seja menos literal, menos real, como nossa overdose ocidental de dualismo grego
poderia levar-nos insuspeitamente a supor. Talvez C. S. Lewis aponte o caminho em
torno de um antídoto para esta equação de celestial com não literal. Em seu livro
The Great Divorce, ele eficientemente comunica a mensagem de que as realidades
celestiais não são menos, porém mais reais (LEWIS, 2010).
Segundo o testemunho de João, o santuário celestial não é uma metáfora para
o Céu, mas um lugar no Céu (Ap 11:19; 14:17; 15:5). Ellen G. White, também aqui,
parece estar correta e em harmonia com o testemunho cumulativo das Escrituras
quando toma muito literalmente a visão joanina do santuário celestial:

Sendo, em visão, concedido ao apóstolo João vislumbrar o templo de Deus nos


Céus, contemplou ele, ali, “sete lâmpadas de fogo” que “diante do trono ardiam”
(Ap 4:5). Vi um anjo, “tendo um incensário de ouro; e foi-lhe dado muito in-
censo para o pôr com as orações de todos os santos sobre o altar de ouro, que
está diante do trono” (Ap 8:3). Foi permitido ao profeta contemplar o primeiro
compartimento do santuário celestial; e viu ali as “sete lâmpadas de fogo”, e o “al-
tar de ouro”, representados pelo castiçal de ouro e altar de incenso, do santuário
Tipologia do santuário

terrestre. De novo, “abriu-se no Céu o templo de Deus” (Ap 11:19), e ele olhou
para dentro do véu interior, ao lugar santíssimo. Ali viu “a arca do seu concerto”,
representada pelo receptáculo sagrado, construído por Moisés, para guardar a
lei de Deus (WHITE, 2005, p. 414-415).

Em uma varredura rápida através do testemunho bíblico, ela resume o consist-


ente quadro bíblico: “Moisés fez o santuário terrestre segundo o modelo que lhe foi
mostrado. Paulo ensina que aquele modelo era o verdadeiro santuário que está no
Céu. E João dá testemunho de que o viu no Céu” (WHITE, 2005, p. 415).
A tese do teólogo sistemático Fernando Canale5 mostra como os grandes
sistemas teológicos do pensamento cristão tradicional (protestante, católico e
ecumênico pós-moderno) têm construído sobre o paradigma platônico da “in-
temporalidade” de Deus. Todavia, a doutrina escriturística do santuário revela
que este paradigma fundamental é uma distorção da realidade bíblica.
Segundo as Escrituras, Deus não é essencialmente incompatível com
espaço e tempo; Ele é o próprio Deus que tem habitado “desde o princípio”
(Jr 17:12) em um palácio ou templo celestial; que realmente habitava no
santuário do deserto e no Templo de Jerusalém; que, na contínua obra de
redenção, está agora empenhado em uma atividade real, histórico-temporal
em um santuário celestial real e espaço-temporal. 119
Assim, o santuário integra e constitui todo o fluxo da história da redenção. Ele
é o único fundamento para a teodiceia — a vindicação de Deus. E com a redenção
concluída o santuário atingirá o seu objetivo quando Deus literalmente — em es-
paço e tempo — “habitar” conosco para sempre (Ap 21:3). As implicações da apli-
cação consistente de Canale do paradigma bíblico conforme revelado na realidade
espaço-temporal do santuário são realmente profundas.
Outra parte do problema em lidar com a natureza do santuário celestial deriva
de uma incursão adicional do dualismo grego em nosso pensamento. O dualismo
grego promove uma dicotomia entre literal e simbólico. Segundo o ponto de vista
bíblico, porém, muitas realidades concretas são ao mesmo tempo literais e simbóli-
cas. Podemos ilustrar este detalhe com a tipologia do Dilúvio e o batismo em 1
Pedro 3 e a tipologia Êxodo/sacramental de 1 Coríntios 10. Tanto o tipo quanto o
antítipo destes exemplos são realidades históricas. Mas notemos o fato de que o ba-
tismo e a Ceia do Senhor (antítipos) são entidades literais, muito reais. Contudo, ao

5
  Para sua crítica fundamental dos grandes sistemas teológicos vistos à luz dos dados bíblicos,
veja Fernando Canale (1983). A explicação de Canale do básico paradigma bíblico centralizado
na realidade espaço-temporal do santuário é o assunto do seu vindouro livro.
Estudos selecionados em interpretação profética

mesmo tempo eles simbolizam ou apontam para importantes verdades espirituais


além de si mesmos. Do mesmo modo as Escrituras confirmam a realidade literal
do santuário celestial e sua liturgia, e ao mesmo tempo essas mesmas realidades
apontam além de si mesmas para supremas verdades espirituais (por exemplo, as
lâmpadas representando o Espírito Santo, Ap 4:5).
Dois perigos devem ser evitados. Podemos concentrar-nos exclusivamente
na “geografia celestial” e perder as mensagens espirituais que são comunicadas.
Mas podemos também espiritualizar a realidade espaço-temporal e por meio
disso perder a substância literal e a verdade espiritual.

Implicações do elemento profético


O elemento profético da tipologia bíblica é importante ao ressaltar a natureza
prospectiva/preditiva da tipologia do santuário. João não “reinterpretou” o san-
tuário do Antigo Testamento em um tipo de santuário celestial. Em vez disso, o
Antigo Testamento prefigurou os aspectos redentores do último.
Visto que os tipos bíblicos são divinamente designados para servir como pre-
figurações prospectivas/preditivas, alguma indicação da existência e qualidade
preditiva dos vários tipos do Antigo Testamento deve ocorrer antes do seu cum-
primento antitípico. Este aspecto da tipologia não tem sido amplamente recon-
120 hecido, mas tal é o modelo coerente que surge ao longo das Escrituras: os tipos
do Antigo Testamento mencionados pelos escritores do Novo Testamento já
foram identificados como tipológicos antes do cumprimento antitípico.
O gráfico 2 ilustra este modelo. A coluna do meio salienta os indicadores
verbais da tipologia do Antigo Testamento. Com respeito à tipologia do san-
tuário, note o item 2 (espaço em negrito no gráfico). As realidades do santuário
terrestre já estão indicadas como tipológicas em numerosas passagens do Anti-
go Testamento e estão em relação com as realidades celestiais. João está, portan-
to, simplesmente anunciando o cumprimento dos tipos e sombras do santuário
do Antigo Testamento que apontavam para a substância do santuário celestial e
a morte expiatória e sacerdócio de Cristo.

Implicações do elemento escatológico


O elemento escatológico (fim dos tempos) da tipologia bíblica é uma chave para
compreender como a tipologia do santuário é cumprida através do livro de Apoc-
alipse. O gráfico 3 resume a subestrutura escatológica da tipologia do Novo Testa-
mento (ver DAVIDSON, 1981, v. 2, p. 390-394; LADD, 1974; LARONDELLE, 1983).
Resumindo, podemos dizer que as profecias e tipos do reino do An-
tigo Testamento têm um cumprimento escatológico com três aspectos: (1) o
Tipologia do santuário

cumprimento básico das expectativas escatológicas do Antigo Testamento cen-


tralizando-se na vida terrestre e obra de Jesus Cristo em Seu primeiro advento;
(2) o derivado cumprimento espiritual pela igreja, o corpo de Cristo no tempo
de tensão entre o “já” e o “ainda não”; e (3) a consumação apocalíptica e a in-
trodução final da era vindoura no segundo advento de Cristo e além.
Esses três aspectos de cumprimento podem ser denominados respectiva-
mente escatologia inaugurada, apropriada e consumada. Ou, por conveniência,
eles podem ser designados como cristológico, eclesiológico e apocalíptico.6
Deve ser enfatizado (conforme ilustrado no gráfico 3) que a subestrutu-
ra escatológica descrita acima é sobrepujada por uma dimensão vertical-
celeste. Durante toda a história do Antigo Testamento, durante toda a “hab-
itação” de Cristo na Terra e durante toda a existência da Igreja Cristã como
o corpo de Cristo, devemos reconhecer a realidade cósmica do governo de
Deus. Há uma continuidade vertical durante toda a história da salvação; a
ligação entre o Céu e a Terra é próxima e decidida.
Ao mesmo tempo, até o ponto culminante final, há uma tensão vertical. O
homem experimenta as coisas celestiais pela fé, espiritualmente; mas ele ainda
está na Terra. Não antes da consumação apocalíptica — quando os santos forem
para o Céu no Segundo Advento, e depois do milênio quando o trono de Deus
for transportado para a Terra, e “o tabernáculo de Deus estiver com os homens” 121
— a tensão entre o terrestre e o celestial encontrará completa solução.
Uma importante implicação para a tipologia do santuário logicamente
se segue a partir da perspectiva escatológica que temos resumido. Esper-
aríamos que o cumprimento antitípico da tipologia do santuário do An-
tigo Testamento correspondesse a uma ou mais das três manifestações es-
catológicas neotestamentárias do reino de Deus — inaugurada, apropriada,
ou consumada. Visto que estas “manifestações do reino” são apenas difer-
entes aspectos de um reino escatológico, não seria surpreendente se o cum-
primento antitípico da tipologia do santuário do Antigo Testamento devesse
regularmente abranger todos os três aspectos.
O exemplo na parte inferior do gráfico 3 mostra ser este o caso. Cristo é
visto como o templo antitípico (Jo 1:14; 2:21; Mt 12:6). A igreja é designada

6
  Conforme notado em Typology in Scripture (DAVIDSON, 1981, v. 2, p. 394): “Usamos estes
três termos com cautela, porque todos os três termos poderiam ser interpretados como se apli-
cando a todos os três aspectos. Mas tendo em vista seu óbvio ponto de ênfase, acreditamos que es-
sas distinções ‘abreviadas’ dos aspectos no cumprimento histórico-escatológico da salvação será
útil para uma discussão mais aprofundada”.
Estudos selecionados em interpretação profética

como o templo do Espírito Santo (1Co 3:16, 17; 2Co 6:16). O templo celestial
sobrepuja todo o cumprimento do fim dos tempos e adquire destaque especial
no momento da consumação apocalíptica (Ap 3:12; 7:15; 11:19; 21:3, 22).

Implicações dos elementos Cristo/salvação/igreja


Uma vez tenhamos reconhecido a existência da subestrutura escatológi-
ca dos cumprimentos antitípicos do Novo Testamento, é importante per-
ceber os três diferentes modos de cumprimento nesta subestrutura. Estes
diferentes modos de cumprimento surgem das características da tipologia
envolvendo Cristo, salvação e a igreja.
O reino de Deus é cristocêntrico. Cristo não é o centro de forma abstrata,
mas em relação salvífica com o seu povo. O reino de Deus partilha a mesma
modalidade que a ligação de Cristo com o seu povo. Assim o cumprimento dos
tipos partilha o mesmo caráter que a natureza da presença de Cristo.
Por exemplo, no primeiro advento o reino (o governo) de Deus é literal-
mente incorporado em Jesus (Mt 12:28). Os tipos são cumpridos literal e lo-
calmente nEle. Depois da ascensão de Cristo, seu reino ou “domínio” é par-
tir do Céu e seus súditos por todo o mundo se relacionam com Ele apenas
espiritualmente, pela fé. Através do seu Espírito eles recebem as primícias, o
122 cumprimento parcial dos dons básicos que Ele prometeu (Rm 8:23). Assim,
a natureza do cumprimento na igreja sobre a Terra é espiritual, universal,
e parcial. Ao mesmo tempo os tipos do santuário têm um cumprimento
literal no santuário celestial, sendo que Cristo está literalmente presente ali.
Na consumação final Cristo está literalmente reunido com o seu povo, e os
tipos têm um cumprimento glorioso, final, universal, literal.7

7
  Para uma sucinta apresentação desta subestrutura escatológica de uma perspectiva cristocên-
trica, veja Ellen G. White (1996, p. 15-22). Veja também LaRondelle (1979, p. 308-14), embora
todo o livro esclareça este ponto. Também deve ser notado que a aplicação dos tipos do Antigo
Testamento ao Israel espiritual poderia ter sido inteiramente diferente tivesse o Israel nacional
permanecido fiel a Deus e aceitado a Jesus como o Messias. Israel teria sido a maior nação da
Terra (Dt 28:1, 13; WHITE, 2000, 288), em prosperidade (Dt 28:3, 11-13), intelecto (4:6-7), saúde
(7:13, 15), e espiritualidade (28:9). Isto teria sido um testemunho para outras nações (Dt 28:10;
WHITE, 2000, p. 232; Is 43:10); Jerusalém tria sido o centro missionário para a espiritualmente
dinâmica nação judaica. Outras nações se uniriam a Israel (Zc 8:21-23) até que o reino de Israel
abrangesse o mundo Is 27:6; 54:3; WHITE, 2000, p. 290). O templo de Jerusalém teria permane-
cido para sempre (Jr 7:7; WHITE, 2000, p. 19). Em seguida a uma rebelião final de insurgentes
(Zc 12:2-9) e sua destruição (14:12, 13), o Senhor seria rei sobre toda a Terra, e todos seriam
seguidores do Senhor (Zc 14:3, 8, 9, 13, 16; Jr 31:34 etc.). Cristo ainda teria morrido como o
homem representativo e o israelita representativo, mas o cumprimento dos tipos com o povo
Tipologia do santuário

Uma chave importante para a interpretação


Esses critérios hermenêuticos para os diferentes modos de cumprimento
na tipologia do santuário nos ajudam a conciliar adequadamente nossa con-
clusão anterior a respeito de um real e literal santuário celeste com várias
alusões aparentemente figurativas/espirituais ao santuário. Observe o seguinte:
os sete castiçais que representam as sete igrejas (Ap 1:12, 20), as almas debaixo
do altar do holocausto clamando por vingança (Ap 6:10-11) e o “átrio exterior
do santuário” dado às nações (Ap 11:2). Estas referências militam contra uma
compreensão literal das cenas do santuário celeste no restante do livro? Ao con-
trário! Uma compreensão da subestrutura escatológica da tipologia do Novo
Testamento fornece uma explicação para desvendar o uso consistente e coer-
ente da tipologia do santuário encontrada no Apocalipse.
Notamos (veja gráfico 3, coluna do meio que na era da igreja os antítipos terres-
tres do reino espiritual da graça encontram um cumprimento espiritual (não literal),
parcial (não final) e universal (não geográfico/étnico), sendo que eles estão espirit-
ualmente (mas não literalmente) relacionados com Cristo no Céu. Assim, devemos
esperar que quando a imagem do santuário/templo no Apocalipse é aplicada a um
ambiente terrestre na era da igreja, haverá uma interpretação espiritual e não literal,
sendo que o templo é espiritual aqui na Terra.
Em harmonia com este princípio hermenêutico, os castiçais antitípicos na Terra 123
em Apocalipse 1 não são literais, mas espirituais. A igreja que vive entre “o já e o
ainda não” é retratada em outros textos das Escrituras como o templo antitípico
eclesiológico. O Apocalipse é consistente com isto na utilização da terminologia
dos castiçais do santuário para aplicar ao corpo espiritual da igreja terrestre. Jesus
(através do Espírito) está espiritualmente presente na igreja na Terra.
Mas em Apocalipse 4:1 a cena muda para o Céu, e João é convidado: “Sobe
para aqui, e te mostrarei o que deve acontecer depois destas coisas.” Então
se segue a cena no santuário celestial, onde Cristo reina como rei-sacerdote.
Como temos visto, durante a era da igreja, o reino espiritual terrestre é sobrepu-
jado pelo reinado literal de Cristo no Céu. Consistente com esta perspectiva
do Novo Testamento, a tipologia do santuário de Apocalipse, quando focaliza
o santuário celestial, participa da mesma modalidade que a presença de Cristo,
isto é, um cumprimento antitípico literal.

de Deus teria sido dentro do Israel nacional de um modo geográfico, literal. Mas sendo que o
Israel nacional rejeitou o Messias e separou-se da teocracia, todas as promessas da aliança serão
cumpridas com o “Israel espiritual” (WHITE, 2007, p. 714). Para um resumo detalhado do plano
original de Deus para Israel, veja Nichol (1976, v. 4, p. 25-38).
Estudos selecionados em interpretação profética

Logo consideraremos estas cenas do santuário celestial. Mas aqui notamos


que no meio das cenas do santuário celestial em Apocalipse, há breves mu-
danças para alusões ao santuário terrestre. Por exemplo, em Apocalipse 6:9-11
encontramos menção do altar (do holocausto).8 Sendo que esse altar estava no
pátio exterior do santuário terrestre, e sendo que de acordo com Apocalipse
11:1-2 o átrio exterior simboliza coisas terrestres e não celestiais, devemos in-
terpretar isto como uma mudança para a esfera terrestre.9 Em harmonia com
o aspecto eclesiológico do cumprimento tipológico, devemos interpretar estas
referências terrestres de uma maneira espiritual, não literal.
A cena de “almas debaixo do altar” clamando por vingança alude ao sangue
(isto é, “a vida”, Lv 17:11) dos sacrifícios do santuário derramado à base do altar
(Lv 4:7). O simbolismo ecoa uma referência ao sangue Abel clamando a de Deus
da terra (Gn 4:10; ver Hb 12:24). João torna esta conexão entre o martírio dos
santos e o derramamento do sangue do sacrifício mais explícita em Apocalipse
16:6, em que é dito ter os ímpios “derramado” (екcheō) o sangue dos santos e
dos profetas. Assim, não um altar literal, não “almas” literais debaixo do altar,
estão à vista, mas antes um cumprimento eclesiológico nos santos e profetas
martirizados cujo sangue clama espiritualmente pela vindicação de Deus.
Igualmente, não um “átrio” literal está em vista no cenário terrestre de
124 Apocalipse 11:2, mas um “calcar aos pés” ou perseguição da “cidade santa”
terrestre/espiritual, os santos, pelos “gentios”, os inimigos espirituais de
Deus, por 42 meses proféticos.
Ao chegarmos às cenas finais do Apocalipse, o cumprimento apocalíptico da
tipologia do santuário resolve a tensão entre terrestre e celestial. Na era da igreja, o
Israel espiritual está espiritualmente reunido na Jerusalém celestial sobre o monte
Sião (Hb 12:22-24). Mas quando “o tabernáculo de Deus estiver com os homens”
(Ap 21:3 , o Israel de Deus de todos os séculos terá sido literalmente reunido à sua
Nova Jerusalém. Depois de mil anos literais,10 a Jerusalém celestial descerá literal-

8
  Para evidência de que este é o altar de holocaustos, e não o altar de ouro, veja Jon Paulien (1988, v.
11, p. 315-318).
9
  Veja Hebreus 13:10 (e subentendido em Hb 8:1-5) para colocação do altar na Terra, cristologica-
mente cumprido na cruz. O cumprimento eclesiológico em conexão com os mártires cristãos que
seguiram os passos de Jesus seria uma extensão natural da tipologia. Veja também Paulien (1988, v.
11, 316), para comprovação do detalhe adicional de que “a apocalíptica judaica leva em conta apenas
um altar no Céu (excluindo o altar de holocausto que ficava no pátio exterior do santuário israelita).”
10
  A tríplice subestrutura da tipologia do Novo Testamento também esclarece quanto a
interpretar os períodos de tempo do Apocalipse simbólica ou literalmente. Antes do Seg-
undo Advento, enquanto Cristo está apenas espiritualmente relacionado com o seu povo, as
Tipologia do santuário

mente para a Terra. Em seguida ao juízo final e à purificação da Terra pelo fogo, o
átrio (uma Terra recriada segundo o modelo do Éden) estará unido ao seu centro, o
literal tabernáculo de Deus, em uma Nova Jerusalém literal.
Com estas considerações hermenêuticas gerais da natureza da tipologia do
santuário em mente, voltemos agora mais diretamente para a função da tipolo-
gia do santuário no fluxo estruturado do livro de Apocalipse.

Tipologia do santuário no arranjo literário


A análise literária do Apocalipse por Kenneth Strand tem demonstrado
o arranjo básico literário quiástico do livro (ver STRAND, 1979, p. 43-52). C.
Mervyn Maxwell segue em geral o mesmo esboço quiástico, com ideias adicio-
nais sobre certos detalhes (MAXWELL, 1985, p. 54-62). Estas análises revelam
as metades pares do livro: histórica (Ap 1–14) e escatológica (Ap 15–22), bem
como a correlação quiástica de suas correspondentes subseções.

Cenas introdutórias do santuário


Dentro deste arranjo geral do Apocalipse ocorrem muitas das imagens do san-
tuário nas cenas que introduzem as várias sequências de visões. Recentes estudos
têm indicado o significado decisivo dessas cenas do santuário. Maxwell afirma cor- 125
retamente que “o santuário celestial é um eixo central da mensagem do Apocalipse”,
e que as “cenas do santuário são pontos de referência que nos guiam ao significado
do Apocalipse” (MAXWELL, 1985, p. 164). Strand mostra como o Apocalipse está
dividido em uma série de sequências visionárias e como cada uma das visões se ini-
cia com uma cena introdutória do santuário (STRAND, 1987a, p. 107-121; 1987b, p.
267-288).11 Assim, todo o livro está estruturado pela tipologia do santuário.
Alusões ao ministério no primeiro compartimento. Talvez a descoberta
mais significativa nestes recentes estudos seja a demonstração de como as cenas
introdutórias do santuário destacam a progressão da história da redenção den-
tro do livro de Apocalipse. As primeiras três cenas do santuário (Ap 1:12-20;

referências ao tempo são espirituais (isto é, tempo profético, usando-se o princípio dia-ano).
Mas depois que os santos estiverem literalmente reunidos a Cristo na Parousia, então as
referências ao tempo pertencerão àquela mesma modalidade. Assim, o milênio é um período
de mil anos literais, e o simbólico princípio dia-ano não mais se aplica.
11
  Maxwell (1985, p. 164) chega a conclusões similares com respeito às primeiras cinco cenas do
santuário. Jon Paulien, no capítulo 10 deste volume, reduz as oito cenas de Strand a sete, elimi-
nando a sexta cena de Strand (16:18–18:24) que tem uma voz do templo mas não uma real cena
do santuário. O esquema das sete cenas é seguido aqui.
Estudos selecionados em interpretação profética

4–5; 8:2-5) centralizam-se, ou se relacionam com o lugar santo do santuário.


Assim, elas servem para situar o ambiente temporal das cenas dentro do tempo
do ministério diário (tamîd) de Cristo no lugar santo.
A primeira cena (1:12-20) está na Terra, e não no santuário celestial. Em
nenhuma outra parte do livro se encontra tão concentrada ênfase na morte
terrestre e ressurreição de Cristo. Ao mesmo tempo, a menção explícita dos
sete castiçais lembra o candelabro de sete braços ardendo continuamente
(tamîd) no lugar santo do santuário.
A segunda cena (4:1–514) se muda explicitamente para o santuário celestial
(cf. 4:1). Jon Paulien (nos capítulos 10 e 11) mostra como a mistura completa
de imagens de todo o santuário, mas sem a linguagem do juízo, aponta para um
cenário de investidura (MAXWELL, 1991, p. 147-148). Cristo, não presente em
Apocalipse 4, está em Apocalipse 5 instalado em sua contínua (tamîd) obra no
lugar santo12 do santuário celestial como resultado de sua vitória na cruz.
A terceira cena do santuário (8:2-5) revela que o foco básico do con-
tínuo (tamîd) ministério de Cristo é intercessão. A referência à oferta de
incenso no altar de ouro indica claramente um ministério intercessório
diário (tamîd) no lugar santo (PAULIEN, 1990, p. 9).13
Ritual diário no Segundo Templo. O ambiente diário (tamîd) de Apocalipse
126 1–8 é ainda mais confirmado quando estes capítulos são comparados com a
ordem dos rituais diários no Segundo Templo do século em que João escreveu.
Estudos recentes têm exposto os impressionantes paralelos entre a ordem de
alusões ao santuário em Apocalipse 1–8 e a descrição dos rituais diários (tamîd)
descritos na Mishnah.14 Resumimos a seguir:

12
  Embora haja uma completa mistura de imagens do santuário em Apocalipse 4–5 visto que todo o
santuário está envolvido na investidura, todavia o foco primário da cena de intronização/investidura
em Ap 4–5 parece ser o lugar santo (ver STRAND, no cap. 3 deste volume; e WHITE, 2005, p. 414-15).
13
  A nota 32 fornece evidência de que esta cena no altar de incenso é uma parte do ministério
diário (tamîd) no lugar santo, e não o ministério anual do Dia da Expiação (Yoma). Na cena de Ap
8:2-6, (1) o altar de incenso é central como no tamîd, não ultrapassado como no Yoma (Mishnah
Tamîd 6.2, 3; ver m. Yoma 5.1); (2) o sacerdote oficiante recebe o incenso, como no tamîd, e não
reúne o seu próprio, como no Yoma (m. Tamîd 6.2, 3; ver Yoma 5.1); e (3) o incenso é oferecido no
altar de ouro, como no tamîd, não na Arca, como no Yoma (m. Tamîd 6.3, ver Yoma 5.5).
14
  Para a descrição básica da ordem de serviços diários nos tempos do segundo Templo, veja
o tratado Tamîd na Mishnah judaica. Paulien (no cap. 10 deste volume; 1993, p. 12-13), resume
os paralelos. D. T. Niles (1961, p. 112-14), observa a conexão entre Ap 1–8 e o tratado Tamîd da
Mishnah, mas como Paulien observa corretamente, Niles tenta sem sucesso continuar os parale-
los do tamîd ao longo do restante do Apocalipse. Um olhar cuidadoso para a evidência revela que
a liturgia do tamîd fornece paralelos estruturais somente até Apocalipse 8.
Tipologia do santuário

1. Limpeza do candelabro (m. Tamîd 3.9; cf. Ap 1;12-20).


2. Abrir a grande porta (m. Tamîd 3.7; cf. Ap 4:1).
3. Cordeiro imolado (m. Tamîd 3.7; 4.1-3; 4:1-3, cf. Ap 5:6).
4. Sangue derramado à base do altar de bronze (m. Tamîd 4:1; cf. Ap 6:9).
5. Incenso oferecido no altar de ouro (m. Tamîd 5.4; cf. Ap 8:3, 4).
6. Pausa no cântico (m. Tamîd 7:3; Ap 8:1).
7. Toque de trombetas para assinalar a conclusão do sacrifício (m. Tamîd
7:3; ver 8:2-6).
Conclui Paulien (1993, p. 13): “Não somente esta porção do Apocalipse
contém todos os grandes detalhes da liturgia do tamîd, mas alude a eles em
essencialmente a mesma ordem. Assim o material que constitui os septetos das
igrejas, selos e trombetas está sutilmente associado com as atividades no tem-
plo relacionadas ao serviço contínuo ou tamîd.”
Alusões ao ministério no segundo compartimento. Em contraste com o
foco sobre o serviço diário na primeira parte do livro, Apocalipse 11 muda a ên-
fase para a liturgia anual do Dia da Expiação. O tema do Yom Kippur é mantido
através da última porção do livro até o capítulo 20.15
Strand (1984, p. 317-325) mostra como a medição do templo, do altar
e adoradores (Ap 11:1) tem sua mais completa temática e analogia sequen-
cial na descrição dos rituais do Dia da Expiação (Lv 16). 16 Isto vem ime- 127
diatamente após o término do tempo profético de Daniel em Apocalipse
10:5-6 (ver Dn 12:7) (Ver SHEA, cap. 13 desse volume).
A quarta cena do santuário (Ap 11:19) retrata explicitamente a abertura do
“templo interior” (naos) ou Lugar Santíssimo e focaliza a arca da aliança. O con-
texto do juízo imediato desta cena (ver 11:18) apoia o cenário do Dia da Expi-
ação, e também o contexto mais amplo aponta nesta direção.
Recentes estudos têm demonstrado como o livro de Apocalipse frequente-
mente segue a estrutura básica e a descrição detalhada de Ezequiel (ver VAN-
HOYE, 1962, p. 436-476; VOGELSANG, 1985; LUST, 1980, p. 179-183), e o mod-
elo de Ezequiel é decisivo em Apocalipse 10–11. É dado a Ezequiel um rolo para
comer (Ez 2:9–3:3) e então ele é imediatamente chamado para dar uma men-
sagem de um juízo investigativo do Lugar Santíssimo do santuário (3:4–8:18) (ver
SHEA, 1989, 283-291; DAVIDSON, 1987, p. 12-14; 1991, p. 97-100). De modo

15
  Isto será discutido com mais detalhes na seção deste capítulo que trata do “Ciclo anual
de festividades” em Apocalipse.
16
  Observe especialmente como o “medir” de Ap 11:1 e a “expiação/purificação” de Lv 16
abrange os mesmos aspectos do santuário na mesma ordem (templo, altar e adoradores).
Estudos selecionados em interpretação profética

semelhante é ordenado a João que coma um rolo (Ap 10:8-11) e então é imediata-
mente dada uma mensagem para medir o templo, o altar e adoradores (Ap 11:1-
2), com um foco sobre o Lugar Santíssimo do santuário celestial (11:19).
A quinta cena do santuário (15:5-8) assinala o fechamento ou “desinaugu-
ração” do santuário. Ele está cheio da fumaça procedente da glória de Deus, e
ninguém pode entrar: terminou a provação ou o tempo da graça. Seguem as
sete últimas pragas, a ira de Deus sem mistura de misericórdia (16:1-21).
A sexta cena do santuário (19:1-10) descreve a adoração no santuário —
louvor a Deus por seus justos juízos — mas não há nenhuma menção explícita
do santuário. A função salvífica do santuário deu lugar à doxologia.
A cena final do santuário (21:1–22:5) retorna à Terra. Agora a tensão
entre o celestial e o terrestre é desmoronada: “o tabernáculo [skēnē] de
Deus está com os homens” (Ap 21:3).
Assim, as cenas introdutórias do santuário estruturam o livro de Apoc-
alipse e provêem as chaves para determinar a progressão do livro. O fluxo
espaço-temporal das cenas do santuário da Terra para o Céu e de volta para
a Terra, e do ministério diário para o anual até a cessação de todas as fun-
ções de salvação, pode ser resumido como segue:

128
1:12-20 (1) Terra | Focaliza a obra terrestre de Cristo
(combinada com imagens do lugar santo)
4–5 (2) Inauguração do santuário celestial | (completa mistura
de imagens do santuário, mas focaliza o lugar santo)
8:3-5 (3) Intercessão no santuário celestial | (Lugar santo)
11:19 (4) Juízo no santuário celestial | (Lugar Santíssimo)
15:5-8 (5) Cessação do ministério no santuário celestial
19:1-10 (6) Doxologia no Céu | (ausência de explícitas imagens
do santuário)
21:1—22:5 (7) De volta à Terra | “Tabernáculo de Deus está com
os homens.”

Na metade histórica do Apocalipse, as cenas introdutórias do san-


tuário naturalmente fluem da morte e ressurreição de Cristo (Ap 1:5, 17,
18; cf. 5:6, 9, 12) para a inauguração do ministério de Cristo no santuário
feita possível por sua morte e ressurreição (Ap 5), para o seu ministério
intercessório em seguida à sua investidura (Ap 8:3, 4), e prosseguindo até
à obra do juízo no final dos tempos (Ap 11:18, 19).
Tipologia do santuário

Fluxo linear/sequências de recapitulação. Esta lógica progressão tempo-


ral das cenas do santuário — cruz, investidura, intercessão, juízo — não implica,
porém, que a primeira metade do Apocalipse prossegue cronologicamente verso
por verso. Juntamente com o plano linear básico destacado pelas cenas introdu-
tórias do santuário, encontra-se o esquema de recapitulação semelhante às visões
de Daniel (Dn 2, 7, 8). Uma progressão histórica segue cada cena introdutória do
santuário e se move ao longo da Era Cristã para terminar em um refletor sobre
os últimos eventos e uma descrição do glorioso clímax (STRAND, 1979, p. 48).17
Assim a estrutura geral do Apocalipse é ao mesmo tempo linear e recapitulatória,
como uma “espiral cônica” (FIORENZA, 1985, p. 171), ou melhor, como uma
“escala musical, que evolui continuamente em uma direção linear ao rever os tons
anteriores em vibrações cada vez mais ricas” (PAULIEN, 1990, p. 20).
Relações temáticas entre introduções e mensagens do santuário. As cenas in-
trodutórias do santuário não somente estruturam o livro de Apocalipse e demonstram
sua progressão espaço-temporal, mas também servem para realçar a mensagem das
principais seções que elas introduzem (MAXWELL, 1991, p. 164-166).18
Antes de ser dada a João a mensagem para as sete igrejas, ele vê a Cristo
vestido como sacerdote, caminhando entre os sete castiçais (as sete igrejas, Ap
1:20). Cristo, o sumo sacerdote antitípico, está supervisionando as lâmpadas do
santuário. Ele está desempenhando sua responsabilidade tamîd (contínua ou 129
diária) de manter as lâmpadas ardendo brilhante e continuamente.
Os detalhes simbólicos empregados para descrever o Cristo sacerdotal
em Apocalipse 1:10-20 são enfatizados em Apocalipse 2 e 3 ao serem apli-
cados à situação de cada igreja individual. Por meio disso é revelada uma
íntima ligação entre o Sacerdote celestial e suas mensagens às sete igrejas.
A conexão significa segurança e conforto. Cristo está no meio dos castiçais
(1:12), caminhando entre eles (2:1). Ele conhece sua condição e cuida. Mas
há também advertência: Cristo anuncia as maldições da aliança contra as
igrejas se elas continuarem na desobediência.
Mudando para os sete selos, Kenneth Strand mostracomo eles “representam os
passos ou meios pelos quais Deus através de Cristo prepara o caminho na história

17
  Strand esquematiza o quádruplo modelo básico de (1) visão vitoriosa do santuário; (2) pro-
gressão histórica; (3) focalização dos últimos eventos; e (4) clímax glorioso como aparece nas ce-
nas dos selos (Ap 4:1–8:1), trombetas (Ap 8:2–11:18), e as forças competidoras (Ap 11:19–14:20).
Veja também os capitulos 2 e 3 deste volume.
18
  É proveitoso em salientar a íntima relação entre as cenas do santuário e as seções que as
seguem no Apocalipse.
Estudos selecionados em interpretação profética

para a abertura e leitura do grande livro do destino no juízo na consumação es-


catológica” (STRAND, 1979, p. 57). Strand (1979, p. 57) intitula esta seção “Deus
trabalha para a salvação do homem”. Ela é apropriadamente introduzida em uma
cena do santuário celestial revelando Deus em seu trono (Ap 4) tendo a Cristo em
sua presença realmente qualificado para desatar os selos e abrir o livro (Ap 5).
A despeito das provas e tribulação do povo de Deus e a aparente demora
divina na vindicação dos perseguidos e martirizados (6:9, 10), segundo Apoc-
alipse 4, Deus está no controle. Como em Salmo 2:4 e Habacuque 2:20, o Senhor
Deus todo-poderoso, o Criador, se assenta serenamente em seu trono, Aquele
que era, que é e que há de vir para pôr as coisas em ordem. Além disso, segundo
Apocalipse 5, “o título de propriedade, por assim dizer, da perdida herança do
homem [...] foi readquirido por Cristo, o Cordeiro” (STRAND, 1979, p. 55). O
Cordeiro pascal foi morto e pelo seu sangue Ele resgatou o homem para Deus.
Ele digno, portanto, de tomar o livro e desatar os selos: estará presente com o
seu povo e trabalhando por ele durante o tempo de sua aflição.
A estreita relação temática entre a cena introdutória do santuário e sua men-
sagem que vem a seguir é encontrada também na terceira grande seção do livro.
Na introdução à série de trombetas (Ap 8:2-6) o anjo-mediador mistura incen-
so com as orações dos santos sobre o altar de ouro no santuário celestial, uma
130 descrição da “contínua mediação de Cristo no santuário celestial”.19
Segundo a análise de Jon Paulien (1988, p. 311-323) desta passagem e sua
relação com o quinto selo (Ap 6:9-11), as ”orações dos santos” se referem par-
ticularmente às orações imprecatórias dos santos perseguidos e martirizados
(recebidas pelo anjo ministrador do terrestre “altar de holocausto” e então min-
istradas em um contexto celestial no altar de ouro do santuário celestial).
O incenso (um símbolo dos méritos de Cristo) torna essas orações aceitáveis,
e “as sete trombetas são a resposta de Deus às orações dos santos por vingança
sobre aqueles que os têm perseguido e martirizado” (PAULIEN, 1988, p. 320).
Na tipologia do santuário celestial, o altar de ouro e o incenso, as fontes de me-
diação no tipo terrestre, se fundem com uma descrição do juízo que cai sobre
os rejeitadores da mediação celestial. O incensário é cheio de fogo e atirado à
Terra, em harmonia com a descrição do juízo executivo divino procedente do
santuário em Ezequiel 10:1-6 e reminiscente da experiência de Nadabe e Abiú
(Lv 10:1-3) (ver PAULIEN, 1988, p. 320-322). Como o expressa Paulien (1988, p.
322) “o incensário de oração e o incensário de juízo têm se tornado um”.

  Paulien (1988, p. 312-13) apresenta várias linhas de evidência que apoiam a equação de Cristo
19

com o anjo ou ao menos indicam que o incenso é dado por Cristo.


Tipologia do santuário

Na quarta seção do Apocalipse, a cena introdutória em Apocalipse 11:19


aponta claramente para o Lugar Santíssimo do santuário celestial, e em par-
ticular para a celestial arca da aliança que ali se encontra. A atenção é assim
chamada para a lei de Deus (contida na arca) como a base do juízo (o Dia da
Expiação) e para o propiciatório como a fonte de certeza ou confiança no juízo.
Estes temas são então desenvolvidos ao longo da seção. É proclamado o anúncio
do juízo do fim dos tempos (14:6, 7), e as marcas do povo de Deus são enfatiza-
das como a guarda dos mandamentos e a fé de Jesus (14:12; cf. 12:17).
Com a quinta cena introdutória do santuário em Apocalipse 15, mudamos
da metade histórica para a metade escatológica (pós-tempo de graça) do livro.
Assim a cena do santuário é realmente dupla.
Primeira, encontramos nos versos 2-4 um quadro daqueles que são vence-
dores na luta contra a besta e sua imagem e o número do seu nome, em pé (epi)
no mar de vidro celestial (parte da cena do santuário celestial de Apocalipse 4:6;
o antitípico “mar de fundição”?)20 cantando o cântico de Moisés e o cântico do
Cordeiro (um tema tipológico do tema do Êxodo, Êx 15).
Segunda, nos versos 5-8, é aberto “o templo do tabernáculo do testemu-
nho no céu” par liberar os anjos das sete pragas e então é fechado. Da mesma
forma que a glória do Senhor encheu o santuário/templo na Terra no final da
provação de Judá e o início do juízo executivo sobre ele (Ez 10:3-4),21 assim 131
aqui em Apocalipse a fumaça procedente da glória de Deus, enchendo o templo
para que ninguém possa entrar, parece assinalar o final do tempo da graça e o
começo do juízo executivo sobre os inimigos de Deus.
Estas duas cenas do santuário em Apocalipse 15 são prelúdios das recom-
pensas finais para os santos e punições finais para os ímpios; elas são apropri-
adamente seguidas (em ordem inversa) por um enfoque sobre punição e recom-
pensa no restante do livro (ver MAXWELL, 1991, p. 425).

20
  Mais estudo é necessário para confirmar se a tipologia aqui vai além do tema do “Mar Ver-
melho” do Êxodo para incluir uma alusão ao “lavatório” antitípico do santuário. Embora a pala-
vra represente em kiyyōr (significando “lavatório” e “algo em que se manter”) e o paralelo verbal
de thalassa (a mesma palavra grega para “mar” em Ap 15:2 e na descrição do “mar de fundição”
do templo de Salomão, 2Cr 4:2, LXX), torna tentador aceitar tal interpretação, a falta de clara
evidência no texto, e o ambiente do pátio exterior para o lavatório (que o ambiente do pátio em
Ap se refere às coisas terrestres) torna tal opinião problemática.
21
  Muitos têm apontado para as passagens paralelas do Antigo Testamento onde a glória do
Senhor enche o santuário/templo em sua inauguração: Êxodo 40:34-35; 1Rs 8:10-11; 2Cr 5:13-
14; 7:1-2. Contudo, a passagem de Ezequiel 10, frequentemente ignorada, parece prover um mais
próximo paralelo temático e estrutural em seu contexto de “fim da provação” e juízo executivo.
Estudos selecionados em interpretação profética

A sexta cena do santuário (Ap 19:1-10) focaliza o louvor celestial pelos jus-
tos juízos de Deus que são em grande medida passados e a ceia das bodas do
Cordeiro que está adiante. Durante os crescendos da doxologia, estão ausentes
explícitas descrições do santuário/templo. A seção que segue esta cena é transi-
cional. Com a obra de salvação de Cristo completa, o santuário como o centro
da atividade redentora desaparece de vista. As fases finais do juízo (a serem dis-
cutidas abaixo) são levadas a cabo, e o caminho é preparado para ser resolvida
a tensão Terra-Céu na história da salvação.
Na sétima cena do santuário (21:1–22:5), a Nova Jerusalém desce para a
Terra, e é feito o pronunciamento: “Eis que o tabernáculo [skēnē] de Deus está
com os homens” (Ap 21:3). O propósito supremo para o qual o santuário ter-
restre foi construído na Terra, “para que eu possa habitar no meio deles” (Êx
25:8), está agora consumado. “Deus habitará com eles” (Ap 21:3). O supremo
enfoque teocêntrico/cristocêntrico do santuário celestial é enfatizado ao João
escrever: “Nela, não vi santuário, porque o seu santuário é o Senhor, o Deus
todo-poderoso, e o Cordeiro” (Ap 21:22).
O foco de atividade na cidade é agora doxológico22 — todos os redimidos se
reúnem em redor do trono na cidade para adorá-Lo, seu Templo supremo (22:3).23

132 Ciclo anual de festividades


Outra importante área da tipologia do santuário parece estar embutida
no arranjo literário geral do Apocalipse. Esta é a tipologia das festividades
religiosas israelitas (Lv 23).
Já no Antigo Testamento há indícios de que o calendário religioso anual de
Israel prefigura a amplitude da história da salvação. O autor de Hebreus afirma
esta verdade quando diz que o sistema sacrifical era “uma sombra dos bens
vindouros” (Hb 10:1). Havia uma realidade genuína para a qual cada um dess-
es tipos apontava. O fato de que as cerimônias precisavam ser repetidas “ano
após ano” revelava sua própria inadequação e instabilidade, mas enfatizava a
suficiência e estabilidade das realidades vindouras.

22
  Na consumação da história da salvação, o santuário ou templo celestial aparentemente re-
torna à sua função doxológica original. Em harmonia com esta sugestão, Ellen White (2006, p.
368) escreve que ao longo da eternidade os redimidos adorarão de sábado a sábado “no santuário”.
23
  Tem sido sugerido por alguns que o formato cúbico da Nova Jerusalém (Ap 21:16) indica que toda
a Nova Jerusalém se torna o “Lugar Santíssimo” da Nova Terra e o lugar de adoração para os redimidos
ao redor do trono na cidade (Ap 22:1-3) (ver LADD, 1972,p. 282; MOUNCE, 1977, p. 380).
Tipologia do santuário

Grandes festividades de Israel. A Páscoa parece estar identificada com


o início da história da salvação de Israel: “Este mês vos será o principal dos
meses; será o primeiro mês do ano” (Êx 12:2).
A Festa dos Tabernáculos, a última festividade do ciclo religioso anual,
parece estar identificada com a consumação apocalíptica da história da sal-
vação de Israel. O plano original de Deus para o desfecho do grande conflito
entre o bem e o mal deveria ser através da agência do Israel nacional e lit-
eral (se tivesse permanecido fiel a Deus). Neste contexto Zacarias descreve
como em seguida à batalha apocalíptica final e à restauração de Jerusalém
e da Terra, os habitantes da Terra viriam de ano em ano à grande festa es-
catológica por excelência, a Festa dos Tabernáculos (Zc 14:16).
Assim, a primeira e a última festa do calendário religioso de Israel
parecem vinculadas respectivamente à inauguração e consumação da
história da salvação de Israel.
Pode ser afirmado que as três grandes festas de Israel prefiguram a tríplice
subestrutura da história da salvação no Novo Testamento.24 Deus ordenou a Israel:
“Três vezes no ano me celebrareis festa” (Êx23:14). Estas são identificadas como a
Festa dos Pães Asmos (ligada à Páscoa), a Festa da Sega (Pentecostes) e a Festa da
Colheita (Tabernáculos), nos versos 14-16. Estas são as únicas vezes de reunião no
calendário religioso realmente chamadas de “festas” (hag) nas Escrituras. 133
Relacionadas com a história da salvação no Novo Testamento. O sig-
nificado e a precisão destas três festas correlacionam-se bem com a dinâmi-
ca da história da salvação no Novo Testamento. O tempo da primeira Páscoa
e Pães Asmos trouxe redenção temporal a Israel. Eles foram “redimidos pelo
sangue do cordeiro” (cf. Êx 12:21-23). Eles foram libertados do cativeiro,
mas não tinham ainda chegado a Canaã. A história da salvação para eles
estava inaugurada, mas não ainda consumada.
No deserto eles estavam vivendo na tensão entre o “já” e o “ainda não”. Está
em harmonia com os dados bíblicos, e mantidos pela tradição judaica, que a
entrega da lei no monte Sinai ocorreu no tempo do Pentecostes original.25 Nessa
ocasião a aliança com Israel foi ratificada. Assim, a nação foi incorporada como
povo da aliança de Deus. Por 40 anos o período de viver “entre os tempos” con-
tinuou, e Israel se apropriou das bênçãos da aliança.
Finalmente Israel chegou a Canaã, e sua redenção temporal foi consumada.
A nação podia agora celebrar a Festa dos Tabernáculos, uma jubilosa lembrança

24
  Veja gráfico 3.
25
  Êx 19:1; cf. Bab Talmud, Pes. 68b; Zohar, Ytro, 78b.
Estudos selecionados em interpretação profética

da proteção divina durante o período de vagueação no deserto, e uma ocasião


de regozijar-se sobre a consumação da história de sua salvação temporal.
Os adventistas do sétimo dia geralmente estão familiarizados com a ma-
neira como o Novo Testamento encontra o cumprimento antitípico dessas três
festas na história da salvação escatológica produzida por Cristo, o qual morreu
por ocasião da Páscoa, como o Cordeiro pascal antitípico (1Co 5:7), com ossos
não quebrados (Jo 19:36; Êx 12:46). Ele ressurgiu no terceiro dia como o molho
movido antitípico, primícias da futura colheita (1Co 15:23; Lv 23:10-11). Cin-
quenta dias depois o Pentecostes antitípico é plenamente chegado. Como no
Pentecostes original no monte Sinai, agora vem ali fogo, terremoto e uma rajada
de vento (At 2:1-3; ver 4:31). Como Deus tinha escrito a lei em tábuas de pedra
com o seu próprio dedo, Ele novamente escreve a lei com o dedo do Espírito
(ver Lc 11:20; Mt 12:28), desta vez sobre o coração dos homens (Jr 31; Hb 8; 10).
E como Israel se tornou o povo especial da aliança de Deus, assim o novo Israel
torna-se a igreja da nova aliança de Cristo.
As festas da Primavera encontram esse cumprimento no começo da história
da salvação no Novo Testamento. Da mesma forma, as principais festividades
do outono (Trombetas e Dia da Expiação) levando até e incluindo Tabernáculos
no final do calendário religioso encontram cumprimento em conexão com a
134 consumação apocalíptica da história da salvação no Novo Testamento. Este é
o foco especial do livro de Apocalipse que está no âmago da autocompreensão
adventista como um movimento profético/apocalíptico.
Tipologia das festividades. A estrutura geral do livro de Apocalipse pode
ser vista seguindo-se a extensão da história da salvação conforme apresentada
na tipologia das festividades do Antigo Testamento. O esquema geral do Apoc-
alipse parece evoluir sequencialmente através das festividades do Antigo Testa-
mento. Contudo, embora um tipo do Antigo Testamento encontre cumprimen-
to básico em um dos três aspectos da história da salvação (Cristo, igreja, clímax
final), ao mesmo tempo implicações do mesmo tipo podem ser encontradas
nos outros aspectos de cumprimento escatológico. Tal parece ser o caso na tipo-
logia da festividade do santuário, conforme ilustrada no gráfico 4, e portanto
não se deve esperar que cada seção sucessiva do Apocalipse tenha referência
exclusiva à festividade correspondente.
1. Temas da Páscoa. Na cena introdutória do santuário de Apocalipse
1, há uma forte ênfase sobre os temas pascais. Somente aqui no livro há tão
forte concentração sobre a morte e ressurreição de Cristo.26 Ele diz a João:

  Embora a referência ao Cordeiro morto seja encontrada em Ap 5:6, ele é um Cordeiro que
26
Tipologia do santuário

“Não temas; Eu sou o primeiro e o último e aquele que vive; estive morto,
mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos e tenho as chaves da morte
e do inferno” (1:17-18). Anteriormente no capítulo a graça é vista como
vindo de Jesus Cristo, “a Fiel Testemunha, o Primogênito dos mortos [...] e,
pelo seu sangue, nos libertou dos nossos pecados” (1:5).
Paulien (1990, p. 15) observa que “o escrutino das igrejas por Cristo
lembra a busca do fermento pela família judaica pouco antes da Páscoa (ver
Êx 12:19; 13:7)”.27 M. D. Goulder (1981, p. 355) aponta para “uma antiga
tradição de cada igreja ter um círio pascal ardendo no culto desde a Páscoa
até o Pentecostes”, e sugere isto como um fundo para a cena dos sete candee-
iros que representam as sete igrejas. Goulder também fornece interessante
evidência de que outros importantes temas de Apocalipse 1 estão intimam-
ente ligados à Páscoa.28 E o ambiente terrestre é compatível com a Páscoa, a
única festividade com seu cumprimento primário no Cristo terrestre.
2. Temas do Pentecostes. A cena introdutória do santuário de Apocalipse
4–5 parece mais provável retratar a cerimônia de investidura do Cordeiro no
templo celestial,29 um evento que ocorreu durante os dez dias em seguida à
ascensão de Cristo, atingindo seu ponto culminante no dia de Pentecostes.30 Se
esta interpretação está correta, então a segunda grande seção do Apocalipse
pode ser considerada como intimamente ligada ao Pentecostes antitípico. No 135
tempo da visão de João, a Páscoa e o Pentecostes antitípicos eram eventos pas-
sados tendo consequências contínuas. Na liturgia celestial Jesus, o Leão/Cord-
eiro é declarado digno de abrir os selos, para dar início à sua celestial obra de
salvação preparatória para a abertura do livro do destino no juízo final.
Não é sem significado que as leituras tradicionais do lecionário judaico para o
Pentecostes sejam Êxodo 19:1–20:23 e Ezequiel 1.31 Que a visão do trono de Apoc-

tinha sido morto, indicando que sua morte precedeu a cena do trono de Ap 5.
27
  Paulien (1990, p. 15) também documenta a conexão entre o maná (Ap 2:17) e a Páscoa no
Judaísmo primitivo, e nota a alusão a uma “refeição de comunhão mútua” em Ap 3:20.
28
  Goulder (1981, p. 355) salienta que o tema do retorno de Cristo sobre as nuvens seria iden-
tificado pelos leitores do primeiro século com a Páscoa, visto que “era na Páscoa que a igreja
primitiva muito amplamente esperava o retorno de Cristo.” (veja n. 24 para evidência judaica e
cristã). Ele além disto (p. 356) afirma que o “dia do Senhor” (Ap 1:10) nos dias de João se refere à
Páscoa. Parece mais provável, contudo, que esta frase se refere ao sábado semanal, embora
isto pudesse ao mesmo tempo ser um grande sábado.
29
  Veja n. 24 acima.
30
  Veja Ellen G. White (1996, p. 834; 2010, p. 38-39) para apoio deste ponto de vista. Básica evidência
bíblica fortalecendo esta posição inclui passagens como Dn 9:24; At 1:8; 2:32-33; Hb 1:8, 9; Sl 133:2.
31
  Veja Goulder (1981, p. 356, n. 33-34). Goulder salienta que a tentativa rabínica de proibir a
Estudos selecionados em interpretação profética

alipse 4 é extraída grandemente de Ezequiel 1 é inconfundível com suas descrições


similares do trono, do arco-íris e dos quatro seres viventes. Vários detalhes também
parecem aludir a Êxodo 19. Note especialmente as vozes e os relâmpagos (Ap 4:5;
ver Êx 19:16-19) e o chamado “sobe para aqui” (Ap 4:1; ver Êx 19:24).
A conexão com Êxodo 19 não é surpreendente sendo que, como já temos nota-
do, a entrega da Torá (Lei) no monte Sinai provavelmente coincidiu com o primeiro
Pentecostes. Se modelado segundo a experiência do Sinai, Apocalipse 5 pode ser
visto em um sentido de apresentar a Cristo como o Moisés antitípico, recebendo de
Deus a nova Torá. No primeiro Pentecostes Moisés ofereceu o sacrifício sangrento
para ratificar a aliança sinaítica da redenção (Êx 24:8; cf. Êx 20:2; Dt 9:11), e Israel
foi investido como um “reino de sacerdotes” (Êx 19:6). De igual modo o Cordeiro
morto, por Seu “sangue da aliança” (Mt 26:28 = Êx 24:8), redimiu os homens para
Deus (Ap 5:6, 9) e investiu-os como um “reino e sacerdotes para Deus” (Ap 5:10).
3. Temas das trombetas. Na terceira grande seção do Apocalipse, as sete trom-
betas lembram as sete festividades mensais da Lua Nova que formam uma transição
entre as festas da primavera e do outono e chega ao ponto culminante na “Festa”
das Trombetas (Nm 10:2, 10; 29:1). Da mesma forma que a Festa das Trombetas
(também chamada Rosh Hashaná, o Ano Novo judaico) convocava o antigo Israel a
se preparar para o vindouro dia de juízo, Yom Kippur, assim as trombetas de Apoc-
136 alipse destacam especialmente a aproximação do antitípico Yom Kippur.
Enquanto os selos veem a extensão da história a partir da perspectiva da in-
vestidura de Cristo e para a frente, as trombetas parecem retroceder na história
da salvação como indícios ao longo da Era Cristã de que Deus “se lembrará”
(isto é, agirá em favor de) de seu povo e como advertências para o preparo para
o antitípico Dia da Expiação.32 Os chamados de trombetas ao arrependimento
vêm através de sucessivos juízos de alerta e atinge o seu ponto culminante no
interlúdio após a sexta trombeta (Ap 10–11). É de acordo com as imagens da
Festa das Trombetas que o enfoque sobre os últimos acontecimentos (neste in-
terlúdio entre a sexta e a sétima trombetas) detalha o tempo do Grande Desa-
pontamento e o início do juízo investigativo em 1844.33
A sétima trombeta leva à consumação a extensão histórica desta seção do Apoc-
alipse com uma descrição do glorioso clímax: “O reino do mundo se tornou de
nosso Senhor e do seu Cristo, e Ele reinará pelos séculos dos séculos” (Ap 11:15).
Então a reação dos vinte e quatro anciãos (11:18) resume antecipadamente o fluxo

leitura de Ez 1 ocorre no tempo de João (p. 357).


32
  Ver Paulien (1998, cap. 3) para uma descrição mais completa do significado das trombetas.
33
  Veja a discussão do “modelo Ezequiel” acima, p. 114-15; e Maxwell (1991, p. 269-280).
Tipologia do santuário

do restante do livro: as nações se enfurecem, a ira divina, o julgamento dos mortos,


a recompensa dos santos, a destruição dos ímpios (PAULIEN, 1988, p. 337-339).
Temas do Dia da Expiação. A cena introdutória do santuário da quarta
grande seção do Apocalipse (Ap 11:19) nos conduz ao Lugar Santíssimo para o
início do mais sagrado dia antitípico do ano religioso, o dia da expiação (Yom
Kippur). As sete cenas do grande conflito que se seguem destacam o anúncio de
que “é chegada a hora do seu juízo” (14:7).
O Yom Kippur típico incluía não somente (1) a obra do juízo investiga-
tivo, a expiação final e a purificação do santuário (Lv 16), mas também (2)
o juízo retributivo/executivo sobre os pecadores impenitentes do acampa-
mento (Lv 23:29-30) e (3) o rito de eliminação por meio do bode Azazel que
era enviado para o deserto (Lv 16:10, 20-22).
Igualmente, no antítipo, o Dia da Expiação em Apocalipse nos leva através
do juízo investigativo (11:1, 2, 19; 14:7); através das sete últimas pragas (caps.
15–16), e o juízo de Babilônia (17:1–19:4); e sucessivamente através do envio
milenial de Satanás para o “deserto”/abismo e o concomitante juízo de revisão
pelos santos (20:1-10) ao culminante trono branco do juízo e à eliminação final
do pecado na segunda morte (20:11-15). O Dia da Expiação, portanto, abrange
as fases do juízo de investigação, de revisão e executiva do juízo final.34
Temas da Festa dos Tabernáculos. Em Apocalipse 21 o antitípico Dia da 137
Expiação (Yom Kippur) cessou, o “acampamento está limpo”, e a antitípica Festa
dos Tabernáculos pode começar. É surpreendente notar o quanto da seção final
do Apocalipse (e os refletores sobre as recompensas finais dos redimidos das
seções anteriores) é expresso na imagem dos tabernáculos.
A Festa dos Tabernáculos era também chamada a Festa da Colheita, vin-
do depois que a ceifa tinha sido armazenada no celeiro. Igualmente, a festa
antitípica segue a ceifa da Terra (Ap 14:14-20) e constitui a colheita final do
povo de Deus para o seu lar da colheita. O Israel do passado ia a Jerusalém
na “revolução (teqûpah) do ano” (Êx 34:22) para celebrar a festa por sete
dias (mais um oitavo, Lv 23:33-37). No antítipo, o Israel apocalíptico entra
na Nova Jerusalém na revolução dos séculos (“as primeiras coisas passaram.

34
  Várias alusões a passagens do Antigo Testamento nestas seções realmente constituem ima-
gens do juízo investigativo/Dia da Expiação. Por exemplo, a referência a Satanás como “acusador
de nossos irmãos” (Ap 12:10) relembra a cena do juízo investigativo de Zacarias 3 (ver White,
2005, p. 484; 2002, p. 38-41). Para uma análise do juízo investigativo sobre Babilônia nos termos
da lei do falso testemunho de Dt 19:16-21, veja Kenneth Strand (1982, p. 53-60).
Estudos selecionados em interpretação profética

[...] Eis que faço novas todas as coisas” [Ap 21:4, 5]) para celebrar e “adorar
pelos séculos dos séculos” (7:9-17; 22:3-5).
Na festa histórica do Antigo Testamento os israelitas habitavam em “tab-
ernáculos” (sukkôt) de onde a festa derivava seu nome. No final antitípico, “o
tabernaculo” [skēnē, como em Lv 23:42 LXX) de Deus está com os homens, e
Ele habitará [skēnoō] com eles, e eles serão o seu povo, e Deus mesmo estará
com eles” (Ap 21:3). Foi ordenado ao antigo Israel que “se alegrasse perante o
Senhor” (Lv 23:40) na festa. Na prática, isto significava o agitar dos ramos de
palmeira, o cântico, o toque de instrumentos musicais e uma grande festa.35 No
cumprimento apocalíptico, há novamente o agitar dos ramos de palmeira (Ap
7:9), gloriosas antífonas de louvor (7:10; 14:3; 15:2-4), harpistas tangendo suas
harpas (14:2) e a grande ceia das bodas do Cordeiro (19:9).
Durante a festa típica, os adoradores deveriam se lembrar do seu tempo de
peregrinação no deserto (Lv 23:43). Na prática, isto se desenvolvia em duas ce-
rimônias impressionantes: (1) “a água da efusão” simbolizando a água da rocha
que havia nutrido Israel no árido deserto e (2) a “cerimônia das luzes”, comemo-
rando a coluna de fogo que os havia guiado através do deserto.36 Ambas estas
cerimônias por volta do primeiro século d.C. tinham sido reconhecidas por sua
significação messiânica. Jesus apontou claramente para o seu cumprimento
138 cristológico em si mesmo como a luz do mundo e a água da vida (Jo 7:37; 8:12)
(ver BROWN, 1966, p. 326-330, 343-345).
No final e glorioso cumprimento apocalíptico da festa, a festividade da água
presente. Não apenas um cálice do tanque de Siloé, nem mesmo água brotando
de uma rocha, mas um “rio da água da vida, brilhante como cristal, que sai do
trono de Deus e do Cordeiro” (Ap 22:1). E a cerimônia das luzes está ali. Não
candelabros no pátio das mulheres, nem mesmo a coluna de fogo, nem mesmo
o deslumbrante Sol, mas a “glória de Deus é a sua luz, e o Cordeiro é a sua lâm-
pada” (21:23). O apelo final de Jesus no livro parece continuar a imagem dos
tabernáculos “Aquele que tem sede venha, e quem quiser receba de graça a água
da vida” [a água dos Tabernáculos perfeitos] (22:17).

Considerações finais
Ao concluirmos esta pesquisa da terminologia do santuário, devemos no-
tar algumas relacionadas imagens tipológicas adicionais não mencionadas na

  Para a prática rabínica, veja Mishnah, Sukkah 5.1-4.


35

  Para uma descrição destas cerimônias, veja Mishnah, Sukkah 4.9; 5.1-3.
36
Tipologia do santuário

discussão geral do tema do santuário dentro da estrutura geral do Apocalipse.


Algumas dessas alusões são explícitas, outras referências são mais indefiníveis.
O “maná escondido” (2:17) certamente pertence ao tema do Êxodo, mas tam-
bém pode se referir ao maná “escondido” dentro da arca no Lugar Santíssimo (cf.
Êx 16:32-34; Hb 9:4). A promessa aos vencedores de Sardes de que eles seriam
vestidos de vestiduras brancas (3:4) pode simbolizar mais do que pureza/justiça.
O símbolo pode também apontar para sua função como sacerdotes antitípicos
com Cristo (tal função torna-se explícita em 1:6; 5:10). As várias referências aos
vinte e quatro anciãos (4:4) podem aludir ao sacerdócio levítico e seus vinte e
quatro turnos de sacerdotes levitas (1Cr 24:1-19).
Os quaro seres viventes, mencionados repetidamente ao longo do Apocalipse
(4:6-9) são quase idênticos aos seres de Ezequiel 1 e 10. Na última passagem eles são
identificados como “querubins”. Esses seres podem ser considerados como os corre-
spondentes antitípicos para os querubins sobre a arca do santuário terrestre.37
Finalmente, em uma disposição semelhante, as numerosas alusões aos
Salmos e outras passagens hinológicas do Antigo Testamento na liturgia
celestial de louvor podem ser vistas na relação antitípica aos salmos litúr-
gicos terrestres no santuário do antigo Israel.38
Não seria exagero concluir que o último livro do Novo Testamento reúne
todos os grandes fios da tipologia do santuário do Antigo Testamento e tece-os 139
em um complexo e formoso tapete para formar o pano de fundo de todo o livro.
No processo, o profeta revela a centralidade e importância do tema do santuário
para desvendar a estrutura, mensagem, e significado do Apocalipse.

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37
  Interessantemente, Ellen G. White (1870, v. 1, p. 399) indica que “quatro anjos celestiais sem-
pre acompanhavam a arca de Deus em todas as suas jornadas, para guardá-la de todo perigo, e
para cumprir qualquer missão deles exigida em conexão com a arca”.
38
  Veja acima, n. 7; importantes comentários sobre Apocalipse para exemplos das copiosas
alusões aos Salmos nos hinos litúrgicos de Apocalipse.
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142 WHYBRAY, R. N. The Heavenly Councellor in Isa. XI 13-14. Cambridge: [s.n.], 1971.
Tipologia do santuário

Gráfico 1 Tipologia bíblica: visão geral

I. Significado da interpretação Tipológica do AT pelo NT


A. Avaliações modernas:
1. Leonard Goppelt: Tipologia “é a maneira central e distintiva de compreender
as Escrituras”.
2. G. Ernest Wright: “A única palavra que talvez melhor do que qualquer outra
descreve o método da Igreja primitiva de interpretar o AT é ‘tipologia.’”
3. Robert G. Grant: “O método do Novo Testamento de interpretar o Antigo
era geralmente o da tipologia.”
4. E. Earle Ellis (citando W. G. Kümmel): “A interpretação tipológica expres-
sa muito claramente ‘a atitude básica do Cristianismo primitivo para com o
Antigo Testamento.’”
B. Crítica: As asserções acima podem exagerar o caso, mas certamente a
tipologia provê um importante estudo de caso na hermenêutica do NT.
II. Duas modernas visões de tipologia bíblica: tradicional e “pós-crítica”
A. Tipologia Tradicional é o estudo da prefiguração divinamente designada (na
forma de pessoas/eventos/instituições) que apontam para o seu cumprimento 143
antitípico em Cristo e nas realidades do evangelho produzidas por Cristo.
B. “Neotipologia Pós-crítica”: Tipologia é o estudo das correspondências
históricas entre pessoas, eventos e instituições do AT e NT, retrospectiva-
mente reconhecidas dentro da consistente revelação de Deus na História.
C. Principais elementos de diferença:

Tradicional Crítico-Histórica
1. Firmada em realidades históricas 1. Historicidade não essencial.
(historicidade essencial).
2. Prefiguração divinamente designada 2. Analogias/correspondências dentro de
modos de atividades similares de Deus.
3. Prospectiva/preditiva. 3. Retrospectiva (pouco ou nenhum
elemento preditivo).
4. Prefigurações se estendem a detalhes 4. Envolve somente “situações paralelas”
especiais. gerais.
5. Inclui tipologia vertical (santuário). 5. Rejeita vertical como estranha à perspec-
tiva bíblica. (Hebreus = mítico/dualista).
6. Envolve princípios consistente de 6. Nenhum sistema ou ordem — liber-
interpretação dade do Espírito.
Estudos selecionados em interpretação profética

1 23

Gráfico 2 - Interpretação Tipológica do Antigo Testamento:Identificando os Tipos

Tipo do Antigo Testamento Indicador Verbal de Tipologia Anúncio do Antítipo no


(Pessoa/Evento/Instituições) no Antigo Testamento Novo Testamento

1. Êxodo: Novo Êxodo1 Êxodo Antitípico2


Livro de Êxodo; Os 2:14-15; 12:9, 13; 13:4-5; Mt 1:5; Lc 9:31, etc.
Oséias 11:1, etc. Jr 23:4-8; 16:14-15; 31:32;
Is 11:15-16; 35; 40:3-5;
41:17-20; 42:14-16; 43:1-3,
14-21; 48:20-21; 49:8-12;
51:9-11; 52:3-6, 11-12;
55:12-13

2. Santuário Original Celeste3 Original Celeste


Êxodo 25–40 Êx 25:40; Sl 11:4; 18:6 ; Hb 8:5; 9:24; Ap 8:1-5;
60:6; 63:2; 68h35min; 96:6; 11:19; 16:1; etc.
102:19; 150:1; Is 6; Jn 2:7;
Mq 1:2; Hc 2:20; etc.
144
3. Jonas Novo Jonas Jonas Antitípico
O Livro de Jonas Os 6:1-3 (=Israel); Is 41–53 Mt 12:40; etc.
(Messias representa e
recapitula a experiência de
Israel: Is 41:8; 42:1; 44:1;
49:3-6; 52:13–53:11, etc.)

4. Elias Novo Elias Elias Antitípico


1Rs 17–19 Ml 4:5, 6 Mt 11:14; Mc 9:11; Lc 1:17

5. Moisés Novo Moisés Moisés Antitípico


Pentateuco Dt 18:15-19 Jo 1:21; 6:14; 8:40; etc.

1
Veja C. H. Dodd, According to the Scriptures: The Substructure of New Testament Theology
(Londres, 1952), esp. 75-133.
2
Veja George Balentine, “The Concept of the New Exodus in the Gospels,” (diss. Th.D., Southern Bap-
tist Theological Seminary, 1961); cf. id.., “Death of Christ as a New Exodus,” RevExp 59 (1962): 27-41.
3
Veja Davidson, Typology in Scripture, 367-88; id., Issues in the Book of Hebrews, 156-69.
Gráfico 3 - Quádrupla subestrutura escatológica da tipologia
Dimensão vertical abrangente
Resolução
da tensão
Irrompimento de poderes
da era vondoura

Pentecostes
Antigo testamento Primeiro advento Espírito Santo Segundo advento

Primeiro advento Segundo advento


Antigo Testamento A Igreja
de Cristo de Cristo
Na linguagem do Reino Reino Teocrático Reino da Graça Tensão entre “Já” e “Ainda Reino da Glória
(governo direto de Deus ou (Mt 12:28; Hb 4:16) não” (Mt 16:19) (Mt 25:31)
seu representante terrestre)
Na linguagem Predições verbais
Escatologia Inaugurada Escatologia Apropriada Escatologia Consumada
escatológica do fim dos tempos
Tipologia
Tipos do Antigo Antitipos do Novo Testamento
Aspectos do Testamento
cumprimento tipológico Pessoas, eventos Cristo Igreja Clímax Final
e instituições (Cristológico) (Eclesiológico) (Apocalíptico)
Cumprimento Cumprimento parcial Cumprimento literal
Modos de cumprimento Nacional, étnico
literal e local espiritual e universal glorioso e final
Exemplos (1) Novo Israel Israel de Deus Israel apocalíptico
Israel
(Mt 2:15) (Gl 6:16) (Ap 7:4)
Êxodo de Cristo Êxodo espiritual Êxodo apocalíptico
(2) Êxodo
(Mt 1-5; Lc 9:31) (Hb 4; 2 Co 6:17) (Ap 15:1-3)
Templo celeste/
(3) Cristo como Templo Igreja como templo Templo supremo
Santuário / Templo
(Jo 1:14; 2:21; Mt 12:6) (1 Co 3:16 e 17; 2 Co 6:16) (Ap 3:12; 7:15; 11:19; 21:3 e 22)
Tipologia do santuário

145
146
Gráfico 4 - Festividades de Levítico 23: Aspectos Tipológicos no Novo Testamento
A. Primavera: ** *** AT Festividade Cristológico* Eclesiológico* Apocalíptico*
1 Festa do Cordeito
1 (NISÃ) 14 Páscoa (Pesach) Crucifixão (Mt 26:27- Ceia do Senhor
(Lc 22:15-16; Mt 26:29;
(Lv 23:4 e 5; Êx 12:1-14) 28; 27:46; Jo 19:31-37) (1 Co 5:7; 11:23-26)
Ap 19:7-9; 15:1-3)
1 (NISÃ) 15-21 Festa dos pães asmos Provisão para remoção do Remoção do pecado Remoção do pecado
(Lv 23:5-8; Êx 12:8-20) pecado (1 Co 5:6-8) (1 Co5:6-8) (1 Co 15:22 e 53; Ap 14:4-5)

1 (NISÃ) 16 Primícias Ressurreição Primícias do Espírito 144.000 como primícias


(Lv 23:4-14) (1 Co 15:23) (Rm 8:23) (Ap 14:4)
2 Unção com o Espírito “Chuva Temporã” “Chuva Serôdia”
3 (SIVÃ) 6 Pentecoste (Shavout)
(Lv 23:15-22) (Mt 3:16 e 17; At 10:38) (Jl 2:23; At 2) (Joel 2:23; Ap 18:1)
B. Outono: **
Trombetas
Chamado ao Juízo Chamado ao Juízo Chamado ao Juízo
7 (TISHRI) 1 (Rosh Hashaná)
(Jo 12:31) (Ap 8 e 9; 1 Pe 4:17) (Ap 14:6 e 7; Jl 2:1)
(Lv 23:23-25)
Bode do Senhor (Hb 9:25-26;
1844 ao fim do Milênio
7 (TISHRI) 10 Dia da expiação DTN 24 e 275; AA 33) Cristo purifica o templo da
Estudos selecionados em interpretação profética

(Dn 8:14; Ap 11:19; 14:6-8 e 20)


(Yom Kippur) Cristo vem subtamente para alma (Ml 3:3; 2 Co 6:16-17;
Cristo purifica o Templo celestial
(Lv 16; 23:26-31) purificar Seu templo. 1 Co 3:16 e 17; DA 161)
(Ml 3:1-3; GC 424-426)
(Ml 3:1-3; Jo 2:13-22; DA 161)
3 Cristo “habita” (Jo 1:14); Observar a festa hoje PP
7 (TISHRI) 15-22 Tabernáculos
Cêrimônia da água antitípica 540-541, água antitípica Nova Terra (Zc 14:16; Ap 7:9-12;
(Sukkoth)
(Jo 7:37) e cerimônia das luzes (Jo 7:37) e Luz (Mt 5:14- 14:1-5; 19:6-12 e 21-22)
(Lv 23:33-36)
(Jo 8:12a) 16; Jo 8:12b)

*Espaços sombriamente delineados = Cumprimento primário na extensão da história da salvação.


**Nas datas para as festas, o primeiro número se refere ao mês e o segundo número(s) ao dia(s) do mês.
***Os números indicam as três festividades (Páscoa/Pães Asmos, Pentecostes, Tabernáculos) realmente designadas como hag (festa) nas Escrituras.
Relações entre Daniel e
6
Apocalipse
Richard Lehmann

Esboço do capítulo
1. Introdução
2. Uso de Daniel pelo Novo Testamento
3. Alusões a Daniel em Apocalipse
4. Por que estudar Daniel e Apocalipse?

Sinopse editorial. Como inté-


rpretes historicistas, os adventistas
sempre reconheceram a estreita
ligação entre Daniel e Apocalipse.
Alguns assuntos, apresentados pela
primeira vez em Daniel, são repeti-
dos e aprimorados em Apocalipse
na medida em que ambos cobrem a
extensão da Era Cristã.
Em 1902 Ellen White escreveu:
“Era minha ideia ter os dois livros
encadernados juntos, Apocalipse
seguindo a Daniel, oferecendo mais
ampla luz sobre os assuntos apre-
sentados em Daniel. O alvo é unir
esses livros, mostrando que ambos
se relacionam com os mesmos as-
suntos” (WHITE, 2002, p. 117).
Estudos selecionados em interpretação profética

Sendo que a moderna erudição liberal nega a possibilidade da profecia e re-


stringe Daniel e sua mensagem a um ambiente da Palestina do segundo século
a.C., o presente autor sugere que a igreja de hoje precisa de razões adicionais
para justificar seu estudo de Daniel e Apocalipse em conjunto.
Além dos vínculos de gênero literário comum (apocalíptico) e tema co-
mum, ele sugere outra linha de evidência: referências do Novo Testamento a
Daniel 2, 7 e 9. Os escritores do Novo Testamento não eram “futuristas” no
moderno sentido religioso do termo. Antes, eles reconheciam que as partes
escatológicas de Daniel não tinham ainda se cumprido — em seu tempo ou
antes do seu tempo, mas se destinavam a ter cumprimento em algum ponto
do tempo que era futuro para eles. Consequentemente, é legítimo ligar Dan-
iel a Apocalipse em seus pontos de interesse comum da Era Cristã.
Partindo de uma perspectiva mais ampla, o autor sugere que preocu-
pações éticas comuns, períodos de tempo cronológicos, bem como a ên-
fase sobre o Filho do homem messiânico em Daniel e Apocalipse de tal
modo se complementem e suplementem um ao outro que as duas profe-
cias devam ser estudadas em conjunto.

Introdução
148
É procedimento tradicional entre os adventistas do sétimo dia analisar os
livros de Daniel e Apocalipse segundo suas relações mútuas (ver WHITE, 2002,
p. 116; 1957, v. 7, p. 971). Por exemplo, deve ser evidente para qualquer leitor
que os animais de Daniel 7 devem ser outra vez encontrados na besta do mar
de Apocalipse 13, que as fases milenial e executiva do juízo final em Apocalipse
20 não estão sem conexão com a descrição do juízo pré-advento de Daniel 7, e
que a permanência da mulher no deserto em Apocalipse 12:6, 14 é idêntica à
perseguição dos santos mencionada em Daniel 7:25.
Mas nem todos os pesquisadores veem a ligação do mesmo modo. Certos
teólogos preferem ver Isaías e Ezequiel como o pano de fundo para Apocalipse
(COMBLIN, 1965, p. 11). Portanto, torna-se necessário hoje — muito mais do
que no passado — justificar nossa escolha e nossa interpretação do livro de
Apocalipse em conexão com o livro de Daniel. Que razões podemos sugerir
para alinhar Apocalipse especialmente com o livro de Daniel?
Se vemos um elo relacionado entre as duas profecias, é essencialmente
porque encontramos nelas a mesma descrição, periódica e contínua, da história
do mundo e da igreja. Cremos que esses livros tratam da nossa história do mun-
do e armam seus principais cenários em conexão com a história da redenção.
Relações entre Daniel e Apocalipse

A erudição crítico-histórica considera o livro de Daniel como restrito ao


Judaísmo do segundo século a.C. Somente alguns versículos são aceitos como
de natureza profética. Consequentemente, é necessário estabelecer a partir das
Escrituras se Daniel tinha uma mensagem apocalíptica que se estendia além
daquela época. Podemos legitimamente perguntar aos escritores do Novo Tes-
tamento se Daniel menciona eventos do fim dos tempos e se eles viam o cum-
primento de suas profecias como ocorrendo em pontos futuros para seus dias.
Se podemos responder afirmativamente a essas interrogações, temos então
o direito de ligar Daniel e Apocalipse sobre a base de uma interpretação comum.
Além disso, se podemos estabelecer que as profecias de Daniel eram percebidas
nos tempos do Novo Testamento como tendo precisas aplicações históricas, en-
tão seremos capazes de interpretar os dois livros como lidando com a história
contínua deste mundo em relação com o plano da salvação.

Uso de Daniel pelo Novo Testamento

A pedra que destrói


A profecia de Daniel 2 é uma narração de uma sucessão de poderes políticos
que se estendem desde os dias de Daniel até o fim dos tempos (Dn 2:36-45). 149
Viam os autores do Novo Testamento a profecia já cumprida? É verdade que os
Evangelhos se referem apenas à última parte dela — a pedra que fere a imagem
metálica em seus pés. Mas é de interesse ver se eles percebiam a ação destrutiva
da pedra como um evento passado ou futuro.
Duas referências são feitas à profecia de Daniel 2. Em Lucas 20:18 e Ma-
teus 21:44, é feita referência a uma pedra. “Todo o que cair sobre esta pedra
ficará em pedaços; e aquele sobre quem ela cair ficará reduzido a pó” (Mt
21:44). A leitura desses dois textos poderia sugerir que eles estão aludindo
a Salmo 118:22-23 em vez de Daniel 2, sendo que a primeira passagem lida
com a pedra rejeitada pelos construtores, que se tornou a pedra angular do
Templo. Contudo, por várias razões cremos que nesse caso Jesus combina
ambas as referências (Sl 118 e Dn 2) em sua declaração.
Ambos os textos do Evangelho parecem lembrar a dupla ação declarada
em Daniel 2:34-35. A pedra, foi dito, quebra os reinos em pedaços e os es-
palha como “a palha das eiras no estio”. Em outras palavras, a pedra esmaga
e tritura. Nos Evangelhos, pessoas que caem sobre a pedra são esmagadas ou
são trituradas se a pedra cai sobre elas.
Estudos selecionados em interpretação profética

Além disso, Mateus e Lucas usam o mesmo verbo grego que a LXX (Teod.)
em Daniel 2:44 para “esmagar” ou “triturar. “Triturar” (grego, likmaō), ocorre
na LXX (Teod.) somente em Daniel 2:44 e Rute 3:2.
Parece evidente que quando Mateus e Lucas declaram que aquele que cai
sobre a pedra será esmagado e aquele sobre o qual a pedra cai será triturado — a
mesma ordem verbal que em Daniel —, eles têm Daniel 2 em mente.
Vale a pena saber como Jesus e os escritores dos Evangelhos compreendiam
essa referência à pedra de Daniel. Olhavam eles para os eventos do primeiro século
como cumprimento da profecia? Alguns acham que sim; mas eu penso que não.
Lucas 20:18. Analisemos o contexto imediato da referência extraída de Lu-
cas 20. Ele segue a parábola dos lavradores maus (Lc 20:9-16) e prediz o jul-
gamento de Israel. Quando se aproxima o tempo da colheita, o proprietário
quer receber o fruto de sua vinha. Mas a impiedade dos lavradores o compele a
exercer juízo sobre eles e alugar a vinha a uma nova turma de lavradores.
Seus ouvintes mentalmente recusaram tal resultado. Como poderia Deus
escolher outra nação? Assim Jesus — falando para a questão silenciosa — per-
gunta-lhes: “Que quer dizer, pois, o que está escrito: A pedra que os constru-
tores rejeitaram, esta veio a ser a principal pedra, angular?” (v. 17). Ele então
traz à baila a referência a Daniel 2 (v. 18).
150 Uma leitura superficial poderia levar o leitor a imaginar que Jesus vê sua
rejeição pelos judeus como o cumprimento por Israel da profecia de Daniel 2.
Uma leitura mais cuidadosa mostra que este não é o caso.
O futuro escatológico do verso 18 deve ser notado (ficará em pedaços, ficará
reduzido a pó). Os efeitos da pedra são projetados para um futuro indeterminado.
Além disso, se a designação “construtores” aponta para os dirigentes de Is-
rael ou para a própria nação, o “todo o que” do verso 18 sugere uma aplicação
universal. O juízo a cair sobre Israel em 70 d.C. é apenas um exemplo histórico
apontando para o que acontecerá a “todo o que” rejeita o Messias.
Essa interpretação é confirmada pela passagem de Mateus, que é mais
detalhada do que a de Lucas.
Mateus 21:44. Este verso não tem sido retido por todos os exegetas. Creio,
porém, juntamente com o The Seventh-Day Adventist Bible Commentary, que
ele pode ser mantido. O verso aparece em importantes manuscritos; e sua omis-
são em outros pode ser explicada como um erro de copista devido à palavra
final semelhante nos versos 43 e 44 (autēs/auton) no texto grego. Além disso, o
verso 44 se ajusta perfeitamente à linha de raciocínio do contexto.
O Evangelho de Mateus é fortemente orientado para a igreja. Beda Rigaux
afirma que entrar no Evangelho de Mateus é como entrar numa catedral. Não
Relações entre Daniel e Apocalipse

é de surpreender que Mateus seja aqui mais detalhado e preciso do que Lucas.
Portanto, ele registra a declaração de Jesus: “O reino de Deus [...] será entregue
a um povo que lhe produza os respectivos frutos” (v. 43). Além disso, Jesus não
faz sua referência a Daniel 2 após a citação de Salmo 118, mas imediatamente
depois de mencionar a vinda de outra “nação”.
Temos, portanto, em ordem sucessiva: o verso 42 e o Salmo 118; o verso 43
e a transferência do reino; o verso 44 e Daniel 2. A referência à igreja (reino de
Deus) é posta entre as duas referências a uma pedra. O verso 42 está ligado ao
verso 43 por meio de uma conjunção — “portanto” (dia touto) — a qual mostra
que se Jesus é a pedra angular, Ele é a pedra angular da igreja.
O verso 44 está ligado ao verso 43 por meio de um pronome demonstrativo
de proximidade (houtos, “esta”) em vez do pronome demonstrativo de distân-
cia (ekeinos, “aquela”) encontrado em Lucas. Tivesse Mateus desejado omitir
a referência à igreja (v. 43) a fim de ligar o verso 44 ao verso 42 (as duas de-
clarações sobre pedra), ele teria simplesmente usado “aquela [ekeinos] pedra” de
Lucas. Essa linha de raciocínio significa que a igreja está edificada sobre Jesus
Cristo (v. 42) e que ela participa de sua vitória (v. 43). A atitude dos judeus para
com a igreja é semelhante àquela que eles têm para com Cristo.
Significa isso que a igreja é o reino predito na profecia de Daniel? Não, ab-
solutamente. Por três razões, a pedra não deve ser identificada com a igreja no 151
primeiro advento de Cristo. Primeira, há o tempo futuro do verso 44 conforme
observado antes (“todo o que cair sobre esta pedra ficará em pedaços”). So-
mente o juízo final revelará e demonstrará a vitória da igreja.
Segunda, existe a distinção que Jesus faz na parábola entre a primeira e a seg-
unda vinda do dono de casa ou pai de família. Quando ele envia seu filho, o tempo
da colheita não é ainda chegado. Como disse Mateus, ele apenas “se aproximava” (v.
34, KJV). Mas quando o dono de casa vier para executar justiça sobre seus ímpios
lavradores (v. 40), é também com uma intenção de receber os frutos em seu tempo.
Assim, segundo a parábola, há somente um tempo de colheita; quando Jesus esteve
na Terra esse tempo estava apenas “se aproximando”.
Uma razão adicional está no fato de que Mateus fornece um detalhe (v. 41)
que não aparece em Lucas: os novos lavradores “lhe produzirão os respectivos
frutos em seu devido tempo”, isto é, no tempo da colheita. E só então sua fi-
delidade será demonstrada. Esta involuntária alusão à igreja pelos fariseus pode
ser explicada em termos da parábola e do registro pelo método semítico da
inclusão. Esse método consiste em repetir no final de uma história (v. 41) o
tema do início (v. 34) a fim de dar coerência ao relato (ver Mt 7:16, 20; 12:39, 45;
15:2, 20; 16:6, 12; 18:1, 4 etc.). A função adequada dos novos lavradores lembra
Estudos selecionados em interpretação profética

o propósito da história, seu principal objetivo. No tempo da colheita o Senhor


virá para receber o fruto. Há, portanto, um tempo no futuro quando o Senhor
virá à sua vinha; naquele tempo Ele será recebido por sua propriedade.
A profecia de Daniel 2 diz respeito ao fim do tempo. A pedra (rei-
no) que “trilharia” (trituraria) as nações, segundo as palavras de Cristo, era
futura em seus dias e pertence ao vitorioso estabelecimento do eterno reino
de Deus. Isso acha confirmação também no fato de que a igreja dos crentes
genuínos não é plenamente manifestada até “o tempo da colheita”, “quando
Ele [Cristo] virá para ser glorificado em seus santos, e ser admirado em to-
dos os que creem [...] naquele dia” (2Ts 1:10, KJV).

O Filho do Homem e a abominação da desolação


Depois de Daniel 2, não é surpreendente ver o Novo Testamento dar ainda
mais atenção a Daniel 7. C. H. Dodd acha que esse capítulo do Antigo Testa-
mento “pertence aos próprios fundamentos do pensamento neotestamentário”
(DODD, 1968, p. 69). Esse capítulo serviu como ponto de referência para Jesus
bem como para os apóstolos. A mais óbvia referência (embora não citada dire-
tamente) é Daniel 7:13 — a profecia do Filho do homem vindo nas nuvens.
Outra vez, segundo Dodd, ”obviamente temos de lidar com uma daque-
152 las passagens que desde o início guiou de uma maneira decisiva o pen-
samento e o vocabulário da igreja concernente ao que tinha a ver com um
dos pontos essenciais do Kerygma, o retorno de Cristo como juiz e Salvador
da humanidade” (DODD, 1968, p. 67).
O Filho do homem nas nuvens é mencionado por Jesus em seu discurso es-
catológico: “E então eles verão”, disse Ele, “o Filho do homem vindo nas nuvens com
grande poder e glória” (Mc 13:26, KJV). Diante do Sinédrio, Ele incluiu com a
alusão a Daniel uma referência a Salmo 110:1. “E vereis o Filho do homem assen-
tado à mão direita do poder, e vindo nas nuvens do céu” (Mc 14:62). Uma referência
implícita a Daniel 7 é apresentada nas palavras dos anjos aos apóstolos na ascensão
de Jesus quando uma nuvem o encobriu dos seus olhos. “Esse Jesus que dentre vós
foi assunto ao céu virá do modo como o vistes subir” At 1:11). O apóstolo Paulo tirou
disto uma conclusão óbvia: no retorno de Cristo os redimidos serão arrebatados
“entre nuvens, para o encontro do Senhor nos ares” (1Ts 4:17).
É possível que quando Paulo afirma que os santos julgarão o mundo (1Co
6:2), ele esteja pensando em Daniel 7:22, onde diz que o “juízo foi dado aos san-
tos” (KJV) e eles possuem o reino (veja também Ap 20:4). Daniel 7:18 também
declara que os santos do Altíssimo receberão o reino. Essa alusão ao reinado
dos santos é refletida em 2 Timóteo 2:12. Finalmente Jesus afirma que é Ele
Relações entre Daniel e Apocalipse

quem confere o reino aos santos para que possam reinar com Ele (Lc 22:29, 30;
cf. Ap 5:9-10). Os conceitos de Daniel 7:18, 22 são combinados em uma simples
declaração de Jesus em Mateus 19:28 — “Na regeneração quando o Filho do
homem se assentar no trono da sua glória, vós também vos assentareis sobre
doze tronos, julgando as doze tribos de Israel.” Notemos que essas predições não
se referem a um evento do passado, mas são orientadas para o futuro.
Observemos que estas referências a Daniel na interpretação adventista têm
um caráter escatológico futuro. É o mesmo no uso feito delas pelo Novo Testamen-
to. E essas não são as únicas. Outras poderiam ser acrescentadas. Por exemplo,
Daniel 12:2/Mateus 25:46; Daniel 12:3/Mateus 13:43.
Concluamos esta parte do nosso estudo examinando a referência explícita de Je-
sus à “abominação da desolação” (Mt 24:15). Os judeus estavam familiarizados com
o livro de Daniel. Eles evidentemente viam no sacrilégio perpetrado por Antíoco
Epífanes o cumprimento de uma de suas profecias (1 Macabeus 1:54; 6:7). Como
poderia ter sido de outro modo para um povo afligido que tentava compreender os
eventos contemporâneos à luz da profecia? Tudo o que eles ainda aguardavam era
“a consumação, e o que está determinado será derramado sobre o assolador” (Dn
9:27) e o aparecimento do Messias. O advento do Messias e o fim do mundo eram
um e o mesmo acontecimento em sua estimativa (Mt 24:3).
O que é impressionante acerca da referência de Jesus à “abominação da des- 153
olação de que falou o profeta Daniel” é que Ele corrige a interpretação que os
judeus davam a isto. Para Ele, “a abominação da desolação” não tinha ainda
chegado! Jesus projetou no futuro além do seu tempo o que o pensamento judaico
considerava ter ocorrido. Certamente, é a Judeia, e mais precisamente Jerusalém,
diz Lucas, que vê o início desses eventos, mas eles se estenderão universalmente,
porque os justos têm de ser reunidos dos quatro ventos, da extremidade da
Terra até a extremidade do céu (Mc 13:27).
Podemos concluir esta seção observando que até onde temos pesquisa-
do as profecias de Daniel interpretadas no Novo Testamento, nenhuma é
vista como tendo tido uma aplicação no passado ou no presente pelos escri-
tores do Novo Testamento. Cada vez que o material é interpretado escato-
logicamente, é parte das profecias de Daniel que lida com o fim dos tempos.
Portanto, temos todos os motivos para pensar que o livro de Daniel é visto
pelos escritores do Novo Testamento como um livro cujo cumprimento é
esperado no futuro além deles, isto é, no fim da era.
Significa isto que os escritores do Novo Testamento estão adotando um
método futurista de interpretação? Não, porque como temos visto, eles es-
tão citando aquelas porções das profecias de Daniel 2 e 7 que em si mesmas
Estudos selecionados em interpretação profética

estão lidando com o fim dos tempos. Referências ao texto de Daniel 9 nos
mostrarão que a igreja primitiva lia as profecias de Daniel em uma estrutura
cronológica e contínua. Para Jesus e os autores do Novo Testamento, o livro
de Daniel (especificamente os capítulos 2 e 7) não deve ser interpretado
em um sentido preterista. Nessas grandes cenas delineadas estamos lidando
muito mais com o tempo porvir.

Jesus, o Ungido de Daniel 9


A profecia das setenta semanas (Dn 9) tem sido objeto de considerável
estudo. Nossa interrogação é: via a igreja primitiva a profecia das setenta se-
manas como a vemos? Isto é, via ela em Jesus o cumprimento dessa profecia?
Eles a consideravam como tendo um caráter cronológico? Temos razão para
dizer sim a essas indagações.
Por unanimidade, os historiadores afirmam que no primeiro século de
nossa era a expectativa messiânica de Israel estava em efervescência. Te-
mos algumas evidências disso no Novo Testamento. Por exemplo, o apóstolo
Paulo justifica seu apelo a César diante dos principais dos judeus em Roma
por causa da “esperança de Israel” (At 28:20).
Essa esperança só podia ser a do Messias (1Tm 1:1). Lucas observa que
154 quando João Batista apareceu, o povo estava na expectativa, “discorrendo
todos no seu íntimo a respeito de João, se não seria ele, porventura, o próp-
rio Cristo” (Lc 3:15). Para Paulo, o assunto é claro. “No devido tempo”, diz
ele, “Cristo morreu pelos ímpios” (Rm 5:6,).
O próprio Jesus parece estar ciente do elemento tempo dessa profecia
que prediz o aparecimento e morte do Messias (Dn 9:25-26; cf. Mc 1:15). O
evangelista João, que presta grande atenção à questão da cronologia, sub-
linha essa ênfase quando relata a repetida observação de Jesus de que sua
hora ainda não era chegada (Jo 7:6, 8; 2:4; 7:30). No cenáculo, pouco antes
de ser preso, Jesus orou: “Pai, é chegada a hora” (Jo 17:1).
Neste contexto devemos compreender as palavras do apóstolo Paulo: “Vin-
do, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho” (Gl 4:4). E quando
ele declara precisamente que Jesus foi “nascido de mulher, nascido sob a lei”, é
porque ele pensa na vinda de Jesus como situada na história.
É provável, portanto, assumir que a igreja primitiva reconhecia Jesus como
sendo o Cristo, quer dizer o Ungido, porque via seu determinado aparecimento
e execução como um cumprimento de Daniel 9. Uma importante declaração de
Jesus indica muito bem que Ele se considerava o Ungido predito pela profecia.
Disse Ele em Mateus 26:28: “Este é o meu sangue do novo testamento, que é
Relações entre Daniel e Apocalipse

derramado por muitos” (KJV). Philip Mauro faz a observação de que as pala-
vras de Cristo não poderiam estar em mais perfeito acordo com as da profecia:
“E ele confirmará a aliança com muitos” (MAURO apud FORD, 1978, p. 201).
Assim o Novo Testamento confirma que a profecia das setenta semanas
concernente ao Ungido encontra seu cumprimento na pessoa de Jesus. Sua
vinda e morte eram dependentes de um programa conhecido e anunciado
há muito tempo pela profecia.
Podemos acrescentar que a relação entre os livros de Daniel e Apocalipse está
também nesta área da profecia messiânica. A Igreja Adventista do Sétimo Dia tem
bons motivos para estar interessada em ambos os livros proféticos. Como profecias
apocalípticas, eles apresentam a história em seu desdobramento associando-a com
o foco central do Céu — a pessoa e a obra de Jesus Cristo.

Alusões de Apocalipse a Daniel


Que lugar ocupa o livro de Daniel em Apocalipse? Se esses dois livros têm
uma estreita relação, devemos procurar alguns aspectos do livro de Daniel li-
gados ao Apocalipse. H. B. Swete fez uma análise do vocabulário de Apocalipse.
Embora sua obra seja muito antiga (a data da segunda edição que eu consultei é
1907 [SWETE, 1907]) ela nos será útil para nosso propósito. 155
Embora certos livros da Bíblia sejam usados mais do que outros em Apoc-
alipse, há uma ausência total de citações formais. Mais da metade das referên-
cias são extraídas os Salmos, das profecias de Isaías e Ezequiel, e do livro de
Daniel. Mas segundo Swete, proporcional à sua extensão, o livro de Daniel é de
longe o mais usado (SWETE, 1907, clii). Segundo P.-M. Bogaert, “implícita ou
explícita, a referência a Daniel constitui uma das mais certas características da
literatura de origem apocalíptica” (BOGAERT, 1980, p. 36). Seria tedioso apre-
sentar todas as referências, porque há mais de 30. Mas notemos várias.
Primeiro, imagem de Daniel 2. Esta profecia de Daniel diz respeito ao
“que há de ser futuramente” (Dn 2:45). João usa este vocabulário em algumas
seções não descritivas para especificar que suas visões se relacionam com
“coisas que em breve devem acontecer” (1:1; 22:6) ou “depois destas coisas”
(4:1). Segundo Daniel 2:28, o profeta declarou que o Deus que revela misté-
rios fez saber ao rei o que há de ser nos últimos dias. Agora, segundo João,
é o próprio Jesus que lhe pede que escreva as coisas que hão de acontecer
depois destas, o mistério das sete estrelas (Ap 1:19, 20).
Estas alusões a Daniel 2 provêem mais do que imagens linguísticas. Elas
são escritas nas séries de eventos que se sucedem uns aos outros. O uso do
Estudos selecionados em interpretação profética

vocabulário de Daniel não é feito por acaso. Por exemplo, a visão de Dan-
iel (cap. 2) termina com o juízo de Deus simbolizado por uma pedra que
esmiúça a estátua e espalha seus pedaços em tal extensão que “o vento os
levou, que nenhum lugar foi achado para eles” (Dn 2:35, KJV). De maneira
idêntica, a visão dada a João acerca do mundo presente finaliza com a cena
do juízo final de “um grande trono branco, e aquele que se assentava sobre
ele, de cuja face a terra e o céu fugiram; e não foi achado nenhum lugar para
eles” (Ap 20:11, KJV). Há uma clara correspondência entre o fim da visão de
Daniel e o fim do presente mundo segundo João.
O capítulo de Daniel mais citado em Apocalipse é o capítulo 7. Veja
as 12 referências enumeradas abaixo. 1 Alusões a Daniel parecem às vezes
fazer mais do que prover fraseologia. Antes, são escritas na perspectiva de
uma interpretação linear, de conformidade com o que temos encontrado
em outro lugar no Novo Testamento. Por exemplo, Jesus vem com as nu-
vens (Ap 1:7; Dn 7:13), e Ele se mostra a João como um semelhante ao
Filho do homem (Ap 1:13; Dn 7:13).
Como em Daniel, a ação do chifre pequeno termina na guerra que ele trava
contra os santos (Dn 7:21-22, 25), assim em Apocalipse é o mesmo para a besta
do mar que profere blasfêmias e faz guerra contra os santos (Ap 13:1-10). Sem
156 dúvida, o Apocalipse é uma obra original, e não uma cópia de Daniel. Os dois
livros são assinalados, porém, por similaridades que justificam sua interpre-
tação mútua como faz a Igreja Adventista do Sétimo Dia.
Além das muitas alusões a Daniel a serem encontradas em Apocalipse, está
o fato de que ambos os livros proféticos partilham as características comuns
da literatura apocalíptica.2 A profecia apocalíptica apresenta uma abrangência
cósmica do grande conflito entre o bem e o mal, assegurando ao crente quanto
ao controle de Deus na História e a certeza da vindicação do seu povo em um
glorioso ponto culminante escatológico. Assim, o desdobramento do seu tema
comum serve para esclarecer as respectivas profecias de cada um deles.

1
  Dn 7:3/Ap 11:7; Dn 7:4-6/Ap 13:2; Dn 7:7/Ap 12:3; Dn 7:9/Ap 1:14; Dn 7:10/Ap 20:12; Dn
7:10/Ap 5:11; Dn 7:13/Ap 1:7; Dn 7:13/Ap 1:13; Dn 7:18/Ap 22:5; Dn 7:20/Ap 13:5; Dn 7:21/Ap
13:7; Dn 7:25/Ap 12:14.
2
  Para uma revisão abrangente destes, veja neste volume, Kenneth Strand, “Princípios Funda-
mentais de Interpretação”, cap. 1.
Relações entre Daniel e Apocalipse

Por que estudar Daniel e Apocalipse?


Notamos agora três características que especialmente justificam o estudo
comum de Daniel e Apocalipse em nosso tempo.
Qualidade ética. Escreve Ellen G. White concernente a Daniel e Apocalipse:
“Quando os livros de Daniel e Apocalipse forem bem compreendidos, terão os
crentes uma experiência religiosa inteiramente diferente” (WHITE, 2002, p. 114).
E outra vez: “Precisamos estudar a realização dos propósitos de Deus na história
das nações e na revelação de coisas vindouras, para que possamos estimar em seu
verdadeiro valor as coisas visíveis e as invisíveis” (WHITE, 1952, p. 184).
Destes livros apocalípticos brotam importantes consequências éticas. H.
H. Rowley (1944, p. 12) reconhece esta verdade quando escreve: “As visões
de Daniel e do livro de Apocalipse merecem nossa atenção não somente
pelos detalhes de sua forma, mas pelo grande princípio espiritual que eles
mantêm por toda parte.” A convicção geral concernente a esta característica
ética é tal que certos escritores pensam que ela é a única. P. Fruchon, por
exemplo, declara que a compreensão da apocalíptica deveria ser psicológica
ou sociológica, até mesmo estética (FRUCHON, 1977, p. 96).
É de fato notável observar que Daniel e Apocalipse se iniciam com re-
latos eminentemente éticos (Dn 1:6-21; Ap 1:9). Através das visões é apre- 157
sentada ali uma escolha entre fidelidade à vontade de Deus ou recuo ante
a terrível pressão dos poderes malignos. As visões simbólicas não propõem
simplesmente denunciar os inimigos de Deus, mas chamar os crentes à
completa fidelidade Àquele que reina e que vem para fazer justiça.
O conteúdo ético da profecia apocalíptica lhe confere um caráter eterno.
Lembra que o conteúdo profético diz respeito ao grande conflito entre Satanás
e Deus em que a vitória divina está garantida. Assim, a atenção se volta para a
vitória final de Deus e o seu significado para o crente.
O fiel leitor de Daniel e Apocalipse não se perde em especulação acerca do fu-
turo, antes acha nestes dois livros uma clara compreensão do tempo em que vive e
um motivo para a ação. Como o apóstolo Paulo, que anunciou a futura vinda do
Senhor nas nuvens do céu e depois avançou para a ética do casamento, atitudes
políticas, relações sociais, e assim por diante, certamente os escritores da apocalíp-
tica também fazem soar uma dimensão ética convidando ao exercício da fé e obe-
diência. Nada pode prover um melhor fundamento para a ética do que a expectativa
de um Salvador que virá e a certeza que Daniel e Apocalipse proporcionam pelo
metódico e sucessivo cumprimento de suas profecias.
Estudos selecionados em interpretação profética

Característica cronológica. A cronologia é um elemento importante nos livros de


Daniel e Apocalipse. Esta é a segunda característica semelhante que consideraremos.
Embora J. Moltmann não dê à escatologia o mesmo significado que os ad-
ventistas, ele diz com razão: “O cristianismo é completamente escatológico, é
esperança, visão e orientação com antecedência, portanto também uma partida
e uma mudança a partir do presente. [...] A perspectiva escatológica não é um
aspecto do cristianismo, é em todos os aspectos o centro da fé cristã. Há segu-
ramente apenas um problema real na teologia cristã; é apresentado a ela por sua
finalidade, e através disto, é colocado para a humanidade e para o pensamento
humano: é o problema do futuro” (MOLTMANN, 1970, p. 2).
U. Vanni, também, reconhece que “o Apocalipse seria, além de sua roupagem
literária, um livro de profecia” (VANNI, 1980, p. 27). E P. Prigent, que não sim-
patiza com uma interpretação do Apocalipse no estilo adventista do sétimo dia,
tem de admitir que “não é uma questão de reduzir a mensagem do Apocalipse
à afirmação de um eterno presente”. “O livro”, diz ele, “está cheio de declarações
relativas ao tempo e até mesmo à cronologia. Devemos fazer justiça a elas.”
Essas ideias são arranjadas em Daniel e Apocalipse em uma maneira de
composição recorrente. J. Lambrecht, que analisou a estrutura do Apocalipse,
declara que repetição e progressão constituem as características essenciais da
158 composição do livro (LAMBRECHT, 1980, p. 103).
Ora, se estas características relacionam Daniel e Apocalipse um ao
outro, relaciona-os também no método do discurso ritual. De acordo com
Levi-Strauss (apud PICARD, 1976), esse discurso é o oposto do mito e ten-
ta “refazer uma continuidade a partir de uma descontinuidade”. Aplicada à
história, poderia mostrar que forma uma entidade e tende para um objetivo.
Cada seção é uma retomada sequencial da mesma história global a fim de
adicionar detalhes e progredir em direção à explicação.
Temos citado várias referências, mas elas bem mostram que os pesquisa-
dores de todos os matizes de opinião às vezes admitem, a despeito de si mes-
mos, que a profecia apocalíptica exige ser orientada para o futuro de uma forma
bastante diferente dos profetas clássicos. “Ao clamor dos profetas: ‘Até quando,
ó Senhor, até quando?’ os escritores apocalípticos dão o ano, o dia, e a hora”
(RUSSEL apud FRUCHON, 1977, p. 435), por assim dizer. “Em outras palavras,
a profecia é compreendida não mais como uma promessa que desvenda o futuro,
mas como uma predição de eventos que têm de ser cumpridos. Ao mesmo tem-
po, a interpretação apocalíptica se entende e se cumpre como acerto de contas e
previsão” (FRUCHON, 1977; ver BARR, 1962, v. 33, p. 29).
Relações entre Daniel e Apocalipse

Sendo que Daniel e Apocalipse cobrem os mesmos períodos da história, eles cer-
tamente merecem ser estudados em conjunto. Em pontos seus dados cronológicos so-
brepõem-se uns aos outros, expressos às vezes nos mesmos termos (Ap 12:14; Dn 7:25).
Finalmente, notemos um último elemento comum.
A natureza cristocêntrica da apocalíptica. Não podemos deixar de ligar
Daniel e Apocalipse quando descobrimos em cada um a figura central do Filho
do homem que vem nas nuvens do céu. “A visão cristã da história que nos vem
de Patmos é primeiramente esta: uma visão de Cristo e de sua indivisível, mas
certa e irresistível parte na história” (FERET, 1943, p. 98). A primeira palavra
profética de Apocalipse diz respeito à vinda do Filho do homem nas nuvens
(1:7). Todo o livro está centralizado nesta vinda. É dada como um ponto de
referência para quase todas as igrejas (2:5, 16, 25; 3:3, 11, 20). É dada como um
ponto terminal: “Certamente, venho sem demora” (22:20).

Considerações finais
Muitas relações entre Daniel e Apocalipse são evidentes. Por exemplo, a
adoração da imagem de ouro em Daniel 3 e da imagem da besta em Apoc-
alipse 13; a visão de Cristo em Daniel 10 e Apocalipse 1; a queda de Ba-
bilônia em Daniel 5 e Apocalipse 14 e 18; o Deus que vem para livrar os Seus 159
em Daniel 3 e 6 e Apocalipse 14; as bestas de Daniel 7 e Apocalipse 13 e 17;
os tempos de Daniel 7 e Apocalipse 11, 12, etc. Ambos os livros proféticos
coincidem em seus dados cronológicos e preocupações éticas.
O próprio Jesus chamou a atenção de seus contemporâneos para a pedra
de Daniel 2 e para o Filho do homem de Daniel 7. Os evangelistas aponta-
vam para o Ungido de Daniel 9. O lugar central de Cristo na apocalíptica
bíblica, a ênfase colocada em Sua vinda; todos estes justificam para cada
cristão o estudo mútuo de Daniel e de Apocalipse.

Referências

BARR, J. Biblical Words for Time. Londres: [s. n.], 1962. v. 33.

BOGAERT, P.-M. Les Apocalypses contemporaines de Baruch, d’Esdras et de Jean. In:


LAMBRECHT, J.; BEASLEY-MURRAY, G. R. (Eds.). L’Apocalypse johannique et l’Apocalyptique
dans le Nouveau Testament. Gembloux: J. Duculot, 1980.

COMBLIN, J. Le Christ dans l’Apocalypse. Tournai: [s. n.], 1965.


Estudos selecionados em interpretação profética

DODD, C. H. Conformément aux Ecritures. Paris: [s. n.], 1968.

FERET, H. M. L’Apocalypse de saint Jean: vision chrétienne d’histoire. Paris: Corrêa, 1943.

FORD, D. Daniel. Nashville: [s. n.], 1978.

FRUCHON, P. Sur l’interprétation des apocalypses. In: MONLOUBOU, L. (Ed.). Apocalypses et


théologie de l’espérance. Paris: Éditions du Cerf, 1977.

LAMBRECHT, J. A Structuration of Revelation 4, 1-22, 5. In: LAMBRECHT, J.; BEASLEY-


MURRAY, G. R. (Eds.). L’Apocalypse johannique et l’Apocalyptique dans le Nouveau Testament.
Gembloux: J. Duculot, 1980.

MOLTMANN, J. Théologie de l’espérance. Paris: [S.n.], 1970.

PICARD, J. C. Trois instances narratique, symbolique et idéologique: propositions d’analyse


applicables à un texte comme l’apocalypse. Foi et vie, v. 75, n. 4, p. 12-25, 1976.

ROWLEY, H. H. The Relevance of Apocalyptic: a study of Jewish and Christian apocalypses


from Daniel to the Revelation. Londres: Association Press, 1944.

160 VANNI,U. L’Apocalypse johannique: Etat de la question. In: LAMBRECHT, J.; BEASLEY-
MURRAY, G. R. (Eds.). L’Apocalypse johannique et l’Apocalyptique dans le Nouveau Testament.
Gembloux: J. Duculot, 1980.

WHITE, E. G. Comments. In: NICHOL, F. D. (Ed.). The Seventh-Day Adventist Bible


Commentary. Washington: Review And Herald Publishing Association, 1957. v. 7.

_____________. Educação. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2007.

_____________. Testemunhos para ministros e obreiros evangélicos. Tatuí: Casa Publicadora


Brasileira, 2002.
O uso de Daniel e
7
Apocalipse por
Ellen G. White
George E. Rice

Esboço do capítulo
1. Introdução
2. Princípios pioneiros de interpretação profética
3. A perspectiva histórica
4. Declarações acerca de Jerusalém
5. Usos não exxpositivos da linguagem profética
6. Um expositor
7. Considerações finais

Sinopse editorial. Alguns ad-


ventistas que propõem um duplo
cumprimento para determinadas
profecias de Daniel e Apocalipse
afirmam que encontram endosso
para essa abordagem nos escritos
de Ellen G. White. Alguns aban-
donaram completamente o método
historicista a favor de uma forma
futurista de interpretação. Mas não
há nenhuma evidência de que Ellen
G. White achava que a igreja deve-
ria seguir qualquer outro método
de interpretação dessas profecias a
não ser o método historicista.
Em seus próprios escritos, as
profecias de Daniel e Apocalipse
se desenrolam em tempo histórico
Estudos selecionados em interpretação profética

desde os dias de Daniel e João até o estabelecimento do reino eterno de Deus.


Por exemplo, ela reconhece o cumprimento sequencial das profecias de Apoc-
alipse através da Era Cristã em uma importante declaração:

No Apocalipse são pintadas as coisas profundas de Deus. [...] Suas verdades são di-
rigidas aos que vivem nos últimos dias da história da Terra, como o foram aos que
viviam nos dias de João. Algumas das cenas descritas nesta profecia estão no passado
e algumas estão agora tendo lugar; algumas apresentam-nos o fim do grande confli-
to entre os poderes das trevas e o Príncipe do Céu e algumas revelam os triunfos e o
regozijo dos remidos na Terra renovada (WHITE, 2010, p. 584, ênfase acrescentada).

Neste capítulo o autor demonstra a perspectiva historicista dos pioneiros


e de Ellen G. White. Ele examina várias citações extraídas de seus escritos
que supostamente ensinam o princípio de um duplo cumprimento que pode
ser aplicado às profecias de Daniel e Apocalipse. O estudo focaliza particu-
larmente o significado de sua frase frequentemente repetida, “a história se
repetirá”, e seus comentários concernentes à profecia de Cristo acerca da
destruição de Jerusalém e do fim do mundo.

162 Introdução
Desde a formação da Igreja Adventista do Sétimo Dia, tem havido uma
tendência da parte de alguns de se afastar da abordagem historicista de inter-
pretação profética adotada já pela Reforma do século 16. Enquanto os advent-
istas têm se voltado para a história em busca do cumprimento da profecia e a
fim de compreender a direção da mão divina nos negócios das nações, alguns
creem que essa abordagem à profecia é uma hermenêutica defeituosa.
Apontando para o Grande Desapontamento de 1844 como um excelente ex-
emplo, alguns críticos do método historicista insistem em que os adventistas de
hoje têm fechado a porta da verdade progressiva perpetuando a errônea hermenêu-
tica dos pioneiros adventistas. A verdade não pode ser vista pelo uso desse método,
dizem eles, porque Satanás tem falsificado e manipulado a história secular para o
expresso propósito de desencaminhar aqueles que interpretam a profecia pelo mé-
todo historicista. Em vez disto, os estudantes de Daniel e Apocalipse devem com-
preender que as profecias de ambos os livros têm seu cumprimento em uma sim-
ples geração — a última geração do fim dos tempos. Assim, há alguns que olham
para o futuro em busca do cumprimento da maior parte de Daniel e Apocalipse.
O uso de Daniel e

A finalidade deste estudo é examinar a compreensão de Ellen G. White acer-


ca de como as profecias de Daniel e Apocalipse devem ser estudadas, e como ela
mesma usava passagens desses livros em seus próprios escritos.

Princípios dos pioneiros sobre interpretação profética


Ellen G. White é muito clara em que os pioneiros adventistas que estuda-
vam as mensagens de Daniel e Apocalipse foram guiados por Deus ao usarem
o método historicista para interpretar a profecia apocalíptica. Concernente à
experiência de Guilherme Miller, diz ela:

Elo após elo da cadeia da verdade recompensava seus esforços, enquanto passo a
passo divisava as grandes linhas proféticas. Anjos celestiais estavam a guiar-lhe
o espírito e a abrir as Escrituras à sua compreensão.

Tomando a maneira por que as profecias se tinham cumprido no passado como


critério pelo qual julgar do cumprimento das que ainda estavam no futuro, che-
gou à conclusão de que o conceito popular acerca do reino espiritual de Cristo -
o milênio temporal antes do fim do mundo - não é apoiado pela Palavra de Deus
(WHITE, 2005, p. 321).
163
Achar defeitos no método historicista não é um novo desenvolvimento
entre os adventistas. Reconhecendo que existiam aqueles em seus dias que
desejavam reinterpretar esses dois livros, Ellen G. White (2008, v. 2, p. 111)
salienta que essas pessoas não compreendiam que Deus estava dirigindo os
próprios homens que efetuavam uma obra especial em apresentar a verdade
no tempo designado. “Mas o Senhor não põe sobre os que não tiveram uma
experiência em sua obra a responsabilidade de fazer uma nova exposição
das profecias que, por meio de seu Espírito Santo, Ele moveu seus escolhi-
dos servos a explicar” (WHITE, 2008, v. 2, p. 112).
Concernente à interpretação historicista pioneira das profecias de Daniel
e Apocalipse, diz Ellen White: “Repito: Ele [Deus] não está dirigindo ninguém
por seu Espírito Santo a arquitetar uma teoria que vai perturbar a fé nas solenes
mensagens que deu a seu povo para apresentar ao mundo” (WHITE, 2008, v.
2, p. 112). Em 1907, ela escreveu a A. G. Daniells: “Temos pesquisado as Es-
crituras; temos construído solidamente; e não temos tido de arrancar nossos
fundamentos e colocar novas vigas” (WHITE, 1981, v. 1, p. 54).
Estudos selecionados em interpretação profética

Em benefício das gerações posteriores, para que elas não esqueçam, deve ser
repetida a experiência daqueles que esquadrilharam as profecias e que tiveram
uma parte na proclamação da primeira e da segunda mensagens angélicas.

O Senhor declarou que a história do passado repetir-se-á ao entrarmos na


obra finalizadora. Toda verdade que Ele deu para estes últimos dias deve ser
proclamada ao mundo. Toda coluna por Ele estabelecida deve ser fortalecida.
Não podemos desviar-nos agora do fundamento estabelecido por Deus. Não
podemos agora entrar em nenhuma nova organização; pois isto significaria
apostasia da verdade (WHITE, 2008, v. 2, p. 390).

A perspectiva historicista
Embora Ellen G. White não use o termo “historicista”, é claro que ela com-
preendia que a única maneira adequada de interpretar Daniel e Apocalipse era
pesquisar o desdobramento de suas profecias dentro dos eventos históricos que
haviam ocorrido ao longo dos séculos. Em vez de uma ferramenta nas mãos
de Satanás para desviar e confundir o povo de Deus, a história humana, tanto
secular quanto religiosa, é a base para interpretar a profecia. “Na história das
164
nações o estudante da Palavra de Deus pode contemplar o cumprimento literal
da profecia divina” (WHITE, 2007, p. 501).
Concernente ao rolo de Apocalipse 5, diz Ellen White: “Ali em sua mão ab-
erta está o livro, o rolo da história das providências divinas, a história profética das
nações e da igreja [...] e a história de todos os poderes que governam as nações”
(WHITE, 1981, v. 9, p. 7; v. 12, p. 296). Elo após elo a história da raça humana con-
forme delineada por Deus em sua Palavra, formam uma cadeia profética. Dentro
dessa cadeia podemos reconhecer “onde nos achamos hoje, no prosseguimento dos
séculos” (WHITE, 1997a, p. 178). Elo após elo, Deus revela a história “desde a eter-
nidade no passado até à eternidade no futuro” (WHITE, 1997a, p. 178; 2007, p. 536).
Ela fala de modo semelhante das profecias de Daniel e Apocalipse ao exortar os
ministros e o povo igualmente a identificar as linhas da profecia para que pudessem
ter “inteligente compreensão dos perigos e conflitos diante deles” (WHITE, 2010,
583; ver 1889; 1870; 2008, v. 1, p. 56).
Concernente à natureza da profecia apocalíptica em geral, diz ela: “As pro-
fecias apresentam uma sucessão de acontecimentos que nos levam ao início do
juízo. Isso se observa especialmente no livro de Daniel” (WHITE, 2005, p. 356).
E no que concerne às profecias de João, ela escreve:
O uso de Daniel e

O livro de Apocalipse abre ao mundo o que tem sido, o que é, e o que há de vir; é
para nossa instrução sobre quem são chegados os fins dos séculos. [...] Nesse livro
são descritas cenas que estão agora no passado, e algumas de interesse eterno que
estão ocorrendo ao nosso redor; outras de suas profecias não terão seu cumprimen-
to completo até o final do tempo, quando ocorrer o último grande conflito entre os
poderes das trevas e o Príncipe do Céu (WHITE, 1957, v. 7, p. 954; 2010, p. 584-585).

Nem tudo é futuro


É dentro do contexto desse conceito de cadeia profética que as declarações
de Ellen G. White acerca do capítulo 11 de Daniel devem ser compreendidas. “A
profecia do décimo primeiro capítulo de Daniel quase já alcançou seu completo
cumprimento” (WHITE, 1948, v. 9, p. 14; 1981, v. 13, p. 394). A profecia é de
fato uma cadeia, apresentando elo por elo os eventos que ao longo da história
afetam a experiência do povo de Deus até o fim dos tempos. A ênfase de Ellen
G. White é que temos agora atingido os elos finais da cadeia.
Que ela compreende a profecia como tendo cumprimento dentro da su-
cessiva história das nações é visto pela próxima sentença da Carta 103, 1904:
“Muito da história que tem ocorrido no cumprimento desta profecia se repe-
tirá.” A história está relacionada aos acontecimentos da vida da humanidade e 165
da ascensão e queda das nações. Sendo que a profecia prediz o surgimento e a
queda das nações e os eventos que ocorrerão, é lógico que devemos olhar para
a história a fim de compreendermos a profecia.
Cada elo na cadeia profética deve nos preparar para compreender a próxi-
ma série de acontecimentos que em si mesmos devem se tornar história. “Cada
período do cumprimento da história profética é uma preparação para a luz pro-
gressiva que sucederá cada período. Ao chegar a profecia ao fim, há de ser um
todo perfeito” (WHITE, 1981, v. 13, p. 15).
Ter em mente que a história é o desdobramento de uma cadeia profética
nos guardará do erro de colocar o cumprimento de toda a profecia apocalíp-
tica dentro de uma única geração — a última geração do final dos tempos.
Declarações como a seguinte serão compreendidas dentro do contexto desta
cadeia: “A luz que Daniel recebeu de Deus foi dada especialmente para estes
últimos dias. As visões que ele viu às margens do Ulai e do Hidéquel, os
grandes rios de Sinear, estão agora em processo de cumprimento, e logo
ocorrerão todos os acontecimentos preditos” (WHITE, 2002, p. 112-113).
Essa declaração dificilmente pode significar que nenhuma das profecias de
Daniel será cumprida antes dos eventos culminantes da história.
Estudos selecionados em interpretação profética

O próprio Daniel nos diz que certos símbolos do livro se referem a Babilônia,
Pérsia e Grécia. É nessas profecias, retomadas por João no Apocalipse, que al-
cançam seu cumprimento a pregação da primeira, segunda e terceira mensa-
gens angélicas, por meio das quais Daniel “está em sua sorte”: “Daniel estará em
sua sorte no fim dos dias (Dn 12:13). João vê o pequeno livro não selado. Então
as profecias de Daniel têm o seu devido lugar na primeira, segunda e terceira
mensagens angélicas a serem dadas ao mundo” (WHITE, 1957, v. 7, p. 971).
Ellen G. White adverte contra a má aplicação da profecia. Ela diz que tais
experiências “começam por se desviar da luz que Deus já deu” (WHITE, 2008, v.
2, p. 111-112). Parte do perigo contra o qual ela adverte é o desejo por parte de
alguns de achar um futuro cumprimento para profecias que já tiveram cumpri-
mento. “Alguns há que estão pesquisando as Escrituras em busca de provas de
que estas mensagens [dos três anjos] estão ainda no futuro. Eles concluem pela
veracidade cumulativa das mensagens, mas deixam de assinalar-lhes o devido
lugar na história profética” (WHITE, 1997b, p. 613).
A serva do Senhor adverte:

Os grandes sinais demarcadores da verdade, mostrando-nos a direção na história


profética, devem ser cuidadosamente observados, para que não sejam derribados, e
166 substituídos por teorias que trariam confusão em vez de genuíno esclarecimento. [...]

Alguns tomarão a verdade aplicável a seu tempo, e pô-la-ão no futuro. Acontecimen-


tos, na sequência da profecia, que tiveram seu cumprimento no distante passado, são
considerados futuros, e assim, por essas teorias, a fé de alguns é solapada.

Segundo a luz que o Senhor quis conceder-me, estais em risco de fazer a mesma
obra, apresentando perante outros verdades que tiveram seu lugar e fizeram sua obra
específica para o tempo, na história da fé do povo de Deus. Reconheceis como ver-
dadeiros esses fatos na história bíblica, mas os aplicais ao futuro. Eles têm sua força
ainda em seu devido lugar, na cadeia dos acontecimentos que nos tornaram, como
um povo, o que somos hoje, e como tal, eles devem ser apresentados àqueles que se
encontram nas trevas do erro (WHITE, 2008, v. 2, p. 101-103).

A história — não a profecia — se repetirá


Ellen G. White repetidamente afirma que ao mover-se o conflito ente Cristo
e Satanás em direção ao seu clímax, cenas de páginas anteriores da história se
repetirão. Assim é que ela diz: “Estudai o Apocalipse em ligação com Daniel;
pois a história se repetirá” (WHITE, 2002, p. 116). Ela não diz que profecias
O uso de Daniel e

específicas destes dois livros serão repetidas, mas que eventos semelhantes
àqueles que as cumpriram no passado serão vistos novamente.
Esses eventos serão vistos dentro de um contexto diferente, dentro de um perío-
do de tempo diferente, e com atores diferentes. Assim eles não são os mesmos even-
tos que cumpriram as profecias, mas eventos semelhantes. Os problemas, porém,
serão os mesmos que aqueles que conduziram aos acontecimentos históricos que
originalmente cumpriram certas profecias no conflito entre o bem e o mal.

O Senhor me apresentou assuntos que são de premente importância para


o tempo presente, e que se estendem ao futuro. Numa exortação foram-me
proferidas estas palavras: “Escreve num livro as coisas que tens visto e ouvi-
do, e deixa que vá a todas as pessoas; pois está próximo o tempo em que se
repetirá a história do passado” (WHITE, 2008, v. 3, p. 113).

Circunstâncias semelhantes àquelas que cumpriram a profecia no passado po-


dem existir no presente. As circunstâncias presentes não são, porém, um cumpri-
mento da profecia, porque a profecia foi cumprida historicamente pela série origi-
nal de circunstâncias. Mas a geração presente pode ser informada pelo estudo da
profecia e pelo registro histórico dos eventos que a cumpriram, e assim estar pre-
parada para desempenhar um papel inteligente nas similares e atuais circunstâncias. 167
Assim é que a profecia, previamente cumprida, pode neste sentido ser “aplicada” a
uma situação presente. Isaías 58:12-14 pode ser citado como um exemplo.

Desta maneira indica o profeta a ordenança que tem estado esquecida: “Le-
vantarás os fundamentos de geração em geração; e chamar-te-ão reparador
das roturas, e restaurador de veredas para morar.” [...] Esta profecia também
se aplica a nosso tempo. A rotura foi feita na lei de Deus, quando o sábado
foi mudado pelo poder romano. Chegou, porém, o tempo para que esta ins-
tituição divina seja restabelecida. A rotura deve ser reparada, e levantado o
fundamento de geração em geração (WHITE, 2005, p. 452-453).

Aqui vemos que o problema é o mesmo — o conflito entre o bem e o mal.


As circunstâncias são semelhantes. O povo que professava grande justiça nos
dias de Isaías estava “calcando a pés os preceitos divinos”. Mas temos contextos
diferentes — a nação judaica e a igreja cristã; um período de tempo diferente —
o sétimo século a.C. e o século 20 d.C.; atores diferentes — o povo judeu/Isaías
e a igreja cristã/o povo remanescente de Deus. Um estudo da profecia de Isaías
e o seu cumprimento podem ser aplicados à experiência do povo remanescente
Estudos selecionados em interpretação profética

de Deus para ajudá-los a ver sua função como reparadores de uma rotura se-
melhante feita na lei de Deus na Era Cristã.
Retornando à declaração de Ellen G. White acerca de Daniel 11, vemos
como este princípio pode ser aplicado. “A profecia do undécimo [capítulo] de
Daniel tem quase atingido seu completo cumprimento. Muito da história que
tem ocorrido no cumprimento desta profecia será repetido” (WHITE, 1981, v.
13, p. 394). Eventos da história já têm cumprido certas predições deste capítulo.
Todavia, circunstâncias semelhantes serão outra vez desenvolvidas no término
do grande conflito, e nessa luta cósmica a história será vista como se repetindo.
Ellen G. White não sugere que aquelas profecias de Daniel 11 que já se cum-
priram receberão um segundo cumprimento.
Note os vários contextos, proféticos e não proféticos, dentro dos quais Ellen
G. White diz que a história será repetida. Também note que ela não está suger-
indo que uma determinada profecia em si deve ser repetida.
Grandes impérios da profecia de Daniel. “A profecia delineou o levanta-
mento e queda dos grandes impérios mundiais - Babilônia, Média-Pérsia, Gré-
cia e Roma. Com cada um destes, assim como com nações de menos poder,
tem-se repetido a história. Cada qual teve seu período de prova, e cada qual
fracassou; esmaeceu sua glória, passou-se-lhe o poder e o lugar foi ocupado por
168 outra nação” (WHITE, 1997a, p. 177, grifo do autor).
As profecias concernentes a essas nações da Antiguidade tiveram seu
cumprimento. Circunstâncias semelhantes têm sido vistas na história de
outras nações, grandes e pequenas. Cada uma tem sido provada, cada uma
tem falhado, cada uma tem perdido sua glória e poder, e cada uma tem sido
substituída por outra. Assim a história de Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia
e Roma tem se repetido. Mas a profecia que se relaciona com estes reinos
específicos tem se cumprido apenas uma vez.
Perseguição do povo de Deus. “Estamos no limiar de grandes e solenes
acontecimentos. Muitas das profecias estão prestes a se cumprir em rápida suc-
essão. Cada elemento de poder está prestes a ser posto a operar. A história pas-
sada será repetida; velhos conflitos despertarão para nova vida, e perigos assedi-
arão o povo de Deus de todos os lados” (WHITE, 1897, grifo do autor).
Mais especificamente, “as cenas de perseguição promulgadas durante a vida
de Cristo serão promulgadas por religiosos falsos até o fim do tempo. Os ho-
mens pensam que têm o direito de tomar sob sua responsabilidade as consciên-
cias dos homens e elaborar suas teorias de apostasia e transgressão. A história se
repetirá” (WHITE, 1981, v. 13, p. 394; 2010, p. 84-85).
O uso de Daniel e

As profecias que predisseram o sofrimento do Messias tiveram seu cumprimen-


to. Elas não serão repetidas, mas as cenas de abuso que Cristo sofreu serão repetidas
nas experiências de Seus seguidores, e assim a história será repetida.
Noé, Sodoma e Gomorra. “A história será repetida. Cristo declarou que antes
de Sua segunda vinda o mundo estaria como foi nos dias de Noé, quando os ho-
mens atingiram tal condição em seguir sua própria imaginação pecaminosa que
Deus os destruiu por um dilúvio” (WHITE, 1981, v. 12, 413, grifo do autor).

“E Judas diz: “Sodoma e Gomorra, e as cidades circunvizinhas, que, havendo-se


corrompido como aqueles, e ido após outra carne, foram postas por exemplo,
sofrendo a pena do fogo eterno.” “Aqui nos é apresentado um estado de coisas
que tem sido, e a história se repetirá” (WHITE, 1981, v. 19, p. 105, grifo do autor).

Quarto cavalo (Ap 6:7-8). Em Apocalipse 6, o quarto cavalo simboliza a


intolerância religiosa e perseguição que existiu na Europa sob o poder papal.
“O mesmo espírito é visto hoje que é representado em Apocalipse 6:6-8. A
história se repetirá. O que tem sido será outra vez” (WHITE, 1981, v. 9, p.
7, grifo do autor). Mais uma vez, é evidente que a declaração trata de uma
repetição da história, não um segundo cumprimento da profecia. Em cada
caso, o contexto, o tempo e os atores são diferentes. 169
Nabucodonosor. “É uma coisa terrível para qualquer alma colocar-se ao
lado de Satanás na questão, pois tão logo ela faz isto uma mudança passa por
ela, como é dito do rei de Babilônia, que seu semblante mudou para com os três
fiéis hebreus. A história passada se repetirá. Os homens rejeitarão a operação
do Espírito Santo, e abrirão a porta da mente para os atributos satânicos que os
separam de Deus” (WHITE, 1981, v. 19, p. 122, grifo do autor).
Assim, Ellen G. White não fala em termos de uma determinada profe-
cia receber um segundo cumprimento. Isso necessitaria o mesmo contexto
histórico, o mesmo período de tempo e os mesmos atores. Todavia, ela fala
em termos de circunstâncias similares, mas um contexto, período de tempo
e atores diferentes. Dentro dessas circunstâncias semelhantes, os aconteci-
mentos históricos originais que uma vez cumpriam a profecia serão repeti-
dos, tais como a ascensão e queda das nações, perseguição etc.
Algumas declarações mal compreendidas. Antes de deixarmos este assunto,
há duas declarações que devem ser notadas. Ambas podem ser facilmente mal-
compreendidas chegando-se à conclusão de que Ellen G. White defendia a ideia
de que o cumprimento de uma profecia apocalíptica pode ser repetido. Diz ela:
“Algumas profecias Deus tem repetido [...].” O contexto não está sugerindo que
Estudos selecionados em interpretação profética

algumas profecias terão um múltiplo cumprimento, mas que algumas profecias


dadas em Daniel são de tal importância que Deus achou por bem que João as
reafirmasse em seu livro. Tanto a profecia de Daniel quanto a de Apocalipse terá
um só cumprimento (WHITE, 1981, v. 9, p. 8).
Há a seguinte conhecida declaração:

A grande obra do evangelho não deverá encerrar-se com menor manifestação do


poder de Deus do que a que assinalou o seu início. As profecias que se cumpriram
no derramamento da chuva temporã no início do evangelho, devem novamente
cumprir-se na chuva serôdia, no final do mesmo (WHITE, 2005, p. 611-612).

Pareceria à primeira vista que aqui está um caso em que Ellen G. White
fala de uma simples profecia tendo um duplo cumprimento. Contudo, deve-
mos lembrar que as profecias que ela cita nesta passagem que prediz a chuva
temporã também predizem um segundo acontecimento, a chuva serôdia.
No contexto, Ellen G. White cita Oseias 6:3, que diz: “E Ele descerá sobre
nós como a chuva, como chuva serôdia que rega a terra”, e Joel 2:23, que
afirma: “Ele fará descer, como outrora, a chuva temporã e a serôdia.” Assim
as simples declarações de Oseias e Joel aguardam dois eventos separado: as
170 dotações da chuva temporã e serôdia do Espírito sobre a igreja.

Declarações sobre Jerusalém


Declarações feitas por Ellen G. White concernentes às profecias de Ma-
teus 24 são muito frequentemente tomadas como prova para duplos/múlti-
plos cumprimentos ou para futuros cumprimentos de todas as profecias.
Contudo, devemos ter em mente o seguinte quando estamos lidando com a
profecia apocalíptica de nosso Senhor:
1. O discurso trata de dois grandes acontecimentos, não apenas de um.

Jesus não respondeu aos discípulos falando em separado da destruição de Je-


rusalém e do grande dia de sua vinda. Misturou a descrição dos dois aconte-
cimentos. [...] Por misericórdia com eles, Jesus misturou a descrição das duas
grandes crises, deixando aos discípulos o procurar por si mesmos a significação
(WHITE, 2000, p. 628-631).

2. Mateus 24 é uma cadeia profética.


O uso de Daniel e

Em Mateus 24, em resposta à pergunta dos discípulos relativa aos sinais de Sua vinda
e do fim do mundo, Cristo indicara alguns dos acontecimentos mais importantes da
história do mundo e da igreja, desde o seu primeiro advento até ao segundo, a saber:
a destruição de Jerusalém, a grande tribulação da igreja sob a perseguição pagã e
papal, o escurecimento do Sol e da Lua, e a queda de estrelas. Depois disto, falou a
respeito de Sua vinda em seu reino, e expôs a parábola que descreve as duas classes
de servos que lhe aguardam o aparecimento (WHITE, 2005, p. 393; 2003, p. 320).

3. A destruição de Jerusalém é um tipo profético da destruição do mundo. “A


ruína de Jerusalém era um símbolo da ruína final que assolará o mundo. As profe-
cias que tiveram seu parcial cumprimento na queda de Jerusalém têm mais direta
aplicação aos derradeiros dias” (WHITE, 2009, p. 120-121, grifo do autor).
Assim, a destruição de Jerusalém torna-se um tipo de futuros acontecimen-
tos (WHITE, 2005, p. 25-26, 351; 2002, p. 232).
4. À semelhança de Daniel, algumas das profecias da cadeia profética de
Mateus são retomadas por João e repetidas em Apocalipse.

Disse Jesus: “As estrelas cairão do céu” (Mt 24:29). E João, no Apocalipse, decla-
rou, ao contemplar em visão as cenas que deveriam anunciar o dia de Deus: “E
as estrelas do céu caíram sobre a Terra, como quando a figueira lança de si os
seus figos verdes, abalada por um vento forte” (Ap 6:13). Essa profecia teve cum- 171
primento surpreendente e impressionante na grande chuva meteórica de 13 de
novembro de 1833 (WHITE, 2005, p. 333).

As categorias precedentes resumem as declarações de Ellen G. White sobre


o sermão apocalíptico de Jesus. O tempo e o espaço não permitirão um exame
de cada declaração, mas referências representativas são dadas acima.
Contudo, há uma declaração que precisa ser examinada, porque ela tem
sido usada como prova para cumprimento múltiplo.

Na profecia da destruição de Jerusalém, Cristo disse: “Por se multiplicar a iniqüidade,


o amor de muitos esfriará. Mas aquele que perseverar até ao fim será salvo. E este
evangelho do reino será pregado em todo o mundo, em testemunho a todas as gen-
tes, e então virá o fim” (Mt 24:12-14). Essa profecia terá outra vez seu cumprimento.
A abundante iniquidade daquela época encontra seu paralelo nesta geração. Assim
será quanto à predição referente à pregação do evangelho (WHITE, 2000, p. 633).

Deve ser notado o seguinte: (1) A declaração de Ellen G. White leva em con-
sideração que esta é uma profecia de duas partes que trata dos acontecimentos
em torno da destruição de Jerusalém e do fim do mundo. (2) A destruição de
Estudos selecionados em interpretação profética

Jerusalém é um tipo de profecia do que aguarda o mundo, como pode ser visto
nas palavras: “Na profecia da destruição de Jerusalém [...]. A abundante iniqui-
dade daquela época encontra seu paralelo nesta geração.” (3) O tipo profético é
aplicado à perda do amor e à pregação do evangelho.
Duas profecias distintas e separadas estão sendo tratadas. A primeira
não pode ter um cumprimento duplo ou múltiplo, porque o templo teria
de ser reconstruído e a cidade cair uma segunda vez. O cumprimento da
primeira parte desta profecia foi um acontecimento de uma vez por todas.
Este cumprimento profético, porém, foi em si um exemplo dos mais exten-
sos eventos que cumprirão a segunda parte da profecia.1

Aplicações não expositivas da linguagem profética


Ellen G. White usou passagens de Daniel e Apocalipse tanto quanto usou
outras porções das Escrituras. Seguem vários exemplos.

Propósitos descritivos
Isso pode ser visto claramente em O Grande Conflito, onde ela de-
screve o Segundo Advento (WHITE, 2005, p. 632-652). Versículos e partes
172 de versículos são entrelaçados livremente em seu relato descritivo, pro-
duzindo uma narrativa fluente do acontecimento.
Ao descrever a final e “desesperada luta” entre as forças do bem e do mal,
ela diz:

O poder do Espírito Santo deve estar sobre nós, e o Capitão das hostes do Senhor es-
tará à frente dos anjos do Céu para dirigir a batalha. Solenes acontecimentos à nossa
frente ainda estão para ocorrer. Trombeta após trombeta deve soar, taça após taça
derramada uma após outra sobre os habitantes da Terra (WHITE, 1957, v. 7, p. 982).

Obviamente, a referência a trombetas não é uma tentativa para interpretar seu


significado, nem ligá-las às sete últimas pragas. Seu intento, em vez disto, é impres-
sionar o leitor com a magnitude e as devastadoras consequências da luta final.
Ao descrever as provações e vitórias do povo de Deus do fim dos tempos, ela
tece em Apocalipse 14:1:

1
  O contexto sugere que Ellen G. White está lidando com uma repetição da história em vez de
uma repetição da profecia específica pertencente a Jerusalém. A iniquidade do fim dos tempos e
a pregação mundial do evangelho são preditas por outras profecias do Novo Testamento (ver 2
Tm 3:1-5; Ap 14:6).
O uso de Daniel e

Enquanto Satanás estava insistindo em suas acusações e procurando destruir


esse grupo, santos anjos, invisíveis, estavam passando de um lado para outro,
colocando sobre eles o selo do Deus vivo. Estes são os que estão com o Cordeiro
sobre o monte Sião, tendo o nome do Pai escrito na fronte. Eles cantam o novo
cântico diante do trono, aquele cântico que ninguém pode aprender senão os
cento e quarenta e quatro mil (WHITE, 1948, v. 5, p. 475-476).

Ellen G. White não está escrevendo uma exposição sobre os 144.000, nem
está tentando identificá-los. Ela simplesmente usa Apocalipse 14:1 para finali-
dades descritivas e então completa a cena citando Apocalipse diretamente:
“Estes são os que seguem o Cordeiro para onde quer que vá”.

Propósitos ilustrativos
Este exemplo é um tanto semelhante ao exemplo acima. Contudo, onde Ellen
G. White usa passagens para realçar sua descrição no exemplo anterior, usa breves
sentenças de Daniel e Apocalipse para ilustrar o que ela tem dito. Por exemplo, ela
reforça sua declaração de que alguns sobre a Terra permanecem fiéis a Deus citando
Apocalipse 14:12: “Nem todos neste mundo tomaram partido com o inimigo contra
Deus. Nem todos se tornaram desleais. Há uns poucos fiéis que são leais a Deus;
173
porque João escreve: ‘Aqui estão os que guardam os mandamentos de Deus e a fé de
Jesus’ (Ap 14:12)” (WHITE, 1948, v. 9, p. 15).
Novamente, ao descrever os chuveiros de graça que virão na chuva serôdia,
ela usa Apocalipse 18:1 para ilustrar o que acabara de apresentar:

Devemos esperar pela chuva serôdia. Ela virá sobre todos os que reconhecem e
se apropriam do orvalho e chuveiros de graça que caem sobre nós. Quando reu-
nimos os fragmentos de luz, quando nos apropriamos das firmes misericórdias
de Deus, o qual ama que tenhamos confiança nEle, então todas as promessas
serão cumpridas. Toda a deve ser cheia da glória de Deus” (WHITE, 1948, v. 7,
p. 984).

Incorporação de linguagem
Reiteradamente, Ellen G. White incorpora a linguagem de Daniel e Apocalipse
em sua descrição de uma cena a ela dada pelo Senhor, ou em sua narrativa de um
evento bíblico. Isso é semelhante ao exemplo citado acima em que ela usa as Escrit-
uras ou a linguagem escriturística para descrever uma cena. Aqui, porém, notamos
que ela frequentemente incorpora a linguagem escriturística em seu próprio uso
Estudos selecionados em interpretação profética

das palavras. Citamos, como um exemplo, uma visão do juízo investigativo a ela
dada em 23 de outubro de 1879 (WHITE, 1948, v. 4, p. 384-387).
Ao longo do seu relato ela incorpora a linguagem de Daniel e Apocalipse. As
frases usadas incluem: “dez milhares vezes dez milhares”, “vários livros estavam di-
ante dEle”, “outro livro foi aberto”, “fostes pesados na balança e achados em falta”, ‘Por
que não lavastes vossas vestes de caráter e as branqueastes no sangue do Cordeiro?”,
“Quem é injusto faça injustiça ainda”. No livro O Grande Conflito, Ellen G. White dá
uma descrição de Adão e seus descendentes sendo introduzidos na Cidade Santa.
Novamente podemos ver como ela incorpora a linguagem de Daniel e Apocalipse
em sua própria linguagem (WHITE, 2005, p. 648-649).

Expansão
Ocasionalmente Ellen White, tendo citado uma passagem, se expande sobre
ela. Por exemplo, ela cita Apocalipse 5:11, “Olhei, e ouvi a voz de muitos anjos ao
redor do trono.” Ela então explica em detalhes a citação descrevendo como os anjos
se unem a Jesus na obra do ministério em favor daqueles que devem receber o selo
de Deus. Conta como os anjos são um poder que restringe as forças do mal, como
eles circundam a Terra, negando a Satanás sua reivindicação sobre o povo de Deus,
e como eles são os ministros de Jeová (WHITE, 1957, v. 7, p. 967).
174 Às vezes Ellen G. White inicia um capítulo citando uma passagem das Escrituras;
por exemplo, ela começa o capítulo 38 de O Grande Conflito (“O último convite di-
vino”) citando Apocalipse 18:1, 2, 4. O capítulo então se torna uma expansão desta
passagem. Seguindo imediatamente a citação há várias linhas de interpretação.

Esta passagem indica um tempo em que o anúncio da queda de Babilônia, con-


forme foi feito pelo segundo anjo do capítulo 14 do Apocalipse, deve repetir-se
com a menção adicional das corrupções que têm estado a se introduzir nas vá-
rias organizações que constituem Babilônia, desde que esta mensagem foi pela
primeira vez proclamada, no verão de 1844 (WHITE, 2005, p. 603).

Essa breve interpretação é então seguida pela expansão descritiva no restante


do capítulo. “Descreve-se aqui uma terrível condição do mundo religioso.”

Uso didático
O ensino espiritual é fortalecido pelo uso de passagens de Daniel e Apocalipse.
Por exemplo, depois de citar Daniel 12:1, Ellen G. White trata do selamento e o fim
do tempo da graça enquanto introduz o conselho da Testemunha Verdadeira de
Apocalipse 3:18 (WHITE, 1948, v. 5, p. 212-215). No decorrer da interpretação da
parábola, o homem sem as vestes nupciais, ela cita Apocalipse 22:12 para ensinar
O uso de Daniel e

que o caráter da obra de cada um será determinado antes da retorno de Jesus “para
dar a cada um segundo a sua obra” (WHITE, 1999, p. 310).

Conselho pastoral
Frequentemente Ellen G. White mostra uma preocupação pastoral pelo
povo de Deus. As Escrituras são livremente usadas, inclusive Daniel e Apoc-
alipse, nessas passagens de admoestações pastorais. Daniel 8:14 forma a base de
um apelo pastoral quanto ao preparo para o solene tempo do juízo.

Qual é nosso estado neste terrível e solene tempo? [...] Não pesquisaremos as Es-
crituras, para sabermos onde nos encontramos na história deste mundo? Não nos
tornaremos esclarecidos quanto à obra que se está efetuando por nós neste tempo,
e a atitude que nós como pecadores devemos ter enquanto esta obra de expiação
está em andamento? Se temos qualquer consideração pela salvação de nossa alma,
precisamos fazer decidida mudança. Precisamos buscar ao Senhor com genuíno ar-
rependimento; importa que, com profunda contrição de alma, confessemos nossos
pecados, para que sejam apagados (WHITE, 2008, v. 1, p. 125).

Exemplos semelhantes a este são abundantes nos escritos de Ellen White.

Uso extensivo 175


O uso extensivo das Escrituras é visto frequentemente no Novo Testamento e
nos escritos de Ellen White. Isso ocorre quando um escritor inspirado confere um
significado a uma passagem que está além do que o escritor original pretendia. Por
exemplo, Ellen G. White escreve: “A mistura do estratagema da igreja e do estratage-
ma do estado é representada pelo ferro e o barro” (WHITE, 1957, v. 4, p. 1168-1169),
uma declaração baseada na visão da imagem metálica por Nabucodonosor (Dn
2:43). Isso vai além da simples interpretação baseada no contexto, palavras, sintaxe
etc. Aqui um escritor inspirado dá um novo significado a uma passagem conhecida,
tanto quanto Paulo faz em Gálatas 3:16, com Gênesis 22:18.
Outro exemplo pode ser visto no qual Ellen G. White estende Apocalipse
1:7 (uma referência ao Segundo Advento) para o final do milênio. “Então ao
final dos mil anos, Jesus, com os anjos e todos os santos, deixa a Cidade Santa,
e enquanto Ele está descendo com eles para a Terra, os ímpios mortos são res-
suscitados, e então aqueles mesmos que ‘o traspassaram’, ao serem ressuscitados,
vê-lo-ão à distância em toda a sua glória, com Ele os anjos e os santos, e se
lamentarão por causa dEle” (WHITE, 2011, p. 53).
Estudos selecionados em interpretação profética

Uma expositora
Alguns são relutantes em dizer que Ellen G. White interpreta as Escrit-
uras. É verdade que ela não trabalhou como um exegeta faria hoje — fazen-
do estudos de palavra e examinando em detalhes a sintaxe de passagens nas
línguas originais etc. Todavia, não há dúvida de que ela por vezes interpreta
as Escrituras, inclusive as profecias de Daniel e Apocalipse. Como notamos
anteriormente, as profecias básicas foram estudadas e explicadas pelos pio-
neiros do movimento adventista sob a orientação do Espírito Santo. Essas
interpretações são endossadas por Ellen G. White em sua própria apresen-
tação desses assuntos, por exemplo, em O Grande Conflito.
Contudo, Ellen G. White edifica sobre a obra dos pioneiros expandindo sua
obra anterior com extensos detalhes interpretativos. Essa obra de interpretação
pode ser vista nos detalhes adicionais que tratam de (1) o papel das forças sobre-
naturais do mal no conflito final (WHITE, 2005, p. 492-562), (2) especialmente a
descrição da tentativa de Satanás para personificar Jesus (WHITE, 2005, p. 624), (3)
a tríplice união entre protestantismo, catolicismo e espiritualismo (WHITE, 2005,
p. 588), (4) condições sobre as quais a marca da besta será recebida etc. (WHITE,
2005, p. 624). Aqui estão apenas alguns exemplos dos muitos que mostram Ellen G.
176 White em ação como uma intérprete da profecia.

Considerações finais
Como resultado deste estudo, podemos tirar as seguintes conclusões:
1. Ellen G. White endossa a abordagem historicista para a interpretação da
profecia. Este método de interpretação profética foi usado pelos pioneiros nos
anos formativos de nossa igreja.
2. Embora Ellen G. White não usasse o termo “historicista”, é claro que ela
compreendia esta abordagem à profecia como sendo o único método correto
para sua interpretação.
3. Ellen G. White opina que existe um perigo muito real em olhar ao futuro
para todo cumprimento profético.
4. Eventos semelhantes àqueles que cumpriram uma determinada profecia
podem surgir. Assim, a história é repetida — não o cumprimento da profecia.
Se a profecia devesse ser cumprida outra vez isto exigiria o mesmo contexto
histórico, o mesmo período de tempo e os mesmos atores.
5. Quando se lida com as declarações de Ellen G. White sobre o discurso
apocalíptico de Jesus registrado nos evangelhos sinópticos, deve ser lembrado
que este discurso (1) centraliza-se em torno de duas grandes predições — a
O uso de Daniel e

destruição de Jerusalém e o fim do mundo; (2) mas ainda é uma cadeia profé-
tica; e (3) apresenta a destruição de Jerusalém como uma profecia da destruição
do mundo, contudo ambos os acontecimentos são separados e distintos.
6. Além de suas exposições objetivas das profecias ao longo das lin-
has historicistas, Ellen G. White às vezes empregava sua fraseologia e
imagens de uma maneira pastoral, não técnica.

Referências

WHITE, E. G. Atos dos apóstolos. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2010.

     . Cast not away our confidence. Bible Echo and Signs of the Times, v. 4,
n. 11, 3 jun. 1889. Disponível em: <http://bit.ly/RWryVf>. Acessado em: 15 jan. 2012.

     . Comments. In: NICHOL, F. D. (Ed.). The Seventh-Day Adventist Bible


Commentary. Washington: Review And Herald Publishing Association, 1957. v. 7.

177
     . Comments. In: NICHOL, F. D. (Ed.). The Seventh-Day Adventist Bible
Commentary. Washington: Review And Herald Publishing Association, 1957. v. 4.

     . Educação. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 1997a.

     . Evangelismo. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 1997b.

     . História da redenção. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2003.

     . Manuscript releases. Washington: Ellen G. White Estate, 1981. v. 1.

     . Manuscript releases. Washington: Ellen G. White Estate, 1981. v. 9.

     . Manuscript releases. Washington: Ellen G. White Estate, 1981. v. 12.


Estudos selecionados em interpretação profética

     . Manuscript releases. Washington: Ellen G. White Estate, 1981. v. 13.

     . Manuscript releases. Washington: Ellen G. White Estate, 1981. v. 19.

     . Mensagens Escolhidas. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2008. v. 2.

     . Mensagens Escolhidas. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2008. v. 1.

     . Mensagens Escolhidas. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2008. v. 3.

     . O desejado de todas as nações. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2000.

     . O grande conflito. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2005.

178      . Parábolas de Jesus. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 1999.

     . Practical remarks. Review and Herald, v. 35, n. 15, 29 mar. 1870. Dispo-
nível em: <http://bit.ly/VHrh9A>. Acessado em: 15 jan. 2012.

     . Primeiros escritos. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2011.

     . Profetas e Reis. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2007.

     . Testemunhos para ministros e obreiros evangélicos. Tatuí: Casa Publi-


cadora Brasileira, 2002.

     . Testimonies. Mountain View: [S.n.], 1948). v. 4.

     . Testimonies. Mountain View: [S.n.], 1948). v. 5.


O uso de Daniel e

     . Testimonies. Mountain View: [S.n.], 1948). v. 9.

     . What the revalations means to us. Review and Herald, v. 74, n. 35, 31
ago. 1897. Disponível em: <http://bit.ly/XaqKJu>. Acessado em: 15 jan. 2012.

     . O maior discurso de Cristo. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2009.

179
Estudos selecionados em interpretação profética

180
O intérprete e o uso
8
dos escritos de
Ellen G. White
Jon Paulien

Esboço do capítulo
1. Introdução
2. Princípio básicos
3. Princípios ilustrados
4. Considerações finais

Sinopse editorial. À semelhan-


ça do apóstolo João, Ellen G. White
estava impregnada pela linguagem
bíblica. Embora ela e os demais
pioneiros adventistas acreditassem
que o Espírito Santo lhe havia con-
cedido o dom profético, ela sempre
reconheceu a autoridade das Sagra-
das Escrituras (Antigo e Novo Tes-
tamento) como a regra suprema de
fé e prática. Escreveu ela:

Em Sua Palavra, Deus conferiu


aos homens o conhecimento
necessário à salvação. As San-
tas Escrituras devem ser acei-
tas como autorizada e infalível
revelação de Sua vontade. Elas
Estudos selecionados em interpretação profética

são a norma do caráter, o revelador das doutrinas, a pedra de toque da expe-


riência religiosa (WHITE, 2005, p. vii).

Para Ellen G. White, sua função especial, sob o Espírito, era iluminar e
aplicar as verdades e os princípios bíblicos à vida dos crentes e promover a
missão da igreja.

Recomendo-lhe, caro leitor, a Palavra de Deus como regra de sua fé e prática. Por
essa Palavra seremos julgados. Nela Deus prometeu dar visões nos “últimos dias”;
não para uma nova regra de fé, mas para conforto do Seu povo e para corrigir os que
se desviam da verdade bíblica (WHITE, 2011, p. 78, ênfase no original).

Tal como um pastor, Ellen White emprega as Escrituras de várias maneiras


diferentes. Às vezes, ela apresenta uma exposição abrangente, como pode ser vis-
to em obras como O Maior Discurso de Cristo (sobre o Sermão da Montanha) e
Parábolas de Jesus. Outras vezes, ela adapta a linguagem das Escrituras para apresen-
tar um quadro teológico mais amplo ou aplicar os ensinamentos bíblicos de forma
homilética. Esse uso da linguagem bíblica expressa uma verdade universal, embora
talvez não se harmonize com o contexto do qual a fraseologia foi retirada.
182 Por causa desse uso variado (embora adequado) das Escrituras, o intérprete
da Bíblia às vezes se defronta com certa ambiguidade na citação de passagens
bíblicas por Ellen White. A mensagem geral e sua intenção serão claras, mas
surge a seguinte questão: se o texto bíblico citado está sendo usado e explicado
em seu contexto, ou se a linguagem dele foi apenas emprestada para expressar
algo diferente do ele significa em seu contexto original.
Neste capítulo, o autor sugere regras fundamentais para serem usadas pelo
intérprete da Bíblia quando confrontado com tal ambiguidade, para que não
compreende de modo incorreto a intenção de uma declaração de Ellen White, o
texto bíblico usado, ou ambos. Usados corretamente, os escritos de Ellen White
continuam iluminando os ensinos e as profecias das Sagradas Escrituras.

Introdução
Os intérpretes adventistas do Apocalipse possuem uma profunda apreciação
pelos escritos de Ellen G. White. As observações dela sobre o livro de Apocalipse es-
timulam uma percepção muito produtiva, particularmente para o “grande quadro”,
ou seja, como as visões simbólicas do Apocalipse contribuem para a perspectiva
cósmica do “grande conflito”. Ellen White estava ciente de que o Apocalipse reúne
linguagem, ideias e tipos de toda a Bíblia, formando uma conclusão apropriada da
O intérprete e o uso

Bíblia como um todo.1 Assim, os acadêmicos adventistas não poderiam ignorar a


perspectiva dela sobre os símbolos e a teologia do livro de Apocalipse.
Devemos lembrar também que os escritos de Ellen White podem ser mal em-
pregados; em resultado, o texto bíblico terá seu sentido obscurecido e será usado
como base para as opiniões preconcebidas do intérprete.2 Observações incidentais
feitas em contextos específicos podem ser universalizadas ou aplicadas de tal forma
que contradigam as implicações do texto bíblico em si.3 Em realidade, tal uso im-
plica em abuso e diminui a autoridade de Ellen White em vez de realçá-la.4
Os escritos inspirados são tratados com respeito somente quando permitimos
que a intenção do profeta seja apresentada pelo do texto em seu contexto original (ex-
egese). Devemos evitar introduzir no texto nossos próprios interesses e pressuposições
(eisegese). Mensagens de profetas vivos poderiam ser esclarecidas mediante solicitação.
Mas, sendo que isso não é mais possível, estamos em condições mais seguras quando
usamos cuidadosa exegese para compreender a intenção da mensagem escrita. O de-
sejo de estabelecer um ponto de vista particular não oferece nenhuma licença para
que o intérprete use o texto da maneira que for conveniente.5

1
  “No Apocalipse, todos os livros da Bíblia se encontram e se cumprem. Ali está o complemento 183
do livro de Daniel” (WHITE, 2010, p. 585).
2
  “Os que não estão andando na luz da mensagem podem reunir declarações dos meus escritos
que por acaso os agrada e que concordam com seu discernimento humano. Separando essas
declarações do seu contexto e colocando-as ao lado do raciocínio humano, fazem parecer que
meus escritos apoiam o que eles condenam” (Ellen G. White, Carta 208, 1906).
3
  O fato de que Ellen White recomendou que Daniel e Apocalipse fossem publicados juntos
num livreto, sem comentários, indica a importância que ela atribuía ao estudo textual e com-
parações cuidadosas (WHITE, 2002, p. 117).
4
  O estudo “Ellen G. White e a Interpretação de Daniel e Apocalipse”, do Instituto de Pesquisa
Bíblica (Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia), trata do uso e do mau uso das de-
clarações de Ellen White sobre Daniel e Apocalipse.
5
  “Muitos dentre nosso próprio povo me escrevem pedindo com ansiosa determinação o privilégio
de usarem meus escritos para dar força a certos assuntos que desejam apresentar ao povo de modo a
deixar sobre eles profunda impressão.
“É verdade que há razão para que alguns desses assuntos devam ser apresentados; mas não me ar-
riscaria a dar minha aprovação ao uso dos testemunhos dessa maneira, ou a sancionar que ponham
matéria, em si mesma boa, pela maneira por que eles propõem.
“As pessoas que fazem essas propostas, quanto eu saiba, podem ser capazes de conduzir o empreendi-
mento acerca do qual escrevem com prudência; não obstante, não ouso dar a mínima permissão para
usarem meus escritos na maneira que elas propõem. Tomando em consideração tal empreendimento,
há muitas coisas a serem levadas em conta; pois servindo-se dos testemunhos para apoiar algum as-
sunto que possa impressionar a mente do autor, os extratos poderão dar uma impressão diferente
daquela que dariam, fossem eles lidos em sua relação original” (WHITE, 2008, v. 1, p. 58).
Estudos selecionados em interpretação profética

Intérpretes com fortes ideias preconcebidas às vezes utilizam as citações


bíblicas feitas por Ellen White de tal modo que distorce o sentido claro do texto
em seu contexto bíblico.6 Às vezes, inferências extraídas do texto do Apocalipse
são criativamente combinadas com inferências retiradas dos escritos de Ellen
White, e as conclusões não podem ser demonstradas por meio de uma leitura
natural do Apocalipse ou dos escritos de Ellen White.7
Embora geralmente bem-intencionados, esses desvios afastam os lei-
tores do claro sentido do texto e incentivam métodos inapropriados de in-
terpretação que podem prejudicar a igreja. Com o objetivo de salvaguardar
a intenção de Ellen White, sugerimos agora algumas diretrizes para o uso
dos escritos de Ellen White no estudo do Apocalipse.

Princípios básicos
Citação ou eco? É importante determinar se Ellen White está pretendendo
citar um texto bíblico específico ou está meramente “ecoando-o”. O mesmo pro-
cedimento que aplicamos às alusões do Apocalipse ao Antigo Testamento seria
proveitoso também aqui. Quando ela simplesmente ecoa um texto, não está
expressando um julgamento sobre a intenção do escritor bíblico. Talvez ela
184 esteja extraindo uma lição espiritual válida quando ecoa as Escrituras, mas essa
não é necessariamente a mesma lição com que o escritor bíblico tratou de im-
pressionar seus leitores no contexto original.

6
  Por exemplo, quando Ellen White aplicou ao uso de chá, café, álcool e fumo a frase “não
toques, não proves, não manuseies” (WHITE, 2007, p. 335), ela estava ecoando a linguagem de
Colossenses 2:21, mas esse certamente não é o sentido original do texto bíblico. Para ela, a frase
tinha um uso positivo em relação à abstenção de substâncias prejudiciais, ao passo que a frase,
no contexto original, representava um ascetismo prejudicial que desviava a atenção de Cristo (Cl
2:18-23). Quando Ellen White aplicou à necessidade de boa postura a frase “Deus fez o homem
reto” (WHITE, 1997, p. 198), ela não pretendia insinuar que o autor de Eclesiastes estivesse
discutindo postura em Eclesiastes 7:27-29. Em Patriarcas e Profetas, por outro lado, ela usou a
frase em harmonia com a intenção moral do autor bíblico (WHITE, 2009, p. 49)
7
  Um exemplo de tal “teologia híbrida” pode ser encontrado no livro Give Glory to Him, de Robert
Hauser (1983, p. 30-32). Comparando declarações da Bíblia e de Ellen White, o autor tenta provar
que a cena de Apocalipse 4:1–5:6 ocorre no Lugar Santo do santuário celestial, que 5:8-14 ocorre no
Lugar Santíssimo, e que, em Apocalipse 5:7, Jesus se muda do Lugar Santo para o Lugar Santíssimo.
Por mais criativa que seja a sugestão, ela torna-se extremamente improvável pelo simples fato de que
nenhum movimento como esse entre os compartimentos é detectável no próprio texto de Apocalipse
4–5, e Ellen White jamais descreveu tal movimento em termos de Apocalipse 5. A sugestão do autor
transcende a intenção de João e de Ellen White. Assim, o uso das Escrituras por Ellen White é usado
de modo equivocado para demonstrar algo que nem ela nem João pretendiam.
O intérprete e o uso

Uso: exegese, teologia ou homilia? Quando Ellen White claramente dirige a


atenção do leitor a uma passagem bíblica, o leitor deve indagar como ela está usan-
do a passagem. Está ela usando-a exegeticamente – fazendo uma declaração acerca
do significado da passagem no contexto do autor? Está ela usando-a teologicamente
– discutindo a implicação que a passagem tem para uma teologia mais ampla ba-
seada nas Escrituras como um todo? Ela a está usando homileticamente – usando a
linguagem bíblica para mover as pessoas à ação, como um pastor?8
Interpretar um uso homilético como se fosse uma declaração exegética dis-
torcerá não somente a intenção de Ellen White em tal uso, mas também o sig-
nificado da declaração bíblica. Embora precise ser feito mais estudo sobre esse
assunto, penso que Ellen White raramente usa as Escrituras exegeticamente
(isto é, explanando o intento do escritor bíblico).9 Como era o caso com os pro-
fetas clássicos do Antigo Testamento, a principal preocupação dela é falar para a
situação contemporânea. Isso geralmente a levará a usar as Escrituras de forma
teológica e homilética, em vez de exegética.
Afirmar isso não é limitar a autoridade de Ellen White. A intenção dela em
uma determinada declaração deve ser levada a sério ao máximo. Ao mesmo
tempo, devemos ser cuidadosos para não limitar a autoridade do escritor bíbli-
co. Não devemos negar ao escritor bíblico o significado primário sobre a base
de uma utilização homilética de sua passagem. Precisamos respeitar a própria 185
intenção de Ellen White em seu manuseio do material bíblico. Sendo que ela
frequentemente usa as Escrituras de maneiras não exegéticas, as declarações
que citam o Apocalipse devem ser examinadas com grande cuidado antes de
serem aplicadas dogmaticamente na exegese do livro.10
Intenção coerente? A própria Ellen White faz uma distinção entre seus escritos
publicados e outros materiais.11 Assim, podemos compreender melhor sua intenção

8
  Veja a ilustração acima acerca do uso de Colossenses 2:21.
9
  Uma elevada percentagem de suas declarações exegéticas são provavelmente encontradas no livro
Atos dos Apóstolos, que contém discussões específicas de livros do Novo Testamento em seu contexto
original; também Parábolas de Jesus e O Maior Discurso de Cristo (ver OLSON; JAMES, 1990, p. 17).
10
  Nos textos em que Ellen White parece usar um texto exegeticamente, e, contudo, ainda per-
manece uma tensão entre seu uso de um texto e o evidente intento da linguagem do autor, duas
possibilidades devem ser conservadas em mente: (1) é possível que o intérprete tenha compreen-
dido mal o intento do escritor bíblico ou de Ellen White, ou de ambos; ou (2) uma pessoa in-
spirada pode aplicar uma passagem bíblica à sua situação contemporânea em um sentido local
sem exaurir a intenção básica do escritor original (note o uso de Pedro de Joel 2:28-32 em Atos
2:16-21 e o uso de Jesus de Daniel 7:13-14 em Mateus 9:6.)
11
  ”E agora a todos os que têm um desejo pela verdade eu diria: Não deem crédito a relatos não
autenticados quanto ao que a irmã White tem feito ou dito ou escrito. Se vocês desejam conhecer
Estudos selecionados em interpretação profética

teológica nos escritos que foram mais cuidadosamente escritos e editados por ela.
Comentários de improviso em cartas ou reproduzidos estenograficamente de ser-
mões podem não refletir sua opinião estabelecida sobre assuntos universais. Com-
pilações de seus escritos reunidos por pastores ou leigos precisam ser usados ainda
mais cautelosamente, sendo que a disposição do material pode apresentar o tema
de maneira tendenciosa. Se algo é encontrado somente em cartas e manuscritos,
principalmente se ocorre apenas uma vez, o intérprete precisa determinar se isso
está de acordo com considerado e coerente intento.
Fundamental para o argumento? Deve ser feita a interrogação: É o uso de El-
len White de determinado texto bíblico essencial para a conclusão a que ela chega
em dada porção de seus escritos? Se o uso é periférico para o tema central, ele pode
não estar baseado no uso exegético do texto. Como no caso das Escrituras, estamos
em terreno mais firme quando aludimos à passagens em que o assunto específico
está sendo discutido. Sendo que a maior parte do Apocalipse nunca é fundamental
para qualquer das discussões de Ellen White, devemos exercer cuidado em extrair
firmes conclusões de empregos periféricos do Apocalipse.12
Esclarecimento posterior? Deve-se permitir que os escritos posteriores de El-
len White esclareçam pontos de vista assumidos em escritos anteriores. Ao aumentar
suas habilidades como escritora, aumentava correspondentemente sua capacidade
186 de expressar de maneira acurada e clara os pensamentos recebidos de Deus. Ao se
tornarem declarações anteriores opostas ou sujeitas a controvérsia, ela apresentava
afirmações esclarecedoras para tornar clara sua intenção. Um exemplo disso é en-
contrado em Primeiros Escritos, onde ela apresenta uma série de esclarecimentos de
declarações anteriores e descrições visionárias (WHITE, 2011, p. 85-96).13
Frequência de conceito. Quão frequentemente Ellen White utilizava uma
passagem bíblica de determinada forma? Geralmente, o número de vezes em

o que o Senhor tem revelado por meio dela, leiam suas obras publicadas. Há alguns pontos de
interesse concernentes ao que ela não tem escrito, não apanhem avidamente e relatem rumores
quanto ao que ela tem dito” (WHITE, 2006, v. 5, p. 696; ver 2008, v. 1, p. 66; 2002, p. 33).
12
  O Apocalipse é fundamental para a discussão do capítulo 57 de Atos dos Apóstolos (WHITE,
2010, p. 578-592) e para muito da última parte do livro O Grande Conflito.
13
  Um exemplo teológico de sua amadurecida clareza de expressão é a sua compreensão da
divindade de Cristo. A plena divindade de Cristo é expressa em declarações posteriores (ver
WHITE, 2008, v. 1, p. 296; 1996, p. 530; 1906; 1899). Mas declarações anteriores a 1888 (ver
WHITE, 1870, v. 1, p. 17-18), são ambíguas o suficiente para serem lidas como semi-arianas se as
declarações posteriores são ignoradas. (Ela atualiza e esclarece The Spirit of Prophecy, [WHITE,
1870, v. 1, p. 17-18] em Patriarcas e Profetas [WHITE, 2009, p. 37-38]). Extrair seu ponto de vista
de The Spirit of Prophecy (WHITE, 1870, v. 1, p. 17-18), enquanto ignorando as declarações es-
clarecedoras posteriores, é distorcer desesperadamente sua intenção.
O intérprete e o uso

que um conceito é repetido está em proporção direta à preocupação da escri-


tora de que o conceito seja claramente compreendido pelo leitor. Não é um pro-
cedimento seguro basear uma interpretação em uma só passagem. Uma ideia
que é repetida em uma variedade de circunstâncias e por diferentes expressões
não é facilmente mal-compreendida ou usada impropriamente.
Problema de ambiguidade. O principal motivo para a sugestão destas di-
retrizes básicas em determinar seu intento é o problema da ambiguidade nos
escritos de Ellen White. Suas declarações são às vezes suscetíveis de mais de
uma interpretação.14 Isso não é necessariamente devido à confusão ou falta de
clareza da sua parte; é devido ao fato de que com frequência ela não trata dire-
tamente das questões que hoje mais nos preocupam. Leitores imparciais podem
achar declarações que respondem às nossas preocupações com menos clareza
do que preferiríamos. O leitor parcial, porém, ao defrontar-se com uma de-
claração ambígua, escolhe a opção que melhor se ajusta às suas ideias preconce-
bidas e critica severamente aqueles que poderiam discordar.
A realidade é que muitas questões exegéticas não podem ser esclarecidas por
meio dos escritos de Ellen White. O procedimento mais sábio é evitar o uso de de-
clarações ambíguas como evidência definitiva para provar um argumento. É sempre
apropriado, sem dúvida, destacar as possibilidades inerentes em tais declarações.
187
Princípios ilustrados
Para ilustrar o uso desses seis princípios, pode ser proveitoso examinar a
seguinte declaração de Ellen G. White em Primeiros Escritos:

Um anjo com um tinteiro de escrivão ao lado voltou da Terra, e informou a Jesus


que sua obra estava feita, e os santos estavam numerados e selados. Então vi Je-
sus, que estivera ministrando diante da arca, a qual contém os Dez Mandamen-
tos, lançar o incensário. Levantou as mãos e com grande voz disse: “Está feito.” E

14
  Um exemplo de uma declaração ambígua é encontrado em Testemunhos para Ministros
(WHITE, 2002, p. 445). Nesse texto, ela declara que “esse selamento dos servos de Deus é o mes-
mo que foi mostrado em visão a Ezequiel. João também fora testemunha dessa tão assustadora
revelação”. Ela segue com vários itens que são comuns a ambos os livros. Sendo que as visões
de João e Ezequiel são análogas, mas certamente não idênticas, surgem duas possibilidades de
interpretação: (1) Os acontecimentos ocorridos em torno de 600 a.C. compartilham dos mesmos
princípios que se manifestarão na crise final descritos em Apocalipse 7; (2) Ezequiel não descreve
eventos de 600 a.C., mas eventos do fim dos tempos. Conquanto uma ou outra interpretação seja
considerada mais provável, baseado nas pressuposições que um leitor leva ao texto, uma ou outra
é possível com base na linguagem que ela preferiu usar no contexto.
Estudos selecionados em interpretação profética

todo o exército dos anjos tirou suas coroas quando Jesus fez a solene declaração:
“Quem é injusto, faça injustiça ainda; e quem está sujo, suje-se ainda; e quem é
justo, faça justiça ainda; e quem é santo, seja santificado ainda” (WHITE, 2011,
p. 279-280).

O assunto dessa passagem é o fim do tempo da graça. Ellen White utiliza


alusões à linguagem de Ezequiel 9 (“Um anjo com um tinteiro de escrivão ao lado...
informou”), Apocalipse 8:5 (“lançar o incensário”), Apocalipse 16:17 (“Grande voz...
“Está feito”), e então cita Apocalipse 22:11. Os dois últimos textos (Ap 16:17; 22:11)
claramente pertencem a um contexto do “fim do tempo da graça”. Nosso interesse
diz respeito ao significado de seu uso da linguagem de Apocalipse 8:5 neste con-
texto. Na passagem de Primeiros Escritos, Ellen White interpreta o ato de atirar o
incensário descrito em Apocalipse 8:5 como sendo uma referência ao fechamento
da porta da graça no fim dos tempos? Aplicaremos as diretrizes delineadas acima
em uma tentativa para determinar corretamente a resposta.
Em primeiro lugar, não está claro que ela pretendia que o leitor percebesse
uma alusão a Apocalipse 8:5 em sua declaração de Primeiros Escritos. A frase
“lançar o incensário” é certamente inconfundível. Se há absolutamente uma
alusão às Escrituras quando em visão ela vê Jesus “lançando o incensário”, é
188 claramente uma alusão a Apocalipse 8:5. Mas várias indicações demonstram
que ela não estava aludindo a Apocalipse 8:5 de maneira exegética. Note suas
observações. É Jesus quem ministra o incenso, não um anjo. Jesus ministra di-
ante da arca, não no altar de incenso. Jesus lança o incensário diante da arca,
não na Terra. Assim, sua declaração meramente ecoa a linguagem de Apoc-
alipse 8:5, sem remeter o leitor ao texto. É inseguro extrair informação exegética
específica de um eco da linguagem bíblica.
Segundo, nenhuma tentativa de fazer exegese de Apocalipse 8:5 é evi-
dente na passagem. A declaração é parte de uma descrição visionária de um
acontecimento futuro: o fim do tempo da graça. Como tal, é um emprego
teológico ou homilético de Apocalipse 8:5. Não é tratado o significado de
Apocalipse 8:5 no contexto original.
Terceiro, a declaração ocorre em uma obra publicada que foi editada com
considerável cuidado. Todavia, sendo que o eco é excepcional nesta declaração,
ele é incerto para determinar se ela estabeleceu compreensão associada a Apoc-
alipse 8:5 com o fechamento da porta da graça no fim dos tempos.
Quarto, conforme mencionado anteriormente, a exegese de Apocalipse 8:5
não é fundamental para o texto de Primeiros Escritos (WHITE, 2011, p. 279-
280). O assunto tratado é uma descrição do fechamento da porta da graça, não
O intérprete e o uso

o contexto de Apocalipse 8. A fraseologia — lançar o incensário — poderia ser


omitida sem afetar o conteúdo teológico da declaração.
Quinto, a declaração é uma das primeiras referências de Ellen White ao
tema. Assim, o intérprete que desejar compreender a utilização dela deve estar
preparado para a possibilidade de que uma declaração posterior possa decisi-
vamente esclarecer esta. As possíveis implicações desta declaração não devem
ser pressionadas diante de uma posterior, principalmente se a última declaração
modifica significativamente o material em questão.
Finalmente, a alusão ocorre apenas uma vez em todas as suas obras dis-
poníveis. Mesmo se o significado do texto parecesse claro a todos os intérpretes,
poderia ser questionado se a intenção de Ellen G. White na alusão tinha sido
compreendida corretamente. Ao longo de seu ministério, ela jamais tentou es-
clarecer a relação de Apocalipse 8:5 com o fechamento da porta da graça.
Resumindo: por mais que possamos desejar ter auxílio exegético em de-
terminar o significado de Apocalipse 8:5 e seu contexto, Primeiros Escritos
(WHITE, 2011, p. 279-280), embora bem possa aludir a Apocalipse 8:5, não
deve ser usado para este propósito. Não é exegético ou fundamental para o as-
sunto em seu contexto, nem é razoavelmente certo que fosse intenção de Ellen
White que o leitor percebesse uma alusão a Apocalipse 8:5.
De grande interesse para este assunto é o fato de que a declaração é posterior- 189
mente repetida (quase em sua inteireza) em O Grande Conflito (WHITE, 2005, p.
613). Esta declaração é citada abaixo com a ênfase em itálico representando todas as
palavras que são idênticas à passagem de Primeiros Escritos.

Um anjo que volta da Terra anuncia que a sua obra está feita; o mundo foi submetido
à prova final, e todos os que se mostraram fiéis aos preceitos divinos receberam “o
selo do Deus vivo” (Ap 7:2). Cessa então Jesus de interceder no santuário celestial.
Levanta as mãos e com grande voz diz: “Está feito” (Ap 16:17); e toda a hoste angélica
depõe suas coroas, ao fazer Ele o solene aviso: “Quem é injusto, faça injustiça ainda; e
quem está sujo, suje-se ainda; e quem é justo, faça justiça ainda; e quem é santo, seja
santificado ainda” (Ap 22:11) (WHITE, 2005, p. 613, grifo do autor).

O assunto desta passagem e dois terços do seu fraseado são idênticos a


Primeiros Escritos (WHITE, 2011, p. 279-280). Mesmo onde o fraseado está
modificado, o significado básico é o mesmo. Mas ocorreram duas mudan-
ças significativas no uso das Escrituras por Ellen G. White. A linguagem de
Ezequiel 9 e Apocalipse 8:5 foi abandonada. Em lugar de Apocalipse 8:5, está a
declaração de que Jesus “cessa Sua intercessão no santuário celestial”.
Estudos selecionados em interpretação profética

O texto de O Grande Conflito esclarece o significado da citação ante-


rior. Evidentemente, Ellen G. White não quis deixar a impressão de que sua
alusão devia ser considerada como uma exposição de Apocalipse 8:5 em seu
contexto. Portanto, na última descrição ela empregou terminologia explícita
em vez de um eco de Apocalipse 8:5.
Essa ilustração indica que aplicar estas diretrizes exige paciência e tempo.
Provavelmente, em muitos casos, a compreensão de Ellen White pode ser obti-
da por uma leitura atenta de suas declarações. Torna-se, porém, essencial seguir
cuidadosamente estas diretrizes sempre que uma declaração específica ou série
de declarações se torna controvertida, geralmente devido à ambiguidade. Em
tais exemplos, o ônus da prova está em demonstrar que Ellen G. White (se es-
tivesse viva) apoiaria seu uso específico de uma determinada declaração.

Considerações finais
Depois de meticuloso estudo do texto bíblico, será útil para o intérprete advent-
ista examinar o uso de Ellen White de Apocalipse em busca de ideias proveitosas.
A compreensão inspirada dela sobre os assuntos universais para os quais aponta o
livro de Apocalipse torna suas declarações de grande interesse e importância.
190 Todavia, sua contribuição para o debate não deve ser expandida além de
sua própria intenção. Fazer isso distorceria sua intenção e a de João, solapando
assim a autoridade da inspiração. As diretrizes acima podem ajudar a prover
salvaguardas contra tal uso não intencional.

Referências

HAUSER, R. Give Glory to Him. Angwin: Robert W. Hauser, 1983.

OLSON, R. W.; JAMES, D. C. Olson Discusses the Veltman Study. Ministry, dez.1990.

WHITE, E. G. A ciência do bom viver. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2007.

_____________. Atos dos Apóstolos. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2010.

_____________. Educação. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 1997.


O intérprete e o uso

_____________. Mensagens escolhidas. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2008. v. 1.

_____________. O desejado de todas as nações. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 1996.

_____________. O Grande Conflito. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2005.

_____________. Patriarcas e profetas. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2009.

_____________. Primeiros escritos. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2011.

_____________. Testemunhos Para a Igreja. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2006. v. 5.

_____________. Testemunhos para ministros e obreiros evangélicos. Tatuí: Casa Pu-


blicadora Brasileira, 2002.
191
_____________. The Spirit of Prophecy: the great controversy between Christ and his
angels and Satan and his angels. Battle Creek: Steam Press, 1870. v. 1.

_____________. The word made flesh. Review and Herald, v. 83, n. 14, abr. 1906. Dis-
ponível em: <http://bit.ly/ZxjdWA>. Acessado em: 10 jan. 2013.

_____________. The word made flesh. Signs of the Times, v. 25, n. 18, mai. 1899. Dis-
ponível em: <http://bit.ly/VNyZyq>. Acessado em: 10 jan. 2013.
Estudos selecionados em interpretação profética

192
Debates contemporâneos
9
sobre o Apocalipse
Relatório da Comissão*

A estrutura distintiva que mantém


unido o quadro da verdade bíblica con-
forme ensinada pelos adventistas do
sétimo dia é a sua compreensão das
profecias de Daniel e Apocalipse. Nes-
tas profecias o povo adventista tem en-
contrado seus tempos, sua identidade
e sua tarefa. Jesus Cristo está no centro
da Palavra profética e sua dinâmica na
fé adventista (Jo 14:29; 2Pe 1:19).
Os adventistas do sétimo dia che-
garam à sua interpretação da profecia
bíblica empregando os princípios
da escola histórica de interpretação
profética, às vezes chamada método
historicista ou método histórico-con-
tínuo. O método historicista aceita a
ideia de que as profecias de Daniel
Estudos selecionados em interpretação profética

e Apocalipse são destinadas a se desdobrar e encontrar cumprimento no tempo


histórico — no espaço de tempo entre os profetas Daniel e João, respectivamente,
e o estabelecimento final do reino eterno de Deus. O princípio dia-ano (um dia
simbólico equivale a um ano literal) é uma parte integrante do método, porque fun-
ciona para desenrolar os períodos de tempo simbólicos, habilitando-nos a localizar
os eventos preditos ao longo do caminho da história.
Jesus empregou o método historicista quando anunciou o tempo do seu
ministério como um cumprimento da profecia (Mc 1:15; cf. Dn 9:25), e poste-
riormente quando se referiu à profetizada ruína de Jerusalém e do templo (Mt
24:15; cf. Dn 9:26). Os mileritas, nossos ancestrais imediatos, eram historicistas,
como eram também os reformadores protestantes do século 16.
Em seu esforço para enfrentar as interpretações protestantes, a Igreja Católi-
ca Romana introduziu o preterismo e o futurismo como métodos opostos de in-
terpretação. Estes dois métodos formam a base de duas escolas dos dias atuais
de interpretação de Daniel e Apocalipse. A posição preterista/crítico-histórica
considera as profecias de Daniel como tendo cumprimento nos tempos e acon-
tecimentos da Palestina do segundo século a.C., e restringe o Apocalipse aos
primeiros séculos d.C. O futurismo remove a setuagésima semana da profecia
das setenta semanas de Daniel, colocando-a no final da era, onde também es-
194 pera o cumprimento da maior parte do livro de Apocalipse. Hoje os adventistas
do sétimo estão virtualmente sozinhos como expoentes do método historicista,
sendo que grupos não católicos em geral têm abandonado esta abordagem a
favor de um dos outros dois métodos mencionados. Como se poderia esperar, a
mudança de método tem inevitavelmente ocasionado mudanças de conclusões.
A Comissão de Daniel e Apocalipse deseja reafirmar para a igreja mundial a
validade da abordagem historicista a estes dois livros apocalípticos. A comissão
o vê como o único método sólido e correto a ser usado. Nossos pioneiros não
seguiram “fábulas artificialmente compostas” quando pesquisaram e pregaram
as verdades destas profecias. Eles nos transmitiram uma valiosa herança. Con-
vidamos nossos membros a renovado estudo destes grandiosos livros proféticos
que continuam dando certeza e estabilidade à nossa fé pessoal em Cristo e sua
vinda e ao esforço mundial do povo adventista nesta era solene da atividade do
juízo divino no santuário celestial (Ap 14:6-14; Dn 7:9, 10, 13, 14).
Nem todos os segmentos de Daniel e Apocalipse são tão claramente compreen-
didos como outros. Existe uma tendência de algumas pessoas sinceras em focalizar
as porções menos compreendidas a tal ponto que negligenciem a grandiosa exten-
são das passagens mais claras e das importantes verdades teológicas que elas apre-
sentam para nossos tempos. O desejo de revelar essas porções obscuras estimula
Debates contemporâneos sobre o Apocalipse

a tendência de alterar a metodologia e empregar princípios não sólidos a fim de


encontrar soluções satisfatórias. Duas seções de Apocalipse especificamente caem
nesta categoria: os selos (Ap 4:1–8:1) e as trombetas (Ap 8:2–11:17). Embora a
igreja talvez jamais compreenda plenamente estas porções da profecia mais ampla,
podemos delas aprender importantes lições, e encorajamos o seu estudo pessoal.
A comissão a esta altura não tem desenvolvido uma interpretação satisfatória
destas profecias que resolva todos os problemas inerentes a elas, mas tem chegado
a acordo em alguns princípios gerais e algumas ideias específicas. Se quisermos
preservar a verdade e assegurar uma verdadeira interpretação dessas profecias de-
safiadoras, devemos fazer nosso estudo dentro dos parâmetros dos sólidos princí-
pios de interpretação. A comissão concorda nos seguintes pontos e os submete aos
nossos pastores e membros para sua consideração com oração.

Princípios gerais
A comissão conclui que:
1. A estrutura literária divide o livro de Apocalipse em duas grandes
seções: (1) uma seção histórica (Ap 1–14), que enfatiza a experiência da ig-
reja e eventos relacionados durante a Era Cristã, e (2) uma seção escatológi-
ca ou do final dos tempos, (Ap 15–22) que focaliza principalmente os even-
tos do fim dos tempos e o fim do mundo. 195
Embora os estudantes da Bíblia possam diferir de certa forma sobre o ponto
exato onde deve ser colocada a linha divisória, estudo sério feito por eruditos
adventistas (ver STRAND, 1979; MAXWELL, 1985, v. 2) confirmam plena-
mente esta divisão literária e seu consequente efeito sobre a interpretação.
2. As séries dos selos e das trombetas ocorrem na seção histórica de
Apocalipse. Consequentemente, seu cumprimento deve ser procurado no
tempo histórico, a Era Cristã.
3. As profecias dos selos e das trombetas têm apenas um cumprimento
profético.
a. O modelo de Daniel da profecia apocalíptica é claro sobre este ponto: cada
metal, animal e chifre tem somente um cumprimento. (Até mesmo o “chifre
pequeno” de Daniel 8, usado como um símbolo para Roma em suas duas fases,
tem apenas um cumprimento: Roma.) Não há nenhuma evidência contextual
de que deve ser dado às profecias apocalípticas de Daniel e Apocalipse duplos
ou múltiplos cumprimentos. Esta última proposição foi examinada detalhad-
amente e rejeitada pela Comissão Revisora do Santuário (representantes das
Divisões mundiais) em 1980 (ver GENERAL CONFERENCE OF SEVENTH-
DAY ADVENTIST CHURCH, 1980). A Comissão de Daniel e Apocalipse a tem
Estudos selecionados em interpretação profética

igualmente rejeitado (ver HASEL, 2010, v. 3, p. 288-322). Cumprimentos dup-


los ou múltiplos de Daniel e Apocalipse também deixam de encontrar apoio em
Ellen White (veja o panfleto do Instituto de Pesquisa Bíblica, “Ellen G. White e
a Interpretação de Daniel e Apocalipse”).
b. O cumprimento duplo pode estar presente em algumas profecias ge-
rais ou clássicas em que há marcadores contextuais indicando tal — por
exemplo, a profecia do derramamento do Espírito Santo, Joel 2; a profecia
do nascimento virginal, Isaías 7. Mas nenhum dos tais marcadores está pre-
sente nas profecias de Daniel e Apocalipse.
c. Em relação às trombetas, o próprio Apocalipse faz um aplicação para o fim
dos tempos da linguagem das trombetas em sua descrição das sete últimas pragas.
É, portanto, uma pressão desnecessária dessas passagens colocar as trombetas e as
pragas em um cumprimento simultâneo pós-tempo da graça.

I. Os selos — Apocalipse 4:1–8:1


A comissão concorda no seguinte:
1. Cenário
1. Apocalipse 4–5 é uma unidade, descrevendo a mesma cena (Ap 4:2; 5:1).
2. Apocalipse 4–5 descreve uma cena do trono no santuário celestial (cf. Ap
196 4:3; 8:3).
3. A ênfase da cena do trono é sobre a morte expiatória de Cristo, sua obra
perfeita na cruz (Ap 5:6, 9, 12).
4. A cena do trono não é o juízo investigativo de Daniel 7:9, 10.
a. A cena de Apocalipse não é designada a um juízo; a cena de Daniel,
sim (Dn 7:10, 26).
b. A cena de Apocalipse tem apenas um livro: está na mão do Pai; está fecha-
do e selado; nenhum ser no Universo exceto o Cordeiro pode abri-lo; o livro
nunca é aberto na visão. Contrastando, na cena de Daniel há dois ou mais livros.
Eles são abertos, e está subentendido que eles foram abertos para o Ancião de
dias pelos seres santos assistentes (Dn 7:10).

II. Estrutura do tempo


1. A cena do trono está no começo da Era Cristã.
a. É mostrada a João (pela abertura sequencial dos selos) “o que deve acon-
tecer depois destas coisas” (Ap 4:1; cf. Ap 1:1, 19).
b. O trono do Pai (Ap 4), a vitória de Cristo (Ap 5:5) e sua junção ao Pai no
trono (v. 6; cf. Ap 3:21) são temas fundamentais nesta cena do trono (Ap 4 e 5).
Os redimidos vitoriosos juntam-se à cena do trono em Apocalipse 7 (v. 9, 10).
Debates contemporâneos sobre o Apocalipse

Entre estas duas cenas do trono estão os eventos dos selos de Apocalipse 6. As-
sim, os selos de Apocalipse 6 devem ser localizados entre a vitória de Cristo na
cruz e a vitória dos redimidos, isto é, na Era Cristã.

a Pregação do evangelho (Mt 24:14). a Primeiro selo: cavalo branco (Ap 6:2).
b Guerras, fomes, pestilências, ter- b Segundo ao quarto selos: guerra, fome,
remotos (v. 6-8). pestilência (v. 3-8).
c Período de grande tribulação/ c Quinto selo: clamor dos mártires para
perseguição (v. 21). serem vingados (v. 9-11)
d Sinais no sol, lua, estrelas (v. 29). d Sexto selo: grande terremoto; sinais no
sol, lua, estrelas (v. 12, 13).
e Segunda Vinda (v. 30, 31). e Sexto selo: “é vindo o grande dia da sua
ira” (v. 14-17).
f Juízo (Mt 25:31-46). f Sétimo selo: “silêncio no céu” (Ap 8:1),
possivelmente fases milenial ou executiva
do juízo final (Ap 20: 4, 11-15).

III. Observações gerais sobre os selos


1. A imagem dos quatro cavalos e suas cores é extraída de Zacarias 1:8-
11; 6:1-6; 10:3, mas é empregada por João para simbolizar uma mensagem 197
diferente daquela transmitida por Zacarias.
2. Os selos são sequenciais, representando eventos sucessivos através da Era
Cristã. Isto é evidenciado pela ordem da visão: Os selos são abertos um após
outro, não todos ao mesmo tempo (Ap 6:1, 3, 5, 7, 9, 12; 8:1).
3. Os selos apresentam uma progressão geral da história em vez de uma
cronologia detalhada; sua interpretação, portanto, não está ligada especifica-
mente à profecia das sete igrejas.
4. Os selos são um desenvolvimento paralelo de Mateus 24 e 25 (o apocalipse
sinóptico). Este vínculo é outra evidência para o seu cumprimento na Era Cristã.
5. Conquanto haja semelhanças entre os selos e o apocalipse sinóptico, há
também diferenças. Em alguns exemplos o simbolismo parece estender o sig-
nificado além de uma simples repetição de Mateus 24. Por exemplo:
a. Se o primeiro selo simboliza, inicialmente, o envolvimento apostólico
com o evangelho (cf. Zc 10:3), então as cores mutáveis dos cavalos (branco, ver-
melho, preto e amarelo) sugerem apostasia progressivamente aprofundada.
b. Os sinais físicos tais como guerra, fome e pestilência seriam alterados
pelo simbolismo para retratar as características adicionais através das quais o
Estudos selecionados em interpretação profética

povo de Deus teria de viver: agitação por causa das diferenças religiosas, fome
pela verdade de Deus, severa perseguição de cristãos por cristãos.
c. Sendo que a apostasia cristã parece estar presente do segundo ao quar-
to selos, os acontecimentos funestos retratados nestes selos podem refletir a
imagem das desgraças/maldições da aliança preditas para ocorrer quando a
aliança é violada (Lv 26:14-39).
6. Embora cada um dos primeiros quatro selos tenha um princípio inicial,
a ação uma vez começada pode prosseguir com variados graus de intensidade.
a. Primeiro selo: embora iniciada pelos apóstolos, a pregação do evan-
gelho continua através da era. É dito aos mártires sob o quinto selo que mais
ainda serão mortos (Ap 6:11).
b. Modelos apocalípticos para o tipo de simbolismo: (1) a influência dos
quatro animais se prolonga depois de um domínio sequencial inicial (Dn
7:12); (2) as mensagens sequenciais dos três anjos continuam depois do seu
anúncio inicial (Ap 14:6-12).
7. O primeiro selo representa o início da mensagem do evangelho no
primeiro século (Ap 6:2). O quinto selo representa as perseguições da Idade
Média (v. 9-11). O sexto selo se relaciona com os sinais da segunda vinda de
Cristo (v. 12-17). O sétimo selo se relaciona com algum acontecimento de sig-
198 nificado cósmico depois da Segunda Vinda (8:1).
8. A atividade do selamento de Apocalipse 7:1-8 está incluída no período de
tempo do sexto selo e é a resposta à indagação “É vindo o grande dia da sua ira;
e quem poderá subsistir?” (Ap 6:17).
9. O grande terremoto e os sinais no sol, na lua e nas estrelas do sexto selo
são literais, e o sexto selo se inicia com o terremoto de Lisboa.
10. Os sinais celestiais do sexto selo podem ter causas físicas/naturais (cf.
abertura do Mar Vermelho, Êx 14:21); contudo, eles são eventos significativos
porque ocorrem no tempo certo em conexão com o final do período de 1260
anos de supremacia papal e perseguição (cf. Mc 13:24).

As trombetas
A comissão conclui que:
1. As trombetas são sequenciais, conforme se evidencia por sua ocorrência
uma após outra na visão.
2. As trombetas aparecem como advertências ou anúncios de acontecimen-
tos adversos por vir (cf. Nm 10:1-10).
3. Um evento específico das trombetas pode ocupar um extenso período de
tempo (Ap 9:5, 15; 10:7).
Debates contemporâneos sobre o Apocalipse

4. Apocalipse 10:1–11:14 é um interlúdio entre a sexta e a sétima trom-


betas (precisamente como Apocalipse 7 é um interlúdio entre o sexto e o
sétimo selos) e pertence à sexta trombeta (exceto o retrospecto ao período
de 1260 anos [Ap 11:3]).
5. Os eventos das trombetas ocorrem no tempo histórico, tempo da graça.
a. Introdução (Ap 8:2-6). Funcionando como um anúncio das vindouras
sete trombetas, os versos 2 e 6 são marcadores para formar uma inclusão lit-
erária em torno dos dois processos descritos nos versos 3-5:
(1) O contínuo ministério intercessório de Cristo (v. 3, 4).
(2) A cessação do ministério intercessório de Cristo e o fim da provação
humana ou fim da graça (v. 5; cf. Ez 10:1-7).
Este artifício literário, uma inclusão-introdução, definitivamente liga
a série de eventos das trombetas à era da intercessão sumo sacerdotal de
Cristo, tempo da graça.
b. Sétima trombeta: o soar da sétima trombeta está ligado à finalização do
“mistério de Deus” (Ap 10:7). “O mistério de Deus” é o evangelho e sua proc-
lamação (Ef 3:4; 6:19; Cl 4:3; Rm 16:25, 26). Se a sétima trombeta está ligada à
conclusão da obra do evangelho, a dispensação evangélica, então as seis trom-
betas precedentes devem necessariamente soar durante o tempo da graça.
c. Altar de ouro: referência ao altar de ouro de incenso no começo da sexta 199
trombeta é um marcador na profecia, indicando que a intercessão sacerdotal de
Cristo ainda está em andamento (Ap 9:13; cf. 8:3, 4).
d. Interlúdio (veja nº 4 nesta seção): a obra do evangelho continua avante
sob a sexta trombeta.
(1) A igreja (simbolizada por João) deve pregar “outra vez [a] muitos povos,
e nações, e línguas, e reis” (Ap 10:11).
(2) As pessoas podem se arrepender e dar glória a Deus (Ap 11:13; cf. 16:9).
e. Períodos de tempo: a presença de períodos de tempo na quinta e sexta
trombetas são marcadores indicando que essas trombetas aparecem no tempo
histórico antes do final do tempo da graça aos seres humanos.

Referências

HASEL, G. F. Cumprimento de profecia. In: HOLBROOK, F. B. (Ed.). Setenta Semanas:


Levítico e a Natureza da Profecia. Engenheiro Coelho: Unaspress, 2010. (Série Santuá-
rio e Profecias Apocalípticas, 3).
Estudos selecionados em interpretação profética

STRAND, K. A. Interpreting the Book of Revelation: Hermeneutical Guidelines, with


Brief Introd. to Literary Analysis. 2. ed. [S.l.]: Ann Arbor Publ., 1979.

MAXWELL, C. M. God Cares: The Message of Revelation for You and Your Family.
[S.l.]: Pacific PressPub Assn, 1985. v. 2.

GENERAL CONFERENCE OF THE SEVENTH-DAY ADVENTIST CHURCH. Sta-


tement on Desmond Ford Document. Ministry, out. 1980. Disponível em: <http://bit.
ly/11jOW32>. Acessado em: 10 jan. 2013.

200
10
Selos e trombetas:
algumas discussões atuais
Jon Paulien

Esboço do capítulo
1. Questões no debate atual
2. A “grandiosa estratégia” do Apocalipse
3. O historicismo e os sete selos
4. O historicismo e as sete trombetas
5. Considerações finais

Sinopse editorial. Em anos re-


centes, os eruditos adventistas têm
focalizado a estrutura literária do
livro de Apocalipse. Esses estudos
têm confirmado o consenso dos
pioneiros adventista de que os cum-
primentos das linhas paralelas da
profecia (por exemplo, os sete selos
e as sete trombetas), se estendem
ao longo da Era Cristã, iniciando-
se nos dias de João, e alcançando a
Segunda Vinda.
Hoje alguns estão defendendo
dois cumprimentos distintos dos
selos e trombetas (e outras porções
do Apocalipse, inclusive os períodos
de tempo). Eles veem um segundo
(primário para eles) cumprimento do
Estudos selecionados em interpretação profética

fim dos tempos dos selos e das trombetas, comumente ligando o primeiro ao juízo
investigativo de Daniel 7. As trombetas são colocadas ou no final dos tempos pouco
antes da Segunda Vinda, ou imediatamente depois do fim do tempo da graça.
Neste capítulo o autor resume a evidência embutida nas introduções a es-
sas séries, bem como nos modelos do santuário e das festividades refletidos no
livro. Os dados coletados endossam claramente a compreensão historicista de
que estas séries se estendem através da Era Cristã e jamais foram destinadas
(como séries inteiras) a encontrar um segundo cumprimento no final da era.

Questões no debate atual

Consenso dos pioneiros


Por volta do final do século 19, preeminentes adventistas do sétimo dia
estudiosos da Bíblia chegaram a um consenso sobre como aplicar as várias
partes do livro de Apocalipse à história da Era Cristã.
Eles compreenderam as cartas às sete igrejas (Ap 1–3) como sendo dirigi-
das inicialmente a sete igrejas do primeiro século sobre as quais João tinha um
interesse supervisor. O significado destas cartas se estendia também (por repre-
202 sentação simbólica) aos sete grandes períodos da história cristã.
Os pioneiros adventistas do sétimo dia compreendiam os selos, as trom-
betas e o capítulo 12 (Ap 4–12) como apresentando três linhas paralelas que
abrangem toda a Era Cristã. (1) Os sete selos se dispunham em posição paralela
às sete igrejas como um esboço dos grandes períodos da história cristã. (2) As
sete trombetas continham primariamente os juízos divinos sobre as porções
ocidental e oriental do Império Romano. (3) O capítulo 12 retratava o grande
conflito no Céu e seu resultado na experiência da igreja na Terra.
Os pioneiros também concordavam em que a maior parte dos aconteci-
mentos descritos nos capítulos 13–19 dizia respeito ao fim dos tempos, con-
duzindo até a segunda vinda de Cristo. Apocalipse 20–22, por outro lado,
era visto como se situando além da Segunda Vinda.
A corrente principal do adventismo, portanto, veio a afirmar que o livro de
Apocalipse se divide naturalmente em duas partes. A primeira cobre os grandes
acontecimentos da história profética entre os dois adventos de Cristo, embora
cada série conduza ao fim. Essa abordagem interpretativa de Apocalipse 1–12,
conhecida como historicismo, baseia-se no modelo de Daniel e do próprio Jesus
retratando o futuro em termos de uma série de eventos históricos que vão desde
o tempo do profeta até o estabelecimento do reino eterno (ver Dn 2).
Selos e trombetas

A segunda divisão do Apocalipse era compreendida como abrangendo prin-


cipalmente os eventos ligados à própria Segunda Vinda. Embora seguido hoje
em detalhe exato por alguns, Daniel and Revelation, de Uriah Smith, continua
como uma expressão desse consenso básico modelado cerca de cem anos atrás
por nossos pais espirituais (SMITH, 1897).

Novas interpretações particulares


Em anos recentes, vários adventistas do sétimo dia têm explorado a pos-
sibilidade de que a perspectiva do fim dos tempos do Apocalipse poderia
ser muito mais ampla do que os adventistas têm imaginado. Em geral, esses
intérpretes concordam com o consenso histórico concernente às igrejas (Ap
1–3) e a última metade do livro (Ap 13–22).
Todavia, eles comumente defendem um futuro segundo cumprimento de
certas porções de Apocalipse, inclusive seus períodos de tempo. Um importante
ponto de desacordo jaz em como os selos e as trombetas (Ap 4–11) devem ser
compreendidos. Esses “intérpretes do fim dos tempos”1 creem que os selos e as
trombetas (Ap 4–11) retratam acontecimentos associados ao fim dos tempos,
em vez de à extensão global da Era Cristã. Os selos (Ap 4–6) são geralmente
compreendidos como retratando aspectos do juízo investigativo que começou
em 1844, e as trombetas (Ap 8–11) são compreendidas como vindo em seguida 203
ao fechamento da porta da graça pouco antes do retorno de Cristo. Para alguns,
estes são vistos como um segundo cumprimento.
O que tem surgido desses estudos e resultantes discussões é a percepção de
que os adventistas do sétimo dia não têm investido a espécie de energia criativa
sobre os selos e trombetas que habilitaria a posição historicista, ou qualquer
outra posição, a ser declarada firmemente estabelecida. Os adventistas têm tido
a tendência de supor que os selos e trombetas são duas séries históricas, se es-
tendendo dos dias do profeta até o fim, mas não têm estabelecido este ponto de
vista sobre a base de cuidadosa exegese do texto.2 Se as interpretações emergen-
tes do fim dos tempos dos selos e das trombetas se demonstrarem corretas, os

1
  Eles são frequentemente rotulados como “futuristas”, mas embora esta designação seja
descritiva até um ponto, eles geralmente recusam qualquer aceitação do sistema dispensa-
cionalista futurista de interpretação.
2
  Em apoio desta asserção, note o comentário de Uriah Smith sobre Apocalipse 8:7–9:21. Ses-
senta e dois por cento dos comentários de Smith são diretamente citados de comentaristas não
adventistas do sétimo dia. A maior parte do restante é parafraseada. Dificilmente há um exemplo
em que é feita referência ao texto. A posição historicista é assumida como um dado, nunca é ar-
gumentada a partir do texto das trombetas.
Estudos selecionados em interpretação profética

autores destas interpretações estimularam o estudo chamando a atenção para


estas porções mais obscuras do Apocalipse.
Conquanto uma compreensão dos selos e trombetas possa não ser decisiva
para a salvação, as realidades atuais exigem que lhes seja dada mais cuidadosa
atenção do que tem sido o caso no passado. Este capítulo, portanto, descreve
várias realidades do livro de Apocalipse que precisam ser levadas em conta
quando se trata de como os selos e as trombetas devem ser interpretados.

A “grandiosa estratégia” do Apocalipse

Função do arranjo literário


Uma das principais evidências citadas em defesa de uma compreensão his-
toricista dos selos e trombetas baseia-se na observação de que o livro de Apoc-
alipse está estruturado como um “quiasma” (STRAND, 1979, p. 43-59). Uma
“estrutura quiástica” ocorre quando as palavras e ideias são paralelas umas às
outras na ordem inversa do início ao fim de um livro.
No caso de Apocalipse, o material antes de Apocalipse 15 é, no conjunto,
confrontado no sentido inverso pelo material que vem depois do capítulo 15.
204 Kenneth Strand considera a primeira (e maior) metade como estando relacio-
nada com toda a Era Cristã. O conteúdo do Apocalipse posterior ao capítulo 15
diz respeito quase exclusivamente ao tempo após o fim do tempo da graça, um
evento que ainda está no futuro. O “quiasma” e seus resultados são evidentes
por si mesmos quando se compara os três primeiros capítulos do Apocalipse
quando os dois últimos.3 Os intérpretes do fim dos tempos, porém, têm resis-
tido a esta compreensão do arranjo literário do Apocalipse, sendo que ela tem
impacto negativo sobre suas interpretações dos selos e trombetas.
Tenho procurado esclarecer a aplicabilidade do esboço de Kenneth
Strand aos selos e às trombetas comparando cuidadosamente os capítulos

3
  Note os seguintes paralelos:
1:1 ………………. “que em breve devem acontecer” ……………… 22:6
1:3 ................ “bem-aventurados aqueles que [...] guardam” ............... 22:7
1:3 ................................. “o tempo está próximo” ................................. 22:10
1:4 ......................................... “as sete igrejas” ........................................ 22:16
1:17 .................................. “o primeiro e o último” ................................. 21:6
2:7 ......................................... “árvore da vida” ......................................... 22:2
2:11 ....................................... “segunda morte” ....................................... 21:8
3:12 ...................................... “nova Jerusalém” ..................................... 21:10
Selos e trombetas

4–7 com o capítulo 19, como sugere Strand. Encontrei, na língua original,
quatro grupos de ideias paralelas entre os selos e o capítulo 19, dois dos
quais se relacionam diretamente com o assunto em questão.4
1. Nos capítulos 4 e 5, as cenas de adoração descrevem o louvor ofereci-
do a Deus pela Criação e pela cruz. Contudo, cenas paralelas nos capítulos
7 e 19 descrevem o louvor a Deus por redimir o seu povo da Babilônia do
fim dos tempos. Esta observação sugere que a melhor colocação dos capí-
tulos 4 e 5 está no início da Era Cristã.
2. Apocalipse 6:10 descreve um tempo em que Deus não está ainda julgando.
Apocalipse 19:2 vem após estar concluído o juízo. O juízo não ocorre nos capí-
tulos 4 e 5, quando os selos ainda têm de ser abertos. É óbvio que o juízo deve
ocorrer algum tempo entre a abertura do quinto selo (em que os mártires pedem
julgamento) e o pronunciamento do juízo concluído em Apocalipse 19:2.
Essas duas observações coincidem com o que se poderia esperar se a
primeira parte do Apocalipse diz respeito a toda a Era Cristã e a última
parte ao fim dos tempos.

Função do santuário em Apocalipse


Cenas introdutórias do santuário. As pesquisas mostram uma série de
indicações de que o próprio João compreendia os selos e as trombetas como 205
abrangendo o vasto alcance da história cristã em vez de somente o fim dos
tempos. Por exemplo, as cenas do santuário que introduzem várias partes do
Apocalipse demonstram uma progressão significativa (Ap 1:12-20; 4:1–5:14;
8:2-6; 11:19; 15:5-8; 19:1-8; 21:1–22:5).
A primeira cena do santuário (1:12-20). Aqui a visão usa as imagens do
santuário para retratar a presença de Cristo entre as igrejas na Terra; no entanto,
não é um olhar para o santuário celestial. A cena ocorre em Patmos, e os sete
candeeiros representam as sete igrejas. O convite explícito “sobe para aqui” para
o reino celestial vem posteriormente em Apocalipse 4:1.
A segunda cena do santuário (4:1–5:14). O foco agora muda para o san-
tuário no Céu. A maior coleção de imagens do santuário no livro se encontra
nesta introdução aos selos. A cena contém uma completa mistura de imagens
de quase todos os aspectos do ritual hebraico.
No santuário israelita somente duas ocasiões tinham contato com quase
todos os aspectos do seu culto: o serviço de inauguração em cujo momento o

4
  Para uma discussão mais completa destes grupos paralelos, veja o capítulo 11 deste vol-
ume, “Os sete selos”.
Estudos selecionados em interpretação profética

santuário foi dedicado (cf. Êx 40) e o Dia da Expiação. A cena do santuário nos
capítulos 4–5 é a primeira visão do santuário celestial no livro. É mais bem iden-
tificado com a inauguração ou serviço de dedicação do antigo santuário. O foco
central é sobre as consequências da cruz, uma das quais foi o estabelecimento
do reinado de Cristo no santuário celestial.
A descrição não é certamente uma cena de juízo como se poderia esperar se o
Dia da Expiação estivesse em vista. De fato, a linguagem explícita do juízo está to-
talmente ausente da cena.5 A única ocasião em que uma palavra grega para “julgar”
aparece na primeira metade do livro está em Apocalipse 6:10, e ali a asserção é que
Deus ainda não começou a julgar! Sendo que a cena do santuário em Apocalipse 5
precede a abertura dos selos, a evidência de que o quinto selo ocorre em um tempo
de “não julgamento” é decisiva na localização dos selos na Era Cristã em geral.
A terceira e a quarta cenas do santuário (8:2-6 e 11:19). Estas continuam no
santuário celestial. A primeira (8:2-6) apresenta uma visão explícita do primeiro
compartimento com seus serviços de intercessão. A última (11:19) retrata uma
visão explícita do segundo compartimento no contexto de juízo (cf. 11:18).
A quinta cena do santuário (15:5-8). Esta visão retoma outra vez a lin-
guagem da inauguração (a glória enchendo o templo), mas realmente descreve
um fechamento do santuário, sua desinauguração ou cessação do seu ministério.
206 A sexta cena do santuário (19:1-10). A linguagem de trono, adoração e
Cordeiro é característica da segunda cena, mas todas as imagens explícitas do
santuário estão ausentes. O santuário celestial desapareceu de vista.
A sétima cena do santuário (21:1–22:5). O foco da visão retorna à Terra, o
equivalente ao capítulo 1. O Senhor Deus e o Cordeiro são o templo da Cidade
Santa (21:22). Deus está agora com seu povo na Terra (21:3).
Estas cenas introdutórias do santuário mostram duas linhas definidas de
progressão. Primeira, é chamada a atenção do leitor da Terra para o Céu, e de
volta novamente à Terra. Segunda, ele é levado da inauguração do santuário ce-
lestial para a intercessão, para o juízo, para a cessação do santuário, e finalmente
para sua ausência. Esta progressão é ilustrada a seguir.

  As palavras gregas para “juízo”, krisis, krima e krinô, são muito comuns na segunda metade do livro.
5
Selos e trombetas

(1) Ap 1:12-20 Terra


(2) Ap 4 e 5 (Inaguração)
(3) Ap 8:2-6 (Intercessão)
(4) Ap 11:19 (Julgamento) Céu
(5) Ap 15:5-8 (Cessação)
(6) Ap 19:1-10 (Abstenção)
(7) Ap 21:1 - 22:5 Terra

Nesta progressão, o primeiro dia explícito da cena de expiação-juízo ocorre


somente em 11:18-19. A primeira metade do livro focaliza inauguração e inter-
cessão; a última metade move-se para juízo e rejeição. Isso apoia o consenso dos
pioneiros e a compreensão básica de Kenneth Strand de que o livro de Apoc-
alipse está dividido em uma metade histórica e uma escatológica.
207
O modelo diário/anual. Quando o livro do Apocalipse como um todo é exam-
inado à luz do santuário, são feitas descobertas de natureza mais implícita. Partindo
das fontes históricas, nos tornamos familiarizados com a maneira como os serviços
diários e anuais do santuário eram conduzidos no primeiro século da Era Cristã.
Uma comparação de Apocalipse 1–8 com essas fontes sugere que esta seção de
Apocalipse reflete os serviços diários do santuário que prenunciavam a cruz.6
O primeiro ato importante no serviço sacrifical diário (tāmîd) do Templo
era que um sacerdote escolhido entrava no lugar santo e punha em ordem o
candelabro certificando-se de que cada uma das lâmpadas estava ardendo bril-
hantemente e tinha um novo suprimento de azeite (cf. Ap 1:12-20). Em seguida
a este ministério a grande porta do Templo era aberta (cf. Ap 4:1). Então um
cordeiro era morto (cf. Ap 5:6), e o seu sangue derramado à base do altar do
holocausto no pátio exterior do Templo (cf. Ap 6:9). Depois do derramamento
do sangue, era oferecido incenso no altar de ouro do lugar santo (cf. Ap 8:3-4;

6
  A fonte para a descrição do sacrifício diário é o tratado Tamid da Mishnah, uma coleção de
tradições mais antigas pertencentes às leis, tradições e práticas do judaísmo primitivo.
Estudos selecionados em interpretação profética

Lc 1:8-10). Então, durante um intervalo no cântico (cf. Ap 8:1), eram tocadas as


trombetas para indicar que o sacrifício estava concluído (cf. Ap 8:2, 6).
Não somente a primeira parte de Apocalipse reflete todos os importantes de-
talhes do sacrifício diário no Templo, mas também alude a eles essencialmente na
mesma ordem. Assim, o material que constitui as igrejas, selos e trombetas parece
estar habilmente associado com as atividades do Templo relacionadas ao serviço
diário (tāmîd). Os adventistas do sétimo dia compreendem esses serviços diários
como sendo típicos da fase intercessora do ministério de Cristo iniciado no san-
tuário celestial por ocasião de sua ascensão em 31 d.C. O fato de que as cenas in-
trodutórias aos selos e às trombetas estão associadas à inauguração e intercessão do
santuário é certamente compatível com esta descoberta.
É interessante, portanto, descobrir no capítulo 11 que o livro muda para a
linguagem explícita dos serviços anuais do Dia da Expiação. Kenneth Strand
salienta que Apocalipse 11:1-2 contém uma clara alusão ao Dia da Expiação,
que vem imediatamente depois da referência ao término das profecias de tem-
po de Daniel (Ap 10:5, 6) (STRAND, 1984, p. 317-325). Em Levítico 16 — o
grande capítulo do Dia da Expiação —, é feita expiação pelo sumo sacerdote, o
santuário, o altar e o povo. O único outro lugar nas Escrituras onde os termos
santuário, altar e povo estão combinados é em Apocalipse 11:1-2. Sendo que
208 o Sumo Sacerdote do Novo Testamento, Jesus Cristo, não precisa de expiação,
a referência comum a santuário, altar, e povo sendo medidos parece ser uma
deliberada recordação do Dia da Expiação como o dia em que estes eram avali-
ados ou “medidos” (cf. 2Sm 8:2; Mt 7:2). Essa tênue alusão ao Dia da Expiação
vem pouco antes da mais explícita de Apocalipse 11:18-19.
Concluindo, podemos inferir que o modelo diário/anual embutido nas
imagens do santuário de Apocalipse sugere que a primeira porção do livro
(Ap 1–10) foi escrita tendo em mente o ministério intercessório de Cristo. No
capítulo 11, a imagem que se relaciona com os serviços diários é substituída
por alusões ao ministério orientado para o juízo do Dia da Expiação. Isso é
o que esperaríamos se a primeira metade do livro focaliza principalmente os
grandes acontecimentos da Era Cristã e a última metade os eventos finais desta
era quando o juízo trará um fim ao pecado e aos pecadores.
Festas anuais em Apocalipse. Igualmente impressionante é a evidência
de que o livro de Apocalipse parece estar modelado também segundo as
festas anuais do ano judaico.7

7
  Sou grato a Richard Davidson, do Seminário Teológico Adventista do Sétimo Dia, por muitas
das analogias aqui descritas.
Selos e trombetas

Páscoa. As cartas às sete igrejas são rememorativas da Páscoa, a festa primária


da estação primaveril. Por exemplo, em nenhuma outra parte do Apocalipse há
tão fortes concentrações de referências à morte e ressurreição de Cristo (cf. Ap 1:5,
17-18).8 O intenso escrutínio de Cristo nas igrejas nos lembra a procura por fer-
mento em cada família judaica para removê-lo pouco antes da Páscoa (Êx 12:19;
13:7). Sendo que a Páscoa é a única festividade cumprida pelo Cristo terrestre
(1Co 5:7), é apropriado que ela estivesse associada com esta porção do livro onde
Ele é retratado em seu ministério às igrejas na Terra.
Pentecostes. Como a inauguração do santuário celestial, a cena do trono
de Apocalipse 4–5 está adequadamente associada ao Pentecostes. O primeiro
Pentecostes ocorreu durante o tempo em que a lei foi dada a Moisés no monte
Sinai (Êx 19–20). Como o novo Moisés, Cristo recebe de Deus, por assim dizer,
a nova Torá (Ap 5). Êxodo 19 também envolvia a inauguração de Israel como
o povo de Deus (Êx 19:5-6; cf.Ap 5:9-10). A liturgia judaica para a festa de
Pentecostes incluía a leitura de não apenas Êxodo 19, mas também de Ezequiel
1, importante base literária para Apocalipse 4–5.
Festa das Trombetas e Dia da Expiação. O soar de sete trombetas — perto
do centro do livro (Ap 8–9, 11) — lembra ao leitor as sete festas mensais da lua
nova que culminavam na Festa das Trombetas, assinalando a transição entre
as festas da primavera e do outono. A própria Festa das Trombetas, caindo no 209
primeiro dia do sétimo mês (correspondendo à sétima trombeta) introduzia
solenemente a hora do juízo que preparava o caminho para o Dia da Expiação
(cf. 11:18-19). Há uma crescente focalização sobre o conceito do juízo deste
ponto em diante no livro (Ap 14:7; 16:5, 7; 17:1; 18:8, 10, 20; 19:2 etc).
Festa dos Tabernáculos. A última das cinco festas básicas do sistema levítico
(cf. Lv 23) era a Festa dos Tabernáculos que seguia o Dia da Expiação. A colheita
havia terminado (cf. Ap 14–20). Deus estava agora “habitando” com o seu povo (cf.
Ap 21:3). As celebrações de Apocalipse do fim dos tempos estão repletas de imagens
de festividades, ramos de palmeira, música, e regozijo diante do Senhor (ver Ap
7:9ss. e Ap 19:1-10, bem como Ap 21–22). As imagens principais da festa — água e
luz — encontram seu cumprimento final em Apocalipse 22:1, 5.
Dentro do adventismo, as festas da primavera têm sido associadas à cruz de
Cristo e sua investidura e ministério no santuário celestial. As festas do outono en-
contram seu cumprimento no tempo do fim e no juízo pré-advento e acontecimen-
tos que envolvem a segunda vinda de Cristo. O que tem sido ignorado é o fato de

8
  Embora o cordeiro morto seja mencionado na próxima parte de Apocalipse (Ap 5:6), ele mor-
reu antes da cena de Apocalipse 5 (Ap 5:5-6; cf. 3:21).
Estudos selecionados em interpretação profética

que a Festa das Trombetas vem como o clímax de sete festas da lua nova (Nm 10:10)
e forma a ponte entre as festas da primavera e do outono. Ela está, portanto, nas sete
trombetas do Apocalipse em que se encontra a ponte cronológica entre as festas da
primavera e do outono, entre um foco sobre a cruz e o início da Era Cristã, e um
foco sobre o fim dos tempos em Apocalipse.
Assim, a primeira metade de Apocalipse, baseada nos sacrifícios diários e nas
festas da primavera, apresenta uma ênfase sobre a cruz e seus efeitos; ao passo que
a última metade do livro, baseada nos sacrifícios anuais e nas festas do outono, fo-
caliza o fim. A Festa das Trombetas (o primeiro dia do sétimo mês) introduzia a
época do ano em que ocorria o juízo e o santuário era purificado (Ap 11:18-19).

Resumo
O material acima sobre os antecedentes do santuário no Apocalipse indica que
o quiasma de Kenneth Strand é bem apoiado por amplas tendências que abrangem
o livro de Apocalipse como um todo. Estas tendências sugerem que João compreen-
dia os selos e as trombetas como cobrindo toda a dimensão da história cristã desde
os seus dias até o Segundo Advento (não importa quão longa João compreendia
que esta fosse). O principal ponto de diferença com Strand diz respeito a se o ponto
central do livro é Apocalipse 11–12 ou 14–15.
210 Este assunto não é, porém, uma diferença essencial. O material de Apocalipse
12–14 é de transição. Seu objetivo e foco estão sobre a ira final das nações contra
o remanescente (12:17; 13). Mas gasta muito tempo recapitulando a história que
levaria até esse clímax, preparando o terreno para as operações finais de caracteres
que têm estado funcionando na maior parte da era. Começando com o capítulo 15,
o foco quase exclusivo é sobre o próprio término do tempo do fim.

O historicismo e os sete selos


O espaço não permite uma resposta ponto por ponto aos argumentos daque-
les que acham que a profecia dos selos (Ap 4–8) tem em vista retratar os eventos
do fim dos tempos.9 O mais decisivo argumento bíblico para esta posição, porém,
brota de duas observações: (1) É claro que Apocalipse 4 e 5 contém analogias a
Daniel 7, Ezequiel 1–10 e Apocalipse 19. Sendo que o juízo é o tema principal des-
tas passagens paralelas, infere-se que a cena de Apocalipse 4–5 deve ser a do juízo
investigativo que se iniciou em 1844. (2) Também está claro que algumas das
imagens de Apocalipse 4–5 lembram aspectos dos rituais do Dia da Expiação.10

9
  Para uma discussão da profecia dos selos, veja o capítulo 11 deste volume.
10
  A “porta” de 4:1 pode se referir à porta entre os compartimentos do tabernáculo terrestre
Selos e trombetas

Assim, pode ser assumido que toda a cena é uma descrição do Dia da Expiação.
Estes argumentos certamente merecem investigação, mas não revertem o quadro
mais amplo delineado brevemente acima.
Em primeiro lugar, as analogias a Ezequiel e Daniel são informativas, mas
não contam toda a história. João alude também a outras importantes passagens
do Antigo Testamento (Is 6; 1Rs 22:19-22; Êx 19). O denominador comum en-
tre todas as cinco passagens do Antigo Testamento não é juízo, mas uma de-
scrição do trono de Deus. De fato, João seleciona a imagem da sala do trono de
Daniel 7 e Ezequiel 1–10, mas evita empregar seus aspectos de juízo.11
Especialmente impressionantes são as acentuadas diferenças entre Apocalipse
4–5 e Daniel 7. Em Daniel são postos uns tronos (Dn 7:9); em Apocalipse os tronos
já estão lá (Ap 4:2-4). Em Daniel muitos livros são abertos (Dn 7:10); em Apocalipse
um livro está selado (Ap 5:1). Em Daniel a figura central é “o filho do homem” (Dn
7:13; um termo com o qual o Apocalipse certamente está familiarizado — 1:13);
em Apocalipse ele é o Cordeiro (Ap 5:6; um termo mais apropriado para o serviço
diário do que para o Dia da Expiação em qualquer caso).
Como foi notado acima, a linguagem de juízo nas cenas de Apocalipse
4–5 está totalmente ausente12 até 6:10, onde está claro que o juízo ainda não
havia começado. Parece inconcebível que Apocalipse 4–5 pudesse ser a cena
do juízo do fim dos tempos quando o juízo ainda não tem começado mesmo 211
no tempo em que o quinto selo é aberto!
Conquanto haja algumas alusões ao santuário em Apocalipse 4–5 que po-
dem estar relacionadas ao Dia da Expiação, há muito mais que se relacionam
com outros aspectos do santuário e seus serviços. A impressão geral dada por
esta passagem não pertence a qualquer compartimento ou serviço, mas sugere
uma lista abrangente de quase todos os aspectos do antigo ministério.
As séries de observações acima concernentes ao santuário na estrutura
literária do Apocalipse indicam fortemente que Apocalipse 4–5 é uma de-
scrição simbólica do serviço de inauguração no santuário celestial que ocor-
reu em 31 d.C. O que segue à cena de inauguração tem a ver com toda a Era
Cristão, não apenas o seu fim.

do Antigo Testamento (também pode se usada para outras aberturas dentro do santuário). O
trono pode lembrar o propiciatório sobre a arca da aliança. As três pedras da primeira parte de
Apocalipse 4 podem ser encontradas no peitoral do sumo sacerdote, que ministrava no Dia da
Expiação. Os quatro seres viventes lembram os quatro querubins do Templo de Salomão.
11
  Escritores bíblicos posteriores frequentemente usam escritos inspirados mais antigos para um
propósito diferente do principal intento do escritor original.
12
  Em grego, as palavras são krima, krisis e krinō.
Estudos selecionados em interpretação profética

Tentativas recentes para localizar Apocalipse 4 no primeiro compartimento do


santuário celestial e Apocalipse 5 no segundo compartimento são refutadas sobre
a absoluta falta de evidência no texto para qualquer movimento do trono entre os
dois capítulos. Os dois capítulos retratam uma simples localização visionária.

O historicismo e as sete trombetas


Os argumentos para a interpretação da série de trombetas no fim dos tempos
(Ap 8–11) são um tanto mais fortes do que aqueles apresentados para a série dos
selos. Afirma-se que o atirar do incensário (Ap 8:5) retrata o fim do tempo da
graça. Assim, a série de trombetas que se segue (8:7ss.) deve ter cumprimento
depois do fim da graça. Mais evidência para um cumprimento pós-fechamento
da porta da graça deve ser visto no fato de que os objetos destruídos pelas duas
primeiras trombetas — a terra, mar e árvores — não devem ser danificados até
depois que esteja completo o selamento do capítulo sete (Ap 7:1-3). A terceira
peça de evidência para uma interpretação das trombetas pós-fechamento da
porta da graça é o fato de que a praga dos gafanhotos/escorpiões da quinta
trombeta não tem permissão de afetar os selados, sugerindo assim um cenário
depois do fechamento da porta da graça (Ap 9:4).
Estes argumentos, é claro, contrariam frontalmente a evidência acima de que
212 João tinha uma preocupação pela Era Cristã como um todo na primeira metade do
Apocalipse e apenas focalizou especificamente o fim dos tempos na última metade
do livro. Sob exame mais atento, porém, torna-se evidente que os argumentos para
um cenário pós-fechamento da porta da graça para as trombetas baseiam-se mais
em suposições do que na real evidência do texto bíblico.

Cena introdutória do santuário: Apocalipse 8:2-6


A principal suposição que está por trás do primeiro argumento é que a cena
introdutória do santuário que retrata simbolicamente o ministério sacerdotal
de intercessão de Cristo é concluída antes do início das trombetas. Assim, o
atirar do incensário (o final da provação humana) precede os eventos que se
seguem no capítulo. Como resultado, todas as sete trombetas são compreendi-
das como vindo depois do fechamento da porta da graça.
A suposição de que a cena introdutória é concluída antes do início das trom-
betas pode ser testada de duas maneiras. Primeira: As outras cenas introdu-
tórias (que precedem as sete igrejas, os sete selos e as sete taças) concluem antes
do começo de cada sétima série? Ou elas continuam permanecendo na base de
toda a sequência visionária? Segunda: Se as trombetas em grande parte ocorrem
Selos e trombetas

durante o tempo da graça, que evidência existe na série para indicar que a porta
da graça ainda está aberta para a humanidade?
Quando examinamos as cenas introdutórias às séries de sete visões do
Apocalipse, descobrimos que elas não somente precedem as cenas subse-
quentes, mas permanecem à vista por toda parte. Por exemplo, nas sete
igrejas a visão introdutória precede as cartas no arranjo literário do livro,
mas cada carta remete para as características de Cristo registradas nessa in-
trodução. Sendo que as cartas são escritas em prosa ordinária, elas proveem
uma clara indicação da estratégia literária do autor.
Cada um dos sete selos é aberto durante a incessante atividade do Cordeiro
na sala do trono celestial (Ap 5–6). Esta cena, começando com a inauguração
do santuário celestial, continua ao longo da abertura dos selos até a Segunda
Vinda e até o tempo em que toda a criação louva a Deus (Ap 5:13).
A cena introdutória às sete taças (Ap 15:5-8) retrata um tabernáculo
vazio no Céu, o que é certamente apropriado para todo o período depois do
fechamento da porta da graça.
Assim, cada visão introdutória provê o cenário para a atividade subsequente
e permanece ativa em segundo plano até a conclusão da visão. Sendo que este é
tão claramente o caso para três das quatro séries de sete visões, o ônus da prova
está sobre qualquer um que deseja argumentar que Apocalipse 8:2-6 é uma ex- 213
ceção. É mais provável que João pretendia que o leitor visse a intercessão no
altar de ouro como estando disponível até o instante em que soa a sétima trom-
beta, levando à finalização do “mistério de Deus” (Ap 10:7), isto é, à conclusão
do evangelho (Rm 16:25-27; Ef 3:2-7; 6:19).

Outras evidências do tempo da graça


O exposto acima é apoiado por abundante evidência de que a porta da graça
permanece aberta ao longo da sexta trombeta. A sexta trombeta equivale ao “seg-
undo ai” e como tal vai claramente de Apocalipse 9:12 a 11:14. Em Apocalipse 9:13,
há uma voz “dos quatro ângulos do altar de ouro que se encontra na presença de
Deus”, uma clara referência ao altar de ouro de Apocalipse 8:3, 4. Isto sugere que a
intercessão ainda está em andamento no tempo do soar da sexta trombeta.
Em Apocalipse 9:20-21, aqueles que experimentam a praga da sexta trombeta
não se arrependem, o que pode indicar que o arrependimento ainda é uma opção.
Em Apocalipse 10:11, o profeta é informado de que ele deve profetizar outra
vez, algo que faria pouco sentido depois do fechamento da porta da graça.
O que é mais importante, um grupo de pessoas descrito em Apocalipse
11:13 quando o “resto” ou os “restantes” (hoi loipoi — a mesma palavra aplicada
Estudos selecionados em interpretação profética

para o remanescente de Apocalipse 12:17)13 “ficaram sobremodo aterrorizadas


e deram glória ao Deus do Céu”. Qualquer ponto da história que possamos levar
isto a ser, é claramente uma resposta apropriada ao evangelho proclamado pelo
primeiro anjo de Apocalipse 14:6-7 — “Temei a Deus e dai-lhe glória.”14
Assim é evidente que a porta da graça continua aberta, e a intercessão
de Apocalipse 8:3, 4 continua até o fim da sexta trombeta. As sete trombe-
tas como um todo não são claramente compreendidas como sendo depois
do fechamento da porta da graça.

São as trombetas sequenciais ao selamento (Ap 7)?


Outro argumento para a interpretação das sete trombetas no fim dos tem-
pos nota a semelhança de linguagem entre Apocalipse 7:1-3 e Apocalipse 8:7-9.
Segundo Apocalipse 7, a terra, mar e árvores não devem ser danificados até que
esteja concluída a obra do selamento. Sendo que são estes os próprios objetos
afetados pela primeira e segunda trombetas, sugere-se que essas trombetas de-
vem seguir cronologicamente o selamento e, portanto, ocorre em tempos poste-
riores ao fechamento da porta da graça.
Contudo, deve ser notado que Apocalipse 8:2 introduz uma nova série; conse-
quentemente, é necessário demonstrar que a série de trombetas segue cronologica-
214 mente a seção literária que a precede. Os capítulos 4 e 12 certamente retornam a um
estágio anterior da história. Por que não também o capítulo 8?
Embora seja verdade que os objetos para destruição nas primeiras duas trom-
betas são protegidos em Apocalipse 7:1-3, eles são também protegidos na quinta
trombeta (Ap 9:4). Esse fato suscita sérias interrogações sobre se a série de trombe-
tas deve estar relacionada como uma sequência imediata à visão do capítulo 7.
Ainda mais decisivo, porém, é o fato de que o mais forte paralelismo
entre a primeira parte de Apocalipse 7 e as sete trombetas está em Apoc-
alipse 9:14, 16. Em ambas as sessões, “segurar” e “soltar” estão relacionados
aos quatro anjos. Em ambas as seções, um povo está sendo numerado: em
Apocalipse 7, o povo de Deus; em Apocalipse 9, seus correlativos demonía-
cos. E são estes os dois únicos lugares em Apocalipse contendo as palavras
enigmáticas: “Eu ouvi o número [ēkousa ton arithmon].” Se a porta da graça
continua aberta ao longo da sexta trombeta e então se fecha com o soar da

13
  Também em deliberado contraste com os impenitentes hoi loipoi de Ap 9:20.
14
  Em direto contraste estão aqueles de Ap 16:9 que preferem rejeitar o arrependimento e blas-
femam contra Deus em vez de dar-lhe glória. Note que a impenitência tem avançado em 16:9, 11
além do estágio de 9:20, 21.
Selos e trombetas

sétima, a sexta trombeta é o exato correlativo histórico de Apocalipse 7:1-8.


É a última oportunidade para salvação pouco antes do final.
Portanto, as sete trombetas não seguem os acontecimentos de Apocalipse 7 em
ordem cronológica. Em vez disso, as trombetas aproveitam a sugestão e o início, a
partir da visão introdutória de Apocalipse 8:2-6. O principal tema dessa visão é in-
tercessão no altar de incenso. Este é um suplemento apropriado para a inauguração
do santuário celestial conforme descrito em Apocalipse 5.
O livro de Apocalipse flui naturalmente, como foi mostrado acima, desde uma
visão da cruz (Ap 1:5, 17, 18; ver 5:6, 9, 12) a uma visão da inauguração do minis-
tério de Cristo à luz da cruz (Ap 5), a uma descrição do ministério intercessório
que resulta (Ap 8:3, 4), e finalmente ao juízo que precede o fim (Ap 11:18, 19). Essa
ordem de acontecimentos é característica de todo o Novo Testamento.

O selo de Deus (Ap 9:4)


O importante argumento final para uma interpretação das trombetas no fim
dos tempos repousa sobre a observação de que a quinta trombeta não afeta aqueles
que estão selados (Ap 9:4). Argumenta-se que se o selamento é o último aconteci-
mento antes do fechamento da porta da graça, então os eventos da quinta trom-
beta devem ocorrer depois do fim da graça. Esse argumento, porém, assume vários
pontos que precisam ser demonstrados. Assume que o “selamento” significa exata- 215
mente o mesmo em ambos os contextos. Assume que o “selamento” está limitado ao
fim dos tempos. Assume que as opiniões de Ellen G. White sobre o selamento em
Apocalipse 7:1-3 se aplicam também a Apocalipse 9:4.
Se alguém aborda Apocalipse 9:4 dentro do contexto mais amplo do Novo Tes-
tamento, estas suposições são difíceis de suster. As palavras gregas para selamento
(sphragis, sphragizō) são múltiplas em significado. Por exemplo, quando um selo é
colocado sobre um documento, mensagem, ou túmulo sua finalidade pode ser oc-
ultar ou confinar, demarcar, delimitar (Mt 27:66; Ap 5:1, 2, 5, 9; 6:1, 3, 5, 7, 9, 12; 8:1;
10:4; 20:3; 22:10). Um significado alternativo é certificar que algo ou alguém é con-
fiável (Jo 3:33; 6:27; Rm 15:28; 1Co 9:2). Mas quando relacionado ao povo de Deus,
o significado predominante de selamento é posse e aceitação por Deus (“o Senhor
conhece os que lhe pertencem”) (2Tm 2:19; cf. 2Co 1:22; Ef 1:13; 4:30). Neste sen-
tido ele já era uma realidade presente no tempo de Abraão (Rm 4:11).
Se em uma determinada passagem o contexto indica que estamos antes
do fim da graça, o conceito de um povo selado deve ser compreendido no
sentido geral daqueles que pertencem a Deus em qualquer época. Assim,
não deve ser assumido que o selamento de Apocalipse 7:1-3 é necessari-
amente idêntico àquele de Apocalipse 9:4.
Estudos selecionados em interpretação profética

Também não deve ser assumido que o selamento de Apocalipse 7:1-3 está
limitado ao fim dos tempos. Apocalipse 7:1-3 não limita explicitamente o se-
lamento ao fim dos tempos; meramente focaliza o significado da obra de se-
lamento em um ambiente do fim dos tempos. Relacionado a isso existe a ob-
servação de que seja o que for que Ellen White compreendia por Apocalipse
7:1-3, ela nunca citou Apocalipse 9:4 em um contexto do fim dos tempos; assim
é imprudente assumir o que ela mesma jamais declarou.

Resumo
Portanto, está claro que os argumentos utilizados por muitos para colocar
as trombetas em um ambiente do fim dos tempos não conduz o peso necessário
para subverter a perspectiva mais ampla delineada na primeira parte deste capí-
tulo de que as trombetas cobrem toda a Era Cristã.

Conclusões
Neste breve capítulo, combinamos várias observações textuais para demon-
strar que o profeta João tinha em mente duas grandes perspectivas quando es-
creveu suas visões. Na primeira parte do livro, ele focalizou a Era Cristã como
um todo, movendo-se do seu tempo até o fim. Na segunda metade do livro, ele
216 delineou principalmente os eventos do fim.
Esta percepção é análoga ao modelo de outras duas grandes passagens “apoc-
alípticas” do Novo Testamento: Mateus 24 (e suas similares, Lucas 21; Marcos 13)
e 2 Tessalonicenses 2. Cada uma dessas passagens contém uma seção que focaliza
primeiro a Era Cristã como um todo (ver Mt 24:3-14 e 2Ts 2:3-7). Essas seções
são então seguidas por atenção especial ao clímax no fim (2Ts 2:8-12; Mt 24:23-51;
especialmente os versos 27 a 31).15 Assim o livro do Apocalipse, corretamente com-
preendido, está em perfeita harmonia com a teologia e as práticas literárias do Novo
Testamento, embora sua linguagem seja muito singular.
O peso da evidência produzida neste capítulo é o reconhecimento de que o con-
senso dos pioneiros adventistas do sétimo dia sobre os selos e trombetas, embora
desfigurado por algumas inexatidões históricas e percepções exegéticas limitadas,
todavia era correto em sua percepção de que os selos e as trombetas deviam, na con-
cepção inspirada de João, abranger toda a Era Cristã e não apenas o fim desta era.

15
  Deve ser notado que esta dupla perspectiva está particularmente clara em Lucas onde os
“tempos dos gentios” (Lc 21:24) formam uma ponte entre a descrição de 70 d.C. e as realidades
gerais da Era Cristã (Lc 21:7-23) e a descrição do fim dos tempos (Lc 21:25ss.).
Selos e trombetas

Referências

SMITH, U. Daniel and the Revelation. Battle Creek: [S.n.], 1897.

STRAND, K. A. Interpreting the Book of Revelation. 2. ed. Naples: [Sn.], 1979.

_____________. An Overlooked Old-Testament Background to Revelation 11:1. An-


drews University Seminaries Studies, v. 22, p. 317-325, 1984.

217
Estudos selecionados em interpretação profética

218
11
Os sete selos
Jon Paulien

Esboço do capítulo
1. Introdução
2. Exegese geral
3. Cena introdutória do Santuário
4. Abrindo os selos
5. Tabelas de alusões

Sinopse Editorial. Conforme


observado no Relatório DAR-
COM (capítulo IX deste volume),
as cenas descritas na Terra na ab-
ertura sequencial dos primeiros
seis selos ocorrem ao longo da
Era Cristã. Uma cena do trono no
santuário celestial — descrição
do Apocalipse da investidura de
Jesus em Sua ascensão como um
“Príncipe e Salvador” ao lado do
Pai (Atos 5:31, KJV) — é o cenário
histórico para a recepção, por
Cristo, do livro selado. A partir
deste ponto no tempo Ele começa
a abrir os selos, um por um.
Uma chave importante para
desvendar o simbolismo do livro de
Estudos selecionados em interpretação profética

Apocalipse são as imagens que João extrai do Antigo Testamento para descrever
o conteúdo das visões. O presente escritor provê uma ferramenta proveitosa a
este respeito anexando três tabelas de alusões ao Antigo Testamento que têm
impacto sobre a profecia dos selos. Uma quarta tabela, comparando Apocalipse
6 com o sermão apocalíptico de Jesus nos Evangelhos, está também incluída.
Embora o livro selado nunca seja aberto no tempo da graça, sua identi-
dade é importante para a interpretação desta seção da profecia geral. O pre-
sente escritor sugere que o livro deve ser compreendido como relacionado
ao próprio livro do Apocalipse. Assim, o livro que o Pai entrega ao Cordeiro
vitorioso para ser aberto e lido (5:1-7) é o mesmo que a “revelação” dada
por Deus a Cristo das “coisas que em breve devem acontecer” (1:1, KJV;
ver 1:19). Neste caso o livro contém não somente a história e o destino do
mundo e da igreja, mas também o plano de Deus para livrar o Seu povo e
para resolver o conflito moral que tem rasgado a unidade de Sua Criação.
A linguagem dos selos contém fortes alusões às maldições ou juízos da
aliança que ameaçavam Israel mediante sua rejeição de Deus. Ao mesmo tempo
as experiências que ocorrem na abertura de cada selo se assemelha de uma ma-
neira impressionante aos acontecimentos preditos por nosso Senhor no monte
das Oliveiras (Mt 24–25; Mc 13; Lc 21) — eventos que ocorreriam antes da
220 queda de Jerusalém e antes da Sua volta e do fim do mundo.
Assim, a bem-sucedida pregação do evangelho (cavalo branco) resulta não
somente em vitórias para o reino, mas é seguida por perseguições, divisões, e
por aqueles que rejeitam Sua graça, aumentando a fome e o declínio espiritual).
O quinto selo registra o clamor dos mártires por justiça divina, enquanto que o
sexto abandona o simbolismo, por assim dizer, e esboça em nítidas pinceladas
os eventos que apontam para a aproximação do grande “dia do Senhor”.
Embora a profecia dos selos inspecione brevemente os sucessos e provações
da “igreja militante”, conserva presente diante do olho da fé as grandes verdades
de que o Cordeiro de Deus, o Leão de Judá, tem prevalecido no Calvário sobre
as forças do mal e atualmente está reinando com Seu Pai. Todas as coisas estão
sob Seu controle. Em Suas mãos está o destino da humanidade.

Introdução
Em anos recentes a profecia dos sete selos de Apocalipse tem estimulado cres-
cente interesse entre os pastores e os leigos adventistas do sétimo dia. Neste capítulo
examinamos os principais problemas que surgem do texto de Apocalipse 4–6. Es-
pera-se que esta breve introdução estimule cuidadosa análise da passagem e forneça
Os sete selos

orientação para estudo futuro. Sendo que nenhuma interpretação dos selos tem de
forma tão decisiva resolvido as questões quanto a ser auto-evidente para todos os
pesquisadores honestos, nenhuma interpretação dos selos (inclusive esta) deve se
tornar um centro de controvérsia teológica.

Exegese Geral
A passagem se inicia com um convite a João para “subir para aqui” através
de uma porta aberta no próprio Céu (4:1). Ali lhe é permitido ver o trono de
Deus circundado pela corte celestial (4:2-8). Em uma cena de inexprimível lou-
vor e devoção (4:8-11), “Aquele que se acha assentado no trono” é adorado por
Sua santidade e Sua função na criação de todas as coisas.
A cena de adoração é interrompida por um momento de crise. Um livro
de grande importância na mão do Monarca entronizado não pode ser aberto a
menos que uma pessoa “digna” seja encontrada para desatar os seus sete selos
(5:1-4). Cristo, descrito como um “cordeiro morto” e declarado digno, se apre-
senta e toma o livro da mão direita do que estava assentado no trono (5:5-7).
Esse ato evoca um crescendo ainda maior de louvor ao Cordeiro e ao que está
assentado no trono (5:8-14). É deixada a impressão de que este é, talvez, o mo-
mento mais decisivo na história do Universo. 221
A cena se volta agora para a sucessiva abertura dos sete selos do livro pelo
Cordeiro (6:1-17). Conquanto um livro selado não possa ser lido até que todos
os selos sejam abertos, a ação de abrir cada selo provoca eventos assustadores
na Terra. A abertura dos primeiros quatro resulta no aparecimento de cava-
leiros em cavalos cujas ações produzem crescente desunião e angústia sobre a
Terra (6:1-8). A abertura do quinto e do sexto selos destaca o sofrimento dos
mártires e os sinais cósmicos que precedem o fim (6:9-17). O capítulo conclui
com uma solene interrogação em face do grande dia da ira de Deus e do Cord-
eiro: Que ser humano “pode suster-se” (6:17)?
A resposta é apresentada no capítulo 7. Quando os ventos da agitação so-
pram sobre a Terra, aqueles que estão selados na fronte com o selo do Deus
vivo serão abrigados (7:1-3). Esses que estão “em pé” são descritos por um par
de imagens: 144.000 compostos de 12.000 de cada uma das 12 tribos de Israel
(7:4-8), e uma multidão inumerável de todas as tribos da Terra (7:9-17). Quer
estas duas designações representem um grupo ou dois, elas claramente retratam
a totalidade daqueles que são protegidos no grande dia da ira. Eles se unem à
corte celestial em louvor (7:9-12) e em serviço diante do trono (7:14-17).
Estudos selecionados em interpretação profética

Selos no Contexto
Declarações de introdução e conclusão são de grande importância
na compreensão de qualquer livro bíblico. É particularmente importante no
que diz respeito ao Apocalipse. O profeta João tem uma técnica de encaixar
engenhosamente cada um dos seus resumos introdutórios na seção precedente,
geralmente no ponto culminante.
Por exemplo, embora o sofrimento das almas debaixo do altar (6:9-11) forneça
um incisivo clímax para a guerra, fome e pestilência na sequência dos quatro cava-
leiros, a resposta ao seu clamor “Até quando, ó Senhor?” aguarda as pragas das sete
trombetas (ver 8:3-5, 13). Igualmente, os cinco conceitos centrais de 11:18 se tor-
nam o princípio ordenador dos capítulos 12 a 22.1 A mensagem do terceiro anjo
(14:9-12) chega ao clímax na resposta de Deus ao ataque do dragão e seus aliados.
Ao mesmo tempo, porém, a linguagem aponta para 15:1 que introduz as taças das
pragas. Apocalipse 21:1-8 funciona como o ponto culminante da visão dos mil anos
e como a introdução à descrição detalhada da nova Jerusalém.
Passagem trampolim: Apocalipse 3:21. A chave para o significado mais
amplo de muitas porções do Apocalipse está, portanto, frequentemente locali-
zada em uma declaração culminante precedente. Tendo isto em mente, não deve
222 vir como nenhuma surpresa que o melhor ponto de partida para um estudo dos
selos e seu contexto é Apocalipse 3:21. Embora a passagem funcione como o
ponto culminante de todas as promessas ao vencedor (Ap 2–3), sua linguagem
fornece uma visão geral resumida do conteúdo dos sete selos.

Ao vencedor,
dar-lhe-ei sentar-se comigo no meu trono,
assim como também eu venci
e me sentei com meu Pai no seu trono.2

Neste texto Cristo promete uma recompensa ao vencedor (ho nikōn) com
uma participação em Seu trono. Uma analogia a esta ação (“assim como” — hōs)
é a vitória (enikēsa) de Cristo que resultou em Sua junção ao Pai em Seu trono.
Do ponto de vista do profeta, a vitória do crente é descrita como uma presente

1
  Isto é desenvolvido com mais detalhes em meu livro Decoding Revelation’s Trumpets (1988, p.
337-339).
2
  A menos que seja de outro modo especificada, todas as citações do texto do Novo Testamento
são a tradução do próprio autor.
Os sete selos

experiência contínua,3 mas o seu assentar no trono de Cristo é futuro (dōsō). A


título de contraste, a vitória de Cristo (enikēsa) e estar assentado (ekathisa) são
específicos eventos em tempo passado.4
O trono do Pai (4:2ss.), a vitória de Cristo (enikēsen, 5:5), e a junção de
Cristo ao Pai em Seu trono (5:6ss.) são os temas centrais de Apocalipse 4 e 5.
Somente em Apocalipse 7 é explicitamente permitido aos redimidos se unir
no regozijo e na adoração da corte celestial (7:9-12). Da mesma forma que a
recompensa dos santos está relacionada com a de Cristo em Apocalipse 3:21, as-
sim as duas cenas do trono de Apocalipse 5 e 7:9ss. estão relacionadas, embora
igualmente separadas cronologicamente.5
A cena introdutória dos selos (Ap 4–5) é, portanto, um aprimoramento da
última parte de 3:21 (concernente à vitória e entronização de Cristo). A cena de
louvor de 7:9-17 cumpre a promessa de que o vencedor se juntará a Cristo em
Seu trono. Entre as duas cenas do trono está o capítulo 6. Portanto, os selos do
capítulo 6 correspondem à asserção de 3:21 (“ao vencedor”); eles abrangem o
tempo desde a vitória do Cordeiro à recompensa dos selados.
Os selos do capítulo 6 tem a ver com o período contínuo em que o povo de
Deus está em processo de vencer. Sendo que as muitas promessas ao vencedor (2:7,
11, 17, 26; 3:5, 12, 21) são oferecidas às sete igrejas da Ásia Menor do primeiro sécu-
lo, o período de sua vitória já havia começado nos dias de João e continuará até que 223
todo o povo de Deus tenha se juntado a Jesus em Seu trono.
Localização dos selos. Que evento o profeta tinha em mente para o
ponto de partida dos selos? As expressões “eu venci”, “me sentei”, “ele venceu”
provêem marcadores que nos apontam de volta para a morte, ressurreição,

3
  O particípio presente grego expressa a ação como um processo contínuo.
4
  Ambos os verbos são aoristos gregos indicativos e expressam ação passada como pontos no
tempo em vez de um processo.
5
  Note as analogias literárias entre as duas cenas:
Ap 5:12 Ap 7:12
Digno é o Cordeiro que foi morto de Amém. O louvor, e a glória, e a sabedoria, e as
receber o poder, e riqueza, e sabedo- ações de graças, e a honra, e o poder, e a for-
ria, e força, e honra, e glória, e lou- ça sejam ao nosso Deus , pelos séculos dos
vor. séculos.
Ap 5:13 Ap 7:10
Àquele que está sentado no trono e Ao nosso Deus, que se assenta no trono, e ao
ao Cordeiro, seja o louvor, e a honra, Cordeiro, pertence a salvação.
e a glória, e o domínio pelos séculos
dos séculos.
Estudos selecionados em interpretação profética

e investidura de Cristo como Sumo Sacerdote no santuário celestial.6 A na-


tureza desta vitória centralizada na cruz é confirmada pelo “novo cântico”
dos quatro seres viventes e dos 24 anciãos (5:9, 10):

Digno és de tomar o livro e de abrir-lhe os selos,


porque foste morto
e com o teu sangue compraste para Deus
os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação
e para o nosso Deus os constituíste reino e sacerdotes;
e reinarão sobre a terra.

Neste cântico o tempo grego dos verbos7 remete ao evento Cristo e suas
consequências. É o Cordeiro morto que, por meio do Seu sangue, compra a hu-
manidade e lhe oferece nEle uma nova condição. É a cruz que tem feito Cristo
“digno” (5:2; cf. 5:9) de assumir Sua obra para nossa salvação no santuário celes-
tial. É a morte de Cristo que provê a base para a vitória do crente (12:11).
Sendo que os eventos de Apocalipse 7 caem no final da história terrestre,8 en-
quanto que a ênfase da cena do trono em Apocalipse 5 está sobre a morte de Cristo,
é evidente que Apocalipse 6 é uma descrição visionária dos eventos sobre a Terra
224 entre a cruz e a Segunda Vinda. Há um foco especial sobre o evangelho de Jesus
Cristo e sobre as pessoas que aceitam e proclamam esse evangelho.

Paralelos Estruturais
É essencial que o intérprete do Apocalipse seja sensível às outras
partes do livro que podem se relacionar com a passagem em estudo. No
livro do Apocalipse a chave para o significado de uma passagem pode
estar na extremidade oposta da profecia.
Kenneth Strand tem concluído que os primeiros 14 capítulos do livro funcion-
am como um paralelo quiástico aos últimos oito capítulos.9 A escolha da linguagem
por João sugere-lhe que Apocalipse 4–7 está disposto em posição paralela princi-
palmente pelo material de Apocalipse 19 (embora elementos de 7:15-17 estejam

6
  Os verbos gregos (enikōsa, ekathisa, “eu venci . . . me sentei”, 3:21; enikēsen, “ele venceu”, 5:5)
são aoristos indicativos, indicando eventos específicos no tempo passado.
7
  ”Foste morto” (esphagēs), “compraste” (ēgorasas), “fizeste” (epoiēsas).
8
  Eles estão no contexto do grande dia do Senhor (Ap 6:12-17) e do selamento (Ap 7:1-3).
9
  Para um diagrama de como isto funciona para todo o livro veja Kenneth A. Strand (1972, p.
52). Para uma compactação mais limitada da análise de Strand, veja os caps. 1–3 deste volume.
Os sete selos

estreitamente relacionados com 21:3, 4).10 Construindo sobre a obra de Stand, com-
parei cuidadosamente a linguagem dos capítulos 4–7 com a do capítulo 19.11 Ali
parece estar quatro principais grupos de palavras e ideias paralelas.
Cenas de adoração. O primeiro grupo envolve as cenas de adoração. A
única passagem que combina os quatro seres viventes, os 24 anciãos, o trono de
Deus, e cenas de louvor e adoração são encontradas em Apocalipse 4, 5, 7 e 19.12
Outros elementos comuns destes capítulos incluem as palavras escolhidas para
louvar a Deus13 e as vestimentas que se usavam.14
Nos capítulos 4 e 5, Deus e o Cordeiro são louvados por sua atividade na
Criação e na cruz (4:11; 5:9, 12). Mas nos capítulos 7 e 19 eles são louvados por
redimir a grande multidão no final de sua tribulação (7:9-14) e por destruir a
grande Babilônia do fim dos tempos (19:1-8). Isto confirma o ponto de vista de
que a cena de Apocalipse 4–5 pertence principalmente ao início da Era Cristã,
mas aquelas de Apocalipse 7 e 19 focalizam o final desta era.
Cenas dos cavalos. O segundo grupo principal liga as atividades dos
quatro cavaleiros (6:1-8), principalmente o primeiro, ao cavalo e o cavaleiro
de 19:11-15. Os elementos comuns incluem o cavalo branco, a coroa e a
espada.15 A analogia mais impressionante é a do cavalo branco, um símbolo
que não aparece em nenhuma outra parte do Apocalipse. A imagem em
ambos os casos tem a ver com conquista. 225
Em 6:2, porém, a palavra grega para “coroa” (stephanos) implica uma rec-
ompensa pela vitória. Mas a palavra grega em 19:12 (diadēmata) indica uma
coroa real, implicando o direito de reinar.16
Em seu contexto (veja abaixo) 6:2 destaca a vitória sobre a cruz e suas
consequências, ao passo que 19:11-15 realça a subjugação final do mal na
segunda vinda de Cristo, quando Cristo literalmente assume o Seu reino.

10
  Veja o gráfico mais detalhado de Strand (1972, p. 46). Há outros pontos de ligação com os selos em
Apocalipse, principalmente no cap. 14, mas estes são muito menos explícitos do que aqueles do cap. 19.
11
  Embora vários escritores adventistas tenham procurado encontrar analogias aos caps. 18, 20
e 21, estes têm tendido focalizar as analogias temáticas que não chegam a ser demonstrações
convincentes da intenção de João. Apocalipse 6 e 19 contêm uma multidão de analogias verbais e
temáticas sobre as quais construir nossa investigação.
12
  Ap 4:6-11; 5:8-14; 7:9-14; e 19:4.
13
  Ver a linguagem de Ap 4:8, 11; 5:12, 13; 7:10, 12; 19:1, 6, 7.
14
  Palavras diferentes são usadas para descrever vestimentas essencialmente semelhantes em
4:4; 6:11; 7:9, 13; 19:8, 14.
15
  A palavra usada em 19:15, 21 para “espada” é hromphaia, e somente em 6:8, mas não
em 6:4 (machaira).
16
  O termo é plural (muitas coroas).
Estudos selecionados em interpretação profética

Esta analogia sinaliza a mudança de estabelecer o direito de Cristo de reinar


nos lugares celestiais (caps. 4–5) para demonstrar esse direito de reinar so-
bre a Terra em Seu retorno (19:11-15).
O cavalo branco do capítulo 6 simboliza a vitória de Cristo na propa-
gação do Seu reino invisível através da pregação do evangelho. O cavalo
ou cavalos brancos do capítulo 19 simboliza a subjugação total do mal por
Cristo em Sua segunda vinda.
Juízo. O terceiro grupo de analogias liga o quinto selo (6:9-11) a Apocalipse
19:1, 2. O primeiro é um chamado ao juízo (krineis) e vingança (ekdikeis) sobre
aqueles que habitam na Terra. O último proclama que o juízo (kriseis, ekrinen) e a
vingança (exedikēsen) têm sido executados sobre Babilônia, o equivalente do fim
dos tempos daqueles que atormentaram os mártires ao longo da Era Cristã.
A hora do juízo e vingança mencionada em Apocalipse 19 não se refere dire-
tamente a nada nos selos, mas resume o conteúdo explícito de Apocalipse 18, que
por sua vez edifica sobre Apocalipse 17 e 14:8-11. Assim, o surgimento da Babilônia
do fim dos tempos e o seu juízo e destruição caem entre o tempo do quinto selo e a
proclamação de Apocalipse 19:2. Dos quatro principais grupos de analogias entre
os selos e Apocalipse 19, o terceiro é o mais direto e abrangente, com sete analogias
verbais entre 19:2 sozinho e 6:10-11 (dez se 19:1 está incluído).17
226 Dia da ira. Finalmente, o quarto grupo envolve um paralelo ou analogia
entre aqueles que são aterrorizados no dia da ira (6:15-17) e aqueles que são
consumidos no banquete de Deus do fim dos tempos (19:17-18). Sendo que
estes dois acontecimentos parecem ser o mesmo, pode ser seguro concluir que
o sexto selo culmina com a pavorosa destruição descrita em 19:17-21.
O exame acima apóia a observação geral (Strand) de que a profecia dos se-
los cobre a vasta extensão da história cristã, ao passo que o material do capítulo
19 focaliza os acontecimentos finais que precedem a consumação dessa história.
Isto não exclui o fato óbvio de que os elementos desta sequência histórica po-
dem em sua ordem focalizar o fim como parte dessa extensão histórica. A evi-
dência sugere que o quinto e o sexto selos definitivamente “inclinam-se para o
fim” e apontam para o mesmo clímax mencionado em Apocalipse 19. Por outro
lado, os quatro cavaleiros (6:1-8) tomam seu exemplo da cruz e suas consequên-
cias, com ênfase na primeira parte da Era Cristã.

Cena Introdutória do Santuário

  Sendo que 19:1 tem nove analogias verbais de si próprio com 7:9-12, a relevância de 19:1-2
17

para os selos é certamente indiscutível.


Os sete selos

Centralizada no Trono
A palavra “trono” (thronos) representando o direito de reinar, é indubitavel-
mente a palavra-chave de Apocalipse 4. Aparece 14 vezes. Ainda fundamental
para a atividade da cena, aparece cinco vezes no próximo capítulo. Quase desa-
parece de vista no capítulo 6 (uma vez), mas retorna em 7:9-17 com uma ênfase
comparável à sua posição no capítulo 4 (sete vezes em apenas nove versos).
Assim, o capítulo 4 arma o cenário para a atividade celestial do capítulo 5,
enquanto 7:9-17 é uma extensão dos capítulos 4 e 5 em seu foco renovado sobre
o trono. O trono quase desaparece de vista no capítulo 6 porque este capítulo
está preocupado com os eventos na Terra.18
O trono, portanto, é claramente fundamental para a descrição visionária
(Ap 4–5) (SCHMITZ, 1964, p. 165). É a primeira coisa que João vê no Céu;
depois disto, toda atividade é orientada para ele.19 Embora a palavra “trono”
normalmente esteja ligada a Deus no livro de Apocalipse, também pode
estar associada a Satanás e seus aliados.20 Assim, a centralidade do trono
nesta porção do Apocalipse realça a preocupação com o conflito entre Cris-
to e Satanás sobre o domínio do Universo (FORD, 1975, p. 76).
Os versos iniciais de Apocalipse 5 retratam um ponto de crise no desenvolvi-
mento dessa controvérsia. O restante do capítulo afirma que a morte de Cristo tem
garantido o resultado dessa controvérsia, e que o Cristo exaltado agora compartilha 227
o trono de Deus (SCHMITZ, 1964, p. 166-167; ver Ap 3:31; 5:6-14; 7:15, 17; 22:1, 3).

Som de Cântico
Há deliberada progressão de pensamento nos cinco hinos desta cena introdu-
tória. Dois hinos são dirigidos ao Pai (4:8, 11). Os dois seguintes são dirigidos ao
Cordeiro (5:9-10, 11-12). O quinto e final hino é dirigido ao Pai e ao Cordeiro (5:13).
Que a igualdade de louvor é o realce explícito deste pano de fundo é
evidente do sempre crescente volume dos participantes. O hino de 4:8 é

18
  Um forte vínculo literário, contudo, liga o cap. 6 aos caps. 4 e 5 em que tudo o que ocorre
no cap. 6 está ligado à abertura do livro selado pelo Cordeiro e freqüentes referências são
feitas aos quatro seres viventes.
19
  A atividade ocorre “no trono” (epi ton thronon — 4:2, 4, 9, 10), “ao redor [kuklothen e
kuklō] do trono” (4:3, 4, 6), “do [ek] trono” (4:5), “diante do [enōpion] trono” (4:5, 6, 10), e
“no meio [en mesō] trono” (4:6).
20
  Ap 2:13; 13:2; 16:10. A palavra é também aplicada aos 24 anciãos (4:4 [duas vezes] e 11:16)
e aos mártires (20:4). Embora o grego de 20:4 seja difícil, os tronos parecem estar ali para o uso
dos mártires em uma obra de juízo (krima). Tal tarefa de julgamento não é dada aos anciãos nos
capítulos 4 e 5; eles se empenham, contudo, em algum tipo de tarefa intercessória (5:8).
Estudos selecionados em interpretação profética

cantado somente pelos quatro seres viventes. O hino de 4:11 é cantado pe-
los 24 anciãos. O hino de 5:9-10 é cantado pelos seres viventes e os anciãos.
Com o hino de 5:11-12, dezenas de milhões de anjos unem-se ao coro celes-
tial. O hino quinto e final (5:13) é cantado por toda a Criação. Esta sempre
crescente participação indica que a maior alegria do Céu é exaltar a Jesus
Cristo da mesma forma que Seu Pai é exaltado (cf. Jo 5:23).
A super-abrangente linguagem de 5:13 sugere que esse hino final é profético
(descrito antecipadamente): todo o Universo em louvor a Deus (ver Fp 2:9-11)
(FORD, 1975, p. 95). Portanto, embora a cena do capítulo 5 destaque a entroni-
zação de Cristo no início da era, também aponta para o universal regozijo no final.

Cena do Santuário
Nem um só elemento de Apocalipse 4 é extraído explicitamente do santuário
do Antigo Testamento; todavia, o efeito cumulativo de alusões reflete uma forte
reminiscência daquele santuário e seus rituais. Enumeramos a evidência.
A palavra para “porta” (thura, 4:1) aparece mais de 200 vezes no grego do An-
tigo Testamento (LXX), dezenas das quais se relacionam diretamente ao santuário.21
Trombetas (4:1) eram usadas no culto bem como na batalha (Nm 10:8-10). É pos-
sível que o trono (4:2) visava lembrar a arca da aliança (ver 11:19; Sl 99:1), mas isto
228 não pode ser assumido. Poderia corresponder à mesa dos pães da proposição do
lugar santo (MAXWELL, 1985, p. 163-167),22 sendo que a mesa é o único artigo do
mobiliário do santuário não mencionado explicitamente em Apocalipse.
As três pedras preciosas (4:3) são também encontradas no peitoral do
sumo sacerdote (Êx 28:17-21).23 Os 24 anciãos nos lembram os 24 turnos
de sacerdotes no Templo (1Cr 24:4-19). As sete lâmpadas (lampades, 4:5)
podem lembrar o candelabro do lugar santo, embora uma palavra grega
diferente seja usada.24 O mar de vidro (4:6) faz uso da palavra grega (tha-
lassa) aplicada ao “mar de fundição” do Templo de Salomão (1Rs 7:23-24).
A proximidade dos quatro seres viventes (4:6-8) do trono em Ezequiel 1 e 10

21
Ver Êx 29:4, 10-11; Lv 1:3, 5; 1Rs 6:31-32, 34. Como mostra uma leitura das passagens registradas, a
palavra em si não dá nenhuma informação sobre que porta do santuário poderia estar à vista.
22
Maxwell designa o trono de 4:2, “o trono-mesa”.
23
  A ligação com o peitoral do sumo sacerdote é realçada pelo fato de que o sárdio era a primeira
pedra registrada no hebraico de Êx 28 e o jaspe a última. Assim todas as tribos estão representa-
das nas pedras dos mais velhos e os mais jovens filhos de Jacó (Ford, 71, 85). No grego (LXX) de
Êx 28:21, o peitoral é dito estar “selado” (sphragidōn) com os nomes das 12 tribos.
24
  A palavra grega do Antigo Testamento para o candelabro é luchnia, a palavra usada em
Ap 1:12, 13, 20.
Os sete selos

nos lembra os querubins associados com a arca da aliança (Êx 25:18-20; 1Rs
6:23-28). Os querubins eram, porém, visíveis também no lugar santo (Êx
26:1, 31-35). A tradição judaica também associa o leão, novilho, homem e
águia às quatro bandeiras ou estandartes em torno dos quais Moisés organ-
izou o acampamento israelita no deserto (ver Nm 2).
No capítulo 5 muitas destas imagens são repetidas, com algumas adições.
O Cordeiro morto (5:6), recordativo de Isaías 53:7, nos lembra os sacrifícios da
manhã e da tarde (Êx 29:38-42) ou o Sacrifício da Páscoa (1Co 5:7). O sangue
do Cordeiro (5:9) provê os meios para comprar as pessoas da Terra para Deus.
Elas, por sua vez, servem a Deus em analogia aos sacerdotes do santuário do
Antigo Testamento (5:10). Os 24 anciãos seguram taças de ouro de incenso que
são interpretadas como as orações dos santos (5:8). O incenso e as orações dos
santos estão associados aos contínuos sacrifícios matutinos e vespertinos do
santuário (ver Sl 141:2; Êx 29:38-43; 30:7-8; Lc 1:9-10). Nenhuma passagem do
Apocalipse contém uma quantidade maior ou uma variedade mais ampla de
alusões ao santuário do que esta cena introdutória do santuário.
Havia apenas duas ocasiões no ritual hebraico em que todo o santuário es-
tava envolvido: o Dia da Expiação e o serviço de inauguração (cf. Êx 40). Visto
que Apocalipse 4–5 apresenta tão forte cena do santuário, a qual desses ritos
deve estar ligado? Sendo que 3:21 associa esta cena com a cruz e a entronização 229
de Cristo, sendo que a linguagem de “templo” (naos) e “juízo” (cf. 11:18-19) está
ausente, e sendo que a estrutura implícita de Apocalipse coloca o Dia da Expi-
ação na última metade do livro,25 a melhor identificação para a cena introdu-
tória do santuário nos capítulos 4–5 é o serviço de inauguração.
Assim, concluímos que a cena é mais bem compreendida como uma de-
scrição da inauguração de todo o santuário celestial em 31 A.D. Em 8:3-5 o
autor focaliza mais especificamente o serviço diário associado ao primeiro
compartimento do santuário. Posteriormente, em 11:19 a arca do Segundo
Compartimento é claramente trazida à vista.

Alusões ao Antigo Testamento


Em um apêndice a este capítulo há uma série de tabelas. Incluídas na
tabela 1 estão passagens do Antigo Testamento que João provavelmente
tinha em mente ao descrever a cena de Apocalipse 4. Um exame da tab-
ela 1 indica repetidas analogias às três grandes visões do trono do Antigo
Testamento: Isaías 6; Ezequiel 1–10; e Daniel 7:9-14. De fato, somente dois

  Veja o precedente cap. 10, “Selos e Trombetas: Algumas Discussões Atuais”.


25
Estudos selecionados em interpretação profética

importantes elementos da cena do Apocalipse não são encontrados nelas, a


saber, os 24 anciãos e o hino da criação (4:4, 11). As três visões do Antigo
Testamento são aproximadamente iguais em sua importância a Apocalipse 4,
com Ezequiel 1 mantendo uma pequena margem em influência.
Há também uma relação com as duas passagens anteriores do Antigo Testamen-
to direcionadas para o trono; a visão de Micaías (1Rs 22:19; 2Cr 18:18) e a aparição
de Deus no Sinai (Êx 19:16-24). Além disso, vários elementos presentes nesta cena
não são encontrados em nenhuma das “visões do trono” do Antigo Testamento.26
Portanto, embora Ezequiel e Daniel sejam de maior significado para Apocalipse 4,
apenas cerca de um terço do material do capítulo os reflete. Apocalipse 4 é paralelo
a uma ampla variedade de fontes em sua descrição da corte celestial.27
O capítulo 5 edifica sobre a cena do capítulo 4. Portanto, muitas das pas-
sagens-chave do Antigo Testamento sobre o trono contribuem com pouco ou
nada de novo para a cena.28 Daniel 7, porém, fornece o mais importante parale-
lo estrutural. Por exemplo, Daniel 7 descreve Deus sobre o trono, livros abertos
para o juízo, a vinda do “filho do homem”, a concessão de domínio sobre a Terra,
a presença dos santos, bem como múltiplas miríades do exército celestial.
Apocalipse 5:9-14 parece estar estruturado em importantes movimentos
de Daniel 7:13-27. Primeiro, o Filho do homem recebe domínio (Dn 7:13-
230 14; cf. Ap 5:6-9). Então povos, nações, e homens de todas as línguas são
mencionados (Dn 7:14; cf. Ap 5:9). Então os povos recebem domínio (Dn
7:18, 22, 27a; cf. Ap 5:10); e finalmente, o controle sobre todas as coisas é
devolvido a Deus (Dn 7:27b; cf. Ap 5:13-14).
Há, porém, diferenças significativas entre Daniel 7 e Apocalipse 5. Mui-
tos elementos intervenientes de Daniel são excluídos e muitos outros el-
ementos são adicionados em Apocalipse.29 Em Daniel os livros (plural) são

26
  Estes incluem “que deve acontecer depois destas cousas”; as três pedras do verso 3; os 24
anciãos; os sete candeeiros; a frase “Senhor Deus, o Todo-poderoso” (usada no grego do Antigo
Testamento para o hebraico “Senhor, Deus dos Exércitos”); a frase “o que vive pelos séculos dos
séculos”; e a proclamação de Deus como o Criador de todas as coisas.
27
  É também possível que João estava ciente de 1 Enoque 14:8-25, uma passagem cerca de 200
anos mais antiga do que Apocalipse que também é recordativo de Ezequiel e Daniel. Para o texto
de 1 Enoque em inglês veja James Charlesworth (1983-1985, p. 13-89).
28
  Veja tabela 2 para uma lista de alusões diretas ao Antigo Testamento em Ap 5. Uma possível
contribuição de Ez 1–10 é o livro escrito por dentro e por fora, que pode ser encontrado em Ez
2:9-10. Êxodo 19 contribui com o conceito do povo de Deus como um reino de sacerdotes (Ap
5:10). Isaías 6 e 1Rs 22 não têm absolutamente nenhuma contribuição adicional.
29
  Elementos significativos do cap. 5 tais como o Leão de Judá, a Raiz de Davi, o Cordeiro morto,
os sete olhos, o incenso que sobe, o novo cântico e o Universo de três camadas (Ap 5:13) cor-
Os sete selos

abertos antes que o Filho do homem apareça em cena; em Apocalipse o livro


(singular) nunca é aberto na visão.
Embora João esteja familiarizado com o termo de Daniel “Filho do
homem” para Cristo (Ap 1:13), ele deliberadamente evita usá-lo aqui. An-
tes, ele prefere usar os títulos Cordeiro, Leão de Judá e Raiz de Davi em vez
disto. Em realidade, a despeito de algumas semelhanças gerais, menos de
um quarto de Apocalipse 5 é extraído de Daniel 7.
O mais impressionante de tudo, porém, é o fato de que João intencionalmente
evita a linguagem do juízo nesta cena do trono. Na língua grega juízo é geralmente
expresso pelos substantivos krisis e krina, e o verbo krinō30 Como as referências
indicam, João está muito familiarizado com a linguagem do juízo mas deliberada-
mente evita usá-la na primeira metade do livro de Apocalipse. A aparente exceção
(6:10) não é uma descrição do juízo, mas um pedido para que esse juízo se inicie.
Em contraste com o resto do novo testamento, onde a linguagem do
julgamento é, por vezes, aplicada à cruz (cf. Jo 12:31; Rom 8:3) e à pre-
gação do evangelho,31 a linguagem do julgamento no apocalipse se atem a
descrições dos eventos finais (Ap 12-20)
Portanto, devemos resistir à tentação de presumir que sendo que Daniel 7 e
Ezequiel 1–10 envolvem juízos investigativos, Apocalipse 4–5 deve igualmente ser
uma cena de juízo investigativo. João, de fato, geralmente evita aquelas partes de 231
Daniel e Ezequiel que envolvem juízo. Antes, ele se concentra naquelas partes que
oferecem linguagem familiar com que descrever a sala do trono celestial.
Por exemplo, a cena do trono de Ezequiel (Ez 1, 10) é repetidamente con-
frontada em Apocalipse 4. Mas porções do juízo, como Ezequiel 9 (sinal na tes-
ta), entram em ação não na cena introdutória, mas em 7:1-8, um claro cenário
do fim dos tempos. É dada aos 24 anciãos uma tarefa intercessória (5:8), mas
não uma julgadora (como os mártires de 20:4). A crise do capítulo 5 é resolvida
não por juízo, mas pela morte do Cordeiro.
Falar deste modo não é negar que a própria cruz foi um ato de juízo (Jo 12:31-
32; Rm 8:3). Se João tivesse desejado enfatizar os aspectos de juízo da cruz, lhe teria
sido fácil fazer isto. Mas João deliberadamente evita usar este tipo de linguagem.32

respondem a outros cenários do Antigo Testamento. Um conceito-chave “digno” não pode ser
baseado de modo algum no Antigo Testamento.
30
  Krisis, Ap 14:7; 16:7; 18:10; 19:2; krima, Ap 17:1; 18:20; 20:4; crinō, Ap 6:10; 11:18; 16:5; 18:8,
20; 19:2, 11; 20:12-13.
31
  Ver João 3:18-21; 5:22-25; 9:35-41.
32
  Há realmente poucas passagens do Antigo Testamento que não estão associadas a juízo em
algum sentido. João, embora se inspirando em algumas destas, tem saído do seu caminho para
Estudos selecionados em interpretação profética

Portanto, por mais significativos que sejam para esta cena os paralelos estruturais
a Daniel e Ezequiel, eles não exigem de nós que sugira que qualquer porção dos
eventos celestiais de Apocalipse 4–5 retrata o juízo pré-advento, do tempo do fim.
Esta pesquisa dos antecedentes do Antigo Testamento para a primeira cena
introdutória do santuário no livro demonstra a extensão em que o Apocalipse
extrai dos elementos de sua base literária. Também demonstra como o Espírito
Santo adapta esses elementos de maneiras criativas, resultando em um produ-
to novo e original. O intérprete deve, portanto, evitar uma busca aleatória de
fontes de fundo para símbolos que podem estar conectados à vontade.
Os símbolos por sua variada natureza são flexíveis em significado. Seu significa-
do específico deve ser determinado pelo contexto imediato, e não necessariamente
pelo seu uso em um contexto anterior. Onde o ponto do autor não está claro a partir
do contexto imediato, o intérprete pode procurar pistas nos temas e contexto de
passagens de fundo; mas nunca se deve permitir a tais “pistas” desfazer o significado
de textos que são razoavelmente claros por si mesmos.

Série Igreja Define os Rumos


Antes do início de uma análise mais detalhada da visão introdutória aos
selos pode ser proveitoso considerar o papel e função das cenas introdutórias
232 no Apocalipse. O melhor ponto de partida para tal análise é a introdução às sete
igrejas (1:9-20). Ela define o padrão, em linguagem relativamente clara, para o
que João irá fazer de maneira mais enigmática do capítulo 4 em diante.
A cena introdutória às sete igrejas fornece a base teológica para as car-
tas às sete igrejas (Ap 2–3). Jesus vem para confortar João com uma rev-
elação de Si mesmo (1:17-18). O que Ele tem feito por João fará por todas
as igrejas que João representa (1:19-20).33
Cristo se apresenta a cada igreja em termos das características registradas no
primeiro capítulo.34 A nenhuma igreja é oferecida todas as Suas características; ela

ajudar o leitor a evitar tirar conclusões erradas dessa linguagem.


33
  Note o significado do “portanto” (oun) no v. 19 no texto grego, ligando o ministério de Jesus
ao ministério de João às sete igrejas através do livro que João escreverá para Ele.
34
  Por favor note o seguinte:
Éfeso 2:1 cf. 1:13, 16
Esmirna 2:8 cf. 1:17, 18
Pérgamo 2:12 cf. 1:16
Tiatira 2:18 cf. 1:14-15
Sardes 3:1 cf. 1:4, 16
Filadélfia 3:7 cf. 1:18
Laodiceia 3:14 cf. 1:5
Os sete selos

recebe somente aquelas apropriadas à sua condição. Desta forma, a cena introdu-
tória permanece no fundo da consciência do leitor ao longo das cartas às igrejas.
Muitas características do Apocalipse lembram os dramas do antigo mundo
greco-romano (BOWMAN, [s. d.], v. 4, p. 58-71). As cenas do santuário no início
da maioria das seções do Apocalipse funcionam como as configurações do palco
para os respectivos atos do drama (BOWMAN, [s. d.], v. 4, p. 63-64; Ap 1:9-20; 4:5;
8:2-6; 11:19; 15:1-8). Cada um, portanto, é destinado a estar constantemente em
vista durante a seção que ele introduz. As cenas fornecem o sustento teológico
para tudo o que segue nesta seção do livro. Não devem ser compreendidas como
prontas antes de se iniciar o bloco de material seguinte.
Um padrão literário similar pode ser encontrado na seção dos selos do livro
(4:1–8:1). A cena introdutória (Ap 4–5) é repetidamente lembrada no capítulo 6
através da abertura dos selos (6:1, 3, 5, 7, 9, 12) e menção dos seres viventes (6:1-
8). Os acontecimentos do capítulo 6 resultam dos sucessivos atos de abertura
dos selos. Sendo que o cântico de 5:13 só pode ser realmente cumprido na Nova
Terra (Ap 21–22), a cena introdutória é contemporânea a todo o período de
tempo coberto pelos selos (6:1–8:1).
O foco central de Apocalipse 5 é a cruz de Cristo (5:1, 6, 9, 12; cf. 3:21). A
vitória de Cristo na cruz forneça a base teológica para os eventos do capítulo 6,
que se relaciona com o povo de Deus ao procurarem vencer por Seu sangue (cf. 233
12:11). Assim, os selos se estendem da cruz e entronização de Cristo até o fim
do grande conflito entre Cristo e Satanás quando todo o Universo estará cheio
de completa harmonia de louvor a Deus (5:13; cf. 7:9-17).

O Deus Criador

Depois destas cousas, olhei, e eis não somente uma porta aberta no céu,
como também a primeira voz que ouvi,
como de trombeta ao falar comigo,
dizendo: Sobe para aqui, e te mostrarei
o que deve acontecer depois destas cousas.
Ap 4:1

Cena do Santuário Celestial. A profecia dos selos se inicia com uma cena
introdutória em que João ascende ao santuário celestial. A porta aberta (thura
ēneōgmenē) é recordativo da porta aberta (thuran ēneōgmenēn) de acesso a Cristo
Estudos selecionados em interpretação profética

que fortalece a igreja de Filadélfia em sua fraqueza (3:8) (COLLINS, 1979, p. 27, 34).
A voz como de trombeta lembra a aparição anterior de Jesus a João (1:10).
A frase “o que deve acontecer depois destas cousas”35 deliberadamente lem-
bra o propósito de Apocalipse (1:1, 19).36 Jesus declara que as “as cousas que
são, e as que hão de acontecer depois destas” são a substância do livro de Apoc-
alipse (1:19). Apocalipse 1:1 indica que a ênfase está sobre a última.
A ausência das “cousas que são” em 4:1 nos diz duas coisas: (1) as cartas às
igrejas focalizam principalmente a situação original do tempo de João em vez da
história posterior,37 e (2) com o capítulo 4 estamos caminhando para a principal
ênfase do livro — os eventos que devem ocorrer depois do tempo da visão.38 Vistos
nesta luz, a conexão literária entre a “porta aberta” de 3:8 e 4:1 não pressupõe um
cenário do fim dos tempos para a cena do trono de Apocalipse 4–5.
A porta aberta, através da qual João ascende às cortes celestiais, o habilita a
“ver” a “revelação de Jesus Cristo” que resultará na produção do seu livro. Não é,
portanto, deformar o texto sugerir que o capítulo 4 provê uma introdução não
somente para os selos mas para o restante do livro de Apocalipse.
“Em espírito” (4:2) parece ser a maneira de João de introduzir uma sequência
visionária (cf. 1:10; 17:3; 21:10). O tempo do verbo grego traduzido na NASB,
“estava em pé” (ekeito),39 atesta que o profeta não compreende o trono como
234 estando recentemente posto ou armado, mas antes ter estado continuamente
naquele lugar até aquela ocasião. Isto está em contraste com Daniel 7:9 onde
tronos são “postos” ou “levantados”,40 um claro sinal de que João não percebe
esta cena como sendo uma duplicata daquela encontrada em Daniel.
A visão do santuário celestial apresenta uma série de imagens que desta-
cam a glória da cena (Ap 4:3-6a). Há pedras preciosas, um arco-íris, trovões

35
  Uma importante analogia verbal a Dn 2:28, 29, 45, em dois diferentes Antigos Testamentos
gregos, a Septuaginta (LXX) e Teodocião.
36
  Em Ap 1:1 a frase “coisas que devem acontecer” (ha dei genesthai) é seguida não pelo “depois
disto” (meta tauta) mas por “brevemente” ou “logo” (em tachei). Em Ap 1:19 “deve” (dei) é sub-
stituído por “prestes a” (mellei): “coisas que estão prestes a acontecer depois disto.”
37
  Que as cartas às igrejas tenham um intento primário na situação original de modo algum exclui
a validade de seu simbolismo profético de certos aspectos da história da igreja ao longo da Era Cristã.
38
  A futura orientação de Ap 4 e capítulos subsequentes não exclui retrospectos aos eventos
do passado (como o nascimento de Cristo, 12:1-5) ou a descrições dos terrenos sobre os
quais Cristo agirá no futuro (como a descrição de Ap 5).
39
  Um imperfeito indicativo grego de keimai (encostar-se, reclinar). O tempo expressa ação con-
tínua, como o tempo presente, mas no tempo passado.
40
  O Antigo Testamento Grego não usa ekeito em Dn 7:9, mas emprega a forma aoristo de tithēmi
(montar, levantar, instalar, estabelecer ou colocar), implicando o ato de colocar os tronos na posição.
Os sete selos

e relâmpagos, sete lâmpadas, um mar de vidro semelhante ao cristal, e 24


anciãos que se assentam em tronos ao redor do trono vestidos de branco e
usando coroas (stephanoi) de ouro em suas cabeças.
Quem são esses 24 anciãos? Eles são mencionados 12 vezes em Apocalipse.41
O fato de que o numeral 24 é a soma de duas séries de 12 pode sugerir um elo
com as 12 portas da Nova Jerusalém que têm os nomes das doze tribos de Is-
rael e 12 fundamentos que têm os nomes dos 12 apóstolos do Cordeiro.42 Uma
ligação com os 144.000 (12 vezes 12) pode ser também indicada.
Os 24 anciãos evidentemente representam a humanidade exaltada e red-
imida. Os crentes vencedores partilham o trono de Deus, não anjos (3:21). As
vestes brancas são normalmente usadas pelos santos em Apocalipse.43 E as
coroas de ouro não são coroas reais (diadēmata, cf. 19:11) mas coroas de vitória
(stephanoi), particularmente apropriadas para os redimidos e Cristo.44
Esta evidência de sua humanidade é ainda apoiada pela evidência de fundo.
Anjos nunca se assentam em tronos em lugar algum na Bíblia ou na primitiva
literatura judaica (FEUILLET, 1958, p. 7). Os cristãos, por outro lado, que têm
funções reais45 podem ser assim descritos.46 A palavra para “coroas de vitória”
(stephanoi) é usada para a coroa de espinhos de Cristo47 e para a dos crentes e

235
41
  Ap 4:4, 10; 5:5, 6, 8, 11, 14; 7:11, 13; 11:16; 14:3; 19:4.
42
  É interessante notar que os muros e fundamentos são mencionados duas vezes, e cada vez
em relação um ao outro (21:12-14, 19-21). Isto evidentemente tem em vista chamar a atenção do
leitor para a relação entre as duas séries de 12.
43
  Ap 3:4, 5, 18; 6:11; 7:9, 13, 14. Nisto, é claro, eles seguem o modelo de Cristo (Ap 1:14). Uma
possível exceção é Ap 19:14, onde aqueles que acompanham a Cristo em Sua Parousia estão vesti-
dos de branco. A palavra grega para “branco” não é usada em Ap 19:8, embora este texto indubi-
tavelmente apóie as referências anteriores aos crentes em vestiduras brancas.
44
  Ap 2:10; 3:11; 12:1; 14:14. E também para Sua falsificação ver Ap 9:7. Pode ser de especial
interesse para os leitores adventistas do sétimo dia de que haja várias conexões literárias con-
trastantes entre os 24 anciãos e a carta aos laodiceanos. Os anciãos estão em uma relação de
adoração com Jesus nos lugares celestiais, os terrestres laodiceanos são repulsivos para Jesus. Os
anciãos usam vestes brancas, os laodiceanos estão nus e são convidados a comprar tais vestes. Os
anciãos usam ouro, os laodiceanos têm falta dele. Os anciãos se uniram a Deus em Seu trono, tal
condição é prometida aos laodiceanos se vencerem. Os anciãos estão totalmente focalizados em
Deus, os laodiceanos estão satisfeitos consigo mesmos. Os anciãos estão dentro de uma porta
aberta com Jesus, os laodiceanos estão dentro de uma porta fechada, estando Jesus em pé lá
fora. O impacto literário desta comparação expressava um chamado aos laodiceanos a ultra-
passar a porta aberta para os lugares celestiais em Cristo Jesus.
45
  1Pe 2:9-10; Ap 1:6; 5:9-10.
46
  Mt 19:28; Lc 22:30; Ap 20:4.
47
  Mt 27:29; Mc 15:17; Jo 19:2, 5.
Estudos selecionados em interpretação profética

sua recompensa.48 Anjos jamais as usam (FEUILLET, 1958,p. 7). Nem os anjos
são chamados anciãos, embora esta seja uma designação comum para os di-
rigentes tanto da sinagoga quanto da igreja (FEUILLET, 1958, 9-14).
Os 24 anciãos, portanto, parecem ser seres humanos exaltados ao Céu antes
da consumação de todas as coisas. Eles devem provavelmente ser identificados
com os indivíduos ressuscitados na ressurreição de Cristo.49 Eles simbolizam o
que todos os crentes podem se tornar em Cristo.50
Seres viventes. O pleno significado dos quatro seres viventes (4:6b-8) tor-
na-se evidente apenas quando eles são vistos à luz da formação literária de João,
um assunto que não pode ser explorado aqui por falta de espaço. Como criatu-
ras do trono celestial, eles introduzem o primeiro hino cantado na sala do trono,
o tríplice “santo” (4:8). Esse hino é fortemente recordativo de 1:4, 8.
“Sempre que” (hotan) os quatro seres viventes louvam ao Pai que se encontra
sentado no trono, os 24 anciãos prostram-se em adoração, lançam suas coroas
diante do trono, e cantam um cântico próprio (4:9-11). A expressão “sempre
que” deixa claro que esta cena do capítulo 4 não é um ponto específico no tem-
po (como 31 A.D. ou 1844). Antes, retrata a natureza contínua da adoração
celestial. O capítulo 4 não é um evento único, mas o cenário básico para toda a
atividade da sala do trono celestial.
236 No capítulo 5, por outro lado, uma grande crise atinge a corte celestial.
O cântico dos anciãos em 4:11 se inicia com uma palavra que se tornará
central para a resolução dessa crise:

Tu és digno,
Senhor e Deus nosso,
de receber a glória,
a honra
e o poder,
porque todas as cousas tu criaste,
sim, por causa da tua vontade
vieram a existir
e foram criadas.

48
  Fp 4:1; 1Ts 2:19; 2Tm 4:8.
49
  Mt 27:52-53; Ef 4:8.
50
  Ap 3:21; 12:11; cf. Ef 2:6.
Os sete selos

Os anciãos atribuem dignidade suprema a Deus baseados em que, como Cria-


dor, Ele é a fonte para a existência de toda a criação (COLLINS, 1979, p. 37). Assim
o capítulo 4 é levado ao seu glorioso clímax sem nenhum indício da crise a seguir.

Crise e Resolução
Apocalipse 5 move-se da descrição geral da sala do trono e suas ativi-
dades para um ponto específico no tempo quando se desenvolve uma crise.
A crise é um evento único, decisivo. Mas é vencida pela morte do Leão/
Cordeiro, resultando em universal regozijo.
Embora o trono esteja presente, ele é mencionado menos frequente-
mente do que no capítulo 4.51 Agora o enfoque literário é sobre um livro
(biblion), seus selos (sphragidas), o Cordeiro (arnion) e o assunto de quem é
digno (axios) de tomar o livro e abrir-lhe os selos.
O livro com sete selos. Um grande problema para a interpretação desta seção
de Apocalipse (4:1–8:1) é a identidade e significado do livro selado com sete selos.52
Quando pessoas são seladas (em Apocalipse), o selamento funciona
como uma marca de proteção ou um sinal da propriedade, posse ou do
domínio de Deus (7:2; 9:4; ver 14:1) (FITZER, 1964, p. 951). Mas quando
um livro ou uma mensagem é selada, a ocultação ou segredo normalmente
está em vista (22:10; ver 10:4) (FITZER, 1964, p. 950). 237
Qual é o misterioso conteúdo do livro? Parece que tem a ver com o propósi-
to global do livro de Apocalipse (1:1-2):

Revelação de Jesus Cristo,


que Deus lhe deu
para mostrar aos seus servos
as cousas que em breve devem acontecer
e que ele,
enviando por intermédio do seu anjo,
notificou ao seu servo João,
o qual atestou
a palavra de Deus

51
  Deus continua sentado sobre (epi) o trono (5:1, 7, 13), o Cordeiro aparece no meio do (en
mesō) trono (5:6), e uma hoste de anjos ao redor do (kuklō) trono (5:11) juntam-se aos anciãos e
aos quatro seres viventes em louvor ao Cordeiro.
52
  O livro selado com sete selos é claramente um rolo (ver 6:14 não um códice, onde as páginas
são alinhavadas juntas em uma encadernação central.
Estudos selecionados em interpretação profética

e o testemunho de Jesus Cristo,


quanto a tudo o que viu.

O livro do Apocalipse veio à existência por um triplo processo. Deus entregou a


“revelação” a Jesus Cristo, que a transmitiu em símbolos por intermédio de um anjo
a João. João então o transmitiu à igreja, em forma de um “livro [biblion] de profecia”
(22:7, 10, 18, 19), as coisas que ele tinha visto.53 Assim, é uma impressionante analo-
gia quando no capítulo 5 Deus entrega um ”livro” (biblion) a Jesus.
O conteúdo da transmissão é resumido particularmente em 1:1 pela
frase “as cousas que em breve devem acontecer”, isto é, eventos futuros. Es-
tas considerações, combinadas com o número de analogias entre 1:4-8 e
4:1-8,54 deixam a impressão de que o livro do capítulo 5 é o conteúdo do
Apocalipse em si. Assim, pode ser inferido que o livro selado contém o des-
tino do mundo, e o propósito e plano de Deus para livrar o Seu povo no fim
dos tempos, e para resolver a controvérsia moral no Universo.
Esta futura ação de Deus está fixada em Seu propósito (anotado em um
documento legal), mas está removido do conhecimento humano (selado)
(SCHRENK, 1964, p. 619); donde o choro de João. Felizmente, ele pode ser
aberto como resultado da cruz.
238 Possíveis alusões ao Antigo Testamento. Significativa informação de fundo
oferece outras perspectivas sobre o significado do livro.55 Dois cenários do Antigo
Testamento colocam os rolos em um contexto de juízo. O rolo desenrolado escrito
dos dois lados em Ezequiel contém palavras de “lamentações, suspiros e ais”, uma
ameaça dos juízos prestes a cair sobre Judá (2:9-10). O gigantesco rolo voante de
Zacarias escrito dos dois lados contém as maldições de Deus contra os notórios
pecadores da terra (5:1-4). Os rolos, porém, já estão abertos quando os profetas os
vêem, de sorte que as analogias não são plenamente convincentes.
Dois outros possíveis antecedentes se relacionam com questões de herança. Os
testamentos romanos eram selados por seis testemunhas e o testador.56 E no tempo

53
  Embora o termo “livro da profecia (tēs prophēteias tou bibliou) não seja usado no contexto
imediato de Ap 1:1-2, o v. 3 fala acerca “das palavras desta profecia” que estão escritas, e o verso
11 fala acerca de “escreve em um livro o que tens visto.” De sorte que o livro de Apocalipse foi
mediado por um processo movendo-se de Deus para Cristo para João para o livro escrito.
54
  Ex., tais analogias como Aquele que “é e que era e que há de vir”, o Todo-poderoso, e os sete
espíritos diante do trono.
55
  Veja Schrenk (1964, p. 618-619) para outro resumo das considerações de fundo ao livro se-
lado. Ver também Douglas Waterhouse (1983, p. 32-35).
56
  Ver exemplo em: Fitzer (1964, p. 950); Schrenk (1964, p. 618-619); Strand (1982, p. 55).
Os sete selos

de Jeremias os rolos escritos garantem que sua compra de terra segundo a lei do
go’e57será válida mesmo depois do retorno do exílio babilônio (32:6-15).
Ambas as ideias são atraentes. Como um testamento, o livro pôde ser
aberto e suas instruções cumpridas por causa da morte sacrifical de Cristo
(SCHRENK, 1964, p. 618-619). Como uma escritura de compra, o livro rep-
resentaria o título de propriedade para o mundo. O choro de João (4:4) re-
fletiria o confisco dessa herança como resultado do pecado. Através de Sua
morte o Cordeiro redime a herança confiscada e, assim, é digno de abrir os
selos e restaurar a posse legal (ver WATERHOUSE, 1983, p. 33).
Por mais atraentes que sejam estas ideias, e por mais fiéis ao conceito
neotestamental da cruz, elas não são realizadas consistentemente no livro
de Apocalipse. Se em mente aqui, elas podem funcionar apenas como um
artifício literário (FITZER, 1964, p. 950).
Outro livro selado encontra-se no livro de Isaías (29:11, 18; 30:8).
Como o Apocalipse, o livro de Isaías contém as mensagens do próprio
profeta. A ausência de uma forte analogia estrutural entre Isaías 29–30 e
Apocalipse 5 torna menos do que certo, porém, que João estava extraindo
de Isaías para sua descrição do livro selado.
A imagem da entronização do capítulo 5 é muito compatível com outro con-
ceito do Antigo Testamento. Como a coroação de um novo rei israelita, o livro 239
da aliança (Deuteronômio) seria apresentado a ele (WATERHOUSE, 1983, p.
32; ver Dt 17:18-20; 2Rs 11:12-17; 23:2-3). A recepção do livro e a capacidade
de abri-lo e lê-lo demonstrava o direito de reinar e lidar com qualquer crise que
pudesse ocorrer. Teria sido proveitoso para nossa compreensão, porém, se a
possível alusão a Deuteronômio tivesse sido mais explícita.
Alguns têm afirmado que o livro selado deve ser identificado com o livro da
vida do Cordeiro (13:8; 21:27). Sendo que este é o único livro em Apocalipse cujo
conteúdo é claramente identificado, isto é digno de consideração. O conteúdo do
livro selado, porém, parece ser mais amplo do que o do livro da vida.
Possíveis alusões ao Novo Testamento. Um fundo mais promissor, talvez,
é o conceito neotestamental de “mistério” (mustērion). No Novo Testamento o
termo “mistério” é sempre usado em um sentido escatológico.58 Ele seria rev-
elado somente nos últimos dias. Mas sendo que Jesus é o Messias, os últimos

57
  Segundo essa lei, uma pessoa em perigo de perder a sua herança podia apelar para um parente
mais próximo a fim de comprar a propriedade e com isso conservá-la na família até tal tempo em
que pudesse arcar com as despesas para comprá-la de volta. Veja a história de Rute.
58
  Para uma discussão completa desta palavra veja Günther Bornkamm (1964, p. 802-828).
Estudos selecionados em interpretação profética

dias já vieram.59 O reino apocalíptico tem se tornado uma realidade presente.60


Portanto, a plenitude do evangelho, embora oculta durante séculos, agora se
tornou um mistério manifesto, revelado.61 Anunciar o mistério de Deus (1Co
2:1) é pregar a Cristo crucificado (1Co 1:23; cf. 2:2).
Mas embora o mistério esteja aberto aos seguidores de Jesus, ele é fechado
para aqueles que não O conhecem (Mt 13:11; Mc 4:11;Lc 8:10). Além disso, cer-
tos aspectos desse mistério não estão ainda plenamente revelados mesmo para
o crente.62 Embora em um sentido os últimos dias já vieram no evento Cristo,
em outro sentido, eles também ainda estão no futuro.63 O Apocalipse partilha a
tensão do Novo Testamento entre o que já tem sido revelado em Cristo, e o que
pode ser tornado conhecido somente no final.64 Nos “dias” da sétima trombeta
o “mistério de Deus” será cumprido (10:7).
A crise no Universo (5:1-4) é precipitada pela combinada rebelião de Satanás
e suas hostes no Céu e a família humana na Terra. O livro é o celestial livro do
destino, contendo a substância do ordenado plano divino para enfrentar essa crise.
Como tal, ele incluiria toda a informação revelada em Apocalipse, Daniel, e mais.
Por causa de Sua morte sacrifical, o Cordeiro é capaz de pôr em funcionamento ac-
ontecimentos que levarão a História à sua conclusão preordenada (COLLINS, 1979;
STRAND, 1982, p. 55; MOUNCE, 1977, p. 142-143).
240 A série dos sete selos, contudo, retrata um período em que o propósito divi-
no permanece, em grande medida, oculto da visão terrestre (cf. 6:9-11). Mas do
capítulo 10 em diante, o propósito deve ser claramente revelado por intermédio
das mensagens dos três anjos e os acontecimentos visíveis da consumação.
As qualificações do Cordeiro. Que o Universo está em crise torna-se evi-
dente da descrição desta passagem. Deus tem um livro em Sua mão que só
pode ser aberto por uma pessoa digna. Mas não é encontrada nenhuma tal
pessoa, levando o profeta a chorar. A interrogação: “Quem é digno?” requer
qualificações singulares (FOERSTER, 1964, p. 379). De acordo com 5:9, 10, 12
as qualificações singulares do Cordeiro derivam do fato de que Ele foi morto e
assim habilitado a redimir a humanidade com o Seu sangue.

59
  Hb 1:2; 9:26; 1Pe 1:20; 1Jo 2:18.
60
  Mt 12:22-28; 13:24-26, 31-33; Lc 11:20-22; 17:20-21.
61
  Rm 16:25-27; 1Co 2:7-10; Ef 3:3-10; 6:19; 1Tm 3:16.
62
  Rm 11:25; 1Co 13:2; cf. 12: Ef 1:9-10.
63
  Mt 6:10; 25:1ss.; 31-46; Lc 13:28-29; 19:11; Jo 6:39, 40, 44, 54; 11:24; 12:48; 2Tm 3:1; 1Pe 1:5; 2Pe 3:3.
64
  Um relacionado conceito do Novo Testamento é aquele das duas eras. A prometida era porvir no
Antigo Testamento é compreendida como uma realidade presente em Cristo (Mt 28:20; Rm 12:2; 2Co
4:4; Gl 1:4) embora sua plenitude seja consumada somente na futura era vindoura (Ef 2:7; Hb 6:5).
Os sete selos

Dinastia davídica restabelecida. O simbolismo do Leão de Judá é, sem


dúvida, baseado na promessa de domínio para a tribo de Judá (Gn 49:9-10).
Combinar isto com o simbolismo da “Raiz de Davi” dá a ideia de que a en-
tronização do Cordeiro implica o restabelecimento da eterna dinastia davídica
prometida no Antigo Testamento.65 O Cordeiro é o Messias prometido. Assim,
Jesus é compreendido como tendo restabelecido a dinastia davídica quando Ele
proclamou a chegada do Seu reino (Mt 12:28; Lc 17:20-21).
A primeira impressão é que o Cordeiro tinha sido morto (v. 6, hōs esphag-
menon). Contudo, o Cordeiro se move para tomar o livro, deixando claro que
Sua morte tem sido vencida (v. 7; ver 1:18). O Cordeiro então prossegue para
juntar-se a Deus em Seu trono, receber a adoração da hoste celestial, e assumir
o governo do mundo (5:12-14; 17:14; 19:16; 22:3). Finalmente, na conclusão
da profecia, o Cordeiro desposa a Nova Jerusalém, simbólica da comunidade
cristã (19:6-8; 21:9ss) (JEREMIAS, 1964, p. 341).
Não pode haver dúvida de que para João, o Cordeiro é o exaltado Cristo de
Apocalipse 1–3, que está qualificado para tomar o livro, não somente por causa do
que Ele tinha feito (Sua morte na cruz), mas por causa do que Ele é. Assim, está im-
plícita no texto a plena divindade e humanidade que o Cordeiro tinha de incorporar
a fim de realizar a tarefa redentora. A humanidade do Cordeiro é evidente em que
Ele foi morto. Sua divindade é evidente em que Ele é exaltado ao trono de Deus para 241
receber a adoração de toda a criação (Ap 3:21; 5:7-14).
Os sete chifres do Cordeiro lembram imagens do Antigo Testamento de
poder político e/ou militar (COLLINS, 1979, p. 41; Dt 33:17; Dn 7:8, 21, 22,
24; 8:3-12). Os sete olhos do Cordeiro lembram a visão de Zacarias (4:10)
em que o próprio Senhor tem sete olhos para percorrer toda a Terra (COL-
LINS, 1979, p. 41). Por estes dois símbolos a todo-poderosa e onisciente
divindade do Cordeiro é claramente estabelecida.
Alguns sugerem que quando Jesus toma o livro da mão do Pai, isto implica que
Ele se mudou do primeiro compartimento para o Segundo Compartimento do san-
tuário celestial. Mas não há nenhum indício em algum lugar na visão imediata de
que o trono de Deus é movido. Nem são os movimentos do Cordeiro significativos
para a cena, sendo que Ele já está “no meio do trono” (5:6). É melhor compreender
a visão dos capítulos 4 e 5 como uma única cena em um único lugar no santuário
celestial. A localização exata não parece ser decisiva para a interpretação da visão.
Um novo cântico. A ideia de cantar um “novo cântico” de louvor a Deus
é comum no Antigo Testamento. Novos cânticos são cantados para louvar a

  2Sm 7; 2Cr 17; Dn 9:24-27; Lc 1:32-33.


65
Estudos selecionados em interpretação profética

Deus por um recente livramento (Sl 40:1-3; 144:9-10; Is 42:10-13), por atos
de salvação e juízo (Sl 96:1-2; 98:1-2; 149:1-9), ou por Seu poder criador que
é manifesto continuamente na Terra de novas maneiras (Sl 33:1-9; Is 42:5, 10).
Tal novo cântico é inteiramente apropriados como resultado do maior ato de
Deus de todos os tempos, a morte expiatória de Jesus Cristo (5:8-10).
O sacerdócio real (v. 10) baseia-se na declaração de Deus a Israel de que a
nação iria ter uma especial função sacerdotal (veja Êx 19:5-6). Por intermédio
de Israel, Yahweh planejava levar a bênção de Abraão a todas as nações (Gn
12:1-3; 22:18). Em Cristo esse privilégio é transferido para a igreja (Mt 21:43;
1Pe 2:9-10; Gl 3:29; 6:15-16). Assim, Apocalipse 5:9-10 declara os seguidores
de Cristo como sendo um Novo Israel, com uma função mundial de domínio e
bênção. Esse domínio é uma conseqüência do domínio de Cristo que foi esta-
belecido como resultado da cruz (Ap 5:3; cf. Mt 28:18).
Nos versos 11-14 o crescendo de louvor atinge um clímax magnífico. Toda
a criação inteligente louva ao Cordeiro e ao Pai que está sentado no trono. Con-
quanto apropriado no contexto da entronização de Cristo em Sua ascensão, o
hino final se estende além do desterro do pecado e seus efeitos para o dia em
que toda a criação viverá para louvar a Divindade (cf. Fp 2:9-11).

242 Abrindo os Selos


No capítulo 6 o trono, o livro, e mesmo o Cordeiro desaparecem grande-
mente de vista. O ponto de ligação com a cena introdutória do santuário é a
abertura dos sete selos que selam o livro. Os eventos delineados não revelam
os conteúdos do livro. Mas ao Cordeiro abrir cada selo, certos acontecimentos
ocorrem na Terra.

Analogias Estruturais ao Antigo Testamento


Maldições da aliança. Encontramos as principais analogias estrutur-
ais aos capítulos 4 e 5 nas visões do trono do Antigo Testamento. Por outro
lado, o capítulo 6 lembra as maldições da aliança no Pentateuco e sua ex-
ecução no contexto do exílio babilônico.66
O conceito de “guerra, fome e pestilência” se originaram nas bênçãos e
maldições que atingiram o clímax nos Códigos de Santidade67 do Pentateuco.

66
  Veja tabela 3 para uma lista de possíveis alusões diretas ao Antigo Testamento em Ap 6. Os
itens assinalados por um asterisco são citados por no mínimo três grandes comentaristas. Os
outros são adicionados pelo autor porque eles lançam alguma luz sobre a linguagem de Ap 6.
67
  Levítico 17–26 é conhecido dos eruditos como o Código de Santidade. Contém uma série de
Os sete selos

As maldições da aliança de Levítico 26:21-26 contêm muitas analogias aos


quatro cavaleiros de Apocalipse 6:

E, se andardes contrariamente para comigo


e não me quiserdes ouvir,
trarei sobre vós pragas sete vezes mais,
segundo os vossos pecados.
Porque enviarei para o meio de vós as feras do campo, . . .
Trarei sobre vós a espada vingadora
da minha aliança . . . .
enviarei a peste para o meio de vós,
e sereis entregues na mão do inimigo.
Quando eu vos tirar o sustento do pão,
dez mulheres cozerão o vosso pão num só forno
e vo-lo entregarão por peso.
Lv 26:21-26

Guerra, fome, pestilência e animais selvagens são juízos preliminares de


Deus, tendo em vista produzir o arrependimento (v. 27, 40-42), para que as
bênçãos de Deus possam ser restauradas.68 Mais rebelião, porém, resultará em 243
desolação e exílio, as maldições finais da aliança (v. 28-39).
Deuteronômio 32 tem muitas analogias a Levítico 26. Os versos 23-25 falam de
punição para a idolatria de Israel. Os versos 41-43, porém, vão além de Levítico 26.
Aqui a espada do Senhor e Suas setas são exercidas para vingar o Seu povo:

Se eu afiar a minha espada reluzente,


E a minha mão exercitar o juízo,
tomarei vingança contra os meus adversários
e retribuirei aos que me odeiam.
Embriagarei as minhas setas de sangue

mandamentos detalhados relacionados à vida diária à luz da aliança entre Deus e Israel. Levítico
26 oferece recompensas e punições (bênçãos e maldições) para a obediência e desobediên-
cia às estipulações do Código de Santidade. Uma seção paralela de material pode ser encon-
trada em Dt 12–30, onde uma série de mandamentos detalhados (12–26) é também seguida por
bênçãos e maldições (27–30). Embora não seja tecnicamente parte das bênçãos e maldições, os
cânticos de Moisés em Dt 32 e 33 continuam aqueles temas com muitas analogias a Lv 26.
68
  Em termos práticos, guerra, fome e pestilência são a linguagem de um cerco com sua
resultante fome, epidemia e morte.
Estudos selecionados em interpretação profética

(a minha espada comerá carne), . . .


Louvai, ó nações, o seu povo,
porque o SENHOR vingará o sangue dos seus servos.
Dt 32:41-43.

Quando exercidas sobre o Seu povo, a espada, fome e pestilência são


juízos preliminares tendo em vista levá-los ao arrependimento. Quando
exercidas sobre as nações que têm derramado o sangue do Seu povo, são
juízos de vingança (cf. o quinto selo).
Guerra, fome e pestilência tornam-se imagens estereotipadas nos profetas, que as
usam, como ameaças para impedir a crescente apostasia de Israel e Judá.69 Deixando de
se arrepender, ambas as divisões da nação ceifaram a maldição final — exílio.
Com o Exílio, porém, a atenção de Deus é dirigida cada vez mais para as
nações que estão afligindo o Seu povo. Os juízos que tinham sido dirigidos con-
tra eles agora se voltam contra seus inimigos. O grande ponto de virada neste
processo é dramatizado em Zacarias (1:8-17; 6:1-8). O cenário é um plangente
clamor por socorro da parte do anjo do Senhor:

“Ó SENHOR dos Exércitos


244 até quando não terás compaixão
de Jerusalém e das cidades de Judá,
contra as quais estás indignado
faz já setenta anos?”
Respondeu o SENHOR com palavras boas, palavras consoladoras,
ao anjo que falava comigo.
Zc 1:12-13.

Os cavalos de Zacarias. É muito provável que a visão dos selos tira suas
principais imagens da combinação de Zacarias de quatro cavalos coloridos
de patrulha com o plangente “Até quando, ó Senhor?” A cena se relacio-
na com o final do exílio de Judá em Babilônia. Os ímpios estão tranqüilos.

  Jr 15:2-3; Ez 5:12-17; 14:12-23; e Hc 3:2-16 têm suficientes analogias aos sete selos para sug-
69

erir a possibilidade, mas não a certeza, de que o revelador estava ciente delas ao escrever Ap 6.
A certeza de espada, fome e pestilência entre as maldições da aliança em Levítico e Deuteronô-
mio parece ter levado a um uso estereotipado no tempo do exílio babilônico (Jr 14:12-13; 21:6-9;
24:10; 29:17-18; Ez 6:11-12; 33:27). Guerra, fome e pestilência se tornaram termos técnicos para
as calamidades da aliança pelas quais Deus pune a apostasia da aliança.
Os sete selos

Deus havia entregue Judá em suas mãos como punição por seus pecados.
Mas os pagãos exageraram em sua função de juízo. Deus agora está prestes
a agir em resposta ao apelo da aliança, “Até quando?”
Particularmente significativa para os sete selos é a equação dos quatro cava-
los com os quatro ventos [espíritos] do céu” (Zc 6:5). Isto pode indicar que os
quatro ventos de Apocalipse 7:1-3 são os cavalos do capítulo 6 desatrelados em
uma reversão da aliança como aquela de Deuteronômio 32.70
As alusões ao Antigo Testamento assim indicam que os selos focalizam princi-
palmente a experiência do povo de Deus no mundo. A espada, fome e pestilência
dos cavalos são calamidades da aliança pelas quais Deus pune aqueles que rejeitam
ou desobedecem à Sua aliança., com o intento de levá-los ao arrependimento.
No contexto do Novo Testamento, é claro, a aliança deve ser compreendida
em termos da proclamação do evangelho do que Deus tem feito em Cristo. O
Novo Israel em Cristo (5:9-10) vence quando se inclui na vitória do seu coman-
dante, o Cordeiro morto. Mas a falha em apropriar-se do evangelho produz
consequências inevitáveis e sempre crescentes.
Quando o povo de Deus clama a Ele em sua angústia (6:9-11), Ele se volta con-
tra aqueles que os perseguem. Os cavalos evidentemente têm seu correlativo ou
equivalente nos ventos destruidores do capítulo 7. Estes se voltam contra aqueles
que não têm o selo de Deus. Os juízos dos cavalos afetam somente quartas partes da 245
Terra (6:8); eles são preliminares e parciais. Seus correlativos do fim dos tempos, os
ventos dos juízos (7:1-3) afetam toda a Terra com finalidade.

Apocalipse Sinóptico
Analogias. No Apocalipse Sinóptico71 Jesus parece ter combinado as
calamidades da aliança do Antigo Testamento com os sinais celestiais do
Novo Testamento do “Dia do Senhor”. As analogias entre o Apocalipse
Sinóptico e os selos não estão sempre na mesma ordem, mas a multidão de
elos verbais e temáticos torna virtualmente certo que João pretendia que o
leitor percebesse uma clara analogia entre eles.72
Da mesma forma que no caso do Apocalipse Sinóptico, assim há uma pro-
gressão geral no tempo quando percorremos os selos. A linguagem dos quatro
cavaleiros se assemelha à linguagem usada por Jesus ao descrever o caráter geral

70
  Nota editorial: Esta hipótese, contudo, exigiria que o cavalo branco e seu cavaleiro invertessem os
papéis e se tornassem uma força destruidora tão terrível como as outras três, uma inferência duvidosa.
71
  O sermão apocalíptico de Jesus registrado em Mt 24–25, Mc 13 e Lc 21.
72
  Veja tabela 4.
Estudos selecionados em interpretação profética

da Era Cristã entre o Seu tempo e o Segundo Advento. É um tempo de proc-


lamar o evangelho, e de guerra, fome, pestilência e perseguição.73 Depois da
queda de Jerusalém/Judá, o olhar profético de Cristo se fixou brevemente em
um período de intensificadas aflições e perseguição.74
Essa era de perseguição seria seguida pelos enganos do tempo do fim e
os sinais no céu que precedem a própria Segunda Vinda.75 Deve ser notado
que os enganos do tempo do fim são omitidos pela breve descrição de João
dos eventos que ocorrem na abertura do sexto selo. Contudo, estes são reto-
mados posteriormente com grandes detalhes em Apocalipse 13–17.76 Assim,
os eventos do sexto selo devem ser compreendidos como contemporâneos
daqueles descritos nesta porção do Apocalipse.
Significado das analogias. Portanto, as analogias entre os selos e o Apoc-
alipse Sinóptico não são apenas enormes em quantidade, mas partilham um no-
tável agrupamento ao longo das linhas cronológicas. Esse agrupamento enfatiza
dois pontos principais. Primeiro, os selos são paralelos ao Apocalipse Sinóptico
como uma descrição de toda a Era Cristã, não apenas seu tempo final. Segundo,
realça o que foi observado anteriormente na comparação de Apocalipse 6 com
o capítulo 19. Quer dizer que os quatro cavaleiros expressam as realidades de
toda a Era Cristã com ênfase no seu início. O quinto e o sexto selos tratam de
246 eventos que preparam o caminho para o fim da era.

Interpretação de Apocalipse 6
Tempo dos selos. Reconhecemos, a despeito da discussão acima, que vários
elementos de Apocalipse 4–6 sugerem para alguns que a passagem envolve o
juízo investigativo conforme descrito em Daniel 7:9-14. Insiste-se que a cena
introdutória é extraída das imagens de Daniel 7. Assim o trono poderia estar
associado ao Lugar Santíssimo do santuário celestial.77 Além disso, acredita-se
que o sexto capítulo baseia-se na linguagem do juízo. Contudo, devemos reagir
observando que este não é o caminho mais natural de ler os selos.

73
  Mc 13:5-13; Mt 24:4-14; Lc 21:8-9, 12-19.
74
  Mc 13:19-20; Mt 24:21-22; ver Dn 7:25; Ap 6:9-11; 12:6, 13-14.
75
  Mc 13:24-27; Mt 24:23-31; Lc 21:25-28; cf. Ap 6:12-17.
76
  Analogias entre Mt 24:23-27e Ap 12–17 incluem tais conceitos como sinais miraculosos destina-
dos a enganar (Ap 13:13-14; 16:13-14); falsos cristos (veja besta); falsos profetas (besta que subiu da
terra; cf. 16:13); desertos (Mt 24:26; cf. Ap 12:14; 17:3), e o nascer do sol (Mt 24:27; cf. Ap 16:12).
77
  Tem sido sugerido que sendo que Jesus está no lugar santo em Ap 1:12-20 (note a menção dos
castiçais), Ap 4–6 retrata uma mudança para o Santíssimo. Todavia, em Ap 1 Jesus não está no lu-
gar santo; Ele está entre as igrejas na Terra. Somente em Ap 4 o santuário celestial aparece à vista.
Os sete selos

A conexão entre a passagem dos selos e 3:21, conforme esboçada em de-


talhes acima, implica que a cena introdutória (Ap 4–5) retrata simbolicamente
a entronização de Cristo no santuário celestial em Sua ascensão. O capítulo 7
termina com o povo de Deus na sala do trono. Portanto, os selos do capítulo 6
retratam eventos na Terra desde a cruz até a Segunda Vinda, com foco particu-
lar no evangelho e na experiência do povo de Deus.
Embora a cena introdutória tire imagens de Daniel 7, grandes diferenças
tornam-se óbvias quando as duas visões são comparadas. Por exemplo, a at-
enção é dirigida para um livro em contraste com vários em Daniel. O trono
não foi posto recentemente. O livro está selado em vez de aberto. Aquele que
se aproxima do trono é simbolizado como o Cordeiro, não como o Filho do
homem. Assim, é evidente que as duas cenas não são as mesmas. É mais natural
compreender a cena introdutória como a inauguração do santuário celestial em
vez do seu grande dia da expiação do tempo do fim.
Esta conclusão é apoiada por várias outras observações. Há uma ausência
total da linguagem explícita do juízo em toda a seção. A única exceção a isto
é 6:10, onde o juízo é compreendido como estando ainda no futuro! Embora
alguns achem que o conceito de juízo está presente no capítulo 6 (WATER-
HOUSE, 1983, p. 6), ele não está fora de lugar no contexto da pregação do evan-
gelho (Jo 3:18-21; 5:22-25). O juízo do tempo do fim, porém, somente se torna 247
explícito na linguagem do livro de 11:18 em diante.
As analogias ao capítulo 19 e ao Apocalipse Sinóptico também salientam
a colocação de Apocalipse 4–6 na porção histórica do quiasmo de Strand.
Esta colocação é ainda mais realçada pela estratégia maior de João para a
primeira metade do livro de Apocalipse.78
Concluímos, portanto, que a cena introdutória do santuário é uma de-
scrição da entronização de Cristo e a inauguração do santuário celestial em 31
A.D. Esse evento tornou-se possível por Sua vitória na cruz. O capítulo 6 retrata
as consequências sobre a Terra desde aquele tempo até a Segunda Vinda. Seu
foco é sobre o evangelho e sobre o processo histórico dentro do qual o povo de
Deus vence assim como Cristo venceu.
Primeiro selo (6:1-2). O primeiro ser vivente (Leão, com uma voz como
a de trovão!) faz surgir um cavalo branco cujo cavaleiro carrega um arco e sai
para vencer. A interpretação deste selo é decisiva para a compreensão de todos
os quatro cavaleiros. Há três importantes pontos de vista.

  Veja o cap. 10, Selos e trombetas: algumas descobertas atuais, neste volume.
78
Estudos selecionados em interpretação profética

A maioria dos eruditos preteristas preferem compreender os selos como descre-


vendo em linguagem literal eventos prestes a ocorrer no Império Romano.79 Nesta
interpretação o cavaleiro do cavalo branco simboliza conquista militar.80
Outros eruditos vêem no cavalo branco um retrato do futuro anticristo, uma
paródia do Cristo retratado no capítulo 19. Nesta interpretação, os selos retratam a
atividade do reino de Satanás nos acontecimentos que precedem o fim.
Um terceiro grupo de eruditos compreende os quatro cavaleiros dos
selos como uma descrição simbólica da vitoriosa propagação do evangelho e as
consequências de sua rejeição. Cada um destes será retomado por sua vez.
1. A opinião preterista. Embora os adventistas não aceitem as pressu-
posições dos estudiosos preteristas, é possível que a guerra, fome e pestilên-
cia dos selos devam ser entendidas em seu significado natural como é o caso
com as imagens paralelas do Apocalipse Sinóptico. Se é assim, a mensagem dos
selos corresponderiam exatamente àquelas do Apocalipse Sinóptico, uma de-
scrição das calamidades naturais e da perseguição que caracterizam a Era Cristã
e precedem os sinais no céu que assinalam o seu fim. Contudo, vários fatores
sugerem uma abordagem mais simbólica aos selos.
Primeiro, todo o livro do Apocalipse é “significado” (esēmanen, 1:1). Muitas de
suas imagens fariam pouco sentido se tomadas literalmente. Segundo, os próprios
248 cavalos nunca são interpretados como literais. Terceiro, sendo que os capítulos 4 e
5 estão repletos de linguagem simbólica, que indicação existe de que é de qualquer
forma diferente? Certamente nenhum adventista interpretaria literalmente o quinto
selo. Finalmente, as imagens detalhadas dos quatro cavaleiros fazem sentido coer-
ente quando compreendidas à luz de significados figurativos e espirituais conheci-
dos das pessoas no tempo em que o Apocalipse foi escrito.
2. A opinião futurista. Muitos estudiosos interpretam os selos de uma for-
ma simbólica, mas argumentam que o cavaleiro do cavalo branco é o anticristo
por vários motivos. (1) O “arco” representa o poder de Gogue e Babilônia no
Antigo Testamento, e estes são tipos do anticristo. (2) as bestas satânicas dos
capítulos 11 e 12 “vencem” os santos (11:7; 13:7, nikaō, o mesmo verbo que é
usado em 6:2). (3) Há uma contínua interação em Apocalipse entre o verda-
deiro e o falsificado.81 (4) O “foi-lhe dada” (edothē, 6:2) é um “passivo divino”

79
  Tal como uma invasão dos partas vindos do oriente que o revelador acha que prenunciará as
conseqüências celestiais do dia do Senhor (ver COLLINS, 1979, p. 44-45).
80
  Os quatro cavaleiros, segundo esta interpretação, retratam guerra, rixa, fome e pestilência,
sendo as três últimas a conseqüência da primeira.
81
  Note que o dragão, a besta e o falso profeta de Apocalipse 12 e 13 são uma trindade falsificada
Os sete selos

e é análogo a 9:1 onde Deus permite que o anjo do abismo dirija suas hordas
demoníacas contra a humanidade. (5) Embora o cavalo branco de 6:2 seja uma
analogia verbal exata ao cavalo branco de 19:11, há muitas diferenças notáveis
entre os dois relatos;82 assim, eles não devem ser equiparados.
Estes argumentos a favor da hipótese do anticristo não são tão fortes como
possam a princípio parecer.
a. Embora o arco seja usado para retratar o poder dos inimigos de Deus
no antigo Testamento, ele é em cada caso introduzido para que possa ser
esmagado pelo poder superior de Yahweh (Jr 51:56; Ez 39:3; Os 1:5). Em
um número ainda maior de casos, os arcos e flechas representam as armas
de Yahweh dirigidas contra Seus inimigos.83
b. Embora a palavra grega para “vencer” seja usada para se referir às
bestas e sua perseguição dos santos, o contexto mais imediato de 6:2 é a
“vitória” de Cristo na cruz (5:5, 6, 9; cf. 3:21), que provê a substância básica
da proclamação do evangelho.
c. O dragão, a besta e o falso profeta realmente falsificam a Trindade.
Seu mau caráter é claramente retratado em sua oposição à mulher e aos san-
tos. Por outro lado, no caso de 6:2 João não apresenta nenhuma sugestão de
que a cor branca deva ser tomada em um sentido negativo.84 E com apenas
uma exceção no Novo Testamento, uma stephanos (coroa de vitória) está 249
sempre associada a Cristo ou ao Seu povo.85
d. Embora seja verdade que a atividade divina deva ser vista por trás dos juízos
da quinta trombeta, a entrega da chave em 9:1 e poder em 9:3, 5 indicam que Deus
está permitindo, com limitações, que a atividade de Satanás se espalhe rapidamente.
Mas no capítulo 6 a atividade dos quatro cavalos não é permitida; é “ordenada.”86
Ordena Deus ao anticristo que se comporte da maneira como ele o faz?

com características que se assemelham ao Pai, Filho e Espírito Santo.


82
  Ex., duas diferentes palavras gregas são usadas para a coroa (Ap 6:2 — stephanos; Ap 19:12 —
diadēmata) usadas pelos cavaleiros respectivamente.
83
  Dt 32:41-43; Sl 7:13; Lm 2:4; 3:12; Hc 3;8-9. É significativo que o revelador estava provavel-
mente intencionalmente aludindo a Dt 32, e possivelmente também a Hc 3.
84
  Note as seguintes associações de “branco” no livro de Apocalipse:
Com Cristo, 1:14; 14:14; 19:11, 14. Com os crentes, 2:17; 3:4, 5, 18; 7:9, 13, 14; 15:6; 19:8. Com os
seres celestiais, 4:4; 19:14. Com Deus, 20:11.
85
  Ver exemplo Mt 27:29 e análogas; 1Co 9:25; 1Tm 4:8; Tg 1:12; Ap 2:10; 3:11; 14:14. A exceção
a esta regra é Ap 9:7 onde as stephanoi são colocadas nas cabeças dos cavaleiros demoníacos pro-
cedentes do Abismo. Mesmo aqui, porém, a aplicação é qualificada pelo uso de “como que” (hōs).
Os cavaleiros demoníacos realmente não usam stephanoi, apenas parecem usar.
86
  Ver a repetida ordem “vem” (erchou).
Estudos selecionados em interpretação profética

e. As diferenças entre os capítulos 6 e 19 são explicáveis em termos da difer-


ença entre a igreja militante e a igreja triunfante. Cristo usa o diadema87 em
19:12 porque Sua atividade vencedora88 está concluída. Ele usa a coroa de vitória
(stephanos) em 6:2 porque o reino celestial conquistado na cruz ainda está no
processo de estabelecer o seu domínio na Terra.
3. A opinião historicista. A natureza positiva do cavalo branco é apoiada
pelo fato de que o primeiro cavaleiro não produz aflições como os outros três.
Não há nenhum indício de falsificação no texto em si. E se o cavaleiro do cavalo
branco simboliza o evangelho, a analogia com o Apocalipse Sinóptico é mais
completa do que seria de outro modo.89
Parece melhor, portanto, compreender o cavalo branco como simbolizando
o reino de Cristo e sua conquista gradual do mundo através da pregação do
evangelho por Sua igreja. O que foi ratificado no Céu na entronização do Cord-
eiro é agora ativado na experiência do Seu povo no decorrer da história humana.
Este quadro está provavelmente baseado no tema israelita da realeza em
Salmo 45:3-7:

Cinge a tua espada no teu flanco, herói;


cinge a tua glória e a tua majestade!
250 E nessa majestade cavalga prosperamente,
pela causa da verdade e da justiça;
e a tua destra te ensinará proezas.
As tuas setas são agudas, penetram o coração dos inimigos do Rei;
os povos caem submissos a ti.
O teu trono, ó Deus, é para todo o sempre;
cetro de equidade é o cetro do teu reino.
Amas a justiça e odeias a iniqüidade;
por isso, Deus, o teu Deus, te ungiu com o óleo de alegria,
como a nenhum dos teus companheiros.

O Salmo 45 combina esta imagem militar com aquela de um casamento


real (Sl 45:10-15). Quando a vitória está completa, o casamento pode ocor-
rer. Mas em Apocalipse 6:2 a vitória está apenas a caminho, o casamento
deve aguardar um tempo futuro (19:6-8; 21:9ss.).

87
  A coroa real de autoridade reinante.
88
  Simbolizada pela coroa de vitória (stephanoi) de Ap 6:2.
89
  No Apocalipse Sinóptico é a pregação do evangelho que precipita os eventos do eschaton.
Os sete selos

Sendo que a frase “vencendo e para vencer” expressa um aumento progressivo


de vitória, o cavalo branco não termina com o primeiro século. Antes, o símbolo
retrata de um modo geral o progresso do evangelho durante toda a Era Cristã.
Segundo selo (6:3-4). Na abertura do próximo selo o segundo ser
vivente (novilho, 4:7) faz surgir um cavalo vermelho. Seu cavaleiro recebe
uma grande espada e lhe é permitido tirar a paz da Terra, resultando em
guerra e mútua destruição humana.
O cavalo não é “vermelho” no sentido técnico. O adjetivo é extraído
da palavra grega para “fogo” (pur). O fogo no livro do Apocalipse está fre-
quentemente associado às coisas celestiais (8:5; 14:18) mas sempre para o
propósito de juízo (8:7; 20:10, 14, 15).90
Embora as imagens desta passagem lembrem guerra militar, a única out-
ra menção de “paz” em Apocalipse é de natureza espiritual (1:4). A palavra
grega para “matar” é normalmente usada para a morte de Cristo e de Seus
santos.91 Consequentemente, é improvável que o segundo selo se refira pri-
mariamente a conflito militar. Antes, pode representar perseguição, a perda
da paz espiritual, e divisão por causa do evangelho.
No Salmo 45 o mesmo cavaleiro que arremessa setas contra seus inimi-
gos também carrega uma espada enquanto cavalga. A mesma mensagem do
evangelho que é um cheiro de vida para a vida também pode se tornar um 251
cheiro de morte para aqueles que a rejeitam (2Co 2:14-16; ver Is 26:3; 57:19-
21). Isto nos faz lembrar as palavras de Jesus:

Todo aquele que me confessar diante dos homens,


também eu o confessarei diante de meu Pai, que está nos céus;
mas aquele que me negar diante dos homens,
também eu o negarei diante de meu Pai, que está nos céus.
Não penseis que vim trazer paz à terra;
Não vim trazer paz, mas espada.
Pois vim causar divisão
entre o homem e seu pai;
entre a filha e sua mãe e
entre a nora e sua sogra.

90
  Para uma discussão mais completa do “fogo” como um conceito simbólico veja meu Decoding
Revelation’s Trumpets (1988, p. 248-249, 368-369).
91
  Ap 5:6, 9, 12; 6:9; 13:8; 18:24. A única exceção a isto é Ap 13:3 onde a besta do mar é descrita
como uma contrafação de Cristo.
Estudos selecionados em interpretação profética

Assim, os inimigos do homem serão os da sua própria casa.


Mt 10:32-36

Sempre que o evangelho é pregado ocorrem vitórias, mas ainda mais


frequentemente vem divisão e perseguição como resultado de sua rejeição
(Mt 10:34-39). A paz que vem da união com Cristo não deve ser confundida
com a paz que vem do favor dos outros.
Terceiro selo (6:5-6). Na abertura do terceiro selo o terceiro ser vivente
(presumivelmente, o que tem o rosto de um homem) faz surgir um cavalo
preto. Seu cavalo segura uma balança.
A cor “preta” não é de outra forma simbólica nas Escrituras Gregas. É nor-
malmente usada para a cor do cabelo ou pele por um lado e para “tinta” por
outro. Seu significado nesta passagem provavelmente deriva de seu contraste
com o cavalo branco do primeiro selo.
A “balança” (zugon) é frequentemente usada como um símbolo de Deus
julgando as pessoas (Jó 31:6; Dn 5:27). Neste caso seria juízo segundo o
evangelho (Jo 3:18-21; 5:22-25).
O cavaleiro do cavalo preto, diferente dos primeiros dois cavaleiros,
aparentemente não se empenha em nenhuma ação. Uma voz no meio dos
252 quatro seres viventes proclama:

Uma medida de trigo por um denário;


três medidas de cevada por um denário;
e não danifiques o azeite e o vinho.

Cereais, azeite e vinho eram as três principais culturas da antiga Palestina. Como
tais, elas representavam a bênção de Deus (Dt 7:13; Os 2:8; Jl 2:19, 24). Sendo que
os cereais são raso-enraizados, eles são muito mais facilmente danificados em uma
seca do que azeitonas e uvas. Um denário era a antiga designação para o salário de
um dia. Sob estas circunstâncias, os ganhos de um dia podiam apenas prover trigo
suficiente (o cereal de preferência) para a sobrevivência de uma pessoa. A imagem
é de uma fome induzida pela seca que ainda não progrediu para o nível em que as
plantas de raízes profundas e as árvores são afetadas.92

92
  De acordo com Lv 26:26, que fica no fundo desta passagem, distribuir pão por peso é
um sinal de grave fome.
Os sete selos

Mais uma vez a linguagem do selo sugere uma aplicação espiritual em


vez de literal. Se o cavalo branco representa o evangelho, o cavalo preto rep-
resentaria o seu oposto, doutrina errônea.
Embora em Apocalipse 14 a ceifa de cereais represente os justos e a colheita
de uvas os ímpios, neste exemplo o contexto de fome implica que todos os três
produtos alimentares representam benefícios espirituais. Assim, o selo essencial-
mente retrata uma fome da Palavra de Deus (cf. Am 8:11-12), mas uma fome que
está limitada pela ordem do Céu de forma que não remova os recursos da graça.93
O evangelho tem sido obscurecido, mas seus benefícios ainda estão disponíveis.
Quarto selo (6:7-8). Ao ser aberto o quarto selo, o quarto ser vivente (provav-
elmente a águia ou abutre) faz surgir um cavaleiro sobre um cavalo de cor amarelo-
esverdeada. Esse cavaleiro, Morte, é seguido pelo Hades, e tem autoridade sobre a
quarta parte da Terra para matar com a espada,94 fome, pestilência (morte),95 e as
feras da terra. Esta intensificação das perniciosas atividades do segundo e terceiro
cavaleiros é aumentada pelos outros dois elementos do juízo da aliança: pestilência
(morte) e animais selvagens (ver Ez 14:20-21; 5:12, 17; Jr 14:12; 29:17-18).
Se o selo deve ser compreendido em termos espirituais, ele retrata de longe
a mais grave decadência espiritual já descrita no livro (o clímax vem em 18:2-
3). É uma pestilência de alma. Estas pragas caem sobre aqueles cuja rejeição do
evangelho tem endurecido ao ponto de quase desespero. 253
Em 1:18 a morte e o Hades (sepultura) estão claramente sob o controle de
Cristo. Em 20:14 eles estão associados com o conceito da “segunda morte”. Esta
tríplice analogia apresenta evidência de que o quarto selo envolve a ameaça de
permanente exclusão da misericórdia.
Este selo, porém, por mais terrível que seja, não deve ser equiparado com o
final término da graça do fim dos tempos do qual ele é claramente uma anteci-
pação. Como foi o caso com o terceiro cavaleiro, esse ginete não “sai”, limitando
assim a praga. Nos textos de fundo de Levítico 26 e Deuteronômio 32 estas

93
  Nesta interpretação o azeite poderia representar o Espírito e o vinho o sangue de Cristo. Na
parábola do Bom Samaritano estes foram remédios curadores.
94
  A espada do segundo selo é uma palavra grega diferente (machaira) daquela do quarto selo
(rhomphaia). Machaira é a palavra usada em Lv 26 e Dt 32. A aplicação nas passagens de “espada,
fome e pestilência” de Jeremias e Ezequiel está dividida entre as duas palavras; assim elas parecem
aqui essencialmente idênticas em significado.
95
  No grego do Antigo Testamento a palavra para “morte” (thanatos) traduz a palavra hebraica
para “pestilência” nas passagens principais da maldição da aliança. Ver exemplo em Jr 14:12;
24:10; Ez 5:12, 17. Sendo que thanatos é seguida pelo Hades (a habitação dos mortos no pen-
samento hebraico), ambas as ideias parecem combinar, embora personificadas separadamente.
Estudos selecionados em interpretação profética

pragas não são finais, mas são destinadas a evocar o arrependimento. Juízos
adicionais sobre os ímpios estão adiante no quinto e sexto selos.
Quatro cavaleiros. Os quatro cavaleiros provavelmente devem ser compreen-
didos mais como uma progressão de pensamento do que como uma rígida sequên-
cia histórica. Em primeiro lugar, a virtual ausência de qualquer referência a tempo
está em evidente contraste, por exemplo, com as sete trombetas.96 Além disso, as
desgraças refletidas nos selos 2–4 são ordenadas em uma ampla variedade de ma-
neiras no Antigo Testamento.97 Uma variedade semelhante de uso pode ser vista
comparando-se as três versões do Apocalipse Sinóptico (Mt 24; Mc 13; Lc 21), onde
essas desgraças constituem o caráter geral da Era Cristã.
A descrição do cavaleiro do cavalo branco — “vencendo e para vencer”
— sugere uma atividade contínua em vez de um período da História a ser
seguido por outro período.
Assim, os quatro cavaleiros muito provavelmente representam uma
descrição geral da propagação do evangelho (cavalo braço), a resultante
perseguição e divisão (cavalo vermelho), e as crescentes consequências da
rejeição desse evangelho (cavalos preto e amarelo).98 O tema central é que
a pregação do evangelho e a chegada de uma nova era em Cristo não inter-
rompe a propagação do mal no mundo. Isto bem expressa a tensão entre as
254 duas eras tão características do Novo Testamento como um todo.
Contudo, tendo dito isto, é digno de atenção que a progressão temática dos
quatro cavalos combina bem com a história dos primeiros mil anos da Era Cristã.
Primeiro, houve a rápida expansão inicial da igreja através da maior parte
do mundo então conhecido. O período seguinte trouxe divisão e transigência
em face da perseguição. Seguiu-se a perda de uma clara compreensão do evan-
gelho quando a igreja estabeleceu um reino terrestre nos anos depois de Con-
stantino. Finalmente, a Idade Escura de declínio e morte espiritual afundou a

96
  Note os ais sucessivos das trombetas (Ap 8:13; 9:12; 11:14); os cinco meses (9:5, 10), os
quarenta e dois meses (11:2), e os três dias e meio (11:9).
97
  Uma dúzia de passagens do Antigo Testamento registram no mínimo três das imagens tipo-ai
dos quatro cavaleiros (setas, espada, fome, pestilência, e animais selvagens). Quatro das cinco são
encontradas em Lv 26:21-26; Dt 32:23-25; Jr 15:2-3; Ez 5:12-17; 14:13-19, 21; mas em nenhuma
destas duas elas estão na mesma ordem. Da tripla listagem, quatro apresentam a mesma sequên-
cia que em Ap 6: guerra, fome e pestilência (praga): Jr 14:12-13; 24:10; 29:17-18; Ez 6:11-12; mas
duas mudam a ordem: Jr 21:6-9; Ez 33:27.
98
  Na linguagem da aliança, o cavaleiro do cavalo branco oferece bênção; ao passo que os outros
três distribuem as maldições da aliança devido à rejeição do evangelho.
Os sete selos

Cristandade. Assim a progressão de pensamento bem pode ser cronológica, ao


menos no primeiro aparecimento de cada mudança.99
Este ponto de vista é apoiado pelo fato de que os quatro seres viventes nunca
estão separados nas Escrituras exceto nos quatro cavaleiros. Seu sucessivo envolvi-
mento (6:1-8) é um indício de que certa progressão cronológica é paralela à pro-
gressão de pensamento. Os quatro cavalos, portanto, delineiam tanto a tendência da
História no início da Era Cristã quanto as realidades gerais da Era Cristã.100
A pregação do evangelho e suas consequências — vitórias para o reino,
perseguição, divisão, e (para aqueles que rejeitam), crescente fome e declínio espirit-
ual — tem comprovado ser realidades tanto no nível corporativo quanto individual.
A saída final do cavaleiro do cavalo branco é atestada pela mensagem do selamento
no capítulo 7 e as mensagens dos três anjos no capítulo 14
Conforme mencionado anteriormente, aos dois primeiros cavaleiros é dito
que “saiam”, ao passo que os dois últimos são apenas vistos. Cada um afeta so-
mente uma quarta parte da Terra (6:8). Assim, os “juízos” dos cavaleiros são
parciais e reprimidos. O terceiro e quarto cavaleiros em si não são eventos finais.
Eles são preliminares e antecipações parciais do grande colapso de vida e com-
preensão espiritual do fim dos tempos. Historicamente, eles se ajustam melhor
à Idade Média, um tempo de declínio espiritual e perseguição.
Quinto selo (6:9-11). A abertura do quinto selo revela um quadro de pes- 255
soas justas mortas “debaixo do altar” que clamam:

Até quando, ó Soberano Senhor,


santo e verdadeiro,
não julgas, nem vingas o nosso sangue
dos que habitam sobre a terra?

A cena está simbolizando crentes que foram sacrificados por sua fé em tem-
pos anteriores à abertura deste selo. Depois de receber vestiduras brancas esses
mártires são informados de que eles devem repousar por pouco tempo até que
seus conservos e seus irmãos, que estão prestes a ser mortos como eles foram,
estejam “completos” ou “consumados”.

99
  Um exemplo paralelo a isto são as três mensagens angélicas. Elas são cronológicas em ordem
de comando; daí em diante, elas são proclamadas lado a lado até o fim.
100
  Uma analogia a esta dupla ênfase pode ser encontrada em Dn 7:11-12. Cada um dos animais
de Dn 7 tem um apogeu de atividade, contudo o espírito de cada animal continua existindo até
o fim.
Estudos selecionados em interpretação profética

A imagem dos mortos debaixo do altar representa a frustração do povo


de Deus para quem o conteúdo do livro selado ainda está oculto. Embora sua
confiança em Deus não seja abalada, eles anseiam pelo juízo final quando seus
nomes serão absolvidos em um tribunal mais elevado. O quinto selo representa
o conhecimento divino dos sofrimentos do povo de Deus, e Ele responderá no
devido tempo. A preocupação de Deus por Seu povo sofredor é o escopo da
passagem; ela não tem por objetivo explicar o estado dos mortos.101
A frase “até quando?” é usada frequentemente no Antigo Testamento,
principalmente em relação à destruição de Jerusalém pelos babilônios (Hc
1:2). O Salmo 79 é de interesse:

Até quando, SENHOR? Será para sempre a tua ira?


Arderá como fogo o teu zelo?
Derrama o teu furor sobre as nações
que te não conhecem
e sobre os reinos
que não invocam o teu nome [...]
Por que diriam as nações:
Onde está o seu Deus?
256 Seja, à nossa vista, manifesta entre as nações
A vingança do sangue que dos teus servos é derramado.
Versos 5, 6, 10

No quinto selo vemos os resultados das perseguições às quais se faz


alusão nos cavaleiros, principalmente o segundo. Assim, o quinto selo rep-
resenta um ponto posterior no tempo do que os quatro cavaleiros em si.102
Sendo que a frase “Até quando?” é aplicada em Daniel 7:21, 25; 12:6-7 à

101
  O altar em estudo aqui é o altar do holocausto, não o altar de incenso. Frequentemente no
ritual do santuário do Antigo Testamento, o sangue era derramado (ekcherō, Lv 4:7, 18, 25, 30, 34;
8:15; 9:9, LXX) à base do altar do holocausto, ao passo que nada jamais acontecia à base do altar
de incenso. Em Ap 16:6 o sangue dos santos e profetas foi “derramado” (exechean) pelos ímpios,
uma evidente referência ao santuário. Como poderiam os martirizados serem mencionados em
termos do ritual do santuário? “Vem a hora em que todo o que vos matar julgará com isso tributar
culto (latreian prospherein) a Deus” (Jo 16:2). A morte dos mártires é parte de uma grande batalha
sobre a devida maneira de servir a Deus. Sendo que o altar de holocausto nunca é retratado no
Céu, antes é simbólico do sacrifício de Cristo na Terra, essas almas debaixo do altar não estão no
Céu, elas estão em suas sepulturas terrestres. Elas não “voltam à vida” até a Segunda Vinda (Ap
20:4). Assim o clamor de 6:10 é apenas simbólico, como o clamor do sangue de Abel em Gn 4.
102
  O evento correspondente no Apocalipse Sinóptico é a grande tribulação (cf. Mt 24:21-22).
Os sete selos

grande tribulação da Idade Média, Apocalipse 6:10 apropriadamente repre-


senta um “clamor” de protesto dos mártires dessa mesma era.
É evidente que o clamor dos mártires ocorre antes do real tempo do juízo
e da crise final. Os temos “julgas” e “vingas” indicam um rogo de duas partes.
Os mártires desejam ser vindicados e vingados.103 Partindo da perspectiva do
clamor “Até quanto?” o juízo e a vingança são futuros. A dádiva de vestiduras
brancas (v. 11) simboliza a vindicação dos mártires no juízo investigativo (cf.
3:5). Contudo, a execução desse juízo ainda está no futuro.
A comparação entre 6:10 e 19:2 (veja acima) indica que 6:11 alude ao início
do juízo investigativo, enquanto o capítulo 18 descreve sua conclusão pouco
antes do Segundo Advento.104 Assim, o quinto selo está dividido cronologica-
mente em duas partes: (1) o clamor dos mártires é antes do juízo investigativo
(v. 10). A dádiva das vestiduras brancas assinala o início desse juízo.
Portanto, o quinto selo bem se ajusta entre as grandes perseguições da Idade
Média e a conclusão do juízo investigativo. O fim tem sido protelado. A tarefa
do evangelho não está ainda completa quando este selo se aproxima de um fim.
Sexto selo (6:12-17). A abertura do sexto selo desencadeia gigantes-
cos fenômenos celestiais e terrestres. Há um grande terremoto (evidente-
mente antes e distinto daquele de 16:18), uma série de sinais celestiais, e
um terremoto ainda maior que move todas as montanhas e ilhas dos seus 257
lugares (provavelmente o terremoto de 16:18).
O terremoto final leva ao grande terror da humanidade não salva, que
se utiliza das cavernas e rochas das montanhas em uma fútil tentativa de se
esconder da presença daquele que se aproxima e que está assentado sobre o
trono e da ira do Cordeiro. Os perdidos bradam:

Porque é vindo o grande dia da sua ira;


e quem poderá subsistir?

Os sinais celestiais e terremotos deste selo não são exclusivos a esta passagem.
Eles lembram uma longa história de fenômenos semelhantes nas passagens do
“dia do Senhor” do Antigo Testamento.105 Talvez, ainda mais importante para
João é o uso por Jesus dos sinais celestiais em Mt 24:29 —

103
  O verbo krinō (julgar) se aplica ao juízo investigativo bem como ao juízo executivo.
104
  Veja Strand (1982, p. 53-60) para uma excelente discussão de Ap 18.
105
  Ver Ez 32:7-8; Am 8:8-10; Jr 4:23-27; Is 34:4; 13:10-13; Na 3:12; Ez 38:19-20; Ag 2:6-9; Is
50:1-7; Jl 2:28-32; Sl 102:25-27.
Estudos selecionados em interpretação profética

Logo em seguida à tribulação daqueles dias,


o sol escurecerá,
a lua não dará a sua claridade,
as estrelas cairão do firmamento,
e os poderes dos céus serão abalados.

A analogia com o Apocalipse Sinóptico argumenta que alguns, pelo menos,


destes fenômenos caem logo após o período da grande tribulação a que alude
o quinto selo. Que os sinais celestiais devem ser compreendidos como literais
é indicado pelo fato de que cada um é seguido por um “como” (hōs) que nesta
construção introduz uma analogia figurativa a um evento real.106
O sexto selo, portanto, abarca o período desde o clamor dos mártires até
o fim dos tempos. Sendo que os sinais celestiais de 1780 e 1833 tiveram um
grande impacto sobre o interesse em desenvolvimento no estudo da profecia, o
terremoto de Lisboa de 1755 é o melhor candidato para o terremoto de 6:12.107
Apocalipse 6:14 aponta adiante para a queda final de todas as coisas terrestres e
celestiais à medida que elas pertençam a este planeta (cf. 2Pe 3:9-12).
Sétimo selo (8:1). A abertura do sétimo selo resulta em apenas uma sim-
258 ples declaração no sentido de que um breve silêncio ocorre no céu. O silêncio
funciona como uma calma depois da tempestade de destruição ocasionada pela
segunda vinda de Cristo. Várias explanações têm sido apresentadas para expli-
car o significado desse silêncio, mas nenhuma se tem demonstrado decisiva.
Uma possibilidade é que o silêncio é um anúncio de que a justiça
divina tem sido plenamente executada. Isto se baseia em declarações
textuais que em face da injustiça Deus recusa guardar silêncio até que a
justiça tenha sido satisfeita (cf. Sl 50:3-6; Is 65:6-7).

106
  Note o seguinte arranjo:
  O sol se torna negro .........................................como (hōs)....... saco de crina.
  Toda a lua se torna ............................................como (hōs)...... sangue.
  As estrelas do céu caem sobre a Terra ............como (hōs)...... deixa cair os seus figos.
  O céu se recolhe ................................................como (hōs)...... um pergaminho quando se enrola.
107
  Muitos têm rejeitado o Dia Escuro e a queda das estrelas como um cumprimento desta profe-
cia porque eles têm sido compreendidos como eventos naturais. Contudo, Deus frequentemente
usa eventos naturais para realizar Seus propósitos (ver Êx 14:21 e a abertura do Mar Vermelho
para Israel). O significado do terremoto de Lisboa, do Dia Escuro e da queda das estrelas em sua
época apropriada, seu aparecimento em conexão com os anos finais dos 1260 anos de opressão
papal antes e depois de 1798.
Os sete selos

Por amor de Sião, me não calarei e,


por amor de Jerusalém, não me aquietarei,
até que saia a sua justiça como um resplendor,
e a sua salvação, como uma tocha acesa.
As nações verão a tua justiça,
e todos os reis, a tua glória.
Is 62:1-2

Outras possibilidades para interpretar o silêncio deste selo incluem o


equivalente do fim dos tempos ao silêncio no princípio (Gn 1:2; cf. 4 Es-
dras 7:26-31); o silêncio do Universo ao observar a destruição do mal (em
nítido contraste com a celebração de Apocalipse 5); e o silêncio da sala do
tribunal quando o livro é finalmente aberto.108
Sendo que o sexto selo retrata os eventos que envolvem a própria Se-
gunda Vinda (6:15-17) e descreve a presença dos redimidos diante do
trono (7:9-17), o sétimo selo pode ser melhor compreendido ou como um
precursor enigmático do milênio ou a paz universal que resulta da con-
sumação no final do milênio (cf. Ap 20:9-15).
259
Considerações finais
Embora nenhuma tentativa fosse feita para alinhar as interpretações deste
capítulo com as de Urias Smith (1897, p. 384-434) suas opiniões sobre os selos
são notavelmente semelhantes às conclusões deste capítulo. Embora às vezes
ele mesmo não se batesse contra o texto,109 suas conclusões devem ser levadas a
sério pelos adventistas quando ele o fez.
Que diferença faz para o viver cristão diário que tenhamos obtido uma melhor
compreensão desta profecia? De grande importância é o fato de que nossa pas-
sagem descerra a cortina que oculta o mundo invisível da realidade espiritual de nós
que vivemos na Terra. A grandiosa cena introdutória (Ap 4–5) nos impressiona de
que as cenas que se seguem são uma visível e terrestre expressão do conflito invisível
e celestial entre Cristo e Satanás (STOTT, 1986, p. 247).

  Ver o intenso silêncio quando o conteúdo de um testamento está prestes a ser revelado!
108

  Um exemplo é o material sobre as trombetas, onde nenhuma observação é feita concernente


109

ao texto, mas páginas da História são citadas de outros escritores. Veja ibid., 455-87. Note a res-
salva na página 455 onde ele indica que mesmo isto foi extraído de uma publicação anônima da
Review and Herald escrita originalmente por Tiago White em 1859.
Estudos selecionados em interpretação profética

O mesmo Cristo que protege as igrejas (Ap 1–3) também se assenta no tro-
no de Deus nos lugares celestiais (Ap 4–5). Ele sabe e cuida quando Seu povo
sofre ou é forçado a percorrer esta vida sozinho por causa de sua fé nEle. Não
é surpreendente, portanto, que o povo de Deus ao longo da Era Cristã tenha
encontrado significado para a vida na estranha coleção de imagens que con-
stituem as porções apocalípticas do livro.
Os selos do capítulo 6 fornecem uma impressionante descrição da vida cristã
neste mundo entre a cruz e a Segunda Vinda. O povo sofredor de Deus pode às vez-
es indagar se a realidade não prova ser sua fé uma ilusão. A glória e o brilho parecem
residir com os inimigos do evangelho. Mas o fato de que horríveis realidades da
história e experiência terrestres seguem a abertura dos selos no Céu demonstra que
essas realidades estão sob o controle do Cordeiro, que já está reinando (Ap 5) e cujo
reino perfeito logo será consumado (11:15-18) (STOTT, 1986, p. 248).
Para os santos assediados um tratado teológico é muito menos eficiente do
que as imagens apocalípticas de um cordeiro morto que alcança uma vitória
irreversível. Através da contemplação pela fé desse Cordeiro e Sua vitória, os
sofredores e perturbados obtêm coragem para completar sua carreira. Depois
de citar porções de Apocalipse 5 e 7, diz Ellen White (2008, p. 45):

260 Compreendereis a inspiração da visão? Permitireis que vossa mente se demore


no quadro? Não estareis realmente convertidos, e então saireis para trabalhar em
um espírito inteiramente diferente do espírito em que tendes trabalhado no pas-
sado, desalojando o inimigo, demolindo cada obstáculo ao avanço do evangelho,
enchendo os corações com a luz e paz e alegria do Senhor?

Se permitíssemos que nossa mente se demorasse em Cristo e no mundo celestial,


acharíamos um poderoso incentivo e apoio para combater as batalhas do Senhor.
O orgulho e o amor do mundo perderão seu poder ao contemplarmos as glórias
daquele país melhor que tão logo deverá ser o nosso lar. Comparadas com a amabili-
dade de Cristo, todas as atrações terrestres parecerão de pouco valor (WHITE, 1887).

Há mais uma idéia de decisiva importância. Estamos na História entre


dois terremotos e duas séries de fenômenos celestiais (Ap 6:12-14). Os pressá-
gios do fim dos tempos já estão em andamento. Embora a aparente demora do
Advento leve muitos a dizer “Até quando?” é confortante saber que do ponto de
vista do Pai, que vê o fim desde o princípio, estamos quase no lar!
Os sete selos

Tabela de Alusões (1-4)


Tabela 1 — O Antigo Testamento em Apocalipse 4


Ap 4:1 Ez 1:4, 13, 14
Êx 19:24 Ez 10:6-7
Ez 1:1, 4 Dn 7:9
Ez 3:12-13 Zc 4:2
Ez 8:1-4
Ez 11:1, 24 Ap 4:6-7
Dn 2:28, 29, 45 (Teod) Sl 18:10-11
Dn 7:6-7 Ez 1:5, 6, 10, 13, 18, 22
Ez 10:1, 12, 14
Ap 4:2-3 Dn 7:2, 3, 10
Êx 28:17-21
1Rs 22:19 Ap 4:8
2Cr 18:18 Êx 3:14
261
Is 6:2 Sl 99:1
Ez 1:26-28 Is 6:2, 3
Ez 28:13 Ez 1:6, 18
Dn 7:9 Ez 10:12
Am 3:13; 4:13 (LXX)
Ap 4:4
1Cr 24:4-9 Ap 4:9-10
Is 24:23 1Rs 22:19
Dn 7:9 2Cr 18:18
Is 6:1, 3
Ap 4:5 Dn 4:34; 6:27; 12:7 (Teod)
Êx 19:16-18
Êx 25:37 Ap 4:11
Is 6:6 Dn 4:37 (LXX)
Estudos selecionados em interpretação profética

Tabela 2 — O Antigo Testamento em Apocalipse 5


Ap 5:1 Ap 5:8
1Rs 22:19 Sl 141:2
2Cr 18:18 Is 24:23
Is 6:1 Ez 1:5, 10
Is 29:11 Dn 7:18, 22, 27
Dn 8:26
Dn 12:4, 9 Ap 5:9-10
Ez 2:9-10 Êx 19:6
Sl 33:3
Ap 5:2-3 Sl 40:3
Êx 20:4 Sl 96:1
Dt 5:8 Sl 98:1
Dn 7:10 Sl 144:9
Dn 12:4, 9 Sl 149:1
Is 42:5, 10
262 Ap 5:4-5 Dn 7:14, 27 (v. 9)
Gn 49:9-10 Dn 7:18, 22, 27 (LXX)
Is 11:1, 10
Dn 7:10 Ap 5:11-12
Is 24:23
Ap 5:6 Ez 1, 5, 10
Is 24:23 Dn 7:10
Is 53:7
Jr 11:18, 19 Ap 5:13
Ez 1:5, 10, 13 Êx 20:4
Zc 3:9 1Rs 22:19
Zc 4:2, 6, 10 2Cr 18:18
Is 6:1
Ap 5:7 Dn 7:27
1Rs 22:19
2Cr 18:18 Ap 5:14
Is 6:1 Is 24:23
Dn 7:13 Ez 1:5, 10
Os sete selos

Tabela 3 — O Antigo Testamento em Apocalipse 6


Ap 6:1-2 Jr 21:6-9* Ez 38:19-20
Sl 45:3-7 Jr 24:10 Jl 2:10*
Hc 3:8-9 Jr 29:17-18 Jl 2:28-31
Zc 1:8-17* Ez 5:12, 17* Am 8:8, 10*
Zc 6:1-8* Ez 14:15-21* Na 1:5-8*
Ez 29:5-8 Ag 2:6-9*
Ap 6:3-4 Ez 33:27*
Êx 32:27 Os 8:1 Ap 6:15-17
Dt 7:22-25 Os 13:14* Gn 3:8*
Dt 9:1-5 1Rs 22:19*
Jz 7:20-22 Ap 6:9-11 2Cr 18:18*
Sl 45:3-4 Gn 4:10-11 Sl 2:2*
Is 19:2 Êx 29:12 Sl 33:16
Is 26:3-4 Lv 4:7* Sl 34:15-18
Is 57:19-21 Lv 17:11* Sl 46
Zc 14:13 Dt 32:43* Sl 47:8* 263
2Rs 9:7* Sl 76:4-10
Ap 6:5-6 Sl 79:5, 10* Is 2:10-11*
Lv 26:26 Is 6:1ss* Is 2:17-21*
Dt 7:13 Is 57:1-2 Is 6:1*
Dt 11:14 Dn 8:13 Is 24:21-23*
Dt 28:51 Dn 12:6, 7, 13 Is 34:12*
2Rs 7:1 Os 4:1* Jr 4:20*
Jr 2:3 Hc 1:2 Os 10:8*
Ez 4:16-17* Jl 1:15
Dn 5:27 Ap 6:12-14 Jl 2:1
Os 2:8, 22 Sl 102:25-26 Jl 2:11
Am 8:11-12 Is 13:10-13* Jl 2:31*
Is 34:4* Na 1:6*
Ap 6:7-8 Is 50:1-7* Sf 1:14, 15, 18*
Pv 5:5 Is 54:10 Sf 2:2-3*
Jr 14:12* Jr 4:23-27* Ml 3:2*
Jr 15:2-3* Ez 32:7-8*
Estudos selecionados em interpretação profética

Tabela 4 — Apocalipse Sinóptico e Apocalipse 6

Ap 6:1-2 Mt 24:14 Evangelho


Mc 13:10

Ap 6:3-4 Mt 24:6, 7, 10 Guerra


Mc 13:7, 8, 12
Lc 21:9, 10, 16, 25

Ap 6:5-6 Mc 13:8 Fome


Lc 21:11

Ap 6:7-8 Lc 21:11 Pestilência

Ap 6:9-11 Mt 24:9-10 Perseguição


Mt 10:17-22
Mc 13:9, 11-3
Lc 21:12, 16, 17

264 Ap 7:14 Mt 24:9, 21, 19 Tribulação


Mc 13:19, 24

Ap 6:10 Lc 21:22 Vingança

Ap 6:12-13 Mt 24:29 Sinais Celestiais


Mc 13:24-25
Lc 21:25-26

Ap 6:15-17 Mt 24:30 Tribos Lamentam

Ap 6:17 Mt 24:30 Vinda do Filho do Homem


Mc 24:26
Lc 21:27

Ap 7:1-3 Mt 24:31 Envia Anjos


Mc 13:27

Ap 7:3 Mt 24:31 Reúnem os Escolhidos


Mc 13:27
Os sete selos

Referências

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Os santos selados e
12
a grande tribulação
Beatrice S. Neall

Esboço do capítulo
1. Introdução
2. Temas/alusões à aliança
3. Correlativo quiástico
4. A grande tribulação
5. O selamento
6. Comentário sobre Apocalipse 7
7. Os 144 mil e a grande multidão
8. Características dos selados
9. Algumas preocupações teológicas

Sinopse editorial. Apocalipse 7


é um dos mais importantes segmen-
tos na série profética dos sete selos.
Ocorre como um interlúdio entre
o sexto e o sétimo selos. Sendo que
os eventos dos sexto selo se esten-
dem além do fechamento da porta
da graça, incluindo a segundo vinda
de Cristo, é óbvio que o período de
tempo do interlúdio teria de cobrir a
última porção do tempo de prova no
sexto selo. Ele responde à pergunta
dos lábios relutantes dos impeni-
tentes: Chegou o grande dia da ira
divina, “e quem é que pode suster-se?”
Os adventistas têm geralmente
acreditado que o anjo do selamento
de 7:2-3, que sela o povo de Deus do
Estudos selecionados em interpretação profética

fim dos tempos (enquanto as outras forças angélicas seguram os ventos do distúrbio
e agitação), deve ser identificado com a obra do terceiro anjo de 14:9-11. Ambos
têm uma mensagem mundial, ambos apresentam essa mensagem no mesmo seg-
mento de tempo — antes do retorno de Cristo, e ambos lidam com a verdade do
sábado. Um o anuncia como o selo da lei de Deus dos Dez Mandamentos; o outro
adverte contra a aceitação de um falso sábado, a marca da besta.
Neste estudo a autora se expande sobre o que está envolvido na obra de se-
lamento, as características dos selados e o período de tribulação que enfrenta
os santos selados (os 144 mil) quando os ventos da agitação e perseguição
forem soltos, seguidos finalmente pelas sete últimas pragas. Embora os ad-
ventistas tenham geralmente separado os 144 mil da grande multidão vista
diante do trono na cena final do interlúdio, a evidência favorece a crença de
que eles são um e o mesmo grupo. Isto é, os 144 mil selados simbolizam a
grande multidão de todas as nações, tribos e línguas que permanecerão leais
a Deus no conflito final da grande controvérsia entre Deus e Satanás. Estes
finalmente estarão vitoriosos diante do trono de Deus e do Cordeiro.
Embora os santos selados estejam expostos à “ira” do dragão e de suas
agências associadas, eles são sustidos e protegidos por Deus que, selando-os, os
reconhece como sua própria e valiosa possessão. Sua virtude principal será uma
268 fé imbatível e inflexível que está firmada na pessoa e nas promessas de Cristo.

Introdução
Apocalipse7 retrata a segurança dos servos de Deus no meio da crise final
da Terra. Este segmento da série dos selos ocorre como um interlúdio entre
os eventos cataclísmicos do sexto selo e o silêncio do sétimo. A fim de com-
preender o seu significado, exploraremos várias áreas neste estudo.

Temas/alusões à aliança
O livro de Apocalipse (em comum com a literatura apocalíptica não in-
spirada) mostra como as promessas da aliança de um glorioso futuro serão fi-
nalmente cumpridas para o povo de Deus.1 Revela a história como um conflito
entre as forças do bem e do mal, a última causando grande devastação ao povo

1
  O problema que a literatura apocalíptica enfrenta é o aparente fracasso da aliança. A aliança
entre Deus e Israel estipulava que se eles observassem os mandamentos seriam recompensados; se
não o fizessem, seriam punidos. Mas muitas vezes parecia que os mais fiéis eram perseguidos. Veja
a discussão de D. S. Russell (1964, p. 181-183) da relação da apocalíptica com a profecia que falhou.
Os santos selados e

da aliança até que Deus finalmente intervém e domina. Apocalipse 7 desenvolve


os temas da aliança anunciados nos capítulos precedentes.

As sete igrejas: alusões à aliança


As mensagens às sete igrejas introduzem o tema da aliança, tendo Jesus
como suserano (“O Soberano dos reis da Terra”, 1:5) exortando as igrejas
a serem fiéis ao seu Soberano mesmo até a morte (2:10).2 As promessas
às igrejas podem ser vistas como bênçãos da aliança, e as ameaças como
maldições da aliança. A grande violação contra a qual se adverte é a apos-
tasia (perda do amor, 2:4; apatia, 3:1; e mornidão, 3:16; ou em termos da
aliança de um matrimônio, fornicação, 2:14, 20; cf. 14:8; 17:1-2).
Punições por violação da aliança incluem excomunhão (2:5; 3:16), guerra (2:16)
e morte (2:23). As bênçãos da aliança incluem a dádiva das vestiduras brancas (3:5),
livramento da hora da provação (3:10), um lugar no templo de Deus (3:12) e o
nome de Deus na fronte (3:12) — todos evidentes no capítulo 7.

Bênçãos/maldições da aliança como predições


Tanto no Pentateuco quanto em Apocalipse as bênçãos e as maldições da
aliança são, de certa forma, predições, descrevendo as futuras nsequências da
obediência ou desobediência. A Torá narra a dádiva da aliança; o restante do 269
Antigo Testamento é o relato do que acontecia a Israel quando eles obedeciam
ou violavam a aliança. O livro do Apocalipse segue um padrão semelhante.
A primeira unidade, como a Torá, esclarece a aliança,3 enquanto o restante
do livro fala do que ocorreria em consequência da adesão à aliança ou violação
da mesma. Os 144 mil das 12 tribos de Israel (isto é, a igreja) em pé com o
Cordeiro sobre o monte Sião (Ap 14:1) são os fiéis; a prostituta Babilônia é Israel

2
  Como tem salientado William H. Shea, todos os elementos da aliança são encontrados no
Apocalipse: identificação do rei suserano (1:5), recital dos seus atos de benevolência conferin-
do-lhe o direito à lealdade de seus vassalos (v. 5), estipulações ou ordens exigindo lealdade a
ele somente (2:10), provisões para depositar o documento do tratado e lê-lo (1:3), e bênçãos e
maldições sobre aqueles que guardam ou violam a aliança (as promessas e ameaças às sete igrejas).
Shea (1983, p. 71-84) analisa a estrutura das mensagens da aliança às sete igrejas. Mais estudo
precisa ser dedicado ao desenvolvimento do tema da aliança no restante do Apocalipse.
3
  A maior parte de Apocalipse 1 lembra a entrega da aliança no Sinai. Jesus “nos libertou dos
nossos pecados” (v. 5) como Ele libertou Israel do cativeiro; “pelo seu sangue” sugere o sangue do
cordeiro pascal na véspera do livramento de Israel. Ele “nos constituiu reino, sacerdotes para o seu
Deus” (v. 6) como Israel deveria ser “reino de sacerdotes e nação santa” (Êx 19:6). Jesus apareceu a
João com uma “grande voz, como de trombeta” (v. 10) recordativo do clangor de trombeta no Sinai
(Êx 19:18). A reação de João prostrado lembra o temor de Israel diante da esmagadora teofania.
Estudos selecionados em interpretação profética

(simbolizando novamente a igreja) em apostasia.4 O livro narra em vívidos de-


talhes o conflito resultante entre o fiel e o apóstata Israel.

Os selos: alusões à aliança


A unidade dos selos, de que o capítulo 7 é o clímax, descreve o resultado das
bênçãos e maldições sobre as igrejas. Primeiro é visto o Suserano em seu trono,
circundado pelo arco-íris da aliança, merecedor de adoração porque Ele criou
todas as coisas (4:2-11). O Cordeiro também é digno de adoração por causa do
seu supremo ato de benevolência — morrer para redimir o seu povo (5:6, 9, 12).
Sendo que Ele os tomou de todas as nações e tribos e os constituiu um reino,
eles respondem em adoração e lealdade à aliança (5:9-10).
O Cordeiro então toma o livro dAquele que está “sentado no trono” (5:1, 7-8) e
abre os seus selos um por um. Ao fazê-lo, o futuro da igreja se desdobra nas bênçãos
e maldições da aliança. O cavalo branco personifica a bênção da aliança da conquis-
ta: a igreja vitoriosa saindo para vencer (6:2; cf. Lv 26:7-8 — a bênção da aliança da
vitória sobre os inimigos). Aqui estão representadas as conquistas da igreja apostólica.
Os cavalos vermelho, preto e amarelo são personificações simbólicas das
maldições da aliança resultantes da apostasia: espada, fome, pestilência, e morte
pelas feras selvagens (6:3-8; note o resumo no final do verso 8).5 Sendo que as
270 igrejas não têm ouvido as advertências de Cristo (Ap 2–3), elas têm se tornado
sujeitas às ameaças da espada e da morte (2:16, 23).6
Sempre que as maldições da aliança entram em efeito, o remanescente
justo também sofre (como Daniel e seus amigos durante o cativeiro). Sob o
quinto selo, o clamor ressoa das “almas debaixo do altar” — aqueles que têm

4
  Para a figura da prostituta Babilônia, João inspira-se expressivamente no quadro do Antigo Testa-
mento de Israel como a mulher prostituta de Yahweh. A linguagem da aliança é usada para mostrar
a violação do voto matrimonial por Israel. Zacarias retrata a “impiedade” de Israel como uma oc-
ulta mulher babilônica (Zc 5:5-11). Isaías (1:21), Oséias (2:2, 4), Jeremias (3:1-3; 8-9), e especialmente
Ezequiel (16:15-34) descrevem o apóstata Israel que, como a esposa de Yahweh, se tornou a maior
prostituta da Terra, sujeita à ira de Deus da aliança. Também dois dos poderes da “falsa trindade” — o
dragão, a besta e o falso profeta, que parodiam a Trindade celestial — são cristãos apóstatas, imitando
Jesus Cristo e o Espírito Santo. “A besta”, à semelhança do Cordeiro, foi ferida de morte, e curada ou
ressuscitada (13:3). A terceira besta era semelhante a um cordeiro e tinha poder para comunicar vida a
uma imagem. Por estas figuras João está dizendo que estes poderes hostis eram pseudocristãos.
5
  Ver Ez 14:21 — os “quatro maus juízos” de Deus baseados nas maldições da aliança de Lv 26:22, 25, 26.
6
  As maldições estão inerentes na própria apostasia, sendo que desviar-se de Deus leva à
discórdia, fome, fome pela palavra de Deus (o trigo e a cevada), à pestilência da heresia, e
à morte por animais selvagens, posteriormente descritos em Apocalipse 12, 13 e 17 como
perseguição dos fiéis por uma trindade de animais ferozes.
Os santos selados e

sido fiéis à aliança, mas que têm sofrido perseguição da igreja apóstata. “Até
quando, ó Soberano Senhor, santo e verdadeiro, não julgas, nem vingas o
nosso sangue dos que habitam sobre a terra?” (6:10).
Esses fiéis clamam ao seu Suserano por justiça. Como “Soberano Sen-
hor, santo e verdadeiro”, Ele se comprometeu a ser fiel às suas promessas da
aliança.7 O clamor urgente dos mártires por justiça se torna essencial para
o restante do livro.8 À sua indagação, “Até quando?” é dada a resposta, “até
que seus conservos e seus irmãos que haviam de ser mortos como eles mes-
mos tinham sido estivessem completos” (6:11, grego).
Do texto não está claro se o seu número ou caráter deve ser feito comple-
to, sendo que a palavra número não está no texto grego. Em qualquer caso
é tentador ver em Apocalipse 7 o cumprimento desta promessa. Os servos
de Deus estão completos em número (144 mil) e em caráter (eles estão sela-
dos na lealdade da aliança a Deus). A grande multidão diante do trono está
vestida de vestiduras brancas (7:9). Eles experimentam a bênção suprema
da aliança, habitando com Deus em seu santuário (cf. Êx 25:8), isto é, eles
servem a Deus “no seu santuário” (en tō naō autou) enquanto Ele estende o
seu tabernáculo sobre eles (skēnōsei ep’ autou, 7:15; cf. 21:3).
Assim, Apocalipse 7 realça o fato de que no meio da apostasia Deus tem o
seu verdadeiro Israel, leal a Ele, que resistirá no conflito com o mal e receberá 271
as bênçãos finais da aliança.

Correlativo quiástico
A unidade nos selos na primeira parte de Apocalipse (4:1–8:1) é ecoada por
uma unidade correspondente perto do fim do livro (19:1–21:8). A primeira po-
deria ser chamada os selos históricos, a última poderíamos denominar os “selos”
escatológicos. Os “selos históricos” são numerados de um a sete; igual número
dos “selos escatológicos” é assinalado pela fórmula “e eu vi” (kai eidon). Donde
é possível combiná-los exatamente. Dentro desta estrutura há uma visão pa-
ralela ao capítulo 7 que lança luz sobre ela. Este diagrama é adaptado do arranjo
literário desenvolvido por William H. Shea (1988):

7
  O significado veterotestamentário de verdadeiro e verdade “lealdade a uma palavra penhorada
ou propósito, fidelidade” (CHARLES, 1920, v. 1, p. 85-86).
8
  O brado do altar mostra a justiça de fazer seus perseguidores beber sangue (16:4-7). Estas
mesmas pessoas eventualmente se assentarão sobre tronos para julgar seus perseguidores (20:4).
Estudos selecionados em interpretação profética

Estrutura quiástica dos selos


Os sete selos históricos Os sete “selos” escatológicos

Capítulos 4–5 Cena do santuário 19:1-10 Cena do santuário


Um trono com Deus sobre ele. Quatro Vinte e quatro anciãos e quatro seres viventes
seres viventes e 24 anciãos o adoram. Lou- adoram o que está assentado sobre o trono.
vam ao Cordeiro. Voz do trono, trovão. Bodas do Cordeiro. Voz do trono, trovão.
Observações: Inicialmente Deus é louvado pela criação; no fim do tempo por sua obra de juízo.
A princípio o Cordeiro é louvado por resgatar o seu povo; no final sua esposa é louvada por se
preparar para as bodas do Cordeiro.
6:1-2 1 19:11-16 1
Cavalo branco com cavaleiro que tinha Cavalo branco com cavaleiro que tem espa-
arco e coroa. Ele sai vencendo. da, faz guerra. Tem diadema sobre a cabeça.
Observações: No início da Era Cristã, Jesus conduz sua igreja a vitórias iniciais. No final do
tempo Jesus consuma a vitória sobre seus inimigos.
6:3-4 2 19:17-18 2
Ser vivente convida “Vem”. Cavaleiro so- Anjo convida “Vem” às aves para comer
272 bre o cavalo vermelho tira a paz da Ter- a carne de capitães, cavalos e cavaleiros.
ra; os homens se matam uns aos outros.
Cavaleiro tem espada.
Observações: A igreja em apostasia (vermelho, cor do pecado) introduz contenda. No final,
aqueles que mataram são eles mesmos mortos e comidos pelos abutres.
6:5-6 3 19:19-21 3
Cavaleiro do cavalo preto tem balança na Besta e falso profeta que enganaram os
mão. Trigo e cevada vendidos por preço adoradores da besta são lançados no lago
exorbitante; azeite e vinho em perigo. de fogo.
Observações: A igreja apóstata que causou uma fome pela Palavra (trigo e cevada),e ameaçou ob-
scurecer o Espírito e o evangelho (azeite e vinho), é finalmente lançada no lago de fogo.
6:7-8 4 20:1-3, 7-10 4
Ser vivente convida “Vem”. Morte so bre Anjo com chave e corrente segura o dragão,
o cavalo amarelo, seguida pelo Hades, re- lança-o no abismo, e sela-o para que não
cebe poder para matar a quarta parte da possa mais enganar as nações.
terra à espada, pela fome, pestilência e
animais selvagens.
Observações: Satanás, cavalgando a igreja apóstata, intensifica a obra de destruição enquanto seu
cúmplice, Hades, engole os mortos. No final o próprio Satanás é lançado no abismo e confinado ali.
Os santos selados e

6:9-11 5 20:4-6 5
Almas debaixo do altar mortas por seu Almas mortas pelo testemunho de Jesus
testemunho para Jesus clamam a Deus voltam à vida e são elevadas ao trono
para que vingue o seu sangue dos ha bi- onde elas mesmas efetuam o juízo.
tantes da Terra. É-lhes dito que es perem;
recebem vestiduras brancas.
Observações: As almas debaixo do altar são finalmente elevadas e se assentam sobre tronos. Os
que clamavam a Deus para que julgasse seus perseguidores recebem eles mesmos o poder de julgar.
6:12-17 6 20:11 6
O céu recolhe-se como um pergaminho Terra e céu fogem da presença dAquele
que se enrola. Reis, generais, povos, se es- que se assenta no grande trono branco.
condem da face dAquele que se assenta
no trono e do Cordeiro.
Observações: Antes da segunda vinda de Cristo a abóbada do céu desaparece, expondo o mun-
do ímpio à presença de Deus no Seu trono e à ira do Cordeiro. No fim dos mil anos o mundo
ímpio outra vez é levado a juízo diante do trono de Deus.
Capítulo 7 Interlúdio 20:12-15 7
144 mil de Israel são selados. Grande multi- Mortos estão diante do trono; livros são
dão está diante do trono louvando a Deus abertos. É aberto o livro da vida. Mortos 273
pela salvação. Não mais fome, sede; Deus julgados pelo que está escrito nos livros.
enxuga as lágrimas dos olhos. Cordeiro Morte e Hades lançados no lago de fogo.
conduz às águas vivas. Deus habita com eles.
8:1 7 21:1-8; 22:1 Interlúdio
Cordeiro abre o sétimo selo (tornando Nova Jerusalém desce. Deus habita com
possível abrir o livro. Há silêncio no céu o Seu povo; enxuga as lágrimas; não mais
por meia hora. morte, pranto, dor. Água da vida para os
sedentos. O tabernáculo de Deus está
com os homens.
Observações: A abertura do sétimo selo remove a última barreira à abertura do livro. O silêncio no
céu por meia hora poderia se aplicar ao silêncio do Céu ao serem os vivos levados a juízo diante de
Cristo em sua segunda vinda. (Isto parece ser uma cena de juízo porque o seu correlativo quiástico
é uma cena de juízo.) No fim dos mil anos mortos são levados a juízo diante do trono e julgados se-
gundo os livros de registro. O livro da vida também é aberta, revelando quem está salvo e quem está
perdido. (Os interlúdios.) A julgar pelos contextos, o período de tempo de cada interlúdio parece
claro. Apocalipse 7 descreve a segurança dos santos durante as cenas ligadas à segunda vinda, ao
passo que Apocalipse 21 mostra a segurança dos santos no final dos mil anos. Apocalipse 7 descreve
as 12 tribos do Israel fiel; Apocalipse 21 descreve a noiva/cidade (assinalada com os nomes das 12
tribos). Em ambos os eventos Deus habita com eles. Eles não têm fome nem sede, porque Deus dá-
lhes água viva. Dor, pranto e morte não mais existem. Deus enxuga as lágrimas de seus olhos.
Estudos selecionados em interpretação profética

Os selos históricos parecem começar na ascensão/glorificação de Cristo (5:6, 9)


e terminar com a Segunda Vinda (6:16-17; 8:1) Os “selos” escatológicos começam
no Segundo Advento (19:11ss.) e terminam no final dos mil anos (21:1-8). Há cenas
de juízo tanto no Segundo Advento quanto no fim dos mil anos, em que o mundo
rebelde está sendo levado a juízo diante de Deus em seu trono.
Por ocasião de cada evento os justos estão seguros. No Segundo Advento
eles já estão selados (7:3); no juízo executivo, eles são achados escritos no liv-
ro da vida (20:12, 15). Ambos os “interlúdios” retratam alívio da angústia. No
primeiro caso, da grande tribulação (7:14); no último, de todas as aflições da
vida (21:4). Cada vez Deus provê alívio habitando com o seu povo, enxugando
as lágrimas de seus olhos, e saciando-lhes a sede com a água da vida.

A grande tribulação
Apocalipse 7:1-3 descreve um tempo em que os quatro ventos da terra estão
prestes a serem soltos para danificar a terra, o mar e as árvores. O verso 14 se
refere à “grande tribulação” — presumivelmente o mesmo evento.
A grande tribulação é primeiramente mencionada em Daniel 12:1 no con-
texto do ato final do “rei do norte”, que sai com grande furor para “destruir e
274 exterminar a muitos” enquanto se prepara para atacar o “glorioso monte santo”
(Dn 11:44-45). Isto é o que desata o tempo de angústia ou tribulação (thlipsis
em Daniel 12:1, Septuaginta, e Apocalipse 7:14).

Sairá com grande furor, para destruir e exterminar a muitos. Armará as suas ten-
das palacianas entre os mares contra o glorioso monte santo. [...] Nesse tempo, se
levantará Miguel, o grande príncipe, o defensor dos filhos do teu povo, e haverá
tempo de angústia, qual nunca houve, desde que houve nação até àquele tempo;
mas, naquele tempo, será salvo o teu povo. (Dn 11:44–12:1).

João usa simbolismo semelhante para descrever os santos que estão com o
Cordeiro sobre o monte Sião tendo sido anteriormente atacados por poderes
hostis do mar e da terra que os havia condenado à morte (Ap 14:1; 13:1, 11, 15).
Jesus também se referiu à tribulação mencionada por Daniel, aplicando-a
à destruição de Jerusalém e a um subsequente longo período de perseguição.

Quando, pois, virdes o abominável da desolação de que falou o profeta Daniel,


no lugar santo [...] então, os que estiverem na Judéia fujam para os montes.
[...] porque nesse tempo haverá grande tribulação, como desde o princípio do
mundo até agora não tem havido, nem haverá jamais. [...] Logo em seguida à
Os santos selados e

tribulação daqueles dias o sol escurecerá, [...] Então, aparecerá no céu o sinal do
Filho do homem (ver Mt 24:15-30; Mc 13:14-20).

Daniel identifica três ocasiões em que o “sacrilégio desolador” invadiria a terra


santa ou o templo e atacaria o povo da aliança: (1) a destruição de Jerusalém (Dn
9:24-27); (2) a opressão do povo da aliança quando eles cairiam “pela espada e pelo
fogo, pelo cativeiro e pelo roubo” pelo “tempo, dois tempos e metade dum tempo”
(11:31-35; 7:25); e (3) um ataque final no “tempo do fim” (11:40–12:1).
Jesus parece misturar estes dois eventos, referindo-se claramente à destru-
ição de Jerusalém (Mt 24:15-20; cf. Lc 21:20) e a um mais longo período de
perseguição posterior (Mt 24:21, veja também a “apostasia” dos versos 9-10,
uma alusão a Dn 11:34b-35). Da mesma forma que a presença dos romanos nas
áreas sagradas de Jerusalém assinalou um tempo para a fuga do povo de Deus
nos tempos apostólicos, e o anticristo se assentando no templo/igreja de Deus
(2Ts 2:3-4) assinalou um tempo de grande perseguição na Idade Média, assim o
ataque final de Satanás contra a igreja do fim dos tempos (Ap 12:17; 13:15-17)
precipitará a grande tribulação dos últimos dias.
Outra referência a “tempo de angústia” está em Jeremias 30:5-7: “Ah!
Que grande é aquele dia, e não há outro semelhante! É tempo de angústia
para Jacó; ele, porém, será livre dela.” 275
Jeremias estava predizendo os horrores do cativeiro babilônico quan-
to a afligir os judeus, em termos da angústia de Jacó quando ele enfren-
tou um ataque pelo exército de Esaú. A angústia de Jacó, quando ele
lutou com um anjo, tem vindo a simbolizar o tempo de angústia que o
povo de Deus experimentará nos últimos dias.
Assim, a tribulação final é tipificada por várias tribulações anteriores: o
cativeiro babilônico (descrito em termos da angústia de Jacó), o ataque dos
romanos contra Jerusalém, e a perseguição durante o “tempo, dois tempos e
metade dum tempo” do período medieval (538-1798). Todos esses eventos,
mencionados no livro de Daniel, são caracterizados por ataques inimigos
contra o santuário e o povo de Deus.
A grande tribulação final é também mencionada como a “hora da provação
que há de vir sobre o mundo inteiro, para experimentar os que habitam sobre a
terra” (Ap 3:10). Os habitantes da Terra poderiam ser os ímpios em geral, mas
pode representar mais especificamente os cristãos apóstatas (veja nota de ro-
dapé 23). Estes serão provados e achados em falta.
Um estudo de Apocalipse 7 revela que Deus tem feito amplas provisões
para proteger, nutrir e confortar o Seu povo durante esse tempo. A grande
Estudos selecionados em interpretação profética

tribulação pode ser um tempo de intimidade especial com Deus se o seu


povo tiver formado o hábito de achegar-se “confiadamente, junto ao trono
da graça” e louvá-lo durante as crises da vida.

O selamento
Antes de vir a grande tribulação sobre o mundo, um anjo é comissionado a
selar o povo de Deus na fronte.

Vi outro anjo que subia do nascente do sol, tendo o selo do Deus vivo, e clamou
em grande voz aos quatro anjos, aqueles aos quais fora dado fazer dano à terra
e ao mar, dizendo: Não danifiqueis nem a terra, nem o mar, nem as árvores, até
selarmos na fronte os servos do nosso Deus. (7:2-3)

Enquanto os santos recebem o selo de Deus, seus inimigos recebem uma marca
sobre a mão direita ou sobre a fronte, conhecida como “a marca da besta” (16:2).

A todos, os pequenos e os grandes, os ricos e os pobres, os livres e os escravos,


faz que lhes seja dada certa marca sobre a mão direita ou sobre a fronte, para que
ninguém possa comprar ou vender, senão aquele que tem a marca, o nome da
276 besta ou o número do seu nome (13:16-17).

Selar ou marcar as pessoas e as coisas tinha os seguintes significados nos


tempos bíblicos:

Semelhança de caráter
O selo de Deus consiste do nome de Deus sobre a fronte. “Ao vencedor,
[...] gravarei também sobre ele o nome do meu Deus, [...] e o meu novo nome”
(3:12). “Olhei, e eis o Cordeiro em pé sobre o monte Sião, e com Ele cento e
quarenta e quatro mil, tendo na fronte escrito o seu nome e o nome de seu Pai”
(14:1). “Contemplarão a sua face, e na sua fronte está o nome dele” (22:4).
A marca da besta consiste do nome da besta sobre a fronte ou sobre a mão
(13:17). Na Antiguidade, um nome significava muito mais do que um rótulo. Repre-
sentava o caráter. Quando Deus proclamou o seu “nome” a Moisés, Ele descreveu o
seu caráter: misericordioso, compassivo, longânimo (Êx 34:5-7). Assim, a recepção
da marca da besta e do selo de Deus, consistindo dos nomes da besta e de Deus,
denota conformidade com o caráter de Satanás ou de Deus. No conflito final, todos
portarão a imagem do demoníaco ou do divino (ver NEALL, 1983, p. 149-153).
Os santos selados e

Propriedade
O selamento ou marcação de animais, objetos e homens, indicava posse ou
propriedade. As pessoas eram frequentemente selados por marcas sobre o cor-
po: a orelha de um servo era furada para mostrar que ele pertencia ao seu senhor
para sempre (Êx 21:6); a circuncisão era uma marca sobre o corpo mostrando
que Israel pertencia a Yahweh (Gn 17:9-12). O sumo sacerdote no santuário
israelita usava uma mitra com uma lâmina sobre sua testa gravada com as pala-
vras “Santidade ao Senhor” (Êx 28:36-38), indicando sua consagração especial
a Deus. Sendo que os santos são chamados sacerdotes em Apocalipse (1:6; 5:10;
20:6), a marca em sua fronte sugere esta consagração a Deus.
Isaías descreveu a alegria de ser marcado por Deus: “Um dirá: Eu sou do
Senhor; outro se chamará do nome de Jacó; o outro ainda escreverá na própria
mão: Eu sou do Senhor, e por sobrenome tomará o nome de Israel” (44:5). In-
versamente, Deus grava Sião nas palmas das suas mãos (49:16).
O selamento, portanto, é um assinalamento do povo como pertencente a
Deus, Sua possessão (FITZER, 1971, p. 939-953). Semelhantemente, aqueles
que são marcados com o nome da besta são a propriedade da besta.

Proteção
O selamento era um sinal não somente de posse, mas também de pro- 277
teção. Tudo o que é chamado pelo nome de alguém se encontra sob a pro-
teção bem como a autoridade do proprietário. O conceito de uma marca ou
selo para indicar proteção é tão antigo como o sinal em Caim (Gn 4:15). O
sangue do cordeiro pascal aspergido sobre as ombreiras da porta dos lares
israelitas era um sinal para o anjo destruidor de que ele deveria passar por
alto seus lares (Êx 12:7, 12-13). A visão do juízo de Ezequiel mostra um es-
critor com um tinteiro colocando uma marca sobre os fiéis para protegê-los
da morte pelo executor (Ez 9:4-5) (BETZ, 1971, p. 657-664).
O selo de Deus destina-se a proteger os santos dos poderes demoníacos
que torturam os homens de sorte que eles procuram a morte em vez da vida
(Ap 9:4-6). Também os santos são protegidos das sete últimas pragas, que
caem apenas sobre os adoradores da besta (16:2). O selo, portanto, protege
os santos da derrota pelo inimigo e dos juízos de Deus. Não os protege da
ira da besta (13:15, 17). Semelhantemente, a marca da besta protege seus
seguidores da perseguição da besta, mas não da ira de Deus (14:9-11).
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Genuinidade
O selamento também indica genuinidade. No mundo antigo, vasos, casas,
sepulturas e documentos eram selados como uma garantia contra violação
ou alteração (FITZER, 1971, p. 939-953). O selo denota confiabilidade (Jo
6:27). Os santos são selados para torná-los a própria possessão inviolável
de Deus (2 Co 1:22; Ef 1:13-14; 4:30). O selo sobre os santos garante sua
imunidade à apostasia e sua segurança eterna durante a grande tribulação
(HOEKSEMA, 1969, p. 259). Seu caráter está fixado em lealdade a Deus.
Como vencedores, levando o nome de Deus em sua fronte, eles nunca mais
saem do Seu templo (Ap 3:12). Sendo justos, eles são justos ainda (22:11).

Significado de fronte e mão


A fronte e a mão como os lugares para receber a marca e o selo são significativos.
Estes termos são primeiramente mencionados no Pentateuco (Êx 13:9, 16; Dt 6:5-8;
11:18, 20) em conexão com os mandamentos de Deus: “Também as atarás como
sinal na tua mão, e te serão por frontal entre os olhos” (Dt 6:8).
O contexto indica que isto significa a resposta total da mente, emoções,
e comportamento. “Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração,
de toda a tua alma e de toda a tua força” em todas as atividades da vida, quer
278 ensinando ou conversando, assentado ou andando, deitando-se ou se levan-
tando (Dt 6:5-8). A fronte simboliza a mente, o pensamento-vida; e a mão
direita indica os feitos ou ações.
Ambos os poderes rivais desejam controlar a mente e o comportamento. To-
dos os seguidores do Cordeiro têm o nome de Deus sobre a fronte, ao passo que
os seguidores da besta têm a marca sobre a fronte (indicando crença, lealdade)
ou somente na mão (indicando obediência forçada sem assentimento mental).

Os mandamentos de Deus na controvérsia da marca-selo


Um estudo da marca da besta (Ap 13 e 14) e do selo ou nome de Deus (7:2-
3; 14:1) revela que os mandamentos de Deus são um assunto básico no conflito.
A lei de Deus substituída pela da besta. A marca sobre a mão direita ou
sobre a fronte (13:16) é uma alusão a Deuteronômio 6:6-8, onde Deus ordenou
a Israel que atasse os seus mandamentos (especialmente os Dez Mandamentos
já revistos, Dt 5) “como sinal na tua mão, e [...] por frontal entre os olhos”. Essa
injunção os judeus cumpriam literalmente no uso de filactérios. Donde a marca
sobre a mão ou fronte significa a escrita das leis de Deus na mente e no compor-
tamento do seu povo. O uso da fronte e da mão pela besta sugere uma paródia
da ordem de Deus: a substituição da lei de Deus pelas leis da besta.
Os santos selados e

Questão: obediência/desobediência. No Apocalipse, aqueles que têm a marca


da besta são postos em contraste com “os que guardam os mandamentos de Deus”
(14:9-12). Donde parece que o ponto de debate marca-selo tem a ver com a violação
dos mandamentos de Deus por um lado, e a observância deles por outro.
Poder do anticristo em oposição à lei de Deus. O poder do anticristo é citado
frequentemente como sendo oposto à lei de Deus. “Cuidará em mudar os tempos e
a lei” (Dn 7:25); ele lança a verdade por terra (8:12) e odeia a “santa aliança” (11:28,
30, 32), que se baseia nos Dez Mandamentos (Dt 4:13). Em 2 Tessalonicenses 2, ele
é repetidamente chamado “o iníquo” ou “mistério da iniquidade” (v. 3, 7-9).
Quarto preceito envolvido. A ordem no capítulo 13 para adorar a besta e rece-
ber a sua marca é contrariada pela ordem no capítulo 14 para adorar “Aquele que fez
o céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas” (v.7), uma alusão ao quarto manda-
mento: “Porque, em seis dias, fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo o que neles
há” (Êx 20:11). A maneira de adorar a Deus como Criador é observar o seu sábado
em memória de sua obra da criação (Gn 2:1-3).
Sábado: selo da lei de Deus. O sábado no coração da lei corresponde ao
carimbo ou selo do suserano no centro de antigos documentos de tratados.
O sábado é um sinal ou selo da autoridade de Deus como Criador, sendo
a esfera de Sua autoridade “os céus e a terra” (Êx 31:17; 20:11; Gn 2:1-3).
A observância do sábado torna-se assim um selo sobre aquele que tem a 279
imagem de Deus, proclamando a absoluta soberania de Deus sobre ele e sua
consagração à aliança de Deus (Kline, 1963, p. 18-19).
Sábado: um sinal que distingue. O sábado é chamado o sinal de Deus
(sinal e selo são sinônimos, como em Romanos 4:11). Sua observância pelo
povo de Deus os distingue daqueles que estão fora da aliança.

Certamente, guardareis os meus sábados; pois é sinal entre mim e vós nas vossas
gerações; para que saibais que eu sou o Senhor, que vos santifica. [...] Entre mim
e os filhos de Israel é sinal para sempre; porque, em seis dias, fez o Senhor os céus
e a terra, e, ao sétimo dia, descansou, e tomou alento (Êx 31:13-17).

Também lhes dei os meus sábados, para servirem de sinal entre mim e eles,
para que soubessem que eu sou o Senhor que os santifica. [...] Santificai os
meus sábados, pois servirão de sinal entre mim e vós, para que saibais que
eu sou o Senhor, vosso Deus (Ez 20:12, 20).
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Reforma do sábado no tempo do fim. O livro de Apocalipse aponta para


uma grande obra de reforma do sábado nos últimos dias.9 Enquanto o anjo
do selamento de Apocalipse 7:2-3 imprime sobre os fiéis o sinal externo de
sua fidelidade a Deus —a observância do verdadeiro sábado —, o primeiro e o
terceiro anjos de Apocalipse 14 exortam o mundo a adorar o Criador e evitar
a marca da besta, isto é, guardar o verdadeiro sábado e não o dia substituto
de adoração (v. 6-12).10 Esta é a prova final que determinará o destino de todo
ser humano. O próximo acontecimento é o aparecimento do Filho do homem
sobre as nuvens para ceifar a seara da Terra (Ap 14–20).

Tempo do selo
Quando o povo de Deus é selado? Ao longo de toda a história, o povo de Deus
tem tido o seu selo. Jesus tinha o selo de Deus (“porque Deus, o Pai, o confirmou
com o seu selo”, Jo 6:27). Deus tem posto o seu selo sobre o seu povo (2Co 1:22); o
Espírito Santo é o agente que sela, e a posse do Espírito é a garantia de vida eterna
(Ef 1:13-14). O propósito do selamento é tornar alguém seguro para a eternidade, o
“dia da redenção”; mas alguém pode perder esta segurança entristecendo o Espírito
(Ef 4:30). Assim, parece que os santos de todas as eras têm sido selados. Qual, então,
é o significado e o propósito do selamento de Apocalipse 7?
280 Embora o povo de Deus através dos séculos tenha sido selado, Ele tem tido
selos especiais para crises especiais. Por exemplo, o sangue nas ombreiras dos
lares israelitas no tempo do Êxodo era, em certo sentido, um selamento espe-
cial. Exatamente assim, o anjo do nascente do Sol sela os servos de Deus a fim
de prepará-los para a maior tribulação da história (7:1-3). O selo em sua fronte
garante sua estabilidade de caráter: justo, eles serão justos ainda (22:11). O selo
escatológico é a sua proteção especial durante a crise final. O conflito sobre a
marca-selo nos últimos dias tem a ver com um conflito entre os poderes de
Cristo e do anticristo. Cada indivíduo terá o selo de Deus ou a marca da besta,
indicando fixidez de caráter à imagem de Deus ou de Satanás.

9
  A reforma do sábado do tempo do fim pelo povo de Deus em um mundo dominado pela
Babilônia espiritual pode ser vista como um paralelo à reforma do sábado do antigo Israel
liberto do exílio babilônico (Is 58:12-14).
10
  Urias Smith (1897, p. 466-467) acreditava que o anjo do selamento de Ap 7 e o terceiro
anjo de Ap 14 eram idênticos.
Os santos selados e

Preparação para o selamento do fim dos tempos


A melhor preparação para o selamento está contida na mensagem à igreja de
Filadélfia, que correlaciona de perto com o capítulo 7.11 A esta igreja é dado o priv-
ilégio da porta aberta (3:8) — a porta para a sala do trono e o seu sempre vivo sumo
sacerdote (Hb 4:14-16; 7:25). É difícil para eles “subir para lá”, eles presumem que a
cidade celestial desce para eles (3:12), dando-lhes fácil acesso a Deus.
Esta é uma maneira pitoresca de descrever uma vida devocional ativa. As
qualidades que eles têm que lhes asseguram que serão guardados da hora da
provação (v. 10) são que eles amam a palavra, não negam a fé (v.8), e suportam
pacientemente (v. 10). São exortados a conservar estas qualidades, para que não
percam sua coroa (v. 11), e estar entre os vencedores (v. 12). Nenhum conselho
melhor poderia ser dado hoje aos servos de Deus.

Comentário sobre Apocalipse 7


Precedendo Apocalipse 7, está um quadro de um mundo aterrorizado
levado a juízo diante do trono de Deus e do Cordeiro, clamando: “É vindo
o grande dia da sua ira; e quem poderá subsistir?” (o sexto selo, 6:16-17).
O capítulo 7 consiste de dois segmentos que contrastam a preparação dos
santos com o pânico do mundo condenado. O primeiro segmento ou visão
(7:1-8) mostra que somente aqueles que estão selados subsistirão no dia da 281
ira prestas a irromper sobre o mundo. O segundo (7:9-17) mostra o triunfo
dos redimidos ao saírem da grande tribulação.

Versos 1-3
Significado dos símbolos. Inicialmente, quatro anjos são descritos como
estando nos quatro cantos da Terra segurando os quatro ventos até que os ser-
vos de Deus estejam selados em sua fronte (7:1, 3). No pensamento apocalíptico,
os anjos têm controle sobre os elementos (aqui sobre os ventos; também sobre
o fogo e a água, 14:18; 16:5). Os quatro ventos representam guerras e contendas
permitidas por Deus e produzidas por agentes humanos.12 É dito que os ventos

11
  Note as analogias: guardados “da hora da provação” (3:10); “vêm da grande tribulação” (7:14). “Eu
escreverei sobre ele o nome do meu Deus” (3:2); “selados . . . na fronte” (7:3). Feito “coluna no santuário
do meu Deus, e daí jamais sairá” (3:12); “o servem de dia e de noite no seu santuário” (7:15).
12
  Jeremias usou os quatro ventos como símbolos de destruição — o mal, a espada e o furor
da ira de Deus — desencadeados contra as nações por Nabucodonosor (Jr 49:35-37). Daniel
descreve quatro ventos agitando o mar grande — uma figura do tumulto entre as nações quando
os quatro grandes poderes estavam para surgir (Dn 7:2). Às vezes as nações eram destinadas a
serem espalhadas para os quatro ventos do céu (Dn 11:4), isto é, estarem à mercê dos poderes
Estudos selecionados em interpretação profética

ameaçam a terra, o mar e as árvores (v. 1, 3), sendo as árvores especialmente


mencionadas por causa de sua vulnerabilidade às tempestades.
Simbolicamente, quando a terra e o mar estão justapostos, terra frequente-
mente representa o mundo ordenado, ou mesmo a terra de Israel, ao passo que mar
se refere às nações gentílicas que a ameaçam, como o mar ameaça a terra.13 Árvores
em simbolismo se referem a indivíduos e nações poderosas; erva à vida humana
transitória.14 Ambas são vulneráveis às calamidades prestes a ocorrer; todavia a erva
verde e as árvores sob a proteção divina não podem ser danificadas (9:4).
A esta altura outro anjo sobe do nascente do Sol (significando oriente) com
a ordem de segurar os ventos até que os servos de Deus estejam selados (7:2-3).
A glória divina é frequentemente manifestada no oriente.15 Em contraste com
os anjos que descem do céu iluminando a Terra com a sua glória (10:1; 18:1-2;
20:1), este sobe do Sol nascente, sugerindo que a obra de selamento que ele inicia
na obscuridade da aurora e aumenta em esplendor como o sol da manhã ir-
rompendo sobre o horizonte. O caráter de Deus, transformando secretamente o
coração de seus servos, finalmente é enaltecido em sua fronte (14:1), dando ao
mundo sua última revelação da glória de Deus.16

282 destruidores. Assim os ventos de Ap 7 vindos dos quatro da Terra eram destrutivos.
13
 Para terra como a terra santa, veja Êx 20:12; Sl 37:11 (cf. Mt 5:5). O mar no pensamento
antigo tornou-se a incorporação da esfera de calamidades sendo que está ligado ao abismo
(heb. tehôm, gr. abussos). É o habitat do dragão (Is 27:1; 51:9; Sl 74:13-14) e animais predatórios
surgem dele (Dn 7:2-3; Ap 13:1) (BÖCHER, 1978, p. 982-985). Águas significam multidões,
nações e línguas (Ap 17:15). No mar o poder da água hostil a Deus e aos homens se opõe ao
povo de Israel. O rugir do mar e das ondas significa o tumulto das nações (Sl 65:7; ver Lc 21:15).
O Apocalipse divide os inimigos de Deus em dois grupos: habitantes da terra e do mar (12:12),
os primeiros (chamados “aqueles que habitam sobre a terra”) sendo o professo povo de Deus
mas realmente cristãos apóstatas, e os últimos o vasto mundo não cristão.
14
  Árvores (também videiras) nas Escrituras são usadas como parábolas do povo. Israel é uma
árvore da plantação de Deus (Ez 17:5ss.; Is 65:22; Os 14:5-6; Lc 13:6-9; Mt 21:19; Rm 11:16ss.). O
Egito era uma árvore florescente a ser derrubada (Ez 31:2-11); Deus é contra os elevados cedros
do Líbano e os carvalhos de Basã. Ambos, os justos e o ímpios florescem como árvores (Sl 1:3;
37:35=36), embora os ímpios sejam cortados. Nabucodonosor foi comparado a uma grande ár-
vore (Dn 4:10ss.) Veja também Juízes 9:7-15, a parábola das árvores.
A vida humana é transitória como a erva (2Rs 19:26; Sl 90:5-6; 103:15-16; Mt 6:30; Tg 1:10-11; 1Pe
1:24. A erva verde de Ap 9:4 se refere àqueles que têm o selo de Deus (ver HILLYER, 1976, p. 210-211).
15
  O Éden está localizado ali (Gn 2:8); a glória de Deus retornou do oriente ao templo (Ez
43:2); o Sol da Justiça surge trazendo cura nas suas asas (Ml 4:2); Jesus em Seu segundo ad-
vento vem do oriente (Mt 24:27; Ap 16:12).
16
  Charles comenta decididamente: “Nas vésperas desta epifania de Satanás, Deus sela seus servos na
fronte para mostrar que eles são sua própria possessão. [...] Em seu mais profundo sentido este sela-
mento significa a manifestação exterior do caráter. A bondade oculta dos servos de Deus é finalmente
Os santos selados e

Propósito do selamento. A finalidade do selamento não é proteger os


servos de Deus do perigo ou da morte, sendo que muitos morrerão sob as
perseguições do anticristo (14:13; 17:6). Mais propriamente é protegê-los da
força destruidora das sete últimas pragas (16:1-2; cf. Ez 9:6).
Os selados já são “servos de [...] Deus” (v. 3), mas seu caráter precisa
ser fixado para que sendo justos, sejam justos ainda (22:11), incapazes
de compromisso com os poderes do anticristo (13:15-17; 14:1). É por
meio da obra do selamento que a promessa a Filadélfia é cumprida: “Eu
te guardarei da hora da provação que há de vir sobre o mundo inteiro,
para experimentar os que habitam sobre a terra” (3:10).
Nesta passagem os ventos são retidos — o dia do Senhor é adiado — porque
uma obra deve ser feita na vida do povo de Deus (cf. 2Pe 3:8-10). Aqui está um
fator que contribui para a aparente demora do Advento.17

Versos 4-8
Em sua visão João ouviu o número dos selados: 144 mil de todas as tribos de
Israel, 12 mil de cada tribo. O nome Israel lembra a noite de luta de Jacó com o anjo
e o novo nome que lhe foi dado, “lutaste com Deus e com os homens e prevaleceste”
(Gn 32:28). Israel é, portanto, um nome adequado para os santos do Apocalipse,
frequentemente chamados vencedores (2:7, etc.; 15:2; 21:7). O Israel de Deus vence 283
completamente o pecado de dentro e o inimigo de fora.
A igreja: Israel espiritual. Israel deve se referir ao Israel espiritual — a ig-
reja — em vez de os judeus ou somente os cristãos judeus, sendo que os que de-
vem ser selados são os “servos do nosso Deus” (v. 3), aqueles que são de Cristo
(1:1), judeus e não judeus igualmente. Semelhantemente, em 14:1 os 144 mil
são os seguidores do Cordeiro, todos os que têm o seu nome na fronte. O Novo
Testamento afirma repetidamente que a herança de Israel pertence à igreja.18

ostentada exteriormente e o nome divino que foi escrito em segredo pelo Espírito de Deus em seu
coração é agora imprimido abertamente em sua fronte pelo próprio anel de sinete do Deus vivo. No
reinado do anticristo bondade e maldade, justiça e pecado, entram em sua mais plena manifestação e
antagonismo. O caráter finalmente entra no estágio da finalidade” (1:206). Ellen White (1999, p. 415-
416) escreve de um modo semelhante: “Os últimos raios da luz misericordiosa, a última mensagem
de graça a ser dada ao mundo, é uma revelação do caráter do amor divino. Os filhos de Deus devem
manifestar Sua glória. Revelarão em sua vida e caráter o que a graça de Deus por eles tem feito”.
17
  Em resposta à pergunta “Até quando?”, Apocalipse 6:11 sugere que um número deve ser con-
stituído. Lucas 14:23 sugere que Deus quer que sua casa esteja cheia. Mateus 24:14 diz que o
evangelho será proclamado a todo o mundo antes de vir o fim.
18
  Veja Mt 21:43; Rm 8:28-29: Gl 3:29; 6:15-16; Tg 1:1; 1Pe 2:9-10.
Estudos selecionados em interpretação profética

Segue-se que Israel é coextensivo com toda a igreja — o povo da aliança, fiel a
Deus em um mundo hostil de cristãos apóstatas e não cristãos.
Número simbólico: 144 mil. O número 144 mil (12 x 12 x 1000) baseia-se
no número 12 do reino. O número sugere perfeita simetria e completude bem
como a vastidão da multidão dos selados. Doze é o número do antigo Israel,
baseado nas 12 tribos. É também o número da igreja, construída sobre os 12
apóstolos. A Nova Jerusalém, estruturada para representar o Israel do Antigo
e do Novo Testamento, tem 12 portas com os nomes dos 12 patriarcas, e 12
fundamentos contendo os nomes dos 12 apóstolos (21:12-14; cf. Ef 2:20-21). As
dimensões da cidade estão em múltiplos de 12 (21:16-17).
A grande cidade quadrada é projetada para acomodar o “quadrado vazio”
de santos que entrarão por suas portas pelos nomes de suas respectivas tribos,
12 mil por cada porta. Isto sugere que todos os que entram pelas portas de
pérolas serão designados para uma tribo, talvez com base no caráter (veja Gn
49 para uma descrição preliminar dos seus traços). A mistura das tribos e dos
apóstolos na estrutura da cidade sugere a unidade da igreja de Deus. Judeus e
gentios unidos em um (Ef 2:14, 18-22). O número 144 mil deve assim ser com-
preendido como um símbolo da unidade, perfeição e completude da igreja de
Deus — completa porque o número se completou (6:11).
284 Listagem tribal. A listagem das tribos por João é diferente de qualquer out-
ra das Escrituras (7:5-8). Os nomes não são dados de acordo com a idade ou
posição social ou origem por parte de mãe (cf. 35:22-26). Judá toma a posição
principal, sem dúvida porque Jesus tem sido apresentado como “o Leão da tribo
de Judá” (Ap 5:5). Dã é omitido, possivelmente por causa do caráter de Dã —
uma serpente mordendo os calcanhares do cavalo (Gn 49:17), e porque Dã se
tornou um centro de idolatria no reino do norte (1Rs 12:29-30). Estes pecados,
porém, eram comuns a todo o Israel. Na literatura judaica não inspirada, Dã
está associado ao pecado e a Satanás.19 Para compensar a omissão de Dã da
lista, João insere Manassés, embora ele devesse ser incluído em José. Realmente,
então, o nome de José está simbolizando a tribo de Efraim, os descendentes do
seu filho mais novo. As irregularidades na listagem das tribos confirmam a con-
clusão de que as tribos não deveriam ser compreendidas literalmente.
Assim, a primeira visão de Apocalipse 7 retrata os servos de Deus prestes
a entrar na tribulação (simbolizados pelos 144 mil, v. 4-8), e a segunda uma

 Em Testamentos dos Doze Patriarcas (Dã 5:5-6), Dã fala de seus filhos que eles praticaram o mal
19

porque seu príncipe é Satanás. Esta pode ser a origem da lenda patrística primeiramente proposta por Iri-
neu, e depois por Hipólito, de que o anticristo viria da tribo de Dã (ver CHARLES, 1920, v. 1, p. 208-209).
Os santos selados e

grande multidão saindo dela (v. 9-14); mas não há nenhuma descrição da tribu-
lação em si. Esta é descrita posteriormente no livro onde a guerra (12:17), um
decreto de morte (13:15-17, e muito martírio são mencionados (17:6).

Versos 9-12
A grande multidão. No segundo segmento do capítulo 7 João vê uma
grande multidão em pé diante do trono, louvando a Deus. Em contraste com os
precisamente numerados 144 mil, este grupo não pode ser numerado. Em lugar
das 12 tribos de Israel estão pessoas de todas as nações, tribos, povos e línguas.
A grande multidão está diante do trono e do Cordeiro cantando: “Ao nosso
Deus, [...] e ao Cordeiro, pertence a salvação” (v. 9-10).
A multidão contrasta com os reis da terra, grandes homens, generais, e seus
exércitos (6:15-17). A primeira se deleita em estar diante do trono e do Cord-
eiro; a última não pode suportar a visão. A primeira está vestida de vestiduras
brancas; a última procura se cobrir com as rochas e montanhas.
Fonte da tribulação. Ao desenvolver João os pensamentos iniciais intro-
duzidos aqui, torna-se evidente que os reis e generais são os que guerreiam con-
tra o Cordeiro e o seu povo (17:12-14; 19:18-19). Eles têm causado a “grande
tribulação” — os ventos destruidores contra os quais os servos de Deus foram
selados. Nessa batalha o Cordeiro combate — “o Cordeiro os vencerá” (17:14; 285
cf. 19:15). O papel principal dos fiéis é estar com Ele (17:14c). Portanto eles
clamam: “A salvação pertence ao nosso Deus [...] ao Cordeiro!” (7:10).
Ante este clamor, a hoste celestial que circunda o trono prostra-se e adora
a Deus com uma sétima atribuição de louvor (7:11-12). A salvação dos peca-
dores, custosa como tem sido, leva de volta a Deus uma ceifa de bênção, glória,
sabedoria, ação de graças, honra, poder e força. A efusão de amor que esvaziou
os recursos do Céu retorna em uma onda excepcionalmente grande de louvor.
O trono, que se acha no centro do Universo, está para sempre seguro porque
somente o amor tem poder e força supremas.

Versos 13-14
A grande multidão: marcas de identificação. Um dos 24 anciãos pede a
João que identifique a grande multidão e diga como ela atingiu a sala do trono
de Deus. João não tem nenhuma ideia. A pergunta é significativa, e o ancião
prossegue respondendo à sua própria pergunta, sendo que o grupo jamais havia
surgido antes na sala do trono. Nos capítulos 4 e 5, é descrita a disposição da sala
do trono: o trono de Deus no centro, circundado pelos quatro seres viventes, os
24 anciãos, e as hostes de anjos.
Estudos selecionados em interpretação profética

Os 24 anciãos haviam anteriormente louvado a Deus pelas multidões


de todas as tribos e nações que tinham sido redimidas pelo Cordeiro (5:8-
9). Agora a vasta multidão aparece diante do trono, um novo elemento no
templo de Deus. O ancião explica a João: ”Estes são os que vieram da grande
tribulação” (7:14), em outro lugar chamada “um tempo de angústia, qual
nunca houve, desde que houve nação até àquele tempo” (Dn 12:1). Eles su-
portam a ira de todos os poderes do inferno; eles vencem no conflito final
entre os exércitos do Céu e os exércitos da Terra (19:14, 19-20).
Para estar no templo diante do trono de Deus, eles devem usar brancas vesti-
mentas sacerdotais. Eles são, realmente, sacerdotes para Deus (1:6; 5:10; 20:6). A
veste branca, simbolizando caráter justo,20 quer seja vestido ordinário (himatia leu-
ka, 3:18), vestes sacerdotais (stolas leukas, 7:9, 13-14, sendo stolē a palavra preferida
na Septuaginta (LXX) para a veste sacerdotal) (WEIGELT, 1975, p. 316-317), ou a
veste nupcial da esposa do Cordeiro (bussinon lampron katharon, 19:8).
A veste é obtida durante esta vida (3:18). No juízo ela assegura a retenção
do nome de alguém no livro da vida (3:5). É outorgada como vindicação para
aqueles que foram injustamente condenados pelos tribunais terrestres (6:9-11).
A veste conservada imaculada nesta vida será retida na era vindoura. “Andarão
de branco junto comigo, pois são dignos” (3:4). Todos devem lavar suas vestes a
286 fim de entrar na cidade pelas portas (22:14).
Lavados pelo sangue. A grande multidão “lavaram suas vestiduras e
as alvejaram no sangue do Cordeiro (7:14). João se deleita em tão impres-
sionantes contrastes.21 Vestes lavadas no sangue são mencionadas no Antigo
Testamento: o Senhor vem em vestes carmesim, Ele pisa sozinho o lagar e
mancha suas vestes no sangue (Is 63:1-3). A ideia de lavar pecados escarlates
a fim de que sejam brancos como a neve é encontrada em Isaías 1:18 e Salmo

20
  Ver Is 61:10; Dn 11:35; 12:10; Zc 3:3-4; Mt 22:11-12; Ap 19:8.
21
  Algumas das outras impressionantes imagens de João são as seguintes: O Filho do homem apas-
centará (poimanei — cuidará ternamente de, 7:17). Seus inimigos com um cetro de ferro como vasos
de oleiro são despedaçados (19:15) — acentuada ironia tem-se em vista. Outras contradições
aparecem com a designação de Jesus como Cordeiro: o Leão da tribo de Judá é um cordeiro morto
(5:5-6). Os grandes e os pequenos da Terra pedem para serem escondidos da ira do Cordeiro (6:16).
Semelhantemente, os adoradores da besta serão atormentados com fogo e enxofre na presença do
Cordeiro (14:10). O Cordeiro apascentará o seu povo (7:17). Uma besta semelhante a um cordeiro fala
como um dragão (13:11). Os dois principais antagonistas do livro, o Cordeiro e a besta, são ambos
formas diminutivas em grego (arnion de arēn e thērion de thēr, donde “pequeno cordeiro” e “pequena
besta”). Embora os termos possam ter perdido o seu sentido diminutivo quando João os usou, há pos-
sivelmente um traço de ironia nos termos: isto é, “pequeno cordeiro ou cordeirinho indica o poder da
suavidade, e “pequena besta” a fraqueza da força.
Os santos selados e

51:7. Mas usar sangue para alvejar é exclusivo de João. Talvez um contraste
possa ser visto aqui: Jesus manchou suas vestes em nosso sangue — Ele se
tornou pecado por nós —para que nossas vestes pudessem se tornar bran-
cas em seu sangue — nele nos tornamos justiça de Deus (2Co 5:21).22

Verso 15
“Razão por que se acham diante do trono de Deus e o servem de dia e de
noite no seu santuário.” Suas vestes brancas os habilitam a ministrar dia e noite
no templo de Deus.23 Assim é cumprida a promessa a Filadélfia: “Ao vencedor,
fá-lo-ei coluna no santuário do meu Deus, e daí jamais sairá” (3:12).
“E aquele que se assenta no trono estenderá sua tenda sobre eles” (v. 15, NIV).24
Esta é uma renovação da promessa da aliança de que Deus habitaria no meio do seu
povo (Lv 26:11; Zc 2:10-11; cf. Êx 25:8). “Meu tabernáculo [tenda] estará com eles;
Eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo” (Ez 37:27). Mas em Apocalipse 7:15 a
figura é um pouco diferente: Ele estenderá sobre eles a sua tenda.
O termo “estender sua tenda” em hebraico está relacionado com a palavra Shek-
inah, a glória ou presença de Deus que repousa sobre o seu povo como o sinal de
Ssua presença, como a coluna de nuvem e de fogo os abrigava em suas vagueações no
deserto (Êx 13:21). Isaías descreve a coluna de nuvem e de fogo como uma coberta
ou pavilhão estendido sobre o povo de Deus para protegê-los da tempestade (4:5-6) 287
(BEASLEY-MURRAY, 1974, p. 148). Davi expressou um ponto de vista semelhante
em Salmo 27:4-5 no dia da adversidade enquanto exércitos estavam acampados
contra ele e malfeitores o assaltavam. Deus o esconderia em seu pavilhão, sob a
proteção de sua tenda. Ali no templo de Deus ele contemplaria a beleza do Senhor
(como faz a grande multidão diante do trono). As fontes veterotestamentárias de
Apocalipse 7:15 falam de estar com Deus durante a tribulação. O verso sugere então
em retrospecto que Deus estenderá Sua glória sobre Seu povo como uma tenda para
protegê-los da tempestade, a grande tribulação.

22
  O sangue do Cordeiro é um agente poderoso, capaz não somente de lavar as vestes de alguém
e branqueá-las, mas libertar-nos dos nossos pecados (1:5), pagar o preço da redenção (5:9) e
vencer as acusações de Satanás (12:11).
23
  Note que quando Arão e seus filhos foram consagrados ao sacerdócio suas vestes foram as-
pergidas com sangue (Lv 8:30). Lavar as vestes com sangue era assim parte do ritual sacerdotal.
24
  Do verbo skēnoō (acampar, armar uma tenda).O verbo grego, coincidentemente, tem as mesmas
consoantes do equivalente hebraico škn, da qual a palavra Shekinah (a presença de Deus) é derivada. A
ideia é que Deus arma Sua tenda, ou habita, com o Seu povo. O uso neotestamentário do verbo está limi-
tado aos escritos joaninos. A palavra acampa na carne humana (Jo 1:14); Deus estende sua tenda sobre
o Seu povo (Ap 7:15); finalmente a tenda de Deus está com a humanidade e Ele habita com eles (21:3).
Estudos selecionados em interpretação profética

Versos 16-17
Estes versos são derivados de Isaías 49:10, descrevendo o retorno de Israel
do exílio babilônico:25

Jamais terão fome, nunca mais terão sede,


não cairá sobre eles o sol, nem ardor algum,
pois aquele que se compadece deles os conduzirá,
e os guiará para as fontes da água da vida.

A fome, sede e calor sugerem a agonia da anterior marcha da morte de Is-


rael para o exílio babilônico. A grande multidão experimenta uma marcha da
morte semelhante ao longo da tribulação, tendo sede de Deus no horror de sua
aparente ausência. Então o Cordeiro parece guiá-los como um pastor para as
fontes da água viva, um tema favorito joanino (Jo 4:14; 6:35; 7:37).
Beber água viva significa satisfazer a sede espiritual indo a Cristo para o
preenchimento do Espírito (Jo 4:13-14; 7:37-39; Ap 22:17). Disse Jesus: “O que vem
a mim jamais terá fome; e o que crê em mim jamais terá sede” (Jo 6:35). Em Apoc-
alipse as fontes de água viva se revelam ser o rio da água da viva (22:1ss.).
João relembra as ricas fontes ao retratar Cristo como pastor.26 “O Senhor
288 é o meu pastor; nada me faltará. [...] Leva-me para junto das águas de descan-
so” (Sl 23:1, 2); “Como pastor, apascentará o seu rebanho; entre os seus braços
recolherá os cordeirinhos e os levará no seio; as que amamentam Ele guiará
mansamente” (Is 40:11). No quarto evangelho, Jesus chama a si mesmo o bom
pastor cujas ovelhas o seguem porque lhe reconhecem a voz (Jo 10:4ss.).
O texto contém mais surpresas. “O Cordeiro no meio do trono serão seu
pastor, e [...] os guiará para as fontes de água viva.” A posição do Cordeiro no
trono fala de glória e majestade; sua obra em guiar as ovelhas fala de suavidade,
serviço e abnegação. Jesus revela a majestade do serviço humilde.

25
  Muitas das fontes literárias do Antigo Testamento para Apocalipse 7 são extraídas de refer-
ências aos cativeiros egípcio e babilônico. O horror do exílio de Israel e a alegria do livramento,
do Egito e de Babilônia, se tornam tipos da tribulação final e livramento do povo de Deus. As ex-
periências Egito/Babilônia eram tal parte da mentalidade do autor que proveram uma importante
fonte das imagens de todo o livro. Por exemplo, as pragas, o cântico de Moisés (15:2), e sustento
no deserto (12:6) são alusões ao êxodo do Egito, ao passo que a secagem do rio Eufrates (16:12)
e o chamado para sair de Babilônia (18:4) alude ao êxodo de Babilônia.
26
  A figura de um Cordeiro apascentando seu rebanho não é tão incongruente como parece, sendo que
às vezes as ovelhas e o gado são treinados para conduzir o rebanho (BEASLEY-MURRAY, 1974, p. 149).
Os santos selados e

Mas enquanto o Filho de Deus serve o seu povo, o próprio Pai realiza
um comovente serviço. Embora Ele sempre tenha parecido remoto, sentado
sobre o trono, aqui Ele se inclina para enxugar as lágrimas dos olhos do Seu
povo (7:17; cf. 21:4). Esta declaração é extraída da seção apocalíptica de
Isaías (caps 24-26), descrevendo a devastação da Terra sob a ira de Deus, e o
seu amor protetor para o Seu povo: “Tragará a morte para sempre, e, assim,
enxugará o Senhor Deus as lágrimas de todos os rostos” (25:8).

Os 144 mil e a grande multidão


Tem havido muita especulação sobre a identidade dos 144 mil e a grande
multidão de Apocalipse 7. O seguinte é uma análise das principais opiniões.

Opinião 1 — judeus literais celibatários com gentios


A opinião do Israel literal é mantida grandemente pelos dispensacionalis-
tas. Eles creem que depois do arrebatamento da igreja, 144 mil judeus se con-
verterão ao cristianismo e evangelizarão o mundo levando a grande multidão
para Cristo. Os 144 mil serão protegidos da tribulação pelo selo, mas a grande
multidão será martirizada, suas almas aparecendo diante do trono de Deus
depois de terem eles “saído da grande tribulação” (PENTECOST, 1958, p. 214, 289
297-298, 300; WALVOORD, 1966, p. 143-146).
Há sérias dificuldades com este ponto de vista. Tal distinção entre cristãos
judeus e gentios não é extraída de outra parte do Apocalipse. Todos os “servos
de [...] Deus” devem ser selados (v. 3), quer sejam judeus ou gentios. Os 144
mil são identificados como aqueles que seguem o Cordeiro (14:1, 4), de sorte
que todos os fiéis devem ser incluídos. Todos os vencedores têm o selo em sua
fronte (3:12; 22:4). O selo deve ser coextensivo com o perigo, e deve, portanto,
abranger toda a comunidade cristã (CHARLES, 1920, v. 1, p. 200). Além disso,
quando João escreveu, a maioria das tribos não mais retinha sua identidade.
A ideia de que as almas dos mártires gentios (que se imagina ser a grande
multidão) vão para o Céu por ocasião da morte não é apoiada pelo Apoc-
alipse. Os mártires não voltam à vida até o início dos mil anos (20:4). Até
então eles “descansam das suas fadigas” (14:13).

Opinião 2 — santos da última geração contrastados com redimidos de todas


as épocas
Alguns mantêm a opinião de que os 144 mil são os fiéis que são selados ao lon-
go da crise final, ao passo que a grande multidão são os salvos de todas as eras (por
Estudos selecionados em interpretação profética

exemplo MOUNCE, 1977, p. 171; SMITH, 1897, p. 470-471). Embora esta seja uma
compreensão razoável do texto, o exame cuidadoso revela alguns problemas.
Urias Smith pensava que a pergunta do ancião, “Quem são estes [...]?” do
verso 13 se refere aos 144 mil em vez de à grande multidão. Ele afirma que João
já conhecia a identidade da grande multidão — os fiéis de todas as nações, res-
suscitados dos mortos na segunda vinda de Cristo. Assim a descrição feita pelo
ancião dos santos de vestiduras brancas que vieram da grande tribulação deve
se aplicar aos 144 mil (SMITH, 1897, p. 471-472). 27
Smith divide o capítulo em três partes: os 144 mil, versos 1-8; a grande multidão,
versos 9-12; e os 144 mil, versos 13-17. Assim, os que vêm da grande tribulação (v.
14) são os 144 mil que estão selados contra os ventos. A grande multidão, conforme
descrita nos versos 9-12, pode então se aplicar aos fiéis de todas as épocas.
A maioria dos estudiosos, porém, vê somente dois segmentos no capí-
tulo: os 144 mil (v. 1-8) e a grande multidão (v. 9-17). Isto é porque a per-
gunta e a descrição do ancião claramente se aplicam à grande multidão —
eles são aqueles com vestiduras brancas que estão diante do trono de Deus
(ver v. 14-15 com o v. 9). Esta compreensão introduz o problema de que a
grande multidão não é mais os fiéis de todos os séculos, mas está limitada
àqueles que experimentam a grande tribulação.
290 Para acomodar este problema, alguns redefinem “a grande tribulação” como a
perseguição da igreja cristã através dos séculos (HOEKSEMA, 1969, p. 265-266),28
ou especificamente a perseguição dos mártires de 6:9-11 (cf. Mt 24:21-22). A multi-
dão de vestiduras brancas então completa o número dos mártires de vestiduras
brancas (7:14; 6:11). Esta acomodação enfraquece o significado de a “grande tribu-
lação” (específico em grego), uma alusão ao “tempo de angústia, qual nunca houve,
desde que houve nação até àquele tempo” de Daniel (Dn 12:1).

Opinião 3 — o mesmo grupo sob diferentes circunstâncias


Numerosos eruditos têm concluído que os 144 mil e a grande multidão são o
mesmo,29 sendo o primeiro a igreja militante do fim dos tempos empenhada em
luta sobre a Terra, ao passo que a grande multidão é o mesmo grupo triunfante

27
 Em O Grande Conflito (2005), Ellen White usa os versos 14 a 17 para descrever os 144 mil
(648-49). Não está claro se ela acha que o ancião está realmente descrevendo os 144 mil, ou se ela
assume que os 144 mil são idênticos à grande multidão (descrita na opinião 3 abaixo).
28
 O SDA Bible Commentary (NICHOL, 1957, v. 7, p. 785) se refere a esta opinião.
29
  Alguns dos muitos cujos comentários mantêm este ponto de vista são Beasley-Murray, Caird,
Charles, Kiddle, Ladd, Lenski, Summers, and Swete. O SDA Bible Commentary (NICHOL, 1957,
v. 7, p. 784)apresenta um caso convincente para este ponto de vista sem assumir uma posição.
Os santos selados e

depois de ter seguramente chegado ao Céu. Eles raciocinam que no primeiro seg-
mento (v. 1-8) João ouve o número dos selados, mas no segundo (v. 9-17) ele vê que
eles realmente são uma grande multidão que ninguém pode enumerar. O número
144 mil é simbólico da vastidão da inumerável multidão.
A nação de Israel com suas 12 tribos significa a multidão do Israel espir-
itual de todas as nações e tribos. A obra de selamento é análoga a lavar as ves-
tiduras e as alvejar no sangue do Cordeiro. Os ventos soltos sobre o mundo são
a figura da grande tribulação. Assim o segundo segmento da visão não é um
contraste do primeiro, mas uma explicação dele. Em outras palavras, a primeira
cena (v. 1-8) descreve a igreja sobre a Terra prestes a experimentar a tribulação;
a segunda cena (v.9-17) a descreve no Céu depois de passada a tribulação.
Esta opinião é lógica e fiel ao texto. Resolve o problema que surge com
uma opinião rigidamente literal dos 144 mil: a arbitrariedade do número
144 mil dividido em 12 partes iguais, a pequenez do número em vista do
tamanho da igreja mundial, a identidade das tribos perdidas de Israel, e a
natureza do grupo como machos celibatários (14:4). Positivamente, faz uma
poderosa declaração de que Israel equivale à igreja.

Opinião 4 — A igreja em tribulação: espiritualmente diante do trono30


Há um problema que a opinião anterior não resolve. Se a segunda cena do capí- 291
tulo 7 mostra a igreja no Céu depois da vinda de Cristo, então os fiéis de todos os
séculos devem estar presentes ao redor do trono, não somente a geração final. Mas
parece evidente que a grande multidão são apenas santos da tribulação. Por que en-
tão são os outros ignorados? Além disso, eles servem a Deus “dia e noite dentro do
seu templo” (v. 15), embora na eternidade não haja noite nem templo (21:22, 25).31
Também o ancião não diz (no texto grego) “eles [...] têm vindo”, mas “eles [...] estão
saindo da grande tribulação”.32 A tribulação ainda está em andamento ao ocorrer
esta cena. Há aqui uma dinâmica que tem sido omitida?

30
  A seguinte opinião representa a compreensão pessoal da autora, não o consenso da Comissão de
Daniel e Apocalipse, e é impressa aqui para um estudo mais vasto sem tentar prover contra-argumentos.
31
  Alguns poderiam argumentar que o templo não desaparece até o final dos mil anos.
Em qualquer caso parece que quando Deus e seu povo usufruem comunhão face a face, a
imagem do templo não é mais usada.
32
  A utilização grega do particípio presente, hoi erchomenoi, em vez do aoristo, hoi elthontes.
Para uma construção semelhante, veja também 15:2 — os que estão em pé no mar de vidro estão
vencendo (tous nikōntas) a besta e sua imagem, não têm vencido. Eles estão ainda empenhados na
luta conta a besta quando enquanto estão em pé no mar de vidro.
Estudos selecionados em interpretação profética

Parece ser um modelo recorrente nos escritos joaninos que expõe mais dos
surpreendentes paradoxos de João. O quarto evangelho é conhecido por seu
conceito de escatologia inaugurada (vida eterna agora).33 O que é literal e real
no futuro entra no presente como uma experiência espiritual. O mesmo modo
de pensamento aparece em Apocalipse.
Os santos reinarão para todo o sempre (22:5), mas mesmo no exílio João
participa do reino (1:9). O rio flui através da cidade santa (22:1-2), mas o sed-
ento pode beber dele agora (v. 17). Deus habitará com o seu povo face a face
(21:3; 22:4), mas agora Cristo entra pela porta para cear com eles (3:20). Cristo
logo virá com sua recompensa (22:12), mas Ele vem agora à sua igreja (2:5, 16,
25). A cidade santa descerá do Céu para a Nova Terra (21:2), mas ela desce
agora mesmo para aquele que vence (3:12).34
Em harmonia com este pensamento, João se refere coerentemente aos in-
imigos de Deus como aqueles que “habitam sobre a terra” (13:8), ao passo que
a comunidade oposta de santos é chamada “os que habitam no céu” (13:6).35
Morar no Céu é portanto uma experiência presente. Ele também tem frequentes
visões dos santos no Céu “diante do trono”, “com o Cordeiro sobre o monte Sião”,
“sobre o mar de vidro” onde o contexto de cada passagem indica que o conflito
final ainda está em andamento.36 Ele casualmente menciona os santos adorando
292 no templo durante os 42 meses de opressão (11:1; cf. 7:15).
A maioria dos intérpretes vê essas como visões “prolépticas” (antecipatóri-
as) da bem-aventurança celestial. Certamente elas são. Haverá um dia em que
os fiéis estarão diante do trono louvando a Deus. Mas os escritos joaninos são

33
  O quarto evangelho fala repetidamente das bênçãos futuras ocorrendo agora: absolvição
no juízo (5:2), ressurreição da morte (5:25), vida eterna (6:47), a vinda de Cristo (14:1 —
futuro; 18, 23 — presente).
34
  Outra vez, um particípio presente, hē katabainousa.
35
  “Aqueles que habitam sobre a terra” são sempre os inimigos do povo de Deus. Eles derramam
o sangue dos mártires (6:10), são alvos dos ais das trombetas (8:13), regozijam-se com a morte
das duas testemunhos (11:10), adoram a besta e se maravilham ante ela (13:8, 12; 17:8), são enga-
nados pelo falso profeta (13:14), e se embriagam com o vinho da prostituta (17:2). A comunidade
oposta são chamados “aqueles que [habitam] no céu” (12:12; 13:6). Ao descrever a batalha final,
João descreve dois exércitos se enfrentando mutuamente, os exércitos do céu e os exércitos da
terra (19:14, 19). Os exércitos do céu são constituídos dos “chamados e eleitos e fiéis” (17:14), isto
é, os santos. Os exércitos da terra são os inimigos de Deus.
36
  Pessoas adoram no templo durante os 42 meses de opressão (11:1-3); os 144 mil estão no
monte Sião enquanto a marca da besta está sendo emitida e se adverte conta ela (14:1-5); os
vencedores da besta cantam no mar de vidro antes de as pragas serem derramadas (15:2-4); os
eleitos estão com o Cordeiro quando os reis da terra pelejam contra Ele (17:13-14).
Os santos selados e

famosos pelo double entendre (duplo significado). Por exemplo, Jesus disse: “Em
verdade, em verdade vos digo que vem a hora e já chegou, em que os mortos
ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que a ouvirem viverão” (Jo 5:25). O signifi-
cado futuro está claro — na vinda de Cristo os mortos serão ressuscitados. Mas
o significado presente está também ali — pessoas espiritualmente mortas são
agora trazidas à vida por ouvir a voz de Jesus.
Se um double entendre for compreendido em Apocalipse 7, a passagem tor-
na-se pungente de significado. Sendo que a grande multidão ainda está vindo
da tribulação (v. 14), eles ainda não chegaram no Céu; estão ali em espírito.
Sua exclamação, “A Deus pertence a salvação!” (v. 10), torna-se um clamor por
ajuda. Deus responde estendendo seu tabernáculo sobre eles (v. 15). Enquan-
to estão sob o tabernáculo de Deus eles são protegidos dos furiosos ventos da
destruição (v. 1) e o calor abrasador da quarta praga (v. 16; ver 16:8).
Enquanto os habitantes da Terra são batidos pela tempestade e consumidos
pela seca, o Cordeiro leva seus seguidores para as fontes de água viva, e enxuga
as lágrimas de seus olhos (v. 17). Para os habitantes do Céu, a tribulação é de-
spojada de seus terrores. Eles estão “diante do trono de Deus”, e “o servem” por
seu constante louvor “dia e noite” durante a tribulação (v. 15). A passagem segue
assim sua fonte do Antigo Testamento: no dia da angústia quando as guerras se
enfurecem contra ele, o crente habita na casa do Senhor, contemplando a beleza 293
do Senhor. “Pois, no dia da adversidade, Ele me ocultará no seu pavilhão; no
recôndito do seu tabernáculo me acolherá” (Sl 27:3-5, cf. Is 4:5-6).
Como se compreende comumente, a primeira cena de Apocalipse 7 descreve o
preparo para a tribulação, e a segunda cena, o livramento da tribulação, sem nen-
huma menção da tribulação em si. Mas se tem em vista um duplo significado, o
capítulo diz como os cristãos lidam com a tribulação quando no calor dela — como
eles são guardados da hora da provação que virá sobre todo o mundo (3:10).
Deus tem posto diante deles a porta aberta para a sala do trono (3:8). Através
de cada crise, como sacerdotes eles correm para o Lugar Santíssimo à própria
presença de Deus e do Cordeiro (7:9). Suas brancas vestes sacerdotais lavadas
no sangue do Cordeiro os habilitam à plena aceitação por Deus (7:14). Com
oração e louvor eles o servem dia e noite no Seu templo (v. 15). Vencem o temor
e o desespero bradando os louvores de Deus (v. 10-12). Quando o mundo está
queimado pela seca, eles seguem o Cordeiro para as fontes de água viva (v.17b).
Quando eles estão feridos pela tristeza, a mão de Deus enxuga suas lágrimas (v.
17c). Eles superam suas angústias em vez de serem esmagados por ela porque
vêem os devastadores males da Terra a partir da perspectiva do trono e da so-
berania de Deus.
Estudos selecionados em interpretação profética

Características dos selados


Apocalipse 14:1-5 apresenta mais uma descrição dos 144 mil santos selados:

Nome divino na fronte


Eles têm o nome do Cordeiro e do Pai em sua fronte (v. 1). Anteriormente ob-
servamos que estar selado com o nome de Deus sobre a fronte significava refletir
o caráter de Deus; pertencer a Ele como seu servo; ser protegido da ira de Deus;
ser genuíno, não sujeito a mudança; ser obediente aos mandamentos; e observar o
sábado como o sinal exterior de fidelidade a Deus como Criador e Redentor.

Cantar um novo cântico


Eles cantam um novo cântico diante do trono (v. 3). Um novo cântico nas
Escrituras indica júbilo pelo livramento de Deus e a vitória. “Cantai ao Senhor
um cântico novo, porque Ele tem feito maravilhas; a sua destra e o seu braço
santo lhe alcançaram a vitória” (Sl 98:1; ver também Sl 98:2-3; 33:3; 40:2-3; 96:1-
4; 149:1-4; Is 42:10). Um novo cântico foi cantado pelos quatro seres viventes e
os 24 anciãos por ocasião da vitória do Cordeiro (Ap 5:8-10; ver v. 5).
O cântico dos 144 mil é descrito em 15:2-3 como o cântico de Moisés e do
294 Cordeiro, e celebra a vitória deles sobre a besta e sua imagem. Embora enfrentando
o decreto de morte do anticristo, eles louvam a Deus pela vitória. Seu cantar é tão
poderoso como o rugido de muitas águas e de grande trovão (14:2). “Ninguém po-
dia aprender o cântico, senão os cento e quarenta e quatro mil” (v. 3) porque nin-
guém experimentou tão grande provação e tão grande vitória como eles.

Redimidos da Terra
Eles foram redimidos da Terra (v. 3). Sua redenção foi assegurada pelo
sangue do Cordeiro (5:9).

Virgens espirituais
Eles não se macularam com mulheres, porque são castos (v. 4). As “mul-
heres” são posteriormente identificadas como a prostituta Babilônia e suas fil-
has (ver 14:8; 17:4-5; 2:20-23, Jezabel e seus filhos), e representam a religião
apóstata. Ser casto significa guardar-se da apostasia, recusar adorar a besta ou
receber a sua marca, mesmo sob pressão de morte.

Seguidores do Cordeiro
Eles são “os seguidores do Cordeiro por onde quer que vá” (v. 4). Aonde ele
conduz é descrito em 7:17. “O Cordeiro que se encontra no meio do trono os
Os santos selados e

apascentará e os guiará para as fontes da água da vida.” A liderança solícita de


Jesus em contraste com o cruel domínio da besta.
Sendo que os textos acima indicam um relacionamento Pastor-ovelha, eles
trazem à mente a descrição de Jesus do relacionamento entre Ele e o seu rebanho:

Aquele, porém, que entra pela porta, esse é o pastor das ovelhas [...]; as ove-
lhas ouvem a sua voz, Ele chama pelo nome as suas próprias ovelhas e as con-
duz para fora [...]; vai adiante delas, e elas o seguem, porque lhe reconhecem
a voz; mas de modo nenhum seguirão o estranho; antes, fugirão dele, porque
não conhecem a voz dos estranhos. (Jo 10:2-5).

O “estranho” nos últimos dias é o poder da besta. As ovelhas não o ouvem,


mas seguem somente o seu Pastor. Há conforto aqui a despeito da ameaça de
morte. As ovelhas são conscientes de que estão sendo cuidadas embora possam
estar sofrendo extrema adversidade.

Primícias
“São os que foram redimidos dentre os homens, primícias para Deus e para
o Cordeiro” (v. 4). Nos tempos antigos, antes de uma cultura agrícola ser ceifada,
os primeiros frutos eram dedicados ao Senhor como reconhecimento de que 295
o todo pertencia a Ele (Lv 23:9-14). As primícias eram levadas ao templo para
uso sagrado (Êx 23:19; Ne 10:35-37). Israel era chamado “santo ao Senhor, as
primícias da sua colheita” (Jr 2:3). Embora todas as nações pertencessem a Deus,
Israel era o seu tesouro especial, sacerdotes para o mundo (Êx 19:5-6). Semel-
hantemente, os santos do fim dos tempos de Apocalipse são o povo especial de
Deus, consagrado a Ele para o serviço do templo (Ap 7:15).
Há duas possibilidades para a interpretação da expressão “primícias” desta
passagem. Uma é que o Israel de Deus, os 144 mil, estão em contraste com o
mundo em geral (as primícias foram redimidas da humanidade, 14:4).37 A outra
é que os 144 mil, como a geração final de santos trasladados na vinda de Cristo,
são contrastados com os fiéis das gerações anteriores que são ressuscitados.38

37
  Lenski argumenta que os 144 mil foram “comprados dentre os homens”, os habitantes da
Terra que não querem nenhum outro lar. Ele nega que haja qualquer santidade especial ou sal-
vação especial deste grupo sobre quaisquer outros crentes (p. 425).
38
  Este parece ser o ponto de vista de Ellen White (2005, p. 649): “Estes, tendo sido trasladados
da Terra, dentre os vivos, são tidos como as primícias para Deus e para o Cordeiro”.
Estudos selecionados em interpretação profética

Este ponto de vista também pode ser apoiado pelo texto, sendo que a ceifa dos
justos é descrita nos versos 14-16.39

Verdadeiros e leais
“E não se achou mentira na sua boca” (v. 5). Esta descrição é usada várias vezes
nas Escrituras, quer seja com a palavra dolos (engano, astúcia, traição) ou pseudos
(mentira, falsidade). O salmista descreve o homem justo como sendo sem malícia.
O que habita no santo monte de Deus (como os 144 mil no monte Sião) “de coração,
fala a verdade” e “não difama com sua língua” (Sl 15:1-3; cf. 32:1-2). Jesus reconhe-
ceu Natanael como tal israelita “em quem não há dolo!” (Jo 1:47).
A ausência de dolo é também uma característica messiânica (1Pe 2:22-23; ex-
traída de Is 53:9). É significativo que mentira em Apocalipse pode significar mais do
que falsidade comum, da mesma forma que parthenoi (virgens) significa mais do
que castidade comum. Uma das características dos poderes do anticristo é o engano
(13:14). Os santos são leais ao Deus que é verdadeiro (19:11).

Irrepreensíveis
“Não têm mácula” (14:5). Imaculado (amōmos) literalmente significa sem
mancha ou defeito. Vem da Septuaginta (LXX) a tradução do adjetivo hebraico
296 tamîm, significando sem mancha, são, ou saudável quando aplicado aos animais
sacrificais. Posteriormente a palavra mudou de significado da perfeição ritual
para a irrepreensibilidade moral e ética (HAUCK, 1967, p. 829; TRENCH, 1948,
p. 379). Ser irrepreensível significava andar com Deus (como Noé e Abraão,
Gn 6:9; 17:1), e assim experimentar íntima comunhão com Ele. Os Salmos de-
screvem o homem irrepreensível como obedecendo às leis de Deus, andando
em seus caminhos, buscando-o de todo o coração, e deleitando-se em sua von-
tade (119:1-3, 14; 18:22-23).
O uso de amōmos no Novo Testamento segue um modelo semelhante. Jesus
foi o cordeiro sacrifical, sem mácula e sem mancha (1Pe 1:18-19;Hb 9:14). Os
santos devem ser o mesmo (2Pe 3:14). “Manchas e máculas” são deleites, bebe-
deiras, adultério, e cobiça (2:13-14). Um óbvio significado de amōmos, portanto,
é a libertação dos pecados da carne e paixão que caracterizam os mundanos.
Cristo deseja purificar a igreja para que possa apresentá-la a Si mesmo “gloriosa,
sem mácula, nem ruga, [...] porém santa e sem defeito” (Ef 5:25-27).

39
  A maioria dos estudiosos concorda que a ceifa dos versos 14-16 significa os justos, ao passo
que a vindima das uvas dos versos 17-20 se aplica aos ímpios.
Os santos selados e

Os 144 mil, tendo o selo de Deus na fronte, assim refletem diante do mundo
sua harmonia de alma com Deus e sua lei.

Algumas preocupações reológicas


Várias preocupações teológicas vêm à tona deste estudo, nem todas as quais
podem ser definitivamente esclarecidas.

Um só povo
Os dados do Apocalipse apoiam o ponto de vista de que Deus tem dois
povos separados na Terra, o Israel étnico e a igreja? A resposta é não. Nosso
estudo favorece a opinião de que os 144 mil (selados das tribos de Israel) e a
grande multidão (de todas as nações) do capítulo 7 são idênticos e simboli-
zam a última fase da igreja. Em outro lugar no livro João indica que ele tem
em mente apenas um povo, não dois. A mulher vestida do sol (Ap 12) tem
duas funções. Como mãe do Messias, ela é Israel; como povo perseguido, ela
é a igreja. Contudo, há uma mulher, não duas. A Nova Jerusalém combina
os símbolos das 12 tribos (Israel) e os 12 apóstolos (a igreja) em uma cidade
(21:9-14). A noiva, a esposa do Cordeiro, é uma. Tudo isso se harmoniza
com o ensino de Paulo de que Deus tem derribado a parede da separação 297
entre judeus e gentios e feito deles “um novo homem em vez de dois” (Ef
2:14-16). A igreja é composta de judeus e gentios convertidos que confiam
igualmente nos méritos do Messias (Gl 3:26-29) e apropriadamente desig-
nado como “o Israel de Deus” (Gl 6:15-16).

Nenhuma mudança no plano da salvação


Onde está a singularidade dos 144 mil — a geração final de santos? Eles não
são os primeiros a serem selados; santos foram selados nos dias de Paulo. Não
são os primeiros a estarem sem engano e irrepreensíveis. Não são os primeiros
a serem perseguidos, ou seguir o Cordeiro, ou serem redimidos da Terra, ou
“cantarem um novo cântico ao Senhor”. A óctupla descrição joanina dos 144
mil encontrada em Apocalipse 14:1-5 indica que eles partilham uma herança
comum com os santos de todas as eras.
O que, então, é singular quanto a eles? A geração final de santos atinge um
nível de santidade nunca alcançado antes? Há dois níveis de santidade: um para
a ressurreição e um para a trasladação?
A esta altura é importante esclarecer algumas diferenças entre justifi-
cação e santificação. Em todas as gerações tem havido apenas um método
de salvação: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem
Estudos selecionados em interpretação profética

de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2:8-9).
Deus tem apenas um critério para a salvação: fé nos méritos de um Salvador
crucificado. Apenas justificação é o nosso título para o Céu. Pois Deus mu-
dar os requisitos na última geração seria injusto.
Tendo dito isso, devemos reconhecer que através dos séculos os servos de Deus
têm experimentado diferentes níveis de crescimento e experiência. Alguns, como
José e Daniel, viveram vidas de extraordinária virtude e influência, não havendo
nenhum pecado registrado contra eles. Outros, como Sansão e Manassés, come-
teram crimes horríveis, se arrependendo somente no fim da vida. Alguns serviram
fielmente através do calor do dia, outros apenas na última hora. Nenhum foi salvo
por sua santidade — a santificação não é o meio, mas o resultado da salvação.
Não deve ser um assunto de preocupação teológica se Deus ergue uma geração
inteira a uma altura de santidade raramente atingida antes a fim de dar ao mundo
a última revelação do amor de Deus. Os 144 mil em pé sobre o monte Sião com o
selo de Deus lhes iluminando a fronte são aquele testemunho final a um mundo
chamado a escolher entre a adoração de Deus e a adoração da besta (14:1-12). Em
vez de um lamentável remanescente — os oito de Noé, os 7 mil de Elias —, Deus
terá um conjunto completo de santos convidando o mundo a sair de Babilônia.
A questão concernente a um estado de impecabilidade depende de o pecado ser
298 definido como ato ou natureza. A última geração viva do povo de Deus certamente
deve estar isenta de atos pecaminosos voluntários como rebelião contra Deus; toda-
via, eles não perdem sua natureza pecaminosa e corruptível até que sejam revestidos
de incorruptibilidade no Segundo Advento (1Co 15:53).
No livro do Apocalipse os santos estão sempre vencendo (assinalado pelo tempo
presente no grego); somente Cristo tem vencido (o tempo aoristo).40 Mesmo du-
rante as sete últimas pragas os santos ainda estão vencendo a besta e sua imagem
(15:2, grego). Eles ainda contendem com o inimigo de dentro e de fora. Seu maior
pecado, que eles devem vencer durante a tribulação, é falta de fé.41 Contudo, eles
estão vencendo, não sendo vencidos. Eles são vitoriosos na luta contra o mal. São
perfeitos no caráter — escolheram somente a vontade de Deus — embora ainda es-
tejam cônscios de que têm de vencer sua natureza pecaminosa. Contudo, eles estão
selados e imaculados através dos méritos do Cordeiro (7:14).

40
  Numerosas promessas são feitas “ao que continua vencendo” (o significado linear do tempo pre-
sente) como nas mensagens às igrejas e na reiteração final de 21:7. Contrastando, Cristo venceu (3:21).
A única vez em que é dito que os santos venceram é depois que eles estão mortos (12:11).
41
  “Tudo o que não provém de fé é pecado” (Rm 14:23). Aqueles que nunca aprenderam a con-
fiar em Deus sofrerão a maior aflição durante o tempo de angústia (veja WHITE, 2005, p. 622).
Os santos selados e

Circunstâncias do conflito final


O que é singular acerca da grande tribulação? O que a torna pior do que qualquer
uma anterior (Dn 12:1)? Ellen White enfatiza dois fatores: viver à vista de um Deus
santo sem intercessor com o temor de que nem todos os pecados estão perdoados,
e a perseguição que culmina no decreto de morte — o segundo causando menos
ansiedade do que o primeiro. Descrevendo a aflição do tempo de angústia, ela se
inspira expressivamente na experiência de Jacó quando lutou com o anjo (WHITE,
2005, p. 614-619). Sua ênfase é sobre a luta. Apocalipse 7, contrastando, dá ênfase à
saída vitoriosa dos santos da tribulação.
Embora as duas descrições pareçam diametralmente opostas uma à outra,
elas são realmente dois lados da mesma moeda. Em tempos de crise ou angús-
tia o maior horror é experimentar a ausência de Deus. Quando Deus não salva,
quando Ele não faz sentir sua presença, quando sua única resposta às nossas
interrogações é o silêncio, então a alma é esmagada de dúvida, desespero e tre-
vas. A grande luta do tempo de angústia é ter fé na simples palavra de Deus sem
qualquer evidência externa ou interna para apoiá-la. Esta foi a luta de Cristo
quando clamou: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” Seu brado
triunfante, “Está consumado!”, foi uma vitória de pura fé sem qualquer evidên-
cia exceto a palavra de Deus para apoiá-la.
Se a nossa interpretação de Apocalipse 7 está correta, ela retrata a el- 299
evação da alma a Deus por meio da fé. Se podemos nos erguer acima dos
horrores da Terra para a presença de Deus, podemos achar apoio de toda
a hoste celestial — ali Jesus conduz às fontes de água viva e Deus enxuga
as lágrimas dos olhos. A ausência ou presença da fé faz a diferença entre
as trevas do Jaboque e a glória da sala do trono. Exercitar esta fé sob a mais
extrema pressão é a experiência singular da geração final.

Objetivo da visão
Qual é o propósito geral do capítulo 7 no livro de Apocalipse? Sem dúvida ele
tinha em vista alertar a igreja para a necessidade de estar pronta para o conflito
final. Os ventos da contenda estão prestes a iniciar sua obra de devastação. Não há
tempo para adiamento. Ao mesmo tempo a repressão dos ventos mostra a miser-
icórdia de Deus em dar ao seu povo tempo para se preparar. Há também segurança
na mensagem do selamento. O próprio selo é a garantia de que os santos estão seg-
uros. Uma vez estejam eles selados, seu caráter é inviolável, não sujeito a mudança,
não importa quão severa a tentação. A perfeição matemática e simétrica dos 144
mil indica que o plano de Deus para o seu Israel está perfeitamente concretizado, a
despeito dos eventos que abalam a igreja e o mundo (6:12-17).
Estudos selecionados em interpretação profética

Quer alguém aceite o conceito de double entendre [duplo sentido] ou


não, a visão da grande multidão diante do trono implica em face da sua lin-
guagem que Deus abriga e alimenta e conforta o Seu povo durante a grande
tribulação. E embora Apocalipse 7 lide com o conflito final, ele indubitavel-
mente pode ser aplicado em princípio às provações menores que assaltam o
povo de Deus durante toda a sua jornada terrena.

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302
13
O anjo forte e
sua mensagem
William H. Shea

Esboço do capítulo
1. Introdução
2. Descrição e identificação
3. Os sete trovões
4. O juramento

Sinopse editorial. Apocalipse


10 abrange o primeiro segmento
de uma passagem parentética que
ocorre entre os relatos da sexta e
sétima trombetas. Esta figura “en-
voltório” é semelhante àquela de
Apocalipse 7 que está entre a apre-
sentação do sexto e sétimo selos.
Em ambos os exemplos os “lados”
(sexto, sétimo selos; sexta, sétima
trombetas) do envoltório literário
lançam luz sobre a localização dos
eventos retratados entre eles.
Importantes ideias para a inter-
pretação desta profecia são desc-
obertas quando ela é comparada
com as imagens e tema de Daniel
12:4-12. Sobre esta base o livrinho
Estudos selecionados em interpretação profética

aberto na mão do anjo é identificado como o outrora selado livro de Daniel; o


juramento concernente à cessação do tempo é visto lidando com tempo profé-
tico; e a estrutura do tempo histórico para esses eventos — retratados simboli-
camente — é determinada.
Sete relações cronológicas, extraídas do contexto imediato do juramento do
anjo bem como de Daniel, proveem uma base sólida para identificar a espécie
de “tempo” acerca do qual o anjo jura e para localizar no século dezenove os
eventos retratados na profecia. A cena está especialmente ligada ao ano decisivo
de 1844 e o final do grande período de tempo dos 2.300 anos (Dn 8:14).
Esclarecida a natureza do elemento tempo no juramento do anjo e deter-
minado o tempo histórico para sua ação, o cumprimento na vida real da igreja
pode ser visto no movimento milerita — baseado no livro de Daniel — e o
surgimento do povo adventista do sétimo dia com a incumbência de “profetizar
outra vez” a partir das profecias de Daniel a “povos”, “nações”, “línguas” e “reis”.

Introdução

Uma passagem parentética: seu contexto


304 Apocalipse 10 compreende o primeiro segmento de uma passagem parenté-
tica que ocorre entre os relatos da sexta e sétima trombetas (Ap 9:13-21; 11:15-
17). O outro segmento consiste de uma ordem ao profeta para avaliar o templo
celestial e a profecia das duas testemunhas (Ap 11). Um padrão literário similar
coloca Apocalipse 7 como uma passagem parentética entre o sexto e o sétimo
selos (Ap 6:12-17; 8:1). As conexões entre estas passagens parentéticas e seus
contextos provêem um auxílio para sua interpretação.
Apocalipse 7. A passagem parentética de Apocalipse 7 lida primeiro com
um evento do fim dos tempos: o selamento dos 144 mil (v. 1-8). Segue-se então
um acontecimento que ocorrerá depois da segunda vinda de Cristo: a reunião
dos redimidos ao redor do trono de Deus (v. 9-17). A descrição destes dois
eventos, um ocorrendo pouco antes e um depois da vinda de Cristo, são postos
em uma conjuntura textual apropriada à história da salvação do fim dos tempos.
Como um parêntese, estas duas cenas são descritas em ordem depois do sexto
selo e retrata a vinda de Cristo, mas elas são realmente uma parte integrante do
sexto selo. Assim, a atividade do selamento descreve a aceitação daqueles que, na
geração final da história terrestre, serão recebidos por Cristo em sua vinda. A de-
scrição da grande multidão dos redimidos segue naturalmente depois, uma cena
que ocorrerá ao redor do trono de Deus em seguida à vinda de Cristo.
O anjo forte e

Apocalipse 10. Como acontece com Apocalipse 7, é razoável esperar que


a passagem parentética de Apocalipse 10–11 seja encontrada em um contexto
literário apropriado aos seus conteúdos. Seus dois grandes segmentos ocorrem
entre a descrição da sexta trombeta no final do capítulo 9 e a sétima trombeta
no final do capítulo 11.
Apocalipse 11 provê um contexto profético mais específico para Apocalipse
10 do que o capítulo 9, porque se refere ao tempo em que “os reinos do mundo”
tornar-se-ão de nosso Senhor e do seu Cristo, e seu domínio sobre esse reino
eterno será assumido (11:15, 17). Embora a sexta trombeta seja mais difícil de
interpretar, ainda se espera que prepare o caminho — de uma forma ou de outra
— para o clímax da história que é anunciado sob a sétima trombeta.
Podemos esperar, portanto, que os eventos profetizados em Apocalipse
10 (e 11) devam conter alguma ligação com os eventos do fim dos tempos.
Esta conexão torna-se explícita em 10:7 onde é declarado que a mensagem
proclamada pelo anjo forte se relaciona diretamente com o tempo em que a
trombeta do sétimo anjo deve soar.
R. H. Mounce (1977, p. 205) apreende o propósito desta relação entre o
capítulo 10 e seu contexto observando que interlúdios parentéticos como este
são “artifícios literários pelos quais a igreja é instruída no que concerne à sua
função e destino durante o período final da história do mundo”.1 A ênfase do 305
capítulo 10 neste arranjo literário também pode ser vista da observação de
Mounce (1977, p. 205) de que “cada série numerada nos leva para mais perto do
fim, não tanto porque segue em sequência a série precedente, mas porque realça
e intensifica o confronto final e culminante de Deus e as forças do mal”.

Estrutura literária
Apocalipse 10 divide-se em três grandes seções. A primeira (v. 1-4) contém
duas partes: a descrição de um anjo forte (v. 1-3a); sua primeira mensagem e os
sete trovões (3b-4). A segunda seção relata o juramento do anjo forte concer-
nente ao tempo em que o mistério de Deus será cumprido (v. 5-7). A terceira
seção descreve a experiência visionária de João com o livrinho que ele toma do
anjo forte (v. 8-11). No entanto, antes de prosseguir através de um estudo de
cada seção, devemos fazer algumas observações adicionais sobre as característi-
cas gerais temáticas e literárias do capítulo.

  Ver Beasley-Murray (1978, p. 170): “Em sua visão João está perto do fim do período dos juízos
1

messiânicos — seis trombetas já soaram”.


Estudos selecionados em interpretação profética

Uma ligação temática que atravessa as três seções é o anjo forte, seus
atos e suas palavras. Ele é descrito fisicamente na primeira seção e sua
descida à Terra é mencionada. Isto é seguido por seu brado desferindo os
sete trovões. Assim, no primeiro segmento deste capítulo, encontramos a
aparência, as ações e um anúncio do anjo forte.
O juramento do anjo forte é o assunto da segunda seção. Nesta também encon-
tramos palavra e ação. A ação descrita é a de levantar a mão e fazer um juramento.
As palavras do juramento tratam de um fim do tempo em que o mistério de Deus
será cumprido. Na terceira seção o anjo forte fala e age outra vez. Sua ação é a de dar
o livrinho aberto ao profeta para que ele o coma e digira. Suas palavras ordenam ao
profeta que coma e descreve sua reação subsequente ao estranho alimento.
Desta breve análise é evidente que o anjo forte é fundamental para este capí-
tulo do princípio ao fim. Nenhuma importante seção está fora do domínio de sua
atividade. É muito apropriado, portanto, designar este capítulo como pertencen-
do ao anjo forte, embora a direção de suas palavras e ações varie. No episódio cen-
tral (v. 5-7), suas palavras e ações são dirigidas ao Céu, ao passo que na primeira e
última seções suas palavras e atos são dirigidos à Terra (v. 1-4, 8-11).
Várias ideias literárias ligam a primeira e terceira seções, mas somente uma
ideia específica liga a seção central e as outras duas. Por exemplo, o “livrinho ab-
306 erto” é mencionado uma vez na primeira seção (v. 2) e três vezes mais na terceira
seção (v. 8-10). O anjo é também descrito em ambas as seções como estando “so-
bre o mar” e “sobre a terra” (v. 2, 8). A terceira conexão é a voz do céu. Ela é ouvida
no final da primeira seção (v. 4) e no início da terceira (v. 8). No primeiro exemplo
a voz diz a João que não escreva o que os sete trovões falaram (v. 4), enquanto que
a terceira seção começa com uma referência à “voz que ouvi, vinda do céu” (v. 8).
O livrinho não aparece na segunda seção, nem é ouvida a voz do céu. A
principal ligação entre esta seção e as outras duas está na descrição do anjo
como “em pé sobre o mar e a terra” (v. 2, 5, 8).
Uma característica da estrutura literária da terceira seção pode-se notar de
passagem. As duas referências à doçura do livrinho na boca do profeta e seu
subsequente amargor são dados, como tem notado J. M. Ford (1975, p. 165), em
uma ordem quiástica:

A ele será amargo ao teu estômago (v. 9a).


B mas, na tua boca, doce como mel (v. 9b).
B’ na minha boca, era doce como mel (v. 10a)
A’ o meu estômago ficou amargo (v. 10b).
O anjo forte e

Esta feição literária secundária não dá uma importante contribuição para a


interpretação do episódio, mas complementa muito bem a reversão que o pro-
feta teve com o livrinho nesta experiência simbólica. A seção final é, ademais,
estruturada por uma voz do céu que fala com João no início da experiência (v.
8) e uma voz que lhe fala novamente no final dizendo-lhe que profetize outra
vez às nações (v. 11).
As relações literárias e temáticas mencionadas brevemente têm uma in-
fluência sobre a unidade deste capítulo. Uma metodologia crítica mais antiga,
sustentada especialmente por J. Wellhausen e seus seguidores, dividia este
capítulo em fontes múltiplas. Nisto, Wellhausen foi coerente durante todo o
caminho de Gênesis a Apocalipse. R. H. Charles (1920, p. 256-258) respondeu a
este procedimento com uma revisão completa e persuasiva da evidência léxica
e gramatical a favor da unidade do capítulo.
Para nossos presentes propósitos, portanto, o capítulo pode ser compreen-
dido como uma composição unificada e analisada a partir deste ponto de vista.
Esta é a posição aceita pela maioria dos modernos comentaristas do Apocalipse.
As breves observações que temos feito sobre as ligações literárias e temáticas
dentro da narrativa apontam na mesma direção de um só autor conforme evi-
denciada pela unidade de composição global do capítulo.
307
Descrição e identificação

Descrição
Os três primeiros versos de Apocalipse 10 dão uma descrição detalhada do
anjo que João vê descendo do céu. São dadas seis características. Primeira, um
par de modificadores descritivos que se referem ao anjo como “outro” e “forte”.
Então, duas frases que descrevem o ornamento do anjo: uma vestimenta de nu-
vem em torno do seu corpo e um arco-íris sobre sua cabeça. Finalmente, duas
frases descrevem-lhe o rosto e os pés (pernas?).
Outro anjo. A identificação desse anjo de Apocalipse 10 como outro (allos)
anjo não é especialmente significativa, mas contrasta esse anjo com aqueles que
o têm precedido. O termo é aplicado a anjos em outro lugar do livro em vári-
as ocasiões. “Outro” anjo em 8:3 contrasta diretamente com os sete anjos que
tomaram as trombetas em 8:2. O segundo e o terceiro anjos portando mensa-
gens em Apocalipse 14 é cada um mencionados como “outro” em contraste com
o anjo portador da primeira mensagem (14:6, 8). ”Outro” anjo desce à Terra em
18:1, em contraste com os sete anjos que derramaram suas taças em Apocalipse
Estudos selecionados em interpretação profética

16. Sendo que esse anjo de 10:1 é “outro” anjo seguindo os seis primeiros que
tocaram suas trombetas (caps. 8–9), há um contraste aqui com eles.
Um anjo forte. Contudo, o anjo de 10:1 não é apenas outro anjo; ele é outro
anjo “forte” (iskuros). Assim, ele contrasta não tanto com os precedentes anjos
das trombetas como faz com o anjo forte de 5:2 que chamou à cena alguém dig-
no de abrir o livro selado da mão direita de Deus. O adjetivo “forte” é aplicado
a outro anjo em Apocalipse, aquele que arroja para dentro do mar uma grande
pedra de moinho como sinal da queda da Babilônia espiritual (18:21).
Dos três anjos de Apocalipse mencionados como “fortes”, esse do capítulo
10 é o mais centralmente localizado na estrutura global do livro. Ele é também
o único cuja aparência pessoal é descrita em temos específicos.
O rosto do anjo. Quando João olha para o rosto desse poderoso anjo ele
parece “como o sol”. A comparação mais direta com este tipo de linguagem é
encontrada na descrição de Cristo no início do Apocalipse (1:16), e no relato da
transfiguração de Cristo em Mateus (Mt 17:2).
Como observa J. M. Ford (1975, p. 158), “em Apocalipse 1:16 o semblante
(opsis, não prosōpon) de um semelhante a filho de homem parecia como o sol
na sua força, mas o fraseado da descrição difere consideravelmente daquele de
10:1. No relato da transfiguração de Jesus, Mateus diz que o seu rosto brilhava
308 como o sol (Mt 17:2), mas os outros evangelistas não fazem esta comparação”.
A descrição do rosto do ser de aparência divina dada em Daniel 10:5 menciona
sua glória em termos de relâmpago e fogo, mas o sol não é mencionado. Ezequiel
1:27 descreve a glória do torso superior da pessoa de Deus como se assemelhando a
bronze polido e labareda de fogo, mas a aparência do seu rosto não é indicada.
Arco-íris. João vê um arco-íris sobre a cabeça do anjo. O único outro lugar
em Apocalipse onde aparece um fenômeno semelhante é na cena do trono em
que João vê um arco-íris circundando o trono sobre o qual Deus se assenta no
Céu (4:3). Assim, o uso deste símbolo para descrever o anjo pode indicar algo
acerca da sua natureza de aparência divina.
Nenhum arco-íris aparece na visão de Cristo em Apocalipse 1, nem é um
visto em torno do personagem de aparência divina da visão de Daniel (Dn 10:5-
6). Contudo, um arco-íris acompanha a pessoa de Deus ao ser Ele transportado
por Seu trono móvel na visão de Ezequiel (Ez 1:28). O uso do arco-íris como um
sinal da fidelidade de Deus à sua aliança com Noé é notável entre os empregos do
arco-íris no Antigo Testamento (Gn 9:12-17). Sua presença em Apocalipse 10 pode
enfatizar a extensão desta fidelidade para incluir a aliança do Novo Testamento.
Fazendo uma comparação com fenômenos naturais, podemos inferir que
a produção desse arco-íris resulta da glória do anjo, especialmente o seu rosto,
O anjo forte e

refletindo sobre a nuvem em que ele está envolto. Como observou Charles, “o arco-
íris é devido à luz do rosto do anjo sobre a nuvem” (CHARLES, 1920, p. 259).
Os pés do anjo. A descrição dos “pés” (podes) do anjo parece apresentar um
paradoxo, porque a palavra “colunas” (stuloi) é usada para descrevê-los. Sendo que
as colunas se estendem para cima de suas bases, alguns acham que isto se refere às
pernas do anjo, não aos seus pés. Charles observa que “stuloi conforme aplicado aos
pés parece ininteligível” (CHARLES, 1920, p. 259). Sendo que a palavra hebraica
para “pé” tem um extensivo significado secundário de “perna”, Charles (1920, p.
260) sugere que o último significado tem sido retomado no grego aqui. Mas mesmo
o próprio Charles nota a fraqueza de sua própria solução.
Esta palavra para “pés” ocorre no mínimo meia dúzia de vezes em outros
lugares em Apocalipse (Ap 1:13, 15; 2:18; 3:9; 13:2, e 22:8). Em todos os exem-
plos a referência claramente é a “pés”, não “pernas”. A linguagem usada aqui se
aproxima especialmente da descrição dos pés de Cristo e Suas vestes em Apoc-
alipse 1:13, 15. Assim, não há nenhuma justificativa léxica para a tradução desta
palavra como “pernas”, como faz a RSV. Deve ser traduzida como “pés”.
Nosso interesse não está na compreensão da anatomia do anjo, mas em
determinar o local histórico e literário do qual esta espécie de linguagem se
originou. Vários comentaristas têm proposto uma ligação entre essas colunas e
aquelas colunas de nuvem e de fogo que conduziram os israelitas durante suas 309
vagueações no deserto depois da saída do Egito. Ford (1975, p. 162), por exem-
plo, observa que “os pés do anjo que são como colunas de fogo são rememora-
tivos da coluna de fogo da narrativa do Êxodo”. G. B. Caird (1966, p. 125) con-
tribui com uma observação semelhante. H. B. Swete (1909, p. 126) sugeriu uma
relação textual específica: “Em stuloi puros há talvez uma referência a Êxodo
14:19, 24.” Sendo que a Presença inclusa dentro da coluna de nuvem e de fogo
era o próprio Deus, o emprego deste tipo de descrição para esse anjo enfatiza
mais uma vez o seu caráter de aparência divina.
As vestes do anjo. O uso da imagem do Êxodo não pára com uma consideração
dos pés do anjo. Prossegue em uma consideração das vestes do anjo. Ele é descrito
como estando “envolto em uma nuvem”. Depois de serem descartadas referências a
nuvens atmosféricas normais, descobrimos muitos exemplos em que nuvens estão
ligadas com a pessoa de Deus.2 Nuvens são uma parte da linguagem da teofania.
Assim, esta espécie de descrição enfatiza a natureza de aparência divina
do anjo. Mas a conexão de nuvens e a Divindade pode ser mais específica. Por

2
  Isto se aplica ao Antigo Testamento (Sl 97:2; 104:3; 1Rs 8:11; Ez 1:4; Dn 7:13), ao Novo Testa-
mento (Mt 17:4; 24:30; At 1:9; 1Ts 4:17) e ao livro de Apocalipse (1:7; 14:14).
Estudos selecionados em interpretação profética

exemplo, juntamente com a coluna de fogo (no Êxodo) estava a coluna de nu-
vem — semelhante àquela em que o glorioso anjo estava envolto. Esta asso-
ciação torna fácil ver uma referência à coluna de fogo e à coluna de nuvem na
descrição desse anjo. Ambas as características vêm da revelação de Deus de si
mesmo a Israel durante sua vagueação no deserto.
O verbo usado para o envoltório da veste de nuvem em torno do anjo de
Apocalipse 10 (peribeblēmenon de periballō, “vestir, usar — de vestuário”) não é
usado no relato do Êxodo, quer para Deus envolvendo a coluna de nuvem ou de
fogo em torno de si mesmo ou em volta do monte Sinai. É usado, porém, duas
vezes na LXX de Daniel 12:6, 7 para se referir à maneira como a veste de linho
estava envolta em torno da figura de aspecto divino ali descrita, e é usado ali em
essencialmente da mesma forma (peribeblēmenō).
O uso específico deste mesmo verbo de um modo semelhante, ligado com uma
figura similar que faz coisas semelhantes às coisas que o anjo de Apocalipse 10 faz,
é um dos motivos por que os comentaristas têm feito uma ligação direta entre estas
duas passagens. Estas conexões são revistas mais abaixo. Para o presente podemos
simplesmente observar que esse anjo já demonstra relações com a coluna de fogo e
de nuvem do Êxodo e com a figura de aspecto divino de Daniel 10 e 12.

310 Ações
Seis importantes ações do anjo forte são identificadas:
1. Ele desce do Céu à Terra.
2. Ele segura em sua mão um livrinho aberto.
3. Ele coloca um pé sobre a terra e o outro sobre o mar.
4. Ele brada com grande voz que se assemelha ao rugido de um leão (e isto
desfere os sete trovões).
5. Ele ergue a mão e faz um juramento pelo Deus criador.
6. Ele dá o livrinho aberto ao profeta para que o “coma”.
As três últimas ações formam uma parte íntima das grandes declarações
proféticas da narrativa. Elas são discutidas em seções sucessivas. A esta altura
recapitularemos brevemente apenas as três primeiras.
Descendo à Terra. Sendo que o anjo proclama uma mensagem especial
após a sua descida do Céu, é evidente que ele é enviado em um tempo específico
para proclamar uma mensagem especial na Terra; ele é um mensageiro especial.
A singularidade da obra desse anjo pode ser enfatizada comparando-se
sua atividade com a dos outros anjos do Apocalipse. Por exemplo, os anjos da
cena do tribunal (Ap 4–5) estão restritos ao Céu nessa descrição. As trombetas
tocadas por sete anjos (Ap 8–9) têm efeitos terrestres, mas não há nenhuma
O anjo forte e

indicação de que eles descem à Terra para soar seus instrumentos. Os anjos que
derramam as taças das pragas (Ap 16) estão mais diretamente ligados à Terra,
mas mesmo este ponto não é declarado tão diretamente como é em Apocalipse
10:1. Os anjos que pregam as três mensagens do tempo do fim (Ap 14) voam
pelo meio do céu; os outros três anjos descritos no final do capítulo estão mais
diretamente ligados com a Terra por meio de sua participação no ceifa.
O paralelo mais direto em Apocalipse à descida do anjo do capítulo 10
é o anjo do início de Apocalipse 18:1, que vem à Terra para proclamar sua
mensagem especial do fim dos tempos acerca de Babilônia. No caso do anjo
de Apocalipse 10, é uma mensagem pré-fim dos tempos que ele anuncia. Esta
atividade direcional enfatiza a importância das mensagens de ambos esses an-
jos. Como declarou Mounce (1977, p. 208), “o aparecimento dramático de uma
figura autorizada do Céu está em assinalado contraste com o imediatamente
precedente retrato da rebelde idolatria e imoralidade do homem”.
O uso do particípio presente “descendo” (katabainonta) indica que João ob-
servava esse anjo descendo (MOUNCE, 1977, p. 207). Isto não somente enfatiza
que o anjo veio em um tempo específico para dar uma mensagem específica,
também diz algo acerca da perspectiva da qual o profeta viu esta cena. Vários
comentaristas mantêm que de 4:1 a este ponto João viu as cenas em mudança
como se ele estivesse no Céu. Eles geralmente concordam que ele agora vê esta 311
cena (Ap 10) de uma perspectiva terrestre.3
Tendo um livrinho aberto. A segunda ação do anjo é a de segurar em sua
mão um livrinho aberto. Quando ele posteriormente faz o seu juramento (v. 6)
ele levanta sua mão direta para o Céu. Assim, podemos admitir que ele segu-
rasse o livrinho em sua mão esquerda. Nenhum significado específico precisa
estar ligado a esse uso das mãos exceto para notar que provavelmente a mão
direta estava normalmente levantada para fazer um juramento.4
A natureza desse livrinho e o seu significado são de óbvia importância para
esta profecia. É comumente salientado que a palavra usada para “livrinho” ou
“livro” difere da que é usada em Apocalipse 5:1. Esta é uma observação correta
porque em Apocalipse 5:1 a palavra usada é biblion (livro, rolo), uma forma
diminutiva de biblos (livro), ao passo que em Apocalipse 10 a palavra usada qua-
tro vezes é biblaridion (livrinho), uma forma diminutiva de biblarion (livrinho).

3
  Para uma expressão de comentário deste ponto de vista veja Ladd (1971, p. 141): “Desde 4:1, ele
tem estado escrevendo como se estivesse no Céu, mas sua posição agora mudou de volta para a Terra.”
4
  Para um exemplo de um juramento feito por um homem a outro , veja Gn 14:22. Para
exemplos de juramentos feitos por Deus a homens, veja Êx 6:8; Nm 14:30; Ez 20:15, 28
Estudos selecionados em interpretação profética

Biblion é a palavra comum usada para “livros” ou “rolos” em Apocalipse,


ocorrendo 20 vezes. A forma mais padrão de biblos ocorre somente duas
vezes (3:9; 20:15). Biblaridion (livrinho) ocorre em outro lugar nas Escrit-
uras além de Apocalipse 10. Portanto, apesar da distinção entre biblos (livro)
e biblion (livro, rolo), o contraste entre biblaridion (livrinho) em Apocalipse
10 e biblion (livro, rolo) no restante de Apocalipse é muito assinalado e dis-
tinto e certamente deve ser intencional.5 O “livro” de Apocalipse 10 está as-
sim em contraste com o de Apocalipse 5:1 e não identificado com ele.
Deve-se notar que o livrinho já está aberto quando o anjo desce. O livro é
mencionado antes de o anjo colocar os pés sobre a terra e o mar. Isto significa
que o livro foi aberto, presumivelmente no Céu, antes que o anjo fosse enviado
com sua missão e mensagem baseadas em seus conteúdos.
Dada a ênfase de que esse livrinho está agora aberto, é razoável admitir que,
como aquele de 5:1, ele estava selado ou fechado até o aparecimento do anjo. O
uso do particípio perfeito para descrever essa abertura enfatiza não somente
que o livrinho tinha sido previamente aberto, mas que deveria permanecer ab-
erto daí em diante (MOUNCE, 1972, p. 207).
A esta altura a discussão do livrinho pode ser deixada incompleta sem fazer
uma identificação final dele. Examinaremos este assunto mais plenamente depois.
312 Em pé sobre o mar e a terra. O anjo coloca o seu pé direito sobre o mar e o
esquerdo sobre a terra. Isto significa, incidentalmente, que a mão com o livrin-
ho estava estendida sobre a terra; a mão estendida para fazer o juramento estava
sobre o mar. Assim, a terra e o mar (combinados em paralelismo sintético) po-
dem ser compreendidos como representando toda a Terra. Esta ação angélica,
e a linguagem que a descreve, se refere à extensão mundial da proclamação da
mensagem e à autoridade desse anjo.6
A opinião minoritária expressa por Barnhouse vê o mar e a terra como se
referindo às nações gentílicas e a Israel respectivamente (BARNHOUSE, 1971,
p. 181). Se fosse este o caso, então o simbolismo resulta em uma metáfora con-
fusa: terra representando um país (Israel) e águas representando outros países
(gentios). Todavia, a conclusão do capítulo concernente à pregação de João out-
ra vez a todas as nações indica que nenhuma tal distinção se pretendia no início

5
 Embora biblion (livro, rolo) ocorra uma vez em Ap 10:8, a ênfase dominante sobre biblaridion
(livrinho) [quatro vezes] indica que esse livro é diferente do livro de Ap 5.
6
  Como representante deste ponto de vista, veja Mounce (1977); Morris (1983, p. 137);
Ladd (1972, p. 142); Caird (1966, p. 125).
O anjo forte e

desta narrativa. É preferível, portanto, ver a linguagem de terra e mar como


retratando aqui um quadro de universalidade.

Identificação específica
Duas opiniões. Há dois grandes pontos de vista sobre a identificação do
anjo de Apocalipse 10. Um é que esse é um anjo especial de exaltada hierarquia.
A outra é que esta é uma representação angélica de Deus, mais especificamente
de Cristo. J. A. Seiss (1865, p. 223) está entre aqueles comentaristas que têm
identificado esse anjo como Cristo. Fazendo comparações com a glória do anjo,
a veste de nuvem e a cobertura de arco-íris, D. G. Barnhouse (1971, p. 179)
também tem identificado essa figura como Cristo. Ford (1975, p. 163) tem es-
pecialmente recorrido a comparações com elementos da narrativa do Êxodo
para identificar essa figura como provavelmente “o Anjo da Aliança, às vezes
identificado com Yahweh”. Em sua obra mais antiga E. B. Elliott (1846, p. 123)
tem estimulado o intérprete de Apocalipse 10 a “considerar também a pessoa
que o está anunciando; o mesmo divino Anjo da Aliança, Jeová-Jesus”.
Defendendo o ponto de vista alternativo, Charles (1920, p. 258) tem propos-
to que esse anjo pode ser Gabriel. Ele argumenta que esse anjo não é Cristo
porque o uso de um juramento pelo próprio Deus é inapropriado. G. E. Ladd
(1972, p. 141) sustenta que essa é uma figura puramente angélica sobre o funda- 313
mento de que em Apocalipse anjos são apenas anjos, e Deus não é representado
como um anjo em nenhum lugar no livro de Apocalipse.
Estas duas objeções não são por demais formidáveis como poderiam
parecer. Há exemplos no Antigo Testamento onde é declarado que Deus
fez juramentos. Três destes têm sido citados acima (Êx 6:8; Nm 14:30; Ez
20:15, 28). É verdade que a palavra “anjo” é usada não especificamente
para Deus em Apocalipse, mas a figura de Miguel em Apocalipse 12 é
tanto angélica quanto própria de Cristo em caráter.
Também se deve levar em conta a origem da imagem empregada aqui.
A imagem da coluna de fogo e de nuvem é extraída especialmente do relato
de Êxodo. Neste relato Yahweh é Aquele que é dito ter habitado a coluna
de nuvem e agido a partir dela (Êx 13:21). Em no mínimo uma ocasião,
porém, é dito que foi “o anjo” de Yahweh quem fez isto (Êx 14:19). Este tipo
de conexão poderia ter sido transportado para o imaginário do Apocalipse
juntamente com outros elementos do relato de Êxodo.
Evidência para uma figura própria de Cristo. Em favor da identificação
com Cristo, observamos que as quatro principais características deste anjo
estão muito comumente ligadas com representações de Deus. Isto se aplica à
Estudos selecionados em interpretação profética

aparência de seus pés como colunas de fogo, à vestimenta de nuvem envolta em


torno dele, à glória vista irradiando do seu rosto, e ao arco-íris visto sobre sua
cabeça. Todas as quatro características ocorrem em conexão com descrições de
Deus em outros lugares na Bíblia. Nenhuma delas é usada exclusivamente para
anjos. Se esta é apenas uma figura angélica, ele certamente tem sido dotado de
extensas características de aspecto divino.
Um detalhe adicional deriva de uma consideração de passagens similares dis-
poníveis para comparação. São estas: Apocalipse 1, Daniel 10 e 12, e Ezequiel 1.
Nestas passagens a principal figura é divina. Em Apocalipse 1 ela é Cristo. Ezequiel
1 identifica seu personagem central como Yahweh. A figura presente em Daniel 10 é
certamente divina e mais exaltada do que os anjos presentes na narrativa.
Sendo que estas comparações mais se aproximam da descrição do anjo
de Apocalipse 10, e sendo que estas Pessoas são divinas, estas comparações
sugerem que a figura presente em Apocalipse 10 é própria de Cristo, e não
simplesmente um anjo.

Identificação geral
Comparação com Daniel 10:6; 12:7. Pela expressão ”identificação geral”, pre-
tendo evocar outra relação ou vínculo com o anjo ou figura de aspecto divino de
314 Daniel 10 e 12. Muitos comentaristas têm notado uma relação. Embora alguns a
tenham descrito em mais detalhe do que outros, uma análise dos comentários têm
deixado de revelar algum exemplo em que esta relação tenha sido negada.7
Em seu comentário sobre Apocalipse 10 Elliott (1846, p. 121) referiu-
se a Daniel como “um profeta e profecia aqui evidentemente aludida”. Da
relação entre os anjos encontrados nestas duas passagens Charles (1920, p.
259) observa, “nosso autor (de Ap 10) tinha o anjo descrito em Dan 10:6;
12:7 diante de sua mente”. Conduzindo à sua citação de Daniel 12:6-7, Caird
(1966, p. 127) liga Apocalipse 10:5-6 com esta passagem observando que “a
esta altura João começa a adaptar aos seus próprios propósitos uma pas-
sagem do Antigo Testamento que figurará preeminentemente em muitas de
suas visões subsequentes. [...] João acreditava que esta profecia de Daniel,
juntamente com outras profecias do Antigo Testamento, estava prestes a ter
um novo e mais profundo cumprimento”. Em seu comentário sobre esta pas-
sagem de Apocalipse, Mounce (1977, p. 210) observa: “É Daniel 12:7, porém,
que supre a base interpretativa para esta seção.”

7
  Alguns exemplos daqueles que têm notado esta correlação em termos gerais: Elliott,
Charles, Caird e Mounce.
O anjo forte e

Além de tais conexões gerais, os comentaristas também têm feito conexões


específicas entre estas duas passagens em termos de seus detalhes. Em suas ob-
servações sobre Daniel 12:7 A. Clarke (1938, p. 618) notou, “esta é muito semel-
hante à descrição do anjo (em) Apocalipse 10:5”. Elliott (1846, p. 123) observou
que em Apocalipse 10 “o mesmo Anjo da Aliança, Jeová-Jesus, que agora trouxe
consigo, como sua própria e adequada investidura, a mesma glória que o Deus-
homem da visão anterior de Daniel”.
Juramento. A ação do anjo de Daniel 12 e do anjo de Apocalipse 10 pode
ser comparada em termos de seu juramento muito semelhante. Sobre esta
relação, escreveu Elliott (1846, p. 124): “Além de tudo o que, é mais importante
(como em breve irá aparecer em nossa entrada na história) que assinalamos o
paralelismo do ato e juramento, com o outro apenas, em alusão a Daniel; um
paralelismo tão marcante que parece incrível, mas que a alusão a ele deve ter
sido tencionada, e um bônus na mente de S. João.”
Ford (1975, p. 162) também comenta sobre o juramento e a ação que o acom-
panha: “O juramento feito em Apocalipse 10:6-7 reflete Daniel 12:7-9 onde o anjo
vestido de linho jura com a mão direita e a esquerda para o céu que haverá ‘um
tempo, dois tempos, e metade de um tempo’ antes do fim das maravilhas.”
Caird está preocupado especialmente com o conteúdo do juramento. Ele nota
o que Apocalipse tem adicionado ao juramento conforme encontrado em Daniel: 315
“O anjo de João faz um importante acréscimo às palavras do anjo de Daniel. Ele jura,
não simplesmente pelo Deus eterno, mas por aquele que criou o céu, a terra, e o
mar, e tudo o que neles há [ênfase do autor]” (CAIRD, 1966, p. 129). Kiddle (1940, p.
172) também se refere mais às palavras do juramento do que às ações ligadas a ele
quando observa, “o juramento do anjo é um eco de Daniel 12:7”.
Selamento. Há também uma referência a uma obra de selamento em
ambas as passagens. O selamento em Apocalipse 10 envolve os sete trovões;
em Daniel 12 envolve o livro do profeta. Contudo, tem sido notado que o
uso deste tipo de linguagem no contexto de um juramento parece ter sido
tomado a cargo da passagem anterior para a última.
T. F. Glasson (1965, p. 67) tem notado esta conexão: “O selamento aqui (em
Apocalipse 10:5) mostra a influência de Daniel 12:4 e 9. [...] O mesmo capítulo
de Daniel tem sem dúvida sugerido a linguagem aqui (em Apocalipse 10:6), um
homem vestido de linho, claramente um anjo (cita Daniel 12:7).”
Ford (1975, p. 159) tem feito uma declaração semelhante acerca do uso
desta fraseologia e tem observado que Swete considerava esta frase como
vindo de Daniel 12:4: “Mas a aplicação da metáfora a declarações não es-
critas é uma ousada inovação.”
Estudos selecionados em interpretação profética

Tempo profético. Finalmente, outra importante ligação entre estas duas


passagens envolve o fato de que ambos os personagens juram em seus jura-
mentos acerca do tempo profético. Sendo que este elemento pertence a uma
discussão da passagem central do capítulo, sua discussão está reservada até che-
garmos a este ponto em nosso estudo.

Os sete trovões

Mensagem singular
Um exame da passagem dos sete trovões revela um problema de consid-
erável magnitude (v. 3-4). Quando o anjo forte bradou, os sete trovões soaram.
Quando eles soaram, o profeta os ouviu e compreendeu. Depois de cessar o tro-
vejamento, o profeta começou a registrar sua mensagem. A esta altura, porém,
ele é instruído a não escrever, mas a selar sua mensagem. Deparamos, portanto,
com uma mensagem que foi dada, mas tomada de volta.
Brado como o rugido de leão. Analisando a passagem, devemos primeiro no-
tar que os trovões soam em resposta a um grande brado do anjo forte. O brado é
descrito como soando “como ruge um leão”. A figura de um leão rugidor é usada
316 ocasionalmente no Antigo Testamento para transmitir a ideia de juízo iminente.
Amós advertiu Israel acerca de juízos vindouros com este tipo de linguagem:
“Rugirá o leão no bosque, sem que tenha presa? [...] Rugiu o leão, quem não te-
merá? Falou o Senhor Deus, quem não profetizará?” (Am 3:4, 8). O inimigo que
cerca o servo sofredor de Deus no Salmo 22 é descrito primeiro como um “leão
que despedaça e ruge” (v. 13). Depois de ter o animal atacado, o servo implora
por livramento “das fauces do leão” (v. 21).
Mounce (1977, p. 208) observa que o brado ou “rugido” é proporcional ao
tamanho do anjo forte; o brado é dado com uma profunda voz ressoante que
demanda atenção. Ford (1975, p. 159) focaliza a qualidade da declaração do
anjo transmitida pela palavra do Novo Testamento, “mukatai ‘rugido’ somente
aqui na Bíblia. Som baixo, rugido de trovão. Alto em volume e extremamente
profundo, mas não palavras reais”.
Dadas as comparações com este tipo de linguagem empregado em outro lugar na
Bíblia, é razoável esperar que o brado do anjo transmita aqui uma conotação de juízo.

Simbolismo do trovão
Em resposta ao alto brado do anjo forte, sete trovões rugiram. Não nos
é dito de onde eles saíram ou quem os causou. Todavia, com base em analo-
gias encontradas em outra parte do Apocalipse, é razoável compreender
O anjo forte e

esses trovões como tendo soado do Céu. Sendo este o caso, eles muito
provavelmente teriam soado ante a ordem de Deus. Assim, Deus ocasionou
esses trovões em resposta ao brado do anjo.
O uso do número 7 implica que — como nas sete igrejas, selos, trombetas
e pragas — estes sete trovões soaram sucessivamente e não todos juntos. Para
descobrir o que estes sete trovões poderiam representar precisamos examinar
os empregos da palavra “trovão” em outro lugar no Apocalipse.
Além das três vezes em que a palavra ocorre na passagem sob consideração,
ela aparece em outras sete passagens do Apocalipse. Três provêem pouco com-
preensão; as outras quatro são de mais importante significado.
Nas três ocorrências de menor importância a palavra é usada para finali-
dades comparativas e descritivas: uma vez para a voz de um dos seres viventes
(6:1); e duas vezes para o som de grandes multidões de redimidos no Céu ao
entoarem cânticos de louvor (14:2; 19:6).
Nas quatro passagens restantes a palavra para “trovão” pode espalhar mais luz
nossa pesquisa. Em todos os quatro exemplos é descrito o templo de Deus no Céu.
Além disso, essas descrições do templo celestial servem ou como uma introdução
ou uma conclusão para uma das importantes linhas da profecia do livro.
No primeiro exemplo, a cena do trono serve como uma introdução à série
de selos (4:5). No segundo exemplo, os trovões ocorrem no templo como parte 317
da introdução às trombetas (8:4-5). No terceiro exemplo, os trovões ocorrem
com a descrição do templo que serve como a introdução às grandes profecias de
Apocalipse 12–14 (11:19).8 Na ocorrência final deste tipo de linguagem os tro-
vões que procedem do trono e do templo servem como a conclusão à sequência
das taças-pragas de Apocalipse 16 (16:18).
Nestes quatro exemplos apara para “trovão” é encontrada em uma série de
palavras com outros fenômenos associados. A lista completa inclui relâmpagos,
vozes ou grandes ruídos, trovões, terremoto, e grande saraivada. Como pode
ser visto prontamente nesta lista, todas estas palavras se referem a diferentes
fenômenos que podem acompanhar uma tempestade.
Portanto, estas representações são em essência descrições de uma teofania
de Deus, agindo como o Deus da tempestade em ocasiões especiais descritas
nestas passagens. A interrogação é: O que é comum a todas as quatro dessas
ocasiões que provocam este tipo específico de resposta de Deus?

8
  Concordo com a opinião de K. Strand (capítulo 3 desta obra) que coloca Ap 11:19 como a
introdução aos caps. 12–14, em vez de com a conclusão do cap. 11
Estudos selecionados em interpretação profética

Antes de lidar com essa questão fundamental, algumas outras características


dessas cenas devem ser assinaladas. Por exemplo, há uma progressão na elaboração
dos elementos presentes nestas listas ao serem relatados sucessivamente ao longo do
livro de Apocalipse. A primeira cena contém três elementos; a segunda tem quatro;
e as duas últimas enumeram cinco. Assim, o leitor se torna ciente de um crescendo
no acúmulo desses elementos ao prosseguir através do livro.
Embora haja inversões ocasionais, esses elementos tempestuosos são
enumerados de certa forma na mesma ordem em todas as passagens. No
primeiro e último exemplos afirma-se que esses elementos procedem do
trono de Deus no Céu; nos outros dois casos simplesmente é dito que eles
ocorrem sem uma conexão tão direta. Nenhuma das quatro passagens de-
screve os fenômenos como procedendo diretamente da pessoa do próprio
Deus, embora eles estejam obviamente sob Seu controle.
O denominador comum que parece permear estas quatro cenas é o de
juízo. Os fenômenos são vistos como procedendo do trono de Deus nas
ocasiões em que Ele envia seus juízos. Isto é muito evidente no caso das
trombetas (8:4-5) e das pragas (16:18).
O conceito de juízo é provável em 11:19, o verso que introduz as cenas
proféticas da guerra entre o dragão e a mulher (Ap 12–13), conduzindo para
318 o juízo anunciado em Apocalipse 14. Sendo que a cena do trono de Apoc-
alipse 4–5 também serve para introduzir a série de selos (Ap 6), e sendo que
os selos podem ser vistos como contendo também elementos de juízo, o
aparecimento do trovão e seus elementos associados de tempestade também
podem ser vistos como ligados à ideia de juízo.
Se os trovões que procedem do trono de Deus nestas quatro passagens
estão ligados aos juízos divinos, então se pode esperar que os sete trovões
ouvidos em Apocalipse 10 também estejam relacionados ao tema de juízo.
Esta conexão tem sido notada por alguns dos comentaristas. Barnhouse
(1971, p. 182), por exemplo, se refere aos sete trovões como o registro de
juízos contra os rebeldes. Ladd (1972, p. 142) se refere a esses trovões como
premonições dos juízos vindouros da divina ira de Deus.
Tanto Barnhouse quanto Ladd tem chamado a atenção para a analogia
entre esses trovões e o sétuplo trovejamento da voz de Yahweh na tempesta-
de descrita no Salmo 29. Nesta conexão deve ser notado que o Salmo 29
também é um salmo de juízo, e que o juízo é enviado do trono de Deus no
santuário celestial (v. 1-2, 9-11). Que os cananeus são o alvo do juízo trazido
pela tempestade é evidente do fato de que, segundo as referências geográfi-
cas do Salmo, a tempestade jamais toca o território israelita.
O anjo forte e

Destas analogias encontradas em outra parte do Apocalipse teríamos de esperar


que os sete trovões tivessem anunciado uma série de juízos se sua mensagem tivesse
sido transmitida sem interrupção. Contudo, o profeta foi instruído a selar as mensa-
gens e não registrá-las. O que isto significa? Se nada devia ser conhecido sobre elas,
então pareceria totalmente estranho ter feito qualquer anúncio sobre elas.
Seu anúncio seguido por seu selamento deve, portanto, ter algum sig-
nificado profético e explanação. Diversas teorias têm sido propostas para
explicar essa virada de circunstâncias. Uma ideia é que isto constitui um
artifício literário para inserir uma sequência que já é bem conhecida dos lei-
tores. Outra explicação localizaria esses trovões no Céu; portanto, nenhuma
explicação era necessária ser dada na Terra. A explanação preferível, até
aqui, é a de Caird (1966, p. 126) que sugere que esses sete trovões anunci-
avam juízos de condenação, mas que a condenação foi cancelada.

Selando os trovões
O uso do verbo para selamento a fim de descrever o encobrimento da men-
sagem dos sete trovões é incomum. Em outro lugar no livro de Apocalipse o
selamento se relaciona diretamente com o que esta ação exigia: colocar um selo
sobre um objeto ou documento. Por exemplo, nos é mostrado o selamento dos
servos de Deus em sua fronte (7:3); o selamento do livro com sete selos (5:1); e 319
temos a instrução de selar a mensagem do livro profético de João (22:10).
Em Apocalipse 10:4, porém, é dito ao profeta que não escreva o que os sete
trovões tinham anunciado, e deste modo ele devia selar o que eles tinham dito. O
problema aqui é que normalmente alguém não “sela” uma comunicação oral.
Uma explanação especialmente pronta para esta circunstância incomum
surge de Daniel 12, a importante analogia para a cena de Apocalipse 10. Em
Daniel, o profeta olha no verso 5: o glorioso anjo aparece no verso 6; e o
anjo faz o seu juramento no verso 7. Se retornarmos à introdução que
precede imediatamente esses versos encontramos a ordem ao profeta para
“encerrar as palavras” e “selar o livro” (v. 4).
O mesmo tipo de linguagem é usado na cena do Apocalipse; mas de uma
forma dinâmica, não congelada. Em Daniel 12 o profeta encerra as palavras
quando ele sela o livro. Em Apocalipse 10 o profeta sela as palavras quando ele
as encerra não as escrevendo. Instruções semelhantes são dadas em um contex-
to semelhante, mas elas são cumpridas de uma maneira diferente para se ajustar
ao novo cenário do Apocalipse. Assim, a solução para o problema proposto pela
tensão entre as duas espécies de ações descritas em Apocalipse 10:4 (selar; não
escrever) parece ser provida pela fonte original da qual esta imagem é derivada.
Estudos selecionados em interpretação profética

Trovões substituídos por pragas?


Alguns comentaristas vêem uma ligação entre os sete trovões e as sete pra-
gas de Apocalipse 16. Glasson (1965, p. 63) fala em linguagem que sugere que as
sete últimas pragas tomam o lugar do que os sete trovões teriam provido:

A referência aos sete trovões poderia levar alguém a esperar outra série de ais: o primei-
ro trovão, o segundo, e assim por diante. Mas esta ideia não está desenvolvida; e confor-
me veremos, as sete trombetas são no devido tempo seguidas pelas sete taças (cap. 16).

Mounce (1977, p. 209) se refere aos sete trovões como “outra série de pragas
de advertência”.
As sete taças são mencionadas como as sete últimas pragas, porque elas são os
juízos finais a cair antes de Cristo vir pela segunda vez (15:1). Em Apocalipse 10, en-
contramos sete trovões: juízos ou pragas que evidentemente viriam muito perto do
fim do tempo, porque eles teriam ocorrido no tempo em que o sétimo anjo deveria
soar a sua trombeta e o mistério de Deus deveria ser cumprido (10:7).
Tivessem os trovões soado no tempo em que eles foram anunciados — e
não selados —, eles bem poderiam ter sido o julgamento final — as próprias
pragas. Como isto funcionou, este não devia ser o caso. Seu lugar foi tomado
320 pelas pragas de Apocalipse 16. Podemos expressar esta relação de outro modo:
estes penúltimos juízos dos sete trovões foram anunciados, mas cancelados, ap-
enas para serem substituídos pelos juízos finais comunicados nas sete últimas
pragas. Há um tempo na história profética e da salvação quando tais juízos pre-
liminares teriam sido anunciados, mas cancelados? Esta interrogação nos leva
à próxima seção da profecia.

O juramento

A posição do anjo
A passagem central deste capítulo são os versos 5-7. É central não somente
em termos de estrutura literária, mas também em termos de importância
temática.
O primeiro elemento mencionado é a posição do anjo com um pé sobre o
mar e o outro sobre a Terra. Observamos que este tipo de simbolismo repre-
senta a extensão mundial da mensagem do anjo forte.
A nova ação introduzida é o anjo levantando sua mão direita para fazer o
juramento. Sendo que esta era a maneira em que os juramentos eram feitos no
tempo de João, o simbolismo é extraído da experiência humana normal. O fato
O anjo forte e

de que a mão direita era levantada para fazer este juramento (RSV) indica que
o livrinho aberto ainda era segurado em sua mão esquerda.

O livrinho aberto
Embora o livrinho aberto não seja mencionado outra vez nestes versos (v. 5-7),
sua presença deve ser assumida como sendo uma parte importante desta cena. O
fato de que o anjo levanta uma das mãos para fazer o juramento e ao mesmo tempo
segura o livrinho aberto na outra indica que o juramento deve estar relacionado
com o conteúdo do livrinho. Isto torna a identificação do livrinho um assunto de
considerável importância se devemos compreender a mensagem da visão.
Anteriormente observamos que a palavra grega usada para “livrinho” no
capítulo 10 difere daquela usada em 5:1 e em outro lugar no Apocalipse. Donde,
o livrinho de Apocalipse 10 deve ser considerado como distinto daqueles outros
livros. A distinção nos diz o que esse livrinho não era, mas não o que ele é.

Analogia em Daniel
A melhor maneira de identificar esse livrinho é comparar o seu contexto com
analogias encontradas em outro lugar na Bíblia. Quando isto é feito, a analogia en-
tre esta passagem e a de Daniel 12 torna-se evidente. Várias semelhanças já foram
mencionadas acima. A estas podemos adicionar a ação de fazer um juramento. 321
Daniel 12 e Apocalipse 10 são as únicas duas passagens na Bíblia que se
referem a anjos fazendo juramentos. Ambas ocupam posições relativamente
semelhantes. O anjo de Daniel 10/12 está sobre o rio Tigre, enquanto que o
anjo de Apocalipse 10 está com um pé na Terra e no mar. Ao jurarem, ambos
levantam as mãos ao Céu. Em Daniel 12, ambas as mãos são levantadas para o
Céu; em Apocalipse 10, somente a mão direita é levantada.
Notamos de passagem que a mão direita é mencionada primeiro em
Daniel 12 ao passo que a mão direita é a única mão mencionada em Apoc-
alipse 10. A explanação óbvia para esta diferença é que o anjo de Daniel 12
não tinha um livrinho em sua mão; assim ele pôde levantar ambas as mãos.
O anjo de Apocalipse 10 tinha um livrinho em sua mão esquerda, de sorte
que ele podia levantar somente a mão direita.

Identidade do livrinho aberto


A diferença provê um meio direto pelo qual identificar o livrinho aberto segu-
rado pelo anjo forte. Precedendo imediatamente a descrição do juramento do anjo
de Daniel 12, é feita referência ao livro do profeta Daniel (12:4). Daniel é instruído
a encerrar as palavras de suas profecias escritas enrolando seu livro e selando-o.
O selamento não era um selamento literal para autenticar seu escrito concluído.
Estudos selecionados em interpretação profética

Antes, representava simbolicamente o fato de que em um tempo posterior — “o


tempo do fim” — as profecias do seu livro seriam abertas à compreensão daqueles
que esquadrinhariam o livro por causa de sua importante mensagem.
Agora vamos ao anjo de Apocalipse 10 que tem na mão um livrinho aberto.
A ênfase sobre a condição aberta deste livro está em contraste com a condição
fechada do livro de Daniel naquela ocasião anterior. Esta ênfase também diz
algo sobre o tempo em que o livrinho de Apocalipse 10 foi aberto. Sua abertura,
indicada por Apocalipse 10:7, ocorreria no tempo em que o anjo da sétima e
última trombeta estivesse prestes a tocar sua trombeta. Em outras palavras, a
ação do anjo com o livrinho aberto é um evento do tempo do fim ou um evento
que deveria ocorrer no “tempo do fim”. Em um case (Dn 12:4), temos um livro
que é selado até “o tempo do fim”. No outro caso (Ap 10:2, 5-7), temos um
livrinho que tem sido aberto no fim do tempo.
Embora seja usado de diferentes maneiras nas duas passagens, o verbo “se-
lar” fortalece o vínculo entre elas, porque é encontrado no contexto imediato
dos juramentos dos anjos. Esta evidência, e mais a que vem abaixo, nos aponta
na direção de identificar o livrinho aberto na mão do anjo com o livro do pro-
feta Daniel que ele foi instruído a selar e encerrar até “o tempo do fim” (Dn 12:4).

322 Jurando pelos títulos de Deus


Depois de levantar as mãos, o anjo de Daniel 12 e o de Apocalipse 10
começam com uma identificação do Deus por quem estão jurando. A esta altu-
ra há uma semelhança direta entre os juramentos. Isto pode ser demonstrado
pondo-se lado a lado as partes iniciais dos juramentos:

Daniel 12:7 Apocalipse 10:6

E ouvi-o jurar por aquele que vive e jurou por aquele que vive pelos
eternamente . . . séculos dos séculos, o mesmo que
criou o céu, a terra, o mar e tudo
quanto neles existe: . . .

Ambos os juramentos iniciam identificando a Deus como eterno, mas, além


disso, o juramento do Apocalipse reconhece a Deus como Criador. Assim, ex-
iste aqui uma relação direta, mas há também uma elaboração no último ex-
emplo. A elaboração acerca do Criador tem vínculos com outras passagens do
Apocalipse, mais notavelmente o hino ao Criador em 4:11 e a mensagem do
O anjo forte e

primeiro anjo em 14:6. O vínculo com o primeiro é de natureza mais dinâmica;


o vínculo com o último é mais diretamente léxico.
Alguns comentaristas têm chamado a atenção para esta parte do juramento
e o seu significado. Observou Ladd (1972, p. 144):

O anjo anuncia a iminência do fim em nome do Deus eterno, que é também


Criador e Senhor de toda a criação. Em outras palavras, o fim iminente ocor-
rerá porque Deus é o eterno e soberano que, em última análise, governa e
domina todas as coisas em seu Universo.

Caird (1966, p. 129), notando a ênfase que é posta sobre a Criação, sustenta
que o propósito secreto de Deus mencionado em seguida envolve retorno à Cri-
ação original. Ford (1975, p. 160) salienta que “há um eco dos mandamentos”
(Êx 20:11) no juramento. Esta é uma observação exata, porque o quarto manda-
mento contém os mesmos três elementos de céu, terra e mar na mesma ordem.
A frase qualificativa “e tudo quanto neles existe” é adicionada somente depois
do terceiro item em Êxodo 20, mas aqui no juramento do anjo ela é adicionada
depois de cada uma das três áreas nomeadas.
Resumindo esta parte da discussão do juramento dois pontos principais
podem ser feitos: Primeiro, há semelhança suficiente entre as partes iniciais dos 323
juramentos em Daniel 12 e Apocalipse 10 para indicar que eles estão direta-
mente relacionados. Segundo, uma ênfase tem sido acrescentada sobre Deus
como Criador no juramento de Apocalipse, e a linguagem usada nessa ênfase
vem mais diretamente do quarto preceito dos Dez Mandamentos.

A mensagem do anjo forte

Introdução
Em seguida à identificação de Deus em cujo nome é feito o juramento, o
anjo de Apocalipse 10 faz uma declaração acerca do tempo. Em versões mais
antigas suas palavras são traduzidas por “não haveria mais tempo” (KJV); em
versões mais recentes é traduzido por “não haveria mais demora” (RSV).
Em uma ou outra tradução é evidente que o juramento solene do anjo lida
com tempo. A fim de determinar o intento desta expressão ser-nos-á necessário
examinar sua fraseologia partindo de vários pontos de vista diferentes: léxico,
contextual, paralelos ou analogias, e cumprimento histórico-profético.
Estudos selecionados em interpretação profética

Pronunciamento profético acerca do tempo

Definição e uso de chronos (tempo)


A palavra traduzida por “tempo” na KJV e “demora” na RSV é chronos (tem-
po). A ideia de que esta ocorrência de chronos deve ser traduzida por “demora”
é encontrada não somente em algumas versões modernas, mas de forma con-
siderável na literatura de comentários atuais. Ladd (1972, p. 144) observa, por
exemplo: “O que o anjo anuncia é que não haverá mais tempo interveniente an-
tes da vinda do fim. A consumação não será mais adiada; as orações dos santos
estão prestes a ser respondidas.” Barnhouse (1971, p. 185) adiciona a ideia de
que não haverá mais demora até o toque da sétima trombeta. Dada a notorie-
dade deste ponto de vista acerca da tradução de chronos, devemos perguntar a
nós mesmos qual é a maneira mais correta de tratá-la?
Um básico ponto de partida para determinar a tradução de chronos deve
começar com o seu uso em Apocalipse. Além desta ocorrência em 10:6,
chronos é encontrada em outras três passagens do Apocalipse. Em 2:21, se
refere ao tempo dado a Jezabel para se arrepender. Em 6:11, se refere ao
tempo adicional em que os mártires deveriam repousar sob o quinto selo.
Em 20:3, se refere ao pouco tempo que é dado a Satanás depois da sua soltu-
324 ra no final do milênio. Nos dois últimos casos, esta palavra para “tempo” é
modificada pela palavra mikros para “pouco”. Nos outros cinco exemplos em
Apocalipse onde ocorre a palavra portuguesa “tempo”, a palavra traduzida
do grego é kairos, não chronos (Ap 1:3; 11:18; 12:12; 12:14; 22:10).
Assim, nenhum dos exemplos onde chronos é usada em Apocalipse fornece
a ideia de demora. Empregar este significado em 10:6 carece de apoio na utili-
zação do autor e só pode ser visto como um caso arbitrário de súplica especial.
Um detalhe adicional contra este tipo de tradução pode ser extraído da maneira
em que esta palavra funciona em sua própria língua. Como salientou Elliott
(1846, p. 121) muito tempo atrás, o verbo chronizo pode significar “demorar”,
mas o substantivo chronos não é usado deste modo.
A partir destas considerações parece que a mais popular e recente tradução
e interpretação desta palavra como “demora” não é justificada em 10:6. A
tradução mais antiga deve ser retida (“não haveria mais tempo,” KJV).

Elementos contextuais de tempo


Nós nos referimos aos elementos de tempos encontrados em Apocalipse
fora do capítulo 10. Estes estão localizados ou declarados de tal maneira a
prover uma espécie de estrutura para nossa declaração acerca do tempo em
O anjo forte e

Apocalipse 10. Três destas aparecem. Uma precede imediatamente no capítulo


9, e uma segue no capítulo 11. A terceira declaração ocorre no quinto selo do
capítulo seis. A ligação neste último caso é feita pelo tema e linguagem usada.
Apocalipse 6:11. Esta passagem retrata simbolicamente um grupo de mártires
debaixo do altar após a abertura do quinto selo. Eles têm uma veemente interro-
gação, e esta interrogação é: Até quando o atual estado de coisas irá continuar? “Até
quando, ó Soberano Senhor, santo e verdadeiro, não julgas, nem vingas o nosso
sangue dos que habitam sobre a terra?” Em resposta a esta interrogação e apelo é
dada a cada um deles uma vestidura branca e lhes é dito que esperassem por pouco
tempo (chronos) até que se completasse o número de seus irmãos.
Discutindo a declaração feita acerca do “tempo” ou “demora” no capítulo
10, Barnhouse (1971, p. 183) sugere que a resposta à interrogação dos mártires:
“Até quando?” (6:10-11), é dada pelo anjo forte (10:6). Ladd (1972, p. 144) igual-
mente acha que a declaração feita em 10:6 indica que “as orações dos santos (em
6:10-11) estão prestes a ser respondidas”.
Uma boa defesa pode ser feita para este ponto de vista com bases léxicas. A
palavra usada em ambas as passagens é chronos. Em 6:11, é dito aos santos que
repousem um pouco mais chronos; em 10:6, o anjo declara que não haverá mais
chronos. Se estas duas declarações estão ligadas, então a primeira daria algo de
uma estrutura de tempo para a segunda. 325
A cena dos mártires ocorre sob o quinto selo, e parece se referir à grande
perseguição da Idade Média. Segundo a escola historicista de interpretação esta era
de perseguição se encerrou por volta do final do século 18. A abertura do sexto
selo que segue se refere à segunda vinda de Cristo e aos sinais que imediatamente a
precedem. Portanto, a declaração do anjo de Apocalipse 10 concernente ao “tempo”
deve cair em algum lugar entre estes dois pontos (o fim da perseguição medieval e
o Segundo Advento) elaborada sob o quinto e o sexto selos.
Deve-se tomar nota quanto ao pedido dos mártires (6:10). Eles pergun-
tam quanto tempo passará antes que Deus julgue e lhes vingue a morte. É
possível que o juízo e a vingança sejam uma e a mesma ação. A alternativa
é que eles são sucessivos. Neste caso o julgar seria de caráter judicial, ao
passo que a vingança seria de caráter executivo.
Uma sugestão em apoio de uma sequência bifásica pode ser encontrada no
final do verso 11 onde o processo de completar o número dos santos é sug-
erido. A complementação de tal número exigiria algum tipo de processo de
tomada de decisão. Assim o tempo aqui mencionado (que eles deviam repousar,
literalmente, “por pouco tempo”) pode ser o tempo para o começo e duração
Estudos selecionados em interpretação profética

do processo de tomada de decisão. Tal juízo finalmente resultaria em vingar o


sangue dos santos e em introduzi-los no eterno reino de Deus.
Apocalipse 9:15. Se alguém está procurando declarações acerca do tempo no
contexto imediato de Apocalipse 10, então a mais próxima declaração quantificada
precedente desta natureza é encontrada com a profecia de tempo sob a sexta trom-
beta, em Apocalipse 9:15. Sendo que a especificada quantidade de tempo mencio-
nada ali é aplicada a eventos sob a sexta trombeta, o anjo de Apocalipse 10 não
poderia ter dito que o tempo —literal ou profético — não seria mais até depois da
conclusão desse período de tempo. Isto suscita a questão do período histórico ao
qual esse espaço de tempo profético deveria ser aplicado.
Vários comentaristas adventistas do sétimo dia têm encontrado nesta profecia
uma descrição do ataque dos turcos otomanos contra a cristandade.9 Os detalhes
destas aplicações não podem ser explorados aqui, mas basta dizer que em geral o
princípio presente nestas aplicações parece correto, o poder político previsto tem
sido identificado corretamente. O período de tempo associado a esta profecia,
porém, ainda não parece ter sido identificado corretamente. Uma avaliação mais
exata disto pode emprestar mais apoio à correção desta interpretação geral.
A aplicação do princípio dia-ano10 ao período de tempo encontrado em
Apocalipse 9:15 provê 360 anos históricos para o ano profético (comparar
326 com Apocalipse 11:2-3; 12:6, 14 para o fato de que um ano profético con-
siste de 360 dias), mais 30 anos históricos para o mês profético, e um ano
adicional para o dia profético nesta declaração de tempo. Isto dá um total
de 391 anos históricos com os quais se lidar até aqui. A pergunta então é o
que fazer com “a hora” com que se inicia esta declaração acerca do tempo.
Sendo que a palavra para “hora” pode não ser tão específica em termos de
cumprimento histórico, em outro lugar no Apocalipse, ela não precisa ser
tomada aqui como parte da equação cronológica. Aqueles outros elementos
de tempo nos levam ao tempo ou “hora” em que está profecia culminaria.
Se procurarmos o principal evento com que começou o assalto dos turcos
otomanos contra a Cristandade, certamente veremos a queda de Constantinopla
como o evento que assinalou o início da inundação de turcos contra o Continente
Europeu, e que esta inundação finalmente chegou até as portas de Viena. A queda
de Constantinopla levou a uma distribuição de obras escritas através da Europa

9
  Para opiniões representativas sobre este assunto na literatura adventista do sétimo dos comen-
tários, veja Uriah Smith (1944, p. 497-517) e Nichol (1957, v. 7, p. 792-796).
10
  Para uma discussão do princípio dia-ano na interpretação das profecias apocalípticas de tem-
po veja W. H. Shea (2007, p. 63-107).
O anjo forte e

que ajudou a Renascença, e a queda daquela cidade foi considerada um evento


memorável pelos cristãos que viviam na Europa na época. Isto ocorreu em 1453.
Trezentos e noventa e um anos a partir desta data nos leva a 1844. Este foi o ano
em que a Sublime Porta emitiu seu edito de tolerância proibindo os cidadãos do
império turco de perseguir ou matar os cristãos por causa de sua fé. Sendo que
este foi um período profético durante o qual membros da espécie humana deve-
riam ser mortos, a cessação deste tipo de atividade (pelo poder que anteriormente
havia efetuado esta espécie de atividade) se ajusta muito bem às especificações
desta profecia. O período de tempo também se ajusta muito bem à natureza deste
evento, de 1453 quando a matança começou em Constantinopla até 1844, 391
anos depois, quando este tipo de matança veio a ser proibida.
A conclusão reforça a impressão da correção geral desta interpretação
da profecia, com respeito à sua aplicação ao poder político envolvido e com
respeito à exatidão do período de tempo a ele concedido para fazer a obra
que lhe era designada. Tudo isto chegou a um fim em 21 de março de 1844.
Não até este ponto poderia o anjo de Apocalipse 10 dizer que não haveria
mais tempo, porque o período de tempo profético e histórico de Apocalipse
9:15 ainda estava em andamento até então.
Qualquer tempo depois da conclusão deste período de tempo profético,
porém, teria sido apropriado para o anjo ter feito tal declaração de acordo com 327
esta parte da estrutura cronológica que envolve a profecia de Apocalipse 10. Neste
caso a palavra chronos usada em 10:6 é também particularmente apropriada. Se
alguém mencionasse novamente os dias, meses e anos de 9:15 (a fim de dizer que
não haveria mais deles futuramente), isto teria levado a uma declaração um tanto
complexa. Em vez disto, todos estes elementos de tempo estão incluídos sob o
cabeçalho de chronos, e isto inclui todos eles coletivamente.
Apocalipse 11:2-3, 9, 11. A principal narrativa de Apocalipse 11 está em-
parelhada com a de Apocalipse 10 para formar o material parentético entre as
apresentações da sexta e sétima trombetas. Porque estas duas unidade estão
emparelhadas desta maneira, podemos esperar alguma espécie de relação entre
os conteúdos de suas profecias e a maneira como elas tratam o tempo profético.
Os períodos de tempo dados em Apocalipse 11 são específicos. Há um período
longo e um período breve. O período de tempo longo é dado duas vezes: como 42
meses (11:2) e como 1260 dias (11:3). O período de tempo breve é dado duas vezes
posteriormente no capítulo como 3 dias e meio (11:9, 11). O elemento de tempo
simbólico mais longo é de mais importância para nós porque obviamente repre-
senta um período de tempo muito mais longo do que o símbolo 3 dias e meio.
Estudos selecionados em interpretação profética

De importância fundamental para esta narrativa e o elemento tempo mais longo


é a condição das testemunhas de Deus testificando em pano de saco. Em termos de
cumprimento histórico isto se ajusta bem à Idade Média, durante a qual a verdade
de Deus foi obscurecida em trevas espirituais enquanto os santos de Deus experi-
mentaram a perseguição predita também para o mesmo período de 1260 dias no
próximo capítulo (Ap 12:6, 14). O princípio dia-ano aplicado a este espaço de tem-
po provê um período de 1260 anos para essa era de trevas espirituais e perseguição.
Isto se ajusta muito bem aos marcadores históricos que têm sido propostos para
demarcar esse período: estendendo-se de meados do sexto século ao final do século
dezoito, ou 538 a 1798 em termos cronológicos mais específicos.11
Para nosso propósito realmente não importa se os 3 dias e meio ou anos ocor-
rem no final desse período de tempo ou logo depois. O efeito líquido é o mesmo, a
saber, que os dois períodos de tempo de Apocalipse 11 chegam ao fim por volta do
início do século dezenove. Apocalipse 11 provê assim um marcador antes do qual o
anjo de Apocalipse 10 não poderia ter feito seu juramento de que “não haveria mais
tempo” (KJV). Os períodos de tempo de Apocalipse 11 ainda estavam transcor-
rendo no relógio profético. Somente em algum ponto depois que eles tivessem ter-
minado poderia realmente o anjo declarar sob juramento o seu anúncio.

328 Tempo paralelo


Daniel 12. Comparações têm sido feitas entre Daniel 12 e Apocalipse 10
em vários pontos na discussão precedente. Chegamos agora a mais uma com-
paração: seu interesse mútuo no “tempo”. Por exemplo, o anjo de Apocalipse
12 jura que “a destruição do poder do povo santo” viria ao fim depois de “um
tempo, dois tempos, e metade de um tempo” (Dn 12:7, RSV). Por outro lado, o
anjo de Apocalipse 10 jura que não haveria mais tempo. Sendo que tantos out-
ros aspectos destas narrativas correspondem, seria apenas natural esperar que
estes elementos de tempo estejam de alguma forma relacionados.
A relação tem sido notada por vários comentaristas. Entre as obras mais
antigas, M. Habershon (1841, p. 208) escreveu em 1841:

Isto expressaria agora minha convicção pessoal de que a afirmação aqui apresentada
se relaciona com a mesma coisa, a única diferença é que um expressa este período de

  Para apresentações amostras das datas de 538-1798 para o período de 1260 dias-anos de
11

perseguição na profecia, veja as obras mencionadas Uriah Smith (1944, p. 143-145, 533-534, 551-
558) e Nichol (1957, v. 4, p. 833-834).
O anjo forte e

1260 anos como futuro, ‘isto será por um tempo, tempos, e metade de um tempo’; ao
passo que o outro o expressa como passado — “não haverá mais tempo”.

Observou P. S. Desprez (1854, p. 226) em 1854: “Ambas as predições se rela-


cionam com o mesmo tempo; uma é apenas o eco da outra.” Escreveu P. W.
Grant (1889, p. 267) em 1884:

O juramento, também, é totalmente da mesma natureza — além disso, como já su-


gerido, é o mesmo juramento, apenas se referindo em um caso a todo o tempo da
opressão anticristã, [...] e se referindo no outro ao final do mesmo triste período.

O comentário de Clarke (1938, p. 618) é mais hesitante: “Isto é muito semel-


hante à descrição do anjo. Apocalipse 10:5, 6, e no sétimo verso parece haver
uma referência a esta profecia, ‘um tempo e tempos, e uma metade.”
Esta relação também tem sido notada por comentários mais recentes.
Em sua obra publicada em 1940 M. Kiddle (1940, p. 172-173) escreveu,
“em realidade o anjo está falando precisamente do mesmo período como
aquele mencionado em Daniel”.
Embora modernos comentaristas continuem notando a relação entre estas
duas declarações acerca do tempo, eles têm, em alguns casos, virado a relação 329
ao contrário. Eles afirmam que o anúncio em Apocalipse 10 indica que os 3
tempos e meio de perseguição de Daniel deve começar, não terminar. Caird
(1966, p. 127-128) expressa este ponto de vista:

João acreditava que a profecia de Daniel, juntamente com outras profecias do


Antigo Testamento, estava prestes a ter um novo e mais esplêndido cumpri-
mento. Os três anos e meio estavam prestes a se iniciar [...]; e ele interpretou
a última sentença das palavras do anjo a Daniel como significando que com
a destruição do perseguidor o propósito secreto de Deus terá sido cumprido
[ênfase do autor]. A perseguição da igreja é assim a arma secreta pela qual
Deus pretende alcançar sua vitória sobre os perseguidores da igreja e execu-
tar seu propósito de redenção. É também o conteúdo do livrinho.

O ponto de vista mais antigo, que coloca o anúncio do anjo de Apocalipse


10 no final do período de tempo anunciado pelo anjo de Daniel 12, parece ser
superior à opinião moderna que inverteria estas relações. A opinião mais re-
cente é baseada em parte sobre a aplicação da profecia de Daniel ao tempo de
Antíoco Epifênio (segundo século a.C.). Assim, o uso deste período de tempo
em Apocalipse torna-se uma reaplicação, não o intento original da profecia.
Estudos selecionados em interpretação profética

Na opinião historicista, porém, a profecia de Daniel vê mais distante no


tempo do que simplesmente o segundo século a.C. Realmente, ela se estende na
Era Cristã quando esta perseguição deveria ocorrer. A aplicação do princípio
dia-ano a este período de tempo indica que um anúncio sobre isto em Apoc-
alipse deve se referir à sua conclusão em vez do seu começo.
O mesmo ponto é confirmado pelo contexto de Apocalipse 10. O juramento
ali expresso deveria encontrar seu cumprimento no tempo em que o sétimo
anjo estava prestes a tocar sua trombeta, claramente um evento do tempo do
fim. Assim, a conclusão dos mais antigos comentaristas historicistas sobre este
ponto parece mais acertada do que a abordagem da crítica moderna.
Esses comentaristas, quer tenham escrito no século 19 ou no século 20, têm
feito uma ligação direta entre o fim do tempo de Apocalipse 10:6 e os 3 tempos e
meio de Daniel 12:7. Embora esta conclusão geral esteja indubitavelmente correta,
há uma falha em tornar a aplicação tão específica. Este defeito tem surgido de uma
falha em dar atenção à palavra grega específica que é empregada. Na Septuaginta de
Daniel 12:7 (a tradução grega do 3º/2º século a.C. da Bíblia Hebraica, comumente
designada como a LXX) a palavra usada para 3 “tempos” e meio é kairos, enquanto
que a palavra usada em Apocalipse 10:6 é chronos. As Bíblias em nosso idioma não
salientam a distinção que está presente nestes termos gregos.
330 Este é um exemplo em que podemos estar muito certos de que uma distinção
era tencionada pelo autor. Isto é evidenciado pelo fato de que o período de tempo
idêntico, extraído de Daniel 12:7, aparece em Apocalipse 12:14 e emprega a mesma
palavra kairos conforme encontra na LXX de Daniel. Parece claro, portanto, que
João pretendia usar uma palavra diferente em Apocalipse 10:6 do que ele usou em
12:14 ou a LXX usada em Daniel 12:7. Mas João ainda usou uma palavra que se
referia a tempo (chronos). Por que deveria esta distinção estar presente no texto?
Uma resposta a esta pergunta pode ser inferida de outros dados de Daniel 12. Em
seguida ao juramento acerca dos 3 tempos e meio, o anjo assume o assunto da abomi-
nação da desolação. Sua duração, disse ele, seria de 1290 dias (v. 11). E ele continua
pronunciando uma bênção sobre aqueles que chegam aos 1335 dias (v. 12).
Assim, no final de Daniel 12 são mencionados dois períodos de tempo adicio-
nais pelo mesmo anjo. Nos últimos exemplos, porém, os períodos de tempo são
dados em unidades diferentes; em vez de “tempos”, a unidade empregada é “dias”.
Se o anjo de Apocalipse 10 tivesse pretendido se referir somente aos 3 tempos
e meio de Daniel 12, ele teria usado a palavra kairos. Mas Daniel 12 contém dois
períodos de tempo proféticos mais longos além dos 3 e meio kairoi. Para acomodar
estas outras referências ao tempo (dado em “dias”), uma palavra diferente de kairos
teria de ser usada. Enquanto kairos podia se referir somente a um dos três períodos
O anjo forte e

de tempo de Daniel 12, chronos se ajusta bem como um termo abrangente, cobrin-
do ambas as unidades de tempo dadas em kairos e aquelas dadas em “dias”. Assim,
a distinção para chronos em Apocalipse 10:6 é que ela funciona para incorporar os
três períodos de tempo de Daniel 12 em seu referencial.
Sendo que o juramento do anjo (10:6) parece incluir as três profecias de tempo
de Daniel 12, alguma atenção deve ser dada ao seu cumprimento histórico. Os 3
tempos e meio (v. 7) se referem à mesma era conforme dada em Daniel 7:25. Ambas
as passagens encontram seu cumprimento na perseguição que se estendeu através
da Idade Escura — de 538 a 1798 (Ap 1:13, 15; 2:18; 3:9; 13:2; 22:8).
A “abominação da desolação” (v. 11) deveria ser estabelecida pelo mesmo poder
que levaria a cabo esta perseguição (cf. Dn 11:31; 8:11-12). Sendo que o domínio
desse poder deveria chegar a um fim temporário no tempo em que terminasse a
perseguição (7:25), assim também nesta profecia paralela (12:11) a manifestação
da abominação desoladora terminaria no mesmo tempo que a perseguição. Isto é
apenas outra maneira de dizer que os 3 tempos e meio ou 1260 dias deveriam termi-
nar juntamente com os 1290 dias, ambos em 1798. Calculando para trás, não para
frente, significa que a manifestação desse poder começou em 508.
O período de tempo final de Daniel 12, os 1335 dias, é dado no mesmo tipo de
unidade de tempo como o imediatamente precedente 1290 dias. É razoável, portan-
to, assumir que ambos caminham juntos. Isto significa que os 1335 dias se estendem 331
45 dias-anos além do final dos 1290 dias-anos em 1798, ou para 1843.
Deve ser notado aqui que estamos tratando de eventos históricos da Europa
ocidental que são medidos pelo calendário romano juliano-gregoriano que
começa cada ano em janeiro e termina em dezembro.
As profecias de tempo de Daniel 8 e 9, porém, têm sido calculadas de acor-
do com o calendário judaico de outono a outono porque este era o calendário
que estava funcionando no local e tempo quando começaram estes períodos de
tempo (Ne 1:1; 2:1). Portanto, quando chegamos ao 1335º dia-ano de Daniel
12:12, seu ano de janeiro a dezembro de 1843 coincidiu com o 2300º dia-ano
de Daniel 8:14 que se estendia do outono de 1843 ao outono de 1844. Para fins
práticos, portanto, podemos dizer que os 1335 dias nos levam ao mesmo ano de
1844 como faz o período de tempo profético de Daniel 8:14.
Este discurso do glorioso anjo de Daniel 12 fornece três períodos de tempo:
os 3 tempos e meio, os 1290 dias e os 1335 dias. Historicamente, estes terminam
respectivamente em 1798, 1798 e 1844. Nossa referência a tempo chronos parece
levar em conta todos os três destas profecias, não somente o primeiro deles. Isto
significa que a declaração do anjo de Apocalipse 10 — de que “não haveria mais
tempo” (KJV) — não poderia ter sido pronunciada antes de ter sido concluído
Estudos selecionados em interpretação profética

o terceiro e último dos três períodos. Isto ocorreu em 1844. Em qualquer tempo
depois disto, esta declaração poderia ter sido pronunciada.
Daniel 8:14. Não há nenhuma conexão léxica direta entre Apocalipse 10
e Daniel 8:14, mas bem pode haver uma conexão temática entre eles. Esta
conexão tem a ver com as unidades de tempo de Daniel 8:14, as 2300 tardes-
manhãs (dias). O que é uma tarde-manhã? O uso sucessivo deste tipo de fraseo-
logia para os dias da criação de Gênesis 1 indica que se tinha em vista um dia de
24 horas, uma expressão de significado cronológico somente. Pode haver algum
significado teológico para o uso de tardes-manhãs em Daniel 8:14?
Daniel 8 é acima de tudo uma profecia acerca do santuário. Uma luta a res-
peito do santuário ocorre entre o Príncipe do exército e o chifre pequeno. Pala-
vras hebraicas para santuário ocorrem três vezes nesta narrativa (v. 11, 13, 14).
A palavra tāmîd (diário, contínuo) encontrada nesta passagem (v. 13-13) ocorre
30 vezes em outros lugares no Antigo Testamento ligados com o santuário. Os
dois anjos de 8:13 são chamados “santos”, um termo raro para anjos no Antigo
Testamento; mas aqui esses “santos” são mencionados no contexto do “lugar
santo” ou “santuário”. O carneiro e o bode usados como símbolos no início do
capítulo eram também usados como animais sacrificais no santuário. Assim, é
evidente que Daniel 8 é uma completa profecia do santuário.
332 É nesta luz que as “tardes-manhãs” do seu elemento tempo devem ser
examinadas. Há um aspecto específico do ritual do santuário que ocorria de
tarde e de manhã. De tarde o sacerdote queimava incenso e acendia as lâm-
padas; de manhã ele arrumava as lâmpadas e queimava incenso novamente.
Estas atividades deveriam ser realizadas “desde a tarde até pela manhã, de
contínuo [tāmîd], perante o Senhor” (Lv 24:3).
Pelo uso de Sua coluna de nuvem e coluna de fogo, o próprio Deus assi-
nalava o tempo em que estas atividades deveriam ser realizadas. Uma mudava
para a outra no pôr-do-sol e nascer do sol, marcando assim o tempo em que o
sacerdote devia realizar estas atividades no tabernáculo. Esta era a maneira em
que o Senhor dirigia, guiava e protegia o Seu povo e o Seu santuário de tarde e
de manhã durante os 40 anos de sua vagueação no deserto Nm 9:15, 21).
Dado este significado especial do santuário para a sequência da tarde e da
manhã, pode ser sugerido que as tardes e as manhãs na profecia de Daniel as-
sumem um significado adicional. Uma tarde-manhã não é simplesmente um
período de 24 horas — é um “dia do santuário”.
Retornando a Apocalipse 10, devemos notar outra vez o simbolismo do ves-
tuário e aparência do anjo forte. Discutimos acima a nuvem envolta em torno
do anjo. Pode estar relacionada com a nuvem de Deus envolta em torno de Si
O anjo forte e

mesmo quando Ele conduzia os filhos de Israel no deserto. Os pés desse anjo
forte tinham a aparência de colunas de fogo. A coluna de fogo que é mais bem
conhecida na Bíblia é a coluna de fogo que conduzia os filhos de Israel no
deserto. Assim, em termos de imagens, o anjo forte de Apocalipse 10 apresenta
os dois principais elementos que demonstravam a presença do Deus de Israel
sobre seu santuário e sobre seu povo: a coluna de nuvem e a coluna de fogo.
Essa mesma coluna de nuvem e coluna de fogo é mencionada indiretamente
em Daniel 8, se as tardes-manhãs do verso 14 são realmente dias do santuário.
Sendo que o anjo que aparece desta maneira está lidando com tempo profético, e
sendo que este elemento específico do dia do santuário é usado em uma profe-
cia de tempo especial, pode ser sugerida uma conexão entre essa linguagem de
Daniel 8:14 e essa imagem de Apocalipse 10.
Tal conexão em potencial com a profecia de Daniel 8:14 também deve ser
levada em conta quando se considera o que o anjo forte de Apocalipse 10 quer
dizer quando ele afirma que “não haveria mais tempo”, Conforme compreendi-
do pelos adventistas do sétimo dia, aquelas tardes-manhãs se estendiam — em
cumprimento histórico — de 457 a.C. a 1844 d.C.
Assim, esta linha da profecia de tempo também apresenta a data de 1844 como
o momento oportuno antes do qual o anjo não poderia ter feito sua declaração
acerca do tempo, mas depois do qual ele poderia justificadamente ter feito isto. 333

Relações intra-juramento
Nos dias do anjo da sétima trombeta (v.7). O brado do anjo forte de
que “não haveria mais tempo” (KJV) está especialmente relacionado com
duas declarações que seguem imediatamente (os dias do sétimo anjo e o
cumprimento do mistério de Deus). Ambas as declarações incidem sobre
a questão do tempo, a primeira mais do que a segunda. A mais direta de-
claração de tempo ocorre na próxima frase que se refere ao toque da trom-
beta do sétimo anjo. É importante traduzir esta frase precisamente em or-
dem a fim de determinar o que ela diz acerca do tempo.
Literalmente, a frase se traduz como “mas nos dias do som/voz do séti-
mo anjo quando ele está prestes a soar a trombeta”. Esta porção da passagem
consiste de uma frase prepositiva seguida por uma cláusula dependente
qualificativa. Se tivéssemos apenas a frase prepositiva, poderíamos admitir
que o som ou voz (phōnēs) do sétimo
anjo se referia ao toque da sua trombeta, precisamente como os anjos an-
teriores tocaram suas trombetas (8:7-8, 10, 12; 9:1, 13). A frase qualificativa
Estudos selecionados em interpretação profética

“quando/sempre que ele está prestes a soar a trombeta”, porém, indica que isto é
antes um período de tempo que conduz ao real toque da trombeta.
Esta distinção tem sido notada por vários comentaristas. Ladd (1972, p. 141),
por exemplo, primeiro traduz esta frase transpondo a cláusula qualificativa para
frente na frase prepositiva: “Nos dias do soar da trombeta a ser tocada pelo sétimo
anjo.” Ele então passa a notar o significado do verbo mellō (estar prestes a fazer al-
guma coisa) e cita seu uso em outros lugares no Apocalipse (3:2; 8:13; e 10:4 nesta
mesma passagem). Em Apocalipse 10:4, ele se refere a João ao estar prestes a escrever
a mensagem dos sete trovões, mas lhe foi dito que não o fizesse.
Ladd (1972, p. 145) também chama a atenção para a unidade de tempo
(nos dias) que combina com o uso do verbo “estar prestes a”. “Isto ocorrerá
não quando o sétimo anjo soar, mas ‘nos dias’ do soar da sétima trombeta.” Sua
conclusão acerca das implicações destes dois fatos do texto é, “O verso não diz,
‘quando a trombeta soar’, mas ‘nos dias do soar da trombeta.’ Isto sugere clara-
mente que o soar da sétima trombeta não deve ser cogitado como um simples
ato; ele incorpora um período de tempo” (LADD, 1972, p. 145). Barnhouse
(1971, p. 184) nota o mesmo fator como operativo aqui: “A voz do sétimo men-
sageiro é ouvida por algum tempo considerável, ‘nos dias da voz’. Não é um
lancinante grito agudo, mas um juízo longo e contínuo.”
334 O quadro descrito e ao qual se alude na passagem mais longa de Apocalipse
10 parece ser o seguinte: O sexto anjo tocou a trombeta (9:13). Em seguida ao
seu toque, os eventos que deviam ocorrer se desenrolam no período de tempo
destinado a eles. Quando aqueles dias e eventos concluírem, o tempo é entregue
ao sétimo anjo, mas ele realmente ainda não tocou sua trombeta; ele está apenas
se preparando para fazer isto (“prestes a”). É neste intervalo da sétima trombeta
que o anjo forte de Apocalipse 10 diz que não haveria mais tempo.
Sendo que o tempo histórico continua, obviamente a referência do anjo não
é a esta espécie de tempo. Alguma outra espécie de tempo está envolvida. Além
disso, neste intervalo não há nenhum calibrado tempo simbólico ou profético
como havia sob a sexta trombeta (cf. 9:15). Assim, o anjo forte parece estar de-
clarando sob juramento que todos os períodos de tempo proféticos terminaram.
Os acontecimentos que ocorrem quando o anjo toca sua trombeta (descritos
em Apocalipse 11:15-18) são eventos da grande finalização. A história humana
chega ao fim, e o domínio direto de Deus em Seu reino é estabelecido. Os santos
são galardoados, e os ímpios são destruídos.
O mistério de Deus. A frase final dos três elementos que constituem o jura-
mento do anjo tem a ver com o cumprimento do mistério de Deus. “Mas, nos dias
O anjo forte e

da voz do sétimo anjo, quando ele estiver para tocar a trombeta, cumprir-se-á, então,
o mistério de Deus, segundo ele anunciou aos seus servos, os profetas” (10:7).
Sendo que as profecias de Daniel têm estado à vista ao longo desta passagem,
é natural que ele deve ser considerado um daqueles profetas que anunciaram este
mistério. A conexão de Daniel é notada por alguns comentaristas. Observa Caird
(1966, p. 125): “Poderia parecer evidente por si mesmo que isto se refere às profe-
cias do Antigo Testamento, e particularmente Daniel.” Ford (1975, p. 163) diz que
este tipo de linguagem tem sido usada em Daniel: “A palavra hebraica raz, ‘mistério’,
é frequente em Daniel e nos rolos de Qumran e se refere principalmente ao segredo
dos tempos, e à sequência de eventos e à consumação.”
Várias sugestões têm sido feitas acerca da natureza precisa do mistério que está
sendo discutido. Bousset sugere que ele se refere à derrota de Satanás. Embora este
elemento bem possa ser incluído, ele não estaria limitado a apenas este evento. Out-
ra ideia proposta tem sido que isto se refere ao nascimento do Messias (Vischer).
Isto parece improvável em vista do enfoque do fim dos tempos desta profecia.
Uma sugestão mais amplamente fundamentada é que o “mistério” envolve tudo
acerca do propósito de Deus no mundo (Charles). A natureza geral desta sugestão
torna difícil discordar dela. Olhando para o contexto deste juramento, Caird (1966,
p. 129) tem sugerido que o mistério tem a ver com o retorno à criação original.
Ladd (1972, p. 145) tem recorrido a analogias com Daniel (especialmente Daniel 335
2:29-30, referindo-se a Deus como um revelador de mistérios proféticos) para sug-
erir que outro mistério da profecia está aqui envolvido. O mistério, porém, parece
lidar mais com a real conclusão do plano da salvação do que o faz com o anúncio de
outros mistérios proféticos que conduzem a esta conclusão.
Uma sugestão alternativa sobre a natureza do mistério a ser cumprido pode ser
feita a partir do seu contexto em Apocalipse. O evento que precede imediatamente
a referência a este mistério é o toque da sétima trombeta. Sua menção forma parte
da sentença. Sendo este o caso, é razoável considerar os eventos a ocorrer sob a
sétima trombeta (Ap 11:15-18) para determinar que espécie de mistério será “cum-
prido” naquela ocasião. Os eventos são essencialmente de natureza tríplice.
Primeira, o toque da sétima trombeta manifesta o pleno estabelecimento
do domínio de Deus e seu reino eterno (11:15-17). Isto tem sido algo de um
mistério até o tempo presente, porque esse reino é atualmente espiritual, não
plenamente visível ao olho natural. Quando soar a sétima trombeta, porém, a
natureza real do eterno reino de Deus se tornará completamente evidente.
Segunda, quando o sétimo anjo toca, significa que chegou o tempo para os
ímpios receberem sua justa recompensa (11:18). Isto, também, tem sido algo
de um mistério. Por exemplo, a identificação dos ímpios. Em alguns casos isto
Estudos selecionados em interpretação profética

pode ser prontamente evidente; mas em outros casos a distinção não está ainda
clara aos nossos olhos. Então, há o assunto que tem confundido homens e mul-
heres durante séculos: Por que os ímpios prosperam e os justos sofrem? Agora a
resposta a estas interrogações será plena e finalmente revelada.
Terceira, com o toque da trombeta do sétimo anjo os justos receberão sua
recompensa, especialmente sua recepção no eterno reino de Deus (11:18). Isto
tem sido um mistério escondido dos olhos humanos. Mas então isto se tornará
claro. Assim, o soar da sétima trombeta termina e responde perguntas acerca do
plano da salvação que anteriormente tinham parecido ser mistérios.
A maior parte deste tipo de informação parece girar em torno do domínio
do reino eterno de Deus. Três coisas específicas sobre ele serão reveladas naquele
tempo: o grande e divino Soberano dele, os cidadãos que o habitarão e aqueles que
serão excluídos dele. Estes segredos espirituais específicos do mistério do plano da
salvação serão revelados claramente quando o sétimo anjo tocar sua trombeta e “os
reinos do mundo se tornarem o reino de nosso Senhor e do seu Cristo” (11:15).12

Resumo sobre “tempo”


A discussão acima se tem centralizado nas relações cronológicas de várias
declarações de tempo com o juramento do anjo (“não haveria mais tempo”, 10:7,
336 KJV). Três áreas diferentes têm sido examinadas para determinar estas relações:
(1) o contexto imediato da profecia de Apocalipse 10, (2) o contexto próximo do
livro de Apocalipse, e (3) analogias de Daniel. Esta investigação tem produzido
um total de sete relações cronológicas para exame.
Se olharmos para estas linhas da profecia a partir de uma perspectiva his-
toricista, vemos que duas têm fornecido períodos gerais de tempo para análise,
mas cinco têm provido específicas regulações de tempo que se relacionam com
esta declaração juramentada de Apocalipse 10. Esta informação pode agora ser
resumida conforme mostrada na página seguinte.
A partir do gráfico pode ser visto que estas linhas de tempo profético
não se estendem além de 1844. Nenhuma outra profecia apocalíptica de
porções específicas de tempo simbólico é conhecida que atinja além deste
ponto. Consequentemente, pode ser dito corretamente que em 1844 o tem-
po profético simbólico chegou ao fim.

  Esta opinião não é hostil ao fato de que o toque da sétima trombeta vê também a terminação
12

do “mistério do evangelho” (Ef 6:19); donde, o fim da provação humana. Isto é clara evidência de
que a série de eventos das trombetas ocorre no tempo de prova histórico. – Ed.
O anjo forte e

Que o fim do tempo histórico não se entende pelo juramento do anjo está
claro do próprio conteúdo de Apocalipse 10. O anúncio do anjo forte deve as-
sim ser considerado como lidando com tempo profético simbólico. Com as
conhecidas linhas do tempo profético convergindo para concluir em 1844, este
detalhe provê a mais apropriada ocasião para ser feito este anúncio do anjo. O
anúncio do anjo forte tem sido compreendido então como um anúncio do fim
das profecias de tempo apocalíptico simbólico em 1844.

Relações cronológicas de “não mais tempo” (profético)


(Ap 10:6)

I. Gerais
A. Como uma resposta à pergunta Aponta para o juízo vindouro e recom-
“Até quando?” (Ap 6:10). pensas para os santos.
B. “Nos dias em que o sétimo anjo No intervalo entre o fim da trombeta
está prestes a soar” (Ap 10:7). do sexto anjo e o soar da sétima.

II. Específicas
A. Depois dos 1260 dias (Ap 12:6) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Findaram em 1798 337
B. Depois do período de dia-mês-ano (Ap 9:15) . . . . . . . . Findou em 1844
C. Depois dos 1290 dias (Dn 12:11) . . . . . . . . . . . . . . . . . . Findaram em 1798
D. Depois dos 1335 dias (Dn 12:12) . . . . . . . . . . . . . . . . . Findaram em 1844
E. Depois das 2300 tardes e manhãs (Dn 8:14) . . . . . . . . . Findaram em 1844

O livro agridoce
Passemos agora a examinar a terceira e última seção da narrativa (v. 8-11).
Esta seção descreve a experiência do profeta com o livrinho. Ele é instruído a
tomar o livrinho da mão do anjo e comê-lo. A refeição simbólica demonstrou-
se doce em sua boca, mas amarga em seu estômago. Em seguida a esta experiên-
cia, foi-lhe dito que profetizasse outra vez a muitos povos, nações e línguas.
A extensão do simbolismo é considerável. Examinaremos seus detalhes di-
vidindo a passagem em várias seções.
Estudos selecionados em interpretação profética

Descrição do anjo
A dscrição do anjo forte é dada outra vez, porém mais brevemente. Mounce
(1977, p. 214) chama isto de um “artifício retórico”. É empregado para interligar
as seções iniciais e finais da narrativa e para enfatizar os vínculos entre o anjo e
o livrinho aberto naquelas duas cenas.
O anjo é outra vez descrito como estando em pé sobre o mar e sobre a Terra,
um sinal da universalidade de sua mensagem. Esta universalidade é agora com-
plementada nesta terceira seção pelas orientações dadas a João para profetizar
uma nova mensagem a “muitos povos e nações e línguas e reis” (v. 11).
O livrinho aberto na mão do anjo é notado mais uma vez. Este elemento é
fundamental para a experiência do profeta. A primeira voz ouvida vem do céu
e provavelmente é a voz do próprio Deus falando (10:8). Mounce (1977, p. 213)
dá ênfase ao significado da origem da comunicação: “Que a voz é uma voz do
céu enfatiza a natureza autorizada da ordem.”

O fator tempo
Barnes é um comentarista que tem realçado os fatores tempo envolvi-
dos nesta seção. Ele observa no início: “A passagem aqui (v.8) introduz um
novo símbolo, o do ‘comer o livro’, e evidentemente se refere a algo que deveria
338 ocorrer antes [grifo do autor] do ‘mistério ser cumprido’; isto é, antes de soar a
sétima trombeta” (Barnes, 1852, p. 262).
Na conclusão desta seção o profeta é instruído a profetizar outra vez.
Isto também envolve um fator tempo, como observa Barnes (1852, p. 263): “A
expressão aqui deve se referir a algo que ocorreria depois [grifo do autor] da
ação simbólica de ‘comer’ o livrinho, ou a alguma consequência de comê-lo.”
Mounce (1977, p. 216) concorda: “É depois [grifo do autor] de comer o livro
que é dito a João que ele deve profetizar outra vez.”
O significado cronológico de ambas as atividades descritas no início e no
final desta passagem (comer, profetizar) é que ambas ocorrem no intervalo du-
rante o qual o sétimo anjo está se preparando para tocar sua trombeta.

Comendo o livrinho
O profeta é instruído pela voz do céu a aproximar-se do anjo e tomar o
livrinho da sua mão. Em sua experiência visionária o profeta assim o faz. Em
resposta, o anjo o instrui a tomar e comer o livrinho. Isto o profeta também faz.
Na visão a ação agora muda para o profeta. Até este ponto o profeta tem sido
um observador. Agora ele se torna um participante.
O anjo forte e

Antes de examinar o assunto da doçura e amargor do livrinho, podemos


fazer a pergunta mais geral: O que significa comer o livrinho? Barnes (1852,
p. 263) assim interpreta: “O significado aqui, então, está claro. Ele devia
apoderar-se do conteúdo do livro; recebê-lo em sua mente; como o fazemos
com a comida, para nutrição espiritual.”
Mas o consumo do livrinho não é somente para assimilação interna, é tam-
bém para proclamação pública. Como se expressa Barnes (1852, p. 263): “O
significado é, que, como uma consequência de se tornar possuído do pequeno
volume e seu conteúdo, ele seria chamado a proclamar a verdade divina, ou
tornar a mensagem de Deus conhecida para a humanidade.”
Mounce (1977, p. 214) também enfatiza os fatores de assimilação e
comunicação envolvidos aqui: “[Isto] simboliza a apropriação completa
da revelação profética. João deve assimilar o conteúdo do livrinho antes
de comunicá-lo a outros.”
A intenção do anjo em dar o livrinho aberto ao profeta tem sido enfatizada
por Barnes (1852, p. 263): “E ele me disse: ‘Toma-o’, como se ele tivesse esperado
esta solicitação; ou tivesse descido para entregar-lhe esse pequeno volume, e tivesse
antecipado que o pedido seria feito. Não houve nenhuma relutância em abrir mão
dele.” Assim, a narrativa dá a impressão de que o anjo forte estava vindo do Céu na
hora em que fez isto a fim de dar o livrinho aberto ao agente ou agentes (a quem 339
João representa) que deviam estar envolvidos com ele desta forma íntima.

Gosto doce e amargo


Há várias passagens bíblicas citadas nos comentários como paralelas à experiên-
cia profética de gosto aqui descrita (Jó 20:12-14; Pv 9:17-18; Sl 19:10; 119:103; Jr
15:16; e Ez 2:8–3:3). Provérbios 9:17-18 e Jó 20:12-14 falam quão doce é a má ação
para o malfeitor, mas torna-se em amargura e morte onde seus efeitos são sentidos.
A doçura da palavra de Deus é enaltecida em Salmos 19:10 e 119:103. No meio de
sua biografia profética Jeremias exclama: “Achadas as tuas palavras, logo as comi;
as tuas palavras me foram gozo e alegria para o coração.” É claro, sua experiência
se tornou em amargura quando experimentou a rejeição e perseguição do povo ao
levar essa palavra para eles (Jr 15:16; ver v. 17-18).
Contudo, a mais direta e frequentemente citada analogia ao que é descrito
em Apocalipse 10, vem da experiência semelhante de Ezequiel com um rolo de
livro (Ez 2:8-10; 3:1-4). Ezequiel ouviu uma voz instruindo-o a comer o que
lhe foi dado. Então ele viu uma mão estendendo-lhe um rolo. O rolo foi esten-
dido diante dele, e o profeta leu as palavras de luto e lamentação, obviamente
representando a destruição que iria se abater sobre o seu povo. Então foi dito a
Estudos selecionados em interpretação profética

Ezequiel que comesse o rolo e fosse e falasse à casa de Israel. Ele comeu e o rolo
tinha o sabor de doce em sua boca.
Esta experiência de Ezequiel fornece o mais direto modelo bíblico para o
que é descrito em Apocalipse 10. Contudo, ele falha em um detalhe: o result-
ante amargor no estômago. Tampouco as experiências dos ímpios descritas
em Jó e Provérbios fornecem uma analogia completa. Elas têm ambos os
elementos de doce e amargo, mas estas são as experiências dos ímpios, não
dos justos como encontramos em Apocalipse 10.
Mesmo embora seja tratado aqui um grupo diferente, estas experiências
dos ímpios podem prover alguma espécie de analogia geral. O problema real
entre o doce e o amargo é que a ação em si (que é doce) não provê os resultados
antecipados (portanto, causando amargor). O mesmo pode ser dito do profeta e
a igreja que ele representa em Apocalipse 10. A doçura da mensagem da palavra
de Deus torna-se amargor quando o resultado antecipado não se materializa.
A doçura e o amargor têm sido vistos de várias maneiras pelos comen-
taristas. Por exemplo, Ford (1975, p. 164) vê o amargor de Ezequiel no fato
de que “lhe é dito que Israel não lhe dará ouvidos”. Para Mounce (1977,
p. 215), estas figuras de linguagem indicam que “o livro doce que torna o
estômago amargo é uma mensagem para a igreja. Antes do triunfo final os
340 crentes irão passar por uma formidável provação”.
Kiddle (1940, p. 173) tem uma opinião semelhante:

João, porém, logo acha o livrinho amargo para digerir. Sua mensagem é para o ver-
dadeiro Israel, a igreja cristã: e embora ele termine com o triunfo do povo de Deus,
também fala de uma formidável provação que deve preceder sua vindicação. O novo
conhecimento agridoce ele deve transmitir às igrejas em todos os países.

Barnhouse (1971, p. 190) chega mais perto do caráter profético de Apocalipse 10


quando declara, “o conhecimento do futuro é doce, mas o que ele contém é amargo”.
Alguma avaliação destes pontos de vista deve ser dada aqui. Embora seja
verdade que a experiência de João é uma mensagem para a igreja da Era Cristã,
não parece justificado limitar essa mensagem a apenas a igreja em si. No final
do episódio é dito ao profeta que profetize outra vez a muitos povos, nações, lín-
guas e reis. Parece improvável que estes elementos sejam todos cristãos antes do
tempo em que ele deve profetizar-lhes. De modo semelhante, o profetizar ante-
rior pela igreja (a que se faz referência pelas palavras “outra vez”, v. 11) também
deve ter uma ampla audiência semelhante em seu impulso missionário.
O anjo forte e

Parte do amargor do profeta no estômago pode ter vindo através da desatenção


de sua audiência, mas não parece sábio limitar esta figura de linguagem somente a
isto. E não há nada na narrativa em si para identificar o amargor com perseguição.
A perseguição descrita por Apocalipse 12:17; 13:13-17 parece ser a perseguição final
que deve recomeçar depois de o profeta ter profetizado outra vez às nações.
A doçura desta passagem não é difícil de compreender, mas o amargor é mais
difícil de interpretar. As analogias do início do capítulo podem oferecer alguma ajuda.
No início do capítulo, depois que o poderoso anjo falou pela primeira vez,
sete trovões soaram; mas sua mensagem foi selada (v. 3-4). Foi sugerido que es-
ses sete trovões podem ter representado sete julgamentos finais antes do fim, e
que seu lugar pode ter sido tomado pelas sete últimas pragas.
No fim do capítulo o anjo forte é descrito novamente, seguido agora pela ex-
periência do profeta com o livrinho. A experiência é de amargura e desapontamento.
Ambos os elementos da narrativa parecem estar descrevendo situações se-
melhantes, mas partindo de pontos de vista diferentes. Se a mensagem ligada
ao anjo descendo com o livrinho (no início do capítulo) era de julgamento final
que não veio, então desapontamento ou amargor que João (representando a
igreja) experimentou (no final do capítulo) bem pode ter acontecido através do
não cumprimento desta mensagem de julgamento final.
O amargor apresentado pela profecia parece derivar de uma experiência in- 341
terna, de desapontamento com um resultado antecipado, em vez de fatores ex-
ternos tais como a não aceitação da mensagem pela audiência, ou perseguição
dos que estavam dando a mensagem.

Nova missão
O verbo plural legousin (eles dizem, estão dizendo [a mim]) no início do
verso 11 tem ocasionado algum comentário. Ordinariamente teríamos espera-
do aqui um verbo singular (ele diz [a mim]). Seguindo Charles, Ford (1975, p.
160) sugere que a função deste plural é suprir um sujeito indefinido. Mounce
(1977, p. 216) sugere que ele pode funcionar aqui com um significado passivo.
Todavia, a voz do anjo forte e a voz do céu poderiam estar falando aqui de
comum acordo. Ou, os anjos com as trombetas poderiam estar falando. Outra
possibilidade seria os anciãos e os seres viventes no Céu ao redor do trono. Esta
questão não pode ser resolvida com finalidade; todavia, ela não afeta direta-
mente o significado do conteúdo da mensagem ao profeta.
O profeta deve ser considerado aqui, e anteriormente, como simboli-
zando os seres humanos que constituiriam o movimento que transmite essa
mensagem final. João viveu no início da Era Cristã quando ele recebeu esta
Estudos selecionados em interpretação profética

visão. Mas a cena profética em si olha em direção do fim dos tempos, muito
tempo depois da morte de João. Ele deve, portanto, ser compreendido como
representante daqueles que levarão esta mensagem final, a parte que ele
estava desempenhando sob aquelas circunstâncias. Teria sido fisicamente
impossível para João ter levado sua mensagem a todos os grupos a quem
lhe foi dito se dirigir (v. 11). Podemos, portanto, procurar um grupo ou
movimento para cumprir esta incumbência no fim dos tempos.
A conexão desta profecia com o fim dos tempos é enfatizada por suas
conexões com as outras profecias do fim dos tempos de Apocalipse através da
linguagem que ela usa para os grupos a serem abordados (povos, nações, lín-
guas, reis (v. 11). Observou Charles (1920, p. 269):

É interessante que esta enumeração, que ocorre sete vezes no Apocalipse [...] é aqui
dada uma forma diferente, e basileusin (reis) é posto no lugar de phulais (tribos). Os
reis são especialmente aqueles mencionados em 17:10, 12. O profeta está reformu-
lando esta frase característica com vista ao conteúdo de suas visões posteriores.

A extensão em que esta mensagem deve ser dada é também enfatizada pelo
termo pollois (muitos). Como observa Ford (1975, p. 161): “Pollois, ‘muitos’, se
342 refere à vastidão do campo missionário, referindo-se não somente a um impé-
rio, mas a uma multidão de raças e reinos e cabeças coroadas.”
Também devemos comentar brevemente sobre o uso do verbo “pro-
fetizar”. Alguns comentaristas abrandam a força deste verbo, interpretando-
o como significando um mero falar por Deus. Todavia, a narrativa, como
um todo, vem lidando com uma mensagem profética. Consequentemente, a
apresentação de uma mensagem inteiramente profética outra vez ao mundo
se ajustaria melhor ao significado deste verbo aqui.
O juramento/mensagem do anjo forte baseia-se ou está relacionada com
o livrinho aberto em sua mão. Sendo que esse livrinho pode ser identificado
como o livro profético de Daniel, mais uma razão é dada aqui para ver esta
mensagem final como realmente de caráter profético.
Mounce (1977, p. 217) tem dado alguma ênfase à natureza profética
desta mensagem final:

É o ato final do grande drama da atividade criadora e redentora de Deus. O sig-


nificado da história entra em um enfoque nítido no ponto final do tempo. [...]
Sua profecia é a culminação de todas as profecias anteriores na medida em que
leva à destruição final do mal e à inauguração do estado eterno.
O anjo forte e

Cumprimento histórico
O tempo e o espaço impedem uma análise aprofundada da história da in-
terpretação deste capítulo ou um registro completo dos detalhes históricos da
aplicação feita aqui. Contudo, alguns breves comentários devem ser feitos com
base nos conhecimentos exegéticos obtidos a partir do nosso exame do capítulo.
A ênfase central da narrativa é que uma mensagem especial deve ser le-
vada ao mundo no fim dos tempos. Esta verdade é representada simbolica-
mente por um anjo forte descendo do Céu à Terra (v. 1). A mensagem deve
ser de extensão mundial. Este fato é representado simbolicamente no início
do capítulo (v. 2), e é declarado literalmente em seu fim (v. 11).
A mensagem especial para este tempo está relacionada ao livrinho aberto na
mão do anjo. Das várias analogias entre este capítulo e Daniel 12 podemos concluir
que o livrinho — agora aberto — é o mesmo livro que o profeta Daniel recebeu
ordem de selar, seu próprio livro de profecias. Assim, no fim dos tempos uma men-
sagem especial deve ser dada ao mundo, e esta mensagem está relacionada direta-
mente com as profecias do livro de Daniel, a ser aberto, estudado, e proclamado.
A comunicação do anjo é vista envolvendo uma mensagem de juízo. Esta
é representada pelos sete trovões. Sendo que em outro lugar no Apocalipse os
trovões do trono de Deus acompanham juízos, esses trovões também podem
ser compreendidos como representando juízos. Sua mensagem, porém, devia 343
ser selada ou temporariamente removida. Seu lugar parece ser tomado pelas
sete últimas pragas de Apocalipse 16, a próxima sequência de sete do livro, e
uma sequência que está ligada a julgamentos finais. A apresentação e selamento
imediato dos sete trovões parecem ser um anúncio preliminar de juízo que é
removido ou adiado para uma ocasião posterior, segundo este simbolismo.
O segundo ponto importante feito na mensagem do anjo forte lida com
tempo profético. Ele anuncia com um solene juramento que “não haveria
mais tempo”. A partir do contexto deste juramento está claro que o tempo
histórico não está sendo aludido, porque o tempo histórico continua através
de outra série de eventos proféticos. O tempo deve, portanto, ser profético
ou tempo apocalíptico simbólico. É esta espécie de tempo que é encontrada
especialmente nas profecias apocalípticas de tempo de Daniel e Apocalipse.
Elas deveriam chegar ao fim com o juramento desse anjo.
Nosso estudo das profecias de tempo, especialmente aquelas que podem
estar ligadas direta ou indiretamente com Apocalipse 10, leva à identificação
do ano de 1844 como o ponto final para várias destas linhas de tempo profé-
tico. Nenhuma profecia de tempo de Daniel e Apocalipse se estende além desse
Estudos selecionados em interpretação profética

ponto. Esta junção cronológica fornece a localização apropriada para ser feito o
anúncio do anjo forte acerca da cessação do tempo profético.
Esta importante junção cronológica no meio da narrativa forma um pivô
em torno do qual os eventos profetizados em outras partes da narrativa se agru-
pam. Isto se aplica ao julgamento adiado anunciado no início do capítulo; se
aplica à experiência do amargo desapontamento em seguida ao meio do capí-
tulo; e se aplica à nova profecia a ser dada no fim do capítulo.
Na passagem que lida com a experiência doce e amarga do profeta, João
(representando os cristãos do fim dos tempos) primeiro prova a doçura da men-
sagem derivada do livro de Daniel quando ele é estudado, absorvido, e proclam-
ado. Mas depois da doçura inicial, provada por aqueles que experimentaram a
alegria e esperança que encontraram nestas profecias, sua experiência se trans-
formou em amargor quando o cumprimento antecipado não se concretizou.
A junção cronológica central deste capítulo também apresenta um período
de tempo em que se deve procurar a ocorrência histórica desta experiência. Du-
rante o transcorrer da história da Igreja Cristã no século dezenove, desenvolveu-
se uma grande expectativa de que a segunda vinda de Cristo e o fim do mundo
estavam próximos. Na América do Norte isto foi incorporado especialmente no
movimento milerita, proclamando o advento de Cristo ao longo das décadas de
344 1830 e 1840, até o amargo desapontamento de outubro de 1844.
Os mileritas baseavam suas convicções em um cuidadoso estudo das profe-
cias do agora aberto livro de Daniel. Sobre esta base os mileritas determinaram
corretamente que o tempo profético chegaria ao fim em 1844, conforme jurado
no juramento do anjo forte. Apesar de doce como era para eles esta mensagem,
eles identificaram incorretamente o evento que ocorreria no final desses pe-
ríodos de tempo proféticos. Como resultado, eles sofreram um amargo desa-
pontamento quando a doce esperança do retorno do seu Salvador deixou de
materializar-se. O amargor desta experiência foi tão grande que adeptos con-
temporâneos do movimento e seus posteriores herdeiros espirituais têm se
referido a essa reviravolta como o Grande Desapontamento.
Mas os membros desse movimento (representado simbolicamente pelo
profeta) não deveriam permanecer nesta desalentada condição. Ao contrário,
eles devem aceitar o desafio de um novo chamado para profetizar outra vez ao
mundo. Jesus ainda voltará e o plano da salvação ainda será concluído.
Eles vivem e profetizam agora, por todo o mundo depois do final de to-
das as profecias de tempo, como o anjo tinha dito. Eles devem dar esta nova
mensagem em um tempo em que o sétimo anjo está chegando mais e mais
perto de soar o som da trombeta final. Quando ele finalmente tocar sua
O anjo forte e

trombeta, sua tarefa terá alcançado seu cumprimento. Desta vez não haverá
nenhum amargo sabor de desapontamento. Esta é realmente a tarefa que os
herdeiros espirituais do movimento milerita vêem que está sendo cumprida
em sua obra e mensagem do seu movimento mundial.

Considerações finais
Apocalipse 10 se divide sobre a declaração do divisor de águas acerca do fim
do tempo profético. A declaração localiza a descrição das cenas da visão no âmbito
da história da igreja nos séculos dezenove e vinte. Os vários aspectos da profecia
podem ser esquematizados em sua ordem sucessiva em torno do ponto focal do
juramento do anjo acerca do tempo profético na seguinte forma resumida:
1. Uma nova mensagem deve ser dada ao mundo — representada pela
descida do anjo forte que está sobre a Terra e o mar com um livrinho aberto
em sua mão.
2. A mensagem dada é de juízo, mas esse juízo será adiado — representado
pelos sete trovões e o selamento de sua mensagem.
3. É feito um solene juramento de que não haveria mais tempo (profético) —
cumprido pelas linhas das profecias de tempo que convergem para 1844.
4. Uma experiência de desapontamento ocorreria nesse tempo — represen-
tada pelo gosto amargo do livrinho quando o fim do mundo não ocorreu. 345
5. Uma mensagem profética deve ser proclamada outra vez a todo o mundo:

O fim do tempo profético é agora compreendido.


Essa pregação ocorre no “tempo do fim’.
O fim de todas as coisas está próximo.
O sétimo anjo logo soará sua trombeta,
E então os reinos deste mundo se tornarão o
reino de nosso Senhor e do seu Cristo!
Trad. do autor

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Estudos selecionados em interpretação profética

348
Profecias de tempo
14
de Daniel 12
e Apocalipse 12-13
William H. Shea

Esboço do capítulo
1. Introdução
2. Daniel 12
3. Apocalipse 12
4. Apocalipse 13
5. Considerações finais

Sinopse editorial. Como


suporia o leitor, a escola crítico-
histórica preterista localiza estes
períodos de tempo no passado
(segundo século a.C. para Dan-
iel; primeiro século d.C. para
Apocalipse). A escola futurista
projeta os mesmos para o fim da
era. Ambas consideram os perío-
dos como expressões de tempo
literais. A escola historicista, por
outro lado, aceita estes períodos
de tempo como simbólicos de
extensões de anos mais longas
segundo o princípio dia-ano e
os localiza no fluxo da história
humana no ponto indicado pela
profecia. Os adventistas do sétimo
Estudos selecionados em interpretação profética

dia se identificam com este último método de interpretação profética, a her-


menêutica da Reforma Protestante.
Em anos recentes alguns historicistas começaram a argumentar que Daniel
12:5-13, com seus três períodos de tempo (três tempos e meio, 1290 dias e 1335
dias), é uma profecia independente (ou, ao menos sujeita a um duplo cumpri-
mento) focada no fim dos tempos. Alega-se encontrar apoio para isto no perío-
do de tempo de Apocalipse 13:1-10, em que os 42 meses da besta semelhante ao
leopardo são mencionados depois (v. 5) da referência concernente à sua ferida
(v. 3). Disto infere-se que a besta terá outro reinado perseguidor no futuro, um
reinado de 42 meses ou 1260 dias literais. Consequentemente, à semelhança
do futurismo clássico, os períodos de tempo de Daniel 12 e Apocalipse 13 são
interpretados como sendo períodos de tempo literais que devem ser localizados
nos últimos poucos anos da história humana.
Estas propostas futuristas se baseiam essencialmente em uma compreensão
errônea dos padrões de pensamento da profecia hebraica. Representam uma
leitura do idioma hebraico com as lentes ocidentais. O resultado é que as con-
clusões extraídas são falsas para o propósito das respectivas profecias.
Não é o propósito do escritor dar uma exposição destes capítulos específicos
com aplicação histórica. Em vez disso, ele se propõe a descobrir em cada profecia
350 os indicadores bíblicos que apontam para onde estes períodos de tempo foram des-
tinados a ser localizados pelo profeta inspirado. A evidência é clara em cada caso.
Os dados bíblicos indicam que Daniel 12:5-13 não é uma profecia inde-
pendente. Seus três períodos de tempo formam a conclusão da quarta visão
de Daniel com 10:5-21 servindo como introdução e 11:1–12:4 como o corpo
da própria visão. Além disso, seus 3 tempos e meio e 1290 dias estão ligados
linguística e subjetivamente ao corpo da visão (Dn 11:31-35). Estando li-
gado à passagem dos 1290 dias, o período de 1335 também tem o seu ponto
de partida nos mesmos versos do corpo da visão.
Isto significa que os três períodos de tempo de Daniel 12 não podem ser
projetados para um cumprimento no fim da era. Eles estão encerrados no fluxo
da história humana onde Daniel 11:31-35 os colocou — isto é, no passado, e
para o período do papado medieval e seu domínio. O arranjo literário de Apoc-
alipse 12, com sua dupla referência ao período de 1260 anos, confirma a mesma
localização desta era frequentemente mencionada.
O princípio organizador da visão de Apocalipse 13:1-10 é o paralelismo de pen-
samento. Esta é uma expressão idiomática comum da poesia hebraica que também
se estende à prosa e profecia hebraica. Os versos 1-4 são os aspectos descritivos da
visão que descreve em frases concisas o surgimento e carreira da besta, sua ferida, e
Profecias de tempo

anuncia seu futuro reavivamento. Os versos 5-10 apresentam o segundo membro


do pensamento paralelo. É a seção explanatória e explica as atividades da besta antes
da sua ferida. O período destas atividades específicas (42 meses ou 1260 anos) é
parte da explanação. Informa o leitor quanto ao período de tempo durante o qual a
besta cumpriria o seu domínio perseguidor e blasfemo até a sua ferida quase fatal.
Então segue com mais informação sobre seu reavivamento. Os indicadores bíblicos
são claros de que 13:1-10 é uma unidade e fala acerca do mesmo período de tempo
conforme dado em Daniel 12 e Apocalipse 12.
Não há nenhuma evidência nos dados bíblicos que sugira que estes perío-
dos de tempo devem ter um cumprimento duplo — um no passado e outro nos
dias finais da história humana. Tal ponto de vista das visões apocalípticas de
Daniel e Apocalipse é desprovido de apoio escriturístico.

Introdução
Duas dúzias de profecias de tempo encontradas na Bíblia são identificadas como
pertencentes aos profetas clássicos. Os expositores concordam que estas devem ser
interpretadas como tempo literal. Cerca de duas dúzias mais são encontradas nos
livros proféticos especializados classificados como apocalípticos: Daniel e Apoc-
alipse. Existem mais diferenças de opinião quanto a interpretar esses elementos de 351
tempo. Os intérpretes historicistas, inclusive os adventistas do sétimo dia, defendem
que essas expressões de tempo são simbólicas e representam períodos mais longos
do real tempo histórico. Outros intérpretes, das escolas preterista e futurista, creem
que elas devem ser aceitas simplesmente como tempo literal.
Em outro lugar tenho discutido a natureza dos períodos de tempo apocalíp-
ticos e o princípio dia-ano (SHEA, 2007, p. 63-99). Neste capítulo me proponho
a fazer um estudo contextual e de conteúdo de alguns períodos de tempo apoc-
alípticos para descobrir as características que indicarão quando eles devem ter
cumprimento. Isto não é um estudo histórico em profundidade. É antes um es-
tudo textual para ver o que diz o texto em si acerca da aplicação destas profecias
em seus próprios termos. Obviamente, o texto deve ter algo a dizer acerca de
qual escola de interpretação se alinha mais de perto com seus dados.

Mesmo período de tempo


Um motivo para a escolha destas três passagens (Dn 12; Ap 12–13) é que
elas têm vários elementos em comum. Todas as três passagens descrevem
o período de tempo idêntico. Em Daniel 12:7, ele é dado (em hebraico)
como 3 tempos e meio. A mesma fraseologia de 3 tempos e meio aparece
em Apocalipse 12:14 (em grego). Este, por sua vez, está correlacionado com
Estudos selecionados em interpretação profética

os 1260 dias do verso 6. Finalmente, Apocalipse 13:5 repete este mesmo


período de tempo, neste exemplo como 42 meses. Assim, um fio condutor
comum numérico passa por estes três textos em que os 3 tempos e meio
equivalem a 42 meses e os 42 meses equivalem a 1260 dias.

Mesmos eventos
Estas passagens não somente se referem ao mesmo período de tempo,
mas também descrevem os mesmos eventos que ocorreram durante esse
período. Daniel 12:7 identifica isto como um período para a “destruição” do
poder do povo santo. Apocalipse 12:6 e 14 o identificam como um tempo
em que a mulher, que representa a igreja, é forçada a fugir do seu persegui-
dor, o dragão-besta motivado pelo diabo, e esconder-se no deserto. A pas-
sagem final, em Apocalipse 13:5, identifica esse período como um tempo
em que o poder da besta exerce sua autoridade contra os santos.
Assim, temos um período de tempo comum nestas passagens (1260 dias e
equivalentes) e um evento comum: a perseguição dos santos. Há, é claro, outros
elementos nestas passagens. As características mencionadas acima juntamente com
estas têm sido assuntos de interpretação polêmica. Portanto, um novo exame das
passagens do ponto de vista do seu contexto e conteúdo pode ser proveitoso para se
352 obter uma melhor compreensão em torno de sua interpretação.

Daniel 12

Três períodos de tempo


São estes realmente três períodos de tempo nesta parte da profecia de Dan-
iel. O verso 7 menciona os 3 tempos e meio para a destruição do poder do povo
santo. O verso 11 menciona um período de 1290 dias em conexão com a tirada
do “diário” ou “contínuo” e o estabelecimento da abominação desoladora. O
verso 12 menciona um período de 1335 dias até que certa bênção seja conce-
dida. Todas as três profecias de tempo precisam ser estudadas juntas aqui.
Os comentaristas têm prestado atenção a estes períodos de tempo, e suas expli-
cações refletem as diferentes escolas de interpretação profética. A escola preterista
considera estes períodos como tempo literal, referindo-se a acontecimentos do re-
inado de Antíoco Epifânio (segundo século a.C.). Os intérpretes futuristas inter-
pretam estes mesmos períodos de tempo como estando relacionados com o fim da
era, ainda futura para o nosso próprio tempo agora enquanto isto está sendo escrito.
Também os veem como unidades de tempo literal. Os intérpretes historicistas, por
Profecias de tempo

outro lado, compreendem estas unidades de tempo como símbolos e, portanto, sig-
nificando períodos mais longos do real tempo histórico.
Abordagens preteristas. Para ilustrar primeiro a abordagem preterista, o
comentário padrão de J. A. Montgomery da série International Critical Com-
mentary pode ser citado. Montgomery (1927, p. 477) credita ao grande crítico
da forma Herman Gunkel pelo ponto de vista que ele adota em seu comentário.

A sugestão de Gunkel [...], aceita por (outros comentaristas) é aqui seguida, de


que os dois versos [12:11, 12] são glosas sucessivas destinadas a prolongar o
período de 1.150 dias anunciado em 8:14; este período não foi cumprido e estas
glosas, que devem ser muito precoces, sucessivamente estendem o tempo para
1.290 e 1.335 dias. Para as dificuldades no caminho da assimilação dos três nú-
meros contraditórios basta olhar para outros trabalhos sobre esse ponto.

Vários problemas com essa interpretação podem ser notados no início.


Montgomery divide os 2.300 dias de Daniel 8:14 de acordo com um sacrifí-
cio da tarde e um da manhã, mas esta separação e divisão não é justificável
(SCHWANTES, 1978, p. 375-385. Os números não são contraditórios, porque
eles não lidam com as mesmas coisas. O verso 7 fala acerca da perseguição dos
santos; o verso 11 fala sobre a abominação da desolação; e o verso 12 enfatiza 353
uma característica positiva: uma bênção. O próprio Montgomery nota as di-
ficuldades envolvidas com o trabalho com estes números deste modo.
Uma declaração mais recente deste ponto de vista comum é apresentada no
comentário sobre Daniel de E. Heaton (1956, p. 250):

Muitos eruditos consideram que estes dois versos são glosas sucessivas adicio-
nadas quando a Nova Era ainda tardava depois da terminação dos 1.150 dias
de 8:14. A nova datação do v. 11 — 1290 dias — é o valor mais longo que pode
ser dado aos três anos e meio encontrados em 7:25. A outra extensão do período
para 1335 dias no v. 12 deixa todos conjecturando.

Assim, a interpretação padrão destes três períodos de tempo de Daniel 12


segundo a escola preterista é que o autor pseudepigráfico (ou um redator pos-
terior) adicionou estes três períodos de tempo em sucessão em um apêndice
do livro quando os eventos esperados não ocorreram. Ele teve de continuar
alongando os supostos 1150 dias quando uma após outra de suas predições
não aconteceram (1150, 1260, 1290 e 1335). Essa interpretação obviamente
exige uma opinião muito diferente daquela das Escrituras sobre a natureza de
revelação e inspiração. Isso não é a verdadeira presciência divina revelada ao
Estudos selecionados em interpretação profética

profeta. Antes, como ser humano, o “profeta” simplesmente conjectura errado.


Não há nenhum auxílio divino.
Há, é claro, outras opiniões sobre períodos de tempo mesmo dentro da escola
preterista. A. Lacocque (1979, p. 250), por exemplo, considera estas datas como as
ocasiões em que edições sucessivas do livro foram compostas e distribuídas.

Portanto 1.290 dias = três anos e meio mais um mês. Pode ser que este mês extra re-
presente o período de composição da grande visão de Dn 10–12. (d) ‘1.335 dias’ de
Dn 12:12 adicionando outro mês e meio ao número precedente. Podemos ver aqui
o atraso antes da publicação final do livro de Daniel em sua inteireza (= dois meses
e meio depois da purificação do Templo em 12 de dezembro, 164, ou fevereiro, 163).

Nem todos os comentaristas dentro da escola preterista consideram a


ideia de sucessivas glosas estendendo o tempo satisfatório. Hartman e Di
Lella criticam essa opinião, porque os números não se ajustam aos perío-
dos históricos que são conhecidos:

O problema com esta teoria é que de acordo com 1 Macabeus, o Templo foi profana-
do em 6 de dezembro de 167 a.C. (1 Mac 1:54), um período de três anos e oito dias
no Calendário Juliano, ou uma soma de 1.103 dias — (365 x 3) + 8 — um tanto me-
354 nos do que os 1.150 dias preditos em 8:14, e os três anos e meio ou 1.260 dias. [...] Em
vista destas circunstâncias, parece melhor admitir que o que os glossaristas tinham
em mente como acontecendo no final dos 1.290 dias em 12:11 e 1.335 dias em 12:12
simplesmente não pode ser verificado com alguma confiança. Somente conjecturas
são possíveis (HARTMAN; DI LELLA, 1978, p. 313-314).

Abordagens futuristas. Voltando-nos da confusão dos comentaristas pre-


teristas, notamos que se torna mais fácil para os intérpretes futuristas. Sendo
que eles colocam estes eventos no futuro (nenhum ainda ocorreu), o intérprete
não tem nenhum dado histórico com que testar ou falsificar esta teoria. Con-
tudo, existem desacordos entre os estudiosos desta escola sobre como estes pe-
ríodos de tempo devem ser aplicados e o que eles significam.
J. Walvoord (1971, p. 295-296) vê estes períodos de tempo adicionais como
se referindo a um pequeno tempo de atraso entre a segunda vinda de Cristo e o
estabelecimento do seu reino milenial:

Embora Daniel não explique variadas durações, é óbvio que a segunda vinda de
Cristo e o estabelecimento do seu reino milenial requer tempo. O período de
1.260 dias ou precisamente quarenta e dois meses de trinta dias cada, pode ser
considerado como culminando com o próprio segundo advento. Isto é seguido
Profecias de tempo

por vários julgamentos divinos tais como o julgamento das nações (Mt 25:31-
46), e o reagrupamento e julgamento de Israel (Ez 20:34-38). Esses grandes jul-
gamentos começando com os vivos sobre a Terra e purgando-a dos incrédulos
que adoraram a besta, embora tratados de forma rápida, vai exigir tempo. Pelos
1.335 dias, ou setenta e cinco dias depois do Segundo Advento, esses grandes jul-
gamentos terão sido realizados e o reino milenial formalmente lançado. Aqueles
que atingem este período são obviamente aqueles que foram julgados dignos de
entrar no reino. Portanto, eles são chamados “bem-aventurados”.

Leon Wood segue a mesma abordagem em seu comentário de orientação


futurista sobre Daniel, mas ele é um pouco mais específico sobre isto.

Uma ideia de como eles (os 30 dias extras dos 1290) se ajustam a essa semana (de
Tribulação) é encontrada em Mateus 25:31-46, que descreve um tempo de juízo
por Cristo imediatamente depois que Ele vem com poder para encerrar esse
período. O propósito do juízo é determinar os que terão permissão de entrar e
usufruir a bem-aventurança do período milenial (WOOD, 1973, p. 328).

Sobre os 1.335 dias, Wood (1973, p. 328) observa:

É assim sugerido o pensamento de que isto será o real ponto de partida do Milênio. 355
Aqueles que serão aprovados no juízo de Cristo, durante os trinta dias precedentes,
seriam aqueles que o atingissem, depois destes quarenta e cinco dias adicionais. Qual
será a necessidade destes quarenta e cinco dias? Pode ser o tempo necessário para
estabelecer a máquina governamental para o exercício do domínio de Cristo. A ver-
dadeira e plena fronteira de Israel [...] terá de ser estabelecida, e feitas as nomeações
daqueles que permanecerão no governo. Um período de quarenta e cinco dias pare-
ceria outra vez razoável para tratar destes assuntos.

Tendo estes períodos de 30 e 45 dias se estendendo além da segunda vinda


de Cristo e alcançando ou avançando até o milênio parece uma situação incô-
moda. Cria uma espécie de vácuo entre a vinda de Cristo e o início do milênio,
sendo que os dois acontecimentos devem realmente ser simultâneos.
Abordagem historicista. Os intérpretes historicistas têm considerado os pe-
ríodos de tempo destes versos como simbólicos e têm aplicado a eles o princípio
dia-ano. Isto provê períodos mais longos do real tempo histórico: 1260, 1290 e
1335 anos. Para um exemplo de como estes períodos de tempo têm sido inter-
pretados por um comentarista, a obra de Uriah Smith pode ser citada.
Smith (1944, p. 320) identifica o primeiro período declarando, “os
1260 anos assinalam o período de supremacia papal”. Em outro lugar, em
Estudos selecionados em interpretação profética

seu comentário sobre Daniel 7:25, Smith (1944, p. 145) explica este pe-
ríodo como se estendendo de 538 d.C. a 1798.

A partir deste ponto [538, a data em vigor do decreto de Justiniano], o pa-


pado manteve a supremacia por mil duzentos e sessenta anos? Exatamente.
Visto que 538 + 1260 = 1798; e no ano de 1798 Berthier, com um exército
francês, entrou em Roma, proclamou uma república, levou o papa prisionei-
ro, e infligiu no papado uma ferida mortal.

Passando aos 1290 dias, assinala Smith (1944, p. 323-324), “os dois períodos,
portanto, os 1290 e os 1260 dias, terminam juntos em 1798, o último começan-
do em 538, e o primeiro em 508, trinta anos antes.” A vitória de Clóvis dos fran-
cos sobre os visigodos arianos a favor do papado é então citada como o evento
significativo de 508 (SMITH, 1944, p. 324-332).
Retomando os 1335 dias de Daniel 12:12, Smith calcula em seguida: “A
partir deste ponto eles se estenderiam a 1843, porque 1335 adicionados a 508
formam 1843.” Smith (1944, p. 331) cita o reavivamento milerita desse tempo
como o bem-aventurado acontecimento que deveria então ocorrer:

356 Cerca do ano de 1843, houve uma grandiosa culminação de toda a luz que havia sido
derramada sobre temas proféticos até aquele momento. A proclamação foi divulga-
da com poder. A nova e empolgante doutrina do estabelecimento do reino de Deus
abalou o mundo. Nova luz foi comunicada aos verdadeiros discípulos de Cristo. Os
incrédulos foram condenados, as igrejas foram provadas, e foi despertado um espíri-
to de reavivamento que não tem tido paralelo desde então.

Relações contextuais
Tendo investigado estes três pontos de vista para sua interpretação dos pe-
ríodos de tempo de Daniel 12, podemos agora tratar do assunto contextual. Isto
é especialmente pertinente para o ponto de vista preterista, porque as escolas
preteristas tratam esta seção (12:5-12) com as datas como um apêndice, glosas
adicionadas depois que o corpo principal da profecia foi escrito. É esta real-
mente a natureza de Daniel 12:5-12?
Arranjo literário da quarta visão. Em primeiro lugar, a estrutura geral
de toda a visão deve ser notada. Este segmento do livro abrange Daniel 10–
12. Estes três capítulos constituem uma profecia completa. Basicamente, o
capítulo 10 é a introdução; o capítulo 11:1–12:4 é o corpo, a porção didática
da profecia de Gabriel; e 12:5-13 é a sua conclusão.
Profecias de tempo

É a conclusão (12:5-13) simplesmente um apêndice, algo da natureza de um


adendo ou uma adaptação? Ou é uma parte integrante da profecia como um todo?
A primeira opinião é a proposta preterista; a última é a posição defendida aqui.
Localização dos períodos de tempo. Uma maneira de abordar as pas-
sagens dos períodos de tempo do capítulo 12 é observar a posição de suas
paralelas nas outras profecias do livro. Por exemplo, Daniel 7 descreve suas
visões nos versos 1 a 14. O período de tempo (para as atividades do chifre
pequeno na visão) é então dado no verso 25. O mesmo tipo de fenômeno
ocorre em Daniel 8. A visão abrange os versos 1-12. No final do verso 12, a
visão se interrompe e ali começa uma audição. O profeta escuta enquanto
dois anjos conversam acerca do que tem sido mostrado a Daniel. É nesta
audição que é dada a linha de datas acerca dos 2300 dias.
Em outras palavras, o método padrão em Daniel para apresentar os pe-
ríodos de tempo é primeiro apresentar a visão ou a própria profecia; depois
é dado o período de tempo. Mas o elemento tempo é compreendido como
se relacionando diretamente com a descrição anterior da visão. O mesmo
modelo pode ser aplicado à quarta visão relatada em Daniel 10–12. Neste
caso os períodos de tempo declarados no capítulo 12 (a conclusão da visão)
se relacionam diretamente com os eventos históricos descritos no capítulo
11 (o corpo da visão). Isto demonstraremos linguisticamente depois, mas 357
aqui resumimos em forma de gráfico a relação (em termos de localização)
entre a própria visão e seu(s) período(s) de tempo acompanhante(s):

Tabela 1

Daniel 7 Daniel 8 Daniel 10-12


A própria visão v. 1-14 v. 1-12 11:1 e 12:4
Elementos do tempo v. 25 v. 13-14 12:5-13

A exceção a esta regra é a profecia encontrada em Daniel 9:24-27. Há pro-


vavelmente um motivo para esta exceção. A natureza desta profecia é diferente.
Daniel 7, 8 e 11 são o que podemos chamar de profecias de esboço, profecias
que descrevem a ascensão e queda de nações e seus governantes. Daniel 2 é tam-
bém desta natureza, mas não contém quaisquer períodos de tempo específicos.
Daniel 9:24-27, porém, é uma profecia mais local e limitada.
Gabriel diz a Daniel que esta é uma profecia para “o teu povo e a tua santa
cidade”. Esta não é uma profecia de esboço, mas uma que concentra a atenção
Estudos selecionados em interpretação profética

nos judeus e sua capital em Jerusalém de Judá. O período de tempo é


dado no início e distribuído através da profecia. Esta é também outra maneira
de demonstrar que a profecia de Daniel 9 está ligada à precedente. A profecia
anterior (Dn 8) terminou com um período de tempo, e esta começa com um,
mostrando assim que o ligado assunto de tempo está sendo retomado.
Deixando de lado esta situação singular de Daniel 9, podemos dizer que
a distribuição dos períodos de tempo de Daniel 12 se ajusta ao mesmo pa-
drão em relação a Daniel 11, que encontramos no caso das profecias e seus
elementos de tempo em Daniel 7 e 8. Não há nenhuma base literária estru-
tural para deixar Daniel 12 além do corpo principal da profecia como um
apêndice ou série de glosas. Tomado em conexão com as outras críticas do
ponto de vista preterista mencionado acima, este aspecto da teoria preter-
ista repousa sobre uma base realmente muito fraca.
Ligações verbais. Passamos agora para a questão dos vínculos linguísti-
cos específicos e diretos da conclusão da visão (12:5-13) com o corpo da visão
(11:1–12:4). Se a evidência literária estrutural enfraquece a interpretação pre-
terista, pode ser dito que os elos linguísticos enfraquecem a interpretação fu-
turista. Esses elos não deixam nenhuma margem para os períodos de tempo de
Daniel 12 serem aplicados depois do levantamento de Miguel (12:1). Ao con-
358 trário, estes períodos devem ser aplicados antes deste ponto na profecia. Assim,
eles não podem ser localizados no intervalo entre a segunda vinda de Cristo e o
início do milênio. Trataremos estes períodos de tempo em ordem.
1. Daniel 12:7. O primeiro, consistindo de três tempos e meio, ocorre em
Daniel 12:7. Esta passagem está inextricavelmente entrelaçada com uma pas-
sagem específica e conjuntura na profecia de Daniel 11 de acordo com os verbos
e substantivos usados para expressar essas ideias. Os vínculos formados deste
modo são demasiado firmes para serem quebrados. Disto se pode concluir que
Daniel 12 não pode ser desligado de Daniel 11. Veja gráficos 2 e 2a.
Deve ser lembrado que Daniel 12:7 é uma resposta dada a uma interrogação. A
pergunta obviamente tinha a ver com a profecia que Daniel tinha acabado de rece-
ber (11:1–12:4). Daniel havia perguntado: “Quanto tempo será até o fim destas mar-
avilhas?” (Dn 12:6, RSV). Em resposta a isto o anjo respondeu sob juramento, “isto
seria por um tempo, dois tempos, e metade de um tempo; e que quando a destru-
ição do poder do povo santo viesse a um fim, todas estas coisas se cumpririam” (v.
7). A menos que esta pergunta e resposta estejam completamente desvincu-
ladas do que Gabriel estivera previamente dizendo ao profeta, deve haver alguma
evidência no corpo da profecia acerca de quando essa destruição do poder do povo
santo ocorreria. Realmente existe. Há precisamente um lugar onde a perseguição
Profecias de tempo

dos santos é descrita no corpo da profecia e isto está em Daniel 11:32-35. Segundo a
natureza do conteúdo da passagem, singular em todo o capítulo 11 de Daniel, isto é
onde o período de tempo de Daniel 12:7 deve ser aplicado. Os elos linguísticos entre
Daniel 11:32-35 (corpo) e Daniel 12:7-10 (conclusão) demonstrando a direitura de
sua conexão, podem ser esquematizados a seguir:

Tabela 2

A grande perseguição*
Daniel 11:32-35, NIV Daniel 12:7-10, NIV
1. “Aqueles que têm violado [maršî’ê] a
aliança” (v. 32).
2. “Aqueles que são sábios[ûmaśkîlê] in-
struirão a muitos [yābînû” (v. 33).
3. “Alguns dos sábios [hammaśkîlîm]
tropeçarão para que possam ser refinados
[lişrôp],”
4. “purificados [ûlebārēr]” 4. “Muitos serão purificados [yitbārarû],”
5. “e feitos imaculados [welalbēn]” 5. “feitos imaculados[weyitlabbenû]” 359
6. “até o tempo do fim” (v. 35). 3. “e refinados [weyişşārepû]” [v.10]
1. “mas os ímpios [rešā’îm] continuarão
sendo ímpios [wehiršî’û].”
2a. “Nenhum dos ímpios [rešā’îm] en-
tenderá [welō’ yābînû],”
2b “mas aqueles que são sábios
[wehammaśkîlîm] entenderão [yābînû]”
(v. 10).
*Nota: As cláusulas citadas ocorrem em suas respectivas passagens na ordem em que elas são numeradas.

Seis paralelos verbais são aqui documentados. Em Daniel 11:32-35, cinco


desses termos são usados uma vez e um deles é usado duas vezes. Em Daniel
12:7-10, quatro desses termos são usados uma vez e um é usado duas vezes e
outro é usado três vezes. Não pode haver dúvida sobre o fundamento destes
fortes elos linguísticos de que estas duas passagens estão falando acerca da mes-
ma coisa. Assim, o período de tempo de Daniel 12:7 deve ser aplicado para datar
a extensão da perseguição descrita em Daniel 11:32-35.
Este é o lugar no corpo da profecia onde este período de tempo profé-
tico pertence. Não pertence a uma era após o fim da profecia. Ao contrário,
Estudos selecionados em interpretação profética

pertence ao coração do corpo da profecia, diretamente dentro de sua cor-


rente predominante através do tempo e acontecimentos. O gráfico 2a re-
sume estes mesmos elos e pode ser proveitoso para o leitor não familiari-
zado com o hebraico. Note que embora as formas possam variar nas duas
passagens, estes seis paralelos verbais são das mesmas raízes.

Tabela 2a

Resumo dos seis paralelos hebraicos para Daniel 11:32-35 e 12:7-10


Formas Formas Tradução
Raiz
Daniel 11:32-35 Daniel 12:7-10 (ideia da raiz)
1. *rš’ maršî’ê rešā’îm “procede impiamente”
wehiršî’û
rešā’îm
2. *śkl ûmaśkîlê wehammaśkîlîm “ter ideia”
hammaśkîlîm welō’ yābînû
3. *byn yābînû yābînû “entender”
360
4. *şrp lişrôp weyişşārepû “refinar”
5. *brr ûlebārēr yitbārārû “purificar”
6. *lbn welalbēn weyitlabbenû “embranquecer”

2. Daniel 12:11. Avançando em seguida para Daniel 12:11, observamos que


não pode haver dúvida sobre onde pertence este período de tempo. Ele está
ligado diretamente com Daniel 11:31. As frases mais importantes destas duas
passagens podem ser citadas lado a lado, e os mais importantes elos verbais em
hebraico podem ser mostrados na transliteração. Veja gráfico 3.
Profecias de tempo

O mesmo tipo de tabulação que fizemos para Daniel 12:7-10 em conjunto


com Daniel 11:32-35 pode agora ser montado para Daniel 12:11 e Daniel 11:31.
Há cinco paralelos verbais diretos em hebraico entre estas duas passagens. A
principal diferença entre estas duas passagens é que Daniel 11:31 está escrito na
voz ativa e 12:11 está escrito na passiva. A primeira conta quem faria as coisas
mencionadas, enquanto a última enfatizava o que deveria ser feito. Os elos lin-
guísticos, contudo, são tão fortes que não pode haver dúvida de que as duas pas- 361
sagens estão falando precisamente acerca da mesma coisa. Isso significa que os
1290 dias fornecidos por Daniel 12:11 devem ser aplicados a Daniel 11 naquele
ponto em que ocorrem os eventos descritos no verso 31. Este período de tempo
está claramente ligado com os eventos de 11:31. Não pode ser colocado poste-
riormente na sequência da profecia ou em algum tempo futuro além do fim da
profecia. Estas relações estão tabuladas no gráfico 3a para mostrar as mesmas
cinco raízes que aparecem em ambas as passagens.

Tabela 2a

Resumo dos paralelos hebraicos para Daniel 11:31 e 12:11


Formas Formas Tradução
Raiz
Daniel 11:31 Daniel 12:11 (ideia da raiz)
1. *swr wehēsîrû hûsar “desviar-se”
2. tāmîd hattāmîd hattāmîd “contínuo”
3. ntn wenātenû welātēt “dar”
4. šiqqûş haššiqqûş šiqqûş “abominação”
Estudos selecionados em interpretação profética

“estar apavorado,
5. šmm mešōmēm šōmēm
desolado.”

Podemos agora resumir as relações que se têm desenvolvido de nossa com-


paração destas duas séries de passagens. Segundo suas características linguísticas,
pode ser determinado que os 3 tempos e meio de Daniel 12:7 devem ser usados
para datar a perseguição de Daniel 11:32-34. É também evidente que os 1290 dias
de Daniel 12:11 devem ser usados para datar a tirada do diário ou contínuo e o
estabelecimento da abominação da desolação de Daniel 11:31. Estas são as locali-
zações no fluxo de eventos em Daniel 11 onde estes períodos de tempo devem ser
localizados. Os períodos de tempo não têm seu lugar posteriormente na profecia
nem depois do seu fim, como um acréscimo ou reflexão tardia. Eles estão intima-
mente vinculados e ligados à profecia precedente nestes pontos.
3. Daniel 11:40. De especial importância nesta conexão é a referência ao
“tempo do fim” em Daniel 11:40. No livro de Daniel o tempo do fim não é o fim
do tempo, como se fosse um ponto no tempo quando todas as coisas chegam à
sua conclusão. Ao contrário, o tempo do fim no livro de Daniel é um período de
tempo (cf. 8:17; 11:35; 12:4). Ocorrem eventos nesse período de tempo, e alguns
desses eventos são descritos em Daniel 11:40-45.
362
Agora surge a interrogação: Qual é a relação dos períodos de tempo de Daniel
12 com “o tempo do fim” profetizado no final de Daniel 11. A resposta já foi dada
acima. Eles ocorrem antes dele. Não são períodos de tempo que têm seu lugar no
tempo do fim. Não medem eventos que ocorrem no tempo do fim. Eles ocorrem
antes dessa era. Sabemos isto porque os 1290 dias de Daniel 11:31 e os 1260 dias
de Daniel 11:32-35 ocorrem nesta profecia antes de aparecer o tempo do fim em
Daniel 11:40. Isso torna impossível ligar os períodos de tempo 1260 e 1290 com algo
que tem a ver com a segunda vinda de Cristo e o início do milênio, como tem sido
defendido por intérpretes futuristas ou dispensacionalistas.
Este estudo não é uma abordagem de aplicações históricas em detalhe. É
antes um estudo contextual e de conteúdo das relações destes períodos de tem-
po no texto de Daniel 11 e 12. Quando o texto é estudado cuidadosamente,
pode ser visto que a interpretação preterista não se ajusta bem. As aplicações
históricas propostas para estes períodos de tempo não condizem com nosso
conhecimento de sua extensão de tempo a partir das fontes históricas. Daniel 12
não é um desencaminhado apêndice com uma sempre alongada série de profe-
cias que falharam. Nem esses eventos se ajustam bem com acontecimentos que
seguem a segunda vinda de Cristo e precedem o milênio como têm mantido
os intérpretes futuristas. Do ponto na profecia em que eles começam segundo
Profecias de tempo

suas conexões linguísticas eles devem preceder, não seguir, o tempo do fim. Das
relações intratextuais, portanto, os 1260 e 1290 dias de Daniel 12 não têm lugar
no tempo de Antíoco Epifênio no segundo século a.C., como sustentam os pre-
teristas; nem pertencem ao fim do tempo, como mantêm os futuristas; mas eles
estão mais bem ligados com o âmago do fluxo da história conforme encontrado
em Daniel 11:31 e 11:32-35 como sustenta a opinião historicista. Detalhadas
aplicações históricas disto devem ser reservadas para outra ocasião e os comen-
taristas historicistas já têm abordado estes períodos de tempo.
4. Daniel 12:12. O anjo não diz nada acerca do período de 1335 dias além
de pronunciar uma bênção sobre “o que espera e chega” ao fim deste período.
Não é explicado por que o tal deve ser bem-aventurado. Paralelos linguísticos,
tais como ligar os 3 tempos e meio e os 1290 dias a locais definidos em Daniel
11, não estão disponíveis. Por outro lado, ninguém argumenta que o período
de 1335 dias deve ser separado do período de 1290 dias. Todas as escolas de
interpretação concordam ao menos neste ponto: os três períodos de tempo de
Daniel 12 devem ser estudados em conjunto.
O sentido óbvio dos versos 11-12 une os períodos de 1290 e 1335 dias em
uma relação especial. Sendo que pode ser demonstrado com bases linguísticas
que o período de 1290 dias está bloqueado na localização do tempo para os
eventos de Daniel 11:31, podemos concluir que o período de 1335 dias começa 363
no mesmo tempo com os mesmos eventos. A opinião historicista expressa por
Uriah Smith (1944, p. 331) de que estes períodos se iniciam em 508 d.C. e termi-
nam em 1798 e 1843 respectivamente bem se ajusta aqui com os dados bíblicos.
Quanto à “bênção” no final dos 1335 dias de Daniel 12:12, podemos pro-
curar conexões apocalípticas em outra parte. É interessante notar que é pro-
nunciada uma bênção no livro de Apocalipse para certo grupo do tempo do
fim. Refiro-me à bênção pronunciada sobre aqueles que morrem no Senhor em
conexão com as três mensagens angélicas. As próprias mensagens são encontra-
das em Apocalipse 14:6-12 e a bênção que as acompanha é encontrada no verso
13. A segunda vinda de Jesus é descrita em seguida no verso 14.
Aqui está então uma bênção que se aproxima, mas precede a vinda de Je-
sus. É pronunciada em relação com o juízo que é anunciado em Apocalipse
14:6. Esse juízo deve ser identificado pelas profecias acerca do juízo na corte
celestial em Daniel 7–8. O juízo é descrito no capítulo 7 e o seu tempo
(1844) é anunciado no capítulo 8. Seria natural e lógico para essa bênção
encontrada no final de Daniel achar uma conexão com esse juízo, cuja con-
clusão é também descrita anteriormente em Daniel 12:1-4.
Estudos selecionados em interpretação profética

Destas ligações em potencial pode ser sugerido que a bênção pronunciada


em Daniel 12:12, em conexão com um juízo profeticamente datado, está ligada
à bênção que é pronunciada no livro de Apocalipse depois do início do juízo,
mas antes que ele termine com a vinda de Cristo. A sugestão aqui então é que
a bênção de Daniel 12:12 pode provavelmente ser vista como suplementando a
bênção de Apocalipse 14:13 no Novo Testamento. A primeira abençoa aqueles
privilegiados que vivem para ver o início do julgamento final no Céu, que rec-
onciliará todas as coisas. A última abençoa aqueles crentes que podem morrer
durante o tempo e pregação desse juízo.

Apocalipse 12
O mesmo período de tempo profético encontrado em Daniel 12:7 aparece
duas vezes em Apocalipse 12. No verso 14, ele aparece como 3 tempos e meio;
no verso 6, ele equivale a 1260 dias.
Sua interpretação segue os mesmos padrões que geralmente encontramos
na literatura sobre Daniel e Apocalipse. Os preteristas localizam os eventos deste
capítulo e seus períodos de tempo no primeiro século da Era Cristã. Os futur-
istas, especialmente os futuristas dispensacionalistas, colocam este período de
364 tempo e a perseguição associada a ele no final da era, no tempo de uma grande
perseguição que ocorre na segunda metade dos últimos sete anos da história
terrestre. Os historicistas, por outro lado, consideram esta profecia como utili-
zando tempo simbólico (= 1260 anos) e a aplicam à grande perseguição da ver-
dadeira igreja durante a Idade Média e Moderna (538-1798). As diferenças en-
tre estas abordagens podem ser notadas por alguns comentários de intérpretes.
Abordagens preteristas. Falando da perseguição descrita em Apocalipse
12, Mounce (1977, p. 234) retrocede, por assim dizer, para determinar “a causa
subjacente para a hostilidade prestes a desencadear-se sobre a igreja”. Ele aborda
um tanto geralmente o assunto da perseguição neste capítulo, mas interpreta o
verso 6 como segue: “A mulher foge para o deserto para ser alimentada ali por
Deus durante 1260 dias. A fuga da mulher pode em parte refletir a fuga da ig-
reja da Palestina para Pela ao irromper a guerra judaica em 66 d.C. Os filhos de
Deus frequentemente têm estado em fuga” (MOUCE, 1977, p. 239).
J. M. Ford (1975, p. 200) apresenta uma ênfase semelhante do primei-
ro século interpretando a mulher como sendo a comunidade de cristãos do
primeiro século, e uma comunidade um tanto restrita nesse ponto: “Se a mulher
é a comunidade fiel, tal como se encontra em Qumran, é uma comunidade que
vive, trabalha, ora, e luta, na companhia dos bons anjos que podem até mesmo
Profecias de tempo

ser incluídos na imagem das estrelas em volta de sua cabeça.” Ela generaliza
em seu comentário sobre a unidade de tempo. A mulher é alimentada por 3
tempos e meio ou 1260 dias, “talvez significando até o final da perseguição, [...]
é um tempo de provação que vem antes do começo final do reino de Deus. Tam-
bém representa o oposto de eternidade. Mas pode, além disso, ser um número
messiânico” (FORD, 1975, p. 202).
Abordagem futurista. No outro extremo da escala, encontramos o in-
térprete dispensacionalista J. F. Walvoord. Neste sistema a mulher não é a
igreja, mas Israel, como ela existirá nos últimos dias durante a grande tribu-
lação. O elemento de tempo (1260 dias) é tempo literal, mas o período
ocorre na extremidade oposta da Era Cristã de onde os intérpretes preteris-
tas o localizariam. Walvoord (1966, p. 191) admite a grande lacuna que deve
existir entre esta aplicação do fim dos tempos do período de 1260 dias e o
início da era (com Israel como a mãe do Messias):

A atenção é então dirigida, porém, para a mãe do filho varão, outra vez representada
como Israel. Aqui ela é vista no tempo da grande tribulação como fugindo para o de-
serto a um lugar preparado por Deus onde por 1.260 dias ela é cuidada (novamente
a extensão exata de três anos e meio. Há obviamente um tremendo lapso de tempo
entre os versos 5 e 6, mas isso não é uma ocorrência incomum na profecia; a primei- 365
ra e segunda vindas de Cristo são frequentemente citadas na mesma sentença. Na
medida em que Israel está em comparativa tranquilidade e segurança nos primeiros
três anos e meio da setuagésima semana de Daniel (Dn 9:27), a referência deve ser à
preservação de uma parte da nação de Israel do começo ao fim da grande tribulação
para aguardar a segunda vinda de Cristo.

Um comentário e uma aplicação semelhantes são feitos dos três tempos e


meio do verso 14, sendo que ele os considera como delimitando o mesmo pe-
ríodo de perseguição conforme mencionado no verso 6:

O elemento de tempo do sofrimento de Israel é descrito como “um tempo, e tempos,


e metade de um tempo”. Isto novamente parece ser uma referência aos três anos e
meio, sendo a menção de tempo uma unidade, a segunda referência a tempos, sen-
do duas unidades, que a adição da metade de um tempo formariam três unidades
e meia. Uma referência paralela é encontrada em Daniel 7:25 e 12:7 referindo-se ao
mesmo período de grande tribulação (WALVOORD, 1966, p. 195).

Abordagem idealista. Em contraste com os preteristas, que colocam este


período de tempo (3 tempos e meio, 1260 dias) no início da era, e os futuristas,
Estudos selecionados em interpretação profética

que os põem no final da era, há aqueles que os generalizam mais do que isso.
Os idealistas aplicam o período à Era Cristã em geral. As observações de P. E.
Hughes (1990, p. 137) representam esta abordagem:

Ali, alimentada por Deus, ela é habilitada a sobreviver por mil duzentos e sessenta
dias, de outra forma definida no verso 14 abaixo, como “um tempo, e tempos, e
metade de um tempo” e, em 13:5, como “quarenta e dois meses”, isto é, por um
período de duração limitada que é breve em comparação com a ilimitada eter-
nidade de paz e liberdade que seguirão no novo céu e nova terra. [...] O simbo-
lismo na visão de João retrata a história do povo de Deus para quem o deserto é
o mundo em sua decadência e sua hostilidade para com a verdade.

Hughes segue isso com um comentário sobre os 3 tempos e meio do verso


14. Ele afirma mais claramente que os elementos de tempo (v. 6, 14) simples-
mente simbolizam toda a Era Cristã:

Este período denota três anos e meio e é o mesmo que os 1.260 dias do verso
6 e os quarenta e dois meses de 13:5. Simboliza o tempo, limitado por Deus,
da perseguição da igreja por Satanás na Terra, o tempo, isto é, entre as vindas
de Cristo (HUGHES, 1990, p. 141).
366
Abordagem historicista. A escola historicista, seguindo o princípio dia-ano,
delimita os 1260 dias a certa porção da Era Cristã, não à era em sua totalidade. A
parte da Era Cristã à qual este período de tempo profético é aplicado é a Idade Mé-
dia e pouco depois, quando membros da verdadeira igreja de Deus tiveram de fugir
para lugares remotos por causa das perseguições lançadas contra eles.
Representativo desta opinião é o comentário de Uriah Smith sobre
Daniel 11–12, já citado acima. Smith (1944, p. 553) afirma claramente esta
posição em seu comentário sobre Apocalipse 12:6:

A igreja fugiu para o deserto no tempo em que o papado foi firmemente estabe-
lecido em 538, onde foi alimentada pela palavra de Deus e o ministério dos anjos
durante o longo, escuro, e sangrento domínio desse poder por 1260 anos.

Ele reitera este ponto de vista em seu comentário sobre Apocalipse 12:14:

A menção do período durante o qual a mulher é alimentada no deserto como “um


tempo, tempos e metade de um tempo”, fraseologia semelhante àquela usada em
Daniel 7:25, fornece uma chave para a explicação da última passagem. O mesmo
período é chamado em Apocalipse 12:6 “mil duzentos e sessenta dias”. Isto mostra
Profecias de tempo

que um “tempo” é um ano, 360 dias; dois “tempos, dois anos, ou 720 dias; e “metade
de um tempo”, meio ano, ou 180 dias, constituindo tudo 1260 dias. Estes dias, sendo
simbólicos, significam 1260 anos literais (SMITH, 1944, p. 558).

Assim, o padrão que encontramos entre os expositores é o mesmo que aquele


que encontramos no caso de Daniel na seção anterior do nosso estudo. Os intér-
pretes preteristas colocam estes períodos de tempo proféticos em tempos passados;
os futuristas os põem ainda no futuro; e os historicistas os aplicam como se esten-
dendo ao longo da história, desde os tempos passados até os tempos modernos. A
interrogação é: Qual destas opiniões o texto favorece? Que elementos estão na pas-
sagem que conferem apoio a uma ou outra destas interpretações?
Nosso estudo neste capítulo é sobre estrutura literária, contexto e conteúdos
para ver de que forma esses aspectos das passagens sob exame lidam com esta per-
gunta. Assim, uma vez mais nos ocupamos primeiro da estrutura literária. Eu diria
que este é um elemento essencial na compreensão do texto de Apocalipse 12.
Uma vez compreendida a estrutura, o modelo que ela apresenta empre-
sta forte apoio à opinião historicista, que vê este texto e seus períodos de
tempo como se estendendo ao longo da Era Cristã. Na realidade, quando
este aspecto do texto é apreciado, ele revela quão notável passagem esta é,
abrangendo a era da igreja desde o primeiro advento de Cristo até a fase 367
final da igreja antes da sua segunda vinda em 17 versículos.
Tenho abordado a estrutura literária de Apocalipse 12 em outro estudo
anterior (SHEA, 1985, p. 37-54). Por causa da relevância deste estudo para
nosso presente empreendimento, uma porção significativa daquele ensaio
é repetida aqui textualmente. Isto deve dar uma imagem clara da estrutura
literária presente em Apocalipse 12.

A estrutura literária de Apocalipse 12


Não obstante quaisquer dificuldades na interpretação, a progressão de pen-
samento em Apocalipse 12 é objetiva. Como ilustram os esboços dos comen-
tários, as transições entre as principais unidades de pensamento ou seções deste
capítulo são relativamente bem demarcadas.
A narrativa se inicia com uma seção de cinco versos retratando um con-
flito entre uma mulher glorificada (v. 1-12) — comumente interpretada como
a igreja (ou Israel como uma fase anterior da igreja) — e o dragão (v. 3-4) —
comumente interpretado como o diabo e/ou seus agentes terrestres. O ponto
específico deste conflito gira em torno do filho varão que a mulher dá à luz.
Sendo que esse filho varão foi arrebatado até o trono de Deus e há de reger todas
Estudos selecionados em interpretação profética

as nações com cetro de ferro (v. 5), ele é comumente — embora não universal-
mente — identificado pelos comentários como representando Jesus Cristo. As-
sim, podemos identificar esta seção inicial de cinco versos do capítulo 12 como
descrevendo a primeira fase do conflito entre o dragão e a mulher.
O próximo verso desta narrativa (v. 6) deve ser visto como de transição para
uma seção intermediária que lida mais com o conflito entre o dragão e a mul-
her. Este verso de transição indica que tendo dado à luz o filho varão, a mulher,
agora mais definidamente identificada com a igreja, achou necessário fugir para
o deserto com a finalidade de autopreservação. Ali ela permaneceu, protegida
por Deus, durante um período de tempo específico —1260 dias.
A esta altura, o fluxo da narrativa que trata do conflito entre o dragão e a
mulher é interrompido para incluir uma seção parentética (v. 7-12) que explica
a origem da inimizade do dragão contra a mulher. Esta seção da narrativa é em
parte descritiva (v. 7-9) e em parte hínica (v. 10-12). A primeira porção desta
seção central descreve um conflito no Céu entre o dragão (“a antiga serpente,
que se chama diabo e Satanás [v. 9]) e seus anjos contra Miguel, o dirigente dos
anjos do lado de Deus. Miguel e seu exército saíram vitoriosos, e o dragão e seu
exército foram lançados para a Terra. A segunda parte desta seção central cele-
bra a derrota do dragão e adverte os habitantes da Terra acerca de sua inimizade.
368 Várias diferentes interpretações têm sido dadas a esta seção central. Alguns
intérpretes a veem como a descrição de um conflito no Céu em que o mal se
originou antes da criação da espécie humana. Outros o veem como uma de-
scrição da vitória ganha por Deus sobre o diabo no tempo da encarnação de
Cristo. Ainda outros o veem como uma descrição da vitória ganha por Deus
através da expiação de Cristo na cruz. Nossa finalidade aqui não é dar uma
exegese detalhada ou interpretação desta passagem. É antes ver onde estes ver-
sos se ajustam na estrutura literária do capítulo. Este ponto é claro, embora os
comentaristas possam diferir em sua interpretação do texto em si. Estes versos
fornecem um bloco central de material do capítulo; e o principal fluxo da nar-
rativa, que está mais diretamente relacionado com o conflito entre o dragão e a
mulher, recomeça após esta digressão.
A próxima seção da narrativa, versos 13-16, retorna, então, ao assunto da
mulher no deserto, sob ataque do dragão. No verso 6, que temos notado acima,
é principalmente as ações da própria mulher que estão em estudo. Este assunto
é agora tratado novamente no verso 14. Mas o verso 15 então continua com o
outro aspecto do assunto — as ações do dragão contra a mulher durante sua
habitação no deserto. Ele a perseguiu ali e arrojou sobre ela uma grande cor-
rente a fim de arrebatá-la. A terra, porém, ajudou a mulher, e tornou a corrente
Profecias de tempo

ineficaz (v. 16). A extensão de tempo em que a mulher habitou no deserto é dada
outra vez, neste exemplo como “um tempo, tempos e metade de um tempo” (v.
14), que é equivalente aos 1260 dias mencionados anteriormente no verso 6.
Para fins literários estruturais, é importante notar quão de perto o conteúdo
do versículo 14 corresponde ao do versículo 6:

Apocalipse 12:6 Apocalipse 12:14


“E a mulher “Mas foram dadas à mulher
duas asas da grande águia para que
fugiu ela pudesse fugir da serpente
para o deserto, para o deserto,
onde ela tem um lugar ao lugar
preparado por Deus,
em que deve ser alimentada onde ela deve ser alimentada
por mil duzentos e sessenta dias.” por [três tempos e meio].”

Uma comparação da fraseologia grega encontrada nestes dois versículos


indica que as mesmas palavras são usadas neles para “para o deserto” e o
“lugar” para o qual a mulher fugiu. A mesma raiz verbal para “alimentar” é
usada de formas diferentes em suas duas ocorrências. Embora os verbos “fu- 369
gir” e “voar” não sejam os mesmos, eles transmitem uma ideia semelhante.
Finalmente, ambos os versos terminam com um período de tempo, e estes
períodos de tempo devem ser equacionados.
Destas relações léxicas específicas, e também das relações temáticas ge-
rais presentes, é evidente que o conteúdo destes dois versículos faz uma
ligação direta entre eles e que de fato o verso 6 e os versos 13-16 formam um
inclusio em torno da seção central dos versos 7-12. Especificamente, o verso
6 provê uma declaração inicial acerca da fuga da mulher para o deserto, en-
quanto os versos 13-16 fornecem uma amplificada e conclusiva declaração
sobre o mesmo assunto. Assim, a declaração completa ou geral acerca do
período intermediário do conflito entre o dragão e a mulher foi dividida, e
suas duas partes foram utilizadas para formar ou incluir a declaração central
acerca da guerra no Céu entre Miguel e o dragão.
O versículo final do capítulo, verso 17, se refere à terceira e final fase do conflito
entre o dragão e a mulher. Neste caso, no final dos 1260 dias, é contra o remanes-
cente de sua semente ou descendência que o dragão objetiva fazer guerra. A na-
tureza deste conflito final é esclarecida com mais detalhes nos dois capítulos subse-
quentes, que contribuem na formação do bloco de profecias de Apocalipse 12–14.
Estudos selecionados em interpretação profética

Há certa ligação temática entre o início e o final de Apocalipse 12. Ambos


tratam do ataque do dragão contra a descendência da mulher. No primeiro caso, é o
seu principal descendente, o filho varão, que é atacado; e no último caso, é o rema-
nescente de sua descendência que é o seu alvo. Além disso, o filho varão no início da
narrativa deve ser interpretado como se referindo a Jesus, com o remanescente no
final da narrativa dando testemunho para Jesus. E finalmente, no verso 4, o dragão
“se deteve” em frente da mulher quando ela estava prestes a dar à luz o seu filho, e no
final da narrativa o dragão “se pôs em pé” sobre a areia do mar. (A mesma raiz ver-
bal está presente nestas duas passagens. Alguns mantêm que esta declaração final
deve estar ligada com Apocalipse 13, mas esta correlação léxica sugere que ela pode
estar corretamente localizada no final de Apocalipse 12.)
Desta análise de Apocalipse 12, o conteúdo deste capítulo pode agora ser
reduzido a um esquema básico:
Aplicações históricas gerais. Tendo esquematizado desta maneira a pas-
sagem, podemos fazer algumas aplicações históricas gerais.1 Detalhes específi-
cos não precisam ser tratados aqui, mas o amplo alcance do capítulo pode ser
dado em visão geral. Tomando o lado da maioria dos comentaristas (mesmo
alguns daqueles citados acima) que veem a mulher como a igreja, podemos ver
retratadas três fases do conflito envolvendo a mulher ou a igreja.
370 A primeira fase do conflito com o diabo (v. 1-5) deve se referir aos
primórdios da igreja. O conflito final (v. 17) deve se referir à fase final da
igreja na Terra. Entre estes dois pólos encontramos a igreja no deserto, a
igreja perseguida. Dada a posição intermediária desta fase da igreja na nar-
rativa, esta deve ser a igreja da Idade Média, isto é, a verdadeira ou pura
igreja desse período. A igreja que foi perseguida e impelida para o deserto e
para as partes mais remotas da Terra em busca de proteção.
Assim, a narrativa do capítulo nos apresenta a igreja primitiva, a igreja pura
da Idade Média, e a igreja dos últimos dias. Em uma breve extensão de 17 ver-
sículos, a narrativa cobriu estas três principais fases da história da igreja.
No centro deste panorama, o capítulo projeta a luta entre Cristo e Satanás, a
controvérsia que está por trás de tudo. O princípio que tem operado nestas fases
da história da igreja é o antagonismo do diabo e suas forças malignas dispostas
contra a igreja. Esta não é uma luta nova. Começou mesmo antes que existisse
uma igreja. Colocando esta cena no centro de sua pesquisa, João, sob inspiração,
identificou o princípio que vem operando ao longo desta era da igreja.

1
  A parte do meu artigo citada acima vem de Shea (1985, p. 39-42).
Profecias de tempo

É ao mesmo tempo evidente que a extensão da história da igreja não se


encaixa bem com qualquer interpretação preterista ou futurista. Se apoiasse a
interpretação preterista, deveria ter se concentrado somente na primeira fase da
história da igreja, no período do Império Romano, onde os preteristas locali-
zam tudo isto. Mas sua visão se estende para além desse ponto, muito além dele.
Se apoiasse a opinião futurista da profecia, deveria ter se concentrado apenas
na fase final da história da igreja. Em vez disto, começa com o início da história
da igreja, quando o Cristo dessa igreja veio ao mundo e então ascendeu ao Céu
para ministrar por ela. A evidência é clara de que a narrativa apresenta um con-
tínuo fluxo histórico ao longo da Era Cristã; assim, é mais compatível em sua
perspectiva com a opinião historicista ou histórica contínua.
Localização dos períodos de tempo. Podemos também fazer a pergunta:
Onde estão localizados os períodos de tempo neste capítulo? São eles encontra-
dos na primeira fase, média, ou na fase final da peregrinação da mulher sobre a
Terra? Se os períodos de tempo fossem encontrados no primeiro segmento, eles
favoreceriam a posição preterista. Se fossem encontrados na fase final, favoreceriam
a posição futurista. Mas eles não são encontrados em nenhuma das duas. Antes, os
períodos de tempo estão localizados no segmento médio da história da igreja. Eles
são encontrados em conexão com o segmento que se estende através do centro da
era. Isto é mais compatível com a opinião histórica desta profecia. 371
De fato, estas duas declarações acerca do tempo combinadas e ligadas (v. 6, 14)
caminham juntas para moldar a característica central do capítulo, o grande conflito
no Céu. O escritor apresenta sua primeira declaração acerca do tempo no verso 6.
Ele segue, então, com uma descrição (v. 7-12) da guerra no Céu entre Miguel e o
dragão. Ele então retorna outra vez ao assunto do tempo, reafirmando em palavras
quase idênticas o mesmo período de tempo previamente mencionado (v. 14).
Assim, do ponto de vista de linguística vinculados, e do ponto de vista
da estrutura literária, estas declarações pares acerca do tempo pertencem ao
meio da narrativa, no meio da história que o capítulo narra e, portanto, à
Idade Média da história da igreja. Elas não pertencem, qualquer uma delas,
ao fim do tempo. A história da igreja do fim dos tempos não é assumida até
o último versículo do capítulo (v. 17).

Apocalipse 13
Chegamos agora a uma terceira grande declaração do tempo profético se-
melhante àquelas apresentadas em Daniel 11–12 e Apocalipse 12. Naquelas nar-
rativas anteriores o período de tempo foi dado como ou 1260 dias ou 3 tempos e
meio. Nesta nova narrativa ele é dado como 42 meses (13:5). Pode haver pouca
Estudos selecionados em interpretação profética

dúvida de que estamos falando acerca do mesmo período de tempo profético


e histórico, sendo que 42 meses, usando um mês profético esquemático de um
número uniforme de 30 dias, fornece um período de tempo que da mesma for-
ma é igual a 3 anos e meio ou 1260 dias.

Interpretações dos expositores


Abordagem preterista. Novamente encontramos a mesma distribuição de in-
terpretações que encontramos anteriormente em conexão com as outras duas pas-
sagens estudadas acima. Os preteristas colocam estes eventos no primeiro século
d.C., no período de Roma Imperial. Como afirma claramente J. M. Ford (1975, p.
218), “os monstros representam o Império Romano e aqueles que cooperam com
ele”. Quanto aos 42 meses da autoridade dessa besta, Ford relaciona-o, por analogia,
com a perseguição dos judeus sob Antíoco Epifânio. Assim, torna-se “simbólico de
um período de terror e mal demoníaco antes da vitória final de Deus” (FORD, 1975,
p. 222). Neste caso específico, pode também estar relacionado com a profanação do
templo de Jerusalém por Calígula ou Tito (ou ambos) (FORD, 1975, p. 223).
Abordagem futurista. Os dispensacionalistas concordam que esse é o Im-
pério Romano, mas é o Império Romano revivido do fim do tempo, não o impé-
rio dos dias de Jesus e os apóstolos. Assim observa Walvoord (1966, p. 197-198):
372
A identidade dessa besta é muito clara em sua referência ao Império Romano
revivido, como a descrição é semelhante àquela encontrada em Daniel 7:7-8
e em Apocalipse 12:3 e 17:3, 7. O estágio do império retratado pela besta é
o período depois do surgimento do chifre pequeno, o futuro governante do
mundo, destituindo três dos chifres (Dn 7:8). A descrição se ajusta ao tempo
do império durante a grande tribulação.

Sua posição sobre os 42 meses é como deve ser esperada em conexão com
esta interpretação: “Sua autoridade [aquela do futuro anticristo pessoal] con-
tinua por quarenta e dois meses” (WALVOORD, 1966, p. 200).
Abordagem historicista. Os intérpretes historicistas permanecem coerentes
aqui também. A besta é também identificada como Roma em sua escola de pen-
samento. Contudo, por causa dos aspectos distintamente religiosos do seu caráter
e atividades, ela é identificada como a fase religiosa da atividade romana, resumida
no papado. Neste caso Roma Imperial (simbolizada em um papel secundário pelo
dragão vermelho [cap. 12]), precede a besta semelhante ao leopardo (cap. 13). A
última recebe da primeira seu “poder, trono, e grande autoridade” (v. 2). Como se
expressa brevemente Uriah Smith (1944, p. 562): “No verso 1 de Apocalipse 13, so-
mos levados de volta ao tempo quando a besta semelhante a leopardo, sucessora do
Profecias de tempo

dragão, inicia sua carreira. Deste poder a igreja sofre guerra e perseguição por um
longo período de 1260 anos.” Este período de 1260 anos é, sem dúvida, o mesmo
que tem sido descrito acima com as profecias anteriores.
A posição, portanto, das três escolas interpretativas é como as temos en-
contrado nas profecias anteriores. Os preteristas veem Apocalipse 13:1-10 no
início da Era Cristã, os futuristas no final da era, e os historicistas no transcor-
rer da era, interpretando as unidades de tempo aqui como simbólicas e não de
natureza literal. Para uma mais definitiva identificação do poder da besta en-
volvido, o estudante precisa trabalhar naturalmente através de suas característi-
cas simbólicas. Isto já tem sido feito nos comentários e não precisa ser repetido
aqui. Nosso interesse está mais localizado à profecia de tempo ligada com essa
besta. Onde deve esse período de tempo ser aplicado?

Localizando o período de tempo


Por que surge esta interrogação? Alguns intérpretes, mesmo alguns que op-
eram a partir do ponto de vista historicista, sugerem que este período de tempo
deve ser localizado depois de ser recebida a ferida mortal pela besta, e não antes.
Localizar o período de tempo antes da ferida mortal e conduzir a ela tem sido a
abordagem mais comum entre os escritores historicistas dos tempos passados.
Uriah Smith (1944, p. 565) coloca a relação da seguinte maneira: 373

No final do mesmo período [os 1260 anos], a besta semelhante ao leopardo de-
veria ser levada “em cativeiro.” Apocalipse 13:10. Ambas as especificações foram
cumpridas no cativeiro e exílio do papa, e a subversão temporária do papado
pela França em 1798.

Assim é evidente que é a cabeça papal que foi ferida de morte, e cuja ferida mortal
foi curada. Essa ferida é o mesmo que ir par o cativeiro. (Apocalipse 13:10) Ela foi
infligida quando o papa foi levado prisioneiro pelo general francês Berthier, em 1798,
e o governo papal foi durante certo tempo abolido (SMITH, 1944, p. 567).

O ponto de vista representado pela interpretação de Smith, secundado por


muitos outros intérpretes historicistas, é que os 42 meses da profecia, ou 1260
anos históricos reais, conduziram à ferida mortal que pôs um fim ao período
papal de dominação e autoridade religiosa.
Mais recentemente, tem sido defendida a opinião oposta: que os 42 meses
devem seguir algum tempo depois da ferida mortal. A base para esta interpre-
tação é a ordem do texto. A ferida mortal é mencionada no verso 3 e os 42 meses
são mencionados no verso 5. Na hipótese de que os eventos desta passagem
Estudos selecionados em interpretação profética

estejam em ordem cronológica, o período de tempo de 42 meses deve seguir


depois da ferida mortal da besta.
Sequências repetidas. Isto suscita a interrogação: São os eventos descritos
nesta passagem dados em estrita ordem cronológica? A evidência da passagem
em si indica que este não é o caso. Seguir uma estrita ordem cronológica cria
algumas dificuldades na interpretação.
Por exemplo, o verso 1 nota que a besta tinha um nome de blasfêmia sobre
suas cabeças. O verso 5 observa que foi dada à besta uma boca para proferir
palavras blasfemas. Se estes dois episódios são estritamente cronológicos e con-
secutivos, a blasfêmia que a besta profere no verso 5 não tem nenhuma relação
com a blasfêmia sobre suas cabeças no verso 1. A conexão lógica é, porém, que
as cabeças do verso 1 são de tal caráter que elas proferem as palavras blasfemas
do verso 5. As duas referências estão ligadas por natureza e ação; elas não de-
vem ser separadas com uma posta no passado e a outra no futuro.
Isto também pode ser notado no caso da palavra “autoridade”. Esta é encon-
trada no verso 2, onde o dragão confere à besta do mar várias coisas, inclusive
“grande autoridade”. Então, no verso 5, é declarado que é permitido à besta do
mar exercer autoridade por 42 meses. Se seguirmos a abordagem estritamente
cronológica, então temos aqui duas autoridades diferentes. A conexão mais
374 lógica é que a autoridade dada no verso 2 é a mesma autoridade que é permitida
continuar por 42 meses, segundo o verso 5.
Um problema semelhante surge no caso da blasfêmia entre o verso 5 e o verso
6. O verso 5 diz que é dada à besta do mar uma boca para proferir blasfêmias. Então,
no final deste verso, os 42 meses de sua autoridade são mencionados. O verso 6
começa identificando o que é blasfemado: o nome de Deus, seu santuário no Céu e
aqueles da Terra que têm posto sua fé ali. Se estes dois versos forem lidos em uma
ordem estritamente cronológica, então a blasfêmia do verso 6 ocorre 42 meses ou
1260 anos mais tarde do que a blasfêmia proferida no verso 5.
Mas este não é realmente o caso. O verso 1 nota que o nome de blasfêmia
estava sobre as cabeças da besta; o verso 5 nota que foi dada à besta uma boca
para proferir aquelas blasfêmias; e o verso 6 dá o conteúdo de algumas daquelas
blasfêmias. Estas são todas ações contemporâneas e inter-relacionadas; elas não
são separadas e distintas e ocorrendo mais tarde no tempo do que as anteriores.
O desenvolvimento sobre o tema de amplificar o assunto da blasfêmia é suple-
mentado por cada referência adicional.
Mais uma vez o assunto da adoração pode ser tomado para ilustrar o mes-
mo tipo de fenômeno desta passagem. O final da primeira seção desta passagem
descreve homens adorando o dragão e a besta (v. 4). A segunda seção desta
Profecias de tempo

passagem termina de um modo semelhante, com todos os que habitam sobre


a Terra adorando a besta (v. 8). Os dois temas estão inter-relacionados e ocor-
rem em posições semelhantes em suas respectivas passagens. Eles devem estar
relacionados um ao outro, não separados.
Temos descrito vários aspectos deste texto para demonstrar a maneira em
que seus termos têm sido distribuídos. Temos escolhido nesta passagem ter-
mos chaves, temáticos, ou teológicos. Eles incluem “blasfêmia”, “autoridade” e
“adoração”. As mesmas palavras gregas são usadas em cada um destes casos onde
são empregadas passagens correlacionadas.
Paralelismo hebraico. Pode agora ser feita a pergunta: Por que a passagem op-
era desta maneira? Por que ela volta repetidamente a alguns destes temas? Por que
não trata apenas de cada tema uma vez e depois passa para outro de forma linear? A
matéria de estudo neste contexto é novamente uma de estrutura literária. O princí-
pio organizador é paralelismo de pensamento. Isto é muito comum na Bíblia.
Um terço do Antigo Testamento é escrito em poesia; toda a poesia hebraica
exerce paralelismo de pensamento. Não se pode ter poesia hebraica sem ele.
Também transborda na prosa bíblica, tanto no Antigo quanto no Novo Testa-
mento. Os exemplos disto são demasiado numerosos para se mencionar. Por-
tanto, não é inesperado encontrar este mesmo princípio operando aqui. É im-
portante, portanto, notar as palavras-chave que são repetidas na passagem. 375
Duas seções distintas. Vamos dividir esta parte da profecia em suas duas
seções principais antes de trabalhar com ela em detalhes. Os versos 1-4 for-
mam a primeira seção; os versos 5-10 formam a segunda. A mudança no uso
de verbos entre estas duas passagens é um indicador de que elas são distintas; a
natureza dos conteúdos descritos é também diferente.
A primeira seção descreve o que João viu — a própria visão. A segunda
descreve ações que ocorreram desde então. O verbo “eu vi” (eidon) ocorre duas
vezes na primeira seção (v. 1-2); ele não ocorre absolutamente na segunda. Am-
bas as seções terminam com um verso que fala sobre a adoração do mundo di-
ante da besta. Isto ocorre no verso 4 na primeira seção e no verso 8 na segunda
seção. Eles são comparados mais adiante abaixo.
Enquanto a primeira seção desta passagem é descritiva (visual) em ênfase,
a segunda seção é didática em sua ênfase. Este arranjo faz estas duas seções se
relacionarem entre si como visão e audição, ou visão e explanação. Quando esta
relação funcional é compreendida, pode ser visto que a segunda seção explica o
que foi visto na primeira seção.
A descrição da visão (v. 1-4). A descrição da besta na primeira seção começa
com seu surgimento do mar. As primeiras partes a aparecer são suas cabeças e
Estudos selecionados em interpretação profética

chifres. Uma descrição adicional é dada destas características. Os chifres têm dia-
demas e as cabeças têm o nome de blasfêmia sobre elas. A descrição continua ao
subir a besta ainda mais do mar. Seu corpo, que se assemelha ao do leopardo, é
visto em seguida; e seus pés, que são como os de urso, são vistos por último. A
atenção do profeta é então voltada para a boca da besta. Era semelhante à boca de
um leão. O motivo pelo qual a atenção do profeta é voltada para a boca é porque
sua fala é um elemento importante na subsequente seção explanatória da visão.
A cena agora muda para descrever o que o dragão do capítulo 12 fez por essa
besta do mar do capítulo 13. Ele deu-lhe três coisas: poder, um trono e grande au-
toridade. A atenção de João é então chamada para uma das cabeças. Seis das sete
cabeças pareciam saudáveis, mas uma delas tinha sido ferida. Realmente, a ferida
se mostrava tão grave que parecia ter sido fatal. Mas a ferida já havia cicatrizado
e a cabeça também estava viva novamente. A passagem conclui com declarações
sobre a adoração do dragão e da besta pelo mundo.
A explicação da visão (v. 5-10). A segunda seção é distinta em termos de seus
conteúdos verbais. Ela contém quatro frases que se iniciam em exatamente a mes-
ma forma no original grego, kai edothē autō (“e foi-lhe dada”). A frase ocorre duas
vezes no verso 5 e duas vezes no verso 7. Cada vez a frase apresenta alguma coisa
que é dada à besta. O primeiro “dada” é uma boca que proferia grandes coisas e blas-
376 fêmias. O segundo é autoridade. A terceira coisa dada é a capacidade de fazer guerra
aos santos. A quarta “dada” é autoridade sobre as nações. Então a passagem conclui,
como fez a primeira, com uma declaração de adoração pelo mundo.
Deve estar claro deste esboço das duas seções que nos deparamos primeiro
com a visão da besta e em seguida a descrição de suas ações a título de ex-
planação. Ambas as seções terminam do mesmo modo: com a descrição de
adoração pelo mundo. Esta dupla descrição de adoração não apenas serve para
dividir a passagem, mas também para enfatizar a unidade da profecia. Este
breve esboço pode ser representado por um gráfico:

Apocalipse 13:1-10
Duas Seções

Descrição Explicação
v. 1-3 v. 5-7
Adoração Adoração
v. 4 v. 8
Profecias de tempo

Vínculos entre as seções. Voltamos agora a examinar os vínculos entre


as duas seções, entre a descrição e a explicação. Já temos notado alguns
destes de uma forma negativa, para demonstrar que não podemos seguir
uma abordagem estritamente cronológica a esta passagem. Agora examina-
mos estas relações segundo suas pretendidas funções.
A primeira palavra de ligação é ”boca” (stoma), e sua palavra associada,
“blasfêmia” (blasphēmia). A boca da besta é descrita como a boca de um leão (v.
2). Quando a boca entra em operação (v. 5), ela fala palavras arrogantes (contra
o Altíssimo, cf. Dn 7:25) e blasfêmia. A boca do verso 5 está funcionalmente
ligada à boca vista previamente no verso 2, e a blasfêmia ouvida aqui (v. 5) está
ligada ao nome de blasfêmia visto escrito sobre as cabeças (v. 1). O verso 6, em
seguida, retoma novamente o tema da blasfêmia e diz exatamente o que é blas-
femado: Deus, o seu nome e o santuário celestial.
Um par de frases que começam “e foi lhe dada” (kai edothē autō) ocorre no
verso 7. Ali elas descrevem dois grupos de pessoas. O primeiro consiste dos
santos. Foi permitido à besta fazer guerra contra eles e derrotá-los. O segundo
grupo consiste do restante da população mundial. Em contraste com os santos
que tentaram resistir à besta, este grupo concordou com ela e finalmente irá tão
longe a ponto de adorá-la. Daí o contraste entre os dois grupos: os que se opõem 377
a ela e aqueles que concordam em pôr-se ao lado dela e mesmo adorá-la.
A maneira em que a perseguição dos santos é formulada é interes-
sante em vista da declaração anterior sobre o tempo dado à besta para sua
autoridade — 42 meses. Estas duas linhas de texto devem ser comparadas
em uma tradução literal e em transliteração:

v. 5b “E foi dada a ela autoridade para fazer (X) meses, quarenta e dois.”
kai edothē autō exousia poiēsai mēnas 40 kai 2
v. 7a kai edothē autō poiēsai polemon meta tōn hagiōn kai nikēsai
“E foi dado a ela fazer guerra contra os santos e derrotá-[los”]

A frase do verso 7a é apenas uma destas quatro frases de doação em que se


inverte a ordem das palavras. Normalmente, depois da frase de doação introdu-
tória, o substantivo que se refere ao objeto doado é declarado em seguida. Este
não é o caso aqui em 7a. Ao contrário, é um verbo (poiēsai) “fazer” que segue.
Mas este é o mesmo verbo que é encontrado no verso 5b. Este é normalmente
traduzido de tal modo a usar a palavra “autoridade” que o precede como um
Estudos selecionados em interpretação profética

objeto. Mas este não é realmente o caso. Foi dada autoridade à besta para fazer
alguma coisa, não para exercer autoridade.
Mas o que lhe foi dada autoridade para fazer? Isso é deixado para a próxima
frase de doação dizer. Segundo o verso 7a essa autoridade era fazer guerra aos san-
tos. Assim o arranjo linguístico e estrutural e as relações aqui indicam que a au-
toridade da besta devia ser exercida especialmente em fazer guerra contra os santos.
Esta característica do texto o harmoniza com as passagens que temos discutido aci-
ma — Daniel 11–12 e Apocalipse 12. Em ambas as passagens este mesmo período
de tempo foi especialmente e acima de tudo um período de perseguição dos santos.
Os vínculos da palavra “autoridade” (exousia) entre estas duas passa-
gens também devem ser notados. Segundo 13:2, o dragão deu à besta do
mar poder, trono e grande (megalēn) autoridade (exousia). Então, segundo
o verso 5, a besta do mar continua para exercer esta autoridade (exousia)
por quarenta e dois meses. Realmente, a extensão de tempo em que a besta
exerce esta autoridade é um motivo por que ela é grande.
É também de interesse que estas duas palavras (grande/autoridade) estejam
correlacionadas no verso 2, mas são então distribuídas no verso 5. No verso
2, é a autoridade que é grande (exousian megalēn). No verso 5, a palavra para
grande (megala) é usada independentemente para se referir às grandes coisas
378 ou “arrogantes” (RSV) palavras que a besta fala contra Deus; então na próxima
frase a palavra autoridade (exousia) aparece. O que aparece como um par de
palavras na primeira passagem é dividido e distribuído a frases sucessivas no se-
gundo exemplo, apontando assim para uma relação direta entre as duas seções.
Há duas outras interessantes ligações de palavras presentes aqui. Uma é o
verbo “adorar” (proskuneō). No verso 4 (da primeira seção), ele é usado em uma
forma aoristo, mas no verso 8 (a segunda seção), ele é usado em uma forma
futura. A última tem sido comumente considerada como um hebraísmo para
um verbo que equivale a um tempo imperfeito ou presente. Contudo, o inverso
poderia ser considerado por sua ocorrência no verso 4. Se alguém considera o
aoristo do verbo 4 como refletindo um “perfeito profético” hebraico conforme
usado pelos profetas do Antigo Testamento (um tempo passado para descrever
um evento futuro), então isto bem se ajustaria com a natureza visionária desta
passagem (“homens [...] adorarão o dragão [...] e eles adorarão a besta”). Se esta
explicação está correta, ela harmonizaria o versículo 4 com o versículo 8, colo-
cando esta ação no futuro do tempo de João na era especificada pela profecia.
A outra palavra de nota aqui é a palavra para “ferida” que a cabeça da besta
recebe de uma forma “mortal” segundo o verso 3 (sphazō). A mesma palavra é
usada para Cristo como o cordeiro morto (5:6, 9, 12). Os que são excluídos do
Profecias de tempo

reino celestial são aqueles que não estão escritos no livro do Cordeiro que foi
“morto” (ferido) desde a fundação do mundo (13:8). A mesma palavra é usada
em ambas as passagens, e assim se traça um contraste entre a besta e o “Cord-
eiro”. Ambos receberam uma ferida que era mortal, mas voltaram à vida — um
para trabalhar pela redenção da humanidade, a outra para sua destruição.
Na seção descritiva (v. 1-4), a ferida da besta vem mais para o final da
passagem (v. 3). Na seção explicativa (v. 5-10) essa ferida é também men-
cionada no final da passagem (“se alguém matar à espada, necessário é que
seja morto à espada”, v. 10; cf. v. 14, “a besta que foi ferida pela espada”). Em
ambos os casos a estrutura literária e as relações envolvidas indicam que a
autoridade que a besta exerce vem antes dessa ferida.
Existe também uma ligação natural e lógica da doação de autoridade para o
seu exercício entre a primeira passagem (v. 2) e a segunda (v. 5).
Como mostram as muitas relações literárias estruturais apresentadas aqui e
os vínculos linguísticos entre as seções, um paralelismo de pensamento é reali-
zado por João, ao descrever a visão da besta que ele vê e a explicação da visão
que ele recebe. As duas partes formam um todo.
A leitura estritamente cronológica desta passagem não pode ser aplica-
da, porque este procedimento não faria qualquer sentido fora dos paralelos
múltiplos aqui. A compreensão mais lógica das duas seções é que a segunda 379
é uma explicação da primeira e que coloca o período de tempo dos 42 me-
ses em relação com os eventos da primeira passagem que ocorreram antes
de ser vista a ferida mortal. A ordem tradicional e as relações comumente
seguidas pelos intérpretes historicistas é a correta do ponto de vista dessas
relações contextuais recentemente observadas.
Isto significa que os 42 meses da profecia de tempo devem conduzir à ferida
mortal, não seguir. Também significa que a ocorrência da ferida mortal faz um
excelente demarcador para o fim deste período de tempo. Em termos do fluxo
da história, isto bem se ajusta com a terminação deste período em 1798 como
tem sido descrito pelo comentarista historicista Smith citado acima.

Considerações finais
Neste capítulo examinamos três passagens bíblicas que contêm elementos de
tempo proféticos: Daniel 12, Apocalipse 12 e Apocalipse 13. Um período de tempo
é comum a todas as três. Os 3 tempos e meio de Daniel 12:7 equivalem aos três
tempos e meio de Apocalipse 12:14, que por sua vez equivalem aos 1260 dias de
Estudos selecionados em interpretação profética

Apocalipse 12:6 e finalmente aos 42 meses de Apocalipse 13:5. Além disso, mais
dois períodos de tempo são encontrados em Daniel 12: os 1290 e os 1335 dias.
Não temos procurado fazer neste estudo muito estritas aplicações
históricas destes períodos de tempo. Nosso intento é outro. Nosso objetivo
era ver que informação o próprio texto forneceara localizar estes períodos
de tempo na extensão da História.
A localização dos períodos de tempo de Daniel 12 não pode ser determinada
apenas sobre a base da narrativa. Esses versículos formam somente a conclusão da
quarta visão de Daniel. A comparação deve ser feita com Daniel 11, o corpo desta
mesma visão. Quando esta comparação é levada a cabo, pode ser visto que as datas
de Daniel 12 não representam uma desejada extensão do tempo que o profeta adi-
vinhou (opinião preterista). Ao contrário, elas estão ligadas cada uma com eventos
específicos narrados no fluxo da História descritos no corpo da visão.
Os 3 tempos e meio e os 1290 dias têm seu lugar in loco (Dn 11:31-35) antes do
tempo do fim que é mencionado em Daniel 11:40. O período de 1335 dias também
tem suas raízes no mesmo local de Daniel 11. Isto significa que a opinião historicista,
que coloca estes períodos de tempo como representando simbolicamente muito
mais longos períodos de tempo histórico no fluxo do processo histórico, se ajusta
melhor ao conteúdo da passagem de Daniel 12.
380 A situação em Apocalipse 12 é um tanto diferente. Aqui os dois períodos de
tempo (3 tempos e meio; 1260 dias) são encontrados em relação um ao outro na
estrutura da própria narrativa. Eles são colocados no meio ou núcleo da narra-
tiva acerca da igreja; não fazem parte de um ou outro pólo desta história. Assim
eles são mais bem aplicados à Idade Média.
Aqueles períodos de tempo (os dois símbolos na realidade denotam a mes-
ma era) transpõem esse período e levam a narração da história da igreja até o
início do seu período final, o tempo em que a semente remanescente da mulher
ocupa o palco para a ação. Outra vez, a construção envolvente desta narrativa
e os pontos específicos em que os períodos de tempo estão localizados apoiam
certamente a interpretação historicista. Os dados não apontam para uma inter-
pretação preterista ou futurista.
A estrutura literária de Apocalipse 13 com seu período de tempo de 42 me-
ses retrata ainda outro modelo de pensamento hebraico. Aqui opera o paralelis-
mo de declarações. A visão da besta é descrita na primeira seção dessa narrativa
(v. 1-4) e isto é seguido pela explicação desta visão (v. 5-10). Isto significa que
esta narrativa (v. 1-10) não pode ser lida em reta sequência linear; antes, deve
ser compreendida como passando pelo mesmo terreno duas vezes.
Profecias de tempo

Neste exemplo, a segunda seção, que fornece a explanação, inclui o pe-


ríodo de tempo. Não podemos ver um período de tempo, mas podemos ver
as ações que a besta levou a cabo, como perseguir, proferir blasfêmias, e
exercer autoridade sobre os habitantes da Terra. Somos informados sobre
quanto tempo estas coisas deveriam durar. Por este motivo o período de
tempo ocorre na parte do texto que lida com a explicação.
O lugar onde o período de tempo se liga com a descrição precedente indica que
ele pertence àquelas atividades da besta que deveriam ocorrer antes que esse poder
recebesse sua ferida mortal. Mesmo embora essa ferida mortal devesse ser curada,
este período de tempo mediu os anos até a ferida, não depois.
Mostrando que os 3 tempos e meio (e os 1290 dias) de Daniel 12 pertencem ao
meio do fluxo histórico de Daniel 11, mostrando que os dois períodos de tempo
de perseguição de Apocalipse 12 (3 tempos e meio; 1260 dias) pertencem ao meio
da Era Cristã, e mostrando que os 42 meses da besta pertencem ao tempo antes da
recepção de sua ferida, temos demonstrado que a interpretação historicista destas
profecias de tempo está corretamente baseada nas características das passagens. A
opinião preterista que coloca tudo isto de volta no mais remoto passado — com
Antíoco Epifênio (segundo século a.C.) ou os Césares (primeiro século d.C.) — e
a compreensão futurista que situa todos eles no ainda não cumprido futuro não
obtêm sólido apoio do texto e são, portanto, indefensáveis. 381

Referências

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Profecias de tempo

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Estudos selecionados em interpretação profética

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