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A REVELAÇÃO DE JESUS

CRISTO
APRESENTAÇÃO

Ranko Stefanovic é um dos melhores professores bíblicos da América


do Norte. Suas aulas são estimulantes e bem recebidas. Seu carinho com os
alunos (muito ajudado por sua fervorosa esposa) faz uma grande diferença na
vida de muitos jovens. Seus escritos chamaram a atenção de estudiosos dentro
e fora da comunidade adventista. Com o peso combinado de seu estudo e
ensino para apoiá-lo, não é de surpreender que ele produza um comentário de
tamanha importância como este.

Por que outro comentário sobre o livro de Apocalipse? Literalmente


centenas de comentários sobre este livro foram publicados apenas no século
passado. Mas foi dito que se doze estudantes do Apocalipse forem
encontrados, eles terão treze opiniões diferentes sobre o livro. E um exame
cuidadoso de muitos comentários já publicados leva à conclusão de que
poucos comentaristas se engajaram em um diálogo sério com o texto em seu
contexto literário completo e com atenção cuidadosa à língua original. Essa
falta é ainda mais perceptível quando nos limitamos aos estudos adventistas do
livro. Estes tendem a se preocupar principalmente com a aplicação histórica
(Uriah Smith, C. Mervyn Maxwell), ou com a melhoria ou esclarecimento da
compreensão adventista do livro do Apocalipse (Roy C. Naden, Hans
LaRondelle). Era necessária uma análise textual séria do próprio livro, não
principalmente em defesa dos ensinamentos adventistas, mas em busca de
seu significado interno e do espírito da intenção de Deus para a passagem.
Essa análise foi fornecida na primeira edição deste livro e agora é aprimorada
nesta segunda edição.

Este comentário é um excelente ponto de partida para tal abordagem do


livro de Apocalipse. É fruto de anos de cuidadosa observação do texto. Ele não
pretende ter uma resposta final para todos os problemas de interpretação, nem
acredito que Stefanovic tenha captado todas as nuances do texto. Mas seria
irreal esperar isso de qualquer comentarista do Apocalipse. A qualidade do
trabalho de Stefanovic falará por si. Nenhum leitor do livro ficará sem uma nova
perspectiva sobre o texto, uma perspectiva que pode transformar
completamente a maneira como eles vêem o Apocalipse. Convido você a
seguir Ranko Stefanovic em sua jornada pelo Livro do Apocalipse. Beba seus
insights, busque soluções com ele e discuta com ele sobre o texto deste livro
maravilhoso. Você não vai se arrepender!

Concluo expressando minha grande alegria por este maravilhoso


comentário agora ter sido traduzido para o espanhol. Isso estenderá sua
influência e utilidade muito além do mundo de língua inglesa. Em espanhol será
uma das obras preeminentes por dar uma abordagem exegética rigorosa ao
livro do Apocalipse. Tal abordagem é muito necessária para neutralizar a
tendência humana natural de ler no livro o que o leitor quer ver lá. É minha
fervorosa oração que esta edição em espanhol dê muitos frutos para o reino de
Deus.

Jon Paulien

Reitor, Escola de Religião

Professor de Religião e Estudos Teológicos

Universidade de Loma Linda

Loma Linda, Califórnia, Estados Unidos de N.A.


PREFÁCIO

A ideia de escrever um comentário sobre o livro de Apocalipse foi


motivada por repetidos pedidos de meus alunos, bem como de audiências em
reuniões campais e de ministros, para que eu escrevesse minhas palestras
sobre Apocalipse. Eu não esperava que meu plano original de escrever um
pequeno livro se transformasse em um grande e abrangente comentário sobre
o último livro da Bíblia.

Este livro é um comentário versículo por versículo baseado em uma


exegese do texto. A organização do comentário segue as principais seções
temáticas do Apocalipse para determinar a mensagem unificada de todo o livro.
Antes de fornecer uma análise detalhada de cada seção, uma visão geral
aborda questões gerais que parecem importantes para uma interpretação
significativa do texto. A análise de cada seção principal começa com minha
própria tradução seguida de notas sobre palavras-chave e frases do texto. As
notas incluem discussões acadêmicas que fornecem insights sobre o texto.
Segue-se uma exposição versículo por versículo do texto. Finalmente, cada
capítulo termina com uma "Retrospecção" que resume o que foi encontrado e
tenta dar sentido ao texto e mostrar como ele se relaciona com o texto
subsequente.

Embora seja uma obra distinta, o comentário extrai o melhor dos estudos
adventistas e não adventistas. Especificamente, baseia-se no fundamento
estabelecido pelas contribuições pioneiras de Kenneth A. Strand e Hans K.
LaRondelle para a compreensão e interpretação adventista do Apocalipse.
Também reflete em muitos lugares a importante contribuição de Jon Paulien
para a Igreja Adventista no campo dos estudos escatológicos durante o último
quarto de século. A presença de Paulien nos círculos acadêmicos do
Apocalipse tem contribuído muito para o fato de que os estudiosos do Novo
Testamento levam a interpretação adventista do Apocalipse mais a sério hoje.
O perfil acadêmico de Paulien, no entanto, não o impediu de servir a igreja
como um leal pregador adventista em muitas igrejas locais, bem como em
reuniões de ministros e campais, em muitas partes do mundo, mostrando seu
apoio à igreja e sua missão.

Este comentário preenche a lacuna para uma abordagem do livro de


Apocalipse centrada no texto e em Cristo. O volume foi escrito tendo em mente
o público leitor em geral. Destina-se a ser usado em cursos em seminários e
universidades, embora também atraia o leigo informado. É uma expressão do
meu forte desejo de apresentar ao mundo acadêmico, estudantes, pastores e
irmãos leigos uma nova abordagem do Apocalipse para ajudá-los a explorar o
significado do livro a partir do texto, através de um processo de exegese
bíblica, em vez de usar uma imaginação alegórica. Espero que este comentário
contribua para a compreensão deste livro do Novo Testamento muitas vezes
incompreendido e mal utilizado. Ao escrever, prestei atenção especial ao apelo
de Ellen G. White aos ministros e pastores adventistas:

É necessário um estudo muito mais aprofundado da Palavra de Deus;


especialmente Daniel e o Apocalipse devem receber atenção como nunca
antes na história de nosso trabalho. Podemos ter menos a dizer, em alguns
aspectos, em relação ao poder romano e ao papado; mas devemos chamar a
atenção para o que os profetas e apóstolos escreveram sob a inspiração do
Espírito Santo de Deus. O Espírito Santo dispôs as coisas, na maneira de dar
as profecias e nos eventos descritos, para ensinar que o instrumento humano
deve ser mantido fora de vista, oculto em Cristo, e que o Senhor Deus do céu e
sua lei devem ser exaltados. [...] Quando, como povo, entendermos o que este
livro significa para nós, um grande avivamento será visto entre nós. Não
compreender plenamente as lições que ela ensina, apesar do mandato que
nos foi dado para examiná-la e estudá-la. [...] Uma coisa se entenderá com
certeza a partir do estudo do Apocalipse: que a relação entre Deus e seu povo
é próxima e inequívoca" (Testemunhos para ministros, 112-114).

O objetivo final deste trabalho é aplicar a mensagem do Apocalipse à


situação contemporânea da vida da igreja enquanto ela se esforça para
apresentar a mensagem do evangelho ao mundo perdido e sofredor.
É difícil expressar adequadamente minha gratidão a todos aqueles que
gentilmente ajudaram a tornar este projeto possível. Em primeiro lugar, a Jon
Paulien, da Escola de Religião da Universidade de Loma Linda, por seu
generoso incentivo depois que eu timidamente mencionei minha decisão a ele.
Ele aproveitou todas as oportunidades para me encorajar a persistir e
completar este projeto. Em seguida, a Larry Herr, da University College of
Canada, por seu apoio contínuo e extensão de muitas ideias expressas neste
comentário durante o seminário de dois anos sobre o Apocalipse que
realizamos juntos para professores e alunos da University College of Canada.
Aos meus alunos Gerald Smith, Paul Soper, Carnpbell Page e Zeljka
Stefanovic (minha filha) pela leitura do manuscrito. A Lynn Newman McDowell
pela revisão da primeira parte do livro. Minha profunda gratidão também vai
para a administração da University College of Canada por fornecer apoio
financeiro exclusivo para minha pesquisa. Sou especialmente grato a Woodrow
Whidden II do Instituto Adventista Internacional de Estudos Avançados (AliAS)
por generosamente dedicar seu tempo para ler e refinar o manuscrito e fazer
sugestões valiosas; ao meu amigo John Markovic da Andrews University por
ajudar a esclarecer algumas aplicações históricas expressas em textos
relevantes; aos meus colegas do Departamento de Religião por me darem
apoio e encorajamento contínuos; e os revisores Hans LaRondelle e Beatrice
Neall, que fizeram sugestões úteis. Agradecimentos especiais vão para a
equipe da Andrews University Press por preparar o manuscrito para publicação
e então postar este comentário: especialmente Ronald Knott, que teve um
interesse especial na qualidade do trabalho, e Deborah Everhart pela edição
final do manuscrito e sua paciente leitura crítica das provas e polimento do
texto. E estou profundamente grato a todos os outros, sem nome, que fazem
parte deste trabalho e cujo incentivo tornou possível a conclusão do projeto.

Minha mais profunda gratidão é especialmente reservada para aqueles


que me são mais próximos, especialmente minha esposa Estera; sem o seu
apoio amoroso e encorajamento persistente, esta revisão nunca teria sido
tentada. Ela e meus filhos Vladimir e Zeljka merecem muito mais do que uma
palavra de agradecimento.
Mas acima de tudo, toda glória e gratidão ao meu Deus por me dar
saúde e mente sã durante esses anos de escrita e consideração do texto para
concluir este projeto. A ele corresponde "o louvor, a honra, a glória e o poder,
para todo o sempre".

UMA NOTA SOBRE A SEGUNDA EDIÇÃO

A recepção da primeira edição de A Revelação de Jesus Cristo desde


sua publicação tem sido gratificante e eu louvo a Deus pela maneira como ele
usou este trabalho para sua glória em vez de minha. Um interesse cada vez
maior nas profecias do Livro do Apocalipse resultou na introdução de novas
evidências aqui, e perguntas de leitores de todo o mundo levaram a que alguns
aspectos adicionais deste livro bíblico fossem explorados desde a publicação
do volume original.

Esta edição não apresenta grandes alterações estruturais. Mas uma


série de atualizações foram incluídas e vários itens foram esclarecidos aqui.
Algumas das áreas mais elaboradas nesta edição são métodos de
interpretação, aplicações e realizações históricas, técnicas literárias,
comparações das Escrituras e um estudo de simbolismo.

Durante a preparação desta revisão e atualização, os estudiosos


reconsideraram meu trabalho e ofereceram sugestões e feedback úteis. A
equipe da Andrews University Press que orientou a edição original da
publicação esteve mais uma vez à disposição para preparar este novo volume
e isso ajudou no processo de edição e facilitou a transição para o novo design.

Tenho o prazer de apresentar um comentário atualizado sobre o livro do


Apocalipse. Oro para que esta nova edição seja usada principalmente para
revelar Jesus Cristo, "que nos amou e nos libertou de nossos pecados com seu
sangue". A ele seja "a glória e o poder para sempre. Amém".

Ranko Stefanovic
Professor do Novo Testamento
Seminário Teológico Adventista do Sétimo Dia
Universidade Andrews
Berrien Springs, Michigan, Estados Unidos de N.A.

INTRODUÇÃO

O Livro do Apocalipse pertence ao gênero dos escritos apocalípticos e é o


único desse tipo no Novo Testamento. Está cheio de símbolos e cenas
estranhas que os leitores contemporâneos acham difícil de entender.
Numerosos comentários e outros estudos tentaram interpretar e explicar os
símbolos e cenas. Eles vão desde a exposição acadêmica do texto até obras
populares que oferecem interpretações derivadas principalmente de eventos
atuais que aparecem em artigos de jornal e na imaginação do autor, com base
em especulações alegóricas. Não surpreende que as interpretações sejam tão
numerosas e diversas quanto os comentários sobre o livro. Como resultado,
muitos decidiram que Apocalipse é um livro selado. Um expositor desesperado
chegou a dizer que "o estudo do Apocalipse ou encontra um homem louco ou o
deixa louco".

Por outro lado, apesar das atitudes negativas expressas por muitos e da
linguagem peculiar e do estilo difícil do livro, o Apocalipse tem sido fonte de
conforto, encorajamento e esperança para todas as gerações de cristãos ao
longo da história que, em meio ao sofrimento e às dificuldades da vida, podem
questionar se Deus ainda está ativo e no controle. Este livro raro forneceu
recursos inspirados para eles em seus momentos de necessidade crítica, pois
eles sofrem rejeição e perseguição de um mundo hostil ao evangelho. O livro
lhes deu um vislumbre de Cristo e das realidades celestiais e questões no
conflito cósmico que não podem ser encontradas em nenhum outro lugar.
Quando os leitores entendem a mensagem central do livro, eles são orientados
a viver vidas virtuosas. Ellen G. White afirmou claramente que uma melhor
compreensão do Apocalipse inevitavelmente leva a uma experiência religiosa
inteiramente diferente.
Este comentário representa uma modesta contribuição para a
compreensão deste livro do Novo Testamento muitas vezes incompreendido e
mal utilizado. Oferecendo uma nova abordagem ao livro do Apocalipse, este
comentário ajuda o leitor a explorar o texto e alcançar uma interpretação
significativa como o autor inspirado pretendia. O leitor perceberá que este livro
difícil contém a mensagem do evangelho e que realmente vale a pena estudá-
lo.

É costume, antes de estudar o texto em detalhes, discutir questões


gerais sobre o livro de Apocalipse como um todo. Este comentário não é
exceção. A primeira metade desta seção introdutória trata das questões
básicas de autoria e tempo, o propósito de escrever o livro e seu tema
principal, e o método correto de estudar o Apocalipse. A segunda metade desta
introdução descreve os objetivos do comentário e fornece a organização
estrutural e o plano geral de todo o livro de Apocalipse.

O AUTOR DO APOCALIPSE

O autor do livro de Apocalipse é identificado simplesmente como João


(Ap 1:1, 4, 9; 22:8). Ele está escrevendo para cristãos na província da Ásia (Ap
1:4, 11), oferecendo conselhos práticos para os problemas que eles
enfrentaram. João fala de si mesmo como "seu irmão e co-participante na
tribulação, no reino e na paciência de Jesus" (1:9). Isso sugere que ele estava
bem familiarizado com as igrejas da Ásia e que ele era bem conhecido por
elas. Assim, seu nome foi suficiente para oferecer as credenciais para seu livro.
Evidências indicam que os primeiros autores cristãos - incluindo Justino Mártir,
Irineu, o Cânone Muratoriano, Tertuliano e Clemente de Alexandria -
consideravam o apóstolo João, o segundo filho de Zebedeu, como o autor do
Apocalipse, do Quarto Evangelho e de três epístolas.

Muitos estudiosos hoje questionam se o Apocalipse foi realmente escrito


por João, o discípulo. Eles alegam que o Apocalipse e o Quarto Evangelho não
poderiam ter sido escritos pela mesma pessoa. Um argumento contra a ideia
tradicional é a óbvia diferença na linguagem dos dois livros. A gramática no
Evangelho de João é simples, embora exata, enquanto o grego do Apocalipse
está infectado com muitas irregularidades gramaticais. O autor do Apocalipse
obviamente não era bem versado em grego. Além disso, o estilo em que está
escrito e o conteúdo teológico são diferentes.

A diferença de estilo e conteúdo teológico dos dois livros se deve ao fato


de o Apocalipse ser uma obra apocalíptica. Está cheio de imagens e símbolos
estranhos. O Evangelho de João, no entanto, conta a história de Jesus. É um
registro franco da vida de Jesus. Uma explicação para as irregularidades
gramaticais é que João era um judeu palestino e o grego não era sua língua
materna. É possível que ele tenha escrito seu evangelho em Éfeso com a ajuda
de um secretário e editor que revisou e poliu a linguagem. Sabemos que Paulo
(cf. Rom. 16:22; 1 Cor. 1:1; 16:21; Col. 4:18) e Pedro (1 Pe. 5:12) usaram ajuda
de secretaria e editorial. João escreveu o livro do Apocalipse sozinho, como
prisioneiro na ilha de Patmos, onde obviamente foi privado de tal ajuda. Isso
também pode explicar as muitas diferenças de estilo entre o Apocalipse e o
Quarto Evangelho.

Outros estudiosos observam que, apesar das diferenças óbvias,


semelhanças notáveis aparecem nos livros de Apocalipse e no Quarto
Evangelho. Por exemplo, de todos os livros do Novo Testamento, apenas o
Quarto Evangelho e o Apocalipse chamam Jesus de "a Palavra (Verbo) de
Deus" (cf. João 1:1-14; Apoc. 19:13) e se referem a ele como o Cordeiro
(embora palavras diferentes sejam usadas no grego; cf. João 1:29, 36; Apoc.
5:6-8); ambos citam os "aqueles que o traspassaram" de Zacarias 12:10 (cf.
João 19:37; Apoc. 1:7). Estes são os dois únicos livros do Novo Testamento
em que o verbo "habitar" (lit. "estabelecer um tabernáculo", João 1:14; Apoc.
7:15) é encontrado, e ambos os livros são fundados na palavra de testemunho
ou testemunhas (cf. João 21:24; Apoc. 1:2). Além disso, a relação pai/filho é
fortemente enfatizada no Evangelho de João e aparece em Apocalipse (2:27;
3:5, 21). Enquanto Apocalipse convida: "Quem tem sede venha" (Ap 22:17), o
evangelho declara: "Se alguém tem sede, venha" (João 7:37) Todas essas
evidências sugerem que, apesar das dificuldades aparentes, há apoio
suficiente para a visão tradicional de que o apóstolo João é o autor do último
livro do Novo Testamento.
LOCAL E DATA DA ESCRITA DO APOCALIPSE

João escreveu o Apocalipse enquanto estava em Patmos, uma pequena


ilha rochosa no mar Egeu, a cerca de 80 km da costa sudoeste da Ásia Menor
(atual Turquia). O conceito tradicional era que a ilha servia como uma espécie
de campo de trabalhos forçados para onde as autoridades romanas enviavam
criminosos (como uma antiga Alcatraz). No entanto, alguns estudiosos
modernos contestam esse conceito, argumentando que há poucos registros de
Patmos sendo usado como uma colônia penal. No entanto, o fato que não é
contestado é que João estava naquela ilha exilado por algum tempo. O próprio
João afirma que estava em Patmos "por causa da palavra de Deus e do
testemunho de Jesus Cristo" (Ap 1:9). A partir desta declaração não está claro
se ele foi exilado em Patmos como resultado da perseguição, ou se foi
voluntariamente como missionário. No entanto, a tradição cristã primitiva afirma
que o testemunho efetivo de João para o evangelho levou as autoridades
governamentais a exilá-lo em Patmos durante o reinado do imperador
Domiciano (81-96 d.C.), onde foi forçado a trabalhar em pedreiras. Mais tarde,
ele foi libertado por Nerva e autorizado a retornar a Éfeso. Enquanto estava em
Patmos, João recebeu as visões do Apocalipse e foi instruído a escrevê-las em
um pergaminho e enviá-las como uma carta pastoral às igrejas da Ásia (Ap
1:11). A carta foi enviada porque os cristãos na Ásia foram atormentados por
um número crescente de problemas vindos de fora da igreja, bem como de
dentro dela.

O livro do Apocalipse foi escrito em uma época de hostilidade romana


em relação ao cristianismo que acabou se transformando em perseguição total.
Entre os estudiosos, geralmente há duas ideias diferentes sobre a data exata
em que o livro foi escrito. Alguns alegam que foi escrito durante a perseguição
dos cristãos sob Nero (54-68 d.C.). Essa ideia é baseada na suposição de que
o valor numérico das letras hebraicas para César Nero é 666, que é o número
da besta de Apocalipse 13:18. Havia também uma lenda de que Nero
reapareceria no Oriente após sua morte. (veja Notas em Ap 17:9). Esses tipos
de argumentos, no entanto, são baseados apenas em suposições. Além disso,
a perseguição de Nero aos cristãos era de natureza pessoal e baseava-se
principalmente em algum tipo de problema mental. Portanto, o consenso
acadêmico geral sustenta que o Apocalipse foi escrito durante o tempo de
Domiciano (81-96 d.C.). Sustenta-se também que o Quarto Evangelho foi
escrito após o Apocalipse. Esta data para a escrita do Apocalipse é preferível
pelas razões que se seguem.

Primeiro, João ficou em Jerusalém por muitos anos, finalmente deixando


a Palestina pouco antes da destruição de Jerusalém em 70 d.C. Mais tarde, ele
se estabeleceu em Éfeso, na Ásia Menor. As igrejas a que ele se refere em seu
livro existiram por muitos anos. No momento de escrever o Apocalipse, elas
estavam em uma condição de declínio e apostasia, que em algumas igrejas foi
rápida. A data inicial não é adequada para esta situação histórica, porque as
igrejas da Ásia Menor só foram fundadas no início da década de 60. Ainda
prosperavam na época do reinado de Nero.

Em segundo lugar, os escritores cristãos, incluindo Irineu, discípulo de


Policarpo (60-150 d.C.), que era discípulo de João, sustentam que o livro do
Apocalipse foi escrito durante o reinado de Domiciano.

Terceiro, o livro de Apocalipse foi escrito em uma época em que os


cristãos passavam por dificuldades e pressões porque se recusavam a atender
às exigências do culto ao imperador. Embora o culto ao imperador vivo tenha
sido incentivado desde Otaviano Augusto (27 a.C. -14 d.C.), Caio Calígula (37-
41 d.C.) foi o primeiro imperador a exigir adoração. O próximo imperador a
exigir adoração foi Domiciano (81-96 d.C.). “Durante seu reinado, a questão do
culto ao imperador tornou-se pela primeira vez crucial para os cristãos”.
Embora difundida, a adoração a César era praticada especialmente na Ásia,
onde os cristãos entraram em conflito com as autoridades por sua oposição a
tal adoração. Embora a perseguição aos cristãos que começou sob Domiciano
não tenha sido em grande escala, foi precursora de muitas perseguições
violentas que se seguiram. O livro de Apocalipse foi apropriado e projetado
para dar esperança e encorajamento aos cristãos oprimidos dos dias de João
nessas circunstâncias terríveis, e prepará-los para enfrentar crises futuras.
Todos esses fatos históricos sugerem que o livro do Apocalipse reflete a
situação que existia no final do primeiro século.
PROPÓSITO DO LIVRO DE APOCALIPSE

O livro do Apocalipse foi originalmente escrito como uma carta. A chave


para entender qualquer carta envolve descobrir quem a escreveu e a quem foi
endereçada, bem como o(s) motivo(s) pelo qual foi escrita e enviada. “Quanto
mais pudermos descobrir sobre seus primeiros leitores, a quem foi
originalmente endereçado, melhor podemos entender o motivo de sua
mensagem e sua importância”.

O livro do Apocalipse foi, sem dúvida, destinado principalmente a sete


comunidades cristãs na província romana da Ásia: "João, às sete igrejas que
estão na Ásia" (Ap 1:4). O Cristo glorificado comissionou João: "Escreve o que
vês num rolo e envia-o às sete igrejas" (1:11). Essas igrejas são posteriormente
identificadas como as de Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e
Laodicéia. Elas já existiam há algum tempo. João residia em Éfeso e
aparentemente supervisionava essas comunidades locais. É provável que de
vez em quando ele visitasse essas igrejas para ajudá-las em suas
necessidades. Perto do final do primeiro século, a situação nessas igrejas era
caracterizada por declínio espiritual e apostasia. As igrejas enfrentaram um
número crescente de problemas, tanto externos como internos.

PROBLEMAS EXTERNOS DAS IGREJAS NA ÁSIA

Vários problemas de fora perturbaram e afligiram os cristãos na Ásia nos


dias de João.

Primeiro, os cristãos na Ásia enfrentaram oposição e acusações de


pagãos porque não participavam de atividades sociais. Evitavam celebrações
caracterizadas por práticas imorais e o consumo de alimentos dedicados a
deuses pagãos. Eles acusavam os cristãos de ateísmo por adorarem apenas
seu Deus (os romanos consideravam ateus quem não adorasse o imperador).
Eles também foram acusados de canibalismo em conexão com a Ceia do
Senhor, onde acreditavam que comiam carne humana e bebiam seu sangue.
Circularam histórias de que em seus cultos eles sacrificavam crianças. Como
resultado, os cristãos gradualmente perderam seu status legal na sociedade.
Um segundo problema enfrentado pelas igrejas era a perseguição. Uma
séria ameaça à igreja foi o desenvolvimento do culto de adoração ao
imperador. Apocalipse 2:13 relata a morte de uma pessoa em Pérgamo,
chamada Antipas, que foi martirizado pelas autoridades romanas por sua fé. A
perseguição também ameaçou as igrejas em Esmirna (2:10) e Filadélfia (3:10).
O livro do Apocalipse indica que João esperava uma intensificação da
perseguição, "com a perspectiva de que alguns dos membros mais fracos e
menos devotos cairiam". Todos esses fatores criaram uma situação de
insegurança nas igrejas; os crentes estavam cheios de medo sobre o que o
futuro poderia trazer.

Finalmente, as igrejas sofriam devido aos conflitos com os judeus. O


cristianismo começou como um movimento separatista do judaísmo. O livro de
Atos descreve uma mudança na igreja primitiva de continuidade em relação a
uma separação entre as duas religiões. A destruição romana de Jerusalém em
70 d.C. apressou a separação. Após a guerra do ano 70 d.C., os cristãos não
eram bem-vindos na sinagoga por se recusarem a se juntar aos judeus na
guerra contra os romanos. Logo após a destruição de Jerusalém, os judeus
acrescentaram uma décima oitava bênção final às dezessete que recitavam na
conclusão dos serviços da sinagoga. Não foi realmente uma bênção, mas sim
uma maldição contra Cristo e os cristãos. Os cristãos evidentemente se
recusaram a recitar a décima oitava bênção final e, assim, foram finalmente
expulsos da sinagoga.

No final do primeiro século, a relação entre cristãos e judeus era


caracterizada por antagonismo e hostilidade. Os cristãos foram banidos das
sinagogas e perderam seu status legal. Os judeus gozavam de status legal,
eram reconhecidos pelas autoridades romanas como religio licita (uma religião
legal) com o privilégio de adorar no sábado e estavam isentos de adorar o
imperador. O próprio Apocalipse se refere duas vezes à hostilidade dos judeus
para com os cristãos na província romana da Ásia (Ap 2:9; 3:9). Sua oposição
ao evangelho e perseguição aos cristãos os tornaram servos de Satanás.

PROBLEMAS INTERNOS DAS IGREJAS NA ÁSIA


Problemas de natureza interna também afligiam as igrejas na Ásia.
Como as sete mensagens indicam, os cristãos nessas igrejas estavam
seriamente divididos em certas questões. Em algumas das igrejas, embora a
maioria dos membros fosse fiel, alguns indivíduos, incluindo os líderes da
igreja, não eram fiéis e se opunham a João. Em outras igrejas – como Tiatira,
Sardes e Filadélfia – a maioria dos crentes estava em apostasia. Em Sardes,
"poucas pessoas" "não sujaram suas vestes" (Ap 3:4); a igreja de Filadélfia
ficou com "pouca força" (3:8). Toda a igreja de Laodicéia parece ter caído, e
nada de bom foi encontrado nela. Obviamente, João não era altamente
considerado em muitas dessas igrejas.

Os problemas básicos com os quais os cristãos na Ásia lutavam


envolviam comida oferecida a ídolos e imoralidade sexual (cf. Ap. 2:14-15, 20).
Estas foram precisamente as duas coisas que o Concílio de Jerusalém pediu a
todos os cristãos que rejeitassem (At 15:20). Esses dois problemas
ameaçavam a unidade das igrejas na Ásia porque estavam relacionados às
demandas populares da sociedade na Ásia. Os cristãos no Império Romano
faziam parte da sociedade em que viviam e, como tal, deveriam participar de
todas as obrigações cívicas. Esperava-se que todos os cidadãos, em primeiro
lugar, participassem de festas religiosas em templos pagãos. Aqueles que se
recusaram a participar sofreram o ridículo e as dificuldades do isolamento
social e das sanções econômicas.

Os cristãos na Ásia enfrentaram pelo menos dois problemas em relação


à sua participação em festivais religiosos pagãos. A primeira estava
relacionada à ingestão de alimentos oferecidos aos ídolos. Os participantes de
festivais pagãos geralmente se banqueteavam com comida que consistia
principalmente de carne que havia sido oferecida ao deus patrono local. Os
festivais terminavam com embriaguez e atividades imorais. O segundo
problema em relação às festas religiosas pagãs era a prostituição cultual. A
prostituição no templo fazia parte de muitas religiões pagãs antigas. As
relações sexuais com as prostitutas do templo eram para a fertilidade da terra e
a prosperidade da sociedade. Quem quisesse ter uma situação econômica,
política ou social tinha que atender a essas demandas. Envolver-se com
festivais religiosos pagãos exigia comprometer as crenças e valores cristãos.
As igrejas na Ásia estavam divididas na questão da participação. Alguns
cristãos responderam ao pedido com um decisivo "não". Alguns grupos, por
uma questão de influência sobre a sociedade e no interesse de seus negócios
e prosperidade comercial, defendiam um compromisso. Esses adversários de
João são chamados por nomes diferentes (veja Notas em Apocalipse 2:6 e 20).
Em Éfeso eles eram conhecidos como os nicolaítas (Ap 2:6), em Pérgamo
como "os que seguem a doutrina de Balaão" (Ap 2:14), e em Tiatira como os
seguidores de uma mulher proeminente e influente na igreja, chamada Jezabel
(Ap 2:20). Todos os três grupos se opuseram a João e defenderam um
compromisso e foram a causa de muitos nas igrejas da Ásia cometerem
fornicação e comerem coisas sacrificadas a ídolos (Ap 2:14, 20). Muito
provavelmente "eles reconheceram que a vida social pagã era um campo
aberto para as operações de Satanás e que aqueles que entravam o faziam
por sua conta e risco"; no entanto, eles acreditavam que "era seu dever cristão
participar o mais plenamente possível na sociedade pagã ao seu redor,
identificar-se com a vida comum de sua cidade". Eles podiam encontrar uma
justificativa teológica para seu raciocínio nos escritos de Paulo, que exigia
submissão às autoridades governamentais (cf. Rm 13:1-8; 1Tm 2:1-4). Paulo
também deixou claro que participar de festivais pagãos não deveria ser um
problema para os cristãos; os ídolos não eram nada (cf. 1Cor. 8; Rom. 14).

João teve que se posicionar em relação à comida oferecida aos ídolos.


Em aparente contraste com Paulo, ele argumentou contra qualquer
compromisso. Os ídolos podem não ser nada, mas participar de festivais
religiosos pagãos significava comprometer a fé cristã e honrar o próprio
Satanás. À luz da breve vinda de Cristo, os cristãos devem estar do lado certo.
Desejando ser fiéis a Cristo e ao evangelho, devem, se necessário, retirar-se
do mundo e sacrificar sua prosperidade social ou econômica.

O principal objetivo de João ao escrever o Apocalipse, portanto, era


ajudar os cristãos do primeiro século na província romana da Ásia com sua
situação e problemas. Confrontados com a crescente hostilidade de Roma,
bem como a invasão de heresias e a crescente apostasia dentro da igreja, os
cristãos na Ásia estavam preocupados com sua própria identidade e existência.
O que o futuro traria para a igreja? O livro do Apocalipse pretendia fornecer a
resposta. Declara que, embora a situação no mundo pareça ameaçadora e
hostil para o povo de Deus, e o futuro pareça sombrio, Deus em Cristo ainda é
realmente o "dono da história". Ele está e sempre estará com seu povo. Ele "os
justificará em um grande e glorioso clímax escatológico".

A INTERPRETAÇÃO DO LIVRO DE APOCALIPSE

Os estudiosos bíblicos há muito debatem se o Apocalipse é uma obra


apocalíptica ou uma profecia. O próprio livro pretende ser uma profecia (1:3;
22:7, 18-19), suas mensagens apresentadas em estilo apocalíptico. O livro foi
originalmente enviado como uma carta em estilo profético-apocalíptico para
pessoas reais, em lugares reais, ou seja, para as sete igrejas que estavam na
província romana da Ásia (cf. 1:11). Como uma carta, o Livro do Apocalipse
está sujeito ao tempo, lugar e circunstância como qualquer profecia do Antigo
Testamento ou epístola do Novo Testamento. Surge a pergunta: Como as
profecias do Apocalipse podem ser relevantes para nós hoje, quando o livro foi
originalmente escrito para aqueles que viveram em outro lugar e tempo, com
uma cultura e ambiente de vida diferentes e em um idioma diferente? A
próxima seção apresenta os princípios básicos para abordar a Bíblia mantendo
essas considerações em mente.

PASSOS BÁSICOS DA EXEGESE BÍBLICA

A ciência e arte de estudar o texto bíblico é chamada de "hermenêutica".


A palavra significa simplesmente "interpretação". A hermenêutica bíblica é um
processo interpretativo para descobrir como os textos bíblicos antigos têm
relevância para nós hoje. Quando a hermenêutica é aplicada à análise do texto
bíblico, chamamos-lhe "exegese" (palavra emprestada do grego, que significa
"extrair"). A exegese é o processo de derivar significado do texto bíblico,
preenchendo a lacuna entre o mundo da Bíblia na época do autor inspirado e o
leitor hoje. Seu objetivo é permitir que "o texto bíblico fale por si mesmo, em
vez de impor à passagem o significado que se origina no leitor". A exegese
envolve o estudo de unidades e passagens, não de versículos isolados. Preste
atenção ao significado das palavras, às relações das palavras entre si nas
frases, à organização estrutural de uma passagem e ao contexto imediato da
passagem. Depois que as unidades são estudadas, elas se unem para formar
um corpo unificado e coerente de temas bíblicos. Quando vários temas bíblicos
são compilados, nos referimos a eles como teologia bíblica.

A exegese bíblica envolve dois passos básicos. A primeira inclui


determinar o que o texto significava no momento em que foi escrito. Antes de
tentar descobrir a relevância do texto bíblico para nós hoje, devemos entender
o que o autor quis transmitir aos leitores de seu tempo. Essa fase de exegese
procura determinar tanto o que o autor inspirado pretendia dizer aos leitores
originais quanto por que o disse. Que motivos o levaram a escrever o texto? Ao
buscar respostas significativas para essas perguntas, o intérprete deve primeiro
aprender o que pode ser conhecido sobre os leitores originais, ou seja, sua
situação social e as preocupações que levaram o autor a escrever. Em
segundo lugar, o intérprete deve explorar os contextos linguísticos, literários,
históricos, geográficos, religiosos, filosóficos e culturais da época em que o
texto bíblico foi escrito. Esta abordagem do texto pressupõe um compromisso
sério com ele e uma vontade de se esforçar com todo o rigor e ferramentas do
conhecimento.

O mesmo princípio se aplica à palavra profética. Toda profecia bíblica


trata principalmente do tempo de seu autor. A menos que as condições durante
o tempo do autor sejam compreendidas, o significado da profecia para qualquer
período futuro permanecerá velado. Como afirmado anteriormente, o livro de
Apocalipse foi originalmente escrito para as igrejas na Ásia durante o tempo de
João (Ap 1:4; cf. 1:11).

Como tal, a mensagem do livro pode ser entendida no contexto da


situação da igreja na Ásia durante o primeiro século. As observações de
Douglas Ezell são úteis:

Para que o leitor não comece a se preocupar com a negação da esperança


cristã, deixe-me fazer uma forte declaração positiva em apoio ao caráter
verdadeiramente profético da mensagem de João. Ele é um profeta. Sua
mensagem é uma profecia em forma apocalíptica. Mas o que é uma profecia?
Em essência é "dizer de antemão". O profeta tinha uma mensagem de Deus
para os seus dias. A predição surgiu de tal mensagem para o povo de Deus em
um tempo e lugar específicos. Porque Deus age dessa maneira no presente, ele
também agirá da mesma maneira no futuro. A mensagem controladora e
decisiva que os profetas queriam compartilhar não era o futuro, mas o Deus que
detém o futuro. Esta é uma profecia autêntica.

João falou palavras autênticas de Deus ao seu povo aflito. A partir de sua
compreensão da revelação de Deus para seus dias em relação ao tempo do fim,
ele pintou alguns grandes traços no tecido do futuro. João viu seu dia como se
estivesse se aproximando do fim, e poderia muito bem ter sido, não fosse pela
paciência e misericórdia de Deus (2 Pe 3:8-10). Assim como Deus age em nossa
crise imediata, afirma João, ele agirá no final, porque ele é o mesmo ontem, hoje
e amanhã.

Os profetas tinham apenas uma esperança relacionada à situação imediata de


seus ouvintes e ao futuro final. À luz do caráter revelado de Deus, eles
proclamaram a vontade de Deus para o futuro remoto e aplicaram essa vontade
ao povo em sua presente crise histórica. Porque o caminho de Deus exibiu sua
vontade no presente imediato, eles foram capazes de pintar e descrever o
inevitável Dia de Deus. Assim como Deus veio para julgar e salvar no presente,
ele inevitavelmente viria em julgamento e salvação no final.

Se nos lembrarmos disso, a compreensão da mensagem de João, conforme


abordava as circunstâncias históricas imediatas, não entra em conflito com a
compreensão dessa crise como uma representação simbólica da consumação
final. A situação histórica da qual João falou e abordou formou o ponto de partida
para a descrição de João da vitória de Cristo no fim dos tempos (Ap 19:11ss).
Assim como Deus certamente derrotaria Roma, ele também derrotaria
"Babilônia" no final.

O segundo passo na análise exegética é perguntar o que o texto


significa para o leitor atual. Embora os livros da Bíblia tenham sido
originalmente enviados ao povo no tempo de seus autores, o significado do
texto bíblico se estende além do tempo desses leitores. Uma mensagem
oportuna registrada pelos profetas torna-se a mensagem atemporal de Deus
aplicável a qualquer lugar (cf. 2Pe 1:19-21). O livro do Apocalipse não é
exceção.
MÉTODOS TRADICIONAIS DE INTERPRETAÇÃO

A mensagem do Livro do Apocalipse foi muitas vezes obscurecida por


abordagens tendenciosas e subjetivas. Tradicionalmente, quatro abordagens
diferentes para o Apocalipse foram usadas. Embora os expositores geralmente
sigam uma dessas quatro abordagens, alguns estudiosos contemporâneos
combinam os elementos mais fortes de duas ou mais dessas abordagens
tradicionais em suas exposições do livro.

Preterismo. O método preterista sustenta que o livro do Apocalipse se


dirige principalmente à situação da igreja cristã na província romana da Ásia no
primeiro século d.C. Os preteristas sustentam que João, o revelador, poderia
prever coisas que aconteceriam no futuro imediato. No entanto, o livro não
contém nenhuma profecia preditiva. Em vez disso, seu objetivo era fornecer
esperança e encorajamento à igreja que enfrentava a perseguição iminente da
Roma imperial nos dias de João. Não importa quão terrível fosse a perseguição
iminente, Deus interviria e libertaria seu povo da opressão de Roma e
estabeleceria seu reino. A suposição básica do método preterista é que o
Apocalipse descreve a perseguição universal da igreja por Roma no primeiro
século. Supostamente, João escreveu seu livro com o propósito de encorajar
os cristãos de sua época a perseverar porque o Senhor estava prestes a
derrotar Roma e resgatar seu povo. O problema com esta abordagem é que
não há nenhuma evidência extra-bíblica válida para apoiar a existência de
perseguição sistemática da igreja do primeiro século em todo o império. O
próprio Apocalipse se refere às perseguições locais de cristãos na Ásia (cf. Ap
2:10, 13; 3:10) sob as quais o próprio João experimentou o exílio em Patmos
(Ap 1:9).

Idealismo. O método idealista argumenta contra qualquer propósito


histórico dos símbolos do Apocalipse. Em vez disso, o livro contém descrições
simbólicas da luta constante entre o bem e o mal que não podem ser aplicadas
a nenhum período ou lugar histórico. Os símbolos do livro não se referem a
nenhum evento específico da história. A ênfase está na verdade ética e nos
princípios atemporais que se aplicam aos crentes em qualquer momento da
história, ao invés de eventos históricos. O método idealista é baseado em
ideias preteristas. Ele não vê nenhum significado literal ou histórico na visão de
João.

Futurismo. Em contraste com o preterismo, o futurismo aplica todo o


significado do livro ao futuro. O método futurista sustenta que o Apocalipse
(especialmente os capítulos 4-22) é uma profecia de eventos futuros – mesmo
da perspectiva de hoje – que acontecerá logo antes e depois da Segunda
Vinda. O livro é relevante exclusivamente para a última geração de cristãos que
vivem no tempo do fim.

Historicismo. O método histórico sustenta que o livro do Apocalipse


fornece uma apresentação simbólica do esboço profético do futuro curso da
história desde os tempos apostólicos até o tempo do fim. Este método afirma
que o Apocalipse está fundamentado no livro de Daniel, que trata de períodos
sequenciais da história. Os símbolos do livro retratam "vários movimentos e
eventos históricos no mundo ocidental e na igreja cristã". E essas profecias
preditivas estão em processo de cumprimento.

Todas essas abordagens têm alguns elementos de verdade. Como


observa Robert H. Mounce, "Cada abordagem tem alguma contribuição
importante para uma compreensão completa do Apocalipse... nenhuma
abordagem sozinha é suficiente." Como ele observa ainda, João, o Revelador,
"escreveu a partir de sua própria situação imediata, suas profecias teriam um
cumprimento histórico, ele ansiava por uma consumação futura e revelou
princípios operando sob o curso da história".

No entanto, cada método é vulnerável a críticas. Primeiro, a ênfase do


preterismo no contexto histórico do Apocalipse merece atenção séria.
Certamente o livro falou poderosamente aos cristãos na Ásia no final do
primeiro século. Eles descobriram a importância contemporânea dos símbolos
do Apocalipse. No entanto, as mensagens do livro não se limitaram apenas ao
primeiro século. Não importa quais aplicações os cristãos da época de João ou
posteriores possam ter visto em Apocalipse, o cumprimento das profecias do
livro foi reservado para o futuro da perspectiva de João. O problema com o
preterismo é que ele tira o caráter preditivo do Apocalipse. Embora
originalmente enviado aos cristãos nos dias de João para dar-lhes
encorajamento e esperança em face da perseguição iminente, Apocalipse
também contém profecias preditivas sobre eventos na história que ainda
estavam no futuro da perspectiva de João. (Ap 4:1). As mensagens do livro
destinavam-se a beneficiar a igreja de todas as gerações ao longo da história –
em qualquer tempo e lugar – desde os dias de João até a Segunda Vinda de
Cristo.

A mesma crítica pode ser feita à abordagem idealista. O Apocalipse


contém temas e princípios que são válidos para todas as gerações de cristãos
em todos os tempos e lugares. Como observa William G. Johnsson, por causa
da universalidade do grande conflito, as mensagens do Apocalipse encontram
“aplicações repetidas para o povo de Deus ao longo da história”. Existem
diferentes chamadas ao longo do livro que geralmente começam com palavras
como "todos" ou "quem quiser". O principal problema com o idealismo é que,
como o preterismo, nega o caráter profético do livro. João afirmou ter recebido
as mensagens do Apocalipse diretamente de Deus. O que ele viu nas visões
ele simplesmente registrou no livro e enviou para as igrejas. Embora o livro
contenha princípios que se aplicam aos ouvintes em qualquer época da
história, seu propósito é mostrar ao povo de Deus coisas que ocorrerão no
futuro (Ap 1:1). As abordagens preteristas e idealistas do livro do Apocalipse só
têm validade se os elementos proféticos forem levados em conta e aplicados
ao tempo que se estende além dos dias de João.

Os elementos proféticos do livro são aplicados significativamente nas


duas abordagens que permanecem, ou seja, futurismo e historicismo. A
contribuição da interpretação futurista é digna de nota. Embora as mensagens
do Apocalipse fossem significativas para os cristãos nos dias de João, o livro
também aponta para o futuro além desse período. Muitos eventos ainda estão
no futuro, mesmo do nosso momento no tempo. Muito do que é descrito em
Apocalipse acontecerá no tempo antes da Segunda Vinda e mesmo além
desse tempo. No entanto, os futuristas ignoram o fato de que o Apocalipse trata
da situação da igreja no mundo ao longo de toda a era cristã, não apenas no
tempo do fim.
Pode-se assim observar as muitas dificuldades que o preterismo e o
futurismo apresentam. Ambas as abordagens interpretativas implicam que o
Apocalipse não tem nada a dizer às gerações entre o tempo de João e o tempo
do fim. A abordagem historicista corrige isso. Apesar do fato de que o
historicismo tem sido geralmente negado e marginalizado pela erudição
moderna, este comentário mostra que é a abordagem mais apropriada para o
livro do Apocalipse. O historicismo deixa espaço para que os eventos previstos
no Apocalipse aconteçam tanto no passado quanto no futuro, bem como nos
séculos entre eles. Embora o foco do livro seja o retorno de Cristo, seu
conteúdo abrange o período desde a ascensão de Cristo ao céu até seu
retorno à terra. No entanto, fortes evidências devem mostrar que as cenas e
símbolos no texto apontam para eventos ao longo da história, em vez daqueles
que são principalmente do tempo de João ou do tempo do fim.

A abordagem historicista, no entanto, tem sido mal utilizada em várias


tentativas de ajustar cada detalhe do texto ao cumprimento histórico. A
exposição do texto para muitos historicistas baseou-se principalmente no
método alegórico, e não em um contexto adequado do Antigo Testamento.
Além disso, a explicação dos símbolos usados no livro eram muitas vezes
derivadas de artigos de jornais e livros de história, e não da Bíblia.

Um bom comentário sobre o Apocalipse não deve impor nenhum foco


específico ao texto. O método de interpretação que um autor escolhe
normalmente governa como ele o lê e interpreta. Geralmente resulta em forçar
uma interpretação no quadro de uma ideia predeterminada,
independentemente de se encaixar ou não no contexto. Tal interpretação é
frequentemente usada para provar um ponto ao invés de encontrar o
significado do texto. A exposição do texto e a abordagem aplicada devem ser
controladas pelo propósito de seu autor, que deve nos dizer o que encontrar
nele e se ele se aplica ao passado, presente ou futuro. É imperativo que cada
expositor permita que o texto governe sua interpretação ao invés de impor sua
ideia ao livro.

COMO INTERPRETAR O LIVRO DE APOCALIPSE


O próprio João, o revelador, parece fornecer uma pista de como
interpretar o conteúdo de seu livro. Ele afirma em Apocalipse 1:19 que o que
ele viu nas visões enquanto estava em Patmos era basicamente composto de
duas coisas: "As coisas [...] que são", e "as coisas que devem ser depois
destas". Em Apocalipse 4:1 João em visão é convidado a ver as coisas "depois
destas", isto é, depois das sete mensagens às igrejas (1:9-3:22); veja Notas
sobre Ap 1:19. Muitos estudiosos reconhecem que a frase "as coisas que são"
em 1:19 refere-se às mensagens enviadas às sete igrejas locais na Ásia (1:9-
3:22) e que "as coisas que devem ser depois destas" referem-se aos capítulos
4-22:5. No entanto, deve-se notar que 1:9-3:22 contém uma série de
promessas aguardando cumprimento futuro, assim como algumas das visões
em 4-22:5 referem-se ao passado da perspectiva de João (incluindo os
capítulos 4-5 e 12).

Vimos que os cristãos das sete primeiras congregações enfrentaram um


número crescente de problemas e desafios. As sete mensagens que Cristo
enviou por meio de João destinavam-se a ajudar essas congregações em suas
situações imediatas. Assim, Apocalipse 1:9-3:22 deve ser entendido
essencialmente como um aviso prévio, embora alguns textos contenham
profecias preditivas. O primeiro passo para entender os três primeiros capítulos
de Apocalipse é determinar o que eles significavam para os cristãos na Ásia
nos dias de João e, finalmente, o que eles significam para nós hoje (veja "Visão
geral: Apocalipse 1:9-3:22").

No entanto, a situação parece ser diferente com respeito a Apocalipse 4-


22:5. Esta seção trata principalmente de eventos que ocorreriam no futuro
imediato e distante, da perspectiva de João (Ap 4:1), embora algumas visões
(por exemplo, capítulos 4-5 e 12) tratem do passado. Vimos antes que os
cristãos do tempo de João na Ásia, oprimidos e pisoteados, estavam
preocupados com sua própria identidade e existência. Suas circunstâncias
difíceis podem tê-los levado a questionar se Deus ainda estava ativo e no
controle, e o que o futuro traria para a igreja. Embora o livro inteiro (Ap 1:9-3:22
especialmente) abordasse suas preocupações, Apocalipse 4-22:5 era
especialmente adequado para instruí-los sobre o que o futuro traria para a
igreja. Assim, parece que as visões de Apocalipse 4-22:5 pretendiam ser
entendidas como profecias da igreja e do mundo em toda a dispensação cristã
até a consumação escatológica. (A abordagem historicista é muito instrutiva
neste ponto.) Essas profecias são principalmente previsões em intenção e
propósito.

Os cristãos no tempo de João e pelos próximos 200 anos, sem dúvida,


terão encontrado relevância contemporânea para o material de Apocalipse 4-
22:5. Eles acreditavam firmemente no breve retorno de Cristo. Eles terão visto
os sinais do fim como sendo cumpridos em seu próprio tempo. Talvez, na
descrição da prostituta babilônica sentada na besta em Apocalipse 17, você
tenha visto o símbolo da Roma Imperial. A combinação de religião e estado
poderia ser um eco de sua experiência naquela época. À imagem do dragão de
Apocalipse 12 e a ferida mortal da besta marinha do capítulo 13 e sua cura,
eles terão percebido "as forças e propósitos satânicos por trás do poder da
Roma Imperial, levantadas contra eles por Nero e Domiciano, e caindo cada
vez mais pesado ao longo dos próximos 200 anos. Notamos um forte
movimento de Romanos 13 para Apocalipse 13. Na primeira passagem o
estado é ordenado por Deus, mas na última ele se tornou um agente de
Satanás." Além disso, esses cristãos talvez também tenham visto "elementos
do culto imperial por trás da besta da terra cujos esforços foram direcionados
para a exaltação da besta do mar". Assim, na visão de João dos capítulos 18-
19, eles provavelmente viram as profecias da queda do Império Romano. Tão
certo como Deus derrotou a antiga Babilônia, Ele finalmente derrotaria a
Babilônia do fim, isto é, a própria Roma Imperial.

Esta afirmação dificilmente pode ser contestada. No entanto, não


importa que aplicação e relevância os cristãos da época de João e do século
seguinte possam ter visto nos símbolos de Apocalipse 4-22:5, é essencial que
descubramos a intenção e o propósito de João ao registrar as visões, pois ele
afirma claramente que elas apontavam para além do primeiro século (cf. 4:1). É
essencial para uma interpretação responsável de Apocalipse 4-22:5,
especialmente em vista do fato de que a linguagem do livro é muitas vezes
altamente figurativa, que descubramos, em primeiro lugar, o que João quis
dizer no texto e, em seguida, que significado o livro pode ter transmitido aos
leitores a quem foi originalmente endereçado. Este último é de grande
importância para desvendar a linguagem simbólica do livro, porque, como
veremos mais tarde, era uma linguagem com a qual os cristãos do primeiro
século estavam obviamente muito familiarizados. Mas focar única e
exclusivamente em como os cristãos do primeiro século podem ter interpretado
e aplicado as mensagens de Apocalipse 4-22:5 à sua situação imediata seria
claramente contrário à intenção e propósito do autor inspirado.

Pode-se ver, assim, que o próprio Apocalipse aponta para o historicismo


como a abordagem mais adequada para uma interpretação razoável do
conteúdo do livro. Escrito a partir da perspectiva da fé e aplicando os princípios
da hermenêutica bíblica aqui desenvolvidos, este comentário explora o livro de
Apocalipse passagem por passagem. As unidades individuais são então
reunidas e agrupadas em triplos unificados e coerentes, criando uma
mensagem unificada para todo o livro do Apocalipse. O objetivo final deste
comentário é ajudar os cristãos contemporâneos a discernir o que as
mensagens do Apocalipse estão nos dizendo hoje, com essas palavras
atemporais, e aplicando seu significado às situações e necessidades imediatas
e contemporâneas da vida.

NATUREZA SIMBÓLICA DO APOCALIPSE

Em um estilo típico dos escritos apocalípticos, uma característica muito


distintiva do livro do Apocalipse é sua linguagem peculiar e simbólica. João
afirma desde o início (Ap 1:1) que o conteúdo de seu livro foi revelado a ele em
linguagem simbólica e figurativa (o gr. σημαίνω significa "tornar conhecido por
sinais"). Assim, Apocalipse não contém apresentações fotográficas de
realidades celestiais ou eventos futuros que devem ser entendidos literalmente.
Suas mensagens são transmitidas por meio de apresentações simbólicas ou
figurativas. João deixa claro que as visões que ele viu eram de Deus (cf. Ap.
1:1-2). No entanto, a linguagem em que as visões foram comunicadas pelo
autor inspirado era humana e, como tal, apropriada ao tempo, lugar e
circunstâncias do tempo de João. Portanto, de importância decisiva para uma
interpretação significativa do livro é levar a sério sua natureza simbólica e estar
em guarda contra o literalismo inadequado na exploração e interpretação das
profecias do livro.

Apocalipse 1:3 indica que a linguagem simbólica de Apocalipse se


destinava a ser ouvida e compreendida pelos cristãos nos dias de João. Assim,
parece que os cristãos do primeiro século tiveram relativamente pouca
dificuldade em entender os símbolos do livro porque era a linguagem de seu
tempo. A fim de derivar uma interpretação significativa do livro, é necessário
determinar, da melhor maneira possível, como os destinatários originais teriam
entendido esses símbolos e imagens. Como salvaguarda, o Apocalipse deve
ser abordado com o pressuposto de que as cenas e atos nele descritos são de
natureza simbólica ou figurativa, a menos que o contexto implique claramente
um significado literal. Não há dúvida de que pessoas e coisas como João em
Patmos, as sete igrejas, Cristo, tribulação, guerra e morte, devem ser tomadas
literalmente.

Para interpretar a linguagem simbólica do Apocalipse é necessário,


antes de tudo, explicar o significado de "simbólico". Dizer que o Apocalipse é
um livro simbólico não significa que sua linguagem seja abstrata, mas sim
pictórica. A linguagem simbólica do Apocalipse não nasceu no vazio, mas
estava firmemente enraizada na realidade. Jon Paulien enfatiza: "As palavras
que as pessoas usam e os significados que essas palavras têm são o produto
da experiência passada de um povo. A linguagem, em sua expressão, é
limitada ao que é familiar para as pessoas em um momento e até o futuro pode
ser descrito apenas na linguagem da experiência passada e presente de um
povo.

É importante lembrar que, embora as profecias do Apocalipse muitas


vezes se refiram ao nosso futuro, a linguagem na qual as profecias foram
comunicadas era a linguagem do tempo e lugar do autor inspirado, e não a
nossa. "É muito fácil impor ao texto significados mais apropriados ao nosso
tempo e lugar do que à situação em que Deus falou originalmente. Descobrir o
significado original da linguagem do texto nos protege contra nossa tendência
natural de refazer o texto bíblico à nossa própria imagem".
Portanto, uma compreensão das profecias do Apocalipse envolve
aprender o que pode ser conhecido sobre as fontes das quais João, sob a
inspiração do Espírito Santo, coletou os símbolos e imagens que usou para
descrever as visões que teve. Tem sido geralmente reconhecido que a
linguagem simbólica do Apocalipse pode ser atribuída a pelo menos quatro
fontes: o Antigo Testamento, os escritos apocalípticos judaicos, o ambiente da
Ásia Menor do primeiro século e os escritos do Novo Testamento.

AS FONTES DO ANTIGO TESTAMENTO

Ao registrar suas visões, João desenhou símbolos quase inteiramente


do Antigo Testamento, respondendo ao ambiente religioso, social e cultural do
primeiro século. Embora ele nunca cite diretamente o Antigo Testamento ao
escrever a profecia - ele apenas faz alusão a ele, "com uma palavra aqui, um
conceito ali, uma frase em outro lugar" - ele desenha muitas de suas imagens.
Muitos estudiosos mostraram que dos 404 versículos do Apocalipse, 278
contêm referências diretas ou indiretas ou alusões ao Antigo Testamento.
Aparecendo como um "mosaico perfeito de passagens do Antigo Testamento",
William Milligan argumenta que o Livro do Apocalipse está "absolutamente
impregnado das memórias, dos incidentes, dos pensamentos e da linguagem
do passado da Igreja. Tanto é assim que se pode duvidar se contém uma única
figura não obtida do Antigo Testamento, ou uma única frase completa que não
é mais ou menos constituída de materiais extraídos da mesma fonte". Isso
sugere que os cristãos do tempo de João teriam percebido as semelhanças
entre o Apocalipse e o Antigo Testamento e, finalmente, entendido "os
símbolos do livro à luz do pano de fundo do Antigo Testamento".

A fim de revelar os símbolos do Apocalipse, o leitor de hoje deve buscar


o pano de fundo do Antigo Testamento que seja mais apropriado. Jon Paulien
observa que "qualquer um que tente entender o Apocalipse sem um
conhecimento profundo do Antigo Testamento achará virtualmente impossível
entender o livro". Ele também observa que a saturação do Antigo Testamento
no Apocalipse "indica que é a chave principal para desvendar o significado dos
símbolos do livro". Este comentário demonstra como, por exemplo, a visão dos
capítulos 4-5 é construída sobre a coroação dos reis israelitas (cf. Dt 17:18-20;
2 Reis 11:12); que as maldições da aliança do Antigo Testamento (cf. Lev.
26:21-26) estão no pano de fundo da visão dos sete selos; que os 144.000 que
são vitoriosos no mar de vidro e cantam o cântico de Moisés e do Cordeiro é
uma clara alusão a Êxodo 15; e que a cena de Apocalipse 16:12-18:24 se
baseia na captura da histórica Babilônia por Ciro, rei da Pérsia e seus exércitos
(cf. Isa. 44:26-45:7; Jer. 50-51). As trombetas, os gafanhotos do abismo,
Sodoma e Egito, Monte Sião, Babilônia, o Eufrates e a batalha do Armagedom
são todos tornados da história de Israel.

Ao comunicar sua vontade presente, bem como seus planos para o


futuro de seu povo, Deus usa a linguagem do passado. As profecias do
Apocalipse são construídas especialmente sobre os principais eventos-chave
da história sagrada: a criação, o dilúvio, o êxodo, a aliança de Deus com o rei
Davi e o exílio na Babilônia. Esses eventos destinam-se a construir a fé do
leitor de que os atos de salvação de Deus no futuro serão muito parecidos com
os atos de salvação de Deus no passado. O mesmo Deus poderoso e fiel que
realizou feitos maravilhosos por seu povo no passado, e que está fazendo as
mesmas coisas no presente, é o Deus que dá ao seu povo a certeza de que
cumprirá suas promessas em relação ao futuro.

O Comentário Bíblico Adventista aponta que:

[...] uma compreensão clara dessas citações e alusões em seu cenário


histórico no AT é o primeiro passo para entender as passagens em que elas
aparecem no Apocalipse. O contexto em que João as usa pode então ser
estudado para descobrir o significado que ele lhes dá. Isso se aplica
particularmente aos nomes de pessoas e lugares, e a coisas, fatos e eventos.

Parece impossível ter uma compreensão correta das profecias do livro


se o pano de fundo do Antigo Testamento não for levado a sério. "Sem tal
compreensão", enfatiza Paulien, "o significado do livro permanece em grande
parte oculto".
AMBIENTE NA ÁSIA MENOR

O livro do Apocalipse também reflete o mundo real da Ásia Menor no


primeiro século. João registrou a visão que teve na linguagem comum da
época. Embora extraído principalmente do Antigo Testamento, ele transformou
o material que usou para descrever as visões que teve no tempo, lugar e
cenário dos leitores originais. A linguagem é muitas vezes colorida com
práticas e motivos greco-romanos contemporâneos. A fim de comunicar
eficazmente sua revelação àqueles que viviam no ambiente cultural pagão, o
profeta inspirado usou linguagem e termos que faziam sentido para eles. Além
disso, em diálogo com o mundo pagão, debatendo especificamente ideias
pagãs que ameaçavam a pureza da fé cristã e oferecendo uma crítica às
religiões pagãs, João usou linguagem e conceitos familiares aos povos da Ásia.
Os símbolos e conceitos "chegaram a ele como expressões vivas que seriam
familiares a qualquer pessoa que vivesse na Ásia Menor na época".

Vários comentários e outros estudos fornecem muitas informações sobre


paralelos antigos com várias cenas do Apocalipse. Quando tratados com
responsabilidade, esses paralelos podem ajudar o leitor a entender melhor o
cenário greco-romano das visões do Apocalipse. Por exemplo, David Aune,
especialista em Apocalipse e no antigo mundo greco-romano, traça paralelos
entre a descrição do Cristo glorificado, aquele com as chaves de Apocalipse
1:13-18, e Hécate, uma deusa helenística, que acreditava que ele possuía as
chaves do céu e do Hades (ver Notas sobre Apocalipse 1:18).

Além disso, enquanto a cena de Apocalipse 4-5 se baseia na cerimônia


de coroação dos reis israelitas do Antigo Testamento, alguns estudos mostram
como a cena poderia igualmente evocar a corte imperial romana e as
cerimônias de culto nas mentes dos leitores originais. Da mesma forma, a
descrição da nova Jerusalém em Apocalipse 21:10 a 22:5 é um eco de ideias
antigas de uma cidade ideal e segura.

LINGUAGEM APOCALÍPTICA
A linguagem simbólica do Apocalipse é do apocalipticismo judaico.
Algumas das obras apocalípticas judaicas, como 1 Enoque (o Enoque etíope),
2 Enoque (o Enoque eslavo), 4 Esdras e 2 Baruque foram extremamente
populares e amplamente lidos no primeiro século d.C. Como tal, eles
moldaram, em grande medida, os sentimentos, a teologia e as expectativas
populares judaicas. Comum aos escritos apocalípticos é a afirmação de que
seu conteúdo foi baseado em experiências visionárias enquanto o autor estava
"no Espírito" (cf. Ap 1:10) conversando com anjos. O escritor é frequentemente
levado em visão para lugares distantes e pode ver cenas de grandeza e
majestade sobrenaturais.

Assim, o autor de 2 Enoque, no primeiro século, afirma que viu em sua


visão do céu "em pé diante da face do Senhor, e fazendo a sua vontade,
querubins e serafins ao redor do trono, com seis asas e muitos olhos; e eles
cobrem todo trono, cantando com uma voz suave diante da face de Deus:
'Santo, santo, santo, Senhor Sabaoth, céu e terra estão cheios de sua glória.’”
Vários paralelos entre este texto e Apocalipse 4:8 podem ser facilmente
detectados. Além disso, o seguinte texto de 4 Esdras (primeiro século) nos
lembra um de Apocalipse 6:9-11: "Não perguntaram as almas dos justos em
seus aposentos sobre esses assuntos? dizendo: 'Quanto tempo vamos ficar
aqui? E quando virá a colheita da nossa recompensa?' E Jeremiel, o arcanjo,
respondeu-lhes e disse: 'Quando o número daqueles como vocês estiver
completo.'"

O escritor apocalíptico considera a linguagem literal inadequada para


apresentar coisas sobrenaturais e realidades celestiais sutis. Ao descrevê-los,
ele usa uma linguagem altamente simbólica. Assim, muitos símbolos e
conceitos do Apocalipse - por exemplo, um dragão de sete cabeças, bestas
terríveis, chifres, estrelas, quatro ventos na terra e a batalha do fim dos tempos
- já eram conhecidos da literatura apocalíptica judaica que teve ampla
circulação e muitos leitores. Isso sugere que símbolos e conceitos
apocalípticos eram uma boa parte do vocabulário das pessoas na época em
que o Apocalipse foi escrito. É muito provável que os leitores cristãos do
primeiro século tivessem relativamente pouca dificuldade em entender os
principais símbolos do livro. As apresentações figurativas do Apocalipse se
comunicaram muito bem com eles.

O intérprete do Apocalipse de hoje consultará a literatura apocalíptica


para entender como as pessoas da época de João percebiam a linguagem
apocalíptica. Isso ajudará a esclarecer muitos símbolos no livro.

OS PARALELOS DO NOVO TESTAMENTO

Localizado no final do Novo Testamento, o Apocalipse, afirma Donatien


Mollat, atua como um resumo dos temas teológicos de toda a Bíblia. O Antigo
Testamento aponta para Cristo (João 5:39), e o Novo Testamento mostra o
cumprimento das profecias do Antigo Testamento. O livro do Apocalipse está
em harmonia com o ensino do Novo Testamento de que as promessas a Israel
foram cumpridas em Cristo e em seu povo fiel do passado. Como Robert
Jamieson, A. R. Fausset e David Brown observaram, “neste livro todos os
outros livros da Bíblia se encontram e terminam”. Ao registrar suas visões,
João tinha em mente principalmente os cristãos do primeiro século, cujas
crenças e proclamações foram motivadas pelo entendimento de que seu
Senhor morreu, ressuscitou, ascendeu ao céu e foi posteriormente entronizado
no céu à destra do Pai (cf. Atos 2:33-36; Rm 8:34; Ef 1:20; Fp 2:5-11; Hb
12:12).

Embora diferente em estilo, vocabulário e conteúdo, o livro do


Apocalipse está repleto de numerosos paralelos e alusões a outros livros do
Novo Testamento que foram escritos antes. Parece que as mensagens do
Apocalipse são construídas sobre ideias teológicas do restante do Novo
Testamento. Muitas passagens refletem, em particular, as palavras de Jesus e,
ocasionalmente, as declarações de Paulo. Por exemplo, alguns estudiosos
veem o Apocalipse como uma "expansão do discurso" de Jesus no Monte das
Oliveiras. Compreender plenamente o significado da mensagem do Apocalipse
envolve prestar atenção cuidadosa aos paralelos do Novo Testamento nas
várias passagens do livro.
OBJETIVOS DO COMENTÁRIO

Seguem-se os objetivos e critérios norteadores que regeram a


elaboração deste comentário. Eles explicam a filosofia do próprio autor de um
comentário responsável sobre o livro do Apocalipse.

O livro bíblico é uma revelação divina. Os versículos iniciais do


Apocalipse apontam para a origem divina do livro (cf. Ap. 1:1-3). Paulien
afirma: "Não importa a posição que alguém tome em relação à origem das
visões, o próprio João parece entender que seu livro é mais uma construção
divina do que sua própria composição". As mensagens do Apocalipse não são
produto da imaginação fértil de João, mas Deus as mostrou a ele em visão.
João repetidamente enfatiza que sua obra é "as palavras desta profecia" (Ap
1:3; 22:7, 10, 18-19). Embora seja verdade que o Apocalipse foi escrito por
uma pessoa humana no cenário da Ásia Menor do primeiro século, a presença
do elemento divino no livro indica que seu significado último muitas vezes vai
além do que o autor humano pode ter entendido. Como Pedro afirmou, "a
profecia nunca foi trazida pela vontade humana, mas os homens santos de
Deus falaram movidos pelo Espírito Santo" (2 Pe 1:21). O conteúdo do
Apocalipse reflete a experiência visionária de João que ele escreveu sob o
controle do Espírito Santo. Como tal, o Apocalipse é igual em autoridade a
qualquer profecia do Antigo Testamento ou escrita apostólica. Portanto, é de
extrema importância que ao lidar com o texto levemos a sério o elemento divino
do Apocalipse.

Seguindo esta linha, uma nota de esclarecimento se faz necessária.


Quando o texto é tratado neste comentário em termos, por exemplo, do
"propósito pretendido por João", ou "o que João tentou comunicar ao leitor",
não deve ser entendido que o livro do Apocalipse seja visto meramente como
um produto humano. Uma declaração de Ellen G. White é muito instrutiva aqui:

A Bíblia foi escrita por homens inspirados, mas não é a forma de pensamento e
expressão de Deus. [...] Não são as palavras da Bíblia que são inspiradas, mas
os homens que foram inspirados. A inspiração não opera nas palavras ou
expressões do homem, mas no próprio homem, que está imbuído de
pensamentos sob a influência do Espírito Santo. Mas as palavras recebem a
impressão da mente individual. A mente divina é difusa. A mente e a vontade
divinas são combinadas com a mente e a vontade humanas. Assim, as
declarações do homem são a palavra de Deus.

As referências às intenções ou propósitos de João neste comentário são


uma maneira conveniente de explorar o texto em harmonia com a intenção do
autor inspirado como o último elo da cadeia de transmissão do Apocalipse (cf.
Ap. 1:1-2).

O Apocalipse era originalmente uma carta circular (como as cartas de


Paulo ou Pedro) escrita no estilo profético-apocalíptico. Assim, o conteúdo do
Apocalipse deve ser tratado de forma semelhante às cartas de Paulo. Como
observamos anteriormente, o livro foi originalmente enviado para comunidades
cristãs na Ásia Menor, abordando suas necessidades imediatas e situações de
vida. No entanto, o Apocalipse afirmará que seu conteúdo não se limita aos
cristãos do primeiro século e ao Império Romano. Como livro de profecia, sua
mensagem "foi dada para orientação e encorajamento da igreja em toda a
dispensação cristã". O livro cobre a história da igreja e do mundo entre a cruz e
a Segunda Vinda com forte ênfase no tempo do fim. Como tal, o Apocalipse
ainda nos fala hoje como falava aos cristãos nos dias de João. Isso nos lembra
que Deus controla o futuro que ele nos revelou por meio de seus servos, os
profetas.

O Apocalipse é um livro para a igreja. O autor do livro de Apocalipse


pretendia que fosse lido no ambiente da igreja (Ap 1:3). Portanto, o objetivo
pretendido deste comentário é fornecer uma exposição do Apocalipse que
beneficiará a igreja como um todo e servirá como auxílio para a experiência
atual dos cristãos. A profecia bíblica não foi dada meramente para satisfazer a
curiosidade sobre o futuro. A igreja em Apocalipse tem seu lugar e tarefa
definidos no mundo. O estudo das profecias do Apocalipse deve estimular o
povo de Deus a alcançar outros para Cristo. Há claramente coisas no
Apocalipse sobre o futuro que nunca podem ser totalmente compreendidas
antes de seu cumprimento. O estudo do livro de Apocalipse deve ajudar a
igreja a encontrar seu lugar na profecia como agente do testemunho de Deus
ao mundo. Mapas proféticos detalhados seriam melhor substituídos por mapas
geográficos com a pergunta honesta de como alcançar os não alcançados para
Cristo.

O foco deve estar no texto. Um bom comentário sobre o Apocalipse


deve ser fiel à Palavra, permitindo que o texto fale, em vez de impor uma
teologia ou uma agenda ao texto. Tente descobrir o que o texto está dizendo
ao invés do que o expositor quer que ele diga. Este comentário concentra-se
principalmente no texto, em vez da história. Como observa Jon Paulien, é
possível "dar tanta atenção à história que deixamos de ver a dinâmica literária
do texto bíblico sobre a qual as aplicações históricas devem ser baseadas".
Alguns intérpretes muitas vezes ignoram os detalhes do texto e vão direto para
a história e depois tentam encaixar as várias aplicações históricas em um todo
coerente. No processo, a coerência interna do próprio texto é muitas vezes
perdida. O objetivo deste comentário é "ficar com o texto o tempo que for
necessário para expor sua dinâmica interna. Somente quando o texto tiver sido
totalmente compreendido pode ser feita uma aplicação histórica sólida. É o
texto bíblico que estabelece a estrutura para a interpretação bíblica da história”.

A Bíblia é o melhor intérprete do Apocalipse. Vimos que o Antigo e o


Novo Testamento oferecem um bom material de construção para as profecias
do Apocalipse. As apresentações simbólicas do Apocalipse devem ser
explicadas e esclarecidas principalmente a partir da Bíblia, de acordo com "a
intenção e propósito de seu autor inspirado, e o significado da obra para os
leitores a quem foi originalmente dirigida". Caso contrário, as interpretações
das profecias do livro transmitidas em linguagem simbólica geralmente refletem
nada mais do que opiniões pessoais derivadas da imaginação alegórica ou
eventos atuais. A chave interpretativa dos símbolos do livro não deve ser a
alegoria, mas a tipologia.

Cristo é o centro de toda profecia. As palavras iniciais do Apocalipse


deixam claro que o livro é principalmente "a revelação de Jesus Cristo" (Ap
1:1). Isso indica que o livro foi escrito da perspectiva de Cristo. Seus símbolos
e imagens devem ter seu foco em Cristo. Nada mais deve dominar a exposição
e interpretação das profecias bíblicas, nem a história nem a mera curiosidade
sobre o futuro. "A menos que a importância de Jesus Cristo e sua cruz saturem
os símbolos do Apocalipse, a interpretação resultante não será uma
interpretação cristã, não importa quantas vezes Cristo seja mencionado em sua
explicação." Somente em e por meio de Cristo os símbolos e imagens do Livro
do Apocalipse receberão seu significado e importância finais.

ARRANJO LITERÁRIO DO APOCALIPSE

Fica claro que o desenho estrutural do Apocalipse tem importância para


a compreensão da ampla progressão temática do livro. Ele adverte contra
qualquer estudo ou interpretação de uma passagem ou seção isolada do resto
do livro. A interpretação do texto deve ser consistente com o propósito geral de
todo o livro.

O arranjo literário do Apocalipse é muito complexo. Embora tenha sido


geralmente reconhecido que a composição estrutural do livro é essencial para
a compreensão de sua mensagem, nenhum consenso acadêmico geral foi
alcançado sobre sua estrutura básica. Comentaristas e expositores ofereceram
inúmeras propostas sobre o que o autor inspirado quis dizer quanto à
organização estrutural do Apocalipse, mas dificilmente dois autores
compartilham exatamente a mesma ideia.

As seções seguintes exploram algumas das propostas mais


representativas sobre a organização estrutural do último livro da Bíblia. Estas
propostas não devem ser vistas como mutuamente exclusivas e determinantes.
Embora alguns ofereçam vislumbres mais promissores do arranjo estrutural do
Apocalipse do que outros, as propostas expressam um amplo espectro de
interpretação sobre o desenho e a composição do livro, bem como seu tema
geral. Juntos, eles revelam muito mais da intenção do escritor do que poderia
ser alcançado de outra forma.

IMPORTÂNCIA DOS TEXTOS-PONTE

O livro do Apocalipse é caracterizado por peculiaridades literárias


específicas. Observou-se que a chave para a importância mais ampla das
grandes seções do livro muitas vezes está na declaração final da seção
anterior. Tal afirmação funciona como uma ponte concluindo o que precede e
introduzindo o que se segue. Por exemplo, a seção sobre as sete mensagens
às igrejas (capítulos 2-3) é precedida pela declaração de Apocalipse 1:20 que
conclui a visão do Cristo glorificado (1:9-20). Esta declaração final atua ao
mesmo tempo como uma introdução a Apocalipse 2-3. A visão dos 144.000
selados (capítulo 7) elabora e explica a declaração final de Apocalipse 6:16-17
na forma de uma pergunta sobre quem será capaz de resistir à grande ira do
Cordeiro. A declaração final de Apocalipse 12:17, que se refere à guerra contra
"o remanescente de sua semente", é desenvolvida nos capítulos 13-14.
Apocalipse 15:2-4 serve tanto como conclusão de Apocalipse 12-14 quanto
como introdução das sete últimas pragas.

Vários textos-ponte parecem fornecer visualizações de partes maiores


do livro. Como será visto mais tarde, Apocalipse 3:21 parece fornecer o esboço
de interpretação para os capítulos 4-7, e Apocalipse 18 para toda a segunda
metade do livro (Ap 12-22:5). Da mesma forma, Apocalipse 6:9-10 (que
encontra sua confirmação mais completa em 8:2-6 e 13) dá uma pista para
entender a natureza e o propósito tanto dos sete selos quanto das sete pragas
das trombetas.

O princípio dos textos-ponte permite que o intérprete encontre


informações que estão embutidas em várias passagens do Apocalipse. Sugere
que o autor inspirado definiu claramente sua intenção quanto à compreensão
do texto, fato que elimina a busca fora do livro por interpretação criativa.
Ignorar esse princípio limitaria a compreensão da intenção do próprio autor
para o livro.

ESQUEMA DE IDENTIFICAÇÃO-DESCRIÇÃO

Outra importante estratégia literária do Apocalipse pode ajudar o


intérprete a compreender com mais clareza alguns textos difíceis do livro.
Sempre que um novo ator é introduzido no livro, ele é identificado pela primeira
vez em termos de uma descrição pessoal ou histórica de seu papel e
atividades. Uma vez identificado o ator, João passa a descrever o papel do ator
e as atividades que são especialmente importantes para a visão. Essa
estratégia literária é evidente primeiro com referência a Apocalipse 1:9-3:22. A
identificação do Cristo ressuscitado aparece em Apocalipse 1:9-20, com uma
lista de várias características. As mensagens para as sete igrejas seguem em
Apocalipse 2-3. Várias características de Cristo pintam diferentes aspectos de
seu ministério para as igrejas.

A mesma técnica pode ser vista com referência à visão dos sete selos.
Antes de descrever a abertura dos selos por Cristo (Ap 6-8:1), João descreve
no capítulo 5 a qualificação única de Cristo para a tarefa de remover os selos
do livro selado. Em Apocalipse 11, a identificação das duas testemunhas (11:3-
6) é seguida por suas atividades e experiências que são importantes para a
visão (11:7-13). Além disso, antes de se referir à ira de Satanás e sua decisão
de travar o conflito final (Ap 12:17), João fornece sua identificação e o motivo
de sua ira e fúria (Ap 12:3-16).

Essa estratégia literária parece ser especialmente útil para uma


compreensão clara de Apocalipse 13 e 17. Embora o foco de Apocalipse 13
seja a batalha final da história da Terra, nem todas as coisas que dizem
respeito à besta do mar neste capítulo são dizem respeito ao tempo do fim.
Antes de descrever o papel específico e as atividades da besta do mar durante
os "quarenta e dois meses" da era cristã (13:5-7), João primeiro identifica a
besta em termos gerais em 13:1-4. Então, com 13:8, ele passa a descrever o
papel e a função da besta na crise final. O mesmo se aplica a Apocalipse 17.
Antes de descrever o papel e a função da Babilônia do fim dos tempos e da
besta ressuscitada na crise final (17:14-18), João descreve seu papel e função
históricos. O princípio da estratégia literária de identificação/descrição permite
ao intérprete encontrar a informação sólida que o autor inspirado plantou no
texto.

O ESQUEMA "OUVI" E "VI"

O revelador às vezes usa outra técnica literária que é expressa pelos


termos "ouvi" e "vi" ou "olhei". Nesta maneira de explicar as coisas que ele
testemunhou na visão, João às vezes primeiro ouve algo na visão e o que ele
vê depois é essencialmente o mesmo, mas de alguma forma diferente. O que
ele vê é realmente uma faceta diferente das coisas que ele ouviu antes. O
seguinte é uma lista de coisas que ele comunicou com esta técnica literária:

 Capítulo 1: João ouve pela primeira vez "uma voz alta como uma
trombeta" atrás dele (1:10); quando ele se vira, ele vê Jesus andando no
meio dos sete castiçais (1:12-13).
 Capítulo 5: João ouve pela primeira vez que o Leão da tribo de Judá
venceu; quando ele se vira para ver o Leão, ele vê o Cordeiro morto
(5:5-6). Ambos são imagens de Cristo: o Leão mostra o que Cristo fez e
o Cordeiro como o fez.
 Capítulo 7: João ouve pela primeira vez o número 144.000 enquanto as
pessoas se arrumam e selam (7:4); quando ele vê o mesmo grupo,
parece-lhe uma grande multidão que ninguém pode contar (7:9). Os
grupos são então os mesmos santos em diferentes papéis e
circunstâncias.
 Capítulo 17: João ouve falar de "uma grande prostituta que está sentada
sobre muitas águas" (17:1); o que ele vê mais tarde é "uma mulher
sentada em uma besta escarlate" cujo nome é Babilônia (17:3). Isso
mostra que a besta e as águas se referem à mesma entidade política e
secular especificada em 17:15.
 Capítulo 21: João primeiro ouve sobre "a noiva, a esposa do Cordeiro"
(21:9), mas na verdade vê a "cidade santa de Jerusalém" em sua glória
(21:10-11).

Essa técnica literária é a chave para entender alguns insights importantes


no livro, especialmente os dois grupos de santos salvos no capítulo 7. Entender
isso ajudará o intérprete a encontrar o significado do texto como o autor
inspirado pretendia.

ENFOQUES DA ESTRUTURA DO APOCALIPSE

Ao considerarmos o Apocalipse, descobriremos algo além da estrutura


básica do livro. Esta seção oferecerá um vislumbre de várias características
estruturais peculiares do Apocalipse apontadas por alguns estudiosos
contemporâneos.
Estrutura repetitiva ou de recapitulação. Várias estruturas repetidas
são encontradas em grupos de sete: as sete igrejas, os sete selos, as sete
trombetas e as sete taças com pragas. Uma questão crítica para os intérpretes
do Apocalipse é se esses setes devem ser entendidos como relatos paralelos
ou recapitulativos dos mesmos eventos, ou uma sequência cronológica
progressiva de eventos do fim dos tempos em que as trombetas seguem os
selos e as taças com as sete pragas seguem as trombetas. Victorinus de
Pettau (m. ca. 304) introduziu o princípio da recapitulação no Apocalipse, que
foi seguido com algumas modificações por intérpretes subsequentes.

Os paralelos recapitulativos entre a série de selos e as trombetas


parecem ser evidentes. Uma comparação entre as duas séries apresentadas
em "Panorama: Apocalipse 8-9" mostra suas estruturas paralelas. Em primeiro
lugar, tanto as trombetas quanto os selos são organizados em grupos de
quatro e três. Além disso, ambas as séries são interrompidas com interlúdios
entre a sexta e a sétima trombetas e selos, respectivamente. Também fica
claro que ambas as séries começam no primeiro século e terminam no tempo
do fim, algo não visto na série das pragas das sete taças. Além disso, como a
estrutura das "Cenas Introdutórias do Santuário" abaixo indica, os selos e
trombetas provavelmente cobrem toda a era cristã. Por outro lado, as sete
últimas pragas evidentemente estão localizadas no fim da história desta terra.

A aplicação do princípio da recapitulação pode ser muito útil ao


intérprete do Apocalipse. Informações e insights obtidos de passagens claras
podem desvendar o significado teológico de passagens paralelas difíceis. Por
exemplo, Apocalipse 7 pode ser a chave para entender os capítulos 10-11,
especialmente com relação à identidade das duas testemunhas. Pode-se notar
também que a série das sete trombetas e das sete taças com pragas são
deliberadamente paralelas em termos de linguagem e conteúdo. Embora as
duas séries claramente não sejam a mesma (veja "Visão geral: Apocalipse 15-
18"), examinar seus paralelos estruturais pode ajudar o leitor a obter o
significado teológico mais profundo que o autor inspirado teve ao escrever o
livro de Apocalipse.

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