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Sumário

CAPÍTULO I - O DIREITO DO CONSUMIDOR, COMO DISCIPLINA JURÍDICA


AUTÔNOMA.......................................................................................................................................................... 3
Actualidade do Tema............................................................................................................................................ 3
A Questão Terminológica: Direito do Gonsumidor ou Direito do Consumo?....................................3
Conteúdo do Direito do Consumidor............................................................................................................... 5
O Direito do Consumidor como Sistema Flexível....................................................................................... 6
Definição de Direito do Consumidor............................................................................................................... 6
A qual ramo da ciência jurídica pertence o direito do consumidor?.......................................................8
Evolução do Direito do Consumidor................................................................................................................ 9
Evolução do Direito do Consumidor na Ordem Jurídica Angolana.....................................................10
A Autonomia do Direito do Consumidor..................................................................................................... 12
Óbices à Autonomia............................................................................................................................................ 13
A Novidade do Tema.......................................................................................................................................... 14
A Desordem Sistemática................................................................................................................................... 14
A Multidisciplinaridade do Direito do Consumidor................................................................................. 15
A Supraindividualidade do Interesse de Consumo.................................................................................... 15
O Tratamento Anterior da Matéria por Outros Ramos do Direito........................................................16
A Mutabilidade da Matéria de Consumo...................................................................................................... 17
A Ausência de Tribunais Especiais................................................................................................................ 17
CAPÍTULO II - PRINCIPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO DO CONSUMIDOR,
REGIME JURÍDICO E ENTIDADES LEGITIMADAS PARA A DEFESA DOS DIREITOS
DO CONSUMIDOR........................................................................................................................................... 19
2.1 Princípios........................................................................................................................................................ 19
Princípio da Vulnerabilidade............................................................................................................................ 19
Princípio da vulnerabilidade x Princípio da hipossuficiência................................................................22
O princípio da boa-fé objectiva....................................................................................................................... 23
1.1.3 Princípio da transparência e da confiança......................................................................................... 24
1.1.4 Princípio da segurança............................................................................................................................. 24
1.4.5 Princípio da harmonização dos interesses......................................................................................... 25
REGIME JURÍDICO AGOLANO DO DIREITO DO CONSUMIDOR...........................................25
Legislação.............................................................................................................................................................. 25
Constituição da República de Angola........................................................................................................... 25
Lei de Defesa do Consumidor......................................................................................................................... 27
Legislação Avulsa............................................................................................................................................... 27
Entidades legitimadas para a promoção e tutela dos direitos do consumidor...................................27
Ministério Público............................................................................................................................................... 28
Instituto Nacional de Defesa do Consumidor............................................................................................. 28
Associações de Consumidores......................................................................................................................... 29
Conselho Nacional do Consumo..................................................................................................................... 30
CAPÍTULO III - A RELAÇÃO DE CONSUMO E SEUS ELEMENTOS.......................................31
Introdução.............................................................................................................................................................. 31
Os Elementos da Relação de Consumo......................................................................................................... 31
Noção de consumidor......................................................................................................................................... 33
A teoria finalista................................................................................................................................................... 33
A teoria maximalista........................................................................................................................................... 34
A teoria mista........................................................................................................................................................ 35
Consumidores equiparados............................................................................................................................... 36
A coletividade de pessoas................................................................................................................................. 36
Vítimas do evento................................................................................................................................................ 36
Conceito de Fornecedor..................................................................................................................................... 37
Conceito de Produto............................................................................................................................................ 38
Conceito de Serviço............................................................................................................................................ 38
CAPÍTULO IV - DIREITOS BÁSICOS DO CONSUMIDOR E A PROTEÇÃO
CONTRATUAL NO DIREITO DO CONSUMIDOR.............................................................................40
Introdução.............................................................................................................................................................. 40
O direito do consumidor como direito fundamental................................................................................. 40
3.1 Direitos Básicos............................................................................................................................................ 40
Direito à qualidade dos produtos e serviços................................................................................................ 42
Direito à protecção da saúde e à segurança física...................................................................................... 45
Direito à informação........................................................................................................................................... 46
Direito à protecção dos interesses económicos........................................................................................... 47
Direito à prevenção e à reparação dos danos............................................................................................... 48
Oferta e Publicidade............................................................................................................................................ 50
A Publicidade e os Consumidores.................................................................................................................. 52
Princípios da Publicidade.................................................................................................................................. 53
O dever de informar e a publicidade.............................................................................................................. 53
A publicidade enganosa e abusiva.................................................................................................................. 54
Práticas comerciais abusivas............................................................................................................................ 56
Proteção Contratual no Direito do Consumidor......................................................................................... 57
Contrato de adesão.............................................................................................................................................. 59
Contratos de adesão e a protecção do consumidor.................................................................................... 60
Cláusulas abusivas............................................................................................................................................... 61
Inclusão no contrato de adesão de cláusulas abusivas: Consequências...............................................61
DICIONÁRIO...................................................................................................................................................... 64
CAPÍTULO I - O DIREITO DO CONSUMIDOR, COMO DISCIPLINA JURÍDICA
AUTÔNOMA

Actualidade do Tema
A actualidade de um tema está diretamente relacionada com o lugar que a coletividade lhe
reserva nas suas relações sociais. O direito do Consumidor nasce, desenvolve-se e justifica-se na
sociedade de consumo. Regula a produção e a comercialização de produtos e serviços pelo
prisma do consumo. E este — como nota Jean Baudrillard — tem um lugar certo: “é a vida
quotidiana”(l).
Ora, nada pode ser mais actual do que algo que se propõe a proteger a “vida quotidiana” dos
indivíduos.
O Direito do Consumidor é, pois, a disciplina jurídica da “vida quotidiana” do habitante da
sociedade de consumo. Seu surgimento, com alterações profundas no Direito tradicional,
decorre directamente da revolução industrial (com produção, comercialização, consumo, crédito
e comunicação em massa), já que esta mudou, por inteiro, o dia-a-dia dos homens — agora
chamados consumidores. A afirmação da actualidade do Direito do Consumidor não implica
dizer que antes de sua formulação não existissem consumidores ou que estavam eles
absolutamente desamparados.
Consumidores sempre existiram. Apenas o Direito — ou melhor, o legislador — não tinha uma
percepção clara de sua moldura, como sujeito diferenciado de categorias tradicionais (como o
comprador e o locatário, por exemplo). Mas mesmo sem lhe dar certidão de baptismo, o
ordenamento jurídico clássico possuía certos mecanismos de tutela do consumidor. Já é lugar
comum afirmar-se que tais instrumentos se mostraram inadequados para tal fim.
A adaptação de soluções do “liberalismo clássico”, produzidas em uma realidade econômica
inteiramente diversa da actual, deixou de levar em conta que “fenómenos de massa” não
comportam remédios individualistas, alicerçados em ideias sem qualquer conexão com a
sociedade de consumo. Princípios como os da liberdade contratual, da liberdade de comércio, da
não intervenção do Estado no gerenciamento do mercado, da responsabilidade do fornecedor
apenas por culpa, assim como as normas rígidas de legitimidade ad cau- sam e de prova, foram
formulados para regular relações sociais de feições diversas da relação de consumo. Aplicados
na sociedade de consumo, criam apenas mitos de direitos(2).
Mas por que esse despertar legislativo? Primeiro porque o surgimento da sociedade de consumo
propiciou o aparecimento de relações jurídicas antes desconhecidas. Ou, se se preferir, permitiu
o aparecimento de “formas de manifestação” singulares para as relações jurídicas clássicas
(compra e venda, locação, mútuo). Em segundo lugar, a mesma sociedade de consumo, pela
massificação de suas relações e pelo fortalecimento da empresa, criou uma situação de
“vulnerabilidade” para o consumidor.
Não se pense, contudo, que a mera vulnerabilidade do consumidor conseguiria, de per se,
sensibilizar o legislador ou o aplicador. A “universabilidade” desta vulnerabilidade é que
explica a intervenção legislativa. Quanto maior for o número dos vulneráveis, maior será a
sensibilidade estatal. É que em uma sociedade democrática, compreensivelmente, a equação
numérica tem enorme peso. Esta é a razão para que o Direito, muitas vezes, fique ao lado da
maioria mesmo que com a minoria esteja o poder e a riqueza (3). Daí que o Direito do
Consumidor não se justifica apenas como produto da sensibilidade do legislador para com a
vulnerabilidade do consumidor. Igualmente relevante no seu desenvolvimento é o facto de que
os consumidores são imensamente maioritários no mercado.

A Questão Terminológica: Direito do Gonsumidor ou Direito do Consumo?


Para nós, a disciplina Jurídica que se propõe a tutelar o consumidor nas suas relações com os
fornecedores chama-se Direito do Consumidor. A matéria, contudo, não está pacificada.
No Direito Comparado, não há acordo quanto a tal nomeação. A denominação Direito do
Consumo (Droit de la Consommetion ) é utilizada, por certas razões históricas, na França,
Bélgica e Portugal. Diferentemente, nos Estados Unidos, Inglaterra, Austrália e Alemanha,
prefere-se Direito do Consumidor(4).
Não se trata de simples disputa terminológica. Cada uma das denominações ressalta um aspecto
da disciplina jurídica. Direito do Consumo põe em destaque a tutela do mercado de consumo,
enquanto que Direito do Consumidor realça a protecçâo da pessoa do consumidor. Uma é
objectiva, a outra, subjectiva.
Preferimos a expressão Direito do Consumidor porque ela dá a exacta perspectiva funcional das
normas que integram tal ramo jurídico: todas destinam-se ao resguardo dos interesses dos
consumidores. A se usar Direito do Consumo corre-se o risco de ampliação excessiva do campo
de actuação das normas especiais — em prejuízo do consumidor — para incluir, entre seus
objectivos, a tutela do mercado como um todo (sempre que presente o consumo), vale dizer, ora
protegendo o consumidor contra os fornecedores, ora protegendo os fornecedores em suas
relações com terceiros (com o Estado, por exemplo).
Ressalte-se, ademais, que o Direito do Consumidor, por este prisma, não abrange tudo o que diz
respeito ao consumo. De facto, muitas matérias que têm a ver com o bem-estar do consumidor
não são objeto do Direito do Consumidor. Tome-se, por exemplo, o combate aos monopólios
que, embora interessando diretamente ao consumidor-intermediário (os distribuidores) — e ao
próprio consumidor-final -, não integra o Direito do Consumidor.
O Direito do Consumidor regula o mercado porque protege o consumidor. É na perspectiva
deste que ele se impõe, como sistema de ordem pública, aos fornecedores. E não vice-versa, já
que a proteção pura e simples do mercado nem sempre significa tutela efetiva do consumidor.
Veja-se o exemplo da reserva de mercado: assegura-se o mercado para a indústria nacional, mas
nem por isso o consumidor tem, automaticamente, sua posição melhorada. O fundamento para
esta última intervenção estatal não é propriamente o interesse directo dos consumidores, mas, ao
contrário, algo que depassa sua esfera: o interesse Público.
A ideia de “vulnerabilidade” permeia todo o Direito do Consumidor. Aliás, nos no espírito da
Lei de Defesa do Consumidor, a Política Nacional de Relações de Consumo funda-se no
princípio do “reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo” (Cfr.
Art.º ...). Ora, não é o mercado que é “vulnerável”. É o consumidor. E se a nova disciplina
almeja mitigar essa vulnerabilidade, o faz em favor do consumidor e não do mercado ou mesmo
do consumo. É este que existe para o consumidor e não a situação inversa. O homem antecede o
mercado.
Finalmente, a ideia nuclear da nossa disciplina não é o consumo isoladamente considerado.
Consumo que não implique em circulação de produtos e serviços não interessa ao Direito do
Consumidor. O agricultor que produz e ao mesmo tempo consome seus produtos não é relevante
para o Direito do Consumidor. E nisto se pode dizer que, in casu, não houve consumo. Faltou,
entretanto, a qualidade da circulação, da transferência de bens de consumo. Já quando falamos
em Direito do Consumidor, automaticamente estamos pressupondo que existe um segundo
sujeito (o fornecedor) que a ele se contrapõe, o que permite a circulação dos produtos e
serviços. E é exactamente porque existe essa bipolaridade que vamos encontrar, como noção
repente da disciplina, a relação jurídica de consumo.
É certo que a denominação Direito do Consumo retira — pelo menos no plano semântico —
qualquer ilação de conflituosidade, o que, de resto, está claramente ressaltada na expressão
Direito do Consumidor. A conflituosidade, todavia, não é conferida ou subtraída pela eventual
denominação que se dá à disciplina jurídica. Fosse assim, o Direito do Trabalho, por não fazer
qualquer referência ao trabalhador ou ao empregador, não seria o Direito de conflituosidade
extremada que é.
Conteúdo do Direito do Consumidor
A delimitação do conteúdo de uma determinada disciplina jurídica está diretamente relacionada
com a definição que a ela se pretenda dar. Determinar o conteúdo do Direito do Consumidor é
obra de síntese sistemática, implicando coordenação lógica dos institutos jurídicos que
circundam a noção fundamental de relação jurídica de consumo. É este fenómeno fundamental,
consequentemente, que orienta o conteúdo da nova disciplina.
O Direito do Consumidor, em um primeiro plano, engloba as normas (leis e regulamentos) que,
ao criarem direitos específicos, protegem diretamente o consumidor. Abarca, ainda, normas
outras que visam assegurar a implementação eficiente desses mesmos direitos, bem como
aquelas que asseguram representação e voz adequadas aos consumidores perante os órgãos
estatais com poder de decisão sobre o mercado. Por último, também fazem parte de seu núcleo
os mecanismos jurídicos que visam racionalizar e dirigir o comportamento do consumidor.
Assim, o Direito do Consumidor não é apenas um corpo de normas de proteção directa ao
consumidor. Paralelamente, no estágio actual da sociedade de consumo, o Estado desenvolve
regras de racionalização do consumo, como, por exemplo, as de economia de combustível e de
eletricidade. Esta intervenção do Estado nem sempre é exercida no interesse dos consumidores,
mas em nome do interesse público, conceitos nem sempre coincidentes. São medidas até
antipáticas ao consumidor que vê a sua “soberania” limitada. Essas medidas de controle de
comportamento integram também o direito do Consumidor, já que protegem um interesse
abstracto dos consumidores (que não chega a confundir-se com o interesse público), mesmo que
para tanto tenham que contrariar as aspirações imediatas dos seus tutelados. É o que sucede, por
exemplo, com o controle da produção e comercialização de álcool e tabaco, ou com a
obrigatoriedade do uso de cinto de segurança em automóveis (5).
Já dissemos que o núcleo atómico do Direito do Consumidor é a relação jurídica (facto ou acto
jurídico) praticada por um profissional e um não- profissional — o consumidor. Mas porque não
existe uma categoria homogênea, particular, universal, bem individualizada de consumidores, se
diz que o Direito do Consumidor se aplica mais propriamente a relações jurídicas de consumo
do que a uma categoria especial e única de indivíduos (o consumidor). Não se pode negar o
acerto desta última afirmação, especialmente por ser “menos passional e mais próxima do
fenómeno social e econômico”, acentuando muito mais "aquilo que cria a especificidade da
problemática, a saber, a existência dos bens de consumo”í6).
O entendimento relacional do Direito do Consumidor não pode, contudo, olvidar sua função
existencial, que é exactamente a de proteger o consumidor. Mas se não se consegue facilmente
identificar-se o consumidor, como, então falar-se em proteção do consumidor, ou, o que é pior,
em Direito do Consumidor? A solução é fundamentalmente legal. É o legislador quem dá o
contorno da noção de consumidor. Ademais, o Direito do Consumidor, em uma perspectiva
moderna, deve ser visualizado como um Direito de Tráfico em massa, em que a compreensão de
seus sujeitos dá-se muito mais em um plano coletivo do que individual.
Entre as preocupações do Direito do Consumidor podem ser citadas a massificação das relações
de consumo, a informação do consumidor (sobre preços e composição dos produtos, por
exemplo), a utilização de métodos comerciais abusivos, os bancos de dados, os procedimentos
de cobrança de dívidas de consumo, publicidade, especialmente a enganosa e a abusiva, o
controle de preços e tarifas, o controle da qualidade e segurança de produtos e serviços, a
prevenção, reparação e repressão dos acidentes de consumo, as cláusulas contratuais abusivas, o
crédito ao consumidor, as exclusões de garantias com a consequente transferência para o
consumidor dos riscos dos produtos e serviços defeituosos, a problemática do acesso à justiça e
da representação dos consumidores, a criminalidade de consumo(7).
Nem tudo, porém, que se coloca no corpo do Direito do Consumidor acaba por proteger, de
facto, o consumidor(8). Três desvios básicos podem ser apontados. Primeiro, algumas normas
que aparentemente visam tutelar o consumidor, como as de licenciamento e de auto-
regulamentação de certas atividades (publicidade, por exemplo), terminam por limitar a entrada
de novos competidores no mercado, criando, ademais, igrejinhas onde a voz do consumidor é,
no máximo, simples formalidade. Segundo, certas normas de Direito do Consumidor, pela sua
generalidade e pela ausência de mecanismos eficientes de implementação, tendem a permanecer
como letra morta. Por último, mesmo órgãos intimamente ligados fornecedores, ora como
decorrência de vínculos pessoais, ora por pressão política, quando não simplesmente
econômica.

O Direito do Consumidor como Sistema Flexível


Quanto à sua capacidade de acompanhar os passos do fenómeno social, o Direito do
Consumidor comporta duas visões distintas. Uma é estática e rígida, envelhecendo rapidamente.
A outra, dinâmica e flexível, adapta-se facilmente às mutações mercadológicas.
A primeira, que poderíamos denominar clássica ou conservadora, entende que para o
aperfeiçoamento do mercado basta que o Estado intervenha com normas estáticas e rígidas, que
digam tudo e, por isso mesmo, falem por si sós, não exigindo que o juiz olhe em volta. Tudo
como se fosse possível captar a complexidade do mercado em um mero dispositivo legal. Como
exemplo desta visão podemos citar a legislação penal de consumo, moldada em tipos fechados e
rígidos que, dificilmente, conseguem acompanhar a velocidade das mutações das práticas
industriais e comerciais.
De outro lado, a visão moderna rejeita o modelo estático e rigidamente tipificado, pregando uma
intervenção do Estado de maneira activa, continuada, abrangente e flexível. Por essa óptica, o
Direito do Consumidor assume características de verdadeira moldação maleável, em vez de pura
regulamentação do mercado.
Nesta última perspectiva, o Direito do Consumidor engloba, a um só tempo, tipos rígidos,
“cláusulas gerais” (como as dos art.ºs (...) da LDF), instrumentos de educação e de prevenção
dos desvios do mercado (como os padrões mínimos de qualidade para alimentos).

Definição de Direito do Consumidor


Talvez por ser uma disciplina de origem recente, os autores ainda não acordaram sobre uma
definição de Direito do Consumidor. Mais se agrava o problema quando a doutrina sequer
consegue harmonizar-se quanto ao conteúdo deste mesmo Direito do Consumidor. Qualquer
definição — ampla ou restrita — leva em consideração um determinado conteúdo. Variando
este, necessariamente modifica-se aquela.
Antes de se buscar uma definição para a nova disciplina, é importante ressaltar que não se
confundem as expressões Direito do Consumidor e direitos do consumidor.
O Direito do Consumidor é um sistema global de normas, princípios e instrumentos de
implementação em favor do consumidor. Os direitos do consumidor, ao revés, são,
modernamente, a projeção individual do Direito do Consumidor. É a face mais visível do
Direito do Consumidor. Mas não é a única, como veremos.
“Direitos” passa a ideia de fragmentação desordenada. Já “Direito do Consumidor” simboliza
organicidade sistemática. Os direitos do consumidor decorrem do Direito do Consumidor. O
inverso não é verdadeiro, já que este comporta — além de direitos — obrigações para os
consumidores. Ademais, o Direito do Consumidor ainda inclui os mecanismos específicos para
a implementação dos direitos criados (crimes e ilícitos administrativos de consumo, convenções
coletivas de consumo, classificação de consumo). Falar-se, pura e simplesmente, em direitos
dos consumidores é permanecer no estágio anterior ao surgimento do Direito do Consumidor.
Tanto o Direito do Consumidor como os direitos do consumidor dependem da vida em
sociedade, na medida em que “todo direito por definição implica uma relação entre dois
sujeitos”(9). O homem isolado não tem e não pode possuir direitos. Mas direitos do consumidor
existem há muito, desde o momento em que o Direito passou a se preocupar com o comprador,
com o passageiro, com o segurado, com o locatário, etc. Já o Direito do Consumidor, fenômeno
bem mais recente, além de formar-se e justificar-se no relacionamento social entre os homens
— como acontece com todas as disciplinas jurídicas — exige para a sua plenitude o
relacionamento humano na sociedade de consumo. Bem se vê, portanto, que os direitos do
consumidor antecedem, temporalmente, o Direito do Consumidor e estão disseminados por todo
o universo jurídico.
Não há uma definição a priori de Direito do Consumidor. Tampouco se pode chegar a uma
definição válida para todos os tempos. Defini-lo, ao contrário, pressupõe o perfeito
entendimento da função de consumo (com suas variações históricas) e da relação jurídica de
consumo.
Existem três fórmulas para se definir o Direito do Consumidor: uma definição objectiva, uma
definição teleológica-subjectiva e uma definição mista. Na primeira ressalta-se a ideia de
relação jurídica de consumo. Na segunda, ao contrário, põe-se em destaque os sujeitos da
relação, emprestando- lhes um status juris permanente, ressaltando a tutela de um deles, ou seja,
a proteção do consumidor(10). A definição objectiva preocupa-se fundamentalmente com o
objecto, a matéria disciplinada pelo Direito do Consumidor. Já a subjectiva trata do âmbito
pessoal do Direito do Consumidor. Finalmente, na terceira modalidade de definição, conjuga-se
o critério objectivo com o teleológico-subjetivo.
Como analisaremos melhor em seguida, adotamos uma definição mista de Direito do
Consumidor. Isso não quer dizer que classificamos as outras como errôneas: simplesmente as
entendemos insuficientes.
A aceitação de uma definição objectiva pura exclui da órbita do Direito do Consumidor a
preocupação finalística-subjectiva que deve orientá-lo. De facto, o Direito do Consumidor não
se limita a regrar a relação jurídica de consumo, per se. Esta só recebe tratamento especial —
que a distingue das comerciais e civis — porque um de seus direitos é considerado “parte
vulnerável” (Cfr. Art.º ... da LDC).
Não há dúvida de que a relação jurídica de consumo é o objecto do Direito do Consumidor.
Mas o objeto, por si só, não se presta para descrever o fenómeno como um todo, a não ser
quando agregado a um referencial subjectivo. A dessubjectivação do direito do Consumidor não
basta como parâmetro para defini-lo. Se foi esse o caminho do Direito Comercial, que partiu de
uma concepção subjectiva, de um ius mercatorum, para um Direito dos actos de comércio
(critério objectivo), ainda não é o caso do Direito do Consumidor que necessita — até para a sua
afirmação — do elemento pessoal indicador da vulnerabilidade do seu tutelado e de seu
conteúdo finalístico-funcional.
Diversamente da objectiva, a definição teleológica-subjetiva centra-se na figura do consumidor
como ser vulnerável a merecer cuidados especiais do legislador e do intérprete. Não é de hoje
que o Direito prega a necessidade de que os mais fracos recebam tratamento diferenciado na lei,
exactamente como forma para restabelecer o equilíbrio com os mais fortes. Trata-se, pois, de
um esforço no sentido de restabelecer a igualdade entre os sujeitos(11).
Se o critério subjectivo é o melhor para a escolha terminológica da nova disciplina (Direito do
Consumidor), não o é para defini-la. Uma definição unicamente teleológica-subjetiva —
abstraindo da noção de relação jurídica de consumo — pode desvirtuar a abrangência do Direito
do Consumidor, levando a crer que o consumidor é protegido em todas as suas relações. Ora, a
tutela especial só lhe é fornecida em razão da relação jurídica de consumo (presumida ou real).
Faltando esta, o Direito do Consumidor não actua.
Parece-nos, pois, que uma definição mista é a melhor solução: Direito do Consumidor é o
conjunto de princípios e normas jurídicas que protegem o consumidor na relação jurídica de
consumo. Numa versão mais acabada “é um ramo da ciência jurídica que cuida do estudo e da
regulamentação das relações estabelecidas entre o consumidor — destinatário final de um
produto ou serviço e pessoas a ele equiparadas — e o fornecedor”.
Encontramos em tal definição um elemento objectivo (“relação jurídica de consumo”) e um
elemento subjectivo-teleológico (“que protegem o consumidor”). Daí que tudo aquilo que actue
sobre outro tipo de relação que não a de consumo (a relação comercial, de trabalho ou de
concorrência), mesmo que reflexamente protegendo o consumidor, não integra o Direito do
Consumidor. Igualmente queda-se fora de seu campo tudo aquilo que, mesmo aplicando-se ou
reflectindo na relação de consumo, não vise proteger o consumidor, directa ou indirectamente
(por exemplo, uma regulamentação estatal que busque reduzir o consumo de um determinado
combustível por razões de política de importação)

A qual ramo da ciência jurídica pertence o direito do consumidor?


A divisão do Direito em Público e Privado foi proposta pelo jurista francês Jean Domat,
responsável por sistematizar o estudo do Direito, separando as leis civis das leis públicas,
exercendo forte influência sobre o Código Napoleônico, e dando início à chamada “era da
codificação”. Tal divisão, contudo, possui finalidade meramente didática, e baseada nos
interesses tutelados a priori por determinada norma jurídica, pois o Direito é uno, isto é, um
sistema unitário, porém ramificado para conferir harmonia ao conjunto.
Modernamente, há movimentos na doutrina no sentido de abrandar, mitigar a separação
proposta por Domat, uma vez que a todo o momento evidenciam-se o que se chama de “novos
direitos”, fazendo com que seja mais forte a influencia do Direito Constitucional sobre o
direito privado, revelando a tendência de descodificações, dando lugar a microssistemas
jurídicos.
São exemplos de microssitemas jurídicos a Lei Geral do Trabalho, (...) todos retirando seu
fundamento de validade da Constituição da República de Angola.
Posto isto, indaga-se a que ramo do direito pertence o Direito do consumidor: ao Direito
Público ou ao Direito Privado?
A questão torna-se pertinente a partir do momento em que identificamos na LDC normas de
conteúdo civil, administrativo, penal e processual, ou seja, normas de Direito Público e
Privado.
Alguns autores situam o direito do Consumidor na seara privada, por tratar de relações
travadas entre particulares (consumidor e fornecedor), portanto não havendo interesse público
imediato em tais relações.
Por sua vez, em razão da constante intervenção estatal nas relações de consumo, para alguns
autores, prepondera o interesse público imediato na tutela do consumidor, na medida em que
suas normas advêm dos expressos mandamentos constitucionais constantes no artigo n.º 78.º
da CRA, além de ser inaugurado se autoproclamando como sendo norma de ordem pública e
interesse social.
Há, todavia, a visão mais moderna dos autores que afirmam não haver mais sentido em
prestigiar a clássica dicotomia. Para essa corrente, o Direito do Consumidor possui tanto
elementos de Direito Público quanto do Direito Privado. Essa é v. G., a posição de Werson
Rêgo, que, citando Thomas Wilhelmson, destaca que o direito do Consumidor “não se encaixa
em nenhum desses dois ramos do Direito que, assim, vê surgir uma nova categoria de direitos:
os Direitos Sociais, baseados no conceito de força maior social como princípio equilibrador
dos riscos sociais” (RÊGO, Werson. O Código de Defesa do Consumidor , a nova concepção
contratual e os negócios jurídicos imobiliários: aspectos doutrinários e jurisprudenciais. Rio
de Janeiro: Forense, 2002, p. 2).
Concordamos com essa posição, pois, de fato, a divisão clássica do Direito, proposta por Jean
Domat, não atende de forma satisfatória o estudo de determinadas disciplinas, e a tendência é
que seja cada vez mais mitigada, na medida em que, hodiernamente, a CRA deixou de ser
mero documento contendo “conselhos políticos”, para se impor como fundamento de validade
das demais normas do ordenamento jurídico, o que, em última análise, é a “mão” do Estado
em praticamente todas as relações sociais. Um bom exemplo do que se afirma pode ser
verificado no Direito do Trabalho, que reúne normas de conteúdo privado, mas cuja
observância reclama forte intervenção do Estado.
Nada obstante os argumentos em um sentido ou outro, cumpre-nos registrar que ainda
prevalece o entendimento no sentido de situar Direito do Consumidor no campo do Direito
Privado.

Evolução do Direito do Consumidor


O grande desenvolvimento econômico que caracterizou o período pós-segunda guerra mundial
— com a massificação da produção e do comércio — propiciou, além da melhoria do padrão de
vida do cidadão, o surgimento do Direito do Consumidor. Sua formulação, pois, decorre
diretamente de necessidades sociais recentes, provocadas por “tecnologias sofisticadas e
mercados ampliados, surgidos como resultado do desenvolvimento posterior à segunda guerra
Mundial”(12). Em torno dessa carência de tutela específica organizou-se todo um movimento
social: o consumerismo.
É certo que antes mesmo da massificação mercadológica, o consumidor não se achava
totalmente indefeso, já que teorias e garantias tradicionais, como a dos vícios redibitórios (o
vice cachê dos franceses), conferiam uma certa proteção ao comprador.
Na fase pré-guerra, portanto, encontramos direitos do consumidor mais ou menos protegidos.
Não identificamos, contudo, um sistema de normas, funcionalmente orientadas, no sentido de
proteger o consumidor como tal.
Como não poderia deixar de ser, a evolução do Direito do Consumidor, como todo “parto
jurídico”, não tem sido um fenômeno propriamente retilíneo e uniforme. Nos Estados Unidos,
princípios como o caveat emptor (na formação e interpretação dos contratos) e o da necessidade
de privity entre a vítima de danos e o seu causador (no terreno da responsabilidade civil
contratual do fornecedor pelos acidentes de consumo) serviram, durante muito tempo, como
verdadeiras barreiras ao desenvolvimento da nova disciplina.
A evolução na Europa parece que se fez com menos dificuldades, principalmente face à
existência de certas teorias tradicionais, como a dos vícios redibitórios, que já permitiam uma
certa proteção para o consumidor(13). Enquanto que nos Estados Unidos o aparecimento do
Direito do Consumidor processou-se a partir de uma perspectiva individualista e reparatória
(protecção do indivíduo-consumidor para se alcançar a do público-consumidor), na Europa a
evolução ocorreu com um esforço muito mais de tutelar o público de uma maneira geral do que
propriamente de reparar os danos sofridos por consumidores individuais(14).
De qualquer modo, seja no common law, seja no civil law, o Direito do Consumidor começou
por um corpo legal de caráter eminentemente repressivo (penal e administrativo).
Gradativamente, entretanto, o legislador foi compreendendo que o Direito do Consumidor teria
que ser fundamentalmente preventivo, em face de certas características do mercado: a
velocidade de suas transformações; o surgimento diário de novas e mais complexas
modalidades de negócios e tecnologias; a vulnerabilidade do consumidor, seja para evitar, per
se, o dano, seja para buscar sua reparação; a natureza e dimensão dos acidentes de consumo,
muitas vezes de difícil (quando não impossível) reparação.
Essa característica preventiva do Direito do Consumidor, hoje preponderante na nova disciplina,
tem duas vertentes. Uma é a de impedir que a fragmentação da relação de consumo cause
prejuízos ao consumidor. Outra é a de prevenir que o conflito de consumo venha a enfraquecer
o próprio mercado e, com ele, a ordem capitalista. Isso porque o Direito do Consumidor, assim
como o Direito Econômico, é “uma acção voltada à preservação do mercado — enquanto
mecanismo de coordenação do processo econômico — tendo em vista o interesse social” (l 5).

Evolução do Direito do Consumidor na Ordem Jurídica Angolana


A primeira preocupação do legislador aquando da criação das normas que protegem o
consumidor foi a de estabelecer um dever geral de protecção. A Lei Constitucional22, apesar de
propiciar a todos os cidadãos existência digna, ao proteger o bem-estar e a sua qualidade de vida
(art. 9.º), os interesses económicos (art. 10.º), a vida privada (art. 20.º), a integridade física (art.
22.º, n.º 1), o direito a um ambiente saudável (art. 24.º, n.º 1), a participação em associações (art.
32.º, n.º 1), a possibilidade de instar as autoridades judiciais por lesão dos seus direitos (art.
43.º), a protecção à saúde e segurança física (art. 47.º, n.ºs 1 e 2), bem como o direito a instrução
(art. 49.º, n.º 1)23, não positivou directamente normas sobre relações de consumo.
No entanto, com a criação da Constituição de 5 de Fevereiro de 2010, os direitos do
consumidor assumiram a plena dignidade de direitos fundamentais, com a sua integração no
Capítulo III, referente aos Direitos, Deveres Económicos, Sociais e Culturais, através do art.
78.º, dando-se assim a positivação directa das normas sobre as relações de consumo.
A LDC determina que é da responsabilidade do Estado proteger o consumidor, bem como
apoiar a Constituição e o fomento das associações de consumidores e velar pela execução do
disposto na presente lei, pressupondo este dever de protecção por parte do Estado a intervenção
legislativa e regulamentar adequada, em todos os domínios envolvidos (art. 2.º, n.ºs 1 e 2).
«A incumbência do Estado repercute-se assim nas mais diversas áreas do direito do consumo.
Desde o apoio económico como institucional das associações e cooperativas de consumo, mais
ainda no dever de zelar pelo cumprimento da presente Lei de defesa do Consumidor,
nomeadamente com outras medidas legislativas que promovam o efectivo cumprimento desses
direitos. Neste sentido, coloca-se a necessidade de judicialmente existirem processos especiais
para a defesa destes direitos, a manutenção de benefícios no recurso à via judicial,
nomeadamente quanto as custas judiciais»24.
O direito à formação e à educação e a informação em geral (art.s 7.º e 8.º da LDC) são outras
das incumbências prioritárias do Estado, no que se refere à protecção do consumidor.
O direito à formação e à educação25 é, sem sombras de dúvida, um dos deveres com maior
relevância que recai sobre o Estado. A devida formação e a educação dos consumidores trarão
consigo um maior impacto no evoluir das políticas de defesa dos mesmos, uma vez que um
melhor futuro para estes temas passa pela formação e educação dos consumidores, criando,
deste modo, um equilíbrio nas relações de consumo.
A educação e a formação do consumidor revelam-se como meios idóneos e imprescindíveis
para a sua inserção na sociedade, com vista ao exercício esclarecido26 do seu direito nas
diversas relações de consumo27.
Ao educar e formar o consumidor, o Estado não faz mais do que concretizar uma das tarefas
fundamentais estabelecidas na Constituição, ou seja, a promoção de condições necessárias para
tornar efectivos os direitos económicos, sociais e culturais dos cidadãos28.
Entende-se que a concretização desse direito e o permanente equilíbrio nas relações de
consumo passam pela realização constante de palestras, programas televisivos, seminários, pela
inserção da cadeira do direito do consumo no ensino universitário e ainda pela integração no
ensino primário e secundário de noções básicas sobre as relações de consumo e os direitos do
consumidor29. Prevê a LDC, neste sentido, mecanismos de intervenção estatal, dos quais fazem
parte medidas concretas para superar a fragilidade do consumidor nas relações de consumo30,
como resulta do estabelecido no art. 7.º, n.º 1 da LDC, segundo o qual «ao Estado incumbe a
promoção de uma política educativa para os consumidores, através da inserção nos programas
das actividades escolares, bem como nas acções de educação permanente de matérias
relacionadas com o consumo e os direitos dos consumidores, usando, designadamente os meios
tecnológicos próprios de uma sociedade de informação».
Hoje, a intervenção do Estado nas relações de consumo é indispensável para melhor disciplinar
as relações entre o fornecedor de bens e serviços e o consumidor, para reequilibrar a posição do
consumidor nas relações de consumo, pressionado pela frequente oferta (muitas vezes forçada)
de bens e serviços31.
Associada à necessidade da sua formação e educação enquanto consumidores, surge a
necessidade de que estes sejam devidamente informados. A informação em geral aparece como
um padrão de defesa e protecção, que incumbe primeiramente ao Estado, sendo a forma mais
adequada para a sua concretização a utilização dos meios públicos, como a rádio e a
televisão32. Uma boa parte dos conflitos que surgem no âmbito das relações de consumo tem
como fonte a falta de informação ou informação insuficiente, no que diz respeito aos seus
direitos.
A informação consiste no conhecimento pleno de todas as características essenciais que
compõem determinado bem ou serviço (natureza, composição, quantidade, durabilidade,
origem, proveniência, prazo de validade, modo de funcionamento e utilização, etc), por parte do
consumidor, permitindo-lhe tomar uma decisão liberal, consciente e responsável de adquirir ou
não adquirir. Considera-se informação insuficiente a falta de um dos elementos de informação
sobre determinado bem ou serviço.
A «informação tem sido palavra-chave e quase mágica em toda a evolução do direito do
consumo».33
Para se alcançar maior efectividade do direito à informação, não basta que a lei o preveja. O
Estado deve adoptar medidas que obriguem os operadores económicos a cumprirem as medidas
tomadas, enquanto guardião das condições de funcionamento económico do mercado34. Deve
desenvolver acções capazes de chegarem ao conhecimento de todos, particularmente dos
consumidores, apoiando as acções promovidas pelas associações de consumidores35. A LDC,
no art. 32.º, n.º 1, al. k), inclui entre os direitos das associações de consumidores o direito «ao
apoio do Estado, através da Administração Central e Local, para a prossecução dos seus fins,
nomeadamente no exercício da sua actividade no domínio da formação, informação e
representação dos consumidores».
O Estado deve ainda, para materializar as suas tarefas, recorrer aos serviços de informação ao
consumidor junto das administrações municipais, à constituição de conselhos de consumo e à
criação de bases de dados e arquivos digitais acessíveis, de âmbito nacional, cujo objectivo é a
difusão de toda informação que diz respeito ao direito do consumidor (art. 8.º da LDC).
Ao materializar o direito à informação em geral, o Estado estará a cumprir a sua tarefa
constitucionalmente consagrada, que consiste em desenvolver políticas para a promoção do
bem-estar social e para a consolidação e elevação da qualidade de vida do povo angolano,
sobretudo dos grupos populacionais mais desfavorecidos, conforme o art. 21.º, al. d) da CRA.
Não basta o reconhecimento constitucional deste direito. O Estado angolano, para a sua
concretização, deve impor níveis de qualidade de bens e serviços consumíveis e disponíveis no
mercado aos fornecedores dos bens e serviços, acompanhados de uma forte fiscalização36 e
meios sancionatórios adequados, para reprimir todas as práticas comerciais atentatórias dos
padrões de qualidade exigidos, quando os bens e serviços são colocados no mercado de
consumo.
A Lei das Actividades Comerciais37, no art.º 1.º, determina que a mesma «tem por objecto
estabelecer as regras de acesso e disciplinar o exercício da actividade do comércio e contribuir
para o ordenamento e a modernização das infraestruturas comerciais, proteger a livre e leal
concorrência entre comerciantes e salvaguardar os direitos dos consumidores estabelecidos por
lei». Vê-se claramente a preocupação do legislador em proteger o consumidor, sempre que
ocorra dentro das relações comerciais, em geral, uma relação tipicamente de consumo.
O Estado deve intervir em todos os casos em que estejam presentes riscos do não cumprimento
da função social da rede comercial e de prestação de serviços mercantis ou «se verifiquem
situações que comprometam gravemente os direitos dos consumidores, todavia, não devendo
esta intervenção afectar o funcionamento da actividade comercial, a concorrência e os «direitos
dos consumidores»38.
A Autonomia do Direito do Consumidor
Seria o Direito do Consumidor um Direito a vir-a-ser (Werdendes Recht) ou já se poderia,
claramente, falar-se em uma nova disciplina jurídica?
Muito se tem discutido sobre a autonomia do Direito do Consumidor. Em termos ideais, não há
que se duvidar da necessidade de que o Direito do Consumidor ganhe autonomia, embora não se
conteste as suas conexões com outros ramos do Direito. Negamos, isso sim, que o Direito do
Consumidor seja um simples reestudo ou releitura de normas pertencentes a outros ramos do
Direito e de seus respectivos instrumentos. Se releitura há é dos problemas que, pelo seu
carácter agora massificado, exigem soluções muitas vezes totalmente incompatíveis com o
Direito tradicional.
Ao se defender a autonomia do Direito do Consumidor não se quer isolá-lo dos outros ramos
jurídicos, mas, ao contrário, simplesmente, ressaltar que a sua estrutura gira em torno de um
núcleo particular — uniforme e coerente — que lhe dá um regime especial, com princípios,
institutos, conceitos, instrumentos e método de interpretação próprios. A “autonomia não é um
conceito hostil, ciumento e exclusivista. Da própria unidade fundamental do Direito resultam
vinculações entre seus ramos mais distanciados. Com maior razão, há interdependência sensível
naqueles ramos mais convizinhos (16)”.
A autonomia do Direito do Consumidor (diferentemente do que sucedeu com a discussão acerca
da autonomia do Direito Comercial) não é, portanto, absoluta e vem moldada pela
multidisciplinaridade que informa todo o novo sistema. Importa mais uma vez ressaltar que "o
conceito de autonomia de um ramo jurídico é sempre relativo, não se podendo admitir uma
separação absoluta e estanque. Quer-se significar somente a presença de um direito especial,
regulando relações concretas também especiais, que mantêm entre si uma particular
homogeneidade substancial, e que por isso mesmo também merecem um tratamento unitário
especial. Nada mais do que isso”(17).
A autonomia dos diversos ramos jurídicos se desenvolve em consonância com o princípio da
especialização que rege toda a actividade humana. Produz, como resultado principal, eficiência
e segurança jurídicas. Separar o Direito em ramos não significa fragmentá-lo em diferentes
ciências, mas, tão apenas, dividi-lo em partes de uma mesma ciência. Os ramos do Direito,
assim, corresponderiam “a uma especificação ou subdivisão dentro da própria Ciência do
Direito, para melhor elaboração e compreensão das normas que devem regular relações fáticas
especiais, por formas jurídicas também especiais”(18).
Não se diga que o tema é bizantino(19), posto que, uma vez reconhecida a autonomia de uma
determinada disciplina jurídica, afirma-se seu carácter especial e a ela não mais “podem ser
aplicados, por simples raciocínio analógico, os princípios gerais de outro ramo e mesmo do
direito comum, já que se regem por princípios próprios e inconfundíveis”(20).
Nenhum país do mundo, à excepção do Brasil, conseguiu, até hoje, estruturar um corpo
realmente homogêneo e cristalino de regras, suficientemente abrangente e coerente, ao qual se
possa denominar — com precisão absoluta — Direito do Consumidor. Isso talvez como
consequência do caráter embrionário da matéria(21). É bom lembrar que, na Europa, países de
porte como a Alemanha, Inglaterra, França e Itália ainda não possuem legislação geral de
proteção ao consumidor. Por isso, é certo dizer que enquanto nalguns países europeus sobra
doutrina e falta legislação, em outros, diversamente, há lei mas ainda falta doutrina. E quanto a
nós, Angola, onde podemos nos enquadrar?
De qualquer modo, o Direito do Consumidor apresenta todos os pressupostos de autonomia: a
vastidão da matéria, a ponto de merecer um estudo particularizado; a especialidade de
princípios, conceitos, teorias e instrumentos (o conceito de consumidor e fornecedor, a
convenção colectiva de consumo, a contrapropaganda; os crimes de consumo, a
irrenunciabilidade de muitos dos benefícios, a interpretação in dubio pro consumidor), um
método próprio, isto é, o emprego de processos especiais de interpretação de sua formulação e
problemática.
No Brasil, a codificação deu contornos mais nítidos ao Direito do Consumidor, fortalecendo sua
autonomia. Se em outros países o Direito do Consumidor é considerado um espírito a procura
de uma casa, no caso brasileiro tem ele morada principal estabelecida: o Código de Defesa do
Consumidor.
Mas a autonomia do Direito do Consumidor decorre muito mais de seu conteúdo do que
propriamente da sua forma de manifestação. A natureza específica da relação jurídica de
consumo, a peculiaridade de seus sujeitos e a originalidade de seus instrumentos definem
claramente essa autonomia.

Óbices à Autonomia
Diversas são as dificuldades que se antepõem a um esforço autonomista para o Direito do
Consumidor. Cinco seriam as principais: a novidade do tema, o estado assistemático das normas
de consumo, a multidisciplinaridade, a supraindividualidade do interesse do consumidor, o
tratamento já dispensado por outros ramos do Direito a certas matérias reivindicadas pelo
Direito do Consumidor, a mutabilidade mercadológica e, finalmente, a ausência de tribunais
especializados em conflitos de consumo.

A Novidade do Tema
A primeira dificuldade, sem dúvida alguma, é a novidade do tema, qualidade esta que decorre
principalmente do facto de que só há pouco tempo o Direito descobriu que, ao lado do
comprador, do locatário, do segurado, do passageiro e da vítima tradicionais, existe um outro
sujeito que, por muito tempo, parasitou na órbita destes conceitos: o consumidor. Novidade,
ademais, é a concepção que põe, no centro da disciplina, o consumidor, enquanto que, no
modelo tradicional, o comerciante concentrava as atenções dos juristas. Finalmente, original é o
carácter colectivo que se empresta ao Direito do Consumidor. Não se trata apenas de proteger o
consumidor isoladamente considerado, mas, principalmente, de tutelá-lo perante fenômenos
colectivos que, por isso mesmo, exigem soluções coletivas.
Fala-se em Direito do Consumidor como uma disciplina jurídica absolutamente pioneira. Tal é
verdade em parte. É certo que só em 1972, pela primeira vez, usou-se na França a expressão
Direito do Consumidor, em um colóquio realizado em Aix-en-Provence (22). Entretanto,
conforme já notamos acima, se entendermos o mercado como sendo objecto de regulamentação
legal permanente, seja através de normas de pesos e medidas, seja mediante as proibições contra
fraude ou mesmo o estabelecimento de princípios gerais de comportamento negocial, como o da
boa-fé, haveremos de chegar à conclusão de que o Direito — sem grande sucesso e ausente
qualquer sistematização — sempre protegeu o consumidor(23).
Mas a novidade do tema, por si só, não impede a autonomia do Direito do Consumidor.
Nenhuma disciplina jurídica nasce “pronta”. Todas são fruto de lenta evolução. E, em algum
momento de seu desenvolvimento, também foram novidade.

A Desordem Sistemática
Também não se pode negar a existência de verdadeira desordem sistemática na tutela do
consumidor. Tal se explica pelo facto do Direito do Consumidor ainda estar em processo de
consolidação. Mas nesse amontoado de normas de origens diversas, de jurisprudência
contraditória e de doutrina ainda insegura e em rápida evolução, bem se pode enxergar os
fundamentos da nova disciplina, com um regime próprio e informado pela “necessidade de
promover os interesses dos consumidores face ao poder de seus parceiros econômicos,
produtores, distribuidores e prestadores de serviços”(24).
Nos países que já possuem um arcabouço de normas de consumo, codificado e sistematizado,
como o Brasil, é mais fácil defender-se a autonomia do Direito do Consumidor. Mas a
codificação, já dissemos, não é requisito intransponível para a autonomia da disciplina. Mesmo
sem uma estrutura assentada em um Código, mas baseada em leis esparsas, é certo afirmar que
quanto mais amplo e articulado for o sistema legal especial colocado à disposição do
consumidor, mais visível será o novo Direito, v.g., nos Estados Unidos, Canadá, Austrália, nos
países escandinavos e no seio da Comunidade Econômica Europeia.
Mas se a dispersão de assentos normativos não inviabiliza a autonomia, não há como negar-se
que passa — para o intérprete e para a própria sociedade — um certo ar de desorganização, o
que, de certa maneira, dificulta o trabalho do jurista na identificação dos traços particulares da
disciplina. Logo, fartura de legislação especial não é sinônimo de maturidade do Direito do
Consumidor. É por isso que, na Europa, ressalta-se sempre a carência de uniformidade nas
normas de consumo, o que vem a caracterizar o Direito do Consumidor muito mais como um
fundo que se pode pôr em ordem(25).
O caos relativo que reina, assim, no campo do Direito do Consumidor, não é óbice nem à sua
autonomia nem a sua codificação. O ”panorama caótico de expansão dinâmica dum campo
especial do Direito, ao invés de constituir um obstáculo intransponível ao trabalho paciente e
disciplinado do codificador, antes deve estimula-lo no esforço benéfico de coordenação. Na
realidade, direito calmo, imutável e estagnado — é já direito morto”(26).

A Multidisciplinaridade do Direito do Consumidor


Em terceiro lugar poderíamos apontar a multidisciplinaridade do Direito do Consumidor que o
levar a fazer incursões em quase todos os ramos do Direito e de outras ciências não jurídicas.
Não há dúvida que o Direito do Consumidor é multidisciplinar e assim deve continuar. Esta
multidisciplinaridade comporta duas acepções, uma interna e outra externa.
Pelo ângulo interno, o Direito do Consumidor é multidisciplinar porque, afora os seus próprios,
partilha certos princípios, conceitos, institutos e instrumentos com outros ramos jurídicos. Por
muito tempo, a natureza das regras foi utilizada como o único critério para a classificação das
disciplinas jurídicas. É com base em tal critério que teríamos, entre outros, o Direito Civil e
Comercial, o Direito Penal, o Direito Processual Civil, o Direito Administrativo e o Direito
Tributário.
Modernamente, ao lado do critério tradicional, os juristas utilizam uma classificação funcional,
baseada na função da regra jurídica. Submetem-se a esta classificação o Direito do Trabalho, o
Direito Ambiental, o Direito do Menor, o Direito da Concorrência Desleal, o Direito Sanitário.
De qualquer modo, ambas classificações se cruzam, sendo que estas últimas disciplinas retiram
muito de seu conteúdo daquelas do primeiro grupo(27).
No plano externo, o Direito do Consumidor também é multidisciplinar já que aproveita muito
dos conhecimentos da ciência econômica, da psicologia social, da sociologia do consumo, do
marketing, da metrologia, da medicina, da engenharia de alimentos e de qualidade. Basta que se
recorde que conceitos elementares do Direito do Consumidor, como publicidade, qualidade,
mercado e até mesmo o de consumidor, não são oriundos da ciência jurídica.
A multidisciplinaridade do Direito do Consumidor não obsta sua autonomia. Ao contrário, é
uma de suas maiores qualidades. Insere-se no contexto moderno que exige das disciplinas
jurídicas uma atitude de compreensão integral dos fenômenos para, então, buscar, dentro de si, a
solução adequada para os mesmos. É a multidisciplinaridade que permite ao Direito do
Consumidor flexibilidade de adaptação às mutações mercadológicas, já que, muitas vezes, os
problemas são primeiramente identificados por outras disciplinas e, só posteriormente, recebem
atenção dos juristas.

A Supraindividualidade do Interesse de Consumo


Outro óbice aparente para a autonomia do Direito do Consumidor é a supraindividualidade ou
metaindividualidade do interesse do sujeito ativo da relação de consumo: afinal, “todos somos
consumidores”, nos termos da célebre frase do Presidente John Kennedy.

A popularização do tema do consumidor tem ocorrido pari passu com o desenvolvimento da


teoria dos interesses supraindividuais. Hoje não se fala em tutela do consumidor sem que se
mencione — até para ressaltar sua importância e complexidade — a metaindividualidade de
seus interesses, especialmente em matérias como segurança de produtos e serviços, cláusulas
gerais de contratação e publicidade.
Sem adentrar em uma discussão mais aprofundada, consideramos a expressão “interesse
supraindividual” ou “metaindividual” como gênero do qual são espécies os interesses difusos e
coletivos, e, de certa maneira, os individuais homogêneos(28).
Três são os principais traços que caracterizam os interesses difusos: uma pluralidade de titulares
indeterminados ou de difícil determinação, a ausência de uma relação-base a unir os membros
do grupo e a indivisibilidade do objecto do interesse, posto que qualquer intervenção em sua
proteção a todos aproveita ou a todos prejudica(29). Em outras palavras, o interesse é difuso não
apenas pela pulverização de seus sujeitos (o que também se observa nos seus colectivos), mas,
ainda, pela comunhão directa ou indireta, de seu objecto — apesar de faltar uma relação-base.
Assim, de maneira simplificada, um interesse é difuso quando, apesar de faltar aos seus titulares
indeterminados uma relação-base a uni-los, seu reconhecimento, subtração, negação ou
protecção têm implicações que extrapolam a órbita das partes litigantes, dos titulares directos ou
de terceiros identificados. É de sua essência, pois, que se lhe pode conferir a um sujeito sem que
tal também aproveite a todos os indivíduos na mesma situação. A característica fundamental do
interesse difuso, pois, é a sua não-exclusividade, ou melhor dizendo, a impossibilidade de
apropriação exclusiva dos seus benefícios. A utilização que dele se faz não ocorre por exclusão
e sim por coparticipação.
O interesse de consumo, conforme o caso, pode ser difuso, coletivo ou individual homogêneo.
Na sua forma mais genérica e na medida de sua dimensão fragmentária, é verdadeiro interesse
difuso. Situações como a veracidade e não-abusividade da publicidade, a segurança de produtos
e serviços, a adequação dos serviços públicos, apenas para citar algumas, afetam cada
consumidor em particular e o seu conjunto como um todo(30).
Outras tantas vezes, o interesse de consumo se manifesta como fenômeno mais individualizado,
nem difuso, nem coletivo, embora ainda com certa repercussão multisubjectiva. É a hipótese
dos chamados interesses individuais homogêneos. Para eles também o Direito do Consumidor
não se contenta com as soluções tradicionais de acesso individualizado à justiça e oferece
soluções como a class action.
A metaindividualidade do interesse do consumidor, em vez de estorvar a autonomia do Direito
do Consumidor, caracteriza-se como mais um indicador da necessidade de construção de um
sistema (e, portanto, de um regime) distinto para a tutela de tais interesses. O traço da
metaindividualidade — assim como o da vulnerabilidade — é o elemento legitimado da
autonomia do Direito do Consumidor.

O Tratamento Anterior da Matéria por Outros Ramos do Direito


Se o tema da proteção do consumidor — no seu aspecto teórico-doutrinário — é recente, a
matéria coberta pelo Direito do Consumidor não o é. Os “problemas de consumo” não são cria
do Direito do Consumidor. Ao revés, é este que surge em consequência daqueles. Já dissemos
que a relação de consumo não é invenção do século XX. A sociedade de consumo massificada,
sim. Logo, assim visto, o Direito do Consumidor não passaria de uma releitura de problemas tão
antigos como o próprio homem.
Indubitavelmente, o Direito do Consumidor utiliza, em seu favor, toda a evolução do Direito
clássico. Mas o faz somente como matéria-prima, a partir da qual, com o acréscimo de outros
ingredientes, produz-se o seu sistema particular.
Claro que, por trás do surgimento do Direito do Consumidor, é possível a identificação de todo
um esforço de publicitação de certos institutos de Direito Civil e Comercial e de Modernização
dos mecanismos de acesso à justiça.
Dentro desse esforço publicista, categorias jurídicas que permaneciam inteiramente delegadas à
vontade dos sujeitos, como, por exemplo, as cláusulas gerais de contratação, passam a sofrer
interferência, quando não regulação absoluta, do Estado. No plano processual, avantaja-se esse
aspecto público que rompe a órbita privada e individual do consumidor isoladamente
considerado, bem como da doutrina clássica da legitimidade processual.
Passa-se a tutelar o consumo não mais pelo prisma individualista, mas em razão de uma
concepção supra individual, vale dizer, busca-se a intervenção estatal no mercado de consumo
não somente em razão do cidadão-consumidor, mas em nome da coletividade-consumidora.
Com o surgimento do Direito do Consumidor, as teorias dos contratos, da responsabilidade
civil, das garantias e, de uma maneira geral, a doutrina das obrigações, sofrem profunda
reformulação. Ao mesmo tempo, altera-se a estrutura vigente de solução de conflitos, criando-
se, ao mesmo tempo, novos tipos penais e administrativos relacionados diretamente com o
resguardo da relação de consumo.
Bem se vê que o tratamento anterior, por outras disciplinas jurídicas, de certos temas hoje
incluídos no direito do Consumidor não o desnatura. Exactamente porque a tutela era
inadequada é que se impôs a estruturação de um novo regime.

A Mutabilidade da Matéria de Consumo


A mutabilidade é uma das principais características do mercado de consumo. Práticas existentes
hoje, podem ter desaparecido amanhã. Outras, desconhecidas ontem, podem ser realidade hoje.
Como, então, se reconhecer autonomia a uma disciplina fundada em fenômenos tão instáveis?
A razão para a autonomia do Direito do Consumidor não reside na estabilidade dos fenômenos
que pretende regular. O conceito funcional que a ele atribuímos é que serve de suporte ao
esforço autonomista. Enquanto for necessária a intervenção do Direito em favor do consumidor
para reequilibrar sua posição na relação de consumo — mesmo variando a base fáctica das
relações — aí estará presente o Direito do Consumidor como disciplina autônoma.
A mutabilidade e complexidade das práticas industriais e comerciais justifica, isso sim, a
autonomia do Direito do Consumidor. Exactamente porque outras disciplinas jurídicas,
notadamente o Direito Civil e o Direito Comercial, tem um leque muito mais abrangente de
preocupações, sua capacidade de ajuste às novas práticas mercadológicas é limitada.

A Ausência de Tribunais Especiais


A falta de tribunais especiais para conflitos de consumo é empecilho, não para autonomia do
Direito do Consumidor, mas para sua implementação. Tanto assim que o Código de Defesa do
Consumidor previu, expressamente, como um dos instrumentos “para a execução da Política
Nacional das Relações de Consumo, a criação de Tribunais Especiais de Pequenas Causas e
Salas Especializadas para a solução de litígios de consumo”.
Uma justiça especializada nunca foi óbice à autonomia das disciplinas jurídicas. Embora o
Brasil não tenha, por exemplo, contencioso administrativo, nem por isso deixou o direito
Administrativo de alcançar sua autonomia. A justiça especializada é, realmente, reforço ao
desenvolvimento do ramo jurídico. Nunca embaraço a sua autonomia.
De qualquer modo, nos passos do Direito do Trabalho, o Direito do Consumidor poderia ter
uma significação mais real caso existisse uma jurisdição especial para apreciar os conflitos de
consumo. Enquanto tal não ocorre, o valor de sua autonomia será muito mais de sistematização
e didático, do que propriamente de implementação(31).
CAPÍTULO II - PRINCIPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO DO CONSUMIDOR,
REGIME JURÍDICO E ENTIDADES LEGITIMADAS PARA A DEFESA DOS
DIREITOS DO CONSUMIDOR
2.1 Princípios
A aplicação da norma jurídica às relações humanas se dá através de um procedimento chamado
de subsunção, segundo o qual o aplicador do Direito apõe a lei ao caso concreto, a fim de
resolver a demanda. Ocorre que, em função da multiplicidade de relações jurídicas existentes,
nem sempre a subsunção será capaz de regular todas as situações jurídicas decorrentes da
convivência humana.
Imagine a hipótese de uma droga virtual. Actualmente, existem sites que comercializam drogas
que tem seu efeito gerado não pela substância, mas por ondas sonoras que remetem o cérebro ao
estado anímico produzido pela substância entorpecente. Diante desse quadro, restaria a
pergunta: existe alguma previsão legal que discipline esse tipo de situação?
Neste momento surge o que chamamos de lacuna normativa, assumindo os princípios um papel
importante, pois na ausência de lei não existe a possibilidade de subsunção do facto à norma,
resolvendo-se a questão através da integração normativa (Cfr. Art.º 10.º CC).
Em termos práticos, os princípios são mandamentos fundamentais que dão base ao sistema.
Assim, o nosso sistema jurídico comporta princípios constitucionais, de Direito Civil, Penal,
Processual, de Direito do Consumidor etc. No âmbito do Direito do Consumidor, os princípios
decorrem primeiramente da Constituição da República de Angola (art.º 78.º), sendo que os
demais princípios expressamente previstos em leis ordinárias, mister, na LDC, são meramente
exemplificativos, ante a existência do princípio constitucional. (Cfr. ANDRADE, 2006, p. 53)
Se, a título de ilustração, fôssemos indicar a figura dos princípios, o quadro esclareceria a actual
posição dos mesmos, pois ilustra o que ocorre quando uma situação do cotidiano não encontra
previsão legal. A teia inserida ilustra a importância dos princípios dentro do contexto jurídico, e,
por este motivo, passaremos a expor todos eles individualmente.

Princípio da Vulnerabilidade
Vulnerável, segundo o dicionário Aurélio “é tudo àquilo que pode ser vulnerado. É àquele que
se encontra do lado fraco de um assunto ou de uma questão” (FERREIRA A. B., 2009, p. 2078).
A vulnerabilidade do consumidor fundamenta todo o sistema de consumo (BRAGA NETTO,
2008, p. 43). Tal premissa escuda-se na verificação de que o consumidor, na maior parte das
vezes, é o polo mais fraco da relação, ou seja, aquele que merece uma melhor atenção no
momento da apreciação de uma demanda que tenha como base uma relação de consumo.
Assim, a LDC parte do pressuposto de que o consumidor é um sujeito vulnerável ao adquirir
produtos e serviços ou simplesmente se expor a práticas do mercado. A vulnerabilidade é o
ponto fundamental da LDC e, na prática, traduz-se na insuficiência, na fragilidade de o
consumidor se manter imune a práticas lesivas sem a intervenção auxiliadora de órgãos ou
instrumentos para sua proteção. Por se tratar de conceito tão relevante, a vulnerabilidade
permeia, directa ou indirectamente, todos os aspectos da proteção do consumidor.
Em rápido apanhado histórico, é preciso saber que o modo de produção da economia mundial
tem se modificado profundamente, especialmente pelos avanços tecnológicos da humanidade.
No século XVIII, vários países da Europa atravessaram a chamada Revolução Industrial
(processo histórico marcado pela invenção da máquina a vapor, a partir do qual se deixou de
produzir bens de consumo manualmente – o que era feito em pequena escala e de modo
rudimentar – para fabricá-los a partir de máquinas, aumentando consideravelmente a oferta
destes bens no mercado).
Antes, as relações entre comerciantes e seus compradores eram pessoais e estes últimos
detinham maior poder de decisão quanto à escolha, forma de pagamento, técnica adoptada para
a feitura do bem, correcta identificação do comerciante e seu domicílio, factores que lhes
permitiam exercer não apenas uma negociação segura, mas também confiável. Com a produção
em larga escala (também conhecida como Fordismo – em alusão ao industrial norte-americano
Henry Ford, criador da linha de produção), principalmente após a Segunda Guerra Mundial, o
comércio se despersonalizou. A vontade do consumidor nem sempre tem sido considerada,
como ocorre nos contratos de adesão.
Observa-se, ademais, em algumas áreas, a imposição de condições mais vantajosas para o
fornecedor, tais como: o controle das informações transmitidas aos consumidores, a eliminação
dos atendimentos pessoais, o aumento das vendas a distância (vendas em domicílio,
inicialmente, depois por telefone e, hoje, pela internet), o incremento das vendas a partir de
técnicas publicitárias (de marketing), formas de pagamento e demais regras impostas para o
alcance de seus produtos ou serviços. Os consumidores, a partir de então, experimentam
situações cada vez mais desfavoráveis demonstrando extrema fragilidade ao se relacionar no
mercado1.
O modo encontrado pelos fornecedores para se sobreporem na relação com tantos e indefinidos
consumidores foi se apoiar em formulários nos quais se inserem as imposições contratuais,
cumprindo ao consumidor, em regra, tão somente aceitá-los na sua integralidade ou rejeitá-los.
Este é um factor, dentre outros, que contribuiu para que as relações de consumo sejam
massificadas, isto é, concluindo as contratações em bloco sem atenção para a necessidade ou
vontade individual de cada consumidor. O instrumento por excelência das relações de consumo
em massa são os chamados contratos de adesão. O que se pode daí extrair é que o consumidor
deixou de ter livre-escolha, o alcance de sua vontade real sobre o que adquire, para
simplesmente submeter-se às condições gerais do mercado. Com efeito, uma vez caracterizada a
vulnerabilidade (esta marca de diferença) do consumidor, o Estado viu-se obrigado a intervir no
mercado a partir da Lei para garantir aos consumidores o restabelecimento de igualdade e
respeito à sua existência digna.
Processo histórico parecido aconteceu com as Leis Trabalhistas. Mas, de antemão, é importante
realçar que a LDC não é uma lei que protege o consumidor a todo e qualquer custo. Não é
sempre verdadeiro o ditado de que o consumidor tem sempre razão. A LDC veio para
restabelecer uma situação de equilíbrio entre consumidor e fornecedor. É exactamente o que
estabelece a meta de harmonização das relações de consumo. Logo, o consumidor deve pagar
um preço justo e agir de boa-fé.
Nesse contexto, observa-se que a LDC é um microssistema jurídico que determina a prevalência
do Princípio da boa-fé e transparência nas relações de consumo, com o intuito de garantir a
harmonização dos interesses das partes, restabelecendo uma situação de igualdade onde há uma
desigualdade de facto. Tais princípios determinam que o consumidor e o fornecedor contratem
com lealdade e segurança recíprocas. Assim o Princípio da proteção da confiança do
consumidor, tem como um dos seus aspectos “a proteção da confiança na prestação contratual,
que dará origem às normas que procuram garantir ao consumidor a adequação do produto ou
serviço adquirido, assim como evitar riscos e prejuízos oriundos destes produtos e serviços¹²”. A
transparência, confiança, harmonia nas relações de consumo, reconhecimento da
vulnerabilidade do consumidor, bem como a harmonização de interesses, sempre com base na
boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores, são princípios que devem
sempre estar presentes nas relações de consumo.
Assim, nota-se que entre os objectivos da Política Nacional das Relações de Consumo estão o
respeito à dignidade, o atendimento à saúde e segurança dos consumidores, a proteção dos
interesses econômicos e a transparência e harmonia nas relações de consumo, por intermédio do

1
Atenção! A palavra mercado tem vários sentidos. Pode designar um espaço físico onde comerciantes se reúnem para oferecer
bens de consumo (ex.: Mercado Municipal de uma cidade); pode indicar um ramo específico de certa actividade empresarial (ex.:
o mercado de automóveis importados cresceu muito depois que o dólar baixou); ou, em seu significado amplo, mercado de
consumo é todo o conjunto de actividades econômicas (de toda natureza e forma, inclusive por meios eletrônicos, fora e dentro
dos estabelecimentos comerciais, bancárias, securitárias, financeiras e creditórias) envolvendo o fornecimento de produtos e
serviços.
reconhecimento do Princípio da vulnerabilidade. Para Valério Dal Pai Moraes, vulnerabilidade,
sob o enfoque jurídico, é, então, o princípio pelo qual o sistema jurídico positivado reconhece a
qualidade ou condição daquele(s) sujeito(s) mais fraco(s) na relação de consumo, tendo em vista
a possibilidade de que venha(m) a ser ofendido(s) ou ferido(s), na sua incolumidade física ou
psíquica, bem como no âmbito econômico, por parte do(s) sujeito(s) mais potente(s) da mesma
relação¹³.
A vulnerabilidade possui quatro nuances que devem ser estudadas: técnica, fática, jurídica e
informacional, senão vejamos.
Vulnerabilidade técnica é aquela em que falta ao consumidor o conhecimento científico ou se
faz ausente a melhor expertise, no que tange ao mau funcionamento do bem de consumo.
Isto quer dizer que, sendo o fornecedor o expert da relação, conhecedor, por exemplo, da
matéria-prima utilizada na confecção do bem de consumo, como no caso do tecido de um terno,
da placa mãe que integra um computador ou até mesmo do tipo de agrotóxico utilizado na
produção de hortifrutigranjeiros, restou para o consumidor o qualificativo da vulnerabilidade
nas questões de ordem técnica (BOLZAN, 2013, p. 199).
É o fornecedor quem detém o controle e conhecimento sobre o meio de produção dos bens
(MELO, 2010, p. 55), acrescentando Miragem (2008, p. 63):
O que determina a vulnerabilidade, nesse caso, é a falta de conhecimentos específicos do
consumidor e, por outro lado, a presunção ou exigência destes conhecimentos pelo fornecedor.
É o exemplo da relação existente entre o médico e o seu paciente, na qual o primeiro detém
informações científicas e clinicas que não estão ao alcance do consumidor leigo no assunto. Da
mesma forma, a relação de consumo envolvendo qualquer produto industrializado. Cogite-se de
uma dona de casa que adquira um computador. Não se pode exigir que possua conhecimentos
especializados sobre informática. Ora, as técnicas de fabricação e as características do produto
presumem- se ser do conhecimento do fornecedor.
Na vulnerabilidade fática ou socioeconômica, o ponto de concentração é o fornecedor, que, por
sua posição de supremacia e poderio econômico, impõe sua superioridade a todos que com ele
contratam (MARQUES, 2016, p. 333).
Nesta hipótese de vulnerabilidade, a fragilidade reside na falta do mesmo porte econômico do
fornecedor. Imagine-se o exemplo de uma pessoa física, consumidora de pequeno porte, que
resolve se aventurar em contratar com uma gigantesca rede de supermercados ou com uma
empresa multinacional (MIRAGEM, 2008, p. 63). Sua fragilidade é flagrante.
Esta vulnerabilidade pode guardar relação com a dinâmica da relação de consumo, como na
hipótese de uma campanha de marketing que venha a se aproveitar da credulidade do
consumidor. Quem um dia, não foi convidado por um grande amigo para participar de um
negócio que lhe deixaria, de uma hora para outra, RICO?
Empresas de marketing multinível (“boca a boca”) reservam salões de grandes hotéis, arenas
esportivas, dentre outras localidades que passem uma sensação de prosperidade, riqueza e
felicidade, para receber consumidores que são trazidos, normalmente, por amigos, para, após
horas de imersão, serem submetidos a uma tentadora proposta de negócios.
São situações em que se identifica a fragilidade de uma das partes, como na hipótese de um
consumidor crédulo ou mais humilde, que se deixa levar pela conversa enganosa de um
vendedor que afirma ser o melhor presente o produto mais caro da loja. Perceba, que nesta
hipótese o preposto não necessariamente trouxe questões de ordem técnica afetas ao produto ou
jurídicas relacionadas ao contrato, mas denota-se uma situação de fragilidade (BOLZAN, 2013,
p. 200).
Finalmente, ainda é possível existir uma debilidade agravada, como na hipótese do consumidor
criança ou idoso, ambos detentores de atonias específicas, como capacidade reduzida de
discernimento e falta de percepção (MIRAGEM, 2008, p. 64), onde simplesmente inexista uma
paridade mínima desencadeada no nascimento da relação jurídica.
Vulnerabilidade jurídica ou científica é a falta de conhecimentos jurídicos específicos, como na
hipótese recorrente de seguros de telefones celulares em que a oferta assegura a cobertura para
roubo e furto, mas no momento do sinistro evidencia-se cláusula contratual que só garante o
ressarcimento para furto qualificado.
O consumidor é considerado vulnerável juridicamente quando lhe falta conhecimento sobre a
matéria jurídica ou a respeito de outros ramos científicos, como da publicidade ou do marketing.
Durante alguns anos essa vulnerabilidade classificava-se somente como jurídica, como que
somente esta ciência se apresentasse como capaz para desvelar questões que envolviam o
mercado de consumo. Esse pensamento sempre tomou por base a fraqueza do consumidor na
apreciação das cláusulas dos contratos, sobretudo os de adesão, cuja confecção é monopolizada
pelo fornecedor. A impossibilidade de discutir os termos contratuais maximiza a
vulnerabilidade jurídica do consumidor, no entanto, é patente sua fragilidade em outros ramos
científicos (BOLZAN, 2013, p. 199).
Vulnerabilidade informacional é aquela que resulta de um déficit produzido pela ausência das
informações inerentes ao bem de consumo adquirido ou, ainda, pela deficiência interpretativa de
instrumentos contratuais que, por muitas vezes, são redigidos propositalmente para produzir
esse estado de desigualdade.
Esta vulnerabilidade guarda relação com a importância das informações relativas aos bens de
consumo e sua influência no poder de decisão do consumidor no momento de suas escolhas. Ela
é relevante em um mundo contemporâneo, em que o consumidor é persuadido em sua liberdade
de opinião pelas técnicas agressivas inerentes à oferta, por ser o fornecedor o grande detentor e
manipulador da informação. Por este motivo, trata-se de relação díspar e merecedora da
proteção do mais frágil, sob o prisma da informação (BOLZAN, 2013, p. 201).

Princípio da vulnerabilidade x Princípio da hipossuficiência


A vulnerabilidade é uma característica fáctica de todo cidadão, enquanto a hipossuficiência é de
ordem processual, haja vista que guarda relação com o tema da produção de prova.
Se for analisada de forma ampla, a discrepância entre o fornecedor e o consumidor dispensa
qualquer tipo de comprovação.
Imagine a diferença entre um pequeno consumidor e uma poderosa instituição financeira onde
aquele possui uma conta corrente. Existiria a necessidade de comprovar tal diferença? Acredita-
se que não e, por esta razão, a vulnerabilidade é de ordem fática, ou seja, é umbilicalmente
ligada ao consumidor, desde o momento do seu nascimento até o de sua morte, como na
hipótese da contratação de um serviço de assistência de funeral que não cumpre o contrato.
A hipossuficiência encontra raízes no Processo Civil, posto que guarda relação com uma
debilidade do consumidor no que diz respeito à comprovação de seu direito. Ou seja, todos nós
somos vulneráveis, mas quando, além de tal debilidade, desencadear- se um déficit
comprobatório no momento da produção de prova do direito, surgirá a hipossuficiência.
Desta feita, depreende-se que vulnerabilidade e hipossuficiência são institutos distintos, na
medida em que um orbita pela esfera material, enquanto o outro trata de um agravamento
processual da vulnerabilidade. Assim, todos somos vulneráveis, porém nem sempre seremos
hipossuficientes, no entanto, todos os hipossuficientes, necessariamente, serão previamente
vulneráveis.

O princípio da boa-fé objectiva


Com o surgimento da sociedade de massa e a intensificação da produção, comercialização,
consumo e procura de vantagens económicas, criaram-se muitos desequilíbrios nas relações de
consumo.
O Direito do Consumidor procurou sistematizar esta nova realidade, através de regras
protectoras, com o intuito de buscar o equilíbrio e a justiça nas relações obrigacionais de
consumo. Deste modo, passou-se de uma visão individualista do Direito143 para uma visão
social que valoriza a sua função garantidora do equilíbrio e da protecteção da confiança144 e
das legítimas expectativas nas relações de consumo. Este sistema de defesa do consumidor
trouxe ao ordenamento jurídico angolano a boa-fé, como um suporte ético nessa nova
concepção do Direito Privado145.
No entanto, há de se distinguir boa-fé subjetiva de boa-fé objetiva. Boa-fé subjetiva não se trata
de um princípio, mas de um atributo psicológico que se reconhece à pessoa, diz respeito à
ausência de conhecimento sobre determinado fato ou à falta de intenção de lesionar outra
pessoa. Já a boa-fé objetiva tem origem no Direito Alemão, que atribui aos contratantes deveres
jurídicos não expressos, ou seja, deveres que não estão estabelecidos pela lei ou pelo contrato
(MIRAGEM, 2008, p. 72).
A boa-fé objetiva dirige-se à personalização das relações obrigacionais. As cláusulas contratuais
previamente elaboradas regulam as relações da coletividade e a manutenção de dogmas
contratuais clássicos, marcados pela autonomia da vontade não se viabiliza da mesma forma
(LISBOA, 2012, p. 145).
Aplicado aos contratos, o princípio da boa-fé em sentido objectivo constitui uma regra de
conduta segundo a qual os contratantes devem agir de modo honesto, correcto e leal, não só
impedindo assim comportamentos desleais, como impondo deveres de colaboração entre
eles146. É neste sentido que os art.s 227.º n.º 1 do CC e 15.º, n.º 1 da LDC falam das regras da
boa-fé na formação dos contratos e não só, acompanhando também a relação contratual desde o
seu nascimento, permanecendo durante toda a sua vida e subsistindo após a sua extinção147.
O princípio da boa-fé objetiva está presente na proibição ao fornecedor da adopção de
determinadas condutas, entre elas o fornecimento de bens e serviços não adequados para o
consumo e a veiculação da publicidade enganosa ou abusiva (art.s 20.º e 21.º, n.º 3 da LDC).
Também é com este fundamento que a LDC dispõe que são nulas as cláusulas contratuais
gerais, consideradas abusivas, inseridas nos contratos celebrados entre consumidores e
fornecedores.
O mesmo princípio impõe que as partes ajam com lealdade e transparência, que os contratos
sejam redigidos de forma clara e precisa [...] e que tragam todas as informações relevantes
referentes ao contrato a celebrar (art. 20.º, n.º 2 da LDC).
A boa fé objectiva, como cláusula geral148, tem maior incidência nos contratos de adesão,
pois, neles uma das partes tem a faculdade de elaborar ou preestabelecer unilateralmente as
cláusulas contratuais gerais que passarão a reger o respectivo contrato, ficando a outra parte
sujeita à sua aceitação ou não.
Neste sentido, a cláusula geral da boa-fé objectiva exerce uma função limitadora do direito
subjectivo de contratar149, evitando assim que o fornecedor, por via da proposta a que vai
aderir o consumidor, prevaleça na sua condição de superioridade para vincular contratualmente
o consumidor, sendo comum neste tipo de vínculo contratual um enorme desequilíbrio entre as
partes.
Nestes termos, cabe ao intérprete casuisticamente avaliar o conteúdo da relação negocial, para
indagar se o fornecedor se prevaleceu da sua condição de «mais forte» para impor ao
consumidor cláusulas portadoras de flagrante desequilíbrio, repondo assim o equilíbrio
contratual, com base no princípio da boa-fé objectiva.

1.1.3 Princípio da transparência e da confiança


O princípio da transparência orbita na esfera da garantia constitucional, segundo a qual todo
cidadão tem o direito de informar e ser informado, no entanto, há de se ressaltar que o primeiro
está relacionado com quem oferece o produto ou serviço ao mercado, e o segundo, com o
consumidor vulnerável (TARTUCE & NEVES, 2017, pp. 43-44).
Tal princípio se traduz na obrigação do fornecedor dar ao consumidor a oportunidade de
conhecer o conteúdo do contrato previamente, ou seja, antes mesmo de assumir qualquer
obrigação. Com a imposição desses dois deveres, informação e transparência, o código de
defesa do consumidor inverteu a regra do caveat emptor (tome cuidado comprador), onde era o
consumidor que tinha a obrigação de buscar as informações que desejasse em relação ao
produto e ao serviço, alterando-a, para a regra do caveat vendictor (tome cuidado vendedor),
que impõe justamente o oposto, ou seja, a obrigação do fornecedor de informar (NUNES, 2012,
pp. 673-674).
A transparência é almejada tanto para produtos quanto para serviços, ou seja, além das
informações inerentes ao contrato, o fornecedor possui o dever de prestar todas as informações
necessárias, relativas à fruição e riscos dos bens de consumo repassados ao público em geral.
Além da transparência, o princípio da confiança também se faz presente com força e vigor na
relação consumerista, haja vista que aquele consumidor que estabelece uma relação emocional
com a marca adquirida também se torna mais vulnerável. É o que acontece com o estímulo
emocional forjado pelas grifes de alto poder aquisitivo, onde o fornecedor, pelas técnicas de
mídia, consegue agregar valor ao bem de consumo e, por conseguinte, o consumidor paga mais
por isso.
Acrescente-se que, na medida em que o fornecedor age com a devida transparência junto ao seu
consumidor, firma-se uma relação de confiança entre estas partes, consolidando a marca e os
produtos/serviços postos à disposição do consumidor no mercado pelo fornecedor.

1.1.4 Princípio da segurança


O princípio da segurança é um dos princípios mais importantes, haja vista que, antes da lei,
todos os riscos corriam por conta do consumidor, porquanto só respondia o fornecedor se
incorresse em culpa, o que por muitas vezes se tornava impossível de demonstrar. Falava-se até
em uma aventura do consumo, pois neste panorama o fornecedor fazia sua “oferta inocente” e o
consumidor, se assim quisesse, assumiria os riscos dos produtos consumidos (CAVALIERI
FILHO, 2011, p. 52).
Neste sentido, Sergio Cavalieri Filho (2011, pp. 52-53) assentou o seguinte entendimento:
O código de defesa do consumidor deu uma guinada de 180 graus na disciplina jurídica então
existente, na medida em que transferiu os riscos do consumo do consumidor para o fornecedor.
Estabeleceu responsabilidade objetiva para todos os casos de acidente de consumo, quer
decorrentes do fato do produto (art.12): “o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou
estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela
reparação dos danos causados ao consumidores por defeitos de seus produtos”; quer do fato do
serviço (art.14): “o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa,
pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos
serviços”.
A palavra “defeito” embutida nos dispositivos deflagra a responsabilidade objetiva dos
fornecedores, haja vista que a única forma de ligação existente entre o consumidor e o
fornecedor é através da aquisição de produtos ou serviços.
Sob essa perspectiva, o CDC criou o dever de segurança para o fornecedor, verdadeira cláusula
geral que se traduz no dever de lançar no mercado bens de consumo sem defeito, de sorte que,
se após a inserção no mercado do produto ou do serviço, um deles, em decorrência de um
defeito, der causa ao acidente de consumo, por ele responderá objetivamente (CAVALIERI
FILHO, 2011, p. 53).
O dever de segurança para o fornecedor funciona como verdadeira cláusula geral, que se traduz
no dever de lançar no mercado bens de consumo sem defeito.
1.4.5 Princípio da harmonização dos interesses
A filosofia imprimida do Direito do Consumidor aponta no sentido da busca da harmonia das
relações de consumo, harmonia essa não apenas fundada no tratamento dos envolvidos, mas até
mesmo na adoção de parâmetros práticos. Sob essa perspectiva, apesar do consumidor ser a
parte mais frágil, não se compreendem exageros ao ponto de obstar, por exemplo, o avanço das
novas tecnologias (FILOMENO, 2011, pp. 79-80).
O princípio apresenta dois objetivos: a) compatibilização dos interesses dos participantes das
relações de consumo; e b) compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de se
preservar o desenvolvimento tecnológico. No entanto, tal progresso deverá ser feito de maneira
harmoniosa, a ponto de satisfazer os interesses citados. (BOLZAN, 2013, pp. 209-210)
A compatibilização mencionada acima se perfectibiliza através do binômio “risco/ benefício”,
que pode ser exemplificado por Filomeno (2011, p. 80) com a hipótese de um medicamento
lançado no mercado, em que as partes envolvidas (autoridades sanitárias, órgãos de defesa do
consumidor e empresas) devem equacionar riscos e benefícios, analisando se é preferível lançar
certo medicamento com fator de risco acentuado ou sujeitar-se à propagação de certa doença.
O incentivo ao desenvolvimento tecnológico deve estar em harmonia com o respeito a todos os
direitos dos consumidores, tratando-se de um jogo onde ambos lucram. Quando se identifica a
desarmonia, responsabilidades merecem ser impostas a todos os integrantes da relação jurídica
de consumo, a fim de trazer à tona a paridade propugnada pela legislação.

REGIME JURÍDICO AGOLANO DO DIREITO DO CONSUMIDOR


Legislação
Constituição da República de Angola
A Constituição da República de Angola estabelece como garantia geral do Estado o
reconhecimento dos direitos e liberdades fundamentais consagrados na Constituição como
sendo invioláveis e cria as condições políticas, económicas, sociais, culturais, de paz e
estabilidade que garantam a sua efectivação e protecção, nos termos da Constituição e da lei
(art. 56.º), consagrando expressamente no capítulo III, referente aos Direitos e Deveres
Económicos, Sociais e Culturais, os direitos do Consumidor1, concretamente no art. 78.º 2.
Indo mais além, a CRA estabelece também que a organização e a regulação das actividades
económicas assentam na garantia geral dos direitos e liberdades económicas em geral, na
valorização do trabalho, na dignidade e na justiça social, em conformidade com vários
princípios fundamentais, enunciados no art.º 89.º, com realce para a alínea h), «sobre a defesa
do consumidor».
Entretanto, levanta-se a questão de saber se o art. 78.º da CRA se aplica directamente nas
relações jurídico-privadas2 de consumo.
A CRA trata da questão da força jurídica3 dos direitos fundamentais no art. 28.º, n.º 1, que
estabelece que «os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias
fundamentais são directamente aplicáveis e vinculam todas as entidades públicas e privadas».
A CRA, ao afirmar no art. 28.º, n.º 1, que os preceitos constitucionais vinculam e se aplicam

2
Artigo 78.º (Direitos do consumidor)
1. O consumidor tem direito à qualidade dos bens e serviços, à informação e esclarecimento, à garantia dos seus produtos e à
protecção na relação de consumo.
2. O consumidor tem direito a ser protegido no fabrico e fornecimento de bens e serviços nocivos à saúde e à vida, devendo ser
ressarcido pelos danos que lhe sejam causados.
3. A publicidade de bens e serviços de consumo é disciplinada por lei, sendo proibidas todas as formas de publicidade oculta,
indirecta ou enganosa.
4. A lei protege o consumidor e garante a defesa dos seus interesses.
directamente a todas as entidades públicas e privadas, não se está a referir a todos os preceitos
constitucionais constantes da Constituição, mas apenas aos preceitos respeitantes aos Direitos,
Liberdades e Garantias4. Isto significa que, para se pensar na aplicação da força jurídica
derivada do art. 28.º, n.º 1 da CRA, ao art.º 78.º, relativo aos direitos dos consumidores, deverá
enquadrar-se no Capítulo II «Direitos, Liberdades e Garantias Fundamentais» do citado
diploma5.
Para se ultrapassar esta dificuldade, a única maneira é apoiar-se na própria Constituição que, no
seu art. 27.º6, estende o âmbito de aplicação do regime dos Direitos, Liberdades e Garantias a
todos os direitos fundamentais de natureza análoga. Estabelece o preceito mencionado que «o
regime jurídico dos direitos, liberdades e garantias, enunciados neste capítulo [II], é aplicável
aos direitos, liberdades e garantias e aos direitos fundamentais de natureza análoga,
estabelecidos na Constituição, consagrados por lei ou por convenção internacional»7.
A doutrina8 não é unânime quanto à aplicação directa ou imediata do art. 78.º da CRA (60.º da
CRP) às relações de consumo. Todavia, há autores que entendem que os direitos do consumidor
são considerados análogos aos direitos, liberdades e garantias porque «por um lado, a
participação do Estado na sua realização prescinde das ditas prestações sociais (direitos que
precisam da intervenção estatal para a sua concretização, como é o caso do direito ao trabalho,
ao ensino, etc.) típicas e, por outro, porque têm o seu conteúdo definido independentemente de
uma norma infra constitucional»9. Ou seja, não são todos os direitos dos consumidores
considerados análogos aos direitos, liberdades e garantias, e, por isso, merecedores de aplicação
directa e imediata desta norma, nas relações privadas de consumo. É o caso do direito à
protecção dos interesses económicos e do direito das associações a terem apoio e a serem
ouvidas pelo Estado, uma vez que, por assumirem natureza social, a sua materialização carece
da intervenção do Estado.
Sendo o direito à qualidade dos bens e serviços, o direito à protecção da saúde e à segurança
física, o direito à informação e á reparação dos danos, considerados análogos aos direitos,
liberdades e garantias fundamentais, pode haver aplicação directa10 daquela norma
constitucional, com base na ideia de que as normas fundamentais são aplicáveis de forma
obrigatória e directamente no comércio jurídico entre entidades privadas, individuais ou
colectivas, sem necessidade de mediação pelo poder legislativo ou de utilização de cláusulas
abertas do direito privado11.
Parece-nos que, por força do art. 27.º da CRA, o art.78.º do mesmo diploma se aplica
directamente12 às relações de consumo, podendo o consumidor invocar este preceito
directamente contra o Estado (Administração Pública) e as entidades privadas (art. 78.º), sempre
que os seus direitos sejam violados13, por serem considerados análogos aos direitos, liberdades
e garantias fundamentais. No entanto, não há ainda em Angola um relato de um caso concreto
em que se tivesse aplicado directamente o art. 78.º da CRA.

Lei de Defesa do Consumidor


A LDC é uma lei infraconstitucional que, face aos desequilíbrios nas relações de consumo e aos
seus efeitos de natureza económica e social, foi criada com vista a garantir a efectivação e
protecção dos direitos do consumidor14.
Nesta senda, com vista a acautelarem-se os desequilíbrios existentes nas relações de consumo,
foi aprovada a Lei n.º 15/03, de 22 de Julho (Lei de Defesa do Consumidor), poderoso
instrumento de protecção do consumidor15, que estabelece um sistema de protecção do
consumidor, composto de várias normas especiais, definidoras de um regime próprio. Nela
encontramos fixados os deveres de protecção que incumbem ao Estado, os princípios básicos, os
bens jurídicos a proteger, os direitos do consumidor e as entidades responsáveis pela protecção
dos interesses do consumidor, bem como a proibição de condutas e disposições contratuais
consideradas abusivas, além da repreensão de todas as práticas comerciais consideradas
desleais, por colidirem com os interesses do consumidor e de mecanismos individuais e
colectivos para a defesa dos interesses e direitos dos consumidores em juízo.
Por outro lado, na LDC são também enunciadas e ordenadas medidas sancionatórias contra os
possíveis abusos e lesões aos direitos nela previstos16.
Legislação Avulsa
Lei n.º 4/03, de 18 de Fevereiro (Lei das Cláusulas Gerais dos Contratos)
Lei n.º 14/91, de 11 de Março (Lei das Associações)
Lei n.º 9/09, de 30 de Julho (Lei Geral da Publicidade)
Lei n.º 1/07, de 14 de Maio (Lei das Actividades Comerciais)
Lei n.º 14-A/96, de 31 de Maio (Lei Geral da Electricidade)
Lei n.º 6/99, de 3 de Setembro (Lei das Infrações contra Economia)

Entidades legitimadas para a promoção e tutela dos direitos do consumidor


São vários os intervenientes que podem representar em juízo os interesses individuais,
homogéneos, colectivos e difusos dos consumidores de acordo com a legislação angolana. Têm
esse poder o Ministério Público, o Instituto de Defesa do Consumidor e as Associações de
Consumidores. Além disso, qualquer consumidor individualmente pode exercer directamente os
seus direitos quando lesado, conforme o previsto no art. 28.º, al. a), b) e d) da LDC.

Ministério Público
Caracterizando-se tradicionalmente o MP pela riqueza e diversidade das funções que lhe são
acometidas, verifica-se que o art. 186.º da CRA determina que «ao MP compete representar o
Estado, defender a legalidade democrática e os interesses que a lei determinar, promover o
processo penal e exercer a acção penal, nos termos da lei, nomeadamente […], al. d) defender
os interesses colectivos e difusos». O MP é uma instituição essencial à função judiciária do
Estado, é composto por magistrados destacados junto de cada tribunal e investidos do poder de
exercer o controlo genérico da legalidade, do poder de exercer a acção penal, do de representar
o Estado e ainda com outras funções atribuídas por lei, em conformidade com os arts. 189.º da
Constituição e 2.º, da Lei n.º 5/90, de 7 de Abril193.
A LDC e a LCGC contém normas que legitimam a actuação do MP na área dos direitos do
consumidor.
O MP, sempre que estejam em causa interesses individuais, homogéneos, colectivos ou difusos,
de harmonia com o parágrafo 2.º do art. 27.º e art. 28.º alínea c), ambos da LDC, tem
legitimidade activa para intentar as acções previstas na referida lei.
Nestes termos, a LDC atribui-lhe expressamente uma competência genérica para «a defesa dos
consumidores194, no âmbito da presente lei e no quadro das respectivas competências,
intervindo em acções administrativas e cíveis tendentes à tutela dos interesses individuais
homogéneos, bem como de interesses colectivos ou difusos»195.
Porém, a violação dos direitos do consumidor ocorre no âmbito dos contratos de adesão,
nomeadamente por via das cláusulas contratuais gerais, sendo que a LCGC dispõe que tem
legitimidade activa para interpor acção inibitória destinada a obter a condenação pela utilização
de cláusulas contratuais gerais que violem a referida lei, o Ministério Público, oficiosamente ou
mediante solicitação fundamentada de qualquer interessado, de acordo com o disposto na al. c)
do n.º 1do art. 19.º da LCGC.
«Pensar no Direito do Consumidor, em certa medida, significa pensar no alcance da actuação
do Ministério Público, definir para onde e até que ponto intervir, pensar no quanto e no que
pode e deve ser feito em benefício da colectividade»196.
Pelo exposto, fica o entendimento de que, além de ao MP competir a defesa dos interesses
colectivos e difusos, de acordo com o art. 186.º, al. d) da CRA, lhe é também reconhecida
legitimidade activa, na LDC e na LCGC, para intervir nos casos em que se verifiquem práticas
lesivas dos direitos e interesses do consumidor.
Entretanto, apesar da legitimidade que lhe é conferida por lei, para agir em nome e no interesse
do consumidor, não há, na prática judicial angolana, relato de caso algum revelador da actuação
do MP em defesa do interesse do consumidor.

Instituto Nacional de Defesa do Consumidor


O INADEC é uma pessoa colectiva pública, dotada de personalidade jurídica e de autonomia
administrativa, financeira e patrimonial197, dotada de legitimidade processual em defesa dos
interesses colectivos e difusos dos consumidores198 (art. 35.º. n.º 2 al. a) da LDC).
São atribuições genéricas do INADEC a promoção de políticas de salvaguarda dos direitos dos
consumidores, bem como a coordenação de medidas tendentes à sua protecção, informação e
educação e de apoio às associações de consumidores (art. 3º do Decreto n.º 9/03, conjugado
com o art. 35.º, n.º 1 da LDC.).
Pelos poderes conferidos por lei em matéria de protecção do consumidor, enquanto órgão da
administração pública, o INADEC tem a obrigação de criar centros de arbitragem (até agora
inexistentes) para a resolução de conflitos de consumo, como decorre do art. 27.º da LDC,
enquanto mecanismos integrados no sistema protectivo, com procedimentos simplificados,
visando a composição extrajudicial de divergências havidas sobre questões de importância
menor, sem deixar, porém, de dar resposta à defesa de todos os interesses dos consumidores.
O INADEC materializa os direitos do consumidor, através do mecanismo de tutela antecipada,
ou seja, mediante previsão de práticas que possam ser lesivas dos interesses do consumidor.
Este pode «ordenar medidas cautelares de cessação, suspensão ou interdição do fornecimento de
bens ou serviços»199.
Perante situações que possam acarretar riscos ou que ponham em causa os direitos do
consumidor, ainda que não estejam expressamente consagradas na LDC, entendemos que,
dentro do espírito do sistema jurídico, pode o INADEC procurar soluções que se mostrem
adequadas à sua resolução.

Associações de Consumidores
As associações de consumidores são pessoas colectivas dotadas de personalidade jurídica, sem
fins lucrativos, cujo objectivo principal consiste na protecção dos direitos e interesses dos
consumidores em geral e, em particular, dos consumidores seus associados200. Estas podem ser
de âmbito nacional201 ou local, consoante a área em que se que se circunscreve a sua acção
(art. 31.º, n.º 1 e 2 da LDC e art. 1.º da Lei das Associações)202.
A LDC não faz referência às associações de âmbito regional. Todavia, a Lei das Associações
faz essa referência e define-as, no art. 3.º, n.º 3, como aquelas cuja actividade se circunscreve a
uma região socioeconômica, abrangendo o território de mais de uma província.
A LDC consagra vários direitos inerentes às associações de consumidores no art. 32.º do
referido diploma, nomeadamente o direito de, junto das autoridades administrativas ou judiciais
competentes em matéria de direito do consumo, solicitar que sejam apreendidos e retirados do
mercado determinados bens e serviços, assim como a interdição da comercialização de certos
bens e serviços no mercado, em virtude do seu potencial lesivo dos direitos e interesses dos
consumidores n.º 1 al. b), solicitar ainda que sejam retiradas do mercado mensagens
publicitárias enganosas ou abusivas, al. c) e solicitar também que sejam prestados
esclarecimentos sobre a formação dos preços dos bens e serviço, al. e), etc.
Os seus programas de defesa são levados a cabo com o auxílio do Estado, especificamente do
INADEC203. Por outro lado, a actuação em tribunal das entidades associativas na defesa dos
consumidores estão isentas de qualquer custo judicial (art. 29.º da LDC). Com o regime
estabelecido pela LDC, as associações de consumidores estão legitimadas para acordos de boa
conduta com os profissionais ou as suas organizações representativas, destinados a gerir as
relações de consumo (art. 33.º da LDC). Na sua actuação, são fundamentalmente relevantes os
procedimentos fundados na colaboração e cooperação, baseados no diálogo entre distintas
organizações para a defesa dos interesses dos consumidores204.
A AADIC é a única destas associações existente em Angola e é de âmbito nacional.
A AADIC tem como objecto o estabelecimento das bases gerais e regras de intermediação para
a resolução de conflitos entre consumidores e fornecedores, assim como a realização de
actividades associativas de informação205 às comunidades (art. 2.º do seu Estatuto).
A AADIC tem como principais objectivos criar programas no âmbito da formação, educação e
sensibilização permanente em matérias relacionadas com o consumo, denunciar actos lesivos do
consumidor, praticados pelos estabelecimentos comercias, mercados (informais) e outros,
reservando-se o direito de solicitar junto das autoridades administrativas ou judiciais
competentes, a apreensão de bens ou a interdição de serviços lesivos dos direitos do consumidor
(art. 7.º do seu Estatuto).
A intervenção desta Associação nas políticas relacionadas com o consumo e com os direitos do
consumidor tem sido fundamental para a tomada de muitas decisões, sobretudo no que diz
respeito à exigência ao INADEC de uma melhor fiscalização da qualidade dos bens e serviços
colocados no mercado de consumo.

Conselho Nacional do Consumo


O Conselho Nacional do Consumo é um órgão independente de consulta e acção pedagógica e
preventiva, exercendo a sua acção em todas as matérias relacionadas com o interesse dos
consumidores (Artigo 36.° LDC).
As funções deste órgão encontram-se discriminadas no n.º 2 do artigo 36.º da LDC.
CAPÍTULO III - A RELAÇÃO DE CONSUMO E SEUS ELEMENTOS

Introdução
A aplicação do Código de Defesa do Consumidor exige que se vislumbre a ocorrência de uma
relação de consumo, razão pela qual, para que possamos avançar com o estudo dos Direitos
Básicos dos Consumidores (Capítulo 3), é necessário identificar os elementos que compõem a
relação jurídica de consumo, quais sejam: o consumidor, o fornecedor, o produto e o serviço.
A relação jurídica deriva da vida em sociedade, a qual enseja interações de natureza distinta:
afectiva, cultural, religiosa, recreativa, que, em si, são destituídas de relevância jurídica; outras,
entretanto, têm natureza econômica, familiar, funcional, pública, exigindo, por sua importância
social, disciplina jurídica. As relações sociais reguladas pelo Direito tornam-se relações
jurídicas (CAVALIERI FILHO, 2011, p. 57).
O conceito de relação jurídica foi pontuado, de forma clássica, por Savigny no século passado,
como ressalta Leaês (1991, p. 15). Em linhas bem gerais, o termo indica que o Direito
reconhece de plano a prevalência do interesse de um indivíduo, relativo a determinado bem
jurídico destinado a satisfazer certa necessidade, sobre o interesse de outro(s) indivíduo(s),
resultando duas posições distintas que correspondem às situações de vantagem e subordinação
entre os integrantes da relação jurídica, aqui denominados como: sujeito activo e sujeito
passivo, respectivamente (LUCCA, 2008, p. 83).
Baseando-se nesse fundamento, relação jurídica pode ser conceituada como toda relação civil
disciplinada pelo Direito. Tal relação possui elementos integrantes, considerados subjectivos e
objectivos. Os primeiros são relacionados ao(s) sujeito(s) da relação jurídica (activo e passivo),
ao passo que o(s) objectivo(s) vinculam-se ao(s) objecto(s) da relação jurídica.
É interessante observar que, de acordo com o ramo do Direito abordado, as denominações dos
elementos objectivos e subjectivos sofrem mutações e aquela relação jurídica primária se
amolda ao pertinente campo do Direito. Tal construção produz laços simbióticos, que
proporcionam designação própria ligada ao campo do direito proposto.
Aplicando-se essa premissa ao campo do direito em tela, o elemento subjectivo activo é
denominado consumidor (sujeito activo); o elemento subjectivo passivo é representado pelo
fornecedor (sujeito passivo) e o elemento objectivo é identificado como produto ou serviço
(objecto), sendo que a relação jurídica passa a ser definida como relação de consumo.
Consumir é um acto de cidadania através do qual o cidadão contribui sinergicamente para a
movimentação da teia existente entre consumidores, empresas e Estado, ao mesmo tempo em
que atende às necessidades daqueles (PORTO, 2014, p. 88).

Os Elementos da Relação de Consumo


Para caracterizar uma relação de consumo, não basta adquirir produtos ou serviços; é necessário
identificar os sujeitos que devem intervir no negócio jurídico: fornecedor e consumidor. Devem
estar ligados pela relação negocial, de um lado um fornecedor, que, com habitualidade, ofereça
produtos ou serviços ao mercado, e, de outro, uma pessoa (ou grupo) que possa ser identificada
como destinatária final de produtos e serviços (MELO, 2010, p. 12). A identificação da relação
de consumo e seus elementos é critério básico para determinar o âmbito de aplicação da LDC e,
portanto, as normas de Direito do Consumidor.
Como realçou Roberto Senise Lisboa, relação de consumo é “o vínculo por meio do qual se
verifica a aquisição, pelo consumidor, de um produto ou de um serviço junto ao fornecedor”
(2006, p. 6).
Por sua vez, Newton de Lucca (2008, p. 106) deixa claro que “relação jurídica de consumo é
aquela que se estabelece necessariamente entre fornecedores e consumidores, tendo por objecto
a oferta de produtos ou serviços no mercado de consumo”. Claudia Lima Marques dissocia, de
forma pedagógica, a figura do consumidor (sujeito activo) e do fornecedor (sujeito passivo),
com o seguinte exemplo:
Imaginemos uma figura com três círculos. Temos de um lado um círculo, e neste círculo um
civil (um leigo), que seria protegido exclusivamente pelo direito civil (este primeiro círculo).
Temos do outro um outro círculo, dentro dele está um comerciante, um profissional, um
fornecedor de produtos e serviços, que seria protegido pelo direito de empresa ou comercial. O
direito do consumidor é o círculo do meio, que envolve os outros dois, pois, no momento em
que este civil adquire ou usa como destinatário final um produto ou um serviço de outro
fornecedor, ele se torna consumidor, e este ato misto, entre um civil e um comerciante, é
regulado pelo direito do consumidor, o círculo maior que envolve e é especial em relação a
ambos neste momento relacional. Daí o desafio a distinguir. O direito do consumidor é um
direito para os desiguais, forte, protector, e assim, tem um campo de aplicação subjectivamente
especial (BENJAMIM, MARQUES, & BESSA, 2007, p. 67).
Em outras palavras, a LDC protege situações de vulnerabilidade inerentes ao mercado de
consumo, o que significa, em regra, a proteção da pessoa natural que não actua
profissionalmente e, eventualmente, da pessoa jurídica que, por razões diversas, apresenta-se
vulnerável em face de determinada actividade. Existem atividades vinculadas ao mercado de
consumo potencialmente ofensivas a legítimos interesses existenciais e materiais, em que há
preponderância e poder social de quem exerce a actividade, ainda que inexistente qualquer
aquisição, mesmo eventual, de produto ou serviço (BESSA, 2009, p. 53).
A defesa é do consumidor vulnerável, por isso requer a distinção entre Direito do Consumidor e
“direitos dos consumidores”, visto que os últimos correspondem a um prisma individual do
primeiro. Já o Direito do Consumidor desponta para solucionar os problemas gerados na relação
de consumo, da qual participam fornecedores e consumidores. Quanto aos “direitos dos
consumidores”, não obstante alguns fossem previstos anteriormente ao efetivo surgimento do
Direito do Consumidor, dele renascem, já que esse comporta direitos e deveres dos
consumidores. Portanto, o Direito do Consumidor pretende conferir tratamento especial à
relação jurídica de consumo, além de regrá-la devido à extensão social que alcança
(BENJAMIM A. H., 1991, p. 60).
Os conceitos preceituados no Código de Defesa do Consumidor se apresentam como perfeitas
definições, como pode ser verificado através da leitura dos artigos 2° e 3°. Nesse sentido, a
iniciativa do legislador é louvável, facilitando a compreensão da norma por parte do intérprete
(EFING, 2008, p. 48).
Antônio Carlos Efing, citando Thierry Bourgoignie, propicia respaldo ao exposto, ao identificar
o que se transcreve a seguir:
Examinando-se a legislação de diversos países, constata-se a obscuridade do conceito do
consumidor e as distintas formas de abordagem do direito positivo, o que impulsiona a polêmica
instalada em torno do tema, inexistindo pacífica definição no plano internacional. Desta forma,
tendo o sistema jurídico de proteção do consumidor, adoptado pela LDC, trazido de forma clara
o enquadramento das conceituações que compõem as relações de consumo, repercutiu
diretamente numa melhor assimilação de suas normas pela população. (Cfr. EFING, 2008, p.
48)
Para uma perfeita compreensão do tema, abordaremos, a partir de agora, os elementos
integrantes da relação jurídica de consumo.
Noção de consumidor
Para que se dê a protecção da LDC, não basta simplesmente adquirir bens ou serviços no
mercado17. Esta protecção só vai ser accionada caso ocorra a chamada relação de consumo18,
relação esta onde deve estar presente um consumidor, como destinatário final19 de bens e
serviços, e um fornecedor que, com habitualidade e profissionalismo, fornece bens e serviços ao
mercado, tendo como fim último a obtenção de lucro.
O que pretendemos com o conceito de consumidor não é um estudo exaustivo sobre o mesmo,
mas a apresentação da definição legal de consumidor, constante da LDC como elemento
delimitador da aplicação do seu regime jurídico20, sendo este o diploma base para o estudo de
quase todos, se não mesmo de todos os pontos da presente dissertação, que nos dá a definição de
consumidor e trata especificamente de quase todas, se não mesmo de todas as relações jurídicas
de consumo, em Angola.
Nos termos do art. 3.º, n.º 1 da LDC, considera-se consumidor «toda a pessoa física ou jurídica
a quem sejam fornecidos bens e serviços ou transmitidos quaisquer direitos e que os utilize
como destinatário final21, por quem exerce uma actividade económica que vise a obtenção de
lucros». Pela leitura do artigo, depreende-se que não basta que o cidadão adquira bens ou
serviços no mercado, importa que ele os utilize como destinatário final. Devem estes bens ou
serviços ser fornecidos por um comerciante que exerça uma actividade económica com fim
lucrativo.
Incluem-se na presente definição todos os bens e serviços que são fornecidos e prestados por
organismos da administração pública, pessoas colectivas públicas, empresas de capitais ou
detidos maioritariamente pelo Estado e por empresas concessionárias de serviços públicos (art.
3.º, n.º 6).
Nestes termos, as pessoas jurídicas de Direito Público podem figurar no lado activo da relação
de consumo como fornecedores de bens e serviços.
Assim, pode-se determinar que o consumidor possa ser uma pessoa física, uma pessoa jurídica
ou, até mesmo, por meio de equiparação, a colectividade de pessoas, independente de serem
determináveis ou não, que adquirem ou utilizam produtos ou serviços, para o seu próprio
benefício ou de outrem.
Não podemos deixar de mencionar que, ao cuidar da explicação do conceito atribuído ao
consumidor, pela LDC, a doutrina consumerista entrou em discordância, quando se trata de
determinar quem, e em quais circunstâncias, seria o “destinatário final” explicitado na definição
legal. A doutrina se dividiu ao ponto de instituir correntes doutrinárias divergentes para
determinar o “destinatário final” que adquire ou utiliza o produto ou o serviço. A saber, existem
três correntes doutrinárias, cada uma com sua própria teoria, para definir a conceituação de
consumidor: a finalista, a maximalista e a mista.

A teoria finalista
A corrente finalista defende a teoria que o consumidor – destinatário final seria apenas aquela
pessoa física ou jurídica que adquire o produto ou contrata o serviço para utilizar para si ou para
outrem de forma que satisfaça uma necessidade privada, e que não haja, de maneira alguma, a
utilização deste bem ou deste serviço com a finalidade de produzir, desenvolver atividade
comercial ou mesmo profissional. Os finalistas afirmam que, ao se adquirir um produto ou
serviço com a finalidade de desenvolver uma actividade de produção, seja para compor o
estabelecimento ou para revender o produto, mesmo que transformado, este não estaria
utilizando o produto ou serviço como destinatário final. Nesta conjuntura estaria se
caracterizando a compra do produto ou a contratação do serviço para a produção ou
comercialização, pois este seria destinado, tão somente, para a revenda, transformação ou
incorporação ao estabelecimento, para que um consumidor – destinatário final adquira ou
contrate com este profissional ou empresa. “Destinatário final seria aquele destinatário fático e
econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo esta
interpretação teleológica, não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de
produção, levá-lo para o escritório ou residência – é necessário ser destinatário final econômico
do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria
novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional
que o adquiriu. Neste caso, não haveria a exigida ‘destinação final’ do produto ou do serviço,
ou, como afirma o STJ, haveria consumo intermediário, ainda dentro das cadeias de produção e
de distribuição.”179 De acordo com a corrente finalista, o comerciante e o profissional poderão
ser considerados como consumidores, quando adquirirem produtos ou contratarem serviços para
o uso não profissional, ou seja, que não tenham nenhuma ligação com a sua atividade produtiva.
Desta maneira, estariam utilizando o produto ou o serviço para uso privado, por uma
necessidade ou satisfação pessoal, de tal modo, poderiam ser considerados como vulneráveis.

A teoria maximalista
A corrente maximalista defende a teoria de que o consumidor – destinatário final seria toda e
qualquer pessoa física ou jurídica que retira o produto ou o serviço do mercado e o utiliza como
destinatário final. Nesta corrente não importa se a pessoa adquire ou utiliza o produto ou serviço
para o uso privado ou para o uso profissional, com a finalidade de obter o lucro. Os
maximalistas veem “nas normas do CDC o novo regulamento do mercado de consumo
brasileiro, e não normas orientadas para proteger somente o consumidor não-profissional. O
CDC seria um código geral sobre o consumo, um código para a sociedade de consumo, que
institui normas e princípios para todos os agentes do mercado, os quais podem assumir os
papéis ora de fornecedores, ora de consumidores. A definição do art. 2.° deve ser interpretada o
mais extensamente possível, segundo esta corrente, para que as normas do CDC possam ser
aplicadas a um número cada vez maior de relações no mercado. Consideram que a definição do
art. 2.° é puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não fim de
lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço. Destinatário final seria o destinatário
fático do produto, aquele que o retira do mercado e o utiliza, consome, por exemplo, a fábrica
de toalhas que compra algodão para reutilizar e a destrói. Segundo esta teoria maximalista, a
pergunta da vulnerabilidade in concreto não seria importante. Defende que, diante de métodos
contratuais massificados, como o uso de contratos de adesão, todo e qualquer co-contratante
seria considerado vulnerável.”180 Os maximalistas defendem que será considerado como
consumidor aquele que retire o produto ou serviço do mercado e que o utilize como destinatário
final, sem importar se este produto ou serviço adquirido seja utilizado para satisfazer uma
necessidade pessoal, ou para ser incorporado a um novo processo de produção. Nota-se,
portanto, que o elemento fático para definição do status de consumidor à pessoa física ou
jurídica, nesta corrente, não se dará, pelo sujeito de direitos que adquiriu o produto ou o serviço.
Este sujeito será definido como consumidor, tão somente, por realizar a compra do produto ou a
contratação do serviço. Cabe ainda, uma observação quanto a esta corrente: Se todas as pessoas,
profissionais ou não, que adquirem ou utilizam um produto ou um serviço serão consideradas
como consumidores, dessa maneira, somente uma pessoa que estiver vinculada ao processo de
produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição
ou comercialização do produto que está sendo adquirido, não poderá ser considerada como
consumidor.

A teoria mista
Esta corrente, também é conhecida como teoria finalista temperada ou teoria finalista
aprofundada. Porém, não consideramos que esta teoria seria um mero aprofundamento da teoria
finalista. É bem verdade que esta teoria mescla elementos da teoria finalista e também da teoria
maximalista. Desta forma, consideramos errônea a denominação finalista temperada ou finalista
aprofundada, sendo, pois, mais adequado denominá-la como teoria mista. Nesta corrente
doutrinária, o consumidor – destinatário final seria aquela pessoa que adquire o produto ou o
serviço para o uso privado, porém, admitindo-se esta utilização em atividade de produção, com
a finalidade de desenvolver atividade comercial ou profissional, desde que seja provada a
vulnerabilidade desta pessoa física ou jurídica que está adquirindo o produto ou contratando o
serviço. “Em casos difíceis envolvendo pequenas empresas que utilizam insumos para a sua
produção, mas não em sua área de expertise ou com uma utilização mista, principalmente na
área dos serviços, provada a vulnerabilidade, concluiu-se pela destinação final de consumo
prevalente. Esta nova linha, em especial do STJ, tem utilizado, sob o critério finalista e
subjetivo, expressamente a equiparação do art. 29 do CDC, em se tratando de pessoa jurídica
que comprove ser vulnerável e atue fora do âmbito de sua especialidade, como hotel que
compra gás. Isso porque o CDC conhece outras definições de consumidor. O conceito-chave é o
da vulnerabilidade.”181 A teoria mista trata diferenciadamente aqueles que adquirem um
produto ou serviço para utilizá-lo como forma de produção, pois estes adquirentes podem
possuir tanta vulnerabilidade em relação ao produto ou serviço que está sendo adquirido, como
qualquer outra pessoa que o utilizaria para satisfação de uma necessidade própria. Seria, por
exemplo, a padaria que compra um veículo automotor para utilizá-lo na entrega das encomendas
e este apresenta diversos vícios de produção; ou ainda, a empresa de entrega de
correspondências que adquire um veículo para utilizar no transporte de mercadorias e este
apresenta os mesmos problemas encontrados no automóvel adquirido pela padaria. Há de se
notar que tanto o padeiro como a empresa de entrega de correspondências possuem habilidades
distantes da produção de automóveis, portanto podem não ter o menor conhecimento técnico
sobre veículos, da mesma maneira que qualquer outra pessoa que adquire o veículo para uso
privado. Para a teoria mista, são todos igualmente vulneráveis neste aspecto. Esta corrente, entre
as três já mencionadas, apresenta mais concordância com o princípio fundamental do Código de
Defesa do Consumidor, que é a proteção dos mais fracos perante os mais fortes, daqueles que
são, portanto, notadamente, vulneráveis. O Código do Consumidor brasileiro tem como
elemento fático a proteção dos vulneráveis, em observância da boa-fé empregada na relação
jurídica de consumo. Seguindo a corrente finalista, o padeiro e a empresa de entrega de
correspondências, sujeitos de direitos que utilizamos como exemplo neste item, mesmo sendo,
visivelmente, as partes vulneráveis da relação jurídica estabelecida com a fabricante dos
automóveis, não poderiam se utilizar do CDC para elucidar seu problema, pois não seriam
considerados consumidores. Assim sendo, fica evidenciado uma proteção incompleta do Código
de Proteção e Defesa do Consumidor, pois não estaria atingindo o objetivo de harmonizar as
relações jurídicas de consumo entre os sujeitos de direitos vulneráveis e os sujeitos que estão na
posição de comando. Se a corrente finalista não transmite uma proteção integral, a teoria
maximalista, por sua vez, faz uma proteção demasiada, quando incumbe ao CDC uma tarefa que
seria do Código Civil brasileiro: regulamentar a relação jurídica entre dois fornecedores, que
devem ser tratados como iguais. Destarte, não restam dúvidas de que a corrente que adota a
teoria mista é a mais condizente com o intento e com os princípios que conduzem todo o Código
de Proteção e Defesa do Consumidor, a saber: o reconhecimento da vulnerabilidade do
consumidor e a aferição da boa-fé nas relações entre consumidores e fornecedores. Portanto, a
teoria mista, corrente da qual faço parte, determina de forma mais acertada o conceito de
consumidor – destinatário final.

Consumidores equiparados
Até este momento, tratamos neste capítulo da explicitação do termo consumidor, quando
conferido àquela pessoa individual, determinável, que, como destinatário final, adquire ou
utiliza produto ou serviço. Ocorre que o Código de Proteção e Defesa do Consumidor vai mais
além, e confere, também, à coletividade de pessoas e vítimas do evento o status de consumidor.

A coletividade de pessoas
O parágrafo único do artigo segundo do CDC decide que a coletividade de pessoas,
determináveis ou não, que haja intervindo nas relações de consumo, são equiparáveis aos
consumidores. Assevera Filomeno que, “Dessa forma, além dos aspectos já tratados em passos
anteriores, o que se tem em mira no parágrafo único do art. 2° do Código do Consumidor é a
universalidade, conjunto de consumidores de produtos e serviços, ou mesmo grupo, classe ou
categoria deles, e desde que relacionados a determinado produto ou serviço. Tal perspectiva é
extremamente relevante e realista, porquanto é natural que se previna, por exemplo, o consumo
de produtos e serviços perigosos ou então nocivos, beneficiando-se assim, abstratamente, as
referidas universalidades e categorias de potenciais consumidores. Ou, então, se já provado o
dano efetivo pelo consumo de tais produtos ou serviços, o que se pretende é conferir à
universalidade ou grupo de consumidores os devidos instrumentos jurídico-processuais para que
possam obter a justa e mais completa possível reparação dos responsáveis, circunstâncias essas
pormenorizadamente previstas a partir do art. 8° e seguintes do Código do Consumidor, e,
sobretudo pelo art. 81 e seguintes.”182 O Código de Proteção e Defesa do Consumidor
reconhece que as pessoas, mesmo sem adquirir ou utilizar produto ou serviço como destinatário
final, ou que estejam em grupos indetermináveis, podem estar em condição de vulnerabilidade
às práticas comerciais cometidas pelos fornecedores. Sendo assim, esse grupo de pessoas
necessita ser defendido, amparado através das normas e princípios do CDC, de forma
equiparada àqueles consumidores individuais e determináveis que participaram da relação
jurídica de consumo, ou seja, adquiriram produtos ou serviços como destinatário final. A
coletividade de pessoas (consumidores equiparados), que, de algum modo, tiver sido
prejudicada pelos atos cometidos pelos fornecedores goza de toda a garantia oferecida pelo
Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Este regramento se completa com o artigo 29 do
CDC, que também iguala aos consumidores, todas as pessoas, determináveis ou não, expostas a
práticas comerciais abusivas. “A leitura adequada do art. 29 permite, inclusive, uma afirmação
muito simples e clara: não se trata de equiparação eventual a consumidor das pessoas que foram
expostas às práticas. É mais do que isso. O que a lei diz é que, uma vez existindo qualquer
prática comercial, toda a coletividade de pessoas já está exposta a ela, ainda que em nenhum
momento se possa identificar um único consumidor real que pretenda insurgir-se contra tal
prática.”183 A norma do referido artigo estabelece, portanto, que a coletividade de pessoas,
mesmo que sejam representadas por órgãos de defesa do consumidor, podem ser amparadas
através das diretrizes estabelecidas pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor, para se
defenderem dos atos abusivos praticados pelos fornecedores no meio social.

Vítimas do evento
Quando versa sobre a responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, o Código de Defesa
do Consumidor, em seu artigo 17, trata como sendo consumidor, através de equiparação, todas
as vítimas de um acidente de consumo. Este consumidor equiparado, denominado como
consumidor bystander, mesmo não tendo uma participação direta em uma determinada relação
de consumo, pode tornar-se vítima de um evento danoso causado por um acidente de consumo e
sofrer consequências da mesma forma como o consumidor que adquiriu o produto ou o serviço.
Sendo assim, basta que a pessoa física ou jurídica tenha sua segurança ou saúde atingida por um
evento decorrente de um produto ou serviço, mesmo que não tenha adquirido ou utilizado este
produto ou serviço, podendo até, esta pessoa, ser estranha à relação de consumo, para que seja
igualada a condição de consumidor e tenha toda a proteção das normas e princípios presentes no
Código de Defesa do Consumidor. Como exemplo, tome a seguinte situação: um estudante que
acaba de ser aprovado no vestibular de direito, encontra em cima da sua mesa de estudos um
bilhete dos seus pais dizendo que ele fosse, o quanto antes, à concessionária de automóveis que
fica localizada na avenida principal da cidade, pois eles haviam comprado um automóvel como
prêmio pela sua aprovação no vestibular. O estudante apanha todos os seus documentos e vai
até a concessionária buscar o seu automóvel novo. Ao sair da loja guiando o veículo, o
estudante observa que a luz vermelha do semáforo acende, ele pisa no pedal do freio e constata
que este não está funcionando, ele ainda tenta controlar o automóvel, porém a direção também
não obedece aos seus comandos e o veículo vai de encontro a um ponto de ônibus, atingindo
uma médica, um padeiro e um veterinário que estavam no local. Feita a perícia, constata-se que
o veículo, apesar de novo, foi entregue ao consumidor sem uma peça que serve de encaixe ao
pedal do freio e, além disso, com a barra de direção quebrada. Neste caso, todas as pessoas
atingidas pelo veículo são vítimas do acidente de consumo, sendo, portanto, consumidores
equiparados ao estudante (o estudante, por sua vez, é consumidor porque seus pais adquiriram o
veículo para lhe satisfazer um desejo ou uma necessidade). Todas essas pessoas (o estudante, a
médica, o padeiro e o veterinário) podem reclamar os seus direitos junto ao fornecedor.
Conceito de Fornecedor
Após explicitar a conceituação do consumidor, bem como das teorias sobre o assunto e das
espécies de consumidor, definir-se-á agora o outro polo da relação jurídica de consumo, o
fornecedor. A LDC conceitua o fornecedor no artigo 3.º, e traz as definições para produto e para
serviço em seus nos números seguintes, sendo estes últimos os elementos objectivos da relação
de consumo.
Segundo o supracitado artigo no seu n.º 2, Fornecedor é toda a pessoa física ou jurídica, pública
ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados que desenvolvem
actividades de produção, montagem, criação, construção, transportação, importação, exportação,
distribuição ou comercialização de bens ou prestação de serviços.
Da mesma forma que procedemos na acepção do termo consumidor, tomaremos, para uma
melhor explicitação, além da conceituação expressa na Lei, definições do termo fornecedor,
também, a partir de dicionários da língua portuguesa e dicionários jurídicos. O Dicionário
Houaiss da língua portuguesa considera fornecedor como sendo: “adj.s.m. 1 que ou o que
fornece (algo) 2 que ou aquele que abastece com regularidade (alguém) com algum produto,
matéria-prima, água, gás, eletricidade etc. 3 que ou o que produz, que é fonte de; produtor.”184
O Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa traz o seguinte significado para fornecedor:
“adj. 1. Que fornece. S. m. 2. Aquele que fornece ou se obriga a fornecer mercadorias.”185
Para Maria Helena Diniz, em seu Dicionário Jurídico, encontramos o seguinte sentido para
fornecedor: “1. É a pessoa natural ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, ou
ente despersonalizado, que desenvolve actividade de produção, montagem, criação, construção,
transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou
prestação de serviços.”186 Segundo Pedro Nunes, em seu Dicionário de Tecnologia Jurídica, o
conceito de fornecedor seria: “Aquele que fornece ou abastece de víveres ou mercadorias
necessárias. Produtor.”187
Nota-se que, entre os conceitos de fornecedor explicitados acima, incluindo o disposto pelo
próprio Diploma Legal, apenas o Dicionário Houaiss da língua portuguesa traz em sua definição
do termo fornecedor, o pré-requisito essencial para se determinar a pessoa física ou jurídica,
pública ou privada, nacional ou estrangeira, e os entes despersonalizados, como sendo um
fornecedor: a habitualidade.
Importantíssimo se faz a expressa disposição no conceito de fornecedor: somente poderá ser
determinado como sendo fornecedor, aquela pessoa que coloque produtos ou serviços no
mercado de consumo de forma habitual. Se, por exemplo, uma padaria que possua um veículo
automotor e o utilize para transportar suas encomendas, decidir vender este veículo para uma
pessoa particular, este estabelecimento não pode ser considerado como fornecedor nessa
relação, pois ela não tem habitualidade de negociar a compra e venda de veículos automotores.
A padaria tem a habitualidade, apenas, de produzir alimentos.
No exemplo supramencionado, inexiste um fornecedor nesta relação de consumo, portanto esta
relação não poderá ser normatizada pela LDC, visto que o consumidor carece da presença do
fornecedor para que exista a relação jurídica de consumo e para que esta seja regulada pelo
referida Lei. Assim, esta relação deverá ser regida pelo Código Civil. Justamente pela
obrigatoriedade da existência de um fornecedor para que o consumidor possa ser tutelado pela
LDC, é que a definição de fornecedor recebe tanta amplidão. A Lei determina que fornecedor
seria aquela pessoa que desempenha atividade de produzir, montar, criar, construir, transformar,
importar, exportar, distribuir ou comercializar produtos ou prestar serviços. Sendo assim, é
fornecedor aquele que coloca produtos ou serviços à disposição no mercado de consumo, desde
que de forma habitual.

Conceito de Produto
Vamos tratar agora do produto, e em seguida do serviço, elementos objetivos da relação jurídica
de consumo.
Produto é a consequência da produção, é a coisa que foi fabricada para ser colocada no mercado
de consumo, tornando-se, por subsecutivo, o direito do consumidor e a obrigação do fornecedor
no processo da relação jurídica de consumo.
O n.º 3 do artigo 3° da LDC define Bem nos seguintes termos: “Bem é qualquer objecto de
consumo ou um meio de produção, móvel ou imóvel, material ou imaterial.” Sendo assim, para
as relações jurídicas de consumo, bem tem o mesmo significado de produto, mesmo que móvel
ou imóvel, material ou imaterial, durável ou não durável, novo ou usado.
Destarte, produto sendo tomado como qualquer bem, vamos, pois, elucidar a concepção do
termo bem: Bem é uma coisa que pode ser útil e almejada, sendo suscetível de ser apropriada.
“Assim, todos os bens são coisas, mas nem todas as coisas são bens. O sol, o mar, a lua são
coisas, mas não são bens, porque não podem ser apropriados pelo homem.”188 Na acepção
consumerista, bem – produto deve ser entendido como o objecto da relação jurídica de
consumo. Este objecto satisfaz a necessidade do consumidor que o adquire ou o utiliza como
destinatário final.

Conceito de Serviço
No n.º 4 do artigo 3.º da LDC encontramos a definição legal de serviço. Segundo o preceituado:
“Serviço é qualquer actividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração,
inclusive às de natureza bancária, financeira, crédito e securitária, excepto as decorrentes das
relações de carácter laboral”. Para a Lei, serviço é, portanto, aquela actividade que é fornecida
mediante pagamento, ou seja, os serviços prestados sem remuneração não são regulados pela
LDC.
Deve-se entender aqui que, por vezes o produto e o serviço são ofertados como se fossem
gratuitos ao consumidor, mas na realidade o preço deste produto ou serviço está incumbido no
valor de outro produto ou serviço que o consumidor deverá adquirir – É o pagamento indireto.
Este tipo de serviço deve ser considerado como um serviço efectuado mediante pagamento, já
que o consumidor, indiretamente, paga pelo serviço, portanto, tutelado pela LDC.
Importante se faz ressaltar que, a prestação de serviços pode ou não vir acompanhada de um
produto, mas quando o fornecedor se presta a vender um produto, este processo sempre
acompanha a prestação de um serviço. Veja o exemplo: Quando o cabeleireiro corta o cabelo do
consumidor, somente se verifica a prestação de serviço; porém quando o consumidor vai
adquirir um automóvel, o vendedor presta serviço ao atendê-lo, ao fornecer-lhe o test drive etc.
Os serviços podem ser duráveis e duráveis. Consideramos um serviço não durável aquele que se
completa com uma prestação, sem a necessidade de prosseguimento nesta prestação. Um
exemplo de uma prestação de serviço não durável é o corte de cabelo. Já o serviço durável é
aquele que é prestado de forma contínua. Neste tipo de serviço é estabelecido um prazo para a
sua prestação. Como por exemplo, o serviço de ensino prestado aos acadêmicos, por uma
faculdade.
CAPÍTULO IV - DIREITOS BÁSICOS DO CONSUMIDOR E A PROTEÇÃO
CONTRATUAL NO DIREITO DO CONSUMIDOR

Introdução
O tema direitos básicos constitui um dos tópicos mais relevantes para a compreensão do Direito
do Consumidor. Por isso, serão abordados inúmeros direitos, tais como, proteção à vida, saúde e
segurança, informação e educação para o consumo, proteção contra danos materiais e morais, as
questões inerentes à publicidade (enganosa, abusiva e enganosa por omissão), cláusulas
abusivas, inversão do ônus da prova, entre outros direitos que, reunidos, serão capazes de
transformar o cotidiano do estudioso do Direito do Consumidor.

O direito do consumidor como direito fundamental


Um assunto que começa a suscitar o interesse da sociedade angolana é o dos direitos do
consumidor, havendo indícios de que os cidadãos querem passar a assumir a defesa dos seus
direitos. É inegável que as relações de consumo são das mais importantes nas sociedades
modernas, fazendo com que os Estados adoptem leis e regulamentos de tutela de direitos do
consumidor, procurando, por via do Direito, a justiça na relação entre o consumidor e o
fornecedor, assegurando, deste modo, o necessário equilíbrio entre as partes, com particular
atenção para a protecção do consumidor, dada a sua vulnerabilidade nestas relações.
Como já tivemos oportunidade de referir, a CRA consagra os direitos do consumidor como
fundamentais, dispondo no seu art. 78.º que o consumidor tem direito à qualidade de bens e
serviços, à informação e esclarecimento, à garantia dos seus produtos e à protecção na relação
de consumo, assim como o direito a ser protegido, na saúde e na vida, no fabrico e fornecimento
de bens e serviços, devendo ser ressarcido pelos danos que lhe sejam causados.
O reconhecimento destes direitos como fundamentais indicia o reconhecimento por parte do
Estado do crescimento económico39 e das relações comerciais, em geral, e, em particular, das
relações de consumo, em Angola.
Só com a LDC, os direitos dos consumidores não seriam eficazmente protegidos face à
realidade económica do país, aliada à crescente oferta de bens e serviços com que o mercado
angolano tem vindo a lidar e à fragilidade do consumidor nas relações de consumo, mormente
por falta de conhecimentos técnicos sobre certos bens e serviços.
A dignidade constitucional reconhecida a esses direitos traduz-se no conjunto institucionalizado
de direitos e garantias do ser humano40, tendo por finalidade o respeito à sua dignidade por
parte de todas as entidades (públicas ou privadas) que participam do lado activo das relações
jurídicas de consumo. O meio para a manutenção do respeito da dignidade do consumidor passa
pela protecção dos direitos e interesses do consumidor contra todas as práticas dos agentes
económicos que se considerem atentatórias aos mesmos41.
A partir do Capítulo II da LDC, passaremos a estudar o elenco de direitos que foram pensados
para regular em especial todas as pessoas envolvidas nas relações de consumo.

3.1 Direitos Básicos


Como vimos anteriormente, o estímulo ao consumo serviu para impulsionar a economia após o
término da segunda guerra mundial (Plano Marshall), porém o consumo cada vez mais
recorrente despertou no presidente americano John Fitzgerald Kennedy uma preocupação, tanto
que do dia 15 de março de 1962 enviou ao congresso americano uma mensagem requisitando
uma dedicação especial à figura do consumidor (OLIVEIRA J. M., 2017, p. 1).
Em seu discurso, ele reconheceu os benefícios que o consumo trouxe para a economia
americana, mas ressaltava que “consumidores somos todos nós”, ou seja, embora sendo o
segundo maior grupo econômico de toda nação, os consumidores, de uma maneira geral, ainda
se encontravam desorganizados. Além disso, verificava que o desenvolvimento da tecnologia
aumentou a oferta de bens de consumo e as técnicas de marketing se tornavam cada vez mais
persuasivas (OLIVEIRA J. M., 2017, p. 1).
Nessa mensagem, ele alertava para a necessidade da observância de determinados direitos, e que
o foco, a partir daquela data, seria dentro do mais absoluto respeito à figura dos consumidores,
respeitados os seguintes direitos básicos:
(1) O direito à segurança - de ser protegido contra a comercialização de produtos prejudiciais à
saúde ou à vida.
(2) O direito de ser informado - de ser protegido contra informação, publicidade, rotulagem ou
outras práticas que sejam fraudulentas, enganosas, ou grosseiramente falaciosas, e que sejam a
ele dadas todas as informações das quais precisa para fazer uma escolha adequada.
(3) O direito de escolher - ser assegurado, sempre que possível, o acesso a uma variedade de
produtos e serviços a preços competitivos; e nas indústrias em que a concorrência não é viável
que a regulamentação governamental seja efetiva, deve também haver garantia de qualidade e
serviço satisfatórios a preços justos.
(4) O direito de ser ouvido – para se ter a certeza de que os interesses dos consumidores
receberão consideração completa e favorável na formulação das políticas de Governo, e também
tratamento justo e rápido em seus tribunais administrativos. (OLIVEIRA J. M., 2017)
Como consequência lógica da declaração do presidente americano, o item 3 da Resolução n°
39/248, da ONU sintetizou as seguintes normas universais de defesa do consumidor:
O anexo à Resolução n. 39/248 da ONU contém quatro (04) eixos principais: a) objetivos; b)
princípios gerais; c) normas; d) cooperação internacional. Os quatro (04) eixos principais do
documento em referência foram inicialmente subdivididos em quarenta e seis (46) itens. O
capítulo referente aos objectivos da protecção internacional propõe o reconhecimento dos
interesses e necessidades dos consumidores de todos os países, com destaque especial aos
consumidores dos países em desenvolvimento. Com efeito, à época da adoção da Resolução n.
39/248 da ONU, os países desenvolvidos já haviam editado leis sectoriais de proteção dos
consumidores, porém nos países em desenvolvimento ainda não havia registro significativo de
legislação protetiva da parte vulnerável da relação jurídica de consumo. Há registro, ainda, nas
justificativas dos objetivos da proteção internacional do consumidor o reconhecimento da
vulnerabilidade do destinatário final de produtos e serviços (consumidor), cuja diferença de
força em relação ao fornecedor se apresentava especificamente sobre desequilíbrios
econômicos, níveis educacionais e poder aquisitivo...
As normas (guidelines) de proteção internacional do consumidor são elaboradas a partir da
identificação de temas de alta relevância, como a segurança física do consumidor, a protecção
dos interesses econômicos do consumidor, adopção de padrões de segurança e qualidade de
produtos e serviços, os meios de distribuição de produtos e serviços essenciais aos
consumidores, a reparação dos danos sofridos pelos consumidores, a informação e a educação
para o consumo, e a áreas específicas como alimento, água e medicamento. (SANTANA H. V.,
2014, p. 57).
A mensagem do presidente, além da Resolução, também foi capaz de impulsionar a criação de
normas de defesa do consumidor por todo o mundo. Exemplo disso é que outros países
adotaram a defesa do consumidor, tais como: “Japão (1968 e 1978), Suécia (1971), Noruega
(1972), Alemanha (1973 e 1976), França (1973, 1976 e 1993), Dinamarca (1974), México
(1976), Finlândia (1978), Áustria (1979), Inglaterra (1979), Canadá (1979) e Portugal (1981 e
1996)” (CAVALIERI FILHO, Programa de Direito do Consumidor, 2011, p. 91). A vida em
sociedade requer cuidados, ou seja, a todo momento estamos expostos a riscos, seja no
momento do deslocamento de um lugar para outro ou até mesmo quando sequer saímos de casa.
Tomando por base essa sociedade de riscos, o legislador angolano pensou em um rol
exemplificativo de direitos básicos.
Mas, afinal, o que seriam direitos básicos?
São aqueles interesses mínimos, materiais ou instrumentais, relacionados a direitos
fundamentais consagrados que, ante a sua relevância social e econômica, mereceram ser
expressamente tutelados. Tais direitos se espalham por todo ordenamento jurídico, revestindo-se
de carácter interdisciplinar, afectando praticamente todos os ramos do Direito. Diante da
dimensão coletiva que assumem as relações de consumo, é passível de se afirmar quanto a
existência de um feixe de direitos ou interesses, alguns vagos e difusos (CAVALIERI FILHO,
Programa de Direito do Consumidor, 2011, p. 90).
Tais direitos, originados do novo modelo de produção de massa, tem por fim a protecção do
vulnerável da relação jurídica de consumo, nas palavras de Bolzan:
Assim, a forma encontrada para conseguir reequilibrar uma relação tão desigual foi conferir
direitos aos consumidores e impor deveres aos fornecedores. Sobre o tema, vale lembrar que a
CRA determinou como dever do Estado a proteção do consumidor. Logo, estamos diante de um
direito fundamental e, como tal, imprescindível a concessão de direitos básicos ao consumidor
como forma de concretizar o preceito constitucional. (BOLZAN, 2013, pp. 224-225)
A concessão destes direitos evidencia a preservação da dignidade da pessoa humana enquanto
consumidora nas relações jurídicas e econômicas concretas, protegendo sua existência e seus
legítimos interesses no mercado de consumo (MIRAGEM, 2008, p. 118).

Direito à qualidade dos produtos e serviços


Grande parte dos conflitos oriundos das relações de consumo, especificamente em Angola, tem
como causa a qualidade dos bens e serviços. Para certos autores42, este direito aparece em
primeiro lugar no elenco dos direitos do consumidor consagrados na LDC, dada a especial
importância que este direito assume nas relações de consumo.
Ao adquirir-se um bem ou serviço, a primeira coisa que se espera é que os mesmos
correspondam aos interesses ou necessidades que levaram a adquiri-los43. «Os bens e serviços
destinados para o consumo devem ser aptos para satisfazer os fins a que se destinam e produzir
os efeitos que lhes atribuem» (art. 5.º, n.º 1 da LDC).
Isso significa dizer que o direito à qualidade dos bens e serviços consumidos assegura tanto a
aptidão dos bens e serviços para os fins a que são destinados, como a ausência de qualquer
defeito (adulteração do produto, má qualidade do serviço) de utilidade ou funcionamento,
ligados às características dos mesmos44.
«Proíbe-se o fornecimento de produtos e a prestação de serviços que, em condições de uso
normal ou previsível, impliquem riscos com o seu emprego, inaceitáveis, de acordo com um
nível elevado de protecção da saúde e da segurança física das pessoas»45.
A qualidade dos bens e serviços deve ficar assegurada volvido certo tempo após a sua compra.
No caso da compra de um bem móvel (uma máquina fotográfica, uma máquina de lavar, uma
bicicleta, etc.), o fornecedor deve garantir o seu bom estado pelo período de um ano46, podendo
ser estabelecido prazo mais favorável por convenção das partes (art. 5.º, n.º 2 da LDC). No que
diz respeito à compra de bens imóveis (uma casa), por exemplo, após a entrega do imóvel, o
consumidor tem um prazo de garantia mínima de 5 anos (art. 5.º, n.º 3, do citado diploma),
podendo, igualmente, ter um prazo de garantia maior, conforme o acordado entre as partes.
Caso o bem tenha algum problema e necessite de reparação durante o período de garantia, este
prazo fica suspenso pelo tempo em que decorrer a reparação, recomeçando a contar a partir do
fim da reparação (art. 5.º, n.º 4).
A pensar na vulnerabilidade do consumidor, a LDC estabeleceu normas que o protegem em
relação à qualidade de bens e serviços47, garantindo que, em caso de falta de conformidade48
de um bem ou serviço, o consumidor tem o direito de exigir junto do fornecedor a reparação, a
substituição, a redução do preço ou a resolução do contrato49, sempre que se tratar de um bem
móvel não consumível ou um bem imóvel, desde que a falta de conformidade ocorra no prazo
de um ano (bens móveis) ou cinco anos (bens imóveis).
Todavia, os direitos conferidos pela LDC não funcionam de forma automática, ou seja, apesar
de se verificar a falta de conformidade do produto adquirido, o consumidor só vai exercer os
seus direitos se a falta de conformidade for imputada ao fornecedor (o fornecedor deve entregar
ao consumidor produtos que sejam conformes com o contrato) e não por este (consumidor)
deixar de cumprir com algumas recomendações próprias do produto que adquiriu50.
A Lei das Actividades Comerciais acolhe o prazo de garantia (de um ano) estabelecido na
LDC, sempre que se tratar de um bem duradouro, e impõe ao produtor ou importador de
produtos um dever de garantir aos compradores (consumidores) um adequado serviço técnico,
de informação e reparação, bem como o fornecimento de peças de reposição, durante um prazo
mínimo de 5 anos, contando este prazo a partir da data que o modelo do bem de carácter
duradouro deixe de ser fabricado ou importado51.
A relação entre o fornecedor e o consumidor nem sempre tem o seu fim com a conclusão do
contrato. «Não só a execução diferida como também a aptidão do objecto para a satisfação de
necessidades mais ou menos prolongadas implicam a subsistência ou criação de vínculos
obrigacionais para o comerciante vendedor como até para o produtor»52.
Com o fornecimento de peças de reposição, a lei garante ao consumidor serviços que devem ser
realizados posteriormente à venda do bem e dos serviços instalados (art. 20.º, n.º 3 da LDC).
Caso se verifique a falta de conformidade do produto, como referimos, o consumidor pode
exercer os direitos à reparação, à substituição, à redução do preço ou à resolução do contrato.
Acrescenta a Lei das Actividades Comerciais que constitui infração grave a não aceitação
dentro dos prazos legais da devolução do bem ou equipamento com defeito de fabrico, punível
com multa de 10 a 100 dias53.
A Lei Geral da Electricidade54, no art. 12.º, com a epígrafe «Direitos do Consumidor»,
consagra o direito em análise e determina que a entidade fornecedora de energia eléctrica deve
indemnizar o consumidor pelos danos que lhe causar pela falta de qualidade e continuidade no
fornecimento de energia55. Está aqui subjacente o direito do consumidor à reparação
(indemnização) pelos danos que lhe forem causados, no âmbito da relação de consumo, como
reza o art. 10.º da LDC.
A par do problema da qualidade dos produtos alimentares56 está o problema com o
fornecimento de energia eléctrica. A constante descontinuidade no fornecimento deste bem
(energia), precioso e imprescindível nos tempos de hoje, para o bem-estar do consumidor e do
cidadão como um todo, é, em Angola, causa de frequentes desentendimentos com os
fornecedores desses serviços. Parece-nos, e bem, que os consumidores podem invocar o art. 12.º
da Lei Geral da Electricidade, conjuntamente com o art. 10.º da LDC, sempre que o seu direito à
qualidade nos serviços fornecidos seja violado, obtendo, deste modo, uma reparação efectiva.
O legislador, ao consagrar o direito à qualidade dos bens e serviços, teve como preocupação ir
ao encontro quer da necessidade de protecção do consumidor nas relações de consumo, quer na
aquisição de bens ou fornecimento de serviços, tendo esse direito perfeita harmonização com a
ideia constitucional (art. 78.º da CRA) de que a qualidade deve ser preconizada e claramente
protegida, para que os bens e serviços destinados para o consumo sejam aptos para satisfazer os
fins a que se destinam.
A defesa do consumidor, em Angola, vai ao ponto da obrigatoriedade de se ressarcir o
consumidor por eventuais danos que lhe sejam causados, decorrentes do fabrico e fornecimento
de bens e serviços (art.s 10.º, 11.º e 12.º da LDC). A questão que importa aqui colocar é a de
saber se os consumidores em Angola têm um conhecimento considerado razoável dos seus
direitos consagrados na Constituição e demais legislação.
A falta de informação do consumidor é um factor que concorre para a baixa qualidade dos bens
e serviços57, em geral, e, consequentemente, para a falta de uma cultura de qualidade em
Angola que, não raras vezes, aparece conexa ao fraco poder de compra. Por outro lado, há
fornecedores de bens e serviços que, se aproveitando da falta de conhecimento por parte dos
consumidores dos respectivos direitos, se eximem do cumprimento dos seus deveres, mormente
no que à qualidade dos bens e serviços respeita.
Porém, isso não significa que em Angola não existem produtos e serviços de qualidade.
Entretanto, a existência de mercados informais e mercearias (vulgo cantinas), que na sua
maioria pertencem a emigrantes, a falta de poder económico, a falta de informação e a falta de
um órgão de acreditação (fiscalizador da qualidade de bens e serviços) no país, vêm, de certa
maneira, agravar a situação, na medida em que as entidades angolanas que pretendam fazer
trabalho de certificação e inspecção só podem fazê-lo através da Comunidade dos Países da
África Austral (SADC), em cuja estrutura Angola está inserida, enquanto membro da
organização regional58.
Sem descurar o papel que o INADEC desempenha em relação a práticas que colocam ou
podem colocar em perigo a saúde e a vida do consumidor, consideramos de extrema
importância que o consumidor conheça e exerça de forma consciente os seus direitos, na medida
em que só conhecendo os seus direitos poderá denunciar os eventuais abusos.
Situações há em que o consumidor, tendo pleno conhecimento de determinadas irregularidades
no fornecimento de bens e serviços, ainda assim não as dá a conhecer, em virtude da falta de
«fé» de que as autoridades competentes59 as tenham em consideração.
Para que se melhore este quadro, será necessária uma maior divulgação não só dos direitos do
consumidor, mas também do papel das autoridades competentes para a defesa e protecção dos
seus direitos. O consumidor deve conhecer não só os instrumentos legais que o protegem como
a forma como os órgãos competentes reagem a determinados actos ilegais praticados por quem
exerça uma actividade económica que vise a obtenção de lucro.
A economia angolana continua a crescer, verificando-se um aumento constante no que diz
respeito à produção de bens e serviços, o que implica uma particular atenção aos bens e serviços
consumidos pelos cidadãos. O Estado, ao criar a LDC e reconhecendo constitucionalmente os
direitos do consumidor, teve em conta o crescimento económico (como referimos
anteriormente), intervindo no sentido de evitar e resolver os conflitos que surgem nas relações
de consumo60.

Direito à protecção da saúde e à segurança física


Este direito tem consagração constitucional61 (art.s 78.º, n.º 1º, da Constituição) e
infraconstitucional (art.s 4.º, b), e 6.º da LDC), e tem como escopo a proibição do fornecimento
de bens e serviços que coloquem em perigo a saúde e a segurança física do consumidor, ou seja,
os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazerem os fins para os quais
se destinam, bem como a produzirem os efeitos adequados para não porem em perigo a saúde e
a segurança física do consumidor, excepto aqueles que sejam inerentes aos bens e serviços
abstratamente considerados, podendo ser tidos como normais e previsíveis62 em decorrência da
sua natureza e fruição.
Angola vive praticamente da importação de bens alimentares e fármacos para o consumo
interno. As longas distâncias e o longo tempo entre o fabrico, transporte, análise de qualidade,
distribuição e comercialização, podem revelar-se inadequados para o consumo, na medida em
que os mesmos, nas diferentes fases do seu percurso até ao consumidor, se sujeitam a diversas
condições de conservação que podem pôr em causa a saúde e segurança física do consumidor.
Com efeito, o fornecedor desses bens deve prestar toda a informação necessária sobre os
produtos adquiridos, tais como o prazo de validade, o modo de uso e as possíveis reacções
resultantes de misturas com outros produtos, entre outras (art. 6.º, n.º 1 da LDC), pois, resulta do
art. 9.º da LDC que o fornecedor tem a obrigação de comunicar de forma clara e adequada,
antes da celebração do contrato, os riscos de utilização normal dos bens e serviços, quando
existam. Para além dos deveres citados que recaem sobre os fornecedores de produtos e
serviços, são exigências que se incluem neste tipo de direito as informações sobre a salubridade
dos géneros alimentícios63 e a segurança dos medicamentos que são postos no mercado de
consumo.
«O número de pessoas que manipula alimentos destinados à venda, seja para consumo directo
ou ainda no âmbito do processo de transformação, exige uma vigilância constante dos locais de
confecção […] pelo que devem sujeitar-se às competentes inspecções de sanidade física.
Todavia, outro aspecto fundamental é o conhecimento dos princípios básicos de higiene para a
manipulação dos alimentos»64.
A existência de riscos considerados normais e previsíveis, nos termos do art. 6.º da LDC, não
conduz a uma completa isenção do fornecedor, mas remete para um tratamento jurídico
específico, no quadro do qual se afirma um dever de alardear a existência do risco, que é uma
consequência necessária da obrigação genérica de informar sobre o bem ou serviço prestado,
não apenas ao consumidor em sentido estrito, mas a todos aqueles que podem ser considerados
como vítimas dos danos causados pelos riscos, no âmbito da actuação do fornecedor, ou seja,
dos riscos inerentes à sua actuação económica65.
Os produtos e serviços que, por qualquer razão, se apresentem inadequados para o consumo e
sobre os quais não forem prestadas quaisquer informações como é estabelecido na norma, dão
origem à responsabilidade do fornecedor ou do produtor pelos danos morais ou patrimoniais
(art. 6.º, n.ºs 1 e 2 do citado diploma) causados ao consumidor66, tanto pela insuficiência ou
inadequação das informações, como pelos defeitos relativos à prestação de serviços67.
O produtor e o fornecedor não são responsabilizados somente pela reparação dos danos que
causarem com a circulação do produto no mercado. Porém, também respondem solidariamente
pelos vícios de qualidade ou quantidade que se tornam impróprios ou inadequados ao consumo
a que se destinam68.
A LDC, ao estabelecer que não é lícito introduzir no mercado para comercialização bens ou
serviços que se sabe serem nocivos ou perigosos para os potenciais consumidores, inclui um
dever de ofício, referindo-se àqueles que, dentro do exercício das suas funções, tenham
conhecimento da existência de bens ou serviços proibidos, devendo dar a conhecer às entidades
competentes para a fiscalização do mercado a ocorrência de tais factos. Posteriormente ao
conhecimento da existência de produtos ou serviços proibidos no mercado de consumo, devem
as entidades competentes proceder à apreensão, à retirada do mercado ou à interditação dos bens
e prestação de serviços que impliquem perigo para à saúde pública ou que não obedeçam aos
requisitos técnicos e utilitários, legalmente exigidos69.
Como se verifica, a LDC desenvolve institutos em defesa dos valores fundamentais da
personalidade humana: vida, saúde e segurança. Estes valores sobrepõem-se aos demais, em
termos de efectiva protecção da parte considerada mais fraca. Por isso, o legislador, aquando da
criação da LDC, tendo em atenção a salvaguarda do direito à vida, enquanto bem jurídico
fundamental, procurou criar um sistema de protecção do consumidor em que se especifiquem as
responsabilidades dos produtores e fornecedores, por forma a assegurar que os bens e serviços
satisfaçam os requisitos normais para o consumo.
Por falta de uma regulamentação precisa e coerciva, em que sejam impostas regras mínimas de
qualidade e segurança dos bens e serviços conformes com as exigências sociais, não será de
esperar que os produtores e os prestadores de serviços voluntariamente as incluam nas suas
normas de produção e de prestação de serviços, sendo necessário que o direito do consumo
defina, imponha e sancione a não conformidade dos bens e serviços às mencionadas exigências
sociais, que traduzem as legítimas espectativas do consumidor70.
O fornecimento de bens ou serviços nocivos à saúde ou comprometedores da segurança do
consumidor é responsável pela maior parte dos chamados «acidentes de consumo», fruto do
advento da produção e do consumo em massa. Os casos mais frequentes de fornecimento
capazes de afectarem a saúde e a segurança do consumidor localizam-se na área dos alimentos e
fármacos, com maior incidência nestes últimos, dada a existência de mercados informais onde,
inclusive, fármacos sujeitos a receita médica são comercializados normalmente, à margem dos
padrões legais de conservação a que este tipo de produto está sujeito.

Direito à informação
A necessidade do estabelecimento de relações jurídicas de consumo mais equilibradas passa
pelo reconhecimento do direito à informação, em particular ao consumidor, por forma a
permitir-lhe aferir as melhores opções existentes no mercado de consumo.
A informação tratada aqui não se refere à informação geral como uma das incumbências do
Estado, para a formação do consumidor sobre os bens e serviços colocados no mercado de
consumo, como vimos anteriormente. Refere-se a um direito particular do consumidor à
informação acerca de todos os elementos essenciais de um bem ou serviço, bem como a todos
os esclarecimentos71 (informação) prestados pelo profissional, no momento da celebração de
qualquer contrato de consumo, ou seja, constante da declaração do profissional que influencia a
decisão do consumidor de celebrar ou não determinado contrato.
O direito à informação em particular, como direito fundamental (art. 78.º da CRA), vem
previsto nos art.s 4.º, n.º 1, c) e 9.º da LDC, onde se reconhece um direito de que os
consumidores em concreto não podem abdicar, isto é, o de serem devidamente esclarecidos de
todos os termos que fazem parte de qualquer contrato de consumo, ou seja, os profissionais e
todas as entidades envolvidas numa relação de consumo estão sujeitos ao dever de informar o
consumidor, de forma clara e adequada, sobre os diferentes bens e serviços, quanto à
especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como
sobre os riscos a eles inerentes (art. 9.º, n.º 1).
O consumidor está assim protegido por um princípio fundamental constitucionalmente
consagrado, o de lhe serem prestados toda a informação e esclarecimentos necessários para a
contratação, permitindo-lhe, deste modo, a tomada de uma decisão correta, no momento da
celebração do contrato em causa72. Caso as informações essenciais para a celebração do
contrato de aquisição de bens ou prestação de serviços não lhe sejam devidamente
transmitidas73, o legislador prevê a possibilidade da resolução do contrato, num período de sete
dias a contar da data da recepção do bem ou da celebração do contrato de prestação de serviços,
bem como a reparação dos danos pela falta ou insuficiência de informação, não só por parte do
fornecedor, ou seja, para além do próprio vendedor, mas por parte de todos os restantes elos da
cadeia, desde o produtor ao distribuidor, responsáveis pelas informações prestadas ao
consumidor, desde que tenham violado igualmente o dever de informação (art. 9.º, n.ºs 2 e 3).
Assim, o consumidor tem direito a ser informado completa e lealmente, com vista à formação
da sua correta decisão no momento da celebração do contrato. As informações constantes dos
rótulos, prestadas nos locais em que são comercializados diversos produtos ou divulgados por
meio de publicidade, devem ser rigorosamente verdadeiras, precisas e esclarecedoras quanto a
todos os elementos essenciais que compõem determinado bem ou serviço.
O Regulamento sobre a Afixação dos Preços em Estabelecimentos Comerciais74 faz referência,
nos seus vários artigos, ao direito à informação em especial do consumidor, estabelecendo, no
seu art. 1.º, que «todos os bens destinados à venda ao público devem indicar o respectivo
preço»75 de venda ao consumidor e que, seja qual for o suporte utilizado, a indicação deve ser
feita de modo a que o consumidor não tenha dúvidas, ou seja, é necessário que a indicação do
preço seja feita em letra legível, através da utilização de letreiros, etiquetas ou listas, em
conformidade com o art. 4.º, n.º 1, do referido Regulamento, de modo a permitir ao consumidor
ter o conhecimento do valor total ou por unidade do produto a pagar.
No que se refere à prestação de serviços, seja qual for a sua natureza, os preços devem ser
afixados em locais visíveis, no espaço onde os serviços são propostos ou prestados ao
consumidor (art. 7.º, n.º 1, do mesmo diploma).
A protecção conferida pela LDC ao consumidor ocorre fundamentalmente em três fases: na
fase pré-contratual76, na fase contratual e na fase pós-contratual (consubstanciando-se na
prestação de assistência técnica, reparação, substituição do bem ou serviço, etc.), buscando-se
em qualquer dessas fases o equilíbrio contratual. É evidente que, para que se efective este
equilíbrio, se torna necessária uma maior disponibilidade de informações essenciais ao
consumidor, por parte do fornecedor, dos bens e serviços oferecidos no mercado. Por exemplo:
caso se compre uma máquina fotocopiadora e as instruções e demais informações apenas
estiverem redigidas em inglês ou noutra língua, o consumidor tem o direito de exigir do
fornecedor um novo manual em português, em virtude de, em Angola, a língua oficial ser o
português.

Direito à protecção dos interesses económicos


Este direito vem consagrado nos art.s 4.º, n.º 1, alínea a) e 15.º da LDC. Este é um dos direitos,
tal como o direito à informação, que se pode considerar um pilar77, no âmbito da defesa do
consumidor. Este direito tem particular importância na contratação78, especialmente no que diz
respeito aos contratos pré-redigidos, que abordaremos mais adiante, onde não há negociação
entre comprador (consumidor) e vendedor (fornecedor). Todavia, existem certas normas que o
vendedor tem de respeitar, como a redação clara e inequívoca das cláusulas do contrato e a não
utilização de cláusulas que originem desequilíbrios e desigualdades79, como é o caso de
cláusulas contratuais gerais abusivas que são proibidas por lei (art.s 16.º da LDC e 10.º da
LCGC), por desrespeitarem os direitos do consumidor.
O art. 15.º faz referência, nos seus vários números, a aspectos essenciais da defesa do
consumidor, ao considerar que deve haver nas relações de consumo igualdade material dos
intervenientes80, a lealdade e a boa fé. Esta igualdade é aferida nos preliminares, na formação e
na vigência do contrato81, protegendo assim o consumidor em relação a situações abusivas que
ressaltam da elaboração dos contratos82.
Os contratos de consumo que não forem precedidos da informação necessária para que o
consumidor tenha conhecimento prévio do conteúdo contratual e forem redigidos com o
objectivo de dificultar a compreensão do seu sentido e alcance não o vinculam83.
Este direito visa prevenir os eventuais abusos por parte dos fornecedores de bens e serviços,
impondo nas relações jurídicas de consumo a igualdade material dos intervenientes, a lealdade e
a boa fé84, como acima referimos.
Este direito prevê que não se pode exigir do consumidor o pagamento de bens ou serviços que
não tenha solicitado85 ou que não constitua cumprimento de um contrato válido86. O
fornecimento de um bem ou serviço ao consumidor, sem a sua prévia solicitação, constitui uma
prática comercial agressiva87, e, de acordo com a LDC, o consumidor não tem o dever de
proceder à sua devolução ou compensação, nem tem a responsabilidade pelo risco ou
perecimento da coisa88.
Relativamente aos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial, seja por meio de
correspondência ou outro equivalente89, a LDC prevê um prazo de sete dias para a resolução do
contrato por parte do consumidor, a contar da data de recebimento do bem ou serviço.
Entendemos que o legislador, com esta norma, teve como pretensão proteger o consumidor dos
contratos celebrados no domicílio e outros equiparados90, nomeadamente os celebrados no
local de trabalho do consumidor, celebrados em reuniões e celebrados durante uma deslocação
organizada pelo fornecedor ou em lugar indicado pelo fornecedor.

Direito à prevenção e à reparação dos danos


Entre os direitos do consumidor, encontramos a efetiva prevenção e reparação de danos
patrimoniais e morais91, individuais, colectivos e difusos (art.s 4.º, n.º 1, al. e) e 10.º da LDC),
ou seja, a lei coloca à disposição do consumidor meios e processos que lhe permitem compelir o
fornecedor a reparar financeiramente eventuais danos causados pelo fornecimento de
determinado bem ou serviço. Os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a
satisfazerem os fins a que se destinam, bem como a produzirem os efeitos adequados, para não
colocarem em perigo ou risco a saúde e a segurança física do consumidor.
O direito à prevenção e à reparação dos danos traduz-se no direito que o consumidor tem a ser
indemnizado pelos prejuízos causados pelo fornecimento de bens ou serviços defeituosos, por
assistência deficiente ou por violação (incumprimento) do contrato de fornecimento e, em geral,
por todas as práticas ou actos que atentem contra os direitos do consumidor92.
A CRA prevê, no art. 78.º, n.º 2, que «o consumidor tem direito a ser protegido no fabrico e
fornecimento de bens e serviços nocivos à saúde e à vida, devendo ser ressarcido pelos danos
que lhe sejam causados». Com vista à efectivação deste direito, a LDC desenvolve institutos em
defesa dos principais valores da personalidade humana (vida, saúde e segurança), tais como
responsabilidade93 pelos danos patrimoniais e morais, resultantes do fornecimento de produtos
defeituosos94 ou da má qualidade dos serviços prestados, bem como da má informação sobre os
diferentes bens e serviços, a todos os agentes no mercado de consumo (art. 10.º, n.º 1,
conjugado com o art. 9.º, n.º 3, ambos da LDC). Daí advém o princípio da solidariedade passiva,
com o objectivo de reforçar as garantias de ressarcimento dos danos que vierem a ser causados
ao consumidor.
Para que exista responsabilidade (e consequentemente o dever de indemnizar), tem de existir
um bem ou serviço defeituoso95. Daí a importância da definição jurídica de defeito, que é dada
pelo art. 10.º, § 1.º e 4.º da LDC:
O bem é defeituoso «quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera,
levando em consideração as circunstâncias relevantes, nomeadamente:
a) As da sua apresentação; b) O uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; c) A época
em que foi colocado em circulação».
«O serviço é defeituoso quando não se oferece a segurança que o consumidor dele pode
esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, nomeadamente:
a) O seu modo de funcionamento; b) O resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
c) A época em que foi fornecido».
Todavia, a lei assegura não ser justo considerar o produto defeituoso pelo facto de ser colocado
no mercado de consumo outro produto com melhor qualidade (art. 10.º, § 2.º da LDC). Sabe-se
que o mundo actual conta com um elevado nível tecnológico no processo de produção e de
competitividade no que à oferta de bens e serviços respeita, factor que faz com que um
determinado produto lançado posteriormente no mercado venha quase que automaticamente
desvalorizar outro produto lançado anteriormente, por motivos diversos, sendo o mais comum o
da concorrência.
Com efeito, pela inserção no mercado de novo produto de qualidade superior ao anterior do
mesmo género, não pode o produto anterior ser considerado defeituoso do ponto de vista legal,
pois a sua utilidade ou valia não pode ser atacada por superveniente desenvolvimento da ciência
e da técnica96. Por outro lado, o legislador conforma o defeito do produto [….] «à época em
que o mesmo foi posto em circulação» (art. 10.º, § 1.º in fine da LDC).
A aferição do responsável pelos danos causados ao consumidor, isto é, a quem atribuir a
reparação pelos prejuízos causados, compete ao aplicador da lei determinar. Caso se verifique
alguma dificuldade em determinar o responsável, a lei estabelece que responde imediatamente o
vendedor ou comerciante, por força da relação mantida com o consumidor (art. 10.º, § 3.º da
LDC).
Entretanto, nos art.s 11.º e 12.º da LDC, o legislador traçou dois esquemas para a
responsabilização dos intervenientes no mercado de consumo para a área dos bens e para a área
dos serviços, respectivamente, estabelecendo várias exigências, com vista a melhor aferir e
salvaguardar os bens e serviços destinados ao consumo, segundo as legítimas expectativas do
consumidor. No art. 11.º, n.º 1, a LDC impõe ao fornecedor de bens ou serviços que respeite o
valor do bem ou serviço medido pela sua qualidade97 ou quantidade, considerando o
desrespeito das exigências estabelecidas como geradores de responsabilidade, sendo esta
responsabilidade solidária caso haja mais de um autor98, respondendo todos pela reparação do
dano causado, isto é, quando o bem se torne impróprio99 ou inadequado para o consumo.
Todavia, esta responsabilidade não recai unicamente pelo vício sobre a quantidade ou
qualidade do bem, incide ainda sobre aqueles que resultam das disparidades em relação às
indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária.
Sempre que um bem contiver um vício e, por este motivo, for impróprio ou inadequado para o
consumo, a lei determina um prazo de 30 dias para que o mesmo seja sanado. Não sendo o vício
sanado dentro daquele prazo, pode o consumidor exigir a substituição do bem viciado por outro
da mesma espécie ou a restituição da quantia paga100.
Para a efectivação do direito à indemnização, garante-se a todo o consumidor o acesso aos
órgãos judiciais e administrativos, com vista à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e
morais, individuais, colectivos ou difusos (art. 27. da LDC). Entretanto, em Angola, na
resolução de tais conflitos tem sido recurso prioritário a via administrativa101, concretamente
através da mediação (realizada pelo INADEC).

Oferta e Publicidade
A publicidade é, nos dias de hoje, um dos instrumentos150 mais utilizados pelo fornecedor,
com o propósito de fazer com que os seus produtos ou serviços sejam do conhecimento de
todos, tendo efectivamente uma quota parte de responsabilidade no aumento das vendas e na
colocação e escoamento dos diversos bens e serviços que se publicitam151.
O desenvolvimento dos meios de produção e distribuição de produtos e serviços nos dias actuais
só alcançou os níveis observados e já noticiados nos capítulos anteriores graças à atuação da
chamada indústria da comunicação. Principalmente a partir do pós segunda-guerra mundial, as
relações entre fornecedores e consumidores passaram a ser cada vez menos directas e pessoais
ou pautadas pela simples necessidade de se adquirir um produto ou serviço.
Ao contrário, essa relação passa cada vez mais a ser intermediada pelas mensagens veiculadas
nos diversos suportes de mídia: em um primeiro momento massivamente em rádio e TV e cada
vez mais nas mídias sociais e redes de compartilhamento de informações online.
Paradoxalmente, na actual sociedade de consumo os mercados são cada vez mais segmentados e
direccionados e menos personalizados, no sentido de que a relação directa entre fornecedor e
consumidor hoje em dia é inclusive desmaterializada – no caso do crescente uso dos meios
electrônicos para a contratação de produtos ou serviços. Nesse contexto é que o fornecedor
precisa se empenhar para divulgar seu produto ou serviço e cativar o consumidor, seduzindo-o a
adquiri-lo.
De certo, há comerciantes que atraem consumidores tão-somente com a existência de seu
estabelecimento em uma determinada localidade. É o caso da única padaria de um bairro inteiro;
a oferta deste empresário costuma ser de simples apresentação de seus produtos nas prateleiras
com qualidade, pois a procura dos consumidores é certa. Mas, não é esta a regra. A circulação
de produtos e serviços, hoje, é feita entre países, estados e cidades, através de importações e
exportações que não mais permitem ao consumidor conhecer os estabelecimentos comerciais.
A confiança e o trato pessoal e directo com o fornecedor é algo cada vez mais raro. No entanto,
para que o consumidor sinta-se motivado a adquirir um produto ou serviço, precisa antes de
mais nada confiar no fornecedor. A oferta e a publicidade se apresentam então como centrais
para o dinamismo da actual sociedade de consumo, na medida em que estabelece uma relação
entre fornecedor e consumidor, incentivando a confiança no fornecedor e o desejo por
determinado produto ou serviço²⁸.
A publicidade pode ser entendida como o instrumento pelo qual o fornecedor faz com que seu
produto ou serviço seja conhecido pela colectividade. Mas, em verdade, é muito mais do que
isso. A publicidade, na actual sociedade de consumo de massa estimula não apenas o interesse
dos consumidores acerca de determinados bens, como também induz ao seu consumo. A
publicidade, na sociedade de massa, dissemina, portanto, não apenas informações sobre os
produtos, mas busca convencer os consumidores da imprescindibilidade, conveniência ou
importância de se adquirir certos bens.
Com isso, difunde também valores e noções sobre estilos de vida e padrões do que pode ser
considerado normal, esperado, interessante ou mesmo desejável. Para ser bem sucedida, a
mensagem deve dialogar ou reflectir, em alguma medida, valores e sentimentos dos indivíduos
de determinada sociedade. Nesse sentido, e como veremos mais a frente, discutir publicidade
implica discutir também, em alguma medida, valores, o que torna o tema bastante controvertido
e objecto de acaloradas discussões. Tecnicamente, alguns doutrinadores diferenciam
publicidade de propaganda, sendo a primeira aquela com o intuito manifestamente comercial e a
segunda com o objectivo de disseminar ideias políticas, filosóficas, religiosas (campanhas
políticas, governamentais, etc.). Para fins de estudo e aplicação da LDC, será utilizado apenas o
termo publicidade, que é a mensagem que se insere no contexto de uma relação de consumo.
A publicidade, como acção empresarial destinada a promover o incremento da comercialização
de produtos e serviços é regulada pela LDC, que estabelece uma disciplina, indicando limites
para que esta mensagem seja considerada lícita. A matéria é regulada no Capítulo V, art.º 21.º
da LDC, sobre as práticas comerciais.
Relativamente à oferta, segundo a doutrina, é a etapa que antecede os contratos, ou seja, o
conjunto de esforços, informações e práticas adoptadas pelo fornecedor para que o consumidor
com ele contrate. Isto decorre logicamente da função essencial da oferta: apresentar uma
proposta de contratação aos consumidores sugerindo preço, destacando qualidades dos produtos
e serviços, promoções, e demais recursos atractivos que os convidam a consumir.
Deveras, a assinatura do contrato, ou mesmo a celebração de um contrato oral (verbal), não é,
de regra, o início da relação estabelecida entre fornecedor e consumidor. Antes disso, várias e
sofisticadas técnicas de marketing são utilizadas para atrair o comprador, tais como publicidade,
oferta, promoções, “brindes”, etc.
O contrato, sob a óptica da LDC, deve ser visto integralmente, abrangendo, inclusive, a fase
pré-contratual. Como visto, praticamente tudo que é dito e anunciado por meio de oferta verbal,
recibos, pré-contratos e publicidade já possui efeitos em relação ao fornecedor (cfr. Art.º 20 da
LDC).
Cuida-se do princípio da vinculação da oferta e da publicidade que está expresso no art. 20 da
LDC, com a seguinte redação: “Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa,
veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços
oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra
o contrato que vier a ser celebrado”.
Em síntese, tudo que é objectivamente oferecido nesta fase pré-contratual (preço, condições de
pagamento, qualidade do produto, garantia, etc.) vincula o fornecedor. Acrescente-se que,
independentemente de acordo ou conciliação com o consumidor, o descumprimento da oferta
pode acarretar a aplicação de sanção administrativa (art.º 26.º da LDC).
Quando falamos da publicidade, é necessário que tomemos algumas precauções quanto à sua
difusão, porque «ela é idealizada, produzida e veiculada com vista a convencer o público
consumidor»152 a adquirir os bens ou serviços publicitados. Este convencimento normalmente
ocorre mediante persuasão do consumidor, no sentido de manter certos hábitos de consumo ou
de modificar esses mesmos hábitos153.
Convencer o público consumidor a adquirir bens e serviços e mudar os hábitos de consumo
através da publicidade154 faz com que, muitas das vezes (se não mesmo na maioria), os
operadores económicos ajam de forma desleal, dando assim origem a uma prática comercial
desleal155, facto que nos parece ter sido determinante para que o legislador inserisse a matéria
sobre a publicidade no Capítulo V da LDC, sobre as práticas comerciais.
A Publicidade e os Consumidores
Desde a década de 50 (pós Segunda Guerra Mundial), a introdução de um novo produto ou
serviço posto em circulação no mercado passou a ser acompanhada necessariamente da
criatividade de profissionais e empresas especializadas em promover mensagens comerciais, a
partir dos mais diferentes meios, formas e técnicas destinadas à promoção destes lançamentos
perante os consumidores, despertando-lhes o desejo de consumi-los.
Os meios de comunicação (ou veículos de mídia), desde a criação e considerável circulação dos
jornais, seguida pela era do rádio, pela televisão, o cinema, até a chegada da rede mundial de
computadores (internet), praticamente invadiram a vida e o dia-a-dia dos consumidores em todo
o planeta; ao ponto de ser difícil encontrar uma pessoa que não passe um dia sem ter contacto
com um televisor, um aparelho de rádio, um letreiro (outdoor), ou ao caminhar na rua sem
receber um panfleto relativo à oferta de um produto ou serviço.
Actualmente, discute-se muito a publicidade “360°”, aquela que invade todos os espaços
quotidianos da vida do consumidor. Não são apenas as mídias tradicionais que disseminam
apelos ao consumo, mas também as novas redes sociais, as mensagens enviadas por telefones
celulares (que hoje assumem múltiplas funções) e até mesmo as ações de marketing realizadas
em ambientes escolares ou na forma de promoção de eventos desportivos, artísticos ou culturais.
Com isso, as pessoas encontram-se frequentemente expostas às mais diferentes formas de
publicidade, nem sempre éticas ou legais.
Assim, entende-se por publicidade toda e qualquer forma comercial e massificada de oferta de
produtos ou serviços patrocinada por um fornecedor identificado (directa ou indiretamente),
persuadindo sujeitos dispostos a consumi-los. A LDC refere-se à publicidade como actividade
do fornecedor oferecer ao público seus produtos e serviços 3.
É comum pessoas confundirem publicidade com propaganda, apesar de não ser a mesma coisa.
Enquanto a publicidade tem cunho comercial, a propaganda refere-se à divulgação de
mensagens ideológicas, políticas ou religiosas, como já apontado. Neste sentido, o correcto é se
referir aos anúncios relativos a produtos e serviços como publicidades.
Outra palavra muito comumente utilizada para indicar anúncios é o marketing. Oriundo da
língua inglesa, este verbete comporta um sentido mais amplo que a publicidade, pois
compreende todas as etapas de disponibilidade do produto ou serviço, isto é, tanto na sua
origem até sua distribuição. Logo, é correcto afirmar que uma das ferramentas do marketing é a
publicidade. Além do consumidor e do fornecedor há, também, trabalhando directamente com a
publicidade, as chamadas agências publicitárias, os veículos de comunicação e, eventualmente,
as celebridades.
As agências publicitárias (ou de comunicação) compreendem profissionais (publicitários) ou
empresas que exercem a actividade de desenvolver – com recursos, métodos e técnicas
específicas – campanhas publicitárias, sejam elas transmitidas em qualquer veículo, directa ou
indirectamente aos fornecedores em busca da divulgação de seus produtos, serviços ou até
mesmo de seu nome e marca.
Com efeito, a publicidade disponível no mercado sem limitações externas permitiu que os
consumidores fossem muito facilmente induzidos em erro ou vessem, em contacto com os
meios de comunicação, agredidos valores e preceitos éticos, religiosos ou morais. A LDC
trouxe, por sua vez, regras específicas de disciplina construtiva e positiva das publicidades
3
Atenção! A LDC não veio para repreender publicidades, mas apenas para corrigir seus excessos, evitando que sejam elas
instrumentos de prejuízo e indução em erro dos consumidores, permitindo outras vantagens indevidas a fornecedores que, para
tanto, apoiem-se na vulnerabilidade do público.
disponíveis no mercado, conforme adiante apreciado.

Princípios da Publicidade
Pode-se indicar dois princípios basilares a reger a publicidade: o da identificação 4 da mensagem
publicitária e o da veracidade.
O primeiro determina que o consumidor deve ter ciência de que está sendo exposto a uma
mensagem comercial, que teve sua inserção em determinado conteúdo de mídia pago pelo
anunciante. Este aspecto é importante para que o consumidor não confunda conteúdo
jornalístico com publicidade ou mesmo não seja induzido a pensar que eventual conteúdo
apresentado na mídia como a manifestação de personalidade, ao recomendar o uso de um
produto, por exemplo, corresponda a verdadeira opinião desta pessoa.
O segundo relaciona-se com o princípio geral de boa-fé e transparência nas relações de
consumo, segundo o qual as informações veiculadas pelos fornecedores devem ser correctas e
verdadeiras, permitindo ao consumidor compreender exactamente as qualidades do produto ou
serviço que está sendo anunciado.
Um exemplo de publicidade não identificada, ou de difícil identificação, é a chamada
subliminar, assim considerada quando a mensagem publicitária é passada por meio de recursos
visuais ou sonoros estimulantes e capazes de influenciar os consumidores no momento de
escolha, mas que operam em seu subconsciente.
Com certeza, apesar de parecer algo muito complexo e avançado, esta já é a realidade do
mercado actual e se demonstra abusiva em relação à fragilidade dos consumidores,
especialmente quando para atingir um público menos informado. Esta delimitação é bastante
importante. O consumidor tem o direito de saber que está diante de uma peça publicitária,
inclusive para garantir a efectividade de seu direito de escolha. Ou seja, sabendo tratar-se de
mensagem veiculada pelo anunciante, resta claro que seu intuito é meramente comercial, de
indução ao consumo. Estes dois princípios devem ser interpretados em consonância com
liberdade de expressão, mas levando em consideração a vulnerabilidade dos consumidores.

O dever de informar e a publicidade


A informação156 contribui para a melhoria do conhecimento completo, claro e objectivo do
bem ou serviço publicitado, representando igualmente um factor que influencia
significativamente a decisão do consumidor em relação à aquisição de certo bem ou serviço,
bem como os seus hábitos de consumo, devendo, com efeito, ser verdadeira, não podendo
conter dados falsos nem imprecisos, por força do princípio da veracidade157 da mensagem
publicitária cuja infracção é susceptivel de ser qualificada como publicidade enganosa ou
abusiva.
A nossa LDC não contém uma definição de publicidade, todavia, a mesma é-nos dada pela
LGP160, no seu art. 2.º, n.º 1, segundo o qual é «toda a forma de emissão de mensagem com o
fim de atrair a atenção do público para um determinado bem ou serviço, incluindo direito e
obrigações»161.
A publicidade rege-se juridicamente por diversos princípios, entre os quais vigora o do respeito
pelos direitos do consumidor, consagrado no art. 12.º da LGP, segundo o qual a publicidade não
deve atentar contra os direitos dos consumidores.

4
Atenção! Nem sempre, o princípio da identificação é obedecido. É bastante comum os meios de comunicação misturarem a
publicidade com filmes, novelas, reportagens, de modo que o consumidor torna-se um alvo mais frágil para as metas dos
anunciantes. A prática estabelecida no exemplo acima é conhecida como merchandising e ocorre com frequência no País. Ela só
pode ser admitida se houver a fácil e imediata identificação de que se trata de uma publicidade. No caso de revistas, é comum que
haja a expressão informe publicitário para os casos de anúncios muito próximos de reportagens.
Este princípio tem igualmente consagração constitucional, por via do art. 78.º, n.º 3 da CRA.
Segundo o art. 21.º, n.º 1 da LDC, a publicidade deve ser lícita, inequivocamente identificada e
respeitar a verdade e os direitos do consumidor. Por sua vez, o art. 9.º do mesmo diploma
estabelece que o fornecedor de bens e serviços deve informar de forma clara, objectiva e
adequada o consumidor, sobre o período de vigência do contrato, garantias, prazos, etc.
Determinado produto pode ser produzido com melhor tecnologia sem apresentar defeito algum,
mas se o consumidor não é informado clara e adequadamente sobre a forma como o utilizar,
evitando deste modo sua exposição a riscos de acidentes de consumo, o fornecedor responde
pelos danos causados, como se houvesse um defeito de concepção ou de fabrico162.
O princípio da licitude, entendido como o princípio de todos os princípios163 que regem a
publicidade, consiste na preservação da ordem pública social, que não poderá ser afectada pela
publicidade ilícita. Isto implica por parte de todos os operadores económicos que pretendam
comercializar por via da pulicidade os seus bens ou serviços, «o respeito pela lei, pelos valores,
princípios e instituições fundamentais para a vida em sociedade, tais como a liberdade, a
democracia, a igualdade, a privacidade, a dignidade humana, a paz, a segurança [..], valores que
estão consagrados constitucionalmente e cujas violações constituem infracções muito
graves»164.
O legislador consagrou no art. 9.º da LDC alguns dos direitos fundamentais entre aqueles que
são reconhecidos ao consumidor, com o objectivo de proporcionar ao consumidor uma escolha
consciente, pelo facto de que nas sociedades de consumo, incentivadas pelo mercado aberto,
vigora o princípio da livre concorrência165, factor que leva o legislador a impor uma protecção
adequada dos consumidores, através de formas operativas eficazes166. Essa proteção estende-se
à regulamentação do exercício da publicidade e da actividade publicitária, tendo como linha
orientadora a protecção dos «interesses legítimos do consumidor, através da salvaguarda dos
interesses económicos e da defesa da sua integridade, saúde e segurança167.
A publicidade deve ser feita respeitando os princípios da licitude, identificabilidade,
veracidade, livre e leal concorrência e os direitos do consumidor (art.s 21.º da LDC e 7.º da
LGP), e, para que se efective, é necessário que o conteúdo da publicidade seja útil para o
consumidor e não se transforme num obstáculo à livre escolha face à sua vulnerabilidade168,
evitando, deste modo, situações que configurem publicidade enganosa ou abusiva.

A publicidade enganosa e abusiva


Com a globalização, o consumidor passou a ter ao seu dispor uma gama de bens e serviços com
elevada facilidade. Do lado contrário, encontramos o fornecedor desejoso de satisfazer as
necessidades desse consumidor, assumindo os meios de comunicação o elo entre consumidor e
fornecedor, sendo a publicidade a principal ferramenta de divulgação169 dos seus bens e
serviços. Atraído por uma avalanche de ofertas, o consumidor nem sempre toma uma decisão
racional do que adquire. Face à sua vulnerabilidade, alguns fornecedores utilizam as chamadas
publicidades enganosas e abusivas, visando lucro fácil ou maior, prejudicando o consumidor e o
mercado170.
Entretanto, na LDC, de forma expressa, proíbe-se tanto a publicidade enganosa como a abusiva
(art. 21.º, n.º 3 da LDC).
Entende-se por publicidade enganosa «qualquer modalidade de informação ou comunicação de
carácter publicitário, inteira ou parcialmente falsa ou capaz de induzir em erro o consumidor a
respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e
qualquer outro dado sobre bens e serviços, e abusiva, a publicidade discriminatória de qualquer
natureza que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de
julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambientais, ou que seja capaz de
induzir o consumidor a comportar-se de forma prejudicial ou perigosa à saúde ou
segurança»171.
Nestes termos, no que diz respeito à publicidade enganosa, temos como critério interpretativo o
de que estamos perante uma publicidade enganosa na ausência de veracidade172 da
informação173 e da sua essencialidade. A falta de veracidade pode decorrer tanto da informação
total ou parcialmente falsa, bem como da omissão de informação essencial174 (art. 21.º, n.º 3 da
LDC).
A publicidade enganosa afecta não apenas o consumidor, mas também o próprio mercado,
provocando distorção no processo decisório do consumidor, levando-o a adquirir bens ou
serviços que, de outro modo, não adquiriria175. Entretanto, isso só é possível caso o operador
económico aja em conformidade com a diligência profissional176. Caso contrário, estar-se-á
diante de uma prática comercial desleal, por violar o direito deste à informação177 e o princípio
da veracidade.
Assim, para que a publicidade seja considerada como não ofensiva da veracidade esta deve não
só conter informações verdadeiras, como também não pode deixar de fornecer dados
essenciais179 sobre o bem ou serviço anunciado.
Com o mesmo rigor legal em relação a estas matérias, o art. 16.º, n.º 1 da LGP impede a
generalidade das acções publicitárias de carácter enganador, isto é, susceptíveis de induzirem o
consumidor em erro, por recurso a formas publicitárias que violem o princípio da veracidade ou
que omitam dados essenciais, ou dados exagerados ou ambíguos. A mesma norma, no seu n.º 2,
enumera as situações que conduzem ao engano do consumidor. Este preceito enuncia os
elementos essenciais para a determinação do carácter enganoso da publicidade.
Quanto à publicidade abusiva, não é fácil180 encontrar um critério-base para a identificar. Pode
perceber-se que o que o legislador pretende evitar com a publicidade abusiva é que esta possa
induzir o consumidor a ter um comportamento prejudicial a si mesmo ou à própria
colectividade, estando esta conduta prejudicial ligada a qualquer aspecto relevante da sua vida,
como a saúde e a segurança.
Para aferirmos se estamos perante uma publicidade abusiva (art. 21.º, n.º 3 § 2.º da LDC), é
necessário termos em conta todas as situações previstas para publicidade enganosa, tomando
como referência o critério da veracidade da mensagem.
Por outro lado, a LDC identifica diferentes condutas como sendo abusivas e proibidas, quando
ocorrem práticas com o intuito de prejudicar o consumidor, mediante acções maléficas (art.
22.º), como a de induzir o consumidor a adquirir um produto ou um bem não desejado, al. c), o
aproveitar-se da fragilidade de certas pessoas (idosos, crianças, incapazes ou inabilitados,
pessoas de baixos recursos) para, nessa condição, realizar o seu negócio, al, d), etc.
Esse preceito procura coibir práticas que possam lesar os direitos e interesses do consumidor,
bem como impor ao fornecedor a observância das normas técnicas administrativas para colocar
bens ou serviços no mercado, impedindo assim o regime disposto na LDC possíveis lesões nas
relações jurídicas de consumo181.
A LDC não faz nenhuma referência a publicidade oculta ou dissimulada, estando a mesma
prevista no art. 15.º da LGP, como «qualquer comunicação publicitária não divulgada de
maneira clara e precisa, não sendo por isso perceptível pelos destinatários com o objectivo de
obter uma vantagem ilícita». Por exemplo, imagens televisivas que possuem um tempo de
exposição curta demais para serem percebidas conscientemente, ou sons baixos demais para
serem claramente identificados.
Neste sentido, o Código português da Publicidade, estabelece que «é vedado o uso de imagens
subliminares ou outros meios dissimuladores que explorem a possibilidade de transmitir
publicidade sem que os destinatários se apercebam da natureza publicitária da mensagem; na
transmissão televisiva ou fotográfica de quaisquer acontecimentos ou situações, reais ou
simulados. É proibida a focagem directa e exclusiva da publicidade aí existente; considera-se
publicidade subliminar [...] a que, mediante o recurso a qualquer técnica, possa provocar aos
destinatários percepções sensoriais de que não chegue a tomar consciência» (art. 9.º, n.ºs 1, 2 e
3).
A lei fundamental, no art. 78.º, n.º 3, expressamente proíbe todas as formas de publicidade
oculta, indirecta ou enganosa. Como vimos, a publicidade deve respeitar o princípio da
identificabilidade, segundo o qual «toda a publicidade tem de ser inequivocamente identificada
como tal, independentemente da forma ou meio de difusão utilizado» (art. 9.º da LGP).
É ainda proibida, de acordo com o art. 17.º, toda a publicidade que apele ou encoraje
comportamentos prejudiciais à saúde e à segurança do consumidor, em virtude de deficiência ou
falta de informação sobre a perigosidade do produto ou serviço, al. a), assim como publicidades
atentatórias do meio ambiente, al. b) e que não respeitem os padrões de segurança do
consumidor (art.17.º, n.º2). Este preceito legal vem claramente proteger o consumidor de todas
as situações lesivas dos seus direitos.
O art. 21.º da mesma lei regula a publicidade comparativa, que se traduz na actividade
publicitária, cujo fim é a promoção das reais especificações do bem ou serviço, bem como a
comparação de bens ou serviços sem semelhanças ou desconhecidos.
Apesar de algumas situações consideradas como «perigosas» (a preferência de produtos
estrangeiros em detrimento do nacional), a publicidade comparativa182 é de extrema
importância para o desenvolvimento económico do mercado, fazendo com que se melhore a
qualidade dos produtos e serviços, com que se pratiquem preços mais justos e se proporcione ao
consumidor uma melhor escolha face à diversidade de bens e serviços colocados à sua
disposição. Desde que, a publicidade comparativa sujeita-se ao princípio da veracidade e da
licitude e ao total respeito pelos direitos do consumidor.
Havendo prejuízos por parte do consumidor pelo conteúdo da mensagem publicitada, os agentes
económicos respondem civilmente, nos termos do art. 463.º do CC, podendo, em muitos casos,
responder criminalmente183, como reza o art. 14.º da Lei Geral da Publicidade, quando a
mensagem publicitada instigue, estimule ou apele à violência, atente contra a constituição, a
dignidade da pessoa humana, instigue ao cometimento de acções atentatórias da segurança,
integridade e independência do Estado, etc.

Proteção Contratual no Direito do Consumidor


Contrato significa um conjunto de deveres e direitos livremente estabelecidos por acordo entre
as partes que o integram, respeitando-se as limitações impostas por lei.
O contrato, em sua visão tradicional, apresenta a imagem de duas pessoas, em rela tiva situação
de igualdade, sentadas à mesa, discutindo e redigindo o conteúdo de cada cláusula do
documento que, após assinatura, irá vincular as partes. Esta concepção do contrato, que tem
sofrido sensíveis alterações nas últimas décadas, foi construída há mais de duzentos anos sob
influxo dos ideais da Revolução Francesa e do seu Código Civil, editado em 1804. A noção de
que os homens nascem livres e iguais, que o Estado deve interferir o mínimo possível nas
relações privadas (Estado Liberal) são valores marcantes dessa época e que influenciaram todo
o direito privado, a cultura e o modo de pensar do jurista.
Entre os princípios desta visão tradicional do contrato – denominada teoria contratual clássica –
destacam-se dois: 1) liberdade contratual; 2) força vinculante dos contratos.
O primeiro decorre da ideia de autonomia da vontade e consiste na liberdade de contratar, na
escolha do parceiro contratual, bem como na definição do conteúdo do contrato.
O segundo princípio, identificado entre os juristas pela expressão latina pacta sunt servanda5,
significa que o contrato “faz lei entre as partes”, ou seja, concluído o contrato, estão as partes a
ele vinculadas e obrigadas a cumprir seu conteúdo, cabendo ao Estado, com o uso da força, se
necessário, assegurar a execução dos acordos.
Entretanto, a concepção de que os homens são livres e iguais e, portanto, capazes de resguardar
adequadamente seus interesses financeiros, escolher o parceiro contratual, bem como de definir

5
Cfr. Art. 406.º CC
o conteúdo do contrato, foi desmentida pela realidade: as pessoas são, em regra, diferentes e os
economicamente mais fortes impõem seus interesses nas mais diversas situações,
principalmente nas relações de consumo. Como reação, o Estado dos séculos XX e XXI (Estado
Social) assume expressamente a necessidade de editar leis para defender os vulneráveis,
trazendo um certo equilíbrio material às relações.
A concepção actual do contrato – denominada nova teoria contratual – impõe análise
diferenciada aos princípios contratuais clássicos. Agora, devem eles conviver com a boa-fé
objectiva, o equilíbrio econômico e função contratual do contrato. Em resumo, o contrato não é
mais visto apenas como instrumento de satisfação de interesses individuais e egoísticos. Importa
analisar outros aspectos, como a possibilidade de gerar eventual vantagem exagerada,
enriquecimento sem causa, adequação aos interesses da sociedade.
A vulnerabilidade do consumidor no mercado é especialmente sensível no campo contratual,
pois a possibilidade de o consumidor influenciar o conteúdo e a redação das cláusulas é mínima,
senão mesmo inexistente. Sua vontade pouco ou nada vale.
Actualmente, é praticamente impossível encontrar no mercado de consumo um contrato que
tenha sido elaborado a partir da discussão de cláusula por cláusula, de uma avaliação cuidadosa
das consequências da assinatura do documento. De regra, o que se vê são contratos de adesão,
ou seja, documentos elaborados unilateralmente pelo fornecedor. O consumidor não tem
possibilidade real de alterar as condições apresentadas, cabendo-lhe apenas assinar e aderir ao
que foi estabelecido pelo empresário.
Como o conteúdo do contrato é feito apenas pelo fornecedor, é natural que suas cláusulas sejam
mais vantajosas para a empresa, afectando um desejado equilíbrio entre as obrigações das
partes. Além disso, por vezes, são utilizadas palavras complicadas, terminologia técnica, de
difícil entendimento.
Em razão desse quadro de desigualdade, o Direito do Consumidor em geral, e a LDC, em
particular, dedica especial atenção ao contrato. De um modo geral, pode-se afirmar que o
objectivo maior da lei é que as relações contratuais entre fornecedor e consumidor sejam
pautadas pela lealdade, transparência e equilíbrio.
É nesse contexto que a LDC disciplina o contrato: objectiva-se proteger a parte mais frágil na
relação – o consumidor. A disciplina da lei abrange todas as espécies de contratos, verbais,
escritos, de adesão, paritários etc. Para a incidência ou não do Código, deve-se verificar se as
partes caracterizam-se como consumidor e fornecedor, com base nos respectivos conceitos
legais.
A preocupação inicial é com o modo de apresentação do documento. Os contratos devem ser
legíveis, além de utilizar termos claros e de fácil compreensão. As cláusulas que estabelecem as
principais obrigações do consumidor devem ser redigidas com destaque (em tamanho maior,
letras maiúsculas, em negrito, etc.).
Além da preocupação com clareza, transparência e lealdade, a LDC considera, no seu art. 16.º,
uma série de cláusulas nulas, ou seja, sem qualquer valor jurídico. Portanto, nem tudo que está
escrito no contrato possui valor jurídico. O juiz pode, ao analisar determinado contrato,
promover a revisão do seu conteúdo ou simplesmente negar eficácia a algumas cláusulas.
Ao lado de indicar diretrizes genéricas para o reconhecimento da nulidade de algumas
disposições contratuais, o mesmo artigo, parece ser mais objectivo ainda, o qual declara serem
nulas as cláusulas que “impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor
por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de
direitos” ou, ainda, retirando a validade jurídica das disposições contratuais que “autorizem o
fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao
consumidor”.
Em síntese, a LDC pretende que as relações contratuais sejam pautadas pela lealdade e
transparência, com definição clara dos direitos e deveres das partes, e, também, que o contrato
não seja objecto de obtenção de vantagem exagerada por parte do fornecedor.
O objectivo da LDC ao proteger o consumidor não é apenas a protecção em si, mas a busca
permanente do equilíbrio contratual entre o consumidor e o fornecedor de bens e serviços. Este
é, em princípio, o mais forte economicamente, e em condições de impor a sua vontade
unilateralmente, com o intuito de conseguir maiores vantagens económicas contra o consumidor
nas relações de consumo138.
Ao reconhecer direitos ao consumidor e não aos fornecedores, a LDC teve como finalidade não
só a protecção do consumidor face à posição vantajosa do profissional nas relações de
consumo139, mas também a protecção do mercado140, pois «um dos principais objectivos da
legislação de consumo passa por estimular a confiança do consumidor, para que este adquira
mais bens e serviços»141, contribuindo desta forma para o desenvolvimento do mercado.
Para garantir essa confiança, a lei proíbe a inserção nos contratos de consumo de cláusulas
abusivas e determina que, nas relações de consumo, deve haver igualdade material dos
intervenientes na mesma relação, respeitando o princípio da boa-fé e da lealdade, nos
preliminares, na formação e na vigência dos contratos, protegendo-se, deste modo, os interesses
económicos do consumidor (art. 15.º da LDC).
«O princípio da boa-fé ajusta-se a – e contribui para – uma visão do direito em conformidade
com o que subjaz ao Estado de Direito Social dos nossos dias, intervencionista e preocupado
por corrigir desequilíbrios e injustiças, para lá das meras justificações formais»142
Portanto, com a aprovação da LDC, houve avanços no tratamento da protecção contratual do
consumidor, nomeadamente, no art. 16.º102, onde encontramos uma lista exemplificativa de
cláusulas abusivas, que abordaremos de seguida.
A LDC prevê igualmente a proibição da utilização de qualquer cláusula abusiva, com o
objectivo de proporcionar vantagens unilaterais para o fornecedor dos bens e serviços, em total
desrespeito pelo princípio da boa fé103 e da equidade, por força do princípio da igualdade
material entre os intervenientes nas diversas relações de consumo (art. 15.º).
O direito contratual angolano, antes centrado de forma inflexível nos princípios clássicos que
informam os contratos, viu-se revolucionado com o surgimento da LDC, pelo facto de a mesma
actualmente estender o seu leque de princípios e protecção legal a todos os contratos em que
exista uma relação de consumo, em claro reconhecimento da vulnerabilidade do
consumidor104.
Contrato de adesão
As relações entre fornecedores e consumidores evoluíram de forma significativa na economia
de mercado e trouxeram à tona a grande preocupação quanto ao equilíbrio entre as partes
contratantes, face ao recurso, agora em voga, da utilização de cláusulas preestabelecidas
unilateralmente pelo fornecedor, quase sempre mediante condições gerais na maioria dos
contratos celebrados com o consumidor, situação que, a par das vantagens consubstanciadas na
celeridade na celebração dos contratos, principalmente por parte do fornecedor, faz com que o
consumidor se encontre em relativa desvantagem ocasionada pela sua débil intervenção
negocial, propiciando que seja injustificadamente prejudicado na relação de consumo, facto que,
consequentemente, justifica que seja alvo de uma maior protecção face à posição privilegiada
em que se encontra o fornecedor.
A LDC define o contrato de adesão art.º 19.º com os seguintes dizeres: “Contrato de adesão é
aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas
unilateralmente pelo fornecedor de bens ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou
modificar substancialmente o seu conteúdo.”.
Em regra, são documentos impressos, digitados, com um ou outro espaço em branco para ser
preenchido com dados pessoais do consumidor. A inserção de uma ou outra disposição
manuscrita não afecta a característica do contrato de adesão. O próprio § 1º do art. 20.º
esclarece: “A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do
contrato”.
É importante destacar que a lei não proíbe a utilização dos contratos de adesão nas relações de
consumo. Entretanto, são estabelecidas regras e procedimentos que, se descumpridos, retiram
todo o valor jurídico da contratação, permitem a aplicação de sanções administrativas e
indenização (danos materiais e morais) do consumidor.
Nos parágrafos seguintes do supracitado artigo, são detalhadas algumas importantes regras a
serem observadas pelos fornecedores.

Contratos de adesão e a protecção do consumidor


A produção e a oferta massiva de bens e serviços no mercado de consumo gerou um maior
volume de transações comerciais e, consequentemente, a necessidade de novas formas de
contratação, com vista a garantir a celeridade e eficiência das sobreditas transacções.
Com efeito, o contrato de adesão, um instrumento contratual padronizado, em que uma das
partes, não tendo a possibilidade de negociar os termos do contrato, se limita a dar ou não a sua
anuência às cláusulas preestabelecidas105 pelo oferente dos bens ou serviços, assumiu um papel
preponderante, constituindo o modelo de contratação-regra, mormente no sector da prestação de
serviços de telecomunicações.
Este modelo de contratação difere do modelo de contratação clássico em que os termos do
contrato resultam de um acordo de vontades das partes, na medida em que possibilita o
exercício de certos abusos contra o consumidor, pois, o oferente ou prestador de serviços,
dotado do seu poder negocial unilateral, aparece, por isso, como «a parte mais forte», em
contraposição ao aderente-consumidor que, desprovido do mesmo poder negocial, aparece
como «a parte mais fraca», tendo por esta via a possibilidade de criar um desequilíbrios na
balança contratual a seu favor106.
A LDC define contrato de adesão, no art. 19.º, como sendo «aquele cujas cláusulas tenham sido
aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de bens
e serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente o seu
conteúdo».
A possibilidade de uma das partes poder dispor do clausulado107 unilateralmente, sem que a
outra parte contratante tenha o mínimo poder de manifestar a sua vontade, faz com que maior
parte das relações de consumo sejam desequilibradas108.
Por esta razão, o Estado angolano, através da LCGC109, criou normas que proíbem certas
cláusulas, tendo mesmo condicionado a validade de determinados contratos por beneficiar
exageradamente o profissional, em detrimento do consumidor. Tanto a LDC como a LCGC
«visam dar resposta às exigências de natureza económica, em salvaguarda do princípio das
relações recíprocas entre o fornecedor ou proponente e o consumidor ou aderente […] é
possível a aplicação conjunta das duas leis, porquanto a LDC não trata exaustivamente destas
matérias; por isso a LCGC deve integrar e aperfeiçoar o seu corpo normativo nos aspectos
cabíveis às relações de consumo»110 (art. 1.º, n.ºs 1 e 5 da LCGC).
A LDC estabelece que o contrato não deixa de ser de adesão ainda que sejam inseridas
cláusulas no seu formulário (art.º 19.º, § 1.º), quer isto dizer que, caso o consumidor venha a
inserir uma ou mais cláusulas, a alteração pela inserção das mesmas nunca é profunda,
«devendo ser considerada como do seu total conhecimento apenas a parte modificada»111.
Dissemos que os contratos de adesão são contratos cujas cláusulas são elaboradas ou
preestabelecidas por um dos contraentes (fornecedor), tornando assim visível o desequilíbrio
contratual. Por isso, a lei confere ao consumidor o privilégio da resolução do contrato, sendo
esta opção colocada sempre em alternativa (art. 19.º, § 2.º da LDC). Todas as cláusulas que
forem redigidas com o intuito de dificultar a compreensão das mesmas por parte do consumidor
serão consideradas excluídas do contrato112, por contrariedade ao disposto no art. 19.º, § 3 e 4
da LDC.

Cláusulas abusivas
O estudo relativo às cláusulas abusivas possui, como norte, a equidade, a isonomia e a produção
de relações jurídicas em que a ética seja capaz de pautar o instrumento contratual que se
desenha.
O direito subjectivo do consumidor ao equilíbrio contratual constitui efeito da principiologia do
Direito, mais especificamente quanto aos atributos trazidos pela boa-fé, vulnerabilidade e
equidade. O equilíbrio aliás, é o interesse precípuo de todo e qualquer contratante. Em boa parte
das situações práticas que se apresentam nas relações de consumo, pelo próprio carácter
econômico de que se reveste o acto de consumir, é importante uma visão que seja capaz de
discernir o equilíbrio: econômico, informacional ou detentor do poder de direção do contrato
(MIRAGEM, 2008, p. 125).
Quanto ao critério econômico, este guarda relação com a desproporção financeira e seus
reflexos no equilíbrio econômico da relação (MIRAGEM, 2008, p. 125). É o que acontece na
hipótese de um contrato que só onere uma das partes em caso de seu descumprimento.
Com relação ao aspecto informacional, decorre da produção de um ruído no momento do
conhecimento das reais intenções do fornecedor. É o que acontece na entrega do manual de uso
do veículo, onde o excesso de informação acaba por produzir a desinformação.
Finalmente, o poder de direção contratual decorre da vulnerabilidade do consumidor, uma vez
que o fornecedor acaba por assumir uma situação de dominância, onde resta flagrante o maior
poder fáctico nas decisões sobre o curso e o cumprimento do contrato (MIRAGEM, 2008, p.
125), por isso, a LDC estabelece, em seu art. 16.º, um rol exemplificativo de cláusulas
contratuais que merecem ser consideradas como abusivas.
A clássica disciplina jurídica dos contratos sofreu grande modificação, na medida em que foram
sendo implantadas na sociedade de consumo modalidades de produção em massa. Esse
fenômeno impôs uma revisão dos paradigmas contratuais estabelecidos, além de uma completa
revisão de valores e princípios, pautados na equidade e boa-fé (CAVALIERI FILHO, Programa
de Direito do Consumidor, 2011, p. 102).

Inclusão no contrato de adesão de cláusulas abusivas: Consequências


Face à reduzida liberdade contratual de uma das partes nos contratos de adesão113, torna-se
necessário estabelecer um mecanismo de tutela da parte vulnerável114, isto é, sem poder
negocial, com vista a prevenir ou eliminar situações contratuais abusivas115, pois, «realmente,
formulam-se contratos de tal forma que vinculam a parte mais vulnerável contra a sua própria
vontade e interesse»116.
A preocupação básica da LDC é o equilíbrio das relações de consumo, através de normas que
limitem a autonomia da vontade na celebração dos contratos de consumo, mediante a
verificação e proibição de práticas abusivas, com vista a viabilizar as metas de equilíbrio e da
transparência117.
O legislador angolano, preocupado com as práticas abusivas118 nas relações de consumo,
consagrou na LDC um rol de cláusulas (exemplificativas) que considera eivadas de vício e, por
isso, nulas, no art. 16.º, em que prevê uma nulidade atípica, uma vez que só pode ser invocada
pelo consumidor ou seu representante119, relativamente às seguintes cláusulas: a cláusula por
meio da qual o fornecedor se recusa a assumir as suas responsabilidades por desconformidade
de qualquer natureza verificada no bem ou serviço, ou que vede o exercício de direitos, como o
direito a indemnização pelos danos causados, al. a); a não devolução das parcelas de dinheiro
em caso de rescisão do contrato, al. b); a inserção no contrato de cláusulas que exonerem a
responsabilidade do fornecedor ou a atribuam a outra pessoa, al. c); a inserção de cláusulas
negociais atentatórias da boa-fé e da equidade ou que coloquem o consumidor em desvantagem
exagerada, ou seja, «que estabelecem prestações desproporcionadas»120, al. d); a inserção de
cláusulas que isentem o fornecedor de prestar informações verdadeiras sobre a qualidade de
determinado bem ou serviço ao consumidor, transferindo esse ónus para o consumidor, al. e); a
inserção de cláusulas em que é imposta a arbitragem forçada, al. f); a inclusão de cláusulas que
permitem ao fornecedor atribuir poderes a terceiros para, em nome do consumidor, celebrar
contratos de consumo, al. g); cláusula que condiciona a conclusão ou cancelamento do contrato
unicamente por vontade do fornecedor, al. h); a inserção no contrato de cláusula de revisão do
preço fixado sem acordo das partes, al. i); cláusula de arrependimento do contrato unilateral, ou
seja, somente em benefício do fornecedor, al. j); cláusulas que permitem ao fornecedor alterar
unilateralmente o conteúdo ou qualidade do contrato, após a conclusão do mesmo, al. k);
cláusulas contrárias às normas ambientais121, al. l); as cláusulas contratuais que possibilitem a
renúncia pelo consumidor do direito de ser indemnizado por benfeitorias necessárias, al. m).
São ainda cláusulas proibidas, por determinação legal, as que prevêem juros de mora por
incumprimento das obrigações a seu termo acima de 2% da dívida (§ 1.º do art. 17.º da LDC),
pois a estipulação de juros acima da taxa legal de 2% do valor da dívida é considerada
excessivamente onerosa para o consumidor e, por isso, nula.
O fornecedor, nos contratos de compra e venda mediante pagamento em prestações ou no
recebimento em confiança de um bem (fidúcia), não pode sujeitar o incumpridor (consumidor) à
perda das prestações pagas e ao retorno do bem adquirido, sob pena de incorrer em nulidade,
nos termos do art. 18.º da LDC.
Na génese da LCGC está a defesa dos interesses do consumidor perante situações abusivas122,
decorrendo do respectivo preâmbulo o circunstancialismo que determina o seu surgimento123, a
mesma se assume como um diploma de significativa importância no que às cláusulas contratuais
gerais se refere.
A LCGC determina que «são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé, tendo
em conta os valores e os princípios fundamentais do direito, relevantes em face da situação
concreta»124. Estabelece, nos seus vários artigos, cláusulas absoluta e relativamente proibidas,
consoante se trate de relações entre comerciantes e/ou equiparados ou de relações com
consumidores finais.
Tratando-se de relações com consumidores finais, são proibidas tanto as cláusulas indicadas na
secção II sobre as relações entre comerciantes e/ou equiparados (art.s 9.º a 11.º da LCGC)125,
como as cláusulas constantes da secção III (art.s 12.º a 14.º). Neste diploma, o legislador parte
de um «conceito muito amplo de consumidor, que não apenas o consumidor final, mas que
engloba os próprios empresários e entidades equiparadas, também muitas vezes vítimas de
cláusulas ilícitas que, de certo modo, se farão repercutir no consumidor»126.
Na ordem jurídica portuguesa, as normas sobre as relações entre empresários ou entidades
equiparadas e consumidores finais vêm previstas nos art.s 18.º a 22.º da LCCG127, em que se
prevêem cláusulas consideradas absoluta e relativamente proibidas128.
Cláusulas absolutamente proibidas129 (art. 13.º) são aquelas cuja validade resulta directa e
imediatamente da lei, e são relativamente proibidas (art. 14.º) aquelas cuja validade fica
dependente do juízo de valoração efectuado pelo aplicador da lei, tendo em conta o conjunto de
circunstâncias envolventes e o tipo de contrato em que a cláusula estiver inserida130.
Os contratos elaborados com recurso às cláusulas contratuais gerais devem conformar-se com
as normas constantes da LCGC131. Porém, na prática negocial, os operadores económicos, na
sua desmedida busca de vantagens, incluem cláusulas por vezes contrárias àquelas normas,
sujeitando-se, com efeito, à consequência da nulidade132 (art. 15.º da LCGC).
O art. 16.º, n.º 1, da LCGC, conjugado com o § 2.º, do art. 16.º da LDC, consagram o princípio
da conservação do contrato133, prevendo que a integração de cláusulas consideradas nulas num
determinado contrato determina automaticamente a sua invalidade, conferindo, entretanto, ao
aderente/consumidor a faculdade de optar pela sua manutenção.
«Trata-se de regimes de protecção do contraente fraco que se compreendem, pois, a não
existirem, a nulidade da cláusula poderia prejudicar o aderente, já que o regime geral é o de, se
não houver acordo dos contraentes, só o tribunal poder decidir, nos termos da lei e da prova por
ela imposta, se o contrato pode manter-se, apesar da nulidade de uma ou de várias das suas
cláusulas, e se, não se mantendo, pode ser convertido, ou não, em contrato diverso no tipo ou no
conteúdo»134.
Se o consumidor optar pela manutenção do contrato, sem as cláusulas proibidas e, como tal,
nulas, então as «matérias que eram reguladas por essas cláusulas passarão a sê-lo pelas normas
gerais, designadamente as constantes do Código Civil»135.
Contrariamente, caso o consumidor não opte pela manutenção do contrato ou se, tendo optado
pela sua manutenção, o contrato se mostrar desequilibrado, por atentar contra a boa fé136, então
aplica-se o regime da redução dos negócios jurídicos, previsto no art. 292.º do CC, e o contrato
mantém-se válido, salvo se se concluir que, sem as cláusulas tidas como nulas, as partes não
teriam querido celebrar o contrato137.

DICIONÁRIO
Acidente de Consumo: É quando o consumidor é afetado em sua saúde, integridade corporal,
física ou psicológica, bem como tem diminuído seu patrimônio em decorrência de produtos ou
serviços defeituosos. Fala-se também em responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço.
Acordo: É a forma de extinção de uma obrigação pela qual as partes cedem, reciprocamente,
em seus direitos e interesses, encontrando um resultado comum que ponha fim a
desentendimento.
Administração Pública: É o próprio Estado compreendido a partir do conjunto de órgãos e
servidores públicos do Poder Executivo.
Agências Reguladoras: São entes autônomos do Poder Público destinados a fiscalização e
disciplina (regulação) de serviços públicos prestados por empresas privadas concessionárias e
permissionárias. As agências são criadas por lei específica que estabelece suas funções e
competências.
Bancos de Dados de Proteção ao Crédito: Reunião organizada de informações (arquivo) sobre
consumidores que são úteis para análise do risco de concessão de crédito.
Boa-fé: É o princípio (dever) que todos têm de agir com lealdade, honestidade e cooperação nas
suas relações com outras pessoas.
Cadastros de Consumo: Reunião organizada de informações (arquivo) sobre consumidores
para uso de determinado fornecedor. As informações são obtidas, em regra, do próprio
consumidor (normalmente para conhecer melhor o perfil de seus clientes ou, mesmo, para
enviar correspondências, etc.).
Cadastro de reclamações fundamentadas: É o conjunto de informações organizadas e
mantidas pelos órgãos de defesa do consumidor, relavas às reclamações fundamentadas contra
fornecedores de produtos e serviços. O cadastro deve informar se tais reclamações foram ou não
atendidas pelo fornecedor.
Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 15/03, de 22 de Julho) : É uma lei de ordem pública
e interesse social que organiza e estrutura uma série de normas e princípios que, dentre outras
finalidades, reconhecem a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo protegendo-
o e prevenindo-o em relação ao fornecedor, para que a relação entre ambos seja equilibrada.
Código Civil: Diploma legal que disciplina e estrutura os direitos, obrigações e bens relativos a
relações entre particulares, bem como entre particulares e o Estado despido do seu poder de
império.
Concessionárias de serviços públicos: Empresas privadas que, por acto do Poder Público,
possuem autorização para explorar economicamente serviços públicos, tais como distribuição de
energia elétrica e transporte colectivo.
Constituição da República de Angola: Conjunto de normas que organizam todo um país
quanto à forma de governo, distribuição de competências e definição de autoridades,
estabelecendo os direitos e valores fundamentais da sociedade. A Constituição é a lei maior de
um país, hierarquicamente superior a todas as demais (leis ordinárias, decretos, etc.), que não
podem contrariá-la.
Contrapropaganda: É uma espécie de sanção administrava, consistente na imposição de
realizar nova publicidade, para esclarecer e corrigir falhas da publicidade abusiva ou enganosa,
anteriormente veiculada.
Consumidor: De acordo com o conceito básico da LDC, é pessoa natural ou jurídica (empresa,
Estado, etc.) que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Ao lado do
conceito básico, existem situações de consumidor equiparado.
Consumidor equiparado: São as pessoas que, apesar de não se configurarem como
consumidores originalmente, são a eles equiparados (com os mesmos direitos) quando
configuradas as hipóteses previstas na LDC.
Contrato: É um acordo de vontades entre pessoas capazes, envolvendo objecto lícito, com a
finalidade de criar, extinguir, conservar ou transferir direitos e obrigações.
Contrato de adesão: É contrato padrão cujas cláusulas são estabelecidas unilateralmente pelo
fornecedor de produtos ou serviços.
Crime: É conduta humana (ação ou omissa) consistente na violação de uma norma penal já
vigente ao tempo do facto, impondo a aplicação de uma sanção (pena) ao causador. Constitui a
ofensa a um valor ou bem socialmente relevante.
Culpa: Elemento da conduta humana que indica se determinado facto foi causado
intencionalmente (dolo) ou com falta ao dever que todos têm agir com prudência e cuidado,
mensurando os resultados de cada acto.
Danos materiais: São prejuízos de ordem patrimonial (pecuniário ou economicamente aferível)
experimentados pela vítima de violação a um direito.
Danos morais: São ofensas a direitos da personalidade tais como integridade física ou psíquica,
honra, privacidade, nome, etc., independentemente de perdas econômicas.
Defeito: Falha no produto ou no serviço que pode afectar o consumidor em sua saúde e
segurança, integridade corporal, física ou psicológica, bem como na diminuição do seu
patrimônio (acidente de consumo).
Direito: Conjunto de normas e princípios do Estado que disciplinam as relações sociais (sentido
objectivo). Também, a faculdade ou poder de uma pessoa exigir ou pretender de outrem um
comportamento positivo ou negativo, ou de, por acto livre de vontade, baseado ou não numa
decisão judicial, tomar posições que inelutavelmente se impõem na esfera jurídica da
contraparte (Sentido subjectivo).
Direitos Básicos do Consumidor: Relação de direitos elementares do consumidor estabelecida
no artigo 4.º da LDC.
Doutrina: Conjunto de obras escritas, da literatura jurídica, voltadas ao estudo do Direito.
Enriquecimento sem Causa: Princípio de direito pelo qual ninguém pode angariar patrimônio
de outrem sem justo motivo ou contraprestação.
Entidade Civil de Proteção ao Consumidor: Associações, fundações, agremiações e demais
sociedades não estatais com objectivo de promover a protecção e defesa dos interesses do
consumidor.
Fornecedor: Toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem
como entes despersonalizados, que desempenham actividades de produção, montagem, criação,
construção, transformação, importação, distribuição ou comercialização de produtos ou
prestação de serviços. É aquele que disponibiliza produtos ou serviços no mercado
profissionalmente ou com certa habitualidade.
Garantia Contratual: Termo escrito oferecido pelo fornecedor, mediante o qual é estabelecido
o bom funcionamento do produto ou serviço por determinado prazo. Não se confunde com a
garantia legal.
Garantia Legal: Dever do fornecedor de assegurar ao consumidor, nos prazos estipulados na
lei, a troca (ou reexecução), devolução ou reparação de produto ou serviço viciado.
Infração Penal: o mesmo que crime.
Inquérito Civil: É procedimento administrativo investigatório dirigido por Promotor de Justiça
(Ministério Público) que visa a reunir provas voltadas à apuração de lesão a direito colectivo nas
mais diversas áreas (consumidor, meio ambiente etc.).
Inquérito Policial: É procedimento administrativo investigatório dirigido por Serviços
Criminais com a finalidade de reunir provas voltadas à apuração da existência de uma infração
penal (crime).
Inversão do ônus da prova: É a possibilidade de o juiz considerar provados os fatos alegados
pelo consumidor, desde que as afirmações sejam verossímeis (coerentes, plausíveis, razoáveis)
ou ficar evidente a dificuldade de produzir determinada prova (hipossuficiência). Caberá ao
fornecedor, para não perder a causa, demonstrar o contrário, ou seja, que os fatos não ocorreram
como alegado pelo consumidor na ação.
Jurisprudência: Conjunto de decisões judiciais reiteradas em um determinado sentido.
Livre concorrência: É característica positiva do mercado no qual os fornecedores competem
entre si com lealdade, inexistindo práticas pré-ajustadas para beneficiar apenas determinados
sujeitos.
Marketing: Todos os métodos e técnicas utilizados pelos fornecedores para promover a
circulação de bens e serviços.
Mídia: Conjunto de meios de comunicação em massa (televisão, rádio, jornais etc.).
Ministério Público: É instituição prevista na Constituição cujos integrantes actuam, com
independência funcional, zelando pela aplicação e respeito das leis, manutenção da ordem
pública, além da defesa de direitos e interesses da colectividade. Entre outras atribuições, é
responsável pela direção do inquérito civil.
Pessoa jurídica: Reunião de pessoas com objectivos comuns que possui direitos e obrigações
próprios. Exemplo: uma empresa.
Poder Judiciário: Órgãos do Estado que possuem a atribuição legal de oferecer solução aos
conflitos entre sujeitos formalmente apresentados a partir de um processo.
Poder Público: o mesmo que Administração Pública.
Política de defesa do consumidor: Conjunto de normas e princípios que orientam as
actividades dos órgãos de proteção e defesa do consumidor.
Produto: Bem material ou imaterial, móvel ou imóvel, ofertado no mercado de consumo.
Publicidade: Toda e qualquer forma comercial e massificada de oferta de produtos ou serviços.
Publicidade abusiva: Publicidade vedada pela LDC por veicular mensagem que atenta contra
valores individuais ou colectivos, tais como a discriminação de qualquer natureza, a incitação à
violência e outros comportamentos anti-sociais e prejudiciais à saúde, vida ou segurança do
consumidor, exploração da fragilidade das crianças.
Publicidade enganosa: Publicidade que, por omissão ou afirmação, atribui, no todo ou em
parte, uma informação, qualidade ou atributo falso a produto ou serviço ou, por qualquer outro
modo, capaz de induzir o consumidor em erro.
Oferta: É informação sobre as qualidades e características dos bens ou simplesmente o acto de
colocar em circulação um produto ou serviço no mercado.
Ordem econômica: Conjunto de normas e princípios constitucionais que regulam as
actividades econômicas.
Recall: Dever que tem o fornecedor de comunicar às autoridades e aos consumidores quanto à
existência de defeito de determinado produto ou serviço, após a sua introdução no mercado.
Oriundo da palavra inglesa recall, que tem o sentido de chamamento, convocação.
Relação de consumo: Vínculo estabelecido entre fornecedor e consumidor no mercado do qual
decorrem direitos e obrigações.
Responsabilidade objectiva: Dever de indemnizar cuja configuração independe de eventual
culpa do causador do dano. Não há necessidade de demonstrar conduta intencional (negligente,
com imperícia ou imprudência) do autor do facto.
Responsabilidade pelo facto do produto ou serviço: Ver Acidente de Consumo.
Responsabilidade pelo vício do produto ou serviço: Dever que tem o fornecedor de satisfazer
o interesse do consumidor que adquiriu produto ou serviço viciado.
Responsabilidade solidária: Dever de atender a um direito do consumidor atribuído a duas ou
mais pessoas (fornecedores, por exemplo). Neste caso, qualquer sujeito responsável deve
atender individual e integralmente à obrigação.
Sanções administravas: São as penas aplicadas por órgão público decorrente de violação de
lei.
Serviço: Actividade oferecida no mercado de consumo, mediante remuneração directa ou
indirecta.
Superendividamento: Ocorre quando o consumidor, leigo e de boa-fé, perde a capacidade de
arcar com suas obrigações em dinheiro actuais e futuras (excepto as tributárias, de alimentos ou
delitos) em virtude do excesso de dívidas contraídas.
Termo circunstanciado: Procedimento investigatório simplificado pelo qual a autoridade
policial registra e descreve factos e circunstâncias relativos a crimes de menor potencial
ofensivo.
Termo de ajustamento de conduta: Instrumento pelo qual o fornecedor, que tenha violado
alguma norma, compromete-se formalmente perante ou Ministério Público, DPDC, ou outro
órgão público a não repetir a infração e, eventualmente, indenizar os danos causados, sob pena
de pagamento de multa fixada no próprio documento.
Venda casada: É o condicionamento da aquisição de um produto ou serviço individualizado se,
e somente se, outro produto ou serviço for adquirido pelo consumidor conjuntamente.
Vício de produto ou serviço: Impropriedade (oculta ou aparente) do produto ou do serviço, de
qualidade ou de quantidade, que o torne impróprio ao consumo, diminua-lhe o valor ou que
tenha qualidades diversas das apresentadas em oferta ou publicidade.
Vulnerabilidade: Princípio que reconhece o consumidor como parte frágil no mercado de
consumo.209

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