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Estudos sobre
Apocalipse
temas introdutórios
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Série
Santuário e profecias
apocalípticas
Centro Universitário Adventista de São Paulo
Fundado em 1915 — www.unasp.edu.br
Missão: Educar no contexto dos valores bíblico-cristãos para o viver pleno e a excelência no servir.
Visão: Ser um centro universitário reconhecido através da excelência dos serviços prestados, dos seus elevados
padrões éticos e da qualidade pessoal e profissional de seus egressos.
Conselho Editorial:
José Paulo Martini, Afonso Cardoso, Elizeu de Sousa, Francisca Costa, Adolfo Suárez, Emilson dos
Reis, Renato Groger, Ozeas C. Moura, Betania Lopes, Martin Kuhn
Estudos sobre
Apocalipse
temas introdutórios
6
Série
Santuário e profecias
apocalípticas
1ª edição — 2012
Esboço do capítulo
1. Abordagens interpretativas ao Apocalipse
2. Exegese, teologia e hermenêutica
3. Regras gerais de interpretação
4. Regras especiais para a interpretação apocalíptica
5. Propósito e tema do Apocalipse
6. Estrutura literária do Apocalipse
1
Artigos “tópicos” frequentemente representam exegese de uma passagem mais do que uma
teologia do Apocalipse como um todo ou mesmo a teologia da própria passagem. Pode haver al-
gumas exceções em algumas áreas, tais como, por exemplo, cristologia, pneumatologia e eclesio-
logia. Também a ser notado é o capítulo sobre “Doutrina” em H. B. Swete (1908, p. clix-clxxiii).
Este trata os assuntos de monoteísmo, a doutrina de Deus, cristologia, pneumatologia, eclesiolo-
gia, soteriologia e angelologia, mas basicamente apenas faz um levantamento dos dados.
Princípios fundamentais de interpretação
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2
Vários intérpretes bem-conhecidos de uma geração anterior foram partidários deste ponto de
vista, tais como Albert Barnes, Adam Clarke, E. B. Elliott e Alexander Keith. Barnes, por exemplo,
trata os sete selos como pertencendo a uma sequência de eventos da Era pós-Apostólica, as sete
trombetas como se iniciando com o saque de Roma pelos visigodos em 410 d.C., o livrinho ab-
erto de Apocalipse 10 como a Bíblia aberta no tempo da Reforma do século 16, e as sete últimas
pragas como refletiva da Revolução Francesa do final do século 18.
3
O exemplo que ainda é talvez o mais bem conhecido é Thoughts on Daniel and Revelation
de Uriah Smith (múltiplas edições e impressões, inclusive a atualmente disponível “edição
revisada” primeiramente publicada em 1944 pela Southern Publishing Association, em Nash-
ville, Tennessee). Outros escritores adventistas do sétimo dia, inclusive S. N. Haskell e R. A.
Anderson, têm usado a mesma abordagem. O mais recente e completo comentário exibindo-
a é a excelente publicação de C. Mervyn Maxwell (1985, v. 2) God Cares. Entre os escritores
não adventistas, não tenho encontrado nenhum que use a abordagem da maneira como a
usam os adventistas, mas repetições de sequências parciais ou incompletas são apresentadas,
por exemplo, por S. L. Morris (1928) e William Hendriksen (1940).
4
A origem da opinião preterista é geralmente atribuída a Luis de Alcazar (falecido em 1613),
jesuíta espanhol, em sua monumental Investigation of the Hidden Sense of the Apocalypse [Inves-
tigação do Sentido Oculto do Apocalipse] (publicada postumamente em 1614). Juntamente com
ele e alguns outros antigos expositores católicos, vários comentaristas protestantes de séculos pos-
teriores (por ex., I. T. Beckwith, Moses Stuart e H. B. Swete) têm tido a tendência de admitir um
cumprimento de partes do Apocalipse atingindo os primeiros séculos cristãos pós-apostólicos.
Os comentaristas preteristas de “tradição liberal”, quer sejam eles católicos ou protestantes, inter-
pretam o livro como refletivo do próprio tempo de João.
Estudos selecionados em interpretação profética
5
Entre um bom número de exemplos, estão os comentários de John Wolvoord (1966) e Hal
Lindsay (1973). O primeiro é um tipo de produção erudita, e o último é uma obra de estilo
popular.
6
Literatura prolífica tem sido produzida pelos expoentes do ponto de vista, começando com
o seu originador J. N. Darby, da Irlanda, que reuniu a essência do pré-tribulacionismo/dispen-
sacionalismo durante o final de 1820 e a década de 1830. Darby era muito conhecido por sua
atividade na Inglaterra (ele é geralmente considerado como sendo o fundador do movimento
dos “Irmãos de Plymouth”), mas pessoalmente promulgou suas opiniões também no Continente
Europeu e na América do Norte, para a qual fez seis viagens. Na América, a Bíblia de Referên-
cia de Scofield (publicada no Brasil como Bíblia Anotada) tem tido considerável influência em
popularizar a opinião, realçada em anos recentes por publicações de Hal Lindsay. As “teologias
sistemáticas” de Alva McClain e L. S. Chafer também defendem este ponto de vista. Entre uma
série de boas pesquisas e avaliações do pré-tribulacionismo/dispensacionalismo, deve ser tomada
em consideração a crítica justa e muito legível dada por George Eldon Ladd (1956).
7
Entre os expositores que têm escrito na Inglaterra, os seguintes provavelmente podem ser in-
cluídos (embora talvez com alguma sorte de preterista ou outro tipo de ajuste “histórico” envolvi-
do): E. W. Benson, Raymond Calkins, William Milligan, Paul S. Minear, S. L. Morris e D. T. Niles.
Princípios fundamentais de interpretação
As passagens bíblicas, porém, não devem ser reunidas de uma forma indevida.
Uma sólida abordagem leva em consideração os seguintes fatos: (1) As Escrituras
não são apenas verdade em um sentido global, mas também contém muitas ver-
dades individuais. (2) Portanto, ao se lidar com qualquer passagem das Escrituras, é
importante verificar precisamente o que trata essa passagem específica e qual é a sua
própria mensagem específica em seu próprio contexto específico. (3) Enquanto a re-
união de duas ou mais passagens bíblicas que têm relevância para o mesmo assunto
iluminará nossa compreensão da verdade divina que está envolvida, a combinação
enganosa de dois ou mais itens que são absolutamente verdadeiros em si mesmos
pode muito bem levar a uma síntese que é totalmente infundada e errônea.
O último ponto precisa de ênfase especial. Por exemplo, se tentarmos fundir
uma biografia totalmente correta de César Augusto com uma biografia totalmente
correta de George Washington (cada um desses indivíduos foi chamado “pai do seu
país”), obviamente teríamos um relato combinado cheio de erros. Assim seria tam-
bém o caso se intrometêssemos um relato factual da carreira militar de Napoleão
Bonaparte em um relato factual da Segunda Guerra Mundial.
Jogar solto deste modo com peças individualmente verdadeiras e comple-
tamente exatas de informação histórica parece ridículo, e certamente é assim.
No entanto, este mesmo tipo de metodologia é similar hoje em determinados
esquemas interpretativos aplicados ao livro de Apocalipse.8 Quer o campo seja 13
historiografia geral ou teologia bíblica (ou, a propósito, qualquer outro campo),
o resultado final não é verdade, mas confusão e erro.
Usar todas as ferramentas disponíveis
Os bereanos são mencionados como sendo “mais nobres” do que os de Tessalôni-
ca, porque eles prontamente recebiam a palavra dos apóstolos e então estudavam as
Escrituras para verificar se a mensagem dos apóstolos era verdadeira (At 17:11). A
procura pela verdade divina deve ser cuidadosa, diligente e equilibrada.
Tal estudo envolve uma comparação adequada de passagem com passagem,
tendo cuidado de que o máximo conhecimento possível seja obtido de cada pas-
sagem bíblica utilizada. Isto sugere um uso sério e apropriado das ferramentas
que estão disponíveis: comentários bíblicos, dicionários bíblicos, manuais bíblicos,
8
Os adventistas do sétimo dia tendem a ficar surpresos de que os evangélicos dispensacion-
alistas possam mudar a setuagésima semana da profecia de Daniel 9:24–27 da era do Novo Tes-
tamento para um tempo ainda futuro em nossos dias, e que eles tornam Apocalipse 4:1 a 19:10
virtualmente uma exposição da chamada “setuagésima semana” de Daniel. Todavia, certos escri-
tores adventistas recentes de inclinação futurista revelam esse mesmo tipo de método em suas
exposições privadas do Apocalipse.
Estudos selecionados em interpretação profética
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Exemplos de traduções “literais” ou “formais” são: King James, New King James, Revised Stand-
ard Version, New American Standard Bible etc. [Em português: Almeida Revista e Atualizada e
Bíblia de Jerusalém. — Nota do tradutor.] Exemplos de traduções “livres” ou método dinâmico
de tradução: New English Bible, Today’s English Version, Philips Translation, Living Bible etc. [Em
português: Nova Tradução na Linguagem de Hoje, Nova Bíblia Viva e A Mensagem. — Nota do
tradutor.]
Princípios fundamentais de interpretação
10
Uma excelente discussão da natureza da inspiração é dada por Ellen G. White (2005) em sua
“Introdução” ao Grande Conflito.
Estudos selecionados em interpretação profética
com sua descrição de atividades que ocorrem na Terra. Realmente, a profecia apoc-
alíptica ilustra e dramatiza este elemento vital da perspectiva bíblica.
A essência e importância deste conceito de “continuidade vertical” con-
forme aplicável às mensagens do livro de Apocalipse tem sido apropriadamente
expressa nas palavras seguintes escritas por Ellen G. White (2000, p. 114): “Uma
coisa compreender-se-á certamente do estudo do Apocalipse — que a ligação
entre Deus e seu povo é íntima e decidida.”
Se quisermos compreender a verdadeira beleza e receber a eficácia das
mensagens de Deus para nós em Sua Palavra, devemos retornar a esse con-
ceito da realidade que põe o Céu em íntimo contato espiritual com a Terra.
Esta verdade é decisiva para nossa compreensão das mensagens dos livros
apocalípticos de Daniel e Apocalipse.
Continuidade horizontal. A segunda característica central da apocalíp-
tica, a dimensão da “continuidade horizontal”, também precisa de cuidadosa
consideração. Da mesma forma que a profecia apocalíptica ilustra e drama-
tiza uma continuidade vertical de atividade entre o Céu e a Terra, assim ela
também ilustra e dramatiza uma continuidade horizontal em sua perspec-
tiva para a frente. A história é um contínuo sob o controle de Deus, que se
aproxima cada vez mais da gloriosa consumação quando o próprio reino
20 divino de justiça será estabelecido para a eternidade.
Este tipo específico de previsão profética que delineia incrementos dentro de um
contínuo histórico é uma característica que está em assinalado contraste com a pro-
fecia clássica. Como já mencionado, a última focaliza o próprio tempo do profeta,
e então pode oferecer uma expansão para um cumprimento ulterior e mais amplo
de alcance cósmico no final do tempo. É apropriado, portanto, falar em um sentido
cósmico de dois pontos focais ou “dois focos” da profecia clássica.
Em contraste, a profecia apocalíptica não procede absolutamente nessa base.
Antes, a profecia apocalíptica vê um continuum, uma progressão ou sequência
na história. Não olha apenas em dois pontos focais — o tempo do profeta e o
final do tempo — com um intervalo entre eles. O estilo apocalíptico é clara-
mente ilustrado, por exemplo, nas sequências da cena da estátua de Daniel 2 e
os quatro animais e seus chifres de Daniel 7.
Mas esta espécie de abordagem apocalíptica não é exclusiva de Daniel. Os
apocalipses não canônicos têm indicações da mesma. Por exemplo, o breve
“Apocalipse das semanas” do Enoque Etiópico (capítulos 9:12–17 e 93:1–10)
divide a história em 10 períodos sucessivos, o último dos quais abrangendo
o juízo final e introduzindo a era eterna. Outra ilustração é a parábola de Ba-
ruque nos capítulos 53 a 74, de uma nuvem de trovoada que chove águas claras
Princípios fundamentais de interpretação
Debates contemporâneos
Nesta conjuntura, surgem duas perguntas especiais, principalmente
em vista do que foi dito acima a respeito da “continuidade horizontal” da
apocalíptica: (1) Na profecia apocalíptica existe tal coisa como cumprimen-
tos repetidos?; (2) A descrição histórica da apocalíptica visualiza uma in-
definição ou condicionalidade, de sorte que se as condições devessem mu-
dar, os cumprimentos históricos mudariam igualmente?
Cumprimentos repetidos? Em discussões anteriores sobre a apocalíptica,
tenho observado que há certa perspectiva de “filosofia da história” nesta espécie
de profecia (STRAND, 1979, p. 14–16; 1975, p. 29–32). Por “filosofia da história”,
porém, eu não quero dizer a abordagem da “filosofia de valores” que apresenta
fatores ou “ideais” filosóficos sem tocar na realidade histórica. Deve ser en-
fatizado que a profecia apocalíptica lida com fatos e desenvolvimentos reais no
continuum histórico desde o tempo do profeta até o fim dos tempos. Qualquer 23
abordagem que separe o cumprimento das previsões apocalípticas da história
real é contrária à própria essência da descrição histórica apocalíptica.
A espécie de “filosofia da história” para a qual eu chamo a atenção tem certo tipo
de aplicação recorrente. Primeiro, procuraremos evidências e/ou ilustrações do fenô-
meno; e segundo, anotaremos o tipo de material ao qual o fenômeno é aplicável.
Embora a evidência não seja tão nítida, esta espécie de literatura contém
algumas indicações do conceito de que “a história se repete”.
Nos apocalipses não canônicos, por exemplo, a parábola de Baruque sobre a
nuvem de trovoada divide seu continuum histórico em períodos alternadamente
“claros” e “escuros”. Há, de fato, um modelo quase “monótono” de repetição histórica.
No livro canônico de Daniel, o surgimento e queda dos reinos transmite o mesmo
pensamento com respeito à repetitividade da história, especialmente em vista da
declaração fortalecedora de que Deus “remove reis e estabelece reis” (Dn 2:21).
alipse no passado, mas que então optam por um segundo e primário cumprimento das mesmas
no fim dos tempos, também estão incluídos.
Estudos selecionados em interpretação profética
Quando são feitas afirmações de que Ellen G. White apoia cumprimentos repeti-
dos nos livros de Daniel e Apocalipse,13 o contexto do que ela diz deve ser observado
cuidadosamente e que tipo de “repetição da história” está envolvido. Não há um só
exemplo em que ela indique duplos ou múltiplos cumprimentos do chifre pequeno
ou de qualquer dos animais de Daniel ou Apocalipse e seus períodos de tempo.
Essas entidades vêm à existência uma vez, e somente uma vez. Contudo,
sua espécie de serviço como veículos do ataque de Satanás contra Deus e os
santos de Deus pode prontamente, porém, levar a uma repetição dos proces-
sos gerais usados, quer estes sejam enganos ou perseguições (veja João 8:44).
Mas nenhuma profecia apocalíptica é compreendida como incorporando
duplos ou múltiplos cumprimentos em si.
Condicionalidade na apocalíptica? Em recentes escritos privados entre al-
guns adventistas do sétimo dia, é feita a afirmação de que há condicionalidade
nas previsões históricas de livros apocalípticos como Apocalipse. O argumento
é que tais cumprimentos foram apenas parciais — se foram cumprimentos —,
porque certas condições não foram satisfeitas. Portanto, podemos aguardar um
cumprimento ainda futuro. Itens que têm sido colocados nesta categoria são o
grande terremoto, o Dia Escuro e a queda das estrelas (Ap 6:12–17), o final da
profecia dos 2.300 dias de Daniel em 1844, outros períodos de tempo em Daniel
e Apocalipse, e a descrição apocalíptica da história ainda mais geralmente. 25
O que deve ser dito em resposta a esta abordagem é que os princípios enuncia-
dos acima concernentes à descrição histórica da profecia apocalíptica são verda-
deiros para esta questão, bem como para aquela de “cumprimento repetido”. Esses
princípios não permitem nenhum espaço para qualquer falha no cumprimento ou
adiamento da previsão apocalíptica por causa de condicionalidade.
Resumindo, a profecia apocalíptica apresenta uma progressão histórica que
não oferece espaço para variabilidade, quando Deus prevê o que “deve breve-
mente acontecer” (Ap 1:1, KJV). Não há, por exemplo, nenhuma dúvida se os
quatro cavaleiros de Apocalipse 6 estão indo cavalgar; eles realmente irão sair
na progressão indicada. O mesmo é verdade quanto às advertências das trom-
betas, as pragas da condenação, a destruição de Babilônia etc. São estas todas
as coisas que foram mostradas a João e lhe foi dito que aconteceriam. Simples-
mente não está envolvido nenhum elemento de condicionalidade!
Para uma discussão deste quiasmo, veja o panfleto “Ellen G. White and the Interpretation
13
of Daniel and Revelation” (Instituto de Pesquisa Bíblica, Associação Geral dos Adventistas do
Sétimo Dia).
Estudos selecionados em interpretação profética
Simbolismo em Apocalipse
Como foi notado antes, entre as características gerais da profecia apocalíp-
tica está o seu extenso uso de simbolismo, principalmente simbolismo com-
plexo. O livro de Apocalipse está cheio de simbolismo e imagens, um fato que
causa muita consternação e confusão aos intérpretes. Parte do problema é que
os expositores modernos frequentemente inserem seus próprios significados
nos símbolos em vez de determinar a extensão bíblica do significado.
Ao estudar alguém o Apocalipse, torna-se evidente que a vasta maioria de suas
alusões em simbolismo e imagens é do Antigo Testamento.14 Este assunto é tratado
em detalhes em outro capítulo deste volume. A esta altura simplesmente adicion-
aremos alguns comentários sobre algumas outras considerações.
Função literária do simbolismo. Uma regra válida de interpretação das Es-
crituras é que uma determinada passagem deve ser interpretada literalmente a
menos que esteja presente evidência de linguagem simbólica ou figurativa. Este
princípio funciona bem para a maior parte da literatura bíblica. Mas quando
15
Em todo este processo tem ocorrido algo que, usando a terminologia de Austin Farrer, po-
deria ser chamado “um renascimento de imagens”. (Este, de fato, é o título do seu comentário;
ver FARRER, 1970) Contudo, há mais do que renascimento. Conquanto renascimento pudesse
referir-se simplesmente a imagens individuais e também possivelmente a combinações, a fusão
ou mistura para a qual tem sido chamada a atenção envolve uma dinâmica na qual amplas rep-
resentações gráficas levam-nos ao centro das grandes realidades ontológicas e soteriológicas da
teologia do Novo Testamento que são vitais e de interesse para a vida contínua e serviço da Igreja
Cristã.
16
Esta listagem é quase textual de Strand (1979, p. 29).
Princípios fundamentais de interpretação
deveria ser a aplicação da mensagem; antes, deixe que a própria mensagem seja
o guia para o cumprimento histórico.
9. Não procure achar uma aplicação para cada detalhe de um extenso sim-
bolismo; em vez disto, obtenha a imagem ou lição principal. Partes de apresen-
tações simbólicas muitas vezes simplesmente completam o quadro.
10. Reconheça que a extensão de uma apresentação simbólica pode variar
de uma simples metáfora para uma extensa alegoria e que o significado de um
símbolo específico pode variar em diferentes contextos.
Propósito do Apocalipse
O propósito do livro de Apocalipse é apresentado claramente em seu preâm- 31
bulo: “Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos
as coisas que em breve devem acontecer” (1:1).
Em vista desta declaração explícita, é notável que alguns comentaristas
afirmem que o Apocalipse não tem nada a dizer acerca de eventos futuros para
o tempo de João. Sugerem que o Apocalipse é simplesmente um belo retrato de
Cristo e dos ideais que surgem desse retrato. Um belo retrato de Cristo é real-
mente apresentado ao longo do Apocalipse, mas negar o propósito declarado do
livro em desvendar eventos futuros contradiz sua própria asserção.
Eis que [Cristo] vem com as nuvens, e todo o olho o verá […]. Eu sou o Alfa
e o Ômega, diz o Senhor Deus, aquele que é, que era e que há de vir, o Todo-
-poderoso (1:7–8).
Estudos selecionados em interpretação profética
Eis que venho sem demora, e comigo está o galardão, que tenho para retribuir
a cada um segundo as suas obras. Eu sou o Alfa e o Ômega, o Primeiro e o Últi-
mo, o Princípio e o Fim (22:12–13).
17
Uma variedade de esboços chama a atenção do leitor. Veja também os ensaios do Apêndice
(p. 65, 75–79).
Princípios fundamentais de interpretação
Um quiasma literário
Devemos permitir que o próprio livro nos dê as indicações para o seu esboço.
Quando é seguido este procedimento, um belo e amplo modelo literário para todo
o livro realmente surge do texto. Toma a forma de um quiasma, isto é, um modelo
de paralelismo inverso. Os dados de suporte para o esboço não podem ser dados em
detalhes aqui, mas algumas observações exigem menção.18
Existe uma importante divisão estrutural entre os capítulos 14 e 15. Um
prólogo e quatro importantes visões precedem essa linha divisória, e qua-
tro importantes visões e um epílogo a seguem. O prólogo e o epílogo são
paralelos um ao outro. Há um paralelismo similar (em ordem inversa) das
visões da primeira divisão do livro com as visões da última divisão. Veja o
diagrama do capítulo 2 deste volume.
Vemos que as visões antes da pausa no final do capítulo 14 tratam principal-
mente da Era Cristã. As visões depois da pausa estão focalizadas na era do juízo
escatológico. As visões da primeira parte do livro revelam que a igreja é defeituosa.
Os santos de Deus são perseguidos, e as forças do mal estão tendo um período de
grande sucesso. Contrastando, as visões que se iniciam com o capítulo 15 revelam
uma mudança radical, de sorte que há gloriosa vitória para os santos de Deus e
ruína para os poderes que outrora dominavam sobre eles.
As visões até o capítulo 14 podem ser caracterizadas como a “era histórica”, e 33
aquelas depois disso como a “era do juízo escatológico”. Na primeira, sai o clamor
das almas debaixo do altar: “Até quando, ó Soberano Senhor, santo e verdadeiro,
não julgas, nem vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra?” (6:9–10). Na
última encontramos uma contrapartida na aclamação: “pois [Deus] julgou a grande
meretriz […] e das mãos dela vingou o sangue dos seus servos” (Ap 19:2).
Nas cenas da primeira grande parte de Apocalipse, as visões 2, 3 e 4 revelam
uma sucessão de eventos ou desenvolvimentos que alcançam e incluem o segundo
advento de Cristo. Assim, o último item de cada série nos leva ao ponto culmi-
nante escatológico final. Contudo, os eventos antes desse ponto culminante lidam
especificamente com a era histórica. Por causa dessa ênfase primária eles podem ser
corretamente designados como visões da “era histórica”.
Na segunda metade do livro as próprias visões manifestam coerentemente a
perspectiva do juízo escatológico. Todavia, elas incluem duas espécies de mate-
rial que pertencem à era histórica: (1) explicações, que necessariamente devem
18
Para um estudo mais extenso do arranjo literário do Apocalipse e seu impacto sobre a inter-
pretação, veja os dois próximos capítulos do mesmo autor, “As oito visões básicas”; e “Cenas da
‘Introdução vitoriosa’” (ver STRAND, 1979, p. 43–52; 1983, p. 22–23).
Estudos selecionados em interpretação profética
Seções paralelas. Embora o leitor seja remetido a outro lugar para os dados
que apoiam o esboço que temos apresentado (ver STRAND, 1979, p. 45–47),
algumas observações devem ser feitas aqui.
Primeira, a fim de serem correlativos genuinamente paralelos, as visões de-
vem apresentar evidência de marcante semelhança em itens mencionados, em
amplos contextos básicos ou configurações. Semelhanças isoladas não são im-
portantes neste aspecto. Mas quando há grupos de semelhanças, então levamos
a sério a possibilidade de correlativos quiásticos.
Por exemplo, vários expositores têm notado tais grupos entre o prólogo e o
epílogo. Em cada uma dessas breves seções encontramos menção da mensagem
do livro como sendo enviada por um anjo e referindo-se às coisas que em breve
devem acontecer (1:1; 22:6), referência a João como o receptor da visão (1:9;
22:8), menção das “igrejas” (1:4–6; 22:16), e pronúncia de uma bênção sobre
aqueles que ouvem as mensagens (1:3; 22:7), bem como a declaração do duplo
tema observado anteriormente (1:7–8; 22:12–13).
Muitos expositores reconhecem que a descrição da Nova Jerusalém-nova
Terra nos capítulos finais de Apocalipse evoca (como cumprimento) as promes-
sas feitas aos vencedores nas mensagens às sete igrejas nos capítulos iniciais.
Semelhanças entre as visões “parelhas” (o que temos chamado de tema “Êxodo-
do-Egito/Queda-de-Babilônia”) frequentemente têm sido notadas tais como alvos 35
similares para as trombetas e pragas (terra, mar, rios, e fontes etc.), e tema e paralelis-
mos verbais entre os capítulos 12 a 14 e 17 a 18 (uma mulher em cada um; animais
de sete cabeças e dez chifres; pronunciamentos da queda de Babilônia etc.). Apesar
do reconhecimento de tais semelhanças, os estudiosos do Apocalipse geralmente não
têm discernido como elas são paralelas umas às outras de uma maneira quiástica.
Menos frequentemente observado pelos comentaristas é o paralelismo quiás-
tico entre Apocalipse 4:1 a 8:1 e 19:1 a 21:4. Mas estas duas seções também têm gru-
pos de similaridades. Ambas têm um cenário em que Deus está assentado sobre um
trono, circundado por quatro seres viventes e vinte e quatro anciãos. Nesse cenário
ambas têm aclamações e antífonas semelhantes de louvor a Deus e ao Cordeiro.
Na última visão vem a resposta ao clamor dos mártires da primeira visão,
relacionando-se a Deus como “julgando” e “vingando-os”. Um cavaleiro em um
cavalo branco é retratado em ambas as visões. Desgraça vem aos “reis da terra”
e a outros grupos especificados. É feita referência às bênçãos da habitação de
Deus com o Seu povo e ”enxugando todas as lágrimas de seus olhos” etc.
Certamente tal abundância de semelhanças significativas entre duas visões
indica que elas são correlativas. Quando colocadas em posição com outros
Estudos selecionados em interpretação profética
capítulo 14. Este modelo quádruplo (ou série de modelos) pode ser ilustrado
como no gráfico da página 34.
Nas primeiras três visões da série da era do “juízo escatológico” (Ap 15–
21:4), existe um tipo semelhante de modelo quádruplo, adaptado, é claro, ao
que é apropriado para essa era específica. Embora esteja além do nosso escopo
esquematizar essas visões, notamos que a segunda seção delas pode ser denom-
inada “A progressão julgadora”, e a terceira seção provê “Apelos”.19
Resumindo, concluímos que o Apocalipse tem um notável equilíbrio em
seus padrões literários. Como nota final, devemos observar que as cenas
introdutórias às oito visões são colocadas em um contexto do templo ou
abrangem imagens do templo. Basta salientar que este “cenário do templo”
para as cenas da “Introdução vitoriosa” provê um dos meios pelos quais é
retratada a forte “continuidade vertical” do Apocalipse.
Referências
FARRER, A. A rebirth of images: the making of St. John’s Apocalypse. Gloucester: [s. n.], 1970.
_____________. The blessed hope: a biblical study of the second advent and the rapture.
Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1956.
LINDSAY, H. There’s a New World Coming. Santa Ana: Random House, 1973.
MAXWELL, C. M. God cares: the message of Revelation to you and your family. Boise:
Pacific Press Publishing Association, 1985. v. 2.
STRAND, K. A. Apocalyptic prophecy and the church. Ministry, p. 22–23, out. 1983.
40
As oito
2
visões básicas1
Kenneth A. Strand
1
Reimpresso com permissão da Andrews
University Seminary Studies (v. 25 de 1987),
sob o título “The Eight Basic Visions in
the Book of Revelation.”
Estudos selecionados em interpretação profética
2
Veja especialmente a discussão o diagrama em 52 no Livro Interpreting the Book of Revelation.
As divisões exatas entre blocos de texto no Apocalipse em vários exemplos têm sido ligeiramente
modificadas no presente artigo da maneira como elas têm sido dadas em publicações anteriores.
As oito
do livro de Apocalipse
V VI
15:1 - 16:17 16:18 - 18:24
VII
“Taças da Poderes do
ira de Deus” mal julgados 19:1 - 21:4 VIII
por Deus Julgamento
21:5 - 22:5 Epílogo
final de Deus
(As últimas 7 “A Igreja 22:6-21
pragas) triunfante”
(2º advento de
“Êxodo” | “Queda de Babilônia” Cristo, o milênio, (“Novo céu e
o julgamento do Nova Terra”;
trono branco) Cidade santa e
nova Jeusalém)
3
Tais intérpretes têm evidentemente chegado à conclusão de que sendo que “sete” é um núme-
ro-símbolo significativo no Apocalipse — ocorrendo, por exemplo, em quatro septetos explícitos
(as igrejas, selos, trombetas e taças) — também supostamente existe um total de sete visões bási-
cas. Para exemplos da abordagem das sete visões, veja Ernst Lohmeyer (1926), John Wick Bow-
man (1955; 1981, v. 4) e Thomas S. Kepler (1957). Lohmeyer e Bowman também acham septetos
dentro de todas as suas sete principais visões, embora não haja acordo entre eles mesmo quanto
a essas sete visões. Kepler, por outro lado, acha apenas um total de dez subseções (chamadas
“cenas”) dentro de suas sete grandes visões (grandes visões cujos limites textuais variam apenas
ligeiramente das sete grandes visões esboçadas por Bowman).
Estudos selecionados em interpretação profética
ensaio analisa brevemente alguns modelos paralelos nas oito grandes visões
do livro de Apocalipse. Então um estudo acompanhante4 focalizará um pou-
co mais intensamente os específicos blocos de texto que introduzem essas
oito visões e que podem ser designados como “cenas da introdução vito-
riosa”, na medida em que provêem para cada visão um ambiente que retrata
de forma dramática o presente cuidado de Deus por seu povo e dá certeza
da vitória final para os “santos” ou “leais” de Cristo. Para fins de identi-
ficação no presente artigo, os algarismos romanos (I, II etc.) continuarão
sendo usados, como no diagrama 1, para designar as oito visões. Cada visão,
porém, tem ou duas ou quatro principais seções ou blocos de texto, e letras
maiúsculas (A, B etc.) servirão como identificadores para estes.
5
Paul S. Minear (1968, p. 150) tem falado acerbamente sobre este assunto em conexão com o
“interlúdio” que ocorre em 16:15.
As oito
As visões históricas
Visão I, 1:10b–3:22
Bloco A, cena da introdução vitoriosa, 1:10b-20. Cristo aparece a João em
Patmos como o que vive para sempre e Todo-poderoso, que caminha entre os
sete candeeiros de ouro que representam as sete igrejas.
Bloco B, descrição profética básica, capítulos 2 e 3. Cristo dá mensagens
de aprovação, reprovação, advertência e exortação a igrejas individuais como
necessitam suas variadas condições.
imagens das pragas sobre o antigo Egito, mas a sexta trombeta muda o cenário
para Babilônia pela menção do “grande rio Eufrates” em 9:14.6
Bloco C, interlúdio, 10:1–11:13. Um anjo segurando um livrinho aberto
anuncia (10:6) que “já não haverá demora.”7 João recebe a ordem de comer o
livro e assim o faz, achando-o doce na boca e amargo no estômago; o profeta
é então instruído a medir o templo, o altar e o povo (uma alusão direta, como
tenho mostrado em outro lugar, ao ritual do Dia da Expia- ção do final de ano
na antiga religião judaica (STRAND, 1984, p. 317-325); e são descritos o teste-
munho e o ministério das duas testemunhas.
Bloco D, culminação escatológica, 11:14-18. É tocada a sétima trombeta,
resultando no anúncio de que “o reino do mundo se tornou de nosso Senhor e
do seu Cristo”, então se ergue uma antífona de louvor, enfatizando, entre outras
coisas, que chegou o tempo para o julgamento dos mortos, para o galardão dos
santos, e para destruir “os que destroem a terra.”
6
O fenômeno aqui encontrado pode ser denominado o tema “Êxodo-do-Egito”/”Queda-de-
Babilônia”. Ocorre duas vezes, em cada exemplo abrangendo duas visões completas. A primeira
ocorrência é Ap 8:2–14:20 inclusive, e a segunda é Ap 15:1–18:24 inclusive (ver STRAND, 1981,
p. 128-29).
7
A diferença na tradução não é realmente tão significativa como a princípio poderia parecer. A
passagem é uma óbvia alusão ao livro de Daniel que deveria permanecer selado até “o tempo do
fim” (Dn 12:4; cf. Ap 10:2) e a interrogação feita por Daniel, “Até quando...?” (Dn 12:6). Qualquer
tradução desta declaração específica em Ap 10:6 bem se ajusta como uma resposta à pergunta
feita por Daniel, e realmente é uma proclamação enfática da chegada do período do fim do tempo
projetado — “um tempo, dois tempos, e metade de um tempo” (Dn 12:7). O grego desta última
cláusula de Ap 10:6 diz, hoti kronos ouketi estai. (Cf. o “até quando” de Dn 8:13.)
As oito
Visão V, 15:1–16:17
Bloco A, cena da introdução vitoriosa, 15:1–16:1. Os santos vitoriosos estão
sobre o mar de vidro e cantam o Cântico de Moisés e do Cordeiro, e quando o “san-
tuário do tabernáculo do testemunho” é aberto no Céu, sete anjos saem e recebem
sete taças “cheias da ira de Deus”, a fumaça enche o templo de sorte que ninguém
pode entrar até que as sete pragas dos sete anjos fossem cumpridas, e finalmente é
dada instrução aos anjos para que saíssem e derramassem as sete taças.
Bloco B, descrição profética básica, 16:2-14. São derramadas as primeiras seis
taças da ira, com efeitos devastadores sobre a terra, mar, rios e fontes etc. (Nova-
mente, como no septeto das trombetas, as imagens para as cinco primeiras taças são
modeladas segundo as pragas do antigo Egito, com a cena mudando para Babilônia
ao se referir a sexta taça ao “grande rio Eufrates em 16:12.)
Bloco C, interlúdio, 16:15. Na descrição da sexta taça — a secagem do rio Eu- 49
frates e a presença de espíritos demoníacos que enganam os reis da Terra e os con-
duzem à “batalha do grande dia do Deus Todo-poderoso” (16:12-14) — é inserido
um impressionante macarismo no verso 15: “Eis que venho como vem o ladrão.
Bem-aventurado aquele que vigia.” Então segue-se um comentário acrescentado no
sentido de que o local da batalha é chamado “Armagedom” (v. 16).
Sendo que mudamos para a seção do Apocalipse que provê visões do juízo
escatológico, em vez de pertencer à era histórica, é óbvio que um novo tipo de
“interlúdio” pode ser esperado, como é realmente o caso aqui. Os interlúdios an-
teriores foram descrições de eventos ou condições um tanto detalhadas durante
uma porção final da era histórica. Os interlúdios que ocorrem nas visões V-VII
são antes de uma natureza incisiva, exortatória.
Pode surgir a pergunta: Por que tais interlúdios aqui? Para este especial de
Apocalipse 16:15, Paul S. Minear tem salientado apropriadamente: “A afirmação
revela o terrível perigo em que está o cristão desavisado. Se alguém pergunta com
R. H. Charles: ‘Como poderia alguém dormir durante os terremotos cósmicos que
estavam acontecendo?’ pode-se responder: ‘Isto é apenas o ponto.’ Havia cristãos
dormindo, assim João acreditava, muito imperturbáveis por barulho ou destru-
ição, inconscientes do que estava acontecendo que poderia ameaçar o seu tesouro
ou deixá-los expostos e nus. Estar dormindo era estar inconsciente da urgente
Estudos selecionados em interpretação profética
8
Para uma tradução atualizada e mais literal de Apocalipse 18:20b, veja Strand (1986, p. 43-45).
No contexto de Apocalipse 18:4-8 e o v. 20 está a lei do testemunho malicioso (ver Dt 19:16-19;
veja também Et 7:9-10).
As oito
Babilônia pelo fogo; e a seção final do capítulo (v. 21-24) enfatiza a condenação de
Babilônia e sua condição inteiramente desolada após o juízo divino sobre ela.
9
Em alguns casos o templo celestial é mencionado explicitamente, como nas cenas introdu-
tórias às visões IV e V; e em outros casos, a alusão ao mobiliário do templo fornece evidência de
um cenário do templo, embora a palavra “templo” não ocorra, como nas cenas para as visões I,
II e III. As únicas cenas introdutórias que não têm um indício tão óbvio às imagens do templo
são aquelas para as visões VI e VIII. No caso da primeira, existe, porém, no verso precedente
(16:17, a taça da praga final, mas também um “um elemento oscilante” ao que segue) a menção
de uma voz “do templo do céu, do trono.” Com respeito à visão VIII, há referência Àquele que
“se assentava sobre o trono” — identificado anteriormente como Deus em Seu templo (cf., ex.,
4:2-11; 19:1-5); e além disso, o bloco de texto imediatamente precedente (novamente um tipo
de “elemento oscilante”) se refere a Deus como “habitando” na “Nova Terra”/”Nova Jerusalém”
com Seu povo (21:3). Adicionalmente deve ser notado que o bloco de texto seguinte, ou “Básica
Descrição Profética” para a visão VIII, declara que o templo na cidade santa Nova Jerusalém “é o
Senhor Deus Todo-poderoso e o Cordeiro” (21:22). Meu segundo artigo desta série explicará com
mais detalhes a natureza e o significado teológico das imagens do templo que aparece nas cenas
introdutórias às oito grandes visões do Apocalipse.
As oito
Quanto aos terceiros blocos de texto (C), nas visões II-IV a designação
básica de “Interlúdio” pode igualmente ser complementada com uma frase
adicional — “Projetando os Últimos Eventos” (significando antes do segundo
advento de Cristo), visto que o “Interlúdio” em cada exemplo se estende sobre
o período de tempo pouco antes da culminação escatológica. Para as visões V-
VII a frase adicional “Exortação ou Apelo’ é apropriada, porque os terrores das
cenas do juízo final são “interrompidos” a fim de prover breves blocos de texto
apresentando incentivo à fidelidade e/ou apelos ao arrependimento. (Em dois
desses exemplos de exortação ou apelo, o interlúdio é lançado, como já temos
visto, basicamente na forma de um macarismo — 16:15 e 20:4.)
As seções sobre “Culminação Escatológica” (os blocos D), todas pertencem à
consumação escatológica final, como foi observado antes, mas aquelas seções con-
clusivas para as visões II-IV provêem uma conclusão climática para as séries que se
relacionam com a era histórica, enquanto que aquelas para as visões V-VII tratam
especificamente da porção final ou terminal da série juízo escatológico já em de-
senvolvimento nas seções anteriores daquelas visões. Os blocos D para as visões
II-IV podem, portanto, ser designados como “Culminação Escatológica: Clímax na
História; e os blocos D para as visões V-VII podem ser denominados “Culminação
Escatológica: O Juízo Final”. O diagrama 3 (da página seguinte) incorpora os refi-
namentos acima mencionados para os dados fornecidos no diagrama 2, e também 53
inclui minhas sugestões quanto aos limites textuais para os blocos de material con-
forme apresentados na segunda seção do presente artigo.
4. CONCLUSÃO
Neste artigo, temos observado que há uma muito coerente e equilibrada es-
trutura literária no livro de Apocalipse. Essa estrutura não tem somente valores
ou qualidades estéticas e mnemônicas, mas também apela significativamente
para a mensagem teológica do livro. Vários aspectos da teologia serão trata-
dos em um artigo subsequente que explorará com mais detalhes as “cenas da
introdução vitoriosa” para as oito visões, mas um significativo foco teológico
pode ser aqui mencionado. A ampla estrutura quiástica em si enfatiza um du-
plo tema que inclui e apóia as várias mensagens do livro — (1) que Cristo é o
Alfa e o Ômega, e (2) que Ele retornará no final da era para recompensar todas
as pessoas segundo as suas obras (Ap 1:7-8 e 22:12-13). Em outras palavras,
Estudos selecionados em interpretação profética
I II III IV
Cena da introdução Cena da introdução Cena da introdução Cena da introdução
vitoriosa com vitoriosa com vitoriosa com vitoriosa com
A cenário do templo cenário do templo cenário do templo cenário do templo
Ele é um auxílio e apoio coerente, fidedigno e sempre presente para Seus fiéis
durante esta era de adversidade para eles (cf. Ap 1:17-18; Mt 28:20b; Jo 16:33;
Hb 12:2a; 13:8); e Ele retornará pessoalmente para anunciar a série de even-
tos que destruirá os “destruidores da terra” e que proverá para Seus seguidores
leais a herança da “nova terra” e o cumprimento de todas as boas promessas
feitas a eles (veja Ap 11:15-18; 21:1-4, 7, 22-27; 22:1-5).10 As quatro sequências
É digno de nota que os itens da promessa feita aos “vencedores” nas sete igrejas (2:7b, 11b,
10
17b, 26-28; e 3:5, 12, 21) são na maior parte mencionados outra vez especificamente em 21:5–22:5
como cumpridos (ex., 21:27; 22:2, 4), bem como sendo mencionados de um modo geral na de-
As oito
e conteúdo do Apocalipse
Eschatological-Judgment-Era Visions
V VI VII VIII
Cena da introdução Cena da introdução Cena da introdução Cena da introdução
vitoriosa com vitoriosa com vitoriosa com vitoriosa com
cenário do templo cenário do templo cenário do templo cenário do templo A
visões II-VII (ou [a] uma menção do “templo no céu” ou o seu mobiliário e/
ou [b] um fundo que indica este cenário celestial),11 e seguido finalmente por
um retorno outra vez a um local terrestre na visão VIII (Deus habitando na
“Nova Terra”/Nova Jerusalém” [cf. 21:3, 22]). Este é um impressionante fenô-
meno, cujo significado teológico e cuja correlação com ênfase na teologia geral
do Novo Testamento será apresentado no artigo subsequente desta série.
Referências
56
LOHMEYER, E. Die Offenbarung des Johannes. Tübingen: [s. n.], 1929.
_____________. Apocalyptic prophecy and the church. Ministry, p. 22-23, out. 1983.
No que concerne à evidente exceção no caso da visão VI, veja o n. 12, acima.
11
As oito
57
Estudos selecionados em interpretação profética
58
Cenas da “Introdução
3
Vitoriosa”*
Kenneth A. Strand
I II III IV
Cena da introdução Cena da introdução Cena da introdução Cena da introdução
vitoriosa com vitoriosa com vitoriosa com vitoriosa com
A cenário do templo cenário do templo cenário do templo cenário do templo
* Reimpresso com permissão, AUSS 25 (1987), 267-88, sob o título “As Cenas da Introdução
Vitoriosa no livro de Apocalipse”.
1
Aqui os resumos estão, contudo, em vários exemplos mais extensos do que os análogos, mas
Cenas da “Introdução Vitoriosa”
e conteúdo do Apocalipse
Eschatological-Judgment-Era Visions
V VI VII VIII
Cena da introdução Cena da introdução Cena da introdução Cena da introdução
vitoriosa com vitoriosa com vitoriosa com vitoriosa com
cenário do templo cenário do templo cenário do templo cenário do templo A
Introdução à visão I
Texto: Apocalipse 1:10b-20
Resumo: Na Ilha de Patmos (1:9), o Cristo ressuscitado, celestial, aparece a João
em gloriosa visão, revelando-se como Aquele que foi morto, agora vive, está vivo
para sempre, e tem as chaves do Hades e da morte. João vê Cristo segurando
geralmente muito breves, resumos providos na obra de Strand (1987, p. 112-117) The eight basic
visions in the Book of Revelation (ver também os resumos dos conteúdos dos blocos B, C e D das
várias visões).
Estudos selecionados em interpretação profética
sete estrelas em sua mão direita e caminhando entre os sete candeeiros de ouro. As
sete estrelas são definidas como “os anjos das sete igrejas” (v. 20), e os sete
candeeiros são definidos como “as sete igrejas” (1:11) — a saber, Éfeso, Esmirna,
Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodiceia (v.11).
Comentário: O fato de que os candeeiros são imagens do templo é geral-
mente reconhecido pelos exegetas, embora tenha havido diferença de opinião
quanto ao antecedente exato. A interrogação geralmente feita é se esse ante-
cedente é aquele do candelabro do “lugar santo” (primeiro compartimento) do
antigo tabernáculo do deserto (Êx 26:35; no templo de Herodes também havia
um candelabro) ou os dez castiçais do primeiro compartimento do Templo de
Salomão (1 Reis 7:49). Uma terceira alternativa, geralmente omitida pelos co-
mentaristas, é o simbolismo do candelabro de Zacarias 4, que desempenha um
papel muito óbvio como antecedente para uma visão posterior do Apocalipse —
Apocalipse 11, “o templo e as duas testemunhas”.2 Ou talvez tenha havido múlti-
plos antecedentes intencionais.3 O principal detalhe para nós aqui, em qualquer
caso, é que o cenário desta visão e sua imagem do templo está na Terra, não no
Céu. Este fato está claro a partir de duas principais considerações: que o Cris-
to celestial se encontra com João na Terra (em Patmos), e que os “candeeiros”
62
2
Há implicações teológicas que favorecem considerar o “candelabro” de Zacarias como no mínimo
uma fonte provável para a imagem (ver STRAND, 1981, p. 127-35 e 131-34; 1982, p. 257-61). Não
somente devem ser notadas certas afinidades teológicas, mas também deve ser dada consideração a
outros antecedentes (além de Zacarias 4) para as imagens das oliveiras/candeeiros de Ap 11:4 — a sab-
er, as colunas do templo Jaquim-e-Boaz (cf. 1Rs 7:21; também 2Rs 11:12-14 e 23:1-2), e além delas a
“coluna de nuvem” em que o Senhor apareceu a Moisés e Josué na “entrada” do tabernáculo do deserto
(Dt 31:14-15). Se o antecedente para os sete candeeiros na visão I de Apocalipse está nesta direção, é
o pátio, em vez de um ou outro dos dois compartimentos do próprio tabernáculo/templo, que estaria
em foco aqui (uma possibilidade que é realçada por uma consideração das implicações teológicas de
Ap 11:2 concernente ao “átrio exterior” do templo). Todavia, não devemos negligenciar a possibilidade
de que há múltiplos antecedentes para este simbolismo dos sete candeeiros, bem como para as outras
imagens do livro de Apocalipse. Cf. nota 4, abaixo.
3
Paul S. Minear (1965/1966, p. 96) tem chamado a atenção para este tipo de fenômeno de anteced-
ente múltiplo em que ele faz alusão como um “modelo trans-histórico” e “um inclusivo em vez de
disjuntivo modo de ver e pensar.” Tanto neste artigo quanto em seu I Saw a New Earth, Minear (1968,
p. 102) faz referência a Ap 11:8, onde há uma aglutinação de várias entidades —Sodoma, Egito, e Je-
rusalém — em uma imagem, a “grande cidade”. Minear sugere que essa “única cidade tinha se tornado
em termos proféticos todas as cidades — Sodoma, Egito, Babilônia, Nínive, Roma”.
Em vários documentos e ensaios eu tenho me aprofundado no fenômeno, referindo-me a ele como a
“mistura” ou “fusão” de imagens. Veja, por exemplo, An Overlooked Old Testament Background to Rev-
elation 11:1 (STRAND, 1984, p. 318-19), onde eu não somente faço alusão às perceptivas observações
de Minear (esp. N. 6 na p. 319), mas também forneço alguns exemplos adicionais (ver também a
discussão de Strand [1981, p. 130-131] Two Witnesses, onde ainda outra ilustração tem sido provida).
Cenas da “Introdução Vitoriosa”
entre os quais Cristo manifesta sua presença são igrejas na Terra. O fato de que
a próxima visão indica uma transição para o Céu, como veremos em nossa at-
enção a essa visão, pode ser considerada uma terceira evidência apontando na
direção do local terrestre desta primeira cena introdutória.
Outro detalhe digno de nota é que esta cena da introdução vitoriosa funcio-
na para prover conforto e segurança aos fiéis seguidores de Cristo: sua presença
está entre eles ao enfrentarem as poderosas forças do engano e perseguição.4
Um aspecto positivo desta espécie é realmente característico de todas as oito
cenas introdutórias para as principais visões do Apocalipse.
Introdução à visão II
Texto: 4:1–5:14
Resumo: João vê uma porta aberta “no Céu” e ouve uma voz chamando-o
a “subir para aqui”. Ele então “acha-se em espírito” e vê “um trono” “no Céu”,
estando um assentado sobre o trono (a saber, Deus, como o próprio contexto e
também outras visões do Apocalipse deixam claro; cf. 4:9-11; 7:10; 19:1-5). Ao
redor do trono estavam vinte e quatro anciãos assentados em tronos; diante
do trono estavam “sete lâmpadas de fogo” e um “mar de vidro” semelhante ao
cristal; e “no meio” e “à volta” do trono estavam quatro seres viventes. Depois
de uma antífona de louvor a Deus por sua condição de Criador, a cena volta-se 63
para um livro em sua mão selado com sete selos — um livro que “ninguém” no
Céu, na terra, ou debaixo da terra era capaz de abrir. Todavia, na progressão
do drama, um Ser foi achado digno de abrir aquele livro — a saber, o Cordeiro
“como tendo sido morto”. Ao tomar o Cordeiro o livro da mão direita do que
estava assentado sobre o trono, seguiu-se uma série de antífonas de louvor.
Comentário: A primeira característica impressionante com que nos de-
frontamos nesta cena é a dupla referência a um novo local — Céu, em contraste
com o ambiente terrestre da cena introdutória da visão I. Esse ambiente celestial
é, de fato, realçado pela dupla referência ao “Céu” — a porta aberta “no Céu”
4
Engano e perseguição são as duas armas básicas manifestadas pelas forças adversárias ao longo
do livro de Apocalipse, precisamente como no Evangelho de João estas duas más características
resumem a atitude do diabo e seus seguidores (ex., em João 8:44 o diabo é chamado de “homi-
cida desde o princípio” e “pai da mentira”). Encontramos preeminente ilustração em Apocalipse
nas mensagens às sete igrejas, onde há advertência contra o engano (quer seja externo ou que se
auto-impôs) nas cartas a Pérgamo, Tiatira, Sardes e Laodiceia; e onde o perigo da perseguição é
particularmente destacado nas cartas a Esmirna e Filadélfia. As atividades da trindade antidivina
em Apocalipse 12–13 exemplificam ainda mais vigorosamente essas armas demoníacas (note, por
exemplo, os “sinais” enganadores e as atividades de morte e embargo mencionadas em 13:13-17).
Estudos selecionados em interpretação profética
64
5
A imagem do mobiliário do templo fornece pistas quanto à localidade e ao movimento que foram
abordados nos resumos do meu capítulo anterior, mas que se tornarão mais evidentes ao continuar-
mos aqui para prosseguir através das cenas da introdução vitoriosa. Embora os dois compartimen-
tos não sejam especificamente mencionados em combinação com esse “templo no céu” arquétipo
do antigo tabernáculo e templo israelitas, o “mobiliário” que é mencionado se relaciona com os dois
“compartimentos” — conforme são conhecidos não somente do Antigo Testamento e de tradicionais
fontes judaicas, mas também da descrição no livro de Hebreus no Novo Testamento (veja Hb 9:1-5;
cf. Êx 25:8; 26:30-35). Talvez pareça que a presença do trono no contexto da imagem do “comparti-
mento exterior” em Apocalipse 4 reduz o templo celestial a apenas um compartimento “arquitetural-
mente” (embora não funcionalmente), mas tal não é necessariamente o caso (ou em todo caso, não é
de importância fundamental). Veja mais na nota 11, abaixo. Para uma discussão muito proveitosa da
imagem do “templo celestial” no livro de Hebreus (discussão que tem um elevado grau de relevância
também para o Apocalipse), veja Richard M. Davidson (1981, p. 336-367), Typology in Scripture: A
Study of Hermeneutical ΤYIIΟΣ Structures.
6
Robert H. Mounce (1977, p. 136-137), tem apropriadamente notado isto, e também tem chamado
a atenção para 2 Enoque 3:3 e Salmo 104:3, embora não esteja claro se o próprio Mounce realmente
considera a imagem dessas passagens como fundo ou antecedente para o “mar de vidro” de Apocalipse.
Para uma recente, detalhada e abrangente análise das imagens de Ap 4–5, veja R. Dean Davis (1986).
7
“Rolo do destino” e “livro do destino” são termos aplicados por vários exegetas e comentaristas
a esse documento selado com sete selos. Muitos que não usam esta exata terminologia indicam
o mesmo conceito em suas discussões do rolo. Edwin R. Thiele (1959, p. 97), utiliza especifica-
mente o termo “livro do destino”. Charles M. Laymon (1960, p. 77), refere-se à cena de Apocalipse
5 como a “preparação para o destino”; e Mounce (1977, p. 142), fala do rolo como contendo “o
Cenas da “Introdução Vitoriosa”
Introdução à visão IV
Texto: 11:19 65
Resumo: João vê aberto o “templo de Deus no Céu”, com a arca do
testamento ou aliança de Deus em vista. Então há “relâmpagos, vozes, tro-
vões, um terremoto e grande saraivada”.
pleno relato do que Deus em sua soberana vontade tem determinado como o destino do mundo”.
Todavia, permanece uma questão fundamental: O que significa o termo “destino”? É a futura
história da Terra a partir da perspectiva de João? Por outro lado, são as recompensas escatológi-
cas distribuídas na terminação da história terrestre? Ou é possivelmente uma combinação de
ambas? William Hendriksen (1940, p. 109), parece ter optado pela terceira possibilidade. O rolo,
se deixado não aberto, sugeriria para ele “nenhuma proteção para os filhos de Deus nas horas de
amarga provação; nos juízos sobre um mundo perseguidor; nenhum triunfo final para os crentes;
nenhum novo céu e nova terra; nenhuma herança futura!” Mounce (1977, p. 141), tem optado
pela primeira alternativa. Juntamente com Thiele (1959, p. 97-98), eu adoto a alternativa do meio.
Minha base para isto é a distinta probabilidade (em minha opinião) que o antecedente para o
livro selado com sete selos deve ser encontrado em uma das formas de uma antiga vontade ou
testamento romano e também no título de propriedade de Jeremias (Jr 32). Thiele (1959, p. 95-
96), tem chamado a atenção para a documentação para o conceito do antecedente do testamento
romano; e, além disso, podemos acrescentar aqui uma referência específica a tal testamento que
foi traduzido para o inglês por Naphtali Lewis and Meyer Reinhold (1955, v. 2, p. 279-80).
8
Para um estudo da perspectiva do Novo Testamento da relação do altar de ouro com o comparti-
mento mais interior (Lugar Santíssimo), veja, ex., a discussão de Harold S. Camacho (1986, p. 5-12).
Estudos selecionados em interpretação profética
Introdução à visão V
Texto: 15:1–16:1
Resumo: João vê sete anjos tendo as sete últimas pragas da “ira de Deus”.
Na primeira seção desta cena ele observa sobre “um mar de vidro misturado
9
Concernente à possível “arquitetura” do “templo do céu”, podem ser feitas as seguintes ob-
servações (cf. também n. 6, acima): (1) É uma noção típica entre os exegetas que o trono de
Deus está confinado ao Lugar Santíssimo do templo, de sorte que a imagem do compartimento
66 exterior em Apocalipse 4 evidenciaria que no arquétipo celestial do antigo tabernáculo/templo
israelita a estrutura de dois compartimentos do último está aglutinada em um compartimento.
Um exemplo desta linha geral de pensamento é o excelente estudo de Mario Veloso (1981, p.
3924-419), The Doctrine of the Sanctuary and the Atonement as Reflected in the Book of Revelation.
(2) Sobre a base de uma possível analogia com o pensamento expresso concernente ao “véu” ou
“cortina” em Hb 10:20 (com seu muito frequentemente negligenciado pano de fundo histórico
do “véu rasgado de alto a baixo em MT 27:51), poderia estar em Apocalipse um conceito subja-
cente de um compartimento no templo celestial, mas o significado funcional do modelo de dois
compartimentos está, contudo, presente em Apocalipse na dinâmica que é evidente de cena para
cena. (3) Uma alternativa sugerida por C. Mervyn Maxwell (1985, v. 2, p. 171), merece atenção:
“A suposição de que o trono celestial de Deus está localizado somente no lugar santíssimo celestial
omite o fato de que nos tempos do Antigo Testamento a presença divina não estava sempre con-
finada ao lugar santíssimo, mas era às vezes patenteada no lugar santo.” Maxwell cita Êx 33:9 e Ez
9:3, e também se refere ao pão da Presença no compartimento exterior. (Em outro lugar no pre-
sente ensaio eu chamo a atenção para Êx 40:34 e Dt 31:14-15, que amplia ainda mais a localização
da presença divina.) (4) Deve ser reconhecido que localizar o símbolo do “trono” no Apocalipse
peca contra o fato de que o próprio uso do símbolo no livro como um tipo de símbolo difuso
(ex., a utilização revelada em Ap 6:16 e 22:3 conforme comparada e/ou contrastada com a que é
apresentada em Ap 4–5). (5) O detalhe de fundamental importância é que o tema do “trono de
Deus” em Apocalipse significa a divina presença e autoridade, e não é basicamente um indicador
de uma localidade específica (e certamente não é confinamento geográfico!). O conceito não é
que o “trono” fixa a localização de Deus, mas antes o inverso: Onde Deus está, ali está o trono! (6)
Finalmente, o antecedente dos capítulos 1 e 10 de Ezequiel, com um trono de Deus que se move,
não deve ser desconsiderado quando se interpreta a cena de Ap 4–5.
Cenas da “Introdução Vitoriosa”
com fogo” aqueles que haviam obtido a vitória sobre a besta, sobre sua imagem,
e sobre o número do seu nome. Esse grupo entoa “o cântico de Moisés [...] e
o cântico do Cordeiro”. Na segunda seção desta cena, João observa “o templo
do tabernáculo do testemunho no Céu” aberto, e sete anjos com as taças da ira
saindo dali. O templo se torna cheio “da fumaça procedente da glória de Deus
e do seu poder”, de sorte que “ninguém podia entrar no templo” até que fossem
cumpridas as sete pragas. Então uma voz do templo ordenou aos sete anjos que
saíssem e derramassem sobre a Terra as sete taças da ira de Deus.
Comentário: Mais uma vez o cenário para a visão é o do Céu — ou mais es-
pecificamente, o templo do Céu. Daquele templo emergem os sete anjos com as
taças da ira. É em combinação com esse templo que um “mar de vidro” tinha sido
visto anteriormente (Ap 4). E é esse templo que agora está cheio de fumaça. Há uma
ênfase positiva no fato de que os santos sobre o mar de vidro entoam o cântico de
Moisés e do Cordeiro, precisamente como os israelitas haviam cantado o cântico de
Moisés depois do livramento do antigo cativeiro egípcio (Êx 14 e 15). E há um duplo
aspecto negativo na cena: primeiro, em que os anjos saem do templo com as taças
da ira a fim de derramá-las sobre a Terra; e segundo, em que o templo está cheio de
fumaça durante o tempo das pragas, de sorte que “ninguém podia entrar no tem-
plo” — uma sugestão, indubitavelmente, de que nenhum ministério de misericórdia
procederia do templo naquela ocasião.10 67
Introdução à visão VI
Texto: 16:18–17:3a (com 16:17 como fundo)
Resumo: Após o sétimo anjo ter derramado sua taça de ira pelo ar, uma grande
voz “do templo, do trono” declara: “Está feito” (16:17). (Isto pode ser considerado
como uma espécie de elemento transicional ou “oscilante” que conclui a sétima pra-
ga e apresenta esta nova cena da introdução vitoriosa.)11 Então seguem imediata-
10
Esta conclusão é fortalecida também pelos fatos de que (1) as próprias sete pragas são descri-
tas em 15:1 como as “últimas” e como consumando a “ira de Deus”, (2) a descrição no capítulo
16 do derramamento dessa ira divina nas próprias taças não revela nenhum efeito salvífico, mas
antes o oposto (cf. ex., 16:6, 9, 10, 14), e (3) o julgamento de Babilônia é descrito em 16:19 como
sendo uma “lembrança” de Deus que a faz “esvaziar o cálice do furor da sua ira”.
11
A mais nítida divisão entre sequências na primeira grande parte de Apocalipse (visões I-IV)
abre caminho na segunda grande parte do livro (visões V-VIII) para a presença dos elementos
“oscilantes”. Isto, curiosamente, parece corresponder ao fato de que a natureza recapitulacionista
das próprias sequências em ambas as grandes partes também difere de certa forma em que as
estruturas “cronológicas” ou “sucessão” são menos distintas na segunda grande parte. Note, por
exemplo, as implicações que fluem das breves visões gerais dadas em Kenneth A. Strand (1979, p.
48-49) em Interpreting the Book of Revelation: Hermeneutical Guidelines, With Brief Introduction
Estudos selecionados em interpretação profética
to Literary Analysis.
Cenas da “Introdução Vitoriosa”
(v. 8) é reminiscente, é claro, das imagens similares na visão II com respeito aos
mártires do quinto selo e da grande multidão da seção “refletor” (6:9-11 e 7:9-
17, respectivamente). Também deve ser notado que a sequência na visão VII
conclui, muito interessantemente, com outra referência à “esposa” — a saber, a
visão joanina da Cidade Santa, Nova Jerusalém, descendo do céu, da parte de
Deus “como noiva adornada para o seu esposo” (Ap 21:2).
12
Os léxicos e dicionários teológicos (tais como Theolofical Dictionary of New Testament) e
obras de referência similares (verbete σøραγις ou sphragis) têm elucidado amplamente o sig-
nificado do processo ou prática do “selo” e do “selamento” no mundo antigo. Para uma referência
sucinta a seis possíveis significados, veja J. Massyngberde Ford (1975, p. 116-17; também a detal-
hada abordagem de FORD, 1981, v. 4, p. 254-59).
13
Os comentaristas geralmente omitem esta ligação por causa de uma falha em ser suficiente-
mente atenciosos em anotar o antecedente de Zc 6, onde cavalos de várias cores saem para “per-
correrem a terra” (v. 7) e onde, em resposta à indagação profética quanto à identidade dos quatro
grupos de cavalos, um anjo define-os como os quatro ruhôt (ventos) do céu que saem da presença
do Senhor de toda a terra (v. 4-5). Comentaristas que têm feito a conexão incluem G. R. Beasley-
Murray (1974, p. 142) e Leon Morris (1969, p. 113). Infelizmente, a RSV neste exemplo distorce
o significado do hebraico por seu fraseado, “Estes [os grupos de cavalos] estão saindo para os
quatro ventos do céu”, quando em realidade são os ventos ( = cavalos ) que estão saindo.
Estudos selecionados em interpretação profética
próprio Deus “habitando” diretamente com o Seu povo (21:3-4) e “Deus e o Cord-
eiro” são descritos como o “templo” da Nova Jerusalém (21:22).
É imediatamente evidente que todas as três principais aplicações do Novo
Testamento à imagem do templo entram em jogo nessas cenas introdutórias.
Na primeira visão vemos o conceito neotestamentário da Igreja Cristã como o
“novo templo”. Os textos clássicos para o conceito são indubitavelmente 1 Co-
ríntios 3:16-17 e 2 Coríntios 6:16-17, mas certamente há reflexão disto também
em 1 Pedro 2:5, e também na proclamação de Tiago no concílio de Jerusalém
mencionada em Atos 15:13-18. Na última referência mencionada, Tiago faz
aplicação da profecia de Amós 9:11-12 fazendo alusão ao retorno de Deus para
reedificar o “tabernáculo de Davi” que havia caído, como sendo diretamente
aplicável à afluência dos gentios à igreja apostólica.
A mais próxima analogia do Novo Testamento ao uso refletido nas cenas in-
trodutórias para as visões II-VII no livro de Apocalipse é aquilo que é encontrado
no livro de Hebreus. Ali se fala de Cristo como “sumo sacerdote, que se assentou à
destra do trono da Majestade nos céus, como ministro do santuário e do verdadeiro
tabernáculo que o Senhor erigiu, não o homem” (Hb 8:1-2; veja também o v. 5).14
Finalmente, o que é sem dúvida a mais básica e central aplicação da ima-
gem neotestamentária do templo é aquela ilustrada na cena introdutória e na
72 descrição profética da visão VIII do Apocalipse: isto é, uma referência à di-
reta presença divina. No prólogo ao Evangelho de João é declarado que Cristo
“habitou entre nós” (compare com a situação na Nova Terra depois da descida
da Jerusalém celestial, em que é declarado que Deus agora habita com a hu-
manidade [21:3]). Talvez uma referência ainda mais vigorosa seja aquela em
que Jesus declarou: “Destruí este santuário, e em três dias o reconstruirei.” Os
judeus compreenderam isto como se referindo ao templo de Herodes, mas o
Evangelista deu a explicação de que “Ele [Cristo] se referia ao santuário do seu
corpo” e que quando, pois, Jesus ressuscitou dentre os mortos, “lembraram-se
os seus discípulos de que Ele dissera isto” (Jo 2:19-22).
A presença divina era o foco central da antiga economia do templo/tab-
ernáculo de Israel (RODRIGUEZ, 1986, p. 127-145). Foram dadas a Moisés
instruções para que construísse “um santuário, para que Eu [Deus] possa
habitar no meio deles [de Israel]” (Êx 25:8). E quando estava concluída
a construção do tabernáculo, “a nuvem cobriu a tenda da congregação, e
a glória do Senhor encheu o tabernáculo” (Êx 40:36). É este pensamento
Veja outra vez a excelente dissertação em Davidson (1981, v. 2, 336-367); também “Excursus”
14
15
É interessante observar que cada uma das sete mensagens é introduzida por Cristo e então é
resumida em cada exemplo como “o que o Espírito diz às igrejas” — sendo análoga às declarações
do Quarto Evangelho no sentido de que o Paracleto apresentaria as palavras de Cristo (veja, por
exemplo, João 14:25-26; 15:26; 16:12-15).
Estudos selecionados em interpretação profética
16
Não deve ser despercebido que da mesma forma que 21:7 declara amplamente a recompensa
final para os vencedores nas sete igrejas dos capítulos 2 e 3, 21:8 reflete inclusivamente a conde-
nação dos “não vencedores” daquelas sete igrejas. Os termos “covardes”, “incrédulos”, “impuros”,
“feiticeiros”, “mentirosos” etc., em 21:8, são rememorativos das descrições e conselhos nas sete
mensagens concernentes à fidelidade até à morte (Esmirna), ao perigo dos ardis de Balaão e Jeza-
bel (Pérgamo e Tiatira), e ao falso testemunho contra os fiéis discípulos de Cristo (Filadélfia) etc.
Cenas da “Introdução Vitoriosa”
presença desse mesmo Jesus com sua igreja na Terra. Sua própria vitória
durante a encarnação tem assegurado a existência de sua própria comuni-
dade da aliança, e sua própria presença divina permanece verdadeiramente
com o seu povo ao longo da era histórica (por meio do Espírito Santo) (ver
nota 21). No quarto Evangelho, o prólogo se refere a Cristo “habitando entre
nós” (Jo 1:14), mas o Discurso Sobre o Paracleto indica que mesmo depois
da partida de Jesus para o Céu, Ele e seu Pai viriam fazer “habitação” com os
fiéis discípulos de Jesus (veja João 14:15-21, 23).
O correlativo dessa divina presença no “aqui e agora” é a plenitude da experiên-
cia da divina presença dependente do segundo advento de Jesus para trazer rec-
ompensas a todas as pessoas segundo as suas obras (Ap 22:12). Nos estágios finais
dessas recompensas — isto é, na experiência do “novo Céu”/”nova Terra”/Nova Je-
rusalém —, Deus e o Cordeiro outra vez ”habitam” com o seu povo, mas agora essa
habitação é uma presença direta e imediata (veja 21:3, 22; e 21:1-4).
Assim, nas cenas da introdução vitoriosa iniciais e finais encontramos, em
certo sentido, um aprimoramento do duplo tema do Apocalipse (chamado à
atenção em meu artigo anterior): a presença de Cristo com o seu povo na era
presente como o ”Alfa e o Ômega”, e o seu retorno no final da era histórica para
introduzir aqueles eventos que culminarão em sua presença com o seu povo
através da eternidade (cf. Ap 1:7-8 e 22:12-13). 77
Mas, para que função, pois, servem as cenas introdutórias para as visões inter-
venientes? Enquanto imanência é a ênfase das visões I e VIII, inclusive suas cenas
da introdução vitoriosa, transcendência é a ênfase das outras visões. Essas seis visões
destacam atividade no Céu, enquanto o povo de Deus está na Terra. Mas essa tran-
scendência não é de forma alguma indiferença, nem qualquer falta de preocupação
e contato entre o Céu e a Terra. Ao contrário, todas essas visões (através de suas ce-
nas da introdução vitoriosa, e também de suas subsequentes sequências descritivas)
revelam uma muito resoluta continuidade vertical. O que é feito no templo do Céu é
feito para o benefício do povo de Deus na Terra e, portanto, a atividade celestial de-
scrita nas cenas da introdução vitoriosa acham um correlativo imediato nas forças
liberadas sobre a Terra a fim de realizar o propósito de Deus para o seu povo.
18
“Estruturas envolventes” ou “inclusões” são comuns nos padrões literários do Apocalipse.
(ver, por exemplo, SHEA, 1985, p. 33-54, 44-45); para duas evidentes ilustrações deste fenômeno.
Estudos selecionados em interpretação profética
Local terrestre
Local celestial
I VIII
II - IV V - VII
Ênfase Ênfase de
inteiramente predominância
positiva positiva
Ênfases tanto positivas como negativas
I & II VII & VIII
III & IV V & VI
19
Com respeito ao assunto dos aspectos positivo e negativo, nossa referência é, sem dúvida, a
unicamente as cenas da introdução vitoriosa — os blocos designados por “A” no diagrama 1. Nos
outros blocos de material nas visões I, II e VII, há realmente muitos elementos negativos, mas este
fato não afeta o padrão distintivo que temos notado nas cenas introdutórias.
Cenas da “Introdução Vitoriosa”
Referências
79
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81
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ment: biblical, historical, and theological studies. Washington: Biblical Research Institute, 1981.
Estudos selecionados em interpretação profética
82
Interpretando o
4
simbolismo do Apocalipse
Jon Paulien
Esboço do capítulo
1. O Livro de Apocalipse: Sua Natureza
2. Interpretando o Apocalipse
3. Considerações Finais
Que ninguém pense que por não poder explicar o significado de cada símbo-
lo do Apocalipse, é-lhe inútil pesquisar este livro numa tentativa de conhecer
o significado da verdade que ele contém. Aquele que revelou estes mistérios a
João dará ao diligente pesquisador da verdade um antegozo das coisas celestiais.
Aqueles cujo coração está aberto à recepção da verdade serão capacitados a com-
preender seus ensinos, e ser-lhes-á garantida a bênção prometida àqueles que
“ouvem as palavras desta profecia, e guardam as coisas que nela estão escritas”
(WHITE, 2007, p. 584-585).
84
Embora não devamos esquecer o conselho acima, os guias de estudo
sugeridos neste capítulo habilitarão o sério estudante da Bíblia a explorar
com maior precisão os veios da verdade espiritual por baixo da superfície
desta superior profecia das Escrituras.
Deus falou a cada um dentro da sua linguagem e ambiente cultural a fim de comu-
nicar uma mensagem acerca de Seus planos para o futuro.
As palavras que as pessoas usam e os significados que essas palavras
transmitem são o produto da experiência passada de uma pessoa. A lin-
guagem está limitada em expressão ao que é familiar às pessoas em um de-
terminado tempo e lugar. Mesmo o futuro só pode ser descrito na linguagem
da experiência passada e presente de uma pessoa.
Quando o Êxodo de Israel do Egito é descrito no Antigo Testamento, por ex-
emplo, a linguagem usada faz lembrar ao leitor a fraseologia pela qual a poderosa
atividade divina na Criação e no Dilúvio é descrita no livro de Gênesis. Por exemplo,
tanto Noé como Moisés foram livrados por uma “arca” calafetada com betume (Êx
2:3; cf. Gn 6:14). No Êxodo, como na Criação, a presença divina trouxe luz para as
trevas e um divisor das águas (Êx 13:21; cf. Gn 1:3-5; Êx 14-21; cf. Gn 1:6-8). Co-
mum a todas as três descrições é o uso de “terra seca” (Js 4:18; Êx 14:21, 29; cf. Gn
8:11, 13; 1:9, 10) e “sede frutíferos e multiplicai-vos” (Êx 1:7; cf. Gn 9:7; 1:28).
Precisamente como a descrição do Êxodo se utiliza das descrições de ações
divinas anteriores, assim o exílio para Babilônia e a restauração de Babilônia são
descritos nos profetas pela linguagem da Criação e do Êxodo. A Criação, por
exemplo, é o modelo para Isaías 65:17-19. O Êxodo provê o modelo para vários
dos profetas (Os 2:8-15; Mc 7:15-20; Is 4:2-6; 11:15-16; 43:16-19). 85
Da mesma maneira, as profecias concernentes ao Messias foram proclamadas em
termos de um profeta como Moisés, um filho de Davi e um sacerdote segundo a or-
dem de Melquisedeque. Deus, em cada caso, usou a linguagem do passado como uma
ferramenta para comunicar Sua vontade presente e/ou Seu plano para o futuro.
Portanto, não deve ser nenhuma surpresa descobrir que as visões do Apocalipse
não estão cheiras de helicópteros, espaçonaves, computadores e bombas nucleares.
Em vez disto, elas estão expressas nas imagens do passado da igreja do Novo Testa-
mento. Embora se originando no trono de Deus, o Apocalipse foi comunicado em
linguagem apropriada ao tempo, lugar e circunstâncias do autor humano, João.
“A Bíblia não nos é dada em elevada linguagem sobre-humana. A fim de chegar
aos homens onde eles se encontram, Jesus revestiu-Se da humanidade. A Bíblia pre-
cisa ser dada na linguagem dos homens” (WHITE, 2008, v. 1, p. 20). Embora uma pro-
fecia de eventos futuros a partir da perspectiva do autor, a linguagem da experiência
anterior da igreja proveu a linguagem com a qual descrever esse futuro.
Conquanto a Bíblia possa frequentemente descrever nosso futuro, é
importante ter em mente que a linguagem por meio da qual tais profecias
foram comunicadas era a linguagem de outro tempo e lugar que não os nos-
sos. É muito fácil impor ao texto significados mais apropriados ao nosso
Estudos selecionados em interpretação profética
Um livro cristão
86 É evidente pela primeira frase (“revelação de Jesus Cristo”) que o Apocalipse
é um livro cristão (1:1). Jesus Cristo está presente em toda parte, tanto explicita-
mente (Ap 1:1, 2, 5, 9; 11:15; 12:10, 17; 14:12; 17:6; 19:10; 20:4, 6; 22:16, 20, 21)
quanto em símbolos (Ap 1:12-16; 5:5-7; 7:17; 12:5, 11; 14:1-3). Há referências a
igrejas (Ap 1–3; 22:16) e à cruz (Ap 1:18; 5:6, 9, 12; 11:8; 12:11). O leitor atento
também se torna consciente de dezenas, se não centenas, de ecos recordando
1
Embora um conhecimento do grego e do hebraico não seja imprescindível para a compreensão da
Bíblia (veja a conclusão deste capítulo), a leitura do texto na língua original nos ajuda a fugir das as-
sociações familiares que as palavras em nosso idioma têm com nosso ambiente moderno. Na tradução
é mais fácil importar inconscientemente significados contemporâneos para nossa leitura do texto.
2
”A Bíblia foi escrita por homens inspirados, mas não é a maneira de pensar e exprimir-se de
Deus. Esta é da humanidade. Deus, como escritor, não se acha representado. Os homens dirão
muitas vezes que tal expressão não é própria de Deus. Ele, porém, não se pôs à prova na Bíblia
em palavras, em lógica, em retórica. Os escritores da Bíblia foram os instrumentos de Deus, não
sua pena. Olhai os diversos escritores. Não são as palavras da Bíblia que são inspiradas, mas os
homens é que o foram. A inspiração não atua nas palavras do homem ou em suas expressões,
mas no próprio homem que, sob a influência do Espírito Santo, é possuído de pensamentos. As
palavras, porém, recebem o cunho da mente individual. A mente divina é difusa. A mente divina,
bem como sua vontade, é combinada com a mente e a vontade humanas; assim as declarações do
homem são a Palavra de Deus” (WHITE, 2008, v.1, p. 21).
Interpretando o
3
Para listas de paralelos à linguagem e temas do Novo Testamento, veja Rudolf Halver (1964, v.
32, p. 58-70), William Milligan (1892, p. 42-70) e Henry B. Swete (1906, p. cli-cliii).
Estudos selecionados em interpretação profética
Um livro profético
Relacionada com a questão da intenção divina é a reivindicação do livro de
prover informação verdadeira em relação ao futuro. O Apocalipse diz respeito
às coisas que “em breve devem acontecer” (1:1); coisas que “hão de acontecer
depois destas” (1:19). Fala do regresso de Cristo e dAquele que “há de vir” (1:7-
8; 4:8). Promete recompensas ao vencedor (2:7, 11 etc.).
O Apocalipse aponta para um futuro tempo de selamento (7:1-3); para
uma futura “hora da provação” (3:10; 7:14); para uma futura multidão
redimida (7:9-11; 19:1-3); para uma grande proclamação final do evan-
gelho (10:8-11; 14:6-12); para um juízo final (11:18; 20:11-15); e para uma
grande batalha final (12–20) culminando na vinda de Cristo (14:14-20;
88 19:11-13.), introduzindo o final e universal domínio de Deus (11:15-17;
21–22:5). Assim, o Apocalipse está preocupado principalmente com even-
tos que são futuros a partir da perspectiva do autor.
4
“A Escritura Sagrada, com suas divinas verdades, expressas em linguagem de homens, apresenta
uma união do divino com o humano. União semelhante existiu na natureza de Cristo, que era o Filho
de Deus e Filho do homem. Assim, é verdade com relação à Escritura, como o foi em relação a Cristo,
que ‘o Verbo [ou Palavra] se fez carne e habitou entre nós’ (Jo 1:14)” (WHITE, 2005, p. vi).
5
Os escritores inspirados nem sempre compreendiam o conteúdo da revelação divina (veja
Daniel e 1Pe 1:10-13). Mas eles retinham o controle do texto (veja nota 8). No caso do Apocalipse,
o texto objetivava fazer sentido para seus leitores originais (Ap 1:3-4, 9-11; 22:16) bem posteriores.
Nota editorial: A opinião de que o Apocalipse “fazia sentido” para seus leitores originais não
significa que os últimos viam ou esperavam cumprimentos imediatos da profecia total em seus
dias (opinião preterista). Muitos aspectos da visão estavam no futuro distante. As profecias
messiânicas também “faziam sentido” para os profetas do Antigo Testamento, mas eles sabiam
que seu cumprimento seria futuro para os seus tempos (1Pe 1:10-12).
6
Como com qualquer comunicação apostólica inspirada, a profecia teria tido significado igual-
Interpretando o
se às vezes o livro usa símbolos e conceitos que ocorrem na literatura não bíblica
e na mitologia. O autor não pesquisou, necessariamente, esses símbolos; eles lhe
vieram como expressões vivas que seriam familiares a qualquer um que vivesse
na época na Ásia Menor (MORANT, 1969, p. 19).
Conquanto em princípio possamos estar um tanto desconfortáveis com
a ideia de que um escritor bíblico possa ter empregado em seu livro algumas
figuras mitológicas (por exemplo, animais de sete cabeças), devemos lembrar
a natureza profética do Apocalipse. Os profetas usavam a linguagem comum
da época para comunicar eficazmente. Assim, os estudiosos que têm encon-
trado antigas analogias para várias partes do Apocalipse podem nos ajudar a
compreender melhor a intenção das imagens do livro (ver BETZ, 1969, p. 155;
HEDRIK, 1971, p. 94-95; SWEET, 1979, p. 41).7
Linguagem apocalíptica
É imediatamente evidente que o livro de Apocalipse não está escrito em pro-
sa comum. Logo no início o livro é declarado ser “revelado em símbolos” (1:1,
tradução literal). Uma águia fala, gafanhotos ignoram a vegetação, um grande
dragão vermelho persegue uma mulher através do céu, um leão é transformado
em um cordeiro que vence tudo. Esta não é a linguagem típica do Novo Testa-
mento (HALVER, 1964, v. 32, p.156). O Apocalipse é tão simbólico que o leitor 89
precisa evitar ser demasiado literal na interpretação (MAURO, 1925, p. 23).8
Contudo, tal simbolismo cósmico era uma forma um tanto comum de
procedimento literário naqueles dias. Livros como Enoque Etiópico, 4 Esdras
e 2 Baruque expressam sentimentos e teologia no que tem sido denominada
”linguagem apocalíptica” (ver CHARLESWORTH, 1983-1984, v. 1). Assim, em-
bora a linguagem do Apocalipse seja frequentemente estranha e simbólica, sua
mensagem está fundamentada firmemente na realidade. Muito provavelmente
o leitor cristão do primeiro século tinha relativamente pouca dificuldade em
compreender os principais símbolos do livro (BARR, 1984, p. 40-41).9
90 Problema de alusões
Afirmar que o Apocalipse está saturado de conceitos do Antigo Testamento por
si só não aborda a questão de como eles são usados no livro. O leitor totalmente
familiarizado com o Antigo Testamento percebe rapidamente que o Apocalipse
jamais cita o Antigo Testamento.11 Antes, alude a ele com uma palavra aqui, um
conceito ali, uma frase em outro lugar (HASEL, 1982, v. 1, p. 105; SWEET, 1979, p.
39). Conquanto esteja claro que o Antigo Testamento é básico para qualquer com-
preensão do Apocalipse, nem sempre está claro a que parte do Antigo Testamento
está se fazendo alusão em um dado verso (VOS, 1965, p. 18).
Um método exegético que desvendará os símbolos do Apocalipse deve
incluir diretrizes para determinar quando e de que maneira o autor está
aludindo ao Antigo Testamento.
Estrutura repetitiva
10
Embora a autora sem dúvida tivesse experiências visionárias, o que ela escreveu é também
claramente o produto de interpretação e reflexão teológica.
11
Das dezenas de estudiosos que fazem esta asserção, alguns importantes personagens serão suficientes,
como: Kurt Aland (1975, p. 903), Adela Yarbro Collins (1984, p. 42), Elizabeth Schüssler Fiorenza (1980,
p. 108), Halver (1964, v. 32, p. 11-12), Pierre Prigent (1981, p. 368) e H. Barclay Swete (1902, p. 392).
Interpretando o
Um ambiente de adoração
Uma das mais impressionantes características do Apocalipse é a sua repeti-
da descrição de cenas de adoração no Céu, geralmente no contexto de ima-
gens relacionadas com o santuário do Antigo Testamento (Ap 4; 5; 7:9-12; 8:2-
6; 11:15-19; 15:5-8; 19:1-8). Não somente há um grande número de hinos no
livro (Ap 4:11; 5:9, 10, 12, 13; 7:10, 12; 11:15, 17), mas as próprias bênçãos e
maldições sobre aqueles que lêem e ouvem o Apocalipse indicam uma leitura
pública do livro em um ambiente de adoração (1:3; 22:18-19).
Estes fatos sugerem que precisa ser dada atenção às práticas cristãs de 91
adoração do primeiro século, às imagens do santuário do Antigo Testamento,
aos serviços religiosos da sinagoga judaica e aos targuns aramaicos que se de-
senvolveram nas sinagogas judaicas.
Conclusão
As características do livro de Apocalipse já examinadas chamam a at-
enção para o método. O método adequado para o estudo do Apocalipse re-
fletirá estas características e as utilizará para esclarecer a intenção do autor.
Volvemo-nos agora para um método proposto a fim de “decifrar o código”
deste fascinante livro, com ênfase especial sobre como descobrir e validar
alusões feitas por João a fontes do Antigo Testamento.
autores: John Wick Bowman (1955, p. 440-43), Elisabeth Schüssler Fiorenza (1977, p. 358-66),
Leroy C. Spinks (1978, p. 211-22) e K. A. Strand (1972, p. 48).
Estudos selecionados em interpretação profética
Interpretando o Apocalipse
As realidades previamente observadas no texto de Apocalipse sugerem que
o intérprete deve seguir quatro passos fundamentais em seu estudo: (1) Fazer
uma exegese básica (ou exposição) da passagem que está sendo estudada. (2)
Examinar analogias relevantes em outras partes do Apocalipse. (3) Encontrar as
fontes das imagens do Antigo Testamento. (4) Descobrir se o Novo Testamento
expande o significado desses símbolos à luz do evento-Cristo.
Exegese básica
O primeiro passo em torno da compreensão da mensagem do Apocalipse
é determinar o que o autor estava dizendo aos seus leitores originais em seu
tempo, lugar e circunstâncias. O termo “exegese” é uma palavra derivada do
grego que significa “extrair”. Assim isto veio designar o processo de permitir
que o texto bíblico fale por si mesmo, em vez de impor à passagem um signifi-
cado que se origina com o leitor. Consequentemente, a exegese básica dá aten-
ção ao significado das palavras (pelo uso de léxicos e dicionários teológicos), à
sintaxe (como as palavras se relacionam umas com as outras em uma sentença),
à estrutura da passagem e seu contexto imediato e à relação que a passagem tem
92 com sua situação contemporânea.
A situação contemporânea é esclarecida aprendendo-se o que pode ser con-
hecido acerca dos primeiros ouvintes e seu ambiente social, as preocupações
que estimularam o autor a escrever e a literatura paralela da época, se disponível.
Prestimosas introduções ao Apocalipse podem ser encontradas em muitos co-
mentários e em “introduções ao Novo Testamento”. Para o Apocalipse, um ex-
ame de outros escritos apocalípticos é especialmente proveitoso.
Tais métodos de exegese, cuidadosamente efetuados, produzem uma compreen-
são razoavelmente clara da maioria dos livros do Novo Testamento. Mas no Apoc-
alipse eles produzem um resultado insatisfatório. É possível em Apocalipse conhecer
plenamente bem o que João está dizendo e ainda não ter absolutamente nenhuma
ideia do que ele tem em vista (HALVER, 1964, v. 32, p. 7). Assim, é necessário um
método mais amplo, mais teológico de exegese para fazer justiça ao Apocalipse.
13
Contraste Apocalipse com o Evangelho de Mateus, que geralmente identifica a fonte de suas
citações do Antigo Testamento (Mt 2:17, 19; 33:3 etc) (VANHOYE, 1962, p. 436).
14
Além da Sptuaginta, traduções gregas tais como Áquila, Símaco e Teodocião; Targuns Ar-
amaicos tais como Neofiti I e Pseudo-Jônatas sobre o Pentateuco, e as traduções massoréticas,
Qumran e Samaritana do hebraico deveriam ser consultadas.
Interpretando o
15
Note as palavras de John Hollander (1981, p. 95) em seu The figure of Echo: A Mode of Allusion
in Milton and After: “O texto ao qual se faz referência não está totalmente ausente, mas é parte da
biblioteca portátil partilhada pelo autor e sua audiência ideal. A intenção de aludir reconhecida-
mente é esencial para o conceito.”
16
Contraste Apocalipse 7:1-3 e 9:4, onde os vegetais são protegidos dos juízos divinos por uma
marca, com Ap 8:7, onde a vegetação é destruída pelos juízos divinos.
Estudos selecionados em interpretação profética
conjunções menores são normalmente excluídos) são paralelas entre uma pas-
sagem do Apocalipse e uma passagem da Septuaginta ou de outra versão do
primeiro século d.C.17 Estas duas importantes palavras podem ser acopladas em
uma frase, ou podem até mesmo ser separadas — desde que estejam em clara
relação entre si em ambas as passagens do paralelo sugerido.
Os paralelos verbais são descobertos colocando-se o texto de Apocalipse lado a
lado com o texto-fonte em potencial. O fraseado que é exato ou semelhante é enfati-
zado, e a relação em potencial entre as passagens é avaliada em uma base preliminar.
Um bom exemplo de paralelo verbal é encontrado em Apocalipse 9:2: “E a fu-
maça do poço subiu como a fumaça de uma grande fornalha” (tradução do autor).
Isto tem uma notável semelhança com o fraseado de Êxodo 19:18 na Septuaginta.18
Um exemplo de um paralelo verbal onde duas palavras-chave não estão ligadas
gramaticalmente pode ser visto comparando-se Apocalipse 9:2 com Gênesis 1:2.19
Quanto mais palavras importantes que são encontradas em comum, maior a proba-
bilidade de que uma alusão direta esteja presente. Uma alusão direta não deve ser
assumida com todo paralelo verbal; a observação de fraseado comum é apenas
parte do processo de acumular evidência para uma alusão direta.
2. Paralelos temáticos. Muitas vezes o profeta claramente tem em mente
uma passagem do Antigo Testamento, mas usa uma diferente palavra grega da
Septuaginta, ou usa apenas uma simples palavra para fazer a conexão. Isto não 97
deve surpreender. As alusões por sua própria natureza não são obrigadas a
reproduzir o fraseado preciso do original (VOS, 1965, p. 112). Podem envolver
ideias bem como fraseado, e incluir semelhança de tema e deliberado contraste
(BAKER, 1984, p. 10; TENNEY, 1957, p. 101). Tais paralelos de uma só palavra
são distinguidos dos “ecos” em que há uma evidente relação temática entre os
contextos em que as palavras paralelas são encontradas.
Os paralelos temáticos podem ser encontrados não somente pela com-
paração com a Septuaginta, mas também comparando-se o intento do gre-
go do Apocalipse com o hebraico e o aramaico do Antigo Testamento (ver
17
As versões existents na Héxapla de Origenes (FIELD, 1964) provavelmente reflete ao menos
algumas versões correntes quando o Apocalipse foi escrito. Os paralelos verbais não operam na
tradução a menos que a transliteração esteja envolvida. Exemplo: “Messias” é claramente um
paralelo verbal do hebraico meshiach.
18
Ap 9:2, kai anebē kapnos ek tou phreatos ōs kapnos kaminou megalēs; Êx 19:18 na LXX, kai
anebainen ho kapnos, hōsei kapnos kaminou.
19
As conexões principais são os termos “trevas” (substantivo, skotos; verbo, skotoō) e “abismo”
(abussos). Gn 1:2, LXX, kai skotos, epanō tēs abussou [...] Ap 9:2, kai ēnoixen to phrear tēs abussou
[...] kai eskotōthē ho hēlios kai ho aēr.
Estudos selecionados em interpretação profética
20
Ez 9:4, LXX, semeiōn; Ap 9:4, sphragida.
21
Este critério inclui o que Morton Smith (p. 78, 115) chama “paralelos de forma literária” e “pa-
ralelos em tipos de associação”. Lars Hartman (1966, p. 126, 95, 118, 137) parece estar sugerindo algo
semelhante ao meu conceito de “paralelo estrutural” em seu uso da frase “padrões de pensamento”. Ele
também observa que Zc 12:2-4 provê a “estrutura” para 1 Enoque 56:5-8 (HARTMAN, 1966, p. 89).
22
Outros exemplos de paralelos na estrutura literária podem ser vistos comparando-se Apoc-
alipse 1:12-18 com Daniel 7:9-13, e Daniel 10; Apocalipse 13 com Daniel 3 e 7; Apocalipse 18 com
Ezequiel 26-28; e Apocalipse 19:11-16 com Isaías 63:1-6. Alguns até mesmo sugerem que todo
o livro de Apocalipse está estruturado para se assemelhar ao livro de Ezequiel (ver GOULDER,
1981, p. 343-50; VANHOYE, 1962, p. 436-76).
Interpretando o
Em Isaías 30:30, fogo e saraiva são derramados como juízos sobre os as-
sírios. Contudo, embora a primeira trombeta contenha um paralelo verbal e
um paralelo temático a Isaías 30:30, não se pode falar em nenhum paralelo
estrutural, e os outros paralelos são relativamente fracos. Assim, é possível que
João tivesse em mente essa passagem do Antigo Testamento quando escreveu a
primeira trombeta, mas não há suficiente evidência para uma certeza razoável.
Tal paralelo pode ser instrutivo para o intérprete, mas nunca deve ser usado
como a única evidência para uma interpretação.
Alusões incertas. Estas parecem ter algumas ideias paralelas, mas as alusões
são muito fracas. Entretanto, o intérprete não pode conclusivamente negar que
elas são alusões diretas.
Na margem da vigésima-sexta edição do Novo Testamento Grego de
Nestle-Aland, Ezequiel 5:12 está enumerado como paralelo para a primeira
trombeta. A ausência de paralelos verbais e temáticos indica que é incerto
que João aqui tivesse especificamente em mente Ezequiel 5:12, embora a
expressão “terça parte” esteja presente em ambas as passagens. Mas se o con-
ceito de uma “terça” foi extraído do Antigo Testamento, foi provavelmente
baseado em Ezequiel 5:1-4 ou Zacarias 13:8-9 em vez de nessa passagem.23
O contexto de uma alusão incerta não deve ser usado na interpretação do
Apocalipse, mas pode ser uma fonte para definir um ou mais “ecos”. 101
Não alusões. A categoria de “não alusão” é relevante somente quando se
avalia as listas de alusões sugeridas. Depois de examinar, o intérprete conclui
que não há nenhuma evidência de que o autor tinha em vista um paralelo en-
tre os dois textos. Eugen Hühn, por exemplo, achava que a primeira trombeta
fazia referência a Isaías 2:13, em que árvores são usadas como um símbolo do
soberbo e altivo a quem Deus humilhará (HÜHN, 1900, p. 247). A ausência de
um paralelo verbal no grego, e de quaisquer paralelos temáticos ou estruturais,
nega a esse paralelo sugerido a condição de uma alusão direta. A definição de
árvores por Isaías, porém, pode ser “ecoada” por João na primeira trombeta.
A conclusão de tal estudo deve, é claro, permanecer um tanto experimental. Mas
não é necessário traçar cada paralelo ao Antigo Testamento a fim de compreender
a mensagem básica do livro (COLLINS, 1984, 44, 48). Conquanto o intérprete deva
ser receptivo a nova evidência que possa levar paralelos específicos a serem reavali-
ados de vez em quando, o procedimento acima coloca em uma base mais objetiva a
interpretação de alusões diretas ao Antigo Testamento em Apocalipse.
23
Ezequiel 5:12 poderia concebivelmente ser relacionado com 5:1-4, que é uma provável alusão,
mas isto não acrescentaria nada à nossa compreensão da primeira trombeta.
Estudos selecionados em interpretação profética
O Novo Testamento
Já temos notado que o livro de Apocalipse é um livro cristão e está repleto de
uma multidão de paralelos a outros livros do Novo Testamento. O que temos no
Apocalipse é uma declaração de Jesus em “muitas, muitas telas” (SCHMIDT, 1947, p.
177). Como um verdadeiro resumo da mensagem do Novo Testamento, ele é com
razão colocado no final do cânon neotestamentário (HALVER, 1964, v. 32, p. 58).
Traçar paralelos de ambos os Testamentos sugere que o livro de Apocalipse é
praticamente uma declaração sumária dos temas de toda a Bíblia (MOLATT, 1984,
p. 30). Um estudioso chama o Apocalipse de “o final da sinfonia bíblica” (MOLATT,
1984, p. 30). Outro declara: “Neste livro todos os outros livros da Bíblia terminam e
se encontram” (JAMIESON; FAUSSET; BROWN, 1961, p. 1526).24
Portanto, o autor do Apocalipse não usa a linguagem e ideias do Antigo Testa-
mento de um modo insipidamente literal (VOS, 1965, p. 36-40). O significado sug-
erido pelas alusões ao Antigo Testamento para os símbolos do Apocalipse deve ser
visto à luz do evento Cristo (EZELL, 1977, p. 23; FORD, 1982, p. 98; KRAFT, 1974, v.
16a, p. 85; LESTRINGANT, 1942, 152). A vitória de Jesus Cristo é o novo princípio
organizador da história no Apocalipse (SCHLIER, 1964, p. 361).
É claro que sua experiência com Jesus e a inspiração do Espírito Santo (1:10)
levou João a cristianizar os materiais do Antigo Testamento com os quais ele es-
102 tava trabalhando (BARR, 1984, p. 42). Assim, nós também devemos interpretar
esses conceitos através do prisma do evento-Cristo (EZELL, 1977, p. 23; FORD,
1982, p. 98). A melhor maneira de fazer isto é procurar paralelos do Novo Tes-
tamento para as expressões do Antigo Testamento no livro de Apocalipse. Este
processo pode ocorrer por meio do mesmo método usado para determinar
alusões ao Antigo Testamento no Apocalipse.
Os escritores do Novo Testamento compreendiam a Cristo como cumpri-
mento do intento básico do Antigo Testamento.25 Isto é verdade não apenas de
escolhidas profecias messiânicas, mas de todo o espectro da história do Antigo
Testamento. Jesus é a nova criação (2Co 5:17), nascido por meio do Espírito que
envolve Maria (cf. Lc 1:35 com Gn 1:2). Ele é o novo Adão (Rm 5 e 1Co 15);
feito à imagem de Deus (2Co 4:4; Cl 1:15), casado com uma nova Eva (Ef 5:32-
33 — a igreja), e em pleno domínio sobre a Terra (Jo 6:16-21), sobre os peixes
do mar (Lc 5:1-11; Jo 21), e sobre todos os seres vivos (Mc 11:2).
24
Note a aprovação de Ellen G. White (2007, p. 585) a esta declaração em Atos dos Apóstolos
(paralelo verbal e temático!).
25
João 5:39-40; Lucas 24:25-27, 44-47. Um escelente estudo partindo de uma perspectiva ad-
ventista é Hans K. LaRondelle (1983).
Interpretando o
Jesus Cristo é um novo Moisés (Jo 5:45-47), que é ameaçado em seu nas-
cimento por um rei hostil (Mt 2), passa 40 dias jejuando no deserto, impera
sobre 12 e ordena 70, dá a lei de um alto monte (Mt 5:1-2), alimenta seu
povo com o pão do céu (Jo 6:28-35) e ascende ao Céu depois da ressurreição.
Ele é o novo Israel, que sai do Egito (Mt 2), passa pelas águas (Mt 3:13-17),
é levado pelo Espírito ao deserto, passa pelas águas uma segunda vez (Lc
12:50 — batismo na cruz) e entra na Canaã celestial.
Tais exemplos poderiam ser multiplicados. No Novo Testamento, Jesus é o novo
Isaque, o novo Davi, o novo Salomão, o novo Eliseu, o novo Josué e o novo Ciro. Os
escritores do Novo Testamento veem a vida, morte e ressurreição de Jesus como
cumprindo toda a experiência do povo de Deus desde Adão até João Batista.
Como deveria o cristão se relacionar com esta história? Cumprindo todo
o Antigo Testamento em Sua própria experiência, Jesus estava atualizando essa
experiência para todos os que estão “nEle”. NEle o crente se torna um verdadei-
ro israelita (Gl 3:29; At 13:32-33; 2Co 1:20) quando confessa que Jesus é o Mes-
sias (Jo 1:47-50), Aquele que deveria realizar as esperanças de Israel. Assim todo
o Antigo Testamento torna-se relevante para a experiência do cristão. Quem
crê em Cristo é parte de um novo Israel (LARONDELLE, 1983, p. 121). “Não
há nenhuma mudança na fraseologia empregada no Novo Testamento, mas há
positivamente uma mudança concernente ao povo a quem essas profecias e des- 103
ignações agora se aplicam. No Novo Testamento, fala-se da igreja na linguagem
empregada no Antigo Testamento concernente a Israel” (WERE, 1977, p. 30).
A transferêndcia do Novo Testamento do termo “Israel” da nação judaica
para a igreja tem um profundo impacto sobre a maneira como a história e a pro-
fecia do Antigo Testamento é colocada a serviço da igreja. O Novo Testamento
universaliza as promessas da aliança (PAULIEN, 1984, p. 375). Israel não deve
ser mais visto em termos étnicos ou geográficos (1Pe 2:4-10; Tg 1:1). O Shekiná
é visto na reunião daqueles que creem em Jesus (Mt 18:20). O verdadeiro temp-
lo na Terra é espiritual e mundial, modelado segundo o verdadeiro tabernáculo
dos lugares celestiais (2Co 6:14-18; Gl 4:26; Hb 8:1-2). Babilônia e Egito são
também espiritualizados e representam os inimigos da igreja.
Assim, as imagens do Antigo Testamento não devem ser insipidamente apli-
cadas ao livro de Apocalipse. Como os autores do Novo Testamento, João está
plenamente cônscio do impacto do evento Cristo sobre as realidades espirituais.
A menos que o significado de Jesus Cristo e a cruz sejam deixados a permear os
Estudos selecionados em interpretação profética
Considerações finais
Por causa das limitações de espaço, este capítulo é demasiado breve para
mostrar todas as implicações de um método exegético para o estudo do Apoc-
alipse. Assim, os aspectos do método que poderiam ser pertinentes para o espe-
cialista foram deixados de lado. Aqueles que gostariam de explorar em profun-
didade os problemas envolvidos na aplicação do método para as complexidades
das línguas originais seriam aconselhados a examinar o meu livro mais técnico
sobre o assunto (ver PAULIEN, 1988, v. 11).
O método não pode ser aprendido pela mera leitura deste capítulo. Deve
ser descoberto em experiência interativa com o texto. Quanto mais tempo se
gasta examinando os paralelos verbais, temáticos e estruturais, mais se tem a
sensação da dinâmica envolvida no uso da linguagem pelo autor.
Para examinar onde o autor está fazendo uma alusão direta, temos de
lidar com probabilidades. Onde não temos certeza se João está fazendo uma
alusão direta, seria melhor deixar o contexto do Antigo Testamento fora da
104 discussão deste texto específico do Apocalipse.
Embora não seja irrazoável, não é^historicamente certo^que^o^autor^do
Apocalipse tivesse acesso a qualquer dos documentos do Novo Testamento. Seu con-
hecimento do ensino do Novo Testamento pode ter vindo através de experiência di-
reta com Cristo, com a tradição oral e/ou documentos agora perdidos para a história.
Assim, é geralmente mais seguro admitir que João se baseia em uma tradição comu-
mente compreendida do que em documentos específicos do Novo Testamento.
Sem dúvida, o não especialista que ler este capítulo se sentirá desanimado acerca
das possibilidades de usar tal método. Com pouca experiência na prática da exegese,
pouca ou nenhuma experiência da apocalíptica judaica ou do ambiente cultural da
Ásia Menor do primeiro século, nenhum conhecimento do grego, hebraico, ou ara-
maico, muitos leitores serão tentados a levantar as mãos em desespero.
Felizmente, embora esse conhecimento e habilidades sejam extremamente
proveitosos, eles são raramente decisivos para a interpretação do livro de Apoc-
alipse. Por exemplo, a vasta maioria de alusões ao Antigo Testamento no livro de
Apocalipse é claramente evidente até mesmo nas traduções em nosso idioma. As
26
Uma excelente aplicação deste princípio pode ser encontrada em Hans K. LaRondelle (1987,
p. 108-145).
Interpretando o
imagens apocalípticas são certamente estranhas, mas para aqueles que estão famil-
iarizados com o Antigo Testamento, o livro perde bastante de sua estranheza.
Deve-se admitir, é claro, que as habilidades acadêmicas e o preparo do especial-
ista podem salvaguardá-lo de opiniões falhas baseadas em informação inadequada.
Todavia, indivíduos não familiarizados com as línguas originais ou com antigos
materiais básicos podem contribuir grandemente para o contínuo crescimento da
igreja nesta área pela aplicação de outras salvaguardas como as seguintes:
1. Em todas as oportunidades para o estudo, o estudante do Apocalipse deve
orar fervorosamente por uma atitude de aprendizagem e uma abertura à di-
reção do Espírito Santo. Sem oração e a iluminação do Espírito Santo, a obra até
mesmo do mais excelente erudito pode sutilmente se desviar. A intenção divina
não é controlada por mentes seculares. O testemunho unido das Escrituras é
que os “pensamentos [de Deus] não são os vossos pensamentos” (Is 55:8) e as
coisas espirituais “se discernem espiritualmente” (1Co 2:14).
2. O uso de várias traduções pode proteger o estudo da Bíblia da aberração
ocasional introduzida por tradução defeituosa ou por erros na transmissão
manuscrita. Estas podem ser complementadas pelo uso de uma concordância
analítica, como a de Strong ou de Young, que levará o estudante de volta ao fra-
seado original sem a necessidade de aprender um alfabeto desconhecido.
3. A maior parte de um período de estudo da Bíblia deve ser gasta nas seções 105
das Escrituras que são razoavelmente claras. É através de passagens claras das Es-
crituras que as passagens obscuras, tais como os selos e as trombetas do Apocalipse,
podem ser compreendidas mais exatamente. A fascinação excessiva por textos e as-
suntos problemáticos pode resultar em distorção gradual da compreensão, levando
a opiniões estreitas e frequentemente fanáticas que dividirão a igreja.
4. Os resultados do estudo detalhado, como pesquisas de concordância e análise
de alusões, devem ser comparados com muita leitura geral das Escrituras para que a
obsessão com detalhes não desvie ninguém da ênfase central da passagem que está
sendo estudada. É possível provar quase tudo com uma concordância. Este perigo é
minimizado, porém, quando cada passagem é compreendida à luz de muita leitura
geral das Escrituras no contexto, preferivelmente em uma tradução clara e atual-
izada onde o contexto mais amplo pode ser visto a surgir.
5. Os métodos eficientes devem ser aplicados às contribuições que Ellen
White oferece para a compreensão de textos difíceis.27 Muito dano pode ser feito
quando sua autoridade na igreja é usada de uma maneira irregular, resultando
27
Veja neste volume, capítulo 7, “Uso de Daniel e Apocalipse por Ellen G. White”, e capítulo 8,
“O uso dos escritos de Ellen G. White pelo intérprete”.
Estudos selecionados em interpretação profética
Referências
106
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28
Ellen G. White (2002, p. 113) alega que: “Quando nós, como um povo, compreendermos o
que este livro [Apocalipse] para nós significa, será visto entre nós grande reavivamento.”
Interpretando o
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Revelation. Journal of Theological Studies, v. 17, n. 1, 1966a.
_____________. The Text of the Old Testament in the Book of Revelation. Journal of Theological
Studies, v. 17, n. 1, 1966b.
Interpretando o
WERE, L. F. The Moral Purpose of Prophecy: The Harmony Between Christian Experience and
Prophetic Interpretation. Christian Realities Revealed in the Prophetic Pictures of the Apocalypse.
[s. l.]: First Impressions, 1980.
111
Estudos selecionados em interpretação profética
112
Tipologia do santuário
5
Richard M. Davidson
Esboço do capítulo
1. Tipologia Bíblica
2. Compreendendo a tipologia do Santuário
em Apocalipse
3. Tipologia do Santuário no arranjo literário
4. Considerações finais
5. Gráficos 1-4
por Cristo”. Uma porção significativa das Escrituras repousa sobre esta sube-
strutura tipológica do Antigo Testamento e o cumprimento neotestamentário.
O culto israelita centralizava-se nos ritos e festividades do sistema do templo-san-
tuário. Mais do que ritual, porém, o sistema em si compunha uma integrada tipologia
que prefigurava o evento Cristo e a completa realização do plano da salvação.
O Novo Testamento reconhece um triplo cumprimento de todos os tipos
do Antigo Testamento — inclusive o da instituição do santuário. Assim, a
tipologia do santuário encontra no Novo Testamento (1) um cumprimento
cristológico — em que Cristo é percebido como o verdadeiro templo (Jo 1:14;
2:21); (2) um cumprimento eclesiológico — em que a igreja é compreendida
como o templo de Deus (1Co 3:16, 17; 2Co 6:16); e (3) um cumprimento
apocalíptico — em que Cristo ministra os méritos do Seu sacrifício por nós
no antitípico santuário celestial, na presença de Deus, um ministério que
conclui com o julgamento final (Hb 8:1, 2; 9:24; Ap 3:5).
Não é de surpreender, portanto, descobrir que as visões de João das re-
alidades celestiais centralizam-se no templo-santuário celestial. O enfoque
nesse santuário como o local de toda a atividade divina redentora é parte
integrante do arranjo literário do Apocalipse. Cada uma das suas grandes
sequências visionárias (quer seja sete ou oito, os eruditos diferem quanto ao
114 número) se inicia com um cenário do templo-santuário celestial que afeta a
interpretação da profecia subsequente.
O Apocalipse apresenta progressões lineares e recapitulação. Embora as sequên-
cias individuais — tais como igrejas, selos e trombetas — sigam um movimento de
recapitulação (como as quatro visões de Daniel), as cenas introdutórias do templo-
santuário parecem aludir aos importantes temas do santuário de uma maneira linear.
Duas progressões têm sido identificadas: (1) temas ligados ao ciclo anual de festivi-
dades são mencionados em sua sequência normal do calendário: Páscoa/Festa dos
Pães Asmos, Pentecostes, Trombetas, Dia da Expiação e Festa dos Tabernáculos; e (2)
temas ligados ao serviço sacerdotal são também mencionados em sua sucessão natu-
ral do ministério diário (tamîd) e do ministério anual (Dia da Expiação) do juízo final.
Estas descrições da tipologia do santuário elucidam o duplo e antitípico ministério
sumo sacerdotal de Cristo no templo-santuário celestial.
Assim, a tipologia do santuário no livro de Apocalipse oferece uma
importante chave para a interpretação integral de suas mensagens para a
igreja, e especialmente no fim dos tempos.
Tipologia do santuário
Tipologia bíblica
Introdução
Em anos recentes, vários estudiosos têm ressaltado a importância da
tipologia para os escritores do Novo Testamento. O gráfico 1 exemplifica
algumas dessas modernas avaliações e resumos comparando as duas prin-
cipais opiniões de tipologia bíblica que têm disputado a atenção no mundo
erudito: a tradicional e a “pós-crítica”.1
Em minha tese publicada, procurei determinar a verdadeira natureza da tipo-
logia bíblica. Suas características básicas surgiram de uma análise de passagens es-
criturísticas representativas. Estas eram claramente tipológicas porque os escritores
da Bíblia empregaram os termos hermenêuticos tupos (tipo) ou antitupos (antítipo)
(DAVIDSON, 1981, v. 2). Os seguintes elementos básicos têm consistentemente
surgido desse estudo (ver DAVIDSON, 1981, v. 2; 1984, p. 16-19, 30).
Elementos básicos
Elemento histórico. O elemento histórico salienta o fato de que a tipologia
está arraigada na história. Três aspectos decisivos estão envolvidos. (1) O tipo
e o antítipo são realidades históricas cuja historicidade é assumida e é essencial 115
para o argumento tipológico. Por exemplo, personagens históricas (Adão e out-
ros), eventos (Êxodo, Dilúvio) ou instituições (santuário) são usados como pre-
figurações. (2) Seus antítipos no Novo Testamento são igualmente realidades
históricas. Há uma correspondência histórica entre tipo e antítipo que vai além
de situações paralelas gerais para detalhes específicos correspondentes. (3) Há
uma escalada ou intensificação do tipo para o antítipo.
Elemento profético. O aspecto profético da tipologia bíblica envolve três pon-
tos essenciais: (1) O tipo do Antigo Testamento é uma apresentação antecipada ou
prefiguração do correspondente antítipo do Novo Testamento. (2) O tipo é divina-
mente designado para prefigurar o antítipo do Novo Testamento. (3) Há uma quali-
dade de dever-necessidade acerca do tipo do Antigo Testamento, dando-lhe a força
de um prenúncio preditivo do cumprimento no Novo Testamento. Por exemplo,
Adão é visto como um tipo dAquele “que havia de vir” (Rm 5:14).
Elemento escatológico (do fim dos tempos). Este elemento da tipologia
esclarece ainda mais a natureza da correspondência e intensificação profética
1
Para discussão mais detalhada do material deste gráfico (com referências bibliográficas para
citações), veja Richard M. Davidson (2009, p. 125-128).
Estudos selecionados em interpretação profética
entre tipo e antítipo. As realidades do Antigo Testamento não estão apenas li-
gadas a quaisquer realidades semelhantes, mas a um cumprimento do fim dos
tempos. Três possíveis espécies de cumprimento escatológico podem ser vistas
sob este tópico: (1) inaugurado, ligado ao primeiro advento de Cristo; (2) apro-
priado, focalizando a igreja enquanto ela vive em tensão entre o “já” e o “ainda
não”; e (3) consumado, vinculado à apocalíptica segunda vinda de Cristo.
Elemento cristológico-soteriológico (centralizado em Cristo e na salvação).
Este aspecto da tipologia salienta seu foco e ênfase essenciais. Os tipos do Antigo
Testamento não são meramente realidades “nuas”, mas realidades de salvação. Eles
encontram seu cumprimento na pessoa e obra de Cristo e/ou nas realidades do
evangelho trazidas por Cristo, o qual é, portanto, o ponto de orientação final dos
tipos do Antigo Testamento e suas realizações no Novo Testamento.
Elemento eclesiológico (relacionado com a igreja). Esta característica da
tipologia bíblica aponta para três possíveis aspectos da igreja que podem estar
envolvidos no cumprimento tipológico: os adoradores individuais, a comuni-
dade corporativa e/ou as ordenanças (batismo e Ceia do Senhor).
Reunindo tudo isto, podemos definir tipologia bíblica como um estudo
neotestamentário das realidades históricas da salvação do Antigo Testamento,
ou tipos (pessoas, eventos, instituições), que Deus designou para corresponder
116 e prefigurar profeticamente seus intensificados aspectos de cumprimento an-
titípico (inaugurado, apropriado, consumado) na história da salvação do Novo
Testamento. Em resumo, o ponto de vista tradicional de tipologia, não a posição
pós-crítica, é confirmado pelos dados das Escrituras (veja gráfico 1).
Estes cinco elementos básicos da tipologia reforçam toda a extensão de
referências e alusões ao santuário no livro de Apocalipse, indicando assim a
natureza tipológica deste material.2 Um olhar mais atento para as implicações
extraídas dos elementos característicos da tipologia bíblica ajuda a esclarecer a
natureza da tipologia do santuário no Apocalipse.
3
Veja minha exegese de Êxodo 25:40 para prova deste detalhe (DAVIDSON, 1981, v. 2, p. 336-388).
4
Sobre o concílio ou assembleia divina, veja E. C. Kingsbury (1964, p. 279-86), Whybray (1971) e
Andreasen (1981, p. 77-78). Sobre a correspondência entre a liturgia do templo terrestre e celestial, veja
esp. J. C. Matthews (1902, p. 65-80), Richard Preuss (1958, p. 181-84) e Hans Strauss (1970, p. 91-102).
Sobre o tribunal celestial em sessão, veja Arthur Ferch (1989, p. 157-76) e William Shea (2011).
Estudos selecionados em interpretação profética
terrestre. De novo, “abriu-se no Céu o templo de Deus” (Ap 11:19), e ele olhou
para dentro do véu interior, ao lugar santíssimo. Ali viu “a arca do seu concerto”,
representada pelo receptáculo sagrado, construído por Moisés, para guardar a
lei de Deus (WHITE, 2005, p. 414-415).
5
Para sua crítica fundamental dos grandes sistemas teológicos vistos à luz dos dados bíblicos,
veja Fernando Canale (1983). A explicação de Canale do básico paradigma bíblico centralizado
na realidade espaço-temporal do santuário é o assunto do seu vindouro livro.
Estudos selecionados em interpretação profética
6
Conforme notado em Typology in Scripture (DAVIDSON, 1981, v. 2, p. 394): “Usamos estes
três termos com cautela, porque todos os três termos poderiam ser interpretados como se apli-
cando a todos os três aspectos. Mas tendo em vista seu óbvio ponto de ênfase, acreditamos que es-
sas distinções ‘abreviadas’ dos aspectos no cumprimento histórico-escatológico da salvação será
útil para uma discussão mais aprofundada”.
Estudos selecionados em interpretação profética
como o templo do Espírito Santo (1Co 3:16, 17; 2Co 6:16). O templo celestial
sobrepuja todo o cumprimento do fim dos tempos e adquire destaque especial
no momento da consumação apocalíptica (Ap 3:12; 7:15; 11:19; 21:3, 22).
7
Para uma sucinta apresentação desta subestrutura escatológica de uma perspectiva cristocên-
trica, veja Ellen G. White (1996, p. 15-22). Veja também LaRondelle (1979, p. 308-14), embora
todo o livro esclareça este ponto. Também deve ser notado que a aplicação dos tipos do Antigo
Testamento ao Israel espiritual poderia ter sido inteiramente diferente tivesse o Israel nacional
permanecido fiel a Deus e aceitado a Jesus como o Messias. Israel teria sido a maior nação da
Terra (Dt 28:1, 13; WHITE, 2000, 288), em prosperidade (Dt 28:3, 11-13), intelecto (4:6-7), saúde
(7:13, 15), e espiritualidade (28:9). Isto teria sido um testemunho para outras nações (Dt 28:10;
WHITE, 2000, p. 232; Is 43:10); Jerusalém tria sido o centro missionário para a espiritualmente
dinâmica nação judaica. Outras nações se uniriam a Israel (Zc 8:21-23) até que o reino de Israel
abrangesse o mundo Is 27:6; 54:3; WHITE, 2000, p. 290). O templo de Jerusalém teria permane-
cido para sempre (Jr 7:7; WHITE, 2000, p. 19). Em seguida a uma rebelião final de insurgentes
(Zc 12:2-9) e sua destruição (14:12, 13), o Senhor seria rei sobre toda a Terra, e todos seriam
seguidores do Senhor (Zc 14:3, 8, 9, 13, 16; Jr 31:34 etc.). Cristo ainda teria morrido como o
homem representativo e o israelita representativo, mas o cumprimento dos tipos com o povo
Tipologia do santuário
de Deus teria sido dentro do Israel nacional de um modo geográfico, literal. Mas sendo que o
Israel nacional rejeitou o Messias e separou-se da teocracia, todas as promessas da aliança serão
cumpridas com o “Israel espiritual” (WHITE, 2007, p. 714). Para um resumo detalhado do plano
original de Deus para Israel, veja Nichol (1976, v. 4, p. 25-38).
Estudos selecionados em interpretação profética
8
Para evidência de que este é o altar de holocaustos, e não o altar de ouro, veja Jon Paulien (1988, v.
11, p. 315-318).
9
Veja Hebreus 13:10 (e subentendido em Hb 8:1-5) para colocação do altar na Terra, cristologica-
mente cumprido na cruz. O cumprimento eclesiológico em conexão com os mártires cristãos que
seguiram os passos de Jesus seria uma extensão natural da tipologia. Veja também Paulien (1988, v.
11, 316), para comprovação do detalhe adicional de que “a apocalíptica judaica leva em conta apenas
um altar no Céu (excluindo o altar de holocausto que ficava no pátio exterior do santuário israelita).”
10
A tríplice subestrutura da tipologia do Novo Testamento também esclarece quanto a
interpretar os períodos de tempo do Apocalipse simbólica ou literalmente. Antes do Seg-
undo Advento, enquanto Cristo está apenas espiritualmente relacionado com o seu povo, as
Tipologia do santuário
mente para a Terra. Em seguida ao juízo final e à purificação da Terra pelo fogo, o
átrio (uma Terra recriada segundo o modelo do Éden) estará unido ao seu centro, o
literal tabernáculo de Deus, em uma Nova Jerusalém literal.
Com estas considerações hermenêuticas gerais da natureza da tipologia do
santuário em mente, voltemos agora mais diretamente para a função da tipolo-
gia do santuário no fluxo estruturado do livro de Apocalipse.
referências ao tempo são espirituais (isto é, tempo profético, usando-se o princípio dia-ano).
Mas depois que os santos estiverem literalmente reunidos a Cristo na Parousia, então as
referências ao tempo pertencerão àquela mesma modalidade. Assim, o milênio é um período
de mil anos literais, e o simbólico princípio dia-ano não mais se aplica.
11
Maxwell (1985, p. 164) chega a conclusões similares com respeito às primeiras cinco cenas do
santuário. Jon Paulien, no capítulo 10 deste volume, reduz as oito cenas de Strand a sete, elimi-
nando a sexta cena de Strand (16:18–18:24) que tem uma voz do templo mas não uma real cena
do santuário. O esquema das sete cenas é seguido aqui.
Estudos selecionados em interpretação profética
12
Embora haja uma completa mistura de imagens do santuário em Apocalipse 4–5 visto que todo o
santuário está envolvido na investidura, todavia o foco primário da cena de intronização/investidura
em Ap 4–5 parece ser o lugar santo (ver STRAND, no cap. 3 deste volume; e WHITE, 2005, p. 414-15).
13
A nota 32 fornece evidência de que esta cena no altar de incenso é uma parte do ministério
diário (tamîd) no lugar santo, e não o ministério anual do Dia da Expiação (Yoma). Na cena de Ap
8:2-6, (1) o altar de incenso é central como no tamîd, não ultrapassado como no Yoma (Mishnah
Tamîd 6.2, 3; ver m. Yoma 5.1); (2) o sacerdote oficiante recebe o incenso, como no tamîd, e não
reúne o seu próprio, como no Yoma (m. Tamîd 6.2, 3; ver Yoma 5.1); e (3) o incenso é oferecido no
altar de ouro, como no tamîd, não na Arca, como no Yoma (m. Tamîd 6.3, ver Yoma 5.5).
14
Para a descrição básica da ordem de serviços diários nos tempos do segundo Templo, veja
o tratado Tamîd na Mishnah judaica. Paulien (no cap. 10 deste volume; 1993, p. 12-13), resume
os paralelos. D. T. Niles (1961, p. 112-14), observa a conexão entre Ap 1–8 e o tratado Tamîd da
Mishnah, mas como Paulien observa corretamente, Niles tenta sem sucesso continuar os parale-
los do tamîd ao longo do restante do Apocalipse. Um olhar cuidadoso para a evidência revela que
a liturgia do tamîd fornece paralelos estruturais somente até Apocalipse 8.
Tipologia do santuário
15
Isto será discutido com mais detalhes na seção deste capítulo que trata do “Ciclo anual
de festividades” em Apocalipse.
16
Observe especialmente como o “medir” de Ap 11:1 e a “expiação/purificação” de Lv 16
abrange os mesmos aspectos do santuário na mesma ordem (templo, altar e adoradores).
Estudos selecionados em interpretação profética
semelhante é ordenado a João que coma um rolo (Ap 10:8-11) e então é imediata-
mente dada uma mensagem para medir o templo, o altar e adoradores (Ap 11:1-
2), com um foco sobre o Lugar Santíssimo do santuário celestial (11:19).
A quinta cena do santuário (15:5-8) assinala o fechamento ou “desinaugu-
ração” do santuário. Ele está cheio da fumaça procedente da glória de Deus, e
ninguém pode entrar: terminou a provação ou o tempo da graça. Seguem as
sete últimas pragas, a ira de Deus sem mistura de misericórdia (16:1-21).
A sexta cena do santuário (19:1-10) descreve a adoração no santuário —
louvor a Deus por seus justos juízos — mas não há nenhuma menção explícita
do santuário. A função salvífica do santuário deu lugar à doxologia.
A cena final do santuário (21:1–22:5) retorna à Terra. Agora a tensão
entre o celestial e o terrestre é desmoronada: “o tabernáculo [skēnē] de
Deus está com os homens” (Ap 21:3).
Assim, as cenas introdutórias do santuário estruturam o livro de Apoc-
alipse e provêem as chaves para determinar a progressão do livro. O fluxo
espaço-temporal das cenas do santuário da Terra para o Céu e de volta para
a Terra, e do ministério diário para o anual até a cessação de todas as fun-
ções de salvação, pode ser resumido como segue:
128
1:12-20 (1) Terra | Focaliza a obra terrestre de Cristo
(combinada com imagens do lugar santo)
4–5 (2) Inauguração do santuário celestial | (completa mistura
de imagens do santuário, mas focaliza o lugar santo)
8:3-5 (3) Intercessão no santuário celestial | (Lugar santo)
11:19 (4) Juízo no santuário celestial | (Lugar Santíssimo)
15:5-8 (5) Cessação do ministério no santuário celestial
19:1-10 (6) Doxologia no Céu | (ausência de explícitas imagens
do santuário)
21:1—22:5 (7) De volta à Terra | “Tabernáculo de Deus está com
os homens.”
17
Strand esquematiza o quádruplo modelo básico de (1) visão vitoriosa do santuário; (2) pro-
gressão histórica; (3) focalização dos últimos eventos; e (4) clímax glorioso como aparece nas ce-
nas dos selos (Ap 4:1–8:1), trombetas (Ap 8:2–11:18), e as forças competidoras (Ap 11:19–14:20).
Veja também os capitulos 2 e 3 deste volume.
18
É proveitoso em salientar a íntima relação entre as cenas do santuário e as seções que as
seguem no Apocalipse.
Estudos selecionados em interpretação profética
Paulien (1988, p. 312-13) apresenta várias linhas de evidência que apoiam a equação de Cristo
19
20
Mais estudo é necessário para confirmar se a tipologia aqui vai além do tema do “Mar Ver-
melho” do Êxodo para incluir uma alusão ao “lavatório” antitípico do santuário. Embora a pala-
vra represente em kiyyōr (significando “lavatório” e “algo em que se manter”) e o paralelo verbal
de thalassa (a mesma palavra grega para “mar” em Ap 15:2 e na descrição do “mar de fundição”
do templo de Salomão, 2Cr 4:2, LXX), torna tentador aceitar tal interpretação, a falta de clara
evidência no texto, e o ambiente do pátio exterior para o lavatório (que o ambiente do pátio em
Ap se refere às coisas terrestres) torna tal opinião problemática.
21
Muitos têm apontado para as passagens paralelas do Antigo Testamento onde a glória do
Senhor enche o santuário/templo em sua inauguração: Êxodo 40:34-35; 1Rs 8:10-11; 2Cr 5:13-
14; 7:1-2. Contudo, a passagem de Ezequiel 10, frequentemente ignorada, parece prover um mais
próximo paralelo temático e estrutural em seu contexto de “fim da provação” e juízo executivo.
Estudos selecionados em interpretação profética
A sexta cena do santuário (Ap 19:1-10) focaliza o louvor celestial pelos jus-
tos juízos de Deus que são em grande medida passados e a ceia das bodas do
Cordeiro que está adiante. Durante os crescendos da doxologia, estão ausentes
explícitas descrições do santuário/templo. A seção que segue esta cena é transi-
cional. Com a obra de salvação de Cristo completa, o santuário como o centro
da atividade redentora desaparece de vista. As fases finais do juízo (a serem dis-
cutidas abaixo) são levadas a cabo, e o caminho é preparado para ser resolvida
a tensão Terra-Céu na história da salvação.
Na sétima cena do santuário (21:1–22:5), a Nova Jerusalém desce para a
Terra, e é feito o pronunciamento: “Eis que o tabernáculo [skēnē] de Deus está
com os homens” (Ap 21:3). O propósito supremo para o qual o santuário ter-
restre foi construído na Terra, “para que eu possa habitar no meio deles” (Êx
25:8), está agora consumado. “Deus habitará com eles” (Ap 21:3). O supremo
enfoque teocêntrico/cristocêntrico do santuário celestial é enfatizado ao João
escrever: “Nela, não vi santuário, porque o seu santuário é o Senhor, o Deus
todo-poderoso, e o Cordeiro” (Ap 21:22).
O foco de atividade na cidade é agora doxológico22 — todos os redimidos se
reúnem em redor do trono na cidade para adorá-Lo, seu Templo supremo (22:3).23
22
Na consumação da história da salvação, o santuário ou templo celestial aparentemente re-
torna à sua função doxológica original. Em harmonia com esta sugestão, Ellen White (2006, p.
368) escreve que ao longo da eternidade os redimidos adorarão de sábado a sábado “no santuário”.
23
Tem sido sugerido por alguns que o formato cúbico da Nova Jerusalém (Ap 21:16) indica que toda
a Nova Jerusalém se torna o “Lugar Santíssimo” da Nova Terra e o lugar de adoração para os redimidos
ao redor do trono na cidade (Ap 22:1-3) (ver LADD, 1972,p. 282; MOUNCE, 1977, p. 380).
Tipologia do santuário
24
Veja gráfico 3.
25
Êx 19:1; cf. Bab Talmud, Pes. 68b; Zohar, Ytro, 78b.
Estudos selecionados em interpretação profética
Embora a referência ao Cordeiro morto seja encontrada em Ap 5:6, ele é um Cordeiro que
26
Tipologia do santuário
“Não temas; Eu sou o primeiro e o último e aquele que vive; estive morto,
mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos e tenho as chaves da morte
e do inferno” (1:17-18). Anteriormente no capítulo a graça é vista como
vindo de Jesus Cristo, “a Fiel Testemunha, o Primogênito dos mortos [...] e,
pelo seu sangue, nos libertou dos nossos pecados” (1:5).
Paulien (1990, p. 15) observa que “o escrutino das igrejas por Cristo
lembra a busca do fermento pela família judaica pouco antes da Páscoa (ver
Êx 12:19; 13:7)”.27 M. D. Goulder (1981, p. 355) aponta para “uma antiga
tradição de cada igreja ter um círio pascal ardendo no culto desde a Páscoa
até o Pentecostes”, e sugere isto como um fundo para a cena dos sete candee-
iros que representam as sete igrejas. Goulder também fornece interessante
evidência de que outros importantes temas de Apocalipse 1 estão intimam-
ente ligados à Páscoa.28 E o ambiente terrestre é compatível com a Páscoa, a
única festividade com seu cumprimento primário no Cristo terrestre.
2. Temas do Pentecostes. A cena introdutória do santuário de Apocalipse
4–5 parece mais provável retratar a cerimônia de investidura do Cordeiro no
templo celestial,29 um evento que ocorreu durante os dez dias em seguida à
ascensão de Cristo, atingindo seu ponto culminante no dia de Pentecostes.30 Se
esta interpretação está correta, então a segunda grande seção do Apocalipse
pode ser considerada como intimamente ligada ao Pentecostes antitípico. No 135
tempo da visão de João, a Páscoa e o Pentecostes antitípicos eram eventos pas-
sados tendo consequências contínuas. Na liturgia celestial Jesus, o Leão/Cord-
eiro é declarado digno de abrir os selos, para dar início à sua celestial obra de
salvação preparatória para a abertura do livro do destino no juízo final.
Não é sem significado que as leituras tradicionais do lecionário judaico para o
Pentecostes sejam Êxodo 19:1–20:23 e Ezequiel 1.31 Que a visão do trono de Apoc-
tinha sido morto, indicando que sua morte precedeu a cena do trono de Ap 5.
27
Paulien (1990, p. 15) também documenta a conexão entre o maná (Ap 2:17) e a Páscoa no
Judaísmo primitivo, e nota a alusão a uma “refeição de comunhão mútua” em Ap 3:20.
28
Goulder (1981, p. 355) salienta que o tema do retorno de Cristo sobre as nuvens seria iden-
tificado pelos leitores do primeiro século com a Páscoa, visto que “era na Páscoa que a igreja
primitiva muito amplamente esperava o retorno de Cristo.” (veja n. 24 para evidência judaica e
cristã). Ele além disto (p. 356) afirma que o “dia do Senhor” (Ap 1:10) nos dias de João se refere à
Páscoa. Parece mais provável, contudo, que esta frase se refere ao sábado semanal, embora
isto pudesse ao mesmo tempo ser um grande sábado.
29
Veja n. 24 acima.
30
Veja Ellen G. White (1996, p. 834; 2010, p. 38-39) para apoio deste ponto de vista. Básica evidência
bíblica fortalecendo esta posição inclui passagens como Dn 9:24; At 1:8; 2:32-33; Hb 1:8, 9; Sl 133:2.
31
Veja Goulder (1981, p. 356, n. 33-34). Goulder salienta que a tentativa rabínica de proibir a
Estudos selecionados em interpretação profética
34
Várias alusões a passagens do Antigo Testamento nestas seções realmente constituem ima-
gens do juízo investigativo/Dia da Expiação. Por exemplo, a referência a Satanás como “acusador
de nossos irmãos” (Ap 12:10) relembra a cena do juízo investigativo de Zacarias 3 (ver White,
2005, p. 484; 2002, p. 38-41). Para uma análise do juízo investigativo sobre Babilônia nos termos
da lei do falso testemunho de Dt 19:16-21, veja Kenneth Strand (1982, p. 53-60).
Estudos selecionados em interpretação profética
[...] Eis que faço novas todas as coisas” [Ap 21:4, 5]) para celebrar e “adorar
pelos séculos dos séculos” (7:9-17; 22:3-5).
Na festa histórica do Antigo Testamento os israelitas habitavam em “tab-
ernáculos” (sukkôt) de onde a festa derivava seu nome. No final antitípico, “o
tabernaculo” [skēnē, como em Lv 23:42 LXX) de Deus está com os homens, e
Ele habitará [skēnoō] com eles, e eles serão o seu povo, e Deus mesmo estará
com eles” (Ap 21:3). Foi ordenado ao antigo Israel que “se alegrasse perante o
Senhor” (Lv 23:40) na festa. Na prática, isto significava o agitar dos ramos de
palmeira, o cântico, o toque de instrumentos musicais e uma grande festa.35 No
cumprimento apocalíptico, há novamente o agitar dos ramos de palmeira (Ap
7:9), gloriosas antífonas de louvor (7:10; 14:3; 15:2-4), harpistas tangendo suas
harpas (14:2) e a grande ceia das bodas do Cordeiro (19:9).
Durante a festa típica, os adoradores deveriam se lembrar do seu tempo de
peregrinação no deserto (Lv 23:43). Na prática, isto se desenvolvia em duas ce-
rimônias impressionantes: (1) “a água da efusão” simbolizando a água da rocha
que havia nutrido Israel no árido deserto e (2) a “cerimônia das luzes”, comemo-
rando a coluna de fogo que os havia guiado através do deserto.36 Ambas estas
cerimônias por volta do primeiro século d.C. tinham sido reconhecidas por sua
significação messiânica. Jesus apontou claramente para o seu cumprimento
138 cristológico em si mesmo como a luz do mundo e a água da vida (Jo 7:37; 8:12)
(ver BROWN, 1966, p. 326-330, 343-345).
No final e glorioso cumprimento apocalíptico da festa, a festividade da água
presente. Não apenas um cálice do tanque de Siloé, nem mesmo água brotando
de uma rocha, mas um “rio da água da vida, brilhante como cristal, que sai do
trono de Deus e do Cordeiro” (Ap 22:1). E a cerimônia das luzes está ali. Não
candelabros no pátio das mulheres, nem mesmo a coluna de fogo, nem mesmo
o deslumbrante Sol, mas a “glória de Deus é a sua luz, e o Cordeiro é a sua lâm-
pada” (21:23). O apelo final de Jesus no livro parece continuar a imagem dos
tabernáculos “Aquele que tem sede venha, e quem quiser receba de graça a água
da vida” [a água dos Tabernáculos perfeitos] (22:17).
Considerações finais
Ao concluirmos esta pesquisa da terminologia do santuário, devemos no-
tar algumas relacionadas imagens tipológicas adicionais não mencionadas na
Para uma descrição destas cerimônias, veja Mishnah, Sukkah 4.9; 5.1-3.
36
Tipologia do santuário
Referências
BALENTINE, G. Death of Christ as a New Exodus. Review and Expositor. v. 59, 1962.
37
Interessantemente, Ellen G. White (1870, v. 1, p. 399) indica que “quatro anjos celestiais sem-
pre acompanhavam a arca de Deus em todas as suas jornadas, para guardá-la de todo perigo, e
para cumprir qualquer missão deles exigida em conexão com a arca”.
38
Veja acima, n. 7; importantes comentários sobre Apocalipse para exemplos das copiosas
alusões aos Salmos nos hinos litúrgicos de Apocalipse.
Estudos selecionados em interpretação profética
. The concept of the New Exodus in the Gospels. Tese. (Doutorado em Teologia).
Southern Baptist Theological Seminary, 1961.
BROWN, R. E. The Gospel According to John: (i-xii). Garden City: [S.n.], 1966.
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140 Atonement. Silver Spring: Biblical research institute,1989. (DARCON).
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PREUSS, R. Die Gerichtspredigt der vorexilischen Propheten un der Versuch einer Steigerung 141
der kultischen Leistung. Zeitschrift für die alttestamentliche Wissenschaft, v. 70, 1958.
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STRAUSS, H. Zur Auslegung von Ps. 29. Zeitschrift für die alttestamentliche Wissenschaft, v.
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Estudos selecionados em interpretação profética
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142 WHYBRAY, R. N. The Heavenly Councellor in Isa. XI 13-14. Cambridge: [s.n.], 1971.
Tipologia do santuário
Tradicional Crítico-Histórica
1. Firmada em realidades históricas 1. Historicidade não essencial.
(historicidade essencial).
2. Prefiguração divinamente designada 2. Analogias/correspondências dentro de
modos de atividades similares de Deus.
3. Prospectiva/preditiva. 3. Retrospectiva (pouco ou nenhum
elemento preditivo).
4. Prefigurações se estendem a detalhes 4. Envolve somente “situações paralelas”
especiais. gerais.
5. Inclui tipologia vertical (santuário). 5. Rejeita vertical como estranha à perspec-
tiva bíblica. (Hebreus = mítico/dualista).
6. Envolve princípios consistente de 6. Nenhum sistema ou ordem — liber-
interpretação dade do Espírito.
Estudos selecionados em interpretação profética
1 23
1
Veja C. H. Dodd, According to the Scriptures: The Substructure of New Testament Theology
(Londres, 1952), esp. 75-133.
2
Veja George Balentine, “The Concept of the New Exodus in the Gospels,” (diss. Th.D., Southern Bap-
tist Theological Seminary, 1961); cf. id.., “Death of Christ as a New Exodus,” RevExp 59 (1962): 27-41.
3
Veja Davidson, Typology in Scripture, 367-88; id., Issues in the Book of Hebrews, 156-69.
Gráfico 3 - Quádrupla subestrutura escatológica da tipologia
Dimensão vertical abrangente
Resolução
da tensão
Irrompimento de poderes
da era vondoura
Pentecostes
Antigo testamento Primeiro advento Espírito Santo Segundo advento
145
146
Gráfico 4 - Festividades de Levítico 23: Aspectos Tipológicos no Novo Testamento
A. Primavera: ** *** AT Festividade Cristológico* Eclesiológico* Apocalíptico*
1 Festa do Cordeito
1 (NISÃ) 14 Páscoa (Pesach) Crucifixão (Mt 26:27- Ceia do Senhor
(Lc 22:15-16; Mt 26:29;
(Lv 23:4 e 5; Êx 12:1-14) 28; 27:46; Jo 19:31-37) (1 Co 5:7; 11:23-26)
Ap 19:7-9; 15:1-3)
1 (NISÃ) 15-21 Festa dos pães asmos Provisão para remoção do Remoção do pecado Remoção do pecado
(Lv 23:5-8; Êx 12:8-20) pecado (1 Co 5:6-8) (1 Co5:6-8) (1 Co 15:22 e 53; Ap 14:4-5)
Esboço do capítulo
1. Introdução
2. Uso de Daniel pelo Novo Testamento
3. Alusões a Daniel em Apocalipse
4. Por que estudar Daniel e Apocalipse?
Introdução
148
É procedimento tradicional entre os adventistas do sétimo dia analisar os
livros de Daniel e Apocalipse segundo suas relações mútuas (ver WHITE, 2002,
p. 116; 1957, v. 7, p. 971). Por exemplo, deve ser evidente para qualquer leitor
que os animais de Daniel 7 devem ser outra vez encontrados na besta do mar
de Apocalipse 13, que as fases milenial e executiva do juízo final em Apocalipse
20 não estão sem conexão com a descrição do juízo pré-advento de Daniel 7, e
que a permanência da mulher no deserto em Apocalipse 12:6, 14 é idêntica à
perseguição dos santos mencionada em Daniel 7:25.
Mas nem todos os pesquisadores veem a ligação do mesmo modo. Certos
teólogos preferem ver Isaías e Ezequiel como o pano de fundo para Apocalipse
(COMBLIN, 1965, p. 11). Portanto, torna-se necessário hoje — muito mais do
que no passado — justificar nossa escolha e nossa interpretação do livro de
Apocalipse em conexão com o livro de Daniel. Que razões podemos sugerir
para alinhar Apocalipse especialmente com o livro de Daniel?
Se vemos um elo relacionado entre as duas profecias, é essencialmente
porque encontramos nelas a mesma descrição, periódica e contínua, da história
do mundo e da igreja. Cremos que esses livros tratam da nossa história do mun-
do e armam seus principais cenários em conexão com a história da redenção.
Relações entre Daniel e Apocalipse
Além disso, Mateus e Lucas usam o mesmo verbo grego que a LXX (Teod.)
em Daniel 2:44 para “esmagar” ou “triturar. “Triturar” (grego, likmaō), ocorre
na LXX (Teod.) somente em Daniel 2:44 e Rute 3:2.
Parece evidente que quando Mateus e Lucas declaram que aquele que cai
sobre a pedra será esmagado e aquele sobre o qual a pedra cai será triturado — a
mesma ordem verbal que em Daniel —, eles têm Daniel 2 em mente.
Vale a pena saber como Jesus e os escritores dos Evangelhos compreendiam
essa referência à pedra de Daniel. Olhavam eles para os eventos do primeiro século
como cumprimento da profecia? Alguns acham que sim; mas eu penso que não.
Lucas 20:18. Analisemos o contexto imediato da referência extraída de Lu-
cas 20. Ele segue a parábola dos lavradores maus (Lc 20:9-16) e prediz o jul-
gamento de Israel. Quando se aproxima o tempo da colheita, o proprietário
quer receber o fruto de sua vinha. Mas a impiedade dos lavradores o compele a
exercer juízo sobre eles e alugar a vinha a uma nova turma de lavradores.
Seus ouvintes mentalmente recusaram tal resultado. Como poderia Deus
escolher outra nação? Assim Jesus — falando para a questão silenciosa — per-
gunta-lhes: “Que quer dizer, pois, o que está escrito: A pedra que os constru-
tores rejeitaram, esta veio a ser a principal pedra, angular?” (v. 17). Ele então
traz à baila a referência a Daniel 2 (v. 18).
150 Uma leitura superficial poderia levar o leitor a imaginar que Jesus vê sua
rejeição pelos judeus como o cumprimento por Israel da profecia de Daniel 2.
Uma leitura mais cuidadosa mostra que este não é o caso.
O futuro escatológico do verso 18 deve ser notado (ficará em pedaços, ficará
reduzido a pó). Os efeitos da pedra são projetados para um futuro indeterminado.
Além disso, se a designação “construtores” aponta para os dirigentes de Is-
rael ou para a própria nação, o “todo o que” do verso 18 sugere uma aplicação
universal. O juízo a cair sobre Israel em 70 d.C. é apenas um exemplo histórico
apontando para o que acontecerá a “todo o que” rejeita o Messias.
Essa interpretação é confirmada pela passagem de Mateus, que é mais
detalhada do que a de Lucas.
Mateus 21:44. Este verso não tem sido retido por todos os exegetas. Creio,
porém, juntamente com o The Seventh-Day Adventist Bible Commentary, que
ele pode ser mantido. O verso aparece em importantes manuscritos; e sua omis-
são em outros pode ser explicada como um erro de copista devido à palavra
final semelhante nos versos 43 e 44 (autēs/auton) no texto grego. Além disso, o
verso 44 se ajusta perfeitamente à linha de raciocínio do contexto.
O Evangelho de Mateus é fortemente orientado para a igreja. Beda Rigaux
afirma que entrar no Evangelho de Mateus é como entrar numa catedral. Não
Relações entre Daniel e Apocalipse
é de surpreender que Mateus seja aqui mais detalhado e preciso do que Lucas.
Portanto, ele registra a declaração de Jesus: “O reino de Deus [...] será entregue
a um povo que lhe produza os respectivos frutos” (v. 43). Além disso, Jesus não
faz sua referência a Daniel 2 após a citação de Salmo 118, mas imediatamente
depois de mencionar a vinda de outra “nação”.
Temos, portanto, em ordem sucessiva: o verso 42 e o Salmo 118; o verso 43
e a transferência do reino; o verso 44 e Daniel 2. A referência à igreja (reino de
Deus) é posta entre as duas referências a uma pedra. O verso 42 está ligado ao
verso 43 por meio de uma conjunção — “portanto” (dia touto) — a qual mostra
que se Jesus é a pedra angular, Ele é a pedra angular da igreja.
O verso 44 está ligado ao verso 43 por meio de um pronome demonstrativo
de proximidade (houtos, “esta”) em vez do pronome demonstrativo de distân-
cia (ekeinos, “aquela”) encontrado em Lucas. Tivesse Mateus desejado omitir
a referência à igreja (v. 43) a fim de ligar o verso 44 ao verso 42 (as duas de-
clarações sobre pedra), ele teria simplesmente usado “aquela [ekeinos] pedra” de
Lucas. Essa linha de raciocínio significa que a igreja está edificada sobre Jesus
Cristo (v. 42) e que ela participa de sua vitória (v. 43). A atitude dos judeus para
com a igreja é semelhante àquela que eles têm para com Cristo.
Significa isso que a igreja é o reino predito na profecia de Daniel? Não, ab-
solutamente. Por três razões, a pedra não deve ser identificada com a igreja no 151
primeiro advento de Cristo. Primeira, há o tempo futuro do verso 44 conforme
observado antes (“todo o que cair sobre esta pedra ficará em pedaços”). So-
mente o juízo final revelará e demonstrará a vitória da igreja.
Segunda, existe a distinção que Jesus faz na parábola entre a primeira e a seg-
unda vinda do dono de casa ou pai de família. Quando ele envia seu filho, o tempo
da colheita não é ainda chegado. Como disse Mateus, ele apenas “se aproximava” (v.
34, KJV). Mas quando o dono de casa vier para executar justiça sobre seus ímpios
lavradores (v. 40), é também com uma intenção de receber os frutos em seu tempo.
Assim, segundo a parábola, há somente um tempo de colheita; quando Jesus esteve
na Terra esse tempo estava apenas “se aproximando”.
Uma razão adicional está no fato de que Mateus fornece um detalhe (v. 41)
que não aparece em Lucas: os novos lavradores “lhe produzirão os respectivos
frutos em seu devido tempo”, isto é, no tempo da colheita. E só então sua fi-
delidade será demonstrada. Esta involuntária alusão à igreja pelos fariseus pode
ser explicada em termos da parábola e do registro pelo método semítico da
inclusão. Esse método consiste em repetir no final de uma história (v. 41) o
tema do início (v. 34) a fim de dar coerência ao relato (ver Mt 7:16, 20; 12:39, 45;
15:2, 20; 16:6, 12; 18:1, 4 etc.). A função adequada dos novos lavradores lembra
Estudos selecionados em interpretação profética
quem confere o reino aos santos para que possam reinar com Ele (Lc 22:29, 30;
cf. Ap 5:9-10). Os conceitos de Daniel 7:18, 22 são combinados em uma simples
declaração de Jesus em Mateus 19:28 — “Na regeneração quando o Filho do
homem se assentar no trono da sua glória, vós também vos assentareis sobre
doze tronos, julgando as doze tribos de Israel.” Notemos que essas predições não
se referem a um evento do passado, mas são orientadas para o futuro.
Observemos que estas referências a Daniel na interpretação adventista têm
um caráter escatológico futuro. É o mesmo no uso feito delas pelo Novo Testamen-
to. E essas não são as únicas. Outras poderiam ser acrescentadas. Por exemplo,
Daniel 12:2/Mateus 25:46; Daniel 12:3/Mateus 13:43.
Concluamos esta parte do nosso estudo examinando a referência explícita de Je-
sus à “abominação da desolação” (Mt 24:15). Os judeus estavam familiarizados com
o livro de Daniel. Eles evidentemente viam no sacrilégio perpetrado por Antíoco
Epífanes o cumprimento de uma de suas profecias (1 Macabeus 1:54; 6:7). Como
poderia ter sido de outro modo para um povo afligido que tentava compreender os
eventos contemporâneos à luz da profecia? Tudo o que eles ainda aguardavam era
“a consumação, e o que está determinado será derramado sobre o assolador” (Dn
9:27) e o aparecimento do Messias. O advento do Messias e o fim do mundo eram
um e o mesmo acontecimento em sua estimativa (Mt 24:3).
O que é impressionante acerca da referência de Jesus à “abominação da des- 153
olação de que falou o profeta Daniel” é que Ele corrige a interpretação que os
judeus davam a isto. Para Ele, “a abominação da desolação” não tinha ainda
chegado! Jesus projetou no futuro além do seu tempo o que o pensamento judaico
considerava ter ocorrido. Certamente, é a Judeia, e mais precisamente Jerusalém,
diz Lucas, que vê o início desses eventos, mas eles se estenderão universalmente,
porque os justos têm de ser reunidos dos quatro ventos, da extremidade da
Terra até a extremidade do céu (Mc 13:27).
Podemos concluir esta seção observando que até onde temos pesquisa-
do as profecias de Daniel interpretadas no Novo Testamento, nenhuma é
vista como tendo tido uma aplicação no passado ou no presente pelos escri-
tores do Novo Testamento. Cada vez que o material é interpretado escato-
logicamente, é parte das profecias de Daniel que lida com o fim dos tempos.
Portanto, temos todos os motivos para pensar que o livro de Daniel é visto
pelos escritores do Novo Testamento como um livro cujo cumprimento é
esperado no futuro além deles, isto é, no fim da era.
Significa isto que os escritores do Novo Testamento estão adotando um
método futurista de interpretação? Não, porque como temos visto, eles es-
tão citando aquelas porções das profecias de Daniel 2 e 7 que em si mesmas
Estudos selecionados em interpretação profética
estão lidando com o fim dos tempos. Referências ao texto de Daniel 9 nos
mostrarão que a igreja primitiva lia as profecias de Daniel em uma estrutura
cronológica e contínua. Para Jesus e os autores do Novo Testamento, o livro
de Daniel (especificamente os capítulos 2 e 7) não deve ser interpretado
em um sentido preterista. Nessas grandes cenas delineadas estamos lidando
muito mais com o tempo porvir.
derramado por muitos” (KJV). Philip Mauro faz a observação de que as pala-
vras de Cristo não poderiam estar em mais perfeito acordo com as da profecia:
“E ele confirmará a aliança com muitos” (MAURO apud FORD, 1978, p. 201).
Assim o Novo Testamento confirma que a profecia das setenta semanas
concernente ao Ungido encontra seu cumprimento na pessoa de Jesus. Sua
vinda e morte eram dependentes de um programa conhecido e anunciado
há muito tempo pela profecia.
Podemos acrescentar que a relação entre os livros de Daniel e Apocalipse está
também nesta área da profecia messiânica. A Igreja Adventista do Sétimo Dia tem
bons motivos para estar interessada em ambos os livros proféticos. Como profecias
apocalípticas, eles apresentam a história em seu desdobramento associando-a com
o foco central do Céu — a pessoa e a obra de Jesus Cristo.
vocabulário de Daniel não é feito por acaso. Por exemplo, a visão de Dan-
iel (cap. 2) termina com o juízo de Deus simbolizado por uma pedra que
esmiúça a estátua e espalha seus pedaços em tal extensão que “o vento os
levou, que nenhum lugar foi achado para eles” (Dn 2:35, KJV). De maneira
idêntica, a visão dada a João acerca do mundo presente finaliza com a cena
do juízo final de “um grande trono branco, e aquele que se assentava sobre
ele, de cuja face a terra e o céu fugiram; e não foi achado nenhum lugar para
eles” (Ap 20:11, KJV). Há uma clara correspondência entre o fim da visão de
Daniel e o fim do presente mundo segundo João.
O capítulo de Daniel mais citado em Apocalipse é o capítulo 7. Veja
as 12 referências enumeradas abaixo. 1 Alusões a Daniel parecem às vezes
fazer mais do que prover fraseologia. Antes, são escritas na perspectiva de
uma interpretação linear, de conformidade com o que temos encontrado
em outro lugar no Novo Testamento. Por exemplo, Jesus vem com as nu-
vens (Ap 1:7; Dn 7:13), e Ele se mostra a João como um semelhante ao
Filho do homem (Ap 1:13; Dn 7:13).
Como em Daniel, a ação do chifre pequeno termina na guerra que ele trava
contra os santos (Dn 7:21-22, 25), assim em Apocalipse é o mesmo para a besta
do mar que profere blasfêmias e faz guerra contra os santos (Ap 13:1-10). Sem
156 dúvida, o Apocalipse é uma obra original, e não uma cópia de Daniel. Os dois
livros são assinalados, porém, por similaridades que justificam sua interpre-
tação mútua como faz a Igreja Adventista do Sétimo Dia.
Além das muitas alusões a Daniel a serem encontradas em Apocalipse, está
o fato de que ambos os livros proféticos partilham as características comuns
da literatura apocalíptica.2 A profecia apocalíptica apresenta uma abrangência
cósmica do grande conflito entre o bem e o mal, assegurando ao crente quanto
ao controle de Deus na História e a certeza da vindicação do seu povo em um
glorioso ponto culminante escatológico. Assim, o desdobramento do seu tema
comum serve para esclarecer as respectivas profecias de cada um deles.
1
Dn 7:3/Ap 11:7; Dn 7:4-6/Ap 13:2; Dn 7:7/Ap 12:3; Dn 7:9/Ap 1:14; Dn 7:10/Ap 20:12; Dn
7:10/Ap 5:11; Dn 7:13/Ap 1:7; Dn 7:13/Ap 1:13; Dn 7:18/Ap 22:5; Dn 7:20/Ap 13:5; Dn 7:21/Ap
13:7; Dn 7:25/Ap 12:14.
2
Para uma revisão abrangente destes, veja neste volume, Kenneth Strand, “Princípios Funda-
mentais de Interpretação”, cap. 1.
Relações entre Daniel e Apocalipse
Sendo que Daniel e Apocalipse cobrem os mesmos períodos da história, eles cer-
tamente merecem ser estudados em conjunto. Em pontos seus dados cronológicos so-
brepõem-se uns aos outros, expressos às vezes nos mesmos termos (Ap 12:14; Dn 7:25).
Finalmente, notemos um último elemento comum.
A natureza cristocêntrica da apocalíptica. Não podemos deixar de ligar
Daniel e Apocalipse quando descobrimos em cada um a figura central do Filho
do homem que vem nas nuvens do céu. “A visão cristã da história que nos vem
de Patmos é primeiramente esta: uma visão de Cristo e de sua indivisível, mas
certa e irresistível parte na história” (FERET, 1943, p. 98). A primeira palavra
profética de Apocalipse diz respeito à vinda do Filho do homem nas nuvens
(1:7). Todo o livro está centralizado nesta vinda. É dada como um ponto de
referência para quase todas as igrejas (2:5, 16, 25; 3:3, 11, 20). É dada como um
ponto terminal: “Certamente, venho sem demora” (22:20).
Considerações finais
Muitas relações entre Daniel e Apocalipse são evidentes. Por exemplo, a
adoração da imagem de ouro em Daniel 3 e da imagem da besta em Apoc-
alipse 13; a visão de Cristo em Daniel 10 e Apocalipse 1; a queda de Ba-
bilônia em Daniel 5 e Apocalipse 14 e 18; o Deus que vem para livrar os Seus 159
em Daniel 3 e 6 e Apocalipse 14; as bestas de Daniel 7 e Apocalipse 13 e 17;
os tempos de Daniel 7 e Apocalipse 11, 12, etc. Ambos os livros proféticos
coincidem em seus dados cronológicos e preocupações éticas.
O próprio Jesus chamou a atenção de seus contemporâneos para a pedra
de Daniel 2 e para o Filho do homem de Daniel 7. Os evangelistas aponta-
vam para o Ungido de Daniel 9. O lugar central de Cristo na apocalíptica
bíblica, a ênfase colocada em Sua vinda; todos estes justificam para cada
cristão o estudo mútuo de Daniel e de Apocalipse.
Referências
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FERET, H. M. L’Apocalypse de saint Jean: vision chrétienne d’histoire. Paris: Corrêa, 1943.
160 VANNI,U. L’Apocalypse johannique: Etat de la question. In: LAMBRECHT, J.; BEASLEY-
MURRAY, G. R. (Eds.). L’Apocalypse johannique et l’Apocalyptique dans le Nouveau Testament.
Gembloux: J. Duculot, 1980.
Esboço do capítulo
1. Introdução
2. Princípios pioneiros de interpretação profética
3. A perspectiva histórica
4. Declarações acerca de Jerusalém
5. Usos não exxpositivos da linguagem profética
6. Um expositor
7. Considerações finais
No Apocalipse são pintadas as coisas profundas de Deus. [...] Suas verdades são di-
rigidas aos que vivem nos últimos dias da história da Terra, como o foram aos que
viviam nos dias de João. Algumas das cenas descritas nesta profecia estão no passado
e algumas estão agora tendo lugar; algumas apresentam-nos o fim do grande confli-
to entre os poderes das trevas e o Príncipe do Céu e algumas revelam os triunfos e o
regozijo dos remidos na Terra renovada (WHITE, 2010, p. 584, ênfase acrescentada).
162 Introdução
Desde a formação da Igreja Adventista do Sétimo Dia, tem havido uma
tendência da parte de alguns de se afastar da abordagem historicista de inter-
pretação profética adotada já pela Reforma do século 16. Enquanto os advent-
istas têm se voltado para a história em busca do cumprimento da profecia e a
fim de compreender a direção da mão divina nos negócios das nações, alguns
creem que essa abordagem à profecia é uma hermenêutica defeituosa.
Apontando para o Grande Desapontamento de 1844 como um excelente ex-
emplo, alguns críticos do método historicista insistem em que os adventistas de
hoje têm fechado a porta da verdade progressiva perpetuando a errônea hermenêu-
tica dos pioneiros adventistas. A verdade não pode ser vista pelo uso desse método,
dizem eles, porque Satanás tem falsificado e manipulado a história secular para o
expresso propósito de desencaminhar aqueles que interpretam a profecia pelo mé-
todo historicista. Em vez disto, os estudantes de Daniel e Apocalipse devem com-
preender que as profecias de ambos os livros têm seu cumprimento em uma sim-
ples geração — a última geração do fim dos tempos. Assim, há alguns que olham
para o futuro em busca do cumprimento da maior parte de Daniel e Apocalipse.
O uso de Daniel e
Elo após elo da cadeia da verdade recompensava seus esforços, enquanto passo a
passo divisava as grandes linhas proféticas. Anjos celestiais estavam a guiar-lhe
o espírito e a abrir as Escrituras à sua compreensão.
Em benefício das gerações posteriores, para que elas não esqueçam, deve ser
repetida a experiência daqueles que esquadrilharam as profecias e que tiveram
uma parte na proclamação da primeira e da segunda mensagens angélicas.
A perspectiva historicista
Embora Ellen G. White não use o termo “historicista”, é claro que ela com-
preendia que a única maneira adequada de interpretar Daniel e Apocalipse era
pesquisar o desdobramento de suas profecias dentro dos eventos históricos que
haviam ocorrido ao longo dos séculos. Em vez de uma ferramenta nas mãos
de Satanás para desviar e confundir o povo de Deus, a história humana, tanto
secular quanto religiosa, é a base para interpretar a profecia. “Na história das
164
nações o estudante da Palavra de Deus pode contemplar o cumprimento literal
da profecia divina” (WHITE, 2007, p. 501).
Concernente ao rolo de Apocalipse 5, diz Ellen White: “Ali em sua mão ab-
erta está o livro, o rolo da história das providências divinas, a história profética das
nações e da igreja [...] e a história de todos os poderes que governam as nações”
(WHITE, 1981, v. 9, p. 7; v. 12, p. 296). Elo após elo a história da raça humana con-
forme delineada por Deus em sua Palavra, formam uma cadeia profética. Dentro
dessa cadeia podemos reconhecer “onde nos achamos hoje, no prosseguimento dos
séculos” (WHITE, 1997a, p. 178). Elo após elo, Deus revela a história “desde a eter-
nidade no passado até à eternidade no futuro” (WHITE, 1997a, p. 178; 2007, p. 536).
Ela fala de modo semelhante das profecias de Daniel e Apocalipse ao exortar os
ministros e o povo igualmente a identificar as linhas da profecia para que pudessem
ter “inteligente compreensão dos perigos e conflitos diante deles” (WHITE, 2010,
583; ver 1889; 1870; 2008, v. 1, p. 56).
Concernente à natureza da profecia apocalíptica em geral, diz ela: “As pro-
fecias apresentam uma sucessão de acontecimentos que nos levam ao início do
juízo. Isso se observa especialmente no livro de Daniel” (WHITE, 2005, p. 356).
E no que concerne às profecias de João, ela escreve:
O uso de Daniel e
O livro de Apocalipse abre ao mundo o que tem sido, o que é, e o que há de vir; é
para nossa instrução sobre quem são chegados os fins dos séculos. [...] Nesse livro
são descritas cenas que estão agora no passado, e algumas de interesse eterno que
estão ocorrendo ao nosso redor; outras de suas profecias não terão seu cumprimen-
to completo até o final do tempo, quando ocorrer o último grande conflito entre os
poderes das trevas e o Príncipe do Céu (WHITE, 1957, v. 7, p. 954; 2010, p. 584-585).
O próprio Daniel nos diz que certos símbolos do livro se referem a Babilônia,
Pérsia e Grécia. É nessas profecias, retomadas por João no Apocalipse, que al-
cançam seu cumprimento a pregação da primeira, segunda e terceira mensa-
gens angélicas, por meio das quais Daniel “está em sua sorte”: “Daniel estará em
sua sorte no fim dos dias (Dn 12:13). João vê o pequeno livro não selado. Então
as profecias de Daniel têm o seu devido lugar na primeira, segunda e terceira
mensagens angélicas a serem dadas ao mundo” (WHITE, 1957, v. 7, p. 971).
Ellen G. White adverte contra a má aplicação da profecia. Ela diz que tais
experiências “começam por se desviar da luz que Deus já deu” (WHITE, 2008, v.
2, p. 111-112). Parte do perigo contra o qual ela adverte é o desejo por parte de
alguns de achar um futuro cumprimento para profecias que já tiveram cumpri-
mento. “Alguns há que estão pesquisando as Escrituras em busca de provas de
que estas mensagens [dos três anjos] estão ainda no futuro. Eles concluem pela
veracidade cumulativa das mensagens, mas deixam de assinalar-lhes o devido
lugar na história profética” (WHITE, 1997b, p. 613).
A serva do Senhor adverte:
Segundo a luz que o Senhor quis conceder-me, estais em risco de fazer a mesma
obra, apresentando perante outros verdades que tiveram seu lugar e fizeram sua obra
específica para o tempo, na história da fé do povo de Deus. Reconheceis como ver-
dadeiros esses fatos na história bíblica, mas os aplicais ao futuro. Eles têm sua força
ainda em seu devido lugar, na cadeia dos acontecimentos que nos tornaram, como
um povo, o que somos hoje, e como tal, eles devem ser apresentados àqueles que se
encontram nas trevas do erro (WHITE, 2008, v. 2, p. 101-103).
específicas destes dois livros serão repetidas, mas que eventos semelhantes
àqueles que as cumpriram no passado serão vistos novamente.
Esses eventos serão vistos dentro de um contexto diferente, dentro de um perío-
do de tempo diferente, e com atores diferentes. Assim eles não são os mesmos even-
tos que cumpriram as profecias, mas eventos semelhantes. Os problemas, porém,
serão os mesmos que aqueles que conduziram aos acontecimentos históricos que
originalmente cumpriram certas profecias no conflito entre o bem e o mal.
Desta maneira indica o profeta a ordenança que tem estado esquecida: “Le-
vantarás os fundamentos de geração em geração; e chamar-te-ão reparador
das roturas, e restaurador de veredas para morar.” [...] Esta profecia também
se aplica a nosso tempo. A rotura foi feita na lei de Deus, quando o sábado
foi mudado pelo poder romano. Chegou, porém, o tempo para que esta ins-
tituição divina seja restabelecida. A rotura deve ser reparada, e levantado o
fundamento de geração em geração (WHITE, 2005, p. 452-453).
de Deus para ajudá-los a ver sua função como reparadores de uma rotura se-
melhante feita na lei de Deus na Era Cristã.
Retornando à declaração de Ellen G. White acerca de Daniel 11, vemos
como este princípio pode ser aplicado. “A profecia do undécimo [capítulo] de
Daniel tem quase atingido seu completo cumprimento. Muito da história que
tem ocorrido no cumprimento desta profecia será repetido” (WHITE, 1981, v.
13, p. 394). Eventos da história já têm cumprido certas predições deste capítulo.
Todavia, circunstâncias semelhantes serão outra vez desenvolvidas no término
do grande conflito, e nessa luta cósmica a história será vista como se repetindo.
Ellen G. White não sugere que aquelas profecias de Daniel 11 que já se cum-
priram receberão um segundo cumprimento.
Note os vários contextos, proféticos e não proféticos, dentro dos quais Ellen
G. White diz que a história será repetida. Também note que ela não está suger-
indo que uma determinada profecia em si deve ser repetida.
Grandes impérios da profecia de Daniel. “A profecia delineou o levanta-
mento e queda dos grandes impérios mundiais - Babilônia, Média-Pérsia, Gré-
cia e Roma. Com cada um destes, assim como com nações de menos poder,
tem-se repetido a história. Cada qual teve seu período de prova, e cada qual
fracassou; esmaeceu sua glória, passou-se-lhe o poder e o lugar foi ocupado por
168 outra nação” (WHITE, 1997a, p. 177, grifo do autor).
As profecias concernentes a essas nações da Antiguidade tiveram seu
cumprimento. Circunstâncias semelhantes têm sido vistas na história de
outras nações, grandes e pequenas. Cada uma tem sido provada, cada uma
tem falhado, cada uma tem perdido sua glória e poder, e cada uma tem sido
substituída por outra. Assim a história de Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia
e Roma tem se repetido. Mas a profecia que se relaciona com estes reinos
específicos tem se cumprido apenas uma vez.
Perseguição do povo de Deus. “Estamos no limiar de grandes e solenes
acontecimentos. Muitas das profecias estão prestes a se cumprir em rápida suc-
essão. Cada elemento de poder está prestes a ser posto a operar. A história pas-
sada será repetida; velhos conflitos despertarão para nova vida, e perigos assedi-
arão o povo de Deus de todos os lados” (WHITE, 1897, grifo do autor).
Mais especificamente, “as cenas de perseguição promulgadas durante a vida
de Cristo serão promulgadas por religiosos falsos até o fim do tempo. Os ho-
mens pensam que têm o direito de tomar sob sua responsabilidade as consciên-
cias dos homens e elaborar suas teorias de apostasia e transgressão. A história se
repetirá” (WHITE, 1981, v. 13, p. 394; 2010, p. 84-85).
O uso de Daniel e
Pareceria à primeira vista que aqui está um caso em que Ellen G. White
fala de uma simples profecia tendo um duplo cumprimento. Contudo, deve-
mos lembrar que as profecias que ela cita nesta passagem que prediz a chuva
temporã também predizem um segundo acontecimento, a chuva serôdia.
No contexto, Ellen G. White cita Oseias 6:3, que diz: “E Ele descerá sobre
nós como a chuva, como chuva serôdia que rega a terra”, e Joel 2:23, que
afirma: “Ele fará descer, como outrora, a chuva temporã e a serôdia.” Assim
as simples declarações de Oseias e Joel aguardam dois eventos separado: as
170 dotações da chuva temporã e serôdia do Espírito sobre a igreja.
Em Mateus 24, em resposta à pergunta dos discípulos relativa aos sinais de Sua vinda
e do fim do mundo, Cristo indicara alguns dos acontecimentos mais importantes da
história do mundo e da igreja, desde o seu primeiro advento até ao segundo, a saber:
a destruição de Jerusalém, a grande tribulação da igreja sob a perseguição pagã e
papal, o escurecimento do Sol e da Lua, e a queda de estrelas. Depois disto, falou a
respeito de Sua vinda em seu reino, e expôs a parábola que descreve as duas classes
de servos que lhe aguardam o aparecimento (WHITE, 2005, p. 393; 2003, p. 320).
Disse Jesus: “As estrelas cairão do céu” (Mt 24:29). E João, no Apocalipse, decla-
rou, ao contemplar em visão as cenas que deveriam anunciar o dia de Deus: “E
as estrelas do céu caíram sobre a Terra, como quando a figueira lança de si os
seus figos verdes, abalada por um vento forte” (Ap 6:13). Essa profecia teve cum- 171
primento surpreendente e impressionante na grande chuva meteórica de 13 de
novembro de 1833 (WHITE, 2005, p. 333).
Deve ser notado o seguinte: (1) A declaração de Ellen G. White leva em con-
sideração que esta é uma profecia de duas partes que trata dos acontecimentos
em torno da destruição de Jerusalém e do fim do mundo. (2) A destruição de
Estudos selecionados em interpretação profética
Jerusalém é um tipo de profecia do que aguarda o mundo, como pode ser visto
nas palavras: “Na profecia da destruição de Jerusalém [...]. A abundante iniqui-
dade daquela época encontra seu paralelo nesta geração.” (3) O tipo profético é
aplicado à perda do amor e à pregação do evangelho.
Duas profecias distintas e separadas estão sendo tratadas. A primeira
não pode ter um cumprimento duplo ou múltiplo, porque o templo teria
de ser reconstruído e a cidade cair uma segunda vez. O cumprimento da
primeira parte desta profecia foi um acontecimento de uma vez por todas.
Este cumprimento profético, porém, foi em si um exemplo dos mais exten-
sos eventos que cumprirão a segunda parte da profecia.1
Propósitos descritivos
Isso pode ser visto claramente em O Grande Conflito, onde ela de-
screve o Segundo Advento (WHITE, 2005, p. 632-652). Versículos e partes
172 de versículos são entrelaçados livremente em seu relato descritivo, pro-
duzindo uma narrativa fluente do acontecimento.
Ao descrever a final e “desesperada luta” entre as forças do bem e do mal,
ela diz:
O poder do Espírito Santo deve estar sobre nós, e o Capitão das hostes do Senhor es-
tará à frente dos anjos do Céu para dirigir a batalha. Solenes acontecimentos à nossa
frente ainda estão para ocorrer. Trombeta após trombeta deve soar, taça após taça
derramada uma após outra sobre os habitantes da Terra (WHITE, 1957, v. 7, p. 982).
1
O contexto sugere que Ellen G. White está lidando com uma repetição da história em vez de
uma repetição da profecia específica pertencente a Jerusalém. A iniquidade do fim dos tempos e
a pregação mundial do evangelho são preditas por outras profecias do Novo Testamento (ver 2
Tm 3:1-5; Ap 14:6).
O uso de Daniel e
Ellen G. White não está escrevendo uma exposição sobre os 144.000, nem
está tentando identificá-los. Ela simplesmente usa Apocalipse 14:1 para finali-
dades descritivas e então completa a cena citando Apocalipse diretamente:
“Estes são os que seguem o Cordeiro para onde quer que vá”.
Propósitos ilustrativos
Este exemplo é um tanto semelhante ao exemplo acima. Contudo, onde Ellen
G. White usa passagens para realçar sua descrição no exemplo anterior, usa breves
sentenças de Daniel e Apocalipse para ilustrar o que ela tem dito. Por exemplo, ela
reforça sua declaração de que alguns sobre a Terra permanecem fiéis a Deus citando
Apocalipse 14:12: “Nem todos neste mundo tomaram partido com o inimigo contra
Deus. Nem todos se tornaram desleais. Há uns poucos fiéis que são leais a Deus;
173
porque João escreve: ‘Aqui estão os que guardam os mandamentos de Deus e a fé de
Jesus’ (Ap 14:12)” (WHITE, 1948, v. 9, p. 15).
Novamente, ao descrever os chuveiros de graça que virão na chuva serôdia,
ela usa Apocalipse 18:1 para ilustrar o que acabara de apresentar:
Devemos esperar pela chuva serôdia. Ela virá sobre todos os que reconhecem e
se apropriam do orvalho e chuveiros de graça que caem sobre nós. Quando reu-
nimos os fragmentos de luz, quando nos apropriamos das firmes misericórdias
de Deus, o qual ama que tenhamos confiança nEle, então todas as promessas
serão cumpridas. Toda a deve ser cheia da glória de Deus” (WHITE, 1948, v. 7,
p. 984).
Incorporação de linguagem
Reiteradamente, Ellen G. White incorpora a linguagem de Daniel e Apocalipse
em sua descrição de uma cena a ela dada pelo Senhor, ou em sua narrativa de um
evento bíblico. Isso é semelhante ao exemplo citado acima em que ela usa as Escrit-
uras ou a linguagem escriturística para descrever uma cena. Aqui, porém, notamos
que ela frequentemente incorpora a linguagem escriturística em seu próprio uso
Estudos selecionados em interpretação profética
das palavras. Citamos, como um exemplo, uma visão do juízo investigativo a ela
dada em 23 de outubro de 1879 (WHITE, 1948, v. 4, p. 384-387).
Ao longo do seu relato ela incorpora a linguagem de Daniel e Apocalipse. As
frases usadas incluem: “dez milhares vezes dez milhares”, “vários livros estavam di-
ante dEle”, “outro livro foi aberto”, “fostes pesados na balança e achados em falta”, ‘Por
que não lavastes vossas vestes de caráter e as branqueastes no sangue do Cordeiro?”,
“Quem é injusto faça injustiça ainda”. No livro O Grande Conflito, Ellen G. White dá
uma descrição de Adão e seus descendentes sendo introduzidos na Cidade Santa.
Novamente podemos ver como ela incorpora a linguagem de Daniel e Apocalipse
em sua própria linguagem (WHITE, 2005, p. 648-649).
Expansão
Ocasionalmente Ellen White, tendo citado uma passagem, se expande sobre
ela. Por exemplo, ela cita Apocalipse 5:11, “Olhei, e ouvi a voz de muitos anjos ao
redor do trono.” Ela então explica em detalhes a citação descrevendo como os anjos
se unem a Jesus na obra do ministério em favor daqueles que devem receber o selo
de Deus. Conta como os anjos são um poder que restringe as forças do mal, como
eles circundam a Terra, negando a Satanás sua reivindicação sobre o povo de Deus,
e como eles são os ministros de Jeová (WHITE, 1957, v. 7, p. 967).
174 Às vezes Ellen G. White inicia um capítulo citando uma passagem das Escrituras;
por exemplo, ela começa o capítulo 38 de O Grande Conflito (“O último convite di-
vino”) citando Apocalipse 18:1, 2, 4. O capítulo então se torna uma expansão desta
passagem. Seguindo imediatamente a citação há várias linhas de interpretação.
Uso didático
O ensino espiritual é fortalecido pelo uso de passagens de Daniel e Apocalipse.
Por exemplo, depois de citar Daniel 12:1, Ellen G. White trata do selamento e o fim
do tempo da graça enquanto introduz o conselho da Testemunha Verdadeira de
Apocalipse 3:18 (WHITE, 1948, v. 5, p. 212-215). No decorrer da interpretação da
parábola, o homem sem as vestes nupciais, ela cita Apocalipse 22:12 para ensinar
O uso de Daniel e
que o caráter da obra de cada um será determinado antes da retorno de Jesus “para
dar a cada um segundo a sua obra” (WHITE, 1999, p. 310).
Conselho pastoral
Frequentemente Ellen G. White mostra uma preocupação pastoral pelo
povo de Deus. As Escrituras são livremente usadas, inclusive Daniel e Apoc-
alipse, nessas passagens de admoestações pastorais. Daniel 8:14 forma a base de
um apelo pastoral quanto ao preparo para o solene tempo do juízo.
Qual é nosso estado neste terrível e solene tempo? [...] Não pesquisaremos as Es-
crituras, para sabermos onde nos encontramos na história deste mundo? Não nos
tornaremos esclarecidos quanto à obra que se está efetuando por nós neste tempo,
e a atitude que nós como pecadores devemos ter enquanto esta obra de expiação
está em andamento? Se temos qualquer consideração pela salvação de nossa alma,
precisamos fazer decidida mudança. Precisamos buscar ao Senhor com genuíno ar-
rependimento; importa que, com profunda contrição de alma, confessemos nossos
pecados, para que sejam apagados (WHITE, 2008, v. 1, p. 125).
Uma expositora
Alguns são relutantes em dizer que Ellen G. White interpreta as Escrit-
uras. É verdade que ela não trabalhou como um exegeta faria hoje — fazen-
do estudos de palavra e examinando em detalhes a sintaxe de passagens nas
línguas originais etc. Todavia, não há dúvida de que ela por vezes interpreta
as Escrituras, inclusive as profecias de Daniel e Apocalipse. Como notamos
anteriormente, as profecias básicas foram estudadas e explicadas pelos pio-
neiros do movimento adventista sob a orientação do Espírito Santo. Essas
interpretações são endossadas por Ellen G. White em sua própria apresen-
tação desses assuntos, por exemplo, em O Grande Conflito.
Contudo, Ellen G. White edifica sobre a obra dos pioneiros expandindo sua
obra anterior com extensos detalhes interpretativos. Essa obra de interpretação
pode ser vista nos detalhes adicionais que tratam de (1) o papel das forças sobre-
naturais do mal no conflito final (WHITE, 2005, p. 492-562), (2) especialmente a
descrição da tentativa de Satanás para personificar Jesus (WHITE, 2005, p. 624), (3)
a tríplice união entre protestantismo, catolicismo e espiritualismo (WHITE, 2005,
p. 588), (4) condições sobre as quais a marca da besta será recebida etc. (WHITE,
2005, p. 624). Aqui estão apenas alguns exemplos dos muitos que mostram Ellen G.
176 White em ação como uma intérprete da profecia.
Considerações finais
Como resultado deste estudo, podemos tirar as seguintes conclusões:
1. Ellen G. White endossa a abordagem historicista para a interpretação da
profecia. Este método de interpretação profética foi usado pelos pioneiros nos
anos formativos de nossa igreja.
2. Embora Ellen G. White não usasse o termo “historicista”, é claro que ela
compreendia esta abordagem à profecia como sendo o único método correto
para sua interpretação.
3. Ellen G. White opina que existe um perigo muito real em olhar ao futuro
para todo cumprimento profético.
4. Eventos semelhantes àqueles que cumpriram uma determinada profecia
podem surgir. Assim, a história é repetida — não o cumprimento da profecia.
Se a profecia devesse ser cumprida outra vez isto exigiria o mesmo contexto
histórico, o mesmo período de tempo e os mesmos atores.
5. Quando se lida com as declarações de Ellen G. White sobre o discurso
apocalíptico de Jesus registrado nos evangelhos sinópticos, deve ser lembrado
que este discurso (1) centraliza-se em torno de duas grandes predições — a
O uso de Daniel e
destruição de Jerusalém e o fim do mundo; (2) mas ainda é uma cadeia profé-
tica; e (3) apresenta a destruição de Jerusalém como uma profecia da destruição
do mundo, contudo ambos os acontecimentos são separados e distintos.
6. Além de suas exposições objetivas das profecias ao longo das lin-
has historicistas, Ellen G. White às vezes empregava sua fraseologia e
imagens de uma maneira pastoral, não técnica.
Referências
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n. 11, 3 jun. 1889. Disponível em: <http://bit.ly/RWryVf>. Acessado em: 15 jan. 2012.
177
. Comments. In: NICHOL, F. D. (Ed.). The Seventh-Day Adventist Bible
Commentary. Washington: Review And Herald Publishing Association, 1957. v. 4.
. Practical remarks. Review and Herald, v. 35, n. 15, 29 mar. 1870. Dispo-
nível em: <http://bit.ly/VHrh9A>. Acessado em: 15 jan. 2012.
. What the revalations means to us. Review and Herald, v. 74, n. 35, 31
ago. 1897. Disponível em: <http://bit.ly/XaqKJu>. Acessado em: 15 jan. 2012.
179
Estudos selecionados em interpretação profética
180
O intérprete e o uso
8
dos escritos de
Ellen G. White
Jon Paulien
Esboço do capítulo
1. Introdução
2. Princípio básicos
3. Princípios ilustrados
4. Considerações finais
Para Ellen G. White, sua função especial, sob o Espírito, era iluminar e
aplicar as verdades e os princípios bíblicos à vida dos crentes e promover a
missão da igreja.
Recomendo-lhe, caro leitor, a Palavra de Deus como regra de sua fé e prática. Por
essa Palavra seremos julgados. Nela Deus prometeu dar visões nos “últimos dias”;
não para uma nova regra de fé, mas para conforto do Seu povo e para corrigir os que
se desviam da verdade bíblica (WHITE, 2011, p. 78, ênfase no original).
Introdução
Os intérpretes adventistas do Apocalipse possuem uma profunda apreciação
pelos escritos de Ellen G. White. As observações dela sobre o livro de Apocalipse es-
timulam uma percepção muito produtiva, particularmente para o “grande quadro”,
ou seja, como as visões simbólicas do Apocalipse contribuem para a perspectiva
cósmica do “grande conflito”. Ellen White estava ciente de que o Apocalipse reúne
linguagem, ideias e tipos de toda a Bíblia, formando uma conclusão apropriada da
O intérprete e o uso
1
“No Apocalipse, todos os livros da Bíblia se encontram e se cumprem. Ali está o complemento 183
do livro de Daniel” (WHITE, 2010, p. 585).
2
“Os que não estão andando na luz da mensagem podem reunir declarações dos meus escritos
que por acaso os agrada e que concordam com seu discernimento humano. Separando essas
declarações do seu contexto e colocando-as ao lado do raciocínio humano, fazem parecer que
meus escritos apoiam o que eles condenam” (Ellen G. White, Carta 208, 1906).
3
O fato de que Ellen White recomendou que Daniel e Apocalipse fossem publicados juntos
num livreto, sem comentários, indica a importância que ela atribuía ao estudo textual e com-
parações cuidadosas (WHITE, 2002, p. 117).
4
O estudo “Ellen G. White e a Interpretação de Daniel e Apocalipse”, do Instituto de Pesquisa
Bíblica (Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia), trata do uso e do mau uso das de-
clarações de Ellen White sobre Daniel e Apocalipse.
5
“Muitos dentre nosso próprio povo me escrevem pedindo com ansiosa determinação o privilégio
de usarem meus escritos para dar força a certos assuntos que desejam apresentar ao povo de modo a
deixar sobre eles profunda impressão.
“É verdade que há razão para que alguns desses assuntos devam ser apresentados; mas não me ar-
riscaria a dar minha aprovação ao uso dos testemunhos dessa maneira, ou a sancionar que ponham
matéria, em si mesma boa, pela maneira por que eles propõem.
“As pessoas que fazem essas propostas, quanto eu saiba, podem ser capazes de conduzir o empreendi-
mento acerca do qual escrevem com prudência; não obstante, não ouso dar a mínima permissão para
usarem meus escritos na maneira que elas propõem. Tomando em consideração tal empreendimento,
há muitas coisas a serem levadas em conta; pois servindo-se dos testemunhos para apoiar algum as-
sunto que possa impressionar a mente do autor, os extratos poderão dar uma impressão diferente
daquela que dariam, fossem eles lidos em sua relação original” (WHITE, 2008, v. 1, p. 58).
Estudos selecionados em interpretação profética
Princípios básicos
Citação ou eco? É importante determinar se Ellen White está pretendendo
citar um texto bíblico específico ou está meramente “ecoando-o”. O mesmo pro-
cedimento que aplicamos às alusões do Apocalipse ao Antigo Testamento seria
proveitoso também aqui. Quando ela simplesmente ecoa um texto, não está
expressando um julgamento sobre a intenção do escritor bíblico. Talvez ela
184 esteja extraindo uma lição espiritual válida quando ecoa as Escrituras, mas essa
não é necessariamente a mesma lição com que o escritor bíblico tratou de im-
pressionar seus leitores no contexto original.
6
Por exemplo, quando Ellen White aplicou ao uso de chá, café, álcool e fumo a frase “não
toques, não proves, não manuseies” (WHITE, 2007, p. 335), ela estava ecoando a linguagem de
Colossenses 2:21, mas esse certamente não é o sentido original do texto bíblico. Para ela, a frase
tinha um uso positivo em relação à abstenção de substâncias prejudiciais, ao passo que a frase,
no contexto original, representava um ascetismo prejudicial que desviava a atenção de Cristo (Cl
2:18-23). Quando Ellen White aplicou à necessidade de boa postura a frase “Deus fez o homem
reto” (WHITE, 1997, p. 198), ela não pretendia insinuar que o autor de Eclesiastes estivesse
discutindo postura em Eclesiastes 7:27-29. Em Patriarcas e Profetas, por outro lado, ela usou a
frase em harmonia com a intenção moral do autor bíblico (WHITE, 2009, p. 49)
7
Um exemplo de tal “teologia híbrida” pode ser encontrado no livro Give Glory to Him, de Robert
Hauser (1983, p. 30-32). Comparando declarações da Bíblia e de Ellen White, o autor tenta provar
que a cena de Apocalipse 4:1–5:6 ocorre no Lugar Santo do santuário celestial, que 5:8-14 ocorre no
Lugar Santíssimo, e que, em Apocalipse 5:7, Jesus se muda do Lugar Santo para o Lugar Santíssimo.
Por mais criativa que seja a sugestão, ela torna-se extremamente improvável pelo simples fato de que
nenhum movimento como esse entre os compartimentos é detectável no próprio texto de Apocalipse
4–5, e Ellen White jamais descreveu tal movimento em termos de Apocalipse 5. A sugestão do autor
transcende a intenção de João e de Ellen White. Assim, o uso das Escrituras por Ellen White é usado
de modo equivocado para demonstrar algo que nem ela nem João pretendiam.
O intérprete e o uso
8
Veja a ilustração acima acerca do uso de Colossenses 2:21.
9
Uma elevada percentagem de suas declarações exegéticas são provavelmente encontradas no livro
Atos dos Apóstolos, que contém discussões específicas de livros do Novo Testamento em seu contexto
original; também Parábolas de Jesus e O Maior Discurso de Cristo (ver OLSON; JAMES, 1990, p. 17).
10
Nos textos em que Ellen White parece usar um texto exegeticamente, e, contudo, ainda per-
manece uma tensão entre seu uso de um texto e o evidente intento da linguagem do autor, duas
possibilidades devem ser conservadas em mente: (1) é possível que o intérprete tenha compreen-
dido mal o intento do escritor bíblico ou de Ellen White, ou de ambos; ou (2) uma pessoa in-
spirada pode aplicar uma passagem bíblica à sua situação contemporânea em um sentido local
sem exaurir a intenção básica do escritor original (note o uso de Pedro de Joel 2:28-32 em Atos
2:16-21 e o uso de Jesus de Daniel 7:13-14 em Mateus 9:6.)
11
”E agora a todos os que têm um desejo pela verdade eu diria: Não deem crédito a relatos não
autenticados quanto ao que a irmã White tem feito ou dito ou escrito. Se vocês desejam conhecer
Estudos selecionados em interpretação profética
teológica nos escritos que foram mais cuidadosamente escritos e editados por ela.
Comentários de improviso em cartas ou reproduzidos estenograficamente de ser-
mões podem não refletir sua opinião estabelecida sobre assuntos universais. Com-
pilações de seus escritos reunidos por pastores ou leigos precisam ser usados ainda
mais cautelosamente, sendo que a disposição do material pode apresentar o tema
de maneira tendenciosa. Se algo é encontrado somente em cartas e manuscritos,
principalmente se ocorre apenas uma vez, o intérprete precisa determinar se isso
está de acordo com considerado e coerente intento.
Fundamental para o argumento? Deve ser feita a interrogação: É o uso de El-
len White de determinado texto bíblico essencial para a conclusão a que ela chega
em dada porção de seus escritos? Se o uso é periférico para o tema central, ele pode
não estar baseado no uso exegético do texto. Como no caso das Escrituras, estamos
em terreno mais firme quando aludimos à passagens em que o assunto específico
está sendo discutido. Sendo que a maior parte do Apocalipse nunca é fundamental
para qualquer das discussões de Ellen White, devemos exercer cuidado em extrair
firmes conclusões de empregos periféricos do Apocalipse.12
Esclarecimento posterior? Deve-se permitir que os escritos posteriores de El-
len White esclareçam pontos de vista assumidos em escritos anteriores. Ao aumentar
suas habilidades como escritora, aumentava correspondentemente sua capacidade
186 de expressar de maneira acurada e clara os pensamentos recebidos de Deus. Ao se
tornarem declarações anteriores opostas ou sujeitas a controvérsia, ela apresentava
afirmações esclarecedoras para tornar clara sua intenção. Um exemplo disso é en-
contrado em Primeiros Escritos, onde ela apresenta uma série de esclarecimentos de
declarações anteriores e descrições visionárias (WHITE, 2011, p. 85-96).13
Frequência de conceito. Quão frequentemente Ellen White utilizava uma
passagem bíblica de determinada forma? Geralmente, o número de vezes em
o que o Senhor tem revelado por meio dela, leiam suas obras publicadas. Há alguns pontos de
interesse concernentes ao que ela não tem escrito, não apanhem avidamente e relatem rumores
quanto ao que ela tem dito” (WHITE, 2006, v. 5, p. 696; ver 2008, v. 1, p. 66; 2002, p. 33).
12
O Apocalipse é fundamental para a discussão do capítulo 57 de Atos dos Apóstolos (WHITE,
2010, p. 578-592) e para muito da última parte do livro O Grande Conflito.
13
Um exemplo teológico de sua amadurecida clareza de expressão é a sua compreensão da
divindade de Cristo. A plena divindade de Cristo é expressa em declarações posteriores (ver
WHITE, 2008, v. 1, p. 296; 1996, p. 530; 1906; 1899). Mas declarações anteriores a 1888 (ver
WHITE, 1870, v. 1, p. 17-18), são ambíguas o suficiente para serem lidas como semi-arianas se as
declarações posteriores são ignoradas. (Ela atualiza e esclarece The Spirit of Prophecy, [WHITE,
1870, v. 1, p. 17-18] em Patriarcas e Profetas [WHITE, 2009, p. 37-38]). Extrair seu ponto de vista
de The Spirit of Prophecy (WHITE, 1870, v. 1, p. 17-18), enquanto ignorando as declarações es-
clarecedoras posteriores, é distorcer desesperadamente sua intenção.
O intérprete e o uso
14
Um exemplo de uma declaração ambígua é encontrado em Testemunhos para Ministros
(WHITE, 2002, p. 445). Nesse texto, ela declara que “esse selamento dos servos de Deus é o mes-
mo que foi mostrado em visão a Ezequiel. João também fora testemunha dessa tão assustadora
revelação”. Ela segue com vários itens que são comuns a ambos os livros. Sendo que as visões
de João e Ezequiel são análogas, mas certamente não idênticas, surgem duas possibilidades de
interpretação: (1) Os acontecimentos ocorridos em torno de 600 a.C. compartilham dos mesmos
princípios que se manifestarão na crise final descritos em Apocalipse 7; (2) Ezequiel não descreve
eventos de 600 a.C., mas eventos do fim dos tempos. Conquanto uma ou outra interpretação seja
considerada mais provável, baseado nas pressuposições que um leitor leva ao texto, uma ou outra
é possível com base na linguagem que ela preferiu usar no contexto.
Estudos selecionados em interpretação profética
todo o exército dos anjos tirou suas coroas quando Jesus fez a solene declaração:
“Quem é injusto, faça injustiça ainda; e quem está sujo, suje-se ainda; e quem é
justo, faça justiça ainda; e quem é santo, seja santificado ainda” (WHITE, 2011,
p. 279-280).
Um anjo que volta da Terra anuncia que a sua obra está feita; o mundo foi submetido
à prova final, e todos os que se mostraram fiéis aos preceitos divinos receberam “o
selo do Deus vivo” (Ap 7:2). Cessa então Jesus de interceder no santuário celestial.
Levanta as mãos e com grande voz diz: “Está feito” (Ap 16:17); e toda a hoste angélica
depõe suas coroas, ao fazer Ele o solene aviso: “Quem é injusto, faça injustiça ainda; e
quem está sujo, suje-se ainda; e quem é justo, faça justiça ainda; e quem é santo, seja
santificado ainda” (Ap 22:11) (WHITE, 2005, p. 613, grifo do autor).
Considerações finais
Depois de meticuloso estudo do texto bíblico, será útil para o intérprete advent-
ista examinar o uso de Ellen White de Apocalipse em busca de ideias proveitosas.
A compreensão inspirada dela sobre os assuntos universais para os quais aponta o
livro de Apocalipse torna suas declarações de grande interesse e importância.
190 Todavia, sua contribuição para o debate não deve ser expandida além de
sua própria intenção. Fazer isso distorceria sua intenção e a de João, solapando
assim a autoridade da inspiração. As diretrizes acima podem ajudar a prover
salvaguardas contra tal uso não intencional.
Referências
OLSON, R. W.; JAMES, D. C. Olson Discusses the Veltman Study. Ministry, dez.1990.
_____________. The word made flesh. Review and Herald, v. 83, n. 14, abr. 1906. Dis-
ponível em: <http://bit.ly/ZxjdWA>. Acessado em: 10 jan. 2013.
_____________. The word made flesh. Signs of the Times, v. 25, n. 18, mai. 1899. Dis-
ponível em: <http://bit.ly/VNyZyq>. Acessado em: 10 jan. 2013.
Estudos selecionados em interpretação profética
192
Debates contemporâneos
9
sobre o Apocalipse
Relatório da Comissão*
Princípios gerais
A comissão conclui que:
1. A estrutura literária divide o livro de Apocalipse em duas grandes
seções: (1) uma seção histórica (Ap 1–14), que enfatiza a experiência da ig-
reja e eventos relacionados durante a Era Cristã, e (2) uma seção escatológi-
ca ou do final dos tempos, (Ap 15–22) que focaliza principalmente os even-
tos do fim dos tempos e o fim do mundo. 195
Embora os estudantes da Bíblia possam diferir de certa forma sobre o ponto
exato onde deve ser colocada a linha divisória, estudo sério feito por eruditos
adventistas (ver STRAND, 1979; MAXWELL, 1985, v. 2) confirmam plena-
mente esta divisão literária e seu consequente efeito sobre a interpretação.
2. As séries dos selos e das trombetas ocorrem na seção histórica de
Apocalipse. Consequentemente, seu cumprimento deve ser procurado no
tempo histórico, a Era Cristã.
3. As profecias dos selos e das trombetas têm apenas um cumprimento
profético.
a. O modelo de Daniel da profecia apocalíptica é claro sobre este ponto: cada
metal, animal e chifre tem somente um cumprimento. (Até mesmo o “chifre
pequeno” de Daniel 8, usado como um símbolo para Roma em suas duas fases,
tem apenas um cumprimento: Roma.) Não há nenhuma evidência contextual
de que deve ser dado às profecias apocalípticas de Daniel e Apocalipse duplos
ou múltiplos cumprimentos. Esta última proposição foi examinada detalhad-
amente e rejeitada pela Comissão Revisora do Santuário (representantes das
Divisões mundiais) em 1980 (ver GENERAL CONFERENCE OF SEVENTH-
DAY ADVENTIST CHURCH, 1980). A Comissão de Daniel e Apocalipse a tem
Estudos selecionados em interpretação profética
Entre estas duas cenas do trono estão os eventos dos selos de Apocalipse 6. As-
sim, os selos de Apocalipse 6 devem ser localizados entre a vitória de Cristo na
cruz e a vitória dos redimidos, isto é, na Era Cristã.
a Pregação do evangelho (Mt 24:14). a Primeiro selo: cavalo branco (Ap 6:2).
b Guerras, fomes, pestilências, ter- b Segundo ao quarto selos: guerra, fome,
remotos (v. 6-8). pestilência (v. 3-8).
c Período de grande tribulação/ c Quinto selo: clamor dos mártires para
perseguição (v. 21). serem vingados (v. 9-11)
d Sinais no sol, lua, estrelas (v. 29). d Sexto selo: grande terremoto; sinais no
sol, lua, estrelas (v. 12, 13).
e Segunda Vinda (v. 30, 31). e Sexto selo: “é vindo o grande dia da sua
ira” (v. 14-17).
f Juízo (Mt 25:31-46). f Sétimo selo: “silêncio no céu” (Ap 8:1),
possivelmente fases milenial ou executiva
do juízo final (Ap 20: 4, 11-15).
povo de Deus teria de viver: agitação por causa das diferenças religiosas, fome
pela verdade de Deus, severa perseguição de cristãos por cristãos.
c. Sendo que a apostasia cristã parece estar presente do segundo ao quar-
to selos, os acontecimentos funestos retratados nestes selos podem refletir a
imagem das desgraças/maldições da aliança preditas para ocorrer quando a
aliança é violada (Lv 26:14-39).
6. Embora cada um dos primeiros quatro selos tenha um princípio inicial,
a ação uma vez começada pode prosseguir com variados graus de intensidade.
a. Primeiro selo: embora iniciada pelos apóstolos, a pregação do evan-
gelho continua através da era. É dito aos mártires sob o quinto selo que mais
ainda serão mortos (Ap 6:11).
b. Modelos apocalípticos para o tipo de simbolismo: (1) a influência dos
quatro animais se prolonga depois de um domínio sequencial inicial (Dn
7:12); (2) as mensagens sequenciais dos três anjos continuam depois do seu
anúncio inicial (Ap 14:6-12).
7. O primeiro selo representa o início da mensagem do evangelho no
primeiro século (Ap 6:2). O quinto selo representa as perseguições da Idade
Média (v. 9-11). O sexto selo se relaciona com os sinais da segunda vinda de
Cristo (v. 12-17). O sétimo selo se relaciona com algum acontecimento de sig-
198 nificado cósmico depois da Segunda Vinda (8:1).
8. A atividade do selamento de Apocalipse 7:1-8 está incluída no período de
tempo do sexto selo e é a resposta à indagação “É vindo o grande dia da sua ira;
e quem poderá subsistir?” (Ap 6:17).
9. O grande terremoto e os sinais no sol, na lua e nas estrelas do sexto selo
são literais, e o sexto selo se inicia com o terremoto de Lisboa.
10. Os sinais celestiais do sexto selo podem ter causas físicas/naturais (cf.
abertura do Mar Vermelho, Êx 14:21); contudo, eles são eventos significativos
porque ocorrem no tempo certo em conexão com o final do período de 1260
anos de supremacia papal e perseguição (cf. Mc 13:24).
As trombetas
A comissão conclui que:
1. As trombetas são sequenciais, conforme se evidencia por sua ocorrência
uma após outra na visão.
2. As trombetas aparecem como advertências ou anúncios de acontecimen-
tos adversos por vir (cf. Nm 10:1-10).
3. Um evento específico das trombetas pode ocupar um extenso período de
tempo (Ap 9:5, 15; 10:7).
Debates contemporâneos sobre o Apocalipse
Referências
MAXWELL, C. M. God Cares: The Message of Revelation for You and Your Family.
[S.l.]: Pacific PressPub Assn, 1985. v. 2.
200
10
Selos e trombetas:
algumas discussões atuais
Jon Paulien
Esboço do capítulo
1. Questões no debate atual
2. A “grandiosa estratégia” do Apocalipse
3. O historicismo e os sete selos
4. O historicismo e as sete trombetas
5. Considerações finais
fim dos tempos dos selos e das trombetas, comumente ligando o primeiro ao juízo
investigativo de Daniel 7. As trombetas são colocadas ou no final dos tempos pouco
antes da Segunda Vinda, ou imediatamente depois do fim do tempo da graça.
Neste capítulo o autor resume a evidência embutida nas introduções a es-
sas séries, bem como nos modelos do santuário e das festividades refletidos no
livro. Os dados coletados endossam claramente a compreensão historicista de
que estas séries se estendem através da Era Cristã e jamais foram destinadas
(como séries inteiras) a encontrar um segundo cumprimento no final da era.
1
Eles são frequentemente rotulados como “futuristas”, mas embora esta designação seja
descritiva até um ponto, eles geralmente recusam qualquer aceitação do sistema dispensa-
cionalista futurista de interpretação.
2
Em apoio desta asserção, note o comentário de Uriah Smith sobre Apocalipse 8:7–9:21. Ses-
senta e dois por cento dos comentários de Smith são diretamente citados de comentaristas não
adventistas do sétimo dia. A maior parte do restante é parafraseada. Dificilmente há um exemplo
em que é feita referência ao texto. A posição historicista é assumida como um dado, nunca é ar-
gumentada a partir do texto das trombetas.
Estudos selecionados em interpretação profética
3
Note os seguintes paralelos:
1:1 ………………. “que em breve devem acontecer” ……………… 22:6
1:3 ................ “bem-aventurados aqueles que [...] guardam” ............... 22:7
1:3 ................................. “o tempo está próximo” ................................. 22:10
1:4 ......................................... “as sete igrejas” ........................................ 22:16
1:17 .................................. “o primeiro e o último” ................................. 21:6
2:7 ......................................... “árvore da vida” ......................................... 22:2
2:11 ....................................... “segunda morte” ....................................... 21:8
3:12 ...................................... “nova Jerusalém” ..................................... 21:10
Selos e trombetas
4–7 com o capítulo 19, como sugere Strand. Encontrei, na língua original,
quatro grupos de ideias paralelas entre os selos e o capítulo 19, dois dos
quais se relacionam diretamente com o assunto em questão.4
1. Nos capítulos 4 e 5, as cenas de adoração descrevem o louvor ofereci-
do a Deus pela Criação e pela cruz. Contudo, cenas paralelas nos capítulos
7 e 19 descrevem o louvor a Deus por redimir o seu povo da Babilônia do
fim dos tempos. Esta observação sugere que a melhor colocação dos capí-
tulos 4 e 5 está no início da Era Cristã.
2. Apocalipse 6:10 descreve um tempo em que Deus não está ainda julgando.
Apocalipse 19:2 vem após estar concluído o juízo. O juízo não ocorre nos capí-
tulos 4 e 5, quando os selos ainda têm de ser abertos. É óbvio que o juízo deve
ocorrer algum tempo entre a abertura do quinto selo (em que os mártires pedem
julgamento) e o pronunciamento do juízo concluído em Apocalipse 19:2.
Essas duas observações coincidem com o que se poderia esperar se a
primeira parte do Apocalipse diz respeito a toda a Era Cristã e a última
parte ao fim dos tempos.
4
Para uma discussão mais completa destes grupos paralelos, veja o capítulo 11 deste vol-
ume, “Os sete selos”.
Estudos selecionados em interpretação profética
santuário foi dedicado (cf. Êx 40) e o Dia da Expiação. A cena do santuário nos
capítulos 4–5 é a primeira visão do santuário celestial no livro. É mais bem iden-
tificado com a inauguração ou serviço de dedicação do antigo santuário. O foco
central é sobre as consequências da cruz, uma das quais foi o estabelecimento
do reinado de Cristo no santuário celestial.
A descrição não é certamente uma cena de juízo como se poderia esperar se o
Dia da Expiação estivesse em vista. De fato, a linguagem explícita do juízo está to-
talmente ausente da cena.5 A única ocasião em que uma palavra grega para “julgar”
aparece na primeira metade do livro está em Apocalipse 6:10, e ali a asserção é que
Deus ainda não começou a julgar! Sendo que a cena do santuário em Apocalipse 5
precede a abertura dos selos, a evidência de que o quinto selo ocorre em um tempo
de “não julgamento” é decisiva na localização dos selos na Era Cristã em geral.
A terceira e a quarta cenas do santuário (8:2-6 e 11:19). Estas continuam no
santuário celestial. A primeira (8:2-6) apresenta uma visão explícita do primeiro
compartimento com seus serviços de intercessão. A última (11:19) retrata uma
visão explícita do segundo compartimento no contexto de juízo (cf. 11:18).
A quinta cena do santuário (15:5-8). Esta visão retoma outra vez a lin-
guagem da inauguração (a glória enchendo o templo), mas realmente descreve
um fechamento do santuário, sua desinauguração ou cessação do seu ministério.
206 A sexta cena do santuário (19:1-10). A linguagem de trono, adoração e
Cordeiro é característica da segunda cena, mas todas as imagens explícitas do
santuário estão ausentes. O santuário celestial desapareceu de vista.
A sétima cena do santuário (21:1–22:5). O foco da visão retorna à Terra, o
equivalente ao capítulo 1. O Senhor Deus e o Cordeiro são o templo da Cidade
Santa (21:22). Deus está agora com seu povo na Terra (21:3).
Estas cenas introdutórias do santuário mostram duas linhas definidas de
progressão. Primeira, é chamada a atenção do leitor da Terra para o Céu, e de
volta novamente à Terra. Segunda, ele é levado da inauguração do santuário ce-
lestial para a intercessão, para o juízo, para a cessação do santuário, e finalmente
para sua ausência. Esta progressão é ilustrada a seguir.
As palavras gregas para “juízo”, krisis, krima e krinô, são muito comuns na segunda metade do livro.
5
Selos e trombetas
6
A fonte para a descrição do sacrifício diário é o tratado Tamid da Mishnah, uma coleção de
tradições mais antigas pertencentes às leis, tradições e práticas do judaísmo primitivo.
Estudos selecionados em interpretação profética
7
Sou grato a Richard Davidson, do Seminário Teológico Adventista do Sétimo Dia, por muitas
das analogias aqui descritas.
Selos e trombetas
8
Embora o cordeiro morto seja mencionado na próxima parte de Apocalipse (Ap 5:6), ele mor-
reu antes da cena de Apocalipse 5 (Ap 5:5-6; cf. 3:21).
Estudos selecionados em interpretação profética
que a Festa das Trombetas vem como o clímax de sete festas da lua nova (Nm 10:10)
e forma a ponte entre as festas da primavera e do outono. Ela está, portanto, nas sete
trombetas do Apocalipse em que se encontra a ponte cronológica entre as festas da
primavera e do outono, entre um foco sobre a cruz e o início da Era Cristã, e um
foco sobre o fim dos tempos em Apocalipse.
Assim, a primeira metade de Apocalipse, baseada nos sacrifícios diários e nas
festas da primavera, apresenta uma ênfase sobre a cruz e seus efeitos; ao passo que
a última metade do livro, baseada nos sacrifícios anuais e nas festas do outono, fo-
caliza o fim. A Festa das Trombetas (o primeiro dia do sétimo mês) introduzia a
época do ano em que ocorria o juízo e o santuário era purificado (Ap 11:18-19).
Resumo
O material acima sobre os antecedentes do santuário no Apocalipse indica que
o quiasma de Kenneth Strand é bem apoiado por amplas tendências que abrangem
o livro de Apocalipse como um todo. Estas tendências sugerem que João compreen-
dia os selos e as trombetas como cobrindo toda a dimensão da história cristã desde
os seus dias até o Segundo Advento (não importa quão longa João compreendia
que esta fosse). O principal ponto de diferença com Strand diz respeito a se o ponto
central do livro é Apocalipse 11–12 ou 14–15.
210 Este assunto não é, porém, uma diferença essencial. O material de Apocalipse
12–14 é de transição. Seu objetivo e foco estão sobre a ira final das nações contra
o remanescente (12:17; 13). Mas gasta muito tempo recapitulando a história que
levaria até esse clímax, preparando o terreno para as operações finais de caracteres
que têm estado funcionando na maior parte da era. Começando com o capítulo 15,
o foco quase exclusivo é sobre o próprio término do tempo do fim.
9
Para uma discussão da profecia dos selos, veja o capítulo 11 deste volume.
10
A “porta” de 4:1 pode se referir à porta entre os compartimentos do tabernáculo terrestre
Selos e trombetas
Assim, pode ser assumido que toda a cena é uma descrição do Dia da Expiação.
Estes argumentos certamente merecem investigação, mas não revertem o quadro
mais amplo delineado brevemente acima.
Em primeiro lugar, as analogias a Ezequiel e Daniel são informativas, mas
não contam toda a história. João alude também a outras importantes passagens
do Antigo Testamento (Is 6; 1Rs 22:19-22; Êx 19). O denominador comum en-
tre todas as cinco passagens do Antigo Testamento não é juízo, mas uma de-
scrição do trono de Deus. De fato, João seleciona a imagem da sala do trono de
Daniel 7 e Ezequiel 1–10, mas evita empregar seus aspectos de juízo.11
Especialmente impressionantes são as acentuadas diferenças entre Apocalipse
4–5 e Daniel 7. Em Daniel são postos uns tronos (Dn 7:9); em Apocalipse os tronos
já estão lá (Ap 4:2-4). Em Daniel muitos livros são abertos (Dn 7:10); em Apocalipse
um livro está selado (Ap 5:1). Em Daniel a figura central é “o filho do homem” (Dn
7:13; um termo com o qual o Apocalipse certamente está familiarizado — 1:13);
em Apocalipse ele é o Cordeiro (Ap 5:6; um termo mais apropriado para o serviço
diário do que para o Dia da Expiação em qualquer caso).
Como foi notado acima, a linguagem de juízo nas cenas de Apocalipse
4–5 está totalmente ausente12 até 6:10, onde está claro que o juízo ainda não
havia começado. Parece inconcebível que Apocalipse 4–5 pudesse ser a cena
do juízo do fim dos tempos quando o juízo ainda não tem começado mesmo 211
no tempo em que o quinto selo é aberto!
Conquanto haja algumas alusões ao santuário em Apocalipse 4–5 que po-
dem estar relacionadas ao Dia da Expiação, há muito mais que se relacionam
com outros aspectos do santuário e seus serviços. A impressão geral dada por
esta passagem não pertence a qualquer compartimento ou serviço, mas sugere
uma lista abrangente de quase todos os aspectos do antigo ministério.
As séries de observações acima concernentes ao santuário na estrutura
literária do Apocalipse indicam fortemente que Apocalipse 4–5 é uma de-
scrição simbólica do serviço de inauguração no santuário celestial que ocor-
reu em 31 d.C. O que segue à cena de inauguração tem a ver com toda a Era
Cristão, não apenas o seu fim.
do Antigo Testamento (também pode se usada para outras aberturas dentro do santuário). O
trono pode lembrar o propiciatório sobre a arca da aliança. As três pedras da primeira parte de
Apocalipse 4 podem ser encontradas no peitoral do sumo sacerdote, que ministrava no Dia da
Expiação. Os quatro seres viventes lembram os quatro querubins do Templo de Salomão.
11
Escritores bíblicos posteriores frequentemente usam escritos inspirados mais antigos para um
propósito diferente do principal intento do escritor original.
12
Em grego, as palavras são krima, krisis e krinō.
Estudos selecionados em interpretação profética
durante o tempo da graça, que evidência existe na série para indicar que a porta
da graça ainda está aberta para a humanidade?
Quando examinamos as cenas introdutórias às séries de sete visões do
Apocalipse, descobrimos que elas não somente precedem as cenas subse-
quentes, mas permanecem à vista por toda parte. Por exemplo, nas sete
igrejas a visão introdutória precede as cartas no arranjo literário do livro,
mas cada carta remete para as características de Cristo registradas nessa in-
trodução. Sendo que as cartas são escritas em prosa ordinária, elas proveem
uma clara indicação da estratégia literária do autor.
Cada um dos sete selos é aberto durante a incessante atividade do Cordeiro
na sala do trono celestial (Ap 5–6). Esta cena, começando com a inauguração
do santuário celestial, continua ao longo da abertura dos selos até a Segunda
Vinda e até o tempo em que toda a criação louva a Deus (Ap 5:13).
A cena introdutória às sete taças (Ap 15:5-8) retrata um tabernáculo
vazio no Céu, o que é certamente apropriado para todo o período depois do
fechamento da porta da graça.
Assim, cada visão introdutória provê o cenário para a atividade subsequente
e permanece ativa em segundo plano até a conclusão da visão. Sendo que este é
tão claramente o caso para três das quatro séries de sete visões, o ônus da prova
está sobre qualquer um que deseja argumentar que Apocalipse 8:2-6 é uma ex- 213
ceção. É mais provável que João pretendia que o leitor visse a intercessão no
altar de ouro como estando disponível até o instante em que soa a sétima trom-
beta, levando à finalização do “mistério de Deus” (Ap 10:7), isto é, à conclusão
do evangelho (Rm 16:25-27; Ef 3:2-7; 6:19).
13
Também em deliberado contraste com os impenitentes hoi loipoi de Ap 9:20.
14
Em direto contraste estão aqueles de Ap 16:9 que preferem rejeitar o arrependimento e blas-
femam contra Deus em vez de dar-lhe glória. Note que a impenitência tem avançado em 16:9, 11
além do estágio de 9:20, 21.
Selos e trombetas
Também não deve ser assumido que o selamento de Apocalipse 7:1-3 está
limitado ao fim dos tempos. Apocalipse 7:1-3 não limita explicitamente o se-
lamento ao fim dos tempos; meramente focaliza o significado da obra de se-
lamento em um ambiente do fim dos tempos. Relacionado a isso existe a ob-
servação de que seja o que for que Ellen White compreendia por Apocalipse
7:1-3, ela nunca citou Apocalipse 9:4 em um contexto do fim dos tempos; assim
é imprudente assumir o que ela mesma jamais declarou.
Resumo
Portanto, está claro que os argumentos utilizados por muitos para colocar
as trombetas em um ambiente do fim dos tempos não conduz o peso necessário
para subverter a perspectiva mais ampla delineada na primeira parte deste capí-
tulo de que as trombetas cobrem toda a Era Cristã.
Conclusões
Neste breve capítulo, combinamos várias observações textuais para demon-
strar que o profeta João tinha em mente duas grandes perspectivas quando es-
creveu suas visões. Na primeira parte do livro, ele focalizou a Era Cristã como
um todo, movendo-se do seu tempo até o fim. Na segunda metade do livro, ele
216 delineou principalmente os eventos do fim.
Esta percepção é análoga ao modelo de outras duas grandes passagens “apoc-
alípticas” do Novo Testamento: Mateus 24 (e suas similares, Lucas 21; Marcos 13)
e 2 Tessalonicenses 2. Cada uma dessas passagens contém uma seção que focaliza
primeiro a Era Cristã como um todo (ver Mt 24:3-14 e 2Ts 2:3-7). Essas seções
são então seguidas por atenção especial ao clímax no fim (2Ts 2:8-12; Mt 24:23-51;
especialmente os versos 27 a 31).15 Assim o livro do Apocalipse, corretamente com-
preendido, está em perfeita harmonia com a teologia e as práticas literárias do Novo
Testamento, embora sua linguagem seja muito singular.
O peso da evidência produzida neste capítulo é o reconhecimento de que o con-
senso dos pioneiros adventistas do sétimo dia sobre os selos e trombetas, embora
desfigurado por algumas inexatidões históricas e percepções exegéticas limitadas,
todavia era correto em sua percepção de que os selos e as trombetas deviam, na con-
cepção inspirada de João, abranger toda a Era Cristã e não apenas o fim desta era.
15
Deve ser notado que esta dupla perspectiva está particularmente clara em Lucas onde os
“tempos dos gentios” (Lc 21:24) formam uma ponte entre a descrição de 70 d.C. e as realidades
gerais da Era Cristã (Lc 21:7-23) e a descrição do fim dos tempos (Lc 21:25ss.).
Selos e trombetas
Referências
217
Estudos selecionados em interpretação profética
218
11
Os sete selos
Jon Paulien
Esboço do capítulo
1. Introdução
2. Exegese geral
3. Cena introdutória do Santuário
4. Abrindo os selos
5. Tabelas de alusões
Apocalipse são as imagens que João extrai do Antigo Testamento para descrever
o conteúdo das visões. O presente escritor provê uma ferramenta proveitosa a
este respeito anexando três tabelas de alusões ao Antigo Testamento que têm
impacto sobre a profecia dos selos. Uma quarta tabela, comparando Apocalipse
6 com o sermão apocalíptico de Jesus nos Evangelhos, está também incluída.
Embora o livro selado nunca seja aberto no tempo da graça, sua identi-
dade é importante para a interpretação desta seção da profecia geral. O pre-
sente escritor sugere que o livro deve ser compreendido como relacionado
ao próprio livro do Apocalipse. Assim, o livro que o Pai entrega ao Cordeiro
vitorioso para ser aberto e lido (5:1-7) é o mesmo que a “revelação” dada
por Deus a Cristo das “coisas que em breve devem acontecer” (1:1, KJV;
ver 1:19). Neste caso o livro contém não somente a história e o destino do
mundo e da igreja, mas também o plano de Deus para livrar o Seu povo e
para resolver o conflito moral que tem rasgado a unidade de Sua Criação.
A linguagem dos selos contém fortes alusões às maldições ou juízos da
aliança que ameaçavam Israel mediante sua rejeição de Deus. Ao mesmo tempo
as experiências que ocorrem na abertura de cada selo se assemelha de uma ma-
neira impressionante aos acontecimentos preditos por nosso Senhor no monte
das Oliveiras (Mt 24–25; Mc 13; Lc 21) — eventos que ocorreriam antes da
220 queda de Jerusalém e antes da Sua volta e do fim do mundo.
Assim, a bem-sucedida pregação do evangelho (cavalo branco) resulta não
somente em vitórias para o reino, mas é seguida por perseguições, divisões, e
por aqueles que rejeitam Sua graça, aumentando a fome e o declínio espiritual).
O quinto selo registra o clamor dos mártires por justiça divina, enquanto que o
sexto abandona o simbolismo, por assim dizer, e esboça em nítidas pinceladas
os eventos que apontam para a aproximação do grande “dia do Senhor”.
Embora a profecia dos selos inspecione brevemente os sucessos e provações
da “igreja militante”, conserva presente diante do olho da fé as grandes verdades
de que o Cordeiro de Deus, o Leão de Judá, tem prevalecido no Calvário sobre
as forças do mal e atualmente está reinando com Seu Pai. Todas as coisas estão
sob Seu controle. Em Suas mãos está o destino da humanidade.
Introdução
Em anos recentes a profecia dos sete selos de Apocalipse tem estimulado cres-
cente interesse entre os pastores e os leigos adventistas do sétimo dia. Neste capítulo
examinamos os principais problemas que surgem do texto de Apocalipse 4–6. Es-
pera-se que esta breve introdução estimule cuidadosa análise da passagem e forneça
Os sete selos
orientação para estudo futuro. Sendo que nenhuma interpretação dos selos tem de
forma tão decisiva resolvido as questões quanto a ser auto-evidente para todos os
pesquisadores honestos, nenhuma interpretação dos selos (inclusive esta) deve se
tornar um centro de controvérsia teológica.
Exegese Geral
A passagem se inicia com um convite a João para “subir para aqui” através
de uma porta aberta no próprio Céu (4:1). Ali lhe é permitido ver o trono de
Deus circundado pela corte celestial (4:2-8). Em uma cena de inexprimível lou-
vor e devoção (4:8-11), “Aquele que se acha assentado no trono” é adorado por
Sua santidade e Sua função na criação de todas as coisas.
A cena de adoração é interrompida por um momento de crise. Um livro
de grande importância na mão do Monarca entronizado não pode ser aberto a
menos que uma pessoa “digna” seja encontrada para desatar os seus sete selos
(5:1-4). Cristo, descrito como um “cordeiro morto” e declarado digno, se apre-
senta e toma o livro da mão direita do que estava assentado no trono (5:5-7).
Esse ato evoca um crescendo ainda maior de louvor ao Cordeiro e ao que está
assentado no trono (5:8-14). É deixada a impressão de que este é, talvez, o mo-
mento mais decisivo na história do Universo. 221
A cena se volta agora para a sucessiva abertura dos sete selos do livro pelo
Cordeiro (6:1-17). Conquanto um livro selado não possa ser lido até que todos
os selos sejam abertos, a ação de abrir cada selo provoca eventos assustadores
na Terra. A abertura dos primeiros quatro resulta no aparecimento de cava-
leiros em cavalos cujas ações produzem crescente desunião e angústia sobre a
Terra (6:1-8). A abertura do quinto e do sexto selos destaca o sofrimento dos
mártires e os sinais cósmicos que precedem o fim (6:9-17). O capítulo conclui
com uma solene interrogação em face do grande dia da ira de Deus e do Cord-
eiro: Que ser humano “pode suster-se” (6:17)?
A resposta é apresentada no capítulo 7. Quando os ventos da agitação so-
pram sobre a Terra, aqueles que estão selados na fronte com o selo do Deus
vivo serão abrigados (7:1-3). Esses que estão “em pé” são descritos por um par
de imagens: 144.000 compostos de 12.000 de cada uma das 12 tribos de Israel
(7:4-8), e uma multidão inumerável de todas as tribos da Terra (7:9-17). Quer
estas duas designações representem um grupo ou dois, elas claramente retratam
a totalidade daqueles que são protegidos no grande dia da ira. Eles se unem à
corte celestial em louvor (7:9-12) e em serviço diante do trono (7:14-17).
Estudos selecionados em interpretação profética
Selos no Contexto
Declarações de introdução e conclusão são de grande importância
na compreensão de qualquer livro bíblico. É particularmente importante no
que diz respeito ao Apocalipse. O profeta João tem uma técnica de encaixar
engenhosamente cada um dos seus resumos introdutórios na seção precedente,
geralmente no ponto culminante.
Por exemplo, embora o sofrimento das almas debaixo do altar (6:9-11) forneça
um incisivo clímax para a guerra, fome e pestilência na sequência dos quatro cava-
leiros, a resposta ao seu clamor “Até quando, ó Senhor?” aguarda as pragas das sete
trombetas (ver 8:3-5, 13). Igualmente, os cinco conceitos centrais de 11:18 se tor-
nam o princípio ordenador dos capítulos 12 a 22.1 A mensagem do terceiro anjo
(14:9-12) chega ao clímax na resposta de Deus ao ataque do dragão e seus aliados.
Ao mesmo tempo, porém, a linguagem aponta para 15:1 que introduz as taças das
pragas. Apocalipse 21:1-8 funciona como o ponto culminante da visão dos mil anos
e como a introdução à descrição detalhada da nova Jerusalém.
Passagem trampolim: Apocalipse 3:21. A chave para o significado mais
amplo de muitas porções do Apocalipse está, portanto, frequentemente locali-
zada em uma declaração culminante precedente. Tendo isto em mente, não deve
222 vir como nenhuma surpresa que o melhor ponto de partida para um estudo dos
selos e seu contexto é Apocalipse 3:21. Embora a passagem funcione como o
ponto culminante de todas as promessas ao vencedor (Ap 2–3), sua linguagem
fornece uma visão geral resumida do conteúdo dos sete selos.
Ao vencedor,
dar-lhe-ei sentar-se comigo no meu trono,
assim como também eu venci
e me sentei com meu Pai no seu trono.2
Neste texto Cristo promete uma recompensa ao vencedor (ho nikōn) com
uma participação em Seu trono. Uma analogia a esta ação (“assim como” — hōs)
é a vitória (enikēsa) de Cristo que resultou em Sua junção ao Pai em Seu trono.
Do ponto de vista do profeta, a vitória do crente é descrita como uma presente
1
Isto é desenvolvido com mais detalhes em meu livro Decoding Revelation’s Trumpets (1988, p.
337-339).
2
A menos que seja de outro modo especificada, todas as citações do texto do Novo Testamento
são a tradução do próprio autor.
Os sete selos
3
O particípio presente grego expressa a ação como um processo contínuo.
4
Ambos os verbos são aoristos gregos indicativos e expressam ação passada como pontos no
tempo em vez de um processo.
5
Note as analogias literárias entre as duas cenas:
Ap 5:12 Ap 7:12
Digno é o Cordeiro que foi morto de Amém. O louvor, e a glória, e a sabedoria, e as
receber o poder, e riqueza, e sabedo- ações de graças, e a honra, e o poder, e a for-
ria, e força, e honra, e glória, e lou- ça sejam ao nosso Deus , pelos séculos dos
vor. séculos.
Ap 5:13 Ap 7:10
Àquele que está sentado no trono e Ao nosso Deus, que se assenta no trono, e ao
ao Cordeiro, seja o louvor, e a honra, Cordeiro, pertence a salvação.
e a glória, e o domínio pelos séculos
dos séculos.
Estudos selecionados em interpretação profética
Neste cântico o tempo grego dos verbos7 remete ao evento Cristo e suas
consequências. É o Cordeiro morto que, por meio do Seu sangue, compra a hu-
manidade e lhe oferece nEle uma nova condição. É a cruz que tem feito Cristo
“digno” (5:2; cf. 5:9) de assumir Sua obra para nossa salvação no santuário celes-
tial. É a morte de Cristo que provê a base para a vitória do crente (12:11).
Sendo que os eventos de Apocalipse 7 caem no final da história terrestre,8 en-
quanto que a ênfase da cena do trono em Apocalipse 5 está sobre a morte de Cristo,
é evidente que Apocalipse 6 é uma descrição visionária dos eventos sobre a Terra
224 entre a cruz e a Segunda Vinda. Há um foco especial sobre o evangelho de Jesus
Cristo e sobre as pessoas que aceitam e proclamam esse evangelho.
Paralelos Estruturais
É essencial que o intérprete do Apocalipse seja sensível às outras
partes do livro que podem se relacionar com a passagem em estudo. No
livro do Apocalipse a chave para o significado de uma passagem pode
estar na extremidade oposta da profecia.
Kenneth Strand tem concluído que os primeiros 14 capítulos do livro funcion-
am como um paralelo quiástico aos últimos oito capítulos.9 A escolha da linguagem
por João sugere-lhe que Apocalipse 4–7 está disposto em posição paralela princi-
palmente pelo material de Apocalipse 19 (embora elementos de 7:15-17 estejam
6
Os verbos gregos (enikōsa, ekathisa, “eu venci . . . me sentei”, 3:21; enikēsen, “ele venceu”, 5:5)
são aoristos indicativos, indicando eventos específicos no tempo passado.
7
”Foste morto” (esphagēs), “compraste” (ēgorasas), “fizeste” (epoiēsas).
8
Eles estão no contexto do grande dia do Senhor (Ap 6:12-17) e do selamento (Ap 7:1-3).
9
Para um diagrama de como isto funciona para todo o livro veja Kenneth A. Strand (1972, p.
52). Para uma compactação mais limitada da análise de Strand, veja os caps. 1–3 deste volume.
Os sete selos
estreitamente relacionados com 21:3, 4).10 Construindo sobre a obra de Stand, com-
parei cuidadosamente a linguagem dos capítulos 4–7 com a do capítulo 19.11 Ali
parece estar quatro principais grupos de palavras e ideias paralelas.
Cenas de adoração. O primeiro grupo envolve as cenas de adoração. A
única passagem que combina os quatro seres viventes, os 24 anciãos, o trono de
Deus, e cenas de louvor e adoração são encontradas em Apocalipse 4, 5, 7 e 19.12
Outros elementos comuns destes capítulos incluem as palavras escolhidas para
louvar a Deus13 e as vestimentas que se usavam.14
Nos capítulos 4 e 5, Deus e o Cordeiro são louvados por sua atividade na
Criação e na cruz (4:11; 5:9, 12). Mas nos capítulos 7 e 19 eles são louvados por
redimir a grande multidão no final de sua tribulação (7:9-14) e por destruir a
grande Babilônia do fim dos tempos (19:1-8). Isto confirma o ponto de vista de
que a cena de Apocalipse 4–5 pertence principalmente ao início da Era Cristã,
mas aquelas de Apocalipse 7 e 19 focalizam o final desta era.
Cenas dos cavalos. O segundo grupo principal liga as atividades dos
quatro cavaleiros (6:1-8), principalmente o primeiro, ao cavalo e o cavaleiro
de 19:11-15. Os elementos comuns incluem o cavalo branco, a coroa e a
espada.15 A analogia mais impressionante é a do cavalo branco, um símbolo
que não aparece em nenhuma outra parte do Apocalipse. A imagem em
ambos os casos tem a ver com conquista. 225
Em 6:2, porém, a palavra grega para “coroa” (stephanos) implica uma rec-
ompensa pela vitória. Mas a palavra grega em 19:12 (diadēmata) indica uma
coroa real, implicando o direito de reinar.16
Em seu contexto (veja abaixo) 6:2 destaca a vitória sobre a cruz e suas
consequências, ao passo que 19:11-15 realça a subjugação final do mal na
segunda vinda de Cristo, quando Cristo literalmente assume o Seu reino.
10
Veja o gráfico mais detalhado de Strand (1972, p. 46). Há outros pontos de ligação com os selos em
Apocalipse, principalmente no cap. 14, mas estes são muito menos explícitos do que aqueles do cap. 19.
11
Embora vários escritores adventistas tenham procurado encontrar analogias aos caps. 18, 20
e 21, estes têm tendido focalizar as analogias temáticas que não chegam a ser demonstrações
convincentes da intenção de João. Apocalipse 6 e 19 contêm uma multidão de analogias verbais e
temáticas sobre as quais construir nossa investigação.
12
Ap 4:6-11; 5:8-14; 7:9-14; e 19:4.
13
Ver a linguagem de Ap 4:8, 11; 5:12, 13; 7:10, 12; 19:1, 6, 7.
14
Palavras diferentes são usadas para descrever vestimentas essencialmente semelhantes em
4:4; 6:11; 7:9, 13; 19:8, 14.
15
A palavra usada em 19:15, 21 para “espada” é hromphaia, e somente em 6:8, mas não
em 6:4 (machaira).
16
O termo é plural (muitas coroas).
Estudos selecionados em interpretação profética
Sendo que 19:1 tem nove analogias verbais de si próprio com 7:9-12, a relevância de 19:1-2
17
Centralizada no Trono
A palavra “trono” (thronos) representando o direito de reinar, é indubitavel-
mente a palavra-chave de Apocalipse 4. Aparece 14 vezes. Ainda fundamental
para a atividade da cena, aparece cinco vezes no próximo capítulo. Quase desa-
parece de vista no capítulo 6 (uma vez), mas retorna em 7:9-17 com uma ênfase
comparável à sua posição no capítulo 4 (sete vezes em apenas nove versos).
Assim, o capítulo 4 arma o cenário para a atividade celestial do capítulo 5,
enquanto 7:9-17 é uma extensão dos capítulos 4 e 5 em seu foco renovado sobre
o trono. O trono quase desaparece de vista no capítulo 6 porque este capítulo
está preocupado com os eventos na Terra.18
O trono, portanto, é claramente fundamental para a descrição visionária
(Ap 4–5) (SCHMITZ, 1964, p. 165). É a primeira coisa que João vê no Céu;
depois disto, toda atividade é orientada para ele.19 Embora a palavra “trono”
normalmente esteja ligada a Deus no livro de Apocalipse, também pode
estar associada a Satanás e seus aliados.20 Assim, a centralidade do trono
nesta porção do Apocalipse realça a preocupação com o conflito entre Cris-
to e Satanás sobre o domínio do Universo (FORD, 1975, p. 76).
Os versos iniciais de Apocalipse 5 retratam um ponto de crise no desenvolvi-
mento dessa controvérsia. O restante do capítulo afirma que a morte de Cristo tem
garantido o resultado dessa controvérsia, e que o Cristo exaltado agora compartilha 227
o trono de Deus (SCHMITZ, 1964, p. 166-167; ver Ap 3:31; 5:6-14; 7:15, 17; 22:1, 3).
Som de Cântico
Há deliberada progressão de pensamento nos cinco hinos desta cena introdu-
tória. Dois hinos são dirigidos ao Pai (4:8, 11). Os dois seguintes são dirigidos ao
Cordeiro (5:9-10, 11-12). O quinto e final hino é dirigido ao Pai e ao Cordeiro (5:13).
Que a igualdade de louvor é o realce explícito deste pano de fundo é
evidente do sempre crescente volume dos participantes. O hino de 4:8 é
18
Um forte vínculo literário, contudo, liga o cap. 6 aos caps. 4 e 5 em que tudo o que ocorre
no cap. 6 está ligado à abertura do livro selado pelo Cordeiro e freqüentes referências são
feitas aos quatro seres viventes.
19
A atividade ocorre “no trono” (epi ton thronon — 4:2, 4, 9, 10), “ao redor [kuklothen e
kuklō] do trono” (4:3, 4, 6), “do [ek] trono” (4:5), “diante do [enōpion] trono” (4:5, 6, 10), e
“no meio [en mesō] trono” (4:6).
20
Ap 2:13; 13:2; 16:10. A palavra é também aplicada aos 24 anciãos (4:4 [duas vezes] e 11:16)
e aos mártires (20:4). Embora o grego de 20:4 seja difícil, os tronos parecem estar ali para o uso
dos mártires em uma obra de juízo (krima). Tal tarefa de julgamento não é dada aos anciãos nos
capítulos 4 e 5; eles se empenham, contudo, em algum tipo de tarefa intercessória (5:8).
Estudos selecionados em interpretação profética
cantado somente pelos quatro seres viventes. O hino de 4:11 é cantado pe-
los 24 anciãos. O hino de 5:9-10 é cantado pelos seres viventes e os anciãos.
Com o hino de 5:11-12, dezenas de milhões de anjos unem-se ao coro celes-
tial. O hino quinto e final (5:13) é cantado por toda a Criação. Esta sempre
crescente participação indica que a maior alegria do Céu é exaltar a Jesus
Cristo da mesma forma que Seu Pai é exaltado (cf. Jo 5:23).
A super-abrangente linguagem de 5:13 sugere que esse hino final é profético
(descrito antecipadamente): todo o Universo em louvor a Deus (ver Fp 2:9-11)
(FORD, 1975, p. 95). Portanto, embora a cena do capítulo 5 destaque a entroni-
zação de Cristo no início da era, também aponta para o universal regozijo no final.
Cena do Santuário
Nem um só elemento de Apocalipse 4 é extraído explicitamente do santuário
do Antigo Testamento; todavia, o efeito cumulativo de alusões reflete uma forte
reminiscência daquele santuário e seus rituais. Enumeramos a evidência.
A palavra para “porta” (thura, 4:1) aparece mais de 200 vezes no grego do An-
tigo Testamento (LXX), dezenas das quais se relacionam diretamente ao santuário.21
Trombetas (4:1) eram usadas no culto bem como na batalha (Nm 10:8-10). É pos-
sível que o trono (4:2) visava lembrar a arca da aliança (ver 11:19; Sl 99:1), mas isto
228 não pode ser assumido. Poderia corresponder à mesa dos pães da proposição do
lugar santo (MAXWELL, 1985, p. 163-167),22 sendo que a mesa é o único artigo do
mobiliário do santuário não mencionado explicitamente em Apocalipse.
As três pedras preciosas (4:3) são também encontradas no peitoral do
sumo sacerdote (Êx 28:17-21).23 Os 24 anciãos nos lembram os 24 turnos
de sacerdotes no Templo (1Cr 24:4-19). As sete lâmpadas (lampades, 4:5)
podem lembrar o candelabro do lugar santo, embora uma palavra grega
diferente seja usada.24 O mar de vidro (4:6) faz uso da palavra grega (tha-
lassa) aplicada ao “mar de fundição” do Templo de Salomão (1Rs 7:23-24).
A proximidade dos quatro seres viventes (4:6-8) do trono em Ezequiel 1 e 10
21
Ver Êx 29:4, 10-11; Lv 1:3, 5; 1Rs 6:31-32, 34. Como mostra uma leitura das passagens registradas, a
palavra em si não dá nenhuma informação sobre que porta do santuário poderia estar à vista.
22
Maxwell designa o trono de 4:2, “o trono-mesa”.
23
A ligação com o peitoral do sumo sacerdote é realçada pelo fato de que o sárdio era a primeira
pedra registrada no hebraico de Êx 28 e o jaspe a última. Assim todas as tribos estão representa-
das nas pedras dos mais velhos e os mais jovens filhos de Jacó (Ford, 71, 85). No grego (LXX) de
Êx 28:21, o peitoral é dito estar “selado” (sphragidōn) com os nomes das 12 tribos.
24
A palavra grega do Antigo Testamento para o candelabro é luchnia, a palavra usada em
Ap 1:12, 13, 20.
Os sete selos
nos lembra os querubins associados com a arca da aliança (Êx 25:18-20; 1Rs
6:23-28). Os querubins eram, porém, visíveis também no lugar santo (Êx
26:1, 31-35). A tradição judaica também associa o leão, novilho, homem e
águia às quatro bandeiras ou estandartes em torno dos quais Moisés organ-
izou o acampamento israelita no deserto (ver Nm 2).
No capítulo 5 muitas destas imagens são repetidas, com algumas adições.
O Cordeiro morto (5:6), recordativo de Isaías 53:7, nos lembra os sacrifícios da
manhã e da tarde (Êx 29:38-42) ou o Sacrifício da Páscoa (1Co 5:7). O sangue
do Cordeiro (5:9) provê os meios para comprar as pessoas da Terra para Deus.
Elas, por sua vez, servem a Deus em analogia aos sacerdotes do santuário do
Antigo Testamento (5:10). Os 24 anciãos seguram taças de ouro de incenso que
são interpretadas como as orações dos santos (5:8). O incenso e as orações dos
santos estão associados aos contínuos sacrifícios matutinos e vespertinos do
santuário (ver Sl 141:2; Êx 29:38-43; 30:7-8; Lc 1:9-10). Nenhuma passagem do
Apocalipse contém uma quantidade maior ou uma variedade mais ampla de
alusões ao santuário do que esta cena introdutória do santuário.
Havia apenas duas ocasiões no ritual hebraico em que todo o santuário es-
tava envolvido: o Dia da Expiação e o serviço de inauguração (cf. Êx 40). Visto
que Apocalipse 4–5 apresenta tão forte cena do santuário, a qual desses ritos
deve estar ligado? Sendo que 3:21 associa esta cena com a cruz e a entronização 229
de Cristo, sendo que a linguagem de “templo” (naos) e “juízo” (cf. 11:18-19) está
ausente, e sendo que a estrutura implícita de Apocalipse coloca o Dia da Expi-
ação na última metade do livro,25 a melhor identificação para a cena introdu-
tória do santuário nos capítulos 4–5 é o serviço de inauguração.
Assim, concluímos que a cena é mais bem compreendida como uma de-
scrição da inauguração de todo o santuário celestial em 31 A.D. Em 8:3-5 o
autor focaliza mais especificamente o serviço diário associado ao primeiro
compartimento do santuário. Posteriormente, em 11:19 a arca do Segundo
Compartimento é claramente trazida à vista.
26
Estes incluem “que deve acontecer depois destas cousas”; as três pedras do verso 3; os 24
anciãos; os sete candeeiros; a frase “Senhor Deus, o Todo-poderoso” (usada no grego do Antigo
Testamento para o hebraico “Senhor, Deus dos Exércitos”); a frase “o que vive pelos séculos dos
séculos”; e a proclamação de Deus como o Criador de todas as coisas.
27
É também possível que João estava ciente de 1 Enoque 14:8-25, uma passagem cerca de 200
anos mais antiga do que Apocalipse que também é recordativo de Ezequiel e Daniel. Para o texto
de 1 Enoque em inglês veja James Charlesworth (1983-1985, p. 13-89).
28
Veja tabela 2 para uma lista de alusões diretas ao Antigo Testamento em Ap 5. Uma possível
contribuição de Ez 1–10 é o livro escrito por dentro e por fora, que pode ser encontrado em Ez
2:9-10. Êxodo 19 contribui com o conceito do povo de Deus como um reino de sacerdotes (Ap
5:10). Isaías 6 e 1Rs 22 não têm absolutamente nenhuma contribuição adicional.
29
Elementos significativos do cap. 5 tais como o Leão de Judá, a Raiz de Davi, o Cordeiro morto,
os sete olhos, o incenso que sobe, o novo cântico e o Universo de três camadas (Ap 5:13) cor-
Os sete selos
respondem a outros cenários do Antigo Testamento. Um conceito-chave “digno” não pode ser
baseado de modo algum no Antigo Testamento.
30
Krisis, Ap 14:7; 16:7; 18:10; 19:2; krima, Ap 17:1; 18:20; 20:4; crinō, Ap 6:10; 11:18; 16:5; 18:8,
20; 19:2, 11; 20:12-13.
31
Ver João 3:18-21; 5:22-25; 9:35-41.
32
Há realmente poucas passagens do Antigo Testamento que não estão associadas a juízo em
algum sentido. João, embora se inspirando em algumas destas, tem saído do seu caminho para
Estudos selecionados em interpretação profética
Portanto, por mais significativos que sejam para esta cena os paralelos estruturais
a Daniel e Ezequiel, eles não exigem de nós que sugira que qualquer porção dos
eventos celestiais de Apocalipse 4–5 retrata o juízo pré-advento, do tempo do fim.
Esta pesquisa dos antecedentes do Antigo Testamento para a primeira cena
introdutória do santuário no livro demonstra a extensão em que o Apocalipse
extrai dos elementos de sua base literária. Também demonstra como o Espírito
Santo adapta esses elementos de maneiras criativas, resultando em um produ-
to novo e original. O intérprete deve, portanto, evitar uma busca aleatória de
fontes de fundo para símbolos que podem estar conectados à vontade.
Os símbolos por sua variada natureza são flexíveis em significado. Seu significa-
do específico deve ser determinado pelo contexto imediato, e não necessariamente
pelo seu uso em um contexto anterior. Onde o ponto do autor não está claro a partir
do contexto imediato, o intérprete pode procurar pistas nos temas e contexto de
passagens de fundo; mas nunca se deve permitir a tais “pistas” desfazer o significado
de textos que são razoavelmente claros por si mesmos.
recebe somente aquelas apropriadas à sua condição. Desta forma, a cena introdu-
tória permanece no fundo da consciência do leitor ao longo das cartas às igrejas.
Muitas características do Apocalipse lembram os dramas do antigo mundo
greco-romano (BOWMAN, [s. d.], v. 4, p. 58-71). As cenas do santuário no início
da maioria das seções do Apocalipse funcionam como as configurações do palco
para os respectivos atos do drama (BOWMAN, [s. d.], v. 4, p. 63-64; Ap 1:9-20; 4:5;
8:2-6; 11:19; 15:1-8). Cada um, portanto, é destinado a estar constantemente em
vista durante a seção que ele introduz. As cenas fornecem o sustento teológico
para tudo o que segue nesta seção do livro. Não devem ser compreendidas como
prontas antes de se iniciar o bloco de material seguinte.
Um padrão literário similar pode ser encontrado na seção dos selos do livro
(4:1–8:1). A cena introdutória (Ap 4–5) é repetidamente lembrada no capítulo 6
através da abertura dos selos (6:1, 3, 5, 7, 9, 12) e menção dos seres viventes (6:1-
8). Os acontecimentos do capítulo 6 resultam dos sucessivos atos de abertura
dos selos. Sendo que o cântico de 5:13 só pode ser realmente cumprido na Nova
Terra (Ap 21–22), a cena introdutória é contemporânea a todo o período de
tempo coberto pelos selos (6:1–8:1).
O foco central de Apocalipse 5 é a cruz de Cristo (5:1, 6, 9, 12; cf. 3:21). A
vitória de Cristo na cruz forneça a base teológica para os eventos do capítulo 6,
que se relaciona com o povo de Deus ao procurarem vencer por Seu sangue (cf. 233
12:11). Assim, os selos se estendem da cruz e entronização de Cristo até o fim
do grande conflito entre Cristo e Satanás quando todo o Universo estará cheio
de completa harmonia de louvor a Deus (5:13; cf. 7:9-17).
O Deus Criador
Depois destas cousas, olhei, e eis não somente uma porta aberta no céu,
como também a primeira voz que ouvi,
como de trombeta ao falar comigo,
dizendo: Sobe para aqui, e te mostrarei
o que deve acontecer depois destas cousas.
Ap 4:1
Cena do Santuário Celestial. A profecia dos selos se inicia com uma cena
introdutória em que João ascende ao santuário celestial. A porta aberta (thura
ēneōgmenē) é recordativo da porta aberta (thuran ēneōgmenēn) de acesso a Cristo
Estudos selecionados em interpretação profética
que fortalece a igreja de Filadélfia em sua fraqueza (3:8) (COLLINS, 1979, p. 27, 34).
A voz como de trombeta lembra a aparição anterior de Jesus a João (1:10).
A frase “o que deve acontecer depois destas cousas”35 deliberadamente lem-
bra o propósito de Apocalipse (1:1, 19).36 Jesus declara que as “as cousas que
são, e as que hão de acontecer depois destas” são a substância do livro de Apoc-
alipse (1:19). Apocalipse 1:1 indica que a ênfase está sobre a última.
A ausência das “cousas que são” em 4:1 nos diz duas coisas: (1) as cartas às
igrejas focalizam principalmente a situação original do tempo de João em vez da
história posterior,37 e (2) com o capítulo 4 estamos caminhando para a principal
ênfase do livro — os eventos que devem ocorrer depois do tempo da visão.38 Vistos
nesta luz, a conexão literária entre a “porta aberta” de 3:8 e 4:1 não pressupõe um
cenário do fim dos tempos para a cena do trono de Apocalipse 4–5.
A porta aberta, através da qual João ascende às cortes celestiais, o habilita a
“ver” a “revelação de Jesus Cristo” que resultará na produção do seu livro. Não é,
portanto, deformar o texto sugerir que o capítulo 4 provê uma introdução não
somente para os selos mas para o restante do livro de Apocalipse.
“Em espírito” (4:2) parece ser a maneira de João de introduzir uma sequência
visionária (cf. 1:10; 17:3; 21:10). O tempo do verbo grego traduzido na NASB,
“estava em pé” (ekeito),39 atesta que o profeta não compreende o trono como
234 estando recentemente posto ou armado, mas antes ter estado continuamente
naquele lugar até aquela ocasião. Isto está em contraste com Daniel 7:9 onde
tronos são “postos” ou “levantados”,40 um claro sinal de que João não percebe
esta cena como sendo uma duplicata daquela encontrada em Daniel.
A visão do santuário celestial apresenta uma série de imagens que desta-
cam a glória da cena (Ap 4:3-6a). Há pedras preciosas, um arco-íris, trovões
35
Uma importante analogia verbal a Dn 2:28, 29, 45, em dois diferentes Antigos Testamentos
gregos, a Septuaginta (LXX) e Teodocião.
36
Em Ap 1:1 a frase “coisas que devem acontecer” (ha dei genesthai) é seguida não pelo “depois
disto” (meta tauta) mas por “brevemente” ou “logo” (em tachei). Em Ap 1:19 “deve” (dei) é sub-
stituído por “prestes a” (mellei): “coisas que estão prestes a acontecer depois disto.”
37
Que as cartas às igrejas tenham um intento primário na situação original de modo algum exclui
a validade de seu simbolismo profético de certos aspectos da história da igreja ao longo da Era Cristã.
38
A futura orientação de Ap 4 e capítulos subsequentes não exclui retrospectos aos eventos
do passado (como o nascimento de Cristo, 12:1-5) ou a descrições dos terrenos sobre os
quais Cristo agirá no futuro (como a descrição de Ap 5).
39
Um imperfeito indicativo grego de keimai (encostar-se, reclinar). O tempo expressa ação con-
tínua, como o tempo presente, mas no tempo passado.
40
O Antigo Testamento Grego não usa ekeito em Dn 7:9, mas emprega a forma aoristo de tithēmi
(montar, levantar, instalar, estabelecer ou colocar), implicando o ato de colocar os tronos na posição.
Os sete selos
235
41
Ap 4:4, 10; 5:5, 6, 8, 11, 14; 7:11, 13; 11:16; 14:3; 19:4.
42
É interessante notar que os muros e fundamentos são mencionados duas vezes, e cada vez
em relação um ao outro (21:12-14, 19-21). Isto evidentemente tem em vista chamar a atenção do
leitor para a relação entre as duas séries de 12.
43
Ap 3:4, 5, 18; 6:11; 7:9, 13, 14. Nisto, é claro, eles seguem o modelo de Cristo (Ap 1:14). Uma
possível exceção é Ap 19:14, onde aqueles que acompanham a Cristo em Sua Parousia estão vesti-
dos de branco. A palavra grega para “branco” não é usada em Ap 19:8, embora este texto indubi-
tavelmente apóie as referências anteriores aos crentes em vestiduras brancas.
44
Ap 2:10; 3:11; 12:1; 14:14. E também para Sua falsificação ver Ap 9:7. Pode ser de especial
interesse para os leitores adventistas do sétimo dia de que haja várias conexões literárias con-
trastantes entre os 24 anciãos e a carta aos laodiceanos. Os anciãos estão em uma relação de
adoração com Jesus nos lugares celestiais, os terrestres laodiceanos são repulsivos para Jesus. Os
anciãos usam vestes brancas, os laodiceanos estão nus e são convidados a comprar tais vestes. Os
anciãos usam ouro, os laodiceanos têm falta dele. Os anciãos se uniram a Deus em Seu trono, tal
condição é prometida aos laodiceanos se vencerem. Os anciãos estão totalmente focalizados em
Deus, os laodiceanos estão satisfeitos consigo mesmos. Os anciãos estão dentro de uma porta
aberta com Jesus, os laodiceanos estão dentro de uma porta fechada, estando Jesus em pé lá
fora. O impacto literário desta comparação expressava um chamado aos laodiceanos a ultra-
passar a porta aberta para os lugares celestiais em Cristo Jesus.
45
1Pe 2:9-10; Ap 1:6; 5:9-10.
46
Mt 19:28; Lc 22:30; Ap 20:4.
47
Mt 27:29; Mc 15:17; Jo 19:2, 5.
Estudos selecionados em interpretação profética
sua recompensa.48 Anjos jamais as usam (FEUILLET, 1958,p. 7). Nem os anjos
são chamados anciãos, embora esta seja uma designação comum para os di-
rigentes tanto da sinagoga quanto da igreja (FEUILLET, 1958, 9-14).
Os 24 anciãos, portanto, parecem ser seres humanos exaltados ao Céu antes
da consumação de todas as coisas. Eles devem provavelmente ser identificados
com os indivíduos ressuscitados na ressurreição de Cristo.49 Eles simbolizam o
que todos os crentes podem se tornar em Cristo.50
Seres viventes. O pleno significado dos quatro seres viventes (4:6b-8) tor-
na-se evidente apenas quando eles são vistos à luz da formação literária de João,
um assunto que não pode ser explorado aqui por falta de espaço. Como criatu-
ras do trono celestial, eles introduzem o primeiro hino cantado na sala do trono,
o tríplice “santo” (4:8). Esse hino é fortemente recordativo de 1:4, 8.
“Sempre que” (hotan) os quatro seres viventes louvam ao Pai que se encontra
sentado no trono, os 24 anciãos prostram-se em adoração, lançam suas coroas
diante do trono, e cantam um cântico próprio (4:9-11). A expressão “sempre
que” deixa claro que esta cena do capítulo 4 não é um ponto específico no tem-
po (como 31 A.D. ou 1844). Antes, retrata a natureza contínua da adoração
celestial. O capítulo 4 não é um evento único, mas o cenário básico para toda a
atividade da sala do trono celestial.
236 No capítulo 5, por outro lado, uma grande crise atinge a corte celestial.
O cântico dos anciãos em 4:11 se inicia com uma palavra que se tornará
central para a resolução dessa crise:
Tu és digno,
Senhor e Deus nosso,
de receber a glória,
a honra
e o poder,
porque todas as cousas tu criaste,
sim, por causa da tua vontade
vieram a existir
e foram criadas.
48
Fp 4:1; 1Ts 2:19; 2Tm 4:8.
49
Mt 27:52-53; Ef 4:8.
50
Ap 3:21; 12:11; cf. Ef 2:6.
Os sete selos
Crise e Resolução
Apocalipse 5 move-se da descrição geral da sala do trono e suas ativi-
dades para um ponto específico no tempo quando se desenvolve uma crise.
A crise é um evento único, decisivo. Mas é vencida pela morte do Leão/
Cordeiro, resultando em universal regozijo.
Embora o trono esteja presente, ele é mencionado menos frequente-
mente do que no capítulo 4.51 Agora o enfoque literário é sobre um livro
(biblion), seus selos (sphragidas), o Cordeiro (arnion) e o assunto de quem é
digno (axios) de tomar o livro e abrir-lhe os selos.
O livro com sete selos. Um grande problema para a interpretação desta seção
de Apocalipse (4:1–8:1) é a identidade e significado do livro selado com sete selos.52
Quando pessoas são seladas (em Apocalipse), o selamento funciona
como uma marca de proteção ou um sinal da propriedade, posse ou do
domínio de Deus (7:2; 9:4; ver 14:1) (FITZER, 1964, p. 951). Mas quando
um livro ou uma mensagem é selada, a ocultação ou segredo normalmente
está em vista (22:10; ver 10:4) (FITZER, 1964, p. 950). 237
Qual é o misterioso conteúdo do livro? Parece que tem a ver com o propósi-
to global do livro de Apocalipse (1:1-2):
51
Deus continua sentado sobre (epi) o trono (5:1, 7, 13), o Cordeiro aparece no meio do (en
mesō) trono (5:6), e uma hoste de anjos ao redor do (kuklō) trono (5:11) juntam-se aos anciãos e
aos quatro seres viventes em louvor ao Cordeiro.
52
O livro selado com sete selos é claramente um rolo (ver 6:14 não um códice, onde as páginas
são alinhavadas juntas em uma encadernação central.
Estudos selecionados em interpretação profética
53
Embora o termo “livro da profecia (tēs prophēteias tou bibliou) não seja usado no contexto
imediato de Ap 1:1-2, o v. 3 fala acerca “das palavras desta profecia” que estão escritas, e o verso
11 fala acerca de “escreve em um livro o que tens visto.” De sorte que o livro de Apocalipse foi
mediado por um processo movendo-se de Deus para Cristo para João para o livro escrito.
54
Ex., tais analogias como Aquele que “é e que era e que há de vir”, o Todo-poderoso, e os sete
espíritos diante do trono.
55
Veja Schrenk (1964, p. 618-619) para outro resumo das considerações de fundo ao livro se-
lado. Ver também Douglas Waterhouse (1983, p. 32-35).
56
Ver exemplo em: Fitzer (1964, p. 950); Schrenk (1964, p. 618-619); Strand (1982, p. 55).
Os sete selos
de Jeremias os rolos escritos garantem que sua compra de terra segundo a lei do
go’e57será válida mesmo depois do retorno do exílio babilônio (32:6-15).
Ambas as ideias são atraentes. Como um testamento, o livro pôde ser
aberto e suas instruções cumpridas por causa da morte sacrifical de Cristo
(SCHRENK, 1964, p. 618-619). Como uma escritura de compra, o livro rep-
resentaria o título de propriedade para o mundo. O choro de João (4:4) re-
fletiria o confisco dessa herança como resultado do pecado. Através de Sua
morte o Cordeiro redime a herança confiscada e, assim, é digno de abrir os
selos e restaurar a posse legal (ver WATERHOUSE, 1983, p. 33).
Por mais atraentes que sejam estas ideias, e por mais fiéis ao conceito
neotestamental da cruz, elas não são realizadas consistentemente no livro
de Apocalipse. Se em mente aqui, elas podem funcionar apenas como um
artifício literário (FITZER, 1964, p. 950).
Outro livro selado encontra-se no livro de Isaías (29:11, 18; 30:8).
Como o Apocalipse, o livro de Isaías contém as mensagens do próprio
profeta. A ausência de uma forte analogia estrutural entre Isaías 29–30 e
Apocalipse 5 torna menos do que certo, porém, que João estava extraindo
de Isaías para sua descrição do livro selado.
A imagem da entronização do capítulo 5 é muito compatível com outro con-
ceito do Antigo Testamento. Como a coroação de um novo rei israelita, o livro 239
da aliança (Deuteronômio) seria apresentado a ele (WATERHOUSE, 1983, p.
32; ver Dt 17:18-20; 2Rs 11:12-17; 23:2-3). A recepção do livro e a capacidade
de abri-lo e lê-lo demonstrava o direito de reinar e lidar com qualquer crise que
pudesse ocorrer. Teria sido proveitoso para nossa compreensão, porém, se a
possível alusão a Deuteronômio tivesse sido mais explícita.
Alguns têm afirmado que o livro selado deve ser identificado com o livro da
vida do Cordeiro (13:8; 21:27). Sendo que este é o único livro em Apocalipse cujo
conteúdo é claramente identificado, isto é digno de consideração. O conteúdo do
livro selado, porém, parece ser mais amplo do que o do livro da vida.
Possíveis alusões ao Novo Testamento. Um fundo mais promissor, talvez,
é o conceito neotestamental de “mistério” (mustērion). No Novo Testamento o
termo “mistério” é sempre usado em um sentido escatológico.58 Ele seria rev-
elado somente nos últimos dias. Mas sendo que Jesus é o Messias, os últimos
57
Segundo essa lei, uma pessoa em perigo de perder a sua herança podia apelar para um parente
mais próximo a fim de comprar a propriedade e com isso conservá-la na família até tal tempo em
que pudesse arcar com as despesas para comprá-la de volta. Veja a história de Rute.
58
Para uma discussão completa desta palavra veja Günther Bornkamm (1964, p. 802-828).
Estudos selecionados em interpretação profética
59
Hb 1:2; 9:26; 1Pe 1:20; 1Jo 2:18.
60
Mt 12:22-28; 13:24-26, 31-33; Lc 11:20-22; 17:20-21.
61
Rm 16:25-27; 1Co 2:7-10; Ef 3:3-10; 6:19; 1Tm 3:16.
62
Rm 11:25; 1Co 13:2; cf. 12: Ef 1:9-10.
63
Mt 6:10; 25:1ss.; 31-46; Lc 13:28-29; 19:11; Jo 6:39, 40, 44, 54; 11:24; 12:48; 2Tm 3:1; 1Pe 1:5; 2Pe 3:3.
64
Um relacionado conceito do Novo Testamento é aquele das duas eras. A prometida era porvir no
Antigo Testamento é compreendida como uma realidade presente em Cristo (Mt 28:20; Rm 12:2; 2Co
4:4; Gl 1:4) embora sua plenitude seja consumada somente na futura era vindoura (Ef 2:7; Hb 6:5).
Os sete selos
Deus por um recente livramento (Sl 40:1-3; 144:9-10; Is 42:10-13), por atos
de salvação e juízo (Sl 96:1-2; 98:1-2; 149:1-9), ou por Seu poder criador que
é manifesto continuamente na Terra de novas maneiras (Sl 33:1-9; Is 42:5, 10).
Tal novo cântico é inteiramente apropriados como resultado do maior ato de
Deus de todos os tempos, a morte expiatória de Jesus Cristo (5:8-10).
O sacerdócio real (v. 10) baseia-se na declaração de Deus a Israel de que a
nação iria ter uma especial função sacerdotal (veja Êx 19:5-6). Por intermédio
de Israel, Yahweh planejava levar a bênção de Abraão a todas as nações (Gn
12:1-3; 22:18). Em Cristo esse privilégio é transferido para a igreja (Mt 21:43;
1Pe 2:9-10; Gl 3:29; 6:15-16). Assim, Apocalipse 5:9-10 declara os seguidores
de Cristo como sendo um Novo Israel, com uma função mundial de domínio e
bênção. Esse domínio é uma conseqüência do domínio de Cristo que foi esta-
belecido como resultado da cruz (Ap 5:3; cf. Mt 28:18).
Nos versos 11-14 o crescendo de louvor atinge um clímax magnífico. Toda
a criação inteligente louva ao Cordeiro e ao Pai que está sentado no trono. Con-
quanto apropriado no contexto da entronização de Cristo em Sua ascensão, o
hino final se estende além do desterro do pecado e seus efeitos para o dia em
que toda a criação viverá para louvar a Divindade (cf. Fp 2:9-11).
66
Veja tabela 3 para uma lista de possíveis alusões diretas ao Antigo Testamento em Ap 6. Os
itens assinalados por um asterisco são citados por no mínimo três grandes comentaristas. Os
outros são adicionados pelo autor porque eles lançam alguma luz sobre a linguagem de Ap 6.
67
Levítico 17–26 é conhecido dos eruditos como o Código de Santidade. Contém uma série de
Os sete selos
mandamentos detalhados relacionados à vida diária à luz da aliança entre Deus e Israel. Levítico
26 oferece recompensas e punições (bênçãos e maldições) para a obediência e desobediên-
cia às estipulações do Código de Santidade. Uma seção paralela de material pode ser encon-
trada em Dt 12–30, onde uma série de mandamentos detalhados (12–26) é também seguida por
bênçãos e maldições (27–30). Embora não seja tecnicamente parte das bênçãos e maldições, os
cânticos de Moisés em Dt 32 e 33 continuam aqueles temas com muitas analogias a Lv 26.
68
Em termos práticos, guerra, fome e pestilência são a linguagem de um cerco com sua
resultante fome, epidemia e morte.
Estudos selecionados em interpretação profética
Os cavalos de Zacarias. É muito provável que a visão dos selos tira suas
principais imagens da combinação de Zacarias de quatro cavalos coloridos
de patrulha com o plangente “Até quando, ó Senhor?” A cena se relacio-
na com o final do exílio de Judá em Babilônia. Os ímpios estão tranqüilos.
Jr 15:2-3; Ez 5:12-17; 14:12-23; e Hc 3:2-16 têm suficientes analogias aos sete selos para sug-
69
erir a possibilidade, mas não a certeza, de que o revelador estava ciente delas ao escrever Ap 6.
A certeza de espada, fome e pestilência entre as maldições da aliança em Levítico e Deuteronô-
mio parece ter levado a um uso estereotipado no tempo do exílio babilônico (Jr 14:12-13; 21:6-9;
24:10; 29:17-18; Ez 6:11-12; 33:27). Guerra, fome e pestilência se tornaram termos técnicos para
as calamidades da aliança pelas quais Deus pune a apostasia da aliança.
Os sete selos
Deus havia entregue Judá em suas mãos como punição por seus pecados.
Mas os pagãos exageraram em sua função de juízo. Deus agora está prestes
a agir em resposta ao apelo da aliança, “Até quando?”
Particularmente significativa para os sete selos é a equação dos quatro cava-
los com os quatro ventos [espíritos] do céu” (Zc 6:5). Isto pode indicar que os
quatro ventos de Apocalipse 7:1-3 são os cavalos do capítulo 6 desatrelados em
uma reversão da aliança como aquela de Deuteronômio 32.70
As alusões ao Antigo Testamento assim indicam que os selos focalizam princi-
palmente a experiência do povo de Deus no mundo. A espada, fome e pestilência
dos cavalos são calamidades da aliança pelas quais Deus pune aqueles que rejeitam
ou desobedecem à Sua aliança., com o intento de levá-los ao arrependimento.
No contexto do Novo Testamento, é claro, a aliança deve ser compreendida
em termos da proclamação do evangelho do que Deus tem feito em Cristo. O
Novo Israel em Cristo (5:9-10) vence quando se inclui na vitória do seu coman-
dante, o Cordeiro morto. Mas a falha em apropriar-se do evangelho produz
consequências inevitáveis e sempre crescentes.
Quando o povo de Deus clama a Ele em sua angústia (6:9-11), Ele se volta con-
tra aqueles que os perseguem. Os cavalos evidentemente têm seu correlativo ou
equivalente nos ventos destruidores do capítulo 7. Estes se voltam contra aqueles
que não têm o selo de Deus. Os juízos dos cavalos afetam somente quartas partes da 245
Terra (6:8); eles são preliminares e parciais. Seus correlativos do fim dos tempos, os
ventos dos juízos (7:1-3) afetam toda a Terra com finalidade.
Apocalipse Sinóptico
Analogias. No Apocalipse Sinóptico71 Jesus parece ter combinado as
calamidades da aliança do Antigo Testamento com os sinais celestiais do
Novo Testamento do “Dia do Senhor”. As analogias entre o Apocalipse
Sinóptico e os selos não estão sempre na mesma ordem, mas a multidão de
elos verbais e temáticos torna virtualmente certo que João pretendia que o
leitor percebesse uma clara analogia entre eles.72
Da mesma forma que no caso do Apocalipse Sinóptico, assim há uma pro-
gressão geral no tempo quando percorremos os selos. A linguagem dos quatro
cavaleiros se assemelha à linguagem usada por Jesus ao descrever o caráter geral
70
Nota editorial: Esta hipótese, contudo, exigiria que o cavalo branco e seu cavaleiro invertessem os
papéis e se tornassem uma força destruidora tão terrível como as outras três, uma inferência duvidosa.
71
O sermão apocalíptico de Jesus registrado em Mt 24–25, Mc 13 e Lc 21.
72
Veja tabela 4.
Estudos selecionados em interpretação profética
Interpretação de Apocalipse 6
Tempo dos selos. Reconhecemos, a despeito da discussão acima, que vários
elementos de Apocalipse 4–6 sugerem para alguns que a passagem envolve o
juízo investigativo conforme descrito em Daniel 7:9-14. Insiste-se que a cena
introdutória é extraída das imagens de Daniel 7. Assim o trono poderia estar
associado ao Lugar Santíssimo do santuário celestial.77 Além disso, acredita-se
que o sexto capítulo baseia-se na linguagem do juízo. Contudo, devemos reagir
observando que este não é o caminho mais natural de ler os selos.
73
Mc 13:5-13; Mt 24:4-14; Lc 21:8-9, 12-19.
74
Mc 13:19-20; Mt 24:21-22; ver Dn 7:25; Ap 6:9-11; 12:6, 13-14.
75
Mc 13:24-27; Mt 24:23-31; Lc 21:25-28; cf. Ap 6:12-17.
76
Analogias entre Mt 24:23-27e Ap 12–17 incluem tais conceitos como sinais miraculosos destina-
dos a enganar (Ap 13:13-14; 16:13-14); falsos cristos (veja besta); falsos profetas (besta que subiu da
terra; cf. 16:13); desertos (Mt 24:26; cf. Ap 12:14; 17:3), e o nascer do sol (Mt 24:27; cf. Ap 16:12).
77
Tem sido sugerido que sendo que Jesus está no lugar santo em Ap 1:12-20 (note a menção dos
castiçais), Ap 4–6 retrata uma mudança para o Santíssimo. Todavia, em Ap 1 Jesus não está no lu-
gar santo; Ele está entre as igrejas na Terra. Somente em Ap 4 o santuário celestial aparece à vista.
Os sete selos
Veja o cap. 10, Selos e trombetas: algumas descobertas atuais, neste volume.
78
Estudos selecionados em interpretação profética
79
Tal como uma invasão dos partas vindos do oriente que o revelador acha que prenunciará as
conseqüências celestiais do dia do Senhor (ver COLLINS, 1979, p. 44-45).
80
Os quatro cavaleiros, segundo esta interpretação, retratam guerra, rixa, fome e pestilência,
sendo as três últimas a conseqüência da primeira.
81
Note que o dragão, a besta e o falso profeta de Apocalipse 12 e 13 são uma trindade falsificada
Os sete selos
e é análogo a 9:1 onde Deus permite que o anjo do abismo dirija suas hordas
demoníacas contra a humanidade. (5) Embora o cavalo branco de 6:2 seja uma
analogia verbal exata ao cavalo branco de 19:11, há muitas diferenças notáveis
entre os dois relatos;82 assim, eles não devem ser equiparados.
Estes argumentos a favor da hipótese do anticristo não são tão fortes como
possam a princípio parecer.
a. Embora o arco seja usado para retratar o poder dos inimigos de Deus
no antigo Testamento, ele é em cada caso introduzido para que possa ser
esmagado pelo poder superior de Yahweh (Jr 51:56; Ez 39:3; Os 1:5). Em
um número ainda maior de casos, os arcos e flechas representam as armas
de Yahweh dirigidas contra Seus inimigos.83
b. Embora a palavra grega para “vencer” seja usada para se referir às
bestas e sua perseguição dos santos, o contexto mais imediato de 6:2 é a
“vitória” de Cristo na cruz (5:5, 6, 9; cf. 3:21), que provê a substância básica
da proclamação do evangelho.
c. O dragão, a besta e o falso profeta realmente falsificam a Trindade.
Seu mau caráter é claramente retratado em sua oposição à mulher e aos san-
tos. Por outro lado, no caso de 6:2 João não apresenta nenhuma sugestão de
que a cor branca deva ser tomada em um sentido negativo.84 E com apenas
uma exceção no Novo Testamento, uma stephanos (coroa de vitória) está 249
sempre associada a Cristo ou ao Seu povo.85
d. Embora seja verdade que a atividade divina deva ser vista por trás dos juízos
da quinta trombeta, a entrega da chave em 9:1 e poder em 9:3, 5 indicam que Deus
está permitindo, com limitações, que a atividade de Satanás se espalhe rapidamente.
Mas no capítulo 6 a atividade dos quatro cavalos não é permitida; é “ordenada.”86
Ordena Deus ao anticristo que se comporte da maneira como ele o faz?
87
A coroa real de autoridade reinante.
88
Simbolizada pela coroa de vitória (stephanoi) de Ap 6:2.
89
No Apocalipse Sinóptico é a pregação do evangelho que precipita os eventos do eschaton.
Os sete selos
90
Para uma discussão mais completa do “fogo” como um conceito simbólico veja meu Decoding
Revelation’s Trumpets (1988, p. 248-249, 368-369).
91
Ap 5:6, 9, 12; 6:9; 13:8; 18:24. A única exceção a isto é Ap 13:3 onde a besta do mar é descrita
como uma contrafação de Cristo.
Estudos selecionados em interpretação profética
Cereais, azeite e vinho eram as três principais culturas da antiga Palestina. Como
tais, elas representavam a bênção de Deus (Dt 7:13; Os 2:8; Jl 2:19, 24). Sendo que
os cereais são raso-enraizados, eles são muito mais facilmente danificados em uma
seca do que azeitonas e uvas. Um denário era a antiga designação para o salário de
um dia. Sob estas circunstâncias, os ganhos de um dia podiam apenas prover trigo
suficiente (o cereal de preferência) para a sobrevivência de uma pessoa. A imagem
é de uma fome induzida pela seca que ainda não progrediu para o nível em que as
plantas de raízes profundas e as árvores são afetadas.92
92
De acordo com Lv 26:26, que fica no fundo desta passagem, distribuir pão por peso é
um sinal de grave fome.
Os sete selos
93
Nesta interpretação o azeite poderia representar o Espírito e o vinho o sangue de Cristo. Na
parábola do Bom Samaritano estes foram remédios curadores.
94
A espada do segundo selo é uma palavra grega diferente (machaira) daquela do quarto selo
(rhomphaia). Machaira é a palavra usada em Lv 26 e Dt 32. A aplicação nas passagens de “espada,
fome e pestilência” de Jeremias e Ezequiel está dividida entre as duas palavras; assim elas parecem
aqui essencialmente idênticas em significado.
95
No grego do Antigo Testamento a palavra para “morte” (thanatos) traduz a palavra hebraica
para “pestilência” nas passagens principais da maldição da aliança. Ver exemplo em Jr 14:12;
24:10; Ez 5:12, 17. Sendo que thanatos é seguida pelo Hades (a habitação dos mortos no pen-
samento hebraico), ambas as ideias parecem combinar, embora personificadas separadamente.
Estudos selecionados em interpretação profética
pragas não são finais, mas são destinadas a evocar o arrependimento. Juízos
adicionais sobre os ímpios estão adiante no quinto e sexto selos.
Quatro cavaleiros. Os quatro cavaleiros provavelmente devem ser compreen-
didos mais como uma progressão de pensamento do que como uma rígida sequên-
cia histórica. Em primeiro lugar, a virtual ausência de qualquer referência a tempo
está em evidente contraste, por exemplo, com as sete trombetas.96 Além disso, as
desgraças refletidas nos selos 2–4 são ordenadas em uma ampla variedade de ma-
neiras no Antigo Testamento.97 Uma variedade semelhante de uso pode ser vista
comparando-se as três versões do Apocalipse Sinóptico (Mt 24; Mc 13; Lc 21), onde
essas desgraças constituem o caráter geral da Era Cristã.
A descrição do cavaleiro do cavalo branco — “vencendo e para vencer”
— sugere uma atividade contínua em vez de um período da História a ser
seguido por outro período.
Assim, os quatro cavaleiros muito provavelmente representam uma
descrição geral da propagação do evangelho (cavalo braço), a resultante
perseguição e divisão (cavalo vermelho), e as crescentes consequências da
rejeição desse evangelho (cavalos preto e amarelo).98 O tema central é que
a pregação do evangelho e a chegada de uma nova era em Cristo não inter-
rompe a propagação do mal no mundo. Isto bem expressa a tensão entre as
254 duas eras tão características do Novo Testamento como um todo.
Contudo, tendo dito isto, é digno de atenção que a progressão temática dos
quatro cavalos combina bem com a história dos primeiros mil anos da Era Cristã.
Primeiro, houve a rápida expansão inicial da igreja através da maior parte
do mundo então conhecido. O período seguinte trouxe divisão e transigência
em face da perseguição. Seguiu-se a perda de uma clara compreensão do evan-
gelho quando a igreja estabeleceu um reino terrestre nos anos depois de Con-
stantino. Finalmente, a Idade Escura de declínio e morte espiritual afundou a
96
Note os ais sucessivos das trombetas (Ap 8:13; 9:12; 11:14); os cinco meses (9:5, 10), os
quarenta e dois meses (11:2), e os três dias e meio (11:9).
97
Uma dúzia de passagens do Antigo Testamento registram no mínimo três das imagens tipo-ai
dos quatro cavaleiros (setas, espada, fome, pestilência, e animais selvagens). Quatro das cinco são
encontradas em Lv 26:21-26; Dt 32:23-25; Jr 15:2-3; Ez 5:12-17; 14:13-19, 21; mas em nenhuma
destas duas elas estão na mesma ordem. Da tripla listagem, quatro apresentam a mesma sequên-
cia que em Ap 6: guerra, fome e pestilência (praga): Jr 14:12-13; 24:10; 29:17-18; Ez 6:11-12; mas
duas mudam a ordem: Jr 21:6-9; Ez 33:27.
98
Na linguagem da aliança, o cavaleiro do cavalo branco oferece bênção; ao passo que os outros
três distribuem as maldições da aliança devido à rejeição do evangelho.
Os sete selos
A cena está simbolizando crentes que foram sacrificados por sua fé em tem-
pos anteriores à abertura deste selo. Depois de receber vestiduras brancas esses
mártires são informados de que eles devem repousar por pouco tempo até que
seus conservos e seus irmãos, que estão prestes a ser mortos como eles foram,
estejam “completos” ou “consumados”.
99
Um exemplo paralelo a isto são as três mensagens angélicas. Elas são cronológicas em ordem
de comando; daí em diante, elas são proclamadas lado a lado até o fim.
100
Uma analogia a esta dupla ênfase pode ser encontrada em Dn 7:11-12. Cada um dos animais
de Dn 7 tem um apogeu de atividade, contudo o espírito de cada animal continua existindo até
o fim.
Estudos selecionados em interpretação profética
101
O altar em estudo aqui é o altar do holocausto, não o altar de incenso. Frequentemente no
ritual do santuário do Antigo Testamento, o sangue era derramado (ekcherō, Lv 4:7, 18, 25, 30, 34;
8:15; 9:9, LXX) à base do altar do holocausto, ao passo que nada jamais acontecia à base do altar
de incenso. Em Ap 16:6 o sangue dos santos e profetas foi “derramado” (exechean) pelos ímpios,
uma evidente referência ao santuário. Como poderiam os martirizados serem mencionados em
termos do ritual do santuário? “Vem a hora em que todo o que vos matar julgará com isso tributar
culto (latreian prospherein) a Deus” (Jo 16:2). A morte dos mártires é parte de uma grande batalha
sobre a devida maneira de servir a Deus. Sendo que o altar de holocausto nunca é retratado no
Céu, antes é simbólico do sacrifício de Cristo na Terra, essas almas debaixo do altar não estão no
Céu, elas estão em suas sepulturas terrestres. Elas não “voltam à vida” até a Segunda Vinda (Ap
20:4). Assim o clamor de 6:10 é apenas simbólico, como o clamor do sangue de Abel em Gn 4.
102
O evento correspondente no Apocalipse Sinóptico é a grande tribulação (cf. Mt 24:21-22).
Os sete selos
Os sinais celestiais e terremotos deste selo não são exclusivos a esta passagem.
Eles lembram uma longa história de fenômenos semelhantes nas passagens do
“dia do Senhor” do Antigo Testamento.105 Talvez, ainda mais importante para
João é o uso por Jesus dos sinais celestiais em Mt 24:29 —
103
O verbo krinō (julgar) se aplica ao juízo investigativo bem como ao juízo executivo.
104
Veja Strand (1982, p. 53-60) para uma excelente discussão de Ap 18.
105
Ver Ez 32:7-8; Am 8:8-10; Jr 4:23-27; Is 34:4; 13:10-13; Na 3:12; Ez 38:19-20; Ag 2:6-9; Is
50:1-7; Jl 2:28-32; Sl 102:25-27.
Estudos selecionados em interpretação profética
106
Note o seguinte arranjo:
O sol se torna negro .........................................como (hōs)....... saco de crina.
Toda a lua se torna ............................................como (hōs)...... sangue.
As estrelas do céu caem sobre a Terra ............como (hōs)...... deixa cair os seus figos.
O céu se recolhe ................................................como (hōs)...... um pergaminho quando se enrola.
107
Muitos têm rejeitado o Dia Escuro e a queda das estrelas como um cumprimento desta profe-
cia porque eles têm sido compreendidos como eventos naturais. Contudo, Deus frequentemente
usa eventos naturais para realizar Seus propósitos (ver Êx 14:21 e a abertura do Mar Vermelho
para Israel). O significado do terremoto de Lisboa, do Dia Escuro e da queda das estrelas em sua
época apropriada, seu aparecimento em conexão com os anos finais dos 1260 anos de opressão
papal antes e depois de 1798.
Os sete selos
Ver o intenso silêncio quando o conteúdo de um testamento está prestes a ser revelado!
108
ao texto, mas páginas da História são citadas de outros escritores. Veja ibid., 455-87. Note a res-
salva na página 455 onde ele indica que mesmo isto foi extraído de uma publicação anônima da
Review and Herald escrita originalmente por Tiago White em 1859.
Estudos selecionados em interpretação profética
O mesmo Cristo que protege as igrejas (Ap 1–3) também se assenta no tro-
no de Deus nos lugares celestiais (Ap 4–5). Ele sabe e cuida quando Seu povo
sofre ou é forçado a percorrer esta vida sozinho por causa de sua fé nEle. Não
é surpreendente, portanto, que o povo de Deus ao longo da Era Cristã tenha
encontrado significado para a vida na estranha coleção de imagens que con-
stituem as porções apocalípticas do livro.
Os selos do capítulo 6 fornecem uma impressionante descrição da vida cristã
neste mundo entre a cruz e a Segunda Vinda. O povo sofredor de Deus pode às vez-
es indagar se a realidade não prova ser sua fé uma ilusão. A glória e o brilho parecem
residir com os inimigos do evangelho. Mas o fato de que horríveis realidades da
história e experiência terrestres seguem a abertura dos selos no Céu demonstra que
essas realidades estão sob o controle do Cordeiro, que já está reinando (Ap 5) e cujo
reino perfeito logo será consumado (11:15-18) (STOTT, 1986, p. 248).
Para os santos assediados um tratado teológico é muito menos eficiente do
que as imagens apocalípticas de um cordeiro morto que alcança uma vitória
irreversível. Através da contemplação pela fé desse Cordeiro e Sua vitória, os
sofredores e perturbados obtêm coragem para completar sua carreira. Depois
de citar porções de Apocalipse 5 e 7, diz Ellen White (2008, p. 45):
Referências
BOWMAN, J. W. Book of Revelation. [s. l.]: Abingdon, [s. d.]. (Interpreter’s dictionary
of the Bible, 4).
FORD, J. M. Revelation. Garden City: [s. n.], 1975. (The Anchor Bible, 38).
SMITH, U. Daniel and the Revelation. Battle Creek; Review and Harold, 1897.
266 STRAND, K. A. Interpreting the Book of Revelation. Naples: Ann Arbor Publ., 1972.
WATERHOUSE, D. The opening of the seven seals, Rev 4:1–8:1. (trabalho não publi-
cado) Berrien Springs: Andrews University, 1983.
Esboço do capítulo
1. Introdução
2. Temas/alusões à aliança
3. Correlativo quiástico
4. A grande tribulação
5. O selamento
6. Comentário sobre Apocalipse 7
7. Os 144 mil e a grande multidão
8. Características dos selados
9. Algumas preocupações teológicas
fim dos tempos (enquanto as outras forças angélicas seguram os ventos do distúrbio
e agitação), deve ser identificado com a obra do terceiro anjo de 14:9-11. Ambos
têm uma mensagem mundial, ambos apresentam essa mensagem no mesmo seg-
mento de tempo — antes do retorno de Cristo, e ambos lidam com a verdade do
sábado. Um o anuncia como o selo da lei de Deus dos Dez Mandamentos; o outro
adverte contra a aceitação de um falso sábado, a marca da besta.
Neste estudo a autora se expande sobre o que está envolvido na obra de se-
lamento, as características dos selados e o período de tribulação que enfrenta
os santos selados (os 144 mil) quando os ventos da agitação e perseguição
forem soltos, seguidos finalmente pelas sete últimas pragas. Embora os ad-
ventistas tenham geralmente separado os 144 mil da grande multidão vista
diante do trono na cena final do interlúdio, a evidência favorece a crença de
que eles são um e o mesmo grupo. Isto é, os 144 mil selados simbolizam a
grande multidão de todas as nações, tribos e línguas que permanecerão leais
a Deus no conflito final da grande controvérsia entre Deus e Satanás. Estes
finalmente estarão vitoriosos diante do trono de Deus e do Cordeiro.
Embora os santos selados estejam expostos à “ira” do dragão e de suas
agências associadas, eles são sustidos e protegidos por Deus que, selando-os, os
reconhece como sua própria e valiosa possessão. Sua virtude principal será uma
268 fé imbatível e inflexível que está firmada na pessoa e nas promessas de Cristo.
Introdução
Apocalipse7 retrata a segurança dos servos de Deus no meio da crise final
da Terra. Este segmento da série dos selos ocorre como um interlúdio entre
os eventos cataclísmicos do sexto selo e o silêncio do sétimo. A fim de com-
preender o seu significado, exploraremos várias áreas neste estudo.
Temas/alusões à aliança
O livro de Apocalipse (em comum com a literatura apocalíptica não in-
spirada) mostra como as promessas da aliança de um glorioso futuro serão fi-
nalmente cumpridas para o povo de Deus.1 Revela a história como um conflito
entre as forças do bem e do mal, a última causando grande devastação ao povo
1
O problema que a literatura apocalíptica enfrenta é o aparente fracasso da aliança. A aliança
entre Deus e Israel estipulava que se eles observassem os mandamentos seriam recompensados; se
não o fizessem, seriam punidos. Mas muitas vezes parecia que os mais fiéis eram perseguidos. Veja
a discussão de D. S. Russell (1964, p. 181-183) da relação da apocalíptica com a profecia que falhou.
Os santos selados e
2
Como tem salientado William H. Shea, todos os elementos da aliança são encontrados no
Apocalipse: identificação do rei suserano (1:5), recital dos seus atos de benevolência conferin-
do-lhe o direito à lealdade de seus vassalos (v. 5), estipulações ou ordens exigindo lealdade a
ele somente (2:10), provisões para depositar o documento do tratado e lê-lo (1:3), e bênçãos e
maldições sobre aqueles que guardam ou violam a aliança (as promessas e ameaças às sete igrejas).
Shea (1983, p. 71-84) analisa a estrutura das mensagens da aliança às sete igrejas. Mais estudo
precisa ser dedicado ao desenvolvimento do tema da aliança no restante do Apocalipse.
3
A maior parte de Apocalipse 1 lembra a entrega da aliança no Sinai. Jesus “nos libertou dos
nossos pecados” (v. 5) como Ele libertou Israel do cativeiro; “pelo seu sangue” sugere o sangue do
cordeiro pascal na véspera do livramento de Israel. Ele “nos constituiu reino, sacerdotes para o seu
Deus” (v. 6) como Israel deveria ser “reino de sacerdotes e nação santa” (Êx 19:6). Jesus apareceu a
João com uma “grande voz, como de trombeta” (v. 10) recordativo do clangor de trombeta no Sinai
(Êx 19:18). A reação de João prostrado lembra o temor de Israel diante da esmagadora teofania.
Estudos selecionados em interpretação profética
4
Para a figura da prostituta Babilônia, João inspira-se expressivamente no quadro do Antigo Testa-
mento de Israel como a mulher prostituta de Yahweh. A linguagem da aliança é usada para mostrar
a violação do voto matrimonial por Israel. Zacarias retrata a “impiedade” de Israel como uma oc-
ulta mulher babilônica (Zc 5:5-11). Isaías (1:21), Oséias (2:2, 4), Jeremias (3:1-3; 8-9), e especialmente
Ezequiel (16:15-34) descrevem o apóstata Israel que, como a esposa de Yahweh, se tornou a maior
prostituta da Terra, sujeita à ira de Deus da aliança. Também dois dos poderes da “falsa trindade” — o
dragão, a besta e o falso profeta, que parodiam a Trindade celestial — são cristãos apóstatas, imitando
Jesus Cristo e o Espírito Santo. “A besta”, à semelhança do Cordeiro, foi ferida de morte, e curada ou
ressuscitada (13:3). A terceira besta era semelhante a um cordeiro e tinha poder para comunicar vida a
uma imagem. Por estas figuras João está dizendo que estes poderes hostis eram pseudocristãos.
5
Ver Ez 14:21 — os “quatro maus juízos” de Deus baseados nas maldições da aliança de Lv 26:22, 25, 26.
6
As maldições estão inerentes na própria apostasia, sendo que desviar-se de Deus leva à
discórdia, fome, fome pela palavra de Deus (o trigo e a cevada), à pestilência da heresia, e
à morte por animais selvagens, posteriormente descritos em Apocalipse 12, 13 e 17 como
perseguição dos fiéis por uma trindade de animais ferozes.
Os santos selados e
sido fiéis à aliança, mas que têm sofrido perseguição da igreja apóstata. “Até
quando, ó Soberano Senhor, santo e verdadeiro, não julgas, nem vingas o
nosso sangue dos que habitam sobre a terra?” (6:10).
Esses fiéis clamam ao seu Suserano por justiça. Como “Soberano Sen-
hor, santo e verdadeiro”, Ele se comprometeu a ser fiel às suas promessas da
aliança.7 O clamor urgente dos mártires por justiça se torna essencial para
o restante do livro.8 À sua indagação, “Até quando?” é dada a resposta, “até
que seus conservos e seus irmãos que haviam de ser mortos como eles mes-
mos tinham sido estivessem completos” (6:11, grego).
Do texto não está claro se o seu número ou caráter deve ser feito comple-
to, sendo que a palavra número não está no texto grego. Em qualquer caso
é tentador ver em Apocalipse 7 o cumprimento desta promessa. Os servos
de Deus estão completos em número (144 mil) e em caráter (eles estão sela-
dos na lealdade da aliança a Deus). A grande multidão diante do trono está
vestida de vestiduras brancas (7:9). Eles experimentam a bênção suprema
da aliança, habitando com Deus em seu santuário (cf. Êx 25:8), isto é, eles
servem a Deus “no seu santuário” (en tō naō autou) enquanto Ele estende o
seu tabernáculo sobre eles (skēnōsei ep’ autou, 7:15; cf. 21:3).
Assim, Apocalipse 7 realça o fato de que no meio da apostasia Deus tem o
seu verdadeiro Israel, leal a Ele, que resistirá no conflito com o mal e receberá 271
as bênçãos finais da aliança.
Correlativo quiástico
A unidade nos selos na primeira parte de Apocalipse (4:1–8:1) é ecoada por
uma unidade correspondente perto do fim do livro (19:1–21:8). A primeira po-
deria ser chamada os selos históricos, a última poderíamos denominar os “selos”
escatológicos. Os “selos históricos” são numerados de um a sete; igual número
dos “selos escatológicos” é assinalado pela fórmula “e eu vi” (kai eidon). Donde
é possível combiná-los exatamente. Dentro desta estrutura há uma visão pa-
ralela ao capítulo 7 que lança luz sobre ela. Este diagrama é adaptado do arranjo
literário desenvolvido por William H. Shea (1988):
7
O significado veterotestamentário de verdadeiro e verdade “lealdade a uma palavra penhorada
ou propósito, fidelidade” (CHARLES, 1920, v. 1, p. 85-86).
8
O brado do altar mostra a justiça de fazer seus perseguidores beber sangue (16:4-7). Estas
mesmas pessoas eventualmente se assentarão sobre tronos para julgar seus perseguidores (20:4).
Estudos selecionados em interpretação profética
6:9-11 5 20:4-6 5
Almas debaixo do altar mortas por seu Almas mortas pelo testemunho de Jesus
testemunho para Jesus clamam a Deus voltam à vida e são elevadas ao trono
para que vingue o seu sangue dos ha bi- onde elas mesmas efetuam o juízo.
tantes da Terra. É-lhes dito que es perem;
recebem vestiduras brancas.
Observações: As almas debaixo do altar são finalmente elevadas e se assentam sobre tronos. Os
que clamavam a Deus para que julgasse seus perseguidores recebem eles mesmos o poder de julgar.
6:12-17 6 20:11 6
O céu recolhe-se como um pergaminho Terra e céu fogem da presença dAquele
que se enrola. Reis, generais, povos, se es- que se assenta no grande trono branco.
condem da face dAquele que se assenta
no trono e do Cordeiro.
Observações: Antes da segunda vinda de Cristo a abóbada do céu desaparece, expondo o mun-
do ímpio à presença de Deus no Seu trono e à ira do Cordeiro. No fim dos mil anos o mundo
ímpio outra vez é levado a juízo diante do trono de Deus.
Capítulo 7 Interlúdio 20:12-15 7
144 mil de Israel são selados. Grande multi- Mortos estão diante do trono; livros são
dão está diante do trono louvando a Deus abertos. É aberto o livro da vida. Mortos 273
pela salvação. Não mais fome, sede; Deus julgados pelo que está escrito nos livros.
enxuga as lágrimas dos olhos. Cordeiro Morte e Hades lançados no lago de fogo.
conduz às águas vivas. Deus habita com eles.
8:1 7 21:1-8; 22:1 Interlúdio
Cordeiro abre o sétimo selo (tornando Nova Jerusalém desce. Deus habita com
possível abrir o livro. Há silêncio no céu o Seu povo; enxuga as lágrimas; não mais
por meia hora. morte, pranto, dor. Água da vida para os
sedentos. O tabernáculo de Deus está
com os homens.
Observações: A abertura do sétimo selo remove a última barreira à abertura do livro. O silêncio no
céu por meia hora poderia se aplicar ao silêncio do Céu ao serem os vivos levados a juízo diante de
Cristo em sua segunda vinda. (Isto parece ser uma cena de juízo porque o seu correlativo quiástico
é uma cena de juízo.) No fim dos mil anos mortos são levados a juízo diante do trono e julgados se-
gundo os livros de registro. O livro da vida também é aberta, revelando quem está salvo e quem está
perdido. (Os interlúdios.) A julgar pelos contextos, o período de tempo de cada interlúdio parece
claro. Apocalipse 7 descreve a segurança dos santos durante as cenas ligadas à segunda vinda, ao
passo que Apocalipse 21 mostra a segurança dos santos no final dos mil anos. Apocalipse 7 descreve
as 12 tribos do Israel fiel; Apocalipse 21 descreve a noiva/cidade (assinalada com os nomes das 12
tribos). Em ambos os eventos Deus habita com eles. Eles não têm fome nem sede, porque Deus dá-
lhes água viva. Dor, pranto e morte não mais existem. Deus enxuga as lágrimas de seus olhos.
Estudos selecionados em interpretação profética
A grande tribulação
Apocalipse 7:1-3 descreve um tempo em que os quatro ventos da terra estão
prestes a serem soltos para danificar a terra, o mar e as árvores. O verso 14 se
refere à “grande tribulação” — presumivelmente o mesmo evento.
A grande tribulação é primeiramente mencionada em Daniel 12:1 no con-
texto do ato final do “rei do norte”, que sai com grande furor para “destruir e
274 exterminar a muitos” enquanto se prepara para atacar o “glorioso monte santo”
(Dn 11:44-45). Isto é o que desata o tempo de angústia ou tribulação (thlipsis
em Daniel 12:1, Septuaginta, e Apocalipse 7:14).
Sairá com grande furor, para destruir e exterminar a muitos. Armará as suas ten-
das palacianas entre os mares contra o glorioso monte santo. [...] Nesse tempo, se
levantará Miguel, o grande príncipe, o defensor dos filhos do teu povo, e haverá
tempo de angústia, qual nunca houve, desde que houve nação até àquele tempo;
mas, naquele tempo, será salvo o teu povo. (Dn 11:44–12:1).
João usa simbolismo semelhante para descrever os santos que estão com o
Cordeiro sobre o monte Sião tendo sido anteriormente atacados por poderes
hostis do mar e da terra que os havia condenado à morte (Ap 14:1; 13:1, 11, 15).
Jesus também se referiu à tribulação mencionada por Daniel, aplicando-a
à destruição de Jerusalém e a um subsequente longo período de perseguição.
tribulação daqueles dias o sol escurecerá, [...] Então, aparecerá no céu o sinal do
Filho do homem (ver Mt 24:15-30; Mc 13:14-20).
O selamento
Antes de vir a grande tribulação sobre o mundo, um anjo é comissionado a
selar o povo de Deus na fronte.
Vi outro anjo que subia do nascente do sol, tendo o selo do Deus vivo, e clamou
em grande voz aos quatro anjos, aqueles aos quais fora dado fazer dano à terra
e ao mar, dizendo: Não danifiqueis nem a terra, nem o mar, nem as árvores, até
selarmos na fronte os servos do nosso Deus. (7:2-3)
Enquanto os santos recebem o selo de Deus, seus inimigos recebem uma marca
sobre a mão direita ou sobre a fronte, conhecida como “a marca da besta” (16:2).
Semelhança de caráter
O selo de Deus consiste do nome de Deus sobre a fronte. “Ao vencedor,
[...] gravarei também sobre ele o nome do meu Deus, [...] e o meu novo nome”
(3:12). “Olhei, e eis o Cordeiro em pé sobre o monte Sião, e com Ele cento e
quarenta e quatro mil, tendo na fronte escrito o seu nome e o nome de seu Pai”
(14:1). “Contemplarão a sua face, e na sua fronte está o nome dele” (22:4).
A marca da besta consiste do nome da besta sobre a fronte ou sobre a mão
(13:17). Na Antiguidade, um nome significava muito mais do que um rótulo. Repre-
sentava o caráter. Quando Deus proclamou o seu “nome” a Moisés, Ele descreveu o
seu caráter: misericordioso, compassivo, longânimo (Êx 34:5-7). Assim, a recepção
da marca da besta e do selo de Deus, consistindo dos nomes da besta e de Deus,
denota conformidade com o caráter de Satanás ou de Deus. No conflito final, todos
portarão a imagem do demoníaco ou do divino (ver NEALL, 1983, p. 149-153).
Os santos selados e
Propriedade
O selamento ou marcação de animais, objetos e homens, indicava posse ou
propriedade. As pessoas eram frequentemente selados por marcas sobre o cor-
po: a orelha de um servo era furada para mostrar que ele pertencia ao seu senhor
para sempre (Êx 21:6); a circuncisão era uma marca sobre o corpo mostrando
que Israel pertencia a Yahweh (Gn 17:9-12). O sumo sacerdote no santuário
israelita usava uma mitra com uma lâmina sobre sua testa gravada com as pala-
vras “Santidade ao Senhor” (Êx 28:36-38), indicando sua consagração especial
a Deus. Sendo que os santos são chamados sacerdotes em Apocalipse (1:6; 5:10;
20:6), a marca em sua fronte sugere esta consagração a Deus.
Isaías descreveu a alegria de ser marcado por Deus: “Um dirá: Eu sou do
Senhor; outro se chamará do nome de Jacó; o outro ainda escreverá na própria
mão: Eu sou do Senhor, e por sobrenome tomará o nome de Israel” (44:5). In-
versamente, Deus grava Sião nas palmas das suas mãos (49:16).
O selamento, portanto, é um assinalamento do povo como pertencente a
Deus, Sua possessão (FITZER, 1971, p. 939-953). Semelhantemente, aqueles
que são marcados com o nome da besta são a propriedade da besta.
Proteção
O selamento era um sinal não somente de posse, mas também de pro- 277
teção. Tudo o que é chamado pelo nome de alguém se encontra sob a pro-
teção bem como a autoridade do proprietário. O conceito de uma marca ou
selo para indicar proteção é tão antigo como o sinal em Caim (Gn 4:15). O
sangue do cordeiro pascal aspergido sobre as ombreiras da porta dos lares
israelitas era um sinal para o anjo destruidor de que ele deveria passar por
alto seus lares (Êx 12:7, 12-13). A visão do juízo de Ezequiel mostra um es-
critor com um tinteiro colocando uma marca sobre os fiéis para protegê-los
da morte pelo executor (Ez 9:4-5) (BETZ, 1971, p. 657-664).
O selo de Deus destina-se a proteger os santos dos poderes demoníacos
que torturam os homens de sorte que eles procuram a morte em vez da vida
(Ap 9:4-6). Também os santos são protegidos das sete últimas pragas, que
caem apenas sobre os adoradores da besta (16:2). O selo, portanto, protege
os santos da derrota pelo inimigo e dos juízos de Deus. Não os protege da
ira da besta (13:15, 17). Semelhantemente, a marca da besta protege seus
seguidores da perseguição da besta, mas não da ira de Deus (14:9-11).
Estudos selecionados em interpretação profética
Genuinidade
O selamento também indica genuinidade. No mundo antigo, vasos, casas,
sepulturas e documentos eram selados como uma garantia contra violação
ou alteração (FITZER, 1971, p. 939-953). O selo denota confiabilidade (Jo
6:27). Os santos são selados para torná-los a própria possessão inviolável
de Deus (2 Co 1:22; Ef 1:13-14; 4:30). O selo sobre os santos garante sua
imunidade à apostasia e sua segurança eterna durante a grande tribulação
(HOEKSEMA, 1969, p. 259). Seu caráter está fixado em lealdade a Deus.
Como vencedores, levando o nome de Deus em sua fronte, eles nunca mais
saem do Seu templo (Ap 3:12). Sendo justos, eles são justos ainda (22:11).
Certamente, guardareis os meus sábados; pois é sinal entre mim e vós nas vossas
gerações; para que saibais que eu sou o Senhor, que vos santifica. [...] Entre mim
e os filhos de Israel é sinal para sempre; porque, em seis dias, fez o Senhor os céus
e a terra, e, ao sétimo dia, descansou, e tomou alento (Êx 31:13-17).
Também lhes dei os meus sábados, para servirem de sinal entre mim e eles,
para que soubessem que eu sou o Senhor que os santifica. [...] Santificai os
meus sábados, pois servirão de sinal entre mim e vós, para que saibais que
eu sou o Senhor, vosso Deus (Ez 20:12, 20).
Estudos selecionados em interpretação profética
Tempo do selo
Quando o povo de Deus é selado? Ao longo de toda a história, o povo de Deus
tem tido o seu selo. Jesus tinha o selo de Deus (“porque Deus, o Pai, o confirmou
com o seu selo”, Jo 6:27). Deus tem posto o seu selo sobre o seu povo (2Co 1:22); o
Espírito Santo é o agente que sela, e a posse do Espírito é a garantia de vida eterna
(Ef 1:13-14). O propósito do selamento é tornar alguém seguro para a eternidade, o
“dia da redenção”; mas alguém pode perder esta segurança entristecendo o Espírito
(Ef 4:30). Assim, parece que os santos de todas as eras têm sido selados. Qual, então,
é o significado e o propósito do selamento de Apocalipse 7?
280 Embora o povo de Deus através dos séculos tenha sido selado, Ele tem tido
selos especiais para crises especiais. Por exemplo, o sangue nas ombreiras dos
lares israelitas no tempo do Êxodo era, em certo sentido, um selamento espe-
cial. Exatamente assim, o anjo do nascente do Sol sela os servos de Deus a fim
de prepará-los para a maior tribulação da história (7:1-3). O selo em sua fronte
garante sua estabilidade de caráter: justo, eles serão justos ainda (22:11). O selo
escatológico é a sua proteção especial durante a crise final. O conflito sobre a
marca-selo nos últimos dias tem a ver com um conflito entre os poderes de
Cristo e do anticristo. Cada indivíduo terá o selo de Deus ou a marca da besta,
indicando fixidez de caráter à imagem de Deus ou de Satanás.
9
A reforma do sábado do tempo do fim pelo povo de Deus em um mundo dominado pela
Babilônia espiritual pode ser vista como um paralelo à reforma do sábado do antigo Israel
liberto do exílio babilônico (Is 58:12-14).
10
Urias Smith (1897, p. 466-467) acreditava que o anjo do selamento de Ap 7 e o terceiro
anjo de Ap 14 eram idênticos.
Os santos selados e
Versos 1-3
Significado dos símbolos. Inicialmente, quatro anjos são descritos como
estando nos quatro cantos da Terra segurando os quatro ventos até que os ser-
vos de Deus estejam selados em sua fronte (7:1, 3). No pensamento apocalíptico,
os anjos têm controle sobre os elementos (aqui sobre os ventos; também sobre
o fogo e a água, 14:18; 16:5). Os quatro ventos representam guerras e contendas
permitidas por Deus e produzidas por agentes humanos.12 É dito que os ventos
11
Note as analogias: guardados “da hora da provação” (3:10); “vêm da grande tribulação” (7:14). “Eu
escreverei sobre ele o nome do meu Deus” (3:2); “selados . . . na fronte” (7:3). Feito “coluna no santuário
do meu Deus, e daí jamais sairá” (3:12); “o servem de dia e de noite no seu santuário” (7:15).
12
Jeremias usou os quatro ventos como símbolos de destruição — o mal, a espada e o furor
da ira de Deus — desencadeados contra as nações por Nabucodonosor (Jr 49:35-37). Daniel
descreve quatro ventos agitando o mar grande — uma figura do tumulto entre as nações quando
os quatro grandes poderes estavam para surgir (Dn 7:2). Às vezes as nações eram destinadas a
serem espalhadas para os quatro ventos do céu (Dn 11:4), isto é, estarem à mercê dos poderes
Estudos selecionados em interpretação profética
282 destruidores. Assim os ventos de Ap 7 vindos dos quatro da Terra eram destrutivos.
13
Para terra como a terra santa, veja Êx 20:12; Sl 37:11 (cf. Mt 5:5). O mar no pensamento
antigo tornou-se a incorporação da esfera de calamidades sendo que está ligado ao abismo
(heb. tehôm, gr. abussos). É o habitat do dragão (Is 27:1; 51:9; Sl 74:13-14) e animais predatórios
surgem dele (Dn 7:2-3; Ap 13:1) (BÖCHER, 1978, p. 982-985). Águas significam multidões,
nações e línguas (Ap 17:15). No mar o poder da água hostil a Deus e aos homens se opõe ao
povo de Israel. O rugir do mar e das ondas significa o tumulto das nações (Sl 65:7; ver Lc 21:15).
O Apocalipse divide os inimigos de Deus em dois grupos: habitantes da terra e do mar (12:12),
os primeiros (chamados “aqueles que habitam sobre a terra”) sendo o professo povo de Deus
mas realmente cristãos apóstatas, e os últimos o vasto mundo não cristão.
14
Árvores (também videiras) nas Escrituras são usadas como parábolas do povo. Israel é uma
árvore da plantação de Deus (Ez 17:5ss.; Is 65:22; Os 14:5-6; Lc 13:6-9; Mt 21:19; Rm 11:16ss.). O
Egito era uma árvore florescente a ser derrubada (Ez 31:2-11); Deus é contra os elevados cedros
do Líbano e os carvalhos de Basã. Ambos, os justos e o ímpios florescem como árvores (Sl 1:3;
37:35=36), embora os ímpios sejam cortados. Nabucodonosor foi comparado a uma grande ár-
vore (Dn 4:10ss.) Veja também Juízes 9:7-15, a parábola das árvores.
A vida humana é transitória como a erva (2Rs 19:26; Sl 90:5-6; 103:15-16; Mt 6:30; Tg 1:10-11; 1Pe
1:24. A erva verde de Ap 9:4 se refere àqueles que têm o selo de Deus (ver HILLYER, 1976, p. 210-211).
15
O Éden está localizado ali (Gn 2:8); a glória de Deus retornou do oriente ao templo (Ez
43:2); o Sol da Justiça surge trazendo cura nas suas asas (Ml 4:2); Jesus em Seu segundo ad-
vento vem do oriente (Mt 24:27; Ap 16:12).
16
Charles comenta decididamente: “Nas vésperas desta epifania de Satanás, Deus sela seus servos na
fronte para mostrar que eles são sua própria possessão. [...] Em seu mais profundo sentido este sela-
mento significa a manifestação exterior do caráter. A bondade oculta dos servos de Deus é finalmente
Os santos selados e
Versos 4-8
Em sua visão João ouviu o número dos selados: 144 mil de todas as tribos de
Israel, 12 mil de cada tribo. O nome Israel lembra a noite de luta de Jacó com o anjo
e o novo nome que lhe foi dado, “lutaste com Deus e com os homens e prevaleceste”
(Gn 32:28). Israel é, portanto, um nome adequado para os santos do Apocalipse,
frequentemente chamados vencedores (2:7, etc.; 15:2; 21:7). O Israel de Deus vence 283
completamente o pecado de dentro e o inimigo de fora.
A igreja: Israel espiritual. Israel deve se referir ao Israel espiritual — a ig-
reja — em vez de os judeus ou somente os cristãos judeus, sendo que os que de-
vem ser selados são os “servos do nosso Deus” (v. 3), aqueles que são de Cristo
(1:1), judeus e não judeus igualmente. Semelhantemente, em 14:1 os 144 mil
são os seguidores do Cordeiro, todos os que têm o seu nome na fronte. O Novo
Testamento afirma repetidamente que a herança de Israel pertence à igreja.18
ostentada exteriormente e o nome divino que foi escrito em segredo pelo Espírito de Deus em seu
coração é agora imprimido abertamente em sua fronte pelo próprio anel de sinete do Deus vivo. No
reinado do anticristo bondade e maldade, justiça e pecado, entram em sua mais plena manifestação e
antagonismo. O caráter finalmente entra no estágio da finalidade” (1:206). Ellen White (1999, p. 415-
416) escreve de um modo semelhante: “Os últimos raios da luz misericordiosa, a última mensagem
de graça a ser dada ao mundo, é uma revelação do caráter do amor divino. Os filhos de Deus devem
manifestar Sua glória. Revelarão em sua vida e caráter o que a graça de Deus por eles tem feito”.
17
Em resposta à pergunta “Até quando?”, Apocalipse 6:11 sugere que um número deve ser con-
stituído. Lucas 14:23 sugere que Deus quer que sua casa esteja cheia. Mateus 24:14 diz que o
evangelho será proclamado a todo o mundo antes de vir o fim.
18
Veja Mt 21:43; Rm 8:28-29: Gl 3:29; 6:15-16; Tg 1:1; 1Pe 2:9-10.
Estudos selecionados em interpretação profética
Segue-se que Israel é coextensivo com toda a igreja — o povo da aliança, fiel a
Deus em um mundo hostil de cristãos apóstatas e não cristãos.
Número simbólico: 144 mil. O número 144 mil (12 x 12 x 1000) baseia-se
no número 12 do reino. O número sugere perfeita simetria e completude bem
como a vastidão da multidão dos selados. Doze é o número do antigo Israel,
baseado nas 12 tribos. É também o número da igreja, construída sobre os 12
apóstolos. A Nova Jerusalém, estruturada para representar o Israel do Antigo
e do Novo Testamento, tem 12 portas com os nomes dos 12 patriarcas, e 12
fundamentos contendo os nomes dos 12 apóstolos (21:12-14; cf. Ef 2:20-21). As
dimensões da cidade estão em múltiplos de 12 (21:16-17).
A grande cidade quadrada é projetada para acomodar o “quadrado vazio”
de santos que entrarão por suas portas pelos nomes de suas respectivas tribos,
12 mil por cada porta. Isto sugere que todos os que entram pelas portas de
pérolas serão designados para uma tribo, talvez com base no caráter (veja Gn
49 para uma descrição preliminar dos seus traços). A mistura das tribos e dos
apóstolos na estrutura da cidade sugere a unidade da igreja de Deus. Judeus e
gentios unidos em um (Ef 2:14, 18-22). O número 144 mil deve assim ser com-
preendido como um símbolo da unidade, perfeição e completude da igreja de
Deus — completa porque o número se completou (6:11).
284 Listagem tribal. A listagem das tribos por João é diferente de qualquer out-
ra das Escrituras (7:5-8). Os nomes não são dados de acordo com a idade ou
posição social ou origem por parte de mãe (cf. 35:22-26). Judá toma a posição
principal, sem dúvida porque Jesus tem sido apresentado como “o Leão da tribo
de Judá” (Ap 5:5). Dã é omitido, possivelmente por causa do caráter de Dã —
uma serpente mordendo os calcanhares do cavalo (Gn 49:17), e porque Dã se
tornou um centro de idolatria no reino do norte (1Rs 12:29-30). Estes pecados,
porém, eram comuns a todo o Israel. Na literatura judaica não inspirada, Dã
está associado ao pecado e a Satanás.19 Para compensar a omissão de Dã da
lista, João insere Manassés, embora ele devesse ser incluído em José. Realmente,
então, o nome de José está simbolizando a tribo de Efraim, os descendentes do
seu filho mais novo. As irregularidades na listagem das tribos confirmam a con-
clusão de que as tribos não deveriam ser compreendidas literalmente.
Assim, a primeira visão de Apocalipse 7 retrata os servos de Deus prestes
a entrar na tribulação (simbolizados pelos 144 mil, v. 4-8), e a segunda uma
Em Testamentos dos Doze Patriarcas (Dã 5:5-6), Dã fala de seus filhos que eles praticaram o mal
19
porque seu príncipe é Satanás. Esta pode ser a origem da lenda patrística primeiramente proposta por Iri-
neu, e depois por Hipólito, de que o anticristo viria da tribo de Dã (ver CHARLES, 1920, v. 1, p. 208-209).
Os santos selados e
grande multidão saindo dela (v. 9-14); mas não há nenhuma descrição da tribu-
lação em si. Esta é descrita posteriormente no livro onde a guerra (12:17), um
decreto de morte (13:15-17, e muito martírio são mencionados (17:6).
Versos 9-12
A grande multidão. No segundo segmento do capítulo 7 João vê uma
grande multidão em pé diante do trono, louvando a Deus. Em contraste com os
precisamente numerados 144 mil, este grupo não pode ser numerado. Em lugar
das 12 tribos de Israel estão pessoas de todas as nações, tribos, povos e línguas.
A grande multidão está diante do trono e do Cordeiro cantando: “Ao nosso
Deus, [...] e ao Cordeiro, pertence a salvação” (v. 9-10).
A multidão contrasta com os reis da terra, grandes homens, generais, e seus
exércitos (6:15-17). A primeira se deleita em estar diante do trono e do Cord-
eiro; a última não pode suportar a visão. A primeira está vestida de vestiduras
brancas; a última procura se cobrir com as rochas e montanhas.
Fonte da tribulação. Ao desenvolver João os pensamentos iniciais intro-
duzidos aqui, torna-se evidente que os reis e generais são os que guerreiam con-
tra o Cordeiro e o seu povo (17:12-14; 19:18-19). Eles têm causado a “grande
tribulação” — os ventos destruidores contra os quais os servos de Deus foram
selados. Nessa batalha o Cordeiro combate — “o Cordeiro os vencerá” (17:14; 285
cf. 19:15). O papel principal dos fiéis é estar com Ele (17:14c). Portanto eles
clamam: “A salvação pertence ao nosso Deus [...] ao Cordeiro!” (7:10).
Ante este clamor, a hoste celestial que circunda o trono prostra-se e adora
a Deus com uma sétima atribuição de louvor (7:11-12). A salvação dos peca-
dores, custosa como tem sido, leva de volta a Deus uma ceifa de bênção, glória,
sabedoria, ação de graças, honra, poder e força. A efusão de amor que esvaziou
os recursos do Céu retorna em uma onda excepcionalmente grande de louvor.
O trono, que se acha no centro do Universo, está para sempre seguro porque
somente o amor tem poder e força supremas.
Versos 13-14
A grande multidão: marcas de identificação. Um dos 24 anciãos pede a
João que identifique a grande multidão e diga como ela atingiu a sala do trono
de Deus. João não tem nenhuma ideia. A pergunta é significativa, e o ancião
prossegue respondendo à sua própria pergunta, sendo que o grupo jamais havia
surgido antes na sala do trono. Nos capítulos 4 e 5, é descrita a disposição da sala
do trono: o trono de Deus no centro, circundado pelos quatro seres viventes, os
24 anciãos, e as hostes de anjos.
Estudos selecionados em interpretação profética
20
Ver Is 61:10; Dn 11:35; 12:10; Zc 3:3-4; Mt 22:11-12; Ap 19:8.
21
Algumas das outras impressionantes imagens de João são as seguintes: O Filho do homem apas-
centará (poimanei — cuidará ternamente de, 7:17). Seus inimigos com um cetro de ferro como vasos
de oleiro são despedaçados (19:15) — acentuada ironia tem-se em vista. Outras contradições
aparecem com a designação de Jesus como Cordeiro: o Leão da tribo de Judá é um cordeiro morto
(5:5-6). Os grandes e os pequenos da Terra pedem para serem escondidos da ira do Cordeiro (6:16).
Semelhantemente, os adoradores da besta serão atormentados com fogo e enxofre na presença do
Cordeiro (14:10). O Cordeiro apascentará o seu povo (7:17). Uma besta semelhante a um cordeiro fala
como um dragão (13:11). Os dois principais antagonistas do livro, o Cordeiro e a besta, são ambos
formas diminutivas em grego (arnion de arēn e thērion de thēr, donde “pequeno cordeiro” e “pequena
besta”). Embora os termos possam ter perdido o seu sentido diminutivo quando João os usou, há pos-
sivelmente um traço de ironia nos termos: isto é, “pequeno cordeiro ou cordeirinho indica o poder da
suavidade, e “pequena besta” a fraqueza da força.
Os santos selados e
51:7. Mas usar sangue para alvejar é exclusivo de João. Talvez um contraste
possa ser visto aqui: Jesus manchou suas vestes em nosso sangue — Ele se
tornou pecado por nós —para que nossas vestes pudessem se tornar bran-
cas em seu sangue — nele nos tornamos justiça de Deus (2Co 5:21).22
Verso 15
“Razão por que se acham diante do trono de Deus e o servem de dia e de
noite no seu santuário.” Suas vestes brancas os habilitam a ministrar dia e noite
no templo de Deus.23 Assim é cumprida a promessa a Filadélfia: “Ao vencedor,
fá-lo-ei coluna no santuário do meu Deus, e daí jamais sairá” (3:12).
“E aquele que se assenta no trono estenderá sua tenda sobre eles” (v. 15, NIV).24
Esta é uma renovação da promessa da aliança de que Deus habitaria no meio do seu
povo (Lv 26:11; Zc 2:10-11; cf. Êx 25:8). “Meu tabernáculo [tenda] estará com eles;
Eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo” (Ez 37:27). Mas em Apocalipse 7:15 a
figura é um pouco diferente: Ele estenderá sobre eles a sua tenda.
O termo “estender sua tenda” em hebraico está relacionado com a palavra Shek-
inah, a glória ou presença de Deus que repousa sobre o seu povo como o sinal de
Ssua presença, como a coluna de nuvem e de fogo os abrigava em suas vagueações no
deserto (Êx 13:21). Isaías descreve a coluna de nuvem e de fogo como uma coberta
ou pavilhão estendido sobre o povo de Deus para protegê-los da tempestade (4:5-6) 287
(BEASLEY-MURRAY, 1974, p. 148). Davi expressou um ponto de vista semelhante
em Salmo 27:4-5 no dia da adversidade enquanto exércitos estavam acampados
contra ele e malfeitores o assaltavam. Deus o esconderia em seu pavilhão, sob a
proteção de sua tenda. Ali no templo de Deus ele contemplaria a beleza do Senhor
(como faz a grande multidão diante do trono). As fontes veterotestamentárias de
Apocalipse 7:15 falam de estar com Deus durante a tribulação. O verso sugere então
em retrospecto que Deus estenderá Sua glória sobre Seu povo como uma tenda para
protegê-los da tempestade, a grande tribulação.
22
O sangue do Cordeiro é um agente poderoso, capaz não somente de lavar as vestes de alguém
e branqueá-las, mas libertar-nos dos nossos pecados (1:5), pagar o preço da redenção (5:9) e
vencer as acusações de Satanás (12:11).
23
Note que quando Arão e seus filhos foram consagrados ao sacerdócio suas vestes foram as-
pergidas com sangue (Lv 8:30). Lavar as vestes com sangue era assim parte do ritual sacerdotal.
24
Do verbo skēnoō (acampar, armar uma tenda).O verbo grego, coincidentemente, tem as mesmas
consoantes do equivalente hebraico škn, da qual a palavra Shekinah (a presença de Deus) é derivada. A
ideia é que Deus arma Sua tenda, ou habita, com o Seu povo. O uso neotestamentário do verbo está limi-
tado aos escritos joaninos. A palavra acampa na carne humana (Jo 1:14); Deus estende sua tenda sobre
o Seu povo (Ap 7:15); finalmente a tenda de Deus está com a humanidade e Ele habita com eles (21:3).
Estudos selecionados em interpretação profética
Versos 16-17
Estes versos são derivados de Isaías 49:10, descrevendo o retorno de Israel
do exílio babilônico:25
25
Muitas das fontes literárias do Antigo Testamento para Apocalipse 7 são extraídas de refer-
ências aos cativeiros egípcio e babilônico. O horror do exílio de Israel e a alegria do livramento,
do Egito e de Babilônia, se tornam tipos da tribulação final e livramento do povo de Deus. As ex-
periências Egito/Babilônia eram tal parte da mentalidade do autor que proveram uma importante
fonte das imagens de todo o livro. Por exemplo, as pragas, o cântico de Moisés (15:2), e sustento
no deserto (12:6) são alusões ao êxodo do Egito, ao passo que a secagem do rio Eufrates (16:12)
e o chamado para sair de Babilônia (18:4) alude ao êxodo de Babilônia.
26
A figura de um Cordeiro apascentando seu rebanho não é tão incongruente como parece, sendo que
às vezes as ovelhas e o gado são treinados para conduzir o rebanho (BEASLEY-MURRAY, 1974, p. 149).
Os santos selados e
Mas enquanto o Filho de Deus serve o seu povo, o próprio Pai realiza
um comovente serviço. Embora Ele sempre tenha parecido remoto, sentado
sobre o trono, aqui Ele se inclina para enxugar as lágrimas dos olhos do Seu
povo (7:17; cf. 21:4). Esta declaração é extraída da seção apocalíptica de
Isaías (caps 24-26), descrevendo a devastação da Terra sob a ira de Deus, e o
seu amor protetor para o Seu povo: “Tragará a morte para sempre, e, assim,
enxugará o Senhor Deus as lágrimas de todos os rostos” (25:8).
exemplo MOUNCE, 1977, p. 171; SMITH, 1897, p. 470-471). Embora esta seja uma
compreensão razoável do texto, o exame cuidadoso revela alguns problemas.
Urias Smith pensava que a pergunta do ancião, “Quem são estes [...]?” do
verso 13 se refere aos 144 mil em vez de à grande multidão. Ele afirma que João
já conhecia a identidade da grande multidão — os fiéis de todas as nações, res-
suscitados dos mortos na segunda vinda de Cristo. Assim a descrição feita pelo
ancião dos santos de vestiduras brancas que vieram da grande tribulação deve
se aplicar aos 144 mil (SMITH, 1897, p. 471-472). 27
Smith divide o capítulo em três partes: os 144 mil, versos 1-8; a grande multidão,
versos 9-12; e os 144 mil, versos 13-17. Assim, os que vêm da grande tribulação (v.
14) são os 144 mil que estão selados contra os ventos. A grande multidão, conforme
descrita nos versos 9-12, pode então se aplicar aos fiéis de todas as épocas.
A maioria dos estudiosos, porém, vê somente dois segmentos no capí-
tulo: os 144 mil (v. 1-8) e a grande multidão (v. 9-17). Isto é porque a per-
gunta e a descrição do ancião claramente se aplicam à grande multidão —
eles são aqueles com vestiduras brancas que estão diante do trono de Deus
(ver v. 14-15 com o v. 9). Esta compreensão introduz o problema de que a
grande multidão não é mais os fiéis de todos os séculos, mas está limitada
àqueles que experimentam a grande tribulação.
290 Para acomodar este problema, alguns redefinem “a grande tribulação” como a
perseguição da igreja cristã através dos séculos (HOEKSEMA, 1969, p. 265-266),28
ou especificamente a perseguição dos mártires de 6:9-11 (cf. Mt 24:21-22). A multi-
dão de vestiduras brancas então completa o número dos mártires de vestiduras
brancas (7:14; 6:11). Esta acomodação enfraquece o significado de a “grande tribu-
lação” (específico em grego), uma alusão ao “tempo de angústia, qual nunca houve,
desde que houve nação até àquele tempo” de Daniel (Dn 12:1).
27
Em O Grande Conflito (2005), Ellen White usa os versos 14 a 17 para descrever os 144 mil
(648-49). Não está claro se ela acha que o ancião está realmente descrevendo os 144 mil, ou se ela
assume que os 144 mil são idênticos à grande multidão (descrita na opinião 3 abaixo).
28
O SDA Bible Commentary (NICHOL, 1957, v. 7, p. 785) se refere a esta opinião.
29
Alguns dos muitos cujos comentários mantêm este ponto de vista são Beasley-Murray, Caird,
Charles, Kiddle, Ladd, Lenski, Summers, and Swete. O SDA Bible Commentary (NICHOL, 1957,
v. 7, p. 784)apresenta um caso convincente para este ponto de vista sem assumir uma posição.
Os santos selados e
depois de ter seguramente chegado ao Céu. Eles raciocinam que no primeiro seg-
mento (v. 1-8) João ouve o número dos selados, mas no segundo (v. 9-17) ele vê que
eles realmente são uma grande multidão que ninguém pode enumerar. O número
144 mil é simbólico da vastidão da inumerável multidão.
A nação de Israel com suas 12 tribos significa a multidão do Israel espir-
itual de todas as nações e tribos. A obra de selamento é análoga a lavar as ves-
tiduras e as alvejar no sangue do Cordeiro. Os ventos soltos sobre o mundo são
a figura da grande tribulação. Assim o segundo segmento da visão não é um
contraste do primeiro, mas uma explicação dele. Em outras palavras, a primeira
cena (v. 1-8) descreve a igreja sobre a Terra prestes a experimentar a tribulação;
a segunda cena (v.9-17) a descreve no Céu depois de passada a tribulação.
Esta opinião é lógica e fiel ao texto. Resolve o problema que surge com
uma opinião rigidamente literal dos 144 mil: a arbitrariedade do número
144 mil dividido em 12 partes iguais, a pequenez do número em vista do
tamanho da igreja mundial, a identidade das tribos perdidas de Israel, e a
natureza do grupo como machos celibatários (14:4). Positivamente, faz uma
poderosa declaração de que Israel equivale à igreja.
30
A seguinte opinião representa a compreensão pessoal da autora, não o consenso da Comissão de
Daniel e Apocalipse, e é impressa aqui para um estudo mais vasto sem tentar prover contra-argumentos.
31
Alguns poderiam argumentar que o templo não desaparece até o final dos mil anos.
Em qualquer caso parece que quando Deus e seu povo usufruem comunhão face a face, a
imagem do templo não é mais usada.
32
A utilização grega do particípio presente, hoi erchomenoi, em vez do aoristo, hoi elthontes.
Para uma construção semelhante, veja também 15:2 — os que estão em pé no mar de vidro estão
vencendo (tous nikōntas) a besta e sua imagem, não têm vencido. Eles estão ainda empenhados na
luta conta a besta quando enquanto estão em pé no mar de vidro.
Estudos selecionados em interpretação profética
Parece ser um modelo recorrente nos escritos joaninos que expõe mais dos
surpreendentes paradoxos de João. O quarto evangelho é conhecido por seu
conceito de escatologia inaugurada (vida eterna agora).33 O que é literal e real
no futuro entra no presente como uma experiência espiritual. O mesmo modo
de pensamento aparece em Apocalipse.
Os santos reinarão para todo o sempre (22:5), mas mesmo no exílio João
participa do reino (1:9). O rio flui através da cidade santa (22:1-2), mas o sed-
ento pode beber dele agora (v. 17). Deus habitará com o seu povo face a face
(21:3; 22:4), mas agora Cristo entra pela porta para cear com eles (3:20). Cristo
logo virá com sua recompensa (22:12), mas Ele vem agora à sua igreja (2:5, 16,
25). A cidade santa descerá do Céu para a Nova Terra (21:2), mas ela desce
agora mesmo para aquele que vence (3:12).34
Em harmonia com este pensamento, João se refere coerentemente aos in-
imigos de Deus como aqueles que “habitam sobre a terra” (13:8), ao passo que
a comunidade oposta de santos é chamada “os que habitam no céu” (13:6).35
Morar no Céu é portanto uma experiência presente. Ele também tem frequentes
visões dos santos no Céu “diante do trono”, “com o Cordeiro sobre o monte Sião”,
“sobre o mar de vidro” onde o contexto de cada passagem indica que o conflito
final ainda está em andamento.36 Ele casualmente menciona os santos adorando
292 no templo durante os 42 meses de opressão (11:1; cf. 7:15).
A maioria dos intérpretes vê essas como visões “prolépticas” (antecipatóri-
as) da bem-aventurança celestial. Certamente elas são. Haverá um dia em que
os fiéis estarão diante do trono louvando a Deus. Mas os escritos joaninos são
33
O quarto evangelho fala repetidamente das bênçãos futuras ocorrendo agora: absolvição
no juízo (5:2), ressurreição da morte (5:25), vida eterna (6:47), a vinda de Cristo (14:1 —
futuro; 18, 23 — presente).
34
Outra vez, um particípio presente, hē katabainousa.
35
“Aqueles que habitam sobre a terra” são sempre os inimigos do povo de Deus. Eles derramam
o sangue dos mártires (6:10), são alvos dos ais das trombetas (8:13), regozijam-se com a morte
das duas testemunhos (11:10), adoram a besta e se maravilham ante ela (13:8, 12; 17:8), são enga-
nados pelo falso profeta (13:14), e se embriagam com o vinho da prostituta (17:2). A comunidade
oposta são chamados “aqueles que [habitam] no céu” (12:12; 13:6). Ao descrever a batalha final,
João descreve dois exércitos se enfrentando mutuamente, os exércitos do céu e os exércitos da
terra (19:14, 19). Os exércitos do céu são constituídos dos “chamados e eleitos e fiéis” (17:14), isto
é, os santos. Os exércitos da terra são os inimigos de Deus.
36
Pessoas adoram no templo durante os 42 meses de opressão (11:1-3); os 144 mil estão no
monte Sião enquanto a marca da besta está sendo emitida e se adverte conta ela (14:1-5); os
vencedores da besta cantam no mar de vidro antes de as pragas serem derramadas (15:2-4); os
eleitos estão com o Cordeiro quando os reis da terra pelejam contra Ele (17:13-14).
Os santos selados e
famosos pelo double entendre (duplo significado). Por exemplo, Jesus disse: “Em
verdade, em verdade vos digo que vem a hora e já chegou, em que os mortos
ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que a ouvirem viverão” (Jo 5:25). O signifi-
cado futuro está claro — na vinda de Cristo os mortos serão ressuscitados. Mas
o significado presente está também ali — pessoas espiritualmente mortas são
agora trazidas à vida por ouvir a voz de Jesus.
Se um double entendre for compreendido em Apocalipse 7, a passagem tor-
na-se pungente de significado. Sendo que a grande multidão ainda está vindo
da tribulação (v. 14), eles ainda não chegaram no Céu; estão ali em espírito.
Sua exclamação, “A Deus pertence a salvação!” (v. 10), torna-se um clamor por
ajuda. Deus responde estendendo seu tabernáculo sobre eles (v. 15). Enquan-
to estão sob o tabernáculo de Deus eles são protegidos dos furiosos ventos da
destruição (v. 1) e o calor abrasador da quarta praga (v. 16; ver 16:8).
Enquanto os habitantes da Terra são batidos pela tempestade e consumidos
pela seca, o Cordeiro leva seus seguidores para as fontes de água viva, e enxuga
as lágrimas de seus olhos (v. 17). Para os habitantes do Céu, a tribulação é de-
spojada de seus terrores. Eles estão “diante do trono de Deus”, e “o servem” por
seu constante louvor “dia e noite” durante a tribulação (v. 15). A passagem segue
assim sua fonte do Antigo Testamento: no dia da angústia quando as guerras se
enfurecem contra ele, o crente habita na casa do Senhor, contemplando a beleza 293
do Senhor. “Pois, no dia da adversidade, Ele me ocultará no seu pavilhão; no
recôndito do seu tabernáculo me acolherá” (Sl 27:3-5, cf. Is 4:5-6).
Como se compreende comumente, a primeira cena de Apocalipse 7 descreve o
preparo para a tribulação, e a segunda cena, o livramento da tribulação, sem nen-
huma menção da tribulação em si. Mas se tem em vista um duplo significado, o
capítulo diz como os cristãos lidam com a tribulação quando no calor dela — como
eles são guardados da hora da provação que virá sobre todo o mundo (3:10).
Deus tem posto diante deles a porta aberta para a sala do trono (3:8). Através
de cada crise, como sacerdotes eles correm para o Lugar Santíssimo à própria
presença de Deus e do Cordeiro (7:9). Suas brancas vestes sacerdotais lavadas
no sangue do Cordeiro os habilitam à plena aceitação por Deus (7:14). Com
oração e louvor eles o servem dia e noite no Seu templo (v. 15). Vencem o temor
e o desespero bradando os louvores de Deus (v. 10-12). Quando o mundo está
queimado pela seca, eles seguem o Cordeiro para as fontes de água viva (v.17b).
Quando eles estão feridos pela tristeza, a mão de Deus enxuga suas lágrimas (v.
17c). Eles superam suas angústias em vez de serem esmagados por ela porque
vêem os devastadores males da Terra a partir da perspectiva do trono e da so-
berania de Deus.
Estudos selecionados em interpretação profética
Redimidos da Terra
Eles foram redimidos da Terra (v. 3). Sua redenção foi assegurada pelo
sangue do Cordeiro (5:9).
Virgens espirituais
Eles não se macularam com mulheres, porque são castos (v. 4). As “mul-
heres” são posteriormente identificadas como a prostituta Babilônia e suas fil-
has (ver 14:8; 17:4-5; 2:20-23, Jezabel e seus filhos), e representam a religião
apóstata. Ser casto significa guardar-se da apostasia, recusar adorar a besta ou
receber a sua marca, mesmo sob pressão de morte.
Seguidores do Cordeiro
Eles são “os seguidores do Cordeiro por onde quer que vá” (v. 4). Aonde ele
conduz é descrito em 7:17. “O Cordeiro que se encontra no meio do trono os
Os santos selados e
Aquele, porém, que entra pela porta, esse é o pastor das ovelhas [...]; as ove-
lhas ouvem a sua voz, Ele chama pelo nome as suas próprias ovelhas e as con-
duz para fora [...]; vai adiante delas, e elas o seguem, porque lhe reconhecem
a voz; mas de modo nenhum seguirão o estranho; antes, fugirão dele, porque
não conhecem a voz dos estranhos. (Jo 10:2-5).
Primícias
“São os que foram redimidos dentre os homens, primícias para Deus e para
o Cordeiro” (v. 4). Nos tempos antigos, antes de uma cultura agrícola ser ceifada,
os primeiros frutos eram dedicados ao Senhor como reconhecimento de que 295
o todo pertencia a Ele (Lv 23:9-14). As primícias eram levadas ao templo para
uso sagrado (Êx 23:19; Ne 10:35-37). Israel era chamado “santo ao Senhor, as
primícias da sua colheita” (Jr 2:3). Embora todas as nações pertencessem a Deus,
Israel era o seu tesouro especial, sacerdotes para o mundo (Êx 19:5-6). Semel-
hantemente, os santos do fim dos tempos de Apocalipse são o povo especial de
Deus, consagrado a Ele para o serviço do templo (Ap 7:15).
Há duas possibilidades para a interpretação da expressão “primícias” desta
passagem. Uma é que o Israel de Deus, os 144 mil, estão em contraste com o
mundo em geral (as primícias foram redimidas da humanidade, 14:4).37 A outra
é que os 144 mil, como a geração final de santos trasladados na vinda de Cristo,
são contrastados com os fiéis das gerações anteriores que são ressuscitados.38
37
Lenski argumenta que os 144 mil foram “comprados dentre os homens”, os habitantes da
Terra que não querem nenhum outro lar. Ele nega que haja qualquer santidade especial ou sal-
vação especial deste grupo sobre quaisquer outros crentes (p. 425).
38
Este parece ser o ponto de vista de Ellen White (2005, p. 649): “Estes, tendo sido trasladados
da Terra, dentre os vivos, são tidos como as primícias para Deus e para o Cordeiro”.
Estudos selecionados em interpretação profética
Este ponto de vista também pode ser apoiado pelo texto, sendo que a ceifa dos
justos é descrita nos versos 14-16.39
Verdadeiros e leais
“E não se achou mentira na sua boca” (v. 5). Esta descrição é usada várias vezes
nas Escrituras, quer seja com a palavra dolos (engano, astúcia, traição) ou pseudos
(mentira, falsidade). O salmista descreve o homem justo como sendo sem malícia.
O que habita no santo monte de Deus (como os 144 mil no monte Sião) “de coração,
fala a verdade” e “não difama com sua língua” (Sl 15:1-3; cf. 32:1-2). Jesus reconhe-
ceu Natanael como tal israelita “em quem não há dolo!” (Jo 1:47).
A ausência de dolo é também uma característica messiânica (1Pe 2:22-23; ex-
traída de Is 53:9). É significativo que mentira em Apocalipse pode significar mais do
que falsidade comum, da mesma forma que parthenoi (virgens) significa mais do
que castidade comum. Uma das características dos poderes do anticristo é o engano
(13:14). Os santos são leais ao Deus que é verdadeiro (19:11).
Irrepreensíveis
“Não têm mácula” (14:5). Imaculado (amōmos) literalmente significa sem
mancha ou defeito. Vem da Septuaginta (LXX) a tradução do adjetivo hebraico
296 tamîm, significando sem mancha, são, ou saudável quando aplicado aos animais
sacrificais. Posteriormente a palavra mudou de significado da perfeição ritual
para a irrepreensibilidade moral e ética (HAUCK, 1967, p. 829; TRENCH, 1948,
p. 379). Ser irrepreensível significava andar com Deus (como Noé e Abraão,
Gn 6:9; 17:1), e assim experimentar íntima comunhão com Ele. Os Salmos de-
screvem o homem irrepreensível como obedecendo às leis de Deus, andando
em seus caminhos, buscando-o de todo o coração, e deleitando-se em sua von-
tade (119:1-3, 14; 18:22-23).
O uso de amōmos no Novo Testamento segue um modelo semelhante. Jesus
foi o cordeiro sacrifical, sem mácula e sem mancha (1Pe 1:18-19;Hb 9:14). Os
santos devem ser o mesmo (2Pe 3:14). “Manchas e máculas” são deleites, bebe-
deiras, adultério, e cobiça (2:13-14). Um óbvio significado de amōmos, portanto,
é a libertação dos pecados da carne e paixão que caracterizam os mundanos.
Cristo deseja purificar a igreja para que possa apresentá-la a Si mesmo “gloriosa,
sem mácula, nem ruga, [...] porém santa e sem defeito” (Ef 5:25-27).
39
A maioria dos estudiosos concorda que a ceifa dos versos 14-16 significa os justos, ao passo
que a vindima das uvas dos versos 17-20 se aplica aos ímpios.
Os santos selados e
Os 144 mil, tendo o selo de Deus na fronte, assim refletem diante do mundo
sua harmonia de alma com Deus e sua lei.
Um só povo
Os dados do Apocalipse apoiam o ponto de vista de que Deus tem dois
povos separados na Terra, o Israel étnico e a igreja? A resposta é não. Nosso
estudo favorece a opinião de que os 144 mil (selados das tribos de Israel) e a
grande multidão (de todas as nações) do capítulo 7 são idênticos e simboli-
zam a última fase da igreja. Em outro lugar no livro João indica que ele tem
em mente apenas um povo, não dois. A mulher vestida do sol (Ap 12) tem
duas funções. Como mãe do Messias, ela é Israel; como povo perseguido, ela
é a igreja. Contudo, há uma mulher, não duas. A Nova Jerusalém combina
os símbolos das 12 tribos (Israel) e os 12 apóstolos (a igreja) em uma cidade
(21:9-14). A noiva, a esposa do Cordeiro, é uma. Tudo isso se harmoniza
com o ensino de Paulo de que Deus tem derribado a parede da separação 297
entre judeus e gentios e feito deles “um novo homem em vez de dois” (Ef
2:14-16). A igreja é composta de judeus e gentios convertidos que confiam
igualmente nos méritos do Messias (Gl 3:26-29) e apropriadamente desig-
nado como “o Israel de Deus” (Gl 6:15-16).
de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2:8-9).
Deus tem apenas um critério para a salvação: fé nos méritos de um Salvador
crucificado. Apenas justificação é o nosso título para o Céu. Pois Deus mu-
dar os requisitos na última geração seria injusto.
Tendo dito isso, devemos reconhecer que através dos séculos os servos de Deus
têm experimentado diferentes níveis de crescimento e experiência. Alguns, como
José e Daniel, viveram vidas de extraordinária virtude e influência, não havendo
nenhum pecado registrado contra eles. Outros, como Sansão e Manassés, come-
teram crimes horríveis, se arrependendo somente no fim da vida. Alguns serviram
fielmente através do calor do dia, outros apenas na última hora. Nenhum foi salvo
por sua santidade — a santificação não é o meio, mas o resultado da salvação.
Não deve ser um assunto de preocupação teológica se Deus ergue uma geração
inteira a uma altura de santidade raramente atingida antes a fim de dar ao mundo
a última revelação do amor de Deus. Os 144 mil em pé sobre o monte Sião com o
selo de Deus lhes iluminando a fronte são aquele testemunho final a um mundo
chamado a escolher entre a adoração de Deus e a adoração da besta (14:1-12). Em
vez de um lamentável remanescente — os oito de Noé, os 7 mil de Elias —, Deus
terá um conjunto completo de santos convidando o mundo a sair de Babilônia.
A questão concernente a um estado de impecabilidade depende de o pecado ser
298 definido como ato ou natureza. A última geração viva do povo de Deus certamente
deve estar isenta de atos pecaminosos voluntários como rebelião contra Deus; toda-
via, eles não perdem sua natureza pecaminosa e corruptível até que sejam revestidos
de incorruptibilidade no Segundo Advento (1Co 15:53).
No livro do Apocalipse os santos estão sempre vencendo (assinalado pelo tempo
presente no grego); somente Cristo tem vencido (o tempo aoristo).40 Mesmo du-
rante as sete últimas pragas os santos ainda estão vencendo a besta e sua imagem
(15:2, grego). Eles ainda contendem com o inimigo de dentro e de fora. Seu maior
pecado, que eles devem vencer durante a tribulação, é falta de fé.41 Contudo, eles
estão vencendo, não sendo vencidos. Eles são vitoriosos na luta contra o mal. São
perfeitos no caráter — escolheram somente a vontade de Deus — embora ainda es-
tejam cônscios de que têm de vencer sua natureza pecaminosa. Contudo, eles estão
selados e imaculados através dos méritos do Cordeiro (7:14).
40
Numerosas promessas são feitas “ao que continua vencendo” (o significado linear do tempo pre-
sente) como nas mensagens às igrejas e na reiteração final de 21:7. Contrastando, Cristo venceu (3:21).
A única vez em que é dito que os santos venceram é depois que eles estão mortos (12:11).
41
“Tudo o que não provém de fé é pecado” (Rm 14:23). Aqueles que nunca aprenderam a con-
fiar em Deus sofrerão a maior aflição durante o tempo de angústia (veja WHITE, 2005, p. 622).
Os santos selados e
Objetivo da visão
Qual é o propósito geral do capítulo 7 no livro de Apocalipse? Sem dúvida ele
tinha em vista alertar a igreja para a necessidade de estar pronta para o conflito
final. Os ventos da contenda estão prestes a iniciar sua obra de devastação. Não há
tempo para adiamento. Ao mesmo tempo a repressão dos ventos mostra a miser-
icórdia de Deus em dar ao seu povo tempo para se preparar. Há também segurança
na mensagem do selamento. O próprio selo é a garantia de que os santos estão seg-
uros. Uma vez estejam eles selados, seu caráter é inviolável, não sujeito a mudança,
não importa quão severa a tentação. A perfeição matemática e simétrica dos 144
mil indica que o plano de Deus para o seu Israel está perfeitamente concretizado, a
despeito dos eventos que abalam a igreja e o mundo (6:12-17).
Estudos selecionados em interpretação profética
Referências
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ology. [s. l.]: [s. n], 1978. v. 3.
300
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ment Theology. [s. l.]: [s. n], 1975. v. 1.
Estudos selecionados em interpretação profética
302
13
O anjo forte e
sua mensagem
William H. Shea
Esboço do capítulo
1. Introdução
2. Descrição e identificação
3. Os sete trovões
4. O juramento
Introdução
Estrutura literária
Apocalipse 10 divide-se em três grandes seções. A primeira (v. 1-4) contém
duas partes: a descrição de um anjo forte (v. 1-3a); sua primeira mensagem e os
sete trovões (3b-4). A segunda seção relata o juramento do anjo forte concer-
nente ao tempo em que o mistério de Deus será cumprido (v. 5-7). A terceira
seção descreve a experiência visionária de João com o livrinho que ele toma do
anjo forte (v. 8-11). No entanto, antes de prosseguir através de um estudo de
cada seção, devemos fazer algumas observações adicionais sobre as característi-
cas gerais temáticas e literárias do capítulo.
Ver Beasley-Murray (1978, p. 170): “Em sua visão João está perto do fim do período dos juízos
1
Uma ligação temática que atravessa as três seções é o anjo forte, seus
atos e suas palavras. Ele é descrito fisicamente na primeira seção e sua
descida à Terra é mencionada. Isto é seguido por seu brado desferindo os
sete trovões. Assim, no primeiro segmento deste capítulo, encontramos a
aparência, as ações e um anúncio do anjo forte.
O juramento do anjo forte é o assunto da segunda seção. Nesta também encon-
tramos palavra e ação. A ação descrita é a de levantar a mão e fazer um juramento.
As palavras do juramento tratam de um fim do tempo em que o mistério de Deus
será cumprido. Na terceira seção o anjo forte fala e age outra vez. Sua ação é a de dar
o livrinho aberto ao profeta para que ele o coma e digira. Suas palavras ordenam ao
profeta que coma e descreve sua reação subsequente ao estranho alimento.
Desta breve análise é evidente que o anjo forte é fundamental para este capí-
tulo do princípio ao fim. Nenhuma importante seção está fora do domínio de sua
atividade. É muito apropriado, portanto, designar este capítulo como pertencen-
do ao anjo forte, embora a direção de suas palavras e ações varie. No episódio cen-
tral (v. 5-7), suas palavras e ações são dirigidas ao Céu, ao passo que na primeira e
última seções suas palavras e atos são dirigidos à Terra (v. 1-4, 8-11).
Várias ideias literárias ligam a primeira e terceira seções, mas somente uma
ideia específica liga a seção central e as outras duas. Por exemplo, o “livrinho ab-
306 erto” é mencionado uma vez na primeira seção (v. 2) e três vezes mais na terceira
seção (v. 8-10). O anjo é também descrito em ambas as seções como estando “so-
bre o mar” e “sobre a terra” (v. 2, 8). A terceira conexão é a voz do céu. Ela é ouvida
no final da primeira seção (v. 4) e no início da terceira (v. 8). No primeiro exemplo
a voz diz a João que não escreva o que os sete trovões falaram (v. 4), enquanto que
a terceira seção começa com uma referência à “voz que ouvi, vinda do céu” (v. 8).
O livrinho não aparece na segunda seção, nem é ouvida a voz do céu. A
principal ligação entre esta seção e as outras duas está na descrição do anjo
como “em pé sobre o mar e a terra” (v. 2, 5, 8).
Uma característica da estrutura literária da terceira seção pode-se notar de
passagem. As duas referências à doçura do livrinho na boca do profeta e seu
subsequente amargor são dados, como tem notado J. M. Ford (1975, p. 165), em
uma ordem quiástica:
Descrição
Os três primeiros versos de Apocalipse 10 dão uma descrição detalhada do
anjo que João vê descendo do céu. São dadas seis características. Primeira, um
par de modificadores descritivos que se referem ao anjo como “outro” e “forte”.
Então, duas frases que descrevem o ornamento do anjo: uma vestimenta de nu-
vem em torno do seu corpo e um arco-íris sobre sua cabeça. Finalmente, duas
frases descrevem-lhe o rosto e os pés (pernas?).
Outro anjo. A identificação desse anjo de Apocalipse 10 como outro (allos)
anjo não é especialmente significativa, mas contrasta esse anjo com aqueles que
o têm precedido. O termo é aplicado a anjos em outro lugar do livro em vári-
as ocasiões. “Outro” anjo em 8:3 contrasta diretamente com os sete anjos que
tomaram as trombetas em 8:2. O segundo e o terceiro anjos portando mensa-
gens em Apocalipse 14 é cada um mencionados como “outro” em contraste com
o anjo portador da primeira mensagem (14:6, 8). ”Outro” anjo desce à Terra em
18:1, em contraste com os sete anjos que derramaram suas taças em Apocalipse
Estudos selecionados em interpretação profética
16. Sendo que esse anjo de 10:1 é “outro” anjo seguindo os seis primeiros que
tocaram suas trombetas (caps. 8–9), há um contraste aqui com eles.
Um anjo forte. Contudo, o anjo de 10:1 não é apenas outro anjo; ele é outro
anjo “forte” (iskuros). Assim, ele contrasta não tanto com os precedentes anjos
das trombetas como faz com o anjo forte de 5:2 que chamou à cena alguém dig-
no de abrir o livro selado da mão direita de Deus. O adjetivo “forte” é aplicado
a outro anjo em Apocalipse, aquele que arroja para dentro do mar uma grande
pedra de moinho como sinal da queda da Babilônia espiritual (18:21).
Dos três anjos de Apocalipse mencionados como “fortes”, esse do capítulo
10 é o mais centralmente localizado na estrutura global do livro. Ele é também
o único cuja aparência pessoal é descrita em temos específicos.
O rosto do anjo. Quando João olha para o rosto desse poderoso anjo ele
parece “como o sol”. A comparação mais direta com este tipo de linguagem é
encontrada na descrição de Cristo no início do Apocalipse (1:16), e no relato da
transfiguração de Cristo em Mateus (Mt 17:2).
Como observa J. M. Ford (1975, p. 158), “em Apocalipse 1:16 o semblante
(opsis, não prosōpon) de um semelhante a filho de homem parecia como o sol
na sua força, mas o fraseado da descrição difere consideravelmente daquele de
10:1. No relato da transfiguração de Jesus, Mateus diz que o seu rosto brilhava
308 como o sol (Mt 17:2), mas os outros evangelistas não fazem esta comparação”.
A descrição do rosto do ser de aparência divina dada em Daniel 10:5 menciona
sua glória em termos de relâmpago e fogo, mas o sol não é mencionado. Ezequiel
1:27 descreve a glória do torso superior da pessoa de Deus como se assemelhando a
bronze polido e labareda de fogo, mas a aparência do seu rosto não é indicada.
Arco-íris. João vê um arco-íris sobre a cabeça do anjo. O único outro lugar
em Apocalipse onde aparece um fenômeno semelhante é na cena do trono em
que João vê um arco-íris circundando o trono sobre o qual Deus se assenta no
Céu (4:3). Assim, o uso deste símbolo para descrever o anjo pode indicar algo
acerca da sua natureza de aparência divina.
Nenhum arco-íris aparece na visão de Cristo em Apocalipse 1, nem é um
visto em torno do personagem de aparência divina da visão de Daniel (Dn 10:5-
6). Contudo, um arco-íris acompanha a pessoa de Deus ao ser Ele transportado
por Seu trono móvel na visão de Ezequiel (Ez 1:28). O uso do arco-íris como um
sinal da fidelidade de Deus à sua aliança com Noé é notável entre os empregos do
arco-íris no Antigo Testamento (Gn 9:12-17). Sua presença em Apocalipse 10 pode
enfatizar a extensão desta fidelidade para incluir a aliança do Novo Testamento.
Fazendo uma comparação com fenômenos naturais, podemos inferir que
a produção desse arco-íris resulta da glória do anjo, especialmente o seu rosto,
O anjo forte e
refletindo sobre a nuvem em que ele está envolto. Como observou Charles, “o arco-
íris é devido à luz do rosto do anjo sobre a nuvem” (CHARLES, 1920, p. 259).
Os pés do anjo. A descrição dos “pés” (podes) do anjo parece apresentar um
paradoxo, porque a palavra “colunas” (stuloi) é usada para descrevê-los. Sendo que
as colunas se estendem para cima de suas bases, alguns acham que isto se refere às
pernas do anjo, não aos seus pés. Charles observa que “stuloi conforme aplicado aos
pés parece ininteligível” (CHARLES, 1920, p. 259). Sendo que a palavra hebraica
para “pé” tem um extensivo significado secundário de “perna”, Charles (1920, p.
260) sugere que o último significado tem sido retomado no grego aqui. Mas mesmo
o próprio Charles nota a fraqueza de sua própria solução.
Esta palavra para “pés” ocorre no mínimo meia dúzia de vezes em outros
lugares em Apocalipse (Ap 1:13, 15; 2:18; 3:9; 13:2, e 22:8). Em todos os exem-
plos a referência claramente é a “pés”, não “pernas”. A linguagem usada aqui se
aproxima especialmente da descrição dos pés de Cristo e Suas vestes em Apoc-
alipse 1:13, 15. Assim, não há nenhuma justificativa léxica para a tradução desta
palavra como “pernas”, como faz a RSV. Deve ser traduzida como “pés”.
Nosso interesse não está na compreensão da anatomia do anjo, mas em
determinar o local histórico e literário do qual esta espécie de linguagem se
originou. Vários comentaristas têm proposto uma ligação entre essas colunas e
aquelas colunas de nuvem e de fogo que conduziram os israelitas durante suas 309
vagueações no deserto depois da saída do Egito. Ford (1975, p. 162), por exem-
plo, observa que “os pés do anjo que são como colunas de fogo são rememora-
tivos da coluna de fogo da narrativa do Êxodo”. G. B. Caird (1966, p. 125) con-
tribui com uma observação semelhante. H. B. Swete (1909, p. 126) sugeriu uma
relação textual específica: “Em stuloi puros há talvez uma referência a Êxodo
14:19, 24.” Sendo que a Presença inclusa dentro da coluna de nuvem e de fogo
era o próprio Deus, o emprego deste tipo de descrição para esse anjo enfatiza
mais uma vez o seu caráter de aparência divina.
As vestes do anjo. O uso da imagem do Êxodo não pára com uma consideração
dos pés do anjo. Prossegue em uma consideração das vestes do anjo. Ele é descrito
como estando “envolto em uma nuvem”. Depois de serem descartadas referências a
nuvens atmosféricas normais, descobrimos muitos exemplos em que nuvens estão
ligadas com a pessoa de Deus.2 Nuvens são uma parte da linguagem da teofania.
Assim, esta espécie de descrição enfatiza a natureza de aparência divina
do anjo. Mas a conexão de nuvens e a Divindade pode ser mais específica. Por
2
Isto se aplica ao Antigo Testamento (Sl 97:2; 104:3; 1Rs 8:11; Ez 1:4; Dn 7:13), ao Novo Testa-
mento (Mt 17:4; 24:30; At 1:9; 1Ts 4:17) e ao livro de Apocalipse (1:7; 14:14).
Estudos selecionados em interpretação profética
exemplo, juntamente com a coluna de fogo (no Êxodo) estava a coluna de nu-
vem — semelhante àquela em que o glorioso anjo estava envolto. Esta asso-
ciação torna fácil ver uma referência à coluna de fogo e à coluna de nuvem na
descrição desse anjo. Ambas as características vêm da revelação de Deus de si
mesmo a Israel durante sua vagueação no deserto.
O verbo usado para o envoltório da veste de nuvem em torno do anjo de
Apocalipse 10 (peribeblēmenon de periballō, “vestir, usar — de vestuário”) não é
usado no relato do Êxodo, quer para Deus envolvendo a coluna de nuvem ou de
fogo em torno de si mesmo ou em volta do monte Sinai. É usado, porém, duas
vezes na LXX de Daniel 12:6, 7 para se referir à maneira como a veste de linho
estava envolta em torno da figura de aspecto divino ali descrita, e é usado ali em
essencialmente da mesma forma (peribeblēmenō).
O uso específico deste mesmo verbo de um modo semelhante, ligado com uma
figura similar que faz coisas semelhantes às coisas que o anjo de Apocalipse 10 faz,
é um dos motivos por que os comentaristas têm feito uma ligação direta entre estas
duas passagens. Estas conexões são revistas mais abaixo. Para o presente podemos
simplesmente observar que esse anjo já demonstra relações com a coluna de fogo e
de nuvem do Êxodo e com a figura de aspecto divino de Daniel 10 e 12.
310 Ações
Seis importantes ações do anjo forte são identificadas:
1. Ele desce do Céu à Terra.
2. Ele segura em sua mão um livrinho aberto.
3. Ele coloca um pé sobre a terra e o outro sobre o mar.
4. Ele brada com grande voz que se assemelha ao rugido de um leão (e isto
desfere os sete trovões).
5. Ele ergue a mão e faz um juramento pelo Deus criador.
6. Ele dá o livrinho aberto ao profeta para que o “coma”.
As três últimas ações formam uma parte íntima das grandes declarações
proféticas da narrativa. Elas são discutidas em seções sucessivas. A esta altura
recapitularemos brevemente apenas as três primeiras.
Descendo à Terra. Sendo que o anjo proclama uma mensagem especial
após a sua descida do Céu, é evidente que ele é enviado em um tempo específico
para proclamar uma mensagem especial na Terra; ele é um mensageiro especial.
A singularidade da obra desse anjo pode ser enfatizada comparando-se
sua atividade com a dos outros anjos do Apocalipse. Por exemplo, os anjos da
cena do tribunal (Ap 4–5) estão restritos ao Céu nessa descrição. As trombetas
tocadas por sete anjos (Ap 8–9) têm efeitos terrestres, mas não há nenhuma
O anjo forte e
indicação de que eles descem à Terra para soar seus instrumentos. Os anjos que
derramam as taças das pragas (Ap 16) estão mais diretamente ligados à Terra,
mas mesmo este ponto não é declarado tão diretamente como é em Apocalipse
10:1. Os anjos que pregam as três mensagens do tempo do fim (Ap 14) voam
pelo meio do céu; os outros três anjos descritos no final do capítulo estão mais
diretamente ligados com a Terra por meio de sua participação no ceifa.
O paralelo mais direto em Apocalipse à descida do anjo do capítulo 10
é o anjo do início de Apocalipse 18:1, que vem à Terra para proclamar sua
mensagem especial do fim dos tempos acerca de Babilônia. No caso do anjo
de Apocalipse 10, é uma mensagem pré-fim dos tempos que ele anuncia. Esta
atividade direcional enfatiza a importância das mensagens de ambos esses an-
jos. Como declarou Mounce (1977, p. 208), “o aparecimento dramático de uma
figura autorizada do Céu está em assinalado contraste com o imediatamente
precedente retrato da rebelde idolatria e imoralidade do homem”.
O uso do particípio presente “descendo” (katabainonta) indica que João ob-
servava esse anjo descendo (MOUNCE, 1977, p. 207). Isto não somente enfatiza
que o anjo veio em um tempo específico para dar uma mensagem específica,
também diz algo acerca da perspectiva da qual o profeta viu esta cena. Vários
comentaristas mantêm que de 4:1 a este ponto João viu as cenas em mudança
como se ele estivesse no Céu. Eles geralmente concordam que ele agora vê esta 311
cena (Ap 10) de uma perspectiva terrestre.3
Tendo um livrinho aberto. A segunda ação do anjo é a de segurar em sua
mão um livrinho aberto. Quando ele posteriormente faz o seu juramento (v. 6)
ele levanta sua mão direta para o Céu. Assim, podemos admitir que ele segu-
rasse o livrinho em sua mão esquerda. Nenhum significado específico precisa
estar ligado a esse uso das mãos exceto para notar que provavelmente a mão
direta estava normalmente levantada para fazer um juramento.4
A natureza desse livrinho e o seu significado são de óbvia importância para
esta profecia. É comumente salientado que a palavra usada para “livrinho” ou
“livro” difere da que é usada em Apocalipse 5:1. Esta é uma observação correta
porque em Apocalipse 5:1 a palavra usada é biblion (livro, rolo), uma forma
diminutiva de biblos (livro), ao passo que em Apocalipse 10 a palavra usada qua-
tro vezes é biblaridion (livrinho), uma forma diminutiva de biblarion (livrinho).
3
Para uma expressão de comentário deste ponto de vista veja Ladd (1971, p. 141): “Desde 4:1, ele
tem estado escrevendo como se estivesse no Céu, mas sua posição agora mudou de volta para a Terra.”
4
Para um exemplo de um juramento feito por um homem a outro , veja Gn 14:22. Para
exemplos de juramentos feitos por Deus a homens, veja Êx 6:8; Nm 14:30; Ez 20:15, 28
Estudos selecionados em interpretação profética
5
Embora biblion (livro, rolo) ocorra uma vez em Ap 10:8, a ênfase dominante sobre biblaridion
(livrinho) [quatro vezes] indica que esse livro é diferente do livro de Ap 5.
6
Como representante deste ponto de vista, veja Mounce (1977); Morris (1983, p. 137);
Ladd (1972, p. 142); Caird (1966, p. 125).
O anjo forte e
Identificação específica
Duas opiniões. Há dois grandes pontos de vista sobre a identificação do
anjo de Apocalipse 10. Um é que esse é um anjo especial de exaltada hierarquia.
A outra é que esta é uma representação angélica de Deus, mais especificamente
de Cristo. J. A. Seiss (1865, p. 223) está entre aqueles comentaristas que têm
identificado esse anjo como Cristo. Fazendo comparações com a glória do anjo,
a veste de nuvem e a cobertura de arco-íris, D. G. Barnhouse (1971, p. 179)
também tem identificado essa figura como Cristo. Ford (1975, p. 163) tem es-
pecialmente recorrido a comparações com elementos da narrativa do Êxodo
para identificar essa figura como provavelmente “o Anjo da Aliança, às vezes
identificado com Yahweh”. Em sua obra mais antiga E. B. Elliott (1846, p. 123)
tem estimulado o intérprete de Apocalipse 10 a “considerar também a pessoa
que o está anunciando; o mesmo divino Anjo da Aliança, Jeová-Jesus”.
Defendendo o ponto de vista alternativo, Charles (1920, p. 258) tem propos-
to que esse anjo pode ser Gabriel. Ele argumenta que esse anjo não é Cristo
porque o uso de um juramento pelo próprio Deus é inapropriado. G. E. Ladd
(1972, p. 141) sustenta que essa é uma figura puramente angélica sobre o funda- 313
mento de que em Apocalipse anjos são apenas anjos, e Deus não é representado
como um anjo em nenhum lugar no livro de Apocalipse.
Estas duas objeções não são por demais formidáveis como poderiam
parecer. Há exemplos no Antigo Testamento onde é declarado que Deus
fez juramentos. Três destes têm sido citados acima (Êx 6:8; Nm 14:30; Ez
20:15, 28). É verdade que a palavra “anjo” é usada não especificamente
para Deus em Apocalipse, mas a figura de Miguel em Apocalipse 12 é
tanto angélica quanto própria de Cristo em caráter.
Também se deve levar em conta a origem da imagem empregada aqui.
A imagem da coluna de fogo e de nuvem é extraída especialmente do relato
de Êxodo. Neste relato Yahweh é Aquele que é dito ter habitado a coluna
de nuvem e agido a partir dela (Êx 13:21). Em no mínimo uma ocasião,
porém, é dito que foi “o anjo” de Yahweh quem fez isto (Êx 14:19). Este tipo
de conexão poderia ter sido transportado para o imaginário do Apocalipse
juntamente com outros elementos do relato de Êxodo.
Evidência para uma figura própria de Cristo. Em favor da identificação
com Cristo, observamos que as quatro principais características deste anjo
estão muito comumente ligadas com representações de Deus. Isto se aplica à
Estudos selecionados em interpretação profética
Identificação geral
Comparação com Daniel 10:6; 12:7. Pela expressão ”identificação geral”, pre-
tendo evocar outra relação ou vínculo com o anjo ou figura de aspecto divino de
314 Daniel 10 e 12. Muitos comentaristas têm notado uma relação. Embora alguns a
tenham descrito em mais detalhe do que outros, uma análise dos comentários têm
deixado de revelar algum exemplo em que esta relação tenha sido negada.7
Em seu comentário sobre Apocalipse 10 Elliott (1846, p. 121) referiu-
se a Daniel como “um profeta e profecia aqui evidentemente aludida”. Da
relação entre os anjos encontrados nestas duas passagens Charles (1920, p.
259) observa, “nosso autor (de Ap 10) tinha o anjo descrito em Dan 10:6;
12:7 diante de sua mente”. Conduzindo à sua citação de Daniel 12:6-7, Caird
(1966, p. 127) liga Apocalipse 10:5-6 com esta passagem observando que “a
esta altura João começa a adaptar aos seus próprios propósitos uma pas-
sagem do Antigo Testamento que figurará preeminentemente em muitas de
suas visões subsequentes. [...] João acreditava que esta profecia de Daniel,
juntamente com outras profecias do Antigo Testamento, estava prestes a ter
um novo e mais profundo cumprimento”. Em seu comentário sobre esta pas-
sagem de Apocalipse, Mounce (1977, p. 210) observa: “É Daniel 12:7, porém,
que supre a base interpretativa para esta seção.”
7
Alguns exemplos daqueles que têm notado esta correlação em termos gerais: Elliott,
Charles, Caird e Mounce.
O anjo forte e
Os sete trovões
Mensagem singular
Um exame da passagem dos sete trovões revela um problema de consid-
erável magnitude (v. 3-4). Quando o anjo forte bradou, os sete trovões soaram.
Quando eles soaram, o profeta os ouviu e compreendeu. Depois de cessar o tro-
vejamento, o profeta começou a registrar sua mensagem. A esta altura, porém,
ele é instruído a não escrever, mas a selar sua mensagem. Deparamos, portanto,
com uma mensagem que foi dada, mas tomada de volta.
Brado como o rugido de leão. Analisando a passagem, devemos primeiro no-
tar que os trovões soam em resposta a um grande brado do anjo forte. O brado é
descrito como soando “como ruge um leão”. A figura de um leão rugidor é usada
316 ocasionalmente no Antigo Testamento para transmitir a ideia de juízo iminente.
Amós advertiu Israel acerca de juízos vindouros com este tipo de linguagem:
“Rugirá o leão no bosque, sem que tenha presa? [...] Rugiu o leão, quem não te-
merá? Falou o Senhor Deus, quem não profetizará?” (Am 3:4, 8). O inimigo que
cerca o servo sofredor de Deus no Salmo 22 é descrito primeiro como um “leão
que despedaça e ruge” (v. 13). Depois de ter o animal atacado, o servo implora
por livramento “das fauces do leão” (v. 21).
Mounce (1977, p. 208) observa que o brado ou “rugido” é proporcional ao
tamanho do anjo forte; o brado é dado com uma profunda voz ressoante que
demanda atenção. Ford (1975, p. 159) focaliza a qualidade da declaração do
anjo transmitida pela palavra do Novo Testamento, “mukatai ‘rugido’ somente
aqui na Bíblia. Som baixo, rugido de trovão. Alto em volume e extremamente
profundo, mas não palavras reais”.
Dadas as comparações com este tipo de linguagem empregado em outro lugar na
Bíblia, é razoável esperar que o brado do anjo transmita aqui uma conotação de juízo.
Simbolismo do trovão
Em resposta ao alto brado do anjo forte, sete trovões rugiram. Não nos
é dito de onde eles saíram ou quem os causou. Todavia, com base em analo-
gias encontradas em outra parte do Apocalipse, é razoável compreender
O anjo forte e
esses trovões como tendo soado do Céu. Sendo este o caso, eles muito
provavelmente teriam soado ante a ordem de Deus. Assim, Deus ocasionou
esses trovões em resposta ao brado do anjo.
O uso do número 7 implica que — como nas sete igrejas, selos, trombetas
e pragas — estes sete trovões soaram sucessivamente e não todos juntos. Para
descobrir o que estes sete trovões poderiam representar precisamos examinar
os empregos da palavra “trovão” em outro lugar no Apocalipse.
Além das três vezes em que a palavra ocorre na passagem sob consideração,
ela aparece em outras sete passagens do Apocalipse. Três provêem pouco com-
preensão; as outras quatro são de mais importante significado.
Nas três ocorrências de menor importância a palavra é usada para finali-
dades comparativas e descritivas: uma vez para a voz de um dos seres viventes
(6:1); e duas vezes para o som de grandes multidões de redimidos no Céu ao
entoarem cânticos de louvor (14:2; 19:6).
Nas quatro passagens restantes a palavra para “trovão” pode espalhar mais luz
nossa pesquisa. Em todos os quatro exemplos é descrito o templo de Deus no Céu.
Além disso, essas descrições do templo celestial servem ou como uma introdução
ou uma conclusão para uma das importantes linhas da profecia do livro.
No primeiro exemplo, a cena do trono serve como uma introdução à série
de selos (4:5). No segundo exemplo, os trovões ocorrem no templo como parte 317
da introdução às trombetas (8:4-5). No terceiro exemplo, os trovões ocorrem
com a descrição do templo que serve como a introdução às grandes profecias de
Apocalipse 12–14 (11:19).8 Na ocorrência final deste tipo de linguagem os tro-
vões que procedem do trono e do templo servem como a conclusão à sequência
das taças-pragas de Apocalipse 16 (16:18).
Nestes quatro exemplos apara para “trovão” é encontrada em uma série de
palavras com outros fenômenos associados. A lista completa inclui relâmpagos,
vozes ou grandes ruídos, trovões, terremoto, e grande saraivada. Como pode
ser visto prontamente nesta lista, todas estas palavras se referem a diferentes
fenômenos que podem acompanhar uma tempestade.
Portanto, estas representações são em essência descrições de uma teofania
de Deus, agindo como o Deus da tempestade em ocasiões especiais descritas
nestas passagens. A interrogação é: O que é comum a todas as quatro dessas
ocasiões que provocam este tipo específico de resposta de Deus?
8
Concordo com a opinião de K. Strand (capítulo 3 desta obra) que coloca Ap 11:19 como a
introdução aos caps. 12–14, em vez de com a conclusão do cap. 11
Estudos selecionados em interpretação profética
Selando os trovões
O uso do verbo para selamento a fim de descrever o encobrimento da men-
sagem dos sete trovões é incomum. Em outro lugar no livro de Apocalipse o
selamento se relaciona diretamente com o que esta ação exigia: colocar um selo
sobre um objeto ou documento. Por exemplo, nos é mostrado o selamento dos
servos de Deus em sua fronte (7:3); o selamento do livro com sete selos (5:1); e 319
temos a instrução de selar a mensagem do livro profético de João (22:10).
Em Apocalipse 10:4, porém, é dito ao profeta que não escreva o que os sete
trovões tinham anunciado, e deste modo ele devia selar o que eles tinham dito. O
problema aqui é que normalmente alguém não “sela” uma comunicação oral.
Uma explanação especialmente pronta para esta circunstância incomum
surge de Daniel 12, a importante analogia para a cena de Apocalipse 10. Em
Daniel, o profeta olha no verso 5: o glorioso anjo aparece no verso 6; e o
anjo faz o seu juramento no verso 7. Se retornarmos à introdução que
precede imediatamente esses versos encontramos a ordem ao profeta para
“encerrar as palavras” e “selar o livro” (v. 4).
O mesmo tipo de linguagem é usado na cena do Apocalipse; mas de uma
forma dinâmica, não congelada. Em Daniel 12 o profeta encerra as palavras
quando ele sela o livro. Em Apocalipse 10 o profeta sela as palavras quando ele
as encerra não as escrevendo. Instruções semelhantes são dadas em um contex-
to semelhante, mas elas são cumpridas de uma maneira diferente para se ajustar
ao novo cenário do Apocalipse. Assim, a solução para o problema proposto pela
tensão entre as duas espécies de ações descritas em Apocalipse 10:4 (selar; não
escrever) parece ser provida pela fonte original da qual esta imagem é derivada.
Estudos selecionados em interpretação profética
A referência aos sete trovões poderia levar alguém a esperar outra série de ais: o primei-
ro trovão, o segundo, e assim por diante. Mas esta ideia não está desenvolvida; e confor-
me veremos, as sete trombetas são no devido tempo seguidas pelas sete taças (cap. 16).
Mounce (1977, p. 209) se refere aos sete trovões como “outra série de pragas
de advertência”.
As sete taças são mencionadas como as sete últimas pragas, porque elas são os
juízos finais a cair antes de Cristo vir pela segunda vez (15:1). Em Apocalipse 10, en-
contramos sete trovões: juízos ou pragas que evidentemente viriam muito perto do
fim do tempo, porque eles teriam ocorrido no tempo em que o sétimo anjo deveria
soar a sua trombeta e o mistério de Deus deveria ser cumprido (10:7).
Tivessem os trovões soado no tempo em que eles foram anunciados — e
não selados —, eles bem poderiam ter sido o julgamento final — as próprias
pragas. Como isto funcionou, este não devia ser o caso. Seu lugar foi tomado
320 pelas pragas de Apocalipse 16. Podemos expressar esta relação de outro modo:
estes penúltimos juízos dos sete trovões foram anunciados, mas cancelados, ap-
enas para serem substituídos pelos juízos finais comunicados nas sete últimas
pragas. Há um tempo na história profética e da salvação quando tais juízos pre-
liminares teriam sido anunciados, mas cancelados? Esta interrogação nos leva
à próxima seção da profecia.
O juramento
A posição do anjo
A passagem central deste capítulo são os versos 5-7. É central não somente
em termos de estrutura literária, mas também em termos de importância
temática.
O primeiro elemento mencionado é a posição do anjo com um pé sobre o
mar e o outro sobre a Terra. Observamos que este tipo de simbolismo repre-
senta a extensão mundial da mensagem do anjo forte.
A nova ação introduzida é o anjo levantando sua mão direita para fazer o
juramento. Sendo que esta era a maneira em que os juramentos eram feitos no
tempo de João, o simbolismo é extraído da experiência humana normal. O fato
O anjo forte e
de que a mão direita era levantada para fazer este juramento (RSV) indica que
o livrinho aberto ainda era segurado em sua mão esquerda.
O livrinho aberto
Embora o livrinho aberto não seja mencionado outra vez nestes versos (v. 5-7),
sua presença deve ser assumida como sendo uma parte importante desta cena. O
fato de que o anjo levanta uma das mãos para fazer o juramento e ao mesmo tempo
segura o livrinho aberto na outra indica que o juramento deve estar relacionado
com o conteúdo do livrinho. Isto torna a identificação do livrinho um assunto de
considerável importância se devemos compreender a mensagem da visão.
Anteriormente observamos que a palavra grega usada para “livrinho” no
capítulo 10 difere daquela usada em 5:1 e em outro lugar no Apocalipse. Donde,
o livrinho de Apocalipse 10 deve ser considerado como distinto daqueles outros
livros. A distinção nos diz o que esse livrinho não era, mas não o que ele é.
Analogia em Daniel
A melhor maneira de identificar esse livrinho é comparar o seu contexto com
analogias encontradas em outro lugar na Bíblia. Quando isto é feito, a analogia en-
tre esta passagem e a de Daniel 12 torna-se evidente. Várias semelhanças já foram
mencionadas acima. A estas podemos adicionar a ação de fazer um juramento. 321
Daniel 12 e Apocalipse 10 são as únicas duas passagens na Bíblia que se
referem a anjos fazendo juramentos. Ambas ocupam posições relativamente
semelhantes. O anjo de Daniel 10/12 está sobre o rio Tigre, enquanto que o
anjo de Apocalipse 10 está com um pé na Terra e no mar. Ao jurarem, ambos
levantam as mãos ao Céu. Em Daniel 12, ambas as mãos são levantadas para o
Céu; em Apocalipse 10, somente a mão direita é levantada.
Notamos de passagem que a mão direita é mencionada primeiro em
Daniel 12 ao passo que a mão direita é a única mão mencionada em Apoc-
alipse 10. A explanação óbvia para esta diferença é que o anjo de Daniel 12
não tinha um livrinho em sua mão; assim ele pôde levantar ambas as mãos.
O anjo de Apocalipse 10 tinha um livrinho em sua mão esquerda, de sorte
que ele podia levantar somente a mão direita.
E ouvi-o jurar por aquele que vive e jurou por aquele que vive pelos
eternamente . . . séculos dos séculos, o mesmo que
criou o céu, a terra, o mar e tudo
quanto neles existe: . . .
Caird (1966, p. 129), notando a ênfase que é posta sobre a Criação, sustenta
que o propósito secreto de Deus mencionado em seguida envolve retorno à Cri-
ação original. Ford (1975, p. 160) salienta que “há um eco dos mandamentos”
(Êx 20:11) no juramento. Esta é uma observação exata, porque o quarto manda-
mento contém os mesmos três elementos de céu, terra e mar na mesma ordem.
A frase qualificativa “e tudo quanto neles existe” é adicionada somente depois
do terceiro item em Êxodo 20, mas aqui no juramento do anjo ela é adicionada
depois de cada uma das três áreas nomeadas.
Resumindo esta parte da discussão do juramento dois pontos principais
podem ser feitos: Primeiro, há semelhança suficiente entre as partes iniciais dos 323
juramentos em Daniel 12 e Apocalipse 10 para indicar que eles estão direta-
mente relacionados. Segundo, uma ênfase tem sido acrescentada sobre Deus
como Criador no juramento de Apocalipse, e a linguagem usada nessa ênfase
vem mais diretamente do quarto preceito dos Dez Mandamentos.
Introdução
Em seguida à identificação de Deus em cujo nome é feito o juramento, o
anjo de Apocalipse 10 faz uma declaração acerca do tempo. Em versões mais
antigas suas palavras são traduzidas por “não haveria mais tempo” (KJV); em
versões mais recentes é traduzido por “não haveria mais demora” (RSV).
Em uma ou outra tradução é evidente que o juramento solene do anjo lida
com tempo. A fim de determinar o intento desta expressão ser-nos-á necessário
examinar sua fraseologia partindo de vários pontos de vista diferentes: léxico,
contextual, paralelos ou analogias, e cumprimento histórico-profético.
Estudos selecionados em interpretação profética
9
Para opiniões representativas sobre este assunto na literatura adventista do sétimo dos comen-
tários, veja Uriah Smith (1944, p. 497-517) e Nichol (1957, v. 7, p. 792-796).
10
Para uma discussão do princípio dia-ano na interpretação das profecias apocalípticas de tem-
po veja W. H. Shea (2007, p. 63-107).
O anjo forte e
Isto expressaria agora minha convicção pessoal de que a afirmação aqui apresentada
se relaciona com a mesma coisa, a única diferença é que um expressa este período de
Para apresentações amostras das datas de 538-1798 para o período de 1260 dias-anos de
11
perseguição na profecia, veja as obras mencionadas Uriah Smith (1944, p. 143-145, 533-534, 551-
558) e Nichol (1957, v. 4, p. 833-834).
O anjo forte e
1260 anos como futuro, ‘isto será por um tempo, tempos, e metade de um tempo’; ao
passo que o outro o expressa como passado — “não haverá mais tempo”.
de tempo de Daniel 12, chronos se ajusta bem como um termo abrangente, cobrin-
do ambas as unidades de tempo dadas em kairos e aquelas dadas em “dias”. Assim,
a distinção para chronos em Apocalipse 10:6 é que ela funciona para incorporar os
três períodos de tempo de Daniel 12 em seu referencial.
Sendo que o juramento do anjo (10:6) parece incluir as três profecias de tempo
de Daniel 12, alguma atenção deve ser dada ao seu cumprimento histórico. Os 3
tempos e meio (v. 7) se referem à mesma era conforme dada em Daniel 7:25. Ambas
as passagens encontram seu cumprimento na perseguição que se estendeu através
da Idade Escura — de 538 a 1798 (Ap 1:13, 15; 2:18; 3:9; 13:2; 22:8).
A “abominação da desolação” (v. 11) deveria ser estabelecida pelo mesmo poder
que levaria a cabo esta perseguição (cf. Dn 11:31; 8:11-12). Sendo que o domínio
desse poder deveria chegar a um fim temporário no tempo em que terminasse a
perseguição (7:25), assim também nesta profecia paralela (12:11) a manifestação
da abominação desoladora terminaria no mesmo tempo que a perseguição. Isto é
apenas outra maneira de dizer que os 3 tempos e meio ou 1260 dias deveriam termi-
nar juntamente com os 1290 dias, ambos em 1798. Calculando para trás, não para
frente, significa que a manifestação desse poder começou em 508.
O período de tempo final de Daniel 12, os 1335 dias, é dado no mesmo tipo de
unidade de tempo como o imediatamente precedente 1290 dias. É razoável, portan-
to, assumir que ambos caminham juntos. Isto significa que os 1335 dias se estendem 331
45 dias-anos além do final dos 1290 dias-anos em 1798, ou para 1843.
Deve ser notado aqui que estamos tratando de eventos históricos da Europa
ocidental que são medidos pelo calendário romano juliano-gregoriano que
começa cada ano em janeiro e termina em dezembro.
As profecias de tempo de Daniel 8 e 9, porém, têm sido calculadas de acor-
do com o calendário judaico de outono a outono porque este era o calendário
que estava funcionando no local e tempo quando começaram estes períodos de
tempo (Ne 1:1; 2:1). Portanto, quando chegamos ao 1335º dia-ano de Daniel
12:12, seu ano de janeiro a dezembro de 1843 coincidiu com o 2300º dia-ano
de Daniel 8:14 que se estendia do outono de 1843 ao outono de 1844. Para fins
práticos, portanto, podemos dizer que os 1335 dias nos levam ao mesmo ano de
1844 como faz o período de tempo profético de Daniel 8:14.
Este discurso do glorioso anjo de Daniel 12 fornece três períodos de tempo:
os 3 tempos e meio, os 1290 dias e os 1335 dias. Historicamente, estes terminam
respectivamente em 1798, 1798 e 1844. Nossa referência a tempo chronos parece
levar em conta todos os três destas profecias, não somente o primeiro deles. Isto
significa que a declaração do anjo de Apocalipse 10 — de que “não haveria mais
tempo” (KJV) — não poderia ter sido pronunciada antes de ter sido concluído
Estudos selecionados em interpretação profética
o terceiro e último dos três períodos. Isto ocorreu em 1844. Em qualquer tempo
depois disto, esta declaração poderia ter sido pronunciada.
Daniel 8:14. Não há nenhuma conexão léxica direta entre Apocalipse 10
e Daniel 8:14, mas bem pode haver uma conexão temática entre eles. Esta
conexão tem a ver com as unidades de tempo de Daniel 8:14, as 2300 tardes-
manhãs (dias). O que é uma tarde-manhã? O uso sucessivo deste tipo de fraseo-
logia para os dias da criação de Gênesis 1 indica que se tinha em vista um dia de
24 horas, uma expressão de significado cronológico somente. Pode haver algum
significado teológico para o uso de tardes-manhãs em Daniel 8:14?
Daniel 8 é acima de tudo uma profecia acerca do santuário. Uma luta a res-
peito do santuário ocorre entre o Príncipe do exército e o chifre pequeno. Pala-
vras hebraicas para santuário ocorrem três vezes nesta narrativa (v. 11, 13, 14).
A palavra tāmîd (diário, contínuo) encontrada nesta passagem (v. 13-13) ocorre
30 vezes em outros lugares no Antigo Testamento ligados com o santuário. Os
dois anjos de 8:13 são chamados “santos”, um termo raro para anjos no Antigo
Testamento; mas aqui esses “santos” são mencionados no contexto do “lugar
santo” ou “santuário”. O carneiro e o bode usados como símbolos no início do
capítulo eram também usados como animais sacrificais no santuário. Assim, é
evidente que Daniel 8 é uma completa profecia do santuário.
332 É nesta luz que as “tardes-manhãs” do seu elemento tempo devem ser
examinadas. Há um aspecto específico do ritual do santuário que ocorria de
tarde e de manhã. De tarde o sacerdote queimava incenso e acendia as lâm-
padas; de manhã ele arrumava as lâmpadas e queimava incenso novamente.
Estas atividades deveriam ser realizadas “desde a tarde até pela manhã, de
contínuo [tāmîd], perante o Senhor” (Lv 24:3).
Pelo uso de Sua coluna de nuvem e coluna de fogo, o próprio Deus assi-
nalava o tempo em que estas atividades deveriam ser realizadas. Uma mudava
para a outra no pôr-do-sol e nascer do sol, marcando assim o tempo em que o
sacerdote devia realizar estas atividades no tabernáculo. Esta era a maneira em
que o Senhor dirigia, guiava e protegia o Seu povo e o Seu santuário de tarde e
de manhã durante os 40 anos de sua vagueação no deserto Nm 9:15, 21).
Dado este significado especial do santuário para a sequência da tarde e da
manhã, pode ser sugerido que as tardes e as manhãs na profecia de Daniel as-
sumem um significado adicional. Uma tarde-manhã não é simplesmente um
período de 24 horas — é um “dia do santuário”.
Retornando a Apocalipse 10, devemos notar outra vez o simbolismo do ves-
tuário e aparência do anjo forte. Discutimos acima a nuvem envolta em torno
do anjo. Pode estar relacionada com a nuvem de Deus envolta em torno de Si
O anjo forte e
mesmo quando Ele conduzia os filhos de Israel no deserto. Os pés desse anjo
forte tinham a aparência de colunas de fogo. A coluna de fogo que é mais bem
conhecida na Bíblia é a coluna de fogo que conduzia os filhos de Israel no
deserto. Assim, em termos de imagens, o anjo forte de Apocalipse 10 apresenta
os dois principais elementos que demonstravam a presença do Deus de Israel
sobre seu santuário e sobre seu povo: a coluna de nuvem e a coluna de fogo.
Essa mesma coluna de nuvem e coluna de fogo é mencionada indiretamente
em Daniel 8, se as tardes-manhãs do verso 14 são realmente dias do santuário.
Sendo que o anjo que aparece desta maneira está lidando com tempo profético, e
sendo que este elemento específico do dia do santuário é usado em uma profe-
cia de tempo especial, pode ser sugerida uma conexão entre essa linguagem de
Daniel 8:14 e essa imagem de Apocalipse 10.
Tal conexão em potencial com a profecia de Daniel 8:14 também deve ser
levada em conta quando se considera o que o anjo forte de Apocalipse 10 quer
dizer quando ele afirma que “não haveria mais tempo”, Conforme compreendi-
do pelos adventistas do sétimo dia, aquelas tardes-manhãs se estendiam — em
cumprimento histórico — de 457 a.C. a 1844 d.C.
Assim, esta linha da profecia de tempo também apresenta a data de 1844 como
o momento oportuno antes do qual o anjo não poderia ter feito sua declaração
acerca do tempo, mas depois do qual ele poderia justificadamente ter feito isto. 333
Relações intra-juramento
Nos dias do anjo da sétima trombeta (v.7). O brado do anjo forte de
que “não haveria mais tempo” (KJV) está especialmente relacionado com
duas declarações que seguem imediatamente (os dias do sétimo anjo e o
cumprimento do mistério de Deus). Ambas as declarações incidem sobre
a questão do tempo, a primeira mais do que a segunda. A mais direta de-
claração de tempo ocorre na próxima frase que se refere ao toque da trom-
beta do sétimo anjo. É importante traduzir esta frase precisamente em or-
dem a fim de determinar o que ela diz acerca do tempo.
Literalmente, a frase se traduz como “mas nos dias do som/voz do séti-
mo anjo quando ele está prestes a soar a trombeta”. Esta porção da passagem
consiste de uma frase prepositiva seguida por uma cláusula dependente
qualificativa. Se tivéssemos apenas a frase prepositiva, poderíamos admitir
que o som ou voz (phōnēs) do sétimo
anjo se referia ao toque da sua trombeta, precisamente como os anjos an-
teriores tocaram suas trombetas (8:7-8, 10, 12; 9:1, 13). A frase qualificativa
Estudos selecionados em interpretação profética
“quando/sempre que ele está prestes a soar a trombeta”, porém, indica que isto é
antes um período de tempo que conduz ao real toque da trombeta.
Esta distinção tem sido notada por vários comentaristas. Ladd (1972, p. 141),
por exemplo, primeiro traduz esta frase transpondo a cláusula qualificativa para
frente na frase prepositiva: “Nos dias do soar da trombeta a ser tocada pelo sétimo
anjo.” Ele então passa a notar o significado do verbo mellō (estar prestes a fazer al-
guma coisa) e cita seu uso em outros lugares no Apocalipse (3:2; 8:13; e 10:4 nesta
mesma passagem). Em Apocalipse 10:4, ele se refere a João ao estar prestes a escrever
a mensagem dos sete trovões, mas lhe foi dito que não o fizesse.
Ladd (1972, p. 145) também chama a atenção para a unidade de tempo
(nos dias) que combina com o uso do verbo “estar prestes a”. “Isto ocorrerá
não quando o sétimo anjo soar, mas ‘nos dias’ do soar da sétima trombeta.” Sua
conclusão acerca das implicações destes dois fatos do texto é, “O verso não diz,
‘quando a trombeta soar’, mas ‘nos dias do soar da trombeta.’ Isto sugere clara-
mente que o soar da sétima trombeta não deve ser cogitado como um simples
ato; ele incorpora um período de tempo” (LADD, 1972, p. 145). Barnhouse
(1971, p. 184) nota o mesmo fator como operativo aqui: “A voz do sétimo men-
sageiro é ouvida por algum tempo considerável, ‘nos dias da voz’. Não é um
lancinante grito agudo, mas um juízo longo e contínuo.”
334 O quadro descrito e ao qual se alude na passagem mais longa de Apocalipse
10 parece ser o seguinte: O sexto anjo tocou a trombeta (9:13). Em seguida ao
seu toque, os eventos que deviam ocorrer se desenrolam no período de tempo
destinado a eles. Quando aqueles dias e eventos concluírem, o tempo é entregue
ao sétimo anjo, mas ele realmente ainda não tocou sua trombeta; ele está apenas
se preparando para fazer isto (“prestes a”). É neste intervalo da sétima trombeta
que o anjo forte de Apocalipse 10 diz que não haveria mais tempo.
Sendo que o tempo histórico continua, obviamente a referência do anjo não
é a esta espécie de tempo. Alguma outra espécie de tempo está envolvida. Além
disso, neste intervalo não há nenhum calibrado tempo simbólico ou profético
como havia sob a sexta trombeta (cf. 9:15). Assim, o anjo forte parece estar de-
clarando sob juramento que todos os períodos de tempo proféticos terminaram.
Os acontecimentos que ocorrem quando o anjo toca sua trombeta (descritos
em Apocalipse 11:15-18) são eventos da grande finalização. A história humana
chega ao fim, e o domínio direto de Deus em Seu reino é estabelecido. Os santos
são galardoados, e os ímpios são destruídos.
O mistério de Deus. A frase final dos três elementos que constituem o jura-
mento do anjo tem a ver com o cumprimento do mistério de Deus. “Mas, nos dias
O anjo forte e
da voz do sétimo anjo, quando ele estiver para tocar a trombeta, cumprir-se-á, então,
o mistério de Deus, segundo ele anunciou aos seus servos, os profetas” (10:7).
Sendo que as profecias de Daniel têm estado à vista ao longo desta passagem,
é natural que ele deve ser considerado um daqueles profetas que anunciaram este
mistério. A conexão de Daniel é notada por alguns comentaristas. Observa Caird
(1966, p. 125): “Poderia parecer evidente por si mesmo que isto se refere às profe-
cias do Antigo Testamento, e particularmente Daniel.” Ford (1975, p. 163) diz que
este tipo de linguagem tem sido usada em Daniel: “A palavra hebraica raz, ‘mistério’,
é frequente em Daniel e nos rolos de Qumran e se refere principalmente ao segredo
dos tempos, e à sequência de eventos e à consumação.”
Várias sugestões têm sido feitas acerca da natureza precisa do mistério que está
sendo discutido. Bousset sugere que ele se refere à derrota de Satanás. Embora este
elemento bem possa ser incluído, ele não estaria limitado a apenas este evento. Out-
ra ideia proposta tem sido que isto se refere ao nascimento do Messias (Vischer).
Isto parece improvável em vista do enfoque do fim dos tempos desta profecia.
Uma sugestão mais amplamente fundamentada é que o “mistério” envolve tudo
acerca do propósito de Deus no mundo (Charles). A natureza geral desta sugestão
torna difícil discordar dela. Olhando para o contexto deste juramento, Caird (1966,
p. 129) tem sugerido que o mistério tem a ver com o retorno à criação original.
Ladd (1972, p. 145) tem recorrido a analogias com Daniel (especialmente Daniel 335
2:29-30, referindo-se a Deus como um revelador de mistérios proféticos) para sug-
erir que outro mistério da profecia está aqui envolvido. O mistério, porém, parece
lidar mais com a real conclusão do plano da salvação do que o faz com o anúncio de
outros mistérios proféticos que conduzem a esta conclusão.
Uma sugestão alternativa sobre a natureza do mistério a ser cumprido pode ser
feita a partir do seu contexto em Apocalipse. O evento que precede imediatamente
a referência a este mistério é o toque da sétima trombeta. Sua menção forma parte
da sentença. Sendo este o caso, é razoável considerar os eventos a ocorrer sob a
sétima trombeta (Ap 11:15-18) para determinar que espécie de mistério será “cum-
prido” naquela ocasião. Os eventos são essencialmente de natureza tríplice.
Primeira, o toque da sétima trombeta manifesta o pleno estabelecimento
do domínio de Deus e seu reino eterno (11:15-17). Isto tem sido algo de um
mistério até o tempo presente, porque esse reino é atualmente espiritual, não
plenamente visível ao olho natural. Quando soar a sétima trombeta, porém, a
natureza real do eterno reino de Deus se tornará completamente evidente.
Segunda, quando o sétimo anjo toca, significa que chegou o tempo para os
ímpios receberem sua justa recompensa (11:18). Isto, também, tem sido algo
de um mistério. Por exemplo, a identificação dos ímpios. Em alguns casos isto
Estudos selecionados em interpretação profética
pode ser prontamente evidente; mas em outros casos a distinção não está ainda
clara aos nossos olhos. Então, há o assunto que tem confundido homens e mul-
heres durante séculos: Por que os ímpios prosperam e os justos sofrem? Agora a
resposta a estas interrogações será plena e finalmente revelada.
Terceira, com o toque da trombeta do sétimo anjo os justos receberão sua
recompensa, especialmente sua recepção no eterno reino de Deus (11:18). Isto
tem sido um mistério escondido dos olhos humanos. Mas então isto se tornará
claro. Assim, o soar da sétima trombeta termina e responde perguntas acerca do
plano da salvação que anteriormente tinham parecido ser mistérios.
A maior parte deste tipo de informação parece girar em torno do domínio
do reino eterno de Deus. Três coisas específicas sobre ele serão reveladas naquele
tempo: o grande e divino Soberano dele, os cidadãos que o habitarão e aqueles que
serão excluídos dele. Estes segredos espirituais específicos do mistério do plano da
salvação serão revelados claramente quando o sétimo anjo tocar sua trombeta e “os
reinos do mundo se tornarem o reino de nosso Senhor e do seu Cristo” (11:15).12
Esta opinião não é hostil ao fato de que o toque da sétima trombeta vê também a terminação
12
do “mistério do evangelho” (Ef 6:19); donde, o fim da provação humana. Isto é clara evidência de
que a série de eventos das trombetas ocorre no tempo de prova histórico. – Ed.
O anjo forte e
Que o fim do tempo histórico não se entende pelo juramento do anjo está
claro do próprio conteúdo de Apocalipse 10. O anúncio do anjo forte deve as-
sim ser considerado como lidando com tempo profético simbólico. Com as
conhecidas linhas do tempo profético convergindo para concluir em 1844, este
detalhe provê a mais apropriada ocasião para ser feito este anúncio do anjo. O
anúncio do anjo forte tem sido compreendido então como um anúncio do fim
das profecias de tempo apocalíptico simbólico em 1844.
I. Gerais
A. Como uma resposta à pergunta Aponta para o juízo vindouro e recom-
“Até quando?” (Ap 6:10). pensas para os santos.
B. “Nos dias em que o sétimo anjo No intervalo entre o fim da trombeta
está prestes a soar” (Ap 10:7). do sexto anjo e o soar da sétima.
II. Específicas
A. Depois dos 1260 dias (Ap 12:6) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Findaram em 1798 337
B. Depois do período de dia-mês-ano (Ap 9:15) . . . . . . . . Findou em 1844
C. Depois dos 1290 dias (Dn 12:11) . . . . . . . . . . . . . . . . . . Findaram em 1798
D. Depois dos 1335 dias (Dn 12:12) . . . . . . . . . . . . . . . . . Findaram em 1844
E. Depois das 2300 tardes e manhãs (Dn 8:14) . . . . . . . . . Findaram em 1844
O livro agridoce
Passemos agora a examinar a terceira e última seção da narrativa (v. 8-11).
Esta seção descreve a experiência do profeta com o livrinho. Ele é instruído a
tomar o livrinho da mão do anjo e comê-lo. A refeição simbólica demonstrou-
se doce em sua boca, mas amarga em seu estômago. Em seguida a esta experiên-
cia, foi-lhe dito que profetizasse outra vez a muitos povos, nações e línguas.
A extensão do simbolismo é considerável. Examinaremos seus detalhes di-
vidindo a passagem em várias seções.
Estudos selecionados em interpretação profética
Descrição do anjo
A dscrição do anjo forte é dada outra vez, porém mais brevemente. Mounce
(1977, p. 214) chama isto de um “artifício retórico”. É empregado para interligar
as seções iniciais e finais da narrativa e para enfatizar os vínculos entre o anjo e
o livrinho aberto naquelas duas cenas.
O anjo é outra vez descrito como estando em pé sobre o mar e sobre a Terra,
um sinal da universalidade de sua mensagem. Esta universalidade é agora com-
plementada nesta terceira seção pelas orientações dadas a João para profetizar
uma nova mensagem a “muitos povos e nações e línguas e reis” (v. 11).
O livrinho aberto na mão do anjo é notado mais uma vez. Este elemento é
fundamental para a experiência do profeta. A primeira voz ouvida vem do céu
e provavelmente é a voz do próprio Deus falando (10:8). Mounce (1977, p. 213)
dá ênfase ao significado da origem da comunicação: “Que a voz é uma voz do
céu enfatiza a natureza autorizada da ordem.”
O fator tempo
Barnes é um comentarista que tem realçado os fatores tempo envolvi-
dos nesta seção. Ele observa no início: “A passagem aqui (v.8) introduz um
novo símbolo, o do ‘comer o livro’, e evidentemente se refere a algo que deveria
338 ocorrer antes [grifo do autor] do ‘mistério ser cumprido’; isto é, antes de soar a
sétima trombeta” (Barnes, 1852, p. 262).
Na conclusão desta seção o profeta é instruído a profetizar outra vez.
Isto também envolve um fator tempo, como observa Barnes (1852, p. 263): “A
expressão aqui deve se referir a algo que ocorreria depois [grifo do autor] da
ação simbólica de ‘comer’ o livrinho, ou a alguma consequência de comê-lo.”
Mounce (1977, p. 216) concorda: “É depois [grifo do autor] de comer o livro
que é dito a João que ele deve profetizar outra vez.”
O significado cronológico de ambas as atividades descritas no início e no
final desta passagem (comer, profetizar) é que ambas ocorrem no intervalo du-
rante o qual o sétimo anjo está se preparando para tocar sua trombeta.
Comendo o livrinho
O profeta é instruído pela voz do céu a aproximar-se do anjo e tomar o
livrinho da sua mão. Em sua experiência visionária o profeta assim o faz. Em
resposta, o anjo o instrui a tomar e comer o livrinho. Isto o profeta também faz.
Na visão a ação agora muda para o profeta. Até este ponto o profeta tem sido
um observador. Agora ele se torna um participante.
O anjo forte e
Ezequiel que comesse o rolo e fosse e falasse à casa de Israel. Ele comeu e o rolo
tinha o sabor de doce em sua boca.
Esta experiência de Ezequiel fornece o mais direto modelo bíblico para o
que é descrito em Apocalipse 10. Contudo, ele falha em um detalhe: o result-
ante amargor no estômago. Tampouco as experiências dos ímpios descritas
em Jó e Provérbios fornecem uma analogia completa. Elas têm ambos os
elementos de doce e amargo, mas estas são as experiências dos ímpios, não
dos justos como encontramos em Apocalipse 10.
Mesmo embora seja tratado aqui um grupo diferente, estas experiências
dos ímpios podem prover alguma espécie de analogia geral. O problema real
entre o doce e o amargo é que a ação em si (que é doce) não provê os resultados
antecipados (portanto, causando amargor). O mesmo pode ser dito do profeta e
a igreja que ele representa em Apocalipse 10. A doçura da mensagem da palavra
de Deus torna-se amargor quando o resultado antecipado não se materializa.
A doçura e o amargor têm sido vistos de várias maneiras pelos comen-
taristas. Por exemplo, Ford (1975, p. 164) vê o amargor de Ezequiel no fato
de que “lhe é dito que Israel não lhe dará ouvidos”. Para Mounce (1977,
p. 215), estas figuras de linguagem indicam que “o livro doce que torna o
estômago amargo é uma mensagem para a igreja. Antes do triunfo final os
340 crentes irão passar por uma formidável provação”.
Kiddle (1940, p. 173) tem uma opinião semelhante:
João, porém, logo acha o livrinho amargo para digerir. Sua mensagem é para o ver-
dadeiro Israel, a igreja cristã: e embora ele termine com o triunfo do povo de Deus,
também fala de uma formidável provação que deve preceder sua vindicação. O novo
conhecimento agridoce ele deve transmitir às igrejas em todos os países.
Nova missão
O verbo plural legousin (eles dizem, estão dizendo [a mim]) no início do
verso 11 tem ocasionado algum comentário. Ordinariamente teríamos espera-
do aqui um verbo singular (ele diz [a mim]). Seguindo Charles, Ford (1975, p.
160) sugere que a função deste plural é suprir um sujeito indefinido. Mounce
(1977, p. 216) sugere que ele pode funcionar aqui com um significado passivo.
Todavia, a voz do anjo forte e a voz do céu poderiam estar falando aqui de
comum acordo. Ou, os anjos com as trombetas poderiam estar falando. Outra
possibilidade seria os anciãos e os seres viventes no Céu ao redor do trono. Esta
questão não pode ser resolvida com finalidade; todavia, ela não afeta direta-
mente o significado do conteúdo da mensagem ao profeta.
O profeta deve ser considerado aqui, e anteriormente, como simboli-
zando os seres humanos que constituiriam o movimento que transmite essa
mensagem final. João viveu no início da Era Cristã quando ele recebeu esta
Estudos selecionados em interpretação profética
visão. Mas a cena profética em si olha em direção do fim dos tempos, muito
tempo depois da morte de João. Ele deve, portanto, ser compreendido como
representante daqueles que levarão esta mensagem final, a parte que ele
estava desempenhando sob aquelas circunstâncias. Teria sido fisicamente
impossível para João ter levado sua mensagem a todos os grupos a quem
lhe foi dito se dirigir (v. 11). Podemos, portanto, procurar um grupo ou
movimento para cumprir esta incumbência no fim dos tempos.
A conexão desta profecia com o fim dos tempos é enfatizada por suas
conexões com as outras profecias do fim dos tempos de Apocalipse através da
linguagem que ela usa para os grupos a serem abordados (povos, nações, lín-
guas, reis (v. 11). Observou Charles (1920, p. 269):
É interessante que esta enumeração, que ocorre sete vezes no Apocalipse [...] é aqui
dada uma forma diferente, e basileusin (reis) é posto no lugar de phulais (tribos). Os
reis são especialmente aqueles mencionados em 17:10, 12. O profeta está reformu-
lando esta frase característica com vista ao conteúdo de suas visões posteriores.
A extensão em que esta mensagem deve ser dada é também enfatizada pelo
termo pollois (muitos). Como observa Ford (1975, p. 161): “Pollois, ‘muitos’, se
342 refere à vastidão do campo missionário, referindo-se não somente a um impé-
rio, mas a uma multidão de raças e reinos e cabeças coroadas.”
Também devemos comentar brevemente sobre o uso do verbo “pro-
fetizar”. Alguns comentaristas abrandam a força deste verbo, interpretando-
o como significando um mero falar por Deus. Todavia, a narrativa, como
um todo, vem lidando com uma mensagem profética. Consequentemente, a
apresentação de uma mensagem inteiramente profética outra vez ao mundo
se ajustaria melhor ao significado deste verbo aqui.
O juramento/mensagem do anjo forte baseia-se ou está relacionada com
o livrinho aberto em sua mão. Sendo que esse livrinho pode ser identificado
como o livro profético de Daniel, mais uma razão é dada aqui para ver esta
mensagem final como realmente de caráter profético.
Mounce (1977, p. 217) tem dado alguma ênfase à natureza profética
desta mensagem final:
Cumprimento histórico
O tempo e o espaço impedem uma análise aprofundada da história da in-
terpretação deste capítulo ou um registro completo dos detalhes históricos da
aplicação feita aqui. Contudo, alguns breves comentários devem ser feitos com
base nos conhecimentos exegéticos obtidos a partir do nosso exame do capítulo.
A ênfase central da narrativa é que uma mensagem especial deve ser le-
vada ao mundo no fim dos tempos. Esta verdade é representada simbolica-
mente por um anjo forte descendo do Céu à Terra (v. 1). A mensagem deve
ser de extensão mundial. Este fato é representado simbolicamente no início
do capítulo (v. 2), e é declarado literalmente em seu fim (v. 11).
A mensagem especial para este tempo está relacionada ao livrinho aberto na
mão do anjo. Das várias analogias entre este capítulo e Daniel 12 podemos concluir
que o livrinho — agora aberto — é o mesmo livro que o profeta Daniel recebeu
ordem de selar, seu próprio livro de profecias. Assim, no fim dos tempos uma men-
sagem especial deve ser dada ao mundo, e esta mensagem está relacionada direta-
mente com as profecias do livro de Daniel, a ser aberto, estudado, e proclamado.
A comunicação do anjo é vista envolvendo uma mensagem de juízo. Esta
é representada pelos sete trovões. Sendo que em outro lugar no Apocalipse os
trovões do trono de Deus acompanham juízos, esses trovões também podem
ser compreendidos como representando juízos. Sua mensagem, porém, devia 343
ser selada ou temporariamente removida. Seu lugar parece ser tomado pelas
sete últimas pragas de Apocalipse 16, a próxima sequência de sete do livro, e
uma sequência que está ligada a julgamentos finais. A apresentação e selamento
imediato dos sete trovões parecem ser um anúncio preliminar de juízo que é
removido ou adiado para uma ocasião posterior, segundo este simbolismo.
O segundo ponto importante feito na mensagem do anjo forte lida com
tempo profético. Ele anuncia com um solene juramento que “não haveria
mais tempo”. A partir do contexto deste juramento está claro que o tempo
histórico não está sendo aludido, porque o tempo histórico continua através
de outra série de eventos proféticos. O tempo deve, portanto, ser profético
ou tempo apocalíptico simbólico. É esta espécie de tempo que é encontrada
especialmente nas profecias apocalípticas de tempo de Daniel e Apocalipse.
Elas deveriam chegar ao fim com o juramento desse anjo.
Nosso estudo das profecias de tempo, especialmente aquelas que podem
estar ligadas direta ou indiretamente com Apocalipse 10, leva à identificação
do ano de 1844 como o ponto final para várias destas linhas de tempo profé-
tico. Nenhuma profecia de tempo de Daniel e Apocalipse se estende além desse
Estudos selecionados em interpretação profética
ponto. Esta junção cronológica fornece a localização apropriada para ser feito o
anúncio do anjo forte acerca da cessação do tempo profético.
Esta importante junção cronológica no meio da narrativa forma um pivô
em torno do qual os eventos profetizados em outras partes da narrativa se agru-
pam. Isto se aplica ao julgamento adiado anunciado no início do capítulo; se
aplica à experiência do amargo desapontamento em seguida ao meio do capí-
tulo; e se aplica à nova profecia a ser dada no fim do capítulo.
Na passagem que lida com a experiência doce e amarga do profeta, João
(representando os cristãos do fim dos tempos) primeiro prova a doçura da men-
sagem derivada do livro de Daniel quando ele é estudado, absorvido, e proclam-
ado. Mas depois da doçura inicial, provada por aqueles que experimentaram a
alegria e esperança que encontraram nestas profecias, sua experiência se trans-
formou em amargor quando o cumprimento antecipado não se concretizou.
A junção cronológica central deste capítulo também apresenta um período
de tempo em que se deve procurar a ocorrência histórica desta experiência. Du-
rante o transcorrer da história da Igreja Cristã no século dezenove, desenvolveu-
se uma grande expectativa de que a segunda vinda de Cristo e o fim do mundo
estavam próximos. Na América do Norte isto foi incorporado especialmente no
movimento milerita, proclamando o advento de Cristo ao longo das décadas de
344 1830 e 1840, até o amargo desapontamento de outubro de 1844.
Os mileritas baseavam suas convicções em um cuidadoso estudo das profe-
cias do agora aberto livro de Daniel. Sobre esta base os mileritas determinaram
corretamente que o tempo profético chegaria ao fim em 1844, conforme jurado
no juramento do anjo forte. Apesar de doce como era para eles esta mensagem,
eles identificaram incorretamente o evento que ocorreria no final desses pe-
ríodos de tempo proféticos. Como resultado, eles sofreram um amargo desa-
pontamento quando a doce esperança do retorno do seu Salvador deixou de
materializar-se. O amargor desta experiência foi tão grande que adeptos con-
temporâneos do movimento e seus posteriores herdeiros espirituais têm se
referido a essa reviravolta como o Grande Desapontamento.
Mas os membros desse movimento (representado simbolicamente pelo
profeta) não deveriam permanecer nesta desalentada condição. Ao contrário,
eles devem aceitar o desafio de um novo chamado para profetizar outra vez ao
mundo. Jesus ainda voltará e o plano da salvação ainda será concluído.
Eles vivem e profetizam agora, por todo o mundo depois do final de to-
das as profecias de tempo, como o anjo tinha dito. Eles devem dar esta nova
mensagem em um tempo em que o sétimo anjo está chegando mais e mais
perto de soar o som da trombeta final. Quando ele finalmente tocar sua
O anjo forte e
trombeta, sua tarefa terá alcançado seu cumprimento. Desta vez não haverá
nenhum amargo sabor de desapontamento. Esta é realmente a tarefa que os
herdeiros espirituais do movimento milerita vêem que está sendo cumprida
em sua obra e mensagem do seu movimento mundial.
Considerações finais
Apocalipse 10 se divide sobre a declaração do divisor de águas acerca do fim
do tempo profético. A declaração localiza a descrição das cenas da visão no âmbito
da história da igreja nos séculos dezenove e vinte. Os vários aspectos da profecia
podem ser esquematizados em sua ordem sucessiva em torno do ponto focal do
juramento do anjo acerca do tempo profético na seguinte forma resumida:
1. Uma nova mensagem deve ser dada ao mundo — representada pela
descida do anjo forte que está sobre a Terra e o mar com um livrinho aberto
em sua mão.
2. A mensagem dada é de juízo, mas esse juízo será adiado — representado
pelos sete trovões e o selamento de sua mensagem.
3. É feito um solene juramento de que não haveria mais tempo (profético) —
cumprido pelas linhas das profecias de tempo que convergem para 1844.
4. Uma experiência de desapontamento ocorreria nesse tempo — represen-
tada pelo gosto amargo do livrinho quando o fim do mundo não ocorreu. 345
5. Uma mensagem profética deve ser proclamada outra vez a todo o mundo:
Referências
CAIRD, G. B. The revelation of St. John the Divine. New York: Black, 1966.
CLARKE, A. The holy Bible: a commentary and critical notes, Revelation. Nashville:
John J. Harrod, 1938.
KIDDLE, M. The Revelation of St. John. Londres: Hodder and Stoughton, 1940.
MORRIS, L. The Revelation of St. John. Leicester: Inter-Varsity Press, 1983. (Tyndale
O anjo forte e
348
Profecias de tempo
14
de Daniel 12
e Apocalipse 12-13
William H. Shea
Esboço do capítulo
1. Introdução
2. Daniel 12
3. Apocalipse 12
4. Apocalipse 13
5. Considerações finais
Introdução
Duas dúzias de profecias de tempo encontradas na Bíblia são identificadas como
pertencentes aos profetas clássicos. Os expositores concordam que estas devem ser
interpretadas como tempo literal. Cerca de duas dúzias mais são encontradas nos
livros proféticos especializados classificados como apocalípticos: Daniel e Apoc-
alipse. Existem mais diferenças de opinião quanto a interpretar esses elementos de 351
tempo. Os intérpretes historicistas, inclusive os adventistas do sétimo dia, defendem
que essas expressões de tempo são simbólicas e representam períodos mais longos
do real tempo histórico. Outros intérpretes, das escolas preterista e futurista, creem
que elas devem ser aceitas simplesmente como tempo literal.
Em outro lugar tenho discutido a natureza dos períodos de tempo apocalíp-
ticos e o princípio dia-ano (SHEA, 2007, p. 63-99). Neste capítulo me proponho
a fazer um estudo contextual e de conteúdo de alguns períodos de tempo apoc-
alípticos para descobrir as características que indicarão quando eles devem ter
cumprimento. Isto não é um estudo histórico em profundidade. É antes um es-
tudo textual para ver o que diz o texto em si acerca da aplicação destas profecias
em seus próprios termos. Obviamente, o texto deve ter algo a dizer acerca de
qual escola de interpretação se alinha mais de perto com seus dados.
Mesmos eventos
Estas passagens não somente se referem ao mesmo período de tempo,
mas também descrevem os mesmos eventos que ocorreram durante esse
período. Daniel 12:7 identifica isto como um período para a “destruição” do
poder do povo santo. Apocalipse 12:6 e 14 o identificam como um tempo
em que a mulher, que representa a igreja, é forçada a fugir do seu persegui-
dor, o dragão-besta motivado pelo diabo, e esconder-se no deserto. A pas-
sagem final, em Apocalipse 13:5, identifica esse período como um tempo
em que o poder da besta exerce sua autoridade contra os santos.
Assim, temos um período de tempo comum nestas passagens (1260 dias e
equivalentes) e um evento comum: a perseguição dos santos. Há, é claro, outros
elementos nestas passagens. As características mencionadas acima juntamente com
estas têm sido assuntos de interpretação polêmica. Portanto, um novo exame das
passagens do ponto de vista do seu contexto e conteúdo pode ser proveitoso para se
352 obter uma melhor compreensão em torno de sua interpretação.
Daniel 12
outro lado, compreendem estas unidades de tempo como símbolos e, portanto, sig-
nificando períodos mais longos do real tempo histórico.
Abordagens preteristas. Para ilustrar primeiro a abordagem preterista, o
comentário padrão de J. A. Montgomery da série International Critical Com-
mentary pode ser citado. Montgomery (1927, p. 477) credita ao grande crítico
da forma Herman Gunkel pelo ponto de vista que ele adota em seu comentário.
Muitos eruditos consideram que estes dois versos são glosas sucessivas adicio-
nadas quando a Nova Era ainda tardava depois da terminação dos 1.150 dias
de 8:14. A nova datação do v. 11 — 1290 dias — é o valor mais longo que pode
ser dado aos três anos e meio encontrados em 7:25. A outra extensão do período
para 1335 dias no v. 12 deixa todos conjecturando.
Portanto 1.290 dias = três anos e meio mais um mês. Pode ser que este mês extra re-
presente o período de composição da grande visão de Dn 10–12. (d) ‘1.335 dias’ de
Dn 12:12 adicionando outro mês e meio ao número precedente. Podemos ver aqui
o atraso antes da publicação final do livro de Daniel em sua inteireza (= dois meses
e meio depois da purificação do Templo em 12 de dezembro, 164, ou fevereiro, 163).
O problema com esta teoria é que de acordo com 1 Macabeus, o Templo foi profana-
do em 6 de dezembro de 167 a.C. (1 Mac 1:54), um período de três anos e oito dias
no Calendário Juliano, ou uma soma de 1.103 dias — (365 x 3) + 8 — um tanto me-
354 nos do que os 1.150 dias preditos em 8:14, e os três anos e meio ou 1.260 dias. [...] Em
vista destas circunstâncias, parece melhor admitir que o que os glossaristas tinham
em mente como acontecendo no final dos 1.290 dias em 12:11 e 1.335 dias em 12:12
simplesmente não pode ser verificado com alguma confiança. Somente conjecturas
são possíveis (HARTMAN; DI LELLA, 1978, p. 313-314).
Embora Daniel não explique variadas durações, é óbvio que a segunda vinda de
Cristo e o estabelecimento do seu reino milenial requer tempo. O período de
1.260 dias ou precisamente quarenta e dois meses de trinta dias cada, pode ser
considerado como culminando com o próprio segundo advento. Isto é seguido
Profecias de tempo
por vários julgamentos divinos tais como o julgamento das nações (Mt 25:31-
46), e o reagrupamento e julgamento de Israel (Ez 20:34-38). Esses grandes jul-
gamentos começando com os vivos sobre a Terra e purgando-a dos incrédulos
que adoraram a besta, embora tratados de forma rápida, vai exigir tempo. Pelos
1.335 dias, ou setenta e cinco dias depois do Segundo Advento, esses grandes jul-
gamentos terão sido realizados e o reino milenial formalmente lançado. Aqueles
que atingem este período são obviamente aqueles que foram julgados dignos de
entrar no reino. Portanto, eles são chamados “bem-aventurados”.
Uma ideia de como eles (os 30 dias extras dos 1290) se ajustam a essa semana (de
Tribulação) é encontrada em Mateus 25:31-46, que descreve um tempo de juízo
por Cristo imediatamente depois que Ele vem com poder para encerrar esse
período. O propósito do juízo é determinar os que terão permissão de entrar e
usufruir a bem-aventurança do período milenial (WOOD, 1973, p. 328).
É assim sugerido o pensamento de que isto será o real ponto de partida do Milênio. 355
Aqueles que serão aprovados no juízo de Cristo, durante os trinta dias precedentes,
seriam aqueles que o atingissem, depois destes quarenta e cinco dias adicionais. Qual
será a necessidade destes quarenta e cinco dias? Pode ser o tempo necessário para
estabelecer a máquina governamental para o exercício do domínio de Cristo. A ver-
dadeira e plena fronteira de Israel [...] terá de ser estabelecida, e feitas as nomeações
daqueles que permanecerão no governo. Um período de quarenta e cinco dias pare-
ceria outra vez razoável para tratar destes assuntos.
seu comentário sobre Daniel 7:25, Smith (1944, p. 145) explica este pe-
ríodo como se estendendo de 538 d.C. a 1798.
Passando aos 1290 dias, assinala Smith (1944, p. 323-324), “os dois períodos,
portanto, os 1290 e os 1260 dias, terminam juntos em 1798, o último começan-
do em 538, e o primeiro em 508, trinta anos antes.” A vitória de Clóvis dos fran-
cos sobre os visigodos arianos a favor do papado é então citada como o evento
significativo de 508 (SMITH, 1944, p. 324-332).
Retomando os 1335 dias de Daniel 12:12, Smith calcula em seguida: “A
partir deste ponto eles se estenderiam a 1843, porque 1335 adicionados a 508
formam 1843.” Smith (1944, p. 331) cita o reavivamento milerita desse tempo
como o bem-aventurado acontecimento que deveria então ocorrer:
356 Cerca do ano de 1843, houve uma grandiosa culminação de toda a luz que havia sido
derramada sobre temas proféticos até aquele momento. A proclamação foi divulga-
da com poder. A nova e empolgante doutrina do estabelecimento do reino de Deus
abalou o mundo. Nova luz foi comunicada aos verdadeiros discípulos de Cristo. Os
incrédulos foram condenados, as igrejas foram provadas, e foi despertado um espíri-
to de reavivamento que não tem tido paralelo desde então.
Relações contextuais
Tendo investigado estes três pontos de vista para sua interpretação dos pe-
ríodos de tempo de Daniel 12, podemos agora tratar do assunto contextual. Isto
é especialmente pertinente para o ponto de vista preterista, porque as escolas
preteristas tratam esta seção (12:5-12) com as datas como um apêndice, glosas
adicionadas depois que o corpo principal da profecia foi escrito. É esta real-
mente a natureza de Daniel 12:5-12?
Arranjo literário da quarta visão. Em primeiro lugar, a estrutura geral
de toda a visão deve ser notada. Este segmento do livro abrange Daniel 10–
12. Estes três capítulos constituem uma profecia completa. Basicamente, o
capítulo 10 é a introdução; o capítulo 11:1–12:4 é o corpo, a porção didática
da profecia de Gabriel; e 12:5-13 é a sua conclusão.
Profecias de tempo
Tabela 1
dos santos é descrita no corpo da profecia e isto está em Daniel 11:32-35. Segundo a
natureza do conteúdo da passagem, singular em todo o capítulo 11 de Daniel, isto é
onde o período de tempo de Daniel 12:7 deve ser aplicado. Os elos linguísticos entre
Daniel 11:32-35 (corpo) e Daniel 12:7-10 (conclusão) demonstrando a direitura de
sua conexão, podem ser esquematizados a seguir:
Tabela 2
A grande perseguição*
Daniel 11:32-35, NIV Daniel 12:7-10, NIV
1. “Aqueles que têm violado [maršî’ê] a
aliança” (v. 32).
2. “Aqueles que são sábios[ûmaśkîlê] in-
struirão a muitos [yābînû” (v. 33).
3. “Alguns dos sábios [hammaśkîlîm]
tropeçarão para que possam ser refinados
[lişrôp],”
4. “purificados [ûlebārēr]” 4. “Muitos serão purificados [yitbārarû],”
5. “e feitos imaculados [welalbēn]” 5. “feitos imaculados[weyitlabbenû]” 359
6. “até o tempo do fim” (v. 35). 3. “e refinados [weyişşārepû]” [v.10]
1. “mas os ímpios [rešā’îm] continuarão
sendo ímpios [wehiršî’û].”
2a. “Nenhum dos ímpios [rešā’îm] en-
tenderá [welō’ yābînû],”
2b “mas aqueles que são sábios
[wehammaśkîlîm] entenderão [yābînû]”
(v. 10).
*Nota: As cláusulas citadas ocorrem em suas respectivas passagens na ordem em que elas são numeradas.
Tabela 2a
Tabela 2a
“estar apavorado,
5. šmm mešōmēm šōmēm
desolado.”
suas conexões linguísticas eles devem preceder, não seguir, o tempo do fim. Das
relações intratextuais, portanto, os 1260 e 1290 dias de Daniel 12 não têm lugar
no tempo de Antíoco Epifênio no segundo século a.C., como sustentam os pre-
teristas; nem pertencem ao fim do tempo, como mantêm os futuristas; mas eles
estão mais bem ligados com o âmago do fluxo da história conforme encontrado
em Daniel 11:31 e 11:32-35 como sustenta a opinião historicista. Detalhadas
aplicações históricas disto devem ser reservadas para outra ocasião e os comen-
taristas historicistas já têm abordado estes períodos de tempo.
4. Daniel 12:12. O anjo não diz nada acerca do período de 1335 dias além
de pronunciar uma bênção sobre “o que espera e chega” ao fim deste período.
Não é explicado por que o tal deve ser bem-aventurado. Paralelos linguísticos,
tais como ligar os 3 tempos e meio e os 1290 dias a locais definidos em Daniel
11, não estão disponíveis. Por outro lado, ninguém argumenta que o período
de 1335 dias deve ser separado do período de 1290 dias. Todas as escolas de
interpretação concordam ao menos neste ponto: os três períodos de tempo de
Daniel 12 devem ser estudados em conjunto.
O sentido óbvio dos versos 11-12 une os períodos de 1290 e 1335 dias em
uma relação especial. Sendo que pode ser demonstrado com bases linguísticas
que o período de 1290 dias está bloqueado na localização do tempo para os
eventos de Daniel 11:31, podemos concluir que o período de 1335 dias começa 363
no mesmo tempo com os mesmos eventos. A opinião historicista expressa por
Uriah Smith (1944, p. 331) de que estes períodos se iniciam em 508 d.C. e termi-
nam em 1798 e 1843 respectivamente bem se ajusta aqui com os dados bíblicos.
Quanto à “bênção” no final dos 1335 dias de Daniel 12:12, podemos pro-
curar conexões apocalípticas em outra parte. É interessante notar que é pro-
nunciada uma bênção no livro de Apocalipse para certo grupo do tempo do
fim. Refiro-me à bênção pronunciada sobre aqueles que morrem no Senhor em
conexão com as três mensagens angélicas. As próprias mensagens são encontra-
das em Apocalipse 14:6-12 e a bênção que as acompanha é encontrada no verso
13. A segunda vinda de Jesus é descrita em seguida no verso 14.
Aqui está então uma bênção que se aproxima, mas precede a vinda de Je-
sus. É pronunciada em relação com o juízo que é anunciado em Apocalipse
14:6. Esse juízo deve ser identificado pelas profecias acerca do juízo na corte
celestial em Daniel 7–8. O juízo é descrito no capítulo 7 e o seu tempo
(1844) é anunciado no capítulo 8. Seria natural e lógico para essa bênção
encontrada no final de Daniel achar uma conexão com esse juízo, cuja con-
clusão é também descrita anteriormente em Daniel 12:1-4.
Estudos selecionados em interpretação profética
Apocalipse 12
O mesmo período de tempo profético encontrado em Daniel 12:7 aparece
duas vezes em Apocalipse 12. No verso 14, ele aparece como 3 tempos e meio;
no verso 6, ele equivale a 1260 dias.
Sua interpretação segue os mesmos padrões que geralmente encontramos
na literatura sobre Daniel e Apocalipse. Os preteristas localizam os eventos deste
capítulo e seus períodos de tempo no primeiro século da Era Cristã. Os futur-
istas, especialmente os futuristas dispensacionalistas, colocam este período de
364 tempo e a perseguição associada a ele no final da era, no tempo de uma grande
perseguição que ocorre na segunda metade dos últimos sete anos da história
terrestre. Os historicistas, por outro lado, consideram esta profecia como utili-
zando tempo simbólico (= 1260 anos) e a aplicam à grande perseguição da ver-
dadeira igreja durante a Idade Média e Moderna (538-1798). As diferenças en-
tre estas abordagens podem ser notadas por alguns comentários de intérpretes.
Abordagens preteristas. Falando da perseguição descrita em Apocalipse
12, Mounce (1977, p. 234) retrocede, por assim dizer, para determinar “a causa
subjacente para a hostilidade prestes a desencadear-se sobre a igreja”. Ele aborda
um tanto geralmente o assunto da perseguição neste capítulo, mas interpreta o
verso 6 como segue: “A mulher foge para o deserto para ser alimentada ali por
Deus durante 1260 dias. A fuga da mulher pode em parte refletir a fuga da ig-
reja da Palestina para Pela ao irromper a guerra judaica em 66 d.C. Os filhos de
Deus frequentemente têm estado em fuga” (MOUCE, 1977, p. 239).
J. M. Ford (1975, p. 200) apresenta uma ênfase semelhante do primei-
ro século interpretando a mulher como sendo a comunidade de cristãos do
primeiro século, e uma comunidade um tanto restrita nesse ponto: “Se a mulher
é a comunidade fiel, tal como se encontra em Qumran, é uma comunidade que
vive, trabalha, ora, e luta, na companhia dos bons anjos que podem até mesmo
Profecias de tempo
ser incluídos na imagem das estrelas em volta de sua cabeça.” Ela generaliza
em seu comentário sobre a unidade de tempo. A mulher é alimentada por 3
tempos e meio ou 1260 dias, “talvez significando até o final da perseguição, [...]
é um tempo de provação que vem antes do começo final do reino de Deus. Tam-
bém representa o oposto de eternidade. Mas pode, além disso, ser um número
messiânico” (FORD, 1975, p. 202).
Abordagem futurista. No outro extremo da escala, encontramos o in-
térprete dispensacionalista J. F. Walvoord. Neste sistema a mulher não é a
igreja, mas Israel, como ela existirá nos últimos dias durante a grande tribu-
lação. O elemento de tempo (1260 dias) é tempo literal, mas o período
ocorre na extremidade oposta da Era Cristã de onde os intérpretes preteris-
tas o localizariam. Walvoord (1966, p. 191) admite a grande lacuna que deve
existir entre esta aplicação do fim dos tempos do período de 1260 dias e o
início da era (com Israel como a mãe do Messias):
A atenção é então dirigida, porém, para a mãe do filho varão, outra vez representada
como Israel. Aqui ela é vista no tempo da grande tribulação como fugindo para o de-
serto a um lugar preparado por Deus onde por 1.260 dias ela é cuidada (novamente
a extensão exata de três anos e meio. Há obviamente um tremendo lapso de tempo
entre os versos 5 e 6, mas isso não é uma ocorrência incomum na profecia; a primei- 365
ra e segunda vindas de Cristo são frequentemente citadas na mesma sentença. Na
medida em que Israel está em comparativa tranquilidade e segurança nos primeiros
três anos e meio da setuagésima semana de Daniel (Dn 9:27), a referência deve ser à
preservação de uma parte da nação de Israel do começo ao fim da grande tribulação
para aguardar a segunda vinda de Cristo.
que os põem no final da era, há aqueles que os generalizam mais do que isso.
Os idealistas aplicam o período à Era Cristã em geral. As observações de P. E.
Hughes (1990, p. 137) representam esta abordagem:
Ali, alimentada por Deus, ela é habilitada a sobreviver por mil duzentos e sessenta
dias, de outra forma definida no verso 14 abaixo, como “um tempo, e tempos, e
metade de um tempo” e, em 13:5, como “quarenta e dois meses”, isto é, por um
período de duração limitada que é breve em comparação com a ilimitada eter-
nidade de paz e liberdade que seguirão no novo céu e nova terra. [...] O simbo-
lismo na visão de João retrata a história do povo de Deus para quem o deserto é
o mundo em sua decadência e sua hostilidade para com a verdade.
Este período denota três anos e meio e é o mesmo que os 1.260 dias do verso
6 e os quarenta e dois meses de 13:5. Simboliza o tempo, limitado por Deus,
da perseguição da igreja por Satanás na Terra, o tempo, isto é, entre as vindas
de Cristo (HUGHES, 1990, p. 141).
366
Abordagem historicista. A escola historicista, seguindo o princípio dia-ano,
delimita os 1260 dias a certa porção da Era Cristã, não à era em sua totalidade. A
parte da Era Cristã à qual este período de tempo profético é aplicado é a Idade Mé-
dia e pouco depois, quando membros da verdadeira igreja de Deus tiveram de fugir
para lugares remotos por causa das perseguições lançadas contra eles.
Representativo desta opinião é o comentário de Uriah Smith sobre
Daniel 11–12, já citado acima. Smith (1944, p. 553) afirma claramente esta
posição em seu comentário sobre Apocalipse 12:6:
A igreja fugiu para o deserto no tempo em que o papado foi firmemente estabe-
lecido em 538, onde foi alimentada pela palavra de Deus e o ministério dos anjos
durante o longo, escuro, e sangrento domínio desse poder por 1260 anos.
Ele reitera este ponto de vista em seu comentário sobre Apocalipse 12:14:
que um “tempo” é um ano, 360 dias; dois “tempos, dois anos, ou 720 dias; e “metade
de um tempo”, meio ano, ou 180 dias, constituindo tudo 1260 dias. Estes dias, sendo
simbólicos, significam 1260 anos literais (SMITH, 1944, p. 558).
as nações com cetro de ferro (v. 5), ele é comumente — embora não universal-
mente — identificado pelos comentários como representando Jesus Cristo. As-
sim, podemos identificar esta seção inicial de cinco versos do capítulo 12 como
descrevendo a primeira fase do conflito entre o dragão e a mulher.
O próximo verso desta narrativa (v. 6) deve ser visto como de transição para
uma seção intermediária que lida mais com o conflito entre o dragão e a mul-
her. Este verso de transição indica que tendo dado à luz o filho varão, a mulher,
agora mais definidamente identificada com a igreja, achou necessário fugir para
o deserto com a finalidade de autopreservação. Ali ela permaneceu, protegida
por Deus, durante um período de tempo específico —1260 dias.
A esta altura, o fluxo da narrativa que trata do conflito entre o dragão e a
mulher é interrompido para incluir uma seção parentética (v. 7-12) que explica
a origem da inimizade do dragão contra a mulher. Esta seção da narrativa é em
parte descritiva (v. 7-9) e em parte hínica (v. 10-12). A primeira porção desta
seção central descreve um conflito no Céu entre o dragão (“a antiga serpente,
que se chama diabo e Satanás [v. 9]) e seus anjos contra Miguel, o dirigente dos
anjos do lado de Deus. Miguel e seu exército saíram vitoriosos, e o dragão e seu
exército foram lançados para a Terra. A segunda parte desta seção central cele-
bra a derrota do dragão e adverte os habitantes da Terra acerca de sua inimizade.
368 Várias diferentes interpretações têm sido dadas a esta seção central. Alguns
intérpretes a veem como a descrição de um conflito no Céu em que o mal se
originou antes da criação da espécie humana. Outros o veem como uma de-
scrição da vitória ganha por Deus sobre o diabo no tempo da encarnação de
Cristo. Ainda outros o veem como uma descrição da vitória ganha por Deus
através da expiação de Cristo na cruz. Nossa finalidade aqui não é dar uma
exegese detalhada ou interpretação desta passagem. É antes ver onde estes ver-
sos se ajustam na estrutura literária do capítulo. Este ponto é claro, embora os
comentaristas possam diferir em sua interpretação do texto em si. Estes versos
fornecem um bloco central de material do capítulo; e o principal fluxo da nar-
rativa, que está mais diretamente relacionado com o conflito entre o dragão e a
mulher, recomeça após esta digressão.
A próxima seção da narrativa, versos 13-16, retorna, então, ao assunto da
mulher no deserto, sob ataque do dragão. No verso 6, que temos notado acima,
é principalmente as ações da própria mulher que estão em estudo. Este assunto
é agora tratado novamente no verso 14. Mas o verso 15 então continua com o
outro aspecto do assunto — as ações do dragão contra a mulher durante sua
habitação no deserto. Ele a perseguiu ali e arrojou sobre ela uma grande cor-
rente a fim de arrebatá-la. A terra, porém, ajudou a mulher, e tornou a corrente
Profecias de tempo
ineficaz (v. 16). A extensão de tempo em que a mulher habitou no deserto é dada
outra vez, neste exemplo como “um tempo, tempos e metade de um tempo” (v.
14), que é equivalente aos 1260 dias mencionados anteriormente no verso 6.
Para fins literários estruturais, é importante notar quão de perto o conteúdo
do versículo 14 corresponde ao do versículo 6:
1
A parte do meu artigo citada acima vem de Shea (1985, p. 39-42).
Profecias de tempo
Apocalipse 13
Chegamos agora a uma terceira grande declaração do tempo profético se-
melhante àquelas apresentadas em Daniel 11–12 e Apocalipse 12. Naquelas nar-
rativas anteriores o período de tempo foi dado como ou 1260 dias ou 3 tempos e
meio. Nesta nova narrativa ele é dado como 42 meses (13:5). Pode haver pouca
Estudos selecionados em interpretação profética
Sua posição sobre os 42 meses é como deve ser esperada em conexão com
esta interpretação: “Sua autoridade [aquela do futuro anticristo pessoal] con-
tinua por quarenta e dois meses” (WALVOORD, 1966, p. 200).
Abordagem historicista. Os intérpretes historicistas permanecem coerentes
aqui também. A besta é também identificada como Roma em sua escola de pen-
samento. Contudo, por causa dos aspectos distintamente religiosos do seu caráter
e atividades, ela é identificada como a fase religiosa da atividade romana, resumida
no papado. Neste caso Roma Imperial (simbolizada em um papel secundário pelo
dragão vermelho [cap. 12]), precede a besta semelhante ao leopardo (cap. 13). A
última recebe da primeira seu “poder, trono, e grande autoridade” (v. 2). Como se
expressa brevemente Uriah Smith (1944, p. 562): “No verso 1 de Apocalipse 13, so-
mos levados de volta ao tempo quando a besta semelhante a leopardo, sucessora do
Profecias de tempo
dragão, inicia sua carreira. Deste poder a igreja sofre guerra e perseguição por um
longo período de 1260 anos.” Este período de 1260 anos é, sem dúvida, o mesmo
que tem sido descrito acima com as profecias anteriores.
A posição, portanto, das três escolas interpretativas é como as temos en-
contrado nas profecias anteriores. Os preteristas veem Apocalipse 13:1-10 no
início da Era Cristã, os futuristas no final da era, e os historicistas no transcor-
rer da era, interpretando as unidades de tempo aqui como simbólicas e não de
natureza literal. Para uma mais definitiva identificação do poder da besta en-
volvido, o estudante precisa trabalhar naturalmente através de suas característi-
cas simbólicas. Isto já tem sido feito nos comentários e não precisa ser repetido
aqui. Nosso interesse está mais localizado à profecia de tempo ligada com essa
besta. Onde deve esse período de tempo ser aplicado?
No final do mesmo período [os 1260 anos], a besta semelhante ao leopardo de-
veria ser levada “em cativeiro.” Apocalipse 13:10. Ambas as especificações foram
cumpridas no cativeiro e exílio do papa, e a subversão temporária do papado
pela França em 1798.
Assim é evidente que é a cabeça papal que foi ferida de morte, e cuja ferida mortal
foi curada. Essa ferida é o mesmo que ir par o cativeiro. (Apocalipse 13:10) Ela foi
infligida quando o papa foi levado prisioneiro pelo general francês Berthier, em 1798,
e o governo papal foi durante certo tempo abolido (SMITH, 1944, p. 567).
chifres. Uma descrição adicional é dada destas características. Os chifres têm dia-
demas e as cabeças têm o nome de blasfêmia sobre elas. A descrição continua ao
subir a besta ainda mais do mar. Seu corpo, que se assemelha ao do leopardo, é
visto em seguida; e seus pés, que são como os de urso, são vistos por último. A
atenção do profeta é então voltada para a boca da besta. Era semelhante à boca de
um leão. O motivo pelo qual a atenção do profeta é voltada para a boca é porque
sua fala é um elemento importante na subsequente seção explanatória da visão.
A cena agora muda para descrever o que o dragão do capítulo 12 fez por essa
besta do mar do capítulo 13. Ele deu-lhe três coisas: poder, um trono e grande au-
toridade. A atenção de João é então chamada para uma das cabeças. Seis das sete
cabeças pareciam saudáveis, mas uma delas tinha sido ferida. Realmente, a ferida
se mostrava tão grave que parecia ter sido fatal. Mas a ferida já havia cicatrizado
e a cabeça também estava viva novamente. A passagem conclui com declarações
sobre a adoração do dragão e da besta pelo mundo.
A explicação da visão (v. 5-10). A segunda seção é distinta em termos de seus
conteúdos verbais. Ela contém quatro frases que se iniciam em exatamente a mes-
ma forma no original grego, kai edothē autō (“e foi-lhe dada”). A frase ocorre duas
vezes no verso 5 e duas vezes no verso 7. Cada vez a frase apresenta alguma coisa
que é dada à besta. O primeiro “dada” é uma boca que proferia grandes coisas e blas-
376 fêmias. O segundo é autoridade. A terceira coisa dada é a capacidade de fazer guerra
aos santos. A quarta “dada” é autoridade sobre as nações. Então a passagem conclui,
como fez a primeira, com uma declaração de adoração pelo mundo.
Deve estar claro deste esboço das duas seções que nos deparamos primeiro
com a visão da besta e em seguida a descrição de suas ações a título de ex-
planação. Ambas as seções terminam do mesmo modo: com a descrição de
adoração pelo mundo. Esta dupla descrição de adoração não apenas serve para
dividir a passagem, mas também para enfatizar a unidade da profecia. Este
breve esboço pode ser representado por um gráfico:
Apocalipse 13:1-10
Duas Seções
Descrição Explicação
v. 1-3 v. 5-7
Adoração Adoração
v. 4 v. 8
Profecias de tempo
v. 5b “E foi dada a ela autoridade para fazer (X) meses, quarenta e dois.”
kai edothē autō exousia poiēsai mēnas 40 kai 2
v. 7a kai edothē autō poiēsai polemon meta tōn hagiōn kai nikēsai
“E foi dado a ela fazer guerra contra os santos e derrotá-[los”]
objeto. Mas este não é realmente o caso. Foi dada autoridade à besta para fazer
alguma coisa, não para exercer autoridade.
Mas o que lhe foi dada autoridade para fazer? Isso é deixado para a próxima
frase de doação dizer. Segundo o verso 7a essa autoridade era fazer guerra aos san-
tos. Assim o arranjo linguístico e estrutural e as relações aqui indicam que a au-
toridade da besta devia ser exercida especialmente em fazer guerra contra os santos.
Esta característica do texto o harmoniza com as passagens que temos discutido aci-
ma — Daniel 11–12 e Apocalipse 12. Em ambas as passagens este mesmo período
de tempo foi especialmente e acima de tudo um período de perseguição dos santos.
Os vínculos da palavra “autoridade” (exousia) entre estas duas passa-
gens também devem ser notados. Segundo 13:2, o dragão deu à besta do
mar poder, trono e grande (megalēn) autoridade (exousia). Então, segundo
o verso 5, a besta do mar continua para exercer esta autoridade (exousia)
por quarenta e dois meses. Realmente, a extensão de tempo em que a besta
exerce esta autoridade é um motivo por que ela é grande.
É também de interesse que estas duas palavras (grande/autoridade) estejam
correlacionadas no verso 2, mas são então distribuídas no verso 5. No verso
2, é a autoridade que é grande (exousian megalēn). No verso 5, a palavra para
grande (megala) é usada independentemente para se referir às grandes coisas
378 ou “arrogantes” (RSV) palavras que a besta fala contra Deus; então na próxima
frase a palavra autoridade (exousia) aparece. O que aparece como um par de
palavras na primeira passagem é dividido e distribuído a frases sucessivas no se-
gundo exemplo, apontando assim para uma relação direta entre as duas seções.
Há duas outras interessantes ligações de palavras presentes aqui. Uma é o
verbo “adorar” (proskuneō). No verso 4 (da primeira seção), ele é usado em uma
forma aoristo, mas no verso 8 (a segunda seção), ele é usado em uma forma
futura. A última tem sido comumente considerada como um hebraísmo para
um verbo que equivale a um tempo imperfeito ou presente. Contudo, o inverso
poderia ser considerado por sua ocorrência no verso 4. Se alguém considera o
aoristo do verbo 4 como refletindo um “perfeito profético” hebraico conforme
usado pelos profetas do Antigo Testamento (um tempo passado para descrever
um evento futuro), então isto bem se ajustaria com a natureza visionária desta
passagem (“homens [...] adorarão o dragão [...] e eles adorarão a besta”). Se esta
explicação está correta, ela harmonizaria o versículo 4 com o versículo 8, colo-
cando esta ação no futuro do tempo de João na era especificada pela profecia.
A outra palavra de nota aqui é a palavra para “ferida” que a cabeça da besta
recebe de uma forma “mortal” segundo o verso 3 (sphazō). A mesma palavra é
usada para Cristo como o cordeiro morto (5:6, 9, 12). Os que são excluídos do
Profecias de tempo
reino celestial são aqueles que não estão escritos no livro do Cordeiro que foi
“morto” (ferido) desde a fundação do mundo (13:8). A mesma palavra é usada
em ambas as passagens, e assim se traça um contraste entre a besta e o “Cord-
eiro”. Ambos receberam uma ferida que era mortal, mas voltaram à vida — um
para trabalhar pela redenção da humanidade, a outra para sua destruição.
Na seção descritiva (v. 1-4), a ferida da besta vem mais para o final da
passagem (v. 3). Na seção explicativa (v. 5-10) essa ferida é também men-
cionada no final da passagem (“se alguém matar à espada, necessário é que
seja morto à espada”, v. 10; cf. v. 14, “a besta que foi ferida pela espada”). Em
ambos os casos a estrutura literária e as relações envolvidas indicam que a
autoridade que a besta exerce vem antes dessa ferida.
Existe também uma ligação natural e lógica da doação de autoridade para o
seu exercício entre a primeira passagem (v. 2) e a segunda (v. 5).
Como mostram as muitas relações literárias estruturais apresentadas aqui e
os vínculos linguísticos entre as seções, um paralelismo de pensamento é reali-
zado por João, ao descrever a visão da besta que ele vê e a explicação da visão
que ele recebe. As duas partes formam um todo.
A leitura estritamente cronológica desta passagem não pode ser aplica-
da, porque este procedimento não faria qualquer sentido fora dos paralelos
múltiplos aqui. A compreensão mais lógica das duas seções é que a segunda 379
é uma explicação da primeira e que coloca o período de tempo dos 42 me-
ses em relação com os eventos da primeira passagem que ocorreram antes
de ser vista a ferida mortal. A ordem tradicional e as relações comumente
seguidas pelos intérpretes historicistas é a correta do ponto de vista dessas
relações contextuais recentemente observadas.
Isto significa que os 42 meses da profecia de tempo devem conduzir à ferida
mortal, não seguir. Também significa que a ocorrência da ferida mortal faz um
excelente demarcador para o fim deste período de tempo. Em termos do fluxo
da história, isto bem se ajusta com a terminação deste período em 1798 como
tem sido descrito pelo comentarista historicista Smith citado acima.
Considerações finais
Neste capítulo examinamos três passagens bíblicas que contêm elementos de
tempo proféticos: Daniel 12, Apocalipse 12 e Apocalipse 13. Um período de tempo
é comum a todas as três. Os 3 tempos e meio de Daniel 12:7 equivalem aos três
tempos e meio de Apocalipse 12:14, que por sua vez equivalem aos 1260 dias de
Estudos selecionados em interpretação profética
Apocalipse 12:6 e finalmente aos 42 meses de Apocalipse 13:5. Além disso, mais
dois períodos de tempo são encontrados em Daniel 12: os 1290 e os 1335 dias.
Não temos procurado fazer neste estudo muito estritas aplicações
históricas destes períodos de tempo. Nosso intento é outro. Nosso objetivo
era ver que informação o próprio texto forneceara localizar estes períodos
de tempo na extensão da História.
A localização dos períodos de tempo de Daniel 12 não pode ser determinada
apenas sobre a base da narrativa. Esses versículos formam somente a conclusão da
quarta visão de Daniel. A comparação deve ser feita com Daniel 11, o corpo desta
mesma visão. Quando esta comparação é levada a cabo, pode ser visto que as datas
de Daniel 12 não representam uma desejada extensão do tempo que o profeta adi-
vinhou (opinião preterista). Ao contrário, elas estão ligadas cada uma com eventos
específicos narrados no fluxo da História descritos no corpo da visão.
Os 3 tempos e meio e os 1290 dias têm seu lugar in loco (Dn 11:31-35) antes do
tempo do fim que é mencionado em Daniel 11:40. O período de 1335 dias também
tem suas raízes no mesmo local de Daniel 11. Isto significa que a opinião historicista,
que coloca estes períodos de tempo como representando simbolicamente muito
mais longos períodos de tempo histórico no fluxo do processo histórico, se ajusta
melhor ao conteúdo da passagem de Daniel 12.
380 A situação em Apocalipse 12 é um tanto diferente. Aqui os dois períodos de
tempo (3 tempos e meio; 1260 dias) são encontrados em relação um ao outro na
estrutura da própria narrativa. Eles são colocados no meio ou núcleo da narra-
tiva acerca da igreja; não fazem parte de um ou outro pólo desta história. Assim
eles são mais bem aplicados à Idade Média.
Aqueles períodos de tempo (os dois símbolos na realidade denotam a mes-
ma era) transpõem esse período e levam a narração da história da igreja até o
início do seu período final, o tempo em que a semente remanescente da mulher
ocupa o palco para a ação. Outra vez, a construção envolvente desta narrativa
e os pontos específicos em que os períodos de tempo estão localizados apoiam
certamente a interpretação historicista. Os dados não apontam para uma inter-
pretação preterista ou futurista.
A estrutura literária de Apocalipse 13 com seu período de tempo de 42 me-
ses retrata ainda outro modelo de pensamento hebraico. Aqui opera o paralelis-
mo de declarações. A visão da besta é descrita na primeira seção dessa narrativa
(v. 1-4) e isto é seguido pela explicação desta visão (v. 5-10). Isto significa que
esta narrativa (v. 1-10) não pode ser lida em reta sequência linear; antes, deve
ser compreendida como passando pelo mesmo terreno duas vezes.
Profecias de tempo
Referências
HARTMAN, L. F.; DI LELLA, A. A. The book of Daniel. Garden City: [s. n.], 1978.
SHEA, W. H. The parallel literary structure of Revelation 12 and 20. Andrews Univer-
sity Seminary Studies. v. 23, p. 37-54, 1985.
SMITH, U. The prophecies of Daniel and Revelation. Nashville: [s. n.], 1944.
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WALVOORD, J. F. Daniel, the key to prophetic Revelation. Chicago: Moody Pub, 1971.
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Estudos selecionados em interpretação profética
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