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DE GNECOLOG A EOBSTETRÍC A
6ª Edição

Editores
Agnaldo Lopes da Silva Filho
Cláudia Lourdes Soares Laranjeira

Revisores
Carlos Henrique Mascarenhas Silva
Delzio Salgado Bicalho
Eduardo Batista Cândido
Ines Katerina Damasceno Cavallo Cmzeiro
!nessa Beraldo de Andrade Bonomi
Márcio Alexandre Hipólito Rod1igues
Marco Túlio Vaintraub
Sandro Magnavita Sabino
Thelma Figueiredo e Silva
William Schneider da Cmz Krettli

~QGIMIG
,__
Me\ook
EDITORA CIENT(FICA LTOA.
Manual SOGIMIG de Ginecologia e Obstetrícia
Direitos exclusivos para a língua portuguesa
Copyright © 2017 by
MEDBOOK - Editora Científica Ltda.

Nota da editora: Os organizadores desta obra ve rificaram cuidadosamente os nomes genéricos e co-
me rciais dos medicamentos mencionados; também conferiram os dados refe rentes à posologia, objeti-
vando fornecer informações acuradas e de acordo com os padrões atualmente aceitos. Entretanto, em
vi rtude do dinamismo da área da saúde, os le itOres devem prestar atenção às info rmações fornecidas
pelos fabricantes, para que possam se certificar de que as doses preconizadas ou as contraindicações
não sofreram modificações, principalmente em relação a substâncias novas ou prescritaS com pouca
frequência. Os organizadores e a edito ra não podem ser responsabilizados pelo uso imp róp rio nem
pela aplicação inco rreta de produto apresentado nesta obra.
Apesar de terem envidado esforço máximo para localizar os detentores dos direitOS autorais de qual-
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Editoração Eletrônica e Capa: Adielson Anselme

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAl DOS EDITORES DE LIVROS , RJ

S578m
6. ed.
Silva Filho, Agnaldo Lopes da
Manual SOGIMIG de ginecologia e obstetrícia/Agnaldo Lopes da Silva Filho,
Cláudia Lourdes Soares laranjeira. - 6. ed. - Rio de j aneiro: Med Book, 2017.
1104 p.: i L; 28 em

ISBN: 978-85-836-9014-6

l. Obstetrícia - Manuais, guias, etc. L laranjeira, Cláudia Lourdes Soares. ll. Título.

17-39151 CDD: 618.2


CDU: 618.2

16/0l/2017 23/0l/2017

Reservados LOdos os d ireitos. É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no tOdo ou em


pa rte, sob quaisquer formas ou por quaisque r meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, dis-
tribuição na Web ou outros), sem permissão exp ressa da EditOra.

Mect,ook
~

EOITORA CIENTrFICA t.TOA..

MEDBOOK - Editora Científica ltda.


Rua Professora Ester de Melo, 178 - Benfica - Cep 20930-0 lO - Rio de j aneiro - Rj
Telefones: (21) 2502-4438 e 2569-2524 - www.medbookediLOra.com.br
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r
((
~QGIMIG Associação de Ginecologistas e
~- Obstetras de Minas Gerais

Diretoria 1996/1997 Diretoria 1998/1999


Presidente Presidente
Ricardo Mello Marinho Garibalde Monoza. Jr.

1Q Vice-presidente Vice-presidente
Garibalde Mortoza Jr. Cláudia Navarro C. O. lemos

Secretário Geral Secretário Geral


João Pedro Junqueira Cae1ano Sergimar Padovezi Miranda

1Q Secretário 1a Secretário
Sávio Cosia Gonçalves Eduardo Mendes Duarte

Diretor Financeiro Diretor Financeiro


Cláudia Navarro C. O. lemos Rachei SiMano B. C. lima

Diretor Sócio-Cultural Diretor Sócio-Cultural


Ive1e de Ávila Madalena Maria Ferreira Martins

Diretor Científico Diretor Científico


Selmo Geber João Pedro Junqueira Caeumo

Diretor de Assuntos Comunitários Diretor de Defesa Profissional


Delzio Salgado Bicalho luis Fernando Neves Ribeiro

Conselho Consultivo Diretor de Comunicação e Informática


Céza.r Alencar de lima Rezende Delzio Salgado Bicalho
Henrique Moraes Salvador Silva
Amonio Fernandes Lages Coordenador das Delegacias
Sinval Ferreira de Oliveira Selmo Geber
Lucas Vianna }.<tachado
Amonio Eugênio Mona Ferrari Diretor de Assuntos Comunitários
Gerson Pereira Lopes Paulo Roberto }.<tansoldo Alves
Fernando Camargos
Ricardo Savassi Biagioni Conselho Consultivo
Amonio Fernandes Lages
Mauricio NO\~ello
Sinval Ferreira de Oliveira
Henrique Moraes Salvador Silva
Viclor Hugo de Melo
Lucas Vianna Machado
Ricardo Mello }.<larinho
Amonio Eugênio Moua Ferrari
Gerson Pereira Lopes
Aroldo Fernando Camargos
Ricardo Savassi Biagioni

v
Diretoria 2000/2001 Oireto ria 2002/2003
Presidente Presidente
Antonio Fernandes Lages Sergimar Padovezi Miranda

Vice-presidente Vice-presidente
Sergimar Padovezi Miranda José Helvécio Kalil de Souza

Secretário Geral Secretário Geral


Selmo Geber Frederico José Amedee Peret

1G Secretário 1GSecretário
José Helvécio Kalil de Souza Tânia Mara Giarolla de Matos

Diretor Financeiro Diretor Financeiro


Eliana Motta Castanheira Marcelo Lopes Cançado

Diretor Sócio-Cultural Diretor Sócio-Cultural


Tânia Mara Giarolla de Matos Cristiana Fonseca Beaumord

Diretor Científico Diretor Científico


Cláudia Navarro C. O. lemos Victor Hugo de Melo

Diretor de Defesa Profissional Diretor de Defesa Profissional


Antonio Carlos Pinto Guimarães Ana Flávia de Moura França

Diretor de Comunicação e Informática Diretor de Assuntos Comunitários


Victor Hugo de Melo Eliana Motta Castanheira

Coordenador das Delegacias Diretor de Comunicação e Informática


João Pedro Junqueira Caetano João Pedro Junqueira Caetano

Diretor de Assuntos Comunitários Coordenador dos Delegados


Wilson Batista Cláudia Navarro C. O. lemos

Conselho Consultivo Conselho Consultivo


Garibalde Monoza Jr. Antonio Carlos Vieira Cabral
Ricardo Mello Marinho Aroldo Fernando Camargos
Antonio Eugênio Motta Ferrari Henrique Moraes Salvador Silva
Gerson Pereira Lopes Lucas Vianna Machado
Aroldo Fernando Camargos Selmo Geber
Manuel Mauricio Gonçalves Antonio Fernandes Lages
Henrique Moraes Salvador Silva Gari balde Mortoza Jr.
Lucas Vianna Machado Ricardo Mello Marinho
Sinval Ferreira de Oliveira Antonio Eugênio Motta Ferrari
Antonio Carlos Vteira Cabral Gerson Pereira Lopes

VI
Diretoria 2004/2005 Diretoria 2006/2008
Presidente Presidente
Cláudia Navarro C. D. lemos João Pedro J unqueira Caetano

Vice -presidente Vice-presidente


Lucas Vian na !-.<tachado Tânia Mara Giarolla de Matos

Secretário Geral Secretário Geral


Renato Ajeje Bruno Muzzi (amargos

1A Secretário 1A Secretário
Cristiana Fonseca Beaumord Márcia Mendonça Carneiro

Diretor Financeiro Diretor Financeiro


Sérgio Simões de Souza Clóvis Antônio Bacha

Diretor Sócio-Cultural Diretor Sócio-Cultural


Tarina Marques Rubinger Maria Inês de Miranda lima

Diretor Científico Diretor Científi co


João Pedro Junqueira Caetano Fred erico José Amedee Peret

Diretor de Defesa Profissional Diretor de Defesa Profissional


Edson Carlos Trombim José Avilmar lino da Silva

Diretor de Assuntos Comunitários Diretor de Assuntos Comunitários


Frederico José Amedee Peret Tarina Marques Rubinger

Diretor de Comunicação e Informática Diretor de Comunicação e Informática


}.<farcelo Lopes Cançado Sérgio Simões de Souza

Coordenador das Diretori as Regionais Coordenador das Diretorias Regionais


Victor Hugo de Melo Marcelo Lopes Cançado

Conselho Consultivo Conselho Consultivo


Sergimar Padovezi Miranda Antonio Eugênio Motta Ferrari
Antonio Fernandes Lages Aroldo Fernando Camargos
Ricardo Mello Marinho Eddie Fernando Candido Muna
Antonio Eugênio Motta Ferrari Gerson Pereira Lopes
Araldo Fernando (amargos Henrique Moraes Salvador Silva
Gerson Pereira Lopes lvone Dirk de Souza Filogônio
Henrique Moraes Salvador Silva Lucas Vianna Machado
Homero Gonçalves Jr. Manuel }.<faurlcio Gonçalves
Herben Calderia Sávio Costa Gonçalves
Garibalde Mortoza J r. Victor Hugo de Melo
lvone Dirk de Sou za Filogônio
João Thomaz da Costa Membros natos
Maria Virglnia f W Marinho Cláudia Navarro C. D. l emos
Renato Franco Ciodaro Sergimar Padovezi Miranda
Manuel Mauricio Gonçalves Antonio Fernandes Lages
Garibalde Mortoza Jr.
Ricardo Mello }.<farinho

VIl
Diretoria 2009/201 O Diretoria 2011/2012
Presidente Presidente
Victor Hugo de Melo Marcelo Lopes Cançado

Vice-presidente Vice-presidente
Renato Ajeje Marco Aurélio Manins de Souza

Secretário Geral Secretári o Geral


Carlos Henrique Mascarenhas Silva Cláudia Lourdes Soares Laranjeira

12 Secretári o 12 Secretário
Frederico José Amedee Peret Frederico José Amedee Peret

Diretor Financeiro Diretor Financeiro


José A,~Jmar lino Silva José Avilmar lino Silva

Diretor Sócio-Cultural Diretor Sócio-Cultural


Cláudia Lourdes Soares Laranjeira Cláudia Teixeira da Costa Lodi

Diretor Científico Di retor Científico


Agnaldo Lopes da Silva Filho Agnaldo Lopes da Silva Filho

Diretor de Defesa Profissional Diretor de Defesa Profi ssional


Maria Inês Miranda lima Carlos Henrique Mascarenhas Silva

Diretor de Assuntos Comunitários Diretor de Assuntos Comunitários


C láudia Lúcia Barbosa Salomão Cláudia Lúcia Barbosa Salomão

Diretor de Comunicação Diretor de Ensino e Residência Médica


Gui Tarcisio Mazzoni ] r. Regina Amélia L P. Aguiar

Diretor de Informática Diretor de Comunicação


João Henrique Penna Reis Clécio J:nio Muna de Lucena

Coordenador das Diretorias Regionais Diretor de Informática


Marcelo Lopes Cançado Gui Tarcisio Mazzoni ] r.

Conselho Consultivo Coordenador das Diretorias Regionais


Antonio Eugênio Mona Ferrari }.<faria Inês Miranda Uma
Aroldo Fernando (amargos
Eddie Fernando Candido Muna Conselho Consultivo
Henrique Moraes Salvador Silva Membros eleitos
lvone Dirk de Souza Filogônio Antonio Eugênio Motta Ferrari
Lucas Vianna Machado Clóvis Antônio Bacha
Manuel Mauricio Gonçalves Delzio Salgado Bicalho
Marcelo Maciel de Araújo Pono Henrique Moraes Salvador Silva
Sá\~O Costa Gonçalves lvone Dirk de Souza Filogônio
Ricardo Mello Marinho Lucas Vianna Machado
Luiz Fernando Neves Ribeiro
Membros natos Manuel Mauricio Gonçalves
João Pedro junqueira Caetano Tania Mara Giarolla de Matos
Cláudia Navarro C. D. Lemos Valéria Maria Moreno j acimho
Sergimar Padovezi Miranda
Antonio Fernandes Lages Membros natos
Garibalde Monoza Jr. João Ped ro j unqueira Caetano
Cláudia Navarro C. D. Lemos
Sergimar Padovezi Miranda
Antonio Fernandes Lages
Victor Hugo de Melo

VIII
, Diretoria 2013·2014 Diretoria 2015·2016
Presidente Presidente
~1aria lnl!s de Maranda l.l1113 Agnaldo Lopes da Silva Falho

Vice-presidente Vice-presidente
Rosangela F. Nascimento e Salva Robcno Carlos Machado

Secretária Geral Secretári a Geral


Claudia Teixeira da Costa Lodi !nessa Bcraldo de Andrade Bonomi

12 Secretário 1• Secretário
Sandro Magna'llta Sabmo Márcio Alexandre Hipólíto Rodrigues

Diretor Financeiro Diretor Financeiro


Cló\'is AntOmo Badu Delzao Salgado Bicalho

Diretora Sócio-Cultural Diretora Sócio-Cultural


!nessa &raldo de Andrade Bonoma Thcl1113 Fagueiredo e Sih'õl

Diretor Científico Diretor Científico


Frederico José Amedee Peret Cláudaa Lourdes Soares Laranjeira

Diretor de Defesa Profissional Diretor de Defesa Profissional


Clécio Enio Muna de Lucena Wil liam Schncider da Cruz Kreuli

Diretor de Assuntos Comunitários Diretor de Assuntos Comunitários


Delzio Salgado Bicalho Marco Túho Vaimraub

Diretor de Ensino e Residência Médica Diretor de Ensino e Residência Médica


Cláudia Lourdes Soares Laranjeira Eduardo Bausta Cândido

Diretor de Comunicação Diretor de Comunicação


Carlos Henrique Mascarenhas Salva Ines Ka1enna Damasceno Ca\':lllo Cruzetro

Diretor de Informática Diretor de Informática


Luiz Fernando Neves Ribeiro Sandro Magnavita Sabino

Coordenador das Vice-presidências e Dire torias Regionais Coordenador das Vice-presidências e Diretorias Regionais
Agnaldo Lopes da Silva Filho Carlos Henrique Mascarenhas Silva

Conselho Consultivo Conselho Consultivo


Membros eleitos Membros eleitos
Antonio Eugenio Mota Ferran Cló,~s AntOnio Bacha
Claudio Robeno Alves Fredenco José Amedee Peret
Henrique Moraes Salvador Sal\'õl Gerson Peretra Lopes
Imne Dirk de Souza FalogOmo Lucas Vianna Machado
José Avílrnar l.lno da Sah·a Manuel Mauricio Gonçalves
Lucas Vianna Machado M:lrcta Salvador Géo
Manuel Mauricio Gonçalves Racardo Mello Marinho
Regina Amélia Lopes Pessoa Aguaar Sergimar Padovezi Miranda
Renato Ajeje Tadeu Coutinho
Tadeu Coutinho Tania Mara Giarolla de Matos

Membros natos Membros natos


Marcelo Lopes Cançado Mana ln~s de Miranda Lima
Victor Hugo de Melo Marcelo Lopes Cançado
João Pedro Junquetra Caetano Victor Hugo de Melo
Cláudia Na,'õlrro C O. Lemos João Pedro Junqueira Caetano
Sergimar Padoveza !lhranda Cl:!udaa Na\"arro C O. Lemos
Benemérito (2014)
Sergamar Pado,·ezi Miranda

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((

Colaboradores

Adriana Almeida de Souza Lucena Alberto Borges Peixoto


Médica Especialista em Ginecologia e PatOlogia do Trato Ge- Professor de Ginecologia e Obstetrícia na Universidade de
nital Inferior. Mestre em Saúde da Mulher pela UFMG. Uberaba-MG. Médico Assistente de Ginecologia e Obstetrí-
cia na UFTM. Doutorando em Obstetrícia - UNIFESP. Mestre
Adriana Ribeiro da Silva em Medicina - UFTM. Research Fellow em Medicina Fetal
Ginecologista e Obstetra do Hopital Mater Dei - Belo Hori- - King's College of London-UK Titulo de Especialista em Gi-
zonte-MG. Especialista em Endoscopia Ginecológica - Belo necologia e Obstetrícia - FEBRASGO/AMB. Area de Atuação
Horizonte-MG. em UltrassonografLa em Ginecologia Obstetrícia e Med icina
Fetal - FEBRASGO/AMB.
Adriana Wagner
Mestre em Tocoginecologia pela FMRP-USP. Doutora em
Alexander Cangussu Silva
Ciências pela UNIFESP. Professora da Universidade Comuni- Professor de Obstetrícia da UFJF. Mestrando em Med icina
tária da Região de Chapecó - UNOCHAPECÓ. pela UFJF. Coordenador do Serviço de Gestação de Alto Risco
da UFJF.
Adrianne Maria Berno de Rezende Duarte
Alexandre de Almeida Barra
Professora de Obstetrícia da UFJF. DoutOranda em Medicina
Mestre e Doutor em Ginecologia e Obstetrícia pela UFMG.
pela UFJF. Coordenadora da Comissão O rientadora de Está-
Professor Adj unto de Ginecologia e Obstetrícia da UFOP-MG.
gio da UFJF.
Coordenador do Serviço de Maswlogia do lPSEMG. Membro
Titular da FEBRASGO e da Sociedade Brasileira de Maswlogia.
Agnaldo Lopes da Silva Filho
Professor Titular do Departamento de Ginecologia e Obs- Alexandre Mariano Tarcísio de Sousa
tetrícia da Faculdade de Med icina da UFMG. Presidente da
Médico pela UFMG. Titulo de especialista em Ginecologia e
Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Ge rais
Obstetrícia - TEGO 004/81 pela FEBRASGO Título de Especia-
(SOGIMIG 2015/2016). Especialista em Cirurgia Geral e Ci-
lista em Patologia do Trato Genital Inferior pela ABPTGIC Pre-
rurgia do Trauma pela FHEMIG. Especialista em Ginecologia/ ceptOr de Ginecologia do Hospital j ulia KubitSChek - FHEMIG
Obstetrícia pelo HC-UFMG. DoutOr pela UNESP-Botucatu.
Vice-presidente da Região Sudeste da FEBRASGO. Alexon Melgaço Racilan
Méd ico Ginecologista e Obstetra. Professor de Obstetrícia da
Aknar Calabrich FASEH - Vespasiano-MG.
Oncologista Clínica AMO. Diretora de Ensino do EVA - Gru-
po Brasileiro de Tumores Ginecológicos. Aline Evangelista Santiago
Especialista em Ginecologia e Obstetrícia. Especialista em
Alaís Virgínia Ferreira de Souza Endoscopia Ginecológica. Mestranda em Ginecologia, Obs-
Médica formada na Faculdade de Medicina de Barbacena-MG. tetrícia e Maswlogia pela UNESP - Botucatu-SP. Residência
Ginecologista e Obstetra do Hospital Mater Dei - Belo Hori- Médica em Ginecologia e Obstetrícia pelo Hospital Municipal
zonte-MG. Residente do Programa de Obstetrícia e Ginecolo- Odilon Behrens - Belo Horizonte-MG. Título de Especialista
gia da Rede Mate r Dei de Saúde - Belo Horizonte-MG. em Ginecologia e Obstetrícia - TEGO 2014.
XI
Amanda Barbosa Moraes Anelise lmpelizieri Nogueira
Restdtncta Médtca em Ginecologia e Obstetrfcia no Hospi1al Professora Associada do Departamento de Cllnica Méd1ca da
Vila da Serra - Nova Uma-MG. Faculdade de Med1cma da UFMG. ~estre e Doutora em Me-
dicina pelo Programa de Saúde da Mulher da Faculdade de
Ana Christina de Lacerda lobato Medicina da UFMG. Membro do Serviço de Endocnnologta
Mestre em Saúde da Mulher pela UFMG . Pré-natalista de Alto do Hospital das Clímcas ela UFMG.
Risco. Especialista em Medicina Fetal. Professora das Facul-
dades de Med icina da UNIFENAS-BH e UNl-BH. Angélica lemos Debs Diniz
Professo ra Adju nta IV do Departamento de Ginecologia e
Ana Clara liso Figueiredo Obstetrícia da UFU. Doutora em Ciências pela UNIFESP. Pro-
Acadêmica de Medicina na FASEH. fessora Permanente do Programa de Pós-graduação em Ciên-
cias da Saúde da UFU.
Ana Lúcia Cândido
Professora Associada do Departamento de Clímca Médtca da Angélica Nogueira-Rodrigues
Faculdade de l\ledtcina da UFMG. Doutora em Ctências Bto- Oncologisla Professora e Pesquisadora da UFMG. Pres1dente
lógtcas - Fisiologlll. do EVA - Grupo Bras1le1ro de Tumores GinecológiCOS. Dire-
tora da Clrnica DOM Oncologia.
Ana Lúcia Ribeiro Valadares
Pesquisadora Colaboradora da UNICAMP. Professora de Anna Dias Salvador
Saúde da Mulher e da Pós-graduação em Ensino Médico do Residente do Programa de Residência Médica em Ginecolo-
Curso ele Medicina da UN!FENAS. Presidente elo Comitê ele gia e Obstetrícia ela Rede Mater Dei de Saúde - Be lo Hori-
Climatério ela SOGIMIG. zonte-MG.

Ana luiza lunardi Rocha Antônio Carlos Pinto Guimarães


Doutora em Saúde da Mulher pela UFMG . Professora Adjunta Graduado em Med1cina- UFMG. Residência Médica em Gi-
do Departamento de Ginecologia e Obstetrlcia da UFMG. necologia e Obstetrícta - HCUF-MG. Mestrado em Gineco-
logia e Obstetrícia - UFMG. Doutorando em Saúde da Mu-
Ana Márcia de Miranda Cota lher - UFMG. Especiahsla em Medicina de Família e Comu-
~estre em Gmecologia e Obstetrlcia pela UNESP - Botu- nidade - AMB. Especiahsta em Ginecologia e Obstetrlc1a pela
catu-SP. Especialização lato sensu em Reprodução Humana FEBRASGO. Pós-graduado em Educação Sexual pela Funda-
pela FELUMNFCMMG (Fundação Eclucactonal Lucas Ma- ção Mineira de Educação e Cultura - Curso de Formação em
chado). Ginecologista do Serviço ele Reprodução Humana Terapia Sexual pela Sociedade Brasileira de Estudos em Se-
xualidade Humana e Centro de Estudos em Comportamento
do Hospital Mate r Dei - Belo Horizonte-MG.
Humano Persona. Área ele Atuação em Sexologia pela AMB.
Ana Paula Brum Miranda Lopes Especialização em Gestão Empresarial pela F!ANSP. Pós-gra-
Doutorado em Ginecologia e Obstetrícia pela UFMG. Médica duado em Gestão de Organizações Hospitalares e Sistemas
de Saúde pela Fundação Getúlio Vargas. Docente Adjunto da
do Hospital das Clinicas da UFMG.
UFSJ MBA em Gestão em Saúde pela FGV e F!ANSP. Docen-
Ana Paula Reiss A. D. Gomes te em Ensino Superior de Medicina.
~lembro dos Servtços de Urgência Ginecológtca e Obstétrica,
Antônio Eugênio Motta Ferrari
~astologta e Mamografia do Hospital Mater De1 - Belo Ho-
Professor Assistente de Ginecologia da Faculdade de Cttnc1as
rizonte-MG. Especialista em Ginecologia e Obstetrlcia pela
Médicas de Minas Gera1s. Coordenador da Clínica de Gmeco-
FEBRASGO. Especialista em Mastologia pela SBM. Especialis-
logia e Obstetrlcta do Hospital Vila da Serra - Instituto Mater-
ta em Mamografia pelo CBR.
no-Infantil. Mestre em Ciências da Saúde pelo IPSEMG. Mé-
dico da Cl!nica Vilara- Reprodução Assistida Vila da Serra.
Andrea Moura Rodrigues Maciel da Fonseca
Doutora em Ciências da Saúde pela UNIFESP. Antônio Fernandes Lages
Mestre em Ginecologia pe la UFMG. Professor do Departa-
Andréia Cristina de Melo
mento de Ginecologia e Obstetrlcia da Faculdade de Citn-
Chefe da Divisão de Ensaios dínicos e Desenvolvimento de cias Médicas de Minas Gerais. Membro Titular da Sociedade
Fármacos do INCA. Diretora de Pesquisa do EVA- Grupo Bra- Brasileira de Mastolog1a. Membro Titular da Federação das
síleuo de Tumores Ginecológicos. Oncologista da Rede D'Or. Sociedades de Ginecologta e Obstelrlda.
Andrezza Vilaça Belo Lopes Antonio Vieira Machado
Méd1ca Espec1alista em Ginecologia e Obstetrícia. Professo- Mestre em Ginecologia e Obstetrlcia pela UFMG. Professor
ra Adjunta 11 do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia Adjunto de Ginecologia e Obstetr!cia da Faculdade de Ciên-
da UFMG. Mestre e Doutora em Fisiologia e Farmacologia - cias Médicas de Minas Gerais. Assistente efetivo da Clínica
lCB-UFMG. Obstétrica da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte.
XII
Arlene de Oliveira Fernandes Carlos Henrique Mascarenhas Silva
Especialista em Ginecologia e Obstetrícia. Mestre em Reprodu- Especialização em Medicina Fetal - King's College london-
ção Humana pela USP - Ribeirão Preto-SP. Professora Assisten- -UK. Ginecologista e Obstetra do Hospital Mater Dei - Belo
te do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do UNIBH. Horizonte-MG. Coordenador do Serviço de Medicina Fetal e
Ultrassonografia do Hospital Mater Dei - Belo Horizonte-MG.
Augusto Henriques Fulgêncio Brandão Coordenador do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hos-
Doutor em Ginecologia e Obstetrícia pela UFMG. Professor pital Mate r De i - Belo Horizonte-MG. DiretOr das Vice-presi-
de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Saúde e Ecolo- dências e Di reto rias Regionais da SOGIMIG
gia Humana - FASEH.
Carolina Andrade Guedes dos Santos
Beatriz Amélia Monteiro de Andrade Graduada em Medicina pela Universidade Estadual de Cam-
Mestrado em Medicina pela Faculdade de Medicina da UFMG pinas - UNICAMP. Residente de Ginecologia e Obstetrícia do
Coordenadora da Residência Médica em Ginecologia e Obste- Hospital das Clínicas da UFMG.
trícia da Maternidade Odete Valadares - FHEMIG. Mestre em
Ginecologia e Obstetrícia pela Faculdade de Medicina da UFMG Carolina Antunes Dias
Obstetra do Serviço de Gravidez de Alto Risco da Maternidade Ginecologista e Obstetra do Hospital Mater Dei - Belo Hori-
Odete Valadares - FHEMIG - e do Hospital Vila da Serra. zonte -MG.

Beatriz Santana Soares Rocha Carolina Passos de Rezende Martins


Endocrinologista. Doutora em Farmacologia Bioquímica e DoutOra em Saúde da Mulher pela UFMG. Médica da Clíni-
Molecular pela UFMG. Professora Adjunta do Departamento ca lifesearch - Serviço de Reprodução Humana. Médica do
de Clinica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG laboratório de Reprodução Humana do Hospital das Clínicas
da UFMG.
Benito Pio Vitoria Ceccato Junior
Mestre e DoutOr em Ginecologia pela Faculdade de Medicina Caroline Reis Gonçalves
da UFMG. Professor AdjuntO da Faculdade de Ciências Médi- Médica Residente de Ginecologia e Obstetrícia da Maternida-
cas de Minas Gerais. Diretor Científico do !MEDE - InstitutO de Odete Valadares - Belo Horizonte-MG.
Mineiro de Ultrassonografia.
Cássia Cançado Avelar
Bruno Muzzi Camargos DoutOranda em Psicologia - Unive rsidade E\ Salvador- USAL
Doutor em Saúde da Mulher pela UFMG. Rede Mater Dei de - Buenos Aires, Argentina. Especialista em Psicologia Médi-
Saúde - Belo Horizonte-MG - Densitometria óssea. lnterna- ca pela Faculdade de Medicina da UFMG. Responsável pela
tional Society for Clinicai Densitometry - Presidente Regional Avaliação Psicológica - Universidade Católica de Brasília-DF.
Iberoamérica. l nternational Osteoporosis Foundation - Con-
sultor Científico. Comissão Nacional de Especialidades da Cassiano de Souza Moreira
FEBRASGO - Osteoporose - Presidente. Sociedade Mineira TEGO 2012. Médico do Hospital Mater Dei e do Hospital
de Radiologia - Vice -presidente - Densitometria. Felício Rocho - Belo Ho rizonte-MG.

Camila Gabriele Si lva Cezar Alencar de Lima Rezende


Graduada em Med icina pela UFJF - juiz de Fora-MG Médica TEGO 031182 . Doutorem Medicina pela Faculdade de Medi-
Residente em Obstetrícia e Ginecologia pelo Hospital júlia cina da UFMG. Professor Associado do Departamento de Gi-
KubitSchek - FHEMIG necologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFMG.
Membro do Setor de Assistência a Gestações de Alto Risco do
Cami la Martins de Carval ho Hospital das Clínicas da UFMG. Membro do Serviço de Assis-
Médica Ginecologista e Obstetra do Corpo Clínico do Hospital tência a Gestações de Alto Risco da UNIMED-BH.
Governador Israel Pinheiro, da Maternidade e Hospital Octa-
viano Neves e do Instituto Materno-Infantil de Minas Gerais. Cláudia Lourdes Soares Laranjeira
Mestre em Ginecologia e Obstetrícia pela UFMG. Membro da
Cami la Rios Bretas UROMATER - Serviço de Urodinãmica e Disfunções Miccio-
Cirurgiã Geral pelo Hospital Albe rto Cavalcanti - FHEMIG nais da Rede Mater Dei de Saúde. Titulo de Especialista em
Residente do Programa de Obstetrícia e Ginecologia e Obste- Ginecologia e Obstetrícia e Área de Atuação em Urodinâmica
t rícia da Rede Mate r De i de Saúde - Belo Horizonte -MG. e Uretrociswscopia pela FEBRASGO. Coordenadora do Ser-
viço de Ginecologia e Obstetrícia e Supervisora do Programa
Cami la Toffoli Ribeiro de Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia da Rede
Professora Assistente do Departamento de Ginecologia e Obs- Mater Dei de Saúde. Di reto ra Científica da SOGIMIG - biê-
tetrícia da UFU . Especialista em Reprodução Humana pela nio 2015-2016. Ginecologista e Obstetra TEGO 167/1997.
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP. DoutOranda Ginecologista e Obstetra TEGO 157/1996. Coordenadora do
em Ginecologia e Obstetrícia - Área de Concentração em Bio- Programa de Residência Medica em Ginecologia e Obstetrícia
logia da Reprodução - USP. da Rede Mate r Dei de Saúde.

xiii
Cláudia Lúcia Barbosa Salomão Daniella Bronzatt
Médica Ginecologista e Obstetra. Pós-graduada pelo Conse- Residência Médica em Ginecologia e Obstetrfcia pelo Hos-
jo Superior de la Universidad de Buenos Aires - Sociedad pital Materno-In fantil de Brasfha. Especialista em Gine-
Argenlina de Ginecologia Infanto Juveml - Argenlina. Inter- cologia e Obstetrlcía pela FEBRASGO. Especlalização em
nalional Fellowsh1p on Pediauic and Adolescem Gynecology Uluassonografia pelo CAISM- UNICAMP. Titulo de Espe-
- Internalional Federauon of Ped1atnc and Adolescem Gyne- cialista em Ultrassonografia Geral pelo CBR. Membro do
cology. Coordenadora do Serv1ço de Gmecologlll Infanlil do Corpo Clinico de Ultrassonografia do Hospnal Mate r Dei -
Hospital São Camilo- Belo Honzome-MG. Belo Horizonte-~IG.

Cláud ia Maria Vilas Freire Delzio Salgado Bicalho


Doutora em Cllmca Médica pela UFMG. Cardiologista e Eco- Diretor da SOGIMIG. D1retor da Soc1edade Brasile1ra de CI-
cardiografiSta pela Sociedade Bras1leira de Cardiologia. Eco- rurgia Minimamente lnvas1va e Robóuca - SOBRACIL-MG -
grafista Vascular pelo Colég1o Bras1leiro de Radiologia. Capítulo Minas Gerais. Ginecologista Oncológico do lnsutuLO
Mário Penna.
Cláudia Navarro Carvalho Duarte lemos
Mestre e Doutora pela Faculdade de Medicina da UFMG.
Diogo Ayres-De-Campos
Médica do Laboratório de Reprod ução Humana Pro L Arol- Professor Associado do Depa rtamento de Ginecologia e
d o Fernando Camargos - Hospi tal das Clinicas da UFMG. Obstetrícia da Unive rsidade do Porto - PortugaL Coorde-
Conselheira d o Conse lho Regional de Med icina de Minas nador do G rupo de Monitorização e Sim ulação em Asfixia
Gerais. Pe rinatal do Ins tituto de Engenharia Bioméd ica, 13s - Porto.
Membro do "Safe Motherhood a11d Newborn l lealth Com-
A

Clécio Enio Murta de Lucena mittee" da FI GO.


Mestrado e Doutorado pela UFMG. Professor Adjunto da Fa-
Eduarda Andrade de Moraes
culdade de Ciencias Méd icas de Minas Gerais. Membro Titu-
Médica do Corpo Clrnico da Maternidade Octaviano Neves,
lar da FEBRASGO e da Sociedade Brasileira de Mastologia.
do Inslituto Materno-Infantil de Minas Gerais e do Hospital
Presidente da Sociedade Brasile1ra de Mastologia - Regional
Odilon Beh rens - Belo Horizonte-MG.
Minas Gerais (20 14-20 I 6). Chefe do Serv1ço de Mastologia
da Santa Casa de Belo Honzonte-MG.
Eduardo Batista Cândido
Clóvis Antônio Bacha Professor Adjunto do Departamento de Gmecolog1a e Obste-
trlcia da Faculdade de Med1cma da UFMG. D1retor de Ensmo
TEGO 088193. Mestre e Doutor em Med1cma pela Faculdade
de Medicma da UFMG. Membro do Serv1ço de Assistência a e Residência Médica da SOGIMIG- b1emo 201512016. Espe-
cialista em Ginecologia e Obstetrlcia e Endoscopia Gmecoló-
Gestações de Alto Risco da UNIMED-BH. Membro do Con-
selho Consuluvo da SOGIMIG. Coordenador do Seniço de gica pelo Hospital das Cllmcas da UFMG. Mestre em Gineco-
Gravidez de Alto R1sco da UNIMED-BH e do Hospnal da Mu- logia pela lDJESP - Botucatu-SP. Doutor em Gmecolog1a pela
lher e Maternidade Santa Fé de Belo Honzonte-MG. Faculdade de Medicina da UMG.

Eduardo Cunha da Fonseca


Conrado Milani Coutinho
Professor Auxiliar da Faculdade de Cíencias Médicas de Mi-
Médico Assistente do Hospital das Clinicas da Faculdade de
nas Gerais - CMMG. Mestre em Gmecologm pela UFMG. Es-
Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo -
pecialista em Colposcopia e Patologia Cervical pela UFMG.
USP-FMRP. Doutor e m Tocogi necologia pela USP-FMRP.
TEGO 004-94. Ginecologista e Obstetra do Hospilal Ma ler
Dei - Belo Horizonte-MG.
Cristiana Fonseca Beaumord
Ginecologia!Obstetrfcia. TEGO 1992. Eduardo Siqueira Fernandes
GO. Mestre e Doutorando pelo Programa de Saúde da Mulher
Cristóvão Pinheiro Barros da Faculdade de Med icina da UFMG.
MasLOlogista do IPSEMG. TEGO e TE Ma. Memb ro Titular da
Sociedade Brasileira de Mastologia. Di retor de Defesa Profis- Edward Araujo Júnior
sional da Sociedade Brasilei ra de Mastologia - Regional Mi- Professor Adjunto da Discipl ina de Medicina Fetal do De-
nas Gerais. partamento de Obstetrlcia da UNIFESP. Mestre, Doutor, Pós-
d outor e Livre Docente pelo Departamento de Obstetrfcía da
Cynthia Netto de Barros U~IFESP. Pós-doutOrado em Terapeutlca Fetal pelo Depar-
Doutoranda em Doenças Malignas das Mamas pela Unh·ersité tamento de ObsteLrfcia da Umvers1dade de le1den - Palses
de Geneve - UNIGE. Membro Titular da Soc1edade Brasilei- Baixos. Título de Especialista em Ginecologia e Obstelrlcia
ra de Mastolog1a. Membro Titular da Federação das Socieda- - FEBRASGO/AMB. Ãrea de Atuação em Ultrassonografia em
des de Gmecologia e Obstetrícia. Ginecologia Obstelrlcta e Med1c1na Fetal- FEBRASGO/A.\LB.
xiv
Ela ine Cristina Fontes de Oliveira Frederico José Amedee Peret
Médica do Hospttal das Cllmcas da UFMG. Especialista em Mestrado em Medicina pela Faculdade de Medicina da
Ginecologta e Obstetrlcia com subespecialização em Repro- UFMG. Coordenador Médtco da Maternidade UNIMED-BH
dução Humana. - Grajaú. Coordenador do Serviço de Gestação de Alto Risco
do Hospital Vila da Serra.
Erica Becker de Sousa Xavier
Graduada em Medtcma pela UFMG. Mestrado em Saúde da Gabriel Costa Osanan
Mulher pela UFMG. Espectaltzação Médtca em Climatério e Professor Adjunto do Departamento de Ginecologia e Obs-
Medtctna Reproduuva pela FELUMA - Fundação Educacio- tetrícia da UFMG. Membro do Comttê de Gestação de Alto
nal Lucas Machado. Especialtzação em Gmecologia e Obste- Risco e Mortalidade Matenna- SOGIMIG.
trlcia no HMOB- Hospttal Mumcipal Odilon Behrens.
Gabriel Oliveira Bernardes Gil
Fabiana Maria Kakehasi
Radio-oncologista do Hospttal Mater Det - Belo Horizon-
Professora AdJUnta do Departamento de Pediatria da Faculdade
te-MG.
de Medicina da UFMG. Preceptora do Programa de Residência
Médica em Pediatna do Hospital das Clínicas da UFMG.
Garibalde Mortoza Junior
Fabiene Va le Ex-presidente da SOGIMIG. Ex-presidente da ABPTG IC -
GO. Mestre e DouLOra pelo Programa de Saúde da Mulher da Associação Brasileira de Patologia do Trato Gen ital Inferior
e Colposcopia. Autor do livro Patologia Cervical- da Teoria ~
Faculdade de Med icina da UFMG.
Prática Clcnica pela MedBook Ed itora.
Fernanda Magalhães Menicucci
Especialista em Ginecologia e Obsteu·lcia pela FEBRASGO e Pós- Gerson Lopes
graduada em Medicina Fetal pela CETRUS. Médica Ginecolo- Ginecologista com Atuação em Sexologia pela FEBRASGO.
gista e Obstetra do Hospital Mater Dei - Belo Horizome-MG. Coordenador do Departamento de Medicina Sexual do Hos-
Médica do Serviço de Medicina Fetal do Hospital Mater Dei. pital Mater Dei - Belo Horizonte-MG.

Fernando M. Reis Gui Tarcisio Mazzon i Junior


Professor Associado do Departamento de Ginecologia e Obs- Mestre em Ginecologia e Obstetrfcta pela UFMG . Doutor em
tetrlcia da Faculdade de Medicina da UFMG. Doutor em Me- Saúde da Mulher pela UFMG - Area de Concentração em Peri-
dicina pela UFRGS e ltvre-Docente pela USP. natologia. Membro Titular do Colégto Brastletro de Radiologia.

Flávia Magaly Silveira Nobre Guilherme de Castro Rezende


Preceptora da Restdêncta Médtca em Gmecologta e Obstetrí- Professor de Obstetrlcta na Faculdade da Saúde e Ecologia
cia do Hospttal Um,·ersitáno da Um montes. Humana - FASE H. Doutorado em Saúde da Mulher (Penna-
tologia) - UFMG.
Flávia Ribeiro de Oliveira
Doutoranda e Mestre em Saúde da Mulher pela Faculdade de Gustavo Francisco da Silva
Medicina da UFMG. Espectaltsta em Ginecologia, Obstetrlcia Membro do Corpo Cllmco do Hospttal Víla da Serra - Belo
e Reprodução Humana. Professora e Coordenadora do Inter-
Horizome-MG.
nato de Obstetrlcia da Faculdade de Saúde e Ecologia Huma-
na - FASE H. Coordenadora do Núcleo de Ensino e Pesquisa Henrique Moraes Salvador Silva
da Maternidade Odete Valadares - Fundação Hospitalar do
Coordenador do Serviço de Mastologia do Hospital MaLer Dei
Estado de Minas Gerais.
- Belo Horizonte-MG. Professor Livre Docente de Ginecolo-
gia pela Fundação Dom André Arcoverde- Rio dejane iro-Rj.
Francisco de Assis Nunes Pereira Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia. Me mbro
Doutor em Saúde ela Mulher pela Faculdade de Medicina da Titular da Academia Mineira de Medicina.
UFMG. Subcoordenaclor do Laboratório de Reprodução Huma-
na Prof. Aroldo F. Camargos do Hospital das Clínicas da UFMG. Henrique Vitor Leite
Médico na Ufe Search- Serviço de Reprodução Humana. Professor Titular do Departamento de Ginecologia e Obstetrí-
cia da Faculdade de Medicina da UFMG .
Francisco lirio Ramos Filho
TEGO 0240/1995. Coordenador Médico e Preceptor da Resi- Heverton Pettersen
dência Médica da Maternidade Htlda Brandão da Santa Casa Research Fellow do Servtço do Prof. Kypros Nicolaides -
de Belo Honzonte. Supervisor do Internato Hospitalar da King's College Hospital - londres-UK. Membro da Fetal
Unh·erstdade José do Rosário Vellano - UNIFENAS - Cam- Medicine Foundation - América latina. Dtretor da Clinica
pus Belo Horizonte, da Faculdade de Medicina do Vale do Gennus - Núcleo de Medtcma Fetal. Edttor da Re\•tsta Brasi-
Aço e da Uruverstdade de ltaúna. leira de UltrasSOnografia.
XV
Hubert Ca ldeira João Bosco Melgaço de Oliveira
Professor Titular do Depa rtamento de Saúde da Mulher e da Especialista em Ginecologia, Obstetrícia e Endoscopia Gine-
Criança da Uni montes. Mestre em Epidemiologia Clínica pela cológica pela FEBRASGO
Escola Paulista de Medicina.
João Henrique Penna Re is
Ines Katerina Damasceno Cavallo Cruzeiro Maswlogista do Hospital Mater Dei - Belo Horizome-MG.
DoutOra em Saúde da Mulher pela UFMG. DiretOra da SOGI- Pós-graduação em Doenças da Mama pela Universidade de
MIG. DiretOra Técnica da Clínica lifesearch - Se rviço de Re- Londres. Direto r da SOGIMIG - b iênio 200912010. Presiden-
produção Humana e do labo ratório de Reprodução Humana te da Sociedade Brasile ira de Maswlogia Regional Minas Ge-
do Hospital das Clínicas da UFMG. rais (201112013). Vice-presidente do Sudeste da Sociedade
Brasileira de Maswlogia (201412016). Membro da Comissão
Inês Vi lela Costa Pinto Nacional de Mamografia da FEBRASGO. Membro Titular da
Rádio-oncologista do Hospital da Baleia, da Santa Casa de FEBRASGO - TEGO. Membro Titular da Sociedade Brasileira
Mise ricórdia de Minas Gerais e do Instituto de Radioterapia de Maswlogia - Tema.
Geral e Megavohagem de Minas Gerais - IRGMMG - em Belo
Horizome-MG. João Oscar de Alme ida Falcão Júnior
Mestrado e Doutorado pelo Programa de Ginecologia, Obste-
Inessa Beraldo de Andrade Bonomi trícia e Maswlogia da Unive rsidade Estadual Paulista - UNESP.
Mestre em Saúde da Mulher pela UFMG. Obstetra e Gine- Coordenador da Pós-graduação em Vídeo-histeroscopia da
cologista e Di reto ra Técnica do Hospital j úlia KubitSchek - Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Professo r Ti-
FHEMIG Secretária Geral da SOGIMIG - biênio 2015-2016. tular da Faculdade de Medici na do InstitutO Metropolitano de
Professora Coordenadora do Internato de Saúde da Mulhe r Ensino Supe rior - IMES. Ginecologista e Obstetra do Corpo
da Faculdade de Medicina da UNIFENAS-BH. Clínico dos Hospitais Mater Dei e Felício Rocho.
Iracema Ma ria Ribeiro da Fonseca João Pedro Junquei ra Caetano
Especialista em Ginecologia e Obstetrícia. Título de Qualifi-
Diretor-presidente da Rede Pró-Criar de Medicina Reprodutiva.
cação em Colposcopia pela Sociedade Brasile ira de Patologia
Professor Convidado da Pós-graduação da Faculdade de Ciên-
do Trato Genital Inferior e Colposcopia. Médica do Se rviço de
cias Médicas de Minas Gerais - FCM-MG. Vice-presidente da
Ginecologia O ncológica do Instituto Mário Penna.
Sociedade Brasileira de Reprodução Humana - SBRH. Mem-
lsabela Melo Apocalypse bro Fundador da Rede Brasileira de O ncofertilidade/Brazilian
Doutorado em Ginecologia e Obstetrícia pela UFMG. Médica O ncofenility Consonium. Mestrado e Doutorado pela UFMG.
do Hospital das Clínicas da UFMG.
João Tadeu Leite dos Reis
'
lvete de Avila Médico Ginecologista e Obstetra. "Assistam Étrange r" pela
Título de Histe roscopia e Videolaparoscopia pela Sociedade Université Paris V - René Descartes - Pa ris, França. Pós-gra-
Brasileira de Ciru rgia Laparoscópica - SOBRACIL. Mestre em duado pelo Consejo Superior de la Universidad de Buenos
Ciências da Saúde pelo Instituto de Previdência dos Servido res Aires - Sociedad Argentina de Ginecologia Infamo j uvenil -
do Estado de Minas Gerais - IPSEMG - Belo Horizome-MG. Argentina. International Fellowship on Ped iatric and Adotes-
Histeroscopista e laparoscopista do D&l Endoscopia Gine- cem Gynecology - International Federation o f Pediatric and
cológica - Belo Horizonte-MG Equipe Multidisciplinar de Adolescem Gynecology.
Endometriose no Hospital Mater De i - Belo Ho rizonte-MG.
João Thomaz da Costa
lzabella Nobre Quei roz TEGO 078185. Titulo de Especialista em Ginecologia e Obstetrí-
Residente de Rádio-oncologia do Hospital Mate r Dei - Belo cia. MBA - Executivo em Saúde pela FGV Vice-presidente e Di-
Horizome-MG. retOr Regional da SOGIMIG 2002-2016. Diretoria Clínica e Ad-
ministrativa do Hospital Santa Clara - 1999-2003 e 2007-2009.
Jaqueline Dezord i da Silva Antonelli
Especialista em Ginecologia e Obstetrícia e Pós-graduada em Jorge Andrade Pinto
Medicina Fetal pela CETRUS. Médica Ginecologista e Obste- Professor Titula r do Departamento de Pediatria da Faculdade
tra do Hospital Mate r Dei - Belo Horizome-MG. Médica do de Medicina da UFMG. Coordenado r do Grupo de Pesquisa
Se rviço de Medicina Fetal do Hospital Mate r Dei. Título de em HIV/AIDS em Crianças, Adolescentes e Gestantes da Fa-
Especialista em Ginecologia e Obstetrícia pela FEBRASGO. culdade de Medicina da UFMG.

Joana Sara Fonseca Dumont José Avilmar Uno da Silva


TEGO 181/201 1. Mestre em Ginecologia e Obstetrícia pela TEGO 0379/96. Mestre em Ginecologia e Obstetrícia pela Fa-
Faculdade de Medicina da UFMG. culdade de Medicina da UFMG.

XVI
José Sérgio Tavela Junior Karla Rodrigues Pinheiro
Mestrando em Educação Médica pela UNlFENAS. Especia- Acadêmica de Medicina na Faculdade da Saúde e Ecologia
lista em Gmecologia e Obstetrfcta (TEGO). Diretor de Assis- Humana - FASEH.
tência do Hospital Universitário Alzira Velano - Alfenas-MG.
Diretor Regional da SOGlMlG em Alfenas-MG. Professor Karla Zanolla Dias de Souza
de Gmecolog1a e Obstetrfcta na UNlFENAS - Alfenas-MG. Especialista em Ginecolog1a e Obstetrlcta pelo lPSEMG e
Coordenador Méd1co do SAMU Sul de Minas Gerais. em Reprodução Humana pela UFMG. Mestre em Saúde da
Mulher pela UFMG. Professora Assistente do Departamento
José Tadeu Campos de Avelar de Ciências da Saúde da Um,·ers1dade Federal de Lavras -
Médico MastologlSla do Hospttal Mater De1 - Belo Hori- UFLA.
zome-MG. Ex-prestdeme da Soctedade Brastle1ra de Mastolo-
gia - Regtonal Minas GeraiS. Especiahsta em Mastologia pela Lara Rodrigues Félix
Unh·erstdade de Londres. Mestranda do Programa de Pós-graduação em Saúde da Mu-
lher da UFMG. Espeetahsta em G mecologta e Obstetrlcia pela
Júlia Alves Dias FEBRASGO (TEGO) e em Ultrassonogralia em Ginecologia
Especialista em Gmecologia e Obstetrlcia pela FHEM lG e Obstw lcia pelo Colégio Brasileiro de Rad iologia (TUSGO)
e em Rep rodução Humana pelo Hosp ital das Clinicas da com Residência Méd ica em ambas as áreas pela UFMG. Pro-
UFMG. Méd ica do Labo ratório de Reprodução Humana fessora do lnsútuto Master de Ensin o Professor AntOnio Car-
Pro L Aroldo Fernando Cama rgos- Hospital d as Clinicas da los - IMEPAC - Araguarí.
UFMG.
Larissa Magalhães Vasconcelos
Juliana Barroso Zimmermmann Médica Residente em Ginecologia e Obstetrlcia na Rede Ma-
Professora Adjunta de Obstetrlcia da UFJF. Doutora em Medi- ter Dei de Saúde - Belo Horizonte-MG.
cina pela UFMG. Supervisara da Residência Médica em Gine-
cologia e Obstetrfcia da UFJF. Larissa Milani Coutinho
Professora de Obstetrlcia da UFJF. Doutoranda do Programa
Juliana Moyses Le ite Abdalla de Saúde da Mulher da UFMG .
Pós-graduação em Medicina Fetal na Cetrus - São Paulo. Fel-
low em Medietna Fetal com o ProL Philippe jeamy, Nash,~lle, Leonardo Amédée Péret
EUA. Ceruficado de Atuação em Medtcina Fetal - FEBRAS- Médico DermatologiSta - Sóc1o Efeuvo da Sociedade Brasi-
GO. Mestrado em Saúde da Mulher pela UFMG. Titulo de leira de Dermatologia. Mestre pela UFMG. Professor de Der-
Espeoahsta em Ultrassonografia pelo Colég1o Brasileiro de matologia na Faculdade de Med1cma da UNlFENAS - Belo
Radtolog1a - CBR. Titulo de Especialista em Ginecologia e Horizome-MG.
Obstetrfc1a- TEGO.
Leonardo Matheus Ribeiro Pereira
Juliana Silva Barra Médico Ginecologista e Obstetra com Espectalização em Me-
dicina Reprodutiva. Mest re pelo Programa de Saúde da Mu-
Professora Adjunta do Departamento de Ginecologia e Obs-
tetrlcia da UFMG. lher pela UFMG. Médtco Assoc1ado da Cllnica PRO-CRIAR.

Leonardo Pandolfi Caliman


Júlio César de Faria Couto Mestre em Saúde da Mulher pela Facu ldade de Med icina
Mestre em Gi necologia e Obstetrlcia pela UFMG. Assistente
da UFMG. Professor da Disciplina de Gi necologia e O bste-
Estrangeiro da "Université Re né Desca rtes - Paris V". Fellow
trícia da Faculdade de Medicina da SUPREMA. Especialista
em Med ici na Fetal no lnstitute de Pue riculture de Paris e na
em Ginecologia, Obstetrlcia e End oscopia Ginecológica pela
Clinique Universitai re Port Royal - Paris - França.
FEBRASGO

Kami lla Maria Araújo Brandão Rajão Letícia Guerra Monteiro Pinheiro
Médica Especialista em Endocrinologia e Metabologia pelo Mastologísta do Hospital Mater Dei- Belo Horizonte-MG. Mem-
Hospital das Clinicas da UFMG e Endocrinologista Assistente bro Titular da FEBRASGO-TEGO. Membro Titular da Socieda-
do Ambulatório de Endocrínopatias da Gestação do Hospi- de Brasileira de Mastologia- TEMA. Habilitação em Mamogralia
tal das Cllmcas da UFMG. Mestre em Saúde do Adulto pela pelo Colégio Brasiletro de Radiologia e pela FEBRASGO.
UFMG.
liv Braga de Paula
Karla de Carvalho Schetlino ~estre em Medicma pela UFMG . Mestre em Saúde da Mulher
Médica Restdente de Gmecologta e Obstetrlcia da Santa Casa pela Faculdade de Med1cma da UFMG. Professora Assistente
de Belo Honzome. da Faculdade de Medtctna da UNlBH.
xvií
Lucas Giarolla Gonça lves de Matos Márcia Auré lia Prado Boaventura
Especialista em Ginecologia e Obstetrícia e Videoendoscopia Gi- Membro do Se rviço de Ginecologia Oncológica do Instituto
necológica pelo Hospital das Clínicas da UFMG. Mestre em Saú- Mário Penna.
de da Mulher pela UFMG. Professor Assistente do Departamento
de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Lavras. Márcia Cristina França Ferreira
Professo ra Adjunta de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade
Luciana Giarolla de Matos de Medicina da UFMG. DoutOra em Fisiologia pela UFMG.
Título de Especialista em Ped iatria pela Sociedade Brasilei ra Coordenadora do Programa de Residência Médica de Gi neco-
de Pediatria, Médica Pneumologista e Alergista da Santa Casa logia e Obstetrícia do Hospital das Clínicas da UFMG. Profes-
de Lavras. sora Associada - Departamento de Ginecologia e Obstetrícia
- Faculdade de Medicina da UFMG. Equipe Multidisciplinar
Luciano Eliziário Borges Júnior de Endometriose Mate r Dei.
Professor de Ginecologia e Obstetrícia na Universidade de
Ube raba-MG. Médico Assistente de Ginecologia e Obstetrícia Márcia Mendonça Carneiro
na UFTM. Mestre em Ciê ncias da Saúde pela UFTM. Titulo Mestre em Ginecologia e Obstetrícia pela Faculdade de Me-
de Especialista em Ginecologia e Obstetrícia - FEBRASGO/ dicina de Ribeirão PretO - USP. Doutora em Ginecologia e
AMB. Especialista em Reprodução Humana e lnfertilidade Obstetrícia pela Faculdade de Medicina da UFMG Professora
Conjugal pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa Associada do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da
de São Paulo. Faculdade de Medicina da UFMG. Equipe Multidisciplina r de
Endometriose Mater Dei.
Luis Guilherme Neves Caldeira
Obstetra do Serviço de Gestação de Alto Risco do Hospital Márcia Salvador Géo
Vila da Serra. Preceptor da Residência de Obstetrícia da Santa Ginecologista e Obstetra do Hospitallvlater Dei - Belo Horizon-
Casa de Mise ricórdia de Belo Horizonte. te-MG. Vice-presidente Assistencial e Diretora Clínica da Rede
Mater Dei de Saúde. Coordenadora do Serviço de Urodinãmi-
ca e Disfunções Miccionais da Rede Mater Dei de Saúde. Título
Luiz Fernando Neves Ribeiro de Especialista em Ginecologia e Obstetrícia e Área de Atuação
Médico do Co rpo Clínico da Maternidade Octaviano Neves e em Urodinãmica e Uretrocistoscopia pela FEBRASGO. Fellow
do Instituto Mate rno-Infantil de Minas Ge rais. de Uroginecologia no Serviço do Prof. Stuart Stanton, St Geor-
ge$ Hospital, Londres. Pós-graduação em Uroginecologia no St.
Luiza de Miranda Lima Georges Hospital em Londres. Ex-presidente da Comissão Espe-
Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Saúde da Mulher cializada em Uroginecologia e Cirurgia Vaginal da FEBRASGO.
pela Faculdade de Med icina da UFMG Membro da Equipe
de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital !via te r Dei e da Santa Mareio Alexandre Hipólito Rodrigues
Casa de Belo Horizonte. Professo r Adjunto de Ginecologia da UFOP. Coordenador do
Ambulató rio de Clirrtaté rio da Residência de Ginecologia da
Luiza Liboreiro Motta Ferrari Santa Casa de Belo Horizonte.
Médica Residente em Ginecologia e Obstetrícia do Hospital
Vila da Se rra.
Marco Antônio Barreto de Melo
Mestre e Doutor em Ginecologia e Obstetrícia pela UFMG.
Luíza Meelhuysen Sousa Aguiar Pós-doutor pelo Instituto Universitário-IVl, Universidade de
Medica Residente em Ginecologia e Obstetrícia na Rede Ma- Valência - Espanha. Especialização em Biologia Molecular da
Implantação Embrionária pelo FIVIER - Espanha. Maste r em
te r Dei de Saúde - Belo Horizonte-MG.
Ginecologia Endócrina e Rep rodução Humana pelo Instituto
Marcella Israel Rocha Valenciano de Infertilidade - Espanha. Editor da Revista Ca-
dernos de Medicina. Membro da Cãrrtara Técnica de Rep ro-
Residente em Ginecologia e Obstetrícia da UFMG. Mestranda
dução Hurrtana do CRM-MG.
em Saúde da Mulher na UFMG - área de Perinawlogia .
Marco Aurélio Martins de Souza
Marcelo Lopes Cançado Doutor e Pós-doutorando em Ginecologia e Obstetrícia na
Mestre em Ginecologia e Obstetrícia pela Faculdade de Me- UFMG. Professor Adjunto da Universidade Estadual de Mon-
dicina da UFMG. Membro do Corpo Clínico da Clínica Pró- tes Claros - UNIMONTES-MG. Professor das Faculdades
Cria r e Dopsom. Unidas Norte de Minas - FUNORTE-MG

Márcia Aires Rodrigues de Freitas Marco Tulio Vaintraub


Professora Assistente do Departamento de Ginecologia e Obs- Mestre em Ginecologia pela UFMG. Diretor Clínico da Clíni-
tetrícia da Unive rsidade Federal de Uberlândia - UFU. Mestre ca Médica Venus. Diretor Científico da Clínica Origen - Cen-
em Ciências da Saúde pela UFU. tro de Med icina Rep rodutiva.
xviii
Marcos Faria Maria Paula Moraes Vasconcelos
Research Fellow do Sen;ço do ProL Kypros Ntcolaides - ~lestre e
Doutora em Obstetricia pela Faculdade de Medtcma
Kings College Hospital, Londres. Membro da Fetal Medicine da UF~G. Professora e Coordenadora do Curso de Medtcma
Foundauon - América latina. Diretor da Cllmca Gennus - da UEMG - Unidade Passos. Coordenadora da Umdade Ma-
Núcleo de Medicina Fetal. temo-Infantil da Santa Casa de Misericórdia de Passos.

Marcos José Burle de Aguiar Maria Virgínia Furquim Werneck Marinho


Doutor em Ped iatria. Professor Titula r aposentado do Depar- Méd ica Ginecologista e Obstetra. Presidente do Comite ele
tamento de Ped iatria ela Faculdade ele Medicina da UFMG. Ginecologia lnfanto-Puberal da SOGIMIG Membro ela Co-
Coordenador do Serviço Especial ele Genética do Hospital das missão Nacional de Ginecologia lnfamo-Puberal da FEBRAS-
Clinicas da UFMG. Especialista em Genética Médtca- Socie- GO. lntemational Fellowship on Pediatric and Adolescent
dade Brastletra de Genética Médica. Gynecology- lnternational Federation of Pediatric and Ado-
lescent Gynecology.
Marcos Roberto Taveira
Doutor em Obstelrlcia pela Faculdade de Medtcma da Mariana Furtado Meinberg
UFMG. Mestre em Obstetrícia pela Faculdade de Medicina ~1édica
Ginecologtsta e Obstetra do Hospital das Clínicas da
da UFMG. UFMG e da Maternidade Odete Valadares - FHEMIG. Mestre
em Saúde da Mulher pela Faculdade de Medicina da UFMG.
Marcos Sampaio
Doutorado em Medicina Reprodutiva pe la Universidade de
Mariana Mitraud Ottoni Guedes
Valencia (Espanha). Pós-doutorado em Reprodução Humana Residente do Pt·ograma de Residência Medica em Ginecologia e
pela Universidade de Melbourne (Austrália). Diretor ela Clí- Obstetrlcia da Rede Mater Dei de Saúde - Belo Horizonte-MG.
nica ORIGEN.
Marianna Amaral Pedroso
~embro da Equtpe de Gmecologia e Obstetrlcia do Hospital
Maria Clara dos Santos Amaral
~!ater Dei - Belo Honzonte-MG. Título de Especiall5la em
Mestre em Gmecologia e Obstetrida pela Faculdade de Medici-
Ginecologta e Obstetrfcta pela FEBRASGO. Membro do Ser-
na da UFMG. Membro do Corpo Clfmco da Clfmca Pró-Criar.
viço de Ultrassonografta do Hospital Mater Det - Belo Hon-
zome-MG.
Maria de Lourdes Ribeiro de Carvalho
Médica Dermatologista - Sócia Eretiva da Sociedade Brasilei- Mari lene Vale de Castro Monteiro
ra de Dermatologia. Responsável pelo Ambulatório de Pele e Professora Adjunta elo Departamento de Ginecologia e Obs-
G ravidez elo Hospital das Clinicas da UFMG. Mestre e Dou-
tetrkia da UFMG. Coordenado ra do Setor de Uroginecologia
tora pela UFMG.
do Hospital das Clinicas da UFMG. Doutora em Ginecologia
pela UFRJ.
Maria Flávia Furst Giesbrecht Gomes Brandão
Gmecologtsta e Obstetra. Médica legista. Mestre em Promo- Marina Botinha de Sousa
ção de Saúde e Pre,·enção da Violencta. ~lédica pela UFMG. Residente em Cirurgia Geral na Funda-
ção Hospitalar do Estado de Minas Gerais - FHEM IG - Hos-
Maria Inês de Miranda lima pital Albeno Cavalcanu.
Doutora pelo Programa de Pós-graduação em Saúde da Mu-
lher pela Faculdade de Medicina da UFMG. Chefe da Cllnica Marina Carvalho Paschoini
Ginecológica I da Santa Casa de Belo Horizonte. Professora Adjunta do Departamento Materno-Infantil da Fa-
culdade de Medicina da Universidade Federal do Triângulo
Maria Júlia Vieira de Oliveira Minei ro- UFTM.
Mestra em Ginecologia e Obstetrícia.
Mário Dias Corrêa Júnior
Maria Laura Nogueira Campos Mestre e Doutor em Ginecologia e Obstetrlcia pela UFMG.
Graduada pela UFRJ Residente de Ginecologia e Obstetricia Professor Adjunto do Depanamemo de Ginecologia e Obs-
do HC-UFMG. telrlcia da Faculdade de Medicina da UFMG. Coordenador
Clinico da Matemtdade Otto Cirne do Hospital das Cllmcas
Maria Luísa Braga Vieira da UFMG.
Titulo de especialista em Ginecologia e Obstetrlcta pela
FEBRASGO!TEGO. Membro da equipe de Ginecologia e Obs- Mário Sérgio Silva Gomes Caetano
tetrlcia do Hospital Mater Dei. Residente de Mastologia do Professor da Disctplina de Ginecologia e Obstetricia da Facul-
Hospital Mater Dei. dade de Med icina da Universidade de Uberaba- UNlUBE.

xlx
Matheus Vieira dos Santos Quesia Tamara Mirante Ferreira Villam il
Residência Médica em Psiqutatria pelo Hospital do Servidor Mestre em Saúde da Mulher pela Faculdade de Medicina da
Estadual - IAMSPE- e em Psiqutatria da Infância e Adoles- UFMG. Referência Técmca da Comissão Pennatal - Comitê
cência pela UNIFESP. de Óbitos Matemos e Perinatais da Prefeitura de Belo Hori-
zonte. Diretora Cientilica do lnsututo Nascer.
Múcio Barata Diniz
Coordenador do Serv1ço de Urogmecolog1a do Hospital Vila Rachei Silviano Brandão Corrêa lima
da Serra - Belo Honzonte-MG. Serv1ço de Urogmecologia do Membro da UROMATER - Sei'\'IÇO de Urodmâm1ca e
Hospital Vila da Serra - Nova Uma-MG. Pres1dente da Co- Disfunções Miccíona1s da Rede Mater De1 de Saúde. Es-
missão de Urogmecologta da SOGIMIG. pecialista em Ginecolog1a e Obstetrfcia pela FEBRASGO.
Especialista na Área de Atuação em Urodmâm1ca e Ure-
Myrian Celani trocistoscopia pela FEBRASGO. Fellow de Urogmecologia
Coordenadora do Serv1ço de Gmecolog1a do Hospital das no Serviço do Prof. Stuan Stanton, St George's Hospital,
Clinicas da UFMG. Coordenadora do Serviço de Ginecolo- Londres. Pós-graduação em Urogmecolog1a na Universida-
gia Geriátrica do Hosp1tal das Clinicas da UFMG. Professora de de Londres. Uroginecolog1sta do Serviço de Disfunções
Adjunta do Departamento de Ginecologia e Obstetrlcia da do Assoalho Pélvico da Rede Mater Dei de Saúde - Belo
UFMG. Doutora em Saúde da Mulher pela Faculdade de Me- Horizonte-MG.
d icina da UFMG.
Raíssa Tainá Gonçalves
Natália de Andrade Machado Especialista em Genética Médica - Hospital das Clinicas da
Especialista em Ginecologia e Obstctrfcia. Médica do Centro UFMG. Especialista em Genética Médica pela Sociedade Bra-
Viva Vida.
sileira ele GenéLíca Médica.

Natha lia Cristina Mezzonato Machado Raquel Alves Nunes Rodrigues


Professora da Disciplina de Obstetrfcia da Faculdade de
Residência Médica em Ginecologia e Obstetrfcia. Gineco-
Medicina Unipac -juiz de Fora-MG. Especialista em Gi-
logista e Obstetra pela Maternidade Odete Valada res. Re-
necologia, Obstetrfcía e Endoscopia Ginecológica pela
sidente de Mastologia do Hospital Mater Dei - Belo Hori-
FEBRASGO.
zonte -MG.
Néli Sueli Teixeira de Souza
Mestre em Gmecolog1a e Obstetrfc1a pela UFMG. Professora Raquel Pinheiro Tavares
Assistente do Depanamento de Gmecolog1a e Obstetrlcia da Médica GinecologLSLa e Obstetra. Especialista em Med1cma
Faculdade de C1ênc1as Méd1cas de Mmas Gera1s. Fetal pela Faculdade de Mechc1na da UFMG. Méd1ca do Cor-
po Clínico do Hosp1tal )I.!ater De1 - Belo Honzonte-MG.
Nilo Sergio Nominato
Titulo de Espec1ahsta pela FEBRASGO. ~!estrado em Repro- Regina Amélia Lopes Pessoa de Aguiar
dução Humana pela UFMG . Preceptor de Residência Médica Professora Associada do Depanamento de Gmecolog1a e
em Go"ernador Valadares-MG. Obstetrlcia da Faculdade de Medicma da UFMG. Mestre e
Odilon Campos de Queiroz Doutora em Ginecolog1a e Obstetric1a pela UFMG . Mestre e
Doutora em Medicina pelo Programa de Saúde da Mulher da
Membro Titular do CBR- Colégio Brasileiro de Radiologia e
Faculdade de Medicina da UFMG. Especialista em Ginecolo-
DiagnósLíco por Imagem. Coordenador do Serviço de Ima-
gia e Obstetricia pelo Hospital das Clin icas da UFMG. Espe-
gem do Hospital Belo Horizonte e da UDI - Unidade Diag-
nóstico por Imagem. cialista em Genética Médica pela Sociedade Brasileira de Ge-
nética Médica e Associação Médica Brasileira. Coordenadora
Patricia Aliprandi Dutra do Seto r de Gestação de Alto Risco do Hospital das Clinicas
Médica do Corpo Clinico da Matern idade Octaviano Neves e da UFMG.
do InsLítuto Materno-Infanti l de Minas Ge rais.
Renata Capanema de Mello Franco Saliba
Paulo Carva lho Pimenta Figueiredo Médica Mastologista do Hospital Mater Dei - Belo Horizon-
Mestre pelo Programa de Saúde da Mulher da Faculdade de
te-MG.
Medicina da UFMG. TSA - SBA. Anestesiologista da Rede
Mater Dei de Saúde- Belo Horizonte-MG.
Renato Ajeje
Priscilla Rossi Baleeiro Marcos Mestre em Obstetricía pela EPM-UNIFESP. Membro da Co-
Ginecologista e Obstetra. Gmecologista do Oncocentro - Mi- missão de A\'aliação Profiss1onal (CAP/CEA) da FEBRASGO.
nas Gerais. Mestranda em Ctênc1as Aplicadas ao Câncer pela Membro da Comissão Nac1onal de Ass1sttnc1a Especiahzada
Faculdade Ctênctas Méd1cas de Mmas GeraLS. de Abonamento, Pano e Puerpéno da FEBRASGO.

Xl.
Renato Nunes Melo Rogéria Andrade Werneck
TEGO 0547/2003. Ultrassonografista do Centro Metropoli- Ginecologista e Obstetra - Hosp•tal das Clinicas da UFMG.
tano de EspeCialidades Médicas Dario de Faria Tavares. Mé- Ambulatório de Gmecologia Geriátrica - Hospital das Clíni-
dico Legista do Instituto Médico-Legal de Belo Horizonte - cas da UFMG. Médica Assistente da Santa Casa de Miseri-
Policia Civtl - Secretaria de Defesa Social de Minas Gerais córdia de Belo Horizonte. Mestre em Saúde da Mulher pela
(SEDSIMG). Faculdade de Med1cma da UFMG.

Renilton Aires lima Rosana Correia da Silva Azevedo


Especialista em CL!mca Méd1ca e Endocnnolog•a pelo Hospi-
Espec1absta em Ginecolog~a!Obstetrlcta pelo HC-UFMG.
tal das Clinicas da UFI\IG. Méd1ca do Hosp•tal das Olmcas da
Mestre em Gmecolog•a pela Faculdade de Medicina da
UFMG. Mestranda do Programa de Pós-graduação em Saúde
UFMG.
da Mulher da UFMG.

Ricardo Mello Marinho Sálua Oliveira Calil de Paula


Diretor Cientllico- Rede Pró-Criar de Medicina Reprodu- TEGO 2007. Médica do Hospital Mater Dei e do Instituto
tiva - Belo Horizonte-MG. Professor-Adjunto de Gineco- Mário Penna. Mestrado e Doutorado pela UNESP.
logia e Pesquisador da Faculdade de Ci~ncias Médicas de
Minas Gerais- FCM-MG. Professor da Faculdade de Med i- Sandro Magnavita Sabino
cina de Barbacena. Mestre pela UFMG. Douto r pela Esco -
Mestre em Ginecologia e Obstetrfcia pela UFMG. Especiali-
la Paulista de Medicina- UN IFESP. Memb ro fundador da
zação em Embriologia pelo Saim Barnabas Medicai Cemer -
Red e Brasileira de Oncofertilidade/Brazilian O nco ferli lity
USA. Especialização em Medicina Reprodutiva pelo Insti -
Consortium. tuto Valenciano de lnfertiliclacle - Espanha. Diretor da SO-
GIMIG. Diretor do Laboratório de Reprodução Assistida ela
Ricardo Vilas Freire de Carvalho Clínica Vilara.
Hematologista e HemOLerapeuta - Hospital das Clínicas da
UFMG. Especialização em Saúde Pública pela Escola de Saú- Saulo Santos Estrela Terra
de Púbhca-MG. Diretor Clinico da Hematológica - Clinica de Residente do Programa de Ginecologia e Obstetrlcia do Hos-
Hematologia- Belo Horizonte-MG. pital Vila da Serra- Belo Honzonte-MG.

Rívia Mara lamaita Sávio Costa Gonçalves


Ginecolog•sta Espec1ahsta em Reprodução Humana. );!estrado Ginecologista OncologiSta do Hosp1tal Felic1o Rocho - Belo
em Saúde da Mulher pela Faculdade de Medicina da UFMG. Horizonte-MG. Ctrurglóio Oncologista pelo Colég•o Brastleiro
Doutorado em Gmecolog•a!Obstetrlc•a pela UNESP - Botu- de Cirurgiões.
catu-SP. Coordenadora do Serv•ço de Reprodução Humana
da Rede Mater De• de Saúde - Belo Honzonte-MG. Coor- Selmo Geber
denadora do SeMço de Res1dencia Méd•ca em Ginecologia/
Professor Titular e ltvre Docente do Departamento de Gine-
Obstetrlc1a da Rede Mater De1 de Saúde. Professora Adjunta cologia e Obstetrfcia da Faculdade de Med•cma da UFMG.
do Departamento de Ginecolog•a e Obstetrlcia da Faculdade Médico da Clinica Origen. Membro Titular da Academia Mi-
de Medicina da UFMG. neira de Medicina.

Roberto Carlos Machado Séphora Augusta Cardoso Queiroz


Titulo de Especialista pe la FEBRASGO. Especialista em Re- Mestre em Ginecologia e Obstetrlcia pela UFMG. Especialista
produção Assistida pela Sociedade Brasilei ra de Reprodução em Reprodução Humana pela UFMG. Preceptora da Residên-
Assistida. Mestrado em Reprodução Humana pela UFMG. cia de Ginecologia e Obstetrlcia da Maternidade Odete Vala-
Preceptor ele Residência Méd ica em Governado r Vala- dares - FHEMIG.
dares-MG .
Sergimar Padovezi Miranda
Roberto Magno Vieira de Oliveira Doutor em Ginecologia pela UNESP. Diretor da Clinica Vi!ara
Especialista em Cardiologia. - Reprodução Assistida. Coordenador do Serviço de Videoen-
doscopia do Hospital Vila da Serra- Belo Horizonte-MG.
Rodrigo Moreira Faleiro
Neurocirurg•ão do Hospital Felicio Rocho. Coordenador Silvan Márcio de Oliveira
do Serviço de Neuroc1rurg~a e Neurologia do Hospital João Residência Médica em Gmecologia e Obstetrícia pela Uni-
XXII L Professor da Faculdade de C.encias );lédicas de );tinas montes. Mestrado em Cu1dado Pnmáno em Saúde pela Uni-
GeraiS. montes.
xxi
Sinval Ferreira de Oliveira Thaís Paiva Moraes
~lestre e Doutor em Ginecologia e Obstetrlcta. Ginecologista e Obstetra. Membro Titular da FEBRASGO.
MastologiSla do Hospttal Mater Dei - Belo Honzonte-MG.
Sonia Cristina Vidigal Borges Membro Titular da Soctedade Brasileira de Mastalogta. Mem-
TEGO 0215/88. Titulo de Especialista em Gmecologia e Obs- bro do Setor de lmagenologta Mamária - Ressonância Magné-
tetrlcia pela FEBRASGO. Título de Qualificação em Colpos- tica - do Hospital Mater Dei.
copia pela Sociedade Brasileira de Patologia do Trato Genital
Inferior e Colposcopia. Mestre em Ginecologia pela UFMG .
Thais Syrio Amaral
Suélem Simão Moi Médica formada pela Faculdade de Medicina de Barbacena-
Endocrinologista. Mestre em Clínica Médica pela UFMG. -MG. Residência em Ginecologia e Obstetrícia no Hospital
Membro da Equipe de Endocrinologia e Metabologta do Hos- Mater Dei - Belo Horizome-MG. Titulada em Ginecologia e
pital Mate r Dei- Belo Horizome-MG. Obstetrlcia pela FEBRASGO. Pós-graduação em Cirurgta Gt-
necológica Avançada pelo Hospital Felicio Rocho.
Suzana Maria Pires do Rio
Doutora em Medtclna pela Faculdade de Medtctna da UFMG. Thelma de Figueiredo e Silva
Médica Obstetra do Serviço de Pré-natal de Alto Risco da Ma- Título de Especialista em Gtnecologia e Obstetrícia pela Asso-
termdade Odete Valadares - FHEMIG. ciação Médica Brasileira e pela FEBRASGO.

Tadeu Coutinho Victor Hugo de Melo


Professor Titular de Obstetrícia da UFJF. Chefe do Departa- Professo r Associado (aposentado) da Faculdade de Medicina
me nto Materno-Infantil da UFJF. Doutor em Saúde Coleliva da UFMG. Doutor em Medicina pela UFRJ Membro do Gru-
pelo Instituto de Medicina SoclaliUniversidade do Estado do po de Pesquisa em HIV/AIDS em Crianças, Adolescentes e
Rio de janeiro- IMSIUERJ Gestantes da Faculdade de Medicina da UFMG. Conselheiro
do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais.
Tania Mara Giarolla de Matos
Titulo de Espectahsta em Pediatria realizado pela Assoctação Victoria Moreira Fernandes
Médtca Brastletra e a Sociedade Brasileira de Pedtatna. Titulo Estudante do Ó" ano de Medicina da FCMMG. Estagtána de
de Alergia e Imunologia Pediátrica certificado pela Fundação Ginecologia e Obstetrlcta do Hospital Mater Dei - Belo Ho-
Hospital do Estado de Minas Gerais. Titulo de Pneumologia rizome-MG.
Pediátrica no Hospital lnfantiljoão Paulo 11.
Vinícius Pereira de Souza
Tatiana Teixei ra de Souza Couto Coorde nador do Serviço de Anestesiologia da Rede Mate r Dei
Especialista em Ginecologia e Obstetrlcia pela FEBRASGO. de Saúde - Belo Horizome-MG. Professor de Med icina da
Especialista em Ultrassonografia em Ginecologia e Obstetrl- PUC-MG MBA na Fundação Dom Cabral.
cia pelo Colégio Mineiro de Radiologia. UltrassonograftSta em
Ginecologia e Obstelrfda pela FEBRASGO. William Schneider da Cruz KreHii
Doutor em Ginecologia e ObsteLrlcia - Saúde da Mulher
Teima Maria Rossi de Figueiredo Franco pela UF~IG. ~lédtco Obstetra/ Ginecologista do Hospttal das
Coordenadora do Serviço de Ginecologia Oncológtca do lns- Clínicas da UFMG. Professor Comidado do Departamento
ULuto Máno Penna. Diretora Clínica do Hospttal Máno Pen- de Ginecologia e Obstetr!Cta da Faculdade de Medtcina da
na. Tesoureira do Capitulo Mineiro da Soctedade Brasiletra de UFMG.
Patologia do Trato Genital Inferior e Colposcopía.
Zilma Silveira Nogueira Reis
Thaís do Carmo Olivei ra Professo ra Associada do Departamento de Ginecologia e Obs-
Especialista em Psiquiatria pelo Centro de Ensino Superior tetrícia da UFMG. Diretora de Educação da Sociedade Brasi-
de Valenc;a. leira de Informática em Saúde - SBIS.

xxii
r
((

Apresentação

A Sociedade de Obstetrícia e Ginecologia de Minas Gerais


(SOGIMIG) sempre teve uma altivez protagonista que
chama a atenção de todos aqueles que têm a primazia de con-
completo, renovado e atual. Foi concebido com o propósi-
to de atualização dos tópicos de maior relevância dentro da
nossa especialidade. Conta com 123 capítulos d ivididos entre
viver com os colegas mineiros de nossa especialidade que, his- temas de Obstetrícia e Ginecologia. Tem inúmeros colabora-
tOricamente, estiveram à frente de seus cargos diretivos. A tra- dores com reconhecida competência científica que embasam
d ição é uma das características acentuadas dos mineiros. Em a qualidade que se vê em cada um dos assuntos abordados.
sintonia com esse traço marcante dos mineiros, temos aqui o Quero, na figura de seu presidente de então, o Professor Ag-
exemplo de uma obra que caminha para se tornar tradicional naldo Lopes da Silva Filho, parabenizar cada um dos autores
entre todos nós- o ManualSOGIMIG de Ginecologia eObstetrícia. e coautores pela valiosa colaboração em prol do magnífico
É motivo de orgulho ter um livro de educação médica que resultado final alcançado.
está lançando a sua sexta edição. Consagração e mérito que O Agnaldo, é assim que todos o chamam por sua j uven-
poucos conseguem. Parabéns aos nossos colegas mineiros. tude e simplicidade, certamente, com sua inteligência singu-
Quero lembrar, pela oportunidade do momento, que sem- lar, espíritO aglutinador e encantamento que produz em cada
pre considerei ter a sociedade médica de especialidade enor- colega que dele se acerca, foi a força motriz e o amálgama
mes possibilidades de atuação em prol dos seus associados necessários para a concretização deste manual.
e dos beneficiários finais do seu trabalho, os seus pacientes. Meus parabéns a todos que de, alguma maneira, contri-
Seu potencial para tanto é incomensurável. Seu espectro de buíram para o lançamento desta nova edição. Com iniciativas
ações pode incluir atividades educativas, de valorização pro- como essa, a SOGIMIG cumpre os seus desígnios, honra as
fissional, de contribuição para as formulações de políticas de suas tradições e enche de orgulho todos os ginecologistas e
saúde, de intercâmbio com as sociedades médicas de outras obstetras do seu estado e, por que não d izer, do nosso país,
especialidades, de inserção internacional, entre outras. Em cada uma vez que o Manual SOGIMIG de Ginecologia e Obstetrlcia
uma dessas frentes é preciso ter gestores competentes e compro- vai alçar voos por todos os estados da nossa imensa Federa-
metidos com os objetivos traçados. Pessoas cenas nos lugares ção. Vai servir de fonte confiável de consulta e aprend izado
certos. Sem dúvida, a SOGIMIG tem atuado com competência para ginecologistas e obstetras já formados e em formação.
em cada uma dessas fremes com gestOres comprometidos, apai- É a sociedade médica de especialidade cumprindo com seus
xonados e competentes. Pude, ao longo do tempo, constatar esse objetivos.
comprometimento da sociedade mineira da nossa especialidade Por fim, quero registrar a enorme satisfação em apresentar
através de um protagonismo de atitudes e ações que, quero esta edição do Manual SOGIMIG de Ginecologia e Obstetrícia.
reconhecer, tem me innuenciado na definição dos encami- É uma honraria que me é concedida e da qual muitO me or-
nhamentos adotados pela nossa Federação Brasileira das As- gulho.
sociações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO).
Voltando ao livro ora lançado, podemos observar que nes- César Eduardo Fernandes
ta edição o Manual SOGIMIG de Ginecologia e Obstetrlcia se Professor Titular de Ginecologia da FMABC - Santo André/SP
encontra maduro e fiel aos seus objetivos iniciais. Está mais Presidente da FEBRASGO

xxiii
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((

Prefácio da 1a Edição

A Sociedade de Obstetrícia e Ginecologia de Minas Gerais


tem, emre suas atribuições, o aprimoramento científi-
co de seus associados. A preparação para a prova do título
preitada mais ousada: transformá-lo em livro. Assim, todos os
colaboradores fizeram urna revisão de seus capítulos para que
tivéssemos uma obra direta, objetiva, mas também atualizada
de Especialista em Ginecologia e Obstetrícia da FEBRASGO e completa. A imenção não foi fazer um Tratado de Ginecolo-
(TEGO) tem recebido mais destaque desde 1992, durante a gia e Obstetrícia, mas proporcionar ao residente, ou ao colega
gestão do então Presideme Gerson Lopes, quando foi organi- já formado há mais tempo, a oportunidade de reve r seus co-
zado o I Curso de Preparação para o TEGO. Esse curso vem nhecimentos. Urna obra deste porte só foi possível graças ao
sendo oferecido pela SOGIMIG anualmente e tem auxiliado desprendimentO e à dedicação dos editores e colaboradores
muitos colegas na obtenção de seu titulo de Especialista. Em que, como sempre, atenderam à convocação da SOGIMIG.
1996, a SOGIMIG editou uma apostila fe ita por aqueles que
proferiram as aulas e a d istribuiu durante o curso. A grande Ricardo Marinho
aceitação desse material estimulou-nos a partir para uma em- Presidente da SOGIMIG - 199611997

XXV
r
((

Prefácio da 2a Edição

O título de Especialização em Ginecologista (TEGO) tem


se tornado cada vez mais uma necessidade na vida de
todos os ginecologistas e obstetras, e esta obra tem contri-
70 sócios da SOGIMIG, portado res de TEGO e que aqui
apresentam conceitos teóricos atuais solidamente ampara-
dos na prática diária em consultórios, clinicas, ambulató rios
buído significativamente para esse objetivo. Constatamos, e hospitais. E temos a certeza de que cada um ofe receu a
também, que nosso manual ultrapassou o p rojetO inicial de sua contribuição, procurando se manter fiel aos ideais dos
preparação para o TEGO, passando a ser usado como livro- p ionei ros da Ginecologia e Obstetrícia minei ras que, ao fun-
textO por acadêmicos de Medicina e médicos-residentes, o darem a SOGIMIG, cria ram um espaço para a aproximação
que aumenta a responsabilidade de todos os envolvidos em dos colegas de wdo o estado. Como p residente da entidade,
sua elaboração. Com a segunda edição, espe ramos, além da representando os autOres, conside ro um privilégio partici-
atualização, acrescenta r novos conce itos, de modo que cada par desta grande ob ra.
vez mais este livro venha a traduzi r a visão global da Gi-
necologia e Obstetrícia em Minas Ge rais e no Brasil. E não Antôn io Fernandes Lages
poderia ser diferente, urna vez que os auto res são mais de Presidente da SOGIMIG - 20001200I

XXVI
r
((

Prefácio da 3a Edição

exe rcício da Ginecologia e Obstetrícia vem mudando


O radicalmente nos últimos tempos. Ao lado do aprimo-
ramento técnico e científico da especialidade, certamente be-
grandes recordistas de venda no Brasil, possibilitando de
maneira fácil e prática o acesso às orientações sobre o diag-
nóstico e tratamento. Este livro tem sido utilizado para sub-
néfico e muito promissor, é crescente nossa indignação d iante sidiar os colegas nos mais dife rentes concursos em todo o
da nova práxis das entidades mantenedoras de saúde e das pais e , ao mesmo tempo, é livro de apoio para a rotina do
instituições governamentais que inte rferem d iretamente em consultó rio, pe rmitindo rápidas e seguras orientações em
nossas atividades profissionais. nosso dia a d ia.
Ao lado de tOda essa luta política que está ocorrendo, a Mantendo a tradição, os capítulos foram redigidos por
SOGIMIG não se descuida de sua outra importante tarefa, nossos associados e competentemente revistos pela equipe
que é promover o aprimoramento técnico e científico de seus editorial. A todos agradecemos pelo entusiasmo e dedicação
associados e dos ginecologistaS e obstetras em geral, trazendo com que se debruçaram sobre esta tarefa.
benefícios d iretOs para as mulheres de Minas e do Brasil. E com satisfação e orgulho que colocamos mais uma vez à
E foi pensando nas mulheres mineiras, e nas brasileiras, disposição dos colegas a nova edição do Ginecologia &: Obs-
que resolvemos enfrentar um novo desafio em tempos tão tetrícia - Manual para Concursos da SOGIMIG, ampliado,
conturbados: reeditar o nosso Manual. O objetivo precípuo atualizado e enriquecido com fotos, ilustrações, quadros e
e imediatO desta nova edição foi ampliar o escopo do livro, Ouxogramas, para facilitar ainda mais a sua consulta.
enfocando novos temas, ao mesmo tempo que os anteriores
eram atualizados. Esperamos que os conhecimentos técnicos Sergimar Padovezzi Miranda
de nossa especialidade recentemente adquiridos e contempla- Presidente da SOGIMIG - 2001/2003
dos nesta nova edição sejam de utilidade para tOdos.
Procuramos seguir a mesma objetividade e praticidade Victor Hugo de Melo
das edições anteriores, que tOrnaram este Manual um dos Diretor Científico da SOGIMIG - 2001/2003

XXVII
r
((

Prefácio da 4a Edição

A Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Ge-


rais - SOGIMIG - tem o prazer de apresentar a quarta
edição do Ginecologia e Obstetrícia: Manual para Concursos/
Uma das grandes preocupações da SOGIMIG sempre foi
a educação continuada, e mante r o livro sempre atualizado
é prova disso. Além de não se r uma tarefa fácil, a edição de
TEGO. Comemoramos nesta edição 10 anos de publicação e um livro é de uma enorme responsabilidade. Não posso dei-
muitas conquistas. O nosso que rido livro deixou de se r urna xar de agradecer a todos os associados, todos os portadores
apostila - a qual pude ajudar o Dr. Ricardo Marinho a editar do TEGO, que se d ispuse ram a ajudar na elaboração desta
em 1997 - para ser um livro utilizado no Brasil inteiro, não ed ição, bem como ao nosso Diretor Científico, Dr. Frederico
só para ajudar candidatOs ao concurso do Título de Especia- Pe ret, que não poupou esforços para o cumprimento de mais
lista em Ginecologia e Obstetrícia (TEGO), mas também para esta meta da atual gestão.
se rvir de consulta no dia a dia do médico, seja do gi necolo- Que este livro seja de grande utilidade para todos aqueles
gista e obstetra, seja do médico generalista, que precisa da que desejam conhecer um pouco mais desta área fascinante,
info rmação rápida e atualizada. Atualizamos o sumá rio e re- que é a de ginecologia e a obstetrícia!
rnanejamos alguns capítulos, mas mantivemos a caracte rística
básica das outras edições, que é a forma prática e objetiva de J oão Pedro Junqueira Caetano
ap resenta r os temas, além de mante rmos o formatO o riginal, Presidente da SOGIMIG - 200612008
de modo a facilitar o manuseio e o transporte pelo leitOr.

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Prefácio da saEdição

uito ao estilo mineiro, o Manual de Ginecologia e Obste- Este é o resultado de uma visão idealista, empreendedo-
M trícia da SOGIMIG nasceu modesta e despretensiosamen-
te, mas recheado com o conhecimento científico, a seriedade
ra e competente de d iferentes administrações que, em per-
feita sintonia, deram sequência ao projeto inicial. É frutO de
e o perfeccionismo que caracterizam o nosso espírito. Nesta mentes p rivilegiadas de membros de diversas d iretOrias da
quinta edição, ele atualiza e aprimora as edições anteriores, que SOGIMIG, apoiadas na competente colaboração de dezenas
se tornaram referência nacional de nossa especialidade. de mineiros e mine iras que redigiram os capítulos hoje apre-
Desde a sua primeira edição, o impacto na formação de sentados.
nossos ginecologistas e obstetras pôde se r avaliado pela cres- Que o Manual da SOGIMIG continue sendo o fa rol que
cente procura pelo livro. Alunos da graduação e médicos-re- norteia e sustenta o caminho daqueles que escolheram esta
sidentes buscam no Manual de Ginecologia e Obstetrícia da tão nobre e dignificante especialidade.
SOGIMIG fonte segura e atual para sua formação. Colegas da
especialidade também têm no livro atualização e reciclagem Lucas Vianna Machado
confiáveis e objetivas para o exercício de qualidade no cuida- Professor Emérito de Ginecologia da
do às mulhe res. Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais

xxix
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Prefácio da 6a Edição

A Associação de GinecologiStaS e Obstetras de Minas Gerais


(SOGIMIG) tem como um de seus pilares a educação mé-
dica continuada. Desse modo , são fundamentais as publicações
uniformização de condutas e estímulo à adoção de estratégias
de prevenção. Esta obra certamente cumprirá os objetivos da
SOGIMIG e seguramente terá um importante papel na me-
científicas que visam à capacitação continuada dos profissio- lhoria da assistência às nossas pacientes.
nais que prestam atendimento às mulheres. Nesse contexto, a
SOGIMIG oferece aos leitores a sexta edição do Manual SOGIMIG
de Ginecologia e Obstetrida. O grande diferencial dessa publica-
ção, CL~a primeira edição foi lançada nos já distantes anos 1980,
parece estar em sua abordagem simples e prática, terapêutica e
preventiva, das afecções que mais acometem à mulher.
Esta sexta edição foi completamente revisada à luz do co-
nhecimento científico mais recente e ampliada com outros
temas de interesse à Ginecologia e à Obstetrícia. Fica aqui
registrado o agradecimento a todos os colaboradores que con-
t ribuíram na confecção desta publicação. Este manual visa Agnaldo Lopes da Silva Filho
auxiliar os profissionais da especialidade na tomada de de- Professor Titular
cisão por meio de informações científicas de alta qualidade, Departamento de Ginecologia e Obstetricia da UFMG

xxxi
(

Sumário

SEÇÃO I - GINECOLOG IA, 1 9. Dismenorreia, 67


1. Anatomia e Histologia dos Órgãos Genitais Thelma de Figueiredo e Silva
Femininos e Parede Abdominal, 3
l..JJiz Fernando Neves Ribeiro
10. Abordagem das Massas Anexiais, 69
Adriana Ribeiro da Silva
Patricia Aliprandi Dulla
Alals Vir;glnia Ferreira de Sou;:a
Eduardo Andrade de Moraes
Thais Syrio Amaral
2. Embriologia e Diferenciação Sexual , 10
Cláudia Lúcia Barbosa Salomdo 11. Dor Pélvica Crônica, 79
Jodo Tadeu Leite dos Rm Ivete de Avila
Maria Virgínia Furqwm Werneck Marinho Márcia Mendonça Carneiro

3. Esteroidogênese, 13 12. Doença Sexual, 89


Selmo Geber Fabiene Vale
Marcos Sampaio Eduardo Siqueira Fernandes
Gerson Lopes
4. Fisiologia do Ciclo Menstrual , 18
Ana Márcia de Miranda Cora 13. Puberdade Precoce e Tardia, 97
Maria Virgínia Furquim Werneck Marinho
5. Resposta Sexual Humana, 22
Jodo Tadeu leite dos Reis
Tania Mara Giarolla de Matos
Cláudia Lúcia Barbosa Salomclo
Lucas Giarolla Gonçalves de Matos
luciana Giarolla de Matos
14. Sangramento Uterino Anormal, 104
6. Semiologia Ginecológica, 2 7 Márcia Cristina França Ferreira
luiza de Miranda Uma
Maria Ines de Miranda Lima 15. Síndrome da Tensão Pré-menstrual, 109
Karla de Carvalho Scheltino Francisco de Assis Nunes Pereira
Jodo Oscar de Almeida Fale/lo Júnior
7. Diagnóstico por Imagem em Ginecologia, 35
Benito Pio Vitoria Ceccato Junior 16. Am enorreia, 115
Odilon Campos de Queiroz Marco Tulio Vaintraub
Alexon Melgaço Racilan
8. Estados lntersexuais e Malformações do
Trato Genital, 57 17. Hi rsuú smo, 121
Jodo Tadeu Leite dos Re1s Rosana Correia da Sih•a Azevedo
Qáudia Lúcia Barbosa Salomdo Ana Lúcia Cdndido
Maria Virgínia Furqwm Werneck Marinho Fernando M. Reis
xxxili
18. Hiperprolactinemia, 126 30. Propedêutica por Imagem em
Anlllnio Eugênio Motta Ferrari Mastologia, 241
Luiza üboreiro Motta Ferrari Ana Paula Rtiss A. D. Gomes
Daniel/a Bron;:alt
19. AnovuLação Crônica Hiperandrogênica Thals Paiva Moraes
(Síndrome dos Ovários Policfs ticos), 132
Ricardo Mello Marinho 3 1. Alterações Inflamatórias das Mamas,
Leonardo Matheus Ribeiro Pereira Próteses Mamárias e Mastalgia, 259
AntOnio Fernandes Lages
20. Obesidade, 138 Cynthia Netto de Barros
Arlene de Oliveira Fernandes
Amanda Barbosa Moraes 32. Doenças Benignas da Mama, 2 74
jost Tadeu Campos de Avelar
21. Endometriose, 145 Maria Lulsa Braga Vieira
Cldud1a Namrro Carvalho Duarte Lemos Raquel Alves Nunes Rodrigues
julia Alves Dias Renata Caponema de Mello Franco Saliba
Ines Katerina Damasceno Cavai/o Cru::eiro
33. Neoplasias Malignas da Mama, 281
22. Endome triose Profunda Infiltrativa, 156 Maria Lulsa Braga Vieira
Mdrcia Mendonça Carneiro Anna Dias Salvador
/vete de Avila Henrlc1ue Moraes Salvador Silva
Mdrcia Cristina França Ferreira
34. Corrimento VaginaL, 290
23. Propedêutica do Casal Infértil , 166 Eduardo Cunha da Fonseca
Marcelo I..opes Cançado Victoria M01eila Fernandes
Maria Clara dos Santos Amaral jooo Oscar de Almt~da Falcdo Júnior
Cdss1a Cançado Avelar
35. Infecções pelo Papilomavírus Humano, 297
24. Tratamen to de Baixa Complexidade em Garibalde Mortoza Junior
lnfertilidade, 177 Sonia Cristina Vidigal Borges
joilo Pedro junqueira Caetano Adriana Almeida de Sol!Za Lucena
Leonardo Matheus Ribeiro Pereira
Erica Becher de Sousa Xavier 36. Doenças SexuaLmente Trans missíveis , 308
Lucas Giarolla Gonçalves de Matos
25. Tratamento de Alta Complexidade em Karla Zanolla Dias de Souza
Reprodução Humana, 183 Tania Mara Giawl/a de Matos
Ines Katerina Damasceno Cavai/o Cruzeilo
Claudia Na,·arro Carvalho Duarte Lemos 37. Doença l nOamatória Pélvica, 3 18
Carvlma Passos de Re::ende Martins Ana Luiza Lunard1 Rocha

26. Preservação da Fertilidade, 190 38. Fisiologia da Micção, 322


Marco AntcJnio Barreto de Melo Andrea Moura Rodrigues Maciel da Fonseca
Sandro Magnavita Sabino Mariana F11rtado Meinberg

39. Propedêutica em Urogi necologia, 324


27. Planejamento Familiar, 195 Múcio Barata Diniz
Rfvia Mara Lamaita
Li v Braga de Paula
Gustavo Francisco da Silva
28. Embriologia, Anatomia e Exame Clinico
das Mamas, 220 40. Tratamento da Incontinência Urinária, 331
joilo Henrique Penna Reis Mdrcia Salvador Gto
Letlcia Guerra Monteiro Pinheiro Rachd Sih·iano Branddo Carri'a Lima
Maria Lulsa Braga Vieira Cldudia Loordes Soares Laranjeira

29. Fatores de Risco no Cãncer de Mama, 231 41. Infecção do Trato Urinário, 341
Cltcio Enio Murta de Lucena üv Braga de Paula
Cristóvdo Pinheiro Barros Múcio Bc1rata Dimz
Alexandre de Almeida Barra Saulo Santos Estrela Terra
XXXIV
42. Prolapsos Genitais , 345 57. Radioterapia nas Neoplasias do Trato
Cláudia Lourdes Soares Laranjeira Ge nital e da Mama, 465
Larissa Magalhiles Vasconcelos Gabriel Oliveira Bernardes Gil
Luíza Meelhuysen Sousa Aguiar Inês Vilela Costa Pinto
Márcia Salvador Géo Izabella Nobre Queiroz
Rachei Silviano Brandilo Corrêa Lima
58. Pré e Pós-operatório em Cirurgia
43. Fístulas Genitais, 356 Ginecológica, 4 78
Marilene Vale de Castro Monteiro Maria Inês de Miranda Lima
Luiza de Miranda Lima
44. Fisiologia do Climatério, 360
Rívia Mara Lamaita 59. Cirurgias Ginecológicas: Aspectos
Ana Márcia de Miranda Cota
Técnicos, 484
45. Propedêutica do Climatério, 366 Aline Evangelista Santiago
Marco Aurélio Martins de Souza Eduardo Batista Ctindido
Agnaldo Lopes da Silva Filho
46. Tratamento do Climatério, 3 73
Ana Lúcia Ribeiro Valadares 60. Histeroscopia, 493
Sergimar Padovezi Miranda
47. Terapia Hormonal e Câncer
Gin ecológico, 380 6 1. Cirurgia Minimamente lnvasiva em
Raquel Alves Nunes Rodrigues Ginecologia, 497
Camila Martins de Carvalho
48. Terapia Hormonal e Doença Eduardo Batista Ctindido
Cardiovascular, 385 Agnaldo Lopes da Silva Filho
Mareio Alexandre Hipólito Rodrigues
Cristiana Fonseca Beawnord 62. Ge nética em Ginecologia e Obstetrícia , 502
Marcos José Burle de Aguiar
49. Osteoporose e Osteopenia, 392 Raíssa Tainá Gonçalves
Bruno Muzzi Camargos
63. Atendimento às Pessoas em Situação
50. Neoplasias do Colo Uteri no, 407 de Violência Sexual no Brasil, 5 16
Alexandre Mariano Tarcísio de Sousa AnMnio Carlos Pinto Guimariles
Marina Botinha de Sousa Maria Flávia Furst Giesbrecht Gomes Brandilo

51. Doenças da Vulva e da Vagin a, 413 64. Abdome Agu do em Ginecologia


Iracema Maria Ribeiro da Fonseca e Obstetrícia, 525
Agnaldo Lopes da Silva Filho
52. Câncer Cervical lnvasivo, 421 Renilton Aires Lima
Teima Maria Rossi de Figueiredo Franco
Eduardo Batista Ctindido
Márcia Aurélia Prado Boaventura

53. Doenças Benignas do Corpo Uteri no, 432 65. Aspectos Éticos em Ginecologia
Luíza Meelhuysen Sousa Aguiar e Obstetrícia, 534
Agnaldo Lopes da Silva Filho Cláudia Navarro Carvalho Duarte Lemos
Eduardo Batista Ctindido Victor Hugo de Melo

54. Câncer de Endométrio, 444 66. Estilo de Vida e Promoção da Saúde


Delzio Salgado Bicalho da Mulher, 543
Priscilla Rossi Baleeiro Marcos Rogéria Andrade Werneck
Myrian Celani
55. Neoplasias Malignas dos Ovários e das
Tubas Uteri nas, 45 1
Sávio Costa Gonçalves SEÇÃO li - OBSTETRÍCIA, 559

56. Quimioterapia e Hormonoterapia no 67. Período lmplantacional e


Câncer Ginecológico, 459 Embriogênese, 561
Angélica Nogueira-Rodrigues Alberto Borges Peixoto
Andréia Cristina de Melo Edward Araujo Júnior
Aknar Calabrich Luciano Eliziário Borges Júnior
XXXV
68. Fisiologia Placen tária , 572 82. Ciru rgias Obstétricas, 693
Carolina Andrade Guedes dos Santos Carlos Henrique Mascarenhas Silva
Maria Laura Nogueira Campos Carolina Antunes Dias
Anna Dias Salvador
69. Placenta, Membranas e Cordão
Umbilical, 577 83. Anestesia e Analgesia em Obstetrícia, 707
Fernanda Magalhiles Menicucci Vinícius Pereira de Souza
Jaqueline Dezordi da Silva Antonelli Paulo Carvalho Pimenta Figueiredo
70. Diagnóstico de Gravidez, 588
Roberto Carlos Machado 84. Hiperêmese Graví dica, 714
Nilo Sergio Nominato Marianna Amaral Pedroso
Natália de Andrade Machado Maria Luísa Braga Vieira
Alaís Virgínia Ferreira de Souza
7 1. Alterações Fisiológicas da Gravidez, 591
Raquel Pinheiro Tavares 85. Abor tamentos, 718
Néli Sueli Teixeira de Souza
72. Assistência Pré-natal, 594
Tatiana Teixeira de Souza Couto
Suzana Maria Pires do Rio
73. Rastreamento Fetal no Primeiro e Segundo 86. Gravi dez Ectópica, 725
Trimestres da Gestação, 613 José Avilmar Uno da Silva
Carlos Henrique Mascarenhas Silva Joana Sara Fonseca Dumont
Marianna Amaral Pedroso
Luíza Meelhuysen Sousa Aguiar 87. Doença Trofoblástica Gestacional, 733
Joilo Bosco Melgaço de Oliveira
74. Medicamentos na Gravi dez e Leonardo Pandolfi Caliman
na Lactação, 623 Nathalia Cristina Mezzonato Machado
Regina Amélia Lopes Pessoa de Aguiar

75. Fisiologia e Mecanismo do Trabalho 88. Descolamento Prematuro da


de Parto, 635 Placenta, 739
Flávia Magaly Silveira Nobre Cláudia Lourdes Soares Laranjeira
Silvan Márcio de Oliveira Mariana Mitraud Ottoni Guedes
Hubert Caldeira
89. Placenta Prévia, 744
76. Amad urecimento Cervical, 642 Carlos Henrique Mascarenhas Silva
Juliana Silva Barra Cláudia Lourdes Soares Laranjeira
Alaís Virgínia Ferreira de Souza
77. Assistência ao Par to, 645 Camila Rios Bretas
Renato Ajeje
José Sérgio Tavela Junior 90. Ruptura Uterin a, 748
Adriana Wagner Carlos Henrique Mascarenhas Silva
Cláudia Lourdes Soares Laranjeira
78. Puer péri o Fisiológico, 655 Camila Rios Bretas
Quesia Tamara Mirante Ferreira Víllamil
Flávia Ribeiro de Oliveira 9 1. Pré-eclãmpsia, Eclãmpsia e
Caroline Reis Gonçalves Síndrome HELLP, 75 1
79. Puer péri o Patológico, 660 Cezar Alencar de Lima Rezende
William Schneider da Cruz Krettli Clóvis Antônio Bacha
Lara Rodrigues Félix
92. Trabalho de Par to Pré-termo, 768
80. Assistência ao Par to Distócico, 672 Maria Paula Moraes Vasconcelos
Inessa Beraldo de Andrade Bonomi
Ana Christina de Lacerda Lobato 93. Ruptura Prematura Pré-termo
Camila Gabriele Silva das Membranas, 773
Mário Dias Corrêa Júnior
8 1. Hipoxia Fetal lntraparto, 686
Gabriel Costa Osanan 94. Oligoidrãmn io e Polidrãmnio, 778
Zilma Silveira Nogueira Reis Ana Paula Brum Miranda Lopes
Diogo Ayres-De-Campos Isabela Melo Apocalypse
xxxvi
95. Morbidade Materna Grave e 106. Doenças Autoimunes, 875
Mortalidade Materna, 786 Francisco Li rio Ramos Filho
Frederico José Amedee Peret Renato Nunes Melo
Luis Guilhenne Neves Caldeira
107. Alterações Cutâneas e Gravidez, 882
Maria de Lourdes Ribeiro de Carvalho
96. Perda Gestacional de Repetição, 788 Leonardo Amédée Péret
Frederico José Amedee Peret
Beatriz Amélia Monteiro de Andrade 108. Saúde Mental da Mulher na Gravi dez
e no Puerpério, 890
97. Hipertensão Arterial C rõnica Aline Evangelista Santiago
Matheus Vieira dos Santos
e Gravidez, 794
Thals do Carmo Oliveira
Sinval Ferreira de Oliveira
Maria Júlia Vieira de Oliveira 109. Doenças Neurológicas na Gravidez, 898
Roberto Magno Vieira de Oliveira Antonio Vieira Machado
Rodrigo Moreira Faleiro
98. Diabetes e Gravidez, 800
Anelise Impelizieri Nogueira llO.Infecções Genitais na Gravidez, 904
Regina Amélia Lopes Pessoa de Aguiar Flávia Ribeiro de Oliveira
Kamilla Maria Araújo Brandão Rajilo Séphora Augusta Cardoso Queiroz
Augusto Henriques Fulgêncio Brandão

99. Doenças da Tireoide, 8ll 1 ll . Infecções Perinatais, 9 14


Beatriz Santana Soares Rocha Júlio César de Faria Couto
Suélem Simão Mol Flávia Ribeiro de Oliveira
Marcella Israel Rocha
100. Cardiopatia e Gravidez, 823
Clóvis Antônio Bacha 112. Transmissão Ver tical do Vírus da
Cezar Alencar de Lima Rezende lmunodeficiência Humana, 931
Victor Hugo de Melo
Fabiana Maria Kakehasi
10 1. Tromboembolismo Venoso Beatriz Amélia Monteiro de Andrade
na Gestação, 83 7 Jorge Andrade Pinto
Cláudia Maria Vilas Freire
Ricardo Vílas Freire de Carvalho
113.Infecção Urinária na Gestação, 95 1
João Thomaz da Costa
102. Doenças do Aparelho
Respiratório, 845 ll4. Neoplasias do Trato Genital
Marina Carvalho Paschoini na Gravidez, 959
Mário Sérgio Silva Gomes Caetano Sálua Oliveira Calil de Paula
João Oscar de Almeida Falcão Júnior
103. Nefropatias e Gravidez, 852 Cassiano de Souza Moreira
Juliana Barroso Zimmermmann
Adrianne Maria Berno de Rezende Duarte ll5. Desenvolvimento e Fisiologia Fetal, 965
Alexander Cangussu Silva Angélica Lemos Debs Diniz
Márcia Aires Rodrigues de Freitas
104. Doenças Gastrointes tinais, Hepáticas, Camila To.ffoli Ribeiro
Biliares e Pancreáticas, 858
Néli Sueli Teixeira de Souza ll6. Avaliação da Vitalidade Fetal
Tatiana Teixeira de Souza Couto Anteparto, 978
Gui Tarcisio Mazzoni Junior
105. Anemias e Doenças Hematológicas na
Gravidez, 866 ll7. Avaliação da Vitalidade Fetal lntraparto, 989
Tadeu Coutinho Guilherme de Castro Rezende
Conrado Milani Coutinho Karla Rodrigues Pinheiro
Larissa Milani Coutinho Ana Clara Tiso Figueiredo
XXXVII
118. Propedêutica hnagenológica das 121. Crescimento lntrauterino Restrito, 1029
Malfor mações Fetais, 998 Henrique Vitor Leite
Heverton Pettersen
Marcos Faria 122 . Anemias Fetais e Isoimu nização
Materno-fetal, 1037
119. Avaliação da Maturidade Marcos Roberto Taveira
Pulmonar Fetal, 1014
]uliana Moyses Leite Abdalla 123 . Vacinação de Mulheres, 1043
Marianna Amaral Pedroso Andrezza Vilaça Belo Lopes
Elaine Cristina Fontes de Oliveira
120. Gestação Múltipla, 1018
Marcos Faria
Heverton Pettersen Índice Remissivo, 1049
SEÇÃO
CAPÍTULO

Anatomia e Histologia dos Órgãos Genitais


Femininos e Parede Abdominal
Luiz Fernando Neves Ribeiro
Patricia Aliprandi Dtltra
Eduarda Andrade de Moraes

INTRODUÇÃO não apresentarem estreita relação com os órgãos abdominais,


A anatomia dos órgãos gen itais femininos é constituída por seu conhecimento é impottante para a descrição de lesões su-
órgãos produtores de gametas e responsáveis pelo seu trans- perficiais e/ou profundas e também para a localização anatõ-
porte, bem como pela estrutura óssea e muscular de susten- mica dos processos álgicos (Figura 1.1).
tação , podendo ser dividtda em parede abdominal, estrutura As principais funções da parede abdominal sáo: proteção
pélvica e genitálias interna e externa. dos órgãos abdom inais e auxilio à musculatura dorsal nos
movimentos do tronco e à manutenção da posição ereta e
PAREDE ABDOMINAL estabilização da pelve durante o movimento e o repouso. Para
A parede abdommal , dtferentememe de outros segmen- realizar essas funções, essa parede apresenta alta reSJst~ncía
tos do corpo, não tem proteção óssea, e a coluna lombar é com um mlnimo de espessura. Tr~ pares de músculos la-
a única pane do esqueleto situada nessa regtão. As porções minares (obliquo externo, obllquo mterno e transverso) se
postenores e anterolateratS sáo emmemememe musculares sobrepõem à parede anterolateral do abdome, com suas fibras
e se adaptam às alterações tmpostas pela gravidez; contudo,
ocasionalmente a dtstensào nesse pertodo pode determinar
linhas \'ÍOláceas (estnas gravldtcas) que permanecem após o
pano- linhas albicantes (ou albtcans) . .:: tmperativo o conhe-
cimento das camadas dessa parede para um acesso cirúrgico
seguro aos órgãos abdominais e pélvtcos (Quadro l.l).
0
Regiões da parede abdominal
A parede abdominal pode ser d ividida superficialmente
em trés andares, com duas linhas imaginárias horizontais e
1 2 3
duas ve rticais, totalizando nove áreas. Apesar de essas áreas
4 5 6
Quadro 1.1 Camadas da parede abdominal
7 8 9
Pele
Tecido celular subcutAneo
Fáscia de Camper (areolar)
Fáscia de Scarpa (lamelar)
Parede musculoaponeuróllca
Bainha do reto abdomonal
MúsculO obllquo e~terno
MúsculO obllquo onterno Figura 1.1 Regoões ciO abdome: ( 1) hipocOndno direoto, (2) epogás-
Fáscla transversal trio, (3) hipocõndno esquerdo, (4) flanco dtre.to, (5) mesogástrio, (6)
flanco esquerdo, (7) fossa dlaca dore.ta. (8) hopogástroo e (9) fossa
Perltõnlo
ilíaca esquerda.

3
r
((

Capítulo 1 Anatomia e Hislologia dos órgãos Genitais Femininos e Parede Abdominal 5

pelve é considerado adequado para um parto normal. Se o elevador do ânus durante o desprendimento fetal no parto
promontório é palpável, diz-se que a pelve é contraída. ocasiona a ruptura perineal em graus variáveis.
• Diâmetro transverso: mede a mator largura da abertura • Diafragma urogenital: formado pelo músculo transverso
superior da pelve. profundo do pertneo e esfíncter uretra!.
• Diâmetro oblfquo: estende-se da JUntura sacroilíaca, de • Parede lateral da pelve: músculos pmforme, obturador
um lado, à emmtncia thopúbtca do lado oposto. interno e iliopsoas.

Entre os ltgamemos da peh·e pode ser destacado o liga- A estálica péh•tca é manuda por vános hgamentos, que são
mento sacroespmhal, que tem formato tnangular e é anterior condensações da fáscta endopélvtca, por vezes assoctados a
ao ligamento sacrotuberal. Sua base está fixada na borda la- fibras musculares e >'3SOS, formando as segumtes estruturas:
teral da parte inferior do sacro e na parte superior do cóccix,
• Estruturas de suspensão: hgamentos uterossacro e cervical
enquanto seu áptce se prende à espinha isquiática. A borda la-
lateral (cardinal); a lesão e o estiramento desses ligamentos
teral do ltgamento sacrotuberal forma o limite que transforma
causam prolapso uterino, e a falha de fixação dessas estrutu-
as incisuras isquiáticas em forames isquiáticos maior e menor,
ras na vagina durante a histerectomia acarreta o prolapso de
os quais são separados pelo ligamento sacroespinhal. Pelo fo-
cúpula. Participa também a fáscia (ou ligamento) pubovesi-
rame isquiático maior passam o músculo pi riforme, os vasos
cocervical, de grande interesse, pois sua lesão leva à cistoce-
e nervos glúteos superiores e inferiores, os vasos pudendos le e à uretrocele.
internos e os nervos pudendo, isquiático e cutâneo posterior
• Estruturas de contenção: mantidas pela fáscia endopélvi-
da coxa. Já pelo forame isquiático menor passam o tendão do
ca e pelo ligamento largo.
músculo obturatório interno, os vasos pude ndos internos e o
• Estruturas d e s ustentação: compostas pelos diafragmas
nervo pudendo.
pélvico e urogenital.
A grande maioria dos diâmetros descritos só pode ser
medida com precisão pelo estudo radiográfico (pelvimetria De grande importância é a fáscia retovaginal. A lesão de
radiográfica), prática pouco comum em nosso meio. Na ver- sua porção anterior ocasiona a retocele e a de sua porção pos-
dade, as medidas mais importantes, sob o ponto de vista obs- terior, no fundo de saco de Douglas, acarreta a enterocele,
tétrico, são as segumtes: sendo ambas distopias muno frequentes em multlparas.

• Diâmetro conjugado obstétrico: mede cerca de 0,5cm Vascularização e drenagem linfática


menos do que o dtâmetro conjugado (anteroposterior da
As principais artérias que irngam os órgãos péh~cos são:
abertura supenor da pelve. também chamado conjugado
verdadeiro). Por sua vez , o conjugado verdadeiro mede • Artéria sacra I média: ongmária da artéria aorta.
1 a 2cm menos do que o conjugado diagonal. Como esse • Artérias iliacas internas (htpogástncas): ongmánas das
úlumo pode ser medtdo pela \"agma (toque vaginal), é pos- artérias il!acas comuns, descem em proxtmtdade ao ureter
sível deduztr-se o valor do conjugado obstétrico de modo e se ramificam em d01s troncos, sendo um antenor (ramo
aproximado (cerca de llcm). parietal}, composto pelas arténas glútea, sacra! lateral, ra-
• Diâmetro transverso da abertura superior da pelve: mos illacos e pudenda mtema, e outro posterior (ramo
mede cerca de l3,5cm; dist.âncta entre as espinhas isquiá- visceral), composto pelas artérias utenna, vagmal, reta!
ticas (cerca de l2,5cm). média, ,-esical infenor e umbthcal.
• Diâmetro transverso da abertura inferior da pelve: dis- • Artérias ovarianas: originárias da artéria aorta abdominal,
tância entre as tuberostdades isquiáticas (cerca de ll,5cm). unem-se às uterinas para formar a artéria tubárica.
A classHicação segundo a abertu ra superior da pelve re- Em caso de necessidade de ligadura das artérias hipogás-
conhece também quatro tipos: ginecoide - abenura superior tricas, as artérias ovarianas, sacra) média e mesentérica infe-
arredondada (cerca de 50% das pelves femininas são desse rior, ramos diretos da artéria aorta, real izarão o suprimento
tipo); androide- abertura superior em forma de copas de ba- sanguineo das estruturas pé lvicas outrora irrigadas pelas h i-
ralho; antropoide - abe rtura superi or em forma de oval lon- pogástricas.
go e estreito; e plaLipe/oide - abertura superior ovoide com o O sistema venoso acompanha as artérias, ge ralmente duas.
maior eixo transversal. à exceção das ovarianas, com a direita desembocando na veia
cava inferior e a esquerda na veia renal esquerda.
Ligamentos, músculos e estruturas de sustentação Já a d renagem linfática é realizada por vasos hnfáticos que
se originam nas paredes do útero, trompas, ovários e vagina,
Os músculos da pelve femmina podem ser d ivididos em
dirigindo-se para os seguintes agrupamentos: illacos internos
grupos de acordo com a sua estretta relação anatõmica e fun-
e externos, illacos comuns, aórttcos (para-aórlicos) e ingui-
ções semelhantes, conforme segue:
nais superficiais e profundos. Dentre os hnfonodos mais ilus-
• Diafragma pélvico: composto pelos músculos coccígeo e tres pode ser citado o hnfonodo de Cloquet (Rosenmuller),
elevador do ânus, o qual é formado pelos músculos pu- que consiste no maiS alto dos hnfonodos ingumalS profun-
bococdgeo, thococclgeo e puborretal. A lesão do músculo dos, situado na abertura do canal femoral.
/"
)/:
I 6 Seção I Ginecologia

lnervação • Folículo primário: o oócito primário cresce e adquire


A pelve é inervada por nervos ongmános do sistema ner- uma cobertura rica em glicoprotelna, a zona pelúctda, sen-
voso somático e autônomo. do envolvido por células agora ctl!ndncas, que passam a se
A inervação somáuca é reahzada pelo plexo lombossacro, chamar células da granulosa.
que proporctona inervaçOes motoras e sensoriais para a pare- • Folículo secundár io ou pr é-antral: a zona pelúctda se
de inferior do abdome, dtafragmas pélvtco e urogenital, pe- toma mais evidente e ocorre prohferação celular na cama-
ríneo, quadnl e membros mferiores por meto dos seguintes da granulosa. O estroma sofre urna séne de modtficaçOes,
nervos: !ho-htpogástnco, thomgumal. femoroculâneo lateral, surgindo então a camada tecal. Dentro do follculo ocorre
femoral, genitofemoral, obturador, glúteos superior e inferior, acúmulo progresstvo de liqutdo, ongtnando o antro. As
cutâneo postenor da coxa, ciáuco e pudendo. células foliculares em·oh·em o oócito, formando a corona
Já a inervação autônoma é reahzada pelos seguintes plexos: radiata. A massa de células da granulosa é denominada cú-
aónico, localizado lateralmente à coluna venebral; ovariano, mulo oóforo.
responsável pela inervação dos ovários, pane das trompas e • Folículo maduro (De G raal): estágio pré-ovulatório no
do ligamento largo; mesentérico inferior, que inerva o cólon qual o fol!culo atinge seu desenvolvimento máximo. O oó-
esquerdo, o sigmoide e o reto; h tpogástrico superior ou pré- cito primário, cujo desenvolvimento havia sido interrom-
-sacra!, principal plexo responsável pela ine rvação pélvica. pido em prófase du rante o perlodo fetal, completa a pri-
meira d ivisão meiótica pouco antes da ovulação, formando
um oóciLO secundário e um corpo pola r, o primei ro corpo
ÓRGÃOS GENITAIS INTERNOS
polar. O oócito secundári o só completa a segunda d ivisão
Ovários meiótica depois da fertil ização.
Os ovários consistem em um par de órgãos ovoides, sóli- • Folículo atrésico: pode incid ir em qualquer fase do de-
dos, de coloração rosa-acinzentada, levemente achatados, com senvolvimento folicular. sendo marcado por processo de
medidas aproximadas de 3 a 4cm de comprimento, 2cm de degeneração.
largura e l cm de espessura, pesando de 4 a Sg. Estão localiza- • Co rpo lúteo: é envolvido por uma camada de tecido con-
dos lateralmente ao útero, IX>Stenormente ao ligamento largo e juntivo, a teca exte rna (cápsula), com seu pari!nquima sen-
inferiormente ãs trompas utennas, não sendo recobenos pelo do constitu!do por dois tipos de célula: lutelnico-granulo-
peritônio. A sustentação do ováno é fetta pelo ligamento sus- sas e tecaluteínicas.
pensor do ováno (prega pentoneal que se dirige da ampola
As células lutelnico-granulosas segregam progesterona. As
tubária até a parede lateral do ováno), ligamento ovariano (cor-
tecaluteínicas, que se agregam na penferia, segregam os es-
dão fibroso locahzado internamente ao ltgamemo largo, unin-
trogi!nios. Se o óvulo expulso não é ferulizado, o corpo lúteo
do o ângulo utenno mfenor à trompa ao o,·ário), meso,'ário
começa a degenerar-se 9 dtas após a ovulação. Quando ocor-
(une o ligamento largo à borda antenor do ovário) e ligamento
rem a fertilização e a implantação, o corpo lúteo passa a ser
infundlbulo-pélvtco Otga o O\'áno à parede pélvica e contém
chamado de corpo lúteo gravldtco, contmuando a crescer e
nervos e vasos sangulneos). No local onde o O\'áriO se liga ao
funcionando até a placenta assumir a produção desses hor-
meso\'ário fica o hilo, através do qual os vasos sangulneos e lin-
mônios. Ambos os corpos lúteos, da menstruação e da gra-
fáticos, além dos nervos autônomos, entram e saem do ovário.
'idez, acabam involuindo e se tornam corpos albicantes (ou
O ovário é recoberto por epitého pavimemoso ou cuboi-
albicans), pequenas cicatrizes fibrosas na superflcie ovanana.
de. Logo abaixo se encontra a túnica albuglnea, uma camada
A irrigação do ovário é realizada pelas arténas ovarianas,
espessa de tecido conjuntivo denso. O parênquima ovariano
ramos direitos da aorta, e por ramos ovarianos das artérias
é constituldo por duas zonas: córtex, periférico, comendo
uterinas. A veia ovariana di reita d rena para a veia cava in fe-
grande número de fol!culos em todos os estágios de desenvol-
rior, enquanto a esquerda d rena para a veia renal esque rda. A
vimento, e a medula, composta por tecido conjuntivo frouxo,
d renagem linfática tem uma via principal ao longo dos liga-
fibroelástico, além de vasos sangulneos, linfáticos e ne rvos.
mentos suspensores para os gânglios laterocava e lateroaórti-
De acordo com seu desenvolv imento, o fol!culo ovaria-
cos junto da origem das a rtérias ová ricas e uma via acessória
no pode ap resenta r as segu intes caracterlslicas his tológicas
que acompanha os vasos uterinos para os illacos internos.
di ferentes:
A ine rvação simpática é proveniente do plexo cel!aco, cujos
• Folículo primordia l: o oócito primário é envolto por uma nervos cam inham com os vasos ováricos nos ligamentos sus-
camada única de célu las epiteliais achatadas, as células fo- pensores, e vem ainda dos plexos hipogástricos superior e
liculares, ci rcundadas por uma membrana basal delgada. inferior. As fibras parassimpáticas vem dos plexos hipogás-
Calcula-se que na mulher recém-nascida o número de fo- tricos inferiores, onde chegam pelos dos nervos esplãncnicos
liculos primordiais seJa aproximadamente de 400 mil. So- pélvicos das raizes de $2, $3 e $4.
mente cerca de 400 a 450 deles completam sua maturação
e são liberados como óvulo durante os anos reprodutivos. Trompas uterinas
A matO na sofre atresia, que pode ocorrer em qualquer es- As trompas uterinas, também denomtnadas tubas uterinas
tágio do desenvolvimento. ou trompas de Falópto, são estruturas tubulares btlaterais lo-
:\_
r
((

Capítulo 1 Anatomia e Histologia dos Órgãos Genitais Femininos e Parede Abdominal 7

calizadas na mesossalpinge. Uma extremidade se abre na ca- vascular (onde são identificadas as artérias arqueadas), supra-
vidade peritoneal, ficando em contatO com o polo superior vascular e subseroso. Sob a influência do estrogênio na gesta-
do ovário, e a outra, na cavidade uterina na região cornual do ção, o miométrio aumenta muito de volume em consequên-
útero. Medem de lO a ! Sem de comp rimento com cerca de cia da h iperplasia e hipertrofia das fibras musculares e, no
lcm de diâmetro, e são d ivididas em quatro porções: infundi- pós-parto, o útero retOma ao normal em razão da redução do
bular - te rminal, onde se encontram as fímbrias que se apro- tamanho e do número dessas fibras.
ximam da superfície ovariana, auxiliando a captação dos ga- O endométrio é o revestimento mucoso do útero formado
metas; ampular - porção mais longa, de paredes adelgaçadas, po r epitélio cilíndrico simples, com células secretoras e cilia-
com pouca camada muscular e tortuosa; ístmica - curta, de das, pelas numerosas glândulas tubulares simples com rami-
paredes mais espessas; e intramural - que atravessa a pare- ficações ocasionais e por um estroma de tecido conj untivo
de uterina, localizada no interior do miométrio. celular ricamente vascularizado. Constituído por uma cama-
A impo rtância das tubas reside no fato de nelas ocorre- da funcional que descama durante a menstruação , contém
rem a fertilização do óvulo e a clivagem inicial do zigotO. A uma camada basal que permanece e se regene ra, formando
parede das trompas é constituída por três camadas: mucosa - nova camada mensalmente. O estratO funcional ainda pode
recoberta por epitélio colunar simples, compostO po r células se r subdividido em compacto, mais superficial, e esponjoso,
ciliadas e não ciliadas (secretoras), e que se assenta sob re a subjacente e rico em vasos sanguíneos.
membrana basal muito fina; muscular - composta por fibras Durante o ciclo menstrual, o endométrio sofre alterações
musculares lisas, dispostas em uma camada longitudinal ex- sob estímulo hormonal, o que torna possível sua diferenciação
terna e outra ci rcular interna; se rosa - que consiste em tecido de acordo com a fase do seguinte ciclo: (l) endométrio prolifera-
conjuntivo frouxo cobe rto por urna camada de mesotélio. tivo (fase folicular): epitélio, glândulas e estroma se regeneram e
A irrigação arterial é feita por ramos tubários das arté rias ute- se tornam espessos com glândulas de aspectO tubular; (2) endo-
rinas e ovarianas. É proveniente da anaswmose entre a artéria métrio secretor (fase luteínica): endométrio tem espessura máxi-
tubária externa, um dos ramos terminais da ovárica (colateral ma, com rica vascularização, glândulas com aspectO tortuoso,
da aorta), e a artéria tubária interna, ramo terminal da uterina. edema, e as células do estroma se tornam células da decídua;
A drenagem venosa é realizada por vasos paralelos à irrigação. A (3) endométrio menstrual: a queda de estrogênio e progesterona
d renagem linfática é semelhante à do ovário, ao longo dos liga- induz a contração das arteríolas espiraladas, levando a isque-
mentos suspensores para os gânglios laterocava e late roaórticos, mia e necrose da camada funcional , que se destaca e é liberada
situados junto da origem das artérias ováricas ou acompanhan- na luz do útero com o sangue dos vasos que se rompem, retor-
do os vasos uterinos para os gânglios ilíacos internos. nando entáo à condição de camada basal.
Por fim, o colo uterino, a porção mais inferior do útero,
se apresenta com poucas fibras musculares, mas com gran-
Útero de quantidade de tecido conjuntivo. Sua cavidade central, o
O úte ro, um órgão pélvico normalmente móvel , muscular, canal cervical, tem cerca de 3cm de comp rimento e se comu-
pirifo rme , com cerca de 7cm de comprimento, 4cm de largu- nica superiormente com a cavidade ute rina por meio de urna
ra e 2 a 3cm de espessu ra, está localizado entre o reto e a bexi- constrição, o orifício interno, e inferio rmente, abrindo-se na
ga e faz a comunicação da cavidade abdominal com a vagina, vagina através do orifício externo. O revestimento do canal
fixando-se na parede pélvica lateral, na sua porção supracer- cervical ou endocérvice é composto por epitélio colunar sim-
vical , pelos ligamentos cardinais (Makenrodt), e na sua por- ples e tecido conjuntivo denso sob a lâmina própria. O epité-
ção posterior pelos ligamentOs uterossacros. Diversos outros lio se invagina, formando as glândulas endocervicais produ-
ligamentos, como o largo, a mesossalpinge, o infundíbulo- to ras de muco. A parte da cérvice que se projeta na vagina é
-pélvico e o redondo, participam do processo de sustentação chamada de porção vaginal ou ectocérvice, sendo recoberta
do úte ro. A posição mais comum é a de anteroversoflexão, po r epitélio pavimentoso estratificado não ce ratinizado. Há
mas pode assumi r a intermediária ou retroversofletida. uma transição ab rupta entre o epitélio pavimentoso estrati-
O útero pode ser dividido em quatro panes: fundo (acima ficado e o colunar simples - a junção escamocolunar ()EC),
dos óstios tubários), corpo, istmo e cérvice (porção uterina lo- que pode estar visível na ecwcérvice ou dentro do canal.
calizada na vagina). As trompas se abrem de cada lado, no A irrigação do úte ro é fe ita bilate ralmente pelas artérias
fundo uterino, e a cé rvice se salienta na vagina. As paredes uterinas e pelos ramos anterio res da artéria ilíaca interna
uterinas são compostas por uma espessa camada muscular (arté ria hipogástrica), as quais se d irigem supe riormente ao
lisa, chamada de miométrio. O útero é revestido internamen- útero de modo tortuoso por meio da margem lateral, origi-
te pelo endométrio, que corresponde à mucosa e à submuco- nando ramos anteriores e posterio res. Na altura do istmo,
sa, e externamente por uma camada serosa (ou pe rimétrio), dão origem ao ramo ce rvical. Terminam com o ramo tubá-
constituída por tecido conjuntivo frouxo e mesotélio. rio e o ramo ova riano (anaswmose com arté ria ova riana). O
O peritõnio, que recobre o útero , dete rmina o aparecimen- útero é vascularizado assessoriamente pelas artérias ovári-
tO das reflexões retOuterina e vesicouterina. Os feixes de mús- cas. O u reter caminha aqui obliquamente pa ra diante e pa ra
culo liso que compõem o miométrio se entrelaçam em todas dentro, c ruzando a artéria por detrás a 2cm de distância do
as direções, formando quatro camadas: os estratOs submucoso, bo rdo lateral do colo. Atinge depois o bordo lateral do útero
/.

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J 8 Seção I Ginecologia

que acompanha de forma helicínea, passa atrás do ligamen- p redomínio de células superficiais. Quando o estímulo es-
to redondo e term ina emitindo as artérias tubária interna trogênico é pequeno, observa-se o predomín io de células
(que no mesossalpinge se anaswmosa com a tubária exte r- intermediárias. Esse epitélio não contêm glândulas, sendo
na) , ovárica interna (que no mesovário se anaswmosa com a sua secreção derivada das glândulas cervicais e da transu-
ovárica externa) e um ramo para o fundo do útero. Durante dação que ocorre através desse epitélio. Exterio rmente é
seu trajetO emite ramos colaterais ureterais, vesicais inferio- recoberta por uma adventícia que participa da fáscia en-
res, cervicovaginais, uterinos ao longo do bordo lateral do dopélvica, e sua lâmina própria, fibroelástica, contém um
úte ro e um ramo para o ligamento redondo. complexo de pequenas veias que lhe proporciona uma con-
As arté rias uterinas apresentam como ramificações ini- siderável vascularização.
ciais as artérias arqueadas, localizadas na superfície ute rina A camada muscular é composta por fibras musculares li-
e que ainda vão se subdividir em arté rias rad iais, que pene- sas, dispostas em uma camada circular interna e outra longi-
tram profundamente no miométrio. Dois tipos de arteríola, tudinal externa, entre as quais se encontram vasos sanguíneos
que são as ramificações di retas das artérias radiais, penetram e fibras nervosas.
diretamente no endométrio: as arteríolas retas, que atingem A camada adventícia é composta por uma delgada ca-
o terço profundo e são responsáveis pela circulação cons- mada de tecido conjuntivo frouxo unindo a vagina aos ó r-
tante e, portantO, não são afetadas pelas alte rações causadas gãos vizinhos.
pelo ciclo menstrual, e as arteríolas espiraladas, que atingem A artéria vaginal que irriga a porção superior da vagina é
a superfície do endométrio, mod ificando-se de acordo com um ramo da artéria hipogástrica, podendo derivar da artéria
o ciclo menstrual. Os vasos linfáticos que drenam o corpo uterina. A porção inferior da vagina recebe irrigação dos va-
do útero se dirigem para os linfonodos para-aórticos, en- sos hemorroidários inferiores e médios e de ramos da artéria
quanto os que drenam a região do istmo e do colo uterino pudenda interna.
se dirigem para os linfonodos h ipogástricos, obturadores e A drenagem linfática da porção inferior da vagina é fei-
ilíacos externos. ta para os linfonodos femorais e inguinais, enquanto os dois
A inervação, meramente vegetativa, é feita principalmente te rços superiores, assim como a cérvice uterina, drenam para
pelos nervos uterovaginais que caminham na espessura dos li- os linfonodos hipogástricos, obturadores e ilíacos externos.
gamentos cardinais com as artérias ute rinas, provenientes dos
plexos h ipogástricos inferiores d ireito e esquerdo. Os aferen-
ÓRGÃOS GENITAIS EXTERNOS
tes simpáticos desses plexos são os ne rvos inte rmesentéricos e
O sexo genético é determinado desde a fertilização; contu-
os esplâncnicos lombares (que passam no plexo hipogástrico
do, até a oitava semana de gestação ambos os sexos se desen-
superior e nos nervos hipogástricos) e os nervos esplãncni-
volvem de maneira semelhante (estágio ind iferente).
cos sagrados (vindos da cadeia simpática laterovertebral). O
útero recebe também ramos simpáticos do plexo ovárico, que
caminha no ligamento suspensor do ovário. A inervação pa- Vul va
rassimpática é proveniente dos nervos esplâncnicos pélvicos A vulva é formada pelo monte pubiano, lábios maiores e
(p. ex., nervos erigentes) que nascem das raízes dos segundo, menores, clitóris, hímen, orifício das glândulas vestibulares
terceiro e quartO nervos sacrais. maiores, comissura labial posterior, orifício das glândulas pa-
rauretrais e óstios vaginal e uretra!. A drenagem linfática dos
Vagina órgãos genitais externos corre para os linfonodos inguinais
Órgão tubuloso fib romuscular situado entre a cérvice e o superficiais. A inervação ocorre por fibras sensitivas e autô-
vestíbulo vaginal, responsável pela cópula e que comun ica nomas do nervo labial anterior (ramo do nervo ilioinguinal),
o útero ao meio externo, a vagina tem aproximadamente ne rvos labiais posteriores (ramo do nervo pudendo), nervo
lOcm de comprimento e se estende em sentido supe ropos- dorsal do clitóris e ramos do plexo uterovaginal (todos deri-
terior. O espaço entre as paredes vaginais e a cé rvice uteri- vados das raízes sacrais de 52-4). A circulação venosa corre
na, que ocupa sua porção superior, dá origem aos fórnices paralelamente à arterial.
anterior, posterior e laterais. O fórnice posterior é de funda- O monte púbico (monte-de-vênus) se apresenta como
mental importância por ser via de acesso fácil para a cavida- proeminência arredondada sobre a sínfise púbica e é reves-
de pe ritoneal. A parede vaginal é constituída pelas camadas tido com epitélio escamoso estratificado ceratinizado com
mucosa, muscular e adventícia. pelos. O tecido subcutâneo é composto principalmente por
A camada mucosa é revestida por ep itélio escamoso pa- tecido adiposo.
vimenwso estratificado não ceratinizado e altamente in- Os grandes lábios, pregas cutâneas ricas em tecido adiposo
fluenciada po r hormôn ios. A mucosa vaginal é composta formando as porções laterais da vulva, são provenientes do
por células basais internas, basais externas, intermediárias monte-de-vênus, dirigindo-se inferiormente, recobrindo o
e superficiais. Em pe ríodos de ausência de estímulo estro- introito vaginal, e se situam entre o sulco interlabial e as pre-
gênico ( infância, climaté rio) é observado um predomínio gas inguinoglúteas. Anteriormente se fundem com o monte
de células basais (basófilas). Durante as fases de níve is ele- púbico e posteriormente com o corpo perineal. São cobertos
vados de estrogênios ocorre espessamento ep itelial com por epitélio escamoso estratificado ceratinizado com pelos na
r
((

Capitulo 1 Anatomia e Histologia dos Órgãos Genítaís Femininos e Parede Abdominal 9

superflc1e lateraL Contêm glândulas sebáceas e sudorfparas, Períneo


além de gordura subcutânea. A forma, o contorno e a co- O perlneo, compreendendo a região entre o monte-de-
bertura p1losa variam com a idade e o estado hormonal da -vênus e as nádegas, é formado por u ma fáscta superficial e
mulher. Os li mites dos grandes lábios, que são as comissuras profunda e músculos superficiais e profundos. Sob o ponto
anterior e posterior, onde ocorre sua fusão, são homólogos ao de vista ginecológico seria a área entre o ânus e a vagina que
escroto do homem. recebe as inserções da musculatura do d iafragma urogenital.
Os pequenos lábios, que são duas pregas cutâneas finas sendo delim itada pelos trfgonos urogenital, ante riormente, e
e pigmentadas ricas em vasos sanguíneos, usualmente re- anal, posteriormente.
cobertas pelos grandes lábios, se estendem da extremidade O assoalho perineal é composto de pele e duas camadas de
superior da vulva e do pre púcio do clitóris e se unem aos fáscía superficial. No nlvel seguinte de profundidade encon-
grandes lábios na comissura posterior. Os pequenos lábios tra-se o diafragma urogenital, que contém a uretra. a vagina,
são separados lateralmente dos grandes láb1os pelo sulco in- duas fásc1as e a musculatura de sustentação. Localtza-se entre
terlablal e são homólogos ao corpo esponJOSO do ptnis. Não os ramos LSqUIOpúbiCOS, recobenos pela membrana tnangu-
contl!m glândulas sudorfparas, folículos p1losos nem teci- lar e que completam a sustentação ptlvica. A fossa 1squ1orre-
do ad1poso, mas grande quantidade de glândulas sebáceas, tal é dehm.ttada lateralmente pela fáscia do obturador interno
e são revestidos por epitélio escamoso não ceratinizado na e media! mente pelos músculos elevadores do ânus, cocclgeo e
supe rflcie vestibular e finamente ceratimzado na su perfície esflncter do ânus. Anteriormente se localiza entre os diafrag-
lateral. Os lábios maiores e menores são irrigados pelos ra- mas urogenital e pélvico e posteriormente é deli mitada pelo
mos labiais anteriores das artérias pudendas exte rnas e pelo glúteo máximo.
ramos labiais poste riores das a rtérias puclendas internas. O d ia fragma u rogenital é composto da musculatura peri-
O hlmen é uma membrana irregular ele espessura e forma- neal, sendo d ividido pelos músculos superficíais e profundos.
to variáveis que oclui parcialmente o introíto vaginal (abertu- Os superficía1s são o isquiocavernoso, o bulbocavernoso e o
ra da vagina na vulva). Uma ,.ez ocorrida sua laceração, seus transverso superficial do perfneo. Os profundos são o trans-
resqulcios são denominados carúnculas h1menais. verso profundo do perineo e o esfíncter da uretra, compondo
O chtóns, um corpo erétil, cillndnco, locahzado na bor- o esf!ncter vagmal e da uretra.
da mfenor da slnfise púbica, abaLxo da com1ssura anterior, A rede muscular, locahzada posteriormente ao perlneo
é homólogo ao corpo ca,·ernoso do ptms e constste em dois e que en\'Ol\'e a uretra, a vagina e o ânus, é denommada
corpos compostos por tecido eréul em·olvtdo pela túnica al- diafragma ptlvico e se insere no sacro e no cóccix, sen-
buglnea e revestidos por mucosa escamosa sem glândulas. d o responsãvel pela sustentação das vísceras pélvicas. Os
Formado por dois corpos cavernosos que se unem, criando o músculos elevado res do ânus que co mpõem o diafragma
co rpo, e pela glande, a única porção vista ao exame da vulva, pélvico são o pubococcígeo, o iliococclgeo e o pubo rretal.
o cli tóris é rico em receptOres sensitivos, assim como acon- O limite lateral é co mposto pe los músculos coccígeo, ob-
tece com os pequenos e grandes lábios. Os ramos e corpos turatório e pi ríforme, e todos esses músculos e os ó rgãos
cavernosos do clitóris são irrigados pelas artérias profundas péh-icos são encobertos por uma fáscia conjun tiva deno-
desse corpo erétil e cilínd rico. A glande é 1rngada pelas arté- minada fáseta endopélvica. Em alguns locais, essa fáscía se
rias dorsais do clitóris. encontra espessada, recebendo a denominação de hgamen-
O vestlbulo \'uivar se estende da superfície exterior do to, que é uma estrutura de sustentação dos órgãos ptlv1cos
hímen ao frenulo do clitóris, antenormente, à fúrcula vagi-
e responsãvel pela manutenção da estática ptlv1ca. Esses
nal , postenormente, e à linha de Hart, lateralmente, onde
ligamentos são os uterossacros, os cardinais (Mackenrodt)
o ep1tého escamoso não ceratinizado do vestlbulo se une
e os pubocerv1caís.
ao ep1tého escamoso ceratinizado dos pequenos lábios.
Nele se encontra m o orifício uretra!, a abertura dos d uetos
de Ske ne, o intro ito vaginal e a abertura dos d uetos de
Leitura complementar
Alves AL, Péret FJA. Embriologia e anatomia do trato genital e das
Ba rt hol in. O bulbo d o vestíbulo é consti tu ldo por massas
mamas. In: Camargos A, Melo VH (eds.) Ginecologia ambulato-
de teci do erétil localizadas late ralmente ao i11tr0ito vaginal rial. Belo Horizonte: Coopmed, 2001.
e d ispostas e m fo rma tO de ferradu ra, se ndo, assim , homó- Anderson J R, Genadry R. Anatomia e embriologia. In: Berek JS,
logo ao bu lbo do pênis e irrigado pelas artérias do b ulbo Adashí EY, Hlllard PA (eds.) Novak - Tratado de ginecologia. Rio
de Jane~ro: Guanabara Koogan, 1998:49-88.
do "estlbulo .
Cumingham FG. Gant NF, Leveno K, Gilstrapp 111 LC, Hauth JC, Wens-
As glândulas de Bartholin ou vestibulares ma1ores, situa-
trom KD. Willoams obstetrícs, 21. ed. New YO<I<.: McGraw-HIII. 2001.
das bilateralmente sob os grandes láb1os e habitualmente não Gardner E. Gray DJ. O'Rahilly R (eds.) Anatoma- Estudo regoonal
palpá\'eLS, são glândulas sebáceas com Importante função de do corpo humano. 4. ed. Roo de Jane~ro: Guanabara Koogan,
lubnficação da genitália durante o ato sexual e são irrigadas 1978:465-75.
pelos ramos da artéria \'aginal anterior. As glândulas paraure- Ponte JG. Anatomoa cllnico-corúrgica em gínecologoa. In: Halbe HW
(ed.) Tratado de gonecolog1a. São Paulo: Roca, 1998.
trais ou de Skene são pequenas glândulas sebáceas situadas Viana LC, Martins M, Geber S. Anatomia do trato gemtal temi nono. In:
na base da uretra. Como as de Bartholin, são importantes na Viana LC, Martins M, Geber S (eds.) Ginecologia. 2. ed. Roo de
lubri ficação dos genitais no ato sexual. Janeiro: Medsi, 2001 :50-6.
CAPÍTULO

Embriologia e Diferenciação Sexual


Cláudia Lúcia Barbosa Salomão
João Tadeu Leite dos Reis
Maria Virgínia Furquim Werneck Marinho

INTRODUÇÃO O risco de surgir uma malformação genita l em casos fami-


O sexo genético é aquele determinado no momento da liares de parentes de primeiro grau é 12 vezes maior.
fecundação por meio da transmissão dos códigos genéticos
pelo pai e pela mãe da pessoa, resultando em um ser 46XX EMBRIOLOGIA: FISIOLOGIA E ETIOPATOGENIA
(mulher) ou 46XY (homem), em sua normaltdade. Esse sexo A diferenciação gonadal determinada pelo sexo genético
marcará a diferenctação sexual, tntciando-se pela diferencia- começa nas épocas desiguais em relação a ambos os sexos,
ção das gõnadas (sexo gonadal do mdtvlduo). O sexo gonadal iniciando-se a diferenciação ovariana aproxtmadamente 2 se-
é determinado pela gõnada presente naquela pessoa, a qual manas mais tarde do que quando pnnctpia a dtferenciação
fica estabelectda pelo sexo genéuco. jâ o sexo somático ou testicular.
fenoúpico é o respons•h·el pelo sexo legal, psicossocial e de
Por mlta da quinta semana da embnogênese, as gõnadas
criação do mdtvfduo.
ainda estão em estado mdiferenctado, resultando em proli-
Entendem-se como malformações genttatS as alterações
feração do epitélio celõmico e condensação do mesênqmma
na anatomia do trato gemtal femmmo decorrentes de defei-
subjacente (pregas gonadaLS). Por volta da sexta semana, as
tos em seu desenvolvtmento embnonâno, os quais podem
células germinativas penetram na gõnada mdtferenciada, que
ocasionar problemas de saúde que variam de amenorreia ao
até então possuía uma região cortical e uma medular, com
abono recorrente.
Evidentemente, como esses defettos podem apresentar células epiteliais, as quais darão ongem às células da granulosa
quadros configurados como emergência ginecológica ou ou às de Senoli, e com células mesenquímais, as quais darão
obstétrica, torna-se pertinente e absolutamente necessária margem a que se originem as células da teca ou as de Leydig.
a inclusão deste tema em compêndios de emergências gine- Além desses tipos celulares, na sexta semana o embrião
cológicas. contém um par de túbulos mesonéfricos ou de Wolff (com
potencial para desenvolver a genitália interna masculina) e
EPIDEMIOLOGIA E RELEVÂNCIA um par de túbulos paramesonéfricos ou de Muller (com po-
Revisões epidem iológicas recentes são concordantes no te ncial para desenvolve r a genitália interna feminina).
que tange à relevância e prevalência desses defeitos na popu- As células germinativas, derivadas do ectoderma primitivo e
lação em ge ral. Considera-se como prevalência promédio na identificadas no endoderma do saco de Yolk (saco vitelrnico),
população geral feminina a incidência de 6,7%; na população são indispensáveis para a formação das pregas gonadais, onde
infértil feminina, 7,3%; e em pacientes com perda gestacíonal sobreviverão. As células somáticas têm sua origem embrioná-
recorrente a incidência seria de 16,7%. ria a partir do epitélio celõmico, sendo importante lembrar
As malformações mullenanas mais frequentes são útero que as células germinalivas são as precursoras dos oócitos e
septado, útero bicorno, arcuado, didelfo, unicorno e hipo- das espermatogõnias.
plasia uterina, e as outras, menos comuns, são as derivadas A diferenciação testicular se tmcia por volta da sexta sema-
de defeitos do seto urogemtal , como o septo Yaginal baixo. na de vida intrauterina, e para que essa dtferenciação ocorra
As malformações do seio urogemtal podem aparecer em é essencial a presença do fator determmante testicular (TDF),
associação ou não às anomahas dos duetos mullerianos. produzido por um gene presente no cromossomo Y, em uma
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Capítulo 2 Embriologia e Diferenciação Sexual 11

região denominada SRY (região determinante do cromossomo No embrião do sexo feminino , a ausência do cromossomo
Y). Por volta da sétima semana surgirão as células de Senoli, Y e de testículo funcional determinarã a falta do MIF, permi-
que formarão os cordões testiculares, onde estarão as células tindo a diferenciação dos duetos de Mülle r, os quais formarão
germinativas. As células de Senoli produzem a proteína liga- as trompas, o útero e os terços proximal e mediai da vagina.
dora dos androgênios, a qual manterá elevada a concentração A formação da genitãlia interna feminina é, ponamo, passiva
local de androgenio e serã de grande importãncia não só para em razão da ausência do MIF, iniciando-se por volta da oitava
a d iferenciação da genitãlia interna masculina, como para a semana de vida imrauterina. Remanescentes dos duetos de
espermatOgênese. A produção de androgênios será função das Wolff no sexo feminino são as h idátides de Morgani, paraoó-
células de leydig, formadas a partir do mesenquima dos cor- foro e duetos de Ganner. A fusão dos duetOs de Müller dará
dões testiculares, a partir da oitava semana de vida intraute- origem ao útero e aos dois terços superiores da vagina, com
rina. O processo de diferenciação do testículo se dá de modo a permanência inicial de um sepLO de fusão vertical, o qual
absolutamente ativo, dependendo especialmente da presença vai desaparecendo cranialmeme, com completa canalização
do TDF e de androgênios. da vagina entre a rsa e a 22' semana de vida intrauterina,
A d iferenciação ovariana se dá passivamente, iniciando-se finalizando a formação da genitália interna feminina.
habitualmente 2 semanas mais tarde do que a diferenciação A título de curiosidade são relacionados também os duetos
testicular, pela ausência do fatOr determinante testicular. A pre- metané fricos, que originarão os rins, os ureteres, a bexiga e a
sença de dois cromossomos X normais determinará a formação uretra superior.
de um ovário normal, valendo lembrar que a ausência ou as
anomalias cromossõmicas em um dos X causarão o quadro de DI FERENCIAÇÃO DA GENITÁLIA EXTERNA
d isgenesia ovariana com a formação de ovário rudimentar. As A genitália externa é indiferenciada em ambos os sexos até
células germinativas que não comem cromossomo Y penetram a oitava semana de vida imraute rina. Daí, a presença ou au-
na gõnada, iniciam sua diferenciação para as oogônias, são cir- sência de androgenios determinarã a formação de genitália
cundadas por células do epitélio superficial (futuras células da externa masculina (quando presente) ou feminina (quando
granulosa) e formam os folículos primordiais, e a diferenciação ausente). A masculinização da genitália externa se dá, espe-
das oogônias ocorre até a prôfase 1da diviSilo meíôtíca, interrom- cialmente, pela ação da diidrotestosterona, um metabólito
pendo-se nessa fase com a formação dos oócitos. da testosterona. A enzima Sa -redutase é a responsável pela
As células germinativas chegam a 6 a 7 milhões na primei- transformação da teswsterona em diidroteswsterona.
ra metade da gestação, porém, por sofrerem imenso processo No estado indiferente, o intestino primitivo e os aparelhos
de atresia durante a segunda metade, alcançam l a 2 milhões urinário e genital desembocam em uma cavidade única sob
ao nascimento. o nome de cloaca. Na sexta semana de vida embrionária, o
septo urorretal (origem mesodérmica) divide a cloaca em reto
DIFERENCIAÇÃO DA GENITÁLIA INTERNA e seio urogenital. Interrupções no desenvolvimento embrio-
Inicialmente, todo ser humano conta com dois pares de nário normal podem dar origem à pe rsistência da cloaca (se
dueLOs genitais, que são os canais mesonéfricos (dueLOs o defeito ocorre antes da descida do sepLO urorretal - antes
de Wolf[) e os paramesonéfricos (duetOs de Müller). Os due- da sexta semana) ou à persistência do seio urogenital (se o
LOS de Wolff se formam antes dos duetOs de Müller, os quais defeitO ocorre antes da descida do septo vesicovaginal, o qual
se disporão lateralmente aos já citados, unindo-se mais cau- dividiria o seio urogenital em uretra e vagina a partir da oitava
dal mente e formando o complexo canalicular, o qual dará ori- semana de vida embrionária).
gem ao útero e à vagina. A presença de algum grau de androgenização no feto femi-
Os duetos de Wolff darão origem ao epidídimo, à vesícula nino, no momento da formação da genitália externa, provo-
seminal e ao dueto deferente. Os duetos de Müller darão ori- carã graus variados de virilização dessa genitália, ocasionando
gem ao útero, às trompas e aos dois terços superiores da vagina. desde a presença de orifício único, não individualizando ure-
No embrião do sexo masculino, as células de leydig ini- tra e vagina por persistência do seio urogenital, até somente
ciam a produção de testosterona por volta da oitava semana hipertrofia de clitóris. Quanto mais cedo ocorrer a exposição
de vida imrauterina, e as células de Se rtOli produzem o fatOr intrauterina a esses androgênios, maior serã o grau de virili-
inibidor mülleriano (MIF), o qual inibirá o desenvolvimentO zação da genitália externa.
dos dueLOs de Müller, permitindo, então, a diferenciação dos Algumas estruturas estáo presentes em ambos os sexos
dueLOs de Wolff com a formação da genitália interna masculi- por volta da oitava semana de vida intrauterina, como o tu-
na. Só ocorrerão o desenvolvimentO e a diferenciação normal bérculo genital (que darã origem ao pênis e ao clitóris), as
dos duetos de Wolff caso haja a produção local adequada de pregas labioescrotais (que darão origem ao escroto e aos gran-
testosterona pelas células de leyd ig e a produção adequada des lábios) e as pregas uretrais (que darão origem à uretra no
de proteína ligadora de androgênios pelas células de Senoli. homem e aos pequenos lábios na mulher). A dife renciação
A ação ínibitôria do MIF sobre os canais de Müller é local e uni- dessas estruturas se inicia a partir dessa época. As glândulas
lateral, inOuenciando a diferenciação canalicular de acordo vestibulares maiores (sexo feminino) se formam por envagi-
com a gõnada homolateral. nação do seio urogenital.
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') 12 Seção I Ginecologia

O processo da d iferenciação da genitália externa irá fina- ser causa de ameno rreia primá ria e falência ovariana pre-
lizar-se por volta da 14• semana no sexo masculino e da 2Qi matu ra.
semana no feminino com a canalização da vagina. O descenso Alguns genes são citados como participantes da diferencia-
testicular ocorre em tOrno da 32• semana. ção sexual masculina, como o SRY, bastante conhecido, além
Em relação ao tipo e ao grau da distOrção anatômica, as dos DAXl, WTl , SFl, SOXl , DMRTl/DMRT2.
malformações podem estar associadas a dive rsos problemas
de saúde e reprodutivos femininos, com a adequada caracte- CONSIDERAÇÕES FINAIS
rização de cada tipo de malformação tornando mais efetivos O entendimento acadêmico das fases da embriogênese e
o d iagnóstico e o tratamento da patologia específica, como as embriologia genital é ponto fundamental para a compreensão
situações de disgenesia gonadal e intersexo. das patologias vinculadas à organogênese, como malforma-
ções genitais, disgenesias gonadais e situações de intersexo.
ASPECTOS GENÉTICOS Po rtanto, esse entendimento é primordial para a adequada
As anomalias citogenéticas estruturais, como as deleções condução clínica no que tange à propedêulica e à terapêutica.
e duplicações de regiões cromossômicas tanto em cromosso-
mos sexuais como em auwssômicos, em pacientes com ano- l eitura complementar
malias do desenvolvimento sexual têm permitido a localiza- Ferreira RA, Carvalho BR, Junqueira FRR. Malformações mulleria-
nas. In: Ginecologia da infância e adolescência. São Paulo: Art-
ção dos genes envolvidos nesses mecanismos. med, 2012: 119-30.
A engenharia genética e a biologia molecular possibilita- Fontes C. Anomalias congênitas do sistema canalicular. In: Maga-
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O gene WNT4 participa da diferenciação em ovário, po-
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tencializando o gene DAXl, suprimindo a ação do SOX9 e Obstei Mex 2013; 8 1:34-46.
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O gene FOXL2 participa não apenas do desenvolvimento Zeiguer e Zeiguer. Diferenciación sexual normal. Embriología. In:
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manutenção da função ovariana, podendo suas mutações cia. Buenos Aires: Panamericana, 1996:315-26.
CAPÍTULO (

Esteroidogênese
Selma Ceber
Marcos Sampaio

INTRODUÇÃO Quadro 3.1 Etapas da esteroidogênese a partir do colesterol

O colesterol rep resenta a matéria-prima da esteroidogê- 1' reação Após sua entrada na célula, o colesterol tem
nese. Excetuando-se a placenta, todos os órgãos produtores sua cadeia lateral quebrada em C20-C22 por
ação da desmolase oxidante, dando origem à
de esteroides são capazes de produzir coleste rol no retículo
pregnenolona
endoplasmático liso a parlir de radicais acetatos. No entan-
tO, essa produção não é suficiente, e a maior parte desse 2' reação A pregnenolona sofre ação da enzima
3~-desidrogenase-de lta-5-isomerase,
precursor usado na este roidogênese é de origem sérica. O convertendo-a em progesterona após oxidação da
colesterol é transportado na circulação sanguínea por tipo- hidroxila em C3 e mudança da ligação dupla para
proteínas de baixa densidade (LDL), as quais são ligadas a C4:C5
A pregnenolona e a progesterona passam. então,
receptOres de membrana específicos nas células dos ó rgãos a seguir em vias paralelas- delta 5 e delta 4,
este roidopoélicos, o que possibilita a entrada do coleste rol respectivamente. As reações imediatas são
na célula. comuns às duas sequências, originando
produtos diferentes

ETAPAS DA ESTEROIDOGÊNESE 3! reação Tanto a pregnenolona quanto a progesterona


sofrerão ação da 17-a-hidroxilase, dando
As etapas da esteroidogênese a partir do colesterol são origem à 17-hidroxipregnenolona e à
apresentadas no Quadro 3.1. 17-hidroxiprogesterona, respectivamente.
A corlicosterona pode sofrer ação da 11-aldol, originando Esses produtos poderão. então, seguir a via que
dará origem aos androgênios e estrogênios ou
a aldosterona, ou da 11-desidrogenase , originando a 11-de- aquela que dará origem aos hormônios do córtex
sidrocorticosterona. Já o cortisol se transformará em 11-desi- da suprarrenal
d rocorlisol, também denominado cortisona, a parlir da ação 4• reação A 17-hidroxipregnenolona e a 17-hidroxiprogeste(Qna
da 11-desidrogenase. sob a ação da enzima 17-20-carbono-caroono-
A pregnenolona formada a partir do colesterol pode seguir -liase (anteri()(mente nomeada desmolase) darão
por duas vias distintas: origem à desidroepiandrosterona (DHEA) e
androstenediona. respectivamente
• Caso esteja sob ação da 17-a -hidroxilase, originará a 5' reação A desidroepiandrosterona e a androstenediona, por
17-hidroxipregnenolona e a desidroepiandrosterona. ação da 17-jl-hidroxiesteroide-desidrogenase, se
• Caso esteja sob a ação da 3 ~-desidrogenase-delta-5 -isome ­ transformarão em androstenediol e testosterona,
que são os androgênios terminais
rase, formará a progesterona, que também sob a ação da
17-a -h idroxilase originará a 17-hid roxip rogesterona. A 6' reação A testosterona sofre a ação de um conjunto de
reações enzimáticas denominado aromatização e
partir desse ponto, esse substratO poderá seguir para a origina a estrona e o estradiol
via dos esteroides ou dos corticoides. A concentração de
7•, &,9le A progesterona e a 17-hidroxiprogesterona
enzimas específicas, que são distintas nos diversos ó rgãos 1()! reações podem, sob o efeito da 21-hidroxilase,
este roidopoélicos, é o que determinará a via a ser segui- transformar-se em 11-desoxicorticosterona e
da. O ovário se caracte riza pela ação da 17-carbono-liase, 11-desoxicortisol que. sob ação da 11-hidroxilase.
a qual orienta a via para a produção de estrogênio, e a darào origem à corticosterona e ao cortisol,
respectivamente
suprarrenal se dislingue pela ação da 21-hidroxilase, a
13
/.

'
'%
_/( 14 Seção I Ginecologia

qual resulta na produção dos glicocon.cotdes e mmera- 313-hidroxiesterotde destdrogenase, leva à imposstbihdade da
locorttcotdes. produção do corttsol e, nos casos mais graves, mineralocortt-
coides. Com LSSO ficam acumulados os precursores androgem-
A slntese dos produtos finais será o efetto tanto da ofena
cos. A impregnação androgênica resultante, em urna criança
de substrato para as reações descritas como da concentração
do sexo feminino, conduz ao apareàmento de sinais caracte-
das enzimas envolvidas nessas reações. Na espécie huma-
na , a concentração de 17-hidroxilase é maior elo que a de rísticos, como adrenarca, virilização da genitália externa, acne,
21-hidt·oxilase, diferença essa que privilegia a formação de odor corporal ti pico de adultos e aceleração da maturação ós-
cortisol em relação à formação de corticosterona, o que não sea. A hiperplasia congenita da suprarrenal, expressão clln ica
acontece com as outras espécies. da redução da atividade das enzimas, é um distúrbio autos-
A esterotdogênese se processa mediante uma cascata es- sõmico recessivo caracterizado pelo acúmulo de precursores
terotde na suprarrenal, no ovário e nos tectdos penféricos, androgênicos desde a ,,da mtrauterina, podendo determtnar o
conforme Já citado, processo que é controlado paretalmen- aparecimento de gennáha amblgua em meninas.
te pela ação do hormônio adrenocorucotrófico (ACfH) e do Para que esse conJUnto de reações seja desencadeado é
hormOmo lutemLZante (LH) (Figura 3.1). preciso que haja esllmulo hormonal, o qual será especifico
No ováno, a testosterona e a androstenediona apresentam para cada órgão. Os hormõruos tróficos especificas se ligam
produção má.xtma no meio do ciclo, sendo produzidas pelo a um receptor próprio na membrana celular do órgão efetor,
follculo, pelas células estremais e, em menos quantidade, ativando uma enzima intracelular, a adenilciclase, responsá-
pelo corpo lúteo. vel por converter a adenosina trifosfato (ATP) em adenosina
A produção de androgênios fracos, como a DHEA e a an- monofosfato clclico (AMPc), a qual, por sua vez, é ligada a
drostenediona, não pode ser depreciada, pois mais ele 50% uma protelna citoplasmática. Esse novo complexo será res-
dos nlveis de testosterona resultam da transfom1ação periféri- ponsável pela at ivac;ão das enzimas envolvidas na esleroido-
ca desses androgêníos fracos. gênese que normalmente estão presentes na célula em sua
A deficiencia de enzimas necessárias à esterOtdogênese forma inativa. A AMPc é então degradada pela fosfodiestera-
da suprarrenal, como a 21-hidroxilase, a 1113-htdroXllase e a se, resultando em 5-AMP-tnativa.

Colesterol - Pregnenolona - - Progesterona - 17-desoxi- 11-des,dro-


-cortlcosterona Corbsol
-cort,costerona
39 11
21 11
17-0H-
-pregnenolona
D 17-0H- 17-desoxi-
J Cort1costerona - D J 11-des1dro-
D E -progesterona H -corticosterona H E -cor !Isol
E
s
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17-u-OH-
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17-a-OH-
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M ·!Jregnenolona D progeslerona R R D
o I R j o o R
L 17-20-carbono- o 17-20-carbono- X X
11-aldol
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A -carbono-l1ase -carbono-hase I I G
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DHEA
:- A - AndrostenedKJna
s s Aldosterona
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17- E 17- E
-des1drogenase des1drogenase
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Androstenediol r- Teslosterona
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o M Estrona
M A
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R A 1- EstradJol
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Figura 3.1 Mecanismo geral de estímulo da esleroidogênese.


r
((

Capítulo 3 Esteroidogênese 15

As enzimas envolvidas na este roidogênese podem se r di- é responsável por 90% da produção de DHEA e por 100%
vididas em dois grupos: as enzimas tipo ciwcromo P450, da produção de DHEAS, tratando-se, portanto, de excelente
que podem se r encontradas na mitOcôndria ou no retículo marcado r da produção de androgê nios nesse órgão.
endoplasmático liso, e as hidroxieste roides desidrogenases, A camada fascicular, que representa cerca de dois terços da
encontradas no retículo endoplasmático. Acredita-se que mu- glândula no adulto, o rigina os glicocorticoides, sendo o cor-
tações nos genes responsáveis pela transcrição dessas enzimas liso\ o principal representante na espécie humana. A cama-
possam levar a deficiências na esteroidogênese. da glomerular não se ap resenta como camada contínua, mas
como ilhotas na supe rfície da glândula. Produz os corticoides
VIAS INTRACELULARES DA ESTERDIDOGÊNESE sem oxigênio no carbono ll (11 -desoxi), denominados mi-
O coleste rol plasmático penetra na célula ao mesmo tempo neralocorticoides. Na espécie humana predominam a aldoste-
que é sintetizado no retículo endoplasmático liso a partir de rona e, em proporção bem inferior, a 11-desoxicorticoste rona
radicais acetatos. A clivagem do colesterol oco rre em nível mi- (DOCA).
wcond rial, o riginando a pregnenolona, a qual, por sua vez, de- Todos esses hormônios estão comprometidos com o meta-
sencadeia no retículo endoplasmático liso a síntese de hormô- bolismo em geral, participando da regulação dos glicídios e
nios esteroides, segundo a diferenciação dos órgãos secretOres. do equil!b rio sódio/potássio. A DHEA exerce papel estreita-
Inicialmente são formados a progesterona, os androgênios mente ligado ao metabolismo proteico (é o principal anaboli-
e os estrogênios. No entanto, a síntese dos principais corticoi- zante), embora apresente atividade and rogênica, representan-
des impõe o retOrno dos precurso res às mitocôndrias para a do menos de 10% da potência da testoste rona.
síntese de cortisol, corticoste rona e aldosterona. Cabe diferenciar a síntese de este roides nas glândulas de
o rigem das modificações em tecidos periféricos (tecido adi-
Esteroidogênese no córtex da suprarrenal poso). De tal modo é possível a interconversão de androste-
O córtex da suprarrenal se divide hiswlogicamente em três nediona e testosterona em estrona e estradiol, que o aumento
camadas, da mais interna para a exte rna, designadas de reti- da conversão de androstenediona em estrona em pacientes
cula r, fascicula r e glomerula r, respectivamente. A cada uma obesas poderia explicar a alta incidência de câncer de endo-
é destinada a secreção peculiar de um grupo de hormônios. métrio nessa população.
A camada reticular, que ocupa no adulto aproximadamen-
te um te rço da glândula, sintetiza essencialmente and rogênios Esteroidogênese placentária
(esteroides C-19), a partir da progesterona e da 17-hid roxi- A esteroidogênese placentária depe nde completamente do
progesterona, sob a ação da 21-hidroxilase. O representante colesterol mate rno, já que não é capaz de sintetizar os este roi-
fundamental na espécie humana co rresponde à DHEA e, em des femininos a partir do acetatO. Compõe-se de duas etapas
proporção mais baixa, à androstenediona, e a DHEA pode independentes, uma vez que não dispõe da 17 -a -hidroxilase
ser convertida na forma sulfatada (DHEAS). A suprarrenal para realiza r a transposição do C-21 para C-19 (Figura 3.2).

COMPARTIMENTO

MÃE PLACENTA FETO

I
ACETATOS



COLESTEROL COLESTEROL



PREGNENOLONA PREGNENOLONA PREGNENOLONA

1
DESIDROEPIANDROSTERONA ---~.. DESIDROEPIANDROSTERONA
PROGESTERONA

1
• DESIDROEPIANDROSTERONA

ANDROSTENEDIONA


TESTOSTERONA

. .---~-- ESTRONA-ESTRADIOL

SULFATO DE 16-0H- SULFATO DE 16-0H-


-DESIDROEPIANDROSTERONA -DESIDROEPIANDROSTERONA

ETRIOL

Figura 3.2 Esteroidogênese placentária.


/.

'
'%
;; 16 Seção I Ginecologia

A placenta pode realizar a esteroidogtnese até a obtenção da


Teca
progesterona, sendo essa metabolizada na gestante e no feto e
servmdo como substrato para a simese dos horrnômos do córtex
da suprarrenal. No entanto, não é capaz de sintetizar androgê- Colesterol
nios, apesar de metabolizá-los sempre que nela penetrem. Essa
peculiaridade parece representar um mecanismo de proteção fe- AMPc
tal contra a influência de esteroides sexuais externos. O DHEAS,
ele origem materna e fetal, é convertido em androstenediona e Androstenediona
testosterona e esses, por sua vez, em estrona e estradiol, respec-
tivamente. Esses quatro hormônios se elevam na gestação.
O aspecto mais significati,·o da esteroidogtnese placentária Testosterooa
corresponde à concepção de uma via particular de slntese do
estnol, uuhzando como substrato o DHEAS de ongem fetal
sob a mflutnc1a da gonadotro6na conômca e do ACTH. No
figado fetal sofre hidroxílação em C-16. O sulfato de 16-a-hi- Granulosa
droxidesidroepiandrosterona resultante, mediante a circula- AndrostenedtOna
ção umbilical, alcança a placenta, onde uma sulfatase elimina
o radical ácido. A segui r ocorre a aromatização, culminando
Testosterona
com a rormação do estriol.
L JL
Esteroídogênese ovariana FSH AMPc Aromatização
A formação dos hormônios esteroides é dada a partir do I L-..J
estimulo das gonadotro6nas - o hormônio follculo-estimu-
lante (FSH) e o LH. A esteroidogênese ovariana acontece no Estrona Estrad1ol
córtex, ma1s especificamente nas células da teca e da granu-
losa, que exercem papéis complementares, formando o "sis-
tema de duas células". A teoria referente a esse SIStema foi Figura 3.3 Sistema de duas células.
proposta por Falck, em 1959, e explica de mane1ra simples e
esquemáuca a esteroidogênese ovariana.
No foliculo pré-natal, a produção de estrogênio estimula a pro-
Esteroidogênese na fase folicular liferação das células da granulosa e é verificado aumento do
Os follculos primários armazenados no ovário desde o pe- líquido folicular, formando uma cavidade no folfculo e trans-
riodo intrauterino iniciam seu desenvolvimento independen- formando-o em follculo antral.
temente da ação hormonal até o estágio pré-natal. No inicio Os foliculos antrais, sob a influência do FSH, mantêm seu
de cada ciclo é iniciada a produção hormonal esumulada pelo crescimento e produção crescente de estrogênio e determina-
FSH, que poss1b1htará o desenvolvimento fohcular. rão a diminuição da secreção de FSH pela hipófise, o que leva
As células da teca contêm apenas receptores para o LH. ã redução da atividade da arornatase e, consequentemente, à
Quando o LH se hga a esses receptores, esse horrnômo passa androgemzação mtrafohcular e ã atresia. Entretanto, um dos
a auvar, ''ia AMPc, o complexo enzimático responsável pela folículos recrutados não sofre a influência dessa d1mmu1ção
conversão do colesterol em androstened1ona e testosterona do FSH, passando, então, por transformações que permitem a
(Figura 3.3). Esses hormônios passam, então, por difusão cominuição do seu cresc1mento - o foliculo dominante. Ain-
para as células da granulosa, onde servirão de substrato para da por essa influência, passa também a expressar receptores
a produção de estrogênios. Nos follculos pré-antrais, os an- para LH nas células da granulosa, evento fundamental para
drogtnios nas células da granulosa também contribuem para que ocorra a ovulação.
a ativação do complexo de aromatizaçào. Outros peptfdeos prodLtzidos nas células da granulosa em
Por outro lado, caso se apresentem em altas doses, pas- resposta ao FSH são a inibina e a ativina. A inibina aumenta
sam a favorecer uma outra via enzimática, a da 5-a-redutase, o efeito de estimulação do LH sobre a síntese de androgenios
responsável por converter o androgênio em 5-a-androgênio. nas células da teca, e a auvina exerce importante atividade au-
Esse produto, além de não poder ser com·ertido em estro- tócrina, aumentando a ação do FSH a partir do crescimento da
gêmo, 1mbe a aromatização e a formação de receptores de produção de seus receptores. Apresenta também como efeito a
LH nas células da granulosa. Todos esses fenômenos acabam supressão da síntese de androgtnios nas células da granulosa.
determinando a atresia folicular.
Nas células da granulosa, o FSH, também v1a AMPc, ativa Esteroidogênese na fase lútea
o complexo enzimâtico denominado aromatízação. A partir de Após a ovulação, o follculo roto passa por urna série de
uma cadeia de reações enzimáticas, a androstenediona e ates- transformações estruturais, bioquímicas e hormonais, trans-
tosterona são convertidas em estrona e estradiol (Figura 3.3). formando-se em corpo lúteo.
r
((

Capítulo 3 Esteroidogênese 17

Na fase lútea, as células da granulosa se tornam mais proe- ocupa seus receptores. Caso isso não se verifique, o corpo
minentes do que as da teca. Assim, passam a produzir estra- lúteo se degenera, transformando-se em corpo albicans.
diol e progesterona, sob o esllmulo do LH , mesmo em baixas
doses (Figura 3.4). Apesar de o ststema de duas células con- METABOLISMO OOS HORM0NI OS ESTEROIDES
tinuar exiSundo, o papel do FSH no estímulo à produção de Os hormônios esterOtdes, quando alcançam a ctrculação
estradtol passa a ser subsutuído pelo do LH. :>lo corpo lúteo, sanguínea, tendem a se hgar a protelnas especificas. Apenas
a secreção de estradtol e progesterona ocorre de modo inter- pequena fração permanece hvre e representa a forma respon-
mitente, acompanhando os pulsos de LH. sâ,·el pela ath;dade btológtca. A forma ltgada às proteínas é
Para que a produção hormonal na fase lútea seja ade- denominada severa.
quada é preciso que a fase folícular tenha ocorrido nor- Os estrogênios e androgêmos terrnmais se ltgam, princi-
malmente. O acumulo de receptores de LH nas células da palmente, à globulma de hgação dos hormônios sexuais (sex
granulosa na fase fohcular garante a luteinização do folí- hormone binding globulin - SHBG), que pode ter seus níveis
culo roto e, portanto, a adequada esteroidog~nese do cor- plasmáticos alterados em determinadas condições, modifi-
po lúteo. Um dos importantes papéis do LH na fase lútea cando também os nlveis da fração livre desses hormônios.
inicial é estimular a produção de receptores de membrana A gestação, a administração de estrogênios e o hipenireoi-
para LDL no corpo lúteo. Esses recepto res garantem a en- dismo aumentam os nlveis de SHBG , enquanto a administra-
trada, nas células, do colesterol, substrato para produção ção de corticoides, androgênios, progestogênios, hormônio
de estradio l e progesterona. de c rescimento, insulina e de IGF-1 leva à diminuição de seus
As cé lulas do corpo lúteo também produze m, sob o efei - níveis.
to do LH, a inibina A que, em associação co m o estrad iol e A SHBG também sofre a interferência do peso corporal.
a progesterona, será responsáve l por inibi r a liberação de Seus nlveis são inversamente proporcionais ao índice de mas-
FSH. Consequentemente, impedi rão que se inicie novo de- sa corporal. Assim, pacientes com aumento de peso apresen-
senvolvimento folicular. A produção da inibina B deixa de tam nlveis baLxos de SHBG. A hiperinsulinemia e a resistência
existir, e a inibina A passa a ser produzida nas células da à insulina também acarretam a diminuição da SHBG. Por esse
granulosa quando o número de receptores de LH cresce no motivo, pacientes acometidos por essas doenças podem apre-
fol!culo dominante e esse hormônio passa a controlar a pro- sentar distúrbios da função ovanana associados.
dução fohcular. Os esteroides são metabolizados prínctpalmente no fígado,
Com a luteinização aumentam as concentrações da des- onde são esteri6cados para se tomarem hídrossolúveis e se-
molase e da 17-htdroxtdestdrogenase, ampliando, assim, a rem eliminados na urina.
produção de estrogemo e progesterona, com a progesterona Embora o conhectmento das vtas percorndas pelos este-
apresentando seu ptco máxtmo cerca de 8 dias após o pico roides em seu catabohsmo seja tmportante. vale ressaltar que,
de LH. para 6ns propedêuucos tmedtatos, todas as dosagens de tm-
Após 14 dtaS, o corpo lúteo deve contmuar sendo estimu- portãncia cliníca são reahzadas no sangue.
lado pela gonadotrofina coriômca humana (HCG), que con-
tém uma molécula muito semelhante à do LH e, portanto, Leitura complementar
Devoto L, Kohen P, VeJa M, Castro O, Gonzátes RR, Retamales I.
Contrai oi human luteal steroidogenesis. Moi Cel End 2002;
Granulosa 186:137-41.
luteinizada Falck B. Site oi product1on of oestrogen in lhe ovary oi the rat. Nature
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Viana LC, Martins M, Geber S. Ginecologia. 3. ed. Rio de Janeiro:
Figura 3.4 Estero1dogênese na fase lútea. MedBook, 2010.
CAPÍTULO (

Fisiologia do Ciclo Menstrual


Ana Márcia de Miranda Cota

INTRODUÇÃO • Hormônio liberador do hormônio do crescimento ( GHRH):


O ciclo menstrual consiste em uma sequência de eventos regula a liberação do hormônio do crescimento (GH).
que , por meio de uma interação d inâmica entre o hipotálamo, • Hormônio liberador da corticotrofina ( CRF): regula a
a hipófLSe e o ovário (eixo hipotálamo-hipófise-ovário), resulta- secreção do hormônio adrenocorlicotrófico (ACTH).
rá em uma ovulação com o preparo do útero para uma possível • Hormônio liberador da tireotrofina (TRH): regula a se-
gravidez. creção do hormônio estimulador da tireoide (TSH).
As caracte rísticas de um ciclo menstrual conside rado nor-
mal são: As células que produzem o GnRH se o riginam da área ol-
fatória, migrando para o hipotálamo durante a embriogêne-
• Intervalo: ciclos de 21 a 35 dias; média de 28 dias. se. O GnRH é um decapeptídeo libe rado de maneira pulsálil
• Duração: 1 a 8 dias. pelo núcleo arqueado do hipotálamo e age sob re a hipófise
• Fluxo menstrual: 20 a 80ml. ante rior por meio do sistema porta-hipofisário, modulando a
As variações desses padrões são definidas como: liberação das gonadotrofi nas (hormônio folículo-eslimulante
[FSH] e hormônio luteinizante [LH])
• Polimenorreia: ciclos menstruais mais curtos com inter- Em razão de sua meia-vida muito cuna, ce rca de 2 a 4 mi-
valo <21 dias.
nutos, é necessário que o GnRH seja liberado constantemente
• Oligomenorreia: ciclos menstruais mais longos com inter-
e em pulsos. A secreção pulsátil do GnRH oco rre mediante
valo >35 dias.
complexa inte ração do mecanismo de Jeebback, tanto positi-
• Menorragia: fluxo menstrual aumentado com volume
vo como negativo, de acordo com os este roides ovarianos. A
>80ml.
• Hipomenorreia: fluxo menstrual reduzido com volume pulsatilidade do GnRH varia de acordo com a fase do ciclo,
<20m L. sendo mais frequente, mas com menor amplitude, na fase fo-
licular, em comparação com a fase lútea. Essa interação com-
FUNÇÃO HIPOTALÂMICA plexa e coo rdenada entre o hipotálamo, a hipófLSe e o ovário
O hipotálamo, que é uma parte do d iencé falo e está locali- é a responsável pelo controle do ciclo menstrual.
zado na base do cérebro, entre o quiasma óptico e o te rceiro
ventrículo, é d ividido anatomicamente em três regiões: ante- FUNÇÃO HIPOFISÁRIA
rior, tuberal e posterior. Cada uma dessas regiões é subdivid i- A hipófise, também denominada glândula pituitária, está lo-
da em porções med iai e late ral. calizada na sela túrcica (a fossa hipofisária do osso esfenoide)
As células do hipotálamo são altamente especializadas e e mantém comunicação com o hipotálamo por meio da haste
ap resentam características tanto de neurônios como de célu- hipofisária. Anatomicamente é dividida em hipófise anterior ou
las endócrinas, produzindo neuropeptídeos hormonais. Entre adeno-hipófise e em hipófise posterior ou neuro-hipófise.
os neuro-hormônios liberados pelo hipotálamo estão:
A neuro-hipófLSe ou hipófise posterior é fo rmada por te-
• Hormônio liberador das gonadotrofinas ( GnRH): age cido nervoso conte ndo fibras nervosas amielinicas e axôn ios
sob re a hipófise e estimula a libe ração das gonadotrofinas. de neurônios hipotalâmicos. A neuro-h ipófise promove a
18
r
((

Capítulo 4 Rsíología do Ciclo Menstrual 19

secreção da ociwcina e da vasopressina ou hormônio anti- mada de células pavtmentosas da granulosa. O primeiro sinal
diu rético (ADH). de desenvolvimento folicular consiste em aumento do oócito
A adeno-hipófise segrega vários hormônios - gonadotrofi- e nas modificações nas células da granulosa, que se tOrnam
nas (FSH e LH), prolactina (PRL), GH, ACTH e TSH, os quais cuboides, as quais se multiplicam, e o folículo se torna primá-
são liberados para a corrente sanguínea pelo sistema porta- rio. Com a evolução, as células do estroma ovariano adjacente
-hipofisário em resposta à modulação dos hormônios hipotalã- ao folículo iniciam o processo de diferenciação, formando as
micos específicos já citados. Desse modo, a função da hipófise tecas inte rna e externa. Com o crescimento, mantêm-se a pro-
está diretamente relacionada com a função hipotalãmica. liferação das células da granulosa e a d iferenciação das células
Ambas as gonadotrofinas (FSH e LH) são libe radas por da teca, e o oócito passa a ser circundado por uma membra-
células denominadas gonadotrofos em resposta ao estímulo na, a zona pelúcida. Nesse momento, o folículo passa a ser
pulsâtil do GnRH, e o GnRH age nos gonadotrofos ao se liga r denominado folículo pré-antral. Esse crescimentO e desenvol-
a seus receptOres específicos presentes na membrana da cé- vimento folicular são dependentes das gonadotrofinas, o que
lula. Essa liberação das gonadotrofinas também ocorre em resulta em aumento na produção do estrogênio. Até o estágio
pulsos, variando de acordo com a fase do ciclo menstrual. A do folículo pré-antral não são observados receptOres específi-
administração exógena e contínua do GnRH leva inicialmen- cos de FSH nas células da granulosa. Com o desenvolvimento
te a um estímulo hipofisário com aumento na liberação das do folículo essas células adqui rem esse receptor, tornando-se
gonadotrofinas, efe ito denominado jlare-up. A manutenção aptas a sintetizar os três tipos de esteroides sexuais: progeste-
dessa administração, após o período de l a 3 semanas, pro- rona, androgênios e sobretudo estrogênios.
move a internalização e a dessensibilização dos receptores, O FSH age em sinergismo com o estrogênio, propiciando a
resultando em supressão ou bloqueio hipofisârio, fenômeno proliferação das células da granulosa e o acúmulo de receptO-
denominado down-regulation. res de FSH. Sob o estímulo do FSH há a aromatização dos an-
drogênios em estrogênios (transformação da androstened iona
em estrona e da testosterona em estradio\), possibilitando ao
FUNÇÃO OVARIANA
folículo a criação e manutenção de um microambiente estro-
A função ovariana pode se r dividida em três fases: foli- gênico necessário ao seu desenvolvimento e amadu recimentO.
cular, de ovulação e lútea. Os and rogênios exercem um papel delicado na fase folicular
inicial. Além de ser o substrato para a aromatização e ser con-
Fase foli cular vertido em estrogênio, o androgênio em baixas concentrações
A fase folicular consiste no período de crescimento e de- melhora ainda mais a atividade da aromatase. No entantO, em
senvolvimento dos folículos que culmina com a formação de altas concentrações, as células da granulosa tendem a conver-
um folículo maduro. Uma sequência de eventos hormonais ter os androgênios em outros mais potentes (Sa reduzidos),
deflagra alterações sob re os folículos, fazendo que cresçam de os quais, por sua vez, náo podem ser aromatizados, pois ini-
um folículo primordial, passando pelos estágios pré-antrais bem a ação da aromatase.
e antrais até alcançar o folículo pré-ovulatório. Os mecanis- Por isso, há a formação de um microambiente folicular mais
mos que determinam qual dos folículos irã desenvolver-se e androgênico, o que to rna possível a atresia do folículo. Por-
ovula r ainda são desconhecidos. Essa fase dura em média lO tanto, o sucesso de um folículo, ou seja, a capacidade de se
a 14 d ias. desenvolver e ser o dominante do ciclo (o selecionado para a
As células germinativas femininas, os oóciws, sofrem mito- ovulação), se deve à sua capacidade de converte r com sucesso
ses a partir da sexta à oitava semana embrionária até alcança r seu microambiente em estrogênico. Essa seleção folicular, ou
um número máximo (ce rca de 6 a 7 milhões) em tOrno da 16• seja, qual folículo se rá o dominante, acontece entre os d ias 5
à 20a semana. A parti r desse momento é iniciado um processo e 7 do ciclo menstrual.
de atresia folicular contínuo que leva à redução do núme- Com o crescimento do folículo são iniciados a produção e o
ro de folículos. Essa taxa de atresia é proporcional ao número acúmulo do líquido folicular entre as células da granulosa, for-
de folículos presentes. Ao nascimento, são estimados em tor- mando uma cavidade (antro). Nesse momento, o folículo passa
no de l a 2 milhões de folículos presentes nos ovários, com a ter a denominação de folículo antral, e as células da granulosa
esse número alcançando cerca de 300 mil na pube rdade. Esti- que circundam o oócitO passam a ser o cumulus oophorus.
ma-se que cerca de 400 folículos irão ovular ao longo da vida Inicialmente, nos folículos pré-antrais e antrais, os recep-
reprodutiva da mulher. O número de folículos que inicia seu tores de FSH estão presentes somente nas células da granu-
crescimentO na fase folicular de um ciclo parece ser depen- losa, enquantO os receptores de LH se encontram apenas nas
dente do pool folicular remanescente nos ovários. células da teca. Portanto, há uma interação importante entre o
Um aumento nos níveis de FSH é fator crucial para resga- compartimento da granulosa e o da teca. Em resposta ao LH,
tar uma coo rte de folículos, e o folículo que será destinado a as células da teca produzem and rogênios que serão aromati-
ovula r em meio a essa coorte já é selecionado logo nos pri- zados em estrogênios nas células da granulosa sob estímulo
meiros d ias do ciclo. do FSH. Essa interação entre as células da teca e da granulosa
O folículo primordial consiste em um oócito parado no é denominada "sistema de duas células, duas gonadotrofinas"
estágio d iplóteno da prófase I, ci rcundado por uma única ca- (Figura 4.1).
/.

'
'/
J 20 Seção I Ginecologia

No período pré-ovulatório há um pico de estradiol de 24


Célula da teca
a 36 horas ames da ovulação, e o pico de LH ocorre quando
o de estradiol é atingido. Sob a ação do pico do LH há a re-
- Colesterol tomada da primeira d ivisão meiólica. O oócito completa sua

---
primeira divisão meiótica e interrompe a segunda d ivisão no
- JJ estágio de metáCase ll. Além disso, o LH promove a luteini-
Androstenediona Testosterona
zação das células da granulosa do folículo dominante , o que
resulta na produção de progesterona. O aumento dos níveis
Célula da granulosa de progesterona na fase pré-ovulatória auxilia a ação do estra-
diol sobre o Jeedback positivo necessário para a ocorrência do
pico do FSH no meio do ciclo.
I Androstenediona I I Testosterona
I A inibina, a ativina e a folistatina são peptídeos segrega-
- dos pelas células da granulosa em resposta ao FSH. A inibina

- I Aromatase
I inibe a secreção do FSH, e a ativina estimula a liberação do
FSH. A folistalina inibe a atividade do FSH, provavelmente se

I Estrona
1~1 Estradiol
I
ligando à ativina e impedindo sua ação.

Fase de ovulação
Figura 4.1 Sistema de duas células, duas gonadotrofinas. A ovulação ocorre cerca de 10 a 12 horas após o pico má-
ximo de LHe cerca de 24 a 36 horas após o pico do estradiol.
O início do pico do LH é o marcador mais confiável para a
Com o avanço da fase folicular há aumento progressivo dos determinação da ovulação, acontecendo cerca de 34 a 36 horas
níveis de estrogênio produzidos pelos folículos, o que faz com ames da ruptura folicular. Para a completa maturação do oó-
que o estrogênio gere umJeedback negativo com o FSH, tornan- cito é necessário que os níveis de LH sejam mantidos por pelo
do possível urna queda na secreção do FSH. Essa diminuição menos 14 a 27 horas. O pico do LH induz o retorno da meiose,
dos níveis de FSH se inicia em torno do quinto dia do ciclo a luteinização da granulosa (as células da granulosa aumentam
menstrual. Com a diminuição dos níveis de FSH há um declí- e se tornam vacuolizadas), a expansão do cumulus oophorus e a
nio na atividade da aromatase, que é dependente da ação do simese de prostaglandinas necessárias para a ruptura folicular
FSH, gerando uma limitação na conversão dos androgênios em com a liberação de um oócito maduro, em estágio de metáfase
estrogênios pelos folículos imaturos, ainda em desenvolvimen- ll (Mil). A meiose só será completada após a fertilização do
to, o que acaba resultando em um microambieme androgênico oócito por um espermatozoide. O aumento dos níveis de LH
nesses folículos, dando margem a que ocorra sua atresia. provoca o aumento progressivo na produção de progesterona,
Portanto, o Jeedback negativo que o estrogênio exerce so- o que leva a um Jeedback negativo na hipófise sobre a liberação
bre o FSH serve para a inibição do desenvolvimento de wdos do LH. Além desse efeitO central, a progesterona estimula a
os folículos e auxilia a seleção do folículo dominante. Assim, ação de enzimas proteolíticas que darão margem à destruição
essa seleção se deve à maior proliferação das células da gra- do colágeno, propiciando maiores distensão e afinamento da
nulosa, à presença de maior número de receptOres de FSH parede folicular para que ocorra a ovulação.
e , consequemememe, à melhor ação do FSH, o que leva ao
microambieme folicular estrogênico. Fase lútea
Em torno do nono dia do ciclo menstrual, a vascularização Após a ovulação há a formação do corpo lúteo: as células da
do folículo dominante se dá em dobro quando em comparação granulosa continuam se luteinizando (aumentando) e diferen-
com os outros, o que resulta em maior apone de gonadotrofi- ciam-se as células da teca com a incorporação ao corpo lúteo,
nas ao folículo dominante e lhe permite manter e sustentar seu além de haver angiogênese. Esse aumento dos capilares atinge
desenvolvimento apesar da redução dos níveis de FSH. o pico em torno do nono dia após a ovulação, coincidindo com o
Com a evolução da fase folicular é necessário que as células pico dos níveis de progesterona sérico. Para urna fase lútea ade-
da granulosa adquiram receptores de LH para responderem quada com a formação de um corpo lúteo competente é neces-
ao pico ovulatório do LH e se tornarem um corpo lúteo ade- sãria uma fase folicular apropriada. A meia-vida e a capacidade
quado. Assim, o FSH induz o desenvolvimento de receptores de produção de progesterona do corpo lúteo dependem do
de LH nas células da granulosa dos folículos amrais. estímulo de LH. A progesterona atua tanto localmente quanto
Com o aumento na produção do estradiol durante a fase no hipotálamo-hipófise, impedindo o crescimento e desenvol-
folicular há um Jeedback positivo sobre a liberação do LH. vimento folicular. No ciclo menstrual normal, a fase lútea (do
Para que ocorra o pico do LH é necessário que haja um nível pico do LH até a menstruação) dura aproximadamente 14 dias,
de estradiol de 200pg/ml sustentado por mais de 50 horas sendo considerado normal o período de 11 a 17 d ias. As va-
(aproximadamente 2 dias). Esse nível de estradiol habitual- riações do tempo do ciclo menstrual se devem principalmente
mente ocorre após o folículo dominante atingir o diâmetro a urna variabilidade na duração da fase folicular, já que a fase
médio de 15mm lútea não pode ser mantida permanentemente, mesmo ocor-
r
((

Capítulo 4 Rsiologia do Ciclo Menstrual 21

rendo manutenção do estimulo de LH. A função do corpo lú- leitura complementar


Leo começa a diminuir cerca de 9 a 11 dias após a ovulação. Se Aldrighi JM. Endocrinologia g inecológica. Aspectos contemporâne-
ocorre uma gravtdez, a gonadotrolina crõmca humana (HCG) os. São Paulo: Atheneu, 2006.
passa a esumular de maneara eficaz o corpo lúteo, propiciando Borges EJ, Farah LMS, Cortew SS. Reproduçao humana assasbda.
São Paulo: Atheneu, 2011 .
sua manutenção e ompedmdo sua regressão. Caso não aconte-
Coutinho E and SporlOia P. Reproductrve MedoCine. In: A rrollennoum
ça urna gra,~dez, omcia-se o processo de luteóhse por meio de review. New York: Parlhenon Publoshong, 1999.
ellZlmas proteollucas. Dzik A. Pereora OHM, Cavagna M, Amaral WN. Tratado de reprodu-
ção assistJda. 3. ed., Sociedade Brasoleora de Reprodução Hu-
mana, 2014.
TRANSIÇÃO DA FASE lÚTEA PARA A FOLICULAR: Fauser BCJM. Reproductove medocine. In: Molecular, cellular and ge-
INÍCIO DE NOVO CICLO netoc fundamentais. 2. ed., New York. Parthenon Publoshlng. 2003.
Com a regressão do corpo lúteo há decllnio dos nh·eis sé- Fernandes CE, Coutinho E, Melo NR, Amaral WN. HormOnoos em go-
ricos da progesterona, do estradiol e da inibina, o que gera necologia. Socoedade Brasoleora de Reproduçao Humana. 2010.
Piazza MJ. Ováno. Fisoologia e fosiopatologoa. Roa de Janeiro: Re-
aumento progressivo na frequência dos pulsos de GnRH, pro-
vinter, 2004.
piciando aumento dos nrveis de FSH e resultando no recru-
Speroff L, Glass RH, Kase NG. Clinicai gynecologic endocrinology
tamento de um novo follculo. Esse aumento do FSH se inicia and infertility. 7. ed., Baltimore: Lippincott Wilharns and Wilkins,
aproximadamente 2 dias antes da menstruação. 2005.
CAPÍTULO (

Resposta Sexual Humana


Tania Mara Ciarolla de Matos
Lucas Ciarolla Gonçalves de Matos
Lucia na Ciarolla de Matos

as últimas décadas, tem aumentado cada vez mais a im- Segundo Freud, "se o ser humano negligenciar sua sexua-
N portância da Medicina Sexual como parte marcante da
vida do ser humano.
lidade, jamais se semirâ um se r completO" e estará suje ito a
alterações do comportamento nocivas à sociedade e a si pró-
A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece na se- prio, desde disfunções até parafilias.
xualidade um dos pilares da qualidade de vida e da saúde É nesse cenário único e pleno entre o encontro do bioló-
global do indivíduo. Nos d ias atuais, independentemente do gico, psicológico, social e cultural que a sexualidade humana
gênero, o aspecto prazeroso do sexo se tem mostrado mais se humaniza.
importante do que sua finalidade reprodutiva. Nos últimos 10 a 12 anos a mulher tem recorrido a cui-
A sexualidade, muito mais do que o simples funciona- dados méd icos com mais frequência em busca de soluções
mento b iológico das estruturas sexuais da pessoa (Figuras para os problemas que inte rferem na sua qualidade de vida,
5.1 e 5.2), consiste no conjunto de comportamentos nos em especial os relacionados com a função sexual. Entretanto,
encontros íntimos com finalidade reprodutiva e em busca menos de 10% dos médicos têm a iniciativa de inquirir sobre
do prazer (atração) ou a serviço do amor. as queixas sexuais de suas pacientes.
A sexualidade começa a se formar na infância, continua na A prática da sexologia é bastante complexa, pois deve ser
adolescência e se manifesta de muitas maneiras nas diferen- interdisciplinar, exigindo do profissional constante atualiza-
tes fases da vida, abrangendo o erotismo, a relação sexual, o ção nos vários assuntos ligados à saúde e à educação, envol-
prazer e a reprodução. Expressa-se por meio de pensamentOs, vendo, pois, o conhecimento multidisciplinar.
fantasias, desejos, comportamentos e relacionamentos, sen- Em estudo conduzido no Brasil por Abdo e Olive ira, 4. 753
do innuenciada por fatores biológicos, psicológicos, sociais, ginecologistas responderam que a queixa da diminuição do
econômicos, políticos, culturais, éticos, legais, históricos e desejo sexual estava entre os principais motivos nas consultas
religiosos. em seus consultórios. A maioria das mulheres admite que os
Como tudo o que é humano, o sexo só pode ser perfeita- ginecologistas representam papel fundamental no diagnóstico
mente entendido em uma dimensão biopsicossociocultural. e manejo das suas d ificuldades sexuais e gostaria que fossem
A sexualidade como expressão do encontro entre as pes- qualificados nessa área. Apenas 44,4% dos profLSsionais in-
soas com ou sem vínculo por amor ou somente por atração vestigam a saúde sexual das suas pacientes, e 49% dos gine-
propicia que a relação sexual entre elas seja sempre mais com- cologistas do estudo em questão se sentiam pouco seguros
plexa do que entre os outros animais. para lidar com esse assumo.
Humanos que somos, desejamos interagir com o outro, As que ixas sexuais quase sempre aparecem como pano
criar afeto, vínculo, ser amados e valorizados, aceitos, e, por de fundo nos atendimentos de consultório, mas a relutân-
isso, sentimos medo de não agradar, simulamos orgasmos e cia em reconhecer e assumi r as próprias d ificuldades se-
temos ansiedade pelo bom desempenho. xua is leva grande parte das pessoas a evitar esse assunto,
Em tOda relação íntima, a sexualidade está presente em inclu indo os médicos, ainda que vários estudos demons-
nossos instintos, emoções, no modo de ve r, sentir e expressar trem a alta incidência das d isfunções sexuais em homens
nossos sentimentos, valores, tabus e preconceitOs. e mulhe res.
22
r
((

Capítulo 5 Resposta Sexual Humana 23

No Brasil, a sexologia é campo novo na especialidade de que uma em cada três mulheres também apresente algum grau
ginecologia e obstetrícia, o que possibilita a qualificação do dessa disfunção.
médico para o acesso às estratégias de abo rdagem das queixas Para que o médico possa abordar os problemas de seus pa-
envolvendo a sexualidade. cientes em termos de sexo é necessário que compreenda a fun-
As disfunções sexuais compreendem um grupo de distúrbios ção sexual. A deficiente formação nessa área obriga a maioria dos
frequentes, sendo responsáveis por uma epidemia de infelicida- profissionais a se omitir ou a cometer iatrogenias medicamentosas
de pessoal e conjugal. No Brasil, no ano de 2000, com amostra- ou cirúrgicas. Como dizia Kusnetzoff (1987): "na prática médica
gem de 1.286 homens de 40 a 70 anos em estudo sobre disfun- procede-se, de modo geral, enfocando a doença, quase sempre a
ção erétil, sua prevalência foi de 48%. Por outro lado, acredita-se síndrome, e quase nunca a pessoa que padece ou que se queixa."

Bexiga
Bexiga

----- Ureter

Veslcula seminal

Corpos
Canal
deferente ----' Veslcula
l - + - seminal

Epidldimo

Escroto Uretra
Escroto

Figura 5.1 Sistema genital masculino. (Reproduzida de César e Sezar- Ediora Saraiva.)

..------ Grande lábio

Ovário
Cavidade
uterina Tuba
uterina

Hímen

Vagina
Ânus

Figura 5.2 Sistema genital feminino. (Reproduzida de César e Sezar- Ediora Saraiva.)
/.

'
'/
J 24 Seção I Ginecologia

E inconceb ível negar a fundamental importância do mé- sivas se apresentam na musculatura genital e extragenital. A
dico na prevenção e no t ratamento dos distúrbios sexuais, pe rcepção de prazer é sentida no momento em que há essas
sendo necessários alguns requisitos que estão assim resu- contrações, modificando, ainda, o posicionamento dos órgãos
m idos: genitais e sua morfologia.
Em 1974, Helen Singe r Kaplan descreveu um modelo bi fá-
• Postura aberta , como resultado do questionamento da sua
sico até que, em 1977 e 1979, ela trouxe a público a existência
próp ria sexualidade, o que não que r dizer "resolvida", já
de uma fase preliminar à resposta sexual o riginal, demons-
que é governada po r inúmeros mitos, tabus, preconceitos
t rando que há uma fase anterior à resposta sexual mensurá-
e repressões sexuais.
vel, orgânica, que é a do desejo sexual, conside rando-se hoje
• Conhecimento sobre a resposta sexual humana.
uma fase encoberta da sexualidade, ou seja, no momento em
• Profundo respeitO ético em relação à sexualidade do outro.
que essa sexualidade é obse rvada apenas no sistema nervoso
• Conhecimento dos recu rsos atuais nas áreas de propedêu-
central (SNC) e em que há a percepção subjetiva do desejo
tica e terapêutica em Medicina Sexual.
e da vontade sexual que desperta a condição de resposta se-
A base do conhecimento para essa o rientação está na res- xual, facilitando-a.
posta sexual humana. Em 1966, Master e johnson, um casal Em 1983, Kaplan descreveu definitivamente o modelo
de psiquiatras americanos, descreveram o primeiro modelo de t rifásico (desejo, excitação e o rgasmo), que desde então é
resposta sexual mais claro e descritivo, denominado EPOR o mais aceitO tanto para a resposta masculina como para a
(excitação, platô, orgasmo e resolução), quatro fases do o rga- feminina. O desej o é a fase preliminar, a excitação urna fase
nismo durante a realização do ato sexual que foram descritas na qual acontecem a ereção e a lub rificação fem inina, e a
após obse rvação de vários casais mantendo relações em labo- percepção subjetiva de excitação, que é a fase do orgasmo na
rató rios sexuais. O monitoramento desses casais gerou grá- qual ocorre o clímax dessa excitação (Kaplan, 1977).
ficos das alte rações orgânicas com índices mensuráveis das No cé rebro, a região sexual se localiza no hipotálamo, onde
alterações que oco rriam durante a relação, tais como frequên- também estão os neurotransmissores (NT) ativando e inibin-
cias respi ratória e cardíaca e pressão arte rial. do o desejo, chamados de centros posterolaterais e ventro-
Esses gráficos desc revem que desde o in ício da resposta mediais, respectivamente, agindo de forma antagonista. Esses
sexual há aumento desses fato res. À medida que a pessoa centros estão relacionados com os do prazer e da dor. Por
vive a fase da excitação, esses índ ices mostram progressiva esse motivo, quando o centro do desejo é acionado, oco rre a
ascensão, determinando uma curva inicial. As co rrelações ativação do centro do praze r, proporcionando à pessoa uma
clín icas seráo descritas a segui r, logo após a narrativa histó- sensação prazerosa. Já quando o centro da dor é ativado pode
rica da resposta sexual. have r inibição do desejo pelo centro relacionado (Figura 5.3).
De acordo com esses autores, após o período de excitação Os estero ides sexuais (estrogê nio e testosterona) têm par-
há urna fase curta de platô, ou seja, manutenção desses fato- ticipação ho rmonal direta, sob retudo a testosterona, sob re
res até que aconteçam o o rgasmo - o período máximo desses a sexualide . Há ainda os NT, que têm papel contrassexual ,
crité rios de excitação - e, depois, o periodo de resolução, em como a p rolactina e algumas endorfinas. No entendimento
que se dá o retorno às condições basais. Há diferença no pe- desses mecanismos no sistema ne rvoso central (SNC) há a
ríodo de resolução em homens e mulheres. Principalmente
entre os homens, esse período tem mais importância clínica,
Córtex
pois precisa de retorno tOtal à condição basal para haver a pré-frontal
capacidade de iniciar nova resposta sexual, enquanto a mu-
lhe r tem condição de reto rnar à resposta sexual em qualquer • Corpo caloso
momento da resolução.
A fase da excitação depe nde de condições neu rológicas,
humorais e vasculares. A resposta de excitação está d ireta-
mente relacionada com a vasodilatação local. Essa vasodi-
latação se dá em consequência do estímulo neu ronal local,
dependente de um arco medular e de origem central. Caso
haja o estímulo neuronal, acontece rá a vasodilatação arterial
medida pelo óxido nítrico, o qual, po r sua vez, é degradado
Lobo temp()(al - - -
localmente pela fosfodiesterase tipo 5, enzima que leva à d i-
minuição dessa substância, controlando o processo. A vaso-
Amígdala
dilatação genital permite, finalmente, a transudação vaginal,
o ingurgitamento dos lábios e da vagina, a modificação do
tamanho e posicionamento do útero e a elasticidade. No ho-
mem, a vasodilatação local permite a ereção.
A fase do orgasmo acontece logo em seguida à de excita- Figura 5.3 Cérebro - regiões cerebrais dos neurotransmissores
ção, perfazendo um continuum. Contrações rítmicas e suces- (Nn. (Disponível em: www.guia.heu.nom.br/sistema_limbico.hlm.)
r
((

Capítulo 5 Resposta Sexual Humana 25

considerar que os NT não têm ação s imples, nem objetiva, cardíaca e da pressão arterial, mais sensibilidade cutânea e
po rque dependem dos níveis absolutos dessas substâncias, e reção dos mamilos. Os nervos parassimpáticos liberam NT
dos níveis e concentração de receptOres, de coativado- com óxido nítrico e polipeptídeo intestinal vasoativo (PJV),
res e cossupressores e dos fatores regulado res positivos e os quais desencade iam congestão vascular dos órgãos geni-
negativos. tais, relaxamento da musculatura vaginal e turgescência do
Sabidamente um dos hormônios mais importantes nessa clitóris. A resposta autonõmica atinge o pico máximo com
relação da resposta sexual é a testosterona, que age não só no a liberação súbita da tensão sexual. Por fim, são observados
cérebro por várias vias - parácrina, autócrina e endócrina - , relaxamento completo e a sensação de satisfação e bem-estar.
como também no cérebro, músculos, ovários, testículos e na Neste início de terceiro milênio houve importantes avan-
placenta; po rtamo, uma ação direta no SNC e também uma ços em med icina sexual, começando pela definição da respos-
sistêmica favorecendo possivelmente outras áreas da resposta ta sexual feminina por Basson em um modelo circular d ife-
sexual. renciado da resposta linear masculina (Figura 5.4).
O desejo é, po rtamo, uma fase de d ifícil avaliação clínica, Esse modelo tem sido testado por meio de pesquisas que
por acontecer no SNC, mas há condições clínicas sistêmicas envolvem, principalmente, a neurociência, a imagenologia e
facilmente avaliadas. Todas as disfunções hormonais, espe- a epigenética. Pela ressonância magnética funcional são ma-
cialmente as condições nas quais há depleção de esteroides peadas as áreas cerebrais ativadas durante o estímulo sexual.
(menopausa , and ropausa, falências ovarianas, d isfunções de A imuno-hiswquímica permite a identificação de receptOres
origem central etc.), têm correlação diretamente negativa com e neurotransmissores pró-sexuais, e algumas pesquisas ge-
o desejo sexual. néticas buscam evidências para caracterizar as bases genéti-
A modulação da resposta sexual ainda não está completa- cas do desejo sexual. Em estudo recente, Bem Zionet e cols.
mente esclarecida. Estudos mostram que a partir de fenôme- demonstraram que o receptor dopaminé rgico está ligado ao
nos subjetivos e/ou compo rtamentais são desencadeadas al- comportamento sexual, sendo o responsável pela variação
terações neurofisiológicas extremamente complexas no SNC ind ividual da pulsão sexual, em especial pelo desejo e ca-
com a liberação de NT que podem ativar ou inibir o hormô- pacidade de excitação sexual, cujo mecanismo é mediado
nio liberado r da co rticotrofina (CRH). por genes que cod ificam a exp ressão desses receptOres em
Para que o CRH aconteça são necessários estimulos sexuais, á reas específicas do cé rebro responsáveis pela função sexual.
como fantasia, atitude do parceiro, fatOres ambientais etc., os Dessa maneira, é possível que polimorfismos de recepto res
quais desencadeiam múltiplas alterações neuroquímicas no dopaminérgicos sejam o respaldo biológico para as diferenças
SNC, principalmente no sistema límbico, o responsável po r na necessidade sexual de cada indivíduo. Esse conhecimen-
controlar o compo rtamento emocional e o impulso motiva- tO foi incorporado na resposta sexual feminina recentemente
cional a partir da participação de NT, peptídeos e hormônios. revista. Segundo esse novo conceitO, mulheres sem motiva-
Após o impulso sexual, os NT, como dopamina , nora- ção espontânea para o sexo e tidas como disfuncionantes são
drenalina, melanoconinas (~-endorfina e hormônio adre- consideradas normais, pois se to rnam responsivas mediante
noconicotrófico IACTHI) e ocitocina, vão ativa r a resposta o estímulo sexual direto.
sexual. O sistema da dopamina controla a atenção, incentiva Até o início deste século, essas mulheres eram considera-
a motivação e estimula a resposta auwnõmica. A noradrena- das portadoras do desejo sexual hipoativo. A d isfunção sexual
lina controla o mecanismo de excitação a partir de resposta de mais alta prevalência em tOdo o mundo era tratada, basica-
seletiva ao receptOr e a ativação autOnômica. As melanocor- mente, com a psicoterapia e a te rapia sexual com resultados
tinas potencializam o desej o sexual pela interação com os pouco consistentes. Embo ra nesse novo enquad ramento elas
receptOres dopaminérgicos. A ociLOcina estimula o aumento sejam conside radas normais, não se sabe como se sentem sa-
do fluxo sanguíneo durante a excitação e proporciona re- tisfeitas com essa forma de vivência da sexualidade, conside-
compensa sexual.
A inibição da atividade sexual ocorre normalmente no
período de satisfação sexual ou refratário, a partir da libe ra-
ção de opioides e endocanaviontes. Entretanto, pode ocorrer INCENTIVO Neutralidade
também em situações variáveis, como estresse, dor, uso de SEXUAL sexual
medicações (ansiolíticos) ou alterações hormonais. Já a sero-
tOnina tem papel d iferenciado na resposta sexual. Ao interagir
Exc•taçM
com vários tipos de receptores 5-HT, pode modular uma ação sexual
agonista, ativando a resposta sexual ao liga r-se ao receptOr
5-HT2, ou antagonista, ao ligar-se ao receptOr 5-HTl, inibin-
do a resposta sexual.
O segundo passo é a deflagração dos NT pelo sistema ner-
voso autônomo (SNA), que provoca alterações físicas gene ra-
lizadas no organismo, como mioLOmias, vasocongeslâo pélvi- Figura 5.4 Modelo cíclico da resposta sexual. (Adaptada de Basson
ca, aumento da lubrificação vaginal , alteração da frequência RJ. Sex Marithal Ther, 201 1.)
/.

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J 26 Seção I Ginecologia

rando-se que para a caracterização de uma disfunção sexual não deve ser o orgasmo, mas sim a vivência, a expe riência e a
é necessário que a pessoa se refi ra ao sofrimento relacionado troca. Se o objetivo for o orgasmo, há a possibilidade de que
com uma certa condição. É preciso identificar, em pesquisas gere expectativa muitO negativa para a resposta de uma boa
futuras, a condição genética correlacionada com o grau de normalidade.
contentamento ou insatisfação dessas mulheres para que sua Por fim, convém lembrar que existem caracte rísticas espe-
resposta sexual seja adequadamente definida. cíficas que d iferenciam a resposta sexual feminina da masculi-
Ter desejo sexual não é condição para resposta sexual, que na. A expressão da sexualidade masculina é centrada na con-
pode ocorrer mesmo na sua auséncia, mas facilita e retroali- quista e posse, e o ato sexual pela via do orgasmo, enquanto
menta wdo o processo. A pessoa com desejo sexual tem con- a expressão da sexualidade feminina se caracteriza pela sedu-
dições de experimentar uma fase de excitação com potencial ção e entrega, sendo o desejo sexual o ponto fundamental da
muitO maior. Vê-se na clínica diária que o desejo condiciona resposta sexual. É importante frisar que a mulher, mesmo não
melhor resposta de excitação, embora apenas isso (ter desejo) atingindo o orgasmo em uma relação sexual, pode sentir-se
não signifique que o fatO de se excitar será suficiente para se totalmente satisfeita.
ter boa resposta sexual. Indica, apenas, que há significativo Pode-se d izer que o marcador de satisfação para a mulher é
facilitado r para as fases subsequentes. O desejo simplesmente o desejo de ter nova relação com o parceiro, após satisfatória
"abre as portas" do organismo para responder. relação sexual, enquanto o homem fmaliza sua resposta com
Há de ser entendido que a resposta do organismo depende o orgasmo.
do estímulo, que deve ser vistO de duas formas: primeiro, deve Esse desfecho contempla a finalidade procriativa desse tipo
ser eficaz; segundo, deve ser feito em um organismo disposto de ato sexual e permite compreender que a relação sexual hu-
a recebê-lo ou em um organismo responsivo. Entende-se que mana tem nuanças desde um comportamento mais instintivo
organismo responsivo é aquele que se d ispõe a essa resposta ao mais afetivo na busca do prazer.
sexual, que a quer e que não tem contraposição psíquica su- Como mensagem final deve-se, na abordagem sexual dos
perficial, ainda que involuntária, ou psíquica profunda a essa transtornos sexuais, sabe r da importância do médico que, ao
resposta. atuar como comunicador efetivo no consultório, faz as quei-
A excitação têm como base a boa resposta ao estimulo. Foi xas sexuais aparecerem. E wdo méd ico, especialmente o gi-
descritO que um dos agentes que atuam sobre essa fase é o de- necologista e o obstetra, deve ter o conhecimento necessârio
sejo, mas os estímulos diretos, somáticos (táteis , oHatórios, de para que nessa abordagem aconselhe seus pacientes - ho-
paladar, visuais) ou psicológicos são de grande importância. mens, mulheres ou casais - em seus relacionamentos sexuais,
Os pacientes que procuram ajuda por disfunções nessa fase ajudando-os a desmistificar tabus, o real funcionamento na
devem estar cientes de que essa etapa é continua e progres- resposta sexual e ainda mostrar-lhes a simplicidade do trata-
siva, na qual os fatOres externos e internos (psicodisponibili- mento atual de algumas disfunções sexuais.
dade) estão correlacionados. A concentração no momento da Como diz o Dr. Ge rson Lopes: "a sexualidade é a mola que
relação sexual a respeitO dela própria é muito importante. Ao move a vida, é motivo de prazer e dor."
mesmo tempo, cabe lembrar que a desconcentração, ou seja,
o relaxamento para a vivência da sexualidade sem temores ou l eitura complementar
expectativas, é fundamental. O sexo é uma das formas de ma- Cavalcanti R. A história natural do amor. São Paulo: Editora Gente, 1995.
Charam I, Lopes G. Youth, lave and ecology. Bologna: Monduzzi, 1994.
nifestação de afetO, em que a comunicação entre os parceiros
Kaplan HS. A nova terapia do sexo. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fron-
pode ser fortemente favorável, devendo ser muitO estimulada. teira, 1997.
Também deve ser lembrado que, além do descrito, a fase Kaplan HS. Transtornos do desejo sexual. Porto Alegre: Artmed, 1999.
de excitação depende de condições orgânicas, hormonais, Kusnetzoff IC. O homem sexualmente feliz. 5. ed. Rio de Janeiro:
vasculares e sensoriais. Nova Fronteira, 1987.
Lara LAS, Silva ACJSR, Rornão APMS. Abordagem das d isfunções
Em resumo, o conhecimento técnico sobre a fase de exci- sexuais femininas. RBGO 2008; 30(6):312-21.
tação possibilita a orientação no sentido de que os estímulos Lara LAS. Sexualidade, saúde sexual e medicina sexual: panorama
se somam, progridem e necessitam de d isponibilidade para atual. RBGO 2009; 12(31):583-5.
recebê-los em boas condições orgânicas. Lopes G. Sexualidade humana. Rio de Janeiro: Medsi, 1993.
Lopes G. Sexualidade, fisiologia, diagnóstico e tratamento. In: Fer-
O orgasmo, que pode ser vistO como consequência das
nandes CE. Menopausa: diagnóstico e tratamento. São Paulo:
fases anteriores, não é evento isolado. Os pacientes devem Seguimento, 2003.
entender que não há possibilidade de esperar que haja orgas- Master W, Johnson V. A inadequação sexual humana. São Paulo:
mo de forma "mágica", mas sim sob uma lógica construída Roca, 1985.
progressivamente. O orgasmo é inibido pela ansiedade, pelas Master WH, Johnson VE. Human sexual inadequacy. Boston: Little
Brown and Company, 1970.
condições relacionais negativas, pela pobreza de estímulos Moreira Jr ED, Abdo CHN, Torres EB, Lobo CFL, Fittipaldi JAS. Pre-
sexuais, pelo baixo desejo ou até por medicações, como os valence and correlates of erectile dysfuntion: results of lhe Brazi-
antidepressivos e ansiolíticos. O objetivo da relação sexual liam study of sexual behavior. Urology 2001; 58:583-8.
CAPÍTULO

Semiologia Ginecológica
Luiza de Miranda Lima
Maria Inês de Miranda Lima
Karla de Carvalho Schettino

INTRODUÇÃO cência, fase adulta ou se nilidade. Algumas doenças são mais


A semiologia ginecológica integra a semiologia geral. A comuns na infância-puberdade, como as vulvovagin ites. Na
palavra semiologia é de origem grega, onde semeton significa adolescência são comuns distúrbios menstruais, gestações in-
sinal, e fogos, a razão ou racionalização. Essa junção denota desejadas e infecções geniturinárias, e na fase adulta podem
o estudo dos sinais e sintomas das doenças. Por essa razão, ser ciLadas a dor pélvica, casos de mfenilidade, vulvovagi-
quando se trata de semiologia gmecológica, é dada referência nites, alterações do ciclo gravfdico-puerperal, enfermidades
ao estudo dos sma1s e sintomas das modificações funcionais benignas mamárias e variações do padrão de sangramento.
das doenças mamánas e do aparelho genual feminino. Já na senilidade predominam distop1as gemtais, mconunên-
A consulta gmecológ1ca mtegra a rotma de todo médi- cias urinárias, doenças card1ovasculares e neoplasias, além da
co gmecolog1sta, bem como, na atuahdade, do médico da osteoporose.
atenção pnmária. A consideração para esse momento sin-
gular entre méd1co e paciente é que se de\'3 estar atento ã Raça
intimidade da pac1ente. Na hora da consulta, o profissional É na raça negra que se encontra a mator mc1dência de leio-
deve ser um ouvmte atencioso, observador, compreensivo, miomatose uterina.
interessado e destituldo de preconceitos, mantendo sem-
pre a tranquilidade. Profissão e procedência
Recomenda-se que a pnmeira consulta ginecológica seja As profissionais do sexo e as mulheres com ,<\da sexual
realizada entre os 13 e os 15 anos de 1dade. mais ativa e liberal apresentam nsco ma1or de doenças se-
xualmente transmissíveis. As pacientes que trabalham na área
da saúde estão mais expostas à contaminação acidental com
ANAMNESE
material biológico.
Identificação
O primei ro dado que deve consLar no diagnóstico da anam- Nível socioeconômico e cultural
nese é a identificação da paciente, e para que essa idenli fica- O HIV e as doenças sexualmente transmisslveis podem
ção sej a adequada deve con ter informações como nome com- se r citados como as doe nças de ma ior incidência em popu-
pleto, idade, estado civil, profissão, nlvel socioeconômico, lações de baixa renda.
endereço e local de origem.
Algumas dessas caracterlsticas são descritas a segu ir, pois Queixa principal e história da moléstia atual
merecem atenção especial por estarem associadas ou mes- A anamnese deve ser iniciada com a paciente abordando,
mo serem causas de algumas doenças ginecológicas mais com suas palavras, sua queixa principal. O gmecologtSta deve
comuns. estar atento às relações de causa e efeuo com outros eventos
significativos apontados pela paciente e com as repercussões
Idade da queixa no cotidiano. A que1xa princ1pal deve, então, ser
A idade é um dado imprescindlvel, po1s permite situar a in,·esligada, sendo 1mponante determmar seu mlc1o, duração
paciente em um momento da v1da, seJa na mfãncia, adoles- e principais caracterlsucas. Na gmecologta, três queOOIS mais
27
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J 28 Seção I Ginecologia

comuns merecem atenção: os sangramemos genitais, a dor O diagnóstico pode ser estabelecido pelas seguintes q ues-
pélvica e os corrimentos. tões-chave:

Sangramentos genitais 1. De onde vem o sangramemo?


2. Qual a idade da mulher?
O sangrame mo uterino é um sinal de preocupação para a
3. A paciente é sexualmente ativa? Pode estar grávida?
mulher e causa frequente de consulta ginecológica. Durante a
4. Como é seu ciclo menstrual normal? Existem sinais de ovu-
investigação é importante determinar sua relação com o ciclo
lação?
menstrual, sua duração, imensidade , características macros-
5. Qual a natureza do sangramento anormal (frequência, du-
cópicas (coágulos e produtOs gestacionais), trauma pélvico e
ração, volume , relação com coitO)? Quando ocorre?
aparecimento durante ou após o coito, e avaliar se a paciente
6. Existem sintomas associados7
está um uso de anticoncepcional, te rapia de reposição hor-
7. A paciente está usando medicações ou tem doenças asso-
monal , amicoagulame, dispositivo intrauterino e se tem his-
ciadas7
tó ria de sangramemos agudos.
8. Existe h istória pessoal ou familia r de desordem de sangra-
A expressão hoje adotada é sangramemo uterino anormal
mento7
(SUA), a qual d ifere de alterações do ciclo menstrual. O SUA
é responsável por 20% das consultaS ginecológicas, estiman- Em relação à idade da paciente, nas pré-púberes é importan-
do-se que 30% das mulheres ap resentam quadros de sangra- te investigar lesões vulvares, prolapso uretra!, corpo estranho
memos disfuncionais anualmente. Essa condição debilitante vaginal, traumatismos e tumores. Nas adolescentes, a relação
representa a indicação de dois terços das histerecwmias e cer- com o ciclo menstrual deve ser determinada, visto que a maio-
ca de 25% das cirurgias ginecológicas. ria dos casos é de causa funcional. Na menacme, além dos dis-
O SUA pode ser causado pela grande va riedade de doen- túrbios ovulatórios, incidem as hemorragias relacionadas com
ças locais ou sistêmicas e ter ligação com o uso de medica- complicações da gravidez, sendo também frequentes os leio-
mentos. Entretanto, a maioria dos casos está relacionada com miomas, os pólipos cervicais e endometriais, as infecções geni-
patOlogias uterinas estruturais (miomas, pólipos, adenomio- tais (endometrites por clamídia, gonococos e tuberculose) e os
se), casos de anovulação c rô nica, desordens de hemostasia sangramentos associados aos métodos contraceptivos. Na peri-
ou neoplasias. Trauma e infecção são as causas menos comuns. menopausa predominam os tumores e a insuficiência ovariana,
A expressão SUA é abrangente e multietiológica. Dentre as e na pós-menopausa o sangramento genital é preocupante, pois
causas inclui-se a disfunção hormonal. Quando se abo rda o pode ser o primeiro sinal de neoplasia maligna do endométrio.
SUA, pressupõe-se que todas as outras causas já foram ex- Vale ressaltar que, no entanto, a grande maioria é causada por
cluídas. atrofia endometrial, em razão de terapia hormonal ou trauma.
Nessa abo rdagem serão catego rizados os sangramemos de A forma de apresentação do sangramento representa um
causa genital e extragenital. Os genitais podem ter causa or- importante auxílio no diagnóstico, como, por exemplo, o san-
gânica ou funcional. já os funcionais são aqueles relacionados gramento pós-coito, que obriga a considerar a possibilidade de
com a anovulação. neoplasia do colo uterino.
Cabe definir a menstruação como o sangramemo cíclico
que se repete a cada 25 a 35 d ias, com duração de 2 a 7 dias Dor pélvica (OP)
e com pe rda sanguínea de 20 a 80ml. Qualquer sangramento A DP é a segunda maior queixa em ordem de frequência,
sem essas caracte rísticas é considerado anormal. muitas vezes de difícil abordagem e diagnóstico.
Menorragia é o nuxo menstrual excessivo com perda de san- É importante ter em mente que a dor pode se r a somatização
gue >80mL, sem aumento no número de dias de sangramen- de connitos emocionais, bem como originar-se de processos
to, e também o sangramemo uterino irregular fora do período infecciosos, endometriose ou tumores. Em ce rca de um te rço
menstrual. Na polimeno rreia, os ciclos têm intervalos meno- dos casos não é identificada nenhuma patOlogia ou, quando
res do que 24 d ias e, na oligomenorreia, maiores do que 40. presente, não há associação da imensidade da dor com a al-
Amenorreia é a ausência de menstruação, e as menorragias são te ração encontrada. A DP pode se r aguda ou crônica, e a crô-
a tradução de sangramemos de origem funcional, excluindo, nica, que pode se r definida como dor abdominopélvica com
por definição, as causas orgân icas. As metrorragias são mais duração mínima de 6 meses, de carãter acíclico e com imen-
frequentemente secundárias às patologias orgânicas. As meno- sidade variável, mas fone o suficiente para interferir na rotina
metrorragias são a conj ugação dessas duas situações. da paciente, tem caracte rísticas próp rias e pode originar-se de
O sangramento uterino d isfuncional (SUD) é o sangramen- processos crônicos de d iversos sistemas - vísce ras, peritõnio,
to uterino anormal sem causa orgânica demonstrãvel (genital sistema nervoso central (SNC) e peri férico - e também estar
ou extragenital), podendo ser considerado diagnóstico de ex- associada a processos psicopawlógicos, como depressão, h is-
clusão, esta r relacionado com alterações hormonais e ocorrer tória de violência sexual , estresse, entre outros.
tanto nos ciclos anovulatórios quanto nos ovulatórios. A dor pélvica crônica (DPC) incide principalmente na me-
O d iagnóstico etiológico é estabelecido a parti r da associa- nacme, sendo responsável po r 10% das consultas ginecológi-
ção das informações fornecidas pela anamnese, exame físico e cas, 12% das histerecwmias e cerca de 40% das laparoscopias
exames complementares. ginecológicas.
r
((

Capítulo 6 Semiología Ginecológica 29

Convém ter em mente suas possíveis origens na menacme: do ser investigadas as doenças h ipenensivas, d islipidemias,
• Trato reprodutivo: endometriose, aderências pélvicas, diabetes, osteoporose, além de outras crônicas. Os cânceres
congestão pélvica (varizes), ovulação. ginecológicos e colorretal devem ser abordados.
• Outros sistemas: síndrome do cólon irritável, cistite re-
corrente e intersticial, síndrome mio[ascial abdominal, História social e hábitos de vida
porfi ria e anemia falciforme. As informações relacionadas com estilo de vida, prática
• Não orgânicas: evidências de transtOrnos psiquiátricos; sem de atividade física, vícios e uso de medicamentos devem ser
causa orgânica ou psiquiátrica: história de violência sexual, avaliadas.
física ou ambas, vida sexual insatisfatória, carência afetiva.
História gineco-obstétrica
A dor pélvica aguda (OPA) surge como aviso de que há al-
gum processo mórbido identificável , como ruptura de gravi- Menarca
dez tubária, apendicite, doença inflamatória pélvica, tumores O interrogatório deve começar pela idade da menarca. Es-
pélvicos, degeneração de mioma, tOrção de pedíCLtlo vascular pera-se que esse fato ocorra entre os ll e os 13 anos, porém
(tumores de ovário e leiomiomas pediculados) ou infiltração desvios para menos (lO anos) ou para mais (16 anos) podem
tu moral dos carcinomas avançados. ser normais. Se a menarca ocorre ames dos l O anos de idade
A dor associada à menstruação (dismenorreia funcional) ou após os 16 anos, esse fato deve ser investigado. A paciente
é geralmente de início pré-menstrual, tem caráter repetitivo, deve ser questionada no que d iz respeitO não só ao desenvol-
localiza-se no baixo ventre e pode irradiar-se para a região vimento dos caracte res sexuais secundários (pelos e mamas),
lombossacra. como também à ingestão inadve rtida de estrogênios (nos ca-
A duração da dor, sua associação com dispa reunia ou seu sos suspeitos de puberdade precoce) e às características dos
prolongamento para fora do período menstrual dão a orienta- prime iros ciclos menstruais, além da presença ou história
ção para a pesquisa da dismenorreia orgânica, sendo a princi- prévia de galactorreia.
pal suspeita a endometriose.
Na anamnese, a busca desses dados e a caracterização da Ciclos menstruais
dor proporcionam ótima abordagem da paciente. A duração , o fluxo e os intervalos das menstruações devem
ser registrados, assim como os sintomas associados.
Corrimentos genitais A data da última menstruação tem muita importância, de-
Os corrimentos genitais são todos os resíduos não hemorrá- vendo ser anotada com destaque, principalmente se a pacien-
gicos presentes na vagina. Por sua importância para a pacien- te se encontra na menacme. Se for idosa, cabe indagar a data
te e sua frequência como queixa em consultório, o corrimen- da menopausa (última menstruação, encerrando o período da
tO deve ser bem caracterizado pelo clínico, sendo também menacme).
importante observar cor, consistência, volume, odor, prurido
ou dor, se existem sintomas urinários e se o corrimento se Métodos contraceptivos
relaciona com o ciclo menstrual. Devem ser avaliados os métodos contraceptivos utilizados
É conveniente indagar a respeitO de algumas características no período da consulta, indagando-se a respe itO do início do
próprias de corrimentos oriundos de infecções específicas. As uso, da escolha do método, da presença de efeitos colaterais
infecções fúngicas podem estar associadas ao uso prévio de e do uso correto do método. A proteção contra as doenças
antimicrobianos e de contraceptivos orais, ao diabetes e aos sexualmente transmissíveis (DST - preservativos feminino ou
estados de imunodeficiência. masculino) deve ser recomendada.
Os corrimentos claros, viscosos e inodoros exacerbados
no me io do ciclo menstrual são geralmente fisiológicos, e os Vida sexual
corrimentos amarelados, purulentos e de odor fétido sugerem Neste tópico são abordados problemas íntimos da pacien-
processo infeccioso. Já os sanguinolentos e intermitentes po- te, com o médico devendo manter postura neutra e serena ao
dem estar associados a neoplasias do tratO genital. lidar com possíveis desajustes conjugais. Se há atividade se-
xual , deve-se anotar o ritmo , se frequente ou esporádico, se a
História pessoal libido está presente e normal, se ocorre orgasmo nas relações,
A história pessoal é de extrema importância, em razào da pos- se há d ispareunia (dor no momento das relações), se há sinu-
sível influência de tratamentos prévios no trato genital e no perfil sorragia (sangramento no momento das relações) e se são rea-
reprodutivo da mulher. Nesse momento, o ginecologista deve in- lizadas práticas sexuais variadas, tais como sexo anal e oral.
vestigar quais as patologias apresentadas durante a vida, as cirur-
gias prévias, situação vacinal, medicamentos em uso e alergias. Antecedentes obstétricos
Outro aspectO de suma importância é a história obstétrica.
História familiar A paciente deve ser investigada a respeito do número de ges-
A história familiar é importante em função do caráter he- tações, duração de cada gravidez, vias de parto, se normais
reditário e/ou comportamental de algumas doenças, deven- ou operatórias (fórceps ou cesariana), vitalidade do recém-
/.
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J 30 Seção I Ginecologia

-nascido, peso dos filhos ao nascerem, número de abonos, Coleta de material para exame citológico
se seguidos ou não de curetagem, e\'olução do puerpério e A coleta de matrial para exame citológico faz parte do ras-
amamentação. Se hou"e decesso fetal, anotar a causa da mor- treamento do câncer de colo, sendo de fundamental importân-
te do feto. Histórias de perda fetal de repetição devem ser cia que o esfregaço contenha células da ectOCéf\~Ce, da endo-
im·esligadas. Céf\ice e da junção escamocolunar. A coleta de,·e ser realizada
com a espátula de Ayre, fazendo uma rotação de 360 graus em
Cuidado preventivo tomo do oriflcío externo para se obter amostra de todo o colo.
Como profissiOnal de asstStencia à saúde feminina, o gi- A seguir, de\'e-se introduztr a esco\'3 endocef\•tcal até 2cm para
necologiSla tem a oportumdade de avaliar suas pacientes na a obtenção de amostra das células endocef\•icatS e da JUnção
busca por mdlctos das pnncipatS causas de morbimonalídade escamocolunar e também dar atenção especial à técnica da co-
femininas e atuar para sua prevenção. leta, pois os altos lndices de [also-negauvos da cttologia são
atribuídos a [alhas nessa coleta.
Prevenção de infecções
• Vacinação: o cartão de vacinação deve ser avaliado. Embo- Teste de Schiller
ra grande parte da vacinação rotineira esteja completa na O teste de Schiller é feito por meio da deposição da solu-
adolescência, a necessidade de novas vacinas e de doses de ção de lugol (iodo-iodetado) no colo uterino, que provoca
reforço deve ser observada nas mulheres ad ultas. coloração amarronzada nas células que contem glicogênio.
• Rastreamento para as DST: não deve se r realizado de ro- Na presença de alte rações ce lulares, as células não se co ram e
Lina, apenas em pacientes com fatores de risco (múltiplos
o teste é considerado positivo.
parceiros, uso de drogas injetáveis, DST prévia). Recomen-
da-se às pacientes com vida sexual ativa ou com intenção Câncer de mama
de iniciá-la que se orientem a respeito da importância do
O exame do câncer de mama em mulheres com menos de
uso de preservativo de barreira para a prevenção das DST.
40 anos de idade é feito por meio da mamografia.
Contracepção
Câncer colorretal
A contracepção deve ser discutida anualmente, incluindo
Corno a aderência das paetentes às diretrizes para rastrea-
diferentes métodos, uso correto, eficácia, efeitos colaterais, be-
mento do câncer colorretal é muno pequena, o ginecologista
neficios não comracepU\'OS e contraindtcaçOes.
tem papel ati,·o na orientação das pactentes acerca da tmpor-
Estilo de vida tância do rastreamento adequado, que de,·e ser fetto a panir
de 50 anos de idade com os segumtes exames: colonoscopta
• Atividade física: conhectda por seus beneficios na pre-
(intemtlo de 10 anos), sigmOtdoscopta nexlvel (mtef\'310 de
venção de algumas doenças, como htpertensão arterial,
5 anos) e pesquisa de sangue oculto nas fezes/teste tmuno-
doença artenal coronariana, dtabetes upo 2, osteoporose
químico fecaL
e obestdade. A práuca de exerclctos de,·e sempre ser esti-
mulada.
• utríção: o gmecologista deve sempre incentivar a adoção OSTEOPOROSE
de alimentação saudável, rica em fibras e balanceada. Mais de 30% das mulheres brastletras na pós-menopausa
• Tabagismo: está relacionado com determinados cânceres, sofrem de osteoporose e osteopema. Essas condições de debili-
doenças cardiovasculares e pulmonares crônicas, redução dade óssea possibilitam o aumento das taxas de fratura. O gine-
de fertilidade e complicações gestacíonais. Este tema deve cologista deve dar orientações relativas à ingestão adequada de
ser abordado em todas as consultas, pois cada encontro é cálcio e vitamina D, recomendar a realização de exerclcio físico
uma boa oportunidade para se tratar desse mal. e solicitar densitometria óssea para as mulheres a panir de 65
• Uso excessivo de s ubstâncias: perguntas simples e d ire- anos de idade. Na presença de fatores de risco para osteoporo-
tas sobre o consumo do álcool são capazes de determinar se, o rastreamento deve ser iniciado mais cedo.
o padrão de consumo. Em caso de o padrão suge rido se r
de abuso, justificam-se outras avaliações e/ou encaminha-
EXAME FÍSICO GINECOLÓGICO
mentos.
Para a realização do exame flsico gi necológico é impres-
cindlvel que estejam disponlveis o local adequado e todo o
RASTREAMENTO PARA CÂNCER
material necessário. A sala, que deve ser arejada com banhei-
Câncer do colo uterino ro e com boa luminosidade, não deve conter comunicação
lniciar o rastreamento com coleta de Citologia aos 21 anos externa, garantindo privacidade e segurança à paciente. A
e interrompê-lo entre os 65 e 70 anos, se os três últimos exa- presença de auxiliar de enfermagem é aconselhada princi-
mes forem normaiS. O mtef\'alo entre as coletas pode ser de palmente se o ginecologista for do sexo masculino. Os Qua-
até 3 anos, desde que os resultados antenores seJam conside- dros 6.1 e 6.2 citam os matenatS necessános para a realiza-
rados norrnats. ção desse exame.
\.
r
( I

Capitulo 6 Semiologia Ginecológica 31

Quadro 6.1 Material permanente necessário para o exame físoco Seguem-se a palpação das cadeias ganglionares e o exame dos
ginecoiOgoco
demais aparelhos. A avaliação da Lireoide é de grande Impor-
Mesa g1necológica tância e permite o diagnóstico de aumentos difusos e focaiS
Escada da glândula. Os desvios da função tireoidiana esláo estrei-
Foco de luz tamente ligados à função reprodutiva, podendo determinar
Cotposcóp;o casos de amenorreia e in fertilidade, além de pode r ocasionar
Esligmomanómetro complicações durante a gravidez.
Estetoscópio cardlaco Ao térmi no do exame [lsico geral, executa-se o exame fl-
Balança sico especial.
Sonar-Ooppler
Lençó1s e cam•solas EXAME FÍSICO ESPECIAL
Espéculos
O exame flsico espec1al é composto do exame das mamas,
Pinças para apreensão de algodao e gaze (pinÇas de Cherron) abdome, órgãos gemtaiS externos e internos, exame especular
P1nças para apreensão do colo uterino (pinças de PozZJ ou de Museaux) e toque.
Pinças para biópsia do colo uterino
H1s1erOmetros
Exame das mamas
Cureta para biópsia endometrial (cureta de Novak)
Inspeção estática
Com a pacie11te ereta ou sentada e com os memb ros supe-
Quadro 6.2 Material de consumo necessário para o exame flsico riores dispostos ao longo do tronco, observam-se as mamas
ginecológico
para ave riguar tamanho, regularidade de contornos, forma,
Espátulas de Ayre e escovas para coleta de cilologia simetria, abaulamentos, retrações, pigmentação areolar, mor-
Gaze. atgodao e luvas fologia da papila e Circulação ,·enosa.
Soluçao de Schiller
Soluçao de ácido acético a 2% e 5% Inspeção dinâmica
Soluçao de h•dróxido de potássio (KOH) a tO% Em um pnme1ro momento, nessa Case do exame, pede-se
Soluçao de bíssuH1to de sódio a 5% à paciente que ele\'e os membros superiores, lentamente,
Lám1nas de v1dro ao longo do segmento cefálico e, dessa forma, observam-se
Frascos contendo álcool e frascos contendo formol as mamas no que respeita aos itens anteriores. Em segUida,
Lençóis e cam1sotas pede-se à paciente que estenda os membros para a frente e
Soro fisiológico. anestésico tópico e vaselina incline o tronco de modo que as mamas fiquem pe ndulas,
pe rde ndo todo o apoio da musculatura peitoral, q uando,
novame nte, as mamas são obse rvadas quanto aos itens já
EXAME FÍSICO GERAL c itados. No terceiro momento ped e-se que a paciente apo ie
O exame [lsico geral deve anteceder o exame flsico especial as mãos e pressione as asas do il!aco bilateralmente. O ob-
e ter tnfcto durante o primeiro contato V1Sual com a paciente. jetivo dessas manobras é realçar as possfveis retrações e
A ectoscopia permite avaliar achados tmportantes, como sinais abaulamentos e '"erificar o comprometimento dos planos
da sfndrome de Tumer (baixa estatura, pescoço alado, hiper- musculares, cutâneo e do gradil costal. Os abaulamentos
telonsmo), smatS de hiperandrogemsmo (h1rsuusmo, acne), podem ser decorrentes de processos benignos e maltgnos,
desv1os extremos de peso, doasmas e coloração das mucosas. enquanto as retrações quase sempre são decorrentes de pro-
A avaliação deve iniciar-se com a tomada do peso e da al- cessos malignos.
tura e das medidas dos dados vitais (pressão arterial, pulso
e temperatura corporal). O cálculo do índice de massa cor- Avaliação lintonodal
poral (IMC ~ peso em kg/ahura') com valor normal entre 20 Após a inspeção, os linfonodos das cade ias axilares, su-
e 25 é importante para a avaliação nutr icional e classifica os pra e infraclaviculares são palpados, sendo mais fácil o exame
d iversos graus de obesidade. As pacientes obesas são mais com a paciente sentada com os braços relaxados ao longo do
predispostas a apresentar quad ros de anovu lação, assim como corpo e apoiados pelo examinador.
as muito magras podem apresentar quadros de amenorreia A axila está localizada entre o músculo peitoral ma1or, ven-
hipogonadotrólica. tralmente, e o músculo laUssimo do dorso, dorsalmente. Os ltn-
A ectoscop1a dos segmentos corporaiS deve ser realizada [onodos são detectados à medida que a mão do examinador
atentando-se para alterações na cor e textura da pele, co- desliza do áp1ce até a parte inferior da axila e momentanea-
loração das mucosas, distribuição dos pelos e presença de mente comprime o hn[onodo contra a parede lateral do tó-
edemas, manchas, pápulas, equimoses, eritemas, exantemas, rax. Em uma pactente magra, um ou mais linfonodos móve1s,
vesículas, pústulas, equimoses, tubérculos, aumento ganglio- medindo mais do que lcm de diâmetro, são facilmente ob-
nar, ulcerações, varizes etc. Convém lembrar que algumas servados, devendo ser avaliados o tamanho, a consistencia, a
DST tem manifestações sistêmicas (p. ex., sllilis). mobilidade e o agrupamento dos gânglios palpáveis.
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J 32 Seção I Ginecologia

O primeiro nódulo linfático a se envolver com a metástase


do cânce r de mama está quase sempre localizado na parte
posterior da porção média do músculo peitoral maior.

Pa/pação da mama
A melhor posição para examinar as mamas é com a pacien-
te em decúbito dorsal em mesa fLrme. Pede-se para a paciente
elevar o membro superior ipsilateral acima da cabeça para ten-
sionar os músculos peitorais e fornecer superfície mais plana
para o exame.
Inicia-se o exame com palpação mais superficial, utilizan-
do as polpas digitais em movimentos circulares no sentido ho-
rário, abrangendo wdos os quadrantes mamários. Repete -se
a mesma manobra, porém com maior pressão (convém não Figura 6.1 Posição de litotomia.
se esquece r de palpar o prolongamentO axilar mamário e a re-
gião areolar).
Algumas pacientes merecem exame mais minucioso , como pequenos lábios, clitóris, meato u retra\, glândulas de Skene
as gestantes, puérperas em lactação, po rtado ras de próteses e a fúrcula vaginal. Deve-se palpar a região das glândulas
e aquelas com h istó ria pregressa de câncer de mama. Nas de Bartholin e palpar o períneo, podendo se r enco ntradas
mulheres submetidas à mastectomia, devem ser examinadas d ive rsas lesões nessa etapa, como cond ilomas acuminados,
minuciosamente a cicatriz cirú rgica e wda a parede tOrácica canc ros, vesiculas ou ulcerações heréticas, processos alérgi-
(plastrão). cos, tinha cruris, doe nças ep iteliais não neoplásicas, tumo-
res epidé rmicos, cistos vulva res, \eucorreias, discrom ias e
Exame do abdome outras dermatOses.
A estreita relação entre os órgãos abdominais e a genitália Na suspeita de doença intraepitelial vulvar devem ser rea-
inte rna feminina, a simultaneidade das manifestações clínicas lizadas vulvoscopia com ácido acélico a 5% e biópsia, se in-
e a necessidade de d iagnóstico diferencial entre as doenças dicado.
genitais e abdominais justificam a integração do exame abdo- Na suspeita de DST, carcinoma de vulva e vulvite, o monte-
minal como etapa do exame ginecológico. -de-venus e as fossas inguinais devem ser palpados à procu-
O abdome deve se r avaliado mediante inspeção, palpação, ra de infanamento ganglionar. Para avaliação da integridade
percussão e ausculta. Apalpação deve ser realizada após esva- perineal pode ser realizada manobra de Valsalva para melhor
ziamento vesical, devendo-se atentar para a presença de mas- identificação de eventuais prolapsos genitais e incontinência
sas, pois dete rminadas anomalias ginecológicas podem se r urinária.
suspeitadas nessa etapa (p. ex., miomas e tumores ovarianos).
Exame da genitália interna
Exame ginecológico Exame especular
O exame satisfatório dos órgãos genitais depende da colabo- O exame da genitália interna se inicia com o exame espe-
ração da paciente e do cuidado do médico em demonstrar se- cular (Figura 6.2). O espéculo bivalvar, que pode se r de Collins
gurança em seu contato com ela, devendo suas abordagens ser ou Collins e Graves, de aço ou material descanável, deve ter
comunicadas previamente em linguagem acessível à paciente.
A posição ginecológica ou de litotomia (Figura 6.1) é a
preferida para a realização do exame ginecológico. Coloca-se
a paciente em decúbitO dorsal com as nádegas na borda da
mesa, as pernas Oetidas sobre as coxas, e estas sob re o abdo-
me amplamente abduzidas.

Exame da genitália externa


A inspeção dos ó rgãos ge nitais exte rnos é realizada ob-
se rvando-se a forma do períneo, a d isposição dos pelos e a
confo rmação exte rna da vulva. Realizada essa etapa, afas-
tam-se os grandes lábios para inspeção do introitO vaginal.
Com o polegar e o indicador prendem-se as bo rdas dos dois
lábios, que deverão se r afastadas e puxadas lige iramente
para a frente. Dessa forma visualizam-se a [ace interna dos
grandes láb ios e o vestíbulo, hímen ou carúnculas h imenais, Figura 6.2 Exame especular.
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( I

Capitulo 6 Semiologia Ginecológica 33

tamanho adequado. O espéculo de número 1 é preferh·el nas


mulheres nul!paras e com hipoestrogenismo, enquanto o nú-
mero 2 ou mator é utilizado nas mulheres que Já fiZeram um
parto por via pélvica. A lubrificação prévia do espéculo com a
finalidade de acrescentar conforto ao procedimemo é opcio-
nal. Para a introdução do espéculo, se mpre com as mãos en-
luvadas, afastam-se os pequenos lábios com os dedos ela mão
esquerda e com o espéculo na mão direita apoiado na fúrcula
e no perlneo, angulado a 75 graus para evitar traumas uretrais.
Esse espéculo é introduzido, girando-o lentameme até o ân-
gulo de 90 graus, direcionando a ponta do espéculo para o
fundo do saco de Douglas.
Com o exame especular serão observados a coloração das
paredes vagmalS, seu pregueamento, a presença de edema,
secreções, lesões, anormalidades estruturais e o aspecto do
colo uterino. Figura 6.3 Toque abdominovag1nal.

O colo uterino deve se r avaliado quanto a localização, for-


ma, volume e forma do orifrcio externo, se pumiforme ou em uterina é necessário que a outra mão pressione a parede abdo-
fenda, presença de muco, sangue ou outras secreções, cístos minal em direção à profund idade, entre o umbigo e a slnfise
de Naboth, pólipos, ectopias, hipertrofias, focos de endome- pubiana, enquanto os dedos que estão introduzidos na vagina
triose, miomas paridos, entre outros. promovem a elevação do colo. Com essa ma nobra avaliam-se
Em conjumo com o exame especular podem ser realizados volume, forma, consistêncía, supe rfície, mobilidade, situação
procedimentos diagnósticos, como coleta de cnologia oncólica mediana e orientação em anteversão ou retronwo do útero.
ceiVIcal, teste de Schiller, coleta de conteúdo vagmal e cervical Apalpação dos anexos, que envoh-em os ovários e as trom-
para exame a fresco e de biologia molecular e teste pós-coito. pas, só é posslvel quando se encontram aumentados em vo-
Na presença de alterações no trato gemtal mfenor podem ser lume. Se alguma lesão ane.xial for apreendida entre as mãos,
realiZadas colposcopia e biópsia de vagma, do colo uterino e devem ser obsen-ados sua pro,·ável localização, tamanho,
endometrial, além de procedimentos terapéuucos, como po- forma, consistencia, mobtlidade e sensação dolorosa. Para
lipectomia cervical, cauterizações, histeroscopia dtagnóstica, melhor avahação do paramétrio deve-se realizar o toque reta!
histeroscopia círúrgica ambulatorial, inserção e retirada de dis- para estadiamento do câncer de colo ou pós-tratamento (ra-
positivo intrauterino. Após o exame, retira-se o espéculo cui- dioterapia). Esse toque pode ser recomendado nos casos de
dadosamente, evitando-se apreender o colo uterino entre suas vaginismo, agenesia de vagi na, septos vaginais, pacientes com
lâminas. hímen Integro c acentuado hipoestrogenismo.

Toque vaginal Exame físico ginecológico na infância


O toque vaginal possibilita a avaliação do útero e dos ane- Queixas gemtatS da cnança são peculiares e exigem fami-
xos e a verificação do tônus da musculatura do assoalho pél- liaridade do profissional com as características da gemtãha m-
vtco, da elasuctdade das paredes vaginatS, dos fómtces \'3gi- fantil. A vuh'3 não estrogenizada e atrófica se apresenta ente-
natS e da constStência do colo utenno. matosa, podendo falsear os diagnósticos. As cnanças pequenas
A paciente deve estar tranquila e onentada a respeno desse devem ser examinadas com o auxílio da mãe ou no colo da
procedimento. mãe, com as pernas na posição de rã ou genitopeitoral. Em ca-
O toque mais recomendado é o abdominovaginal combi- sos de suspeita de corpo estranho, abuso sexual ou hemorragia
nado (manobra de Shultze - Figura 6.3). De acordo com a pode ser necessário o exame sob analgesia.
situação ou doença a se r investigada, outros tipos podem ser
necessários, como o simples (unid igital ou bidigital), o abdo- Exame físico ginecológico na adolescência
minorretal e o combi nado vaginorretal. As ind icações para realização do exame pélvico em adoles-
Para o toque abdominovaginal o médico deve permanecer centes renetem a história de relações sexua is, dor abdominal,
de pé com a mão mais hábil enluvada e dedos mdicador e mé- corrimento vaginal, teste de gravidez positivo, sangramento
dio lubrificados, os quais devem ser introduztdos na vagina aumentado e anem1a.
no senudo posterior com o bordo cubital dos dedos depri- O sigilo no atendtmento à adolescente de,·e ser presen-a-
mmdo a furcula. O polegar de,·e estar abduztdo e o anular e do, com entre\1Sta mdtv1dual, facilitando o fornecimento de
o mlmmo netidos na direção da palma da mão, devendo ser informações sobre a aU\'Idade sexual, o uso de anuconcepclo-
avahado o tõnus muscular perineal e pesqutsadas as nodula- nal e a orientação detalhada.
ridades e a htpersensibilidade vaginaL O colo utenno de,-e O exame deve ser delicado, informando-se os passos e, nos
ser palpado, verificando-se posição, formato, comprimento, casos em que pode ser necessãria alguma intervenção, cabe
consistencia, superflcie e h ipersensibilidade. Para a palpação considerar a hipótese de analgesia.
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J 34 Seção I Ginecologia

Leitura complementar Kawada C. GynecologiC hlstory. exaiTIInatioo & dtagnosbc procedu-


Barros FSV. SemiOiogia Gmecológica. In: Manual de g1necolog1a e res. In: DeCherney AH. Nathan I, Goodwin TM et al. (eds.) 10e ed.
obstetrlcta SOGIMIG. Belo Horizonte: Coopmed, 2012:39-48. New York. 2007:519-39.
Bruno Av, Ohve11a LA, Botelho BC et ai. Atualização na abordagem da Menke CH. Rot1nas em mastotog1a. 2a ed. Porto Alegre: Artmed, 2009.
dor pélv1ca crOmca. Femina 2007; 35(1):29-34. Oliveira JM. Semiologlél ginecológica. Revista Medicina da Federa-
Camargos AF, Melo VH, Reis FM et ai. Anamnese e exame físico. In: ção da Socíedade Portuguesa de Ginecologia e Obstetr1cia 2011;
Ginecologia ambulatorial: baseada em evidências cíentfficas. 3. 5:81- 104.
ed. Belo Horizonte: Coopmed, 2016: 131-52. Petraco A, Badalotti M , Arent A. Sangramento uterino anormal. Femlna
Ghiaroni J. Anamnese em Ginecologia. In: Febrasgo - Tratado de gi- 2009; 37(7):389-94.
necologia. Rio de Janeiro: Revinter, 2000:122-4. Shorge JO. Cuidado apropriado na mulher. In: Shorge JO. Ginecolo-
Halbe HW. Tratado de Ginecologia. São Paulo: Ed1tora Roca, 2000. gia do W111iams. Porto Alegre: Artmed, 2011:24.
CAPÍTULO (

Diagnóstico por Imagem em Ginecologia


Benito Pio Vitoria Ceccato Junior
Odilon Campos de Queiroz

INTRODUÇÃO mas situações. Para evitar erros diagnósticos são necessários


A investigação de qualquer d istúrbio que afete a saúde da equipamento e transdutores adequados, devendo o médico
mulhe r se inicia pela anamnese, seguida por minucioso exa- se r experiente e conhecedor dos princípios físicos da US e
me físico e sendo concluída em alguns casos po r exames com- da anatomia pélvica. O ultrassom é, po rtanto, um métOdo
plementares. Essa investigação será solicitada e inte rpretada máquina e ope rador-dependente.
sempre de acordo com os dados clínicos e do exame físico. Os Cabe ressaltar que a US é um exame complementar e,
métodos diagnósticos por imagem têm ampla utilização na como tal, deve ser sempre precedido pela avaliação clínica
prática ginecológica, destacando-se a ultrassonografia (US), a (anamnese e exame físico). As imagens devem ser sempre
radiografia convencional e contrastada, a tOmografia compu- analisadas dentro do contexto clínico, devendo se r ressalta-
tadorizada (TC), a ressonância magnética (RM) e a tomografia das três situações: p rimeira, nem tOda doença ginecológica
por emissão de pósitrons (PET-scan). tem manifestação ecográfica (o exame ecográfico normal de-
finitivamente não afasta a possibilidade de algumas doenças);
segunda, uma mesma doença pode manifestar-se de maneiras
ULTRASSONOGRAFIA (US) diferentes à ecografia; te rceira, imagens ecográficas similares
A US é o métOdo de imagem mais utilizado em razão da podem significar doenças d istintaS.
d isponibilidade e do relativo baixo custo. Trata-se de um mé- Em algumas situações se rão diagnosticadas alte rações
tOdo não invasivo, sem comraindicações, e até o momento não de tectadas na anamnese nem no exame clínico; e em
não foi detectado nenhum efeitO nocivo aos tecidos, quando outras, o ultrassom não detectará alterações clínicas evi-
respeitadas as indicações do exame e a calib ragem do apare- dentes, mas, muitas vezes, a avaliação ecográfica irá corro-
lho. Pode ser utilizada em gestações iniciais sem riscos para o bo rar a imp ressão clínica. Portanto, a avaliação apenas da
feto, por ser um exame dinâmico e, embora ope rador-depen- imagem poderá se r equ ivocada, sendo indispensãvel o co-
dente, apresenta boa reprodutibilidade. nhecimento de anatOmia e fisiologia da pelve e do sistema
A US util iza ondas sono ras emitidas po r transduto res de rep rodutOr fem inino.
altas frequências, ent re 2 e 20MHz, que atravessam os teci- A avaliação ecográfica da pelve femin ina inicial é realizada
dos e p roduzem ecos com diferentes intensidades. Um eco pela via transabdominal, utilizando a bexiga urinária cheia
é a reflexão da onda sono ra provocada pela diferença nas como janela acústica. O exame deve ser complementado,
impedânc ias acústicas encontradas nas inte rfaces teciduais. sempre que possível, pela via endovaginal. A avaliação pela
Esses ecos são captados pelo mesmo transdutor e transfor- via suprapúbica possibilita o rastreamento de tOdo o abdome,
mados em impulsos elétricos que fo rmam a imagem bidi- avaliando áreas inacessíveis pela via endovaginal. Os trans-
mensional em escala de tons de cinza, sendo desprezível a duto res endovaginais permitem a utilização de frequências
quantidade de ene rgia transmitida para os tecidos durante maiores em virtude da maior proximidade com as estruturas
a passagem do som. que serão estudadas, apresentando meno r profund idade de
A imagem visibilizada no monitor durante o exame eco- campo, mas obtendo melhores resolução e definição das ima-
gráfico é virtual , sujeita a artefatos que podem tornar a ima- gens. Os transdutores endovaginais possibilitam ainda a pal-
gem pouco nítida, não identificada ou d istorcida em algu- pação das estruturas na pequena pelve, podendo se r utilizada
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J 36 Seção I Ginecologia

a mão esquerda para palpação no abdome, analisando pontos Após a metabolização dos hormônios materno -placentá-
dolorosos, mobilidade das estruturas, consistência etc., o que rios, ocorre involução do útero e dos ovários, assumindo o
se constitui em verdadeiro exame físico da pelve sob visibili- aspectO infantil após 6 a 12 semanas. O eixo h ipotálamo-h i-
zação direta. pófise está inativo, não tendo, portanto, atividade hormonal
Outras vias utilizadas são a endorretal (que consiste na in- ovariana, e não há estímulo gonadotrófico e, por conseguin-
trodução do transdutor intracavitário no retO, quando não é te, não há desenvolvimento folicular e atividade hormonal
possível o uso da via endovaginal - por exemplo, em pacien- ovariana.
tes virgens) e a via transperineal para estudo da uretra e da Nessa fase, o útero tem comprimento <4cm, a proporção
vagina e, algumas vezes, do útero de crianças. corpo/colo é <l com colo mais espesso, e o diâmetro antero-
A dopplervelocimetria e o Doppler colorido tornam possí- posterior na região fúndica é <lcm. O eco endometrial não
vel o estudo dos vasos da pelve, possibilitando a detecção do é identificado, o canal vaginal é muito fino, e os ovários se
fluxo sanguíneo, bem como a direção (po r meio do mapea- apresentam como estruturas ovoides hipoecoicas sem folí-
mento colorido), a velocidade e o tipo de fluxo (venoso ou culos identificáveis e com comprimento <2cm. Pode haver
arterial de baixa, média ou alta resistência mediante análise ocasionalmente folículos isolados com diâmetro <5mm na
espectral). ausência de estímulo estrogênico (Figura 7.3).
Podem se r ainda utilizados contrastes para complementa- As neoplasias ovarianas são raras nessa faixa etária. As mais
ção do exame, como o contraste anecoico, tipo solução fi- comuns são as originárias das células germinativas (o disger-
siológica ou água destilada para estudo da cavidade uterina, minoma é o mais comum), seguidas pelas células do estroma
e o contraste ecogênico, que usa micropanículas sólidas em e cordão sexual (o tumor de células da granulosa é o mais co-
suspensão para o estudo da permeabilidade tubária. mum), que aparecem à ecografia como massas anexiais sólidas
A US tridimensional (3D) promove uma avaliação tridi- de tamanhos variados com marcadores tumorais, como a gona-
mensional das estruturas e tem utilidade principalmente nas dotrofma coriônica humana (HCG) - disgerminomas, ou com
anomalias mullerianas, onde o modo bidimensional normal- desenvolvimento sexual precoce (tumor de células da granulo-
mente não permite a confecção de cones coronais para avalia- sa) pela produção de estrogênio de origem tumoral (Figura 74).
ção da cavidade ute rina, e o cálculo volumétrico e as relações
entre as estruturas ficam mais bem definidos. Puberdade
A US é também utilizada para procedimentos invasivos, A puberdade ocorre quando o eixo hipotálamo-hipófise
como punção de folículos para fertilização in vitro e punção e inicia seu amadurecimento, ocasionando a produção do hor-
drenagem de coleções pélvicas. mônio folículo-estimulante (FSH) e do hormônio luteinizante
A avaliação anatõmica do sistema genital feminino varia de (LH), os quais possib ilitam o desenvolvimento folicular ova-
acordo com o funcionamento do eixo hipotálamo-hipófise- riano. O Jeedback negativo estrogênico é acentuado na infân-
-ovário, determinando as fases da vida da mulher, como pe- cia. A resposta do FSH é mais precoce e acentuada do que a
ríodo neonatal e infância, puberdade, menacme e menopau- do LH, dando margem ao desenvolvimento folicular e à pro-
sa, com padrões de normalidade específicos por faixa etária. dução de pequenas quantidades de estrogênio, com desen-
volvimento dos caracteres sexuais secundários relacionados
Período neonatal e infância com estrogênio (desenvolvimento das mamas e d istribuição
A US é o exame de escolha nessa faixa etária. A TC deve ser adiposa) 1 a 2 anos antes da menarca.
evitada em razão dos prováve is malefícios futuros da radiação O útero aumenta de volume principalmente à custa do cor-
ionizante, enquanto a RM, além de ser exame de alto custo e po, que se alonga e espessa, assumindo o aspecto piriforme,
pouco disponível, exige a sedação da criança. O exame eco- com a proporção corpo/colo >1, surgindo a linha endometrial.
gráfico da pelve nessa faixa de idade pode ser realizado pela O crescimento ovariano precede o uterino e é anterior aos
via transabdominal com a bexiga cheia, utilizando-se prefe- sinais clínicos da puberdade. Surgem nessa fase os primeiros
rencialmente transduwres de frequência mais alta (5MHz), folículos detectáveis à ecografia, sempre <5mm, aumentando
ou pela via transperineal , com transduwres convexos ou in- por essa razão o volume do órgão com d iâmetro longitudinal
tracavitários posicionados na vulva. >3cm (Figura 7.5).
No período neonatal (do nascimento até a sexta semana de
vida), em razão dos hormônios matemos que cruzaram a bar- Puberdade precoce
reira placentária, os órgãos genitais internos são mais volumo- Se essa sequência de eventos acontecer antes dos 8 anos
sos. O útero tem comprimento longitudinal de 3,5 a 4,5cm, de idade, fica caracterizado o quadro de puberdade precoce,
a proporção corpo/colo é igual a l/1, a cavidade endometrial o qual, verdade iramente , decorre do amadurecimento preco-
pode ser identificada, e o canal vaginal é bem defmido. Os ce do eixo h ipotálamo-h ipóftse, idiopática em cerca de 80%
ovários têm comprimento de 1,5 a 3,5cm, podendo apresen- a 90% dos casos, podendo resultar também de infecções,
tar folículos em virtude do estímulo gonadotrófico materno, o tumores ou lesões traumáticas do sistema nervoso central
que pode levar à ocorrência de cistos funcionais que aparecem (SNC). A pseudopuberdade precoce está relacionada com a
como cistos simples e que sofrerão um processo de involução produção hormonal por tumores produtOres de esteroides,
espontâneo em algumas semanas (Figuras 7.1 e 7.2). sendo os tumores de células da granulosa os mais frequentes.
r
((

Capítulo 7 Diagnóstico por Imagem em Ginecologia 37

Figura 7.3 útero e ovários na infância. Note as maiores proporções


do colo uterino (1/2). No canto à direita, ovários homogêneos sem
folículos detectáveis.

Figura 7.1 útero (A) e ovários (B) de recém-nascido. Note a propor-


ção corpo-colo e a presença da linha endometrial e de folículos no
ovário, indicativos de ação de hormônios maternos.

Figura 7.4 Disgerminoma (A) e tumor de células da granulosa (B):


Figura 7.2 Cisto ovariano funcional em recém-nascido. tumores sólidos mais comuns em mulheres jovens.
38 Seção I Ginecologia

Figura 7.7 Anomalia mOIIeriana: útero bicorno com corno d~reito nao
c omunicante e formaçao de hematométrio. No d etalhe, hematossal-
pinge ipsilateral.

Figura 7.5 útero e ovários na puberdade. Note a proporção corpo- Menacme


colo = 111 e o aparecimento da cavidade endometrial. No detalhe,
Com o amadurecimento do eixo hipotálamo-hipófise tem
ovários com folfculos detectáv eis.
infcio a resposta do LH ao estímulo gonadoLrófico. Após ma-
turação folicular adequada com produção de nfveis de estra-
Os smats ecográficos são o diâmeLro longnudinal dos O\'á- diol >200pglmL com duração de mais de 50 horas ocorrerá o
rios >3cm, o volume O\-ariano >3cc, a presença de aparencia primeiro pico de LH , com consequente omlação, segutda da
muluclsuca (mats de quaLrO follculos com dtãmetro >4mm) primeira menstruação (menarca), iniciando-se, assim, o pe-
e o desenvolVlmento uterino com aparectmento da linha ríodo reproduu,·o ou menacme.
endometrial. A avaliação das pacientes deverá estar sempre Nesse pertodo, o útero sob estimulo esLrogêruco apresen-
relacionada com os aspectos d inícos e laboratoriais , como a tará um volume aumentado, mais acentuadamente do corpo
dosagem do FSH sérico. e fundo com proporção corpo/colo >2/l , e com formato pi ri-
As anomali as müllerianas e do se io urogenital obstrulivas fo rme. A cavidade end ometrial é bem defi nida, com aspecto
são diagnosticadas nessa fase. O h fmen imperfu rado é uma ecográfico dependendo da fase do ciclo e d o uso de hormô-
anomalia de seio urogenital q ue proporciona criptomenor- nios. O canal vagi nal é bem definido, com visibilização da
reia e dores abdo minais cíclicas após a puberdade (Figura luz e paredes vagmais. O volume uterino normal varia de 20
7 .6). Essas anomalias com cornos utennos não comunican- a 90cc, e o ciclo menstrual é consequência da função coor-
tes com a vagina apresentam quadros de dor pélvtca ciclica denada do eLxo htpotálamo-hipófise-ovário, acarretando alte-
e formação de massas cfsticas com debns após a puberdade rações hormoruus clchcas, caracterizando-se, então, as fases
(Figura 7.7). mensLrUal, fohcular, ovulatóna e lútea.

Avaliação ovariana
O aspecto ovanano é típico da ecografia, e seu volume de-
pende da fase do ciclo, do uso de hormônios, da gravidez etc.
Em resposta ao estimulo gonadotrólico, os ovários a presen-
tam uma fase de recru tamento ovula r que se inicia po r volta
do quinto dia elo ciclo do ponto ele vista ecográfico, surgindo
vários folfculos periféricos que se desenvolvem até o nono
dia, quando surge o folfculo selecionado, que tem diâmetro
>lOmm. Os outros folfculos se tornam aLrésícos, enquanto o
selecionado cresce em média 2 a 3mm por dia, até aung~r um
diâmetro médto de 23mm (entre 18 e 28mm), quando então,
ocorre a ruptura (owlação), um fenômeno fugaz, surgmdo em
seu lugar o corpo lúteo, o qual apresenta anel '-ascular exube-
rante com vasos de batxa resistência ao mapeamento colondo,
com conteúdo variando de acordo com o estágio do sangra-
Figura 7.6 Hfmen imperfurado. Hematocolpo no detalhe à esquerda. menta, desde o aspecto sólido (quando predominam coágu-
r
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Capítulo 7 Diagnóstico por Imagem em Ginecologia 39

los), passando pelo aspectO misto (coágulos+ sangue hemoli- Os ovários policísticos se caracte rizam por aumento de
sado), até o de debris e trabéculas finas (sangue hemolisado). volume de ambos ovários, com fol ículos perifé ricos (mais
As retenções foliculares são achados frequentes e apare- de 12) e estroma denso, e o diagnóstico somente poderá
cem como cistos simples ge ralmente <6cm. Os co rpos lúteos se r feito q uando associado ao quadro clinico de anovulação
hemo rrágicos apresentam tamanhos e aspectos bastante va- c rônica e/ou sinais clínicos ou labo rato riais de hiperand ro-
riáveis, podendo se r sintomáticos em vi nude da irritação pe- genismo. Ovários com aparência policíslica podem oco rrer
ritoneal pelo sangue na cavidade peritoneal. O tratamento é em pacientes com ciclos ovulatórios normais, em usuá rias
conse rvador, raramente apresentando sangramento de maior c rônicas de contraceptivos ho rmonais e em outras situações
monta. Complicações hemo rrágicas acontecem com mais fre- q ue não caracterizem a sindrome dos ovários policíslicos
quência nas mulheres usuárias de anticoagulantes ou nas po r- (SOP) (Figura 7.10).
tadoras de diáteses hemorrágicas (Figuras 7.8 e 7.9). A endometriose ovariana é a alteração císlica não funcional
mais comum nas pacientes na menacme. Em cerca de 70% dos
casos os endometriomas aparecem como cistos de conteúdo
denso com debris, cápsula espessa e pouco vascularizada ao
mapeamento colorido , com os ovários ade ridos à parede lateral
do útero e ao fundo de saco uterino posterior (FSUP). A apa-
rência ecográfica dos endometriomas atípicos varia de acordo
com o sangramento para seu interio r. Se houver coágulos, terá
aparência sólida ou mista (veja o Capítulo 21). O d iagnóstico
dife rencial deve ser feito principalmente com os cistos lúteos (o
Doppler e o controle ecográfico posterior elucidam o diagnósti-
co) e com outros de conteúdo denso (Figura 7.11).
A endometriose pode apresentar-se como processo ade-
rencial na pe\ve, com os ovários aderidos à parede lateral da
pelve e às alças intestinais, percebidos ao ultrassom pela mo-
Figura 7.8 Retenção folicular: cisto simples com diãrnetro >3cm. bilização conjunta ao tOque do transduto r (Figura 7. 12).

Figura 7.9 Imagens de corpos lúteos. A Corpo lúteo clássico. B Corpo lúteo cístico. C Corpo lúteo com aspecto misto. O Corpo lúteo com
aspecto sólido. Note o anel vascular típico e a ausência de captação de fluxo no interior.
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J 40 Seção I Ginecologia

Figura 7.12 Endometriomas ovarianos com processo aderencial:


Figura 7.10 Ovários policísticos. perda das interfaces e mobilização conjunta ao exame d inãmíco.

A endometriose profunda se caracteriza pela infiltração


de tecido endometrial e h iperplasia da musculatu ra lisa
nos ligamentos ute rinos e parede de alças intestinais. As
pacientes se queixam de dor pélvica e dispareunia. O diag-
nóstico ecográfico é suspe itado quando o toque do trans-
dutor no FSUP é doloroso e não oco rre o deslizamento das
alças com a mobilização uterina. As alças intestina is ap re-
sentam espessamento das pa redes e, nessas situações, está
indicada a US após preparo intestinal para melhor avaliação
(F igu ra 7.13).
Remanescentes mesonéfricos podem ap resentar formações
císticas na pelve, localizadas no terço supe rior da vagina (cha-
madas de cistos de Gartner), no ligamento largo (cistOs para-
ovarianos) e peritubárias (hidálides de Morgagni). Apare-
cem como cistOs simples de tamanhos variados e não devem
ser con fundidos com cistos ovarianos (a identificação dos
ovários define o d iagnóstico). Cabe ressaltar que cerca de
25% dos cistOs pélvicos não são de origem ova riana, poden-
do corresponde r a remanescentes mesonéfricos, hidrossal-
pinges, cistOs mesenté ricos e cistOs de inclusão peritoneal
(Figura 7.14).

Figura 7.11 Endometriomas ovarianos. A Endometrioma típico. B En- Figura 7.13 Endometriose septo-retovaginal: espessamento da pa-
dometrioma atípico (sangramento recente: coágulo- sela). rede do reto (setas). Med idas no detalhe.
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Capítulo 7 Diagnóstico por Imagem em Ginecologia 41

Figura 7.14 A Cisto paraovariano (remanescente mesonéfrico)- seta indicando ovário. B Cisto de inclusão peritoneal: imagem multisseptada
englobando ovário (selas).

Avaliação uterina na região endocervical, sendo frequente o aparecimento de


Os contornos uterinos são regulares e bem definidos, e pequena quantidade de líquido livre na pelve nessa fase.
a textu ra miometrial é homogênea. A camada basal suben- • Fase secretora: o endométrio se tOrna hiperecogênico em
dometrial do miométrio é hipoeco ica, bem defin ida e com relação ao miométrio, observando-se a linha ecogênica da
inte rface nítida com o endométrio, exe rcendo atividade pe- cavidade na fase secretora inicial, aspecto que se deve à
ristáltica contrátil, a qual pode se r facilmente demonstrada to nuosidade das glândulas e à produção de mucina, au-
pela US mediante gravação em VHS e exibição em velocida- mentando as interfaces teciduais. Na fase secretOra tardia
de q uatro a cinco vezes maior no período menstrual, com pode haver discreta heterogeneidade com desaparecimen-
contrações peristálticas direcionadas do fundo para o colo to da linha cavitá ria em virtude do estroma endometrial
no sentido de reti rar os detritos da cavidade, ou du rante (Figura 7.15)
o pe ríodo pe riovulatório, com contrações pe ristálticas di-
Os vasos ute rinos que exibem alta resistência no perío-
recionadas do colo para o fundo, no sentido de facilitar o
do menstrual ap resentarão aumento p rogressivo do fluxo
transporte dos espe rmawzoides e manter o ovo fecundado
diastólico com diminuição progressiva dos índices de resis -
na região fúndica.
tênc ia .
O endométrio responde às alte rações hormonais cidicas
O endométrio da usuária de contraceptivo hormonal é
ovarianas, devendo have r sempre correlação entre a fase do
monofásico, decidualizado e atrófico com espessura <5mm.
endométrio e a presença de folículo ou corpo lúteo em um
O d ispositivo intraute rinpo (DJU) é facilmente identifica-
dos ovários.
do (com exceção do DIU com progeste rona - Mirenae , que
As quatro fases ecográficas na menacme são assim carac-
tem menor ecogenicidade), aparecendo como estrutura linear
terizadas:
fortemente refringente, e seu posicionamento é definido com
• Fase da menstruação: o endométrio é linear, ecogênico e exatidão (Figura 7 16).
d iscretamente heterogêneo , aspectO que se deve à necrose Os miomas ute rinos são a alte ração miometrial mais fre-
e à descamação da camada esponjosa, restando apenas a quente na menacme, com prevalência girando em torno
camada basal com pequena quantidade de sangue fibrino- de 20% a 25% das mulhe res nos anos reprodutivos, sendo
lisado na cavidade endometrial. sua etiologia desconhecida. Esses miomas são usualmen-
• Fase proliferativa: o endométrio é hipoecoico em relação te múltiplos, de tamanhos variados e na maioria das vezes
ao miométrio, com aspecto trilaminar, sendo a lâmina mé - assintomáticos (50% a 70% dos casos). Os sintomas estão
d ia a cavidade endometrial e as lâminas, ante rior e poste- relacionados com a localização, a vascularização e, algu-
rior a interface com o miométrio basal, aspecto que se deve mas vezes, com o volume. O mais comum é o sangramento
ao arranj o simétrico e regular das glândulas e à ausência de uterino anormal, causado por desvio da cavidade uterina,
atividade secretOra, o que produz poucas interfaces. como ocorre nos miomas submucosos ou nos intramurais,
• Fase periovulatória: o endométrio mantém o aspecto tri- que causam desvio endometrial e também podem ocasionar
laminar, porém tende a ser isoecoico em relação ao mio- infen ilidade ou provocar abonamentos espontâneos. A dor,
métrio, aspecto que se deve à atividade secretOra inicial, que pode ocorre r quando há comprometimento vascular, é
o que torna as glândulas tOrtuosas com mucina na luz. O mais comum durante a gravidez (secundária a p rocessos de
muco cervical é facilmente identificável como área anecoica degeneração).
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J 42 Seção I Ginecologia

Figura 7.15 Fases do endométrio. A Primeira fase (trilaminar hipoecoico). B Fase intermediária (trilaminar isoecoico). C Fase secretora inicial
(ecogênico homogêneo com eco cavitário central identificado). O Fase secretora tardia (ecogênico heterogêneo).

Figura 7.16 DIU em imagem tridimensional A Mirena. B Multiload. C T cobre.


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Capítulo 7 Diagnóstico por Imagem em Ginecologia 43

Os miomas subse rosos podem acarretar compressão ex- fitada a o rigem do sup rimento sanguíneo pelo mapeamento
trínseca, dependendo do tamanho e da localização, e cau- colorido (os vasos que suprem a massa se originam do útero,
sar sintomas urinários (disúria por compressão da bexiga). no caso dos miomas, e do infundíbulo pélvico, no caso dos
A hidronefrose (por compressão do ureter, mais comum nos tumores ovarianos) (Figura 7. 17).
miomas intraligamentares) e a constipação intestinal (por Os miomas podem sofrer degenerações benignas, sendo as
compressão do retO) são condições muito pouco frequentes. mais comuns a atrofta e as calcificações, as quais ocorrem mais
Os miomas, ao ultrassom, aparecem mais frequentemente frequentemente após a menopausa, a degeneração carnosa ou
como nódulos arredondados, múltiplos, de limites bem de- rubra, a qual ocorre durante a gravidez em decorrência de
finidos e ecogenicidade variável (na maioria das vezes hipo- suprimento sanguíneo deficiente, e as degene rações h ialina e
ecoicos em relação ao miométrio). A US define o tamanho e a cística, decorrentes de liquefação central do mioma po r altera-
localização exatos e a relação com o endométrio. O diagnós- ções vasculares. A degeneração maligna é rara, ocorrendo em
tico diferencial entre o mioma pediculado e o tumor sólido <1 % dos casos, e deve ser suspeitada em caso de crescimen-
de ovário, cuj os aspectos ecográficos são semelhantes, é esta- tO e aumento da vascularização do tumor em pacientes pós-
belecido quando são identificados os dois ovários ou identi- -menopausadas (Figura 7.18).

Figura 7.17 Miomas uterinos (setas). A Ecogênico. B Hipoecogênico tipioo. C Calcificado.

Figura 7.18 Mioma com degeneração cística.


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j 44 Seção I Ginecologia

A US apresenta boa correlação com o diagnóstiCO hlsto-


patológico (sens1b1hdade de 89%) principalmente nos casos
mais avançados, em que os sintomas cllnicos se mostram ma1s
evidentes.

Achados ecográficos
Os achados ecográficos sào os seguintes:
• Aumento inespecffico do volume uterino, principalmente
do diâmetro anteroposterior (forma globosa).
• Heterogeneidade do parênquima.
• Espessamento assimétrico das paredes uterinas.
• Perda da mterface endométrio-miométrio.
• Adenotruomas.
• Cistos miometnatS.
Os achados ecográficos, com exceção dos cistos mlome-
triais, que ocorrem em cerca de um terço dos casos e sào o
Figura 7.19 Leiomiossarcoma: volumosa massa uterina heterogênea. sinal mais especifico da adenomiose, sào inespecfficos, e os
adenomiomas podem se r confundidos com nódulos mioma-
tosos (ao mapeamento colorido o adenomioma apresenta cir-
Os sarcomas uterinos sào tumores altamente agressivos, culação radial, ao contrário dos miomas, q ue apresentam va-
com crescimento muito rápido, de disseminação precoce e sos periféricos e Circulares). A perda da interface está relacio-
acometem mais comumente as mulheres acima de 50 anos. nada com a im<asào da camada juncional, que perde o aspecto
Os sintomas mais comuns sào sangramento utenno e des- hipoecogêruco, com a delimnação se tomando pouco nluda,
confono abdominal em razão do rápido cresc1mento tu moral , sendo munas ,·ezes d1ffceis a Identificação e a mensuração
compreendendo os leiomiossarcomas (maiS comuns), sarco- precisa do endométno. Os aspectos ecográficos assoctados ao
mas do estroma endometrial, tumores mesodérm1cos m1stos quadro clinico aumentam a sensibilidade do exame. O exame
e adenossarcomas. ultrassonográfico deve ser cuidadoso, e não preciSam estar
Ao ultrassom, podem ser muito parec1dos com os miomas necessariamente presentes todas as alterações ecográficas (FI-
uterinos, apresentando vascularização exuberante ao mapea- gura 7.20).
mento colorido com vasos de baixa resistência (aspecto que Originários do tecido conjuntivo, OLllrOS tumores uterinos
pode ser se melhante ao dos miomas hipervascularizados). O são raros, como os li pomas. e geralmente são nódulos hipere-
diagnóstico definitivo é feito pelo exame histopatológico e cogênicos bem definidos, sendo o diagnóslico definido pelo
pela evolução desfavorável da doença. Os leiomiossarcomas, estudo histopatológico (Figura 7.21).
portamo, podem ter aspecto semelhante ao dos miomas ao Em relação ao diagnóstico diferencial, os rniomas são os
exame ecográfico, principalmente nas fases micia1s, deven- nódulos uterinos mais comuns na menacme. Esse dtagnóstico
do ser sempre a\·emada essa possibilidade quando houver
cresc1mento muno rápido de um mioma ou também após a
menopausa. Vale lembrar que a possibtbdade de degeneração
mabgna de um m1oma é <l% e que apenas 10% dos lelomios-
sarcomas são originários de mio mas (Figura 7.19).
A adenomiose uterina é definida como a presença de te-
cido endometrial + estroma abaixo da camada basal do en-
dométrio, ci rcundada por miométrio, sendo comum quando
associada a hipertrofia d o miométrio adjacente. As doenças
mais comumente associadas são os miomas uteri nos. Sua
etiologia é desconhecida e está ligada a fatores mecânicos
(gravidez), hiperestrogenismo e, provavelmente, fatores imu-
nológicos. Ocorre mais frequentemente em mulllparas com
maiS de 35 anos de idade. A presença de adenom1ose não im-
pbca necessanameme doença, pois munas pacientes, apesar
de apresentarem adenomiose ao exame h1stopatológ1C0 (pa-
drão-ouro), podem ser oligossintomâucas ou assintomáticas,
apresentando sintomas corno disrnenorre1a e sangramemo Figura 7.20 Adenomiose: assimetria e heterogeneidade das pa-
uterino aumentado, e o exame clinico demonstra útero glo- redes uterinas com cistos miornetriais (selas) e perda da camada
boso • aumentado de volume e de consistência amolecida. juncional (') .
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Capítulo 7 Diagnóstico por Imagem em Ginecologia 45

A histerossonografia consiste na introdução de liquido


(solução fiSiológica ou água destilada) na cavidade uterina,
proporcionando urna avaliação rna1s precisa e maiS detalhada
da ca,idade uterina, e é uulizada como complementação da
US endovaginal quando esta não é suficiente para definir o
diagnóstico (Figura 7 .22).

Figura 7.21 Lipoma uterino: volumosa massa ecogênica.

pode ser difrcil ao ultrassom com os adenomiomas e os nódu-


los uterinos de outras origens, até mesmo o leiomiossarcoma,
sendo o diagnóstico defi nitivo nesses casos estabelecido pelo
histopatológico.
Ocasionalmente, vasos ectasiados e flstulas aneriovenosas
podem ser confund1dos com nódulos, sendo o d iagnóstico
definido pelo mapeamento colondo. Os miomas com dege-
neração clstica e os ped1culados não devem ser confundidos
com doenças 0\'3.rianas e anexmis.
Os tumores de retropentOmo na pel,•e podem ter aspecto
semelhante ao dos rmomas, mas desv1am antenonmente as es-
truturas retropemonea1s, notadamente o reto e os \'3.505 illacos.
A US é a pnme1ra opção para avahação do sangramento
uterino anormal, por ser método não mvasivo e de grande
valor quando assoc~ado ao quadro cllmco, nunca sendo de-
mais lembrar que o diagnóstiCO defimuvo é es~abelecido pelo
estudo lu.stológ1co. O sangramento uterino disfuncional é um
diagnóstico cllmco e de exclusão, quando não existem alte-
rações anatômicas relacionadas com o quadro clínico, sen-
do o exame físico e a US normais (atenção deve ser dada ao
diagnóstico de alterações ao exame não relacionadas com o
quadro clínico, como mio mas inocentes, cistos paraovarianos
etc.). A suspeita de anormalidade é levantada quando o en-
dométrio se encontra fora de fase (mais frequentemente um
endométrio ecogênico na primei ra fase do ciclo) ou com es-
pessura >16mm na menacme.
As patologias endometriais nessa fase são quase se mpre
ecogênicas: um pólipo pode ser facilmente identificado em
um endométrio hipoecoico de primeira fase, uma hiperpla-
sia é suspeitada quando o endométrio se apresenta espesso
ou fora de fase, as sméquias aparecem como estruturas li-
neares ecogênícas, e os pequenos miomas submucosos se
formam mais comumente como nódulos hipoecoicos, os
Figura 7.22 H•sterossonograflll (HSNG). A M•oma submucoso (nó-
quais distorcem a cav1dade uterina e são mais bem visibíli- dulo hipoecogêmco c~rcundado por endométfiO normal). 8 Pólipo
zados na segunda fase do Ciclo. contrastando com o endo- endometnal: nódulo ecogêmco •ntracav•táfiO. C Espessamento as-
métrio ecogêmco. simétrico do endométriO (h1perplaslll s.mples no exame h1stológico).
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J 46 Seção I Ginecologia

Trata-se de quadro de dor abdominal súbita e de grande


intensidade, sendo a US de grande utilidade no diagnóstico.
O exame ecográfico normal afasta a possibilidade de acidente
vascular ovariano. O diagnóstico deve ser imediatO, pois o
tratamento cirúrgico instituído nas primeiras 16 horas muito
provavelmente preservará o ovário. Após esse período poderá
haver necrose e pe rda do órgão.
Os aspectos ecográficos que dependem do tempo decorrido
entre o evento e o exame ultrassonográfico são os seguintes:
• Fases iniciais: o ovário se apresenta bastante doloroso ao
toque do transdutor, aumentado de volume, e o edema o
torna ecogênico com os folículos desviados para a periferia.
• Fase tardia: a necrose do tecido ovariano o faz tornar-se
hipoecogênico.
Figura 7.23 Hidrossalpinge: imagem tubular anecoica cornpressível O estudo dopplervelocimétrico pode apresentar fluxo ar-
ao toque do transdutor. A identificação do ovário ipsilateral define o te rial e venoso nas fases iniciais, podendo progredir para a
diagnóstico.
presença de fluxo apenas arterial até a ausência tOtal de fluxo ,
quando houver necrose.
A doença inflamatória pélvica (DIP) pode não apresentar CistOS paraovarianos e h id rossalpinges também podem mais
alteração ecográfica nas fases iniciais, devendo ser levantada a raramente sofrer ruptura e levar ao quadro de abdome agudo.
suspeita quando a mobilização uterina é dolorosa ao toque do A identificação dos ovários, independentemente do cisto, de-
transdutor, sendo esse um dos principais fatores indicativos bris e líquido na cavidade define o diagnóstico (Figura 7.24).
da possível presença da DIP. A identificação das tubas uteri-
nas, com a presença ou não de líquido com debris associada
ao quadro clínico, define o diagnóstico , podendo ou não estar Avaliação de outras estruturas na pe/ve
ligada a outros sinais, como líquido livre na pelve e ovários A bexiga urinãria é facilmente estudada, sendo mais bem
com aparência policística (em virtude da periooforite). Es- avaliada em estado de repleção, pela via abdominal. Os mea-
ses outros sinais podem aparecer isoladamente, e a suspe i- tos ureterais são identificados em topografia de terço superior
ta de DIP deve ser levantada na presença de ao menos um da vagina, sendo também observados pela via transvaginal. O
deles quando associados ao quadro clínico. Nos casos mais colo ute rino, a vagina e a uretra são mais bem analisados pela
graves, os abscessos são identificados como coleções líquidas via endovaginal, recuando-se o transdutor para o introitO va-
com debris muito grosseiros em associação ao quadro clinico ginal. A mobilidade da junção vesicouretral também é avalia-
exuberante. As sequelas diagnosticáveis pela US são a h idros- da e, quando atinge posição extra-abdominal com o esforço,
salpinge e o processo fibrótico-aderencial, sendo este último é sugestiva de incontinência urinária genuína. Espessamentos
diagnosticado apenas indiretamente com a mobilização con- difusos da parede estão geralmente relacionados com pro-
junta das alças intestinais com o útero. A hidrossalpinge se cessos infecciosos, e os espessamentos focais são facilmente
apresenta como uma estrutura tubular anecoica que pode detectáve is no exame cuidadoso, com sua propedêutica de-
simular cisto septado (pelas circunvoluções da tuba), não de- vendo ser continuada, pois, mais frequentemente, se trata de
vendo se r confundida com cistos de origem ovariana, pois a neoplasias. A endometriose vesical se apresenta como massa
identificação dos ovários define o d iagnóstico (Figura 7 23). focal localizada entre as paredes anterior do útero e a vesical,
e o diagnóstico diferencial com as neoplasias é feitO mediante
Torção de pedícu/o ovariano a identificação da mucosa vesical íntegra (Figura 7.25).
A torção de pedículo ovariano ocorre mais frequentemente Os vasos ilíacos e hipogástricos são identificados, consis-
em pacientes na menacme, correspondendo a cerca de 5% tindo em referências anatômicas para o estudo da pequena
das urgências ginecológicas. Ce rca de 50% das pacientes são pelve, urna vez que junto com a musculatura pélvica definem
portadoras de cistOs ou tumores ovarianos benignos. As tOr- o retroperitônio. As neoplasias retroperiwneais cursam fre-
ções são mais frequentes à direita, pois os ovários são mais quentemente com o desvio anterior desses vasos.
bem acomodados pelo sigmoide à esquerda, sendo menor a As alças intestinais podem ser empecilho para o estudo eco-
possibilidade de torção. As causas podem ser anatômicas Oi- gráfico em virtude do conteúdo fecal e dos gases que distorcem
gamentos útero-ovarianos longos) ou relacionadas com au- as ondas acústicas em razão da grande d iferença de impedàn-
mento de volume dos anexos (ovários aumentados de volume cia acústica com os tecidos moles, inviabilizando a avaliação
por cistos, tumores ou hiperestímulo, ou presença de massas das estruturas localizadas posteriormente. Essa situação pode
anexiais, como hidrossalpinges e cistos paraovarianos) e rara- ser contornada pela mobilização com o transdutor e/ou com a
mente ocorrem nas doenças malignas, na DIP e na endome- mão esquerda no abdome da paciente. Ocasionalmente podem
triose em razão do processo aderencial. ser usados laxativos ou antifisêticos. O uhrassonografista deve
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Capítulo 7 Diagnóstico por Imagem em Ginecologia 47

Figura 7.25 Bexiga urinária. A Tumor vesical (imagem ecogênica


projetada para a luz vesical). B Endometriose vesical (imagem eco-
gênica na parede vesical: note a mucosa [seta) recobrindo a lesão).

estar familiarizado com as alças intestinais, as quais costumam


ser sede de processos infecciosos e tumorais diagnosticáveis
durante o exame pélvico (Figura 7.26).
Também é importante o conhecimento da anatomia eco-
gráfica do abdome, pois não há separação da pelve do restan-
te da cavidade abdominal , podendo oco rrer erros de inte rpre-
tação (p. ex., um rim pélvico que pode ser confundido com
massa anexial) (Figura 7.2 7)
As neoplasias ovarianas mais comuns na menacme são o
cistO de rmoide e o ciswadenoma seroso. O te ratoma benigno
(cisto dermoide) corresponde a 20% dos tumores ovarianos
em adultos e 50% em crianças. Tem comportamento maligno
em <l% dos casos. A maioria é assintomática e tem cresci-
Figura 7.24 Torção de pediculo ovariano. A Fase inicial (ovário au-
mento lemo, sendo bilaterais em lO% dos casos. A p rincipal
mentado de volume ecogênico com fluxo e foliculos desviados para
a periferia). B Fase tardia: ovário hipoecoico com fluxo apenas ar-
complicação é a torção de ped ículo, que pode ocorrer em até
terial. C Necrose ovariana (ovário hipoecoico com ausência total de 16% dos casos, sendo muito mais frequente durante a gravi-
fluxo). dez. Ruptu ra e infecção são raras. As neoplasias são reconhe-
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J 48 Seção I Ginecologia

Figura 7.28 Cisto dermoide: note o oorpúsculo de Rokitansky (sela),


típico dessa patologia. No detalhe, a imagem pela via transabdominal.

cidas facilmente ao ultrassom pela presença do corpúsculo


de Rokitansky (sendo praticamente pawgnomônico para o
diagnóstico) , o qual pode predominar por seu aspectO ca-
racterístico de imagem ecogênica com fone atenuação sônica
posterior, não devendo ser confundido com conteúdo de alça
intestinal em exame apressado (Figura 7.28).
Na perimenopausa podem ocorrer os ciswadenocarcino-
mas com baixo potencial de malignidade, que são cistos mul-
tisseptados e com projeções sólidas, normalmente de grande
volume.

Climatério e menopausa
A menopausa se caracteriza por uma amenorreia hipe rgo-
nadotrófica em razão do esgotamento da população folicular
que não responde mais ãs gonadotrofinas, levando, comu-
mente, a um estado de h ipoestrogenismo (com exceção de
algumas pacientes obesas que poderão apresentar grande
conversão periférica da androstened iona de origem suprar-
Figura 7.26 Alças intestinais. A Espessamento da parede correspon- renal e ovariana em estrona, que é um estrogênio fraco, mas
dendo a adenocarcinorna sigmoide. B Diverticulite: espessamento da
biologicamente ativo).
parede com formação d iverticular com processo inflamatório.
Haverá involução uterina com diminuição do volume mais
acentuadamente do corpo e do fundo. Os miomas também
diminuirão de volume e o endométrio permanece rá atrófico.
Essas mudanças irão acentuar-se com o tempo, podendo
acarretar o aparecimento de calcificações das artérias arquea-
das, estenose cervical, que aparece como interface líquida na
cavidade endometrial, e proporção corpo-colo <1. A doppler-
velocimetria mostrará vasos com alta resistência ao Ouxo, com
ausência de Ouxo d iastólico (excetO nas usuárias de vasodila-
tadores e/ou hipotensores). Essas mudanças (diástOle zero)
poderão também estar atenuadas ou algumas vezes ausentes
nas pacientes submetidas à terapia de reposição hormonal
(TRH), considerando-se normal uma espessura endometrial
de até lOmm na TRH não cíclica, na ausência de sangramemo
Figura 7.27 Rim pélvico localizado acima do útero pela US endova-
uterino anormal.
ginal. Não deve ser confundido com massa pélvica. No detalhe, a Os ovários também apresentarão atrofia, com ausência de
identificação do rim d ireito pela via transabdominal. folículos detectáveis à etografia após 2 a 3 anos de menopausa.
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Capítulo 7 Diagnóstico por Imagem em Ginecologia 49

Em aproximadamente 30% das avaliações pélvicas ecográfi- poecoicos, de limites pouco definidos, sem identificação clara
cas na pós-menopausa não se identificam um ou ambos os da cavidade endometrial no local do tumor, e o endométrio
ovários. É relativamente frequente a p resença de inclusões visibilizado normal tem, em geral, espessura <5mm. No local
foliculares, que se apresentam à ecografia como estruturas do câncer, o endométrio não é identificado, sendo detectados
císticas anecoicas, de paredes lisas e regulares, com diâmetro vasos de baixa resistência e de fácil captação ao mapeamento
dOem, com nuxo ausente ou de alta resistência à doppler- colorido. Para afastar a possibilidade de cânce r à ecografia é
velocimetria. Podem desapa rece r espontaneamente, estando necessária a identificação completa da cavidade endometrial,
nesses casos indicado apenas o controle clínico e ecográfico. mesmo nos endométrios com espessura <5mm. Espessu ra
As neoplasias são mais frequentes em mulhe res dessa faixa >5mm pode significa r endométrio atrófico, pólipo endome-
etária. trial, hiperplasias endometriais (que apresentam a inte rface
Os leiomiossarcomas são raros, podendo surgir do miomé- com o miométrio bem definida) ou câncer (que ap resenta
trio normal ou dos miomas (<1%), e são suspeitados quando perda dessa interface) , mas é necessário estudo histOlógico
há crescimento do mioma com hipe rvascularização nas pa- para o diagnóstico definitivo (Figura 7.29).
cientes na pós-menopausa. O câncer de ovário é o quinto tipo mais comum em mu-
O carcinoma de endométrio é raro antes da menopausa, lheres, sendo também a quinta causa de mone po r câncer e
e 80% a 90% das pacientes apresentam sangramento vagi- a primei ra por câncer ginecológico nos países desenvolvidos.
nal. Em cerca de 60% dos casos de sangramento vaginal na Pode oco rrer em qualquer faixa etária, porém é mais comum
menopausa, o endométrio é atrófico (a mucosa endometrial nos extremos da vida: nas mulheres na pós-menopausa (cerca
sangra por ulce rações supe rficiais). O pomo de cone seguro de 90% dos casos) e nas mulheres jovens (cerca de 7% dos
para afastar a possibilidade de câncer, desde que a cavidade casos). Aproximadamente 3% dos casos acometem as mulhe-
endometrial seja bem avaliada em tOda sua extensão, segun- res na menacme.
do estudo de metanálise de Smith-Bindman , é o endométrio Na pós-menopausa, os tumores mais comuns são os de ri-
que apresenta espessu ra <5mm. Outro estudo de metanálise vados das células epiteliais (cerca de 90%, sendo o ciswade-
recomenda espessura endometrial <3mm, ampliando a sensi- nocarcinoma se roso o mais frequente). Os cânce res ovarianos
bilidade do método, mas com aumento considerável dos pro- são a composição de diversos tipos de tumor com base nas
cedimentos invasivos pela diminuição da especificidade, uma características morfológicas e genéticas molecula res. Existem
vez que o diagnóstico definitivo é estabelecido pela avaliação dois tipos: os o riginários do ovário (tipos se roso, endometrioi-
h istOlógica da amostra endometrial. Dessa maneira, torna-se de, células claras, transicional), que correspondem a cerca de
imperativa a realização de ecografia em todas as pacientes 25% dos casos e são tumores assintomáticos e insidiosos que
que sangram na pós-menopausa. Por si só, isso muitas vezes geralmente apresentam grande volume e estádios avançados
d ispensará a realização de propedêutica complementar quan- quando d iagnosticados (70% das vezes têm diâmetro >10cm
do não for evidenciado aumento da espessura endometrial e e estádio Ill ou IV). Têm prognóstico rese rvado na maioria
quando a interface endométrio-miométrio estiver preservada. das vezes em virtude do d iagnóstico tardio. O outro tipo , que
Ce rca de 10% dos casos de sangramento de origem uterina corresponde a cerca de 75% dos casos, inclui os tumores ori-
na pós-menopausa correspondem à neoplasia maligna. Exis- ginários de outros locais, principalmente da porção fimbriada
tem dois tipos de cânce r de endométrio: o estrogênio-depen- das tubas uterinas, que acometem os ovários posteriormen-
dente e o não estrogênio-dependente.
O p rimeiro tipo responde po r cerca de 90% dos casos,
estando relacionado com estímulo estrogênico c rônico, sem
oposição progestín ica, semp re antecedido por alterações hi -
pe rplásicas. A faixa etária mais comum se encontra entre os
55 e 65 anos, são geralmente bem dife renciados, ecogênicos
(em razão da semelhança com o endométrio no rmal) e têm
espessu ra >5mm, com vasos de baixa resistência e de fácil
captação ao mapeamento colorido. O ultrassom é importan -
te para o estadiamento, pois invasões maio res do que um
terço do miométrio são detectáve is em quase 100% dos ca-
sos, sendo identificadas como pe rda da interface miometrial
(o halo hipoecoico subendometrial apresenta descontinui-
dade no local da invasão).
O segundo tipo (cerca de 10 % dos casos) não é estrogê -
nio-dependente nem tem antecedentes de hiperplasia, sendo
originário do endométrio atrófico. A faixa etária é mais avan-
çada (mais comum após os 65 anos), sendo geralmente mais Figura 7.29 Câncer de endométrio: espessamento endometrial hete-
indiferenciado e agressivo (os tipos h istO lógicos mais comuns rogêneo, com perda da interface na parede posterior (selas). No deta-
são os adenocarcinomas serosos e de células claras). São hi- lhe, a histerossonografia mostra a massa tumoral na parede posterior.
/.

'
'/
J 50 Seção I Ginecologia

te , são invasivos desde a o rigem e altamente agressivos (tipos células de Sertoli-Leydig. São tumores predominantemente
se roso de alto grau, indi ferenciado e mesodé rmicos mistos). sólidos, potencialmente p roduto res de hormônios esteroides:
As neoplasias malignas se ap resentam como massas císti- os tumores de células da granulosa produzem estrogê nio e
cas com septações grosseiras, projeções sólidas, multilocula- aprese ntam pseudopube rdade precoce, quando oco rrem na
das, hipervascularizadas e com vasos de baixa resistência, infância, ou metro rragia por hiperplasia endometrial, quando
persistentes após controle. oco rrem na menacme ou na menopausa, e os tumores das
Cistos simples d Oem não têm relação com cânce r, poden- células de Se rtoli-Leyd ig p romove m a vi rilização em virtude
do se r monito rizados po r meio de exames de acompanha- da produção de and rogênios (Figura 7.31).
mento. Qualque r irregularidade no cistO pode ser neoplásica, Os tumo res das células ge rminativas co rresponde m a cer-
podendo o tratamento ci rú rgico estar indicado (Figura 7.30). ca de l % a 2% das neoplasias ovarianas e acometem prefe-
Os tumores o riginários do estroma e d o cordão sexual cor- rencialmente mulheres jovens (as duas primeiras décadas de
respondem a cerca de 5% a 8% das neoplasias ovarianas, sen- vida). São tumo res predominantemente sólidos, sendo o d is-
do os tumores de células da granulosa mais frequentes (70% ge rminoma o mais comum, seguido pelos tumores de seio
dos casos), seguidos pelos tecomas, fibromas e tumores de endodérmico e os te ratomas imaturos.

Figura 7.30 Cistoadenocarci-


noma seroso: volumosa massa
cística com septações grossei-
ras e áreas sólidas.

Figura 7.31 Tumor d e células


da granulosa: tumor ovariano
sólido hipervascularizado.
r
((

Capítulo 7 Diagnóstico por Imagem em Ginecologia 51

Cerca de 10% dos cânceres ovarianos são metastálicos, o ri- O fatO r essencial para a melhora do prognóstico do cân-
ginários mais frequentemente do endométrio, das mamas, do ce r de ovário é o d iagnóstico p recoce, pouco frequente nessa
intestino e do pâncreas, têm péssimo prognóstico e muitas condição. Os rastreamentos labo ratO rial e ecográfico têm-se
vezes são mais agressivos do que o tumor original. Ao ultras- mostrado decepcionantes nessa patologia , sendo até hoje
som aparecem como tumores sólidos, em grande parte das considerados ineficazes, além de inadequados economica-
vezes bilaterais, podendo apresenta r áreas de degene ração mente. A melhora nos índices de mortalidade nos últimos anos
cística central e ser hipervascularizados com vasos de baixa é decorrente do progresso nas técnicas cirúrgicas (o tratamento
resistência ao Ouxo (Figura 7.32). do câncer de ovário é eminentemente cirúrgico). A paciente
com suspeita de câncer deve ser encaminhada para centros
especializados em cirurgia oncológica na primeira abordagem,
sendo essa a diferença a respeito do prognóstico. O diagnós-
tico pré-ope ratório , po rtamo, é fundamental para o sucesso
terapêutico.
Vários estudos clínicos analisaram a acuidade da US para
o d iagnóstico do cânce r de ovário com diferentes critérios e
escores.
O estudo muhicêntrico do lnternational Ova rian Tumo r
Analysis (JOTA) Group, na p rimeira fase, coletou dados
para o desenvolvimento de um modelo universal para dis-
tingu ir as massas anexiais benignas das malignas antes da
c irurgia: mais de 50 dados cl ín icos e uhrassonográficos fo -
ram definidos e registrados para análise ( regressão logística
e análise univa riada), sendo selecionadas 12 variáveis de
p rognóstico independente (características cl ín icas e ultras-
sonográficas) assim descritas: história familia r de cânce r
ova riano, idade, te rapia hormonal, do r, tumor inteiramen-
te sólido, maior diâmetro da área sólida, pa redes internas
irregulares, d iâmetro máximo, presença de somb ra acústi-
ca, ascite , nuxo sangu íneo intratumo ral e nuxo sangu íneo
em projeção sólida.
A análise dessas características por meio de software para
regressão logística possibilita avaliar a probabilidade de massa
maligna.
Poste riormente, o grupo JOTA desenvolveu estudo para
analisar, prospectivamente, o desempenho diagnóstico de re-
gras ultrassonográficas simples (simple rules) para p redize r
benignidade/malignidade de massa anexial com a padroniza-
ção dos critérios e com o objetivo de to rnar a avaliação menos
subjetiva, com menor variabilidade imerobservador, ou seja,
método reprodutível, sendo a avaliação subjetiva realizada
po r examinadores experientes quando as regras simples não
foram conclusivas.
Nesse estudo multicêntrico, q ue incluiu 1.938 pacientes
com massa anexial avaliadas antes do procedimento ci rúrgi-
co, a aplicação dessas regras obteve resultados conclusivos
em 77% dos casos, com sensibilidade de 92% e especifici-
dade de 96%. São cinco crité rios de benignidade e cinco
de malignidade de fácil interpretação. Quando a massa não
pude r se r avaliada adequadamente por esses critérios, o re-
sultado será inconclusivo, e esses critérios podem ser utili-
zados sem necessidade de cálculos estatísticos complexos
com boa reprodutibilidade (Quad ro 7 l).
A primeira avaliação po r imagem muitas vezes é iniciada
Figura 7.32 Tumor de Krukenberg (metástase de tumor de sigmoide). com uhrassom e, quando necessário, complementada po r
A Tumor sólido ovariano bilateral. B Detalhe do ovário direito. C Ovário outro método de imagem para confirmar ou ad icionar infor-
esquerdo apresentando líquido livre ao redor. mações.
/"
)/:
I 52 Seção I Ginecologia

Quadro 7.1 Ultrassonograhas

Carac terísticas de benignidade Cerecterlstlcas de malignidade


Bt: Unilocular M 1 Tumor sólido orregular
B2: Componentes Sólidos <7mm M2: Asc•te
83: Presença de sombra acúStiCa M3. Ao menos quatro pro,eções
papolates
84: Tumor mullilocular kso com M4 Tumor sólido wregulat
ô1Ame1ro < tOem muh•loculat d.ametro >tOem
85: Ausência de nuxo MS Fluxo exuberante

Apenas caracterlsticas B sem Ben•gna


caractertsticas de M
Apenas caracterlsticas M sem Maligna
caractertstícas de B Figura 7.34 H•sterossalp~ngografla. A Cavidade utenna e tubas nor-
Caracter1stícas B + M lnconclusiva mais. B útero com cavidade dupla.

Ausência de caracterrsticas B ou M lnconclusiva


A histerossalpingografia, o exame radiológico contrastado
mais uti lizado e de maior aplicação em ginecologia, é realiza-
RAD IOLOGIA CONVENCIONAL ECONTRASTADA da uti lizando-se contraste radiológico iodado liquido, o qual
A rad iografia simples da pelve é um exame pouco dispendio- é injetado sob pressão a partir do colo uterino, obtendo-se
so, rápido, de fácil acesso e que pode oferecer informações úteis o contraste na contraslação da cavidade uterina, das trom-
ao diagnóstico, resolvendo quase sempre questões dificeis. Deve pas e, caso estas estejam pérvias, da cavidade peritoneal. Sua
ser lembrada principalmente quando a questão em estudo apre- principal indicação é a pesquisa de causa de in fertilidade por
sentar elementos radiopacos, como diSpositivo intrauteríno, meio da avaliação da permeabilidade e mobilidade tubárias
corpo estranho ou estruturas ósseas ou calcilicadas. Convém (diminuídas em sequelas de DIP e endometnose) e também
lembrar também que a hipótese de seu emprego na gestação da avaliação das variações anatõmicas prove mentes de fusões
deve ser delinitivamente afastada, de'"endo ser usada em gestan- incompletas dos duetos mullerianos (úteros bicomos, didel-
tes somente com avaliação murto cnteriosa de seu risco-benefí- fos etc.) (Figura 7 .34).
cio. Como exemplo de seu uso pode ser atado o caso de uma
paciente na qual, na consulta para re\'lSão da aplicação de um TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA
disposiuvo mtrautenno (DrU), esse mecaniSmo não é localizado Assim como a radtologta convencional e contrastada, a TC
nem no exame clrmco nem no ultrassonográfico. Uma radio- é um método de imagem que uuhza radtação tomzante, de-
gralia simples de abdome pode demonstrar sua localização in- ,·endo seu uso ser avahado com cautela em gestantes. Trata-se
traperitoneal extrautenna. Nódulos de nuomas calcificados ou de um método de imagem seccional que ' 'em sendo oumiza-
o conteúdo de um cisto dermorde, como calcilicações, podem do sobremaneira com o advento dos equrpamentos multíslíce,
ser achados para contribuir no seu diagnósuco (Frgura 7.33). com ganhos importantes em informação da anatomra e pato-
logias da pelve, podendo oferecer informações adrcionais ao
exame ultrassonográfico, tanto nas patologias ginecológicas
como nas não pélvicas, notadamente naquelas envolvendo
o tubo d igestivo e as estruturas ósseas ou calcificadas. Sua
principal aplicação em ginecologia é para o estad iamento de
neoplasias originadas no útero, ovários ou região anexial, va-
lendo ressaltar que sua aplicação na oncologia ginecológica
ultrapassa os limites da pelve, sendo uti lizada para avaliação
do envolvimento de outros ó rgãos pelas patologias malignas
(Figura 7.35).

RESSONÂNCIA MAGNÉTICA (RM )


A RM é um método de imagem seguro para uso em gineco-
logia e obstetrícia, uma vez que não utiliza radtação iomzante,
M•rena e vem se tomando mais frequente, apesar de ser o método de
mais difícil acesso e de maior custo. UultZa-se de campo mag-
néúco imenso e pulsos de radrofrequencia para a formação
Figura 7.33 Dosposotrvo ontrautenno fora do (Itero na caVIdade pe- da imagem, podendo esses pulsos ser combinados de \'árias
rrtoneal. formas, originando as ponderações das tmagens.
\.
r
( I

Capitulo 7 Diagnóstico por Imagem em Ginecologia 53

Anatomia uterina pela RM


O útero é melhor e mats comu mente estudado por meto
de imagens ponderadas em T2 . p rincipalmente no plano
sagital. Na menacme, três zonas d istintas podem ser assim
reconhecidas: ( l ) o endométrio, h ipe rintenso (branco b ri-
lhante) com espessu ra va riável, dependendo da fase do ci-
clo, medi nd o no máximo l Smm, Smm na pós-meno pausa
se m TRH e Bmm com TRH (critérios s imilares aos do ul-
trasso m); (2) a chamada zona juncional, hipoi ntensa (cin-
za bem escuro), uma banda de hipossi nal correspondendo
h istologicamente à camada mais interna do miométno, que
mede no máxtmo l2mm; (3) a camada mais externa do mio-
métrio, com mtenstdade de sinal intermediána.
Em 1magens de alta resolução, quatro zonas dtstmtas po-
dem ser idenuficadas no colo: (l) o muco hiperintenso no ca-
nal endocervical; (2) a mucosa com sinal intermediário/alto;
(3) o estroma cervical hipointenso envolvendo a mucosa; (4)
uma camada adicional de sinal intermediário em conti nuida-
de com o miométri o d o co rpo, representando musculatu ra
lisa (Figura 7.36).

Indicações de uso da RM
Praticamente todas as patologias ginecológicas que alteram
a morfologia dos órgãos gmecológicos podem ser estudadas
pela RM , porém sua ma1or aplicação se dá nas segumtes:
• Anomahas utennas congênitas:
Doença uterina benigna.
Figura 7.35 TC. A Abscesso pélvico (seta). B Massa das partes mo-
les: disseminação local de câncer de colo uterino (setas). - Endometríose.
- Adenomiose.
• Carcinoma do colo.
As ponderações primá rias ou básicas são cm Tl (água com • Carcinoma do endométrio.
ause ncia de sinal - escura), em T2 (água com fo rte sinal - • Neoplasia ovariana.
b ranca) e em DP (d ensidade de prótons- água com sinal
intermediário - cinza), esta última menos utilizada nos dias Malformações congênitas
de hoje. A referência é dada pelo brilho das 1magens em As malfonnações do aparelho genital feminino, já detalha-
RM como "sinal", podendo variar da au5encia (escuro) ao das, podem ser dtagnosticadas por meio de outros métodos de
smal tntenso (muito claro). São muuas as sequências de imagem, como h!Sterossalpmgografia e US. Todavta, a nqueza
pulso uuhzadas na prática diária, mas não é o caso de dis-
cuti-las no presente texto, bastando saber que grande pane
delas, apesar de s uas variações de pulsos, é ponderada em
TI ou T2.
Importante destacar o uso de técn icas de su pressão de gor-
d ura (técnica que suprime o sinal proveniente ela gordura). A
impon ancia das ponderações em RM reside, como já citado,
na capacidade de oferecer informações anatõmicas dive rsas,
como a possibilidade de reconhecer alguns tecidos, especi fi-
camente por meio do seu comportamento nas várias sequên-
ctas, diferenciando água, gordura, sangue, entre outras, o que
pode ser de grande ,·alor na a\·aliação de patologias.
Seu emprego é semelhante ao da TC com aphcações em
oncologta gmecológica, porém oferece mnda ma1s subsidios
para o dtagnóstico de patologias benignas ou condições
obstétricas que ames de sua aplicação eram território nebulo-
so para o diagnóstico por imagem. O útero e suas patologias Figura 7.36 RM da pelve. útero em corte sagital (ponderada em T2)
constituem a maior aplicação da RM em ginecologia. mostrando a zona 1uncional(JZ) e o endométrio (E). Bexiga urinária (8).
/.

'
'/
J 54 Seção I Ginecologia

de detalhes e a possibilidade de obtenção de imagens em três Miomatose


planos (co ronal, sagital e axial) tornam a RM muito superior aos Os miomas podem facilmente ser numerados, medidos e
demais métodos, facilitando a identificação e a diferenciação de localizados com a RM , se ndo sua topografLa e sua relação com
variações anatõmicas, como os úteros bico mo e septado, sendo a cavidade e a serosa uterinas muito bem avaliadas, o que
essa diferenciação fundamental para a abo rdagem terapêutica. facilita muito o planejamento cirú rgico.
Os miomas uterinos apresentam aspecto típico na RM, apre-
Adenomiose sentando-se como lesões nodulares bem delimitadas, com hi-
Desde que Rokitansky descreveu a adenomiose em 1860, pe- possinal nas imagens ponderadas em Tl e TI. O hipossinal em
queno progresso tem ocorrido no entendimento dessa condição. T2 possibilita sua diferenciação com relação à grande maioria
A adenomiose consiste na presença de tecido endometrial dos tumores malignos. As lesões são envolvidas por uma pseu-
ectópico no miométrio com proliferação e penetração das glân- docápsula de tecido vizinho circunjacente. Um pequeno halo
dulas endometriais, formando ilhas de tecido endometrial em hiperintenso em T2 pode ser visto, sendo atribuível à d ilatação
sua intimidade em associação à hiperplasia miometrial. de linfáticos e de veias, bem como edema do miométrio pe-
A incidência varia de acordo com os critérios de d iagnóstico rilesional. Grandes miomas podem sofre r diferentes tipos de
(entre 8% e 27%) e está com frequência associada à mioma- degeneração (hialina, hemorrágica, gordurosa ou cística), que
tose, sendo difícil a diferenciação das duas patologias quando se apresentam como áreas heterogêneas de hipersinal interno
os miomas são múltiplos e pequenos, notadamente nos casos nas imagens ponderadas em T2 (Figura 7.38).
de adenomiose focal.
O método oferece algumas vantagens sobre a transvaginal no Endometriose
diagnóstico, uma vez que é menos operador-dependente e as A endometriose é uma doença ginecológica importante por
imagens têm melhor reprodutibilidade de um exame para outro, sua prevalência e por suas consequências, como infenilidade
representando vantagem na monitorização da adenomiose. e dor, sendo a laparoscopia com biópsia o método d iagnós-
Imagens ponderadas em T2 são as mais utilizadas para o tico de refe rência. A RM também aprese nta sensibilidade de
diagnóstico da adenomiose. Os critérios diagnósticos incluem 90% e especificidade de 98% para o diagnóstico da endome-
o espessamento da zona juncional (>12mm), a lesão com hi- t riose. A endometriose profunda e do septO retOvaginal pode
possinal adjacente ao endométrio, apresentando-se como focal ser demonstrada pela RM como foco de hipersinal em Tl. O
ou d ifuso, e a presença de massa miometrial com h ipossinal e aspecto mais comum e específico do endometrioma consiste
margens pouco definidas (adenomioma). Os focos de hipersi- em um cisto com acentuado hipersinal em Tl e hipossinal
nal em T2 no interior da lesão hipointensa representam ilhas nas imagens ponderadas em T2 (shading). O hipe rsinal nas
de tecido endometrial ectópico, glândulas endometriais com imagens ponderadas em Tl é explicado pela presença de
dilatação cística e/ou hemorragia, estando presentes em 50% a conteúdo hemorrágico (meta-hemoglobina extracelular) no
88% dos casos. Trata-se de ferramenta valiosa na diferenciação interior do endometrioma, enquanto o hipossinal nas ima-
entre mioma e adenomioma (Figura 7.37). gens ponderadas em T2 é atribuível ao alto conteúdo de ferro ,

Figura 7.37 RM. útero ponderado em T2: desaparecimento da ca- Figura 7.38 RM . Miomatose uterina: corte sagital mostrando nódu-
mada juncional e endométrio com limites pouco definidos. los miometriais (N).
r
((

Capítulo 7 Diagnóstico por Imagem em Ginecologia 55

nos casos em que a extensão tumoral pode alterar a abo rda-


gem cirúrgica ou em pacientes com outras lesões concomitan-
tes, como, por exemplo, os leiomiomas.
As imagens ponderadas em T2 são utilizadas para identi-
fica r e estadiar o carcinoma de endométrio, e as em Tl com
gadolínio (contraste para magnético) aumentam o grau de de-
tecção e facilitam a d iferenciação entre debris e tumor viável,
além de melhorarem o diagnóstico do grau de invasão mio-
metrial. A aparência do carcinoma estádio I é inespecífica,
comumente s apresentando apenas como espessamento difu-
so da linha endometrial. A avaliação hisLOlógica é necessãria
para a confi rmação do carcinoma não invasivo, pois não é
possível a diferenciação com outras patOlogias benignas (pó-
lipos e hiperplasia adenomatosa).

Carcinoma do colo
A RM é capaz de diagnosticar o câncer do colo uterino
em estádios mais avançados; contudo, o exame especular, a
colposcopia, a citologia, o "Papanicolau" e a biópsia são os
métodos de escolha para o d iagnóstico. O principal papel da
RM é o estadiamento da lesão.
No carcinoma in si tu, assim como no estádio IA (microin-
vaso r), não são geralmente visibilizadas alte rações, ressaltan-
do-se que um tumor visível indica carcinoma macroinvasor,
o qual é identificado como a massa de sinal inte rmediário
em TI, contrastando com o aspecto de hipossinal do es-
troma normal do colo. Um tumor é classificado em estádio
liA quando invade os dois terços superiores da vagina. Nas
imagens ponderadas em TI, a interrupção segmentar do hi-
possinal da parede vaginal ou a presença de vagina espessa e
hiperintensa indica invasão tumoral. Tem significado clínico
maior a presença de invasão parametrial, porque pacientes no
estádio JIB não são candidatas à ci rurgia. Invasão parametrial
é diagnosticada quando há inte rrupção completa do estroma
cervical associada a irregularidade e heterogeneidade da gor-
dura parametrial.
No estádio JIIA, a massa tumoral se estende até o terço
Figura 7.39 RM. Endometriose profunda: imagem hipointensa infit- inferior da vagina. A extensão tu moral para a parede pélvica
trativa no nfvet do coto uterino (A) e dos paramétrios (B). ou a presença de hidronefrose caracte riza o estádio IJJB. A
extensão para reto e bexiga (estádio IVA) é cogitada quando
há inte rrupção do hipossinal normal da parede desses ó rgãos.
que é de 10 a 20 vezes maior do que no sangue. Sequências Embora não avaliados pelo estadiamento da Federação Inter-
com técnicas de SaLuração de go rdura ponderadas em T l au- nacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO), a presença de
mentam a sensibilidade na detecção de pequenos focos de metástases linfonodais se correlaciona significativamente com
endometriose e ajudam na diferenciação dos cistos endome- pior prognóstico. O diagnóstico de linfonodos metastáticos
trióticos dos dermoides (Figura 7.39). na RM se baseia no achado de linfonodos aumentados, com
mais de lcm no menor eixo. A acurácia da RM no diagnóstico
Carcinoma do endométrio de linfonodomegalias varia de 76% a 93%. No entanto, as
O ultrassom é o primeiro método a ser pensado para ava- características de sinal do linfonodo aumentado não possibi-
liação do endométrio, CL~as patologias têm seu diagnóstico e litam, por si, a diferenciação entre linfonodomegalia metastá-
rastreamento bem avaliados po r ele. Contudo, a RM é apon- tica e hipe rpláslica.
tada como métOdo de alta eficácia no estad iamento pré-ope-
ratório do carcinoma de endométrio, sendo utilizada para Lesões ovarianas
determinar a profund idade de invasão miometrial, com re- O papel da RM no diagnóstico das lesões ovarianas focais,
latos de acurácia ao redor de 80%, e também para identifica r sejam sólidas ou císticas, é restritO, sendo utilizada apenas
extensão para o colo e paramétrios. A RM é também utilizada nos casos em que o ultrassom não ofereceu substratos sufi-
/.
'
'/
J 56 Seção I Ginecologia

anatômica. Por isso, os dots métodos são acoplados, unindo a


referência anatõmica da TC à sensibilidade do PET.

TOMOGRAFIA POR EMISSÃO DE


PÓSITRONS!RESSONÂNCIA MAGNÉTICA (PET-RM )
O equipamento é formado pela PET e a ressonânCia mag-
nélica, melhorando amda mats as referênctas anatõmicas. Nos
dois casos, as limitações pnnctpa!S são d!Spontbtlidade e cus-
to elevado.

leitura complementar
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malignos. CIStos stmples, \'ÍStbtlizados como anecoicos ao
of transvag1nal sonography for the d1agn0S1s of adenomyosis: SIS-
ultraSSOm, se apresentam como lesões O\'Otdes regulares, de tematic review and mata-analys1s. Am J Obstei Gynecol 2009,
baixo sinal T 1 e alto smal T2 nos exames de ressonância. 201 : 107e1-6.
Informações muno \'ahosas podem ser oblidas nos casos Olpin JD, Heilbrun M . lmag1ng oi Mullenans duct anomahes. Chmcal
de cistos endometn01des e teratomas, como Já díseulido, ha- Obstetrics adn Gynecology 2009. 52;4()-56.
Reinhold C, Tafazoli F. Meh10 A et ai. Utenne edenomyosis: endovagi-
vendo, no caso do pnmeuo, dtferenctal com cistos funcio- nal US and MR 1mag1ng features Wlth h1stopatholog1C correlatton.
nais hemorrágtcos. As lesões mtstas apresentam alto grau de Radiograph1cs 1999; 19(Spec No):S147-60.
suspeição para mahgmdade, e seu tamanho, caracteríslicas Smith-Bindman R, Kerhkowske K. Feldste•n VA et ai. Endovaginal ul-
internas e padrão de captação fornecem subsidios para maior trasound to exclude endometrial cancer and other endometrial
abnormalities. JAMA 1998; 280(17): 1510-17.
ou menor probabthdade de malignidade. Essas lesões se apre-
Steinkeler JA, Woodheld CA, Lazarus E, Hillstrom MM. Female infer-
sentam como ovoides que em T2 apresentam septações in- tility: a systematic approach to radiologic imaging and diagnosis.
ternas (em negativo) ou nódulos sól idos murais. As lesões RadioGraphics 2009, 29:1353-70.
predominantemente sólidas podem variar do baixo s inal a The Rotterdam ESHRE/ASRM-Sponsored PCOS consensus wor-
sinal intenso em T2, dependendo da celularidade do tumor e kshop group. Revised Consensus on D1agnostic Crileria and Log-
term Heatth Risks Related to Polycystic Ovary Syndrome. Fertility
do tipo celular envolvido, podendo ser encontradas lesões be- and Sterility 2004; 8 1:19-25.
nignas (como os fibromas), de baixa malignidade ou malignas Timmermans A et ai. Endometrial thickness measurement for detec-
(tumores de células germinativas) (Figura 7.40). ting endometrial cancer in women with postmenopausal blee-
ding. Obstetrics and Gynecology 2010; 116: 16Q-7.
Timor-Tritsch IE, Lerner JP, Monte agudo A, Murphy KE, Heller DS.
TOMOGRAFIA POR EMISSÃO DE Transvaginal sonographic markers of tubal inflamatory disease.
PÓSITRONS/TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA (PET· TC) 1998; 12:56-66.
Torloni MR, Vedmedovska N, Merialdi M, Betran et ai. Safety of ultra-
O equipamento é formado pela PET acoplada a um to-
sonography in pregnancy: WHO systematic review of lhe hterature
mógrafo (TC). Simtlarmente à cintilografia, um radiofármaco and meta-analys1s. Ultrasound Obstei Gynecol 2009: 33.599-608.
é injetado e a radiação emllida é captada. A PET tem muita Werner Jr H, Brandão A, Dalto P. Ressonância magnétiCa em obste-
sensibilidade em detectar lesões, mas tem baixa referência trícia e ginecologia Rio de Jane1ro: Ed1tora Revinter, 2003.
CAPÍTULO

Estados lntersexuais
e Malformações do Trato Genital
João Tadeu Leite dos Reis
Cláudia l..!ida Barbosa Salomão
Maria Virgínia Furquim Werneck Marinho

ESTADOS INTERSEXUAIS O grande desafio é o tempo dispensado em precisá-lo, já que


Os estados imersexuais resultam da d1ferenctação imper- dele dependem, além da definição do sexo, também os proce-
feita ou mcompleta dos órgãos gemtais em qualquer nivel dimentos terapeuucos e o aconselhamento genético à familia.
genético ou orgânico, convenendo-se em genuáha ambigua. O ideal sena realizá-lo antes do estabelecimento da ldenuda-
Nessa Situação não há acordo entre os \'ános sexos do in- de sexual, amda no periodo neonatal, com detecção de casos
dl,1duo, ou seja, o sexo genético, retratado pela sua consti- potencialmente letats (p. ex., forma perdedora de sal da lu-
tuição canotipica 46,XX ou 46,XY, o sexo gonadaVhormonal perplasia congl!mta da suprarrenal - HCSR). Quando a lden-
e o sexo fenotipico. A literatura desde 2006 propõe melhor Lificação do estado intersexual ocorre logo ao nascimento, a
terminologia nominando essas alterações como anomalias da familia deve ser Imediatamente comunicada da necessidade
diferenciação sexual (AOS), uma vez que a expressão esta- de não haver atraso no registro civil.
do intersexual denota um sexo inte rmediário ou um terceiro Data de 2003 a resolução do Conselho Federal ele Medi-
sexo, o que parece inadequado. Além do mais, os termos he r- cina (CFM) sobre anomalias da diferenciação sexual. A reso-
mafroditismo e pseudo-hermafroditísmo podem soar como lução citada propõe uma definição adequada do ge nero e um
estigmatizantes, tamo para os pacientes como para os [ami- tratamento em tempo hábil (an. 2•); menciona a necessidade
hares, e quando acompanhados pela especificação do sexo de estrutura mfmma para reahzação de exames complemen-
- mascuhno ou feminino - podem não estar de acordo com o tares, como dosagens hormonais, exames citogenéucos, de
gtnero assumtdo pelo paciente. imagem e anatomopatológ1cos (an. 3"); afirma que para a de-
finição final e adoção do sexo dos pacientes com anomahas
Epidemiologia e relevância de diferenciação faz-se obrigatória a existência de urna eqUipe
multidisciplinar com conhecimentos nas áreas de cl!mca geral
A verdadeira incidência de indivfduos com estados ínterse-
e/ou pediátrica, endocrmologia, endocrinologia ped1átrica,
xuais é desconhecida, mas a literatura concorda que anomalias
cirurgia, genética, psiquiatria e psiquiatria infantil (art. 4");
genitais ocorrem em 1:4.500 a 1:5.000 nascímemos, sendo
afirma que durante toda a fase de investigação o paciente e
fundamental para sua detecção precoce o cuidadoso e detalha-
seus fami liares ou responsáveis legais devem receber apoio e
do exame dos genitais de todo recém-nascido. Boa pane dessas
info rmações sobre o problema e suas implicações (§1•): arir-
crianças é saudável, mas é imperativa uma avaliação imediata
ma que o paciente que apresenta condições deve participar
em razão do potencial de risco das alterações assoc1adas à perda
ativamente da definição do seu próprio sexo (§2•); e, por fim,
de sal. Alguns individuos podem apresentar subvi.rilização ou
no momento da definição final do sexo, os familiares ou res-
hipervniltzação da genitáli.a, o que pode atrasar o dtagnóslico
ponsáveiS legaLS, ou e\'entualmente o paciente, de,•em estar
até a mfânoa tardia ou adolescência. Ao se mcluirem essas si-
suficiente e dev1dameme mformados de modo a partiCipar da
tuações, a mc1dência passa a ser de 2% a 10%.
decisão do tratamento proposto (§4").
Atualmente os segumtes conceitos gerais são amplamente
Diagnóstico aceitos: deve ser evitada a atribuição de gênero antes da avalia-
A investigação eliológica não é simples e implica a atuação ção de especialistas; avaliação e manejo a longo prazo devem
conjunta e integrada de vários especialistas experimentados. ser realizados por equipe mu!Lidisciplinar experiente; todos os
57
/.

'
'/
J 58 Seção I Ginecologia

indivíduos devem recebe r um gênero, via de comunicação fácil • Pseudo-hermafroditismo masculino - ADS 46,XY: for-
entre pais e equipe de saúde; recomenda-se a participação da fa- ma completa, pseudo-hermafroditismo masculino familiar
mília nos processos de decisão, respeitando-se as preocupações incompletO tipos I e ll, sínd rome de Swyer ou disgenesia
dos pacientes e dos familiares, além da presença constante de gonadal X.V.
grupos de apoio tanto para os familiares como para os pacientes. • Hermafroditismo verdadeiro - ADS ovotesticular: pre-
Damiani ressalta que durante o período em que não é regis- sença de tecido gonadal feminino e masculino em um mes-
trada, a criança não existe como cidadã, razão pela qual me- mo indivíduo.
didas judiciais devem ser tomadas para a garantia, ainda sem
o devido registro civil, de acesso aos recursos a ela d isponi- Pseudo-hermafroditismo
bilizados, como vacinação, obte nção de consultas em centros Pseudo-hermafroditismo feminino (PHF)
de saúde e deslocamentos de um estado para outro. lembra O ADS 46,XX tem como causas principais a HCSR, os
também que, embora a maioria dos casos seja reconhecida no tumores maternos produtOres de androgenios e o uso de
período neonatal, existem apresentações em crianças maiores agentes de ação androgênica durante a gestação (danazol,
ou adolescentes ainda não reconhecidas e que podem se apre- progeswgênios sintéticos em doses maiores do que as dos
sentar clinicamente como puberdade atrasada/incompleta, vi- contraceptivos hormonais, androgênios usados especialmen-
rilização em meninas, amenorreia primá ria, desenvolvimento te no período da embriogênese). Sem dúvida, a causa mais
mamário ou hematúria cíclica em meninos. comum se ria a HCSR, responsãvel por grande pane dos casos
de genitália ambígua.
Classificação O PHF se caracteriza, clinicamente, pela presença de geni-
A classificação tradicional se baseia na natureza da gõnada tália externa masculinizada em graus variáveis, em indivíduos
presente, sendo considerados três grupos básicos: o pseudo- de ca riótipo 46XX e que aprese ntam gõnadas e genitália in-
-hermafroditismo masculino (PHM) - genitália ambígua com te rna femininas.
testículos; o pseudo-hermafroditismo feminino (PHF) - ge-
Hiperp/asia congênita da suprarrenal
nitália ambígua com ovários; e o hermafroditismo verdade i-
ro (HV) - testículo e ovário com ou sem genitália ambígua. Em suas formas clássica ou tardia, a HCSR se caracteriza
Com o intuitO de facilitar a compreensão e a atuação clínica, a pelo conjunto de sinais clínicos e achados laboratoriais decor-
lawson Wilkins Ped iatric Endocrine Society (LWPES) e a Eu- rentes de alguma deficiência enzimática que comprometa a ca-
ropean Society for Paediatric Endocrinology (ESPE) elabora- deia de síntese do cortisol em algum dos seus pomos. Essa de-
ram um consenso, publicado em 2006, redefinindo termos ficiência enzimática, em seus diversos graus, causa aumento da
secreção do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) em nível
que pudessem causar dúvidas.
central, constituindo um sistema de Jeedback e ocasionando,
Assim, de maneira geral, os estados intersexuais ou anoma-
consequentememe, hiperplasia da glândula suprarrenal, com
lias da diferenciação sexual (ADS) podem ser classificados em:
resultante produção excessiva dos esteroides suprarrenais pre-
• Pseudo-hermafroditismo feminino - ADS 46,XX: HCSR. cursores vizinhos ao ponto de bloqueio (Figura 8 .1).

Colesterol

1
Via 65 2 ViaM 3 4
Pregnenolona Progeste rona DOC Corticosterona Aldosterona

5 51
1
17u-OH pregnenolona
2
17a-OH progesterona
3
11-{1esoxicortisol Cortisol

1 2
6 1
9
DHEA 64 androstenediona Estrona

1 81 9
1
DHEA-S Testosterona 17~estradiol

Figura 8.1 Biossíntese suprarrenal de esteroides. (Adaptada de Kiguel F.) ( 1: 20-22 desmolase; 2: M-5 isomerase 3Jl-hidroxiesteroide-
-desidrogenase; 3: 216-hidroxilase; 4: 11Jl-hidroxilase; 5: 17a-hidroxilase; 6: 17-20 liase; 7: sulfatase; 8: 17Jl-hidroxiesteroide-desidrogenase;
9: aromatase.)
:\.
r
((

Capítulo 8 Estados lntersexuais e Malformações do Trato Gen~al 59

Quanto maior a magnitude da alteração genética, já que se O d iagnóstico se rá realizado, ao nascimento , por meio
trata de um d istúrbio geneticamente determinado, maior será d o exame da genitália externa, que pode apresentar algum
o comprometimento na produção das enzimas envolvidas e, grau de ambiguidade , presença ou não de hipe rtensão,
consequentemente, a apresentação clínica será mais precoce com ou sem alcalose, além da dosagem hormonal, espe-
e exube rante, sendo chamada de "forma clássica" q uando cialmente do desoxicortisol, que se apresentará aumenta-
essas alte rações estiverem presentes desde o nascimento. A da. A deficiência da ll f3-hidroxilase também pode apre-
forma "tard ia, leve ou não clássica" apresenta habitualmen- senta r-se como forma tard ia.
te deficiência enzimática menos intensa do q ue a deficiê ncia • Deficiência da 3~desidroge nase : de incidência desco-
encontrada na "forma clássica", em ge ral se manifestando cli- nhecida, também pode apresentar-se de forma clássica ou
nicamente na infância tardia e/ou na adolescê ncia. Achados tard ia. O comprometimento da produção enzirnãtica deve
laborato riais positivos para a patologia sem nenhuma mani- se r q uase completO para que seja manifestado o déficit de
festação clínica caracterizam a "fo rma c rítica" da doença. Já a mineralocorticoides. Em geral, a produção de mineralo-
situação de "portador são" consiste no ind ivíduo com algum conicoide é normal na forma tard ia , a q ual pode se apre-
grau de alte ração genética, po rém se m comprometimento da senta r com h irsutismo e irregularidades menstruais em
produção enzimática. razão do hiperand rogenismo. A forma "pe rdedora de sal"
Entre as formas de hiperplasia suprarrenal, três em espe- pode ocorrer especialmente na forma clássica. O diagnós-
cial podem ser causa de hiperandrogenismo e, portamo, de tico laborato rial é feito com a dosagem de desid roepian-
suas repercussões clínicas: d rosterona (DHEA) e seu sulfatO, 17-hid roxipregnenolona
e pregnenolona, que estarão aumentados.
• Deficiência da enzima 21-hidroxilase: responsável não
só por grande parte dos casos de HCSR, mas também pela O tratamento da hiperplasia suprarrenal se baseia no blo-
forma clássica da doença, com suas possíveis característi- queio da atividade da glândula a partir do uso de glicocorti-
cas virilizames ao nascimento, como h ipertrofia do clitó- coides, visando à diminuição na produção de and rogênios de
ris, presença de o rifício único de desembocadura uretra! e o rigem suprarrenal e à regressão do q uadro de and rogeniza-
vaginal (o que ocorre por persistência do seio urogenital ção. Em casos associados a de feitOS maio res d o seio urogenital
embriologicamente), sendo responsável, portamo, por um (p. ex., persistência de o rifício único) ou regressão insatisfató-
quad ro de PHF com fo rmação de genitália ambígua. Ain- ria da hipertrofia de clitóris pós-tratamento clínico instituído,
da ao nascimento pode se r encontrada uma forma clássica haverá indicação de correção cirúrgica específica.
"pe rdedo ra de sal" com diminuição acentuada da síntese Para os pacientes que estão sob tratamento com glicocor-
de mineralocorticoides, ocasionando quadro de diarreia, ticoides desde a infância , na adolescência é frequente a ne-
vômitos, inapetência e, até mesmo, choque por desequilí- cessidade da associação de agentes antiand rogênicos com a
brio hidroeletrolítico e ácido-básico nos primeiros d ias ou finalidade de auxiliar a redução do quad ro de hiperandroge-
semanas de vida. O su rgimento de uma crise "tipo addiso- nismo. A cip rote rona, a espironolactona (e seu derivado d ros-
niana" pode ocorrer com presença de hiponatremia, hiper- pi renona, presente em produtos anticoncepcionais) e a finas-
potassemia e acidose metabólica. Po rtamo , o d iagnóstico terida sáo exemplos desses med icamentos A fiutamida não é
deve ser realizado de imediato. recomendada em virtude de sua potencial hepatotoxicidade.
A forma nilo cláSsica (ou tardia) da deficiência da en- As adolescentes com perfil hiperand rogênico devem ser
zima 21-hidroxilase se caracte riza pela instalação tardia, sempre investigadas a respeitO da possibilidade de haver HCSR,
na infância e/ou adolescência , geralmente com menor grau uma vez que, caso engravidem, merecem tratamento com gli-
de comprometimento na síntese da enzima. Pode manifes- coco rticoides até a determinação do sexo fetal , pois, se femini-
tar-se como pubarca precoce, hirsutismo, irregularidades no, esse tratamento deve ser mantido até o final da gravidez ,
menstruais, anovulação crônica e infe rtilidade, também evitando, assim, a virilização fetal.
decorrentes do hiperandrogenismo presente. Convém lembrar que na forma tardia da h iperplasia suprar-
O d iagnóstico das formas clássica e tard ia será feitO por renal , a produção de glicoconicoides e de mineraloconicoi-
meio dos sinais clínicos associados ãs d osagens hormonais, des costuma ser satisfatória para o funcionamento normal d o
especialmente de 17-hidroxiprogesterona e and rostenedio- o rganismo, não necessitando obrigatoriamente de reposição
na, que estarão aumentadas principalmente na forma clás- desses hormônios.
sica (os casos duvidosos, geralmente da forma não clássica,
devem ser acrescidos do teste pós-estímulo com ACTH). Pseudo-hermafroditismo masculino (PHM)
• Deficiência da e nzima 11-hidroxilase: muitO menos fre- O AOS 46,XY decorre da produção inadequada de testos-
quente do que a de ficiência da 21 -hidroxilase, é respon- terona e/ou do fato r inibido r mülle riano (MIF) , ou de defeito
sável por 5% a 8 % de todos os casos de hiperplasia da nos recepto res celulares testiculares à testoste rona, ou ainda
glând ula suprarrenal, pode ndo apresenta r-se como forma da deficiência da enzima 5o.-redutase.
h ipertensiva, em vi rtude do acúmulo de 11-desoxico rti- O PHM se caracteriza, clinicamente, pela presença de geni-
sona, substância que aprese nta ação retemora de sal e su- tália externa pouco masculinizada ou feminilizada em graus va-
pressora da atividade plasrnãtica da renina. riáveis, em indivíduo de cariótipo XY, com gônadas masculinas
/.

'
'/:
') 60 Seção I Ginecologia

e genitália interna masculina completa ou não, podendo até o d iagnóstico, as gônadas devem ser retiradas antes da puber-
mesmo apresentar algum grau de desenvolvimento de geni- dade para não restar nenhum grau de masculinização.
tália interna feminina. Como a gônada, se disgenética , é de
linhagem Y, sua exérese ci rúrgica deve se r avaliada em razão Síndrome de Swyer ou disgenesia gonadal XV
de seu potencial de malignização, em idades variáve is, de Os portadores da síndrome de Swyer, ou d isgenesia gona-
acordo com a patologia e a condução clínica individualizada dal XY, são cromossomicamente 46,XY, com tendência fami-
do caso. liar compatível com padrão de herança autossômica recessiva,
que apresentaram perda do tecido testicular antes da sétima
Forma completa semana de vida embrionária, revelando, portanto, falha na
A forma completa também é chamada de síndrome da produção de testosterona e M!F Consequentemente, como
feminização testicular completa. A presença de genitália ex- os seus testículos são rudimentares, esses pacientes evoluirão
terna feminina com vagina curta em fundo cego ocorre por com fenótipo feminino, genitália interna feminina (por au-
deficiência total dos receptores aos androgênios ou incapaci- sência de M!F), genitália externa também feminina (por defi-
dade de o androgênio ligar-se ao receptor, prejudicando até a ciência de testosterona), falha no desenvolvimento puberal e
formação da genitália interna por insensibilidade dos canais amenorreia primária. A estatura se rá normal e os estigmas de
de Wolff aos androgênios. Esses indivíduos, por apresentarem Turner, ausentes.
genitália externa feminina, geralmente são criados como per-
tencentes ao sexo feminino, apresentando desenvolvimento Hermatroditismo verdadeiro
mamário na puberdade e pilificação escassa ou ausente ( face, AOS ovotesticular ocorre quando da existência de tecido go-
região pubiana e axilas). Como o M!F é produzido normal- nadal ovariano e testicular em um mesmo indivíduo; esses teci-
mente, a genitália interna feminina não se desenvolve. Cerca dos podem estar presentes em gônadas separadas ou em uma
de um terço desses indivíduos desenvolve um tumor testi- única gônoda (ovotéstis). Em grande pane dos casos o tecido
cular na fase adulta, justificando a exérese cirúrgica da gôna- testicular presente é disgenético, mas o tecido ovariano é normal.
da após as modificações corporais da puberdade. A partir de Cerca de 60% dos casos apresentam cariótipo 46,XX,
entáo deverá ser instituída a terapêutica de reposição hormo- 20%, mosaicos (46,)0046,XY; 46,XX/47,XXY; 46,XX/47,)CYY;
nal feminina. 45 ,X/46,XX/47,XXY, entre OLllrOS) ou quimera (46,XX/46,XY),
15%, 46,XY, e cerca de 5% dos casos têm aberrações estrutu-
Pseudo-hermafroditismo masculino familiar incompleto tipo I rais do cromossomo Y, com ou sem mosaicismo ( 46X, de Yq),
O PHM masculino tipo l ocorre por deficiência parcial entre outros.
dos receptores aos and rogênios. Encontra-se genitália exter- O diagnóstico é estabelecido mediante a comprovação his-
na com graus variáveis de diferenciação, desde a muito mas- tOlógica de tecido gonadal masculino e feminino no mesmo in-
culinizada até a mais próxima da feminina. São indivíduos divíduo, não necessariamente na mesma gônada (ovotéstis). É
geralmente criados como sendo do sexo feminino, podendo obrigatoriamente histopawlógico, dependendo da constatação
apresentar desenvolvimento mamário na puberdade, além de de tecido testicular caracterizado pela presença de ao menos
serem também inférteis. túbulos seminíferos, com ou sem espermatozoides, j untameme
Como a causa é o defeitO nos receptores, o uso de androgê- com tecido ovariano, com pelo menos folículos ou corpora al-
nios exógenos se mostra ineficaz para promoção de virilização bicantia, em um mesmo indivíduo ou em uma mesma gônada
genital ou pe riférica. (ovotéstis) ou em gõnadas opostas. O ovotéstis é a gõnada mais
frequente, seguida do ovário e, mais raramente, do testJculo.
Pseudo-hermafroditismo masculino familiar incompleto tipo 11 Nenhuma característica clínica d iferencia darameme o her-
O PHM familiar incompletO tipo ll ocorre por deficiên- mafrodita verdadeiro das outras causas de ambiguidade geni-
cia da enzima Sa-redutase, responsável pela conversão de tal, variando as apresentações clínicas desde o homem normal
testosterona em d iidrotestosterona nas células-alvo da ação e fértil até a mulher também normal e fértil. No entanto, na
androgênica (células do seio urogenital , células dos folículos maioria dos casos relatados existe ambiguidade genital. Clini-
pilosos etc.). Por ser a diid roteswsterona o hormônio respon- camente, esses pacientes apresentam útero, genitália interna
sável efetivamente pela masculinização pe riférica, o grau de bastante variável, em geral de acordo com a gônada homolate-
deficiência da enzima Sa-redutase determina também o grau ral , e genitália externa também normalmente ambígua (muitas
da alteração clínica, encontrando-se, portanto, graus variáveis vezes masculinizada). Na puberdade, cerca de 80% desses in-
de masculinização. Como os testJculos são funcionalmente divíduos desenvolvem ginecomastia e aproximadamente 50%
normais, na puberdade haverá a produção habitual de testos- menstruam, mantendo-se frequente o quadro de infenilidade.
terona, ressaltando-se que alguma fração será convertida em A degeneração maligna das gônadas, apesar de rara, já foi des-
diidroteswsterona, dependendo da intensidade da deficiência crita em cerca de 2% a 4% dos casos (gonadoblaswma, semi-
da enzima, ocorrendo, assim, sempre algum grau de masculi- noma e disgerminoma).
nização. Portanto, o diagnóstico precoce é importante para A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e a
que a criação desse indivíduo seja direcionada para o sexo Sociedade Brasileira de Pediatria sugerem que, quando há casos
masculino desde a infância. Caso não tenha sido estabelecido diagnosticados em idade precoce, a melhor opção para a cria-
r
((

Capítulo 8 Estados lntersexuais e Malformações do Trato Gen~al 61

ção é o sexo feminino, tentando-se, quando possível, preservar Os duetos de Múller darão o rigem às tubas uterinas e ao
a porção ovariana das gônadas com possibilidade de puberdade dueto uterino, o qual, poste riormente, darã luga r ao útero e
feminina espontânea, bem como a fenilidade, especialmente nos aos dois terços superio res da vagina. Os duetos de Wolff invo-
pacientes com constituição cromossômica 46,XX (nesses casos, lui rão na mulher, remanescendo como estruturas tais quais os
tOdo o tecido testicular deve ser removido). Independentemente ligamentos redondos, útero-ovarianos e ligamentos suspenso-
da opção quanto ao sexo de criação, as cirurgias necessárias para res do ovário.
correção da genil.ália interna e externa, de acordo com a opção Os ovários, por sua vez, se originam independentemente,
feita, assim como a reposição hormonal adequada, quando ne- não costumando, por isso , ser afetados em quadros de mal-
cessária, devem ser realizadas no período da puberdade. formações uterovaginais.
O terço inferior da vagina se forma por meio do seio uro-
genital (estrutu ra que dará origem à genitália exte rna). Em
MALFORMAÇÕES GENITAIS
algum momento o terço inferior da vagina se fusiona aos dois
A expressão malformações genitais é de suma importância
terços superiores.
em ginecologia e obstetrícia, uma vez que essas alterações po-
A fusão dos dois duetOs de Müller, como já d itO, formarão
dem causar prej uízo na saúde e na vida reprodutiva da mu-
o úte ro e os dois terços superiores da vagina, e a reabsorção
lher. Entendem-se como malformações genitais as alterações
do sepw de união desses duetos fará com que esses órgãos
na anatOmia do tratO genital feminino decorrentes de defei-
passem a apresentar uma "luz" (Figu ra 8.2).
tOS em seu desenvolvimento embrionário, os quais podem
Alte rações em qualquer uma das fases da emb riogênese,
ocasionar problemas de saúde que variam de amenorreia ao
ou seja, na organogênese, fusão e reabsorção, poderão ser
abono recorrente.
causas de malformações do tratO genital feminino.
Ao se considerar, portanto, a incidência das malformações do
Epidemiologia e relevância
trato genital feminino, estaS devem se r lembradas como possí-
Revisões epidemiológicas recentes sáo concordantes no que
vel d iagnóstico em mulheres com dismenorreia progressiva, dor
tange à relevância e à prevalência desses defeitOS na população
cíclica na presença de amenorreia, abonos recorrentes, partOs
em geral. Considera-se como prevalência promédio na popula-
prematuros, sangramentos uterinos anormais, infertilidade, d is-
ção geral feminina a incidência de 6,7%, de 7,3% na população
pareunia e dificuldade em realizar o coito ou mantê-lo.
infénil feminina, e, em pacientes com perda gestacional recor-
rente, a incidência seria de 16,7%.
As malformações mOllerianas mais frequentes são os úte- Definição e sistemas de classificação das
ros septado, bicorno e arcuado, o didelfos, o unicorno e a malformações genitais
hipoplasia uterina. Outras, menos comuns, sáo as derivadas Como já exposto, as anomalias uterovaginais ou anomalias
de defeitOS do se io urogenital , como o septo vaginal baixo. As müllerianas constituem um grupo de patOlogias congênitas
malformações desse seio podem aparecer em associação ou que se o riginam por um defeito de desenvolvimento, fusão ou
não às anomalias dos duetOs mOllerianos. canalização dos conductos de Múlle r na etapa embrionária.
Sabe-se que o risco de malformação genital é 12 vezes A maioria dos casos é diagnosticada tardiamente como
maior quando há casos na família entre os parentes de pri- resultado de eswdos de investigação de infertilidade ou de
meiro grau. complicações obstétricas precoces ou tardias. O diagnóstico
Torna-se impe rativa à compreensão deste capítulo a apre- é realizado em diversas idades, dependendo das particulari-
sentação de noções básicas da embriologia do tratO genital dades de cada caso. Diante de um quadro obstrutivo , obvia-
feminino superior e inferior. mente os sinais e sintomas clínicos serão mais exuberantes,
podendo apresentar hemawcolpos, hematométrio, massa
Embriologia pélvica presente, dismenorreia importante e sangramento ge-
Independentemente de como sáo classificadas, as malfor- nital anômalo ou amenorreia.
mações decorrem de alterações no desenvolvimento do órgão Já os transtornos não obstrutivos geralmente sáo diagnosti-
no útero materno ou de detenção do desenvolvimento fora do cados em consultaS de rotina, quando se pede uma ecografia,
útero materno. A idade gestacional e a "penetrância" da altera- ou mesmo na investigação de infertilidade ou perda gestacio-
ção intraútero determinarão sua magnitude. nal de repetição.
A depender do tipo e do grau da distorção anatômica, as Cabe lembrar que as malformações genitais podem estar
malformações podem estar associadas a diversos problemas associadas a alterações genéticas ou mesmo alte rações en-
de saúde e reprodutivos femininos, e a adequada caracteriza- zimáticas e, também, à exposição a agentes terawgênicos,
ção de cada tipo de malformação tOrna mais efetivos o diag- como, po r exemplo, a talidomida e o dietilestilbestrol (DES),
nóstico e o tratamento da patologia específica. um estrogênio sintético não esteroide que já foi muitO empre-
Até a sexta semana de vida intrauterina, os embriões mas- gado clinicamente na prevenção dos abonamentos de repeti-
culinos e femininos não apresentam diferenças, contendo, ção e também de doença hipertensiva específica de gravidez.
ambos, duetos de MOller (ou paramesonéfricos) e de Wolff As filhas das usuárias do DES apresentam maior incidência de
(ou mesonéfricos). adenose vaginal e adenocarcinoma de células claras, além de
/.

'
'/:
') 62 Seção I Ginecologia

• ••••• Ligamento suspenso r


Oriffcio da •• • • •• - ~· do ovário
cavidade
uterina
Ligamento do ovário
propriamente dito
Fímbrias ••••
••
• Mesovário

Cordões
corticais
do ovário Epoóforo..,..--:7'~~~~~~-
Paraoóforo

•··• •• •• Corpo uterino


Mesonéfrons
Ligamento
redondo ......
do útero

... • •• ••• • • Colo uterino


Conduto
mesonéfrico • • • • • • • • • Cavidade uterina
• •••• Fundo de saco

Tubérculo
paramesonéfrico Cisto de •· · · •• •• Vagina
Gartner

Figura 8.2 Desenvolvimento de mesonéfrons e paramesonéfrons. (Reproduzida de Medina C, Aguirre J, Mantec inos J, Schiappacasse G.)

maior incidência de útero em T, hipoplasia uterina e anorma- O sistema de classificação mais amplamente usado é o
lidades tubárias e de colo uterino. da Sociedade Americana de Fertilidade (AFS), por se r de
Os sistemas de classificação das malformações múlleria· fácil ente ndimento e utilização. As outras classificações pro·
nas se baseiam na caracterização sistemática das pacientes em postas derivam da ineficácia da classificação da AFS para
grupos com características similares. caracterizar, de manei ra adequada , as anomalias descritas
A aceitação de um sistema de classificação revela sua capaci· como complexas.
dade para corresponder, efetivamente, às necessidades dos mé· A classificação proposta pela AFS encontra-se resumida na
dicos no entendimento, diagnóstico e tratamento da paciente. Figu ra 8.3 e no Quadro 8 .1.

I Hipoplasia/agenesia 11 Unicorno 111 Didelfos

(a) Vaginal (b) Cervical (a) Comunicante (b) Não comunicante


IV Bicorno

(c) Fúndica (d) Tubária (e) Combinada


(c) Sem cavidade (d) Sem corno (a) Completo (b) Parcial

V Septado VI Arqueado VIl Relacionado com DES

(a) Completo (b) Parcial

Figura 8.3 Classificação da Sociedade Americana de Fertilidade (AFS).


r
((

Capítulo 8 Estados lntersexuais e Malformações do Trato Gen~al 63

Quadro 8.1 Classificação da Sociedade Americana de Fertilidade (AFS)

Classe 1 Hipoplasia e agenesia (a) vaginal, (b) cervical, (c) fúndica. (d) tubária
Classe 11 Unicorno (a) comunicante, (b) nào comunicante, (c) sem cavidade, (d) sem corno
Classe 111 Didelfos
Classe IV Sicorno (a) parcial. (b) completo
Classe V Septado (a) parcial. (b) completo
Classe VI Arqueado
Classe VIl Relacionado com DES (dietilestilbestrol)

Outra classificação bastante utilizada atualmente é a da So- As manifestações clínicas são diversas, dependendo do
ciedade Europeia de Reprodução Hurrtana (ESHRE) e da Socie- grau de complexidade da malforrrtação. Podem estar presen-
dade Europeia de Ginecologia Endoscópica (ESGE), criada pelo tes dor pélvica, cíclica ou não, dismenorreia, dispareunia, al-
grupo de trabalho Congenital Uterine Anorrtalies (CONUTA). terações menstruais diversas, estando a amenorreia primária
Assim como a AFS, a classificação da ESHREIESGE também se presente nos casos obstrutivos.
baseia na anatomia do sisterrta genital feminino, como pode ser A presença de endometriose pode ser consequência de ca-
observado nas Figuras 8.4 e 8.5 com classificações cervicais e sos obstrutivos ou semiobstrutivos.
vaginais vistas separadamente, em subclasses. A relação dos exames para investigação das malformações
genitais, obse rvando sua sensibilidade, especificidade e acu-
Diagnóstico rácia, é a seguinte:
O diagnóstico das malformações genitais tem por base a • Ecografia bidimens ional: sensibilidade de 56%, especifi-
avaliação clínica, com observação dos sinais clínicos e sinto- cidade de 99% e acurácia de 84%.
mas, e também a realização de exames complementares de • Ecografia tridimensional: sensibilidade de 100%, especi-
complexidades d istintas. ficidade de 100% e acurácia de 100%.

C I.Jssf' UO Uh•ro norrnd CI.Js<,p LJ 1 U!Pro d1smorl1 co

a. Formato em T b. lnlanlil c. outros


CldssP. U2 Utero sPp!ddo CldSSP. u:~ Utero lm:oqxHeo

a . Parcial b. Completo a. Parcial b. Completo c. Seplado bioorpóreo


Classe U·l HenmJ!ero ClaSõe US Utero aplast1co

o o
a. Com cavidade rudimentar b. Sem cavidade rudimentar a. Com cavklade rudimentar b. Sem cavidade rudimentar
Classe U6 Casos nclO d:lSSifiCéldos

Figura 8.4 Classificação das anomalias uterinas segundo a ESHRE!ESGE.


/.

'
'/:
') 64 Seção I Ginecologia

Classificação das anomalias do


trato genital fem inino segundo a
ESHRE/ESGE

Anomalia uterina Anomalia cervical/ vaginal


Classe principal Subclasse Classe coexistente
uo Útero normal (1) CéMCe normal

U1 Útero d1smórfico a. EmT CJ ~1ce seplada


b. Infantil
c. Outros a CéMCe dupla ·normar
U2 Úlefo septado a. Parcial CJ Aplasia ceiVical unilateral
b . Completo
C4 AplaSia ceiVical
U3 útero bicorno s. Parcial
b. Completo
c. Septado btcorpóreo 110 Vagina normal
U4 Hemiútero a. Com cavidade rudinenlar (com corno Septo vaginallongJtudOlal
comunicante ou não) VJ
não obslrutivo
b. Sem cav•dade rudimentar (como sem
cavidade/sem como) V2
Septo vagmal longiludinal
obstrutivo
us AplâsiCO a. Com cavidade rudimentar (como biateral
V:J
Septo vaginal transverso e/ou
ou unilateral) hímen 1mperfurado
b. Sem cavidade rud111enta• (remanescentes u~rinos
V4 Aplasía vaginal
umlaterais ou bola~rais/aplasia)
U6 Mafformações sem classificação
u c v

Anomalias associadas de origem não mü/leriana:

, - - - - - - - - - - - - - - - 'D
=esenho da anomalia

Figura 8.5 Esquema de c lassnicação das anomalias do trato genital feminino segundo a ESHRE/ESGE.

• Ressonância magnética (RM): sensibilidade de 100%, es- A ecografLa bidimensional apresenta acurácia quando
pecificidade de 100% e acurácia de 100%. realizada na fase lútea em razão da maior espessura endo-
• Histerossonografia: sensibilidade de 93%, especificidade metrial, o que favorece o delineamentO da cavidade uterina.
de 99% e acurácia de 97%. Diante de dúvidas c riadas po r alguns exames d iagnósti-
• Histerossalpingografia: sensibilidade de 78%, especifici- cos, a laparoscopia pode se r fe rramenta útil para estabele-
dade de 90% e acurácia de 86%. ce r um diagnóstico diferencial complementa r ou defin iti-
vo, sendo o exame pad rão-ou ro para avaliação do conto rno
Obviamente que, esses são dados de fonte única em rela- uterino.
ção à sensibilidade, à especificidade e à acurácia dos exames, Ao se considerar que pacientes com malformações geni-
mas cabe observar que esses valores variam de acordo com tais podem apresentar alte rações nos aparelhos uriná rio e es-
os estudos e também quando se analisam esses crité rios por quelético po r se rem alte rações em cromossomos correspon-
patologia. dentes, muitas vezes se faz necessária a investigação desses
r
((

Capitulo 8 Estados lntersexuais e Malformações do Trato Genttal 65

aparelhos por meio de exames especllicos, como urogralia A intervenção Cirúrgica, quando necessána, deve ser rea-
excretora, radiografias ósseas, tomografia computadorizada, lizada quando a pac1ente manifesta desejo de m1ctar sua vida
RM, ecografia, pielograma intravenoso e endoscop1a. sexual, e a correção Cirúrgica tem como objeuvo criar a ca-
vidade vaginal no espaço entre a bexiga e o reto, uulizando
Tratamento enxen o de peritOnio pélvico, segmento de alça intesti nal, pele
e âmnio. Cita-se o uso de derivados sintéticos à base de ce-
Hipoplasia uterinaj agenesia
lulose e látex. Como já mencionado, o objetivo é cria r uma
A hipoplasia uterina/agenesia re presenta 10% das anoma-
neovagina que possibilite o coito normal e, se unida a úte ro
lias dos condutos de Müller, apresentando-se em diversos graus
funcionante, também a ocorrência de gestação.
de agenesia ou hipoplasia d e útero, colo e dois terços supe-
riores da vagina. útero unicorno
A slndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser consiste
Corresponde a 5% dos casos de anomalias uterinas. Em 74%
em uma anomalia aplásica uterovaginal.
deles, o útero umcomo é associado a um como rudimentar, em
Em vmude dos di\·ersos aspectos que pode apresentar,
grande pane não comumcante.
essa slndrome é classificada como:
Recomenda-se a reurada do como rudimentar funcio-
• Tipo I: dois terços proximais da vagma ausentes e útero nante não comumcante para evitar a possibilidade de endo-
aplásico com cornos rudimentares unidos por u ma prega metriose, exérese essa a ser realizada ames da intenção de
peritoneal. As trompas são normais. eng ravidar.
• Tipo 11: dois terços p roximais da vagina ausentes, úte ro Em vi rtude de seu formato, volume reduz ido, muscula-
hipoplásico, podendo haver aplasia de um ou de ambos os tura insuficiente e vascularização de ficitária, os úteros uni-
cornos ou diferenças de tamanho entre seus rudimentos. cornos a presentam maior incidência de abo rtamento, parto
Uma ou as duas trompas hipoplásicas ou aplásicas. p re matu ro, restrição no d esenvolvimento fetal e apresenta-
ções anômalas.
As malformações do trato urináno superior estão presentes
em até 40% dos ponadores da slndrome. As alterações do útero didelfos
esqueleto acometem até 28% das pac1entes. Mms raramente O útero d1delfos se dá na presença de duas cavtdades uten-
podem estar presentes maUormações cardlacas. nas e de doiS colos, constituindo 5% das anomalias mllllenanas.
Os casos em que a agenesia vagmal está associada a útero Habitualmente não é tratado na atualidade, necessitando, em
func1onante apresentarão clínica de amenorre1a primária as- alguns casos, de metroplastia. Se a vagina é septada, deve-se
sociada à dor clclica abdominal e, muitas vezes, quadro de avaliar a necessidade de correção cirúrgica. Em caso de septo
abdome agudo, necessitando intervenção imediata. obstrutivo, a correção é absolutamente necessária para evitar
O tratamento da age nesia vaginal pode ser conservador ou hematométrio ou hematocolpos. Quando presente septo não
ci rúrgico. obstrutivo, avaliar a necessidade de cirurgia na presença de d is-
A correção cirúrgica é indicada quando não houver possi- pareunia.
b ilidade de se obte r neovagina por técnicas conservadoras ou ,
quando houver necessidade de uni-la a um útero funcionao- Utero bicorno
te. Nesses casos, a possib ilidade de menstruações normais e A dMsão utenna se estende até o oríficio mtemo do colo
gestação passa a ser \iá,·el. uterino, podendo ha,·er associação com septo vagmal longt-
Quando o terço distai da vagina é de tamanho muno redu- tudinal. ConsiSte em duas ca\~dades uterinas stmétncas, cada
Zido (cabe lembrar que o terço distai da vagina denva embrio- uma com cavidade endometrial, mas os cornos são de menor
loglcamente do seio urogenital), toma-se ãs vezes necessária tamanho do que no útero d idelfos. Classifica-se como útero
a correção cirúrgica da agenesia vagmal, mesmo na auséncia b icorno completo se a d ivisão se estende até o oriflcio cervical
de útero funcionante. interno e em útero bicorno parcial se a d ivisão se encontra
Independentemente da opção de tratamento escolhida, ci- confinada ao fundo uterino.
rú rgica ou conservadora, é importante esta r d iante de uma Às vezes é indistingurvel do útero d idelfos. Eventualmente.
vagi na q ue possibilite um coito prazeroso e con fortável. se faz necessária a correção ci rúrgica obj etivando o aumento
A técnica conservadora mais utilizada é a de Frank. Em da ca\idade uterina e a remoção da dh·ísão entre os cornos,
1938, Frank publicou os primeiros resultados utilizando di- \isando ao melhor prognóstico obstétrico.
latadores vaginais para pressionar a mucosa do vestlbulo, le-
vando à d1stensáo progressiva da cavtdade vagmal, os quais útero septado
são considerados o tratamento de escolha para pac1entes sem Corresponde a 55% das malformações mullenanas. As ta-
possib1hdade de gestação naturaL xas de aborto precoce chegam a 80% quando o septo uterino
Na auséncia do terço vaginal diStai, a técmca ctrúrgica se é completo, o que ocorre pelo insuficiente aporte sangulneo
toma preferlvel à não invasiva, pois há nsco de d1latação ure- presente no septo quando este é o local da nidação. Nesses
tra! durante a execução dos exercidos de Frank , já que o in- casos, deve ser considerada a ressecção do septo por via his-
troito vaginal não está bem estabelecido. teroscópica.
/.

'
'/:
') 66 Seção I Ginecologia

A forma de diferenciar o útero septado de um bicorno ou • Observar a Resolução n° 1.664/2003 do Conselho Federal
didelfos é pela visualização do contorno do fundo uterino, o de Medicina.
qual é liso no caso do úte ro septado. • Realizar d iagnóstico de maneira criteriosa somente após a
A presença de reentrância maior do que lcm está relaciona- realização de exames adequados.
da ao útero bicorno ou didelfos. É fundamental d iferenciá-los • O diagnóstico precoce e correto está relacionado com o
para eleger o melhor tratamento. prognóstico, o planejamento terapêutico e o aconselhamen-
to genético.
'
Utero arqueado
O útero arqueado se manifesta como discreta reentrância l eitura complementar
na cavidade endometrial, com contorno externo normal , sem Anderson S. Oisorders of sexual differentiation. Endocrinology and
Metabolism Clinics of North America 1998; 27:945-67.
divisão dos cornos uterinos. Acreditava-se não se relacionar Anderson S. Oisorders of sexual d ifferentiation: ethical considera-
com problemas obstétricos, mas, atualmente, observa-se a tions surrounding early cosmetic genital surgery. Pediatric Nurs
possibilidade de se r causa de aborto de repetição, devendo Jui-Aug 2015; 4 1(4):176-86.
ser conside rada sua reparação nesses casos. Bagnoli VR et ai. Conduta frente às mafformações genitais uterinas:
revisão baseada em evidências. Rev Femina 2010; 38(4):217-28.
Carvalho BR, Junqueira FRR, Reis RM. Tratamento da agenesia va-
CONSIDERAÇÕES FINAIS ginal. In: Ginecolgia da infância e adolescência. Porto Alegre:
Artmed 2012: 13 1-40.
Todas as pacientes envolvidas devem ser acompanhadas
Oamiai O, Guerra-Júnior G. As novas definições e classificações dos
desde o início por uma equipe multiprofLSsional, sendo prio- estados intersexuais: o que o Consenso de Chicago contribui
rizados a atenção e os cuidados tanto à paciente quantO à para o estado da arte? Arq Bras Endocrinol Metab Ago 2007;
sua família, e o apoio emocional e a informação detalhada 51(6):1013-17.
são imprescindíveis. O diagnóstico definitivo, assim como a Ferreira RA, Carvalho BR, Junqueira FRR. Malformações mülleria-
nas. In: Ginecologia da infância e adolescência. Porto Alegre:
conduta final proposta tanto para a paciente portadora de um Artmed, 2012:119-30.
estado intersexual como para a de uma malformação genital, Grimbizis GF et ai. The ESHREJESGE consensus on lhe classification
é habitualmente acompanhado de apreensão e angústia. O of female genital tract congenital anomalies. Human Reproduc-
diagnóstico precoce e correto requer atenção médica adequa- tion 2013; 28(8):2032-44.
Guerra-Júnior G, Oamiani O. Hermafroditismo verdadeiro: diagnosti-
da , de modo a possibilitar o estabelecimento do prognóstico co e tratamento. Soe Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.
(puberdade, fertilidade e neoplasia), o planejamento terapêu- 2004. Disponível em: http{/www.projetodiretrizes.org.br{5_volu-
Lico e o aconselhamento genélico. me{22-Hermafrodi.pdf. Acessado em 24{4{2016.
As pacientes com anomalia da d iferenciação sexual neces- Hughes IA, Houk C, Ahmed SF, Lee PA; LWPES1{ESPE2 Consensus
Group. Consensus statement on management of intersex disor-
sitam de d iagnóstico precoce diante da urgência da situação
ders. Arch Ois Child 2006; 9 1:554-62.
(p. ex., situações de perda de sal, HCSR), assim como pela Kiguel F. Hiperplasia adrenal congênita no clássica. Revista da la So-
necessidade de integridade psicossocial. ciedad Argentina de Ginecologia Infanto Juvenil 2001 ; 8(1):25-50.
Para aquelas com malformação genital, Bagnoli reforça Machado LV. Estados lntersexuais. In Machado LV. Ginecologia en-
que, apesar de não haver consenso, tem-se adotado conduta dócrina. Rio de Janeiro: MedBook, 2006:309-30.
Medina C, Aguirre J, Mantecinos J, Schiappacasse G. Revisión p ic -
mais conservadora em grande parte dos casos. Salvo situações tográfica de las anomalias de los conductos de Müller por re-
excepcionais, quase sempre não há como se prever exatamen- sonância magnética. Rev Chil Obst Ginecol 2015; 80(2):181-90.
te qual o prognóstico exato de uma gestação espontânea nes- Meléndrez RAJ, Fuentes JA. Estado actual de la clasificación, diag-
sas pacientes. Portanto, a cautela deve imperar nas decisões nóstico y tratamiento de las malformaciones müllerianas. Ginecol
Obstei Mex 2013; 8 1:34-46.
terapêuticas. Piazza JM, Urbanetz AA, Carvalho NS. Malformações genitais e er-
ros genéticos. Rev Femina 20 11; 39(1):13-8.
MENSAGENS-CHAVE Reis JTL, Salomão CLB, Marinho MVW. Estados intersexuais e mal-
formações do trato genital. In: Manual SOGIMIG. São Paulo: Coo-
• Trabalhar com grupos mulliprofissionais. pmed 2012:65-72.
• Apoio emocional e informação detalhada à paciente e à Resolução CFM No 1.664{2003. Define as normas técnicas necessá-
família. rias para o tratamento de pacientes portadores de anomalias de
• Utilizar as classificações atualizadas. diferenciação sexual. Disponível em: www.portalmedico.orgbr{
resoluções{cfm{2003{1664_2003.htm. Acessado em: 24 de abril
• Evitar termos que causem dúvidas e/ou conotem a possi- de 2016.
bilidade de o paciente ser ou estar sendo criado com sexo Wherrett OK. Approach to lhe infant with a suspected disorder of
incompatível com seu diagnóstico. sex development. Pediatr Clin North Am Ago 2015; 62(4):983-99.
CAPÍTULO

Dismenorreia
Thelma de Figueiredo e Silva

INTRODUÇÃO dencia do papel das prostaglandinas, outros fatores, como alta


A dtSmenorreia é a dor pélvica ou hipogástnca, clclica, que pressão intrauterina e canal cervical longo e estreito, além das
pode Irradiar-se para a região lombar e a face anterior das co- complexas alterações hormonais que ocorrem durante o ciclo
xas, ocorrendo logo ames e/ou durante a rnertStruação. Podem menstrual, também estão em·oh-idos.
associar-se outros sintomas, como náuseas, \"Õnutos, cefaleia, Estudos recentes também mostraram a importância da re-
fad1ga e d1arre1a. dução do fluxo sanguíneo nas aneríolas do m1ométno, as-
sociadas a contrações tetânicas da musculatura uterina, no
PREVALÊNCIA mecanismo da dor.
A prevalência dessa dor é a que ixa ginecológica mais Menarca precoce, fluxo menstrual prolongado, tabagismo
comum e a principal causa de absentelsmo ao trabalho e à es- e antecede ntes fam iliares são importantes fato res de risco
cola ent re adolescentes e mulheres j ovens. Sua epidem iologia para a d ismenorreia.
pri mária é di flcil de ser diagnosticada, visto ser um sintoma
percebido de mane iras diferentes pelas mulheres, além da di-
DIAGNÓSTICO
versidade de critérios de diagnósticos usados.
A dor pode preceder a mertStruação e estar presente por O diagnóstico da dismenorreia se caracteriza por uma
I dia (geralmente no primeiro dia do ciclo) ou até mesmo dor espasmódica mterrmtente e de localização suprapúb1ca
por todo o perlodo menstruaL A ma1ona das mulheres sente no período menstrual, começando em média 12 meses após
dores por 1 ou 2 dias. Urna mesma mulher pode apresentar a menarca. quando a ovulação regular se estabelece.
vanações na Intensidade e na frequencia da dor em razão de Seu diagnósuco d1ferencial deve ser feito entre a dismenor-
tabag1smo, estresse, estado nutricional, aUVJdade flsica e alte- reia primária, dor mertStrual não associada a nenhuma pato-
rações hormonais. logia de base, e a secundária, relacionada com alterações or-
Estima-se que ocorra em 25% a 90% das mulheres e ado- gânicas identificáveis, como endometriose, adenomiose, mio-
lesce ntes. A dor imensa, que restringe as atividades, acomete maLOse uterina, doença inflamatória pélvica (DlP) ou distúr-
5% a 20% dessas mulheres. bios anatõmicos da vascularização uterina.
Não há evidencia quanto ao uso rotineiro de ultrassono-
ETIOPATOGENIA grafia pa ra avaliação da dismenorreia primária. Nos casos
A etiologia da dismenorreia ainda não é completamente de dismenorreia refratãria ao tratamento medicamentoso e
conhec1da. Acredita-se que a causa da dor no perlodo mens- de alterações percebidas no exame clínico, a ultrassonogra-
trual seJa a produção de prostaglandmas no endométrio de fia pode idenuficar as causas de dismenorre1a secundária.
um c1clo ovulatório. Estudos mostram que o nlvel de pros- A adenom1ose pode ser ''tSta na ressonância magnéuca, en-
taglandmas F2a no fluxo mertStrual é duas vezes maior nas quanto o d1agnóstico de pólipo endometrial e m1oma sub-
mulheres dismenorreicas, o que exphca o grande beneficio m ucoso pode ser feito por histe roscopia e histerossonogra-
no alivio dos sintomas com o uso de medicamentos inibi- fia. A melhor referenda para o diagn óstico de endometriose
dores de prostaglandinas. Cabe ressaltar C[ue, apesar da evi- é a laparoscopia.

67
/.

'
'/:
') 68 Seção I Ginecologia

TRATAMENTO E SEGUIMENTO Tratamentos alternativos


O tratamento da d ismenorreia se baseia no alívio dos sin- Alguns tratamentos, como acupuntura, chás, fiwterápicos
tomas, os quais podem evoluir para dor pélvica crônica, mas, e compressas quentes, podem ajudar algumas mulheres, mas
em geral, melhoram com a paridade e a idade. seu acompanhamento é limitado em razão da necessidade de
mais estudos.
Tratamento clínico
O melhor resultado de um tratamento clínico é obtido com MENSAGEM-CHAVE
o uso de analgésicos inibidores de prostaglandinas. A d ismenorreia é um sintoma importante para grande par-
Todos os anti-inOamató rios não esteroides (AINE) estuda- te das mulheres na idade reprodutiva, causando grande im-
dos, como ibuprofeno, naproxeno e ácido mefenâmico, ácido pactO socioeconômico e na percepção da qualidade de vida.
acetilsalicílico e os inib idores da cicloxigenase-2, foram mais
eficazes do que o acetaminofeno e d iminuíram o Ouxo mens- l eitura complementar
Hardi G, Evans S, Craigie M. A possible link between dysmenorrhea
trual, sendo mais efetivos quando iniciados p recocemente,
and the development of chronic pelvic pain. Aust N Z J Obstei
embora o tratamento possa estende r-se após o término do nu- Gynaecol; 2014 Dec 54(6):593-6.
xo menstrual. Esse é o único tratamento com recomendação lacovides S, Avidon I, Bentley A, Backer FC. Reduced quality of life
nível A de evidência. when experiencing menstrual pain in women with prirnary dys-
menorrhoea. Acta Obstei Gynecol Scand 2014 Feb; 93(2):213-7.
Constitui tratamento com força de recomendação nível B lacovides S, Backer FC, Avidon I. The 24-h progression of menstrual
a sup ressão da ovulação e da menstruação com o uso de an- pain in women with primary dysmenorrhea when given d iclofenac
ticoncepcionais orais, injetáveis , implantes ou sistema intra- potassium: a randomized, double-blinded, placebo-controlled
uterino de levonorgestrel, os quais são especialmente úteis crossover study. Arch Gynecol Obstei 2014 May; 289(5):993-1002.
lrnai A, Matsunami K, Takagi H, lchigo S. levonogestrel-releasing
para as mulheres que necessitam de anticoncepção. intrauterine devise used for dysmenorrhea: five-year literatura re-
Podem ser também usados analgésicos antiespasmódicos. view. Clin ExpObstet Gynecol2014; 41(5):495-8.
Já o tratamento com danazol ou agonistas de gonadotrofinas Ji F, Yang XH, Ai Xing Zi AI et ai. Role of levonorgestrel-releasing
intrauterine system in dysmenorrhea due to adenomyosis and
pode ser considerado em casos refratários.
the influence on ovarian function. Clin Exp Obstei Gynecol 20 14;
41 (6):677-80.
Tratamento cirúrgico Osayande AS, Mehulic A. Diagnosis and initial management of dys-
Cerca de 10% das mulheres não apresentam resposta sa- menorrhea. Am Fam Physician 2014 Mar 1 89(5):341 -6.
Pej~ié A, Jankovié S. Risk factors for dysmenorrhea among young
tisfatória ao tratamento clínico. A cirurgia possibilita o d iag- adult female university students. Ann 1st Super Sanita. 2016;
nóstico correto, consistindo na opção terapêutica final para 52(1 ):98-103.
o tratamento da d ismenorreia. Cerca de 80% das pacientes Wang YJ, Wang YZ, Yeh ML. A prospectiva comparison study of
heart rate variability during menses in young women with dys-
que não obtiveram alívio da dor com AINE tinham endome-
menorrhea. Biol Res Nurs 2016 Jul; 18(4):465-72.
triose à laparoscopia. Durante o procedimento pode ser feita Yang L, Chai CZ, Yue XY et ai. Ge-Gen Decoction attenuates oxyto-
a ablação das lesões endometrióticas visíveis, a neurectomia cin-induced uterina contraction and writhing response: potential
pré-sacra ou a ablação do nervo uterossacro. application in primary dysmenorrhea therapy. Chin J Nat Med
20 16 Feb; 14(2): 124-32.
A histerecwmia deve ser oferecida como última opção Zebitay AG, Verit FF, Sakar MN Keskin S, Cetin O, Ulusoy AI. lm-
para mulheres com p role definida e dor confinada ao período portance of cervical length in dysmenorrhea aetiology. J Obstei
menstrual. Gynaecol. 2016 May; 36(4):540-3.
CAPÍTULO

Abordagem das Massas Anexiais


Adriana Ribeiro da Silva
Alaís Virgínia Ferreira de Souza
Thais Syrio Amaral

INTRODUÇÃO As neoplasias malignas do ovário atingem incid~ncia mâxi-


O diagnóstico de massas anexiais é um problema comum ma entre os 56 e os 60 anos de idade e representam 30%
na prática clinica do ginecologista, podendo afetar mulheres dos tumores O\'arianos na pós-menopausa, contrastando com
de todas as tdades. Grande pane dessas massas é diagnosti- apenas 7% desses tumores na pré-menopausa:
cada como bemgna, e o principal objetivo dessa a\-ahação é a • Pré-púberes: doenças malignas de o\'ário são relau,-amente
exclusão de rnahgnidade. raras em pedtalria, respondendo por 1% de todas as doen-
O câncer de ovário é a principal causa de mone por cân- ças malignas pedtátricas. As principais causas de massas
ceres ginecológicos e, incluindo todos os upos dessa doen- pélvicas nessa faixa etária são cistos funcionais e tumores de
ça, é a quinta maior causa de morte em mulheres nos EUA, células germinativas. Menos de 2% dos cânceres ovarianos
com cerca de 15.280 por ano e um risco de 1,42% de mor- ocorrem em crianças e adolescentes. Em razão da pequena
rer de doe nça maligna de ovário. Cerca de 5% a 10% de capacidade pélvica de uma criança, uma massa pélvica se
todas as mul heres ame ricanas se rão em algum momento das LOma rapidamente abdominal e, à medida que cresce, pode
suas vidas submetidas a ciru rgia em razão da suspeita de ser palpável ao exame flsico. As massas ovarianas nessa faixa
neoplasia, e, dessas, somente 13% a 21% serão d iagnostica- etária podem ser não só assimornáticas, associadas a sinto-
das com esse mal. mas mtestinats ou vestcais, como também causar dor aguda
Atualmente não eJ\.iste método para rastreto do cãncer de
O\'áno. O a\-anço dos equipamentos de ultrassonografia (US) Quadro 10.1 ClassdocaçAo das massas anexiais
e a melhor capacitação dos profisstonalS proporcionaram não
Origem Benigna Maligna
só um aumento no número de diagnóstico de massas pél-
vicas , como também um avanço na diferenciação dos pro- Coslo luncoonal Carciooma epoleloal
cessos mflamatórios, funcionais, neoplásicos anexiais, tanto ..
.!1
Gravodez ec16pica
Endomelnoma
Tumor de células germonalivas
Tumor estromal
benignos como malignos. O diagnóstico diferencial das mas- ,go Abscesso lubovariano
sas pélvicas é de extrema importância, pois, diante de uma õ Hidrossalpinge
~ Leiomiomas
neoplasia maligna de ovário, o d iagnóstico precoce contribui .5
(!J Teraloma maduro
para a menor morbimortalidade. Cistoadenoma mucinoso
Cistoadenoma seroso
ETIOPATOGEN IA Abscesso apendicular ou Câncer gaslroinlestonal
As massas anexiais devem ser classiftcadas como de origem
•...
Q
mucocele Me1ás1ase
:SI Dovertlculo da bexiga Sarooma retroperotoneal
gmecológica ou não ginecológica e amda como benignas e o Abscesso doverticular
mahgnas (Quadro 10.1).
-!"'o Tumor da baonha do netvO
A euologta das massas pélvicas •-ana também de acordo
com a fatxa etãria (Quadro 10.2). Crianças pré-púberes, ado-
..
z
Crs1o paratubário
Rom pélvico
D111ertlcul0 ure1era1
lescentes e mulheres em idade reproduuva ou após a meno- ..
Fonte: adaptado de Amorlcan Colloge of Obstetnc1ans and Gynocolog!~S. Mana·
pausa apresentam causas e fatores de risco diferentes para os gement of adnoxal massos. ACOG Practice Bulletin ~ 83. Obstot Gyneeol 2007
d iversos tipos de massas anexiais que possam desenvolver. 110(1):202.

69
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j 70 Seção I Ginecologia

Quadro 10.2 Causas de massas anexiais por frequência e faixa etária

fnlãnela Adolescência Menacme Perlmenopausa Pós-menopausa


Tumor de células Cisto funcional Cisto funcional Tumor ovariano epitelial Tumor ovariano (maligno ou
germinativas benigno)
Cisto funcional Gravidez ectópica Gravidez ectópica Cisto funcional Cisto funcional
Teratoma clstico benigno Tumor ovariano epitelial
ou ouuo tumor de células
germinativas
Tumor ovariano epitelial

Fonte: modificado de Berek & Novak's Ginecology. 2012.

em função de ruptura ou torção. A dor abdominal ou pélvi- nidade. A avaliação das gestantes com massas pélvicas é
ca é um dos sintomas iniciais mais frequentes. Seu diagnós- semelhante à das mulheres na pré-menopausa, levando em
tico é d ifícil, uma vez que são muitOS os sintomas inespecí- consideração a idade gestacional.
ficos, e os agudos muitas vezes são atribuídos a distúrbios Massas menores do que Sem no início da gravidez ge-
mais comuns, como apendicite. A US é importante ferramen- ralmente irão sofrer regressão espontânea no segundo tri-
ta para o diagnóstico de massas ovarianas, quando então são mestre. Se houver persistência, desde que com caracterís-
determinadas suas caracterislicas. Outros métodos também ticas de benignidade, a conduta expectante está indicada
podem auxiliar o diagnóstico, como ressonância magnética e as pacientes devem ser orientadas a respeito de sinais de
(RM), tomografia computadorizada (TC) ou os estudos de torção do ovário ou ruptura de cistO. Quando, por acaso,
fluxo com Doppler. são descobertas, a indicação de cirurgia deve ser cautelosa,
• Adolescentes: a real incidência de massas anexiais na ado- pois pode resultar em complicações no curso da gravidez. A
lescência ainda não está bem definida, mas sabe-se que 9% laparoLOmia está indicada em caso de suspeita de tumores
a 20% das massas diagnosticadas são malignas. Assim, a malignos e diante de massas maiores do que Sem. Baseret
maior parte das massas em adolescentes está associada a e cols. recomendam a excisão de todas as massas durante a
patologia benigna. As lesões malignas são definidas como cesariana, principalmente se maiores do que Sem ou com
tumores epiteliais, tumores de células germinativas e tumor suspeita de malignidade, em função de prognóstico favo-
de cordão sexual e metastático. As massas benignas são rável d iante de d iagnóstico precoce.
caracterizadas como cistOs funcionais, ciswadenomas, te- • Mulheres na pós-menopaus a: merecem avaliação cuida-
ratomas maduros, endometriornas e cistos paratubários. dosa, vistO que a maioria apresenta suspeita de malignida-
O d iagnóstico nas pré-púberes é feito por exame clínico de e deve ser abordada cirurgicamente. A avaliação desse
e métodos de imagem associados a marcadores tumorais, grupo deve incluir US transvaginal e dosagem de CA-125.
variando bastante sua clínica, o que pode incluir dor ab- Mamografta e toque reta! devem ser feitOS em tOdas as
dominal aguda, massa abdominal e/ou pélvica, puberdade mulheres com suspeita de massa pélvica, urna vez que o
precoce e sangramento vaginal. ovário é local comum de metástases. Se houver a presença
• Mulheres em idade reprodutiva: a maioria das massas de sangramento uterino anormal ou espessamento endo-
anexiais nesse período é de natureza benigna, e nessa faixa metrial, deve ser realizada a biópsia do endométrio. Diante
etária, além das massas ovarianas, são incluídas as extra- da positividade de exame de sangue oculto nas fezes, com
ovarianas, como gravidez ectópica, abscesso tubovariano, idade superior a 50 anos e em pacientes anêmicas, a en-
cisto de inclusão periwneal, miorna pediculado, entre ou- doscopia d igestiva e a colonoscopia estão indicadas para
tras. A prevalência dessas massas na gravidez varia de 0,05% descartar câncer gástrico e do cólon.
a 3,2% dos nascidos vivos. Teratomas maduros são os acha- A aspiração de líquido dos cistos para, por exemplo, d iag-
dos mais comuns, sendo malignas 3,6% a 6,8% das massas nóstico e tratamento das massas anexiais é contraindicada na
persistentes. Aproximadamente 70% das massas se resol- época da pós-menopausa, principalmente diante de massas
vem espontaneamente durante a gestação. potencialmente malignas, em virtude do risco de dissemi-
O uso rotineiro da US no pré-natal contribuiu para o nação no interior da cavidade peritoneal, alterando o prog-
aumento do número de diagnóstico de massas anexiais du- nóstico e a fase da doença. A citologia do líquido do cistO
rante a gestação, das quais 1% a 4% irão complicar-se nes- anexial tem pouca sensibilidade, porém, diante de pacien-
se período. A US transvaginal pode ser associada à abdo- tes com evidência clínica e radiográfica de câncer de ovário
minal, em razão da d istorção da cavidade, principalmente avançado, a aspiração pode ser realizada para confirmar o
se a gestação está avançada. Se necessãrio outro método diagnóstico de câncer.
de imagem, a RM está indicada, pois não expõe o feto à
radiação. Durante a gestação pode haver pico nos níveis FATORES DE RISCO
de CA-125 no primeiro trimestre e depois normalizar-se Nuliparidade, história de infertilidade e/ou endometriose,
gradualmente, fenômeno que não está associado à malig- além de história familiar de câncer de mama, ovário ou de
r
((

Capítulo 1O Abordagem das Massas Anexiais 71

cólon, são conside radas fatOres de risco em relação ao cânce r (cistos funcionais, endometriomas, cistOs tecaluteínicos, neo-
de ovário. Dessas neoplasias, 5% a 10% têm padrão fami- plasias primárias e carcinoma metastático).
liar ou hereditário relacionado com os genes BRCA1 (o mais
frequentemente envolvido) e BRCA2, de caráter autossômico Exames de imagem
dominante, e com os genes MLH1 e MSH2 em associação Exames de imagem associados ou não a exames laborato-
com a sínd rome do câncer colorretal hereditário não polipoi- riais serão necessãrios na maioria dos casos, porém o diagnós-
de (CCHNP). tico definitivo é hiswpatológico.
Estudos recentes demonstraram que mulheres em uso de A triagem de rotina para câncer de ovário não é recomen-
terapia de substituição hormonal (TRH) na pós-menopausa dada por nenhuma o rganização médica. Dada a baixa preva-
têm risco aumentado de cânce r de ovário. lência de câncer de ovário na população em geral e de qual-
quer estratégia de detecção com sucesso, essa triagem deve
DIAGNÓSTICO ter altas especificidade e sensibilidade. Várias modalidades de
As massas anexiais muitas vezes são de origem ovariana. A exames de imagem são usadas para diagnóstico e d ife rencia-
suspeita ocorre por meio da h istória completa e do histórico ção de massas anexiais, incluindo US com ou sem doppler-
familiar da paciente, do detalhamento das características dos nuxometria, RM eTC.
sintomas e do ciclo menstrual em associação com o exame
físico minucioso. U/trassonografia (US)
Os sintomas podem ser bastante variáve is , podendo apre- A US é o exame de imagem inicial mais apropriado para in-
sentar-se como dor pélvica aguda ou crônica, como sinto- vestigação de pacientes com massas pélvicas, tanto para deter-
mas inespec!ficos, distensão abdom inal, cólicas, sensação de minar o sítio de origem como para elucidar suas características.
peso em baixo ventre , dificuldade de micção, sintomas intes- Amplamente difundido, bem aceitO e de custO relativamente
tinais ou, ainda, a paciente pode ser completamente assintO- baixo, vem sendo o exame de preferência na maioria dos casos.
mática. Uma avaliação completa inclui tanto o US via abdominal como
O exame físico minucioso é fundamental, porém massas o transvaginal ou pélvico, principalmente em casos de mas-
com menos de Sem, principalmente em pacientes obesas ou sas volumosas com componente abdominal. Um bom estudo
na pós-menopausa, são de difícil detecção ao exame gineco- deve avaliar tamanho, consistência (cística, sólida ou mista),
lógico, sendo necessãrios exames de imagem para avaliação localização (ovariana, uterina, tubária, intestinal, entre outras)
completa. e bilateralidade, além de características próprias de cada massa
É imprescindível a diferenciação entre massa extraovaria- que possam indicar o risco de malignidade.
na (gravidez ectópica, abscesso tubovariano, cisto de inclusão A US com Doppler colorido tridimensional é muitO útil
peritoneal, mioma pediculado, abscesso diverticular, absces- na avaliação de vascularização, principalmente nas áreas sus-
so e tumor de apêndice , câncer de trompas de Falópio, doen- peitaS, em tumores em c rescimento e em pacientes na pós-
ça inOamatória do intestino e rim pélvico) e massa ovariana -menopausa (Quad ro 10.3).

Quadro 10.3 Diagnósticos diferenciais das massas pélvicas e características ultrassonográficas

Simples Complexo Sólido


Funcionais Cisto folicular Cisto hemorrágico
Cisto de corpo lúteo
Cisto hemorrágico
Cisto tecaluteínico
Paraovarianas Cisto paraovariano Abscesso tubovariano
Cisto de inclusão paritoneal Gestação ectópica
Hidrossalpinge
Benignas Síndrome de ovários policísticos Endometrioma Tecoma
Cisto simples Teratoma Leiomioma padiculado
Cistoadenoma Cistoadenoma Adenofibroma
Cistoadenofibroma Fibroma
Tumor de Brenner
Causas não ginecológicas Divertículo vesical Abscessos Unladenopatia
Gastrointestinais Hematomas Causas geniturinárias e gastrointestinais
Linlocele
Malignas Cistoadenocarcinoma Carcinossarcoma
Carcinoma endometrioide Neoplasias rnetastáticas
Carcinoma de células claras
Tumor de células da granulosa
Tumor de células germinativas
Tumor de células de Sertoli-Leydig
Fonte: McOonak:t 2006.
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j 72 Seção I Ginecologia

Figura 10.1 Características ultrassonográficas usadas pela JOTA: 81·85: características benignas (81: c isto unilocular; 82: presença de com-
ponente sólido e maior d iâmetro <7mm; 83: presença de sombra acústica; 84: tumor multilocular com maior diâmetro <100mm ; 85: ausência
de vascularização- escore de cor 1); M1·M5: características malignas (M1: tumor sólido irregular; M2: presença de ascite; M3: lesões papila·
res; M4: tumor sólido irregular e multilocular com maior diâmetro 2:100mm; MS: vascularização bastante aumentada- escore de cor 4). (Fonte:
Timmerman et ai. lmproving strategies for diagnosing ovarian cancer: a summary of the lnternational Ovarian Tumor Analysis (JOTA] studies,
2013. Ultrasound Obstetric Gynecological.)

Em casos de malignidade são observados diminuição na dos, vascularização, aumento do volume da massa e presença
resistência ao fluxo, aumento na velocidade diastólica, áreas ou não de ascite (Figura 10.1).
internas da massa de cor flutuante e intensa vascularização Sassone e cols. propuseram um sistema de pontuação para
central. Os baixos índices de pulsatilidade (lP d) e de resis- avaliação dos critérios ultrassonográficos das massas pélvicas.
tência (IR <0,4) sugerem neovascularização e malignidade. O ponto de cone nos critérios desse autor foi a soma dos pa-
A US é um exame examinador-dependente com sensibili- râmetros superior a 9, ou seja, acima dessa pontuação existe
dade variando de 86% a 9 1% e especificidade de 68% a 83%. fone suspeita de patOlogia maligna (Quadro 10.4).
Quando associada à dopplerfluxometria, apresenta somente Além dos critérios de Sassone, outras classificações tam-
0,5 % de falso-positivo. bém foram propostas com o intuito de estimar a probabilidade
As massas anexiais pélvicas apresentam parâmetros ul- de malignidade das massas anexiais e determinar a melhor
trassonográficos específicos que induzem a inferência sobre abordagem terapêutica, reduzindo ao máximo o número de
o diagnóstico e a diferenciação entre as massas benignas e intervenções cirúrgicas desnecessárias. O grupo IOTA (Inter-
malignas, como número de lóculos, estrutura da parede, pro- national Ovarian Tumor Analysis !Análise Internacional de
jeções papilares e excrescências, presença e espessura de sep- Tumores Ovarianos!) apresenta grande destaque e é ampla-
tos, ecogenicidade de fluido, proporção de componentes sóli- mente utilizado (Quadro 10.5). Segundo o IOTA, se o tumor

Quadro 10.4 Critérios de Sassone

Valor Estrutura da parede Interna Espessura da parede (mm) Septo (mm) Ecogenlcldade
1 Lisa Fina (3mm) Sem septo Sonolucente
2 Irregular ( <3mm) Espessa (>3mm) Fino (<3mm) Baixa ecogenicidade
3 Papilaridades (>3mm) Não aplicável (maioria sólida) Espesso (>3mm) Baixa ecogenicidade
Alta ecogenicidade
4 Nào aplicável (maioria sólida) Ecogenicidade mista
5 Alta ecogenicidade
Fonte: Crispi, 20 12.

Quadro 10.5 Critérios do grupo IOTA

Benignidade Malignidade
B 1 -Cisto unilocular M1 - Tum()( sólido irregular
B2- Presença de componente(s) sólido(s) <7mm M2- Presença de ascite
B3- Presença de sombra acústica M3 - Presença de pelo menos quatro projeções papilíferas
B4- Tumor multilocular com paredes lisas medindo <100mm M4- Tum()( multilocular sólido irregular com maior medida :?:100mm
B5- Ausência de lluxo ao Doppler (IC =1) MS- Alto fluxo ao Doppler (IC = 4)
Fonte: Timmerman et ai.. 2013.
r
((

Capítulo 1O Abordagem das Massas Anexiais 73

Ressonância magnética (RM)


A RM auxilia não só a caracterização das massas anexiais,
principalmente quando as achados ultrassonográficos não es-
tão claros, como também é particularmente útil na diferencia-
ção da origem de massas pélvicas não anexiais. Em compa-
ração com a TC, a RM é um métOdo superior, pois contribui
para aumentar a especificidade do d iagnóstico diferencial en-
tre massas benignas e malignas. Sua acurácia no estadiamento
nos casos malignos varia de 75 % a 78%.

Exames laboratoriais
Os exames laboratoriais utilizados durante a avaliação da
massa anexial devem incluir marcadores tumorais séricos, he-
mograma completO, eletrólitos séricos, teste de gravidez e
exames de urina e de sangue oculto nas fezes. Os marcadores
tumorais são macromoléculas compostas por proteínas ou frag-
mentos de proteínas, incluindo antígenos de superfície celular,
proteínas citOplasmáticas, enzimas e hormônios, encontrados
no tumor, no sangue ou em outros líquidos biológicos, estando
relacionados com a gênese e o crescimento de células neoplá-
MD2 sicas. Quando presentes, funcionam como indicadores de cân-
cer, podendo ser produzidos diretamente pelo tumo r ou pelo
Figura 10.2 Descrição ultrassonográfica pelo critério de IOTA:
organismo em resposta à sua presença.
801-804 - descrição benigna; M01 -M02 - descrição maligna.
(801 - tumor unilocular com ecogenicidade ''em aspecto de vidro Esses marcadores são úteis no manejo clínico dos pacien-
fosco" em paciente na pré-menopausa sugestivo de endometrioma; tes cancerígenos, auxiliando os processos de diagnóstico, es-
802- tumor unilocular, heterogêneo e com sombra acústica em mu- tadiamento, avaliação de resposta terapêutica, detecção de re-
lher na pré-menopausa sugestivo de teratoma benigno; 803- tumor cidivas e prognóstico, além de coope rar no desenvolvimento
cistico com paredes regulares e maior diâmetro menor do que 10cm
sugestivo de cisto simples ou cistoadenoma; 804- tumor unilocular
de novas modalidades de tratamento.
remanescente com paredes regulares; MD1 - tumor com ascite e
moderada vascularização ao Doppler em mulher na pós-menopau-
CA-125
sa; MD2- mais de 50 anos e CA-125 >100U/ml ). (Fonte: Timmer- O CA-125 é um marcador do soro que pode estar elevado
man et ai. lmproving strategies for d iagnosing ovarian cancer: a em cerca de 80% dos casos de câncer de ovário, em 90% nos
summary of the lnternational Ovarian Tumor Analysis [IOTA] studies,
de doença avançada e em apenas 50% quando nas doenças da
2013, Ultrasound Obstetric Gynecological.)
fase I no momento do d iagnóstico.
Trata-se de um marcador inespecífico que pode estar ele-
apresentar pelo menos uma característica de malignidade (M) vado em muitas outras condições, incluindo outras doenças
e nenhuma caracte rística de benignidade (B), será provavel- malignas, como: câncer de endométrio e cenos tipos de câncer
mente maligno. Se apresentar uma ou mais características B pancreático; etiologias ginecológicas benignas, como endome-
e nenhuma M, será provavelmente benigno; se apresentar triose, miomas uterinos e gravidez; condições não ginecoló-
características B e M, ou se nenhuma caracte rística B ou M gicas, como gastroenterite, pancreatite, cirrose, insuficiências
estiver p resente, o resultado será inconclusivo. cardíaca congestiva e hepática, pleurite, pneumonia ou derra-
Os teratomas, endometriomas, corpos lúteos, cistos hemor- me pleural de qualquer origem, e em cerca de 1% dos pacien-
rágicos, hidrossalpinges, cistos paraovarianos e alguns tumores tes saudáveis.
sólidos (fibromas, tecomas e tumor de Brenner) são exemplos Dessa maneira, o CA-125 tem pouca sensibilidade e baixa
de massas anexiais com características benignas. j á o cisto- especificidade como teste de triagem para câncer de ovário.
adenocarcinoma, o carcinoma endometrioide e o carcinoma de Atualmente, sua principal aplicação consiste em possibilitar o
células claras são exemplos de massas malignas (Figura 10.2). seguimento da resposta bioquímica ao tratamento e predizer
a recaída em casos de câncer epitelial de ovário. Seu valor de
Tomografia computadorizada (TC) referência é de 35U/ml, podendo ser considerado de 65U/ml
lncidentalomas são frequentemente encontrados nas TC so- quando o objetivo é a maior especificidade.
licitadas por outras patOlogias. Assim como o US, a TC permite Outros marcadores têm sido também pesquisados, como
avaliar tamanho , localização e relação entre a massa e os órgãos CEA (antígeno carcinoembrioná rio) , CA-19-9 Tati, NB/70k,
adjacentes. Nas neoplasias ovarianas, a TC é o melhor método CASA (antfgeno sé rico associado ao câncer), CYFRA 21-1,
para avaliação de carcinomawse peritoneal, doença metastática CA-54-61 e HE4 (proteína humana epidídimo 4).
em pelve e abdome, assim como para estabelece r sua extensão, Estudos recentes mostraram que a combinação dos marca-
facilitando a estratégia a ser adotada pelo cirurgião. dores HE4 e CA-125 não parece promove r taxas mais precisas
74 Seção I Ginecologia

Quadro 10.6 Marcadores lt.mOrais indicação de abordagem ctrúrgica relacionada com as massas
Tumonola Tipos de tumor anexíais:
CA·125 Tumores epilelia•s • Cistos stmples >7cm sem regressão após 6 a 8 semanas
CA·19.9 Tumores mucinosos (com ou sem contraceptivo oral).
Alfaletoprolefna Tumores de seio endodérmico e 1umores • Lesão ovariana sól ida.
mislos de células germinalivas • Lesão clstica com vegetação ou tumoração em parede.
CA·54·6 1 Carcinoma mucinoso • Ascite.
• Massa anexial palpável ou sintomática.
CEA Carcinoma embrionário
• Suspeita de torção ou ruptura.
Gonadolrolina coriónica COliocarcinoma
EslradiOI Tumores de células da granulosa A cirurgta laparoscópica é o método indicado para o trata-
Teslosterona Tumores de célula de Sertoli·Leyd•Q mento de massas anextais benignas, cistos dermoides e endo-
metriomas, e seu papel no tratamento drúrgico de dtStúrbtos
LDH Marcador lumoral•nespecdJCO
ginecológtcos vem evolumdo.
HE4 Carcinoma ovanano
Como cirurgta mm1mamente invash·a, a laparoscop1a pro-
Fonto. adaptado de Cr•sp•. 2012.
move beneflctos com melhor resultado estético, menos tempo
de internação, redução da dor pós-operatória e retorno pre-
de detecção de tumores mal ignos de ovário. A gonadotroli- coce às alividades diárias. quando comparada à laparotomia.
na coriOnica humana (HCG) deve ser obtida em mulheres Além dos beneficios gerais dos procedimentos endoscópicos,
em idade reprodutiva para descartar a gravidez e, em con- há menor tendência para a formação de aderências, dim inui-
junto com outros marcadores sorológicos, como alfafetopro- ção de trauma peritoneal com a contaminação da cavidade
telna (AFP) e lactato desidrogenase (LDH), pode ser útil em peritoneal sendo minimizada. A laparoscopia para manejo de
mulheres JOvens, quando há a suspeita de tumor de células desordens ginecológtcas em pediatria e em adolescentes é for-
germínauvas. Dosagens de estradiol, desidroepiandrosterona temente recomendada.
(DHEA) e testosterona podem ser úte1s para mulheres com No tratamento ctrúrgtco de cistos com caracterlsucas be-
suspeita de tumores funcionais (Quadro 10.6). nignas, a aspiração de CIStO por si só não é recomendada, poiS
Nenhum marcador tumoral demonstrou relevãnc1a signi- aumenta os nscos de recorrência. Cerca de 10% a 65% do con-
ficativa para dtferenciar tumores benignos de mahgnos. Por teúdo aspirado dos ciStos serão interpretados como benignos,
ISSO, o valor preditivo isolado é baixo, e uma úmca dosagem e, na realidade, a mahgnidade está presente. Para uma cistecto-
não possibihta o diagnóstico da massa estudada. mia ovariana ideal são necessários a remoção do cisto intacto e
A aval iação ultrassonográlica das caracterfsticas morfoló- o trauma mlnimo ao tecido ovariano residual. Em caso de cis-
gicas das massas anexiais, associada à dosagem de marcado- tos maiores, a aspiração pode ser necessária, de modo a des-
res tumorais, em especial o CA-1 25 para tumores epiteliais e, comprimir a massa e ajudar na dissecção e excisão completa
mais recentemente, a avaliação dinâmica das imagens ultras- da cápsula para evitar a recorréncia, visto que a contam ina-
sonográricas, vem contribuindo para diferenciação dos tipos ção da cavidade é maior diante da ruptura do cisto. Os tem-
de massas anexiais, reduzindo, assim, o número de pacientes tomas, sempre que possivel, deverão ser removidos tntactos.
submeudas a tratamentos inadequados. Se ocorrer contammação, seja por ruptura do CISto, seJa
Na avahação de uma massa anexial, suas caracterlsttcas ul- durante sua extração, deve ser realizada a lavagem exausu-
trassonográricas e os nh·eis de CA- 125 são tmportantes para ,.a da cavtdade abdommal com o objeti,·o de não detxar re-
diStinguir massa benigna de maligna, porém a US é exame manescentes do ovário. A sindrome do ovário remanescente
mespecifico e examinador-dependente, e os niveis sanguineos é definida como a persistencia de tecido ovariano funcional
de CA-125 estão frequentemente elevados na doença avan- após ooforectomaa, podendo ser manifestada como dor pélvt-
çada e em apenas 50% dos cânceres de ovário em estád io ca crônica, dispareunia e dor pós-coito.
inicial; nenhum dos dois testes tem alta precisão na detecção Atualmente a laparoscopia tem sido empregada como téc-
precoce da doença. nica ci rúrgica para estad iame nto em neoplasias malignas ova-
Diante de uma mulhe r com massa anexial complexa com rianas em tumores em estád ios iniciais.
niveis de CA-125 dentro da normalidade e sem outros si- A laparotomia é tipicamente realizada em massas ane-
nats de malignidade, o médico deve levar em consideração o xiais com alto risco para malignidade e tumores em estádios
risco-beneficio para cada paciente. Atualmente não existem avançados. Essa abordagem permitirá estadiamento precoce,
dtretnzes fundamentadas em evidênctas que determinem o incluindo a exploração completa do abdome, lusterectomta
perlodo máxtmo de acompanhamento necessáno para excluir total, salpmgooforectomta bilateral, omentectomia, diSsecções
câncer de ováno. de nódulos hnfáucos pélvtcos e paraónicos, biópstas de dia-
fragma e gotetras panetocólicas, seguindo-se ressecção máxi-
TRATAMENTO CIRÚRGICO E SEGUIMENTO ma do tumor intra-abdominal.
O tratamento das massas pélvicas varia de acordo com os O advento da cirurgia robótica no Brasil representou um
sintomas, a idade e os fatores e risco da paciente, conforme grande ganho para a medicina minimamente invasiva, além
:\.
r
((

Capítulo 1O Abordagem das Massas Anexiais 75

dos benefícios já descritos para a laparoscopia. Um estudo Quadro 10.7 Estadiamento de câncer de ovário atualizado- FIGO 2013
retrospectivo canadense realizado em 2015 comparou os re- Estádio 1 Tumor limitado aos ovários
sultados da laparoscopia e da robótica no manej o de massas la Tumor limitado a um ovário. cápsula intacta, sem tumor
anexiais benignas e evidenciou que ambas oferecem tratamen- na superflcie externa
tO efetivo, seguro e minimamente invasivo às pacientes. A ro- lb Tumor envolvendo os dois ovários, cápsula intacta. sem
bótica, po rém, ofereceu maiores benefícios no tratamento de tumor na superfície externa

endometriose em vi rtude das melhores abordagem e dissecção Ic Tumor restrito a um ou ambos os ovários e:
lc1 : Ruptura da cápsula durante a cirurgia
do retrope ritõnio. lc2: Cápsula rota antes da cirurgia ou tumor na
O tratamento de escolha para massas anexiais deve ser o superfície ovariana
lc3: Ascite ou lavado peritoneal com células
menos invasivo possível, podendo variar desde cistectomia neoplásicas presentes
até salpingectomia com ooforecwmia. Estádio 11 Tumor com eXlensão à pelve verdadei ra ou pri mário
Nos casos malignos, em adolescentes e crianças, recome n- do perltõnl o
da-se remoção do tumo r, mantendo as trompas se não houver na Extensão e/ou metástases para o útero e/ou tuba
aderências. Citologia de líquido ascítico deve se r coletada, e uterina
as áreas suspeitas em ornemo devem ser removidas e/ou biop- llb Extensão para outros tecidos pélvicos (l lc foi excluído
do estadiamento)
siadas, sempre se realizando análise e biópsia de linfonodos
ilíacos e da aonocava. Estádio 111 Tumor com Implantes além da pelve e/ou llnfonodos
fntr&-abdomfnafs comprometidos. Também
O tratamento agressivo nessa faixa etária deve ser evitado. considerar como tumor limitado à pelve verdadeira,
Adolescentes que foram submetidas à salpingooforectomia uni- mas com extensão di reta ao Intestino delgado ou
omento
lateral têm 3% a 15% de risco de torção ou neoplasia no ovário
ma Linfonodos comprometidos e/ou disseminação
contralateral e, mais comumente, desenvolvem infertilidade. peritoneal microscópica além da pelve
Cirurgias incompletas são reduzidas na presença de um gi- llla1: Linfonodos pélvicos e/ou retroperitoneais
comprometidos
necologista oncologista durante o procedimento. Em pacientes llla1 (f): Metástases :<1cm
em idade reprodutiva ou na pós-menopausa recomenda-se are- llla1 (11): Metástases > 1em
llla2: Disseminação peritoneal microscópica além da
moção imediata das massas com características suspeitas à US, pelve verdadeira
como, por exemplo, presença de componentes sólidos, papi-
lllb Presença de implante peritoneal extrapélvico de
lares, tumores em crescimento ou vascularização aumentada. tamanho :<2cm no maior diâmetro. Inclui extensão
para superflcies hepática e/ou esplênica
lllc Presença de implante peritoneal extrapélvico de
TRATAMENTO CIRÚRGICO DO CÂNCER DE OVÁRIO tamanho >2cm no maior diâmetro. Inclui extensão
O estadiamento do câncer de ovário é cirú rgico. Os prin- para superflcie hepática e/ou esplênica
cipais fatores prognósticos no cânce r de ovário são estadia- Estádio IV Presença de metástases a distância
mento, volume da massa tumoral residual após o tratamento IVa Derrame pleural com citologia positiva
ci rúrgico e grau hisLOlógico (Quadro 10.7). IVb Metástases para parênquima hepático ou esplênico.
As pacientes com cânce r de ová rio em estádio inicial po- A metástase para órgãos extra-abdominais inclui
linlonodos inguinais e linlonodos fora da cavidade
dem se r acompanhadas a cada 2 ou 4 meses durante os pri- abdominal
meiros 2 anos, quando, então, passam a ser acompanhadas Fonte: Manual de condutas de ginecologia oncol6gica, 2014 (A. C. Camargo Cancer
duas vezes ao ano durante os 3 anos seguintes, devendo de- Center).
pois se r acompanhadas anualmente. Em cada visita devem
ser realizados exames pélvico e físico completos. Além d isso, bons resultados na remissão sintomática de massas residuais
a determinação dos níveis de CA-125 está indicada se os refe- ou recidivas após quimioterapia.
ridos níveis se encontravam inicialmente altos. Se justificados As pacientes em estádios avançados devem ser acompa-
clinicamente, exames de imagem também podem ser úteis nhadas regularmente com exames e dete rminação de CA-125,
para excluir recidivas. como na doença em estádio inicial. No que diz respeito ao
Atualmente, o tratamento ci rúrgico de pacientes com cân- monitoramento de pacientes com cânce r de ovário avançado,
cer de ovário preconiza a citorredução com o objetivo de detec- podem ser ind icados exames de imagem com mais frequência.
tar doença residual não mensurável. A quimioterapia neoad- Em geral, os clínicos devem ficar atentos às recidivas, visto que
juvante está reservada para as pacientes que não tolerariam o 70% das pacientes com doença avançada recidivam em 5 anos.
procedimento ci rú rgico de citorredução primária não factível A quimioterapia tem papel de destaque na doença avançada.
e para aquelas com comorbidades associadas e com alto risco
de morbidade. Se a doença inicial é extensa e não passível de PRESERVAÇÃO DA FERTILIDADE
cito rredução (doe nça residual = 1cm), deve se r feita a reabo r- Ao se considera r que cerca de 12% dos casos de cânce r
dagem cirúrgica após três ciclos de quimioterapia. A rad iote- epitelial de ová rio se desenvolvem em mulhe res com menos
rapia é uma modalidade abandonada a favor do tratamento de 45 anos, a cirurgia com preservação da fertilidade pode
quimioterapêutico, e a radioterapia paliativa pode oferecer se r uma opção em pacientes selecionadas quando a doença se
/.

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'j 76 Seção I Ginecologia

encontra aparentemente confinada ao ov:lno. Embora munas mento conservador com a.nub1oticoterapia fica restnto a casos
delas seJam d1agnosticadas em estádiOS a\"ançados, aquelas de D!P I, em que não há formação de abscesso tubovanano
com a doença em estádio I com hístología de baLxo grau (es- (Quadro IO.S). O tratamento cirúrgico fica reservado para os
tadíamento FIGO 2014) apresentam alta taxa de sobrevida a casos de DIP 11, IJI e IV, podendo variar entre drenagem per-
longo prazo com anexectomia unilateral. O risco global de cutânea e salpíngectomia e lise de aderências, sendo sempre
recidiva em útero ou anexo contralateral com a preservação p referida a via laparoscópica.
da fertilidade é de 11,6%, e a taxa global de gestação após
ciru rgia alcança 30,3%. Em alguns casos, a quimioterapia GRAVIDEZ ECTÓPICA
pós-operatória pode ser necessária, mas as pacientes normal-
A gravidez ecLópíca é assim definida quando o saco gesta-
mente permanecem aptas para a concepção e para levar ages- dona] estâ localizado fora da cavidade uterina, devendo ser
tação a termo.
sempre considerada como diagnóstico diferencial de massas
pélvicas, além de ser uma das prindpaís causas de mortalida-
ENDDMETRIOMAS de na gravtdez. Sua mc1dênoa varia de 1% a 2% das gesta-
Os endometnomas, implantes de tecido endometnal ec- ções, e em 95% dos casos o saco gestacional está locahzado
tópiCO que sofrem repetidas hemorragias em resposta à esti- na trompa de Falóp10.
mulação hormonal, formando lesóes císticas nos ovános, são O uso da US em combmação com dosagem dos n!ve1s de
encontrados em 20% das pacientes com endometríose e se 13-HCG contribuí para um diagnóstico precoce, reduzindo
associam à forma mais grave da doença. sua morbimortalidade.
À US os endometriomas se apresentam como estrutura Muitas gestações ectópicas são d iagnosticadas antes do ini-
bem delimitada, homogênea, com conteúdo de baixa a média cio dos sintomas, tornando posslvel o t ratamento precoce.
densidade ecogêníca, e normalmente podem apresentar sep- A triade sintomática tipíca incluí sangramento e dor pélvica
tações. Embora a US seja a modalidade de imagem de primei- após o período de amenorreia, com o quadro podendo con-
ra linha na avaliação de massas anexiaís, a RM tem mostrado fundir-se com o de abortamento espontâneo. Cerca de um
especificidade maiS ele,·ada para o diagnósuco. terço das mulheres não apresenta sinaís clínicos e quase I 0%
Em razilo da meficácia do tratamento clímco, o tratamento não têm nenhum smtoma.
cuúrg1co é preferh·el por meio da cistectom1a ou ablação do O tratamento clinico com metourexato é considerado de
císto. A C1Stectom1a parece ser a modahdade favorec1da: no en- primeira linha nas gestações tubárias [ntegras. O Quadro I 0.9
tanto, a cirurg.a promo,·e rísco potencial de danos s1gnificauvos aborda os criténos para uulização do metotrexato. Quando
à reserva ovariana, que podem ser diagnosticados e acompa- não se atendem os críténos para sua utilização, o tratamento
nhados pelos nlveís do hormônio antimulleriano (f·IAM), um por via laparoscópica é a abordagem de preferência.
novo marcador de reserva do ovário. Em metanálíse realizada A gestação ectópica pode ser tratada por meio de !aparos-
por Rafli e cols., essa técnica cirúrgica para tratamento de en- copia para os mesmos procedimentos realizados por laparo-
dometriomas pareceu causar danos significativos à reserva ova- tomia, incluindo salpíngotomia, salpi ngectomía e ressecção
riana com até 40% de queda na concentração sé rica do HAM. segmentar de parte do oviduto.

MASSAS ANEXIAIS DE ORIGEM TUBÁRIA Quadro 10.8 Estadoamemo da doença inflamalóe'ia pélvica (DIP)

Abscesso tubovariano Classlflcaçio de MonH


O abscesso tubova.riano é uma comphcação frequente da Estádio O lnfecç&o gonecológoca baixa associada à endOmelrole
doença mflamatóna péhica (DIP), responsãvel por cerca de um Estádio I Endomelrote e salpongole aguda sem perilonile
terço das internações por salpíngite aguda, além de ser uma das Estádio 11 Salpongole aguda com perilonile
principais causas de massa péhica na pré-menopausa.
Estádio 111 Salpingole aguda com oclusao tubária ou
A incidência da D!P, uma das complicações mais signifi- comprometimenlo tubovariano
cativas das doenças sexualmente t ransmissíveis (DST), vem
Estádio IV Abscesso lubovariano rolo com secreção purulenla na
aumentando nos últimos anos, já constituindo problema de cavidade e sinais de choque séptico
saúde pública. .
Fonte: Fr91tas F 01 ai. Rotinas om ginocologia. S. ed. Pano Alegre: Art:mod, 2006.
Os fatores de risco para abscesso tubovariano são seme-
lhantes aos da DIP, como múltiplos parceiros sexuais, D!P Quadro 10.9 Crilérios para uso do metoltexato
prévia, auséncia de contracepção, uso de d1spos1tivo íntraute-
Pacief\les hemOdinamocamenle estáveis
nno (DIU) e classe socioeconômica. menos favorec1da. A cll-
Pacief\les disposlas e capazes de cumprir o acompanhamento
mca e os exames laboratoria.ís são vanávelS, multas vezes não
pós·ltalamemo
estando relac1onados com a extensão do processo mfeccioso. fi-HCG s5.000mUI/ml
Como d1agnóstico diferencial devem ser cogitadas outras Ausêllcia de alividade cardlaca fetal
patologias pélvicas, como apendicite aguda, gravidez ectópica Tamanho da massa eclópoca <3,5cm
e torção de ovário, tomando ímprescíndlvel a utilização da
Fonte; Methouoxato 1rea1ment o4 tubaJ and interstitial ectopic pregnancy-updmed
US para diferenciação de casos cirúrgicos ou não, e o trata- Ago. 2012.
r
((

Capítulo 1o Abordagem das Massas Anexiais 77

HIDROSSALPINGE • As massas anexiais serão abordadas de acordo com a faixa


A hidrossalpinge é a dilatação crônica da trompa de Faló- etária no momento do diagnóstico.
pio, podendo resultar de uma DIP e apresemando, ponan- • A maioria das massas anex1a1s é de ongem o,·ariana.
to, os mesmos fatores de nsco. As paredes das tubas ficam • A cirurgia laparoscópica é o método indicado para o trata-
edemactadas, delgadas, e a trompa se toma alongada e trans- mento de massas anextais benignas, CIStos derrn01des e en-
lúcida, sendo comum apresentar-se d1Slend1da e preenchida dometrioma. A laparotom1a é reservada para massas com
com fluido claro seroso. A h1drossalpmge pode ser observada suspeita de mahgmdade e estádio avançado da doença.
nas mulheres assmtomáticas durante o exame quando a US é • lmponame 1denuficar a ongem da massa anex1al e conhe-
reahzada por outras md1caçôes. Algumas mulheres mencio- cer os diagnóstiCOS d1ferencia1S para abordagem adequada
nam infenilidade ou dor pélv1ca crõmca. À US, apresentam- e evitar tratamentos cirúrgiCOS desnecessãnos.
se como uma estrutura cisuca de parede fma, hipoecoica e • Os principais diagnósticos diferenciaiS abordados foram
apresentando ou não septo incompleto. O tratamemo varia endometrioma, gravtdez ectópica, abscesso tubovanano e
de acordo com a ceneza do diagnóstico, o desejo de presercar hidrossalpinge.
a fenilidade e a sintomatologia apresentada. • A cirurgia com preservação da fertilidade tem bons resul-
tados, sendo factivel para pacientes com doença restrita ao
PONTOS CRÍTICOS E CONSIDERAÇ0ES FINAIS ovário, visto que 12% dos cânceres epiteliais de ovário se
desenvolvem na faixa etária dos 45 anos.
Apesar das várias estratégias e ferramentas propostas para
prever malignidade entre as massas anexiais, ainda não foi des-
Leitura complementar
cobe rto um marcador tumoral com relevância significativa para ACOG Graham L. ACOG relesses guidelines on management of ad-
diferenciar tumores benignos de malignos. A triagem de rotina nexal masses. American Family Physician 2008; 77(9):1320-23.
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Massas anexiais descobertas incidemalmeme representam
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Atualmente não existem d1retnzes com base fundamentadas Differenbabon oi ovanan endomelfiOillaS from hemorrhagtc cysts
em ev1d~nctas que deterrnmem o per!odo máximo de acom- at MA 1magmg. uttllty oi lhe T2 dark spot Stgn. Rad!Oiogy 2013;
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Apesar da necess1dade de ma1s pesquisas, o estudo minu- ováno e emergênc1as gtnecológ1cas. In Cnsc1 CP et aJ (eds.) Tra-
cioso das 1magens das massas anextaJS associados à cl!nica e a tado de endoscopia ginecológ1ca - c1rurg1a mtn.mamente lllvas•-
resultados laboratona1s tem promov1do a redução do número va. 3. ed. Ato de Janetro: Rev~nter. 2012.
de pacientes submetidas a tratamentos madequados. Eskander RN, Bristow RE, Saenz NC, Saenz CC. A retrospectiva re-
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na prática cllnica do ginecologista, podendo afetar mulhe- trícia. 11. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010:369-79.
res de todas as idades. A maioria é benigna e o principal Gonçalves FS, Vaz-Oiiani DC, Oliveira GH , Oliani AH. Avaliação dos
objetivo da avaliação diagnóstica é a exclusão de sua ma- parâmetros de imagens de massas anexiais pélvicas em tele-e-
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Manual de condutas em ginecologia oncológica/A.C. Camargo Cancer
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from: http:/fdx.doi.org/10.1016/j.ajog. 2014. article/pii/.
CAPÍTULO (

Dor Pélvica Crônica


Ivete de A vila
Márcia Mendonça Carneiro

INTRODUÇÃO ETIOLOGIA
A dor pélvica crônica (DPC) é definida como dor inter- A etiologia da DPC é, com frequência, incerta. Para fins di-
mitente ou constante na região pélvica e abdominal com pelo dáticos há a tendência para reconhecer sua origem conforme a
menos 6 meses de duração, acompanhada de distúrbios psi- estrutura anatômica e orgânica acometida e, assim, classificá-
cológicos e sociais, d iferentemente da dismenorreia e da dis- -la em DPC ginecológicas e não ginecológicas (Quadro 11.1).
pareunia, embora muitas vezes estejam associadas. O Royal Todos os ó rgãos e estrutu ras anatômicas que constituem
College of Obstetricians and GynaecologistS (RCOG) e o a pelve podem originar dor, incluindo pele, pa rede abdo-
Ame rican College o f Obstetricans and GynecologistS (ACOG) minal, pe ritônio e vísceras, qualquer órgão dos aparelhos
propõem a definição da DPC como a dor não cíclica com du- reprodutivo, urinário e digestó rio, e sistemas neural, mus-
ração de pelo menos 6 meses com localização na pelve, pare- culo fascial e osteoanicular. Assim, conhece r o d iagnóstico
de anterior do abdome, região lombar baixa e nádegas, com etiológico é um desafio pa ra o ginecologista, seja pela dive r-
gravidade suficiente para ocasionar incapacidade e a busca de sidade de possibilidades, seja pela frequência da associação
cuidados médicos. A DPC é um sintoma manifestO de origens de fatOres. Mesmo assim, muitos casos de DPC pe rmanecem
d iversas e, portanto, impõe grandes desafios a respeito do sem esclarecimento etiológico. Na maio ria das vezes, suas
d iagnóstico etiológico e da abordagem terapêutica. causas não são ginecológicas. Estima-se que 3 7, 7% têm ori-
Em vista de sua prevalência significativa é tema relevante, gem gastrointestinal, 30,8%, u rinária, e 20,2 % têm causas
pois possibilita o comp rometimentO da qualidade de vida e ginecológicas.
da função sexual das mulheres. Além disso, há maior proba- Em extensa revisão de lite ratu ra, o ACOG agrupou as
bilidade de depressão e de história de violência física e sexual. causas ginecológicas conforme sua relevância, segundo cri-
A dor causa também a incapacidade física e psicológica, com- térios de níve is de evidência. As cond ições ginecológicas
prometendo o desempenho no trabalho e na atividade sexual, de nível de evidência A (evidênc ia científica consistente
com repercussões impo rtantes na vida afetiva e profissional. da relação de causa e efeitO de DPC) foram : endometrio -
A DPC está associada ao aumento de intervenções cirúrgi- se, malignidades ginecológicas avançadas, síndrome do
cas, ocorrendo, por essa razão, quatro vezes mais operações ovário residual, sfndromes do ovário remanescente e da
não ginecológicas e cinco vezes mais histerectomias. Estima-se congestão pélvica, doença innamató ria pélvica e salpingite
que a DPC seja responsável por cerca de 10% das consultas tuberculosa.
ginecológicas ambulato riais e por aproximadamente um ter- Como nível de evidência B (evidência científica com li-
ço das laparoscopias realizadas. Essa dor é encontrada entre as mitações ou inconsistências sobre a relação de causa e efeito
principais indicações de histerectomia nos EUA (12% a 16%), da DPC) foram: aderências, mesoteliomas císticos benignos,
com o agravante de que a extirpação do útero, na maioria das miomas e cistos periwneais pós-operatórios.
vezes, não resolve a questão, pois 25% das pacientes com DPC As condições de nível C com base em relatOs de especialis-
já foram histerecwmizadas. No Reino Unido, a incidência e a tas foram: adenomiose, d ismenorreia atípica e do r ovulatória,
prevalência dessa dor são similares às da enxaqueca, da lom- cistOs anexiais, estenose cervical, gravidez ectópica, endome-
balgia e da asma. A DPC onera os serviços de saúde nos EUA a trite, pólipos uterinos, endossalpingiose e dispositivo intra-
um custO estimado em cerca de 880 milhões de dólares. uterino (DIU).

79
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J 80 Seção I Ginecologia

Quadro 11.1 Principais causas reconhecidas de DPC Quadro 11.2 Dificuldades e enfrentamento na DPC

Local de origem Principais doenças que podem causar DPC Dificuldades na Estratégias de enfrentamento
abordagem da DPC
Peritoneal Aderências
Psicoemocionais Reforçar vinculas de
Ginecológicas Endometriose Anatômicas: credibilidade na relação
lnlecçOes genitais. cervicais. uterinas, Diversidade da anatomia médico-paciente
tubárias, ovarianas pélvica Apresentar as expectativas
Prolapsos lnetvaçào comum de órgãos reais da propedêutica e da
Massas anexiais diferentes terapêutica propostas
Miomas Dor visceral Não assumir a psicoterapia
Dor referida Trabalhar em equipe
Gastroenterológicas Sfndrome do cólon (intestino) irritável
Neoplasias intestinais multidisciplinar composta
por ginecologista.
Doença de Crohn
Apendicite gastroenterologista.
coloproctologista. urologista,
Colite ulcerativa
neurologista, fisioterapeuta e
Hérnias
psicólogo
Enterocolite infecciosa
Doença intestinal isquêmica
Doença diverticular
Endometriose intestinal Dificuldades psicoemocionais
Uroginecológicas Cistite intersticial Em geral, as portadoras de DPC são mulheres que , já des-
Cistite actfnica gastadas por expe riências frustradas, sem a solução de seu
Sfndrome uretra!
sintoma, tendem a recusar ajuda psicológica e insistem na
Carúncula urettal
Divertículo uretral busca de explicação somática para seu padecimento, consul-
Neoplasia tando méd icos e profissionais variados. O ginecologista deve
Urolitíase são só assumir atitude de credibilidade quanto à "dor" expres-
Vasculares Varizes pélvicas sa pela paciente, demonstrando disposição para p rocu rar sua
Congestão pélvica causa, como também apresentar expectativas reais da prope-
Muscoloesqueléticas Doenças degenerativas ou inflamatórias das dêutica e do tratamento, o que reforça a relação médico-pa-
articulações sacroilíaca. coxofemorais e ciente, obtendo maior colaboração.
sínfise púbica
Além disso, essas mulheres costumam vir de ambientes fa-
Sfndrome dolorosa miofascial (parede
abdominal. perineal) miliares conturbados e que ap rese ntam prevalência muito
maior de quadros depressivos em comparação aos grupos-
Neurológicas Neuropatias periféricas
Radiculopatias oompressivas controle. Walker e cols. (1995) constataram o diagnóstico de
Neuralgia pós·herpética depressão grave em 28% das po rtadoras de DPC contra 3%
Lesões tronculares: neuralgia do do grupo-controle. A história de violência sexual na infância
genitofemoral, do ilioinguinal,
do pudendo, do ciático
esteve presente em 48% de mulheres estudadas com DPC em
Polineuropatia periférica (diabética) relação a 23% do grupo-controle. Notava-se o aumento signi-
Neuropatias plexulares: toracolombar, ficativo dessa d iferença quando eram destacadas as vítimas de
rostral, sacra, lombossacra de origem
neoplásica, actlnica. hematomas e
estupro: ames dos 14 anos, 16% contra 0%; após os 14 anos,
diabética 28% contra 10%.
Não cabe ao ginecologista desempenhar o papel de psico-
Doenças sistêmicas Discrasias sangufneas
Anemia falciforme te rapeuta; no entanto, deve mostrar-se sensível a essa neces-
Doenças do colágeno sidade e fornecer orientações necessãrias sobre essa questão.
Diabetes. partirias
Psicológicas Violência física e sexual na infância Dificuldades anatômicas
Depressão Na pelve são encontrados vários sistemas orgânicos em
uma mesma região co rporal. Na observação transve rsal dessa
anatOmia, conforme esquematizado na Figura 11.1 , é possível
identificar, em sentido centrípeto, as seguintes camadas teci-
DIFICULDADES NA ABORDAGEM DA DPC duais e orgânicas: cutânea, miofascial, osteoa rticular, nervos
O primeiro passo na busca da resolução da DPC consis- e gânglios, peritõnio parietal e órgãos do sistema reprodutor,
te em entende r e reconhecer as questões que d ificultam seu do sistema digestório e do sistema u rinário. Todos esses ór-
diagnóstico e tratamento etiológico, como os problemas emo- gãos estão muito próximos, e essa relação anatõmica estreita
cionais, psicológicos e da estrutura anatõmica e funcional da coexiste com uma ine rvação comum em muitas circunstân-
pelve feminina. Levar em coma essas dificuldades possibilita cias, dificultando a identificação pontual da origem da dor
a criação de estratégias de abordagem, d iminuindo as frustra- (Quad ros 11.3 e 11.4). Por exemplo, a cérvice, o úte ro e os
ções terapêuticas para a paciente, seus familiares e profissio- anexos partilham da mesma inervação visceral do !leo in-
nais de saúde envolvidos nesse processo (Quadro 11.2). ferior, sigmoide e reto , o que nos remete a uma obse rvação
r
((

Capítulo 11 Dor Pélvica Crônica 81

Quadro 11.4 Distribuição da dor referida


r--- Sistema urinário
Órgão teslonado Território da dor referida ou
projetada
Sistema
digestório Corpo uterino Hipogástrio, regiões sacra e glútea.
laces mediai e anteri()( das coxas
Genitais Trompas e ovários Acima dos pontos medioinguinais,
extamose faces anterior e mediai das coxas
intemos
Colo uterino Fossas illacas, regiões sacra e glútea
Paramétrio e peritônio pélvico Fossas illacas
Peritõnio Ligamentos uterossacros Região sacra caudal
osteoarticular
Vesrcula biliar, estômago, Região mediana, região umbilical.
intestino delgado. apêndice hipogástrio
e cólon sigmoide
Cutâneo Reto Região mediana infraumbilical

Figura 11.1 Esquema da pelve. Trfgono vesical e uretra Regiões sacra e caudal, coxas,
perfneo e face posterior dos
membros inferiores até os
tornozelos
Quadro 11.3 lnervaçâo sensitiva da estruturas pelviperitoneais
Fundo vesical Região distai do abdome
Estrutura Nervos Segmento
pelvlperltoneat medular espinhal Ligamentos, ossos, mlsculos, Região lombar
raramente estruturas
Região inferior da llio-hipogástricos, T12, L 1, L2 viscerais pélvicas
parede abdominal ilioinguinais,
Região anterior da vulva genitofem()(ais Raizes e plexos nervosos Face posterior das coxas, regiões
lombares e sacros glúteas e peóneo posterior
Períneo Pudendos S2, S3. S4
Terço distai da vagina Diafragma Ombros
Porção distai dos ureteres Plexo pélvico S2, S3,S4 Vasos pélvicos Hipogástrio, regiões sacra e glútea.
Tngono vesicaf faces mediai e anteri()( das coxas
Uretra posterior Fonte: Teixeira MJ. Yeng LT, Neves ATA. Dor e endometriose: modalktades de trata·
Reto mento sintomático. In: Abrao MS. Endometriose, uma visão contemporânea. Rk> de
Cólon sigmoide Janeiro: Revinter, 2(0): 177·238.

Colo e fundo uterinos Aferentes viscerais T10, T11 , T12, L1


Porção mediai das que acompanham abdominais , o parênquima dos órgãos pélvicos não é supri-
trompas os plexos
do por receptores de dor. O peritônio e as paredes arteriais
Ligamentos largos simpáticos uterinos,
Fundo da bexiga plexo hipogástrico contêm rica rede de fibras nervosas. As fibras sensoriais das
Intestino delgado distai inferior. nervos vísceras são transportadas pelos mesmos nervos somáticos
Ceco hipogástricos, que servem a pele, tornando d ifícil para a paciente ind icar a
Apêndice cecal plexo hipogástrico
superior, plexo verdade ira origem da dor, pois a sente em diferentes níve is,
mesentérico inferior, surgindo, assim, a dor referida, que é a sensação dolorosa per-
cadeias simpática cebida em local diferente da região patologicamente afetada
lombar e torácica
e que parece mais superficial. A explicação se deve a fibras
caudal
aferentes de regiões diferentes convergindo para um mesmo
Ovários Plexos ovariano e T10. T11 , T12
Dois terços laterais das mesentérico inferior segmento medular, conhecimento esse precioso na avalia-
trompas ção clínica da dor. Além disso, o acometimentO visce ral está
Mesossalpinge com frequência associado a reflexos autônomos inespecíficos,
como irritabilidade, náuseas e vômitos.

interessante de que cerca de 20% das mulheres com síndro- Particularidade da dor crônica
me do cólon irritável já foram histerecwmizadas em razão da A dor crônica é diferente da aguda, que tem associação
DPC, mostrando a possibilidade de confusão ou dificuldade temporal direta com o agente causal, isto é, manifesta-se com
na localização da dor. Outro exemplo é a origem embriológica a instalação de lesão tecidual e geralmente desaparece com
comum das vias urinárias e reprodutivas, o que também difi- a resolução do processo etiológico. A dor crônica não tem a
culta a discriminação de uma dor localizada na bexiga ou no função biológica de alerta , são inexpressivos os sinais físicos
útero e em seus anexos. da doença que a provoca, e a dor persiste além do tempo
A dor de origem visceral tem localização maldefinida, sen- razoável para cura da lesão causal, sendo decorrente de pro-
do difusa e profunda na pelve, pois as estruturas são inerva- cessos patOlógicos crônicos que a tOrnam contínua ou recor-
das por fibras pouco mielinizadas e são, portanto, más con- rente. Sofre influência ou decorre de fatOres ambientais e psi-
dutOras de estímulos dolorosos. Como nas demais vísceras cológicos, e sua cronicidade causa estresse físico, emocional,
/.

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J 82 Seção I Ginecologia

financetro e soctal para o doente, famtliares e tercetros, sendo Quadro 11.5 AspeciO$ para onvesllgaçào da história de dor
causa de prolongada incapacidade funcional e comprometen- 1. Localização
do as auvtdades flstcas, o sono, o apetite e a vida afeuva. 2. Irradiação
3. Intensidade: escala numérica. EVA ou escala descritiva
INVESTIGAÇÃO CLÍNICA: ASPECTOS ESPECIAIS DA 4. Qualidade: descrever com as próprias palavras da paciente
ANAMNESE E DO EXAME FÍSICO Pontada, facada. ardor e latejamento: nociceptiva tegumetar e
A abordagem inicial da portadora de DPC tem como obje- subtegumentar

tivo fundamental duas questões. A primeira é rever se algum Cólica. queimação. peso e constrição: víscera!
processo patológico ginecológico passou despercebido em Queimação. formigamento. ardor. choques, alteraçoes sensitivas
e motoras: neuropát1ca
avaliações precedentes e a segunda é estabelecer uma rela-
5. Inicio
ção médtco-paciente de confiança e clareza, pautada na cre-
6. Duração
dtbtlidade das quetxas da paciente para reforçar sua adesão
7. Melhora com:
à propedeuuca e à terapêutica subsequentes, p01s, conforme
8. Piora com:
comentado, trata-se de pacientes desgastadas, desacredlladas
9. Impacto funcoonal
e depnmidas.
tO. O que a dO< impede de fazer:
Multas mulheres buscam a atenção médica porque dese-
11. O que a dO< difiCulta realizar:
jam uma explicação para sua dor. Em geral, já tem uma teoria
idealizada ou uma preocupação a respeito da origem da dor.
Abordar essa questão com a paciente na avaliação inicial, escla- irrad iação para outra região corporaL A dor do fund o uterino
recendo suas dúvidas sobre as suspeitas d iagnósticas e o plane- é sentida ge ralmente no hipogâstrio, e a do colo do útero é
jamento propedeulico e terapêutico, tem efeito tranquilizador, referida, geralmente, às regiões lombar e sacra, bem como ao
revertendo seus temores em atitudes mais colaboralivas. hipogástrio. Os ovários são móveis e, por isso, a dor ovariana
Cabe ao ginecologista, além da avaliação e do tratamento se manifesta quando há diStensão do peritônio próximo ao
gmecológtcos, a decisão de solicitar o auxlho de outros espe- local onde os ovános estão aderidos.
Cialistas afins, compondo a equipe muludtsctphnar necessária Para a quanuficação da dor deve ser utilizada uma escala
para a condução do tratamento da mulher com DPC. numérica \'erbal, sohcttando à paciente que de uma nota de O
a 1O à intensidade da dor (zero representa ausencia de dor e
Anamnese 10 a dor máxtma Já experimentada). Outro instrumento sim-
A anamnese é o instrumento propedeutico de maior va- ples, sensível e reprodutlvel é a escala ,·isual analógica (EVA)
lor nessa investigação. Inicialmente, a atitude do médico é (Figura 1 1.2). Trata-se ele uma linha de 10cm, cuja extremi-
a de escutar, o que reforça vínculos de conlia11Ça e dá opor- dade esquerda corrcsponde à ausencia de dor e a d ireita, à
tunidade à paciente para desabafar suas angúslias, temores e dor mais intensa possfvel. A paciente deve assinalar o local
frustrações. Progressivamente, o médico d irige a invesligação que acred ita ser o mais adequado para sua dor. O escore se
no sentido de caracterizar detalhadamente a dor com pers- refere à distância entre ausencía de dor e o local assinalado.
picácia para entender o aspecto emocional, montando uma Na escala verbal descntiva, a imensidade da dor é avaliada
compreensão psicossocial do comportamento da paciente em por meio dos descntores: nenhuma, pequena, moderada, se-
conjunto com as htpóteses somáticas. ,·era e insuportável. Essas escalas, embora de fácil aplicação
Todos os fatores de risco conhecidos para DPC de,·em ser e interpretação, e'1denciam que o relato restrospecuvo sofre
im·esttgados (Quadro 1 1.5), como: perda fetal, fluxo mens- distorções com superesumau,·a da dor ou de vanações pes-
trual longo, endometriose, suspeita clínica de doença infla- soais no julgamento da pontuação.
matória pélvica, cicatrizes de cesarianas, aderencías pélvicas, A descrição da qualidade da dor auxilia a elucidação diag-
violencia f!sica e sexual na infância, qualquer tipo de violên- nóslica. As neuropáticas frequentemente são descritas como
cia, até mesmo a sexual durante a vida, ansiedade, depressão, choque, que imação e formigamento e se associam principal-
histeria e somatização. mente às alterações motoras. As nocicepLivas tegumentar e
Os sintomas digestivos e urinários devem ser avaliados, subtegumentar tendem a ser exp ressas como em pomada,
uma vez que a slndrome do intestino irritável (SII) e a cisLite facada, ardor e latejamento. j á aquelas de origem víscera! sáo
intersticial estão frequentemente associadas às mulheres com caracterizadas como em cólica, queimação, peso e constrição.
DPC- 50% e 38% a 84%, respectivamente.
Na htstóna da dor devem ser estudados sua locahzação,
o 10
trradtação e mtenstdade, o tipo ou a qualidade da dor, os fa- I

tores agravantes ou atenuantes, a época de ocorrencta no oclo


menstrual, a htstória de traumas e cirurgias pregressas e os
aspectos pstcológicos e emocionais .
A localização exata da dor pode ser obtida sohcitando-se à
paciente que aponte em seu corpo o local e demonstre se há Figura 11.2 Escala visual analógica (EVA).
:\.
r
((

Capítulo 11 Dor Pélvica Crônica 83

Deve-se averiguar se o início da dor esteve associado a qua- Todos os tratamentos ante riores da DPC, tanto medica-
d ros t raumáticos ou infecciosos. Certas atividades, posições, mentosos como intervenções ci rúrgicas prévias, devem ser
mudanças de tempo, hora do dia, humor ou tipo de pensa- averiguados, salientando-se as medicações analgésicas já usa-
mento sáo comumente associados à variação da dor. Identificar das e as atuais e os resultados dessas terapêuticas.
os fatOres agravantes ou atenuantes pode ajudar no planeja- Sintomas sugestivos de Sll e cistite intersticial estão com fre-
mento terapêutico para promover alívio desse incômodo. quência associados a mulheres com DPC, podendo se r causa
Há protOcolos que incluem anotações domiciliares da pa- ou componente dessa dor, daí a importância em reconhecê-los.
ciente com o objetivo de melhor correlacionar fatores desen- Foi observada a ocorrência de sintomas de Sll em 50% das
cadeantes e atenuantes da dor em seu cotidiano. Aquelas que mulheres com DPC, comparadas a 28% daquelas atendidas
apresentam alte rações de intensidade e localização durante as em outras clínicas. Sintomas de cistite intersticial aparecem em
mudanças de postura ou no desempenho de atividades espe- 38% a 84% das mulheres com DPC. O diagnóstico da Sll segue
cíficas podem ter etiologia musculoesquelética. Na maioria os critérios diagnósticos de Roma 11: dor ou desconforto abdo-
das vezes, a dor musculoesquelética diminui quando a pa- minal contínuos ou recorrentes há pelo menos 12 semanas, as-
ciente está em repouso e se intensifica quando a parte afetada sociados ao alívio da dor à defecação , à mudança da frequência
é sob recarregada po r modificações mecânicas. das evacuações ou à aparência ou formatO das fezes. Sintomas
Devem ser investigados o histórico psicológico e de outros de flatulência abdominal, eliminação de muco intestinal e sin-
sistemas, destacando-se alterações do padrão do sono, do ape- tOmas extraintestinais, como letargia, dor lombar, polaciúria e
tite, da concentração mental, do desejo e da atividade sexual, a dispareunia, podem também ocorrer na Sll.
presença de sintomas neurovegetativos e urinários e distúrbios
gastrointestinais. As repercussões da dor nas atividades diárias e
os fatores que concorrem para sua manifestação devem ser ava-
Exame físico
liados, como ganhos afetivos, contexto familiar e crenças e va- No exame físico tem início a avaliação do peso corporal,
lores culturais sobre doença e saúde. A associação de dispareu- tendo em vista a significância da obesidade na produção de
nia profunda sugere o diagnóstico de endometriose, infecções dores, especialmente por distúrbios musculoesqueléticos e
e processos de aderências dos órgãos pélvicos (Quadro l 1 6). a rticulares. Nessa ci rcunstância é útil a utilização do índ ice
A dispareunia é um dado também relevante na história, de massa corporal (IMC).
devendo ser investigada quantO ao tipo, pois a profunda se Outra observação importante é a análise da postura para
associa a doenças pélvicas envolvendo endometriose, infec- averiguar dores de origem musculoesquelética. A pesquisa de
ções e processos de aderências dos órgãos pélvicos. algum exagero da curva lordótica da pelve revelou o perfil da
Na história pregressa deve se r enfatizada a oco rrência de ci- região lombar quando a paciente foi colocada de lado. A es-
rurgias abdominopélvicas anteriores, de síndromes infecciosas coliose, que pode se r detectada inspecionando-se as costas da
pélvico-abdominais e de distúrbios do humor, em especial a paciente com wda a coluna à mostra, contribui para as assime-
depressão e a ansiedade. Na h istória gineco-obstétrica é inte- trias pélvicas e os desequilíbrios no nível do tronco e das ex-
ressante destacar o tipo de pano, as complicações obstétricas, tremidades inferiores. A obliquidade da pelve deve ser avaliada
os passados operatório e infeccioso e o padrão menstrual. posicionando-se as mãos espalmadas sobre a borda superior
Os fatores de risco da DPC devem ser con feridos. Confor- das cristas ilíacas da paciente e verificando-se a presença de
me revisão sistemática, os fatores de risco relevantes para essa possíveis assimetrias na altura das mãos, sendo consideradas
dor sáo: perda fetal, fluxo menstrual longo, endometriose, significativas d iferenças superiores a 6cm. A tendência da pa-
suspeita clínica de doença inflamatória pélvica, cicatrizes de ciente de, quando em pé, manter um joelho fletido ou uma das
cesarianas, ade rências pélvicas, violência fisica e sexual na in- pernas rodada externamente ao mesmo tempo que seu peso é
fância, qualque r tipo de violência, incluindo a sexual, durante apoiado na outra perna é reconhecida como um padrão unila-
a vida, ansiedade, depressão, histeria e somatização. teral de postura em pé. Essas pacientes com padrão unilateral
em pé e obliquidade pélvica apresentam a suspeita de distúrbio
Quadro 11.6 Aspectos de destaque da história psicológica e de outros ósseo da bacia, devendo ser encaminhadas ao ortopedista.
sistemas orgânicos da pelve

1. Sono alterado Exame ginecológico


2. Apetite alterado Além do exame ginecológico habitual, há aspectos que me-
3. Concentração alterada
recem ên fase na investigação da DPC. Recomenda-se a iden-
4. Hiperatividade
tificação das áreas de dor na supe rfície cutânea abdominal
5. Sintomas neurovegetativos
6. Desejo e atividade sexual alterados e perineal, buscando a identificação dos pontos de gatilhos
7. Dispareunia profunda (áreas que desencadeiam a sensação dolorosa quando com-
8. Sintomas urinários primidas pelo examinado r).
9. Hábito intestinal O momento de maior relevância no exame ginecológico na
10. Atividade física esportiva investigação de DPC é o toque vaginal, que fornece informa-
11. Lombalgia ções importantíssimas. Nesse momento o ginecologista é ca-
12. Tabagismo
paz de identificar nódulos no fundo de saco e espessamentos
/"
)/:
I 84 Seção I Ginecologia

dos ligamentos uterossacros e cardinaiS, que são índlcios de Quadro 11.7 Principais achados na laparoscopoa
endometriose pélvica. O toque vaginal deve ser feito ames do Dlagónstlco Resumo de vjr1aa Kreach e cols.
exame especular, tmcialmente ummanual, consistindo apenas laparoscóplco publlcaçiies (1973)
em toque vagmal sem palpação abdommal combmada, o que
Endometriose 2%a74% 32%
e\~ta a hipersensibihzação da pactente.
Aderência 0%850% 51%
No exame especular, o gmecologtSta deve estar atemo à
identificação de leucorretas purulentas em busca do diagnós- Doença inltamatória O%a29%
pélvica etOnica
tico de vulvO\"agmttes e cervtcocolpttes que podem ocasionar
dor por meio de processos mllamatónos cervtcais ou induzin- Cistos ovarianos O% a 17%
do infecções genitaiS altas. Miomatose e varizes O%a5%
O achado de dtStopias e prolapsos genitais, mcluindo cis- Ausência de doença vislvet 10% a :lO%
tocele, retocele e prolapso uterino, deve ser anotado, pois há
algias pélvicas induzidas por tração de hgamentos distendidos.
Na suspeita de endometríose assoctada à DPC, o exame
ginecológico deve ser realizado durante a menstruação, quan- exames complementares não invasivos nada esclareceram a
do os pomos álgicos ficam mais evidentes. O toque vaginal respeito da DPC ou sugeriram hipóteses diagnósticas de dis-
tem sido considerado o método diagnóslico mais senslvel no túrbios somáticos intraperitoneais que exijam confirmações
reconhecimento da endometriose profunda infiltrativa dos li- cirúrgica e/ou anatomopatológica, como, por exemplo, endo-
gamentos uterossacros, retrocer~cal e do septo retovaginal, metriose, aderências e tumores. Nessa etapa é importante que
supe rior mesmo aos métodos de imagem nessa investigação. as doenças de outros sistemas da pelve (musculoesquelético,
Nessa situação é posslve l definir ponwalmeme a localização urinário, digestório) tenham sido exclui das ou que, apesar de
da dor e da d ispareunia profunda. tratadas, não aliviaram a slndrome álgica, porém os exames
Com o toque ginecológico bimanual é posslvel avaliar a mo- clínico e ginecológico nonnaís não excluem a necessidade da
bilidade ou não dos órgãos pélvicos e inferir a existência de laparoscopia.
aderências diante do achado da fixação uterina, sendo ainda As alterações mais encontradas após análise de diferentes
posslvel correlacionar a mobtlização das estruturas internas publicações são endometriose (2% a 74%), aderências (O% a
da pelve com o desencadeamento da dor. 52%), DIP crônica (0% a 29%), cistos ovarianos (0% a 17%),
O achado de massas péh~cas ex~ge estudo complementar com ,·atizes pél~cas (0% a 3%), miomatose (0% a 5%) e ausência
os métodos de imagem; no entanto, as mforrnações do achado de patologia \~h·el (3% a 92%) (Quadro 11.7). Destaca-se o
físico são ptimordtalS na htpótese dtagnósuca desse tumores. estudo de Kresch e cols., por ser prospectl\·o com o grupo-
-comrole formado por mulheres assmtomáucas submeudas
Exames complementares não invasivos à laparoscopia para esterihzação tubána . Eles encontraram
Há exames complementares recomendados a todas as pa- patologias orgânicas com mator frequtncia no grupo de por-
cientes com DPC, Objetivando reconhecer ou afastar quadros tadoras de DPC, ptinctpalmente adertnctas pélvtcas (51%) e
infecciosos na pelve e averiguar seu estado geral. Os princi- endomettiose (32%).
pais exames são o hemograma com veloctdade de hemosse- Outro aspecto imponante da laparoscopta é que , a panir
dimemação (VHS), a urináltse e urocultura, o parasitológico de 1990, essa tecnologta agregou recursos cirúrgtcos, torrtan-
de fezes, a cultura e a pesqutsa de damldia em raspado da do-se, além de instrumento diagnóstico, também ferramenta
endocérvice e uretra. terapéutica importante para o tratamento das pnncipais cau-
Em todos os casos deve ser tirada radíografta simples da sas da DPC mencionadas, especialmente a endometriose e as
pelve para averiguar presença de litlase renal ou anomalias aderências pélvicas. A laparoscopia possibilita a inspeção do
ósseas da bacia e coluna. A ultrassonografia pélvica (USP), abdome superior, do apênd ice cecal e de outras áreas da cavi-
em especial pe la via endovaginal, é exame obrigatório nessa dade peritoneal em busca de doenças não ginecológicas.
investigação, havendo tendencia crescente a inclui r a resso-
nância magnética (RM) quando há achado de massas pélvicas Pe/ve normal à /aparoscopia
na ultrassonografia para aprimorar o diagnóslico etiológico. Um número significativo de pacientes submetidas à lapa-
roscopia não apresenta achados anormais na pelve que justi-
laparoscopia fiquem sua dor. Nesse grupo de mulheres, deve-se manter a
A laparoscopia é notoriamente reconhecida como o pa- observação cl!nica ginecológica enquanto é solicitada a ava-
drão--ouro na avahação da cavidade abdominal e, portanto, liação de outros especialistas, sejam psicólogos, urologistas,
de extrema valia na investigação da DPC, embora em até 40% coloproctologiistas, onopedistas, com o Objetivo de desvendar
dos casos não revele qualquer alteração. No entanto, trata-se problemas de diagnóstico mais diflctl, como slndrome do có-
de um procedimento mvasivo, sendo tmportante ao indicá lon irtitá\·el, cistite intersticial, slndrome mtofasctal , pinça-
-la ter o consentimento mformado da pactente em ,;nude menta de raiz nervosa etc.
da possibtltdade de esse exame chegar ou não ao diagnósti- Baker e cols. (1992) demonstraram o efeno tranqutltZador
co defimuvo. Está mdtcada quando todos os resultados dos da laparoscopia normal para cenas pactentes. Nesse estudo,
:\.
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Capítulo 11 Dor Pélvica Crônica 85

acompanharam 60 pacientes com DPC nas quais a laparosco- pêutica antibacteriana especifica após remoção do material
pia excluiu patOlogia pélvica. Nas consultas após 6 semanas purulento e libe ração das aderências secundárias ao processo
e 6 meses depois da laparoscopia, 22% e 58% das pacientes, infeccioso.
respectivamente, estavam livres da dor. Apenas 4% descreve-
ram seus sintomas como inalterados e agravados. Entretanto, Varizes pélvicas e síndrome de congestão pélvica
Yasmin e cols. (2005) revelam que, a médio e longo prazos, A dor pélvica proveniente da congestão venosa tem inten-
há recorrência da dor nessas mulhe res, embora haja melhora sidade variável , sendo exacerbada no período menstrual. As
dos índices de qualidade de vida. causas prováveis da varicosidade pélvica são as malformações
vasculares e a deficiência de valvas nas veias ovarianas, mais à
esquerda. A USP com Doppler e a laparoscopia sào os exames
TRATAMENTO úteis para o reconhecimento dessas varizes. Tanto a evidência
Tratamento etiológico clínica como a ultrassonográfica ou cirúrgica das varizes pél-
O tratamento da DPC é frequentemente insatisfató rio, uma vicas não esclarecem sua real correlação com o quadro de al-
vez que sua fisiopawlogia é quase sempre incompreendida. gia crônica, o que leva a reconhecer a congestão pélvica como
A abordagem terapêutica deve incluir a psicoterapia , assim causadora de DPC ante sua exuberância e após exclusão das
como os tratamentos analgésico e etiológico de doenças es- patOlogias mais comuns.
pecíficas identificadas como etiológicas dessa síndrome, utili- O tratamento pode consistir em ligaduras das veias ovári-
zando geralmente a laparoscopia. O tratamento cirúrgico em cas insuficientes e suas colaterais, possíve is por via laparoscó-
ge ral se baseia na excisão de lesões endometrioticas, lise de pica, ou das ilíacas internas, por via retrope riwneal, podendo
aderências, histerectomia e neurecwmia pré-sacra em casos ser feita também a embolização das veias ováricas por via per-
selecionados. A possibilidade de persistência da dor após es- cutânea. A histerecwmia e a ooforecwmia bilateral podem ser
sas abordagens e a formação de novas ade rências devem ser indicadas em casos refratários e selecionados.
d iscutidas com a paciente.
Tratamento sintomático
Endometriose No tratamento da DPC há situações em que a indução da
A endometriose provoca DPC diretamente pela infiltra- amenorreia é efetiva para o alívio sintomático. Em revisão da
ção do fundo de saco, ligamentos, septo rewvaginal e parede biblioteca Cochrane sobre esse tema, após exclusão dos casos
intestinal, e, indiretamente, pelo processo inflamatório rea- de endometriose, infecção pélvica e dismenorreia, concluiu-se
cional e pelas aderências que provoca, d istorcendo a anatO- que o uso de progesterona (acetato de medroxiprogestero-
mia com repercussões funcionais. Há resposta ao tratamento na) se associou à redução da dor durante o tratamento; o
clínico ou cirúrgico, sendo necessária a individualização da aconselhamento apoiado por ultrassonografias se associou
abordagem. O tratamento da endometriose profunda consiste à diminuição da dor e à melhora do humor; a abordagem
em sua ressecção ampla com extirpação do órgão, seja par- multidisciplinar foi benéfica para alguns resultados; a lise de
te do septO rewvaginal, porções ligamentares ou o segmento aderências não se associou à melhora da dor, exceto quando
intestinal acometido. A laparoscopia é o método cirúrgico de se tratava de ade rências graves; e a se rtralina não mostrou
eleição, restando a laparoLOmia para as situações em que é benefício terapêutico na DPC.
impossível a abordagem laparoscópica. O papel da histerecwmia no tratamento da DPC idiopá-
tica permanece controverso. Antes de ser considerada como
Aderências opção, deve ser realizada urna avaliação multid isciplinar,
O diagnóstico das aderências pélvicas e abdominais é in- incluindo a busca de causas gastrointestinal, geniturinária,
vasivo, ou seja, exige laparoscopia ou laparoLOmia, podendo a musculoesquelética e psiquiátrica. Para um bom aconselha-
aderência estar associada ou não à dor pélvica. Kresch e cols. mento sobre o efeitO da h isterectomia no alívio da DPC, essas
encontraram aderências em 12% de mulheres sem dor, e em mulheres devem se r informadas de que em até 40% dos casos
48% das pacientes com DPC as aderências intraperitoneais que elas permanecem com dor após a remoção do útero e 5%
causavam dor apresentavam correlação anatômica com a loca- podem piorar. A presença de depressão, ansiedade e história
lização da dor identificada pela paciente e tendiam a provocar de violência sexual é fator importante na modulação e manu-
fixação dos órgãos e restrição da mobilidade ou motilidade. O tenção da dor crônica.
tratamento cirúrgico é a adesiólise, e a técnica preferencial é a A ablação laparoscópica de nervos pélvicos (LUNA) não
via laparoscópica, a qual está associada a menor trauma cirúr- mostrou benefícios no alívio da dor, dismenorreia e d ispare u-
gico e baixa taxa de reincidência. A adesiólise visa remover o nia em mulheres com DPC nem na qualidade de vida.
tecido fibroso anormal e restabelecer a arquitetura da pe\ve. O A dor deve ser aliviada mesmo ames de uma definição
resultado cirúrgico do tratamento da dor associado a aderên- etiológica da DPC, em paralelo ao desenvolvimento da pro-
cias é bom, com estimativas de melhora em 80% dos casos. pedêulica, o que reforça os vínculos de adesão e confiança
O achado de processos infecciosos intrapélvicos, como da paciente no programa terapêutico. Quando a dor se torna
doença inflamatória crônica, impõe a necessidade de tera- a doença, possível diante de um quadro crônico, a avaliação
86 Seção I Ginecologia

do espec1allsta é Importante, uma vez que esse profiSSional dos com a geração, transmissão, interpretação e modulação
admmiStra com ma1or conhecimento os tratamentos antálgi- da dor, percebe-se que a dor não é somente um tmpulso que
cos, desde medicamentosos até intervenções ctrúrg1cas e blo- viaja pelas fibras nervosas. Há uma interação bastante estreita
queiOs nervosos. entre as diferentes quahdades sensoriais (tato, temperatura) e
a dolorosa e entre esta e os sistemas responsáveis pelos aspec-
Breve entendimento sobre o mecanismo tos cognitivo e afetivo do individuo.
modulador da dor
Uma lesão tecidual (física, térmica ou química) libera subs- Tratamento farmacológico
tâncias qulmicas (PG, K, H e cininas), as quais, por sua Os fármacos mais empregados para o tratamento da DPC
vez, estimulam as terminações nervosas penféricas livres são os analgés1cos anti-inflamatórios não hormonais ou não
(nocicepção), ge rando um impulso elétrico conduz1do pe- esteroides. Em certas situações podem ser associados aos
las fibras nen·osas (C, A e delta) ao cordão medular. Da!, analgésicos morflmcos e aos antidepressivos. As dl\·ersas me-
''la tratos espm01alãmicos e espinorreticulares, a mformação dicações antálgtcas agem em pontos diferentes do mecamsmo
dolorosa é encammhada para a região do tronco cerebral da dor.
(sistema reticular), tálamo (núcleos talâm1cos sensitivos), Esses analgésicos são os medicamentos mais utilizados na
estruturas do sistema l!mbico (am!gdala, hipotálamo, hi - síndrome da DPC e agem como inibidores das sintetases de
pocampo, giro do cíngulo) e áreas cort1ca1s. Vários neuro- PG, promovendo efeitos analgésicos e anti-inflamatórios. As
transmissores (NT) estão envolvidos na informação doloro- várias classes desses med icamentos diferem quanto à po-
sa ao sistema nervoso ce ntral (SNC): substância P, ácidos tê ncia anti-inflamatória, à cinética e aos efeitos colaterais. O
aspártico e glutâmico e peptídeo vasoativo intestinal, entre acetaminofeno é analgésico puro. A dipirona e os ácidos me-
outros. Simplificando, pode-se dizer que no sistema reticu- fenãmico e propiOnico tem pouco efeito anti-inflamatório , e
lar do tronco cerebral são atribu!das as respostas de fuga a indometacina é potente anti-inflamatório. Não causam de-
ou ataque (respostas neurovegetativas) presentes nos qua- pendência f!s1ca ou ps!quica, mas acarretam efeitos colateraiS
dros dolorosos. No tálamo, a informação dolorosa é loca- no trato dtgestório, alterações da coagulação sangulnea e he-
lizada espacialmente e projetada em estruturas do sistema matopoese, retenção h!dnca, renais, neurológicas e metabóli-
llmb1co e con1cal. As conexões do 1mpulso doloroso com cas nos carboidratos e nas protelnas.
estruturas do SIStema límbico são responsáveiS pelo caráter Os anudepressi\'OS são muito úteis no tratamento adJU·
desagradável e emocional de sofrimento e,·ocado pela dor. ,·ante da DPC. Sempre que possível devem ser adminiStrados
Essa ampla representação da dor em áreas corticais e sub- para potenetalizar o efeito analgésico. Além de atuarem como
conicais resulta na interpretação completa do fenOmeno do- antidepressivos, tendo em vista a associação frequente da de-
loroso em seus dom! nios sens itivo-d iscrim inativo, afetivo- pressão com essa s!ndrome álgica, esses medicamentos agem
-motivacional e cognitivo-avaliativo e na ampla gama de res- também como med iado res analgésicos no SNC, diminuindo
postas envolvidas nesse processo. a percepção central da dor, normalizando o ritmo do sono,
O sistema modulador da dor é composto por elementos melhorando o apetite e estabilizando o humor. A depressão
neuronais presentes na medula espinhal, tronco encefálico, e a dor apresentam em comum a deficiência de serotonma e
tálamo, estruturas subconicais, cónex cerebral e, possivel- noradrenalina no SNC. O efeito analgésico se mamfesta ge-
mente, no sistema nervoso periférico. Compõem o sistema ralmente entre o quarto e o quinto dia de uso, e o efeito anu-
supressor de dor os NT, como endorfinas, encefahnas e sero- depressivo, após a tercetra semana. Os anlidepress1vos tncl-
tonma, entre outros opiáceos e serotonmérg1cos endógenos. clicos (ADTc) têm efe1to comprovado na DPC, sendo os mats
A au,-ação do SIStema supressor de dor aumenta a s!ntese des- recomendados a amitripullna e a nonriptilina. Os anudepres-
ses NT, que, pelos tratos descendentes, se projetam na subs- sivos inibidores da recaptaçào de serotonina (ISRS), como a
tância cinzenta da medula espinhal e tratos ascendentes para fluoxetina, não mostraram melhor alívio analgésico do que os
estruturas encefálicas supratentoriais, exercendo atividade ADTc , e a senralina também não mostrou benefício no tra-
inibitória sobre os componentes d o sistema nociceptivo. tamento da DPC. A medicação amidepressiva não deve ser
O sistema supressor da dor é continuamente ativado po r prescrita a cardiopatas com bloque io de condução, portado-
estlmulos discriminalivos que alcançam constantemente o ras de glaucoma de ângulo fechado, e está contraindicada em
SNC durante as atividades de vida diária, pela dor e por as- pacientes alcoolistas, nas portadoras de psicose bipolar e nas
pectos emocionais e cognitivos ainda não completamente co- dependentes de psicotrópicos.
nhecidos, advindo essa dor do deseqUll!brio entre os sistemas
noc1cepu,·o e supressor da dor, podendo ser consequente à
elevação da esumulação das fibras noc1cepuvas, como ocor- CONSIDERAÇOES FINAIS
re nas situações de doenças inOamatónas, traumáticas ou is- A DPC tem patogema pouco compreendida e dtagnósuco
quêmlcas, nas quais pode ter a denommação de noc1cepção. etiológico incerto, levando à adoção de terapêulicas frequen-
Quando há lesão parcial ou total das vias nervosas do sistema temente frustrantes. Atualmente, recomenda-se abordagem
nervoso periférico ou central, a dor é denominada neuropá- mulLidisciplinar para o tratamento dessas mulheres, objeti-
tica ou por desaferentação. A pan ir dos princlpios relaciona- vando aumentar a taxa de sucesso. O ginecologista deve rom-
:\.
r
((

Capítulo 11 Dor Pélvica Crônica 87

per modelos cartesianos clássicos da d icotOmia mente-corpo • A natu reza multi fato rial da DPC deve se r avaliada e d iscuti-
ao lidar com a d or crônica e agregar conceitOS psicoemocio- da desde o início do tratamento , de modo a tornar possível
nais na construção da dor; deve ampliar a d iscussão da etiopa- a construção da parce ria méd ico-paciente, fundamental
wgenia e te rapêutica com os demais especialistas: psicólogos, para o planejamento da melhor abo rdage m.
gastroemerologistaS, urologistas, neurologistas e fisiote rapeu- • A síndrome do intestino irritável pode ser diagnosticada
tas. A laparoscopia é instrumentO-chave no d iagnóstico para com base nos sintomas clínicos.
reconhecimento ou exclusão da etiologia imraperitOneal da • A US endovaginal está recomendada na investigação inicial
DPC e é também o método terapêutico de eleição em caso de da DPC para auxiliar o reconhecimento de massas anexiais
endometriose , problema ginecológico mais frequentemente e ade nomiose.
associado à do r pélvica. Os analgésicos e amidepressivos são • Mulheres com DPC cíclica devem receber tratamento hor-
muito úteis no alívio da d or e devem se r administrados com monal de prova por 3 a 6 meses ames da laparoscopia diag-
prudê ncia , se ndo fundamental orientar essas mulhe res para nóstica.
um atend imento psicoterapêulico, ressaltando-se a importân- • A histerecwmia pode ser considerada no t ratamento da DPC
cia do componente psicoemocional na gênese e manutenção quando não há mais desejo de procriação, pois está associa-
da DPC. da ao alívio da dor. É necessário aconselhamento adequado,
A Figura 11.3 apresenta roteiro diagnóslico para orientar o tendo em vista que um pe rcentual de até 40% das mulheres
ginecologista na investigação da DPC. pode manter quadro de dor após a ci rurgia e 5% apresentam
piora da dor, principalmente em casos de DPC idiopática.
SUMÁRIO DAS RECOMENDAÇÕES
Recomendações de nível B Recomendações de nível C
• A avaliação de alterações psicológicas deve ser realizada • A mulhe r com DPC e alteração do hábito intestinal neces-
em vista da importância de sua abo rdagem no alívio da dor sita submte r-se à avaliação d o gastroenterologista em razão
e da associação frequente com DPC. da possibilidade de 511.

Dor infraumbilical por pelo menos 6 meses OPC

Avaliação ginecológica e propedêutica não invasiva: Achados Sem


USV e abdome total, UR, EPF, PSOF, HG, PCR positivos achados

Massas Varizes
Sintomas e pélvicas pélvicas
achados Gl, Suspeita de Tratamento
urológicos, aderências I sintomático e
psicológicos Suspeita de Investigar controle
endometriose síndrome de clínico
I congestão
pélvica
LAPAROSCOPISTA US com Doppler Persiste OPC Alívio
Avaliação do Avaliação do
especialista: angiologista
gastroenterologista,
urologista, Tratamento I
específico LAPAROSCOPIA
psiquiatra, Flebografia? Conferir doenças Manter
ortopedista etc. Tratamento intraperitoneais conduta e
específico: sem tradução em observação
ligadura ou exames de
embolização das imagem
Avaliação multidisciplinar e propedêutica invasiva válvulas
ovarianas
Síndrome
daOPC

Avaliação
multidisciplinar,
incluindo
especialista
em dor

Figura 11.3 Fluxograma de investigação da OPC pelo ginecologista. (DPC: dor pélvica crônica; USV: ultrassonografia pélvico-endovaginal;
UR: análise do sedimento urinário; EPF: exame parasitológico de fezes; PSOF: pesquisa de sangue oculto nas fezes; HG: hemograma; PCR:
proteína C reativa .)
/.

'
'/
J 88 Seção I Ginecologia

• A mulher com DPC que apresenta desconforto miccional Holloran-Schwartz MB. Surgical evaluation and treatrnent of the pa-
tient with chronic pelvic pain. Obstei Gynecol Clin North Am. 2014
e já excluiu infecções urinárias necessita da avaliação do
Sep; 41(3):357-69.
urologista em função da possibilidade do diagnóstico de Latthe P, Mignini L, Gray R, Hills R, Khan K. Factors predisposing
cistite inte rsticial. women to chronic pelvic pain: systematic review. BMJ, 2006.
• A do r musculoesquelética pode ser causa primária de DPC Royal College of Obstetric ians and Gynaecolgists. Chronic pelvic
ou componente adicional relacionado com alterações na pain, initial managernent 2012 (Green-top Guideline n• 41). Avai-
lable at: www.rcog .org.uk/guideline/gtg41 .
postu ra. Siedentopf F, Weijenborg P, Engman M et ai. Kentenich HS ISPOG Eu-
ropean Consensus Statement- chronic pelvic pain in women (short
Recomendações de nível D version). J Psychosom Obstei Gynaecol2015; 36(4): 161-70.
• A laparoscopia d iagnóslica era considerada o padrão-ouro Speer LM , Mushkbar S, Erbele T. Chronic pelvic pain in women. Am
na avaliação da DPC, mas atualmente é reservada para os Fam Physician 2016 Mar 1; 93(5):380-7.
The Practice Committee of the American Society for Reproductive
casos em que outros tratamentos falharam. Medicine Treatment of pelvic pain associated with endometriosis:
a committee opinion. Fertil Steril 2014; 101 :927-35.
Leitura complementar Tirlapur SA, Daniels JP, Khan KS Medal trial collaboration. Chronic pel-
American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG). Com- vic pain: how does noninvasive imaging compare with diagnostic
mittee on Practice Bulletins-Gynecology. ACOG Practice Bulletin laparoscopy? Curr Opin Obstei Gynecol2015 Dec; 27(6):445-8.
n• 51 . Chronic pelvic pain. Obstei Gynecol 2004; 103(3):589-605. Twiddy H, Lane N, Chawla R et ai.The development and delivery
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normal laparoscopy findings. Am J Obstei Gynecol 1992 Mar; specialised interdisciplinary approach. Br J Pain. 2015 Nov;
166(3):835-6. 9(4):233-40.
Carneiro MM, Filogõnio 10, Costa LM de Ávila I, Ferreira MC. Clini- Vercellini P, Somigliana E, Viganà P et ai. Chronic pelvic pain in wo-
cai prediction of deeply infiltrating endometriosis before surgery: men: etiology, pathogenesis and diagnostic approach. Gynecol
is it feasible? A review of the literature. Biomed Res lnt 2013; Endocrinol 2009; 25(3): 149-58. Review.
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Reproduction and Embryology. ESHRE guideline: management of referral in women consulting for chronic pelvic pain in UK primary
women with endometriosis. Hum Reprod 2014 Mar; 29(3):400-12. care. Br J Obstei Gynaecol1999; 106:1156-61 .
C APÍTULO

Doença Sexual
Fabiene Vale
Eduardo Siqueira Fernandes
Gerson Lopes

INTRODUÇÃO No Brasil, o Estudo da Vida Sexual do Brasileiro identifi-


A saúde sexual, definida como um estado de bem-estar fí- cou que aproximadamente lO% das mulheres não tinham
SICO, emocional e social relacionado com a sexualidade, é um
desejo sexual e cerca de 30% tinham dificuldade em atingir
o orgasmo. Esses números se altera,·am até mesmo em com-
d1reuo garanudo pela Organização Mundml da Saúde (OMS).
paração com a fa1xa etána estudada: 6% das mulheres com
A abordagem das queixas sex-uais das pessoas afetadas vem
até 25 anos mfonnavam não ter desejo sexual, enquanto
sendo bem valonzada nos consultónos méd1cos.
cerca de 20% daquelas com mais de 60 anos se queixavam
A d1sfunção sexual feminina (DSF) é causada pelo dese-
da falta de vontade. Esse estudo mostrou ainda que 51,9%
quillbno na complexa interação de fatores anatOmicos, endó-
das brasiletras estão insatisfeitas com sua vida sexuaL A par-
crinos, neuronais, vasculares, psicológicos e sociais que pode
tir da!, a importância da abordagem das disfunções sexuais
ocasionar um efeito negativo significativo na saúde sexual e
femininas tem sido cada vez mais reconhecida na socieda-
na qualidade de vida da mulher. Trata-se ele uma condição de atual, fazendo a medicina sexual avançar nesses últimos
prevale11te que as afeta, não importando a idade. Em 2006, o anos. O entend imento da resposta sexual feminina tem evo-
Women~ lnternational Study of Health and Sexuality (WlSHES) luído, assim como o diagnóstico e o tratamento das pato-
avaliou a prevalência da disfunção do desejo sexual hipoativo logias sexuais.
(HSDD) e como ficou abalada a qualidade de vida das mulhe-
res amencanas com base no estado reproduuvo e na 1dade. ETIOPATOGENIA
O estudo WISHES, ao concluir que a HSDD é prevalente
Modelo da respo sta sexual feminina (RSF)
entre as mulheres de todas as fatxas etánas, mdependente-
O modelo atualmente aceito para a RSF não é hnear, mas
mente do estado reprodutivo, constatou que 24% a 36% das
circular, em que se enfatiza a importância da inum1dade emo-
mulheres entre 20 e 70 anos de idade uveram problemas com
cional e da sausfação como parte integrante da RSF. a qual se
o baLxo desejo sexuaL Em 2010, o Comi te de Consulta In- inicia por um estado de neutralidade sexual e sofrerá altera-
ternacional de Medicina Sexual {lnternational Consultation ções de acordo com a motivação com base na intimidade. O
Committee for Sexual Medicine on Derin itions/Epidemiolo- modelo cíclico mostra muitos pontos de entrada para o ciclo
gy/Risk Factors for Sexual Dysfunction) publicou as taxas de da RSF, os quais muitas vezes se sobrepõem (Figura 12.1). A
prevalencia das DSF estratificadas por idade, identificadas a partir da!, haverá um estado de desejo sexual responsivo e
partir de 18 estudos epidemiológicos descritivos. O relatório excitação, originário da cascata de e\·entos que sucederam a
mostrou que a prevalência da HSDD varia entre 17% e 55%, etapa da neutralidade e da receptividade sexuais. Caso esses
e o desejo sexual diminui confonne o avanço da 1dade, ob- fatores ocomm em perfena sintonia, a mulher poderá aung1r
ser.'ando-se queixas em aproximadamente lO% das mulheres um estado de sausfação sex-ual com ou sem orgasmo. Caso con-
com até 49 anos, 22% na faixa de 50 a 65 anos e 47% entre siga ter orgasmo, ha,•erá um reforçador poStm·o para aquela
66 e 74 anos. O distúrbio de excitação/lubrificação se mani- relação e para os próximos ciclos. Caso não aunJa o orgasmo
festou em 8% a 15% e a disfunção do orgasmo em 16% a 25% e exista sausfaçào sexual, o reforço é dado por essa satisfação
das mulheres entre 18 e 74 anos de idade. Disfunção da dor e pela conquiSta da intimidade emocional com seu parceiro.
sexual foi relatada por 14% a 27% das mulheres. A RSF deve ser considerada circular, com quatro dom!n ios
89
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J 90 Seção I Ginecologia

lnbmídade com o parceiro

lncenbvo sexual

Desejo sexual •I
Neutralidade sexu~
espontâneo
Recompensas não sexuais :
intimidade emocional
e bem-estar

Orgasmo
e/ou
Sabsfação Estímulo sexual
sexual
Recepbvídade sexual

Desejo
respons1vo
Biológico
Excitação
genital Exatação
subjetiva
Psicológico

Figura 12.1 Modelo Circular da RSF. (Adaptada de Basson 2001 .)

princtpais- desejo, excitação, orgasmo e satisfação/resolução do nítrico e pohpeptrdeo mtestinal '·asoalivo nas terminações
- cada um podendo se sobrepor negativa ou positivamente nervosas e aumentando o fluxo sanguineo. Ocorre o ingurgi-
ao outro. tamento da parede vaginal em virtude do aumento da pressão
no interior dos capilares, criando transudação do plasma atra-
FISIOLOGIA OA RESPOSTA SEXUAL FEMININA vés do epitélio vaginal e lubrificando o canal vagi nal. Esses si-
O funcionamento normalivo do ciclo da RSF envolve os nais também passam pela glândula de Banholin, estimula ndo
órgãos genitais, as estruturas internas da pelve, o sistema ner- a secreção do muco no introito vaginal, o que umedece ainda
voso central (SNC), principalmente o hipocampo , o hipotála- mais a vagina durante a relação.
mo, o sistema llmbico e a área pré-óplica medtal , assim como Além da lubrificação, os mediadores neuroqulmicos aumen-
os neuropeptldeos e os esteroides. tam o fluxo anenal em tomo do mtroito vaginal e anénas ca,·er-
No SNC são Liberados neurotransmtssores excuatórios, nosas do clitóns, resultando em sua tumescência e protrusão.
como dopamma, noradrenalina, melanoconmas e oCilocina. A vagina se alonga e se dtlata durante a e,xdtação sexual como
A dopamma promo,·e a vontade de imciar uma atlVldade resultado do relaxamento do músculo liso da parede \"agtnal.
sexual, incenuva a motivação sexual e esumula a inictação Reações extragenttaiS também são observadas, como aumen-
da resposta autonômica. A noradrenalina, produzida princi- to dos ritmos respiratóno e cardiovascular, rubor sexual, ere-
palmente no locus ceruleus, promove o aumento da atividade ção mamilar e miotonias generalizadas. Em seguida, quando
cerebral do impulso sexual e ativa o sistema 11ervoso autô- as sensações de motivação sexual são sustentadas pelos sinais
nomo (SNA), desencadeando alteração das funções viscerais, nervosos centrais e a estimulação sexual local atinge a int.en-
como a frequ~ncia cardfaca e a pressão anerial. As metano- sidade máxima, são iniciados reflexos que causam o orgasmo
cortinas são peptldeos hormonais produzidos principalmente feminino.
pelo eixo hipotalâmico-hipofisário e potencializam o desejo No orgasmo, os músculos perineais e extragenitais apre-
sexual a parur da tnteração com os receptores dopammér- sentam contração generaltzada, provocando tensão muscular
gtcos. A ocuoctna estimula o aumento do fluxo sangulneo, em todo o corpo. Todavta, no próprio SNC, neurotransmtsso-
aumentando a deOagração dos neurotransmtssores pelo SIS- res inibitónos começam a ser ltberados, como os optotdes, os
tema nervoso autônomo parassimpãuco, provocando altera- endocanabiontes e a serotomna. Na fase do orgasmo ocorre a
ções flsicas generaltzadas no organismo e desencadeando a liberação de optoídes (endorfmas e encefalinas), que imbem
excitação sexual. regiões hipotalãmtcas associadas à excitação sexual e ao dese-
Durante essa excitação, sinais parassimpáticos passam pelo jo. Já os endocanabiontes- neuromoduladores lipldicos- são
plexo sacro para o órgão genital, liberando acelilcolina, óxi- ansiolíticos e sedativos naturais que, com o opioides, indu-
r
((

Capítulo 12 Doença Sexual 91

zem a refratariedade e a saciedade sexual. A serotonina, ao do desejo sexual hipoativo e ave rsão sexual), disfunção da
interagir com vários tipos de receptores 5-HT, pode modular excitação, d isfunção do orgasmo e vaginismo/dispareunia.
uma ação agonista, potencializando a resposta sexual ao se Recentemente , o DSM-5 tomou por base o modelo circular
ligar ao receptOr 5-HT1, ou antagonista, ao se ligar ao recep- proposto por Rosemary Basson e reclassificou os transtOrnos
tOr 5-HT2, inibindo a resposta sexual. Na fase do orgasmo, a sexuais femin inos. O distúrbio do desejo sexual hipoativo fe-
serotOnina tem ação inib idora nas regiões superiores do siste- minino e a disfunção de excitação foram combinados em uma
ma nervoso, principalmente da dopamina e da noradrenali- categoria chamada de transtorno sexual de interesse/excitação.
na, proporcionando relaxamento e sonolência. A partir d isso, A disfunção do orgasmo feminino não se alterou e passou a
ocorrem a liberação de wda a tensão corporal, o relaxamento ser chamada de transtorno do orgasmo feminino com a d is-
e a sensação de satisfação. pareunia e o vaginismo sendo mesclados em nova catego ria:
Um fator importante e essencial na modulação da resposta transtorno de dor/penetração genitopélvica.
sexual é a participação dos mecanismos neuroendócrinos, em A aversão sexual foi excluída como transtorno específico.
especial a ação dos esteroides sexuais. Os estrogênios sensibi- Outras disfunções também poderiam oco rrer quando secun-
lizam receptores específicos cerebrais responsáveis pela libe- dárias a outras causas (aversão sexual, induzidas por medica-
ração de diferentes neurotransmissores que ativam a resposta mentos ou substâncias) ou pode riam ainda não ser especifi-
sexual, os quais criam um estado em que os estímulos aos cadas quando não obtivessem critérios diagnósticos para sua
mediadores sexuais neuroquímicos são atendidos de modo determinação.
seletivo e ficam mais suscetíveis de induzir a resposta sexual. Outra mudança contida no DSM-5 foi o acréscimo de dois
Além disso, o estrogênio é extremamente importante para novos tipos de transtornos sexuais. Po rtanto, foram incluídos
manter a integridade do epitélio da mucosa vaginal e da mus- no DSM-5 os transtornos sexuais propriamente d itos, os des-
culatura lisa da parede vaginal, tendo, ainda, efeito vasoprote- vios sexuais (transtornos parafílicos ou distúrbios de prefe-
tOr e vasodilatador, resultando no aumento do nuxo vaginal e rência sexual) e a disforia de gênero.
do clitó ris e na manutenção da RSF. Os transtornos parafílicos ou de prefe rência sexual estão
Os and rogênios desempenham impo rtante papel na fun- associados a qualquer interesse sexual intenso ou persistente
ção sexual feminina, especialmente ao estimularem a libido, que não seja aquele di recionado para a estimulação genital ou
o interesse sexual e a manutenção do desejo. A teswsterona carícias preliminares com parceiros humanos que consentem
fisiologicamente ativa se liga ao recepto r de androgênio em e apresentam fenótipo no rmal e maturidade física. O Quadro
situação fisiológica. O receptor de and rogênio, um memb ro 12.1 lista alguns exemplos.
da família de recepto res nucleares, desempenha papel central A disfo ria de gêne ro se refere ao sofrimento que pode
na sinalização de and rogênio. No entanto, muitOS efeitOS dos acompanhar a d issonância entre o gêne ro expe rimentado ou
androgênios dependem de vias de sinalização mais comple- expresso de uma pessoa e o atribuído. Esse transtorno con-
xas, incluindo os efeitos não genõmicos e a ação parácrina e têm critérios p róprios para sua definição, além dos específi-
autóc rina. cos para a disforia de gênero quando presente na infância.
Nas mulheres, os receptOres de androgênio são identifica- Diagnóstico diferencial importante deve se r feito principal-
dos no ovário, na mama, na vagina, no cérebro, no músculo,
na go rdura, no osso, no fígado e na pele. Por isso, a testoste- Quadro 12.1 Classificação dos transtornos parafílicos (DSM-5)
rona tem ação d ireta em receptores and rogênicos específicos Transtorno Definição
no SNC, endotélios, musculatura lisa vascular, epitélio vulvar, parallflco
mucosa e submucosa vaginal. Assim, a testosterona é um im- Voyeurisla Observar outras pessoas em atividades privadas. de
portante motOr da sexualidade feminina, aumentando o inte- nudez ou ato sexual
resse em iniciar a atividade sexual e a resposta à estimulação Exibicionista Expor os genitais ou praticar ato sexual em ambiente
sexual. Age positivamente na resposta sexual, propiciando público com intuito de ser visto
mais capacidade de concentração e cognição, expressão de Froueurista Tocar ou esfregar-se em indivíduo sem seu
sentimentos de bem-estar, mais d isposição, melhora do trofis- consentimento
mo vaginal , fortalecimento muscular e aumentO na densidade Masoquismo Passar por humilhação, submissão ou sofrimento
mineral óssea. sexual com o intuito de obter prazer sexual
Sadismo Infligir humilhação. submissão ou sofrimento com
sexual intuito de obter prazer sexual
CLASSIFICAÇÃO DA DISFUNÇÃO SEXUAL Pedofílico Foco sexual direcionado a crianças
FEMIN INA (DSF) Fetichista Usar objetos inanimados ou ter foco específico em
A classificação da DSF está em constante evolução. A par- partes não genitais do corpo
tir de 1994, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtomos Transvéstico Excitar-se ao vestir roupas ou acessórios do
Mentais (DSM-4) tomou po r base a classificação da DSF no sexo oposto
modelo linear de resposta sexual humana proposto por Mas- Outros Escatologia telefônica (telefonemas obscenos),
ters e j ohnson e modificado por Kaplan. A DSF era divid ida necroflia (cadáveres), zoofilia (animais). coprofilia
(fezes), clismafilia (enemas), urofilia (urina)
em quatro categorias: disfunção do desejo sexual (distúrbio
/.

'
'/:
') 92 Seção I Ginecologia

mente com transtorno transvéstico (ou travestismo parafílico) • Ausência ou diminuição da capacidade de resposta a estí-
e transtorno dismórfico corporal, que consiste na necessidade mulos sexuais e sensações durante a atividade sexual, seja
de alterar ou remover parte específica do corpo por conside- subjetiva ou genital.
rá-la anormalmente formada, sem representar um repúdio ao • Ausência ou diminuição da satisfação sexual (prazer).
gênero designado. Foge ao escopo deste capítulo tecer mais
considerações a respe ito dessas duas patOlogias sexuais, pois Desordem do orgasmo
acreditamos que mereçam encaminhamento específico. A disfunção do orgasmo ocorre quando, após suficiente
A homossexualidade - desejo sexual preferencial ou ex- estimulação sexual, há ausência ou atraso recorrente em se
clusivo de uma pessoa por outra de mesmo sexo - não é te r orgasmo e/ou redução da intensidade de suas sensações.
considerada transtOrno sexual desde a década de 1970 pela
Associação Psiquiátrica Americana e de 1990 pela OMS. Não Desordem da dor/penetração genitopélvica
há , portanto, demanda de tratamento nem o que tratar. Po- A dor referida na relação sexual pode ser definida como
rém, quando a pessoa que expressa orientação homossexual dificuldade recorrente ou persistente de penetração vaginal
está acometida por disfunções sexuais ou está envolta em marcada pela dor vulvovaginal ou pélvica durante a tentativa
dificuldades familiares e/ou sociais, é merecedora de ajuda ou penetração, pela ansiedade ou medo na iminência da pe-
terapêutica. netração com antecipação da sensação de dor e pela dor em
Para o diagnóstico da DSF é necessário que a mulher apre- aperto durante ou após a penetração com sensação do estira-
sente o transtorno em 75% a 100% do tempo, com uma du- mento dos músculos pélvicos.
ração mínima necessária de cerca de 6 meses, provocando
sofrimento significativo, ou seja, angústia pessoal (distress) CAUSAS DA DISFUNÇÃO SEXUAL FEMININA
(Quadro 12 2).
Vários fatOres contribuem para que a DSF reflita a inte-
ração de fatOres biológicos, psicológicos e sociais. A função
Desordem sexual de interesse e excitação sexual normal depende da integridade e integração de vários
A disfunção do desejo e excitação é caracterizada por an- compartimentos corporais, destacando-se os hormonais se-
gústia pessoal por pelo menos 6 meses e pela presença de três xuais e neurotransmissores (Quadro 12.3).
dos seis critérios assim relacionados:
• Ausência ou diminuição dos sentimentos de interesse sexual. DIAGNÓSTICO
• Ausência ou diminuição dos pensamentos ou fantasia sexual. O d iagnóstico das d isfunções sexuais envolve entrevista
• Ausência ou diminuição da receptividade à atividade se- médica detalhada em associação com o exame físico e, algu-
xual para tornar-se sexualmente excitado. mas vezes, avaliação laboratorial e exames de imagem.
• Ausência ou d iminuição da capacidade de resposta às ten- O primeiro passo na abordagem da DSF consiste na anam-
tativas de um parcei ro para iniciá-lo. nese completa, em que se deve ter o entendimento da mulher

Quadro 12.2 Classificação da disfunção sexual feminina (DSM-5) Quadro 12.3 Causas das disfunções sexuais femininas (DSF)

Classif icação Inclui a classificação DSM-4 Causa Desordem sexual


DSM-5 Hormonal Desordem sexual de
Desordem Distúrbio do desejo sexual hlpoatlvo (HSDD) Disfunção do eixo hipotálamo-hipófise/ interesse/excitação
sexual de Sentimentos de interesse, pensamentos ou falência ovariana precoce/ooforectomia
Int eresse/ fantasia sexual estão diminuidos ou ausentes bilateral/menopausa /uso de
excitação e/ou a receptividade à atividade sexual para conttaceptivos hormonais
tornar-se sexualmente excitado é escassa ou
Neurogênlca Desordem do
inexistente, causando angústia pessoal Lesão da medula espinal/desordens orgasmo
Distúrbio da excitação sexual do SNC ou periférico (p. ex., diabetes
Incapacidade persistente ou recorrente de e doenças reumatológicasJ)/efeito
alcançar ou manter os estfmulos suficientes adverso do uso de medicação
durante a excitação sexual. São classificados psicotrópica
quatto subtipos: distúrbio da excitação Vascular/mu scular Desordem da dor/
subjetiva, genital. combinado e persistente Diminuição do fluxo sangufneo para penetração
Desordem do Desordem do orgasmo os órgãos genitais secundários genitopélvica
orgasmo à aterosclerose/vagina atrófica/
Desordem Dlspareunla vulvovaginites/hiper ou hipotonia dos
da dor/ Dor recorrente ou persistente na tentativa ou músculos do assoalho pélvico
penetração durante a penettação Psicológi ca/social Desordem sexual de
genltopélv lca Vaglnlsmo Conflito conjugal/má imagem corporal/ interesse/excitação
Dificuldade de penetração recorrente ou diminuição da autoestima/falta de
persistente, parcial ou total, tendo em vista a intimidade com o parceiro/distúrbios
contração espásmica e involuntária de toda a do humor/efeito adverso do uso de
musculatura da pelve medicação psicotrópica
\.
r
( I

Capitulo 12 Doença Sexual 93

como um ser b10psicossocial. A entre\'ISta 1mc1a com a identi- necessária em razão da heterogeneidade em ensa1os diagnós-
ficação da paciente/parceiro e de fatos sobre o re lac1onamemo ticos. De acordo com o julgamento do médico, outros exames
atual. Deve-se caracterizar a queixa princ1pal e o mlcio dos podem ser sohcitados.
sintomas, assim como investigar se é primária (desde o inicio
da vida sexual ao longo da vida) ou secundária (história pré- TRATAMENTO E SEGUIMENTO
via de vida sexual normal adquirida), se é situacional (apenas
No tratamento das DSF podem se r usados medicamentos e
em dete rm inadas situações) ou global (generalizada), transi-
adotada te rapia sexual e/ou psicote rapia. Entretanto, a maio-
tória ou permanente e condições associadas. Na história se-
ria dos medicamentos tem ind icações off-label. Nas pacien-
xual deve ser caracterizado o início da atividade sexual, assim
tes que t~m queixa manifestada desde o iníc io da vida sexual
como a frequencia, satisfação, masturbação, estímulo sexual,
(primário, ao longo da vida) pode ser necessária uma abor-
deseJO, exc1tação, orgasmo e dor. É necessáno também inves-
dagem psicológica maiS profunda de psicoterapia dmâm1ca.
tigar a h1stóna pregressa, ginecológica e social.
Os quesuonãrios que podem auxiliar a avahação sex"Ual
Tratamento da desordem sexual de interesse/excitação
tem a finahdade de medir a queixa sexual para fac1htar a in-
vestigação. Foram idealizados alguns para avaliação especifica O tratamento deve ser direcionado ao fator causal. Por
da função sexual feminina e adequados para avaliação das isso, quando a desordem é provocada por etiologia orgânica,
mulheres em consultório médico. O questionário mais usa- deve ser tratada com medicação.
do na prática clinica é o Índ ice de Função Sexual Feminino
(FSFl), com posto de 19 questões que avaliam a atividade se -
Terapia hormonal (TH)
xual nas úlLimas 4 semanas, usando seis dom lnios da função A utilização da Ti l é bem documentada em mulheres na
sexual: desejo (questões l e 2), excitação (questões 3, 4, 5 e pós-menopausa; já nas mulheres na fase reproduLiva, seu uso
6), lubrificação (questões 7, 8, 9 e 10), orgasmo (questões l l, ai nda é questionável e os esLUdos são escassos. A d iminuição
12 e 13), satisfação (questões 14, 15 e 16) e dor (questões do desejo/excitação na mulher no climatério pode estar re-
17, 18el9). lacionada com o hlpoestrogenismolhipoandrogenismo. Nos
Em 2009, com o intuito de obter uma escala que fosse casos em que a quetxa de dmúnuição do desejo está associada
maiS apropnada à mulher brasileira e de fác1l emendtmemo, a manifestações clímcas da menopausa, como smtomas vaso-
fo1 1deahzado e validado o Quociente Sexual - Versáo Femi- motores e atrofia urogerutal, de,·e ser indicada a terapia de
nina (QS-F), composto de lO questões que avaliam as fases reposição hormonal.
do ciclo de resposta sexual nos últimos 6 meses, contemplan-
do ainda outros domínios: desejo sexual (questões l, 2 e 8), Tibolona
excitação/lubrificação (questões 3, 4, 5 e 6), dor (questão 7), A Libolona é um esteroide sintético derivado da noretiste-
orgasmo (questão 9) e satis fação (questão 10). rona que tem ações especrr.cas nos receptores 1issulares que
Cabe ressaltar que a entrevista sexual na consulta sexoló- sintetizam estrogenio, progeste rona e androgênio. Após a ad-
gica é também uma técnica terapêutica. marcando o início ministração oral, a tibolona sofre bioconversáo de tres de seus
do tratamento das disfunções sexuais. Os questionários com- metabólitos no intestino e no fígado: 3a e 3~-hidroxitibolona
plementam a anamnese e sáo utilizados para acompanhar a com ação estrogemca e 64-tibolona com ação progestogl!nica e
evolução do quadro e a monitorização do tratamento. androg~mca. Os metabóhtos 3a e 3~-hidroxitibolona se hgam
Um exame flsico completo associado ao exame grnecológi- ao receptor beta localizado na vagina, apresentando ação estro-
co mmucioso deve ser realizado a fim de avahar a saúde geral gênica. O metabóhto 64-ubolona apresenta ação androgeruca
e exclu1r a possibilidade de patologias que possam afetar o comparável à da testosterona, mas não sofre ação da enzuna
ciclo de resposta sexual. No exame ginecológ1co é prudente 5a-redutase, apresentando, então, ação androg~mca mais po-
se manter atemo ao fato de que algumas doenças estão direta- tente, além de modular a elevação da concentração sangutnea
mente relacionadas com má resposta sexual, como vulvovagi- de endorfina, promovendo melhora do bem-estar.
nites, doenças sexualmente transmissíveis (DST), malforma- A ad ministração oral de 2,5 mgldia é recomendada para as
ções e atrofia genital. pacientes na pós-menopausa dentro da janela de oportu ni-
A avaliação laboratorial às vezes é necessária em caso de dade e sem contraindicação ao uso de TH. São observados
suspeita de doenças subjacentes que podem ter estrita afini- aumento do desejo sexual e da excitação, frequ~ncia e satis-
dade com a DSF, assim como na presença de fatores de risco, fação sexual, bem como efeito positivo direto sobre os tratos
como obes1dade, hipenensão, idade avançada, h1stóna fami- urogenital infenor e vagmal. A tibolona também modula a
har de dtabetes, dentre outros {glicemia de JeJUm, ghco-he- elevação da concentração sangufnea de endorfina, promo,·en-
moglobma, teste de função hepática, tnghcéndes e colesterol do melhora do bem-estar geral e da qualidade de '~da.
total e frac1onado). A prolactina e o hormOmo esumulame
da tire01de podem ser solicitados para afastar alterações hor- Terapia estrogênica local (TEL)
monats que possam estar relacionadas com a diminuição da A TEL, em vez de terapia hormonal sistêmica, é geralmente
libido. Quando há ind ícios da d iminuição de desejo, a me- usada para tratar os sintomas específicos, como austncia ou
d ida rotineira da testoste rona total e livre não é atualmente dificuldade de lubrificação genital e de permanecer lubrifi-
/.

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J 94 Seção I Ginecologia

cada durante todo o ato sexual, em mulheres na pós-meno- tísmo grave, acne gra,·e e nsco ou aumento do risco de câncer
pausa. Essa terapta também aumenta a lubnficação e o fluxo de mama, câncer de endométrio, episódios tromboembólicos
sanguíneo vaginal, agindo indiretamente no deseJO sexual e e doença cardtovascular.
na excitação. Eficácia, segurança e tOlerabtlidade foram esta-
belecidas em mulheres na pós-menopausa usando TEL. Medicamentos com ação no sistema nervoso
As formulações da TEL incluem creme de estrogênio con- central (SNC)
jugado (0,625mg/g), c reme de estradiol (1001-lg/g) e promes-
Bupropiona
trieno creme vaginal 1% (lOmg/g) ou promcstrieno cápsula
A bupropiona, um inibidor dos receptores da recaptação
vaginal (I Omg), com uso contínuo à noite durante 2 semanas
e, em seguida, duas vezes por semana para manutenção. da noradrenalina e de dopamina, tem efeitos positivos no CI-
clo da resposta sexual e atua bloqueando os receptores da se-
Terapia androgênica rotonina 5-HT2 e aumentando a liberação de catecolamtnas,
Os estudos embasam o papel importante dos androgênios principalmente a dopamma, melhorando consequentemente
no funcionamento normativo da função sexual femmina. o ciclo da resposta sexual. Também pode ser usada como um
Atualmente, sabe-se que nào é necessáno um nlvel baLxo de "anúdoto" no maneJO de DSF mduzida por antidepresstvos.
androgenio no sangue para que as mulheres seJam classtfica-
das com defiCiência and rogênica. A terapia androgêmca pode Flibanserina
se r utilizada nas mulheres com causa definida de deficiência A Oibanse rina (Addyi•, lOOmg) está aprovada pelo FDA para
de androgenios, ou seja, perda de produção de androgênio tratamento de HSDD em mulheres na pré-menopausa, acredi-
sup rarrenal e/ou ovário inapropriado para a idade, associada tando-se que o equilrbrio de neurotransmissores cerebrais possa
a anormalidades na função sexual do desejo, ou seja, com melhorar o funcionamento da resposta sexual. A flibanserina é
diagnóstico de HSDD sem a necessidade de medição labora- um agonista ao receptor de serotonina lA (5-HTlA) e um anta-
torial rouneira da testosterona total e livre. gonista do receptor 2A (5-HT2A), além de ter atividade antago-
Evtdências de estudos randomizados e controlados apoiam nista moderada sobre os receptores de dopamina (04).
a melhora da dtminuição do desejo sexual em mulheres na O mecanismo de ação se dá pelo aumento da liberação de
pós-menopausa utilizando várias formulações de testostero- noradrenahna e de dopamma e diminuição da liberação de se-
na. A dose usada tem de atingir concentrações Circulantes de rotonina no córtex cerebral, restaurando o controle do cór-
testosterona significativas, mas em nlveis adequados, com a tex pré-frontal sobre as estruturas de motivação/recom-
finahdade de evitar efeitos adversos. Deve ser realizada por pensas do cérebro e permttindo o início do desejo sexual.
curto prazo e, nas mulheres na pós-menopausa, a terapia com A dose recomendada é lOOmg VO, uma vez ao d ia, à noite
testosterona deve ser combinada com estrogên io. (ao deitar). A administração durante as h oras de vigrlia au-
Os ensaios clrnícos têm demonstrado consistentemente menta os riscos de hipotensão, slncope, lesão acide ntal e
que a via trnnsdérmica é a mais segura para administração de depressão do SNC.
testosterona. Em 2006, a Agência Europeia de Medicamen- A flibanserina pode causar grave hipotensão e slncope e tem
tos licenciou o adesivo de testosterona (int rinsa•, Livensa• e interação potencialmente grave com o álcool. Outros efeitos
AndroFeme•) para a HSDD em mulheres na pós-menopau- adversos comuns incluem tontura, sonolência, náuseas, fadt-
sa. Com relação ao uso da desidroepiandrosterona (DHEA) ga, insônia e boca seca. Recomenda-se a interrupção do trata-
a mataria dos estudos não recomenda seu uso ststemtco para mento se a pactente não apresentar melhora após 8 semanas
o tratamento da DSF em mulheres com suprarrenrus funcio- de uso.
nando normalmente ou com insuficiência da suprarrenal.
No momento, nenhuma preparação para a terapia de re- Terapia sexual
posição de testosterona foi licenciada pela Food and Drug A diminuição do desejo/excitação pode estar ligada a ques-
Administration (FDA) dos EUA. Pedidos anteriores visando tões relacionais (insatisfação com o parceiro, monotonia da
à indicação de tratamento de HSDD foram rejeitados, princi- vida conjugal, dificu ldade de comunicação, falta de intimi-
palmente em virtude das preocupações com a falta de segu- dade com o parceiro etc.), assim como problemas em seu de-
rança a longo prazo e de respostas clínicas sign ificativas. Efei- senvolvimento psicossexual (traumas, repressão etc.). Nesses
tos colaterais podem ser observados, como hirsutismo, acne e casos está indicada a terapia sexual. Por meio de técnicas,
fortalecimento da voz, assim como alterações do metabolismo a terapia tem por objeuvo promover a motivação sexual do
lipldtco, como a redução do HDL No entanto, dados detalha- casal. Proporciona conhectmento da própria imagem, capa-
dos sobre os potenciais efeitos androgêmcos na sensibthdade cidade de atratr e senur-se atraente, aumento da mtimtdade
à tnsuhna, composição corporal, denstdade mmeral óssea, com o parce1ro, favorectmento ao diálogo e fortalecimento do
e\·entos cardtovasculares e câncer são muuo mats escassos. laço de cumplictdade.
As contramdtcações relativas de reposição de testosterona em
mulheres na pré e na pós-menopausa incluem alopeeta an- Psicoterapia
drogenica, acne, hirsutismo, dislipidemia e disfunção hepáti- Na paciente que manifesta a diminuição do desejo como
ca. As contraindícações absolutas incluem os casos de hirsu- queixa primária, global e permanente, a terapia sexual não
r
((

Capitulo 12 Doença Sexual 95

apresenta grande benefído. É necessãna mvesugação mais musculatura de toda a pelve na tentati\-a de penetração, dando
profunda, estando indicada muitas vezes, nesses casos, a margem à dor. O tratamento se baseia em técnica de dessen-
abordagem psicoterapêulica. sibilização sistemática de modo a impedir o espasmo da mus-
culatura externa da vagina. Técnicas de relaxamento e focali-
Tratamento da desordem do orgasmo zação corporais devem ser associadas ao exercrcio de Kege I. O
O tratamento deve iniciar com o esclarecimento da pa- coito (ou tentativas) só eleve ser liberado depois de superada a
ciente a respeito do que é o orgasmo, o que ela espera dele, comratura involu ntária da vagina. A penetração deve ocorre r
assim como sabe r que nem sempre em toda relação sexual gradativamente com a mul her mantendo o controle.
satisfatória tem de haver o orgasmo. ~ necessário avaliar se
a anorgasmia é secundária ao uso de substância que dificul- PONTOS CRiTICOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS
ta a res posta do orgasmo (anorgasmia mduz1da pelo uso de As DSF são comuns e ocorrem em aproximadamente 40%
anudepreSSI\'0 ou uso excessivo de substâncms). Diante de
das mulheres, sendo o desejo sexual diminuido a queiXa maiS
bloqueio do orgasmo é necessário a'·ahar também a presença comum. Urna anamnese bem detalhada e um exame fislco mi-
de algumas doenças vasculares, neuropáucas, reumatológicas
nucioso são 1mprescmdh-e1s para conduzir a queixa sexual. Exa-
etc. (anorgasm1a induzida por doenças). mes laboratoriais e de 1magem corroboram o diagnósuco dessa
A terapia sexual é efetiva na anorgasmia. A terapia cognilivo- queixa secundána a uma causa orgânica, rrJaS não têm grande
-comportamental para anorgasmia promove autude e mudança
valor na propedêutica dos tranStornos sexuais femininos.
de pensamento sextmlmeme relevantes e redução da ansiedade,
O planejamento para o tratamento de um transtorno exi-
por meio de exercftios comportamentais, como masturbação d i-
ge atuação multidiscipli nar, com envolvimento de médicos.
rigida, foco sensorial e tratamentos ele dessensibilização siStemáti- psicólogos, educadores sexuais, fiSioterapeutas e assistentes
ca, exercfcios de Kegel, bem como educação sexual e treinamen-
sociais, e o foco do tratamento estará sempre relacionado com
tos de habílidades de comunicação. os objetivos da paciente. A grande maioria dos tratamentos
A masturbação dirigida é uma técnica de autoestimulação
farmacológicos amda necessita de futuras im·estigações para
chtoriana associada à contração dos músculos perineais e à
avaliação de sua eficácia e segurança.
movimentação da pelve, mostrando-se eficaz para tratar as
mulheres com anorgasmia ao longo da '~da. A terap1a de foco MENSAGENS-CHAVE
sensonal e de dessensibilização sistemáuca é essencialmente
• Estimativa da prevaltncia das disfunções sexuais femm1nas.
uma técmca de redução de ansiedade. A eVJdtncia experi-
• Conceituação das d1sfunções sexuais femininas.
mental sugere que o óxido nítrico via-GMPc pode ser impor-
• Apresentação do modelo circular da resposta sexual femi-
tante na produção de ingurgitamento do clitóris, vasoconges-
nina.
tão pélvica e lubrificação vaginal, aumentando a resposta de
• Compreensão da fisiologia neuroendócrina da resposta se-
excitação ge nital e favorecendo o orgasmo, porém ai nda não
xual fem inina.
há comprovação de agentes farmacológicos que be neficiem a
• Classificação das desordens sexuais femininas segundo o
longo prazo as mulheres com anorgasmia.
DSM-5.
• Defirução e classificação dos transtornos parafrhcos.
Tratamento da desordem da dor sexual
• Conceituação de disforia de gênero.
Dispareunia • Abordagem d1agnóstica das desordens sexuaiS femmmas.
Para o tratamento da dispareuma leve podem ser eficazes • Apresentação dos cntérios diagnósticos especificas das de-
agentes não hormonais, como hidratantes ou lubnficames. sordens sexuaiS femininas: de interesse/excitação, orgasmo,
Hidratantes são aplicados diariamente na forma de gel ou 11- dor/penetração gemtopélvica.
qllldo com a finalidade de repor a um1dade vaginaL já os lu- • Tratamento e seguimento específico das desordens sexuais
brificantes à base de água são usados conforme a necessidade femininas.
durante o ato sexuaL
O ospemifene (Osphena~) é um modulado r elo receptor de Leitura complementar
estrogenio seletivo (SERM) aprovado pelo FDA para tratar a Abdo C. Quociente sexual feminino: um questionário brasileiro para
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CAPÍTULO

Puberdade Precoce e Tardia


Maria Virgínia Furquim Werneck Marinho
João Tadeu Leite dos Reis
Cláudia l.lícia Barbosa Salomão

ALTERAÇ0ES DO DESENVOLVIMENTO PUBERAL trofinas (GnRH): decorrente da ativação precoce do eixo hi-
Puberdade é um processo complexo do desenvolvimento potálamo-hipófise-ovário, levando à pnxlução de esteroides
somáuco medtado pela ativação do eLxo hipotálamo-hipófise- sexuais pelos ovános e ao desenvolvimento puberal precoce,
-ovanano, que culmina na aquisição da matundade repnxluti,·a porém com padrão semelhante ao da puberdade fistológtca.
e se acompanha de mudanças psicossociaiS e emooonais pro- • Pseudopuberdade precoce ( incomple ta, perifé rica, iso
fundas. O seu momento é variável, sendo detenmnado prin- ou heterossexual ou independente do GnRH): estimulo
cipalmente por fatores genéticos e ambientais, ocorrendo em por esteroides sexuats, ovarianos ou das suprarrenais, não
geral a panir dos 8 anos nas meninas e dos 9 anos nos meninos. associado à produção de gonadotrofinas hipofLSánas.
As alterações do desenvohirnento puberal, como a precocidade
e o atraso em sua ocorrência, podem ter caus:~s congênitas ou PUBERDADE PRECOCE VERDADEIRA (PPV)
adquiridas que precisam ser sempre investigadas em virtude de A puberdade precoce verdadeira corresponde a 80% dos
seu impacto sobre a saúde atual e na vida adulta. A definição casos de puberdade precoce. Decorre da ativação prematu-
diagnóstica entre estados patológicos e variações normais do ra do eixo hipotálamo-hipófise-ovário ames dos 8 anos de
desenvolvtmento puberal constitui um grande desafio clinico. idade, levando à produção de gonadotrofinas e esteroides
sexuais, sendo na maiona das vezes de causa idiopática. A
PUBERDADE PRECOCE alteração neuroendócnna inicial na puberdade precoce é o
Conceito aumento da secreção de lasspeplina pelo núcleo arqueado e
Também conhecida como precoctdade sexual, é definida nos núcleos paraventnculares no hipotálamo. A regulação da
como o desem·olvimemo de caracteres sexuaiS secundários secreção de kLSSpepuna não está ainda definida.
antes dos 8 anos de idade nas meninas e dos 9 anos nos me- Com o advento de métodos diagnósticos por tmagem, tais
ninos. No entanto, o critério da idade deve ser avaliado caso como tomografia computadorizada (TC) e ressonância mag-
a caso, uma vez que estudos realizados a partir da década nética (RM), casos antes considerados idiopáticos passaram a
de 1990 identificaram desenvolvimento mamário ames dos se r diagnosticados como lesões mínimas do sistema 11ervoso
8 anos em 15% das meninas brancas e em 48% das meninas central (SNC). O diagnóstico de causa idiopática é feito por
negras, sem contudo alterar-se a idade de aparecimento da exclusão e após longo tempo de observação da evolução da
menarca. Sua ocorrência é maior no sexo remi nino, ou seja, paciente, uma vez que algumas lesões do SNC só irão mani-
cerca de 20:10.000 contra 5:10.000 em menmos. Em geral, festar-se na vida adulta.
constste em e,·emo benigno sem repercussões sobre a vida lesões do SIStema nervoso podem levar à puberdade pre-
futura do mdivlduo, mas pode ser um pnmeiro smal de doen- coce verdadetra, de"endo ser sempre pesquisadas. De aco-
ça sLStémtca. Chama a atenção a assocmção dessas alterações metimento precoce, essas lesões surgem usualmente ames
com a obesidade e o aumento nos nh·eLS de lepuna. dos -t anos de tdade e mduem hamanomas de htpotálamo,
craniofanng•omas, astrocítomas, gliomas, neurofibromas e
Classificação teratomas. Qualquer trauma do SNC pode estimular o de-
• Puberdade precoce verdadeira (completa, isosse1o:ual, senvolvimento pubeml, como a hidrocefalia, as infecções e as
central ou dependente do hormônio libcmdor de gonado- anomalias congenitas e os traumas mecânicos.

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') 98 Seção I Ginecologia

O desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários na manchas "café com leite" ou "costa do Maine" e precocidade
puberdade precoce verdadeira ge ralmente segue a cronologia sexual. O mecanismo de produção hormonal nessa síndro-
usual do desenvolvimento puberal fLSiológico, mas eventual- me é autônomo, independentemente das gonadotroli.nas.
mente é possível observar telarca ou menarca como primeiro • latrogênica: fonte exógena de hormônios, incluindo a in-
evento pube ral. O padrão de desenvolvimento é variável, sen- gestão de estrogênios orais ou o uso de cremes contendo
do mais lemo nos casos de origem idiopática e mais acelerado hormônios.
nos casos de doenças do SNC e tumores. Apresenta caracte- • Hipotireoidis mo primário: pode estar relacionado com a
rísticas clínicas variáveis, tanto na idade de início como na puberdade precoce, embora o mais comum seja a puber-
rapidez das mudanças observadas, podendo corresponde r dade retardada. O mecanismo parece ser a reação cruzada
clinicamente à puberdade precoce de evolução lenta ou ra- entre o hormônio eslimulador da tireoide (TSH) e hormô-
pidamente progressiva, sendo o tratamentO mais necessário nio folículo-estimulante (FSH) com estímulo dos recepto-
nesta última. res FSH pelo TSH.
No que se refere ao impacto da puberdade precoce sobre
É importante lembrar que qualquer causa de pseudopu-
o indivíduo adulto , sabe-se que há redução na altura final
berdade precoce pode levar à ativação do eixo hipotálamo-
esperada para a idade adulta em razão da soldadura precoce
-hipófise-ovários e à superposição de um quadro de pube rda-
das epífises ósseas. Inicialmente ocorrem aumento da veloci-
de precoce verdadeira.
dade do crescimento, com estatura acima do esperado para
a idade cronológica, e aumento da secreção do hormônio do
crescimento (GH) e do fator de crescimento insulinoide tipo Precocidade sexual incompleta
1 (IGF-l), secundários ao estímulo dos esteroides sexuais. Ao O desenvolvimento precoce isolado dos caracteres sexuais,
final do processo ocorre soldadura precoce das canilagens também chamado de precocidade sexual incompleta, é um
de crescimento, com estatura final abaixo do esperado para quadro geralmente não patológico, aparentemente não rela-
aquele indivíduo. cionado com o início da puberdade. Deve ser sempre investi-
Não existe repercussão sobre a fertilidade e a idade de gado com monitorização cuidadosa das curvas de crescimento
ocorrência da menopausa. Um dos aspectOs importantes na e de outros sinais de maturação sexual, pois, eventualmente,
puberdade precoce é o psicossocial , uma vez que essas meni- pode ser um prime iro sinal de patOlogia. Citam-se:
nas tendem a ter o pe rfil psicológico compatível com a idade
cronológica, ainda que seu aspecto físico seja o de uma pessoa • Adrenarca prematura: pode ocorrer ames dos 8 anos e
mais velha , o que leva ao conflitO interno e no meio social e permanecer inalterada ou com progressão lenta até a pu-
familiar, tornando essas meninas d ife rentes de suas colegas. berdade. Não há desenvolvimento mamário, mas pode
Além disso , estão mais expostas ao risco de violência sexual. ocorrer discreta aceleração da velocidade de crescimento,
evidenciada pela estatura e maturação esquelética avança-
das para a idade, rtão comprometendo, no entanto, a es-
PSEUDOPUBERDADE PRECOCE tatura final. Parece ser mais comum em crianças negras,
Menos comum do que a puberdade precoce verdadeira, a hispânicas e obesas. A obesidade parece estar associada à
pseudopuberdade precoce representa cerca de 15% a 20% dos aceleração da adrenarca e da velocidade de crescimento ,
casos. Caracteriza-se pela elevação dos esteroides sexuais rtão mas não ao aumento da secreção de LH e à maturação do
associada à elevação dos níveis de gonadotrofinas ou ainda pela eixo hipotálamo-hipófise-ovário. Está relacionada com au-
elevação independentemente do estimulo gonadotrófico. mento d iscreto de androstenediona, desidroepiandrostero-
na (DHEA) e sulfatO de DHEA, mas a dosagem sérica de
Causas estradiol se encontra em níveis pré-puberais. Os pacientes
• Ovariana: a causa mais frequente é a presença de tumor ova- devem ser acompanhados regularmente, pois eventual-
riano, produtor de esteroides sexuais, e em 60% dos casos mente esses indivíduos podem desenvolver anovulação ,
esses tumores são de células da granulosa. Outros tumores hirsutismo e hiperinsulinemia na menacme.
também podem estar relacionados com a pseudopuberda- • Telarca precoce: desenvolvimento mamário uni ou bi-
de precoce, como arrenoblaswmas, ciswadenomas, gona- lateral sem desenvolvimento areolar ou de outros sinais
doblaswmas, carcinomas, tecomas, cistos ovarianos benig- puberais. Dados da literatura mostram uma tendência de
nos: foliculares ou luteínicos. Tumores produtores de gona- aumento da incidência a panir da década de 1990 e sem
dotrofma: hormônio luteinizante (LH) e gonadotrofina co- causa defmida. É relativamente comum em meninas com
riônica humana (HCG). menos de 2 anos, provavelmente em decorrência de au-
• Suprarrenal: tumores suprarrenais produtores de estrogê- mento transitório de estrogênio ou em razão da maior sen-
nio, como adenomas e adenocarcinomas. Também a hiper- sibilidade mamária em caso de níve is baixos de estrogênio.
plasia suprarrenal congênita. Deve ser investigada a causa iatrogênica, podendo ser d i-
• Síndrome de McCu ne-Albright: pode estar presente em fícil sua diferenciação com estágios iniciais do desenvolvi-
até 5% dos casos de pseudopuberdade precoce e se carac- mento puberal precoce. Citologia hormonal vaginal, teste
teriza por displasia óssea, hiperpigmentação da pele com com estímulo pelo GnRH, idade óssea e ultrassonografia
r
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Capítulo 13 Puberdade Precoce e Tardia 99

pélvica (USP) são útets no diagnóstico. Não demanda tra- e relação LH/FSH >1 sugerem auvação puberal de causa
tamento medicamentoso, merecendo controle da evolução central. FSH basal bai.xo é sugestivo de causa periférica.
do desenvoh•ímemo puberal e da estatura até o início da LH após estimulo com l OOmg de GnRH: dosar em
puberdade normal. 30, 60, 90 e 120 minutos. O pico do LH ocorre entre
• Menarca prematura: defimda como sangramento vaginal 60 e 90 mmutos. LH >lOUVL ou LH/FSH >i mdicam
isolado, sem sinaiS de desenvolvtmento puberal, não asso- ath·ação puberal.
ciado às callSaS orgãmcas, como \'Ulvovaginites, corpo es- - LH após esUmulo com acetato de leuprorrelina (1 a
tranho, trauma e neoplastas. Deve ser cutdadosamente in- 3 , 75mg): reahzar coleta basal e 120 mmutos após ad-
vestigada. A causa persiste indefinida e tah·ez se relacione ministração IM. Valores >lOmUVml mdtcam ativação
com aumento da senstbtlidade endometnal ao estrogênio. puberal central. Nlveis elevados de estradiol sérico em
O estradtol sénco deve manter-se em níveis pré-puberais. 24 horas confirmam o diagnósuco.
Teste de estúnulo pelo GnRH: é o exame mais impor-
Quadro clínico tante para confirmar o dtagnóstico de puberdade precoce
verdadeira, mostrando uma resposta puberal ao esthnu-
• Te!arca precoce é o sinal mais comum.
lo hipofisãrio pelo GnRH. Espera-se uma elevação de
• Secreção vaginal branca, inodora.
LH bem mais signi[icati va do que do FSH (sem utilida-
• Às vezes, perda sangulnea d iscreta.
de para PPV) em comparação a valores basais. A ausén-
• Raramente menstruação.
cia de elevação de LH após Gn RI! tem valor diagnóstico.
• Aceleração do cresci me mo.
Cuidado ao se avaliarem crianças de até 2 anos de idade,
• Alteração no com portamento, labilidade emocional.
quando nrveis de gonadotrolinas estão fisiologicamente
aumentados, podendo levar a um diagnóstico equivoca-
Diagnóstico do de PPV.
Diante ele paciente com puberdade precoce é necessário que Estradiol: pouco conclusivo, apresenta-se frequente-
se estabeleça o mais rápido possível se existe ou não doença sis- mente em nrveis de normalidade (<20pglmL). Níveis
têmica que coloque em risco sua vida, sendo fundamental para altos sugerem a presença de tumores.
seu diagnóstico a observação dos smais de desenvolvimento Androgênios: nos casos de pubarca precoce, viriliza-
dos caracteres sexuats secundários e da velocidade de cresci- ção, suspeita de tumores ou de htperplasia suprarrenal
mento. Muitas vezes, o diagnóstico etiológico definitivo só é congênita devem ser pesquisados: testosterona, 17-hi-
firmado após anos de acompanhamento. droxíprogesterona, DHEA e androstenedtona. Sulfato
de DHEA é marcador de tumor da suprarrenal.
• História cHnica detalhada: tempo de e\·olução dos sinto-
- TSH e prolaclina (PRL): nos quadros de htpotireotdis-
mas de precocidade sexual, presença de cefaleia, com'Ul-
mo prirnàrio grave, nlvelS elevados do hormOmo libe-
sões, dtStúrbtos \'lSUats, alteração de comportamento.
rador da ureotrofina (TRH), TSH e PRL senstbilizam os
• História pregressa: antecedentes pennatais, traumatismos,
receptores gonadalS de gonadotrofinas e desencadeiam
infecções, lesões do SNC, doenças metabóhcas, exposição a
a puberdade. Ocorre pnnctpalmente em pacientes com
estrogêntos, neoplasias, qutmtoterapta, radioterapia.
presença de caracteres sexuaiS secundários, baixa esta-
• História familiar: doenças metabólicas.
tura e retardo na tdade óssea, sendo a úmca situação em
• Exame físico: avahação dos caracteres sexuais secundá- que a puberdade precoce cursa com desaceleração de
rios, com estadiamento do desenvolvimento de mamas c rescimento.
e dos pelos segundo a classificação de Marshal e Tanner, e HC G: elevada nos casos de coriocarci noma ovariano e
avaliação do abdome e da pelve; inspeção da ge nitália ex- de tumor hepático produtor de HCG.
terna, identificando-se sinais de esúmulo estrogênico e - Hormônio d o crescimento (GH): deve ser avaliado
aspecto do cl itóris; avaliação de peso e estatura, estabele- nos casos de baixa estatura.
cendo-se curvas de crescimento e determinando-se a velo- • Citologia vaginal com análise do índice de maturação
cidade do crescimento; avaliação neurológica com estudo vaginal (lndice d e Frost ): avaliação prática e objetiva da
de campos visuais; estudo da tireoide; pesquisa de man- ação estrogênica. A presença de células intermed iárias e
chas de pele. superficiais caracteriza estimulo estrogenico; mais de 40%
de células super[iciais sugerem lesão produtora de estrogê-
Exames complementares nio, não ajudando a diferenciar a origem do estimulo para
• Dosagens hormonais: permitem o d iagnóstico entre pu- a ação estrogênica, se central, periférica ou externa.
berdade precoce central e periférica: • Ultrassonografia pélvico-abdominal (USV): avaliação das
- LH e FSH: considerado por muitos o exame de escolha suprarrenais, embora a ressonância magnéuca (RM) seja o
para se iniciar a avaliação hormonal. sendo o LH um método de escolha para estudo das suprarrenais, do útero
marcador mais senslvel e superior ao FSH, uma vez que e dos ovários. Determinação do tamanho e do formato do
este pode estar elevado no perlodo pré-puberal. Valores útero, assim como a presença do eco endometnal; relação
de LH basal >0,6j.im/mL (método tmunofluorimétrico) corpo-colo. Dunensões ovananas, caracterlsticas do parên-
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') 100 Seção I Ginecologia

quima, presença de atividade folicular nos ovários, indi- Nos casos de doença sistêmica deve ser feito o tratamento
cando estimulo gonadotrófico. Por isso, são considerados específico de acordo com a etiologia: neurocirurgia, rad iote-
parâmetros ecográficos: útero globoso com volume >2cc; rapia, quimioterapia, ooforectomia, retirada das suprarrenais,
diâmetro anteroposterior do fundo maior do que o do colo, reposição hormonal no hipotireoidismo e correção da hiper-
com relação corpo-colo >l; eco endometrial presente; ová- plasia da suprarrenal.
rios aumentados, com volume superior a lcc, identificando-
-se cinco ou mais folículos >4mm de diâmetro. Medicamentos mais utilizados
• Radiografia de punho: avaliação da idade óssea. Podem ser • Análogos do G nRH: nos casos de puberdade precoce ver-
utilizados os métOdos de Greulich e Pyle, RUS ou Tanner- dadeira, a primeira escolha são os agonistas do GnRH, que
-Whitehouse (TW-20). Uma diferença supe rior ou igual a suprimem o eixo hipotálamo-hipófise-ovário e bloqueiam
dois desvios padrões entre a idade óssea e a cronológica indi- o desenvolvimento puberal, devendo ser utilizados nos ca-
ca estímulo estrogênico importante sobre os ossos. Deve-se sos de resposta puberal do LH ao estimulo com GnRH, no
relacionar essa diferença com a idade da paciente, sendo de avanço rápido do desenvolvimento dos caracteres sexuais
3 a 6 meses em pacientes de até l ano de idade, de 12 a 18 secundários, da velocidade de crescimento e da idade ós-
meses em pacientes com idade entre l e 3 anos e de 2 anos sea, e na menarca e cidicidade menstrual abaixo dos 7 anos.
em pacientes com idade superior a 3 anos. Medidas seriadas Bloqueiam de modo reversível e eficaz a atividade hipotalâ-
são importantes para moniLOrização do tratamento. mico-hipofisária, inibindo a secreção de gonadotrofinas e
• Tomografia compu tadorizada ou RM do SNC: ajudam dos esteroides ovarianos. Consequentemente levam à d imi-
na identificação de lesões do SNC, devendo a RM , o mé- nuição da maturação sexual com regressão dos caracteres
tOdo de escolha, ser solicitada em todas as pacientes com sexuais secundários, amenorreia e d iminuição da velocidade
menos de 6 anos de idade e também permitindo o d iag- de crescimento. No que se refere à estatura final, a eficácia
nóstico de pequenos tumores do hipotálamo como os har- da medicação é evidente apenas nos casos de puberdade
matomas. precoce abaixo dos 6 anos de idade. Seu uso em crianças
mais velhas ou em outras indicações, tais como aspectos psi-
Os casos de neoplasias ovarianas tendem a apresentar cres- cossociais, não encontra embasamento na literatura e não
cimento rápido com desenvolvimento acelerado dos caracte- deve ser feito de maneira rotineira.
res sexuais secundários e idade óssea aumentada. Geralmente Os maisempregadossãoosagonisLaS do GnRH de depósito
é possível a palpação da massa abdominal. A ultrassonografLa ou liberação lenta, pela via intramuscular ou subcutânea, que
abdominal e pélvica é de grande valia. Avaliação laboraLOrial permitem maior adesão ao tratamento em razão da facilidade
mostra o estradiol sérico elevado e as gonadotrofinas dimi- de uso. No nosso meio são utilizados a leuprorrelina e a trip-
nuídas. torrelina, 3,75mg IM, e a gosserrelina, 3,6mg SC, aplicada
Nos d istúrbios da suprarrenal, além dos sinais de precocida- a cada 28 dias. A dose deverá ser ajustada de acordo com a
de sexual, está presente a virilização. A hiperplasia suprarrenal resposta clínica, podendo ser monitOrizada com a dosagem
congênita pode ser decorrente de deficiência da 2 1-hidroxilase, de estradiol sérico, que deve estar dOpg/ml. O esquema
com aumento da 17-hidroxiprogesterona e dos androgênios, ou de uso trimestral ainda carece de estudos para avaliação de
por deficiência de 11-hidroxilase, com aumento do 11-desoxi- sua eficácia.
conisol. A elevação do sulfato de DHEA ou da androstenediona Estudos recentes propõem o uso da histrelina sob a
sugere tumor da suprarrenal ou virilizame de ovário. forma de implante com bons resultados na supressão das
gonadotrofinas por até l ano. As vantagens seriam a facili-
Tratamento dade de uso, a maior adesão ao tratamento e a diminuição
Os principais objetivos são d iagnosticar e tratar as doen- do desconforto relacionado com a injeção mensal.
ças sistêmicas, interrompe r o processo de desenvolvimento, A literatura sugere melhores resultados do tratamento
diminuir os sinais de precocidade, minimizar a perda óssea, quando iniciado com idade óssea inferior a lO anos. O tem-
promover a estatura final máxima e d iminuir o impactO emo- po de uso não deve ser inferior a 12 meses, não havendo
cional, social e reprodutivo. consenso quanto ao momento de interrupção do tratamen-
O tratamento da puberdade precoce vai depender da etio- to; alguns investigadores chegam a sugerir a idade óssea de
logia, devendo ser considerados: idade de aparecimento da 12 anos e outros acreditam que poderia ser de l a 2 anos a
precocidade, ritmo de progressão dos sintomas, velocidade mais. Nos casos em que a resposta ao tratamento é insufi-
de crescimento e aspectos psicossociais. Deve ser iniciado ciente em termos de ganho estatura!, convém considerar a
tão logo se estabeleça o diagnóstico, uma vez que a literatura possibilidade de associação com o uso do GH.
evidencia que a eficiência terapêutica está relacionada com a O acompanhamento do tratamento deve ser trimestral,
idade de início do uso da medicação. com avaliação clínica, e semestral, com ultrassonografia, do-
Atenção especial nos casos de progressão lema ou que se sagens hormonais e radiografia de punho. O tratamento em
apresentem de forma incompleta, uma vez que podem tratar- crianças com puberdade precoce próxima à idade normal
-se de puberdade precoce periférica de evolução lenta, quando mostra resultados d iscretos. O uso de GH e agonisLaS do
habitualmente não há indicação para prescrição de análogos. GnRH em indivíduos sem deficiência de GH para aumen-
r
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Capítulo 13 Puberdade Precoce e Tardia 101

LO da estatura final deve ser considerado experimentaL O co são discordames em relação à 1dade cronológica. A maioria
desenvolvimento puberal é restabelecido assim que cessa dos casos de puberdade tard1a está relac1onada com o atraso
o bloque1o do análogo GnRH. A eficáaa e a segurança do simples do desenvolvimento puberal, seJa de causa pnmária,
tratamento eslâo bem defirudas, mas exiSte preocupação a constitucional ou secundária, como consequenaa de doenças
respeito das complicações relacionadas com o uso prolon- sistêmicas ou desnutnção. O h1pogonadtsmo representa im-
gado, pnnc1palmente repercussões sobre a massa óssea e o pactos f!sico e ps1coemocíonal 1mponames em um momento
ganho de peso, havendo d1rrunU1ção da densidade mineral de vulnerabilidade na '~da do mdl\1duo.
óssea durante o uso, mas com recuperação após a interrup-
ção do tratamento, sem compromettmento na vida adulta. Classificação
Não há evidencia da mfluenc.a da medicação sobre o ganho
• Hipogonadismo hipogonadotrófico: de[ic1tncia hipo-
de peso, ass1m como na prevalencia de sindrome de ovários
talâmico-hipofisária. Dosagens de FSH e LH baLxas.
policisticos após o tratamento.
• Hipogonadismo hipergonadotrófico: d1sfunção gonadal.
o Acetato de mcdroxiprogcsterona: bloqueia a secreção das
Dosagens de FSH e LH altas.
gonadotrofinas no nlvel hipotálamo-hipóftse com regressão
• Atraso constitucional do dese nvolvimento puberal.
do estimulo estrogenico. Não tem ação importante sobre
o crescimento e a maturação óssea nem, consequentemente, Hipogonadismo hipogonadotrófico
sobre a estatura final, podendo ser uma opção em pacientes
O hipogonadismo hipogonadotrófico consiste em distúrbio
com idade óssea pouco avançada, em razão de seu baixo
hipotalãmico-hipofisário primário com diminuição ou aboli-
custo.
ção da produção de gonadotroli11as, mostrando quadro clinico
o Danazol: pouco utilizado em vinude dos efeitos androgêni-
variável, dependendo do déficit gonadotrófico. Co rresponde a
cos severos.
cerca de 30% dos casos de puberdade tardia.
o Acetato de ciproterona: pouco e[icaz no crescime nto,
efeitos colaterais indesejáveis, efeitos androgênicos e toxi- As causas mais frequentes são:
cidade renal. • Tumores do SNC: craniofaringioma (causa mais comum),
Na sínd rome de McCune-Aibright, o tratamento de escolha germinomas, gliomas e astrocitomas.
é o acetato de medrox1progesterona para supressão do LH ou • Lesões do SNC: infecções, defenos congênitos, hidrocefa-
inibidores da aromatase, como a testolaaona, o letrozole e o lia etc.
anastrozole, que bloqueiam a produção excessiva de estrogênio. • Deficiência isolada de gonadotrofinas: por exemplo, sln-
O tamox1feno, modulador seletivo do receptor estrogênico, Je..·a drome de Kallman.
à d1minU1çãO dos eptsó<hos de sangramemo, da velocidade de • Patologias genéticas: (p. ex., s!ndromes de Laurence-
crescimento e da maturação óssea. O tmpaao tanto do uso do -~loon-Biedl e Prader-Labhan-Wilh).

tamox1feno como dos 1mb1dores da aromatase sobre a estatura • Anorexia nervosa: dLStúrbto ps1qU1átnco com diStorção da
final é mceno. E,·entualmente pode haver sobreposição de pu- imagem corporal e obsessão pela perda de peso. ~ classi-
berdade precoce verdadeira, sendo necessãrio o uso de análogos ficada como h1pogonadtSmo h1pogonadotrófico funCional
do GnRH para inib1r o eLxo auvado pelos esteroides se;>:uais. por ser passh·el de re,·ersão, ass1m como a ativtdade f!sica
O apoio psicoterapeutico em qualquer que seja a causa, excessi,·a e o estresse emoc1onal severo.
direcionado à paciente e à famflia, é imprescindh·el, devendo • Doenças crônicas e desnutrição: perda de peso se,·era,
a questão da prematuridade reproduuva ser cuidadosamen- de até 50%, com compromeumento da produção de gona-
te observada e, se necessário, recomendar a contracepção. O dotrofinas.
abuso sexual é mais frequente com essas pacientes. • Atividade f!sica excessiva: para cada ano de treinamento
O prognóstico depende da etiologia da condição, sendo esportivo extenuante antes da menarca há a correspondên-
reservado nos casos de tumores do SNC, suprarrenais e ová- cia de 5 meses de atraso em seu aparecimento.
rios. Parece haver relação direta entre a idade do inicio do • Hipolireoidismo: pode interferir na maturação óssea e no
tratamento e a preservação da estatura final, não existi ndo crescimento.
impacto negativo sobre a função rep rodutiva.
Hipogonadismo hipergonadotrótico
PUBERDADE TARDIA Decorre de graus variáveis de disfunção gonadal, congêni-
ta ou adquirida, identificando-se hi potálamo e hipó[ise nor-
Conceito
mais, produzindo níveis elevados de gonadotro[inas. Corres-
A puberdade tardia constSte na ausência de sinais de inlcio pende a cerca de 43% dos casos de retardo puberal. O quadro
da atividade ovariana e consequentemente do desenvolvimen-
clinico é variável, dependendo do grau de comprometimento
to de caracteres sexuais secundános em pacientes acima de 13 da atividade ovariana.
anos de idade ou doiS desvios padrões actma do esperado para
As causas mais frequentes são:
a população. A pesquiSa cl!ruca está mchcada também nos ca-
sos de amenorreta pnmána aos 16 anos de idade ou após 3 • Disgenesia gonadal: é a causa mats frequente de htpo-
anos de telarca e quando os s1natS de desenvolvtmento somáti- gonadismo h1pergonadotrófico. Entre as várias alterações
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_/( 102 Seção I Ginecologia

possíveiS, a ma1s frequente é a monossom1a X ou seus mo- • Anamnese: avaliação das curvas de crescimento desde
saiCOS, conhecida como síndrome de Tu me r. Em 60% dos a infância, presença de doenças neurológicas, infecções,
casos o cariólipo é 46,X, 20% são mosaicos e em 20% exis- desnutrição, patolog1as crOnicas, medicamentos, hábitos
te anomalia estrutural do cromossomo X ou Y. Os ovários alimentares, intensidade da atividade física e prática espor-
se apresentam em fita, sem células germinativas. Não há tiva.
produção de estrogênio, o que ocasiona retardo do desen- • Exame fís ico: avaliar peso, estatura, presença e estad ia-
volvimento puberal. A síndrome de Turner é caracterizada mente dos caracteres sexuais secundários, além da identi-
clin icamente por baixa estatura, atraso no desenvolvimen- ficação de sinais de estigmas da slndrome de Turner. Con-
to puberal e alterações somáticas diversas, chamadas de vém avaliar também o percentual de gordura corporal.
estigmas, como implantação baixa das orelhas, do cabelo, • Dosagens hormonais: o diagnóstico definitivo é feito a
pescoço alado, linfedema de palmas das mãos e plantas dos partir da dosagem de gonadotrofinas. Valores elevados m-
pés, tórax em armadura, hipenelonsmo mamáno, cubitus dicam causa periférica, ovariana, enquanto valores baiXos
valgus, quano metacarpiano cuno, malformações unnárias indicam causa central, h1potalãmica ou hipofisãria. Outros
e cardlo,·asculares. Nos casos de mosaiciSmo, como eXISle hormOmos: prolacuna (PRL), TSH, androgêmos.
um grau variável de produção estrogl!nica, o desenvolvi- • Cariólipo: mdicado nos casos de gonadotrofinas elevadas
mento de caracteres sexuais secundários se dará também para diagnóstico das disgenesias gonadais.
de maneira variável, até mesmo com menstruação.
• Após rádio e quimioterapia: a intensidade do comprome- Métodos de imagem
timel1tO ovariano depende basicamente da idade da ado- • Idade óssea: uma diferença superior ou igual a dois des-
lescente na época do tratamento, dos fármacos utilizados e vios padrões entre idade óssea e idade cronológica indica
da duração do tratamento. Sabe-se que quanto mais nova estímulo es1rogenico insuficiente.
a paciente, menor o comprometimento, pois os fármacos • Ultrassonografia: diagnóstico de malformações da genitá-
agem sobre as células em fase de multiplicação, o que é lia interna.
mcomum nos primeiros anos da infância. A proteção dos • Tomografia computadorizada e RM: diagnóstico de alte-
O\'ános deve ser sempre cogitada antes desses tratamentos. rações do SNC.
Pode ser fena com o uso de inibidores do GnRH (conge- • Citologia hormonal: determina a presença de est!mulo
lamento ovariano) ou por meio da transposição Cirúrgica estrogl!mco.
dos ovários, retirando-os do campo da irradiação.
• Ooforite autoimune: situação de destruiÇão do parênqui- Tratamento
ma ovariano pouco comum na puberdade. O tratamento tem por finalidade induzir e manter o de-
senvolvimento puberal, promover o c rescimento até a estatu-
Atraso constitucional do desenvolvimento puberal ra final adequada, garantir a formação de reservas de massa
Nessa situação se observa o retardo global no desenvolvi- óssea e minimizar o impacto psicossocial, adequando a pa-
mento, atingindo ao mesmo tempo altura, idade óssea e puber- ciente física e emocionalmente ao seu grupo etário. Para cada
dade. Deve-se a fatores genéticos, doenças crOnicas e desnULri- etiologia deve ser estabelecido o tratamento adequado, como
ção e corresponde à maioria dos casos de puberdade retardada, radioterapia e cirurg1a nos casos especúicos, abordagem mul-
sendo maiS comum no sexo masculino. As causas são os fatores tidisciplinar nos casos de anorexia e desnutrição etc.
familtares, as doenças crOnicas e a desnutnção. As dosagens de A repos1ção hormonal de,·e ser realizada, simulando-se o
gonadotrofinas são normais para a infãncta e o teste de estimu- processo fisiológico em tres fases:
lo com GnRH é consistente com o padrão pré-púbere. Uma vez
• Primeira: para esumular o desenvolvimento mamário e
afastadas outras causas de puberdade tardia, deve-se esperar
promover o estirão de crescimento inicia-se com pequenas
um desenvolvimento puberal tardio, porém espontâneo.
doses de 0,3mg!dia de estrogênios conjugados ou 2S ~tgl
O retardo puberal ap resenta problemas psicossociais se-
dia de estradioltransdé rmico por um período variável de
cundários à ausência de desenvolvimento dos caracteres se-
6 a 12 meses. Promove-se aumento gradual das dosagens,
xuais secundários, baixa estatura e redução da massa óssea.
até 1,25mgldia de estrogênios conjugados ou 50~g!d ia de
Sedlmeyer e cols. (2002) sugeriram uma possível associação
estradiol transdérmico, monitorando-se a resposta através
entre atraso constitucional do desenvolvimento puberal e dis-
dos caracteres sexuaiS secundários.
túrbio de déficn de atenção. A estatura final tende a ser nor-
• Segunda: promovem-se menstruação regular e mmerali-
mal , embora a maioria dos indivíduos permaneça abaiXO do
zação óssea adequada: 0,625 a 1,25mgldia de estrogl!mos
percenul LO. Não existe impacto sobre a fen1lidade.
conjugados ou 0 ,50 a l .O~g!dia de estradioltransdérmiCO.
Ao prime1ro smal de perda sangufnea ou de acordo com o
Diagnóstico desenvoh'imento puberal, associar 5 a 10mg!dia de acetato
O d1agnóstico objetiva determinar se a condição é tratada de medroxiprogesterona durante 10 a 14 dias domes.
como atraso constitucional do desenvolvimento puberal ou • Terceira: manutenção do desenvolvimento e da regulari-
se representa patologia que precise se r investigada. dade menstrual e do esquema da fase anterior ou se opta
:\.
r
((

Capítulo 13 Puberdade Precoce e Tardia 103

pelo uso do anticoncepcional hormonal oral, de 20 a 3Smg De Luca F, Argente J, Cavallo L et ai. Management of puberty in
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CAPÍTULO (

Sangramento Uterino Anormal


Márcia Cristina França Ferreira

INTRODUÇÃO quentememe associados a alterações uterinas estruturais, como


O sangramento uterino anormal (SUA), a principal causa miomas, adenomiose, pólipos endometriais ou carcinoma en-
de consulta ao ginecologista, é responsável por dois terços de dometrial. O mecanismo de sangramenLO nesses casos está
todas as histerectOmias. Estima-se que acometa até 40% das relacionado com alterações vasculares e angiogênicas do en-
mulheres em todo o mundo. Além de alterar negativamente a dométrio.
qualidade de vida das mulheres, é responsável pelos elevados Complicações de gestação inicial não d iagnosticada tam-
custos financeiros di retos e indiretos. bém podem manifestar-se como sangramentos anormais.
Na pré-menopausa o sangramento é d iagnosticado como O dispositivo intraute rino de cobre está associado ao au-
anormal quando há alteração substancial na frequência, dura- mento de 40% na perda sanguínea menstrual, ao passo que
ção ou volume dos sangramentos menstruais ou entre os perío- usuárias do sistema intraute rino libe rador de levonorgestrel
dos. Na pós-menopausa, qualquer sangramento que ocorra 1 apresentam redução do fluxo ou ameno rreia.
ano após a cessação dos ciclos menstruais é considerado anor- Alterações do eixo h ipotálamo-h ipófLSe -ovário e disfun-
mal e deve ser investigado. ções endometriais podem ser a causa de sangramento anor-
O SUA consiste em sangramento menstrual excessivo com mal. Além disso, sáo citadas também as doenças sistêmicas,
repercussões físicas, emocionais, sociais e materiais na qualidade como as coagulopatias (que se manifestam geralmente na
de vida da mulher. Essa definição inclui os sangramemos classi- adolescência) e os distúrbios tireoidianos.
camente denominados d isfuncionais (anovulatório ou ovulató- Na tentativa de padroniza r a nomenclatura e unifo rmi-
rio), aqueles que têm cauS<'lS estruturais (miomas, pólipos, carci- za r diagnósticos e estudos científicos, a Fede ração Interna-
noma endometrial, complicações de gravidez) e aqueles relativos cional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) propôs em 20 11
a condições sistêmicas (coagulopalias), podendo ainda estar re- a classificação sangramento por causas estruturais e não es-
lacionados com o uso de contraceptivos ou terapia hormonal. truturais (PALM-COEIN) para as etiologias do sangramento.
O sangramento menstrual normal ocorre como um evento O SUA crônico fo i definido como o sangramento do cor-
endometrial universal, auLOlimitado, que se segue à queda dos po uterino anormal em volume, regularidade ou frequên-
níveis hormonais (supressão de estrogênio e progesterona) em cia presente na maio ria dos últimos 6 meses. O acrõnimo
um ciclo ovulatório normal. A queda dos níveis dos esteroides PALM-COEIN inclui nove categorias, sendo o grupo PALM
ovarianos leva à vasoconstrição endometrial, além de secreção compostO por quatro entidades estrutu rais que podem ser
e liberação de diversas enzimas e citocinas envolvidas na de- d iagnosticadas por imagem ou h istopawlogia (pólipo, ade-
gradação do tecido endometrial. O mecanismo é complexo e nomiose, le iomioma e malignidade). O grupo COEIN, por
o rdenado, de modo que uma desregulação dos eventos mo- outro lado, inclui entidades não estrutu rais (coagulopatia,
leculares, celulares e vasculares sequenciais envolvidos pode d isfunção ovulató ria, d isfunção endometrial, iatrogênico e
proporcionar grande variedade de distúrbios menstruais. não classificado), comumente agrupadas sob a denomina-
ção de sangramento disfuncional, exp ressão que tende a
ETIOLOGIA ser abandonada, devendo as mulheres com esse d iagnósti-
O aumento do volume de sangramento menstrual ou a co ser encaixadas em uma das categorias do grupo COEIN
presença de sangramentos a intervalos irregulares sáo fre- (Quadro 14.1).

104
r
((

Capítulo 14 Sangramento Uterino Anormal 105

Quadro 14.1 Classificação PALM.COEIN Sangramento por causas não estruturais (COEIN)
PALM COE IN As coagulopatias podem causar sangramento uterino anor-
Pólopos CoaguiOpatias mal, geralmente c!clico, com frequencia normal e volume e/ou
Adenamiose Owlaçlto
duração aumentados. DLStúrbtos de coagulação devem ser
sempre lembrados em mulheres com htstóna desse upo de
Le101ll10ffl8s Endométrio
sangramento desde a menarca, hemorragta pós-pano, sangra-
Maligrudade latrogenia
mentos excessivos em procedtmentos ctrúrgtcos ou denlãrios
Nào Classífocado ou após trauma e naquelas com htStóna famtliar.
O uso de amicoagulantes, ghcocontcotdes ou tamoxifeno
também pode estar associado a sangramento anormal, assim
Sangramento por causas estruturais (PALM) como doenças sistemicas graves que cursem com msuficien-
Em até 60% dos casos de sangramento anormal pode ser cia renal ou hepáuca.
encontrada anormalidade estrutural associada. Pólipos endo- Os sangramentos por dtStúrbtos ovulatórios são encomra-
metriais são encontrados em I0% a 30% das mulheres com dos em pacientes com slndrome de ovários policlsticos (SOP)
SUA e sua remoção é frequentemente indicada para tratamen- ou nos extremos da vida reprodutiva. A exposição continua ao
to do sintoma e exclusão de malignidade. Entretanto, até 10% estrogênio e a ausência de progesterona, que limita o cresci-
das mulheres assintomáticas aprese ntam pólipos endome- mento do endométrio e determina sua descamaçâo periódica,
triais que podem regredi r espontaneamente. A prevalência de propiciam aumento da espessura endometrial e fragilidade vas-
hiperplasia ou câncer nos póli pos é baixa, especialmente nas cular, além de vasodilatação e angiogenese desregulada, altera-
mulheres em pré-meno pausa, nas assintomáticas ou naquelas ções que causam sangramentos desordenados, não uni formes e
ctu o tamanho da lesão é peque no (<l8mm). irregulares do endométrio. Os nlveis altos e persistentes de es-
A adenomiose é diagnóstico controve rso e há incertezas trogênio levam a grandes perlodos de amenorreia, seguidos por
quanto à sua associação com SUA e dismenorreia, até mes- sangramento agudo, profuso e em grande quantidade. Trata-se
mo quanto aos posslveis mecan ismos envolvidos. Essas do fenômeno anteriormente chamado de sangramento por rup-
dúvidas, em muitos casos, se onginam dos diferentes crité- tura de estrogênio.
rios diagnósucos utilizados nos estudos e da diversidade de O sangramemo onginado por dLSfunção endometrial é carac-
apresentações. terizado por episódios de perda menstrual acentuada e dclica.
A assoctação entre miomas e SUA é frequente, sobretudo Os mecanismos causadores desse tipo de sangramento aumenta-
quando são submucosos ou dLStorcem a ca\'idade uterina, do ainda não estão bem estabeleodos, mas parece haver dLSfun-
em vmude do aumento da vasculanzação nesses locais e da ção dos mecanismos que controlam o volume de sangramento:
fragtlidade dos vasos. Embora os mtomas submucosos sejam a vasoconstrição e a hemOSLaSta. O gmecologtSLa deve ter sempre
sabidamente causa de SUA, a relação de mtomas subserosos e essa categoria citagnÓSllca em mente, mas dtfictlmente terâ a con-
intramuratS com sangramentos é menos eVldente. firmação dessas alterações parâcnnas no endométno.
Hiperplasta e cãncer de endométno são causas importan- Os sangramentos duos tatrogemcos são provenientes pri-
tes de SUA e podem acontecer na pós-menopausa ou na me-
mariamente do uso de medtcamentos hormonats e antico-
nacme, e a hiperplasta endometnal pode ser simples, comple-
agulantes. A adrrunLStração prolongada de progestogenios de
xa ou at!pica. A real inctdencia em mulheres não usuárias de
modo continuo pode levar a eptS6dios de sangramento in-
hormônios é desconhecida, mas supostamente se aproxima
termitente de duração variável. já a retirada (supressão) do
de 1%, ao passo que essa Laxa nas mulheres com sangramento
estimulo progestogênico (seja por remoção do corpo lúteo,
é de cerca de 5%. O uso de estrogenio isolado au menta o risco
seja por suspensão da administração de agente progestínico)
de hiperplasia endometrial, enquanto a ad ição de progestero-
leva à descamação do endométrio previameme proliferado
na anula esse aumento.
po r estrogênio endógeno ou exógeno.
Sangramentos ocorrem em 5% das mulheres na pós-me-
nopausa sem LLSO de terapia hormonal (TH). O uso de TH es-
trogênica ou estro progestlnica aumenta a probabilidade de DIAGNÓSTICO E AVALIAÇÃO DA PACIENTE COM SUA
sangramento irregular. A importância da investigação nesse Os estudos mostram que a percepção da paciente de san-
grupo de pacientes reside na possibilidade de haver cânce r gramento aumentado ou irregular não é objetivamente con-
de endométrio, embora as patologias benignas sejam muito firmada em 50% dos casos, o que, somado à notória diver-
mais frequentes. gência entre os médicos quanto aos termos classicamente
Os fatores de risco para câncer endometrial são idade >40 usados para defmir os padrões de SUA (p. ex., menorragia,
anos, obesidade, diabetes, ciclos anovulatórios, nuliparidade, metrorragia, hipermenorreta, pohmenorreia), tem molivado
infenihdade, uso de tamoxtfeno e história familiar. Como um a recomendação atual de que essas designações sejam aban-
em cada quatro casos ocorre em mulheres na pré-menopausa, donadas e passem a ser utilizados termos descrili\'OS e parâ-
a biópsta de endométno deve ser indicada para pacientes de metros mais objeUvos na classificação do sangramento (Qua-
risco elevado, com sangramento anormal mesmo na presença dro 14.2), levando sempre em constderação a repercussão na
de rruomas (classe de recomendação B). qualidade de vtda.
/.

'
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') 106 Seção I Ginecologia

Quadro 14.2 Paramêtros para quantificação e classificação dos memo de massas pélvicas, como a miomawse uterina, podem
sangramentos uterinos
ser detectadas ao toque bimanual.
Parâmetros Termos descritivos Limites (normal P5-P95) Antes de qualquer outra propedêutica complementar, o
Frequência (dias) Frequente <24 clínico deve excluir sangramentos relacionados com a gravi-
Normal 24a38 dez. A dosagem de fração ~ da gonadotrofina coriônica hu-
lnfrequente >38 mana (~-HCG) é necessária para a exclusão de causas obsté-
Regularidade Ausente - tricas de sangramento genital. O hemograma também deve
(em 12 meses) Regular Variação ± 2 a 20 dias
Irregular Variação > 20 dias
fazer pane da avaliação de tOda paciente com SUA (classe de
recomendação C).
Duração do fluxo Prolongada >8
(dias) Normal 4.5 a 8,0 As dosagens de hormônios tireoidianos devem ser solicita-
Curta <4,5 das mediante suspeita clínica. Da mesma maneira, as provas
Volume de perda Intenso >80 de coagulação são indicadas para pacientes com sangramento
mensal (ml) Normal 5a80 aumentado desde a menarca ou na presença de história fa-
Leve <5 miliar de coagulopatias, não devendo ser solicitadas rotinei-
ramente dosagens de gonadotrofmas e esteroides ovarianos
(classe de recomendação C).
Classicamente, volume >80ml de sangue é considerado As mulheres com sangramento intermenstrual ou pós-coito
anormal no período menstrual. No entanto, a quantificação com dor pélvica associada e idade >45 anos têm mais proba-
do SUA é tecnicamente d ifícil. Podem ser utilizados o mens- bilidade de apresentar doenças estruturais ou risco de câncer
trual cup ou os métodos de mensuração indireta, como o Pie- de endométrio. Essas mulheres, assim como as que apresen-
tonal Blood Loss Assessment Chart (PBAC), que pontua cada tam falha de tratamento farmacológico, achados sugestivos de
absorvente trocado durante l dia e soma as pontuações diá- causa estrutural ao exame clinico ou outra situação de risco
rias do período menstrual. Nesse sistema, a pontuação >185 para neoplasia, têm indicação de propedêutica complementar
sugere perda sanguínea >80ml. Entretanto, o uso desses dis- específica para causas estruturais. A avaliação deve ser feita
positivos fica restrito a contextos de pesquisa clínica (classe em primeiro lugar por ultrassonografia transvaginal (USTV).
de recomendação D). Nos casos inconclusivos, deve ser indicada histeroscopia com
Além de tentar caracterizar bem o sangramento , é preci- biópsia d irigida.
so dete rminar o impactO do sangramento e proceder à ava- A USTY, amplamente utilizada como primeira linha de in-
liação clínica para selecionar as mulheres que necessitam de vestigação (classe de recomendação A), apresenta boa acurá-
propedêutica complementar. Recentemente foi proposta urna cia para o diagnóstico de pólipos e miomas, além de também
abordagem pelo grupo HELP (Heavy menstrual bleeding: Evi- promover a avaliação da espessura endometrial, que pode
dence-based Learningfor best Practice), que se baseia na avalia- estar aumentada em quadros de h iperplasias ou carcinomas
ção da gravidade dos sintomas e no d irecionamento para as do endométrio, selecionando as pacientes com indicação para
principais causas. biópsia e tendo as vantagens de ser método nào invasivo e
A avaliação do impactO do sangramento pode ser fe ita por amplamente d ifundido. A histerossonografia aumenta a sen-
me io de perguntas sobre os efeitos sociais do sangramento na sibilidade para a detecção de massas, como pólipos e miornas
vida diária (organização de atividades fora do período mens- (classe de recomendação C).
trual , medo de acidentes relacionados com o sangramento), A h isteroscopia possib ilita a avaliação direta da cavidade
os efeitOS físicos (presença de grandes coágulos, fraqueza, fal- endometrial, além do tratamento de alterações estruturais in-
ta de ar) e a quantificação do sangramento (trocas noturnas tracavitárias, havendo estudos que mostram que a histerosco-
de absorventes, transbordamento). pia d iagnóstica é método de alta acurácia para o d iagnóstico
O exame clínico geral se inicia pela história clínica voltada de anormalidades da cavidade uterina, incluindo pólipos e
para identificação da natureza do sangramento, observação miomas submucosos, devendo ser usada quando os achados
das mucosas e avaliação das expectativas da mulher (neces- do ultrassom são inconclusivos ou para localizar lesões focais.
sidade de contracepção, desejo de gravidez, uso de medica- A biópsia de endométrio, o padrão-ouro no diagnóstico
mentos hormonais). das hiperplasias e neoplasias de endométrio, deve ser feita em
O exame físico ginecológico completo deve ser realizado mulheres com mais de 45 anos, com sangramento intermens-
em wdas as pacientes com SUA, incluindo avaliação da pres- trual persistente, naquelas com fatores de risco para câncer
são arterial e da frequência cardíaca, palpação abdominal, de endométrio ou quando o tratamento falha (classe de reco-
exame especular e toque bimanual. mendação D). Pode ser realizada por d iversos métOdos, em
Os quadros de anovulação podem ser suspeitados a partir ambiente ambulatorial, sem a necessidade de procedimentos
de achados clínicos, como hirsutismo e acne (sugerindo ano- anestésicos. Entre as técnicas disponíveis, a mais estudada é
vulação h iperandrogênica), queda de cabelo, edema e pele a biópsia com Pipelle, aleatória, mas que também pode ser
seca (hipotireoidismo). Lesões cervicais, pólipos que se exte- dirigida por histe roscopia. Estudos mostram que a b iópsia
riorizam pelo canal ou miomas paridos podem ser detectados aleatória com cureta de Novak tem baixa sensibilidade para
ao exame especular, e as doenças que cursam com apareci- o diagnóstico de lesões focais, como pólipos e miomas, ao
:\.
r
((

Capítulo 14 Sangramento Uterino Anormal 107

passo que a histeroscopia d iagnóstica isoladamente pode não ção endometrial prolongada e intensa perda sanguínea. No
d iagnosticar casos de hiperplasia de endométrio. controle do episódio agudo, a terapia é administrada sob
Na pós-menopausa, a investigação deve considerar forte- a fo rma de uma pílula duas vezes ao dia , por 5 a 7 dias.
mente a existência de substrato anatômico. O uso de TH deve O nuxo cessará nos p rimeiros d ias. Em seguida, devem ser
ser avaliado, uma vez que aumenta a chance de sangramento, investigadas as causas de anovulação e as tendências hemo r-
além de o estrogênio isolado aumentar o risco de hiperpla- rágicas (20% das hemorragias em adolescentes se devem a
sia e de cânce r endometrial. Embora nesses casos o achado coagulopatias). É preciso avalia r a necessidade de reposição
de endométrio <4 a 5mm à ultrassonografia tenha alto valor sanguínea ou de terapia com ferro. Dois a 4 dias após sus-
preditivo negativo (>99,5%) para cânce r de endométrio, o pensão da pílula pode haver nuxo intenso e com cólicas.
método não é indicado para rastreamento em pacientes em No oitavo dia após a suspensão é administrada inicialmente
pós-menopausa sem sangramentos (assintomáticas). uma pílula anticoncepcional de combinação cíclica de baixa
Na ausência de indicações de propedêutica complementa r dosagem, visando restau rar a espessu ra normal do endomé-
específica deve-se iniciar tratamento o mais breve possível. trio. Estudos mostram que a pílula anticoncepcional tem efi-
cácia semelhante à de ácido mefenâmico, danazol e agentes
TRATAMENTO anti-innarnatórios no tratamento do sangramento menstrual
aumentado.
O tratamento do sangramento anormal pode ser clínico ou
cirúrgico (Quadro 14.3), dependendo de sua origem, e visa
reduzir o sangramento e melhorar a qualidade de vida das Terapia estrogênica
pacientes. Para episódios de sangramento agudo volumoso, pode-se
prescrever estrogênio em altas doses (estrogênios conj ugados
Tratamento clínico 2,5mg VOa cada 4 horas, até cessar o sangramento ou até a
O tratamento farmacológico deve ser conside rado quando administração de três doses). Em caso de sangramento me-
não há anormalidades h isLOlógicas ou estruturais ou quando nor, podem ser prescritas doses orais menores de estrogênios
não há miomas >3cm ou que causem d isto rção da cavidade (l ,25mg de estrogênios conjugados por 7 a lO dias). A terapia
uterina (classe de recomendação D). Deve-se avaliar a neces- estrogênica precisa ter a dose gradualmente reduzida e pos-
sidade de contracepção ou o desejo de gravidez, assim como a teriormente seguida pelo uso de substância progestínica para
presença de contraindicações ao uso de estrogênio. As opções regularização do ciclo endometrial. O controle a longo prazo
de tratamento estão sumarizadas no Quadro 14.3. pode ser obtido com terapia estrop rogestinica sequencial ou
mesmo com combinados o rais.
Terapia progestínica
Urna vez excluída a doença uterina, agentes progestínicos Agentes antifibrinolíticos
são úteis para controlar sangramentos anormais. São potentes Esses agentes são mais efetivos do que placebo, anti-inna-
antiestrogênicos, ocasionando fenômenos antimitóticos e an- rnatórios não esteroides e progesterona oral na fase lútea para
ticrescimento sobre o endométrio. No tratamento de sangra- a d iminuição do sangramento menstrual aumentado. Entre-
mentos ano rmais por ciclos anovulatórios, esses agentes são tanto , a longo prazo, o tratamento com contraceptivos orais,
usados por 2 semanas ao mês. progestOgênios ou sistema intrauterino liberado r de levonor-
O uso cíclico de progeswgênios orais acarreta sangramen- gestrel é geralmente mais eficaz.
LO após sua interrupção, fenômeno conhecido por "curetagem
clínica" ou "química", sendo opção para o tratamento das hi- Anti-inflamatórios não esteroides (AINE)
perplasias de endométrio sem atipias.
A eficácia dos AINE na redução de sangramento aumen-
Terapia anticoncepcional combinada tado parece ser comparável à do uso de progeswgênios cícli-
cos ou anticoncepcionais orais combinados, mas são menos
Esse tratamento estã indicado para mulheres j ovens com
efetivos do que o ácido tranexãmico ou o danazol. Não há
sangramento anovulatório, que pode associar-se a prolifera-
diferença entre o ácido mefenâmico e o naproxeno. Embo ra
o mecanismo de ação seja ince rto, os AINE são eficazes em
Quadro 14.3 Opções de tratamento clinico e cirúrgico
reduzir o sangramento aumentado e a dismenorreia em usuá-
Opções não Tratamento hormonal Tratamento clnirglco rias de DIU de cobre.
hormonals
AINE Progestogênios Ablação endometrial Danazol
(SIU, orais, injetáveis)
O danazol parece ser mais efetivo do que AINE, contra-
Ácido tranexâmico Acetato de ulipristal Miomectomia/ ceptivos hormonais o rais, progeswgênios e placebo; entre-
polipectomia
tanto , os estudos são escassos. O principal fatO r limitante
Anticoncepcionais orais Embolização de para o uso clín ico do danazol é o pe rfil de efeitOS colaterais,
combinados artéria uterina
os quais são significativamente mais comuns do que com
Análogos de GnRH Histerectomia
outras med icações.
/.

'
'/:
') 108 Seção I Ginecologia

0/U de Jevonorgestre/ Ely JW, Kennedy CM, Clark EC, Bowdler NC. Abnormal uterine blee-
ding: a management algorithm. J Am Board Family Medicine.
O DIU de levonorgestrel é mais efetivo do que a noretistero- 2006; 19(6):590-602.
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gramemo menstrual aumentado, mas as usuárias podem apre- logy. Endometrial bleeding. Human Reproduction Update 2007;
sentar mais efeitOS colaterais, como sangramemo intermenstrual 13(5):421 -3 1.
Farquhar C, Brown J. Oral contraceptive pill for heavy menstrual
e mastalgia nos primeiros 3 meses após a inserção. Após o sexto
bleeding. Cochrane Database of Systematic Reviews. In: The Co-
més, os resultados são semelhantes aos da termoablação (técni- chrane library 2010; 4.
ca de segunda geração para destruição endometrial) na redução FEBRASGO, SCB, AMB, CFM. Rastreamento, d iagnóstico e trata-
do sangramento, não havendo diferença na taxa de satisfação mento do carcinoma do endométrio. Projeto Diretrizes, 2001 .
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ter study. Am J Obstet Gynecol 2009; 200:235.e 1-235.e6.
Análogos de GnRH Fraser IS et ai. Can we achieve international agreement on terminolo-
Induzem menopausa química transitória , podendo cessar gias and definitions used to describe abnormalities of menstrual
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Hurskainen R, Grenman S, Komi I, Kujansuu E, Luoto R, Orrainen
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Tratamento cirúrgico flammatory drugs for heavy menstrual bleeding. Cochrane Data-
O procedimento ci rúrgico está indicado para o tratamento base of Systematic Reviews 2010; 4.
Lethaby A, Cooke I, Rees MC. Progesterone or progestogen-relea-
de causas estruturais e neoplasias, além dos casos em que há
sing intrauterine systems for heavy menstrual bleeding. Cochrane
falha do tratamento clínico e não há desejo de preservação da Database of Systematic Reviews. Cochrane Database of Syste-
fertilidade. matic Reviews 2010; 4.
Para o tratamento dos sangramentos associados a miomas Lethaby A, Farquhar C, Cooke I. Antifibrinolytics for heavy menstrual
grandes (>3cm), submucosos ou distOrcendo a cavidade en- bleeding (Cochrane Review). The Cochrane Library 2007; lssue 4.
Lethaby A, Shepperd S, Farquhar C, Cooke I. Endometrial resection
dometrial , podem ser realizadas intervenções como emboli- and ablation versus hysterectomy for heavy menstrual bleeding.
zação de artéria uterina, miomectomia (por via histeroscópica Cochrane Database of Systematic Reviews 2010; 4.
ou abdominal) ou histe recwmia. O tratamento prévio com Livingstone M, Fraser IS. Mechanisms of abnormal uterine bleeding.
análogos de GnRH é aconselhável em caso de aumento signi- Human Reproduction Update 2002; 8( 1):60-7.
ficativo do volume uterino ou anemia. Marjoribanks J, Lethaby A, Farquhar C. Surgery versus medicai the-
rapy for heavy menstrual bleeding. Cochrane Database of Syste-
A ablação histeroscópica do endométrio o ferece urna alter- matic Reviews 2010; 4.
nativa de alta eficácia às mulheres sem anormalidades da cavi- Munro MG, Critchley HO, Fraser IS e Group FIGO Menstrual Disorders
dade uterina e promove redução de fluxo semelhante àquela W01l<ing. The FIGO classification of causes of abnormal uterine blee-
obtida com o sistema intrauterino liberador de levonorgestrel ding in the reproductive years. Fertil Steril jun 2011; 95(7):2204-8.
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(classe de recomendação B). Estudos mostram que quase um Progresos de Obstetricia y Ginecologia, 2013; 56(10):535-46.
quarto das pacientes é submetido a histerecwmia nos prime i- Royal College of Obstetrics and Gynecology/National lnstitute Health
ros 4 anos que se seguem à ablação endometrial. and for Clinicai Excelence. Heavy Menstrual Bleeding. National
A histerecwmia não deve ser a primeira linha de tratamen- Collaborating Centre for Women's and Children's Health- Clinicai
Guideline 2007.
to, devendo ser o ferecida quando outras opções falham, são
Silva Filho AL et ai. Sangramento uterino anormal: proposta de abor-
contraindicadas e a paciente não deseja prese rvar a fertilidade dagem do grupo Heavy Menstrual Bleeding : Evidence-Based
(classe de recomendação C). Está associada a maior tempo Learning for Best Practice. Femina 2015; 43(4).
cirú rgico, maior frequência de complicações e mais tempo Singh S, Best C, Dunn S et ai. Clinicai practice - Gynaceology Com-
até o retorno às atividades quando comparada à ablação de mittee. Abnormal uterine bleeding in pre-menopausal women. J
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CAPÍTULO (

Síndrome da Tensão Pré-menstrual


Francisco de Assis Nunes Pereira
João Oscar de Almeida Falcão Júnior

CONCEITO FISIOPATOLOGIA
A síndrome da tensão pré-menstrual (STPM) se caracteriza Numerosas h ipóteses são propostas, mas a real causa fisio-
pelo aparecimento cíclico de um ou mais sintomas no período patOlógica ainda não está completamente elucidada.
pré-menstrual com intensidade que pode ser leve ou capaz de Os hormônios estrogênio e progesterona desempenham
afetar a qualidade de vida, seguido por um período comple- papel dominante na fisiologia e homeostase do corpo femi-
tamente assintomático. Os sintomas mais frequentemente en- nino. Mais recentemente se reconheceu que a Outuação nos
contrados são d istensão abdominal, tensão ou ansiedade, sensi- níveis desses ho rmônios desempenha papel crucial na função
bilidade mamária aumentada, crises de choro, depressão, fa- e no desenvolvimento neurológico e psicológico, o que pro-
diga, falta de energia, raiva ou irritabilidade não provocadas, move impactOs na função cerebral, cognição, status emocio-
dificuldade de concentração, mudanças nos padrões de sede e nal , processamento sensorial, apetite, entre outros.
apetite e variados graus de edema das extremidades, usualmen- Os sintomas componamentais da STPM estão possivelmente
te ocorrendo nos últimos 7 a 1O dias do ciclo menstrual. relacionados com respostaS de centros cerebrais a fatores ovaria-
nos. Foi sugerido que mudanças nos níveis de estrogênio e pro-
gesterona durante a fase folicular e periovulatória teriam inOuên-
EPI DEMIOLOGIA cia no aparecimento dos sintomas na fase lútea. Particularmente,
A STPM se expressa sob as mais discretas fo rmas até as o aumento na gravidade dos sintomas se associou aos níveis
mais graves e acomete 80% das mulheres no período repro- aumentados de estradiol e diminuídos de progesterona na fase
dutivo. A síndrome se apresenta, na maioria das vezes, em sua lútea, mas esses achados não são confirmados em outros estudos.
forma leve e não inte rfere no cotidiano das mulheres acometi- Mais recentemente foi demonstrado que baixos níveis de
das, mas em suas fo rmas moderada e grave, que ocorrem em metabólitos da progesterona neuroalivos no sistema nervo-
até 14% e 10% das mulheres, respectivamente, pode causar so central (SNC), tais como 3-alfa-h idroxi-5-alfa-diidropro-
problemas limitantes nas esferas pessoal e inte rpessoal. As gesterona e 3-alfa-5-alfa-tetra-hidrodeoxiconicosterona, são
formas mais graves de STPM são conside radas d istúrbio dis- correlacionados com a STPM. Esses compostos apresentam
fórico pré-menstrual (DDPM) e nesse grupo existe também propriedades ansiolíticas, analgésicas e anestésicas e intera-
tendência ao suicídio. gem com os receptores ácido gama-aminobutírico (GABA).
Os sintomas p ré-menstruais podem começar em qualque r Entretanto, existem evidencias abundantes de que os sinto-
idade após a menarca, com início mais frequentemente na mas comportamemais da STPM estão parcialmente associados
adolescência até a casa dos 20 anos. Em geral, as mulheres a distúrbios da condutividade se rotoninérgica. Em mulhe res
que buscam o t ratamento estão na faixa dos 30 anos. Os sin- po rtadoras de STPM, agonistas serotOninérgicos são efetivos
tOmas apresentam remissão com a menopausa. Embora não no alívio da irritabilidade, depressão e ansiedade.
ocorram necessariamente em todos os ciclos, os sintomas es- Acredita-se que alterações na atividade da aldosterona, le-
tão presentes na maioria, podendo se r mais intensos em al- vando à retenção de sódio e água, possam explicar a distensão
guns meses; as mulhe res apresentam piora com a idade. abdominal e o edema de membros inferiores. São também re-
Há uma correlação significativa entre os sintomas mens- latadas como fatOres de risco para STPM as dietas com déficit
truais em filhas e mães e entre irmãs. de cálcio, magnésio e pi ridoxina.

109
/")/;
_!( 110 Seção I Ginecologia

Alguns autores acreditam que os sintomas pré-menstruais • Os sintomas devem estar exclusivamente associados ao ciclo
poderiam ser innuenciados por crenças culturaLS e sociais que menstrual, não podendo representar apenas a exacerbação
condicionariam a vLSâo da menstruação com uma conotação de sintomas presentes durante todo o ciclo menstrual.
negativa. • Os sintomas devem ser confirmados prospecu,·amente nos
próximos dois c1clos menstruaLS.

DIAGNÓSTICO É também imponante fazer o d1agnósuco d1ferenc1al com


Segundo o Amencan College of Obstetnc1ans and Gyne- outras doenças crõmcas, como enxaquecas, ep1lepsias, asma,
cologists (ACOG), o d1agnósuco da STPM é exclusivamente síndrome do intesuno 1mtável, d1abetes, alergtas e doenças
clrnico e se base1a no preenchimento dos seguintes critérios: autoimunes que podem ter seus smtomas p1orados durame o
os sintomas e sinais a segu1r devem ser exclusivos da fase período menstrual. D1stúrb1os tireoldtanos, anemias e altera-
lútea tardia, devendo ser recorrente o achado de mais de um ções eletrolrticas também tem sintomas s1milares, sendo reco-
dos seguintes sinais e sintomas: mendável a reahzação de anáhse do hormOn1o estimulador da
Lireoide (TSH) e hemograma completo como parte da rotina
• Somá ticos: edema, ganho de peso, mastalgia, distensão ab- de investigação diagnóstica.
dominal, cefaleia e alteração do sono e do apetite, princi-
palmente dirigida para ingestão de carboidratos.
TRATAMENTO
• Psíquicos: dep ressão, tensão, labilidade emocional, ansie-
dade, irritabilidade, 11ervosismo e esquecimento. Tratamento não farmacológico
• Comporta mentais: agressiviclacle, isolame nto social, sen- Dieta
sação ele irracionalidacle e ten tativa ele suicldio. A diminuição da ingestão de açúcar, cafelna ou sal pode ser
benéfica para mulhe res com TPM leve a moderada. Emretan-
Quadros mais graves da STPM podem ser caracterizados to, essa medida merece ser mais bem estudada antes de sua
como slndrome disfórica pré-menstrual (SDP). Segundo a So- adoção na prática clínica diária.
ciedade Americana de Psiquiatria (DSM-V), para o diagnós-
tico de SDP devem estar presentes cmco dos seguintes sinto- Exercícios físicos
mas na maioria dos ciclos menstruais no último ano (sendo Estudo randomizado com 61 pacientes mostrou melho-
pelo menos um dos quatro pnme1ros): ra dos sintomas da STPM em pacientes que reahzaram ati-
• Humor marcantemente deprim1do, senumentos de deses- ,·idades físicas moderadas a intensas em comparação com
perança ou pensamentos autodepreciau,·os. pacientes que reahzaram atividades le"es no perlodo de 6
• Ansiedade marcante, tensão, senumento de estar •no limite". semanas.
• lmponante lab1hdade afell\'3 (senumento de tristeza súbita
Psicoterapia
ou aumento de sensib1hdade a reJeição).
• I rritabHidade ou ra1va marcantes e persistentes ou aumen- A clinica da STPM tem forte hgação com aspectos emocio-
to de connnos mterpeSSOaiS. nais, o que levaria a pensar que a ps1coterap1a pudesse ajudar
• DiminUição do interesse nas all\~dades habituais. na redução dos sinais e sintomas. Entretanto, a literatura care-
• Sensação subjeuva de dificuldade de concentração. ce de boas evidências que compro\'em a eficác1a dessa forma
• Letargia, faligabihdade fácil e falta marcante de energia. de tratamento.
• Mudança marcante de apetite, excesso de alimentação ou
distúrbios ahmentares. Acupuntura
• Sonolência ou insônia. Apesar de existirem algumas evidencias da eficácia do uso
• Sensação subjetiva de estar sobrecarregado ou fora de con- de acupuntura no tratamento da dismenorreia, são poucos
trole. os relatos sobre seu uso no tratamento da STPM. Alguns pe-
• Outros sintomas frsicos (mastalgia, cefaleia, dores muscula- quenos estudos mostraram melhoras nos sintomas quando a
res, distensão abdom inal, sensação de inchaço ou ganho acupuntura foi comparada com o placebo.
de peso).
Segundo o DSM-V, o diagnóstico da SDP deve incluir ainda:
Tratamento farma cológico
Apesar de se poder contar atua lmente com alguns medi-
• Os sintomas devem não só estar presentes na maior pane camentos de eficác ia comprovada no tratamento da STPM,
do tempo da última semana da fase lútea, como também nenhum é eficaz para todas as pacientes. Cabe ao clinico,
devem começar a regredir dentro de poucos dias após o mediante avaliação detalhada das particularidades cllmcas
inicio da menstruação e estar ausentes na semana seguime de cada paciente, indicar a melhor estratégia a ser adotada
da menstruação. inicialmente. Consultas de segu1mento devem ser realiza-
• Os sintomas de,·em ser gra''CS o bastante para interferir sig- das regularmente no acompanhamento da pac1ente para
nificauvamente com a função social, ocupaaonal, se>.'Ual ou que se identifiquem as necessidades de aJUStes no trata-
escolar. mento.
r
((

Capitulo 15 Síndrome da Tensão Pré-menstrual 111 \

Tratamento hormonal Tratamento não hormonal


Contraceptivos orais combinados lnibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS)
Além da óbvia ação conuacepth·a, os contraceptivos orais Os lSRS usados continuamente ou somente na fase lútea
combmados (COC) têm sido usados atualmente com uma são efetivos no tratamento das formas graves de STPM (OR
série de outros benefícios secundários, como d iminuição do 0,28, !C 95%0,18 a 0,42 e OR 0,55, !C 95% 0,45 a 0,68, res-
risco de câncer de ovário, endométrio e colorretal, no trata- pectivamente). O Food anel Drug Administration (FDA) libera
mento da endometriose, sangramento uterino anormal, dis- atualmente com esse objetivo a Ouoxelina (20 a 60mg!clia) e a
menorreia e também da STPM. sertralina (50 a 1SOmg!dia). Os efeitos colaterais mais comuns
O uso das pllulas no tratamento da STPM se fundamenta são insônia, fadiga, distúrbios gastrointeslinais e diminuição da
no bloqueio da formação do corpo lúteo e, portanto, da alta libido. A paroxetina (20 a 30mg!dia), o citalopram (20 a 30mg!
produção de progesterona pelo ovário, o que v:u ao encontro dia), a venlafax1na (30 a 90mg!dia) e a clonupramina (50 a
da fis1opatologia da condição. 75mg!cha) também são eficazes no tratamento da STPM grave.
E.xiStem expressh·o número de coe no mercado e poucos Resultados de uma metanálise confirmaram a eficác1a dos
ensa1os dlnicos controlados empregando esses compostos no ISRS no tratamento da STPM gra,·e. Na anãhse pnmâna,
tratamento da STPM. O efeito terapêuuco depende não só da incluindo dados de 2.294 mulheres, o uso de ISRS f01 alta-
anovulação, mas também do tipo do progestogtnio utilizado. mente eficaz na redução global dos sintomas (SMD -0,53,
O uso do regime estendido parece obter melhores resultados !C 95%: 0,68 a -0,39; P < 0,00001) Em análise secundá-
do que o regime com pausa mensaL ria, encontrou-se e ficácia no tratamento dos si ntomas físicos
O COC que contém etinilestradiol (EE) associado a 3mg (SMD -0,34, IC 95%: -0,45 a - 0 ,22 ; P < 0 ,00001), fun-
de clrospirenona (DRSP) apresenta mecanismos de ação que cionais (SMD -0,30, IC 95%: - 0 ,43 a -0,17; P < 0,0000 l)
promovem a melhora ela STPM. A DRSP é um progestogênio e comportamentais (SM D -0,41, !C 95%: -0,53 a -0,29;
com efeitos antianclrogênico e antimineralocorticoide. E sabi- p < 0,00001).
do que a progesterona exerce efeito natnuréuco por ocupar A adnunisuação dos ISRS apenas na fase lútea e a admmis-
os receptores dos mineraloconíc01des e que estrogênios na- uação durante todo o ciclo menstrual foram igualmente efi-
tUraiS e smtéticos induzem a retenção de sód1o e água; logo, cazes. Todos os ISRS a\-ahados (nuoxelina, paroxeuna, sertra-
o progestogêmo ideal seria aquele que contrabalançasse esse lina, OU\·oxamma, Cltalopram e clomiprarnina) foram eficazes
efeito dos estrogênios. ~esse aspecto, a DRSP tem o perfil na redução dos smtomas.
farmacológico similar ao da progesterona natural e seu efeito Os reg1mes de uso continuo ou apenas durante a fase lútea
diuréuco é oito vezes mais potente do que o da espironolac- foram avaliados em revisão sistemática e não apresentaram
tona (3mg de DRSP encontrada em cada pllula correspondem diferenças na resposta terapêutica no tratamento da sfndrome
a 25mg de espironolactona). pré-menstrual.
O EE d os COC ativa o sistema renina-angiotensina-aldos- O trabalho que avaliou a eficácia da sertralina no tratamen-
terona e, como consequêncía, promove rete11ção de sódio e to da STPM investigou se a associação com COC melhoraria
água. Ao usar uma pílula que contenha progestogtnio natriu- os resultados e não encontrou diferenças.
rético como a DRSP, estar-se-á antagonizando os efeitos do
estrogtnio da pllula. Cálcio
Vários estudos encontraram evidências de eficácia dos COC
Existem e\•idtnc1as de eficácia do cálcio na redução dos
comendo DRSP no tratamento da STPM. Uma metanãlise in- sintomas da STPM. Do1s estudos randomizados controlados
dwu cinco estudos em um total de 1.600 mulheres. Na com-
(33 e 466 pacientes), comparando 1.000 e L200mg de cálc1o
paração com o placebo, as paáemes que receberam pllula con-
com placebo, encontraram redução significativa nos sintomas
tendo DRSP e 20!lg de EE apresentaram menos sintomas de da STPM após trts ciclos de tratamento. O cálcio melhorou o
STPM grave após 3 meses de tratamento (WMD -7 ,83; IC 95%:
afeto negativo, a retenção de líquido , os desejos alimentares e
-10,91 a-4,75).
a dor. No primeiro estudo, os pacientes que receberam cálcio
O grupo da EE apresentou melhorias no prejuízo da pro-
tiveram 73% ele melhora em comparação com 15% no place-
dutividade (WMD - 0,42 ; lC 95%:-0,64 a -0,20), atividades
bo. No segundo estudo, a melhora foi de 48% x 30%.
sociais (WMD -0,39; 95%: - 0,62 a -0,15) e relacionamentos
(WMD -0,38; lC 95%: -0,61 a - 0,51). Os efeitos colaterais
mats comuns nas usuárias de pílulas foram náuseas, sangra-
Magnésio
mento intermenstrual e mastalgia. O estudo que comparou o As evidências para o magnésio ainda são escassas. Dois
uso de COC comendo 3mg de DRSP com 150mg de levonor- estudos random1zados controlados, comparando o magnéSIO
gestrel encontrou maior redução dos smtomas no grupo que com placebo, têm ba1xa precisão em razão da pequena amos-
usou DRSP. tra estudada e curta duração do tratamento. O pnme1ro (N ~
28) demonstrou redução nos escores da STPM. O segundo
Progesterona e progestínicos demonstrou redução nos sintomas de retenção de llqu1do em
Nào há evidências do beneficio ou não da progesterona ou dois pontos, em uma escala de 80 (P <0,009) em 2 meses de
de progestfnicos no tratamento da STPM. tratamento, mas se m diferença nos escores totais.
/.

'
'/:
') 112 Seção I Ginecologia

Piridoxina Curcumina
Uma metanálise da p iridoxina , com doses va riando de 50 Presente no açafrão, a curcumina manipulada em doses de
a 600mgfdia no tratamento da STPM, encontrou melhora 100mg e utilizada a cada 12 horas diminuiu a incidência de
nos escores de STPM ent re as usuá rias (OR 2,32, JC 95%: sintomas comportamentais e emocionais da STPM em estudo
1,95 a 2,54). Vários dos estudos incluídos não apresenta- randomizado controlado por placebo.
vam boa qualidade metOdológica. Dois estudos randomiza-
dos controlados não encontraram resultados significativos. Camomila
Doses superiores a 200mg foram associadas aos casos de Estudo randomizado duplo-cego comparou o uso de cáp-
neuropatia. sulas de camomila, lOOmg, com o de ácido mefenámico,
250mg, ambos administrados três vezes por dia, e encontrou
Espironolactona
redução significativa dos sintomas no grupo que utilizou ca-
Existe constatação da eficácia da espironolacwna, d iuré- momila.
tico antagonista da aldosterona, na dose de 25 a 50mgfdia,
para tratamento da alte ração de humor e alívio do edema e
Ácidos graxos essenciais
ganho de peso no pe ríodo pré-menstrual.
Um estudo randomizado duplo-<:ego controlado po r place-
Chasteberry bo avaliou três grupos: placebo, 1 grama e 2 gramas por d ia de
Chasteberry é o fruto da árvore Vitex agn us castus, que ácidos graxos essenciais. Em relação ao placebo houve me-
contém uma mistura de iridoides e navonoides, e alguns lho ria significativa dos sintomas no grupo que recebeu 1
compostos similares em estrutura aos ho rmônios sexuais grama e melhoria ainda maior no grupo que recebeu 2 gra-
fo ram isolados das folhas e no res. Um estudo randomizado mas por dia, sem ocorrência de aumento nos níveis séricos
duplo-cego controlado por placebo avaliou a eficácia de ex- de coleste rol.
tratO de chasteberry, administrado po r cápsulas orais d iárias
contendo 20mg, e encontrou 52% x 24% de redução dos Erva-de-são-joão e óleo de prímula
sintomas da STPM em comparação com o placebo (NNT = Um estudo randomizado, controlado, duplo-<:ego (N = 125)
3,5). Outro estudo prospectivo aberto avaliou esse fruto em sobre o uso de 600mg de erva-de-são-joão versus placebo por
43 pacientes e encontrou redução de 42 % nos sintomas da dois ciclos de tratamento não encontrou d iferenças significati-
STPM com melhoria principalmente na dor, nas mudanças vas. Dois estudos duplo-<:egos CnJSSover de 2 7 e 38 pacientes não
componamentais, nos sentimentos negativos e na retenção encontraram efeitos do óleo de prímula nos sintomas da STPM.
de líquido. Outro estudo meno r comparou o fruto com nuo-
xetina em 19 pacientes e encontrou d iminuição significativa Outros tipos de tratamento
dos sintomas da STPM em ambos os grupos sem nenhuma Outros tipos de tratamento, como a terapia cognitiva com-
diferença. portamental e ervas chinesas, vêm sendo estudados.

Quadro 15.1 Grau de recomendação e força de evidência (GRFE) para ltatamento da STPM

Tratamento Recomendação Modo de uso GAFE


Exercicios físicos Recomendados Exercicios aeróbicos moderados a intensos A
Cálcio Recomendado 1.000 a 1.200mg/dia A
lnibidores seletivos da recaptaçào de serotonina Recomendados Veja o texto A
Contraceptivos orais combinados (drospirenona) Recomendados Regime habitual ou estendido A
Espironolactona Recomendado 25 a 50mg/dia A
Chasteberry Recomendado Cápsulas 20mg/dia A
Curcumina Recomendado 100mg a cada 12h A
Camomila Recomendado 1OOmg a cada Sh A
Piridoxina Recomendado 100mg/dia B
Acupuntura Recomendado c
Magnésio Dados insuficientes 200 a 360mg/dia B
Dieta Dados insuficientes Restrição de açúcar. cafeína e sal c
Psicoterapia Dados insuficientes c
Progesterona e progeslínicos Nào recomendados B
Erva-de-são-joào Nào recomendado B
Óleo de primuia Nào recomendado B
( I

Capitulo 15 Sindrome da Tensão Pré-menstrual 113

CONSIDERAÇOES FINAIS Hsiao MC, liu CY Effectrve open-label treatrnent of premenstrual


dysphonc d1sorder W1th venlafaxine. Psychiatry and chn1cal neu-
A s!ndrome da tensão pré-menstrual é uma patologia com rosc•ences 2003 Jun, 57(3):317-21.
múluplas feições, apresentando repercussões muito particula- Huber JC, Bentz EK, Ott J, Tempfer CB. Non-contracept1ve bene-
res para cada paciente e podendo influir em diversos aspec- fits of oral contracept1ves. Expert opinion on pharmacotherapy.
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tir da perspectiva deste. Desse modo, essa abordagem levará Jing Z, Yang X, lsmail KM, Chen X, Wu T. Chinese herbal medicina
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CAPÍTULO

Amenorreia
Marco Tulio Vaintraub
Alexon Melgaço Racilan

INTRODUÇÃO Na sínd rome de Mayer-Rokitansky-Kuster- Hauser, a vagi-


A amenorreia (ausencia de menstruação) pode ser con- na está ausente ou é hi poplásica; o útero está ausente ou pode
d ição transitória , intermitente ou permanente, resultante de ser norrnal, mas não há oriflcio cervical; o cariótipo e a função
disfunção do hipotálamo, da hipólise, dos ovários, do útero ovariana são norrnais. É importante investigar alterações do
ou da vagina. Muitas vezes é classificada como primária (au- trato u rinário e as esqueléticas (escoliose) por serem conco-
sência de menstruação aos 15 anos de idade) ou secundária mitantes em 30% e 12% dos casos, respecuvamente.
(ausencia de menstruação por ma1s de 3 meses em mulheres O septo vaginal transverso ocorre por falta de canalização
que unham c1clos menstruais regulares ou 6 meses naquelas do terço inferior da vagina, ocasionando quetxa dolorosa em
com menstruação Irregular). A ausenc1a de um único periodo virtude da obstrução. Diferentemente do que acontece nos
menstrual não é mou,·o para a avahação de alguma anomalia, casos de hlmen imperfurado, a manobra de Valsah-a não pro-
mas a amenorreta com duração de 3 meses ou mais e a oligo- move distensão do introllo.
menorrela (menos de nove c1clos menstru315 por ano ou ciclo
com duração de rna1s de 35 d1as) ex1gem mvestigação. Presença de hiperandrogenismo e hirsutismo
A presença de hiperandrogemsmo e h1rsuusmo é observada
nas meninas com acne, alopec1a, queda de cabelo, obes1dade,
AMENORREIA PRIMÁRIA acamose nigricame (hiperpigmentação de pescoço e axilas),
Avaliação diagnóstíca ditoromegalia e masculinização da voz. A a\<aliação das suprar-
Nas amenorre1as primárias, as caracterislicas sexuais se- renais e dos ovários é mandatória por serem as principais fon-
cundárias podem estar presentes ou ausentes, devendo se r tes produtoras de androgênios.
observadas. Entre as principais causas estão a slndrome dos ovários po-
licíslicos (SOP), a hipe rplasia da suprarrenal de inicio tardio,
Fatores etiológicos a sínd rome de Cushing e os tumores virilizantes de origem
suprarrenal ou ova riana.
Meninas com desenvolvimento puberal normal
As pacientes com SOP podem ter intolerância à glicose, re-
Ausência de hiperandrogenismo e hirsutismo sistência insul!nica e obesidade.
A ausência de hiperandrogenismo e o hirsutismo acome- Na hipe rplasia da suprarrenal de inicio tardio ocorrem de-
tem meninas com amenorreia primária isolada. Entre as prin- feitos enzimáticos na slntese dos hormônios suprarrenais e
cipais causas estão os defeitos anatômicos, como as anomalias graus variados de manifestações de androgenismo, sendo a
do desenvolvimento dos duetos de Muller: hlmen imperfura- deficiência de 21-h idroxilase a mais prevalente. Pode ocorrer
do, sindrome de Mayer-Rok1tansky-Kuster-Hauser, septo va- também a deficiência de ll-hidrox1lase ou da 3-j}-hldroxies-
ginal transverso, hipoplasia utenna e sinéquias intrauterinas. teroide desidrogenase. As concentrações se ricas de 17-hi-
Em casos de hlmen 1mperfurado é comum a queixa de droxiprogesterona se elevam no p1co do ntmo c1rcad1ano de
dor em decorrência de hematocolpo, hematométrio ou he- ACTH-cortisol, o que é úul para o diagnóstico.
mopentOmo e com a manobra de Valsalva ocorre distensão :-la slndrome de Cushmg ev1dencia-se a produção exces-
do mtroito. sh'll de conisol, que pode ser dependente ou mdependen-

115
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J 116 Seção I Ginecologia

te de ACTH, sendo mats comum o pnmeiro, decorrente de Disgenesia gonadal pura


microadenomas hiport.Sános secretores de ACTH (doença de O desenvolvimento sexual secundário está ausente (infanti-
Cushing}. Clinicamente, mamfesta-se por obesidade, hiper- lismo 5e-'I.'Ual). Como dtferença marcante em relação à sindrome
tensão arterial, face de lua cheta, fraqueza muscular e estrias de Turner, a estaLUra é normal e os esugmas estão ausentes, po-
abdominais. dendo o cariótipo ser XX,XY ou mosatctSmo. As gOnadas tt!m
Nos tumores \'tnhzantes, a htstóna clrnica revela rápida a forma de fita e exibem elevada predtSpostção à formação de
e,·olução da ação androg~mca. tumores.

Meninas com retardo puberal Síndrome de Savage (ovário resistente)


As meninas com retardo puberal são as que necessitam Na sindrome de Savage não há esgotamento folicular, mas
maior atenção do ginecologista. disfunção dos receptores das gonadotrofinas.

Agenesia gonadal Síndrome de Kallman


No caso de agenesia gonadal, o desenvolvi mento sexual A síndrome de Kallman apresen ta h iposm ia ou anosmia
secundário é femin ino, e o estado que se instala é o de hi po- decorrente da h ipoplasia do bulbo olfatório; há deficiência do
gonadismo hipergonadOLrófico. As gOnadas em fita devem se r hormônio liberador de gonadotrofi nas (GnRH). A tomografia
removidas em virtude da possibil idade de neoplasia. computado rizada (TC) e a ressonância magnética (RM) são
úteis no d iagnóstico.
Síndrome de Turner e suas variações
Na srndrome de Turner e suas variações estão inclu!das a Síndrome de insensibilidade aos androgênios (feminização
slnd rome de Turner tlpica, as anormalidades estruturais d o testicular)
segundo cromossomo sexual e o mosaicismo. Também conhecida como sind rome de Morris, nessa sin-
O exame clinico é fundamental na sindrome de Tumer típi- d rome o fenótipo é feminino, porém o ind ividuo é um pseudo-
ca, pois evidencia a presença de baixa estatura (em quase todas -hermafrodita masculino, ou seja, possui testiculos e cariótipo
as pacientes), palato arqueado (em ogiva), inserção baixa das XY. O caso de uma mulher de apart!ncía normal com útero
orelhas, pregas eptcantais, tend~ncia à micrognatia, pescoço ausente só ocorre em duas situações: nessa slndrome e na age-
alado, tóra.x em escudo, aumento do ângulo do cotovelo, hi- nesia mülleriana (slndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hau-
poplasia dos lettos ungueatS, encurtamento do quarto e quinto ser). Portanto, deve-se realizar esse dtagnóstico dtferencial. Cli-
dedos, infantiliSmo sexual e elevada quantidade de nevos pig- nicamente, evidencia-se que os pelos pubianos e axilares são
mentados desde a mfãncm. A baLxa estatura parece decorrer escassos ou ausentes, e os testiculos devem ser removtdos, pois
da haplomsufictt!ncia do gene homeobox SHOX, prote!na que a ocorrencia de tumores gonadatS é maiS elevada.
se localiza exclusivamente no núcleo de diferentes linhagens
celulares, hga-se ao DNA e atua como auvadora transcripcional Puberdade tardia constitucional
nas células osteogêmcas. A história familiar é tmportante e não há patologia associa-
A função gonadal mlluencm a expresstvidade da haploinsu- da, sendo necessãrio acompanhamento climco. O dtagnóstico
ficit!ncia do SHOX e o padrão de cresctmento puberal, porém é estabelecido por exclusão.
o grau de diSfunção gonadal se relactona com a extensão da
falha de pareamento. A estrogenoterapia pode prevenir a baixa
Tratamento
estatura e induzir o desenvolvimento sexual.
A associação da srndrome de Tu rner com doenças auto- Amenorreia primári a com desenvolvimento
imunes, card racas (principalmente coarctação da aorta) e re- puberal normal
nais deve ser investigada. O cariótipo é essencial e confirma a • Na ausência de hirs utis mo e de s inais de hiperandroge-
ausência do cromossomo X (45,X). nismo: o tratamento é direcionado para a correção da ano-
Entre as anormalidades estruturais do segundo cromosso- malia. Assim, na ausência de útero ou vagina, a terapêu-
mo sexual são mais comuns a deleção de uma pane do X e tica objetiva corrigir a disfunção sexual, sendo indicada a
um isocromossomo do braço longo do X e, mais raramente, construção cirúrgica de neovagi na. O hlmen imperfurado
as alterações ocorrem no cromossomo Y; nesses casos são evi- é corrigido pela técnica cirúrgica que consiste na ressec-
denciados graus variados de estigmas de Turner. ção triangular da parte central da me mbrana himenal. No
No mosaicismo se encontram duas ou mais linhagens ce- septo vaginal trans,·erso realiza-se a extirpação do septo
lulares e m uma mesma mulher; o cariótipo é o método de até sua base. Na hipoplasia uteri na utiliza-se tera~utica
escolha para o dtagnóstico. O fenótipo pode variar desde o cllnica com associação estroprogestlnica.
da sindrome de Turner tlpica até suas caracterfsticas menos • Na presença de hirsu lismo e sinais de hiperandroge-
marcantes, ambtgUtdade da genitália externa e até fenótipos nismo: na SOP, o tratamento \'Ísa à correção da obesidade
masculinos. O mosaictSmo maiS comum é o XO,XX, e a mu- (com dieta e exercictos) e do htrsuusmo (com anticoncep-
lher pode náo apresentar baLxa estatura, menstruar ou, mais cionais orais, antiandrogêmos ISOlados ou esptronolacto-
raramente, engravtdar. na); às mulheres desejosas de engravtdar mdtca-se a mdu-
r
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Capítulo 16 Amenorreia 117

ção da ovulação (com citrato de clomifeno inicialmente). dose, como danazol ou progeswgênios, podem estar asso-
A metformina tem sido utilizada como medicamento de ciados a vários meses de amenorreia?
primeira escolha, isoladamente ou em associação aos tra- 3. Outras med icações causam amenorreia, aumentando as
tamentos convencionais, com resultados benéficos nas al- concentrações sé ricas de prolactina (PRL), incluindo a me-
terações endócrinas, metabólicas e na função reprodutiva, toclopramida e os agentes antipsicóticos?
visto que a h iperinsulinemia é essencial na sínd rome. Mais 4. Existem hirsutismo , acne e história de menstruações irre-
estudos clínicos randomizados são necessários para con- gulares (sugestivos de hipe randrogenismo)?
clusões definitivas. Na hipe rplasia da suprarrenal de início 5. Há sintomas da doença h ipotalâmico-hipofisária, incluin-
tardio estão indicados o uso de glicoconicoides, a correção do dores de cabeça, alterações no campo visual, fadiga,
cirúrgica dos genitais (se necessária) e a psicoterapia. É ne- poliúria ou polidipsia?
cessária a exé rese dos tumores vi rilizantes 6. Existem sintomas de deficiência de estrogênio, como foga-
chos, secura vaginal, falta de sono ou diminuição da libido?
Amenorreia primária sem desenvolvimento Esses sintomas podem ser proeminentes com insuficiência
puberal normal ovariana primária. Por outro lado, as mulheres com amenor-
O tratamentO visa desenvolve r os caracteres sexuais se - reia hipotalâmica geralmente não têm esses sintomas, apesar
cundários. Utilizam-se a terapia hormonal (estrogênios e pro- da presença de concentrações baixas de modo semelhante do
geswgênios em doses altas), cirúrgica (exérese da gônada em estradiol do soro.
virtude do risco de malignização, quando o cromossomo Y 7. A paciente teve galactorreia, o que sugere haver h iperpro-
está presente) e a psicoterapia da mulher e de seus familiares. lactinemia?
Na sínd rome dos ovários resistentes são usados corticoi- 8. Existe uma história de catástrofe obstétrica, hemo rragia gra-
des, enquanto na síndrome de Kallman pode-se proceder à ve, dilatação e curetagem, endometrite ou outra infecção
administração pulsátil do GnRH. que possa causar cicatrizes do revestimento endometrial
A psicoterapia é necessária nos casos de pube rdade tardia (síndrome de Asherman)?
constitucional com comprometimento psicológico.
Exame físico
AMENDRREIA SECUNDÁRIA Além da h istó ria clínica, o exame físico pode fornecer pis-
tas sobre a possível causa de amenorreia, e o efeito em mu-
Abordagem para avaliação
lheres com amenorreia secundária deve incluir medições de
Uma vez que a gravidez foi descartada, uma abo rdagem altu ra e peso. Um índice de massa corporal (IM C) >30kglm 2
corrente para as mulheres com amenorreia primária ou se-
é observado em 50% ou mais das mulheres com SOP, depen-
cundária consiste em considerar d istúrbios com base nos dendo da população estudada. Aquelas com IMC <l8,5kglm 2
níveis de controle do ciclo menstrual: hipotálamo, hipófise,
podem te r amenorreia hipotalâmica funcional em razão de
ovário e úte ro. A determinação do local do defeito é impor- transtorno alimentar, exe rcício extenuante ou doença sistêmi-
tante por ajudar a estabelecer o regime terapêutico adequado.
ca associada à perda de peso.
Embora as causas mais comuns de amenorreia secundária se- Cabe observar h irsutismo, acne, estrias, acantose nigrican-
jam de origem hipotalâmica funcional, a SOP e os transtornos
te e vitiligo. Os seios devem ser examinados para a evidência
com causa anatômica ou patOlógica devem ser investigados. de galacto rreia, e no exame vulvovaginal devem ser procura-
dos sinais de deficiência de estrogênio. Convém avaliar nódu-
Descartar a gravidez
los tireoidianos e parotídeos, além de dar atenção à erosão do
Um teste de gravidez é recomendado como primeiro passo esmalte dental, o que sugeriria transtorno alimentar (buli mia
na avaliação de qualquer mulher com ameno rreia secundária. nervosa).
A medição da gonadotrofina coriônica humana (HCG) é o
teste mais sensível.
Testes laboratoriais iniciais
Anamnese A avaliação laborato rial inicial (após a exclusão de gravi-
dez) das mulheres com amenorreia secundária deve incluir
Convém avaliar fatores de risco ou sintomas que possam
o hormônio folículo-estimulante (FSH), a prolactina sérica
sugerir qualque r uma das p rincipais causas de amenorreia
(PRL) e o hormônio estimulante da tireoide (TSH) para o tes-
secundária ou oligomenorreia. A h istória deve incluir as se-
te da função ova riana, hiperprolactinemia e doenças da ti reoi-
guintes pe rguntaS:
de, respectivamente. Se houve recente ciclo menstrual , um
l. Houve estresse, mudança de peso, d ieta ou hábitos de exer- teste entre os d ias 2 e 4 seria ap ropriado, mas esse teste em
cício ou há um distúrbio alimentar ou doença que possa amenorreia prolongada pode ser realizado em dia aleató rio. A
resultar em amenorreia hipotalâmica funcional? avaliação do estradiol sérico (E2) ajuda no raciocínio clínico
2. O uso de medicamentos que possam estar associados à quando associado ao FSH. Estradiol baixo ou normal asso-
amenorreia ou causá-la ou o uso recente ou interrupção de ciado a FSH elevado indica insuficiência ovariana, ao mesmo
contraceptivos orais, medicamentos androgênicos de alta tempo que E2 baixo ou normal associado a FSH normal ou
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_/( 118 Seção I Ginecologia

batxo sugere a possibilidade de hipogonadtSmo secundário tado ou uso de antlpstcóuco). O objeli\'0 da imagem é avahar
(hipoflSáno ou htpotalãmico) estrutural ou func1onal. a possibilidade de lesão na lupófise anterior e se perm1t1rá a
Se houver eVIdência clínica de hiperandrogemsmo (hirsu- determinação de que se trata de um microadenoma ou um
Lismo, acne, alopecia), deve-se medi r a testosterona total no macroadenoma (s:Jcm ou >lcm, respectivamente).
soro, além de se procede r aos testes laboratoriais iniciais lista-
dos para mulheres sem hiperandrogen ismo. Pode-se solicitar Alta concentração sérica de FSH
a concentração sé rica do sul fato de desidroepiandrosterorta Níve is séricos elevados de FSH indicam FOP, ante riormen-
(DHEAS) e ainda dosar 17-hidroxiprogesterona para descar- te referida como falencia ovariana prematura. Deve-se ter em
tar a deficiência de 21-hidroxilase não clássica. mente, no entanto, que desenvolvimento folicular intermi-
tente pode ocorrer em mulheres com FOP, o que resulta na
Avaliação do estado estrogênico normalização transitóna das concentrações de FSH no soro.
Uma avahação do eStado estrogemco deve ser feita em al- Durante a inatividade ovanarta e a amenorreia, a concentra-
guns casos para auxiliar a interpretação dos valores de FSH e ção de FSH é alta e a de estrad1ol no soro é baLxa, à semelhan-
outros para ajudar a guiar a terapia (p. ex., pacientes com hi- ça do que é visto na menopausa normal. A presença de ondas
poestrogemsmo precisam de terapia estrogemca para preven- de calor e/ou secura vagmal é sugesli,·a de FOP, já que esses
ção da perda óssea, enquanto aquelas que usam estrogênio sintomas são incomuns em mulheres com distúrbios mens-
precisam de proteção endometrial com progesterona). truais em função de outras causas.
Nas pacientes sem fator óbvio precipitante de FOP (qui-
Teste da progesterona miote rapia ou radioterapia go nadotóxica) devem ser rea-
Pode-se avaliar se a amenorreia é decorrente de h i poestroge- lizados testes ad icionais para descartar as etiologias mais
nismo com o teste de retirada progestínica (medroxiprogeste- comuns de FOP, incluindo cariótipo para investigar a sfn-
rona !Omg durante lO dias). Em caso de hemorragia de priva- drome de Turner (incluindo mosaicismo). Em mulheres
ção, confirma-se que houve exposição ao estrogemo endógeno. com 46,XX com FOP espontânea, testes também são suge-
A auséncia de sangrarnento pode ser observada em razão do ridos para detecção de anucorpos antissuprarrenais e do X
htpoestrogentSmo ou de um distúrbio na via de salda. frágil pré-mutação.
Mulheres com PRL e TSH normal no soro e concentração Mulheres com resultados normais de laboratóno e h1stóna
batxa ou normal de FSH são suscetí\'els de ter d1stúrb1o hi- de instrumentação utenna de,·em ser a\·aliadas para aderên-
potalâmico-hlpofisário ou SOP. Uma concentração baLxa ou cias intrautennas (sfndrome de Asherman). Nesse caso está
"normal" de FSH no soro é inadequadamente baixa na pre- indicado também o teste da progesterona (lOmg de acetato
sença de concentração baixa de estradiol no soro, indicando de medroxiprogesterona durante lO dias). Se ocorrer hemor-
hipogonadismo (hipogonadotrófico) secundári o. Essa cons- ragia de privação, fica descartado um transtorno da via de
telação 1·epresenta um dos resultados mais comuns de testes saída.
laboratoriais em mulheres com amenorreia. As mulheres com Se o sangramento não ocorrer, podem ser adm inistrados
amenorreia hipotalãmica funcional são hipoestrogenicas, en- estrogênio e progesterona. O endométrio pode ser preparado
quanto as com SOP são normoestrogênicas. com estrogênios conjugados orais 0,625mgldia ou equivalen-
A ressonâncta magnética (R_\1) da região da sela túrcica te (estradiol I mgldia por via oral ou 0,05mg por via trans-
está mdicada em todas as mulheres sem uma explicação cla- dérmica) durante 35 dias. Uma progeslina é enláo adicionada
ra para o htpogonadismo hipogonadotrófico, como perda de a partir dos d1as 26 a 35 (up1camente, medroxiprogesterona
peso. exerclc1o ou estresse, e naquelas que têm achados labo- lOmgldia). A ausênCia de sangramento após a cessação dessa
ratonais normats e sintomas como defeitos do campo \'ISual, terapia sugere cicatriz endometrial. Nessa situação, a histe-
dores de cabeça ou outros sinais de disfunção hipotalãmico- rossalpingografia ou a \'ÍSUahzação direta da cavidade endo-
-pituilária. Em contraste, nenhum teste adicional é necessário metrial com histeroscóp1o podem confirmar o diagnóstico de
se o aparecimento da amenorreia ocorreu recentemente ou é adesões intrauterinas.
facilmente explicado e não há sintomas sugestivos ele outras A depender do quadro clinico, um valor de androgenio sé ri-
doenças. co elevado pode ser consistente com o diagnóstico de SOP e,
quando extremamente elevado, pode levantar a possibilidade
Alta concentração sérica de PRL de tumor secretor de androgênio dos ovários ou da suprarre-
A secreção elevada de PRL pode ser transllonamente au- nal. Cabe ressaltar que muitas mulheres com SOP apresentam
mentada em ,,nude de estresse. Se a PRL sérica está elevada, quadro de hiperandrogemsmo (acne, hirsutismo) sem hipe-
dew-se repeur o teste antes da R..\1 da htpófise. Todas essas randrogenemta.
mulheres de,-em ser rastreadas para doença da t1re01de porque Os tumores secretores de androgenio são tipicamente asso-
o h1poureotd1Smo pode, às ,·ezes, causar h1perprolacunemta. ciados ao infc1o ráp1do dos sintomas \irilizantes e, em alguns
Se uma PRL elevada é confirmada em uma segunda amos- casos, suprarrenais, com e.xcesso de glicocorticoides. Deve-se
tra ou se a amostra inicial é de >lOOngtmL (>IOO~tg!L), uma iniciar a avaliação de tumor caso a concentração sérica de tes-
RM pituitária deve ser realizada, a menos que uma explicação tosterona esteja >!50 a 200ngtdL (5,2 a 6,9nmol/L) ou se a de
muito lógica seja encontrada (p. ex., hipotireoidismo não tra- DHEAS é >700~1gldl ( L8,9nmoVL).
r
((

Capítulo 16 Amenorreia 119

TSH anormal nio a longo prazo para estimular o cresc1mento do tecido


O hipo e o hiperureo1d1smo podem ser associados a oli- endometrial.
go ou amenorreia. Um ensa1o de TSH de terceira geração • SOP: o tratamento do h1perandrogemsmo é dtrigido para
geralmente basta para o d1agnósuco de h1po ou hipenireoi- alcançar a meta almejada pela mulher (p. ex., ali no do hir-
dismo. A úmca exceção se na o h1poure01dismo central, em sulismo, retomada da menstruação, feruhdade) e pre,·enir
que T4livre e TSH serão batxos. Em transtornos alimentares as consequtncias a longo prazo da SOP, como htperplasia
graves também podem ser '' tstos um TSH suprimido e um endometrial, obes1dade e diStúrbios metabóhcos. Para as
T4 hvre. mulheres com SOP, o upo de terap1a depende de seu dese-
Em alguns casos de h1poUre01d1smo profundo pode ha,·er jo pela fenihdade.
ligeiro aumento na PRL sénca (em razão do aumento pre-
sumido no TRH que estimule tanto o TSH como a secreção
CONSIDERAÇÕES FINAIS
da PRL). O tratamento do h1potireo1dismo restaura a PRL ao
normal. Portanto, uma RM da hipóftse não de,·e ser realizada, A amenorreia secundána é definida como a austncia de
a menos que a hiperprolactinemta persista depois que a pa- menstruação por mais de 3 meses em menmas ou mulheres
ciente esteja eutireóidea. que anteriormente apresentavam ciclos menstruais regulares
A conduta e o acompanhamento de mulheres com ame- ou 6 meses em meninas ou mulheres que tinham menstrua-
norreia secundária incluem: ção irregular.
A abordagem gradual com história, exame flsico e testes
• Corrigir a patologia subjacente, se posslvel. labo ratoriais normalmente resulta no diagnóstico especifico:
• Ajuda r a mulher a alca nçar a fertilidade, se desejado.
• Prevenir complicações do processo de doença (p. ex., subs- • A gravidez é causa comum de amenorreia secundária e deve
tituição de estrogenios para prevenir a osteoporose). ser excluida com base em teste de gravidez senslvel (HCG).
• A história e o exame flsico podem fornecer pistas sobre a
posslvel causa de amenorreia.
Breve resumo das opções de tratamento • A avahação laboratorial inicial (após a exclusão de gravi -
Amenorreia hipotalâmica dez) das mulheres com amenorre1a secundária é ligeira-
• Alterações d o estilo de vida: para muitas mulheres atlé- mente diferente para aquelas com e sem htperandroge-
ticas, o aumento da ingestão calónca ou a redução de nismo.
exerclcio normalmente são segUidos pela retomada da • Os testes de laboratório para mulheres com amenorreia,
menstruação. Mulheres não atletas que estão abaixo do mas sem hiperandrogenismo, de"em mcluir PRL, FSH e
peso ou que parecem ter deficiêncms nutricionais de,·em TSH para testar htperprolacunemla, msufic1êneta 0\·anana
receber aconselhamento nutnc10nal , podendo ser enca- e doenças da tireo1de , respeCtl\'amente.
mmhadas a uma equ1pe muludtsctpltnar especializada • A a\·aliação do estado estrogemco é fe1ta em alguns casos
na avahação e no tratamento de pessoas com transtornos para auxiliar a interpretação dos valores de FSH e em ou-
alimentares. tros para ajudar a gwar a terap1a (p. ex., pacientes com
• Terapia cognitivo-componamental (TCC): a TCC pode ser hipoestrogenismo precisam de terapta com estrogtruo para
ef1caz para restaurar ciclos ovulatónos em algumas mulheres. prevenção da perda óssea, enquanto aquelas que produ-
• Expe rimenta l (administração de le plina): mulheres com zem estrog~nio prec1sam de proteção endometrial com
amenorreia hipotalãmica funcional têm deficiência de progesterona).
leptina relativa. Dois estudos sobre a terapia com leptina • Se houver evid~ncia cllnica de hiperandrogenismo (hirsu-
recombiname relataram restauração dos ciclos ovulató- tismo, acne, perda de cabelo do couro cabeludo), testos-
rios e m algumas mulheres com amenorreia h ipotalâmica teronas total e livre no soro devem ser medidas, além d os
funcional. testes laboratoriais iniciais.
• Hiperp ro lactinemia: o manejo das mulheres com ame- • A avaliação adicional depende dos resultados ela avalia-
norreia em razão da hiperprolactinemia depende da causa ção inicial. Categorias importa11tes incluem FSH normal
da h iperprolacti nemia e dos objetivos da paciente (p. ex., ou baixo no soro, FSH alto, PRL sé rica elevada, resultados
almejando a fe rti lidade ou nào). normais de laboratório com história de instrumentação
• Falência ovariana prematura (FOP): as mulheres com FOP uterina, concentrações de and rogên ios séricos elevadas e
deve m receber terapia com estrogênio para prevenção da TSH anormal.
perda óssea, o que pode consisur em contraceptivo oral (se
O tratamento depende da causa da amenorreta secundária
a paciente apresenta função ovariana intermitente e não
e dos objetivos da paciente, os quais globalmente incluem:
deseja engravidar) ou doses de reposição de estrogênio e
de progestina. • Corrigir a patologia subjacente, se posslvel.
• Aderências intrauteri nas: a terapta da slndrome de Asher- • Ajudar a mulher a alcançar a feruhdade quando desejado.
man (adertncias mtrautennas) consiste na líse histeroscó- • Prevenir comphcações do processo de doença (p. ex., subs-
pica de adertnc1as, segUida por admiiUSLração de estrogê- tituição de estrogtnios para conter a osteoporose).
120 Seção I Ginecologia

leitura recomendada Herter LO. Olsfunçao menstrual na puberdade - amenorreta, d•s-


menorre•a. tensao pré-menstrual. In: Tratado de g•necolog•a da
ASRM PC. Current evaluation of amenorrhea. Fert1hty Sterillty 2008;
FEBRASGO. 1. ed. RIO de Jane1ro: Revinter, 2002:314-22.
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CAPÍTULO

Hirsutismo
Rosana Comia da Silva Azevedo
Ana üccia Cândido
Fernando M. Reis

INTRODUÇÃO ovários policlsticos (SOP), o hírsulismo idiopático e a hiper-


O h1rsutismo consiste no excesso de pelos tennmais em mu- plasia suprarrenal congêruta (HSC) forma não clássica.
lheres nas áreas anatõmicas dependentes de androgênios, como
láb1o supenor, queixo, tórax, dorso, abdome, braços e coxas. Síndrome de ovários policísticos
Pode apresentar-se como queixa 1solada ou estar associado a A SOP, causa ma1s comum de hirsutismo, é responsável
outras marufestações de hiperandrogemsmo (acne, seborreia, por 72% a 80% de todos os casos. A prevalencta de SOP é
alopecia), vtrihzação (aumento da massa muscular, alteração da estimada em 4% a 12% das mulheres em idade reproduu-
voz, atrofia das mamas e hipertrofia do clitóris), alterações do va, dependendo do crnério diagnóstico adotado. Habltual-
ciclo menstrual e infenilidade. meme a slndrome surge no período da adolescência, logo
O hirsULismo deve ser di fe renciado da hipenricose, que a pós a me narca. A expressão clínica é variável e as pri ncipais
é o crescime nto de pelos velus (macios, fi110s e não pigmen- manifesLaçOes são hirsutismo, acne, alopecia and roge nética,
tados)de mane ira ge neralizada ou localizada em áreas não seborreia, irregu laridade menstrual, sangramento uterino
dependentes de androgênios, podendo ser de forma he redi- anormal causado por distú rbio ovulatório, infe rtilidade, so-
tária ou adquirida. A adqu irida está associada a vários me- brepeso e obesidade com risco aumentado de intolerância
dicamentos (ciclosporina, fenito!na, glicocorucoides, mino- à glicose, diabetes mellitus tipo 2 e hipertensão arterial sis-
xldíl), doenças metabólicas (hipotireo1dismo, porfiria) e nu- têmica.
tnc1ona1s (anorexia nervosa, desnutrição e slndrome de má
absorção mtestinal) e, raramente, à mamfestação de slndro- Hirsutismo idiopático
mes paraneoplásícas. O h1rsutismo 1d1opáuco é responsável por 6% a 15% dos
casos de hirsuusmo. Há maior sensibilidade dos foHculos p1-
losos à ação dos androgênios em raz.ão do aumento da aUVl-
EPIDEMIOLOGIA
dade da enzima Set-redutase. O quadro se inicia no per!odo
Trata-se de problema clínico comum, com prevalência de
puberal com progressão le nta. O nível sê rico dos androgênios
3% a L5%, se ndo mais frequeme em mulheres de ascendên- é normal, os ciclos menstruais são regulares, e os ovários não
cia med iterrânea e raro emre aquelas de origem oriental. Para apresentam alterações ao ultrassom.
a ma ioria das mulheres o hirsulismo tem impacto negativo
sobre a qualidade de vida, a autoeslima e a identidade femini- Hiperplasia suprarrenal congênita (HSC)
na, sendo fome de ansiedade e sofrimento e comprometendo
A HSC por deficiência de 21-hidroxilase é uma doença
os relacionamentos interpessoais e a com~vência social.
genética com herança autossõmica recessiva resultante de
mutações no gene CYP21A2, que codifica a enz1ma 21-hldro-
CAUSAS xilase (CYP2 1). Em vmude do bloqueio da enz1ma CYP21
As causas funcionais de hirsuusmo são responsáveiS pela há aumento dos nlveiS da 17et0H progesterona (l7a0HP) e
maioria dos casos. Em geral, seu início coincide com o perío- desvio na cadeta enzimática para a produção de androgêmos.
do peripuberal, em uma progressão lenta ao longo dos anos. O diagnóstico é feito a partir dos níveis séricos aumentados
No grupo das causas funcionais se encontram a slndrome de de 17etOHP.

121
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') 122 Seção I Ginecologia

Esse bloqueio enzimático tem intensidade ou penetrãn- ocorrer algum de grau de virilização com hipertrofia de cli-
cia variável, expressando-se com diferentes fenótipos: o tipo tóris e alopecia androgenética. As pacientes apresentam risco
clássico acontece no período neonatal e pode apresentar-se aumentado de h iperplasia e cânce r do endométrio, além de
de duas maneiras: a forma perdedora de sal (mais grave) e resistência insulínica e diabetes mellitus tipo 2.
a forma virilizante. A forma clássica cursa com graus variá-
veis de genitália ambígua, enquanto a tardia ou não clássica é FISIOPATOLOGIA
diagnosticada na adolescência ou na vida adulta. O hirsutismo é o resultado da ação dos androgênios sobre
A forma não clássica por deficiência de CYP2l é a causa a pele e envolve a interação entre os níve is de androgênios
suprarrenal mais comum de hirsutismo. Cerca de 2% a 10% circulantes e a sensibilidade cutânea a esses hormônios. Du-
das mulheres que consultam o médico por hirsulismo apre- rante a puberdade , os pelos velus são estimulados pelos an-
sentam esse diagnóstico. No Brasil, na região Sul, a frequên- drogênios e se transformam em pelos terminais (mais longos,
cia observada de HSC entre mulheres h irsutas foi de 7,4%. pigmentados e grossos). A região púbica e as axilas são mui-
O hirsutismo começa no período peripuberal e pode estar to sensíveis a baixas concentrações de androgênios. Nessas
associado a irregularidade menstrual, anovulação crônica e áreas, os pelos terminais se desenvolvem em ambos os sexos.
in fertilidade. O quadro clínico é muitO semelhante ao da SOP. Já as regiões de crescimento desses pelos, caracte rísticas do
Portanto, o diagnóstico d iferencial entre as duas doenças deve padrão masculino (face, tórax, dorso, coxas e braços) neces-
ser sempre investigado. sitam de altos níveis de androgênios, e sua presença também
nessas regiões no sexo feminino é considerada anormal.
Tumores produtores de androgênios A teswsterona, o principal androgênio circulante, é produzida
Os tumores produtores de androgênios são raros e se ma- tanto por secreção ovariana e suprarrenal como pelo metabo-
nifestam com hirsutismo de início abruptO e piora rápida, as- lismo de precursores, como androstenediona, desidroepiandros-
sociado a sinais de virilização, como alteração da tonalidade terona (DHEA) e seu sulfato (DHEAS) em tecidos periféricos,
da voz (tom grave), aumento da massa muscular, aumento como o tecido adiposo. A teswsterona e seu metabólitO ativo dii-
da libido, atrofLa das mamas e hipertrofLa do clitóris, entre drotestosterona (DHT) são os hormônios ativos que se ligam aos
outros. Os níve is de teswsterona tOtal estão elevados, geral- receptores androgênicos. A DHT é o androgênio mais potente,
mente >200ngldl. Exames de imagem são necessários para sendo produzida no folículo piloso a panir da conversão da tes-
identificar se a origem é ovariana ou suprarrenal. tOsterona por meio da ação da enzima Sa-redutase.
As fontes de testosterona nas mulheres são assim d istri-
Outras causas buídas: 50% provenientes da conversão periférica de outros
Outras etiologias, como hipotireoid ismo, hiperprolactine- esteroides, 25% dos ovários e 25% das suprarrenais. A tes-
mia e uso de medicamentos, devem ser rastreadas nas mu- tosterona circula ligada à SHBG que é produzida pelo fígado.
lhe res que buscam avaliação para o h irsutismo. A síndrome As condições que interferem nos níveis de SHBG podem alte-
de Cushing também é causa de h irsutismo, mas deve ser in- rar a d isponibilidade dos androgênios livres, e o nível aumen-
vestigada somente quando há estigmas clínicos que levam à tado de insulina presente nos estados de resistência insulínica
suspeição d iagnóstica. estimula a secreção de androgênios pelos ovários e suprarre-
Na pós-menopausa, os ovários permanecem hormonalmen- nais e reduz a produção de SHBG pelo fígado, aumentando a
te ativos, segregando estrogênios e androgênios por longo pe- proporção de androgênios livres.
ríodo. A queda nos níveis de estrogênios é abrupta, enquanto A obesidade é uma condição que agrava o estado de resis-
sua redução é mais gradual. Esse desequilíbrio entre estrogê- tência insulinica e a hiperinsulinemia, sendo fatOr de piora do
nios e androgênios no climatério, amplificado pela redução da hirsutismo. Os anticoncepcionais orais combinados reduzem
globulina transportadora de hormônios sexuais (SHBG), possi- a produção de androgênios pelos ovários e aumentam a pro-
b ilita o aparecimento de alguns sintomas de hiperandrogenis- dução de SHBG, contribuindo assim para a diminuição dos
mo, como alguns pelos na face e sua redução no couro cabelu- níve is de androgênios livres.
do. No entanto, o hirsutismo que se inicia na pós-menopausa, Embora o hirsutismo seja o marcador da ação androgêni-
principalmente se associado a outros sinais de hiperandroge- ca excessiva na unidade pilossebácea, sua gravidade não se
nismo e virilização, sem dúvida deve ser investigado. correlaciona diretamente com a gravidade do excesso andro-
O hiperandrogenismo na pós-menopausa pode ser causa- gênico. DitO de outro modo , o hirsutismo reOete não ape-
do por tumores segregadores de androgênios de origem ova- nas os níve is de androgênios circulantes, mas também é in-
riana ou suprarrenal ou ainda ser resultado de uma cond ição Ouenciado pelo metabolismo perifé rico dos androgênios, pela
benigna conhecida como h ipenecose. A hipe rtecose, embora sensibilidade dos tecidos-alvo e por outras variáveis, como a
rara, representa a principal causa de hiperandrogenismo na resistência insulinica.
pós-menopausa, resultando da produção aumentada de an-
drogênios pelas células do estroma ovariano. A etiologia não DIAGNÓSTICO
é clara, mas as gonadotrofinas aumentadas parecem ter papel A história clínica e o exame físico são fundamentais na avalia-
relevante. Os níve is de teswsterona são elevados, podendo ção da paciente hirsuta. É importante dimensionar o impacto
r
((

Capítulo 17 Hirsutismo 123

social do hirsutismo na vida da mulher, avaliar a presença de Quadro 17.1 Classilicação semiquantitativa do hirsutismo
sintomas de fobia social, depressão e ansiedade (alteração do Localização Nota Definição
padrão de sono, do humor, irritabilidade, labilidade emocio- Lábio superior 1 Alguns pelos nas comissuras
nal, perda de energia, desânimo, dificuldade de concentração, 2 Vários pelos nas oomissuras
alteração do apetite e do peso) e oferecer suporte psicotera- 3 Vários pelos das comissuras à metade
da linha média
pêutico quando necessário. Convém considerar as expe riên-
4 Pelos cobrindo todo o lábio superior
cias com os tratamentos prévios, a frequência de depilação
Mento 1 Alguns pelos difusos
ou outras medidas cosméticas util izadas pela paciente. A 2 Pelos difusos com algumas zonas de
história familiar pode fornece r elementos relevantes, como concentração
irmã ou mãe com o mesmo pad rão de distribuição de pelos. 3 Cobertura completa leve
Além disso, o relatO de casos de SOP ou HSC na família 4 Cobertura completa densa
ajuda a d irecionar a propedêutica, devendo se r investigado Tórax 1 Pelos periareolares
2 Pelos sobre a linha média, além dos
o diagnóstico p révio ou a suspeita de hipertensão arterial, periareolares
diabetes e d islipidemia. 3 Fusão das duas zonas com cobertura
É necessária a investigação cuidadosa do uso dos seguintes de 'l4 do tórax
medicamentos com potencial efeito sobre o crescimento dos 4 Cobertura completa
pelos: danazol, glicoconicoides, ciclosporina, fenitOína, ácido Dorso 1 Alguns pelos difusos
2 Vários pelos, sempre difusos
valproico, minoxidil, teswsterona e outros esteroides anaboli- Cobertura completa leve
3
zantes. Hábitos de vida, como alimentação, atividade física e 4 Cobertura completa espessa
mudanças recentes no peso, também devem ser considerados. Região lombar 1 Tufo de pelos na região sacra
A idade de início e a forma de instalação do hirsutismo são 2 Com extensão lateral
informações importantes para a construção do d iagnóstico 3 Cobertura de 'l4 da região
clínico. O padrão do ciclo menstrual desde a menarca deve 4 Cobertura total

ser detalhado, bem como a história reprodutiva. O h irsutismo Abdome superior 1 Alguns pelos sobre a linha média
2 Vários pelos sobre a linha média
que se inicia no período puberal, de progressão lenta e com Cobertura de 50% da região
3
ciclos menstruais regulares, sugere h irsutismo idiopático, va- 4 Cobertura total
lendo lembrar que esse é um d iagnóstico de exclusão. Se os Abdome inferior 1 Alguns pelos sobre a linha média
ciclos menstruais são irregulares, convém considerar a possi- 2 Vários pelos sobre a linha média
bilidade de SOP ou de HSC. já um h irsutismo que se instala 3 Banda de pelos sobre a linha média
4 Pilosidade em forma de triângulo
na vida adulta de maneira súbita e rapidamente progressiva, invertido
associado a sinais de virilização, aponta para provável causa
Braços 1 Pelos esparsos atingindo o;.. da
tu moral. 2 superflcie do membro
Durante o exame físico, o médico deve estar alerta a res- 3 Pilosidade mais extensa, mas sem
peito de outros sinais de h iperandrogenismo (acne, seborreia, 4 cobertura completa
Cobertura completa leve
alopecia) e virilização (aumento de massa muscular, engros-
Cobertura completa densa
samento da voz, atrofta das mamas, hipertrofia do clitóris).
Coxas 1 Pelos esparsos atingindo 'h da
Cabe medir peso, altura, circunferência abdominal e verifi- superflcie do membro
car se há obesidade ou sobrepeso. O excesso de peso é uma 2 Pilosidade mais extensa, mas sem
condição que piora o hirsutismo. Cabe avaliar se há sinais de cobertura completa
3 Cobertura completa leve
d isfunção tireoidiana, história de galactorreia espontânea ou
4 Cobertura completa densa
à expressão mamária e a presença de acantose nigricante. A
Fonte: Escore de Ferriman e Galtway modiftcado. Hatch et ai. Am J Obstet Gynecol
presença de estigmas de Cushing (estrias violáceas e largas, 1981; 140:815-30.
giba, fácies de lua cheia, obesidade central, hipe rtensão ar-
terial, fraqueza muscular proxima\) impõe a necessidade de
investigação específica de hipercortisolismo e de sua fonte. A avaliação laboratorial inicial da paciente com hirsutis-
A quantificação do h irsutismo na prática clínica é geral- mo inclui a dosagem de teswsterona tOtal juntamente com
mente realizada a partir de um escore semiquantitativo do a da SHBG. Há muitas limitações técnicas com os métOdos
escore modificado de Ferriman-Gallwey (Quadro 17.1). Essa disponíveis para dosagem de teswsterona livre em mulheres.
escala atribui pontuação de acordo com a intensidade dos Portanto, no nosso meio, a dosagem da testosterona tOtal é
pelos em nove regiões corporais, cada região recebendo um o exame de escolha para documentar o hiperandrogenismo
valor que varia de O a 4 pontos. Um escore igual ou acima de laboratorial. Uma dosagem de testosterona tOtal >200ngldl é
8 define a presença do hirsutismo. Essa escala é amplamente sugestiva de tumor ovariano ou suprarrenal. Nesses casos, a
usada, mas apresenta algumas limitações. Há um componen- dosagem do DHEAS pode orientar quanto à localização, pois
te subjetivo inerente ao processo de avaliação, e as pacientes um valor >700nglml coloca as suprarrenais sob suspeita.
que estão sob efeito de algum tratamento estético podem ter Diante da possibilidade de um tumor segregador de an-
um escore que subestime a imensidade do hirsutismo. drogenios é necessário completar a propedeutica com exames
/.

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') 124 Seção I Ginecologia

de imagem: tOmografta computadorizada de abdome e pelve As pacientes que se encontram na faixa de sobrepeso ou
e/ou ultrassonografia endovaginal. obesas devem ser incentivadas e motivadas a perder peso, o
A dosagem de l7a0HP é parte importante da avaliação do que contribui para redução dos níveis de testosterona e au-
perfil androgênico. A amostra de sangue deve ser coletada na mento da SHBG e melhora clínica do hirsutismo. É impor-
fase folicular do ciclo menstrual, até o terceiro dia do ciclo, tante informar às pacientes que a resposta clínica a qualquer
pela manhã. Um valor basal <200nglml na fase folicular do intervenção farmacológica sobre o hirsutismo necessita do in-
ciclo menstrual exclui HSC. Já um valor basal >800nglml te rvalo mínimo de 6 meses para ser observada, o que se deve
estabelece o d iagnóstico de HSC. Valores intermediários entre ao longo ciclo de crescimento dos pelos.
200 e 800nglml demandam a realização do teste de estimulo Métodos de remoção dos pelos são úteis e podem ser
com ACTH. Administra-se 0,25mg de ACTH sintético EV ou usados como medidas isoladas, dependendo da extensão e
IM. A dosagem da l 7aOHP é feita com inte rvalo de 60 mi- intensidade dos pelos, ou associados à intervenção farmaco-
nutos, e um valor> l.OOOnglml defme o d iagnóstico HSC. É lógica. A remoção dos pelos com lâmina ou cera não interfe-
importante lembrar que o uso de anticoncepcional oral com- re na velocidade de crescimento do folículo piloso e precisa
b inado ou de progeswgênios pode interferir com a dosagem ser repetida com frequência. A eletrólise é desconfortável e
de l7aOHP e outros androgênios, tornando os valores fal- demorada, urna vez que cada unidade de folículo piloso é
samente baixos. Assim, essa medicação deverá ser suspensa tratada individualmente, devendo ser realizada por profLSSio-
pelo mínimo de 3 meses para investigação d iagnóstica. nais expe rientes em razão do risco de cicatrizes e discromias.
Em caso de amenorreia é importante excluir gravidez com A terapia com laser e a luz pulsada intensa provocam uma
realização do ~-HCG e avaliar os níveis de prolactina e a fun- fototermólise seletiva em que a melanina do folículo piloso
ção lireoid iana. Na suspeita clínica de hipercorlisolismo, ou absorve o comprimento de onda selecionado, levando à sua
seja, na presença de estigmas de Cushing (estrias violáceas e destruição. Esses métodos são seguros e se tOrnaram ampla-
largas, giba, fácies de lua cheia e obesidade central, fraqueza mente disponíveis e acessíveis.
muscular proxirnal, labilidade emocional), convém realizar O doridrato de efiornitina creme a 13,9% (Vaniqa<~>) é uma
rastreamento para a síndrome de Cushing. medicação de uso tópico para tratamento do hirsutismo fa-
Para pacientes com diagnóstico de SOP realiza-se urna ava- cial, cujo mecanismo de ação é a inib ição da enzima ornitina
liação do perfil metabólico e do risco card iovascular, além da descarboxilase, exercendo ação importante no crescimento
solicitação de teste de wleráncia oral à glicose (glicemia em do pelo. Seu uso deve ser contínuo, pois a interrupção acar-
jej um e 2 horas após 75g dextrosol), glicoemoglobina alCe reta a volta dos pelos. Os efeitos colaterais são ardência, erite-
perfil lipídico, medida da circunferência abdominal, pressão ma, prurido e ressecamentO da pele.
arterial e índice de massa corporal. Os contraceptivos hormonais combinados têm sido a princi-
palterapia adotada para o hirsulismo e representam a primeira
linha de escolha para o tratamento farmacológico. Suprimem a
TRATAMENTO secreção de androgênios pelos ovários, e o componente estro-
O tratamento do hirsutismo é defmido a partir da etiolo- gênico aumenta a concentração de SHBG, reduzindo os níveis
gia, sendo também importante considerar as expectativas da de androgênios livres. Além disso, possibilitam contracepção
paciente em relação ao tratamento , a gravidade do hirsutismo adequada e fornecem proteção endometrial. Todos os contra-
e seu impactO na vida da mulher afetada. ceptivos hormonais combinados apresentam benefícios sobre
Em linhas gerais, o tratamento visa reduzir os níveis de as manifestações do hiperandrogenismo. É importante que a
androgênios e/ou bloquear suas ações na unidade pilosse- escolha seja pautada pela combinação de vários critérios: dose
bácea. A abordagem ampla do h iperandrogenismo também e tipo de estrogênio, perfil do progeswgênio, via de adminis-
inclui identificar as pacientes em risco para complicações me- tração (oral, injetável, anel ou adesivo), adaptação individual,
tabólicas (diabetes, hipertensão arterial, dislipidemia, doen- controle do ciclo e custo. Ao se avaliar o uso dos contraceptivos
ça card iovascular) e neoplásicas (câncer de endométrio) e combinados, convém manter-se atento às suas principais con-
oferecer intervenções para redução desse risco. Na presença traindicações: câncer de mama, tabagismo, especialmente em
de comorbidades associadas, como h ipotireoidismo, hiper- mulheres >35 anos, hipertensão arterial não controlada, doen-
prolactinemia e síndrome de Cushing, a abordagem envol- ça cardiovascular, história de tromboli.lia ou passado de trom-
ve o tratamento específico dessas doenças. Para os tumores bose venosa profunda e tromboembolismo pulmonar, além da
segregadores de androgênios e na hipertecose, o tratamento enxaqueca com aura.
é cirúrgico. Na vigência do hirsutismo desencadeado por me- A espironolactona, um antagonista da aldoste rona que
dicamentos, cabe considerar a possibilidade de suspensão ou também apresenta dupla atividade antiandrogên ica, é um
substituição da medicação envolvida. bloqueador do receptor de androgên ios e inibido r da ati-
Para as mulheres que planejam engravidar imediatamente, vidade da enzima Sa-redutase usado em associação aos
a intervenção farmacológica para tratamento do hirsutismo é contraceptivos combinados nos casos de h irsutismo mode-
contraind icada em razão do potencial terawgênico dos medi- rado a grave. Só pode ser usada na vigência de contracep-
camentos. Nessa situação, somente poderão ser usadas medi- ção adequada, pois inibe a d iferenciação sexual dos fetos
das cosméticas para redução dos pelos. masculinos. A dose varia de 50 a 200mg!dia, iniciando-se
r
((

Capítulo 17 Hirsutismo 125

Quadro 17.2 Tratamento medicamentoso do hirsutismo

Medicamentos Observações
Contraceptivos hormonais combinados (CHC) Reduzem a produção de androgênios pelos ovários
Estimulam a produção de SHBG pelo ligado
Conferem proteção endometrial
Terapia de esoolha
Avaliar possfveis conttaindicações
Espironolactona Dose 50 a 200mg/dia, habitualmente 1OOmg/dia
Bloqueador do reoeptor de androgênios e da aldosterona
Feminizaçll.o de fetos masculinos, irregularidade menstrual e hiperpotassemia
Necessita de contracepção adequada (de preferência uso de CHC)
Usada em casos de hirsutismo mais grave, sem melhora inicial com contraceptivo oral
Acetato de ciproterona Medicação antiandrogênica
Dose baixa (2mg) como componente de anticoncepcional
Monoterapia: dose de 12,5 a 50mg/dia (deve ser associado a CHC)
Feminizaçll.o de fetos masculinos e irregularidade menstrual
Rutamida Medicação antiandrogênica
Disfunção hepática grave
Feminizaçll.o de fetos masculinos
Pouco utilizado
Finasterida Inibidor da enzima 5a-redutase tipo 2
Monitorizar função hepática
Pouco utilizada
Cloridrato de eflornitina creme a 13,9% (Vaniqa) Uso tópico no hirsutismo facial
Inibição da enzima ornitina descart>oxilase
Ardência local, prurido e ressecamento da ~le

geralmente com 25 a 50mgldia com aumento progressivo O tratamento do h irsutismo na forma tardia da HSC pode
até lOOmgldia, que é a dose mais comumente usada. A es- ser feitO da mesma maneira que na SOP, com o uso de con-
pironolactona pode causar irregularidade menstrual, mas o traceptivos hormonais, associados ou não à espironolacwna,
uso concomitante de contraceptivo hormonal combinado além das medidas estéticas locais. O uso de glicoconicoide
evita esse t ranstOrno, além de promove r a anticoncepção na forma tardia da HSC fica reservado para as pacientes que
adequada. Pode induzir hiperpotassemia, não devendo ser desejam engravidar e representa a primeira etapa para res-
usada em pacientes com disfunção renal. Para as pacientes tabelecer os ciclos menstruais ovulatórios. O glicocorticoide
hipertensas em uso de inibidores da conve rsão da angioten- em dose baixa (prednisona 2 ,5mg ou dexametaSona 0,25 a
sina (captOpril, enalapril) ou dos bloqueadores dos recep- 0,5mg às 23h) objetiva suprimir a secreção do ACTH (que
tOres da angiotensina Oosartana, valsartana) é importante se eleva em função do bloqueio enzimático) e normalizar os
monitorizar a função renal e os íons. níveis de 17a0HP e de androstenediona.
O acetato de ciproterona é uma medicação antiandrogênica
de rivada da 17a-hidroxiprogesterona que está d isponível em Leitura complementar
dose baixa (2mg) como componente progeswgênico de contra- Costa-Barbosa FA, Telles-Silveira M, Kater CE. Hiperplasia adrenal
ceptivos orais combinados. Também pode ser usada como mo- congênita em mulheres aduttas: manejo de antigos e novos desa-
f ios. Arq Bras Endocrinol Metab 2014; 58(2): 124-31.
noterapia em doses de 12,5 a 50mgldia, mediante o uso inteiro
Escobar-Morreale HF, Carmina E, Oewailly O et ai. Epidemiology,
ou fracionado de comprimidos de 50mg, porém os efeitOS cola- diagnosis and management of hirsulism: a consensus statement
terais dessas doses limitam seu uso. Assim como outros antian- by the Androgen Excess and Polycystic Ovary Syndrome Society.
drogenios, a ciproterona pode produzir irregularidade menstrual Human Reproduction Update 2012; 18(2): 146-70.
e induzir a feminização de fetOs masculinos. Portanto, é funda- Hohl A, Ronsoni MF, Oliveira M. Hirsutism: diagnosis and treatment.
Arq Bras Endocrinol Metab 2014; 58(2):97- 107.
mental o uso associado de contraceptivo combinado. Mofid A, Seyyed Alinaghi AS, Zandieh S, Yazdani T. Hirsutism. lnt J
Outros antiandrogenios já estudados no tratamento do hir- Clin Pract 2008; 62(3):433-43.
sutismo são a finasterida, inibidor da enzima 5a-redutase tipo Rosenfield, RL. Hirsutism. N Engl J Med 2005; 353:2578-88.
2, e a flutamida, potente antagonista do receptOr de androgê- Rothman M S, Wieman ME. How should postmenopausal androgen
excess be evaluated? Clinicai Endocrinology 201 1; 75(2), 160-4.
nio. Entretanto, a flutamida tem potencial de provocar disfunção
Spritzer PM. Diagnóstico etiológico do hirsutismo e implicações para
hepática grave. Ainda que permaneçam como possíveis opções o tratamento. Rev Bras Ginecol Obste! 2009; 31( 1):41-7.
para o tratamento do hirsutismo, esses medicamentos não inte- Yildiz BO, Bolour S, Woods K, Moore A , Azziz R. Visually scoring hir-
gram mais o repertório habitual de intervenção medicamentosa. sutism. Human Reproduction Update 2010; 16(1):51-64.
CAPÍTULO (

Hiperprolacti nem ia
Antônio Eugênio Motta FeiTari
Luiza Liboreiro Motta Ferrari

INTRODUÇÃO Diferentemente dos outros hormônios da hipófise anterior


A prolaclina (PRL), um hormônio polipeptídeo segrega- controlados por fatores liberadores, a PRL é controlada prin-
do pela adeno-hipófLSe, contém 199 aminoácidos e tem peso cipalmente por um hormônio inibidor, a PIF (Prolactin Inhi-
molecular de 25.000 a 30.000 dálwns. Foram identificados biting Factor), que é a dopamina, sintetizada nos neurônios
tamanhos moleculares de maior peso, o que modifica sua tuberoinfundibulares do hipolálamo. Portanto, com a perda
bioatividade, ou seja, sua capacidade de se ligar ao receptor desse controle do hipolálamo sobre a hipófise, que pode ocorrer
específico na membrana celular, ocorrendo também mudança até mesmo por uma patologia na haste hipofisária, impedin-
em sua imunoatividade, que consiste em sua capacidade de do a passagem dos hormônios, haverá diminuição de tOdos
ser identificada por métOdos laboratOriais de imunoensaio. os hormônios produzidos pela adeno-hipófise, exceto a PRL,
Essas macromoléculas explicam certos casos de galactorreia que sofrerá elevação de sua produção.
sem hiperprolactinemia ao exame laboratOrial e vice-versa. Existe um hormônio hipotalãmico com ação estimuladora
sobre a produção da PRL agindo como um fator liberador e
identificado como o TRH, o hormônio liberador da tireotro-
HORMÔNIO DA DESCENDÊNCIA fina, o que explica os casos de hiperprolactinemia associados
A PRL é um hormônio cuja origem na evolução das es- ao hipotireoidismo quando há elevação do TRH.
pécies é muitO antiga, relacionada com pe ixes quando da Algumas substâncias podem estimular a síntese e a libe-
subida dos rios na época da desova. Nas aves é responsável ração da PRL: o V!P (peptídeo vasoativo intestinal), o GnRH
pelo choco e pela d iminuição da fome e do interesse sexual, (hormônio liberador das gonadotrofinas) e o GABA (ácido
fazendo os pais cu idarem e alimentarem seus filhotes por gama-aminobutírico).
períodos mais longos, de modo a garantir sua sobrevivência. Outras substâncias podem influenciar a secreção da PRL,
Nos mamíferos, a PRL é responsável pela produção do leite, como o estrogênio, a progesterona, a serotOnina, os opioides,
tendo ainda efe itos na inibição da reprodução pela supres- a h istamina, a vasopressina, a neuritensina, a substância P e o
são do funcionamento do ovário, impedindo nova gestação peptideo histidina-metionina (Figura 18 1).
durante o período de amamentação. Um efeito residual des- A secreção da PRL pela adeno-hipófise acontece de ma-
sa atividade é o aparecimento de impotência e diminuição ne ira pulsátil, ocorrendo variações de seu nível circulante no
da libido nos homens com hiperprolactinemia. Portanto, decorrer do dia, sem seguir um ritmo circadiano. A PRL au-
a PRL pode ser considerada o hormônio da descendência, menta durante o sono, diminuindo gradualmente no decorrer
pois garante à prole o cuidado dos progenitOres. da manhã.
Durante a gravidez ocorre elevação constante dos pad rões
FISIOLOGIA de PRL em função dos níveis crescentes de estrogênio e pro-
A PRL é produzida por células da adeno-hipófise e, como gesterona produzidos pela placenta, atingindo o máximo no
todos os hormônios produzidos por esse órgão, está sob o termo da gestação. No entantO, durante esse pe ríodo não
controle do hipotálamo por meio de hormônios controlado- ocorre a lactação, em virtude da ação do próprio estrogênio
res que chegam à hipófise pelo sistema porta h ipotalãmico- d iretamente na mama, inibindo localmente a PRL. Quando
-hipofLSário. ocorre a dequitação da placenta, os níveis de estrogênio e
126
r
((

Capitulo 18 Hiperprolactinemia 127

SINTOMATOLOGIA
A sintomatologia está na dependência de diversos fatores,
como, por exemplo, a quantidade de PRL circulante, sendo o
sintoma clássico a galactorreia, acompanhada ou não de ame-
norreia e infenilidade.
Em caso de macroadenoma, a simomatologia estará rela-
cionada com a comp ressão e invasão de estruturas vizinhas,
podendo ocorrer cefaleia e comprometimento do campo vi-
sual pela compressão do quiasma óptico. A extensão parasse-
lar do tumor para dentro dos seios cavernosos é um achado
radiológico frequente e, em alguns casos, pode acarretardes-
truição óssea e até mesmo causar compressão de pares ner-
,·osos craruanos.
Casos de cefaleta de inicio súbito associada a náuseas e
vômitos com perda da visão ou até paralisia de pares cra-
nianos são mdtcativos de apoplexia hipofisária e demandam
Figura 18.1 Representação esquemática da fisiOlogia/liberação de intervenção imediata.
prolactina.
Galactorreia
• Definição: presença de fluxo mamila r com caracterlsticas
de progesterona caem, liberando a ação da PRL, o que de- qulmicas de leite ou colostro na ausência de estado gravl-
sencadeia a apojadu ra do leite. A manutenção dos nlveis al- dico-puerperal recente.
tos de PRL e, portanto, da lactação, a partir desse momento • Incidência: 1% a 32% na mulher adulta (Corenblum, 1993).
passa a depender de novo mecanismo de imbição do PIF, Vários fatores interferem na prevalência.
que é o reflexo neuroendócrino da esumulação do mami-
lo pela sucção, conhecido como reflexo de Fergunson, que Amenorreia e infertilidade
induz a cada mamada o aparecimento de um ptco de PRL. Como Já descrito, sua presença está diretamente relacio-
A frequtncia constante das mamadas causa então um nível nada com nh·etS mats altos de PRL. A função ovariana esta-
elevado da PRL, mantendo a lactação e imbindo a ovulação. rá reduzida em razão da interferência da PRL nos pulsos de
A ação da PRL sobre a ovulação se dá pela sua interferência GnRH com consequeme d imi nu ição da secreção de FSH e
na secreção hipotalâmica pulsáLil do GnRH e a consequeme LH. As manifestações cl ínicas variam na dependencia do nl-
alteração dos nlveis d o hormônio folfculo-estimu lame (FSH) vel sé rico ela PRL circulante e também entre o encurtamento
e do hormônio luteinizante (LH). Essa interferencia está na ela fase lútea, a oligomenorreia, até a amenorreia, podendo
dependencia d ireta dos níveis circulantes de PRL, variando ocorrer graus menores de inibição ovariana que justificam o
desde uma fase lútea inadequada, passando por uma anovu- aparecimento de tnfertilidade relacionada com hiperprolacti-
lação Intermitente, o que acarreta oligomenorreia, até ano- nemía sem amenorreia. Elevação discreta (<30ngfml) pode
vulação total seguida de amenorreta, dependendo dos nh·eis ser causa de tnfenthdade por ocasionar fase lútea cuna ou
sangulneos de PRL (Figura 18.2). ciclos ano,•ulatónos.
Casos rnats avançados podem apresentar redução dos nl-
veis de produção de estrogênio (amenorreia central), acarre-
tando atrofia genital e outras consequências do htpoestroge-
AMENORREIA
nismo, como a osteoporose.
Uma maneira prática de lembrar a incidência dos sintomas
ANOVULAÇÃO TOTAL relacionados com a hiperprolaclinemia é que ficam em torno
ele 30% ou menos (Quadro 18.1).

ANOVULAÇÃO INTERMITENTE
Quadro 18.1 Caracterizaçào de sintomas e sinais das mulheres com
hiperprolactinemia

FASE LÚTEA INADEQUADA Um terço das pacoentes com ameoorreia tem hiperp<Oiachnemoa
Um terço das pactentes com hiperpc'OiacMemia tem
galactorreoa
OVULAÇÃO NORMAL Um terço das pacoentes com galactorreia tem ciclos regulares
Um terço das pac1entes com hiperprolactinemia tem in!ertohdade
Um terço das pacientes com amenorreia secundária tem adenoma
Figura 18.2 Hiperprolactinemia. Bloqueio progressivo da função
de hipólise
ovariana.
128 Seção I Ginecologia

Causas de hiperprolactinemia Quadro 18.4 Causas patológicas de t'ipetprolacooetmia

São dh•ersas as causas de elevação da PRL, como: Tumores hlpolldrlos


ProlactinO<nas
• Fisiológicas: relacionadas com as variações de sua pro- Acrocnegalia
dução (sono, coito, exerclcios) ou sobre seu controle Slndrome da sela vazia
Secção da haste hlpOiisária
natural (estimulo mamilar). A possibilidade de gravidez Tumores nl!o secretores
deve ser sempre considerada na mulher em perfodo fértil Angiossarcoma
(Quadro 18.2). Lesões hlpotalimlcaa
• Farmacológicas: causadas por medicamentos que atuam Histiocitose
Sarcoidose
imbmdo o PlF (dopamina) ou com ação direta sobre a pro- Granutoma eosinóf~o
dução da PRL. Muitos medicamentos ulihzados na prálica Tumoces- etaniofanngoomas, meningiomas. disgerminomas
dlnica por diferentes especialidades podem ser responsá- Radioterapia
veiS pela htperprolactinemia (p. ex., verapamtl e morfina Produção ectóplca por tum ores
mtbem a produção central de dopam ma; reserpma e alfame- carcinoma b<oncogêniCO
Hipernefroma
uldopa provocam depleção dos estoques cerebrais de do- Doenças en docrlnometabótlcas
pamma; metroclopramida e sulpirida bloquetam a ligação Hipolireoid1smo
da dopamina com seu receptor; inibidores da monoami- Doença de Add1son
noxidase e antidepressivos triciclicos inibem a recaptação Hiperplasia da suprarrenal
Insuficiência renal crOnica
de dopamina). Slndrome de Nelson
Outros medicamentos aLuam inibindo a rccaptaçâo da Hepatopatia crOnica
seroton ina, como a fluoxelina e os opiáceos. A cimelidi- Doenças e lesões l rrltatlvas da parede torácica
na e a ranilidina agem por antagonizar os receptores H2 Herpes-zóster
MastectO<nias
da histamma. Os estrogênios causam hiperprolactimemia Toracot0<n1as
por ação dtreta na hipófise, estimulando a transcrição gê- Mastoplast1as
mea e a :lltvidade mitólica dos lactotrofos (Quadro 18.3). DermatJte atópoca
Ouei'naduras
• Patológicas: desencadeadas por doenças ststtmtcas ou hi-
potalãmtco-htpofisárias, como o adenoma htpofisáno pro-
dutor de PRL (Quadro 18.4). Lesões imtativas da parede torácica, como queimaduras, her-
A causa endócrina mais comum é o hipoureoidismo pri- pes-zóster e cicauues de mastectomia, podem causar hiperpro-
mário que, em razão da queda dos hormônios tireoidianos, lacünemia por estimulo neuroendóerino (reflexo de Fergunson).
induz aumento do TRH que, por sua ação estimu lató ria sobre Tumores selares ou suprasselares que podem impedir que
a produção da PRL, pode causar a h iperprolactinem ia. a dopamina alcance a adeno-hipófise, desencadeando uma
hiperprolactinemia, são denominados pseudoprolactinomas,
Quadro 18.2 Causas fisiológicas da hiperprolactinemia e os nlveis de PRL encontrados nesses casos são geralmente
<150nglml (Quadro 18.4)
Sono
Refetçoes
Aden oma de hipófise produtor de prolactina
Esltesse
Cooto
(prolactinoma)
Exercfcoos «socos CorlSiderado o tumor de hipólise mais comum (50%), a
Gravidez e lactaçêO relação homem:mulher é de 20:1 nos microprolacunomas e
Man1pulaçê0 mamária de 1:1 nos macroprolactinomas.
Sua prevalência no Brasil não é conhecida , mas a hteratu-
Quadro 18.3 Causas farmacológicas da hiperprolactinemia ra mostra 100 a 500 casos por 1 milhão de habitantes. São
tumores benignos de crescimento geralmente lento ou está-
Antagonl1ta1 dopamtnérglcos
Fenotiazinas (clorpromazina, lorpramazina) vel. Casos raros ati ngem tamanhos capazes de comprimir as
Butirofenonas (haloperidol) estruturas vizinhas. principalmente o trato óptico, podendo
Benzamidas (metoclopramida, sulpirida. veralipnda) ocasionar hemianopsia bitemporal.
Agentes depletores da dopamlna A histologia não é de neoplasia, mas de uma hiperplasta
Alfametlldopa
Reserptna
nodular ou difusa com células normais, atingindo todas as
F6rmacos que atu am mediante mecanismos nio dopamlnérglcos faixas etárias, mas com maior prevalência entre a tercetra e a
Esltogênoos quarta década de \'ida. O encontro casual em necropstas \'ana
Progestogênlos de 9% a 27%.
AntodepressiVOS llicfclicos ~nibidO<es da MAO)
Op,áceos
Quando seu dtâmetro é <lOmm, o tumor é chamado de
Cocalna microadenoma, e quando maior, macroadenoma.
TRH O microadenoma raramente progride para macroadenoma
MAO. onzJma monoam100xldase: TRH: terapia de reposiçao hormonal. (Quadro 18.5).
r
((

Capítulo 18 Hiperprolactinemia 129

Quadro 18.5 Razões para não se diagnosticar o microadenoma mesmo de uma hiperprolactinemia sem tumor identificável
Ocorrência muito comum (veja Tratamento).
Crescimento muito raro na gravidez A alta sensibilidade da RM ajuda a detectar lesões peque-
Recorrência após cirurgia significativa nas e pode revelar tumores da hipófise em pacientes que rea-
Curso natural não afetado pelo tratamento com agonista lizam o exame com outros objetivos (incidentalomas). Em lO
dopaminérgico mil h ipófises examinadas, são encontrados cerca de mil mi-
Sem oontraindicação para terapia hormonal ou contraceptivo oral
c roadenomas não suspeitados.
Grandes tumores encontrados na hipófise ou acima dela,
associados à PRL <200nglml, provavelmente não serão con-
DIAGNÓSTICO siderados prolactinomas, e a elevação da PRL se deve à com-
A base do d iagnóstico é a dosagem da PRL basal (Quadro pressão da haste hipoftSária com interrupção do fluxo do
18.6). Sua pesquisa na ginecologia está sempre indicada nos PIF/dopamina do hipotálamo para a hipófise. Alguns casos
casos de galacwrreia, amenorreia com ou sem galactorreia e podem se r de macroprolactinomas com efeito gancho na do-
na infertilidade. sagem da PRL, quando a reação de imunoensaio lê valores
Os dados clínicos e a investigação inicial devem afastar ou- falsamente baixos. Nesses casos deve ser solicitada a dosagem
tras causas de elevação da PRL, como gravidez, uso de drogas, de PRL após diluição do soro a 1•100.
hipotireoidismo e insuficiência renal crônica. A campimetria visual e o exame do fundo de olho são mé-
Os exames complementares relacionados com a causa- todos de acompanhamento dos grandes tumores, até mesmo
-base da hiperprolactinemia devem ser realizados visando à durante a gravidez.
identificação da patologia subjacente (p. ex., afastar adenoma
de hipófise) para instituição do tratamento adequado. Diante
de uma paciente com quadro clínico compatível com possível
TRATAMENTO
elevação da PRL, a primeira conduta será a dosagem da PRL, O tratamento da hipe rprolactinemia está indicado nos ca-
sempre associada à dosagem do TSH para afastar o hipotireoi- sos sintomáticos (p. ex., galacto rreia, infertilidade) ou na pre-
d ismo (subclínico) como causador da hiperprolactinemia. sença de um macroadenoma em virtude do risco da compres-
A coleta do sangue deve ser feita pela manhã, após período são suprasselar. O encontro de microadenoma em paciente
de repouso, e evitando-se o "estresse" da punção venosa. Ní- assintomática não é indicação de tratamento.
ve is entre 5 e 25nglml são considerados normais. O encon-
tro de níve is >100nglml é sugestivo de tumores e de níve is Tratamento clínico
>200nglml, de macroprolactinomas. O tratamento clínico é a principal arma d iante das diversas
Os testes de estimulação e supressão do TSH e do GnRH causas de hiperprolactinemia, bem como dos macro e microa-
não mostraram valor diagnóstico e não são usados de rotina. denomas, com resposta râpida e satisfatória na grande maioria
A radiografia de crânio para avaliação da sela túrcica está dos casos. O [ármaco clássico é a bromocriptina, substância de-
indicada nas pacientes com galactorreia isolada ou associa- rivada do ácido lisérgico. Trata-se de um agonista dopaminér-
da aos outros sintomas e na hiperprolactinemia comprovada gico que se liga aos receptOres da dopamina nas células produ-
pelo exame laborato rial. tOras de PRL na hipófise, agindo como o PIE
Os métodos de imagem, como a tomografia computado ri- Sua ação sobre as células tumorais é rápida, ocasionando
zada (TC) e a ressonância magnética (RM), quando disponí- a d iminuição do volume do tumor por meio da redução do
ve is, apresentam grande sensibilidade, sendo de maior valor número de células por necrose e reposição por fibrose.
nos casos com níveis altos de PRL ou com aparecimento de
imagem suspeita à radiografta de crânio. São exames nem Bromocriptina
sempre acessíveis e que muitas vezes promovem pouca mo-
Apresentação e dose
d ificação na conduta, pois seu valor está em d iagnosticar o
microadenoma, um tumor de ocorrência relativamente fre- São administrados comprimidos de 2,5 a 10mgldia (em
quente, mesmo em assintomáticos, e CL~O tratamento será o dose única ou fracionada). Existe uma forma VO de liberação
lenta (5 a 15mgldia). A dose deverá ser ajustada individual-
mente, iniciando-se com quantidades menores para evitar os
Quadro 18.6 Métodos diagnósticos efeitos colaterais e aumentando até que se consiga a normali-
Dosagem de prolactina zação das taxas de PRL.
Dosagem de TSH
Testes de estimulação e sup<essão (TRH, GnRH) Efeitos colaterais (Quadro 18.7)
Técnicas radiológicas A incidência de efeitos colaterais é alta, principalmente no
Radiografia simples (lateral e frontal) início do tratamentO. Esses sintomas podem ser evitados ou
Tomografia computadorizada (com contraste) amenizados iniciando-se o tratamento com doses menores
Ressonância magnética ou fracionadas (duas vezes ao d ia) e aumentando essas doses
Campo visual e fundo de olho
gradativamente.
/.
'
'/,
J 130 Seção I Ginecologia

Quadro 18.7 Efetividade do tratamento clinico Não derivados da ergotamina


Normallzaçao dos nlve1s de prolact1na em 2 a 3 semanas após iniciar • Quinagolida: pode ser efetiva em tumores resistentes à
o tratamento bromocripüna e promove menos efeitos colaterats, além
Redução no tamanho de ma1s de 90% dos tumores de apresentar propnedades anudepresstvas. Dose: 74 a
Retorno da menstruaçao (em 80% das pac1entes com amenon-eia/ 300mg/dia VO.
galactorre~a. sem tumor)
• CV 205-502: sinteuzada recentemente, mostrou pratica-
cessaçao da galactorrel8 em 50% a 60% das pacientes
mente não ter efenos colaterats.
Retorno da menstruaçao em 5 a 7 semanas de tratamento
Cessaçao da galactorrel8 em t 2.5 semanas de tratamento
Gra111dez em 80% das pacoen1es Tratamento cirúrgico (re ssecção transesfenoidal
seletiva)
O tratamento cirúrgico é resel'\·ado para os casos em que
O uso da medtcação VIa vagmal (com o mesmo compri- não há resposta (diminutção do tumor) ou ocorre a persistên-
mido da via oral) é também benéfico por evitar a absorção cia da extensão suprasselar após tratamento medicamentoso
intestinal e a primeira passagem hepática, sendo sua absorção ou quando a paciente não suporta a medicação. As taxas de
idêntica à que ocorre com a administração oral, bem como os sucesso dependem da experiência do cirurgião e do tamanho
níveis circulantes e a eficácia. do tumor.
A taxa de morbidade é de 6,5% e a de mortalidade. 0,27%.
Cabergolina Resultados positivos são encontrados em 40% dos mac roa-
A cabergoli na é um agon ista clopaminérgico bastante poten- denomas e 80% dos microaclenomas.
te e de ação prolongada, administrado semanalmeme, o que fa- A recorrência é frequente (índice de cu ra ele 50% a longo
cilita a aderência ao tratamento. Algumas pacientes apresentam prazo): 70% em microaclenomas e 10% em macroadenomas.
menos efeitos colaterais, sendo observada a normalização da As causas de recorrência ou persistência da hiperprolac-
PRL em algumas pacientes resistentes à bromocriplina. linemia após cirurgia são: dificuldade de ressecçâo completa
Esse agonista clopaminérgico é mais potente e também mais (não há cápsula - aspecto semelhante ao tecido normal), tu-
efeth·o do que a bromocriptina na restauração dos níveis nor- mor de origem multifocal ou conunuação da anormalidade
mais de PRL em mulheres com adenomas lactotrofos. É consi- do hipotálamo com persistênCia do estimulo sobre a hipóftSe
derada por muitos a melhor opção, porém o uso a longo prazo, (a causa seria disfuncional).
mesmo em doses baLxas, pode aumentar o risco de doença car-
diaca vakular hipenrófica. Complicações
• Dose: 0,25 a 15mg uma ou duas vezes por semana (com- • Pan-hipopituitarismo: 10% a 30% (pnncipalmente nasCI-
prürudos de Smg). rurgias dos macroadenomas).
• Fislula de liquido cefalorraqUtd1ano.
Tratamento clínico com outros fármacos • Meningite (ocasional).
Derivados da ergotamma • Diabetes insipidus (com duração de 6 meses a permanente).
• lisurida: denvada do ergot. age como agonista dopami-
nérgico e amagomsta da serotomna. Sua eficácia é compa- Radioterapia
rável à da bromocnpuna. Dose: 0,1 a 0,2mg VO (após as Os resultados da radiopatia são menos satisfatórios do que
refeições). os da ci rurgia. A resposta ao tratamento geralmente é lenta,
• Pergolida: mais potente e mais bem tolerada do que abro- podendo demorar alguns anos para ocorrer a queda da PRL.
mocriptina. Dose: 50 a 150mg/dia (dose única). Pode se r As complicações, como o pan-hipopituitarismo, podem apa-
efetiva em pacientes resistentes à bromocriptina recer em até lO anos após o tratamento.
Sua indicação está reservada para tratamento de tumores
Os efeitos colaterais elos derivados da ergotamina encon- recidivames após tratamento cirúrgico e para diminuição de
tram-se listados no Quadro 18.8. grandes tumores que não responderam ao tratamento medi-
camentoso. Também está indicada em alguns casos de tumo-
Quadro 18.8 Efeitos colaterais dos derivados da ergotamina res mistos (produtores de GH ou ACTH) (Quadro 18.9).
Cefaleia
Hipotensào ortostética Tratamento conservador
Náuseas e vOmitos Nas pacientes assimomálicas nas quats não foi detectada a
Alucinação ( <1%) presença de macroadenomas e que não deseJam engravidar, a
Fadiga conduta conservadora, sem tratamento, é uma opção viável. As
Cólica abdom1nal pacientes devem ser controladas anualmente por meio da dosa-
Congestão nasal gem da PRL, devendo ser reah.zado exame de tmagem somente
Depressão em caso de elevação dos nlvetS. As preocupações da conduta
Tonteira conservadora devem abranger o nsco do htpoestrogentSmo,
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Capítulo 18 Hiperprolactinemia 131

Quadro 18.9 Tratamento dos prolactinomas

Tipo de tumor Terapi a recomendada Cont raIndi cado


Mlcroprolactinoma sem ( 1) Medicamento Radiação
sintomas (2) ObseNação
(3) Cirurgia se a medicação falhar
Mlcroprolactinoma com ( 1) Medicamento Radiação
sintomas (2) Cirurgia se a medicação falhar
(3) ObseNação
Macroprolactlnoma confinado ( 1) Medicamento ObseNação
à sela (2) Cirurgia
(3) Cirurgia ou radioterapia como coadjuvante da terapia com medicamento
Macroprolactlnoma com ( 1) Medicamento ObseNação
extensão além da sela (2) Cirurgia e/ou radioterapia como coadjuvante da terapia com medicamento

não existindo para essas pacientes comraindicação ao uso de dos, variando de 35 a 600ng/ml. A campimetria visual tem
contraceptivos hormonais ou terapia de reposição hormonal. importância nos casos de compressão do quiasma óptico. A
RM pode ser realizada na gestação, sendo recomendada nos
casos sintomáticos após o terceiro mes de gestação e sem uso
ADENDMA HIPOFISÁRIO E GRAVI DEZ
de gadolínio.
Ao se considerar que a hiperprolactinemia é uma das cau- Se houver a identificação de crescimento do tumor ou com-
sas de infertilidade, seu tratamento, quando esta é a única pressão do quiasma óptico, a terapia será feita com agonista
causa da infertilidade, torna possível a gravidez em até 80% dopaminérgico que, embora raramente necessário, não repre-
dos casos. senta risco para o feto.
O acompanhamento dessas pacientes não costuma ser Para as pacientes assimomáticas durante a gestação, a ama-
preocupante, pois menos de 2% dos casos desenvolvem sin- mentação poderá ser realizada sem receio de estimular o cresci-
tOmas de crescimento do tumor e apenas 5% delas podem mento tumoral, e o retorno da med icação deverá ser realizado
apresentar crescimento tu moral assintomático , sendo o risco após o término da amamentação.
maior nas pacientes portadoras de macroprolactinomas.
Em caso de aparecimento de sintomas, como cefaleia e dis- Leitura complementar
túrbios visuais, o acompanhamento será feito por me io da MarcA, Fritz e LS. Clinicai gynecologic endocrinology and infertility.
dosagem de PRL. Na gestação, seus níveis estarão aumenta- 8. ed., 201 1: 11(16).
CAPÍTULO (

Anovulação Crônica Hiperandrogênica


(Síndrome dos Ovários Policísticos)
Ricardo Mello Marinho
Leonardo Matheus Ribeiro Pereira

INTRODUÇÃO genes relacionados com a disfunção reprodutiva (LHCGR,


A anovulação crônica hiperandrogênica ou síndrome dos FSHR e FSHB) e outros com a disfunção metabólica (INSR e
ovários policísticos (SOP) acomete cerca de 6% a 10% das HMGA2) caracte rísticos da sind rome. Entretanto, os achados
mulheres na população em geral, sendo considerada a endo- são iniciais, o que ainda não possibilita considerar seu impac-
crinopatia mais comum entre as mulheres na menacme. to no aspecto clínico da doença.
As principais características relacionadas com a SOP são a
oligo ou anovulação e o hiperand rogenismo. Também podem ETIOPATOGENIA
estar presentes o aspecto policístico dos ovários à ultrassono- A base da fisiopawlogia (Figu ra 19.1) da SOP é o hipe-
grafia, a infertilidade, a obesidade e a resistência à insulina (RI). rand rogenismo, com o compartimento ovariano sendo o
Tanto a etiologia como o diagnóstico são motivos de con- colaborador mais consistente desse processo. A desregulação
trovérsia, já que a anovulação crônica h iperandrogê nica pode do citocromo P450cl7, enzima formadora de and rogênios
te r origem variada e manifestar-se clinicamente de diversas nas suprarrenais e nos ovários, pode se r o mecanismo central
maneiras e intensidades, não havendo quad ro clínico único, subjacente ao hipe rand rogenismo. Os androgênios, no tecido
situação que se reflete na dificuldade no estabelecimento de pe riférico, são convertidos em estrona, alterando os pulsos de
crité rios diagnósticos consensuais entre as d iversas associa- GnRH e elevando os níveis de LH, o qual estimula as células
ções de especialistas (Quad ro 19.1) da teca ovariana a produzir mais and rogênios. Os androgê-
A etiologia da SOP permanece desconhecida, mas acredita- nios em excesso tenderão à Sa-redução, com formação de
-se que vários fawres contribuam para o h iperand rogenismo diidrotestoste rona (DHT), o androgênio mais potente e não
e a anovulação, entre os quais as alterações da pulsatilidade mais a romatizado em estrogênios. Além disso, esses metabó-
central do hormônio liberado r de gonadotrofinas (GnRH) e litos em excesso inibem a aromatase e, consequentemente, a
do hormônio luteinizante (LH), anormalidades intrínsecas na produção de estradiol. Esse microambiente and rogênico ova-
este roidogênese ovariana, RI e consequente hiperinsulinemia riano é um ponto fundamental da SOP, contribuindo para o
e fawres ambientais (dieta e atividade física). Além d isso, es- processo de atresia folicular. Os folículos atrésicos são ricos
tudos recentes com base no ge noma descobriram pelo menos em inibina, que inibe a secreção h ipofisãria de FSH, aumen-
16 loci relacionados com a SOP. Nesses loci existem alguns tando a relação LHIFSH circulante.

Quadro 19.1 Critérios diagnósticos consensuais da SOP

NIH (1990) A SRM/ESHRE Sociedade de Excesso de NIH (2012)


(Roterdã, 2003) An drogênlo (2006)

Inclui todos os critérios a seguir: Inclui pelo menos dois dos ttês Inclui todos os critérios a seguir: Mesmo ESHRE/ASRM 2003
Hiperandrogenismo c línico e/ou critérios a seguir: Hiperandrogenismo clínico e/ou Identificação de fenótipos
bioquímico (HA) Hiperandrogenismo c línico e/ou bioquímica específicos
Disfunção menstrual bioquímica (HA) Disfunção ovariana e/ou ovários A: HA + 00 + PCOM
Oligo ou anovulação (00 ) policísticos B: HA+OD
Aspecto policístico dos ovários à C: HA+ PCOM
ultrassonografia (PCOM) 0 : 00+ PCOM

132
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Capítulo 19 Anovulação Crônica Hiperandrogênica (Síndrome dos Ovários Policísticos) 133

HIPOTÁLAMO
t INSULINA

HIPÓFISE

OVÁRIO t ANDROG~NIOS

TECIDO
PERIFÉRICO

t
+
ESTRONA
tESTROG~NIOS E
ANDROG~NIOS LIVRES

Figura 19.1 Fisiopatologia da SOP.

Os altos níveis plasmáticos de androgênios, assim como a A RI e a hiperinsulinemia são os pilares tanto para a SOP
obesidade e a hiperinsulinemia, provocam também a redu- como para a síndrome metabólica, o que estã d iretamente rela-
ção da produção da proteína carreadora de esteroides sexuais cionado com o alto risco de desenvolvimento do DM. Mulheres
(SHBG) pelo fígado, o que redunda no aumentO nas frações com SOP têm de cinco a dez vezes mais chances de desenvol-
livres de androgênios e estrogênios circulantes. ver DM e duas a três vezes mais de ter síndrome metabólica
A RI tem papel importante na fisiopawlogia da SOP. Apro- do que as sem SOP. Por isso, as alterações metabólicas presen-
ximadamente 65% a 70% das mulheres com SOP apresentam tes nessas mulheres poderiam incluí-las na chamada síndrome
RI e a hiperinsulinemia secundária, sendo a maioria obesa. A metabólica, que é caracterizada por aumento dos triglicérides,
insulina elevada atua sinergicamente com o LH nas células diminuição do HDL-<:, obesidade central, hipertensão arterial e
da teca, aumentando a produção dos and rogênios ovarianos. intolerância à glicose. As mulheres com SOP apresentam tam-
Além disso, esse aumento pode ter ação direta sobre os ovários, bém mais complicações obstétricas, como abortamento, DM
afetando a foliculogênese e causando atresia folicular precoce. gestacional e pré-eclàmpsia.
A obesidade e o sob repeso estão presentes em mais de 50%
das pacientes com SOP, podendo também contribuir para a
DIAGNÓSTICO
d isfunção ovulatória, o que ocorre por três mecanismos: (l )
aumento da síntese estrogênica por aromatização; (2) inibi- Clínico
ção da síntese hepática de SHBG, elevando a fração livre de O diagnóstico de SOP tem por base a h istória e o exame
estradiol e testosterona; e (3) elevação dos níveis de insulina clínico, ou seja, pacientes com relato de ciclos irregulares
que , como citado, estimula a síntese androgênica nos ovários. desde a menarca ou com amenorreia que ap resentam sangra-
A aparência policística dos ovários que pode ser observada menta após o teste da progesterona com sinais de hiperandro-
ao exame ultrassonográfico é a consequência e rtão a causa da genismo (acne, hirsutismo) e obesidade.
anovulação. O hirsutismo é classificado por meio do índice de Ferri-
Vários estudos demonstram que pacientes com SOP apre- man &: Gallwey, no qual se obse rva a distribuição pilosa em
sentam, além do risco aumentado de hiperplasia e câncer de diversos locais do corpo, conferindo 1 a 4 pomos por item ava-
endométrio em razão do estímulo estrogênico contínuo sem liado. Quando a soma dos pontos é maior do que 8, a pacien-
a contraposição da progesterona, riscos elevados também te é considerada hirsuta. Vale ressaltar que 10% a 15% das
para doenças card iovasculares e metabólicas, como o diabetes mulheres com hiperand rogenismo (bioquímico ou clinico) e
mellitus (DM). ciclos aparentemente normais são anovulatórias.
Pacientes com SOP, principalmente aquelas com RI e obe- Na prãtica clínica diária, nem semp re todos esses sinais e
sidade, apresentam níveis aumentados de proteína C reativa e sintomas estão presentes, o que pode dificultar o d iagnóstico.
homocisteína, além da diminuição da fibrinólise e da capaci- Devem ser investigadas e identificadas também as situações
dade antioxidativa e alterações do perfil lipídico (diminuição específicas que levam à anovulação, como hiperprolactine-
do HDL-c, aumento de LDL-c e triglicé rides), o que aumenta mia, h ipoti reoidismo, hiperplasia congênita da suprarrenal,
a chance de desenvolver doenças cardiovasculares, como hi- síndrome de Cushing, causas hipotalâmicas ou mesmo o iní-
pertensão arterial sistêmica e doença coronariana. cio de falência ovariana.
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') 134 Seção I Ginecologia

Na tentativa de estabelecer critérios d iagnósticos para a Quadro 19.2 Critérios diagnósticos da SM


SOP, a Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM) Circunferência abdominal >88cm
e a Sociedade Europeia de Reprodução Humana (ESHRE) pu-
Trlgllcérldes ;,150mg/dL
blicaram em 2003 o Consenso de Roterdã (Quadro 19.1), que
HDL-c <50mg/dl
contém os critérios mais utilizados para esse fim.
Atenção especial e cautela devem ser d irigidas ao diagnós- Pressão arterial ;,130 x 85mmHg
tico da SOP na adolescência, pois é comum a ocorrência de Glicemia Glicemia ;,1QQmg/dL
ciclos anovulatórios com hiperandrogenismo e aspecto poli-
cístico dos ovários no período pós-puberal. Além da atenção
dispensada às manifestações clínicas e metabólicas relevan- administração de 75g de dextrosol , o perfil lipídico, além das
tes que fazem pane da SOP e que podem apresentar-se nes- medidas da circunferência abdominal e da pressão arterial.
sa época e devem ser abordadas, cabe destacar que a rotula- O diagnóstico da SM segundo o consenso de Roterdã con-
gem de todas as pacientes como portadoras de SOP causará siste na presença de pelo menos três dos critérios descritos no
um impactO emocional e a preocupação desnecessária dessas Quadro 19.2.
pacientes.
Exames de imagem
Exames laboratoriais A ultrassonografLa vaginal deve ser feita por ultrassonogra-
A propedêutica para o d iagnóstico da SOP consiste na dosa- fLSta experiente e familiarizado com os critérios diagnósticos.
gem da prolactina, do hormônio estimulador da tireoide (TSH) Segundo o consenso de Roterdã, os ovários devem ter núme-
e da 17-n -hidroxiprogesterona para afastar hiperprolactinemia, ro superior a 12 folículos entre 2 e 9mm de diâmetro médio
hipotireoid ismo e hiperplasia congênita da suprarrenal de ma- ou volume ovariano aumentado, ou seja, >10cmJ A aparên-
nifestação tardia. A determinação dos níveis sé ricos de FSH e cia subjetiva de micropoliciswse ovariana não deve se r con-
LH é considerada de pouca imponãncia no d iagnóstico da SOP. siderada, vistO que 20% das mulhe res saudáveis apresentam
Em casos selecionados, o FSH deve ser solicitado para afastar essa morfologia e apenas uma pequena porção tem hiperan-
falência ovariana ou amenorreia hipotalâmica. drogenismo e irregularidade menstrual. Convém lembrar que
Alguns estudos recentes recomendam a dosagem do hor- a presença de ovários policísticos ao ultrassom não é essencial
mônio antimülleriano (HAM) quando não houve r aparelho nem suficiente para o diagnóstico da SOP.
ultrassonográfico ou profissional apropriado para fazer o d iag- Para as pacientes que têm longa história de ciclos irregula-
nóstico por imagem. Para esses autores a dosagem do HAM res, com períodos de sangramento abundante ou prolongado,
>4 ,Snglml poderia substituir o exame ultrassonográfico. Não o endométrio espessado pode se r indicação da necessidade de
há recomendação para seu uso rotineiro. biópsia endometrial.
A dosagem dos androgênios plasmáticos não é necessária.
As exceções seriam os casos de hirsutismo acentuado, recente TRATAMENTO
ou progressivo ou de '~rilização. Nessas situações é necessário A paciente portadora da SOP procura atenção médica por
afastar a presença de tumor ovariano e hiperplasia ou tumor de motivos diversos. A abordagem terapêutica dependerá do qua-
suprarrenal, e os hormônios a serem dosados seriam a testoste- dro clínico, da etiologia e de seus objetivos (Figura 19 .2).
rona e o sulfatO de desidroepiandrosterona (DHEAS). A testos-
terona livre, embora possa ser útil quando o hiperandrogenis-
mo não for e~dente, apresenta problemas em sua execução e Paciente com SOP
interpretação, não sendo recomendada rotineiramente.
Embora a RI faça pane da fisiopatologia da SOP, não há Mudanças nos
consenso quanto à recomendação para seu diagnóstico , já hábitos de vida
que os exames disponíveis não apresentam sensibilidade e
especificidade adequadas quando comparados com o pad rão-
-ouro, um exame complexo e utilizado somente em pesquisa + +
Controle da
(clampe euglicêmico). irregularidade
Hirsutismo Desejo de
Alguns autores recomendam, entretanto, o uso de índices e/ou acne gravidez
menstrual
calculados a partir da glicose e insulina de jejum, como a re-
lação glicose/insulina, insulina!glicose, QUICKI e HOMA-IR + -.-
para o d iagnóstico de RI. Outros indicam a dosagem de insu- coe Citrato de c lomifeno
Progestogênios
Letrozol
lina 2 horas após a administração oral de 75g de dextrosol. coe Espirolactona
Gonadotrofinas
Finasterida
É fundamental o rastreamento da síndrome metabólica (SM) Metformina
Cirpoterona
nas portadoras de SOP, pois sua prevalência nessas pacientes Laser
está em torno de 37% a 47%, comparada com 10% a 40% na
população feminina em geral. Para tanto devem ser solicitados Figura 19.2 Abordagem da SOP. (COC: contraceptivos orais com-
a dosagem de glicemia de jejum e da glicemia após 2 horas da binados.)
\.
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( I

Capitulo 19 Anovulação Crônica Hiperandrogênica (Síndrome dos Ovários Policisticos) 135

Mudança nos hábitos de vida dias, entre o segundo e o quinto dia do ciclo. Deve ser feita
Independentemente do objetivo a ser alcançado, a abor- sempre a momtorização do ciclo por meio da ultrassonografia
dagem micial às pacientes obesas ou com sobrepeso consiste transvaginal com o objeth·o de acompanhar o crescimento e
no estabelecimento de mudanças nos hábitos de dieta, ati- a ocorrência da ruptura folicular, além da espessura e do as-
vidade flsíca e perda de peso. Dieta com restrição calórica pecto endometriais. Na ocorrência da ovulação, o tratamento
e progra ma de exe rclcios físicos são medidas fundamentais. deve ser mantid o, mas não devem ser ultrapassados seis ci-
No enta nto, ainda não existem evidências sobre o melho r clos ele indução.
programa de perda de peso ou a dieta ideal para as mulheres A dose pode ser aumentada, caso a paciente não ovu le,
co m SOP. A redução sustentada de 5% a l O% do peso inicial para até l50mg ao dia. Cerca de 75% a 80% das mulheres
promove melhora da hiperinsulinemia e do hiperandroge- com SOP irão ovular com a utilização do CC, com 15% a
msmo com posslvel retomo da função ovulatória. A manu- 20% permanecendo anovulatórias apesar da dosagem má-
tenção do peso adequado melhora o controle da dislípide- xima. Mesmo com a alta taxa de ovulação, a ocorrência de
mla e da pressão arterial e auxilia a prevenção de doenças gravidez é bem menor em razão de outraS causas de mfertl-
cardlo,·asculares e DM. lidade assoc1adas aos erenos amíestrogênicos do medicamen-
to sobre o endométrio e o muco cervical. Nas pac1entes que
Controle da irregularidade menstrual apresentam cresc1mento folicular ao ultrassom, mas nas quais
O controle da irregularidade menstrual pode ser feito por o rompimento folicular não ocorre espontaneamente, reco-
meio do uso de um progestogênio durante lO a 14 dias por menda-se a utilização de 5.000UI de gonadotrofina coriOni-
mes, devendo ser evitados de rivados da 19-nortestosterona ca humana (HCG) quando o maior fol ículo ultrapassar 18 a
em razão dos e feitos androgênicos. Podem ser utilizados ace- 20mm, devendo ser usada com cautela nos casos de cresci-
tato de medroxiprogesterona na dose de 5 a lOmgldia, acetato mento rolicu lar múltiplo.
de nomegestrol, 5mgldia, didrogesterona, lOmgldia, ou pro- Os efeitos colaterais do CC incluem rogachos, cefaleia, dis-
gesterona mícronizada, 200 a 400mgldia. túrbios visuais, desconforto abdominal e náuseas. No entan-
Nas pac1entes que desejam a contracepção, o controle do to, na maiona das vezes seu uso é bem tolerado. O riSCo do
c1clo menstrual de,·e ser feito com o emprego de contracep- hiperestlmulo ovanano é baixo, e a gestação múlupla ocorre
uvos ora1s combmados (COC), evitando-se aqueles cujo pro- em 5% a I 0% dos casos.
gestogêmo tenha ação androgênica. As contramd1cações mduem a presença de cistos ovana-
nos, hepatopallas, tumor hipofisário e disfunções da suprar-
Híperandrogenismo {hirsutismo e acne) renal e tireo1d1ana não controladas. As alterações visuais reve-
No momento em que a melhora do hirsutismo constitui o lam a necessidade de inte rrupção elo tratamento.
objetivo elo tratamento, a melhor opção passa a se r o uso de Algumas pacientes resistentes ao CC também poderiam be-
um coe com o componente p rogestogênico antiandrogêni- neficiar-se ela associação de baixa dose de conicoides, em espe-
co, como a ciproterona ou a drospirenona. Ta mbém podem cial aquelas com nlveis elevados de androgên ios suprarrcnais.
ser associadas outras medicações de ação antiandrogênica,
como a espironolactona ou a finasterida. A nutamida de,·e Letrozol
ser eVItada em virtude de sua hepatotoxicidade. O tratamento Atualmente, apesar de seu uso off label, o letrozol pode ser
cosmético por eletrólíse ou laser de,·e ser reahzado após o considerado, JUnto com o CC, um medicamento de pnme1ra
perlodo mlmmo de 6 meses de tratamento cllmco. escolha para o tratamento da anovulação nas pacientes com
SOP e com deseJO de grav1dez. Em se tratando de pacientes
Desejo de gravidez com SOP obesas ou com sobrepeso, o letrozol se mostra maiS
Os obJetivos do tratamento da SOP relacionado com a in- eficaz do que o CC.
fertilidade são a restauração da ovulação e a graVIdez. Para O letrozol, um inibidor oral da enzima aromatase que age
alcançar esses objetivos existem várias intervenções, como as suprimindo a slntese de estrogênios ao inibir a conversão dos
mudanças nos hábitos ele viela , os agentes indutores de ovula- androgênios em estrogênios, é utilizado para a indução da
ção e substâncias que atuam na RI, além elo ovarian drilling e ovulação por p1·oporcionar aumento na liberação elas gona-
da reprodução assistida. dotrofinas h ipofisãrias.
A posologia do letrozol para indução da ovulação é de 2,5
Agentes indutores da ovulação a 5mg durante 5 dias na fase folícular inicial (do terceiro ao
Antes da mdução da ovulação convém completar a tm·estí- sétimo d1a do c1clo menstrual). Seus principais efeitos cola-
gação do casal, pois não é incomum a coexistência de outraS terais são fogachos, náuseas, radiga, alopecia e sangramento
causas de mferulidade, como alterações no espermograma e vaginal.
fator tubopemoneal. O letrozol fo1 cons1derado potencialmente teratogêmco
após relato de aumento na mcidência de malformações ósseas
Citrato de clomifeno (CC) e anomalias carcllacas em recém-nascidos de mães que o uti-
Considerado o medicamento de primeira escolha, o CC lizaram para tratamento da infertilidade. No entanto, outros
deve ser utilizado inicialmente na dose ele 50mg ao dia por 5 estudos com número maior de pacientes não confirmaram
/.

'
'/:
') 136 Seção I Ginecologia

esse achado. Vale lembrar, entretanto , que tanto o CC como Quadro 19.3 Grau de recomendação para riscos. inteNençôes
propedêuticas e terapêuticas da SOP
o letrozol não devem ser utilizados caso exista a possibilidade
de a paciente estar grávida. Afirmação Grau de
recomendação
Gonadotrofinas Pacientes com SOP apresentam elevada B
As gonadotrofinas (FSH e LH) são consideradas medica- incidência de hiperplasia e câncer de
endométrio, além de alto risco de desenvolver
mentos de segunda linha no tratamento de pacientes anovu- doenças cardiovascutares e OM
latórias com SOP e são utilizadas nas pacientes resistentes ao
O diagnóstico da SOPé fundamentado na B
CC e ao letrozol. Devem ser p rescritas apenas por profissio- presença de dois dos seguintes critérios: oligo
nais com expe riência em medicina reprodutiva. ou anovulação crônica, hiperandrogenismo
A monitorização clínica rigorosa e ultrassonográfica do ciclo é clínico ou laboratorial e ovários
obrigatória. Caso existam mais de quatro folículos com >l4mm polimicrocisticos à ultrassonografia, sendo
necessária também a exclusão da hiperplasia
de d iâmetro médio ou mais de três folículos com >l6mm, o congênita da suprarrenal, dos tumores
ciclo deve ser cancelado para que sejam evitadas a gravidez produtores de androgênios e da sindrome de
múltipla e a síndrome de hiperestímulo ovariano (SHO), que Cushing
pode ser grave e é mais comum em pacientes com SOP. A ad- Todas as pacientes devem ser orientadas a B
ministração de anãlogos de GnRH antes da administração de promover mudanças dos hábitos de vida, como
dieta, atividade fisica e redução de peso
gonadotrofinas parece reduzir as chances de abo namento, em
função da supressão do LH e da redução dos níveis androgêni- Citrato de clomifeno é medicamento de A
primeira escolha para o tratamento da
cos, mas é uma prática pouco adotada atualmente. in fertilidade associada à anovulação crônica
hiperandrogênica
Ovarian dri/ling O tratamento com CC não deve ultrapassar seis A
Alguns trabalhos têm suge rido o tratamento cirúrgico da cic los de indução. desde que haja ovulação
in fertilidade (cauterização ovariana ou vaporização a laser via O uso da melformina está associado aos retornos A
laparoscópica). A técnica cirúrgica consiste em fazer três a da ciclicidade menstrual e da ovulação e à
oitO lesões pontuais em cada ovário com eletrocauté rio. No melhora do hiperandrogenismo

entanto, o ovarian drilling mostra algumas desvantagens,


como a formação de aderências pós-operatórias, podendo
provoca r um fatOr tubope ritoneal e causar destruição de folí- de peso, ao c\omifeno e ao letrozol, nas quais não se deseja
culos ovarianos com diminuição da reserva ova riana. utilizar um tratamento mais complexo com gonadotrofmas.
Eventualmente poderá ser utilizada como primeira opção em
Medicamentos que atuam na RI pacientes jovens com pouco tempo de infenilidade.
O uso de medicamentos que atuam na RI, especialmente A dose recomendada é de 1.500 a l. 700mg, d ivididos em
a metfo rmina, tem sido muito estudado nos últimos anos. duas ou três tOmadas. Os efeitos colaterais gastrointestinais,
A metfo rmina é uma biguanida que age inibindo a p rodu- como diarreia, náuseas, vômitos, desconforto abdominal e
ção da glicose hepática, além de aumenta r a sensibilidade constipação intestinal, podem levar à inte rrupção do trata-
pe riférica à insulina, inibindo a gliconeogênese hepática e mento. Para reduzir os efeitos adversos é recomendado que
reduzindo a abso rção gastrointestinal da glicose, além de sua administração seja realizada durante as refeições e ini-
aumentar a sensibilidade pe riférica da insulina. ciada em baixas doses com aumento gradual. EfeitO colate ral
A metfo rmina melhora o pe rfil ho rmonal metabólico das grave, mas raro, é a acidose lática. O uso da metfo rmina está
pacientes com SOP, reduzindo o hipe randrogenismo e me- comraindicado para pacientes com insuficiência renal e car-
lho rando a RI e a hipe rinsulinemia. Seu uso está relacionado díaca e d isfunção hepática ou alcoolistas.
com o retomo da ciclicidade menstrual e da ovulação e com a Não existem até o momento evidências definitivas para
melhora do hiperandrogenismo. recomendar a metfo rmina para pacientes sem desejo de gra-
Diversas metanãlises sobre o uso da metformina na SOP videz com o propósito de regularizar os ciclos, melhorar o
foram publicadas, mas persistem dúvidas. As pacientes in- hirsutismo ou preveni r complicações.
cluídas são heterogêneas, e a dose e o tempo de uso do me- Casais que não engravidam com os tratamentOs anteriores
dicamento são va riados. A rigidez no julgamento da metOdo- ou que tenham fatores tubários ou masculinos associados serão
logia também elimina das revisões muitos estudos com bom candidatOs à técnicas de reprodução assistida (Quadro 19.3).
núme ro de pacientes. Existem resultados positivos quanto à
ocorrência de ovulação em comparação com o placebo. Ob- leitura complementar
se rva-se também aumento na taxa de ovulação quando se Biljan MM, Hemmings R, Brassard N. The outcome o f 150 babies fol-
lowing the treatment with letrozole or letrozole and gonadotropins.
compara a associação de metformina ao CC versus o uso iso-
Fertil Steril 2005; 84:595.
lado das duas medicações. Boomsma CM, Heineman MJ, Cohlen BJ, Farquhar C. Semen prepa-
Como regra, o uso da metformina deve se r reservado para ration techniques for intrauterine insemination. Cochrane Databa-
pacientes infé rteis com RI que não responderam à perda se Syst Rev 2004; (3):C0004507. Review.
:\_
r
((

Capítulo 19 Anovulação Crônica Hiperandrogênica (Síndrome dos Ovários Policísticos) 137

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CAPÍTULO (

Obesidade
Arlene de Oliveira Fernandes
Amanda Barbosa Moraes

INTRODUÇÃO estatura em metros (m) elevada ao quadrado, confo rme se


Nos últimos anos, a incidência de obesidade na popula- pode ver a seguir:
ção em geral vem aumentando em consequência da mudança IMC = Peso (kg) + Estatura (m2)
nos hábitos de vida da sociedade. Nos últimos 9 anos houve
aumento de 23% na frequência de excesso de peso em wdos A OMS preconiza como normais os valores de IMC entre
os estratos da sociedade. Segundo dados de 2014 do Minis- 18 e 24kg/m2 e define a presença de obesidade quando esses
té rio da Saúde, 52 ,5% dos brasileiros estão acima do peso e valores são supe riores a 30kg/m 2
17,9% da população estão obesos. O excesso de peso é maior A medida da circunferência abdominal (CA) tem sido aponta-
entre os homens (52,5%), em comparação com as mulheres da como o melhor indicador de obesidade central ou visceral, e,
(49, 1%), ressaltando-se que a taxa de obesidade (18,2%) en- quando >102cm nos homens e >88cm nas mulheres, está fone-
tre as mulheres ultrapassa as encontradas na população mas- mente associada a alterações metabólicas e ao risco de desenvol-
culina (17,9%). vimento de doença cardiovascular (Quadro 20.1). A CA deve ser
Entre as mulheres na idade reprodutiva, 31,5% se apre- medida na metade da distância entre a crista ilíaca e o rebordo
sentam acima do peso entre 18 e 24 anos e 48% entre 25 e costal inferior. A medida dessa circunferência abdominal deve
34 anos. Essas taxas aumentam progressivamente, chegando ser avaliada diferentemente nas variadas populações e grupos
a consideráve is 61,8% em mulheres no c\imatério - entre 45 étnicos. Nos países da América do Sul há a tendência de se con-
e 64 anos. siderar a CA aumentada quando >90cm nos homens e SOem nas
Nos últimos anos, a incidência da obesidade e os agravos mulheres; entretanto, em razão da miscigenação da população
e as comorbidades relacionados com o excesso de peso têm brasileira, é recomendada a utilização desses primeiros critérios.
aume ntado dramaticamente em wdo o mundo, sendo consi-
derados problemas de saúde pública.
ETIOLOGIA DA OBESIDADE
A obesidade está associada ao desenvolvimento ou à exacer-
A origem da obesidade está relacionada com múltiplos
bação de diversas patOlogias. A maior parte dessas doenças está
relacionada com a ação do tecido adiposo como órgão endócri- fatOres, como genéticos, neu roendócrinos, dietéticos, psico-
no, uma vez que os adipóciws segregam d iversas substâncias lógicos, culturais e socioeconômicos. A inOuência genética
atuantes no metabolismo e no controle de vários sistemas. nessa etiologia pode se r atenuada ou exacerbada por fato res
ambie ntais e pelas inte rações psicossociais que atuam sobre
DEFINIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DA OBESIDADE os mediado res fLSiológicos que contrabalance iam a demanda
e o consumo energético do o rganismo. No entanto, sabe-se
Segu ndo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a obe-
sidade é definida pelo acúmulo anormal ou excessivo de que os fato res externos apresentam maior relevância sob re a
go rdu ra corpo ral, que pode atingir níveis capazes de afetar incidência de obesidade do que os fatOres genéticos.
a saúde.
Uma maneira indireta de avaliação da quantidade de gor- FISIOLOGIA DO TECIDO ADIPOSO
dura corporal consiste no cálculo do índice de massa corporal O tecido adiposo, o principal reservatório energético do
(IMC), definido pelo peso em quilogramas (kg) d ividido pela organismo, tendo como principal função o armazenamento
138
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Capítulo 20 Obesidade 139

Quadro 20.1 Classificação do grau de obesidade na mulher segundo o IMC e medida da CA e risco de comorbidades (AACE, 2016)

IMC CA e risco de comorbldades


Classificação IMC (kglm 2) Risco de comorbldades CA,;&8cm CA >88cm
Baixo peso <18.5 Baixo
Normal 18,5 a 24.9 Ausente
Sobrepeso 25 a 29,9 Aumentado Aumentado Alto
Obesidade - Grau 1 30 a 34,9 Moderado Alto Muito alto
Obesidade - Grau 2 35 a 39,9 Severo Muito alto Muito alto
Obesidade - Grau 3 ;;,40 Muito severo Extremamente alto Extremamente alto

de triglicérides no citoplasma dos adipócitos, contém todas e o aumento da captação de glicose. Seus níveis aumentam
as enzimas e proteínas reguladoras necessárias para sintetizar na obesidade (tanto os sé ricos como os do tecido ad iposo) e
ácidos graxos (lipogênese), bem como para mobilizá-los para diminuem com a perda de peso, sendo também um marcador
utilização como fonte de energia , principalmente no período de resistência insulinica (RI).
entre as refeições, mantendo, assim, o aporte energético quan- O paradigma da função endócrina do tecido adiposo é a
do há déficit calórico. Os triglicérides são considerados ex- leptina, fundamental na regulação dos depósitos energéticos
celente fome de ene rgia. Enquanto os carboidratos fornecem e na fertilidade. A leptina é um peptídeo produzido quase
4,1 calorias/grama, o tecido adiposo é capaz de liberar 9,3 exclusivamente pelo tecido adiposo , a qual é regulada pelas
calorias/grama. alterações induzidas pela insulina no adipócito, e seus níveis
De maneira simplificada, após a ingestão de alimentos são proporcionais à quantidade de tecido adiposo. Sua liga-
há a disponibilidade de glicose, ocasionando a secreção de ção a receptores h ipotalâmicos transmite informação relativa
insulina e favorecendo o armazenamento de gorduras. No à massa de tecido adiposo e depósitos energéticos existentes.
j ejum, a diminu ição da glicemia ocasiona a queda da insuli- A ligação da leptina aos receptOres hipotalâmicos determina
na , e, então, os estoques de go rduras são mobil izados. Esse a liberação de neuropeptídeos anorexígenos (hormônio mela-
é um importante mecanismo de homeostase , realizado por trófico [MSH], CRH e CART) e a redução do AgRP e do NPY,
meio de sinais aferemes dos sistemas neurais e ho rmonais, relacionados com o aumento do apetite. A resposta efe rente
possibilitando poupar carbo idratOs para sua utilização em desencadeada (sobretudo pelo sistema simpático) determina
dete rminados tecidos que p raticamente só utilizam glicose redução da ingestão de alimentos, por um lado, e aumentO do
como fonte energética, como é o caso do sistema nervoso gastO energético, por outro. Uma das ações periféricas mais
central (SNC) importantes da leptina é a redução da síntese e secreção de
insulina, estabelecendo-se assim um eixo adipoinsular.
Entretanto, na obesidade, os níveis circulantes elevados de
REGULAÇÃO DA INGESTÃO DE ALIMENTOS leptina não induzem a resposta esperada de diminuição da
A regulação do apetite é função complexa há muito tempo ingestão e aumento do d ispêndio energético. A resistência à
estudada. No h ipotálamo, o núcleo vemromedial foi identifi- ação da leptina é demonstrada pela ausência de efeito da ad-
cado como o centro do apetite, com sua destruição acarretan- ministração de leptina exógena. Pensa-se que o defeito esteja
do a perda da saciedade, h iperfagia e inatividade física. dependente da limitação de seu transporte no nível da barreira
Entre os neuropeptídeos envolvidos nos processos de re- hemawencefálica. A resistência à ação da leptina poderá con-
gulação do apetite estão o neuropeptídeo Y (NPY) e o pep- duzir à interrupção do eixo adipoinsular, ao hiperinsulinismo e
tídeo agouti (AgRP), associados ao aumento do apetite , e o ao diabetes mellitus tipo 2 (DM2) associado à obesidade.
hormônio a -melanocítico e o peptídeo transcrito regulado A leptina não é um fatOr de saciedade, atuando sobretudo
pela cocaína e anfetamina (CART) com ação anorexigena. Os como função da adaptação a situações de baixa d isponibilidade
neurônios que expressam esses neuropeptídeos interagem energética. No homem, a mutação do gene da leptina ou de seu
entre si e ainda com sinais periféricos, como os fatores en- receptor está associada à obesidade hiperfágica e à infertilidade.
dócrinos. Seu papel no tratamento da obesidade fica reservado às raras
Outras substâncias foram identificadas como reguladoras situações de mutação de seu gene ou de seu receptor.
do centro do apetite. Entre aquelas com ação estimulatória Ao contrário da leptina, a grelina atua no hipotálamo, levan-
do apetite estão os opioides, a substância P, algumas ciwcinas do ao aumento do apetite e participando também do controle
e a grelina, enquanto o hormônio regulador da corticotrofi - do gastO energético. Segregada principalmente pelo estômago
na (CRH), a neurotensina e a leptina têm a função de inibir o e o intestino, exerce potente efeito eslimulador da liberação
apetite. do hormônio do crescimento (GH). Além disso, esse hormô-
As ciwcinas, em especial a interleucina 6 (IL-6), desempe- nio atua no controle da secreção ácida e da motilidade gás-
nham importante papel na regulação do apetite e gasto ener- trica, influenciando a função pancreática e o metabolismo da
gético, inib indo a lipoproteína lipase e provocando a lipólise glicose.
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') 140 Seção I Ginecologia

Provavelmente a grelina atua pelas mesmas vias que a lep- Quadro 20.3 Cálculo de RI em mulheres
tina no controle da ingestão de alimentos (principalmente a Índice Fórmula RI
do NPY). Assim sendo, esses hormônios exercem ação anta-
HOMA-IR Glicemia (mg/dl) x insulina ((llU/ml)/450 >2,71
gônica na regulação da saciedade.
QUICKI 1/(Log,0 glicemia+ Log,0 insulina) ,;0,34

PROPEDÊUTICA DA OBESIDADE
Em razão da fone associação com a obesidade , a síndrome O HOMA se baseia nas inte rações conhecidas da glicose e da
metabólica (SM) deve ser sempre investigada nesses pacien- insulina com diferentes órgãos, incluindo o pâncreas, o fígado
tes. A SM se caracte riza pela presença de hiperinsulinemia, e os tecidos periféricos. Assim, é possível calcular o nível de
resistência à insulina (RI), obesidade, d islipidemia, h iperten- funcionamento da célula ~ (HOlviA-~) e o grau de sensibili-
são arterial (HAS), DM2 e/ou tolerância à glicose diminuída. dade à insulina (HOMA- IR) (Quadro 20.3).
Vários critérios para definição e diagnóstico da SM foram A presença da RI em ind ivíduos obesos acarreta ainda au-
propostos por diferentes sociedades médicas. Na realidade, são mento na incidência de intolerância à glicose e diabetes melli-
reconhecidos por essas sociedades os mesmos fatores de risco, tus nessa população. Com base nesses dados é recomendável
estabelecendo apenas discretas diferenças no critério diagnós- a investigação de diabetes nesses pacientes com o teste oral de
tico a ser utilizado. Entre os vários critérios são destacados o tolerância à glicose 2 horas após a ingestão de 75g de dextro-
da OMS, o do European Group for the Study of lnsulin Re- sol. A h iperinsulinemia também está diretamente associada
sistance EGIR), o do National Cholesterol Education Program ao desenvolvimentO de HAS, que deve ser investigada perio-
Adult Treatment Panellll (NCEP ATP 111) e o da lnternational dicamente em wdo paciente obeso.
Diabetes Federation (!DF), entre outros. Um critério interes- Ao contrário da crença popular, o hipotireoidismo não é cau-
sante para a definição da SM foi estabelecido pelo grupo joint sa de obesidade. O ganho de peso que ocorre nessa patologia se
lnterim Statement OIS), que tentou harmonizar os d iferentes deve ao mixedema. Assim, a dosagem de rotina do hormônio
critérios propostos, conforme dispostO no Quadro 20.2. estimulador da tireoide (TSH) deve ser realizada nos pacientes
A RI instalada ocasiona alteração no metabolismo de car- obesos para a instituição de tratamento adequado nesses casos.
boidratos, gorduras e proteínas, promovendo a d iminuição Todos os pacientes obesos ou com sobrepeso devem ser
no catabolismo do triglicérides e no HDL-c e aumento no investigados quantO a algumas cond ições clínicas correlacio-
LDL-<:. Esse é o mecanismo responsãvel pelo desenvolvimento nadas com o excesso de peso, tendo em vista que a medida
da aterosclerose. Por esses motivos, a investigação de d islipi- isolada do IMC não é suficiente para ind icar o impacto da
demias é altamente recomendável nos pacientes obesos. ad iposidade na saúde. As principais condições clínicas rela-
A investigação da presença da RI deve ser realizada nos in- cionadas com a obesidade estão descritas no Quadro 20.4.
divíduos obesos em razão da fone associação entre as duas pa-
tOlogias. Entretanto, o método de avaliação dessa resistência Quadro 20.4 Condições clínicas relacionadas com o excesso de peso
é controverso. O dampe euglicêmico é considerado padrão, Hipertensão arterial
mas, em virtude da falta de praticidade desse métOdo, não é
Dislipidemia
utilizado na prãtica clínica. A dosagem da insulina basal só
Doença coronariana
identificaria casos mais severos de hiperinsulinemia. A relação
Sindrome metabólica
glicose/insulina <4,5 ou insulina!glicose >0,19 sugere RI.
Sindrome da apneia obstrutiva do sono
Outros índices utilizados são o Homeostasis Model As-
Doença hepática gordurosa não alcoólica
sessment - Insuline Resistance (HOMA-IR) e o Quantitative
Coiecistite; colelitíase
lnsulin-Sensitivity Check Index (QUICKI) O HOMA utiliza
Alterações reprodutivas
um modelo matemático para a predição das concentrações de
Sindrome dos ovários policisticos
glicose e insulina. A comparação das concentrações reais da lnfertilidade feminina
insulinemia e da glicemia com as predições do modelo ori- Hipogonadismo masculino
ginal possibilita o cálculo da RI e da disfunção das células ~- Doença do refluxo gasuoesofágico
Diabetes melfitus tipo 2

Quadro 20.2 Critérios diagnósticos para definição da SM Câncer


Mama
Glicemia de jejum :<100mg/dl Endométrio
Cólon
:<150mg/dl Esôfago
Trlgllcérfdes
(ou em tratamento) Flgado
HDL-c s50mg/dl Rim
Próstata
Pressão arterial :<130/85mmHg
Osteoartrite/gota/dor crônica
:<88cm Asma/doenças reativas das vias aéreas
Ci rc unferênci a
(varia. de acordo com o grupo étnico em
abdomi nal Incontinência urinária aos esforços
estudo)
Oefin.içao da síndrome: pmsença de três ou mais fatores de risco.
Depressão
\.
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( I

Capitulo 20 Obesidade 141

ABORDAGEM DA OBESIDADE A dteta tdeal devena ser composta por 50% de carboidra-
O tratamento da obesidade deve ser indMdualizado, le- tos, 15% a 20% de protelnas e menos de 30% de gorduras.
vando-se em consideração idade do paciente, sexo, grau de As gorduras saturadas não devem ultrapassar 7% a I O% do
obesidade, riscos individuais, caracterlsucas metabólicas e total das calorias ingeridas, o mesmo se a plicando às gorduras
psicossociais, além da avaliação da resposta a tratamentos an- poli-insaturadas. Já as gorduras monoinsaturadas podem per-
teriores. Estudos mostram que, no futuro, as caracterfsticas fazer até 20% das calorias totais . CotaS de gord uras inferio-
hormonais e genéticas deve rão ser também consideradas na res a 15% do valor calórico total podem diminui r o HDL-c e
abordagem da obesidade. aumenta r os nfveis sé ricos de glicose, insulina e triglicérides.
Recomenda-se a adoção de dieta, atividade flsica e mod ifi- Recomenda-se o consumo de 20 a 30gld ia de libras sob a for-
cação nos hábitos de vida na abordagem da obestdade (IMC ma de hort aliças, leguminosas, grãos integrais e frutas.
>25kglm 2) . Já a introdução de farmacoterapia de,·e ser a,·aliada O tratamento medtcamentoso deve ser reservado para m-
naqueles com IMC ~7kglm2 e que apresentem alguma comor- dividuos com IMC >30kglm 2 e que não respondem a altera-
btdade ou em caso de IMC <00kg!m2. Com relação à orurgia ções nos hábltos de \1da e dieta restriti\-a. Indivíduos com IMC
banátnca, estaria indicada em indivíduos com IMC <05kglm2 ~ 7kg!m' com comorbtdades que não tenham perdtdo l % do
que apresentem alguma comorbidade ou IMC ~40kglml, lem- peso inicial por mes, após 1 a 3 meses de tratamento não medi-
brando que tanto a farmacoterapia como a cirurgia bariátrica camentoso, também devem ser avaliados a respeito da possibi-
devem ser utilizadas como tratamento adjuvante das modifi- lidade de tratamento medicamentoso. Recomendam-se retor-
cações no estilo de vida . Os medicamentos podem aumentar a nos frequentes do paciente à consulta médica para reavaliação
ade1·encia à dieta, bem como incrementar a prática de alivida- d o tratamento, observando-se melhores resultados quando as
des ffsicas em pacientes com histó ria de insucesso na manuten- consultas ocorrem em intervalos de no máximo 30 dias.
ção da perda de peso em tratamentos anteriores. O tempo de uso de med icação para o tratamento da obesi-
Convém ser realista com relação aos objetivos que poderão dade deve ser ind ivid ualizado. Se o paciente responde bem a
ser alcançados no tratamento da obesidade. Tanto o médico u ma medicação com perda de peso~% do peso corporal, em
como o pac1ente de,·em estar cientes de que a perda de 5% a 3 meses de uso, o tratamento de,·e ser continuado, desde que
15% do peso corporal está relacionada com dtmmuição im- o fármaco seja seguro para uso prolongado. Caso a resposta ao
portante nos riscos à saúde. tratamento em 3 meses seJa insatisfatória ou se a segurança ou a
Para ser efeu,·a, a redução de peso deve ser lenta e gradual. tolerabtlidade do pactente à medicação estiver compromeuda,
O sucesso de um programa de emagrecimento depende de mo- deve-se descontinuar o tratamento e avaliar outra opção me-
d ificações nos hábitos de 'ida com aumento da athndade físi- dicamentosa.
ca e redução da ingestão de calorias, sendo fundamental urna Atualmente existem basicamente três tipos de medicação
abordagem mulLidisciplinar com méd ico, nutricionista, educa- dis poníveis para tratamento da obesidade:
dor frsico, psicólogo e a participação ativa do paciente.
• Fármacos de ação central que regulam a ingestão de ali-
A atividade frsica é determ inante do consu mo de calorias
mentos.
e essencial ao balanço ene rgético e ao controle do peso, além
• Fárrnacos de ação periférica que inibem a absorção alimentar.
de reduz ir a pressão arterial, elevar o HDL-c e mel horar o
• Fármacos que aumentam o gasto energético.
controle glicêmico. A OMS recomenda ISO mmutos sema-
naiS de auv1dade física em uma frequtncta de duas a três ,·ezes Com exceção do orltstat, os medicamentos uuhzados no
por semana, de,·endo incluir e.xercfcios aerób1cos e de forta- tratamento da obesidade atuam principalmente na regulação
lecimento muscular. A melhoria dos hábttos de vtda deve in- do apeute, em espectal por meio da estimulação dos neurô-
cluir também a redução no tempo de lazer passtvo e mudan- nios pró-op1omelanocoruna (POMC) localizados no núcleo
ça no coudiano com atividades que aumentem o gasto de a rqueado, ocasionando sensação de saciedade.
energia. Os medicamentos disponfveis para tratamento da obesida-
O plano alimentar deve ser individualizado de maneira a de estão relacionados no Quad ro 20.5.
promover redução de peso sustentável de 5% a 10% em re- Em razão d os efei tos colaterais sob re o sistema cardiovas-
lação ao peso co rporal inicial. O primeiro passo consiste em cular (insõnia, nervosismo, eufo ria, hipertensão e taquicar-
estabelecer as necessidades do indivíduo com o cálculo do gasto d ia), os agentes noradrenérgicos devem ser reservados para
energético total (GET) utilizando a fórmula de 20 a 25kcaVkg uso a curto prazo (S3 meses). Esses medicamentos são con-
peso atuaVdia. traindicados em pacientes cardiopatas. Tolerância e depen-
A dteta deve ser h ipocalórica, com redução de 500 a dência es1Ao comumente associadas a seu uso, não extstindo
I.OOOkcal do GET diário, com o objetivo de promover a perda estudos de longa duração com esses agentes nem evtdencta da
de 0 ,5 a 1kg por semana. DietaS contendo valores <800kcaV eficácia e segurança de sua utilização a longo prazo.
d1a não são efetivas para a redução de peso e podem ocasio- A anfepramona é o mais anúgo agente catecolammérgl-
nar desnutnção e deficiências nutnciona1s severas, devendo co aprovado e comercializado no Brasil para tratamento da
ser desencoraJadas. Uma d ieta contendo 900 a l.200kcaVdia, obesidade. Age no SNC, au mentando a liberação de nora-
d ivididas em quatro a seis porções ao d ia, é na maioria das drenalina, estimulando os receptores noradrenérgicos e mi-
vezes suficiente pa ra promover a redução do peso. bindo a fome. Seus efeitos adve rsos são bem tolerados pela
/.

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') 142 Seção I Ginecologia

Quadro 20.5 Medicamentos utilizados no tratamento da obesidade

Mecanismo de ação Medicamento Nome comerc ial Dose máxima Di sponibilidade em


d iária diferentes paises

Noradrenérgicos Fentermina Adipex 37.5mg EUA


lonamin 30mg

Dietilpropiona Tenuate 75mg EUA e América Latina

Anfepramona Sob prescrição controlada 120mg América Latina

Femproporex Sob prescrição controlada 50mg América Latina

Mazindol Sob prescrição controlada 3mg América Latina

Noradrenérgicos Fentermina Qsymia, 7,5mg/46mg EUA


+ + Vivus
modulador do receptor GABA Topiramato

Agonista do receptO( 5·HT2c Lorcaserina Belviq 20mg EUA

lnibidores da lipase Ortistat Xenical 360mg EUA, Europa e


América Latina

lnibidor da recaptaçào da dopamina e Naltrexona Contrave 32mg/3rong EUA e Europa


noradrenatina + antagonista opioide +
Bupropiona

Agonista GLP-1 Liraglutida Victoza, Saxenda 3,0mg. se EUA, Europa,


Canadá e Brasil

tnibidor da recaptaçào da noradrenalina Sibutramina Plenty 15mg Brasil e Rússia


e serotonina Reductil
Vazy

maioria dos pacientes, valendo ressaltar que a anfepramona associada ao aparecimento de crises convulsivas. O uso iso-
é contraindicada em pacientes com hipertensão arterial não lado da fentermina, apesar de aprovado pelo Food and Drug
controlada, não devendo ser recomendada aos pacientes com Administration (FDA) para perda de peso, não está, até o
história de doença cardiovascular, incluindo doença arterial momento, recomendado por tempo prolongado. O tempo de
coronariana (DAC), acidente vascular cerebral (AVC), insufi- utilização deve ser de no máximo 3 meses, sempre associado
ciência cardíaca congestiva (!CC) e arritmias cardíacas. Tam- a mudanças nos hábitos de vida.
bém é contraindicada em pacientes com distúrbios psiquiá- A sibutramina bloqueia a recaptação da noradrenalina e
tricos, podendo, nesses casos, causar dependência química. seroLOnina , sendo muitO eficaz na supressão do apetite, na
O femproporex também é um inibido r do apetite de ação pe rda de peso e na melhora dos parâmetros metabólicos, sem
catecolaminérgica, que atua no SNC e é utilizado na terapêu- afetar o metabolismo basal. Seus efe itos colaterais são d iscre-
tica da obesidade desde a década de 1970. E contraindicado tos (boca seca, constipação intestinal, irritabilidade, cefaleia
para pacientes com hipe rtensão arte rial não controlada, histó- e insônia), e podem ocorrer elevações nas pressões, tanto
ria de doença cardiovascular, incluindo DAC, AVC, arritmias sistólica como diastólica, bem como na frequência cardíaca,
cardíacas e !CC. exigindo monitorização periódica.
O mazindol é um derivado tricíclico, não anfetaminico, que Estudos com o orlistat demonstraram ação apenas no trato
tem ação no SNC, bloqueando a recaptação de noradrenalina gastrointeslinal, inib indo a lipase pancreática e aumentando a
nas terminações pré-sinápticas. Aprovado como agente ano- pe rda fecal de gordura. Em razão da maior perda de vitaminas
rexígeno em 1973, seu uso pode ser indicado em adultos sem lipossolúveis (A, D, E e K) no momento em que esse fárma-
doença cardiovascular ou doenças psiquiátricas associadas. co é utilizado, recomenda-se a administração de suplementos
A admin istração de baixas doses de fente rmina, uma ami- vitamínicos para serem ingeridos preferencialmente à noite,
na simpalicomimética, associado ao top iramato, um anti- ao deitar.
epiléptico com ação neuroestabilizadora, inibe o apetite e au- A lorcaserina é um agonista do receptOr de seroLOnina cujo
menta a saciedade, tendo sido aprovada nos EUA desde 2012 mecanismo de ação exato é desconhecido, mas é sabido que
para uso prolongado. Os estudos recomendam iniciara terapia diminui o apetite , promovendo saciedade por meio da ati-
com fentermina/topiramato em baixas dosagens (3 ,75123mgl vação dos receptores 5-HT2c nos neurônios anorexígenos
dia) por 2 semanas, aumentando para 7,5mgl46mg de acordo POMC no h ipotálamo.
com a LOlerabilidade do paciente. Doses mais elevadas devem Outra medicação recentemente aprovada pelo FDA (em
ser avaliadas criteriosamente, e a suspensão da medicação 2014) para o tratamento da obesidade é a liraglutida , um aná-
deve se r feita gradualmente , já que, em pacientes epilépticos, logo do peptídeo glucagon-like-1 (GLP-1 ), cujo receptOr está
foi observado que a suspensão abrupta do topiramaLO está presente em várias áreas do cérebro envolvidas na regulação
r
((

Capitulo 20 Obesidade 143

do apettte. Em pacientes diabéticos obesos ou com sobrepe- peito. A Resolução I.·H7 do Conselho Federal de Medacina
so, a mtrodução de liraglulida seria boa opção como auxiliar (CFM), de 11 de julho de 1997, veta aos mtdicos a prescriçdo
na perda de peso, além do efeito no controle glictmico. A dose simultdnea de d1ogas do tipo anfetaminas com ou maas dos seguin-
inicial preconizada é de 0,6mg (subcutânea), diariamente, au- tes Jdrmacos: benzodiazepfnicos, diuréticos. hormônios e laxantes
mentando 0,6mg por semana até a dose máxima de 3mgld ia. com a finalidade de emagrecimento.
Seu uso para tratamento da obesidade foi recentemente libe- A indicação de tratamento cirúrgico deve ser o úiLimo recur-
rado no Brasil. so a ser tentado em razão dos graves efeitos adversos associados
Ainda com relação aos pacientes diabéticos, observa-se ao método. O objetivo da ci rurgia é a diminuição da entrada de
modesta redução do peso corporal quando da introdução alimentos no tubo digestivo (cirurgia restriLiva) ou sua absor-
da metformina (2 ,lkg em comparação à perda de O,Ikg no ção (cirurgia disabsortiva), ou ambos (cirurgia mista).
grupo placebo), o que pode justificar seu uso como apoio ao A cirurgJa bariátrica estâ indicada em indivfduos ponadores
tratamento da obesidade. de obesadade estável há pelo menos 5 anos com IMC ~40kglm1
Os antidepressivos inibidores seletivos da recaptação da se- ou lMC >35kgtm' com comorbidades importantes e após msu-
rotoruna (Ouoxetina, senralina) podem ter efeato sobre a perda cesso do tratamento cllmco adequado realizado contmuamente
de peso; no entanto, não são aprovados para tratamento da por 2 anos (Resolução CFM l.766105). Eventualmente a ci-
obesadade. O efeito sobre a redução do peso com essas medica- rurgia pode ser considerada em pacientes com comphcações
ções é visto principalmente nos primearos 6 meses de uso, após graves da slndrome metabólica e lMC < 35kgtm 2• A cirurgia
o qual pode haver recuperação do peso perdido. bariátrica implica perda de 20% a 70% do excesso de peso,
Estudos recentes com a bupropiona, inibidor da recaptação sendo definitivamente o método mais eficaz e duradouro para
da dopam ina e da noradrenalina, demonstraram beneficios na tratamento da obesidade. A mortalidade associada ao método
perda de peso, mas os resultados não são duradouros, prova- está em torno de l %, e são comuns as complicações relaciona-
velmente porque a bupropiona também estimula a produção das com má nutrição.
de uma endorfina que, após alguns meses, bloqueia sua ação Diferentes técnicas são usadas a realização da cirurgia ba-
inibitória sobre o apetite. A naltrexona, antagoniSta do receptor riátrica. As restnuvas, que são as que reduzem a capacadade
de opaoade, ISOladamente não promove redução de peso, mas gástrica, causando a sensação de saciedade com menor quan-
quando associada à bupropiona bloqueaa a produção daque- tidade de ahmento, são asstm destacadas:
la endorfina, promovendo efeito mais potente e sustentado da
bupropaona, sem tendência à recuperação ou efeito platO. • Gastroplastia: mclui diversas técnicas cirúrgacas que re-
A associação de bupropiona e naltrexona foa aprovada em duzem o volume gástrico por meio de uma linha de gram-
2014 pelo FDA para o tratamento de obesidade. O tratamento peamento vertical ou horizontal. A pan e do estômago ex-
deve ser iniciado com administração única ao d ia pela manhã, clufda do trânsito alimentar não é amputada e permanece
aumentando um comprimido a cada 7 dias até a dosagem em seu sitio anatõmico.
máxima de dois comprimidos duas vezes ao d ia. Caso não • Banda gástrica ajustável: consiste na colocação de um anel
ocorra perda de peso acima de 5% em relação ao peso corpo- restritivo em tomo da parte inicial do estômago, criando pe-
ral anterior em 3 meses, a medicação deve ser interrompida e queno reservatório e estreita passagem para o restante do
o tratamento reavaliado. estômago. Esse anel pode ser insuflado por meao de dispo-
Em relação à regulamentação brasaleira de agentes antiobesi- sitivo tmplantado embaixo da pele, aumentando ou dami-
dade, a Agência Nacional de Vígilância Sarutâna (ANVISA), em nuindo o grau de restrição.
resolução da daretoria colegiada (RDC 50, de 25 de setembro
de 2014), daspõe sobre as normas de controle de comerciali- Técnicas mastas são as que combinam a redução da capaCI-
zação, prescrição e dispensação de medicamentos que conte- dade gástrica com a disabsorção intestinal, a qual é provocada
nham as substâncias anfepramona, femproporex, mazindol e ao se desviar a passagem do alimento de pane do intestino
sibutram ina, seus sais e isõmeros, vedando a prescrição e dis- delgado, reduzindo a área de absorção dos alimentos. As téc-
pensação acima das doses diárias recomendadas (DOR), con- nicas mistas se subd ividem em:
forme assim especi ficado:
• Técnica mista com maior componente res lrilivo: desvio
• Femproporex: 50mgldia. gástrico ou bypass gástrico, no qual o estômago é ampu-
• Anfepramona: l20mg!dia. tado em mais de 90%, e o trânsito intestinal é reconstrui-
• Mazmdol: 3mgldia. do de modo a proporcionar pequena disabsorção. A mais
• Sibutramina: 15mg!dia. utilizada é a técmca de Fobi-Capella (desvio gástnco com
A ANVISA, nessa RDC, especifica amda a forma de pres- reconstrução em Y de Roux).
cnção das medicações citadas, em três vias, acompanhadas • Técnica mista com maior componente disabsorLivo: de-
do Termo de Responsabilidade do Prescntor e Notificação de ri,·ação bilaopancreáuca, na qual 60% a 70% do estômago
Receita "B2". são reurados e o trânsito intestinal é reconstruido de modo
A associação de medicamentos no tratamento da obesida- a proporcionar grande d isabsorção intestinal. Entre essas
de não deve ser realizada por não existirem estudos a res- técnicas estão a de Scopi na ro e a duodenal switclt.
/.

'
'%
;; 144 Seção I Ginecologia

As dtferentes técnicas em cirurgia banátnca podem ser Garvey WT, Mecharuck Jl. Brett EM et ai.; and Reviewers of lhe AACEJ
reahzadas por laparotomia (cirurgia abena) ou por vtdeolapa- ACE Obesity Ctonocal Practoce Guidelines. Arnencan Assocoatoon
of Clinocal Endocronologists and American College of Endocrino-
roscopia. As mais frequentes são o desvto gástrico, a banda
logy Clonocal Practice Guodehnes for comprehensive medocal cara
gástrica aJUStável por videolaparoscopia e, em menor grau, a of patients with obesoty - executiva summary. AACE 2016 Dospo-
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CAPÍTULO

Endometriose
Cláudia Na varro CaTValho Duarte Lemos
júlia Alves Dias
Ines Katerina Damasceno Cavallo Cruzeiro

INTRODUÇÃO res apresentarem a doença e outras não, além de maior prevalên-


A endometriose é definida pela presença de tecido endo- cia em parentes de primeiro grau.
metrial fora da cavidade uterina com a indução de resposta A endometriose também tem incidência aumentada entre
inOamatória crOnica. O tecido endometriótico ectópico e o as mulheres com ciclos menstruais curtos e que tiveram me-
endométrio são respons1vos à ação dos esteroides ovarianos, narca precoce ou o primeiro filho mais tardiamente.
o que a caracteriza como uma doença benigna.
FISIOPATOLOGIA
PREVALÊNCIA As lesOes peritoneais tlp1cas de endometriose foram ini-
A endometriose está relacionada com mulheres na menac- cialmente descmas no século XIX. Desde então, vánas teorias
me, não havendo d1ferenc1ação soc1al ou étmca. No entanto, têm sido propostas para exphcar sua fisiopatolog1a, porém
sua verdadeira prevalenc1a é mcena por nào ha,·er marcador nenhum mecanismo Simples pode exphcar todos os casos de
especifico para a doença e seu d1agnósuco de6nith·o depen- endometriose. Essas teonas podem ser agrupadas em duas
der de proced1men1o cirúrg1co munas vezes inacessfvel à pa- correntes principaiS: aquelas que defendem o transporte e
ciente ou não ind1cado em pac1entes assmtomáticas. a implantação de células endometria1s e as que defendem o
Cerca de 4% das paCientes submeudas à esterilização tubá- desenvoh~mento de tecido endometrial ectóp1co a partir de

ria eletiva apresentam endometnose assmtomática, estiman- outro tecido por metaplasia. O desenvo),~mento da biologia
do-se que esteja presente em 5% a 20% daquelas com dor molecular e da genética demonstra que a endometriose é uma
pélvica crOnica e em 20% a 40% das mulheres inféneis, com patologia de herança familiar poligênica com fisiopatologia
prevalencia média de 3% a 10% nas pacientes em pertodo complexa em que as diferentes formas de apresentação {im-
reprodutivo. Trata-se de um dos principais fatores causadores plantes endometriais, endometriomas, endometriose profun-
de infertilidade em 15% das mulheres e, segundo alguns au- da infi ltrativa) seriam, na realidade, d iferentes entidades com
tores, pode ser encontrada em até 50% das pacientes in férteis. fisiopatologias distintas.
Estudos prospecti vos mostraram que 50% a 60% das pa-
cientes com endometriosc são in férteis, e essa patologia atinge Teoria da menstruação retrógrada
quase exclusivamente a mulher no pertodo reprodutivo, com Em 1927, Sampson sugeriu que os implantes pélvicos en-
média de idade de 20 a 30 anos. Apesar de se r uma patologia dometriais se desenvolveriam a partir de fragmentos de en-
hormOnio-dependente, alguns casos de endometriose ativa dométrio que atingiam a cavidade pélvica em razão do san-
foram descritos em mulheres na menopausa. Com relação aos gramento menstrual retrógrado pelas trompas de Falópio. As
locais de acometimento na pelve, é encontrada com maior principais localizaçOes dos implantes endometnais (ovários,
frequencia nos ovários, seguidos de fundo de saco posterior, fundo de saco anterior e postenor, hgamentos uterossacros,
prega vesicoutenna e trompas, podendo ser encontrados a porção posterior do útero e dos hgamemos largos) reforçam a
distãnc1a tec1dos endomeuióucos, como nos pulmOes. teoria. Outras e\~dencías são indução c1rurg1ca de menstrua-
EXlSle um componente hered1Lãno, provavelmente multigê- ção peritoneal, presença de células endometna1s em dialisado
nico, nessa patologm, o que JUSUiicana o fato de algumas mulhe- de mulheres no perlodo menstrual ou InJeção retropemoneal

145
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') 146 Seção I Ginecologia

de endométrio menstrual, estabelecendo endometriose expe- Esse conceito é fundamentado na origem emb riológica co-
rimental em primatas não h umanos. mum dos d uetos müllerianos, epitélio superficial e peritõnio
Células endometriais viáveis presentes no fluido pe riwneal pélvico da parede celõmica. Essa teoria se tOrna atrativa por
d urante a menstruação podem ser cultivadas in vitro, sendo poder explicar a ocorrência da endometriose em qualquer
capazes de aderi r e penetrar na supe rfície mesotelial do peri- localização do corpo, como na pleu ra, no pulmão ou no joe-
tõnio. O desenvolvimento da endometriose pe riwneal pare- lho, ou quando acontece antes da menarca, parece ndo se r a
ce envolver delicado equilíbrio entre os "fatores de ataque" fisiologia mais provável no caso de cistos ovarianos endome-
(menstruação retrógrada) e os mecanismos de defesa, sendo triólicos, os quais oco rreriam por metaplasia da im>aginação
necessário, portanto, que ocorram três fatores: menstruação do mesotélio.
retrógrada, presença de células endometriais viáveis nesse flu- Entre os ovários b iopsiados durante operação cesariana,
xo e adesão das células ao peritõnio com posteriores implan- 90% mostram evidências microscópicas de reação decidual,
tação e p roliferação. o que indica que, sob estímulo hormonal aprop riado, a me-
As pacientes com anomalias obstrutivas no tratO genital in- taplasia pode ocorrer. Casos raros foram relatados na bexiga
ferior, menarca precoce, ciclos menstruais curtos ou com me- e na parede abdominal de homens tratados com altaS doses
norragia apresentam maior incidência da doença. Entretanto, de estrogênio em vi rtude do câncer de próstata. Entretanto,
o sangramento menstrual retrógrado ocorre em até 90% das essa teoria não explica por que a endometriose ocorre princi-
mulheres e nem todas dese nvolvem a endometriose, o que palmente em idade reprodutiva, acomete ndo principalmente
sugere a existência de fatOres individuais que irão determinar os órgãos pélvicos, e aparece em pacientes com endométrio
quem desenvolverá a patologia. Acredita-se que o desequilí- funcionante. A ausência de alteração profunda no perfil hor-
brio entre os fatores de ataque e os de defesa seja responsável monal da mulher com endometriose coloca em dúvida a etio-
pelo desenvolvimento da patologia. logia metaplásica da doença, não havendo evidê ncias clínicas
Com relação à adesão celular, estudos demonstraram pre- ou experimentais dessa teoria, que se baseia apenas em rela-
sença de moléculas de adesão da família das integrinas e cata- tos de casos de endometriose antes da menarca ou em órgãos
lases em lesões endometrióticas e em células e tecidos poten- distantes.
cialmente envolvidos no desenvolvimento da endometriose.
O padrão de expressão das moléculas de adesão celular sugere Genética e imunologia
se r necessária uma coordenação em suas ações para sua efe- Acred ita-se na existência de urna herança genética complexa
tiva adesão e que a atividade p roteolítica do fluido pe riwneal cujo fenótipo é frutO da interação entre as variantes alélicas dos
pode afetar a ação dessas moléculas. A perda dessa capacida- genes de suscetibilidade e fatores ambientais. Algumas obse r-
de de adesão seria provavelmente um dos mecanismos de de- vações sugerem essa hipótese, como o fato de parentes de pri-
fesa periloneal no dese nvolvimento da endometriose, agindo meiro grau de mulheres com endometriose apresentarem pre-
de duas maneiras: impedindo a adesão celular e facilitando valência seis a sete vezes maior do que a população em geral.
a destruição dessas células pelos macrófagos peritoneais. Em pares de gêmeas monozigóticas, caso uma delas apresente
Um tecido peritoneal intacto também representa uma li- a doença, a outra terá 30% de chance de também apresentar a
nha de defesa contra o dese nvolvimento da endometriose, patOlogia. Em gêmeas dizigóticas, essa chance cai para ll %. A
mas esse mecanismo precisa ser mais bem elucidado. Outros idade de aparecimento de sintomas é semelhante entre irmãs
fatores envolvidos na fisiopawlogia se relacionam com o ní- não gêmeas.
vel de estrogênio e com as imunidades celular e humoral da O endométrio de mulheres que desenvolvem endometriose
paciente. aprese nta expressão molecular alte rada, o que pode explicar
Com o auxílio da teoria da menstruação retrógrada, o de- sua capacidade de implantação e crescimento extrauterino,
senvolvimento de endometriose em sítios fo ra da cavidade incluindo integrinas, metaloproteinases, fatOres de transcri-
pélvica pode se r explicado pela disseminação linfática ou san- ção e aromatase, dentre outros. Metaloprote inases da matriz
guínea de fragmentos endometriais ou po r transporte durante extracelular ajudam na descamação habitual do endométrio
procedimentos cirúrgicos. Estudos com imuno-histOquímica e sofrem supressão pela progesterona, mas se to rnam resis-
demonstrando diferenças moleculares entre o tecido endome- tentes a essa supressão na endometriose, o que lhes con fere
trial e os implantes endometriólicos têm levantado questiona- maior potencial invasivo.
mentos a respeitO dessa teo ria. A p resença de endometriose Pacientes com endometriose apresentam número maior e
em pacientes com ausência de útero (sínd rome de Rokitans- mais ativo de macrófagos; entretanto, ao contrário do espe-
ki) e a estabilização da patologia, mesmo que se mantenha o rado, depois de ativados, juntamente com os monócitos cir-
refluxo menstrual, também sáo pomos de questionamentO da culantes são segregados fatOres de crescimento e citocinas, que
teoria de Sampson. estimulam a proliferação do endométrio ectópico. O endomé-
trio ectópico apresenta maior resistência à apoptose e menor
Teoria da metaplasia celômica destruição pelos macrófagos, aumentando sua sobrevivência
A teoria da metaplasia celõmica se baseia na hipótese da trans- na cavidade pe ritoneal. Assim, ocorrem estimulação da adesão,
formação metaplásica espontânea das células mesoteliais de riva- proliferação e angiogênese local, apesar de não estar claro se tal
das do epitélio celõmico localizado no peritõnio e na pleura. anormalidade é causa ou consequência dessa patOlogia.
r
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Capítulo 21 Endometriose 147

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS fonnas de apresentação, o diagnóstico d1ferenetal deve ser


As manifestações cllmcas da endometriose são ,-ariâ,·eis e sempre excluido com corpo lúteo, cisto hemorrágico ou tu-
imprevislveis, e mcluem dlSmenorreia, dor pélvica crônica, mores. A realização do exame na pnme1ra fase do c1clo mens-
dispareuma profunda e mfentlídade. Um número significati- trual auxilia o diagnóstico d1ferenc1al de cistos hemorrágicos
vo de pacientes é assmtomáuco. e de corpo lúteo.
Os sintomas ma1s comuns são a dor péh•1ca, a dismenor- Estudo comparauvo entre b1óps1a e RM demonstrou que a
reia e a d15pareuma. A dor tem d1versas formas de apresen- RM apresenta elevada acurác1a no d1agnósuco pré-operatório
tação, podendo ser um ou b1lateral, locahzada ou difusa, ter da endometriose nos ovários, na reg1ão retrocer\1cal, no retos-
caráter clchco ou continuo, com Intensidade variá,·el, nem sigmoide, na bex1ga, nos ureteres e na '"'g1na, sendo os cistos
sempre com correspond!nc1a d1reta entre o grau da patolo- hemorrágicos e os nódulos pentonealS em localizações especi-
gia e a intens1dade da dor. De acordo com a localização da ficas os mais bem visuallZlldos. O papel da RM no diagnóstico
infiltração pentoneal, a dor pode irradiar-se para a coxa (im- de endometriose peritoneal não está bem estabeleodo.
plante em ovános), para o perlneo (1mplante retal) ou para A dosagem do CA-125, um anticorpo monoclonal contra
a região lombar (im plante em ligamento uterossacro). Tanto a um antlgeno do epitélio ovariano, foi utilizada por alguns
lesão endometriótica como suas consequências são causas de autores como marcador sénco da presença de endometrio-
dor pélvica (cicatrizes peritoneais, aderências pélvicas). se. Esse marcador, entretanto, pode estar associado a várias
A endometriose envolvendo alguns órgãos pode ocasiona r condições fisiológicas ou patológicas, como, por exemplo, na
sintomas com eles relacionados, como tenesmo perímens- gravidez in icial, durante a menstruação normal, leiomiomas
trual, diarreia, constipação intestinal, disquezia, em caso de ou doença innamatória pélvica, o que d iminuí sua especifici-
acometimento intestinal, ou d isú ria e hematúria, em caso de dade no diagnóstico da end ometríose.
envolvimento da bexiga. A d ismenorreia, por sua vez, geral- Metanálise revela que esse marcador não é o ideal para ras-
mente apresenta caráter progressivo e se inicia alguns anos treio ou diagnóstico, pois um valor-l imite que promova 90%
após a menarca, ao contrário da dismenorreia primária, que de especificidade tem menos de 30% de sensibilidade. Em es-
geralmente já está presente nos primeiros ciclos ovulatórios tágios avançados de endometriose, os valores associados a 90%
logo após a menarca. de especificidade U!m sensibilidade <50%. Admitem-se como
A dor associada à endometriose pode não estar relacionada valor-limite superior da normalidade até 35UVml, e nlveis
com o estágio da doença, mas geralmente se associa mais à >65UVml aumentam a possib1hdade de aderencias densas de
endometriose profunda mfiltratíva. D1squezia durante o pe- ornemo, endometriomas rotos ou obhteração de fundo de saco,
rlodo menstrual e dlSpareunia profunda são os sintomas mais sendo prudente o preparo mtestinal pré-operatório nesses ca-
sugestivos de endometriose mfiltrauva. sos. A dosagem desse marcador, apesar de ter pouca uulidade
no diagnóstico, parece ser úul no acompanhamento do trata-
mento e na suspe1ta de recorri!nc1a.
DIAGNÓSTICO O padrão-ouro no diagnósuco de endometnose é a mspeção
O exame fls1co tem sens1b1hdade, espectficidade e valor visual da pelve femimna por '1deolaparoscop1a, a menos que
predili\'0 reduz1dos em comparação com o padrão-ouro do se visualize lesão na \-agma ou em outro locaL A demonstração
diagnósuco Cirúrgico, mas pode ser úul, pnncipalmeme na histológica ectópica de glândulas e/ou estroma endometriais
endometnose profunda infiltrativa, ressaltando-se que o to- confirma o diagnóstico, mas o anatomopatológico negativo não
que retal auxilia a detecção dessa forma de apresentação. o exclui. A laparoscopia positiva é menos mformauva e de valor
O desenvolvimento de aparelhos com resolução cada vez limitado quando não acompanhada de b1ópsias para obter a
maior e a habilitação de profissionais direcionados para a confirmação histológica do diagnóstico. Na presença de lesóes
área têm tornado os métodos de imagem uma boa opção de infiltralivas ou suspeita de endometriomas >4cm é imperiosa a
propedeutica não invasiva. A ultrassonografia endovaginal realização de eswdo anatomopatológico não só para confirmar
tem seu papel no diagnóstico de endometriomas e nódulos o diagnóstico, mas para afastar posslvel malignidade.
endometrióticos de fu11do de saco, reto e vesicaL Entretan- Não há evidência científica que delim ite a me lhor fase do
tO, a visualização de endometriose pro funda ao ultrassom é ciclo para realização da videolaparoscopia; no entamo , não
altamente operado r-dependente; portanto, só é recomenda- deve ser realizada se a paciente estiver em uso de tratamemo
da para esse fim se realizada por especialista capacitado, pre- hormonal por mais de 3 meses com risco de subdiagnóstico
ferencialmente após preparo intestinal adequado. Apresenta dos implantes. A realização na primeira fase do ciclo apresen-
como restrição o fato de não ser bom método para visualiza- ta a vantagem de se evitar inter\•enção cirúrgica na presença
ção de implantes peritoneais e das consequêncías da endome- de gravidez iniciaL
triose, como as aderencias pélvicas. A indicação da videolaparoscopia vai depender da história
Os endometnomas se apresentam tipicamente como cis- clinica e do exame flsico, devendo ser considerada na presen-
tos homogeneos h1poecogenicos com finos debris, descritos ça de parentes de pnmeiro grau com a doença, dor pélvica
como imagem em \1dro fosco. Entretanto, diversos formatos crônica, dismenorre1a progressiva, útero com retroversão fixa,
podem ser vtsualizados, mclumdo massas mistas ou sólidas massa anexial, nodulandade em fundo de saco e espessamen-
com septações mternas grosse1ras. Em vtnude dessa gama de to de ligamento uterossacro.
/.

'
'/:
') 148 Seção I Ginecologia

Apesar de a endometriose clássica aparece r como lesões pig- nar melhor a dor pélvica com a d ificuldade ci rúrgica; entre-
mentadas de azul, marrom ou preto em razão do sangramentO tanto, não é capaz de predizer taxa de gravidez em pacientes
e do depósitO de hemossiderina, essa apresentação parece cor- in férteis.
responder à forma mais antiga e inativa da doença. As chama- O novo sistema de estadiamento EndometrosiS Fertility lndex
das lesões vermelhas devem se r consideradas a forma inicial e (EFI) prevê taxas de gravidez em pacientes com infenilidade.
provavelmente a mais ativa da patOlogia. A endometriose pode Esse estudo teve abordagem diferente para o desenvolvimento
também estar presente em lesões de difícil reconhecimento, de- de um sistema para pacientes in férteis, recolhendo dados clíni-
vendo-se suspeitar dessa patologia na presença de lesões bran- cos prospectivamente, utilizando a avaliação de resultados para
cas, opacas, em "chama de vela", excrescências glandulares, a infe rtilidade, fazendo análise estatística abrangente dos dados
aderências, placas "café com leite", defeitos circulares no peri- e de rivando um novo sistema de estadiamemo a partir dos da-
tõnio, hipervascularização ou petéquias peritoneais. A magnifi- dos em vez de suposições. O EFI é útil apenas para pacientes
cação do tecido a se r examinado promovida pela laparoscopia de infertilidade que tiveram estad iamento cirúrgico da doença,
é de grande auxílio no diagnóstico dessas lesões. podendo se r usado para decidir a que tipo de tratamento aspa-
A videolaparoscopia torna possível o estadiamento da pa- cientes devem ser submetidas, por quanto tempo e qual o custO
tologia por meio de inspeção sistemática de wda a pelve e antes de considerar as tecnologias de reprodução assistida após
do registro da localização, tamanho e aparência das lesões. a cirurgia de endometriose. Não pretende predizer qualquer
A pontuação das lesões concorre para uma classificação que aspecto da dor associada à endometriose.
pode se r útil na avaliação do prognóstico da paciente, prin-
cipalmente no referente à fertilidade, e na comparação entre ABORDAGEM DA ENDOMETRIDSE
os resultados de procedimentos te rapêuticos cirúrgicos e me-
A abo rdagem terapêutica da paciente com endometrio-
dicamentosos. Como já mencionado, o tipo da lesão parece
se deve levar em conside ração o principal objetivo naquele
correlacionar-se com a atividade b iológica dessas lesões. En-
momento: controle da dor ou tratamento da in fertilidade. A
tretanto, wdas as tentativas de sistematização da classificação
conduta a se r adotada vai variar de aco rdo com o objetivo a
da endometriose são subjetivas e pouco se relacionam com
ser alcançado.
os sintomas apresentados pelas pacientes. l esões d issemi-
nadas por tOda a pelve com grande processo inflamatório e
Abordagem da dor na endometriose
muitas aderências podem ap resentar-se assintomáticas, sendo
achados acidentais em exame videolaparoscópico por outras Uma boa prática clínica no manejo de pacientes comendo-
indicações ginecológicas, enquanto a doença aparentemente metriose sintomática consiste em aconselhamento, analgesia
mínima à visualização pode apresentar-se como dor irradiada adequada, o rie ntações de mudanças nos hábitos de vida e te-
e incapacitante Oesão infiltrativa profunda). rapêutica ho rmonal.
A classificação mais utilizada é a desenvolvida pela Ame- A te rapêutica medicamentosa tem seu papel definido em
rican Society for Reproductive Medicine (ASRM) em 1979 e algumas situações, como:
revisada em 1985, a qual leva em conside ração o tamanho das • Alívio da dor associada à endometriose.
lesões, sua aparência e localização, o acometimento de outros • Sup ressão da doença ativa sintomática.
ó rgãos e a presença de outras patologias associadas, sendo d i- • Te rapêutica pré-operató ria em endometriose grave.
vidida em graus I, li, lll e IV (mínima, leve, moderada e gra- • Te rapêutica pós-ope ratória quando houver exérese incom-
ve). Apesar de apresentar limitações, esse sistema promove a pleta ou doença recorrente.
unifo rmização da descrição de achados cirúrgicos e a compa- • Prevenção de recorrência.
ração entre resultados dos diversos tratamentos. Em 1996 o
sistema foi novamente publicado, adicionando imagens para O princípio básico da terapia hormonal é inibi r o cresci-
dor pélvica (Quadro 21.1). mento dos implantes endometrióticos por supressão dos hor-
Em 2005, o sistema de classificação ENZIAN foi publicado mônios este roides ovarianos por meio de Jeedback negativo
considerando a endometriose pro funda infiltrativa. As loca- hipofisã rio, induzindo um estado de hipoestrogenismo e in-
lizações nesse sistema não só se correlacionam parcialmente te rrompe ndo, dessa maneira, o ciclo vicioso de estimulação e
com os sintomas clínicos, como também com os estágios se- resposta inflamató ria que ocorre a cada ciclo menstrual. Ape-
veros da classificação, substancialmente com a dor e a dis- sar de existirem dive rsos medicamentos em pesquisa, estu-
menorreia. Foi revisado em 2011, e passou a se r considerado dos demonstraram não have r d iferença quanto à eficácia no
ótimo complementO para a classificação da ASRM. Entretan- manejo da dor na paciente com endometriose, sendo todos
to, não prediz desfechos em gestações de pacientes in férteis. equivalentes, mas devem se r feitaS ressalvas no momento da
Já em 2007, a Associação Americana de Ginecologia Mi- escolha do tratamento a se r iniciado com relação a efeitos co-
nimamente l nvasiva (AAGL) iniciou um projetO de tabulação laterais, custos e adesão da paciente.
atribuindo peso aos d iferentes fatores anatõmicos de impor-
tância para a dor e a in fertilidade. A proposta é c riar um sis- Anticoncepcional oral
tema de classificação de acordo com a d ificuldade ci rúrgica e A obse rvação clínica de que durante a gravidez os sintomas
catego rizado em níveis de 1 a 4. Esse sistema parece relacio- relacionados com a endometriose ge ralmente diminuem por
:\_
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((

Capítulo 21 Endometríose 149

Quadro 21.1 Estadiamento laparoscópico proposto pela American Society fO< Reproductive Medicine (ASRM), 1996

Classi ficação de Endometrtose ASRM


Paciente: - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Data: _ _ _ _ _ _ _ _ __
Estádio: ________________________________________________________________________________________
I (mínima): 1-5; 11 (leve): 6-15; 111 (moderada): 16·40; IV (severa): >40 Total: -----------------------------
Tratamento recomendado:----------------
Prognóstico: - - - - - - - - - - - -
Laparoscopia Laparotomia Fotografia

Endometrlose <1cm 1 a3cm >3cm


Peritônio Supetficial 1 2 4
Profunda 2 4 6
Ovário Direito: Supetficial 1 2 4
Profunda 4 16 20
Esquerdo: Supetficial 1 2 4
Profunda 4 16 20
Obliteraçâo de fundo de saco posterior Parcial Completa
4 40
Aderências < 1/3 encapsulado 1/3·2/3 encapsulado >213 encapsulado
Ovário Direito: Frouxa 1 2 4
Densa 4 a 16
Esquerdo: Frouxa 1 2 4
Densa 4 a 16
Trompas Direita: Frouxa 1 2 4
Densa 4' a· 16
Esquerda: Frouxa 1 2 4
Densa 4' a· 16
• Se as fímbrias estiverem completamente obsttuídas. mudar para 16
Descrever aparência dos implantes: Vermelho (V) Branco (B) Preto (P)

Percentual : V - %B _%P _%(total deve ser 100%)


Usar em caso de trompas e ovários normais Usar em caso de trompas e ovários anormais

E
~~D E ~
h(
D

Tratamento Objetivo Realizar Grau de recomendação


AINE Dor Sim A
Supressão da função ovariana de 3 a 6 meses Dor Sim A
DIU·LNG Dor Sim A
Add·back Reposição hormonal para supressão ovariana Sim A
com análogo de GnRH
LUNA Dor Não Sem evidências suficientes
Supressão ovariana após VLP cirúrgica Dor, evitar recorrência Sim A

Endometrtose Tratamento Aumento da fertilidade Grau de recomendação


Mínima-leve Medicamentoso Não A
11 U com indução da ovulação Sim A
VLP: fulguração de focos Sim A
Moderada-severa Cirurgia Não B
GnRH após cirurgia Não A
FIV Sim B
GnRH prolongado antes da FIV Sim A
Endometrioma Drenagem e ablação de endometrioma Não A
Cistectomia de endometrioma Sim A
/.

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') 150 Seção I Ginecologia

muitO tempo deu suporte ao tratamento de pacientes em um Estudos randomizados concluíram que o d ienogeste se
regime de pseudogestação com altas doses de progeswgenios mostrou significativamente melhor do que o placebo e tão
e estrogênios. efetivo quanto os análogos do GnRH para redução de sinto-
O uso contínuo de anticoncepcional oral (ACO) foi um mas com menores efe itos colaterais, como fogachos e dimi-
dos primeiros tratamentos medicamentosos indicados para nuição da densidade óssea.
endometriose, sendo hoje a medicação mais utilizada para Tanto o sistema intrauterino de liberação de levonorgestrel
esse objetivo em virtude de seu baixo custo, da boa acessibili- (SIU-LNG) como o dispositivo intrauterino (DIU) com medi-
dade e dos menores índices de efeitos colaterais. camento reduzem a dor associada à endometriose. Uma revi-
Os resultados alcançados são alívio da dismenorreia em são da Cochrane demonstrou significativa redução da recor-
60% a 95% das pacientes, além de melhora significativa na rência da dor após cirurgia naquelas pacientes que utilizaram
dor pélvica não menstrual e do tamanho dos endometriomas o SIU-LNG, quando comparado com a conduta expectante.
quando comparados aos controles. Outros estudos mostraram melhora dos sintomas associados
Aparentemente, o uso desse anticoncepcional contínuo se à endometriose retOvaginal e d iminuição significativa da ex-
mostrou de boa aceitação no controle da dor quando em tensão da doença observada em laparoscopia de second-look
comparação com o tratamentO cíclico. após 6 meses de tratamento com esse sistema.
Uma revisão da Cochrane (20 14) demonstrou que, apesar Outros progeswgênios e outras vias de administração, como
de os dados serem escassos, parece que tanto os ACO como implantes subcutâneos, têm sido objeto de estudo para trata-
os análogos do GnRH são efetivos no tratamento da dor em mento da dor em endometriose, mas os resultados ainda são
associação à endometriose. Por sua melhor wlerabilidade e escassos.
menor impactO metabólico em comparação aos agonistas de
GnRH e danazol, os ACO cíclicos e contJnuos são conside- Gestrinona
rados a prime ira linha de tratamento crônico para endome- A gestrinona, um agente antiprogestacional de longa ação
triose, seja como estratégia para evitar a cirurgia, seja como com efeitos androgênicos, antiestrogenicos e amiprogeswgê-
terapia pós-operatória adjuvante para prolongar o intervalo nicos, é utilizada na dose de 2,5 a 10mg duas a três vezes
livre de sintomas. por semana. Os efe itOS colaterais mais frequentes são acne,
Não há consenso na literatura sobre o papel do ACO na seborreia, cãibras e hipotrofia mamária. Estudos controlados
prevenção primária da endometriose. randomizados e urna revisão sistemática contendo sete estu-
As limitações desses anticoncepcionais ocorrem em função dos demonstram que a gestrinona é tão eficaz no manejo da
de que, na maioria dos casos, os implantes endometriais são dor associada à endometriose quanto os demais tratamentos
reativados após a interrupção do tratamento. Além d isso, sua hormonais.
utilização pelas mulheres fumantes com mais de 35 anos está
associada a risco significativamente maior de infarto do mio- Oanazol
cárdio, acidente vascular cerebral ou tromboembolismo venoso. O danazol, um derivado sintético da etisterona desenvol-
vido originalmente para o tratamento da endometriose, exer-
Progestogênios ce ação direta na esteroidogenese ovariana, no crescimento
O objetivo do tratamento com progeswgênios é induzir endometrial, nos níveis séricos de teswsterona e nos níveis
a atrofia nos implantes endometrióticos. Outro mecanismo de globulina transportadora de hormônios sexuais (SHBG).
mais recentemente proposto envolve a supressão progestO- Age como um agonista da progesterona, eliminando os picos
gênica sobre as metaloproteinases, uma classe importante de de hormônio luteinizante (LH) e de hormônio folículo-esti-
enzimas associadas ao crescimento e à implantação do endo- mulante (FSH) do meio do ciclo. Apresenta um estado hi-
métrio ectópico. A inibição da angiogênese também parece poestrogenico-hiperandrogenico, suprimindo o crescimento
ser outro meio que justificaria a efetividade dos progeswge- endometrial ectópico e acarretando um estado de anovulação
nios no tratamento da endometriose. crônica, com aumento dos níveis de teswsterona livre, por
Dentre as várias formulações disponíveis, o acetato de me- diminuir os níveis séricos de SHBG. A dose recomendada é
droxiprogesterona (AMP) e os derivados da 19-nonestoste- de 600 a 800mgldia durante 6 meses. Os efeitos colate rais es-
rona (levonorgestrel, noretisterona e dienogeste) são os mais tão relacionados tanto com o h ipoestrogenismo como com o
utilizados. Estudos comparando uso cíclico ou contínuo de hiperandrogenismo, nem sempre sendo reversíveis. Os mais
progeswgênios demonstraram eficácia similar para o controle citados são: ganho de peso, retenção hídrica, fadiga, dimi-
da dor em endometriose. nuição dos seios, vaginite atrófica, dor muscular, fogachos,
O AMP pode ser administrado VO (20 a 100mgldia) ou aumento da oleosidade da pele, acne, hirsutismo, alteração da
em sua forma de depósitO (150mg a cada 90 dias, IM). Urna voz, labilidade emocional e alteração da libido.
metanálise envolvendo quatro ensaios clínicos randomizados, Menos de 10% das pacientes necessitam da suspensão do
comparando AMP com danazol isolado, danazol associado a tratamento por efeitos colaterais, sendo a alteração da voz a
contraceptivos orais e análogo do GnRH (acetatO de gosser- indicação para suspender o tratamento. Por apresentar efeito
relina), concluiu que o AMP foi tão efetivo quanto os outros androgênico, o danazol pode alterar o perfLllipídico, propor-
tratamentos. cionando diminuição do HDL e elevação do LDL-c. E efetivo
r
((

Capítulo 21 Endometríose 151

no tratamento de dor pélvica, dtsmenorreia e dispareunia, que os outros no controle da dor na paciente com endometrio-
mas não erradica os implantes endometriólicos, que ficam se. Pacientes submeudas à mdução de O\'Ulação ou que estejam
apenas quiescentes. Não deve ser uulizado em caso de sus- grávidas náo devem fazer uso desses medtcamentos.
peita de gravtdez em \'trtude do risco de desenvolvimento de
pseudo-hermafrodtusmo feminmo. Asstm como a geslrinona, Novas perspectivas
embora ,-anos estudos demonstrem sua eficácia no tratamen- ~O\'liSpesquisas avançam no estudo do controle da dor
to da endometnose, seu uso deve ser limttado em vinude da nos quadros de endomemose smtomáttca. Medtcamentos
ocorrêncta de efettos androgemcos. que náo interfiram na função o,·anana são desejáveis pnnci-
palmente para as mulheres que desejam engravidar.
Análogos do GnRH
lmunomoduladores
Os análogos do hormônio liberador de gonadotrofinas
(GnRH-a) são formas modificadas do GnRH que se ligam aos A pentoxililina é um tmunomodulador com atividade anli-
receptores hipolisános e apresentam meia-vida maior do que -inflamatória que vem sendo pesquiSado como alternativa ao
o GnRH natural, constitu indo um estado de hipogonadismo tratamento da endometriose, porém uma revisão sistemálica
hipogonadotrófico por dessensibilização desses receptores demonstrou que ainda não existem evidencias suficientes que
embasem o uso dessa substância para d iminu ição da dor e
com consequente supressão da secreção de FSH e LH e, por
melhora da fertilidade em pacientes com endometriose.
fim, diminuição dos esteroides sexuais. O mecanismo de alí-
Outro imunomodulador de uso méd ico é a infliximabe,
vio da dor na endometriose envolve a indução da amenorreia
um antifator de necrose wmoral-alfa. Existe a penas um estu-
e a atrofia encl ometrial progressiva.
do controlado com essa medicação, envolvendo 21 pacientes.
Várias são as formas ele apresentação, podendo ser admi-
Ao final, os autores não encontraram evidencias clínicas de
nistrados por via subcutânea ou intramuscular. O tratamento
redução das lesões endometriais, da dismenorreia, da dor pél-
por 3 meses é tão efetivo para remissão da dor quanto o por
vica ou da recorrência da doença.
6 meses, não havendo indicação de prolongamento d o tra-
tamento caso não se alcance o objetivo. Uma revisão da Co- lnibidores de aromatase, moduladores seletivos de
chrane mostrou que os análogos do GnRH são mais efelivos receptores de estrogênios e outras med1cações em estudo
do que o placebo no alivio da dor causada pela endometriose,
Os iníbidores de arornatase, como anastrozol ou letrozol,
mas apresentam efetto simtlar ao SIU-LNG e ao danazoL Um
ainda estão em estudo para uso com essa mdtcação específica.
estudo com acompanhamento prolongado de pacientes trata- Essas substâncias teriam ação local nos focos endometrióticos.
das com GnRH-a LSOiado por 6 meses mostrou recorrência da diminuindo a produção estrogêmca nesses s!uos sem alterar
doença e seus smtomas 2 anos após o tratamento. a concentração estrogêmca corporal. Em mulheres com dor
Os efettos colateraiS são os mesmos apresentados por pa- por endomemose retovagtnal refratána a outros tratamentos
cientes na pós-menopausa, mclumdo fogachos, ressecamento medicamentosos ou ctrúrgtco pode ser constderado o uso de
\'llginal, dtmmutção da hbtdo, vanaçoes de humor, cefaleia e inibidores da arornatase em combtnação com anticoncepcio-
dimmuição da densidade óssea. Embora extsta fone preocupa- nais orais, progestogênios ou GnRH-a. O modulador seleti\·o
ção com a perda óssea após uso prolongado dessa medicação, dos receptores de estrogêruo (SERM) raloxtfeno náo demons-
estudos demonstram que a add-back terapia de reposição hor- trou benefício clínico.
monal com estrogemos e progestogenios protege contra esse AlgurtS estudos sugerem que outras modalidades de tra-
efeito colateraL O uso de GnRH-a por perfodos de até 2 anos tamento para al!vio dos sintomas da endometriose podem
com acld-back terapia é seguro com relação à massa óssea. A ser abordadas com resultados significativos na di minuição da
dose preconizada para a add-bach deve ser suficiente para di- dismenorreia, como medicamentos fi toterapéuticos ou medi-
minuição dos sintomas, como fogacho, e ao mesmo tempo cina chinesa, mas ainda não há confirmação científica.
preservação ela densidade óssea se m oco rrer aumento dos im- A acupuntura, que parece ter efetividade moderada, é se-
plantes endometrióticos. A recomendação é de 0,62 5mg ele gura, mas exige tratamentos repetid os. A estimulação elétrica
estrogên ios conjugados em associação a 2,5mg de acetato de nervosa transcutânea ele alta freque11cia (TENS) mostrou al-
medroxip rogesterona d iariamente ou 2,5mg de noretinclrona, guma efetividade a curto prazo no COt1trole da dor.
também em doses diárias. A aclcl-back terapia deve se r iniciada
no mesmo momento do agonista e não postergada até o início Tratamento cirúrgico
do estado hipoestrogên ico. A laparotomia e a laparoscopia são igualmente efetivas no
tratamento da dor causada pela endometriose, porém a lapa-
Anti-inflamatórios não esteroides (AINE) roscopia está associada a menor dor pós-operatória, menos
Os AINE são efeuvos no tratamento da dor pélvica, disme- tempo de internação e recuperação mais rápida; portanto, é
norreia e dispareunia. Entretanto, deve-se adotar urna postura superior à cirurgia aberta.
de parcunôrua com relação a seus efettos colaterais, como úlce- A ablação dos focos endometnóttcos por eletrocauteriza-
ra gástrica e alteração da função renaL :--lào existem evidências ção ou aplicação de laser reduz os quadros de dor após 6 me-
de que algum desses anu-mflarnatónos sepm mais efeli\'OS do ses de acompanhamento se comparado com a '~deolaparos-
/.

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') 152 Seção I Ginecologia

copia d iagnóstica. Uma revisão da Cochrane, envolvendo lO e fertilidade. A excisão completa do endometrioma reduziu
ensaios clínicos, concluiu que a cirurgia laparoscópica reduz as taxas de dismenorreia, d ispareunia, dor pélvica crônica,
a dor e a in fertilidade na endometriose leve a moderada; en- recorrência do cistO e necessidade de nova abordagem cirúr-
tretanto, não foi possível tirar conclusões sobre o tratamento gica em comparação com a ablação do endometrioma. Outro
da endometriose severa, os tipos de dor que respondem me- achado consistiu no aumentO das taxas de gestação espontâ-
lhor ao tratamento laparoscópico, a intervenção mais efetiva nea em mulheres previamente in férteis.
e os efe itos adversos. A cirurgia para endometriose profunda é Outro ensaio clínico randomizado demonstrou que mu-
possível e parece ser efetiva, mas está associada a taxas sig- lheres submetidas a excisão de endometrioma tiveram melhor
nificativas de complicação, particularmente quando envolve resposta à estimulação ovariana com gonadotrofinas do que
cirurgia intestinal. Além disso, procedimentos mais agressi- as mulheres submetidas a ablação.
vos, com possib ilidade de histerectomia e ooforectomia, de- No entanto, com a excisão do cisto existe a preocupação
vem sempre levar em consideração o desejo reprodutivo da com o risco de danos de ovário e reserva ovariana diminuída.
paciente. Já nos casos de endometriose mínima, a melhora da Em vários estudos envolvendo cistectomia ovariana para en-
dor pode ser pequena pelo fato de haver a possibilidade de dometrioma foram encontrados níveis do hormônio antimül-
poucos focos serem identificados e tratados. leriano significativamente mais baixos no pós-operatório.
A endometriose de septO rewvaginal exige cirurgia mais
extensa com dessecação e exposição do retO anterior, da va- ENDOMETRIOSE PROFUNDA INFILTRATIVA
gina posterior e do nódulo endometriótico. Às vezes, faz-se Consideram-se lesões profundas aquelas que infiltram mais
necessária a ressecção de parte da vagina e do retO. de Smm no peritônio. Esse tipo de endometriose pode ser
A possibilidade de ablação neural do ramo uterino (LUNA) bem diferente dos outros tipos da doença, e a fisiopawlogia
ou neurectomia pré-sacra! (PSN) tem sido estudada em qua- que explica a dor ainda não está bem estabelecida.
dros de dor intensa, porém essas técnicas interrompem a Região retrocervical (ligamentos uterossacros), vagina, in-
condução sensitiva dolorosa dos ramos ce rvicais, não sendo testino (reto, sigmoide, íleo e apêndice), bexiga, ureteres e
efetivas na maior pane dos ramos pélvico e abdominais. Seis septO rewvaginal são os sítios acometidos pela endometriose
estudos controlados randomizados demonstraram que não há profunda.
benefício na associação dessas técnicas às de tratamento da O principal sintoma associado a essas lesões é a dor pél-
endometriose. vica, sendo o tratamento de escolha sua exérese cirúrgica. O
Para a preparação pré-cirúrgica não há evidências suficien- tratamento clínico pode promover alívio temporário, porém
tes quanto ao uso de tratamento hormonal com o objetivo de com alto índice de recorrência dos sintomas. Como salienta-
melhorar os resultados cirúrgicos, e o uso de ACO por mais do, a cirurgia para endometriose profunda está associada a
de 3 meses pode mascarar o estadiamento da doença por d i- taxas significativas de complicação, sendo aconselhável que
minuir o tamanho das lesões. essas pacientes sejam encaminhadas a um centro com equipe
O acompanhamento pós-ope ratório dessas pacientes pode multidisciplinar.
incluir o uso de danazol, progestinicos ou agonista de GnRH Não existem ensaios clínicos que comprovem benefício do
por 3 a 6 meses, havendo comprovada redução nos quadros tratamento da endometriose profunda, seja clínico ou cirúrgi-
de endometriose associada a dor e um atraso de 12 a 24 me- co, com relação à chance de gravidez.
ses em sua recorrência em comparação com placebo. Já o uso
pós-ope ratório de ACO (dentro de 6 meses após cirurgia) não ENDOMETRIOSE E INFERTILIDADE
tem benefícios demonstrados se for prescrito com o objetivo Cerca de 20% a 40% das mulheres inféneis têm endometrio-
de melhorar o resultado da cirurgia. No entanto, também não se. A probabilidade de se conseguir um nascido vivo após um
há risco na prescrição de te rapia hormonal após a cirurgia;
ciclo, defmida como fecundabilidade, está em torno de 15% a
portanto, pode ser indicada para outros fins, como contracep- 20% em casais normais, podendo cair para 2% a 10% em mu-
ção ou prevenção secundária da doença. Dessa maneira, para lheres com endometriose não tratada. Desde que essa patologia
aquelas mulheres que não desejam gravidez imediata pode foi in icialmente descrita no início do século XIX, várias teorias
ser recomendado o uso do SIU-LNG ou ACO no pós-opera- têm sido propostas para explicar sua relação com a queda da
tório por, pelo menos, 18 a 24 meses como prevenção seCLm-
fertilidade. Nas formas graves em que há distorção da anatomia
dária da endometriose associada à dismenorreia. pélvica, aderências e obstrução tubária, essa associação se torna
óbvia. Entretanto , nas formas mínima e leve, os mecanismos
Endometrioma
envolvidos ainda não foram totalmente elucidados.
O tratamento medicamentoso de endometriomas ovarianos
Os possíveis mecanismos envolvidos na infertilidade em
pode promover redução temporária do tamanho dos cistOs,
pacientes com endometriose de acordo com a área de disfun-
mas não sua completa resolução. A cirurgia é, entáo, a primeira
ção são os seguintes:
escolha para endometriomas grandes ou sintOrnàticos.
Uma revisão sisternàtica comparou dois ensaios clínicos • Fu nção t ubária: alteração na relação anatômica normal tubo-
randomizados com relação à excisão versus aspiração e caute- variana, hidrossalpinge, alteração na motilidade tubária pe-
rização da parede do cisto endometriótico e sintomas de dor las prostaglandinas com aceleração da motilidade tubária.
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Capítulo 21 Endometríose 153

• Função ovariana: pobre qualidade oocit.ária, síndrome do Também não há estudos controlados ou metanãlises que
folículo luteinizado não roto, ambiente folicular hostil, al- demonstrem que a excisáo cirúrgica da endometriose mode-
teração na foliculogênese. rada ou grave (graus lll e IV) melhore as taxas de gravidez.
• Função espermática: fagocitOse dos espermawzoides por Dois estudos de coone prospectivos de alta qualidade mos-
macró fagos da resposta inflamatória localizada. traram taxas de gravidez espontânea de 57% a 69% (endome-
• Defeitos no emb rião/fer tilização: alteração na fertiliza- triose moderada) e 52% a 68% (endometriose seve ra) de pois
ção, tOxicidade para o embrião, defeitOS no desenvolvi- de cirurgia laparoscópica, valores muito mais altos do que as
mento precoce do embrião. taxas de gravidez espontânea na conduta expectante - 33%
• Função endometrial: defeitos de fase lútea, anticorpos en- (moderada) e 0% (seve ra) - reportadas em outra coorte.
dometriais, defeitOS de implantação. Às pacientes com endometriose não devem se r prescritos
• F a lhas precoces na gravid ez: embriões anormais, reação tratamentos hormonais pós-cirurgia para melhorar as taxas
imune, auwanticorpos, moléculas de adesão. de gravidez espontâneas. Exceção se faz naquelas com endo-
metriose grave, já que o uso de análogos de GnRH por 3 a 6
O desenvolvimento da biologia molecular e das técnicas meses antes da FIV pode aumentar as taxas de gravidez.
de reprodução assistida (TRA) provavelmente será de grande Com relação aos endometriomas, a cistectomia com exére-
valia na elucidação dos mecanismos envolvendo endometrio-
se da cápsula melhora as taxas de gravidez espontânea quan-
se e infen ilidade. d o comparada à d renagem ou coagulação, alé m de have r
Estudos demonstram que mulheres inféneis com quad ro maior taxa de recorrência de endometriomas nos casos em
de endometriose apresentam taxas meno res de sucesso em que a cápsula não é retirada. Entretanto, não existe evidência
TRA d o q ue as pacientes com outros fatores de in fertilidade, de que, em mulheres inféneis com endometriomas >3cm, a
como fatOr tubário ou masculino. Os responsáveis po r esses cistecwmia melhore os resultados de gravidez após as TRA.
piores resultados podem se r as mudanças da resposta humo- A exérese nesses casos é recomendada se há queixa de do r
ral e celular inflamató ria ao tecido endometrial mediada pela ou d ificuldade de acesso aos folículos. Nessa situação, as pa-
endometriose, alé m de aumento nos anticorpos antiendome- cientes deve m ser o rie ntadas sobre o risco de d iminuição de
triais, auwanticorpos e antico rpos antifosfolípides. As alte ra- reserva ovariana e a possível perda d o ovário. A decisão de
ções podem acometer também as células imunes do fluido realizar a cirurgia deve ser avaliada cuidadosamente se já hou-
folicular e citocinas, resultando em oócito e, consequente- ver cirurgia ovariana prévia.
mente, em embrião com menor capacidade de implantação.
Uma metanálise, incluindo 22 estudos não randomizados, Técnicas de reprodução assistida
concluiu que as taxas de gestação est.áo d iminuídas em 54% A indicação para as TRA deve considerar, entre outros fato-
nas mulheres com endometriose e que essas taxas são inve r- res, o grau de endometriose, a idade da paciente, o tempo de
samente proporcionais ao estádio da patologia. in fertilidade e a associação de outros fato res de in fe rtilidade,
como, por exemplo, o masculino. Pacientes j ovens com trom-
Tratamento clínico pas pérvias, endometriose mínima/leve e pouco tempo de
O tratamento clínico, seja qual for, não apresenta melhora in fertilidade podem bene ficiar-se de tratamentos menos com-
na in fertilidade, além de adia r uma possível gravidez, vistO plexos, como estimulação ovariana com o rientação de coitO ou
que a maio ria desses tratamentos resulta em estado de hipo- inseminação intrauterina (!lU) (Figura 21.1). Pacientes com
gonadismo temporário. mais de 35 anos de idade, mais de 3 anos de infe rtilidade,
com anatomia pélvica d isto rcida e/ou fator masculino asso-
Tratamento cirúrgico ciado, irão beneficia r-se com as TRA mais complexas, como a
A abordagem cirúrgica da paciente com endometriose que FIV É importante que se considere também a d isponibilidade
deseja engravidar deve contemplar a adeólise, a ablação ou ful- das técnicas para o casal.
guração de lesões e a excisão de endometriomas. O tratamento A !lU com estimulação ovariana aumenta as taxas de ferti-
cirúrgico deve se r o mais conservador possível, principalmente lidade em casos de endometriose mínima e leve, sendo ainda
em pacientes que não têm prole definida, evitando-se ao má- ince rto o papel da nu nos ciclos naturais. Para os casos de
ximo a formação de ade rências ou múltiplas intervenções nos endometriose severa, com ade rências graves, obstrução tubá-
ovários que possam resultar na d iminuição da reserva ovariana. ria ou má resposta à !lU, é recomendada a FIV (Figura 21.2).
Existem evidências nível lA demonstrando que a ablação A presença de endometriose, em qualque r grau, piora os
de lesões endometrióticas j untamente com a adeólise, em pa- resultados das TRA, sendo os resultados inversamente pro-
cientes com endometriose mínima e leve (graus I e ll), produz po rcionais ao grau da patOlogia, istO é, quanto mais avançada
melhora peq uena, porém significativa, na taxa de gravidez es- a doença, piores os resultados.
pontânea quando comparada à videolaparoscopia d iagnóstica A única indicação de tratamentO med icamentOso em pa-
isolada. Entretanto, não há estudos randomizados comprovan- cientes in férteis seria naquelas com endometriose mode rada e
do a eficácia da realização rotineira de laparoscopia nas pacien- grave que irão sub meter-se às TRA. Nesse grupo de pacientes,
tes com endometrioses mínima e leve antes da fertilização in o uso prévio de análogos de GnRH pelo período de 3 a 6 me-
vitro (FIV) para exérese-ablação d os focos de endometriose. ses parece aumentar as taxas de gravidez.
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CAPÍTULO (

Endometriose Profunda lnfiltrativa


Márcia Mendonça Carneiro
Ivete de Avila
Márcia Cristina França Ferreira

INTRODUÇÃO cirúrgica. Por isso , há um atraso importante no diagnóstico


A endometriose, doença benigna, progressiva, estrogênio- da doença de, em média, 8 ,5 anos desde o início das suas
-dependente, que se ca racte riza pela presença de implantes manifestações.
teciduais hisLOlogicamente semelhantes ao endométrio (es-
troma e glândulas) fora da cavidade ute rina, oco rre quase ETIOPATOGENIA
que exclusivamente em mulheres na idade rep rodutiva, ma- Inicialmente descrita por Von Rokitanski em 1860, essa doen-
nifestando-se clinicamente po r dor pélvica e infertilidade. O ça permanece enigmática, urna vez que sua história natural e
tecido endometriótico responde à ação dos esteroides ova- sua fisiopaLOlogia ainda não foram elucidadas. A necessidade
rianos em termos de proliferação, dife renciação e sangra- de métodos d iagnósticos invasivos (videolaparoscopia ou lapa-
mento, observando-se aumento da angiogê nese e da reação rotOmia), a complexa apresentação clínica, a morfologia mul-
inflamató ria local. tifacetada das lesões e a ausência de estudos adequadamente
A endometriose profunda infiltrativa (EPI) é urna forma controlados com um número suficiente de pacientes são alguns
especial de endometriose defmida arbitrariamente como a dos fatores que dificultam o progresso nas pesquisas. Nos últi-
presença de glândulas e estroma endometriais situados mais mos anos, pesquisas vêm relatando avanços promissores para
de Smm abaixo da superfície periLOneal. Essas lesões ge ral- o desenvolvimento de novas abordagens diagnósticas e tera-
mente estão localizadas nos ligamentos uterossacros e no fun- pêuticas.
do de saco de Douglas, podendo atingir o septo reLOvaginal A p revalência da EPI varia com o método diagnóstico
e as paredes vaginais retais e do sigmoide e oblite rar o fundo e a população estudada, mas estima-se que afete pequena
de saco. Embo ra seja menos frequente do que as outras for- parcela das mulheres. A maioria ap resenta dor sign ificativa,
mas de endometriose pélvica, a EPI difere da endometriose mas até 5% podem se r completamente assintomálicas. Nas
pe ritoneal e dos endometriomas ovarianos porque, além de duas últimas décadas, a p revalência aparentemente aumen-
seu aspecto hisLOlógico particular, ap resenta associação forte tOu , o que parece refleti r maior reconhecimento da doença
com a dor pélvica e a dispareunia, o que pode comp romete r por médicos e pacientes, assim como a melhora nos métO-
gravemente a qualidade de vida e a vida sexual das pacientes. dos diagnósticos.
A prevalência da endometriose varia con forme o método Vários fatOres de risco foram estudados em associação às
diagnóstico utilizado e a população em estudo. Em mulheres dive rsas hipóteses para explicar a oco rrência da endometrio-
submetidas à salpingotripsia, endometriose foi encontrada se. Além da classe social e da histó ria familiar, os [atores mais
em 2% a 18% dos casos. Na população de mulheres inférteis, consistentemente associados a essa doe nça são menarca pre-
a prevalência varia de 5% a 50% e de 5% a 21 % naquelas com coce e ciclos menstruais longos com fluxo aumentado. Essas
dor pélvica. características menstruais, aliadas à nuliparidade, refletem
O d iagnóstico e o tratamento da endometriose ainda re- aumento da exposição à menstruação. Os demais fato res de
presentam um desafio para os ginecologistas, uma vez que risco co rroboram o papel do ambiente hormonal e de fatores
a sintornaLOlogia é muitas vezes inespecifica ou mesmo au- inflamatórios na paLOgênese da doença (Quadro 22.1).
sente, não havendo bons testes clinicolaboraLOriais para d iag- Estudos recentes corroboram o papel de dife rentes fatores
nosticar a doença, o que impõe a necessidade de intervenção de risco no desenvolvimento da endometriose. Entretanto,
156
( I

Capitulo 22 Endometriose Profunda lnfiltrativa 157

Quadro 22.1 FatO<es de risco identifiCadoS para endometnose


(Par11ZZ1n1 e cots.. 2016)

Fator de rltco Força de ..soclação Refluxo de


tecidos e células
Classe social r. estudo limitado endometriais
HIStória familiar lt
Médula óssea
Fatores constitucionais CélulaS· tronco
Peso !. inconsistente Mesotélio e
outros lipos mesenquimais e
Oistribuiçêo periférica de QO<dura r. estudo limitado de células hematopoélicas
Precursores
Pigmentação e exposição solar 1. estudo hm1tado
endotelia1s
HábitOS pessoaiS
01eta 1. estudo hm1tado
AtiVIdade fiSica 1. estudo lllll1tado Endometrlose
TabaQISimO 1. estudo 1m1tado
lngestao alcoOIICa I
H1Stóna reprodutiva Dissemnaçao
RestoS
Idade da menarca 11- cons1stente mullerianos linfátiCa e
C1clo menstrual curto 11. cons1stente hematogên1ca
Aumento do fluxo t. estudo hm1tado
Paridade 11. consistente
Uso do contraceptivo oral inconSistente E2
Ambiente
Fatores ambientais Estudos limitados Inflamação
Genética

até o momento, o papel exalO dos fatores de risco no desen-


volvtmento das três formas da doença (peritoneal, ovariana e Figura 22.1 Fatores envolvidos na patogênese da endometriose.
EPI) amda não foi determinado. (Adaptada de Burney & G1udice, 2012.)
Vánas teorias têm sido propostas para exphcar stta pato-
gtnese, como menstrttação retrógrada, metaplasta celõmica,
dlSSemmação vascular linfática e resqufcios embnonãrios. Ne- na patogênese da endometriose, mas seu papel real ;unda não
nhuma consegue isoladamente explicar de modo adequado a foi esclarectdo. A Ftgura 22.1 apresenta os princtpats fatores
envolvidos na patogênese da doença.
presença de endometriose em wdas as localizações já descritas.
Estudos recentes mostram a importância de fatores imunológi-
cos. genéticos, inflamatórios e alterações locais do peritõnio e DIAGNÓSTICO
do e11dométrio que contribuem para a genese da doença. Embora afete signi[icativamente a qualidade de vida das
Para alguns autOres há três tipos de endometriose: perito- mulheres acometidas, a endometriose permanece como uma
neal, ovariana e do septo rewvaginal, cada uma com patogê- doença tard iamente diagnosticada e tratada, sendo relatada
nese distinta. A forma peritoneal resultaria da implantação de por vários autores a ocorrência de um importante atraso no
endométno oriundo da regurgitação tubãrea, apresentando diagnóstico desde o mlcio das manifestações, variando de 5
colorações diferentes (,·ermelha, branca e negra) conforme o a 12 anos.
tempo de evolução. A metaplasia do epného celõmtco, associa- Uma das razões para esse atrasO seria a falta de sintomas e de
da à invagmação dessas inclusões epitehats, sena responsã,-el sinais sufictentemente especificas e as apresentações clfmcas
pela formação dos endometriomas ovananos. A endometriose variadas, ocorrendo desde a ausência de sintomas até apresen-
profunda infiltrativa do septo retovaginal, por sua vez, corres- tações graves com múltiplos sintomas e sinais ao exame chm-
ponderia a um nódulo adenomiótico caracterizado por extensa coginecológtco. Frequentemente esses indícios se confundem
proliferação de musculatura lisa e epitého glandular com estro- com as manifest.ações de omras síndromes dolorosas. como
ma escasso e surgiria como resultado da metaplasia de rema- slnd rome do intestino irritável, doença inflamatória pélvica
nescentes müllerianos. e cistite intersticial crônica. Ademais, a maioria dos si11tomas
A história natural da doença permanece desconhecida, mas não se correlaciona com a gravidade e o estadiamento da
a EPI não parece ter caráter progressivo nem recorrente, fato doença.
corroborado por traballios com seguimento de até 10 anos.
Já os estudos sobre o papel da genética, do meto ambiente, Diagnóstico clínico
do ststema imunológico e do estradiol na patogl!nese da en- Embora a laparoscopta, preferencialmente com avahação
dometnose, bem como os estudos genõmtcos, sugerem anor- histológtca, permaneça como padrão-ouro para o dtagnósu-
mahdades mtrtnsecas no endomémo eutóptco e ectóptco de co de endometnose, a anamnese e o exame flstco ajudam a
mulheres com endometriose, podendo fornecer mais pistas identificar pacientes de alto risco, de\'endo ser feitos SIStemá-
sobre a fistopatologia da dor e da infertilidade. Recentemente, tica e detalhadameme, pois constituem o primetro passo no
materiais elucidativos têm mostrado o posslvel envolvimento diagnóstico desde o mício de suas manifestações. variando de
de células-tronco endometriais ou oriundas da medula óssea 5 a 12 anos.
158 Seção l Ginecologia

Estudos demonstraram que a dismenorreta t um dos sin- Diagnóstico por imagem


tomas mais predttivos de endometriose. Os outros Sintomas Dos três upos de lesões hoje admitidas como formas dtS-
mais frequentemente relatados em assoctação à endometrio- tinLaS de endometriose, apenas as profundas infiltrativas e os
se são dispa reunia, dor pélvica crônica (DPC) e in fertilidade. cistos ovarianos podem ser diagnosticados por métodos de
sendo, no entanto, fraca sua correlação com o estadiamento imagem. As lesões peritoneais não são visfveis à ultrassono-
da endometriose. Já a disquezia menstrual. a d ispareunia gra- grafia (US), e a ressonância magnética (RM) também não é
ve e as cirurgias prévias para endometriose são pred itoras in- útil para sua identificação.
dependentes de endometriose profunda infiltrativa posterior. Os endometriomas ovarianos são facilmente visfveis ao ul-
Embora seja fundamental para a triagem das pacientes trassom endovaginal ou Lransabdominal, consistindo em cis-
de maior risco, o diagnóstico com base nos sintomas isola- tos geralmente uniloculados de conteúdo homogêneo pouco
damente é impreciso em razão da apresentação vanável. Os ecogênico, usualmente referido como aspecto de "tempestade
pnnctpais sintomas estão listados no Quadro 22.2. de neve" ou "vtdro moldo". As vezes, podem ser encontrados
O valor do exame péh~co no diagnósttco de endometnose nível liqUJdo-lfqutdo ou proJeÇões ecogênicas na parede m-
tem sido debaudo e levado a diferentes conclusões, urna vez tema. A US btd1mens10nal pode atingir, em mãos expenentes,
que não raramente é normal em pacientes com endometrio- sensibilidade e espectfictdade superiores a 80% e 90%, res-
se. Sensibilidade pélvica, retro,·ersão uterina fixa , ligamentos pectivamente, e o Doppler não parece melhorar sua acurác1a
uterossacros sensfveis ou ovários aumentados são sugestivos no diagnóstico do endometrioma ovariano.
de endometriose. A realização do exame durante o per!odo Além dos endometriomas, a US é capaz de identificar lesões
menstrual pode aumentar a sensibilidade do toque vaginal profundas in fillrativas no fundo de saco de Douglas, na parede
bimanual. Entretanto, seu desempenho varia com a locali- vaginal e no seplo relovaginal, no retossigmoide e na região re-
zação das lesões da EPI, não atingindo boas sensibilidade e trocervical , incluindo ligamentos uterossacros e torus uterinus.
especificidade em alguns estudos. As lesões são geralmente hipoecogênicas, algumas vezes mal
O toque vaginal pode ser bastante útil. O exammador deve delimitadas, infiltrando a parede do órgão. As pacientes podem
perceber o fundo de saco, as áreas posteriores e as que estão relatar dor à compressão com o transdutor, e o e.'<ll.rrunador
em tomo do colo uterino, procurando tdenuficar pontos de de'-e eSLar atento à presença de lesões nas regiões paracel'\•tcaiS,
gaulho de dor, nódulos, retrações e massas e a''3har a mobi- pois podem acometer o ureter e causar hidrondrose.
lidade dos órgãos pélvicos. Entre os achados posstvelmente Variações na acurácia do ultrassom são percebtdas de acor-
tdenuficados ao toque vaginal estão: do com a técnica e a localização das lesões. A US 30 tem sido
empregada e, embora possa produzir detalhamento maior da
• Útero reLrovertido fixo ou de pouca mobihdade.
relação lesão/órgão, o método não acrescenta muito em rela-
• Massa anexial (endometriomas) com ou sem sensibilidade ção ao desempenho do 20.
d olorosa, geralmente aderida posteriormente ao útero ou à
O Quadro 22.3 mostra a sensibilidade, a especificidade e a
parede pélvica.
acurácia da US endovaginal no d iagnóstico de lesões profundas
• Massas. nódulos ou espessamentos com hipersensibihdade infiltralivas de diferentes localizações, em diversos estudos.
dolorosa na cúpula vaginal, no fundo de saco. nos liga-
As lesões intestinais são mais frequentes em retossigmoíde,
mentos uterossacros e no septo retovagmal.
apéndice, ceco e fleo distai e invadem de fora para dentro,
Até o momento, embora com grande numero de marca- sendo visualizadas à colonoscopia somente muito tardtamen-
dores, mclumdo moléculas de adesão, mterleucmas e outras te. A US transretal também pode ser útil no diagnósuco de
Cllocmas, substâncias envohidas no controle do c•clo celu- lesões intestmaiS e do septo reto\'3ginal, com acurác1a algo
lar e angiogenese, nenhum teste laboratonal é compro,'3da- similar à da ultrassonografia tran5\·aginal, mas não tem boa
mente uul para o diagnóstico de endomeuiose. No enJanto, a acurácia para as lesões de ligamento uterossacro e na vagma.
dosagem sérica de CA-125 pode ter valor em paciemes com No entanto, essa técnica é excelente para estabelecer a distân-
infenil idade para melhor identificar as que se beneficiariam cia da lesão até a borda anal.
de uma videolaparoscopia e no controle da endometriose já Embora a US realizada por examinador treinado e expe-
diagnosticada e tratada. Seu desempenho como Leste diagnós- riente seja capaz de d iagnosticar co rretamente a maioria das
tico é fraco. principalmente nos estágios l e IV de endome- lesões, a RM oferece como vantagens a boa visualização de
triose, além de apresentar problemas de especificidade. toda a pelve, incluindo o compartimento anterior, e a possi-
bilidade de melhor exame da cavidade vaginal sem descon-
forto para a paciente. Sua acurácía é bem documentada na
Quadro 22.2 Sinlomas associados à endomelllose literatura para dtferenles tipos de lesão. Todavia, é um exame
Otsmenoneta mais oneroso, não dtsponfvel em todos os centros e, como
Otspareun&a a US, exige tretnamenlo especifico do especialista que faz e
interpreta esse exame. Na maioria das vezes fica reservado
Do< pélviCa acrclica
a avaliações pré-operaJórias pormenorizadas em casos com-
Disúna ou d1squezia menstrual
plexos ou àquelas nas quais a suspeita clínica é forte e a US é
lnlerllhdade inconclusiva.
:\_
r
((

Capítulo 22 Endometríose Profunda lnfíltratíva 159

Quadro 22.3 Acurácia do ullrassom endovaginal no diagnóstico da endometriose profunda infiltrativa conforme a localização das lesões

Lesão Septo Intestino Fundo de saco Região Ligamentos Vagina Bexi ga


retovagl nal de Douglas retrocervlcal uterossacros
Estudo
s e a s e a s e a s e a s E a s e a s e a

Bazot, 2003 95 100 97 82 100 87 75 83 77 25 100 90

Abrào, 2007 98 100 99 95 98 97

Menada, 2008 93 90 92 56 92 83

Menada, Rwc· 97 100 98 96 100 99

Piketty. 2008 91 96 NR

Guerriero. 2008 74 88 NR 67 92 NR 50 94 NR 91 89 NR 100 100 NR

Bazot, 2009 9 99 88 94 100 96 78 67 77 47 95 79

G rasso, 2009.. 77 100 NR 33 100 NR 50 95 NR 84 80 NR 25 100 NR


Savelli, 2009 44 100 95

Gonçalves, 201O 97 100 99

• RWC: após instilaçâo de contraste retal aquoso.


•• Ultrassom endovaginal30.

Diagnóstico cirúrgico TRATAMENTO


Por fim, o diagnóstico é confirmado ou excluído por lapa- O tratamento da paciente com EPI, que pode ser clínico,
roscopia, preferencialmente com excisão de lesão para confir- cirúrgico ou a combinação de ambos, tem por objelivo resol-
mação anatomopaLOlógica. No entanto, o reconhecimento das ver o problema da paciente, isto é, buscar o alívio da dor pél-
lesões exige um cirurgião experiente em vinude de sua apre- vica e a resolução da infertilidade, tratando o sintoma e não se
sentação variável. Há também que pesar os riscos e benefícios prendendo exclusivamente à lesão. A abordagem terapêulica
do procedimento antes da indicação. Mesmo sendo pequena deve estar embasada no diagnóstico corretO da localização e
a incidência de complicações associadas à laparoscopia, sua extensão da doença , resultado de uma avaliação clínica crite-
realização pode não beneficiar pacientes jovens, assintomáti- riosa e de estudos de imagem meticulosos.
cas ou oligossintomálicas, na ausência de evidência de lesão A decisão terapêulica deve ser compartilhada com a pa-
profunda infiltrativa ou cisto ovariano ao exame clínico e nos ciente, que deve ser bem esclarecida sobre os benefícios e os
exames de imagem. Além disso , observa-se ainda algum grau riscos potenciais, até mesmo os quantitativos, assim como
de falta de consistência entre o diagnóstico laparoscópico e o sobre os custos dos tratamentos, sejam cirúrgicos, sejam dos
h istOlógico. programas de fertilização assistida, para então poder opinar
Nos d ias atuais , considera-se inaceitável a indicação de conforme sua realidade e projeto de vida.
laparoscopia para endometriose ovariana e profunda sem ma-
peamento prévio das lesões e plano terapêutico adequado. Tratamento clínico
A indicação cirúrgica deve ser individualizada com base nos A endometriose se desenvolve sob estímulo estrogênico.
sintomas, na extensão das lesões, nos riscos potenciais do tra- O tratamento clínico hormonal tem por princípio suprimir
tamento clínico empírico (risco de obstrução do trato digestó- ou bloquear a ação estrogênica, a qual inibe o crescimento do
rio ou urinário e diagnóslico diferencial com neoplasias), nos implante e reduz o processo inflamatório agudo focal , pro-
resultados com tratamento medicamentoso e nos benefícios movendo alívio da dor (Figura 22.3). A terapêutica hormonal
esperados da intervenção cirúrgica. Caso se decida pela abor- na mulher com endometriose tem por objetivos o tratamento
dagem cirúrgica, sua execução deve ser feita por equipe expe- da dor pélvica e a melhora da qualidade de vida. Esses fárma-
riente e completa para realizar, em uma intervenção apenas, cos são supressores da função ovariana, não sendo, ponan-
a confLrmação d iagnóstica e a excisão completa das lesões, o LO, recomendados para tratamento da infertilidade associada
que evitará a repetição desnecessãria de procedimentos e pro- à doença. A escolha da medicação a ser administrada deve
moverá o restabelecimento da anatomia pélvica com melhora preencher os quesitos de eficácia no alívio sintomálico e boa
dos sintomas dolorosos. tOlerância com mínimos efeitos colaterais, facilitando, assim,
O fluxograma apresentado na Figura 22.2 resume a ava- manter a adesão à terapêulica, uma vez que se está lidando
liação p recon izada para pacientes com suspeita de endome- com doença crônica com perspectiva de uso da medicação
triose. por longo prazo.
/.

'
'/:
') 160 Seção I Ginecologia

Avaliação c línica
Anamnese
(sintomas, história pregressa e familiar)
e exame ginecológico
(exame do abdome, exame especular e toque)

Propedêutica para Ultrassom endovaginal


infertilidade, se para pesquisa
ind i ada de endometriose

Avaliar indicação de
Endometrioma Negativa ou Endometriose profunda
procedimentos de
ovariano inconclusiva infiltrativa
reprodução assistida

Avaliar ressonãncia Ecocolonoscopia,


- - se lesão intestinal
magnética

Avaliar indicação
- cirúrgica e tratamento
conservador

Figura 22.2 Avaliação preconizada para pacientes com suspeita de endometriose.

- Derivados da testosterona de terceira geração: deso-


Progesterona. gestrel (VO).
Testosterona
Supressão - Derivados da progesterona: acetato de medroxipro-
Análogos GnRH.
lnibidores da aromatase gesterona (AMP) (l SOmg trimestral IM).
• Anticoncepcionais orais conjugados (várias combinações
de progesLOgênios e eStrogênios): de uso contínuo ou cíclico.
• Análogos do hormônio liberador das gonadotrofinas
( GnRH) Oeuprolide, gosserrelina, tripLOrrelina): de uso
parenteral mensal ou trimestral.
• Mais raros: gestrinona (2,5mg, duas vezes po r semana),
danazol (600 a 800mgldia), inibidores da aromatase (le-
trozol, 2 ,5mgldia, e anastrozol, lmgldia VO)
Há evidências na literatura de que esses tratamentos tem
eficácia semelhante para o alívio da dor. O que os d ife rencia
Est1mu laçao Estrogén1o são os efeitos colaterais e sua tOlerância, e os progestOgenios
e os anticoncepcionais orais combinados (ACO) estão entre os
Figura 22.3 Implante de endometriose. agentes de primeira escolha. Agem produzindo decidualização
e atrofia do implante endometrial, podendo se r usados de ma-
neira cíclica ou contínua, embora haja relatos de melhor efi-
Os regimes terapêuticos mais utilizados são:
cácia na posologia contínua para alívio da dismenorreia e da
• Progestogênios de uso contínuo, oral, intramuscular de de- dispareunia. São compostos com estrogênios associados a pro-
pósito, implante subcutâneo e sistema intrauterino (SJU): gesLOgênios and rogenicos de última geração. Os protestOgenios
- Derivados da testosterona de segunda geração: no- mais prescritos são o acetato de medroxiprogesterona e aqueles
retisterona (lOmgldia VO), levonorgestrel (SIU, 3 a 5 derivados da 19-nonestosterona Oevonorgestrel, noretindrona,
anos), d ienogeste (2mgldia VO). desogestrel, d ienogeste) por d iferentes vias (intramuscular, oral
r
((

Capítulo 22 Endometríose Profunda lnfíltratíva 161

e imrauterina). Independentemente de agirem atroftando o te- Quadro 22.4 Tratamento clínico da dor- Resumo terapêutico
cido endometriótico, inte rferem na adesão e no crescimento do Primeira linha (empírico, sem laparoscopia):
implante pela inibição de enzimas metaloproteinases de matriz AINE
(MMP) e da angiogênese. ACO
O sistema intrauterino de levonogestrel mostrou boa efi- Progestogenios orais e parenterais

cácia, embo ra seja possível a ocorrência de cistos funcionais Segunda linha (após confirmação laparoscópica ou falha da
ovarianos e de crescimento de endometriomas. A principal primeira linha):
GnRHa: Zoladex, Luron, Neodecaptil etc .
intolerância aos ACO e aos progeswgênios está relacionada DIU LNS (Mirena)
com sangramentos ute rinos anormais por atrofia endometrial
e manifestações androgênicas. Teoricamente, o dienogeste
apresenta menos efeitOS colaterais androgênicos se compara- administração, como ganho de peso, h irsutismo, acne e agra-
do aos demais progeswgênios. vamento da voz. Também a gestrinona, embora tenha posolo-
Os análogos do hormônio liberador de gonadotrofinas gia simples de um comprimido, duas vezes por semana, é um
(GnRH-a) foram, possivelmente, os med icamentos mais es- derivado da 19-nonestoste rona e apresenta efeitos colaterais
tudados para o tratamento da endometriose e agem compe- androgênicos e arrenomiméticos que dificultam a adesão da
tindo com os receptores hipotalãmicos do GnRH, inibindo, paciente ao tratamento. Os inibidores da aromatase (bloquea-
assim, a produção do hormônio folículo-estimulante (FSH), dores da enzima P450) poderiam ter aplicação em situações
deixando o ovário sem estimulação e, consequentemente, raras, como diagnóstico de endometriose na menopausa ou
com h ipoestrogenismo importante (pseudomenopausa). O mesmo na menacme, d iante de falhas dos tratamentos con-
h ipoestrogenismo é responsável pela boa eficácia terapêutica, vencionais. Encontra-se disponível a associação aos ACO
mas tem efeitOS colaterais, como os fogachos e a perda óssea, ou a outro medicamento para evitar a ação hipoestrogênica
que limitam sua prescrição a longo prazo, especialmente em intensa.
j ovens nas quais a massa óssea ainda se encontra em processo Em síntese, os progeswgênios e os ACO são considerados
em formação. Recomenda-se associação a outros medicamen- fármacos de primeira linha para uso contínuo, devendo ser
tOS para prevenção desses efeitOS colaterais (add-back therapy) adaptados conforme a tOlerância da paciente. Os GnRH-a têm
(Figura 22.4). boa eficácia te rapêutica, podendo ser reservados para as con-
Muito utilizado na década de 1980, embora com bons re- dições em que há falha dos medicamentos usados anterior-
sultados para aliviar a dor, o danazol apresenta efeitOS co- mente ou em situações especiais, levando em consideração as
laterais anabolizantes androgênicos que desestimulam sua desvantagens do hipoestrogenismo (Quadro 22.4).

FSH baixo
Estrogênio
baixo

+ Estrogênio + Testosterona
(4) (4)

Figura 22.4 Análogos do GnRH. (Endometriosis Guideline Development Group, 2013.)


/.

)/;
:;; 162 Seção I Ginecologia

Tratamento cirúrgico Quadro 22.5 Tra1amento cirúrgica da endometnose prolunda


Indicações Indicações relativas Indicações formais
O tratamento ci rúrg1co da pac1ente com EPI esu\ indi- 1. Medicação ho<monal ineficaz 1. Obstruçâo ureterat
cado em primeiro lugar para alivio da dor pélvica e, mais para aJlvio da dor ou nao
raramente, para resolução de quadros obstrutívos intestinais tolerável 2. Estenose ontesllnal assoc•ada
a s•ntomas de semObstruçao
ou uriruinos. A md1cação da c1rurg1a para o tratamento da 2. Paciente muito sintomática
infertihdade sem dor pélv1ca t tema polem1co, e as decisões que deseja engravidar do 3 Lesao de Deo termonal e
devem ser md1v1duahzadas. Embora estudos observadonais modo natural apêndce cecal
sugiram bons resultados em termos de fertilidade após ares-
3. Cirurgia definitiva em casos 4 Massa &neJOal de natureza
secção da EPI, a tend!nc1a atual é a de considerar a cirur- graves. sintomáticos. sem ~ncerta

gia como segunda opção após a falha da rerubzação in vitro desejo de gravidez futura
(FIV), exceto nos casos de dor intensa ou quando a FIV não con10 alternativa à medicação
prolongada
seja exequível (Figura 22.5).
Assim, as indicações formais da abordagem cirúrgica são a
ralha da terap!utica hormonal para aliviar a dor e as situações
Cirurgias
de intolerância e de contraind icações ao uso dessas medica-
Uma vez determinada a abordagem cirúrgica para o trata-
ções. As pacientes muito sintomáticas necessitam suspender o
mento da dor pélvica, o princípio que norteia essa conduta
bloqueio hormonal com o objetivo de engravidar. A ocorrência
é a ressecção completa da doença. O comportamento multi-
de estenose intestinal associada a sintomas de sem iobstrução
focal da EPl é evidente (Figura 22.6). Na maioria dos casos
do t rânsito intesti nal é i11dicação também formal de ressec-
ocorre simultaneamente a in li h ração em vários sltios pélvicos,
ção cirúrgica da EPI. Outra indicação ci rúrgica obrigatória é
retrocervical, septo retovagi nal, vagina, retossigmoide, colón
a presença de massa pélvica de natureza incerta, assim como
direito e vias urinárias. Recomenda-se um planejamento ope-
lesão de íleo terminal e de apêndice cecal. A evidência de
ratório capaz de fazer a ressecçào de todos esses sltios em uma
obstrução das vias urinárias manifestada por hidronefrose se-
mesma abordagem, evitando, assim, reintervenções ou doen-
cundária à compressão utereral também é mandatória para
ça residual pós-operatória, sendo recomendáveis centros de
intervenção cirúrgica (Quadro 22.5).
excelência com especialistas e equ1pes multidisc1phnares com
o propósito de se obterem o !xito terapêuuco e a redução das
Endometnose profunda complicações. O cirurgião deve proceder à remoção de toda
onfoltrattva e onfert1hdade a porção acometida dos órgãos e, para tanto, deve ter conhe-
cin1ento prévio dos síuos operatónos que serão abordados e
uma pre\isão da extensão c•rúrgJca para bom planeJamento
tecnológico.
Na doença do compartimento postenor, ma•s frequente,
Dor Sem dor devem ser ressecadas porções compromeudas do septo re-
Obstrução Sem obstenção tovaginal, dos ligamentos uterossacros, paramétnos e cúpula
vaginal, considerando as preservações dos plexos nervosos
regionais. Na doença de compartimento anterior da pelve,
mais rara, também se impõem a completa liberação do es-
Corurgoa Controvérsoa paço vesicouterino e a ressecção das porções comprometidas

Compartimento anteroor·

• Bexiga
• Ligamentos redondos

24%
gravidez
39%
gravidez
I FIV
II Corurgoa?
I • lngulnal

espontânea após FIV


Compartomento posteroor;

• Retrocervical

• Ligamentos uterossacros
Corurgoa FIV
• Retossigmolde, apêndiCe cecal
após falha
de 2 FJV • Vagina

Figura 22.5 Auxograma de conduta com caso de EP1. Figura 22.6 Dostnbuoçao da EPI.
r
((

Capítulo 22 Endometríose Profunda lnfíltratíva 163

dos ligamentos redondos e da bexiga u rinária (cistecwmia com paridade concluída, na pré-menopausa, com quadro sin-
parcial) com cisLOscopia prévia e cateterização dos ureteres. tomático importante de recidiva da dor em situações de reo-
Além disso, a doença periLOneal e a ovariana também devem peracões, devendo ser avaliados com a paciente os aspectos
ser completamente abordadas. favoráveis e desfavoráveis da antecipação da menopausa. A
As técnicas operatórias mais utilizadas no tratamento da histerecwmia com preservação dos ovários pode se r cogitada
EPI intestinal incluem: nas pacientes com paridade concluída quando há comorbi-
dades uterinas (miomas, adenomiose, sangramento uterino
• Shaving: exérese da doença na supe rfície da se rosa intesti-
anormal).
nal, preservando a alça.
• Colectomia segmentar: extração do segmento intestinal
que sofre infiltração muscular, incluindo as ci rurgias de Resultados
abaixamento, retossigmoidecwmias e colecwmia d ireita. No pós-operatório das pacientes com EPI há evidências de
• Ressecção em disco ou nodula r: refere-se à remoção de melhora da qualidade de vida com alívio geral dos sintomas
pequena porção da pa rede ante rior do retossigmoide. em 75% a 88% dos casos, incluindo alívio da dor pélvica em
• Apendicectomia . geral (71,4% a 93,6%), d ismenorreia (62% a 80%), dispare-
unia (62% a 81 %), DPC (43% a 8 1%) e melhora da fertili-
A colecwmia em d isco está recomendada nas lesões in- dade com 24% a 39% de concepção. Além disso , a primeira
feriores a 3cm e tem a vantagem de causar menos impactO cirurgia é mais eficaz do que as subsequentes no alívio da
na função intestinal no pós-operatório. Já as colecwmias seg- dor (83% contra 53%), reforçando o conceito da importância
mentares, mais extensas, são realizadas nas lesões maiores, da cirurgia completa em abordagem única com o objetivo de
multifocais e naquelas que atingem a mucosa intestinal (Fi- tratamento da dor.
gura 22. 7). Em revisão sistemática de 34 publicações que incluíram
A histerectomia com anexectomia b ilate ral, denominada 1.889 ressecções intestinais foi encontrada recorrência dos
ci rurgia radical , pode se r considerada nos casos de mulheres sintomas em 2 anos e meio de seguimento, variando de 4% a
54%, ressaltando-se que a maior taxa de repetição de opera-
Cirurgia da endometriose profunda - retossigmoide ções em razão da recorrência da dor foi de 34%.
O índice ge ral de complicação cirúrgica no pós-operatório
de EPI é de 11%, incluindo 6,4% de complicações intestinais
Ressecção segmentar:
Múltiplos focos graves, como deiscência anaswmótica (l ,9%), fístula rewva-
Nódulo de sigmoide ginal (1,8%) e hemorragia reta! (2,5%) Disfunção miccional
Lesão >3cm transitória pode oco rrer em 8,1% dos casos, além de, mais
Lesões que envolvem a raramente, hemorragias (2%) e infecções (1%).
mucosa e a submucosa
No que tange à infenilidade, observou-se aumento signi-
ficativo das taxas de gravidez nas pacientes operadas antes
de FIV (41 %) versus aquelas com EPI não operadas (24%),
po rém deve ser mencionada a ausência de randomização dos
Ressecção em disco:
casos. Houve aumento das taxas de gravidez após ressecção
Lesão em retossigmoide <3cm
da EPI tanto por concepção espontânea (21,4%) como após a
Shave: doença superficial adoção de técnicas de reprodução assistida (2 1,4%), mas não
A foi apresentado um grupo-controle.

, SEGUIMENTO
'' ~
• Shave u___
-- ... , ~ A endometriose deve ser entendida como doença crônica.
Consequentemente é importante planejar seu tratamento a
longo prazo. Assim, as pacientes, bem adaptadas à terapêu-
tica em curso, devem ser mantidas sob controle clínico pe-
riódico. Além disso, é recomendável associar a revisão com
• Ressecção em disco
o ,, • I
I
I
imagens da pelve, pois se calcula que 15% das pacientes
assintomáticas em hormonoterapia supressora mostram au-
, , mento do nódulo endometriólico na doença profunda. Ainda

c
no tratamento pós-operatório da dor pélvica, deve ser manti-
• Retossigmoidectomias I I
I I
da a supressão hormonal, uma vez demonstrado seu papel na
B I I prevenção secundária da doença. A suspensão dessa terapia
• •
tem justificativa apenas com o propósitO de liberar a paciente
Figura 22.7A Cirurgias intestinais. B Esquemas das técnicas das para engravidar ou diante da intolerância ou contraindicação
cirurgias intestinais. formal ao uso de medicação.
/.
'
'/,
J 164 Seção I Ginecologia

Nos casos de recidiva da dor pélvtca, especialmente em ções terapêuticas tanto para a resolução da dor como da
seguimentos pós-operatónos, deve ser avaliada em primeira infertilidade.
instância a possibilidade de doença restdual. As aderências Todas as decisões terapêuticas devem levar em considera-
foram descntas nos casos de reoperaçào em 21%, 47% e 55% ção que a EPI é um DPI, requerendo planeJamento a longo
após seguunentos, respeCil\'amente, de 2, 5 e 7 anos. prazo e rea,-aliações periódtcas dessas pacientes.
A presença de outra causa para a dor pélvtca associada à
endometnose deve ser sempre constderada, havendo evidên- Leitura complementar
cias da assocmção frequente de slndrome do mtestino irritá,·el Abrão MS, Petraglta F, Falcone T et ai. Deep endomelrtOSos onmtra-
(511) e doença mnamatóna pélvtca (DIP) nas pormdoras de ting lhe recto-sogrnood: crrtocal factors to cons•der before manage-
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Os pontos essenciais para o diagnóstico e tratamento da
Bazot M, Lafont C, Rouzier R. Roseau G. Thomassin-Naggara I, Da-
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• As pacientes com EPI devem ser direcionadas a centros de
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Parazzini F, Esposito G, Tozzo L. EpidemiOiogy oi endometnos1s and
Pacientes e famtliares devem estar envolvidos em todas
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as decisões dtagnósucas e terapeuucas do processo. Já aos (Epub ahead oi print).
profissionaiS cabe prover as mformações necessárias, de Rogers PA, D'Hooghe TM, Fazleabas A et al. Deflning future dorec-
caráter quahtauvo e quantllall\'0, referentes às várias op- tions for endomelfiosis research: workshop report from lhe 2011
:\.
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((

Capítulo 22 Endometríose Profunda lnfíltratíva 165

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CAPÍTULO

Propedêutica do Casallnfértil
Marcelo Lopes Cançado
Maria Clara dos Santos Amaral
Cássia Cançado Avelar

INTRODUÇÃO norreia, doença inOamatória pélvica (D IP) , ou se a mulher


A Organização das Nações Unidas (ONU) define saúde tiver mais de 35 anos de vida, torna-se prudente o inicio da
reprodutiva como "um estado de completo bem-estar flsico, propedeutica direcionada e imediata.
mental e social, e não apenas a au~ncia de doença ou enfer- A despeito das técnicas avançadas de reprodução assisti-
midade em todas as instâncias relauvas ao SIStema reprodu- da, consegue-se sucesso com terapias apropriadas em cerca
tivo, suas funções e processos". Portanto, a infenilidade deve de 60% dos casos. O sucesso do tratamento é dependente
ser considerada um processo de doença e ser investigada e também do tempo de infenilidade do casal. Assim, naqueles
tratada. A Organização Mundial da Saúde (OMS) a conside- com infenilidade primária com mais de 2 anos de duração,
ra um problema de saúde pública. Trata-se de urna condição a possibilidade de gravtdez se torna mais batxa sem o uso de
que não afeta apenas a v1da do casal, mas os sernços de saúde técnicas de reprodução assisuda.
em geral , além de ser de ocorr~nc1a mund1al. Com·ém, então, que toda a propedeuuca não exceda 6 meses,
Os protocolos de propedeuuca bás1ca em mfenilidade ,·em ressaltando-se que muitas ,·ezes o dmgnósuco euológtco deve ser
sofrendo acentuadas mudanças e adaptações em virtude de suspeitado ou comprovado entre 2 e -+ meses de pesqUisa.
vários motivos, parucularmente em razão do aumento do A avaliação da suscetib1hdade à rubéola deve ser mvesugada,
número de casa1s inférteis ante os magnlficos, velozes e ex- urna vez que varia de 2% a 12% dos casos, e outra recomenda-
pressivos a\'llnços dos métodos diagnósucos e das técnicas de ção importante é a citologia cef\'ical, uma vez que, em pacientes
reprodução assistida. inféneis, a incidência de alterações varia entre 5% e 13%.
Da mesma maneira, os avanços em diversas áreas, com As pacientes reconhecidamente portadoras de doenças vi-
ênfase na genética e na imunologia, vem determinando etio- rais crónicas, como hepatite B, hepatite C ou HIV, deverão
logias de processos até então inexplicados. Assim, mutações ser encaminhadas a centros apropriados capazes de fornecer
genéticas descritas em pacientes com desordens reprodutivas orientações seguras.
necessitam ser pesquisadas com mais frequência, em parti-
cular nos casais sem causa especflica determinada na prope- DEFINIÇÕES, PREVALÊNCIA E EPIDEMIOLOG IA DA
deutica inicial. INFERTILIDADE
Abreviar a propedeulica básica de maneira racional, indi- A taxa de concepção mensal entre os casais com cerca de
vidualizada e investigaliva se tornou, sem dúvida, o primeiro seis relações sexuais por mes sem o uso de métodos contracep-
e grande passo em d ireção ao sucesso proposto. Desse modo, tivos é em torno de 20% a 25% (em mulheres de até 35 anos).
os nuxogramas diagnósticos antes propostos para pratica- A Associação Americana de Medicina Reprodutiva define
mente todos os casos deverão ser abandonados em prol de infertilidade como a falência em conceber após 1 ano de coito
uma pesquisa Oexlvel, caso a caso, pnncipalmente diante dos regular e sem contracepção. Essa é a defimção maiS aceita,
dados coletados na história do casal e de novos e promissores autorizando a iniciar a propedeutica a partir desse ponto, em-
arsenais diagnósticos e terapeuticos. A pesqutsa deve ser feita bora outras sociedades cons1derem 2 anos como o ponto de
com base em evidencias determinadas, ~,sando aos tratamen- cone. Ao se considerar a au~ncm de concepção após 1 ano
tos adequados em centro pnmáno, secundãrio ou terciário. de coito desprotegtdo como mfert1lidade, pode-se estar supe-
Assim, dtante de históna conhec1da de amenorre1a, oligome- restimando o efeito da 1dade na fert1hdade fem1mna, Já que o
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Capítulo 23 Propedêutíca do Casal lnfértil 167

grupo de mulheres com 35 anos de idade ou mais frequente- A idade da mulher e sua ferulidade estão extremamente
mente necessita de ma1s tempo para engravidar, ou seja, sua interligadas, sendo fatores determinantes de pred1ção de su-
fecundidade é afetada, mas sua fenihdade pode não estar al- cesso em quaisquer tratamentos propostos ou mesmo espon-
terada no mesmo grau. A fecund1dade significa a possibilida- taneamente.
de de a grav1dez ser consegu1da em um úmco ciclo que, por Os fatores causais de mfenthdade mudam de acordo com
evidencias Já determmadas, dechna com a idade da mulher. a idade da paciente. Ass1m, um mesmo fator tem prevalência
A mfentbdade é, por defimção, a mcapacidade de engra,·i- mais alta ou mais baLxa em relação a determmada fa1xa etária.
dar após 1 ano de relações sexuaiS desprotegidas, segundo o A mulher começa a expenmentar uma queda gradual da
lntemauonal Commmee for Momtonng Assisted Reproducú- fertilidade já aos 25 anos de tdade, a qual se acentua marca-
"e Technology (IOviART) e a OMS. damente após os 35 anos e pnnc1palmente aos 37 anos, em
Entre os casa1s mféneis, I % a 2% jamats conseguirão exiLo razão da não renovação do numero de follculos pnmordiais,
a despe110 do uso de todo o aparato propedeutico e terapêu- bem como da perda da ma1oria desses folrculos e do declínio na
tico, sendo, por isso, considerados estéreis. A esterilidade é qualidade oocitária em vinude do processo de envelhecimento.
diretamente proporc1onal à 1dade da mulher, panicularmente Ao nascimento, há cerca de 1 m1lhão de folrculos nos ová-
após os 35 anos, considerada avançada para fertilidade e fe- rios, caindo para 400 mil na menarca. Cerca de 1.000 são re-
cundidade segundo estudos seccionais com base na popula- crutados ao mês, com ovulação de apenas um. Dessa maneira,
ção em geral. desde a menarca a mulher tem cerca de 400 meses para engra-
A tendência de adiamento da tentativa de reprodução tem vidar. Convém ressaltar que mesmo usando métodos contra-
sido obse rvada nos pafses desenvolvidos ou em desenvolvi- ceptivos hormonais ou em fases especiais, como a amamen-
mento , o que vem levando ao au mento nas taxas de ocorrên- tação, em que as mulheres não estão ovulando, seus ovários
cia da infertilidade. A taxa de concepção anual na população conünuam disponibilizando cerca de 1.000 folrculos ao mts.
em geral é de 84%. Entre os que não concebe ram no primeiro Sabe-se que há queda de aproximadamente ll% da ferti-
ano, metade o fará no segundo ano, totalizando taxa cumula- lidade feminina a cada ano após a idade de 30 anos. consi-
tiva ele 92% em 2 anos e 93% após 3 anos. derando-se todos os possíveis fatores causais. Acrescente-se à
Atualmente se constata aumento do número de casais in- queda numérica e de qualidade dos follculos a maior expo-
féneis, ressaltando-se que nos EUA houve acréscimo de 5% a sição das mulheres a outras causas de infertihdade, entre as
10% nos últimos anos, o que totaliza cerca de 20% dos casais
quais podem ser citadas alta chance de DIP, endometriose e
rotulados como infértelS. No Remo Unido, estima-se que a
surgimento de miomas, doenças que têm 1mpacto na fenili-
frequencia da mferuhdade seja de um para cada sete casais
dade feminina, além de mudanças endócnnas e menos recep-
e que essa estatlsuca possa estar hgeiramente aumentada em
ú,idade endometrial, já confirmada por estudos h1stológicos
relação às úlumas afenções (200-+).
endometriais em d1,·ersos amm315 e mesmo em humanos.
Vislumbra-se, ponanto, aumento s1gmficativo no número
Esse cenãrio de ma1s doenças orgãmcas e menos folrculos
de casa1s mfénelS. Com frequencia são tdentificados fatores
funcionais ocorre JUStamente quando na atualidade as mu-
causais múluplos em ambos os parce1ros. Em 40% dos casais,
lheres buscam ter lilhos. Um estudo nos EUA venficou difi-
ambos tem alterações que interferem no processo reproduti-
culdade de engrav1dar em aproximadamente li ,7% das mu-
vo, e em 40% das mulheres existe ma1s de um fator. Não obs-
lheres com menos de 25 anos em comparação com 42,1%
tante, 15% a 20% dos casais prevtamente com o diagnóstico
no grupo com mats de 35 anos. Paralelamente há mais chan-
de infénelS engravidam sem quaisquer tratamentos. Algumas
ces de abonamemo. Mesmo com concepção natural, a taxa
causas são mais comuns em determinadas regiões, como, por
exemplo, na África, onde é alta a prevalência de causas de- praticamente dobrou na população em geral no grupo com
correntes de doenças innamatórias pelvicas e doenças sexual- idade maior do que 35 anos, acentuando-se quando próxi-
mente transmissfveis (DST). mo e após os 40 anos d e idade.
Entre as causas desse aumento no número de casais in fér- Os programas de fertilização assistida fornecem dados que
teis, incluindo também as relacionadas com mudanças nos corroboram a contribuição do oócíto e do útero na reprodu-
hábitos de viela, destacam-se quatro, a saber: ção humana. Por exemplo, as mulheres jovens submetidas
à fertilização in vitro (FIV) com seus próprios oócitos. com-
Idade da mulher paradas com o grupo de mulheres com mais de 40 anos sub-
Do ponto de vista fisiológico, a década com preendida en- metidas ao mesmo processo, porém com oócitos doados por
tre os 20 e os 30 anos de idade representa o melhor momento mulheres jovens, apresentaram taxas de sucesso similares.
para a mulher reproduzir. Para as mulheres de 35 a 39 anos Além disso, a porcentagem de embriões anormais do pon-
a chance de conceber espontaneamente passa a equivaler à to de ,·ista genético, com destaque para aneuploidias, diag-
metade daquelas entre 19 e 26 anos. Nos EUA, as nascidas nosticados por biópsia de blastômeros pré-Implantação é da
entre 1945 e 1965 deram inicio ao processo de retardar a ordem de 60% a 70% em mulheres com 1dade reprodutiva
materrudade. Consequentemente, o número de mulheres que a\'ançada. Nessas, a inc1di!nc1a tanto de abonamentos aneu-
procuraram serv1ços especiahzados de reprodução dobrou ploides como de euplo1des é alta, sugenndo a existência de
entre 1987 e 1995 naquele pais. outros fatores que JUSUfiquem essa elevação, como alterações
168 Seção I Ginecologia

degeneratl\'as dos embriões, as quais d16cultam sua Implan- rios parcetros sexuaiS, mlcio precoce da ,·ida sexual e nas
tação e desenvolvimento normal. usuárias de DIU e de substâncias tóxicas, como o cigarro.
Por tudo ISSO, alguns im·estigadores preconizam o inicio É conhecida, por exemplo, a associação entre o fumo e a
imediato da propedêutica 6 meses após co1to desprotegido, instalação mais precoce da menopausa a partir de efeitos
caso a mulher tenha 35 anos ou mais, o que é conceitualmen- tóxicos sobre o ovário sob vários mecanismos de ação. Tor-
te definido como adiamemo reprodutivo. nam-se relevantes os efe itos negativos de certos hábitos so-
b re a redução ela fertil idade feminina , como o co nsumo de
Aumento da prevalência das doenças mais de quatro doses de bebidas alcoólicas por semana e o
consumo diário de cafelna >250mgldia. No entanto, não há
inflamatórias pélvicas
evidências consistentes ela associação entre o consumo de
A partir da liberação sexual, observou-se aumento da pre-
cafeína e problemas de fertilidade, e as evidencias sobre o
valência das doenças sexualmente uansmisslve1s (DST), cha-
impacto do consumo de álcool na fertilidade femmma são
mando a atenção, em relação à infenibdade, aquelas sabida-
inconsistentes.
mente les1vas às trompas, principalmente porque a maioria
Mulheres que fumam tendem a consumir malS álcool e
é tns1d1osa, pouco sintomática ou assmtomáuca, sobretudo
cafeína. O tabag1smo tem s1do associado aos fatores tubáno
nas mulheres. No grupo de mulheres com gonorreia cen~cal
(diminuição da motihdade ciliar) e cen•ical (dimmuição da
não tratada, 10% a 17% desem·olverão salpingite e 20% se
quantidade de muco com aumento do nível de toxinas) e ao
tornarão in férteis após o primeiro episódio. Caso haja novos
aumento da frequência ele gestação ectópica, além de suposta
episódios, esse número será expressivamente aumentado. Se-
associação a mais clepleção ele oócitos de alta qualidade da
gundo um estudo clássico, as taxas de in fertilidade em relação
reserva ovariana. A nicotina atua sobre o oócito, influencian-
ao número de episódios ele DIP são de 11%, 23% e 54% após
do seus fatores de crescimento e reduzindo a fertilização, a
um, dois ou três episódios, respectivameme. Nos países de-
clivagem e a implantação, além de aumentar o risco de abor-
senvolvidos, a Chlamydia trachomatis é o agente responsável tamentos. É significativo o número de mulheres não fumantes
por mais da metade dos casos de dano tubário e pél,~co. As
em relação às fumantes no que diz respeito ao número de
infecções genuais masculinas também são Importantes fatores
panos 24 meses após o abandono de contracepti,·os ora1s, pa-
causadores de infertilidade no homem.
recendo ha,·er relação, amda, entre a quantidade de c1garros
A htStóna e os achados funestos da DIP são malS frequen-
consumidos por dia e os resultados procriativos.
tes nas fa1.xas etárias maiores, em razAo do tempo mais longo No homem, apesar de contro\·erso, a nicotina e o consumo
de exposu;ão a posslveis doenças, embora a grav1dade das le-
excessivo de álcool duninuem a qualidade do sêmen. Parece
sões seja igual independentemente da fatXa etária. que o consumo excessivo de álcool pode alterar a qualidade
do sêmen, mas esse efeito é reve rsível e não há evidência da
Aumento da incidência do fator masculino associação causal entre o consumo moderado de álcool e a má
Cerca de 40% de todas as causas de in fertilidade estão rela- qualidade do sêmen.
cionadas com o fator masculino. Em outra estatlstica, idemifi- Outras substâncias também têm ação negativa sobre a fer-
cou-se esse fator isolado como causa da inferulidade em 20% tilidade, como a maconha, que altera o ciclo menstrual, os
dos casos e em outros 30% dos casais foram identificados fa- narcóticos, a cocal na e os barbitúricos, que tem efeito sobre o
tores mascuhnos e femininos. Em pelo menos metade desses sistema nen·oso central (SNC), os quais podem b·ar à h1per-
homens são desconhecidas as causas de sua mfen11idade ou prolactinem1a e aos d1stúrb1os na esfera sexual.
subfen1hdade. Na última década, com novos testes e técni- O índice de massa corporal (l~IC >30kglm1 ou <18,5kglm1)
cas d1agnósucas. os especialistas têm consegu1do diagnosticar se reflete na redução da fentlidade feminina, mesmo após o
com matS precisão o fator masculino, ames subdiagnosticado. ajuste de outros fatores, como as irregularidades menstntaiS.
Portamo, questiona-se se houve realmente aumento no nú- O índice de 30kglm 2 ou mais é um fator de risco mdepen-
mero dos homens in férteis ou se ocorreram avanços dos mé- dente para abonamentos espontâneos, e a aumento do risco
todos diagnósticos, ou se ambas as hipóteses são verdadeiras. de abortamentos tem sido reportado em mulheres modera-
Os efeitos ela idade do parceiro masculino nos processos da damente obesas ( IMC entre 25 e 2 7,9kglm 2), com slndrome
in fertilidade do casal são menos definidos, embora evidências de ovários policlsticos, submetidas à indução da ovulação.
recentes revelem que a fertilidade masculina também declina Mulheres com IMC < 19 kglm2 e que têm ciclos irregulares ou
com a idade, pronunciadameme após os 55 anos. não menstruam devem ser aconselhadas a aumentar o peso
Após os 40 anos de idade do homem há aumento do nú- para terem mais chances de concepção. Por outro lado, há
mero de doenças como esquizofrenia, slndrome de Crouzon significativa e ev1dente redução no número de células esper-
e auttSmo na prole em questão. máticas em homens com sobrepeso (IMC entre 25 e 30kgtm')
e obesos (IMC >30kglm2) quando comparados com os de
Mudanças nos hábitos de vida peso normal (IMC entre 20 e 24kglm2).
Não exiStem trabalhos prospectivos randomizados. Mes- Algumas ocupações envolvem ex'Posições a danos e podem
mo ass1m, estudos observacionais e subjetivos relatam danos reduzir as fenihdades feminina e masculina, havendo com-
tubários primários maiores em mulheres com história de vá- provações de que anli-inflamató rios não esteroides inibem a
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Capítulo 23 Propedêutica do Casal lnfértil 169

ovulação. Medicamentos antiinflamatórios e imunossupressi- detectado ou pelo menos suspeitado. Casais com convi vencia
vos utilizados para doenças reumáticas podem afetar a concep- estável poderão apresentar frequência sexual inapropriada.
ção. Os pacientes que fazem uso de hormônios tireoidianos, Atividade sexual a cada 2 ou 3 d ias aumenta as chances de
amidepressivos, tranquilizames ou medicações para asma tem gravidez. Se a duração da infertilidade é inferio r a 3 anos, o
alto risco de infertilidade de causa ovulatória. Os tratamentos casal tem 1, 7 vez mais chance de conceber do que casais CL~a
quimioterapeuticos com fármacos citotóxicos podem induzi r infertilidade d ura mais de 3 anos. Se a infertilidade não tem
a falência ovariana em graus diferentes. As medicações como causa aparente após mais de 3 anos de duração, as chances
cimetid ina e sulfasalazina e o uso frequente de alguns antibió- de concepção são de apenas 1% a 3% po r ciclo. Em 95% dos
ticos e injeções de androgênios podem afetar a qualidade do casos chega-se a um diagnóstico com os dados da consulta e
sêmen e causar oligospermia, sendo esse efeito geralmente re- com a primeira bateria de exames, e essa investigação inicial
versível após 3 meses sem o uso. O uso de ~-bloqueadores e cabe bem em um período de 3 meses.
de medicamentos psicotrópicos pode levar à impotência, e os Deve rão ser bem esclarecidos, entre outros dados, a me-
tratamentos quimioterapêuticos podem induzi r a azoospermia. narca, o estudo dos ciclos menstruais, presença de disme-
O uso excessivo de maconha e cocaína pode afetar a fun- norreia e dispareunia, gravidezes anterio res, história sexual,
ção ovulatória e tubária. O uso dos este roides anabolizantes e uso de métodos contraceptivos anterio res, história de DIP e
da cocaína pode afetar a qualidade do sêmen. ciru rgias pélvicas, enfermidades da tireoide e a exposição a
Mulhe res que estejam tentando engravidar deverão ser in- medicamentos e tóxicos (tabagismo, álcool ou outras d rogas).
formadas de que a suplementação d ietética com ácido fólico Ainda na anamnese é importante também questionar a histó-
ames da concepção até 12 semanas de gestação reduz o risco ria rep rodutiva familiar, os casos de menopausa precoce etc.
de defeitos do tubo neural no few. São dados relevantes no exame a estatura, o cálculo do
IMC, os caracteres sexuais secundários, acne , hirsutismo, ga-
ETI OLOGIA lacwrreia, pesquisa de sepws vaginais, miomas, cistos e in-
Embora os fato res etiológicos apresentem ampla variabili- fecções cervicais. Da mesma maneira, o parceiro deverà ser
dade nas estatísticas mundiais, levando-se em conside ração avaliado conforme descritO mais adiante.
dados demográficos, socioeconômicos, estatística individual
de serviços, entre outros, de modo global 30% a 40% dos Propedêutica dos fatores femininos
casos deco rrem de causas femininas isoladas e 25% a 30% de Fator ovulatório
masculinas; em 30% a 39%, ambos os parceiros estão envol- As desordens ovulatórias respondem por cerca de 20% a
vidos, e em 15% a 30% dos casais não se detecta fator espe- 30% dos casos de infenilidade, cursando comumente com
cífico, ressaltando-se que mesmo neste capítulo have rá dados distúrbios menstruais (oligomenorreia/amenorreia), mas po-
variáveis de aco rdo com a bibliografia consultada. dem ser mais sutis.
O fator masculino, isolado ou associado a fato res femini- As causas mais frequentes incluem SOP, obesidade, ganho
nos, é responsável po r 40% a 50% dos casos. ou perda impo rtante de peso, exercícios físicos extenuantes,
Entre as causas atribuídas à mulher, as d isfunções ovulató- disfunção tireoid iana e hiperprolactinemia.
rias acontecem em cerca de 20% a 30% dos casos. As causas Muitas vezes, apenas a história menstrual é necessá ria para
tubárias, uterinas e peritoneais respondem po r 25% a 50%, res- a avaliação ovulatória. Na maioria das mulheres ovulatórias,
saltando-se que dessa fatia o fator tubário é preponderante e o os ciclos menstruais sáo regulares, ocorrendo entre 21 e 35
fator uterino, representado por malformações mullerianas, pó- dias com características semelhantes de fluxo e sintomas pré-
lipos, miomas, endometrites e aderências, o menos significativo -menstruais. Alguma variação é completamente normal; em
em termos percentuais. O fatOr cervical e as causas imunológi- um estudo que avaliou mais de 1.000 ciclos, variações in-
cas e infecciosas respondem por 5% a 10%. A esterilidade sem termenstruais além de 5 dias foram obse rvadas em 56% das
causa aparente ou infenilidade inexplicada apresenta a maio r pacientes em 6 meses e em até 75% das pacientes d urante 1
variação quanto à incidência, dependendo, logicamente, da ex- ano de seguimento. Pacientes com sangra me mo anormal, oli-
tensão da propedêutica realizada. Em alguns serviços, varia en- gomenorreia ou amenorreia geralmente não necessitam testes
tre 0% e 37% e em outros, entre 6% e 60%. Em média, em 15% específicos para o d iagnóstico da anovulação.
a 20% dos casais, após propedêutica considerada completa, não
se encontra fator causal evidente. A apresentação de casuística Principais testes utilizados na avaliação do fator ovulatório
de 0% de infertilidade inexplicada por um serviço pode ser con- e estudo da fase lútea
siderada pretensiosa. Nesses tipos, quando de longa duração, é Todos os parâmetros utilizados na avaliação do fatOr ovu-
importante atentar para possíveis causas genéticas. latório e estudo da fase lútea sáo indiretos:
• Curva de temperatura basal ( CTB): outrora muitO utili-
PROPEDÊUTICA
zada , não é confiável para predizer a ovulação e por isso
Anamnese , exame físico e hábitos de vida não deve ser utilizada.
A investigação da vida sexual do casal faz pane da anam- • Kits preditores de ovu lação: realizados na u rina com base
nese em in fertilidade e, às vezes, o problema é imediatamente no pico endógeno de hormônio luteinizante (LH), que tri-
170 Seção I Ginecologia

plica seus valores em relação aos 3 dias que antecedem a Durante o ciclo menstrual ocorrem, por ação hormonal,
ovulação. Esse pico, que ocorre de manetra mais comun- vasodilatação e neoangiogenese, fenômenos bem aval.tados
deme por volta de 16 a 48 horas antes da ovulação, tem pela dopplervelocimetna. No momento, suas aphcações
por base a mudança de cor da urina, devendo ser iniciado são subestimadas, mas podem ser uuhzadas em várias si-
em torno do dta I O do ciclo e de preferência com a urina tuações, como na infenthdade mexphcada e na predtção
coletada na metade ou no final do dta. A primeira urina da de sucesso nas técnicas de reprodução asstSuda.
manhã (anteriormente precomzada), apesar de mais con-
centrada em relação ao LH, pode mostrar, pelo mesmo Outras avaliações que podem ser necessánas, principal-
motivo, ptco falso-poslltvo desse hormõmo. Os maiores mente para defimção da melhor forma de tratamento das
problemas do teste conststem nas dú\•tdas em relação à mulheres inféneis anO\'Uiatónas. são a dosagem de TSH e de
mudança de cor e ao momemo de sua realização. Outro prolactina, o que exigi rã tratamento especifico, e a de FSH e
inconveniente é que os ptcos aberrantes de LH no início estradiol nas pacientes amenorretcas, a qual auxthará a di-
do ciclo, como os que ocorrem em paetentes com SOP e ferenciação entre as que apresentam falencta 0\<ariana (FSH
naquelas em uso de citrato de clomtfeno, podem falsear o ele\<ado e estradiol baixo) e serão candtdatas à ovodoação e
teste, dando a impressão de que a paciente apresenta mais aquelas que apresentam amenorreias hipotalâmicas (FSH bai-
de uma ovulação ao mês e sendo pouco utilizados. xo ou normal e estrad iol baixo) e necessitarão de gonadotro-
• Biópsia de endométrio: trata-se da análise indireta da ftnas exógenas para indução da ovulação.
ovulação. Além de indicar se houve a ovulação, fornece
dados acerca da qualidade da segunda fase do ciclo (fase Fatores uterinos, tubários e peritoneais
lútea) mediante a ação cumulativa da progesterona no en- Fatores uterinos
dométrio. Já foi considerado o padrão-ouro para avaliar As anomalias uterinas, anatõmicas ou funcionais são cau-
a insuficiencia lútea. Entretanto, vários estudos demons-
sas muito incomuns de infenilidade, mas devem ser exclurdas.
traram claramente que o método não era preciso e que
Os métodos utilizados para avaliação uterina são o ultrasom
não distinguia as mulheres férteis das inférteis. Por isso,
e outras modalidades, como o ultrassom 30 e a RM. A histe-
atualmente, não se recomenda a realização de biópsia en-
rossalpingografia (HSG) define o tamanho e os contornos da
dometrial para avaliação de função ovulatória ou de fase
cavidade uterina, podendo revelar anomahas como útero uni-
lútea em mulheres mfértetS, devendo l.tmitar-se a mulheres
corno, septado ou bicomo, bem como miomas submucosos,
com fone suspeua de patologtas endometriais (neoplasia
pólipos ou sinéquias. Entretanto, a HSG tem pouca senstbili-
ou endometnte).
dade (50%), e seu valor predttivo postU\'O (VPP) é de 30% para
• Dosagem sérica de progesterona: nh-etS de progesterona
o diagnóstico de pólipos ou mtomas submucosos, além de não
>3ng/ml confirmam a ovulação, embora não a,-aJ.iem a qua-
ser capaz de diferenoar o útero btcorno do septado, sendo ne-
lidade da segunda fase do ciclo, nao ha'-endo, portanto, cor-
cessária a avaliação complementar com uhrassom 30 ou R.\JI.
relação entre seus nh-etS e a nonnal.tdade ou não da fase lú-
A histerossonografia com solução sahna define melhor o ta-
tea. Embora alguns autores constderem que ,-aJ.ores >10ng/
manho e o formato da ta\~dade utenna e tem altos VPP (>90%)
ml possam relacionar-se com a qual.tdade da fase lútea, não
hã confirmação, em razão de a secreção de progesterona pelo e valor prediti,·o negati\'0 (VPN) para detecção de patologias
intrauterinas, como pólipos, mtomas submucosos ou sinéqUtas.
corpo lúteo ser pulsátil e as concemrações séricas poderem
variar até sete vezes no mtervalo de poucas horas. As pacien- A histeroscopia é o método definitivo e se mantém como
tes que apresentarem intervalos intennensuuais >40 dias e o padrão-ouro para diagnóstico e tratamento das patologias
progesterona sérica na fase lútea <3 ou Sng/ml são suspeitas intrauterinas. Entretanto, é o mais mvasivo e de custo mais
de anovulação. elevado, sendo normalmente reservado para as avaliações
• Ultrassom e doppl ervelocimetria: atualmente, o rastrea- complementares em pacientes com HSG ou histerossonogra-
memo ecográfico da ovu lação, sobrewdo com o advento fta alteradas.
do transclutor endovagi11al, tornou-se o método padrão
para avaliação da ovu lação tanto em ciclos naturais como Fatores tubários
induzidos. No entanto, trata-se de método indireto e ex- As alterações tubárias, consideradas causas importantes de
tremame nte dependente da experiência do exam inador. infertilidade e que devem ser especificamente exclurdas, in-
Além de predizer a qualidade e a quantidade dos folfculos, cluem as obstruções e aderências pélvicas que podem ter sido
fornece dados indiretos sobre a qualidade endometrial e o causadas por infecções, endometriose ou cirurgias prévias.
momento de administração de medicamentos para poste- A história anterior de DIP é suficiente para a pesquisa
rior coleta ovular, procedimento indispensável nas técnicas imediata de supostos danos, os quais são matS frequentes em
de reprodução assisuda. Acrescente-se o papel importante mulheres de idade avançada e com htstóna de matS de cmco
da ecografia na propedeuuca da mulher inféntl mediante o parceiros sexuais, sendo a oclusão tubária dtStal com ludros-
reconhectmento e a quantificação da gravtdade da possh·el salpinge o achado tubário alterado mais comum. No entanto,
existencia de póhpos, miornas, hidrossalpinges, malforma- em mais da metade das pactentes com danos tubãnos e pen-
ções mullenanas e endometnose, entre outras doenças. toneais não são detectados antecedentes suspenos.
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Capítulo 23 Propedêutica do Casal lnfértil 171

Da mesma maneira, as pacientes com história ante rior de rico e/ou o exame físico podem levantar suspeitas de alterações,
apendicectomia, cirurgia pélvica ou abdominal, principalmente mas raramente são suficientes para o diagnóstico, devendo ser
se houve peritonite, avalizam a pesquisa imediata da permeabi- considerados em todas as pacientes com diagnóstico de inferti-
lidade tubária e do estado da cavidade pélvica, havendo aumen- lidade sem causa aparente (ISCA). O impacto da endometrio-
tada incidência de gravidez ectópica nesses casos. Nas pacientes se mínima e leve na fe rtilidade é relativamente pequeno, mas
com seque las de infecção pélvica que concebem, o risco de gra- grande parte das pacientes com aderências significativas tem
videz ectópica está aumentado em cinco a dez vezes. fatores de risco e histórico de dor pélvica, podendo apresentar
Desse modo, a opção pelo tratamento cirú rgico do fator endometriose moderada ou severa. Podem ainda ter histó rico
tubário deverá levar em consideração fatOres como a idade da de DIP, cirurgias prévias ou HSG alterada.
paciente e o grau de dano tubário, tendo pouca resolutividade O ultrassom pode revelar a presença de endometriorna, mas
em comparação com as técnicas de reprodução assistida. A a laparoscopia é o único método disponível para o d iagnóstico
apendicite não complicada, isto é, sem ruptura, não está as- de fator peritoneal, estando claramente indicada para aquelas
sociada a danos tubários, enquanto a perfurada implica risco pacientes com sintomas ou fatores de risco para aderências pe-
três a cinco vezes mais alto de surgimento do fatOr peritoneal, ritoneais ou ainda HSG e/ou ultrassom alterados, em que não
principalmente ade rências pélvicas. esteja indicada a FN (p. ex., fatOr masculino severo).
As técnicas utilizadas para avaliação tubária são: A laparoscopia não está indicada para avaliação rotinei ra
de pacientes inférteis sem patologia pélvica ou outra indica-
• HSG: método padrão para avaliação da permeabilidade tu- ção específica (p. ex., dismeno rreia severa); contudo, pacien-
bária, pode ainda oferecer benefício terapêutico mediante tes com mais de 3 anos de infenilidade com d iagnóstico de
a d issolução de finas aderências. O VPP e o VPN são de ISCA podem beneficiar-se.
38% e 94%, respectivamente. Achados sugestivos de obs-
trução proximal necessitam avaliação complementar para Reserva ovariana
exclusão de artefatos resultantes de contração transitória A rese rva ovariana representa a população de folículos pri-
tuba/miométrio ou relacionados com a posição do cateter. mordiais remanescentes, sendo, em geral, definida como a
• Histerossonografia com solução salina: avalia a permea- quantidade e a qualidade dos folículos presentes nos ovários.
bilidade tubária apenas pela obse rvação de nu ido no fundo A avaliação da reserva ovariana é capaz de predizer quais as
de saco, não diferenciando a permeabilidade unilateral da mulheres que responderão bem ou mal aos protocolos de es-
bilateral. timulação ovariana. Isso é de grande valia para a orientação
• Videolaparoscopia com cromotubagem com azul de me- às pacientes, sobretudo às com mais de 35 anos, às com his-
tileno ou índigo car mim: permanece como o padrão-ouro tó rico familiar de falência ovariana prematura (FOP), às que
na avaliação da permeabilidade tubária, podendo ainda ava- tenham apenas um ovário ou passado de cirurgia ovariana, às
liar melhor o status tubário, como nodulações, tortuosida- com histórico de quimioterapia e/ou radioterapia e às infér-
des, fLmose nas fímbrias ou aderências peritubárias, que não teis com d iagnóstico de ISCA e antes de se iniciar terapêutica
podem ser identificadas pelos métodos menos invasivos. para a infenilidade, como indução da ovulação e FIV
Entre as pacientes cujas trompas foram consideradas pérvias Embo ra a idade cronológica seja o principal determi-
utilizando a HSG, 18% apresentaram à videolaparoscopia nante da reserva ovariana, existe conside rável variabilidade
obstruções tubárias ou aderências peritubárias e em 34% individual, e as mulheres com reserva ovariana diminuída
foram detectados endometriose e/ou miomas. apresentam prognóstico pob re, independe ntemente da ida-
• Visão microendoscópica da luz t ubária via transvaginal: de. A avaliação dessa reserva to rnará possível identificar as
chamada faloposcopia, é indicada principalmente após HSG pacientes (com ciclos regulares) que ap resentarão melhor
alterada, ressaltando-se que sua utilização na propedêutica ou pior resposta à estimulação ovariana do que se ria espe ra-
básica tem limitações por falta de trabalhos que validem seu do por sua idade cronológica. Vários testes foram desenvol-
uso rotineiro. vidos, mas ainda não há nenhum com acuidade suficiente
• Salpingoscopia: utiliza a via inversa da faloposcopia para para predizer a chance de gravidez. A expe riência clín ica
avaliação tubária, ou seja, a cateterização da luz tubária é mostra que pacientes com reserva ovariana alterada podem
realizada pela porção fimbrial e pela ampola tubária. No en- alcançar a gravidez espontaneame nte ou po r técnica de re-
tanto, assim como a faloposcopia, tem sido pouco utilizada. p rodução assistida, ou seja, a mais fone correlação dos tes-
• Detecção de anticorpos para Cltlamyclia tracltomatis: tem tes é com a resposta ovariana à indução e não com a chance
sido associada à patologia tubária. Entretanto, a utilidade de gravidez.
clínica do teste é limitada em comparação com a laparosco- Os testes utilizados incluem a dosagem sérica de FSH e
pia. A sorologia positiva tem modesta sensibilidade ( 40% a estradiol no início do ciclo (prefe rencialmente no terceiro d ia,
50%) e VPP (60%), mas alto VPN (80% a 90%). podendo se r do segundo ao quinto dia), o teste do citrato de
clomifeno, a contagem de folículos antrais (CFA) no início do
Fatores peritoneais ciclo por ultrassom endovaginal e a dosagem do hormônio
Os fatores peritoneais, como endometriose e aderências pél- antimOile riano (HAM). A contagem de folículos antrais guar-
vicas e anexiais, podem contribuir para a in fertilidade. O histó- da boa relação com a dosagem desse hormônio, que pode
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_/( 172 Seção I Ginecologia

ser reahzado em qualquer fase do ciclo e até em usuárias de mais foi prednora de má resposta à estimulação ovariana. Con-
anuconcepc1onais orais. cluiu-se que a razão FSH/LH aumenta antes do aumento pro-
nunciado do FSH basal (ponto de corte: FSH/LH >3 ~ ROD).
Idade
A análise retrospecliva de 1.045 ciclos de FN mostra a idade lnibina 8
como melhor preditor de resposta ovariana do que o nJvel basal As inibinas são polipeptrdeos diméricos que incluem as
do FSil. O conceito de reserva ovariana descreve o potencial inibinas A e B. Acredita-se que ambas sejam produtos das
reprodutivo em função do número e da qualidade dos oócitos. células da granu losa, sendo a inibina A segregada predom i-
A reserva ovariana diminuída (ROD) descreve mulheres nantemente na fase lútea e a inibina B na fase folicular. A ini-
em idade reprodutiva que apresentam ciclos regulares, cuja bina A pode ser segregada pelo foliculo dominante, poiS seu
resposta à esumulação ovariana ou a fecund1dade é reduzida aumento se dá apenas após o aumento da concentração de
quando comparada a outras mulheres da mesma 1dade. estradiol da fase fohcular tardia. A inibina B é possivelmente
O uso desses testes pode fornecer mformações prognósli- segregada pela coone de foliculos em desem·olvtmento. Há
cas em mulheres com risco de ROD: (a) mulheres >35 anos; correlação entre os níve1s de 1nibina B e a reserva ovanana.
(b) as que tenham histórico familiar de FOP; (c) as que tem
A idade da mulher parece ser mais importante do que a do-
apenas um ovário ou passado de cirurgia ovanana; (d) as que sagem de inibi na Bem pred1zer gravidez em ciclo de FJV, Por
tenham histónco de qulmio e/ou radioterapia; (e) as inféneis essa razão, não tem sido o método preconizado para avaliação
com diagnóstico de ISCA; CO as pacientes com má resposta à de reserva ovariana (ponto ele cone: <45pglml = ROD).
estimulação com gonadotro fmas. A avaliação ela reserva ova-
riana ajuda a estimar a resposta à estimu lação ovariana com Teste do citrato de clomifeno (CC)
gonaclotrofinas.
O teste do CC envolve a administração de IOOmg desse
Testes anormais para reserva ovariana não implicam inca-
citrato no quinto e nono dias do ciclo e a determinação dos
pacidade de engravidar.
níveis de FSH no terce1ro e décimo dias. Em pacientes com
FSH e estradiol basais reserva ovanana normal, o CC proporciona aumento do FSH,
O nh·el de FSH basal (obtido entre o segundo e o terce1ro que será, em segu1da, suprim1do pela inibina B produz1da pe-
dm do c1clo) é comumente usado como med1da de reserva los foliculos. O teste anormal é definido como alto valor de
ovariana. Apresenta-se como medidor ind1reto de imbina B FSH no terce1ro ou no déc1mo dia. A sorna dos do1s valores
e estradiol que o pool de folículos está produzmdo. O es- não deve ser superior a 26UVL. A concentração elevada de
trad iol não deve ser utilizado isoladamente. Seu valor serve FSH após a estimulação com clomifeno sugere ROD. O FSH
exclusivamente para ajudar a inte rpretar o nlvel "normal" do décimo dia apresenta maior sensibilidade, mas baixa espe-
de FSH basal. Quando a concentração de FSII está normal, cificidade em comparação com o FSH de tercei ro dia.
mas o nlvel de estradiol está elevado (>60 a 80pglml) na Atualmente seu uso tem dim inuído em virtude dos novos
fase folicular inicial, há evidência de associação com baixa testes, como a dosagem de HAM e a contagem de follculos an-
resposta à estimulação com gonadotrofinas, maior taxa de trais, mais simples e melhores preditores de resposta ovariana
cancelamento em ciclo de FIV e menor taxa de grav1dez. (pomo de cone: FSH 3~ dia+ FSH lO" dia >26UVL ~ ROV).
Pacientes com nh·eis baixos de FSH basal (habnualmeme
dosado no terce1ro dia do ciclo) respondem melhor à mdu- Volume ovariano
ção da o'•ulação. O \'Olume ovanano med1do por ultrassom endovagmal f01
O ponto de cone se situa entre lO e 15mUVml.As taxas de associado à resposta ovariana à estimulação, e as mulheres com
gra,<idez declmam significativamente com FSH > 15mUVml, volume ovariano <3cc apresentaram baixa reserva ovariana.
e poucas gestações são relatadas com nlveis >25mUVml. Contudo, a habihdade dessa avaliação em predizer gravidez é
A reserva ovariana mensurada pelo FSH basal parece ser pobre (ponto de corte: volume ovariano <3cc = ROV).
me lhor pred ito r da produção do que da qualidade oocitária,
enquanto a idade parece afetar mais a quali dade do que a Contagem de folículos antrais (CFA)
quantidade oocitária. A CFA é definida como a soma dos folículos entre 2 e
Testes padronizados pelo 2"" l nternational Standard da l Omm de diâmetro médio detectados por ultrassom endova-
OMS demonstraram alta especificidade do nível elevado de ginal na fase folicular Lmcial em ambos os ovários, sendo con-
FSH (83% a 100%) para predizer baLxa resposta à esumula- siderada baixa a CFA entre três e seis folículos e associada a
ção ovariana (usualmente definida com trts ou menos folí- pobre resposta à estimulação o,·ariana; entretanto, não pred1z
culos). Entretanto, a sensibilidade do teste é baiXa, podendo a chance de gra,~dez. Esperam-se lO a 20 foliculos como boa
amda vanar (ponto de cone:> l5mUVml ~ ROD). resen·a, podendo esse número mudar entre os ciclos.
Habitualmente, a CFA está aumentada em mulheres com
Razão FSH/LH SOP e diminuída na presença de hormônios exógenos, como
Em estudo retrospectivo com 74 mulheres com menos de os contraceptivos ora1s. A CFA tem-se mostrado significati-
41 anos e FSH basal d5mUVml, a razão FSH/LH de 3,6 ou vamente menor em mulheres inféneis em comparação com
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Capítulo 23 Propedêutica do Casal lnfértil 173

as mulhe res férteis de até 40 anos de idade. A aplicabilidade outros 20% a 39%, os fatOres nos dois cônjuges poderão ser
está estreitamente relacionada com a experiência do ultrasso- identificados como causais. De maneira ge ral, o fator mas-
nografista. culino é subdiagnosticado e subtratado. Nenhuma causa é
Em estudo p rospectivo de 120 mulheres a serem subme- identificada em 30% a 50% dos homens com má qualidade
tidas ao primeiro ciclo de FIV, a CFA foi melhor preditora da de sêmen.
pobre resposta ovariana à estimulação, superando o volume Após a ejaculação, o espermawzoide pode sobreviver no
ovariano, o FSH basal, o estradiol e a inibina B (pomo de tratO genital feminino por mais de 7 dias. Em geral, considera-
cone: <5 folículos amrais = ROV). -se a média de sobrevivência espermática de 72 horas.
A história do parceiro masculino muitas vezes revela da-
Hormônio antimü/leriano (HAM) dos suspeitos importantes, como dificuldade em conseguir e
O HAM é membro da família do fator de crescimento manter a ereção, incapacidade de ejaculação durante o ato se-
transformado r beta, envolvido com a regressão dos dueLOs de xual , lesões testiculares, infecções prostáticas, epididimais ou
Müller durante o desenvolvimento fetal masculino. Em mu- testiculares, criptorquidia e DST, entre outras. A relevância da
lheres, o HAM, produzido pelas células da granulosa, foi con- varicocele na infertilidade masculina é controversa, estando
siderado importante na transição dos folículos primordiais presente em 8 % a 23% dos homens com sêmen (espermogra-
em folículos em crescimento no recrutamento de folículos ma) normal e em tOrno de 25,4% com sêmen anormal. Caso
sensíveis à estimulação pelo FSH. O HAM é produzido ape- haja suspeita de alguma anormalidade, deve-se proceder ao
nas por folículos primários, sendo possível a utilização dos exame físico para esclarecimento das dúvidas.
níveis sé ricos como marcadores de reserva ovariana. Quanto A análise do sêmen é exame de primeira consulta é consi-
mais alto o nível de HAM, maior a reserva ovariana. derada de boa norma a não realização de investigações exten-
Como a produção se dá apenas pelos folículos primários, sas no parceiro feminino , principalmente em se tratando de
que são independentes das gonadotrofinas, o valor perma- exames invasivos até que se comprove a qualidade seminal. A
nece relativamente consistente entre os ciclos menstruais, e, história anterior de paternidade não d ispensa essa avaliação,
por isso, a dosagem pode ser realizada em qualquer dia do principalmente se essa comprovação tiver mais de 2 anos; en-
ciclo. No entanto, em desacordo com a literatura inicial so- tretanto, essa análise não é por si só um teste de fertilidade.
bre o HAM, evidências recentes sugerem que o HAM possa Acrescente-se ainda o fato de ser uma avaliação examinador-
estar diminuído com o uso de hormônios exógenos, como -dependente com marcantes variações e, por isso, há prefe-
as pílulas e análogo do GnRH, obesidade e hipogonadismo rência por análises computadorizadas. Existem, ainda, varia-
h ipogonadotrófico. bilidades geogrãficas e por faixa etária. Ao se usarem os crité-
Níveis de HAM <lngjml têm sido associados a má res- rios da OMS, a análise do sêmen tem sensibilidade de 89,6%,
posta à estimulação ovariana e pobre qualidade embrionária mas é pouco específica, ou seja, o exame anormal nem sem-
(pomo de cone: <lngjml = ROD). pre significa que haja anormalidade de fatO.
A abstinência sexual por 3 a 5 d ias deverá ser respeitada
Outras avaliações importantes ames da análise com coleta po r mastu rbação, preferencial-
mente em labo ratório, já que o estudo da amostra deve ser
Dosagens hormonais
realizado no máximo em 1 hora após esse proced imento.
Embora a pesquisa do perfil hormonal rotineiro, especial- Os períodos de abstinência mais curtos pode rão compro-
mente em pacientes jovens e aparentemente ovulatórias, seja meter a contagem , enquanto os mais longos pode rão alterar
controversa, alguns autores recomendam a dosagem sé rica do a qualidade seminal po r baixa motilidade e morfologia. A
TSH e da prolactina em todas as pacientes, tendo em vista prin- ejaculação de oitO vezes ou mais por semana tende a redu-
cipalmente a alta incidência de hipotireoidismo subclínico (7% zir os parâmetros espe rmáticos, mas não a fertil idade em
da população em geral) e por se tratar de alterações de fácil tra- potencial.
tamento , otimizando o sucesso. A falência ovariana prematura E difícil definir a análise do sêmen como "normal", a qual
é suspeitada em mulheres com menos de 40 anos com altos ní- não deve ser confundida com a análise "adequada". Os crité-
veis sé ricos de FSH e níveis baixos de estradiol. A realização de rios de normalidade dependem, ainda, de exames mais sofis-
cariótipo deve ser considerada no caso de amenorreia primária ticados. Diante daquele tido como "anormal", recomenda-se
ou secundária com níveis elevados de FSH. sua repetição de preferência com mais duas amostras em tem-
pos diferentes. Uma simples análise irá classificar falsamente
Testes imunológicos um homem como anormal em cerca de 10% dos casos. Com
Embora ainda tenham lugar, a utilidade desses testes pe r- a repetição, essa taxa d iminui para 2%. O intervalo para are-
manece controversa, como avaliado pela Sociedade America- petição, o que é muitO importante, deve rã ser de 12 semanas,
na de Medicina Reprodutiva. já que a espermawgênese dura aproximadamente 3 meses
para ser completada. A menos que h~a grave oligospermia ou
Propedêutica do fator masculino azoospermia, o valor pred itivo de um sêmen tido como sub-
Em aproximadamente 25% a 30% dos casais inféneis , o normal é limitado (Quadro 23.1). Homens com duas análises
fator masculino é o único responsável pela infertilidade; em seminais alteradas necessitam de avaliação detalhada.
174 Seção I Ginecologia

Quadro 23.1 ParAmetros normais da análise do sêmen defonod<>S pela poderão ter filhos, não obstante a transmissão indesejada de
OMS em 2000 e revisados em 2010 genes anormaiS para novas gerações. Dessa maneira, a técnica
Parimetro Valor de injeção mtracnoplasmática de espermatozoides (ICSI) nes-
Volume 1,5ml ou mats ses casos pode representar um bypass para as barretras impos-
Uquelaçao Dentro de 60 mtnutos
tas pela seleção natural. Pelo menos 13% dos homens com
azoospermia não obstrutiva e 6% com oligospermia grave são
pH 7,2a8
portadores de microdeleções do cromossomo Y, as quais con-
Viscosidade Ausente
tribuem para a produção anormal de espermatozoides. Ade-
Concentraçao >15 milhOes/ml mais, 4% a 10% dos homens com azoospermia não obstrutiva
Número total de espermatozoides 39 mithOes por ejaculado ou mais são portadores de aberrações do cromossomo sexual, como
Mollhdade 32% ou mais (A e B) - na slndrome de Klinefelter, embora não haja dados sobre o
A+B+C>40% nh·el de risco de transmissão dessa doença em pantcular.
Morl01og18 >30% de IO<mas ov81S (cmerio Esses dots exemplos são apenas uma diminuta fatta das
da OMS) e >4% (morlOiogia grandes informações que a avaliação genética do homem m-
estnta de Kruger)
férlil poderá fornecer tanto para o diagnóstico de determi-
Vttalidade 58% ou mais
nadas alterações como para o aconselhamento a respetto das
possíveis condições potencialmente transmisslveis.

Os parâmetros definidos por Kruger se relacionam estrei- Outros procedimentos e testes na avaliação
tamente com as taxas de fenilização, sendo utilizados como
masculina
preditores de sucesso em reprodução assistida. Nos casos de Avaliação endócrina
pan1metros normais da morfologia (>14%), a taxa de fenili- As anormalidades hormonais do eixo hipotálamo-hipófise-
zação fot de 94,3%. Entre 4% e 14%, a taxa de fentlização foi -tesúculo são bem conhecidas, embora incomuns em homens
de 87,8%, caindo para 14,5% quando os padrões da morfolo- com parâmetros seminais normais. As avaliações endócrmas
gia estnta foram <4%. Os resultados decorrentes dessa análise estão bem mdtcadas em casos de homens com alterações se-
mostram sua tmportãncia. A re\'isà.O dos parâmetros de Kruger, minais, sobretudo com concentração dO mUhõeslml, e de
de 2010 (OMS), reduziu os parâmetros de normaltdade (>4%). homens com função sexual alterada.
A propedeuuca mais apurada com testes avançados deverá A avaliação mlmma micial deve incluir a dosagem de FSH
ser realizada caso haja alterações, e a infentlidade masculina e testosterona total. Quando essa testosterona esuver ba1xa
pode ser a manifestação de sérias doenças, até mesmo as sis- (<300nglml), deve-se ampliar a avaliação, incluindo a dosa-
têmicas. gem de nova testosterona total, testosterona livre, LH e pro-
A azoospcrm ia pode se r decorrente de falencia hipot.alâ- lactina (PRL).
mico-hipofisária e falência testicular primária (azoospermia
não obstrutiva). A falência testicular primária é a causa mais Análise da urina pós-ejaculação
comum de infenilidade masculina, levando à oligospermia, O volume seminal baixo ou ausente (<lml)- htposper-
sendo também causa de azoospermia não obstrutíva. A fa- mia - sugere ejaculação retrógrada, obstrução do dueto eja-
lência testtcular pode ser decorrente de cnptorqutdia, torção, culatório, agenes.a bilateral dos deferentes, hipogonadtsmo
traumausmo, orquite, desordens cromossOmtcas (slndrome ou perda de material. Para excluir a ejaculação retrógrada a
de Kltndelter, mtcrodeleções do cromossomo Y}, doenças análise da unna apóS a ejaculação se torrta obrigatória, a me-
sistemtcas, radtoterapia ou quimioterapta. No entanto, na nos que exista diagnósuco de hipogonadismo ou age nesta dos
maiona dos casos (66%) a causa é desconhectda, tendo seu deferentes. Importante determinar quando a causa da htpos-
diagnóstico com base na redução do tamanho testicular pela permia se deu em consequencia da coleta inadequada (perda
elevação do FSH sérico. de material) ou abslinencia sexual curta (<ldia).
A azoospennia obstrutiva é incomum, com prevalencia de A avaliação da amostra é realizada centrifugando a urina
menos de 2%, e seu d iagnóstico se baseia no tamanho normal por lO minutos a 300 graus, seguida de avaliação microscó-
dos testlculos e nos nlveis normais de FSH sérico, incluindo pica do pelleL em aumento de 400x. A presença de esperrna-
condições como ausência bilateral congênita de vas defercns, tozoides sugere ejaculação retrógrada, náo havendo consenso
que está comumente associada a mutações de fibrose clstica ou quanto ao número mlnimo de espermatozoides necessário
anormalidade do trato renal. Para determinar o nsco de uma para o diagnósuco.
criança ponadora de fibrose dslica, é tmponante avaltar tam-
bém a parcetra do ponador. Mesmo quando essa avaltação é Ultrassonografia (US)
negauva, o casal permanece correndo nsco, porque algumas A US é tndtcada apenas para uma minoria de homens m-
das mutações menos comuns podem náo ser idenuficadas. féneis.
Os parceiros masculinos ponadores de azoospermia não O ultrassom de bolsa escrotal pode identificar varicocele
obstruuva ou grave oligospermia merecem toda a atenção, já oculta ou subcllnica, porém essas lesões não demonstraram
que, com o advento da micromanipulação de gametas, muitos te r importância cllnica. Esse exame está indicado apenas para
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Capítulo 23 Propedêutica do Casal lnfértil 175

os homens in férteis com fatOres de risco para câncer testicular, amplo,já que essas dimensões podem anorar das mais diversas
como criptorquidia, ou tumor testicular prévio, não estando maneiras, como a diminuição da libido da frequência coital,
indicado como procedimento de rotina. culminando, não raro, em conOitos conjugais e separações.
O ultrassom transretal pode identificar as vesículas semi- Em um estudo, os sintomas psicológicos de ansiedade e
nais dilatadas, bem como os dueLOs ejaculatórios também di- depressão associados à in fertilidade foram similares aos rela-
latados, que podem sugerir, mas não estabelecer, o d iagnósti- cionados com outras sé rias condições médicas, como doenças
co de obstrução parcial ou total dos dueLOs. cardíacas, cànce r e infecção por HIV
Esse quadro específico de sofrimento vivenciado pelos ca-
Anticorpos sais que estão tentando ter filhos e não conseguem pode ser
Os anticorpos espermáticos (lgG e lgA) podem te r impor- definido dentro dos transtOrnos adaptativos. Sua caracterís-
tância clínica por poderem diminuir a motilidade, bloquear a tica essencial é o desenvolvimento de sintomas emocionais
penetração no muco ce rvical e reduzir a chance de fertiliza- ou comportamentais em resposta ao componente psicossocial
ção. Embora alguns auto res tenham sugerido a realização de identificável - a infertilidade. Sua expressão clínica consiste
testes em casais com diagnóstico de ISCA, a utilidade clínica em mal-estar superior ao espe rado e em dete rioração signifi-
desses testes é incerta, tornando-se tOtalmente desnecessários cativa das atividades pessoais, sociais e profissionais do casal.
se o tratamento propostO for pela ICSI. O ajuste psicológico, como reporta Küble r-Ross (1992),
pode envolver certo tempo, sendo descrito como a sequência
Fragmentação do DNA de fases. Vai do choque e da negação d iante do d iagnóstico,
A integridade do DNA é importante para o desenvolvimen- passando pela culpa, raiva, barganha e sentimentos de frus-
tO normal do embrião e a integridade do DNA espermático é tração, angústia e/ou depressão, até chegar à aceitação, quan-
mantida em parte pela compactação da cromatina no núcleo. do os sentimentos negativos são gradualmente ajustados e a
Dano a esse DNA pode ocorrer como resultado de fatores in- pessoa consegue vislumb rar o caminho a seguir.
trínsecos, como mutações que afetem a compactação do DNA, Quando se busca um serviço de reprodução assistida, essas
ou fatores extrínsecos, como calor, radiação e gonadowxinas. questões podem ainda estar latentes, mescladas de frustra-
A expressão fragmentação do DNA se refere ao dano no DNA ção, angústia e do desejo de resolve r a questão. Ganha força
espe rmático que não pode ser reparado. Vários testes têm sido a esperança diante da indicação de um tratamento, po rém os
desenvolvidos para medir as taxas de fragmentação do DNA, casais podem expe rimentar oscilações emocionais nos d ife-
como o TUNEL (teste de fragmentação do DNA espermático), rentes estágios do tratamento, como otimismo com a pers-
que analisa especificamente o número de quebras no DNA. Va- pectiva do tratamento, apreensão e estresse durante o percur-
lores >36% no TUNEL indicam anormalidade. so técnico, ansiedade e expectativa à espera pelo resultado e
A fragmentação do DNA é mais comum em homens in fér- frustração ou alegria após o resultado.
teis e está associada a abonos recorrentes. Embora nenhum É importante reconhecer as diferenças pessoais de enfren-
tratamento tenha comp rovado seu valor clínico, a correção da tamento de cada indivíduo em relação ao tratamento. O psi-
varicocele e o uso de antioxidantes têm sido adotados como cólogo é o profissional que pode ajudar nesse momento, aco-
conduta para melhora da integridade do DNA espermático. lhendo o casal e oferecendo a escuta para ouvir suas histórias
Como o teste não modifica o tratamento do casal, seu uso de vida, dúvidas, medos, fantasias e expectativas relacionadas
rotineiro não está indicado. com o processo. Além disso, deve-se caracterizar rigorosa-
mente o estado emocional de cada paciente, avaliando pos-
ASPECTOS EMOCIONAIS DO CASALINFÉRTIL síveis ideias e comportamentos inadequados para d irecionar
Do ponto de vista biológico, a reprodução constitui o prin- o suporte adequado. Essa atuação deve acontecer sob visão
cipal objetivo da maioria dos seres humanos. É nos filhos que multidisciplinar, buscando a interação entre os d iversos pro-
as pessoas procuram alcançar a "imortalidade". fissionais para oferece r atendimento personalizado, centrado
A infertilidade é um problema que afeta tanto os homens nas necessidades e de mandas de cada casal.
como as mulheres e costuma ser uma expe riência devastadora Evidências em trabalhos randomizados mostraram que in-
para quem carrega o estigma de in fértil. Na mulher, a in ferti- tervenções psicológicas, como terapia componamental cog-
lidade costuma ser associada a sentimentos de inadequação, nitiva e suporte preventivo, aumentaram as taxas de gravidez
levando a sentimentos de desvalorização, incompletude e in- em relação ao grupo-controle em mulheres com menos de 2
capacidade. Já o homem relaciona a incapacidade de procriar anos de duração da infertilidade.
com sua virilidade e masculinidade. Baccino e cols., em estudo multicêntrico realizado com
No caso de apenas um dos cônjuges ser a causa definida, 537 pacientes em tratamento de reprodução assistida em paí-
há probabilidade de ressentimento por parte do parcei ro nor- ses da Europa e América Latina, indicam os fatores que levam
mal , principalmente quando há a necessidade de recorrer a os pacientes a desistirem do tratamento, como o estresse psi-
técnicas de rep rodução assistida, como doação de espermato- cológico. Esse estudo ressalta que a suspensão do tratamento
zoides e oócitos, quebrando a unidade do casal. tem impacto sobre a estimativa das taxas de sucesso e, por
A sensação de imperfeição e fracasso que acompanha esses essa razão , a indicação de se trabalhar a resiliência dos pa-
casais tem d imensões variáveis e deverá ser abordada de modo cientes ante as possíveis frustrações vivenciadas no decorrer
/.

'
'%
_ /( 176 Seção I Ginecologia

dos tratamentos é de fundamental importância para que pos- EMAS po51t100 statement. Late parenthood.
sam consegutr connnuar o tratamento com maiS chances de lnternatronal Corrvnrnee for Monrtorrng Assisted Reproductlve Techo-
nology (ICMART) e OMS ( Zegers-Hoschschild et ai., 2009).
consegutr a gra,•idez.
Kamel RM. Management of the infertile couple: an evidence-based
protocol. Reprod Biol Endocrinol 2010; 8 :2 1.
CONSIDERAÇ0ES FINAIS Kübler-Ross E. Sobre a morte e o morrer. São Paulo: Martins Fontes,
• A infertilidade pode envolver o homem e a mulher. O casal 1992.
Licciardi FL, Liu HC, Rosenwaks Z. Oay 3 estradiol serum concen-
deve ser investigado. Em 40% dos casais, ambos têm algu-
trations as prognostícators of ovarian stimulation response and
ma alLeração. Consiste em grave erro centrar-se em apenas pregnancy outcorne in patíent undergoing in vitro fertilization. Fer-
um dos parceiros. til Steril1995: 64:991-4.
• A fertilidade declina com a idade, sobretudo acima de 35 Macmillan S, McKenzie H, Rett G, Templeton A. Which women
anos. Mulheres com menos de 35 anos de,·em ser avaliadas should be tested for Chlamydra trachomatis? BJOG 2000; t 07(9):
1088-93.
após I ano de tentaú,·as. Aquelas com maiS de 35 anos de-
Mintziori G, lambrrnoudaki I, Kolibranakis EM et ai. Unrt of Reproduc-
vem ser a\'ahadas após 6 meses de relações desprotegtdas e tive Endocnnology, Forst Depar1ment of Obstetrics and GynecoJo.
as com 40 anos, tmediatamente. gy, Medrcal School. Anstotle UmverSity of Thessalonokr, Greece.
• A avahação de,·e ser imediata se a pactente Já apresenta Moi BW, OrJkman 8 , Wertheim P, Li1mer J, van der Veen F, Bossuyt
história significativa, como oligomenorrem, amenorreia, PM. The accuracy of serum chlamydial antibodres in the doag-
nosis of tubal pathology. a meta-analysis. Fértil Steril 1997 Jun;
endometriose grave ou qualquer outra condição que limite
67(6):103 1-7.
a fertilidade. Moreira S, Tomaz G, Azevedo G. Aspectos psicológicos da infertili-
• A anamnese e o exame fisico podem revelar causas anatô- dade conjugal. Femina 2005: 33( 1): 19-24.
micas e fisiológicas de infenilidade. Mukherjee T, Copperman AB, lapinski R. An elevated day three fol-
• A avaliação básica inicial deve incluir função ovulatória, licle-stimulating hormone: luteinizing hormone ratio (FSH:LH) in
lhe presence of a normal day 3 FSH predicts a poor response to
pem1eabilidade tubária e análise seminal. controlled ovarian hyperstimulabon. Fertil Steril 1996: 65:588-93.
• A histerossalpingografia permanece como método padrão Muramatsu CH, Capelossi PF, Gouvêa MB. Expenências de casais
para avaliação de permeabilidade tubána. que procuram o centro de reprodução humana. Esc Enf USP
• A a\'aliação da reserva 0\·ariana não estabelece o dtagnós- 1997; 31:274-86.
Ng EH, Yeung WS, Fong OY. Ho PC. Effects oi age on hormonal and
uco da mfertthdade, mas apenas predtz a resposta da pa-
uftrasound markers of ovaroan reserve in Chinesa women Wllh pro-
ciente à esumulação o,·ariana. ven fertrhty. Hum Reprod, 2003, 18{10):2169-74.
• A laparoscopia não de,·e ser usada rotineiramente apenas O riá MOB, Xrmenes LB. Casaos onférteos diante da fertrhzação rn votro:
em casos de endometriose avançada, alterações tubárias ou o signrficado de vrvencrar essa decisão. Acta Paul Enferm 2004;
fator peritoneal. 17(3):278-85.
Riggs RM, Ouran EH, Baker MWet ai. Assessment of ovarian reserve
• A biópsia endometrial não deve ser realizada na propedêu-
with anti·MOIIerian hormone: a comparison of the predictive value
tica de in fertilidade. of anti-MOIIerian hormone, follicle-stimulating hormone, inhibin B,
and age. Am J Obstei Gynecol2008; 199(2):202.e 1-8.
leitura complementar Scott RT, Opsahl MS, Leonardi MR, Neal GS, lllions EH, Navot O. Life
Baccino G , Rrcciarelli E, Hernándes ER et ai. Compliance needs table analysrs of pregnancy rales in a general infertility population
across culturas. A multi-cuttural study rn European and latrn- relativa to ovarian reserve and patient age. Hum Reprod 1995;
-Arnerican countnes. ESHERE, 2015.530. 10: 1706-10.
Balen AH, Rutherford AJ. Management of rnfertdrty. Brrt Med J 2007; Taytor A ABC of subfertrhty Extenl oi lhe problen1. Bnt Med J 2003:
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jut-aug, 15(4):391-408. 2003; 18(1}:35-44.
CAPÍTULO (

Tratamento de Baixa
Complexidade em lnfertilidade
João Pedro ]unqueira Caetano
Leonardo Matheus Ribeiro Pereira
E1ica Becher de Sousa Xavier

INTRODUÇÃO nica em outros. Trata-se de um agente sintético, não esteroi-


Os tratamentos de baixa complexidade são aqueles em que de, derivado do trifeniletileno, ativo por via oral, e que age
a fertilização ocorre in vivo, ou seja, no o rganismo feminino, ocupando os recepto res para estrogênio no hipot.álamo e na
sem que exista manipulação dos gametas. Desse arsenal te ra- hipófise, bloqueando o Jeedback negativo dos estrogênios nas
pêutico fazem parte o coitO programado e a inseminação in- gonadotrofinas. Po r isso, há mais liberação do hormônio libe-
trauterina, que são tratamentos relativamente simples, de bai- rado r das gonadotrofmas (GnRH) com consequente aumen-
xo custO e ge ralmente precedidos pela indução da ovulação. tO na secreção do hormônio folículo-estimulante (FSH) e do
Estima-se que, nos EUA, o núme ro de nascidos após in- hormônio luteinizante (LH), ou seja, os níveis sé ricos tanto
dução de ovulação seja duas a seis vezes maior do que o de do FSH como do LH aumentam (>50% os valores normais),
nascidos após a fe rtilização in vitro. atuando no ovário e promovendo aumento no recrutamento
e no c rescimento folicular.
INDUÇÃO DA OVULAÇÃO Embora seja considerado bom medicamento para a indu-
O objetivo da indução da ovulação para os tratamentos ção da ovulação, o CC apresenta ação antiestrogênica no en-
de baixa complexidade consiste no desenvolvimento de um a dométrio e no muco cervical, o que é inconveniente. Essa ação
três folículos com consequente ruptura folicular. antiestrogênica pode, em algumas mulheres, ocasionar muco
Para a indução da ovulação são utilizados dois tipos de me- desfavorável ou, ent.áo, o desenvolvimento endometrial insatis-
d icamento: os para recrutamento e crescimento folicula r fatório, podendo interferir nas taxas de gestação.
e aqueles para desencadear ruptura folicular ou a ovulação O CC é administrado por via oral, sendo absorvido pela
propriamente dita (Quadro 24.1). via digestiva e metabolizado por via hepática. Sua meia-vida é
prolongada e alcança 5 a 7 dias. A dose varia de 50 a 250mg/
FÁRMACOS PARA INDUÇÃO DA OVULAÇÃO dia durante 5 dias, e sua administração pode ser iniciada do
segundo ao quinto dia do ciclo menstrual para induzir o in-
Citrato de clomifeno (CC) c remento dos níveis de FSH na fase folicular inicial, promo-
O CC é o med icame nto mais extensamente utilizado como vendo, assim, o crescimento dos folículos. Quanto mais pre-
indutor da ovulação nos últimos 50 anos, sendo um modu- coce sua administração, maior o recrutamento folicular, com
lado r seletivo dos receptOres de estrogênio e apresentando chances consequentemente elevadas de gestação múltipla.
efeitO estrogênico em alguns tecidos-alvo e ação antiestrogê - Deve-se iniciar o tratamentO com doses mais baixas (50mg/
dia) e aume ntá-las gradativamente (a cada ciclo menstrual) na
Quadro 24.1 Fármacos usados para indução da ovulação medida em que não se alcance a ovulação. Em geral, a ovula-
Farmacos para recrutamento Fármacos para desencadear a ção irá ocorrer entre 5 e 10 dias após o último comprimido.
follcular ovulação Pacientes que não ovulam com CC na dose de lSOmgldia são
Citrato de clomifeno Gonadotrofina coriOnica consideradas resistentes a essa medicação. No rmalmente, as
Gonadotrofinas humana (HCG) mais resistentes são obesas, e a perda de peso ajuda na resposta
Letrozol
ao tratamento.
177
/.

'
'/:
') 178 Seção I Ginecologia

O rastreamento da ovulação deve ser sempre realizado • Gonadotrofinas recombinantes: FSH recombinante -
com ultrassom endovaginal seriado para monitorizar a res- contém 75UI de FSH obtido por engenharia genética; LH
posta ovariana à dose utilizada e confi rmar se ocorreu ou não recombinante - contém 75Ul de LH obtido por engenha-
a ovulação. ria genética.
O uso do CC está indicado na indução da ovulação nas
As gonadotrofinas ap resentam cefale ia, mastalgia e náuseas
pacientes anovulatórias, normoestrogênicas, que respondem
como efeitos colate rais.
à administração de progeswgênios (grupo I! da Organização
Os riscos de gestação múltipla e do dese nvolvimento da
Mund ial da Saúde - OMS) (Figu ra 24.1).
síndrome do hiperestímulo ovariano são mais altos com o uso
Muitas mulheres com in fertilidade em razão da síndrome
das gonadotrofinas em comparação com o CC. Além disso ,
dos ovários policísticos são resistentes à insulina e são cand i-
seu custo é mais elevado.
datas à associação de CC e metformina (l.SOOmgldia) para
As indicações para uso das gonadotrofinas são amenorreia
melhora da resposta à indução. Alguns trabalhos randomiza-
hipotalâmica (hipogonadismo hipogonadotrófico), pacientes
dos demonstraram melhor taxa de ovulação naquelas pacien- resistentes ao CC e tratamentos de alta complexidade.
tes que usaram a metformina associada ao CC após insucesso Existem vários esquemas de indução da ovulação utilizan-
na indução de ovulação com esse citrato isoladamente. do as gonadotrofi nas, como po r exemplo:
Os efeitos colaterais do CC são fogachos, cefaleia, nervosis-
mo, turvação visual, urticária , distensão abdominal e náuseas. • Step down: inicia-se com altas doses de gonadotrofinas, di-
A taxa de ovulação com esse fármaco é de cerca de 60% a minuindo gradativamente de aco rdo com a resposta ovaria-
80%; no entanto, menos da metade dessas pacientes engra- na. Assim, no protOcolo step down há mais recrutamento fo-
vida. Essa d iscrepância entre a taxa de ovulação e a de ges- licular em razão das doses de gonadotrofinas mais elevadas
tação pode oco rrer em razão da ação antiestrogênica dessa no início da fase folicular. Inicia-se o tratamento com 150
medicação tanto no muco cervical como no endométrio. A a 225Ul do tercei ro ao oitavo d ia do ciclo menstrual , e o
taxa de gestação múltipla com o CC é de ce rca de 5% a 10%, ultrassom é realizado em torno do oitavo dia do ciclo. Com
sendo importante ressaltar que não foi evidenciado aumentO base na resposta ovariana, reduz-se a dose da gonadotrofina.
na taxa de malformações congênitas nos ciclos induzidos com • Step up: inicia-se com baixas doses de gonadotrofinas
o medicamento. (75UIIdia), aume ntando gradativamente de acordo com
a resposta ovariana. Administram-se 75UI do terceiro ao
Gonadotrofinas oitavo dia do ciclo menstrual, e o rastreamento ultrassono-
As gonadotrofinas exógenas podem se r obtidas da urina gráfico se inicia em torno do oitavo d ia do ciclo. De acordo
de mulheres na pós-menopausa ou po r meio da engenharia com a resposta ovariana, mantém-se ou se aumenta a dose
genética. Existem três tipos de preparação conte ndo as gona- em 37,5 a 75UI diariamente.
dotrofinas: • CC intercalado com gonadotrofinas: nesse esquema são
administrados 50 a 100mg/dia do CC do terceiro ao séti-
• Gonadotrofina menopáu sica humana (HMG): contém mo dia do ciclo menstrual. As gonadotrofinas são utiliza-
75UI tanto de FSH como de LH. das em dias alternados, começando no tercei ro ou quarto
• Gonadotrofina purificada: contém 75UI de FSH e 1UI dia (p. ex., usa-se a gonadotrofi na nos dias 3, 5 e 7 do ciclo
de LH. menstrual) (Figuras 24.2 e 24.3).

Coito Programado - Indução da Ovolução


Cltrato de Clomlfeno:

us us
01 ~ ~ ~ M • 01 • • 10 11 12 tl 14 15 ti 11 1t ti ~ tt ~ " N ~ a 11 ~

COITO

HCG

Figura 24.1 Protocolo de indução da ovulação para coito programado com citrato de clomifeno.
:\_
r
((

Capítulo 24 Tratamento de Baixa Complexidade em lnfertílidade 179

Inseminação lntrauterina -Indução da Ovolução


Frydman:

us us
01 ~ ~ CM 05 W 01 C. OI tO U 12 U 14 U 11 17 11 tt 10 11 7l :D ~ " a l1 111

lU
HCG

Figura 24.2 Protocolo de indução da ovulação para inseminação intrauterina com esquema de Frydman.

Inseminação lntrauterina - Indução da Ovolução


Gonadotroflnas:

us us

lU
HCG

Figura 24.3 Protocolo de indução da ovulação para inseminação intrauterina com gonadotrofinas.

Lelrozol As potenciais vantagens do letrozol sobre o CC são:


O letrozol é um potente e reversível inibidor da aroma- • Alta taxa de desenvolvimento monofolicular, diminuindo a
tase usado amplamente em mulheres portadoras de câncer taxa de gemelaridade.
de mama hormonalmente responsivo. Recentemente ganhou • Não afeta o crescimento do endométrio.
notoriedade em virtude do seu uso off-label na indução de • Meia-vida c una (48 horas) em relação à do CC, que é de 2
ovulação. Estima-se que mais de 77% dos inferlileutas ameri- semanas, diminuindo assim a chance de terawgenicidade.
canos o prescrevem para esse fim. • Maior taxa de ovulação e nascidos vivos em pacientes com
A aromatase é uma enzima participante do citocromo ovário policístico submetidas a inseminação intrauterina
P450, responsável pela conversão da and rostenediona em es- após indução com letrozol em relação ao CC, principal-
trona e da testosterona em estradiol. Quando a aromatização mente nas pacientes com IMC >30.
dos androgênios em estrogênios é in ibida, há redução nos
níveis de estrogênios circulantes, o que leva a um Jeedback Os principais efeitOs colaterais do uso do letrozol são
positivo com o FSH. Por isso, há aumento da secreção do os fogachos, as náuseas e a dor muscular, que ocorrem em
FSH, resultando na estimulação ovariana com consequentes menos de l% das pacientes. A contrové rsia quantO ao uso
crescimento e desenvolvimento foliculares. dessa medicação surgiu após a publicação de um abstract de
A posologia do letrozol para a indução da ovulação é de congresso em 2005, que evidenciou aumento na incidên-
2 ,5 a 5mg VO durante 5 dias na fase folicular inicial (do te r- cia de malformações ósseas e anomalias cardíacas em recém-
ceiro ao sétimo d ia do ciclo menstrual) (Figura 24.4). -nascidos de mães que utilizaram o letrozol para tratamento
/.

'
'/:
') 180 Seção I Ginecologia

Coito Programado - Indução da Ovolução


Letrozol:

us us
~ ~ ~ ~ ~ ~ 01 ~ ~ 10 '' 12 ,, t4 t5 16 11 te '' ~ 21 n n ~ ~ a 11 ~

COITO

HCG

Figura 24.4 Protocolo de indução da ovulação para coito programado com letrozol.

da infertilidade. No entanto, esse estudo apresenta algumas e a prevenção do desenvolvimento da sínd rome do h iperestí-
ressalvas. Como a meia-vida dos inibidores da aromatase é mulo ovariano e da gestação múltipla.
muito cu rta (48 horas) e sua administração é fe ita somente Esse acompanhamento é realizado a partir de exames de
na fase folicular inicial, há um longo período entre a uti- uh rassom endovaginal seriados. O ideal é realizar exame en-
lização do medicamento e a fertilização e a implantação. dovaginal basal no início do ciclo menstrual para exclui r a
Portanto, a plausibilidade b iológica para a terawgen icidade presença de cistos ova rianos ou qualque r doença endome-
com o letrozol é muito improvável. Outros estudos não evi- trial. Após esse exame, realiza-se outro em tOrno do oitavo
denciaram aumento na incidência de malformações com o dia e, a partir daí, um exame ultrassonográfico é feito a cada 2
uso desse medicamento. ou 3 d ias. Durante esses exames uh rassonogrãficos são avalia-
dos o número de folículos e realizadas a medida do diâmetro
FÁRMACOS PARA OESENCAOEAR A OVU l AÇÃO médio de cada folículo e a avaliação das características e da
Gonadotrofina coriônica humana (HCG) espessura endometriais. Em média, um folículo dominante
Em virtude de sua semelhança estrutural com o LH, a cresce quase l a 2mm por d ia.
HCG é utilizada para simular o pico de LH, desencadeando, Quando se obse rvam quatro ou mais folículos com diâme-
assim, a ovulação em ciclos estimulados. tro médio >l6mm, o ciclo deve se r cancelado , não devendo
Existem duas formas de preparação da HCG: a extraída da ser administrada a HCG e , além disso, o casal deve ser orien-
urina de gestantes e a obtida a partir da engenharia genética tado a não mante r relação sexual durante esse período para
(HCG recombinante). evitar a gravidez múltipla.
Quando se atinge um folículo com d iâmetro médio> l8mm,
administra-se HCG na dosagem de 5.000 a lO.OOOUI para de- COITO PROGRAMADO
sencadear a ovulação e a maturação oocitária. O pe ríodo fértil
O coito programado consiste na orientação do período fér-
se inicia 24 horas após a administração da HCG e dura cerca
til após estimulação ovariana, seguida da monitOrização ul-
de 72 horas. Nesse período, o casal é orientado a ter relação
trassonogrãfica da indução da ovulação, e o casal é orientado
sexual para o coito programado ou a inseminação intrauterina
é programada para 34 a 36 horas, aproximadamente, após a a ter relação sexual pelo menos em d ias alternados durante o
administração da HCG. pe ríodo fértil.

Indicações
RASTREAMENTO UlTRASSONOGRÁFICO
O coito programado está indicado principalmente para
O rastreamento ultrassonogrãfico da estimulação ovariana
casais que apresentam disfunção ovulatória como causa da
deve ser feito em todos os ciclos de indução da ovulação.
in fertilidade.
O acompanhamento da hiperestimulação ova riana po r meio
desse rastreamento é imprescindível para avaliação do recru-
tamento e crescimentO folicular. Por essa razão , são possíveis INSEMINAÇÃO INTRAUTERINA (IIU)
o ajuste da dose das gonadotrofinas e a programação da admi- A IIU faz parte do arsenal d isponível para tratamento dos
nistração da HCG, além do acompanhamentO do desenvolvi- casais inférteis há séculos, valendo ressaltar que o prime iro
mento do endométrio, e talvez, o mais importante, a previsão relatO de uma !lU é do final do século XVIII.
r
((

Capítulo 24 Tratamento de Baixa Complexidade em lnfertilidade 181

A IIU consiste na colocação dos espermatozoides, seja do ultrassom endovagmal. Para a reahzação dessa inseminação é
parceiro (inseminação homóloga), seja do doador (inseminação condição rnandatóna patênc1a tubária comprovada, seja por
heteróloga), após o preparo do stmen, na cavidade uterina em histerossalpíngografia, seja por ' 'ldeolaparoscopia.
um momento smcroruzado com a época da ovulação.
Com a 11 U há o benefrc1o da depos1ção de um concentra- Passos para a realização da IIU
do de esperrnatozo1des mó,·eiS dentro da cavtdade uterina, o Todo o processo para a reahzação da IIU se encontra resu-
matS próxtmo posslvel do(s) oócito(s), podendo a insemina- mido no Quadro 24.4 e é detalhado a segwr.
ção ser realtZada em c1clos naturaiS (não esumulados) ou após
estimulação o,·ariana com CC ou gonadotrofinas. No entanto, Indução da ovulação
os melhores resultados são alcançados após ciclo estimulado, A IIU pode ser realizada durante um ciclo natural, ou seja,
ou seja, com a mdução da ovulação. sem estimulação o,·ariana ou após hiperesumulaçào ovariana
controlada. Os melhores resultados são obudos após indução
Inseminação heteróloga da ovulação, o que se deve provavelmente ao fato de se con-
A IIU com stmen de doador ou inseminação heteróloga é seguir elevado número de folrculos, além de se programar o
realizada para os casos de azoospermia, fator masculino grave melhor momento para a realização da inseminação.
ou doenças genéticas (Quadro 24.2). Essa doação do sêmen Vários protocolos de estimulação ovariana podem ser utili-
tem caráter anônimo e não comercial. Os casais devem assi- zados para a realização da IlU: o CC isolado e o CC associado
nar um termo de consemimento livre e esclarecido, autori- às gonadotrofinas ou gonadotrofinas isoladas. Durante a es-
zando a realização do procedimento. timulação ovariana, quando se ati ngem folrculos de tamanho
Para aseleção dos doadores é realizado um screening infeccio- ideal, a HCG é utilizada para desencadear a ovulação e pro-
so (VDRL, anti- HIV, HbsAg, anti-HCV, anti-Hbs, HTLVl e 2), gramar a nu.
além de grupo sangulneo e fator Rh. O stmen permanece O objetivo da estimulação ovariana para realização da IIU
crio preservado e após o perlodo mini mo de 6 meses o doador é aumentar o número de follculos e, consequentemente, de
refaz as sorologias para confirmar a austncia de doenças se- oócítos disponlveis para melhorar as chances da gestação.
xualmente transmisslveis (DST).
Preparação do sêmen ou capacitação espermática
Inseminação homóloga
O sêmen é coletado em frasco estéril de boca larga, obtido
A IIU homóloga ou com stmen do parceiro é realizada na- por meio de masturbação após perlodo de abstintncia sexual
queles casos de fator masculino le,·e ou moderado, fator cer- de 2 a 5 dias.
,.jcal, diSfunções ovulatórias, endometriose mlnirna ou le,·e e O objetivo da capaotaçào espermáuca é consegu1r o rna1or nú-
infertiltdade sem causa aparente (Quadro H .3). mero possh·el de espermatoz01des mó,·eiS, progressivos e mor-
O parce1ro coleta o stmen a pantr da masturbação após fologícamente nonnrus. Além diSSO, outra finahdade do preparo
perlodo de absunenc1a sexual de 2 a 5 d1as. Após a coleta, o seminal é realizar a reurada do plasma sem1nal (nco em prosta-
stmen é preparado e só então é tnjetado na ca\~dade uterina glandinas que induzem cóhcas utennas), leucócitos, prote!nas
durante o perlodo féntl da mulher. antigenicas e bactérias do stmen, dlminumdo a probabilidade de
infecção. Durante o preparo, os espermatozo1des sofrem proces-
Indicações
so de capacitação. Naturalmente, a capacttação ocorre durante a
Todo casal a ser submetido à IIU deverá ter realizado pro-
passagem dos espennatozo1des pelo Lralo genital feminino (colo,
pedêutica para mfertihdade: anamnese, espermograma, dosa-
útero até as trompas). Durame esse processo, os espennatozoi-
gens hormona1s, scoeening infeccioso, histerossalpingografia e
des adquirem a capacidade de sofrer a reação acrossômica, etapa
necessária à fertilização de um oócito.
Quadro 24.2 Indicações para a IIU heleróloga
Existem várias maneiras de preparo do stmen (Quadro
Fator masculino grave 24.5), não havendo evidências de um método mais adequado
Azoospermia ou com melhores resultados:
Oligospermia grave
Oligoteratoastenospermia grave Quadro 24.4 Passos para realização da IIU
Doenças genéticas
Indução da ovulação
Rastreamento ullrassonográloco
Quadro 24.3 Indicações para a IIU homóloga
Preparação do sêmen
Fator cervical lnseminaçao
Disfunções na ejaculação (ejaculação retrógrada)
Fator masculino leve/moderado Quadro 24.5 Técnicas de preparo sem,nal ou capacítaÇêo espermática
Endometriose minomalleve
tnferülidade sern causa aparente Duplo lavado

Obs.. se<Jlll8na pr-


DosfunçOes ovulatónas
deu~~
SWim-up
Densidade de gradoente
/.

'
'/:
') 182 Seção I Ginecologia

• Duplo lavado: no lavado, o sêmen é misturado em meio A IIU é realizada com a paciente em posição de litotOmia
de cultura e centrifugado. O sob renadante é retirado e o em ambiente ambulatorial, introduzindo-se um espéculo va-
pellet (concentrado de espermawzoides e células que fica ginal para visualização do colo ute rino. Para evitar a oco rrên-
no fundo do tubo) é ressuspenso em meio de cuh ura e cia de infecção é realizada limpeza da vagina e do colo com
novamente centrifugado. Retira-se novamente o sobrena- solução salina. Uma seringa contendo o preparo seminal é
dante e cobre-se o pellet restante com meio de cultura, ho- acoplada ao catete r para inseminação, e, então, esse cateter
mogene izando a mistura. é introduzido delicadamente na cavidade uterina onde os es-
• Swim up: para o swim up é realizado o lavado já descrito. pe rmawzoides são depositados. Essa introdução deve ser o
Poste riormente, ressuspende-se o pellet em meio de cuhura menos traumática possível para evitar sangramento endome-
e coloca-se o tubo em estufa de C0 2 com angulação de 45 trial e cólicas uterinas.
graus, em repouso, para que os espermatozoides migrem Os melhores resultados de gravidez com a utilização da in-
po r voha de 40 a 45 minutos. Ocorre, assim, a seleção dos seminação intrauterina são alcançados até a terceira tentativa.
melhores espermawzoides. Retira-se o sobrenadante para Os estudos não demonstram benefícios em realizar mais de
realização da !lU, desprezando-se o pellet (onde estão os cinco tentativas de inseminação artificial.
espe rmawzoides imóveis e outras células).
• Dens idade de gradiente (método Percoll): nesse métO- l eitura complementar
do é verificada a fihração dos espermawzoides por meio Biljan MM. Hemmings R, Brassard N. The outcome of 150 babies fol-
lowing fhe treatment with letrozole or letrozole and gonadotropins.
de d iferentes gradientes de densidade. Nas camadas com
Fertil Steril 2005; 84:595.
menos densidades, os espermatozoides imóveis ficam re- Boomsma CM. Heineman MJ, Cohlen BJ, Farquhar C. Semen prepa-
tidos juntamente com os componentes do plasma seminal ration techniques for intrauterine insemination. Cochrane Databa-
(leucócitOS, bactérias e proteínas). Nas densidades mais se Syst Rev 2004; (3):C0004507. Review.
significativas ficam os espermatozoides móveis. Busso N. Acosta A, Remohi J. Indução da ovulação. São Paulo:
Atheneu, 1999.
Cantineau AE. Cohlen BJ, Heineman MJ. Ovarian stimulation pro-
Quadro 24.6 Medicina com base em evidências tocais (anti-oestrogens, gonadotrophins with and without GnRH
Intervenção Grau de agonists/antagonists) for intrauterine insemination (IUI) in wo-
recomendação men with subfertility. Cochrane Oatabase Syst Rev 2007 Apr 18;
(2):C0005356.
Mulheres anovulatórias com SOP devem realizar a A Oiamond MP, Legro AS, Coutifaris C et ai NICHO: letrozole, gona-
indução da ovulação com CC como tratamento dotropin, or clomiphene for unexplained infertility. N Engl J Med
de ptimeira escolha 20 15; 373: 1230-40.
Mulheres anovulatórias com SOP resistentes ao A Kafy S. Tulandi T. New advances in ovulation induction. Curr Opin
CC devem utilizar gonadotrolinas para indução Obstei Gynecol 2007; 19:248-52.
da ovulação Legro AS, Brzyski RG, Oiamond MP et ai. NICHO: Letrozole versus
Mulheres anovulatórias com SOP que ovularam A clorniphene for infertility in polycystic ovary syndrome. N Engl J
com CC, mas nào engravidaram após 6 meses Med 2014; 371:119-29.
de tratamento, devem realizar estimulação Malloch L, Rhoton-VIasak A. An assessment of current clinicai altitu-
ovariana associada à I lU des toward letrozole use in reproductive endocrinology practices.
Fertil Steril 2013; 100:1740-4.
Mulheres com disfunção ovulatória relacionada A
Messerlian C, Platt RW, Tan SL, Gagnon R, Basso O. Low-technology
com hiperprolactinemia devem utilizar agonistas
assisted reproduction and lhe risk of preterm birth in a hospital-
dopaminérgicos, como a bromocriptina
-based cohort. Fertil Steril 2015; 103:8 1-8.
Monitorização ultrassonográfica para mensuraçào c Requena A, Herrero J, Landeras J et ai. Use of letrozole in assisted re-
do !amanho e do número dos foliculos deve production: a systematic review and meta-analysis. 2008; 14:571-82.
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indução da ovulação and infertility. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins, 2005.
Casais com fator masculino leve. infertilidade sem A The ESHRE Capri Workshop Group. lntrauterine insemination. Hu-
causa aparente ou endometriose mínima ou leve man Reprod Update 2009; 15:265-77.
devem realizar IIU porque há aumento nas taxas Tulandi T. Martin J , AI-Fadhli R et ai. Congenital malformations among
de gravidez 91 1 newborns conceived after infertility treatment with letrozole or
Os melhores resultados da IIU são obtidos A clorniphene c itrate. Fertil Steril 2006; 85: 1761-5.
com a estimulação ovariana utilizando Usadi AS, Merriam KS. On-label and off-label drug use in lhe treat-
gonadotrofinas ment of female infertility. Fertil Steril 2015; 103:583-94.
Yilmaz N, Uygur O, Ozgu E, Batioglu S. Does coasting, a procedure
As técnicas de preparo do sêmen apresentam A to avoid ovarian hyperstimulation syndrorne, affect assisted repro-
resultados semelhantes
duction cycle outcome? Fertil Steril 2010; 94: 189-93.
CAPÍTULO

Tratamento de Alta Complexidade


em Reprodução Humana
Ines Katerina Damasceno Cavallo Cmzeiro
Cláudia Navarro Carvalho Duarte Lemos
Carolina Passos de Rezende Martins

INTRODUÇÃO A raça humana apresenta baixa taxa de concepção, em tor-


A inabil idade em conceber atinge ce rca de 80 milhões no de 20% a 25% por ciclo. Entre os faLOres que interferem
de pessoas em todo o mundo, o que para muitos casais é na taxa de concepção, a idade materna parece ser o fator iso-
uma tragédia. As expectativas pessoais, interpessoais, so- lado mais significativo, o que ajuda a entender por que as taxas
ciais e religiosas provocam um senso de fracasso, perda e de gravidez após o uso das técnicas de reprodução assistida
exclusão. A fen ilidade vana entre as populações e declina (TRA) devem ser consideradas satisfatórias amda que isolada-
com a idade tanto nos homens como nas mulheres, porém mente pareçam baixas (Figura 25.2).
a queda é mais pronunc1ada nestas últimas, principalmen- Essas técnicas evolulram mwto nos úlumos anos. O médico
te após os 35 anos de idade (F1gura 25.1). Embora os pa- britânico john Hunter realizou em 1790 a pnme1ra msemina-
râmetros seminaiS declmem após os 35 anos, a fertilidade ção intrauterina conhecida para tratamento da mfemhdade.
mascuhna declma de mane1ra apreciável apenas após os 50 A primeira transferencm de embnâo, reah.zada em 1976, re-
anos. Estudo reahzado pela Orgamzação Mundial da Saúde sultou em gra,~dez ectóp1ca, e o pnmeuo nasc1mento de gra-
(O~S) mostrou que 3,4% das mulheres brasileiras entre 25 '~dez obtida pela fenihzação in vítro (FIV) ocorreu em 1978.
e 50 anos não conseguiram ter filho vl\'0. A taxa de infer- Esses procedimentos foram reahzados por Steptoe e Edwards.
tilidade entre mulheres de 25 a 49 anos no Brasil foi de A melhora do controle de qualidade dos me1os de cultivo de
15%, sendo a pnmána de 2,9% e a mfenilidade secundária embriões, juntamente com sua diSponibilização comercial, as-
de 12,6%. sociada à realização da coleta O\'Uiar sob visualização ultrasso-

..
!!
500
50,0
45,0
~ 400
::J 40 ,0
E
35,0
8
C! 300 30,0
25,0
200 20,0
15,0
100 10,0
5,0
0,0
25 30 35 40 45 50
Idade da mulher (anos)

Figura 25.1 Declinio da fertol1dade fem1n1na com a 1dade. {Modifica- Figura 25.2 Taxa de nasc1dos vivos por transferêooa de embriÕeS
da de ASRM Prachce Comm1nee Report2008.) estratificada pela 1dade da mulher.

183
/.

'
'/:
') 184 Seção I Ginecologia

nográfica transabdominal, inicialmente, e pelo emprego da via Indicações de FIV


transvaginal, posteriormente, levou à difusão rápida da FlV A
transferência intrafalopiana de zigoto (ZIFT) foi usada pela pri-
meira vez com sucesso em 1986, mas a técnica foi abandonada
por exigir o uso de laparoscopia e apresentar taxas de gravidez
similares ou mesmo menores do que as da FIV
As técnicas de reprodução assistida compreendem qual-
quer tratamento que lida com métodos de concepção que não
seja o intercurso vaginal e incluem uma série de tratamentos
clínicos e procedimentos laboratoriais que frequentemente 26%
envolvem a manipulação de oóciws, espermatozoides e em-
briões humanos. As técnicas de alta complexidade incluem
- mas não se restringem - a FIV, a transferência intrafalopiana
de gametas (GlFT), a ZIFT, a b iópsia embrionária, o d iag-
nóstico genético pré-implantação (PGD), a doação de óvulos,
espermawzoides e embriões e o útero de substituição. • Fator masculino • Fator feminino não tubário
Multiplos fatores • Tubário ESCA
FERTILIZAÇÃO IN VITRO (FIV) Figura 25.3 Indicações dos ciclos de FIV. (Dados da Redlara, 2009).
A FlV é a técnica de reprodução assistida em que o óvulo é
fenilizado pelo espermatozoide em laboratório. da Rede Latino-americana de Reprodução Assistida (Redlara)
de ciclos de FIVIICSI realizados em 2009.
Indicações Os fatores de prognóstico para TRA são: idade da mulhe r,
Inicialmente a FIV foi criada para resolver o problema da número de ciclos de FIV anteriores (quanto maior o número
inferülidade por fator LUbário. Atualmente é indicada por d i- de ciclos ante riores sem sucesso, menor a chance de suces-
versos outros fatOres. A prevalência das indicações das TRA so- so em uma próxima tentativa), h istória de gestação anterior
fre variações de acordo com a população estudada. Em países (aumenta a chance de sucesso) e o índice de massa corporal
menos desenvolvidos e nas populações de modestO poder so- (IMC) ideal entre 19 e 25 O estilo de vida, a ingestão de ál-
cioeconômico, o fatOr tubário em consequência das seque las de cool, o tabagismo e o consumo de cafeína podem diminuir as
doenças inOamatórias pélvicas (DIP) apresenta alta prevalência. chances de sucesso das TRA.
Na indicação por fatOr tubário incluem-se pacientes com obs-
trução tubária por sequelas de infecções pélvicas, endometrio- Estimulação ovariana controlada
se ou pacientes submetidas à salpingotripsia bilateral que não Recomenda-se o uso de medicamentos para estimular a
apresentam os pré-requisitOS para cirurgia de recanalização. produção folicular ovariana para os ciclos de FlV, os quais
Outras indicações de FIV são pacientes com endometriose, aumentam as taxas de gravidez em relação aos ciclos naturais.
mesmo em estágios menos avançados, com esterilidade sem As medicações induwras da ovulação são utilizadas para pro-
causa aparente (ESCA) e que não responderam às técnicas mover recrutamento e crescimento dos folículos. A escolha
mais simples de tratamento, além do fatOr masculino. Na in- do medicamento a se r utilizado e de sua dosagem depende da
fenilidade por fator masculino, o procedimento indicado vai resposta de cada paciente. Os principais fárrnacos utilizados
depender da concentração dos espermatozoides, bem como são a gonadotrofina da mulher menopausada (HMG), que
da motilidade quantitativa e qualitativa. apresenta concentrações semelhantes do hormônio folículo-
Segundo a Organização Mund ial da Saúde (OMS), os ca- -estimulante (FSH) e do hormônio luteinizante (LH), o FSH
sos em que os parceiros apresentam contagens >5 milhões ultrapurificado e o recombinante e o LH recombinante.
de espermatozoideslml , com motilidade tipo A após o bene- A estimulação é feita por meio do uso de gonadotrofinas
ficiamento, poderão submeter-se à inseminação intrauterina (FSH ou FSH + LH) recombinante ou urinária, com taxas de
(IIU). Se o número de esperrnatozoides estiver entre 2 e 5 gravidez semelhantes entre as diferentes medicações. A dose
milhõeslml, deve-se indicar FIV convencional, e nos casos inicial das gonadotrofinas deve ser individualizada de acordo
<2 milhôeslml a melhor indicação será a FIV por meio da com a idade da paciente, o 1MC, os testes de reserva ovariana
injeção intracitoplasmática de espermatozoides (ICSI). Nos e a presença de ovários micropolicísticos. O uso de outras
casos de azoospermia obstrutiva, istO é, quando o paciente medicações adjuvantes, como o hormônio do crescimento
produz esperrnatozoides, mas estes não estão presentes no (GH) e a desidroepiandrosterona (DHEA), não deve ser ofe-
ejaculado, indica-se a ICSI com espermawzoides obtidos por recido em vi rtude da carência de comprovação científica de
punção dos epidídimos ou duetos deferentes. As indicações seus benefícios.
menos comuns incluem disfunções ovulatórias, d iminuição Os agonistas são medicamentos que se ligam aos recep-
da reserva ovariana, fatOr imunológico e fator uterino. A Fi- tores hipofisários do hormônio liberador das gonadotrofinas
gura 25.3 mostra as ind icações de TRA segundo os registros (GnRH) e promovem uma descarga inicial de gonadotrofinas e,
r
((

Capitulo 25 Tratamento de Alta Complexidade em Reprodução Humana 185

em segutda, uma dessensibilização lupolisána com bloqueio (PESA). Esperrnatozotdes dos tesúculos podem ser obudos por
ovariano, o qual se completa no per!odo de 7 a 14 dtas. Esses meio de btópstas testiculares ou aspirações com agulhas finas,
agontStas podem ser ULilizados na forma de depósito ou em mesmo em casos de azoospermia náo obstrutiva, como, por
doses diárias. Nos ciclos de FIV é necessário o uso desses exemplo, interrupção da espermatogênese.
medicamentos para evitar o surgimento precoce do pico do
LH. Esse bloqueio pode ser feito por me io do protocolo lon- Transferência de embriões
go. pelo qual se inicia o uso no meio da fase lútea anterior A transferência de embriões deve ser sempre guiada po r
(aproxi madamente no 21° dia do ciclo que antecede o inicio US para aumentar as taxas de gravidez. O núme ro de em-
das gonadotrolinas) , ou d o protocolo curto, em que o análogo briões que serão transferidos deve levar em consideração a
é imciado com as gonadotrolinas de maneira que a descarga qualidade embnonária e a idade da paciente. No Brasil, se-
inictal promovida pelo análogo (efeito jlare-up) aJude a esti- gundo a Resolução do CFM 2.12112015, as mulheres de até
mulação ovariana, sendo esse protocolo geralmente utilizado 35 anos podem ter até dois embriões transferidos; entre 36
em pactentes com idade mais a,·ançada ou que responderam e 39 anos, até tres; e com 40 anos ou mais, até quatro em-
mal às md uções anteriores. briões. Nas sttuac;ões de doação de ómlos e embnões const-
Outro método muito utilizado atualmente para evitar o dera-se a tdade da doadora no momento da coleta dos óvulos.
pico precoce do LH é por meio do amagomsta do GnRH, q ue
se liga aos receptores hipolisários e promove o bloqueio ime- Suporte de fase lútea
d iato do eixo, e o uso dessa med icação pode se r iniciado mais O uso de análogos agonistas ou antagonistas do Gn RH du-
tarde (aproximadamente no sexto d ia de uso das gonadotrofi - rante ciclos de FrV pode produzi r uma insuficiência relativa
nas). O análogo ou antagonista do Gn RH é mantido até o d ia de fase lútea. O su porte medicamentoso da fase lútea com
da inj eção da gonadotrofi.na coriõnica humana (HCG). Em HCG ou progesterona aumenta a taxa de gravidez com resul-
pacientes com risco de hiperestimulação ovariana, o protoco- tados similares. Entretanto, o uso de HCG se associa a maior
lo antagonista é o mais recomendado. risco de srndrome de hiperestlmulo ovariano. Deve ser ofere-
O crescimento folicular de,·e ser monttorizado por meio cido suporte com progesterona vaginal 48 horas após a coleta
da ultrassonogralia (US), e quando os folfculos esuverem com ou após a transfertncta de embriões até a ottava semana de
aproximadamente 18mm de-·e-se mtmeuzar o ptco endógeno gestação, quando a placenta assume essa função hormonal.
de LH medtante a utilização da HCG unnália ou recombinante
para maturação oocitária, reinício da metose e ativação de pro- TRANSFERÊNCIA INTRAFALOPIANA DE GAMETAS
telnas enzimáticas, o que promoverá o rompimento folicular e E ZIGOTO
a dispersão do cúmulus. Em casos com grande número de folr-
A GIFT e a ZIFT consistem, respectivamente, na transfe-
culos recrutados em pacientes em uso de p rotocolo antagonis-
rência de gametas ou emb riões d iretamente para a tuba po r
ta, essa maturação pode ser feita med iante o uso do análogo do
meio de laparoscopia. Entretanto, esses procedimentos cal-
GnRh para diminuir o risco da srndrome de hiperestimulação
ram em desuso, pois não de monstraram ULxas de gravidez
ovariana (SHO). Sabe-se que a ovulação ocorrerá em cerca de
melhores do que a FIV convencional.
32 a 36 horas após a injeção de HCG ou GnRH.

INJEÇÃO INTRACITOPLASMÁTICA
Coleta ovular
DE ESPERMATOZOIDES (ICSI)
A coleta ovular, procedimento que reura o llqutdo folicular
A ICSI revoluctonou o tratamento de infenthdade mas-
do o,·âno prevtamente estimulado, é reahzada em médta 32 a
culina grave e se dtferencta da FN conYencíonal apenas nos
36 horas após a injeção do HCG. Utiltza-se a vta transvaginal
aspectos laboratoriaLS. Os procedimentos de indução de ovu-
através de u ma agulha colocada no guia acoplado à sondava-
lação, coleta e transferencia são semelhantes nas duas técnicas.
ginal do aparelho de US. A agulha é conectada a uma bomba
Enquanto na FIV convencional os esperrnatozoides penetra-
de sucção que aspi ra o líquido folicular por meio da visuali-
rão no óvulo sem a ajuda de aparelhos, nesse procedimen-
zação di reta pelo monito r do US. O liquido folicular aspi rado
to são usadas técnicas ele micromanipulação, injetando-se
é entregue ao biólogo, que o examina sob visão microscópica
um único espermatozoide dentro do citoplasma do oócito para
à procura ele oócitos.
alcançar a fertilização (Figura 25.4). Se pelo menos um esper-
matozoide viável for isolado (por meio de ejaculado ou técnicas
Coleta de espermatozoides cirúrgicas). a fenihzação pode ser alcançada. Esse método está
A obtenção de espermatozoides pode ser realizada por meio indicado para os casos de alterações graves na quahdade semi-
de ''ánas técmcas. A mais comum é a masturbação para ob- nal, azoospermta obstrutiva ou náo obstrutiva e batxa taXa de
tenção de eJaculado. Pode-se também proceder à obtenção ci- fenílização em ciclo antenor.
rúrgtca do espermatozoide, dependendo da causa e do desejo A nucromampulação pode também ser utiltzada em outros
do pactente. Os espermatozoides do epidldimo podem ser as- procedimentos, como assisted haLching ou eclosão asstsuda , que
pirados por microci rurgias como microaspirac;ão do esperma consiste em se fazer uma abenura na zona pelúcida para facili -
do epidld imo (MESA) ou aspiração percutânea do epid íd imo tar a sarda do embrião; também pode ser usada na remoção de
186 Seção I Ginecologia

A grande contnbwção das TRA é inquestionãvel e, atualmen-


te • cerca de 1% de todos os nascimentos nos EUA ocorrem com
a ajuda das TRA. Os benefiCIOS superam os riscos; contudo, suas
indicações devem seguir avaliação rigorosa por equipe mulúdiS-
ciplinar tecrúcamente bem treinada e com espírito crttico cienti-
fico. É indispensável discut ir a siluação clínica, seus riscos e suas
A B opções terapêuticas e obter o termo de consemimento livre e
esclarecido do casal antes do inicio do tratamento.

CDMPLICAÇOES
Não há comprovação de associação direta emre mdução de
omlação e câncer em mulheres submetidas à FIV
A gravidez múlupla é maiS pre,•alente em gestações onun-
c o das de FIV, o que expõe os fetos à maior morbidade em razão
Figura 25.4 lnJeçao intracitoplasmática de espermatozo,de. A Oó- desse fator. A presença de gestação múltipla é cons1derada
Cito Mil. B a o Injeção do espermatozoide no Citoplasma do oóc1to. uma complicação das TRA, devendo-se sempre tentar dimi-
(Imagens cedidas pelo Laboratório de Reproduçl!O Humana Profes- nui r a prevalência dessas gestações. A obtenção de embriões
sor Aroldo Fernando Camargos da UFMG.)
de melhor qualidade e em estágios mais desenvolvidos pos-
sib ilita a transferencía de menor número de embriões, o que
diminui o risco de gravidez múltipla.
fragmentos citoplasmáticos com intuito de melhorar a quali-
A sindrome de hiperestimulação ovariana (SHEO) é uma res-
dade do embrião ou na realização da biópsia pré-implantação.
posta exagerada à terapia medicamentosa, manifestando-se pró-
Apesar de o assistecl hatching ser indicado por alguns autores
ximo ou logo após a coleta ovular. ~a presença de gravidez, a
para pacientes com falha de implantação, não exiStem evtden-
SHEO pode mamfestar-se logo após o atraSO menstrual e, nes-
etas suficientes que embasem o uso roune1ro dessa técnica,
ses casos, é manuda pela produção endógena da HCG. Ocorre
poiS, apesar de aparentemente aumentar as taxas de gravtdez,
não parece aumentar a taxa dos nascidos vi\'OS. aumento da permeab1hdade capilar com consequente ex1.rava-
samento de llqu1do do mtravascular para o terceiro espaço. A
pfe\·alêncía da forma leve está em torno de 10%, enquanto a
RESULTADOS E RISCOS forma grave responde por cerca de 1% a 2% dos ciclos.
O sucesso da TRA depende de fatores como idade da pa- Dentre os fatores de risco podem ser citados: idade jovem,
ciente, história de gravidez anterior, indicação da TRA, proto- baixo peso co rporal , sindrome do ovário policlstico, uso de
colo de estimulação e resposta ovariana, presença e gravidade altas doses de gonadotrofina exógena, alto nivel sé rico ou au-
de fator masculino e número de embriões transferidos, entre mento rápido de estrad iol, episódio anterior de SHEO, mui-
outros, sendo a idade o fator isolado mais importante. Quando tos foliculos antrais, grande número de oócitos capturados e
se uuliza embrião fresco, as taxas de nascidos '~vos por coleta uso de altas doses de HCG. Em caso de suspeita do apareci-
é de 42,6% em mulheres com menos de 35 anos, de 33,9% mento de SHEO, o 1deal é suspender a HCG e cancelar o ciclo
naquelas entre 35 e 37 anos, de 22 ,3% nas de 38 a 40 anos, de ou, em casos de protocolo antagonista, utilizar o análogo do
12% entre-+ I e 42 anos e de 4% nas mulheres com mms de -+2 GnRh para maturação oocitãna. Após a coleta, desaconselha-
anos (F1gura 25.2). A idade avançada se assoem a má quahda- -se a uansferencia dos embnões, os quais são criopreservados
de ooatãria, pior resposta ovariana, menor taxa de fenihzação, para transferencía posterior.
menor taxa de implantação e maior taxa de abonamentos. Na forma leve há desconfon o transitório em abdome mfe-
Com relação à morbidade materno-fetal, a literatura tem rior, náusea, vômitO, diarreia e distensão abdominal, os quais
mostrado controvérsias, não sendo posslvel separar o risco irão resolver-se espontaneamente , sendo necessários apenas
relacionado com a TRA daquele proveniente da patologia re- controle ambulatorial e repouso. Pode ser necessário o uso de
produtiva basal. Alguns autores têm relatado maior risco de analgésicos orais mais potentes e amieméticos, além de suspen-
doe nça genética relacionada com o imprinting genOmico, fe- der a relação sexual e aconselhar a respeito dos sinais e sinto-
nômeno em que ocorre modificação qui mica de nucleotldeos, mas de agravamento. Sintomas mais intensos são indicação de
ocasionando o funcionamento de apenas um alelo em genes internação, como dor abdominal fone, náusea e vômllo inten-
especlficos, sendo o outro silenciado. Dentre essas doenças se sos, oligúna grave ou anúria, ascite volumosa, dtSpneia ou ta-
destacam as slndromes de Beckwith-W1edemann e de Angel- quipneia, lupotensáo, tontura ou síncope, distúrbio eletrolluco
man. Alguns estudos têm associado grav1dezes úmcas deriva- grave, hemoconcentrac;ão e alteração da função hepáuca.
das de FIV ou ICSI a risco maior de comphcaçôes pennatais,
como recém-nascido pequeno para a 1dade gestacional, par-
to prematuro e mortalidade perinatal, além de complicações PRESERVAÇÃO DA FERTILIDADE
maternas, como pré-eclãmpsia, díabetes gestacional, placenta Apesar de a reprodução ser processo natural na vida do ser
prévia e descolamento prematuro de placenta. humano, diversas situações podem concorrer para o compro-
:\.
r
((

Capítulo 25 Tratamento de Alta Complexidade em Reprodução Humana 187

melimento ou mesmo o adiamento desse p rocesso. Questões derado o uso dessas técnicas de maneira global, denominado
sociais podem provocar o ad iamento da maternidade, e os screening genélico p ré-implantacional (PGS), com o objelivo
fatores tóxicos, como os quimiote rapêulicos, podem ameaçar teó rico de melhorar as taxas de implantação e reduzi r as de
a integridade dos órgãos reprodulivos. Diante dessas e de ou- abortamento. Estudos recentes têm demonstrado bons resul-
tras situações, surgiu a necessidade da busca por procedimen- tados com essa técnica, porém as evidências ainda são escas-
tOS que pudessem p rese rvar a fenilidade. Vários procedimen- sas em relação ao custO/benefício desses procedimentos.
tOS estão atualmente disponíveis com esse objetivo (Quadro
25.1). As d iversas tecnologias de preservação da ferLilidade
SITUAÇÕES ESPECIAIS
têm sido muito utilizadas em associação aos tratamentos on-
cológicos. O ap rimoramento progressivo da área de oncologia Casais homoafetivos e produção independente
tem aumentado as chances de cura e a sobrevida dos pacien- Estudos mostram que filhos de casais homoafetivos não
tes, o que tOrna ainda mais importante a preocupação em pre- diferem dos filhos de pais heterossexuais. No Brasil, a Re-
servar a fe rtilidade dessas mulheres e homens. solução do CFM 2.12112015, que aborda as normas éticas
para utilização das técnicas de reprodução assistida, aprova
DIAGNÓSTICO GENÉTICO PRÉ-IMPLANTAÇÃO (PGD) o uso das TRA para casais homoafetivos e pessoas solte iras,
O PGD se caracteriza pela biópsia de uma célula embrio- respeitado o direito à objeção de consciência por parte do
nária para avaliar sua composição genética e possibilitar a se- médico. Além disso, é permitida a gestação companilhada em
leção para a transferência de um embrião geneticamente não união homoafetiva feminina em que não exista infe rtilidade,
afetado. Inicialmente essa técnica era utilizada para a pesqui- que consiste em utilizar o óvulo de uma mulher, gerar um
sa de doenças monogênicas ligadas ao sexo, mas atualmente embrião por meio do banco de sêmen e transferir o embrião
é possível fazer a pesquisa de todos os 24 cromossomos. As para o útero da outra parceira.
técnicas de avaliação evoluíram muito e, atualmente, incluem a
hibridização genõmica comparaliva (CGH), o polimorfismo de Casais sorodiscordantes
nudeotJdeo único (SNP), reação em cadeia da polimerase (PCR) A melhora na qualidade de vida, os avanços no tratamento
em tempo real e o sequenciamento next-generation (NGS). e a redução do risco de transmissão ve rtical e horizontal têm
O papel do PGD em casais com doença gênica conhecida aumentado a busca por TRA nesse grupo de pacientes. Os ca-
está bem estabelecido. Entretanto, atualmente tem sido consi- sais devem ser informados sobre as opções de tratamento dis-

Quadro 25.1 Técnicas de pceservação da fertilidade

Tecnologia de crlopreservação Vantagens Desvantagens


Criopreservação de sêmen Fácil obtenção Alguns podem não conseguir ejacular
Ótimos resultados (principalmente os muito jovens)
Longa durabilidade
Criopreservação de espermatozoides obtidos Ótimos resultados Exige realização de cirurgia
cirurgicamente Execução rápida
Criopreservação de embriões Bons resultados para pacientes jovens Exige a realização de FIV
Técnica bem estabelecida Alto custo
Exige parceiro
Pode atrasar o ltatamento oncológico
Restrita para após a puberdade
Criopreservação de oócitos Ótimos resultados na paciente jovem Exige indução da ovulação
Não exige a pcesença de um parceiro Alto custo
Pode atrasar o ltatamento oncológico
Restrita a mulheres após a puberdade
Criopreservação de tecido ovariano/testicular Pode ser realizada em pacientes pré-puberes Segurança e eficácia ainda não estabelecidas
Não atrasa o ltatamento oncológico Técnica experimental
Técnicas cirúrgi cas Vantagens Desvantagens
Transposição ovariana Benéfica em algumas situações clinicas Exige intervenção cirúrgica
especfficas Não garante a fertilidade basal após tratamento
Não exige a pcesença de um parceiro com toxicidade para os ovários
Não atrasa o ltatamento
Transplante uterino Permite a gestação em mulheres sem útero Requer cirurgia
Técnica experimental
Tecnologia medicamentosa Vantagens Desvantagens
Análogos do GnRH Execução simples Eficácia ainda não compcovada
Relativamente barato Técnica experimental
Não requer parceiro
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'
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') 188 Seção I Ginecologia

poníve is para otimizar as chances de gravidez com o mínimo zação durante as TRA (FIV, ICSI), oligoastenospe rmia sem
de risco de transmissão do vírus para o parceiro. As técnicas desejo ou disponibilidade de ICSI e mulheres sem parceiros
utilizadas podem ser inseminação intrauterina com lavagem masculinos. A doação é anônima, realizando-se pesquisa la-
do sêmen, FIV convencional ou ICSI. A escolha da técnica boratorial infectocontagiosa similar à utilizada nas doadoras
depende da avaliação inicial do casal e da disponibilidade do de oócitos e pesquisa de dados médicos relevantes durante
serviço. Atualmente é preconizado o uso de profilaxia antir- a anamnese. No Brasil, a idade-limite para doação de sêmen
retroviral pela parceira não infectada durante o período de dete rminada pelo CFM é de 50 anos.
possível exposição ao vírus com o objetivo de se chegar à
gestação. Doação temporária do útero
A doação temporária do útero é um programa que con-
Doação de gametas siste na transferência de embriões de uma doadora genética
A doação de oócitos tem aumentado a cada ano, sendo para o úte ro de urna doadora temporária. O CFM determina
relatado pelo Centers for Disease Comrol and Prevention que esse programa pode ser realizado desde que exista um
(CDC) americano em 2009 que em 12% das TRA foram problema médico que impeça ou contraindique a gestação
utilizados oócitos doados. Entre as indicações para seu uso na doadora genética ou em casos de união homoafetiva. As
destacam-se: hipogonadismo hipergonadotrófico (meno- doadoras temporárias do útero devem pertencer à família de
pausa natural , prematura, cirúrgica, iatrogên ica, pós-qui- um dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto
mioterapia ou radioterapia) ; idade reprodutiva avançada grau (CFM 2.12112015).
(>40 anos); diminuição da reserva ovariana; doenças gené-
ticas em que não se possa utilizar o PGD por questões le- Leitura complementar
Al-lnany HG, Abou-Setta AM, Aboulghar M. Gonadotrophin-relea-
gais ou finance iras, não disponibilidade do método ou po r
sing hormone antagonists for assisted conception. The Cochrane
opção do casal; falhas sucessivas de FJV (má qualidade de Database of Systematic Reviews CD001750.
oóciws e/ou embriões). ASRM. Practice Comitee Reports. Fertility and Sterility 2008; 90: 1-287.
As pacientes que apresentarem agenesia ou anomalia Brezina PR et ai. Fertil~y preservation in the age of assisted repro-
ute rina grave ou histerectomia prévia são tratadas com TRA ductive technologies. Obstetrics and Gynecology Clinics of North
America. 20 15; 42, 39-54.
semelhante. Nesses casos são utilizados oócitos da própria Brezina PR, Anchan R, Kearns WG. Preimplantation genetic testing
paciente e um útero substituto de parentes de p rimeiro ou for aneuploidy: what technology should you use and what are the
segundo grau. A maioria dos centros utiliza doadoras com differences? Journal of Assisted Reproduction and Genetics 2016.
idade <35 anos, pois há aumento do risco genético e dimi- Camargos AF, Pereira FAP, Cruzeiro IKDC, Machado RB. Anticon-
cepção, endocrinologia e infertilidade. Belo Horizonte: Coopmed,
nuição da eficácia do tratamento em pacientes com idades
20 11; 115.
mais avançadas. Conselho Federal de Medicina, 2121/2015.
Realiza-se eswdo laboratorial por meio da pesquisa de Dahdouh EM et ai. Technical update: preimplantation genetic d iag-
HIV, HTLV I e li, vírus das hepatites B e C, sífilis e sorologia nosis and screening. Journal of Obstetrics and Gynaecology, Ca-
para Zika vírus (IgM) , segundo normas da vigilância sanitária nada: JOGC = Journal d 'obstetrique et gynecologie du Canada:
JOGC. 2015; 37:45 1-63.
(RDC 72/2016). Além disso , é recomendado rastreamento ge-
Daya, S. Luteal support: progestogens for pregnancy protection. Ma-
nético mínimo das doadoras para excluir doença mendeliana turitas 2009; 65 Suppl 1, 829-34.
maior ou malformações importantes e rearranjos cromossô- Dunson 08, Baird DO, Colombo B. lncreased infertility with age in
micos não balanceados. men and women. Obstetrics and Gynecology 2004; 103:51-6.
No Brasil, o Conselho Federal de Medicina (CFM) deter- Ethics Committee of American Society for Reproductive, M. Access
to fertility treatment by gays, lesbians, and unmarried persons: a
mina que a doação deve ser anônima, sem fins lucrativos, e committee opinion. Fertility and Sterility 2013; 100:1524-27.
a idade rnãxirna para doação de óvulos é de 35 anos. Na Re- Hayashi M, Nakai A, Satoh S, Matsuda Y. Adverse obstetric and
solução 2.12II2015 ficou estabelecido que apenas será per- perinatal outcomes of singleton pregnancies may be related to
mitida a siwação identificada como doação compartilhada de maternal factors associated with infertility rather than the type of
assisted reproductive technology procedure used. Fertility and
oócitos quando a doadora e a receptora, participando como
Sterility 2012; 98:922-8.
portadoras de problemas de reprodução, compartilhem tanto Kwan I, Bhattacharya S, McNeil A, van Rumste MM. Monitoring of
do material biológico como dos custos financeiros que envol- stimulated cycles in assisted reproduction (IVF and ICSI). The Co-
vem o proced imento , ressaltando-se que a doadora tem pre- chrane Database of Systematic Reviews CD005289.
ferência sobre o material b iológico a ser produzido. A idade Lee E, lllingworth P, Wilton L, Chambers GM. The clinicai effective-
ness of preimplantation genetic diagnosis for aneuploidy in ali 24
rnãxima das candidatas à gestação é de 50 anos, e as exceções chromosomes (PGD-A): systematic review. Human Reproduction
serão determinadas com fundamentos técnicos e científicos 20 15; 30:473-83.
pelo médico responsável e após o esclarecimento a respeitO Manipalviratn S, DeCherney A, Segars J. lmprinting d isorders and as-
dos riscos envolvidos. sisted reproductive technology. Fertil~y and Sterility 2009; 91 :305- 15.
NICE. Fertility: assessment and treatment for people with fertility pro-
As indicações para o uso de banco de sêmen são: presen-
blems. National lnstitute for Health and Clinicai Excellence: Gui-
ça de azoospermia em casos especiais de oligospermia grave, dance, 2013.
doenças genéticas associadas ao parceiro masculino, isoimu- Practice Committee of American Society for Reproductive, M. Ferti-
nização Rh grave com marido Rh positivo, falhas de fertili- lity preservation in patients undergoing gonadotoxic therapy or
:\.
r
((

Capítulo 25 Tratamento de Alta Complexidade em Reprodução Humana 189

gonadectomy: a committee opinion. Fertility and Sterility 2013; Registro Latinoamericano de Reproducción Assistida. Disponível
100:1214. em: <redlara.com/images/arq/Registro2009.pdf>.
Practice Committee of American Society for Reproductive, M. Ovarian Rutstein SO, Shah IH. lnfecundity, infertility, and childlessness in de-
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Practice Committee of lhe American Society for Reproductive, M. & tion, Calverton, Maryland, USA, 2004.
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rility 2014; 102:682-6. and Sterility. 2011 ; 95: 1684-90.
CAPÍTULO

Preservação da Fertilidade
Marco Antônio Barreto de Melo
Sandro Magna vi ta Sabino

INTRODUÇÃO O objelivo deste capitulo é apresentar de maneira bem di-


A preservação da fertilidade feminina sempre despertou dática as diversas estratégtas para a preservação da fertilidade
mu1t0 mteresse na comunidade cientlfica. O fato de a reser- feminina, quer SOCial, quer na paciente oncológica.
va ovariana se deteriorar tanto do ponto de vista qualitaU\·o
como quanutauvo aflige não somente os profiss1onrus de saú- PRESERVAÇÃO DA FERTILIDADE SOCIAL
de, mas também as pacientes.
Conceitua-se como preservação da fertilidade social a rea-
O comportamento feminino mudou drasucamente desde lização de qualquer tratamento que vise à presen'llçãO da fer-
a revolução sexual dos anos 1970, com o aumento cada vez tilidade de mulheres não portadoras de câncer. As pnncípa1s
maior do número de mulheres que postergam sua primeira
ind icações são: desejo de postergar a primei ra gestação, antes
gravidez, impulsionadas pelo desejo de realização de sonhos
da realização de cirurgias ovarianas (exé rese de cistos benig-
pessoais nos campos pessoal e pro fissional.
nos, te ratoma, endometrioma etc.) e do inicio de tratamentos
Segundo dados do Senso Demográfico publ icado em 2010
de pulsoterapia por doenças autoimunes e cromossomopa-
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatlstica, estamos a
tias, que podem provocar esgotamento da resen•a folicular,
caminho de um padrão de fecundidade mais tardio. Enquamo
como nas slndromes de Turner e do X frágil.
a fecundidade das mulheres menores de 30 anos representa-
va 72,4% da fecund1dade total em 2000, essa panicipação foi Desejo de postergar a gravidez - Idade e fertilidade
de 68,6% em 2010. Outro dado impressionante diZ respeito feminina
à redução do número médio de filhos por mulher ao final do
A fecund1dade vem sofrendo fone redução nas úlumas dé-
periodo fén1l. Em 1940, esse número era de 6,16 filhos, camdo
para I ,9 lilho em 2010, o que representa a redução de 69,2%. cadas. Os motivos pelos quais as mulheres têm postergado a
primeira gestação são geralmente multifatoriais e complexos.
Impulsionada por essas tendências, a preservação da fen1lidade
feminina social ganhou grande interesse nesses últimos anos. Algumas das causas são a ausência de parceiro, o ambiente
Atualmente, graças ao avanço dos tratamentosoncológicos, compelitivo no mercado de trabalho e as restrições econô-
mais de 80% dos indivlduos sobrevivem ao câncer juvenil, e micas im postas pela maternidade. A consequência dessa ten-
essa proporção contínua crescendo a cada ano. Em 2007, es- dê ncia compo rtamental é que os especialistas em reprodução
tima-se que houve 11,2 milhões de sobreviventes pós-câncer humana vêm sendo desaf1ados a utilizar os vários avanços
nos EUA, dos quais 450 mil em idade reprodutiva. Em razão tecnológicos e laboratoriais para ajudar a presen•ar a fertilida-
dos efeitos do tratamento cirúrgico e/ou gonadotóxicos dos de das mulheres até quando desejado.
agentes qu1m1oterapêulicos utilizados no combate ao câncer, A literatura méd1ca está repleta de dados que mostram que
os sobre'' lvemes podem apresentar redução s1gmficaU\'ll de a fertilidade e a "1dade ovariana" estão estreitamente relacio-
sua feruhdade. Por esse moli\'0, a oncofen1hdade, que consiS- nadas. A fecund1dade femtntna, definida pela habihdade de
te no conjunto de medidas ulilizadas para se tentar preservar ter um "filho v1vo", dmunui à medida que a idade aumenta.
a fenihdade feminina em pacientes com câncer, vem sendo Está bem documentado que a mulher nasce com cerca de doiS
exausuvamente debalida pela comunidade cíenl!lica e cada milhões de oogOnias e que esse número vai sendo reduzido
vez mais estimulada no meio médico. ao longo da vida até que seja estabelecida a menopausa. A
190
r
((

Capitulo 26 Preservação da Fertilidade 191

grande matona dessas oogõnias é perchda pelo processo da de 50% daquelas entre 20 e 30 anos e 13% das pactentes com
atresia antes de se alcançar a ovulação. idade inferior a 20 anos.
Em 2004, Dunson e cols., em estudo prospectivo, mos-
traram que a porcentagem de inferulidade nas mulheres era Cromossomopalías- Síndrome de Turner
de 8% entre 19 e 26 anos de idade, de 13% a l+% entre as A insuficiência ovariana prematura (IOP) é condição relati-
idades de 27 e 34 anos e de 18% naquelas com 35 a 39 anos. vamente rara que pode aparece r no início da vida. Em um nú-
Em estudo clássico, em 1992 , Faddy e cols. descreve ram a mero não negligenciável de casos, a disfunção ovariana ocorre
redução da população folicular nos ovários ao longo da vida em razão de doe11ças genéticas, como a sindrome de Turner
reprodutiva da mulher. Esses altlores mostraram a redução e a do X frágil. A sínd rome de Turner é a anomalia cromos-
exponencial dos fol!culos de acordo com a idade, sendo ace- sômica sexual mais comum em mulheres, estando associada
lerada a partir dos 37,5 anos, quando se encontram cerca de ao esgotamento prematuro inevitável do arsenal fohcular. A
25 mtl follculos. O processo acelerado de atresta fohcular re- infenilidade possh·el ou prová,·el é uma grande preocupação
duz esse número a 1.000 foliculos por volta dos 51 anos, para as pactentes e seus pais, e os médicos são frequente-
quando se mstala a menopausa. mente quesuonados sobre possíveis opções para preservar a
Se por um lado a redução gradual e acelerada da reser- fertilidade. lnfehzmente, nào hã recomendações sobre a pre-
va ovanana afeta a fecundidade femintna, por outro sabemos servação da feniltdade nesse grupo. A resen·a severamente
que a idade provoca perda da qualidade ovocitária, reOelida reduzida de follculos, mesmo durante a vida pré-púbere, re-
no aument o das taxas de abortamento de acordo com a idade presenta o principal limite para a preservação da fertilidade
materna. Segundo a Sociedade Americana de Med icina Re- e é a raiz de numerosas questões sobre a competencia desses
produtiva (ASRM) , enquanto a taxa de abortamcnto esponlá- gametas. Diame do exposto, a eficiência da técnica ele conge-
neo é de 5,7% nas mulheres de 20 a 24 anos de idade, alcança lamento de óvulos ou de tecido ovariano é questionável nessa
63,6% entre aquelas com 40 a 44 anos. A aneuploidia, princi- situação. Além disso, os pacientes que sofrem dessa sfndrome
pal causa de abortamento esponláneo, aumenta com a idade. apresentam mator nsco de abortamento espontâneo e ano-
Sua etiologia parece estar associada ao decllnio da força de malia fetal. O aumento da morbidade e monahdade dessas
coesão que mantém os cromossomos JUntos em pares, pro- mulheres deve ser considerado ao se avaliar o uso de técmcas
vocando mstabilidade que resulta em um erro de segregação de presen-ação da fentlidade.
cromossômtca.
ONCOFERTILIDADE - PRESERVAÇÃO DE PACIENTES
Cirurgia e reserva ovarianas ONCOLÓGICAS
O impacto das cirurgias ovarianas sobre a reserva folicular A oncofertilidade ou preservação da fertilidade em pacien-
tem sido debatido nas últimas décadas, principalmente no que te oncológica consiste no tratamento que tem como objetivo
se re fere aos endometriomas. Acred ita-se que os mecan ismos a tentativa de prese rvar a fertilidade de mulheres portadoras
envolvidos sejam a reLirada de tecido sad io 110 momento da de câncer.
cistectomia e/ou a destruição de folfculos durante a cauteriza- Anualmente, nos EUA, mais de 130 míl pacientes são d iag-
ção de focos sangrantes. Perlman e Kjer, em 2016, verificaram nosticadas com câncer durante o período reprodutivo (até 45
os posslvets danos ao tecido ovariano provocados pela exére- anos), incluindo mats de 12 míl crianças (O a 19 anos) . Com
se, ,,a laparoscópica, de endometriomas e cistos dermoides. o tratamento moderno, abrangente, grande pane das cnan-
Após estudarem 326 pacientes, encontraram tectdo ovariano ças, adolescentes, jO\'ens e adultos diagnosticados com câncer
sadto JUntamente com as peças ctrúrgtcas em 80,3% das cis- sobreviverá, sendo a prese.--ação da capacidade reproduuva
tectomtas por endomelrioma ''ersus 17,2% daquelas obLidas questão mutto importante.
após remoção dos cistos dennoides (p <0,00 !). Dessa ma- Assoetada à tendencia de gravidez mais tardia, a feruhdade
neira, concluíram que a relirada de endometriomas constitui após o tratamento do câncer se tornou questão-chave no que
risco maior para a redução da reserva ovariana das mulheres se refere à qualidade de vida de muitas pacientes e seus pais.
submetidas à cirurgia ovariana. Infelizmente, após as diversas fo rmas e etapas elos tratamen-
tos oncológicos, a fertilidade dos sobreviventes parece estar
Pulsoterapia por doenças autoimunes comprometida, particularmente se agentes e/ou radiação al-
A falencia ovariana prematura (FOP) tem sido frequente-
quilantes forem administrados.
mente relacionada como complicação a longo prazo da pul- A seguir serão abordadas todas as opções de tratamentos
soterapta para doenças autoimunes, pnncipalmente quando a que visam à a presen>açào da ferLilidade em mulheres tanto sob
ctclofosfamtda é empregada. Enquanto o dano celular indu- o ponto de \'tSta social como diante de doença mahgna.
ztdo pela ctlotoxicídade é re,·ersh·el em outros tectdos, como,
por exemplo, na medula óssea, no trato gastromtesunal e no
OPÇOES DE PRESERVAÇÃO DA FERTILIDADE FEMININA
timo, parece ser progressiYO e irre,·ersh·el nos ovários. Em
pactentes com nefrite lúpica, a FOP fot relatada em metade Congelamento de embriões
das mulheres tratadas com pulsoterapia com ciclofosfamida, A criopreservaçào de embriões revolucionou a reprodução
afetando 100% daquelas maiores de 30 anos de idade, cerca assistida no inicio dos anos 1980. Naquela época, essa técnica
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') 192 Seção I Ginecologia

possib ilitOu a transferência dos vários embriões obtidos em Entre suas vantagens, a criopreservação de óvulos possi-
apenas uma estimulação ovariana, o que provocou o aumen- bilita a preservação da fertilidade sem a necessidade de um
to na taxa de gravidez acumulada por ciclo. Posteriormente, parceiro ou de lançar mão de sême n de banco, o que torna
consistiu na primei ra técnica de preservação da fe rtilidade fe- a paciente independente e sem riscos futuros de p roblemas
minina, tendo sido de fendida pela ASRM, até 2005, como a éticos e legais.
única opção viável.
Como estratégia para preservação da fertilidade, ap resenta CRIOPRESERVAÇÃO E TRANSPLANTE OVARIANO
importantes restrições, como: ( 1) somente é aplicável em pa- Há duas técnicas descritas na literatura médica: a de criopre-
cientes que alcançaram a idade reprodutiva; (2) não prese rva servação do córtex ovariano e a de criopreservação do ovário
a função gonadal; (3) necessita de 10 a 14 dias para a estimu- completo. Ambas ainda são consideradas experimentais.
lação ovariana e captação ovocitária; (4) na ausência de par-
ceiro, ob riga a necessidade de se reco rrer ao banco de sêmen e
Criopreservação e transplante de ovário completo
(5) envolve implicações decorrentes da ge ração de embriões,
como armazenamento e impossibilidade de descarte, o que Os primei ros transplantes ovarianos em humanos fo ram
pode vir a ocasionar problemas éticos e legais. realizados o rtotopicamente a fresco, transladando-se o ová-
rio até a cavidade abdominal alta com anaswmose da artéria
Congelamento de óvulos ovariana à artéria epigástrica e drenagem venosa à veia ilíaca
Desde 1986, quando foi relatada a primeira gestação uti- externa, ou heterotopicamente até o antebraço com anasto-
lizando óvulos congelados por método lemo, até o início mose da a rtéria ovariana e da veia braquial. A vantagem dessa
dos anos 2000, a criopreservação ovocitária era uma técni- técnica seria a manutenção do aporte vascular imediato ao
ca conside rada ineficaz. Até 2005, apenas 120 nascimentos enxerto, minimizando, portanto, o tempo de isquemia, fatOr
haviam sido registrados após o descongelamento e a fecun- decisivo para a pe rda de folículos.
dação de óvulos maduros, o que rep resentava uma taxa de Além da complexidade cirúrgica, essa técnica não resolve
1,6 nascime nto por 100 óvulos congelados. A introdução da a conservação da função gonadal após a quimioterapia. A saí-
criopreservação ultrarrápida (vitrificação) representou me- da seria postergar o transplante ovariano até o momento em
lhora importante nos resultados tanto em termos de taxa de que tenha sido comprovada a remissão da doença oncológica,
sob revivência dos óvulos como em taxa de gestação. surgindo a necessidade de criopreservação de tOdo o tecido.
A partir de 2003, com o desenvolvimento do novo método Su rgiram, então, problemas sê rios sob o pomo de vista da
de vitrificação altamente eficiente, denominado Cryotop, que criobiologia, como consegui r a d ifusão dos agentes criopro-
unia a melhora da formação dos crioprotetOres a mínimos vo- tetores por todo o tecido hete rogêneo do ovário (vários tipos
lumes, os resultados passaram a ser robustOs, o que fez o con- celulares que exigem diferentes concentrações de crioprote-
gelamento de óvu los passar a ser largamente utilizado. Os bons tores e tempos d ife rentes de congelamento/descongelamento)
resultados iniciais foram comprovados em estudos posteriores, e evitar a fo rmação de cristais intravascula res. Soma-se a isso
nos quais as taxas de sobrevivência dos óvulos após o descon- o risco de reimroduzir células cance rosas. Desse modo, essa
gelamento foram de 96,7%, as taxas de fertilização, 76,3%, as técnica não se mostrou viável para as pacientes oncológicas,
de implantação, 40,8%, e as de gestação, 65,2%. podendo ter alguma aplicação para manute nção ou restabele-
Atualmente, a criopreservação de óvulos é considerada a cimento da função gonadal em mulheres menopausadas.
técnica de escolha para a preservação da fertilidade em mu-
lhe res que desejam conservar sua capacidade reprodutiva. Criopreservação e transplante de córtex ovariano
Contudo, também apresenta alguns inconvenientes, como: A opção de extração, congelamento e enxerto de córtex
(l) para ser realizada, a paciente necessita esta r em idade re- ovariano é a técnica de transplante ovariano que mais acumu-
produtiva; (2) não mante r a função ovariana; e (3) precisa la experiência na atualidade, havendo relatos de gestações es-
de um tempo aproximado de 2 semanas para estimulação e pontâneas e após a realização da fertilização in vitro (foram
punção ovarianas. descritas mais de 30 gestações). A principal desvantagem
Como necessita de estímulo hormonal, a criopreservação desse proced imento é que cerca de dois terços da dotação
de óvulos deve se r realizada com reserva em pacientes que folicular se perdem após o transplante, e a maior parte dessa
apresentam tumores hormônio-dependentes. Entretanto, é pe rda não se deve ao processo de congelamento/descongela-
possível conseguir uma hiper-resposta folicular com elevação mento, mas à isquemia pós-transplante. Por esse motivo, a
discreta dos níve is do estrogênio com a utilização de medica- quantidade de tecido transplantado e o local onde ocorrem
mentos adjuntos às gonadotrofinas, tais como os inibido res a revascularização e o processo de angiogênese mais rápidos
da aromatase. Nesse sentido, o letrozol tem se mostrado eficaz são fatores determinantes para o sucesso.
como induto r da ovulação, atuando mediante a inib ição do Como opção para a p rese rvação da fertilidade são ap resen-
feedback negativo que exerce o estradiol no eixo hipotálamo- tadas algumas vantagens impo rtantes: (l) pode se r utilizada
-hipofLSário, além de diminuir a conversão de androgênios em c rianças pré-púberes; (2) não precisa de estimulação ova-
em estrogênios pelas células da granulosa, mantendo, dessa riana; (3) pode se r realizada de imediato em caso de urgência,
maneira, níve is próximos aos valores fisiológicos. não havendo necessidade de poste rgar o início de quimiotera-
:\.
r
((

Capítulo 26 Preservação da Fertilidade 193

pia ou radioterapia e, po r fim, ( 4) possibilita a manutenção da mioterapêuticos poderiam ser reduzidos. Trabalhos pioneiros
função gonadal após o transplante. A reintrodução de células evidenciaram efeito benéfico do uso dos análogos do GnRH,
tu morais surge como urna desvantagem. mas apresentavam falhas metodológicas importantes, como a
falta de randomização das pacientes; entretanto, estudos pos-
Obtenção e preservação de óvulos imaturos teriores não comprovaram esse benefício. Recentes revisões
A criop rese rvação de óvulos imaturos apresenta teorica- voltaram a encontrar problemas metOdológicos que impedi-
mente algumas vantagens potenciais em relação aos outros ram a obtenção de conclusões com suficiente evidência cien-
meios de preservação de óvulos: em virtude de seu pequeno tífica. Além d isso, ainda não se sabe ao certo qual mecanismo
tamanho e de seu estado de baixa atividade metabólica, esses fisiológico exato sustentaria o eventual efeito protetOr.
óvulos são mais resistentes ao processo de congelamentO e
representam a maioria dos óvulos encontrados no córtex ova- leitura complementar
Andersen CY, Rosendahl M, Byskow AG et ai. Two successful preg-
riano (70% a 90%). nancies following autotransplantation of frozen/thawed ovarian
Entretanto, a obtenção de folículos primordiais, tanto de te- tissue. Hum Reprod 2008; 23:2266-72.
cido fresco como descongelado, é atualmente um dilema de di- Barron SL. The epidemiology of human pregnancy. Proc R Soe Med
fícil solução. As principais razões para a não obtenção de bons 1968; 6 1( 11 Pari 2):1200-6.
Barton SE, Najita JS, Ginsburg ES et ai. lnfertility, infertility treatment,
resultados com esse procedimento são: (l ) a d ificuldade em
and achievement of pregnancy in female suNivors of childhood
separar o folículo do restO do tecido ovariano sem danificar cancer: a repor! from lhe Childhood Cancer SuNivor Study cohort.
a membrana basal nem o conteúdo imrafolicular, seja po r Lancei Oncol 2013; 14(9):873-81.
métodos enzimáticos ou mecânicos; (2) a d ificuldade em Beck-Fruchter R, Weiss A, Shalev E. GnRH agonist therapy as ova-
consegui r a maturação ovocitária sem afetar sua competência rian protectants in female patients undergoing chemotherapy: a
review of lhe clinicai data. Hum Reprod Update 2008; 26: 1-9.
metabólica; (3) a necessidade de manter um meio adequado Blumenfeld Z, Avivi I, Ecikman A, Epelbaum R, Rowe J, Oann E.
de suporte durante período relativamente longo para que se Gonadotropin-releasing hormone agonist decreases chemothe-
consiga a maturação ovocitária. rapy-induced gonadotroxicity and premature ovarian failure in
As vantagens potenciais de não se r necessãrio estimulação Young female patients with Hodgkin lymphoma. Fertil Steril 2008;
89:166-73.
ovariana prévia, dispor de grande quantidade de possíve is
Blumenfeld Z, Avivi I, Linn S, Epelbaum R, Bem-Sahar M, Haim N.
óvulos e eliminar o risco de reimplante de tecido tumoral, Prevention of irreversible chemotherapt-induced ovarian dama-
quando comparado com o transplante de tecido ovariano, são ge in young women with lynphoma by a gonadotrophin-releasing
bons motivos para a manutenção desses estudos em proveitO hormoneagonist in parallel to chemotherapy. Hum Reprod 1996;
11:620-6.
do aprimoramento da técnica.
Blumenfeld Z, Shapiro O, Shteinberg M, Avivi I, Nahir M. PreseNation
of fertility and ovarian function and minimizing gonadotoxicity in
Transposição ovariana (ooforopexia) young women with systemic lu pus erythematosus treated by che-
motherapy. Lupus 2000; 9(6):401 -5.
Proposta há mais de 50 anos, a ooforopexia consiste no
Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
traslado dos ovários para fora do campo de radiação com a 2010. Disponível em: hllp://Www.ibge.gov.br/home/presidencia/no-
finalidade de aumentar as possibilidades de preservar seu fun- ticias/imprensa/ppts/000000084 73104122012315727483985. pdf.
cionamento. O dano celular está relacionado com a dose da Chen C. Pregnancy after human oocyte cryopreservation. Lancei
radiação. Sabe-se que doses de 25 a 30Gy estão associadas a 1986; 1:884-6.
Chen Y, Pei H, Chang Y. The impact of endometrioma and laparosco-
risco de 22% de infertilidade e doses >35Gy, a cerca de 32% de pic cystectomy on ovarian reseNe and lhe exploration of related
infenilidade. Cabe evidenciar também que devem ser levadas factors assessed by serum anti-Mullerian hormone: a prospective
em consideração a idade e a administração de quimioterapia. cohort study. J Ovarian Res Nov 2014 26; 7:108.
A onopexia tem se mostrado capaz de reduzir a dose de Cabo A, Kuwayama M, Pérez S, Ruiz A, Pellicer A. Comparison of
concomitant outcome achieved with fresh and cryopreseNed da-
radiação sobre os ovários, d iminuindo o dano celular do tra-
nar oocytes vitrified by lhe Cryotop method. Fertil Steril 2008 Jun;
tamento. Suas principais indicações são carcinoma cervical, 89:1657-64. Epub 207 Sep 24.
vaginal e reta!, doença de Hodgkin, disgerminomas e tumo- Donnez J, Dolmans MM, Demylle O, Jadoul P, Pirad C, Squifflet J
res do sistema ne rvoso central. Entretanto, os resultados são et ai. Livebirth after orthotopic transplantation of cryopreseNed
limitados pelas alterações vasculares em razão da ciru rgia e ovarian tissue. Lancei 2004; 364:1405- 10.
Dunson DB, Baird DO, Colombo B. lncreased infertility with age in
da radiação dispersa. A taxa de sucesso é de cerca de 50%. O men and women. Obstei Gynecol 2004; 103(1):5 1-8.
proced imento deve antecede r imediatamente a administração Faddy MJ, Gosden RG, Gougeon A, Richardson SJ, Nelson JF. Acce-
da radioterapia para evita r que se atinjam os ovários, caso lerated disappearance of ovarian follicles in mid-life: implications
voltem à posição original. for forecasting menopause. Hum Reprod 1992; 7(10): 1342-6.
Falcone T, Anaran M, Bedaiwy MA, Goldberg JM. Ovarian function
preseNation in lhe cancer patient. Fertil Steril 2004; 81 :243-57.
Supressão ovariana com análogos do GnRH Gook DA, Osborn SM, Bourne H, Johnston W. Fertilization of human
A supressão ovariana é um tratamento que surgiu há mais oocytes following cryopreseNation: normal karyotipes and ab-
sence of stray chromossomes. Hum Reprod 1994; 9:684-91.
de 20 anos, após a observação de menos dano ao tecido ova- Green DM, Kawashima T, Stovall M et ai. Fertility of female survivors
riano em mulheres pré-púberes. A ideia é a de que, colocando of childhood cancer: a repor! from lhe childhood cancer suNivor
os ovários em estado quiescente, os efeitos deletérios dos qui- study. J Clin Oncol 2009; 27: 2677-85.
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') 194 Seção I Ginecologia

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CAPÍTULO (

Planejamento Familiar
Rívia Mara Lamaita

A saúde reprodutiva é um estado de bem-estar jfsico, A prevenção de gravidez não planejada representa ainda um
mental e social, e nilo apenas a ausencia de doença ou grande desafio tanto em países desenvolvidos como em de-
enfermidade, em todos os aspectos relacionados com o sistema senvolvimento. A gestação não intencional ou a intervalos não
reprodutivo, suas Junções e processos. programados pode aumentar a morbimonalidade mate rno-
-infantil.
INTRODUÇÃO As mulheres gastam mais de três décadas de suas vidas
O conce itO de saúde reprodutiva implica que todos pos- evitando uma poss!vel gravidez não planejada. No entanto,
sam ter uma vida sexual satisfatória e segura e possam decidir nos EUA, mais da metade (51%) de todas as gravidezes são
se desejam ou não ter filhos, quando e com que frequência, consideradas não pretendidas. Mulhe res que fazem uso da
de acordo com o estabelecido pelo Programa de Ação da Con- contracepção co rretamente representam apenas 5% dos casos
ferência Internacional sobre População e Desenvolvimento de gravidez não planejada, enquanto aquelas que usam de
(Cairo, 1994). Esta última condição pressupõe o direito de forma incorreta os métOdos escolhidos apresentam urna taxa
cada indivíduo de ser informado e de te r acesso a métodos de 43%, e as que não adotam métodos de contracepção cor-
de planejamento familiar de sua escolha, que sejam eficazes respondem a 52% dos casos. Nos países em desenvolvimen-
e aceitáve is e, ainda, de pode r usufruir de serviços de saú- to, o parto e o abo no sem segurança decorrentes de gestação
de adequados que possibilitem às mulheres uma gravidez e indesejada são causas importantes de morte e morbidade , e
um parto em segurança. Ab range também o d ireito à saúde no Brasil a taxa de gravidez não intencional é estimada em
sexual, entendida como potenciadora da vida e de relações 54%. Para a maioria dos casais o acesso à contracepção é con-
interpessoais. siderado crítico por motivos sociais, econômicos e de saúde,
Nessa definição, os cuidados em saúde reprodutiva consti- to rnando-os incapazes de planejar a gestação.
tuem um conjunto dive rsificado de serviços, técnicas e méto- O aconselhamento contraceptivo deveria começar antes
dos que contribuem para a saúde e o bem-estar reprodutivos do início da atividade sexual e continuar através dos anos
mediante a prevenção e a resolução de problemas, oferecendo reprodutivos. Embora em declínio, mas ainda apresentando
respostas adequadas às necessidades específicas dos homens taxas preocupantes, na maioria dos países as adolescentes
e das mulheres nessa área ao longo do ciclo de vida. constituem o principal grupo responsável pelas altas taxas de
Os vários elementos que compõem a saúde reprodutiva gestação indesejada, o que promove consequências de saúde
estão estreitamente interligados. A melho ria de um facilita a e socioeconômicas adversas para o próprio adolescente, seus
melhoria dos outros e, de igual modo, a deterioração de um filhos e sua família.
condiciona a deterioração dos outros. Define-se assim a impor-
tância da educação sexual que conduzirá ao controle da ferti-
lidade e à prevenção de doenças sexualmente transmissíveis OBJETIVOS DO PLANEJAMENTO FAMILIAR
(DST). Consequentemente, é possível esperar com essa ação • Promover a vivê ncia da sexualidade de maneira segu ra e
repercussões positivas na sexualidade, na gravidez, na fertilida- saudável.
de, na vigilância pré-concepcional e pré-natal , na segurança no • Controlar a fecund idade segundo o desej o do casal.
parto, na qualidade e na sobrevivência das crianças. • Preparar para a maternidade e paternidade responsãveis.
195
/.

'
'/:
') 196 Seção I Ginecologia

• Reduzir a mortalidade e a morbilidade materna, perinatal Quadro 27.2 Classificação dos critérios de elegibilidade
segundo a OMS
e infantil.
• Reduzir a incidência das DST e suas consequencias, prin- categorias
cipalmente a infenilidade. 1 Sem restrição ao uso do método
• Melhorar a saúde e o bem-estar dos indivíduos e da família. A vantagem de A classificação nessa categoria indica
utilizar o método que, de modo geral. o método pode ser
O contraceptivo ideal seria aquele considerado o mais se- 2 supera os riscos utilizado, mas exige acompanhamento
guro, eficaz, d iscreto, de baixo custo, de longa duração, rever- teórioos ou cuidadoso
sível e sob o controle do usuário. Não deveria estar relacio- comptOvados
nado com o momento da relação sexual e não deveria causar Os riscos teóricos A disponibilização do método a uma
distúrbio nos padrões do sangramento vaginal, além de deve r ou comprovados mulher com situação classificada
superam as nessa categO<ia exige avaliação
conferir proteção contra DST. PortantO, alcançar o ideal re- vantagens de clínica cuidadosa e acesso fácil aos
presenta um grande obstáculo para os méd icos, que devem 3 utilizar o método serviços. Deve ser ponderado o grau
procurar adaptar os métOdos d isponíve is ao perfil de cada de gravidade da situação clfnica. assim
como a possibilidade de utilização e
paciente tanto do pomo de vista pessoal e social, como de a aceitabilidade de outros métodos
seu parceiro. Cabe reconhecer as barreiras à implementação alternativos
segura e eficaz dos métodos selecionados e saber que as ne- 4 Nào deve ser utilizado
cessidades evoluem ao longo da vida reprodutiva, impondo
ajustes em cada fase.
aprovados pela força-tarefa da Organização Mundial da Saúde
ORIENTAÇÕES ESPECÍFICAS SOBRE OS MÉTODOS (OMS). No entanto, outros aspectos não médicos, sociais, de
CONTRACEPTIVOS comportamento e, em particular, as prefe rências individuais
As atividades implementadas na consulta de planejamento de cada paciente devem ser igualmente conside rados na esco-
familiar incluem alguns procedimentos que têm a função de lha do contraceptivo.
garantir maior qualidade na prestação de cuidados tanto na Os critérios são numerados de 1 a 4 e levam em considera-
prática clínica como em saúde pública. Essas ações abrangem, ção, também, o fatO de se tratar de início (I) ou continuação
entre outras, a requisição de exames para rastreamento do (C) do métOdo (Quadro 27.2).
cânce r de colo do útero e de DST e a promoção do aleitamen-
to materno. Embora a conduta ideal seja o encorajamento, Eficácia dos métodos contraceptivos
esses procedimentos não podem ser vistos como pré-requi- Todos os métodos anticoncepcionais têm eficácia típica
sitOS para a utilização de um método contraceptivo, a menos (uso típico), que calcula as taxas de gravidez levando em con-
que, perante determinada história clínica, sejam considerados sideração o uso incorreto ou irregular de cada método, e uma
necessários para enquadrar critérios de elegibilidade para o eficácia pe rfeita (uso ideal), que considera as taxas de gravi-
início ou a continuação de determinado método, como pode dez de acordo com o uso correto e regular do contraceptivo.
ser observado no Quadro 27.1. As taxas de gravidez podem variar muitO entre o uso típico
e o uso perfeito, dependendo das d ificuldades impostas pelo
Critérios médicos de elegibilidade para o uso de método contraceptivo, conforme demonstrado no Quadro
contraceptivos 27.3. Em geral, os métOdos dependentes do usuário são me-
Para a escolha do contraceptivo ideal deve-se recorrer a re- nos eficazes do que os métodos considerados independentes,
comendações práticas para o uso desses métodos, levando em como os contraceptivos reversíveis de longa ação (LARC na
consideração critérios internacionais de elegibilidade clínica sigla em inglês). O uso de dois métodos fornece proteção an-

Quadro 27.1 Exames de rotina e testes necessários antes do uso de métodos anticoncepcionais por mulheres saudáveis

Exames necessári os DIU Implant e Injet ável Contraceptivo hormonaf Pílulas à base apenas de
combinado progestínlcos
Pressão arterial c c c A c
IMC c c c c c
Exame das mamas c c c c c
Exame pélvico• A c c c c
A: essencial e obrigatório; C: oão contribui substancialmente para o uso seguro e eficaz do método; IMC: fndice de massa corporal: OlU: dispositivo inttauterino.
·exame bimanual e com espéculo.Testes laboratoriais: todos os métodos foram classiftcados como categoria C para os seguintes testes: glicose, lipfdios, enzimas hepáticas,
hemogk:>bil\a, presença de mutaçOes trombogênicas, citologia cervical e Virus da imunodeficiêocia humana.
NOfa: o DIU é o único método contraceptivo para o qual a triagem de infecçoes sexuaknente transmisslveis tem algt.Mn beneffcio potencial; uma muther pode necessitar de
testes relacionados com o risco ou a idade. realizados no momento da colocação, se ela não tiver se submetido a testes de refina anteriormente, conforme recomendado pelas
orientações dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças.
Fonte: adaptado de Controle e Prevençao de Doenças: reoomendaçoes de práticas selecionadas dos EUA para uso de contraceptivos, 2013. MMWR Morb Mortal Wkly Rep
2013; 62(5):1-46.
\.
r
( I

Capitulo 27 Planejamento Familiar 197

Quadro 27.3 Percerrual de efcácia e CCI1IirUdade de dderertes O escore maLS uuhzado para esse fim é o fndrce de Pearl, que
aniJCOOCepCoonaos <lxante o ptineiro ano de uso do mélodo (OMS)
é assim calculado:
Porcentagem de
mulheres que
NC de falhas x 12 meses
apresentam gravidez x 100 (mulheres)
não planejada no índice de Pearl • - - -- - -- - - - -
Continuidade
primeiro ano de uso N• tOLa! de meses de exposição
no uso do
Uso Uso método em
M'todo liplco perfeito 1 ano
MÉTODOS CONTRACEPTIVOS
Nenhum método 85 85
Os métodos anticoncepcionais serão apresentados em uma
Espermocoda 28 18 42 abordagem escalonada, sendo descritos inicialmente os maLS
Métodos fundamentados na 24 eficazes, segurdos pelos menos eficientes. Esse conceno é em-
consciência da fertilidade
Método de doas 5 basado na ferramenta de comunicação de eficácia dos méto-
padronozados dos contracepu,•os sugerida pela OMS.
Método de 2 d1as 4
Método da ovulação 3 Primeira linha- Altamente efetivos (<1 gravidez em
Método da temperatura 0,4 1 ano): DIU , implantes e esterilização feminina
corporal basal e
mucocervical Os métodos de primeira linha incluem todos os l.J\RC, são
Coito interrompido 22 4 43 usados a longo prazo e praticamente eliminam a interferen-
Esponja
cia do usuário após sua inserção. Apresentam alta elicácia e
Mulheres mulllparas 24 20 46 são imed iatamente reverslveis com rápido retomo à fertilida-
Mulheres nullparas 12 9 57 de após a remoção. Há poucas comraind icações médicas aos
Preservativo l.J\RC, e esses métodos não exigem visitas frequentes para rea-
Femmono 21 5 49 bastecimento e não t~m custo muito alto após a colocação (em-
Masculino 18 2 53
bora os custos iniciais possam ser elevados). Quando utihzados
Doalragma 12 6 57 no perlodo pós-parto e pós-abono, os LARC e a esterihzação
1'1\Jfas combinadas ou 9 0.3 68 permanente reduzem o nsco de um internlo menor entre as
somente à base de
progesllnicos
gravidezes quando comparados com outros métodos. Tudo
isso contribuí para o alto grau de satisfação e a conunuida-
Adesovo 9 0.3 68
de de uso desses contraceptivos, tornando recomendável seu
Anel vag•nal 9 0.3 68 uso como a primeira opção para muitas mulheres.
Injetável trimestral 6 0,2 56 Os l.J\RC atualmente disponíveis são o implante subdér-
Disposilivos inlrauterinos mico de etonogestrel, o DIU de cobre T380A e o sistema in-
T cobre 380A 0,8 0.6 78 trauterino liberador de levonorgestrel (SIU-LNG).
Sistema ontrauterino 0,2 0,2 80
loberador de LNG
(~g/24h) Dispositivo intrauterino (0/U)
Implante subcutâneo 0.05 0.05 84 O DIU é um método seguro e muito eficaz de controle da
Estenlozaçao femnona 0,5 0 .5 100 natalidade com taxas de falha similares para o uso tlp1co e
Eslet'oiJZaçao masculina 0.15 O. tO 100 perfeito. Trata-se do método de contracepção reverslvel maLS
comumente uuhzado em todo o mundo e consiste em um
LNG leiiOOOfgestrat
Font<r aclaptado do Trussell J . Contraceprive efficacy In Harcher RA. Trussell J. objeto sólido, de formato variável, que é inserido através do
Nelson ALar ai. (eds.) Contraceprive lechnology. 201h rev ed New YO<k. Ardenr
Medoa, 2012.
colo uterino na cavidade merina com o objetivo de evnar a
gestação.
Os dispositivos disponlveis podem ser classificados como
medicados e não medicados. Ainda presente em alguns palses,
o dispositivo de políetíleno impregnado com sulfato de bário,
chamado de alça de Lipps, é o exemplo mais comum dos dis-
Liconcepcional adicionaL Ao se combinar um método hormo- positivos não medrcados. Entre os medicados encontram-se o
nal com preservativo, é possível reduzir as DST. OutraS tec- DIU de cobre e o DIU hormonal. O Quadro 27.4 mostra as
nologtas estão em desem·olvimento para concihar a proteção caracterlsucas dos dLSposmvos intrauterinos e.XJstentes.
contra uma gravidez indesejada com a redução do risco de
certas mfecções sexualmente transmrssh·elS, panrcularmente DIU de cobre
a provocada pelo HIV O DIU T380A é o dispositivo de cobre mais eficaz em rela-
Outra maneira de se avaliar a eficácia de um método con- ç.ão aos outros tipos, como Multiload 375 (MLCu375), Mul-
traceptivo é expressa pela taxa de falhas próprias do método tiload 250 (MLCu250), Cobre T220 (TCu220) e Cobre T200
em um perlodo de tempo, geralmente no decorrer de 1 ano. (TCu200). Entretanto, são pequenas as diferenças em núme-
/.

'
'%
_/( 198 Seção I Ginecologia

Quadro 27.4 Características dos dispositivos intrautennos (DIU) de levonorgestrel por dta e mantém sua eficácia contracepU\'ll
existentes
por, no mlmmo, 5 anos. Os nh·eis plasmáticos máx1mos de
DIUTCu380 SIU-LNG levonorgestrel são alcançados em poucas horas e se estabth-
Duração de ação 10anos 5anos zam entre l 00 e 200pglml , sendo considerados mais baixos
Mecanismo de Espermicida Espessamento do muco do que os observados com implantes ou contraceptivos orais.
açao funcional cervical e bloqueio da Esse d ispositivo é chamado de sistema intrauterino liberador
entrada e ascensão dos de levonorgestrel (SIU-LNG).
espermalozoides
Os dados de grandes estudos internacionais confirmam as
Impacto no Aumento da Diminuição da perda
sangramento duração e do sanguínea com tendência baixas taxas de gravidez com o SIU-LNG, as quais variam en-
ulerono fluxo a amenorreoa tre 0,1 e 0,3 por 100 mulheres/ano.
lndíeaÇêO nao Mélodonào Tratamento da perda O mecanismo de ação consiste no efeito primário da pro-
contraceptrva hormonaf exceSSIVa de sangue geslina do SIU-L"'G, que espessa o muco cerncal. Isso impe-
menstrual. dosmeno<reoa de a penetração dos espermatozoides e sua ascensão ao trato
genital supenor. Além diSSO, o SIU-LNG diminui a motthdade
tubária e produz um endométrio fino e inativo por inibtção
ros absolutos referentes às taxas de gravtdez entre o TCu380A
de sua atividade mitóttca e proliferativa. Os nlveis baixos de
e o MLCu375.
esteroides circulantes às vezes podem também inibir a ovula-
Os números no nome do dispositivo se referem à á rea
ção, um evento não muito comum, apesar de manter a pro-
de supe rflcie, e m milrmetros quadrados, do cobre exposLO
dução estrogê nica, o que possibilita boa lubrificação vaginal.
na superflcie endometrial. O TCu380 Sliml ine (TCu380S)
A maioria das usuárias conLinua a ovular, mesmo estando em
contém cobre nas bordas dos braços laterais, diferentemen-
amenorreia. Apesar da supressão endometrial, a fertilidade
te do TCu380A, no qual o cobre está no meio dos braços.
retorna rapidamente após a remoção do dispositivo.
Essa moddicação, no entanto, não melhorou a eficácta do
dispoSitivo.
Inserção
O DIU de cobre apresenta eficácia de O, I a 2 gravtdezes em
I 00 mulheres por ano. A taxa de gra,'idez cumulam·a após O DIU pode ser msendo com segurança em qualquer uma
12 anos de uso do DIU de cobre T 380A é de apenas 1,7%. das seguintes Situações: (l) em qualquer dia do ctclo, desde
As taxas de falha associadas ao DIU são comparáveis às da que a mulher não esteja grávtda; (2) imediatamente após um
estenlização Cirúrgica. quadro de abortamento; (3) imediatamente no pós-parto \'ll-
Em virtude da constante dissolução do cobre (que represen- ginal ou por cesanana (dentro de 10 a 15 minutos depois da
ta diariamente menos do que a quantidade ingerida em uma dequitação da placenta).
dieta comum), os DIU de cobre exigem substituição periódica. A inserção imediata pós-parto acarreta risco maio r de expul-
O DIU T380A está atualmente aprovado para uso durante 10 são do DTU, particu larmente no caso do STU-LNG após parto
anos e mantém sua eficácia por, no mlnimo, 12 anos. Caso se vaginal, sendo descritas taxas de expulsão em torno de 24%.
deseje continuar com o método, pode-se remover o dispositivo Outro ponto a destacar se refere à dor causada pela in-
e inserir outro durante a mesma visita ao serviço de saúde. serção do DIU. Na maior pane dos casos, a inserção é fácil e
O mecamsmo de ação baseia-se na indução de uma res- alcançada na primetra tentam·a. A preparação cervtcal com
posta mflamatória local do endométrio, criando um ambtente misoprostol não aumenta as taxas de sucesso da inserção, mas
hosul ao esperma para que a fenilização do óvulo não acome- aumenta a sensação dolorosa. O ibuprofeno, admmLStrado
ça. O cobre aumenta acentuadamente a extensão dessa reação ames da inserção, não reduz a dor durante o procedimento,
inflamatória, atingindo toda a cavidade uterina, penetrando mas pode ser úul em dimmuir as cólicas que ocorrem Imedia-
no colo e, prova,·elmente, nas tubas. Isso afeta a função e a tamente após a inserção.
viabilidade dos gametas, impedindo a fertilização e diminuin- Vários ensaios mostraram que a anestesia tópica não dimi-
d o as chances de desenvolvimento de qualquer zigoto que nui a dor, embora um bloqueio paracervical possibilite maior
possa ser formado. Além d isso, o cob re impede o transporte conforto para a analgesia. Esse tipo de bloqueio pode ser usa-
de espe rma e sua viabilidade no muco cervical, dim inuindo a do para dilatar colos estreitos que dificultam a passagem do
chance de ascensão dos espermatozoides até as tubas uterinas dispositivo com sucesso. O mais importante é o treinamento
e de fertilização do óvulo. O pequeno número de fertilizações na técnica correta de mserção. Inserções difíceis devem ser en-
explica a taxa de insucesso desses dispOSitivos. Os lons de caminhadas ou acompanhadas por clínicos mais expenentes.
cobre também tfm efeito direto na moulidade espermática, A prática padráo inclu1 a limpeza do colo do útero e a es-
reduzmdo a capacidade de penetração no muco cen~cal. A terilização dos Instrumentos que serão utilizados antes e du-
ovulação não é afetada em usuárias do DIU de cobre. rante a inserção de um DIU.

OIU hormonal Efeitos adversos


O DIU hormonal é um dispositivo e m formato de T com As pacientes devem se r aconselhadas com relação aos
um reservatório de 52mg de levonorgestrel, que fornece 2011g efeitos colaterais potenciais associados ao DIU d e escolha,
r
((

Capítulo 27 Planejamento Familiar 199

panicularmente quanto às alterações no ciclo menstrual. As co de 30% de abonamento, a taxa de complicação se asse-
pacientes também devem ser lembradas de que o DIU não melha à de uma gravidez sem DIU. Não há evidências de
protege contra DST nem contra o HIV, devendo ser associado aumento de malformações congemtas quando é necessário
o uso do preservativo para esse fim. manter o DIU mtraútero, mas o risco de pano prematuro é
quatro vezes maior nessa situação.
• Sangramento u teri no: a ma1oria das mulheres que des-
• Infecção: todas as mulheres que sohcnem um DIU de,·em
conunuam o uso do DIU de cobre o faz em vinude da
ser aconselhadas sobre o pequeno aumento no risco de
presença de um fluxo menstrual aumentado, maior do que
doença inflamatória péh'lca (DIP) nos pnme1ros 20 dias
o usual, ou em razão do aparecimento de sangramento
após a inserção. Após as 3 semanas m1ciats, o nsco perma-
intermenstrual. O aumento do sangramemo acontece por
nece baixo e constante durante pelo menos 8 anos, com
uma reação local causada pelo corpo estranho na cavidade
taxaS de 0,5 caso por 1.000 mulheres ao ano. As pacientes
endometnal, hberando prostaglandinas. A estimulação das
que desejam colocar o DIU devem ser rastreadas para o ris-
contrações utennas por prostaglandinas pode prolongar a
co de DST ames do procedimento por meio de anamnese e
menstruação, que passa a durar mais 1 dia nas usuárias
exame f!sico. No entanto, não é necessáno adiar a coloca-
desse tipo de dispositivo. O TCu380A está associado a au-
ção até que os exames sejam avaliados. Não há evidências
mento de cerca de 50% na perda de sangue menstrual.
suficientes para apoiar o rastreio de rotina para vaginose
Entretanto, a maioria das mulheres que usam DIU de co-
bacteriana em mulheres assintomáticas. O uso habitual de
bre apresentam um nuxo levemente aumentado a não al-
terado. Esse padrão ele sangramemo raramente leva à ane- antibiótico profilático antes da inserção do DLU também
não é recomendado, embora possa se r realizado em situa-
mia. O uso ele anti-innamatórios não este roides ou ácido
tranexãmico pode ajuda r a controlar a perda excessiva do ções de alto risco.
sangue menstrual. No tratamento da DIP leve a moderada não é necessária
Em contraste, há redução de 60% da perda menstrual a remoção do DI U durante o tratamento, a não ser que a
durante o uso do SIU-LNG, a qual é observada 3 meses paciente solicite sua remoção ou não ocorra melhora clín i-
após a inserção e persiste durante o uso do dispositivo. ca após 72 horas de ant ibioticoterapia apropriada. Nos ca-
Após 24 meses de uso. 50% das usuánas se encontram em sos de doença grave, a remoção do DIU pode ser realizada
amenorreia e 25% em oligomenorreia. O SIU-LNG é útil após o início do tratamento com antibiótico.
na prevenção e no tratamento da deficiência de ferro e da Até 20% dos esfregaços cervica1s em usuárias de DIU
anemia. de cobre em longo prazo mostram ev1denc1a de exposição
A hemorragia excessiva nos prime1ros meses após a in- ao Actinomyccs. De modo geral, a remoção do disposiú,·o
serção do DIU de,·e ser tratada com orientações à paciente em mulheres com Actinomyets em seu esfregaço não é ne-
e a admm1stração de ferro por na oral. O sangramento cessária, pois se trata de um orgamsmo \'agmal comensal,
geralmente d1mmu1 com o tempo. à med1da que o útero se que deve ser tratado apenas quando assoc1ado a processo
ajusta à presença do corpo estranho. infeccioso.
• Perfuração uterina: trata-se de um e'·ento raro, que Ponamo, não há ev1dencta de que a contracepção in-
acontece em I: 1.000 inserções, porém potencialmente trauterina aumente o risco de inferuhdade subsequeme.
grave. Costuma ocorrer no iniciO da inserção e na porção Os métodos intrautennos são cons1derados adequados e
fúndica do útero. Um DIU corretamente inserido não é seguros para mulheres nu li paras e adolescentes.
capaz de migrar pela musculatura uterina e atingir a ca-
vidade pe ritoneal. A prevenção está diretamente relacio- Indicações
nada com a experiencia do profissional, o endireitamento • Nullparas e adolescentes que não são capazes de utilizar
do eixo uterino mediante apreensão d o lábio anterior do outro tipo de contracepção ou não possam fazê-lo.
colo e tração utilizando a pi nça de Pozzi e a medida do • Mulheres que tiveram filhos e desejam uma contracepção
d iâmetro longitud inal el a cavidade uteri na com o histe- muitO eficaz.
rõmetro previamente à inserção. Se o dispositivo não for • Mulheres que necessitam de um métod o seguro e nas quais
visualizado à ultrassonografia, deve ser realizada uma ra- a contracepção hormonal está contraindicada.
d iografia para visualização ele toda a pelve e do abdome. • Mulheres que se esquecem com frequência d e tomar a
O DIU encontrado fora do útero pode ser removido por pílula.
laparoscopia. • Tabagistas com mais de 35 anos de idade.
• Gravidez: uma gravidez com DIU bem localizado é in- • Mulheres que desejam uma contracepção eficaz e uma me-
comum. Caso ocorra, a possibilidade de gestação ectópi- nopausa fisiológica.
ca deve ser exclulda por meio de ultrassom transvaginal. • Durante o penodo de amamentação e 1medtatamente após
Quando ocorre uma gravtdez e o DIU não é retirado, a o pano ou após abono, quando necessáno.
incidência de abono pode chegar a ser três vezes maior do • O DIU medicado com levonorgestrel está ind1cado para as
que em gestações sem o disposiu,·o. Urna ,·ez remo,·ido, mulheres que deseJam DIU e tem fluxo menstrual abun-
apesar de se tratar de um procedimento que apresenta ris- dante e dismenorreia.
200 Seção l Ginecologia

Contraindicações de acordo com os critérios de dor pélv1ca. Alguns estudos sugerem que o SIU-LNG reduz
elegibilidade o sangramento e a dor em mulheres com essa conc!Jção.
• Endometriose: os resultados de pequenos estudos pros-
Categoria 4
pectivos utilizando o SIU-LNG como tratamento para dor
• Gravtdez.
pélvica e dismenorreia associada à endometriose são en-
• Após sepse puerperal ou após aborto séptico. corajadores, porém não conclusivos quanto à maneira de
• DIP ativa ou episód ios recorrentes.
integrá-lo nos protocolos de tratamento clinico da doença.
• Qualquer hemorragia uterina anormal cujo diagnóstico
não foi estabelecido. Implantes
• Suspeita de neoplasia do colo ou endométrio. Os implantes subdérmicos estão entre os métodos mais
• Doença trofobláslica gestacional mahgna. eficazes de contracepção dtsponíveis, apresentando a mesma
• Anomalias e dtstorções da ca,idade uterina. ou mais eficácta do que a esterilização cirúrgica e o DIU.
• Pactentes em uso de medicação imunossupressora. Consistem em uma haste fina de silicone contendo hormômo
• Alerg1a ao cobre (rara) e doença de Wilson (para DIU com progest!nico e que poss1bilna a liberação de quanudade qua-
cobre). se constante de estero1des durante vários anos. Isso se torna
• Para o DIU com levonorgestrel: câncer de mama. possh·el desde que o progestogênio seja solúvel em sthcone
polimerizado e atinja uma concentração na parede da cápsula
Categoria 3 que depende dessa solubilidade e não da quantidade rema-
• Menorragia: o DIU pode aumentar a quantidade de sangue nescente em seu interior. Apesar de o volume do esteroide
perd ido na menstruação (à exceção elo Mirena). diminuir ao longo elo tempo, a quantidade eliminada por dia
• Anemia crôn ica, incluindo talassemia e drepanocitose. se mantém quase constante. Na prática, verificou-se que após
• Um único episódio de DIP (ponderando o risco de rein- o primeiro ano de colocação é formada uma outra cápsula de
fecção). tecido fibroso em torno elo implante de silicone, e a quanti-
• Infecções cervicovaginais: tratar antes da inserção. dade liberada nos primetros meses é superior à observada a
• F1bromas utennos não são contraind1cação, desde que não partir do segundo ano de uso.
deformem a cavtdade e não provoquem hemorrag1a. O único 1mplante dlSpon!vel para mulheres no Brasil é o
• Mulheres tratadas com anticoagulantes. implante com haste úmca de 3-ceto-desogestrel (etonoges-
• Medicação habitual com corlicoides sistêmicos. trel), registrado como lmplanon'" (Organon lntemational BV,
Para o DlU com levonorgestrel: Holanda), contendo aproximadamente 68mg de etonoges-
trel A taxa de liberação estimada é de 196pglmL após 1 ano
• Tromboembolismo venoso em curso. de uso, caindo para 156pglmL após 3 anos, mesmo assim
• Doença carcliovascular. continuando a inibir a fu nção ovulatória e alterando o muco
• Cefaleia tipo enxaqueca com "aura". cervical pelo per!odo ele 3 anos, causando mais amenorreia
• Doença hepática crônica ou em fase ativa e tumor hepático. e menor número de dias de sangramento do que os outros
• Câncer de mama há mais de 5 anos sem evidencia de implantes existentes no mercado.
doença.
Inserção e remoção
Uso não contraceptivo do SIU-LNG A inserção e remoção são realizadas em regime ambula-
• Sangramcnto uterino anormal (SUA): estudos compa- torial em um procedtmento fácil e rápido. Após a mfiltração
rau,·os entre usuárias de SIU-LNG e de outras técmcas ci- da pele com anestesta local, o implante é inserido superfictal-
rúrgtcas de ablação endometrial para tratamento do SUA mente no teCido subcutâneo do antebraço não dommante,
estabelecem que o DIU hormonal apresenta a mesma ou em sua face mterna, 6 a Sem acima do cotovelo, no sentido
mais eficácia e é uma alternativa aceitável à histerectomia venical, usando um aplicador estéril descanável Cada im-
para mu itas mulheres, promovendo melhora na qualidade plante vem de fábrica já colocado na agulha d o aplicador, o
de vida. que minim iza sua manipulação ames da inserção. É essencial
• Dis túrbios menstruais causados por leiomiomas: SIU- que o médico tenha treinamento apropriado para minimizar
-LNG é eficaz no controle desse tipo de sangramento as complicações, sendo ainda fundamental verificar a posição
anormal e excessivo, exceto na presença de mtomas sub- do implante após sua inserção mediante palpação do bastão
mucosos. Em virtude da distorção da ca'~dade uterina, no s!úo inserido. O local da aplicação é fechado com curauvo
aumentam as taxas de expulsão do d1sposlllvo e baixa re- oclusivo, sem necessidade de sutura. Ames da remoção, o cli-
soluuvldade do quadro. Cabe considerar que a eficácia do nico prec1sa palpar o Implante. Sob conc!Jções estéreiS, é feita
SIU-LNG nessas condições provaYelmente depende do nú- uma incisão de 2 a 3mm verttcalmeme sobre o implante. A
mero, do tamanho e da localização dos mtomas no útero. haste é então remo~da, pressionando-a para que sua borda
• Control e dos sintomas da adenomiose: a adenomiose seja e rguida e facihte o procedimento.
utenna também é uma condição benigna que pode estar Quando o implante é inserido em qualquer área do tecido
comumente associada a sangramento menstrual intenso e subcutãneo, o esteroide se d ifunde pela circulação a uma taxa
r
((

Capítulo 27 Planejamento Familiar 201 )

relativamente constante. O tmplante deve ser removido ao fi- 66%) por l a 2 meses, mas que permanecem funcionantes,
nal de sua duração (3 anos por recomendação do fabricante) em média, por 2l dtas.
através de uma pequena mcisão de 2mm, que também pode Os efeitos endometriats esperados do ENG resultam de
ser realizada ambulatonalmente. A inserção superficial facilita uma ação direta do progestogêmo sobre os sltios-alvo pro-
maiS a remoção, ao passo que os profundamente implantados gestacionais do endométno. Essas ações se caractenzam pelo
são maiS dtflcets de remover. potencial do progestogemo em mudar as funções angtogeni-
O tmplante pode ser msendo em qualquer dia durante o cas endometriats com renexo sobre a vasculatura endometrial
ciclo de uma mulher, desde que ela não esteJa grávida, com e alterações nas ações dos receptores esterotdes e dos proto-
base nas recomendações de "mlcio ráptdo" (Quick Start) des- -oncogenes, determtnando mod1ficações sobre a htstologia e
critas nas dtretnzes para uso de contracepuvos orais. As con- densidade endometrial com tmportante reflexo sobre a dis-
centrações séncas máxtmas de etonogestrel são normalmente menorreia e o padrão menstrual da pactente.
observadas 4 dtas após a inserção do implante. Quanto ao muco cervical, o efeito progestogenico do im-
No Quadro 27.5 são fornectdas algumas orientações sobre plante também exerce uma ação contraceptiva ao bloquear o
o momento ideal para mserção de acordo com o uso prévio de transporte espermáuco através do colo uterino.
outros métodos contraceptivos e com a conveniência clínica. O indice cumulativo de Pearl (número de gestações por
Após a remoção, os nlveis séricos são indetectáveis por 100 mulheres/ano) foi de 0 ,38 (no primeiro e no segundo
l semana na maioria das usuárias com retorno da ovulação ano, os índices de Pearl foram de 0,27 e 0.30, respectiva-
dentro de 6 semanas após a retirada do implante. mente). Após a remoção do implante, a ovulação normal e a
fenilidade retornam rapidamente.
Mecanismo de ação e eficácia Mulheres com lndice de massa corporal (lMC) ~Okglm'
A ação contraceptiva do implante de ENG reside princi- podem utilizar com segurança o impla11te de ENG. Das mu-
palmente na inibição da ovulação, embora também possa lheres que escolheram o implante no estudo CHOlCE, 28% ti-
ocorrer o espessamento do muco cervical. Pode estar presen- nham sobrepeso e 35% eram obesas. A taxa de falha cumulati-
te disfunção ovulatória, incluindo anovulação com ou sem va em 3 anos foi inferior a l% e idêntica à das usuárias de DIU.
luteinização do folrculo não rompido e ovulação com defeito
da fase lútea. Vários estudos demonstram, em alguns ciclos, Efeitos colaterais
vários graus de desem·olvimento fohcular que levam à pro-
Os implantes de ENG estão associados a mudanças im-
dução de estrogemos em níveis normais ou acima do normal.
previs!veis no padrão de sangramento, à semelhança do que
Acredita-se que, por não causar hipoestrogenismo, a densida-
acontece com usuárias de outros métodos à base apenas de
de nuneral óssea se mantenha normal ou até aumentada. Da-
progestogenios, e mcluem amenorreia (22 %), sangramen-
dos obtidos com avahações uhrassonográficas confirmaram a
to infrequente (34%), sangramento frequente (7%) e san-
frequenc1a relauvamente alta de folrculos persistentes (45% a
gramento frequente e prolongado (18%). As mulheres que
apresentam padrões de sangramento favorá,•ets durante os
Quadro 27.5 Aspectos obseNados pata inserçllo do implante de
etonogestrel (ENG)
primeiros 3 meses tendem a conunuar com esse padrão ao
longo dos primetros 2 anos de uso, enquanto o grupo que
1) Mulheres que nêo se O Implante de ENG deve ser inserido exibe padrões intctais desfa,·oráve•s apresenta 50% de chan-
encontram em uso de preferencialmente dentro de 5 dias a
hormOmos partir do 1nfcio da menstruação ce de melhora com o tempo. Apenas 11 ,3% das pacientes
2) Mulheres em uso de O implante deve ser inserido dentro de
descontinuaram o uso em razão de irregularidades do san-
contraceptiVO oral 7 d1as após a última pflula ativa gramento, principalmente por causa do nuxo prolongado e
combinado sangramento irregular frequente .
3) Mulheres em uso de A inserçao do implante deverá ser As recomendações do CDC (Centers for Disease Comrol
outro método com realizada a qualquer momento and Prevention) para tentar encurtar um episódio de sangra-
progestogênio isolado quando da remoçtl.O da pfluta de
progestogénio isolado (minipflula), do menta são:
OlU medicado com ptogestogênio
ou de um implante de progestogênio
• Anti-innamatórios não esteroides (A INE) por 5 a 7 dias.
utilizado anteriormente. Nos casos de • Contraceptivos orais combinados (COC) de baixa dose ou
uso de contraceptivos injetáveis com estrogênio por l Oa 20 dias.
progestogénios isolados, o implante
deve ser inserido na data prevista para Esses tratamentos oferecem alivio temporário, mas não al-
a próxima injeçao
teram os padrões de sangramento a longo prazo.
4) Pós-aborto Os efeitos secundários relatados com o implante de ENG
Aborto de prime~ro 5 d1as após o abOno
1/lmestre incluem dor de cabeça (8,5% a 15,5%), ganho de peso (6,4%
Aborto de segundo 6 semanas após o aborto a 12,0%), acne {11,4% a 15,3%), dor nas mamas (9,1% a
1/lmestre 10,2%), alterações do humor (2,5% a 5,8%) e dor abdominal
5) Mulheres no pós-pano O mplante deverá ser inserido dentro de (4,3% a 5,2%). Ganho de peso de 1.9kg ao longo de 2 anos
6 semanas após o parto foi encontrado em usuánas de 1mplantes de ENG.
/"
)/:
I 202 Seção I Ginecologia

As principais razões para a desconunuação do método são • O procedimento é considerado pemlanente e, provavel-
irregularidade menstrual, acne e ganho de peso. O adequado mente, irreverslvel.
aconselhamento pré-mserção sobre os posslveis efeitos inde- • Antes da intervenção, pode-se mudar de tdeta em qualquer
sejáveis é essencial para melhorar a taxa de adesão ao uso do momento, mesmo depoiS do consenttmento assinado.
implante subdérmtco.
O Ministério da Saúde, por meto da let 9 .263, de 12 de ja-
Benefícios não contraceptivos neiro de 1996, e da Resolução 928, de 19 de agosto de 1997,
dispõe que a esterilização ctrúrgtca voluntària medtante la-
A dor assoctada à endometnose sofre redução com o uso
do implante de ENG. Um pequeno estudo randomizado e queadura tubária ou \'llSCCtomia será perrmuda nas segUtmes
situações: homens e mulheres com capactdade ctvtl plena e
controlado demonstrou dimtnutçào da dor em mulheres com
com mais de 25 anos de idade ou, pelo menos, dotS filhos
síndrome de congestão pélvica. Entre as mulheres com dis-
menorreia basal, 77% relatam resolução completa do quadro vivos, e mulheres com risco à sua própna \'ida ou saúde ou
à do futuro concepto, testemunhado em relatório escnto por
em vinude da supressão da ovulação.
dois médicos. Deverá ser observado o prazo mlnimo de 60
Em geral, o número médto de dias de sangramento/spotting
d ias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico e, no
é menor do que o relatado em ciclos menstruais normais, o
caso de uniões estàveis, ambos os cOnjuges deverão estar em
que poderia justificar o aumento nos nlveis de hemoglobina
acordo com o método escolhido.
entre as usuárias de implantes.
A lei veta também a esterilização após o parto ou abono,
Contraíndícações excetO em circunstâncias especiais avaliadas pelo médico e
de comp rovada necessidade e por cesarianas sucessivas an-
São poucas as contraind icações relacionadas com o uso de
teriores com anuência livre e informada da(o) paciente. A
implantes de progestogenio. As seguintes recomendações são re-
esterilização ci rúrgica como método contraceptivo somente
latadas pelo CDC e pela Organizaç-Jo Mundial da Saúde (OMS):
será executada por meio de laqueadura tubária, vasectomía
Categoria 4 para iniciaç5o de ENG
ou outro método cienlificamente aceito, sendo vedada por
meio de histerectomia e ooforectomia.
• Câncer de mama atual.

Categoria 3 para iniciaç5o de ENG Técnicas mais comumente utilizadas


• Histórico anterior de câncer de mama e ausencia de doen- • Abordagem cirúrgica abdominal: por nurulaparotomta,
ça por mats de 5 anos. em·oh·e ligadura e remoção de uma porção da tuba uterina
• Cirrose grave (descompensada). pela técnica de Pomeroy, conforme tlustrado na Ftgura 27.1.
• Adenoma hepatocelular. • laparoscopia: embora as técmcas eletrocirúrgicas um-
• Tumor hepáttco mahgno. polares fossem populares nos pnmórchos da estenhzação
• Sangramento vagmal mexphcado. laparoscópica, esse método fot abandonado em razão do
risco aumentado de comphcac;ões. As técmcas matS atuaiS
Em slntese. a contracepção reverslvel de longa duração por incluem a cautenzação bipolar, o Filshte cltp e o anel de
meio de implante garante à usuána segurança com altas taxas Falópio (banda de Silastic) colocado em tomo de uma alça
de satisfação e continUidade de uso, sendo apropriada para a da tuba uterina.
maioria das mulheres, incluindo as adolescentes.

Esterilização cirúrgica
A laqueadura tubária e a vasectomia são métodos contra-
ceptivos indicados para mulheres e homens que não mais
desejam ter filhos. Considerada um método altamente con-
fiável, a este rilização cirúrgica apresenta o mesmo nlvel de
e fetividade dos métodos lARC.
Quando uma paciente considera a possibilidade de se sub-
mete r a um processo de esterilização voluntário, deve receber
orientações cu idadosas e assinar o termo de consentimento
livre e esclarecido para reforçar a segurança de sua decisão e
evitar um eventual arrependimento posterior.
A paciente deverá compreender que:
• Estão disponlveis outros métodos de contracepção eficazes
e re,·erslveis.
• A esterilização é um método Ctrúrgtco.
Figura 27.1 Técmca de estenlização c•rúrgoca fermmna à Pomeroy
• Se for bem-sucedida, a mtervenção trá evnar uma gra\'idez (modificada). (Reproduztda de Sctarra JJ. Zatuchnt Gl , Daly MJ. Gy-
não planeJada. necology and obstettics. Vol 6. Pttiladefphlél. Harper & Row. 1984.)
r
((

Capítulo 27 Planejamento Familiar 203

• Histeros copia: consiste na introdução de um d ispositivo • Risco de h isterectomia: o risco depende da idade da pa-
semelhante a uma mola, conhecido como Essure, na po r- ciente no momento da intervenção; assim, as mulheres que
ção proximal de cada tuba uterina, promovendo, com o foram submetidas à laqueadura entre os 20 e os 29 anos
passar do tempo, a oclusão tubária permanente median- têm maior chance de uma futura histerecwmia, porém não
te a proliferação fib rosa do tecido tubário. Outro método há explicação b iológica para tal afi rmação.
de controle de natalidade deve se r usado para prevenir a • Morbimortalidade: a morbidade é indicada pelas taxas de
gravidez até a confi rmação da obstrução total. Uma histe- readmissão hospitalar após o procedimento, aumentO nos
rossalpingografta é realizada 3 meses após a inserção para dias de internação e realização de laparotOmia secundária a
documentar a eficácia do método. Apresenta como des- laparoscopia prévia. As complicações associadas ao proce-
vantagens o alto custo e a complexidade do histeroscópio dimento são sepse, hemorragia, infarto agudo do miocár-
para inse rção. dio, embolia pulmonar e complicações anestésicas (hipo-
• Esterilização transce rvical med iante a aplicação intrauteri- ventilação principalmente), sendo esta última a principal
na de agentes químicos, como quinacrina, tampões sintéti- causa de morte. As pacientes com comorbidade associada
cos ou adesivos, que provocam a esterilização permanente no momentO do procedimento têm mais chances de apre-
ao produzir cicatrizes que bloqueiam as tubas uterinas. No sentar complicações.
entanto, a segurança desses métodos de esterilização ainda
é questionada. Segunda linha - Muito eficaz (6 a 12 gestações por
1DO mulheres em 1 ano): injetáveis, comprimidos,
índice de falha adesivos e anéis
As taxas de falha dependem da técnica cirú rgica, do tempo Apesar de as estimativas para as taxas de falha no uso típico
de cirurgia e da idade da paciente. O índice de falha da la- entre as injeções e os outros membros desse grupo apresenta-
queadura gira em tOrno de 2% em lO anos. rem uma pequena diferença, o estudo CHOICE mostrou que
Um grande estudo prospectivo, multicêntrico, observacio- as taxas de falha do primeiro ano para pílulas, adesivos e anéis
nal de mais de lO mil mulheres submetidas à esterilização tran- foram aproximadamente 20 vezes maiores do que com DIU
sabdominal e que abrangeu 14 anos de seguimento, o CREST ou implante, muitaS vezes em razão de seu uso inadequado.
(Revisão Colabo rativa sobre Esterilização nos EUA) mostrou No entanto, os métodos de segunda linha permanecem como
que em lO anos a taxa de falha cumulativa é de 18,5 em os mais populares no mundo, tanto por motivos históricos
1.000 pacientes. como pelos benefícios não contraceptivos que ofe recem.
A laqueadura ci rúrgica é considerada mais eficaz do que
o procedimento realizado por colocação de anéis ou clipes. Suspensões injetáveis
Complicações Dois tipos de injetáveis se encontram disponíveis no mer-
cado: um apenas com progeswgênio de depósito, o acetato de
• Gravidez ectópica: nas mulheres que realizaram a laquea-
med roxiprogeste rona, e o outro combinando estrogênio e um
dura é maior a probabilidade de gravidez ectópica, quando
progestJnico, ambos de administração intramuscular.
comparadas com as não laqueadas. A proporção de gravi-
dez ectópica é três vezes maior entre 4 e lO anos após a Injetáveis mensais combinados
esterilização do que nos primeiros 3 anos.
No Brasil são encontrados três tipos de formulações:
Na Dinamarca, 76% das gravidezes em mulheres pós-
-laqueadas foram ectópicas, apresentando maior chance de • Acetato de medroxiprogesterona 25mg + cipionato de
ruptura do que em mulheres não laqueadas com gravidez estradiol 5mg: iniciar no primeiro dia do ciclo menstrual
ectópica. e após 30 dias ± três dias, independentemente do fluxo
• Mudanças menstruais: a comparação de pacientes sub- menstrual.
metidas à laqueadura com as não laqueadas não encon- • Enantato de noretisterona 50mg + valerato de estradiol
trou diferenças consistentes no que diz respeito aos níveis 5mg: iniciar no primeiro dia do ciclo menstrual e após 30
hormonais e a anormalidades menstruais. Uma possível dias ± 3 d ias independentemente do fluxo menstrual.
explicação para as alterações menstruais seria a interrup- • Acetofenido de algestona (diidroxiprogesterona) l 50mg
ção do DIU ou anticoncepcional o ral: o DIU predispõe ao + enantato de estradiol lOmg: iniciar no primeiro dia do
aumento da quantidade e duração do fluxo menstrual, e ciclo menstrual e após entre o sétimo e o décimo dia do ciclo
o contraceptivo oral , à sua redução. Cessado o uso, essas menstrual seguinte.
pacientes retornariam aos padrões menstruais ante riores.
• Câncer de ovário: estudos realizados em alguns países Mecanismo de ação
conco rdam que as mulheres apresentam risco d iminuído O mecanismo de ação contraceptiva é o mesmo dos demais
de cânce r de ovário após a laqueadura. métodos hormonais combinados. O componente estrogênico,
• Densidade mineral óssea: a laqueadura não produz alte- que na formulação injetável se ap roxima mais do estrogênio
ração orgânica capaz de interferir na massa óssea de mu- natural , previne o aumento do hormônio folículo-estimulante
lheres climaté ricas. (FSH), interferindo com o crescimento folicular, e também
/.

'
'/
J 204 Seção I Ginecologia

potencializa o efeito do outro componente hormonal. O pro- contém 150mg de acetato de med roxiprogesterona na forma
geswgênio inibe o aumento do hormônio luteinizante (LH), de depósito (AMP-D) em 1mL de solução aquosa e é aplicada
impedindo assim a ruptura ovular. a cada 90 d ias, profundamente , nos músculos deltoides ou
Outros efeitOS contraceptivos esperados do componente glúteos. Estima-se que 13 milhões de mulheres sejam usuá-
progesLínico incluem as alterações no muco ce rvical, impe- rias de AMP-D, o qual é comercializado em mais de 90 países.
dindo o transporte de espermawzoides para o útero, mudan-
ças na motilidade tubária, interferindo com o transporte de Mecanismo de ação
gametas, e a transformação do endométrio, reduzindo a pro- O AMP-D é um anticoncepcional extremamente eficaz e
babilidade de implantação. Os este roides anticoncepcionais envolve três mecanismos de ação:
impedem a ovulação p rincipalmente por interferirem com a
• Inibição da ovulação, suprimindo os níveis de FSH e LH e
libe ração do hormônio liberado r de gonadotrofina (GnRH) eliminando o pico de LH.
no h ipotálamo, além de muitos estudos apontarem um efeitO
• Espessamento do muco cervical, o que inibe a ascensão do
sup ressor diretamente na hipófise. espermatozoide pela cavidade ute rina até atingir as tubas
uterinas.
Benefícios
• Atrofta endometrial.
Os injetáveis mensais são classificados em uma categoria
intermediária entre os contraceptivos orais combinados e os Ao contrário do obse rvado com outros contraceptivos
contraceptivos apenas com progeswgênios. Vários estudos p rogestínicos, os níveis de estradiol podem se r inferio res aos
têm demonstrado menor efeito sob re a pressão arterial, he- valores no rmais encontrados na pré-menopausa. Embora al-
mostasia e coagulação, metabolismo lipídico e função hepáti- gumas mulheres possam ficar hipoestrogênicas, os sintomas
ca em comparação com a contracepção oral combinada. Além vasomowres e a atrofia vaginal são incomuns.
disso, a administração parenteral elimina o efeito da primeira A primeira injeção deve ser aplicada nos primei ros 7 dias
passagem dos hormônios sobre o fígado. do ciclo menstrual, e a área não deve ser massageada após a
O retorno da fertilidade ocorre, em média, 1 mês depois aplicação.
do que com a maioria dos outros métOdos hormonais men- A ação contraceptiva do AMP-D tem início dentro de 24
sais (1,4 por 100 mulheres no primeiro mês e 82,9 por 100 horas após a injeção e é mantida por até 14 semanas, deter-
mulheres em 1 ano). Mais de 50% das usuárias apresentam minando uma margem de proteção de 2 semanas se houver
gravidez nos primei ros 6 meses após a interrupção do uso. demora na aplicação da injeção, tipicamente administrada a
Há o registro de uma taxa significativamente meno r de fa- cada 12 semanas. Se ocorre r atraso de mais de 14 semanas na
lha em relação à encontrada em usuárias de pílula anticon- aplicação, deve-se questionar se houve relações desprotegidas
cepcional combinada, o que se j ustifica po r não ser necessário e avaliar a necessidade do uso de contracepção de emergência
o uso d iário. Considerado um métOdo eficaz, apresenta taxas ou outro tipo de contraceptivo.
reduzidas de gravidez, as quais estão relacionadas com a re- O AMP-D pode ser iniciado imediatamente após um abor-
gula ridade de seu uso. to espontâneo ou induzido. Se administrado nos primeiros
7 dias após o evento, outro método contraceptivo deverá ser
Efeitos indesejáveis usado também por um período de 7 dias. Pode se r inicia-
Estima-se em 56% a probabilidade de descontinuação des- do a qualquer momento após o parto, incluindo o pós-parto
se tipo de métOdo após 12 meses de uso. O principal motivo imediatO em mulheres que amamentam e nas que não ama-
seriam as alterações do ciclo menstrual com controle do ciclo mentam. Se a mulher estive r a mais de 21 dias do período
não previsível. As alterações no padrão de sangramento mais pós-parto e não estiver amamentando exclusivamente, outro
encontradas com esse método são fluxos ausentes ou ocasio- método contraceptivo deverá se r utilizado durante 7 dias
nais e sangramentos prolongados ou diminuídos. após a primeira injeção de AMP-D.
Outra preocupação frequente diz respeitO à possibilidade Após a descontinuação do método, a ovulação costuma
de influenciar o peso da paciente. O ganho de peso é um retornar em 14 semanas, mas pode demorar até 18 meses.
efeito menos comum do que o encontrado nas usuárias de Os efeitOS do AMP-D demoram de 6 a 8 meses para desa-
anticoncepcionais injetáveis trimestrais. parece r após a última injeção, e o clearance é mais lento em
Em síntese, a paciente deverá ser orientada sobre a mane i- mulheres com sobrepeso. Cerca de metade das mulheres que
ra correta de administração. A aplicação intramuscular deverá descontinuam o uso do AMP-D apresenta retorno dos ciclos
ser p rofunda e preferencialmente nas nádegas. Não se deve menstruais normais 6 meses após a última injeção, mas até
massagear o local da injeção, devendo ser sempre utilizadas 25 % delas podem demorar até 1 ano para retomar o pad rão
seringas e agulhas descartáveis (seringa de 2mV5ml e agulha normal. Essa demora deve se r levada em conside ração e d is-
21-23), desprezando-as em local ap ropriado após o uso. cutida com a mulher no momento da escolha do método.

Injetáveis contendo apenas progestogênios Eficácia


Esses contraceptivos contêm apenas progeswgênio de li- Quando usado corretamente , a chance de gravidez é de
beração lenta com duração em torno de 3 meses. A injeção 0,2%. As taxas de falha típicas são de cerca de 6%. Como
r
((

Capitulo 27 Planejamento Familiar 205

ex1ge menos a panicipação da usuâria, apresenta menor taxa Efeitos colaterais


de falha no pnmeiro ano associado ao uso tlpico (0,3% a • Padrões de sangramento: o principal efeitO colateral do
3%). Essas taxas de eficãcia se aplicam a mulheres de todos AMP-D é a alteração do ciclo menstrual. Nos pnmetros
os pesos corporais e mesmo àquelas em uso de medicações 3 meses após a injeção inicial, cerca de 30% das mulhe-
concomitantes que alteram as enzimas hepáticas, como os res experimentam amenorreia e outras 30% a 40% tem
an ticonvulsivantes. sangramento irregular e spotting ocorrendo mais de li
Em pacientes com comraind icações ao uso do estrogênio, d ias por mes. Geralmente leve, o sangramento não causa
o AM P-D é conside rado um método seguro e efetivo. anemia. À medida que aumenta a duração do tratamen-
to, a incidencia de sangramentos frequentes diminui e a
Beneffcios de amenorrem aumenta. No final de l ano e após 2 anos,
O AMP-D tem sido utilizado para tratar uma variedade de respecth-amente, cerca de 55% e 70% das mulheres expe-
diStúrbios ginecológicos e não ginecológicos, como pode ser rimentam amenorre•a. As mulheres que usam esse método
observado no Quadro 27.6. Sua tendência à amenorreia o de,·em receber aconselhamento adequado sobre a posstbt-
torna uma escolha conuacepú'-a pan1cularmente adequada lidade de regressão do padrão anormal de sangramento e
para mulheres com sangramemo menstrual intenso, disme- ser informadas de que a ausência de menstruação prova-
norreia ou anemia ferropriva. Além d1sso, é considerado um velmente i rã ocorrer.
meio útil para a supressão do sangramento e administração Após a interrupção do AMP-D, metade das mulheres
da higiene menstrual em indivlduos com necessidades es- retorna a um pad rão menstrual cíclico regular dentro de
peciais (p. ex., comprometime nto cognitivo, integrantes das 6 meses, e cerca de três quartos apresentarão menstruação
Forças Armadas). regular d entro de l ano.
Muitos estudos relatam diminuição do risco de DIP e da • Alterações d e peso: cerca de um quarto das mulheres que
frequencia de convulsões em mulheres com epilepsia; em ou- usam AMP-D experimentam ganho de peso nos primeiros 6
tros, o AMP-D pareceu exercer efeito benéfico nas crises de meses de uso. Vános estudos longitudinais mdicam que as
dor faiClforme. usuárias desse método ganham entre 1,5 e 4kg no pnmeiro
EnsaiOS randomizados demonstraram que o AMP-D é mais ano de uso e conunuam a ganhar peso. Não està claro o mo-
eficaz do que os conuacepú,·os ora1s, e o danazol é tào eficaz Ú\'0 dessa alteração, mas se acredita que a tnjeção deva ser
quanto o análogo de GnRH leuprolida para o tratamento da usada com cautela em pacientes acima do peso ou obesas.
dor associada à endometriose. Seu efeito conSIStiria na inibi- • Alterações do humor: vários estudos indicam que a inci-
ção do crescimento do tecido endometnótico, causando di re- dência de depressão e mudança de humor em mulheres que
tamente sua decid ualização inicial e eventual atrofia med iante usam esse método de contracepção é <5% e, portanto, não
a inibição da secreção de gonadotrofina pituitária e da prod u- maior do que a incidência global de depressão. Não foram
ção de estrogênio ovariano. realizados ensaios cl lnicos para avaliar se existe uma relação
causal entre o AMP-D e o desenvolvimento de depressão.
Quadro 27.6 Beneficios nâo contraceptivos do uso do acetato de • Cefaleia: o desenvolvimento de dores de cabeça é o even-
medroxtprogesterona de depósito (AMP·O)
to médico mais frequentemente relatado pelas usuárias de
O uao do AMP-0 diminui o risco das seguintes •fecç6es: AMP-D e um moti\'O comum de interrupção do uso. Ne-
nhum estudo comparativo indica que esse método aumen-
Câncer endomelrial
Anemt8 lenopiJVa te a incidência ou a gravidade da cefaleia ou da enxaqueca,
Doença tnllamat6<ia pélvica e sua presença não contraindica o uso do contraceptivo.
Gestação ectópica • Perda óssea: como o AMP-D suprime a produção de es-
Leiomiomas uterinos
tradiol, a remodelação óssea é aumentada e pode asseme-
O uso do AMP-0 pode melhorar as seguintes condições: lhar-se à menopausa. Estudos observacionais indicam que
Menorragia/dismenorreia• o AMP-D está associado a ceno grau de d iminuição da
Sintomas de sindrome pré-menstrual' DMO. Estudos a longo prazo, no entanto, revelam que a
Dor em mulheres com endometriose• perda óssea é reverslvel após a interrupção do contracepti-
ConvulsOes refratárias a tratamentos anticonvulsivantes
convencionais• vo. A avaliação da DMO durante o uso do método injetável
HemoglobinopatiaS' é desnecessária em razão do carãter revers!vel do quadro, e
Htperplasia endometriat' a terapia com bisfosfonato não de"e ser adotada em usuá-
Dor péfviCaldispareunia de O<igem ovariana pOs·hlsterectomia•
rias com DMO reduztda.
Câncer de mama metastático"
Cêncer endomelrial metastá!ico<
Fonte ad<lptado de Kaunitt AM. l~able oonlrac<~Ptoon. Now and 8XI$UIQ optíons.
Riscos
Obsl., GynecciCion N<Yih Am2!Xn 27.741-80. • Atraso no retorno à fen ilidade: as mulheres que desejam
'() AMP·D para ondtcaçoes além da contracopçao ou c.tnc<l< endomelf.al conSiitui
uso olf.fabel. nao aprovado pelo Food and Drog Admtn~Slratlon (FOA). engravidar após a descominuação do método devem saber
"Condula bOm acotta clinicamente. que podem sofrer atraso na retomada da fertilidade até que
c.lrK:hcaç.40 aprovada para o AMP·D suspensao contando 400mgJmL de acetato de
modroxlprogesterona. a droga tenha sido eliminada da circulação. O retorno da
206 Seção I Ginecologia

ovulação pode demorar de 6 meses a l ano. A médta de !idade de admmtStração. Esuma-se que 100 milhões de mu-
atraso para a concepção é de 9 a lO meses após a última lheres sejam usuánas desse método, e a falha esperada é de
mjeção, e a maioria das usuàrias retoma a ovulação em menos de l a cada I 00 mulheres/ano com o uso perfeito,
tomo de 15 a 49 semanas. Assim, o uso de AMP-D atrasa, aumentando para 5 a cada I 00 mulheres/ano com sua utih-
mas não impede o retorno da fenilidade. zação tlpica. No Brasil estima-se que aproximadamente 27%
• Risco cardiovascular: o AMP-D tem efeito adverso sobre os das mulheres em idade fértil utilizem os CO.
lipíd ios circulantes, mas não aumenta a produção de fato- Desde seu surgimento no mercado, em 1960, os CO vêm se
res de coagulação e não altera a pressão arterial. Não foram destacando como um dos grupos de fárrnacos mais esLUdados
observados efeitos clínicos adversos sobre doenças cardio- em todo o mundo. As doses elevadas de esteroides nas formula-
vasculares. Com base nesses achados, esse injetável e outros ções originais da pllula causavam efeitos colaterais, como náu-
contraceptivos à base de progestina podem ser usados em seas, sensibilidade mamária e ganho de peso, frequentemente
mulheres com história de tromboembohsmo e naquelas IC\<Lndo à interrupção do uso. Desde então, outras formulações
em que está contraindicado o uso de contracepu,·os com- foram desem-oh~das e comercializadas com doses cada vez me-
bmados. Em mulheres com múltiplos fatores de nsco para nores de ambos os componentes: estrogênio e progesuna. A re-
doença cardiovascular, como tabagismo, idade avançada, hi- dução da dose de eunilestradtol (EE) coinciclíu com a menor m-
penensão e diabetes, é considerado categona 3 , mdicando cidência de efeitos adversos cardiovasculares graves e sintomas
que os riscos de utilização podem exceder os benefícios. Isso adversos, sem aumentar as taxaS de falha. Todas as formulações
parece estar relacionado com o estado de hipoestrogenismo comercializadas após 1975 contêm menos de 50!lg de EE e 3mg
induzido pelo AMP-D e a redução na lipoprotelna de alta ou menos de uma de várias progestinas.
densidade (HDL). Além disso, seus efeitos podem persistir Os métodos mais utilizados combinam EE com uma das
por algum tempo após a desconlinuação e, por isso, não seria várias progestinas sintéticas. O efeitO principal do compo-
imediatamente reversível se houvesse um evento complica- nente progestlmco é inibir a ovulaç.ão, mas também contri-
do, o que pesa sobre a decisão de uso desse tipo de método. bui com outras ações contraceptivas, como espessamento do
• Efeito sobre a DMO: oimpactodoAMP-D na DMOsempre muco cervical e atrofia endometrial. Os principaiS efeitos do
gerou mutta controvérsia. O hipoestrogemsmo resultante de estrogênio são estabthzação do endométrio para prevemr o
sua aphcação pro,·oca declínio da DMO em comparação sangramento não programado e a inibição do desem·oh•tmen-
com as não usuàrias. A DMO no quadnl e na coluna vene- to folicular por meto de um efeito sinérgico com a progesuna.
bral das usuárias de A.\1P-D diminui de 0,5% a 3,5% após l A amiconcepçào hormonal oral pode ser classtficada de
ano e de 5,7% a 7,5% após 2 anos de uso. A taxa de perda é diversas maneiras. Uma delas leva em consideração o modo
maior durante os primeiros l a 2 anos. Os dados publicados como os hormônios combinados são utilizados, sendo cha-
não sugerem que o uso de AMP-D reduza o pico de massa mada de monofásica; quando apresenta as mesmas doses de
ou aumente o risco de fraturas osteoporóticas pós-meno- estrogênio e progesterona em todos os comprimidos. bifási-
páusicas. Estudos envolvendo mulheres na pré-menopausa ca, quando apresenta duas doses dife rentes, ou trifásica, se
e adolescentes tratadas com AMP-D por até 5 anos indicam há variações triplas nas doses desses hormônios. Há ainda os
que o declínio da DMO associado à contracepção injetável é contraceptivos orais apenas com progeswgênios. Outra clas-
reverttdo após sua descontinuação. A verdadeira associação sificação pode ser estabelectda a parúr da dose estrog~nica, as
entre a fratura e o uso de A.\1P-D na população em geral é denominadas pílulas de alta ou baixa dose, ou do progestogt-
dtflctl de elucidar. Os problemas de saúde esqueléucos não nio, as destgnadas de pnmetra, segunda ou tercetra geração.
devem restnngtr o inicio ou a conunuação do método em
mulheres em idade reprodutiva, incluindo adolescentes e Contracepttvos ora1s combinados (COC)
mulheres com mais de 35 anos. Da mesma maneira, as evi- Os COC contêm estrogênio e progestogênio no mesmo
dências publicadas não determinam um hmite de duração comprimido. O EE é o estrogênio usado na maior pane dos
da terapia com AMP-D. Seu efeito na DMO é semelhante COC. Os estrogênios naturais, como o estradiol e o valerato
ao da gravidez (diminuição de 0% a 5%) ou lactação (di mi- de estradiol, também estão disponíveis em formulações re-
nuição de 5% a 10%). As pacientes em idade reprodutiva e centemente lançadas no mercado.
usuárias de AMP-D, como as de todos os outros métodos Dispõe-se, na awalidade, de pilulas com doses de 50, 35,
disponíveis, devem ser encorajadas a consumir quantidades 30, 20 e l5!lg de EE. As pilulas que contêm doses <50!lg de
adequadas de cálcio, adotar medidas de cutdado quanto à EE são classificadas como de baixa dose. Essa classificação é
exposição solar, realizar exercidos [fsícos e mterromper o usada apenas para destgnar composto estrogênico EE.
tabagtsmo. O julgamento clínico deve auxiltar as mulheres São vários os progestogêmos usados nas formulações con-
com fatores de risco para Osteoporose a fazerem escolhas tracepti,-as, os quaiS são classtficados da seguinte ntanetra:
saudáveiS sobre o AMP-D e comracepll\·os alterrtauvos.
1- Derivados da l7a-htdroxiprogesterona
Contraceptivos orais • Progestogêmos pregnanos
Os contraceptivos orais (CO) se tornaram o método mais Medroxtprogesterona
utilizado em todo o mundo em vinude de sua eficácia e faci- - Clormadinona
r
((

Capítulo 27 Planejamento Familiar 207

- Ciproterona ram a dose da progestina e em algumas formulações também


- Nesto rona (Elcometrin"') o componente estrogênico entre os comprimidos ativos. Não
- Trimegeswna há evidências de que as preparações fásicas sejam superio res
11 - Derivados da 19 -nor-testosterona às formulações monofásicas em te rmos de eficácia ou padrões
• Progeswgênios estranos de sangramentO.
- Norestiste rona O ILH pode ser modificado ou eliminado para melhorar o
- Acetato de no retisterona sucesso contraceptivo; reduzir os sintomas de privação hor-
- Etinodiol monal; melhorar o tratamento da dismenorreia, dor pélvica e
- Noretinod rel anemia, ou simplesmente po r conveniência.
- linestrenol Os progeswgênios apresentam prop riedades características
• Progeswgênios gonanos que os d iferenciam entre si, fazendo com que produzam efe i-
- Norgestrel tos metabólicos variados. Essas diferenças determinam rea-
- levonorgestrel ções também variadas. O potencial antigonadotrófico confere
- Geswdene a característica contraceptiva ao hormônio, pois rep resenta
- Desogestrel sua capacidade de bloquear a secreção das gonadotrofinas h i-
- Norgestimato pofLSárias. O geswdeno tem se revelado o progeswgênio com
III - Derivados da espironolactona maior potencial antigonadotrófico.
• Drospirenona A ciproterona é o progeswgênio com maior potencial an-
tiandrogênico. A d rospirenona, além do efeito antiandrogêni-
O dienogeste é considerado quimicamente híbrido, do tipo co, exerce ação antiglicocon icoide semelhante à espi ronolac-
pregnano/estrano. O acetatO de nomegestrol é o único repre- tOna. O potencial androgênico desses fármacos aumenta ou
sentante dos progeswgênios estruturalmente relacionado com reduz a influência negativa sob re o metabolismo dos lipídios,
a 19-no rprogeste rona. favorecendo o aumento do colesterol tOtal e do LDL-<: e a
A maioria dos regimes com COC proporciona pílulas ati- diminuição do H DL-c.
vas continuamente durante 21 dias (3 semanas) seguidas por
um intervalo livre de hormônios (!LH) de 7 dias. Muitas for- Mecanismo de ação
mulações são estendidas para 28 comprimidos ( 4 semanas) Os COC previnem a ovulação ao agirem na hipófise e no
e apresentam pílulas inativas (placebo) para aumentar o uso hipotálamo e inibirem a secreção de gonadotrofinas, conforme
adequado do método du rante o que seria o !LH. Algumas descrito no tópico referente aos injetáveis combinados. Ambos
formulações fornecem um suplemento de ferro nos comp ri- os esteroides hormonais contribuem para a supressão da ovu-
midos de intervalo. lação, sendo por isso chamados de anovulatórios. Os efeitos se-
O sangramento uterino ocorre secundariamente à retirada cundários na prevenção da gravidez indesejada fornecidos pe-
do ho rmônio durante o !LH, tipicamente 1 a 3 dias após a los progeswgênios são semelhantes aos dos demais hormônios
última pílula ativa. Esse sangramento de privação geralmente da mesma categoria, ocasionando atrofia endometrial, espes-
dura de 3 a 4 dias e é mais leve do que a menstruação em um samento do muco cervical e alteração na motilidade tubária.
ciclo ovulatório. Algumas formulações proporcionam com-
primidos ativos durante 24 dias, reduzindo o ILH a apenas Eficácia
4 d ias, o que pode to rná-las mais eficazes do que as formula- A eficácia contraceptiva dos COC depende de seu uso diá-
ções de comprimidos ativos de 21 d ias. Outras formulações rio, e a taxa de falha do método está relacionada com seu uso
fornecem uma pequena quantidade de EE isolado durante incorreto, variando de menos de 1 por 100 mulheres/ano (ín-
alguns dias do ILH de 7 dias para reduzir os sintomas asso- dice de Pearl), quando há adequada ade rência ao tratamento,
ciados à retirada de estrogênio e ao aumento do FSH. a mais de 15 gravidezes por 100 mulheres/ano, quando seu
Os sintomas de abstinência ho rmonal, incluindo dor pélvi- uso é inadequado. A taxa de falha com o uso típico no primei-
ca, sensibilidade mamária e sintomas de humor, podem ocor- ro ano é estimada em 9 a cada 100 mulheres.
rer durante o ILH. Foi demonstrado que um ILH de 4 d ias
reduz esses sintomas de abstinência hormonal em compara- Efeitos metabólicos
ção com o intervalo de 7 dias. Além d isso, menos atividade Os ho rmônios sintéticos dos coe apresentam efeitOS me-
pituilária-ovariana durante o ILH é observada no regime 24/4 tabólicos associados à sua ação contraceptiva. Esses efeitos
comparado ao regime 21/7. Há menos oportunidade para o podem levar a reações adve rsas e, raramente, a complicacões
desenvolvimento folicular e possível ovulação durante os ILH com maior mo rbimonalidade. A intensidade dessas reações
mais curtos. Algumas mulheres podem ovular se o ILH fo r pode estar associada à dosagem e à potência das formulações,
estendido além de 7 dias. mas na maioria das vezes são leves e toleráveis. Os sintomas
Os COC d iferem quanto à variação ou não da dose de EE e mais frequentemente produzidos pelo componente estrogê-
progestina ao longo dos 21 d ias. As preparações monofásicas nico incluem náusea (12%), sensibilidade mamária (9%) e
têm uma dose constante de estrogênio e progeslina em cada cefaleia ( 18%). A redução na dose de EE <50).lg tem auxiliado
um dos 21 ou 24 comprimidos. As preparações fásicas alte - a diminuição desses efeitos indesejáveis.
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J 208 Seção I Ginecologia

O EE é responsável pelo aumento das protelnas hepáucas, O ganho de peso representa uma queLxa comum entre as
como albumma e protelna carreadora dos hormOmos sexuais usuárias de contracepção hormonal. Os estudos avahando
(SHBG), sem efeitos cllnicos significativos. Provoca aumento mulheres de vãnos perfiS no mfcío e 3 meses após o uso de
no substrato de renina, desencadeando a sfntese de angloten- contraceptivo não demonstraram mudança no peso corporal.
si na e o estrmulo à produção de aldosterona pelo córtex da Para o LISO correto do coe atingir a máxima eficácia com
suprarrenal, levando à vasoconstrição e à retenção de sód io a maior segurança é necessário:
e água. O impacto dos eSLrogênios é dose-dependente, sendo
infrequente a hipertensão ocasionada pelo uso do contracep- • Iniciar o uso tomando a primeira pílula da primeira cartela
tivo. Em hipertensas, no entanto, o efeito deve ser conside- no primeiro dia do ciclo, ingerindo d iariamente no mesmo
rado. O componente estrogênico é ainda responsável por au- horário.
mento dos fatores de coagulação (fatores Vll e XII), redução • As apresen1ações com 21 comprimidos serão tomadas por
da antitrombina 111 e aumento do imb1dor auvador do plas- 21 dias. ExiStem algumas formulações com 28 pflulas, sete
mmogtmo (PAI-1), o que se traduz em perfil pró-trombóuco, delas compostas de VItaminas e ferro, sem hormOmo. A
sendo também considerados dose-dependentes. usuária desse tipo de produto não de,·e fazer pausa entre as
Quanto ao perfillipldico, o EE reduz o colesterol total e o canelas. Há também apresentações com 22, 24 e 26 pflulas.
LDL-c, com aumento do HDL-c, sendo clinicamente insigni- - Ao terminar a cartela, deve-se fazer uma pausa de, no
ficante seu impacto sobre o perfil dos carboidratos. máximo, 7 dias, variando entre 4 e 7 dias. Vale ressaltar
O efeito dos progestogênios sobre os fatores de coagulação que a pausa pode ser inferior a 7 dias ou até mesmo não
são d iscutfveis, e acredita-se que exerçam influencia discreta ocorre r, quando serão emendadas d uas ou mais ca rtelas
e associada ao EE. Na dependência de seu potencial androgê- sem inte rvalo. Nesse caso, a usuária ficará sem mens-
nico. os progestogênios podem interferir nos beneficios dos truar pelo tempo em que ficar tomando continuamente
estrogênios sobre o perfil lipídico. Os derivados da l7a-hi- as pílulas.
droxiprogesterona, como a ciproterona e a clormadinona, Evitar ao máximo qualquer esquecimento. No caso de
e da 17a-espironolactona, como a drosp1renona , nas doses esquecimenlo de um comprimido por menos de 24
uulizadas em contracepção, têm discreto efeuo sobre o perfil horas, deve-se tomá-lo Imediatamente, utihzando o se-
lipfd1co. O mesmo se observa com os progestogêmos de ter- guinte no mesmo horãno regular. Após 24 horas. pre-
ceira geração - desogestrel e gestodeno. comza-se a mgestão de duas drãgeas no horâno regular,
Já os denvados da 19-nonestosterona de segunda geração tomando o restante das pílulas da maneira habitual.
e que contêm b·onorgestrel promovem menor redução do
colesterol total e do LDL-c e menor aumento do HDL-c. O Benefícios n5o contraceptivos
efeito antagonista estrogê nico desse progestogênio sobre as li- Há redução na d ismenorrria e nos sintomas de tensão pré-
poprotefnas ocorre com doses mais elevadas, em ge ral de 250 -menstrual (TPM), bem como no risco de desenvolver cãncer
ou 150pg. Na dose de lOOJ.lg, não exerce efe ito antagonista de ovário e endométrio. Observa-se diminuição no volume da
cl inicamente detectável, comparando-se, nesse aspecto, com perda de sangue. Esse efeito é benéfico em pacientes com san-
os progestogenios de terceira geração. gramento uterino anormal, melhorando quadros de anemia ao
Quanto ao metabolismo dos carboidratos, o estrogênio promover o controle do ciclo menstrual. Esse Lipo de aborda-
causa aumento diSCreto da glicemia e dos tnglicerideos. Os gem é útil para aumentar a aderência ao tratamento e melhorar
progestogêmos agem indiretamente nesse metabolismo, pois as taxas de contmuação dos contracepú,·os hormonaiS.
aumentam a resistência insulínica e reduzem a tolerância à As doenças bemgnas da mama, incluindo fibroadenoma e
ghcose sem levar a um efeito clínico sigmficativo. Como no alterações cisticas, oconrem com menos frequência nas usuá-
perfil lipfd1co, a influência é dose e tipo-dependente. O le- rias de COC. Cistos ovananos funcionais não alteram sua
vonorgestrel na dose de 250jlg tem o maior Impacto sobre incidência, mas se observa diminuição nos cistos de corpo
o perfil insulinêmico, comparado ao próprio hormônio nas lúteo. As taxas de gestação ectópica também se encontram
doses de 150 e 1OOJ.lg ou ao desogestrel, ao gestodeno e à reduzidas entre as pacientes que usam COC. Em mulheres
drospirenona. Esse efeito deverá ser considerado apenas no na perimenopausa, os COC podem manter a DMO e reduzir,
momento de escolha do contraceptivo d iante de circunstân- assim, o risco de fratura na pós-menopausa.
cias especiais, como em pacientes diabéticas. O Quadro 27.7 traz o resumo dos principais efeitos asso-
O EE provoca aumento na síntese da SHBG e, por ISSO, ciados aoscoe.
tem efeito anuandrogênico, reduzindo os eplS&Iios de acne.
Isso acontece em razão da androgenic1dade do componente Efeitos adversos
progestfmco, da quantidade de androgêmos endógenos que O sangramento vagmal 1nregular, um sintoma frequente
c1rculam hvremente ou que estão ligados às protefnas hepáti- associado aos coe. afeta aproximadamente 30% a 50% das
cas e da atiVIdade da enzima Sa-redutase que converte ates- usuárias durante os prime1ros 3 meses de uso, diminumdo a
tosterona em diidrotestosterona. Além d isso, provoca retardo probabihdade de sua ocorrência ao longo do tempo. É ma1s
na circulação intra-hepática da bile, determinando uma certa frequente com fom1ulações de 20~g de EE do que com as
colestase intra-hepática. que ap resentam 30 ou 35Jlg e nos primeiros ciclos de mu-
r
((

Capítulo 27 Planejamento Familiar 209

Quadro 27.7 Benefícios e riscos dos COC

Efeitos desejáveis comprovados Efeitos desejáveis potenciais Efeitos Indesejáveis comprovados Efeitos Indesejáveis potenciais
Contracepção efetiva Risco reduzido de: Risco aumentado de: Risco aumentado de:
Menstruações com menos volumes Ca colorretal TEV Ca cervical
e menos dolorosas Caem geral TEA Camama
Risco reduzido de: DIP Efeitos adversos transitórios:
Ca ovário Náuseas
Ca endométrio Aumento da sensibilidade da
Gravidez ectópica mama
Melhora: Cefaleia
Sintomas da SDPM' Acne
Acne•· Diminuição da libido
SUA' Alterações do comportamento
Sangramento menstrual não
programado
·um coe espedfico.
··coe especificas.
OIP: doença inflamatória pélvica: SDPM: slndrome disfórica pté.menstrual: TEA: tromboembolismo arterial: TEV: tromboembolismo veooso.

lheres com regime de uso estendido. Nesse caso, as pacientes Não grávidas - De
podem interromper o uso das pílulas ativas por 3 dias, indu- Não usuárias
- t aS
zindo sangramenLO de supressão hormonal, e depois retOrna r deCOC

ao esquema habitual , o que tem auxiliado o controle desse Usuárias de De


tipo de sintoma. coe 3a9

Cefaleias são comuns em muitas usuárias, mas não há evi- De


dências de que O LISO de COC possa COntribuir para O surgi- Gravidez 5a20
mentO desse sintoma. A piora no quadro de dor deve se r sem- Pós-parto
pre avaliada por um especialista. Se a paciente tiver h istó rico (somente I De
40a65
de enxaqueca com aura, o métOdo deve ser contraindicado 12 semanas)
em vinude do risco de acidente vascular cerebral (AVC). Em o 10 20 30 40 50 60 70
mulhe res com mais de 35 anos de idade e com cefaleia, a Número de mulheres com TEV por 10 mil mulheres/ano
contracepção combinada deve se r evitada. Quando a cefaleia Figura 27.2 Risco de tromboembolismo venoso em mulheres na ida-
acontece somente no período do sangramento de supressão, de reprodutiva. Nota: os dados de gravidez se baseiam na duração
uma alternativa seria eliminar o ILH. real da gravidez nos estudos de referência. Quando se utiliza como
O risco aumentado de eventos tromboembólicos está re- base um modelo que assume duração de 9 meses para a gravidez.
a taxa ê de 7 a 27/10.000 mulheres/ano. (Adaptada de U.S. Food
lacionado com o componente estrogênico do COC. Prepara- and Drug Administration. FDA Drug Safety Communication: Updated
ções com doses <351lg apresentam risco mais baixo do que os information about lhe risk of blood c lots in women taking birth contrai
contraceptivos originais, porém a incidência de tromboem- pills containing drospirenone. Available at http://www.fda.gov/Drugs/
bolismo permanece alta. Não há evidência de que o risco de DrugSafety/ucm299305.)
trombose varie de acordo com o tipo de progeswgênio. Em
mulhe res saudáveis no período reprodutivo, o risco de TVE
fica em torno de l a 5 mulheres para cada lO mil mulhe res/ sistema de coagulação, apresentando maior taxa de eventos
ano. Entre as usuárias de COC, o risco absolutO de TVE per- tromboembólicos.
manence baixo, em média 3 a 9 casos por l O mil mulhe res/ Estudos recentes demonstraram que os contraceptivos
ano. O risco de TVE em pacientes que usam COC é significa- contendo o progeswgênio de segunda ge ração - levonorges-
tivamente in ferior ao de pacientes grávidas (5 a 20 por lO mil trel - ap resentam menos risco de TVP e TEP quando compa-
mulhe res/ano) ou pós-pano (40 a 65 por lO mil mulhe res/ rados àqueles contendo progeswgênios de terceira geração,
ano) como mostrado na Figura 27.2. como o desogestrel e o geswdeno, e também às pílulas com-
Nos últimos anos, muitos artigos tentaram demonstrar a b inadas com d rospirenona e acetato de ciproterona. Esses da-
relação entre os possíveis fatores de risco para tromboembo- dos devem se r interpretados com cautela, pois há questões
lismo e o uso de CO. Um parâmetro importante dessa asso- metodológicas controversas envolvendo esses estudos, prin-
ciação estaria relacionado com o componente progestínico. cipalmente quanto à dose utilizada dos progeswgênios, às ca-
Os progeswgênios mais seletivos, como geswdeno, deso- racterísticas das pacientes avaliadas e ao modo como foram
gestrel e drospirenona, não inte rferem negativamente sobre diagnosticados os eventos. Cabe ressaltar que existem estudos
a ação estrogênica, ao contrário dos menos seletivos, como que não demonstraram di ferenças significativas entre as taxas
o levonorgestrel. Desse modo, é possível supor que os an- de TEV em usuárias de COC contendo levonorgestrel compa-
ticoncepcionais "mais estrogênicos" contêm progeswgênios radas com as que usavam progeswgênios de terceira geração
mais seletivos e, portanto, com maior risco de alterações no e drospirenona.
/.

'
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J 210 Seção I Ginecologia

A troca de COC se m a interrupção do métOdo não está lembrar ainda, entre as vantagens do adesivo transdérmico,
associada a risco inicial maior de TEV No entanto, o risco seu uso em pessoas po rtado ras de sínd romes disabsortivas
de TEV aumenta em usuárias que rei niciam o mesmo COC intestinais, assim como naquelas que foram submetidas a
ou o trocam após um inte rvalo sem pílula de 4 sema nas cirurgias bariátricas, condição cada vez mais frequente. As
ou mais. pacientes que fo ram submetidas à ci rurgia bariátrica são be-
o uso de coe estaria contraind icado por recomendações neficiadas com o métOdo após a perda de peso inicial (o peso
atuais em pacientes de alto risco para o desenvolvimento de corporal deve ser <90kg).
tromboembolismo, como mulheres com história prévia desse O emprego da via transdé rmica acarreta o risco de eventos
evento, mulheres no pós-parto imediatO, mulheres submeti- tromboembólicos, à semelhança do obse rvado com a via oral.
das a cirurgia prolongada e aquelas portadoras de trombofi- Alguns estudos demonstraram maior incidência em usuárias
lias he reditárias. de adesivo do que em usuárias de CO. Vale lembrar que esse
Com relação ãs trombofilias, o clínico deve rá avaliar os estudo comparou novas usuárias de adesivo com mulheres
riscos com base no tipo de trombofilia e sua associação a ou- que já usavam fórmulas o rais. Certamente, isso contribuiu
tros fatores de risco presentes, como a coexistência de outras para o maior risco encontrado nas usuárias de adesivo, pois
trombofilias, obesidade, idade e a ocorrência de eventos dian- há evidências suficientes demonstrando que o risco de TEV é
te de outros períodos de exposição hormonal. O rastreamento maior nos prime iros meses de uso para qualquer contracep-
de trombofilias não é recomendado antes do início de um ção hormonal combinada.
método hormonal na população usuária em geral. Esse tipo de contraceptivo deve ser iniciado no prime iro
O infarto do miocárdio tem incidência ainda menor em dia do ciclo menstrual - d ia do primeiro adesivo - e, se ini-
jovens, obse rvando-se a associação do contraceptivo a outros ciado fora desse periodo (momento da prescrição), outro mé-
fatores de risco, incluindo tabagismo , hipertensão arte rial, tOdo deve ser associado por um período de 7 dias.
diabetes e dislipidemias. O risco é maior entre as usuárias
de pílulas de primeira ou segunda geração, sendo o risco de Anéis vaginais
infarto com as pílulas de te rcei ra ge ração praticamente igual Esse métOdo se encontra disponível há algum tempo no
ao das náo usuárias. Brasil. Trata-se de um anel flexível com diâmetro externo de
O AVC em usuárias de pílulas representa um intercorrên- 54mm e espessu ra de 4mm que contém ewnogestrel e EE.
cia extremame nte rara, também estando associado a outros Colocado na vagina, libe ra em média, diariamente, l20pg de
fatores de risco e, nas usuárias de pílulas, à presença de enxa- ewnogestrel e l5pg de EE.
queca com au ra. Não existem evidências de maior associação O regime de uso desse contraceptivo envolve sua coloca-
aos diferentes compostos. ção na vagina, onde deve permanecer por 3 semanas e entáo
Não existem evidências que embasem a associação signifi- removido , permanecendo a paciente 7 dias sem o anel. Após
cativa entre o aumento de risco de cânce r de mama e o uso de esse período, um novo anel deve rá se r colocado, ou seja, em
anticoncepcionais orais. Quanto ao cânce r de colo do úte ro, um regime de uso igual ao das pílulas combinadas. Seu me-
obse rva-se aumento na incidê ncia do tipo invasor diretamen- canismo de ação é igual ao das pílulas, inibi ndo a ovulação.
te associado ao uso prolongado com risco relativo de 1,90 Proporciona excelente controle do ciclo, sendo raros os san-
entre as usuárias por mais de 5 anos. Esse risco d iminui com a gramentos anormais. Sua eficácia se expressa po r um índice
inte rrupção do método, retornando ao nível das não usuárias de Pearl de 0,65.
após lO anos. Comparativamente ãs pílulas, o anel apresenta como van-
tagem a fácil inserção, tOrnando-se muito conveniente por di-
Contraceptivo em adesivo minuir o risco de esquecimento e se r de absorção vaginal, não
O adesivo transdérmico apresenta urna superfície de 20cm2 apresentando a primeira passagem pelo fígado e liberando os
e contém 750mg de EE e 6mg de norelgestromina (NGMN), hormônios diretamente na circulação sistêmica, o que promo-
ocorrendo a liberação diária de 20mg de EE e l50mg de NGMN, ve menor impacto metabólico. As desvantagens relacionadas e
o qual é convertido em levonorgestrel mediante o metabolis- responsáveis por 3,6% de descontinuidade do uso são sensa-
mo hepático. A concentração total média de EE em usuárias ção de corpo estranho e desconfortO vaginal associados a pro-
do adesivo é 60% maior do que em usuárias de coe com blemas coitais e preocupações com a expulsão do anel.
35mg de EE; entretantO, o pico de EE é 25% menor do que
pela via oral, o que o torna comparável a um coe de 50mg Contraceptivos orais apenas com progestogênios
de EE. Os contraceptivos apenas com progeswgênios são também
Os adesivos apresentam as mesmas eficácia (índice de Pea rl conhecidos como minipílulas e consistem em comprimidos
de O, 7), contraind icações e pe rfil de efe itos adve rsos dos administrados por via oral que contêm doses baixas de um
COC. Sua principal vantagem é a comodidade de uso. Outras progeswgênio sem a adição de estrogênio. São indicados
potenciais vantagens em relação à via oral seriam a ausên- preferencialmente quando há contraindicação absoluta ou
cia do metabolismo de primeira passagem hepática, os níveis relativa ao uso de estrogênios, como, por exemplo, durante
plasmáticos mais estáveis (sem picos e quedas) e a facilidade a amamentação e em situações de risco para eventos trom-
de uso po r pacientes com dificuldades de deglutição. Cabe boembólicos, entre outros.
\.
r
( I

Capitulo 27 Planejamento Familiar 211

No Brastl são encontradas as seguintes formulações: Efeitos colaterats


• Noretisterona (3501-lg). Estudos ultrassonográficos demonstraram que os ctstos
• Levonorgestrel (30!lg). folicu lares são maiS comuns entre as usuárias de CO com
• Li nestre nol (SOO!lg). progestogenio e podem surgir em qualquer período de uso.
• Desogestrel (75!lg). Não é necessãria intervenção em mulhe res assintomáticas, a
não se r orientação e acompanhamento. Se um ultrassom de
Mecanismo de ação seguimento em 6 a 8 semanas demonstrar a resolução ou a di-
O mecanismo de ação dos CO à base apenas de proges- minuição do tamanho dos cistos foliculares, não é necessária
terona varia de acordo com a paciente e se caracteriza por uma nova avaliação.
capactdade de supressão da ovulação, espessamento do muco Os efeitos secundários das p!lulas de progestogtnio, além
cervical e mdução da atrofia endometrial. Ao contrário dos das alterações nos padrões de sangramemo, são relauvameme
coe. a ovulação não é consistentemente supnmtda com o raros. O ganho de peso não foi documentado objetivamente,
CO de 0 ,3Smg de noretisterona; asstm, a ação dos progesto- e a cefaleta é mcomum.
genios no muco cenical e no endométno se toma um impor- Sangramento não programado, spotting e amenorreta são
tante fator na pre,·enção da concepção. padrões menstruais comuns durante o uso desses progestoge-
Em contraste com a noretisterona, o desogestrel con- nios e dependem da resposta individual de cada paciente. A
segue inibir a ovulação, e sua eficác ia contrace ptiva é tão falta d e su pressão da ovu lação afeta o pad rão de sangramento
elevada quanto a dos COC. A inibição d a ovulação com causado pela produção ovariana de esuadiol e progesterona.
essa fo rmu lação é mantida mesmo com um au·aso de até Um teste de gravidez é apro priado para usuárias que apre-
12 ho ras na ingestão diá ria, e o reto rno da ovulação leva sentam náusea, sensibilidade mamária, mudança no pad ráo
pelo menos 7 d ias após o esquecim ento ou o atraso e m menstrual ou dor pélvica.
sua admimstração. Essas propriedades diferenciam a pil ula Os CO apenas com progestogênios reduzem o risco geral
contendo desogestrel das demais compostçOes de CO com de gravidez ectóptca e de gravidez intrauteri na. Apresentam
progestogemo. pouco tmpacto no metabolismo dos carboidratos e não afe-
A medtcação deve ser utilizada dtariamente, sempre no tam a DMO. Alguns estudos mostram que o uso do método
mesmo horáno e sem pausas, até mesmo durante eventual oral de progestogl!mo protege contra pequenas perdas rever-
sangramento como o da menstruação, para maximiZar a efi- síveis na DMO que ocorrem durante a lactação.
cácia contraceptiva. Cabe salientar que não se deve excede r Os progestogl!mos geralmente suprimem o crescimento
a 3 horas de atraso na tomada diária em vi rtude do risco de endometrial, mas há poucos dados epidemiológicos sobre o
falha, com exceção das pílulas comendo 75\lg de desogestrel, efeito desses CO no risco de câncer endometrial ou de qual-
quando este intervalo poderá atingir até 12 horas sem prejul- quer tipo de d ncer.
zo da eficácia.
Os CO contendo apenas progestogenio devem ser inicia- Uso durante a amamentação
dos nos primeiros 5 dias da menstruação sem a necessidade
O CO à base de progestina não interfe re na qualidade ou na
de contracepção adicional. Se forem iniciados em qualquer
quantidade do Iene materno, e não foi observado qualquer
momento do ctdo, desde que a paciente não esteja grávida,
impacto adverso no cresctmemo do lacteme. Recomenda-se
out ro método de,·erá ser utilizado nos pnmetros 2 dias de
iniciar a admtmstração em lactames até 6 semanas após o
uso. Um comracepth·o de resen'a deve ser uultZado durante
pano. Com base na ausencía de dados que sugiram danos à
pelo menos 2 dias se o am iconcepctonal oral de progesüna
for tomado com mais de 3 horas de atraso ou esquecido em mãe ou ao recém-nascido e nos beneficios anticoncepcionais
do inicio precoce, alguns especialistas recomendam imciá- lo
qualquer d ta. A paciente deverá voltar a tornar a dose diária o
mais rapidame nte possível. ames da alta hospitalar ou, o mais tardar, na tercei ra semana
No caso de abon o induzido ou espontâneo, os CO de pós-pan o, inde pende ntemente do estado de lactação.
progestina d evem ser in iciados imediatamente ou den-
tro de 7 dias após o eventO . Se não fo rem ad mi nistrados Benefícios e eficácia
imed iatamen te após o abo n o, as mu lheres devem adotar Os beneficios apresentados pela contracepção apenas à
anticoncepção alternativa ou abstinencia por 2 citas. Após base de progestogl!mo são a diminuição da dismenorreia, o
o parto, as pilulas de progestogenio podem ser tniciadas menor risco de DIP e a redução dos sintomas de tensão pré-
a qualquer momento, incluindo o pós-parto tmediato em menstrual e da mastalgta.
mulheres que amamentam e nas que não amamentam. A eficácta contracepu,-a é maior durante o perfodo da lac-
Quando ultrapassados os primetros 21 dtas pós-pano, se tação com as fórmulas que não contêm desogestrel. Quan-
a mulher estiver em a menorreia lactacwnal e não estiver do as p!lulas são tomadas de modo correto, ocorre menos de
usando método contrace ptivo, deve ser orientada a usa r uma gravidez para cada 100 mulheres que usam esse contra-
por 2 dias outro métOdo assoc iado ao in icio do contracep- ce ptivo durante o primeiro ano (9 pa ra cada LOOO mulheres).
tivo à base de progeswgênio. A taxa de falha com o uso ti pico é de 3% a 5%.
212 Seção I Ginecologia

Terceira línha - Eficaz (18 ou mais gravidezes por 100 Preservahvo femmmo
mulheres em 1 ano): métodos de barreira, amenorreia, O preservaU\·o femmmo consiste em um aparelho em for-
métodos relacionados com o coito mato de tubo com uma de suas extremidades obliterada por
um diafragma, circunscrito por um anel fiexlvel, e a outra
Métodos de barreira aberta e também circunscrita por um anel fiexlvel. É feito de
Os métodos de barreira são assim denominados por blo- poliuretano macio. A extremidade fechada deve ser introdu-
quearem a ascensão dos espermatozoides para a cavidade zida na vagina e alcançar o fundo, enquanto a aberta fica para
uterina, imped indo a fecundaçAo. Podem ser classificados, fora, em contato com a vulva, e se u anel tem a finalidade de
quanto a seu mecanismo de ação principal, em barrei ra me- mantê-la aberta para possibilitar a penetração do pênis, como
cãmca, qulmica ou mista. No Quadro 27.8 estão listados os mostrado na Figura 27.3.
representantes de cada categoria. O condom deve ser colocado ames da relação sexual, não
Todos os métodos de barreira, além do efe1to contracep- importando o tempo gasto para isso. Tem a vantagem de es-
UYO, podem ajudar a prevenir as DST. Apenas o condom fe- tar sob o controle total da mulher e a des-.·antagem de ex1g1r
mmmo e o mascuhno oferecem uma proteção contra essas treinamento para correta inserção, demandando, por ISSO,
doenças, inclusive o HIV/AIDS; portanto, seu uso deve ser orientação prévia.
incentivado independentemente da escolha de outro método Para o uso correto são necessários:
anticoncepcional. • cuidados para não comprometer a integridade do aparelho;
• deve ser usado uma única vez e descartado;
Preservativo masculino • p recaução no momento da penetração, certificando-se de
Conhecido popularmente como camisinha ou, nos palses que o pênis se encontra em seu interior, j á que a penetra-
de llngua inglesa, condom, constitui um invólucro para o p~­ ção peniana fora do condom é a principal causa de falha
nis, fino e elástico, a maior parte disponlvel em látex, em contraceptiva do método.
poliuretano e em membrana anímal. Encontra-se d1sponlvel As criticas ao método se baseiam no desconforto, no fato
em espessuras. d1mensões e formatos YariâveiS. de o condom femmmo se mo,~mentar durante o cono, o
Seu uso ex1ge alguns cuidados que, embora pareçam ób- que pode tornar ru1doso o ato sexual, a redução na sens1b1-
viOS, nem sempre são respeitados, ocaStonando falhas desas-
trosas. Entres esses cuidados estão:

• ser de boa qualidade;


• estar Integro; -
• abrir corretamente o invólucro, evitando com prometer a in-
tegridade do condom;
- \
• colocá-lo sempre ames de qualquer penetração, com o p~­
nis em ereção, tendo o cuidado de retirar o ar da pequena
bolsa existente em sua extremidade fechada, destinada à
deposição do esperma ejaculado;
• evnar manobras que possam causar a ruptura do material
de que é consutuido;
• retirar o penis da vagina ainda com boa ereção, evitando,
ass1m, o extravasamento de esperma;
• usar apenas uma vez e descartá-lo.

O uso do condom não provoca deitos colaterais, salvo em


raros casos de alergia ao mate rial que o constitui. A taxa de
falha varia de 3% a 14% no primeiro ano (3 a 14 gestações
por 100 mulhe res/ano).

Quadro 27.8 ExemplOS de mélodos de barreira

Barrei ra mednlc:a Preservativo masculono


Preservativo fem01ono
Barrei ra qufmlc:a Espermicodas
Esponjas
Barreira m lata Diafragma
Capuz ceNicaf Figura 27.3 Preservativo femin ino.
\.
r
( I

Capitulo 27 Planejamento Familiar 21 3

ltdade à penetração e o preço (é mats caro do que o similar Esse método permanece eficaz por 24 horas apóS a tn-
mascultno). serção, mdependentemente do número de coitos. Após a
última ejaculação, a esponja de,·e permanecer por no ml-
Esperm1c1das nimo 6 horas, não devendo se r ultrapassadas 24 a 30 horas
Os esperm icidas são substâ ncias qulm icas introduz idas (o último coito deve acontece r no máximo na 24• hora após
na vagi na que atuam como ba rrei ra ao acesso dos espe rma- a colocação).
tozo ides ao trato gen ital superio r. Enco ntram-se dispo nl- As taxas de gravidez são de 9% a 20% nas nuliparas e de
veis em dive rsas composições, sendo mais usados na forma 20% a 40% nas multlparas (lndice de gestações em 100 mu-
de cremes, geleias, comprimidos, tabletes e espuma. Pro- lheres no primeiro ano).
movem a dissolução dos componentes lipldicos da mem- As esponjas conferem baixa proteção contra DST, predis-
brana celular dos espermatozoides, assim como de outros põem a corrimento vagmal intenso e de odor féttdo. caso
orgamsmos que causam DST, provocando sua mauvação ou sejam detxadas por muito tempo no local, e à slndrome do
morte. Além disso, dependendo de sua apresentação, agem choque tóxico, apesar de ser considerado evento raro.
fistcamente, bloqueando o trajeto a ser percorndo pelo es- )lão são comerctahzadas no Brasil.
permatozoide. O produto espermaticida à base de nonoxi-
nol-9 a 2% (N-9) é o mais amplamente uttlizado no Brasil e
no mundo. Diafragma
Os espermicidas têm baixa eficácia contraceptiva quando O diafragma consiste em uma ftna membrana em formato
usados isoladamente, mas aumentam bastante a eficácia de de cúpula, constitulda de bo rracha de látex ou siliconc, sen-
outros métodos de ba rreira quando usados em associação. d o, portanto, cOncavo-convexa, circundada por um anel ne-
A taxa de gravidez é de 15% a 25% (lndice de gestações em xível na borda, que tem a finalidade de lhe conferir memória
I 00 mulheres/ano). de forma. Esse anel é circular quando em repouso e assume a
Para seu uso correto é necessária a adoção de algumas me- forma de 8 quando comprimido adequadamente, proporcio-
didas, como: nando as condições necessárias para ser inserido na cavtdade
• devem ser colocados o mais próximo posslvel da cérvíce; vaginal. Tem a capactdade de retornar ao formato origtnal
• os suposttónos, tabletes, filmes ou compnmtdos de,·em quando liberado, promovendo uma barreira mecãmca entre a
ser colocados cerca de 15 minutos antes da relação para vagina e o colo do útero.
que possam se dissolver e liberar a substllncta ativa; Os diafragmas podem variar em modelo, tamanho (cor-
• como apresentam efetividade por no máximo 2 horas, a respondente ao dtâmetro da borda em milímetros) e ttpo de
relação deve ocorrer nesse intervalo de tempo. Para novas borda, sendo necessária a medição por profissional de saúde
relações, novas aplicações deve m se r feitas. treinado para determinar o tamanho adequado a cada mu-
lhe r. O prazo de validade d o d iafragma é, em média, de 5
O N-9 pode provocar lesões (lissuras/m icroftssuras) na
anos. Seu diâmetro varia de SOmm (n° 50) a IOSmm (n" 105).
mucosa vaginal e reta!, dependendo da frequencia de uso e
Para o uso do diafragma é necessária a med ida prévia da
do volume aplicado. A O~S recomenda que as mulheres que
vagina para aquistção do aparelho adequado, além do treina-
apresentam risco aumentado para DSTIHIV, especialmente as
que tem muttas relações sexuais dtárias, não devem usar mé- mento da paciente para sua colocação e retirada. Sua mserção
todos contracepti,·os que contenham o N-9 a 2%. deve ser feita de modo a cobrir completamente a cén~ce e a pa-
Entre as usuárias desse método é observado aumento na rede antenor da vagma. Por isso, a paciente deve exammar-se
inctdencta de candid!ase genital, vaginose bactenana e infec- para confenr se o aparelho está corretamente posicionado apóS
ções do trato urinário. a inserção. Se o diafragma escolhido for o correto, sua borda
Em l% a 5% das usuárias, podem provocar irritação ou superior se encaixará perfeitamente atrás do púbis e, se corre-
alergia na vagina ou no pênis. tamente aplicado, não deverá causar desconforto. No entan-
tO, não há dados sobre a correlação entre o ajuste adec1uado e
Esponjas uma melhor eficácia d o método.
As esponjas são dispositivos pequenos, macios e ci rcula- O único modelo comercializado no Brasil é o Semina•.
res de poliuretano contendo espermicida (lg de N-9), co- Recomenda-se que o diafragma seja usado em associação
locados no fundo da vagina de modo a recobrir o colo ute- a um creme ou geleta espermicida para aumentar a eficácia
nno , funcionando como um método anttconcepctOnal de comracepliva, além de proporcionar lubrificação para facthtar
barreira cervtcal e impedindo a ascensão do espermatozoide sua colocação.
da vagma até a cavidade uterina. Em um dos modelos dis- As desvantagens desse método são a posstbt hdade de
ponlvets, apresenta em um dos lados uma depressão que provocar alterações na nucrobiota ''aginal e aumentar a
se adapta ao colo uterino e do lado oposto uma alça para ocorrência de vagmoses, aumentar a incidência de infecções
remoção. Antes da introdução vaginal, a esponja de,·e se r urinárias, especialmente se o diafragma tiver um diâmetro
umedectda com água filtrada espremida para distribu ir o maior do que o necessário, e causa r reações alérgtcas na
espermicida. paciente. Não deve ser usado por mulhe res com alterações
214 Seção I Ginecologia

anatõmiCas do upo prolapso genital em razão da d1ficuldade As prescnções do d1afragma e do capuz cervical se torna-
de adaptação. ram menos frequentes em todo o mundo.
As onentações para o uso correto do diafragma senam as
segumtes: Amenorreia lactacional
A amenorreia da lactação é um método eficaz de con-
• o espermicida deve ser colocado na concavidade do d ia- t role de natalidade, sendo considerado o mais e[icaz nessa
fragma em quantidade sufic iente para preencher a me- categoria. As reduzidas taxas de insucesso (2%) se rest rin-
tade; gem às mulheres que amamentam exclusivamente durante
• a relação sexual deve ocorrer no intervalo de l a 2 horas os primeiros 6 meses pós-parto e q ue permanecem ame-
após sua mserção; norreicas. Após esse periodo, a proteção contra a gravidez
• havendo retardo na relação ou mais de um intercurso, diminui e a ovulação geralmente retoma ames da pnmeira
deve ser aphcada nova dose de esperm1c1da; menstruação.
• o dtafragma deve permanecer na vagma, após a úluma re-
lação manuda, por pelo menos 6 horas e não deve perma- Mecanismo de ação
necer por ma1s de 24 horas, A prolactina imbe a pulsatilidade das gonadotrolinas, e as
• após a relação, a higiene de,·e restringir-se à vulva, não de- mulheres que amamentam permanecem tipicamente amenor-
vendo ser realizado qualquer Lipo de higiene intravaginal, reicas durante um pertodo de tempo variável após o parto.
como ducha; A frequência mais alta e a maior d uração da amamentação
• após retirado da vagi na, o diafragma deve ser lavado com contribuem para a supressão menstrual e estão estreitamente
água e sabão neutro, sem perfume, seco e polvilhado com corre !acionadas com a anovulação e a amenorreia.
talco sem perfume ou amido de milho e guardado em local
seco e ao abrigo da luz, verificando anteriormente contra a Abstinência periódica e métodos relacionados
luz a ex1sttncia de furos ou defeitos; com o coito
• não devem ser utilizados lubrificantes dem"ados do petró- Coito interrompidO
leo, como vaselina, pois podem provocar corrosão e des- Coitus interruptus (reurada) é um dos métodos compor-
trUição do dtafragma; Lamentais rna1s comumente usados. Mesmo para uso tip1co,
• após grandes \'3riações no peso corporal ou a ocorrencia funciona tão bem quanto muitos dos métodos de barre1ra
de parto vaginal e a recuperação completa, deve ser rea\'3- femininos. Aconselhamento sobre o posicionamento cmtal
liado o tamanho a ser usado, podendo ocorrer alterações é imponante para o sucesso do método, devendo o homem
que exijam a t roca. aprender a detectar a ejaculação iminente e se r capaz de reti-
rar o pênis ela vagina da mulher e di recionar a ejaculação para
A taxa ele gravidez é de 13% a 17% (lndice ele gestações em
longe ele sua área genital, antes da liberação.
100 mulheres no primeiro ano).
Abstinência periódica
Capuz cervical Métodos de consciencia da fertilidade são projetados para
O capuz cervical é um dispositivo feno de sihcone macio, detectar quando uma mulher está sob risco maior de con-
durável, hipoalergtnico, em formato de taça, que se encaixa ceber em seu c1clo. Para que sejam eficazes, esses métodos
em torno do colo do útero, entrando em contato com as pare- de,·em b·ar em conta a sobre,~da dos esperrnatozo1des (5 a
des \'3gtnaLS. É usado com espermicída, que deve preencher a 7 dias) e a duração da capac1dade de fertilização de um óvulo
metade de sua concavidade ao ser insendo. (24 horas). Tabelas para contar dias férteis e aplicativos po-
Os capuzes cervicais se encontram dLSponlveis em quatro dem ajudar uma mulher a acompanhar seus ciclos e calcular
tamanhos. O capuz a ser usado terá o tamanho estimado pelo seus "dias de risco".
médico em exame ginecológico. Esses métodos funcionam bem apenas quando os ciclos
Para ser usado, a paciente deve treinar sua colocação e são razoavelmente regulares (26 a 32 dias). A técnica mais
ret irada com os dedos, além de avaliar e reconhecer o local facilmente implementada sobre a consciência da fertilidade é
correto do aparelho. O capuz pode permanecer no local por o chamado método de 2 dias. Cada manhã, a mulher toca seu
24 horas, possibilitando várias relações sexuais sem adição de imroito vagmal para determinar se há umidade e observar se
novas doses de espermicida. Só deverá ser retirado 6 horas o muco cerv1cal está claro e filante (ovulatório) ou espesso e
após o último cono. quebradiço (pós-o\'Ulatóno). O coito é recomendado somen-
As taxas de grav1dez são de 9% a 20% em nullparas e de te quando o exame se mostra ISentO de todas as secreções por
26% a 40% em multlparas (indice de gestações em 100 mu- 2 dias consecuuvos ou quando é constatada a presença de
lheres no pnmeiro ano). muco espesso.
O capuz cervical não está disponlvel no mercado brasileiro. A observação das variações da temperatura corporal
O diafragma e o capuz cervical podem reduzir o risco de também pode ser usada para identificar o periodo fértil.
lesões malignas do colo do útero. Logo após a ovulação, a progeste rona p romove a elevação
r
((

Capítulo 27 Planejamento Familiar 215

da tempe ratura co rporal em 0,2 a 0,5 grau. Na maioria das Os contraceptivos utilizados em situações de eme rgência
mulheres isso oco rre no meio do ciclo menstrual. Pa ra utili - são efetivos e seguros para a maioria das mulheres que deles
zar esse métOdo a mulher precisa ve rificar sua temperatura necessitam.
diariamente, da mesma maneira , no mesmo horá rio pela O anexo ap resentado a seguir resume os principais pomos
manhã , antes de sai r da cama ou ingeri r alimentos. Três do critério de elegibilidade a serem seguidos para o uso dos
dias após a elevação da temperatura, o casal pode ter rela- principais métodos contraceptivos.
ções livremente.
Esses métOdos não conferem proteção contra DST e apre- Leitura complementar
sentam taxas de falha que vão de 4% com uso perfeitO a 24% Westhoff C , Kerns J, Morroni C et ai. Quick start: novel oral contra-
ceptiva initiation method. Contraception 2002; 66:141 -5.
com uso típico.
Centers for Disease Contrai and Prevention. U.S. selected practice
recommendations for contraceptiva use, 2013: adapted from the
Contracepção de emergência World Health Organization selected practice recommendations
A contracepção de emergência possibilita a prevenção da for contraceptiva use, 2nd ed. MMWR Morb Mortal Wkly Rep
gravidez após um coito desprotegido, sendo costumeiramen- 2013; 62:1 -60.
Curtis KM, Tepper NK, Jamieson DJ, Marchbanks PA. Adaptation of
te chamada de pílula do dia seguinte. O método hormonal the World Health Organization's Selected Practice Recommenda-
deve ser usado em até 72 horas após o coitO, e sua eficácia tions for Contraceptiva Use for the United States. Contraception
depende dessa obse rvação, aumentando de eficiência se for 2013; 87:513-6.
utilizado o mais precocemente possível. Curtis KM , Tepper NK, Jatlaoui TC et ai. U.S. Medicai Eligibility Cri-
teria for Contraceptiva Use, 2016. MMWR Recomm Rep 2016 Jul
No métOdo de Yuzpe, desenvolvido em 1970, variam as 29; 65(3):1-103.
formas e doses dos contraceptivos hormonais orais combina- SOGC Clinicai Practice Guideline. Canadian Contraception Consen-
dos que são capazes de inibir a ovulação quando utilizados de sus. J Obstei Gynaecol Can 2015; 37( 11).
modo eme rgencial ainda na primeira fase do ciclo menstrual. SOGC Clinicai Practice Guideline. Canadian Contraception Consen-
sus (Part 3 of 4): Chapter 8 e Progestin-Only Contraception. J
Na segunda fase, após a ovulação, a contracepção de eme r-
Obstei Gynaecol Can 2016; 38(3):279-300.
gência atua impedindo a fecundação, alterando o transporte Finotti M. Manual de anticoncepção. São Paulo: Federação Brasilei-
dos espe rmatozoides e do óvulo nas trompas de Falópio e ra das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO),
modificando o muco cervical, tornando-o hostil à ascensão 2015.
dos gametas masculinos e/ou interferindo na capacitação es- Allen RH, Kaunitz AW, Hickey M. Hormonal contraception. In: Williams
textbook of endocrinology. 13. ed. Philadelhia-PA: Elsevier, 2016.
permálica. Po rtanto, não há comp rovação de que esse seja um Schreiber CA, Barnhart K. Contraception. In: Strauss JF 111, Barbieri
método que resulte em abono. RL. Yen and Jaffe's Reproductive endocrinology. Elsevier, 2014.
A dose recomendada para a contracepção combinada é Secura GM, Allsworth JE, Madden T, Mullersman JL, Peipert JF. The
de 100pg de EE e 500pg de levono rgestrel, seguida po r uma Contraceptiva CHOICE Project: reducing barriers to long-ac-
ting reversible contraception. Am J Obstei Gynecol Aug 2010;
nova dose 12 horas depois. Esse método reduz a chance de
203(2):115, e 111- 117.
uma gravidez indesejada e apresenta uma taxa média de ges- Spain JE, Peipert J F, Madden T, Allsworth JE, Secura GM. The Con-
tação de 1,8%, porém, se o tratamento for iniciado nas pri- traceptiva CHOICE Project: recruiting women at highest risk for
meiras 12 horas após o coito, a taxa é reduzida para 1,2%. unintended pregnancy and sexually transmitted infection. Journal
of Women's Health Dec 2010; 19(12):2233-8.
Se fo r utilizado um contraceptivo oral compostO apenas
McNicholas C, Madden T, Secura G, Peipert JF. The contracepti-
por levonorgestrel, a dose utilizada é de 1,Smg em dose única va CHOICE project round up: what we did and what we learned.
ou fracionada em duas tomadas com intervalo de 12 horas. Clin Obstei Gynecol 2014 Dec ; 57(4):635-43.
Uma dose única de levonorgestrel é tão eficaz quanto a dose Trussell J, Guthrie K. Lessons from the contraceptiva CHOICE pro-
fracionada e se mostra mais conveniente para as pacientes ject: the Hull long-acting reversible contraception (LARC) initiati-
ve. J Fam Plann Reprod Health Care 2015Jan; 41(1):60-3.
sem aumentar os efeitos adversos. Organização das Nações Unidas. Conferência Internacional de Po-
A eficácia de ambos os métodos é inversamente proporcio- pulação e Desenvolvimento- CIPD. Cairo, 1994.
nal ao tempo decorrido da atividade sexual. Pode ser usado Van Hylckama Vlieg A, Helmerhorst FM, Vandenbroucke JP, Doggen
em até 120 horas após o coitO desprotegido, porém se ob- CJM, Rosendaal FR. The venous thrombotic risk of oral contra-
ceptivas, effects of oestrogen dose and progestogen type: results
serva maior chance de falha do método após as primeiras 72
of the MEGA case-contrai study. BMJ 2009; 339:b2921.
horas. A expectativa de ineficácia do levonorgestrel isolado, Dinger JC, Heinemann LA, Kuhi-Habich D. The safety of a d rospire-
mesmo se usado entre o qua rto e o quinto dia, é 2 ,7% menor none-containing oral contraceptiva: final results from the European
do que a taxa média de falha do regime clássico de Yuzpe. Aclive Surveillance Study on oral contraceptivas based on 142,475
Essa evidência reforça a recomendação de uso da contra- women-years of observation. Contraception 2007; 75:344-54.
U .S. Food and Drug Administration. FDA Drug Safety Communica-
cepção de emergência com levonorgestrel até o quinto dia da tion: Updated information about the risk of b lood clots in women
relação sexual sem proteção, o rientando adequadamente a taking b irth contrai pills containing drospirenone. Disponível em:
paciente sobre os riscos. http://www.fda.gov/Drugs/DrugSafety/ucm299305.
/.

'
'/
J 216 Seção I Ginecologia

ANEXO Sumário dos critérios médicos de elegibilidade para uso de contraceptivo

Idade Menarca Menarca Menarca Menarca Menarca Menarca


até até até até até até
<20 anos: 2 <20 anos: 2 <18 anos: 1 <18anos: 2 <18anos: 1 <40anos: 1
;,20 ;,20 18 a 45 18 a 45 18a45 ~40
anos: 1 anos: 1 anos: 1 anos: 1 anos: 1 anos: 2
>45anos: 1 >45anos: 2 >45anos: 1
Anormalidades a) Distorção cavidade uterina
anatômicas b) Outras anormalidades 2 2
Anemias a) Talassemia 2 1 1 1 1 1
b) falcüorme 2 1 1 1 1 2
c) Anemia 2 1 1 1 1 1
Tumores ovarianos Incluindo cistos 1 1 1 1 1 1

Doença de mama a) Massa sem 1 2 2 2 2 2


b) de mama 1 1 1 1 1 1
c) História familiar de câncer 1 1 1 1 1 1
d) Câncer de mama
i) Atual 1
ii) História pessoal e sem evidências de 1 3 3 3 3 3
doença por 5 anos
Amamentação a) <21 dias após parto 2 2 2
b) 21 a 30 dias após parto
i) com outros fatores de risco de TVE 2 2 2 3
ii) sem outros fatores de risco de TVE 2 2 2 3
cl 30 a 42 dias após parto
i) com outros fatores de risco de TVE 1 1 1 3
ii) sem outros fatores de risco de TVE 1 1 1 2
d) >42 dias após parto 1 1 1 2
Câncer de colo uterino A, tratamento 2 2 2 2 1 2
cetvical 1 1 1 1 1 1
Neoplasia intraepitelial 1 2 2 2 1 2
cervical (NIC)
Cirrose a) Leve 1 1 1 1 1 1
b) Grave 1 3 3 3 3
Fibrose cística 1 1 1 2 1 1
Trombose venosa a) História de TVPJEP, sem
profunda i) alto risco de recorrência de TVP/EP 1 2 2 2 2
(TVP)/Embolia
pulmonar (EP) ii) baixo risco de recorrência de TVP/EP 1 2 2 2 2 3
b) TVP/EP • nurl• 2 2 2 2 2
c) TVP/EP em antiooagufação por pelo
menos 3 meses
i) alto risco de recorrência de TVP/EP 2 2 2 2 2
ii) baixo risco de recorrência de TVP/EP 2 2 2 2 2 3
d) História familiar (parentes de 1 1 1 1 1 2
primeiro grau)
e) Cirurgia de grande porte
i) com imobilização prolongada 1 2 2 2 2
ii) sem imobilização prolongada 1 1 1 1 1 2
f) Cirurgia de pequeno porte sem 1 1 1 1 1 1
imobilização
Depressão 1 1 1 1 1 1

( Continua)
r
((

Capítulo 27 Planejamento Familiar 217

ANEXO Sumário dos c ritérios médicos de elegibilidade para uso de contraceptivo (continuaçAo)

Diabetes a) História de diabetes 1 1 1 1 1 1


b)
i) Nêo 1 2 2 2 2 2
ii) lnsulino-<lependente 1 2 2 2 2 2
c) diabética 1 2 2 3 2 3/4
d) Outras vasculopatias ou diabetes por mais 1 2 2 3 2 3/4
de 20 anos
Dismenorreia Grave 2 1 1 1 1 1
Câncer de endométrio 2 2 1 1 1 1
Hiperplasia de 1 1 1 1 1 1
endométrio
Endometriose 2 1 1 1 1 1
(avaliar 1 1 1 1 1 1
Doença da vesícula a) Sintomática
biliar i) tratada por colecistectomia 1 2 2 2 2 2
ii) tratada por medicamentos 1 2 2 2 2 3
iii) atual 1 2 2 2 2 3
b) Assintomática 1 2 2 2 2 2
Ooença troloblástica a) Suspeita OTG (imediatamente após
gestacional (DTG) esvaziamento)
i) Tamanho uterino de 1• trimestre 1 1 1 1 1 1
ii) Tamanho uterino de 2' trimestre 2 2 1 1 1 1
b) DTG conlirmada
i) Níveis de HCG indetectáveis ou 1 1 1 1 1 1 1 1
comnâo
ii) Níveis de HCG em decfinio 2 1 2 1 1 1 1 1
iii) Níveis de HCG persistentemente 2 1 2 1 1 1 1 1
elevados ou doença maligna, sem
evidências ou suspeita de doença
intrauterina
iv) Níveis de HCG persistentemente elevados 2 2 1 1 1 1
ou doença maligna com evidências ou
de intrauterina
Cefaleias a) Sem (leve ou 1 1 1 1 1 1
b) Com enxaqueca
i) sem aura ool\ 1 1 1 1 1 2
ii) com aura 1 1 1 1 1 4
História de cirurgia a) Procedimentos restritivos 1 1 1 1 1 1
bariátrica b) Procedimentos malabsortivos 1 1 1 1 3 COC: 3
P/A: 1
História de colestase a) Relacionada com a 1 1 1 1 1 2
b) História"' deCOC 1 2 2 2 2 3
História de 1 1 1 1 1 2
hipertensão arterial
durante a
História de cirurgia 1 1 1 1 1 1
pélvica
HIV a) Alto risco para HIV 2 2 2 2 1 1 1 1
b) >por HIV 1 1 1 1
i) Clinicamente bem e em terapia 1 1 1 1 Se em tratamento, avaliar interações medicamentosas
antirretroviral \
ii) Clinicamente comprometido ou sem 2 1 2 1 Se em tratamento, avaliar interações medicamentosas
terapia antirretroviral (TARV)

(Coorinua)
/.

'
'/
J 218 Seção I Ginecologia

ANEXO Sumário dos critérios médicos de elegibilidade para uso de contraceptivo (continuaç<lo)

Hipenensâo a) HAS bem controlada 1 1 1 2 1 3


arterial (HAS) b) Níveis elevados
i) Sistólica 140 a 159 ou diastólica 90 a 99 1 1 1 2 1 3
iº Sistólica ~ 160 ou diastólica ~ 100 1 2 2 3 2
c) 1 2 2 3 2
Doença inflamatória Retocolite ulcerativa ou doença de Crohn 1 1 1 2 2 2/3
intestinal
Doença isquêmica História atual 1 2 3 2 3 3 2 3
cardíaca
Portador de mutações 1 2 2 2 2

Tumor hepático a)
i) Hiperplasia nodular focal 1 2 2 2 2 2
ii) Adenoma 1 3 3 3 3
b) 1 3 3 3 3
Malária 1 1 1 1 1 1
Múltiplos fatores de Por exemplo: idade avançada, tabagismo, 1 2 2 3 2 3/4
risco para doença diabetes, HAS, HDL baixo, LDL alto ou
cardiovascular hipertriglioeridemia
atemsclerótica
Esclerose múltipla a) Com imobilidade 1 1 1 2 1 3
b) Sem imobilidade prolongada 1 1 1 2 1 1
Obesidade a) IMC 1 1 1 1 1 2
b) Menarca até <18 anos e IMC 1 1 1 2 1 2
Câncer de ovário 1 1 1 1 1 1
Paridade a) I 2 2 1 1 1 1
b) Não I 1 1 1 1 1 1
Histótia de gravidez 1 1 1 1 2 1

Doença inflamatória a) História


pélvica (DIP) i) Com 1 1 1 1 1 1 1 1
ii) Sem 2 2 2 2 1 1 1 1
b) Atual 2 2 1 1 1 1
Cardiomiopatia a) Comprometimento da função cardiaca
periparto ausente ou leve
i) <6 meses 2 2 1 1 1
ii) ~meses 2 2 1 1 1 3
b) Comprometimento da função cardiaca 2 2 2 2 2
moderado ou
Pós-aborto a) 1• trimestre 1 1 1 1 1 1
b) 2< trimestre 2 2 1 1 1 1
c) Imediatamente após aborto 4 4 1 1 1 1
Pós-parto (sem a) <21 dias 1 1 1
amamentação) b) 21 a 42 dias
i) Com outros fatores de risco para TEV 1 1 1 3
ii) Sem outros fatores de risco para TEV 1 1 1 2
c) ~42 dias 1 1 1 1
Pós-parto (com ou a) <10 minutos salda da
sem amamentação, i) com 1 2
incluindo cesariana)
ii) sem 1 1
b) 10 minutos após saída da placenta até 4 2 2
semanas
Gravidez NA NA NA NA

(Conrinua)
r
((

Capítulo 27 Planejamento Familiar 219

ANEXO Sumário dos critérios médicos de elegibilidade para uso de contraceptivo (continuaçAo)

Artrite reumatoide a) Em 2 1 2 1 1 213 1 2


b) Sem ' im"n""<" 1 1 1 2 1 2
Esquistossomose a) Não 1 1 1 1 1 1
b) Fibrose 1 1 1 1 1 1
Doenças sexualmente a) Cervicite purulenta ou infecção por 2 2 1 1 1 1
transmissíveis (DST) clamídia ou ' por ' atual
b) Vaginite (incluindo tricomoníase ou 2 2 2 2 1 1 1 1

c) Outros fatores associados às DST 2 2 2 2 1 1 1 1


Tabagismo a) Idade <35 anos 1 1 1 1 1 2
b) Idade :<.35 anos, <15 I 1 1 1 1 1 3
c) Idade :<.35 anos, ~15 1 1 1 1 1
Transplante de órgão a) 3 I 2 3 2 2 2 2
sólido b) Não 2 2 2 2 2 2
Acidente vascular História 1 2 2 3 3 2 3
cerebral
Doença venosa a) Varizes 1 1 1 1 1 1
superficial b) Trombose venosa., 1(atual 1 1 1 1 1 3
lúpus eritematoso a) Anticorpos antüosfolípides positivos ou 1 1 3 3 3 3 3
sistêmico (LES) desconhecidos
b) T' 3 2 2 2 3 2 2 2
c) • im,nn«" 2 1 2 2 2 2 2 2
d) Nenhuma das I acima 1 1 2 2 2 2 2 2
tireoidiana Sócio 1 1 1 1 1 1
Tuberculose a) Extrapélvica 1 1 1 1 1 1 1 1
(avaliar interações
medicamentosas)
b) Pélvica 3 3 1 1 1 1
Sangramento vaginal 2 2 3 3 2 2
sem causa definida
Miomas uterinos 2 2 1 1 1 1
Doença valvar a) •"· 1 1 1 1 1 2
cardíaca b) 1 1 1 1 1
Padrão de a) Irregularidade sem sangramento uterino 1 1 1 2 2 2 1
sangramento aumentado
vaginal b) Sangramento uterino aumentado ou 2 1 2 2 2 2 1

Hepatite vira! a) 1 1 1 1 1 3/4 2


b) Portador ou crOnica 1 1 1 1 1 1 1
medicamentosas
Terapia antirretroviral Fosamprenavir (FPV) 112 1 112 1 2 2 2 3
(TARV)
Todas as outras TARV
sao 1 ou 2 para
todos os métodos
Anticonvulsivantes a) Fenitoína, carbamazepina, barbitúricos. 1 1 2 1 3 3

b)l 1 1 1 1 1 3
Antimicrobianos a) Antibióticos de largo 1 1 1 1 1 1
b) 1 1 1 1 1 1
c) 1 1 1 1 1 1
d) ou rifabutina 1 1 2 1 3 3
lnibidores seletivos 1 1 1 1 1 1
da recaptaçâo da
serotonina
Fonte: adaptado do coe. Summary chatt us med~l etigibility cciteria for contraceptiva use.
OIU: dispositivo intrauterioo: SIU-LNG: sistema intrauterioo de liberaçao de levooorgestrel: APP: acetato de medroxiprogesterona de depósito: POP: pllula de progestogênio:
COC: contraceptivo oral combinado: TEV: tromboembolismo venoso: P: patch; A: anel vaginal: NA: nao aplicáveL
CAPÍTULO

Embriologia, Anatomia
e Exame Clínico das Mamas
João Hemique Penna Reis
Letícia Guerra Monteiro Pinheiro
Maria Luísa Braga Vieira

INTRODUÇÃO
A glândula mamária é essencial para a amamentação do
recém-nascido, constituindo questão fundamental para a
saúde h umana. As vantagens fisiológicas do aleitamento são
mútuas para a mãe e o recém-nascido, uma vez que essa
glândula acele ra a involução ute rina pós-parto e ate nde às
necessidades nutricionais, metabólicas e imunológicas, além
de confe rir estímulo psicoafelivo ao lactente. A comp reen-
são do desenvolvimento e da morfologia e fisiologia mamá-
rias é essencial pa ra o estudo da fLSiopatologia e o manej o
das doenças benignas, pré-neoplásicas e neoplásicas das
mamas nas d ive rsas fases da vida.

EMBRIOLOGIA MAMÁRIA
O tecido glandular da mama é uma glândula sudorípara al-
tamente modificada e especializada. Basicamente, conslitui-se
de invaginações do ecwderma para formação dos duetos e Figura 28.1 Formação da c rista mamária na quinta semana de ges-
alvéolos. O tecido conjuntivo vascularizado, que irá suste ntar tação.
e nutrir o epitélio, de riva do mesode rma.
O início do desenvolvimentO ocorre no p rincípio da quin- botões epiteliais. No estágio de ramificação, esses botões se
ta semana com a fo rmação da c rista mamária na face ventral ramificam em 15 a 25 cordões, que formarão os futuros al-
do embrião (Figura 281). véolos secretó rios (Figura 28.2).
Um espessamento do ecwde rma ventral penetra o mesên-
quima subjacente e se estende da axila até a p rega inguinal Estágios do desenvolvimento mamário
junto à implantação dos membros. Na região to rácica, a "li-
• Estágio de d isco.
nha láctea" se desenvolve, enquanto o restante regride. • Estágio globular.
Na sétima e oitava semanas ocorre o espessamento do pri-
• Estágio de cone.
mórdio mamário. Em seguida, invagina-se da parede torácica
• Estágio de brotamento.
para o mesênquima - estágio de d isco. Segue-se o crescimen-
• Estágio de ramificação.
to trid imensional a que se dá o nome de estágio globular.
• Estágio de canalização.
A crista mamária irá achatar-se entre a décima e a 14' se- • Fase vesicular.
mana pela invasão poste rior do mesênquima, chamado de
estágio de cone. Entre 12 e 16 semanas, as células mesenqui- O pe ríodo entre 16 e 20 semanas se caracteriza pelo desen-
mais irão d iferenciar-se em músculo liso da a réola e mami- volvimento do primó rdio mamário secundá rio com diferen-
lo. No estágio de brotamento oco rre o desenvolvimento de ciação do folículo piloso, da glândula sebácea e dos elementos
220
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((

Capítulo 28 Embriologia, Anatomia e Exame Clínico das Mamas 221

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·a;·· ·

Figura 28.2 Desenvolvimento do botão mamário na linha láctea.

da glândula sudorípara, porém apenas as glândulas sudo rípa- a puberdade. O sistema linfático cresce simultaneamente com
ras se desenvolvem completamente nessa fase. Por volta da o sistema ductal, mantendo conexão com o plexo subareolar.
20a semana forma-se também a aréola. Glândulas apócrinas Como na fase fetal , não há d iferença morfológica entre os sexos
especiais se desenvolvem para formar as glândulas de Mont- masculino e feminino.
gome ry em torno do mamilo. Todo esse processo descrito não
depende de estímulo hormonal. ANOMALIAS DO DESENVOLVIMENTO
A partir da 20' até a 32' semana ocorre a formação de luz A regressão incompleta da linha láctea leva à formação de te-
nas ramificações ductais, induzida pelos hormônios este roi- cido mamário ectópico, que ocorre em 2% a 6% das mulheres.
des placentários (estágio de canalização) (Figura 28.3). A anomalia mais comum é a politelia, a qual pode ocorrer
A diferenciação do parênquima ocorre entre a 32' e a 40' em ambos os sexos e consiste na presença de tecido mami-
semana com o desenvolvimento das estruturas tubuloalveo- lar ectópico ao longo da linha láctea. A polimastia, menos
lares (fase vesicular).
comum, representa o desenvolvimento de tecido glandular
Nessa fase, a glândula c resce quatro vezes em volume , e mamário ectópico e geralmente se manifesta na axila. Durante
o complexo areolomamilar se desenvolve e sofre pigmen- a gestação e a lactação, a glândula pode desenvolver-se, pro-
tação. Similarmente ao desenvolvimentO ductal, o sistema vocando desconforto e, se o mamilo também estiver desen-
linfático subareolar também se desenvolve e tem origem no volvido nessa região, pode p roduzir leite.
ecwde rma. Outras anomalias são:
No recém-nascido, o estímulo hormonal placentário pode
levar à secreção de colostro , às vezes denominado "le ite de • Hipoplas ia: hipodesenvolvimento da mama.
b ruxa", que pode ser percebido até 7 d ias após o parto e ocorre • Amas tia: ausência congênita da mama.
em torno de 5% dos recém-nascidos. • Amazia: ausência da glândula, mas presença do mamilo.
Durante a infância, as estruturas ductais e o estroma cres- • Síndrome de Poland : h ipoplasia de mama, tórax e mús-
cem de modo similar ao restante do corpo da criança até atingi r culo peitoral unilateral.

;,-_ Glândula subcutânea

\. # ,.. '

I
f·..:.'
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I • , II
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1/ 1-h,•
- ' , I• ',
~~~~-- Duetos em ramificação
Í/ 11 (presença de lúmen)

-- • , , r ti
--
Figura 28.3 Início da ramificação ductal.
/.

)/:
I 222 Seção I Ginecologia

DESENVOLVIMENTO NORMAL aréola. O estrogênio promove o desenvolvtmento da porção


O p ri meiro sinal de puberdade nas merunas consiste no ductal da mama e a progesterona, dos lóbulos e alvéolos. En-
aparecimento do broto mamário -te!arca (estágio M2 de Tan- tretanto, para que ocorra a dtferenciação completa da glân-
ner). Esse smal ocorre, usualmente, entre os 10 e os 12 anos dula mamária é importante a ação da tnsulina, do contsol, da
de idade, sendo dependente pnncipalrnente da secreção de Liroxina, da prolacuna e do hormônio do cresctmento (GH).
estrogtmo. Para a indução estrogl'nica para dtVJsão da célula epttehal
As mudanças sexuaiS podem ser acompanhadas e,·oluti- primordial é necessãna a presença da tnsuhna. A dtferencta-
\'amente pelos estágtos de Tanner, que avaliam nas meninas ção final da célula epuehal ah·eolar em célula láctea madura
a variação da mama e dos pelos pubtanos. Há cinco estágios necessita da prolaclina após expostção prévia ao contsol e à
para cada um desses marcos, desde a mfâncta até a maturida- insulina. Todo o processo depende atnda de quanudades ml-
de (Quad ro 28.1 e Figura 28.4). nimas de liroxina. Asstm, o desenvoh'imento adequado das
A hipófise antenor segrega o hormOmo foliculo-eslimu- mamas ocorrerá na condição de normalidade endócrina do
lame (FSH) e o hormôn io lutemizante ( LH) por influtncia organismo. Pequenas deficil'ncias, no entanto, podem ser
de hormOnios hipotalâmtcos liberadores das gonadotro- compensadas por excesso de prolacuna.
finas segregados no sistema venoso portal hipotalâ mico- A ovulação pode ocorrer desde a menarca, mas normal-
-hipofisário. mente os ciclos menstruais dos primei ros 2 anos apOs a me-
O FSH promove a matu ração dos follculos ovarianos pri- narca são anovulatórios e irregulares. Assim sem a fase lútea
' '
mordiais em folículos de Graa f, que segregam o estrad iol. Em o eixo h ipotálamo-hipófise-ová rio fica desequilibrado, resul-
geral, a primei ra resposta aos nlveis crescentes de estrogênio tando em maior estimulo estrogl'nico não oposto pela proges-
se reflete no aumento do tamanho e da pigmentação da aréola terona. Dessa manei ra , o epitélio dueLai se desenvolve mais,
e na formação de volume de tecid o mamá rio logo abaixo da simultaneamente ao tecido conj untivo, que ganha volume,
elasticidade, vascu larização e depósitos de gord ura. Com o
Quadro 28.1 Fases do desenvolvimento da mama segundo Tanner
passar do tempo os folfculos madu ros começam a ovular e o
corpo lúteo a produzi r a progesterona, promovendo o desen-
Fase 1: puberdade Elevaçao P<é-adolescente do mamilo, volvimento alveolar.
sem tectdo glandular palpável ou
pigmentação areolar
Fase 11:1 1,1 ,.1,1 ano Presença de tec•do glandular na regiao ANATOMIA DA MAMA
subareolar. O mamtlo e a mama se O conhecimento da anatomia da mama é de grande tmpor-
P<otetam da parede torácica em
elevaçao Unica
tãncia para o entendimento da evolução e do comportamento
das lesões mamárias e tmprescmdlvel na abordagem cirúrgtca
Fase 111: 12,2 ,.1,09 ano Aumento na quanttdade de tecido
glandular palpável com alargamento
dessas lesões. Atualmente, com a mtegração dos concenos de
da mama e aumento do dtametro e da cirurgia plástica à ctrurgta oncológtca mamána, estabeleceu-se
pigmentaçao da aréola O contorno uma \'isão mais global e abrangente da mama como órgão esté-
da mama e do mamtlo permanece no
tico e funcionaL
mesmo plano
A glándula mamária estã locahzada na parede amenor do
Fase IV: 13,1 ,.1,15 ano Aumento da aréola e de sua
pigmentaçao. O mamtlo e a aréola
tórax, estendendo-se habitualmente da segunda à sexta cos-
formam uma elevação secundária tela (sulco inframamáno) e da hnha axtlar média até a borda
actma do nlvel da mama lateral do esterno. Essa medida é critica, pois representa o
Fase V: 15,3 ,. 1,7 ano Desenvolvtmento adolescente final com tamanho do sulco mamário, a chamada base da mama, que
contorno suave e sem projeção da é referência para as escolhas de implantes ou retalhos em re-
aréola e do mamilo
construção de mama.

1 3 5

Figura 28.4 Os ctnco estágiOS de Tanne< do desenvolvimento rnamâno.


r
((

Capítulo 28 Embriologia, Anatomia e Exame Clínico das Mamas 223

A mama tem o tamanho médio de lO a l2cm de diâmetro e


espessu ra central de 5 a 7cm. Cerca de 5% do tecido mamário
podem se r encontrados em outras áreas. Eventualmente se
estende até a clavícula, até a metade do esterno e ao longo da
parede abdominal superior, anterio r à fáscia do retO (Quad ro
28.2 e Figura 28.5). Além disso, pode atingir a axila em graus
variáveis. Nessa tOpografia, forma a cauda ou prolongamento
axilar, a de nominada cauda de Spencer.
Camada superficial
A mama é encapsulada entre as camadas superficial e pro-
Fáscia superficial
funda da fáscia supe rficial (Figura 28.6). Apesar desse enve-
lopamento, eventualmente se observa tecido glandular em
estreita relação com a derme. f-- - Camada superficial
Fáscia superficial
Profundamente, a fáscia e a camada supe rficiais da fáscia
peitoral são indistintas, apartadas somente por uma faixa de
tecido conjuntivo frouxo, denominado espaço retromamário
de Chassaignac, o qual representa importante plano de dis-
secção entre a mama e o músculo peitoral maior.

_ _ _ Ligamento de
Quadro 28.2 Limites anatômicos da mama Cooper
Superior Segunda ou terceira costela
Inferior Sexta ou sétima costela
Mediai Borda do osso esterno
Lateral Linha axilar média ou borda anterior do músculo
grande dorsal

Figura 28.6 Camadas superfic ial e profunda da fáscia mamária in-


terligadas pelos ligamentos de Cooper.

A fáscia pe itOral cobre o músculo peitOral maior e é contí-


gua à fáscia profunda dos músculos reto abdominal, serrátil
anterior e oblíquo externo. lateralmente, as fáscias peitOral
supe rficial e profunda se unem para envolver os vasos axilares
e o conteúdo axilar de vasos linfáticos, linfonodos e tecido
adiposo.
Os ligamentos de Cooper se distribuem por tOda a mama e
conectam as fáscias superficial anterior e posterior da mama e a
fáscia do músculo peitoral maior à derme.
O parênquima mamário é constituído por tecido glandular,
tecido conjuntivo (estroma e ligamentos de Coope r), por onde
Glândula
mamária passam vasos sanguíneos, linfáticos e nervos, e tecido adiposo,
que é o principal responsável pelo volume mamário, apresen-
tando grande variação entre os ind ivíduos e a faixa etária. A
relação entre adiposidade e tecido glandular define a densidade
radiológica da mama. A maior proporção de tecido glandular
significa mamas mais densas, e a substituição adiposa aumenta
em função da idade, especialmente após a menopausa, em ra-
zão da atrofia glandular e do ganho individual de peso.
Fáscia do -f- - -- - - - - A glândula mamária propriamente dita é formada pelo
reto abdominal
sistema lobular e ductal e composta por 15 a 20 lobos (uni-
dades ducwlobulares). Não é possível, na verdade, definir
exatamente os limites de um lobo, pois, apesar de nunca se
O Extensão glandular
comunica rem, eles se entrelaçam.
Cada lobo mamário é formado po r 20 a 40 lóbulos, e cada
Figura 28.5 Extensão da g lândula mamária. lóbulo é formado por lO a 100 alvéolos (ácinos). Cada ló-
/.

'
'/
J 224 Seção I Ginecologia

bulo, unidade morfofuncional da mama responsável pela acompanha o suprimento arterial e drena para as veias ma-
secreção de leite, mede cerca de 0,5mm. Múltiplos lóbulos márias internas e os ramos tributários das veias intercostais
dispersos coalescem e drenam para dúctulos, que se unem no e vertebrais. As veias intercostais posteriores drenam para a
duetO principal, que segue até o mamilo. Os duetOs coletores ázigos e as ve ias vertebrais, seguindo para a veia cava. As per-
que d renam cada lóbulo medem cerca de 2mm de d iâmetro e furantes torácicas internas desembocam na veia inominada e
são por volta de seis a 10. Esses duetOs podem apresentar d i- as pe rfurantes peitorais fluem para a veia torácica lateral que
latações terminais - os seios lactíferos subareolares (5 a 8mm drena para a veia axilar.
de diâmetro). Células metastâticas podem passar por quaisque r dessas
A aréola, a porção central da mama, tem formatO circular, rotas e chegar ao coração, atingindo o pulmão e outros órgãos
varia de 30 a 50mm de d iâmetro e se localiza geralmente no e tecidos poste riormente.
quano espaço intercostal. A coloração é comumente rósea,
mas varia conforme a etnia. Contém glândulas sebáceas mo-
dificadas e tubérculos de Morgagni. Na gravidez, esses tubér-
culos se h ipemofiam e originam os tubérculos de Montgo-
me ry, importantes na lubrificação do tecido areolar, havendo
também, na aréola, a presença de fibras musculares lisas que,
sob determinados estímulos, possibilitam sua contração, re- Artéria
Perturante toracoacromial
duzindo seu tamanho e projetando o mamilo para a frente,
Extensão
processo esse que provoca a ejeção da secreção contida nos Artéria
toracodorsal -f- - ~~,..---/superior da
seios lactíferos. ~ glândula mamária
Artéria mamária -f- -
Do centro da aréola emerge o mamilo ou a papila, de for- externa
Artéria mamária
interna
mato cilíndrico, que contém lO a 20 óstios correspondendo Artéria perfuranta ""i~!::::~~
à desembocadura dos duetOs lactíferos. O mamilo contém intercostal Perfurante da
mamária interna
inúmeras terminações nervosas sensoriais, que incluem os Porção externa - - ' ' - - - ----'
da mama
corpos de Ruffini e os corpúsculos de Krause.
Dos pontos de vista clínico, cirúrgico e radiológico, a mama 1---::f--- Extensão da
é dividida em quadrantes: quadrante superior interno (QSI),
quadrante supe rior externo (QSE) - área da mama com maior
I glândula mamária
abaixo do sulco
inframamário
incidência de lesões malignas - , quadrante inferior interno
(Qil) e quadrante inferior externo (QIE). Essa convenção não
guarda correlação com nenhum tipo de d istribuição ductal Ramo da mamária externa
Peitoral maior
ou lobular.
Peitoral menor

Suprimento sanguíneo
Figura 28.7 Irrigação das mamas.
A p rincipal irrigação arterial da mama ocorre pelas a r-
térias mamárias interna e tOrácica lateral. As perfu rames
ante riores da mamária interna, ramo da arté ria subclávia, Perfurante da
irrigam as po rções central e med ia\ da mama, correspon- ~--- mamária interna
Ex terno
dendo a 60% de seu volume. A tOrácica lateral, ramo da
artéria axilar, tóracoacromial ou da subescapular, irriga
30% da mama , p rincipalmente o quadrante superior late-
_ _ _ Artéria mamária
ral. Outros vasos que contribuem em menor escala para o interna
suprimento sanguíneo da mama são o ramo peitoral da ar-
téria wracoacromial, os ramos latera is das tercei ras, qua r- Artérias
tas e quintas artérias inte rcostais e as arté rias wracodorsal --"""7~ perfurantes

e subescapular. mediais

O sistema de d renagem venoso da mama é de extrema im-


portância em razão do potencial de d isseminação hemawgê-
nica de metástases do câncer de mama. A d renagem venosa
é feita pelos plexos superficial e profundo. O superficial se Ramos da artéria
- - intercostal lateral
inicia na região periareolar, formando o círculo venoso, e se-
Artéria intercostal
gue anterior à fáscia superficial, constituindo uma rede trans-
versal e longitudinal inte rligada, como uma malha, que d rena
para as veias mamária interna e j ugular interna. Os plexos ~· .:.__ NA"'" torácico
longo
superficial e profundo se comunicam por vasos que atraves-
sam o parênquima mamário. A drenagem venosa profunda Figura 28.8 Irrigação arterial- plano sagital.
r
((

Capítulo 28 Embriologia, Anatomia e Exame Clínico das Mamas 225

O plexo venoso verteb ral de Batson , que rep resenta a • Grupo da mamária externa (grupo peitoral - quatro a
segunda rota de d isseminação de met.ástases do cânce r de cinco linfonodos): situa-se na bo rda inferior do músculo
mama , se estende da base do crânio ao sacro, segu indo as peitoral menor, em associação aos vasos to rácicos late rais,
vértebras, e mantém contato com o rgãos torâcicos, abdomi - e recebe a maior parte da d renagem da mama.
nais e pélvicos. Em geral, essas veias não contêm válvulas, o • Grupo dos subescapulares (seis a sete linfonodos): situa-
que pode explicar a rota de met.ástases para vértebras, coste- -se ao longo da parede posterior da axila até a borda late-
las e sistema nervoso central. Esse sistema adquire particu - ral da escápula, em associação aos vasos subescapulares,
lar significância na mama, uma vez que as ve ias intercostais e recebe a drenagem da região ce rvical poste rior e ombro.
posteriores est.áo em continuidade d ireta com o plexo veno- • Grupo central (três e quatro linfonodos): situa-se pos-
so verteb ral. teriormente ao músculo peitoral menor, entremeado po r
tecido adiposo, e recebe d renagem da mama dos três gru-
Drenagem linfática da mama pos anteriores e também diretamente da mama. Em segui-
A d renagem linfática da mama se faz maciçamente para a da, pode drenar para o grupo subclavicular, que é o mais
axila. Por isso, é essencial o conhecimento dos grupos de linfo- facilmente palpável. Impo rtante para avaliação clínica de
nodos axilares, em especial após o uso da técnica de linfonodo metástase.
sentinela. • Grupo subdavicular ou apical (seis a 12 linfonodos):
A drenagem linfática também acompanha o sup rimento situa-se posterior e superior à borda do músculo peitOral
arterial e é composta por plexo supe rficial (ou subareola r de menor e recebe a d renagem, direta ou indireta, de todos os
Sappey) e plexo profundo (ou aponeurótico), que se interco- outros grupos.
nectam. • Grupo interpeitoral ou de Rotter (três a q uatro linfono-
A porção mediai da mama é d renada pelos perfurantes to- dos): situa-se entre os músculos peitoral maior e menor e
rácicos internos para os linfonodos paraesternais. A porção drena para os grupos central e subclavicular.
lateral segue pelo parênquima e pelo entorno dos músculos
Os ciru rgiões também classificam os lin fonodos axila-
peitorais maior e menor para os linfonodos subpeiLOrais. Uma
res de acordo com sua localização em relação ao músculo
parte da linfa segue diretamente para a cadeia subescapular
pe itO ral menor. O n ível I se localiza lateralmente à bor-
ou para os linfonodos centrais e a picais da axila (Figu ra 28.9).
da lateral do peitoral menor (grupo ve ia axilar, mamária
A linfa Oui unidirecionalmente do plexo superficial para o
exte rna e subescapula res), o n ível I! se situa posterior-
profundo e do plexo subareolar para os vasos linfáticos dos
mente ao peitOral menor (grupos central e pane do subclavi-
dueLOs lactíferos e para os vasos lobulares, d renando, ent.áo,
cular) e o n ível lll, medialmente à borda mediai do pe itO ral
para o plexo subcutâneo profundo. O Ouxo se move centri-
menor (grupo subclavicular). Essa é a classificação de Be rg
fugamente para os linfonodos axilares e da mamária interna, (Figura 28.10).
sendo 97% para a axila e 3% para a mamária inte rna.
Os linfonodos axilares podem se r agrupados em:
• Grupo da veia axilar (grupo lateral): quatro a seis linfo-
nodos. Situa-se mediai ou poste riormente à veia axilar e
recebe a drenagem da região supe rior da mama.

Unfonodos Linfonodos
supraclaviculares _ _"7.c._-ó M ' - subclaviculares
Cadeia da
mamária interna -\:,...----{) l,J-l-- Cadeia da
mamária
externa

Figura 28.1O Os três níveis de dissecção axilar segundo a classifi-


Figura 28.9 Cadeias linfáticas da mama. cação de Berg.
/.

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'/
J 226 Seção I Ginecologia

Os hnfonodos da cadeia mamária mtema estão situados


_-- Nerw pettoral medal
no pnmeuu, segundo e terceiro espaços mtercosta1s da região
paraesternal.

l nervação da mama
A sensibilidade sensorial da mama é provida principal-
mente por ramos cutâneos laterais e anteriores do segundo
ao sexto nervos intercostais. A comribuição do segundo e
terceiro nervos intercostais é menor, correspondendo apenas
à porção mais superior da mama, região essa que também
recebe inervação dos ramos anterior e mediai do nervo supra-
cla,~cular do plexo cerúcal (Figura 28. 11 ).
Os ramos lateraiS dos nervos intercostaiS deaxam esse es- Nerw subescapular
paço na Inserção do músculo serrátil antenor. Esses nervos se inferior
dividem em ramos anteriores e posteriores. Os ramos ante-
riores passam à fãscia superficial, inervando a parede torácica Nerw toracodorsal
anterolateral. Os ramos do terceiro ao sexto nervos mtercos-
- - - Nervo torácico longo
tais, chamados de ramos mamários laterais, inervam a mama.
O ramo lateral do segundo nervo intercostal é relevante por
se r ramo do nervo intercostobraquial, responsável pela iner- Figura 28.12 Nervos da axila.
vação sensitiva do terço superior do braço e a inervação das
glândulas sudorlparas da axila.
Ramos anteriores dos nervos intercostais emergem pró- O nervo torácico longo (nervo de Bel! ou respiratório aces-
ximo à borda lateral do esterno e lançam ramos medtais e sório), que também deve ser presen·ado na cirurgia de esva-
laterais para a parede torácica. Os lateraiS mervam a por- ziamento axtlar e, caso lesionado, provoca a "escápula ala-
ção med1al da mama e são chamados de ramos mamános da" e relam·o enfraquecimento do ombro com consequente
medm1s. deformidade estéttca, se ongma do plexo braqmal e emerge
O nervo toracodorsal se origina do plexo braquial e passa posteriormente aos vasos axilares na porção mediai da fossa
posteriormente aos vasos axilares, aproxima-se e acompanha subescapular. Seu curso segue ao longo da parede torácica
os vasos subescapulares medialmente, e anteriormente cruza superior, posteriormente à inserção do músculo serrátil.
esses vasos até se inserir na porção média do músculo grande O nervo intercostobraquial, conforme citado, se origi na do
do rsal. A identificação e a preservação desse nervo durante a segundo nervo intercostal e passa pela fáscia na base da axila,
ciru rgia axi lar impedem a atrofia do músculo grande dorsal, sendo frequentemente lesionado na cirurgia de dissecção axi-
importan te na cirurgia de reconstrução da mama com retalho lar, o que acarreta a perda da sensibilidade cutânea da porção
do músculo grande dorsal (Figura 28.12). mediana superior do braço.

limites da dissecção axilar


O conteúdo axtlar que de,·e ser excisado na cirurg1a de es-
,·aziamento axilar segue refer~ncias anatômicas bem delimdas
que devem ser obsen•adas e respeitadas pelo cirurgião. Os
Nervo
limites da axila, em formato piramidal, são:
intercostobraquial ~~
• Su perior: veia axilar.
• Med iai: múscu lo serrátil anterior, gradeado costal, 011de
corre o nervo de Bell, em sentido caudal.
Nervos
interooslais
• l ateral: borda lateral do músculo grande dorsal e seu feixe
laterais vasculonervoso.
• Profundo: fossa subescapular, coberta pelo músculo su-
bescapular.
Durante a Clrurgta grandes \'liSOS são encontrados com fre-
quente vanação anatOm1ca (F1gura 28.13).

EXAME CLÍNICO
O câncer de mama é o segundo tipo de neoplasia mais fre-
Figura 28.11 lnervação da mama. quente no mundo e o mais comum entre as mulheres. Como se
r
((

Capítulo 28 Embriologia, Anatomia e Exame Clínico das Mamas 227

Artéria --=-~.,.....,

subescapular Artéria braquial

Artéria escapular --...,?~'->\


circunflexa

Figura 28.13 Grandes vasos da axila .

trata de neoplasia maligna heterogênea, sem sinais ou sintomas serâ considerado patOlógico. Outro sinal comum relacionado
pawgnomônicos, urna importante parcela dos diagnósticos é com a papila é sua retração súbita. Queixas menos comuns são
estabelecida po r médicos não oncologistaS. É evidente a impor- a assimetria mamária de início recente, a h iperemia e o edema
tância do ginecologista como "clínico" da mulher na tentativa da pele, que, quando não associados a febre e dor, constituem
de realização de diagnóstico precoce, quando as chances de sinais importantes para o diagnóstico diferencial entre câncer
cura são elevadas. de mama inflamatório e mastite.

Anamnese e exame físico Exame tísico


Anamnese O exame físico das mamas tem a duração de 8 a 10 mi-
A história clínica obtida de maneira bem criteriosa ~udarâ nutos e deve incluir inspeção estática e dinâmica e palpação
a identificar fatOres de risco para o desenvolvimento do cân- cuidadosa das mamas e axilas, das fossas supra e infraclavi-
cer de mama, CL~a incidência e monalidade tem aumentado culares e das regiões paraesternais.
em tOdo o mundo e, ao que tudo indica, parece ser o resulta- Na inspeção estática, com a paciente sentada e os braços
do da interação de fato res genéticos com estilo de vida, hábi- relaxados lateralmente, observam-se comparativamente as ma-
tOS reprodutivos e me io ambiente (Quad ro 28.3).
O fatO de a paciente se r do sexo feminino é o p rinci- Quadro 28.3 Fat()(es de risco para o câncer de mama (O)
pal fator de risco, uma vez que a incidência do câncer de
Ri sco multo elevado (AR ;;, 3,0)
mama é de 1 homem para cada 100 mulhe res. Em relação à
idade, há aumento exponencial nas pacientes climatéricas Mãe ou irmã com câncer de mama na pré-menopausa
Antecedente de hiperplasia epitelial atlpica ou neoplasia lobular in situ
e idosas. Suscetibilidade genética comprovada (mutação de BRCA1-2)
Na história gineco-obstétrica é importante questionar so- Ri sco medlanamente elevado (1,5 ,; AR < 3,0)
b re menarca, menopausa, paridade, idade da primeira ges-
Mãe ou irmã com câncer de mama na pós-menopausa
tação a termo, uso de hormônios exógenos (idade de início Nuliparidade
de contraceptivos hormonais, tempo de uso contínuo e de Antecedente de hiperplasia epitelial sem atipia ou macrocistos
hormonoterapia), antecedentes pessoais e familiares, além apócrinos
de outros fatOres de risco, confo rme citado no Quadro 28.3. Ri sco pouco elevado (1,0 ,; AR< 1,5)
Durante a entrevista médica devem ser caracterizados os sin- Menarca precoce ( <8 anos)
tOmas e a cronologia de seu aparecimento. Menopausa tardia (;,55 anos)
O relatO de aparecimento de nódulo mamário constitui a Primeira gestação a termo após 30 anos
Obesidade
queixa mais frequentemente relacionada com o câncer de mama Dieta gordurosa
e, se o aparecimento for recente e houver a presença de cresci- Sedentarismo
mento, se rã considerado suspeitO. O derrame papilar, quando Terapia de reposição hormonal por mais de 5 anos
Ingestão alcoólica excessiva
espontâneo, sanguinolento ou cristalino e unilateral, também
/.

'
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J 228 Seção I Ginecologia

sando ao relaxamento da musculatura peitOral para facilitar a


palpação das axilas (Figura 28.15B).
A palpação das mamas deve se r feita com a paciente em
decúbito dorsal com as mãos atrás da cabeça. Com a face pal-
mar, fazendo movimentos circulares, apalpa-se wdo o tecido
mamá rio de mane ira sistemática em sentido ho rário, compri-
mindo-o gentilmente contra o gradil costal. Em seguida, a
palpação deve ser continuada de maneira mais suave com as
falanges d istais dos dedos, procurando as lesões mais super-
ficiais. Ao se identificar uma lesão mamária , devem se r defi-
nidos sua localização, forma, tamanho, consistência, limites e
mobilidade (Figura 28.16B e C).
A expressão papilar bilateral, também uma etapa do exa-
me clínico das mamas, é indicada especialmente nos casos
em que há queixa de de rrame papilar espontâneo, para se
Figura 28.14 Retração da pele da mama. confirmar e verificar a origem ductal (uni ou multiducta\),
identificando-se o "ponto de gatilho".
mas quanto a volume, formatO, contorno, saliências, reu-ações, As técnicas utilizadas são várias, sendo mais importante
eritema localizado ou difuso, ulceração, posicionamento da rastrear wda a glândula mamária em busca de qualquer dife-
aréola e do mamilo, bem como alteração do volume axilar (Fi- rença de consistência entre o tecido ad iposo e o parênquima
gura 28.14). fibroglandular. São também descritas outras técnicas de pal-
Na inspeção dinâmica, as manobras visam identificar pação, como as que seguem:
abaulamento ou retrações quando há o comp rometimento • Concêntrica: partindo do complexo areolomamilar (CAM)
direto da pele pelo tumor ou se localizado em plano profun- para a periferia, na d ireção das linhas de Langhans.
do , acometendo os ligamentos de Cooper. Por meio das ma- • Em quadrantes : dividindo as mamas em quatro quadran-
nobras de contração da musculatura peitOral, elevação dos tes, examinando-os minuciosamente e deixando o CAM
b raços acima da cabeça ou semiflexão do tronco (manobra de para o final.
Auchinc\oss), procura-se detectar a presença de nódulos ou • Radial: iniciando da periferia para o centro, deixando o
alterações na mobilidade das mamas. CAM para o final, quando será feita sua expressão.
Quanto à palpação, deve se r realizada na posição sentada,
em decúbito dorsal e na posição oblíqua. O exame clínico das mamas (ECM) é capaz de detectar o
Na posição sentada é realizada a palpação das fossas supra cânce r mamário palpável em seus estád ios iniciais. Deve ser
e infraclaviculares (Figura 28.15A). A região axilar e a cauda especificamente encarado como a oportunidade de se con-
de Spencer devem ser examinadas com o braço da paciente ve rsa r com a paciente sobre esse câncer, os fatOres de risco
apoiado no ombro do examinado r ou segurado por este, vi- e as vantagens da detecção p recoce, assim como a compo-

Figura 28.15A Palpação das fossas supraclaviculares. B Palpação das axilas.


r
((

Capítulo 28 Embriologia, Anatomia e Exame Clínico das Mamas 229

Figura 28.16A Palpação na posição sentada (ajuda a identificar lesões profundas). B Palpação das mamas: manobra de Velpeaux (com a
face palmar dos dedos indo ao encontro do gradil costal). C Palpação em posição oblíqua (ajuda a detectar lesões nos quadrantes laterais)
e manobra de Bloodgood (palpação com as falanges d istais do segundo e terceiro dedos).

sição normal das mamas e suas variações. Apesar de o exa- Pode ser errado, entretanto, concluir que as mulhe res
me físico isoladamente não ser responsável pela redução da não devam se manter atentas a qualquer alteração nas ma-
mortalidade por esse tipo de câncer, represe nta ferramenta mas, po is é possível que o aumento da atenção mamária
importante no screening e diagnóstico das doenças mamá- tenha contribuído para a diminuição da mortalidade pelo
rias, principalmente no cenário socioeconõmico brasilei ro, câncer de mama notada em alguns países. Consequente-
em que são muitO deficientes os programas de rastreamento mente, as mulhe res devem ser encorajadas a procurar as-
mamográfico. s istência médica se percebe rem qualque r alteração suspei-
Embora o ECM detecte, eventualmente, câncer de mama ta na mama.
não diagnosticado pela mamografia, há contrové rsias se esse Os conhecimentos atuais proporcionados por grandes en-
exame somado à mamografia irá melhorar a acurácia do saios clínicos ainda sáo insuficientes para recomendar como
screening. A sensibilidade e a especificidade do ECM encon- screening o ECM em mulheres com mais de 40 anos de idade.
tradas em ensaios clínicos de rastreamento mamário em es- Provavelmente, se for realizado de maneira padronizada por
tudos obse rvacionais alcançam cerca de 54% e 94%, respec- profissional altamente treinado e principalmente associado à
tivamente. mamografia, haverá um pequeno ganho no número de cân-
Estudo realizado em Ontário analisou coorte de ce rca de ceres d iagnoslicados.
290 mil mulheres com idade entre 50 e 69 anos, comparan-
do a acurácia do screening entre os centros que ofereciam o
ECM, além da mamografia. Tanto a taxa de detecção do cân- Leitura complementar
Berg JW. The significance oi axilary nade leveis in the study oi breast
cer como a sensibilidade foram mais altas nos centros que
carcinoma. Cancer 1955; 8:776.
ofereciam o ECM somado à mamografia, assim como a taxa Cooper AP. On the anatomy oi the breast. London: Longmans Orme,
de recall, em virtude de alte rações encontradas no exame físi- Green, Brow, & Longmans, 1840.
co e dos resultados falso-positivos. Dabelow A. Milchdruse. In: Bargman W (ed .). Handbuch der Mikros-
Para cada câncer adicional detectado pelo ECM realizado kopishen Anatomie des Menschen. Vol 3, part 3. Berlin: Springer-
Verlag, 1957.
em 10 mil mulheres há aumento de 55 falso-posilivos no
Dawson EK. A histological study oi the normal mama in relation to
screening. O benefício do aumento da sensibilidade ao se adi- tumour g rowth. 1. Early development to maturity. Edimb Med J
cionar o ECM à mamografia deve ser ponderado em relação 1934; 4 1:653.
aos potenciais riscos (deformidades, cicatrizes mamárias em Haagensen CD. Diseases oi the breast. Philadelphia: WB Saunders,
razão de biópsias e procedimentos invasivos) e também aos 1972:2.
Hicken NF. Mastectomy. Clinicai pathologic study demonstrating why
maiores custos em vi rtude da necessidade de seguimento dos
most mastectomies result in incomplete remova! oi the mammary
resultados falso-positivos, assim como a ansiedade gerada pe- gland. Arch Surg 1940; 40:6.
las avaliações adicionais. Hicken NF. Mastectomy. Clinicai pathologic study demonstrating why
Infelizmente, o estudo filipino publicado em 2006, um most mastectomies result in incomplete remova! oi the mammary
ensaio populacional que randomizou 404.947 mulheres, (oi gland. Arch Surg 1940; 40:6.
Hultborn KA, Larsen LG, Ragnult I. The Lymph drainage from the
interrompido precocemente em razão da baixa adesão ao re-
breast to the axilary and paraesternal lymph nades: studied with
fe renciamento para o diagnóstico nas pacientes com screening aid oi coloidal Au' 98 . Acta Radial 1955; 43:52.
posilivo e também por causa da ausência de seguimento a Malinac JW. Breast deformities and their origin. New York: Grune &
longo prazo. Stratton, 1950:163.
/.

'
'/
J 230 Seção I Ginecologia

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the radiologist's expanded role. NewYork: John Wiley and Sons, 1977. mamary gland in vitro. Recent Prog Horm Res 1970: 26:287.
C APÍTULO

Fatores de Risco
no Câncer de Mama
Clécio tnio Murta de Lucena
Cristóvdo Pinheiro Barros
Alexandre de Almeida Barra

INTRODUÇÃO EUA, aproximadamente 250 mil mulheres têm diagnóstico


O câncer de mama pode ser considerado uma das mais de câncer de mama invasivo a cada ano, ao passo que entre os
complexas e intrigantes doenças, e.XIbmdo grande variabili- homens esse número é de apenas cerca de 2.600.
dade em seu comportamento e,·olutivo, apresentação clínica,
expressão radiológica, bem como suas própnas \;mações his- IDADE
tológicas. No entanto, nada é tão tntngante quanto a discus- A idade é reconhecida como um dos principais parâmetros
são de sua epidemiologia e seus fatores de risco. de defirução do nsco de uma paciente. O câncer de mama é
Segundo dados de estimativa do Instituto Nacional de Cân- extremamente raro nas mulhe res com menos de 20 anos
cer (INCA) para o ano de 2016, espera-se a ocorrencia de e incomum até os 30 anos de idade, tendência que aumen-
57.960 casos novos no Brasil, sendo 5.160 em Mi nas Ge rais ta gradativa e continuamente a partir dessa faixa etária, com
e aproximadamente 1.030 apenas na cidade ele Belo Horizon- maior incremento nas curvas de incidência na faixa entre 50
te, o que, por si só, traduz a dimensão que represe nta esse
e 70 anos.
tipo de câncer no pais. Apesar de considerado o segundo tipo Nos EUA, o risco de desenvolver esse tipo de câncer entre
de câncer mais comum na população feminina, é a principal
o nascimento e os 49 anos de idade é de 1,9%; dos 50 aos
causa de morte. 59 anos, 2,3%; dos 60 a 69 anos, 3,5%; e acima de 70 anos,
Apesar de ainda não ser possh·el a defimção do que leva
6,7%. Do nascimento até a morte, urna em cada ono mulhe-
a seu desenvolvimento, pode-se afirmar que se trata de urna res terá cáncer de mama (12,3%).
doença de euologia multifatorial, determmada pela mtera- Na Interpretação desses dados fica evidente que, quanto
ção de tr!s importantes grupos de fatores mterligados: os maior a 1dade de uma mulher, maior o risco de desenvolvt-
fatores ambientais e genéticos, bem como os comporta men-
mento desse câncer.
tais, os quais, com maior ou menor atuação, representarão o
fator mais determi nante no desenvolvimento e na progres-
são desse mal. DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA E INFLUÊNCIA ÉTNICA
Entre os d ive rsos fato res de risco para o câ nce r de mama O câncer ele mama apresenta grande variabilidade geográ-
podem ser estratificados os seguintes: os não modificáveis fica . Taxas de incidência mais elevadas podem ser encontra-
{gênero, genéticos, idade, história familiar, etnia e altura); das nos EUA, na Europa Ocidental e em grande pane dos paí-
os modificáveis (dieta, índice de massa corporal, atividade ses desenvolvidos. Em contrapartida, na Âfrica Subsaariana,
fls1ca, tabagismo, consumo de álcool, uso de estrogenio exó- na Ásia e nos países em desenvolvimento, as taxas de inci-
geno e históna reprodutiva); e os potencialmente modifi- dência chegam a ser até 10 vezes menores, embora estejam
cáveis (idades da menopausa e do pnme1ro parto, além da aumentando, pro\"avelmeme em razão das mudanças nos há-
amamentação). bitos de nda.
Para 2016 f01 esumada a incidência de 57.960 casos novos
GÊNERO no BrasiL Cabe destacar que no Brasil a incidência da doença
O genero é o principal fator de risco para o câncer de é maior nas regiões mais dese nvolvidas, como Sul e Sudeste,
mama, o qual é 100 vezes mais frequente em mulheres. Nos comparáveis às taxas norte-americanas e da Europa Ocidental,
231
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J 232 Seção I Ginecologia

enquanto ta.xas bem mais baixas são registradas nas regiões No estabelecimento do risco para o câncer de mama, con-
None e em alguns estados do Nordeste, comparáveis às en- siderando a história fam1liar. obsef\'3-se risco aumentado em
contradas em bom número dos pa!ses da África e da Asia. mulheres com casos da doença em parentes de pnmeiro grau,
Ao se considerar a \'anação racml, a maior taxa de câncer como irmã, mãe, pai ou filha. Nesses casos, deve-se le\'ar em
de mama nos EUA ocorre entre as mulheres brancas (1221100 conta se o câncer f01 dtagnost•cado na pré-menopausa e se
mil) em relação às negras (117/1 00 mH). Apesar dessa menor ocorreu em uma ou em ambas as mamas. caracterfsucas que
incidêncta, as taxas de d•agnóstiCO precoce são menores nas possibilitam avaliar o risco relauvo (RR) em cada caso. Esse
mulheres negras (35% x 45%) e as de monalidade especifica risco é especialmente ele,'ado quando o fam1liar tem câncer
são ma1ores (32 x 22 mones por I 00 mil mulheres). bilateral na pré-menopausa.
O risco pode ser quanuficado sucmtamente do segumte
DOENÇAS BENIGNAS E RISCO DE CÂNCER DE MAMA modo: um parente de prime1ro grau na pós-menopausa com
câncer de mama ou ovário- RR: 1,8; um parente de primeiro
As doenças bemgnas das mamas representam um conjunto
grau na pré-menopausa com câncer de mama ou ovário - RR:
intrigante de fatores de nsco tard1o para esse câncer, agrupan-
3,3; com câncer de mama bilateral- RR: 3,2; e com câncer de
do um espectro de entidades histológicas usualmente subdi-
mama masculino - RR: 3,5. Avaliação criteriosa é necessãria
vididas em lesões não proliferalivas, lesões proliferativas sem
para de finição do risco familiar e da probabilidade de muta-
ati pias e lesões prol iferativas com atipias. Entre essas, as le-
ção, promovendo in formações adequadas a respeito da neces-
sões proliferativas apresentam au mento no risco de dese nvol-
sidade de intensificação dos exames para detecção p recoce e
vimento da doença com magnitude de impacto d ife renciado.
realização d o teste genético.
Em uma coorte co m mais de 15 anos de seguimento, ob-
O teste genético está ind icado para pacientes com d iagnós-
se rvou-se risco relativo de 4,24 (3,26 a 5,4 1) para as pacien-
tico de câncer de mama nas segui ntes situações; diagnóstico
tes com diagnóstico de hiperplasia at!pica, risco relativo de
antes dos 45 anos e câncer de mama bilateral antes dos 50
1,88 ( 1,66 a 2,12) para aquelas pacientes com biópsia prévia
anos; diagnóstico com 50 anos ou menos e um pa rente com
revelando doença proliferaliva sem alipias, e risco relativo de
câncer de mama; diagnóstico ele tumores triplos negativos em
1,27 (1, 15 a 1,41) para as pacientes com diagnóstico de le-
paciente com 60 anos ou menos; diagnóstico em qualquer
sões não prohferauvas. De maneira geral, estudos retrospec-
idade; com um ou mais parentes com câncer de mama an-
th·os demonstram aumento do risco relativo equivalente a
tes dos 50 anos; diagnósuco em qualquer idade com dois ou
1,6 para mulheres com doenças benignas das mamas quando
mais parentes com câncer de mama em qualquer 1dade; diag-
comparadas com a população em seu todo.
nósúco em qualquer idade com um ou mais parentes com
Além da caractertsuca hlstológ1ca da doença benigna detec-
câncer de O\·ário; dtagnóSllco em qualquer 1dade com parente
tada, fatores como 1dade à época da b•ópsia e hiStória familiar,
homem com câncer de mama.
bem como grau de parentesco, se tornam elementos determi-
Entre as pacientes que desenvolvem o câncer de mama an-
nantes na delimção do 1mpacto no nsco de desem·olvimento fu-
tes dos 35 anos, 25% a 40% dos casos são herednános. As
turo desse upo de câncer. Outro aspecto obsen"ado foi que nes-
mutações nos genes BRCA1 e BRCA2 são responsã,•eis por
se estudo não se encontrou aumento do risco entre as mulheres
3% a 8% de todos os casos de câncer e entre 15% e 20%
com lesões não prolúerauvas e sem história familiar de câncer de dos casos familiares. O BRCA1 idenuficado no cromossomo
mama. Curiuosamente, o aumento de risco na mama ipsilateral 17q21 contém 24 éxons e mais de 100 mil pares de base, co-
nos primeiros 10 anos após o diagnóstico de doença benigna da dificando urna prote!na de 1.863 ammoác1dos. O BRCA2, por
mama, especialmente em mulheres com aüpia, sugere a possibi- sua vez, foi identificado no cromossomo 13ql2-13 contendo
lidade de lesão precursora em algumas dessas mulheres. 27 éxons e 70 mil pares de base, codificando uma prote!na
Em estudo clássico publ icado por Dupont e Page (1985). com 3.418 ami noácidos. Essas prote!nas têm a capacidade de
com 17 anos de segu imento, foi observado que as mulhe- corrigir defeitos no DNA, promovendo a supressão tu moral, e
res com lesões proli ferativas sem atipias apresentaram risco a perda de suas [unções resulta em instabilidade dos cromos-
de câncer de mama 1,9 vez maior (lC 95%: 1,2 a 2,9) do que somos, promove ndo a carci nogênese.
as mulheres com lesões não proliferali vas. Nas pacientes com Pacientes com mutações no BRCAl recebem o diagnósti-
hiperplasia alfpica, o risco foi 5,3 vezes maior (lC 95%: 3,1 co em idade mais precoce e apresentam alta prevalencia de
a 8,8), enquanto nas mulheres com hiperplasia at!pica e com carcinomas mamários bilate rais. Os tumores são pouco d i-
história familiar positiva foi l l vezes maior (IC 95%: 5,5 a 24) fe renciados, de alto grau e [requentemente com receptores
do que nas mulheres com lesões não proliferativas. de estrogênio, progesterona e HER2 negativos. Os tumores
com mutação especlfica do BRCA2 são geralmente bem di-
HISTÓRIA FAMILIAR E PREDISPOSIÇÃO GENÉTICA ferenciados, com baixo lnd1ce mitóuco e com receptores de
Apenas 25% dos tumores ocorrem em pacientes com his- estrogênio posith·os.
tória familiar posiu,·a. sendo I O% ligados à hereditariedade. A primeira etapa do teste consiste na identificação da mu-
Grande pane desses tumores, cerca de 75%, é esporádica, sem tação em paciente ponadora de câncer de mama por meio
apresentar antecedentes fam1hares. Para seu desenvolvimento do sequenciamento genético, e, em segu1da. os fam1hares não
são necessãrias duas mutações adqumdas ao longo da vida. afetados são testados para essa mutação especifica. A não de-
r
((

Capítulo 29 Fatores de Risco no Câncer de Mama 233

tecção de mutação em uma paciente testada não indica ausên- Menopausa tardia
cia de risco genético, pois existem fatOres que podem impedir A redução no risco do câncer de mama com a menopau-
a detecção da alteração molecular. Esse achado não significa sa precoce se deve à diminuição da d ivisão celular mamária
ausência de risco. decorrente da interrupção dos ciclos menstruais e à gradativa
A avaliação deve se r clínica com base na h istó ria pessoal diminuição nos níveis de estrogênio endógeno. Mulheres que
e familiar da paciente, e a ausência de detecção de muta- se submeteram à ooforectomia bilate ral na pré-menopausa
ção em paciente não afetada, que pertença a uma família têm risco de desenvolver câncer de mama reduzido à metade
cuja mutação é conhecida, indica que ela não apresenta o quando comparadas às que tive ram menopausa esponlánea
mesmo risco genético de seus famil ia res po rtado res da mu - após os 55 anos. Em geral, o risco de contrair a doença au-
tação. Quando o referido teste é negativo para essa paciente menta cerca de l % a cada ano de retardo na menopausa.
específica, o resultado é definitivo no que se refere à infor-
mação de que não está em grupo de alto risco, passando a Nuliparidade e primiparidade tardia
ter o mesmo risco de tOda a população. Um teste positivo, A nuliparidade aumenta o risco de câncer de mama em
porém, tem impacto muitO grande na vida da portado ra da relação às mulheres que tive ram filho(s) (RR: 1,2 a 1,7); con-
mutação, po is a penetrância do gene é muito alta. O risco de tudo, a proteção oferecida pela gravidez é observada apenas
uma portadora vir a desenvolver câncer de mama ou ovário cerca de lO anos após o pano. A prolife ração das células ma-
ao longo da vida é de 50% a 80% para o BRCAl e de 24% a márias durante a primeira gestação resulta na transformação
84% para o BRCA2. em células mamárias maduras, preparadas para lactação, com
modificações permanentes. Após essa dife renciação, as célu-
FATORES REPRODUTIVOS las epiteliais apresentam ciclo celular mais longo, com mais
Os hormônios ovarianos iniciam o processo de desenvol- tempo na fase G l, aumentando a possibilidade de reparo do
vimento mamário e os ciclos menstruais subsequentes indu- DNA. Portanto, quanto maior a idade no primeiro parto, me-
zem a proliferação celular regular. Momentos marcantes nesse nor é a proteção oferecida. Assim, comparando mulheres que
processo são representados pelo início da puberdade, carac- tiveram o primeiro filho aos 20, 25 e 35 anos, com mulheres
terizado pelo surgimento da produção cíclica desses hormô- nuliparas, a redução do risco foi de 20%, 10% e 0%, respec-
nios, e a menopausa, indicando a inte rrupção da ovulação e tivamente, ou seja, a primiparidade tardia (35 anos de idade
dos ciclos menstruais. ou mais) não diminui o risco de câncer de mama.
Após as alterações que dão início à carcinogênese mamá-
ria, as células geneticamente modificadas, e estimuladas por Aborto espontâneo ou induzido
fatores p romotOres, passam a se multiplicar, destacando-se Tem sido sugerido que as células mamárias são as mais vulne-
os hormônios esteroides, cuj a ação sob re o tecido glandu- ráveis às mutações quando o tecido mamário está em rápido
lar mamário depende rá do estágio de amadurecimento e da c rescimento e em fases indife renciadas, como observado na
diferenciação da unidade ducwlobular. Existem dois impor- adolescência e durante a gestação. Nas fases precoces da gra-
tantes pe ríodos de maior vulnerabilidade para promoção do videz, o epitélio mamário se encontra em franca proliferação
câncer de mama: na época do desenvolvimento mamário, e com muitas células indiferenciadas. Se a gestação alcança o
entre os lO anos de idade e a primeira gestação a termo, e termo, essas células se to rnam d iferenciadas por ocasião do
no período de involução mamária, na pós-menopausa. Es- terceiro trimestre, reduzindo o número de células suscetíveis
ses períodos de janelas de risco co rrespondem a momentos à malignização. A interrupção desse processo de d iferenciação
de maior suscetibilidade a eventuais agentes iniciadores da observado com o abortamento reforça a teoria de aumento do
ca rcinogênese. risco de desenvolvimento do cânce r de mama·sustentada pe-
los resultados encontrados em grande metanálise publicada
Menarca pre coce po r Brind e cols. em 1996.
Rep resentada pelo início do desenvolvimento do ambiente Em contrapartida, em outros estudos mais atuais e ajusta-
hormonal para a mulher jovem po r meio dos ciclos hormo- dos por potenciais fatores de confusão, como idade, paridade,
nais mensais, a idade precoce da menarca, antes dos l l anos idade do prime iro pano a te rmo e ciclos menstruais, o risco
de idade, tem sido consistentemente associada a aumento de desenvolvimento de cânce r de mama não apresentou di-
no risco de desenvolvimento do câncer de mama. Esse iní- ferença entre as populações com história de abonamento es-
cio precoce dos ciclos ovulatórios mensais representa maior pontâneo ou provocado e aquelas mulhe res sem essa história.
exposição aos hormônios endógenos ao longo da vida. Mu- Nos EUA, o Instituto Nacional de Câncer passou a reconhecer
lheres que tiveram a menarca aos 15 anos ou mais apresen- que o abono espontâneo ou provocado não está relacionado
tam menos risco de desenvolver tumores malignos de mama com aumento do risco desse tipo de câncer.
receptOres hormonais-positivos quando comparadas àquelas
que tiveram a menarca aos 13 anos ou menos (HR = 0,76, JC Lactação
95%: 0,68 a 0,85). Em um estudo, para cada 2 anos de atraso Vários estudos têm demonstrado o efeito protetOr da ama-
na menarca houve 10% de redução no risco. mentação contra o cânce r de mama, sendo esse efeitO propor-
/.

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J 234 Seção I Ginecologia

cionalmente maior ao tempo de lactação, embora haja fato res por milhões de mulheres. Dados combinados de mais de 50
de confusão, como, por exemplo, a paridade. O principal estudos têm mostrado que pode have r pequeno aumento do
mecanismo postulado desse benefício da lactação seria a d i- risco de câncer de mama em usuárias de contraceptivo oral,
minuição do núme ro de ciclos ovulatórios em razão da ame- mesmo naquelas que o usaram por mais de 1O anos ou mais.
norreia que acompanha esse período, devendo ser destacado Todavia, usuárias recentes (com menos de 10 anos de inte rrup-
também que a amamentação aumenta a diferenciação das cé- ção) e atuais têm discreto aumento do risco quando compara-
lulas mamárias, diminuindo a possibilidade de mutações em das às que nunca usaram (RR: 1,24). Esse risco d iminui pro-
seu código genético sob a exposição aos hormônios sexuais g ressivamente com o tempo de interrupção, sendo de 1, 16
endógenos e outros elementos carci nogênicos externos. para aquelas mulhe res que inte rromperam o uso de 1 a 4 anos
Em metanálise que incluiu 4 7 estudos epidemiológicos (to- e de 1,07 para a interrupção de 5 a 9 anos.
talizando 50.302 mulheres com câncer invasivo de mama e Um estudo mais recente realizado nos EUA não mostrou
96.973 controles), estimou-se que para cada 12 meses de ama- aumento de risco entre usuárias atuais, refletindo, provavel-
mentação houve a redução de 4,3% no RR. Outra metanálise mente, a mudança nas formulações (novas d rogas e doses me-
suge riu que essa proteção conferida pela lactação foi maior para nores) desde sua introdução.
tumores receptores ho rmonais-negativos, de pior prognóstico. Ao se avaliarem as novas formulações dos contraceptivos
hormonais, náo se obse rvou aumento no risco de câncer de
lnferti lidade mama em usuárias correntes ou ex-usuárias, independente-
A associação entre risco de cânce r de mama e infe rtilidade mente da dose de estrogênio. Também não se demonstrou
é controversa. Enquanto alguns estudos sugerem urna asso- interferência nesse risco em função da história familiar, bem
ciação protetora em razão do aumento do número de ciclos como qualquer variação significativa em função da dose, du-
anovulatórios, outros têm demonstrado o contrário, ou seja, ração de uso ou tipo de progesterona. Em relação aos con-
aumento do risco. traceptivos à base de progesterona, incluindo as minipílulas,
acetatO de medroxip rogesterona e os implantes de levonor-
HORMÔNIOS ENOÓGENOS gestrel, poucos são os estudos epidemiológicos que avaliaram
Existem evidências de estudos epidemiológicos de que os essas associações. Até o momento, usuárias de longa duração
hormônios sexuais são importantes no su rgimento do cân- dos contraceptivos de progesterona se apresentaram com ris-
cer de mama, como, por exemplo, as taxas de aumento da co igual ou mais baixo do que as mulheres que nunca utiliza-
incidência, que são maiores na pré-menopausa (8% ao ano) ram contraceptivos hormonais.
do que na pós-me nopausa (2% ao ano), quando a produção
ovariana dos hormônios sexuais cai d rasticamente. TERAPIA HORMONAL (TH) DA PÓS-MENOPAUSA
Cada vez mais essas evidências se consolidam, demons- A relação entre TH e o risco de câncer de mama tem sido
trando a relação entre os níveis sé ricos de estrogênio e testos- investigada em muitOS estudos epidemiológicos nos últimos 30
terona e o câncer de mama. Em estudo que incluiu 591 mu- anos, especialmente nos últimos 15 anos. O aumento do risco
lhe res do Nurses Health Srudy (NHS), das quais 197 tiveram foi observado em dois diferentes subgrupos: usuárias de longa
diagnóstico de câncer de mama, verificou-se que aquelas que duração e usuárias atuais, embora a magnitude do risco varie
estavam no quartil mais elevado de níveis sé ricos de estrogê- de acordo com o tipo de TH usada. Tema de grande destaque e
nio ap resentaram RR de 2 ,4 (!C 95%: 1,5 a 4,5) em relação repercussão, a relação entre a TH da pós-menopausa e o risco de
àquelas que estavam no quartil mais baixo. Em análise mais câncer de mama representa um grande desafio, principalmente
recente de outro subgrupo do NHS, verificou-se que o risco em razão da grande variabilidade entre as diversas formulações
maior oco rreu apenas nas pacientes que apresentavam níveis e os tipos de utilização propostos ao longo dos tempos.
sé ricos elevados de estradiol na fase lútea e esteve associado, Estudos nos EUA e em outros países têm relatado declí-
principalmente, a tumores recepto res hormonais-positivos. nio na incidência do câncer de mama após o ano de 2002
Apesar dessas evidências, em decorrência das dificuldades coincidentemente com o declínio nas p rescrições das terapias
de se rep roduzir o ambiente hormonal feminino mediante hormonais após evidências de intercorrências associadas ao
estudos metodologicamente bem delineados, tOrna-se com- uso dessas substâncias. As evidências atuais dessas taxas de
plexa a afirmação das associações entre este tema e o câncer incidência demonstram claramente queda significativa na in-
de mama. A modulação hormonal sob re o tecido glandular cidência de carcinoma invasor paralelamente à redução des-
das mamas é ampla e com rica interação entre dive rsas dessas sas prescrições entre 1999 e 2003 em todas as faixas etárias a
substâncias, como metabólitos do estrogê nio, and rogênios, partir dos 45 anos de idade.
progesterona, prolactina, fato r de crescimento do tipo insuli-
na, melawnina e tantos outros. Estrogênio isolado
Em nova análise de dados combinados de 51 estudos epi-
CONTRACEPTIVOS HORMONAIS demiológicos obse rvou-se associação positiva entre o uso
Desde a década de 1960, quando foram inicialmente intro- atual ou recente de estrogênio isolado e o cânce r de mama,
d uzidos, os contraceptivos hormonais vêm sendo utilizados com aumento gradativo de aco rdo com o tempo de uso. As-
r
((

Capítulo 29 FatOfes de Risco no Câncer de Mama 235

sim, o RR foi de l ,l para uso por I a 4 anos, de 1,3 para uso usando estrogêntos equinos conjugados isoladamente e no
por 5 a 9 anos, de l ,2 para uso por 1Oa 14 anos e de 1,6 para estudo UFT para mulheres usando ttbolona.
uso por 15 anos ou mais. O risco, que foi maior em mulhe- • Os estudos que mostraram aumento do nsco determina-
res magras em relação ãs obesas. cessava após a interrupção ram que o risco fo1 ma1or entre pacientes usuánas da asso-
por 5 anos, mdependentemente da duração do uso. Em três ciação de estrogênto à progesterona do que entre aquelas
estudos clãssicos maiS atuais, encontram-se resultados dh·er- que usaram Libolona e estrogi!mo ISOladamente.
gemes. No \Vomens Health /nítiatíve (\VHO as usuárias de es- • O risco foi Lmutado para as usuánas correntes ou de uso
trogêmo 1solado não uveram aumento do riSCO nem na fase de recente, com suspensão do nsco 5 anos após mterrupção
intervenção do estudo (HR: 0,79; IC 95%: 0 ,61 a 1,02) nem da TH da pós-menopausa.
no segmmento tard1o (HR: 0 ,80; IC 95%:0,58 a 1,ll).Já no
estudo bntãnico Millíon Women Study (MHS) ficou demons-
trada uma associação posittva com significância estaúslica ÁLCOOL
(RR: 1,3; IC 95%: 1,21 a I ,40). Em atualização desse estudo Evidências consistentes têm reforçado a ocorrência de
permanece essa associação. No Nurses' Health Study (NHS) uma associação positiva entre ingesta alcoólica e risco de cân-
também ocorreu aumento do risco, mas apenas em usuárias ce r de mama. Seis grandes estudos de coorte demonstram
por mais de 20 anos (RR: l ,42; IC 95%: 1,13 a 1,77). Esses aumento considerável desse risco, proporcional ao do con-
resultados, aparentemente connitames, pode m ser j uslifica- sumo diário de álcool. Para cada lOg,ldia de aumento na
dos pe las diferentes posologias e fo rmulações usadas. ingesta diária de álcool há aumento de 9% no risco de se
contrair a doença, apesar de ajustes para outros fatores de
risco de cânce r de mama. Em relação ao tipo de bebida al -
Associação entre estrogênio e progesterona
coólíca, essas observações foram amp las, incluindo cerveja,
O impacto da adição da progesterona às te rapias hormo-
vinho e omras bebidas destiladas, todas igualmente contri-
nais da pós-menopausa no risco de desenvolvimento do cân- buindo para o aumento e reforçando o importante papel
cer de mama tem sido a\•aliado apenas nos últimos 25 anos.
associado ao álcool. O consumo diário de tri!s ou mais clrinks
Os primeiros estudos sugeriam que essa adição acarretava representou um risco relativo equivalente a 2,2. Curiosa-
redução do risco de desenvolvimento de câncer de mama. mente, a ingesta alcoólica atual ou recente na vida adulta foi
Entretanto, eram estudos pequenos e com importantes fato- mais impactante do que a história dessa ingesta em idade
res de confusão. Desde então, diversos outros passaram a ser mais jovem, além de definir as medidas de conscientização
avaliados com foco nessa assoc1ação e indicaram aumento do para redução do consumo dessas bebidas na meia-1dade que
risco de câncer de mama, mdependentemente das formula- serão efeth·amente capazes de reduzir o nsco de desenvolvi-
ções progestimcas uuhzadas, sendo esse aumento maior do mento desse câncer.
que com a TH apenas com estrogêmo. Esse aumento pode ser O mecanismo cons1derado para assoc1ar a capac1dade de
decorrente da elevação da dl\'lsãO celular mamária, ocasio- atuação do álcool no aumento do nsco da doença determina
nando acúmulo de erros no DNA que eventualmente poderá que o consumo de do1s drinhs d1ários é capaz de aumentar os
acarretar grande prohferação de células malignas. nh·eis totais e a biod1Spontb1hdade do estrogi!mo plasmático
O estudo \VHI mostrou aumento s1gmficativo (RR: 1,26; entre as mulheres na pós-menopausa, sobretudo do sulfato
IC 95%: 1,00 a 1,59), sendo até mterrompido ames do pro- de estrona, que tem sido assoctado ao nsco futuro de câncer de
gramado por ter aung1do os limites de segurança estabeleci- mama. De todos os fatores d1etéucos associados ao aumento
dos. O MHS mostrou aumento ainda maior desse risco (RR: do risco de desenvolvimento da doença, o consumo alcoóli-
2,00; IC 95%: 1,88 a 2,12). Quanto ao esquema utilizado, co é de longe o mais consistente. Embora ainda complexo, a
se sequencial ou ciclico, existem controvérsias sobre em qual redução do consumo diário de álcool parece ser dos poucos
deles o risco seria maior. mecan ismos ativos para a redução da incidi!ncia do câncer
de mama.
Tibolona Outros mecanismos potenciais fazem referencia aos me-
Essa medicação é metabolizada em três metabólitos, dois tabólítos encontrados no álcool, como o acetaldeldo, com
com ação estrogênica e um com ação progestogênica e andro- possibilídade direta de efeito carcinogi!nico. Além disso,
gênica. No estudo MHS foi observado aumento do risco de os efeitos do álcool podem ser mediados pela produção de
câncer de mama (RR: 1,45; IC 95%: I ,25 a 1,68) com o uso da prostaglandinas, peroxidação lipldica e a produção de radi-
tíbolona. Já no estudo LIFT, desenhado para ter como endpoint cais lívres. O álcool também atua como solvente, facilitando
primário a redução do risco da fratura osteoporótica de véne- a penetração intracelular das substâncias carcinogênicas. Fi-
bras, mostrou em um de seus endpoints secundários a redução nalmente, grandes consumidores de beb1das alcoólícas têm
do risco de câncer de mama (HR: 0,32; IC 95%: 0,13 a 0,80). deficiências imponantes de nutnentes essenciaiS, tomando os
tecidos mais suscetíveis à carcmogi!nese. As evidencias são
Resumo das evidências sobre TH da pós-menopausa substanciais e consistentes, revelando a relação d1reta entre o
• A ma1oria das ev1dências embasa a associação entre TH consumo alcoóltco e o aumento do risco de câncer de mama
e câncer de mama, exceto no estudo \VHI para mulheres tanto na pré como na pós-menopausa.
/"
)/:
I 236 Seção I Ginecologia

NUTRIÇÃO feita mediante a análise do grau de denstdade observado pela


Existem poucas evtdenctas, se há alguma, da redução do mamografia. Em avaliação qualitattva e semtquanútau,·a, com
risco de câncer de mama em mdtvlduos com dieta saudável • elevada variabilidade inter e mtraobsen-adores, WoUe e cols.
embora recentes metanáhses e estudos de coorte não tenham (1976) classificaram as mamas como N1 , Pl , P2 e DY pro-
demonstrado a associação entre o risco de câncer de mama e gressivamente, de acordo com o aumento do grau de densi-
o consumo de dieta não saudá,·el de padrão ocidental. dade mamária. Postenormente, em 1995, Boyd e cais. desen-
Estudos sobre a dteta medtlerrãnea suplementada por azei- ,·oh·eram um método quantttalt\'O com melhor concordánoa
te extra,~rgem ou nozes mostraram redução do nsco de cân- intra e interobsemtdores, classtficando o grau de densidade
cer de mama da ordem de 68% e 41%, respecuvamente. As mamográfica em seis categonas.
limitações desse estudo foram mom-adas pelo baixo número De maneira similar, a classtficação 81-RADS'• estabele-
de casos de câncer de mama e por ser essa avaliação prove- ce uma categorizaçào da denstdade mamográfica em quatro
niente de um enclpoint secundá no. Sugerem-se no,·os estudos graus. Em 1998, Byng e cols. publicaram um programa (Lu-
para melhor avaliação. misys'" - Computer Assisted Method) com base na platafor-
A ingestão de suplementos vitamlnicos não parece dimi- ma da mamografia digital que, de manetra quantitativa, faz a
nuir o risco de câncer de mama, sendo os resultados incon- mensuração do grau de densidade mamográfica, classifican-
clusivos. do-a em seis categorias de acordo com a densidade mamária.
Nos últimos anos, a avaliação do grau de densidade mamá-
ria tem sido valorizada como fator de risco para o câncer de
AlTURA, PESO ERISCO OE CÂNCER DE MAMA mama e talvez seja o mais subavaliado e subutilizado fator de
Altura risco em estudos investigativos do câncer de mama, mesmo
Existem dados que embasam a associação entre câncer de em associação a outros fatores estabelecidos para esse tipo de
mama e maior altu ra, tanto na pré como na pós-menopausa. câncer, particularmente idade, status menopausa\, paridade e
Em um desses estudos, mulheres com mais de 1,75m de ah u- peso. Curiosamente, fatores de risco não mamográ[icos, em
ra tiveram risco 20% maior de câncer de mama em relação às geral, apresentam-se como uma associação mais fraca do que
que tinham menos de 1,60m. O mecanismo dessa associação o risco relacionado com a densidade mamográfica.
é inceno, mas provavelmente renete a mnuência de maior Diversos estudos têm demonstrado oclcls ratio variando en-
apone nutricional durante a infância e a puberdade. tre 1,8 e 5,5 associando a densidade mamográfica ao risco de
câncer de mama, mesmo após dtversos aJUStes das \'ariá,·elS
Peso interligadas. Em função dtsso, constderando que a denstdade
mamográfica parece estar associada ao aumento do risco des-
A gordura corporal afeta dtretamente os nh·ets circulan-
se câncer e interferir na capacidade de sua detecção, a carac-
tes de \>ános hormOmos, como tnsuhna, IGF-1 e estrogênios,
terística radiológica das mamas podena ser uui1Z3da para de-
dentre outros, cnando um ambtente favorã,·el para a carci-
terminar o inten•alo dos exames de rastreamento da doença.
nogênese e desfavorável para a apoptose. Também estimula
Em recente metanáhse que mel ut u -+ 2 estudos obsen·ou -se
a resposta innamatória, podendo contnbUtr para iniciação e
progressão de diversos llpos de câncer. A relação entre a obe- que a densidade mamána eslã fonemente assoctada ao nsco
de desenvolvimento dessa doença. Pelo método Wolfe. com-
sidade (definida como lndtce de massa corporai[IMCI >30) e
o cânce r de mama depende do status menopausa!. Na pré-me- parando-se padráo de densidade Dy (muito denso) vemtS N 1
(mamas lipossubslituldas) pelos estudos de mctdência, o RR
nopausa, há uma relação discretamente inversa entre o câncer
de mama e o IM C, o que ocorre em virtude do aumento dos foi de 3,98 (!C 95%: 2,53 a 6,27). Pela classificação Bl-RADS" ,
comparando-se mamas densas com mamas lipossubstituidas,
ciclos anovulatórios e consequentemente da menor exposição
o RR encontrado foi de 4,08 (I C 95%: 2,96 a 5,63) para o cân-
aos hormõn ios ovarianos.
Em estudo prospectivo, mulheres com LMC >30 tiveram cer de mama. De maneira similar, empregando o método de
Boyd (proporção de densidade mamográlica), na comparação
46% menos chance de contrair câncer de mama em relação às
mulheres que ti nham lMC <21. Na pós-menopausa ocorre o de mamas muito densas versus mamas lipossubstituidas, o RR
encontrado foi de 4,64 (!C 95%: 3,64 a 5,91}.
inverso, ou sej a. existe uma relação de aumento do risco com
o aumemo do lMC, pois em ambiente de falência ovariana a
produção de estrogenio periférica é aumentada com a obesi- ATIVIDADE FÍSICA
dade pelo mecanismo de conversão pela enzima aromatase. Apesar de as publicações mais recentes valorizarem a ati-
No NHS, mulheres que ganharam 10kg ou mais na pós-me- vidade física como fator mais significauvo de prevenção do
nopausa tinham um RR de 1,18 (IC 95%: 1,03 a 1,35) em câncer de mama na pós-menopausa, evid~nctas recentes de-
relação às que mantiveram o peso. monstraram beneficio também na pré-menopausa, até mes-
mo na infância e na adolescencia.
DENSIDADE MAMÁRIA A [alta de definição mats clara está relactonada sobreLU-
Uma das matares dtficuldades diZ respeito à definição do do com a falta de padronização da mtensidade da auvidade
grau de densidade mamária. Em geral, essa interpretação é fisica, frequencia, modahdade e duração. A análise da mo-
r
((

Capítulo 29 Fatores de Risco no Câncer de Mama 237

dalidade de atividade física revela importante e significativo fantil ou adultos jovens se apresentam com risco muito elevado
impactO das atividades recreativas (p = 0,002), domésticas para o desenvolvimento de câncer de mama futuro. Esse risco
(p = 0,016) e desportivas (p = 0,01), sobretudo na pós-me - foi maior entre as mulheres que receberam tratamento para lin-
nopausa, e algumas modalidades também na pré-menopausa. foma de Hodgkin, mas também para outros tipos de câncer,
Acredita-se que todas as atividades físicas estejam relaciona- como linfoma não Hodgkin, tumor de Wilms, leucemia, câncer
das com a redução do risco, que é proporcional à intensidade e ósseo, neuroblastOma e sarcomas de panes moles. O risco de
à duração. Para essa avaliação é estabelecido que 1 equivalente desenvolvimento do câncer de mama surge 8 anos após a expo-
metabólico (MET) seria a energia suficiente para um indivíduo sição à radiação. A incidência acumulada desse câncer entre 40
se manter em repouso, 3 MET corresponderiam, aproximada- e 45 anos de idade foi de 13% a 20% e variou de 12% a 26%
mente, a 1 hora de caminhada e 9 MET a 3 horas de cami- após 25 a 30 anos de seguimento, revelando incidência similar
nhada. Ao se utilizar essa padronização, é possível classificar à encontrada nas mulheres com mutações no gene BRCAl.
a duração e a intensidade da atividade física. Uma caminhada
a 4km/h e ciclismo a 15km/h seriam considerados de leve in- TABAGISMO
tensidade (<3 MET), seriam considerados de moderada inten- Embora inicialmente controve rso, o tabagismo é conside-
sidade uma caminhada a 6km/h e ciclismo a 15 a 19km/h (3 a rado modesto fatOr de risco de câncer de mama. Um estudo
6 MET), de vigorosa intensidade correr a 8 a 9km/h e ciclismo mostrou redução do risco em função do efeitO produzido pelo
a 20 a 22km/h (6 a 9 MET) e de muita vigorosa intensidade tabaco, diminuindo os níveis estrogênicos e também a possi-
correr a 10 a 12km/h e ciclismo a 42 a 43kmlh (>9lvlET). Em bilidade de antecipação da idade da menopausa.
méd ia, a redução encontrada foi de 30% a 40%, demonstrando Entretanto , estudos prospectivos sugerem associação posi-
ainda um efeito dose-resposta em que a maior atividade física tiva entre exposição aos produtos do tabaco e câncer de mama.
esteve relacionada com maior impacto estatístico. Em metanálise de 27 estudos prospectivos, o RR de cân-
Em uma análise abrangente dos mecanismos biológicos cer de mama foi de 1,10 (IC 95%: 1,02 a 1,14) Uma grande
desse efe ito destacam-se alterações nos hormônios sexuais dificuldade na avaliação desses estudos é o viés de consumo
endógenos, fatOres de crescimento e inflamatórios, redução de álcool , um fator de risco bem estabelecido para câncer de
da obesidade e da adiposidade central e, ainda, modificações mama, pois 50% das mulheres tabagistaS também consomem
na função imunológica. álcool. Contudo, em estudo recente em que as tabagistaS não
Várias substâncias foram destacadas, como peptídeo C, consumiam álcool , ainda assim houve aumentO do risco.
insulina, IGF-1, TNF-a , IL-6, proteína C reativa, leptina e
adiponectina. Acredita-se que a atividade física diminua os
fatores possivelmente associados ao desenvolvimento do cân- OUTROS FATORES
cer de mama. Entretanto , ainda não é possível estabelecer o A exposição ambiental a substâncias como os agentes or-
mecanismo b iológico envolvido. Cabe lembrar que, muitas ganoclorados tem sido considerada em alguns estudos como
vezes, mais do que ostentar ciência é preciso inocular con- potencialmente capaz de interferir no risco de câncer de
fiança nas pessoas e mostrar que elas são o fator básico para mama. Essa classe de componentes inclui pesticidas, agentes
a eficiência da ajuda. químicos industriais e dioxinas produzidas na combustão de
Recomendações sobre atividade física devem integrar pro- produtOs orgânicos, dentre outros. Esses produtOs são agen-
gramas de saúde pública, devendo ser incluídas nas medidas tes estrogênicos fracos e, dessa maneira, aumentam o risco de
preventivas de câncer, compreendendo pelo menos 30 a 45 câncer de mama por mimetizarem o estrad iol endógeno. Os
minutos de atividade moderada a vigorosa , três vezes ou mais organoclorados são bastante lipofílicos e resistentes ao meta-
por se mana, para wdas as faixas etárias. bolismo, tOrnando-se componentes bioacumulados na cadeia
alimentar persistentes no organismo humano. Estudos clíni-
cos sobre o tema não têm corroborado essas suposições na
RADIAÇÃO IONIZANTE pós-menopausa. No entanto, um pequeno efeito não pôde ser
O tecido glandular das mamas é extremamente sensível à excluído nas mulhe res na pré-menopausa.
exposição pela radiação ionizante e a seu efeito carcinogêni- Campos eletromagnéticos têm sido propostOs em virtude
co, especialmente em idades muito jovens. A exposição da da possibilidade de alte rarem a secreção de melatonina pela
parede torácica à irradiação ionizante nessas pacientes (prin- glândula pínea!. As evidências para corroborar essas afi rma-
cipalmente entre 10 e 14 anos), seja para fins terapêuticos, ções até o momento são inadequadas, não sendo possível es-
como no tratamento de linfoma de Hodgkin, seja em razão tabelecer uma associação.
da grande exposição à irradiação, como se viu em mulheres Em relação aos implantes mamários de silicone, as evidên-
sobreviventes da bomba atômica e do acidente de Chernobyl, cias indicam fortemente que não há aumento do risco de de-
está associada ao aumento do risco de câncer de mama, o senvolvimento de câncer de mama. Alguns estudos chegam a
qual é identificado tard iamente, em torno dos 45 anos de ida- apontã-los como fator de proteção.
de. Após essa idade não parece haver aumento do risco. Uma variedade de condições clínicas e de usos de medica-
Publicação mais recente tem destacado que as mulheres tra- mento é considerada ou suspeita de estabelecer associação com
tadas com irrad iação tOrácica em doses >20Gy para câncer in- o risco de câncer de mama. Diabetes tipo 2 tem sido sugerido
/.

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J 238 Seção I Ginecologia

Quadro 29.1 Sumário dos principais fatores associados ao impacto no comportamento do risco de desenvolvimento do cãnc& de mama

Aumento de risco Redução de risco Risco Inalterado ou questionável


Biópsia prévia de lesões proliferativas com Amamentação efetiva por período ;,12 meses Alterações b€nignas prévias
atipias Multiparidade e idade do primeiro parto Dieta rica em fibras, verduras e vegetais
História familiar positiva - primeiro grau precoce Fitoesttógenos
Mutação do BRCA1 e 2 Menarca tardia; menopausa precoce Uso de micronutrientes
Nuliparidade; menarca precoce; idade do Atividade física regular Contracepção hormonal de baixa dosagem
primeiro parto após 35 anos Controle de peso corporal
Uso atual e de longa duração de contracepção
hormonal
Terapia hormonal da pós-menopausa;, 5 anos
Alcoolismo; tabagismo
Altura elevada
Ganho de peso na pós-menopausa
Densidade mamária aumentada na
pós-menopausa
Radiação ionizante torácica em idade jovem

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((

Capítulo 29 Fatores de Rlsoo no Câncer de Mama 239

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CAPÍTULO (

Propedêutica por Imagem


em Mastologia
Ana Paula Reiss A. D. Gomes
Daniella Bronzatt
Thaís Paiva Moraes

INTRODUÇÃO RASTREAMENTO MAMOGRÁFICO


Provavelmente o câncer mais temido pelas mulheres é o de O rastreamento (screeening) pode ser definido como o exa-
mama, em razão de sua alta frequência, sobretudo por seus me de mulheres assinLOrnáticas com a finalidade de classifi-
efeitos psicológicos, que afetam a percepção da sexualidade e cá-las com prováveis ou improváveis chances de contrair a
a própria imagem pessoal. doença. A sensibilidade do exame gira em torno de 78% a
Relativamente raro antes dos 35 anos de idade, a incidên- 85% e a especificidade, se medida, deve ser >90%.
cia de cânce r de mama acima dessa idade aumenta rápida e Numerosos estudos clínicos confirmam que a taxa de re-
progressivamente, especialmente após os 50 anos. Entretan- dução da mortalidade por meio do rastreamento em pacien-
tO, vale ressaltar que o acometimento em faixas etárias mais tes de 40 anos ou mais tem sido de 30% a 50%.
j ovens já náo é um achado raro e ocasional. Obviamente, vários fatOres devem ser considerados, como
Nos países ocidentais, esse tipo de câncer representa uma taxas de crescimento mais rápido do câncer de mama, menor
das principais causas de morte em mulheres. As estatísticas incidência entre mulheres mais j ovens, curta expectativa de
indicam aumento de sua frequência tanto nos países desen- vida e maiores comorbidades entre as pacientes idosas.
volvidos como nos países em desenvolvimento. Atualmente têm surgido algumas controvérsias quanto ao
O câncer de mama é, depois do câncer de pele não mela- início do rastreamento. De acordo com o INCA, deve ser feito
noma, o tipo mais comum entre as mulheres no mundo e no a cada 2 anos entre 50 e 69 anos, em razão do maior número
Brasil, respondendo por cerca de 25% dos casos novos a cada de casos concentrados nessa faixa etária, náo sendo eviden-
ano. A estimativa para 2016, segundo o InstitutO Nacional de ciado aumento da diminuição da mortalidade e sendo maior
Câncer (INCA), foi de 57.960 casos. o risco de sobrediagnóstico em pacientes mais j ovens, geran-
O aprimoramento dos procedimentos diagnósticos que do nelas angústia desnecessária, o que está de acordo com o
proporcionam a identificação prematura do câncer tem au- pensamentO descritO no artigo publicado no British Medicai
mentado a incidência de casos, mas também vem reduzindo ]ou mal a respeito do estudo canadense que fez um seguimen-
o sofrimento e os óbitos em decorrência da doença diante do to de 25 anos avaliando a incidência e a mortalidade pela
d iagnóstico cada vez mais precoce. doença nesse país.
A propedêutica imagenológica desse tipo de câncer continua Entretanto, foi observado número maior de mulheres que
representada principalmente pela mamografia de alta resolução apresentaram tumores >2cm entre as que náo fizeram mamo-
(lv!AR), associada ao avanço da tecnologia digital direta (CR) ou grafia, o que se mostrou diferenciado das outras que fizeram ma-
indireta (DR), que caminha no sentido de melhorar a técnica e, mografia e que tiveram seus tumores detectados com tamanho
assim, aumentar a casuística dos diagnósticos precoces. Nesse <2cm. Após 25 anos, do ponto de vista individual, 8% a mais de
sentido, serão abordados neste capítulo o papel da mamografia mulheres do grupo que fez mamografia estavam vivas, ao passo
digital 3D ou tomossíntese e o uso auxiliar do CAD (computer-ai- que no grupo que náo fez mamografia, mas apenas exame físico,
ded diagnosis), entre outros. A ultrassonografia (US), a ressonân- as pacientes tiveram tumores detectados em fase mais tarde e
cia magnética (RM) e a medicina nuclear (MN) também têm au- com isso acabaram falecendo em decorrência da doença.
mentado cada vez mais seu papel complementar no diagnóstico Ao se analisar de uma maneira mais globalizada, essa dife-
dessa doença com indicações específicas. rença náo teve impactO na mortalidade por câncer de mama,

241
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J 242 Seção I Ginecologia

o que basicamente traduz uma fórmula matemática, mas por O rastreamento tem-se mostrado cada vez mais efetivo em
outro lado, do pomo de vista individual, deve ser observado razão da melhora na tecnologia mamográfica, seja pela inser-
que o número de mulheres que tiveram câncer e que sobrevi- ção da tecnologia DR ou CR, pelo uso dos recursos mamográ-
veram após 25 anos por se submeterem à mamografia de ras- ficos, como a utilização adequada das incidências adicionais e
treamento foi significativamente maior, e a diferença de 8% não dos recursos do aparelho, seja pelo desenvolvimento de novas
é passível de ser desconsiderada, podendo ser avaliada como tecnologias, como a mamografia digital 3D e a tomossímese
resultado positivo e uma indicação a mais para que as mulheres mamária, que têm d iminuído as dificuldades ames inerentes
entre 40 e 59 anos façam mamografia rotineiramente. ao métOdo.
A Sociedade Brasileira de Maswlogia entende que a rea- A mamografia digital consiste na conversão da radiografia
lidade do Canadá difere da encontrada no Brasil, já que seu em imagem digital, seja no momento da exposição (DR), seja
sistema de saúde pública é muito mais adequado, assim como com a imagem ficando retida de maneira latente e digitaliza-
a população é mais disciplinada. Essas duas situações cena- da posteriormente (CR). O desempenho da tecnologia digital
mente contribuíram favoravelmente para que as mulhe res que é significativamente melhor do que a convencional em mu-
se submeteram ao exame físico e foram encaminhadas para o lheres com idade inferior a 50 anos, que apresentam mamas
tratamento logo no início pudessem ter acesso ao serviço de muito densas ou que estejam na pré-menopausa.
saúde pública com rapidez, o que não acontece no Brasil. A maioria das mamografias são para screening, mas existem
Essa entidade expressa um cenário de alerta, com o país algumas situações especiais, e as principais indicações são as
contabilizando quase 60 mil novos casos de câncer de mama seguintes:
a cada ano, e ressalta a importância da conscientização sobre
a rotina de prevenção da doença. Para isso são recomendáveis • Pacientes com simomawlogia mamária.
a visita regular ao maswlogista e a realização da mamografta • Pré-operatório de cirurgias de mamas.
anualmente para as mulheres com 40 anos em diante. • Controle de pacientes operadas de câncer de mama.
De acordo com a Ame rican Cancer Society, o rastreamento • Marcação de lesões não palpáveis.
deve assim ocorrer:
Posicionamento e incidências
• Mulheres entre 40 e 44 anos de idade devem escolher o
É muito importante ressaltar o quantO é útil o uso dessas
momento para começar o rastreio anual, se desejarem fazê
duas variáve is e sua eficácia para a realização de um bom
-lo. Os riscos e os benefícios potenciais do rastreio devem
exame. Uma boa mamografta deve incluir a maior quanti-
ser considerados.
dade de mama possível, sendo ideal que sejam obse rvados
• Mulheres de 45 a 54 anos de idade devem fazer mamogra-
na imagem a gordura retromamária, a cauda axilar, o pro-
fias wdos os anos.
longamento axilar até o nível da papila ou abaixo e a porção
• Mulheres com 55 anos ou mais devem fazer rastreamento
inferior das mamas, não esquecendo que wda a mama deve
a cada 2 anos ou têm a opção de continuar com o rastreio
ser visualizada.
anual.
É importante a compressão adequada no exame para re-
• O rastreio deve continuar enquanto a mulher mantém boa
duzir a sobreposição das estruturas e diminuir a dose de ra-
saúde e é esperada a expectativa de vida de lO anos ou mais.
diação.
Em relação às pacientes de alto risco, estão citadas no Qua- Inicia-se o exame utilizando-se as incidências padrões, que
dro 30. 1 as recomendações com base no consenso do Colégio seriam a oblíqua-mediolate ral (OML) e a craniocaudal (CC).
Brasileiro de Radiologia, da Sociedade Brasileira de Maswlo- O uso de incidências complementares diz respeitO a imagens
gia e da Febrasgo. obtidas com ângulos, projeções ou técnicas complementares,
Quadro 30.1 Recomendações para o rastreamento com mamografia de mulheres de alto risco com menos de 40 anos

Mulheres com m utação dos genes BRCA 1 ou BRCA2 ou A partir dos 30 anos (mas não antes dos 25 anos) Categoria 1
com parentes de primeiro grau com mutação comprovada

Mulheres com ri sco :<20% ao longo da vi da com base em um A partir de 30 anos ou 10 anos antes da idade do Categoria 1
dos modelos matemáticos com base na históri a familiar diagnóstico do parente mais jovem acometido pela
doença, mas não antes dos 25 anos

Mulheres com hi stóri a de lrradlaçlão no tórax entre os 10 e A partir de 8 anos após o tratamento radioterapêutico Categoria 2b
os 30 anos de Idade (mas não antes dos 25 anos)

Mulheres com s índrome de LI-Fraumenl, Cowden o u A partir do diagnóstico (mas não antes dos 25 anos) Categoria 3
parentes de primeiro grau

Mulheres com hi stóri a pessoal de neoplasla lobular A partir do diagnóstico (mas não antes dos 25 anos) Categoria 2a
(HLA e CLIS), HDA, CDIS, carcinoma Invasor de mama ou
de ovári o

HLA: hiperplasia lobular atípica: CUS: carcinoma k>bular in situ; HDA: hiperplasia ductal atípica: C OIS: carcinoma d uctal in situ.
r
((

Capítulo 30 Propedêutica por Imagem em Mastologia 243

objetivando melhor esclarecimento diagnóstico. Entre essas Microlobuladas: a margem é caracterizada por peque-
incidências são citadas: compressão seletiva (com ou sem nas ondulações.
magnificação), craniocaudal exagerada, cleavage, axila r, tan- Indistintas: não existe clara demarcação de toda a mar-
genciais, pe rfil verdadeiro, rotacionais, variações angulares e gem ou de parte dela com o tecido adjacente.
Ecklund (avaliação de próteses), entre outras. Espiculadas: a margem é caracte rizada por pequenas
linhas que se irradiam da margem (Figura 30.2).
Componentes do laudo mamográfico • Densidade (atenuação da radiação em comparação com o
Análise da composição mamária tecido fibroglandular):
• Mamas quase totalmente gordurosas. Alta densidade: atenuação da radiação maior do que a
• Áreas de tecido fib roglandular d ispersas. esperada para o tecido fibroglandular mamário em igual
• Mamas heterogeneamente densas, podendo obscurecer pe- volume.
quenos nódulos. Densidade igual: atenuação da radiação igual à esperada
• Mamas extremamente densas, o que diminui a sensibilida- para o tecido fibroglandular mamário em igual volume.
de da mamografia. Baixa densidade: atenuação da radiação menor do que
a esperada para o tecido fibroglandular mamário em
Achados mamográficos igual volume.
Nódulo Conteúdo adiposo: inclui massas que contêm gordura,
De margens convexas, o nódulo é mais denso no centro como, por exemplo, lipoma, galacwcele e hamartoma.
do que na periferia, na estrutu ra tridimensional, devendo ser
observado em duas incidências diferentes (Figura 30.1). Calcificações
Deve se r avaliado po r meio dos seguintes aspectOs: • Características:
• Forma: Morfologia: tamanho, densidade e forma.
Oval: elíptico ou em forma de ovo com duas ou três Distribuição:
ondulações. • Difusas: d isseminadas, distribuídas de maneira alea-
Redondo: esférico, formatO de bola, circular ou globular. tória.
Irregular: nem redondo nem oval. • Regionais: de grande volume, mais de 2cc, envol-
• Margens: vem a maior pane do quadrante ou mais de um qua-
Circunscritas: pelo menos 75% da margem são nitida- drante.
mente demarcados com uma transição abrupta entre a • Agrupadas: pelo menos cinco calcificações ocupam
lesão e o tecido adjacente. menos de lcc de um tecido.
Obscurecidas: 25% ou mais da margem são escondi- • lineares: dispostas em linha, sugerem malignidade
dos ou sobrepostos pelo tecido adjacente. por representar dois depósitOS em um duetO.

Figura 30.1 Nódulo ovalado com margens circunscritas de densi-


dade igual à do parênquima fibroglandular. A ullrassonografia, mos- Figura 30.2 Lesão espiculada projetada em região suspeita (gordu-
trou tratar-se de um cisto. ra retromamária).
244 Seção I Ginecologia

• Segmentares: sugerem depóSitos de um dueto; as Morfologia suspeita


ramificações podem representar carcmoma extenso • Amorfas: pequenas, de aparência imprecisa, têm distri-
e mulufocal, principalmente se forem redondas ou buição agrupada, reg1onal, linear ou segmentar.
amorfas, podendo ter origem benigna se forem tipi- • Heterogêneas, grosseiras: irregulares, >O,Smm, tendem
camente benignas, como bastonetes, por exemplo. a coalescer, mas não tem o tamanho das calcificações d is-
tróEicas, podendo representar essas calcificações em desen-
Classificação volvimemo, ribrosc ou um fibroadenoma involuindo; con-
Tipicamente benignas tudo, podem estar associadas à malignidade (Figura 30.4).
• Cutâneas: (anelares, centro radiotransparente, situadas na • Pleomórficas finas: variam em tamanho e forma, <0,5mm,
prega inframamária, região paraestemal, axila e aréola. In- mais vislveis do que as amorfas (Figura 30.5).
cidências tangenciais são usadas para o dtagnóstico. • Finas lineares ou ramificadas: finas, lineares ou curvi-
• Vasculares: trilhas paralelas de calcificações hneares asso- Hneas, podem ser descontínuas ou <0,5mm e sugerem o
Ciadas às estruturas tubulares. Caso seJam mms diSCretas, preenchtmento do lúmen de um dueto em·olvtdo Irregu-
são consideradas ·em desem·oh;mento". larmente pelo câncer de mama.
• Grosseiras, em " pipoca": grandes, >2 a 3mm de diâmetro,
podem corresponder a um fibroadenoma em mvolução.
• Grandes, semelhantes às em bastonetes lineares, sóli-
das e descontínuas: geralmeme associadas à ectasia duc-
tal (Figura 30.3).
• Redondas: benignas quando se apresentam dispersas. po-
dem variar de tamanho. Caso <0,5mm, podem ser consi-
deradas puntiformes.
• Anelares: calcificações com centro radiotranspareme (re-
slduos calcificados em duetos) ou calcificações "em casca
de ovo" ou "anel" (depósito de cálcto com dmm de espes-
sura nas paredes dos cistos).
• Calcificações em "leite de cálcio": sedtmentadas em ma-
cro ou m1crocistos, mais bem visualtzadas em 90 graus.
• Calcificações em fios de suturas: cálcio depositado no
material de sutura, de aparência linear e tubular, se situam
na topografia da ci rurgia.
• Calcificações d istróficas: são observadas na mama irra-
diada ou pós-trauma.
Figura 30.4 CalcWicaçOes heterogêneas, grosseiras (recidiva pós-tra·
lamento conservador).

Figura 30.3 Calcificações lineares "em bastonetes". Figura 30.5 MicrocalcificaçOes pleomórficas com trajeto segmentar.
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((

Capítulo 30 Propedêutica por Imagem em Mastología 245

Distorção de arquitetura Lesões de pele


A arquitetura nonnal, distorc1da sem nenhum nódulo Yi- Os achados podem ser descntos no laudo ou na imagem
sh·el, inclu1 linhas finas ou esp1culadas, irradiando-se de um quando a lesão está projetada sobre a mama, pnnc1palmeme
ponto e retração ou diStorção de tmagem do parênquíma. se nas duas incidências, podendo ser confundlda com lesão
Pode estar associada a nódulos, assimetrias e calcificações. íntramamária.
Na ausência de hiStória de trauma ou ctrurgia, a distorção é
suspeita de mahgmdade ou de lesão rad1al esclerosante (cen-
Dueto solitário dilatado
tro rad1otransparente e esplculas longas), sendo apropriada a
Estrutura tubular ou ram1ficada, pode representar dueto
reahzação de b1óps1a.
dilatado ou alargado de outra fonna.
Assimetrias
• Assimetria: área de tecido fibroglandular visualizada em Achados associados
uma única incidência. Relacionados com nódulos, ass1metnas ou calaficações, tam-
• Global: área assimétrica quando comparada à mesma re- bém podem ser encomrados isoladamente:
gillo na mama contralateral; geralmente só é significativa
se houve r correlação com região palpável; entretanto, é • Retração de pele.
importante observar se, além do aumento da densidade, • Retração de mamilo.
não há outros fatores, como espessamento trabecular e es- • Espessamento de pele.
pessamento de pe le, devendo-se, nesse caso, faze r o diag- • Espessamento trabecular.
nóstico di ferencial com ca rcinoma inflamatório. • Adenopatia axilar.
• Focal: não apresenta os crité rios de nódulo, uma vez que • Distorção de arquitetura.
não ap resenta margens convexas, devendo ser vista nas • Calei ficações.
duas incidências padrões.
• Em desenvolvimento: presença de uma nova assimetria Localização da lesão
ou mais evidente em relação a uma mamografia anterior; • Laterahdade (direita ou esquerda).
é importame a averiguação mesmo diante de um estudo • Quadrante e posição do relógio (é encoraJadO o uso de ambos).
ecográfico nonnal. • Profundidade (terço antenor, méd1o ou posterior).
• Distância do mamilo Cma1or precisão de profundidade).
Linfonodo intramamário
Remfonne com centro rad1otransparente, corresponde à Todas as descnções supracitadas constam no sistema de
gordura no hilo, geralmente <lcm, mas pode ser considerado a\·aliação Breast lmagmg and Reponmg Data System Mam-
normal, mesmo que mator, contanto que a gordura central es- mography (BI-RADS). Trata-se de um SIStema de a,·ai.Jação
teja bem pronunciada, maiS ' 'islvel em porções superiores ou desem·olvido em conJunto pelos Depanamentos do lnsututo
peno da axila, embora possa estar presente em toda a mama; ~acionai de Câncer, dos Centros de Controle e Pre,·enção da
geralmente se encontra adjacente a uma veia (Figura 30.6). Patologia )ilamária, da Admm1stração de AJ1mentos e Drogas,
da Associação )llédica Amencana, do Colégio Americano de
Cirurgiões e do Colégio Americano de Patologistas com o ob-
jetivo de padronizar os laudos, levando em conta a evolução
diagnóstica e a recomendação de conduta, sem se esquecer
d e considerar a história cllnica e o exame flsico das pacientes.
Em 2013 foi lançada a quinta edição com algumas modifica-
ções para torná-lo ai nda mais prático.

Categori as 81-RAOS (51- edição)


• Categoria 0: achados inconclusivos- necessitam avaliação
adicional (magnilicação, compressão e ultrassonografia).
• Categoria 1: achados negativos.
• Categoria 2: achados com caracterlsticas de benignidade
(implantes, d istorções pós-traumáticas, fibroadenolipoma,
galactocele, cl ipes pós-procedimentos, espessamento de pele
pós-radioterapia, fibroadenomas calcificados em involu-
ção, calcificações de pele, hpoma, CISto oleoso, linfonodo
intramamário, calcificações up1camente bemgnas).
• Categoria 3: achados não palpáveiS com batXa probabili-
Figura 30.6 Nódulo regular com centro rad10transparente projetado dade de mahgmdade- <2% (nódulo sóhdo não calcifica-
em OSE ad)llcente a um vaso (hnfonodo). do, assimetria focal, grupo de calcificações punttformes).
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J 246 Seção I Ginecologia

• Categoria 4: Categoria 3
- Baixa probabilidade de malignidade - <10% (nódulo
sólido parcialmente circunscrito, <75%, palpável, suges-
tivo de fibroadenoma à US, cistO complicado palpável 6 meses - exame da mama envolvida
solitário e provável abscesso, dueto solitário dilatado).
- Moderada probabilidade de malignidade - >10% e
<50% (calcificações amorfas ou pleomó rficas finas, nó- Categoria 4 ou 5 lesão estável sem
dulo sólido com margens indistintas, assimetria em de- Biópsia novos achados

-------- - -------
senvolvimento, d istOrção de arquitetura).
- Alta sus peição de malignidade - >50% e <95 % (nó-
dulo sólido irregular, com margens indistintas, novo
12 meses depois do screening inicial
grupo de calcificações finas e lineares).
• Ca tegoria 5: alta suspeição de malignidade, probabilidade
>95% (nódulo irregular, com margens espiculadas, nódulo
com alta densidade, associado a calcificações, novo grupo
de calci ficações finas e lineares, ramificadas com distribui-
-
Categoria 4 ou 5
Biópsia
- lesão estável sem
novos achados
ção segmenta r).
• Ca tegoria 6 : biópsia conhecida com malignidade compro-
vada, mamografia realizada antes de te rapias defi nitivas,
--------. ------
12 meses depois do screening mais recente

-----
como tratamento cirúrgico, radioterapia e monitorização
da resposta à quimiote rapia neoadjuvante. .....
Cabe ressaltar que no screening mamográfico não se pode Categoria 4 ou 5 lesão estável sem
Biópsia novos achados
defmir uma Categoria 3 de imediatO. Inicialmente um acha-
do é definido como Categoria O e após avaliações ad icionais,
como compressão, magnificação ou US, pode ser defi nido,
Categoria 2
de acordo com os achados, como Categoria 3 (Figura 30. 7).
Caso o irnagenologista prefira, pode aguardar mais 1 ano
de estabilidade da lesão para definição como Categoria 2. 12 meses depois do
A condução dos casos de acordo com a categoria do Bl-RADS screening mais recente
é apresentada no Quadro 30.2.
Figura 30.7
TOMOSSÍNTESE
A introdução da mamografia digital e o avanço das técnicas grafia 2D sintetizada para se obter urna imagem a partir das
computadorizadas levaram ao surgimento de uma nova técni- imagens da tomossíntese. Dessa maneira, não existe radiação
ca para avaliação do tecido mamário. Trata-se da mamografLa ad icional no exame, apenas a dose da tomossíntese, que é
3D ou tomossintese. similar à da rnamografia digital (Figu ra 30.8).
A wmossíntese é uma tecnologia de imagens tomográficas
reconstruídas a pa rtir das imagens da projeção bidimensio- ULTRASSONOGRAFIA (US)
nal da mama comprimida, obtidas em diversos ângulos e em A mamografia é o método de rastreamento e diagnóstico
cortes de 1mm, durante o deslocamento do tubo de raios X. precoce do câncer de mama; entretanto, a US compleme nta a
Essa tecnologia foi libe rada pela Food and Drug Admi- técnica radiológica em alguns casos. Por exemplo, em pacien-
nistration (FDA) em 20 11 e vem ganhando espaço não só tes com mamas densas, onde a sensibilidade da mamografia
nos casos diagnósticos, mas também nos de rastreamento. está diminuída (cerca de 48% a 64,4%), a US é muitO útil
Sua grande vantagem é reduzir as alterações ocasionadas como estudo complementar. Cabe ressaltar que a US não tem
pela supe rposição tecidual, que é a pri ncipal limitação da papel como exame de rastreamento para nenhum subgrupo,
mamografia conve ncional ou 2D, aumentando a detecção, sendo considerada apenas um estudo complementar.
diminuindo a reconvocação e aumentando a acurácia, p rin- A US mamária tem como objetivo o diagnóstico não inva-
cipalmente em mamas densas. Além disso, torna possível sivo, complementar, em pacientes que apresentem ano rmali-
a avaliação mais precisa das bordas das lesões, da extensão dades clínicas ou rnamográficas. Por exemplo, esclarece o acha-
da doença e de sua localização. Em muitOS casos diminui a do de uma anormalidade palpável que em cerca de dois te rços
necessidade de complementação do estudo com outros mé- é evidenciada como urna causa defi nitivamente benigna.
todos de imagem. Ocasionalmente, a RM, realizada por indicações variadas,
A principal limitação da tomossintese é a necessidade do pode identificar alterações não visíveis à US realizada como ro-
dobro da dose de radiação quando realizada em combinação tina complementar à rnamografia. Nessas situações é realizado
com a mamografLa 2D. Entretanto, pode-se utilizar a mamo- um segundo exame ultrassonográfico para avaliação direciona-
r
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Capítulo 30 Propedêutica por Imagem em Mastologia 247

Quadro 30.2 Categorias de avaliação (BI-RADS- 5' edição)

Avaliação Incompleta Conduta Probabilidade de câncer


Categoria O - Incompleta Reconvocação para exame adicional ou N/A
Avaliação adicional ou comparação com mamografia anterior comparação com mamografia anterior
Avaliação final Conduta Probabilidade de câncer
Categoria 1 - Negativa Rotina 0%
Categoria 2- Benigna Rotina 0%
Categoria 3- Provavelmente benigna Seguimento em 6 meses >0%mas<2%
Categoria 4 - Suspeita de malignidade Biópsia >2% mas <95%
a- baixa a->2%mas<10%
b- moderada b- > 10% mas <50%
c- alta c- >50% mas <95%
Categoria 5 - Alta sugestão de malignidade Biópsia :?:95%
Categoria 6 Excisão cirúrgica N/A
quando clinicamente
apropriado

Indicações da ultrassonografia (US)


• Mamas densas e j ovens.
• Anormalidades palpáveis.
• Anormalidade na mamografia: a inddência crartiocaudal (CC)
na mamografia é facilmente reproduzida ao ultrassom; por
outro lado, a incidência médio-oblíqua-lateral (OML) pode
ficar situada entre 30 e 60 graus de obliquidade; as diversas
estruturas patológicas e anatômicas podem misturar-se, cons-
tituindo densidade úrtica à mamografia.
• Diferenciação de lesões sólidas e císticas.
• Acompanhamento de lesões conhecidas à US.
• Mastalgia.
• Sec reções.
• Avaliação de próteses mamárias.
• Estudo de mamas masculinas.
• Avaliação da mullicentricidade ou extensão do tumor.
• Guiar procedimentos por agulha.
• Evi ta r biópsias desnecessárias.
• Detecção de algumas lesões palpáveis não visualizadas na
rnamografia.

Em alguns casos, a US não identifica lesões mamográficas


localizadas totalmente na gordura (mesmo quando é vista nas
Figura 30.8 Nódulo obscurecido por tecido fibroglandular adjacen- duas incidências). Nessas situações, há fone evidência de que
te. Na tomossíntese pode-se observar que se trata de lesão de bor-
a lesão seja sólida, pois a sensibilidade da US para imagens
das regulares e bem definidas de aspecto benigno.
císticas é extremamente alta, e de que o nódulo seja isoecoi-
co (mesma ecogenicidade do tecido adiposo). As lesões mais
da, na tentativa de correlacionar o achado da ressonância com frequentemente encontradas com essa característica são os
alguma anormalidade ecográfica mais sutil, não evidenciada em linfonodos intramamários e fibroadenomas.
um primeiro exame. Além dessa identificação correlacionada, a A US é um métOdo operador-dependente. Assim, é fun-
US é importante nesses casos para caracte rização desses acha- damental a qualificação profissional, aliada à experiência em
dos e como guia para o estudo hiswlógico quando necessário. imagem, possibilitando a visualização e a inte rpretação das
A US direcionada é chamada de second look ou segunda leitura, imagens, bem como a utilização de um sistema de classifica-
sendo capaz de identificar cerca de 80% das lesões vistas na RM. ção padronizado com base nas caracte rísticas morfológicas da
Urna importante indicação da ecografia mamária está nos lesão. A padronização dos laudos aumenta a confiabilidade na
cenários onde é necessário estudo h istO lógico. A US se revela inte rpretação e classificação das imagens, facilita o acompa-
como o métOdo mais fácil para guiar biópsias e marcações nhamento das pacientes e melhora o diálogo entre radiologis-
pré-cirúrgicas, além de apresentar custo menor. tas e médicos assistentes.
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J 248 Seção I Ginecologia

Quadro 30.3 Categorias de risco para US

81-RADS Descrição Risco de malignidade Conduta


1 Normal 0% Acompanhamento clínico
2 Achado benigno 0% Acompanhamento c línico
3 Provavelmente benigno <2% Acompanhamento e biópsia
4a Levemente suspeito Entre 2% e 50% Biópsia
4b Moderadamente suspeito Entre 50% e 90% Biópsia
5 Maligno >90% Biópsia

Ao reconhecer a necessidade de aumentar a eficácia clínica


da imagenologia mamária, o Colégio Americano de Rad iolo-
gia (American College of Radiology - ACR) desenvolveu o
sistema BI-RADS, que na US consiste em estabelecer léxico
uniforme, diferenciando as imagens em massas sólidas ma-
lignas ou benignas e obtendo a padronização das condutaS
e dos laudos (Quadro 30.3). A nomenclatura uniforme e as
categorias de avaliação promovem urna síntese da descrição
de achados e o direcionamento do radiologista para uma im-
pressão d iagnóslica mais objetiva, orientando ainda o méd ico
assistente para uma conduta definida de acordo com o grau
de suspeição de malignidade da lesão. Figura 30.9 Nódulo sólido com formalo oval e lobulação na porção
poslerior do nódulo, paralelo à pele - bordas lisas, margem circuns-
Cada achado ultrassonográfico isolado deve ser caracteri-
crila, hipoecogênico.
zado segundo urna categoria BI-RADS naquela mama. Costu-
mam surgir vários achados di [e remes na mesma mama. Nesses
casos, essa categoria deve sempre corresponder a urna maior.

Nódulos
• Forma:
Ova l: incluindo os rnacrolobulados com até três lobula-
ções (Figura 30 9).
Red onda: (Figura 30.10A e B).
Irregular: quando não é redonda nem oval (Figuras
30.11 e 30.12).
• Orie ntação:
Paralela à pele (Figura 30.9).
- Não paralela à pele.

Essa orientação é uma propriedade única da US, definida


com referência à linha da pele (Figuras 30.11 e 30.12). As
massas redondas não são enquadradas como paralelas e po-
dem ainda te r orientacão oblíqua.

• Margens :
Circunscritas : bordas bem lisas e distintas (Figura
30 9).
Não circunscritas .
Indis tintas : margens borradas (Figura 30.13).
Microlobuladas : mais de três pequenas lobulações (Fi-
gura 30 11).
Anguladas : ângulos agudos em alguma área da lesão
Figura 30.10A e B Nódulo redondo no cenlro da imagem- bordas
(Figura 30 12) lisas, margem circunscrila, isoecogênico. Ulilizando a harmônica do
Esp iculadas. aparelho, a imagem fica hipoecogênica.
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Capítulo 30 Propedêutica por Imagem em Mastologia 249

Figura 30.11 Nódulo de formato irregular, não paralelo à pele, mi- Figura 30.14 Nódulo irregular não paralelo à pele; hipoecogênico,
crolobulado. halo ecogênico e sombra acústica posterior.

• Padrão de ecogenicidade: deve ser comparado com a gor-


dura e não com o tecido fibroglandular. Pode ser descrito
como:
Anecoico: sem ecos internos (Figura 30.15).
Hiperecoico: homogeneamente hiperecoico, pode ter
aspecto igual ao tecido fibroglandular.
Hipoecoico: lesão mais escura do que a gordura, podendo
apresentar ecos em seu interior (Figuras 30.9 e 30.16).

Figura 30.12 Nódulo irregular, não paralelo à pele, de margens an-


guladas.

Figura 30.15 Cisto anecoico, circunscrito, arredondado ou ovalado,


parede imperceptível e reforço acústico posterior.

Figura 30.13 Nódulo irregular, não paralelo à pele, de margens in-


distintas, hipoecogênico e comprometendo mamilo e músculo.

As lesões com halo ecogênico também são denominadas


não circunscritaS rta nova edição, sendo o halo definido como
a não demarcação nítida emre a massa e os tecidos circun-
jacentes. Podem ser citados como exemplos os abscessos e Figura 30.16 Cisto complicado. Bem definido, formato redondo que
alguns tipos de câncer (Figura 30.14). mostra nível de detritos/fluido.
250 Seção I Ginecologia

- lsoecoico: tem a mesma ecogemctdade da gordura (Fi- Quadro 30.4 Classdocaçào 81-RAOS de lesões císlicas
gura 30.1 OA). Quando se utiliza a hannômca no apare- categoria Descrfçlo 81-RAOS PPV
lho deUS, a imagem fica hipoecogêmca (Figura 30.108). Cisto simples Parede 1mpercept1ve1 2 o
Complexo císlico e sólido: onde havta o padrão com- Conteúdo anecoico
plexo passou-se a usar a expressão complexo cístico- Reforço acústico posterior
-sólido para designar os nódulos que apresentam com- Cisto Parede fina 3 <2%
ponet1te anecoico e componeme ecogênico, respecli- complicado Conteúdo ecogênlco
Nlvel de fluido/fluido
vamente. Essa terminologia inclui lesões com paredes Reforço acústico posterior
espessadas, septações espessas, nódulo mural ou imra-
Massa cistica Patede de espessura >0,5mm 4 2%a95%
clstico e, ainda, nóclulos predominantemente sólidos complexa Septos de espessura >0,5mm
com áreas c(Sticas de permeio (Figura 30.17A e B). Massa intraclstica
- Mis to hiperlhipoecoico: no que tange à ecogenicida- Massa clsbca sólida >50%

de , fot acrescentado o padrão heterogêneo, uulizado


para descrever nóclulos sólidos com \'ános padrões de
ecogenictdade. - Padrão combinado: apresenta sombra e reforço. Em
• Fenôm eno acústico posterior: relação às calcdicacões, podem não ser visibthzadas ou
Ne nhum: não há presença de qualquer tipo de fenôme- podem estar presentes e ser macro ou microcalcilica-
no acústico posterior. ções, e também estar dem ro ou fora da massa. São va-
- Reforço: oco rre aumento d e ecos posterio res (Figura lorizadas como dislinguíveis à US, mas não para estudo
30.15). da morfologia.
Sombra: ocorre diminuiçào de ecos posteriores, excluin- • Tecidos circunjacentes : seus efeitos na massa e a seu re-
do-se as sombras das margens (Figura 30.14). Cabe ressal- dor compreendem:
tar que somente 60% dos cânceres apresentam sombra. - Alterações ductais: calibre anormal ou arborizacão
(Figura 30.11 ).
- Alte rações de ligamento de Cooper: espessamento e
retrações.
- Edemas: aumento de ecogenicidade do tectdo ctrcUnJa-
cente e reuculacão, dtstorção da arquitetura.
- Espessamento cutâneo: exceto na área periareolar e nos
quadrantes inferiores, onde comumente é mais espesso.
- Retração de pele/irregularidade: quando a supe rfície da
pele é côncava ou mal de finida, parecendo estar repuxada.

Em relação aos cistos, é possível considerá-los como as mais


frequentes alterações da mama, sendo geralmente assintomáti-
cos e encontrados acidentalmente durante um C.'<llme de ultras-
som. As lesões clsticas precisam ser descriLaS e classificadas de
acordo com o 81-RADS (Quadro 30.4).
Com efetto, as taXas de mahgnidade relatadas na hteratura
,·ariam entre 23% e 31%. De acordo com os registros, apenas
12% dos cistos complicados parecem ser na verdade lesões
sólidas com taxa de malignidade de 0,42%. Foram agrupados
como lesões de Categoria 3, sendo recomendado o segu imen-
to de 6 meses. Caso seu tamanho aumente em mais 20% nes-
se período, está indicada a biópsia para o d iagnóstico.

DOPPLERFLUXOMETRIA MAMÁRIA
A vasculanzacão representa critério imponame. A doppler-
fiuxometria colonda torna possível a a'-aliação da vasculari-
zação, a qual é refenda como ausente, ,·ascularização mterna
(Figura 30.18) ou vasculanzação em halo (penfénca). Não
há padrão vascular especifico para nenhum diagnósuco em
panicular.
Sabe-se que os tumores malignos tendem a ser maiS vas-
Figura 30.17A e 8 Complexo sólido e cístico. Inclui lesOes com pa- cularizados, o que explica o interesse cada vez maior pelo
redes espessadas e nódulo mural ou intradstico. estudo da vascularização das lesões evidenciadas à ecogralia.
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Capítulo 30 Propedêutica por Imagem em Mastologia 251

Figura 30.18A a D Oopplerfluxometria evidenciando fluxo central no


nódulo irregular, hipoecogênico, microlobulado.

O uso do modo Dopple r deve se r sistemático, pois fornece


elementos orientadores para o d iagnóstico: hiperemia pe ri-
lesional caso as lesões sejam innamató rias (cistOs, abscessos)
versus a vascularização imralesional indicando a natu reza só-
lida da lesão. No entanto, deve se r lembrado que a ausência
de um sinal de Doppler não significa que possa se r excluída a
natureza sólida de uma lesão.
Na avaliação da elasticidade, a elaswgrafta foi incluída nas
características associadas. Classificada em macia, intermediá-
ria e firme, foi incluída no léxico em razão da disponibilidade
em d iversos aparelhos de ecografia atuais, mas seu valor pre-
d itivo ainda se encontra em estudo.

Casos especiais
São considerados especiais os casos que apresentam carac-
terísticas pawgnomõnicas:

• Cistos e microcistos agrupados: podem ser classificados como


Categoria 2 BI-RADS, assim com os cistOs de conteúdo es- Figura 30.19 Massa intraductal, ecogênica, bem delimitada. Evi-
pesso, sem nenhuma alteração em suas características. denciou-se tratar de papiloma.
• Massas intraductais (Figura 30.19).
• Massa de origem cutânea.
• Corpo estranho. Em relação à Catego ria O BI-RADS, parece ser bem mais
• linfonodo intramamário. rara na US do que na mamografta e diz respeito ao exame
• linfonodos axilares. que necessita da mamografia para estudo comparativo ou de
• Mama masculina. exames ecográficos ante riores para definição do caso.
• Alterações pós-cirú rgicas - coleções e esteawnecrose. Em relação às categorias BI-RADS e suas chances de cânce r
• Malformações aneriovenosas, pseudoaneurismas e doença e respectivas orientações de conduta, deve-se utilizar o mes-
de Mondo r. mo crité rio adotado para a mamografia.
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J 252 Seção I Ginecologia

Avaliação dos linfonodos axilares


Os linfáticos da maior pane da mama drenam para os lin-
fonodos axilares. As metástaSes linfonodais dependem par-
cialmente do tamanho e do grau histOlógico do tumor.
Os linfonodos axilares estão distribuídos em tres níve is.
Os localizados no nível l se situam late ralmente ao músculo
peitoral menor; os no nível 2 (Figura 30.20) se situam pro-
fundamente ao peitoral menor ou entre o músculo pe itOral
maior e o menor Oinfonodos de Rouer); os localizados no
nível3 se situam medialmeme ao músculo peitoral menor. Os
linfonodos mamários internos estão situados entre a pleura e
os músculos intercostais (do primeiro ao terceiro espaço) e a
l ou 2cm das bordas late rais do esterno. Dificilmente ultra-
passam 6mm de diâmetro máximo.
Até 28% das pacientes podem apresentar linfonodos imra-
mamários, que são mais comuns nos quadrantes externos e
na linha axilar da mama. Figura 30.21 Linfonodo normal - córtex hipoecogêoico e hilo hipere-
cogênico.
A morfologia normal dos linfonodos varia segundo as lo-
calizações relativas do córtex e do mediastino e o grau de
infiltração gordurosa do mediastino (Figura 30.21). Os lin-
fonodos normais tem eixo longitudinal de formato elíptico e
formato em C no eixo transverso. CompostO principalmente
de tecido linfático e se ios conicais comendo líquido, o córtex
é hipoecogênico (mais escuro). O mediastino, que contém
cordões e sinusoides medulares, aparece como iso ou h ipere-
coico, dependendo da quantidade de gordura (Figura 30.22).
Os linfonodos atípicos apresentam aumento do d iâmetro
ameroposterior (> lcm); formatO arredondado; córtex acentua-
damente hipoecogenico (celularidade elevada); e morfologica-
mente se apresentam com espessamento corlical, compressão,
obliteração, endentação e deslocamento hilar, perda da camada
externa ecogenica e margens angulares (Figuras 30.23 a 30.25)
e simetria ou assimetria entre a direita e a esquerda. Figura 30.22 Linfonodo após sucessivos episódios de inflamação e
Os linfonodos neoplásicos costumam ser irrigados por fibrosa. O córtex atrofia e fica mais fino, e o mediastino ecogênico
múltiplos vasos (Figura 30.26). se torna maior.

Figura 30.20 Nivel 2 da cadeia ganglionar axilar. O linfonodo se en- Figura 30.23 Compressão excêntrica intensa e deslocamento do me-
contra profundamente em relação ao músculo peitoral menor. d iastino para a margem do gânglio, o que sugere doença metastática.
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Capitulo 30 Propedêutica por Imagem em Mastologia 253

Assim, entende-se que a rnamografia ainda é o método de


escolha para o rastreamento primário do câncer de mama.
A US mamária é um método diagnóstico efetivo ao avaliar a
doença da mama de modo complementar à mamografia em
caso de anormalidades palpáveis não vistas na mamografia e
em achados de RM como exame d irigido. Particularmente em
paciemes com mamas densas, a US mamária se toma uma
ferramenta útil na avaliação d iagnóstica.

RESSONÂNCIA MAGNÉTICA (RM)


O uso da RM em mastologia data do final da década de
1980 e mlc1o dos anos 1990, com crescente evolução e rea-
nálises de seu papel no d1agnóstico e acompanhamento do
câncer de mama.
A RM como propedêulica em mastologia foi marcada lru-
Figura 30.24 Intensa compressão do medoastlno.
cialmente por obstáculos que impediram sua implementação
na rotina da propedêutica mamária. Esses obstáculos eram a
falta de protocolos definidos e padronização na aquisição das
image ns e a falta de materiais para imervenção compalfveis
com a RM, além da inexistência de dados que comprovassem
a acurácia d iagnóstica do método, particularmente no que se
refere à especificidade e ao valor preditivo positivo, além da
sensibilidade para o diagnóstico do carcinoma in situ.
Esse umverso de mcenezas motivou a realização de vários
estudos em centros de excelência, além do desenvolvtmento
de rnatenaiS e técmcas que possibilitassem a b1óps1a de alte-
rações idenuficadas exclusivamente pela RM. Atualmente, a
RM é pane do cenário da propedêutica mamária e se tornou
imprescindlvel em várias situações.
No que se refere à padronização de descrições dos exames
de RM das mamas, a últi ma ed ição d o BI-RADS contempla
um capitulo inteiro dedicado a esse método propedeutico
de estudo da imagem mamária. De manei ra geral, essa edi-
Figura 30.25 Endentações convexas do medoastino. ção tenta al inhar os léxicos descritivos das imagens mamá-
rias identificadas na mamografia, US e RM. Na ressonância,
a criação do chamado realce funcional (do inglês bachground
parenchimal enhancemtnL - BPE) é uma importante aquiSiçãO
no léx1co. Essa expressão se refere ao realce "de fundo" carac-
terístico da esumulação hormonal do parênqwma mamáno e
independente da densidade mamária. A forma e as margens
das lesões nodulares seguem descrições da mamografia e da
US, respectivamente, e o realce interno (uma caracter!stica
apenas da RM) também ganhou terminologia especifica. As
lesões do ti po não massa, idemi ficadas inicialmente apenas
pela RM em seu estudo dinâmico, são descritas em termos de
distribuição e padrão de realce interno.
Uma sessão de achados associados é também descrita no
capítulo de ressonância do Bl-RADS, 5' edição. Esses acha-
dos vão desde a 1m·asão e o espessamento de pele e mami-
los, a mvasão de pe1toral, até a adenopatia axtlar. Outro as-
pecto retratado nessa no,·a edição foi a criação de um léx1co
especifico para descrever as mamas com próteses, tanto no
que se refere às suas topografia e caracter!stica, quanto à
Figura 30.26 Estudo Doppler demonstra múttlplos vasos anárqui- integridade e/ou presença de sinais específicos sugestivos de
cos no córtex. ru ptu ra. A estratificação dos achados, o grau de suspeição e
/.

'
'/
J 254 Seção I Ginecologia

as recomendações de conduta seguem o mesmo padrão da Técnica do exame


mamografia e da US, com catego rias definidas segundo o O aparelho de RM funciona como um grande ímã, o qual
que most ra o Quadro 30.5. dete rmina um campo magnético conhecido. Os vários tecidos
Um segundo ponto que limitava o uso da RM como pro- do corpo são compostos de quantidades d iferentes de água
pedêutica no estudo da imagenologia mamária foi a falta, em e por isso são estimulados de maneira d iferente pelo campo
estudos iniciais, de métodos de biópsia , o que incluía técnica magnético. As imagens são resultantes da inte ração de ondas
e materiais específicos. A tecnologia foi criada sob demanda e de radiofrequência com o núcleo do átOmo de hidrogênio. A
hoje se conta com um arsenal de equipamentos e técnicas diferença da composição dos tecidos e o tempo que cada um
bem estabelecidos para se proceder à intervenção diagnósti- leva para retornar ao estado inicial após ser expostO ao campo
ca em lesões identificadas apenas por RM. Essa intervenção magnético fazem os tecidos apresentarem sinais dife rentes na
pode ser feita a partir de biópsia percutãnea a vácuo, com a imagem formada pela RM. Assim, a interpretação da imagem
aquisição de fragmentos que são enviados para estudo histo- em RM é descrita em termos de "intensidade do sinal" (o que
lógico, ou a partir de marcação pré-cirúrgica, com a injeção equivaleria, grosso modo, à ecogenicidade da ecografia e à
de radiofármaco ou o posicionamento de fio metálico, que densidade dos tecidos na mamografta).
funcionarão como guias para exé rese da área suspeita em um Os aparelhos que fazem RM das mamas contêm campos
segundo tempo em bloco cirúrgico (biópsia excisional a céu magnéticos variados. Especificamente para realização da res-
aberto). sonância, é recomendável um aparelho de no mínimo l ,ST
A RM é um método importante e tem como vantagens o (testa) e com bobinas dedicadas, específicas para as mamas,
esclarecimento de imagens que geram dúvidas em métodos de garantindo imagens adequadas e acurãcia diagnóstica. Du-
imagem rotineiros em maswlogia - mamografia e ecografia - , rante o exame, as pacientes ficam em decúbito ventral com
a possibilidade de avaliação de mamas densas e mamas com as mamas apoiadas nessas bobinas (Figuras 30.2 7 e 30.28).
próteses sem as limitações da mamografia nesses casos especí- As imagens são adquiridas em sequências que variam de acor-
ficos, além de não utilizar radiação ionizante. Entretanto, como do com o protocolo adotado em cada serviço. Em geral, as se-
wdo método de imagem, tem suas limitações. As principais quências identificam os elementos que constituem a mama (gor-
são a necessidade de realização do exame em um período do dura, tecido fibroglandular, água e, eventualmente, silicone), e
ciclo com menor estimulação de estrogênio e progesterona (se- os softwares são capazes de gerar imagens com supressão de um
gunda semana do ciclo); a dificuldade de d iagnóstico de lesões ou mais desses elementos para ajudar na definição d iagnóstica.
pouco proliferalivas, como o carcinoma in situ de baixo grau e As aquisições são feitas em três planos (axial, sagital e coronal),
até mesmo o carcinoma invasor bem d iferenciado (pouca an- incluindo a totalidade do tecido fibroglandular e as axilas, além
giogênese, pouco realce pelo meio de contraste); os resultados da musculatura peitOral adjacente, possibilitando o estudo tridi-
falso-positivos de lesões benignas proliferalivas ou muito vas- mensional das lesões. Dessa maneira, o estudo morfológico das
cularizadas, como linfonodos e hiperplasias típicas; e o passado lesões é completo, identificando-se tamanho, intensidade do si-
recente de cirurgia ou radioterapia (pode haver realce relativo a nal, formatO, margens e padrão de realce interno das lesões, sua
processos inflamatórios). localização e relação com tecidos adjacentes.

Quadro 30.5 Concordância entre as categorias de avaliação BI·RADS'" e recomendação de condutas

Avaliação Conduta Probabilidade de câncer


Categoria O: incompleto- precisa de avaliação Nova consulta para exames de imagem e/ou N/A
por imagem e/ou mamografias anteriores comparação adicional de exame(s) prévio(s)
para comparação
Categoria 1: negativo Mamografia de rotina Essencialmente O% de probabilidade de
malignidade
Categoria 2: benigno Mamografia de rotina Essencialmente O% de probabilidade de
malignidade
Categoria 3: provavelmente benigno Intervalo curto (6 meses)- acompanhamento >0% a ~% de probabilidade de malignidade
ou vigilância a continuar por mamografia
Categoria 4: suspeito Diagnóstico do tecido >2% a <95% de probabilidade de
malignidade
4A: baixa suspeita de malignidade >2% a ,;10% de probabilidade de
malignidade
4B: suspeita moderada de > 1O% a ,;50% de probabilidade de
malignidade malignidade
4C: alta suspeita de malignidade >50% a ,;95% de probabilidade de
malignidade
Categoria 5: probabilidade de ser maligno Diagnóstico do tecido :?:95% de probabilidade de malignidade
Categoria 6: malignidade comprovada por Excis!l.o c irúrgica quando clinicamente
biópsia apropriado
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Capítulo 30 Propedêutica por Imagem em Mastologia 255

ao tempo formam as curvas de realce pelo meio de contraSte,


como demonstrado na Figura 30.29. Essas curvas são descri-
tas como ascendentes ou persistentes (tipo 1), em platô (tipo 2)
e em washout (tipo 3).
Ao se considerarem o estudo dinâmico da RM e o fato de
que o aumento da pe rmeabilidade capilar influencia os acha-
dos desse métOdo , fica evidente a importância da correlação
da época do ciclo menstrual com a data de realização do exa-
me. A segunda semana do ciclo (entre o sétimo e o 14" dia),
quando os níveis ho rmonais estão mais baixos e há menor
estimulação do parenquima po r estrogênio e p rogesterona,
e consequentememe meno r vascularização e menos edemas
mamários, seria a melhor época para RM das mamas, me-
lhorando a sensibilidade do exame e a acurãcia diagnóstica.
Seguindo esse mesmo raciocínio, a realização desse exame
em pacientes gestantes estaria comraindicada, uma vez que a
mama da mulher grávida já é naturalmente mais vasculariza-
Figura 30.27 Aparelho de RM Avanto SIEMENS".
da, além de não se conhecerem os efeitos do gadolínio para o
feto. Outra limitação do exame em gestantes é a necessidade de
manter decúbitO ventral durante tOdo o tempo de realização.

Indicações
O uso da RM como propedeutica em maswlogia tem al-
gumas indicações já bem estabelecidas por estudos clínicos
publicados e outras que ainda são fome de pesquisas e muitas
controvérsias. As principais ind icações como propedêutica
em maswlogia são d iscutidas a seguir.
O rastreamento de pacientes de alto risco está entre as in-
dicações mais bem estabelecidas da RM. Segundo a American
Cancer Society, a ressonância deve ser utilizada anualmen-
te, em adição à mamografta, com base em evidencia cienti-

Fase Fases pós-contraste


pós-contraste intermediária e tardia
Figura 30.28 Bobina específica para RM das mamas. precoce

As aquisições das imagens são feitas em duas fases - uma la lb


não contrastada, para estudo dos aspectos morfológicos, e a
outra com o uso do contraste endovenoso para estudo dinâ-
mico, o qual é feito com a injeção do contraste endovenoso
gadolínio e com a aquisição de imagens sequenciais a cada

-
11
minuto após a injeção (em um total de 3 ou 5 m inutOs, a üi
~

depender do protocolo utilizado). No estudo dinâmico , as le- Cf)


I
sões mamárias são estudadas em te rmos de captação de con-
t raste em relação ao tempo, além do padrão de realce interno "
Cf)
~
111

das lesões nodulares.


A captação de contraste em função do tempo forma curvas
que também serão consideradas na análise desses achados. A
base fisiológica do estudo dinâmico considera que lesões sus-
peitas e malignas apresentam aumento da permeabilidade ca-
pilar e da neoangiogenese, o que faz o contraste se r captado
mais rapidamente por essas lesões (em razão do aumento da
permeabilidade vascular) e também "lavado" mais rapida- Tempo
mente (em virtude da angiogenese). A velocidade da captação Figura 30.29 Desenho esquemático dos tipos de curva de intensi-
do contraste e o comportamento desse contraste em relação dade de sinal. (Adaptada de Kuhl CK. Radiology, 1999.)
/.

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J 256 Seção I Ginecologia

fica, para pacientes com mutações conhecidas de BRCA1 ou ro minuto do estudo dinâmico pós-contraste, podendo esse
BRCA2 ou para aquelas pacientes com risco relativo ao longo contraste se r lavado rapidamente ou não.
da vida >20% (calculado po r modelos de cálculo de risco já A fib rose cicatricial, por sua vez, não tem como caracte-
validados). rística marcante a neovascularização, principalmente quando
Algumas situações, entretanto, não comam com evidência se trata de seguimento de 1 ano ou mais. Alguns casos de
científica, mas são, de modo geral, condições em que a RM falso-positivos podem existi r nesse contexto, principalmente
também está indicada anualmente em adição à mamografia. quando se considera a esteatonecrose que acontece no pri-
Essas situações são as seguintes: pacientes submetidas a ra- meiro ano de seguime nto após o tratamento ci rúrgico. A es-
dioterapia do tórax entre os 10 e os 30 anos de idade (p. ex., teawnecrose nesses casos pode realçar muito precocemente e
po r linfomas); pacientes com síndromes genéticas conhecidas simular neoplasia, deixando o estudo hisLOlógico como alter-
que sabidamente cursam com aumentO do risco de desen- nativa para o d iagnóstico diferencial.
volvimento de neoplasia mamária; pacientes com diagnóstico A quimioterapia neoadjuvante ou de indução tem sido
ante rior de neoplasia de mama ou com d iagnóstico de lesões cada vez mais empregada no tratamento multid isciplinar do
de alto risco; pacientes com risco relativo de desenvolvimen- câncer de mama. A quimiote rapia neoadjuvante é realizada
to da doença entre 15% e 20% ao longo da vida, e também ames do t ratamento cirú rgico, seja para diminuir o tamanho
aquelas com mamas extremamente densas na mamografta tumoral e possibilitar o tratamento cirúrgico conse rvador,
podem ser candidatas à realização de ressonância de mama seja para melhorar a taxa de resposta e a sobrevida da pacien-
como screening. Nesses casos, não há evidências contra nem te, como já demonstrado em pacientes j ovens com tumores
a favo r, ficando a critério clínico a decisão de solicitar ou não t riplo-negativos ou naquelas nas quais é possível o emprego
o exame. do duplo bloqueio HER2.
Pacientes com risco relativo de desenvolvimento de cánce r A RM é o método de imagem mais acurado para medir o
de mama <1 5% não têm ind icação para realização do exame, tamanho tumoral em estudos que compararam mamografta,
estando po r essa razão comraind icado como rastreamento. ecografia e RM, tendo o tamanho tu moral da patOlogia como
O uso da RM para caracterização de lesões mamárias é tam- referência. Desse modo, a realização de RM ames do início
bém bem estabelecido. Achados inconclusivos ou incoerentes do t ratamento neoadj uvante e de outras imagens após seu
entre exame clínico, mamografia e ecografia mamária podem té rm ino possibilita a mensuração da resposta à quimiote rapia
ser esclarecidos pela RM. Um exemplo seria a caracterização de em termos quantitativos. Essa resposta, por sua vez, é impor-
cicatrizes em mamas já operadas, as quais, mamográfica e eco- tante fator pred itivo de sobrevida livre de doença e sobrevida
graficamente, podem se apresentar como suspeitas em virtude global no câncer de mama.
da irregularidade do contorno ou aspecto denso. O uso da RM para planejamento terapêutico do câncer
A RM é imprescindível na avaliação de pacientes com diag- de mama é tema controverso. Alguns auto res defendem seu
nóstico de carcinoma oculto e também indicação clássica desse emprego nas pacientes candidatas a tratamento conservador
método de imagem em maswlogia. A identificação de doença com o objetivo de planejar a extensão da ressecção cirúrgica,
em linfonodos axilares sem evidência de achados em mamo- além da possibilidade de avaliação da mama com ralate ral e
grafia e ecografia mamária necessita de avaliação dessa resso- do eventual diagnóstico de um carcinoma sincrônico.
nância para se certificar de que não há algum achado na mama No cenário da radiote rapia intraoperatória, por exemplo,
que j ustifique a doença axilar. ou nas pacientes com mamas muito densas ou ponadoras de
A avaliação de doença residual após biópsia tem seu papel carcinoma lobular da mama , o uso da ressonância das ma-
nos casos de exérese de lesões com estudo hiswlógico mos- mas vem sendo cada vez mais consolidado como rotina em
trando margens exíguas na peça ci rúrgica. O grande proble- serviços onde há a d isponibilidade desse método. Entretanto,
ma dessa indicação é que a ressonância de mama identifica seria um tanto abusivo considera r esse uso indispensável para
á reas de maior realce pelo meio de contraste em razão do todas as pacientes.
aume nto da vascularização. Assim, em alguns casos, to rna-se O estudo mais significativo nesse contexto, o COMICE
limitada a distinção entre doença residual e reação inflama- trial. falhou em demonstrar o benefício da RM no sentido de
tó ria, principalmente se o realce é localizado nas bordas da melhorar as taxaS de reope ração em pacientes d ivididas em
loja cirúrgica. Estudos determinam um intervalo desejável de dois grupos - um que recebeu RM no pré-operatório e outro
6 meses para minimizar a reação pós-cirú rgica e melhorar a que não recebeu. A taxa de reoperação foi semelhante entre os
acu rácia da ressonância nesse cenário. g rupos (19%). Entretanto, o ed ito rial do Lancet, assinado pela
A suspeita de recidiva da neoplasia mamária é sempre mo- Dra. Elizabeth Morris, que comenta o artigo, conclui que a
tivo de preocupação para as pacientes e seus médicos. A RM RM é um bom métOdo no cená rio do planejamento cirú rgico,
tem papel importante nesse cenário, uma vez que possibilita mas não se ria idealmente empregada para todas as pacientes.
a dife renciação entre cicatriz ( fibrose pós-cirúrgica) e recidi- Assim, a ressonância esta ria bem empregada onde houves-
va, o que se torna possível pela análise do estudo dinâmico se suspeita clínica de doença mais extensa do que demons-
após injeção de contraste, como já explicado. A caracte rística trado pelos métOdos de rotina ou naquelas com risco maior
da recidiva , como no tumor primário, de neovascularização de multicentricidade e bilateralidade, além de envolvimento
promove realce precoce e rápido do contraste já no prime i- neoplásico de musculatura peitoral e parede to rácica. Os au-
r
((

Capítulo 30 Propedêutica por Imagem em Mastologia 257

wres que argumentam contra o uso no pré-operatório ques- outros d ispositivos metálicos e eletrônicos implantados (clipe
tionam a validade desse emprego, uma vez que ainda não em aneurisma cerebral, implante coclear, objeto metálico ferro-
foram publicados estudos prospectivos randomizados nesse magnético na córnea) não são candidataS à realização do exame
sentido. A grande questão é a impossibilidade da realização em virtude da possibilidade de deslocamento desses clipes e de
desses estudos, uma vez que a validade da ressonância já é alteração do funcionamento desses dispositivos implantados.
reconhecida por alguns grupos. Seria no mínimo antiético Em pacientes gestantes, do mesmo modo, os riscos su-
randomizar pacientes sabendo que o grupo que não realizará plantam os benefícios, uma vez que não se conhece a ação do
RM pode ria ser prejudicado. gadolínio no fetO, as mamas estáo muitO vascularizadas pela
A literatura aponta alguns grupos como os principais can- ação hormonal e é impossível o posicionamento das pacientes
d idatos a esse tipo de abordagem propedêutica, a saber: as em decúbito ventral com a gestação avançada.
pacientes com mamas mamograficamente densas e em pré- Pacientes com alergia conhecida ao gadolínio também não
-operatório para RT intraoperatória; as de alto risco e com devem fazer o exame contrastado. Cabe ressaltar que essa aler-
d iscordância no tamanho tumoraVextensão da doença >1 em gia é identificada em número pequeno de pacientes, variando
na avaliação mamográfica e ecográfica; as com biópsia per- em torno de 4% na literatura médica.
cutânea mostrando carcinoma lobular; e as com calcificações Pacientes com insuficiência renal devem ser submetidas
de difícil controle na mamografta. ao exame apenas quando realmente imprescindível, uma vez
O que se impõe como necessidade é a seleção das pacien- que o gadolínio sofre excreção renal e necessita de função
tes que se beneficiariam do uso, o que só será possível com renal prese rvada para seu uso.
d iscussões e estudos prospectivos que analisem os grupos se- Pacientes claustrofóbicas têm dificuldade em realizar o
paradamente, sem randomização, ainda que a força de valida- exame, o qual precisa ser executado em sala fechada e, al-
ção desse tipo de ensaio clinico seja menor. gumas vezes, com a entrada da paciente no aparelho. Nesses
Um emprego bem estabelecido da RM das mamas consiste casos, o exame pode ser realizado sob sedação do paciente.
na avaliação de pacientes que foram submetidas à mamoplas- Por último, a incompatibilidade da paciente com o aparelho,
tia de aumento com colocação de próteses, seja para avaliação seja pelo peso, seja pelo d iâmetro do tórax, por dificuldade em
da integridade das próteses, seja para avaliação do parênquima manter o decúbitO ventral ou ainda pela presença de alguma
mamário como estudo complementar à mamografia e à ecogra- agitação psicomowra, pode também ser um fator impeditivo.
fia. A avaliação da integridade do implante pode ser feita a panir Em última análise, a RM das mamas vem se consolidan-
da queixa da paciente ou periodicamente em pacientes assinto- do como método propedêutico imponante na maswlogia,
máticas. As sociedades de classe no Brasil ainda não definiram cabendo ressaltar sua imponância em cenários específicos,
um intervalo para o rastreamento de rupturas assintomáticas. como discutido neste capítulo. O papel do médico na seleção
A Sociedade Americana de Cirurgia Plástica recomenda a das pacientes e na indicação do exame é fundamental. Para
realização de RM 2 anos após a inserção dos implantes e de- isso, precisa conhecer as características técnicas, indicações,
pois a cada 3 anos. Sabe-se que o período méd io de validade contraindicações e limitações do métOdo.
dos implantes é de 7 anos, e a RM é vista como o método
mais sensível para identificação das rupturas, principalmente
as intracapsulares. Entretanto, essa prática é questionada por MED ICINA NUCLEAR
cirurgiões de wdo o mundo, uma vez que ainda não se esta- Rad iotraçadores têm sido investigados para o diagnósti-
beleceu o risco de morbidade dessas pequenas rupturas con- co do cânce r de mama, e o compostO Sestamibi-99mTc foi
frontado com o custo de um screening dessas pequenas alte- o mais conhecido, apresentando a capacidade de marcar o
rações em pacientes assintomáticas. A decisão passa, então, a tumor de mama em virtude do aumento do nuxo sanguíneo
ser individual, entre o cirurgião e a paciente, conside rando as regional, da carcinogênese e da diferença do potencial da
panicularidades de cada caso e seu contexto clínico e social. membrana mitocondrial.
O estudo do tecido fibroglandular por RM em pacientes Uma metanálise demonstrou sensibilidade de 85%, es-
com próteses é indicado quando há alguma dúvida ou d iscor- pecificidade de 87%, valor preditivo positivo de 88%, valor
dância em exames de rastreamento de câncer de mama reali- preditivo negativo de 8 1% e acu rácia de 86% para lesões
zados em pacientes portadoras desses implantes. A RM inclui mamárias >1cm.
wdo o parênquima e a prótese, até mesmo a parte posterior Recentemente , gamacâmaras dedicadas à cintilografia ma-
da prótese e as zonas que se tOrnam cegas à mamografia em mária foram desenvolvidas para melhorar a resolução espa-
virtude da presença da prótese. cial, conseguindo detectar lesões <lcm e carcinoma in situ.
Algumas condições são consideradas contraindicaçóes à Estudos usando PET/CT com [18F] -FDG (nuordesoxigli-
RM das mamas como propedêutica em maswlogia. cose) mostram que células cancerígenas apresentam taxaS de
Como rastreamento de câncer de mama, a ressonância está captação de glicose elevadas, comparadas às células normais,
contraindicada para pacientes com risco relativo (RR) <15% e o FDG capta no câncer de mama sob a innuência da ex-
ao longo da vida, calculado por métodos de câlculo de risco pressão do transportador de glicose subtipo I (GLUT 1), da
validados. A RM funciona em uma sala com campo magné- enzima da glicólise, hexocinase subtipo ll, da carga tu moral e
tico instalado. Assim, pacientes com marca-passo cardíaco e índice de proliferação.
/.

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J 258 Seção I Ginecologia

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CAPÍTULO

Alterações Inflamatórias das Mamas,


Próteses Mamárias e Mastalgia
Antônio Fernandes Lages
Cynthia Netto de Barros

ALTERAÇÕES INFLAMATÓRIAS DAS MAMAS ções de exames e intervenções muitas vezes inadequadas ou
As alterações inflamatórias das mamas, que envolvem desnecessárias.
várias doenças de caráter sistémico ou local, infeccioso ou Além das paLOlogias mamárias inflamatórias historica-
não, são conhecidas como mastites e podem oco rrer em mente prevalentes, na última década foi registrado aumen-
qualquer fase da vida da mulher, sendo a mastite puerperal to expressivo das mamoplastias de aumento, o que elevou o
a alteração inflamatória ma1s frequente do tecido mamário. número de doenças e complicações às quais as mamas estão
Uma vez que a mama pode ser sede de qualquer proces- expostas. A mamoplastia de aumento, conhec1da como drur-
so inflamatóno sistémico e também desem·oh-er doenças gia de prótese de siliconc, é, segundo a Soc1edade Brasile1ra de
próprias do tecido mamário em função de sua arquitetu- Cirurgia Plástica, a intervenção c1rúrg1ca mais realtzada nos
ra anatõmica e fis1ológ1ca, é necessária muna atenção para últimos 4 anos, valendo ressaltar que 21% de todas as mter-
compreender a euopatogema de cada processo. Por esses ''enções plásticas correspondem à mamoplasua de aumento.
mouvos, é de extrema 1mponânc1a uma abordagem que Em 2009 foram reahzados ++3. H3 procedimentos estéucos
respene seus d1ferentes aspectos h1stopatológicos, sem o e 93 mil cirurgias de prótese de s1hcone.
que se pode chegar ao uso md1scrimmado e excessivo de As complicações merentes a essa c1rurg1a quase sempre
antimicrobianos com todas as consequénCias indesejá,·eis e começam com processos mflamatórios agudos e hmnados,
ainda à realização de intervenções Cirúrgicas que poderiam mas que podem cursar com mfecção subcllnica e toda uma
ser evitadas. cascata de eventos que envolvem a resposta mflamatória do
Para a paciente que vem desenvolvendo alguma doença receptor da prótese, seu sistema imunológ1co e a própria
inflamatória mamária, o convfvio com a dor, a insegurança condição e o cuidado com os quais a cirurgia foi realizada,
pelo caráter recidivante de algumas dessas alte rações inflama- desde sua indicação até o pós-operatório ta rdio. Por isso, a
tórias, as exace rbações dos quadros clínicos, o uso e a troca mamoplastia de aumento e suas complicações são aborda-
frequente de anlim icrobianos e as idas constantes aos servi- das neste capítulo.
ços médicos representam verdadeiro desaf1o psicológico para O Quad ro 31. 1 apresenta a classi ficação das principais al-
o qual nenhuma mulher está preparada. Como complícan- terações inflamatórias das mamas.
te desses casos há ainda a preocupação constante da mulhe r
com a possibilidade de esta r com câncer, considerando que Doenças inflamatórias das mamas
ela geralmente confunde a enfase plenamente justificável que Entre as doenças sistémicas que mais comumeme ocorrem
se dá à divulgação dos riscos desse tipo de câncer, concluindo nas mamas, mas ainda bastante raras, estão o lúpus eritema-
que a "ún ica" doença da mama é esse mal. Consequentemen- toso sistêmico, a sarcoidose, a mastite tuberculosa, a slfilis e
te, qualquer sint oma nesse órgão acarreta a conclusão preci- a hansenlase, sendo a tuberculose a mais imponante e preva-
pitada de que seu quadro corresponde a essa doença. Recor- lente no Brasil. O diagnóstico quase sempre é fe1to por exame
dando as palavras de Uzandizaga: "em mastologia, a cirurgia histopatológico, muitas vezes por acaso, Já que essas doenças
é dominada pelo câncer e a cllmca é dominada pelo medo do se manifestam principalmente por nódulo mamáno ou axilar,
câncer: Essa premissa, ahada à tendencia cada ,.ez maior da havendo a necessidade de diagnóstiCO d1ferenc13l com o carci-
prática de uma med1cma defens1va, acaba por levar a solidta- noma de mama.
259
/"
)/:
I 260 Seção I Ginecologia

Quadro 31.1 Principais aneraçOes 1nllama16nas das mamas • Esclerosame: a cronilicação do quadro produz uma mas-
Doenças de origem slstfmlea Doenças próprias das mamas lite esclerosante com intensa librose do tecido mamáno e
Não Infecciosas Nio Infecciosas
retração da pele, mais comum nas mulheres Idosas.
Lúpus eritemaroso CtOnocas
sislêmico (LES) Ec18Saa duelai Faixa etária
Sarcoidose Esteatonecrose
Acontece, em geral, nas mulheres mais jO\'ens, entre os 20
Mas~1e oleogranulomalosa
Agudas e os 40 anos, principalmente naquelas que esu,·erem no Ciclo
Doença de Mondor gravídico-puerperal ou imunossupnm1das.
Eczemas
Contratura capsular pós·pr61ese
Infecciosas Infecciosas
Tratamento
Maslile tuberculOSa Cr6nieas Após a confirmação diagnósuca, feita por exérese da le-
snais Abscesso subareolar recidivame são e estudo histopatológiCO, deve ser msmulda a terapia
Hansenlase Agudas
Mas111es puerpera1s
tuberculostálica. Nos casos de mastíte dissemmada ou escle-
Abscesso periférico rosante, nos quais o uso de quimioterapeuucos por 6 meses
não seja suficiente para a cura, pode-se discutir o benefi-
cio da mastecLOmia, uma vez que a manutenção do bacilo
de Koch no tecido mamá rio favorece o recrudescimento da
Doenças sistêmicas de caráter infeccioso
doença sistêmica.
Mastite tuberculosa
Doença rara nos palses desenvolvidos, a mastite tuberculo- Doenças próprias das mamas
sa tem sua prevalencia associada às condições socioeconõmi- Doenças não infecciosas de caráter crônico
cas de cada pais. No Brasil, o esLado de Roraima apresenLa a
mais alta incidtncia da rubercu lose, enquanto Santa Catarina Ectasia duelai
tem a mais baixa. • Sinonímia: maslite de células plasmáticas, mastile quimi-
A baixa incidtncia de maslite tuberculosa, quando compa- ca, obliterante, mastite periductal, comedomastite ou vari-
rada com outros focos da doença, provavelmente se deve à aiLa cocele mamária.
resistência do tecido mamáno normal à muluphcação do baci- • Etiopatogenia: admite-se que a alteração m1cial seja a di-
lo de Koch ou bacilo álcool-ácido-resistente (BAAR), uma \'CZ latação dos duetos principaiS pelo acumulo de material h-
que essa masute é responsá,-el por apenas 0,025% a 1,2% das pldico e celular, o que causa na irritação da parede ductal e
doenças mamánas. Já a mama lactante, por apresentar maior sua consequente ruptura. O extravasamento do conteúdo
fluxo sangulneo e aumento da cu'Culação hnfáuca, toma-se do dueto, entrando em contato com o tecido adJaCente,
mais propensa ao desenvolvtmento desse processo infeccioso. prO\·ocaria irriLação qulmica e reação mnamatóna. A ma-
nutenção do processo resulta na em fibrose penductal, en-
Etiopatogenia durecintemo do local e retração pap1lar, além da retração
A tuberculose envolve a mama, rta maioria dos casos, de da pele sobrejacente.
maneira secundária, ou seja, o bacilo de Koch após infecção • Quadro clin ico: o acúmulo do matenal mtraductal acarre-
pulmonar alcança o tecido mamáno por me1o das q uaLro vías ta derrame papilar, na maiona das vezes pohductal, de co-
possiveis: a hematogtnica, a linfática, por extensão direLa atra- res que variam do verde ao marrom. Pode haver, também,
vés de costelas e cartilagens m fectadas ou por vía canalicular nódulo retroareolar e, em se traLando de processo antigo,
(duetos). Em todos os casos, o baci lo infecLa duetos ou lóbulos, retraç.ão da pele, tornando-se imperioso o diagnóstico di-
provocando reação innamatória crônica, formação de granulo- ferencial com o carcinoma.
mas com necrose caseosa e infiltrado innamatório hisliociLário. • Faixa etária: acomete, na maioria das vezes, mulheres na
faixa dos 50 anos.
Quadro clínico • Diagnóstico: é essencialmente clrnico. À mamografia são
A mastite tuberculosa pode manifesLar-se nas formas no- detecLados aumento da densidade retroareolar e calcifica-
dular, disseminada ou esclerosante: ções dueLais. Em casos recidivantes pode aparecer distor-
ção do parênquima em razão de processos cícatriciais.
• Nodular: as caracterlsticas clinicas são às vezes indistingul- • TraLamento: é conse rvador na maioria elos casos, não ha-
veis do carcinoma com a presença ele um nódulo mamário vendo indicação para anribioticoterapia. Se houver nódulo
ou axilar, prinCi J>almente em caso de acometimento axilar. palpável ou se for imposslvel descartar o câncer, opta-se
• Disseminada: em casos graves de imunossupressão, a in- pela ressecção cirúrgica do tumor e dos duetos acomeudos
fecção mamária pode ser difusa, um ou bilateral, conce- não apenas como tratamenro, mas pnmanamente como
dendo à mama aspecto mnamatório agudo com hiperemia, diagnóstico diferencial.
dor, endurecimento geral e espessamento da pele, simu-
lando o carcmoma inflamatóno e podendo drertar secreção Esteatonecrose
para a pele através de flstulas. • Sinonímia: necrose gordurosa ou granuloma hpofágico.
r
((

Capitulo 31 Alterações Inflamatórias das Mamas, Próteses Mamárias e Mastalgia 261

• Etiopatogen ia: decorrente de processos mvoluU\'OS das rencia mamográfica e ultrassonográfica da MGL Os achados
mamas, nos quais o parenquima remanescente stmula área mamográficos tem stdo descritos como pequenos nódulos
nodular, ou secundária a traumatismo da mama (citúrgico maldefinidos, densidades assimétricas extensas e dtstorção
ou não) , cuja resolução espontânea causa fibrose local. do tecido mamário sem microcalcificações. O caráter crOnico
• Quadro clínico: apresenta-se como nódu lo ou área domi- e recidivante pode levar a drenagens espontâneas, flstulas e
nante na mama e, radiologicamente, pode ser confund ida ulce rações.
com imagem suspeita: d isto rção de parenquima, densida- O tratamento primário recomendado da MGI é a biópsia
de assi métrica e nódulo es piculado. excisional. Entretanto, em casos de lesões múltiplas ou exten-
• Faixa etária: acomete mulheres com mais de 50 anos. sas, a cimrgia nem sempre é a melhor opção em virtude do
• Diagnóstico: quando não há história de traumatismo pré- resultado estéuco extremamente ruim. A persistência, a recor-
\~O local, ou mesmo se houver, muitas vezes não é possível rência e o aparecimento de complicações como a formação de
afastar a possibilidade de carcinoma. Se mamografia an- abscessos, flstulas e ulceração de pele, não são mcomuns e
tenor mostra presença antiga da lesão e sua estabilização, podem ocorrer em até 50% dos casos. A terapia com corttcoi-
pode ser realizado acompanhamento clímco, desde que a de tem stdo eficaz e está mdicada para controlar e pre\'entr a
amostra cnológica ou histológica (core bwpsy) seJa benigna. recorrencta da doença, além de ser uma opção para tratamen-
Se não for possível afastar o carcinoma, opta-se por condu- to primá no em lesões extensas.
ta mtervencionista.
• Tratamento: excisão ci túrgica com exame histológico. Doenças não infecciosas de caráter agudo
Eczema
Mastite oleogranulomatosa • Importância: doença comum que atinge grande núme ro
• Sinonímia: mastite por óleo orgânico. de mulheres, provoca desconforto e tende a tornar-se crO-
• Etiopatogenia: deve-se à injeção de parafina lrquida, sili- nica, se não abordada adequadamente.
cone liquido industrial ou cera de abelha nas mamas por • Etiopatogenia: o processo tem como origem a alergia ao
pessoas não qualificadas com o objel!vo de aumentar o ta- sutiã de nâtlon. A mtcrofibra penetra na pele do mamtlo-
manho da mama. Essas substânCias provocam reação inlla- -aréola, causando sensibilização e reação inflamatóna.
matóna crOmca do tipo granulomatoso. • Quadro cllnico: prundo de leve a intenso, secreção se rosa,
• Quadro clínico: dor, hiperemta, asstmetna das mamas, evolutndo para dor em queimação, descamação e forma-
nódulos palpáveis, edema de pele e, em casos graves, abs- ção de crostas, predispondo a infecção secundária.
cesso e necrose das mamas.
• Faixa etária: ati nge predominantemente pacientes jovens,
• Tratamento: depende da extensão do processo e pode
sendo mais comum na gestação e no pe ríodo de amamen-
consistir apenas na excisão d o nód ulo ou na mastectomia
tação.
subcutânea nos casos graves.
• Diagnóstico: o quad ro clinico é ca racte rlstico, sendo o
prurido e a descamação da pele os principais achados. O
Mastite granulomatosa idiopática (MGI) diagnósuco d iferencial inclui o carcinoma de Paget, em-
Também denominada mastite lobular granulomatosa, a bora essa lesão predomine na pós-menopausa (média de
MGI é uma rara doença inflamatória crônica da mama e de idade de 51 anos) e sua manifestação se de na forma de
euologta desconhecida. A distributção perilobular e a caracte- ulceração rectdtvante do mamilo. Outro dtagnósuco dtfe-
rtsuca da mllamação granulomatosa sugerem reação mediada renctal stgmficauvo no Brasil é com a escabtose.
por células de uma ou mais substâncias da secreção mamária • Tratamento: a base do tratamento consiste no afastamento
ou das células lobulares, mas nenhum antígeno especifico foi dos alérgenos, poLS a paciente em geral resiste a acredttar na
iden uficado. Um fenômeno autoimune parece improvável em
importância dessa medida, além da dificuldade em imple-
razão da ausência de vasculite ou de um componente proemi- mentá-la em virtude da quase inexistência no mercado de
nente de células plasmáticas na reação inflamatória. Acomete
sutiãs 100% de algodão, sendo necessário mandar confec-
princi palmente mulheres j ovens, com idade va riando entre
cioná-los. Deixar de usar sutiã não resolve o problema, ten-
17 e 42 anos (média de 33 anos), a maioria com gravidez
do em vista o predomínio de blusas e camisolas de mate rial
recente. As características clinicas, radiológicas e ultrassono-
sintético, o que ocasiona a manutenção do contato com o
gráficas são semelhantes às do câncer de mama.
alérgeno. O uso de antialérgicos e corlicoides por via siste-
Mulheres com MGI tipicamente se apresentam com uma
mica auxilta a remtssão do processo, mas o tempo mfnimo
massa endurecida, lixa, não raramente dolorosa, podendo
de afastamento desse upo de sutiã é de 6 meses a 1 ano.
comprometer qualquer área da mama, mas poupando a re-
gião retroareolar, com espessamento cutâneo assoctado, fre- Doenças infecciosas de caráter crônico
quentemente sugerindo carcinoma. Derrame paptlar e lin-
fonodos axilares suspeitos não costumam estar presentes. O Abscesso subareolar recidivante
envolvime nto bilateral é incomum, podendo ocorrer em até • Importáncia: é a mastite infecciosa de maior incidencia
25% dos casos. Há poucos relatos na literatura sobre a apa- nos países desenvolvidos, superando a mastite puerperal.
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J 262 Seção I Ginecologia

o ELiopatogenia: trata-se de infecção crOmca e reCtC!tvante com o envolvtmento de pessoas não qualificadas, o que leva à
ongmána nos duetos principais na região subareolar, com interrupção da amamentação e à maslite puerperal.
comprovada assodação ao tabagismo. Admite-se que as to-
xinas do c1garro, principalmente os metabóhtos da nicoti- o Definição: quadro agudo que se inicia entre a segunda e a
na, causem dano à parede ductal e consequente metaplasia quarta semana após o pano, relacionado com estase láctea
escamosa reacional, favorecendo a obstrução do dueto por e fissuras papilares, levando à celulite do tecido conjuntivo
ceratina e uiando condições de anaerobiose. Além disso, interlobula r.
sabe-se que a nicotina é um vasoconstri tor, diminuindo a o Importância: causa grande morbidade puerperal, e sua
circulação sangulnea no tecido mamário. O dueto obstruido consequencia mais frequente é a suspensão do aleitamento
se torna um bom meio de cultura bacteriano e, uma ,.ez que com grande impacto no desenvolvimento e morbidade do
os subprodutos da nicoúna inibem o crescimento de bacté- recém-nascido nas classes menos favorecidas da SOCiedade.
nas gram-posiuvas, a infecção ductal ocorreria em razão o Incidência: acomete de 1% a 5% das puérperas. No entan-
da facilidade de proliferação de bactérias gram-negativas to, de cada grupo de 20 mulheres com masúte apenas uma
e anaerób1cas. A parúr daí, um CiciO VICIOSO é mstalado chegará à fase de abscesso se o tratamento for adequado na
com estase ductal, infecção bacteriana, d1latação e rup- fase inicial. Entretanto, tratamento deficiente ou inadequa-
tura da parede do dueto, reação inOamatória dos teCidos do implica a evolução para abscesso em até 70% dos casos.
adjacentes e formação do abscesso subareolar, que pode o Etiopatogenia: o fator mais importante é a amamentação
d rena r espontaneamente a secreção purulenta para a pele inadequada, que pode associar-se a outros fatores desfavo-
da região a1-eolar ou periareolar. O dano ini11terrupto ao te- ráveis inerentes à paciente, como a inversão papilar ou o
cido mamário subareolar e ao tecido subcutâneo pode levar medo de amamentar, a insegurança e as d ificuldades em
à fonnação de flswlas, que drenam intermitentemente a se- lidar com o bebê nas primeiras semanas, o que levará à
creção para fora. apreensão errônea do complexo areolomamilar pelo lac-
o Quadro clinico: hiperemia local , dor e tumor que, se não tente e ao aparecimento das fissuras mamilares, as quaiS,
tratado, pode formar abscesso. A repetição do quadro pode além de seiVIrem de pona de entrada aos agentes bacteria-
durar meses ou anos, e a cada novo ep1sócho a reativação nos, provocam dor nas mamas, inibindo ainda mais o alei-
da loja subareolar tende a drenar espontaneamente com tamento e agravando o mgurgitamento e a estase láctea. A
CICatnzação em torno do trajeto até que ocorra a formação adição de alimentação artificial para o bebê consutu1outro
de flstula ductocutânea. complicante, po1s mOui diretamente no ingurg1tamento.
o Faixa etária: acomete predominantemente mulheres entre Essa estase favorece a invasão bacteriana cujos agentes são
30 e 40 anos. m icrorganismos da própria microbiota o ral do lactente.
o Diagnóstico: o quadro clínico é característico, mas pode A invasão pode ocorrer por meio das fissuras mami-
se r realizada punção para coleta de mate rial para cultura e
lares, levando a um quadro de mastite intersticial, ou por
antibiograma.
meio dos duetos lactlferos, quando ocorre um quadro de
o Tratamento: divide-se em duas etapas: (a) fase do absces-
mastite parenquimatosa. No primeiro caso, a dissem inação
so: drenagem e anúbiolicoterapia com boa cobenura para
bacteriana ocorre a panir dos linfáúcos retroareolares, di-
m1crorgarusmos comumente em·olvidos (a associação de
fundindo-se logo pela mama com intensa reação inOama-
cefalexma e metronidazol por 7 a 10 dias oferece bons re-
tória. ~o segundo caso, a penetração bacteriana se dá por
sultados); (b) fase "fria": após resolução do quadro mfec-
meio dos duetos, havendo comprometimento da porção
CIOSO, avaha-se a possibilidade de c1rurgta, que consiste na
distai dos lobos e formação de um quadro mais localizado.
ressecção em fuso dos duetos acometidos, tec1do adjacente
A forma m1sta da mastite puerperal envolve interstlcio e
e trajeto fistuloso. Geralmente se recomenda deixar a fe-
parênquima.
rida abena para cicatrização por segunda intenção, pois
• Quadro clínico: (a) quadro inicial: dificuldade de esvazia-
o fechamento imediato pode repetir o mesmo mecanismo
mento das mamas, ingurgitamemo, hiperemia, calor e dor
com a manutenção do foco na profundidade. A suspensão
locais, podendo haver mal-estar geral e cefaleia; (b) quadro
do tabagismo é essencial para o sucesso do tratamento.
avançado: do r e mal-estar dificultam a manutenção do alei-
tamento, e a lactante apresentará agravamento do quadro,
Doenças infecciosas de caráter agudo podendo evoluir com intensificação do processo inOama-
Mastite puerperal tório e febre, agora já com im·asão bacteriana, tendendo à
O incenu,·o à amamentação tem sido largamente aborda- formação de abscesso. A drenagem espontânea dos abs-
do pelos me1os de comunicação, o que se tornou mouvo de cessos, os quaas em geral formam lojas que respe1tam os
preocupação para os profissionais ligados à ass1Stenc1a ma- ligamentos de Cooper, é a prova inequh·oca de condução
terno-infanul, po1s, apesar de o aleitamento materno ser ato inadequada do quadro, seja por pane da mulher na demo-
natural, demanda grande esforço da mulher em um pertodo ra em procurar ass1stencia, seja, como em grande parte das
critico de sua vida, que é o puerpério. Na maioria das vezes, vezes, por um somatório de erros que envolvem a mulher,
esse esforço é excessivo, geralmente sem orientação médica e os familiares e a equipe de saúde.
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((

Capítulo 31 Alterações lnftamatórias das Mamas, Próteses Mamárias e Mastalgía 263

• Tratamento: deve-se ter em mente a dinâmica do processo em dias alternados. Em 12% a 20% dos casos não há res-
para se estabelecer o melhor tratamento para o momento em posta satisfatória, sendo necessãrio proceder à d renagem
que o quadro é diagnosticado. É importante acompanhar a abena depois de uma a três punções.
lactante d iariamente para que se tenha a compreensão da • Queimaduras das mamas: trata-se de complicação fre-
evolução do quadro. Na fase inicial, realiza-se exame clínico quente do tratamento dos quadros de mastite puerperal,
minucioso e, concluindo-se que se trata de reação inflama- sendo mais uma iatrogenia. Ocorrem em razão do uso de
tória determinada pela retenção do leite, deve-se proceder calor local nas mamas que, por estarem ingurgitadas e me-
ao esvaziamento das mamas. Nessa fase também podem ser nos sensíveis à temperatura aplicada sobre a pele, se tOrnam
usadas compressas frias para amenizar a dor e utilizados suscetíveis a queimaduras de primeiro, segundo e terceiro
anti-inflamató rios não esteroides. É imprescindível que a graus. Obviamente, o tratamento se torna mais difícil em
paciente entenda que o tratamento deve ser continuado em casos de perda de substância provocada por graves quei-
casa, mantendo o aleitamento ou a retirada manual do leite maduras, tornando necessãria a internação da paciente para
até que a dor e a hiperemia desapareçam. Ao serem diagnos- tratamento da infecção secundária e, algumas vezes, o uso
ticadas fissuras, essas também devem ser tratadas com a cor- de enxertos de pele para reposição da área perdida.
reta apreensão do complexo areolomamilar pelo lactente. • Termoterapia em mama lactante:
Se o processo inflamatório evoluir, ou seja, se não hou- Calor local: as inte rcorrências na mama em lactação
ver melhora dos sintomas com as medidas tOmadas, a pa- são, em sua maioria, processos inflamatórios em virtude
ciente estará propensa ao desenvolvimento de processo da conhecida predisposição às alterações o riginadas em
infeccioso, sendo necessário o uso de antibióticos. Estes p rimeiro lugar das modificações mamárias próprias da
devem ser prescritos apenas quando não houve r abscesso gravidez, com o aumento de até dez vezes no aporte
formado; nesse caso, procede-se à d renagem e à lavagem sanguíneo e d ificuldade do retorno venoso e linfático
da loja abscedada. Em todas as fases é importante a manu- e, secundariamente, com traumatismo e alte ração da
tenção do esvaziamento e das compressas frias. microbiota local, determinados pelo início da produção
• Antibióticos: são voltados para os agentes mais comumen- do leite e o contatO com a boca do recém-nacido no
te encontrados, como, em 60% a 80% dos casos, Staphylo- p rocesso de amamentação. Em virtude da ampla uti-
coccus, Haemophilus, E. coli e Bacteroides. Assim, devem se r lização do calor local nos processos inflamatórios da
utilizados agentes de largo aspectro, como a ce[a\exina ou, pele, parece lógico pensar em sua aplicação nos casos
excepcionalmente, a associação de agentes. de mastite na gravidez ou no período puerperal, mas
• Abscesso: a loja abscedada pode ser facilmente palpada esse raciocínio é por demais simplista e incorretO.
ou estar oculta; nesses casos, deve-se suspeitar de absces- A revisão da literatura não demonstra base sólida
so oculto quando tOdas as medidas anteriores falharam. O para essa indicação. Mesmo os livros clàssicos que reco-
abscesso palpável deve ser d renado e, de acordo com a ob- mendam o calor local como adjuvante no tratamento da
servação de 1.298 casos de abscesso puerperal tratados na mastite puerperal o fazem de maneira empírica e as refe-
Maternidade Odete Valadares entre 1993 e 1998, o p rocedi- rências bibliográficas citadas não dão consistência a essa
mento padrão é realizado da seguinte maneira: (a) punção indicação. As razões pelas quais o calor local falha em
com agulha fina na área suspeita de abscesso para sua con- auxiliar o tratamento da mastite são discutidas a seguir.
firmação; (b) botão anestésico com xilocaína a 1% ou 2%, Inicialmente é necessário lembrar que o processo ini-
preferencialmente periareolar; (c) incisão de 0,5 a 1cm na cial da mastite, ainda na fase apenas inflamatória, ocorre
área anestesiada para possibilitar a exploração da loja com na unidade morfofuncional da mama com ingu rgitamen-
pinça hemostática e a d renagem da secreção purulenta; (d) to localizado, determinado pelo esvaziamento incom-
lavagem da loja com soro fisiológico (0,9%); (e) inse rção de pletO daquela unidade, com o consequente acúmulo de
dreno tubular (sonda uretra\ 10 a 14) para lavagem. leite. Esse quadro, se não tratado corretamente, evoluirá
Em caso de necessidade a sonda deve pe rmanecer em para processo infeccioso em cerca de 70% das vezes e
média 4 dias até a resolução do processo, sendo trocada dia- posteriormente para abscesso. Essa unidade está locali-
riamente. Após sua retirada, ocorrerá fechamento da pele zada na profundidade da mama, quase sempre a três ou
por segunda intenção. É importante ressaltar que, nos casos mais centímetros da pele, e envolvida por gordura.
de abscessos simples sem comprometimento do estado geral Portanto, o calo r aplicado à pele deverá ultrapassar o
da paciente, não há indicação para antibióticos após a dre- tecido gorduroso subcutâneo. Por ser a gordura um bom
nagem, devendo a paciente ser acompanhada diariamente isolante térmico, percebe-se como seria difícil o aqueci-
para se assegurar da boa evolução. Em caso de suspeita de mento dessa unidade a uma temperatura adequada do
abscesso oculto, a ultrassonografia (US) está ind icada. ponto de vista terapêutico. Ao se estudar o comporta-
Em caso de abscesso úrlico e sem sinais inflamatórios mento da pele diante do calor, verificou-se que o proces-
extensos pode-se recorrer ainda à drenagem fechada po r so de queimadura se inicia entre 40 e 44°C, dependendo
meio da punção com agulha 40x12 após um ponto de in- do tempo de exposição. A partir de 45°C ocorre com
filtração anestésica. Associa-se antibiótico e se reavalia a qualquer tempo de exposição, evoluindo progressiva-
cada 2 a 3 dias, sendo necessãrias em média cinco punções mente em função do tempo e grau de temperatura.
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J 264 Seção I Ginecologia

Tempo de exposição: estando a pele da mama a uma malignos em fase de pré-ulceração geralmente têm área en-
temperatura próxima de 37°C, há uma margem de ape- durecida e hiperemia sem dor considerável. Já o carcinoma
nas 6°C entre a temperatura normal da pele e a faixa de inflamatório apresenta, caracteristicamente, pele espessada,
início da queimadura. Portanto, estando o lóbulo ma- área de hiperemia extensa e pouca do r.
mário isolado por gordura e na profundidade da mama, • Tratamento: o antibiótico, iniciado rapidamente, pode rever-
para que o calor local atinja a temperatura teoricamente ter o processo, mas a paciente deverá ser reavaliada em, no
te rapêutica o grau de aquecimento necessário ao nível máximo, 2 dias após o início da antibioticoterapia. A persis-
da pele se ria muito próximo daquele suficiente para tência do processo pode indicar a necessidade de ultrasso-
causar queimadura. Conclui-se, portanto, que a utiliza- nografia ou punção para verificar a possibilidade de coleção
ção do calor local nos processos inflamatórios da mama purulenta, o que levará à indicação de drenagem cirúrgica.
em lactação não tem uma base científica para sua indi- A ausência de resposta ao antibiótico inicial, sem a formação
cação, não tem eficácia te rapêutica comprovada e pode de abscesso, pode indicar a necessidade de troca do medica-
acarretar queimaduras em um núme ro considerável de mento. Nas pacientes sem doenças sistêmicas são prefe ridas
casos. A mastite ou abscesso mamário puerperal não é as penicilinas ou cefalosporinas. Caso estejam debilitadas,
uma afecção da pele, mas da profundidade, e deve se r deve-se avaliar o uso de clindamicina, ciprofloxacina ou, ain-
tratada como tal. Ao se citar a frase de Cooper (1846), da, esquema duplo com clindamicina e gentamicina.
"agua rdar flutuação para d renagem de abscesso mamá- • Controle: nas pacientes com mais de 40 anos, deve-se rea-
rio é sinal de pobreza clínica", conclui-se que infeliz- lizar mamografia de controle entre 6 meses e l ano após a
mente o que se vê recomendado em grande número de remissão, a fim de documentar as alterações cicatriciais do
livros-texto é justamente isso, aplicar o calor local para parênquima, facilitando o controle e aumentando a segu-
forçar o processo de "flutuação", o que significa necro- rança no seguimento, pois as imagens dessa cicatriz inter-
sar o tecido que separa o abscesso inicial da pele. na poderão simular espículas ou distOrções características
Frio local: a base para utilização do frio seria seme- de malignidade à mamografia.
lhante à do calor, ou seja, a vasodilatação reflexa após o
uso. A lite ratura é pob re em sustentar seu uso em mama PRÓTESES MAMÁRIAS
puerperal, embora seja constatação prática a facilitação Contratura capsular pós-mamoplastia de aumento
do esvaziamento mamá rio, assim como um efeitO be- A mamoplastia de aumento ou ampliação é uma interven-
néfico, embo ra discretO, nos casos de ingurgitamento. ção cosmética para ampliar o tamanho e o contorno de mamas
Quanto aos processos inflamatórios, é válido o mesmo pequenas, assimétricas, que tiveram seu tamanho reduzido
raciocínio em relação à camada isolante de gordura da após a amamentação e as que apresentam discreta pwse. Tam-
mama , o que dificulta a variação da temperatura na pro- bém é muitO utilizada para corrigi r defeitOS congênitos, como
fundidade. Em relação às queimaduras, o risco é menor, a amastia uni ou bilateral congênita, e para co rrigir a amastia
embora em nossa experiência haja registro de queima- p rovocada pela mastectomia, no tratamento ou na prevenção
du ra grave na mama por utilização de gelo seco, gelo p rimária do câncer de mama em pacientes de altO risco. Em
de co2 di retamente sobre a pele, o que leva a refo rçar cerca de 90% dos casos, o que se busca é a estética pura sem
sempre que, quando se recomenda a compressa de gelo, necessidade de tratamento médico. Os lO% restantes são pro-
deve ser enfatizado o uso do "gelo de geladeira", envol- venientes das cirurgias para reconstrução após o tratamento
vido em tecido, de modo a evitar o contatO com a pele. cirúrgico desse tipo de câncer. As ciru rgias reconstrutoras têm
como funções principais a manutenção da estética e a melhora
Abscesso periférico inespecífico da auwestima da paciente, que em última análise serão funda-
• Impor tância: patologia que atinge grande núme ro de mu- mentais para o sucesso do tratamento em geral.
lheres, causando do r, desconforto e deformação da mama Ao se considerar o número crescente de mulheres que se
pela necrose e cicatriz, caso não haja tratamento adequado. submetem à cirurgia, o d iagnóstico de complicações das ma-
• Etiopatogenia: processo infeccioso por bactéria proveniente mas submetidas ao aumento será cada vez mais frequente nos
da via sistêmica ou da pele, muit.aS vezes associado às doenças consultórios dos ginecologistas, os quais serão os primeiros
sistêmicas, como d iabetes, imunossupressão ou impetigo. a detectar um problema, seja por meio do exame clínico das
• Quad ro clínico: infecção de início abrupto em região pe- mamas, seja pelos exames de imagem. Além d isso, o exame
riférica da mama , rica em sintomas locais bem localizados, das mamas com p róteses apresenta particularidades e exige
como dor e hiperemia, mas pobre em sintomas sistêmicos maio r atenção e incidências especiais na mamografia para de-
e raramente provocando leucocitose. tectar alterações no tecido mamário prop riamente dito.
• FaLxa etária: predomina na fase pós-menopausa, entre 55 Na mamoplastia de aumento são utilizadas próteses ou
e 70 anos. implantes preenchidos com gel de silicone ou com solução
• Diagnóstico: baseia-se nos sinais e sintomas locais. Em fun- salina. A ci rurgia pode apresentar ótimos resultados, princi-
ção da idade que coincide com a predominância do cân- palmente após o surgimento de novas próteses de silicone em
cer, deve-se dar atenção ao d iagnóstico d iferencial com os gel revestidas com membranas porosas texturizadas ou com
quadros de malignidade (tumores abscedados). Os tumores espuma de poliuretano. As próteses de supe rfície lisa estão
r
((

Capítulo 31 Alterações lnftamatórias das Mamas, Próteses Mamárias e Mastalgía 265

em desuso, pois apresentam porcentagem maior de complica- Nesses casos é necessária a retirada do implante para trata-
ções, como a com ratura capsular. Além do mate rial utilizado mentO da paciente que, muitas vezes, apresenta uma infec-
na supe rfície das próteses, os diferentes "perfis" dos implantes ção subclínica ou até quadros graves de ruptura da prótese
também colaboram para resultados estéticos melhores. com extravasamento de silicone, edema, eritema e infiltra-
As próteses podem ter perfil baixo, moderado, alto ou supe- ção da pele por cristais de silicone (Figuras 31.1 e 31.2).
ralto, formatO redondo, natural ou anatômico e polo inferior, mé-
dio ou alto. O perfil define a projeção da mama a ser aumentada. Quadro clínico
O formato define o que se deve melhorar na estética da mama, • Fase aguda: é entendida como o tempo decorrido entre a
ao passo que o polo define a fixação da prótese em determinado inserção da prótese e os primeiros 3 meses. O período que
pomo. O resultado dependerá da escolha correta de todos esses envolve a preparação pré-operatória, o uso adequado de an-
parâmetros e do volume adequado à paciente, considerando-se Limicrobianos profiláticos no peroperatório e os cuidados da
sua altura e a largura do tórax para que se obtenha resultado paciente no pós-operatório são cruciais para o sucesso da
harmonioso. As próteses mais utilizadas são as texturizadas, re- cirurgia. Na fase aguda, o quadro clínico é caracterizado por
dondas, com perfil alto - para mamas muitO pequenas - e perfil discreto edema das mamas, dor tOlerável, eritema, presença
baixo, quando se quer apenas projetar a mama e corrigir uma de equimose, discretos hematomas e seromas, além de con-
leve ptOse, sem aumentar muito o volume (Quadro 31.2). tratura capsular grau I ou ll (Quadro 31.2).
As próteses de superfície lisa são as que apresentam maior • Fase crônica: inicia-se após o terceiro mês da cirurgia de
chance de complicações inflamató rias, contratura capsular e inserção de prótese e pode ter períodos de exacerbação se-
ruptu ra. Registraram-se até 30% de casos de comratura cap- melhantes aos da fase aguda. Também é caracterizada por
sular após a inserção da prótese de supe rfície lisa. As textu- dor, que se tOrna crônica, e sua principal característica é a
rizadas apresentam comratura capsular de 2% a 10% e a de deformidade das mamas, pois é formada uma cápsula es-
espuma de poliuretano, o menor índice de complicações. pessa ao redo r das próteses que as deforma e comprime. Em
geral, a comratura capsular é mais acentuada: graus lll e IV
Etiopatogenia da contratura capsu/ar de Baker (Quadro 31.3).
• Fase agu da: semp re que algum corpo estranho é colocado
no o rganismo, poderá se r expulso ou abso rvido, ocorren- Diagnóstico
do uma reação inOamató ria aguda em to rno do corpo es- O diagnóstico é essencialmente clínico, mas devem ser fei-
t ranho mediada principalmente pela histamina. Uma vez tOS exames de imagem, como ultrassonografia (US) e resso-
que a prótese mamária não é absorvida, sofrerá a ação dos nância magnética (RM).
agentes inflamatórios agudos e crônicos. Após a ação da A US pode revelar se roma e hematoma entre a p rótese e o
histamina oco rrerá vasodilatação nos tecidos que envol- tecido mamário, além de deformidades da prótese no caso de
vem a prótese, promovendo aumento da permeabilidade comraturas de graus lll e IV A RM é o melhor exame para de-
capilar às células, como neutrófilos e macrófagos. Essas tectar conu-aturas e rompimentos da prótese de silicone. As de-
células envolverão wda a prótese e iniciarão o processo de formidades são facilmente visíveis e, no caso de rompimento,
fagocitose, libe rando substâncias como ciwcinas, bradici- pode ser encontrado o sinal de "linguine" (Figuras 31.3 e 31.4).
ninas, quimiocinas, prostaglandinas e leucotrienos. A fago-
citose resulta em aumento da vasodilatação e de líquidos Tratamento
e prote ínas dentro dos capilares e resíduos fagocitados. O • Fase agu da: obse rvação, d renagem dos se romas e hemato-
fluido acumulado pode ser apenas um transudato ou um mas (guiadas po r US, para evitar perfuração da prótese) e
exsudatO, os quais são abso rvidos pelo organismo, caso o uso de amimicrobianos voltados para a microbiota da pele
sistema imune da paciente esteja competente. e também para a hospitalar. As cefalosporinas de te rcei ra
• Fase crônica: após essa fase inicial, urna cápsula de teci- geração são bastante utilizadas, uma vez que há resistência
do fibroso (resultante do processo inflamatório) envolverá a relatada às cefalosporinas de primeira geração, podendo
prótese, de modo a isolá-la do restante do organismo. Essa associar-se a esses proced imentos a drenagem linfática da
cápsula pode passar despercebida, porém, de acordo com mama acometida. Se não houve r melhora do quadro infla-
a imensidade da reação inflamatória, do sistema imune do matório em 7 a 10 dias, opta-se pela reti rada da prótese.
receptOr da prótese e da presença de infecção, essa cápsu- A comratura de grau I! pode pe rsisti r po r 3 meses, sendo
la pode tornar-se espessa e deformar o implante, causando a d renagem linfática fundamental para o sucesso do trata-
dor, deslocamento da prótese e alterações em seu formatO. mento, assim como o uso de suporte mamário adequado.

Quadro 31.2 Caracteósticas das próteses mamárias

Revestimento Conteudo Perfil Polaridade Cor


Liso Gel de silicone Baixo Polomédio Branca
Texturizado Solução salina Alto Polo alto Clara
Poliuretano Anatômico Polo baixo Escura
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J 266 Seção I Ginecologia

Figura 31.3 Dobras em ambas as próteses, que se estendem de


Figura 31.1 Edema e eritema de pele causados por extravasamento um extremo a outro. A Imagem ruidosa, mas com boa definição da
de gel de silicone. (Arquivo pessoal da Dra. Cynthia Barros.) estrutura, adquirida com bobina de corpo. B Mesmo caso com ima-
gem adquirida com bobina de mama.

Figura 31.4 Ruptura intracapsular. Múltiplas linhas curvilíneas de


hipossinal correspondendo ao elastômero colapsado são visibili-
zadas no interior da prótese direita tanto com o uso da bobina de
corpo (A) como o da de superfície (B). Prótese esquerda normal.
Figura 31 .2 Cápsula espessa em torno da prótese. (Arquivo pes- Esse aspecto, que lembra fios de macarrão, foi chamado de sinal
soal da Dra. Cynthia Barros.) do "linguine".

Quadro 31 .3 Classificação de Baker para a contratura capsular • Fase cromca: as pacientes ponadoras de contraturas de
Grau de contratura Quadro clínico graus lll e IV devem ter a prótese retirada, assim como
Grau I A mama apresenta consistência de
a cápsula (capsulecLOmia). Os antimicrobianos devem ser
mama não operada utilizados e, conforme a gravidade do caso, opta-se por in-
Grau li Contratura mlnima. A mama apresenta serir nova prótese imediatamente ou 6 meses após a reso-
consistência mais endurecida com a lução do quadro, quando há ruptura da prótese e in fecção
prótese palpável. mas não vislvel grave.
Grau 111 Contratura moderada. A mama
está endurecida e há discretas Situações especiais
deformidades. A prótese é facilmente
pafpada e visível Amamentação pós-mamop/astia
Grau IV Contratura grave. A mama está As ciru rgias plásticas mamárias são realizadas por diversas
endurecida e é dolorosa à palpação razões, desde as reconstruções por malformações congênitas,
As deformidades são facilmente
palpáveis e a mama se encontra pós-traumatismo ou pós-mastecLOmias, mas a principal razão
dist()(cida com afundamentos da continua sendo a estética, objetivando melhorar ou recuperar
prótese à palpação. A pele pode o aspecto o riginal, o formatO e o volume mamário. Nos EUA,
ficar Iria
a mamoplastia de aumento sempre foi a cirurgia mamária
\.
r
( I

Capitulo 31 Alterações Inflamatórias das Mamas, Próteses Mamárias e Mastalgia 267

maiS reahzada, mantendo crescimento anual: em 2011 foram Mamop/astia redutora


reahzadas 307 mil cirurgias, ao passo que em 2000 ha,iam Em relação à mamoplastia redutora, são várias as técmcas
sido reahzadas 214 mil, o que significa uma evolução de 45%. utilizadas, pois não há uma técnica que se aplique a todos os
Em relação às cirurgias plásticas estéticas, é grande a in- tamanhos e formatos mamários, não sendo possível generalizar
fl uencía cultural, e no Brasil verificou-se nas últimas décadas sua influencia na amamentação. Tendo em vísta que as técnicas
alteração radical no padrão cultural referente ao tamanho geralmente envolvem grandes incisões, díssecções de retalhos de
das mamas. Enquanto a cirurgia mamária mais realizada até pele, mobilização de complexo areolomamilar e todo o processo
os anos 1980 era a mamoplastia redutora, essa pre ferência foi cicatricial posterior, muitos fatores influenciam a futura ama-
aherada nos anos 1990, quando um grande número de mulhe- mentação. Para analísar essa possível influência serã necessário
res passou a realizar a mamoplastia de aumento com inclusão saber sobre o tamanho anterior das mamas, a técnica empregada,
de próteses. o curso da Cicatrização e as possiveís complicações pós-operató-
Conforme publicação da Sociedade Brastletra de Ctrurgia rias. Caso a paCiente já tenha amamentado, é necessáno obter
Plástica, esse upo de mamoplastia Já é a ctrurgta plástica maís informações sobre o mloo e o tranSCUrso da amamentação.
reahzada no Brasil, representando 21 % de todas as círurgias
estéticas, excetuando-se as pequenas (Quadro 31.4). Principais possibilidades de transtornos da amamentação
Em relação à amamentação após mamoplastia, deve ser Redução de parénquíma
ressaltado que, em princípio, qualquer procedimento cirúrgi- A redução do parênquima serã determinada pe lo volume
co sobre as mamas pode influenciar o sucesso desse processo prévio das mamas e as expectativas da paciente. As técnicas
em vi rtude dos mecanísmos envolvidos não apenas no ini- de mamoplastia red utora no rmalmente incluem a retirada ele
cio da produção do leite, mas també m em sua retirada pelo um triângulo do tecido da junção dos quadrantes inrerio res
recém-nascido e manutenção da produção em volume s ufi- da mama, uma região pobre em unidades produtoras de leite,
ciente. Felizmente, os procedimentos menores, que não en- o que diminui o 1mpacto sobre a produção de leite, tornan-
volvem os mamilos, em geral não influenciam a lactação por do-se uma comphcação pouco frequente, exceto para mamas
atingirem pequenos segmentos mamários. muito grandes, ou quando a paciente deseje uma boa redu-
Quanto às ctrurgias maiores, podem ocorrer lesões de ção, o que leva à necess1dade de ressecção de porção mator
duetos ou secção de unidades produtoras de lette, ou até de tecido mamáno, mduindo grande pane ou todo o qua-
mesmo a vta de acesso pode influenciar o fluxo de leite e drante central, dtminuindo muito o parênquima remanescen-
dificultar sua produção e retirada. Apesar dísso, na quase te e aumentando a possibilidade de hipogalacua. Uma ,·ez
totalidade dos casos, nunca se deve afirmar que uma pacien- tendo sido d iagnosticado o quad ro de hipogalactia, e desde
te não poderã amamentar até os p rimeiros 5 a 10 dias pós- que esteja comprovada a pe rmeabilidade das vias cond utoras
-parto , nem é possivel avalia r defi niti vamente a ca pacidade de leite, a cond uta consistirá na estimulação, com mamadas
mais frequentes, assim como na retirada de leite, esvaziando
de p rod uzi r e garantir o fluxo adequado de lei te para o re-
a mama com pletamente de maneira a manter a produção de
cém-nascido. Convém, então, mante r um otimismo respon-
leite. Para isso é rundamental a atuação em conjunto com o
sável, estimulando a paciente a tentar, mas ao mesmo tem po
ped iatra para garantir a nutrição adequada do recém-nasc1do,
procurando preparã-la para a possibtlidade de msucesso de
complementando as mamadas em caso de necessidade.
modo que não haja frustração e sentimento de culpa no caso
de msucesso. Transposição de complexo areolomamilar
Esse procedimento tem como potencial consequencta a di-
minuição da sensibilidade, da inrigação sanguínea e da lesão
Quadro 31.4 OisltibuiçAo das cirurgias plásticas de médiO e grande
porte realizadas de setembro de 2007 a agosto de 2008 no Brasil de d uetos, pode ndo d1minuir o estímulo e comprometer a
produção láctea, dificultando a d renagem e ocasionando o
Total de cirurgias plásticas 629.000
quad ro de ingurgitamento com d renagem insuficiente. Cabe
Cirurgias plásticas não 169.830 27% lemb rar que cada um dos duetos mamários, que são de oito
est,licas
a doze, é responsáve l pela d renagem de uma unidade produ-
Cirurgias plásticas 459. 170 73% tora de leite e que, por questões de defesa contra in recções,
est,llcn não se anastomosam , ou seja, em caso d e fibrose com obstru-
Mamoplastia 151.526 33% das cirurg1as ção de um dueto, aquela unidade não tem como escoar sua
estéucas produção de Ieue, caracterizando o ingurgitamento perifénco
Mamoplaslia de aumento 96.426 21% das cirurgi8S e se apresentando como área dolorosa, endurectda e hlpe-
estéucas remiada em formato tnangular com o vénice na d1reção do
Mamoplaslia redU1ora 55. 100 12% das cirurg1as mam ilo e se abrindo em direção à periferia, de onde devena
estét1cas estar fluindo o leue represado.
Fomo. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plásrica - Pesquasa Oatatolha. - Cirurgia Esses casos devem se r acompanhados e, se a produção das
Plásllca no Brasd. )Wl&iro de 2009. Oisponlvet em. www.clrurgiaplastica.org.br. unidades restantes é suficie nte, a amamentação pode prosse-
/.
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J 268 Seção I Ginecologia

guir, tendo em vista que na unidade com obstrução haverá Mamoplastia de aumento
absorção do leite e diminuição da produção láctea pela li- A mamoplastia de aumento ou ampliação com mclusão
beração local do fator mibidor da lactação. Nos casos que de próteses mamárias constste em intervenção cosmética
em·oh·em matS de uma umdade, dtficilmente será possível a para ampliar o tamanho e o contorno de mamas pequenas.
amamentação. A transpostção pode envoh-er amda lesão de As indicações princtpats são mamas asstmétncas, mamas que
duetos princtpats, o que pode ser evtdenciado por exame clr- tiveram seu tamanho reduztdo após a amamentação e mamas
nico, a,·ahando-se a regtão retroareolar por palpação e cons- pequenas que apresentam dtscreta ptose. Também é muno
tatando a dtSsoctação entre o mamtlo e o parl!nquima, o que utilizada para corrigir defenos congl!nnos, como a amasua
im·iabihza qualquer tentauva de amamentação. Ressalte-se uni ou bilateral congenna ou hiatrogl!nica, e para corrigir a
que a transposição do complexo areolomamtlar leva essa re- amaslia provocada pela mastectomta no tratamento ou na
gião a ter uma ctrculação termmal, sendo então necessária pre,·enção primária do câncer de mama. Em mats de 90% dos
muita atenção ao conduztr casos de maslite nessas pacientes casos o que se busca é a estéuca pura sem necessidade mé-
em·olvendo a região. A Figura 31.5 mostra o caso em que dica. O percentual restante é provemente das cirurgias para
a paciente engravidou 4 anos após mamoplastia redutora e reconstrução após o tratamento cirúrgico do câncer mamário.
durante episódio de mastite puerperal apresentou necrose do As cirurgias reconstrutoras têm como runção principal a
complexo areolomamilar e necessitou de desbridamemo ex- manutenção da estética e a melhora da autoesli ma da pacieme,
tenso com perda de mais de 80% da mama.
as quais, em análise mais profunda, serão fundamentais para o
sucesso do tratamento. Nesses casos de reconstrução por trata-
Lesão de duetos
mento de câncer, a possibilidade de in flue11Ciar a amamentação
A lesão de duetos pode ocasionar um quad ro de galacLOce-
é menos significativa, tendo em vista a média acima dos 50 anos
le, em que o leite produzido não alcança o mamilo, acumu-
de idade das pacientes com câncer ele mama. Por isso, a maioria
lando-se em lojas na mama e predispondo aos quad ros in-
dessas pacientes não mais estará em idade reprodutiva.
fecciosos, pois, sendo o leite rico em protelnas e açúcar, caso
Ao se considerar o número crescente de mulheres que se
haja contaminação, será um excelente meio de cultura. As ga-
submetem à mamoplastia de aumento e em idades cada vez
lactoceles pequenas, em geral de até lOm L, são apenas acom-
mais baixas, já na adolescência, a preocupação com o diag-
panhadas, enquanto nas mats volumosas pode ser necessária
nóstico de complicações das mamas submeudas ao aumento
a punção, não havendo garanllas de que não voltarão a se
é cada vez mais frequente nos consultórios dos ginecologistas
encher. A conduta definniva nesses casos dependerá do ritmo
de enchimento, podendo extgtr novas punções ou a suspen- e obstetras, pois serão eles os pnmetros a detectar o proble-
ma, seja por meio do exame cllmco das mamas, seJa pelos
são da lactação.
exames de imagem. Todos devem estar atentos, pois o exame
Cicatrização mterna das mamas com próteses tem suas parttculandades e exige
As consequenctas dos processos cicatnciats são imprevi- maior atenção e inctdênctas espectalS na mamografia para de-
sh·eis, princtpalmente nos casos em que há hematomas, se- tecção de alterações no tectdo mamáno propnamente dao.
romas ou processos mfecctosos no pós-operatório, quando A mamoplastia de aumento uuhza próteses ou implantes
então é necessáno a\·aliar caso a caso, podendo haver ainda preenchidos com gel de Slhcone ou com solução sahna. A
grandes diferenças na ctcatrização mtema das duas mamas. cirurgia pode apresentar ótimos resultados com baixo índice
de complicações, princtpalmente após o surgimento de novas
próteses de silicone em gel revestidas com membranas poro-
sas texturizadas ou com espuma de poliuretano. As próteses
de superfície lisa estão em desuso, pois apresentam lndice
maior de complicações, como a contratura capsular. Além
• do material utilizado na superflcie das próteses, os d iferentes

"perfis" dos implantes também colaboraram para resultados
estéticos melhores.

Prótese mamária e aleitamento


A mama como unidade produtora de leite tem em sua in-
• tegridade e funcionalidade, aliadas a uma mulher motivada, a
base para uma amamentação bem-sucedida. O preparo para
a amamentação começa no inicio da gestação. A dtlatação das
,-eias superficiais da mama - a rede de Haller - é um dos
primeiros sinais de probabihdade da gestação, e a adaptação
continua com a hiperplasia das glândulas e o crescimento do
Figura 31.5 MAS.. 27 anos - mamoplasha há 4 anos e parto há 18 ,-olume sangulneo circulante nas mamas em até dez \'ezes,
dias. (ArqUivo pessoal de AntOniO Lages.) aumentando com ISSO o volume e o peso das mamas. Dos
r
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Capítulo 31 Alterações lnftamatórias das Mamas, Próteses Mamárias e Mastalgía 269

pomos de vista anatômico e funcional, as cond ições para o cos. A melhora é esperada até o quinto dia, e caso não ocorra,
aleitamento incluem: integridade da unidade produtOra de deverá ser considerada a hipótese de que a amamentação não
leite; integridade das vias coletoras (dueLOs); permeabilidade será bem-sucedida. Em alguns casos a dor chega a ser insu-
dos se ios galactóforos e dos mamilos, e espaço para expansão portável, indicando a necessidade de enfaixamento mamário
do volume durante a gestação e "descida" do leite. compressivo, restrição da ingestão hídrica e diuréticos em pe-
No atendimento a uma paciente com prótese mamária, o quenas doses. Nos casos de d ifícil resolução , a amamentação
histórico da cirurgia é fundamental para avaliação da pos- não deve ser retomada.
sibilidade de aleitamento e também para a abordagem dos
possíve is problemas apresentados. Inicialmente é necessário Permeabilidade de seios galactóforos e mamilos
conhecer a técnica e a via de acesso utilizadas, pois isso varia Conforme comentado previamente, os casos de obstrução
não apenas com o tamanho e o formato da mama no pré-ope- das vias periféricas serào evidenciados por urna produção de
ratório, mas também depende da preferência do cirurgião. leite sem drenagem, ou seja, passada a fase de ingurgitamento
Nos casos de mamas pequenas e !lácidas, a técnica em geral inicial, consegue-se palpar e massagear as unidades produto-
consiste na inclusão de prótese submuscular por via infrarna- ras de leite, porém não ocorre a saída de leite pelos mamilos.
mária, periareolar ou transareolar, sendo mais recentemente MuitaS vezes, com a palpação da região retroareolar, verifica-se
utilizada também a via axilar, embora em pequeno número verdadeira desconexão entre o mamilo e o parênquirna e, nesse
de casos. caso, não há possibilidade de a paciente '~r a amamentar.
Nos casos de mamas grandes e !lácidas, muitas vezes é as-
sociada a técnica da mamoplastia redutOra com a inclusão da Vias coletoras (duetos)
prótese, ressaltando-se que nesses casos é maior a prevalência As técnicas de inclusão de prótese que passam pelo parên-
de problemas com a futura amamentação, pois surgirão os quima têm o potencial de lesionar os dueLOs, os quais podem
riscos inerentes à mamoplastia redutOra adicionados à pre- permanecer abertos para o interstício ou sofrer processo de
sença da prótese. fibrose com obstrução. Os duetos abertos podem ocasionar
galacwceles durante a lactação, pois o le ite se acumula em
Volume mamário bolsas formadas no interior da mama.
Em vista da necessidade de expansão da mama durante a As lesões de dueLOs podem ocasionar ainda a denominada
gestação a fim de se preparar para a produção de leite com au- "drenagem reversa", em que o leite é drenado para a cavidade
mento progressivo da irrigação sanguínea e hiperplasia glan- em que se situa a prótese, permanecendo entre a cápsula e a
dular, conforme já assinalado, a presença da prótese exercerá prótese. Nos últimos 3 anos foram registrados cinco casos.
influência negativa nesse fenômeno , embora a repercussão A apresentação consiste basicamente em assimetria mamária,
clínica seja muito menos frequente do que seria de se esperar. que persiste após a tentativa de esvaziamentO com massagem,
A prótese ocupa parte do espaço que a mama ocuparia com expressáo e utilização de bombas para tirar o leite.
a expansão, dificultando esse processo. O quadro encontra- O caso apresentado na Figura 31.6 mostra uma pacien-
do é de dor mamária, iniciada principalmente no pe ríodo de te com mamoplastia de aumento com inclusão de prótese 4
descida do leite, entre 2 e 5 d ias pós-pano, de moderada a anos antes pela via inframamária que, no oitavo d ia pós-par-
acentuada imensidade, confund indo-se com o ingurgitamen- LO, começou a apresentar assimetria mamária e dor discre-
LO precoce e com tendência a melhorar após o estabelecimen- ta sem sinais inflamatórios nem outras alterações locais. Há
tO da lactação. pouco tempo procurou o banco de leite, onde se submeteu
Ao exame, a paciente apresenta a mama endurecida, tensa, a massagens e esvaziamento, sendo recomendado o uso de
com pele b rilhante pela distensão, sendo difícil a palpação bomba para tirar leite, que a paciente utilizou sem sucesso. O
de unidades produtOras de leite e com escassa d renagem de exame clínico mostrava parênquirna palpável sem ingurgita-
colostro. O tratamento será à base de sustentação adequada mento. A US revelou grande volume de líquido em torno da
para melhorar o retorno venoso e linfático, além de analgési- prótese. A paciente se submeteu enláo à punção, que revelou

.
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Figura 31.6A a C MAS., 23 anos, 12 dias pós-parto, apresentando coleção láctea junto à prótese. (Arquivo pessoal do Dr. Antônio Lages.)
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J 270 Seção I Ginecologia

tratar-se de leite. O dreno foi mamido por 8 d ias e a realização sem o relato na época de relação com a amamentação. Em um
de duas punções posteriores possibilitOu a manutenção da caso atendido em 201 1, a paciente, 6 anos após a realização
amamemação e a preservação da prótese. da mamoplastia e 15 d ias após o pano, começou a apresentar
assimetria mamária e dor. Não havia sinais inOamatórios, o
Infecção por micobactéria de crescimento rápido que levou à suspeita não comprovada de ingurgitamento ou
Trata-se da micobactéria atípica e da micobactéria não tu- galacwcele. A propedêutica com US revelou grande volume
berculosa (grupo 4 de Runyon) de microrganismos oportu- de líquido na cavidade em contato com a prótese. Realizada a
nistas com baixo poder de agressão, encontradas no solo e na punção, foi evidenciado líquido esverdeado, viscoso, e a cul-
água, até mesmo na água potável de uso diário. Esses agentes tura foi positiva para micobactéria (Figura 31.7).
são resistentes aos antibióticos comuns e estão presentes em al- Poste riormente foram relatados mais três casos semelhan-
guns casos de infecções pós-operatórias. São responsãveis por tes, e em apenas um o líquido não estava em contatO direto
quadro de infecção que ocasionou suno em pacientes submeti- com a prótese, mas em uma loja profunda na cápsula, com-
das à laparascopia e levou à mudança da rotina de este rilização primindo um ponto da prótese (Figura 3 1.8). Nesses casos,
de material para o procedimento no Brasil em 2008. recomendam-se apenas drenagem e acompanhamento, sendo
Outro grupo de infecções causadas por esses agentes consis- indicada antibioticoterapia apenas em caso de repercussão
te nas infecções que ocorrem após a inclusão de próteses, tendo sistêmica, inicialmente claritromicina por 3 meses, avalian-
em vista a redução da imunidade local com formação de filme do-se também a retirada da prótese.
na periferia da prótese, onde a micobactéria se desenvolve. Na prática clínica é mais comum a d renagem parcial do leite
Em pacientes submetidas à inclusão de próteses mamárias pelo mamilo simultaneamente ao aumento desproporcional de
houve também grande número de casos no Brasil entre 2006 urna mama, determinando assimetria importante. A US auxilia
e 2008, principalmente no Espírito Santo e no Rio de janeiro, o diagnóstico diferencial entre acúmulo de leite entre a prótese

Figura 31.7A a D E.F.S., 32 anos- mamoplaslia 6 anos antes e parto há 22 dias, submetida à drenagem de coleção subcapsular. (Arquivo
pessoal do Or. Antônio Lages.)
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Capitulo 31 Alterações Inflamatórias das Mamas, Próteses Mamárias e Mastalgia 271

Figura 31.8A e B R.A.G. , 23 anos- mamoplastoa 2 anos anles e parto há 18 dias. Abscesso à direita comprimindo a p rótese. (Arquivo pessoal
do Dr. AniOnio Lages.)

e a cápsula fibrosa, di ficuldade d e escoamento do leite e mes- músculo ou esqueleto, ou seja, trata-se de uma dor de origem
mo carcinoma inflamatório da mama. A Figura 31.8 ilustra o musculoesquelética.
caso em que o leite se acumulou entre a prótese e a cápsula • Dor cícl ica: 67% das mastalgias são c!clicas, isto é, estão
fibrosa. Após a drenagem de 300mL de leite nesse compar- relacionadas com o ciclo menstrual, o qual representa a
timento foi possível preservar a prótese com a utíhzação de dor assoc1ada à fase lútea, que diminui com o mlc1o da
anum1crob1anos, massagem e drenagem dlána do leue. menstruação, é b1lateral, podendo irradiar-se para a axi-
la, e é um dos pnnc1pats componentes da slndrome pré-
MASTALGIA menstrual.
A dor mamária, rnastalgia ou mastodima, assim como • Do r ac!clica: representa 20% a 25% das rnastalg1as e não
qualquer quadro clínico que tenha a dor como sinal e sinto- está relacionada com o ciclo menstrual. O mais im portan-
ma predominante, ainda é pouco com preendida pela classe te, nesses casos, é descartar condições cl inicas que possam
méd ica, uma vez que é considerada mais um d istúrbio psi- cursa r com dor mamária, como ectasia ductal, cáncer de
cológico do que propriamente o rgânico e apenas nos últimos mama, tumores benignos, mastistes da gravidez e lactação,
30 anos ve m sendo reconhecida como entidade clínica. A essa alé m da doença de Mondor.
mastalgia é oferecida enorme gama de tratamentos com graus • Dor de origem musculoes quelética: compreende de 5%
vanáveis de sucesso e, às ,·ezes, sem nenhum embasamento a 10% das dores mamárias, tem origem extrarnamária e se
Clenlifico. deve a afecções cup dor se irradia para as mamas, axilas e
até mesmo os braços. Entre as causas do quadro são desta-
Incidência cadas a síndrome de Tietze (inflamação da aruculação cos-
A mc1dtncta da mastalgia é difícil de ser determmada em tocondral). as radiculopalias cer\'icais, a fratura de costelas
razão da própria dificuldade de defimçâo do quad ro, que e a nevralgia do mtercostal.
muuas vezes é conside rado "normal" pela pac1ente. Estima-
se que 66% da população feminina ap resentem dor mamária Etiologia
em alguma época de sua vida, mas ape nas 3,4% buscam Embo ra não se tenha a compreensão exata do quad ro.
assistencia méd ica. Na clínica mastológica, a mastalgia é res- a si mples verificação da maior frequê ncia da mastalgia na
ponsável por 40% do volume de consultas na menacme , e menacme e o fato de haver melhora com a al teração do
a demanda vem aumentando nos ú ltimos anos em razão do meio hormonal, seja pela instalação da menopausa, seja por
temor das mulheres que associam a dor ao câncer de mama. castração qulmica ou cirú rgica, indicam que existe corre-
Com essa alta incidência reconhecida, se na um contrassen- lação hormonal. Várias hipóteses foram testadas, mas sem
so tratar todas essas mulheres como portadoras de distúr- comprovação, como as teorias do hiperestrogemsmo, da
biOS pSICOlógiCOS. deficiência de progesterona na fase lútea, do aumento da
água corporal na segunda metade do ciclo menstrual, da
Classificação deficiênCia de iodo e das meLilxaminas. Nenhuma resisuu
A dor mamária é classificada em duas modahdades - cicli- aos estudos randomizados.
ca e ac!clica - , havendo uma terceira, cuja dor se manifesta A teoria mais aceita awalmeme é a que relaciona a mast.al-
nas mamas. mas se origina fo ra delas, mais precisamente no gia com a deficiência de ácidos graxos essenciais poli-i nsatu-
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J 272 Seção I Ginecologia

rados (enoleico, digamaenoleico e araquidônico). Esse estado los císticos e sólidos. Os achados são escassos e inespecíficos,
levaria a maiores sensibilidade e afinidade dos receptores ma- como pequenos cistOs presentes nas mamas da maioria das
mários aos estrogênios e progeswgênios. A teoria é reforçada mulheres, independentemente da simomawlogia.
pela evidência da baixa frequência de mastalgia nas mulhe res • Calendário da dor: consiste em um registro diário da dor
com d ieta pobre em gordura saturada, como as asiáticas e as feito pela própria paciente, que deve relatar sua intensida-
esquimós. de e a relação com a menstrução, a alimentação e as ati-
A mastalgia como a única manifestação inicial do cânce r vidades habituais. Os últimos estudos descartam seu uso
foi encontrada em apenas 7% dos casos de carcinoma ma- porque pode aumentar a tensão da paciente quanto à dor e
mário. consequentemente supe restimar a simomawlogia.

Avaliação clínica Tratamento


Independentemente da causa da dor, os fatOres mais im- O fator mais importante no tratamento da do r mamária
po rtantes na avaliação e no tratamento da mastalgia são a consiste no estabelecimento de uma relação de confiança
anamnese e o exame físico minuciosos. A anamnese deve ave- entre o médico e a paciente. A maioria dos casos não exige
riguar todas as características da dor: localização, tipo, inten- tratamento medicamentOso, e o simples escla recimento à pa-
sidade, duração, relação com atividades diárias, alimentação ciente de que não é portadora de patOlogia maligna, associado
e uso de novos medicamentos, como hormônios, ansiolíticos, à anamnese e ao exame físico bem-feitos, é responsável por
antidepressivos etc. 90% do alívio da dor.
O exame físico deve se r completO: inspeção estática e d inâ- Quando o tratamento medicamentOso é necessário, con-
mica, palpação das mamas e axilas e exp ressão papilar suave. vém lembrar que todos os fármacos e estratégias disponíveis
Durante a avaliação clínica devem ser coletados dados que foram comparados com placebo (vitamina C, na maioria dos
auxiliem a d ife renciação entre a dor cíclica e a acíclica, como estudos) e classificados da seguinte maneira:
se pode ver no Quadro 31.5. É importante que a paciente
perceba que sua queixa foi valorizada e que está sendo bem • Tratamento em caso do benefício maior do que o pla-
examinada, d iminuindo a possibilidade de que uma doença cebo: restrição de metilxantinas, analgésicos, diuréticos,
mais grave passe despercebida pelo méd ico, que é o real te- p rogeswgênios, hormônios ti reoidianos, vitaminas A, E e
mor da paciente. do complexo B.
• Tratamentos com benefício superior ao p lacebo: susten-
Propedêutica complementar tação mecânica adequada, óleo de prímula, danazol, aná-
A propedêutica empregada depende rá dos achados da logos do hormônio liberador das gonadotrofinas (GnRH),
anamnese e do exame físico: bromocriptima e tamoxifeno (Quadro 31.6).

• Mamografia: quase sempre está indicada a pa rtir dos 35


Quadro 31.6 Modaiidaddes de tratamento das mastalgias
anos de idade como fo rma de diagnóstico precoce do cân-
ce r. Uma vez encontrada anormalidade ao exame físico, a Tratament o Posologia Resposta Efeitos
mamografia pode ser realizada antes dessa idade. colaterai s

• Ultrassonografia: exame cada vez mais solicitado na atua- Tranquilizaç!l.o e - 80% -


lidade, não oferece contribuição efetiva nos quadros de dor esclarecimento

mamária, devendo ser lembrado que é complementar à ma- Sustentação - 75% -


mografia e tem grande utilidade na diferenciação entre nódu- mecânica
adequada
Óleo de prímula 1g 3x/dia 45% 2%- edema.
Quadro 31 .5 Aspectos c lfnicos da mastalgia
náuseas. acne
caracterlstlcas Dor cicllca Dor acl cllca Bromocriptina 2.5 a 5mg/dia 47% 30% - náuseas,
tonteiras,
Inicio :li década 4Jdécada oefaieia, iadiga

Variação com o Sim Não Danazol' 100mg/dia 75% 20%-


ciclo mensuual depressão,
amenorteia.
Duração 6a8anos 3a4anos ganho de peso,
acne
Localização Bilateral, difusa Unilateral,
localizada Tamoxifeno 10 a 20mg/dia 80%a90% 20%a 70%-
fogachos.
Tipo Peso, Queimação. náuseas.
hipersensibilidade pontadas câncer de
endométrio
Exame fisico Pobre, inespecífico Pode haver
alteração ·único medtcamento liberado pela Food and Orug Adm inistration (FOA) para trata-
m ento da mastalgia.
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Capitulo 31 Alterações Inflamatórias das Mamas, Próteses Mamárias e Mastalgia 273

CONSIDERAÇÕES FINAIS Choummaroello S. Cogna E, Bucchen M, Dessy LA, Alfano C, Scuden


N. Breastfeedong after reducbon mammaplasty usong d1fferent te-
Cabe salientar que, mesmo nos casos de resposta terapêu- chniques. Aesth Pias! Surg 2008; 32:294-7.
tica total ou parcial, é alto o indice de rec1d1va da dor após a Dornaus MF. A experiência de amamentação de um grupo de mulhe-
suspensão do tratamento, chegando a 70% em 2 anos. res com mamoplastia redutora e de aumento [dissertaçao). Sao
Paulo: Universidade de São Paulo, 2005.
FEBRASGO - A leitamento materno. Manual de Orientaçao. 2005.
Harris JR, Uppman ME. Diseases of the breast 4. ed. Philadetphia:
Leitura complementar Uppincott Wollians & Wilkins, 2004.
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CAPÍTULO

Doenças Benignas da Mama


José Tadeu Campos de Avelar
Maria Luísa Braga Vieira
Raquel Alves Nunes Rodligues
Renata Capanema de Mello Franco Saliba

INTRODUÇÃO • l esões proliferalivas com atipias: hiperplasia ductal ali-


O conhecimento das lesões benignas das mamas é funda- pica (HDA), hiperplasia lobular atlpica (H lA) e atipia epi-
mental para todos os que lidam com a saúde feminina, pois as telial plana (AEP).
queLxas mamárias lideram o motivo da consulta.
Neste capítulo são abordadas as lesões princ1pais por sua
As doenças benignas da mama representam um grupo he-
prevalência e/ou implicações clinicas no dtagnósuco diferen-
terogêneo de lesões que podem ser palpáveis ao exame (!sico
cial com o câncer de mama.
ou detectadas em exames de 1magem e apresentam riscos rela-
tivos diferentes para o desem·olvimento do câncer de mama.
O câncer mamáno é a neoplas1a maligna mais comum en- DISTÚRBIOS DO DESENVOLVIMENTO MAMÁRIO
tre as mulheres. Entretanto, as doenças bemgnas das mamas, As anomalias mamánas podem decorrer de uma mastogé-
que são muno maiS prevalentes, tomando-se muitas ,-ezes nese anômala ou de d1ferentes endocnnopauas que modtfi-
diagnóstico diferenc1al Importante, podem ser classificadas quem a produção hormonal ou a carga genéuca dos recepto-
em trés categonas (Quadro 32.1): res hormonais.

• lesões não prolifcralivas: alterações fibrocislicas (cistos, Amastia


ectasia ductal e fibrose), adenoses não esclerosantes, mas- A amastia se caracteriza pela auséncia completa das estru-
tites, f1broadenomas, hamartomas e h1perplasias ductais turas mamárias (tecido mamário, aréola e papila), podendo
mlnimas (até quatro camadas de células) sem atipias. Re- ser uni ou bilateral. Esse defettO se deve à ausêneta total do
presentam até 70% dos achados histopatológícos. cordão mamário após a sexta semana de v1da intrauterina e
• lesões proliferativas se m alipias: hiperplasia ductal sem é raro.
atipia ou usual (HDU), papilomas, adenose esderosame,
fibroadenoma complexo e cicatriz radial (lesão esclerosan- Atelia
te complexa). A atelia consiste na ausencia da aréola ou papila ou em
complexo areolopapilar com tecido mamário.
Quadro 32.1 Risco relalivo (AR) de desenvolvimento de câncer de
mama Amasia
Lesio benigna de mama Risco relativo A amasia pode ser caracterizada pela ausência de tecido
(RR) mamário com preservação do complexo areolopapilar.
Lesao nao proliferativa 1
Lesao prolifera1ÍIIa sem at•pias 1.5 a 2•
Hipomastia
Lesao proliferalÍI/a com at•P•as (duelai ou IObular) 4 aS• A hipornastia consiste no desenvolvimento mcompleto da
Carcinoma duelai in SJtu 10><
mama. Quase sempre se deve a uma lesão traumática ou te-
Carcinoma lobular in s•ru rapêutica do botão mamáno na infância ou no per!odo pré-
Fonte. Oupont WD. Page DL R>$lc lac10t$lor breast cancer "' wornen w•lh prOI>fera-
-puberal, podendo ocorrer em ambos os sexos, um ou btla-
tiwl btaasl disaase. N Engl J Med 1985. 312 146 teralmente.
274
r
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Capítulo 32 Doenças Benignas da Mama 275

Síndrome de Poland de 0,5%. Pode causar dor, principalmente no pe ríodo mens-


A síndrome de Poland consiste em hipoplasia mamária trual ou durante a lactação. Se for causa de desconforto estético
unilateral associada a defeitos da parede torácica, muscula- ou dor para a paciente, pode ser indicada exérese cirúrgica.
tura peitoral ipsilate ral, tecido subcutâneo e, às vezes, bra-
quissindactilia. A etiologia é obscura, mas há caráter familiar. ALTERAÇÕES DO MAMI LO E DA ARÉOLA
Hipertrofia mamária juvenil Inversão do mamilo
A etiologia da hipertrofia mamária juvenil é desconhecida, A inversão do mamilo pode ser congênita ou adquirida, bila-
porém se acredita que ocorra em razão da resposta exacerba- teral ou unilateral. Quando congênita, o grande inconveniente
da do epitélio mamário aos níveis normais de estrogênio da é a dificuldade de amamentação. Nos casos adqui ridos, a causa
puberdade. O tratamentO é a mamoplastia redutora. mais comum é a maslite periductal. Cabe ressaltar que, sempre
que se estiver diante de uma inversão mamilar adquirida, deverá
Simastia ser feito o diagnóstico diferencial com carcinoma (Figura 32.3).
As simaslia consiste na confluência mediai das mamas,
sendo uma anomalia rara. Descarga mamilar
A descarga maxilar consiste na eliminação de qualque r se-
Politelia c reção proveniente do dueLO mamário através da papila, sen-
Caracteriza-se como mamilos supranumerá rios em alguns do a terceira queixa mamária mais frequente, após mastalgia
pontos da linha mamária (Figura 32.1). Localiza-se mais fre- e nódulo mamário. Sua incidência é de cerca de 5%, e tem
quentemente nos segmentos axilar, abdominal e inguinocrural. causa benigna em 95% dos casos. A associação com nódulo
Ocorre em cerca de 0,2% a 1% da população de ambos os sexos, aumenta em torno de 60% o risco de malignidade, devendo
geralmente unilateral, podendo associar-se a anomalias renais. se r investigados o uso de fármacos e os fatores de risco para
cânce r de mama (Figura 32.4 e Quadro 32.2).
Polimastia A descarga papilar fLSiológica geralmente é provocada bi-
A polimaslia se caracteriza por mamas extranumerárias, po- late ralmente em duetos múltiplos com aspectO seroso do tipo
dendo ocorrer em qualquer pomo da linha mamária, porém a colostro. Resulta da esfoliação das células epiteliais , mais fre-
variante axilar é a mais comum (Figura 32.2). Os fatores cau- quente na menacme, e não exige investigação ou t ratamento.
sais são desconhecidos, e a prevalência na população é de cerca A descarga patOlógica é espontânea, unilateral, em dueto
único, com secreção sanguinolenta ou em "água de rocha",
podendo ter etiologia benigna (ectaSia ductallmaslite pe ri-
ductal , lesões papilomatosas, galactorreia) ou maligna (carci-
noma, doença de Paget). Suas principais causas são: papiloma
intraductal, alterações funcionais benignas da mama, ectasia
ductal e carcinoma in situ , seguido pelo carcinoma invasor.
Recomenda-se exérese ci rúrgica do dueLO afetado para análise
anatomopatOlógica.
O pseudoderrame é patologia que simula a secreção duc-
tal, assim como adenoma de papila, eczema mamário, carci-
noma ulcerado e inversão do mamilo com mace ração.
Figura 32.1 Mamilo e glândula mamâria supranumerârios. Esta pa-
ciente apresenta g lândula mamária completa à esquerda e mamilo
supranumerário à d ireita, ambos na linha abaixo das mamas nor-
mais. (Mansel RE, Bundred N. Color atlas of breast diseases. Mosby
Wolfe Company, 1995: 14.)

Figura 32.3 Retração mamilar por câncer de mama. (Mansel RE,


Figura 32.2 Glândula mamária axilar acessória. (Mansel RE, Bundred Bundred N. Color atlas of breast d iseases. Mosby Wolfe Company,
N. Color atlas of breast d iseases. Mosby Wolfe Company, 1995:15.) 1995:32.)
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J 276 Seção I Ginecologia

Quadro 32.3 Causas farmacológicas de galactorreia


Hormônios
Esuogenoterapia
Anticoncepcionais orais
Antl-hlpertenslvos
Verapamil
Metildopa
Betabloqueadores
Fármacos de ação no sistema nervoso central
Sulpirida
Antagonistas da dopamina (domperidona, clorpromazina.
fenotiazinas, tioxantenos, butirolenonas, difenilbutilpiperidina.
dibenzoxazepina. diidroindolona, procainamida, metoclopramida)
Neurolépticos (flulenazina, haloperidol, penfluridol, pimozida,
pipotiazina)
Figura 32.4 Descarga papilar multiductal, secreção esverdeada, Antidepressivos lficíclicos (imipramina. amitriptilina. clomipramina,
tipicamente benigna. (Mansel RE, Bundred N. Colar atlas of breast nortriptilina)
Benzodiazeplnicos (amoxapina)
diseases. Mosby Wolfe Company, 1995:34.)
Fluoxetina
Outros
Quadro 32.2 Descarga papilar Cimetidina
Ranitidina
Fis iológica Patológica Reserpina
Opiáceos
Descarga provocada Descarga espontânea Cocaína e anfetaminas
Multiductal Uniductat
Bilateral Unilateral
Multicolorida Aquosa/sanguinolenta
Lesões papilomatosas
O tipo mais comum de lesão papilomatosa é o papiloma
Esporádica Profusa e persistente
solitário. Representa a causa mais simples de derrame papi-
lar sanguinolento (50% dos casos) e seroso (50% dos casos),
caracterizado pela presença do pontO de gatilho. Acomete os
Du rante o exame físico, a palpação das mamas deve rá se r duetos principais subareolares, principalmente na faixa etária
realizada em raios no sentido periferia-centro, seguida de dos 35 aos 55 anos, podendo ocasionar nódulo subareolar,
pressão firme sobre a aréola na tentativa de reproduzir o der- mas em geral não excede 2 a 3mm. O tratamento consiste na
rame no ponto de gatilho. Essa avaliação identifica sua topo- ressecção do duetO acometido ou dos duetos principais. A
grafia e, em caso de indicação cirú rgica, auxilia o planejamen- taxa de recorrência é baixa e não apresenta risco de maligni-
to quanto ao local da incisão. dade, a não se r quando atipia está associada.
A citologia do derrame tem baixo valor preditivo positi- O papiloma múltiplo é menos frequente. O rigi na-se de
vo, não sendo recomendada. A propedêutica de imagem das est ruturas lobulares que invadem os duetos, formando uma
mamas com mamografia e ultrassonografta (US) é sempre in- massa palpável. A idade de acometimento é de ce rca de 40
dicada e objetiva o d iagnóstico de nódulos o u microcalcifica- anos. Em 15% dos casos são bilaterais com alta taxa de re-
ções associados. co rrência (24%) . O tratamento se baseia na excisão comple-
ta dos duetOs mamários e no acompanhamento cl ínico, já
Galactorreia que alguns estudos demonstraram risco de cânce r de mama
Galacto rreia consiste na eliminação de secreção láctea pe- associado .
los mamilos em homem, mulhe r nulípara o u pelo menos 12 A papilomatose juvenil é rara e acomete a faixa etária en-
meses após a gravidez ou lactação. Sua principal causa é far- tre os lO e os 45 anos. Apresenta-se como massa palpável
macológica, mas pode ser idiopática ou secundária a ade no- subareolar, sendo de t ratamento cirúrgico por também estar
mas hipofisários. Estímulo papila r, trauma, cirurgia da parede associada a neoplasia mamária.
to rácica e d istúrbios da tireoide também podem ser fatores
etiológicos. Eczema do mamilo/aréola
A associação de galactorreia, amenorreia e infertilidade, Caracteriza-se como dermatite descamativa e exsudativa
bem como hiperprolactinemia (principalmente se os níveis que pode acometer parte o u tOdo o complexo areolopapilar,
sé ricos estive rem >lOOmglmL) , sugere adenoma hipofisário e uni o u bilateralmente, associada a prurido. Costuma oco rrer
é indicação para pesquisa com tomografia computadorizada em mulheres jovens. As dermatites de contatO o u atópicas
ou ressonância magnética de crânio. O tratamento deve se r são as causas mais comuns. Seu tratamento deverá consistir
direcionado para a causa específica (Quadro 32.3). no isolamento dos antígenos de contatO (desodorantes, cre-
r
((

Capítulo 32 Doenças Benignas da Mama 277

mes, roupa Intima) e esquema de corttcoide tópico por cur-


to periodo. Quando persiStente, a biópsia de pele deverá ser
sempre indicada, poiS a doença de Paget (condição maligna)
é imponante dtagnóstico diferencial.

Adenoma de mamilo
O adenoma de mamtlo constste em lesão benigna e rara
que surge no dueto JUnto à paptla. Em geral, eslà associada a
derrame papHar sangumolemo. A btópsia cirúrgica poderá ser
necessária para o dtagnósuco dtferenctal com doença de Paget.

Fissura do mamilo
Própria das lactantes, a fissura do mamilo permite a en-
trada de bactérias que causam a mastite puerperal. Costuma
Figura 32.5 Cisto mamário simples ao ultrassom das mamas. (Man-
regredir espontaneamente com boa técnica de amamentação sel RE, Bundred N. Calor atlas oi breast diseases. Mosby Wolfe Com-
e cuidados locais. pany, 1995:74.)

CISTOS MAMÁRIOS
Galactocele
Cistos simples e cistos complexos A galacLOcele é um cisto de retenção ele leite q ue pode
Os cistos simples, assim como os complexos, fazem pan e acumular-se em um ou mais lobos mamários em virtude ele
de uma entidade mais ampla, denominada alterações funcio- um dueto lactífero obstruido e se apresenta como massas cls-
nais benignas das mamas (AFBM), não estando associados a Licas sem manifestações sistem icas. A US pode demonstrar
aumento de risco de câncer de mama. Portanto, estabelecido cisto simples ou massa complexa. Em geral, o volume é pe-
o diagnóstico, o tratamento visa ao alrvio dos sintomas. Trata- queno, mas quantidades excessivas podem causar sintomas
-se de massas redondas ou ovaiS, repletas de lrquido em seu compressivos e assumir o aspecto de abscesso. Essa lesão
interior, únicas ou múltiplas, um ou btlaterais, palpáveis ou pode regredir espontaneamente ou extgtr aspiração, a qual
não, e se ongmam da obstrução e dilatação nas unidades due- pode ser guiada ou não por US. A asptração por agulha , ob-
Lais lobulares terminaiS. Mais comuns na fatxa elària de 35 sen·a-se a reLirada de substância leitosa.
a 55 anos, na fase mvoluuva dos lóbulos mamários, \<Iriam
muito de tamanho (mtcrocistos S3mm e macrocistos >3mm), Cisto de inclusão epidérmica
tornando necessána a mtervenção apenas quando palpáveis e Trata-se de um cisto de retenção da glândula sebácea cutâ-
causando desconforto à mulher. A asptração por agulha fina nea que se manifesta como nódulo mdolor e palpável tme-
(guiada ou não por ecografia) costuma ser suficiente para re- diatameme sob a pele. O tratamento consiSte na exérese ci-
solução do cisto. rúrgica.
O carcinoma intraclstíco é achado muito raro, de,·endo
ser suspeitado nos casos de cistos muito grandes, com reci- Fibrose, adenoma e hiperplasia sem alipias
diva precoce ou massa residual após a aspiração de conteú- Como também fazem parte das AFBM, podem formar no-
do liquido sanguinolento e nos casos de cistos complexos dulação palpável ou apresentar-se como mtcrocalcificações
(presença de vegetações in traclsticas, paredes espessas ou agrupadas ou distorções arquiteturais à mamografia. O d iag-
septos >0,5mm e ausencia de reforço acústico ao u ltrassom). nóstico hisLOlógico é necessário, já que essas lesões são co-
Não é necessá ria a análise citológica do fluido aspirado na muns na faixa elària em que o câncer de mama também se
maio ria das vezes. mas apenas quando existe suspeita de torna mais frequente.
cisto co mplexo. Nesses casos, o d iagnóstico histopatológico Os adenomas, que são neoplasias epiteliais puras da mama
é necessário e está ind icada a exérese ci rúrgica. Os cistos sem pote ncial maligno. são classificados em dois grupos prin -
co mplexos estão relacionados com malignidade em 0,3% cipais: tubulares e adenomas das lactantes. Este último ocorre
dos casos. normalmente durante a gravidez e é bem circunscrito e lobu-
Os cistos complicados apresentam paredes e septos finos, lado. A excisão cirú rgica, que é resen•ada para casos especifi-
ausi!ncia de componente sólido intraclstico à ultrassonografia cas, se dá em grande parte em virtude do tamanho da lesão.
e raramente estão associados a componente maligno. Devem
ser aspirados para confirmação diagnóstica ou avaliados por NÓDULOS MAMÁRIOS
USa cada 6 meses, durante 2 anos, para acompanhamento da O achado de um nódulo mamáno é sempre mou,·o de ten-
estabihdade da lesão (Ftgura 32.5). Em caso de crescimento são para a mulher, seja qual for sua fatxa elària. O medo do
ou desenvoh~mento de conteudo sólido, eslào indicadas a câncer de mama eslà sempre presente, e a a\·aliação desses
exérese ctrúrgtca e a avahação hiSlopatológtca. nódulos deverá ser fetta o mats ráptdo possl\'el, sendo tm-
278 Seção I Ginecologia

ponante a dtferenctação entre nódulo mamáno dommame ciLOiógica, alem de aho lndtce mitólico (mais de 10 mnoses
e nodulandade mamária, achado benigno mutlo comum na por 10 campos de grande aumento). A incidência na popu-
segunda metade do ciclo menstrual. O diagnósuco mais co- lação em geral e de cerca de um tumor filoides para cada 40
mum em mulheres com menos de 35 anos e que apresentam fibroadenomas dtagnosticados. Representa 0,3% a 0,5% dos
um nódulo na mama é o fibroadenoma. Os cistos mamários tumores d e mamas em mulheres, não tem fatores de risco
são mais frequentes ao redor dos 40 anos e o carcinoma ma- definidos, porém é mais comum em portadores da sfnd rome
mário é pre ponde rante após os 50 anos. Cabe salienta r que de li-Fraumeni. A média de idade pa ra o aparecimento se
todo e qualquer nódulo mamário em qualquer faixa etária situa entre os 35 e os 55 anos, raramente ocorrendo antes
merece avaliação especializada do mastologista. dos 20 anos. Esses LU mores se apresentam como libroelásti-
cos, mullinodulares, móveis, indolo res, de 4 a 7cm de dtâ-
Fibroadenoma metro, com pseudocâpsula. e podem Ler crescimento rápi-
O ftbroadenoma frequentemente se apresenta como nódulo do. levando a dtstorções mamárias. Em geral. são tumores
regular, móvel e de crescimento lemo. Trata-se de um tumor mais ,-olumosos do que os libroadenomas e se dtferenctam
pseudocapsulado com aumento do tectdo fibroconecuvo e dis- desses princtpalmente pela hipercelularidade caracterisuca
creta prohferação epitelial. Em 20% dos casos são múltiplos, na de seu estroma. Raramente são bilaterais e têm tendência a
mesma mama ou bilaterais, e sua eúologta amda é desconhe- recorrência local.
Cida, mas parece estar relacionada com fatores hormonais, em Tipicamente, o tumo r filoides aparece à mamografia
vinude de sua predominância durante a menacme. Pode sofrer como uma massa de margens lisas e multilobular. Ao ultras-
aumento de tamanho durante a gravidez ou a estrogenote ra- som é descrito como lesão sólida, h ipoecoica e circunscrita.
pia e regredi r ou calcificar após a menopattsa. São encontrados A presença de á reas clslicas no tumo r aumenta o grau de
principalmente na faixa etária dos 15 aos 35 anos. suspeição para tumor filoides, e sua histologia é o pad rão-
O diagnóstico de fibroadenoma é facilmente realizado com -ouro para diferenciação e classificação dos diferentes tipos
um bom exame clinico. Ao ultrassom de mamas é descrito desse LUmor. A core bíopsy é mais frequentemente recomen-
como nódulo sólido bem delimitado com caractertsucas de dada, pois a PAAF tem alto lndice de falso-negam•os nesses
bemgntdade. O dtagnóslico defmiú,·o é feno por meto de exa- casos e o dtagnósuco dtferencial com fibroadenoma gtgante
me anatomopatológtco, por material de btópsia de rragmentos, pode ser dtfletl.
punção asptrauva por agulha fina (PAAF) ou exctSão cirúrgica. O tratamento do tumor filotdes consiste na exctSão tumo-
A abordagem cirúrgica dessa lesão mamána bemgna de- ral com margens livres (pelo menos lcm). O !ndice de reci-
pende da tdade da mulher, do tamanho do nódulo, do diag- divas com o tratamento adequado é de cerca de 8% para os
nóstico confirmado e do desejo da paciente. Por exemplo, um tumores benignos e de 21% a 36% para os borderlines e os
nódulo diagnosticado como fibroadenoma na mulhe r com malignos. Margens positivas estão relacionadas com aume nto
menos de 35 anos por meio de exame clinico, PAAF e eco- de até quatro vezes no risco de recid ivas. Portamo, nessa si-
grafia pode rá ser apenas controlado. Os nódulos suspe itos de tuação, a reabordagem ci rúrgica está semp re indicada.
libroadenoma que su rgem após os 40 anos ou nódulos muito A transformação de tumor inicialmente benigno em malig-
grandes podem ter ind icação cirúrgica, e, na presença de fi- no é rara. Tumores de crescimento rápido ou recidivas precoces
broadenomas múltiplos, a conduta consiste habitualmente no são sinais de mahgnidade. Nesses casos, quando não há mar-
controle. VISto que a possibilidade de aparectmenlo de novos gens cirúrgtcas amplas e hvres e com bom resultado estéuco
nódulos é acentuada. Os fibroadenomas g•games (cresctmen- para a paciente, a mastectomta poderá ser indicada.
to ráptdo e >Sem) ocorrem normalmente nos extremos da
vtda reproduuva e apresentam celularidade um pouco maior Hamartomas (fibroadenolipomas, lipofibroadenomas
do que a dos fibroadenomas comuns. Nesses casos é mdica- ou adenolipomas) e lipomas
da a exérese cirúrgica, sendo importante ressaltar que o risco Tumores de tecido gorduroso, glandular e fibroso, os ha-
para o desenvolvimento de câncer de mama só é ligeiramente manomas são massas d iscretas, encapsuladas e indolores.
aumentado nos casos de fibroadenomas complexos, p rinci- Raros, podem ser diagnosticados incidentalmente em mamo-
palmente quando adjace ntes a doença proliferativa ou em ca- grafia de rastreamento. Po r não apresentarem característica
sos d e história familiar positiva para neoplasia mamária. histológica especifica, a quantidade do material para análise
na punção por agulha fina ou grossa pode não ser suficien-
Tumor filoides (Cystossarcoma phylloides) te para o diagnóstico definitivo. Assim, a excisão cirúrgtca
O tumor filoides, um tumor de mama libroepnelial in- é recomendada para exclutr a possibilidade de componente
comum com componamemo biológico vanável, é classifi- maligno assoctado.
cado como tumor benigno (>50%). borderhne ou maligno Os lipomas são massas amolecidas, bem delimitadas e de
(25%). Essa classificação se baseia prmctpalmente no grau ,·ariados tamanhos, decorrentes da proliferação bemgna das
de aupia celular. O tumor benigno apresenta margens bem células lipldicas. O dtagnóstico clínico, associado à PAAF e
definidas, ausencia de pleomorlismo celular ou necrose e ra- aos exames de imagem característicos, é suficiente para a con-
ras mitoses. Em contrapartida, o maligno ap resenta margens duta conservadora, que consiste apenas em controle clin ico e
irregu lares. acentuadas hipercelula ridade estromal e atipia imagenológico da lesão.
r
((

Capitulo 32 Doenças Benignas da Mama 279

• eonatal: em decorrl!ncia de estimulo estrogemco pla-


centário.
• Puberdade: secundária ao aumento traOSitório do estra-
diol, com mais de 90% dos casos regredindo esponLanea-
mente em até 3 anos. Ocorre em cerca de 30% dos meni-
nos entre os 10 e os 16 anos de idade. Quando persiste
após os 18 anos e causa desconfono ffsico ou emocio11al, a
ressecção cirúrgica deve ser indicada.
• Adulto: decorrente do desequilíbrio entre os efeitos esti-
mulantes estrogl!nicos e os efeitos inibidores dos andro-
gênios.
Uma causa frequente em jovens consiste na uuhzação de
ester01des anabolizantes. Após os 60 anos de 1dade de,·e-se
pesquisar o uso de medicamentos (anliandrogêmcos, medica-
mentos cardio,·asculares, como digiLálicos, inibidores da en-
zima conversora de angiotensina, espi ronolactona e bloquea-
dores do canal de cálcio, e psicotrópicos, como diazepam e
antidepressivos triclclicos, entre outros). Outras condições
Figura 32.6 Esteatonecrose em mamografia. (Manset RE, Bundred associadas são doenças hepáticas, renais, falência hormonal
N. Color atlas of breast diseases. Mosby Wolfe Company, 1995:79.) testicular e lUmores testiculares e não testiculares (suprarre-
nal, pulmão e flgado). A obesidade é causa de deposição de
tecido adiposo na região das mamas responsã,·el pelo quadro
Necrose gordurosa de pseudoginecomastia.
A necrose gordurosa é a lesão resultante da saponificação A mamografia está sempre indicada, e a propedeuuca de
assépuca da gordura por meio da bpase do sangue e do teci- nódulos suspeitos é a mesma realizada nas mulheres. Ou-
do. ApresenLa-se como área nodular, endurec1da e mal de- tros exames uuhzados para propedêuúca da gmecomasua
finida à palpação, acometendo principalmente mulheres na incluem, além da mamografia e da US de mamas, palpação
pós-menopausa. Quase sempre a históna de trauma mamário testicular, provas de função hepática e renal, dosagem de hor-
ou cirurgia mamária prévia está presente, porém a injeção de mônios Lireoidianos, hormônio folículo-estimulante (FSH),
gordura (lipojilling) e a radioterapia mamária ou torácica tam- hormônio luteinizame (LH), prolacLina (PRL), estradiol, tes-
bém são possrveis causas. A imagem mamográfica quase sem- toste rona total e livre, al fafetoproteína e fração Pda gonaclo-
pre apresenta calcificações grosseiras enoveladas, e a PAAF trofina coriônica humana CP-HCG) com vistas à defin ição ela
mostra histiócitos polimorfonucleares ou cistos oleosos. As etiologia do quadro para tratamento especifico.
lesões coslUrnam regridir espontaneamente. A excísão cirúr-
g•ca é conduta de exceção (Figura 32.6).
CONSIDERAÇ0ES FINAIS
Hiperplasia com atipias As patologtas bemgnas da mama são motivo de grande an-
As lesões proliferaúvas mamárias com aup13S (dueLai ou lo- siedade para a mulher. Na vigência de quetxa ou alteração
bular) estão associadas a aumento cons•derá,•el (quaLro a cinco clínica das mamas, o pnmeiro passo é afastar a h1pótese de
vezes) no nsco de desenvolvimento de câncer de mama. Quan- neoplasta maligna. Uma boa anamnese e um bom exame físi-
do associado à história familiar, o risco aumenLa até nove vezes co das mamas, associados aos exames de imagem adequados,
em relação à população em geral. Mulheres com hiperplasia definem a etiologia em grande pane dos casos.
ductal ou lobular atípica devem ser monitorizadas rigorosa- Tão importan te quanto o diagnóstico de alteração benigna
mente, podendo até mesmo ser submetidas a estratégias para da mama é o esclareCimento da condição clínica e dos cui-
redução do risco (rnamografia anual, e.'Came clinico das mamas dados que deverão se r seguidos pela paCiente. A abordagem
a cada 6 meses, comraindicação de anticoncepcionais hormo- dos sinais de alarme e o rastreamento de neoplasia mamária
nalS ou terapia de reposição hormonal). Essas lesões não devem compreendem a etapa final das recomendações méd1cas.
permanecer apenas com o diagnóstico pela b1ópsia por agulha; O tratamento círúrg•co não é a primeira opção, estando
a excísão cirúrgica completa é sempre a conduLa a ser adotada a reservado pnnc1palmente para os casos com preJUizo estético
fim de não subestimar possivellesão rnahgna assoc1ada. ou suspe1La de malign1dade. As lesões com a clfmca diSCor-
dante do estudo 1magenológico ou anatomopatológ•co de-
GINECOMASTIA vem ser consideradas para biópsia excisional. Nesses casos,
Defimda como a proliferação bemgna da glândula mamá- bem como em pacientes de alto risco para câncer de mama, o
ria em homens, a ginecomaslia pode ocorrer de maneira fisio- encaminhamento ao mastologista é sempre urna opção a ser
lógica em três etapas da vida do homem: considerada.
/.

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'/
J 280 Seção I Ginecologia

Leitura complementar Harris JR, Lippman ME. Dtseases oi lhe breast. 5. ed. Phlladelphla.
Avelar JT, Salvador Silva H. Câncer de mama: onentaçOes prát1cas. Upp1ncott Wllhams & Wilklns, 2014.
A10 de Janeiro: Rev.nter, 2000. Hartmann LC, Sellers TA, Frosl MH et ai. Benign breast d•sease and
Berg WA, Birdwell RL, Kennedy A et ai. D1agnost1c •mag1ng . breast. lhe risk of breast cancer. N Engl J Med 2005; 353:229.
Philadelphia. Elsevier, 2007. London SJ, Connolly JL, Schnitt SJ, Colditz GA. A prospechve stu-
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CAPÍTULO (

Neoplasias Malignas da Mama


Ma1ia Luísa Braga Vieira
Anna Dias Salvador
Henrique Moraes Salvador Silva

INTRODUÇÃO DIAGNÓSTICO CLÍNICO


Embora muitO se tenha avançado no que diz respeito aos A h istória clínica, coletada de maneira crite riosa e deta-
métodos propedêuticos, ao aumento da taxa de d iagnóstico lhada, é fundamental para o estabelecimento do diagnóstico
precoce e às formas de tratamento do cânce r de mama, a inci- clínico, assim como para a identificação de grupos de risco. O
dência e a taxa de mortalidade continuam alarmantes. exame clínico periód ico e o estudo mamográfico de screening
Nos últimos 20 anos, some nte os países de alta renda constituem pontos impo rtantes para esse d iagnóstico.
registra ram reduções na mortalidade po r cânce r de mama. A principal queixa das pacientes é a presença de tumor. O
Segundo os analistas e pesquisadores, os p rogramas de tumor maligno costuma apresentar crescimento insidioso, lo-
controle do câncer, em especial as ações de detecção pre- caliza-se no quadrante superior externo, é unilateral e de con-
coce e tratamento, são os p rincipais dete rminantes dessa sistência endurecida a pétrea, de contornos irregulares, limites
redução. imprecisos e aderido a planos profundos ou pouco móvel. Assi-
metrias de volume importantes, edema linfático de pele, abau-
lamentos, retrações de pele ou ulcerações também podem estar
INCIDÊNCIA presentes e caracterizam tumores mais avançados. Os linfono-
O câncer de mama é o segundo tipo mais frequente no dos axilares acometidos se encontram endurecidos e aderidos a
mundo e o mais comum entre as mulheres. À exceção do cân- planos profundos, podendo estar associados à descarga papilar,
cer de pele (não melanoma), os mais comuns nos homens são o e geralmente são uniductais, espontâneos, intermitentes, tipo
de próstata e o de pulmão, enquanto nas mulheres são o câncer "água de rocha" ou sanguinolentos. A caracterização cuidadosa
de mama e o de colo uterino. Representa a quarta causa geral e rigorosa dos achados no exame físico é importante, e o esta-
de morte, constituindo grave problema de saúde pública. d iamento correto da lesão irá innuenciar a conduta terapêutica.
A Estimativa de Incidência de Câncer no Brasil (INCA,
2016) prevê, a cada ano, 57.960 casos novos de câncer de
EXAMES DE IMAGEM E PROCEDIMENTOS INVASIVOS
mama, com risco estimado de 56,2 casos a cada 100 mil mu-
lheres. Segundo dados do Globocan 2012 , da l nternational Mamografia
Agency for Research on Cancer (IARC), o risco cumulativo Atualmente o exame mais sensível para detecção do cânce r
( risco acumulado durante a vida) de uma pessoa te r e morrer de mama, a mamografia é usada para o rastreamento do cân-
desse câncer no Brasil é de 6,3% (te r) e 1,6% (morrer), res- ce r na ausência de sinais ou sintomas (screening mamográfico)
pectivamente. e também como métOdo d iagnóstico impo rtante em pacientes
Na região Sudeste, o câncer de mama é o mais incidente, com anormalidades na mama.
com risco estimado de 68 casos novos por 100 mil mulheres. Todas as mulheres com mais de 40 anos de idade devem
Esse tipo também é o mais frequente nas mulhe res das regiões fazer mamografia anualmente, e aquelas com história pessoal
Sul (74,30/100 mil), Sudeste (68,08/100 mil), Centro-Oeste ou familiar importante devem consultar seu médico a respei-
(55,87/100 mil) e Nordeste (38,74/100 mil) to da necessidade de iniciar o rastreamento em idade precoce.
A estimativa para Minas Gerais é de 5.160 novos casos e Alguns achados são sugestivos de malignidade à mamogra-
para Belo Horizonte é de 1.030. fia, como nódulos espiculados, de limites maldefinidos com
281
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J 282 Seção I Ginecologia

distorção do parênquima adjacente , assimetria do parênqui- Quadro 33.1 Fatores de r~sco para cancer de mama

ma, microcalctlicações irregulares, pleomórficas e agrupadas, Sexo feminino- principal fatOt' de riSCO
retração de pele ou mamilo e diferença de densidade em rela- Idade avançada
ção aos exames antenores. Menarca antes dos 8 anos
Nuliparidade ou prrnEma graVIdez apOs 30 anos
Ultrassonografia mamária
Menopausa tardia (após 55 anos)
A ultrassonografia mamãna, embora não seJa usada como
História lamliat de cancer de mama
exame de scrrening, em muttas oportumdades tem tmponante
Número de parentes de pnmeuo grau com câncer de mama e suas
papel coadjuvante na eluctdação diagnóstica, sendo o melhor idades no momento do doagnOsllco
método complementar à mamografia. Trata-se de um exame História familiar de cancer de mama mascubno
dinâmico, ráptdo, que não utihza radtação ionizante e é bem
Distúrbios hereditános associados a alto r~sco de cancer de mama
tolerado pelas paetentes, estando indicado principalmente nas (BRCA1 e 2, slndrome de Li-Fraumeno. ataxoa-telangoectasia,
mamas densas à mamografia em pacientes jo,·ens ou durante Peutz.Jeghers e doença de Cowden)
a gestação e a lactação. Além disso, é utilizada também para História de canoer de ovário. cólon e próstata
avaliar mamas com próteses mamárias, para realização de pun- Biópsia prévia de lesào prohleraltva com ato pia ou carcinoma
ção e biópsia dirigida e para marcação de lesões não palpáveis. lobular ou duelai in situ
Os achados sugestivos de malign idade consistem em margens Terapia hormonal
irregulares, hipoecogenicidade e textura heterogênea, diâmetro Consumo de álcool
anteroposterior maior do que o laterolateral, presença de som- Ganho de peso após a menopausa
bra acústica posterior e contornos microlobulares. História pessoal de câncer de mama

Tomossíntese ou mamografia 30
A tomosslntese é uma tecnologia de imagens tomográficas Quadro 33.2 Risco relativo de cancer de mama em caso de história
familiar positiva
reconstruldas a partir das imagens da mama comprimida na
marnogralia digital e obtidas em diversos ângulos e em cortes Características Risco relativo
de lmrn, durante o deslocamento do tubo de radiografia. Está DiagnOstico na pré-menopausa 3,0
indicada princtpalmente nos casos de pacientes com mamas Doença bilateral 5,0
densas. A tomosslntese promoveu aumento nos lndices de Doença bilateral na pré-menopausa 9,0
detecção de câncer de mama , dimmumdo a reconvocação das
Diagnóstico na pós-menopausa 1,5
pacientes e aumentando a acurácta do rastreamento.

Procedimentos invasivos História pessoal


Os procedtmentos mvast\'OS que auxtliam o dtagnóstico de As mulheres com históna pessoal prévia de câncer de
câncer de mama são a punção por agulha fina, a core biopsy e mama apresentam nsco de 50% de desenvoh•er tumor mi-
as biópsias mctstonal e exclStonal. croscópico e 20% a 25% de tumor climcamente palpável na
O detalhamento mais aprofundado sobre os métodos pro- mama contralateral. HIStória de câncer de ováno ou cólon e
pedêuticos uuüzados no rastreamento e diagnóstico do cân- radioterapia torácica prévia (para hnfoma de Hodgkin) tam-
cer de mama é apresentado em outro capitulo desta obra. bém aumentam o risco para essa modalidade de câncer.

FATORES DE RISCO l esões histológicas indicadoras de risco


Idade São consideradas de risco as lesões proliferativas com ali-
A probabilidade de desenvolvime nt o de cânce r de mama pia. Hiperplasias dueLai ou lobular atlpicas, principalmente
aumenta com a idade, atingindo o pico de incidencia entre os se associadas a história familiar positiva (parente de primeiro
45 e os 55 anos. A doença é considerada pouco comum antes grau), aumentam em até l l vezes o risco de cânce r de mama
dos 35 anos, embora esteja se apresentando em idades cada (Quadro 33.3).
vez mais precoces (Quadro 33.1 ).
Fatores hormonais
História familiar O sexo feminino constitui o fator de risco mais alto de câncer
Mulheres com história familiar positiva de câncer de mama de mama. Trata-se, essencialmente, de uma doença da mulher,
têm risco aumentado de adquinr a doença. A história fami- e acomete os homens em menos de 1% dos casos. Mulheres
liar positiva se refere a parentes de primeiro grau, como mãe, com rnenarca precoce (<8 anos de tdade) e menopausa tardia
irmã ou filha. Nesses casos, deve-se levar em consideração se (>55 anos de idade) apresentam nsco relaU\'O aumentado de
o câncer foi diagnosticado na pré-menopausa e se ocorreu em contrair a doença. Mulheres submeudas à ooforectomia antes
uma ou em ambas as mamas, caracterlsticas que possibilitam da menopausa e com pnmetra gravtdez precoce (antes dos 30
a'-aliar o risco relauvo em cada caso (Quadro 33.2). anos) apresentam baLxo nsco relauvo. Essas mformações evt-
r
((

Capítulo 33 Neoplasias Malignas da Mama 283

Quadro 33.3 Risco relativo de câncer de mama em lesões prolif&ativas Quadro 33.4 Critérios do NCCN (versão 2.2016) para solicitação dos
testes genéticos BRCA1 e 2
Lesão benigna de mama Risco relativo
Individuas pertencentes à família com mutação conhecida nos genes
Lesão não prol iterativa 1
BRCA1 e BRCA2
Lesão proliferativa sem atipias 1,5 a 2x
História pessoal de câncer de mama e um ou mais dos seguintes
Lesão proliferativa com atipias 4 a5x critérios:
( ductal ou lobular) Diagnóstico S:45 anos de idade
Lesões proliferativas com atipias e história 11x Diagnóstico S:SO anos de idade e outro tipo de câncer primário, um
familiar positiva ou mais parentes próximos• (primeiro, segundo ou terceiro grau)
com câncer de mama em qualqu& idade. um ou mais parentes
Carcinoma duelai in situ 10x próximos com cânoer de pâncreas ou próstata (Gieason :.:7)
Carcinoma lobular in situ Diagnóstico :!150 anos de idade com tumores triplonegativos para
Fonte: Oupont WD, Paga OL Risk factors for breast cancer in women with prolifera. receptor de estrogênio, progest&ona e HER-2
tive breaSl disease. N Engl J Med 1985; 312:146. Diagnóstico em qualquer idade com:
Um ou mais parentes próximos com diagnóstico de câncer de
mama S:SO anos de idade
denciam a relação do câncer com o ambiente hormonal da pa- Dois ou mais parentes próximos com diagnóstico de câncer de
mama em qualquer idade
ciente: quanto maior o tempo de exposição hormonal, maior o Um ou mais parentes próximos com diagnóstico de câncer de
risco relativo para o desenvolvimento desse cânce r. ovário/tubáriO/peritoneal
Dois ou mais parentes próximos com diagnóstico de câncer de
Fatores ambientais pâncreas e/ou próstata (Gieason :.:7) em qualquer idade
Câncer de mama masculino E!(O parente próximo
Sabe-se que a incidência do câncer de mama no Japão é bai- Etnia judia asquenaze. independentemente da presença ou não de
xa; entretanto, verifica-se aumento significalivo quando as japo- outros casos na família
nesas migram para os EUA e passam a adotar os hábitOs de vida História pessoal de câncer de ovário/tubário/peritoneal
das mulheres americanas. A frequência desse câncer na segunda História pessoal de câncer de mama masculino
geração de japonesas migrames é semelhante à das americanas. História pessoal de câncer de pâncreas e/ou próstata
No Brasil , verifica-se incidência mais alta nas regiões Sul e (Gieason «7) em qualquer idade e um ou mais parentes
Sudeste, comparadas com as regiões Norte e No rdeste. Fato- próximos com diagnóstico de câncer de ovário/tubário/peritoneal
res ambientais de ce rtas populações têm ap resentado possí- em qualquer idade ou câncer de mama s:50 anos ou dois ou mais
parentes próximos com diagnóstico de câncer de mama. pâncreas
vel relação com o câncer, como padrão alimentar, obesidade, e/ou próstata (Gieason «7) em qualquer idade
ingestão de ácidos graxos saturados, etilismo e exposição a Apenas com história familiar de:
agentes químicos. Parente de primeiro ou segundo grau com qualquer um dos
critérios acima
Fatores genéticos Parente de terceiro grau com câncer de mama ou ováriO/tubário/
peritoneal e dois ou mais parentes próximos com cânc& de
Os fatores genéticos estão relacionados com aproximada- mama (pelo menos um caso com diagnóstico s:50 anos) ou
mente 5% a 10% de todos os cânce res de mama, e cerca de cânc& de ovário/tubário/peritoneal
25% dos casos são diagnosticados antes dos 30 anos de idade. ·Parentes próximos: primeiro grau (pais. i'màos. filhos). segundo grau (tios. avós. SO·
b riMos e netos) ou terceiro grau (p~ de primeiro grau. tios-avós. sobrinho-neto).
O gene BRCA1, presente no braço longo do cromossomo 17,
codifica uma proteína que age como sup ressora tumoral. A
mutação em um dos alelos resulta em pe rda ou diminuição
da função do gene, sendo responsável po r 40% dos casos de a mastectOmia e a salpingooforecwmia redutOras de risco, bem
câncer de mama com envolvimento genético. O gene BRCA2, como a reconstrução das mamas, podem ser indicadas.
presente na parte proximal do cromossomo 13, também é
inativo durante o processo de oncogênese. Estadiamento
O risco relativo de desenvolver cânce r de mama ao longo O estadiamento do cânce r de mama está fundamentado no
da vida, na população feminina em ge ral, é de aproximada- sistema TNM (T - tumor; N - acometimento linfonodal; M -
mente 12%. Nas mulheres que ap resentam mutação , o risco é metástases) do Ame rican joint Committee on Cancer (AjCC),
mais alto. Entre aquelas com mutação no BRCA1, o risco rela- 7a edição (Quad ro 33.5).
tivo acumulado de desenvolvimentO do câncer de mama aos
80 anos de idade é de 67% e o do câncer de ovário, 45%. já Histopatologia
para as mulheres com mutação no BRCA2, o risco é de 66% O câncer de mama pode ser dividido em lesões in situ e
e 12%, respectivamente. invasoras, e nessa d ivisão há vários tipos histOlógicos especi-
As indicações para realização de testes genéticos estão ficos com vários prognósticos.
descritas no Quadro 33.4, sendo imp rescindíveis para a boa
prática médica o suporte e o aconselhamento genético pré e Carcinoma in situ (CIS)
pós-teste com um oncogeneticista. Os ca rcinomas não invasivos da mama , que representam
Nos pacientes em que forem encontradas mutações patOgê- largo espectro de lesões decorrentes da variedade de sua
nicas nos genes BRCA1 ou BRCA2, mesmo que assintomáticas, expressão anatômica e da história natural , são lesões com
/.

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J 284 Seção I Ginecologia

Quadro 33.5 Estadiamento do câncer de mama- TNM (AJCC-201 O) proliferação epitelial atípica com crescimento limitado pela
Fator T Tumor membrana basal do epitélio ductal ou lobular sem evidê ncia
de invasão do estroma, mas com potencial de progressão
Tx Tumor primário (não avaliado)
para tumor invaso r. Dos CIS não tratados, 20% a 53 % pro-
TO Sem evidência de tumor primário
gred irão para carcinoma invasor em 10 anos ou mais. Os
Tis Carcinoma in situ: carcinoma inttaductal ou CIS correspondem a 20% de todos os cânceres de mama ,
carcinoma lobular in situou doença de Paget do
mamilo sem tumor
sendo 83% de carcinoma ductal in situe 12 % de carcinoma
lobular in si tu.
T1 Tumor S:2cm em sua maior dimensão
T1mic- carcinoma microinvasor
O carcinoma lobular in situ é considerado lesão de risco
T1a -tumor >0, 1cm e sO,Scm e, em geral, é diagnosticado a partir de achado ocasional de
T1 b -tumor >0,5cm e S:1 em biópsia ou peça de mamoplastia. A apresentação mais comum
T1c -tumor >0, 1cm e s2cm
do carcinoma ductal in situ na mamografia são as microcal-
T2 Tumor >2cm e <Sem cificações de formatO linear, ramificadas e/ou em pequenos
T3 Tumor >Sem agrupamentos heterogêneos. As técnicas de compressão loca-
T4 Tumor de qualquer tamanho com extensão para: lizada e magnificação se mostram de grande valia para melhor
T4a- parede torácica caracterização dessas imagens.
T4b- edema ou ulceração de pele Houve aumento expressivo do d iagnóstico do carcinoma
T4c -t4a + t4b
T4d -carcinoma inflamatório ductal in situ nas duas últimas décadas em razão dos progra-
mas de rastreamento mamográfico do câncer de mama. A in-
Nota: parede torácica inclui arcos costais. músculos intercostais e
serrátil anterior. mas não músculo peitoral. A doença de cidência aumentou de 5,8 casos/100 mil mulheres, em 1970,
Paget associada ao tumor é c lassificada de acordo com o para 32,5 casos/100 mil mulheres, em 2004 . Consequente-
tamanho do tumor. mente, a abordagem de pacientes com essas lesões assume
Fator N Gânglios linfáticos regi onai s grande importância na prática clínica e deve ser individuali-
Nx Linfonodos regionais não podem ser avaliados zada, vistO que o CIS constitui grupo hete rogêneo de lesões
(exérese prévia) com vários subtipos hiswlógicos, como micropapilar, sólido,
NO Sem metástases para os gânglios linfáticos cribriforme e comedocarcinoma (pior prognóstico). Alguns
regionais patologistas conside ram apenas dois grupos: lesões comedo
N1 Metástases para linfonodos axilares ipsilaterais e não comedo.
móveis

N2 N2a- metástases para linfonodos axilares Carcinomas invasivos


coalescentes ou aderidos a estruturas Os carcinomas invasivos são aqueles que invadem o estro-
adjacentes
N2b- metástases c linicamente aparentes na
ma mamário, independentemente de um componente in situ
mamária interna na ausência de metástase axilar ou mesmo da proporção relativa entre ambos. Sua classifi-
N3 N3a- metástase para linfonodo infraclavicular cação se baseia em seu comportamento infiltrativo. Os tipos
N3b- metástase para linfonodos da mamária mais comuns são os ductais (70% a 80%) e os lobulares.
interna e axilar Os carcinomas lobulares, que correspondem a aproxima-
N3c- metástase para linfonodo supraclavicular
damente 5% a 15% dos cânceres de mama, apresentam altas
Fator M Metástase a distância taxas de bilateralidade e multicentricidade.
MO Ausência de metástase a distância Os outros tipos hiswlógicos são: tubular, medular, muci-
M1 Presença de metástase a distância noso , papilar, metaplásico, apócrino, adenoide cistico, esca-
Estadl amento moso, secretOr e inflamatório. De wdos esses tipos histOlógi-
cos, o carcinoma inflamatório é o de pior prognóstico.
Estádio o Tis NO MO
Estádio la T1/11mic NO MO
TRATAMENTO
Estádio lb T0/11 N1mic MO
O tratamento visa ao controle locorregional e sistêmico do
Estádio lia T2 NO MO câncer de mama, de modo a proporcionar boa qualidade de
Estádio llb T2 N1 MO vida às pacientes e diminuir as taxas de mortalidade.
T3 NO A cirurgia constitui uma das etapas mais importantes no
Estádio llla TO N2 MO tratamento do câncer de mama , incluindo a remoção do tu-
T1mic N2 mor e dos tecidos adjacentes e o estudo do status axilar.
T2 N2
T3 N1, n2
Estádio lllb T4 NO, n1 , n2 MO
Tratamento do carcinoma in situ
Estádio lllc Qualquer t N3 MO
O carcinoma lobular in situ - terminologia imprópria por
sugerir a ideia de malignidade - é bastante conhecido na lite-
Estádio IV Qualquer t Qualquer n M1
ratura pelo carãter de risco da lesão. Seu tratamento se limita
r
((

Capítulo 33 Neoplasías Malignas da Mama 285

à ressecção local ampla, e a paciente deve ser mantida em lação intraoperatório da região retroareolar pode auxiliar a
observação, pois em 25% dos casos pode haver associação ao avaliação de doença res1dual e a decisão de se preservar ou
carcinoma invasivo, amda que tardiamente. não esse complexo. As complicações maiS comuns consistem
O carcmoma ductal in situ (CDIS) é cons1derado a lesão de em necrose parcial ou total do CAM, infecções e extrusào da
t:ruUS fone 1mpacto cllmco entre os carcinomas não im-aso- prótese.
res. Quanto ao tratamento, a mastectom1a apresenta indices
de cura em torno de 100%. Entretanto, a cirurgia conserva- Reconstrução mamária
dora, segUtda de rad1oterap1a com ou sem horrnonoterapia Desem·oh'ida com o objettvo de manter a estéuca e ofere-
adjuvame, ltdera a prática atual, uma vez que apresenta in- cer um no,·o senumento de femmihdade à mulher submetida
dices de recldt,·as localS em torno de 12% com resultados à mastectomia, a reconstrução mamá na pode ser realizada no
estético-funcionais melhores e menor morbidade. A biópsia mesmo tempo cirúrg1co da mastectom1a (imediata) ou me-
de linfonodo senunela é raramente indicada, exceto nos ca- ses após (tardia), porém, para que aconteça, a paciente deve
sos de lesão com risco elevado de subestimativa de invasão apresentar condições climcas adequadas, principalmente
ou pacientes submetidas à mastecwmia, uma vez que, se não quando são usados retalhos miocutâneos.
realizada, se perde a oportunidade após a retirada da mama. As técnicas utilizadas são as próteses definitivas, os expan-
A incidência de metástases nos linfonodos axilares no CDIS é sores e os retalhos miocutâneos (músculo grande dorsal ou
de até l %, e os fatores anatomopatológicos mais importantes reto abdominal - TRAM).
no controle local e indicadores de prognóstico do CDIS são a
extensão da lesão, as margens cirúrgicas e o grau histológico. Tratamento conservador
A cirurgia para tratamento dos carcinomas in situ deve ser O tratamento ci rúrgico do câncer de mama evoluiu consi-
oferecida após análise criteriosa de fatores prognóslicos para deravelmente nos últimos anos e no momento há evidência
a recorrência e ampla discussão com a paciente, expondo-se cientifica suficiente d e que as cirurgias conse rvadoras podem
os possiveis riscos de falha do tratamento. ser realizadas com a mesma segurança da mastectomia, com
sobrevicla livre ele doença e sobrevida global equivalentes,
Tratamento radical desde que respeitados os requisitos fundamentais, como:
A mastectomia rad1cal, descrita por Halsted, consiste na ex- • Desejo da paciente.
tirpação em bloco da mama e dos músculos peitorais (maior e • Relação tumor/volume da mama favorável (fundamental para
menor) e no esvaziamento ax1lar completo. o planejamento cirúrg1co e a escolha da melhor incisão).
Patey e Dyson, em 19-18, descreveram a técnica de mastec- • Capacidade de reali.Zllr a ressecção com margens hvres.
tomJa rad1cal mod1ficada, que exurpa\'3 a mama e o músculo • Estádios inic1ais do câncer de mama .
peitoral menor, segumdo-se o esvaziamento axilar. Posterior- • Acesso à radioterapia adJuvante.
mente, a técmca de Pate)' fo1 modificada por ~ladden-Au­
chincloss com reurada da mama e preservação dos músculos As cirurgias consen'adoras são:
peitoraiS e es\'aZtamento ax!lar, seguido ou não da reconstru-
• Tumorectomia: consiste na ressecção total do tumor sem
ção da mama.
a preocupação de se estabelecer margem de segurança.
A mastectomta simples ou total consiste na relirada so-
• Setorectomia ou segmen tectomia: essa técnica cirú rgica
mente da glândula mamána e pode estar associada à biópsia
consiste na remoção de todo o tumor com margens livres
de linfonodo sentinela.
sem ressecção de pele. Quando a borda tumoral nào toca
Em 1991, Toth e Lappen descreveram a mastectomia sub-
a Linta nanquim na peça, considera-se a presença de mar-
cutânea com preservação de pele ou skin-sparing mastectomy,
gens cirúrgicas livres, segundo a Nalional Comprehensive
que consiste na dissecção do retalho cutâneo entre o tecido
Cancer Network (NCCN- 2016), podendo ser associada
subcutâneo e a mama. Trata-se de uma técnica oncologicamen-
à biópsia de linfonodo sentinela. Nos casos de margens
te segura, principalmente em pacientes com tumores Tl/T2,
comprometidas, está indicada a reexcisão para ampliação
tumores multicêntricos, CDIS e em mastectomias redutoras de
de margens. Como em toda ci rurgia conse rvado ra, a radio-
risco. O risco de recidiva local é similar ao da mastectomia radi-
terapia adjuvante faz parte do tratamento.
cal modificada e não retarda terapias adjuvantes. As principais
• Quadrantectom ia: a quadrantectomia consiste na retirada
contrainclicações são o carcinoma inflamatório e o comprome-
elo quadrante mamário onde se localiza o tumor, com mar-
timento cutâneo extenso, e as complicações mais frequentes
gens de segurança, juntamente com boa parte de pele e fás-
são necrose de pele, mfecção, seromas e hematomas.
cia muscular.
No intuito de minimizar a mutilação, a preservação do com-
plexo areolomamilar (CAM) pode ser proposta quando indi- Sempre que possh·el, é recomendável associar o tratamen-
cada a mastectomia. Consiste na mastectomia com preserva- to oncológico a principios estéuco-terapêutícos, presen'llndo
ção do CAM ou nipple-sparing mastectomy. Apresenta maior a imagem e o simbolismo da mama. As contramd1cações à ci-
compleXIdade técmca por utlhzar mcisões menores, o que rurgia consen'adora da mama são: 1mposs1bihdade de realizar
poss1b1ltta resultados estétiCOS melhores. O exame de conge- radioterapia adjU\'ante (radloterapta torácica prévia, gestação);
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J 286 Seção I Ginecologia

doenças vasculares do colágeno, como esclerodermia; relação azul patente ou isossuHano azul é contraind icado durante a
tumor/volume da mama que não possibilita resultado estéti- gestação em virtude do risco de reação anafi lática e da falta de
co aceitável, como nos tumores que ocupam mais de 20% da estudos sobre a terawgenicidade da d roga.
mama; carcinomas multicêntricos; microcalcificações extensas
e d ifusas, além da persistência de margens comprometidas Radioterapia
após ampliação ou alguma característica clínica ou histopatoló- O principal objetivo desse tratamento é o controle locor-
gica que aumente a taxa de recid iva. regional da doença. Todo tratamento conse rvado r deve ser
seguido de radioterapia, e o tempo entre a cirurgia conserva-
Dissecção axilar dora e a radioterapia não deve exceder 16 semanas, quando
A cadeia linfática axilar é a mais acometida po r metásta- não se utiliza a quimioterapia , pois as taxas de recidivas locais
se do cânce r de mama. Menos de 5% a 10% dos linfonodos chegam a 41% contra a de 4% esperada. O boost (dose de re-
acometidos se encontram na cadeia mamária interna. A abor- fo rço) deve ser usado nos casos de tumorecwmia ou naqueles
dagem cirúrgica clássica consiste na ressecção dos linfonodos com comprometimento de margens.
contidos nos níveis 1, 11 e lll da axila e está indicada prin- A radioterapia pós-mastectomia é indicada em tumores
cipalmente nos casos de carcinomas localmente avançados, localmente avançados (>Sem, com infiltração de pele ou
carcinoma inflamatório e axilas clinicamente positivas. No do músculo peitoral, multicêntricos e pouco d iferenciados,
entantO, o exame clínico da axila é bastante impreciso. Es- margens cirúrgicas comprometidas, mais de três linfonodos
tudos mostram que até 30% dos linfonodos considerados acometidos, linfonodos coalescentes e infiltração de cápsula
clinicamente positivos não apresentam metástases ao exame extranodal ou da go rdura axilar).
hiswlógico. A radioterapia paliativa é usada em casos de metástases ós-
As complicações associadas ao procedimento são linfede- seas, cerebrais, massas rewbulbares, conglomerados de linfo-
ma, do r, infecção e lesão nervosa, levando a parestesias e res- nodos, compressão de estruturas (medula óssea) e na cicatri-
trição de movimento do membro supe rior homolateral. zação de lesões ulceradas e sangrantes. Tem, ainda, importante
Biópsia do linfonodo sentinela (BLS) papel no controle da dor nos casos de metástases ósseas.
As complicações atribuídas à radioterapia podem se r agu-
O esvaziamento axilar sem a BLS não mais se j ustifica, ten-
das (em até 90 dias após o início do tratamento) ou crô-
do em vista o decréscimo do tamanho tumoral com o ras-
n icas (após 90 dias). A mais comum é a rad iodermite , ca-
treamento mamográfico, d iminuindo a taxa de pacientes com
racte rizada principalmente po r eritema cutâneo nos casos
axilas comprometidas. Além disso, a metástase linfonodal
leves. Pode evolui r para descamação , ulceração e necrose
passou a ser conside rada fator de mau p rognóstico, não mais
nos casos graves. Fadiga, do r e edema locais são queixas um
dete rminante. As células-tronco tumorais , que são aquelas
pouco menos comuns. O linfedema de memb ro superior é
com capacidade de metástases, estão presentes no tumor pri-
complicação tardia que está mais frequentemente associada
mário independentemente de d isseminação linfática. Assim,
ao esvaziamento axilar, seguido de radioterapia de fossa su-
atualmente, a decisão sobre o tratamento sistêmico está mais
p raclavicular e axila. Podem ser obse rvadas também fibrose
ligada ao padrão genômico e molecular do tumor p rimário do
cutânea e pulmonar, retrações, telangiectasias, esteatonecro-
que ao grau de comprometimento axilar.
se e card iotOxicidade.
A pesquisa de linfonodo sentinela se iniciou a partir da
necessidade de estadiar a axila com o mínimo de morbidade,
tendo como objetivos a identificação e o estudo patológico Quimioterapia
do primei ro linfonodo proveniente da d renagem linfática da A quimioterapia pode ser administrada de maneira adju-
mama. Essa identificação é feita utilizando-se radiofármaco vante, neoadj uvante ou paliativa. Trata-se de uma fase muito
(tecnécio 99m) ou um corante azul vital (isossulfano a 1% ou impo rtante do tratamento do câncer, pois parece se r a princi-
azul patente). Realiza-se estudo h istopatOlógico por meio de pal responsável por afeta r a evolução natural da doença. Hou-
exame de congelação peroperatório ou em parafina e imuno- ve redução da taxa de recidivas e de mo rtalidade.
-hiswquímica. Se esse linfonodo for negativo, pode-se assu-
mir que não há comp rometimento axilar pela doença, tOrnan- Quimioterapia adjuvante
do desnecessário o esvaziamento axilar. A quimioterapia adjuvante é definida como a administra-
Em 1994, essa técnica foi iniciada na maswlogia. O índice ção de agentes citotóxicos realizada após o tratamento ci rúr-
de recorrência axilar após a BLS é comparável ao da linfade- gico primário para o câncer de mama a fim de destrui r ou
nectomia (até 1,4%), sendo por isso o procedimentO de esco- inibir clinicamente as micrometástases.
lha para a maioria dos casos de câncer de mama.
A BLS está indicada em todos os casos de axila clinicamen- Quimioterapia neoadjuvante
te negativa. As contraindicações principais são a axila clinica- A quimiote rapia neoadjuvante é usada antes do procedi-
mente positiva e o carcinoma inflamatório. mento cirúrgico em tumores localmente avançados com vis-
Nos casos de cânce r de mama e gravidez, a BLS deve se r tas a reduzir o volume tumoral , melhorando as condições de
recomendada com a utilização de tecnécio 99m. O uso de operabilidade e tornando possível a realização de cirurgias
\.
r
( I

Capitulo 33 Neoplasias Malignas da Mama 287

maiS conservadoras, avaliar in vivo a sei'IStbthdade do tumor pacientes com câncer, uma vez que os vários subttpos mo-
às drogas e reduzir metástases nodaiS e possh•eiS mtcrometás- leculares do câncer de mama caracterizam comportamentos
tases. Sua principal indicação é nos casos de tumores local- biológicos distintos e identificam alterações especificas, que
mente avançados e inflamatórios. são responsávets pela btologia da doença e podem ser alvo
de estratégias terapêuticas dirigidas. O transtuzumabe, por
Quimioterapia paliativa exemplo, é um anticorpo monoclonal desenvolvido para blo-
A quimioterapia paliativa é indicada para tratar doença quear o receptor ele membrana do HER-2. Está indicado no
com metástase a d istância com o objetivo de aumentar a so- tratamento adjuvante, por 1 ano, em pacientes que superex-
brevida e/ou melhorar a qualidade de vida da paciente. pressam o HER-2.

Hormonoterapia FATORES PROGNÓSTICOS


A hormonoterapia COI'ISiste na uulização de substãnaas que Fatores prognósucos são características da pactente e do
tntbam ou dumnuam a atividade dos hormOmos endógenos próprio tumor que estão relacionadas com a evolução da
sobre a mama, mais especificamente os estrogêmos. Por isso, doença e são utthzados para indicar a terapia adjU\'3nte (Qua-
estâ indicada para as pacientes com tumores receptores hormo- dro 33.6).
nats positivos, podendo ser administrada de maneira adjuvame
ou neoadjuvante. Várias substâncias podem ser usadas: Status axilar
O status axilar é um importante fator prognóstico. A pre-
• SERM (moduladores seleLivos dos receptores ele estrogênio).
se nça de lin fo110dos axilares comprometidos confi rma o po-
• Tamoxifeno, raloxi feno e fulvestranto.
tencial de metastatização do tumor, devendo ser avaliados
• ln ibidores da aromatase (letrozol, anastrozol e exemestano).
os seguintes parãmetros: o núme ro de linfonodos acometi-
A escolha deve basear-se no status menopausa! de cada pa- dos, o nfvel axilar de acometimento, as características das
ctente, devendo ser administrada somente após o término da metastáses (mtcro ou macroinvasão) e a presença de acome-
qutmtoterapia (para tratamento adjuvante). timento extranodal. Quanto maior o número de hnfonodos
Os SEIU-1 podem atuar como agoniStas, antagorustas ou acomeudos, matores os indices de recidiva e menores os de
agomstas/antagonistaS, dependendo do tectdo-alvo em que sobre\~da.
irão agtr. O tamoxifeno, que foi o mais estudado e uulizado,
atua por antagonismo competitivo nos receptores de estro- Tamanho tu moral
genio do tecido mamário e por agon ismo parcial em ossos e O tamanho tu moral está relacionado, normalmente, com o
no endométrio. Esse deito agonista pode levar à prevenção grau de acometimento a.xilar e consiste no fator prognóstico
da desm ine ralizaçào óssea, mas també m pode aumenta r a mais importante quando não há com prometi mento nodal.
inciciC ncia de câncer enclometrial e eventos tromboembó-
licos. O tamoxifeno na dose de 20mgldia por 5 anos, pelo Grau histológíco
menos, tornou-se o padrão-ouro para mulheres com cân- O grau histológico se refere ao grau de d iferenciação das
cer de mama com receptores hormonais posttivos na pré ou células tu morais. Alto grau histológico (grau 3) indica um tu-
pós-menopausa. mor pouco dtferencl3do e, consequememente, de ptor prog-
Os tntbtdores da aromatase (IA) impedem a conversão nóstico.
penférica de androgenio em estrogemo por meto da inibi-
ção enztmáuca da aromatase. Essa conversão penférica re- Índice de proliferação celular (Ki-67)
presenta a principal fonte de estrogenio nas mulheres na Quanto mais alto o fndice de proliferação celular (Kt-67
pós-menopausa, e, já que essa classe de medicamentos age >14%), pior o prognóstico.
exclusivamente em mulheres nas quais não há atividade
ovariana, é fundamental acompanhar a função ovariana
Quadro 33.6 Fatores prognósticos para recidiva d e câncer de mama
(FSH e estradiol) durame o tratamento. Os lA são contrain -
dicados para mulheres na pré-menopausa. O principal dei- Alto rloco Baixo risco
to colateral está relacionado com sintomas osteomusculares, Baixa expressao de receptores Alta expressao de receptores
osteoporese e consequemes fraturas. Portamo, é mdicado hormonais hormonais

o uso de cálcio, vitamina D e, se necessáno, bifosfonatos Grau histológico 3 Grau histológico 1


durante o tratamento. Alto lncfJCe de prolderaçao celular Baixo índice de prOliferação
A hormonoterapia reduz a taxa de rectdt\'ll e de mortali- celular
dade pelo câncer e pre,ine o câncer de mama contralateral. Ouatro ou maiS lonlonodos Ausência de comprome11mento
compromelldos axilar
Terapias-alvo Extensa invasao vascular Ausência de invasao vascular
peritumoral
O objetivo das terapias-alvo é a individualização do diag-
nóstico, da classificação, do prognóstico e do tratamento das Tumores >Sem Tumores <2cm
/.

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J 288 Seção I Ginecologia

Tipo histológico A mastecwmia deve ser considerada para pacientes porta-


Os carcinomas dueLais dos tipos adenocístico, mucinoso, doras de tumores iniciais por possib ilitar a omissão da radio-
tubular, medular e papilífero, quando encontrados em sua te rapia adj uvante na maioria dos casos. Apesar de não haver
forma pura, apresentam melhor prognóstico do que os tu- consenso, a biópsia de linfonodo sentinela durante a gravidez
mores ductais indiferenciados. Já o carcinoma inflamatório pode ser realizada em pacientes com axila clinicamente nega-
representa o subtipo hisLOlógico de pior prognóstico. tiva. Dados recentes evidenciam que parece ser seguro o uso
de tecnécio em doses mínimas, enquanto o uso de azul paten-
Receptores hormonais te não está recomendado. O esvaziamento axilar é indicado
A ausência de receptOres de estrogênio ou progesterona no em caso de axilas clinicamente positivas.
tumor indica pior prognóstico e ausência de resposta também Em pacientes portadoras de tumores localmente avança-
à hormonoterapia. dos, a quimioterapia neoadjuvante pode ser realizada após o
primeiro trimestre, seguida de cirurgia conservadora ou mas-
Oncogenes tecwmia. Quando indicadas, a radioterapia e a reconstrução
mamária devem se r realizadas no pós-parto.
A supe rexpressão do receptor do fatOr de crescimento epi-
No primeiro trimestre, a decisão de manter ou interromper
dérmico tipo 2 (HER-2 ou c-erb-B2) aponta para tumores
a gestação deve ser individualizada. Cabe esclarecer a respeito
potencialmente mais agressivos, sendo identificada por meio
do risco de toxicidade fetal, complicações do tratamento e im-
de imuno-histOquímica e/ou h ibridização in situ por imuno-
plicações na fertilidade futura. De acordo com o NCCN/2016,
fluorescência (FISH). A ativação do HER-2 está presente em
se a decisão for manter a gravidez, a mastecwmia e o estadia-
aproximadamente 20% a 30% dos carcinomas primários da
menta axilar devem ser indicados. Já no segundo e terceiro tri-
mama.
mestres, devem ser indicados a mastectomia ou cirurgia con-
servadora e o estadiamento axilar.
Idade
A amamentação deve ser evitada durante a quimioterapia
Pacientes j ovens, com menos de 35 anos, apresentam tu-
e a hormonoterapia. No entanto, parece ser segura e viável
mores mais agressivos e com características biológicas piores
especialmente na mama contralateral com o aconselhamento
(receptOres hormonais negativos, maior invasão angiolinfáti-
adequado.
ca e alto grau histOlógico).
Recomenda-se que, após o tratamento, sejam aguardados
Nos casos em que existe dúvida sobre o provável benefício
pelo menos 2 anos para uma nova gravidez. A fertilidade
da quimioterapia, a análise de expressão multigênica (On-
pode ser prejudicada pela quimioterapia, e as estratégias de
cotype/lvlammaprint) e o uso de ferramentaS de cálculo de preservação da fertilidade devem ser oferecidas antes do iní-
risco são métodos que podem auxiliar a decisão terapêutica e
cio da terapia sistêmica. Atualmente é sabido que o câncer
estimar os riscos de recidiva da doença em lO anos. de mama diagnosticado no puerpé rio apresenta prognóstico
mais reservado.
CÂNCER DE MAMA NA GRAVIDEZ E NA LACTAÇÃO
O câncer de mama pode se r d iagnosticado simultaneamen- DOENÇA DE PAGET
te ou em até l ano após a gestação. A média de idade ao apa- A doença de Paget da mama, condição pouco frequente, re-
recimento é de 35 anos. A incidência varia entre l% e 3% dos presentando O, 7% a 4% de todos os cânceres de mama, apresen-
casos da população em geral e 0,03% de todas as gestações, ta-se como alteração mamilar unilateral, podendo variar desde
sendo, portanto, a segunda neoplasia mais frequente durante uma pequena vesícula recorrente a uma lesão ulcerada granu-
a gravidez (o câncer uterino é a primeira). O comportamento lomatosa, mostrando-se mais frequentemente (62%) como uma
b iológico do tumor na gravidez é idêntico aos de tumores crosta eczematoide com erosões escamosas e derrame papilar
de mulheres na pré-menopausa não grávidas. As alterações serossanguinolento. Algumas pacientes se queixam também de
hormonais fisiológicas da gravidez, que durante muitO tempo prurido, queimação e hipersensibilidade. A lesão se inicia no
foram associadas a maior agressividade tumoral, não estão d i- mamilo, progredindo para a aréola, mas raramente acomete a
retamente relacionadas com a doença. pele adjacente da mama, sendo quase sempre acompanhada por
Em muitos casos, o d iagnóstico é estabelecido em fases mais um câncer subjacente, invasivo ou in situ. Em 60% das pacien-
avançadas da doença, possivelmente em razão da dificulda- tes se identifica um nódulo palpável. Na maioria daquelas sem
de de avaliação das mamas durante a gravidez e a lactação, massas palpáveis observam-se achados radiológicos, como mi-
seja por meio do exame clinico ou por método de imagem. A crocalcificações, densidades nodulares, espessamento areolar ou
punção por agulha fina ou core biopsy e a ecografta são armas distorções arquiteturais.
importantes na investigação. O diagnóstico diferencial deve ser feito com dermatite
A gravidez associada ao câncer da mama representa um de contato, eczema do mamilo, melanoma amelanótico,
grande desafio para o médico. Como nas pacientes não grá- papilomawse ductal subareolar, carcinoma basocelular, pa-
vidas, o tratamento é fundamentalmente cirúrgico, e a opção piloma intraductal e ectasia ductal. A conduta in icial deve
por tratamento conservador ou mastectomia deve levar em consistir em cuidadosa análise do exame mamográfico para
consideração a necessidade e o momento da adjuvância. identificação de outras áreas de acometimento na mama. O
r
((

Capitulo 33 Neoplasias Malignas da Mama 289

tratamento padrão tem sido a mastectom•a simples, sem es- Got ursch A, Wood WC, Hans JS. Meeting highfoghts: ln1ernatoonal
consensus pane! on lhe treatment of primary breast cancer. J Nat
vaziamento axilar, pois [requentemente se trata de CIS. En-
Cancer lnst 1995, 19. 1441.
tretanto, na presença de im ·asão, reahza-se a mastectomia Loibl S, von M ickwotz G , Gwyn K et ai. Breast carconoma during preg-
radical mod ificada. Quan do a doença está confinada ao ma- nancy. lnternational recommend ations from an expert meeting .
mil o, o tratamento co nservador e a radioterapia adjuvame Cancer 2006; 106(2):237-46.
Moran MS, Schnitt SJ, Giuhano AE et ai. Society of Surg ical Oncolo-
podem se r ind icados. Se a opção ror pela conservação da
gy-American Society for Radiation Oncotogy consensus guideline
mama, o pa rênq uima subjacente ao com plexo a reolomami- on rnargins for breast-conserving surgery with whole-breast irra-
lar deve ser ressecado. d ialion in slages I and 11 invasive breast canc er. J Clin Oncol2014
May 10; 32( 14): 1507- 15.
Leitura complementar Morrow M, Strom EA, Basset LW et ai. Stand ard for the management
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Antonoou A, Pharoah PD, Narod S et ai. Average nsks of breast and 2002. 52:256-76.
ovanan cancer associated with BRCA 1 or BRCA2 rrutatoons de- National Comprehensove Gancer Network (NCCN). NCCN Clinocal
tected on case Series unselected for farnoly hoStOfY: a comb1ned practoce QUidehnes on oncology. Disponível em: httpJtwww.nccn.
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proliferative breast d isease. N Engl J Med 1985: 312:146. Treat 2011; 127: 251·7.
CAPÍTULO

Corrimento Vaginal
Eduardo Cunha da Fonseca
Victoria Moreira Fernandes
João Oscar de Almeida Falcdo Jtínior

INTRODUÇÃO VAGINOSE
O cornmento vaginal é uma das principais doenças gmeco- Etiopatogenia
lógtcas, sendo o moli,-o de aproximadamente 30% das consul-
A vaginose é a prinapal causa de corrimento vagmal e se
taS gmecológtcas rotineiras e por número ainda mator de con-
trata de uma slndrome cllntca polimicrobiana caracterizada
sultaS em sef\~Ços de atendimento ginecológtco de urgência.
Os três llpos de corrimento '-aginal patológtcos maiS comuns pela diminutção da quanudade e qualidade dos lactobacilos
e pelo aumento stgmlicali\'O de bactérias patogêmcas. Era co-
são ,-agmose bacteriana, candidíase vaginal e tncomonlase,
ressaltando-se que grande pane das mulheres apresentará ao nhecida como vagimte mespeclftca até 1955, quando Gard-
menos um episódio durante sua vida. ner isolou o Haemophilus vaginalis e passou a considerá-lo o
O corrimento vaginal é ao mesmo tempo um sintoma re- causador da doe nça. Posterionnente o Haemophilus vaginalis
ferido pela paciente e um sinal percebido ao exame flsico. foi batizado como Gardnerella vaginalis em sua homenagem.
Frequentememe oco rre d isparidade entre a queixa e o achado Na microbiota vaginal normal coexistem bacté rias aeróbi-
objetivo. Mulheres com relatos de corrimentos profusos po- cas e anaeróbicas, ressa ltando-se que os lactobacilos corres-
dem apresentar apenas secreção fisiológica, enquanto outras pondem a 95% das bactérias presentes, sendo por isso os mi-
pacientes sem queixas apresentam alterações tmportantes ao crorganismos predominantes (Quadro 34.1). Os lactobactlos,
exame flsico, sendo imponame a obtenção da htstória cllni- também chamados de bactlos de Dõderleín, produzem âctdo
ca completa com informações sobre componamento sexual, lático, que mantém áctdo o pH ,-aginal e inibe o crescimen-
ciclos menstruaiS, métodos anticoncepcionaiS, uuhzação de to de vários patógenos. Os lactobacilos também atuam sobre
duchas vaganats, doenças sistêmicas (diabetes, uso de tmu- outros microrgamsmos por meio da produção de peróxtdo de
nossupressores ou infecção pelo víniS da imunodeficiência hidrogênio, bactenocmas e probióticos.
humana !HIV] e tratamentos prévios !drogas, doses, falta de Inicialmente, esses lactobacilos foram chamados de Lac-
resposta ou recidivas]). É também imprescindlvel exame fl- tobacillus aciclophílus, mas posteriormente se descobriu que
sico cuidadoso, incluindo, sempre que possível, exame es- se tratava de grupo heterogêneo de espécies (Quadro 34.2),
pecular. sendo a grande maioria das mulheres colonizada por ape nas
O corrimento vaginal é uma patOlogia um pouco neglicen- uma ou d uas espécies. A capacidade de prod uzir peróxido de
ciada, pois o tratamemo é s imples e muito efetivo na maior hidrogênio varia muito entre as espécies, sendo o Lactobacillus
pane dos casos. Emretanto, quando ocorrem falhas de res- crispatus e o Lactobacillusjensenii os maiores produtores, e sua
posta ou recidivas, é criada uma frustração enonne nos médi- presença parece proteger contra o aparecimento da vagmose
cos e nas pacientes. Além disso, é comum a assoctação a altos bacteriana. Já a presença do Lactobacillus iners, que tem me-
graus de anstedade em relação ã gra'~dade do quadro e à pos- nor capactdade de produztr o peróxido de hidrogi!mo, está
stbthdade de contágto sexual, o que aumenta a dtmensão do associada a matares taxas da doença (Quadro 3-t .2).
processo com tmphcações nos âmbitos emoctonal, familiar e As principais bacténas em·olvidas na vaginose bacteriana
sexual. Desse modo, o profissional deve oferecer acolhimento são Gardnerella vaginalis, Prevotella sp., Bacteroides sp .. Mobilun-
de modo a promover a escuta e esclarecer todos os aspectos cus sp., Atopobium vaginae, Ureaplasma sp. e Mycoplasma sp.,
envolvidos. entre outras. Esses microrganismos acarretam aumento d iscre-
290
r
((

Capitulo 34 Corrimento Vaginal 291

Quadro 34.1 Componentes da mcrobiota vagtnalno<m&l ça associada à auvtdade sexual, embora não seJa cortStderada
Lacrob8c•Hus sp.
urna doença sexualmente trartSmissh·el (DST). No trabalho
clássico de Gardner foram inoculados isolados de culturas de
Sraphyfoccccus aureus
Gardnerdla vaginalis em 13 voluntárias e apenas uma apre-
Sraphytoccccus epidermidis sentou a doença. Quando foram inoculados extratos de se-
Streptococcus sp. (inclusive grupo B) creção vagi nal de portadoras de vaginose baCLeriana, houve o
Enterococcus taecalis contágio em l L das 15 voluntárias, o que torna posslvel in-
Corynebacrerium sp.
ferir um sinergismo entre a Gardnerella vaginalis e outros mi -
crorganismos para o aparecimento d esse corrimento vaginal.
Escherichia co/i
A vaginose bacteriana em mulheres não grãVldas está asso-
Kteosietta sp. ciada a várias comphcações, como aumento do risco de aqut-
Pseudomonas sp. sição da doença mfiamatória péh~ca. infecções pós-operató-
Candtclasp. rias e aumento das taxas de infecção pelo HIV Já as gestantes
Toru/opSIS gtat:Jrara
se encontram sob mator nsco de várias complicações, como
abono, mfecções pós-abono, prernaturidade, ammorrexe
Mycoptasma llominis
prematura, conoamnionite, endometrite pós-parto e infec-
Peptostreprococcus sp. ções de parede pós-cesárea.
Peptococcus sp.
Bacteroides sp. Diagnóstico
Fusot:Jacterium sp. A vaginose bacteriana, o corrimento vaginal mais frequen-
Prevotetta t:Jivia
te , se caracteriza pela presença de corrimento homogeneo,
fino, branco-acinzentado com microbolhas e não aderente às
Prevoretta disiens
paredes vaginats (Figura 34 .l). Os sintomas mfiamatónos,
Gardneretta vaginalis como dtSúria, dtspareunia, edema vaginal e \'Uivar, prurido
MoOiiuncus sp. e imtação \'Uh'3r, são menos frequentes. A presença de odor
CIOstrtdiUITI sp. fétido, semelhante a "petxe podre", é uma caracterfsuca que
Actlll0t7l)'Ces
decorre da produção de aminas (cada,·erinas e putrescinas).
Esse odor costuma exacerbar-se após o coito, poiS o semen
tem pH bástco que propicia a volatilização dessas am mas.
Quadro 34.2 Espécies de lactobacilos O diagnóstico clinico se baseia na presença de tres dos
Lacrot:Jacíllus acidophitus quatro critérios de Amsel (Quadro 34.3). A con fecção de uma
lâmina , utilizando a coloração pelo Gram e interpretada pelos
Lacrooacíllus amylofyticus
c rité rios de Nugent, é cortSiderada o padrão-ouro para o d iag-
Lacrob8ctltus amytovorus nóstico (Quad ro 34.4).
Lacrot:Jactltus clisparus A cultura de secreção vaginal não deve ser reahzada por ser
pouco especifica. Como as bactérias envolvidas podem paru-
Lactobacdlus gaJJinarium
cipar da mtcrobtota vagmal normal, a presença de Gardnerella
Lactob8ctllus gassed vaginalis e de outras bactérias em uma cultura não stgmfica
Laclobacnlus iners
que a paciente tenha vagmose bacteriana.

Lacrobactllus jensenii

Lacrobactllus joflnsoni
Fcnro: t.amon1 RF. BJOG. 2011.

to dos leucócitos e a liberação de citocinas, prostaglandinas e


enzimas llticas. Como os sintomas infiamatórios são discretos
e os agentes causais são múltiplos, a denommac;ão vaginite por
Gardnerdla vaginalis foi abandonada em prol da vagmose bac-
tenana.
Vános fatores componamentats aumentam o nsco de
aqutstc;ão da doença, como múltiplos parcetros (de qualquer
sexo), novo parceiro sexual, maior frequencta de relações se-
xuaiS, raça negra, tabagismo, uso de duchas vaginais e não
utilização de preservativos. Já as mulheres vi rgens são rara-
mente afetadas, sendo possível concluir que se trata de doe n- Figura 34.1 Vaginose bacteriana.
/.

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J 292 Seção I Ginecologia

Quadro 34.3 Critérios de Amsel (SOGC, 20 15) chegando a 30% em 3 meses, resultado nada surpreenden-
Corrimento vaginal homogêneo, fino, branco-acinzentado, com
te, pois se trata de infecção polimicrobiana. A presença de
microbolhas e não aderente às paredes vaginais Atopobium vaginae e a produção de biofilme parecem estar
pH vaginal >4.5 associadas ao aumento das recidivas.
Odor vaginal característico ("peixe podre") antes ou depois da Os esquemas de tratamento de dose única têm sido aban-
adição de uma gota de hidróxido de potássio (KOH) a 10% à donados por apresentarem maior recorrência do que os es-
secreção vaginal. Também é conhecido como whiff test
quemas mais longos. Durante o tratamento, as pacientes de-
Presença de células indicadoras (células vaginais serrilhadas cujo
citoplasma está recoberto pela microbiota anaeróbia; também
vem abster-se de atividade sexual ou utilizar preservativos.
conhecidas como células-pista ou células-guia ou c/ue ce//s) em O uso de lactobacilos, probióticos ou vitamina C para res-
exame microscópico "a fresco" taurar a microbiota normal é uma abordagem lógica, porém
ainda carente de estudos conclusivos. Alguns estudos mos-
Quadro 34.4 Critérios de Nugent (SOGC, 2015) traram bons resultados, mas com limitações metOdológicas,
como o seguimento apenas pelos critérios de Amsel e pelo
Escore Lsctobsc/1/us Gsrdnere/ls e Bacilos curvos
e gram-varlével s
período de apenas 20 dias. A grande variedade e diversidade
bacteroldes
entre os lactObacilos sugere que novos estudos devam ser
o 4+ o o realizados e centrados nas espécies mais prevalentes na va-
1 3+ 1+ 1+ ou 2+
gina e com maior capacidade de produção de peróxido de
2 2+ 2+ 3+ OU4+
h idrogênio.
3 1+ 3+
4 o 4+ Seguimento
Interpretaçã o: Não é necessária consulta de seguimento quando ocorre a
Nota de Oa 3: nOf'mal: nota de 4 a 7: intermediário: nota> 7: diagnóstico de vaginose
bacteriana. cura dos sintomas.

Abordagem do parceiro
A citologia oncólica apresenta baixas sensibilidade e es-
pecificidade e, embora seja capaz de identificar as células in- O tratamento do parce iro não aumenta as taxas de cura
dicadoras, sua significãncia clínica vai depende r da presença e/ou recorrência, não devendo ser realizado rotineiramente.
de outros critérios d iagnósticos. Na ausência de sintomas e
Associação vaginose-HIV
mesmo com a presença de células indicadoras de Gardnerella
vaginalis, não há indicação de tratamento. O tratamento da vaginose bacteriana em paciente infectada
Alguns testes que detectam o DNA bacteriano de manei- pelo HIV não difere dos esquemas habituais.
ra quantitativa, por meio da reação em cadeia de polimerase
(PCR), estão sendo desenvolvidos e parecem alcançar altos
Alergia e efeitos adversos
índices de valores prediLivos negativo e positivo, mas ainda A associação de álcool aos imidazólicos pode produzir reação
precisam ser validados. alérgica intensa (dissulfiram-like), sendo fundamental alertar as
pacientes quanto a esse risco. A abstenção do álcool é preconi-
Tratamento e seguimento zada por 24 horas após o fim do tratamento com metronidazol
e 72 horas após o tratamento com o Linidazol. Na presença de
Tratamento alergia aos imidazólicos deve-se optar pela clindamicina, e em
O tratamento está indicado para alívio dos sintomas e caso de intolerância aos imidazólicos orais é aceitável o uso de
também apresenta o benefício adicional de reduzir o risco de metronidazol intravaginal. O creme vaginal de c\indamicina a
contágio por outras DST (Quadros 34.5 e 34 6). Todos os 2% pode causar enfraquecimento de preservativos e diafrag-
esquemas escolhidos cursam com altas taxas de recorrência, mas e deve ser informado às pacientes em tratamento.

Quadro 34.5 Esquemas de tratamento para vaginose bacteriana Gravidez e lactação


(CDC, 2015)
As gestantes sintomáticas devem ser tratadas para alívio
MetronidazoiSOOmg VOa cada 12h por 7 dias dos sintomas (Quadro 34. 7).
Metronidazol gel 0,75%. 1 aplicador (5g) intravaginal durante 5 noites
Clindamicina creme 2%, 1 aplicador (5g) intravaginal durante 7 noites
Quadro 34.7 Esquemas de tratamento para vaginose bacteriana na
gestação (CDC, 2015)
Quadro 34.6 Esquemas alternativos de tratamento para vaginose
Metronidazol 500mg VO, a cada 12h por 7 dias
bact&iana (CDC. 2015)
Metronidazol gel 0.75%, 1 aplicador (5g) intravaginal durante 5 noites
Tinidazol 2g VO, 1 vez ao dia por 2 dias Metronidazol 250mg VO, a cada Bh por 7 dias
Tinidazol 2g VO, 1 vez ao dia por 5 dias Clindamicina creme 2%. 1 aplicador (5g) intravaginal durante 7 noites
Clindamicina 300mg VO. a cada 12h por 7 dias Clindamicina 300mg VO, a cada 12h por 7 dias
Clindamicina óvulos de 1OOmg intravaginal durante 3 noites Clindamicina óvulos de 100mg intravaginal durante 3 noites
r
((

Capítulo 34 Corrimenlo Vaginal 293

O tratamento de gestantes assmtomáucas, tanto de alto como CANDIDÍASE


de baixo risco para prematutidade, apresenta resultados diver-
Etiopatogenia
gentes nas taxas de parto prematuro. Como o bendfcio do
rastreamento e do tratamento da ,·agmose em gestantes assin- A candidlase é uma doença tão comum que se esuma que
tomáucas não foi estabelectdo, não há mdtcação para tal. O 75% das mulheres apresentarão ao menos um episódto du-
tratamento na gestação pode ser reahzado de maneira sistêmi- rante sua vida. Segunda causa maLS comum de cornmemo
ca ou tóptca com resultados semelhantes. vaginal, está associada a gestação, uso recente de anllbtóucos,
Tanto o metronidazol como a chndamtctrta são seguros rta corticoides, contraceptivos hormonaLS combmados, dtabetes,
gestação (categotia B do FDA), não apresentando teratogeni- estresse e imunossupressão.
cidade em uma séne de metanáhses. Já o uso de únidazol e As \'á tias espéctes de Candida podem ser encontradas colo-
secnidazol não foi tão estudado e deve ser evitado na gravidez nizando a vagina e o reto, causando doença apenas de manei-
e na lactação. ra oportunista. A mator parte dos casos sintomáticos é causa-
O metronidazol era tradicionalmente evitado durante a da pela Cnndida albicans, mas outras espécies, como Candida
lactação, mas recentes estudos mostraram que, em doses ha- glabrata e Cnndida tropicalis, estão aumentando de incidência.
bituais, a concentração no leite é mlnima e parece ser seguro O quadro clinico se caracteriza por prurido, queimação
em inúmeros casos. vu lvovaginal, edema e escotiaçOes vulvares, disúria e dispa-
reunia superficial associados a secreção espessa, em grumos,
Vaginose recorrente brancacenta, inodora e aderente às paredes vaginais. Os sin-
As recidivas após tratamento da vaginose bacte riana são tomas são mais frequentes no perlodo pré-menstrual.
frequentes e desalentadoras para médicos e pacientes, atin-
gi ndo 30% e 50% em 3 e 12 meses, respectivamente. Estudos Diagnóstico
recentes utilizando a PCR para detecção de DNA bacte riano
O quadro clínico e o exame a fresco são suriciemes na
sugerem que a presença do Atopobium vaginae estatia asso-
maioria dos casos. No exame a fresco deve-se acrescentar
ciada a recidivas, pois são germes resistentes a imidazólicos,
uma gota de hidróxido de potássio (KOH) para dissolução
embora sensfveis à clindamtcina.
A mudança dos esquemas de tratamento, esquemas su- de hemácias, leucócitos e células epiteltais, facilitando a
pressivos (Quadro 34.8), a associação a outros antibióticos identificação de longas fibras e micéltos, !I picos da infecção
(secnidazol , uanfemcol, azttromtcina, doxiciclirta) e o trata- fúngica.
mento do parceiro são as opções uuhzadas, embora de eficá- A citologia oncóuca apresenta batxas sensibiltdade e es-
cia duvtdosa. pecificidade, não devendo ser utilizada para dtagnoslicar ou
excluir a presença de candtdlase vagmal.
Pontos críticos
A vagmose bactenana é uma doença poltmtcrobiana cujo Tratamento e seguimento
diagnósuco clinico se lastreta na presença de três dos quatrO Tratamento
ctitérios de Amsel {veja o Quadro 34.3). O dtagnóslico labo- Várias medicações anttfúngtcas podem ser utilLZadas para
ratorial se uuliza de uma lâmina corada pelo Grame interpre- o tratamento da candidlase vaginal, devendo-se optar pores-
tada pelos critérios de Nugent ( vep o Quadro 34.4), e a cultu-
quemas curtos de tratamento para maior adesão ao tratamen-
ra de secreção vagmal e a cnologta oncótica não são úteis para
to (Quadro 34.9). A via de admmistração, oral ou tópica, não
o diagnóstico. Já o tratamento em esquemas de dose única
modifica os resultados.
apresenta maiores taxas de recorrência, devendo ser pretendo
O uso da nistati na tem sido abandonado em razão dos pio-
em favor do tratamento por 7 dias.
res resultados e da menor adesão ao incOmodo esquema po-
As medicações mais utilizadas são metronidazol, clindami-
cina e ti nidazol, enquanto as terapias alternativas (lactobaci- sológico (7 a 14 d ias de tratamento). Além das opções listadas
los, probióticos e vitamina C) não têm eficácia documentada. no Quadro 34.9, existem vários outros fármacos dispon lveis
no mercado b rasi lei ro, como isoconazol , fenticonazol, ceto-
conazol e itraconazol.
Quadro 34.8 Esquemas de tratamento supressivo para vaginose As associações de antifúngico com conicoide fornecem rá-
bacteriana recorrente (CDC, 2015)
pido alívio da sintomatologia vulvar, mas não tratam a infec-
Qualquer regime convencoonal seguido de metronidazol gel O, 75%, ção vaginal. Portanto, se utilizadas, devem ser associadas a
1 aplicador (5g) tnuavaginal 2 noites por semana por 4 a 6 semanas outros esquemas terapeuticos. Seu uso pode piorar muito as
Meuonidazol 500mg VO, a cada 12h por 7 dias. seguido de 1 óvulo infecções pelo herpes genital, Lendo, por esse motivo, de ser
de ácido bórico. 600mg por n01te durante 21 noites. seguido por
meuonidazol gelO. 75%, 1 apliCador (5g) tnl!avagtnal 2 noites por afastado esse diagnóstico antes do inlcto de sua utilização.
semana por 4 a 6 semanas
Qualquer regime oonvenctonal seguido de admimstraçâo mensal Seguimento
de meuonidazol 2g VQ, dose untea. e fluconazol. 150mg VQ, ~ào é necessãna consulta de segutmento quando ocorre a
dose úniCa
cura dos sintomas.
/.

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J 294 Seção I Ginecologia

Quadro 34.9 Esquemas de tratamento para candidfase (CDC. 2015) Quadro 34.1 O Esquema de tratamento para candidíase recorrente
(CDC. 2015)
Butoconazol creme a 2%. 1 aplicador (5g) intravaginal. dose única
Terconazol creme a 0.4%, 1 aplicador (5g) intravaginal por 7 noites Após tratamento do quadro agudo - > Ruconazol 100, 150 ou 200mg
Terconazol creme a 0.8%, 1 aplicador (5g) intravaginal por 3 noites VO. em dose única semanal por 6 meses
Terconazol SOmg supositório vaginal, 1 unidade intravaginal por
3 noites
Clotrimazol creme a 1%, 1 aplicador (5g) intravaginal por Após a interrupção do tratamento antifúngico de manu-
7 a 14 noites
Clotrimazol creme a 2%, 1 aplicador (5g) intravaginal por 3 noites
tenção, as taxas de recorrência variam de 30% a 50%, e na
Miconazol creme a 2%. 1 aplicador (5g) intravaginal por 7 noites
candidíase recorrente o tratamento do parceiro é adotado por
Miconazol creme a 4%. 1 aplicador (5g) intravaginal por 3 noites vários médicos, embora de mane ira empírica e sem compro-
Miconazol 100mg supositório vaginal. 1 unidade intravaginal por vação de menor taxa de recidivas.
7 noites
Miconazol 200mg supositório vaginal. 1 unidade intravaginal por Espécies não albicans
3 noites
Miconazol 1.200mg supositório vaginal, 1 unidade intravaginal por
As espécies não al.bicans não respondem bem aos esquemas
1 noite padrões, especialmente ao fluconazol, devendo-se optar por
Tooconazol creme a 6,5%, 1 aplicador (5g) intravaginal, dose única esquemas mais prolongados (7 a 14 dias), pois é pior a res-
Ruconazol 150mg VO. dose única posta aos esquemas curtos.
As recorrêncías podem se r abordadas com ácido bórico
(cápsulas de 600mgldia, por 14 dias), anfotericina B (supo-
Abordagem do parceiro sitórios, SOmgldia, por 14 dias) ou ainda nistatina (supositó-
O tratamento do parceiro não está ind icado rotineiramen- rios, lOO.OOOUUdia, por 3 a 6 meses).
te, exceto nos raros casos de balanite.
Pontos críti cos
Associação candidíase vaginal-H/V ou outras O diagnóstico da candidíase se baseia no quadro clínico e no
imunossupressões exame a fresco. A realização de cultura vaginal pode ser útil em
As pacientes HIV-positivas estão mais sujeitas a apresentar casos de candidíase recidivante. Os tratamentos, oral ou local,
candidíase vaginal, bem como infecções por espécies de Can- em esquemas de cunos tratamentos (1 a 3 días) são preferidos
dida não albicans. O tratamentO da candidíase em pacientes e apresentam resultados semelhantes, estando indicado o trata-
imunossuprimidas deve ser realizado com a utilização de es- mento supressivo nos casos de candidíase recidivante.
quemas de duração mais prolongada (7 a 14 días).
TRICOMONÍASE
Alergia e efeitos adversos
O tratamento oral pode ocasionar náuseas, dor abdominal, Etiopatogenia
cefale ia e, raramente, elevação transitória das transaminases O Trichomonas vaginalis é um protozoário anaeróbio que
hepáticas, enquanto o tratamento tópico pode causar ardên- infecta preferencialmente o tratO genital humano. A trico-
cia e irritação locais. Além disso, as drogas de uso vaginal po- moníase está associada a aumento das taxas de infecção pelo
dem causar enfraquecimento dos preservativos e diafragmas, vírus da imunodeficiência humana, ruptura prematura das
o que deve ser informado às pacientes em tratamento. membranas e prematuridade.
Aproximadamente 70% a 85% das pessoas infectadas são
Gravidez e lactação portadores assintomáticos e podem transmitir a doença aos
São preferidos os esquemas de uso tópico, já que o trata- parceiros sexuais. Os homens sintomáticos apresentam ure-
mento oral está contraindicado na gestação. trite, d isúria e secreção uretra! mucopurulenta, e as mulhe-
res, um corrimento verde-amarelado, abundante, espumoso
Candidíase recidivante e malcheiroso (Figura 34.2), estando associados sintomas
A candidíase recorrente (quatro ou mais episódios ao ano) inflamatórios intensos, como prurido e irritação vulvares, di-
atinge cerca de 5% das mulheres. A realização de urna cultura súria, dispareunia e colpite focal (colo em morango ou teste
pode ser útil para avaliar a presença de espécies não albicans, de Schiller em pele de onça).
que são encontradas em 10% a 20% das candidíases recorrentes.
Deve-se tratar o episódio agudo com agentes tópicos por 7 Diagnóstico
a 14 dias ou com fluconazol via oral nos dias 1, 4 e 7. Após a A associação do quadro clínico ao exame a fresco é a fer-
remissão dos sintomas, deve-se utilizar tratamento antifúngi- ramenta mais utilizada para o d iagnóstico da tricomoníase.
co de manutenção. O fluconazol oral (100, 150 ou 200mg) O exame a fresco é barato e de fácil execução, mas apresen-
em dose única semanal por 6 meses é o tratamento de ma- ta baixa sensibilidade (51% a 65%) Convém lembrar que a
nutenção (Quadro 34.10). Esquemas utilizando tratamento sensibilidade do exame a fresco vai caindo com o passar do
tópico intermitente (dose única mensal no período pré-mens- tempo, e o ideal é avaliar a amostra em até 10 minutOs após
trual) por 6 meses também são efetivos. sua coleta.
r
((

Capítulo 34 Corrimento Vaginal 295

Associação tricomoníase/HIV
O tratamento da tricomoníase em paciente infectada pelo
HIV ap resenta melho res taxas de sucesso do que os esquemas
em dose única (Quad ro 34 12).

Alergia e efeitos adversos


A associação entre álcool e imidazólicos pode p roduzir
reação alérgica intensa (dissulfiram-like), sendo fundamental
alertar as pacientes quanto a esse risco. A abstenção do álcool
é p reconizada por 24 ho ras após o fim do tratamento com
metronidazol e 72 horas após o tratamento com o tinidazol.
Como os imidazólicos são as únicas medicações efetivas
contra o Trichomonas vaginalis, na presença de alergia aos imi-
dazólicos deve-se optar pela dessensibilização.

Gravidez e lactação
As gestantes sintomáticas devem ser tratadas para alívio
dos sintomas (Quad ro 34.13).
O benefício do tratamento de gestantes assintomáticas não
Figura 34.2 Tricomoniase.
foi estabelecido, exceto em gestantes HIV-positivas, por apre-
sentarem maior taxa de transmissão ve rtical.
Se necessário, pode ser realizada cultura, que apresenta O uso do metronidazol é segu ro na gestação (categoria B),
sensibilidade de 75% a 96% e especificidade de 100% para não apresentando terawgenicidade em uma série de metaná-
sua confi rmação. lises. Já o uso de tinidazol não foi tão estudado , devendo se r
Ocasionalmente o Trichomonas vaginalis é detectado no exa- evitado na gravidez e na lactação.
me citOlógico, mas podem ocorrer falso-positivos e falso-nega- O metronidazol em doses habituais é segregado em doses
tivos, o que inviabiliza sua utilização com esse propósito. mínimas no leite, parecendo segu ro em várias séries de caso.
Vários testes de amplificação de ácidos nuc\eicos do Tricho-
monas vaginalis fo ram ap rovados pelo FDA e demonstraram Tricomoníase recorrente
altos índices de sensibilidade e especificidade. Infelizmente, A resistência do Trichomonas vaginalis é de 5% ao metroni-
esses testes apresentam custo elevado e não estão d isponíve is dazol e de 1% ao tinidazol. No caso de resistência, opta-se por
no Brasil. esquemas mais prolongados de tratamento (Quadro 34.14).

Tratamento e seguimento Pontos críticos


Tratamento O diagnóstico da tricomoníase se fundamenta no qua-
O tratamento tem por base o uso de imidazólicos em dose dro clínico e no exame a fresco. Excepcionalmente pode se r
única por via oral e ap resenta altaS taxas de sucesso (Quadro necessária a realização de cultura vaginal e/ou de testes de
34.11). O tratamento tópico não proporciona níveis te rapéu-
ticos na uretra e nas glândulas parauretrais, não devendo ser Quadro 34.12 Esquema alternativo de tratamento para lticomonlase em
utilizado. Durante o tratamento, as pacientes devem abste r-se paciente HIV-positiva- CDC, 2015

de atividade sexual. Metronidazol 500mg VO. a cada 12h por 7 dias

Seguimento
Em virtude de as taxas de reinfecção chegarem a 17%, su- Quadro 34.13 Esquemas de tratamento para tricomoníase na gestação
(CDC, 2015)
ge re-se a reavaliação das pacientes em 3 meses, independen-
temente do tratamento do parceiro. Metronidazol 2g VO, dose única

Abordagem do parceiro
O tratamento empírico do parce iro está indicado, o que Quadro 34.14 Esquema de tratamento para tricomoníase resistente
(CDC, 2015)
leva ao aumento das taxas de cura.
Metronidazol500mg VO, a cada 12h por 7 dias
Metronidazol 2g VO. dose única diária por 7 dias
Quadro 34.11 Esquema de uatamento para tricomoníase (CDC, 2015)
Tinidazol 2g VO. dose única diária por 7 dias
Metronidazol 2g VO, dose única Tinidazol 2 a 3g VO. dose única diária por 14 dias. associado ao
Tinidazol 2g VO, dose única tinidazol creme vaginal
/.

'
'/
J 296 Seção I Ginecologia

amplificação de ácidos nucleicos do Trichomonas vaginalis. O Kennedy MA, Sobel J. Vulvovaginal candid iasis caused by non al-
bicans Candida species: new insights. Curr lnfect Ois Rep 2010;
tratamento concomitante do parceiro é mandatório, podendo
12:465-70.
se r realizado independentemente de exames diagnósticos. Kirkcaldy RO, Augostini P Asbel LE et ai. Trichomonas vaginalis an-
Os esquemas de tratamento com metronidazol ou tinida- timicrobial drug resistance in 6 US cities, STO Surveillance Net-
zol em dose única são bastante eficazes. work, 2009-2010. Emerg lnfect Ois 2012; 18:939-43.
Koss CA, Baras OC, Lane SO et ai. lnvestigation of metronidazole
use during pregnancy and adverse birth outcome. Antimicrob
MENSAGENS-CHAVE Agents Chemother 2012; 56:4800-5.
• A citologia oncótica não deve ser utilizada para diagnóstico Lamont RF, Sobel JO, Akins RA et ai. The vaginal microbiome: new
de corrimentos vaginais. information about genital tract flora using molecular based tech-
niques. BJOG 2011 abril; 118(5):533-49.
• O tratamento rotineiro do parceiro só está indicado nos
Mehta SO. Systematic review of randomized trials of treatment of
casos de corrimentos vaginais causados pela tricomoníase. male sexual partners for improved bacterial vaginal outcomes in
• O d iagnóstico de vaginose bacteriana pode ser clínico, pe- women. Sex Trans Ois 2012; 39:822-30.
los critérios de Amsel, ou laboratorial , pelos de Nugent. Nugent RP, Krohn MA, Hillier SL. Reliability of diagnosing bacterial
• O tratamento padrão da vaginose bacteriana consiste no uso vaginosis is improved by a standardized method of g ram stain
interpretation. J Clin Microbiol 1991 ; 29:297-301.
de metronidazol, via oral, por 7 dias. O tratamento tópico Petersen EE, Magnani P. Efficacy and safety of vitamin C vaginal
com metronidazol ou clindamicina é alternativa válida. tablets in the treatment of non-specific vaginitis. A randomized,
• Vaginose bacteriana recorrente deve ser tratada com esque- double blind, placebo-controlled trial. Eur J Ob Gyn Reprod Biol
mas supressivos de longo prazo. 2004; 117:70-5.
Sanchez S, Garcia PJ, Thomas KK et ai. lntravaginal metronidazole
• Terapias alternativas para vaginose bacte riana, como pro-
gel versus metronidazole plus nystatin ovules for bacterial vagi-
b ióticos, lactobacilos e vitamina C, não estão indicadas. nosis: a randomized controlled trail. Am J Obstei Gynecol 2004;
• O tratamento da candidíase vaginal não complicada pode 191(6): 1898-906.
se r realizado po r via oral ou tópico com eficácia similar. Schwebke JR, Hillier SL, Sobe! JO et ai. Valid ity of the vaginal gram
• Na candidíase vaginal não complicada deve-se optar por stain for the diagnosis of bacterial vaginosis. Obstei Gynecol
1996; 88(4):573-6.
tratamentos de curto prazo (dose única ou até 3 d ias). Senok AC, Verstraelen H, Temmerman M et ai. Probiotics for the
• Na presença de candidíase reco rrente, cabe considerar a treatment of bacterial vaginosis. Cochrane Oatabase Syst Rev
possibilidade de espécies de Candida não albicans, bem 2009:CO 006289.
como o tratamento supressivo de longo prazo. Sobe! JO, Chaim W, Nagappan V et ai. Treatment of vaginitis caused
• O tratamento da tricomoníase deve se r realizado por via by Candida glabrata: use of topical boric acid and flucytosine.
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Leitura complementar rent bacterial vaginosis. Am J Obstei Gynecol 2006; 194(5):
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bacterial vaginosis over the course of 12 months after oral metro- Swidsinski A, Mendling W, Loening-Baucke V et ai. An adherent
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CAPÍTULO

Infecção pelo
Papilomavírus Humano
Garibalde Mortoza Junior
Sonia Cristina Vidigal Borges
Adriana Almeida de Souza Lucena

INTRODUÇÃO transcrição e a rephcação; E6 e E7, responsáveis pe las al-


Há cerca de 2.000 anos já se descreviam lesões semelhan- terações no genoma celular do hospedeiro, ressaltando-se
tes a verrugas, relacionando-as com o componamento sexual. que a E6 provoca a destruição da proteína p53 da célula
Na década de 1940, comprovou-se a etiologia virótica das hospedeira via ubiquitina e mantém o comprimento da te-
verrugas por microscopia eletrOmca. Barrete cols., em 1954, lomerase acima de seu ponto critico, impedindo a apopto-
confirmaram a transmissão sexual das verrugas, relatando o se da célula hospedeira, enquanto a E7 mativa a protelna
aumento dessa mfecção em esposas de soldados none-ameri- pRB da célula hospedeira, 1mpedindo o bloque1o do ciclo
canos da Guerra da Coreia. Em 1976, Meisels e Fonin e, em celular.
1977, Purola e Sa'~a estabeleceram a associação entre o pa- • Região tardia: formada pelas porções Ll e L2, que codifi-
pilomavfrus humano (HPV) e as diSplasias cer\'icais, quando cam as proteínas do capsfdeo do \'ÍrtiS.
foram 1denuficados coHócnos tanto em cond1lomas como nas
De acordo com as sequencias de genes do DNA do vfrtiS,
lesões displásicas. Em 1983, Zur Hausen conseguiu clonar
o HPV pode apresentar d1versos upos. Dos maiS de 100 tipos
o D:>IA do HPV em pacientes com câncer do colo uterino e
de HPV descritos, cerca de 40 mfectam preferencialmente a
recebeu o Prem1o Nobel de Med1cma em 2008. Em 1996,
mucosa anogenital, onde podem induztr o desenvoh-tmento
em duas reumões de consenso, uma promovida pelo National
de neoplasias intraepitehais cerv1cais e do câncer, podendo
lnstitutes of Health, dos EUA, outra pela Organização Mun-
ser divididos em:
dial da Saúde (OMS), na Sulça, ficou defmido que o HPV
é o principal fator envolVIdo na euolog1a do cãncer do colo • HPV de baixo risco - vírus de baixo potencial oncogêni-
uterino. Naquele ano, Borysiewiez e cols. fizeram a primeira co: 6 e 11 (mais encontrados em condilomas acuminados),
tentativa de produção de uma vacina contra o HPV 30, 34, 40, 4 1, 42, 43, 44, 53, 54, 55, 61, 72,73 e 81.
• HPV de alto ris co- vírus com alto potencial de onco-
Papilomavírus humano (HPV)- o vírus genicidade: 16, 18,31,33,35,39,45,51,52,56,58,59,
O HPV faz parte de um grupo de DNA, vlrus da famllia 68, 73 e 82.
Papoviridae. Trata-se de um vírus não enve lopado envolvido
por um capsfdeo icosaédrico e um genoma de DNA circular A maior parte dessas in fecções passa cl inicamente desper-
de cadeia dupla, d ividida em várias porções, chamadas open cebida, pois ocorre o clearance do DNA do HPV em um pe-
ríodo que varia de 4 a 8 meses, com exceção dos HPV de alto
readingframe (ORF- porções de abertura de leitura).
A estrutura do HPV é dividida em três regiões: risco, cujo tempo pode prolongar-se de 8 a 12 meses.
No entanto, a resposta imune pode falhar no clearance ou
• RRCC: região regulatóna contracorrente ou região-contro- no controle da infecção, momento em que ocorre, então, a
le longa (RLC), contendo os nucleoúdeos responsáveis infecção persistente e, no caso dos HPV de alto risco, aumen-
pelo controle da replicação e expressão genética do v!rus. ta a probabilidade de progressão para as lesões de alto grau e
• Região precoce: composta pelas porções E1, que respon- carcinoma invasor.
de pela rephcação do vfrtiS; E2, responsá,·el pela regulação Em grande estudo desenvolvido pela lntemauonal Agen-
negauva das funções das proteínas E6 e E7, controlando a cy for Research on Cancer (IARC), conduz1do em diferentes
297
/.

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J 298 Seção I Ginecologia

países (Espanha, Brasil, Filipinas, Tailândia , Marrocos, Mali, maturação vi ra\ ocorrerão no interior das células epiteliais no
Peru e Paraguai) e incluindo 2.288 carcinomas invasores, 141 sentido base-superfície. No entanto, tOdo esse processo acon-
adenocarcinomas e 2.513 casos-controle, evidenciou-se que tece sem que haja processo inOamató rio efetivo para alertar o
urna mulher portadora de HPV de alto risco apresenta risco re- sistema imune, ou seja, du rante a infecção inicial o vírus per-
lativo variável de desenvolver carcinoma de células escamosas manece no estado epissomal e relativamente quiescente. Não
do colo uterino, dependendo do tipo de HPV, com odds ratio de se observam modificações hiswpawlógicas específicas nesse
109,2 (em Mali) a 276,8 (nas Filipinas) (Quadro 351). estágio, que é considerado de infecção latente. A replicação
Em 2009, combinando todos os estudos realizados pela vira\ e a expressão gênica parecem estar na dependência de
IARC, Munoz e cols. mostraram que o risco relativo de urna desaco rdo na d iferenciação celular do hospedei ro.
mulher desenvolver cânce r do colo uterino, escamoso e/ou de As células humanas contêm, em seu DNA, genes que são
células glandulares varia de 3,6, quando portadora do HPV-6, supressores de crescimento tumoral , istO é, que regulam o
a 573,4, naquelas com HPV-33 (Quadro 35 2). desenvolvimento da célula, fazendo com que essas células te-
Nos carcinomas de células escamosas do colo ute rino, o nham evolução natu ral e caminhem para apopwse (mo rte ce-
HPV-16 é encontrado em ap roximadamente 56% dos casos, lular programada). Entre esses genes estão o p53, localizado
seguido pelo HPV-18, em quase 14% desses casos, e pelos no c romossomo 17, e o pRB, localizado no cromossomo 13.
HPV-3 1, 33 e 45. Nos ade nocarcinornas do colo uterino, O desenvolvimento do cânce r ce rvical e de suas lesões pre-
o HPV- 18 responde por aproximadamente 34,2% dos casos, o cursoras (NlC) está associado à integração do genoma do HPV
HPV-16 por 33,5% e o HPV-45 po r 9,4%. - em especial dos de alto risco oncogênico - com o genoma
O HPV está relacionado com 83% a 95% dos casos de cân- da célula hospedeira. O processo requer os genes E6 e E7 dos
ce r anal, 60% a 65% dos vaginais, 30% a 42 % dos de pênis, tipos de alto risco. Os genes E6 e E7 codificam proteínas mul-
20% a 50% dos de vulva, 28% a 80% dos casos de cânce r tifocais. Entre essas funções, a sequência genômica E6 se liga
pe rianal, dependendo do sexo, 35,6% dos de orofaringe e e desagrega a proteína supressora de tumor - p53 - , enquanto
23,5% dos de cânce r da cavidade oral. a sequência E7 se liga à proteína supressora de tumor - pRb.
O E6 evita a apoptose e ocasiona a ativação da telomerase, que
ONCOGÊNESE está ligada à imortalização celular, caracte rística da maior pane
O HPV infecta a camada basal de células do epitélio esca- dos tumores. Para que haja ação significativa de E6 e E7 é ne-
moso do colo uterino po r meio de microfissuras do epitélio cessãrio que ocorra inativação ou ruptura das porções E2 e El.
supe rficial, e wdos os subsequentes eventos de replicação e Po rtanto , a interação do HPV com as células epiteliais
cervicais vai ocorrer de duas maneiras: por proliferação vi ra\
Quadro 35.1 Risco de carcinoma cervical de células escamosas de
com lesões transitórias ou po r infecção persistente com pro-
acordo com o tipo de HPV g ressão para as lesões pré-neoplásicas.
Tipos de HPV Odds rstlo (iC 95%)
59 419,2 (54,2 a 3.242.4) INCIDÊNCIA E PREVALÊNCIA
16 434,5 (278,2 a 678,7) A infecção pelo HPV é a infecção sexualmente transmis-
33 373,5 (46,7 a 2.985.8) sível mais comum, com ap roximadamente 75% dos adultos
18 248,1 (138,1 a 445,8) sexualmente ativos adquirindo um ou mais tipos de HPV ge-
31 123,6 (53,5 a 286,0)
nital durante a vida. A mais alta prevalência tem sido registra-
da especialmente entre os ind ivíduos mais jovens.
6 4,3 (0,5 a 38.4)
Em estudo caso-controle realizado em São Paulo foram
11 11,2 (1 ,0 a 128,0) observados 17% de DNA-HPV no grupo-controle e 84% no
grupo com câncer de colo uterino. Dados recentes mostram
Quadro 35.2 Risco relativo por tipo de HPV (IARC - Estudos a relação d ireta do HPV com o cânce r ce rvical, variando de
Combinados) 92,4% a 98.1% dos carcinomas escamosos e de 85,7% a
Ti pos de HPV Odds rstlo
100% dos adenocarcinomas.
A prevalência de DNA-HPV em ge ral, considerando-se as
16 281,9
diferentes populações femininas do mundo , tem variado de
18 222.5 30% a 50%, segundo a técnica de reação em cadeia da poli-
45 157,9 merase (PCR). O tipo mais encontrado em todo o mundo é o
31 124,9 16, seguido pelo 18, os quais são conside rados responsãveis
52 190,6 por ce rca de 70% dos casos de câncer do colo uterino. Segun-
33 573,4 do a OMS, a prevalência da in fecção pelo HPV-16 na Amé rica
59 205,8 latina é de 50,2%; a do HPV-18 é de 16,2%; a do HPV-31
é de 6,8%; a do HPV-45 é de 5,4% e a do HPV-33 é de 4%.
11 7,5
Não existem dúvidas de que, em alguns países, o aumento
6 3,6
da promiscuidade sexual, a diminuição da idade da primeira
r
((

Capítulo 35 Infecção pelo Papilomavírus Humano 299

relação e a abolição do condom a favor da contracepção oral DIAGNÓSTICO


aumentam a frequtnc1a de mfecção pelo HPV. A maioria dos O exame clínico é o prime1ro e o mais Importante passo
estudos reahzados em clímcas de DST revela que as verrugas para o diagnóstico da lesão associada ao HPV. O siStema de
genitais são matS comuns em homens. diagnóstico de,·e abranger o rastreamento citológico e colpos-
Os ind1vfduos 1munocompromeudos parecem manter o cópico e a reahzação da hlSlopatologia por me1o de b1ópsia
DNA-HPV de modo persiStente, e as mulheres soropositivas colposcopicameme ding1da. A confirmação do v(rus se dá
para o HIV tem apresentado ma1ores frequenc1a e persistência com a realização de testes de b1olog1a molecular, •denufican-
dos vírus quando comparadas a controles soronegati,·os. do o DNA do HPV quando necessãno.
Ylulheres com esfregaços Citológicos anorma1s, sugestivos
VIAS DE TRANSMISSÃO da presença do \'Írus. devem ser encaminhadas para colpos-
A via sexual t a modahdade de contágio mais comum, e a copia, devendo ser lembrado que a ma~or parte das infecções
infecção clínica (cond1lomas acummados), que tem alta carga por HPV é assintomática, podendo passar desperceb1da pela
vira!, t mais contagiosa do que a forma subcllnica. É prová- paciente. Acredita-se que um terço das mulheres sexualmente
vel que o HPV possa ser transmitido por fõmites, ou seja, ativas abrigue alguma forma de HPV climcamente manifesta.
por contato indireto com objetos inanimados, como toalhas, Em decorrência da estreita relação entre neoplasia intraepite-
roupas íntimas, instrumentais ginecológicos, fumaça de laser- lial cervical (NIC) e HPV. é válido supor que as técnicas diagnós-
terapia ou de cirurgia ele alta frequencia. Embora não se saiba ticas da infecção vira! possam constituir-se em métodos rastrea-
por quanto tempo o vírus resista fora elo organismo, consi- dores dos processos neoplásicos do colo uterino. Alguns palses
dera-se que essa modalidade de transm issão seja viáve l po r desenvolvidos já incorporaram o teste HPV-DNA para vlrus de
ceno pe riodo. Dessa maneira, as mulheres e as crianças sem alto risco em seus programas de rastreamento elo câncer do colo
atividade sexual comprovada também poderão desenvolver uterino em mulheres com mais de 30 anos de idade, identifi-
a infecção. cando-as como de risco para o câncer de colo e as colocando em
A autoinoculação pode ocorrer. O sexo oral é o possível rastreamento colpocitológico com mais frequ!!ncia.
mecanismo de transmissão do condiloma oraL Com o auxílio de um instrumento de amplificação, as le-
sões não latentes podem ser identificadas e diferenciadas de
FORMAS CLÍNICAS condições fisiológicas e/ou patogtnicas que m1melizam lesões
virais. O colposcópio é frequentemente uulizado para exami-
Após a exposição, o vírus colomza o eputlio do trato ge-
nar o colo uterino, a vagma e a genitáha externa.
nital inferior, podendo exisur ampla variação individual de
A citologia depende da esfohação das células doentes que
manifestações clínicas, as qua1s pro,·avelmente são reguladas
representam a lesão subjacente, sendo uul na mvesugação do
pela resposta 1munológ1ca local ou StStem1ca do hospedeiro,
colo uterino e da \'ag1na.
além da presença ou austnc1a de cofatores.
~a cllnica d1ária, o d1agnósuco final é frequentemente obti-
Classicamente, a mfecção pelo HPV pode ser dividida em
do por biópsia onentada pela colposcop1a, que pode promo-
três formas d1sUntas: clímca, subclrmca e latente. A clínica
ver a identificação de alterações htStopatológ•cas sugestivas da
é caractenzada pela existénc1a dos cond1lomas (verrugas); a
infecção pelo HPV. A histopatolog1a poss1b1lita a Identificação
subclimca se apresenta como lesões não visíveis a olho nu,
de ~IC, as quais podem estar associadas a '~roses potencial-
identificadas pela colposcopaa; e a latente consiste na presen-
mente oncogénicas. Entretanto, não torna posslvel a predição
ça do vfrus no trato genital sem evidenc1as de lesões, não exis-
do tipo de HPV associado ao efeito cítopático. Quando exis-
tindo alterações citológicas, co! poscópicas e/ou histológicas.
tem alterações mínimas associadas ao vírus, a interpretação
O período de incubação dos cond1lomas acuminados (HPV-6
histopatológica pode ser d ificultada, assim como não é possl-
ou 11) varia de 3 semanas a 8 meses, sendo desconhecido
vel diagnosticar infecções latentes.
para as lesões subclinicas. Boa parte das mulheres que adqui-
Somente testes moleculares possibilitam a identificação elo
rem o HPV vai elimi11á-lo espontaneamente em 4 a 24 meses,
DNA do HPV. informando ao cl i11ico a existência ela infecção,
ressaltando-se que o HPV-16 parece ser o que mais tem po de-
mesmo na ausência de alterações morfológicas. l loje, esses tes-
manda para a remissão espontânea. Um peq ueno percentual
tes são realizados pelas técnicas de PCR ou pela captura híbrida.
vai aprese ntar a infecção persistente e, em algum momento de
Não existe método ideal para identificação do HPV. Todos
sua vida, poderá exibir lesões de alto grau e/ou câncer.
apresentam lim itação quanto a sensibil idade, especificidade,
Infecção clínica ou subcliníca pode ser encontrada em cer-
praticidade, custo e disponibilidade comercial. Os pesquisa-
ca de 40% a 60% dos parceiros de mulheres portadoras de
dores buscam aquele teste com mais utilidade e praticidade,
infecção cervical pelo HPV.
de custo mais baLxo, além de servir de marcador prognóstico.
Os HPV-6 e li podem acarretar papilomatose reco rren-
te na criança, a qual pode ser adqumda durante a passa-
gem pelo canal do parto em mulheres portadoras desses Citologia oncótica
vírus. A doença se mamfesta entre o quarto e o quinto ano A realização periódica do exame Cltopatológico continua
de v1da. O nsco é muuo ba1xo (l :80 a l : 1.500), sendo a sendo a estratégia ma1s adotada para o rastreamento do cân-
doença multo rara. cer do colo utenno, que é o método de menor custo. Aungir
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J 300 Seção I Ginecologia

Figura 35.1A e 8 Infecção latente sem lesões à citologia e à colposcopia. (Imagens cedidas pelo Dr. José Benedito Lira Neto.)

Figura 35.2A e 8 Infecção clínica: condilomas.

Figura 35.3A e 8 Infecção subclínica: epitélio acetobranco na ZT- neoplasia intraepitelial cervical. (Imagens cedidas pelo Dr. José Bene-
dito lira Neto.)
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Capítulo 35 Infecção pelo Papilomavírus Humano 301

alta cobertura da população definida como alvo é o compo- Outras subclassificações estão relacionadas com o HPV, as
nente mais impo rtante, no âmbito da atenção primária, para anormalidades glandulares e os componentes metaplásicos esca-
que se obtenha significativa redução da incidência e da mor- mosos. Cox e cols. observaram que a positividade do DNA-HPV
talidade por esse tipo de câncer. está associada ao aumento de quatro vezes na probabilidade de
A citologia consiste no exame em que são coletadas, po r se encontrar urna NIC. Assim, a combinação de testes de ras-
raspado, apenas as células provenientes das camadas supe- treamento poderá contribui r para que não haja perda de diag-
riores do epitélio. A predição citológica da existência da lesão nóSticos. MétOdos semiquantitativos recentes usando a PCR
h istopatOlógica está lastreada no tipo e na quantidade de cé- para detectar tipos de HPV de altO risco em material de biópsia
lulas atípicas detectadas no esfregaço. ou esfregaço têm mostrado valor preditivo muito alto (>90%)
A avaliação citOlógica da cérvice promove importante liga- em relação ao diagnóstico de NIC de alto grau. O teste de HPV
ção inicial entre o ginecologista e a paciente. Nos programas para determinar alguns dos tipos de HPV de alto risco pode
de detecção é o esfregaço cervical que fornece a chave para ajudar na decisão de encaminhar ou não para colposcopia casos
identificar a ano rmalidade dentro da cérvice e do tratO genital de citologias não conclusivas (ASCUS/AGC).
inferior. Com o resultado o médico é capaz de selecionar as Esses métodos poderão ser cada vez mais usados no futuro
pacientes que necessitarão de mais avaliações diagnósticas, para identificar doença cervical impo rtante em mulheres com
como a colposcopia. esfregaços levemente anormais.
A acuidade do métOdo para o diagnóstico das lesões pre- O avanço no d iagnóstico citológico é representado pelo
cu rsoras do cânce r varia de acordo com o grau histopatO- desenvolvimento da citologia em meio líquido (CML), tam-
lógico da lesão. Assim, cerca de 50% dos casos de NlC I bém chamada de citologia em camada fina ou em monocama-
e NIC I! não são detectados no esfregaço citológico, p ro - da. Desenvolvida inicialmente como maneira de possib ilitar
vavelmente em razão da reduzida descamação celular. Nas a leitura por computadores, a CML levou os pesquisadores a
NIC lll, no entanto, o métOdo apresenta acuidade supe rior a pensarem em um método alternativo para o preparado con-
90% quando todos os rigores da técnica citOlógica são obe- vencional que eliminasse o máximo possível a sob reposição
decidos. Pa ra que sejam conseguidos índices tão elevados, de células, os infiltrados inflamatórios, as hemácias, os debris
é absolutamente imprescindível a obtenção de abundante e celulares e os artefatos indesejáveis.
adequada amostra citOlógica de mate rial ecw e endocervi- A CML oferece a possibilidade de maior transferência de
cal, o que se consegue à custa de escovas idealizadas para células para os preparados, além de preservar mais células
esse fim, sob retudo em razão da frequente localização endo - para novos preparados; elimina muco e hemácias; possibilita
ce rvical das NIC IIJ. pronta recuperação de DNA e RNA para realização de testes
Os coilóciws são células resultantes do efeitO citopawgê- biomoleculares (hibrid ização molecular, captura de h íbridos
nico do vírus sobre a célula epitelial. Biologicamente, sabe- e PCR); 100% das células coletadas ficarão preservadas para
-se que a coilocitose representa infecção em atividade, com análise; trata-se de um procedimento mais fácil do que o con-
multiplicação vi rótica e lesões contagiosas, sendo mais nu- vencional; o material vai da escova diretamente para o fras-
merosas à medida que a lesão se apresente menos grave. As co p rese rvativo com células preservadas sem arte fatos e com
mais graves não apresentam coilocitose, sobrando somente os amostra mantida em temperatura ambiente, permanecendo
sinais citológicos das lesões pré-neoplásicas. Nesses casos, o estãvel por até 30 dias.
genoma virólico estaria integrado ao das células hospedeiras, Na comparação dos dois métOdos há de ser considerado
perdendo-se, po rtanto, o poder infectante e se ganhando o que, em geral, o diagnóstico final, em grande parte dos casos,
oncogênico. é semelhante. Os valores de sensibilidade e especificidade ten-
A descrição das anormalidades celulares dentro do esfre- dem a ser muito próximos. O tempo médio de coleta é mais
gaço cervical varia entre os centros de pesquisa. O InstitutO curto por amostra na citologia líquida. Quando os exames são
Nacional de Câncer (INCA) recomenda a chamada classifica- realizados po r médicos experientes, existe reduzido núme ro de
ção de Bethesda (1988, 1989, 1992, 2001), desenvolvida em lâminas insatisfatórias em ambas as técnicas. O tempo de leitu-
virtude da necessidade de reclassificação do sistema original ra e interpretação das lâminas é significativamente mais curto
de Papanicolau, atualizando-o com a história natural e real na CML, propiciando a leitura de um número mais expressivo
das lesões cervicais p ré-cance rosas. Esse sistema de gradua- de lâminas em um mesmo tempo. A CiviL, que é mais cara no
ção original também rompeu com a terminologia de NIC em Brasil, não deverá substituir a citOlogia convencional no ras-
razão da falta de reprodulibilidade entre d iferentes observa- treamento do câncer cervical até o presente momento.
dores e porque aparentemente não oferecia qualque r clareza
ao médico em relação ao manejo. A classificação de Bethes- Colposcopia
da, essencialmente, descreve tres tipos de achado: (l) dentro A história da colposcopia, um exemplo da adaptação de
dos limites no rmais (descritos citologicamente); (2) células urna técnica de observação, foi iniciada por Hinselman, em
escamosas atípicas de significado indeterminado (ASC-US, 1925, que esperava revelar o microcarcinoma, pois se acre-
ASC-H) e células glandulares de significado indeterminado ditava , em sua época, ser a forma de início do câncer do colo
(AGC); (3) alterações celulares sugerindo lesão intraepitelial uterino. Inicialmente o métOdo teve d ifícil ace itação e durante
escamosa de baixo e alto graus (LSIL e HSIL). 25 anos foi utilizado quase que unicamente nos países ger-
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J 302 Seção I Ginecologia

mãmcos, sendo tntroduzido nos pa!ses de lingua mglesa no Em alguns pa!ses menos desem·ohidos, onde o acesso à CI-
inlc1o dos anos 1960. Difundiu-se rap1damente, sobretudo tologia e à colposcop1a é muno restrito, foram desenvolvidos os
por sua utilidade no diagnóstico das neoplas1as cerv1cais ma- métodos da inspeção ' 'isual com ácido acético (VIA) e da Ins-
lignas, e amda é utilizado como instrumento topográfico e peção visual com lugol iodado (VILT), quando se tenta Identifi-
técnica de rastreamento. car as lesões pré-neoplásicas a olho nu, após aplicação do ácido
O teste de Schille r, elaborado na mesma época da col pos- acético ou do lugol, executando procedimentos excisionais caso
copia, é muito mais d ifundido em virtude da facilidade de sejam encontradas áreas suspeitas. Esses métodos têm sido uti-
realização. Entretanto, não atingiu os resultados esperados lizados na Arrica e na Ásia, onde é alta a incidência de câncer do
por causa da [alta de especificidade. colo uterino. A sensibi lidade do VlA para detectar NlC 11 ou 111
Com o aparecimento da citologia es[oliativa, na década de varia de 49% a 96% com especificidade de 49% a 98%.
1940, pensou-se durante certo tempo que a colposcopia e o
teste de Schtller estariam condenados a desaparecer. Aconte- Histopatologia
ceu o contráno, ou seja, esses dois métodos mudaram somen- O diagnósuco h1stopatológ1co da infecção pelo HPV é de
te de objetivo, não sendo apenas para prevenção, mas tam- suma importância, poiS nele se baseia a maioria das decisões
bém para estudo topográfico das lesões, podendo ajudar na teraptuticas disponlveiS até o momento. Além de auxihar o
decisão de um diagnóstico histopatológico a parur de b1ópsia diagnóstico de in[ecções por HPV, a histopatologia é capaz de
dirigida ou de conização. graduar as lesões, orientando sua capacidade de evolução para
A classificação colposcópica adotada atualmente pela Federa- neoplasias.
ção lnternacional de Patologia Cervical e Colposcopia (lFCPC) O carcinoma do colo uterino normalmente tem evolução
compreende a terminologia colposcópica do colo uterino e a lenta, sendo precedido po r alterações intraepiteliais chamadas
terminologia colposcópica da vagina. A do colo uterino com- de neoplasias intraepiteliais cervicais, expressão cunhada por
preende a avaliação geral, em que é posslvel encontrar uma col- Richan em 1967. Essas lesões precursoras são caracterizadas
poscopta adequada ou inadequada, se a junção escamocolunar por desorganização da arquitetura do epitélio malpighiano, por
é completa ou paroalmeme visivel ou não viSI\'tl, e determinar alipias nucleares e m1toses Upicas e atlpicas. Em 1990, Richan
o upo de zona de transformação (tipos 1, 2 e 3). Há ameia os propós agrupar essas lesões em apenas dois grupos: NIC de
achados colposcóp1cos normais, achados colposcóp1cos anor- baixo grau (NIC I) e de alto grau (NIC 11 e 111):
maiS, suspeita de mvasão e miscelânea. Os achados anormais
• A NIC I corresponde às lesões que acometem o terço basal
devem ser refendos se estão dentro ou [ora da zona de trans-
do epitélio, contendo células com distúrbios de polariza-
formação e de acordo com a posição do relógio e graduados
ção e maturação.
como achados menores (reduzido grau de alterações) ou maio-
• A N!C 11 se re[ere às lesões que acometem dois terços basais
res (alto grau de alterações). Além disso, há também os acha-
do epitélio, com células com moderado pleomorfismo, au-
d os de suspeita de invasão, como os vasos atlpicos, e outros
mento da relação núcleo/citoplasma e cromatina granular.
sinais adicionais, como vasos [rágeis, superfície irregular, lesão
• A NIC 111 ocorre quando as lesões acometem ma is de dois
exofftica, necrose, ulceração e neoplasia tumoraVgrosseira. Essa
terços do epitélio, na presença de células com pleomorlis-
classificação f01 proposta pela IFCPC, cuja última e atual versão
mo acentuado, cromauna granulosa e nucleomegalia acen-
data de 20 ll, durame o Congresso Mundial do Rio de Janeiro,
tuada; nesse grupo são mclu!das as lesões que acometem
e visa oferecer a terminologia adequada aos colposcopistas de todo o epnélio, porém sem sinais de invasão.
todo o mundo.
Ass1m como acontece com o método citológico, extste cor- O HPV é um microrganiSmo exclusi\'3IT1ente intracelular
relação d1reta entre a exuberância das imagens e o resulta- que infecta células m1toucamente ativas para se estabelecer no
do h1stopatológico. Portanto, as lesões de pouca evidência epitélio, o que explica por que tanto os carcinomas escamosos
colposcópica, denominadas menores, são frequentemente como os glandulares se onginam na junção escamocolunar e
representativas de discreto comprometimento epitelial, ao dentro da zona de trans[ormação, pois nesse local há acesso
contrário do que acontece com as alterações colposcópicas imediato às células basais e parabasais do epitélio metaplásico.
importantes, ditas maiores. É coerente a afirmação de que A camada basal do epitélio tem uma só file ira de células em
apenas um quinto das colposcopias anormais guarda relação paliçada. Os processos pré-neoplásicos do colo uterino são
com malignidade cervical. Nos quatro quintos restantes, as caracterizados por hiperplasia da camada basal com células
biópsias sistemáucas das anormalidades colposcóp1cas de- exibindo discariose. À medida que a camada basal perde sua
monstram alterações epiteliais de benignidade. capacidade de se d1rerenc1ar das demais células do epitélio es-
A citologia e a colposcopia são métodos que alertam o cl!- camoso, vão se originando os graus de atipias nesse epnélio.
mco para a presença de NlC, porém, para a onentação tera-
ptuuca, faz-se necessária a configuração h1stopatológ1ca do
Métodos moleculares de identificação do HPV
grau de atipta. A obtenção da amostra para o estudo histopa-
e seus genótipos
tológico é sempre mais bem realizada sob VIsão colposcópi- Southern blotting
ca, pois somente assim pode ser realizada a biópsia nas áreas O Southern blotting é um dos primeiros métodos de hibri-
mais suspeitas. dização, cuj o protocolo técnico se rviu à investigação do re-
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Capítulo 35 Infecção pelo Papilomavírus Humano 303

conhecimento vira\. Desenvolv1do por Southem, em 1975, fitas de DNA sào convertidas em quatro fitas simples, que
baseia-se na digeslâo do DNA genõmico a parlir de enzimas servem de modelos para um ciclo subsequente da PCR.
especificas de restrição -as endonucleases -, as quais pro,-o-
A PCR é geralmente concluída após 35 a 40 c1clos e sua
cam clivagem do DNA cada ' 'ez que detenninada sequencia
de bases for reconhecida. A h1bndização do Southem bloUing amplificação é detectada após a eletroforese em gel por meio
é utihzada para detecção do DNA do HPV no DNA de espéci-
da coloração com brometo de etideo. A upagem dos genomas
mes celulares, sendo um teste sens!vel e altamente especifico virais, nos principais modelos, é fella com lubridtzação por
utilizado em pesqu1sa e para controle de quahdade. Não tem meio do uso de sondas upo.espec!ficas a pan1r de sLStemas de
aplicação na rotina cl!mca por ser demorado e complicado. detecção radioativos ou enz1máucos.
Embora cons1derada técmca confiável, extStem dificuldades A alta sensibilidade desse método poss1b1hta a economia
em reproduzir os resultados entre c!Jrerentes laboratórios. de amostras, sendo útil em estudos populacionais, mcluindo
a avaliação da prevalencia de mfecções com baixa carga vi-
Northern blotting ra!. No entanto, existe a poss1b11idade de falso-pos1uvos com
Esse processo apresenta pnnc!pios semelhantes aos do detecção de contaminantes do amb1ente laboratorial ou de
Southern, visando, entretanto, ao estudo de sequências nu- amostras vizinhas, exigindo cuidados na obtenção das amos-
tras e em seu manuseio no laboratório.
cleotídicas de RNA .

Doi blotting Detecção de antígeno para HPV


Trata-se de um método rápido e pouco dispendioso para Os principais antígenos detectados e estudados até o mo-
analisar amostras do DNA ou RNA do HPV, sendo utiliza- mento são os das proteinas tardias Ll e L2 elos HPV-6. ll, 16
do p rincipalmente para rastreamento de elevado número de e 18 e os antígenos das proteínas precoces E2. E4, E5 e E7
amostras clín icas, mas não pode ser usado para pesquisar do HPV-16 e E2 e E7 do HPV-18. Em geral, a resposta humo-
novos tipos de HPV sob condições de baixa estringência, in- ral às proteínas dos capsídeos de HPV é avaliada por ensaio
cluindo pequeno painel de tipos de HPV. imunoenzimático (ELISA), utilizando como antlgenos as pro-
teínas virais sintetizadas em bactérias ou seus peplídeos. O
Hibridização in situ (HIS) método para detecção de complexo ant!geno-anticorpo para
HPV tem limitadas sensibilidade e espec1ficidade. Existem pro-
Na HIS, a única técmca que promove a localização topo-
gráfica dos ác1dos nucle1cos virais em tecidos celulares, po- blemas nas reações cruzadas entre antígenos heterólogos e a
dem ocorrer perda de cones, deterioração da morfologia ou ligação de anticorpos marcados com nuorescelna em locais
variação da sens1b1hdade do método, sendo recomendada inespeclficos. Além d1sso, o vfrus pode ser detectado apenas
apenas como adjunto na rouna h1Slológ1ca e em casos suspei- na fonna transcnc10nalmente auva.
tos de cond1loma, mas não para lesões de alto grau ou doença
Captura híbrida 11 (CH 11)
im-aslva.
O sistema de CH 11 em m1croplaca é uma solução hibri-
Reação em cadeia de polimerase (PCR) dizadora que utihza anucorpos na captura com amplificação
A PCR fo1 conceb1da por Mulhs, em 1985, como método de sinal, sendo detectado pela qU1mioluminescenc1a. Espéci-
capaz de amplificar quanudades m!nimas de DNA. A alta sen- mes comendo DNA sofrem o processo de hibridização com o
sibilidade da PCR torna possivel a escolha de amostragem a coquetel de sondas específico de RNA-HPV. O resultado dos
partir de lavados, esfregaços ou escovados do orifício externo híbridos é capturado sobre a superficie da m1croplaca com
do colo uterino ou de tecidos coletados por biópsia e manti- anticorpos específicos. Em seguida se procede à reação desses
dos congelados ou fixados em formo\ e incluidos em parafina. híbridos imobilizados com conjugados de anticorpos espe-
O sangramento durante a coleta deve ser minimizado, pois cíficos para híbridos de RNNONA e fosfatase alcalina, que
pode produzir resultados falso-negativos, uma vez que ini- são detectados por um substrato quimioluminescente. Várias
bidores enzimáticos endógenos, principalmente sanguíneos, moléculas de fosfatase alcalina sào conjugadas para cada an-
podem bloquear a amplificação. O princípio das reações de ticorpo. Múltiplos amico rpos conjugados se ligam a cada hí-
PCR é constituído de tres etapas: brido capturado.
A luz emitida é medida como un idade de luz relativa
• Des naturação : na qual o DNA, que se encontra acopla- (RLU) no luminõmetro. A intensidade de luz emitida denota
do (fita-dupla), mediante brusca elevação de temperatura a presença ou ausencia do ONA-alvo nos espécimes e a quan-
para 95°C, é separado em fitas úmcas. üficação do vfrus. A medida RLU igual ou acima do valor do
• Anelam ento ou hibridiza ção: entre a cadeia original do pomo de cone indica sequência específica de DNA-HPV no
DNA e a sequência de nucleot!deos, que se ligará à região espécime. RLU inferior ao valor do ponto de cone inclica au-
inicial da gtnica a ser amphficada (mlctadora). sência de DNA-HPV especifico ou que os nlve1s de DNA-HPV
• Extensão do iniciador d esempenhad a por uma DNA eslâo abaixo do limlle de detecção do ensaio. A duração de
polimerase termostável: produz fitas "filhas" de DNA, todo o teste é de 4 horas. Os controles são fenos em tnpbcata,
que atra\·essam a reg1âo entre os doLS uuc1adores. Ambas as sendo três negativos e três posllwos, e são realtzados cinco
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J 304 Seção I Ginecologia

controles intrateste, além do kit painel com seis amostras com pazes de alcançar essa meta, mas destruir a lesão provocada
di ferentes vírus e cargas virais. por esse vírus. Na verdade, o que destrói o vírus é o sistema
O sistema de CH 11 utiliza sondas de RNA altamente especí- imunológico da paciente. Sabe-se que sua simples p resença,
ficas para detectar 18 tipos de HPV, que mais comumente infec- sem ocasionar lesão, não necessita de tratamento. Além disso ,
tam o trato anogenital e que são agrupados em dois grupos: um alto percentual das lesões, p rincipalmente condilomas peque-
que contém cinco tipos não oncogenicos (grupo A: 6, 11, 42, nos e lesões de baixo grau, apresenta potencial significativo
43 e 44) e outro com 13 tipos de HPV de intermediários/alto de regressão espontânea. Deve-se pensar em t ratar o HPV por
risco (grupo B: 16, 18, 31, 33, 35, 39,45, 51, 52, 56, 58,59 e vários motivos:
68). Sua sensibilidade é de l pg/ml de DNA-HPV, equivalente a
• Erradicar condilomas acuminados po r questões estéticas
0,1 cópia de vírus/célula. Por essa sensibilidade, os estudos têm
para evitar infecções secundárias e para prevenção contra
mostrado estreita relação entre os resultados e a evolução clíni-
possível malignidade, pois, apesar de os condilomas viró-
ca. Esses tipos representam 95% dos vírus que infectam o trato
ticos estarem associados principalmente a vírus de baixo
anogenital, valendo destacar que o do grupo inte rmediário/altO
risco (HPV-6 e 11), em 5% dos casos podem ser encontra-
risco está presente em 99% dos casos. Todos os testes de CH 11
dos também vírus de alto risco.
são, ao mesmo tempo, qualitativos e quantitativos.
• Prevenir a evolução para malignidade , já que uma em cada
A CH 11 corresponde à segunda geração de captura híbrida
10 lesões cervicais intraepiteliais de alto grau e uma em
pela digene®, hoje quiagen, e se d iferencia da primeira geração
cada 10 lesões vulvares de alto grau podem progredir para
(CH I) po rque lhe foi adicionada a pesquisa de mais quatro tipos
carcinoma invasor.
virais de alto risco: 39, 58,59 e 68. Além d isso, o pomo de cone
• Prevenção contra transmissão ve rtical, p rincipalmente em
passou para um limite menor, de0,2 para lpg/mlde HPV-DNA.
condilomatose durante a gravidez, que aumenta significa-
Não há mais sentido em solicitar pesquisa de HPV de bai-
tivamente a possibilidade de transmissão du rante a passa-
xo risco, mas apenas a identificação do grupo dos HPV com
gem pelo canal de parto, podendo ocasionar a papilomatO-
alto risco de cânce r.
se juvenil reco rrente, além de diminuir a possibilidade de
Tanto na CH 11 como na PCR é possível a identificação do
fo rmação de condilomas gigantes, o que poderia obstruir
tipo de HPV envolvido na infecção.
um pano por via vaginal.
Atualmente, a indicação principal dos testes b iomolecula-
• Prevenção contra transmissão horizontal, pois a infecção
res para detecção do HPV é o rastreamento. Em 2004, a OMS
pelo HPV é urna DST, e a destruição das lesões clínicas e
reconheceu as técnicas de biologia molecular como impor-
subclínicas diminui a possibilidade de t ransmissão a ou-
tante ferramenta no screening do câncer do colo uterino em
tros contatos.
mulheres com mais de 30 anos de idade, associada à citologia
oncótica. Além disso , esses testes também podem ser úteis no Como em wda infecção , devem ser prescritas medidas
manej o das citologias com alte rações em células escamosas de ge rais, como higiene, recomendação do uso de preservati-
significado indeterminado (ASCUS) e no controle pós-trata- vo nas relações sexuais, encaminhamento do parceiro para
mento (follow-up) das lesões intraepiteliais de alto grau. investigação e o rientação, além do t ratamento das infecções
secundárias.
Marcadores biológicos Existem três possibilidades de t ratamento: químico, ci rúr-
Esses testes b iomoleculares são mais sensíveis do que a cito- gico e uso de imunomoduladores. A escolha vai depende r do
logia no rastreamento das lesões pré-neoplásicas e neoplásicas número, gravidade e tamanho das lesões, da disponibilidade
induzidas pelo HPV. Sabe-se que a maio ria das mulheres in- de recursos, da eficácia e efeitos adversos, do estado imunoló-
fectadas por esse vírus irá eliminá-lo espontaneamente. Esses gico da paciente, da capacidade técnica do médico e da acei-
testes não são capazes de predize r quem vai eliminar o vírus e tação pela paciente.
persistir com a infecção, podendo até desenvolver lesões.
Busca-se, atualmente, a identificação dos seguintes testes Tratamento químico
que possam identificar o risco de p rogressão: mRNA HPV E6/
Podofi/ina
E7 e genolipagem do HPV, os quais indicam HPV com alto
A podofilina é uma resina extraída das plantas juniperus
risco de desenvolvimento de lesões; pl6 !NK4a e marcado res
e mayapple (Podophyllum peltatum e P. emodi) que age inter-
de metilação, exp ressados na célula hospedei ra, que indicam
ferindo na mitOse celular com inibição da atividade mitocon-
a existência de doença, isto é, N!C 11 ou mais.
d rial, causando danos à microcirculação com lesão endotelial,
A genotipagem do HPV não é utilizada para rastreamento,
o que leva à necrose no tratamento de condilomas. Essa resina
mas sim como triagem nas mulheres com teste de DNA posi-
foi abandonada nos últimos anos em vi rtude da baixa eficácia
tivo para HPV com ou sem citOlogia.
e de seus múltiplos efeitos adve rsos.

TRATAMENTO Podofilox
O objetivo principal do tratamento não é a errad icação do O podofilox (amiga podofilowxina), a po rção ativa da po-
ví rus, pois ainda não existem medicamentos ou métodos ca- dofilina, menos tóxica, e que pode levar à destruição dos con-
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Capítulo 35 Infecção pelo Papilomavírus Humano 305

dilomas em cerca de 70% das vezes, é utilizado na concen- muitO doloroso, além de apresentar baixa eficácia com recidi-
tração de 0,5% a 2%, com duas aplicações d iárias, por 3 dias vas frequentes. O uso tópico não se mostrou eficaz.
consecutivos, aguardando-se 4 dias sem aplicações. Esse ciclo O uso sistêmico pode ser implementado a panir de inje-
pode ser repetido até quatro vezes, não devendo ser ultrapas- ção intramuscular ou subcutânea. A intensidade dos efe itos
sados 10cm2 de área a receber a aplicação. O podofilox deve sistêmicos é proporcional à dose utilizada, podendo ocorrer
ser usado no tratamento de ve rrugas externas. Quando de sua síndrome tipo gripa\ (febre, mialgia, cefaleia, astenia, fadiga,
aplicação em mucosas, ainda não estão claros seus efeitos, venigens, nãuseas etc.), efe itos no local da injeção, mielos-
havendo a possibilidade de apresentar efe itOS neurotóxicos e supressão com leucopenia e trombocitopenia, alterações da
nefrotóxicos. função hepática, tOxicidade neurológica, podendo ocasionar
letargia, confusão mental e parestesias.
Ácido tricloroacético Os interferons devem ser usados como adjuvantes, associa-
Substância cáustica que atua localmente, ocasionando des- dos a outros tipos de tratamento, pois o uso contínuo pode fazer
naturação proteica tanto em tecido sadio como nos infecta- desaparecer sua atividade imunológica. O interferon-alfa pode
dos pelo HPV, o ácido tricloroacético deve ser aplicado com ser usado, via intramuscular ou subcutânea, na dose de 1 a 3
cautela sob visão colposcópica com aplicado res de tamanho milhões UVm2 cinco vezes por semana, durante 4 semanas. O
proporcional ao das lesões, evitando atingir áreas sadias. Uti- interferon-beta pode ser usado também pela via intramuscular
lizado p rincipalmente em lesões pequenas, recentes, pouco ou subcutânea, na dose de 3 milhões UI ao dia, por 5 d ias, de
ceratinizadas, na concentração de 80% a 90%, não é absorvi- segunda a sexta-feira, por 3 semanas. A dose total deve ficar en-
do e não apresenta efeitos sistêmicos, mas ocasiona ulce ração tre 30 e 45 milhões de UI, e as contraindicações são h ipersen-
local, podendo ser usado com segurança em gestantes. sibilidade aos ingredientes do produto, pacientes HIV-positivas
com CD4 <200 célulaslmm3 e \eucopenia.
5-F/uorouraci/
O 5-fiuorouraci\ é um citostático potente com efeito an- lmiquimode
timetabólico, que bloqueia a síntese de DNA, o que impede O imiquimode é urna substância química que tem o poder
a divisão celular e a síntese de RNA, d ificultando a síntese de induzir a produção endógena de interferon-alfa e outras
de proteínas celulares, proporcionando necrose tissular. Uti- citocinas, como o fatOr de necrose tumoral alfa e a ll-6. In
lizado inicialmente em altas doses citotóxicas, mostrou-se vitro, induz monócitos e rnacrófagos a produzirem uma va-
ineficiente, pouco controlável e com vários efeitos colaterais, riedade de interferons-alfa, fator de necrose tumoral e fator
principalmente inflamação local intensa, às vezes com necro- de estimulação de colônias de granulócitos e macrófagos.
se e até a formação de adenose. Sua utilização é muitO restrita, Apresenta, então, atividade antiviral e antitumoral, obtendo
devendo ser usado em casos selecionados, aplicando-se uma boa resposta no tratamento dos condilomas acuminados após
camada fina, uma a duas vezes por semana, por 10 semanas, aplicação local.
com controle rigoroso , e as aplicações devem ser suspensas Usa-se na apresentação creme a 5%, aplicado diretamente
caso surja qualquer sinal de irritação (hiperemia ou erosão). nas lesões, à noite, por 3 dias alternados por semana, até o
As indicações são: pacientes imunossuprimidas, focos multi- desaparecimento das lesões, ou pelo pe ríodo de 6 semanas.
cêntricos de neoplasia intraepitelial de alto grau, coadjuvante A taxa de sucesso não é tão alta, girando em tOrno de 55%
em ablação a laser e falhas terapêuticas. de resolução das verrugas e com baixa recidiva. Pode apre-
sentar efeitOS adversos, como queimadura no local, eritema,
irritação, dor, sensibilidade e ulcerações. Por enquanto, seu
lmunoterapêuticos
uso estã restrito ao tratamento de lesões de pele, pois ainda
lnterferon não são conhecidos adequadamente seus efeitos nas mucosas.
Os interferons são proteínas segregadas em resposta a in- Novas pesquisas nessa linha de medicamentos, como o re-
fecções virais, exposição a RNA de dupla cadeia e presença siquimode, vêm mostrando eficácia não apenas no tratamento
de vários antígenos tumorais. Existem dois tipos: o I (alfa e do HPV, mas também no das lesões causadas pelo herpesvírus
beta) e o li (gama). Têm ação intracelular, inib indo a multi- simples. Existem ainda pesquisas usando esses medicamentos
plicação vira! e tornando as células não infectadas refratárias como adjuvantes associados a outros tratamentos.
à infecção.
Os interferons do tipo I são produzidos por tecnologia re- Retinoides
combinante, envolvendo DNA, estimulação de leucócitos e Os retinoides são compostos naturais ou sintéticos rela-
células linfoblásticas, e apresentam propriedades de indução cionados com a vitamina A com boa eficácia no tratamento
antiviral e atividades antiproliferativa e de diferenciação; os e na prevenção de neoplasias de pele, colo uterino e vulva
do tipo li são produzidos pela combinação de métOdos e in- relacionadas com o HPV Têm efeito imunomodulador seme-
crementam a atividade imunológica, estimulando macrófagos lhante ao dos interferons, apresentando também atividade
e linfócitos B, sem atividade anti vira\ ou antiproliferativa. antiprolife rativa e atuando na diferenciação celular com reto-
O uso intralesional ocasiona poucos efeitos colaterais, mas rnada da programação celular para urna ceratinização normal.
necessita várias injeções nas lesões, o que torna o processo Esses compostos naturais são a tretinoína e a isotretinoína, o
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J 306 Seção I Ginecologia

etetrinato e a acitretina. Têm o inconveniente de apresentar As vacinas disponíveis no Brasil são urna quad rivaleme,
alto potencial terawgênico, devendo ser usados com cautela utilizando VLP, que imuniza rá contra os HPV-6, 11, 16 e
em mulhe res em idade reprodutiva. Têm alta eficácia quando 18 e foi pesquisada pelo Laborató rio Merck Sharp Dhomes
associados a inte rferons. A isotretinoína pode ser usada em (MSD), e a outra contra os HPV-16 e 18, pelo Laboratório
solução a 0,025%, 0,05% e 0, 1%, duas vezes ao dia, por 4 a 8 GlaxoSmithKline (GSK). Devem se r aplicadas prefe rencial-
semanas. Os retinoides podem causar dermatite com eritema, mente nas adolescentes e mulheres jovens antes do início da
descamação e hipe rpigmentação. vida sexual. Os estudos mostraram eficácia de 95% a 100%
contra o desenvolvimento de NIC ll ou maior, causadas pe-
Thuya ocidentallis los HPV-16 e 18, e alguns outros mostra ram eficácia das
Substância homeopática com pode r antip rolife rativo, a duas vacinas na prevenção de neoplasias intraepiteliais vagi-
Thuya ocidentalliS tem sido usada com algum sucesso, porém nais, vulva res e anais.
faltam estudos randomizados que comprovem cientificamente A vacina quadrivaleme da MSD tem alta eficácia na preven-
sua eficácia. Pode ser usada por via oral nas concentrações CH ção de verrugas genitais causadas pelos HPV-6 e 11. Os estudos
12 ou 30, com cinco gotas, duas vezes ao dia, por 30 dias, ini- Future I e ll, sobre a vacina quadrivaleme (da MSD), mostra-
ciando com baixa concentração. Podem se r usadas localmente: ram eficácia de 43% na prevenção de NIC ll+ causadas por
HPV de qualquer tipo em mulheres que nunca tiveram contato
• Tintura a 20% em óvulo vaginal ( 10% da tintura em man-
com HPV O estudo Patricia, sobre a vacina contra os HPV-16 e
teiga de cacau q.s.p. 100g) - um óvulo vaginal à noite por
18 da GSK, mostrou eficácia de 93,2% contra NIC li+ causada
15 d ias.
por qualquer tipo de vírus, também em mulheres que nunca ti-
• Tintura-mãe a 50% ou 100%, embebida em algodão, apli-
veram contato com o vírus. As duas vacinas foram pesquisadas,
cada nas lesões duas vezes ao d ia por 20 d ias (não aplicar
inicialmente, na faixa etária de 9 a 26 anos, mas existem dados
em mucosas).
que mostram eficácia acima dessa faixa etária.
No Brasil, segundo as bulas aprovadas pela Agência Nacio-
Vacinas nal de Vigilância Sanitária (ANVISA), a vacina quad rivaleme
Duas vacinas p rofiláticas se encontram d isponíveis no (MSD) é recomendada para mulheres na faixa etária de 9 a 45
me rcado b rasile iro, mas continuam em andamento várias anos e para homens de 9 a 26 anos, enquanto a vacina contra
pesquisas para se chegar a uma vacina ideal, isenta de riscos, os HPV-16 e 18 (GSK) é aprovada para mulheres com mais
que possa ter efeitO p rofilático e até terapêulico, abrangendo de 9 anos, sem limite de idade. O Laborató rio MSD lançou
elevado número de tipos de HPV. As d ificuldades iniciais fo- recentemente, em alguns países, a vacina nonavalente contra os
ram significativas, pois o vírus é espécie-específico, tOrnando HPV-6, 11, 16, 18, 31, 33, 45, 52 e 58. Os estudos de eficácia
difíce is os expe rimentos. A resposta imunológica do hospe- mostraram cerca de 97% de proteção contra os desfechos cau-
deiro é celular e não humoral, e a maioria das vacinas já dis- sados pelos nove vírus contidos na vacina. A Comissão Nacio-
poníve is para prevenção contra outras infecções vitais atua nal de PatOlogia do Trato Genital Inferior da Federação Brasilei-
estimulando a imunidade humoral, existindo perigos poten- ra das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO)
ciais no uso das que utilizam oncop roteínas e há vários tipos publicou as seguintes recomendações sobre o uso das vacinas
de HPV, mas o vírus não é cultivável. Tudo isso torna muitO contra HPV:
difícil o desenvolvimento da vacina ideal. Mesmo assim, os
estudos já avançaram muitO e, em 2006, sua utilização foi • De início, avaliar e atualiza r o calendário vacina] da crian-
ap rovada em vários países, até mesmo no Brasil. ça, adolescente ou mulher adulta.
O principal avanço consisliu na criação das partículas se- • Explicar os principais pontos a respeito da prevenção con-
melhantes a vírus (virion like particles - VLP), desenvolvidas tra doenças de transmissão sexual e a importância do ras-
pela engenha ria genética com a utilização de partículas do treamento periódico para o cânce r de colo uterino com o
HPV, a porção l l que forma o capsídeo vira!, que desenvol- exame citOlógico.
ve resposta imunológica em se res humanos com formação de • Explicar que as vacinas, embora muitO eficazes, não abran-
anticorpos capazes de destruir o HPV. As vacinas disponíveis gem todos os tipos de vírus associados ao câncer cervical,
são embasadas no emprego de VLP. Villa e cols. mostraram mas cerca de 70% deles. Dessa maneira, oferecem apenas
que todas as mulheres submetidas a uma vacina quadriva- proteção parcial, sendo necessária a manutenção do exame
lente contra HPV-6, 11, 16 e 18 desenvolveram altos níveis de Papanicolau periodicamente.
detectáveis de anticorpos contra o HPV. Efelivamente, preve- • Enfatizar que as vacinas contra HPV são exclusivamente
niu-se a aquisição de infecção e doença clínica causadas pelos profiláticas e não apresentam indicação para tratamento de
Lipos mais comuns de HPV Harper e cols. também ve rifica- lesões ou infecção pelo HPV.
ram resultados altamente positivos, com VLP dos HPV-16 e • As mulheres vacinadas não correm o risco de adquirir a in-
18, com persistência significativa de anticorpos contra esses fecção pelo HPV por meio da vacinação. As vacinas são ela-
vírus, além da proteção cruzada contra outros tipos de HPV, boradas por engenharia genética e destituídas de DNA vira!.
principalmente o 31 e o 45, de maneira relevante, e alguma • Não há indicação para realização de exames ames da vaci-
proteção contra o 52. nação, nem mesmo para avaliar a presença do HPV.
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Capítulo 35 Infecção pelo Papilomavírus Humano 307

• Recomenda-se que o início da vacinação oco rra, de prefe- A cesariana sõ é indicada em casos de condilomas gigantes,
rência, ames do início da atividade sexual. que obstruem o canal de parto, ou por outros problemas obs-
• Recomenda-se iniciar a vacinação aos 12 anos de idade, tétricos. A cesariana não protege o recém-nascido da infecção,
podendo se r mais precoce na dependência das característi- pois o vírus pode ser encontrado no líquido amniólico, na se-
cas da paciente e da região do país. c reção de nasofaringe ou no lavado gástrico de recém-nascido
• A vacinação não é comraind icada em mulheres que já ini- de cesariana com bolsa íntegra. já foram identificadas partí-
ciaram a atividade sexual. culas de DNA vira] em cordão umbilical e placenta. As lesões
• Mulhe res com infecção pelo HPV atual ou prévia não têm condilomatOsas presentes no canal de parto podem ocasionar
contraindicação ao uso da vacina. a formação de ve rrugas na pele e outros órgãos do recém-nas-
• É contra indicada na gestação até que estudos possam defi- cido, sendo a mais temida a papilomawse de cordas vocais
nir o contrário, ressaltando-se que o esquema de vacinação (papilomatOse laríngea recorrente), que acontece po r volta do
deverá ser inte rrompido em caso de gravidez. sexto ano de vida. Felizmente é doença rara.
A associação HPV-HJV ocorre muito frequentemente, sen-
Segundo Wheele r, a redução efetiva dos casos de câncer do
do necessária uma sé ria vigilância nas pacientes soropositivas
colo uterino irá depender da prevalência dos HPV oncogêni-
para o HIV A recidiva das lesões é quase urna constante.
cos, da cobertura vacina] da população, do número de tipos
de HPV oncogênicos incluídos nas vacinas, da duração da leitura complementar
proteção das vacinas, dos programas de educação e acompa- Bosch FX et ai. Epidemiology and natural history of human papillo-
nhamento da população e da manutenção e aprimoramento mavirus infections and type-specific implications in cervical neo-
dos programas de rastreamentO. A continuidade desses pro- plasia. Vaccine 2008; 26 (suppl. 10):K1-16.
gramas se faz necessária, pois ainda haverá por muitOS anos Burd EM. Human papillomavirus and cervical cancer. Clin Microbiol
Rev2003; 16:1- 17.
grande quantidade de mulheres já infectadas com risco de Carvalho NS, Teixeira J, Fedrizzi E, Focchi J, Mortoza G. Vacinas
desenvolver NJC ou câncer, além do que as vacinas protegem contra infecção pelo HPV: recomendações da Comissão Nacio-
contra HPV-16/18 e 31/45, mas náo contra todos os tipos de nal de Patologia do Trato Genital Inferior da Febrasgo. Femina
HPV que podem levar a esse tipo de câncer. 2009; 37(4): 179-80.
Carvalho NS. Patologia do trato genital inferior e colposcopia. São
Outras vacinas vêm sendo pesquisadas, como as VLP ela- Paulo: Atheneu, 2010.
boradas a partir da porção l2 do HPV, que parece ser mais Centers for Disease Centro! and Prevention, Workowski KA, Berman
imunogênica com possibilidade de proteção contra número SM. Sexually transmited diseases treatment guidelines, 2006.
elevado de HPV, e outras com atividade terapêutica feitas a MMWR Rcomm Rep 2006 Aug 4; 55(RR- 11): 1-94.
partir das porções E6 e E7 do HPV. De Paio G. Chanen W, Dexeus S. Patologia e tratamento do trato
genital inferior. Rio de Janeiro: Medsi, 2002.
Gerd E, Gross RB. Human papilloma vírus infection -A clinicai atlas.
Tratamento cirúrgico Berlin: Ullstein Mosby, 1997.
Os métodos cirúrgicos (eletrocauterização, criocauteriza- Martins NV, Ribalta JCL. Patologia do trato genital inferior. São Paulo:
Roca, 2005.
ção, excisáo a bisturi, ci rurgia de alta frequência, conização Mortoza Jr G. Patologia cervical: da teoria à prática clínica. Rio de
clássica e laser) serão abordados em outro capítulo. Janeiro: MedBook, 2006.
Munoz N et ai. Persistense of HPV infection and risk of high grade
cervical intraepithelial neoplasia in a cohort of Colombian women.
HPV NA GESTANTE Br J Cancer 2009; 100(7): 1184-90.
Na grávida são verificadas diminuição natural da imuno- Parkin DM, Bray F. The burden of HPV-related cancers.Vaccine 2006;
competência e mais produção de hormônios esteroides, o 24(suppl. 3):S3/1 1-25.
que conduz a proliferação celular imensa, principalmente nas Perspectivas of contemporary papillomavirus research- Vaccine 24S3
(2006). Elsevier. Disponível em: HTIP:ffwww.sciencedirect.com.
camadas inte rmediárias e supe rficiais de epitélio escamoso, Singer A, Monaghan JM. Colposcopia: patologia e tratamento do tra-
propiciando ambiente muito favorável à replicação vi ra!. É to genital inferior. 2. ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2002.
comum a formação de condilomas gigantes ou a evolução Smith JS et ai. Human papillomavirus type distribuition in invasive
rápida para lesões neoplásicas de grau mais acentuado. No cervical cancer and high-grade cervical lesions: a meta-analyses
update. lnt J Cancer 2007; 121(3):621-32.
pós-parto ocorre o inverso, havendo regressão espontânea da Wheeler CM. Advances in primary and secondary interventions for
maioria das lesões, mesmo das mais acentuadas. cervical cancer: prophylactic human papillomavirus vaccines and
Apenas as lesões verrucosas devem ser tratadas para preve- testing. Nat Clin Pract Oncol 2007; 44(4):224-35.
nir a formação dos condilomas gigantes. Podem se r acompa- WHO. WHO/ICO lnformation Centre on Human Papilloma vírus and
nhadas as lesões de altO grau e até mesmo o carcinoma in situ cervical cancer. Disponível em: http://who.int/hpvcentre.
Wright TC Jr, Massad LS, Dunton CJ, Spitzer M, Wilkinson EJ, Solo-
do colo uterino, optando-se por rever e tratar as lesões 4 a 6 mon O. 2006 Consensus guidelines for the management of wo-
meses após o parto. men with abnormal cervical screening tests. Am J Obstei Gyne-
No tratamento das lesões condilornawsas na gravidez é col, 2007 Oct; 197(4):346-55. Review.
usado o ácido tricloroacético ou se procede à retirada das Zur Hausen H. lmmortalization of human cells and their malignant
conversion by high risk human papillomavirus genotypes. Semin
lesões com eletrocautério ou CAF. Podofilina e antibláslicos Cancer Biol 1999b; 9(6):405- 11.
nunca devem se r usados, pois sáo comprovadamente terato- Zur Hausen H. Papillomaviruses in the causation of human cancers:
gênicos. a brief historical account. Virology 2009; 384(2):260-5.
CAPÍTUL O

Doenças Sexualmente Transmissíveis


Lucas Giarol/a Gonçalves de Matos
Karla Zanolla Dias de Souza
Tania Mara Giarolla de Matos

INTRODUÇÃO ESTRATÉGIAS DE PREVENÇÃO


A expressão doenças sexualmente transmisslveis (DST) é usa- De maneira geral podem ser salientadas cinco estratégias
da para designar todas as infecções transmi lidas por contato mais importantes para a prevenção desse tipo de d oença:
sexual, envolvendo relação oral, vaginal ou anal sem prote-
ção. Algumas também podem ser transmiudas por transfu- • A educação, o aconselhamento e a estrauficação precisa do
sões de sangue contaminado ou transmissão verucal. nsco em populações com comportamento de risco a fim de
As DST costumam acomete r o trato reprodutor feminino e que se evite a transmissão de DST por meio do incentivo
masculino, mas não é rara a presença de manifestações sistemi- à mudança de comportamentos sexuais e da procura por
cas. As consequrnctas dessas infecções podem ser distúrbios sen~ços referenciados de pre,·enção.

emocionaiS, doença mflamatória pél,~ca (DIP), mfenilidade, • Vacmação de pessoas com nsco de adqumr DST prevenl-
lesões fetais e até mesmo câncer. São descritos pelo menos 20 veis por vacinas.
agentes infecciosos causadores de DST, como v!rus, bactérias, • ldemHicação de infectados assintornáticos para DST.
fungos e protozoários. Cada agente apresenta uma patogema • Acompanhamento eficaz dos infectados com apoio ao
diferente e pode necessitar de tratamento diferenctado. diagnóstico, aconselhamento e ofena de tratamento.
Após a epidemia da infecção pelo HIV/AIDS, o cuidado • Acompanhamento do tratamento e aconselhamento dos
na prevenção de outras doenças sexuais ganhou importância pa rceiros sexuais de pessoas infectadas com DST.
ainda maior, uma vez que a presença de outra DST aumenta
o risco de mfecção ou de transmissão do HN quando um dos Estratificação de risco
parceiros está contaminado. De grande importância para a prevenção primária é a iden-
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, anual- tificação do risco compo rtamental, que inclu i a indagação so-
mente, no minimo uma em cada 10 pessoas sexualmente bre comportamentos sexuais que podem levar as pessoas ao
ati\·as adqutra uma DST. Essas doenças tem grande impacto risco de mfecção. Os dados de,·em ser obudos por meio de
sobre a saúde da população, especmlmente entre as mulheres h istória sexual pormenorizada. Nem sempre os profissionais
e os bebés recém-nascidos. Nos países em desenvolvi mento, de saúde se se ntem confortáveis ou capazes de obte r essas
as pessoas em geral tem dificuldade em buscar tratamento. informações por meio da anamnese, principalmente diante
A situação é mais séna nas áreas urbanas, onde até um terço de indivíduos que apresentam orientações sexuais que diver-
daquelas entre 13 e 35 anos pode apresentar uma DST e 18 gem da maioria da população, como na bissexual, homosse-
delas, a qualquer momento. Não costuma haver se rviços de xual e na de indivíduos transgeneros. Para a obtenção dos
saúde no local, os quatS podem ser de difícil acesso ou ofere- dados é fundamental que o profissional adote técnicas como
cem atendtmento inadequado. o uso de questões abertas, em linguagem compreensível e
A prevenção das DST e da infecção pelo HIV consiste em sem julgamento de valores. De maneira geral, dentro da hiS-
d iferentes maneiras e nlve is de atuação. No Brasil, o Minis- tória sexual do ind ividuo, é recomendada a abordagem dos
tério da Saúde adota a educação por meio dos pares para di- "cinco Ps":
minuir o nsco de infecção entre mdivfduos e/ou grupos cujo • Parceiros.
comportamento os torna mais vulneráveis às DST e ao HIV • Práticas sexuais.
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Capítulo 36 Doenças Sexualmente Transmissíveis 309

• Prevenção de gravidez. DST EM POPULAÇÕES ESPECIAIS


• Proteção contra DST. Gestantes
• Passado de DST. A transmissão de DST pode ocasionar efeitos deletérios na
gestante, em seu fetO e em seu parceiro. Por essa razão , todas
Aconselhamento as mulheres grávidas devem ser aconselhadas e submetidas
O aconselhamento visa à redução do risco de infecção po r a rastreamento para dete rminadas doenças e tratadas, se ne-
DST com base na identificação de componamentos de risco cessário.
durante a entrevista. Esse aconselhamento deve ser oferecido Desse modo, deve-se solicitar rotineiramente, na primeira
a wdos os adolescentes e adultos sexualmente ativos diag- consulta de pré-natal, sorologia para HIV, sífilis e hepatite B
nosticados com DST no p resente ou no passado próximo ou juntamente com a rotina do exame de citologia oncótica. Já
àqueles que se relacionam com múltiplos parceiros. O acon- para as pacientes com mais de 25 anos de idade que apresen-
selhamento é mais efetivo quando realizado com a isenção do tam componamento de risco, o Cente rs for Disease Control
juízo de valores e empatia ajustada à cultura, à linguagem, ao and Prevention (CDC) recomenda que sejam rastreadas para
gênero, à orientação sexual e à idade do paciente ou grupo Chlamydia trachomatis e N. gonorrhaeae na primeira consulta
que se deseja aconselhar. de pré-natal.
Q uando se objetiva o aconselhamento individual, deve se r Em se tratando de pacientes usuárias de substâncias ilíci-
adotado o uso de estratégias personalízadas direcionadas para tas, portadoras de tatuagens e as sob tratamento dialítico, é
objetivos específicos diante de situações de risco, o que é cha- imponante o rastreamento para hepatite C.
mado de aconselhamento centrado no cliente.
Q uando se almeja o aconselhamento de grupos, estraté- Homens que se relacionam com outros homens
gias como a divulgação de vídeos educativos e reuniões in - Alguns desses homens apresentam risco maior de desen-
formativas podem promove r a redução na transmissão das volve r infecções pelo HIV e outras infecções bacterianas, urna
DST. Outra estratégia muito frequentemente adotada no Bra- vez que a mucosa retal é mais suscetível a certos patógenos.
sil é a educação por me io dos pares, em que membros do Nos EUA, dois terços dos casos de sífilis primária e se-
próprio grupo a se r aconselhado info rmam e d iscutem com cundária são diagnosticados nesse grupo, porém 71 % desses
seus pa res, aliando, assim, cred ibilidade e facilidade de co- diagnósticos ocorreram somente porque os pacientes apre-
municação e tornando conc reta a adoção de práticas segu ras, sentaram sintomas, e alguns estudos demonstraram que a sí-
o que se evidencia na d iminuição de novas contaminações filis está associada à infecção por HIV nesse grupo.
naquele grupo. Já a infecção por gonococo está associada a fatores de risco
similares, incluindo parceiros múltiplos e uso de substâncias
Métodos de prevenção ilícitas, realçando-se que a infecção retal por gonococo está
l. Vacinação pré-e xposição: trata-se de um dos métOdos aumentando nessa população infectada por HIV
mais eficazes. No Brasil está d isponível a vacinação para Nos EUA, os homens que se relacionam com homens apre-
HPV e para hepatite B. Idealmente essas vacinas deveriam sentam risco desproporcional de adquirir e transmitir HIV, e
se r oferecidas a todas as pessoas estratificadas com altO os principais fatOres de risco para tal seriam o sexo anal des-
risco pa ra infecção por DST, mas que ainda não fo ram protegido (passivo ou ativo), ter outras DST, manter relações
infectadas. sexuais com parceiros desconhecidos e o uso de substâncias
2 . Abs tinência e redução no número de parceiros sexua is: ilícitas.
método mais eficaz, embora não seja o mais fácil de se rea- Os dados ainda são insuficientes para recomendar exame
lízar. A monogamia mútua é a mais segura das medidas de de rotina para o rastreamento de câncer retal nesse meio.
prevenção.
3. Preservativo masculino: se usado rotineiramente e de Mulheres que se relacionam com mulheres
maneira correta, consiste em método muito efetivo de pre- Deve ser lembrado que o HPV pode ser transmitido pelo
venção, principalmente para o HIV Informações sobre ar- contato pele a pele e que é a DST mais comum nesse gru-
mazenamento e uso corretos podem ser úteis. po. Um estudo mostrou a presença de anticorpos HPV-16 em
4. Preservativo feminino: apesar da escassez de dados na 26% das mulheres que relataram nunca ter se relacionado
lite ratura, parece ser tão efetivo quanto o masculino com a com homens e 42% apresentaram anticorpos HPV-6. Assim,
vantagem de se r controlado pela própria mulher. o exame de citologia oncótica deve se r oferecido para todas
5. Profilaxia pós-expos ição: estratégia frequentemente usa- as mulhe res independentemente de sua orientação sexual.
da em casos de violência sexual, pode ser usada na profi- A transmissão de HPV-2 nessa população é mais difícil , mas
laxia da infecção por HN por meio da terapia anti rretrovi- pode ocorrer. Um estudo ame ricano sobre mulhe res que se
ral, profilaxia da infecção da hepatite B por meio de vaci- relacionam com mulheres na faixa etária de 18 a 59 anos de-
nação, profilaxia da infecção por HPV, também por meio monstrou prevalência de 8 %.
de vacinação, e pelo tratamento empírico das infecções po r Já a vaginose bacte riana, comum entre as mulheres em ge-
clamídia e gonorreia. ral , parece ser mais prevalente nesse grupo. O comportamen-
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J 310 Seção I Ginecologia

to sexual que facilita a transferência de fluidos vaginais e bac- Cabe lembrar que deve se r tratado o parceiro que teve con-
té rias entre as parceiras pode estar envolvido na paLOgênese. tato com o paciente em questão 10 dias ames do início dos
A seguir, as DST se rão divididas em grandes sínd romes, sintomas.
o que to rna o tratamento mais prático e sem prejuízo para o Esses pacientes devem se r reavaliados 3 a 7 d ias após o
bem-estar das pacientes. início do tratamento. Caso não haja sucesso na involução
dos sintomas, devem ser conside rados: falha no diagnóstico ,
DOENÇAS QUE SE MANIFESTAM POR MEIO DE presença de outras DST concomitantes, paciente imunode-
ÚlCERAS GENITAIS primido (HIV), tratamento realizado de maneira inco rreta ou
lvlais comumente, pacientes que apresentam úlceras genitais resistência do H. ducreyi à medicação prescrita.
exibem quadro de herpes ou sífilis. Entretanto, a herpes genital Herpes
é a mais prevalente entre as doenças que causam úlcera, e as
O he rpes genital é uma infecção vira\ crônica que pode
úlceras provenientes de infecções por herpes, sífilis ou cancro
ser causada pelo vírus HSV-1 ou, na maioria dos casos, pelo
estão associadas ao aumento do risco de adquirir ou transmitir
HSV-2. O diagnóstico clinico revela múltiplas lesões doloro-
HIV (Figura 361).
sas, vesiculares ou ulceradas, e o diagnóstico so rológico pode
ser realizado com amostra sanguínea.
Cancro
A infecção cancroide vem ap resentando redução na preva- Tratamento
lê ncia em LOdo o mundo. O diagnóstico clínico é definido por A te rapia antiviral pode controlar parcialmente os sinais e
úlcera única ou múltipla dolorosa associada a linfadenopatia sintomas de he rpes em pacientes com primoinfecção e mani-
inguinal supurativa, e para o d iagnóstico definitivo é necessá- festações recorrentes quando usada d iariamente como te rapia
ria a identificação do H. ducreyi por meio de cultura. supressiva. No entanto, as seguintes medicações não são ca-
pazes de erradicar o vírus:
Tratamento
• Azitromicina: 1g VO, em dose única. • Aciclovir: 400mg VO, a cada 8 horas, por 7 a 10 dias.
• Ceftriaxona: 250mg IM, em dose única. • Aciclovir: 200mg VO, cinco vezes ao dia, durante 7 a 10 dias.
• Ciprofloxacina: SOOmg VO, a cada 12 horas, por 3 dias. • Valaciclovir: 1g VO, a cada 12 horas, por 7 a 10 d ias.
• Eritromicina: SOOmg VO, a cada 8 horas, por 7 d ias. • Fanciclovir: 250mg VO, a cada 8 horas, por 7 a 10 dias.

A terapia supressiva reduz em 70% a 80% a frequência dos


Úlceras genitais episódios de recorrência. Segurança e eficácia foram documen-
tadas em pacientes que utilizaram terapia diária com aciclovir
Paciente com queixa de úlcera genital
por até 6 anos e com valaciclovir e fancic\ovi r por até 1 ano,
melhorando, assim, a qualidade de vida desses pacientes:
Anamnese e exame físico
• Aciclovir: 400mg VO, a cada 12 horas.
• Valaciclovir: SOOmg a 1g VO, uma vez ao dia.
História ou evidências de lesões vesiculosas?
• Fanciclovir: 250mg VO, a cada 12 horas.

I Donovanose


SIM •
NÃO

l esões com mais
de 4 semanas?
A donovanose é uma doença genital ulcerativa causada
por uma bactéria intracelular gram-negaliva, K. granulomatis,
mais comum em regiões da Índia, Papua Nova Guiné, Caribe,


Tratar •
Tratar sífilis
• •
Austrália e sudeste da África .
O quadro clínico se apresenta com lesão ulcerada progressiva,
herpes
genital
e cancro
mole
I NÃO
I SIM indolor, sem linfadenopalia, porém pseudobulbos podem ocor-
rer. O diagnóstico laboratorial é difícil, uma vez que exige a vi-
sualização de corpúsculos de Donovan no tecido ou na biópsia.
Aconselhar, oferecer
anti-H IV, VDRL, sorologia Tratamento
para hepatites B e C. Vários esquemas terapêuticos podem ser utilizados, po-
Vacinar contra hepatite Tratar sifilis, cancro mole e
B, enfatizar a atenção
1+- donovanose. Fazer biópsia
dendo ocorre r recaída entre 6 e 18 meses após o tratamento
ao tratamento, notificar, adequado:
convocar parceiros e
agendar retorno
• Azitromicina: 1g/semana VO, du rante 3 semanas ou até o
desaparecimento das lesões.
Figura 36.1 Fluxograma para abordagem de pacientes com queixa • Azitromicina: SOOmg!dia VO, durante 3 semanas ou até o
de úlceras genitais. desaparecimento das lesões.
r
((

Capítulo 36 Doenças Sexualmente Transmissíveis 311

• Dox.iciclina: 100mglsemana VO, a cada 12 horas durante para detecção de T. pallidum é considerada o padrão-ouro.
3 semanas ou até o desaparecimento das lesões. Quando não existem lesões ulceradas, deve-se lançar máo do
• Ciproflox.acina: 750mglsemana VO, a cada 12 horas du- diagnóstico presuntivo por me1o de testes sorológ1cos. Exis-
rante 3 semanas ou até o desaparectmento das lesões. tem dois tipos de teste sorológico: o náo treponêm1co (VDRL)
• Eritromicina: 500mglsemana VO, a cada 6 horas durante e o treponemico (FTA-ABS).
3 semanas ou até o desaparecimento das lesões. O uso de apenas um upo para o d1agnósuco pode resultar
• Sufametoxazol + trimetoprima: 1601800mglsemana VO, em testes falso-ney;tli\'OS nos casos de slfihs pnmâria, assim
a cada 12 horas durante 3 semanas ou até o desapareci- como falso-positivos em pessoas sem slfihs, mas outras con-
mento das lesões. dições médicas podem tomar o teste náo treponênuco falsa-
O tratamento deve ser oferec1do a todos os parceiros que mente positivo, como outras mfecções (p. ex., HIV), doenças
tiveram contato com o pac1ente em até 60 dias antes do apa- autoimunes, gravidez, imumzações e idade avançada.
recimento dos sintomas. Em gestantes, deve-se evitar o tra- Ponanto, uma estratégia mtelígente de diagnósuco seria rea-
tamento com doxicíclina no segundo e terceiro trimestres, lizar inicialmente um teste não treponem1co. As pessoas com
porém pode ser utilizado durante a amamentação. teste positivo devem ser submetidas a teste treponêmico confir-
matório. O teste não treponemico serve ainda como marcador
linfogranuloma venéreo para acompanhamento de resposta ao tratamento, uma vez que
O linfogranuloma venéreo tem como agente etiológico a esse teste está relacionado com a atividade da doença. Uma
C. trachomCHis e se apresenta como linfadenopalia femoral ou alteração na diluição da magnitude de quatro vezes (p. ex.,l/4
inguinal dolorosa, normalmente unilateral. A úlcera ou pápu- para 1116) para mais signi fica reto mo da atividade, enquanto
la genital costu ma se r autolimitada, localizando-se na região a queda na concentração da diluição está relacionada com boa
da inoculação. resposta ao tratamento. com os Utulos tendendo a se tomar
A exposição reta! a esse agente pode resultar em retocolite, indetectáveis com o tempo. Alguns indivlduos permanecem
simulando doença inflamatória intestinal, e os achados dlni- com títulos baixos por longos pertodos, mesmo na ausência de
cos podem incluir salda de muco e/ou sangramento reta!, dor infecção, o que é chamado de cicatriz sorológica.
local, constipação intestinal, febre e/ou tenesmo. já os testes treponemicos tendem a se manter realivos para
O diagnóstico laboratorial pode ser confirmado por meio da o resto da vida do individuo, embora 15% a 25% das pessoas
imunofluorescencia d1reta, da detecção de áddo nucleico ou tratadas durante o estágio primáno possam tomar-se sorone-
da cultura para C. trachomalis do matenal asp1rado do bulbão. galivas para o teste treponem1co após 2 a 3 anos. Para os in-
dh·íduos com achados cllmcos de neurosslfihs, o dtagnóslico
Tratamento laboratorial é importante no diagnóStiCO, mas 1soladameme é
• Doxiciclina: IOOmg VO, a cada 12 horas, por 21 dias. insuficiente. Esse diagnósuco depende da combmação de tes-
• Eritromicina: 500mg VO , a cada 6 horas. por 21 dias. tes no líquor com sinaiS e smtomas neurológ1cos. Uma pessoa
com esses sinais e sintomas. e também com VDRL posill\·o no
As pessoas que uveram contato sex.ual com o paciente em líquor, é considerada com dmgnósuco de neurosslfuiS.
até 60 dias antes do aparecimento dos smtomas de,·em ser
tratadas para Chlamydia com aznrom1cina 1g, em dose única. Tratamento
O tratamento de escolha ainda é a penicilina G. No entanto,
Sífilis
o tipo de preparação, a dose e a duração do tratamento são
A slfilis, doença sistemica causada pelo Treponema palli-
variáveis, pois levam em consideração o estág1o clinico em que
dum, é dividida em estágios cllnicos que ajudam a guiar o
o indivíduo se apresenta. O tratamento para a slfilis terciária
tratamento e o acompanhamento. Normalmente, as pessoas
e a latente é mais longo, pois os microrganismos se dividem
infectadas procuram ate ndimento em razão das lesões primá-
mais vagarosamente. O tipo de preparação da penicilina é im-
rias (úlceras genitais), secundárias (mucocutâneas e linfáti-
poname, poiS o T. pallidum pode alojar-se em locais de diflcil
cas) ou terciárias (cardfacas, cutâneas ou no sistema nervoso
penetração para algumas formas de penicilina. A associação de
central [SNCJ); entretanto, apenas pequena porcentagem dos
penicilinas por mais de uma via de aplicação não é vantajosa.
pacientes com infecção latente, em que não há manifestações
clínicas, procurará atendimemo. Essa infecção é dividida em
precoce, quando ocorreu há menos de 1 ano; tardia, quando Considerações especiais
se deu há mais de I ano; ou desconhecida, quando não se tem Gravidez
informação sobre o inicio da mfecção. O acometimento do A ún ica preparação comprovadamente eficaz contra a slli-
SNC é chamado de neurosslfihs, podendo ocorrer em qual- lis na gestação é a penicilina G. Portamo, gestantes com hi-
quer um dos estágioS. persensibilidade devem ser dessens1bllizadas e tratadas.

Diagnóstico Jarisch-Herxheimer
Para os casos de slfihs recente com mamfestações primárias, Reação febril aguda acompanhada de cefale1a, m1algia e
a anáhse em campo escuro do ex.sudato ou tecido das lesões outros sintomas que podem ocorrer nas pnmetras 24 horas
/.
'
'/
J 312 Seção I Ginecologia

de tratamento e mais frequentemente em pessoas infectadas rio ou terciário, podendo ser definida como srfilis latente pre-
com slfilis em estágtos mais recentes. O uso de antipiréticos coce se a infecção ocorreu no ano antenor ao diagnóstico. o
é recomendado para alivto dos sintomas, mas seu uso pro- que só é possivel se a pessoa apresentou sinais inequfvocos de
filático não, uma vez que essa reação pode desencadear um doença primária ou secundãria no úlumo ano, se a única ex-
trabalho de pano pré-termo ou causar sofnmento fetal. posição se.xual ocorreu no últtmo ano ou se houve parcetros
sexuais com sifilis pnmária, secundána ou com sifiiLS latente
Conduta com os parce1ros sexua1s precoce. Na ausêncta dessas condtçOes, o mdtvlduo deve ser
A transmLSSão do T. pallidum se dá apenas quando há o considerado com sifilLS latente.
acometimento mucoculâneo, o que é mcomum após o pri-
meiro ano de mfecção. Pessoas sexualmente expostas a par- Tratamento
ceiros com sililts primária, secundá na e latente recente de,·em Por não ser sexualmente transmtssh·el, o objeUvo do tra-
ser clinica e laboratorialmente avaliadas e tratadas de acordo tamento é impedir a progressão da doença e a transmissão
com as seguintes recomendações: verticaL
• As pessoas com contato sexual com parcei ro diagnostica- Tratamento recomendado
do com sifi lis primária, secundária ou latente precoce com • Sífilis latente precoce: penicilina benzatina. 2.4 milhões
menos de 90 dias antes do diagnóstico devem ser tratadas de unidades IM em dose única.
presumivamente para srlilis recente. mesmo se os exames
• Sífilis latente tardia ou desconhecida: penicili na benza-
sorológicos estive t·em negativos. tina, 7,2 milhões de unidades no tota l, administrada em
• As pessoas em contato sexual com parceiro diagnosticado três doses de 2 ,4 milhões de unidades cada, IM , com in-
com sifilis primária, secundária ou sffilis latente precoce com tervalo de l semana.
menos de 90 dias antes do diagnóstico devem ser tratadas
presuntivamente para sililis recente se os testes sorológicos Acompanhamento
não estiverem disponiveis ou o acompanhamento for inceno.
O acompanhamento deve ser feito com testes treponêmicos
quantitativos, objeti"ando a queda de pelo menos quatro vezes
Sífilis primári a ou secundári a nos títulos de anticorpos. A dosagem de"e ser realízada com 6,
O tratamento recomendado consiste em penicilina G ben- 12 e 24 meses. A análise do liquor de"e ser sohcttada se ocor-
zatina, 2.4 ITtllhOes de umdades IM em dose única. rer aumento de quatro ,-ezes nos tltulos de anticorpos, titulos
O uso de doses adictonais de penicilina ou sua associação inidais acirr13 da diluição 1132, falha na queda dos tltulos de
a outro antumcrobtano não aumenta a eficácia do tratamento, anticorpos em 12 a 24 meses e sinaLS e smtomas de evolução
de,·endo todas as pessoas com sifilis pnmária ou secundária do quadro de sifilis. Esses pactentes devem ter seu tratamento
ser testadas para mfecção por HIV. Já aquelas com sintomas direcionado para neurosslfilLS se a anãhse do liquor for postuva.
neurológtcos ou oftálmtcos de,·em ter avaliação liquórica, of-
talmológtca e otoscóptca. Sífilis terciária
A sililis terciária se refere ao surgtmento de gomas e aco-
Acompanhamento
metimento carcliovascular, mas não neurossililLS. As pessoas
Urr13 reavahação sorológtca deve ser realizada de 6 a 12 não alérgicas à penictlina devem ser tratadas segundo este
meses após o tratamento. As avaliações mais frequentes de- esquema: penicilina benza una, 7,2 mtlhões de unidades ao
vem ser realizadas se o acompanhamento for incerto ou se for todo, administrada em três doses de 2,4 milhões de unidades,
provável uma reinfecção. A resposta sorológica ao tratamento IM, com intervalo de l semana.
deve ser comparada com os tftulos no momento do tratamen-
to. A queda nos litulos de testes não trepon~micos pode se r Acompanhamento
mais lenta em pessoas que foram previamente tratadas. Por Todos os individues deve m se r não só testados para HIV,
isso, o crité rio derin ili vo para cura ou falha no tratamento como devem realizar a avaliação do liquor. O acompanha-
ainda não foi bem estabe lecido. mento deve ser feito por especialista na área de infectologia.
As pessoas com si nais e sintomas que persistem ou recorrem
e aquelas com aumento de até quatro vezes nos tftulos do teste Neurossífilis
não treponêmico que persistem por mais de 2 semanas podem A neurossiftlis pode ocorrer durante qualquer fase do de-
ter apresentado falha no tratamento ou reinfecção, devendo ser senvolvimento da doença, e as alterações laboratoriais no 11-
tratadas novamente e testadas para infecção por HIV quor são comuns nos estágios iniciais da doença, mesmo na
Para o retratamento, usa-se penicilina G benzatina, 2,4 mi- ausência de alterações clinicas neurológtcas.
lhões de unidades IM por 3 semanas.
Tratamento
Sífilis latente Penicilina G cristalina, 18 a 24 milhões de unidade/dia,
A sifilts latente é defimda como reação posiuva no soro sem administrando-se 3 ou 4 mtlhOes de umdades a cada -t horas
evidênCias clrrucas de doença em estágto pnmáno, secundá- por lO a 14 dias.
\.
r
( I

Capitulo 36 Doenças Sexualmente Transmissíveis 313

Sífilis na gestação Corrimento uretra!


Toda gestante deve ser testada para sífilis no tnlCio da ges- Pac1ente com queixa de corrimento uretra!
tação com o teste não treponêmico, pois os títulos são funda-
mentais para monitoramento da resposta ao tratamento. Nos
locais em que a prevalência de sífilis é alta e nas mulheres Anamnese e exame físico
com alto risco de contaminação, o teste não treponêmico
deve ser repetido no segundo trimestre e ao nascimento. O
risco de transmissão vertical da sí filis é maior nos estágios Bacterioscopia disponfvel no momento da consulta?
primário e secundário da doença.
I
Diagnóstico ~ ~
Toda gestante de,·e ser considerada mfectada se apresentar
teste postuvo, a não ser que uma htstóna mutto bem docu-
NÃO
I SIM
I
mentada de tratamento tenha sido obtida com queda dos nl-
Oiplococos
veis de anucorpos. Títulos > 1:8 devem ser considerados po- grarn-negat1vos
siuvos para mfecção recente; entretanto, mesmo as mulheres intracelulares
com sífilis latente têm grande possibilidade de transmissão presentes?
vertical. Gestantes com títulos de anticorpos estáveis em ní-
ve is baixos com história de t ratamento prévio não precisam
ser tratadas novamente. Se os títulos permanecerem altos ou
se houver aumento, deve-se pensar em falha do tratamento
I SIM
I NÃO

ou reinfecção, com novo tratamento a ser considerado.


Tratar Tratar
Tratamento clarníd1a e clarnldia e
A pemctlina G cristalina é o único anumicrobtano efem·o para gooorreia gonorreoa
prevenção da tranSmissão Yenical e para o tratamento do feto.
~
Considerações Aconselhar, oferecer anti-HIV: VORL, sorolog•a
para hepatites B e C. Vac1nar contra hepatrte B,
As gestantes diagnosticadas no segundo tnmestre devem enfatizar a atenção ao tratamento, notif1car, convocar
realizar ultrassonografta a fim de detectar possívets sinais de parceoros e agendar retorno
infecção fetal com a placentomegalia, hepatomegalia, ascite,
hid ropisia ou anemia fetal. Se presentes, esses si nais são indi- Figura 36.2 Fluxograma para abordagem de pacientes com queixa
cativos de falha no tratamento fetal. de corrimenlo uretra!.
As gestantes tratadas na segunda metade da gestação que
apresentarem a reação de jarisch-Herxheimer têm chance au- Agentes patogênicos
mentada de pano pré-termo, devendo ser orientadas a respeito.
Tradicionalmente a associação entre uretrite e N. gonor-
Se urna das doses não for aplicada, todo o regime de trata-
rhoeae e C. trachomatis é bem estabelecida e clmicamente
mento deverá ser repetido.
rele,·ante; entretanto, o Mycoplasma genitalium também está
Acompanhamento associado a essa tnfecção, embora seja muito menos comum.
Os nívets sorológicos devem ser repetidos pelo menos no Outros agentes podem estar relacionados com a uretnte, em-
período entre 28 e 33 semanas e no pano. Os testes soro- bora com pouca rele,'ância clinica, como T vaginalis e algu-
mas espécies de Ureaplasma.
lógicos podem ser mensais nas mulheres com alto risco de
infecção ou em áreas de alta prevalência da doença.
Diagnóstico
O tratamento é considerado inadequado se o parto ocorre r
em menos de 30 dias após o tratamento, se houver si nais de A presença de sinais e sintomas de uretrite, como os já
infecção durante o parto ou se os níveis sorológícos do teste mencionados, associados à presença de diplococos gram-ne-
forem, pelo menos, quatro vezes mais altos do que os do pré- gativos intracelulares na análise de coloração por Gram da se-
-tratamento. creção uretra! ou cervtcal, é indicação de infecção por gonor-
réia, frequentemente acompanhada por infecção por clamídta
DOENÇAS CARACTERIZADAS POR URETRITE em até 15% a 40% dos casos.
E CERVICITE Outro exame complementar que pode sugenr uretnte con-
siste na presença de estearase leucocilária posiuva assoctada a
Uretrite piúria na análise de urina do primeiro jato da manhã.
A uretnte signiftca inflamação uretra!, podendo ser infeccio- Caso não haja a possibilidade de realização de testes de
sa ou não. Os sintomas são: disúria, prurido uretra!, presença de urina e na presença de sintomas característicos, o tratamento
secreção mucoide, pumlenta ou mucopurulema (Figura 36.2). empirico deverá ser empregado.
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J 314 Seção I Ginecologia

Tratamento Corrimento vaginal e cervlclte


O tratamento de escolha é o segumte: Pac1ente com que1xa de commento vag1nal

• Azitrornicina: lg VO em dose única.


• Doxiciclina: lOOmg VO, a cada 12 horas, por 7 dias.

Alternativas:
• Eritromicina: 500mg VO, a cada 6 horas, por 7 dias.
- Anamnese e avahaçao de nsco + exame g•necológ1co

• levofloxacina: 500mg VO, uma ,·ez ao dia, por 7 dias.


• Parce~ro com s1ntoma?
• Paaente com múltiplos parce•ros?
• Ofloxacina: 300mg VO, a cada 12 horas, por 7 dias. • Pac1ente pensa ter s1do exposta a uma DST?
• Pac1ente proven1ente de reg1ao de alta
Acompanhamento prevalênc1a de gonococo e clamld1a?
(Pelo menos um srn)
Caso seJa poss!,·el o diagnóstico laboratorial, a mulher é
incentivada a retornar em 3 meses para nova testagem. Se os
sintomas persistirem, deverá retornar antes, embora a per- Critérios de risco pos1tivo e/ou sinais de cerv1cite com
sistência isolada dos sintomas não seja suficiente para novo mucopus/teste do cotonete/friabllidade/sangramento do colo
tratamento.

Cervicite t t
NÃO SIM
Os sinais maiores de cervicite são o exsudato purulento ou
mucopurulento no canal endocervical e o sangrame nto endo- t
ce rvical persistente, facilmente induzido por contato delicado Tratar gonorreia e c lamldia
de swab com o canal cervical. !: relativamente assintomática,
mas são frequentes as queixas de aumento na secreção vaginal
e sangramento intermenstrual (Figura 36.3). pH vag~nal - teste do KOH a 10%
O achado de leucorrem (> I O leucócitos por campo no
exame da secreção \'llginal) está fortemente associado à infec-
ção cervical por dam!dia e gonorreia, com alto valor prediti- ~--pH--~4_._s_~_o_u_K_o_H_<+_l__~l ~~---pH__<_4_.s_~_oo__K_O_H_<_->__~
vo negath·o, ou seJa, na ausência de leucorreia, a cervivite é
muito improvável.
Tratar vag1nose Aspecto de cornmento
bacteriana e tncomoníase grumoso oo entema vutvar
Agentes patogênicos
Além dos agentes maiS comumente assoctados à cen'icite, t
como N. gonorrhoeat e C. trachomalis, são relactonados tam-
bém o T ''aginalis e o herpes s1mples tipo 2.
I SIM
I NÃO

Em algumas mulheres, pnnc1palmente naquelas com bai-


xo risco para aquiSição de DST, nenhum agente especifico é Tratar Causa
cand1dlase fiSiológiCa
associado ao quadro de cen'ICite.

Tratamento
t
Aconselhar, oferecer ant~HIV, VDRL, soroiOQ18 para hepatites
O tratamento presuntivo para clam!d ia e gonorreia deve B e C. Vacinar contra hepatite B. enfatizar a atenção ao
ser realizado em mulheres com alto risco de infecção por tratamento, notificar, convocar parceiros e agendar retorno
DST, como as menores de 25 anos de idade, as mulheres com
Figura 36.3 Fluxograma para abordagem de pacientes com queixa
novos parceiros sexuais, aos parceiros não monogâmicos e os
de corrimento vaginal ou cervicite.
que sabidamente apresenta I-am algum tipo de DST.
Se deteCLado, o tratamento da tricomoniase e da vaginose
deve também ser realizado. ou com odor desagradável durante a vida. Muitas nem che-
O regime recomendado consiste em: gam a procurar auxílio médico, pois se automed icam ou os
sintomas apresentam melhora espontânea.
• Azitrornicina: lg VOem dose única.
Os agentes patogênicos normalmente associados ao corri-
• Doxiciclina: lOOmg VO, a cada 12 horas, por 7 dias.
mento \'aginal são anaeróbios (Prevotella sp., Mobiluncus sp.,
G. vaginalis, Ureaplasma, Mycoplasma), T. vaginalis e a can-
DOENÇAS CARACTERIZADAS POR didíase. Embora a candid!ase não costume ser sexualmente
CORRIMENTO VAGINAL transmiúda, foi indu!da neste capitulo em vtrtude da alta
A ma1oria das mulheres apresentará algum tipo de infecção pre,-aJência de mulheres com essa patologia quando avahadas
vaginal caracterizada por commento abundante , pruriginoso em função da DST.
r
((

Capitulo 36 Doenças Sexualmeote Transmissíveis 315

A presença de grande pane das doenças caracten:zadas por O tratamento está recomendado para as mulheres smto-
commento vaginal é um fator de risco para aqutstção de ou- máticas, apresentando como beneficio secundáno a redução
tras DST, como HIY, slfilis e gonorreia. do risco de mfecção por C. trachomatis, N. gonorrhoeae, T. va-
ginalis, HIV e herpes simples tipo 2. Até o momento não é
Diagnóstico recomendado o uso de nenhuma formulação à base de lacto-
A história clfnica isolada é insuficiente pa ra o d iagnóstico bacilos ad icionalmente ao t ratamento am im icrobiano.
etiológico preciso, o que pode levar à prescrição de medi- Recomenda-se o uso d os seguintes antimicrobianos:
camento inadequado. No entanto , é extremamente desejável • Metronidazol: 500mg VO, a cada 12 horas, por 7 dias.
uma abordagem por meio da obtenção da história clfnica de- • Metronidazol: gel a O, 75% imravaginal, uma vez ao d ia,
talhada , associada a exame flsico rigoroso e testes d iagnósti- por 5 dtas.
cos etiológicos. • C lindamicina: creme, a 2% intravaginal, ao denar-se, por
Os testes dtagnósticos que podem ser reahzados no pró- 7 dtas.
pno consultóno são o do pH vagmal , o do htdróxtdo de po-
tássto (KOH) e o exame microscóptco a fresco do cornmento Tricomoníase
vagmal. Doença mutto prevalente, mas subdiagnosticada, nos EUA a
tricomonlase é a DST não vira! mais prevaleme. No Brasil, dados
Teste do pH oficiais apontam que a prevalencia varia entre 10% e 35%, con-
Secreções vaginais com pH elevado (>4 ,5) estão associadas forme a população est udada e o método diagnóstico disponfvel.
a vaginose bacteriana e tricomonfase. As caracterlsticas clrnicas de t ricomonfase são:
Teste do KOH • Corrime nto abundante, amarelado ou amarelo-esverdeado,
A secreção vaginal deve ser dilufda em solução de KOH a bolhoso.
10%, e as amostras que liberarem odor caracterlstico de aminas • Prurido e/ou irritação vulvar.
são sugestivas de vaginose bacteriana e tricomonfase. • Dor pélvtca (ocasionalmente) .
• Sintomas unnános (dtSúria, polaciúria) .
Exame a fresco • Hiperemta da mucosa com placas a,·ermelhadas (colplle
Se o exame a fresco da secreção vagmal mostrar micror- difusa e/ou focal com aspecto de framboesa).
ganismos flagelados com motilidade, a suspetta recairá sobre
O diagnósuco laboratorial da tricomonlase é feito por meio
tricomonfase, e se mostrar a presença de células indicadoras
de visualização dos protozoários móveis em material de endo-
(clue cells, células epiteliais com as bordas escurecidas por pe-
cérvice mediante bacterioscopia.
quenas bactérias), o d iagnóstico mais provável se rá de vagi-
Os exames mais utilizados para o diagnóstico das infecções
nose bactc riana.
vaginais são:
Q uando esses testes não estiverem disponlveis no con-
sultório, testes comerciais e laboratoriais poderão ser usados • pH vaginal: pH >4,5: vaginose bacteriana ou tricomonfa-
para o d iagnóstico correto da vaginite. se; pH <4,5: cand tdfase vulvovaginal.
Em caso de sinais objetivos de inflamação vulvar sem • Teste de Whiff (tes tes das aminas ou " teste do cheiro"):
agentes patog~nicos detectados na secreção vaginal, deve-se sem odor caracterfsuco.
a\'ahar a posstbtlidade de outras causas dos smtomas \'Uivova- • Bacterioscopia: o preparado é examinado em flutdo va-
gmatS com agentes mecânicos, qulmtcos ou alérgtcos. ginal com aumento de 400x, observando-se a presença de
leucócttos, células parabasais e Trichomonas sp. (protozoá-
Tratamento rio flagelado móvel).
Vaginose bacteriana (VB)
Tratamento
A VB está associada aos múlti plos parcei ros do sexo mas-
O tratamento, além de red uzir os sintomas e provavelmen-
culino ou feminino, ao não uso de preservativo, a falta de lac-
te a transmissão, consiste em :
tobacilos vaginais e ao uso de duchas vaginais. As mulheres
que nunca foram sexualmente ativas são raramente afetadas. • Metronidazol: 2g VO, em dose única.
A presença de tr~s critérios diagnósucos são muito suges- • Tinidazol: 2g VO, em dose única.
lÍ\'OS de VB:

• Corrimento fino, brancacento ou acmzentado que reveste Candidíase vulvovaginal


finamente a parede vaginal. Infecção da vuh'a e \'agina, a candidlase vulvovagmal é
• Presença das células indicadoras (due cells) na a\'aliação causada por um fungo comensal que habita as mucosas \'agt-
mtcroscópica. nal e digesu,·a e cresce quando o meio se torna favorável a seu
• pH da secreção vaginal >4 ,5. desem·olvimento. A relação sexual não é a principal forma de
• Odor caracterfstico de peixe antes ou após o teste de KO H transmissão, visto que esses microrgan ismos podem panici-
a 10%. par da microbiota endógena em até 50% das mulheres assin-
/"
)/:
I 316 Seção I Ginecologia

tomálicas. Cerca de 80% a 90% dos casos são provenientes da • Butoconazol: 2% creme Sg intravagmal, em dose única.
Candida albicans e 10% a 20% de outras espécies (C tropicalis, • Terconazol: 0,4% creme Sg intravagmal, uma vez ao dta,
C glabrata, C hrusci, C parapsiloSIS). Embora essa candidla- por 7 dias.
se não seJa transmiuda sexualmente, é encontrada com mais • Terconazol: 0,8% creme Sg intra,•agmal, uma vez ao dta,
[requ~ncta em mulheres em auvtdade sexual, pro,,a,·elmeme por 3 dias.
em razão de microrgamsmos colomzadores que penetram no • Terconazol: 80mg óvulo vagmal , um ó,·ulo uma ,.ez ao
epitélio \~a microabrasões. dia, por 3dias.
Os sinais e sintomas dependerão do grau de m[ecção e da
localização do tectdo mflamado, podendo apresentar-se isola- Tratamento oral
dos ou assoctados, e mcluem: • Fluconazol: 150mg VO, em dose úmca.
• Prurido vulvovagmal (princtpal sintoma e de imensidade
variável). Zika vírus
• Disúria. MuitaS pessoas in[ectadas com o Zika vlrus são assmtornã-
• Dispareunia . ticas ou apresentam sintomas leves com duração que pode
• Corrimento branco, grumoso, inodoro e com aspecto ca- variar entre 3 e 7 dias após a picada do mosquito Aedes. Os
seoso ("leite coalhado") sintomas mais comuns incluem [ebre baixa, erupção cutânea,
• Hiperem ia. ce[aleia, artralgia, mialgia e conjuntivite não purulenta.
• Edema vulvar. Esse vírus pode ser transmitido por homens in[ectados por
• Fissuras e maceração da vulva. meio de sexo oral, vaginal e anal. Ainda não se sabe se as mulhe-
• Fissuras e maceração da pele. res doentes podem in[ect.ar homens sadios. Os estudos disponl-
• Vagina e colo uterino recobertos por placas brancas ou veis detectaram o Zika na saliva, na urina e no leite materno, mas
branco-acinzentadas, aderidas à mucosa. não em swabs vaginais coletados de mulheres in[ectadas.
Os parceiros sexuais de portadoras de candidlase vulvova- Estudos estão sendo elaborados para definir em que cir-
ginal não precisam ser t ralados, exceto os sintomáticos (uma cunstâncias esse vírus pode ser t ransmiudo sexualmente.
minoria dos parceiros sexuais do sexo masculino que podem Entretanto, já se sabe que pode haver transmissão quando o
apresentar balanite e/ou balanoposllle, caracterizada por homem apresenta sintomas, antes que se imcaem e após desapa-
áreas eritematosas na glande do ~nis, prurido ou irritação, recerem.
tendo indtcação de tratamento com agentes tóptcos). As mu- O RNA do Zika vfrus [ot detectado no ~men até 62 ruas
lheres portadoras do HIV, com batxas contagens de lin[ócitos após o início dos sintomas. Portanto, o CDC recomenda que
CD4 e altaS cargas vtraJS estão assoctadas a nsco mruor de os homens que [oram dtagnosucados com Ztka considerem o
vulvovagmue por Candída sp. O tratamento, nesses casos, é o uso de presen·ati\'OS ou não tenham relações sexuaLS por pelo
mesmo recomendado para pactentes sem m[ecção pelo HIV menos 6 meses.
O diagnóstico laboratonal de commento vagtnal pode ser O diagnóstico laboratonal especifico se baseaa principal-
realizado por teste do pH vagmal, em que são mais comuns mente na detecção de RNA varal a partar de es~cames clini-
valores< 4,5, e/ou por bactenoscopia, com a ''isualização de cos. O período virémico ainda não [oi estabelecido, mas se
leveduras e/ou pseudo-hi[as. acredita que seja curto, o que permauria, em tese, a detec-
ção direta do vfrus até 4 a 7 dias após o início dos Sintomas,
Tratamento sendo, entretanto, ideal que o material seJa exammado até
As rormulações tópicas de curta duração tratam deliva- o quarto d ia. No momento não há sorologia d isponlvel co-
mente a candid íase não complicada, e as imidazólicas são mercialmente para detecção de anticorpos para Zika vlrus no
mais detivas do que a nistatina. Os tratamentos recomenda- BrasiL Atualmente só há d isponibilidade do isolamento vira!
dos são: e RT-PCR, restrito aos laboratórios de re[erência elo Ministério
da Saúde (Figura 36.4). Ai nda não [oram desenvolvidos os
• Clotrimazol: l % creme 5g intravaginal, uma vez ao d ia, tratamentos para ind ivíduos infectados e também para im-
po r 7 a 14 dias. possibil itar a transm issão do vírus para retos ele gestantes in-
• Clotrimazol: 2% creme 5g imravaginal, uma vez ao dia, rectadas.
por 3 dias.
• Miconazol: 2% creme Sg intravaginal uma vez ao dia, por
7 dias. PONTOS CRÍTICOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS
• Miconazol: 4% creme 5g intravaginal, uma vez ao rua, por Sempre que possível, o agente etiológico especifico de cada
3 dias. DST deve ser isolado e empregado o tratamento especifico;
• Miconazol: lOOmg óvulo vaginal. um óvulo uma vez ao entretanto, como nem sempre isso é [acth·el na prãuca cllruca,
dia, por 7 dtas. a abordagem sindrõmica dessas arecções é prãuca e eficaz. O
• Miconazol: 200mg óvulo vagmal, um ó,·ulo por 3 dias. Quadro 36.1 resume os agentes euológtcos em uma aborda-
• Miconazol: 1.200mg óvulo \'agmal, um óvulo por l dia. gem sindrõmica.
r
((

Capítulo 36 Doenças Sexualmente Transmissíveis 317

Aparecimento dos
sinais e sintomas
Infecção j --- - lgG -
- - - - - - - - lgM - - - - - --

f t +1 +2 +3 +4 +5 +6 +7 +8 +9 +10 +1 1 +12 +13 +14 +15 +16


-+~-31~+-+1-o -+1-41-41-41-41-41~1~1~1~1~1~1~~
1 ~I ~I~I -+~
-4 -2 -1 Témpo em dias

Período de
RNA vira!
incubação

Figura 36.4 Esquema mostrando a relação cronológica da infecção por Zika com o aparecimento de RNA vira! e imunoglobulinas específicas.

Quadro 36.1 Principais agentes etiológicos. sinais e sintomas relacionados com cada sindrome em DST

Sindrome Sintomas mais comuns Sinais mais comuns Etiologias mais comuns
Corrimento vaginal Corrimento vaginal Edema de vulva Vulvovaginite infecciosa:
Prurido Hiperemia de vulva, corrimento vaginal Tricomoniase
Dor à micção e/ou cervical Vaginose bacteriana
Dor durante a relação sexual Candidiase
Odor fétido Cervicite:
Gonorreia
Infecção por c lamidia
Corrimento uretra! Corrimento uretra! Corrimento uretra! (se necessário. Gonorreia
Prurido solicita-se ao paciente que ordenhe Infecção por c tamidia
Estrangúria a uretra) Tricomoniase
Polaciúria Micoplasma
Odor fétido Ureaplasma
Úlcera genital Úlcera genital Úlcera genital Slfilis
Aumento de linfonodos inguinais Cancro mole
Herpes genital
Donovanose

Leitura complementar Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Progra-


Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. De- ma Nacional de DST/Aids. Manual de Controle das Doenças Se-
partamento de Ações Programáticas Estratégicas. Prevenção e xualmente Transmissíveis. 4. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2006.
tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra Centers for Disease Contrai and Preventíon, Sexually (CDC); Trans-
mulheres e adolescentes: norma técnica/Ministério da Saúde. mitted Diseases Treatment Guidelines, Atlanla, GA- USA, 2015.
Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Progra- Centers for Disease Contrai and Preventíon , Sexually (CDC); Zika
máticas Estratégicas. - 3. ed. atual e ampl., 1. reimpr. Brasília: and Sexual Transmission: Atlanta, GA- USA, 20 16.
Ministério da Saúde, 2012. Ministério da Saúde - Brasil. Protocolo de vigilância e resposta à
Brasil. Comissão de Incorporação de Tecnologias no SUS ocorréncia de microcefalia e/ou alterações do sistema nervoso
(CONITEC). Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas Infec- central (SNC): Brasília- DF, 2016.
ções Sexualmente Transmissíveis, Brasília: Ministério da Saú- Ministério da Saúde- Brasil. Protocolo para diagnóstico e tratamento
de, 2015. de DST: Brasília- DF, 2015.
C APÍTULO

Doença Inflamatória Pélvica


Ana Luiza Lunardi Rocha

INTRODUÇÃO para essa doença, como Mycoplasma genita/ium, Mycobacte-


A doença inflamatória pélvica (DIP) se refere à in[ecção rium tuberculosis e espécies de Actinomyces.
polimicrobiana aguda das estruturas do trato genital supe- A microbiota da vagina contém baixa quamidade de algu-
rior em mulheres, acometendo trompas uterinas, útero e/ou mas bactérias que, potencialmente, podem ser causadoras da
ovários. podendo haver o envoh~mento dos órgãos pélvicos doença. Em grande parte, a DIP é considerada transmiss!Yel,
vizinhos. Na maioria das vezes, a DIP é iruciada por agente devendo ser tratada como tal.
sexualmente transmissl\·el e apresenta uma gama de manifes- Sua patogênese em•oh·e a ascensão de bactérias e/ou outros
tações clinicas. A mflamação se inicta a pantr da Yagina ou do agentes patológicos da vagina para a cavidade utenna e da!
colo do útero, ascendendo para o trato gennal superior com para o trato genital supenor, acometendo trompas e/ou o,·á-
a endometnte sendo um estágto mtermedtáno na patogênese rios. Ouuos [atores estão envolvtdos nessa patogênese, como
da doença. genéticos, epigenéucos, tmunológtcos, vtSCostdade do muco
A prevalência da DIP é subesumada, pois a maioria dos cervical e nl\·eis de estrogêmo da mulher. Esses outros [atores
casos é subclínica. A prevalêncaa é mruor em mulheres sexual- talvez expliquem o rato de algumas mulheres apresentarem
mente ativas entre 15 e 25 anos de tdade e aproXImadamente a doença e outras não, mesmo quando em contato com seus
12% das adolescentes sexualmente ati\'35 têm no mínimo um agentes etiológicos.
episódio ames dos 20 anos. A prevalência dessa doença nos Os [atores de risco para o desenvolvimento da doença es-
EUA e em muitos outros países desenvolvtdos tem diminuído tão descritos no Quad ro 37.1.
na última década. Nos EUA, a DIP é responsável por cerca O principal [ator de proteção contra a DIP consiste no uso
de 106 mil consultas médtcas e 60 mil hospitalizações a cada de preservativos. A salpingotripsia bilateral diminui o risco de
ano, sendo causa [requente de consulta nos serviços de ur- acometimento da porção d istai das trompas uterinas, mas não
gência. Essa doença permanece como grave problema de saú- o da DIP em geral.
de , uma vez que as pacientes tratadas ainda apresentam re-
sultados reprodutivos abaixo do ideal; a doença inflamatória DIAGNÓSTICO
subcllnica permanece mal controlada, além de os programas A DIP pode apresentar-se de d i[e rentes maneiras, desde
que visam à prevenção não se rem viáveis em grande parte dos uma in[ecção subcl!nica até o quadro de abdome agudo gra-
países em desenvolvimento, como o Brasil. ve. O d iagnóstico é eminenteme nte clinico. O diagnóstico
clínico presuntivo deve ser [eito em mulheres jovens, sexual-
mente ativas, que apresentem dor pélvica ou dor abdominal
ETIOPATOGENIA
baixa e exame ginecológico sugestivo de DIP (Figura 37.1).
A DIP é uma in[ecção pohmtcrobiana. As bactérias Neisse-
Os sinais e sintomas mais comuns da DIP aguda são:
ria gonorrhoeae e Chlamydia 1rachomaus são os patógenos mais
comumente encontrados. Em mulheres na pós-menopausa, • Dor pélvica: dor abdominal batxa, pélvtca, de mtensidade
outros agentes podem causar a DIP, como a Escherichia co/i ,·ariável e de inicio súbtto.
e as bactérias anaeróbtas da mtcrobtota mtestinal. Mais rara- • Sangramento utenno anormal: smusorragta e sangramento
mente, outros agentes euológtcos também podem contribuir uterino entre os ctclos menstruaiS.
318
\.
r
( I

Capitulo 37 Doença Inflamatória Pélvica 319

Quadro 37.1 FatO< de risco so, trata-se de procedimento invasivo, devendo ser reservado
Atividade sexual MúltiplOS parceiros e ana lrequência sexual para casos especificas.
aumentam o risco de DI P Para o diagnóstiCO da DlP aguda pode ser usado o nuxo-
DST no parceiro Parceiro cO<n uretrite sintomética (disúria e grama apresentado na Figura 37. 1.
corrimento uretra!) pode aumentar o risco de A DIP é considerada subcllnica quando o quadro infeccio-
DIP na mulher
so e innamatório não é causa de simornaLOlogia aguda que
Idade Maior prevalência em pacientes entre 15 e 25 obrigue a mulher a procurar o ginecologista, mas é t·elati va-
anos de idade
mente grave para ocasionar sequelas físicas, como aderencias
Episódio anterior Um episódio anterior de DIP aumenta em mais tubárias, obstrução lllbária e aderências pélvicas, podendo
de DIP de duas vezes o risco de novo episódio
I-- ser causa de infeniltdade e dor pélvica crõrtica.
Uso de Estudos são controversos Parecem nao
contracepti vos
A DIP crônica se manifesta como dor abdominal inespecl-
aumentar o risco de OIP e. caso a pacoente
orais desenvolva a doença. sua man.festaçao se fica e mal localizada, febre baixa e emagrecimento com dura-
dará com menos gravidade ção supenor a 30 d1as. Essa doença pode ter como et1olog1a
Di spositi vos o risco de DIP parece ser maoor apenas infecções como acunom1cose e tuberculose.
lntrauterlnos nas primeiras 3 semanas após a tnserçao. O diagnóstico d1ferencial de,·e abranger outras doenças
(DIU) o sistema intrauterino de levonO<gestrel pélvicas, como grav1dez ectópica, apendicite, doenças dos
parece diminuir o risco de DIP em razao do
espessamento do muco cervtcal tratOs urinário e mtestinal e torção de anexo.
Vaglnose A vaginose bacteriana geralmente nêo
bacterlana aumenta o risco de OIP TRATAMENTO E SEGUIMENTO
O diagnóstico clrnico presuntivo e o tratame nto precoce
dim inuirão as sequelas e complicações da doença. O trata-
• Corrimento vaginal: pode estar presente ou não. Secreção mento é empfrico e consiste no uso combinado de antibióti-
mucopurulenta no orifício do colo uterino sugere a DIP. cos de amplo espectro para tratamento dos principaiS pató-
• Febre (>38,3°C), dispareunia e disúna podem estar pre- genos causadores dessa doença polírnicrobiana. O esquema
sentes. antimicrob1ano de,·e objetivar o tratamento dos do1s pnncl-
• Estado geral preservado na matona dos casos. pais agentes euológ1cos da DIP: o gonococo e a clamfd1a. Não
• Dor no htpocõndrio direito pode ocorrer em razão da infla- são conclus1vos os estudos a respeito do beneficio da mclusão
mação e das aderências peri-hepáucas (sfndrome de Fitz- de medicamentos com cobenura para anaeróbios nos esque-
-Hugh-Curtis). mas terapeuticos.
• Dor à mobilização do colo uterino e à palpação das regiões Um grande número de pacientes com DIP não necessitará
a11exiais. de internação e fa rá o tratamento ambulatorial. Ce rca de 15%
• Massa palpável em região anexial: pode ser a mani festação das mulhe res acometidas po r essa doe nça precisarão ser in-
de uma massa inflamatória em trompas e ovários (abscesso ternadas.
tubovariano).
Achados laboratoriais inespeclficos, como leucocitose sem Exame gtnecológico suspeito de DIP
de5\~o para esquerda e elevação da protefna C reauva (PCR), (dO< à mar11pulação uterina e/ou
podem estar presentes, mas têm bruxas sens1b1hdade e especifi- dor à palpação de regiões anexiats)
Cidade para o diagnóstico de DIP. Os segumtes exames laborato-
natS devem ser solicitados na suspeita d1agnósuca de DLP: teste
Paciente sexualmente allva
de gra,idez: exame a fresco da secreção vaginal (quat1do dis-
ponlvel): anu-HIV e testagem para sífilis (VDRUteste rápido).
Os exames de imagem (ultrassonografia transvaginal [USTV),
tomografia computadorizada de pelve e ressonância magné- Secreção mucopurulenla
tica da pelve) podem auxiliar o diagnóstico quando eviden- DIP improvável
no colo uterino
ciam abscesso tubovariano, presença de lrqu ido livre na pelve
ou sinais de endometrile (endométrio com espessura hetero-
genea e maldefinido). A USTV sem alterações não descarta o
diagnóstico de DIP. O diagnóslico é clinico, e o tratamento DIP provável Fazer esfregaço da NORMAL
não deve ser postergado. secreção vaginal
A propedêuuca de,·erá ser estend1da em caso de dú,ida
d1agnóst1ca, smtomas aúpicos ou em mulheres que não apre-
sentam melhora do quadro clínico em 72 horas após o inicio Grande quanbdade de células
tnflarnatórías x células epiteliats
do uso do antibiótico. A ~deolaparoscopia apresenta boa es-
pecificidade diagnóstica, mas não tem sensibilidade suficiente Figura 37.1 Fluxograma para o diagnóstico da DIP. (Adaptada de
para ser considerada o padrão-ouro no diagnóstico. Além dis- Brunham e cais., 2015.)
/.
'
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J 320 Seção I Ginecologia

Os seguintes critérios indicam a necessidade de internação As pacientes com DIP deverão receber onentação sobre o
hospitalar e o uso de esquemas anubtólicos parenterais: uso de preservati,·os, rastreamento de DST e vacmação {he-
patite B, HPV). Seus parceiros deveráo ser exammados e trata-
• Pacientes grávtdas com DI P. dos caso tenham Lido contato sexual com as pacientes nos 60
• Falha na resposta ou mtolerância ao tratamento via oraL
dias que antecederam o aparectmento dos smtomas. Os es-
• Não aderênCia ao tratamento ambulatoriaL
quemas terapêuticos para o tratamento dos parcetros devem
• Sinais climcos de gravtdade (rebre alta, náusea, vômito,
incluir antibióticos com au,~dade contra N. gonorrhoeae e C
dor abdommal mtensa).
trachomatis, como a cdtri3Xona (250mg), IM, maiS azttromt-
• DIP comphcada com abscesso pélvtco.
cina (lg), VO, em dose úmca, ou doxtcichna (IOOmg) VO, a
• Posslvel necessidade de abordagem cirúrgtca (diagnósúca
cada l2 horas, por 7 citas.
e/ou terapéuuca).

Os esquemas terapéuucos de pnmeira linha para o trata- PONTOS CRÍTICOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS
mento ambulatonal da DIP estão esquematizados na Figura • A DIP é uma infecção polimícrobiana das estruturas do
37.2, podendo ser utilizado qualquer um dos regimes indi- trato genital superior das mulheres.
cados, com ou sem metronidazol (500mg duas vezes ao dia, • Inicia-se, na maioria das vezes, por agente sexualmente
por 14 dias). transmisslvel.
O esquema terapêutico de primeira li nha para as pacientes • Suas mani festações clinicas são vari:\veis, desde um quadro
com critérios de internação hospitalar (DlP mode rada/grave subcl ínico até o abd ome agudo, com grave comprometi-
com ou sem abscesso tubovariano) está listado no Quad ro mento da saúde da mulhe r.
37.2. Os amimicrobianos, nesses casos. deverão ser adminis- • O diagnóstico é emi nentemente clinico.
trados por via pareme ral, e a transição para a via o ral pode rá • O tratamento é empfrico e consiste no uso combinado de
ser realizada 24 a 48 horas após a melhora cllnica e mantida antibióticos de amplo espectro para tratame nto dos princi-
por 14 dias. pais patógenos causadores dessa doença poli microbiana.
O esquema terapêutico das pacientes com abscesso pélvi- • O esquema de antimicrobianos deve objetivar o tratamen-
co deverá incluir, além de uma das opções listadas no Quadro to dos dois principais agentes euológtcos da DIP: o gano-
37.2, clindamicina 450mg VO, a cada 6 horas, ou metronidazol
coco e a clamidia.
500mg VO, a cada 8 horas, por 14 dias. Além diSSO, a doxiciclina
• A maioria das paCientes não necessttará de internação e
deverá ser mantida VO a cada 12 horas, também por 14 dias.
fará o tratamento ambulatorial.
OutroS esquemas terapéuucos para pacientes alérgicas aos
• As pacientes deverão receber onentação sobre o uso de
agentes de pnmetra ou de segunda hnha terapêutica podem
presemllÍ\'OS, rastreamento de DST e vacmação (hepaute
ser consultados no endereço eletrOmco hupJAvww.cdc.gov/std!
B, HPV).
tg20151ptd.htrn.
• Os parceiros de,·erão ser exammados e tratados, caso te-
A remoção dos dtSpostUvos mtrautennos não parece ace-
nham údo contato sexual com as pactentes nos 60 dtas que
lerar a resolução cllmca da DIP e, na matona das vezes, o
antecederam o apareCLmento dos smtomas.
dísposiuvo pode ser manudo.
• A remoção dos dtSposttivos mtrautennos não parece acele-
rar a resolução climca da DIP e, em grande parte das \'ezes,
I Doxictcltna 1OOmg, 2x/dia, 14 dias I pode ser mantido.
• O diagnóstico clínico presunuvo e o tratamento precoce
Mais uma das três opçOes a segw diminuiráo as sequelas e comphcações da doença.

l
Ceftriaxona
Ceftriaxona
2g IM + probenicide

Outra
cefalosporina
MENSAGEM-CHAVE
A DIP é uma doença infecciosa do trato ge nital supe rior
250mg que acomete mulheres j ovens, man ifestando-se por amplo es-
1gVO, de 3> geração,
IM dose única
dose única via parenteral pectro de gravidade. O diagnóstico é eminenteme nt e clinico,
e o tratamento precoce adequado possibilitará às pacientes
Figura 37.2 Tratamento antimicrobiano de primeira linha para pa-
cientes com DIP - tratamento ambulatorial.
melhores chances de cura e menores riscos de sequela.

Quadro 37.2 Tratamento anlimicrobtano de primeira linha para


l eitura complementar
pacientes com DIP moderada/grave - tratamento hOspitalar Brunham RC, Gottlieb SL, Paavonen J. Pelvic tnflammatory dtsease.
N Engl J Med 2015 May 21 ; 372(21 ):2039-48.
Cefoxitirla (2g EV. 6/611) + doXtCtehna (100mg VOOU EV. 12/1211) Centers for Otsease Control and Preventton (CDC). PeMc lnflammatay
Clindamteina (900mg EV, 8/Sh) + gentamtctna (3 a Smg/kg. EV, Disease (PtO). Otsponível em. httpJ,WWW.cdc.gov.sci-hub.bz/std/
24/24h) pid/stats.htrn.
Centers for Otsease Controt and Preventton. Sexually Transmitted Ot-
Cefotetano (2g EV. 12/1211) + doxtetehna ( 100mg VOou EV. 12/1211) sease Survedtance 2013. Allanta. U.S. Oepartment of Health and
r
((

Capítulo 37 Doença Inflamatória Pélvica 321

Human Services; 2014. Disponível em: http:{Jwww.cdc.gov.scihub. Paavonen J, Westrom L, Eschenbach D. Pelvic inflammatory disea-
bz/std{stats1 3{defautt.htm. se. In: Holmes KK, Sparling PF, Stamm WE et ai. (eds.) Sexually
French CE, Hughes G, Nicholson A et ai. Estimation of the rate of transmitted diseases. 4 . ed. New York: McGraw-Hill, 2008.
pelvic inflammatory disease diagnoses: trends in England, 2000- Ross J . Pelvic inflammatory disease: pathogenesis, microbiology,
2008. Sex Transm Ois 2011; 38: 158. and risk factors. In: UpToDate, Post TW (ed.), UpToDate, Wal-
Galask RP, Larsen B, Ohm MJ. Vaginal flora and its role in disease tham, MA. (Accessed on May 04, 2016.)
entities. Clin Obstet Gynecol 1976; 19:61. Ross J, Chacko MR. Pelvic inflammatory disease: c linicai manifes-
Greydanus DE, Dodich C. Pelvic inflammatory disease in the adoles- tations and d iagnosis. In: UpToDate, Post TW (ed.), UpToDate,
cent: a poignant, perplexing , potentially preventable problem for Waltham, MA. (Accessed on May 15, 2016.)
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Grimes DA. lntrauterine device and upper-genital-tract infection. Retention of intrauterine devices in women who acquire pelvic
Lancet 2000; 356: 1013. inflammatory d isease: a systematic review. Contraception 2013;
HIV and Sexually Transmitted lnfections Department. STI d iagnoses 87:655-60.
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le_1_STI_diagnoses_and_rates_in_England_by_gender.pdf. Workowski KA, Bolan GA, Centers for Disease Control and Preven-
Morré SA, Karimi O, Ouburg S. Chlamydia trachomatis: identification of tion. Sexually transmitted d iseases treatment guidelines. MMWR
susceptibility markers for ocular and sexually transmitted infection Recomm Rep 2015; 64:1.
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Ness RB, Kip KE, Hillier SL et ai. A c luster analysis of bacterial vagi- for gonorrhea and Chlamydia: a systematic review for the U .S.
nosis-associated microflora and pelvic inflammatory disease. Am Preventive Services Task Force. Ann lntern Med 2014 Dec 16;
J Epidemiol 2005; 162:585. 161(12):884-93.
CAPÍTULO (

Fisiologia da Micção
Andrea Moura Rodrigues Maciel da Fonseca
Mariana Furtado Meinberg

INTRODUÇÃO beta-ad rené rgicos e recepto res colinérgicos muscarínicos


As disfunções do assoalho pélvico podem abranger disfun- M2 e M3. Já na base da bexiga predominam receptores alfa-
ções de esvaziamento e armazenamento de urina, sustentação -ad rené rgicos.
inadequada de ó rgãos pélvicos, disfunções colorretais e anais, A uretra é uma estrutura complexa que na mulher tem apro-
além da dor pélvica. Para compreensão adequada dessas al- ximadamente 3 a 4cm de comprimento e 6mm de diâmetro.
terações se torna necessário o entendimento da fisiologia das Inicia-se no colo vesical até o meato uretra\ no hiato genital, em
estruturas envolvidas. Este capítulo aborda os princípios fun- inclinação anteroinferior, e é recoberta internamente por um
damentais da fisiologia da micção. epitélio pseudoestratificado, proxima\mente, e por epitélio es-
tratificado escamoso, distalmente. Logo após essa camada exis-
ANATOMIA DO TRATO GENITAL INFERIOR te um plexo vascular que contribui com o tõnus uretra\ em uma
A bexiga é um órgão com duas funções antagônicas: reser- camada submucosa. Adjacentes a essa camada estão duas de
vató rio de baixa pressão para armazenamento e eliminação musculatura lisa: uma interna, com fibras d istribuídas longitu-
da urina. Compreender sua anatomia é fundamental para ex- dinalmente, e uma externa, de distribuição circular. Na porção
plicar seu funcionamento. Trata-se de uma vísce ra muscular mais externa da uretra existe musculatura estriada esquelética,
oca, localizada quase que inteiramente na pelve e repousando o músculo do esfíncter estriado urogenital, com formatO de
sob re a pube, podendo atingir a altura do umbigo ao enchi- ferradura, o qual é mais espesso nas laterais e na porção ven-
mento. É composta pelas camadas mucosa, muscular e se- tral da uretra. O esfíncter uretra\ circunda a região proximal da
rosa. A mucosa consiste no urotélio, epitélio estratificado de uretra, enquanto os receptOres a\fa-ad renérgicos predominam
transição sustentado por lâmina própria fibroeláslica. A sero- na uretra.
sa é formada po r tecido conjuntivo fibroso recob rindo a ca- O assoalho pélvico, que tem função fundamental no pro-
mada muscular, e a muscular (músculo detrusor da bexiga) é cesso de micção por meio de mecanismos de suste ntação e
formada po r musculatura lisa cujas fibras são distribuídas de
compressão extrínseca, é formado pela fáscia endopélvica,
modo entrelaçado e desorientado, exceto pela região próxima
pelo músculo elevado r do ânus e pela membrana perineal.
ao meaw uretra\ , onde se d iferenciam três camadas: inte rna
Esse assoalho muscular atua de mane ira a criar uma com-
(distribuição longitudinal), inte rmediária (circunferencia\) e
pressão extrínseca da uretra, mantendo -se contraído na fase
externa (longitudi nal), constituindo a região do colo vesical.
de armazenamento e relaxado na de esvaziamento vesical.
Esta é a área da bexiga onde o lúmen uretra\ passa através do
músculo detrusor da bexiga e onde se localizam o trígono e
o meato uretra\. INERVAÇÃO
A bexiga ainda pode se r d ividida em duas panes: o corpo A inervação da bexiga pode se r dividida em três compo-
ou ápice e a base, que compreende principalmente a região nentes: simpático, parassimpático e somático.
delimitada entre os o rifícios ureterais e a saída da uretra, de- o simpático provém de fibras pós-ganglionares de no a
nominada trígono vesical. Essas partes se distinguem prin- L2, pelo nervo hipogástrico, provocando o relaxamento do
cipalmente pelo tipo de neu rotransmisso r que predomina músculo detrusor da bexiga e a contração da musculatura lisa
em cada po rção. No corpo vesical predominam receptO res do colo vesical.
322
r
((

Capitulo 38 Fisiologia da Micção 323

O parass1mpático contém fibras pré-ganghonares de 52 impulsos provocam 1mbição simpática pré-ganghonar com
a 54, pelo nervo esplâcnico pélvico, e causa a contração do abenura do colo ,·csícal e estimulo parassímpáuco com con-
musculo detrusor e o relaxamento do colo ves1cal. tração detrusora muscarlnica.
O somático se origina no nucleo de Onuf, substância cin- Assim, por meio de contração coordenada da musculatura
zenta do corno ventral 52 a 54 que, através do nervo pu- vesícal, associada ao relaxamento da uretra, do colo vesical e
dendo, estimula as fibras do músculo estriado esquelético da do assoalho pélvico, a pressão vesical supera a uretra! e pro-
uretra e do assoalho pélvico. voca o esvaziamento da bexiga.
A fu nção vesical normal utiliza áreas corticais superiores
do cérebro para controle voluntário dos arcos reflexos auto- CONSIDERAÇ0ES FINAIS
nOmlcos primitivos da medula espinhal sacra. Os lobos pa- A fisiolog1a da micção é mecanismo complexo que exige
rietais e o tálamo recebem e coordenam estimulas detrusores perfeita sincronia entre o sistema nervoso simpático, o pa-
aferentes. enquanto o lobo frontal e os gãnghos basa1s modu- rassimpáuco e o somáuco, além de integridade anatõmica
lam sma1s 1mbuórios. do sistema unnáno e do assoalho pélvico. Por ISSO, qualquer
alteração nesse mecamsmo pode ocasionar disfunção da miC-
FISIOLOGIA DA MICÇÃO ção, manifestando-se como retenção ou como mcontinencia
O trato urinário baixo apresenta dupla função: esvazia- urinária.
mento e armazenamento. A uretra atua em sincronia com a
bexiga, mas tem ação recíproca: contraí-se durante o armaze- MENSAGENS-CH AVE
namento e relaxa durante o esvaziamento. A bexiga normal- • A bexiga é um órgão muscular com dupla função: esvazia-
mente se enche a um fluxo de 0,5 a S,OmL por minuto. mento e armazenamento de urina.
Durante a fase de armazenamento predomina a função • A ínervação da bexiga pode ser dividida em três compo-
simpática. À medida que ocorre o enchimento vesical, a dis- nentes: simpático, parassimpálico e somático.
tensão da bexiga produz estimulas aferentes que ativam o nú- • A inervação simpática provoca contração do esflncter ure-
cleo de Onuf e, atra\·és do nervo pudendo, provoca contração tra! e do assoalho péh•1co com mediação beta-adrenérg1ca,
do esfrncter uretraI e do assoalho pélv1co. Ao mesmo tempo, resultando no armazenamento da urina.
a diStensão ves1cal também ati,·a o reflexo espmhal s1mpálico • A ínervação parass1mpática causa o relaxamento voluntâno
pelo nervo h1pogástrico, com contração alfa-adrenérgica do dos músculos do esfrncter uretral e do assoalho pélv1co por
musculo liso uretra! e do colo ves1cal, além de inibição da meio de receptores muscarlnicos com esvaziamento ''es1cal.
transmissão parassimpálica, com ímpedtmento da contração
do músculo detrusor da bexiga e sem aumento da pressão leitura recomendada
imravesical. Abrams P. Describing bladder storage function: overactive b ladder
Dessa maneira, com a musculatura vesical relaxada e a do syndrome and detrusor overactivity. Urology Nov. 2003; 62(5 Su-
colo vesical, da uretra e do assoalho pélvico contralda, a pres- ppl. 2): 28-37; Discussion 40-2.
De Groat WC, Yoshimura N. Anatomy and physiology of the lower
são uretra! se torna maior do que a pressão vesical, formando urinary tract. Handb Chn Neurol2015; 130:61-1 08.
os mecanismos de continência. Keane DP. O'Sullivan S. Unnary incontinence: anatomy, phys•ology
já na fase de esvaziamento predomma a ath•idade paras- and pathophysiology. Baillieres Best Pract Res Clin Obstei Gy-
Simpática. O enchimento e o esuramento da parede vesical naecol, Apr 2000, 14(2):207-26.
Kinder Mil. Basllaanssen CA. Jantvlegtra RA, Mananl E. lhe neuronal
emnem sma1s que não só geram impulsos aferentes do centro
con1ro1 oi lhe lower unnary tract: a model oi archrtecture and control
ponunho da m1cção que inibem as fibras somáucas do núcleo mechan1srns. Arch PhysiOI Biochem Jul1999; 107(3):203-22.
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culos do esfíncter uretra! e do assoalho pélvico. Os mesmos 2008; 38(1).815-36.
CAPÍTUL O

Propedêutica em Uroginecologia
Múcio Barata Diniz
Uv Braga de Paula
Gustavo Francisco da Silva

INTRODUÇÃO Os sintomas são as mudanças observadas pela paciente ou


A incontintncia urinária (lU) e o prolapso genital são sin- acompanhante que podem levá-la a procurar ajuda médica.
tomas frequentes e muitas vezes neglígenc1ados tanto pela pa- Em uroginecolog1a, esses sintomas se dividem em armazena-
Ciente como por seu ginecologista. A inconuntncia acomete mento, esvaziamento e pós-miccionais.
5% a 20% da população, ressaltando-se que sua prevaltnda
tende a aumentar com o envelhecimento. A chance de uma Armazenamento
mulher ser operada em função desses problemas chega a 20% • Aume nto da frequên cia: a paciente considera que unna
até os 80 anos de idade. muito durante o dia (habitualmente mais do que sete
Com frequencia, a paciente nega e esconde esse si morna vezes).
até mesmo da familia, por constrangimento, por desconheci- • Noctúria: acordar uma ou mais vezes à noite para urinar.
mento ou por teme r o tratamento. já o gi necologista minimi- • Urgência: desejo súbito e imperioso de u rinar.
za essa co11dição, que não coloca em risco a paciente, esque- • Incontinência urinária: queLxa de qualquer perda invo-
cendo que muitas vezes pode ocasionar isolamento social e luntária de urina.
perda importante da qualidade de vida. • Incontinência urinária de es forço: queixa de perda invo-
Nos últimos anos foi enorme o avanço na abordagem da in- luntária de urina associada ao esforço (tosse, esp1rro, ativi-
conunencia, com melhor entendimento de sua fis10patologia e dade [lsica).
o aumento das possibilidades de tratamento não wúrgtco, além • In continência urinária por urgência: queLxa de perda de
do surgtmento de técnicas drúlgicas mmtrnamente tn\'a51\'a5. urina preced1da por urgtncia.
A abordagem ma1s atual da IU, segundo a Sociedade Inter- • Incontinência urinária mista: queLxa de perda aos esfor-
naciOnal de lnconlintncia (JCS), se div1de em m1cial e espe- ços e por urgência.
ciahz.ada (Figuras 39.1 e 39.2). • Enurese noturna: perda que ocorre durante o sono.
Nos últimos anos, um amplo questionamen to tem sido d i- • Incontinência contínua : queixa de perda urinária conti-
recionado ao papel da urodinâmica na abordagem da inconti- nuamente.
nência, havendo evidencias que mostram que a urodi nâmica
deve ser reservada para os casos mais complexos, especial- Esvaziamento
mente os que não melhoraram com a abordagem inicial e os • J ato lento ou fraco : fluxo reduzido.
tratamentos mais simples. • Jato inter mitente: o fluxo urinário é interrompido e reco-
Neste capitulo serão discutidas as princ1pais ferramentas meça.
propedtuucas utihzadas na abordagem da lU femmina. • Micção com esforço: a paciente se esforça para m1c1ar ou
manter o Jato unnáno.
DEFINIÇÕES E NOMENCLATURA
A padronização da terminologia tem a finalidade de uni- Pós-miccionais
formizar a linguagem utilizada em protocolos e estudos e na • Sensação de esvaziamento incompleto.
clinica diária em todo o mundo. • Gotejamento pós-m iccional.

324
r
((

Capítulo 39 Propedêutica em Uroginecologia 325

Incontinência Incontinência Incontinência


HISTÓRIA
aos esforços mista por urgência

t t t
Diário urinário
Qualidade de vida
Exame fisico
AVALIAÇÃO CLINICA Teste de esforço
Exame de urina
Avaliação do assoalho pélvico
Volume residual

t t t
DIAGNÓSTICO Incontinência Incontinência mista (tratar Incontinência
PRESUMIDO aos esforços sintoma preponderante) por urgência

t t
Mudança dos hábitos de vida
Fisioterapia
CONDUTA Assoalho pélvico
Retreinamento vesical
Anticolinérgico

t t t
I Melhora
I I Falha
I Incontinência complicada

+ t
Estudo urodinámico
ABORDAGEM
Cistoscopia
ESPECIALIZADA
Método de imagem

Figura 39.1 Abordagem da incontinência urinária feminina.

AVALIAÇÃO DOS
Incontinência Incontinência Incontinência Incontinência
SINTOMAS E
aos esforços mista por urgência complicada
SINAIS
Associada a: dor,
hematúria, ITU
recorrente, sintomas
AVALIAÇÃO Avaliação da mobilidade vaginal miccionais, irradiação
CLINICA Estudo urodinâmico pélvica, cirurgia
pélvica, suspeita de
fistula

Incontinência Incontinência Hiperatividade Incontinência Considerar:


DIAGNÓSTICO
aos esforços - mista do detrusor associada a baixo Uretrocistoscopia
urodinâmica esvaziamento Exame de imagem

TRATAMENTO
Se terapia inicial
falha:
Se terapia inic ial
falha:
k

Obstrução
------
infravesical
Hipocontratilidade
do detrusor
Corrigir anormalidades
e tratar patologias
Cirurgia de Toxina botulinica
incontinência Neuromodulação
por esforço: Cistoplastia de
slingde aumento Correção, obstrução e prolapso
uretra média Cateterização intermitente
Colpossuspensão
Injeção periuretral

Figura 39.2 Abordagem especializada da incontinência urinária em mulheres.


/.

'
'/
J 326 Seção I Ginecologia

Síndrome da bexiga hiperativa De maneira geral, o prolapso genital não ocasiona sinto-
Trata-se de uma síndrome clínica caracterizada pela pre- mas específicos, mas algumas pacientes se queixam de "bola
sença de u rgência, associada ou não à incontinência por ur- saindo pela vagina" ou da necessidade de redução do prolap-
gência, ao aumento da frequência e à noctúria. so para evacuar ou urinar.
Para quantificar a perda é importante questionar o uso ou
Bexiga hiperativa não de protetor h igiênico (pads), o número de protetores e a
O diagnóstico é urodinâmico, caracterizado pela presença frequência das perdas (todo d ia, tOda semana, insidiosamente).
de contrações não inibidas do detrusor durante o enchimento Do passado obstétrico devem ser lembrados os tipos de
vesical. parto e o peso dos recém-nascidos. O conhecimento das ci-
rurgias ginecológicas prévias e dos tratamentos anteriores,
Incontinência uri nária aos esforços- urodinâmica principalmente os cirúrgicos, é fundamental. Nessa fase de-
Consiste em perda uretra\ visualizada durante o enchimen- vem ser avaliados o funcionamento intestinal, a constipação
to vesical, desencadeada por tOsse ou Valsalva, na ausência de intestinal e a incontinência a flatos ou a fezes, que muitas
vezes se associam à incontinência urinária.
contração detrusora.
Doenças neurológicas podem provocar a incontinência,
como esclerose múltipla, doença de Parkinson, acidente vas-
ABORDAGEM INICIAl cular cerebral ou traumatismo raquimedular. Em algumas pa-
Anamnese cientes, o primeiro sinal de doença neurológica pode consis-
A avaliação da TU se inicia pela anamnese. O ginecologis- tir no aparecimento de incontinência urinária (habitualmente
ta nunca deve esquecer de questionar a função urinária, já por urgência). Doenças sistêmicas como diabetes podem pio-
que muitas vezes as pacientes não mencionam o assumo por rar os sintomas, principalmente se descompensado. Doenças
vergonha ou por acharem que a incontinência faz pane do pulmonares crônicas podem piorar os sintomas e também
processo normal de envelhecimento. devem ser documentadas (tosse crônica). A história de glau-
A anamnese tem como papéis fundamentais: caracteriza- coma é importante naquelas pacientes com h iperatividade do
ção do tipo de incontinência, grau de interferência na quali- detrusor candidatas ao uso de amicoliné rgicos, os quais po-
dade de vida, desejo de tratamento , avaliação ge ral para d iag- dem piorar o glaucoma de ângulo fechado. Várias med icações
nosticar condições que pioram ou interferem no tratamento e podem alterar a fisiologia da micção, valendo citar as princi-
detecção dos quadros de incontinência complicada. pais: d iuréticos, amidepressivos, bloqueadores a\fa-adrenér-
Os casos complicados são os que vão necessitar de exames gicos e anticolinérgicos.
subsidiários especializados e que não são candidatos a trata-
mentos conservadores. Nesse grupo estão as pacientes com Questionários de qualidade de vida
incontinência associada a dor, hematúria, infecção urinária Durante a avaliação da incontinência urinária é muitO im-
recorrente, d ificuldade miccional, radiação pélvica, cirurgia portante avaliar o impacto na qualidade de vida das pacien-
pélvica radical e suspeita de fístula. tes. Questionários foram desenvolvidos e adaptados para nos-
Na caracterização da perda tenta-se definir se está associa- sa realidade com o objetivo de auxiliar o diagnóstico e atuar
da aos esforços, à urgência ou se é uma queixa mista. como controle da terapia a ser instituída, sendo muitO impor-
Nos casos típicos de perda de urina aos esforços, a pacien- tantes para pesquisas clínicas e facultativos na clínica diária.
te relata perda de urina sincrônica à tosse, ao espirro ou ao Como exemplos de questionários traduzidos e validados
exercício. para a língua portuguesa existem o Kings Health Questionnaire
Nos casos típicos associados à h iperatividade do detrusor, e o Intemational Consultation On Incontinence Questionnaire -
a paciente relata a presença de urgência (desejo premente de Short Form (ICIQ-SF).
micção), associada ou não a incontinência por urgência, fre-
quência diurna aumentada e noctúria (síndrome da bexiga Diário miccional
hiperativa). O diário miccional se constitui no registro do núme ro de
Uma boa parcela das mulheres com incontinência vai apre- micções e do volume urinado, episódios de incontinência e
sentar sintomas mistOs, isto é, perda associada aos esforços e outras informações, como o volume de líquido ingerido e os
à urgência. graus de urgência e de incontinência apresentados. Esse re-
As alterações do esvaziamento são raras na mulher Gato gistro, estabelecido pela própria paciente, pode variar de 24
fraco , sensação de esvaziamento incompletO, micção comes- horas a l semana. Normalmente, um diário de 3 dias é repre-
forço), mas, quando presentes, devem ser valorizadas, princi- sentativo da função miccional.
palmente naquelas que são candidatas a tratamento cirúrgico. Com o diário é obtida uma medida objetiva da frequência
Os grandes prolapsos podem ocasionar obstrução, traduzida urinária e dos sintomas no d ia a dia da paciente. Dessa manei-
clinicamente por micção com esforço, jatO fraco ou sensação ra podem ser afe ridas a capacidade funcional e a quantidade
de esvaziamento incompleto e, algumas vezes, em associação de episódios de perda. Esse diário é útil para o d iagnóstico e
à urgência miccional. Algumas pacientes necessitam reduzir a avaliação do tratamento instituído, sendo até recomendado
o prolapso para alcançar a micção desejada. para as pesquisas e adotado opcionalmente na clínica d iária.
r
((

Capítulo 39 Propedêutica em Uroginecologia 327

Exame físico Urina residual


O exame fís ico se divide em ginecológico específico e A avaliação do volume de urina residual, considerada parte
ge ral. da abordagem inicial, deve ser realizada em wdas as pacien-
No exame ginecológico, a paciente deve ser examinada com tes. A forma menos invasiva é por meio da sondagem vesical
a bexiga confo rtavelmente cheia e na posição de litotOmia. após a micção ou, então, pode-se usar o ultrassom das vias
Deve ser realizado em ambiente tranquilo e com boa ilumi- urinárias para avaliação desse volume.
nação sobre a vulva e o pe ríneo. Por meio da manobra de A urina residual é obrigatória em todas as pacientes com
Valsava ou tosse pode ser vista a pe rda de u rina e, ao mesmo sintomas de dificuldade miccional e naquelas com história de
tempo, avaliado o prolapso, sendo ideal a avaliação dos dive r- !TU recorrente.
sos compartimentos vaginais individualmente, podendo ser
utilizada a lâmina do espéculo de Sims para isolar a pa rede ABORDAGEM ESPECIALIZADA
vaginal anterior e obse rvar a posterior e vice-versa. Já na cú-
pula ou no colo uterino é obse rvado o espéculo em posição
Estudo urodinâmico
e sendo recuado à medida que a paciente realiza a manobra Denomina-se estudo urodinâmico qualquer p rocedimen-
de Valsalva. to que tenha em vista o estudo do funcionamento do trato
O p rolapso deve ser avaliado segundo a classificação da ICS: urinârio baixo (bexiga e uretra). O objetivo principal da uro-
dinâmica é reproduzir em laboratório a queixa da paciente e,
• Estágio 0: não há prolapso. com isso, confi rmar ou afastar a suspeita diagnóslica e orien-
• Estágio l: o ponto de maior prolapso está localizado lcm tar o tratamento e os riscos do tratamento. Antigamente con-
acima do hímen. siderada a pedra angular da abordagem da lU, a urodinâmica
• Estágio 2: o ponto de maior prolapso está entre lcm aci- é hoje utilizada como uma das ferramentas que auxiliam a
ma e lcm abaixo do hímen. abo rdagem dessas pacientes.
• Estágio 3: o ponto de maior prolapso está mais de lcm Como já comentado, o estudo urodinâmico não está in-
abaixo do hímen. dicado em wdas as pacientes, uma vez que, após avaliação
• Estágio 4: eversão completa. inicial, pode-se instituir um tratamento na grande maioria
dos casos. Aquelas que não melhoram com o tratamento con-
Um exame neu rológico simplificado deve ser realizado
sen,ador instituído ou que se apresentam com incontinência
com o objetivo de avaliar a inervação periférica. Para tanto, complicada devem submete r-se ao exame.
testam-se o reflexo bulbocavernoso (estimulação do clitóris
Alguns estudos revelaram que nas pacientes com inconti-
com contração reflexa do bulbocave rnoso), o reflexo cutâneo nência pura ou predominante e que não apresentam comor-
anal e a sensibilidade da região perineal. b idades a u rodinâmica não mudou o resultado cirúrgico. As-
Como um dos pilares do tratamento é a fisioterapia do as- sim, as principais sociedades não recomendam a urodinãmica
soalho pélvico, é fundamental a avaliação da função da mus- antes da cirurgia do sling nessas pacientes, valendo frisar que
culatura (elevador do ânus) por meio de inspeção e palpação. as indicações mais aceitas são:
Com a paciente em posição gi necológica, e por meio do to-
que, solicita-se a contração desses músculos, observando-se o • Sintomas mistos ou não caracte rísticos.
tõnus e a duração da contração. Esse grupo muscular é mais • Falha no tratamento conservador.
facilmente palpável nas posições de 4 e 8 horas. O grau de • Falha no tratamento cirú rgico.
contração é classificado como: • Antes do tratamento cirúrgico para correção do prolapso
(controve rso).
• Grau 0: sem função perineal objetiva. • História de d ificuldade miccional.
• Grau l: função débil , percebida somente ao wque. • Doenças neu rológicas ou bexiga neurogênica (avaliar risco
• Grau 2: função perineal visível, porém débil ao taque. para o tratO urinârio supe rior).
• Grau 3: função perineal objetiva e à palpação mediana. • História de cirurgia pélvica radical ou radioterapia.
• Grau 4: função perineal objetiva e à palpação mantida.
Apesar de não haver consenso na literatu ra, a maioria dos
• Grau 5: função perineal objetiva e à palpação por mais de
autores recomenda q ue as pacientes com p rolapsos genitais
5 segundos.
importantes sejam submetidas a estudo u rodinâmico no
pré-operatório. O prolapso uterino, algumas vezes, ocasio-
Exame de urina na uma angulação u retra\ que mascara uma incontinência
A urina de rotina e a cultura de urina são pa nes da pro- que pode to rnar-se apa rente após a correção do p rolapso
pedêutica inicial de todos os casos de lU. A infecção do tratO (incontinência oculta). Durante o exame é feita a redução
urinário pode mimetizar todos os sintomas já relacionados. manual do pro lapso e, caso apareça pe rda de urina, deve se r
Além disso, só se realiza o estudo urodinâmico após cons- realizado algum procedimento anti-incontinência durante a
tatada a ausência de infecção. A presença de hematúria deve cirurgia.
levar à suspeita de infecção do tratO urinârio (ITU), cálculos A incontinência recidivada é indicação formal de estudo
ou neoplasias. urodinâmico, não se admitindo nova cirurgia sem o exame.
328 Seção I Ginecologia

São obJeUvos do estudo urodinâmico:


• Reproduzir o sintoma da paciente.
• Avahar a sensação vesical.
• Detectar a hiperatividade do detrusor.
I'Ytt
• Avaliar a compett ncia uretra!. )J
11So
• Avaliar a função do detruso r durante a micção. t:m H20
• Avaliar o trato de saída durante a micção.
• Avaliar a urina residual. ,...
1
No estudo urodinãmico é básica a realização de fluxome- 11S"
cotHZO
tria (F1gura 39.3), cisLOmetria e estudo miccional.
Habitualmente, inicia-se o estudo urodmâm1co pelo estu-
do do fluxo unnáno, que fornece informações sobre o esva-
Ziamento ves1cal.
A pac1ente é instruída a comparecer ao exame com a bexiga
confonavelmente cheia e orientada a urinar na cade1ra de flu- Figura 39.4 Cistometria.
xo. O fluxo urinário é med ido e registrado em mililitros por
segundo (mUs).
Os segui ntes dados devem ser obse rvados: fluxo máxi mo, de 50 a l OOmUmin. Simultaneamente é registrada a pres-
fluxo médio, volume urinado, tempo de fluxo e tempo de são abdominal (PA). A pressão do detrusor (PD) é calculada
hesitação. Valores >150ml são necessários para me lhorar a automalicamente pelas diferenças da pressão vesical (PV) -
interpretação e a acurácia dos dados fluxométricos. pressão abdommal (PA), ou seja, PV - PA = PD. O resultado
Na mulher, o dado mais imponante é o fluxo máximo, que gráfico consiste na mensuraçâo das trts pressões em função
deve ser considerado normal quando >12mUs. Um valor do tempo.
maiS aba1xo pode Significar obstrução m[ra\'eSICal , o que é Existem munas \'<Inações na t&nica da cistometna. Ouro-
raro, ou h1pofunção do detrusar. A dimmUição de função do dinamicista deve segu1r as recomendações da ICS tanto para a
detrusor, apesar de não ser comum, é de extrema 1mponãncia confecção do exame como para relatar os resultados.
quando se pensa em tratamento cirúrgico, pois essas pacien- Os seguintes valores são considerados normais e devem
tes podem perder a capacidade de esvaziamento vesical e so- ser registrados:
frer retenção urinária permanente após a cirurgia.
A cistometria é a pedra angular desse estudo urodinâmico • Urina residual: <lOOml.
(Figura 39.4). Com esse exame é avaliada a fase ele armazena- • Prime iro desejo miccional: 150 a 200mL.
mento elo ciclo miccional, onde acontecem os distúrbios mais • Forte desejo miccional: 300 a 400ml.
frequentes na mulher. • Capacidade máxima: 400 a 600ml.
Na c1stometria, a pressão vesical é registrada enquanto a • Não pode haver dor, urgtncia ou incomintncia.
bexiga é preenchida com soro fisiológico a uma velocidade • Não podem aparecer contrações involuntárias do detrusor.
• Complac~nc1a vesícal: > 12,5mUcmH,O.

Alguns parâmetros devem ser observados com atenção na


cistometna, como:
• ComplacênCia ves1cal.
• Atividade do detrusor.
• Capacidade vesical.
••• •••
••• , . Y' • • • • Sensibilidade vesical.
flow
'• .• G
I
.
••
••
'
'• • ,.
3.. A hiperativiclade do detrusor é diagnosticada quando
acontecem aumentos da pressão do detrusor de maneira fási-
•• ••
ca, acompanhados de urgeneia miccional, enquanto a pacien-
te tema iníb1r a micção.
..
·-..
•• •• Em algumas pacientes, essa pressão aumenta de modo
•• •• •• ••

•• •••
•• ••
..••
••
••
~1
5l1-
conúnuo e tõmco (naquelas que apresentam alterações na
parede ,·esical, proporctonando diminuição de sua compla-
•• ••• ••• cência) .
•• •• Durante a cistometria é realizado o teste de pressão de
'• perda ao esforço com a infusão de 200 a 300ml de liqui-
Figura 39.3 Fluxomelria. do. Na posição em pé, a paciente é solicitada a fazer uma
r
((

Capitulo 39 Propedêutica em Uroginecologia 329

manobra de Valsalva com imensidade crescente. Registra- bexiga dolorosa (CISUte mtersticial), nos casos com hematúna
-se a menor pressão em que ocorre perda unnária; essa é a esclarecer e naqueles suspeitos de fístula vesicovagmal.
a pressão de perda ao esforço (Valsalva). Cabe lembrar que
a incontmtncia urinária aos esforços (IUE) urodinãmicos é Pad test
definida como perda urinária na austncía de contração do O pad test é utilizado para quantificar de maneira objetiva
detrusor durante o esfo rço (tosse ou Valsalva). Dessa manei- a perda urinária antes e após o tratamento da incontinencia.
ra, diagnostica-se a lUE e, ao mesmo tempo, avaliam-se o Para sua realização a pacieme uti liza abso rventes previamente
tipo e a gravidade da incontinência por estresse. Os valores pesados por um perlodo de 24 horas. Ao fim desse tempo os
de perda <60cmH 20 são associados a deliciencias do esfínc- absorventes são então repesados, e a diferença entre os pesos
ter intrlnseco, e os >90cmH20 são relativos à incontinência inicial e final é cons1derada a perda urinária da pac1ente. Em
por hipermobilidade do colo vesical. já os valores interme- 24 horas, um valor >7g é considerado positivo. Esse teste é
dtános podem ser indicativos de assoctaçào de lesões, de- altamente recomendado para pesquisa. sendo opcional na clf-
vendo ser relacionados com a lustóna clrmca e o passado nica diária.
cirúrg1co da pactente.
Em resumo, a cistomelria, a pane maiS Importante do es- Exames de i magem
tudo urodinãmico na mulher, tem como princtpal objetivo Os exames de imagem só de,·em ser utilizados em situa-
estabelecer o diagnóstico diferencial entre hiperatividade do ções espectais, que incluem hematúria a esclarecer, suspeita
detrusor e incontinência aos esforços. de fístula, pacientes com baixa complacência na urodinâmica
No último teste do estudo urodinãmico, o estudo miccio- e em caso de incontinencia neu rogênica. Os mais utilizados
nal (Figura 39.5), o urodinamicista avalia, de maneira mais são ultrassom, tomografia computadorizada e ressonância
detalhada, o esvaziamento vesical. Com a bexiga na capacida- magnética
de cistométrica máxima e com os cateteres para a medida das
pressões, a paciente é orientada a urinar no OuJ<ómetro. Desse PONTOS CRiTICOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS
modo é obuda a pressão de contração do detrusor, que deve Em resumo, a abordagem mais aceita para a inconunen-
ser <30cmH 1O e mantida até o esvaztamento ''estcal comple- cia urinária envolve abordagem inicial (acesslvel a todos os
to. O Ouxo máximo deve ser >12mUs. ginecologiSlas) e especiahzada, que está ind1cada nos casos
A mtcção por manobra de Valsalva é desencadeada somen- complexos e naqueles que não melhoraram com os tratamen-
te quando há aumento da pressão abdommal com o detrusor tos conservadores.
estável. O papel da urodinâmica no pré-operatório da cirurgia de
Nos casos de pressão de detrusor máxima <20cmH 20, po- incontinência mudou, havendo evidências de que seu uso
de-se questionar a d ificuldade míccional nas pacientes que não é obrigatório nos casos de lU pura ou predominante e em
serão submetidas a ci ru rgia. pacientes sem comorbidades. Convém lembrar que esse tipo
de paciente não é muito comum e que são necessários um
Cistoscopia mlnimo de formação em uroginecologia e o cumprimento de
A cistoscopia não é indicada rouneiramente nas pacien- todas as etapas recomendadas para uma abordagem adequada
tes com incontinência, mas é útil nos casos de slndrome da (Quadro 39.1).

; ~ E :e: Quadro 39.1 Grau de recomendaçAo e força de evidênaa

? A avallaçAo da pac1ente com incontinência, que inclu1


~
.•
.•
:
'' -- ~I
....
volume residual. exame de urina e leste de esforço,
nào é inferior à avahaçtlo com urodinàmica para a
paciente com incontinência aos esforços antes da
A

- ....,.
... 1120 cirurgia
-
~ A urodinàmica nao é necessária em todos os casos
·17
(especialmente os com queixas puras que vão A
: • Clltl20 submeter-se a tratamento conservador)
• .•~ .....
,.
~
' o tratamento conservador e os exercícios do assoalho
••'
•• •
_,
• pélvico podem ser recomendados como tratamento A

..
"-
I"
- inicial
A t>'odinàmca deve ser realizada nos casos de

,. -
,,.
•'
...
I
grandes protapsos e nos com redução do prolapso
..~ para detectar a oncontiOência urinária oculta e a
c
!!" ~ hipofunçAo do delrvsor
;
..
I
cu· A urod1nàm1ca deve ser realizada em caso de suspe1ta
; .A : de comptacênc1a alterada ou hiperatividade do
c
• _ lO.: detrusor nas pac1entes com urgência e nas quais
estào sendo considerados tratamentos invasivos
Figura 39.5 Estudo miccional.
/.

'
'/
J 330 Seção I Ginecologia

Leitura recomendada sling surgery for female stress unnary inconbnence? lnt Urogyne-
Abrams P, Anderson KE, Birder Letal. RecommendatiOns oi lhe on- col J 2010, 21 :303-9.
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CAPÍTULO

Tratamento da Incontinência Urinária


Márcia Salvador Géo
Rache/ Silviano Branddo Corrêa Uma
Cláudia Lourdes Soares Laranjeira

INTRODUÇÃO • Frequência urinária diurna aumentada: queixa da pa-


A incontinência urinária (lU) é sintoma comum entre as ciente que cons1dera que vai ao banheiro urinar mais fre-
mulheres, esumando-se que 13% a 39% relatem eplS6dios, quentemente do que as outras pessoas de seu convívio ou
com uma médta de 17%, dependendo dos cntérios e das com ma1s frequência do que antes (sinônimo de polaciu-
defimções uuhzados nos esiUdos. Durante mutto tempo, os ria). A frequenc1a dmma aumentada pode ser um smal
estudos sobre as disfunções do trato unnáno bruxo se basea- apõs a reahzação do d1ário urinário.
ram em terminologias dh·ersas e linguagem tmprecisa, o que • octúria: relato da paciente de que é obngada a levantar-
muito dtficultou a troca de informações entre os serv~ços es- -se durante o sono, à noite, uma ou mais vezes para urinar.
pecializados. A padronização da terminologia e das técnicas Pode tornar-se um sinal se relatada no diário urinário.
propedêuticas em uroginecologia se tornou uma necessidade • Enurese: perda involuntária de urina; enurese noturna se-
e, por essa razão, a partir de 1976 a Sociedade Internacional ria a perda involuntária de urina durante o sono.
de Continência Urinária (JCS) iniciou essa padronização sem- • Urgência: queixa de desejo premente de urinar, di fícil de
pre com versões e atualizações. A descrição da padronização ad iar. A expressão urgência sensorial e o termo motora fo-
da ICS não é o objetivo deste capítulo, mas algumas de suas ram retirados.
definições den~m ser descritas para melhor entendimento do • Incontinência urinária contínua: queLxa de perda conti-
tratamento da mcontinência urinária. nua de unna.
• Outros tipos de incontinência: perda urinária suuacto-
SINTOMAS (QUEIXAS REFERIDAS PELA PACIENTE nal, como, por exemplo, durante o coito ou crtSe de riso.
OU CUIOADDR) • Sindrome da bexiga hiperativa ou bexiga hipe rativa
• Incontinência urinária (lU): é caracterizada por qualquer (síndrome da urge-incontinência ou sind rome da urge-fre-
perda involuntária de urina. Caso seja demonstrada objetiva- quência): urgência associada ou náo a incontinencia geral-
mente ou seja um problema social e/ou higiênico, isso deve mente com frequência e noctúria na ausência de infecção
ser estudado na propedêutica. Com a recente modificação do urinária ou outra patologia de base.
conceito, a demonstração da perda seria objeto de exames, • Sinais s uges tivos de disfunção d o trato urinário baixo:
como o teste de esforço, e o impacto da perda urinária na na seção de padronização são descritas as fe rramentas ca-
vida social da paciente deve ser medido por questionários de pazes de medir a frequência, a intensidade e o impacto dos
qualidade de vida específicos e validados no 1dioma do pais. sintomas do trato urinário baixo. O diário urináno é um
• Incontinência urinária de esforço (IUE): constSte na método capaz de medir a frequência em 24 horas, d1urna
que1xa de perda urinária por esforço, exercíCIO, tosse ou e noturna, o \'Oiume urinado, os episódios de perda unná-
esptrro. ria, o uso de protetores higiêrticos, ingestão hídrica, grau e
• Incontinência por urgência miccional: quetxa de perda urgencta e mcontmênc1a.
involuntária de urina associada ou preced1da por urgência.
• Incontinência urinária mista: que1xa de perda im·olun- EXAME FÍSICO
tária de urina associada à urgência e a esforço, exercício, O sinal de lU é defi nido como a perda de urina obser-
tosse e espi rro. vada d urante o exame fisico, que pode se r uretra! ou ex-
331
/"
)/:
I 332 Seção I Ginecologia

trauretral. O sinal de IUE consiste na observação de perda • Passado de cirurgia pélvica radical.
urinária pela uretra que ocorre de maneira sincrônica ao • Suspeita de fistula urinária.
esforço. • Presença de massa pélvica.
• Presença de volume restdual >I OOml.
Observações urodinâmicas e condições • IU associada a doenças neurológicas que possam cursar
• Hiperalividade do dctrusor: observação urodmãmica da com disfunção unnária (dtabetes com neuropatta, doen-
presença de contrações mvoluntárias do detrusor durante ça de Parkinson, esclerose múlttpla, mtelopauas, actdente
a fase de enchtmento, as quats podem ser esponlâneas ou \'3SCular cerebral etc.).
pro,·ocadas.
Os fluxogramas para avahação tmcial e espectahzada da
• Hiperalividade fásica do detrusor: ocorrência de contra-
ções em ondas que podem ou não estar associadas à perda abordagem da lU na mulher se encontram disponlvets nas
Figuras 40.1 e 40.2.
urinária.
• Hiperalividade terminal do detrusor: ocorrência de uma
única contração mvoluntária do detrusor na capacidade Incontinência urinária de esforço (IUE)
cistOmétrica máxima que resulta em incontinência geral- Também denominada incontinencia por causa anatõmica,
mente com esvaziamento vesical. Essa condição é subdivi- a IUE tem tratamento eminentemente cirúrgico. Apesar dis-
dida em dois grupos: so, estudos com a aplicação de técnicas de fisioterapia, que
- Hiperatividadc do dctrusor idiopática (antiga insta- incluem a cinesioterapia e a eletroestimulaçào, demonstraram
bilidade vesical): é defi nida como as contrações invo- taxas de cura significativas (50% a 90%).
luntárias durante o enchi mento, espontãneas ou provo- Assim, a partir de 1998, a OMS e a ICS publicaram al-
cadas, sem que haja causa definida. gumas recomendações para a abordagem da lU, como a de
- Hiperatividadc do detrusor ncurogênica (antiga hi- que o tratamento primário da IUE seria o lisioterapêutico e a
per-reflexia d o d etrusor): de unida como a hiperalivi- de que apenas em casos de falha seria ind icado o tratamento
dade do detrusor que ocorre em pacientes com doença c irúrgico.
neurológica relevante (que cursa com hiperalividade do O tratamento fisioterapeutico tem como base a reedu-
detrusor). cação do assoalho pélvico, o que constSuria em reaprender
um reflexo importante de contração da musculatura do as-
soalho pélvico diante do aumento da pressáo abdominal,
CONDUTA EM CASO DE INCONTINÊNCIA URINÁRIA (lU)
devendo, portanto, ser oferecido a todas as portadoras de
Entre as patolog•as que causam diSfunção miccional na
IUE. O tratamento conservador consiste no tremamento da
mulher, duas são pantcularrnente frequentes e importantes: a
contração voluntária do assoalho pélvtco por meto de exer-
hiperativtdade do detrusor e a IUE. Em gmecologia é muito
cícios (cinesioterapta) ou por esl!mulo elétnco das paredes
importante urna boa dtferenctação dessas duas patologias, pois
,·aginais naquelas mulheres mcapazes de reahzar a contra-
seu tratamento dtfere bastante. Estudos da hteratura re'·elam
ção voluntária desse grupo muscular (eletroesumulação).
que, quando não é reahzado o estudo urodmãnuco, o erro no
Essa modalidade de tratamento está tsenta de efeitos co-
diagnóstico clinico é de aproxtmadamente 40%, o que significa
laterais, apesar de apresentar indices menores de sucesso
que cirurgias desnecessárias serão reah.zadas em 40% das pa-
em longo prazo e de contar com poucos estudos com re-
cientes. Atualmente é grande a discussão em relação à utilidade
sultados a longo prazo (nível de evtdencia (NE( 4 e grau de
do estudo urodinllmico nos casos de !UE pura. Vários estudos
recomendação (GRI A). Deve ser realizada com supervisão
randomizados foram realizados para avaliar o papel desse es-
fisioterapéutica, e a cinesioterapia se revela melhor do que
tudo. As revisões sistemáticas e metanálises realizadas indicam
os cones vaginais (NE 1).
que nas mulheres com IUE pura após avaliação uroginecoló-
Além d isso, estudos demonstram que a cinesioterapia in-
gica adequada o estudo urod inâmico em nada acrescentaria
tensa e supervisionada di minui o risco de lU após o parto, in-
para o sucesso do tratamento. Todavia, o diagnóstico da bexiga
dependentemente da via, em gesta ntes primfparas. Também a
hiperativa é considerado clinico, não necessitando, portanto,
reeducação dos músculos do assoalho pé lvico (MAP) no pós-
de estudo urodinâmico, desde que feita a avaliação detalhada e
-pano diminui a incidencia de lU até 8 semanas pós-parto. A
selecionadas as pacientes com lU complicada.
De acordo com a lnternational Consultation in Cominence fisioterapia do assoalho pélvico deve ser oferecida durante a
gravidez e no pós-parto, principalmente às primlparas, com o
(ICI), uma entidade ligada à !CS e à Organização Mundial
da Saúde (OMS), o estudo urodinâmico seria obrigatório nos objetivo de prevenir a lU (NE 112 e GR NB).
seguintes casos de lU complicada: O tratamento cirúrgico continua apresentando taxas de
sucesso maiores, porém pode causar morbidade em virtude
• lU recorrente. do risco inerente aos procedimentos cirúrgicos ou por cau-
• lU associada a dor e/ou hematúna. sar outros distúrbios do assoalho pélvtco (bextga luperam·a e
• Suspetta de dtficuldade micetonal. prolapso genital). Várias são as técnicas ctrúrgtcas uuhzadas
• Presença de prolapso gemtal tmportante. para o tratamento da IUE (Quadro 40.2), as quais podem ser
• lncontinencia persiStente ou recorrente após radioterapia. di\;didas em cinco grandes grupos:
:\.
r
((

Capítulo 40 Tratamento da Incontinência Urinária 333

História Incontinência na Incontinência lnconlinência Incontinência urinária


Sintomas alividade física, com sintomas com urgência e complicada
tosse ou espirro mistos frequência
• Incontinência recorrente
• Dor
• Hematúria
Avaliação clínica geral • Infecção recorrente
• AvaliaÇão dos sintomas urinários (incluindo frequência/vOfume, diário • Irradiação pélvica
e questionáiios específicos) • Cirurgia pélvica radical
• Avaliar qualidade de vida e desejo de tratamento • Suspeila de fístula
' • Exame físico: a bdominal, pélvico e perineal • Sintomas micciooais
Avaliação
• Teste de esforço para demonstrar a incontinência, se apropriado
clínica
• Exame de urina e urocultura _. se infectado: 1ra1ar e reavaliar

Se apropriado:
Se outras anomalias
• Avaliar o estado estrogênico e 1ra1ar confO<me indicação
• Avaliar a con1ração muscular d o assoalho pélvico (p . ex .. volume res1d ual
• Avaliar resíduo pós·miccional sigOJficalivo. grandes
prolapsos. massas péiVtcas
IL JL JL
obstrullvas)
Incontinência Incontinência Bexiga hiperativa
Diagnóstico
urinária de esforço urinária mista (com ousem
presumido urge-lncontlnênc./s presumida
presu mida ( trstsr smbos
os sintomas) por h/persthlldsde detrusora)

• IntervenÇões no estilo de vida


• Retreinamento da musculatura do assoalho pélvico para IUE e bexiga
Tratamento hiperativa
• Retreinamento vesical para bexiga hiperativa
• Tratamento medicamentoso

Outros: eletroestimulaçio, dispositivos vaginais ou uretrais

11. FALHA
TRATAMENTO ESPECI41!74DO

Figura 40.1 Acompanhamento inicial da incontinência urinária feminina. (ICS, 2009.)

História
Sintomas
Incontinência na
atividade física,
Incontinência
com sintomas
Incontinência
com urgência e
Incontinência urinária
complicada
I
tosse ou espirro mistos frequência
• Incontinência recorrente

'
Avaliação
clínica
Avaliar prolapsos de 6<gãos pélvicos
.n.
Considerar avaliaÇão ullrassonográfica de assoalho pélvico
Urodinâmica
J
.n. • Dor
• Hematúria
• Infecção recorrente
• Irradiação pélvica
• Cirurgia pélvica radical
----. • Suspeita de fístula
• Sintomas micciooais
Incontinência Incontinência Hiperatividade Incontinência
urinária de urinária detrusoralbexiga u rinaria
esforço mista h iperativa associada a
déficit de
Diagnóstico
esvaziamento Consldentr
presumido
vesical
• Uretrocistoscop ia
~ • Outros exames de
Obstruçlo Hipoatividsde imagem
vesical detrusors

Se terapia Inicia l Se terapia Inicia l Corrigir obstrução Patologia/anomalia


falhar: falhar: veslcal
do trato urinário
• Cirurgia para IUE • Toxina botulínica anatômica
Tratamento • Agentes de • Neuromodulação (p. ex: prolapsos)
Cateterlsmo
preenchimento
• Slíngs ou faixas
• Colpossuspensão
I
• AmpliaÇão
vesicaJ
I
Intermitente Corrigir anomalia
Tratar p atologia

Figura 40.2 Acompanhamento especializado da lU. (ICS, 2009.)


/"
)/:
I 334 Seção I Ginecologia

Quadro 40.1 Nfvel de evidência das modalodades terapêuticas da Os estudos pregressos mostram que as cirurgras endoscópicas
incontinência de esforço
não devem ser utilizadas para o tratamento da mconunênda
Dlslunçio Tratamento Nlvel de evidência/ de esforço em vinude da auséncra de durabthdade (GR A).
grau de
recomendação Cirurgias retropúbicas
Incontinênci a de Fasoc>terapoa NE~RA As drurgias retropúbrcas são as uuhzadas por gmeco-
rrtaiS
esforço
Têenoca de Burch NE 1K3RA logistas, e as principais técmcas são a colpossuspensão à Burch
Slmg autOiogo NE 1K3R A e a cislopexia à ~arshall-Marchetu-Krantz. A pnnetpal dtfenen-
Slmg sonté~co retrop(Jboco NE 1K3R A ça entre as duas técmcas citadas é a de que na de Burch é fixa-
da a fáscia vaginal ao hg;tmento de Cooper e na de Marshall-
Slong sonté~co NE 1 e2/GRA
rransobturarOroc> -~archeui-Kramz o tecido penuretral é rtxado ao penósteo da
sínfise púbica. A literatura apresenta altos lndrces de sucesso,
de 70% a 90%, e durabilidade, 70% a 80% em 5 anos. O pro-
Quadro 40.2 Fárrnacos que onterferem na função do trato urinário baixo cedimento de Marshall-Marchetu-Krantz tem a desvantagem
de causar oste!te púbica em aproximadamente 2% a 4% dos
Agonlstas adrenérglcos Antlcollnesteráslcos
Efedrina
casos. Segundo as principais revisões sistemáticas, essa técnica
Brometo de distigmina
Pseudoefedrina Prostaglandlnas não deve ser utilizada para o tratamento ela lU E (GR A).
Fenilpropanolamina Danoprostone A técnica ele Burch pode acarretar prolapso ele parede pos-
Antldepresslvos trlcfcllcos Misoprostol terior da vagina em razão da mudança no eixo da vagina (ante-
lmipramlna Antlmuscarlnlcos
Amilriplilina Brometo de propantelina riorização), principalmente enterocele (em até 20% dos casos).
Estrogênios Brometo de emeprOnio Ambas as técnicas podem causar instabilidade do detrusor em
Estradiol Tolterodina ll% a 15% dos casos, dificuldade miccional e obstrução uretra!.
Estrogênios conjugados Danlenacina
A técnica descrita por Burch é a cirurgia mais estudada a
Estriol Solilenacina
Bloqueadores Antagonistas do cálcio longo prazo, o que a torna o procedimento clássico para o
a-adrenérgicos Nofedopina tratamento da IUE. Com o surgimento das técnicas de sling
Prazosina Verapamol sintético não tem sido assim tão realizada , mas continua sen-
Terazosina Aunanz1na
Doxazosina Antldepresslvos trl cl clleos do uma técnica consagrada (NE I A). Atualmente, os slings
Relaxantes musculares Amotnp~lona sintéticos são mais utilizados do que essa técmca por acarre-
Benzodiazepfnicos lmopramona tarem menos morbidade e apresentarem sucesso semelhante.
Bacofleno Açio mista
Dantrolene sódico Oxlbu~nona
Collnérgl cos DociOmna
Slings retropúbicos
Betanecol Os slings retropúbrcos consiSlem na colocação de matenats
Carbacol sintéticos ou tecidos autólogos suburetratS com o objeUvo de
sustentar e along;tr a uretra (Figura 40.3). Essa técruca era reser-

Cirurgias por via vaginal


A mais clássica e amplamente utilizada no passado é a de
Kelly-Kennedy, descrita no mlcío do século XX e pouco preco-
nizada no momento para o tratamento da lU. Essa técnica caiu
em desuso após o relato de taxas de cura/melhora muito baixas
para a lU ( 40%). No entanto, continua sendo utilizada em casos
de prolapso. Uma variação é a cirurgia ele Beck e McCormick,
que mostrou lndices ele sucesso significativos. A colporrafta an-
terior não eleve ser uti lizada no tratamento da IUE (GR A).

Cirurgias endoscópicas
Jnicialmenre descritas por Pereira e modificadas por vários
autores, as cirurgias endoscópícas consistem na colocação de
sutura na [áscia vaginal até a aponeurose do reto abdominal
através de agulha . Após a passagem dos fios é realizada cis-
toscopia para o diagnóstico de pontos eventualmente imrave-
sicais. As principais vartaçOes são as ctrurgias de Raz, Stamey
e Gittes (caractenzada pela abordagem extra,·aginal). Foram
utilizadas pnncipalmente pelos urologtstas, mas estudos pros-
pectivos revelaram resultados a longo prazo muno in[eriores
aos descritos para as ctrurgias com base na colpossuspensão. Figura 40.3 Silng sintétoco suprapúboco.
\.
r
( I

Capitulo 40 Tratamento da Incontinência Urinária 335

vada para casos recorrentes e seu ind1ce de sucesso gtranl em


tomo de 50% a 60%. A panir do final dos anos 1990, \'ários tra-
balhos na literatura foram publicados com a utihzação do sling
autólogo de fáscia de músculo reto abdominal como técnica de
primeira escolha. Em 1998 foi lançado no mercado um kit para
realização de um sling sintético (faixa de prolene macroporoso),
denominado tensionfree vaginal tape (TVT), sem necessidade de
abenura da parede abdominal, pois a fai.xa é colocada sem ten-
são, não necessitando fixação em nenhuma estrutura.
Vános centros no mundo já utilizam essa técnica, descrita
por Ulmsten e patenteada pela Jonhson. Na atualidade, ponan-
to, as técnicas de sling sintético vém sendo bastante estudadas e
utilizadas no tratamento da lU com melhores taXas de sucesso
do que as da colpossuspensão à Burch e 1guaLS às dos slings autó-
logos (NE 112). Os slings sintéticos retropúb1cos exigem menos
tempo de cirurgia, mas recuperação e retomo às ath~dades mais
rápidos do que a colpossuspensão e acarretam menos disfunção Figura 40.5 Passagens dos sllngs retropúbioo e transobturatóno.
(Reproduzida de Riss P, Hinterholzer S. Maintaining standards for sur-
urinária e prolapso do que a colpossuspensão à Burch. Por ou- gery for female urinary incontinence. Maturitas 201 0; 65[ 1):5-10, com
tro lado, as perfurações vesicais são mais comuns com os slings permissão.)
retropúbicos (NE 112). Segundo as revisões atuais, os slings re-
tropúbicos têm grau de recomendação A no tratamento da lU.
Mini-slings
Slings transobturatórios Em 2006 f01 lançada urna nova técnica de sling sintético
Em 2001, urna variação da técnica de sling smtéuco foi des- - o mini-sling ou shng de incisão única. Descnta IniCialmen-
cnta por Delonne e cols. com passagem da agulha por meio te em 1987 por Sm1th e cols., o entusiasmo por essa técni-
do fora.me transobturatório de um lado e do outro, evttando o ca reacendeu em 2006 com o objetivo de d1mmu1r amda
nsco de lesão vesical e uretra! comum às técn1cas rel!'Opúbicas mais as complicações das técnicas retropúbica e transobtu-
(Figura 40.4). Essa variação vem sendo amplamente uúlizada ratória. Consiste na fixação do sling na fáscia endopéh•1ca
por serviços especializados com resultados semelhantes (NE peno do ramo do pube bilateralmente. Em 2011 , Abddei-
112). Alguns estudos sugerem que a via transobturatória seria -Fanah e cols. publicaram u ma metanálise sobre os resulta-
menos obstrutiva e com menor taxa de retenção pós-operatória d os dos miní-slíngs e concluiram que esses tive ram resu ltado
(NE 3). No entanto, ainda há um questionamento se seria a via inferior quand o comparados com os slings retropúbicos e/ou
adequada para aqueles casos de IUE mais graves e com baixa transobturató rios. Recentemente, foi publicada uma revisão
resistencia uretra!. Entre os ginecologi5las, a via transobturatória da Cochrane especificamente sobre os mini-slings. Foram 31
vem sendo a mais utilizada com índices de sucesso comparáveis trabalhos randomizados, abrangendo 3.290 pacientes, que
aos dos shngs retropúbicos. As revisões sobre o terna concluem mostraram um sucesso menor em relação aos slings retropubi-
tratar-se de urna técnica com resultados compará,-eis aos do cos e transobtura.tórios, além de um indice rna1or de extrusão
sling reU'Opúb1co (NE 112), e os estudos de méd1o e longo prazos da faixa para a vagma. Nessa re,·isão, todos os estudos roram
demonstraram cura subjetiva semelhante à do slmg retropúbico realizados com o TVr-secur*, material retirado do mercado
com menos morbidade (tempo operatóno, perfuração vesical, por se mostrar pouco eficaz. Ainda são aguardados os resul-
lesão vascular e dificuldade miccional) (figura 40.5). tados com outros hits de mini-sling para a comprovação da
eficácia dessa técnica.

Slings autólogos
Os slings autólogos de faixa de aponeurose estão listados
como técnica opcional e são utilizados com sucesso seme-
lhante ao do Burch mesmo nos casos primários (GR A) (Figura
40.6). Em revisão recente, esses slings (faixa de aponeurose do
reto abdominal) foram d1vididos em slings tradicionais, como
aqueles colocados no nivel do colo vesical classicamente e in-
dicados para pacientes com deficiência esfincteriana, com vá-
rias cirurg1as pequenas e com a uretra sem mobihdade, e nos
slings autólogos de uretra média criados por Aldridge nos anos
1940 e postenonneme publicados por Me Guire e Blaivas, em
1993, como prime1ra escolha no tratamento da IUE. A con-
Figura 40.4 Sling sintético transobturatório. clusão foi a de que os slings autólogos de faixa de aponeurose
/.

'
'/
J 336 Seção I Ginecologia

Figura 40.6 Sling autólogo. A Ajuste suprapúbico. B Faixa de aponeurose sob a uretra média.

são eficazes e duráveis, embora possam evoluir com maior xano elastõmero (Macroplastique"') e poliacrilamida hid rogel
taxa de di ficuldade miccional e retenção uriná ria (NE 1), (Bulkamid"').
principalmente os de colo vesical. Os autólogos de uretra mé- A técnica consiste na injeção periuretral ou transuretral do
d ia apresentam eficácia 20% maior do q ue os tradicionais no agente sob visão citoscópica. A média de repetição das injeções
tratamento da IUE. Além d isso, o tem po operató rio e as com- para se alcançar a continência gira em torno de 1,5 injeção por
plicações foram menores (NE l). paciente, o que eleva seu custo. Atualmente, essa modalidade
de tratamento só deve ser considerada como opção em casos
Injeções periuretrais m uito específicos e desde que a paciente esteja ciente de q ue a
Na década de 1990, as injeções periuretrais eram muito uti- durabilidade é pequena. A eficácia é menor quando com parada
lizadas nos EUA. Trata-se da injeção de agentes que preenchem à de outros procedimentos cirúrgicos (NE 213; GR D). Cabe
o terço méd io da uretra e aumentam sua resistência, melhoran- ressaltar que alguns estudos relatam bons resultados das inje-
d o a continência. O agente mais estudado era o colágeno bovi- ções periuretrais de células-t ronco; no entanto, ainda não há
no (Contigen"'), o qual recentemente se tOrnou obsoleto e foi estudos randomizados com grande número de pacientes para
retirado do mercado. A limitação da técnica seria a necessidade avaliação dessa modalidade de tratamento (Figura 40. 7).
de injeções múltiplas para alcançar a continência, uma vez q ue
ocorre a absorção variável do agente, além da migração de par- Tratamento medicamentoso
tículas injetadas. Classicamente é indicada em pacientes com A parti r de 2007 uma d roga passou a ser estudada para o
deficiência esfincteriana, com IUE recidivada pós-cirurgias, tratamento da IUE - a duloxetina. Trata-se de um inibido r da
com pouca ou nenhuma mobilidade uretra!. Atualmente exis- recaptação de serotOnina e norad renalina lançado inicialmente
tem quatro opções disponíveis: apatita de cálcio (Coaptite"'), para o tratamento da depressão. Estudos randomizados obse r-
carbono encobeno com zircõnio (Durasphere"'), poli meti!silo- varam melhora/cura de perda urinária em pacientes usuárias

Figura 40.7 Desenho esquemático- Injeção periuretral.


r
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Capitulo 40 Tratamento da Incontinência Urinária 337

da duloxeuna, sendo considerada uma opção para o tratamen- • Tabagismo: ex151e evtdência ainda fraca de que o fumo au-
to não Ctrúrgico. O mecanismo de ação se dá pelo estimulo mente a incidêncta de lU como fator independente (NE 3).
continuo e progressim do rabdoesfincter no centro sacral da • Ingestão hídrica: se em excesso (demonstrada no dtário
mtc<;ão, durante o enchimento, sem interferencias em seu rela- urinário), sua diminuição melhora a frequência de eptsó-
xamento durante a micção. Apesar de os estudos controlados dios, mas a restrição hld rica de 25%, desde que a ingestão
e randomizados demonsLrarem boa resposta, foram relatadas não seja <l.OOOml, parece ser uma vantajosa arma tera-
reações adversas importantes nos EUA, imped indo a introdu- pêutica ( GR B).
ção oficial desse medicamento no tratamento da incontinên- • Cafeína: essa substância tem demonstrado exacerbar os sin-
cia de esforço (a principal reação adversa foi o aumento no tomas (NE 3). A redução da ingesláo de cafelna tem GR B.
lndtce de suicídio entre as usuárias do medtcamento). • Controle da constipação intestinal: essa disfunção pode
Atualmente essa medicação está disponível no Brasil para o ser fator de riSCO para incontinência pelo esforço evacua-
tratamento da depressão, não inclumdo a mcontmência. Em tório crõmco que acarreta (i-IE 3). Mais estudos são neces-
2010, estudos de coone mostraram ba001 aderêncta à dulo- sários para eluctdar o real impacto do esforço evacuatóno
xeuna - 31% continuaram o tratamento apóS 4 semanas e crOntco na lU.
somente 12% em 4 meses. Os autores concluem que a duloxe-
tina só deve ser usada em casos selectonados em que a cirurgia A maior parte dos fármacos usados para o tratamento da
não pode ser realizada. A União Europeia oficializou seu uso bexiga htperativa age bloqueando os receptores cohnérgi-
para incontinência, atentando para os efeitos adversos e a baixa cos/muscarlnicos na bexiga; no entanto, em razão da ação
aderencia (NE 2 e GR C). não especifica para receptores M3 ( responsáveis pela con-
tração detrusora), os efei tos adversos são muitos e respon-
Bexiga hiperaliva sáveis pela descontinuidade do tratamento em muitos casos
Ao contrário da IUE, considerada anatõmica, a bexiga hi- (Figura 40.8).
perativa é considerada funcional. A partir da padronização As técnicas comportamentais e fisioterapêuticas incluem:
de 2002. reforçada na de 2010, a beXIga hiperativa passou • Retreinamento vesical: também denominado mtcção com
a ser constderada urna síndrome cllmca caracterizada pela hora marcada, consiSte na orientação à paciente sobre a diS-
quetxa de urgência, frequência e noctúria associada ou não função assoctada à mtcção de horário, ou sep, a pactente
à urge-mcontinência. Esse novo concetlo nos autonza a ini- será onentada a unnar em imen·alos rígidos, com aumento
ciar o tratamento sem a necessidade do estudo urodinãmico. de 15 a 30 mmutos por semana, na medida em que os epi-
Quando esse estudo demonstra a presença de conLrações não sódios de lU deixam de acontecer. Ainda não se estabeleceu
inibidas do detrusor associadas à sensação de premência de na literatura um protocolo para o retreinamento vesical. Os
urinar (urgência), é detectada hiperatividade do detruso r, que estudos mostram NE 1 como tratamento efetivo da bexiga
pode ser idiopática ou neurológica (se existe doença neuro- hiperativa (GR A) de primeira linha; entretanto, mais estu-
lógica influenciando o aparecimento dessas contrações). Em dos de boa qualidade são necessários, de modo a comparar
aproximadamente 90% dos casos não se encontra patologia o retreinamento vesical com outros tratamentos.
alguma ou causa primária para esse distúrbio funcional do • Cinesioterapia com ou sem biofeedback: é uma maneira
músculo detrusor. de a paciente visuahzar sua evolução durante o tratamen-
Várias são as teorias e as pesquisas nessa área, mas até o to fistoterapeuuco. Amda não há e-idência do real papel do
momento não se conseguiu esclarecer sua verdadetra causa. biofudback na melhora do resultado (GR A). A cmestoterapta
Alguns a constderam distúrbio emmentemente pSicossomáti- demonstrou ser melhor do que o placebo no tratamento da
co, enquanto outros a classificam como deseqUtllbrio de neu- bexiga htperauva (NE l). A cinesioterapia supei'VIStonada de
rotransmiSSores. O fato é que essa patologta tem tratamento maneira SIStemática por fisioterapeuta se mostrou melhor
basicamente clin ico, por meio de medicamentos ou técnicas do que os programas em que a paciente faz os exercidos
comporta mentais, ou ai nda uma associação de ambos. Os ín- sozinha, existindo dúvida se seria melhor a cinesioterapia
d ices de sucesso variam de 40% a 80%. em grupo ou individual. A cinesioterapia é efetiva e deve ser
Além dessas modalidades de tratamento, deve-se semp re recomendada para pacientes incontinentes (GR A). A cine-
lembrar das medidas gerais que podem melhorar ou até mes- sioterapia supervisionada é efetiva e Deve ser oferecida às
mo cura r a paciente sem necessidade de medicamentos. A pacientes incontinentes como primeira linha de tratamento
literatura destaca cada vez mais a importância dessas medidas (GR A). Especificamente em estudos com pacientes porta-
para o tratamento da bexiga hiperaúva assoctada à orientação
doras de bext~ hiperauva ou com a assoctação de bextga
dos pactentes. hiperauva e IUE foram enconLrados os segumtes resultados:
Como medtdas gerais que têm evtdêncta ctentlfica de me-
a cinestoterapta supen'isionada foi melhor do que cones va-
lhora destacam-se:
ginaís (GR B), a cinestoterapia foi melhor do que oxtbuti-
• Obesidade: é fator de risco independente para lU com NE nina (GR B) e a cinesioterapia comparada ao btofeedback é
1, e a perda de peso, além de melhorar outras comorbidades, Lratamento efetivo de primeira hnha no Lratamento da bexiga
pode diminuir a incidência de incontinência uri nária (GR A). hiperaLiva (GR B).
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J 338 Seção I Ginecologia

Localização Efeitos adversos

Írisfcorpo ciliar ----+ Borramento de visão

Glândulas lacrimais - -•1> Olhos secos

Glândulas salivares - -• Boca seca

Coração - - - - - -• Taquicardia

Vesícula biliar

Estômago - - - - - • Dispepsia

Cólon - - - - - - - Constipação intestinal

BEXIGA

Adinamia, sonolência, déficit de


Sistema nervoso central - - - - - - - - - - - - - - - - - - -•
memória e redução da função cognitiva
Figura 40.8 Localização de receptores muscarlnicos e efeitos adversos de agentes antimuscarínicos.

• Eletroestimulação: método de estimulação elétrica da pa- 6 horas, wherodina, 4mg/dia; dariferacina, 7,5 a 15mg/dia;
rede vaginal, dos nervos periféricos e do canal anal que leva solifenacina, 5 a 15mg/dia.
à inibição do detrusor e à melhora significativa dos sinto- • Ação mista (antiespas módica e anlicolinérgica): clori-
mas. As taxas de sucesso da literatura variam de 30% a 77%. drato de oxibutinina, 2,5 a 10mg, três a quatro vezes ao
Existem poucos estudos especificamente sobre os sintomas dia; flavoxatO, 200mg, quatro vezes ao dia.
da bexiga hiperativa, e o grande problema desses estudos • Antidepressivos Lricíclicos: imipramina lO a 25mg, três
reside na grande variação de protocolos de estímulos elétri- vezes ao dia; cloridraLO de amitriptilina, 10 a 25mg, três ve-
cos, o que tem dificultado muitO o entendimento do impactO zes ao dia.
da eletroestimulação na bexiga hiperativalhiperatividade do • Bloqueadores dos canais de cálcio: terodilina, 12,5 a
detrusor. A eletroeslimulação é melhor do que nenhum tra- 25mg, a cada 12 horas (não disponível no Brasil).
tamento (NE 2), mas não se mostrou melhor do que a cine-
Quadro 40.3 Fármacos usados para o tratamento da bexiga hiperativa
sioterapia e do que outros tratamentos, como medicamentos
e níveis de evidência científica
de primeira linha. Os estudos deverão deter-se mais sobre a
eletroestimulação na melhora dos sintomas de bexiga hipe- Fármaco Nlvet de Grau de
evidência recomendação
rativa (NE 3). A associação da eletroeslimulação a progra-
Tolterodina
mas isolados de cinesioterapia ou associados a biofeedback
Oxibutinina
não melho rou os resultados do tratamento (GR B). Solifenacina
Nível 1 A
Dariferacina
Os principais medicamentos utilizados no tratamento da Desmopressina
hiperatividade detrusora são (Quadro 40.3): Trospium
Propantelina Nível 2 B
• Anlimuscarínicos: brometo de propantelina, 15 a 30mg a
cada 6 horas; brometo de emeprõnio, 100 a 200mg a cada
lmipramina Nível3 c
r
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Capítulo 40 Tratamento da Incontinência Urinária 339

• Inibidores da prostaglandina: indometacina 25 a 50mg, seletivas. Alcançam 8% a 70% de sucesso, mas estão associa-
quatro vezes ao dia. das a alto lndice de complicações, pnncipalmente a retenção
• An tagonistas B3: M1rabegron•. urinária. Essa modalidade de tratamento tem sido cada yez
menos utilizada após o surgimento da toxma botullmca e da
A pnme1ra hnha de tratamento para a h1peralividade ,·e-
sical consiSte em terapm comportamenml com modificação neuromodulação sacra!.
do hábno m1ccional assoc1ada aos fármacos anúmuscarfnicos Neuromodulação
maiS seleuvos, como ox1buumna, tolterodma, darifenacina
A neuromodulação sacral, atualmente o tratamento cirúr-
e solifenacina. O tratamento de segunda lmha é composto
gico mais utilizado, cons1ste no implante de um neuromodu-
por outras med1cações, como urupram1na, amilriplilina, tros-
lador que estimula as raizes sacraiS da medula. Essa técnica
pium, propantehna e desmopressma.
Agentes antimuscarfnicos com maior alirudade por recep- só náo é mais utilizada em razão do altlssimo custo, mas tem
tores M3, como a danferacina e a solifenacina, sáo opções demonstrado resultados animadores nos casos neurológicos
lançadas recentemente no Bras1l com NE 1 e GR A. Essas me- (NE 3). A biblioteca da Cochrane reahzou uma reVIsão siste-
d icações t~m sido muito estudadas e já apresentam estudos mática sobre o papel da neuromodulac;ão sacra! em adultos e
prospectivos randomizados controlados. A principal van- concluiu que esse tratamento é uma boa opção para pacientes
tagem da darifenacina e da solifenacina parece se r a menor com bexiga hiperativa refratária aos tratamentos de primeira
passagem pela barreira hematoencefálica com menor efeitO linha (intolerância aos medicamentos e sua baixa eficácia. É
colateral central (piora da função cognitiva em idosos). considerada a terceira linha de tratamento, tendo sido libe-
Apesa r de os agentes anlimuscarfnicos serem os medica- rada pela ANVI SA em 2004, mas some nte a parti r de 2014
mentos mais uti lizados no tratamento da bexiga hiperativa, começou a se r usada no Brasil, após a ANS ter introduzido
deve-se manter a atenção quanto aos efeitos colaterais e à bai- esse tratamento no rol da med icina privada. O lndice de cura/
xa ader~ncia a seu uso continuo. melhora varia de 70% a 88%.

Toxina botulínica Síndrome da bexiga dolorosa (cistite crônica


A toxina botulrnica é uma neurotoxma produzida pelo Clos- intersticial)
tridium botulinum , CUJO mecanismo de ação está ligado ao blo- Patologia de etiologia desconhecida, a slndrome da bexiga
queio da hberação de acetilcolma, acarretando a paralisia mus- dolorosa se caracteriza por uma sintomatologia de dor ao
cular. A panu de 1999, a tOll.1na botullmca começou a ser usada enchimento \'eSical, urgtncia m1ccional e frequ~nc1a aumen-
por meio de injeções penuretra1s em pac1entes com obstrução
tada. Os sintomas ma1s raros são a urge-mconun~neta e a
uretra( e, mais tarde, por me1o de InJeÇões mtravesicais em
dificuldade miccional. A doença fo1 1mctalmente descma nas
pacientes com h1per-reOex1a do detrusor (NE 2 e GR A) com
pacientes submeudas à rad1oterap1a e se caractenza por perda
resultados animadores. MaiS recentemente tem sido usada na
da elasticidade da bex1ga. causando dor, urgênc1a e frequen-
hiperauv1dade detrusora 1d10páucalbex1ga hiperath-a refratá-
cia. Posteriormente foi 1denuficado um grupo de paetentes
rias NE 3 e GR B. O sucesso é ammador e o nsco de retenção
que apresenta\'am esses smtomas e à uretrocistoscopia exi-
urinária g1ra em torno de 5% a 10% dos casos.
biam petéquias em resposta ao enchimento e úlceras. Recen-
Os estudos sobre a toxma botullnica a colocam como opção
interessante nos casos refratários de d1flcil tratamento com temente a ICS mudou sua nomenclatura e passou a denomi-
a ressalva da caracter!stica do medicamento: é necessária a ná-la s!ndrome da bexiga dolorosa, p01s se trata de slndrome
repetição do procedimento, p01s o bloqueio da placa motora clínica caracte rizada pela dor relacionada com a função
é transitório, e há o risco de retenção urinária com necessida- urinária.
de de cateterismo intermitente, principalmente entre 4 e 12 Essas mulheres normalmente são submetidas a múltiplos
semanas após o tratamento. Nos casos de injeção intravesical tratamentos malsucedidos de infecção urinária ou são abor-
esse tempo se mostrou maior do que nos músculos estriados, dadas como portadoras de dor pélvica crônica
de 9 a 12 meses. A téc11ica é 1·ealizada por meio de uretrocis- O estudo urodinâmico revela baixa complacência, urgên-
toscopia, sendo realizadas 20 a 30 injeções de lml de toxina cia sensorial (urgtncia miccional ao enchimento sem associa-
botullnica (I OUI/ml) dilurda na submucosa e muscular de ção a contrações detrusoras) e baixa capacidade vesical - ca-
tado o corpo da bexiga. A dose recomendada para os casos pacidade cistamétrica <350m L.
neu rológicos é de 200UI e para os casos idiopáticos, de 100 Na uretrocistascopia não se visualíza lesão de parede e no
a l 50UI. reenchimento (com a paciente sob analgesia) é observado o
aparecimento de petéquias na mucosa vesical e às vezes de
Tratamento cirúrgico úlceras, que não são consideradas sinaiS obrigatórios. Na
A abordagem cirúrg1ca é cons1derada a úlúma tentaLi,·a nos biópsia dessas lesões existe um mfiltrado mOamatóno com a
casos resistentes e acentuados. As técrucas cirúrgicas descritas presença de eosinófilos sem Sinais de neoplasia. Atualmente,
são múmeras e tem como objetivo bás1co denen'<lr a bexiga. náo é obrigatória a reahzação de uretroc1stoscopia, a qual visa
Variam desde a InJeÇão de feno! até as neurectomias sacrais excluir doença maligna \'es1cal.
340 Seção I Ginecologia

O tratamento é feito com medicamentos adstnngentes, joint repor! on the term11l01ogy for female pelvic floor dysfunchon.
lnt Urogynecol J 2010, 21.5-26.
como DMSO (dimeulsuUato), e anú-hístamlmcos, como hi-
Herbison P, Arnold EP. Sacral neurornodulation with 1mplanted de-
droxlzma, além de outros fármacos. As taxas de sucesso não vices for urinary storage and voiding dys-funcbon in adults. Co-
passam de 70%. Essa patologia é crônica, apresentando pe- chrane Database Syst Rev 2009, (2):CD004202.
rtodos de crise e acal mia. Kessler TM, La Frambo•se D, Trelle S et al. Sac ral neuromodulation
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logical Association (IUGA)/International Continence Society (ICS) lnternational Consultation on lncontinence, 5. ed. 2013.
CAPITULO

Infecção do Trato Urinário


Uv Braga de Paula
Mtído Barata Diniz
Saulo Santos Estrela Terra

INTRODUÇÃO • Reinfccção: após a cura clínica surge novo episód io de


As infecções do trato urinário (ITU) são as infecções bacte- infecção, e o microrganismo isolado difere do anterior.
nanas maiS comuns nas mulheres, valendo ressaltar que cerca • Infecção uriná ria complicada: expressão uulizada tanto
de 20% delas apresentarão pelo menos um ep1só<ho de ITU para destgnar cismes como pielonefrites, caracteriza-se pela
durante a v1da e aproximadamente 3% a 5% terão dl\·ersos epi- presença de mfecção smtornática em indh1duos com altera-
sódios de recorrência. O risco aumenta cerca de 1% por década ções morfológicas ou funcionais do trato gemtunnáno.
\'I\ida. Nas gestantes, as !TU são responsáveis por 10% das

admissões hospitalares e por até 20% dos partos pré-termo.


A prevalência é maior em três estágios da vida: até os 6 FISIDPATOLOGIA
anos de idade, no inicio da atividade sexual e após os 60 anos, As infecções urinárias na mulher resultam de complexa inte-
quando as taxas de bacteriúria encontradas nessas m ulheres ração entre fatores do hospedeiro e do microrganismo. Na maio-
são de 20% a 50%. ria dos casos. as infecções ocorrem por contaminação ascenden-
te com envohimento sequencial e progressivo de uretra, bexiga
e rins.
CONCEITOS FUNDAMENTAIS
Raramente, em menos de 5% dos casos, a infecção renal
• Bacteriúria assintomática: na maiona das mulheres, a in- pode advir de bactenemia ou disseminação hnfáuca e, por
fecção está restrita ao trato urináno ba1xo. sem a associação
essa razão, os agentes ma1s frequentemente isolados são o Sta-
de smtomas, e a urocultura evidencta apenas um tipo de phylococcus aureus e os do gênero Salmonella.
bacténa com contagem> 100.000 colOnias/mL.
• Piúria: consiste na presença aumentada de leucócitos po-
limorfonucleares na urina (>10 piócitos por campo), os Fatores do hospedeiro
quais evidenciam a resposta innamatória do trato urinário. Anatomicamen te mais predispostas à colonização bacteria-
• Cistite: constitui-se na infecção sintomática mais comum na, as mulheres apresentam uretra de menor com primento, a
e se caracte riza por disúria, urgência, frequência e dor su- q ual é colonizada em seu terço distai pelos paLógenos da mi-
pra púbica, associadas à prese nça de piúria e bacteriúria. crobiota vaginal.
• Ure trite aguda: geralmente causada por infecção por Neis- Os faLores de risco para o desenvolvimento da !TU podem ser
stria gonorrhoeae ou Chlamydia trachomatis, determina sin- assim considerados:
tomas imtam·os semelhantes aos apresentados na cistite.
• Piclonefrite: definida como infecção do parênqmma renal • Uso de diafragma associado a espermicidas.
e do SIStema pielocalicial, apresenta-se chmcameme com • Aliv1dade sexual.
dor no ângulo costo,·enebral e smtomas s1stêm1cos, como • Novo parceiro sexual no último ano.
febre, astenia e alterações do hábito alimentar. • Idade avançada.
• Infecção recorrente: infecção urinária repetida com isola- • Diabetes mellitus.
mento do mesmo agente. • Obesidade.

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J 342 Seção I Ginecologia

• Prolapsos genitais, uso de med icação anticolinérgica e ou- FORMAS CLÍNICAS


tros fatores que possam d iminuir a eficácia do esvaziamen- • Bacteriúria assintomática: não há nenhuma manifestação
tO vesical. clínica da infecção. O diagnóstico do quadro é laboratorial
• Cateterismo vesical. e se baseia na contagem de 100.000 unidades formadoras
• Vaginose bacteriana. de colônia (UFC)/ml com isolamento de apenas uma es-
• Gravidez. pécie de bacté ria.
• Pano com trauma periuretral. • Cis tite: geralmente de apresentação não complicada, tem
Nas mulheres portadoras de infecções recorrentes pode como manifestações sintomas irritativos, como disúria, fre-
haver um (ator genético associado. Suspeita-se que suas cé- quência, urgência e dor suprapúbica em d iferentes graus.
lulas epiteliais vesicais apresentem maior número ou tipos As mulheres podem apresentar hematúria macroscópica, e
específicos de receptOr para Escherichia coli, o que facilitaria o quadro pode iniciar-se após atividade sexual. No exame
a colonização. físico, algumas vezes é obse rvado desconforto à palpação
do hipogástrio.
Fatores bacterianos • Pielonefrite: síndrome clínica que se manifesta com dor lom-
A maioria das bactérias responsáveis pelo desenvolvimen- bar, calafrios e sintomas de urgência, disúria e frequência. A
to das infecções urinárias está presente na microbiota perineal apresentação de náuseas e vômitOS não é incomum. Observa-
normal. A E. coli é o agente mais comum, sendo isolado em -se a presença de febre e de taquicardia. A dor no ângulo cos-
cerca de 80% das pacientes. Os sorotipos l , 2, 4, 6 e 7 são os tOvenebral durante a percussão é acentuada.
responsáveis por grande pane das infecções.
A E. coli apresenta d iversos fatores de virulência específicos DIAGNÓSTICO
para colonização e invasão do epitélio urinário, como:
Cistite
• Presença de fímbrias na superfície bacteriana que lhes con- Pacientes com sintomas de d isúria e frequência urinária
fere a capacidade de adesão ao epitélio. As bactérias com aumentada na ausência de corrimento genital têm 96% de
fimbrias P são mais agressivas e têm maior poder invasivo. probabilidade de estar com quad ro de infecção vesical. Nes-
As com fímbria S ou tipo l são consideradas de menor sas pacientes, não são necessários outros exames para o diag-
virulência. nóstico, sendo sugerido o tratamentO empírico.
• Presença do antígeno capsular K, que aumenta a capacida- Nos casos em que a história clínica não está clara são ne-
de invasiva e dificulta o processo de opsonização e fagoci- cessários outros testes, como:
tose da bactéria.
• Além disso, alguns sorotipos da E. coli produzem endo- • Os testes com dipstick (ou fitas) são úteis, e a presença de
tOxinas que promovem a paralisia da fibra muscular do leucócitO esterase ou de nitritO tem sensibilidade de 75% a
músculo detrusor, favorecendo a ascensão bacteriana. 90% e especificidade de 70% a 82%.
• No exame de urina rotina, a piúria - definida como mais
Entre o inte rvalo do período de adesão inicial e o desen- de l O pióciws por campo - tem sensibilidade de 85% e
volvimento da infecção são desencadeados vários fatores de especificidade de 60%. Por meio desse exame é possível
defesa vesical , sendo os principais: aumento do fluxo uriná- também averiguar a presença de nitritO e de hematúria.
rio, micção, redução do pH urinário, alte ração da osmolari- • A microscopia da urina (Gram de gota) demonstra hema-
dade , liberação de lacwferrina, proteína de Tamm Horsfall, túria em 30% e bacteriúria em 90% dos casos, quando há
imunoglobulina A e a exfoliação de neutrófilos. mais de 100.000 UFOml.
Os outros patógenos relacionados com o desenvolvimento • Nos casos de falha no tratamento inicial ou suspeita de
da !TU são: Enterobacter, Enterococcus, Proteus e Klebsiella - os resistência bacte riana é realizada a urocultura.
dois últimos podem associar-se à existência de anormalidades
anatômicas e à presença de cálculo renal. O Staphylococws Nas pacientes que não apresentam 100.000 UFOml na
saprophyticus foi isolado em 3% das gestantes portadoras de cultura ou que persistem sintomáticas após tratamento - com
pielonefrite (Quadro 41.1). exame de urocuhura de controle de cura negativo - deve-se sus-
peitar de outros agentes para a uretrite, como Chlamydia tracho-
Quadro 41.1 Agentes infecciosos mais comuns no ambiente hospitalar matis ou Neissena gonorrhoeae ou herpes simples, Tnchomonas
e ambulatorial vaginal! i$ ou Candida sp. - na presença de vulvovaginiles.
Agente bactertano Ambulatorial (%) Hospitalar (%)

Escherichia co/i 77,3 56,3 Pielonefrite


Proteus mirabilis 4,3 6,3 A apresentação clínica da pielonefrite é variável. Os sinto-
Enterococcus taecalis 3,8 8,4 mas de febre e dor no ângulo coswvertebral ou lombar são os
mais comuns, podendo ocorrer também febre com calafrios,
Klebsiella pneumoniae 3,5 6,9
náuseas e vômitos, os quais têm início abrupto e muitas vezes
Pseudomonas aeruginosa 1,8 3,8
não se associam a sintomas de cistite.
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Capítulo 41 Infecção do Trato Urinário 343

Conforme descrito previamente, na suspe ita de !TU são Quadro 41.3 Fármacos utilizados no tratamento da cistite
realizados os exames de urina rotina e microscopia da urina Fármaco Dose Intervalo
que, quando existe infecção, demonstram a presença de piú- Dose única
ria e baCLeriúria.
Amoxicilina 2g Dose única
A urocultura é o padrão-ouro para o diagnóstico; entretan-
Amoxicilina 3g Dose única
tO, muitas vezes é difícil a obtenção de amostras para análise
sem a contaminação da microbiota vaginal, da uretra distai ou Sulfametoxazol/trimetoprima 320/1.600mg Dose única

da pele. Assim, na análise desse exame devem ser considera- Nitrofurantoina 200mg Dose única
dos os espécimes encontrados, assim como o número de colô- 3 dias de tratamento
nias bacte rianas. Mais de 95% dos casos de infecção são cau- Sulfarnetoxazol/trimetoprima 160/BOOng 12/12h
sados por apenas um agente bacteriano. Para o diagnóstico de Norfloxacina 400mg 12/12h
bacte riúria assintomática são necessãrias 100.000 UFC/ml. Ciprofloxacina 250mg 12/12h
No entanto, na presença de sintomas, o achado de 100 UFC/
Levofloxacina 250mg 24/24h
ml é considerado suficiente para o d iagnóstico.
O hemograma e as provas de função renal não modificam Gatifloxacina 400mg 24/24h

o diagnóstico ou o tratamento a ser instituído. Apesar d isso, Lomefloxacina 400mg 24/24h


têm importância na avaliação da gravidade da infecção (p. Amoxicilina SOOmg 8/8h
ex., achado da leucopenia) ou da existência de anormalidades Ampicilina SOOmg 6/6h
estruturais ou complicações, como o aumento progressivo Cefalexina SOOmg 6/6h
dos níve is de creatinina. Outros tratamentos (7 dias)
Nas pacientes com quadros recorrentes ou com suspeita de
Nitrofurantoina 100mg 6/6h
!TU complicada, devem ser avaliados os possíveis fatores do
hospedeiro descritos no Quadro 41.2.
observa diferença na erradicação ou recorrência da !TU. Assim,
TRATAMENTO preferencialmente, o tratamento deve ter a duração de 3 dias.
Nas pacientes com bacteriúria assintomática, o tratamen- O tratamento prolongado (7 dias) é reservado às mulheres com
tO deve ser instituído apenas para as portadoras de diabetes, !TU tratada recentemente e às pacientes d iabéticas.
antes da realização de procedimentos cirúrgicos no trato uri- A medicação de escolha é o sulfamewxazol em associação
nário, após transplante renal ou nas gestantes. à trimetoprima, a qual apresenta taxa de erradicação de 94%
O tratamento das infecções sintomáticas se baseia no uso das bactérias com tratamento de 3 dias. Entretanto, em algu-
de antimicrobianos. A escolha do antimicrobiano, da dose e mas áreas a taxa de resistência da E. coli a esse medicamento
da duração do tratamento depende do sítio da infecção e da atinge 15% a 20%.
presença/ausência de fatOres complicadores. As Ouoroquinolonas têm eficácia presumida semelhante
mas, por apresentarem alto custO e risco de desenvolvimento
Cistite aguda não complicada de resistência bacteriana, não devem ser utilizadas como pri-
O objetivo do tratamento é a errad icação da infecção com meira linha de tratamento.
a eliminação das bactérias na vagina e no trato gastrointestinal Apesar de apenas 5% dos germes isolados apresentarem
de modo a prevenir recorrências precoces. resistência à nitrofurantoína, esse fármaco é considerado me-
A duração do tratamento pode variar, existindo esquemas nos eficaz do que o sulfamewxazoVtrimetoprima ou as Ouo-
de dose única e de 3 e 7 dias (Quadro 41.3). Os tratamentos de roquinolonas, isso porque a nitrofurantoína é ineficaz na erra-
dose única se associam a altas taxas de falha - possivelmente dicação de bactérias como Proteus e Pseudomonas.
por não haver a erradicação dos reservatórios bacterianos vagi- O uso dos betalactãmicos (ampicilina e amoxicilina) deve
nais. Ao se comparar o tratamento de 3 com o de 7 dias, não se ser evitado em virtude da alta frequência de resistência bacte-
riana e das baixas taxas de cura. A associação amoxicilina-cla-
Quadro 41.2 Indicações para avaliação de ITU complicada ou recorrente vulanatO, apesar de mais eficaz, também não é recomendada
Cirurgia do trato urinário p révia
em razão de seu custo elevado, da incidência de efe itos cola-
Hematúria persistente após resolução da infecção terais e das taxas de resistência bacteriana.
Cálculo renal ou vesical p révio Atualmente, o ibuprofeno tem sido estudado e proposto
Sintomas obstrutivos (jato urinário fraco. intermitente ou volume por alguns estudos para o tratamento da !TU não complicada.
residual aumentado) Apesar de apresentar taxa de resolução de 67% e melhora dos
Bactérias como Proteus e Yersinia na cultura urinária sintomas, foi detectado maior risco de pie\onefrite nessas pa-
Persistência bacteriana após tratamento com antibiótico indicado cientes, não sendo recomendado seu uso isolado como agente
pelo antibiograma de primeira escolha.
Diabetes ou quadros de imunossupressão Para as pacientes com infecção recorrente que apresentem
Pneumatúria, fecalúria, bactérias anaeróbias e diverticulite
três ou mais episódios por ano está indicada antibioticoprofi-
Pielonefrite de repetição
laxia contínua com administração de dose diária ou pós-coito.
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J 344 Seção I Ginecologia

Quadro 41.4 Fármacos usados na prevenção da infecção recorrente Quadro 41.5 Fármacos utilizados no tratamento da pielonefrite

Fármaco Dose Intervalo Regime domiciliar Duração do tratamento (1 O a 14 dias)


Sulfametoxazol/ttimetoprima 80/400mg Dose única Fármaco Dose Intervalo
Nitrofurantofna 100mg Dose única Sulfametoxazol/ 160!800mg 12/12h
trimetoprima
Norfloxacina 200mg Dose única
Ciprofloxacina SOOmg 12/12h
Celalexina 125 a 250mg Dose única
Ciprofloxacina 1.000mg 24/24h
Ciprofloxacina 125mg Dose única
Levofloxacina 250mg 24/24h
Gatifloxacina 400mg 24/24h
A profilaxia determina diminuição de até 95% na recorrência, Ofloxacina 400mg 12/12h
podendo ser utilizados nitrofurantoína, ciprofloxacina, norflo- Amoxicilina/clavulanato 875/125mg 12/12h
xacina ou trimetoprima nas doses descritas no Quadro 41.4. Regime hospitalar Duração do tratamento (10 a 14 dias)
A administração de cranberry está associada à d iminuição Fármaco Intervalo
Dose
da incidência de lTU recorrente por conter protOantociniadi-
Ciprofloxacina 400mg 12/12h
nas associadas à redução da aderência da E. coli. A dose ideal
Cefepime 2g 24/24h
permanece controversa.
O uso de lactobacilos do tiporhamnosus GR-1 e L reuteri Levofloxacina SOOmg 24/24h
RC-14 ou do L crispatuspor via vaginal ainda não tem reco- Cefotetan 2g 24/24h
mendação com evidências sustentáveis para uso rotineiro, Cehriaxona 1 a 2g 12/12h ou 24/24h
mas podem ser alternativas futuras com a vantagem de não Cefotaxima 1 a 2g 8/8h
alterarem as taxas de resistência bacteriana. Aztreonam 2g 8/8h
Outras med idas, como orientação de h igienização íntima,
Ampicilina (suspeita de 2g 6/6h
micção após o coitO, uso de duchas e micção com horário de- enterococos)
terminado, não parecem prevenir a infecção urinária. O uso
Gentamicina 3a5mg/kg 24/24h
dos estrogênios tópicos ainda não é consenso na literatura.
Sulfametoxazol/ 2mg/kg 6/6h
ttimetoprima
Pielonefrite
A pielonefrite consiste em doença sistêmica com risco (ou
presença) de bacteriemia. Assim, a escolha do antimicrobiano
horas de tratamento. Após a suspensão da medicação venosa
para seu tratamento deve levar em consideração dois pomos:
são administrados antibióticos por via oral até que se com-
a sensibilidade do microrganismo ao medicamento deve se r
pletem 14 dias de tratamento. As medicações d isponíveis se
de 99% e o fármaco deve apresentar rapidez na velocidade de
encontram listadas no Quadro 41.5.
obtenção de nível sé rico terapêutico.
Nos casos em que, apesar do tratamento, a melhora clíni-
A determinação do regime de tratamento depende da apre-
ca não ocorre ou há piora do quadro, deve haver investiga-
sentação clínica da paciente e da presença de comorbidades.
ção agressiva em busca de complicações da infecção e ava-
Pacientes com ausência de sintomas sugestivos de sepse
liação da possibilidade de obstrução. A obstrução pode ser
que não apresentem náusea ou vômitos, com febre baixa,
determinada po r cálculos, os quais são geralmente identifi-
leucograma sem grandes alte rações e inexistência de comor-
cáveis pela ultrassonografia. A tomografia computadorizada
bidades, podem ser tratadas em regime domiciliar. Ames da
pode se r utilizada para localização de flegmão ou abscesso
administração dos antimicrobianos deve ser coletada amostra
no parênquima renal - podendo ser indicada a d renagem
para a realização de urocultura. Muitos autOres recomendam
cirúrgica.
o uso de uma dose paremeral de antibiótico (ceftriaxona, gen-
tamicina ou fluoroquinolona) ames do início do tratamento
Leitura complementar
oral, que deve ter a duração de l O a 14 dias. Beerepoot M, Geerlings S. Non-antib iotic prophylaxis for urinary tract
Na presença de sinais clínicos de gravidade, náusea ou infections. Pathogens 2016; 5:2-8.
vômitOS, intolerância à medicação oral ou complicações mé- Jepson RJ, Wilfians G, Craig J . Cranberries for preventing urinary
dicas coexistemes, está indicado o tratamento hospitalar. Na infection. The Cochrane Library, 2012.
admissão devem ser coletadas amostras de urina e hemocul- Milo G, Katchman EA. Paul M, Baerheim A. Ouration of antibacterial
treatment for uncomplicated urinary tract infection in women. The
tura e administrada hidratação venosa nas pacientes desidra- Cochrane Library, 2008.
tadas. Inicia-se empiricamente o antibiótico venoso, que é Mody J. Metha M. Urinary tract infections in older women. JAMA
utilizado até a resolução da febre, geralmente com 48 a 72 20 14; 31 1(8):844-54.
CAPÍTULO

Prolapsos Genitais
Cláudia Lourdes Soares Laranjeira
La1issa Magalhiles Vasconcelos
Luiza Meelhuysen Sousa Aguiar
Márcia Salvador Géo
Rachei Silviano Brandélo Corrêa Lima

INTRODUÇÃO Do sentido proximal para o distai há o peritOnio, as fáscia


As desordens do assoalho pélvico compreendem ampla víscera! e endopélvica, o músculo elevador do ânus, a mem-
\'anedade de condições debilitantes que afetam predominan- brana perineal e a musculatura da genitália externa. O su-
temente as mulheres com mais de 55 anos de 1dade. O estudo porte dessas estruturas é dado por sua fixação nos ossos pél-
dessas disfunções, prindpalmente da mconunenc1a urinária vicos, e o elevador do ânus, em sua linha méd1a, poss1b1hta
(lU), resultou em grandes avanços nas pesqu1sas em anato- a comumcação das vísceras péhicas com o extenor por me10
mia e neurofisiologia do trato urogenital, repen:ulindo direta- da passagem de uretra, vagina e reto através do hiato levan-
mente na abordagem dos prolapsos genitaiS e dando origem a tador, que é coberto mferiormente pelo d iafragma urogenital
grandes transformações nas últimas décadas. (Figura 42.1).
A expressão prolapso pélvico se refere à protrusão dos ó r-
gãos pélvicos no canal vaginal ou além ela abertura vaginal,
sendo condição comum e que afeta negativamente a quali-
dade de vida das mulheres, em razão não só das alterações
físicas, mas também do impacto emocional, podendo causar
IS
isolamento social, ansiedade e depressão.
A prevalência de qualquer grau de prolapso em mulhenes
entre 20 e 59 anos é estimada em torno de 30,8%. Estima-se
que uma em cada no,·e mulheres serà submeuda à correção
C1rúrg1ca de prolapsos péhicos e/ou lU durante a vida. Em
vmude das mudanças das caracteristicas demogràficas da po-
pulação mundial, é esperado que a prevalencia de prolapsos
dos órgãos pé lvicos aumente nas próximas décadas, de modo
que há projeções de que 9,2 milhões ele mulheres nos EUA
terão prolapso em 2050. MPC ~-..:2~~)
As associações internacionais multiprofissionais, como a LUE-_.,_
lnternational Continence Society (lCS) e lnternational Uro-
gynecological Association (IUGA), tem publicado normatiza-
ções descritivas e de avaliação dos prolapsos com significati-
vas mudanças em relação às classificações pré,~as. Figura 42.1 Suporte pélviCO; IS: ísquio; S: sacro; SP: slnhse púboca.
V: vag1na, R. reto, U. uretra; CP; corpo perineal; UT: útero, B. bexo-
ga. Ligamentos: LPU; ligamento pubouretral; ATFP. arco tendineo da
SUPORTE DAS VÍSCERAS PÉLVICAS fáscia pélvica: LUS hgamento uterossacro; LUE: ligamento uretra!
E FISIOPATOLOGIA DOS PROLAPSDS externo. Músculos. MPC. músculo pubococcígeo; MLA. músculo
longitudinal do ênus; MPR: músculo puborretal; PE: placa e lavadora;
O assoalho pélvico é fo rmado por várias estruturas que EEA: esfincter externo do ânus. Fáscias: FRV: íáscia retovaginal; MP:
vão desde o peritõnio parietal posterior até a pele da vulva. membrana perineal. (Reproduzida de Petros PP, 2007.)

345
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J 346 Seção I Ginecologia

As estruturas ligamentares do assoalho pélvico em conjunto Ligamentos


com os grupos musculares dão sustentação e suporte aos ór- • ligamentos pub ouretrais: têm origem na borda inferior
gãos pélvicos. Os músculos têm a função de coordenar, contrair do pube, apresentando porção pré-púbica e retropúbica.
e relaxar a região perineal. Já as fáscias são responsãveis pelo Inserem-se b ilate ralmente no arco tendíneo da fáscia pél-
suporte a partir de sua ligação com músculos e ossos, com as vica no nível do terço uretra! médio.
condensações bilaterais dando origem aos diversos ligamentOs. • ligamentos uretrop élvicos: principal estrutura de supor-
Durante o esforço, as vísceras pélvicas são empurradas para te suburetral, originam-se bilateralmente nos ligamentos
baixo. Nesse momento, a sustentação é feita pela musculatu- pubouretrais, em seu ponto de inserção na fáscia pubocer-
ra e pelos ligamentos flexíveis e íntegros. Qualquer defeito no vical, e se fundem na região central. Atuam em conjunto
compartimento anterior ou posterior pode resultar em descida com os ligamentos pubouretrais.
anormal dos órgãos pélvicos, assim como em disfunções desse • ligamentos u terossacros: originam-se bilateralmente na
assoalho. face anterior do sacro e se inserem na fáscia pubocervical
O assoalho pélvico não age como plataforma estática, mas no ápice vaginal. As fibras que circundam o colo uterino
como um suporte d inâmico que responde ao esforço exercido compõem o chamado anel pericervical (veja a Figura 42.1).
sobre esse assoalho. Três principais mecanismos contribuem
para o suporte pélvico normal: o suporte derivado da fáscia Delancey, em 1992, dividiu conceitualmente essas estru-
endopélvica, que ancora útero e vagina à parede pélvica; o turas que fornecem suporte vaginal em três níveis: o nível I
suporte muscular derivado da placa elevadora, que tende a fornece suporte para o terço superior da vagina, sendo com-
comprimir o lúmen dos hiatOs do assoalho pélvico; e o me- posto pelos ligamentos uterossacros e cardinais; o nível ll
canismo valvar exercido pela compressão feita pelas fáscias e apoia o terço médio da vagina e corresponde à fáscia endopél-
ligamentos, provocando horizontalização da vagina contra a vica e sua fixação aos arcos tendíneos bilateralmente; e o nível
placa elevadora do assoalho pélvico. lll fixa a vagina d istai, sendo compostO pelo corpo perineal e
pela membrana perineal (Figura 42.2).
Na teoria integral, a estrutura única do assoalho pélvico,
FUNDAMENTOS ANATÔMICOS SEGUNDO proposta por Petros, funciona da seguinte maneira: em re-
A TEORIA INTEGRAL pouso há equilíbrio entre a tensão aplicada para a frente pelo
Com os estudos anatômicos de Delancey e a publicação da músculo pubococcígeo e para baixo e poste riormente pela
teoria integral por Petros, em 1990, o assoalho pélvico passou placa elevadora do ânus pelo músculo longitudinal do ânus,
a ser reconhecido com a dimensão de estrutura única, na qual mas durante a micção há predomínio da força realizada em
a anatomia está estreitamente relacionada com a função. O fe- direção posterior pela placa elevadora do ânus e pelo mús-
chamento e a abertura da uretra e outras funções e disfunções culo longitudinal do ânus, determinando abertura e afunila-
dos órgãos pélvicos são resultantes de forças opostas entre as es- mento do colo vesical e redução dos ligamentos sobre o terço
truturas musculares, ligamentares e fasciais. Assim, alterações na uretra! médio (Figura 42.3).
tensão dos músculos, ligamentos e fáscias do assoalho pélvico Os pro lapsos, de modo geral, são provenientes da fraqueza
seriam importante causa de lU, dificuldade miccional, constipa- generalizada da fáscia endopélvica com envolvimento tanto
ção intestinal, incontinência fecal e prolapsos de órgãos pélvicos. das fibras musculares como do tecido fibroso. Uma visão
Os elementos musculofasciais e ligamentares do perineo mais contemporânea dos prolapsos revela que nesses casos
feminino atuam de maneira conjunta no mecanismo de mic- pode haver defeitO de ligação da fáscia à parede da pelve. Des-
ção, evacuação e continência. sa mane ira pode haver defeitos unilate rais, bilaterais ou da
linha média. defeitos esses que podem afetar apenas um dos
Elementos musculares compartimentos (anterior, méd io ou posterior) isoladamente,
A musculatura do assoalho pélvico pode se r classificada porém os combinados são mais comuns, o que ressalta a im-
em três componentes básicos (Figura 42.1): portância da avaliação e correção adequadas.
Os prolapsos da parede vaginal anterior (ciswceles) po-
• Camada superior: com contração em direção horizontal dem se r causados por três tipos de defe ito: desinserção da
e participação no mecanismo de continência, essa camada é fáscia vesicovaginal do anel pericervical, ruptura da fáscia
composta pelo músculo pubococcígeo (contração em direção vesicovaginal no local de fixação a um dos arcos tendíneos
anterior) e pelo platô do músculo elevador do ânus (contra- ou ruptura central da fáscia vesicovaginal. As alterações no
ção em direção posterior). complexo ligamentar cardinal-uterossacro provocam pro-
• Ca mada intermed iária: com contração no sentido cau- lapsos apicais , podendo se r p rolapso do útero , da cúpula
dal , responsável pelas angulações de reto, vagina e corpo vaginal após h isterectomia ou do peritônio do fundo de saco
vesical, o principal componente dessa camada é o músculo com ou sem conteúdo intestinal (ente rocele). DefeitOS no
longitudinal do ânus. complexo ligamentar cardinal-uterossacro também podem
• Camada inferior: com contração horizontal e função apenas resultar em retoceles altas, que são os prolapsos do com-
de sustentação dos componentes mais externos do aparelho partimento poste rior. Outras causas desses p rolapsos pos-
genital feminino, representado pelo diafragma urogenital. teriores são a desinserção da fáscia retOvaginal do anel pe ri-
r
((

Capítulo 42 Prolapsos Genitais 347

Figura 42.2 Estruturas vaginais e vis-


cerais de suporte conforme definidas
por De Lancey. As fibras de suporte ,r- - - - - - - - - - - - - Ligamentos uterossacros
do nível I são orientadas verticalmen- e sacroespinhosos
(anel pericervical)
te e suspendem o útero e a vagina
superior. As de nfvel 11 são mais hori-
zontais e ligadas à vagina média. Dis-
talmente, o suporte do nfvel 111 funde Elevadores do ânus
as estruturas de apoio na fáscia e no
corpo perineal. (Reproduzida de De Fáscia pubocervical
Lancey DO. Anatomic aspects of va- Nívellll
ginal eversion after hysterectomy. Am
J Obstei Gynecol 1992;166: 1717-28.)
Fáscia retovaginal e
corpo perineal

ce rvical ou de suas fixações laterais ou mesmo a separação


da fáscia rewvaginal do co rpo perineal, provocando, nesses
casos, rewceles baixas.

FATORES ETIOLÓGICOS E AGRAVANTES COMUNS


A TODAS AS FORMAS DE PROLAPSO
Os prolapsos genitais são decorrentes do enfraquecimento
ou de lesões das estrutu ras de sustentação de ó rgãos pélvicos,
podendo resultar tantO de estrutura ligamenta congenitamen-
te fraca como de traumalismos obstétricos ou cirúrgicos.
Na literatura não há dados específicos sobre a prevalência,
a incidência e a história natural dos prolapsos genitais na po-
pulação, de modo que se fazem necessárias mais pesquisas
para elucidação de todos esses fatores.
Anterior Médio Posterior Aceita-se que o relaxamentO pélvico é comum em mulhe-
res e tende a aumentar com a idade, apesar de essa cond ição

·==== j ,_ ===· não apresentar co rrelação com a intensidade do prolapso e


sua sintomatOlogia.
A disfunção do assoalho pélvico se deve à combinação de di-
ferentes fatOres, que podem ser divididos em extrínsecos e in-
trínsecos. Os tipos mais comuns de prolapso resultam de perda
do suporte dado pelo tecido conjuntivo, ligamentos e fáscia.
Forças Forças Como fatOres intrínsecos podem ser citados:
musculares musculares
anteriores posteriores • Hereditários: sugere-se que o principal fator para defe itos
Equilfbrio de tecido conj untivo seja genético. Estudos demonstra-
ram que mulheres que têm parentes de primeiro grau com
Figura 42.3 Representação das forças musculares proposta por Pe- lU apresentam risco três vezes mais altO de desenvolver a
tros- três compartimentos em equilíbrio. (MPC: músculo pubococcí-
mesma desordem, independentemente de idade, paridade
geo: PE: placa elevadora: MLA: músculo longitudinal do ânus: MPR:
músculo puborretal; LUS: ligamento uterossacro : LPU: ligamento
e peso dos recém-nascidos.
pubouretral; ZEC: zona de elasticidade c rítica da vagina.) (Reprodu- • Raça: vários estudos demonstram diferenças entre as popula-
zida de Petros PP, 2007.) ções em relação aos prolapsos de órgãos pélvicos. Zaccharin
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J 348 Seção I Ginecologia

salientou que as estrULuras pélvicas de cadáveres de mulhe- A descida da mucosa vaginal foi crescente de acordo com a
res chinesas são mais densas e espessas se comparadas com evolução da gestação.
as de mulheres brancas. Estudos enfaúzam diferenças entre Sze e cols. avaliaram 94 mulheres no último trimestre de
brancos e negros em relação ao risco de desenvolvimento de gestação e com 6 semanas pós-pano, não verificando d ife-
prolapsos genitais e à gravidade dos prolapsos, ressalvando-se rença significativa quanto à ocorrência de prolapsos entre as
que os brancos apresentam risco elevado e maior gravidade que tiveram pano vaginal ou cesárea e que foram indicadas
desses prolapsos. na fase ativa do trabalho de pano. O parto vaginal pode cau-
• Alterações d e tecido conj untivo: em um eswdo da (ás- sar danos ao assoalho pélvico, especialmente em pacientes
cia paravaginal foram demonstradas diminuição do nú- com outros fatores de risco, como ganho de peso em ex-
me ro de fib roblastos e alterações na orientação das fibras cesso durante a gestação, período expulsivo prolongado e
colágenas em mulheres com prolapsos genitais. A fáscia esforço exagerado na expulsão fetal. Ustal e cols., em 2005,
endopélvica é composta de colágenos tipos I e lll. As al- avaliaram 2.000 mulheres aos 40 e aos 60 anos de idade
terações no metabolismo e na composição do colágeno quanto a sintomas relacionados com disfunções do assoalho
predispõem ao prolapso de órgãos pélvicos. Há eswdos pélvico a partir de questionários postados e constataram que
que vinculam síndromes genéticas a estados clínicos e la- os sintomas de peso vaginal, bola na vagina e ajuda ma-
boratoriais de ano rmalidades dos colágenos I e lll. Acha- nual para defecar são significativamente mais frequentes em
dos em mulhe res com prolapso incluem diminu ição da mulheres que tiveram pano vaginal em comparação com as
resistência do tecido conjuntivo com o aumentO da ida- submetidas somente à cesãrea ou as nulíparas.
de e paridade, redução do colágeno em tecidos não res- Em grande estudo epidemiológico, Mant e cols. referi-
ponsáveis por sustentação, aumento da degradação do ram que a paridade é fone fator de risco de desenvolvimen-
colágeno, metabolismo alterado do colágeno, redução do to de pro lapsos, com risco relativo de 10,8. Pesquisadores
conteúdo de colágeno, redução da solubilidade e aumento analisaram 17.032 mulheres e reportaram que a descida
da atividade colagenolítica, redução do colágeno tipo lll, do fetO produz estiramento dos ligamentOs cardinais e ute-
redução da celularidade em relação à idade e aumento da rossacros, podendo pred ispor ao relaxamento pélvico. O
propo rção dos colágenos tipos 111/l. peso do recém-nascido e a circunferência craniana podem
• Alterações neu rológicas: as doenças neurológicas, como ser fatores contribuintes para a intensidade do prolapso.
espinha bífida oculta, podem ser assintomáticas e apresen- O estiramento da fáscia puborretal pode ser evitado por
tar como sinais prolapsos genitais em consequência da d i- meio da episiotOmia, porém as lesões de esfíncter interno
minuição da força dos tecidos por lesão nervosa. do ânus e as lacerações de te rceiro e quarto graus são sig-
• Alterações esqueléticas: muitos estudos de caso-contro- nificativamente mais comuns em pacientes submetidas à
le evidenciam que variações na estrutura do eixo formada episiotOmia. O pano vaginal traumático pode causar lesão
pela coluna esquelética e a pelve podem estar associadas à do nervo pudendo, levando ao relaxamento do assoalho
alta incidência de prolapsos. Entre essas alterações podem pélvico e à incontinência urinária e fecal. O pano vaginal
ser citados aumento de cifose torácica, redução da lordose pode aumentar a latência do nervo pudendo, principal-
lombar, orientação vertical da bacia e aumento do diâmetro mente quando o peso do recém-nascido é >4kg e o perío-
transverso da bacia. Handa e cols. compararam 59 mulhe- do expulsivo é prolongado.
res com disfunções do assoalho pélvico a controles, usando • Efeitos hormonais: muitas mulheres se queixam de piora
técnicas de pelvimetria padronizadas e ressonância magné- da incontinência e relaxamento pélvico no período pré-
tica. Desordens do assoalho pélvico foram muitO mais signi- -menstrual, o que reflete o efeitO relaxante da progesterona
ficativas nas mulheres com bacia óssea com maior diâmetro sobre a musculatura lisa. O h ipoestrogenismo pode redu-
transverso e conjugata obstétrica mais curta. zir a coaptação da mucosa uretra! por d iminuição da vas-
cularização e tornar o epitélio atrófico. A pós-menopausa
Os fatOres extrínsecos são assim descritos:
e a senilidade, consequentemente, contribuem para o de-
• Gravidez e parto: muitOS estudos que relacionam o ciclo senvolvimento de prolapsos genitais.
gravíd ico-puerperal com prolapsos genitais citam o parto • Condições que au mentam a pressão abdominal: a tos-
vaginal como importante fatOr de risco. Entretanto, recen- se crônica e a obesidade podem ser importantes fatores
tes achados evidenciam que aumento da progesterona e etiológicos para o desenvolvimento de prolapsos genitais
relaxamento da musculawra lisa, alteração de tecido con- e incontinência u rinária de esforço. Bump e cols. mostra-
juntivo e aumento da pressão abdominal pelo útero graví- ram associação entre aumento de índice de massa co rpo-
dico sobre o assoalho pélvico podem desencadear defeitos ral e incontinência urinária, independentemente de idade
anatõmicos e alterar a função do assoalho pélvico. e paridade.
O'Boyle e cols. examinaram prospectivamente 129 ges- • Tabagismo : estudo de Olsen e cols. informou que 50%
tantes nulíparas usando o estadiamento para prolapsos no das mulheres com pro lapso eram fumantes e 20% apresen-
prime iro, segundo e te rceiro trimestres da gravidez. Esses tavam doença pulmonar obstrutiva crônica. Apesar disso ,
autores encontraram alterações fisiológicas significativas os autores não registraram associação significativa entre
produzidas pela gravidez envolvendo o segmento vaginal. tabagismo e lU.
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Capítulo 42 Prolapsos Genitais 349

• Constipação intestinal crônica: a defecação normal é acom- assoalho pélvico pode causar contrações detrusoras invo-
panhada de relaxamento do músculo puborretal e abertura luntá rias. Alé m dessa hipótese, há relatOs de que o estira-
do ângulo anorretal para que a am pola reta! se esvazie. Em mento da musculatura, das fáscias e dos ligamentos pode
algumas mulhe res isso não oco rre e, assim, o esvaziamen- gerar estímulos nos receptOres nervosos da base da bexiga e,
tO reta! se dá po r contração abdominal. Os esforços defe- consequentemente, contrações involuntárias do detrusor.
catórios c rônicos contribuem para neuropatia progressiva • Incontinência urinária de esforço (IUE): mulheres com
e consequente d is função do assoalho pélvico. Um estudo defeitos de suporte da parede anterio r da vagina frequen-
sugeriu que 61 % das mulhe res com prolapso uterovaginal temente têm hipermobilidade do colo vesical com inconti-
relataram esforço abdominal à defecação em com paração nência aos esforços. Schick e cols. avaliaram 255 mulheres
com 4% das que não apresentaram sintomas. com IUE à urodinámica e encontraram correlação estatística
• Exercícios e t rabalho físico: as atividades que necessitam entre hipe rmobilidade uretra! e grau de deficiência do esfínc-
levantamentO de peso e, consequentemente, acarretam ele- ter uretra! avaliado por pressão vesical de perda. Entretanto,
vações repetidas da pressão intra-abdominal tê m sido re- com graus de prolapsos mais altos, estádios 3 ou 4, pou-
lacionadas com o desenvolvimento de prolapsos de ó rgãos cas mulheres mani festam sintomas de IUE. Esses prolapsos
pélvicos. Em estudo realizado na Dinamarca, enfermeiras graves podem obstruir a uretra. Alguns autOres verificaram
submetidas a esfo rço abdominal frequente apresentavam que 36% a 80% dos casos de prolapsos acima do terceiro
risco 1,6 vez maior de sofre rem ci rurgias para co rreção de grau apresentam IUE. No entanto, a pe rda urinária pode ser
prolapso e/ou lU do que toda a população. O aumento demonstrada objetivamente somente após a redução do pro-
crônico da pressão abdominal obse rvado durante a prática lapso, o que se j usti fica pelo efeitO obstrutivo das estruturas
de esportes pode aumenta r o risco de prolapsos po r pro- prolapsadas sobre a uretra no momentO do esforço. Por essa
d uzir relaxamento da musculatura pélvica. Apesar de não razão, as mulheres candidataS a t ratamento cirúrgico dos
have r estudos controlados, a prevalência de lU e pro lapsos prolapsos devem ser investigadas a respeito da ocorrência de
em atletaS é alta, comparada à de mulhe res sedentárias. lU na redução dos prolapsos.
Ce rca de 30% das atletas jovens, saudáveis e nulíparas têm • Disfunções miccionais: os prolapsos genitais podem afetar
proble mas de incontinência u rinária. a função miccional, embora um estudo revele que a maio-
• Trauma cirúrgico: as cirurgias para o tratamento de deso r- ria das mulheres com prolapsos graves ainda urina normal-
dens do assoalho pélvico podem desencadear prolapso pél- mente. Ao obse rvarem 228 mulheres com desordens do
vico em outro com partimento que o não operado, além de trato urinário , Dietz e cols. apuraram que a enterocele foi a
have r reco rrência do compartimento onde foi realizada a distopia com pior efeitO sobre a função miccional. Fitzgerald
cirurgia. revelou que exames pré-operató rios com redução de prolap-
Sabe-se que a vigê ncia de prolapsos é cinco vezes mais sos com pessãrios foi o melhor pred itor de normalização de
frequente em mulhe res histerectomizadas, em virtude pro- resíduo pós-miccional após tratamento cirúrgico.
vavelmente da lesão iatrogênica de estruturas de suporte Alguns sintomas são claramente atribuídos a alterações
pélvico pred ispondo aos prolapsos genitais, e 10% a 20 % locais, como pressão ou sensação de peso vaginal , dor vagi-
das mulheres sub metidas à colpossuspensão de Burch de- nal e perineal ou visualização de protrusào de tecido vaginal
senvolvem ente rocele em decorrência da m udança d o eixo além do hímen. Podem ainda se r notadas lesões ulceradas
vaginal após a cirurgia. no tecido prolapsado, além de secreção vaginal de aspecto
purulento ou sangramento.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS As queixas sexuais estão relacionadas com a protrusão
de tecido vaginal ou do próprio úte ro , podendo d ificultar
Sintomas são pouco comuns em mulhe res com prolapsos
a penetração, diminuir a sensação vaginal e causar do r ou
iniciais (estádios 1 e 2) e frequentemente não se correlacio-
desconforto ao coito.
nam com o nível anatômico dos prolapsos. O quadro clínico
inclui queixas urinárias, intestinais, sexuais e sintomas locais.
As alterações da função intestinal, como constipação, d i-
ficuldade ou desconforto para evacuar, evacuação incomple-
As disfunções do trato urinário baixo mais comumente en-
ta, auxílio de manobras manuais para esvaziar o intestino,
volvidas são lU de esforço, frequência, urgência, urge-inconti-
incontinência de !latos ou fezes e urgência fecal , ocorrem
nência, hesitação, tempo de micção prolongado , esvaziamento
principalmente no prolapso de parede posterior da vagina
incompletO e mudança de posição para iniciar a micção:
e/ou enterocele.
• Hiperalividade vesical: é sabidamente associada à incon- • Incontinência an al: queixa frequente entre mulheres com
tinência u rinária, como relaxamentO das estruturas d o as- lU e prolapsos, variando de 15% a 29%. Existem algumas
soalho pélvico. Após co rreção cirúrgica de prolapsos, al- evidências de que o reparo do compartimento posterior
guns auto res obtiveram melhora da hiperatividade em dois pode d iminuir a pressão anal de repouso e esforço. A me-
terços das pacientes, o que pode se r sugerido pelo fato de lhora da função intestinal após a correção cirúrgica d o pro-
a atividade da inervação aferente do assoalho pélvico e da lapso poste rior ainda é considerada um enigma, não tendo
uretra estar envolvida na inibição detrusora d urante o en- sido definidos métodos d iagnósticos ou técnicas cirúrgicas
chimento. A redução da atividade aferente po r lesão do que pode riam pred ize r o resultado cirúrgico.
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I 350 Seção I Ginecologia

EXAME FÍSICO, DIAGNÓSTICO E CLASSIFICAÇÃO Quadro 42.1 Pontos da avaliação de prolapsos gerlltais/padron•zaç!!o

DOS PROLAPSOS Ponto Valor


O exame flsico constste na avahação ma1s 1mponante para Parede anterior da vagina
o diagnóstiCO dos prolapsos gemta1s. Aa: 3cm acima do hlmen -3a+3
O exame pélvtco padrão de,·e ser realizado com espéculo Ab: ponto 3cm acima do hlmen (Aa) até o -3 a+ Tvt
ápice da vagina, descreve posiçào m8JS
vaginal, toque b1manual e detenmnação da sunetria e da força diSial da parede anterior

muscular dos ele\ãdores do ânus, além de a'ãbação neuroló- Parede posterior da vagina
gica ($2 a $4}. Pa: 3cm acima do hímen -3a +3
A extensão máxima da estrutura prolapsada deve ser re- Pb: ponto 3cm acima do hfmen (Aa) até o -3 a+ Tvl
ápice da vagina, descreve posiçllo ma•s
produzida durante o exame fls1co, seja a parur da constatação distai da parede posterior
pela paciente por meio de VISualização própria com um es-
Parede superior da vagina
pelho, por meio de realização de manobras provocativas que C: lábio anterior do útero -e a + e
aumentem a pressão abdominal ou, amda, por meio de tração O: se útero presente, ponto mais superior do - 10
do pomo máximo de prolapso em repouso. O exame deve fundo de saco posterior
ser realizado nas diversas posições: sentada, de pé e deitada. Outros pontos
Existe d ificuldade real em se adotar um sistema de classifi- GH: hiato genital/da linha média do <2cm
meato uretra! até a borda posterior da
cação de prolapsos que seja objetivo e reproduHveL fúrcula vaginal (somente valores
Por vários anos a gravidade <los prolapsos de órgãos pélvi- positivos) > 3cm
cos foi descrita por meio de um sistema simples, amplamente PB: corpo perineal/da margem posterior de
GH até o meio da abertura anal (somente
usado por méd icos e profissionais de saúde, que descrevia os
pro lapsos a partir dos órgãos que possivelmente estariam envol-
valores positivos) o 8 10
TVL: comprimento total da vagina/maior
vidos por sua localização. Classificavam-se o grau de cistocele, profundidade da vagina, quando C e D sao
prolapso de cúpula vaginal ou útero, retocele ou emerocele em reduzidas para posiçao normal (somente
valores positivos)
relação ao imroito vaginal. A intensidade do pro lapso variava de
primeiro a terceiro grau: no primeiro, quando a estrutura her-
niada não atingia o int roito; no segundo, quando atingia; e no Quadro 42.2 Forma numérica- tabela 3x3
terceiro, nos casos em que o introito ,·ag1nal era ultrapassado.
Ponto Aa Ponto Ba Ponto C
Em 1999, a ICS propOs nova classificação com o intuito de
padronizar de mane1ra mais reprodutlvel e fiel os prolapsos GH PB 1VL
genitais, conforme descrito por Bump e cols., em 1996. Em PontoAp PontoBP Ponto O
2009, avaliando 45 pacientes ponadoras de prolapso genital,
Cardoso e cols. constataram que essa dass11icação idealizada
por Brump, e postenormente padromzada pela ICS, tem boas Nessa nova classtficação, os termos cistocele, enterocele e
aplicabilidade e reproduubihdade entre os exarmnadores (Fi- retocele foram abolidos, relac1onando-se com os órgãos que
gura 42.4 e Quadros 42.1 e 42.2). estariam do outro lado da parede vagmal e que não neces-
sariamente possam estar prolapsados. Esses termos deverão
ser usados somente quando testes específicos comprovarem
o envolvimento desses órgãos. Em contraparuda, passa a ser
utilizada a denominação de prolapso de parede anterior, pos-
terior ou cemraVápice da vagina. Mesmo com o uso dessa
nova classificação, é prudente pensar na correlação com os
I 3cm I órgãos que podem estar envolvidos com cada área prolapsada
(Quad ro 42.3).
Se alças de intestino delgado forem observadas no espaço
retOvaginal, durante o exame frsico procede-se à descrição do
pe ristaltismo ou da palpação de alças intestinais.
O sistema proposto pela ICS contém uma série de medidas

I
Sfnfise
púbica
e pomos específicos de suporte dos órgãos pé lvicos da mu-
lher. O prolapso de cada segmento é avaliado de acordo com
sua posição em relação ao hímen, que é um ponto anatômico
fixo de fácil identificação. A partir desse pomo, as posições
são descritas por seis pontos defimdos e as med1das expressas
em centímetros. Os valores pOSitivos se referem a posições
abaixo ou distais ao hlmen e os valores negativos, actma ou
Figura 42.4 Desenho esquemátiCO dos pontos da classrtocação dos proximais ao hlmen; se a localização for no nível do hímen,
protapsos genna1s. denomina-se zero.
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Capítulo 42 Prolapsos Genitais 351

Quadro 42.3 Compartimento anatômioo: correlação do sítio POP-Q com estruturas envolvidas

Comparti mento Sitio POP-0 Estrutura envolvida Sitio da parede vagi nal
Anteri or Aa Urettocele Parede vaginal anteri()( distai
Ab Cistocele Parede vaginal anteri()( proximal
Médio c Colo uterino/útero Ápice vaginal
o Cúpula vaginal Colo uterino
Enterooele Cúpula vaginal
Posterior Ap Enterocele Parede vaginal posteri()( distai
Bp Retocele Parede vaginal posteri()( proximal
Defeitos de corpo perineal Corpo perineal

Os se is pontos são localizados originalme nte em referên- efetiva apenas nos casos de d istOpias genitais leves a mo-
cia ao plano h imenal, sendo dois na parede ante rior da vagi - d eradas.
na, dois na parte supe rior da vagina e dois na parede vaginal Uma das primeiras descrições da fisiote rapia para restau-
posterior. ração da fo rça do assoalho pélvico foi referida por Arnold
Outras med idas incluem o hiato genital, que é a med ida do Kegel, em 1948. Estimulado po r intensas investigações e
ponto médio do meaw uretral até o ponto poste rior da fúr- expe riê ncias com fo rça muscular du rante a Segunda Guer-
cula vaginal, e o co rpo pe rineal, que é a medida da margem ra Mundial, Kegel desenvolveu uma sequência de exe rcícios
poste rior do hiato ge nital até a metade da abertura anal. O para recuperar a musculatura pélvica no período de pós-par-
comprimento LOtai da vagina é a maior medida, estendendo- to imed iato e, então , passou a especular sob re os benefícios
-se até o ponto mais alto da vagina no fundo de saco poste- desses exe rcícios na prevenção de prolapsos e obtenção de
rior, q uando há colo ute rino, e na cicatriz da cúpula vaginal, melhores resultados cirúrgicos.
quando o colo está ausente. Ainda não existem estudos bem desenhados que garantam
exe rcícios da musculatura do assoalho pélvico q ue possam
ESTADIAMENTO prevenir as d istopias. Alguns autores têm recomendado a
No sistema de avaliação descrito, os estádios de prolapsos adoção de exe rcícios de treinamento da musculatura como
dos ó rgãos pélvicos são definidos pelas posições de cada ponto, coadjuvante no tratamento cirúrgico tanto de prolapsos como
da lU. Os exe rcícios aumentam a fo rça muscular, usando con-
os quais são d ispostos em um diagrama 3 x 3 (Quadro 42.2), e
a paciente é estadiada nos graus I, 1!, !li e IV Cinco estádios de tração du rante o aumento da pressão abdominal d iariamente.
No entanto, há grande necessidade de q ue ensaios clínicos
suporte de órgãos pélvicos podem ser assim defi nidos:
controlados e randomizados com alta q ualidade metOdoló-
• Estádio 0: sem prolapso. Os pontos Aa, AP. Ba e Bp estão em gica sejam realizados com métodos de fLSioterapia válidos e
- 3cm e os pontos C ou D estão entre - CVT e -(CVT - 2)cm. reprodutíveis para qualque r grau de prolapso e com protoco-
• Estádio I: prolapso em q ue a porção mais d istai se situa los de treinamento apropriados. Somente após o su rgimento
1cm acima do hímen, isto é , < - 1cm. desses ensaios clínicos se rá possível a avaliação do real papel
• Estádio 11: a porção mais distai do prolapso se si LUa entre da fisioterapia na prevenção e no tratamento d os prolapsos
os planos - 1 e + 1cm em relação ao hímen. de órgãos genitais.
• Estádio III: o ponto máximo de prolapso está entre +1 e Pessãrios são dispositivos de diversos formatos e mate riais
+2cm. aplicados no interior da vagina, os quais fornecem apoio e con-
• Estádio IV: representa a versão LOtai de órgãos pélvicos, têm os órgãos pélvicos, corrigindo assim os prolapsos genitais.
atingindo valores > + 2cm. Encontram-se disponíveis em vários tamanhos e formatOs,
além de serem chamados de pessãrios de suporte (Gelhorn,
TRATAMENTO Shaatz; anel; anel com suporte, Smith, Hodge com suporte
para cistocele e Gehrung) quando colocados no fórnice poste-
O tratamento d os prolapsos deve se r adequado às necessi-
dades da pacie nte e às condições técnicas do profissional. Em rior, permanecendo sob a sínfise púbica e com o sacro elevando
a vagina. j á os pessãrios de preenchimento (cubo, l nflawball e
ge ral, o sucesso do tratamento de pende do correto e comple-
Donut) ocupam toda a vagina (Figura 42.5).
tO d iagnóstico no exame pré-operatório. Qualque r falha nessa
O emprego desses d ispositivos é conside rado principal-
avaliação ocasionará tratamento incompletO, persistência de
mente em pacientes que não desejam submeter-se a uma ci-
anormalidade anatõmica e sintomas que piorarão ao longo
rurgia ou naquelas q ue apresentam risco ci rúrgico elevado,
do tempo.
contraind icando o tratamento ci rúrgico. As indicações para o
Tratamento conservador uso de pessários estão assim expostas:
O tratamento co nse rvado r dos prolapsos genitais inclui • Du rante a gravidez ou no pue rpério recente.
a conduta expectante no caso de pacie ntes assinto máticas, • Em prolapsos sintomáticos em pacientes que ainda preten-
fisiote rapia e uso de pessários. Essa conduta cosw ma se r dem ter filhos.
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I 352 Seção I Ginecologia

São princípios fundamentais do tratamento ctrurgico:

• Nenhuma técnica cirurgica tem elicácta total , sendo ne-


cessário também tratar os fatores etiológicos e agra,·antes,
caso presentes, para redução das rectdivas.
• As pacientes devem ser mutlo bem mformadas quanto à
etiopatogenía dos prolapsos e doutnnadas a parttctpar au-
\'llmente da recuperação pós-operatóna, evttando esforços
fisicos e identificando o surgtmento de situações de nsco,
como tosse c rõmca e esforço evacuatóno, a tempo de se
proceder ao tratamento antes de eventual rectdtva do pro-
lapso ou falha cirurgica.

Tipos de correção cirúrgica


As cirurgias podem ser definidas como reconstrulivas, com-
pensatórias ou obliterativas. Em pacíentes cujas comorbida-
des impedem uma ci mrgia prolongada, o tratamento obli-
terativo promove melhora dos sintomas com mfnima mor-
bidade. Esse proced imento pode se r contraind icado em pa-
cientes que desejam manter a ati vidade sexual. Em pacien-
tes cujo defeito está localizado na camada fibromuscular da
fáscia endopé lvica, a cirurgia reconstitutiva pode ser a esco-
lhida. Em casos de fraqueza acentuada dos tecídos nativos
Figura 42.5 Tipos de pessárlos vag1nais usados para prolapsos. ou naqueles e m que houve falha em cirurgia reconstrutiva
(A:Gelhorn, B: Shaatz; C:anel; O:anel com suporte; E:cubo; F: Smith; ante rior, pode ser realizado o tratamento compensatório com
G: Hodge; H. Hodge com suporte para c i stocele; 1: lnflatoball; o uso de tela.
J: G ehrung; K: Donut.)
A reconstrução do assoalho pélvtco pode ser feita por via
abdominal, vaginal , laparoscóptca ou robóuca. Quando se
• Em casos de prolapsos smtomáucos em pactentes com ris- compara a via abdominal com a vaginal, a maiona dos con-
co cirurgtco protbttt,·o. sensos revela que a vta vagmal está relaciOnada com número
• Te rapta primána para smtomas, se for deseJO da paciente. menor de complicações e menos tempo de recuperação (Qua-
• Durante avahação dtagnósttca e pré-operatória. d ro 42.4).
• lU e contraindtcação obstétnca à ctrurgta.
Os pessários são, em geral, dtsponlveis. seguros e simples Quadro 42.4 Técnicas descritas para CO<reção de prOiapso de aeo<do
com a via cirúrgica e o sitio do prOiapso
de manusear. Suas complicações potenctais são erosão, ul-
ceração, sangramento, dor, mcOmodo no ato sexual e corri- Sitio do prolapso Vaginal Abdominal
mento. As pacientes devem ser orientadas acerca da higiene e Aa COiporralia llllter10r Colpossuspensao à
treinadas para retirá-lo e recolocá-lo no local correto. Uretra Suspensao do cOlo Burch (retropúb1ca)
vesical (slings)
Outra medida importante, tanto para profilaxia como
para minimizar os sintomas causados pelos prolapsos gení- Ba Colporralia an1eríar SacrocOipopexia
Bel<iga Reparo paravagínal abdominal
tais, consiste em identificar e tratar as causas de aumento da Colpocleíse Reparo paravaginal via
pressão intra-abdominal, como obesidade, doença pulmonar abdominal
obstrutiva crônica. constipação intestinal, entre outras, além c Suspensao Histerectomia abdominal
de tratar a atrofia genital com estrogênios naquelas mulhe res Cúpula/colo uterossacra Sacrocolpolixaçao
que estão na menopausa. Suspensao Suspensao uterina
iliococctgea
Rxaçao
Tratamento cirúrgi co sacroespinhosa
O trata mento cirurgico está ind icado quando a cond ição Hísteropexia
Histerectomia
causa algum sintoma ou disfunção que interfere nas ativida- vaginal
des normais da paciente com \~Stas a aliviar esse sintoma e Colpocleise
restaurar a anatomia pélvtca. c Culdoplastía à Culdoplasua à
Pacientes com pequenos prolapsos não associados a outras Ft.11do de saco MeCa li Moschi<Owltz
anormalidades ginecológicas e sem manifestações clinicas, Ap Reparo posterl()( Colpopetlneopexia
em vez de tmediatamente submeudas ao tratamento cirurgi- sítio-especHiCO
co, de,·em ser acompanhadas quanto à evolução. Plicatura retovag•nal
\.
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Capitulo 42 Prolapsos Genitais 353

Técn1cas reconstrutivas fixação dos hgamentos cardinais anteriormente ao útero e


Compartimento anterior colpopenneorrafia.
• Colporrafia ant~rior: indicada no tratamento de defeitos • His terectomia vaginal: empregada nos casos tratá\'etS
da parede vaginal anterior que provoquem manifestação pela cirurgia de Manchester, porém com vantagens no pro-
clinica. As técnicas de colporrafia anterior geralmente en- lapso uterino de estádio IV e em pacientes mais jovens,
volvem a dissecção da mucosa vaginal com exposição da principalmente nas pertencentes ao grupo de alto risco de
fáscia pubocervical, uretra! e vesical. A seguir, a fáscia é desenvolvimento de doenças uterinas. Sempre que neces-
suturada na linha mediana, dando suporte à bexiga e à sário, devemo ser realizadas concom itantemente, a colpor-
uretra. Em casos de grandes prolapsos, defeito lateral da rafia anterior e/ou a col poperineorrafia.
fáscia ou em recidivas de prolapsos, o uso de telas sintéti- • Culdoplaslia à McCall: descrita por McCall em 1957,
cas estã indtcado para melhorar a sustentação. essa técnica inclUI a plicatura dos ligamentos uterossacros
• Repa ro paravaginal: indicado para defeitos laterais da fás- na linha média. fixando o peritõnio do fundo de saco, as-
cia com hemiação da bexiga. O objetivo dessa técnica é sociada à culdoplasua posterior. Tem a vantagem de não
reconstrutr a fáscia pubocen~cal em sua mserção no arco apenas fechar o fundo de saco redundante, mas comgtr
tendlneo. Essa correção pode ser fetta por \'ta abdominal também posslvel enterocele, assim como fornecer supor-
ou vagmal, com ou sem uso de telas smtéllcas. Se a cor- te e promover alongamento da vagina. O saco hermário
reção for por via vaginal, faz-se a incisão mediana vertical da enterocele eleve ser dissecado até sua base, geralmente
na mucosa vaginal do colo vesical à cúpula vaginal com o fundo de saco de Douglas, seu conteúdo é reduzido e o
d issecção lateral do lado acometido da fáscia pubocervical. peritõnio suturado em bolsa na base, sendo ressecado
Em seguida é feita a sutura da fáscia em toda a exte nsão de o excedente. A seguir, a cúpula vaginal é recomposla por
sua inserção no arco tendineo. Como o defeito central tam- meio de sutura dos ligamentos uterossacros na linha me-
bém pode acontecer concomitantemente ao paravaginal, diana , assim como toda a fáscia retovaginal. Muitos auto-
deve-se associar a colporrafia anterior. res defendem o uso desse procedimento como parte da
histerectomta vagtnal, mesmo na ausência de enterocele.
Comparttmento posterior
para mtmmizar a futura formação de hémta e prolapso de
cúpula vagtnal (Figura 42.6).
• Colpo pe rineorrafia: indicada nos defettos da parede pos-
• Colpopexia ou fixação sacroespinhosa: aplica-se aos pro-
terior da vagina e do corpo penneal. A técmca cirúrgica
lapsos de cúpula vagmal pós-histerectomia ou à fLxação da
básica envolve a dissecç.ão da mucosa vaginal do nlvel su-
cúpula vaginal após lusterectomia vaginal por prolapso ute-
perior à retocele; a seguir, a fáscia retovaginal é suturada na
rino. Tem como principal vantagem o fato d e ser realizada
linha mediana. Antes do fechamento da mucosa vaginal é
totalmente por via vaginal e extraperitOneal. A operação é
feita a sutu ra do perlneo. Os músculos elevadores do ânus
podem ou não ser aplicados na linha mediana para me lho r
reforço do septo rewvaginal , mas essa prática implica cerca
de 30% de dispareunia pós-cirúrgica.
• Operação d e Lawson-Tait: técnica empregada no trata-
mento de rupturas perineais de terceiro grau. Para tan-
to, é realizada uma incisão em forma de Y m,·enido no
septo retovaginal. Disseca-se separando a mucosa vaginal
da mucosa reta!, que é recomposta por sutura. As duas
incisões posteriores (extremidades infenores do Y inver-
tido) tomam posslveis a localização e a reconstttlllção das
extrem idades lesionadas do músculo esflncter externo do
ânus. A operação é finalizada como uma colpoperineor-
ralia clássica.

Prolapso apical
• Operação de Manchester (Donald, Fothergil l, Shaw):
aplica-se ao tratamento do prolapso utenno ou da hiper- ~~
trofia do colo uterino em associação a defetto da parede CCF
vagmal. Essa operação é mais stmples e, por não necessi- 0 2012
tar da abertura da ca,idade peritoneal, apresenta menos
morbtdade do que a histerectomta vagmal, sendo mais Figura 42.6 Culdoplastia à McCall. Suturas internas e externas des-
critas por McCall. (Re1mpressa com a permissão de Cleveland Clini-
indicada quando a paciente tem idade mais avançada ou
cai Center for Medicai Art and Photography, 2012-2013. Walters MD,
apresenta estado geral mais debilitado. A técnica combi- Ridgeway BM . Surgical treatment of vaginal apex prolapse. Obstetric
na colporra[ia anterior, amputação plana do colo uterino, Gynecol 20 13; 121:324.)
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J 354 Seção I Ginecologia

iniciada com a abertura da parede posterossuperior da vagi- ao retO e abaixo da espinha isquiática, com aplicação de
na, seguida pela dissecção do espaço pararretal, geralmente pomos ligando essa fáscia ao ápice vaginal.
o d ireito, identificação do ligamento sacroespinhoso e fixa-
ção da cúpula vaginal ao terço médio desse ligamento, sem a Utilização de telas
necessidade de fixação bilateral. Em uma variação da técni- O objetivo p rincipal das cirurgias para o t ratamento das
ca de fixação sacroespinhosa, procede-se à fixação bilateral- distopias do assoalho pélvico é reconstruir a anatOmia, corri-
mente com o uso de kits comercializados com grampeadores gindo defeitOS fasciais e/ou ligamemares. O mate rial sintético
próprios para melhor fixação nos ligamentos (Figura 42. 7). é urna nova opção para substituição de tecidos deficitários e
A seguir são realizadas colporrafia anterior e/ou colpoperi- lesionados nas mulheres portadoras de prolapsos. Nos últimos
neorrafia, conforme a necessidade. Como complicação pode anos foram desenvolvidas várias próteses biológicas e sintéticas
haver a lesão dos vasos e nervos pudendos internos durante destinadas à correção de prolapsos vaginais. Para a aplicação
sua realização com sangramento consequemememe aumen- dessas telas foram também descritas muitas técnicas específi-
tado e posterior dor crônica. cas. Os conhecimentos relativos ao emprego de telas na corre-
• Sacrocolpofixação: o objetivo dessa ci rurgia é fixar a cúpu- ção de hérnias e defeitos da parede abdominal não podem, de
la vaginal ao sacro no nível de 5 1 e 52. A fixação, que pode maneira nenhuma, se r extrapolados para o emprego de telas na
ser feita por via laparotõmica ou laparoscópica usando ma- correção dos p rolapsos, quando a tela é inserida entre duas pa-
terial sintético, como a tela de polipropileno para melhorar redes de víscera, seja vagina e bexiga, seja vagina e reto. Ao se
a sustentação da cúpula vaginal, tem como desvantagem a empregar urna tela, além das possíveis complicações comuns
necessidade de combinar a via vaginal para correção de ou- ás cirurgias, adicionam-se vários riscos potenciais de compli-
tros defeitOs associados. cações inerentes a essa tela, como infecções graves, disfunção
• Susp ensão iliococcígea : baseia-se na co rreção do prolap- sexual com dispareunia persistente em razão do enrijecimento
so de cúpula vaginal por meio de sua ftxação aos músculos da parede vaginal, fístulas geniturinárias e migração do mate-
iliococcígeos ao longo da parede pélvica lateral, abaixo das rial sintético para vísceras ocas (vagina e rew).
espinhas isquiáticas, e pode se r realizada sem incisão vagi- Mais estudos sobre as características intrínsecas e a bios-
nal por meio de um pomo com fio não abso rvível através segurança dos materiais sintéticos são necessários para me-
da espessu ra total da parede vaginal até o músculo. Outra lhorar a definição quanto às mulheres que realmente se rão
forma é po r meio da abertura na linha média da parede va- beneficiadas com o emprego de telas sintéticas. Atualmente,
ginal posterior e identificação da fáscia iliococcígea lateral os mate riais sintéticos são indicados em casos muitO específi-

.Pf.
·-
l::'éF

Figura 42.7 Representação esquemática da colpopexia sacroespinhosa. Passagem do g rampeador com sutura no complexo ligamento
sacroespinhoso-músculo coccígeo. Podem ser feitos um a três pontos com sutura inabsorvível. (Reproduzida de Walters MO, Ridgeway BM.
Surgical treatment oi vaginal apex prolapse. Obstetric Gynecol 2013; 121:324.)
r
((

Capítulo 42 Prolapsos Genitais 355

cos, como as rectdtvas após cirurgtas convencionais, grandes Os defeitos de suporte anatômico sem sintomas rele-
prolapsos em idosas ou nas mulheres com muitos fatores de \'antes raramente são mdtcações para cirurgia.
risco de recidtva. As técnicas cirúrgtcas com base em e\~dencias devem
ser sempre oferectdas como opção a toda mulher candi-
Técn1cas obliterativas data à cirurgia de prolapso.
As técmcas obhteraU\'<IS tratam o prolapso por meio da oclu- • Grau D (não há recomendação posslvel para ser usada
são parcial ou total da vagma. Dependendo da excisão ou não com base em e'~dênCla): não há mformação sufictente para
de tectdo vagtnal, são chamadas de colpectomta ou colpocleise, formular recomendação com base em eVJdtncias que defi-
respectivamente. São procedtmemos reservados para pacientes nam qual o reparo tdeal para os defeitos vagtnais, mcluin-
idosas com prolapsos avançados, em condições cirúrgicas des- do técnica e material.
fa,·onl.velS e sem expectauvas de atividade sexual.
Na colpocleise ou operação de LeFon são retiradas uma
Leitura complementar
faixa da mucosa vagmal anterior e outra da posterior. A se- Bader G, Fauconnir A, Guyot B, Vllle Y. Ut1hsation de rnatériax pro-
guir, procede-se à sutura da parede anterior com a parede thétiques dans la chirurgie réparatnce des prolapsus pelviens.
posterior da vagina, obliterando parcialmente seu lúmen, o Analyse factuelle das connsaissances. Gyn Obst Fert 2006;
que cria um septo largo entre as paredes anterior e posterior 34:292-7.
Baessler K, Hewson AO, Tunn R. Severa mesh comphcations follo-
da vagina, proporcionando a sustentação uterina e da cúpula
wing intravaginal slingplasty. Obst Gynecol 2005: 106:713-6.
vaginal. Essa técnica pode se r uti lizada na presença ou ausên- Birch C. The use of proslhetics in pelvic reconstruclive surgery. Besl
cia do útero, é rápida e pode se r realizada com anestesia local Pract Res Clin Obst Gynec 2005; 19:979·9 t .
ou loco rregional. A taxa de sucesso se aproxima de 100%, e Bradley C, Zimmerman M, Wang O et ai. Vaginal descent and pelvic
não depende d o tamanho do prolapso nem do defeito ana- floor symptoms in postmenopausal women: a longitudinal sludy.
Obstetr Gynecol 2008: 11 1(5): 1148-53.
tômico subjacente. Suas falhas estão relacionadas com o de-
Bump RC, Bo K. The standartization of terminology oi íemale pel-
senvolvimento de hematoma ou infecção local. Em geral, a vic organ prolapse and pelvic dysfunction. Am J Obstet Gynecol
probabilidade de lesão de outros órgãos é mínima. 1996: 175: 10-7.
Oelancey JOL. Functional anatomy of lhe palvic floor and urinary
continence mechantsm. In: Schüssler B, Laycock J, Norton P,
RECOMENDAÇOES COM BASE EM EVIDÊNCIAS Stanton S (eds.) Re-pelvtc floor education. London: Springer-Ver-
• Grau A (recomendação definida por estudos consistentes lag, 1994:9-21.
de nh·el 1 de evid~ncia): Oelancey JOL. Structural aspects of the eXlflnSIC conttnence me-
chantsm. Obstei Gynecol1988 Sep: 72(3 Pt 1):296-301.
- A sacrocolpopexta para correção de prolapso apical é
Dtetz HP, Haylen BT, Vanca1lle TG. Femafe petvíc organ prolapse and
altamente recomendada. voiding funcbon. lnt Urogynecol J 2002, 13(5):284-8.
O material smtéuco para a sacrocolpopexia é mais efi- Kegel AH. ProgressiVe resostance exerc1sa 1n the funct100al reslo-
caz do que o btológtco. rabon oi the penneal rruscles. Am J Obstei Gynecol 1948 Aug;
- A melhor vta para correção de prolapso posterior é a 56(2):238-48.
Nygaard I, Delancey JO. Arnsdor1 L, Murphy E. Exercise and oncon-
vaginal. tinence. Obstei Gynecol1990 May; 75(5):848-51 .
• Grau B (recomendação definida por estudos de nivel2 e/ou O'Boyle AL, O'Boyle JO. Rochs RE. The natural history of pelvic organ
3 de evtdêncta ou eVJdtncia da matoria de ensaios clínicos support in pregnancy. lnt Urogynecol J 2003, 14( 1):46-9.
controlados randomtzados): Palma P et ai. Prolapsos urogenllales: rev1s16n de conceptos. Actas
Urol Esp 2008, 32(6):618-23.
- Não há evidtnctas quanto ao uso de telas sintéticas em
Petros PEP. The fernale pelvic floor. Function, dysfunction and manage-
reparos de parede posterior. ment according to lhe Integral theory. 2. ed. Bertin. Springer, 2007.
- A histerectomia total concomitantemente a reparos Samuelsson EC, Victor FT, T1bblin G, Svãrdsudd KF. Signs of geni-
usando telas sintéticas aumenta as taxas de erosão; des- tal prolapse in a Swedish population of women 20 to 59 years
sa maneira, devem ser conside radas técnicas alternati- of age and possible related factors. Am J Obst Gynecol 1999;
180(2):299-305.
vas para reduzir esses riscos.
Swifl S, Woodman P, O'Boyle A. Pelvic Organ Support Study (POSST):
- A plicatura dos elevadores do ânus durante a colporrafia The distribution. clinicai definilion , and epidemíologic condilion
posterior raramente deve ser usada em mulheres sexual- of pelvic organ support defects. Am J Obst and Gynecol 2005;
mente ativas em virtude do alto riSCo de dispareunia. 192(3):795-806.
• Grau C (recomendação definida por estudos de nível 4 de Sze EH, Sherard GB. Oolezal J M. Pregnancy, labor, delivery, and
pelvic organ prolapse. Obstetr and Gynecol 2002: 100(5):
evidência ou evidência da maioria de estudos de nível 213 981-6.
ou por opinião de experts): Ustal Fornell E, Wingren G, KJOihede P. Factors associated with pel-
- A suspensão da cúpula vaginal por técnica especifica vic floor dysfunction with ernphasís on urinary and fecal inconti-
deve ser constderada no momento do reparo de cada nence and genital prolapse. na ep1dem1ological study. Acta Obs-
lelr Gynecol Scand 2005, 83(4):383-9.
prolapso vaginal.
Walters MO. Description and classífiCabon of lower urinary tract dys-
- A sacrocolpopexta laparoscópica é uma técnica usada funclton and peiVlc organ prolapsa In: Karram MM (ed.) Urogy-
como opção à sacrocolpopexia laparotõmica, embora necology and reconstruct1ve peiVlc surgery. 2. ed . Sa~nt Lou1s:
não eXIStam estudos comparativos. Mosby, 1999:35-42.
CAPÍTUL O

Fístulas Genitais
Marilene Vale de Castro Monteim

INTRODUÇÃO ETIOPATOGENIA
As flstulas gerutais constituem uma condição em que há As duas principais causas de fístulas urogenitais são o trau-
comunicação anormal entre os tratos genital (vag1na e útero), ma obstétrico e as círurgLaS gmecológicas, sendo a histerecto-
unnáno (uretra, bexiga e ureter) e imesunal (reto, canal anal e mia responsável por 70% dos casos, mais frequentemente na
mtesuno). A estreita relação entre bex1ga, vagma, utero e reto abordagem laparoscóp1ca do que abdominal. No pano trau-
predtSpõe a formação de fistulas principalmente após partos mático e prolongado, a bex1ga e o reto são compnm1dos pela
operatórios ou prolongados, radioterapia, traumausmos, neo- cabeça fetal e pelos ossos da bacia péh~ca, causando isquem1a
plasias, círurg1as ginecológicas e urológicas. e necrose tecidual, seguidas de fístula. Nas ciru rgias pélvicas,
Sua importância se deve ao grande problema flsico e emo- principalmente a histerectomia, uma lesão por pinçamento
cional que causa nas pacientes, as quais estão sempre molhadas ou transfixação de sutura leva à formação das f!stulas.
ou suj as de fezes, com odor vaginal pronunciado, dermatite e Outras causas de flstulas após histe rectomia abdominal são
importante limitação social. Estima-se que mais de dois mi- a lesão vesical peroperatória não reconhecida, a ruptu ra par-
lhões de mulheres em todo o mundo sofram dessa condição e cial da camada muscular da bexiga e a necrose avascular re-
que ocorram aproximadamente 100 mil novos casos por ano, sultante de lesão por compressão traumática. Atualmente, as
a maioria no sul da Âfrica e na Ásia. As flstulas urogenitais são cirurgias de prolapso e incontinência urinária (lU) entraram
quase duas vezes mais frequentes do que as reto,-aginals. na lista de procedimentos cirúrgicos causadores de flstulas
A mc1d~nc1a das fístulas geniturinánas é de 0,5% a 1,5%, ,·esicO\·aginatS, prmc1palmente quando são utilizadas telas
sendo as decorrentes de lesões vesicais (fistulas vesiCO\'llgi- sintéticas que prec1sam ser rerno\'idas. As fístulas uretrovag•-
na•s) as mms frequentes por trauma obstétnco, correspon- nais, mais raras, são causadas pela cirurgia de divertlculo de
dendo a 80% dos casos nos países subdesenvolvidos. Essas uretra ou correção de CIStocele ou de lU.
f!stulas amda são encaradas como um problema de saúde Outras causas mcluem cesariana, invasão neoplásica de
pública nessas regiões. Nas nações desenvolvidas, a principal tumores pélvicos, doenças inOamatórias, como a de Crohn,
causa de frstulas geniturinárias é a cirurgia ginecológica, prin- infecciosas (doença inOamaLória pélvica [DIPJ), radioterapia e
cipalmente a histerectomia abdominal. cirurgias pélvicas com grandes d issecções, sangramento e in-
A incidência das flstulas genitoimestinais é de 0,1% a fecções. As flstulas decorrentes da radioterapia pélvica podem
1,0%, sendo a fístula retovaginal a mais comum. A principal ser provocadas por necrose do próprio tumor ou acontecer
causa é o trauma obstétrico por pano prolongado e despro- tardiamente (em geral após 2 anos) em razão da endanerite
porção cefalopélvica. obliterame na parede vesical.
As fístulas veSlcovaginatS nos países desenvoh~dos são
principalmente causadas por câncer, radioterapia e lesão CI-
CLASSIFICAÇÃO ANATÔMICA rúrgica e, nos palses subdesem·olvidos, por trabalho de pano
• Fístulas urogenitais: uretrovaginal, vesicovagmal, urete- prolongado decorrente de inadequada ou insuficiente assis-
rovagmal, ureterouterina, uterovesical e mistas. tência obstétrica.
• Fístulas genitointestinais: retovaginal, uteroimestinal, tu- As fístulas retovaginais são causadas principalmente pelo
bointestinal e emerovaginal. trauma obstétrico (88%) como resultado da laceração do corpo
356
r
((

Capitulo 43 Fístulas Genitais 357

penneal que pode ser ou não reconhecida e reparada de manei- caractenzando a slndrome de Youssef (menúria clchca), e seu
ra madequada ou não. Geralmente aparecem 6 a lO dias após a diagnóstico é confirmado com cistoscopia, cistografia e hlste-
reparação primária da laceração. Os pnncipais fatores de risco rossalpingografia.
são prim1paridade, episiotomia mediana, ma1or peso do recém- O estudo urodinâmico não é exame essenctal para o diag-
-nascido e uso de fórceps. O utras causas são lesão cirú rgica di- nóstico de flstulas urogenitais, mas demonstra algumas d isfun-
reta do reto ou da vagina, isquemia ou infecção pós-operatória ções associadas que, entretamo, não modificam o planejamen-
e raramente após processo in feccioso , como abscesso perianal. to cirúrgico, uma vez que a maioria melhora com o 1·eparo das
As flstulas congênitaS são mais raras e geralmente associa- fístulas. As principais alterações encontradas são lU ele esforço,
das a anomalias congênitas do trato urinário. Este ca pítulo hiperativiclade do detrusor e d iminuição da complacência vesi-
trata apenas das f!stulas adquiridas. cal. A videourodmâm1ca possibilita a diferenciação da perda de
urina por defeno esfincteriano grave de flstula.
O risco de lU apóS correção eficaz da f!stula é de 16% a 32%
DIAGNÓSTICO em ,inude da lesão no colo \-esical ou nos mecaniSmos de fe-
Cada upo de flstula apresenta sinaiS e sintomas secundá- chamento uretra!, além do aparecimento de luperatMdade do
nos às comunicações formadas por si próprias. Os smtomas detrUSOr ou fibrose \'esical com diminuição da capaadade vesi-
podem ser precoces ou tardios. cal. A indicação de tomografia computadorizada (TC) ou resso-
nância magt1ética (RM) deve ser reservada aos casos de flstulas
Fístulas urogenitais neoplásicas com grandes massas pélvicas associadas. Os avanços
As pacientes com fístulas urogenitais relatam perda invo- na ultrassonogralia 30 trans perineal podem acarretar maior uti-
luntária de urina pela vagina sem relação com outros sinto- lização desse método propeclêutico no d iagt1óstico de flstulas.
mas, geralmente iniciando 7 a 14 d ias depois ele cirurgia ou O d iagnóstico di ferencial deve ser feito com incontinência
parto. A intensidade da perda depende do tamanho ela fístula urinária e ureter ectópico.
(quanto maior o orifício, maior a perda) e de sua localização.
As flstulas pós-radioterapia podem mamfestar-se meses ou Fístulas geniloíntestinais
anos apóS o tratamento, de,·endo ser feno dtagnóstico dife- As pacientes com flstulas genitointesúnais geralmente se
rencial com invasão neoplásica. queixam de ehmmação de fezes, gases ou secreção muco-
Portanto, o d1agnóstico é iniciado com anamnese e antece- purulenta pela vagma. Outros sintomas menos comuns são
dentes cirúrgtcos e obstétricos. Em segmda é realtZado o exame dispareuma, dor vagmal e colpite recorrente. Na anamnese é
físico com o objetivo de con firmar a salda de unna pela vagina importante afastar a doença de Crohn e correlacionar os sin-
ou colo uterino por meio do exame especular e coleta da secre- tomas com a história obstétrica ou ci rurgias pélvicas.
ção sugestiva de urina para dosagem de creatinina (bem mais Na inspeção vaginal e no exame especular são procurados os
elevada elo que no soro) ou simples comprovação de sua saída o riflcios fJStulosos, que podem variar de taman ho microscópi-
anormal. Os testes com corantes (azul de metile110 intravesical co a grandes aberturas, mas nem todas as flstulas são diagnos-
ou cloridrato de fenazopiridina oral) são práticos e de reali- ticadas no exame flsico. Q uando o oriflcio fistuloso é identifi-
zação ambulatorial com alta taxa de confirmação diagnóstica. cado, utiliza-se um estilete para confirmar o trajeto da flstula.
Os casos suspeitos de flstula ,·esicovagmal devem ser ava- Posteriormente a região anal é examinada à procura de fissuras
hados com cistoscopia concomitante à vaginoscop1a, e nos ou dermautes, segumdo-se o toque birnanual (nota-se massa
casos de tratamento oncológico prév1o deve ser realizada irregular no nh·el do septo reto\'llginal) e o reta! (a,'l!ha o tõnus
b1ópsta ao redor do ponto fistuloso para afastar recidl\'a tu- do esflnaer anal e pode tdentificar massas irregulares).
moral. A descrição do orifício fistuloso (tamanho, localiza- A retoscopia avaha a integridade da mucosa, enquanto a
ção) onenta a abordagem cirúrgica postenor. colonoscopta pode ser necessãria para afaStar foco mfecc1oso
Recomenda-se a avaliação do trato unnário superior para ou neoplásico. Raramente é necessário o exame clinico sob
afastar a coexislt!ncia de flstula ureterovaginal por meio da anestesia. Q uando há forte suspeita de flstula retovaginal e
urografia excreto ra (que mostrará obstrução ureteral total ou depois que todos esses passos citados não a confirmaram.
parcial, além de ext ravasamento de urina) ou pela cistogra- deve-se solicitar exame rad iográfico, como a ultrassonografia
fia retrógrada (que apresenta mais acurácia em demonstrar a endoanal, que tem acurácia de 7% a 73%, porém, quando em
passagem anormal d o contraste pela vagina). associação com a introdução d e peróxido de hidrogênio via
A flslltla ureterouterina é muito rara e pode ser d iferenciada anal, alcança 48% a 73%. Contudo, a RM tem ma1or sensibi-
da flstula vesicouterina por meio da mfusão de azul de meú- lidade, e sua acurácia pode chegar a 100%. Estudos contras-
leno na bex1ga com cateter de Foley e constatação de salda de tados com fluoroscopta podem ser mais acessiYelS em alguns
unna clara pela vagina. As f!stulas uretrO\'esiCalS geralmente sen·iços, mas têm sensibthdade de 73% na vagmografia ou
ocas1onam mfecção urinária recorrente ou hematúna, com o 35% na retografJa . A comunicação entre o sigm01de e a vagma
diagnósuco sendo confirmado pela uretroc1stoscop1a ou pela é rara, podendo ser decorrente de d oença diverticular, hlste-
uretrocistografia retrógrada. rectomia préVla, neoplasia ginecológica, radiação ou trauma.
As flstulas vesicouterinas causam perda intermitente de A vaginografta ou e nema baritado associado ao exame flsico
urina ou incontinência, hematúria recorre nte ou amenorreia, geralmente con firma o diagnóstico.
/.

'
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J 358 Seção I Ginecologia

TRATAMENTO As duas técnicas de reparo de fistula vesicovaginal por


O sucesso do tratamento das fístulas depende de boa ava- via vaginal são a jlap-splitting e a técnica de latzko. Na jlap-
liação pré-operatória, adequada exposição da fístula, boa -splitting é recomendada a cateterização dos urete res por via
hemostasia, ressecção do tecido desvascularizado ou excisão cistOscópica seguida de incisão circular em volta da fístula,
do tecido fibrótico ao redor do orifício fistuloso, retirada de dissecção do epitélio vaginal ao redor, excisão das bordas da
corpo estranho (quando houver), suturas sem tensão e em fistula, sutura contínua ou interrompida invertendo a mucosa
mais de um plano e adequada drenagem vesical pós-operató- de bexiga, uma segunda sutura na camada musculofascial e,
ria para evitar a hiperd istensão do reparo. por fim, sutura do epitélio vaginal.
O tratamento conservador com o uso do cateter de Foley A técnica de latzko é frequentemente utilizada na correção de
por 3 a 5 semanas está restrito a casos em que a fístula é peque- fístulas na cúpula vaginal após histerecwmia total, pois a presen-
na ( < 5mm) e não relacionada com neoplasia do trato geni- ça do colo impossibilita o procedimento. Realiza-se uma incisão
turirtário. Cola de fibrina tem sido frequentemente utilizada elíptica ao redor da fístula, seguida de excisão das bordas. Depois
nesses casos para aumentar as chances de cicatrização. são feitas a sutura interrompida na borda da fístula, invertendo
Ainda há controvérsia a respeito de quando se deve realizar para a bexiga, a do tecido musculofascial e, por fim, a das pare-
a cirurgia depois do aparecimento da fístula, se precocemente des vaginais no sentido transverso, como na colpoc\eise.
(l a 2 meses) ou tard iamente (2 a 4 meses). A questão referen- A via abdominal está ind icada nos casos de fístulas combi-
te ao tempo para o tratamento cirúrgico se deve à qualidade nadas, capacidade vesical reduzida, presença de outros órgãos
do tecido ao redor da fístula que proporcione boa sutura. En- envolvidos, além da bexiga, fístulas ureterais e vaginais altas
tretanto, a tendência mais recente é a de se fazer a correção (supratrigonais). Entretanto, essa abordagem está associada a
o mais precoce possível, evitando o ostracismo da paciente maiores taxas de complicações. A bexiga é seccionada na pa-
e melhorando sua qualidade de vida. Ainda se discute por rede posterior até o limite da vagina, a fístula é excisada e, em
quanto tempo se deve deixar o cateter vesical no pós-opera- seguida, procede-se às suturas sem tensão e ao fechamento da
tório (7 a 14 d ias), mas a maioria dos autOres afirma que a bexiga e da vagina em camadas.
bexiga deve ser drenada continuamente por meio de catete r A via combinada (vaginaVabdomina\) é indicada quando
de Foley ou suprapúbico no pós-operatório por pelo menos há necessidade de interposição de tecidos (ornemo) ou de
7 d ias. Recente estudo randomizado , comparando 7 e 14 d ias fornecimento de nova vascularização para a área operada.
de drenagem vesical após correção de fístula vesicovaginal A via laparoscópica é também uma opção segura, aplicá-
simples e não complicada, demonstrou a não infe rioridade vel e prática no tratamento das fístulas vesicovaginais, porém,
do tempo de 7 d ias em relação ao de 14 d ias, sendo aplicável como essas [ístulas não são tão frequentes, a experiência com a
na prática clínica. Com relação ao coitO vaginal, é prudente cirurgia laparoscópica ainda é restrita. No entanto, as técnicas
seu reinício no mínimo 60 dias após a cirurgia. min imamente invasivas têm-se mostrado mais adequadas nos
Outros fatOres devem ser considerados antes da correção casos de fístulas pequenas e sem complicações. São realizadas
cirúrgica, principalmente em países subdesenvolvidos, como cateterização de fístula, cistotOmia laparoscópica, dissecção do
o estado nutricional da paciente ou as condições clínicas que espaço vesicovaginal, abertura e excisão da fístula, fechamento
necessitam ser reparadas previamente, como parasitose, tu- vesical e colpotOmia e o uso de enxerto de interposição. Para
berculose ou anemia. A antibiolicoterapia profilática não pa- evitar a sutura laparoscópica, que exige maior habilidade técni-
rece interferir diretamente nos índices de falha cirúrgica, mas ca, a cola de fibrina tem sido usada em alguns casos.
diminui os casos de infecção urinária pós-operatória. A cirurgia robótica parece ter resultado promissor no trata-
O principal objetivo da cirurgia é restaurar a função normal mento das fístulas vesicovaginais e ureterovaginais, mas ain-
do tratO urirtário baixo e as estruturas pélvicas afetadas, apresen- da há poucos casos relatados. A principal desvantagem é o
tando taxas de sucesso de 85% a 90% na primeira abordagem aumento da curva de aprendizado, do tempo operatório, do
operatória. Nos casos de recidiva, essa taxa d iminui para 65%. custO e da experiência do cirurgião.
A correção da fístula uretrovaginal pode exigir o uso de
Tratamento das fístulas urogenitais técnicas de transposição de tecidos, como o retalho de Mar-
A abordagem cirúrgica para o tratamento das fístulas uro- tius, para fortalecer a reconstrução, reforçar o suporte e au-
genitais pode ser por via abdominal, vaginal ou combinada. mentar a vascularização da área reconstruída. No entanto, a
A via vaginal está associada a menos perda sanguínea, me- base da técnica cirúrgica é semelhante à da via da correção da
nor índice de complicações e menos tempo de internação, fístula vesicovaginal. Há o risco de incontinência urirtária no
porém é contraindicada quando o tecido vaginal ao redor da pós-operatório, dependendo da extensão da d issecção na cor-
fístula é muito fibrótico, quando a bexiga tem a capacidade reção da fístula. O uso de retalho de interposição de Martius
reduzida e na presença de estenose vaginal ou outras fístulas parece d iminuir o risco de incontinência.
concomitantes. Tem como princípio básico o fechamento em O desvio urinário é a última opção em casos recorrentes.
camadas e com sutura sem tensão. Quando há necessidade de A técnica mais comum consiste na implantação do ureter em
interposição de retalhos, utiliza-se o de Martius. A via vaginal uma bolsa ileal ou com o uso de estornas na parede abdomi-
é geralmente ind icada naquelas fístulas vesicovaginais abaixo nal, sendo considerada a melhor saída para pacientes com
da barra interuretérica. fístulas inoperáveis com ganho na sua qualidade de vida.
( I

Capitulo 43 Fístulas Genitais 359

As complicações pós-operatórias são raras e, quando ocor- l eitura recomendada


rem , u~m tmponantes repercussões no upo de \'tda e no pior Almagro AA, Mtguelánez JLS. Sanz PP. Menguaf BP. Ntno SN. Fis-
prognóstico de futuras correções. As pnncipaiS causas estão tulas urtnarias; puesta ai dta. Actas Urol Esp Nov-Oec 2002,
listadas no Quadro 43.1. 26( 10):776-95.
Aronso MP, Lee RA. Incontinência anal e fístulas retovaginats. In:
Os principais cuidados pós-operatórios são drenagem
Rock JA (ed.). Te Linde: cirurgia ginecológica. Rio de Janeiro:,
vesical por 7 a 14 dias, h idratação adequada para prevenir Revinter. 2012:994-1025.
formação de coágulos e hiperdistensão vesical e aguardar 6 Barone MA, Widmer M et ai. Breakdown of simple female genital tis-
semanas de pós-operatório para recomeçar a atividade sexual. lula repair after 7 day versus 14 day postoperative bladder ca-
theterisation: a randomised, controlled, open-label, non-inferiority
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Tratamento da fístula retovaginal Blaivas JG, Hentz OM. Romanzt LJ. Early versus late repatr of vesico-
Apesar dos avanços no tratamento clinico de pequenas f!s- vaginal ftstutas. vaginal and abdominal approaches. J Urol 1995:
tulas retovagmais causadas pela doença de Crohn, a correção 153.111Q-2, dtSCUSSIOO 2-3.
dessas flstulas é, de maneira geral, Ctrúrgtca. A abordagem Champagne BJ, McGee MF. Rectovaginal fistufa. Surg Ctn N Ann
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pode ser por vta vaginal, transanal , penneal ou abdominal,
Creanga AA, Genadry RR. Obstetnc fistufas: a cltnical r9VIew. Inter-
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qualidade do tecido circundante e do antecedente de cirurgia Oelancey JOL, Mtller NF, Berger MB Surgical Approaches to Pos-
anterior, além da experiência do cirurgião. tobstetrical Penneal Body Oefects (Rectovaginal Fistula and
A via transanal é indicada nas frstulas baixas não associa- Chronic Third and Fourth-degree Lacerations). Clin Obstet Gyne-
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das à incontinência. A via transperineal está indicada quando Oonnay F, Weit L. Obstetrics fistula: the international response. Lan-
há incontinência anal ou falha na abordagem transanal ou va- cei 2004; 363:71-2.
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ginal tem as vantagens de não causar deformidade perineal ou tion wíth endoanal MA imaging. Radiology 2004 ; 231 : 123· 8.
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anaVesflncter, melhorar a exposição, facilitar a confecção de
choice for ctintcally suspected vaginal fistulas. Ots Colon Rectum
retalhos sem tensão e reduzir a morbtdade. A via abdominal 1996; 39:568-72.
será uuhzada em casos com importante obstrução do canal Hilton P. Urodynamoc fondtngs in patients with urogenttaf foslufae. Br J
anal ou com grandes ulcerações. Urol Apr 1998; 81(4);530-42.
Após a ressecção do orifício fistuloso, a mucosa reta! de,·e Kirschner CV. Lengmang SJ, Zhou Y, Chirna GA, Karshorna JA. Arro-
ser separada do complexo esfincteriano e reparada em doís wsmith S. Unnary d tversoon for patients with inoperable obs!etnc
vesocovagonal fts!ula. the Jos, Nigeria experience. lnt Urogynecol
planos. Preconiza-se a colocação de um pequeno dreno de J. Nov 2 20 15 .
Penrose, e a pele deve ser fechada com pontos separados e Porpiglia F, Fiori C , Morra I, Ragni F, Vaccino O, Scarpa RM. Lapa-
no sentido vertical para facilitar a reconstrução d o corpo pe- roscopic vesico-vaginat fistula repair: our experience and review
rineal. O período de internação ge ralmente é pequeno, e a of the literatura. Surg Laparosc Endosc Percutan Tech , Oct 2009;
19(5):410-4.
dor não costuma se r intensa no pós-operatório. O retalho de
Romics IZS, Kelemen ZS. Fazakas ZS The diagnosis and manage-
Martius é mais utilizado na correção da flstula retovaginal in- ment of vesicovaginal fistulae. BJU lnt 89:764-6.
duzida por radioterapia. Roth TM, Meeks GR. Ffstulas vesicovaginal e uretrovaginal. tn : Rock
Os cuidados pós-operatórios incluem manter as fezes pas- JA (ed.) Te Lmde: Ctnurgia ginecológica. Rio de Janeiro: Revinter.
tosas com óleo mineral até 6 semanas depoiS. A dieta com 2012; 973-93.
Savan K, Ekin M, Kupeltoglu L. Oral S. Yasar L. Surgtcal repalr of ge-
pouco resíduo não apresenta beneflcto na recuperação pós- notounnary fostulae; companson of our experieoce at Turkey and
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Quadro 43.1 Complicações da cirurgia para correção da ffstula
urogenttal Sudoi-Szoptnska I, Jakubowski W, Szczepkowski M. Contrast-enhan-
ced endosonograph10 for the diagnosis of anal and anovaginal
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fistulas? lnt Urogynecol J 2010; 21:337-42.
CAPÍTULO (

Fisiologia do Climatério
Rívia Mara Lamaita
Ana Márcia de Miranda Cota

INTRODUÇÃO 2020, e o de mulheres na pós-menopausa deverá estar na faixa


A menopausa é definida pela Organização Mundial da de 60 milhões. Atualmente há poucos estudos de base popula-
Saúde (OMS) como a última menstruação na vida de uma cional, nacionais ou latino-americanos, sobre a epidemiologia
mulher. A época em que acontece é variável e muitOS dos sin- do climatério e da menopausa.
tomas com ela relacionados podem ocorrer antes de sua ces-
sação, o que dificulta a demarcação de um momento preciso. EFEITOS RELACIONADOS COM A IDADE
Outros termos adotados são pe rimenopausa, referente a Apesar da influência do eixo h ipotalãmico-hipofisãrio, a
um tempo variável iniciado alguns anos antes e após a me- menopausa natural é basicamente um evento ovariano resul-
nopausa, e climatério, que é observado quando do término tante da perda da atividade folicular e atresia fLSiológica dos
da função reprodutiva. Embora menopausa e pós-menopausa folículos primordiais, ocorrendo geralmente entre os 42 e os
sejam termos usados de modo compartilhado , o primeiro é 58 anos de idade. A menopausa marca o fim da vida reprodu-
menos corretO, uma vez que deve apenas relacionar-se com tiva e ocorre após 12 meses consecutivos de amenorreia para
o término da menstruação, o que pode ocorrer natural ou ar- a qual não há outras patOlogias ou causas estabelecidas. A
tificialmente, após procedimentos clínicos ou cirúrgicos que transição da menopausa ou perimenopausa é o momento que
ocasionem a parada da produção hormonal ovariana. ocorre antes do último pe ríodo menstrual associado a ciclos
À medida que a esperança de vida direciona as mulheres irregulares, instabilidade hormonal e sintomas característi-
para viverem até depois da oitava década em wdo o mundo, cos. Já a pós-menopausa é defmida como o tempo decorrido
especialmente nos países mais desenvolvidos, boa parte da após a última menstruação e se inicia após 12 meses de ame-
população feminina estará na fase de pós-menopausa. Es- norreia espontânea. Já o climatério se refere a wda transição
tima-se que a méd ia de idade em que ocorre a menopausa do estado reprodutivo para o não reprodutivo, incluindo,
sej a de 51 anos. Desse modo , mais de um terço da vida portanto, mulheres pré-menopáusicas, perimenopáusicas e
de uma mulher será vivido após essa última menstruação. pós-menopáusicas.
Sabe-se que a expectativa de vida das mulheres b rasileiras Embora as alterações perimenopáusicas sejam geralmen-
é 7,3 anos maior do que a dos homens, segundo dados do te de natureza endócrina e promovam alterações menstruais,
InstitutO Brasilei ro de Geografia e Estatística (IBGE). Em uma diminuição acentuada da capacidade reprodutiva pre-
2013, a expectativa de vida da população feminina chegou cede esse período em vários anos, declínio esse que pode ser
a 78,6 anos. vistO como uma insuficiência ovariana gamewgênica e refle-
Nesse período, os sintomas e sinais de deficiência de estro- tido pela diminuição do hormônio antimülleriano (HAM) , da
gênio se fundem com problemas relacionados com o em•elhe- inibina B e da contagem de folículos antrais e pelo aumento
cimento natural. Como a população mundial aumenta e sua do hormônio folículo-estimulante (FSH).
maior pane é composta de indivíduos com mais de 50 anos, Essas alterações podem acontecer com a função menstrual
os cuidados médicos especificamente dirigidos a mulheres na normal e sem uma deficiência endócrina por até 3 anos antes
pós-menopausa se tomam um aspecto importante da medicina da menopausa e, em algumas mulheres, já aos 35 anos, ou
moderna. Nos EUA, o número de mulheres que entram na me- seja, l O anos ou mais antes da ocorrência dos d istúrbios en-
nopausa deverá duplicar nos próximos 30 anos, entre 1990 e dócrinos. Há estudos mostrando que a principal redução na
360
r
((

Capítulo 44 Fisiologia do Climatério 361

produção de estrogênio ovariano não oco rre até aproximada- estado em mulheres tabagistas e naquelas que não tiveram
mente 1 ano antes da menopausa. filhos, sempre associada ao menor nível socioeconômico. Al-
Como a idade cronológica é indicador não confiável, diretri- guns estudos têm mostrado que o histórico de ciclos mens-
zes foram desenvolvidas a partir de 2001 de modo a tentar es- truais com inte rvalo de 26 dias induz a menopausa 1,4 ano
tabelecer uma classificação cronológica para a idade biológica e mais cedo do que nas mulheres que apresentam ciclos mais
endocrinológica da mulher. O sistema de estadiamento STRAW longos (Quadros 44.2 a 44-4).
(Stages of Reproductive Ageing Workshop) é o padrão reconheci- Dados recentes têm relacionado a idade de ocorrência da
do internacionalmente para caracterizar e classificar o envelhe- menopausa com a longevidade. Mulheres com menor idade
cimento reprodutivo através da transição da menopausa. Esse à menopausa ap resentam maiores taxas de mortalidade por
sistema defme sete estágios: cinco antes e dois após o último causas ge rais e algumas específicas, como as doenças cardio-
período menstrual. Os estágios - 5 a - 3 incluem o período repro- vasculares. Aquelas que apresentam esse evento em idade
dutivo, - 2 a - 1 a transição menopausa! e +1 a +2 a pós-meno- mais tardia têm maior monalidade por neoplasias malignas
pausa. As recomendações do STRAW+ 10 estão listadas no Qua- ginecológicas hormônio-dependentes.
d ro 44.1. O estágio - 3, referente ao período reprodutivo tardio, é
dividido em - 3a e - 3b, e o estágio +1 em +la, +lb e +lc. Alterações endócrinas
Esse c rité rio não deve ser usado em mulheres com menos A endocrinologia da transição da menopausa é complexa
de 40 anos de idade com suspeita de falência ovariana prema- e varia consideravelmente entre as mulheres. O declínio no
tura, com história de histerecwmia ou ablação endometrial, número de folículos ovarianos (por atresia ou da ovulação) é
em ponadoras da sínd rome dos ovários policísticos (SOP), a base para o envelhecimento reprodutivo e ocorre natural-
pós-quimioterapia ou em casos de doenças crônicas. mente ao longo da vida. O mecanismo de retrocontrole entre
Essa fase da vida rep rodutiva envolve um processo bio- o ová rio e o eixo hipotalâmico-hipofisário continua a se r um
psicossocial em que a maioria das mulheres experimenta mu- desafio para a compreensão da endocrinologia do envelheci-
danças que podem se r influenciadas po r fatores psicológicos, mento reprodutivo.
sociais e culturais, como o estilo de vida (tabagismo, dieta, Classicamente, é do conhecimento geral que as gonado-
exercício), e que podem inte rferir na idade de instalação da trofinas regulam a secreção de este roides ovarianos (estradiol
menopausa. Observa-se uma te ndê ncia mais precoce desse [E2], progesterona e testoste rona) e dos ho rmônios peptídeos

Quadro 44.1 Sistema de estadiamenlo do envelhecimento reprodutivo na mulher (The 2011 Stages of Reproductive Aging Workshop + 10)

Estágio -5 -4 -3b -3a -2 - 1 +18 +1b +1C +2


Terminologia Reprodutiva Transição menopausa! Pós· menopausa

Precoce Pico Tardia Precoce Tardoa Precoce Tardia

Perimenopausa

Duração Variável Variável 1 a3anos 2anos(l+ 1) 3a6anos Atê o fim


da vida

Critério principal

Ciclo Variável a Regular Regular Sutis D uração Intervalo de


menstrual regular mudanças variável amenorreta
no fluxo Dderença ~60 d1
as
e na persistindo
duração ~7 dias

em ciclos
consecutivos

Critério de suporte
Endócrino
FSH Bruxa Variável Elevado >25UI/l Elevado Elevado
HAM Bruxo Batxo Baixo Baixo Baixo Muito balXo
lmbina B Baixa Baixa Baixa Baixa Muito balXa

Contagem Bruxa Baixa Baixa Baixa Muito baixa Muito baixa


de folicuios
antrais

Características descritivas

Sintomas Sintomas Sintomas Sintomas


vasomotores vasomotores de atrofia
comuns muito urogenital
comuns

Fonte: adaptado de Hartow SO, Gass M. Halt JE et at.. 2012.


362 Seção I Ginecologia

Quadro 44.2 Fatores associados a idade mais precoce da menopausa séricos de tntbtna B, um tmbidor não esteroide da secreção
Tabagosmo atual
do FSH htpolisãno, em razão da queda de sua produção pelo
folrculo antral. Esse sistema de fcedbach é complexo e envolve
lnlcoo mws precoce ( 1,5 ano)
uma mudança de ciclos ovulatórios predominantemente nor-
Histerectomoa abdominal prévia
mais a anormais ou anovulatórios até a úiLima menstruação.
Peso corporal (as mulheres abaixo do peso experimentam O motivo da diminuição acelerada do número de folrculos
menopausa ligeiramente mais precoce)
du rante a menopausa não está totalmente esclarecido, mas
Fonto: adaptadO de Welsmiller OG. 2009. uma possrvelteoria d iz respeito à secreção de ativina. A ati-
vina, derivada ele células de granulosa, é importante para a
Quadro 44.3 FatO<es que nao aletam a idade da menopausa expressão do receptor ele FSH. O aumento nos nlveis de FSH
Idade da menarca poderia esumular rnator produção de ativina, o que, por sua
\'ez, aumentana a ação desse hormônio. Essa ação amócnna
Estado socooeconOmico
da ali,•ina, envolvendo um reforço do FSH, poderta conduztr
Etnoa
a crescimento e dtferenciação acelerados das células da granu-
Uso préviO de contraceptivos orais losa, o que tomana os folrculos mais sujeitos à atresia.
VIver em grandes altitudes Os achados mais sigmlicativos são as reduções no estradtol
Mulheres vegetarianas e subnutridas (E2) e na estrona (El). O E2 se encontra mais reduzido do que
Fonto: adaptado de Welsmiller OG, 2009. a El , a qual é produzida principalmente por aromatização peri-
férica de androgênios que declinam fundamentalmente em fun-
ção da idade. O sulfato de estrona (EIS) é um estrogênio conju-
Quadro 44.4 Fatores que afetam potencialmente a idade da menopausa
gado que serve como fonte estável de estrogênio na circulação e
Hisló<ia famoliar materna de idade da menopausa é a forma predominante nas mulheres na pós-menopausa.
Paridade Outros hormônios, como o elo crescimento (GH), o esti-
Estado co111l mulante ela tireoide (TSH) e o adrenocorticotróftco (ACTH),
Fonle adapado doi Y/eiSmoler OG, 2009.
são encontrados em nlvets normais. A prolaclina sénca pode
estar ligeiramente dtmmulda porque seus nh·eis são mnuen-
ciados pelo estrogêmo.
(irubmas A e B). Já o HAM é produzido por células da granu- Os nlveis de testosterona também diminuem em função
losa independentemente das gonadOLrolinas. Durante o pe- da idade, apesar de o ovário e a glândula suprarrenal conti-
rtodo de transição menopausa!, o declrnio na reserva folicular nuarem a produzir androgenio nessa fase. O ovário continua
atinge nlveis criticos e, consequememente, a capacidade fun- a produzir androstenecliona e testosterona, sendo essa produ-
cional das unidades foliculares d iminui e altera a secreção de ção pelo menos parcialmente dependente de LH. A glândula
substâncias que suprimem o FSH. suprarrenaltambém mantém a produção de androstenediona,
As nutuações hormonais começam na fase perimenopausal desiclroepiandrosterona (DHEA) e sulfato de desidroepian-
e continuam antes e após a última menstruação. Os nlveis de d rosterona (DHEAS). Com o envelhecimento, esses valores
FSH e de hormOnio luteinizante (LH) começam a se ele\'llr 2 a diminuem um pouco (aclrenopausa), embora a secreção de
3 anos antes da menopausa, enquanto os nlveJS de estrogenio conisol permaneça inalterada. A maior parte da testosterona
dechnam apenas 6 meses antes do térmmo das menstruações. "0\·ariana" pode, na \'erdade, surgir a partir de precursores da
Após a menopausa, quando os folículos ovarianos cessam, os su prarrenal.
nh·ets de FSH e LH continuam a aumentar, sendo observada Após a menopausa, observa-se diminuição da fração da
uma proporção de aumento de 20 vezes nos nlvets de FSH e globulina de ligação ao hormOnio sexual (SHBG), resultando
de aproxtmadamente três vezes nos nlveis de LH entre 1 e 3 no aumento da testosterona b iodisponivel ou em maior índi-
anos após a menopausa. Espera-se que a produção de estro- ce de anclrogên ios livres. Em comparação com a testosterona
gênio ovariano não continue além da menopausa em razão total, a d osagem da porção biod isponível ou "livre" se torna
da ausência de folrculos ovarianos e do complexo das célu- mais útil nesse período.
las da granulosa. As células da teca produtoras de androgênio
no ovário permanecem, mas sua capacidade de produção é
marcadamente reduzida. EFEITOS DA MENOPAUSA EM DIFERENTES
Muitas mulheres não se consideram no estado de peri- ÓRGÃOS E SISTEMAS
menopausa até a ocorrência de uma mudança evtdente no Além da mnuencta dtreta da epidemiologia da menopausa
organiSmo. Duas alterações precoces que acontecem na pe- sobre as taxas de mortahdade, o período dimaténco costuma
nmenopausa são o encunamento da fase fohcular do ctclo apresentar-se com urna vanedade de sintomas que compro-
menstrual , resultando em pertodos maiS longos, e o aumento metem a quahdade de \~da, destacando-se os Yasomotores,
nos nlveJS séricos circulantes de FSH. O aumento nos inter- como fogachos e sudorese, a atrofia genital e os transtornos
valos dos ciclos menstruais, que começa de 2 a 8 anos ames psicológicos, os quais podem ocasionar prejuízo de ordem
da menopausa, está relacionado com a diminuição nos nlveis pessoal e implicação social relevante.
\.
r
( I

Capitulo 44 Fisiologia do aimatério 363

Efeitos no sistema nervoso central (SNC) na sens1b1hdade dos receptores hipotalâmicos a esse neuro-
O cérebro é um local ativo de ação estrogêmca e vem sen- transmlssor. Há estudos mostrando que a estimulação desses
do muito discutido se também seria fonte de formação desse receptores pode alterar o ponto de ajuste termorregulatório
esteroide. A ath·idade do estrogênio no cérebro é mediada via em animais, resultando, assim, nos sintomas vasomotores.
receptores de estrogênio (RE) a e ~ . embora outras vias de O fato de os inibidores seletivos da recaptação da serotonina
ação também estej am em debate (não associadas aos RE). Es- se rem eficazes no tratamento das ondas de calor poderia dar
tudos em animais revelaram predomlnio de RE ~ no có nex suporte a essa hipótese.
(frontal e parietal) e no cerebelo, enquanto outros demons- As alte rações do humor, principalmente a depressão, são
tram afinidades especificas entre os estrogênios sintéticos pe- frequentes em mu lheres na pós-menopausa, apesar de a de-
los diferentes receptores. ficiência estrogênica não apresentar relação direta com sua
O estrogênio exerce múltiplas ações no cérebro. Algumas etiologia. Os diStúrbiOS cognitivos se relacionam tanto com o
funções Importantes ligadas a esse hormOmo contribuem envelhecimento como com a menopausa. A hteratura é con-
para o bem-estar geral e, mais especificamente, para a cog- troversa a respello dos bendicios estrogênicos na cogmção.
mção e o humor. O episódio mais caracterisuco e comum Dados recentes mostram que a memória verbal parece ser
da perda de ação estrogênica no tecido cerebral é o fogacho, beneficiada pelo estimulo desse hormônio. Sabe-se que a de-
refendo como um sintoma vasomotor. mência aumenta com a idade, sendo sua forma ma1s comum
As mulheres descrevem os fogachos como a sensação de a doença de Alzhe1mer. O estrogênio apresenta alguns efeitos
calor de inicio súbito, associada a sudorese e rubor, principal- neuroprotetores e neurotrópicos contra a doença, aumentan-
mente na face, e que se estende para cabeça, pescoço e tórax d o a função neu rotransmissora e do sistema coli nérgico no
anterior, com duração de 1 a 5 minutos. A sensação de frio cé rebro, deficientes no Alzhei mer.
e a ansiedade também podem estar presentes. A frequência e
a intensidade dos sintomas variam de ocasionais a episódios Efeitos no colágeno e em outros tecidos
repetidos de calor intenso e suor que pen urbam as atividades O estrogenio exerce efeito positivo no colágeno, um im-
diánas e o sono. Há, portanto, correlação com 1nsOnta, fadiga e ponante componente de osso e pele, além de selVlr como
imtab1hdade, queixas comuns entre as mulheres climatéricas. elemento de suporte para estruturas da peh·e e do SIStema
Os fogachos ocorrem cerca de 2 anos após o aparecimento urináno. Receptores de estrogênio e androgémo são encon-
da defic1ênc1a de estrogênio e podem pers1sur por 10 anos ou trados em fibroblastos da pele. Cerca de 30% do colágeno
mais. Estudos prospectivos sugerem que o tempo médio de são perdidos dentro dos primeiros 5 anos após a menopausa
duração seria de 7,4 anos, em 42% das pacientes persistindo com a diminuição de aproximadamente 2% ao ano durante
entre os 60 e os 65 anos de idade. Estima-se que 10% a 15% os primeiros I O anos após a menopausa.
das mulheres apresentem esse sintoma de maneira grave e A atrofia no sistema urogenital é uma consequencia da d i-
incapacitante. minuição do estrogênio. O ressecamento vaginal e a atrofia
A incidência desses episódios varia conforme os grupos da mucosa uretra! e da musculatura que controla o assoalho
étnicos, tendendo a ser mais intensos em hispânicas e ne- pélvico e do trígono vesical irão ocasionar si ntomas urinários
gras, intermediários entre mulheres brancas e menores em e prolapsos genitaiS. Estima-se que 20% das mulheres após a
as1áucas. Outras ,·ariá,·eis associadas ao aumento das ondas menopausa apresentem ressecamento vaginal e 20% a 40%
de calor incluem história familiar, idade precoce da menar- relatam Sintomas de perda urinária ou irritativos, o que tam-
ca e da menopausa, história de menstruação 1rregular, indice bém preJUdica o desempenho sexual.
de massa corporal elevado, uso de álcool, expos1ção a clima Há ev1dénc1as consideráveis de que a diSfunção sexual
quente e um1do, inath~dade física e tabag1smo. aumenta nesse período, e os problemas relatados incluem a
O principal responsável pelo sintoma vasomotor seria uma dispareuma, observada em 41% das pacientes em torno dos
resposta h1potalâmica alterada mediada por catecolamínas 60 anos de idade, a redução da libido e da capac1dade de
em razão da queda nos niveis de estrogênio. O mecanismo excitação e a d ificuldade em atingir o orgasmo. A falta do es-
exato dessa alteração em mulheres pós-menopáusicas não é timulo estrogênico promove afinamento da mucosa, perda de
conhecido. Duas teorias são as mais ace itas: uma delas suge re secreções e alteração no pH vagi nal, que se eleva, resu ltando
que as mudanças nos níveis de estrogênio associadas à me- em diminuição do nuxo sanguineo dessa região e em resposta
nopausa alterariam a neurotransmissào adrenérgica no SNC innamatória e petéquias vaginais.
e levariam à anormalidade na regulação térmica, o que teori- A falta de estrogemo ocasiona diminuição de massa ós-
camente podena explicar o sucesso da clonidma. um agonís- sea, sendo a perda da porção trabecular superior à da porção
ta alfa-adrenérgico que diminui a hberação de noradrenalina cortical. A osteoporose configura gra,·e problema de saude
central, reduzmdo a frequência de ondas de calor; a outra em razão do nsco aumentado (aproximadamente -10%) de
teona enfoca as alterações na neurotransmtSSâo serotoninér- fraturas em mulheres na pós-menopausa e portadoras dessa
g1ca em razão da diminuição nos niveis de estrogênio e que doença. Os RE estão presentes em osteoblastos, osteoclastos
seriam responsá,·eis pelos fogachos. e osteócitos. RE a e ~ estão presentes no osso cortical. já
Niveis mais baLxos de estrogênio também estão associados no osso esponjoso ou trabecular se encontra predom inan-
a nfveis mais baLxos de serotonina, resultando em aumento temente o RE ~. A principal ação d o estradiol nesse tecido
/.
'
'/
J 364 Seção I Ginecologia

seria mediada via RE a, suprimindo a remodelação óssea e CONSIDERAÇÕES FINAIS


favorecendo a formação óssea. A transição da menopausa ocon-e tipicamente em uma fase
O estrogêmo aumenta a apoptose e dtminui a meia-vida do ciclo de vida da mulher em que as mudanças biológicas
dos osteoclastos. Sua ação nos osteoblastos é menos consis- coincidem com as mudanças SOCiaiS. A presença de sintomas
tente, mas o estrogêmo dtmmut a apoptose dessas células me- como ondas de calor, tnterrupção do sono, flutuações do hu-
diada pelos gltcocontcOtdes. A falta desse hormônio aumenta mor e diminuição do desejo sexual pode exacerbar os desa-
a ati\'ldade das umdades ósseas modeladoras mediante o au- fios desse período.
mento no recrutamento dos osteoclastos, prolonga a reabsor- Esses sintomas geralmente começam precocemente na tran-
ção e encurta a fase de formação do osso. Desse modo, ocorre sição da menopausa, bem antes das tn"egulandades menstruaiS.
um desequilibno entre reabsorção e formação. Dado o complexo ni,·el de interações hormonats, pstcológicas
O mecanismo molecular da perda óssea que envolve o estado e sociais, as ex-plicações para esses sintomas podem ser prova-
hipoestrogênico na pós-menopausa imphca o aumento de cito- velmente mullifatoriais. Cabe investigar com atenção se esses
cinas pró-tnflamatórías, que também tem efeito acelerador na sintomas são de fato decon-entes do período da menopausa
reabsorção desse tecido (interleucina-1, interleucina-6, fator de ou se são reflexos de fatores muttas vezes não hormonais. O
necrose tumoral alfa, fator estimulante de colônia 1 e de macró- Quadro 44.5 resume as condições encontradas nesse período
fagos e prostaglandina E2). Espera-se que a perda óssea aconteça relacionadas com o climatério.
em duas fases. No inicio da menopausa, o hi poeStrogenismo exi-
be perda óssea acelerada, predominantemente de osso trabecular MENSAGEN S-CHAVE
(cen:a de 20% a 30% com relação a 5% a 10% do osso cortical
• Efeitos cl!nicos: mudanças durante a transição da menopau-
em 4 a 8 anos). Em seguida, há uma fase mais lenta de perda
sa ocorrem em razão das variações nos nlveis hormonais. Os
(1% a 2% por ano), durante a qual o osso conical é o que sofre
sintomas incluem fogachos (mais comuns), insônia, altera-
maiores perdas. Acredita-se que essa fase seja induzida principal-
ções de humor, irregularidade menstrual, depressão, atrofia
mente por um hiperparatiroidismo secundário.
urogenital, dispareunia e disfunção sexual.
Efeitos cardiovasculares • Os sintomas podem começar até 6 anos antes do período
menstrual final e conunuar por um número variável de
As mulheres apresentam pequeno nsco de doenças cardio-
anos após a menopausa.
vasculares até a mstalação da menopausa, quando o risco se
• Pode ocorrer perda geral do tõnus muscular péh~co e do
eleva signiftcauvamente.
colágeno, às vezes manifestada como prolapso, além de
Entre os posslvetS mouvos para o aumento da incidéncia da
perdas urinárias e infecções recon-entes.
doença, o maiS comum é o aumento nos nlvelS de colesterol total
• Podem ser esperadas alterações laboratonats na menopau-
que acontece nessa etapa da ,,da. As mudanças de peso, na pres-
sa: aumento do FSH e dtmtnutção do estradtol, da tmbma
são arterial e na ghcose sérica, comuns nessa fase, não são tão
importantes quanto o aumento do colesterol, o qttal é explicado
pelo aumento nos nlvelS e na oxtdação da hpoprotelna de baixa Quadro 44.5 ConcflÇOes associadas ao Clomaténo
densidade (LDL) e também da hpoprotelna A e da lipoproteína características tiplcas da perlmenopausa e da menopausa
de muito baixa densidade (VLDL). Os nl\-elS de lipoproteína de Média de idade da transiçao penmenopausal - 47 anos
alta densidade (HDL) tendem a dtmmuir com o tempo, mas não Média de idade da menopausa - 51 anos
de maneira tão expresstva quanto o aumento do LDL. Alterações na perlmenopausa
No tecido vascular se encontram RE e receptores de pro- Alterações na quantidade ou duraçao do fluxo menstrual
Alterações na duraçao do ciclo menstrual
gesterona, principalmente nas artérias coronarianas (RE ~). Períodos menstruais perdidos
Alguns efeitos de membrana também se relacionam com o
Sintomas de menopausa relacionado• com a deficiência de
estrogênio e podem estar ligados ou não ao RE o. ou ao RE ~· estrogênio
Os efeitos vasculat·es diretos do estrogenio podem ser mais Ressecamento vaginal. dispareunia, sintomas do trato urinário baixo
importantes do que os relacionados com as mudanças nos (polaciúria, algúria, disúria, infecçao urinária recorrente. noctúria)
Sintomas vasomotores: logachos, suores diurnos. suores noturnos
nlveis do colesterol. Com a queda do estrogenio se obse rva
Sintomas relatados por mulherea de meia·Idade que podem ou
diminuição no fluxo sangulneo em todos os leitos vasculares não estar associados à menopauaa
e na produção de prostaciclina. Os nlveis de endotelina au- Fadiga
mentam, e as respostas vasomotoras à acetilcolina são constri- PalpitaçOes
Livas, refletindo atividade reduzida da óxido nltrico-sintetase. Esquecimento
Rigidez e dor
Há perda da inibição da agregação plaquetária e de efeitos lnsOnia e distúrbios do sono
antioxidantes nas células endoteliais. Alterações na libido
Em mulheres normais, pós-menopáusicas e não obesas, a Dores de cabeça e nas costas
Alterações de humor. irritabilodade. ansoedade depressAo
tolerância ao carboidrato também dtminui como resultado do Infecções do trato urinároo
aumento na resistêncta à tnsuhna, o que também é responsã- Perda urinária
,.el pelo aumento no nsco de doenças cardtO\'llSCulares nessa Fall8: actapado de Dawl G.-.- Monopouoo PM1 Cate Cln OlfoOO Prlld2009.
fase da vida femmma. 36.199-226.
r
((

Capitulo 44 Fisiologia do aimatério 365

e do HAM. O aumento de FSH precede o do LH. O FSH é Harlow SO, Gass M. Hall JE et ai. Executiva summary of lhe Sta-
ges of ReproductiVe Ag1rtg Workshop + 10: addressmg lhe l.llfl-
o marcador dtagnósúco da ínsufictencia ovanana, enquan-
nished agenda of stag•ng reproductive aging. Chmactenc 2012;
to o LH não é necessário para o diagnóstico. Não foram 15:105-14.
encontradas alterações especificas na função da tireoide Lobo RA, Gershenson DM, Lentz GM, Valea FA. Menopausa and
relacionadas com a menopausa. care of the mature woman endocrinology, consequences of estro-
gen deficiency, effects of hormone therapy, and other treatment
• A perda óssea se inicia no perfodo de transição da meno-
options. In: Comprehensive gynecology. Philadelphia PA: Eisa-
pausa e continua nos primei ros anos após a última mens- vier, 2017.
truação. Lui Filho JF, Baccaro LFC, Fernandes T, Conde DM , Paiva L, Pinto
• Mulheres pós-menopáusicas com aterosclerose significati- Neto AM. Epidemiologia da menopausa e dos sintomas clima-
va ou doença coronariana prévia não respondem ao estro- téricos em mulheres de uma região metropolitana no sudeste do
Brasil. Inquérito populaciOnal domiciliar. Rev Bras Ginecol Obstei
gemo por causa dos efeitos deletérios da placa ateromatosa 2015: 37(4); 152-8.
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CAPÍTULO

Propedêutica do Climatério
Marco Aurélio Martins de Souza

INTRODUÇÃO África e Ásia. Entre 1980 e 2000 a proporção de brasilei ros


O cl imatério é um fenômeno endócrino inexorável oca- com mais de 60 anos aumentou de 6,1% para 8,6%, devendo
sionado pela perda dos folrculos ovarianos ao longo da vida. chegar a 14% até 2025, o que representará uma das maiores
Esse processo de perda folicular é contlnuo e irrevers!vel des- populaçOes de idosos no mundo. De acordo com projeçOes
de a vida intrauterina. Por volta da 22• semana de gestação o atuais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatlstica (IBGE),
ovário contém 6 a 8 mllhOes de oó<:1tos primários. Ao nas- avalia-se que no momento ex1stam 29 milhOes de mulheres
cimento restarão doiS mtlhOes. Na menarca estarão reduzi- entre 40 e 70 anos, ou seja, esse é o espectro populac1onal do
dos a 300 a 400 m1l fol!culos. O processo de atresia folicular climatério no Brasil.
continua e as mamfestaçOes climcas imc1a1S dessa diminuição Um fator complicador é a fah.a de capacidade do SIStema
ocorrem em tomo dos 40 anos de 1dade. O chmatério, con- Único de Saúde (SUS) de umficar açOes e ter recursos e ca-
siderado o perlodo de tranSIÇão da v1da reprodutiva para a pacidade para atender de mane1ra respenosa, competente
não reproduuva da mulher, em que a menopausa, a última e eficiente a população-alvo do chmaténo. Dessa manetra,
menstruação, é um marco, se estende até os 65 anos. A partir complica-se a situação da mulher, uma vez que estará entran-
dai ocorre a semhdade. do em uma idade em que as doenças crõmcas e usuaiS para
A média de 1dade da menopausa na mulher brasileira é de sua faixa etária serão mais frequentes e não haverá a contra-
48 anos com 2 anos para ma1s ou para menos. O climatério, partida das entidades governamentais para manter e promo-
portanto, se estende por uma faixa etária ampla e se carac- ver a saúde.
teriza por sintomatologia polimorfa, destacando-se que a Nesse contexto, a abordagem de caráter mdividuahsta e
p rivação hormonal ocasionada pela falência gonadal origi- incompleta, como consulta, exames complementares e receita
na várias modificações fisiológicas e comorbidades, como médica, reforça a pe rcepção da menopausa como simbolo do
a ins tabilidade vasomotora, os clássicos fogachos, insônia, envelhecimento e da dec repitude, aumentando com isso os
irritabilidade, dep ressão, osteopenia, osteoporose, doe nças anseios e os sofrimentos da mulher. O intercâmbio de habili-
card iovasculares, srndrome urogenital, distúrbios sexuais, dade e saberes, a atuação de uma equipe multidisciplinar e a
ganho ponde rai excessivo e maior probabilidade de neopla- coerência na abordagem geral e holfslica elo climaté rio se rão
sias, e, por fi m, ocasiona queda geral da qualidade de vida necessários para acomodar essa situação por demais delica-
e im põe a necessidade de uma atenção básica melhor para a da. Neste capítulo sáo discutidos os exames complementares
promoção da saúde da mu lher. básicos imprescindíveis para a promoção da saúde da mulher
Com a expectativa de vida gradualmente aumentando em climatérica.
razão dos avanços da medicina, da melhoria dos hábitos ali-
mentares e dos cuidados pnmários com a saúde, essa fase da PROPEDÊUTICA BÁSICA
vida passou a ser um problema de saúde púbhca, visto que O diagnóstico do climatério é emmentemente clínico, não
um universo crescente de mulheres amda a experimentará. sendo necessária em grande pane das pacientes a realização de
Segundo projeções da Orgamzação Mund1al da Saúde ( OMS), dosagens horrnonalS, excetuando-se as ma1s JOvens, para de-
entre os anos de 1990 e 2025 o número de 1dosos aumenta- finir a menopausa prematura antes dos 40 anos. O primetro
rá de sete a oito vezes em \'ános palses da Aménca latina, sintoma do climaténo é a pohmenorre1a, ciclo menstrual me-
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Capítulo 45 Propedêutíca do Climalério 367

nor ou igual a 21 dias, decorrente da diminuição da população aplasia de medula, medtcamentos, produtos qufmicos, in-
de oóotos. Haverá assim a queda da inibina, hormônio libe- fecções virais, destruição aumentada, imunológica por auto
rado pelos follculos em desenvolvimento no processo de re- e aloanticorpos, púrpura trombocttopénica autoimune, hi-
crutamento para a ovulação e que age preferencialmente sobre peresplenismo e consumo exagerado, como na coagulação
o hormõruo follculo-esumulante (FSH). Este se eJe,·ará e, em imravascular díssemtnada. Pode ocorrer, também, o excesso,
decorrencaa, a mulher apresentará encurtamento da primeira conhecido como plaquetose (p. ex., na anemta ferropnva, nas
fase do ciclo (prohferauva), ocastonando, ponanto, a polime- hemorragias agudas, mflamações e mfecções crõmcas, ane-
norreaa. Essa mulher, tradtcionalmente, asstm se queixa: "Dou- mias hemoliticas, leucemaas e poltcnemta \'era).
tor, estou menstruando duas vezes no mts." Os exames essen-
ciais no climaténo podem ser dh1dtdos em laboraLOriais e de Bioquímica
imagem. Três fases importantes defimdas pela menopausa devem
ser consideradas na propedl!uttca do cltmatério: a fisiológi-
Laboratório e bioquímica ca, que acontece em tomo dos 48 anos (2 anos para mais
ou para menos) , a média de id ade em que a mulher brasilei-
Hemograma ra entra na menopausa; a chamada menopausa prematura,
O hemograma completo representa um passo importante quando os sintomas e a falência ovariana ocorrem antes dos
para o inicio da propedêutica, possibilitando avaliar as sé- 40 anos; e a terceira fase, intermediá ria, entre os 40 e os 45
ries ve rmelha e a branca, assim como as plaquetas. A série anos. Quanto mais precoce a menopausa, maiores se rão as
verme lha proporciona o estudo das d iversas formas de ane- chances de a mulher apresentar sintomatologia exube rante,
mia e avaliação de doe11ça falei forme, talassemias, anemias doenças degenerativas, impactos na sobrevida e diminuição
ferroprivas e parasitemias, como a malária. A sé rie branca da qualidade de vida.
to rna posslvel avaliar as alterações dos leucócitos. As leu - O primeiro ponto a ser considerado consiste na determi-
cocitoses ocorrem basicamente em três si wações: ( 1) leu - nação endócrina da falência ovariana, isto é, na confirmação
cocitose fisiológica - geralmente de grau leve, comum em laboratorial da queda da produção hormonal, o que é feito de
gestantes, recém-nascidos, lactantes, após exerclcios ff.sicos maneira muiLO fácil com a detecção do FSH e sua correlação
e em pessoas com febre; (2) leucocitose reativa - notada- com o estradiol sérico. Valores de FSH >30UVdL associados
mente relacionada com o aumento de neutrófilos e as in- a estradiol <20pglml são tlptcos do hípogonadismo hipergo-
fecções bactenanas, mflamações, necrose tecidual e doenças nadotrófico, confirmando o climatério/menopausa. Cabe res-
metabólicas; (3) leucocttose patológtca - relacionada com saltar que a mulher que se encontra na idade esperada para
doenças mieloprohferauvas (leucemtas mteloides, polici- a menopausa e apresenta smtomas não de,·e ser submetida
temia vera, mteloesclerose) e ltnfoproltferativas (leucemias a essas dosagens, o que acarretaria um gasto desnecessãrio e
linfotdes e alguns hnfomas). sem objetividade cllmca. Ponanto, a prova do FSI-Vestradiol
As tnfecções \1ratS, por sua vez, ocastonam a linfocitose só deve ser realtzada em casos de suspetta de menopausa pre-
relaU\·a, com ou sem leucocuose e, às vezes, até leucopenias. matura. Ao se realizar o dtagnósuco, medtdas de proteção de-
Nesses casos, a presença de ltnfócttos atlpicos pode ultrapas- vem ser indivídualtZadas e adequadas a cada mulher de modo
sar 5% dos ltnfócitos contados. Muuas vezes, as infecções a minimizar a sintomatologia e/ou evttar doenças e condições
virais são caractenzadas por monocitose e linfocitose conjun- associadas à pri,·ação estrogi!mca.
tamente, como na mononucleose infecciosa. Outro exame importante no cltmatério é o perfil ltpfdi-
A eoslnofilia no Brastl é importante por refletir as deficiên- co. Dosagens do colesterol total e frações, bem como dos
cias de saneamento básico. as quais são representadas por in- triglicerideos, são imprescindlveis. Nessa fase da vida, as
festações parasitárias (áscaris, estrongiloides e esquistossomas, mudanças de hábitos alimenta res e o sedentarismo podem
principalmente). Há também as eosinofilias familiares {benig- ter impacto negativo nas taxas de colesterol e triglicerfdeos.
nas) e as slndromes hipereosinofflicas, as quais necessitam de O colesterol é o principal com pone nte associado à avaltação
cuidados médicos adequados. As outras causas de eosinofilias de risco da doença coronariana, e essa doença é a principal
são alergia, câncer com metástascs, doença de Hodgkin, leuce- causa de morte no climaté ri o. Nive is elevados se associam
mia mieloide crônica, ecze ma, psorfase, pénfigo e dermatite. a risco maior de aterosclerose. O coleste rol está aumenta-
As plaquetas tém origem na medula óssea por fragmentação do na hipercolesterolemia primária e em casos de slnd rome
do citoplasma dos megacariócitos e seu papel é fundamental na nefrótica, hipotireoidismo, diabetes mellitus, cirrose biltar e
hemostasia, agregando-se no sftio da lesão, liberando substân- hipoalbuminemla, podendo estar dimi nuldo na desnutrição
cias vasoativas e promovendo o inicio da formação do tromba e no hiperlireoidlsmo.
oclusivo e, assim, como tampões, desencadeiam a coagulação O estudo do perfil hpldico consiste na avaliação do co-
sangulnea. Por essas razOes, a contagem total das plaquetas e a lesterol total, frações e triglicerfdeos. A fração alfa das lipo-
análise de sua morfologaa são muno importantes. protelnas de alta denstdade (H DL-c) protege contra a doença
As sttuações que causam plaquetopemas ocasionam o san- arterial coronariana, segundo grande número dos estudos
gramento. As pnnctpatS causas de plaquetopenia são produ- populacionais. Portanto, avaha o risco de doença ateroscle-
ção insufiCiente por mfiltrac;ão leucémtca na medula óssea, rótica, separando o estrato populactonal em nscos batxo,
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J 368 Seção I Ginecologia

médio e alto. Como não há estudos prospectivos no Brasil , logias anorretais nas sintomáticas. Mais de 75% dos tumores
não é possível dete rminar com certeza o nível ideal do HDL-c retais estarão acessíveis ao toque reta\.
em nosso meio. HábitOS de vida e comorbidades interferem
na taxa ideal. No entanto, considera-se desejável que as mu- Citologia oncótica
lhe res saudáveis e sem vícios (tabagismo) tenham um HDL A citOlogia oncótica é impo rtante meio de detecção de anor-
>40mgldl, sendo o ideal >60mgldL malidades do colo uterino. Rastreia as lesões precursoras e de-
Os níveis elevados das lipoproteínas de baixa densidade tecta a própria neoplasia maligna cervical. Entretanto, a ma-
(LDL-c) estão associados a risco aumentado de doença arte- ne ira como é obtida tem impacto relevante na sensibilidade
rial coronariana. As lipoprote ínas de baixa densidade são as do método. Os testes podem ser afetados pela habilidade de
principais proteínas de transporte do coleste rol. Seus níveis quem faz a coleta da amostra, seja médico ou enfermeiro. Es-
também se elevam em casos de sind rome nefrótica, hipoti- fregaços citOlógicos inadequados produzem resultados incor-
reoidismo e icterícia obstrutiva, não tendo valor quando os retos, ocasionando estresses e transtOrnos para as mulheres
triglicerídeos se encontram >400mgldL Os valores aceitos e para o próprio profissional. Recomenda-se sempre a coleta
como ideais para o LDL-c são <l20mgldL fora do período menstrual imediato, com abstinência sexual
Assim, em caso de perfil lipídico desfavorável, duas ques- de no mínimo 24 horas, retirando o excesso de muco do colo
tões são importantes: a mulher pode rá usar terapia hormonal com gaze seca e procedendo à coleta dupla com espátula e
(TH)7 Qual a melhor via? A via oral é a melhor opção para os a escova endoce rvical. É necessãria a ftxação da lâmina ra-
casos em que o nível de LDL se encontra acima do limite nor- pidamente para evita r ressecar a amostra. Várias revisões na
mal, po rque é capaz de melhorar a relação LDUHDL, ou seja, literatura mostram que quando apenas a espátula é usada, os
quem usa TH por via o ral aumenta o HDL e diminui o LDL, resultados falso-negativos aumentam em até 30%.
po rém aumenta os triglicerídeos. Constitui contraindicação A citologia em meio líquido e a captura híbrida para diag-
absoluta o uso de TH por via o ral em pacientes com nível de nóstico de lesões HPV-induzidas, em virtude do altO custo e
triglicerídeos >450mgldL A via transdérmica não interfere
da pouca acessibilidade, não estão indicadas no rastreamento
nos níveis de LDL, HDL e triglicerídeos.
inicial das lesões cervicais. Na propedêutica inicial, a citOlogia
Outro exame importante consiste na avaliação da função ti-
orientará, com o teste de Schille r, quanto à necessidade de
reoidiana. Para isso é realizada a dosagem do hormônio estimu-
encaminhar a paciente a um centro secundário, onde pode-
lador da tireoide (TSH) como screening para doenças da tireoide.
rá realizar a colposcopia com biópsia d irigida. Vale lembrar
O nível do TSH é considerado normal entre O, 4 e 4~tU/mL O
que na vigê ncia de citOlogia positiva - colo com colposcopia
TSH é uma glicoproteína segregada pela hipófise anterior que
insatisfatória - é necessário investigar a endocé rvice, pois a
estimula a tireoide a liberar T3 e T4. As secreções e os níveis
alteração deve aparecer. Uma ultrassonografia poderá excluir
séricos de TSH são controlados pelos níveis de T3 e T4 e pelo
a cavidade uterina ao avaliar um endométrio atrófico, condi-
hormônio liberador da tireotrofina (TRH) hipotalâmico. Sua
medida é obrigató ria na hipercolesterolemia. MuitO útil no diag- zente com o h ipoestrogenismo. Nesse caso, deve-se realizar a
nóstico do hipotireoidismo primário, é o primeiro hormônio a conização para esclarece r o diagnóstico.
se alterar nessa condição. Como a prevalência do hipotireoidis- Os casos de ade nocarcinoma endocervical, que rep resen-
mo em torno dos 45 anos é estimada em 5% a 10% da popu- tam cerca de 5% das neoplasias ce rvicais, são geralmente de
lação, esse exame deve ser considerado na propedêutica básica. pior prognóstico do que a variedade mais comum, rep resen-
Em vi rtude da contenção de custos, as dosagens de D e T4 só tada pelo carcinoma de células escamosas, também conheci-
deverão ser solicitadas após constatada a alteração do TSH. do como espinocelular ou carcinoma epide rmoide, responsã-
O exame da glicemia deve se r rotina também no climaté- vel por cerca de 90% a 92% das lesões malignas ce rvicais. Um
rio, vistO que o diabetes mellitus deve se r d iagnosticado para dos fatOres associados a esse prognóstico está exatamente na
que sejam evitadas complicações associadas ao coma hiperos- detecção mais tardia, muitas vezes na fase tumoral, formando
mola r. A homeostaSe glicêmica é controlada po r diversos hor- o sinal do "colo em barril". A ecwcé rvice aparece normal e o
mônios, especialmente a insulina. As alte rações hormonais e tumor em crescimento endocervical d istende o colo nas suas
outros fato res ocasionam a variação nessa homeostase, desen- laterais, o riginando o "barril".
cadeando hipe r ou hipoglicemia. Portanto, é útil no diagnós- Em locais onde a colposcopia não pode ser realizada e o
tico e na monitorização te rapêutica de doenças metabólicas, encaminhamento da paciente a centros secundários for impra-
como no diabetes mel!itus tipo I!. ticável, o méd ico assistente deverá realizar a biópsia orientada
A pesquisa de hemoglobina humana nas fezes é importan- pelo teste de Schiller, retirando vários fragmentOs para ve rificar
te como screening no d iagnóstico de lesões que originam o a presença de alterações epiteliais precursoras ou a lesão malig-
sangramento da mucosa de porções baixas do tratO digestó- na em si. Como a neoplasia uterina mais frequente no dimaté-
rio, especialmente do cólon, como colite, rewcolite ulcerati- rio é a do endométrio, nessa propedêutica será dado destaque
va, d iveniculite, pólipos e cânce r colorretal. Ressalte-se a ne- à abordagem do ultrassom pélvico. Somente 5% dos tumores
cessidade de realiza r o wque reta\ rotineiramente nos exames do corpo uterino acontecem antes dos 45 anos de idade. Cabe
ginecológicos em mulheres assintomáticas após os 50 anos lembrar que o câncer de colo uterino é tradicionalmente doen-
ou em qualque r idade para complementar a suspeita de patO- ça de mulheres mais jovens, com pico de incidência in situ por
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Capítulo 45 Propedêutica do Climatério 369

volta dos 25 anos e se tornando invasor com pico de incidência ram os protocolos de mamografia e ultrassonografia (US).
lO anos mais tarde, em torno dos 35 anos. Destaca-se que seu preço e a necessidade de exames adicio-
nais a tornam proibitiva em programas de rastreamento em
Imagem mulhe res assintomáticas.
As principais indicações da RM são:
Mamogralia
O principal método diagnóslico na avaliação do câncer de • Pacientes jovens com mutação dos genes BRCAl e BRCA2.
mama é a mamografia, com sensibilidade de 60% a 90%. A • Avaliação da mama no período pós-operatório, já que a
doença maligna das mamas é a principal causa de mone por cirurgia e/ou a radioterapia podem causar espessamento da
câncer na mulher brasileira. Embora o Conselho Federal de pele, edema, massas, cicatrizes e d istorção arquitetura!.
Medicina (CFM), o Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnós- • Diagnóslico diferencial de cistos com conteúdo ecogênico
tico por Imagem (CBR), a Sociedade Brasileira de Maswlogia na ultrassonografia.
(SBM) e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia • Assimetrias focais ou d istorções arquiteturais sem calcifi-
e Obstetrícia (FEBRASGO) recomendem a mamografia de ras- cações na mamografta.
t reamento em mulheres com menos de 50 anos, o Ministé rio • Alterações mamográficas vistas em apenas uma incidência.
da Saúde acompanha a OMS e, a exemplo de vários países, • Múltiplas lesões nodulares de etiologia indefinida na ma-
como Japão, Canadá, França, Alemanha, Inglaterra e Holan- mografta e na US.
da, adota por evidências cientificas o rastreamento a cada 2 • Suspeita de recidiva tumoral na cicatriz cirúrgica.
anos a parlir dos 50 até os 69 anos de idade. • Avaliação e estadiamento no adenocarcinoma lobular por
Muitos estudos bem conduzidos deixam claro que a mama suas características de multicentricidade e bilateralidade.
da mulher mais jovem, por ter mais tecido fibroglandular e • Avaliação de implantes mamários em que há suspeita de
ser mais radiopaca, origina mais resultados falso-negalivos e ruptura.
aumenta sobremaneira as taxas de procedimentos invasivos. • Em pacientes submetidos a quimioterapia neoadjuvante.
Essa diminuição da sensibilidade do métOdo aumenta a an- • Tumor primário oculto em pacientes com metástase gan-
siedade e dá margem a intervenções desnecessárias diante de glionar.
resultados pouco conclusivos, o que leva a sobrediagnósticos e
sobretratamentos, ou seja, a mamografia de rastreamento reali- Ultrassonografia mamária
zada entre os 40 e 50 anos, à luz das evidências atuais, aumenta A US embora seja um método operador-dependente, entra
os procedimentos invasivos e tem impactO relevante no estres- no rol propedêutico das doenças da mama com papel fun-
se, ocasionando abalos psicológicos associados à possibilidade damental na detecção e no diagnóstico dessas doenças. Os
do câncer de mama e parecendo não ter impacto no prognósli- avanços tecnológicos dos aparelhos com melhor imagem e
co dessa faixa etária. Estudos mais amplos, metOdologicamente softwares incorporando novidades, como a elaswgrafta, bem
corretos e reprodutíveis, devem ser conduzidos para elucidar como a este reotaxia acoplada, melhorararam a acurácia d iag-
essa questão. nóslica na prática clínica.
O exame clínico rotineiro, realizado por profissional com- As principais indicações desse métOdo são:
petente e cuidadoso, é relevante para o diagnóstico do câncer
• Diagnóslico diferencial entre lesões sólidas e císticas.
de mama nessa fase. Um ponto importante ao limitar o uso da
mamografia a partir dos 50 anos em mulheres assintornálicas e • Punções guiadas para nódulos ocultos ao exame clínico.
• Orientar procedimentos invasivos.
sem fatores de risco consiste na otimização do uso dos aparelhos.
As que mais precisam realizar o exame não ficarão desassistidas. • Avaliação propedêutica em mamas jovens, por serem den-
sas, mais falso-negativas em mamografias.
Em recente revisão da Cochrane sobre mamografia e ras-
t reamento, a t riagem reduziu a mortalidade por câncer de • Estudo dos implantes mamários.
mama em 15%, mas com taxaS de sobrediagnóstico e trata- • Estadiamento locorregional do câncer de mama.
mento excessivo em até 30%, o que significa que para cada • Elucidações das assimetrias focais vistas nas mamografias.
2.000 mulheres submetidas a t riagem ao longo de lO anos • Estudo da resposta à quimioterapia neoadjuvante
• Complemento do estudo mamográfico da categoria Bl-RADS.
seria evitada uma morte motivada por câncer de mama e que
lO mulheres saudáveis, nas quais a doença não se ria diag- A indicação da US no rastreamento do câncer de mama em
nosticada, mesmo assim seriam tratadas desnecessariamente. mulheres com mamas radiologicamente densas, objetivando
Além disso, mais de 200 mulheres experimentarão sofrimen- detectar lesões ocultas no exame físico e que não foram per-
tO psíquico importante, incluindo ansiedade e incerteza, por cebidas à mamografia, é molivo de grande controvérsia na
causa dos resultados falso-posilivos. literatura, vistO que há limitações na detecção e caracterização
de calcificações, distorções arquiteturais e nódulos localiza-
Ressonância magnética (RM) dos em áreas nas quais predomine tecido adiposo. A limitação
A RM é um exame de imagem excelente com indicações da US para detectar microcalcificações é particularmente im-
específicas para elucidar dúvidas d iagnósticas, bem como portante, as quais são a forma de apresentação mais comum
para acompanhamento de tratamentos, quando se esgota- dos carcinomas ductais in situ.
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J 370 Seção I Ginecologia

Em casos de nódulos palpáveis ou como complemento aos o seguimento de resultados benignos na biópsia dessas lesões
detectados à mamografia deve ser sempre solicitado o estudo depende dessa correlação); a categoria 4C inclui achados com
de seu padrão vascular, o exame Doppler. Sabe-se que, ao moderada suspeição, mas não clássicos, como na categoria 5,
contrário dos tumores ovarianos, nos tumores malignos da para malignidade; a categoria 5 é reservada para achados al-
mama a neoangiogênese não ocasiona fluxos de baixa impe- tamente sugestivos de malignidade, e a categoria 6 é utilizada
dância e baixos índ ices de resistência. A presença de vasos quando já há uma biópsia indicando que a lesão corresponde
com altas impedância e resistência estarà associada ao risco a um câncer. Não há muitos estudos que tornem possível de-
de malignidade. finir com clareza quais lesões estão nas subcategorias 4A, 4B
A US trid imensional promoveu avanços também no estudo e 4C e qual seu valor preditivo positivo.
das lesões mamárias, tornando possível ave riguar detalhada-
mente os limites tumorais, se suas margens estão circunscri- Ultrassonogratia pélvica
tas ou não e sua profundidade , bem como na reconstrução Não existe respaldo na literatura para o uso da US pélvi-
multiplanar, por meio de softwares específicos, definindo de ca como screening de doenças no climatério. A maioria das
mane ira mais precisa o tamanho volumétrico das lesões. A ind icações deve partir de uma suspeita clínica levantada no
Figura 45.1 mostra uma lesão maligna na mama em recons- exame ginecológico detalhado, como alte rações no formato
trução tridimensional. uterino, aumento de volume, presença de nódulos em sua
Tanto a US como a mamografia são submetidas à classi- topografia, d istopias, aderências e dores à mobilização, mo-
ficação de imagem em radiologia ou BI-RADS. No BI-RADS dificações anexiais percebidas ao wque e principalmente a
mamogrãfico, a categoria Ocaracteriza a alteração incompleta, presença do sangramento pós-menopausa. Vale lembrar que
sendo necessária avaliação adicional; as categorias l e 2 indi- o exame pélvico deve ser feito pelas vias transabdominal e va-
cam que não há nenhuma evidência mamogrãfica sugestiva ginal. Infelizmente, alguns serviços o realizam, erroneamente,
de malignidade; a categoria 3 indica a presença de achados apenas pela via vaginal.
provavelmente benignos (menos de 2% de chance de ma- O exame transabdominal possibilita a detecção de tumores
lignidade), para os quais a conduta preferencial é o controle vesicais (bexiga cheia), alterações da bexiga e presença de tu-
precoce; a categoria 4 se refere a uma anormalidade suspeita morações acima do promontório (inacessíveis pela via endo-
para a qual a biópsia deveria ser considerada e pode ser sub- vaginal) , além da medição mais precisa do volume uterino em
dividida em A, B e C: a categoria 4A deve ser utilizada para casos de úte ros volumosos. A pressa na realização do exame
achados que necessitam de intervenção, mas com baixa sus- impede a técnica correta, o que deve ser evitado. Mesmo com
peição de malignidade, a h istOlogia maligna não é esperada, a solicitação apenas de exame pélvico endovaginal , é impres-
e é adequado o seguimento em 6 meses ou de rotina após a cindível o exame com a bexiga cheia (etapa transabdominal)
biópsia ou citologia benigna; a categoria 4B inclui lesões com e depois com a bexiga vazia pela via endovaginal.
suspeição intermediária para malignidade (os achados nessa O exame ultrassonográfico para avaliação do endométrio
categoria exigem correlação anatOmorradiológica criteriosa e tem parâmetros importantes no climatério. É considerado
normal o endométrio de até 6mm em mulheres sem terapia
hormonal e de até 9mm naquelas usuárias de hormônio. A
medida da espessura endometrial deve se r sempre pela via
vaginal e suas características ecogrãficas bem documentadas.
O sangramento uterino é a principal manifestação clíni-
ca do câncer de endométrio, apesar de não ser a causa mais
comum. A atrofia endometrial está mais frequentemente
associada ao sangramento na pós-menopausa. A ordem de
frequência é: atrofia, uso de terapia hormonal, hiperplasias,
pólipos endometriais e, em seguida, o cânce r de endométrio.
Embora ocupe o quinto lugar, este é o mais preocupante e o
que deve ser excluído.
Na vigência de espessamento endometrial, a propedêutica
deve se r sistematizada para evitar procedimentos invasivos
sem resolução, sendo exemplo típico a presença do pólipo
que , por ter a mesma ecogenicidade do endométrio, falseia
o espessamento verdadeiro. Caso seja realizada a curetagem
uterina, o endométrio adjacente ao pólipo se encontra atrófi-
co nas mulheres após alguns anos de menopausa. O resultado
anawmopaLOlógico será discondante, submetendo a pacien-
te a um procedimento invasivo sem resolução. Portanto, de
Figura 45.1 Ultrassonografia tridimensional para o diagnóstico de modo a otimizar a conduta no espessamento endometrial ,
nódulo mamário. deve-se realizar o procedimento ilustrado na Figura 45.2.
r
((

Capitulo 45 Propedêutica do Climatério 371

lembrar que os tumores ovarianos são suspeuados por me10


Endométno espessado
de detalhado exame da morfoestrutura, seguindo os cnté-
rios da lntemational Ovarian Tumor Analisys (http://www.lo-
tagroup.org). O Doppler pode avaliar a presença ou não de
HISTEROSSONOGRAFIA
neoangiogênese, característica marcante das neoplasias ova-
rianas. !ndices de baixa resistência e baixa impedância indi-
cam a probabilidade de processo evolutivo neoplásico.
Endométrio Espessura ou tesao
~mm intracavitária
Oensitometria óssea
/ ~ Como a expectativa de vida da mulher tem aumentado
Conduta Espessamento progressh'llmente, a osteoporose passou a ser dos mais gra-
PÓLIPO
expectante difuSO ves problemas de saúde pública com relevante aumento da
morbiletahdade. Em geral , no primeiro ano depoiS de uma

-
fratura de quadnl , cerca de lO% a 20% das pac1entes se tor-
Novo BJ6psia/ nam incapacitadas, 15% a 40% são inslitucionalizadas e 20%
HISTEROSCOPIA
sangramento curetagem
a 35% morrem. Os gastos com o tratamento da osteoporose
e com suas consequenc ias ultrapassam a cifra dos 48 bilhões
Figura 45.2 Fluxograma para otimizar a conduta em caso de espes-
samento endometrial.
de dólares somente nos EUA, Canadá e Europa.
A osteopenia e a consequente osteoporose têm relação di-
reta com o hipoestrogenismo. A falta do estrogên io origina
A h isterossonografia pode, portanto, auxilia r a avaliação aumento da reabsorção do osso trabeculado pelos osteoclas-
do espessamento endometrial. A presença do pólipo endo- tos em assincronia com a remodelação dos osteoblastos, e o
metrial é causa frequente de espessamentos na mulher me- osso trabecu lado é o responsãvel por manter a resistencia à
nopausada . Quando se diagnostica o póhpo, a melhor con- fratura. Os primeiros anos da menopausa são muito impor-
duta consiSte na histeroscopia com a dev1da ressecçào. Por tantes para manutenção da microarquitetura Ossea. Até 5 anos
outro lado, pode-se realizar a curetagem sem1óuca se o es- após a menopausa, a mulher pode chegar a perder 30% de seu
pessamento for causado pelo aumento d1fuso do endométrio osso uabeculado, ocas1onando a osteopenia, o pnmeuu passo
e por se tratar provavelmente de h1perplas1a ou neoplasia rumo à osteoporose, a qual é reconhecida clirucamente pela
endometrial. A Figura 45.3 mostra a comparação entre o en- ocorrência de fraturas não traumáticas, especialmente da co-
dométrio espessado e o diagnóstico de pólipo pela histeros- luna lombar (fraturas vertebrais) e do antebraço, e ainda pela
sonografia. ocorrência de fratura do femur após queda da própria altura.
A US no diagnóstico das outras patologias pélvicas - tu- Os métodos diagnósticos para a osteoporose d isp011!veis
mores do m iométrio, tumores anexiais, lesões ovarianas sus- são: rad iografia convencional, densiwmetria óssea (Dual Ener-
peitas e outras doenças da região pélvica com d iveniculose, gy X-ray Abscrptiometry - DEXA), considerada padrão-ouro
salpmgites, apendicites, tumores do retroperitOnio, entre ou- para esse diagnóstico, tomografia óssea periférica (TC), ultras-
tras- deve ser realizada conforme a suspeita clínica. O exame sonometria (US) de calcãneo e ultrassonometria de falanges
complementado com o estudo Doppler oferece informações (DEMO), que promete estabelecer novo padrão de diagnOstico
ad1c1onatS Importantes para o diagnOsuco e a conduta. Cabe para essa doença, 1denuficando não somente a quanudade Os-
sea (osteossonometna), mas também a qualidade Ossea (osteos-
sonografia).
Valendo-se de dados sobre a relação entre densidade mi-
neral óssea e risco de frawra, a OMS sugeriu a definição mais
atual para osteoporose: densidade mineral óssea S2,5 desvios
padrões da densidade média local para o adulto jovem (T sco-
re) (WHO, 1994). Abaixo dessa densidade, o risco ele fratu ra
não traumática aumenta de maneira não linear. A osteopenia
foi então definida como densidade mineral óssea entre I e 2,5
desvios padrões abaixo da média para o adulto jovem. Essa
definição de osteoporose foi retirada de dados obtidos em po-
pulações de raça branca/caucasiana com mais de 65 anos de
idade (\VHO , 1994), devendo ser validada para outras etmas
e para mulheres ma1s JOvens. Variações podem ocorrer por
densitõmetros, lesões nos sítios ósseos a,·alíados e fraturas an-
teriores, entre outros fatores.
Figura 45.3 Histerossonografia para a avaliação do espessamento A Associação Americana de Endocrinologia, o Colég1o Ame-
endometrial. ricano de Obstetrlcia e Ginecologia e o Colégio Americano
/.

'
'/
J 372 Seção I Ginecologia

de Medicina Preventiva recomendam que as mulheres de 65 paciente. Se assim procede r, esta rá realizando a boa práti-
anos ou mais sejam rastreadas para a osteoporose por meio ca méd ica, mas pa ra isso deve te r a responsabilidade ética
da DEXA. Para as mulheres com idades entre 50 e 64 anos, condizente e o desejo e a necessidade de manter a educação
a maioria das d iretrizes recomenda a avaliação de fatOres de médica continuada, frequentando cursos de ape rfeiçoamen-
risco clínicos para a osteoporose para realizar a DEXA. Ao se tO, congressos e jornadas científicas, bem como le r, ler e ler
considerar a DEMO como densidade mineral óssea em mulhe- muitO. Hoje o unive rso da informação é ilimitado e se en-
res com maior risco, recomenda-se que aquelas com menos de contra ao alcance dos dedos ou, melhor, do mouse. Nunca se
65 anos de idade sejam rastreadas com a DEXA. Se o risco de deve esquecer também do velho chavão: "quanto mais sei, mais
fratura osteoporótica em lO anos é igual ou maior do que o de tenho certeza de que é muitO pouco pelo que tenho que saber
uma mulher branca de 65 anos sem fatores de risco adicionais, e aprender."
também deve ser realizada a DEXA.
l eitura complementar
Keen JD, J0rgensen KJ. Four principies to consider before advising
CONSIDERAÇÕES FINAIS
women on screening mammography. J Womens Health (larchmt)
O período da menopausa e climaté rio é importante por se r Nov 24 2015; (1 1):867-7.
a fase em que a mulher se torna suscetível a vários fatores in - Menopause: full guideline. National Collaborating Centre for Wo-
tervenientes na composição de seu bem-estar físico e mental. men's and Children's Health (UK). London: National lnstitute for
Health and Care Excellence (UK); 2015.
Várias doenças apresentarão maior incidência em razão do
Meys EM, Kaijser J, Kruitwagen RF et ai. Subjective assessment ver-
próprio processo de envelhecimentO. As doenças cardiovas- sus ultrasound models to diagnose ovarian cancer: a systematic
culares são a principal causa de óbitos em mulheres no clima- review and meta-analysis. Eur J Cancer 2016.
tério. O câncer de mama é o mais incidente nessa população. Murphy N, Strickler HO, Stanczyk FZ et ai. A prospective evaluation
Neste capítulo foram abordados de maneira sistematizada os of endogenous sex hormone leveis and colorectal cancer risk in
postmenopausal women. J Natl Cancer lnst Aug 2015; 1:107.
principais exames complementares capazes de avaliar o es- Nkonde-Price C, Bender JR. Menopausa and lhe heart. Endocrinol
tado de saúde da mulher nessa fase da vida. Deve-se sempre Metab Clin North Am Sep 2015; 44(3):559-64.
atentar para o custo-benefício dos exames solicitados. Alguns Ouzid A, Ben Khedija M, Menjli S, Mkaouar L, Mourali M. Feasibility
são imprescindíveis, como o perfil lipídico e a mamografta and diagnostic value of hysterosonography performed in blee-
ding time in lhe exploration of abnormal uterina bleeding. J Gyne-
de screening das doenças da mama, e os outros serão usados
col Obstei Biol Reprod (Paris) 2016.
de mane ira mais conscienciosa, como a RM. Convém ter em Roett MA, Essent FP. Genital cancers in women: uterina cancer. Nov
mente que a clínica é soberana. 2015; 438:11-7.
Mesmo com o avanço das tecnologias disponíveis, o mé- Santos ML dos, Borges GF. Exercício físico no tratamento e preven-
dico não pode prescindir de excelente anamnese , acadêmica, ção de idosos com osteoporose: uma revisão sistemática. Fisioter
mov (lmpr.) [online). 2010; 23(2):289-99.
seguindo wda a sistematização da boa semiologia, bem como Sorpreso IC, Soares Júnior JM, Fonseca AM, Baracat EC. Female
te r sua atenção concentrada no exame físico detalhado de sua aging. Rev Assoe Med Bras Dec 2015; 6 1(6):553-6.
CAPÍTULO

Tratamento do Climatério
Ana Lúcia Ribeiro Valadares

INTRODUÇÃO fase lútea, ou seja, na terce ira e última fase do ciclo menstrual,
O cl imatério representa a transição do pertodo reprodutivo as concentrações de progesterona estão baixas.
para o não reprodutivo. Essa passagem ocorre, em geral, de POsteriormente, além dos distúrbios menstruais, aparecem
maneira gradual até a interrupção definitiva dos ciclos mens- sintomas climatéricos relacionados com reduções progres-
truais. O perlodo que antecede a última menstruação pode du- sivas na secreção hormonal e deficil!ncia de estrogênio ova-
rar muitos anos e é denominado transição menopausa) ou pe- riano. Esse quadro pode acarretar smtomas, como ondas
rlodo perimenopausal. A cessação permanente da menstruação de calor, sudorese, distúrbios do sono e alterações mentais.
- a menopausa - é um acontecimento natural na maioria das ~ormalmeme, nos pnmeiros 2 a 3 anos após a úluma mens-
mulheres e ocorre, em méd1a, aos 51,3 anos de idade. No pas- truação, ou seja, do iniciO da menopausa, são obsen·adas al-
sado, a menopausa não era mouvo de tanta preocupação, dada terações atróficas urogemtaiS que favorecem a ocorrência de
a pequena proporção de mulheres que a aungmm. Atualmente, disfunções sexua1s e problemas unnános. Outros agra,·ames
nos pa!ses maiS desenvolv1dos, 95% das mulheres chegam à m área de saúde, como doenças card1ovasculares, osteopo-
menopausa e 50% ''~'·em além dos 75 anos. rose e queixas musculoamculares, aparecem tardiamente na
Ponanto, a grande ma1ona dessas mulheres tem pelo menos pós-menopausa.
um terço da vida na pós-menopausa, e a tendência mundial, de A etiologia das ondas de calor ou fogachos, embora não to-
maneira geral, é a longe\'ldade progressivamente maior da mu- talmente compreendida, pode estar relac1onada com um con-
lher. No Brasil, apesar das diferenças regionais marcantes, essa junto de pomos alterados na termorregulação do h1potálamo,
tendência é real e representa um dado a ser considerado no problema que decorre da redução abrupta dos nlveis de es-
planejamento da assistencia populacional, visando oferecer às trogênio no climatério, como defendem d1versos estudiosos
mulheres climatéricas anos de vida saudável e de boa qualida- do assumo. Enquanto as mulheres na pré-menopausa iniciam
de. Aproximadamente 85% das mulheres no dimatério relatam mecanismos para dissipar o calor quando a temperatura do
pelo menos um dos sintomas próprios dessa fase, consistindo corpo aumenta 0,4°C, o mesmo acontece com menores eleva-
geralmente em sintomas vasomotores (fogachos), transLOrnos ções de te mperatura em mulheres no climatério.
depressivos e d istúrbios do sono. Os diferenciais de regulação térmica entre a pré-menopausa
e o cl imatério eslào relacionados com receptores ele serotonina
5-HT2. que desempenham papel fundamental no desenvol-
ETIOPATOGENIA vimento das ondas de calor no hipotálamo. Esses receptores
A menopausa decorre do decllnio acentuado no número estão suprarregulados durante a deprivação esLrog~nica, e sua
de células germinais produz1das nos ovários (oócitos) em vir- ativação provoca sudorese, fogachos e palpitações. No entanto,
tude da atresia progressiva do número onginal de ovócitos. ouLros hormônios neuroendócrinos podem estar envolvidos no
Na perimenopausa, o número de follculos diminui e ocorrem distúrbio da regulação da temperatura. Um exemplo expres-
alterações tanto nos mtervalos como na duração e na intensi- sh·o é dado pelos mecanismos alfa-adrenérgJCos. Estrogênios,
dade do ciclo menstrual. lmcialmente há presen·ação reJati,·a assim como noradrenalma e op1oides endógenos, mteragem
da secreção de estrad1ol, um dos hormOmos mais imponames com os neurotransm1ssores e amda com a serotonina, o que
do corpo femmmo, em nh·eiS normal ou alto. No entanto, na resulta na alteração do controle de temperatura no lupolàlamo.

373
/.

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J 374 Seção I Ginecologia

Mulheres na pós-menopausa mostram atividade serotOninér- Mais do que em qualque r época, os sintomas se tOrnam
gica diminuída em comparação ao registrado em controles na muitO comuns durante a transição menopausa!. A frequên-
pré-menopausa, sendo a terapia de reposição estrogênica a cia é de ap roximadamente 40% no universo das mulheres
recomendação médica. Com o procedimento, a atividade da na t ransição precoce. Na transição menopausa! tardia e na
serotonina se torna parcialmente normalizada. Em outra frente, fase inicial da pós-menopausa, a intensidade aumenta para
o estrogênio aumenta a densidade de receptores 5-HTIA no 60% a 80%.
núcleo accumbens, sugerindo que a deprivação estrogênica tem Os fogachos têm impacto negativo na qualidade de vida da
o poder de influir negativamente no humor, possibilitando o mulher. Além disso, essas sensações de calor estão associadas
aparecimento de sintomas depressivos no dimatério. a indicadores adversos à saúde feminina , como aumento do
A deficiência de hormônios (istO é, estrogênica) relaciona- risco cardiovascular e maior pe rda óssea.
da com a menopausa leva à sínd rome geniturinária da me- A duração tOtal de fogachos foi bem descrita no Study of
nopausa (GSM) com uma variedade de mudanças físicas na Women:, Health Acmss The Nation (SWAN). Esse estudo revela
vulva, na vagina e no tratO urinário inferior, associadas a sin- duração média total de 7,4 anos, com sintomas persistindo, em
tomas que incluem secura vaginal, queimação, irritação, falta média, 4,5 anos após a data da última menstruação. Mulheres
de lubrificação, dispareunia, bem como sintomas urinários de que estavam na pré-menopausa ou no início da perimenopau-
urgência, disúria e infecções urinárias. Cabe ressaltar que a sa, quando experimentaram fogachos, apresentaram maior du-
GSM do trato u rinário é de natureza crônica, podendo até ração total desse sintoma (11,8 anos, com duração mediana
piorar com o tempo , o que prejud ica a função sexual e a qua- de 9,4 anos após a última menstruação). Quando comparadas
lidade de vida em até 50% de mulheres na pós-menopausa. com outros grupos raciais/étnicos, as mulheres afro-americanas
Embora os níveis de estradiol sejam significativamente redu- apresentaram maior duração total de fogachos, que alcançou
zidos em razão da perda de produção folicular com a menopau- pouco mais de uma década (10,1 anos). No outro extremo,
sa, a estrona, aromatizada a partir da androstenediona de fontes as mulheres chinesas e latino-americanas apresentaram a me-
não foliculares, é a principal fonte de hormônio estrogênico em nor duração total desses fogachos (ap roximadamente 5 anos).
circulação na pós-menopausa. Como a maior pane da conversão Outros estudos relatam que 8% podem continuar a apresentar
de and rogênios para estrogênios ocorre no tecido adiposo, pre- fogachos 20 anos após a última menstruação.
sume-se frequentemente que as mulheres obesas, que têm mais A longa duração das ondas de calor promove desafios para
eStrogênio circulante, devem apresentar menos queixas de sinto- o tratamento clínico. Afinal, muitas mulheres continuarão a ser
mas vasomotOres. No entanto, isso nem sempre é verdadeiro, e sintomáticas se a terapia hormonal (TH) for descontinuada.
os sintomas vasomowres da menopausa podem ser tão frequen- A indicação laboratorial de que chegou a menopausa é
tes e graves em mulheres obesas quanto naquelas mais magras. representada pelo aumento do nível do hormônio folículo-
-estimulante (FSH). O nível desse hormônio aumenta mais
do que o do hormônio luteinizante (LH) em razão da filtra-
DIAGNÓSTICO ção renal reduzida de FSH em comparação com o LH. Na
Na transição menopausa!, ou seja, na etapa de transição do transição menopausa! existe grande variação dos níveis desses
ciclo reprodutOr feminino antes da menopausa, ocorrem flu- hormônios em resposta ao maior fluxo de hormônio libera-
tuações hormonais. A mulher nesse estágio, que pode durar dor de gonadotrofinas (GnRH) pelo hipotãlamo e ao aumento
muitOS anos, ainda precisa estar atenta à contracepção, se for o da sensibilidade da hipófise ao GnRH. Mulheres mesmo com
caso, em razão da presença de ovulações ocasionais. O tipo e níve is de FSH elevados, na transição menopausa!, ainda têm
a intensidade das sensações percebidas como sintomas do cli- risco de gravidez. Dessa maneira, a contracepção deve mere-
matério variam de indivíduo para indivíduo e dependem prin- cer cuidados até os níveis de FSH permanecerem na faixa de
cipalmente dos níveis de hormônios sexuais e das condições pós-menopausa. No entanto, caso a mulher esteja utilizando
psicológicas e sociais das mulheres. Assim, por apresentar qua- contraceptivo hormonal, o mais seguro é prossegui r com o
dro dinâmico, o diagnóstico dessa fase, conhecida por perime- método até os 52 anos de vida.
nopausa, é fato estabelecido por exame eminentemente clínico.
A constelação de sintomas relatados pelas mulheres na
pe rimenopausa é denominada síndrome climatérica. Muitos TRATAMENTO E SEGUIMENTO
deles são atribuíveis à síntese reduzida de esteroides sexuais, Para a obtenção de resultados clínicos mais segu ros e efe-
que repercute, por exemplo, na área vasomowra. Em outros tivos, a abordagem da paciente climaté rica deve se r feita de
casos, porém, a origem dos sintomas é multifawrial, como modo holístico e com foco multidisciplinar de saúde. Essa
se verifica nas flutuações de humor. Diversos são os estudos abordagem holística conceitua o envolvimento das necessi-
de coorte e os transversais que têm sido realizados com a fi- dades físicas, psicológicas e sociais da paciente e inclui trata-
nalidade de caracterizar os sintomas do climatério. Os mais mento farmacológico e medidas comportamentais.
consistentemente encontrados são os fogachos e a secu ra va- A paciente no climaté rio deve se r o rientada detalhadamen-
ginal, enquanto outros incluem os d istúrbios do sono, os sin- te sobre dieta, prescrição de exe rcícios adequados e sono,
tomas corporais de vários tipos, queixas urinárias, problemas devendo também receber apoio em outras áreas e aconselha-
sexuais e alterações de humor. mento sobre tabagismo e alcoolismo, entre outros.
\.
r
( I

Capitulo 46 Tratamento do Climatério 375

Além de favorecer a melhoria da quahdade de vtda, a abor- Um aspecto tmponante na TH é o papel desempenhado pe-
dagem do chmatério de,·e ser entendtda como oponunidade los progestogêmos em termos de ati,·idade biológtca, não res-
de imumzação, prevenção e tratamento de doenças. Devem tando dú,'ida de que é bastante \-ariado. Entretanto, exiStem
ser revtstas as terapias que não estejam bem aJUStadas, como ainda poucos estudos conduzidos de maneira sistemática e em
o uso de anticlepressivos para o tratamento de problemas as- larga escala para conhecer em profundidade as diferenças emre
sociados à disfunção sexual. os diversos progestogênios. É ceno que raros deles passaram
As mulheres que experimentam menopausa espontânea ou por avaliação em estudos randomizados prospectivos "duplo-
iatrogên ica ames elos 45 anos de idade, particularmente ames -<:egos" em longo prazo, o que seria importante para evitar erros
dos 40 anos, estão sob risco maior de contrair doença cardio- de avaliação na conduta médica. Também é fato que existem
vascular e sofrer de osteoporose, podendo estar sob risco au- escassos estudos randomizados controlados sobre este assunto.
mentado de apresentar transtornos emocionais e demência. A A falta de pesqutSas sobre o uso de progestogemos come-
TH pode reduztr os sintomas e preservar a denstdade óssea, çou a ser questionada com mais intensidade a pantr da dt-
sendo aconselhada pelo menos até a idade médta da ocorrên- vulgação dos resultados do estudo Women5 Health lniualil't
Cia da menopausa. (WHI), tmciado em 1993 nos EUA. O estudo procurou dar
suporte a estratégtas nacionais de longo prazo no combate a
Terapia hormonal doenças cardlacas, cânceres de mama e colorretais e fraturas
Um método cientifico consagrado para tratar os fogachos e osteoporólicas em mulheres na pós-menopausa. Embora a
possivelmente reduzir o risco de doenças cardiovasculares na pesquisa tenha utilizado apenas o acetato de medroxiproges-
pós-menopausa é a TH, a qual está relacionada com dois ho r- terona (AMP), a comunidade médica e cie ntífica se preocupa
mônios geralmente indicados no cli matério: o estrogênio e a com a segurança elo uso de todos os progeswgenios como
progesterona. No caso dos sintomas vasomotores e de atrofia uma classe em geral. A base para esse questionamento é que
urogenital, a estrogenoterapia (ET) é a forma mais usada de existe uma elástica variedade de preparações, cujas diferenças
tratamento. Por outro lado, para as mulheres com útero in- são tão significauvas que seria inapropriado atribuir aos efei-
tacto recomenda-se a terapia estroprogestlmca (TEP). Já para tos adversos dos progestogênios urna característica de classe.
as mulheres lusterectomizadas, ou seJa, que passaram porre- Assim, é prectso bom conhecimento da farmacodtnàmtca
moção cinirgtca do útero, está indicado apenas o emprego do dos \>anados esterotdes se.xuais, como, por exemplo, quando
estrogêmo. As doses de estrogênio recomendadas estão rela- o médico precisa mmtStrar o progestogênio adequado na TEP
cionadas no Quadro 46.1. em paciente com útero {Quadro 46.2).
Em grande pane, os tratamentos recomendados na TH Atualmente já se sabe que a proteção endometrial pode ser
levam em conta doses convencionais de estrogênios, mas a conseguida tanto pelo uso de progestogênio oral, combinado
regra tem exceções importantes. O combate a fogachos com com estrogênio sistêmico, como pela adoção de adesivos com-
a redução de sangrame nto vaginal e mastalgia pode ser efe- binados a est.rogênio-progeswgênio. Também já existem evi-
tivado com terapias que empregam baixas doses (estrogênios dências de que a segurança endometrial pode ser obtida com a
conjugados 0,3mg, 1 7~-estrad iol 1 ou O,Smg, 17~-estradiol aplicação de progestogênios, em vários esquemas, combinados
transdérmtco 0,25mg). Essas mesmas ondas de calor podem a diversas doses e formas de administração. Diferentes doses,
ser reduzidas, em algumas mulheres, com baixlssima dose porêm, podem apresentar resultados cllnicos di\'ersos e variar
(17~-estradLOl transdérmico O, 14mg). Como é sabtdo que a com base no progestogênto utilizado, começando com as me-
mulher pode apresentar resposta vanável à TH e que a técnica nores doses eficazes de Smg de acetato de medroxtprogestero-
não exclut os riscos associados, no encammhamento clinico na, O,lmgde acetato de norelisterona e O,Smg de drosptrenona
devem ser levadas em conta as necessidades de cada uma, pri- ou lOOmg de progesterona mícronizada.
vtlegiando resultados positivos com o emprego de menores
doses sempre que possível.
Quadro 46.2 Vias e doses de progestogênios utilizadas em TH

VIa oral Dose


Quadro 46.1 Vias e doses de estrogênios utilizadas em TH
Acetato de medro>dprogesterona 1,25 a 2.5, 5 e 1Omg/dia
VIa oral Dose
Acetato de ciproterona 1 a 2mg/dia
ES!rogênoo conjugado 0,3 a 0,45-0,625mg/dia Acetato de noretisterona 0,35/0,5/1/2 e Smg/dia
171)~stradiol mrcronizado 1 a2mg/dia Acetato de nomegestrol 2.5 a 5mg/dia
Vale<ato de esltadiol 1 a 2mg/dia Didrogesterona 5a 10mg/dia
ESiriol 1 a8mg/dra Trimegestona 0.5mg/dia
-Vi a perenteral Dose Esuadiol transdérmoco 25150/1 rong, 2 vezes PO<
semana
Estradiol transdérmico 25/50/100mg, 2 vezes po< semana
VIa perentaral Dose
Estradro! percutaneo 0,5/0, 7511 ,0/1 ,5/3mg/diS
Acetato de na<etisterona 140 a 170 e 250,ag/dia
Implantes - Estradiot 25mg por 6 meses transdérmlco
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J 376 Seção I Ginecologia

Os resultados obtidos no campo prático são os mais d iversos. Quadro 46.3 Efeitos biológicos da progesterona endógena e de outros
progestogênios
O uso contínuo de TEP reduz o risco de neoplasia do endomé-
trio em comparação com a não adoção da TH. Já a terapia com ..
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progeswgênio sequencial com a TE aumentou o risco quando o o
progeswgênio sequencial foi administrado em intervalos maio- ..
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consiste no uso inte rmitente da progesterona no caso da ado-
Progesterona + - + - +I- + +
ção a longo prazo de qualque r te rapia estrogênica sistêmica,
incluindo essa baixíssima dose de estrogênio. Para não ate-
Didrogesterona + - + - +I- - +I-
mtarem os efeitos benéficos da terapia estrogenica, os proges-
Trimegestona + - + - +I- - +I-
wgênios devem ser aplicados na menor dose capaz de prote- AMP + - + +I- - + -
ger o endométrio, conduta essa que se explica em razão de os Ciproterona + - + - ++ + -
progeswgênios serem hormônios com efeito antiestrogênico, Neta + + + + - - -
e doses maiores comprometeriam essa proteção desejada. LNG + - + + - - -
Merecem ser feitaS considerações adicionais. As mulheres Norgestimato + - + + - - -
sintomáticas na perimenopausa devem ser tratadas preferencial-
Gestodene + - + + - + +
mente com regimes sequenciais, uma vez que o uso do esquema
Dienogeste + +I- +I- - + - -
combinado contínuo pode ocasionar padrões de sangramento
imprevisíveis e frequentemente inaceitáveis, quadro que é en-
Drospirenona + - + - + - +

contrado até mesmo em mulheres recentemente na menopausa. Atividade: + + fortemente significativa: + significativa; +/- fracamente significativa;
-ausente.
Outros estudos evidenciam que todos os progeswgenios Fonte: adaptado de Schindler et ai. Maturitas, 2003; Wiegratz & Kuhl. Trellds End
Met 2004.
apresentam resultados semelhantes quando considerados em
dado regime para proteção endometrial. Um dos destaques
nessa matéria é o uso do sistema intraute rino contendo 20pg gênio de primeira linha por se mostrar eficaz para hiperplasia
de levonorgestrel, que proporcionou proteção endometrial endometrial e ser metabolicamente neutra.
equivalente à fornecida pelo progeswgênio sistêmico admi- Os sintomas da menopausa podem ser combatidos com
nistrado continuamente. Além d isso, apresentou mais prote- êxitO por todas as vias de administração da TH. No entanto,
ção em comparação com o progeswgenio administrado se- a via não oral apresenta caracte rísticas próprias: não tem a
quencialmente. A opção se mostrou vantajosa pela relevância primeira passagem hepática, as conce ntrações de hormônios
de dois motivos: é mais bem tOle rada do que outros progesLO- no sangue são obtidas por determinada via e a atividade bio-
gênios padrões e assegura proteção contraceptiva na transição lógica dos compostos. Já com a te rapia transdérmica não há
menopausa!. aumento nos t riglicerídeos e na proteína C reativa (PCR), bem
O endoceptivo intrauterino de levonorgestrel (LNG) tem, como é reduzido seu efeito sobre a pressão arte rial (PA). Tam-
aparentemente, fone aplicabilidade na fase madura das mu- bém não há aumento da globulina carreadora dos hormônios
lhe res, principalmente minimizando os efeitos adversos cau- sexuais (SHBG) e, portanto, não existe interferência nos ní-
sados pelo progeswgenio sistemico. A comunidade médica veis de teswsterona livre.
encontra, assim, novas possibilidades na aplicação desse No entanto, um aspectO não relacionado com a prática
LNG, inicialmente desenvolvido e utilizado mundialmente médica deve ser obse rvado no caso das terapias cutâneas, ou
para contracepção intrauterina. seja, o perigo de crianças e animais terem acesso ao mate rial e
Apesar disso , esse progeswgênio continua desempenhando o utilizarem inadvertidamente e com perigo.
papel relevante nas condutaS médicas. Entre os novos proges- Em outra frente auspiciosa há cada vez mais evidências
wgenios sistemicos se encontram os agonisLaS puros: a did ro- de que os ET t ransdérmicos estão associados a menor risco
gesterona e a trimegeswna. A noretisterona tem efeitOS and ro- de trombose venosa profunda, acidente vascular ce rebral e
genicos juntamente com o LNG e o geswdeno. A ciproterona, infarto do miocárdio.
o d ienogeste e a d rospirenona tem efeitos and rogênicos, assim Em mulheres que apresentam apenas sintomas urogeni-
como o LNG e o geswdeno. A ciproterona, o dienogest e a tais, o tratamento com estrogê nio vaginal deve ser o único
drospirenona têm efeitOS mineralocorticoides (Quadro 46.3). utilizado. A terapia estrogenica promove o crescimento celu-
Cada progeswgênio deve se r aplicado adequadamente. Na lar vaginal e a maturação celular, a recolonização com lacto-
paciente com risco baixo de cânce r de mama ou doença car- bacilos, o aumento do Ouxo sanguíneo vaginal, a diminuição
diovascular, a escolha do progeswgênio tomará por base atOle- do pH vaginal para os níveis da pré-menopausa e a melhora
rância clínica. No entanto, nas pacientes que apresentem esses da espessura e elasticidade vaginal e da resposta sexual.
riscos deve-se optar por progeswgenios menos androgênicos. Em comparação ao estrogênio po r via oral, todas as for-
Nesses casos, a progesterona natural micronizada é o progesto- mulações vaginais para uso tópico mostram evolução positiva
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Capítulo 46 Tratamento do Climatério 377

dos sintomas e dos resultados citOlógicos vaginais. Mais ain- sintomas urogenitais pode se r prescrito para LOdo o universo
da, os efeitos negativos foram menos evidentes do que com os de mulheres e sem limite de idade. já a TH sistêmica não tem
preparados sistêmicos. recomendação prévia quanto à duração máxima obrigatória
Se o problema for atrofia vulvovaginal (AW), o tratamento para evitar seu emprego. A maior flexibilidade no tempo de
normalmente consiste em uma dose diária de ataque seguida utilização também é válida para a terapia que adota apenas o
por sua redução até alcançar a mínima dose que mantenha componente estrogênico, o que fica provado quando pacien-
a integridade vaginal. As mais baixas têm-se mostrado com tes que usaram estrogênio isoladamente, por até 7 anos, não
maior eficácia, como 10~tgldia de estradiol creme ou 10 a 25~tg registraram associação entre o produto e o câncer de mama.
na forma de cápsulas para uso vaginal. Em geral, os sintomas Ademais, a manutenção do tratamento com TE ou TEP pode
vaginais podem ser aliviados apenas com terapia de curta dura- se r feita e deve ser sustentada nas indicações propostas e no
ção, entre 4 e 12 semanas. No entanto, podem reaparece r após melhor juízo clínico que considera os riscos e os benefícios.
a cessação do tratamento. A suspensão deve oco rrer, portanto, somente quando essa
Com a terapia tópica, as baixas doses das preparações vagi- relação não pender mais para os benefícios e não for de fato
nais não apresentam absorção sistêmica significativa. Por isso, vantajosa. Em relação à interrupção, não existem evidências
não é necessária a associação de progeswgênios para proteção de que a suspensão gradativa da TH ofereça mais benefício
endometrial e não há recomendação para monito rização en- quanto ao não retorno dos sintomas após a cessação de tra-
dometrial. Entretanto, existem poucas evidências sobre a se- tamento, e também não há comprovação de que seja fator
gurança endometrial das preparações vaginais a longo prazo, decisivo para demandar o retorno à TH quando comparada
ou seja, com duração >12 meses. com a descontinuação imediata.
No epitélio uretra! e da bexiga, a TH apresenta efeito proli-
fe rativo e também pode ter efeito benéfico sob re os sintomas Tibolona
de urgência urinária, bexiga hipe rativa e risco de infecção A tibolona é um esteroide sintético, cujos metabólitos têm
urinária recorrente em mulheres com atrofia urogenital. Na propriedades progeswgênica, androgênica e estrogênica, e é
prática clínica, o estrogênio tópico mostrou mais benefício classificada como reguladora seletiva da atividade estrogêni-
do que o estrogênio sistêmico. Por outro lado, a TH sistêmica ca nos tecidos, demonstrando importância no tratamento de
pode piorar a incontinência urinária. Não existem evidências mulheres na pós-menopausa com d is função sexual do desejo.
sobre a recorrência da incontinência após o término do trata- Esse este roide reduz sintomas vasomowres, quando compa-
mento e sobre os efeitos a longo prazo. rado com placebo, tem efe ito benéfico na densidade mineral
Sem dúvida , por tudo o que foi mencionado, a TH é o tra- óssea e não parece estar associado a efeitos adversos na densi-
tamento mais efetivo para os sintomas vasomoto res em mu- dade mamográfica. O risco de câncer de mama com tibolona
lheres na peri e pós-menopausa. Os benefícios se sobrepõem não foi completamente elucidado em mulheres sem câncer
aos riscos quando iniciada em mulheres com menos de 60 mamário, mas a taxa de reincidência em sobreviventes desse
anos ou com menos de 1O anos de menopausa, quando não tipo de câncer é aumentada com essa terapia.
há problemas que a contraindiquem. A dose de 1,25mg se mostra efetiva para a saúde óssea. No
As contraindicações formais para a utilização da TH estão entanto, a de 2,5mg ao dia, via oral, revela melhor controle
listadas no Quadro 46.4. dos sintomas climatéricos, em especial os fogachos. Portanto,
As características de cada mulher devem ser conside radas, é come rcializada nas doses de 1,25mg e de 2 ,5mg.
bem como os efeitos clínicos de cada tipo de progeswgênio
e o modo de administração. No caso de mulheres com útero Androgênios
intacto , o uso do progeswgênio deve ser individualizado. Por O declínio dos níveis de androgênio nas mulheres ocorre
sua vez, o tratamento vaginal com estrogênio para alivia r os com o aumento da idade sem nenhuma mudança sigrtificativa
associada à menopausa natural, ao contrário do que ocorre
nos casos de menopausa cirúrgica. Existe fone evidência de
Quadro 46.4 Contraindicações ao uso de TH e nfvel de evidência que os androgênios influenciam a função sexual feminina, e a
Doença hepática descompensada (nfvel de evidência D) terapia androgênica pode ser útil para as mulheres que expe-
Câncer de mama (nível de evidência B) rimentaram a perda de desejo sexual e/ou excitação. Antes de
Câncer de endométrio (nfvel de evidência B) se considerar a terapia com testosterona, as mulheres devem
Lesão precursora para câncer de mama (nível de evidência O) se r avaliadas para outras causas tratáve is de sua disfunção se-
Porfiria (nível de evidência D) xual , as quais devem ser abordadas. A terapia com tesLOstero-
Sangramento vaginal de causa desconhecida (nfvel de evidência D) na exógena melhora alguns aspectos da função sexual femini-
Doenças coronariana (nfvel de evidência A) e cerebrovascular (nível na em populações cuidadosamente selecionadas de mulhe res
de evidência O) na pós-menopausa. Um exemplo importante é o caso das mu-
Doença trombótica ou ttomboembólica venosa (nfvel de evidência B) lheres que desenvolvem d isfunção de desejo/excitação sexual
Deve-se considerar a via de administração após ooforecwmia bilateral , que deve, sempre que possível,
Lúpus eritematoso sistêmico (nfvel de evidência A)
se r o objeto do tratamento. Por outro lado, o uso rotineiro de
Meningioma- apenas para p rogestogênio (nível de evidência D)
testosterona não é indicado em mulhe res na pós-menopausa.
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J 378 Seção I Ginecologia

A terapia com teswsterona deve se r considerada como um dem te r impacto negativo na qualidade de vida das mulheres
ensaio clínico que não deve se r continuado se a mulher não dimatéricas.
expe rimentar benefício significativo após 6 meses. Os trata- A avaliação holística das mulhe res climaté ricas, assim
mentos de reposição androgênica são ojJ label. como a terapia dos sintOmas d imaté ricos, em especial a hor-
monal, deve se r individualizada e amplamente abo rdada.
Agonistas/antagonistas dos receptores de estrogênio
Dois novos produtOs recentemente ap rovados para o trata-
MENSAGENS-CHAVE
mento dos sintomas da menopausa contêm agonistaSiantago-
nistas dos receptores de estrogênio. Esses produtos têm efeitos • A te rapia hormonal na me nopausa continua a se r a mais
diferentes sobre ossos, mama, endométrio e tecido vaginal. O eficaz para sintomas vasomowres e atrofia urogenital.
ospemifene, por exemplo, melhora os sintomas da dispareunia • Outras queixas relacionadas com a menopausa, como do-
associada à atrofia vulvovaginal. Já o bazedoxifeno combinado res na a rticulação e musculares, alterações de humor, d is-
com estrogênios conjugados melhora os sintomas vasomowres tú rb ios do sono e d isfunção sexual (incluindo a redução
e a densidade mineral óssea em mulheres na pós-menopausa. da libido), podem melhorar durante a TH. A qualidade de
Entretanto, os profLSSionais devem estar atentos ao aumento do vida também pode melhorar com a administração dessa
risco de doença tromboembólica venosa e arterial a partir do te rapia individualizada.
uso dessas medicações. Atualmente, os ensaios clínicos pro- • A TH deve faze r parte de uma estratégia global, inclu indo
curam avaliar de maneira conclusiva a eficácia e a segurança recomendações sob re o estilo de vida, como d ieta, exe rcí-
desses medicamentos em comparação com regimes tradicio- cios físicos, para r de fuma r e níveis seguros de consumo
nais com base em estrogênio e progeswgênio. de álcool para manute nção da saúde na peri e pós-meno-
pausa.
Tratamento não hormonal • A TH deve se r ind ividualizada e adaptada de acordo com
No caso de mulhe res que não podem utilizar a TH, como os sintomas e a necessidade de p revenção, bem como as
aquelas com cânce r de mama ou que optam po r não utilizar histórias pessoal e familiar resultantes de investigações
essa terapia, d ife rentes tipos de tratamento vêm sendo ava- pe rtinentes, levando-se em conta as preferências e as ex-
liados na tentativa de reduzir os sintomas vasomowres sem a pectativas de cada mulhe r.
utilização de hormônios. • Os riscos e benefícios do uso da TH são dife rentes para as
O uso de fiwestrogênios tem sido citado como possibilidade mulheres d urante a transição menopausa\ em comparação
de tratamento, embora uma revisão sistemática com metanálise com o uso em mulhe res mais velhas. A TH não deve ser
tenha concluído que não há evidência de que reduzam os foga- iniciada após os 60 anos de idade ou 10 anos após a me-
chos e os suores noturnos em mulheres c\imatéricas. Os autores nopausa.
ressaltam, porém, que os benefícios derivados dos concentrados • A TH inclui uma gama de produtos hormonais e vias de
de genisteína devem ser mais bem investigados. administração com dife rentes riscos e benefícios em poten-
Entre as terapias farmacológicas não ho rmonais, as mais cial. Assim, a exp ressão efeito de classe é confusa e inade-
efetivas, embora não tão eficazes como o estrogênio, incluem quada; no entanto, são limitadas as evidências sobre d ife-
alguns inibidores seletivos da recaptação de se rotOnina (ISRS) renças nos riscos e benefícios entre diferentes p rodutos.
e inibidores seletivos da recaptação de serownina e noradre- • As mulhe res que expe rimentam menopausa espontãnea ou
nalina (IRSN). Esses medicamentos aumentam os níveis de iatrogênica antes dos 45 anos de idade e particularmente
serotonina e noradrenalina, ambos implicados na origem das antes dos 40 devem fazer TH pelo menos até a méd ia de
ondas de calo r, destacando-se a paroxetina, a venlafaxina, a idade para a menopausa.
desvenlafaxina, a sertralina e o citalopram. Apesar de alguns • Os benefícios e riscos da TH devem se r explicados em
dados confl itantes, esses antidepressivos se mostraram efetivos te rmos claros e comp reensíveis, como, po r exemplo, nú-
na redução dos fogachos em mulheres climatéricas. Se possível, me ros absolutos em vez de risco relativo, o que permiti rá
devem ser utilizados os IRSN, como a desvenlafaxina, que não que uma mulhe r e seu médico tOmem uma decisão bem
costumam alterar a libido. A dose de desvenlafaxina para trata- info rmada sobre essa te rapia. Podem ser úteis informações
mento de sintomas vasomowres é de lOOmgtdia. No entanto, escritas sob re os riscos e benefícios, bem como sobre a de-
recomenda-se iniciar com 50mg por alguns dias para melhor cisão. A TH não é recomendável sem a clara indicação de
adaptação. A paroxetina e a Ouoxelina não devem ser utilizadas uso, ou seja, sintomas ou efeitOs físicos significativos da
em usuárias de tamoxifeno, uma vez que d iminuem o efeitO deficiência estrogênica.
do modulador seletivo do recepto r do estrogênio (SERM) no
• Não existem motivos para que se tOrnem obrigatórias as
tratamento do câncer de mama.
limitações na duração da TH.
• A continuidade do uso da TH na menopausa deve ficar
PONTOS CRÍTICOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS a crité rio da mulhe r bem informada e de seu médico, de
Os médicos devem conscientizar-se de que os sintomas acordo com os objetivos específicos, benefícios e riscos, e a
climaté ricos, como os fogachos e o ressecamento vaginal, po- dosagem deverá se r titulada para a menor dose eficaz.
( I

Capitulo 46 Tratamento do Climatério 379

leitura complementar Global Consensus Stalement on Menopausa! Hormone Therapy.


Albernaz MA. Wender MCO, Pompei LM, Fernandes CE, Frasson Dtsponlvel em: httpJtwww.menopause.org/docS/default-source/
AL (eds.) Consenso sobre terap1a hormonal e câncer de mama. 2013/ims-ht-ps-2013.pdf.
Disponível em: http://liles.bvs.br/upload/SI0100-7254/2013/V4 1n2/ Hale GE, Shufelt CL. Hormone lherapy in menopausa: an update
a3791.pdf. on card•ovascular disease considerations. Trends Card1ovasc
Allen C, Evans G, Sutton EL. Pharmacologic therapies ín women's Med 2015 Aug; 25(6):540-9.
health: contraception and menopausa treatment. Med Clin North Lima SMR, Botogoski SR. Reis BF (eds.) Menopausa. o que você
Am 20 16 Jul: 100(4):763-89. precisa saber. 2. ed. São Paulo: Alheneu, 2014.
Saber RJ, Panay N, Fenton A: the IMS Writing Group. 2016 IMS. Re- Mintziori G, Lambrinoudaki I, Goulis DG, Ceausu I, Depypere H el
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mone therapy. Disponível em: http://Www.imsociety.org/manage/ nopausa! vasomotor symptoms. Maturitas 2015 Jul; 81(3):410-3.
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Bassuk SS, Manson JE. The timing hypothes•s: Do coronary nsks of pausa! symptoms? JAAPA 2015 Jul; 28(7): 14-6.
menopausa! hormone therapy vary by age or t1me s•nce meno- Setty P, Redekal L. Warren MP. Vaginal estrogen use and effects on
pause onset? Metabolism 2016 May; 65(5):794-803. qualrty olllfe and urogen•tal morbidity in postrnenopausal women
Chen MN. un CC, Liu CF. EffK:acy of phytoestrogens for menopausa! after publicahon of lhe Women's Health lm!Jallve 10 New York C1ty.
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2015 Apr, 18(2): 260-9. The Norlh Amencan Menopausa Society Recommendallons for
Davis SR, Worsley R, Miller KK, Parish SJ, Sanloro N. Androgens and Clmical Care of M1dlife Women. Disponível em: hllp:/twww.
female sexual function and dysfunct•on-f•nd•ngs from lhe Fourth menopausa .org/docs/defaull-sou rce/20 14/nams-recomm -for-
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Feb: 13(2):168-78. Wender MCO. Pompei LM, Fernandes CE (eds.) Consenso Brasi-
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in postmenopausal women and risk of endometrial hyperplasia. hllp ://www.febrasgo.org. br/site/wp-content/uploads/20 14/12/
Cochrane Database Syst Rev 2012; 8:Cd000402. SOBRAC.pdf.
CAPÍTULO (

Terapia Hormonal e Câncer Ginecológico


Raquel Alves Nunes Rodligues

INTRODUÇÃO A adição de progeste rona à estrogenote rapia alterou dras-


O uso de estrogênios com finalidade não contraceptiva ticamente a incidência do cânce r endometrial, uma vez que
teve início na década de 1940 nos EUA. Desde essa época ação desse hormônio induz a diferenciação do endométrio,
essas med icações vêm sendo usadas em grande escala como contrapondo os efe itos estrogên icos e reduzindo ou até eli-
terapia hormonal (TH) para alívio dos sintomas do climatério minando os riscos de câncer endometrial associado à TH.
e, mais recentemente, para prevenção ou retardo do desen- As doses comprovadamente efetivas para proteção endo-
volvimento da osteoporose, que vem atingindo uma em cada metrial são:
quatro mulheres após os 65 anos de idade, já sendo consi- • lOmg de acetato de medroxiprogesterona por l O dias ou
derada problema de saúde pública em países desenvolvidos,
Smg por 12 dias;
e de doenças isquemicas cardiovasculares, que vêm sendo a
• l a 2 ,5mg de norelindrona por 12 d ias.
principal causa de morte na mulher em sua pós-menopausa.
A preocupação com a segurança e os efeitos colaterais da O uso d iário de 2,5mg de acetatO de medroxiprogesterona
TH são frequentemente usados como justificativa para se evi- parece não proporcionar proteção tOtal.
tar essa terapêutica, negando a algumas pacientes wdos os O estudo Million Women Study, coone britânica de segui-
benefícios que dela advem. mento de pacientes recrutadas para screening de câncer de
Muitas preocupações e mitOS criados não têm correta base mama, envolveu 1.084.110 mulhe res de 50 a 64 anos de ida-
científica, já que foram abandonados os estudos realizados de e acusou em seus resultados aumento no risco de câncer
com hormônios sintéticos e sem a contraposição da proges- de endométrio com o uso da tibolona (31 casos para lO mil
terona, diferentemente dos esquemas utilizados atualmente mulheres), o que representa aproximadamente o dobro do
para a TH. risco dessas pessoas sem TH. Esse estudo observacional tem
vários questionamentos estatísticos que limitam esses dados,
CÂNCER DO ENDOMÉTRIO e os já publicados sobre as ações da tibolona no endométrio
Desde a década de 1970, inúmeros estudos vem se referin- não mostraram ação prolife raliva.
do à terapia estrogênica pós-menopausa como possível causa Em relação às pacientes já portadoras de alterações en-
do câncer de endométrio, em razão do já conhecido efeitO dometriais, os casos devem se r analisados individualmen-
proliferativo e mitótico sobre células endometriais, podendo te. Nas h iperplasias císticas deve ser realizada investigação
resultar em hiperplasia endometrial e evolução para adeno- endometrial invasiva (biópsia ou curetagem) 6 meses após
carcinoma. O aumento do risco relativo (RR) varia, de acordo o início da TH, a qual consiste no uso de 21 dias de proges-
com a literatura, entre 1,8 e 20, e os dados sugerem que esse terona a cada mês. Em pacientes portadoras de hiperplasia
acréscimo pode persistir por até lO anos após a terapia de atíp ica, a h isterecwmia deve preceder a TH e, após o endo-
reposição estrogenica (TRE) ter sido interrompida. Embora métrio ser removido, a TRE pode ser prescrita sem riscos.
a incidência de câncer de endométrio tenha aumentado após Em pacientes com carcinoma de endométrio já tratadas não
a década de 1970, a mortalidade em decorrência da doença há contraindicações ao uso nos estágios iniciais e após 5
diminuiu em parte em virtude da detecção precoce e em parte anos de tratamento, devendo-se optar pelo uso de progeste-
em razão do elevado índice de cura. rona por 21 dias.
380
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Capítulo 47 Terapia Hormonal e Câncer Ginecológico 381

CÂNCER DE OVÁRIO e benefícios da TH têm sido amplamente d iscutidas, p rinci-


Poucos estudos relatam aumentO na incidência de carcino- palmente no que diz respeitO às doenças cardiovasculares, aos
ma ovariano do tipo endometrioide nas pacientes submetidas eventos tromboembólicos e ao cânce r de mama.
à TH, mas esses dados são inconsistentes. Não há aumen- O papel do estrogênio na gênese do cânce r de mama tam-
tO de cânce r de ovário de outro tipo histOlógico associado à bém é muito invesligado. Os autOres conco rdam que sua ação
TRE. O uso de TH após tratamento do cânce r de ová rio não é se ria mais importante como agente promoto r do que por uma
contraindicado (nível de evidência B), exceto para o subtipo ação genotóxica d ireta, o que significa que o estrogênio não
endometrioide. ocasiona mutação no DNA celular, mas pode promover a pro-
liferação de células previamente mutadas.
CÂNCER DE COLO UTERINO E DE VAGINA Das várias pesquisas que co rrelacionaram TH com o câncer
A TH não influencia o desenvolvimento da neoplasia do de mama publicadas nos úllimos anos, algumas me recem des-
colo uterino e de vagina, podendo ser empregada em mulhe- taque.
res tratadas de câncer do colo ute rino de células escamosas Em estudo publicado em 1997 pelo Collaborative Group on
(nível de evidência B). Ho rmonal Factors in Breast Cance r, no qual foram reanalisados
90% das evidências epidemiológicas em nível mundial sobre a
relação entre câncer de mama e TH, encontrou-se aumento de
CÂNCER DE VULVA 2,3% no risco para cada ano de uso da TH. Para as mulheres
Não existem contraindicações ao uso da TRE em pacien- que adotaram TH po r mais de 5 anos (a duração média de uso
tes po rtadoras de câncer de células escamosas da vulva; ao foi de 11 anos nesse grupo), o risco relativo foi de 1,35, aumen-
contrário, essa terapia melhora o trofLSmo dos tecidos vul- tO comparável à elevação do risco de cânce r de mama quando
vovaginais, podendo auxiliar a recuperação cirúrgica dessas essa modalidade de doença ocorre em menopausa tard ia. Cin-
pacientes. co anos após a interrupção do uso da TH, o risco relalivo se
iguala ao das não usuárias, não se verificando alterações nesse
CÂNCER DE MAMA risco com a história familiar, e os cânceres d iagnosticados ten-
O câncer de mama é uma doença de alta prevalência deram a apresentar melhor prognóstico.
mund ial. As maiores incidências e p revalências oco rrem Em julho de 2002 foram publicados os dados parciais do
em países industrializados. No Brasil, representa a princi- Women~ Health Initiative (WHI), estudo prospeclivo randomi-
pal neoplasia maligna nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste. zado com aumento de 26% na incidência de câncer de mama
A frequência desse cânce r se eleva p ropo rcionalmente ao de risco relativo 1,26 (IC 95%: 1,00 a 1,59) nas usuárias de
aumento da faixa etária. Quando se conside ra a etiologia estrogênio (0,625mg) conjugado com progesterona (2,5mg)
multifawrial da doença, são obse rvadas fones evidências de em uso contínuo após 5,2 anos. Isso reflete a elevação do
sua relação com o status ho rmonal ovariano, o que justifica risco absoluto de oito casos em mil mulheres em uso de TH
as discussões sob re a associação entre a TH e o aumento do conjugada a cada ano.
risco de câncer de mama. Na reanálise dos dados, os autores relataram RR de 1,24 (IC
Numerosos estudos foram publicados para avaliação do 95%: 1,01 a 1,54) para câncer invasor e de 1,18 (IC 95%: O, 77
risco de carcinoma mamário em mulhe res submetidas à TH a 1,82) para câncer mamário in situ. O uso isolado de estrogê-
na tentaliva de estabelecer o controle dos riscos e benefícios nio em mulheres histerectomizadas não determinou aumento
do uso de TH, mas seus resultados são contraditórios e a no risco dessa doença que atingisse os limites de segurança es-
maioria exibe d ificuldades nas análises metOdológicas e esta- tabelecidos pelo estudo quando comparado ao risco em não
tísticas. Alguns mostram aumento reduzido no risco de cân- usuárias de TH, até mesmo com redução do RR para 0,77 (JC
cer de mama após o uso da TH, enquanto outros não indicam 95%: 0,59 a 1,O1). Entretanto, foi mantido o risco de acidente
esse acréscimo, e a minoria mostra pouca redução nesse risco vascular cerebral e de embolia pulmonar, além de hiperplasia/
como resultado do tratamento hormonal pós-menopausa. A câncer de endométrio com o uso de estrogênio isolado.
maioria, no entanto, ressalta risco relativo p róximo de 1 para Em agosto de 2003 foi publicado o Million Women Study,
TH com uso de medicamentos naturais e por períodos não que analisou o risco desse câncer em usuárias de TH. Dife-
prolongados. rentemente do WHI, esse estudo verificou a existência de ris-
Na prática clínica, a utilização de estrogênios em doses co em vários tipos, esquemas e dosagens de TH, concluindo
convencionais ou baixas na maioria das vezes é capaz de que o risco não só está associado ao uso de TH, indepen-
mante r níveis séricos suficientes para aliviar ou cessar os sin- dentemente do esquema e via utilizados, como chegou a se r
tomas vasomowres, d iminuir a atrofia u rogenital, prevenir a mais elevado nos esquemas que ulilizaram estrogênios e pro-
osteoporose e, ce rtamente, promove r o bem-estar geral. Nas gesterona conjugados (RR = 2), co rroborando os dados do
décadas de 1980 e 1990 se acreditava que a TH melhora- WHJ, os quais também mostraram aumento no risco relalivo
ria o perfil lipídico e d iminuiria as doenças card iovasculares, proporcional ao tempo de uso da TH. Os valores desse risco
além de p romove r a prevenção contra osteoporose. Entretan- correspondem a 1,5 caso extra em 5 anos por mil mulhe res
to, após a publicação de vários trabalhos no final dos anos usuá rias de TH estrogênica isolada ou a seis casos extras em 5
1990 e início dos anos 2000, as convicções quanto aos riscos anos por mil mulheres com TH conjugada.
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J 382 Seção I Ginecologia

A subanálise desse estudo demonstrou que o risco de cân- p rogestacionais em adição à estrogenote rapia para pacientes
ce r de mama variou com o Lipo hisLOlógico, o tipo de TH (altO histerecwmizadas.
risco na TH combinada) e o índice de massa co rporal (IMC) A utilização dos chamados fiwestrogênios, subst.ãncias ri-
- alto índ ice = baixo risco. O risco foi mais elevado para car- cas em isoflavonas de soja, não deve ser feita rotineiramente
cinoma lobular, seguido do carcinoma ductal-lobular mistO, em "substituição" à TH. Essas substâncias têm efe ito pouco
carcinoma tubular e, por último, carcinoma ductal. melhor que os placebos no combate aos fogachos e ainda não
A tibolona é um derivado progeswgênico que, após ad- se conhece sua ação no epitélio mamário. Seus efe itOS são
ministração oral, fo rma metabóliLOs com funções estrogênica, mais antiestrogênicos do que estrogênicos, sendo sua ativi-
progeswgênica e androgênica. Por esse motivo pode apresen- dade hormonal 500 a 2 mil vezes inferior à do estradiol. Não
ta r d ife rentes ações em tecidos d istintos, nas quais pode pre- existem dados que viabilizem o uso seguro dessas subst.ãn-
dominar um ou outro esteroide sexual. A tibolona é eficiente cias, mas sim algumas dúvidas em relação ao uso da TH em
no alívio dos sintomas climatéricos e exerce efeito adequa- mulheres pertencentes a grupos de alto risco de câncer de
do sobre a libido e a massa óssea, podendo também promo- mama , com destaque para a forte história familiar de câncer
ver ameno rreia em mulheres na pós-menopausa. O estudo mamá rio (parente de primei ro grau com cânce r de mama na
Million Women analisou a relação entre o uso da tibolona e p ré-menopausa e/ou bilateral, além das pacientes com mu-
o risco de câncer de mama, evidenciando aumento no risco tações dos genes BRCA1 e BRCA2), porém há estudos que
relativo de 1,45 para o desenvolvimento da doença. questionam se a TH aumentaria o risco nessas pacientes.
O Liviallntervention jollowing Breast cancer: Efficacy, Recur- Quando há lesões de altO risco para câncer de mama, como
rence And Tolerability Endpoints (UBERATE), que avaliou os hiperplasias atípicas ou carcinoma lobular in situ, a TH está
efeitos da tibolona, foi inte rrompido antes do o riginalmente contraindicada, porém sem embasamento científico adequa-
previsto em função do aumento de eventos relacionados com do. Este tópico deve ser amplamente d iscutido com a pacien-
câncer de mama no grupo que recebeu o medicamento. Fo- te, com a exposição dos riscos e benefícios para uma decisão
ram avaliadas 3.098 mulheres tratadas desse câncer e que re- te rapêutica conjunta.
ceberam tibolona, 2,5mgldia, ou placebo e, após seguimento A TH em mulhe res com história p regressa de cânce r mamá-
médio de 3,1 anos, 15,2% das mulheres no grupo hormonal rio também é cercada de muitas controvérsias. Vale lembrar
tiveram alguma recorrência comparadas com 10,7% no gru- que a mama contralateral representa o sítio mais frequente
po placebo (nível de evidência A). Houve maior número de de metástase, com taxas de 0,5% a 1% de incidência anual, e
metástases a dist.ância no grupo tratado com tibolona em re- que pacientes em estádios iniciais têm metástases ocultas ao
lação ao grupo-controle. Os efeitos da tibolona permanecem diagnóstico, sendo difícil a "cura" mesmo com o tratamento
inconclusivos, porém a Libolona está contraindicada nas mu- adequado. Alguns estudos ressaltam que o uso de TH antes
lhe res com antecedentes pessoais de câncer de mama (nível do diagnóstico do cânce r mamário pode estar associado à me-
de evidência A). lhora ou à não alteração do tempo de sob revida em pacientes
O estudo Long tenn lntervention on Fractures with Tibolone com a doença usuárias de TH.
(UFT) demonstrou redução no risco relativo de fraturas ver- Dados sobre o uso de TH em mulhe res com histó ria pré-
tebrais e aumento na incidência de acidente vascular cerebral via de cânce r de mama eram obtidos apenas por meio de
hemorrágico ou isquêmico em mulheres usuárias de tibolona. estudos obse rvacionais. Entretanto, na década de 1990, um
Em relação ao câncer de mama, o uso desse de rivado proges- grupo sueco iniciou a random ização dessas pacientes para
wgênico dete rminou redução no risco relativo, porém essa estudar o efeitO da TH em mulheres após o tratamento desse
pesquisa foi interrompida por recomendação do comitê de cânce r que ap resentavam sintOmas climatéricos. O estudo
farmacovigilância em pesquisa em virtude dos resultados re- Hormonal replacement therapy after breast cancer - is it safe?
lativos à ocorrência de acidente vascular ce rebral. (HAB!TS), publicado em feve reiro de 2004, foi interrompido
Um estudo, iniciado em 1990 com mais de 80 mil mulhe- antes da data planejada em razão das taxas inaceitavelmente
res na pós-menopausa avaliou o impactO da TH no risco de altas (RR = 3,5) de cânce r de mama no grupo que usou TH.
câncer de mama. Como resultado, a TH estrogênica isolada se Todas as mulhe res envolvidas nesse estudo apresentavam
associou ao RR de 1,29 (nível de evidência A). Na TH combi- h istória prévia desse tipo de câncer e fo ram randomizadas
nada que usou progesterona micronizada, o RR foi de 1; para para receber TH ou o melhor tratamento sintomático não
a did rogesterona, 1,16; e para os demais progeswgênios, 1,6 hormonal. Seus resultados contraindicam o uso dessa tera-
(nível de evidência B). O aumento do risco dos progeswgê- pia nesse grupo de pacientes, não existindo informações se
nios parece ter sido avaliado para os carcinomas com recep- essas recidivas alte raram a taxa de mortalidade nesse grupo .
tores estrogênicos. Um seguimentO mais abrangente será necessãrio para forne-
Estudos como o WH! e o Million Women relatam aumento ce r essa informação.
no risco desse tipo de câncer nos esquemas de reposição hor- No Estudo de EstOcolmo, 378 mulheres tratadas de câncer
monal com combinações de estrogênio e progesterona. A au- de mama fo ram randomizadas para receber estradiol com ou
sência de efeitO proteto r e o possível efeito adverso, além dos sem acetato de medroxiprogesterona, não sendo encontradas
efeitos colaterais no sistema psíquico (depressão) e das alte- d iferenças estatisticamente significativas entre as que usaram
rações sobre as lipoproteínas, embasam o não uso de agentes e as que não usaram TH, mas entre aquelas que usaram TH
:\.
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((

Capítulo 47 Terapia Hormonal e Câncer Ginecológico 383

após o câncer de mama houve mais casos na mama comrala- tiva da incidência nesse estudo ocorreu somente em tumores
teral (RR = 3,6; !C 95% 1,2 a 10,9). recepto res de estrogênio-positivos. Outros possíveis fatores de
A princípio, a TH não deve ser recomendada para pacien- redução nas taxaS de câncer de mama , como as mudanças em
tes tratadas de câncer marnãrio. Contudo, a decisão deve ser fatOres reprodutivos, na dieta, no uso de (ármacos (tamoxi-
tOmada somente após ampla discussão entre paciente, masto- feno, raloxifeno, anti-innamatórios não esteroides, estatinas,
logista e ginecologista sobre os riscos e benefícios envolvidos. cálcio e vitamina D), também foram avaliados, mas definidos
De maneira geral, discute-se até aqui o papel da TH no au- como não sendo responsáveis pela mudança na incidência.
mento no risco de câncer de mama em vários subgrupos de A diminuição no uso da terapia de reposição hormonal na
mulheres. Os estudos que mostram essa relação separam os pós-menopausa após a publicação dos dados do estudo WHJ
grupos de acordo com sua faixa etária, tipo de TH, tempo de foi relatada pelos autOres como provável causa da redução
uso, via de administração, histó rias pessoal e familiar de cânce r na incidência do cânce r de mama, por afetar o crescimento
de mama, entre outras subdivisões. Em virtude dessas publica- de tumores ocultos, preferencialmente os receptOres hormo-
ções, nos EUA e também pelo restO do mundo , foi registrada nais-positivos. O rápido declínio na incidência após os dados
redução das prescrições de TH para mulheres na menopausa. desse estudo sugere que os tumores de mama podem parar de
A prescrição da TH passou a ser mais discutida ames, foram es- progredir ou podem regredir com o término da TH.
tabelecidos riscos e benefícios e feita a opção por esquemas de Algumas considerações devem ser feitas sobre esse estudo
doses mais baixas e por período mais cu rto. A individualização observacional, com nível de evidência 11-2, que teve grande
passou a ser a palavra de ordem ao se pensar em TH. repercussão na literatura médica. Como citado, a redução na
Apesa r da redução da prescrição da TH, as mulheres ar- prescrição de TH após a publicação dos resultados do WHJ,
roladas inicialmente nos estudos clínicos continuaram a se r inicialmente do grupo usando estrogênio conjugado e medro-
monitOrizadas para a obtenção de dados após a interrupção xiprogesterona diariamente, ve rificou-se em termos globais.
do uso dessa terapia. Essa diminuição na prescrição tanto de estrogênio conjugado
Os dados do National Cancer Institute~ Surveillance, Epide- isolado como em associação à medroxiprogesterona passou de
miology and End Results (NCI-SEER) foram coletados de nove 62 milhões em 2000 para 4 7 milhões em 2002 e de 27 milhões
centros ame ricanos de registros de cânce r, que representam em 2003 para 21 milhões em 2004 e 15 milhões em 2005 Se
9% da população americana. A análise desses dados após a o declínio no uso da TH continuou além de 2003, questiona-se
interrupção da TH foi publicada em abril de 2007 por Ravdin por que as taxaS de incidência não se reduziram na mesma
e cols. e mostrou que a incidência de câncer de mama em propo rção em 2004. Outra discussão é se essa redução na in-
mulhe res nos EUA, ajustada pela idade, sofreu redução de cidência se manterá po r longo tempo ou se ocorrerá somente
6,7% no ano de 2003 em comparação com 2002. A principal retardo no crescimento de tumores e, caso seja retomado o uso
redução foi registrada entre meados de 2002 e de 2003, e os da TH, se as taxaS de câncer de mama se elevarão novamente.
dados de 2004 revelam uma leve redução na incidência da Vários autores participaram de um editorial publicado em
doença em relação a 2003. agosto de 2007 questionando a validade dos dados discutidos
Ao se compararem os dados de 200 1 a 2004, obse rva-se por Ravdin e cols., que afirmaram que a redução da TH não pode
uma redução de 8,6% ajustada para a idade, a qual somente ser a única responsável pela diminuição da incidência de câncer
ficou evidente nas mulheres com mais de 50 anos de idade de mama. Segundo eles, outras variáveis, como alterações no
(11 ,8% entre 50 e 69 anos e 11,1% nas com mais de 70), screening mamográfico, alterações demográficas e mudanças no
e nas com menos de 50 anos houve aumento de 1,3% nas eStilo de vida, subgrupo da população estudado, também parti-
taxas de cânce r mamário. A d iminuição ficou mais evidente cipam de maneira interdependente das causas que levariam ao
nas mulheres com tumores receptOres hormonais-positivos aumento ou à diminuição da incidência desse tipo de câncer.
( 14,7%) do que negativos (1,7%) e com tumores prirnãrios Ainda nesse editOrial, Zahl e cols. mostram dados da Noruega
da mama (13, 7%), não sendo significativa para recidivas lo- e da Suécia, em que não houve alteração da incidência dessa
cais ou tumores na mama contralate ral. doença no mesmo período analisado por Ravdin, apesar de ter
Para explicar esse declínio na incidência do câncer de ocorrido diminuição da prescrição da TH. Ravdin e cols. refe-
mama, seguido por relativa estabilidade em taxas mais bai- rem que esse achado pode ser decorrente de características pró-
xas, os autOres descartam falha na coleta de informações do prias do tipo de TH empregado naqueles países ou também de
SEER. Apesa r da redução de 3,2% no rastreamento mamográ- viés estatístico, uma vez que o número de mulheres da base
fico em 2003 comparado a 2000, os autOres relatam que essa de dados norueguesa-sueca pode não se mostrar relevante em
mudança se mostra insuficiente para ser responsabilizada. A termos de estatística para demonstrar essas alterações.
redução no screening somente das mulheres que estavam em Segundo Hersh e cols. a redução na utilização de TH ocor-
reposição hormonal, resultando na d iminuição das taxas de reu principalmente no grupo em uso de estrogênio isolado,
câncer da mama, é uma possibilidade, mas não foram encon- mais do que nas usuárias de estrogênio e progesterona combi-
t rados dados com diminuição importante no rastreamento nados. De acordo com os dados do WHI, o risco de cânce r de
mamográfico nessa população. Ainda segundo os autores, mama não aumenta com estrogênio isolado e, em estudos ob-
uma mudança no rastreamento deveria afetar os tumores re- se rvacionais, esse aumento só se ve rificou com uso por longo
cepto res hormonais-positivos e os negativos, e a redução efe- prazo (lO a 15 anos) e em altas doses. Outro questionamento
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J 384 Seção I Ginecologia

levantado foi como essa redução na prescrição de TH tam- Beral V; Million Women Study Collaborators. Breast cancer and hor-
mone-replacement therapy in the Million Women Study. Lancei
bém ocorreu em outros países, uma vez que a diminuição na
2003; 362:419-27.
incidência de câncer mamário também não foi registrada em Chlebowski RT, Hendrix SL, Langer RD et ai. lnfluence of estrogen
alguns países, tendo o Reino Unido como exemplo, onde as plus progestin on breast cancer and mammography in healthy
taxas desse câncer permanecem estáveis. postmenopausal women: the Women's Health lnitiative Randomi-
Outras duas pesquisas, com dados do Kaiser Pe rmanent zed Trial. JAMA 2003; 289(24):3243-53.
Clarke CA. Recent declines in hormone therapy utilization and breast
Program, relataram a diminuição nas taxas dessa doença em cancer incidence: c linicai and population-based evidence. J Clin
2003 nos EUA. Também encontraram redução na incidência Oncol 2006; 24:49-50.
nas mulheres mais idosas (>70 anos), nas quais é questioná- Cummings SR. The effects of tibolone in older postmenopausal wo-
vel o papel da TH, pois sua utilização se dá em proporções men. New Engl J Med 2008; 359:697-708.
Fahlén M, Fornander T, Johansson H et ai. Hormone replacement
muitO baixas nessa faixa etária. No estudo de Glass e cols.
therapy after breast cancer: 1O year follow up of the Stockholm
houve declínio na incidência de tumores receptores de es- randomised trial. Eur J Cancer 2013; 49(1):52-9.
trogênio-negativos, com taxas de 24 po r 100 mil em 2002 Fournier A, Fabre A, Mesrine S et ai. Use of d ifferent postmenopausal
para 16,1 por 100 mil em 2006. Os auto res não encontraram hormone therapies and risk of histology - and hormone receptor-
defined invasive breast cancer. J Clin Oncol 2008; 26(8):1260-8.
explicação para essa diminuição.
Glass AG. Breast cancer incidence, 1980-2006: combined roles of
menopausa! hormone therapy, screening mammography and es-
CONSIDERAÇÕES FI NAIS trogen receptor status. J Clin Cancer lnst 2007; 99:1152-61.
Hersh AL. National use of pot-menopause hormone therapy: annual
Os resultados encontrados em todos esses estudos popu- trends and response to recent evidence. JAMA 2004; 291 :47-53.
lacionais e observacionais que correlacionam o uso de TH Kenemans P, Bundred NJ, Foidart JM et ai. Safety and efficacy of
com a incidência de cânce r de mama são muito importantes tibolone in breast-cancer patients with vasomotor symptoms: a
e relevantes, mas as conclusões para a prática clínica devem double-blind, randomised, non -inferiority trial. Lancei Oncol
2009; 10(2):135-46.
ser tomadas com cautela. Todos os estudos revelam contro-
Kliewer EV, Demers AA, Nugent ZJ. A Decline in breast-cancer inci-
vérsias - estatísticas, demográficas, tipo e tempo de TH, entre dence. N Engl J Med 2007 Apr 19; 356( 16): 1670-4.
outras. Não existe qualquer subgrupo de mulheres que este- Pines A. IMS reaction to recent breast cancer data. Climacteric 2007;
ja imune aos riscos da doença e que possa receber TH sem 10:9-10.
questionamentos. Cada vez mais a prescrição da TH deve se r Ravdin PM. The decrease in breast cancer in 2003 in United States.
New Engl J Med 2007; 356:1670-4.
questionada e racionalizada, considerando-se os riscos e os Reeves GK, Beral V, Green J, Gathani T, Buli D. Million Women Study
benefícios para cada mulher. As pesquisas seguem observan- Collaborators. Hormonal therapy for menopause and breast-can-
do as mulheres em uso ou não de TH e fazendo o screening cer risk by histological type: a cohort study and meta-analysis.
conforme os protocolos regionais ou institucionais. A publi- Lancei Oncology 2006; 7:910-8.
Rossouw JE, Anderson GL, Prentice RL et ai. The Writing Group for
cação dos resultados de estudos futuros certamente estimula- the Women's Heath lnitiative lnvestigators (WHI). Risks and bene-
rá ainda mais a discussão sob re o tema e está sendo aguarda- fits of estrogen p lus progestin in healthy postmenopausal women:
da para que sejam obtidas info rmações corretas, com desvios principal resulls from the Women's Health lnitiative randomized
minimizados, necessárias para se elucidar mais uma etapa na controlled trial. JAMA 2002; 288(3):321-33.
Sellers TA, Mink PJ, Cerhan JR et ai. The role of hormone replace-
associação de TRH com o câncer de mama.
ment therapy in the risk for breast cancer and total mortality in wo-
men with a family history of breast cancer. Ann lntern Med 1997;
Leitura recomendada 127(1 1):973-80.
Beral V, Buli O, Reeves G; Million Women Study Collaborators. En- Von Schoultz E, Rutqvist LE; Stockholm Breast Cancer Study Group.
domelrial cancer and in the Million Women Study. Lancei 2005; Menopausa! hormone therapy after breast cancer: the Stockholm
365: 1543-51 . Randomized Trial. J Natl Cancer lnst 2005; 97(7):533-5.
CAPÍTULO

Terapia Hormonal
e Doença Cardiovascular
Mareio Alexandre Hipólito Rodligues
C1istiana Fonseca Beaumord

INTRODUÇÃO travam normais. Essas alterações lipfdicas desfavoráveis fo-


A doença cardiovascu lar (DCV) é a principal causa de ram confirmadas em outro estudo realizado em mulheres na
morte em mulheres em todo o mundo. Os principais fatores pós-menopausa. Os nlveis médios plasmáticos de colesterol
de risco para essa doença incluem tdade, hipertensão a rte- total, LDL e triglicerldeos estavam acima do recomendado
rial, dislipidemia, diabetes mellitus, hLStória familiar de doença em 57,2%, 79,2% e 45,1% das mulheres, respectivamente,
cardiovascular precoce, tabagismo, sedentarismo, obesidade enquanto os níveis de HDL estavam baixos em 50,8% das
e má alimentação. Os novos fatores de nsco incluem história pesquisadas.
de gravtdez comphcada por pre-eclãmpsia, diabetes gestacio- A slndrome metabóhca, cuja abordagem é mutto tmpor-
nal ou htpertensão. tante quando se avaha o nsco cardio,·ascular, é conceitua-
Durante os anos reproduuvos, as mulheres estão protegidas da como um conJunto de alterações que mcluem obeSida-
da doença anenal coronanana (DAC), e entre os fatores que de abdominal, dishptdemta, aumento nos nlveLS pressóricos
promovem essa stgmficatt\'ll proteção estão nh·eis mais eleva- e da glicemia e htpennsuhnemta, os quats silo considerados
dos da hpoprotelna de alta denstdade (HDL-c) na menacme, fatores de risco para DAC. Em estudo pubhcado recentemen-
um efeito dos estrogemos sobre o flgado. Em relação ãs li- te constatou-se que a slndrome metabóhca acarretou aumen-
poprotelnas de baixa denstdade (LDL-c), verificam-se baixos to significativo do nsco de monahdade, pnnctpalmeme em
valores nas mulheres na pré-menopausa em relação aos ho- mulheres na pós-menopausa, mas não aparente em mulheres
mens, embora aumentem rapidamente após essa fase. Os au- na pré-menopausa.
tores do estudo de Melbourne, após anáhse de vários fatores Os objetivos da terapia hormonal (TH) silo a redução dos
de risco cardiovascular, informaram que o HDL-<: foi o único sintomas decorrentes da deficiência estrogenica (fogachos,
a sofrer mudança em relação à menopausa, com acentuada insônia, letargia e alterações do humor, como depressão), o
redução em seus valores ocorridos no fim do primeiro ano tratamento da atrofia uroge nital e do ressecamento vaginal e
após a data da última menstruação (DUM). Mudanças em ou- a prevenção de osteoporose. A escolha da melhor opção para
tras frações lipld icas, na pressão arterial e no lndice de massa esse tratamento deve respeitar alguns aspectos que irão inter-
corporal (IM C) fo ram relacionadas com o aumento da idade. ferir nos resultados, incluindo j anela de oportunidade (Liming
Portanto, após a menopausa, os valores de LDL-c aumentam hypothesis), principais indicações, escolha da via de admi-
com tendencia a apresentar partfculas meno res, mais densas nistração, escolha do esq uema terapêutico, contraindicações
e potencialmente mais aterogên icas, enquanto os nfveis de ao uso da TH e duração do tratamento. Recente publicação
HDL-<: diminuem. aponta para as segu intes considerações que afetam a razão
Para alguns, o fator preditivo mais forte para DAC em mu- risco-benefício da TH: lipo de TH (terapia estrogi!nica [TE] x
lheres é o nfvel baixo de H DL-c. O decréscimo de 1Omgldl terapia estroprogestínica [TEP]), tipo de progestogênio, tera-
dessa lipoprotefna aumenta em 40% a 50% o risco da doen- pia oral x transdérmica e idade e tempo de menopausa.
ça cardfaca coronanana (OCC). Estudo recente demonstrou
perfil hpfdico desfavorá,•el em mulheres na pós-menopausa. FISIOLOGIA DA MENOPAUSA
Os valores de LDL-<: e colesterol total esta,·am acima do nor- As mulheres nascem com sua população de oócttos com-
mal , enquanto os nlvets de H DL-c e tngltcerfdeos se encon- pleta e, durante a menacme, esses oócttos silo gradualmente

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J 386 Seção I Ginecologia

depletados mediante o processo de ovulação e atresia. O nú-


mero decrescente de oódtos leva à secreção de menor quan-
tidade de mibina B, d1mmuindo o feedbach negativo sobre a
secreção do hormônio [ollculo-estimulante (FSH). Os nlveis
mais elevados desse hormômo determinam ma1or recruta-
mento rohcular e perda acelerada de rotrculos com manuten-
ção dos nh·e1s de estrad10l durante a rase imc1al da menopau- Artéria normal
sa. Em vmude da perda rohcular, ocorre resposta O\'ariana
variã,·el aos nlveiS de FSH, ocasionando grande flutuação nos
nh·eis de estrogemo. Mesmo com nh•eis elevados desse hor-
mônio, a resposta o,·anana dechna à medida que ocorre de-
pleção completa rolicular e dimmuem os nlveis de estrogênio.
O per!odo da pós-menopausa é caracterizado hormonalmen-
te por FSH elevado e estradiol baixo (Figura 48.1).

Figura 48.2 Patogênese da aterosclerose.


PATO GÊNESE DA ATEROSCLEROSE (FIGURA 48.2)
A aterogênese consiste na sequ~ncia progressiva de sobre- A pressão arterial (PA), o principal [ator na indução de lesão
posição de rases com [atores caracterlsticos que influen- endotelial, desempenha um papel na proli[eração do músculo
ciam cada etapa. Os estrogên ios e, em menor grau, os pro- liso arterial e no espessamento ela parede arterial. Alguns es-
gestogê nios demonstraram influenc iar [ato res envolvidos tudos demonstraram redução da PA com a TH pela via trans-
em cada etapa do processo aterogtn ico. Os estrogê nios dérmica e não pela oral.
melhoram a vasodilatação mediada pe lo fluxo e a compla- A lipoprotelna A (Lp la]) é [ração lipldica que contribui
cência arterial, enquanto os progestogenios podem exe r- para o risco de DCV, independentemente dos nlveis de LDL
cer ação contrária. Os estrogênios aumentam a atividade e HDL. A TH na menopausa tem sido associada à redução
da óxido nltrico-sintetase, podendo ter ação indireta via dos níveis de Lp(a) , ressaltando-se que a via oral teria maior
dei tos inibidores na AOMA (asymmetric dimethyl arginine), impacto na redução do que a transdérmica.
derivado de aminoác1do produz1do por lesão da célula en- A [armação da placa ateromatosa se deve à deposição de
dotelíal , que 1mbe a óx1do nltrico-sintetase. As mulheres lipídios na parede arterial. Durante esse estágio, mlcrocris-
na pós-menopausa apresentam nh•eis elevados de ADMA, tais de colesterol e ésteres de colesterol onundos de partlculas
e a TE reduz esses nlve1s. A TE por via oral parece ser mais circulantes de lipoprotelnas se acumulam nos loca1s da lesão
potente na redução dos nlve1s de ADMA do que por via endotelial e são [agoatados por macrófagos. A progressão da
transdérm1ca. placa ateromatosa pode ser reduz1da pelo HDL-c v1a trans-
porte in\'erso dos hpldiOS da parede artenal para o rrgado. Os
DepleçAo de oócotos estrogênios reduzem tanto o colesterol total como o LDL e
aumentam o HDL.
Os deites do estrogemo oral sobre [atores trombólicos,
antitrombóticos e Eibrinolrticos [avorecem a trombose e, por-
.J. Secreçao de inobona B
tanto, poderiam aumentar o risco de um evento de DCV. isto
é, provavelmente em razão das ações de primeira passagem
hepática de elevadas concentrações de estrogen ios no fíga-
.J. Feedback negativo ovariano sobre FSH do após a absorção para a circulação portal. Esses e[eitos são
muito reduzidos ou estão ausentes quando o estrogênio é ad-
ministrado por via não oral.
1' FSH
JANELA DE OPORTUNIDADE
A expressão janela de oportun idade en[atiza que alguns
t Recrutamento fohcular riscos da TH (particularmente DCV) são reduzidos, e os be-
ndícios são potencialmente aumentados quando essa terapia
é realizada nos primeiros anos pós-menopausa em mulheres
Acelera a perda fohcular mais jovens.
O estudo Womens Health lnitiative (WHI) tem sido con-
siderado o ponto-chave de toda a hiStória da TH. Antes, vá-
.J. EstrogêniO rios outros estudos observacionaiS demonstraram redução de
35% a 50% em DAC nas usuánas de TH quando comparadas
Figura 48.1 Fosoologoa da menopausa. às não usuárias. No Nurses Health Study, em que mulheres
r
((

Capitulo 48 Terapia Hormonal e Doença Cardiovascular 387

Quadro 43.1 Nurse"s Hea/lh Srudy proteinase 9 (Ml\1 P-9), no caso de estrog~nios por '~a oral e
TE próxima à menopausa- RR: 0,66 (IC 95%: 0,54 a o.eo) - fatores trombóucos e trombolíticos, podem promo,·er a rup-
reduçào s.gnificativa nos eventos por DCV tura de uma placa previamente estabelecida e a trombose , de-
TE ~1 Oanos de PM - RR: 0,87 (IC 95%: 0.69 a 1.10) - reduç1lo n1lo terminando aumento na isquemia e infarto precoce no curso
sign,hcauva do tratamento.
TEP ~10 anos de PM- RR: 0,90 (IC 95%: 0.62 a 1,29) - reduç1lo não Um reanálíse dos resultados do WH! sustenta essas hipóte-
significativa
ses, tendo os autores observado uma tendência pouco signifi-
cativa de redução do risco de DCV em mulheres com menos
de 10 anos de pós-menopausa em uso de terapia estroproges-
saudáveis foram avaliadas por longo perfodo de tempo. o tinica e proteção no grupo de mulhe res entre 50 e 59 anos de
risco relati,•o de algum evento coronariano para as usuárias idade em uso de TE (Quadro 48.2). Finalmente, após inter-
regulares de TH foi menor {Quadro 48.1). rupção do estLtdo \VHI , entre as mulheres que conunuaram
Importante caracterisúca dos estudos obsen"actonais diz res- a terapia (7,4 anos de tratamento e 1,3 ano após completar o
peno à seleção das mulheres parúcipames, que eram maiS jovens no,·o ensaiO), a calcificação coronariana foi sigruficau'"amente
e, em geral, sem fatores de risco para DCV, em comparação aos menor naquelas sob TE quando comparadas àquelas do gru-
grandes estudos randomizados e controlados, como o \ VH1 e o po placebo.
Hem I and Estrvgen!Progestin Replacement Study (HERS). O HERS A metanálise (Figura 48.3) de 23 estudos cllmcos ran-
foi desenhado para avaliar a prevenção secundária em mulhe- domizados com 39.049 mulheres (191.340 mulheres/ano
res na pós-menopausa que tinham histórico de DAC, utilizando e m segu imento) mostrou risco relativo de 1,03 (IC 95%:
estrogenios equinos conj ugados (EEC) na dose de 0,625mgl 0,91 a 1,16) para DCC associada à TH em mul heres com
dia associados ao acetato de medroxiprogesterona (AMP), na mais de 60 anos de idade e com mais de lO anos de pós-
dose de 2,5mgldia. já o WHI, com desenho diferente, analisou -menopausa. No entanto, quando foram analisadas as com
a prevenção primária de DCV em duas grandes pesquisas: uma menos de 60 anos e menos de 10 anos de pós-menopausa,
em que se utilizaram EEC e AMP nas mesmas doses do HERS observou-se redução de 32% no risco de DCC ( RR: 0,68;
e a outra consutulda de mulheres hlSterectomtzadas em que se IC 95%: 0,48 a 0,96).
empregou somente EEC. Neles se constatou aumento do risco No Danish Osteoporosis Prt:vt:ntion Study (DOPS- Quadro
de DC\1, dtferentemente dos estudos observacionalS. 48.3), 1.006 mulheres entre 45 e 58 anos de tdade foram
Essa diferença entre os resultados benéficos da TH nos es- rand01ruzadas e receberam placebo ou acetato de noretis-
tudos observacionais e o risco elevado nos estudos randomi- te rona associado a estradiol (não histerectom!Zadas) ou
zados intrigou vários autores e sociedades médicas. A partir estradiol 2mgldia (histerectomizadas). Após lO anos de
desse questionamento, foi realizada uma reanálise do WHI, seguimento, as mulhe res (recente mente pós-menopausa-
estralificando-se as pacientes por faixa etária e tempo de pós-
menopausa. O resultado encontrado foi o de que a TH ini-
ciada precocemente (com poucos anos de pós-menopausa) Quadro 48.2 Estudo WHI após fase de intervençao
reduz a progressào da arteriosclerose, os eventos cllnicos de 11 anos de seguimento (7 anos de randomização e
DAC (infarto do miocárdio não fatal ou silencioso) e a taxa de 4 anos pós-intervenção)
mortalidade total. Entre as mulheres com menos de 1O anos Mulheres entre 50 e 59 anos de idade em uso de EEC
de pós-menopausa, o risco relath·o para DCC fot de 0,76 (I C DCC RR: 0.59 (IC 95%: 0.38 a 0.90)
95%: 0,50 a 1,16) e para aquelas com maiS de 20 anos de IAM RR: 0.54 (IC 95%: 0.34 a 0.86)
pós-menopausa foi de 1,28 (!C 95%: 1,03 a I ,58). O excesso Mortalidade total RR: 0,73 (IC 95%:0.53 a 1.00)
de risco absoluto para DAC estimado para mulheres com me-
nos de 10 anos de pós-menopausa fot de seis casos por 10 mil
mulheres/ano, porém para aquelas com mais 20 anos de pós- Coronariopalia
menopausa foi de 17 novos casos por 10 mil mulheres/ano.
Os auto res conclulram que as mulheres que iniciam a TH Todas as idades 0,99 (0,88 a 1,11)
nos primeiros anos de pós-me nopausa tendem a apresenta r
>60 anos
redução do risco de DCC, ao contrário daquelas que iniciam > 1O anos após a menopausa
a TH vários anos após esse per!odo. 1,03 (0,91 a 1, 16)
<60anos
As dtferenças entre os resultados dos estudos obsen'llcio- < 10 anos após a menopausa
natS que selecionaram mulheres mats jo,·ens e com menos
tempo de pós-menopausa e os do WHI reforçam a htpótese 1--0---1 0,68 (0.48 a 0.96)

da Janela de oportunidade. Esta afirmação se deve em pane à


ação dos estrog~nios nos lipídios, endotélio, fatores de adesi-
o 0,50 1,0 1,5 2,0

vidade e fatores anti-inflamatórios, os quats podem retardar R1sco relativo (IC 95%)

o desenvolvimento da placa aterosclerótica. Além d isso, os Figura 48.3 Metanálise de estudos clínicos randomizados - Risco
efeitos dos estrog~nios sobre a secreção da matriz de metalo- rela1ivo para DCC associada à TH.
/"
)/:
I 388 Seção I Ginecologia

Quadro 48.3 Danish Osreoporosts Prevemion Srudy(DOPS) VIA DEADMINISTRAÇÃO E DOENÇA


Estudo clinico longitudinal. randomtZado. prospectivo CARDIOVASCULAR
1.006 mulheres 50 anos (45·58) - 7 meses pós-menopausa A TH pode ser administrada pelas vias oral e não oral. Pela
17p-estradiol asSOCiado ou nao ao acetato de notetiSierona-
regime sequencial oral é administrada na forma de drágeas ou comprimidos e pela
Após 1O anos de rsndomlz.açio
não oral na forma de adestvos colocados sob a superfloe cutânea
(t.ransdérrnicos), gd aphcado sobre a superflcte cutânea, tmplan-
IAM/mO(Ialidade/falêncoa cardiacll RR. 0.48 (IC 96%: 0.27 a 0.89)
te colocado na subderme, na forma de creme ou óvulos vagi-
Morllllidade tollll RR. 0.57 (IC 96%: 0.30 a 1.08
nais e dispositi\'O mt.rautenno hberador de levonorgestrel. Para
Apõs 16 anos de rsndoml:zaçio a escolha da via de adminiStração, uma imponante questão está
-,...-
IAMhnortalidade/falência cardiaca RR. 0.61 (IC 96%:0.39 a 0.94) reladonada com a \'ia oral e o fenômeno da "pnmetra passagem
Mortalidade total RR. 0.66 (IC 96%: 0.41 a 1.08) hepática". Quando o hormônio é adminiStrado por via oral, é
absor.~do no tubo digestivo, atinge o SIStema pona e chega ao
figado. No flgado é metabolizado e, por sua vez, exerce influên-
das) sob TH apresentaram redução significativa no risco cia no metabolismo hepático. Somente após essa etapa chega à
de mortalidade, insuficiencia cardlaca e infarto agudo do circulação sistêmica. Em relação às influencias no metabolismo
miocárd io (IAM), sem qualquer aumento aparente no risco hepático, são citados o aumento dos fatores de coagulação, como
de câncer, tromboembolismo venoso ou acidente vascu lar aumento da resistência para a ativação da protelna C, um anti-
cerebral (AVC). coagulante natural, alterações no metabolismo lipldico (aumento
Em recente estudo desenhado para testar especificamente do HDL-<:, diminuição do LDL-c e aume1110 dos triglicertdeos) e
a janela de oportunidade da TH pós-menopausa, o Early estímulo no sistema renina-angiotensina-aldosterona.
versus Late lntervention Trialwith Estradio/ (ELITE), os dados Um estudo no qual foi utilizado estrog~nio por via oral em
demonstraram que a TE por via ora l foi associada a menor baixas doses relatou aumento da librinólise (diminuição do ini-
progressão de arteriosclerose subcllnica (medida como es- bidor do alivador do plasm inogenio tipo 1 IPAl-1) e aumento
pessura Intima-média carotldea), comparada com placebo, do dímero D), além de ter determinado pequeno decréscimo
quando a terapia foi iniciada até 6 anos pós-menopausa, em fatores pró-coagulan1es (fibrinogenio, fator VIl, fragmentos
mas não quando iniciada I Oanos ou maiS após a menopau- da protrombina I e li e o complexo trombina-anutrombtna Ill)
sa (Figura 48.4). e aumento da resistência à protelna C auvada.
Esse fenômeno não acontece por vta não oral, não de-
monstrando alterações nos nlvetS de tnghcerldeos, na pro-
1,00 teína C reativa e na SHBG e apresentando pequeno efeito nos
- Pós-menopausa tardia - Placebo
níveis pressóricos.
--- Pós-menopausa tard~a - Estradd
0.96 O estudo Estrogen and Thromboentboi1Sm Rlsh (ESTHER).
- ..... Pós-menopausa precoce - Placebo
- Pós-menopausa precoce - Estradool de caso-controle e multictntnco, real12ltdo de 1999 a 2005 na
0.00 França, demonstrou que a \'13 oral e não a t.ransdénntca este'-e
associada a risco elevado de uomboembolismo \-enoso com risco
-E
0,85
relativo de 4,2 para via oral e de 0,9 para a não oral. Esse estudo
-....
E
::;; 0,80 -- ----
..........................
é corroborado pelo trabalho de Canonico e cols., que também
mostrou, com base no seguimento de 80.308 mulheres na pós--
......
(.)
............ • • • • o . . . . . . o ......
menopausa pelo perlodo de lO anos, que o estrogênio transdér-
0,75
rrúco não esteve associado a maior risco de tromboembolismo
0,70
venoso (TEV) (RR: 1,1; !C 95%: 0,8 a l ,8), quando compara-
do com as não usuárias, enquanto houve aumento de risco nas
0.85
usuárias de estrogênio por via oral (RR: 1,7; IC 95%: 1,1 a 2,8).
0,00
o 1 2 3 4 5 6 TIPO E DOSE DE ESTROGÊNIO E DOENÇA
Anos CARDIOVASCULAR
N.• de participantes O estradiol pode ser utilizado por via oral ou transdérmi-
ca (gel ou adesivo), os EEC, por via oral e vaginal , e o estriol
Com dados do CIMT 643 533 522 515 424 295 56
e o promestrieno, pela via vaginal. Quanto à via vaginal,
Com estudo o 106 119 128 215 345 582 sabe-se que a absorção sistemica do eslriol é reduztda e a do
in1eff01'11ltdo ou
CXlll'pielado promestrieno é desprezlvel. A NAMS e outras sociedades,
como a Sociedade Brastleira de Chmaténo (SOBRAC), re-
Com dados do CIMT o 4 2 o 4 3 5
comendam o uso da mfmma dose efettva. No Quadro 48.4
Figura 48.4 Progressão da espessura lnbma-média carotídea de são apresentadas as doses de estrogenio utihzadas na TH na
acordo com o tempo de pós-menopausa e o uso da TH. pós-menopausa.
r
((

Capítulo 48 Terapia Hormonal e Doença Cardiovascular 389

Quadro 48.4 Doses de estrogênios utilizadas na TH pós-menopausa endométrio. Os progestogênios uulízados em TH podem ser
Dose administrados de manetra continua ou clclica. Na continua
Bai xa Padrão
são usados durante todo o mes assoc~ados ao estrogênio e,
na dclica, durante 12 a 14 dias por mês com sangramento de
EEC (via oral) 0,3mg 0.625mg
privação. Vários upos de progestogêmo podem ser usados na
Estradool mocr0111z.ado (1118 oral) O.Smg 1 a 2rng TH (Figura 48.5).
Eslradool adesivo 251!9 50!t9 ~o Quadro 48.6 são encontradas as doses com seus res-
Eslradool gel 0.5a0,75mg 1 a 1,5mg pecu,·os esquemas. No estudo ESTHER, os autores ''erifi-
caram que a uubzação da progesterona mtcromzada e dos
progestogênios denvados do pregnanoJ fo1 maiS segura em
Estudo de caso-controle realizado em população do Estado relação ao risco de trombose venosa do que a de derivados
de Washington sugenu risco aumentado de TEV em mulhe- 19 no r-pregnanol.
res na pós-menopausa usando EEC por via oral (RO: 2,08; A função endotelial normal mediada pelo óxido nítrico é
IC 95%: 1,02 a 4,27), comparadas com as que utilizavam fundamental para um SIStema cardiovascular normal. Pou-
17~-estradiol. cos estudos analisaram a função endotel ial após doses fisio-
Em estudo observacional realizado com mulheres utilizan- lógicas de estradiol isoladamente ou associado aos d iversos
do TH, os autores observaram que as usuárias de EEC apre- progesLOgênios. Em estudo com mu lheres oofo rectomizadas
sentaram risco maior de TEV do que as que usavam estradiol, tratadas com estradio l associado a AM P ou d ienogeste os
ambos por via oral. Quanto ao IAM e ao AVC isquêmico, o resultados foram d iversos. O AMP evitou, mas o dienogeste
risco relativo estimado foi similar ao encontrado para o TEV, p romoveu a me lhora da vasod ilatação. A adesão de monóci-
porém sem signilicância estatlstica (Quad ro 48.5). tos às célu las endoteliais é etapa inicial 110 desenvolvimemo
da arteriosclerose. Em estudo com estradiol, AMP. progeste-
TERAPIA HORMONAl X DIABETES MELLITUS rona, acetaLO de norestisterona, levonorgestrel ou didroges-
Grandes estudos clln icos randomizados demonstraram que terona, estando o estrad iol associado ou não ao progestogê-
a TH reduz o diagnóstico de novos casos de DM tipo 2, embora nio • somente o AM P aumentou a adesão dos monócitos às
nenhuma seja indtcada para prevenção do d iabetes. Entre as células endoteliais.
pacientes que receberam tratamento no braço combinado do
estudo '\IVHI (EEC + AMP) fo1 observada redução estatistica- TIBOLONA NA TERAPIA HORMONAl
mente sigruficativa (21 %) na mctdência de DM tipo 2, o que A tibolona é um esterotde sintético denvado da 19-nor-
impbca 15 casos a menos por I O mil mulheres/ano de trata- testosterona aprovado para o tratamento dos smtomas meno-
mento (RR: 0,79; IC 95%: 0,67 a 0,93), e no estudo HERS pausais na Austráha, na Europa e no BrasH. Metabohzada em
Coram encontrados resultados semelhantes (RR 0,65; IC 95%: dois metabólitos com afimdades pelo receptor de estrogenio
0,48 a 0,89). No braço do estudo \VHI em que as pacientes re- - 3a e 3~ - e um lSÕmero 64 com alimdade pelos receptores
ceberam EEC ISOlado houve dtmmuição de 12% na incidência de progesterona e de androgêmo, a ubolona dimmui os nl\•eis
de no,·os casos de DM upo 2, ou seja, 14 casos a menos por 10 da SHBG e aumenta os nlvelS Circulantes da testosterona li-
mil mulheres/ano de terapia (RR: 0,88; IC 95%: 0,77 a 1,01). vre, uma ação adictonal androgêmca. Uuhzada nas doses de
Não há evtdências adequadas que recomendem a TH para 2 ,5mgldia (padrão) e 1,25mgldta (baLXa dose) por via o ral,
prevenção primána de DM tipo 2 na peri e pós-menopausa. alivia os sintomas vasomotores e melhora a atrofia urogenital,
Entretanto, algumas mulheres diabéticas, depois de cuida- reduz significativamente a incidência de fraturas vertebrais e
dosa avaliação de risco de DCV, J>Odem ser ca ndidatas à TH, não vertebrais em mulheres com mais de 60 anos de idade e o
preferencialmente usando a via transdé nnica e progeste rona risco de câncer de mama, em mulheres pós-menopausadas, e
micronizada ou ou tro progestogê nio metabolicamente me- de câncer de cólon, eslá associado a risco de AVC em mulhe-
nos ativo. res idosas, mas não em mulheres jovens, não aumenta o risco
de DAC ou tromboembolismo venoso nem induz hipe rplasia
TIPOS OE PROGESTOGÊNIO E TERAPIA HORMONAl ou carcinoma de endométrio e melhora o bem-estar sexual
Em mulheres não histerectomizadas é necessária a adição em mulheres pós-menopausadas que se apresentam com re-
de progestogênio para prevenção de hiperplasia e cânce r de dução da libido.

Quadro 48.5 Risco de trombose venosa. infarto do miocárdio e AVC isquêmico associados ao uso de EEC comparado com estradiol O<al

Eatradlol EEC Referência ao uso EEC - ri sco relaUvo


Evento trombose
J-
venosa Caso Controle Caso Controle de estradlol ajustado (IC 95%) Valor de P
Infarto do moocârdoO 29 t14 39 87 1 [Relerênciaj 2.08 ( 1.02 a 4.27) 0.45
lsquema 29 114 38 87 1 (Relerênciaj 1.87 (0.91 8 3.84) 0,9
23 114 25 87 1 (Relerêrocia) 1,13 (0.55 8 2.31) 7,4
/.

'
'/
J 390 Seção I Ginecologia

NATURAIS
PROGESTERONA
(encontrados na natureza)

Estruturalmente
SINTÉTICOS
relacionados com a
(síntese em laboratório)
progesterona
Estruturalmente Estruturalmente
relacionados com a relacionados com a
testosterona espironolactona

DERIVADOS DA 17a-OH P DERIVADOS DA 19·NOR P ESTRANOS (C18) GONANOS (C17)


(pregnanos) (norpregnanos)

AMP Acetato de nomegestrol Noretisterona levonorgestrel


Acetato de megestrol Trimegestona Noretinodrel Desogestrel
Acetato de ciproterona Promegestona Linestrenol Norgestimato
Acetato de clormadinoma Nesterona Acetato de norebsterona Gestodeno
Medrogestona Ebnodiol
Otdrogesterona D.enogeste
I Orospirenona
I
Figura 48.5 Classificação dos progestogênios.

Quadro 48.6 Tipos de progestogênio e doses utilizadas nos • Não existem estudos sobre o risco cardiovascular com o
regimes de TH
emprego de testosterona ou de outros and rogênios em as-
Dose utilizada (mg/dla) sociação à te rapêutica com estrogênios isolados ou estro-
Regime Regime progestínica.
Progestogênlo sequenclal continuo • Não existem estudos sobre DCV com desfecho clínico para
Progesterona micronizada 200 a 300 100 te rapêutica hormonal de dose baixa e tibolona.
Acetato de medroxiprogesterona 5 a 10 2.5 • Há evidências de que TH realizada com EEC e AMP em mu-
Acetato de ciproterona 1 - lheres com DCV prévia aumentou o risco de eventos tardio-
vasculares no primeiro ano de uso (nível de evidência A).
Acetato de nomegestrol 5 2.5
• Não existem estudos que ofe reçam conclusões definitivas e
Noretisterona 1 0,5
que tenham avaliado os efeitos da TH com outras formula-
Levonorges!fel 0,75 - ções ou vias de administração em mulheres menopausadas
Didrogesterona 10 5 com DCV prévia.
Drospirenona - 2
Trimegestona 0,5 0,125 l eitura recomendada
Brinton EA. Hodis HN. Merriam GR, Harman SM, Naftolin F. Can
menopausa! hormone therapy preveni coronary heart disease?
Trends in Endocrinology and Metabolism 2008; 19(6):206- 12.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Canonico M, Fournier A, Carcaillon L et ai. Postmenopausal hormone
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30:340-5.
• Em mulheres saudáveis sem DCV há evidências de be-
Canonico M, Oger E, Plu-Bureau G et ai. Hormone therapy and ve-
nefícios cardiovasculares quando a TH é iniciada em fase nous thromboembolism among postmenopausal women. lmpact
precoce da transição menopausa!, na chamada janela de of lhe route o f estrogen administration and progestogens: The ES-
oportunidade (nível de evidência A). THER Study. Circulation 2007; 115:840-5.
• Há aumento do risco de DCV quando iniciada em [ase tar- Consenso Brasileiro de Terapêutica Hormonal da Menopausa, 2014.
Disponível em: http:{Jwww.menopausa.org.br{.
dia da transição menopausa!, [ora da janela de oportunida-
Guthrie JR, Dennerstein L, Taffe JR, Lehert P, Burger HG. The menopau-
de, ainda que o único estudo randomizado tenha avaliado sa! transition: a 9-year prospective population-based study. The Mel-
apenas um tipo de estrogênio e progestOgênio (nível de bourne Womer1's Midlife Health Project. Climateric 2004; 7:375-89.
evidência A) Harman SM. Menopausa! hormone treatment cardiovascular d isea-
se: another look at na unresolved conundrum. Fertil Steril 2014;
• Não existem evidências que justifiquem o emprego da TH
101 :887-97.
em mulhe res saudáveis e assintomáticas com a única fi - Hodis HN, Mack WJ, Henderson VW et ai. Vascular effects of early
nalidade de reduzir o risco de DCV durante o período do versus late postmenopausal treatment with estradiol. N Engl J
climatério (nível de evidência A). Med 2016; 374:1221 -31 .
r
((

Capítulo 48 Terapia Hormonal e Doença Cardiovascular 391

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CAPÍTUL O

Osteoporose e Osteopenia
Bruno Muzzi Camargos

INTRODUÇÃO redução da capacidade ventilatória, deslocamento do centro


Alem de sustentação dos músculos e proteção das vlsce- de gravidade e propensão a quedas, constipação intestinal ,
ras, o esqueleto e uma importante reserva de cálcio e também dor e limitação para o desempenho das atividades diárias.
o local onde ocorrem processos endócrinos, imunológicos e
hematopoéticos. Exames de imagem
Radiografia
Estima-se a necessidade de maiS de 30% de perda de massa
CONCEITO
óssea para que a alteração \'lSUal seJa percepth-el à rad1ografia
A deftrução de osteoporose, estabelecida em 1947 pelo en-
com·enàonal. A rad1ografia é úul para o dtagnósuco de fraturas
docrinologista Fueller Albnght, é a segumte: "a osteoporose
de corpos ,-enebrais. O estudo rad1ográfico das colunas toráci-
é manifestada por reduztda quanudade de osso qualitativa-
ca e lombar é o e.xame especifico a ser sohcllado e d1fere da ra-
mente normaL"
diografia de tórax em perfil, reahzada com finahdades dtversas.
Mais tarde, esse conceito passou a mcorporar novos parâ-
A expressão osteopenta dJfusa, que faz refertncta à rarefação
metros da quabdade óssea com a segumte defimção: "doen-
do trabeculado ósseo, vista à rawografia, é empregada usual-
ça esqueléuca sisU!mtca caractenzada por batxa massa ós-
mente por radiologistas e não define o grau de comprometi-
sea e deterioração da mtcroarquuetura do tecido ósseo com mento do tecido ósseo. Por essa razão, não é capaz de estimar
consequente aumento da fragthdade óssea e suscetibilidade
com precisão o risco de fratura. Sempre que houver sinais que
a fraturas." possibilitem caracterizar essa osteopenia, recomenda-se a com-
Os densitômetros centrais são aparelhos capazes de avaliar
plementação diagnóstica por densitometria.
a massa óssea da coluna e do femur, além de estimar o risco
densitometrico de fratura de determinado paciente. A Or- Tomografia computadorizada {TC) e ressonância
ganização Mund ial da Saúde (OMS) inclu iu na defi nição de magnética (RM)
osteoporose os resultados d o exa me de densitometria óssea
Exames de imagem complementares são úteis para o es-
(DXA) central a partir ele 1994 com o intuito de d iagnosticar
tudo em caso de suspeita de neoplasia, an1·osc e outras al-
pacientes antes mesmo que outra fratura possa te r surgido. te rações não evidenciáveis pela rad iografia convencional. A
aplicação de tais métodos depende de ind icação especifica
DIAGNÓSTICO por caso.
As posslveis causas e a real extensão da doença devem ser
pesquísadas antes de ser iniciado o tratamento, podendo ser Tomografia computadorizada quantitativa (QCT)
reavaliadas ate mesmo no curso de qualquer tratamento. Apesar da imagem tnd1mens1onal, o método não é recomen-
dável como método de rastreio populacional da osteoporose
Exame físico em virtude da alta dose de raios X. A análiSe de tomografias ob-
A presença de h1perctfose toráCICa ou redução da estatura tidas com outra finabdade dtagnósuca pode ser uma rrtaneira
sugere o achatamento de corpos ,·ertebrais. A redução da es- de se contornar a questão referente à dose emlllda. O método
tatura pode agravar cond1çôes como refluxo gastroesofágico, pode ser útil no acompanhamento de casos tndlvtdua•s.

392
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Capítulo 49 Osteoporose e Osteopenia 393

Tomografia computadorizada de alta resolução Exames bioquímicas


(HR-pOCT) Os exames bioquímicos são urna rotina básica para estudo
A tecnologia da HR-pQCT, também conhecida como bióp- da osteoporose, devendo incluir cálcio sérico total, albumina
sia óssea virtual, possibilita o estudo de parâmetros microes- sérica, cálcio ionizado (se d isponível), calciúria de 24 horas,
trutu rais do tecido ósseo. O exame fica restrito a extremida- 25-0H-vitamina 0 3, eletroforese de proteínas e paratormônio
des, como tíbia e antebraço, e depende do aparelho Xtreme (PTH) intacto.
CT, exclusivamente dedicado a esse Lipo de estudo. A alta Outros exames podem ser solicitados em caso de alteração
resolução de imagem possibilita o estudo das trabéculas ós- dos testes de rotina ou de suspeita clínica específica, como
seas em nível microestrutural. Esse exame se encontra restritO cortisol urinário, dosagens de hormônios sexuais, cintilogra-
a centros de pesquisa em osteometabolismo sem validação fia óssea, pesquisa de gordura nas fezes, anticorpos antiendo-
para uso em escala populacional. mísio, antitransglutaminase e b iópsia óssea.

Ressonância nucler magnética quantitativa (OMRl) Densitometria óssea


ULilizada em centros de pesquisa, a QMRI tem aplicação A densitometria óssea é um exame não invasivo com dose
prática restrita em razão do alto custo e da pequena acessibi- de radiação 200 vezes inferior à mamografta convencional,
lidade. Mais rara do que a QCT, é pouco adotada na prálica que mede a massa óssea a partir da atenuação do feixe de
clínica. raios X. Pode ser realizada na coluna, no fêmur, no antebraço
ou no corpo inteiro (Figura 49.1). Considerado o padrão-ou-
U/trassonometria óssea ro para o diagnóstico de osteoporose e validado em d iversos
A ultrassonometria óssea mede a velocidade de propaga- estudos clínicos prospectivos a partir de 1987, o método é
ção da onda sonora através do tecido ósseo. Os parâmetros úliltambém para o monitoramento evolutivo da massa óssea.
considerados são: SOS (speed oj sound) e/ou BUA (broadband
ultrasound atenuation). Sua aplicação fica restrita às extremi- Classificação da osteoporose pós-menopáusica
dades (p. ex., calcâneo, falanges). limita-se ao d iagnóstico e Publicada em 1994 por um grupo de trabalho da OMS, a
é inadequada para a monitOrização evolutiva da massa óssea. classificação densitOmétrica da osteoporose passou a ser ado-
Seus pontos de corte devem ser ajustados por outro método tada em tOdo o mundo. Para essa finalidade os resultados fo-
(densiwmetria central) no intuito de se reduzir o número de ram expressos em desvios padrões (DP) em relação ao grupo
falso-positivos e falso-negativos comum ao método. O uso da de adultos jovens caucasianos (Quadro 49.1).
ultrassonometria só se justifica em locais que não dispõem de
densitometria e deve restringir-se à seleção de pacientes de ris- Avaliação densitométrica
co. Os termos osteopenia e osteoporose não devem ser apli- Dados de saída
cados a esse métOdo. Os resultados são expressos em gramas (g) por centímetro
quadrado (cm2) por meio da seguinte equação:
Trabecular bone score (TBS) Densidade mineral óssea (DMO) =
O TBS consiste em uma análise feita por meio de software massa (gramas)/volume (cm 2)
que se baseia na imagem de densitometria de coluna para es-
tabelecer um parâmetro independente da massa óssea capaz Menor variação significativa
de mensurar a qualidade óssea e selecionar pacientes de ris- Para todos os métodos não invasivos de quantificação da
co não identificados à densitometria. O TBS é utilizado para massa óssea have rá sempre uma margem de erro. A margem
auxiliar a tomada de decisão em casos de osteopenia, e sua de cada aparelho deve ser expressa preferencialmente em g/m 2
aplicação tOrnou possível a reclassificação de risco de até 32% em vez de por dados pe rcentuais. Contudo, para fins didáti-
dos pacientes, aprimorando a seleção daqueles sob risco de cos, considera-se que um serviço de densitometria de qualida-
apresentar fraturas osteoporóticas. de deve ter seu coeficiente de variação na ordem de 2% a 3%,
correspondentes a valores entre 0,022 e 0,033g/m2 .
Marcadores do metabolismo ósseo
Os marcadores do metabolismo ósseo são substâncias ce-
lulares que podem ser dosadas mediante ensaios bioquími- Quadro 49.1 Classificação da osteoporose

cos específicos para definição da composição do cenário os- Normal Densidade óssea~ -1 ,O DP ( T-score ~ -1,0)
teometabólico. Os peptídeos pró -colágenos (PINP) medem Ost eopenia Densidade óssea entre -1,0 e -2,5DP
a formação e os telopeptídeos (CTX e NTX), a destruição (baixa massa óssea) ( T-score > -2,5 e < -1,0)
óssea. Um dos ensaios mais utilizados é a dosagem CTX-1 Ost eoporose Densidade óssea ;; -2,5DP
sérica, um marcador de reabsorção. Como não há pontos (T-score;; -2,5)
de corte ftxos, a evolução dos resultados de cada indivíduo Ost eoporose grave Densidade óssea ;; -2,5 DP com fratura por
constitui a manei ra de se utilizarem esses marcadores na (estabelecida) fragilidade ( T-score;; -2,5 + Fx)
prâtica clínica. Fonte: WHO Technical Report Series. Geneva: WHO, 1994.
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J 394 Seção I Ginecologia

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Figura 49.1 Densitometrias de fêmur proximal (A), coluna lombar (B), anteb raço (C) e corpo inteiro (0).
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Em densitometria, a margem de erro é chamada de menor representada a real massa óssea do paciente. Nessa situação ,
variação significativa (MVS). Uma variação de massa óssea entre devem ser valorizados os resultados d o fêmu r proximal, por
exames de um mesmo paciente só será considerada verdadeira ser um local mais isento de alte rações morfodegenerativas,
(com 95% de nível de significãncia estatística) se extrapolar recorrendo-se ao antebraço não dominante quando ind icado.
positiva ou negativamente a MVS calculada po r cada serviço.
Indicações para exame de densitometria óssea
Aparelhos e sítios válidos • Mulhe res a partir dos 65 anos de idade.
Os apa relhos de densitometria válidos para avaliação con- • Mulhe res na pós-me nopausa com menos de 65 anos com
forme os critérios da OMS devem se r os densitômetros cen- fato res de risco para fraturas.
trais capazes de realizar exames de coluna e fêmu r. Nenhum • Mulhe res durante a transição menopausa\ com fato res de
outro aparelho de qualque r tecnologia foi validado po r essa risco para fratu ras.
o rganização para utilização dos critérios de normalidade, os- • Homens com mais de 70 anos.
teope nia e osteoporose. • Homens com menos de 70 anos com fato res de risco para
Os sítios esqueléticos recomendados para diagnóstico da osteo- fraturas.
porose são a coluna (de Ll a L4), o fêmur proximal (colo femoral • Adultos com fraturas por fragilidade.
e fêmur tOtal) e o antebraço não dominante (rádio) (Figura 49.1). • Adultos com cond ições ou doenças associadas a reduzida
Para o monitoramento evolutivo da massa óssea recomen- massa óssea.
da-se a utilização dos resultados obtidos com o fêmur total e a • Adultos em uso de medicamentos indutores de perda óssea.
coluna lombar (no mínimo d uas vé rtebras válidas para análi- • Qualquer candidatO a tratamento (ósseo).
se). O antebraço não deve ser usado para monitorização de tra- • Qualquer pessoa em tratamento para monito rizar sua efe-
tamento em razão da influência das características individuais. tividade.
O resultado em T-score mais baixo entre os sitios válidos
de dete rminado paciente deve se r aquele a se r considerado Parâmetros densitométricos
no d iagnóstico. Estatisticamente foi definido um ponto de cone capaz de
identifica r como osteopo róticas aproximadamente 30% das
Artefatos mulheres pós-menopáusicas por meio de medidas de DXA
A inte rferência de estrutu ras calci ficadas (aorta e altera- realizadas na coluna, no fêmu r proximal ou no antebraço.
ções dege nerativas da coluna) pode ampliar os resultados da Esse ponto representa 2,5DP abaixo da méd ia esperada para
densidade óssea medidos na coluna lombar sem que fique o adulto jovem (ou - 2 ,5DP).
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Capítulo 49 Osteoporose e Osteopenia 395

T-score HISTOFISIOLOGIA
Em virtude da dive rsidade de métodos, estabeleceu-se Há dois tipos básicos de arranjo ósseo: o trabecular e o cor-
uma maneira de padroniza r a análise dos resultados ósseos de lical - osso con ical (ou compactO) compõe a d iálise d os ossos
mulhe res na peri e pós-menopausa em razão dos resultados longos e o envelope externo de tOdos os ossos, respondendo
do T-score, que derivam da comparação da massa óssea do po r aproximadamente 80% do esqueleto e 20% da á rea de
paciente com o grupo de adultos jovens normais de 20 a 29 supe rfície de troca. Cerca de 3% de seu conteúdo se renovam
anos de idade. Q uanto menor o valor do T-score, maior o risco a cada ano. Já o osso trabecular (ou esponjoso), presente no
de fratura. O resultado é expresso em núme ros de DP com esqueleto axial e nas epifises dos ossos longos, ocupa os espa-
aproximação de uma casa decimal. ços internos entre as conicais dos ossos, responde por aproxi-
madamente 20% do esqueletO e representa 80% da superfície
l-score
de troca. A cada ano, 25% de seu conteúdo são renovados
O Z-score, também conhecido como faixa de normalidade (Figura 49.3)
~ ustada para a idade, deve ser valorizado quando os indivíduos
examinados são mulheres na menacme, crianças e adolescentes
ou homens com menos de 50 anos de idade. Representa o valor
CÉLULAS ÓSSEAS
esperado para a idade e sofre variação em função de idade óssea, Os osteoblastos, osteoclastos e osteóciws são as células pre-
estadiamento sexual de Tanner, peso, sexo, raça e altura. Pacien- sentes no tecido ósseo. Os osteoblastos, derivados do mesén-
tes com resultados inferiores a 2DP da média devem ser consi- quima, atuam na formação óssea, os osteoclastos se originam
de rados para inveStigação de causas secundárias de osteoporose. no sistema monocílico [agocitário e respondem pela reabsor-
ção, e os osteócitos são responsáveis pela transmissão de im-
pulsos elétricos que sinalizam estresse mecânico, lise ou forma-
FISIOLOGIA ÓSSEA
ção óssea, agindo como um "maestro" da remodelação óssea.
A remodelação óssea é realizada pelos osteoclasws, que
removem osso antigo ( reabso rção), e pelos osteoblasws, que
produzem matriz óssea (formação). A matriz óssea minerali- REMODELAÇÃO ÓSSEA
zada é o tecido ósseo maduro, e a perda óssea oco rre q uando A remodelação óssea, que oco rre du rante w da a vida, com-
a reabso rção excede a formação (Figura 49.2). preende os processos de formação e reabso rção envolvidos

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Figura 49.2 Microestrutura óssea.
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J 396 Seção I Ginecologia

Adipócito

Células Célula-tronco
hematopoéticas mesenquimal

Pré-osteoclastos C9 ) Condróc~o

! Miócito

Osteoclasto
(!)
QQ Pré-osteoblastos

Osteócito _ .
Osteoblastos ! /
Células de revestimento
(linning ce/ls)

~~:"(;:(.~~~f:!~?~~~~~~~~ Osteoide

Osso novo

Osso antigo

Figura 49.3 Histofisiologia óssea.

no metabolismo ósseo e que acontecem em ciclos sucessivos,


sendo subdivididos nas seguintes etapas: Quiescência ( )
• Quiescê ncia: aproximadamente 80% da superfície óssea
estarão nesse estágio em algum momento, pois indica ina-
tividade e se assemelha à fase de repouso do ciclo celula r.
Ativação
c J
c:~ /]
Osteoclastos
• Ativação: células da superfície óssea (linning cels) se re- Reabsorção
traem, dando lugar aos osteoc\astos.
~~--- Osteoblastos
• Reabsorção: osteodastos removem o tecido ósseo, for-
mando a lacuna de reabsorção (lacuna de Howship).
• Reversa: deb ris e detritOS de catabolismo proteico são re-
Formação
~~--- Osso mineralizado
movidos da "lacuna", preparando o local para a formação
óssea subsequente.
Mineralização
C~J
• Formação: osteoblastos preenchem a lacuna com nova
matriz colágena não mine ralizada. Quiescência l~~~::~;~-~J- Matriz óssea
• Mineralização: nova matriz é mineralizada, completando
o ciclo. Figura 49.4 Fluxograma do metabolismo ósseo.

A Figura 49.4 representa um ciclo no qual a reabsorção


óssea, realizada pelos osteoclastos, é imediatamente sucedida pendente mente da idade do paciente. Essa renovação é neces-
pela formação óssea, mediada por osteoblastos.
sária para substitui r o tecido ósseo, protegendo o esqueleto
Na menopausa, o padrão osteometabólico se caracteriza
da evolução de micro para macrofraturas.
por intensas formação e reabsorção, configurando o quadro
de alto tu mover ósseo. O metabolismo ósseo da paciente ido-
sa, em geral com mais de 75 anos, tende a seguir um padrão CURVA DE MASSA ÓSSEA
de baixo turnover ósseo em virtude da baixa taxa de formação O p ico de massa óssea ocorre quando o crescimento volu-
e reabsorção óssea, comum a essa fase da vida. métrico dos ossos e sua mineralização se encontram estabi-
Independentemente do alto ou baixo turnover ósseo, cerca lizados, valendo ressalta r que os d ife rentes locais do esque-
de 10% de LOdo o esqueletO se renovam anualmente, inde- leto atingem a maturidade em tempos variados. A formação
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Capítulo 49 Osteoporose e Osteopenia 397

óssea supera a reabsorção até os 25 anos de idade, quando FATORES OE RISCO


o ser humano attnge, em média, o pico de massa óssea. A Além do risco atribuível à densidade óssea e à menopausa,
partir dessa idade, a formação e a reabsorção óssea se equili- há fatores de risco que, por serem independentes da densi-
bram e a denstdade óssea se mantém consr.ame. Ao se apro- tometria óssea, devem ser obngatoriamente mvestigados na
ximar a menopausa, essa reabsorção se mtensifica e a massa avaliação da pacteme com osteopema ou osteoporose. As fra-
declma de modo mats acentuado até a semhdade, momento turas por fragiltdade óssea constituem o fator de risco mais
em que a veloctdade de perda óssea se mantém, porém com imporr.ame na estimattva de nsco de futuras fraturas.
menos mtenstdade do que a perda evtdenctada próximo à
menopausa (Ftgura 49. 5). Gênero
Assim como na puberdade, a mulher atinge o pico de A osteoporose é maiS frequente em mulheres, e o risco de
massa óssea ames do homem. O ganho dessa massa é mais ocorrer fratura osteoporóttca em uma mulher de 50 anos de
precoce em menmas e ocorre de maneira concomitante ao idade durante seu tempo remanescente de vida est.á situado en-
amadurecimento sexual. Cabe sahentar que o estirão de tre 30% e 40%. No homem, o nscoé estimado em 13% a 25%.
crescimento pré-puberal agrega volume ao osso. Contudo, a De acordo com dados populacionais, a DMO é maior em
mineralização dessa matriz óssea recém-consti tufda somen- homens (Figura 49.7). As variações no risco de fratura entre
te ocorrerá quando do surgimento dos caracteres sexuais homens e mulheres são decorrentes não apenas das diferen-
secundários. ças nessa densidade, mas também na geometria e resistência
Emre o estirão do crescimento e a mi neralização óssea da ósseas. Apesar de mais comuns em mulheres, os homens ten-
puberdade há um momento de transição em que são mais dem a ap resenr.ar pior resultado após essas fratu ras exibindo
comuns as rraturas traumáticas em pré-adolesce ntes. A Figura taxas maiores de complicações e mortalidade excedentes no
49.6 demonstra a associação entre puberdade e aumento da prime iro ano após lesão óssea.
mineralização óssea.
Etnia
P1cc de massa óssea Diferenças raciais na incidência da osteoporose são resul-
tantes de variações na DMO, nos lndices de fratura e nos fato-
res genéticos. A variabihdade em tomo da média, embora di-
Menopausa ferente, preserva certo grau de coincídencia, de maneira que
mulheres brancas com massa óssea acima da média apresen-
r.am resulr.ados maiS elevados de DMO do que os venficados
em homens negros com massa óssea abaiXo da média.

História familiar
Figura 49.5 Curva de densodade óssea de acordo com o periodo Os fatores detemunames do ptco de massa óssea podem ser
reprodutJvo. hereditários ou ambientaiS. O ptco de massa óssea, adquuido

O, 12
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o, 1

0.08

0,06

0,04

0.02

Anos

Figura 49.6 Puberdade e massa óssea.


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J 398 Seção I Ginecologia

Hipovitaminose D
•• A hipovitaminose D é condição prevalente até mesmo no
Brasil. O menor tempo livre para exposição solar e o risco de
•••• •••
câncer dermatOlógico contribuem para essa situação. Nos paí-
•• •• ses em que a política de saúde não intervém com medidas die-
••
•• téticas (p. ex., adição obrigatória de vitamina D nos alimentos),
Mulher •
a suscetibilidade à redução de vitamina D é ainda maior. O
rastreio bioquímico é acessível, assim como a suplementação
~-------+--------r-------~-------+---- Idade da vitamina.
20 40 60 80 (anos)
Figura 49.7 Curvas de massa óssea entre os sexos. Cirurgias disabsortivas
As cirurgias disabsortivas ou restritivas prejudicam a ab-
na idade adulta, é determinado em tomo de 80% por fatOres sorção intestinal de cálcio. A redução do estômago pode cur-
genéticos. sar com acloridria e dificultar a dissolução do carbonatO de
Considerada um dos fatores de risco mais importantes cálcio. Para os pacientes submetidos a essas cirurgias, a suple-
para a doença, a história familiar de osteoporose se tOrna mais mentação com citrato de cálcio pode ser mais produtiva por-
relevante quando há o registro de parentes de prime iro grau que esse citratO não necessita do meio ácido para se dissolver.
com fraturas de fêmur por fragilidade. As filhas de mulheres
osteoporóticas apresentam risco maior para fraturas por fra-
Hipoestrogenismo
gilidade. Independentemente da origem fisiológica (menopausa) ou
patológica (amenorreia hipotalâmica, uso de antiestrogêni-
Medicamentos cos, ooforecwmia ou quimioterapia), a falta de estrogênio é
fator preponderante para o aumento da taxa anual de perda
Corticoides óssea. Quando indicada, a reposição desse hormônio promo-
O risco de fratura é significativamente maior no grupo de ve benefícios.
usuários de conicoide, independentemente da massa óssea
medida. Os conicoides inalatórios causam menos impacto no Algoritmo de cálculo de risco de fratura - FRAX®
risco de fraturas do que os orais. Uma dose diária de predni- A OMS e a International Osteoporosis Foundation (IOF)
sona >Smg por mais de 3 meses implica aumento significati- desenvolveram, em conjunto com a Universidade de Shef-
vo do risco de fraturas. field, Reino Unido, um algoritmo que reúne fatores de risco
e aponta para a custO-efetividade do tratamento para deter-
Hormônio tireoidiano minado paciente, expressa por meio do risco percentual de
Convém diferenciar entre supressão e reposição fisiológica fratura em lO anos.
de hormônios tireoidianos, sendo a primeira mais agressiva e O métOdo, disponível gratuitamente na Internet, pode ser
potencialmente lesiva. usado em locais onde a densitometria óssea não está disponí-
vel. Essa fe rramenta de cálculo de risco , denominada FRAX"',
lnibidores de aromatase e quimioterapêuticos foi desenvolvida a partir de ll estudos prospectivos popula-
Os inib idores da aromatase e outros agentes com efeito cionais internacionais e incorpora dados estatísticos de popu-
hormonal negativo têm impactO sobre a massa óssea. Em to- lações específicas, como é o caso do Brasil e de outros países
dos os casos é recomendável a avaliação dessa massa. da América Latina.
Diferentemente da densiwmetria, que exprime o risco re-
Condições clínicas lativo de fraturas osteoporóticas, esse algoritmo calcula o ris-
Hiperparatireoidismo co absoluto de a fratura ocorrer em lO anos. Seus pomos de
O hiperparatireoidismo pode ser primário ou secundário. A cone variam, mas, em geral, o paciente com risco de fraturas
osteoporóticas comuns >12 % e/ou de fratura do fêmur >3% é
dosagem do PTH, em conj unto com outros exames, auxilia a
definição da origem da elevação do PTH, e os valores de refe- beneficiado pelo tratamento medicamentoso.
O FRAX possibilita a entrada de dados como densidade ós-
rência podem variar entre os diferentes ensaios bioquímicos.
sea do colo femoral e os resultados de TBS da coluna lombar.
Hiperca/ciúria Com esses dados inseridos, a anãlise de risco se tOrnou mais
aprimorada do que o uso isolado de fatOres de risco clínicos.
A hipercalciúria predispõe o ind ivíduo à espoliação de cál-
cio através da excreção renal do íon, podendo manifestar-se
por litíase de repetição em pacientes com predisposição fami- TIPOS OE FRATURA
liar à litíase (p. ex., hipercalciúria familiar idiopática). O exame As fraturas osteoporóticas mais comuns são as de corpos
que identifica essa condição é a calciúria de 24 horas, coletada vertebrais (achatamento), do antebraço distai e as de fêmur
de acordo com o protocolo específico de cada laboratório. proximal (Figura 49.8).
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Capítulo 49 Osteoporose e Osteopenia 399

Figura 49.8 Tipos de fraturas osteoporóticas típicas. A Achatamento de corpos vertebrais. B Fratura do fêmur proximal. C Fratura do rádio d istai.

Vértebras trica (T-score < - 2,5DP). Algumas recomendam tratamento


As vértebras são as fratu ras osteoporóticas mais comuns, também para os pacientes com osteopenia densitométrica
mas apenas 30% das detectadas à radiografia são d iagnosti- (T-score entre - 1,0 e - 2,5DP), nos quais existam outros fatO-
cadas clinicamente. O risco de novas fraturas osteopo róticas res de risco para osteoporose (p. ex., tabagismo, baixo peso,
(em qualquer sítio) aumenta na vigência de fraturas vertebrais uso de corticoide, menopausa, h istória familiar, fratura osteo-
preexistentes. O diagnóstico dessas fraturas pode se r estabe- po rótica prévia).
lecido por meio de radiografia simples de coluna em perfil. A preocupação a respeito da abordagem dos "osteopêni-
cos" se justifica, pois nesse grupo se concentra o maior nú-
Antebraço mero absoluto de fraturas, embora a incidência dessas lesões
As fraturas de antebraço implicam menor morbimonalida- seja substancialmente maior à med ida que se reduz a massa
de, mas podem cursar com artrose, hipomobilidade do punho óssea do indivíduo.
e/ou distrofia simpático-reflexa do membro fraturado. A pre-
sença de fratura de antebraço (por fragilidade) aumenta o risco Classes terapêuticas
de todas as demais lesões osteoporóticas. Os agentes farmacológicos podem ser agrupados a partir
de seus mecanismos de ação:
Fêmur
• Antirreabsortivos: modulador seletivo do receptor does-
As fratu ras de fêmur são as mais letais em razão de suas
trogênio (SERM), estrogênio, tibolona e bisfosfonaws.
complicações intra e pós-operatórias. São mais frequentes do
que as de antebraço a partir da sétima década de vida. A mor- • Anabolizan tes: paratormõnio (teriparatida ou PTH l -34).
talidade no primeiro ano após a fratura pode chegar a 20%
em pacientes com mais de 80 anos de idade.
Cálcio alimentar e suplementar
A dose d iária tOtal de cálcio recomendada na idade adulta é
da ordem de 1.000 a l.200mg ao dia. Uma porção de 250mL
TRATAMENTO de leite de vaca contém aproximadamente 250mg de cálcio.
O arsenal terapêutico ce rtamente sofreu e ainda sofrerá Seus derivados apresentam d iferenças no conteúdo de cálcio
novas mudanças. O tratamento pode ser farmacológico ou de acordo com o processo empregado. Vegetais de folhas ver-
comportamental. Neste tópico será abordado o tratamento de-escuras também contêm cálcio. Entretanto, em virtude do
fa rmacológico da osteoporose. alto conteúdo de ácido fítico e das fibras não hidrossolúveis,
esse cálcio não é d isponibilizado de maneira tão ampla para o
Recomendação de tratamento se r humano quanto para os herbívoros.
Diversas organizações internacionais recomendam trata- A dose diária de cálcio suplementar depende da dieta basal
mento para o paciente que apresente osteoporose densitomé- do paciente, podendo variar de 500 a l.OOOmgldia. O íon cál-
/.

'
'/
J 400 Seção I Ginecologia

cio está associado a diferentes sais, como citraLO, carbonatO, O Quadro 49.2 exibe as recomendações internacionais
gluconaLO e aminoácido quelado, entre outros. O carbonatO para consumo diário desse suplemento vitamínico.
de cálcio é o sal de cálcio mais comum, e sua dissociação é de Em caso de hipovitaminose D, devem se r administradas
40% no plasma. A dissolução do citratO de cálcio é de 23%, doses acima das necessidades diárias basais. O Quadro 49.3
mas este tem a vantagem de não depender do ambiente ácido reúne as doses de ataque e de manutenção recomendadas
para se dissociar, estando indicado nos casos de ciru rgias do por grupo de pacientes. Em geral, recomendam-se doses de
estômago e outras situações de aclorid ria. ataque (50.000UI!semana) para pacientes com resultados de
Em caso de administração oral de cálcio, os pacientes de- 25-0H-vitamina D <20nglml durante 8 semanas. As doses
vem se r o rie ntados sobre a importância da hid ratação oral de manutenção (2.000UI/dia) são indicadas para pacie ntes
para a prevenção de nefrolitíase. Nos pacientes sob risco de com dosagem sérica de vitamina D entre 20 e 30nglml. Para
litíase, o uso concomitante de citrato de potássio ou mesmo pacientes com >30nglml de 25-0H-vitamina D sé rica, reco-
de citraLO de cálcio como agente de suplementação pode re- menda-se a utilização de doses de prevenção ( l.OOOUI!dia),
duzir o risco de nefrolitíase. conforme preconizado por entidades médicas brasileiras e
Importante: pacientes com ingesta de cálcio alimentar su- internacionais.
ficiente não necessitam da suplementação med icamentosa de
cálcio. Terapia hormonal (TH)
A TH com estrogênio (e/ou progesterona) é recomendada
Vitamina D para prevenção da osteoporose.
Derivada do colesterol, a vitamina D apresenta recepto res A TH produz tecido ósseo de qualidade, podendo ser útil
espalhados por wdo o corpo e so fre ativação hepática e renal, quando há o desejo de se postergar o início do uso de bisfosfo-
além de atuar no núcleo celular. Apesar de conhecida como natos. As complicações causadas pelo excesso de supressão do
vitamina, suas funções e estrutura poderiam ser atribuídas a metabolismo ósseo, comuns aos bisfosfonaws e ao denosumabe,
um autêntico hormônio esteroide. não foram descritas nessa terapia, sendo correto indicar a TH
A recomendação mais fisiológica se ria sua síntese pelos como tratamento da osteoporose apenas para pacientes sinto-
ce ratinócitos mediante exposição solar regular direta sem rnãticas, nas quais a estrogenoterapia é a única solução eficaz
filtro protetor. O tempo de exposição solar necessário para para alívio dos sintomas pós-menopáusicos. Nesse cenário, a TH
manutenção dos níveis de vitamina D é de ap roximadamente também produziu bom efeito para a redução do risco de fraturas
lO minutos diários, no sol forte (entre as lO e as 14 horas), tanto nos sítios esqueléticos vertebrais como nos não vertebrais.
considerando uma superfície de exposição mínima de 18%,
quatro a cinco vezes po r semana. SERM
Os riscos de rmatológicos devem se r conside rados, as- O estudo MORE evidenciou redução no risco de novas fra-
s im como o fatO de a pele de indivíduos idosos não se r tu ras vertebrais em usuá rias de raloxifeno. Contudo, a ocor-
tão eficaz em sintetizar essa substância. Como os alimentos rência de fogachos e o risco aumentado de tromboembolismo
ricos em vitamina D são escassos na d ieta brasileira, é mais devem se r conside rados quando se opta pelo raloxifeno, es-
seguro adm inistrá-la po r me io de suplementos dispo níve is pecialmente em tOrno dos 65 anos de idade.
no mercado , desde que obse rvados os cuidados com a su- Quando está indicada a terapia endócrina antiestrogênica,
pe rdosagem. o tamoxi feno é o SERM de escolha, em função da extensa lite-
O alfacalcidol e o calcitriol, formas ativas da vitamina D, ratu ra científica relacionada com o uso desse agente.
são utilizados em casos específicos, quando há falência renal Entretanto, quando o foco é a osteoporose menopáusica, é
ou d istúrbios das paratireoides. possível indicar o raloxifeno desde que a osteoporose seja meno-
O colecalciferol é a forma mais comercializada dessa vitamina. páusica e esteja presente somente na coluna vertebral (presença

Quadro 49.2 Ingestão alimentar diária recomendada de vitamina d em unidades internacionais (UI)

Idade lOM Endoerlne Soclety Brasil


Mínimo Máxi mo Minl mo Máxi mo (MS/ANVISA)

O a 6meses 400 1.000 400 a 1.000 2.000 400


6 a 12 meses 400 1.500 400 a 1.000 2.000 400
1 a3anos 600 2.500 600 a 1.000 4.000 400
4a8anos 600 3.000 600 a 1.000 4.000 400
9a18anos 600 4.000 600 a 1.000 4.000 400
> 19 anos 600 4.000 1.500 a 2.000 10.000 200
Gestação/lactação 600 4.000 1.500 a 2.000 10.000 400
1 micrograma (!-19) = 40 unidades intemacionais (UI}.
lOM: lnstitute of Medicina: (IOR: ingestão d~ria recomendada).
\.
r
( I

Capitulo 49 Osteoporose e Osteopenia 401

Quadro 49.3 Doses de prevenção e tratamento da delieoêncl8 de Teriparatida ou PTH 1·34


v1tarrona O
O agente tenparauda é um polipeúdeo sintético que englo-
ldadeleondl çio Dose (UI)
ba as mesmas 34 primeiras sequências de aminoácidos que
elfnlea Ataque Manutenção
o paratormOnio natural, sendo indicado para pacientes com
Oa t ano 50.000/semana ou 400 a 1.000/ dia
osteoporose grave (com fraturas) por meio d e u ma dose sub-
2.000/dia por 6
semanas cutânea d iária de 20Jlg, a qual é acond icionada em uma cane-
1 a 18 anos 50.000/semana ou
ta aplicadora contendo 30 d oses e que deve ser armazenada
600 a 1.000/ dia
2.000/dia por 6 em ge ladei ra antes e durante seu uso.
semanas A teriparatida é o único agente anabolizante registrado para
19a71+anos 50.000/semana 7.000 a 14.000/ o tratamento da osteoporose. Efeito antálgico secundário for
por 8 semanas semana descrito em até 70% dos casos, mas sem força de e\1d~ncta
GraVIdeZ e lactação 7.000/dia 1.000/dJa para recomendar o produto corno opção analgésica em pacten-
14 a 18 anos por 8 semanas
> 18 anos
tes com dor crOmca.
7.000/dia 2.000 a 4.000/dia O uso desse agente não deve ser interrompido sem a apltca-
por 8 semanas
ção sequenoal de urna terapêutica antirreabsoni\'a (bisrosronatos
Má absorçêoiObesidade 6.000 a 10.000/dla até 7.000/dla
ou denosurnabe) sob pena de ocorrer râpido decl!nio da massa
óssea adquirida. O tempo máximo aprovado para o tratamento
deve se r de 24 meses, conforme preconizam as evidencias.
de fratu ras por compressão ou densitometria indicativa de osteo-
A teriparaticla mostrou sua eficácia na preve nção de fratu-
pot·ose). Essa limitação ocorre porque, nos estudos de registro, o
ras vertebrais e não ve rtebrais.
raloxifeno não demonstrou eficácia anti fratura não venebral. Por
isso, as pacientes com baixo rico de trombose venosa profunda Bisfosfonatos
e sem ondas de calor podem beneficiar-se com o uso do SERM
Os b isfosfonatos merecem uma análise por sua tmponân-
(raloxrfeno) no tratamento da osteoporose da coluna venebral. cia histórica , sua aplicação em larga escala para o tratamento
da osteoporose pós-menopáusica e em razão de alguns fatos
Tibolona polêmrcos que tem causado algum receio no momento de
A ubolona, na dose de 1,25m!}'VO/dta, demonstrou ser prescrição dessa classe de medicamentos.
capaz de mmimizar os episódios de fogacho, melhorar a libi-
do e promover redução do risco de fraturas venebrais e não Estrutura molecular
vertebrais. Entretanto, o risco de acidente vascular cerebral Os bisfosfonatos d iferem emre si por apresentar variações
mais d o que dobrou em uma população com média de idade em sua estrutura qu!mica ca pazes de causar efeitos farmaco-
de 68 anos. Desse modo, o estudo sobre esse fármaco foi in- cinéticos especrlicos para cada molécula. No entan to, a avalia-
terrompido por questões de segurança. ção dessas di fe renças na resposta clínica apresenta limitações
Caso a paciente não apresente contrai ndicações, a tibolona em razão da falta de estudos comparativos diretos executados
se constitur em opção também de natureza hormonal capaz de de manei ra prospectiva e randornizada, tendo fraturas ver-
oferecer proteção contra fraturas venebrais e não venebrais. tebrais e não vertebrais corno desfecho primário para que as
conclusões alcancem o rnaror nh·el de evidêncra crentffica.
Denosumabe Os btSrosronatos são análogos estáveis do pirorosrato rnor-
O denosurnabe é um anticorpo monoclonaltotal humano gãnico, sendo essa estabtbdade corúerida pela presença de um
que age tmbindo a diferenciação de células precursoras ósseas átomo de carbono que conecta dois radicais fosfato, rmpedrndo
em osteoclastos maduros mediante o bloqueio do complexo sua degradação biológrca. Os bisrosfonatos não são com·enidos
RANK ligame. Sua ação mimetiza a da osteoprotegerina e, de em metabólitos, mas excretados de maneira inalterada na urina.
manei ra sintética, reduz o "recrutamento" de pré-osteoclas- Seu efeito farmacológico resulta de duas propriedades bá-
tos, que seriam transformados em osteoclastos maduros. O sicas: potencia ar1tirreabsortiva e afmidade óssea. As mod ilica-
denosumabe age, portamo, reduzi ndo a reabsorção óssea. Sua ções do radical Rl aumentam a afi nidade mineral, enquanto
eficácia antifrawra em sítios esqueléticos vertebrais e não ve r- as do rad ical R2 resultam em diferenças na potência anlirreab-
tebrais foi amplamente demonstrada no estudo FREEDOM, sortiva (Figura 49.9).
que completou um plano de estudos com I O anos de uso do
medtcamento. No Brasil, sua aprovação fica restnta ao grupo OH
o~ ;
de pactentes do sexo feminino. Homens ponadores de câncer P-..OH
de próstata também foram beneficrados pelo tratamento com R,-..... I
/ c
denosurnabe, mas a indicação não se estendeu àqueles sem R, I
cllncer de próstata em tratamento. ~\:-OH
Esse medicamento é administrado por meio de uma dose O OH
subcutânea semestral de 60mg, devendo ser armaze nado em Figura 49.9 Duas moléculas de fosfato conectadas por um á tomo de
ge ladei ra até o uso. carbono q ue apresenta ainda ligações a outros dois radicais: R 1 e A2.
/.

'
'/
J 402 Seção I Ginecologia

Classificação maco no o rganismo, potência e eficácia antifratura em sílios


De acordo com sua estrutura molecular, os bisfosfonatos ve rtebrais e não ve rtebrais.
podem se r agrupados em três classes: O Quadro 49.4 relaciona os fármacos disponíveis no mer-
cado brasileiro e as evidências científicas que embasam sua
• Não nitrogenados: agem por inco rpo ração à molécula de eficácia contra as fraturas vertebrais e de quadril , uso além de
ATP, o que faz seus efeitos terapêuticos se aproximarem 5 anos (segurança a longo prazo) e a ação demonstrada em
dos tóxicos. Os agentes que representam essa classe são o homens e em usuários de glicoconicoides.
elid ronato, o clodronato e o tiludronato. Entre os bisfosfonatos, somente o alendronato, o risedrona-
• Aminoalquilados: agem por inte rferência na enzima far-
to e o zoledronatO obtiveram registro para utilização em todos
nesil pi rofosfaw sintase (FPPS). Os agentes dessa classe
os sílios esqueléticos (ve rtebrais e não vertebrais).
apresentam margem de segurança terapêulica mais ampla,
Embora o ranelatO de estrôncio esteja aprovado para co-
sendo representados por ale ndronato, pamidronaLO, neri-
mercialização no Brasil, é considerado terapia opcional (de
dronato, olpad ronato e ibandronato.
segunda linha) em países desenvolvidos em função de risco
• Amino-heterocíclicos: também inibem a enzima FPPS
tromboembólico aumentado em usuários desse medicamento.
com a diferença de promove rem uma interação enzima-
-substrato mais intensa, aumentando, assim, sua potência
inibitória. Os agentes que representam essa classe de bis- Equilíbrio entre potência e afinidade
fosfonatos são o risedronaLO e o zoled ronato. Os bisfosfonaws com alta afinidade pelo tecido ósseo ap re-
sentam meia-vida mais longa, o que possibilita o tratamento
Diferenças clínicas entre os bisfosfonatos com apenas uma administração anual, como ocorre com o
A lite ratura d ispõe de poucos estudos prospectivos compa- zoled ronatO. Por outro lado , a reversibilidade do efeito an-
rativos d iretOs entre os diferentes bisfosfonaws. Mesmo com tirreabsortivo é menor. Caso seja necessária a interrupção do
essa limitação, estudos isolados realizados pelos fabricantes tratamento, um fá rmaco de baixa afinidade óssea, como o ri-
evidenciaram d iferentes respostas dos bisfosfonaws no que sedronatO, pode desligar-se mais rapidamente do tecido ósseo
diz respeitO a início de ação antifratura , persistência do fár- (Figura 49 lO)

Quadro 49.4 Fármacos aprovados para comercialização no Brasil e evidências que embasam seu uso em diferentes grupos e situações

Nome Fratura vertebral Fratura de quadril Extensão Homens Cortlcoldes


Alendronato + + + + +
Risedronato + + + + +
lbandronato + - - - -
Zoledronato + + + + +
Raloxifeno + - - - -
Esuôncio + + + + +
Teriparatida + + - + +
Denosumabe + + + + -
+: presença de evidência; -: ausêocia de estudos prospectivos controlados.

4 --------------------------------- 0,25 - - - - - - - - - - - - - - - - -
K,. (Umol x 1o•) IC,. rhFPP (!lM sintase)
,--,
0,20
3

o,15
_j
2 I
o,10
_j
..-
1 - 0,05
I I
o ' 0,00 • • r.
CLO ETD RIS lBA ALN ZOL PAM ALN lBA RIS ZOL
Figura 49.10 Potência e afinidade dos diferentes bisfosfonatos. A esquerda se encontram os bisfosfonatos com maior afinidade (tempo de
ligação) pelo tecido ósseo e à d ireita estão os bisfosfonatos mais potentes: risedronato e zoledronato. (CLO: c lodronato; ETD: etidronato; RIS:
risedronato; lBA: ibandronato; ALN: alendronato; ZOL: zoledronato; PAM: pamidronato. )
:\.
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Capítulo 49 Osteoporose e Osteopenia 403

O ideal é que seja potente e não se ligue ao tecido ósseo dronato supe ra a do ibandronatO no quesitO redução do risco
de maneira intensa. Essas propriedades, quando combinadas, de fraturas não verteb rais (p. ex., fraturas de fêmur).
agilizam a ação antirreabsortiva, além de possibilitar maior Originalmente formulado para se r administrado diaria-
"mobilidade" da molécula de bisfosfonatO, que ficaria mais mente na dose de 2,5mg via oral, o ibandronatO passou a se r
d isponível para circular entre os diferentes sítios esqueléticos, formulado em apresentação de l50mg via oral mensalmente.
como o ve rtebral, o não ve rtebral e o quadril.
Efeitos colaterais e contraindicações
Alendronato e risedronato O alend ronato de sódio é o bisfofonatO mais prescrito. Há
O estudo FACT comparou 70mg de alendronato e 35mg de evidências que embasam se u uso para redução do risco de
risedronato por densitometria óssea após 2 anos de tratamento fraturas vertebrais e não vertebrais. O período máximo de uso
em regime de administração oral, uma vez por semana. Os resul- variou de 5 a lO anos.
tados demonstraram mais ganhos de massa óssea no grupo trata- O estudo original de registro d o ale ndronato teve lO anos
do com alendronato. Entretanto, os dados sobre as fraturas não de duração e verificou a segu rança do uso de bisfosfonatos
chegam a determinar superioridade de um agente sobre o outro. po r longos períodos. Fratu ras de coluna e quadril foram pre-
O estudo REAL avaliou 33.830 mulheres de 65 anos de
venidas nos dois braços do estudo (pacientes com fratu ras cli-
idade ou mais, que utilizaram alendronato e rised ronato,
nicamente evidentes e pacientes com fraturas de manifestação
tendo as fraturas osteoporóticas como objetivo primário. Os
exclusivamente radiológica).
pesquisado res demonstraram que 12.215 mulheres em uso
Entretanto, após l O anos de estudo, um pequeno núme ro
de rised ronato apresentaram taxas menores de fratura não
de pacientes analisados desenvolveu quadro de osteonec rose
ve rtebral e de quadril no primeiro ano.
da mandíbula e fratu ras atípicas. A análise dos dados mostrou
Esse estudo demonstrou também que a diferença entre os
excessiva supressão do tumover ósseo, sugerindo a necessi-
grupos se tOrnou mais evidente a partir dos 6 meses de tra-
tamento, quando o grupo risedronato ap resentou incidê ncia dade de reavaliação do tratamento a cada 5 anos de uso dos
46% menor de fratura de quadril e 19% menor de fraturas b isfosfonatos.
não ve rtebrais do que o grupo ale ndronato (Figu ra 49. 11). O denosumabe foi associado tanto à osteonecrose como às
fraturas atípicas. Não foram relatados casos de osteonec rose
/bandronato de mandíbula ou de fraturas atípicas em pacientes usuárias de
Apesar de ser eficaz em sítios esqueléticos não verteb rais, SERM, tibolona ou TH, o que vem demonstrar que, embo ra
o ibandronato não demonstrou, de maneira prospectiva, re- sejam antirreabsortivos ósseos, esses agentes não promovem
dução no risco de fraturas não ve rtebrais, ao contrário do excesso de supressão do tu mover ósseo.
constatado com o alend ronatO, o risedronato e o zoledronato. Pacientes renais não devem receber bisfosfonatos sem mo-
A eficácia do ibandronato na proteção contra fraturas não nitorização clínica do nefrologista. Outras contraindicações
vertebrais foi demonstrada posteriormente de mane ira retros- para sua utilização incluem gestação e dificuldade de esva-
pectiva em um subgrupo de pacientes com T-score < - 3,0 à ziamento do esôfago para os pacientes sujeitOS à terapia oral.
DXA. Como esse dado não foi obtido prospectivamente, a Independentemente do tipo de bisfosfonatO, uma reação
força de evidência do alend ronatO, do risedronato e do iban- de intole rância pode ocorrer, podendo ser manifestada por

14 + Controle 14 + Controle
Risedronato 5mg/dia Alendronato 1Omg/dia
12

10
59%
p =0,002
12

10
* 1 36%
P=0,002

8 74% • 8 *
*

l
p =0,001
66%
6 P e 0,048
/ * *
6

2
4
J l *
* *
* * 4

2
*
o o
6 12 18 24 30 36 6 12 18 24 30 36
Tempo (meses) Tempo (meses)

Figura 49.11 Gráfico de risco de fraturas não vertebrais. A esquerda, o gráfico mostra 59% de redução do risco relativo após 6 meses de trata-
mento com risedronato. A direita, o g ráfico mostra que foi significativa a redução do risco de fraturas não vertebrais de 36% a partir de 2 anos de
tratamento com alendronato.
/.
'
'/
J 404 Seção I Ginecologia

dor muscular, rubor e febre. Os efeitos podem se r mais inte n - • O d en osu mabe constitui opção terapêutica cOmoda e efi-
sos com a administração EV. caz para osteoporose menopáusica e compartilha alguns
efeitos colaterais com os b1sfosfonatos, como a osteonecro-
Duração e desconlinuação do tratamento se de mandrbula e as fraturas at!p1cas.
Há o registro de 3 a 7 anos de uso do zoledronato, e sua • Os bisfosfonatos apresentam diferenças farmacológicas que
descontinuação por 3 anos não reduz1u a eficác1a antifratura podem definir qual o mrus md1cado de acordo com a exten-
em pacientes que receberam mfusões anua1s de 5mg Ev. são da doença, a comod1dade posológica e o custo, e conti-
O efe1to antlfratura do risedronato fo1 demonstrado após nuam sendo considerados a terap1a de pnme1ra hnha contra
5 e 7 anos de uso do med1camento. Dados após 10 anos de a osteoporose, de,·endo ser utilizados por períodos de 5 a 10
uso do alendronato e 8 anos de nsedronato indicaram boas anos com pausas para reavaliação quanto à necess1dade de
tolerabihdade e segurança para esses casos. manutenção do uso por pertodo prolongado.
O raloxtfeno, um SERM, demonstrou eficácia e segurança
após 7 anos de uso, sendo relatados eventos cardiovasculares Leitura complementar
e tromboembólícos. O raloxi feno está indicado some nte para ACOG Practice Bullet1n 141. Management of menopausa! symp-
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Capítulo 49 Osteoporose e Osteopenia 405

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CAPÍTULO

Neoplasias do Colo Uterino


Alexandre Mariano Tarcísio de Sousa
Marina Botinha de Sousa

INTRODUÇÃO
Macroscopicamente, o colo uterino corresponde a um ci-
lind ro abaulado em sua parte média, situado na parte caudal
do útero, e é dividido em três segmentos: cranial ou suprava-
ginal, médio ou vaginal e caudal ou intravaginal.
Do pomo de vista microscópico, o colo do útero se apre-
senta cobe rto por mucosa de epitélio pavimentoso estratifica-
do em sua parte intravaginal e mucosa glandular constituída
por epitélio cilínd rico simples com células mucíparas e cilia-
das revestindo o canal cervical.
A junção escamocolunar corresponde ao encontro dos dois
tipos de revestimento epiteliais do colo e apresenta topogra-
fia variada, ora evertida, ora para dentro do canal ce rvical,
dependendo de fatores como faixa etária, paridade, anticon-
cepção hormonal , traumatismos e infecções, entre outros, e
é nesse ponto que se centra o interesse em razão de algumas Figura 50.1 Zona de transformação normal. A área compreendida
particularidades ap resentadas. entre a junção escamocolunar e a última glândula (setas) correspon-
Para a padronização colposcópica a junção escamocolunar de â transformação do epitélio colunar em estratnicado pavimentoso
se d ivide em: com sepultamento de glândulas e cistos de Nabboth.

• Tipo 1: tOtalmente visível.


• Tipo 2: visível em parte.
NEOPLASIAS BENIG NAS DO COLO UTERINO
• Tipo 3: endoce rvical e não visível.
Os pólipos podem ser considerados as lesões neopl.ásicas
Para o exame ginecológico, o colo se divide em ectocé rvi- benignas mais impo rtantes do colo uterino e são caracterizados
ce - a parte visível ao exame especular, situada caudalmeme como protrusão hiperpl.ásica da mucosa cilínd rica endocervi-
a partir do orifício externo anatômico até a junção com os cal, incluindo epitélio e estrorna, que se exterioriza pelo orifício
fórnices vaginais - e em endocérvice - co rresponde nte ao ca- cervical. Aparecem frequentemente em cerca de 4% da popula-
nal ce rvical. Ambas as estruturas nem sempre estão ligadas ção em geral, podendo chegar a 25% após os 40 anos de idade.
linearmente aos epitélios estratificado e colunar. O quad ro hiswlógico revela urna neoformação com haste
Ectocé rvice não é sinônimo de epitélio escamoso, nem en- de tecido conjuntivo frouxo e vascular, revestida de epitélio
docé rvice é sinônimo de epitélio cilínd rico. cilíndrico mucíparo, que poderá penetrar em formações glan-
A zona de transformação (ZT) representa a área de transi- dulares. De acordo com o predomínio dos elementos estro-
ção entre dois epitélios e em condições normais é responsável mais ou epiteliais, os pólipos podem se r d ivididos em muco-
pela transformação do epitélio colunar em estratificado pavi- sos (75% a 80%), adenornatosos (15%), fibrosos (4% a 10%)
mentoso (Figura 50.1). e angiornatosos (l% a 6%).
407
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J 408 Seção I Ginecologia

Os pólipos endocervícats podem evoluir de trés maneiras: ETIOLOGIA


Muitos estudos conseguiram mostrar que ma1s de 95% das
• Metaplasia: consiste na substituição do epitélio cilíndri-
neoplasias cervicais apresenta\'llm algum tipo de HPV, en-
co pelo escamoso metaplásíco. sendo particularmente fre-
quanto citologias normais apresentavam h1bnd1zação poslli\'ll
quente nos póhpos mucosos e adenomatosos.
para o HPV em menos de 10% dos casos.
• Transformação carcinomatosa: como em toda metapla-
Alguns tipos de HPV, principalmente 16 e 18, 31 , 35, 39,
sia, deve ser esperada uma frequtnc1a de malignização du-
45, 51, 56 e 58, se agregam ao genoma da célula, le,•ando-a
rante sua e,·olução. Tem batxa mc1dencta (0,2% a 1%) e
a se deS\•iar de seu processo normal de maturação e à for-
consiste na transformação em carcinoma de células esca-
mação de novo Lipo de célula, anárqu1co e d1splás1CO, mi-
mosas. A transformação sarcomatosa é rara. O prognósLi-
ciando-se dai o processo de carcmogenese do colo. Os vírus
co, quando o câncer está restnto ao póhpo, é excelente.
de baixo potencial carcmomatoso são exemphficados pelos
• lsquemia e necrose: comuns nos póhpos de pedlculo fino
Lipos 6 e 11.
e longo por torção e mfano hemorrágico ou antmico com
necrose. Essa evolução é pouco frequente.
CLASSIFICAÇÃO
O tratamento consiste na exérese do pólipo por torção de A classificação de Georgeous Papanicolaou, de 1942, divi-
seu pedlculo, por meio de histeroscopia, ou por curetagem de as alterações em cinco grupos, a saber:
uterina.
O leiomioma cervical é muito raro e surge como neoforma- • Classe 1: epitélio normal.
ção séssil de aspecto liso e carnoso. O fibroma submucoso do • Classe 11: alterações inflamatórias.
corpo uterino pode, depois de percorrer todo o canal ce rvical, • Classe III: displasias: llla - leve (Figu ras 50.2 e 50.3);
dilatar o ori[(cio externo e aprese11tar-se pelo seu óstio. Surge lllb - moderada (Figuras 50.4 e 50.5); lllc- acentuada
como f1gura arredondada, desprovida de epitélio de revesti- (Figuras 50.6 e 50.7).
mento, com super[(cie irregular. Por ser ricamente vascula- • Classe IV: carcinoma in situ.
rizado, é geralmente congesto. No caso de necrose extensa, • Classe V: carcinoma invasor.
torna-se difícil a diferenciação com o carcinoma invasivo, a Nessa época já eram conhecidas as associações das displa-
qual pode ser estabelecida em VIrtude da vascularização típica sias, chamadas por Richart de neoplas1as intraeplleliais cervi-
e da delimnação nítida entre o mioma e o tecido sadio do colo cais (NIC), aos vírus de variados potenciais oncogemcos. Ri-
uterino. chan nomeou a displasia leve da classificação de Papanicolau
O tratamento pode ocorrer "naturalmente", mediante tor- como :-IIC I. A displasia moderada passou a corresponder à
ção e necrose do pedículo, quando o m1oma se desprende NIC 11 e, em razão da dificuldade de diferenciação entre dis-
sozinho ou por me10 de c1rurg1a. plasia acentuada e carcinoma 1n si tu , de mesmo prognóstico,
O granuloma pohpo1de pode ser observado sobre a linha ambos foram classificados como NIC Ili.
de sutura de um colo amputado, sendo consLituldo de tecido Em busca de uma visão cllruca para as alterações epneha1s
de granulação, ou seJa, por um mfihrado innamatório crónico. surgiu na cidade de Bethesda (EUA), em I 988, uma nova clas-
sificação que tentava estabelecer um prognósuco para as lesões.
NEOPLASIAS INTRAEPITELIAIS CERVICAIS Com o uso de técrucas de b1ologia molecular e comparando
Desde o advento da colposcop1a, com os trabalhos de os tipos de HPV ficou claro que cond1loma plano e NIC I cor-
Hinsselmann em 1928, há o registro de tentaLivas de diag- respondem cl!nica, biológ1ca e molecularmente, assim como as
NlC 11 e NIC lll, o que sintomza a classtlicac;ão das NIC com a
nóstico de lesões pré-neoplásicas de colo em sua forma ini-
de Bethesda (1988), reduzindo-as para lesões intraepiteliais de
cial. Hinssellmann descreveu em seus trabalhos aspectos
baixo grau (LoSil, correspondendo ao condi loma plano e à NlC
colposcópicos que ainda se mantem. assi m co mo as lesões
I) e de alto grau (H iSil, correspondente às NlC 11 e lll).
ci to e histológicas descritas por Papan icolau em 1942, e esse
A nova classificação assumiu então um novo formato:
tripé d iagnóstico ai nda serve de o rientação para o estadia-
mento e tratamento elas lesões ele colo. Meisels e Pu rolla • Normal.
registraram a associação das alterações descritas por Papani- • Innamatória.
colau ao HPV, e, posteriormente, esse vírus pOde se r classifi- • Achados anormais.
cado pela biologia molecular como de alto e baixo potencial • Lesões intraepiteliais pavimentosas de significado indeter-
carcinomatoso. ninado (ASC-AGUS)•.
O termo displasia fo1 usado para designar alterações ce- • LoSil.
lulares com algumas (senão todas) alterações de um carci- • HiSiL
noma sem invasdo do estroma. Essas alterações são: aLi pia nu- • Lesões epiteliais compative1s com carcmoma ep1dermoide,
clear (cromatina densa, rechaçada para a periferia do núcleo, adenocarcinoma, carcinoma de células claras etc.
aneuploicha ou polipl01dta, figuras de mitoses frequentes e
aúpicas), h1percromas1a, perda da polaridade e alteração na 'Apresenta algumas das camctert>ucas das neopbsaas tnlmepnehaiS, porém
relação núcleo-cnoplasma. não o sulioente para classtficá·bs ckruro dos cnttnos cuológleos de neopbsla.
( I

Capitulo 50 Neoplasias do Colo Uterino 409

Figura 50.5 Dosplas18 moderada. Quando metade ou trés quartos


Figura 50.2 Displasia leve (NIC 1). Eprtéfio acetobranco tênue em lábio das camadas profundas do epitélio têm células indoferenciadas, os
anteroor com duas áreas satélites sobre epltého metaplásico, entrando núcleos são maos volumosos e hipercromáticos, com anornaloas nu-
parcialmente no canal cervical. Biópsia - NIC I. cleares mais marcantes e frequentemente alongados. Somente as
camadas superficiais apresentam esb oço de maturação e são acha-
tadas. (Imagem cedoda pelo Dr. J . 8 . Litra Neto.)

Figura 50.3 Displasia leve. A polaridade e a regularidade da estratifi- Figura 50.6 Displasia acentuada/carcinoma in situ. Epitélio aceto-
caçêo foram pouco alteradas. mas os núcleos têm tamanho variado e branco grau 2 com sobreposição, orifícios glandulares espessados
sêo hipercrornáticos, podendo ser vistas mitoses frequentes, algumas e pontilhado grosse~ro e Irregular, recobrindo toda a zona de trans-
vezes anormais, no terço prolmdo do eprtéf10 (2). A coolocrtose pode formação em láboo antenor e linguetas de epitélio branco endocervi-
estar ounao presente (1). (Imagem cedida peto Dr. J . 8 . Utra Neto.) cal. Blépsia de carconoma m Sltu {NIC 1/1).

Figura 50.7 Dosplasoa acentuada. Perda da polaridade em todas as


Figura 50.4 Dosplasia moderada (NIC 11). Epotého acetobranco grau camadas, células e núcleos de tamanhos vanados, motoses letra-
2 com relevo, margens irregulares situadas sobre a zona de transfor- polares, aneuploodoa, multonucleação e as caracterlstocas citológocas
mação e epotélio uvular. Nota-se sobreposição no limite endocervical de um verdadeiro carcinoma, exceto invasão do estroma conjuntivo.
da lesao. (Imagem cedida pelo Dr. J. 8. Litra Neto.)
/.

)/:
I 410 Seção I Ginecologia

DIAGNÓSTICO A propedêutica nesses casos deve inclu1r uma citologia de


O diagnóstico das displasias se base ta no ui pé colposcopia- canal corretamente recolhida por escova endocerv~cal e, final-
-colpocitologia-anatomopatologla, sendo esse o padrão-ouro mente, a conízação para estudo anatomopatológtco (Figuras
para instituir o tratamento. 50.8 a 50.10).
A biologta molecular aparece como teste auxiliar de diag-
nóstico de,~do ao alto lnd1ce de ralhas da citologia oncótíca.
A presença de lesões precursoras (NIC 1/111) entre as mulheres
com exames CitológiCOS categorizados como LoStl não é des-
prezh·el, sendo descntos na literatura rndtces que variam de
9% a 30%. Alguns estudos revelam que 22,1% (23/104) das
mulheres com LiS1l apresentavam na verdade dtagnóstíco de
NIC 11 ou NIC 111 h1Stológ1co.
Não existem criténos pelos quais um patologista possa
identificar citologicamente quais lesões de baixo grau evolui-
rão para o câncer invasor. Nessas situações, somente a biologia
molecular e a pesquisa de pl6 podem predizer, com alguma
segurança, quais lesões podem evoluir, ou não, até a invasão.
Por isso, roi institulclo o coteste biologia molecular/citolo-
gia para seguimento das pacientes com lesão ele baixo grau e
Figura 50.8 Escova endocervical sendo aplicada. Introdução e giro
ASC/AGU. O ASC-US!l.SIL Triage Study (ALTS) demonstrou
de 180 graus em ambos os sentidos com suavidade. A seguir. coleta-
que mulheres com resultados de ASC-US e teste negativo para -se a ectocérvice, a qual é aplicada sobre a lâmina de vidro identifi-
HPV-AR apresentam risco muito baixo para HiSil. cada. A fixação deve ser feita em álcool 96GL o mais breve possível.
De maneira geral. as adolescentes só elevem ser rastreadas
quando tiverem mais de 3 anos de atividade sexual. As ado-
lescentes com ASC-US devem ser acompanhadas por meio de
citologia anual.
O teste para detecção de DNA-HPV após CLLologia ASC-US
pode ser realizado exclusivamente em mulheres após os 30
anos de idade. Caso o teste seja positivo, elas devem ser enca-
minhadas para colposcopta. Em caso de HPV negatívo, no,·o
exame atológtco de,•e ser repeudo em 1 ano. Em vinude das
altas taxas de mrecção pelo HPV com resolução espontânea
em mulheres com menos de 30 anos, essa conduta não é in-
dicada para essa rmxa etána.
Estudos maiS recentes recomendam o uso separado dos tes-
tes. Ogih~e e cols. (20 lO) propuseram o rastreamento inicial
com o Leste de HPV da seguinte mane1ra: aquelas pacientes que Figura 50.9 Ep1tého acetobranco grau 2 endocervícal Vlsuahzado
apresentaram HPV de alto nsco roram encaminhadas para rea- com a utilização de uma pinça anatómoca para abertura do canal.
lização do teste de Papanicolau, e quando este apresentava re-
sultado alterado eram encaminhadas para colposcopia e biópsia.
A justificativa para o uso elo teste ele HPV isoladamente se
baseia nos seguintes princlpios: o rastreamento eleve ser reito por
meio de exames que apresentem alta sensibilidade; 85% a 90%
das mulheres com teste de HPV negativo retornam para a rotina
de rastreamento sem que precisem se submeter à citologia, que
fica reservada para as portadoras de HPV oncogênicos; o grande
volume de amostras de rastreamento será analisado por um exa-
me não subjetivo, podendo até mesmo ser automatizado.
Apenas as mulheres com teste de HPV positivo serão sub-
metidas a citologia, o que diminui o volume de análises (sub-
jetivas) e promove, ass1m, a melhora na quahdade dos exames.
Entre as NIC merecem cons1deração as lesões endocervi-
cais, normalmente assentadas sobre epitého glandular, situa-
Figura 50.1 O Epotélio acetobranco grau 2. Visualização possível
das cranial mente em relação à hnha da JUnção escamocolunar.
com a colocação de uma pequena bola de algodão embeboda em
Correspondem multas \'ezes àquela citologia oncóLica persis- ácido aoébco, o que possobohtou aonda a reflexão da luz e a melhor
tentemente pos1tiva sem lesões colposcóptcas e'•identes. visualização do canal.
r
((

Capítulo 50 Neoplasias do Colo Uterino 411

A conização por cirurgia de alta frequência fica, portan- Os dados disponíveis atualmente recomendam fortemente
to, estabelecida como o melhor métOdo p ropedêutico para a vacinação de mulhe res contra o vírus HPV
lesões endoce rvicais, além de ser terapêutica na maioria dos Duas vacinas estão sendo utilizadas atualmente: a biva-
casos. lente (GSK, nome comercial Cervarix"'- HPV 16 e 18) e a va-
cina tetravalente (MSD, nome comercial Gardasil"' - HPV 6,
TRATAMENTO 11, 16 e 18).
Diante das lesões com suspeita de infecção pelo HPV, de- As diferenças entre os estudos de eficácia da vacina quadri-
vem ser adotados determinados critérios para estabelece r a valente e bivalente quanto à escolha dos indivíduos do grupo
conduta a seguir: placebo-controle, ensaios imunológicos e população analisa-
das impossibilitam comparações diretas dos resultados das
• O diagnóstico da gravidade da lesão é dado pela h istopa- duas vacinas.
wlogia (não pela colposcopia ou citologia), e esta ind ica o Os testes mostram que a proteção contra o HPV 16, o mais
t ratamento. prevalente, e o 18, o mais agressivo, t rataria de 70% das in-
• A biologia molecular (em especial a captura híbrida) auxilia fecções e d iminuiria em 97% as infecções, e os seis tipos mais
o diagnóstico, informando o tipo e a carga vira\ por célula, prevalentes seriam responsáveis por 3% a 5% de wdas as in-
porém não indica o tratamento. fecções que evoluiriam para neoplasias de altO grau ou maior.
• Esclarecer o objetivo do tratamento à paciente, revelan- O ideal seria a vacinação das pacientes j ovens, com menos
do-lhe as diferenças entre o tratamento de um condiloma de 15 anos de idade, nas quais são maiores os índices de in-
exofítico e o de uma lesão aparentemente invisível e assin- fecção. DezoitO por cento das infecções pelo HPV acontecem
tOmática, localizada na ZT. em meninas de 15 a 19 anos; dos 20 aos 24, mais 23%, res-
• Tratar as lesões, não a citologia. Em função do alto número saltando-se que dos 50 aos 54 anos há apenas 7% de novos
de falso-negativos, convém, sempre que possível, confir- casos. Portanto, devem ser vacinadas prioritariamente as pes-
mar o d iagnóstico por biópsia. soas do sexo feminino entre os 10 e os 26 anos.
• lesões de baixo grau em pacientes com menos de 35 anos O Governo brasileiro incluiu a vacina quadrivalente contra
de idade devem ser acompanhadas e não tratadas. (0 bom HPV em seu calendário vacina\ para crianças do sexo femini-
senso recomenda o tratamento de lesões exofíticas na grá- no de 9 a 11 anos, utilizando o esquema de duas doses com
vida, o que pode ser feito com segurança, erradicando-se intervalo de 6 meses. Esse esquema ainda não foi definitiva-
qualquer doença clinicamente aparente.) mente aprovado pela comunidade mundial.
• Cabe ter cuidado especial com a ZT. O processo de malig- Para garantia da imunogenicidade da vacina deve ser res-
nização tem predileção por sítios onde são frequentes as peitado o intervalo mínimo entre as doses:
atividades h iperplásicas, d isplásicas e metaplásicas.
• Primeira/segunda= 4 semanas.
• Segunda/terceira= 12 semanas.
Vacina HPV
• Primeira/terceira= 24 semanas.
Em wdo o mundo, cerca de 630 milhões de pessoas estão
infectadas por HPV A transmissão do vírus se dá basicamente Estudo publicado no New England ]ournal oj Medicine
por meio de contato sexual, e a maioria dessas infecções de- (NE]M), que avaliou 4.065 homens entre os 16 e os 26 anos
saparece sem tratamento. de idade em 18 países, comprovou que a vacina quadrivalen-
Quando infectadas por determinados tipos de HPV de alto te contra o HPV reduz em 90% as lesões genitais externas e
risco oncogênico (como o 16 e o 18), se não reconhecidos e foi fundamental para a aprovação dessa ind icação da vacina.
t ratados, as mulheres podem desenvolve r cânceres cervicais, Em junho de 2007, o comitê consultivo global da Orga-
vaginais e vulvares e os homens, câncer de pênis ou ânus. nização Mundial da Saúde (OMS) sobre segurança vacina\
Além d isso, outros tipos de HPV podem causar verrugas ge- concluiu que ambas as vacinas apresentam bom perfil de se-
nitais, que acometem ce rca de 32 milhões pessoas a cada ano gurança. Em dezembro de 2008 foram revisados os dados de
em tOdo o mundo. vigilância após comercialização da vacina quadrivalente con-
Em termos globais, o câncer de colo do útero é o segundo tra HPV Nenhum relato levantou preocupação suficiente para
tipo mais comum entre as mulheres, sendo responsãvel por mod ificar as orientações dadas por esse comitê.
cerca de 471 mil casos novos e pela morte de aproximada- As pacientes vacinadas devem continuar o screening pelo
mente 240 mil mulheres por ano (650 mulheres morrem dia- teste de Papanicolau. Recomenda-se a vacinação de todas as
riamente em decorrência da doença). Estima-se que mais de mulheres, independentemente da positividade desse teste ou
50% das mulheres sexualmente ativas serão infectadas pelo da biologia molecular.
HPV durante suas vidas. Segundo dados da O rganização Pan- As avaliações pré-vacinação (p. ex., Papanicolau ou ras-
-americana da Saúde, a América latina e o Caribe apresentam treamento com teste de DNA de HPV de alto risco, tipagem
algumas das mais altas taxas de incidência e mortalidade por específica de HPV ou mensuração de anticorpos de HPV)
câncer de colo do útero no mundo, superadas apenas pela para estabelecer a indicação da vacina contra HPV não são
África O riental e a Melanésia. recomendadas em nenhuma idade.
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J 412 Seção I Ginecologia

Não é conhecida a duração exata da eficácia da proteção • Existe concordância entre citologia, biópsia e colposcopia?
para qualquer vacina profilálica contra HPV. A vacina se mos- Sim.
trou bem tOlerada e com poucos efeitOS colaterais, fornecen- • A colposcopia foi considerada suficiente) Foi visualizada a
do excelente proteção contra o vírus HPV, as neoplasias in- junção escamocolunar) Sim.
traepitelias e o câncer do colo uterino. • A citologia de canal foi negativa? Sim.
As recomendações para a administração da vacina quad ri- • Existe suspeita de carcinoma invasor? Não.
valente podem variar em diferentes países, mas há consenso • Os limites da lesão estão bem definidos? Sim.
quanto aos seguintes tópicos:
Devem ser tratadas as pacientes com mais de 45 anos de
• Vacinar antes do início da atividade sexual (meninas e ado- idade (com mais tempo de exposição ao HPV, normalmen-
lescentes entre 9 e 14 anos de idade). te quando adoelscentes, o que sugere infecção persistente),
• Há benefício em vacinar j ovens e mulheres adultas (26 a as pacientes de alto risco para infecção induzida pelo HPV
45 anos) (usuários de d rogas, ou com múltiplos parceiros, o que favo-
• Não é necessário testar HPV antes da vacinação. rece o aumentO da possibilidade de infecção, ou imunossu-
primidas), além das pacientes que desejam tratar uma infec-
A vacinação é segura independentemente de prévia ex-
ção de baixo grau que não teria indicação clínica.
posição ao HPV e da concomitância de anormalidades cito-
lógicas.
l eitura recomendada
Brasil. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva
Terapêutica cirúrgica (INCA). Estimativa 2012: incidência de câncer no Brasil. Coorde-
nação Geral de Ações Estratégicas. Coordenação de Prevenção
A terapêutica cirúrgica ablativa consiste em eletrocoagu- e Vigilância (ed.) Rio de Janeiro: INCA, 201 1.
lação, crioterapia, exérese cirúrgica a Jrigore , lasenerapia e, Eleutério J Jr., Giraldo PC, Gonçalves AK et ai. Prognostic markers of
atualmente, cirurgia de alta frequência. high-grade squamous intraepithelial lesions: the role of p161NK4a
Sempre que possível devem ser escolhidos os métOdos ex- and high-risk human papillomavirus. Acta Obstei Gynecol Scand
2007; 86:94-8.
cisionais, os quais , além da retirada das lesões, disponibili- Giuliano A, Palefsky J, Goldston S et ai. Efficacy of quadrivalent HPV
zam peças para exame das margens e histOlogia. vaccine against HPV infection and d isease in males. New Engl J
A cirurgia de alta frequência (conização CAF) é o método Med 2011 ; 364(5):401 - 11.
de escolha para as lesões de altO grau. Preferencialmente, a Lu CH, Liu FS, Kuo CJ, Chang CC, Ho ES. Prediction of persistence
or recurrence after conization for ceNical intraepithelial neoplasia
lesão deve ser retirada em passada única da alça com mar-
111. Obstei Gynecol 2006; 107:830-5.
gens livres. Para tanto , uma boa colposcopia de canal deve Rama CH, Roteli-Martins CM , Derchain SF, Oliveira EZ, Aldrighi JM,
ser realizada para delimitação com segurança dos limites da Mariano Neto C. Serological detection of anti HPV 16/18 and its
lesão. As lesões com ocupação do espaço glandular e margens association with pap smear in adolescents and young women.
internas comprometidas têm maior possibilidade de recidiva Rev Assoe Med Bras 2006; 52:43-7.
Richart RM. The natural history of cervical epithelial neoplasia. Clin
ou lesão residual. Caso se opte pela destruição da lesão, seja Obstei Gynecol 1967; 10:748-84.
por me ios químicos, elétricos ou térmicos, devem ser respon- Rocha GA Uso da biologia molecular no rastreamento primário das
didas as seguintes perguntas: neoplasias intraepiteliais ceNicais em mulheres portadoras do ví-
rus da imunodeficiência humana. Belo Horizonte, 2011.
• Apenas as lesões de baixo grau devem ser tratadas de ma- Wright TC, Schiffman M, Solomon O et ai. lnterim guidance for lhe use of
neira destrutiva? human papillomavirus DNA testing as an adjuvant.
CAPÍTULO

Doenças da Vulva e da Vagina


Iracema Maria Ribeiro da Fonseca

INTRODUÇÃO O d iagnóstico geral mente é clinico, e a biópsia é útil nos


O manejo das doenças da vulva exige conhecimentos de gi- casos duvidosos, na suspeita de malignidade e quando não
necologia, dermatologia e dermatopatologia, sendo necessária, há resposta ao tratamento institufdo. Em crianças, prefere-se
em vários casos, uma abordagem multiprofissional. As várias iniciar o tratamento sem confirmação anatomopatológica.
classi licaçoes das doenças vulvares exiStentes procuram faci- As principais caracterlsticas histológ1cas são adelgaçamen-
litar o diagnóstico e possibllnar uma abordagem homogênea to do epitélio, hiperceratose, homogeimzação do colágeno
pelos especialistas da área. abaixo da junção dermoep1dérm1ca e mflltrado inflamatório.
Neste capitulo são abordadas as doenças benignas mais As fibras elásticas estão ausentes.
comuns e as neoplasias antraepneltais e invasoras da vulva e O tratamento padrão consiste no uso de cort1C01de tópi-
da vagina. co de alta potência, como o prop1onato de clobetasol. Essas
pacientes devem ser acompanhadas, po1s há fone assoc1ação
lÍQUEN ESCLEROSO entre o líquen escleroso e o aparecimento de carcmoma de
O liquen escleroso é uma dermatose frequente, encontrada células escamosas da vulva.
na pele da área gemtal e não gemtal de ambos os sexos, sendo
a vulva a pane ma1s comumente acomeuda. Sua etiologia é
incerta, mas as ev1dtncias ind1cam que os mecanismos au-
toimunes estão envolVIdos em sua patogênese. O surgimento
do lfquen escleroso acontece mms frequentemente em dois
picos de idade: na fase pré-puberal, podendo desaparecer ou
continuar a partir da menacme, e na pós-menopausa.
As lesões se manifestam cl inicamente por áreas b ranca-
centas, com pápulas ou placas espessadas, podendo haver a
presença de equimoses e ulcerações e estar situadas no sul-
co interlabial, peque110s lábios, clitóris e região perineal. Há
perda do coxi m go rdu roso com desarranjo arquitetura! da
vulva, e não há envolvimento da mucosa genital. Portamo, a
vagina e o colo estAo preservados. Lesões perianais aparecem
em ce rca de 30% dos casos. Estudos sugerem que o epitélio
no líquen escleroso é metabolicamente ativo e não atrófico
(Figura 51.1).
Ardor e prurido são os pnnopatS smtomas, e a dor acontece
quando há erosões ou fissuras. A d1spareuma surge na presença
de estrellamento do mtrolto vaginal, fissuras ou erosões. Algu-
mas mulheres são assintomAucas, sendo a doença descoberta
apenas quando estão sendo examll1adas por outra razAo. Figura 51.1 Uquen escleroso de vulva.

413
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I )

j 414 Seção I Ginecologia

LÍQUEN SIMPLES CRÔNICO essas duas categonas são agrupadas em uma enudade umca
O llquen s1mples crônico é uma dermatose \'\Jh•ar caracteri- denominada NIV de alto grau.
zada por prundo intenso cuja etiologia parece estar relacionada Em 2004, a ISSVD elaborou nova classificação, abobndo
com estlmulos irritativos crônicos, levando a um circulo vicio- a NIV 1 e cons1derando apenas NJV para as lesões de alto
so entre o ato de coçar e a persistência da lesão. Apresenta-se grau histológico. A NIV relacionada com a infecção por HPV,
como lesão branca ou rósea, plana ou elevada, única ou múlti- incluindo dois tipos de lesão que diferem em sua mor[ologia,
pla, com liquenificação da pele, de tamanho variável e assimé- foi denominada NIV indiferenciada ou usual, podendo ser
trica. Está presente em mulheres de todas as idades, porém é basaloide ou bowenoide, as quais evoluem para o cãncer de
mais frequente no pertodo reprodutivo e na pós-menopausa. células escamosas invasivo de vu lva em 20% dos casos. Ou-
O tratamento consiste na retirada de agentes irritativos e tras lesões imraep1teliais podem ocorrer sobre área de l!quen
no uso de conicoide tópico. Algumas pac1entes que apresen- escleroso, defmmdo a NIV diferenciada, considerada por al-
tam exacerbação do prurido à noite necessitam de tranquili- guns autores a lesão precursora do câncer de células escamo-
zantes ou anudepressi\•os. sas em 70% a 80% dos casos.
No'-as dtseussões foram 1mciadas em 2013, o que le\'OU
à nomenclatura cnada em 2015 pela ISSVD (Quadro Sl.l).
LÍQUEN PLANO
Essa nova classtficação se baseou na terminologia Lolver Ano-
O llquen plano é uma dermatose que pode afetar as mu- genitalSquamous Terminology CtASD, elaborada em 2012 com o
cosas oral e esofagiana, pele, couro cabeludo, unhas e olhos. objetivo de unificar a nomenclatura das lesões escamosas asso-
Das mulheres com liquen plano , 25% a 50% apresentam ciadas ao HPV em todo o trato anogenital inferior. A tAST reco-
sintomas vu lvares, os quais são mais comuns na pós-me no- menda a expressão intraepiteial escamosa de baLxo grau (LSIL)
pausa. Incluem prurido, ardor, dor e dispareunia, e a doença para o diagnóstico histológico de infecção por HPV, incluindo
parece ter etiologia autoimune, causando inflamação crônica. as verrugas genitais externas, e a lesão intraepitelial escamosa de
Diferentemente do líquen escleroso, a mucosa vaginal está alto grau (HSIL) para o d1agnóstico histológico de lesões pré-ma-
frequentemente envolvida, já tendo sido descrita a slndrome lignas, abolindo para essas duas categorias o termo neoplasia.
vuh·ovagmal gengiva!. A relação entre o l!quen plano e o cân- A ex,ressão neoplasm intraepitelial vukar upo diferen-
cer \'Uivar não está bem estabelecida, mas alguns estudos su- ciado continua sendo usada para as lesões pré-mabgnas não
gerem aumento no risco de câncer. associadas ao H PV:
Para o diagnósuco correto a biópsia deve ser realizada em
áreas de fissura, ulceração, enduração ou placas espessadas. Epidemiologia e história natural
Exame flsico completo deve ser realizado para exclusão de
A HSIUNIV tipo usual está relacionada com a in[ecção
doença sisU!mica. Caso esteja presente, torna-se necessário o
pelo HPV na maioria dos casos (principalmente o tipo 16) e
acompanhamento do de rmatologista.
é observada em cerca de 40% dos quadros de carcinoma de
O tratamento das lesões vulvares consiste no uso de co ni-
células escamosas (CCE) da vulva. Em mulheres com mais
coide tópico de alta potência, como o propionato de clobetasol.
de 30 anos de idade essas lesões têm demonstrado maior po-
tencial invasivo quando relacionadas com alguns fatores que
NEOPLASIA INTRAEPITELIAL VULVAR interferem na históna natural, como a imunossupressão. A
Estudos ttm demonstrado que há dois tipos de neoplasia progressão de HSIUNIV usual não tratada para câncer im-asl-
mtraepltehal da \'Uiva. Essa obsen-ação SUSCitou vánas dis- \'0 está claramente demonstrada.
cussões e revisõeS da nomenclatura das lesões neoplásicas A NIV dtferenc1ada é menos comum, HPV-negauva e ob-
mtraep1teha1s ao longo dos últimos anos. servada pnncipalmente em mulheres idosas com outras de-
Na classificação criada em 1986 pela lnternational Society sordens ep1telialS como llquen escleroso. Essa lesão raramen-
for the Study of Vulva r Disease (JSSVD), a neoplasia intraepi- te é diagnosticada antes de sua evolução para cãncer de vulva.
telial vu lva r (N JV) era categorizada em NIV 1, 2 e 3 de acordo
com o grau de acometimento do epitélio, segu indo o que era Quadro clínico e diagnóstico
definido para o colo uterino. Entretanto, não há evidencias de A HSIUNIV usual pode apresentar-se como lesão levemen-
que o espectro morfológico NIV 1 a 3 corresponda ao com- te elevada, demarcada, uni ou multifocal, de coloração preta,
portamento biológico progressivo e que a N IV se comporte branca, cinza, vermelha ou marrom, dependendo da raça, Ida-
de maneira similar à neoplasia intraepitelial cen•ical (NIC). de e caracterlsticas da pele da paciente (Figuras 51.2 e 51.3).
A N IV l é um achado histológico mcomum e reflete, na
ma1oria das vezes, alterações readoruus ou efeitos da infecção Quadro 51.1 2015 ISSVO - Terminologia para as lesões escamosas
pelo pap1loma vlrus humano (HPV). Não há ev1dtncias de imraepitelials da Y\Ava
que a NIV I seja precursora do câncer de vulva; portanto, o
Lesões intraepotell&s escamosas de baixo grau (condiloma ou
uso da expressão neoplasia intraepitehal para des1gnar essas infecção por HPV)
lesões bemgnas seria errôneo. Grande pane das neoplasias
LesOes intraepiteliaos escamosas de ano grau (NIV tipo usual)
intraepiteliais era categorizada como NIV 2 ou 3. Boa con-
Neoplasia intraepitelial, tipo diferenciado
cordância histológica é obtida entre os exam inadores quando
r
((

Capitulo 51 Doenças da Vulva e da Vagina 415

NEOPLASIA INTRAEPITELIAL VULVAR NÃO ESCAMOSA


Doença de Paget da vulva
Lesão mtraepttehal rara, a doença de Paget da vulva é
definida pela existencia de células adenocarcinomatosas na
epiderme vulvar e nos apendices da pele. O quadro dfnico
é caracterizado por lesão erite maLOeczematoide bem delimi-
tada, com bordas irregulares, áreas h iperemiadas com hiper-
ceraLOse e úmidas com pico de incidencia na sexta década de
vida. O tratamento cirúrgico é fundamenLado na ressecção da
lesão, e a recorrencia é relatada em 40% dos casos de doença
de Paget vulvar mtraepttelial (Figuras 51.4 e 51.5).

Figura 51.2 Lesão 1ntraepitelial escamosa de alto grau da vulva -


HSilJNIV usual.

Figura 51.4 Doença de Paget da vulva.

Figura 51.3 Lesão intraepitelial escamosa de alto grau da vulva -


HSilJNIV usual.

A NJV diferenciada tende a ser umfocal em mulheres ido-


sas, associada ao liquen esderoso em alguns casos. MamfesLa-
se como úlcera, pápula Yerrucosa e placa ,·ermelha imensa ou
hiperceratóLica. O diagnóstico é hisLOiógtco, estabelecido por
meio de biópsia de vulva.

Tratamento
O tratamento da N!V deve ser individua lizado e conser-
vador. Analisam-se as caracter!sticas da lesão re lacionadas
com a possibilidade de progressão e mvasão da doença. As
lesões podem ser ressecadas com bisturi, laser ou cirur-
gta de alta frequencia com margem de segurança de 0 ,5 a
lcm. Medtcações tópicas como o tmtqUimode creme a 5%,
agente modificador da resposta tmune com propnedades
antivtrais e antitumorais, apresentam bons resultados em
pactentes JOvens, especialmente nas lesões multifocais as-
sociadas ao HPV Esse agente é um modificador da resposta
imune com propriedades antivirais e antitu morais. Figura 51.5 Doença de Paget da vulva.
/.

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J 416 Seção I Ginecologia

A doe nça de Paget pode ap resentar quatro entidades clí- linfonodal e metástase a d istância, os quais participam dos
nicas: critérios de estadiamento.
• Não invasiva: adenocarcinoma in situ, tratado po r simples Disseminação
excisão com 1cm de margem.
A disseminação do câncer de vulva se dá por embolização
• lnvasiva: as células ultrapassam a membrana basal para
para linfonodos regionais, extensão direta para estruturas ad-
dentro do derma e do tecido subcutâneo, sendo essa en-
jacentes ou po r via hematOgê nica.
tidade associada à metástase inguinal em 50% dos casos.
A disseminação linfática obedece à seguinte órdem: linfono-
Portanto, o tratamento exige excisão radical com linfade-
dos inguinofemorais superficiais, linfonodos inguinofemorais
nectomia inguinal bilateral.
profundos, linfonodos iliacos e, daí, d isseminação a d istância.
• Associada a adenocarcinoma vulvar não d iagnosticado, ge-
Se a lesão atingir o clitóris, poderá haver comprometimen-
ralmente de glând ulas sudoríparas ou glândula de Bartho-
to direto da cadeia ilíaca e paraó rtica.
lin (20% dos casos)
• Associada a adenocarcinoma extragenital, principalmente Estadiamento
reto e mama.
Até 1988, o estadiamento do câncer de vulva era clínico,
Na maioria das pacientes não são obse rvadas invasão nem quando foi adotado o estadiamento cirúrgico em razão das
neoplasia a distância. As células neoplásicas pa recem desen- altas taxas de e rro na predição de linfonodos positivos, funda-
volve r-se in situ a partir de células ge rminativas pluripoten- mentada apenas no exame clínico. A mais recente revisão da
ciais da camada basal da epide rme. Fede ração Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO),
publicada em 2009, caracte rizou detalhadamente o número e
NEOPLASIAS INVASORAS o tipo de metástase linfonodal:
Câncer de vulva • Estádio 1: tumor confinado à vulva e/ou ao períneo, sem
O câncer de vulva representa 5% a 8% das neoplasias malig- metástase linfonodal:
nas da genitália. A incidência do carcinoma in situ e invasor de - Estádio IA: lesões < 2cm confinadas à vulva ou ao pe-
vulva vem aumentando 2,4% ao ano, segundo dados da Socieda- ríneo e com invasão do estroma < 1mm, sem metástase
de Americana do Câncer, e decorre provavelmente do aumento linfonodal.
da expectativa de vida da população e da prevalência de infecção - Es tádio IB: lesões > 2cm confinadas à vulva ou ao pe-
pelo HPV Em 2009, 3.580 mulheres foram diagnosticadas com ríneo com invasão de estroma > 1mm, sem metâstase
esse tipo de câncer, ocasionando cerca de 900 mones nos EUA. linfonodal.
A maior pane das neoplasias vulvares se origina do epitélio • Es tádio li: tumor de qualquer tamanho, com extensão para
escamoso que reveste a vulva, sendo a infecção pelo HPV im- estruturas perineais adjacentes (terço inferior da uretra, ter-
portante fator de risco. Outros fatores de risco incluem tabagis- ço inferior da vagina e ânus), sem metástase linfonodal.
mo, imunodeficiência e presença do líquen escleroso da vulva. • Estádio lll: tumor de qualquer tamanho com ou sem ex-
A queixa mais frequente é o prurido vulvar, especialmente tensão para estruturas perineais adjacentes (te rço inferior
quando a lesão está associada ao líquen. Outros sinais e sin- da uretra, terço inferior da vagina e ânus) com linfonodos
tomas são lesão nodular, em placa ou verrucosa, dor, sangra- inguinofemorais acometidos:
mente, ulceração , disúria e corrimento ge nital. - Estádio lllAl: uma metástase lin fonodal ~ Smm.
Setenta por cento das lesões são encontradas nos grandes - Estádio IIIA2 : uma ou d uas metástases linfonodais
lábios e 15% a 20% incluem o clitóris e a região perineal. <5mm.
O tipo histOlógico mais comum é o CCE, responsável por - Estádio lllBl: duas metâstases linfonodais > Smm.
87% das lesões, seguido pelo melanoma , responsável por 5%. - Estádio ll1B2: três ou mais metâstases linfonodais < Smm.
Outros tipos menos comuns incluem adenocarcinoma da - Es tádio lllC: linfonodos acometidos com extensão ex-
glândula de Bartholin, sarcoma, carcinoma de células basais e tracapsular.
doença de Paget invasiva. • Estádio IV: o tumor se estende além da pelve verdadeira
Cerca de 30% a 60% dos casos de CCE estão situados na ou envolve a mucosa da bexiga ou do retO:
á rea de NIV adjacente e 15% a 40% apresentam líquen escle- - Estádio IVA: tumor de q ualque r tamanho com inva-
roso associado. O CCE de vulva pode ser d ividido em dois são da u retra superio r, mucosa da bexiga, mucosa
grupos: casos associados à infecção por HPV e associados ao reta! ou osso pélvico ou linfonodo inguinofemoral ul-
líquen escle roso. ce rado ou fixo .
As lesões vulvares suspe itas ao exame fisico devem se r - Es tádio IVB: qualquer metástase a distância, incluindo
biopsiadas principalmente no centro da lesão. Ce rca de 39% linfonodos pélvicos.
das mulhe res com a doença são d iagnosticadas em estádio
avançado (111 ou lV), e a sobrevida está diretamente relaciona- Tratamento
da com a extensão do mal. Os principais fatores prognósticos O tratamento do cânce r de vulva é cirúrgico. Nos últi-
são o tamanho do tumor, a profundidade de invasão, o status mos anos tem sido dada ênfase ao tratamentO ind ividuali-
r
((

Capítulo 51 Doenças da Vulva e da Vagina 417

zado e conservador, mas sem comprometer a sobrevida da A cirurgia é o ponto principal do tratamento. A lesão deve
paciente: ser retirada com ampla margem de segurança, dependendo
• Estád io la: ressecção da lesão com lcm de margem. Não do estádio da lesão. A vulvectomta radtcal não é necessária
para a maioria das lesões porque a exctsão com 2cm de mar-
há necesstdade de dtssecção hronodal, pois a incidência de
metástase é desprezlvel nesse estádio. gem, em conjunto com o dtafragma urogemtal, é o tratamen-
to adequado e não compromete a sobrevtda da paciente.
• Es tádios Ib e 11: o tratamento tradtctonal, que tem sido
a vulvectomta radtcal com lmfadenetomia mguinofemoral
bilateral, proporctona excelente sobrevtda e controle local
Carcinoma verrucoso da vulva
da doença em cerca de 90% das pactentes. A desvantagem O carcinoma verrucoso da vulva, uma vanante do câncer
consiste nas inúmeras comphcações, como alteração da de células escamosas, apresenta-se como grande lesão ver-
função sexual, infecção, linfocisto e linfedema. Em 10% rucosa, tipo couve-flor. É mvasivo, mas raramente promo,-e
a 20% dos casos há hnfonodos comprometidos, estando mestástase linfonodal. A infecção por HPV tem stdo tmplica-
indicada a radioterapia. da em sua etiologia. O tratamento recomendado consiste na
ampla excisão local.
Com base no exposto, vários grupos têm proposto tratamen-
to mais conservador, como a ressecção primária da lesão com Carcinoma de células basais da vulva
l a 2cm de margem ou hemivulvectomia, levando à dissecção
O carcinoma de células basais da vulva pode originar-se da
até a fáscia perineal profunda, associada à abordagem conser-
pele ou de follculos pilosos da vulva. Raros, são responsáveis
vadora dos li nfonodos, como dissecção ipsilateral e d issecção
po r 2% de todos os tumores de vulva, acometendo normal-
bilateral superficial para lesões localizadas na linha média.
mente as mulheres com mais de 50 anos de idade, e também
A biópsia de li nfonodo sentinela é uma opção à li nfade-
são invasivos, mas raramente promovem metástases. O trata-
nectomia convencional. A técnica parece ser menos agressiva
mento também consiste na ampla excisão locaL
e com resultados semelhantes. Segundo a teoria do linfonodo
sentinela, as células neoplásicas migrariam do tumor primá-
rio para um linfonodo ou um grupo de linfonodos ames de DOENÇAS BENIGNAS DA VULVA
acometerem toda a cadeia linfonodal regional e, dessa manei- Papiloma de células escamosas
ra, com sua detecção seria posslvel optar pela não realização Relativamente frequente, de ongem não '~ral, o papilorna
da linfadenectomia, caso compro,·e o não acometimento lin- de células escamosas é urna pequena prohferação, hiperpig-
fonodal por exame de cone-congelação durante o ato cirúrgi- mentada e única, o que o difere do condtloma acuminado
co. Até o momento não eXlSlem estudos randomizados com- (geralmente lesões múluplas).
parando a hnfadenectomta mgumofemoral tradicional com a
técmca do hnfonodo sentmela. No entanto, múltiplos relatos Hidroadenoma papilar
de série foram pubhcados e esforços têm sido emidados na Tumor bemgno das glândulas sudoriparas apórinas, o hi-
tentati\'3 de se consegutrem metos adequados para detecção droadenoma paptlar se locahza mais frequentemente, nos lá-
de micrometástases regionaiS. bios maiores. ConsiSte em tumores de l a 2cm de dtãmetro,
bem delimitados, firmes ou dsucos, os quais podem ulcerar
• Estádios lll e IV: poucos tumores nesses estádios são
curados apenas com cirurgia. Esforços recentes têm sido e causar dor, sangramento, prurido e infecção secundâna. O
feitos para o tratamento combinado com radioterapia e tratamento é cirúrgico.
quimioterapia. lipomas
Os lipomas consistem em proliferações de tecido gorduro-
Melanoma de vulva
so envolto por tecido fibroso, localizadas nos grandes lábios.
Apesa r de raro, o melanoma de vulva é o segundo câncer
de vulva mais comum. O quadro clinico se caracte riza por Hemangioma
lesão pigmentada, elevada, mais comumente em pequeno lá- O hemangioma oco rre principalmente na infância, poden -
bio e clitóris. Dez por cento das lesões não são pigmentadas. d o ser simples ou cavernoso, ulcerar e causar sangramento.
O p rognóstico depende do tamanho da lesão e da profun- Apenas nesses casos é necessário tratamento. Tendem a regre-
d idade de invasão. dir com o avançar do tempo. Alguns hemangiomas caverno-
O estadiamento da FIGO não se aplica a esse tipo de câncer. sos se situam no clitóris e produzem clitoromegalia acentua-
Existem três sistemas de estadiamento: da, desencadeando investigação para intersexo ou hiperplasia
• O de Clark: fundamentado na microanatomia da pele, da suprarrenal congênita.
medindo a profundidade de invasão.
• O de Breslow: fundamentado na espessura Yenical da Fibroma
lesão. O fibroma é uma tumoração subcutânea úmca, eb·ada, de
• O de Chung: combtna aspectos dos estadiamentos de Clark cor marrom ou coloração acastanhada, locahzada nos grandes
e de Breslow. lábios e períneo, podendo atmgtr grandes dtmensões.
/.

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J 418 Seção I Ginecologia

Leiomioma mento pode ser realizado com agentes citotóxicos, cirurgia ou


O leiomioma é um tumor exclusivo do clitóris e se origina te rapia imunomoduladora.
do tecido muscular liso.
Cistos da glândula de Bartholin
Schwanoma Os cistOs da glândula de Bartholin podem ser uni ou bila-
O schwanoma é também exclusivo do clitóris, originando- te rais. Frequentemente são sequelas de episódio infeccioso,
-se da bainha neuroecwdérmica dos nervos. principalmente por gonococo. A causa principal é a obstru-
ção do duetO excretor.
Condiloma acuminado
O condiloma acuminado é uma lesão verrucosa causada NEOPLASIAS BENIGNAS DA VAGINA
pela infecção por HPV, ge ralmente dos tipos 6 e 11. As verru- Cistos de resíduos embrionários
gas do trato genital inferior podem ser d ivididas em três tipos Os cistos de origem mesonéfrica são os mais frequentes e,
com base na apresentação clínica: em ge ral, assintomáticos, podendo ser encontrados desde o
• Lesão h iperplásica tipo couve-flor, chamada condiloma fundo de saco vaginal até o introito , na área correspondente
acuminado. Consiste em lesões róseas ou b rancas encon- ao duetO de Gartner. São claros e aquosos, podendo ser úni-
tradas principalmente nos pequenos e grandes lábios e na cos ou múltiplos. O epitélio de revestimento é cúbico, envol-
região perianal. to por membrana basal e músculo liso, podendo apresentar
• Pequena verruga tipo placa, séssil. metaplasia escamosa.
• Lesão h iperceratótica tipo verruga vulgar.
Cistos de inclusão
O condiloma vulvar acomete mulheres de todas as idades,
Os cistos de inclusão ocorrem na porção inferior da vagi-
porém o pico de incidência ocorre entre os 20 e os 24 anos.
na, frequentemente na área de cicatrizes, como as de episiotO-
As lesões variam de pequenas e facilmente tratáveis a lesões
mia ou as de cirurgias vaginais prévias. De tamanho pequeno,
grandes, formando massas que tendem a recorrer após o tra-
tamento (Figura 51.6). Característica importante da infecção variando de 1 a 3cm, são formados por inclusões de epitélio
escamoso estratificado que descama para o interior do cisto ,
por HPV no tratO genital inferior é que as lesões envolvem
múltiplos sítios e são multi focais. o que leva à degeneração e à formação de conteúdo amarelo
As lesões têm aparência típica e são facilmente reconheci- e caseoso.
das, mas em alguns casos deve ser feitO d iagnóstico diferencial
entre condiloma plano, molusco contagioso, papiloma, h idroa- NEOPLASIA INTRAEPITELIAL VAGINAL (NIVA)
denoma e carcinoma verrucoso, se a lesão for grande. Em casos A incidência da NIVA não é bem conhecida. Em 1977,
atípicos, a biópsia é obrigatória e confirma o diagnóstico. uma análise publicada nos EUA relatou 0,2 a 0,3 caso por
Portanto, antes do tratamento das lesões vulvares induzi- 100 mil mulhe res.
das por HPV deve-se confirmar que são benignas, determinar A NIVA apresenta muito dos mesmos fatores de risco da
a extensão da doença e excluir infecções associadas. O trata- NIC, incluindo tabagismo , início precoce da atividade sexual,
múltiplos parceiros sexuais e infecção pelo HPV Outros fa-
tores de risco são tratamento prévio para NIC e radioterapia
prévia para cânce r de colo uterino.
As mudanças que ocorrem no epitélio escamoso que reves-
te a vagina são classificadas em NNA I, 11 ou 111, de acordo
com a gravidade da lesão. A terminologia LAST (Lower Ano-
genital Squamous Tenninology) , introduzida em 2012 com o
objetivo de unificar a nomenclatura das lesões escamosas as-
sociadas ao HPV em tOdo o trato anogenital inferior, também
se refere à vagina. Essa proposta recomenda o uso das expres-
sões lesão intraepiteial escamosa de baixo grau (LSIL) e lesão
intraepitelial escamosa de alto grau (HSIL) para o diagnóstico
histOlógico das lesões intraepiteliais.
Em virtude da baixa prevalência da doença, os exames de
rastreamento para NJVA e câncer de vagina não são recomen-
dados. Diante de exame citOlógico sugestivo de lesão de alto
grau, deve-se realizar colposcopia para identificar a lesão e
direcionar a biópsia. Os achados mais frequentes são epitélio
Figura 51.6 lesão intraepitelial escamosa de baixo grau da vulva acewbranco, em mosaico ou pontilhado, geralmente multi fo-
- condiloma. cal e localizado no terço superior da vagina, e a extensão da
\.
r
( I

Capitulo 51 Doenças da Vulva e da Vagina 419

lesão pode ser avaliada com a ajuda da aphcação de solução Tipos histológicos e incidência
de Lugol. • Carcinoma de células escamosas - 85%.
• Adenocarcinoma- 6%.
Tratamento • Melanoma- 3%.
Ao se planej ar o tratamento d e NTVA, as finalidades te- • Sarcoma- 3%.
rapeuticas devem ser sempre lembradas, como preveni r o • Misto- 3%.
aparecimento de cânce r e preservar o formato e a função da
vagina. Estadiamento - FIGO
Vários procedimentos conservadores são propostos para • Es tádio I: carcinoma limitado à parede vaginal.
o tratamento, como excisão local, eletrocoagulação, vapori- • Es tádio li : carcinoma envoh-endo o tecido subvaginal sem
zação com laser e aplicação de medicamento tóp1co, como apresentar extensão à parede péh'ica.
ác1do tricloroacéúco e imiquimode. • Es tádio lll: carcmoma se estendendo até à parede pélvica.
• Es tádio TV: carcmorna se estendendo até à pelve verdadei-
CÂNCER DE VAGINA ra ou envoh·endo a mucosa da bexiga ou do reto. O edema
Raro, o câncer de vagina representa I% a 2% das neopla- bolhoso não poss1bilita a classificação do tumor como es-
sias mahgnas do aparelho genital femimno. A maioria dos tu- tádio IV D1ssemmação para órgãos a distancia.
mores é metastática, envolvendo a vagina por extensão d ireta,
via linfática ou hematogênica. Mais de 90% dos tllmores pri- Tratamento
mários são de origem epitel ial e 25% deles apresentam apenas A rad ioterapia é o tratamento de escol ha para a maioria
lesão in silu. dos casos de câncer de vagina. Os proced imentos cirúrgicos
A redução da incidência tem sido relatada nos úlLimos devem ser reservados para o tratamento em caso de falha da
anos, possivelmente em razão da detecção precoce com cito- radioterapia, para os tumores não epiteliais e para adenocar-
logia oncótica cervical e da maior rigidez nos criténos diag- cinomas de células claras de estádio 1em pacientes jovens.
nósucos, eliminando dessa categoria tumores onginados em Para as pacientes com tumor no estádio 1 localizado no
órgãos adJaCentes, como colo, vulva ou endométrio. terço superior da vagma, o tratamento drúrg1co consiste em
O p1co de incidência está estabelec1do entre os 50 e os 70 histerovagmectom1a rad1cal e linfadenectom1a péh'lca. Para
anos de 1dade, com média de 60 a 65 anos. lesões locahzadas no terço inferior da vagina, os procedimen-
Os potenciaiS fatores de risco são: ba1xo nlvel socioeconõ- tos de escolha são a vulvovagínectomia radical e a linfadenec-
mico, história de verrugas genitais, corrimento ou irritação tomia inguinal bilateral.
vaginal, citologia oncótica anormal previamente e histerecto- A combinação de irradiação e cirurgia tem sido recomendada
mia anterior. para melhorar os o-esultados terapêulicos, embora mais compli-
cações possam ser encontradas com a terapia combinada.
História natural e disseminação
Esse úpo de câncer é encontrado mais comumente no ter- leitura recomendada
ço superior da parede vaginal posterior. Os tumores podem Bergeron C . New histolog~eal terminology of vulvar intraepothelial
neoplasia. Gynecol Obstei Ferti12008; 36:74-8.
disseminar-se através dessa parede, envol\'endo o colo ou a Darragh TM, Colgan TJ, Tt10mas Cox J et al. Members of lhe LAST
vulva. Entretanto, se as biópsias de colo ou vulva são posili- Pro1ect Work Groups. The lower AnogenrtaJ Squarnous Termonolo-
vas no pertodo do diagnósúco inicial, o tumor não pode ser gy Standardozabon projecl for HPV associated lesoons: backgrou-
considerado lesão primária de vagina. nd and consensus reconvnendations frorn lhe College of Amero-
can Pathologosts and lhe American Society for Colposcopy and
O câncer factlmente se estende aos planos profundos em
Cervocal Pathology. lnl J Gynecol Pathol 2013 Jan; 32( 1). 76-115.
decorrencía da falta de barreira anatõmica. Em geral, as lesões De Paio G, Stefanonn B. Doenças da vulva: colposcopia e patologoa
na parede vaginal anterior penetram no septo vesicovaginal do trato genital inferior. Belo Horizonte: Medsi, 1996:329·62.
e aquelas na parede posterior invadem a camada retovaginal Di Saia PJ, Creasman WT. Clinicai gynecologic oncology. 8. ed. Elsevier.
profunda, podendo haver invasão de paracol po e paramétrio, Gleason BC, Hirsch MS, Nucci MR. Atypical genital nevi.A clinico-
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estendendo-se para fossa do obturador, ligamento cardinal, Gray HJ. Advances in vulvar and vaginal cancer treatment. Gynecol
parede pélvica lateral e ligamento uterossacro. O envolvimen- Oncol 2010; 118 :3-5.
to de línfonodos inguinais é mais comum quando a lesão está Gruenigen VE, Gobbons HE, Gobbins K, Jenison El, Hopkins MP. Sur-
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é o sintoma micial em 50% a 75% das pacientes. Queixas Kennedy CM, Boa.rdman LA. New approaches to externai genital
menos frequentes são disúria e dor pélvica, que ocorrem em warts and vulvar intraepilhelial neoplasia. Clin Obstet Gynecol
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J 420 Seção I Ginecologia

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CAPÍTULO

Câncer Cervicallnvasivo
Teima Maria Rossi de Figueiredo Franco
Márcia Aurélia Prado BoaventtJra

INTRODUÇÃO A neoplasia cervical é decorrente da interaçAo do HPV com


O câncer de colo uterino (CCU) é um problema de saúde as células metaplásicas imatu ras da zona de transformação.
pública no mundo, especialmente em palses menos desenvolvi- A exposição ao HPV é evento muito comum principal-
dos, onde ocorrem 70% dos casos, ressaltando-se que quase um mente em mulheres jovens sexualmente ativas, mas, apesar
quinto é registrado na lndia. O dtagnóstico nesses palses é maior da frequente exposição, o estabelecimento das lesões cervicais
em estádios mais avançados (>182) e matS do que a metade nos pré-malignas e malignas é evento relauvamente mcomum,
estádios llle 1Y. Segundo dados da Orgamzação Mundial da Saú- ressaltando-se que a maioria das anormalidades virais não se
de (OMS), o CCU é o quano upo de câncer mais comum entre transformará em câncer mvasor, mesmo quando não tratadas.
as mulheres, com 527 mtl novos casos relatados em 2012. Em mulheres imunocompetentes, a mfecção isolada pelo
Para o ano de 2016 são esperados no Brasil 16.340 novos HPV não parece ser sufictente para mduztr o cãncer cervical,
casos de CCU com riSCo esumado de 15,85 casos a cada 100 sendo necessãria a presença de cofatores na carcmogênese
mil mulheres. :-lo ano de 2012 foram regtstrados 265 mílóbi- cerdcal, como tabagismo, efettos hormonatS de contracep-
tos no mundo, sendo 87% em palses em desem·oMmemo. ti\'Os orais e geStação, tmunossupressâo, mfecção crõmca e
Trata-se da quarta causa mats frequente de morte por câncer baixo nível socioeconOmtco.
em mulheres. O CCU é evento raro, quando se leva em conta que cerca
O CCU é raro em mulheres até 30 anos de idade, e o pico de 80% das mulheres sexualmente ativas serão infectadas por
de incid~ncia se dá entre os 45 e os 50 anos. A mortalidade algum tipo de HPV du rante suas vidas. Cabe ressaltar que
aumenta progressivamente a partir da quarta década de vida 32% dessas mulheres estão infectadas pelos tipos 16, 18 ou
com diferenças regionais importantes. A incidência diminui a por ambos, enquanto a incidência anual desse câncer é de
partir da quinta década de vida. 500 mil casos.
Esse tumor apresenta alto pOLencial de prevenção e cura, e Embora a maioria dos casos de câncer cervical esteja rela-
seu prognóstico depe nde especialmente do estád io clinico ao cionada com HPV de alto risco, existem alguns poucos casos
d iagnóstico. A sobrevida em 5 anos é de 70% a 95% para os de CCU mais agressivos não relacionados com o HPV
estádios I e 11. A taxa de recorrência é de aproximadamente
50% a 70% nos casos localmente avançados. Início precoce da atividade sexual e número de
parceiros sexuais
Quanto mais precoce o inicio da atividade sexual, maiores
ETIOPATOGENIA E FATORES DE RISCO
a probabilidade de multiplicidade de parceiros e as chances
Papilomavírus (HPV) de exposição aos vários tipos de HPV, além do maior tempo de
A associaçAo entre o CCU e a mfecção persistente pelo exposição ao vírus. Além disso, as pacientes joYens ficam
HPV de alto risco está bem estabelecida: o HPV pode ser en- mais sujeitas a conLrair o HPV
contrado em cerca de 99% dos casos de câncer im·asor do Quanto maior o número de parcetros sexuais, matar é a
colo uterino. Os tipos mais prevalentes de HPV de alto risco chance de um deles ser portador de um vlrus de alto risco e,
que infectam o colo utenno são os HPV 16 (53%), 18 (15%), por conseguinte, de a parcetra vir a desenvoh-er lesão de alto
45 (9%), 31 (6%) e 33 (3%). grau ou mesmo um câncer tm11sor.

421
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J 422 Seção I Ginecologia

As pacientes cujos maridos tive ram cânce r de pênis apre- Métodos de barreira
sentam maiores incidência e mortalidade por cânce r ce rvical. O uso de condom ou d iafragma oferece proteção contra o
câncer cervical, sendo a relação da incidência inversa a seu
Outras doenças sexualmente transmissíveis (DST) tempo de uso.
A presença de outras DST, como he rpes, gonorreia, sífilis
ou clamídia, aume nta o risco de aparecimento do CCU na
PROPAGAÇÃO TUMORAL
mulher.
O câncer ce rvical se propaga diretamente, por continui-
Tabagismo dade (vagina e corpo uterino) e contiguidade (paramétrios,
paracolpos, bexiga e retO), ou indiretamente, po r via linfática
O tabagismo é impo rtante cofawr relacionado com o car-
ou hernática.
cinoma de células escamosas (CCE) e provave!mente ao ade-
A propagação linfática se dá inicialmente para o grupo pri-
nocarcinoma cervical, estando d iretamente relacionado com
mário Oinfonodos paracervicais, parametriais, obturado res,
o tempo de consumo e o número de cigarros consumidos. O
iliacos internos e externos, pré-sacrais e sacrais) e poste rior-
mecanismo de ação está ligado ao efeitO carcinogênico d ire-
mente para o grupo secundá rio (ilíacos comuns, paraórticos
to em razão da presença da nicoti na e da colinina no muco e inguinais).
ce rvical e da diminuição da resposta imune mediante menor
A disseminação hemática, menos comum e mais tardia, se
atividade das células natural killer e diminuição dos níveis de
faz para figado, pulmão, cérebro, ossos e linfonodos supra-
imunoglobulinas e das células de Langerhans no colo uterino
claviculares.
de mulheres tabagistaS.
As pacientes tabagistaS, portadoras de CCU, apresentam
chance maior (35%) de falece r po r qualque r causa ou por HISTOLOGIA
cânce r ce rvical (21 %) quando comparadas com as não ta- O tipo histOlógico mais comum no CCU é o carcinoma
bagistas. Em vi rtude dos efeitOS negativos do tabaco na car- de células escamosas, que representa ce rca de 80% dos casos
cinogênese do cânce r ce rvical e na progressão da doença, a registrados no Brasil. O adenocarcinoma representa cerca de
melhor conduta se ria o estímulo à interrupção desse hábito. 10%, e os outros tipos restantes, 10%, como os carcinomas
adenoescamoso, adenoides cístico e basal, de células claras,
lmunossupressão e doença inflamatória crônica neuroendócrino e indife renciado.
As pacientes com imunossupressão avançada, transplanta- • Tumores epiteliais:
das, em uso de cónico, químio e/ou radioterapia e portadoras de
- Carcinoma de células escamosas (CCE):
doenças inflamatórias crônicas estarão com sua imunidade com-
• Grandes células não ceratinizantes.
prometida e terão mais chances de desenvolver câncer cervical.
• Grandes células ceratinizantes.
Contraceptivos orais • Pequenas células.
• Carcinoma verrucoso.
A contribuição dos contraceptivos o rais é questionável na
- Adenocarcinoma:
gênese do CCU, have ndo estudos que comp rovam sua parti-
• Padrão comum.
cipação e demonstram aumento do risco com o tempo de uso
e redução com a interrupção do contraceptivo, retOrnando • Adenoma maligno.
ao risco normal após 10 anos. Outros relacionam seu uso ao • Mucinoso.
provável aumento do número de parcei ros sexuais e ao não • Papilífe ro.
uso de métodos de barreira, fatores de risco já citados. Uma • Endometrioide.
metanálise de 2007, avaliando a relação entre cânce r cervical • Células claras.
e uso de contraceptivos a longo prazo, mostrou aumento da • Adenoide CÍStiCO.
incidência do CCU. • Carcinoma adenoescamoso.
• Tumores mesenquimais:
Deficiências nutricionais - Sarcoma do estroma endoce rvical.
Cabe citar as hipovitaminoses A, C e E, além da deficiência - Carcinossarcoma.
em oligoelementos, porém mais estudos precisam se r reali- - Adenossarcoma.
zados ames que alguma recomendação nutricional possa se r - Le iomiossarcoma.
relacionada com a preve nção do cânce r cervical. - Rabdomiossarcoma embrionário.
• Tumor do du eto de Gartner.
Escolaridade • Outros:
O CCU está associado ao grupo de maior vulnerabilidade - Tumores metaStáticos.
social, incluindo instrução e nível socioeconômico, que, se - Linfomas.
deficitários, podem dificultar o acesso aos meios de educação - Melanomas.
em saúde. - Carcinoides.
r
((

Capítulo 52 Câncer Cervícal lnvasivo 423

DIAGNÓSTICO Exames de imagem


O dtagnóstico de CCU é fornecido pela biópsia do colo. A O estadiamento do CCU é clinico, e os métodos de imagem
a,'l!Jiação do canal cervtcal deverá ser realizada sempre que são opcionais para os estádtos SIBl. As pacientes com cãncer
houver suspella de lesão endocervtcal, e a vagina deverá ser cen'ical que deseJam presen·ar a fen1lidade de\'em ser a\'lllia-
a''llhada cutdadosamente em toda sua extensão. das por esses métodos para que seJam descanados fatores de
Às vezes, o dtagnósuco é sugendo pela btópsia, mas a con- risco que possam contramdtcar o tratamento consen-ador.
firmação de cãncer cervtcal só é conseguida em peças de coni-
zação, princtpalmente nos casos de carcinoma microinvasor. Radiografia de tórax
A radiografia de tórax deve ser sohcnada para afastar me-
Diagnóstico clínico tástase pulmonar.
Nos es!Adios pré-invastvos, o cãncer cervical só apresenta
alterações à colposcopia, sendo a avaliação normal a olho nu. Urografia excretora
Com a progressão do tumor, o colo começará a apresentar A urografia excretora pode ser solicitada em caso de sus-
lesões que poderão ser diagnosticadas macroscopicamente e peita de compressão ureteral pelo tumor. A presença de
também evoluir de diferentes maneiras, como: uretero-hidronefrose basta para classificar o tumor como es-
• Crescer com vegetações para a ectocérvice (tipo couve-nor). tádio I!IB.
• Tornar-se infiltrativas, endurecidas, com aspecto nodular.
• Expandir-se para a endocérvice (tipo barrel-shaped). U/trassonografia (US)
• Apresentar ulcerações, necrose e/ou in fecção com o odor A US possibilita a avaliação linfonodal, estando, ponanto,
desagradável caracterlslico. indicada somente nos estádios iniciais até lBl ou quando não
• Apresentar associação de áreas vegetantes com as de ulce- é possível a realização ele outro exame de imagem. A US apre-
ração e/ou de tumor infiltrativo. senta sensibilidade ele 67% a 83% e especificidade de 56% a
100% na avaliação ele envolvimento parametrial.
Os tumores vegetantes apresentam prognóstico melhor do
que os ulcerados, e as lesões iniciais geralmente são assinto- Tomografia computadorizada (TC)
rnálicas. A TC pode ser utilizada no estadiamento do CCU para a\'ll-
Com o cresctmento do tumor, os vasos responsãveis por liação de metástases e comprometimento linfonodal ou até
sua nutrição \'llO se tornando insuftctentes para a irrigação mesmo para detecção de comprometimento ureteral. Entre-
adequada, levando a necrose e posterior infecção secundária. tanto, como o !ndtce de falso-negauvos é aho, não é o método
As pactentes podem apresentar sangramento espontâneo ou adequado para estadtamento locorregtonal do colo utenno.
durante as relações sexuaiS (smusorragia) em associação ao O carcinoma micromvasor, estádto IA, não é detectado
commento abundante e féudo, geralmente com odor carac- pela TC, a qual não de\'e, então, ser uuhzada para avahaçào
terlsuco (em vinude de necrose e mfecção). Com a e\·olução dos estádios inictats.
do tumor, a pactente pode apresentar ptora progressh·a de
seu estado geral, ínclumdo msuficitncta renal pós-renal por Ressonância magnética (RM)
compressão exuinseca do trato unnáno. A RM possibtlita a caractenzação da anatomta do colo uteri-
Quando o tumor aparece na pós-menopausa, o sintoma mais no normal e a idenuficação do tumor pnmáno e sua extensão.
comum é o retomo do sangramento vaginal. Edema de mem- Tem mais acurácia do que a TC para avahação locorregional,
bros infenores pode estar presente quando hâ dificuldade prindpalmente a avaliação parametrial. Quanto à avaliação de
do retorno venoso por compressão tumoral. A dor aparece comprometimento linfonodal e metástase a distância em ór-
nos estádios avançados, quando há infiltração dos feixes ner- gãos abdominais, sua acurácia é semelhante à da TC e ela pode
vosos. A caquexia é sinal de doença avançada com compro- ser utilizada como método isolado para estacliamento da doen-
metimento metabólico e nutricional. ça. O comprometimento linfonoclal é detectado pela RM por
O exame ftsico da paciente deve ser completo, com avalia- meio do aumento das dimensões dos linfonoclos. Os lin fono-
ção de mamas, linfonoclos supraclaviculares, axilares e ingui- elos com o menor diâmetro >10mm são considerados compro-
nais, tórax, abdome, vulva e membros inferiores. metidos. A presença ele necrose central no linfonodo aumenta
para 100% o valor preditivo positi,•o da RM para malignidade.
Diagnóstico laboratorial
Os exames laboratoriais elevem ser solicitados tendo em Tomografia por emissão de pósitrons (PET-CT)
vista o tratamento a ser proposto. A anemia deve ser corrigida A PET-CT pode ser promtssora para avaliação de invasão
ames do tratamento cirúrgtco, e como dificulta a resposta à linfonodal em estádios avançados, mas exige mais estudos.
radioterapta, também deve ser corrigida antes desse procedi-
mento. A função renal deve ser avahada principalmente nos Uretrocistoscopia e retossigmoidoscopia
estádtos mais avançados, quando pode estar comprometida. A uretroeistoscopta e a retosstgmotdoscopia são exames
Teste anu-HIV e ghcemta também de,·em ser realizados. Con- opcionais, estando mdtcados em caso de suspeita de envolvi-
vém descanar gravtdez. mento da bextga ou do reto, respectivamente.
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I )

j 424 Seção I Ginecologia

ESTADIAMENTO
Segundo a Federação lnternacíonal de Gmecologta e Obs-
tetrtcta (FIGO), o estadiamemo é clinico e se baseta no ta-
manho do tumor e na extensão para a pelve, devendo ser
realizado de manei ra cuidadosa.
No exame pélvico deve ser inclufdo o toque vagi nal para
avaliação das paredes vaginais e do acometimento dos fórn i-
ces vaginais e do colo, que deve se r avaliado de acordo com
seu tamanho, consistência, presença de ulcerações, vegeta-
ções e mobtlidade. O toque retal deve reahzado para avaliação <4cm
dos paramétrios, da integridade da mucosa retal e também da
presença de ffstula retovaginal.
O exame sob analgesia pode ser necessáno nos casos de dor
pélvica para factlitar a avaliação, possibíhtar o exame por mais
de um exammador e realizar a biópsia de rnanetra adequada,
podendo ser precedido pelos exames já citados que fazem par-
te da propedl!utica e auxiliam o planejamento terapj!utico, mas Figura 52.1 Estádio IBl.
não pode ser alterado por esses exames subseq uentes. Em caso
de dúvida, deve-se optar pelo estadiamento menor.
O acometimento dos linfonodos paraórticos é considerado
metástase a distância. A extensão para o corpo uterino não
altera o estadiamento (Quadro 52.1 e Figuras 52.1 a 52.8).

Quadro 52.1 EsUldiamento do CCU

FIGO Tumor primário


EstádooO Carcinoma in situ, carCJnoma onlraepotelial
Estádoo IA Carcinoma confinado ao colo
Estádio IA1 Invasão estromal de até Jmm e extensão
máxima de 7mm
Estádio IA2 Invasão estromal > 3mm e até 5mm e e><tensao
de até 7mm
Estádio 18 Lesao > IA e confinada ao colo
Estédio 181 Lesao de até 4cm
Estadia 182 Lesao maior que 4cm
EstádiO 11 Invasão da vagina. mas sem onvadir o terço Figura 52.2 Estádio IB2.
inferiol, ou invasão do paramétno. mas sem
invasão da parede pélvica
EstádiO liA Invasão do terço supenor da vagona. mas sem
invasão dos pararnétrios
Estádio liA t Tumores de até 4cm no maoor doêmetro. sem
invasão dos paramétrios
Estédio IIA2 Tumores >4cm, sem invasão dos paramétrios
Estádio 118 Invasão parcial dos paramétrios
Estádio 111 O tumor invade o terço inferior da vagina e/ou a
parede pélvica
Estádoo I liA O tumor atinge o terço interior da vagina. mas
nao atinge a parede pélvoca se o paramétrio
estiver envolvido
EstédoO 1118 Invasão dos paramélrJOS até a parede pélvica.
hidronelrose ou alteração da lunçao renal
EstádiO rv E><tensão tora do lrato reproduovo
EstádiO IVA O tumor invade a mucosa da bex.ga e/ou do reto
EstádiO IV8 Metástase a distancia ou tumor fora da pelve
Fofl/o:adapoado de FIGO- Comminee on Gynecologic Oncology. Revl$&d FIGO
staging for carcinoma m tho cervix.. 1n1 J Gynaecol Obstot 2009; 105. 103-4. Figura 52.3 Estádio liA.
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( I

Capitulo 52 Câncer Cervicallnvasivo 425

Figura 52.7 Estádio IVA.

Figura 52.4 Estádio IIB.

Omanto LN paraórticos

Figura 52.8 Estádio IVB.


Figura 52.5 EstádiO tltA.

FATORES PROGNÓSTICOS
Os pnnctpais fatores prognósticos que comprometem a
sobrevida das mulheres com CCE do colo uterino são está-
dio, acometimento linfonodal, volume tumoral e invasão do
espaço linfovascular.

Estadiamento
Quanto menor o estádio de infcio do tumor, melhores as
chances de cura. A sobrevida de 5 anos varia de 80% no está-
dio IB a 15% no IVB.

Acometimento I infonodal
O acomeumento hnfonodal é fator de risco mdependente
para pacientes com câncer cervical. Quanto maior o número
de linfonodos acomeudos, menor a sobrevida livre de doen-
ça. A sobrevtda de 5 anos é de 75% para pacientes sem aco-
metimento linfonodal e de 56% para aquelas com metástase
Figura 52.6 Estádio 1118. linfonodal pélvica.
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J 426 Seção I Ginecologia

Quadro 52.2 Acometimento linfonodal no CCU renciação parece se r mais importante como fatOr prognóstico
Estádio Metastase pélvica(%) Metástase paraórtlca (%) no adenocarcinoma do colo uterino.
IA1 1 o Margens
IA2 5 o O acometimento das margens está associado a recidiva lo-
IB 15 5 cal em 40% dos casos nos estádios IB e liA com margens
liA 25 10 positivas versus 16,7% com margens negativas.
IIB 30 20
111 45 30
Anemia
As mulheres com anemia parecem apresentar pior prog-
IV 55 40
nóstico do que as que não a ap resentam e também não res-
Fonte: Singh N , Atif S 2004.
pondem tão bem à radioterapia, o que resulta em maior falha
do tratamento.
A presença de metástase em linfonodos pélvicos aume nta
em 3,5 vezes o risco de óbitO. As taxas de sob re vida de 3 anos Comportamento do tumor
para tumores estádio IB-IJB sem acometimento linfonodal, Os tumores exofíticos apresentam melhor prognóstico do
metástase em linfonodos pélvicos e metástase em linfono- que os infiltrativos e os ulcerados.
dos paraónicos fo ram de 94%, 64% e 35%, respectivamente
(Quadro 52.2). Profundidade de invasão
A profundidade de invasão demonstra correlação com a
Volume do tumor sobrevida e com o inte rvalo livre de doença, sendo medida
O volume do tumor pode ser avaliado por métodos de ima- em milímetros ou em frações. Quando a profundidade de in-
gem, como a RM, e está relacionado com metástase linfonodal. vasão co rresponde a mais de dois te rços do colo, há aumento
da recidiva local.
Invasão linfovascular e perineural
A invasão linfovascular é um predito r de metástase em lin- Envolvimento parametrial
fonodos pélvicos e paraórticos. A presença de invasão peri- Os tumores que invadem o paramétrio têm pio r prognós-
neural mais do que dobra o risco de recorrência em pacientes tico do que aqueles que não o fazem. É fator independente e
com tumores >4cm. preditor de recidiva , podendo innuenciar a seleção de pacien-
tes que serão submetidas a tratamento adjuvante.
Tipos histológicos
Idade e saúde geral da paciente
O CCE tem melhor prognóstico do que o adenocarcinoma
segundo a maioria dos trabalhos. Alguns autores consideram que a idade não altera o prog-
Nos estádios iniciais, os adenocarcinomas e os CCE apre- nóstico. Outros admitem que o prognóstico é pior nas pa-
sentam a mesma taxa de recidiva e sob revida. O paradigma cientes mais j ovens em razão de os tumores serem mais indi-
referente às condutas mais agressivas no adenocarcinoma nos ferenciados nessa faixa etária. Outros ainda consideram que o
estádios iniciais precisa de mais investigações. prognóstico é melhor nas pacientes mais jovens pelo fato de
O adenocarcinoma apresenta maior resistência à radioterapia, responderem melhor a qualquer tipo de tratamento.
maior propensão à metástaSe intraperitoneal e maior frequência
de metástaSe linfonodal e de metástaSe a distância e ovariana. TRATAMENTO
Outros estudos não demonstram diferença entre recorrência e A escolha do tratamento vai depender de vários fatores,
sobrevida, mas mostram pior prognóstico para o adenocarcino- como idade, desej o de manutenção da fertilidade, como rbi-
ma quando há linfonodos ou paramétrios acometidos. dades presentes, estádio da doença, vontade da paciente, ha-
O carcinoma adenoescamoso, o papilar seroso, os tumo- bilidade e preferências do médico.
res de pequenas células neuroendócrinos e os carcinomas de Nas últimas décadas, o tratamento do CCU passou por
células claras são tumores agressivos com pior prognóstico. grandes mudanças, como o uso concomitante de quimiote-
O carcinoma viloglandular ge ralmente acomete pacientes jo- rapia e radioterapia, o ferecendo grande benefício à paciente
vens e apresenta bom prognóstico. com melhora da resposta ao tratamento e da sobrevida. A evo-
lução do tratamento cirúrgico tOrnou possível a manutenção
Grau de diferenciação do tumor do futuro reprodutivo das pacientes que desejam engravidar.
O grau de diferenciação do tumor é fator importante no O Quadro 52.3 resume os principais tratamentos ofereci-
prognóstico do CCU. Cerca de 20% são bem diferenciados, dos às pacientes com CCU.
60% moderadamente diferenciados e 20% indiferenciados. O
prognóstico é proporcional a essa diferenciação, se ndo tan- Carcinoma microinvasor
to pior quanto maior for o grau de indiferenciação, embo ra O diagnóstico do carcinoma microinvasor do colo uterino
alguns estudos não mostrem essa associação. O grau de d ife- não pode se r feitO em material de biópsia e deve ser confLr-
r
((

Capítulo 52 Câncer Cervical lnvasivo 427

Quadro 52.3 Tratamento do CCU fetal , índice de cesariana, ruptura prematura de membranas
Estádio Tratamento Preservação da e corioamnionite.
padrão fertilidade O controle após o tratamento do adenocarcinoma micro-
tAl sem ILV Histerectomia Conizaç!l.o invasor pode ser feito com teste de DNA-HPV de alto risco 12
IA1 com ILV
meses após a conização ou citologia oncótica anual.
Histerectomia + LN ou LN laparoscópica +
HA + LN conização As pacientes que ap resentarem contraindicacão ao trata-
IA2 ou 181 ou HA + LN LN+ TA mento cirúrgico podem ser tratadas com braquiterapia imra-
liA <2Cm cavitária exclusivamente.
181 >2cm HA+ LN POE +OI ou
OT + LN +TA Estádio IA2
182 OI POE +OI ou O tratamentO é o mesmo preconizado para os estád ios IB1
OT + LN +TA e liA <4cm.
liA >2Cm HA + LN (casos POE +OI ou
selecionados) ou OI OT + LN +TA Estádios 181 e liA <4cm
118 a IVA OI POE+QI A histerectomia tOtal ampliada (classe 11/Ill de Pive r) com
AIS: adenocarcinoma in situ; CCE: carcinoma de cétulas escamosas: ILV: invasao linfadenecwmia pélvica é a ci rurgia indicada para o tratamen-
linfovascular; LN: linfadenectomia: TR: traquelectomia radical: POE: preservação de tO do câncer cervical invasor nesses estádios.
óvulos ou embriOes: OI: quimioirradiaçao: OT: quimioterapia.
Fonte: Franco e Boaventura. 2015. As pacientes no estádio 1B1 com tumores <2cm deverão
se r submetidas a h isterectomia classe li com remoção parcial
dos paramétrios e do te rço superior da vagina. Aquelas com
mado em peça cirúrgica de conização. O tratamento vai de- estádio IB1 com tumores >2cm deverão se r submetidas a his-
pender da profundidade da invasão e do desejo ou não de terectomia classe lii com remoção total dos paramétrios e da
preservação da fe rtilidade. metade superior da vagina.
O tratamento do adenocarcinoma microinvasor é contro- Os resultados são semelhantes tanto pela via laparotômica
verso, pendendo a favor da histerecwmia total; no entanto, como pela laparoscópica ou robótica. Nas pacientes jovens,
com base na ausência de invasão parametrial e envolvimento os ovários podem ser conservados, marcados com agrafe e fi-
linfonodal, pode-se optar por conização quando as margens xados fora da pelve para que não sejam irradiados em caso de
são negativas e é desejada a preservação da fertilidade. necessidade de radioterapia complementar. A incidência de
A sobrevida da paciente tratada por adenocarcinoma no es- metástase ovariana no CCE estádio IB é de 0,8% e no adeno-
tádio IA1 é de 99%, sendo de 98% para o estádio IA2. O en- carcinoma, 5%. Nessas pacientes jovens, as consequências da
volvimento parametrial é raro (11373 casos). O tipo hisLOlógico privação estrogênica na qualidade de vida fazem a preserva-
endometrioide é considerado de alto risco e pode estar relacio- ção do ovário se r levada em consideração pelos médicos nos
nado com recidiva tardia e pior sobrevida (1,4%) nos estád ios casos de CCE, tendo em vista a baixa incidência de metástases
IA1 e IA2, enquanto o mucinoso é considerado de baixo risco. ova rianas nesse tipo hisLOlógico , e sua remoção nos casos de
adenocarcinoma (Figura 52.9).
Estádio IA1 A linfadenecwmia pélvica é realizada nas cade ias iliacas
Em pacientes que não desejam manter o futuro reproduti- comuns, inte rnas, externas e obturatórias bilate ralmente, e
vo, o tratamento preconizado para o estádio IA1 sem invasão também por laparotomia convencional, via laparoscópica ou
linfovascular consiste na histerecwmia tOtal. Quando há inva- extraperitoneal, com resultados equivalentes.
são linfovascular, a h iste rectomia total com linfadenectomia é
o tratamento propostO.
Se existe o desejo de preservação da fertilidade, o tratamen-
tO pode ser conservador mediante conização para o estádio IA1
sem invasão linfovascular. O carcinoma microinvasor do colo
uterino do estádio IA1 apresenta as mesmas taxas de sobrevida,
tanto para o CCE como para o adenocarcinoma, e a conização
parece ser o tratamento adequado. Na presença de invasão lin-
fovascular, está indicada a linfadenecwmia pélvica.
O material obtido pela conização (cone clássico, cirurgia de
alta frequência [CAF]. ou cone a laser) deve ser preferencial-
mente não fragmentado e com margens de 3mm. Se as margens
estiverem comprometidas, estará indicada nova conização.
Nas pacientes submetidas à conização clássica ou CAF po r
carcinoma microinvasor é maior a incidência de complica-
ções obstétricas, quando comparadas à população em ge ral,
como aumento da incidência de parto prematuro, baixo peso Fi gura 52.9 Peça de histerectornia total ampliada.
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J 428 Seção I Ginecologia

As pacientes submeudas à histerectomia radical (HR) não palmente das veias illacas ou obturatónas) e lesões do trato
necessitam de tratamento adjuvante se os tumores forem de urinãrio baixo (porção bav:a do ureter e bexiga). As lesões
baixo risco, mas devem receber tratamento complementar na dos ureteres podem ser corrig.das por me1o de sutura, rea-
presença de fatores de riSCo intermediário e alto, como segue: nastomose ou implantação na bex1ga.
• Tardias: a disfunção ''esical vana de 9 ,5% a 22% e, em ge-
• Baixo risco (sem mvasão do espaço hnfovascular, invasão
ral, é e'itada com a permanênaa da sonda \'eSical por 5 a 7
esuomal de menos de um terço e/ou tumor <4cm): não
dias após a ciru.rgia. Infecção unnária, mfecção péi\'IC3, frstula
necessita tratamento complementar.
,·esicovaginal e ureterovag.nal, emboha pulmonar, línfocele,
• Risco intermed iário (tumor ~4cm, mvasão do espaço lin-
linfedema e aderências também são eventos que podem estar
fovascular e/ou invasão estromal profunda): está indicada
associados ao tratamento drúrg.co do câncer ceT\1cal.
a radioterapia, que aumenta a progressão livre de doença e
pode melhorar a sobrev1da. Estádios IIA2, 182, 118, 111 e IVA
• Alto risco (linfonodos comprometidos, margem compro-
A cirurgia não é recomendada nesses estádios. O tratamen-
metida, paramétno comprometido): o risco de recidiva é
to indicado é a radioterapta externa com braqu iterapia e qui-
de aproximadamente 40% e o de mone excede 50% com o
mioterapia (quimioirradiação).
tratamento cirúrgico isolado. A quimioirrad iação está ind i-
cada por promover melhora da sobrevida em 50% a 60% e Estádio JV8
diminuição da recidiva em 8,6% dos casos.
Os casos devem ser individualizados de acordo com a ex-
Outros estudos recomendam que as pacientes que apre- tensão da doença e as condições gerais da paciente.
sentarem dois fatores ele risco intermediários deverão se r
submetidas à radioterapia e as pacientes que apresentarem Tratamento radioterapêutico
um fator de alto risco deverão ser submetidas à radioterapia No tratamento do câncer cervical, a radioterapia abrange a
associada à quimioterapia. teleterapia e a braquiterapia. A primeira é realizada com co-
Estudos random!Zados demonstraram evidências insufi- balto ou acelerador linear, em regime ambulatorial, enquanto
cientes de que a h1sterectom1a após a radioterapia, sem ou a segunda pode ser realizada com alta ou baixa taxa de dose e
com quimioterapia, aumenta a sobrevida das mulheres com necessita de internação.
câncer cervical localmente avançado e que foram tratadas A radioterapia pode ser exclusi,•a, pré-operatória, pós-ope-
com radioterapia ou quim1oirradiação 1solada. ratória ou quimioirradiação (assoc1ada à qUimioterapia).
Quando houver contramd1cação para o tratamento cirúrgi- A radioterapia exclus1va pode ser mdicada nos estádiOS I,
co ou ausênCia de cirurgl<\o hab1htado. ou mesmo em caso de 11, III e IVA. Nos estádios IBl e liA , a sobre,'lda é pratica-
preferência da paCiente, a rad1oterapm pode ser adotada com mente igual tanto com a rad1oterap13 como com a cirurgta.
resultados Slmtlares. A cirurgia apresenta a '-antagem de manter a função ovanana
A HR não é a úmca opção para tratamento do câncer cer- nas pacientes jO\·ens e perm1ur que a vagma permaneça com
vical inicial. Naqueles casos em que há deseJO de gravidez po- elasticidade adequada para a auv1dade sexual. Do estádiO I82
de-se optar pela traquelectomla radical com línfadenectomia em diante, a radioteraplll oferece melhor sobrev1da do que a
pélvica em tumores dos estádios IA2 e IB I S:2cm. cirurgia, devendo ser reahzada entre 6 e 8 semanas.
Os resultados da traquelectomla radical são comparáveis A radioterapia pré-operatória, atualmente em desuso, está
aos da histerectomia radical para lesões do mesmo tamanho, indicada para diminuir os tumores volumosos, principalmen-
apresentando como vantagem a preservação da fertilidade. A te nos adenocarcinomas e nos tumores bar,.ef shapped, e a ci-
sobrevida de 5 anos é de 96% para a TR e de 86% para a HR. rurgia deve ser realizada 4 a 6 semanas após seu término.
A amostragem dos lin fonodos paraórticos está indicada A radioterapia pós-operatória está ind icada após o trata-
nesses estádios. mento cirúrgico nos casos de tumores de risco intermediário
O linfonodo sentinela é o primeiro linfonodo ela cadeia linfá- e em associação à quimioterapia (quim ioi rradiação) nos tu-
tica para o qual ocorre a drenagem a parti r do tumor primário. mores de alto risco con forme descrito. Cabe lembrar que a
Pacientes em estádios iniciais (lA a IBL) podem beneficiar-
radioterapia pode aumentar a morbidade do tratamento.
se d o procedimento com o intuito de di minuir a morbidade
A radiote rapia também está indicada em caso de recorrên-
da linfadenectomia convencional. O procedimento, que está
cia pélvica do tumor.
bem estabelecido no tratamento dos melanomas e do câncer de
A irradiação estendida (radioterapia das cadeias paraórti-
mama, vem sendo empregado também no tratamento do CCU.
cas) não tem beneficio comprovado, além de aumenta r sig-
nificativamente as complicações d igestivas e hematológicas.
Complicações cirúrgicas
A morbidade é notadamente acentuada quando associada à
As complicações cirúrgicas podem ser imediatas ou tar-
quimioterapia.
dias:
Para os tumores com invasão do terço inferior da vagina é
• Imediatas: ocorrem em menos de 10% dos casos, no pe- necessária a radioterapia mgumal.
roperatório, e mcluem as lesões dos grandes vasos (princi- A quimioirradiação será abordada postenormente.
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Capitulo 52 Câncer Cervicallnvasivo 429

Quimioterapia túnel do ureter é dtficultada pela 6brose da ctrurgta antenor.


Pode ser adju,·ame (após o tratamento), neoadjuvarue (an- Portamo, o tratamento Cirúrgico pode ser indicado em casos
tes do tratamento) ou associada à quimioterapia (quimioirra- iniciais em pac1erues jo,·ens, embora a radioterapia ou a qlll-
d iação). mioirradiação seja a terapia de escolha.
A quimioterapia adjuvarue em casos de CCU está indi-
cada quando os achados ci rúrgicos na histerectomia radical Carcinoma invasor em histerectomia total
demonstram alto risco para recidiva ou quando o carcinoma Pode-se deparar com esse quadro quando não foi reali zada
é um achado ocasional em peça de h isterectom ia simples. As propedêuUca adequada do colo no pré-operatório. O prognós-
pacientes com um ou mais critérios de risco para recidiva, tico é reservado por não ser posslvel urna radioterapia eficiente
como hnfonodos, paramétrios ou margens acometidas, de- sem o colo e o corpo uterino. O tratamento cirúrgico comple-
vem ser submetidas a quimioirradiação se estiverem com boa mentar (parametrectoffil3 radical, exérese do terço supenor
condtção cllruca. da vagina e linfadenectoffil3 péh-ica bilateral) também pode
Outra mdtcação para a quimioterapia adjuvame é em caso ser proposto para as paCientes jo,·ens que desejam preservar a
de recorrencia de tumores já irradtados ou operados. Nesses função ovanana. Outra opção consiste em radtoterapta e qUI-
casos, o aporte sanguineo ao tumor é dtficultado pela presen- mioterapia combinadas. A radioterapia pós-operatóna exclustva
ça da fibrose decorrente daqueles tratamentos, ficando limi- também está mclufda entre as opções terapéuticas.
tada a resposta. A anemia e a uremia decorrentes dos tumores Recidiva ocorre, na maioria das vezes, nos primeiros 2
avançados podem inviabilizar o procedimento. anos após o tratamento. A recidiva local pode ser tratada com
A quimioterapia neoadjuvante não apresenta resultados radioterapia (ou quimioirradiação preferencialmente) para os
positivos quando realizada ames da rad iote rapia e carece de casos já submetidos à histerectomia radical.
mais estudos quando realizada ames do tratamento cirúrgico. Outra opção consiste na exemeração pélvica nos casos já
submetidos à radioterapia prévia. Antes do procedimento de-
Quimioirradiação vem ser afastadas metástase a distância e disseminação intrape-
A associação da quimioterapia à radioterapta rnaxtmtza ritoneal. MUitOS casos, no entanto, mostrarão ser trressecávetS
seus efenos smérgicos e diminuem os efettos tóxtcos. O fár- durante o ato Ctrúr&JCO, mas a sobre,ida pode ser de até 50%
maco mms uuhzado é a cisplatina, que pode ser assoc~ada ao em 5 anos, em casos seleCionados, com baixas taxas de com-
5-fluorouractl (5-FU). A quimioterapia e a radioterapia de- plicação.
vem ser inictadas concomitantemente, sendo a radioterapia
realizada diariamente e a quimioterapia semanalmente (qua- Câncer de colo invasor e gravidez
tro a seis ciclos). A incidencia de gravidez nas pacientes portadoras de câncer
A adição da quimiote rapia com cisplati na à radioterapia invasor de colo é de cerca de 1 em 2.500 gestações. Nesses
aumenta a sobrevida geral e o intervalo livre de doença nas casos, a paciente e o méd ico devem decidi r j untos o tratamen-
pacientes que foram submetidas a tratamento cirúrgico (histe- to. Todos os procedimentos devem ser informados à paciente,
rectomia radical e linfadenectomia pélvica) e apresentam tu- ao companheiro e/ou à famllia e submetidos ao consentimen-
mor de alto risco (linfonodos posith·os, extensão parametrial to formal , devendo ser observados todos os aspectos legatS. O
e/ou margens comprometidas). Nesses casos, a qumuoterapia médico de,·e analtSar a tdade gestacional e es1abelecer o esta-
deve ser reahzada isoladamente com ctsplatina e não ctsplali- diameruo do tumor.
na assoctada ao 5-FU. De'·e-se acrescentar a braqunerapia em De acordo com o número de filhos, a com•tcção rehgtosa e
caso de acomeumemo das margens vagmms. os princlptos éticos, a pacterue de\'e decidir manter ou mter-
O uso da quimioirradiação para o tratamento adjuvarue romper a gestação:
dos tumores de alto risco também pode ser adotado nos está-
• Estádio IA I : está mdtcada a conização em caso de suspei-
dios IB2, liA (>4cm), IIB, lll e !VA.
ta de invasão durante a gestação, a qual deverá ser realiza-
Os estudos associando o uso da cisplntina à radioterapia
da preferencialmente antes da 20' semana, segundo alguns
para o tratamento do câncer ce rvical localmente avançado
auto res, e da 24• semana, de acordo com outros. Se as mar-
mostraram redução de 30% a 50% no risco de morte
gens estiverem livres, a gravidez deve seguir até o termo. A
histerectomia após o pano fica condicionada ao desejo de
Situações especiais
nova gestação. Se as margens estiverem comprometidas,
Carcinoma do colo após histerectomia subtotal com·ém acompanhar por meio de colposcopia e citolog13
A mctdencta do carcinoma do colo após htSterectomia até a '~abihdade fetal.
subtotal tem chminuido em razão da pequena frequencia de • Estádio IA2 e 181 e liA: histerectomia classe ll em útero
htsterectomta subtotal realizada atualmente. A radioterapia é gráv1do até 24 semanas. Após 24 semanas, de,·e-se aguar-
dificultada por não haver espaço para a braqunerapia do coto dar a viabilidade fetal e realizar cesariana e histerectomta
restante. Há mais chances de complicações pelo fato de ter radical com linfadenectomia pélvica. Nos estádios II B, I!IA
havido ctrurgia prévia, a qual também é prejudtcada por ade- e ll!B convém proceder à radioterapia em útero grávida no
rencias entre a bexiga, o retO e o coto de colo. A dissecção do inicio da gestação. A braquiterapia só pode se r realizada
/.
"
I )

j 430 Seção I Ginecologia

após o es,·azlamento da ca,idade ULerina. No final da ges- melhor adequação, aderência ao tratamento e tremamento
tação, aguarda-se a viabilidade fetal, realtZa-se a cesariana profissiOnal compatlvel.
e encammha-se a paciente para quimi01rrad1ação. Nos es- • O tratamento da paciente oncológica deve ser realtZado em
tádiOS IVA e NB o tratamento é individualizado tanto do centros oncológtcos e por profissionais e equipe habilitados.
ponto de vista oncológico como gestacional. • Após o tratamento, a paciente deve ser acompanhada pre-
ferencialmente no serviço onde foi realizado seu tratamento
SOBREVIDA po r profissionais habilitados, devendo receber suporte clini-
co, psicológico, tratamento da dor e cuidados paliativos.
A sobrevida depende dos vários fatores prognósticos des-
critos, assim como do acesso da paciente ao serviço de saúde,
sua aderencta ao tratamento e da habilidade da equipe. O MENSAGENS-CHAVE
Quadro 52.4 mostra a sobre,ida global média por estadia- • A incídênc1a do CCU é alta, principalmente nas popula-
mente ao diagnóstico. ções mais pobres e que não têm acesso aos programas de
prevenção.
SEGUIMENTO • A sintomatologta geralmente é tardia, e as pac1entes ttm
seu diagnósuco realizado em estádios mais avançados.
Os controles devem ser feitos a cada tnmestre nos primeiros
• Pacientes com estádio IA 1 sem fatores de risco podem ser
2 anos após o tratamento com citologia, colposcopia do fundo
submetidas à conização ou à histerectomia (nlvel de evi-
vaginal e avaliação dos paramét.rios. De 2 a 5 anos, os controles
dência 2C).
podem ser feitos semestralmente e, após os 5, anualmente.
• É essencial avaliar a preservação da fertilidade com trata-
Rad iografia de tórax, tomografia computado rizada, ultras-
mentos segu ros e menos radicais. As pacientes com tumo-
sonografia abdominal ou pélvica, assim como outros exames,
res <2cm e sem met.âstase linfonodal podem ser submeti-
serão indicados em caso de queixa ou suspeita de recidiva.
das ao tratamento cirúrgico com presen'3ção uterina.
• Pacientes com câncer cervical inicial são aquelas no estádio
PONTOS CRÍTICOS IA ou IB que apresentam tumores <4cm. São cand1datas
• O estadiamento clinico estabelecido pela FIGO não con- à histerectom1a rad1cal modificada com linfadenectom1a
templa a avahação linfonodal. Acredita-se que será alterado péh•ica preferencialmente à quimioirradiação (nlvel de evi-
futuramente para poder contemplar as alterações encon- dencia 2C). A rad1oterap1a é resen·ada para pac1entes com
tradas nos métodos de imagem e nas alterações hlstoló- comorb1dades.
gicas em razão de seu impacto na escolha do tratamento • As pacientes submetidas ao tratamento cirúrgico com tu-
e na sobrevida. mores de risco intermed iário deverão ser submetidas à ra-
• A alta incidência de CCU no Brasil torna necessários gran- dioterapia adjuvame (nível de evidência 2C).
des investimentos em programas preventivos; contudo, • Pacientes submetidas ao tratamento ci rúrgico que revelou
as dificuldades são inúme ras, e o acesso à saúde, a desin- tumores de alto risco deverão ser submetidas à quimioirra-
formação, a pobreza e as grandes distâncias tornam ainda diação adjuvante (nivel de evidência lA).
mais dirrc1l o combate a esse tipo de câncer. • A q uirnioterapia deverá ser realizada com cisplatina 1solada
• O d1agnóstico do CCU vem sendo estabelecido com fre- e não cisplatma assoctada ao 5-FU (nível de evidência 2C).
quência cada ,·ez maior em pacientes JOvens com prejuizo • O estádio é o fator prognóstico mais importante, segu1do
para a vida reprodutiva e sua sex'Ualidade. pelo acomeumento lmfonodal. Quando há acomeumento
• A orurgta está mdicada principalmente nos estád1os miciais, dos linfonodos pélviCOS e/ou paraórticos, os resultados são
e alguns estudos consideram tumores localmente avançados menos satisfatónos.
os dos estádios IA e IBl, valendo destacar outros que in- • A reposição hormonal parece ser opção segura para as pa-
cluem também o estádio llA < 2cm nesse grupo. cientes que apresentarem sintomatologia após o tratamento.
• A radioterapia pode ser exclusiva, pós-operatória ou associa-
da à quimioterapia. A morbidade determinada pela radiotera- leitura complementar
pia pode ser maior do que após o tratamento cirúrgico. American Cancer Sociely. Survival rales lar cervical cancer, by sla·
• A associação da radioterapia à quimioterapia dim inuiu o ge. Disponível em: http://m.cancer.org/cancer/cervicalcancer/
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\'3 de sucesso do tratamento. Appleby P. Beral V, Berrington de González A et ai. Carc1norna of lhe
cervix and lobacco smok1ng. collaboratíve reanalys•s of 1ndiv1dual
• O sucesso do tratamento do CCU depende de um siste- data on 13.541 women w1th carctnoma of the cerviX and 23.017
ma de saúde eficiente, pre,·enção e dtagnósttco precoce, women Wllhout carculOina oi the cervix from 23 epldemiOiogiCSl
studies. lnt J Cancer. 2006; 118{6):1481-95.
Appleby P. Beral V, Bemnglon de González A et ai. lnternabonal Col·
Quadro 52.4 Sobrevida de 5 anos por estad1amento no CCU laborahon oi Ep1dem10logical Studies oi Cervical Cancer (2007).
Est6dlo o IA 18 liA 118 IIIA 1118 IVA IVB CerviCal cancer and hormonal contraceptíves: collaborallve rea·
nalysis of individual data for 16,573 women with cervical cancer
Sobrevida 93% 93% 80% 63% 58% 35% 32% 16% 15% and 35,509 women wilhout cervical cancer from 24 epidemiologi-
Fonto: Nat•onal Cancor Da1a Base from people d~agnosod botwoon 2000 and 2<X>2. cal slud1es. Lancet370:1609-21.
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Capítulo 52 Câncer Cervicallnvasivo 431

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CAPÍTULO (

Doenças Benignas do Corpo Uterino


Luíza Meelhuysen Sousa Aguiar
Agnaldo Lopes da Silva Filho
Eduardo Batista Cândido

INTRODUÇÃO fine os leiomiomas submucosos como tipo O, quando a massa


Das afecções benignas que podem acometer o corpo ute- está totalmente localizada dentro da cavidade uterina, como
rino, as mais frequentes são os leiomiomas, a adenomiose e tipo ! , quando menos de 50% estão localizados dentro da ca-
os pólipos endometriais. A importância dessas patologias está vidade, e como tipo ll, quando mais da metade da massa está
em sua elevada frequência, nas manifestações clínicas, nas circundada por miométrio. leiomiomas pediculados são aque-
variações terapêuticas e em sua interferência direta sobre o les presos apenas por urna haste ao seu miométrio progenitor.
potencial reprodutivo e a qualidade de vida das pacientes.
Epidemiologia
Os leiomiomas são muito comuns, de modo que cerca de
LEIOMIOMAS 80% das mulheres desenvolvem a doença durante a vida. A
Os leiomiomas ou miomas uterinos são os tumores gine- prevalência aumenta ao longo dos anos na pré-menopausa,
cológicos benignos mais comuns em mulhe res na pré-meno- atingindo o pico por volta dos 50 anos de idade.
pausa. Sua real prevalência é desconhecida, mas acredita-se Nos EUA, estima-se que os custOs referentes aos miomas
que afetem até 70% das mulheres em idade reprodutiva. uterinos variem de 6 a 34 milhões de dólares por ano, incluin-
Esses tumores são arredondados, b rancos nacarados, fir- do os custOs d iretos com os cuidados de saúde, como também
mes, eláslicos e na superfície de corte exibem padrão espi- os indiretos, em razão das horas de trabalho perdidas, incapa-
ralado, além de se encontrarem separados do miométrio ad- cidade e complicações obstétricas. Mais de 600 mil histerecto-
jacente por camada tecidual conectiva fina, proporcionando mias são realizadas anualmente nesse país, e a principal indica-
um plano de clivagem para exérese cirúrgica. Hiswlogica- ção para essa intervenção cirúrgica é a presença de leiomiomas.
mente, contêm células alongadas de músculo liso agregadas Dessa maneira, essa neoplasia benigna tão prevalente constitui
em feixes com atividade mitótica rara e envoltas em estrorna problema bem delicado de saúde pública, em virtude de seu
fibroso. A aparência dos leiomiomas pode ser alterada quan- impactO econômico e do grau significativo de morbidade, prin-
do o tecido muscular é substituído por hemorragia e necrose cipalmente nas mulheres na pré-menopausa.
após processo de degeneração. A necrose e a degeneração se As mulheres afrodescendentes apresentam maior prevalência
desenvolvem com frequência nos le iomiomas em razão do da doença, além de d iagnóstico mais precoce e indicação de
suprimento limitado de sangue nesses tumores. histerecwmia também mais precoce do que as mulheres bran-
Os leiomiomas são classificados com base em sua localiza- cas, em razão da taxa de crescimento dos tumores mais elevada
ção e orientação de crescimento. Os leiomiomas subserosos e da maior gravidade da doença. Os miomas são diagnosticados
se originam dos miócitos adjacentes à serosa uterina, e seu com uma frequência três vezes maior nas mulheres negras do
crescimento é direcionado para o exterior. Os intramurais são que nas caucasianas. Essa disparidade tem sido atribuída a dife-
aqueles com crescimento centrado dentro das paredes uterinas, renças de status socioeconômico, ao acesso aos cuidados de saú-
enquanto os submucosos estão próximos do endométrio, cres- de, aos fatores genéticos e exposições ambientais, mas as causas
cem e se projetam em d ireção ao interior da cavidade uterina. subjacentes às diferenças raciais e étnicas permanecem incertas.
Os miomas submucosos são ainda classificados em função de Há diferença também nos resultados do tratamento ci-
sua profundidade. A Sociedade Europeia de Histeroscopia de- rúrgico. As mulheres afrodescendentes têm taxaS maiores de
432
:\.
r
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Capítulo 53 Doenças Benignas do Corpo Uterino 433

hospitalização, miomectomia e histerecwmia, além de maio- Ao se analisarem a aparência dos leiomiomas e sua estru-
res complicações pós-ope ratórias. Essa diferença pode ser tura molecula r, verificou-se que são compostos po r fibrilas de
atribuída, em parte, a atraso no d iagnóstico, doença mais gra- colágeno alteradas, resultando em matriz extracelular anor-
ve no pré-ope ratório, tamanho uterino maior e, consequente- mal em comparação com o miométrio adjacente. Essa matriz
mente, maior dificuldade na técnica cirúrgica. distOrcida contribui para o aumento da rigidez do mioma em
Outros fatOres de risco, como idade da menarca, paridade, comparação com o miométrio normal. Observou-se que essa
exposição ambiental e alimenta r, hábitos de vida e índice de matriz se assemelha a tecido cicatricial e que nos miomas há
massa corporal (IMC) , também foram associados à ocorrência concentrações alte radas de citocinas e integrinas em associa-
de miomas. O aumento da idade da menarca está inversa- ção ao miométrio circundante, o que evidencia a provável
mente associado à p resença dessa neoplasia benigna. Há tam- contribuição da remodelação tecidual, da fibrose e da respos-
bém relação inversa entre a idade da menarca e o núme ro de ta innamató ria no desenvolvimento dessas lesões.
miomas, o que provavelmente ocorre em virtude da duração A presença dos miomas provoca alteração das estruturas ve-
da exposição aos hormônios esteroides sexuais endógenos. nosas do miométrio e do endométrio. Os tumores provocam
A obesidade também tem sido considerada fator de risco compressão venosa e subsequente liberação local de fatores de
para o desenvolvimento dessa patOlogia. O risco de desenvol- crescimento vasoativos para manter o fornecimento de sangue,
vimento desses tumores é três vezes maior para as mulheres causando ectasia venosa. Além disso, por causa do aumento no
que pesam >7Dkg, em comparação com as que pesam <5Dkg. calibre dos vasos, há diminuição da efetividade hemostática nor-
Fatores epidemiológicos adicionais, como d ieta deficiente em mal das plaquetas e fatores de coagulação, o que vem resultar no
vitamina D e exposição a tOxinas ambientais, são objetO de sangramento uterino anormal, o sintoma mais comum. Estudos
investigação, pois também têm sido associados ao aumento recentes também demonstraram que os miomas exiStem em um
da incidência de miomas. eStado de hipoxia grave em comparação com o miométrio nor-
A idade da primeira gestação, maior paridade, utilização mal, o que provocaria o desenvolvimento da angiogênese anor-
de anticoncepcionais orais, uso de contraceptivos exclusi- mal verificada nesses tumores.
vamente à base de progesterona injetáveis e tabagismo esti-
veram inversamente associados à incidência de leiomiomas
Manifestações clínicas
uterinos. Em vários estudos, o aumento da paridade reduziu
Muitas mulhe res portadoras de le iomiomas uterinos são
a incidência da doença, provavelmente por causa da apopwse
assintomáticas, visto que mais de 50% dos miomas não pro-
induzida pela remodelação pós-parto e isquemia dos tumores
duzem sintomas. Além disso , em muitOS casos os sintomas
durante o pano. Indivíduos com aumento da ingestão de fru-
são leves. Quando as pacientes se apresentam sintomáticas,
tas cítricas, fomes animais de vitamina A e p rodutos lácteos
a natureza de suas queixas está relacionada com o núme ro, o
apresentam também risco significativamente reduzido de de-
tamanho e a localização de seus miomas.
senvolvimento desses tumores.
A apresentação clínica desses tumores pode incluir san-
gramento ute rino anormal, d ismenorreia, do r pélvica e in-
Fisiopatologia fertilidade. Os miomas volumosos podem causar sintomas
Os le iomiomas ute rinos se desenvolvem a partir de um resultantes da pressão sobre órgãos adjacentes, como bexiga,
único miócitO progenitOr, sendo considerados uma doença cólon e urete res. As mulheres podem apresentar aumento da
monoclonal. Dessa maneira, cada tumor apresenta origem frequência urinária , d ificuldade em esvaziar a bexiga ou, em
citogenética independente. A mutação primária que inicia a casos raros, hid ronefrose e doença renal crônica. A compres-
tumorigênese é desconhecida, mas são encontradas falhas ca- são posterior de um leiomioma volumoso pode causar dor
riotípicas identificáveis em aproximadamente 40% dos casos. lombar ou constipação intestinal.
A maioria das anormalidades é encontrada nos cromossomos O sintoma mais comum, ocorrendo em 30% das mulhe res
6, 7, 12 e 14, p rincipalmente translocações. com a doença, é o sangramento ute rino anormal. A recen-
Os hormônios esteroides sexuais estimulam o desenvol- te classificação da FIGO PALM-COEIN inclui os leiomiomas
vimento e a manutenção do crescimento dos miomas. Os como uma das principais causas de sangramento uterino
tumores apresentam maior concentração de receptores de es- anormal, embora algumas pacientes, dependendo da locali-
trogênio e progesterona do que o miométrio adjacente. Esses zação dos tumores, não apresentem essa sintomawlogia. Os
hormônios atuam por meio de um grande grupo de fatOres distú rbios hemorrágicos são típicos de miomas submucosos
de crescimento e múltiplas vias de sinalização que regulam ou intramurais que abaulem a cavidade endometrial.
importantes processos celulares, promovendo proliferação, A causa do sangramento uterino anormal é mal compreen-
angiogênese e fibrose. Os próprios leiomiomas criam um am- dida, mas várias teorias foram propostaS, como a ectasia ve-
biente h iperestrogênico e, além de comerem maior densidade nosa em razão da compressão pelos miomas, o aumento da
de receptOres de estrogênio, convertem menos estradiol em á rea de superfície do endométrio e a desregulação de fato res
estrona, que é menos ativa, e também tornam possíveis níve is de crescimento e angiogênicos locais no útero e no endomé-
mais altos da aromatase citocromo P450, que catalisa a con- trio. O sangramento excessivo pode causar impacto signifi-
ve rsão dos androgênios em estrogênios. cativo na qualidade de vida das mulhe res, além de ser fator
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j 434 Seção I Ginecologia

desencadeante de outras patologias, como a anemta por de- do tratamento. A RM também é mais capaz de dtferenctar
fictfncia de ferro. Em alguns casos, pode ocorrer hemorragia os leiomiomas de letomtossarcomas e adenomiose, podendo
aguda volumosa, exigindo transfusão de hemocomponentes ser necessãria quando a imagem uhrassonográfica está pre-
e hospttalização. judicada em vtnude do biotipo da paciente ou por anatomia
A infertilidade ocorre em 3,4% a 31,9% das pacientes. distorcida.
Os tumores submucosos, intramurais e subserosos tem efei-
tos diferentes sob re a fertilidade. Os miomas submucosos e Avaliação pré-operatória do risco de malignidade
intramurais são capazes de causar diminuição das taxas de dos leomiomas
gravidez e parto a termo, além de aumentarem as de abor- O diagnóstico diferencial entre sarcomas uterinos e mio-
to espontâneo, o que se justifica por distorcerem a anatomia mas continua a ser um desafio em ginecologia oncológica.
da ca,•idade endometrial, reduzindo assim a capacidade de Apesar dos avanços nos métodos de imagem e marcadores
implantação do embrião. Gestantes com mtomas estão sob tumorais, ameia não existe consenso quanto à identificação de
risco de aborto, placenta prévia, pano prentaturo e hemor- um "mioma suspetto".
ragta puerperal. A presença de miornas fot assoctada também O cresctmento utenno rápido não foi comprovado como
ao aumento das taxas de cesariana, o que é atnbulvel à ocor- preditor de nsco de le10miossarcoma. Um estudo avahando
rêncta de apresentações anômalas. Além disso, as inOutncias 1.332 pacientes submeudas a histerectomia ou miomectomta
hormonais próprias da gravidez podem provocar o desenvol- por leiomioma encontrou risco geral de 0,23% de sarcoma,
vimento e o cresci mento dos leiomiomas. comparado com 0,27% naquelas com crescimento rápido.
A colpocitologia oncótica e a biópsia de endométrio são
inadequadas para excluir leiomiossarcomas em mulheres com
Diagnóstico proposta de cirurgia para miomas uterinos. A ultrassonogra-
Esses tumores podem ser detectados pelo exame frsico me- fia transvaginal (USTV) e a RM são recomendadas, mas não
diante palpação de um útero aumentado e de contornos irregu- são capazes de diagnosticar de maneira conftá,·el ou excluir
lares. Exames de imagem devem ser realizados para confirmar leiomíossarcoma.
a presença, a locahzação, a caracterização e o tamanho dos mio- Após o e.~e cllmco, a USTV deve ser o primeuo método
mas utennos, além de possibilitarem o chagnósuco dtferendal de imagem a ser sohcttado para a im·estigação de lesões mto-
com outras patologias, como adenonuose, neoplasta maligna metriais, poiS se trata de método rápido, de batxo custo e
mtometnal ou massas pélvicas de outraS euologtas. acessh·el, promo,·endo avaliação pélvica adequada. A presen-
Os pnncipaisexames que torrtam posslvel o dtagnóstico dos ça de lesão grande, única e de crescimento progressivo com
leiomiomas são a ultrassonografia (US) e a ressonância mag- degeneração clstica e vascularizações periférica e central é
nética (RM). O ultrassom, tanto transvaginal como transab- ind icadora ultrassonográlica de suspeita de malignidade mio-
dominal, é o método mais frequentemente utilizado na ava- metrial. Entretanto, esses achados podem estar presentes em
liação dos miomas uterinos em razão de seu baixo custo e dete rminados miomas benignos "atípicos", com degeneração
acessibilidade. A US transvaginal tem sensibilidade de 65% clstica, mista, verme lha, hidrópica ou hialina. A USTV com
a 99% para detectar esses tumores uterinos, e a sensibilidade Doppler pode mostrar distribuição irregular de vasos, batxa
para detectar miomas submucosos pode ser aumentada com impedãncia ao nuxo e pico de velocidade sistólica elevado.
a uuhzação da histerossonografia. Em mulheres na pós-menopausa com sangramento uterino,
O aspecto ultrassonogrãfico dos letomtornas varia entre uma medtda de espessura endometrial >4ml pode sugenr
tmagens htpo e htperecoicas, dependendo da proporção de doença estrutural e mdtcar propedêulica adícional.
músculo hso, de tecido conjunti,·o e da extSttncta de degene- A RM é considerada método de imagem valioso para ava-
ração. As calctficações têm aspecto hiperecotco e costumam liação miometnal pré-operatória. Vários estudos descrevem
circundar o tumor ou se apresentam distribuldas aleatoria- os sinais radiológicos de leiomiossarcoma como lesão úni-
mente. Os miomas apresentam padrões vasculares caracte- ca, grande, de crescimento ráp ido, infiltrando o miométrio,
rlsticos que podem ser identificados pe lo Doppler colorido. com bordas irregulares, de hipointensidade heterogtnea
Tradicionalmente é obse rvado um contorno periférico da para imagens avaliadas em Tl e intens idade intermediária a
vascularização do qual poucos vasos emergem para entrar alta para as avaliadas em T2, por causa de focos de necrose
no centro do tumor. A imagem por Doppler pode ser usada e hemorrágicos. A imagem ponderada em difusão {DWI) e
para dtferenciar um leiomioma extrauterino de outras massas o coeficiente de dtfusão aparente (ADC) são as mais impor-
pélvtcas ou um leiomioma submucoso de um póhpo endo- tantes ferramentas para avaliação das lesões uterinas. Um
metnal ou adenomiose. Uma das principaiS hmttações da US sinal de imermedtáno a alto no 0\VI tem sido usado como
é ser operador-dependente, resultando em pobre reprodulibi- critério de seleção pnnctpal para encontrar lesões de alto
ltdade em comparação com a RM. risco. A acurácta do D\VI é melhorada quando assoctada a
A RM é um método mais caro, mas a,·aha mais precisa- Yalores de intenstdade do ADC inferiores aos do endomé-
mente tamanho, número e localização dos letomiomas, es- trio normal.
pecialmente em úteros grandes (>375ml) e em úteros com Não há dados que recomendem a utilização da TC para
mais do que quatro miomas, o que ajuda na programação a diferenciação entre leiomiossarco ma e mioma. Esse mé-
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r
((

Capítulo 53 Doenças Benignas do Corpo Uterino 435

wdo é útil na identificação de lesões metast.áticas, sendo ção das artérias uterinas; no entanto, a RM com US focado de
indicado para as mulheres com suspe ita ou diagnóstico de alta intensidade vem ganhando mais destaque.
leiomiossa rcomas. Nos últimos a nos, alguns estudos têm A embolização das artérias uterinas é conseguida mediante a
sugerido o uso da tOmografia com emissão de pósitrons introdução de pequenas partículas embólicas através da arté ria
(PET) para o diagnóstico pré -operató rio de sa rcomas ute- femoral sob orientação nuoroscópica. Os miomas diminuem
rinos. O valo r de captação padrão intralesional pa rece ser como resultado de necrose isquêmica, reduzindo a sintomato-
mais alto nos tumo res malignos do que nos ben ignos, po- logia associada a esses tumores, mas o fornecimento de sangue
de ndo se r útil na d iferenciação entre miomas e leiom ios- para o útero é preservado através de vasos colaterais. Apesar
sarcomas. das altaS taxas de complicações pós-procedimento, incluindo
a síndrome pós-embolização, caracterizada por febre, náuseas,
Tratamento vômitos e dor, a embolização das artérias uterinas tem sido as-
A escolha do tipo de tratamento a ser adotado nas pacien- sociada a menos tempo de internação, recuperação e retorno
tes portadoras de leiomiomas vai depender de sua idade, dos mais rápido às atividades diárias, em comparação com as op-
sintomas relatados, tamanho , número e localização dos mio- ções cirúrgicas, sendo considerada técnica eficaz e segura.
mas, possibilidade de a paciente se submete r a uma ci rurgia, Contraindicações absolutas para o procedimento incluem
planos para a fertilidade futura e experiência do profissional. doença vascula r grave, alergia ao contraste, comprometimen-
As opções de tratamento são divididas em tratamento me- to da função renal, gravidez, infecções ativas e suspeita de
d icamentoso e ci rúrgico com base em técnicas de radiologia neoplasias malignas de útero ou ovários. As contraindicações
intervencionista. relativas são desejo de fertilidade, oclusão anterior da artéria
Para pacientes com le iomiomas assintomáticos ou com ilíaca inte rna ou uterina, administração recente de análogos
sintomas mínimos e que não almejam fertilidade futura, a do GnRH e, em alguns casos, a localização do mioma, como
conduta expectante pode ser adotada quando é assegurado na presença de um miorna submucoso pediculado, no qual a
um seguimento adequado. embolização pode causar torção com subsequente separação
Os objetivos do tratamento medicamentoso são alívio do tumor do útero ou urna complicação séptica exigindo a
dos sinais e s intomas, redução do tamanho dos tumores e remoção cirúrgica.
manutenção ou melhoria da fertil idade com o mínimo de Além disso, a presença de miomas submucosos pediculados
e fe itOs colate rais. As p rincipais opções d isponíveis incluem está relacionada com aumento do número de complicações,
progeswgênios, dispositivo intrauteri no liberado r de levo- como corrimento vaginal, dor, sangramento uterino anormal e
norgestrel, ácido tranexâmico, fármacos anti-innamató rios febre. O desejo de manter a fertilidade é contraindicação rela-
não esteroides, análogos do h ormôn io libe rador das go na- tiva, pois os dados d isponíveis na literatura não são capazes de
dotrofinas (GnRH), moduladores seletivos dos receptO res garantir boas taxas de gravidez após o procedimento. As taxas
de progesterona e moduladores seletivos dos receptO res de de gravidez reduzidas podem ser atribuídas a alterações da ca-
estrogênio . Os análogos do GnRH são as únicas medica - vidade uterina, além do impactO negativo sobre a reserva ova-
ções aprovadas pelo Food and Drug Administration (FDA) riana em consequência da embolização. Outras preocupações
como terapêutica para os miomas, sendo capazes de contro- acerca da reprodução incluem a maio r incidência de hemorra-
lar o sangrame ntO e diminuir o tama nho dos tumo res. Seu gia puerperal, placentação ano rmal, doença trofoblástica gesta-
custO elevado, os efeitOS do hipoestrogenismo, a rápida re- cional e abono nas mulheres submetidas a esse procedimento.
corrê ncia após a interrupção da medicação e a desmine ra- A RM associada à US de alta intensidade é o mais novo mé-
lização óssea limitam o uso desses fármacos a curto prazo tOdo de radiologia inte rvencionista para utilização no trata-
(<6 meses) mento de miornas sintomáticos. A técnica utiliza a ressonância
A descoberta de que a progesterona e seus receptOres po- para localizar o mioma e, em seguida, é concentrada energia
dem te r bom desempenho no aumento da atividade p rolife- ultrassônica de alta intensidade em um ponto no tumor, re-
rativa dos le iomiomas fez os moduladores dos receptO res de sultando em aquecimento dos tecidos e necrose subsequente
progesterona emergirem como urna opção para o tratamentO com danos mínimos aos tecidos adjacentes. Comraindicações
dessa patologia. O acetatO de ulipristal é capaz de melhorar ao proced imento incluem a proximidade do miorna de estru-
a qualidade de vida, reduzir o volume dos miomas e induzir turas críticas, peso da paciente >llSkg, cicatriz abdominal,
amenorreia na maioria das mulhe res tratadas, e seu uso já tamanho do útero >24 semanas de gestação, miomas pedi-
está aprovado clin icamente na Europa e no Canadá. Uma culados ou calcificados e presença de contraind icações para
grande vantagem do ulip ristal sob re os análogos do GnRH realização de RM, como claustrofobia ou implantes metálicos.
é a ausência de efe itos colate rais decorrentes do hipoestro- O tratamento cirúrgico oferece solução definitiva para os
genismo, mas com a desvantagem de causar espessamento miomas uterinos, mas são mais invasivos e também apresen-
endometrial. tam complicações. As opções ci rúrgicas podem ser d ivididas
Mais recentemente, a radiologia intervencionista tem ofe- em poupadores da fertilidade e não poupadores. A cirurgia
recido soluções mais permanentes para miomas sintomáticos poupadora de fertilidade corresponde à miomecwmia, que
das mulheres para que sejam evitados procedimentos cirúrgi- pode ser realizada por laparotOmia, laparoscopia ou histeros-
cos. O procedimento consiste tradicionalmente em emboliza- copia. A opção mais defi nitiva no tratamento de miomas e
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J 436 Seção I Ginecologia

não poupadora da fertilidade é a histerectom1a, que pode ser apresenta glândulas e estroma endometriais ectóp1cos en-
reahzada por \'la vaginal, laparotõmica ou laparoscóp1ca. ,·oh·idos por m1ométno com alterações hiperplásicas e hl-
A m1omectomia aberta é realizada por meio de laparoto- pertróficas.
mia, preferencialmente mediante incisão transversal suprapú-
bica (Pfannenstiel) e por enucleação do mioma do miomé-
Epidemiologia
trio, sendo indicada quando a histeroscopia ou a laparoscopia
ci rú rgica não são boas opções, como no caso de mulheres A preval~ncia da adenomiose em dive rsos estudos variou
com múltiplos miomas (>5) ou miornas grandes (>9cm). Já a de 5% a 70%, e sua incidência exata não é conhecida em
miornectomia laparoscópica oferece corno vantagens a menor razão de seu diagnóstico ter sido estabelecido principalmente
perda de sangue, o retomo mais rápido às atividades normais, por meio de exames htStológicos, sendo encontrada em 20%
menos tempo de internação, menores taxas de formação de a 30% dos espécimes de histerectomia. Cerca de 70% a 80%
adertnc1a e cícatnz mais estética. dos casos de adenom1ose são relatados em mulheres na quar-
A m1omectonua por ,;a histeroscópica é opção menos in- ta e quinta décadas de v1da. Essa disuibuiçâo etâna pode estar
' 'aslva para a remoção cirúrgica dos le10m1omas, podendo ser relacionada com o rato de o diagnóstico ser estabelecidO pela
usada para remover miornas submucosos. As melhores can- análise histológ1ca e haver maiores taxas de histerectom1as em
didatas à miomectomia histeroscópica são as pac1entes com mulheres mais velhas, porém o aumento da incidtncia com
miomas submucosos <3cm, com mais de 50% do mioma em a idade também pode ser proporcionado pela expOSIÇão hor-
localização intracavitâria. Em comparação com a via laparos- monal por perlodo mais longo.
cópica e a miomectomia abena, a abordagem histeroscópica Há uma variante da adenomiose que parece específica das
tem como vantagens tempos cirúrgicos mais curtos, estadia mulheres jovens c que é chamada de adenomiose cfstica mio-
hospitalar mais breve e baixas taxas de complicações. metrial, na qual as pacientes jovens apresentam d ismenorreia
Quando há o desejo de gravidez, é recomendada a ressec- grave não responsiva. O diagnóstico costuma demorar a ser
ção histeroscóp1ca de miomas submucosos <4cm de diâme- feito, mas quando a RM é realizada encontra-se um cisto de
tro, mdependentemente de serem ou não smtomáucos, tendo até 3cm de diâmetro com conteúdo hemorrágico que, his-
em '~sta esse procedimento melhorar as taxas de rentl1dade. tologicamente, é revesudo por uma camada de endométrio.
)l,fiomas mtramuraiS também apresentam ereno negauvo so- A endometnose é observada em 6% a 22% das pac1entes
bre a reruhdade, mas tratá-los não melhora as taxas de gra- com adenomiose. A presença concomitante dessas duas pato-
videz, sendo então a míomectomia, nesses casos, indicada logias em uma gama de condições clínicas, como mferulida-
apenas para m10mas sintomáticos. de, embasa a possibilidade de etiologia comum. Há eviden-
A histerectomia é a melhor opção para pacientes sinto- cias de que nas duas patologias existe disfunção endometrial
máticas que não desejam manter a renilidade, propiciando envolvendo tanto o endométrio como o heterotópico, levan-
tratamento definitivo e que garante a austncia de recid iva da do ao aumento da capacidade de invasão desse tecido, haven-
doença. Existem várias opções para a reti rada do útero, como do também reação do miométrio, que, embora mais pronun-
histerectomia vaginal, histerectamia total laparoscópica, his- ciada no caso de adenomiose, não deixa de estar presente na
terectomia vaginal assistida por laparoscopia e htSterectomía endometriose. já os miomas são simultaneamente observados
abdommal. Como na miomectomia, a rota cirúrgica é deter- em 35% a 55% das pacientes com adenomiose.
mmada pelo tamanho e a localização dos miomas, a experiên- Alguns fatores de nsco foram associados ao desem•olvl-
Cia do c1rurg1ão e a preferência da paciente. A htSterectomía mento de adenom1ose, como ex-posição ao estrogtmo, gra-
\'agmal é a técmca operatória mais râp1da, com menos perda \'idez e cirurg1a utenna. A gravidez é considerada fator de
de sangue e menos tempo de internação hospnalar. Assim, risco, pois a rrequencta de adenomiose aumenta proporcio-
recomenda-se que essa via seja a preferida. Quando a hlste- nalmente ao número de gestações, o que pode ter como cau-
rectomia vagmal não é viável ou se a salpingooforectomia é sa a natureza invasiva do tecido trofoblástico no miométrio
necessária, as outras vias devem ser consideradas. durante a implantação. Além disso, o tecido adenomiótico
apresenta maior quantidade de rece ptores de estrogenio do
que o endométrio ectópico, de maneira que o aumento do
ADENOMIOSE pe rfil hormona l durante a gravidez pode também estimular o
A adenomiose foi descrita pela primeira vez pelo patolo- desenvolvimento da adenomiose. AlguriS estudos ttm sugeri-
gista alemão Carl von RokitariSky em 1860, o qual observou do também que o trauma de uma cirurgia pélvica pode de-
glândulas endometriais no miométrio. No entanto, até 1921 sencadear invagmação do tecido endometrial no miomét rio.
se acreditava que essas lesões seriam provememes de tm- Embora a mcidtncia de adenomiose se apresente batxa nas
plantes de endometriose, até que na década de 1950 a hipó- mulheres na pós-menopausa, pode ha,·er maior mc1denc1a
tese de menstruação retrógrada como patogtnese da endo- nas que recebem tamoxtfeno para tratar o câncer de mama.
metriose ajudou a diferenciá-la da adenom1ose. Fmalmente, As mulheres que fumam tendem a apresentar diminUição
em 1972, a adenomiose foi claramente definida como a do risco, possivelmente porque o tabagismo altera o metabo-
invasão benigna do endométrio no miométrio, produzindo lismo hormonal, o que proporciona redução da incidencia de
um útero difusa mente aumentado e que microscopicamente anormalidades endometriais.
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( I

Capitulo 53 Doenças Benignas do Corpo Uterino 437

Fisiopatologia tores de crescimento e c.itocinas no tecido adenom1óuco e no


D1versas teorias foram formuladas para exphcar o desem·ol- endométrio eutóp1co, apotando a teoria de que a adenom1ose
vlmento da adenomiose. Há evidências de prediSpOSiçãO fa- não se origina no endométrio basal.
mihar, além de fatores de crescimento, hormonms, genéticos e A teoria mais recentemente proposta é a de que a adeno-
imunológicos que podem participar da genese dessa pmologia. miose se origina a partir de células-tronco da medula óssea
A continuidade histológica obse rvada entre o endométrio deslocadas por meio da vasculatura, teoria que é embasada
basal e os focos de adenomiose subjacentes se presta para le- po r uma pesquisa que demonstrou que a regeneração do
vanta r a hipótese de uma origem desses focos de endométrio endométrio pode ser acionada por células-tronco derivadas
ectópico por meio da invaginação do endométrio basal. Dois da medula. Portanto, é posslvel que essas células também se
fatos dão sustentação a essa hipótese: o primem> é a relação desenvolvam dentro da musculatura do útero, causando ade-
da doença com fatores que favorecem o aumento da mvasi,·i- nomiose com proliferação local do endométrio no miométno.
dade endometrial, e o segundo é a semelhança entre o endo-
métno basal e os focos adenomióucos.
Manifestações clínicas
O gaulho exato para a im'<lginação é desconhec1do e tem
s1do sugendo que a influência hormonal possa aJudar nas vias As mamfestacões clímcas da adenomiose são heteroge-
neas, porém a apresentação úpica inclui sangramento uterino
de smalização celular para estimular propriedades migrató-
anormal, d ismenorre1a, dispareunia ou dor pélvica crônica.
rias invasivas da camada basal. Foi comprovado que o tecido
adenomiótico comém mais receptores de estrogênio do que A gravidade dos sintomas pode correlacionar-se com a pro-
o endométrio ectópico. O aumento da resposta ao estrogênio fund idade da doença uteri na. Como 80% das mulheres com
pode facilitar a im•aginação do endométrio basal e o estabele- adenomiose tem outras doenças pélvicas coexiste ntcs, como
cimento da adenomiose. Além disso, o endométrio ectópico le iomiomas e endometriose, muitas vezes é d ifícil determinar
contém enzimas aromataSe e sulfatase capazes de produzir os sintomas causados apenas pela adenomiose.
estrogênios localmente, o que estimula amda mais o cresci- Pelo menos tres alterações patológicas no miométrio de pa-
mento e a expansão das glândulas endometnais anormais e cientes com adenom1ose podem contribuir para a menon-agta.
estroma no m1ométrio. Em pnme1ro lugar, os focos adenomíóticos podem mterfenr
Outra possível causa para a ocorrênCia de mvagmação do com a contração m1ometrial normal, promo,·endo ma1or perda
endométno basal é o enfraquecimento do m1ométr10 em ra- de sangue durante a menstruação. A distorção m1ometnal na
zão do trauma decorrente de cirurgia péhica prévia. A in- zona de JUnção também pode afetar a contração do m1ométrio.
vagmação também pode ocorre r a partir de um fenômeno contribuindo para a menorragia porque o miométrio subendo-
imune aberrante no tecido afetado. A imuno-histoquímíca metrial está envolvtdo na modulação das contrações utermas
demonstra aumento do número de macrófagos que podem d urante o ciclo menstrual. Além disso, a adenom iose provo-
ati var células B a produzir anticorpos e citocinas que podem ca aumento global do útero, com maior área de superfície ele
perturbar a zona de junção endomiometrial e possibilitar a endométrio, o que pode contribuir para o aumento do nuxo
invasão do miométrio. sangulneo. O tecido endometrial ectópico contém também ci-
A descoberta de tecido endometrial no interior de vasos tocinas e fatores de crescimento angiogênicos que contribuem
hnfát1cos mtramiometriais sugere que essa possa ser uma para a patogenese dos sintomas da menon-agia.
possível rota de im-aginação do endomét no basal. Nódulos A dismenorre1a pode ser causada por irritabtlidade utenna
ISOlados de células estromais endometnatS sem glândulas en- prO\•ocada pela menon-agta ou em virtude do edema do teci-
dometnals ao longo de vasos linfáucos e sanguíneos foram do endometnal no m1ométrio. O tecido adenom1óuco pode
descntos, sugerindo que esse n0\'0 estroma pode servir de apresentar as mesmas caracterlsticas encontradas na endome-
solo novo para glândulas endometriais prohferativas. triose, em que o endométrio ectópico exibe elevada expres-
Outra teoria é a de que a adenomiose se desenvolva "de são de cicloxigenase-2, o que leva ao aumento da formação
novo" a partir de células emb riológicas pluripotentes deriva- de prostagland inas, resultando em dismenorreia grave e dor
das de tecido mülleriano remanescente. A ocorrência de ade - pélvica crônica.
nomiose em locais extrauterinos, como no septo t'etovaginal, A in fertil idade parece ser menos comum em pacientes com
embasa essa teoria. Além disso, estudos que compararam pro- adenomiose por ser geralmente diagnosticada na quarta e quin-
priedades prollferativas e biológicas do endométrio ectópico ta décadas de vida com maior incidência em pacientes multlpa-
e e utópico demonstraram características distintas desses teci- ras. No entanto, à med1da que mais mulheres estão retardando
dos. Obsef\·ou-se, por exemplo, que o endométrio ectópico a concepção, a aden01ruose ,.em sendo diagnosticada com maiS
não respondeu ãs mesmas alterações hormonais que o en- frequencta naquelas JO\-ens assintornáticas durante a avahação
dométno eutóp1co. Mudanças secretoras são raras nos focos para inferuhdade. Não está claro se a adenomiose tem papel na
de adenom1ose, mesmo quando o ep1tého basal está na fase infenihdade ou se é achado ocasional durante a propedeuuca
secretora. Comparado com tecido eutóp1co, o tec1do ectópico em razão da melhor capacidade de diagnóstico dos exames de
também não demonstra propriedades clclicas da indução da imagem atuais. No entanto, existe a hipótese de que a interface
apoptose, o que sugere constante proliferação desse tecido no anormal entre endométrio e miométrio com focos ademióticos
interior do miométrio. Há também diferente expressão de fa- possa perturbar a implantação.
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I 438 Seção I Ginecologia

O rompimento da zona de junção pode também produzi r


contratilidade miometrial anormal, afetando também a im-
plantação. Outra teona é a de que a adenom1ose ath·e uma sé-
rie de respostas imunes que mduem mudanças tanto da imu-
nidade celular como humoral, que podem tmpedir a função
do esperma e o desenvolvimento embnonáno. Essa hipótese
propõe que a presença de concentração anormal de radicais
lh·res intrautennos e de dec1duahzação alterada também mo-
difica a receptl\'ldade ao embrião.
Convém cons1derar que até 35% das mulheres são assin-
tomálicas ao diagnósuco. Nas ma1s JOvens, a queixa mais co-
mum é d ismenorre1a grave não responsiva aos medicamentos
anti-inflamatórios não esteroides ou contraceptivos orais.

Diagnóstico
A especificidade do diagnóstico de adenomiose, que se ba- Figura 53.1 Achados histológicos da adenomiose: focos de astro-
ma e g lândulas endometriais no miométrio.
seia apenas em achados cllnicos, é pob re, variando de 2% a
26%. Um útero com volume aumentado e d oloroso à mobili-
zação pode sugeri r a prese nça da patologia.
Embora a cllnica de menorragia e dismenorreia associadas
a um útero aumentado sugira adenomiose, o diagnóstico é fei-
to por análise histológica de peças oriundas de histerecwmia.
Não existem critérios diagnósticos h istológicos universalmente
aceitos para a adenomiose, porém o mais utilizado consiste na
presença de invasão de tecado endomeuial >2,5mm abaixo da
camada basal. Definições como a presença de focos de endo-
métrio localizados a mais de 2 5% da espessura do miométrio
(critério mais frequentemente utilizado para o dtagnósúco nas
mulheres na póS-menopausa) ou extensões glandulares l a
3mm abatxo da camada endometnal também são comumente
adotadas. Alguns estudos tem demonstrado que a biópsia do
miométno por h1steroscop1a ou laparoscopta pode ser realizada
para o diagnósuco hiSiológlco (Figura 53.1).
Técnicas de imagem tem awahado o d1agnóstico diferencial.
Tanto o ultraSSOm transvagmal como a ultrassonografia tranSab-
dominal caracterizam a adenomiose mediante a Identificação de
cistos no miornétrio, ecotextura miometrial heterogênea e focos
maldefinidos de ecotextura m1omeuial anormal. Outros achados
sugestivos da patologia são o útero globalmente aumentado de
volume ou aumentado com formato assimétrico (p. ex., parede
anterior mais espessa do que a posterior, ou vice-versa), pre-
sença de estrias lineares hipoecoicas no miométrio vistas como
sombras acústicas finas (sombreamento em formato de leque) e
interface entre endométrio e miométrio difusamente indistinta.
O achado ao uhrassom mais preditivo da presença de adeno-
miose consiste na presença de heterogeneidade difusa do rnio-
métrio. A precisão da USTV no diagnóstico de adenomiose é
comparável à da RM e da histologia, com sensibilidade de 75%
a 88% e especificidade de 67% a 93%. A sensibilidade cai para
aproximadamente 33% quando miomas estão presentes, em
particular quando apresentam volume >300mL (Figura 53.2).
A RM promo\'e a Identificação de uma região no miomé- Figura 53.2 Imagens de uhrassom de um útero com adenomoose.
A Imagem em escala de c1nza mostrando parede utenna posteroor
trio interno com sinal de densidade d1ferente em imagens
assirnetricamente espessada com moométno heterogêneo e peque-
ponderadas em T2 em comparação com o endométrio e o nas áreas aneeoteas dstiCas, B Imagem de Doppler mostrando pe-
miométno externo. Essa reg1ão, que corresponde ã interface quenos vasos d1fusamente d1stríbuldos no miOmétno (sela bratiCa).
r
((

Capítulo 53 Doenças Benignas do Corpo Uterino 439

Figura 53.3A Corte sagitat de imagem ponderada em T2 através da porção média do útero demonstra espessamento da zona de junção
(área preta) no miométrio posterior, sugerindo adenomiose assimétrica. B Imagem coronat ponderada em T2 demonstra vários pontos brancos
correspondentes a cistos subendometriais que podem ser vistos na parede miometriat superior e direita. C Imagem ponderada em T1 sagitat,
através do mesmo nivel da imagem mostrada em A, com supressão de gordura no sangue, onde aparece em branco, demonstra que dois dos
cistos subendometriais contêm sangue em virtude da hiperintensidade.

do endométrio com o miométrio, é denominada zona de jun- altas doses, d ispositivo intrauterino libe rador de levonorges-
ção, a qual normalmente apresenta espessura de 5 a l 2mm. trel (DJU-LNG), danazol , agonistas do GnRH e inibidores da
Os achados sugestivos de adenomiose à RM estão associados a romatase, visto que provocam atrofia do tecido endometrial.
a espessamento ou hipe rplasia da zona de j unção, acompa- O DIU-LNG é a mais promissora terapia conservadora da
nhados de ruptura de sua arquitetura normal. O espessamen- adenomiose com base na literatura, em virtude da capacidade
tO da zona de junção é consequência da proliferação excessiva de fornece r supressão hormonal e melhorar os sintomas, com
de miócitos no miométrio interno. baixo perfil de efeitos adversos, ao mesmo tempo que possi-
Três critérios presentes nas imagens de RM têm sido con- bilita às mulheres manter a fertilidade. Essa te rapia provoca a
side rados para o diagnóstico de adenomiose: espessamento decidualização do endométrio, o que d iminui o sangramentO,
da zona de junção de pelo menos 8 a l 2mm, proporção da e também age diretamente sobre os focos adenomióticos, pro-
zona de junção em relação ao total do miométrio de mais de vocando downregulation dos receptores de estrogênio. Isso re-
40% e diferença entre a espessura mínima e máxima da zona duz o tamanho dos focos, melhora a comratilidade do útero,
de junção de 5mm diminuindo consequememente a perda sanguínea, e melhora
Os dois primeiros tem sido criticados porque a espessura a dismenorreia por meio da redução da produção de pros-
da zona de j unção é influenciada pela fase do ciclo menstrual, taglandinas no endométrio, além de induzir amenorreia. Os
ao passo que o terceiro critério parece ser mais independente efeitos adve rsos incluem sangramento vaginal, cefaleia, sensi-
dos níveis hormonais porque é a diferença entre as medições bilidade mamária, acne e ganho de peso.
efetuadas na mesma fase hormonal. A sensibilidade e a espe-
cificidade da RM no diagnóstico da adenomiose são de 88% a
93% e de 67% a 91%, respectivamente. Em casos de miomas
coexistentes, a sensibilidade é de 67% e a especificidade, de
....
82% (Figura 53.3).
Na histeroscopia, alguns achados podem ser sugestivos
da presença de adenomiose, como endométrio irregular com
aberturas superficiais, lesões císticas de cor azul-escura e la-
cunas de milímetros na parede uterina (Figura 53.4).

Tratamento
O padrão-ouro de tratamento, o único definitivo para adeno-
miose, é a histerecwmia. No entanto, o grande desafio reside no
tratamento conservador para mulheres que desejam preservar a
fenilidade ou para aquelas que náo podem se submeter a cirur-
gia em razão de fatores de risco para complicações cirúrgicas.
A regressão da adenomiose pode se r induzida temporaria- Figura 53.4 Imagem histeroscópica de adenomiose com seus si-
mente por meio de tratamentos hormonais supressivos, como nais patognomônicos: defeitos endometriais e lesões cisticas he-
anticoncepcionais orais de uso contínuo, progesterona em morrágicas.
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J 440 Seção I Ginecologia

A ablação endometrial tem sido utilizada para tratar me- variam de 10% a 30%, podendo ocorrer em tOdos os grupos
norragia em pacientes com p role definida, incluindo aquelas etários, mas sua incidência aumenta com a idade ao longo
com adenomiose. Os resultados nos casos de adenomiose da vida reprodutiva, sendo mais comumente encontrados em
estão diretamente relacionados com a p rofundidade dos fo- mulheres na faixa de 40 a 49 anos.
cos. A ressecção geralmente é realizada com penetração de
até 2 a 3mm no miométrio, e a mais pro funda não é reali-
Classificação
zada em razão do risco de sangramento a partir de arté rias
situadas cerca de 5mm abaixo da superfície do miométrio. A Do ponto de vista h istOlógico, os pólipos endometriais po-
dem ser assim d iferenciados:
ablação endometrial é , então, uma boa opção para os casos
de adenomiose superficial (até 2mm de p rofundidade). A • Hiperplás icos: originados da camada basal do endométrio
ablação endometrial global também tem sido bem-suced ida como resultado da estimulação estrogênica sem oposição
no tratamento de sangramentO excessivo em mulheres com da progesterona, podem associar-se à hipe rplasia endome-
adenomiose. trial difusa e conter áreas de aLi pias localizadas, particular-
A excisão dos focos de adenom iose pode ser realizada mente na pós-menopausa.
quando é possível determinar sua localização. Ao contrário • Funcionais: suas alterações glandulares se mostram se-
do que oco rre na miomecLOmia, pode se r difícil expor as melhantes às do endométrio circundante e respondem aos
lesões, defini r margens e determinar a extensão da doença. estímulos hormonais do ciclo menstrual.
A se levarem em conta esses desafios, é p rovável que uma • Atró ficos: típicos da pós-menopausa, geralmente consis-
parte da adenomiose seja deixada para trás e que a doença tem em alterações regressivas de pólipos funcionais ou hi-
pe rmaneça sintomática ou apresente recaída. Por essa ra- perplásicos.
zão , a eficácia desse método é baixa, em tOrno de 50%. O • Adenomiornatosos: caracterizam-se por quantidades va-
tratamento pós-ope ratório com agon istas de GnRH por 6 riáveis de células musculares lisas e tecido fibroso. As for-
meses após a excisão diminui as taxas de recidiva em 20% mas "atípicas" são caracte rizadas pela presença concomi-
dentro de 2 anos. tante de glândulas endometriais benignas e estroma com
Outra opção de tratamento conservador consiste na ele- atipia estrutural principalmente de músculo liso. O risco
trocoagulação miometrial laparoscópica utilizando -se agu- de transformação maligna é de cerca de 9%.
lhas unipolares ou b ipolares inseridas no miométrio. O • Pseudopólipos: pequenas lesões sésseis, cuja estrutura é
procedimento apresenta menos precisão do que a excisão idêntica à do endométrio circundante, são detectadas ape-
cirúrgica porque a condução elétrica no tecido anormal nas na fase secretora do ciclo menstrual e depois desapare-
pode ser incompleta e se r difícil discernir os focos no mo- cem com o fluxo menstrual.
mento da cirurgia. O procedimento não é recomendado em
mulhe res que pretendam engravidar porque pode diminui r
a força do miométrio em razão da substituição dos focos de
Fisiopatologia
adenomiose por tecido cicatricial, aumentando o risco de A origem e a patOgênese dos pólipos endometriais não são
ruptura uterina. bem conhecidas, de maneira que inúme ras h ipóteses foram
A redução do miométrio também é uma opção à h isterec- aventadas para explicar seu aparecimento. Sugere-se a possí-
tomia, consistindo na remoção de grande parte do miométrio vel contribuição de fatOres hereditários genéticos e familiares
por meio de ressecção em cunha, seguida por metroplastia no desenvolvimento da patOlogia, visto que aglomerados de
via laparoscópica ou laparotõmica. Uma incisão é feita longi- anomalias nos cromossomos 6 e 12 podem alte rar o processo
tudinalmente na linha mediana do útero com ressecção das proliferativo endometrial, resultando em crescimento exces-
porções anteriores e posteriores do miométrio. Uma nova sivo do endométrio e formação de pólipos. FatOres inflama-
abordagem, usando uma incisão transversal em H, facilita a tórios também podem estar envolvidos no processo, pois há
remoção de considerável quantidade de tecido com boa expo- evidências de aumento na concentração de metaloproteinases
sição. A demarcação da adenomiose pode ser difícil, levando e citocinas na matriz endometrial de mulheres com pólipos.
à recorrência do tecido deixado para trás. Além disso, é inegável a contribuição de fatOres endócrinos
para o desenvolvimento dessas lesões, especialmente o hipe-
restrogenismo desequilibrado, que promove a proliferação
PÓLIPOS ENDOMETRIAIS desenfreada do endométrio.
Os pólipos endometriais são tumores benignos da mucosa Algumas cond ições que cursam com h iperestrogenismo in-
endometrial formados por um eixo de estroma rodeado por cluem obesidade, síndrome do ovário policístico, menopausa
epitélio cilíndrico contendo quantidades variáveis de glându- tardia, tumores do estroma gonadal secretoras de estrogênio
las e vasos sanguíneos. Podem ser únicos ou múltiplos, sés- e doença hepática crônica. Terapia hormonal com estrogênio
seis ou pediculados, de cor e d imensões variáveis de acordo sem oposição da progesterona seria um fator iatrogênico con-
com o grau de vascularização. tribuinte para o desenvolvimento dos pólipos endometriais.
A prevalência na população em ge ral se aproxima de 8 %; O tamoxifeno, modulador seletivo do receptor de estrogênio,
entretanto, nas pacientes com sangramento anormal, as taxas é utilizado para tratamento hormonal adjuvante de pacien-
r
((

Capitulo 53 Doenças Benignas do Corpo Uterino 441 )

tes com dlncer de mama por apresentar propriedades anúes- Diagnóstico


trogl!mcas nos tecidos mamários, porem em outros tecidos, As principaiS ferramentas diagnósúcas para investigação
como o ósseo e o uterino, atua como agomsta estrogtnico e dos póhpos endomeuiais são USTV, histerossonografia e hls-
pode aumentar a incide!ncia de lesões endometriais. teroscopia. A USTV apresenta altas sensibilidade e especifici-
Dessa maneira, os fatores de risco para o aparecimento de dade para o diagnóstico dessas lesões. O pólipo endometrial
um pólipo são idade avançada, obesidade e uso de tamoxi- apa rece em dois terços dos casos com espessamento focal do
feno. Embora alguns estudos sugiram uma associação entre endométrio, hiperecoico e bem definido, estando por vezes
terapia de reposição hormonal e formação de pólipo, outros associado a múltiplas á reas de hipoecogenicidade que podem
não a confirmam, de modo que sua contribuição como fator corresponder a glândulas endometriais dilatadas. Ocasional-
de risco é ainda controversa. O uso de contraceptivos orais mente, pode aparecer delineado por faixa hipoec01ca fina. A
pela população e a utilização de disposili\'0 mtrautenno libe- lesão também pode surgir como um espessamento inespecí-
rador de le,•onorgestrel (DIU-LNG) pelas mulheres tratadas fico do endométrio ou uma massa focal na ca'·idade utenna,
com tamox1feno parecem ter efeito protetor mas esses achados não são espectficos dos pólipos, e outras
anonnahdades endometriaLS, como os miornas submucosos,
podem ter as mesmas características.
Manífestações clínicas
A associação ao Doppler colorido aumenta a capacidade de
Após o advento da USTV, grande parte das mulheres por- diagnóstico do método, promovendo a identificação de um
tadoras de pólipos endometriais assintomáticos começou a
vaso nutrido r único, típico dos pólipos endometriais. A USTV
ser d iagnosticada durante exames de imagem realizados em é mais bem executada em mulheres rta pré-menopausa antes
virtude de outras ind icações. Na pós-menopausa. 70% a 75% d o décimo dia do ciclo menstrual, quando o endométrio é o
das pacientes são assintomâticas, tendo como único achado mais fino possível, para minimizar o risco de falso-positivos e
ocasional um espessamento endometrial, geralmente focal, à resultados falso-negativos (Figura 53.5).
UST'I. Embora possam ser encontrados como um achado in- A histerossonografia (US com infusão de solução salina na
cidental em exames de imagem, os póhpos endometriais são cavidade uterina) aumenta o contraste u!LraSSonográfico na
frequentemente associados a sintomas cHmcos, como sangra- cavidade endometnal, determirtando com rnaLS preciSão os
menta uterino anormal e inferúlidade. limites do póhpo, seu tamanho, localização e outras caracte-
O sangramento uterino anormal é o smtorna ma1s comum rlslicas. As lesões polipo1des aparecem como massas mtraca-
dos pólipos endometriais, ocorrendo em aproximadamente vitárias ecogi!mcas, de superfície lisa, com bases amplas ou
68% dos casos e podendo apresentar-se como sangramemo hastes delgadas, e são limitadas por liquido.
menstrual aumentado, sangramento intermenstrual, sangra- O diagnóstico definitivo dos pólipos é estabelecido a partir
menta pós-coito (particularmente em casos nos quais coexis- do exame histológico. A curetagem uterirta diagnóstica, em-
tem pól ipos do colo do úte ro), além de sangramento pós- bora possibilite a retirada de amostras de endométrio para
menopausa. Acredita-se que a congestão estromal demro do anãlise h istológica e seja adequada para diagnóstico em lesões
pólipo leve à estase venosa com necrose a picai e consequente endometriais difusas, falha nas lesões focais, como as polipoi-
sangramemo. des de outra etiologia. As amostras são obtidas de maneira
Os pólipos endomelriais são encontrados em 15% a 25% mais eficiente por meio de biópsia dirigida por histerosco-
das mulheres mférteis, embora a causa da infentlidade per- pia. Ass1m , a b1óps1a guiada por histeroscopia é cons1derada
maneça mcena. Uma das hipóteses é a de que essas lesões o padrão-ouro para o diagnóstico de pólipos endometna1s,
afetem a Implantação e o desem·olvtmento embnonário em
razão de seus efeitos bioquimicos, Já que as metaloproteirta-
ses associadas à implantação e as clloctnas que influenciam
o desenvolvimento do embrião são encomradas em quanti-
dades maiores nos pólipos do que nos tecidos uterinos nor-
mais circundantes. Alterrtalivamente, os pólipos encontrados
nas proxim idades dos óstios tubários talvez pt·ejudiquem sua
função e bloqueiem a migração dos espermatozoides, o que
leva muitos autores a defende rem a remoção dos pólipos nas
mulheres inféneis.
A dor de intensidade variável é simoma mais raro, estando
relaciOnada com as contrações utennas em resposta à presen-
ça da lesão pohpoide na ca\idade. Raramente essas contrações
podem deslocar a lesão progressh·amente em d1reção ao colo
do útero e causar, em alguns casos, sua expulsão completa.
Grandes pólipos também podem apresentar-se com necrose, Figura 53.5 Ultrassonografla transvaginal: o corte sagital extbe endo-
o que pode resultar em corrimento vaginal serossangu inolen- métrio trilaminar (penovulatório) interrompido por espessamento focal,
to com odor desagradável. oval, de cerca de 13,7 x 5,8mm, sugestivo de pólipo endometrial.
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J 442 Seção I Ginecologia

pois identifica quase todas as lesões e não apenas promo- uterino anormal apresentam melhora de seus sintomas em
ve a confirmação dtagnóstica imedtata, mas também forne- torno de 70% dos casos com taxa de malignidade pratica-
ce informações clinicas adictonaís necessárias para definir a mente nula. As taxas de sucesso nos casos de sangramento
abordagem terapêuuca adequada, oferecendo a vantagem de na pós-menopausa são matores (cerca de 90%) com peque-
frequentemente realiZar essa terapêutica, removendo o pólipo no risco de complicações ctrúrgtcas, embora essas pacientes
conconutantemente ao dtagnósttco. apresentem risco mator de mahgmdade.

MENSAGENS-CHAVE
Prognóstico
• leiomiomas, adenomiose e póhpos endometnats são as
Os póltpos endometnats são bemgnos na maioria dos ca-
principais patologms bemgnas que afetam o corpo uterino.
sos, mas há algum nsco de transformação maligna, o qual é
• Os principais fatores de risco para ocorrtncia de leiomio-
maior na pós-menopausa, especialmente nas mulheres sin-
mas são raça negra, tdade precoce da menarca e obesidade.
tomáticas. A incidêncta do carcinoma confinado a pólipos
• Os principais sintomas decorrentes dos miomas são san-
endometriaiS varia de 0,3% a 4,8%, ressahando-se que 10%
gramento uterino anormal, dor pélvica, dismenorreia e in-
a 15% dos casos das neoplasias malignas associadas a póli-
fenilidade.
pos ocorrem após a menopausa. Alguns fatores de risco estão
• O ultrassom é o método de imagem mais utilizado para
associados à progressão de uma lesão maligna, como idade
o diagnóstico dos miomas em razão de seu baixo custo e
avançada (>60 anos), tamanho dos pólipos (especialmente
acessibilidade.
aqueles >1,Scm), associação a sangramento, lnd ice eleva-
• A maior incidência de adenomiose acot1tece na quarta e
do de massa corporal, hipertensão arterial, perlodo da pós-
quinta décadas de vida, e os fatores de risco para seu de-
-menopausa e uso ele tamoxi feno.
senvolvimento são exposição ao estrogenio, gravidez e ci-
Os pólipos enclometriais podem regredir ele maneira es-
ru rgia uterina.
pontânea, principalmente aqueles com >lcm, embora não
• O diagnóstico deftnitivo de adenomiose é feito por aná-
esteja claro com que frequencia isso acontece. Em estudo de
lise histológica. O achado mais preditivo de adenomiose
mulheres assintomáticas, a taxa de regressão em 1 ano foi de
à US consiste na presença de heterogeneidade difusa do
27%, o que revela a posstbtlidade de conduta expectante nes-
miométrio.
sas lesões. • O padrão-ouro, único tratamento delimuvo para adeno-
Recomenda-se polípectomia hísteroscópica para as mu-
miose, é a histerectomia. O dispositivo mtrautenno libe-
lheres sintomáticas ou que apresentam fatores de risco para
rador de levonorgestrel é a terapia conservadora mais pro-
trartSformação mahgna. Durante o procedtmento deve ser
missora.
considerada a posstbthdade de coleta de amostras de endo-
• Os fatores de risco para o desenvoh'imento de póhpos en-
métrio naquelas com fatores de nsco para câncer do endo-
dometriais são idade avançada, obestdade e uso de tamo-
métrio. Já para as pacientes assmtomãucas e sem fatores de
xifeno.
risco para transformação maligna, a conduta pode ser mais
• A histeroscopia com btópsta gUtada é o padrão-ouro para o
conservadora em razão do batxo nsco de progressão para ma-
diagnósúco dos póhpos, sendo a ressecção htsteroscóptca
lignidade e da possibilidade de resolução espontânea.
o tratamento maiS efetivo.

Tratamento leitura complementar


O tratamento proposto para os pólipos endometriais é a Alabiso et ai. Management of Adenomyosis. Journal of Mtnimally ln-
polipectomia. A justificauva para a retirada dessas lesões é vasive Gynecology 2016.
Benagiano G, Brosens I, Habiba M. Adenomyosis: a life-cycle
dupla: resolver a sintomatologia e excluir a presença de qual- approach. Reproductive Bio Medictne Online 2015;30:220-32.
quer potencial de transformação neoplásica. Benagiano G, Brosens I, Habiba M. The palhophysiology oi uterine
Para a decisão sob re a melhor forma de 1ratamento devem adenomyosis. Fertil Steril 2012; 98:572-9.
se r levados em conside ração os sintomas (sangramento anor- Berek J, Novak S. Tratado de ginecologia. Rio de Janeiro: Guanaba-
ra Koogan 2009.
mal, infertilidade), o perlodo rep rodutivo (menopausa ou Drayer S, Catherino W. Prevalence, morbidity, and currenl medicai
não) e o uso de medicamentos (reposição hormonal, tamoxi- management ofuterine leiomyomas. lnternalional Journal of Gy-
feno). A ressecção histeroscópica é o procedimento mais efe- necology and Obstetrics 2015; 131:117-22.
tivo, porém pode haver recorrencia após sua realização. Nas Garcia L, lsaacson K. Adenomyosis: review oi the literatura. Journal
mulheres na menacme, deve ser realizada no in!cio da fase of Minimally lnvasive Gynecology JuVAug 2011; 18(4).
Hamani Y, Eldar I, Sela H, Voss E. Haimov-Kochman R. The clini-
proliferativa, pois a presença de endométrio espessado reduz cai significance of small endometnal polyps. European Journal
as chances de remoção completa da lesão em procedimento of Obstetrics & Gynecology and Reproducttve Biotogy 20 13;
cirúrgico único. 170:497-500.
Pacientes no perfodo reprodutivo, inférteis, com pólipos Jndraccolo U, Barbleri F. Relationship between adenomyosis and
uterine polyps. European Journal of Obstetncs & Gynecology and
endometriaís sintomáticos ou não, mdependentemente do Reproducbve S.ology 2011 . 157.185-9.
tamanho, apresentam melhora da fertilidade após a polipec- Jefferys A, Akande V. Modern management of ftbrolds. Obstetncs,
tomia. Já aquelas CUJO pnnctpal smtoma é o sangramento Gynaecology and Reproducbve Medtetne 26(5).
:\.
r
((

Capítulo 53 Doenças Benignas do Corpo Uterino 443

Kashani B, Centini G, Morelli S, Weiss G, Petraglia F. Role of medicai Petraglia F. Uterine fibroid: from pathogenesis to clinicai manage-
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CAPÍTULO (

Câncer de Endométrio
Delzio Salgado Bicalho
P1iscilla Rossi Baleeiro Marcos

INTRODUÇÃO profundidade de invasão miometrial, met.ástases linfáticas


O câncer de endométrio é o tumo r maligno da pelve mais mais precoces e, portanto, tem pior prognóstico.
frequente nos países desenvolvidos. Segundo dados da Socie- Os adenocarcinomas endometriais hereditários ocorrem
dade Americana do Câncer, a estimativa da doença nos EUA geralmente em famílias com cânce r de cólon por h iperplasia
para 2016 era de cerca de 60.050 casos, com mortalidade he reditária não polipoide (HNPCC na sigla em inglês) ou sín-
estimada de 7.780 mulheres. No Brasil, ocupa o terceiro lu- drome de l ynch (Sl )
gar entre os tumores ginecológicos primários, seguindo os de
mama e do colo uterino. Segundo dados do InstitutO Nacio- Fatores de risco e prevenção
nal de Câncer (INCA), para 2016 eram esperados cerca de Os fatores de risco conhecidos para os carcinomas en-
6.950 casos com risco estimado de 6,74 casos em cada 100 dometriais estão relacionados com os adenocarcinomas
mil mulheres, com média de idade de 62 anos ao diagnóstico. endometrioides ou do tipo !. Os fatores de risco para os car-
Apenas 4% dos casos ocorrem em mulheres com menos de cinomas do tipo !! não são bem definidos. Essa associação
40 anos, muitas das quais mantêm o desejo de preservação está presente na maioria dos fato res de risco identificados
da fertilidade. (Quadro 54 1)
Estima-se que 2% a 3% das mulheres desenvolverão cân- Na maioria das pacientes com câncer endometrial é iden-
cer do corpo uterino durante suas vidas. tificada alguma fonte de estímulo excessivo de estrogênio. As
O pico de incidência na sexta década de vida na maioria evidências da relação entre aumento de gordura corporal e
dos casos se deve ao estímulo prolongado do estrogênio, seja câncer de endométrio sáo convincentes, e o risco é facilmente
endógeno ou exógeno, sem alternância e contraposição da identificado clinicamente por me io do cálculo do índice de
progesterona. Esses tumores incidem com mais frequência na massa corporal (!MC), que consiste na divisão do peso pela
raça branca, mas promovem maior mortalidade entre as afro- altura ao quadrado, sendo considerado sob repeso !MC entre
-americanas, sendo constatada maior prevalência em socieda- 25 e 30 e obesidade quando >30. Em geral, o cânce r de endo-
des que apresentam hábitos de vida ocidentais. métrio é acompanhado de outros componentes da síndrome
Existem dois tipos de tumores com caracte rísticas genéti- metabólica (hipertensão arterial, hipertrigliceridemia, diabe-
cas e clínicas distintas. O tipo !, endometrioide, é responsável tes e aumento da circunferência abdominal).
por cerca de 80% a 85% dos casos e está relacionado com ex- De acordo com recente metanâlise envolvendo seis estudos
posição prolongada a estrogênios. Ocorre em mulheres na pe- e 3.132 pacientes com câncer endometrial, o risco relativo
rimenopausa, é bem diferenciado e evolui com melhor prog- (RR) de câncer de endométrio em pacientes com síndrome
nóstico. O tipo !!, não endometrioide, acomete as mulheres metabólica é de 1,89; em casos de sob repeso e obesidade iso-
de bem mais idade na pós-menopausa tardia e corresponde ladamente, o RR é de 1,32 e 2,54, respectivamente. O diabetes
a 15% a 20% dos casos, desenvolvendo-se em endométrios mellitus (OM), principalmente do tipo 2, é fator de risco inde-
atróficos sem correlação com o estímulo estrogênico. Predo- pendente; entretanto, o fato de a maioria das pacientes com
minantemente dos tipos seroso, células claras e carcinomas DM2 apresentar sobre peso parece ser um fator de confusão.
indiferenciados (carcinossarcomas, neoplasia maligna mOl- Outros fatores incluem estrogenoterapia sem oposição (au-
leriana mista), apresenta baixo grau de d iferenciação, maior mento de 10 a 30 vezes no risco em tratamentos contínuos
444
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Capítulo 54 Câncer de Endométrio 445

Quadro 54.1 Fatores de risco para câncer de endométrio menopausa, incentivadas a realizar atividades físicas regulares
Fator de risco Risco relativo e manter peso saudável, de modo a diminuir o risco de de-
(AR) senvolver doenças que aumentem a incidência do câncer de
Idade avançada 2a3 endométrio (hipertensão arterial, DM2, hipertrigliceridemia,
Alto nível educacional 1,5a 2
obesidade) (nível de evidência lll). O uso de anticoncepcio-
nais combinados está associado à redução do risco, e esse be-
Raça branca 2
nefício aumenta com o tempo do uso.
Nuliparidade 3
lnfertilidade 2a3 Rastreamento e diagnóstico
Menopausa !ardia 2a3 Nas pacientes assimomáticas, o câncer de endométrio pode
Menarca precoce 1,5a 2
ser suspeitado pela ultrassonografia (US) na presença de es-
pessamento endometrial ou, mais raramente, diante de atipias
Terapia estrogênica exclusiva por 5 anos ou mais 10a 20
glandulares de significado indeterminado (AGUS) na citolo-
Doses cumulativas de tamoxifeno 3a7 gia oncótica cervicovaginal de rotina. A detecção de células
Síndrome metabólica 1,89 endometriais na colpocitologia de mulheres menopausadas é
Sobrepeso e obesidade 1,32 e 2,54 indicação para estudo h istOlógico do endométrio. Ainda as-
Hipertensão 1,81 sim, a citologia cervicovaginal não pode ser considerada pro-
Hipertrigliceridemia
cedimento satisfatório para rastreamento ou como métOdo
1'17
para diagnóstico.
Diabetes met/itus tipo 2 2, 1
Os procedimentos para rastreamento na população assin-
Anovulaçâo crônica >5 tomática , mesmo entre as mulheres de alto risco, não se mos-
traram eficazes em d iminuir a mortalidade (nível de evidência
li). Mesmo assim, alguns grupos de mulheres que usam tera-
Quadro 54.2 Carcinoma endometrial -tipos 1 e 2 pia hormonal (TH) e tamoxifeno podem beneficiar-se da ava-
Tipo 1 Carcinoma endometrial do tipo endometrioide e liação periódica com ultrassonografia transvaginal (USTV). O
relacionado com estrogênio. geralmente é neoplasia rastreio de pacientes assimomáticas é recomendado apenas
de baixo grau de malignidade. originada de hiperplasia em mulheres portadoras de SL.
atlpica (prolileraç!l.o do endométrio)
O diagnóstico do câncer de endométrio em decorrência
Tlpo2 Geralmente não relacionado com estímulo estrogênico e
de sinais e sintOmas precoces, como sangramemos anor-
não originado de hiperplasia endomettial. Traia· se de
neoplasia com alto grau de malignidade e oom tipos mais, principalmente na menopausa, que levam a mulher a
histológicos deslavoráveis (seroso e células claras) que procurar os serviços médicos, em cerca de 80% dos casos é
atingem pacientes de idade mais avançada feitO nos estádios iniciais (I e 11), em que a sobrevida em 5
anos ultrapassa os 95%.
Todas as mulheres na menopausa com sangramemo geni-
por 5 anos ou mais) , tumores produtores de estrogênio, me- tal devem ser submetidas à propedêutica do endométrio para
nacme precoce (RR: 2,4 <12 versus >15 anos) , menopausa tar- afastar o câncer endometrial. Pacientes mais jovens com san-
d ia (RR de 1,8 para mulheres<: 55 versus <50 anos). Pacientes gramemo abundante, irregular ou acíclico também devem se r
com câncer de mama em uso de tamoxifeno mostraram que o investigadas.
RR de desenvolver câncer de endométrio é 2,53 vezes maior A US pode selecionar as pacientes que devem ser submeti-
e que o RR também mostrou ser dose-dependente. Quando das a biópsia ou curetagem. O risco de câncer do endométrio
usado após a menopausa, o risco é maior se comparado com é inferior a 1% no caso de espessura endometrial <5mm. O
seu uso na p ré-menopausa (RR: 4). risco pode ser de cerca de 20% acima desse limite, existindo
A LS ou HNPCC é urna desordem autossômica dominante recomendações para que seja realizada biópsia de endométrio
que apresenta 40 % a 60% mais chances de desenvolver os em todas as mulhe res assimomáticas com espessura endo-
cânceres de cólon e endométrio durante a vida, bem como metrial >llmm. Para mulheres com que ixa de sangramemo
9% a 12% de desenvolver o de ovário. vaginal e USTV tendo 4mm como pomo de corte, a sensibi-
Outros fatores estão associados a esse tipo de câncer, como lidade é de 96% a 98% com especificidade de 36% a 68%.
maior expectativa de vida, mudanças no padrão alimentar e Mulheres em uso de tamoxifeno ames da menopausa não
d iminuição do núme ro de filhos (Quadro 54.2). necessitam nenhuma investigação adicional além dos cuida-
dos ginecológicos de rotina. Na pós-menopausa está indicada
Prevenção biópsia de endométrio na presença de sangramemo vaginal,
Muitos casos de câncer de endométrio não podem ser pre- independentemente da espessura do endométrio. O uso de
venidos, mas todas as mulheres devem ser aconselhadas a dispositivo intrauterino (DJU) hormonal se mostrou eficaz na
realizar mudanças nos hábitOS de vida para diminuição dos prevenção da recidiva de hiperplasia endometrial polipoide,
fatores de risco, devendo ser info rmadas quanto aos sinto- embora as evidências ainda sejam insuficientes quanto a seu
mas, encorajadas a relatar qualquer tipo de sangramemo pós- efeito na incidência de lesões atípicas.
/.
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J 446 Seção I Ginecologia

Em mulheres com alto risco de desenvolver câncer de


endométrio, ponadoras de HNPCC e LS, é aceitável biópsia
anual do endométrio como rastreto a parur dos 35 anos, a qual
demonstra grande acuráoa no dmgnóstico precoce de hiper-
plasias atlptcas e do dlncer endometnal, ou uso de terapias
progestogêrucas, como OlU honnonal, com o obJeU\'O de pre-
servação da fenthdade. Após a gestação, deve ser oferecida a
histerectomm com anexectomm btlateral.
Dh·ersos métodos podem ser empregados para obtenção
de amostra tectdual do endométrio: coleta ambulatorial com
cateter de Ptpelle (taxa de detecção de até 99,6% na pós-me-
nopausa e de 91% na pré-menopausa de câncer e de 81% de
hiperplasia atlptca), cureta de Novak, aspiração endometrial
a vácuo, curetagem e histeroscopia. A partir do fragmento ob-
tido, o patologista deve informar o tipo h istológico e o grau Figura 54.1 Câncer do endométrio acometendo toda a espessura
do miométrio. (Clínica Delzio Bicalho.)
de diferenciação.
A histeroscopia torna posslveis a realização de biópsia no
sitio de maior suspeição, a inspeção da endocérvice sob mag- Histologia
nificação e a avaliação da extensão do tumor. A histe roscopia Mais de 90% dos tumores endometriais são adenocarcino-
pode também estimar o grau de invasão miometrial a partir mas que podem ser endometrioides (80%), muci nosos, de cé-
da avaliação morfológica endoscópica. Apresenta sensibilida- lulas claras, serosos papillferos e adenoacantomas. São classi-
de de 93,1 %, especificidade de 99,96%, valor preditivo po- ficados como de graus I, ll e 111, dependendo da d iferenciação
sitivo de 98,18% e valor preditivo negativo de 99,85% para tumoral (G) determinada pelo padrão de crescimento arqui-
o diagnóstico do câncer de endométrio. Apesar disso, a his- tetura! e aspectos nucleares. Cerca de 20% dos tumores são
teroscopia não apresenta melhor sensibilidade para detecção bem diferenciados, 60% moderadamente diferenciados e 20%
de hiperplasia ou carcinoma quando comparada à curetagem. pouco diferenciados. A mvasão do mtométrio guarda relação
direta com o grau de dtferenciação e a metástase hnfonodal.
Manejo das pacientes com intenção de preservar
São encontrados mats raramente os carcinomas epidermóide,
a fertilidade adenoescamoso, misto, mdúerenc~ado e carcinossarcoma.
Apesar da randade do dtagnósuco de dlncer de endomé-
trio em pactentes com menos de 40 anos (4%), não é inco- Estadiamento
mum o deseJO de preservação da fentltdade. O tratamento pa- Desde 1989 o estadllllllento do câncer de endométno é otúr-
drão-ouro nessas pacientes conunua sendo o cuúrgico, com gico. Muito se aprendeu sobre as variáveiS em·oiVldas no prog-
altas taxaS de sobrevtda em 5 anos (93%), mas resultando na nóstico desse tipo de câncer nos úlumos 20 anos e, por isso,
perda da fentlidade. a Federação 1mernaoonal de Gmecologm e Obstetrloa (AGO)
Em pactentes selectonadas com doença pré-maligna (hiper- propós no,-o estadiamento citúrgtco em 2009 (Quadro 54.3).
plasia atipica) e dlncer tmcial de baixo grau (carcinoma en-
dometrioide no estádto IA), acompanhadas por profissionais
especializados, pode ser proposto o tratamento conservador. Quadro 54.3 Estadiamento do cancer de endométrio - FIGO 2009
Procede-se ao uso de progestogenios (acetato de megestrol, Estádio 1: (G1, G2, G3) Tumor conlinado ao corpo utenno
medroxiprogesterona, DIU hormonal e análogos do GnRH) e IA: invasão menor do que a metade da espessura do miométrio
a biópsias periódicas do endométrio (a cada 3 ou 6 meses). IB: invasão maior do que a metade da espessura do mioméltio

Após os primeiros 3 a 6 meses de seguimento, na ausência de Estádio 11 : (Gl. G2. G3) Tumor invade esuoma cervical, mas nao se
evidência de progressão da doença, a concepção pode ser en- estende além do útero (o envolvimento glandular endocervical deve
ser considerado estádio I)
corajada. No tratamento conservador, a taxa de remissão chega
a 70%, com a recidiva ou progressão podendo chegar a 30% Estádio 111: (Gl, G2, G3) Tumor com extensão local e/ou regional
IIIA: invasão de serosa e/ou anexos (citologia de lavado
a 40%. Apesar da boa resposta, após definição da prole deve peritoneal deve ser relatada. mas nao altera o estédio)
ser proposta a histerectomia com salpingooforectomia bilateral. IIIB: metástases vaginais e/ou parametriais
IIIC: metástase em linfonodos pélvocos e/ou paraórticos
Antecedentes morfológicos IIIC1: linfonodos pélvocos pOSitivos
IIIC2: linfonodos para6fticos poSitivos com ou sem acometimento
A hiperplasia do endomêtno é definida como aumento anor- de linfonodos pélvicos
mal (volume e espessura) do endométrio proliferante, que mos-
Estádio IV: (G 1. G2. G3) Tumor com onvasão de bexiga/reto ou
tra desorganização estrutural, estratificação epitelial e atipia cito- metástase a distancia
lógica, podendo ser dasstficada como simples ou complexa, com IVA: invasao de bexiga e/ou mucosa ontesllnal
ou sem atipm. Somente na htperplasm complexa com atipia pa- IVB: metástase a dostância. oncluondo ontra-abdomnal e/ou
linfonodos 11guonaos
rece haver nsco signtficauvo de desenvoh~mento de carcinoma.
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Capítulo 54 Câncer de Endométrio 447

A avaliação pré-operatória da paciente deve incluir, além usada em tumores iniciais confinados ao útero com baixo
de exame ginecológico, colposcopia e citologia, exames de grau hiswlógico.
imagem, biópsia endometrial e exames laborato riais. Os exa- A injeção superficial (l a 3mm) e profunda (l a 2cm) de
mes de imagem, como US, RM ou TC de abdome e pelve, corante (azul patente, tecnécio-99m) na região cervical possi-
tOmografia por emissão de pósitrons (PET-CT), radiografias bilita ótima penetração do corante para as regiões dos troncos
de tórax, ciswscopia e retossigmoidoscopia, são individua- linfáticos parametriais, hipogástricos, pélvicos e ocasional-
lizados, selecionando a propedeulica de acordo com o caso mente paraórticos. O sucesso do mapeamentO do linfonodo
(como nas pacientes com indícios de doença extrauterina ou sentinela se explica pela possibilidade de dissecção de lin-
suspeita de doença metaStática). fonodos em sítios específicos marcados pelo corante, tendo
Existem evidências de que o marcador de tumor seroso como vantagens identificar pequenas metástaSes em linfono-
125 (CA-125) e mais recentemente a p roteína epid idimal dos que seriam dificilmente observadas no estudo hisLOlógi-
humana (HE-4) têm relação com grau hiswlógico, estádio, co, dete rminar os linfonodos fora das cadeias habituais e pou-
metástaSe linfonodal, invasão miometrial e envolvimento par extensas linfadenecwmias com consequente aumento da
cervical, porém não foram estabelecidos o valor de cone dos morbidade. Todavia, em caso de falha do mapeamento , deve
marcadores nem as evidencias para seu uso clínico rotineiro. se r ressecado algum linfonodo suspeito.
Como o estadiamento do cânce r de endométrio é cirúrgi-
co, seus princípios consistem na histerectomia total extrafacial Tratamento recomendado (Figura 54.2)
com salpingooforecwmia bilateral por via laparotômica ou por O t ratamento inicial do câncer de endomét rio consiste
técnicas min imamente invasivas, como videolaparoscopia ou na h isterectomia total com salpingooforecwm ia bilateral. A
robólica. Nas mãos de profissionais habilitados, as vias mini- linfadenectomia pélvica e pa raónica tem indicação nos ca-
mamente invasivas demonstram o mesmo risco de recorrência, sos de médio e alto risco, e seu emprego tem sido estudado
tempo livre de doença e sobrevida global das vias convencio- em d ive rsos centros. Alguns estudos mostraram aumentO da
nais e promovem a avaliação visual do peritônio e das cúpulas sobrevida de pacientes submetidas a extensas linfadenecto-
d iafragrrtáticas e serosas e a biópsia de qualque r lesão suspeita a mias. Outros estudos concluíram que existe associação entre
fim de descartar doença extrauterina. Apesar de a posilividade a extensão da linfadenectomia e o ganho de sobrevida em
do lavado peritoneal para células cancerígenas rtáo fazer mais doença de alto risco. Apesar de extensas linfadenecwmias
parte do estadiamento da FIGO, pode ser considerado um fato r estarem associadas a aumentO da morbidade e linfedema,
de pior prognóstico, devendo sua prática ser encorajada. uma parcela significativa de pacientes submetidas à linfade-
Nos casos de carcinomas se rosos, de células claras e carci- necwmia é estadiada como 11IC quando supostamente esta-
nossarcomas, a omentecwmia está indicada. linfadenectomia riam em estád ios in iciais. O estudo ASTEC (A Study in the
pélvica e paraórtica inframesentérica e infrarrenal devem se r Treatment of Endometrial Cancer), recentemente publicado,
realizadas nos tumores de alto risco com invasões miome- revelou que, em estádios iniciais, a linfadenectomia pélvica
t riais profundas, alto grau hiswlógico, carcinomas serosos, de não promove benefício na sob revida e no tempo livre de
células claras e carcinossarcomas. A prática de pesquisa de doença. Os autOres demonstra ram que não houve benefício
linfonodo sentinela pode se r considerada em pacientes sele - na sob revida global das pacientes com estádio I que recebe-
cionadas (nível de evidência 11!). ram radioterapia adjuvante.
A equipe deve estar habilitada para realizar os procedimentos
indicados, como, por exemplo, a linfadenectomia. Um serviço
com patologista especializado em oncologia para garantia da ve-
rificação correta dos fatores de risco e radioterapia acessível com
acelerador de partículas e radiomoldagem e serviço de quimio-
terapia são condições indispensáveis para o sucesso terapêutico.

Fatores prognósticos
Os fatores prognóslicos incluem tipo histOlógico, diferencia-
ção, invasão miometrial, extensão tumoral, invasão linfovascular,
presença de células tumorais no lavado peritoneal e, principal-
mente, o acometimento linfonodal. Há fone interdependência
dos fatOres, ou seja, quanto mais indiferenciado é o tumor, mais
frequente é a invasão do miométrio. Por conseguinte, aumentam
as chances de ocorrência de metástaSes linfonodais.

Princípios para a prática de pesquisa de linfonodos


sentinelas
Apesa r da indisponibilidade de estudos prospeclivos ran- Figura 54.2 Cirurgia de estadiamento do câncer de endométrio.
domizados que tenham avaliado essa técnica, esta pode se r (Clínica Delzio Bicalho.)
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I )

j 448 Seção I Ginecologia

Detennma-se a probabilidade de recorrência em pactentes O estudo PORTEC-2, ao avaltar pacientes com doença con-
com doença mictal, dividindo-as em categonas de nsco de finada ao útero de médto e alto nsco que, após a cirurgia, foram
acordo com o nível de im·asão e o grau tumoral. Os tumo- submetidas a radioterapia externa ou braquiterapia exciUSt\<15,
res com extensa invasão miometrial e alto grau histológico verificou taxas semelhantes de recidiva vaginal nos dms gru-
apresentam grande risco de recorrência, mesmo sem doen- pos (0,9% ver5u.s 2%) respectivamente), porém com maior taxa
ça extrauteri na. A idade da paciente e a presença de invasão de recidiva pélvica no grupo submetido à braquiterapia (3,6%
linfovascu lar também devem ser levadas em consideração na ver5us 0,7%). Essa diferença não foi associada à verificada na
avaliação do risco de recorrência (Quadro 54.4). taxa de sobrevida global. Como no estudo PORTEC-1 , a taxa de
Em caso de adenocarcinoma endometrioide com invasão recidiva vaginal foi de 19%. Os autores condu!ram que a bra-
<50% do miométrio, sem invasão do espaço linfovascular e quiterapia vaginal é efetiva para prevenir recidivas vaginais com
com ctlologta peritoneal negati,-a, a histerectomta com oofo- menor morbidade e melhor qualidade de ,~da, comparando-a
rectomta e salpmgectomia bilateral é o tratamento indtcado, à radioterapta exterrta (nas pacientes com doença confinada ao
sem a necesstdade de linfadenectomia (<3% de nsco de me- útero, à e.xceção das com ICG3, que foram e.xclu!das do estudo).
tástase hnfáuca) ou radioterapia adjU\·ante. A preservação Acredita-se quase que por unanimidade que nenhuma tera-
dos ovános é possível em casos seleciOnados de pactentes pia adjuvante deva ser tnslttuída em pacientes com batxo nsco
JOvens com tumores nos estádios iniciats de batxo grau, sem de recidivas (IA, IBG I, 1BG2). Nas pacientes com doença con-
impacto na sobrevida global. Caso se opte pela preservação finada ao útero com características de alto risco para rectdtva
dos ovários, as trompas devem ser retiradas (nível de evi- não há evidência de nlvel I de que alguma terapia adjuvante
dência IV). promova algum ganho na taxa ele sobrevida. Nessas pacien-
A histerectom ia vaginal com anexectomia bi lateral pode ser tes, a opção pela não realização de qualquer terapia adjuvante
realizada nas pacientes no estádio l que não possam se subme- é aceitável, e a opção por radioterapia deve ser individualiza-
ter à cirurgia de estadiamento (nível de evidência IV). A radio- da, levando-se em conta a idade e a performance status de cada
terapta não promove benefício a essas pacientes, e as criticas uma. Nas pacientes com mais da metade de im-asão !Tllometnal
sobre o uso da radioterapia em pacientes com doença inicial (IBG3, ICG2, ICG3) é acettável o uso da braquiterapia.
não estão fundamentadas nas LJL'GIS de recidtva local, mas prin- O estudo PORTEC-3 a,-ahou o benefício da quumorradto-
ctpalmente nos efeitos colaterais e no custo. Comphcações le- terapia adJu,-ante em comparação com a radioterapta exclust\'ll
ves e moderadas associadas ao tratamento alcançam até 18% e em mulheres com câncer endometrial de alto risco. Os dados de
as gnl\·es, até 4%, sendo, na maioria das vezes, mtestmais. sobrevida serão detennmantes para definir se a combinação
O estudo PORTEC-1 incluiu apenas pacientes com carci- de quimíoterapta e radioterapia em pacientes com câncer de
noma endometrioide IBG2 , IBG3, ICG1 e ICG2. A taxa de re- endométrio vai tornar-se o tratamento padrão (Quadro 54 .5).
corrência após 5 anos de seguimento foi de 21% nas pacien- As pacientes com carcinoma endometrial avançado de
tes que não recebe ram terapia adjuvante. Dessas pacientes, graus 11 e lll são ca ndidatas à rad iote rapia externa adjuvante
14% (dois terços) apresentaram recorrência locorregional, na associada ou não à braquiterapia a fim de diminuir a recor-
maioria dos casos na vagina (10,2%), resultados concordan- rência local. A quimioterapia deve ser associada para dimi-
tes com os do estudo GOG99 . nuir a recorrêncta a distáncia, principalmente nas pacientes
Nas pactentes no estádio ICG3, a radioterapia externa de- em estádio lllC com linfonodos acometidos.
monstrou melhora do controle de doença péh'ica, mas sem
ganho na sobrevida global. Estádio liA
A in,·asão superfictal da endocérvice é em grande pane dos
casos encontrada em peça cirúrgica, sendo de dif!ctl detecção
Quadro 54.4 Categorias de risco do câncer de endométroo pré-operatória. O tratamento é idêntico ao do estádio I de
Baixo risco IAG1, IAG2, 1BG1, IBG2 alto risco.
Esse grupo inclui as pacientes com lumores sem
invasão miomettial e as com invasao menor do que
a metade da espessura do miomélrio com baixo e Estádio 118
moderado graus histológicos Ocorre invasão estromal do colo, que pode ser suspeitada
Médio risco IAG3, IBG3 ao exame f!sico. As opções de tratamento consistem em h is-
Esse grupo inclui as pacientes com tumores que terectomia radical - Piver 111 com linfadenectomia pélvtca e
invadem o miométrio até a metade, po<ém com alto
paraónica. seguida de radioterapia externa e radiomoldagem
grau histológico
ou ainda, dependendo do caso e do sen"iço, radtOterapta ex-
Alto risco ICG3. IB·IC
Esse grupo de aho risco incluo as pacoentes terna e braqullerapta, segUtdas de histerectomia extrafasctal
com llJm()(es que invadem maJs da metade com linfadenectomta seleuva.
do miométrio, com alto grau h•stológ•co. ICG3.
pacientes com qualquer grau histológ•CO e com
invasão do espaço linlovascular. e tumores com Estádio 111
qualquer profundidade de invasao de alto grau Quando detectado pelo estadiamento cirúrgico apenas com
histológico e invasão do espaço linfovascular envolvimento anexial como doença extrauterina, G1 e G2, sem
:\_
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Capítulo 54 Câncer de Endométrio 449

Quadro 54.5 Tratamento adjuvante- Estádio I

Grau hl stológleo Gl G2 G3
Estádio IA Sem !atores de risco Observar Observar ou braquiterapia Observar ou braquiterapia
Com fatores de risco Observar ou braquiterapia Observar ou braquiterapia Observar ou braquiterapia
e/ou RTe e/ou RTe
Estádio IB Sem fatores de risco Observar ou braquiterapia Obsetvar ou braquiterapia Observar ou braquiterapia
e/ou RTe
Com fat()(es de risco Observar ou braquiterapia Obsetvar ou btaquiterapia Observar ou braquiterapia
e/ou RTe e/ou RTe e/ou RTe com quimioterapia
RTe: radM:>terapia externa.

lesões macroscópicas na cavidade abdominal, o tratamento Situações especiais


deve ser complementado com radioterapia externa e braquite- Pacientes com doença associada que contraindique a ci-
rapia. Na doença extrauterina, além dos anexos ou de doença rurgia (doença cardiopulmonar grave, obesidade mórbida)
residual macroscópica, podem ser realizados tratamento sistê- devem recebe r estadiamento clínico - FIGO 1971 - e se r sub-
mico (quimioterapia) e irradiação das áreas específicas de tu- metidas a radioterapia exclusivamente. As taxas de respos-
mor, as quais devem ser mancadas com clipe metálico durante a ta são baixas. O carcinoma recorrente pode se r tratado com
cirurgia. Nenhum tratamento quimioterapêutico é considerado radioterapia, quimioterapia e eventualmente com ciru rgia -
padrão; entretanto, os esquemas devem ser fundamentados no exenteração pélvica anterior e/ou posterior se a recorrência
uso de quimioterapêuticos contendo platina. As pacientes sem for central, sem evidência de metástases a distância.
doença residual macroscópica, mas com linfonodos positivos,
devem ser submetidas à radioterapia completa acrescida de
campos estendidos para a cadeia paraórtica. A incidência de Sobrevida
complicações é alta. A quimioterapia tem papel limitado, mas A sobrevida depende principalmente do estadiamento e
é esperada melhora com o desenvolvimento de novas medica- do grau de diferenciação do tumor. No estádio I, a sob revi-
ções. Se a doença já se apresentar avançada, sem a possibilidade da é de aproximadamente 75% com cirurgia exclusiva e de
de tratamento cirúrgico considerado padrão, pode ser tentada a 78% com radiote rapia exclusiva. A sobrevida em estádios
abordagem combinada da quimioterapia neoadjuvante com a avançados de doença é precária , de 60 % a 70% no estád io
radioterapia. As pacientes que apresentam resposta satisfatória 11, em tOmo de 30% no estádio lll e variando de 3% a 9%
podem ser beneficiadas com a cirurgia. A opção é a radiotera- no estádio IV
pia intracavitária associada à externa (Quadro 54.6). O acompanhamento é feito trimestralmente no primeiro
ano e, a seguir, a cada semestre, devendo incluir citOlogia va-
Estádio IV e doença recorrente ginal, exames de imagem da pe\ve e abdome (US, TC ou RM),
A abordagem deve ser individualizada, podendo se r em- radiografta de tó rax e os exames laboratoriais indicados.
pregadas radioterapia, quimioterapia e cirurgia citOrredutora,
caso apresentem boa performance status. A radiote rapia pode Leitura complementar
melhorar a do r e o sangramento. Não há benefícios compro- ACOG. Committee Opinion 601 : Tamoxifen and uterine cancer. Obs-
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CAPÍTULO (

Neoplasias Malignas dos Ovários


e das Tubas Uterinas
Sávio Costa Gonçalves

INTRODUÇÃO NEOPLASIAS MALIGNAS EPITELIAIS


As neoplasias malignas de ovários e tubas uterinas são, Os cânceres epiteliais são subdivididos em sete categorias
em geral, os cânceres ginecológicos mais agressivos, alcan- principais: serosos, mucinosos, endometrioides, de células
çando uma taxa de letalidade de 55,4%. Representam a claras, tumores de Brenner, seromucinosos e indiferenciados
quarta causa mais frequente de morte por cânce r em mulhe - (Quadro 55.1).
res e 5% de tOdas as mortes por câncer. Constituem a sétima
neoplasia maligna mais diagnosticada em mulhe res no mun - Quadro 55.1 Classificação dos tumores epiteliai s de ovário. tubas e
do , acometendo 6 em cada 100 mil mulheres, e a quinta nos peritOnio de acordo com os critérios da Organização Mundial da Saúde
(OMS) de 2014
países mais desenvolvidos (9 em cada 100 mil mulheres).
Cerca de 75% das pacientes se apresentam em estádio avan- Tumores serosos Cistoadenoma seroso
çado no momento do d iagnóstico, quando o tumor já se Adenofibroma
Papiloma superficial
disseminou pelo pe rilônio e os linfáticos, comprometendo Cistoadenoma seroso com proliferação epitelial
o resultado terapêutico, apesar dos avanços técnico-científi- focal com menos de 10% de arquitetura
cos conquistados. border/ine (BOT)
Tum()(es borderlines ovarianos serosos (SBOT)
Dos vários tipos h istOlógicos das neoplasias malignas ova- com mais de 1O% de arquitetura BOT
rianas, as epiteliais (carcinomas) são as mais frequentes. Os Carcinoma seroso de baixo grau
Carcinoma seroso de alto grau
carcinomas integram um grupo heterogêneo de tumores com
Tumores Cistoadenoma mucinoso
d iferentes comportamentos clínicos, CL~O foco primário pode mucl nosos Tum()( ovariano borderline mucinoso
estar localizado nos ovários, tubas ou pe ritônio. Na prática, Carcinoma mucinoso
o tratamentO dos carcinomas é o mesmo independentemente Tumores Cisto endometriótico
do local de origem do foco primário. endometrloldes Cistoadenoma endomettiótico
Cistoadenofibroma endometriótico
BOT endometriótico
Carcinoma endometrioide
CLASSIFICAÇÃO DOS TUMORES Tumores de Cistoadenoma de células c laras
A classificação anatomopawlógica dos tumores de ovário, célul as claras Adenofibroma de células claras
tuba e peritôn io, estabelecida pela Organização Mund ial da Tumor ovariano bordertine de células claras
(CCBOT)
Saúde (OMS) em 2014, e a nova classificação de estadia- Carcinoma de células claras
menta pela Fede ração Internacional de Ginecologia e Obs- Tumores de Tum()( de Brenner
tetrícia (FIGO), em 2013, são as refe rências para a conduta Brenner Tum()( borderline de Brenner
terapêutica. Tum()( de Brenner maligno
Tumores Cistoadenoma seromucinoso
Os cânceres ovarianos são divididos, de acordo com a li- seromuclnosos Adenofibroma seromucinoso
nhagem celular de sua provável origem, em epiteliais (90%), BOT seromucinoso
ge rminativos (3% a 5%), dos cordões sexuais (2% a 3%) e Carcinoma seromucinoso
metastáticos (5%) a partir de foco primário no tubo digestó- Tumores Carcinoma indiferenciado
lndlferenclados
rio ou das mamas.
451
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J 452 Seção I Ginecologia

Essa dife renciação em subtipos tem correlação importante rativas das mamas e hiperplasia ou câncer endometrial. Oca-
com a etiopawgenia, o diagnóstico, o tratamento e o prognós- sionalmente, podem produzir androgênios e causar virilização.
tico da doença (Quadro 55 2). Todos os TCG são potencialmente malignos, ressaltando-se
que a histopawlogia não define o comportamento biológico des-
NEOPLASIAS MALIGNAS GERMINATIVAS sa neoplasia. A probabilidade de apresentarem comportamento
As neoplasias malignas germinativas de ovário represen- biológico maligno varia entre 5% e 25%, geralmente com curso
tam 5% dos casos. A média de idade ao diagnóstico é de 19 indolente e recorrências locais que podem aparecer lO a 20 anos
anos, e a maioria das pacientes é d iagnosticada em estádio I. após a ressecção do tumor. Segregam inibina, o que pode auxi-
Os disgerminomas representam 2% de todos os cânce res liar o acompanhamento das pacientes tratadas.
ovarianos e 50% dos tumores germinativos malignos, sendo Outros tumores dos cordões sexuais são os de SertOli-Leydig
análogos ao seminoma testicular. O diagnóstico desses tumo- (masculinizantes - menos de 5% recidivam ou apresentam me-
res em cerca de 75% dos casos é estabelecido na segunda ou tástase), os de células do hilo (tumor puro de células de Leydig,
terceira década de vida, podendo também surgir na infância. Al- quase sempre benigno), o luteoma da gravidez (raro, pode ser
guns se desenvolvem em gõnadas disgenélicas. Ocasionalmente masculinizante) e o gonadoblaswma.
podem segregar a gonadotrofi na co riõnica humana (HCG) em
razão da presença de células sinciciotrofoblásticas em seu in- ETIOPATOGENIA E FATORES DE RISCO
terior. A maioria dos disgerminomas (80% a 90%) é unilate- A embriologia dos ovários é estabelecida a partir de t rês
ral, sendo todos malignos. camadas: o epitélio celõmico, o mesoderma e as células ger-
O tumor de seio endodérmico (saco vitelino) é o segundo minativas primordiais do saco vitelino (endoderma). Por sua
cânce r ge rminativo em frequência e segrega alfafewproteína. vez, as tubas uterinas, o útero e o terço superior da vagina se
Sua principal caracte rística histopatOlógica é uma estrutura originam a partir dos duetos müllerianos.
em forma de glomé rulo, denominada corpúsculo de Schiller- As neoplasias malignas de o rigem tipicamente ovariana
-Duval, geralmente d iagnosticada na infância ou na juven- de rivam das células germinativas ou dos cordões sexuais. No
tude. momento do d iagnóstico, esses tumores geralmente estão
Outros cânceres germinativos incluem teratoma imaturo, confinados aos ovários, sem d isseminação peritoneal.
coriocarcinoma, carcinoma embrionário, poliembrioma e tu- Estudos epidemiológicos e histopaLOlógicos indicaram, no
mores mistOs ge rminativos. passado, que os carcinomas ovarianos se o riginariam a pa r-
tir da superfície epitelial ovariana. Pela teoria de Fathalla da
NEOPLASIAS MALIGNAS DOS CORDÕES SEXUAIS "ovulação incessante", elaborada a partir de estudos que es-
Os tumores de células da granulosa (TCG) são o tipo his- tabeleceram a relação entre o número de ovulações durante
LOlógico mais frequente de neoplasia maligna de cordões se- a vida das mulheres e o risco de desenvolvimento de câncer
xuais, sendo compostos à microscopia por células semelhan- ovariano, a carcinogênese ocorreria a partir de d istúrbios re-
tes às da camada granulosa dos folículos ovarianos, podendo paradores das repetidas lesões epiteliais ova rianas provocadas
apresentar os corpúsculos de Call-Exner. Dividem-se em tipo pelas "ovulações incessantes". Contudo, essa teoria falhou por
adulto (95%) e juvenil, de acordo com a idade da paciente e não te r sido possível documentar lesões precursoras ou eta-
a morfologia. Em grande parte dos casos são diagnosticados pas iniciais de carcinogê nese no tecido ovariano.
na pós-menopausa, podendo segregar grande quantidade de Por outro lado, os carcinomas ovarianos estão, por sua mor-
estrogênios, o que ocasiona o desenvolvimento sexual precoce fologia e expressão genética, estreitamente relacionados com os
na infância. Em adultOs, podem associar-se a doenças prolife- tecidos de origem mülleriana. Análises moleculares demons-

Quadro 55.2 Caracterlsticas dos principais subtipos de carcinomas ovarianos

Seroso de alto grau Seroso de baixo grau Endometrl olde Células claras Muclnoso

% 70a80 <5 10 5 a 10 <5


Mutações TP53, BRCA 1 e 2 BRAF, KRAS PTEN. CTNNB-1 KRAS, PTEN, PIK3CA KRAS
Precursor crsr· Cistoadenoma seroso Endometriose Endometriose, Cistoadenoma
borderline adenofibroma de mucinoso
células claras border/ine
Lado Bilateral Bilateral Unilateral Raramente bilateral Unilateral

Disseminação Abdominal difusa Abdominal Pélvica Pélvica Ovariana


Resposta à Alta Intermediária Alta Baixa Baixa
quimioterapia (platina)
Prognóstico Ruim Intermediário Bom Intermediário Bom
·carcinoma intraepiteliaJ seroso de tuba uterina.
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Capitulo 55 Neoplasias Malignas dos Ovários e Tubas Uterinas 453

traram que os carcinomas serosos de ováno apresentam seme- o de câncer de ováno é de 6% a 12%, dependendo do gene
lhanças com o epitélio das tubas utennas, os endomelrioides afetado. Em relação ao câncer de ovário na Sl, o tumor é
com o endométrio e os seromucinosos com o epitélio endocer- diagnosticado aos 45 anos, em média, ao passo que os tumo-
vlcal, e não propriamente com os tecidos ovananos. res esporádicos de ovário costu mam ser d iagnosticados entre
Estudos recentes ind icam que grande pane dos carcino- os 60 e os 65 anos. Os tipos histopatológicos de tu mores ova-
mas serosos de alLO grau (CSAG) d os ovários se origina do rianos mais comuns na SL são os carcinomas endometrioicles
epitélio ela porção d istai das tubas uterinas, onde se instala e de células claras, que são diagnoslicados em estádios iniciais
a carcinoge nese, valendo ressaltar que o carcinoma seroso em 65% dos casos e apresentam melhor sobrevida geral.
intraepitelial tubário é a lesão precu rsora dos CSAG. Entre-
tanto, essa lesão pode não ser encontrada em cerca de 30% DIAGNÓSTICO
dos casos de CSAG, mesmo envolvendo as mutações de genes
BRCA. Ass1m, a origem multicentnca mulleriana para esses Diagnóstico clínico
tumores se toma a hipótese mais consiStente por ser a única O câncer de O\•áno é tradicionalmente reconhecido como
que se aphca a todos os casos. A carcmogenese ocorreria não silencioso e letal, em decorrência da falta de reconhecimento
só no ep1télio tubário, mas também em mvagmações mesote- da sintomatologta ma1s especifica desse tumor nas fases tnl-
liais na superflcie ovariana, em cistos de mclusão ou em áreas ciais, de maneira que o d1agnóstico é geralmente estabelecido
de endossalpingiose (implantações de tecido com aspecLO de nos estádios mais avançados, quando a monalidade é eleva-
epitélio tubário) nos ovários ou no peritõnio. da. No entanto, estudos mais aprofundados revelara m que a
Alguns fatores estão associados à redução d o risco de cân- maioria das mulheres com câncer ovariano apresentava sin -
cer ova riano: histerectomia, ligadura tubária e uso de pllula tomas que preced iam o diagnóslico. Mais de 80% dos casos
anticoncepcional e de anti-innamató rios não esteroides. Em- com doença inicial e, pon anto, com maior chance ele cura,
bora estudos relacione m a reposição hormonal na pós-me- apresentavam sintomatologia.
nopausa com o aumento do risco de cAncer ovanano, essa Entretanto, os sintomas mais precoces do câncer ovariano
associação permanece controversa. são vagos e inespeclficos, confundindo-se com mamfestações
A hereditariedade de cânceres de mamas e ovários é re- de distúrbios do trato gastrointestinal, sendo comuns descon-
conhecida como uma síndrome de transmissão autossómica fono ep1gástnco, dLSpepsia, meteorismo, dor abdommal e/ou
dommante com variação quanto ao número de casos acome- pélvica, perda de apeute, distensão abdominal, mudança de
tidos e à tdade de diagnóstico em cada famiha, mas com alta hábito intestinal, diStúrbios urinários, sangramento vagmal,
probabilidade de ser causada por mutações genéucas here- massa abdominal e perda de peso. Essas manifestações, se
d itárias. Entre as possibilidades de mutações, as elos genes combinadas e inictadas em mulheres com mais de 50 anos,
BRCA 1 e BRCA2 são as mais conhecidas, embora sejam cons- compõem o quad ro clinico mais característico de cAnce r ova-
tatadas em apenas uma mi noria das familias acometidas po r riano, configu rando a melhor oportunidade para o cliagnos-
essa sind rome. Uma vez constatada a mutação de BRCA1, o Lico mais precoce.
risco cumulativo méd io ele câncer de mama aos 80 anos de A análise ela importância do exame pélvico bimanual como
idade atinge 67% e o de ovários, 45%. Entre as portadoras de método isolado para triagem (screening) do câncer ovariano
mutações de BRCA2, o risco cumulativo alcança 66% para as em mulheres da população em geral re\·elou baixa sensibili-
mamas e 12% para os ovários. Em ambas, o tipo hLStológico dade ( 44%) e alta espectlictdade (98%). Cabe collSlderar que,
de tumor ovariano mais frequente é o carcmoma seroso de nos estudos sobre acurácta, esse método foi uulizado na de-
alto grau. tecção de uma doença que tem baixa prevalencia. O estudo
Mutações de vários outros genes, como do BR1 P1, têm Prostate, Lung, Colon, Ovary (PLCO) detectou aproximada-
sido relacionadas com a síndrome familiar, havendo pene- mente 5 casos de câncer ovariano e m 10 mil mulheres/ano
trãncia variá,·el e até a possibilidade ele múluplas mutações de seguimento. Se 10 mil mulheres fossem seguidas, e con-
afetando os indivlduos. Para pacientes com histórico familiar siderando a sensibilidade de 44% do exame pé lvico, apenas
positivo e ausência de mutações genéticas identi ficáveis (64% d ois dos cinco casos de cânce r poderiam ser detectados por
a 86% dos casos), recomenda-se a eslimaliva do risco indivi- esse método. Por outro lado, o lnd ice de 2% de falso- positivo
dual de cânce r por meio do próprio histórico familiar e dos resultaria em 200 exames pélvicos falsamente anormais . Em
outros fatores de risco. slntese, com base apenas no exame pélvico bimanual, o mé-
A sindrome de l ynch (Sl ) se caracteriza por predisposição d ico deixaria de estabelecer o diagnóstico de mais da metade
autossóm1ca dominante para o desenvolvimento de câncer dos cânceres de ovário que viesse a avaliar, e, por outro lado,
em razão das mutações nos genes MLHII , MSH2, MSH6 e ao detectar alteração ao exame pélvico, a maior probabthdade
PMS2, que atuam na reparação de erros do DNA. A SL leva ao é de que não seJa câncer de ovário.
surg1mento de alguns tipos de câncer em 1dade precoce, ge-
ralmente antes dos 50 anos, sendo mais frequentes os tumo- Diagnóstico laboratorial
res de cólon, endométrio , ovário, estômago e epnélio da peh-e A dosagem sérica do CA-125, uma protelna anugenica de
renal e ureteres. Em mulheres com SL, o risco de desenvolver alto peso molecular, é o marcador bioquímico mais comumen-
câncer endometrial d urante a vida é de 40% a 70%, enquanto te utilizado em mulheres com massa pélvica sugestiva de cân-
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"
I )

j 454 Seção I Ginecologia

cer ovariano. Apesar de o CA-125 estar elevado em maiS de Quadro 55.3 CaracletfstiCaS de ma5gnidade em massas péllllcas

80% das pac1entes com câncer de ovário, seu aumento isolada- Tamanho >4Cm
mente não é suficiente para se confirmar o d1agnóstico. Além Morfologia Complexa com áreas sólidas e ctsbcas
de apresentar baixa sensibilidade na detecção de pac1entes em Predominamemente sólido
estádios iniciais do câncer ovariano, esse marcador também Septos espessos >3mm
ProíeçOes papilares
apresenta baixa especificidade, podendo elevar-se na presença
Necrose cenual
de outros tipos de câncer, de processos innamatórios no peritõ-
Vascularização Neovascularizaçào à US
nio, na gravidez, endometriose, cistos benignos e até na mens- Curva de con11aste l ipo 3 na RM
truação. Por isso, não há indicação para a utilização do CA-125
Achados adic ionais Ascíle
como exame de triagem de câncer O\'ariano nas mulheres em Línfadenomegafia
geral. Em casos selecionados de massa anexial, a assoc1ação de carcinomalose pefitoneal
dosagem do CA-125 e do anúgeno HE-4, que é mais sensível Invasão de órgãos
e especifico nos estádios iniciais do tumor, poderá aumentar a
acurác1a da detecção de câncer epitelial de O\'áno.
Em caso de suspeita de neoplasia gerrrunauva ou de cor- mioterapia (QT) neoadJuvante esteja sendo considerada no
dões sexuaiS, caberia a dosagem de gonadotrofina conónica, planejamento terapéutico. As punções possibilitam a coleta
alfafetoproteína ou inibi na. Por sua vez, os tumores metastá- de liquido peritoneal ou pleural ou de fragmentos de LUmores
Licos de ovário a partir do tubo digestório podem provocar na pelve, abdome ou tórax. Pacientes com tumores avançados
elevação do antígeno carcinoembrionário (CEA). Esses mar- e inoperáveis necessitam de um diagnóslico cíto/histopatoló-
cadores, isolados ou associados, também não se prestam para gico obtido por meio de método que seja o menos agressivo
a triagem de câncer ovariano. possível para que possam iniciar tratamento QT neoadjuvan-
te. Nesses casos, a Cirurgia é realizada após a QT.
Diagnóstico por imagem A laparoscop1a diagnóslica com biópsia também poderá
Na avahação micial de massas anex:~ais, a ultrassonografia ser indicada como proped~utica nessas mesmas situações,
(US) transvaginal com Doppler é a pnmma escolha, deven- quando a punção-b1ópsm não for exequl\·el ou não fornecer
do ser complementada com a US uansabdommal quando a
material suficiente para o diagnóstico.
lesão é grande ou se estende além do campo de visão do US
trans,·aginal.
A ressonância magnética (RM) é considerada o melhor mé- ESTADIAMENTO
todo de imagem para o diagnóstico diferencial quando a US A classificação atual da FlGO (de 20 13) modificou a anterior
apresenta resultado indeterminado. A combinação de RM (de 1988) para adequação aos novos conhecimentos quanto à
convencional com técnicas analíticas de difusão de contraste origem, à patogênese e ao prognóslico dos diferentes subtipos
melhora a avaliação de massas anexiais complexas. A técnica de tumores de ovários, tubas e peritónio (Quadro 55.4).
de RM com análise semiquamitativa multifásica da difusão de Essa classificação continua sendo realizada com base nos
contraste nas áreas sólidas do tumor, comparando com o pa- achados cirúrgicos e anatomopatOiógicos. Como tanto a in-
drão de captação pelo miométrio, toma possh·el1denlificar três dicação do tratamento adjuvante como a taxa de cura depen-
tipos de curvas que se relacionam com tumor benigno, borderli- dem de estadiamento correto, é fundamental que nas Cirur-
ne ou mahgno. A curva tipo 1 é caracterizada pela captação gra- gias de tumores de ovário, além da exérese tumoral, seJam
dual de contraste, sendo mais frequentemente encontrada em executados os tempos c1rúrg1cos indispensãveís ao estadla-
lesões bemgnas do que em lesões do upo borderlint, e nunca é mento adequado.
encontrada em lesões malignas. A curva upo 2. típica de lesões
borderline, reflete uma captação precoce de gadolínio (embora TRATAMENTO CIRÚRGICO E SEGUIMENTO
mais tardia de que a captação no miométrio), seguida por um O tratamento de neoplasias malignas de ovário necessita
platô. A curva tipo 3 é típica de tumores malignos com captação ser adaptado às várias particularidades clínicas e se baseia em
ávida e precoce de contraste, seguida de dissipação (wash-out). duas etapas principais c consecutivas: a cirúrgica e a quim io-
Atualmente, considerando especificamente o diagnóstico terapêutíca. Entretanto, no tratamento de uma paciente, essas
diferencial de massas anexiais complexas, a tomografia com- etapas poderão tanto ser invenidas como repetidas. Assim,
putadorizada (TC) e a TC por emissão de pósitrons (PET-CT) ao se realizar a avaliação inicial de uma paciente com possl-
não apresentam vantagens quando comparadas à RM. \'el câncer ovariano, a primeira preocupação do cirurgião d1z
Os achados de imagem indicativos de mahgn1dade estão respeito à operab1hdade do tumor. É necessãrio dec1d1r, mnda
descntos no Quadro 55.3. na fase pre-operatóna, se é mais benéfico realizar a c1rurgm
como primetra etapa no tratamento ou se é melhor md1car a
Procedimentos cirúrgicos diagnósticos QT neoadjuvante para redução tumoral, seguida por Cirur-
A punção-biópsia guiada por exame de 1magem pode ser gia já em melhores condições técnicas. Caso essa decisão não
de grande valor para a definição do diagnóstico histopato- seja tomada no pré-operatório, o ci rurgião incorre rã no risco
lógico de tumores ovarianos mais avançados, em que a qui- de submeter a paciente ao preparo cirúrgico e à laparotomia,
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Capítulo 55 Neoplasias Malignas dos Ovários e Tubas Uterinas 455

Tabela 55.4 Estadiamento de acordo com a FIGO, 2013 Cirurgia nas neoplasias malignas epiteliais
1: tumor confinado aos ovários ou tuba(s) uterlna(s)' A cirurgia tem como objetivos o estadiamento e a ciLOrre-
IA: tumor limitado a um ovário (cápsula intacta) ou tuba; sem tumor dução. O estadiamento adequado guia o tratamento adj uvan-
na superfície ovariana ou tubária; sem células malignas em ascite te mais efetivo a ser realizado. A citorredução é denominada
ou lavado peritoneal ideal ou completa quando é possível tratar cirurgicamente
18 : tumor limitado a ambos os ovários (cápsulas intactas) ou tubas;
sem tumor na superffcie ovariana ou tubária; sem células malignas todos os tumores visíveis. Tanto o estadiamento como a citor-
em ascite ou lavado peritoneal redução dependem exclusivamente da atuação do cirurgião
IC: rumor limitado a um ou ambos os ovários ou tuba(s) com qualquer e têm impacto definitivo em seu resultado desde a primeira
dos seguintes:
IC1: disseminação cirúrgica intraoperatória
operação a ser realizada.
IC2: cápsula rota antes da cirurgia ou tumor na superfície ovariana A avaliação pré-operatória é semelhante à que se aplica
ou tubária para uma cirurgia oncológica de maior porte. Em especial, a
IC3: células malignas em ascite ou lavado peritoneal
paciente deverá ser informada sobre a via de acesso e os tem-
11: tumor envolvendo um ou ambos os ovários ou tubas com pos cirúrgicos e também ser submetida ao preparo de cólon.
extensão pélvica (abaixo da borda da pelve) ou câncer primário
de perltônlo• Os principais tempos cirúrgicos são os seguintes:
liA: extensão e/ou implantes no útero e/ou tubas e/ou ovários • LaparoLOmia longitudinal med iana infra e medioumbilical,
IIB: extensão a outros tecidos intraperitoneais pélvicos
podendo ser estendida superiormente, caso necessário.
111: tumor acometendo um ou ambos os ovários ou tubas, ou • Coleta de ascite ou lavado peritoneal da pelve, da cavidade
câncer primário de perl tônlo, com e xtensão ao perltônlo
extrapélvlco confirmada por citologia ou hlstologla, e/ou peritoneal extrapélvica e da região subfrênica para que seja
metástase em llnl onodos retroperltoneals enviado separadamente para exame citopatOlógico. Pacien-
IIIA1: metástase restrita a linlonodos retroperitoneais (confirmada por tes em estádio lll ou IV não necessitam de citOlogia.
c itologia ou histologia) • Inventário de tOda a cavidade abdominal, do pré-peritônio
I liA1(i): metástase até 10mm na maior dimensão e do retroperitônio.
I liA1(ii): metástase > 10mm na maior dimensão
IIIA2: metástase peritoneal microscópica além da pelve (acima da • Exame macroscópico do tumor com o objetivo de avaliar as
borda pélvica) com ou sem linlonodos retroperitoneais positivos condições da cápsula, vegetações, rupturas ou aderências.
1118: metástase peritoneal macroscópica além da pelve até 2cm na • Biópsia do pe ritônio pélvico e abdominal e de eventuais
mai()( dimensão com ou sem linfonodos retroperitoneais positivos,
incluindo extensão tumoral à cápsula do ligado ou baço. sem tumor
ade rências, seja para estadiamento microscópico, seja
no interior dos parênquima desses órgãos para ressecção de metástase periLOneal com vistas à cito r-
IIIC: metástase peritoneal macroscópica além da pelve >2cm na redução.
mai()( dimensão com ou sem linfonodos retroperitoneais positivos, • Histe rectomia total tipo I extrafascial com anexecwmia bi-
incluindo extensão tumoral à cápsula do ffgado ou baço. sem tumor
no interior dos parênquima desses órgãos lateral, que poderá ser realizada no sentido ante roposterior
IV: metástase a distância, excluindo no perltônlo
e em bloco com ressecção do peritônio pélvico vesical e
do fundo de saco posterior, em casos de extensão tumoral
IVA: dE!(rame pleural com citologia positiva
IVB: metástase no interior do parênquima de órgãos ou extra-abdominal, nesses locais, ou mesmo em bloco com ressecção de parte
incluindo linfonodos inguinais ou fora da cavidade abdominal' da bexiga e/ou rewssigmoide e/ou vasos da parede pélvica
' Nao é possrvel o câncer peritooeal no estádk> L eventualmente acometidos pela massa tumoral.
0 A presellÇél de células tumorais à histopatologia de aderêocias firmes modifica a
• Omentecwmia, que pode ser infracólica, caso não exista
classificaçao de tumores aparentemente em estádio I para estádio 11.
<Metástase extra abdominal inclui o acometimento transmural de intestino e a
4 me- metástase macroscópica (9% de metástase microscópica),
tástase umbilical. ou tOtal, em se tratando de metástase macroscópica.
• Linfadenectomia seletiva paraórlica e pélvica, indicada como
apenas para realizar biópsia tumoral, ao constatar, somente estadiamemo sempre que a avaliação da cavidade abdominal
no ato operatório, que o tumor não é ressecável. indique estádio <II!A l , pois a presença de metástase mi-
Em duas situações clínicas especiais as pacientes se benefi- croscópica em algum desses linfonodos determinará pelo
ciarão da realização de QT neoadjuvante: menos esse estadiamento, ou exé rese de linfonodos clini-
camente acometidos, visando à citorredução completa.
• Tumores de evolução rápida com ascite volumosa e com-
• Apendicecwmia, ind icada em caso de metástase ou de ex-
prometimento significativo do estado ge ral.
tensão tu moral ao apêndice cecal.
• Tumores com extensa infiltração pélvica com fixação de
• Ressecção de segmento de alça de intestino de \gado ou
órgãos e/ou ligamentos, indicando tumor cirurgicamente
grosso, a ser realizada em caso de implantes que não pos-
não ressecável.
sam ser completamente ressecáveis pela simples excisão da
Nessas situações, após definição hisLOpatOlógica, será indi- seromuscular.
cada a QT neoadjuvante, e a cirurgia será programada ao seu • Ocasionalmente estarão indicadas ope rações como ressec-
término. ção de metástases inguinais ou de parede abdominal, intra-
Para a maioria das pacientes com tumor ovariano, exce- -hepáticas, esplênicas e diafragmáticas.
tuando-se as situações especiais já descritas, a primeira etapa • Se tecnicamente possível, tOdo tumor macroscópico na ca-
do tratamento será cirúrgica, conforme descritO a seguir. vidade abdominal deve ser tratado.
/"
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I 456 Seção I Ginecologia

Em pacientes jovens e que deseJam manter a capacidade manutenção da fertilidade e esteJam com tumores iniCiais po-
reprodutiva é possível realizar c1rurgia conser.·adora dessa dem ser adequadamente tratadas com C1Stectom1a de ovário.
função, desde que alguns dos seguintes cntérios sejam con- Em tumores mais avançados, ou mesmo em rec•d•,·as, preco-
siderados: nizam-se ainda a Cirurgia conser.•adora da função reprodutiva
e a dtorredução nas pac1entes que deseJam engravidar.
• EstádiO IA.
• Tumor bem d1ferenc1ado. Neop/asias malignas germinativas de ovário
• Pelve completamente normal , exceto pelo tumor unilateral
A cirurgia primá na é conservadora nas pac1entes sem prole
de ováno, encapsulado e h'·re de aderências.
definida e inclui a exérese completa do tumor. preser.-ação
• Ausência de mvasão da cápsula, do mesováno e de linfáticos.
das tubas uterinas não adendas ao tumor e proced1memos de
• Lavado peritoneal negauvo.
estadiamemo.
• Biópsias negauvas do ovário contralateral e do ornemo.
• Possibilidade de acompanhamento regular da paciente. Prognóstico
• Possibilidade de completar a drurgm após o término da vída Nas neoplasias epiteliais de ovário, a sobrevida das pa-
reprodutiva. cientes depende, entre outros fatores, do tipo histológico e
Nessas pacientes são aceitáveis a realização de anexectomia da extensão do tumor, com sobrevida em 5 anos >90% nos
unilateral e o estadiamento da cavidade. Ao término da vida estádios iniciais e <25% em estád ios avançados.
reprodutiva, realiza-se o tratamento tradicionaL A citOrredução macroscopicamente completa, seja na pri-
meira cirurgia, sej a nas reco rrências, me lhora a resposta à QT
Cirurgia de cilorredução secundária (CCS) e a sobrevida das pacientes.
A CCS se refere a novas cirurgias realizadas após a pri-
meira operação com o propósito de citorredução adicional Seguimento das pacientes após o tratamento
em recidiva tumoral. Os melhores resultados são obtidos em O seguimento é real izado por meio de consultas progra-
CCS nos tumores platina-sensíveis (recorr~ncia em 6 meses madas, com exame físico geral e ginecológico, solicitação de
ou mais após o término da QT). Para os tumores platím-re- marcadores tumorais e exames de imagem, que deverão ser
sistemes (recorrência em menos de 6 meses após o término realizados de acordo com o Lipo tu moral e a evolução clinica
da QT), o benefício da CCS permanece controverso, de,·endo da paciente. O intervalo das consultas vana entre os d•,·ersos
ser individualizado. servíços, com tendência a ser trimestral no primeiro ano, qua-
A CCS associada à quimioterapia h1penérmica imraperi- drimestral no segundo, semestral até o quinto e anual após.
toneal (QHI) é uma opção terapeuuca bem estabelecida para Na suspeita de recorrência, os exames de 1magem ma1s indi-
casos selec1onados de d1ssemmação pentoneal de tumores de cados são a RM , TC e PET-CT, dependendo do caso.
apendice e cólon e mesotehomas. Embora estudos randomi-
zados e com grande número de pac1entes tenham mostrado Cirurgia como prevenção de câncer ovariano
eficácia da QHI em tumores ovananos, essa técmca não tem Ao se considerar que atualmente não se encontra dispo-
sido adotada rotineiramente na práuca cllnica em razão de nível triagem efeti\-a para o tumor ovariano, a e~rurgta como
sua toxicidade , complexidade e heterogeneidade de aplica- prevenção primária pode ser a única estratégia na redução de
ção, chegando, em algumas casuísticas, a atingir lndices ina- mortalidade por câncer ovariano tanto para as mulheres de
ceitáveis de complicações. alto risco como para as de baixo risco.

Anexectomia profilática
Cirurgia laparoscópica
Nas pacientes com risco familiar de câncer de ovário e ma-
A cirurgia laparoscópica evoluiu até o pomo de pode r ser
mas, uma vez completado o período reprodutivo, está reco-
considerada uma opção de via de acesso cirúrgico para o
mendada a anexectom ia bilateral. Nas pacientes com mutação
diagnóstico, para estad iamento, para tratamento de tumores
de BRCAl ou BRCA2 submetidas à anexectom ia prori lática,
iniciais e até mesmo para casos selecionados de recorrência
neoplasia oculta foi encontrada em 2% a 17% dos casos na
localizada. As etapas operatórias são as mesmas de uma cirur-
faixa etária de 38 a 73 anos. A eficácia da anexectomia bila-
gia aberta, inclu indo o respeito aos princípios de cirurgia on-
teral na prevenção de câncer ovariano é de cerca de 80% en-
cológica. A decisão sobre sua realização está relaciomda com
tre as mulheres portadoras de mutação de BRCAl e BRCA2,
a experiência individual e os recursos materiais disponíveis.
ressaltando-se que a cirurgia é recomendada entre os 35 e os
40 anos, após o térm ino da vida reprodutiva . Nas pacientes
Cirurgia em outras neoplasias malignas de ovário
de baixo risco que necessitem de cirurgia por doença benigna
Tumor borderline de ovário na pós-menopausa, pode ser oferecida a anexectomia bilate-
O tumor borderline de ováno (BOT) apresenta não só prog- ral profiláuca, especialmente após os 63 anos. Nas pac1emes
nóstico favorável, mesmo quando d1agnosucado em estádios de baixo risco que estejam na pré-menopausa, a anexectomia
avançados, mas também alta taxa de recomnc1a, porém baixa profiláLica não se justifica por levar a aumento de morb1dade
monalidade. Pac1entes Jo,·ens com BOT que necessitem da decorrente da menopausa cirúrg•ca.
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Capítulo 55 Neoplasias Malignas dos Ovários e Tubas Uterinas 457

Salpingectomia profilática nados de mulheres com maior risco de cânce r de ovário, bem
Uma vez que na maioria dos casos de carcinoma seroso como para as de risco habitual que eventualmente venham a
de altO grau a lesão precursora se localiza no epitélio tubá- necessitar de cirurgia por doenças benignas.
rio, e uma vez ence rrado o período reprodutivo da paciente,
faria sentido a realização de salpingecwmia tOtal bilate ral MENSAGENS-CHAVE
como profilaxia desse câncer, evitando-se os distúrbios hor- • As neoplasias malignas de ovários e tubas uterinas em ge-
monais causados pela anexectomia. Entretanto, nas pacien - ral são as mais agressivas dentre os cânce res ginecológicos,
tes de risco familiar altO, o proced imento padrão continua atingindo uma taxa de letalidade de 55,4%.
sendo a anexecwmia, não havendo estudos sob re os resul- • De acordo com a linhagem celular de sua provável origem,
tados de salpingectomia p rofilática que, por essa razão, não os cânceres ovarianos são divid idos em epiteliais (90%),
está indicada como prevenção primária para esses casos. germinativos (3% a 5%), dos cordões sexuais (2% a 3%) e
Nas pacientes de risco familiar baixo tem sido indicada a metastáticos (5%)
salpingectomia total bilateral, denominada oportunista, em • A maioria dos carcinomas serosos de alto grau dos ovários
pacientes submetidas à h isterectomia ou como substituição deriva do epitélio da porção dis~al das tubas ute rinas, onde
à salpingotripsia. se instala a carcinogênese, valendo considerar que o carci-
Estudos iniciais têm mostrado redução do risco de cân- noma seroso intraepitelial tubário é a lesão precursora.
cer ovariano de 29% a 38% para os casos em que se reali- • A hered itariedade de cânceres de mamas e ovários é reco-
zou salpingectomia oportunista em comparação com aqueles nhecidamente uma sindrome de transmissão auwssõmica
em que as tubas uterinas foram preservadas nessas cirurgias. dominante com variação quanto ao número de casos aco-
Além d isso, a preservação das tubas uterinas durante histe - metidos e à idade de diagnóslico em cada família , porém
recwmia ou salpingotripsia está associada ao aumento do com alia probabilidade de ser causada por mutações gené-
risco de várias doenças benignas, como hidrossalpinge (8%), ticas hered itárias, como as de BRCAl e BRCA2.
gravidez ectópica, torção, salpingite, piossalpinge, prolapso • Os sintomas mais precoces do cânce r ovariano são vagos
tubário, abscesso tubovariano e neoplasias benignas. Essas e inespecíficos, confundindo-se com manifestações de dis-
doenças podem até necessitar de nova ciru rgia para tratamen- túrbios do trato gastrointestinal, sendo comuns desconfor-
tO. Portanto, a salpingectomia oportunista, nessas condições to epigástrico, dispepsia, meteorismo, dor abdominal e/ou
descritas, se apresenta como excelente oportunidade de pre- pélvica, perda de apetite, d istensão abdominal, mudança
venção tanto de doenças benignas tubárias como do carcino- de hábito intestinal, distúrbios urinários, sangramento va-
ma seroso de alto grau. ginal , massa abdominal e perda de peso.
• Marcadores tumorais, isolados ou associados, não se pres-
PONTOS CRÍTICOS tam para triagem de câncer de ovário em mulheres.
Atualmente não se dispõe de um esquema de triagem • O tratamento de neoplasias malignas de ovário necessita
para cânce r ovariano que possa se r indicado para as mu - ser adaptado para várias particularidades clínicas e se ba-
lhe res da população em ge ral e que seja efetivo na redução seia em duas etapas principais e consecutivas: a cirúrgica e
da mortalidade. No entanto, o histórico familiar e a sinto- a quimioterapêutica.
mawlogia sugestiva de cânce r ova riano, com ou sem mas- • A cirurgia tem como objetivo o estadiamento e a cito rre-
sa anexial ao exame físico , em especial após os 50 anos de dução.
idade, são crité rios pa ra enquad rar as pacientes em maior • Em pacientes j ovens e que desejam manter a capacidade
risco para neoplasia ovariana, juslificando-se a realização reprodutiva é possível realizar cirurgia que conserve essa
de propedêulica específica po r meio de exames de imagem, função.
marcadores tumorais e de procedimentos cirú rgicos diag- • A cirurgia como prevenção primária pode ser a única estra-
nósticos, se indicados. tégia atual na redução de mortalidade por câncer ovariano
Nas pacientes com diagnóslico de neoplasia ovariana malig- tanto para as mulheres de alto risco como para as de baixo
na, a primeira decisão importante é sobre o momento em que o risco de câncer ovariano.
tratamento cirúrgico deva ser realizado, ou seja, se a abordagem
cirúrgica será realizada na primeira e1apa no plano terapêutico, Leitura complemetar
AI Rawahi T. Lopes AO, Bristow RE et ai. Surgical cytoreduction for
eventualmente seguida por quimioterapia, ou se em uma segun-
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J 458 Seção I Ginecologia

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CAPÍTULO (

Quimioterapia e Hormonoterapia
no Câncer Ginecológico
Angélica Nogueira-Rodligues
Andréia Clistina de Melo
Aknar Calab1ich

INTRODUÇÃO BRCAl ou BRCA2. As definições te rapêuticas dependem do


Câncer ginecológico é a denominação usual das várias neo- estádio da doença e da se nsibilidade e wleráncia da paciente
plasias malignas que acometem o sistema reprodutivo feminino. aos med icamentos, além de características hisLOlógicas e mo-
Compõem esse grupo os carcinomas de colo de útero, de en- leculares do tumor.
dométrio e de ovário, em conjunto com outros tumores menos
incidentes, como carcinomas de vulva e vagina, tumores germi- Tratamento de primeira linha do CEO
nativos e do cordão sexual ovariano, neoplasias trofoblásticas e A QT é necessária para a maioria das pacientes com CEO.
sarcomas, entre outros. Caracterizam-se pelo crescimento des- São exceções a essa regra as mulheres com doença totalmente
controlado de células, com potencial de invadir o próprio órgão ressecada e pertencentes aos estád ios IA ou IB grau l. Para
e tecidos adjacentes e dar origem a metástases. Cada um desses as pacientes com grau 2 , a indicação de QT é controversa, e
tumores é único, com diferentes epidemiologias, sinais, sintomas uma conduta expectante pode ser indicada. Para pacientes
e tratamentos. com doe nça em estádio >!C, alto grau e subtipo hisLOlógico
Em virtude da extensão do tema, este capítulo abordará de células claras, a QT adj uvante está recome ndada com base
prioritariamente os pomos de maior relevância epidemiológica. em dados de pelo menos duas metanálises.
Todas as pacientes com CEO com indicação de QT com
boa performance status e sem limitação por como rbidade
CARCINOMA EPITELIAL DE OVÁRIO devem receber como tratamento a combi nação de taxano e
Os carcinomas epiteliais de ovário, trompa e primário de platina (TP). Apesar da menor resposta de alguns subtipos
peritõnio exibem caracte rísticas clínicas e comportamento se- epiteliais, como o mucinoso, a esse esquema, não há eviden-
melhantes entre si e são denominados em conj unto como car- cia robusta de superioridade de outro tratamento e esse segue
cinoma epitelial de ovário (CEO). Seus componentes são os como padrão. A modulação do regime quimioterapeutico de
adenocarcinomas serosos papilífe ros, endometrioides, muci- TP em primeira linha sofre influência direta da extensão da
nosos e de células claras. Segundo dados da Eslimated Cancer ciru rgia realizada e do volume de doença res idual.
l ncidence, Mo nality and Prevalence Worldwide (Globocan), Em pacientes submetidas a citorredução com doença resi-
ocorrem no mundo 250 mil novos casos de CEO com cerca dual <lcm há evidencia de benefício desse regime em infusão
de 140 mil mortes pela doença, sendo considerado o câncer intrape ritoneal associada à infusão endovenosa, mas há pro-
ginecológico com a mais desfavorável razão de mortalidade va clara recente de que o regime endovenoso em dose den-
versus incidência. A alta taxa de mortalidade se deve princi- sa (carboplatina a cada 3 semanas e paclitaxel semanal) não
palmente à elevada proporção de recidiva após o tratamento é inferior ao intrape ritoneal, havendo neste último maiores
primário, o que resulta do fato de mais de 75% dos casos complexidade e toxicidade, confo rme apresentado pelo gru-
serem no mínimo classificados no estádio IIJ ao diagnóstico. po coope rativo GOG no estudo 252.
Os pilares do tratamento do CEO são a ci rurgia e a qui- Em pacientes com doença residual >lcm após cito rredu-
mioterapia (QT). Há crescente evidência do benefício de me - ção primária, o esquema de tratamento de ca rboplatina e pa-
d icamentos-alvo específicos, como os inibidores da angiogê- clitaxel em dose densa (semanal) revelou aumento significa-
nese e da enzima PARP em pacientes com mutação nos genes tivo da sobrevida global (SG) comparado com o intervalo de
459
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J 460 Seção I Ginecologia

21 dias. Nesse cenário, os estudos randomizados GOG 218 O tratamento deve basear-se em uma combinação funda-
e ICON 7 reportaram que o acréscimo do inibidor de angio- mentada na platina. Vários agentes são efetivos nesse cenário,
gênese bevacizumabe, em combinação e em manutenção por como doxorrubicina lipossomal, gencitabina e taxanos, ap re-
1 ano após carboplatina e paclitaxel na dose convencional, sentando, no entanto, perfis de LOxicidade distintos.
ocasionou aumento de sobrevida livre de doença (SLD). lnibidores de angiogênese associados à QT foram estuda-
Comparada com o tratamentO de cito rredução primária dos nesse cenário. O bevacizumabe e o cediranibe levaram ao
seguido de QT, a QT neoadjuvante seguida de cirurgia apre- aumento de sobrevida livre de progressão, enquantO o cedira-
sentou resultado equiparável em sob revida global em dois nibe, em estudo ainda com análise imatura, revelou tendência
estudos de fase JIJ prospectivos e randomizados (Chorus e ao aumento de SG mediana 26,3 meses versus 2 1 meses (HR:
EORTC). No entanto, ressalta-se que em ambos os estudos 0,77; JC 95%: 0,55 a 1,07).
o tempo cirúrgico e o núme ro de pacientes com ressecção Para pacie ntes com mutação em BRCA há evidência de be-
ótima estiveram aquém do espe rado, o que pode ter tido um nefício com o uso de olaparibe. Olaparibe em manutenção
impactO negativo sobre o dado da citorredução primária. O comparado a placebo, após resposta à platina em pacientes
estádio IV ao diagnóstico, com envolvimento de pulmão e/ou com CEO na primeira recidiva, acarretou aume nto de sob re-
pa rênquima hepático, e pacientes com cond ição clínica ina- vida global (HR: 0,62) e 15% delas se mantiveram livres de
propriada para a ciru rgia inicial são recomendações menos progressão por mais de 5 anos (Abstract 5501, Lede rmann et
controversas de QT neoadjuvame. cols., atualização do estudo 19).
Para pacientes com indicação de QT em neoadjuvância, o
esquema de escolha é a platina combinada ao taxano. Apesar Tratamento do CEO recidivado platina-resistente
de não haver dados de estudo de fase lll sobre o uso de dose As pacientes que apresentam progressão da doença a in-
densa nesse contexto, muitos centros de oncologia o adotam te rvalos <6 meses são classificadas como platino-resiste ntes
com base nos benefícios confirmados no contexto de trata- (PR). Esse grupo inclui as pacientes que apresentam progres-
mento adjuvante. Com base no estudo de Vergote e cols., re- são neoplásica durante o tratamento com platina, subgrupo
comenda-se a avaliação de resposta terapêutica após três ciclos denominado platino-refratário, e têm pior prognóstico do que
de QT neoadjuvante e, naquelas pacientes em que é prevista a a média global do grupo.
ressecabilidade completa, indica-se a cirurgia, completando-se Para pacientes PR não há evidência de superioridade da
os três ciclos remanescentes de tratamento no pós-operatório. combinação de quimioterapêuticos citotóxicos, e para a maio-
ria do casos está indicado um agente único. Vários medicamen-
Tratamento do CEO de baixo grau tos têm eficácia comprovada em CEO-PR, incluindo taxanos,
Em análise retrospectiva de 204 pacientes com CEO de doxorrubicina lipossomal, gencitabina, ewposídeo e LOpoteca-
baixo grau, estádios 11 a IV, aquelas que receberam hormo- no, entre outros.
noterap ia em manutenção após tratamento inicial (70 pa- Combinados à QT ou isoladamente, os inibidores da an-
cientes) aprese ntaram melhor SLD. No subgrupo de 148 pa- giogênese ocasionam aumento de SLP e melhora na qualidade
cientes que ap resentou resposta completa após o tratamento de vida das pacientes. Há resultados de estudos da fase 11 ran-
inicial houve melhor SG (191 versus 107 meses, p 0,04). Em domizados comparando a combinação à QT isolada com os
análise multivariada, a manutenção levou à redução do risco medicamentos pazopanibe e sorafenibe e de fase 111 com be-
de recidiva (HR 0,23; JC 95% 0,11 a 0,5) (Abstract 5502, vacizumabe. A seleção rigorosa para o uso de inibidores de
ASCO 2016) angiogênese, com exclusão daquelas pacientes com fatOres de
risco para perfuração intestinal, é essencial para a segurança
Tratamento do CEO recidivado platina-sensível das pacie ntes.
As pacientes que apresentam inte rvalo livre de progressão Em pacientes em progressão de doença paucissintomáti-
de doença >6 meses em relação à última exposição à platina cas, o tratamento hormonal, apesar de promove r benefícios
são classificadas como platino-sensíveis (PS). Esse inte rvalo é modestos, pode ser uma opção. Em uma metanálise da Co-
preditivo para a resposta à platina na reexposição, além de ser ch rane de 14 estudos, 32% das pacientes tratadas com tamo-
prognóstico - as pacientes PS têm melhor sobrevida quando xifeno apresentaram doença estável por mais de 4 semanas
comparada às resistentes. Não há evidência de benefício em (Cochrane, 2011). Letrozol e fulvestranto também apresenta-
se inicia r QT quando do aumento isolado do marcador tu mo- ram benefício semelhante.
ral CA-125, sendo recomendado o início ao serem detectados
sintomas e/ou alte rações radiológicas. CARCINOMA DE ENDOMÉTRIO (CE)
Pacientes com CEO-PS devem se r conside radas tanto para Com tendência ao aumento de incidência, o CE é hoje o
a citorredução secundária como para a QT. Em estudo re- sextO cânce r mais comum, com cerca de 320 mil novos casos
cente, a tentativa de prolongar o intervalo livre de platina, diagnosticados anualmente, segundo dados da Globocan. De
expondo a paciente PS a tratamento sem platina na recidiva, acordo com o Ministério da Saúde do Brasil, a incidência é
mostrou se r deletéria à SG das pacientes (MITO 8, Abstract de aproximadamente 6 mil casos/ano. O CE costuma causar
5505, ASCO 2016) sintomas precoces, e a doença é diagnosticada em estádios
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Capítulo 56 Quimioterapia e Hormonoterapia no Câncer Ginecológico 461

iniciais na maioria dos casos, conferindo à paciente melhores Em esllldo de fase ll randomizado, o grupo italiano MITO
chances de cura com o tratamento. demonstrou que o acrescimo de be'-actzumabe à carboplatina
O tratamento desse câncer se baseia no estádio da doença e ao paclitaxel em segunda lmha resulta em aumento da sobre-
e nos críténos de risco de recidiva e progressão. vida line de progressão (SLP) (mediana de 13 l''rsus 8,7 meses;
HR 0,59; IC 95%: 0,35 a 0,98), sem Impacto em SG (mediana
Tratamento adjuvante 23,5 versus 18 meses; HR: 0,65, IC 95%: 0,31 a 1,36).
As pacientes com CE, no estádio lll, mdependentemente
do subtipo hLStológico ou grau, e aquelas com tumores sero-
CARCINOMA DE COLO UTERINO (CCU)
sos ou células claras em qualquer estádio são consideradas
Com aproxtmadamente 528 mil novos casos por ano, o
com alto nsco de recidiva e tem mdicação de QT adjuvan-
CCU continua a ser considerado um problema de saúde públi-
te com base em dados de estudos prospectivos e metanálise
ca mundiaL São relatados aproximadamente 266 mtl óbitos por
publicada em 2013 e atualizada em 2014 pela Cochrane. O
ano, mais de 80% em palses de batxalmédia renda. Apesar do
estudo GOG 122 comparou a combinação de adríamicina e
recente advento das vacinas antipapilomavlrus humano (HPV),
cisplatina versus radioterapia isolada e relatou aumento de SG
virus responsável por vtnualmente I00% dos casos de CCU.
para as pacientes tratadas no primeiro braço; o estudo GOG
não há previsão de redução significativa da incidencia dos tu-
209 comparou a combinação de adriamici na, cisplati na e pa- mores HPV-dependemes antes de 15 a 20 anos de sua imple-
clitaxel ao esquema duplo de ca rboplatina e paclitaxel, não mentação, visto que as vacinas não tem efeito terapeutico na
sendo identificada diferença significativa na taxa de resposta infecção já instalada. Desse modo, os esforços para a melhoria
ou SLD, e o esquema sem antraclclico, menos tóxico, se tor- dos resultados terapêuticos elo CCU não devem ser arrefecidos.
nou padrão terapêutico desde então. O CCU compreende vários subtipos histológicos, dos quais
O papel da radioterapia associada à QT nesse cenário é o escamoso é o mais comum (cerca de 75% dos casos). seguido
alvo de investigação atual pelos estudos PORTEC-3, GOG pelo adenocarcinoma (cerca ele 20% do total). Carci nomas de
249 e 258. pequenas células são um tipo histológico menos frequente e
têm sua abordagem alinhada com a de tumores de pequenas
Tratamento paliativo células de omros s!tios, e não com a dos escamosos e adenocar-
Para pacientes com doença metastática ao diagnóstico ou cinomas de colo de útero.
com recidiva irressecável há evidencia de beneficio de QT,
hormonoterapia e de medicamentos alvo-específicos mais Tratamento neoadjuvante
modernos. O uso de QT neoadjuvante com a Intenção de viabilizar ci-
Em metanáhse publicada em 2012 foi reponado benefício rurgia conservadora para preservação de fentlidade, em pacten-
da QT mais mtensa em SLP e SG, comparada a esquemas tes com CCU imcial, é promLSSOr, porem faltam estudos pros-
com menos fármacos (tres melhor do que dois e dois melhor pea.h'os bem conduztdos/comparau,-os com análise cuidadosa
do que agente úmco) no tratamento do CE em primeira li- da segurança e defimção dos agentes CitotóXICOS mais eficazes.
nha paltauva. No entanto, essa metanáhse não incluiu dados :-.la paciente com doença localmente a'-ançada, estádios Iffi
do estudo GOG 209, que comparou adnamicina, cisplatina e a NA, é bastante contro,·erso o uso de QT neoadjuvante. No
paclitaxel \'ftsus carboplatina e pachtaxel, não re,·elando dife- mínimo, três metanálLSes compilaram os 'rános estudos realiza-
rença em termos de eficácia entre os regimes. A carboplalina e dos nesse contexto. A realização de QT neoadjuvante antes de
o paclitaxel consl!luem o esquema de tratamento de primeira cirurgia, comparada à drurgta LSOlada, mostrou benefício em
linha mais amplamente adotado. SG para o primeiro braço. Comparada à radioterapia isolada,
O tratamento hormonal pode ser uma opção de primeira li- a QT ames de cirurgia ou de radioterapia não teve impacto na
nha paliativa para as pacientes com CE não candidatas a cirurgia sobrevida. Cabe ressaltar que não há dado cujo braço-controle
e/ou QT ou de segunda linha paliativa. As taxas de resposta es- seja quimioterapia+ radioterapia (QRT), o tratamento padrão
tão habitualmente abaixo de 20%, e as pacientes que mais se be- na doença localmente avançada. Estudos em andamentO com-
neficiam são aquelas com CE endomeuioide graus 1 ou 2, pau- param o tratamento com QRT à neoadjuvât1Cia seguida de QRT
cissimomáticas. A correlação entre a expressão de receptOres de e à neoadjuvância seguida de cirurgia. Enquanto esses resulta-
estrogênio e progesterona e a resposta é controversa. O acetatO dos não estiverem disponíveis, QRT segue como o padrão em
de megestrol, o tamoxifeno e o acetato de megestrol intercala- casos de carcinoma cervical (colo) localmente avançado.
do ao tamoxifeno têm benefício comprovado nesse cenário. Os
inibidores de aromatase parecem apresentar pouco benefício. Tratamento da doença localmente avançada e inicial
Os inibidores de mTOR também apresentam atividade com fatores de alto risco
promissora nessa população. Em estudo de fase 11 de braço Mais de 60% das mulheres com carcmoma invasivo de
único condUZido por Oza e cols., 44% das pacientes em trata- colo de útero no Brasil se apresentam ao diagnósuco com es-
mento em segunda hnha apresentaram doença estável por 4,3 tádio FIGO >li. Em '-inude dos resultados Insuficientes com
meses (3,6 a 4,9 meses), mas 33% apresentaram toxicidade a cirurgia, a radioterapia LSOlada passou a ser o tratamento de
graus 3 ou 4. escolha para essas pacientes até o final da década de 1990,
/.

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J 462 Seção I Ginecologia

quando uma série de estudos randomizados demonstrou be- assim como para as de outros países de baixa/média renda,
nefício da associação de QT com base em platina à radiote- onde a incidência de CC continua alta.
rapia na SG. Desde então, o tratamento do CCU localmente
avançado consiste em rad ioterapia associada à cisplatina se- CARCINOMA DE VULVA (CV)
manal. Metanálise publicada pela Cochrane em 20 10 confir- O CV é o quarto tipo de câncer ginecológico mais comum
mou o benefício da combinação na SG, o qual é mais signi-
e corresponde a 5% do total de neoplasias malignas gineco-
ficativo nos estádios mais iniciais, com bene fício absoluto na lógicas.
SG de apenas 3% para pacientes no estádio inicial lll ou IVA.
Para pacientes com doença localmente avançada, à seme-
Poucos avanços terapêuticos ocorreram nesse cenário, lhança do tratamento do CCU, está indicada a QRT com base
apesar de sua importãncia epidemiológica. Em estudo recente
em platina. Para pacientes com resposta completa ao tratamen-
de Duei\as-Gonzales e cols., a associação de gencitabina à cis-
to combinado não é necessária cirurgia posterior.
platina, combinadas à radioterapia e em manutenção após o
Para pacientes com doença metastática e com boa perfor-
tratamento, apresentou aumento da SG, mas à custa de signi-
mance status, a QT deve ser indicada, e a carboplatina e o
ficativa toxicidade, especialmente hematOlógica. A toxicidade
paclitaxel constituem o esquema de escolha.
do tratamento limitou a ampla incorporação desse regime em
escala mundial. Além d isso, persistem algumas dúvidas em
relação a esse regime, destacando-se o não esclarecimento se
DOENÇA TROFOBLÁSTICA GESTACIONAL (DTG)
o aumento de sobrevida global foi decorrente da potencializa- As doenças trofoblásticas gestacionais (DTG) compreen-
ção da radiossensibilização ou do tratamento adjuvante em si. dem as lesões trofoblásticas benignas, a mola hidatiforme (com-
Em estudo de fase lll, em andamento , Outback avalia o uso pleta, parcial e invasiva) e as neoplasias trofoblásticas gesta-
de carboplatina e paclitaxel após o tratamento combinado de cionais (NTG) - coriocarcinoma, neoplasia de sítio placentá-
QRT em CCU localmente avançado. rio e tumor trofoblástico epitelioide.
Em pacientes inicialmente submetidas a cirurgia nas quais As molas hidatiformes são normalmente benignas, mas po-
critérios de alto risco foram encontrados no exame de anatO- dem adquirir potencial maligno em algumas circunstâncias,
mia patOlógica (c ritérios de Peters: margens, linfonodos e/ou como nas molas invasivas. Estimam-se uma mola completa e
paramétrios comprometidos) está indicado o tratamento ad- três parciais por mil gestações.
juvante de QT com base em cisplatina associada à RT (estudo Aproximadamente 20% das pacientes com mola completa e
SWOG 8797), com impacto na SG. Em pacientes com crité- 2% daquelas com mola parcial apresentam NTG após evacua-
rios de risco intermediários não se observou, até o momento, ção. O uso de QTadjuvante em pacientes com mola h idatiforme
benefício com o acréscimo de QT. consideradas de risco alto (nível de ~-HCG >100 OOOmUVml
ou cistos tecaluteínicos >6cm ou aumento significativo do úte-
Tratamento paliativo ro) é controverso. O uso de QT profilática não é defendido em
O tratamento da paciente com CCU metastático e recidi- virtude do risco de atraso no diagnóstico da NTG e de não
vado ou persistente irressecáveis se fundamenta em QT. Em diminuir sua frequência. Essa estratégia só deve ser conside-
2005, estudo de fase lii de longe cols. reportou aumento da rada nas situações em que o acompanhamento da paciente é
SG com topotecano associado à cisplatina em comparação à prejudicado por significativas limitações sociais para aderir ao
cisplatina isolada. Três agentes citOtóxicos d iferentes combi- seguimento.
nados à platina - paclitaxel, gencitabina e vinorelbine - mos- A mola invasiva é um processo localmente invasivo e mui-
traram eficácia semelhante à combinação de tOpotecano e cis- to raramente apresenta metástases.
platina, tornando-se opções terapéuticas. Mais recentemente, em Na neoplasia de sitio trofoblástico, não está indicada QT
eStudo de fase III, o acréscimo do inibidor de angiogênese beva- adjuvante no estádio 1. Nos estádios II-IV está indicado o tra-
cizumabe à cisplatina e ao paclitaxel ou ao topotecano levou ao tamento com o esquema ElviA-EP.
aumento da SG. A adição do bevacizumabe determinou maior A neoplasia de sitio placentário é um tumor raro, originado
taxa de fístulas, evento adverso que ficou reStrito a pacientes pre- das células do citotrofoblasw. A histerecwmia tem papel fun-
viamente irradiadas. Há evidência também de benefício com o damental no tratamento da neoplasia de sítio placentário, em
uso do inibidor da angiogênese cediranibe nesse contexto, mas particular nos estád ios I e 11, em razão de seu maior grau de
os resultados apresentados ainda provêm de estudo de fase Il. quimiorresistência. Não está indicado o uso de QT adjuvante
A segurança da substituição de carboplatina por cisplatina para NTG placentária não metastática de risco baixo (veja o
foi demonstrada por estudo de fase lii conduzido pelo JGOG, Quadro 56.1 para estratificação do risco). QT está indicada
que comparou a carboplatina à cisplatina, combinadas ao pa- em pacientes em estádios 11 e lli-IV e naquelas que apresen-
clitaxel. Somente em pacientes não previamente expostas à tem fatOres de risco alto (que incluem pe ríodo >2 anos da úl-
cisplatina (p. ex. , pacientes metastáticas ao diagnóstico), o be- tima gravidez e número de mitOses >5110 CGA). O esquema
nefício da cisplatina se mostrou superior ao da carboplatina. H.1A-EP representa o padrão para NTG placentária.
Não há benefício claro da QT de segunda linha paliativa No coriocarcinoma estádio I, a QT administrada antes da
comparada ao melhor suporte clínico. Estudos clínicos nesse histerecwmia reduz a possibilidade de metástases ocultas e
contextO são de suma importãncia para a mulher brasileira, evita a disseminação intraope ratória. Mewtrexato e actinomi-
:\.
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((

Capítulo 56 Quimioterapia e Hormoooterapia no Câncer Ginecológico 463

cina D são medicamentos efetivos no tratamento de primeira ça localmente avançada, metastálica ou recorrente, o uso de
linha do co riocarcinoma de baixo risco, sendo o metOtrexatO gencitabina com docetaxel foi associado a melhores taxas
mais frequentemente utilizado na prática clínica. de resposta (de 27% a 53%) e SG mediana (de 14,7 a 17,9
O coriocarcinoma de baixo risco (estádios I! e lll, esco re meses) quando comparado com doxorrubicina isoladamente
<7) pode ser tratado com esquema de monoterapia. O meto- (taxa de resposta de 25% e SG mediana de 12,1 meses) e é
trexatO é o fármaco mais utilizado na prática clínica, mas a atualmente o esquema de eleição em pacientes com condição
aclinomicina também é efetiva, revelando-se supe rior ao me - clínica para recebê-lo.
tOtrexato em metanálise recente. Os sarcomas estromais endometriais expressam frequen-
No co riocarcinoma em pacientes com doença metaStáLica de temente receptores de progesterona e estrogênio. Embora
risco alto (estádios I! a IV e escore ?.7), há necessidade de po- os progeswgênios sejam a classe mais avaliada na literatura,
liquimioterapia com ou sem radioterapia e cirurgia adjuvante vários relatos de casos dão suporte ao uso de um inibidor
para que seja alcançada sobrevida em tOrno de 80% a 90%. O da aromatase com resultados bastante comparáveis, taxas de
EMA-CO é o tratamento de escolha para coriocarcinoma me- resposta ao redor de 65% e menor toxicidade.
tastático de risco alto com base em metanálise da Cochrane pu-
blicada em 2013. Nos casos de envolvimento de sistema ner-
TUMOR OE CÉLULAS GERMINATIVAS
voso central, são necessários esquemas terapéuticos com altas
doses de metOtrexatO. Cerca de 25% das pacientes de risco alto Os tumores de células germinativas malignos do ovário in-
se tornam refratárias ao EMA-CO, e o esquema EMA-EP é o de cluem os disgerminonas e os rtáo d isgerminomas (terawma
escolha, com taxas de resposta em torno de 88%. imaturo, carcinoma de células embrionárias, tumor do saco
vitelínico, coriocarcinoma primário do ovário, poliembrioma
e tumor de células germinativas misto).
SARCOMAS UTERINOS Os princípios terapêuticos são comuns à maioria dos tu-
Os sarcomas uterinos são doenças raras, representando 3% mores germinalivos e incluem cirurgia para diagnóstico, esta-
a 6% de todas as neoplasias malignas uterinas. Os quatro sub- diamento e/ou tratamento e QT, salvo em tumores de muito
tipos de sarcomas mais comuns são carcinossarcoma, leiomios- bom prognóstico com cirurgia isolada, como o d isgermino-
sarcoma, sarcoma estromal endometrial e adenossarcoma. Os ma, estádios IA e IB, e os terawmas imaturos no estádio IA,
carcinossarcomas são atualmente classificados como carcino- grau l. O esquema terapêutico de escolha consiste na combi-
mas metaplásicos e abordados como tumores epiteliais. nação de bleomicina, etoposídeo e cisplatina.
Nos sarcomas de baixo grau não há ind icação de QT adju-
vante. Nos de alto grau (sarcoma indiferenciado e a maioria
dos leiomiossarcomas), a QT adjuvante deve ser considerada TUMORES OVARIANOS DO CORDÃO SEXUAL
de acordo com o tipo hiswlógico. No entanto, não há da- Os tumores ovarianos do cordão sexual são raros, com in-
dos sólidos para a utilização de QT adjuvante nas pacientes cidência estimada em 0,2 caso por 100 mil habitantes. Ori-
com sarcomas uterinos. A literatura é escassa, e a justificati- ginam-se das células em divisão que se desenvolveriam no
va quando ocorre sua indicação se fundamenta na gravida- estroma gonadal, incluindo as células da granulosa, da teca,
de da doença, sendo uma extrapolação de dados da doença de Senoli e fibroblastos. Diferentemente dos tumores epite-
metastática. Em leiomiossarcomas, pode ser conside rada a liais de ovário, costumam se r diagnosticados nos estádios ini-
combinação de docetaxel e gencitabina e, em pacientes com ciais. Por sua raridade, não há dado prospectivo robustO que
sarcomas indiferenciados, a combinação de ifosfamida e epir- respalde as recomendações de QT. Para pacientes no estádio
rubicina a cada 3 semanas por quatro ciclos. IA não se indica a QT, mas a adjuvante é indicada a partir do
Nas pacientes com leiomiossarcoma metastálico, em revi- estádio IC e nas pacientes com recidiva. Os esquemas que
são sistemática da literatura que incluiu pacientes com doen- têm por base a platina são habitualmente utilizados.

Quadro 56.1 Fatores prognósticos da neoplasia trofoblástica gestacionaf

Fatores prognósti cos o 1 2 3


Idade (anos) <40 :<40
Antecedente gravfdico Mola Aborto Termo
lntetvalo (meses) <4 4a6 7 a 12 >12
MaiO< tumor (incluindo útero) <3cm 3a5cm >5cm
Sítio de metástases Pulmão Baço. rim Gastrointestinal Cérebro, fígado
Número dos sftios de metástases 1a4 5a8 >8
Falha à QT prévia Um agente Dois ou mais agentes
~-HCG pré-tratamento (UI/Lt <103 103 a 104 104 a 105 >105
'"UIJL equivale a mUVmL.
/.

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J 464 Seção I Ginecologia

Leitura recomendada endometriaJ cancer: The MITO END-2 triaJ. J Cln Oncol 2015; 33
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CAPÍTULO

Radioterapia nas Neoplasias


do Trato Genital e da Mama
Gabriel Oliveira Bernardes Gil
Inês Vilela Costa Pinto
Izabella Nobre Queiroz

INTRODUÇÃO MODALIDADES DE RADIOTERAPIA


A radioterapia (RT) consiste em uma modalidade terapêu- Encontram-se dtsponíYeis duas modalidades de RT: a te-
tica que se utiliza de radiações ionizantes para a destruição leterapia, também chamada de RI externa, e a braqutlerapía.
celular. A radtação ionizante pode ser produztda por apare- Essas modalidades podem ser utilizadas isoladamente ou em
lhos ou emtuda por radioisótopos naturaiS ou arufictatS. conjunto. Em tumores gmecológicos é comum o emprego
Embora seJa mais frequentemente uuhzada em neoplasias combinado de ambas as técnicas.
maltgnas, a RI pode ser realizada em benignas. Costuma se r
combinada à cirurgia, à quimioterapia (QT) ou a ambas, o Teleterapia ou radioterapia externa
que melhora o resultado terapêutico. Na teleterapia (do grego tele, d istante), a fonte de radiação
O principal objetivo do tratamento radioterapêutico con- se encontra a determinada d istância do paciente. Exemplos
siste na libe ração de uma dose precisa de rad iação, a dete r- dessa modalidade são os aceleradores li neares (Figu ra 57.1) e
minado volume, de modo a promover o controle ou a erradi- as unidades de cobalto 60.
cação da patologia, preservando os tecidos sadios adjacentes. Para a RT externa podem ser usadas diversas técnicas, como
O termo radiaçdo se refere à energia que se propaga de o planejamento convencional em duas dimensões (2D), o
um ponto a outro no espaço ou em um meto material qual- planejamento conformacional em três dimensões (3D), a ra-
quer. A expressão radiaçilo ionjzan!t: mdica que a energia da dioterapia com intensidade modulada (IMRT), a radtotera-
radtação é sufictente para retirar um elétron de um átomo, pia gUtada por tmagens (IGRT), a radioterapta estereotáxtca
transformando-o em um íon. Esse processo leva à formação
de grande quantidade de radicais livres, os qums são lesivos à
membrana celular, às enzimas, às membranas transportadoras
de íons e ao DNA.
A RT lesiona indistintamente células normais e patológi-
cas. A ação terapêutica se deve à evidencia de que as células
normais têm maior capacidade de recuperação contra os da-
nos provocados pela radiação do que as patogênicas.
A umdade terapêutica empregada em RT é o Gray (Gy),
que expressa a quantidade de radiação absorvtda por um te-
ctdo. A dose de radiação a ser utilizada e o modo como será
entregue dependem de di,·ersos fatores, como a patologia de
base. a finalidade do tratamento, a radtossenstbtltdade da le-
são, a dtmensão tumoral e a proximtdade e tolerância dos
tecidos normais.
Em tumores malignos ginecológicos e mamários, a RT de-
sempenha um importante papel. Figura 57.1 Acelerador linear.

465
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J 466 Seção I Ginecologia

fracionada (SBRT), a radiocirurgia, a radioterapia intraope- pêuticas. Em 1983 foi estabelecido o planejamento 3D, que
ratória, a rad ioterapia da pele total (total skin irradiation) e a possibilitOu o delineamento e o controle do volume irradiado
radioterapia do corpo total (total body irradiation). com a consequente proteção dos órgãos de risco. O planeja-
Em seus primórdios, a RT era realizada com planejamento mento 3D promove a visualização tridimensional do pacien-
2D, sendo os campos de irradiação determinados por refe- te, o maior número de campos de tratamento e a avaliação
rências ósseas e anatômicas. Um grande volume de tecido e de doses de radiação nos volumes de órgãos críticos e em
órgãos normais eram irradiados, o que aumentava a incidên- volumes-alvo (histOgrama dose-volume) (Figura 57.4).
cia de complicações agudas e crônicas (Figuras 57.2 e 57.3). Na década de 1990 surgiram os primeiros aparelhos capa-
Na década de 1970, o advento da tomografia computa- zes de modular o feixe de radiação. A IMRT, uma forma de
dorizada (TC) promoveu um avanço nas práticas radiotera- planejamento 3D que se utiliza de um processo de otimiza-
ção auxiliado por computador, passou a ser utilizada no ano
2000. Esse dispositivo manipula a intensidade dos feixes in-
dividuais, possibilitando maior controle sobre a d istribuição
de dose no volume-alvo e nos órgãos de risco.
Uma das principais limitações da teleterapia é a necessidade
de margens de segurança generosas em virtude das incertezas
geométricas e de posicionamento. A técnica IGRT, ao mesmo
tempo, aumenta a acurácia e reduz as margens ao redor do alvo
e consiste no aumento da precisão do tratamento radioterapêu-
tico mediante a utilização de imagens do alvo e dos tecidos-
-alvo, como TC, ultrassom e imagens radiográficas.
Criada inicialmente para o tratamento de lesões intracrania-
nas, a radiocirurgia é uma técnica em que alta dose de radiação
é aplicada em urna única fração, contando com o auxílio de
um aparato de imobilização e extrema precisão. Desenvolvida
a partir da radiocirurgia, a SBRT consiste na irradiação de alvos
determinados com doses altas de radiação ionizante em um
pequeno número de frações (em geral, de três a cinco).
A RT intraoperatória é realizada no leito cirúrgico durante
o ato operatório. Seu uso para o tratamento de neoplasias ma-
márias malignas é bem estabelecido.
Figura 57.2 Visualização do campo anterior em planejamento 20 A RT da pele total, que consiste na irradiação de tOda a pele
de colo uterino. do paciente, costuma ser utilizada para o tratamento de neopla-

Figura 57.3A e B Visualiza-


ção do campo lateral em p la-
nejamento 20 de colo uterino.
r
((

Capítulo 57 Radioterapia nas Neoplasias do Trato Genital e da Mama 467

Figura 57.4 Planejamento conformado 3D de colo uterino.

sias cutâneas malignas, como a micose fungoide, enquanto a determinado tempo, até a obtenção da dose desejada. No im-
RT do co rpo tOtal é habitualmente utilizada no preparo para o plante permanente, a fonte é deixada definitivamente, levan-
transplante de medula óssea e consiste na irradiação de tOdo do em coma a atividade, a meia-vida e seu decaimento.
o corpo do paciente, objetivando a depleção medular óssea. A braquiterapia pode liberar baixa taxa de dose (LDL) ou
Em tumores ginecológicos e mamários, as modalidades de alta taxa (HDL), dependendo da dose de radiação por tem-
teleterapia mais utilizadas são a 20, a 3D e a IMRT. A técnica po. A LDL utiliza fomes radioativas, como o iodo-125, que
intraoperatória desempenha importante papel nos tumores liberam em média 2Gy/h, sendo empregada em tumores
mamários iniciais. prostáticos de baixo risco. A HDL utiliza fontes que liberam
>12Gy/h e é usada em tumores ginecológicos.
Braquiterapia
Na braquiterapia (do grego braqui, que significa curto), a RADIOTERAPIA NAS NEOPLASIAS DA MAMA
fome de radiação está em contatO com o paciente, e altas do- A RT cump re papel essencial no câncer de mama. Grande
ses de radiação são aplicadas a um volume restrito de tecido parte das pacientes recebe rá a RT no decorrer da história na-
com rápida redução da dose nos tecidos vizinhos. tural da doença mamária, a qual poderá ser emp regada após
Encontram-se disponíveis três modalidades de b raquite ra- cirurgias conservadoras ou radicais.
pia: a imersticial, a intracavitária e a endoluminal. Na terapia
intersticial, a fonte radioativa é d irigida d iretamente para o Cirurgia conservadora
tecido a ser tratado, como a mama ou a próstata. Na abor- O tratamento conservador se fundamenta na exérese cirúr-
dagem intracavitária, a fonte é introduzida dentro de uma gica do tumor (setorecLOmia ou quadrantectOmia) com ou sem
cavidade, como o útero. Na endoluminal , a fome radioativa o manejo da axila (\infonodo sentinela ou esvaziamento axilar).
é d irigida para dentro do lúmen de um órgão, como esôfago
ou brônquio. Carcinoma duelai in situ (CDis)
A implantação da fonte radioativa pode ser temporária ou Grandes estudos randomizados mostraram que a RT (ad-
permanente. No implante temporário, a fonte é deixada por juvante) após tratamento cirúrgico conservador da mama no
/.
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I )

j 468 Seção I Ginecologia

CDts reduz a recorréncia local em cerca de 50% dos casos, casos de carcmorna mvasor em estãdios iniciais (I e 11), equt-
não alterando a sobrevida global. ,·ale à mastectomta total quanto à sobrevida global.
O European Organisation for Research and Treatment of Can- O estudo NSABP B06 randomizou 1.851 pacientes pona-
cer (EORTC 10853) foi um estudo randomtZado que ana- doras de carcinoma invasor de mama, nos estádios I e 11, para
lisou 1.010 pacientes portadoras de CDis submetidas a ci- mastectomia total, nodulectomia isolada ou nodulectomia
rurgia conservadora com margens livres. As pacientes foram seguida de RT adjuvante na dose de 50Gy em 25 frações. O
random izadas para RT adjuvante, na dose ele 50Gy em 25 acompanhamento de 20 anos mostrou que não houve dife-
frações, ou observação. Após lO anos, a RT adjuvante redu- rença na sobrevida global, na sobrevida livre de doença ou em
ziu a recorrencia local de 26% para 15%.A atualização com doença a distância entre os grupos.
15 anos de acompanhamento, publicada em 2013, mostrou A metanáltse de Oxford avaliou 10.801 mulheres onundas
que a RT reduztu o risco de recorréneta local em 48%. não de 17 estudos randomtzados sobre RT versus obsen-ação após
tendo tmpactado na sobre,~da cãnceHspeclfica ou na so- cirurgia consen-adora da mama. Em lO anos, a redução do
bre\•tda global. risco de pnmetra recorrtncia foi de 15,7% no grupo da RT
Segundo alguns estudos, podem ser observadas pactentes (19,3% no grupo da RT x 35% no grupo submeúdo a ctrurgta
com CDIS de baixo risco (CDis grau I ou li, tamanho <2,5cm, isoladamente). Em I 5 anos, a mortalidade câncer-especifica
com margens cirúrgicas de pelo menos 3mm) que não foram foi reduzida em 3,8% (21,4% x 25,4%) com o uso da RT. As
submetidas à RT adjuvante. pacientes com doença pNO apresentaram 15,4% e 3,3% de
O Radialion Therapy Oncology Grot1p (RTOG 9804) foi um redução absoluta na recorrencia e na mortalidade por câncer
estudo prospectivo randomizado ele 636 pacientes ponadoras de mama, respectivamente, e as com doença pN+, 21,2% e
de CDis submetidas a tratamento conservador. As pacientes, 8,5%, respectivamente. Para todos os grupos de risco, a RT
que poderiam ter tumores graus I-11 com <2,5cm e margens reduziu pela metade o risco de recorrência e em um sexto o
microscópicas >3mm, foram ranclomizaclas para RT adjuvante de morte por câncer de mama. Para cada quatro mulheres nas
-na dose de 50Gyem 25 frações ou 50,4Gy em 28 frações-ou quais a recorrência local fot prevenida, urna foi salva (propor-
observação. Horrnonoterapia foi liberada, e 62% das pacientes ção de 4 :1).
a utihzaram. Após urna média de acompanhamento de 7 anos, Quatro estudos randomizados com no mínimo lO anos de
a taxa de recorréncta local foi baixa no grupo da observação, acompanhamento mostraram resultados semelhantes com o
porém ameia menor no grupo da irradiação (6, 7% no grupo da hipofracionamento (mator dose por dia no menor número de
observação contra 0,9% no grupo da RT, p < 0,00 I). dia/frações de tratamento) com melhor perfil de efettos ad,·er-
Os principais ensaios clínicos randomizados que estabele- sos. As diretrizes da American Society for Radiaúon Oncology
ceram a eficácia do hipofracionamento (maior dose por dia em (ASTRO) estabelecem como candidatas ao hipofracionamen-
menor número de dia/frações de tratamento) exclulram mu- to as pacientes que preenchem os seguintes critérios (critérios
lheres com CDis. Estudos subsequentes, não randomizados, inclulclos nas metodologias dos estudos randomizados): (l)
sobre o hipofracionamento da mama indicaram que o risco de idade >50 anos; (2) pT 1-2NO tratadas com cirurgia conserva-
recorrência local emre mulheres tratadas com regimes hipofra- dora; (3) não submetidas à quimioterapia; (4) boa homoge-
donados para CDis, após cirurgia conservadora, fo1 semelhante neidade do plano de tratamento.
ao de reg1mes radioterapêuúcos convenc1onrus. O boost (reforço de dose de radiação no leito tumoral),
O uso do boo:.t (reforço de dose de rad1ação no leuo tumo- com dose de lO a 16Gy, de,•e ser considerado para todas as
ral) é contro,·erso. A prãúca é exuapolada a pamr de resultados pacientes e mdtcado para aquelas com alto risco de recor-
de grandes estudos randomizados para tumores mvas1vos. Não rência local (idade <50 anos, mvasão angioliniáúca postttva e
há estudos prospectivos sobre o papel do boo;t no CDis. margens exlguas). Dois grandes estudos randomizados relata-
ram aumento da taxa de controle local com o uso de um boost
Resumo com dose de lO a 16Gy após irradiação total da mama com
• A radioterapia adjuvante é sempre indicada no CD is sub- dose de 45 a 50Gy.
metido a cirurgia conse rvadora. Estudos recen tes sugerem que pacientes de idade avança-
• O tratamento convencional consiste na dose de 50Gy em 25 da (>60 a 70 anos), com tumores T 1NO, receptoras hormo-
frações. nais positivas, têm taxa de recorrência local aceitavelmente
• O htpofracionamento pode ser considerado uma alternaú- baixa com cirurgia e hormonoterapia, embora o risco de re-
\'3 ao fracionamento convencional. corrência local seja ainda menor com o uso da RT. Os dados
• O uso do boost é contro\·erso. indicam que o nsco é muito baixo apenas para as pacten-
• A opção pela RT adjm-ame em pac1entes de ba1xo nsco tes com maiS de 70 anos e com tumores muno pequenos
de,•e ser md1vtdualizada. (<lcm).

Carcinoma invasor Resumo


Grandes estudos randomizados mostraram que a RT (ad- • A RT adjuvame está sempre indicada em casos de carcino-
juvante) após tratamento cirúrgico conservador da mama, em ma invasor submetidos à cirurgia conservadora.
\.
r
( I

Capitulo 57 Radioterapia nas Neoplasias do Trato Genital e da Mama 469

• O tratamento com·encional consiSte na dose de 50Gy em • O tratamento radioterapêutico adjU\-ante após mastecto-
25 frações. mia rad1cal em paCientes T3NO, sem outros fatores de ns-
• O hipofracionamento pode ser considerado com seguran- co, deve ser individualizado.
ça nas pacientes selecionadas (idade :2:50 anos, pTl -2NO,
tratadas com cirurgia conservadora, não submeLidas à qui- Efeitos colaterais do tratamento radioterapêutico
mioterapia e com boa homogeneidade do plano de trata-
As reações agudas mais comuns (até 3 meses após a ir-
mento).
radiação) est.ão relacionadas com a pele, como hipe rem ia,
• O uso do boost é recomendado pa ra todas as pacientes.
descamaçâo, escu recimento e hipersensibilidade. As reações
• O tratamento radioterapêutico adjuvan te deve ser indivi-
gerais, como náuseas, adinamia e hiporexia, são in frequentes.
duahzado em pacientes idosas com tumores pequenos.
As reações crOmcas costumam ocorrer 3 meses após a ir-
radiação e dependem de vários fatores, como anatomia da
Mastectomia radical paciente, técmca de tratamento empregada, irrad1ação de dre-
Estudos prévios relataram que a RT após mastectomJa, sem nagens, terapias complementares (QT) e sensib1Hdade mdlvl-
uso de quunioterapia, aumenta o controle local sem alterar a dual da paciente. Entre as reações, podem ser citadas as alte-
sobreVJda globaL rações crOmcas da pele, corno telangiectasias, escurecimento,
Estudos mais modernos, em pacientes submeudas à mas- fibrose e retração, linfedema, pneumonia actínica e o nsco
tectomia radical e à QT/hormonoterapia, mostraram que a aume ntado para segunda neoplasia (Figura 57.5).
irradiação aume nta o controle local e a sobrevida globaL
Na metanálise do Early Breast Cancer Trialists' Collaborative
Group (EBCTCG) foram avaliados 78 estudos randomizados RADIOTERAPIA NAS NEDPLASIAS DO COLO DO ÚTERO
com 42 mil mulheres. Após mastectomia com esvaziamento A neoplasia do colo do útero é a neoplasia genital feminina
axilar, em pacientes N+, a RT adjuvante reduz1u a recorrência mais frequente em palses subdesenvoh~dos. Estimativas mdi-
local de 26% para 7% em 5 anos e melhorou a monalida- cam que mais de 90% das neoplasias de colo uterino estão rela-
de por câncer de mama de 54,7% para 60,1% em 15 anos cionadas com a presença do HPV contraído por relação sexual,
(ambos os dados significaú,·os). Após mastectomJa com eS\-a- as quaiS podem se desenvoh-er 1O a 20 anos após a expos1ção
Ziamento 3Xllar, em pacientes N-, a RT adjuvante reduziu a inicial ao HPY. Fatores SOCiais relacionados com esse upo de
recorre neta local de 6% para 2% em 5 anos, mas aumentou câncer incluem aqueles associados à infecção pelo HPV, como
em 3,6% a mortalidade por câncer de mama em 15 anos. Pa- idade precoce da pnme1ra relação sexual, história de múltiplos
cientes com um a três linfonodos comprometidos evidenciam parcei ros sexuais, grande número de gestações e história de
be neficio ela RT semelhante ao daquelas com C!Uatro ou mais doenças sexualmente transmissiveis, incluindo gonorreia, cla-
lin fonodos positivos. midia, herpesvirus e HIV.
A d iretriz da National Comprehensive Concer Networh (NCCN) A teraptutica deve levar em consideração o estadiamento,
de 2016 recomenda RT adjuvante após mastectom ia para pa- a idade, as condições clinicas da paciente e seu desejo com re-
cientes (categoria 1) com: (1) >4 li nfonodos comprometidos, lação ao planejamento familiar e à preservação da fenilidade,
(2) tumores >Sem, ou (3) margens cirúrg1cas comprometidas, além dos recursos locais disponh·eis.
e recomenda amda que a de RT adjuvante seja fonemente Desde o inicio do século XX a RT tem sido usada no manejo
recomendada para pacientes com um a três hnfonodos com- curalivo dessa modahdade de câncer, em uma combmaçào de
promeudos. RT externa e braqunerap13, resultando em taxas de sobrev1da
Trad1c1onalmente, as pacientes com T3NO, sem outros [a- mais altas. Vános métodos têm sido desenvoh~dos para au-
tores de nsco, têm sido tratadas com RT adjuvante abrangen- xiliar a conformação da dose e a proteção de órgãos normais
te. Dois estudos retrospectivos recentes demonstraram que (Figura 57.6).
as taxas de falha local são baixas para pacientes T3NO após A incorporação da braquiterapia após RT externa surgiu
mastectomia isolada com uso de QT adjuvante, questionando d o conhecimento de que a probabilidade de controle tumoral
o pape l da RT adjuvante. está relacionada com a dose de radiação e o volume tumo-
ral. Evidt ncias confirmam que a braquite rapia para escalo-
Resumo namento de dose, depois da RT exte rna, aumenta significa-
• A RT adjuvante é sempre indicada em casos de carcinoma livamente a sobrevida geraL Desse modo, a braquiterapia é
invasor submetidos à mastectomia radical se: (1) >4 lin- parte integrante do tratamento primário das neoplas1as do
fonodos comprometidos; (2) tumores >Sem; (3) margens colo uterino localmente avançadas (estádios 182 a lVA), po-
c1rúrg1cas cornpromeúdas. dendo ser usada ISOladamente como tratamento pnmáno em
• Pacientes com um a três linfonodos pos1uvos devem rece- casos selec1onados em estádios precoces (in situ e estádio IA).
ber RT adjuvante após mastectomia rad1caL A braquiterap1a de alta taxa de dose (BADT) está incorpora-
• O tratamento convencional consiste na dose de 50Gy em da à rotina aSSIStencial, apresentando resultados simílares aos
25 frações e engloba irradiação do plastrão mamário e d re- obtidos com baixa taxa de dose, mas com vantagens opera-
nagens linfonodais. cionais quanto à proteção radiológica (Figura 57.7).
/.

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J 470 Seção I Ginecologia

Figura 57.5 Planejamento con-


formado 30 de câncer de mama.

Figura 57.6 Planejamento de IMRT.

Figura 57.7 Planejamento de


braquiterapia para neoplasia
de colo uterino.
r
((

Capitulo 57 Radioterapia nas Neoplasias do Trato Genital e da Mama 471

Tratamentos re comendados dímtnUição das doses em órgãos de risco, em comparação


com o 2D. IMRT oferece a possibilidade de redução da dose
Doença inicial
em órgãos de nsco, porém sem melhora no controle local
• Estádio IA: o tratamento é primordtalmente cirúrgico, po-
ou na sobrevida.
rém a braquiterapia isolada pode ser ind icada em caso de
• Dose: 45 a 50,4Gy em frações de 1,8 a 2Gy/dia. Linfo-
contraindicações clínicas ou recusa da paciente. com con-
nodos paraórticos, se tratados, devem receber 45Gy. Con-
trole tumoral de 100%.
side rar boost até 60Gy em caso de doença persistente ou
• Estádio IB1: o tratamento cirúrgico é o de escolha; RT pél-
doença volumosa em paramétrios e linfonodos.
vica e braquiterapia podem ser uma opção.
• Estád ios IB2 e liA: o tratamento cirúrgico é factlvel, mas A complementação parametrial é discuúvel.
deve ser sempre levada em consideração a necessidade de
tratamento adJm'llnte (,·eja RT pós-operatóna). Dessa ma- Braquiterap1a
neira, para e\~tar a morbidade decorrente da combmação Iniciada após RT externa quando do uso de QT ou durante
de dots upos de tratamento, constdera-se frequentemente RT e>.'terna na ausência de QT, a braquiterapta pode ser rea-
a opção pela RT péhica e braquiterap1a, concomitante- lizada com ou sem anestesia e sedação, a depender da expe-
mente à QT, que apresenta taxaS semelhantes de controle riência do SCI'VIÇO. O Importante é a obtenção de distribuição
local e sobrevida. geometricamente adequada dos aplicadores com proteção do
reto e da bexiga.
Doença avançada Preferencialmente é utilizada a técnica intracavitária com
• Estádios IIB a liA: a RT associada à QT é o tratamento aplicadores de Fletcher (sonda uterina e colpostatos) ou em
padrão em caso de doença localmente ava11çada (nlve l de
anel. A extensão tumoral à vagina exige a utilização de cilin-
evidencia l).
dros. A braquiterapia de fundo vaginal utiliza Cilindros ou
Estudos de fase lii comprovaram os benefícios da as-
colpostatos. O material radioativo é introduzido através de
SOCiaÇão de RT à QT (com base em derivados da platina)
cateteres.
tanto para o tratamento da doença pnrnána como para o
tratamento adjm'llnte da doença com alto nsco de recor- • Dose: 4 x 7G)' ou 5 x 6Gy , dependendo do sel'\•tço, no
rencia. Treze estudos prospectivos e randomtzados compa- tratamento com útero presente, e 3 x 7Gy a 4 x 6Gy em
raram a associação de RT e QT versus RT isolada, eviden- rundo vagina!.
ciando aumento absoluto de 6% nas taxas de sobrevida em
5 anos (hazard ratio [HR] = 0,81; p < 0,00 1). A QT também
Complicações
reduziu as taxas de recorrência local e a distáncia, bem
A incidência de complicações maiores com o tratamento
como as de sobrevida livre de doença.
radioterapêutico d os estád ios I e liA do colo do útero varia de
• Estád io TVB: QT paliativa e RT paliativa. 3% a 5% e a dos estádios IIB e 111, de 10% a 15%. As com-
plicações incluem proclite, cistite, estenose vaginal, flstulas,
Radioterapia pós-operatória obstrução intestmal e estreitamento ureteral , entre outras.
• Fatores de alto risco: linfonodos comprometidos. mar-
gens exlguas ou comprometidas, paramétnos comprome- Resumo
udos. • A RT externa e a braquiterapia são elementos tmportantes
• Fatores de risco intermediário: tumores >4cm, histolo-
no tratamento da neoplasia do colo do útero.
gla desfavorável (células claras, alto grau), invasão estro-
• A escolha do tratamento depende do estadiamento, das con-
mal profunda, presença de invasão vascular 1m fática.
dições cHmcas da paciente, da escolha da paciente, conside-
t fu ndamental que o tempo total de RT seja mantido abai- rando seu planejamento familiar, e dos recursos disponlveis.
xo de 8 semanas, uma vez que um tempo maior acarreta pior • O tratamento em estádios precoces geralmente é ci rúrgico
controle local e da sobrevida. e em estádios avançados, RT com QT.
• Em estádios precoces, braquiterapia isolada, RT externa em
Técnicas de radioterapia combinação com braquiterapia +1- QT podem ser opções.
Radioterapia externa • A QT associada à RT é obrigatória nos estádios avançados,
• Região tratada: tratamento de toda a pel\'e. Entre as es- sempre que factl\'el, uma vez que foi comprovado o au-
truturas tratadas estão o útero e o colo (ou leuo tumoral mento da sobrevida geral com a terapia com denvados da
no pós-operatório), a \'llgina, os tectdos parametnatS e lin- plauna.
fonodos pélvicos, incluindo íllacos comuns, externos e in- • A RT pós-operatóna está indicada nas situações em que a
ternos. Os inguinais ou paraórucos só são tratados quando peça cirúrg1ca detecta fatores de risco.
comprometidos. • A escolha da técnica e da dose de RT depende da mdicação
• Planejame nto: sistema 2D, 3D (conformado) ou IMRT. dlnica, elos recursos disponíveis, da experiência do serviço
O 3D oferece melhor cobertura da região-alvo, mas sem e do pro(issional responsável.
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J 472 Seção I Ginecologia

RADIOTERAPIA NAS NEOPLASIAS DO ENDOMÉTRIO Estádio 11


As neoplasias de endométrio conslituem as neoplasias gi- RT pélvica e b raquiterapia devem ser oferecidas a todas as
necológicas mais comuns em países desenvolvidos. Não existe pacientes do estádio ll, uma vez que a incidência de recidiva
fator de risco ou fatores eliológicos estabelecidos para o sur- nodal é elevada (entre 25% e 50%)
gimento desse tipo de câncer. Alguns fatOres de risco podem
aumentar a chance de câncer do corpo do útero: idade >50 Estádio 111
anos, reposição hormonal, uso de tamoxifeno, infe rtilidade RT pélvica é sempre indicada, geralmente após QT.
(anovulação crônica) obesidade, hipertensão arterial sistêmi-
ca, diabetes mellitus , puberdade precoce, menopausa tard ia, Estádio IV
nuliparidade, h iperplasia ou pólipo endometrial prévios. Tratamento paliativo. RT está ind icada somente no intuito
A cirurgia, conside rada o tratamento primário, consiste no de melhorar os sintomas, como dor intratável e sangramemo.
mínimo em histerecwmia abdominal e salpingooforectomia
bilate ral, as quais podem ser complementadas com lavado pe- Pacientes inoperáveis
ritoneal e linfadenectomia pélvica e paraórlica, promovendo As pacientes consideradas inoperáveis em virtude do alto
maior avaliação da doença, sem, contudo, interferir na sobre- risco cirúrgico podem ser tratadas exclusivamente com RT.
vida global. Os estudos têm mostrado pior resultado em pacientes tra-
As pacientes com contraindicação absoluta à cirurgia po- tadas exclusivamente com RT, porém a avaliação desses re-
dem ser tratadas exclusivamente com RT com boas taxas de sultados é di fícil, uma vez que as pacientes conside radas para
sobrevida global e sobrevida livre de doença. A RT também irrad iação primária já apresentam inicialmente pior prognós-
pode ser usada em caso de recidiva da doença. tico em razão das morbidades que tornaram proibitivo o pro-
Nas neoplasias de endométrio, a RT adjuvante contribui cedimento cirúrgico.
para o controle local da doença, mas sem benefícios na sobre- Uma revisão realizada por Kupelian e cols. avaliou 152
vida. A indicação do tratamento radioterapêutico adjuvante pacientes com câncer de endométrio inoperável e tratadas so-
depende do estad iamento da doença, do tipo histológico e mente com RT, sendo relatada sobrevida específica de 85% em
dos fatOres de risco observados. 5 anos para os estádios I e 11 e taxa de recidiva local de 14%
Entretanto, d iferentemente do câncer do colo do útero, com a ulilização de braquiterapia com ou sem RT externa.
cujos dados da maioria dos estudos randomizados apontam
para uma mesma direção - RT e QT em vez de RT isolada - os Recorrência local
dados sobre o câncer de endométrio são menos conclusivos.
A RT pode ser curaliva em uma parcela das pacientes com
Assim, é importante que o rádio-oncologista esteja familia-
recid ivas vaginais que não receberam RT prévia. A taxa de
rizado com a metodologia desses estudos de modo que as
controle local em 5 anos varia de 42% a 65%, e a taxa de
objeções ao uso de qualquer forma de RT adjuvante sejam
sobrevida geral em 5 anos, de 31% a 53%.
confrontadas com fatos.
Técnicas de radioterapia
Tratamentos recomendados
Estádio I Braquiterapia
• Grupo de baixo risco : pacientes com invasão de menos O objetivo da braquiterapia é d istribuir a maior dose de
da metade do miométrio (estádio IA) e com grau de d ife- radiação possível à mucosa vaginal, ao mesmo tempo protegen-
renciação I ou II. O risco de recorrência é muitO pequeno. do estruturas normais ao redor, como bexiga e reto. O métOdo
Straughn e cols. não relataram nenhuma recorrência va- de distribuição de dose intravaginal preferido é a braquiterapia
ginal em 103 pacientes tratadas somente com cirurgia. A de alta taxa de dose com fomes de irídio (1 92 lr). Geralmente é
positividade nodal pélvica foi <3%. A taxa de progressão utilizado um cilindro como aplicador (Figura 57 8)
livre de doença em 5 anos foi de 95% a 98%. A RT adju- O regime de dose varia de três frações de 7Gy a quatro
vante provavelmente não traria benefício adicional, e por de 6Gy, calculadas na superfície ou a 0,5cm do cil indro,
isso não é ind icada. podendo variar de acordo com o tamanho do cilindro e a
• Grupo d e risco intermediário: pacientes com invasão de realização ou não de teleterapia, entre outros fatOres. A ex-
menos da metade do miométrio (estádio IA), grau histo- tensão do tratamento do canal depende de fatores clínicos
lógico lll e pacientes com invasão de mais da metade do e do estadiamento, sempre a critério do rádio-oncologista
miométrio (estádio IB), grau histOlógico I e 11. Adjuvância: experiente na área.
b raquiterapia em fundo vaginal (FV). Avaliar RT pélvica
considerando a não realização de linfadenecwmia pélvica Radioterapia externa
e a presença de fatores de risco. O volume-alvo consiste nos linfonodos pélvicos, incluindo
• Grupo de alto risco : pacientes com invasão de mais da obturadores, ilíacos internos, externos e comuns inferiores e
metade do miométrio (estádio IB), grau hiswlógico llllhis- os dois terços proximais da vagina. Os linfonodos pré-sacrais
tOlogias desfavoráveis. Risco de recorrência: 20% a 25%. só são incluídos se as pacientes apresentarem envolvimento
RT pélvica e braquiterapia em FV cervical grosseiro. O arranjo da RT convencional consiste na
r
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Capítulo 57 Radioterapia nas Neoplasias do Trato Genital e da Mama 473

Figura 57.8 Planejamento de braquiterapia em fundo vaginal.

técnica de quatro campos (técnica pelvic-box) para reduzir a anal), os fatores de risco são similares: diagnóstico prévio de
dose em intestinos, retO e bexiga. verrugas genitais, múltiplos parceiros sexuais, história de taba-
A dose geralmente é de 25 x l80cGy ( 45Gy). gismo, Papanicolau prévio alterado e imunidade baixa.
O tratamento do câncer vulva r é desafiador por inúmeros
Complicações fatOres, entre os quais: pacientes com idade mais avançada;
As complicações são semelhantes às do tratamento do colo mais comorbidades; o tumor pode envolve r facilmente ó rgãos
do útero, uma vez que praticamente a mesma região é irra- adjacentes como bexiga e reto; a frequência de envolvimento
d iada. nodal é alta; e o impactO psicossexual do t ratamento nas pa-
cientes é elevado.
O manejo do carcinoma vulvar sofreu várias mudanças sig-
Resumo
nificativas nas últimas décadas. O aprimoramento da técnica
• O tratamento primordial da neoplasia do corpo do útero é
cirúrgica tornou o procedimento mais tOlerável, assim como sur-
a ciru rgia.
giram avanços sigrtificativos na RT para a neoplasia de vulva. Os
• A RT externa e a braquiterapia são componentes impor-
recursos d isportiveis atualmente tornaram possível a distribuição
tantes no tratamento adjuvante do cânce r de endométrio,
de radiação para regiões vulvar e inguinal com menor morbida-
aumentando as taxas de controle local.
de aguda e crônica. Com unidades com feixes de alta energia,
• A RT exclusiva pode ser considerada em pacientes inope- campos bem colimados, colimadores multileafs, elétrons de di-
ráveis.
ferentes energias e IMRT, a RT é oferecida ao tumor primário
• A indicação de adjuvância leva em conside ração o estadia- e aos linfonodos considerando precisamente as diferenças nos
mento cirúrgico e o tipo histOlógico. contornos, a profundidade dos tecidos e a extensão da doença.
Talvez o avanço mais significativo no manejo das neopla-
RADIOTERAPIA NAS NEOPLASIAS DA VULVA sias de vulva seja representado pelo uso de mais de uma moda-
O cânce r vulvar é uma neoplasia rara, representando 3% a lidade de tratamento, concomitante ou sequencialmente. Qui-
5% de todas as malignidades ginecológicas. Dois mecanismos mioterapia, radioterapia e cirurgia em sequência ou concomi-
primários estão envolvidos na carcinogênese da doença: HPV tantes d iminuem o impacto de uma modalidade isoladamen-
e d istrofia vulvar. Como o HPV é associado a outras neoplasias te e podem promover a preservação funcional de órgãos com
do tratO anogenital (câncer do colo do útero, câncer do canal controle local e sobrevida comparáveis ou melhores.
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J 474 Seção I Ginecologia

Tratamentos recomendados tar o risco de recorrência. A recorrencia local é a principal


causa de ralência em todas as pacientes, independentemente
Radioterapia definitiva
do estadiamento.
O tratamento recomendado para lesões inictais é cirúrgico.
São considerados ratores adversos: margens postuvas ou
Entretanto, nas paCientes com lesões centraiS pequenas pode exíguas (<8mm), im·asão hnrovascular e mvasão >5mm de
ser constderada a RT defimuva, pnnctpalmente quando as le-
prorundidade.
sões estão próXImas à uretra , ao chtóns e ao ânus.
Pacientes com maiS de um hnronodo posiuvo, extensão
Poucas séries roram publicadas sobre o uso de RT exclu-
extracapsular ou doença residual grossetra devem receber RT
sh-a, as quats mcluem pactentes com doença recorrente após
para linronodos da peh-e. Quando as margens estão hvres e
cirurgia e pactentes com contramdtcação ctrúrgtca. As taxas não há indicação patológica para o tratamento da vulva, pode
de sobrevida geral são mullo bat.xas, em torno de 25% em 5 ser usado um bloco cohmando o meto para evttar a reação e
anos • assim como as de controle local (40% em 5 anos). a sequela do tratamento em área vulva r, apesar de essa práti-
Na maior pane das vezes a RT é usada em combinação com ca aumentar a probabilidade de recorrencta local.
cirurgia e/ou QT e seu objetivo varia com o alvo: regiões com dis-
seminação linrãtica ou tumor primário no períneo. Por exe m- Técnicas de radioterapia
plo, em pacientes com linronodos irressecáveis, mas com tu-
• Alvo: engloba a vulva e os linronodos inguinais e pélvicos
mor primário menos avançado, o controle local completo do
inreriores. Convém evitar o uso de bloco colimador para
tumor primário pode ser ati ngido com a combinação de QT
poupar o perlneo e a vagina, o que pode aumentar o risco
e RT, eli minando e necessidade de ci ru rgia para o primário e
de reco rrência local. A pelve eleve ser incluída nos campos,
tornando os lin ronodos acessíve is à ciru rgia. RT co m QT con-
pois pacientes com inguinais positivos tem i11cidencia de en-
comitante men te também pode se r uti lizada como tratamen- volvimento linronodal pélvico de 28%. A lMRT costuma ser
to definitivo. A RT pode desempenhar papel impo rtante na
usada para o tratamento da pelve e dos linronodos inguinais.
paliação. • Dose: pré-operatória: 45 a 55Gy; RT definitiva: 60 a 70Gy;
RT pós-operatória: 50Gy em leito tu moral; em caso de ex-
Radioterapia pré-operatória com quimioterapia tensão extracapsular em linronodos: 50 a 60Gy; doença
concomitantemente residual grosseira: 65 a 70Gy (Ftgura 57.9).
Como o tratamento do câncer vulvar evoluiu com o ob-
jetivo de mmimtZar as sequelas da cirurgta radical e maxi- Complicações
mizar os resultados runcionats, as terapias multimodais se A morbidade aguda mats stgmricauva da RT é a radtoder-
tomaram o tratamento padrão, particularmente para as pa- mite de vulva, perlneo e mgumaiS. Toxtcidade hematológtca
cientes com estádtos avançados da doença. DepoiS de RT-QT também é comum.
concomitantes mtctalmente, é a,·ahada a resposta do tumor As complicações tardtas mcluem telangtectastas, atrofia da
primário e dos lmronodos. Se há regressão completa da doen- pele, ressecamemo da mucosa da vagma e estreuamento do
ça no local do tumor pnmário, uma das opções consiste em imroito ,·agínal.
realizar btópsta do primáno, segumdo-se ressecção em caso
de respoSta completa. Em geral, recomenda-se dissecção lin- Resumo
ronodal , mdependentemente da resposta completa ou não, • O manejo do carcinoma vulvar sorreu várias mudanças im-
pois há sempre doença restdual nos linronodos. Enquanto a portantes, sendo a mais signtficativa a multi modalidade te-
recorrência local do primá no após cirurgia ou RT-QT é poten- rapêutica, o que diminuiu o impacto de uma modalidade
cialmente alcançada, recorrencias nodais não são resgatáveis. isoladamente e tomou possível alcançar a preservação run-
cional de órgãos com controle local e sobrevida comparãveis
Terapia definitiva com quimioirradiação ou melhores.
A quimioirradiação é usada nos casos de tumores avança- • A RT, a cirurgia e a QT são elementos essenciais na aborda-
dos considerados irressecáveis e em pacientes clinicamente gem da neoplasia de vulva.
inoperáveis. Pode se r usada quand o o tumor não se torna
operável no curso de RT-QT com objetivo pré-operatório ou RADIOTERAPIA NAS NEOPLASIAS DA VAGINA
como opção para o tratamento cirúrgico. Nessas pacientes, O câncer primário de vagina é uma doença rara, consti-
a QT deve se r realizada continuamente durante o curso d o tuindo l% a 2% de todas as malignidades gi necológicas. A
tratamento para rad10ssensibilizar o tumor e possivelmente maioria das lesões malignas da vagina representa a manires-
erradicar doença subcllnica rora do campo de tratamento. tação de metástases de outras neoplasias ginecológicas ou en-
volve a extensão direta de sluos adpcentes, havendo na maio-
Radioterapia pós-operatória ria dos casos uma relação causal com o HPV. Outras causas
A RT pós-operatória pode ser usada quando é realizada incluem exposição intrauterina ao chetilesulbestrol (assoctada
cirurgia Ltmllada (para preservação de órgãos) ou quando a ao surgimento de adenocarcinoma de células claras da vagi-
peça ctrúrgtca apresenta ratores ad,·ersos que podem aumen- na) e verrugas gerutais prévtas, entre outras.
r
((

Capítulo 57 Radioterapia nas Neoplasias do Trato Genital e da Mama 475

Figura 57.9 Planejamento de IMRT em caso de neoplasia vulvar com inclusão de inguinais.

As cond utas terapêuticas adotadas em casos de câncer de • Estádios 111 e IV: RT externa e braquite rapia como boost
vagina são variadas e, apesar de se r a principal forma de tra- em tumor residual.
tamento, a RT é subutilizada em nosso meio. • Cirurgia radical: geralmente rese rvada para recorrências
A cirurgia é factível em grande número de casos, mas na pélvicas isoladas depois de RT e possivelmente para pa-
maioria das vezes não é indicada em virtude da morbidade cientes com fístulas.
importante. A RT possibilita a prese rvação da função do ó rgão • Paliação: RT paliativa pode ser utilizada para alívio d os
na maioria dos casos. sintomas.
A sobrevida em 5 anos das pacientes tratadas com RT • Concomitância com QT: RT tem mostrado resultados
isoladamente é similar à de pacientes com estádio seme- favoráve is em pequeno número de pacie ntes. Em virtude
lhante de neo plasia do colo do úte ro: 100% no estádio O, da raridade da doença, não foram realizados estudos ran-
85% no estád io I e 75% no estád io 11. Apenas 30% a 50% d omizados que compararam quimioi rradiação com RT
isoladamente. Seu uso provém da extrapolação de dados
das pacie ntes no estád io JIJ se rão cu radas. A sobrevida no
o riginados de estudos de concomitância em neoplasias do
estádio IV supera os 20%, e a sob revida a longo prazo não
colo do útero.
é obse rvada.
Técnicas de radioterapia
Tratamento
Radioterapia externa
• Estádio O (neoplasia intraepitelial): as pacientes podem
• Alvo: canal vaginal , tecidos paravaginais e linfonodos pél-
ser tratadas com excisão local, vaginecwmia parcial ou total,
vicos bilaterais e/ou inguinais (em caso de envolvimento do
ablação por laser ou 5-0uo rouracil tópico. A braquiterapia
terço inferior da vagina). A técnica 3D e a IMRT têm pre-
pode se r utilizada isoladamente com excelentes resultados,
fe rência. A IMRT possibilita a redução de dose em ó rgãos
porém com morbidade maior a longo prazo. normais, mas não há benefício em termos de sobrevida.
• Estádio 1: a braquite rapia é uma ótima opção terapêuti- • Dose: 45 a 50,4Gy na pelve; boost parametrial em casos
ca, sendo a intracavitária ge ralmente usada para tumores selecionados: até 50 a 65Gy; irrad iação nodal eletiva: 45 a
com< 5mm de invasão de profundidade. Tumo res maiores 50Gy; doença nodal grosseira: 60 a 65Gy.
podem ser mais be m cobe rtos por meio da braquiterapia
interslicial. A teleterapia deve se r associada à braquiterapia Braquiterapia
em tumores que aprese ntam fato res de risco como lesões • Técnica intracavitária para tumores com <5mm de invasão
de alto grau histOlógico e tumores >2cm de extensão ou de profund idade. Tumo res com invasão maior podem se r
>0,5cm de profundidade. mais bem cobertos por meio de braquiterapia interslicial.
• Estádio 11: RT externa e b raquite rapia, uma vez que o ris- • Dose: de maneira isolada, 60 a 70Gy; após RT externa para
co de envolvimento linfonodal é elevado. complementação até dose cumulativa de 75 a 80Gy.
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J 476 Seção I Ginecologia

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• O tratamento se baseia em braquiterapia isoladamente (in-
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Capítulo 57 Radioterapia nas Neoplasias do Trato Genital e da Mama 477

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CAPÍTULO

Pré e Pós-operatório
em Cirurgia Ginecológica
Ma1ia Inês de Miranda Uma
Luiza de Miranda Uma

INTRODUÇÃO informações claras e evitando o uso de termos técn icos in-


A preparação adequada da paciente para a cirurgta e os compreensiveis.
cuidados pós-operatórios são extremamente tmponames para A paciente e seus fam1l.tares devem ser alenados sobre a
o sucesso de uma ctrurgia que, quando reahzada de maneira possibilidade, durante a inten·enção cirúrgica, de mten:or-
adequada, cumpre duas funções importantes: a descobena de rências capazes de ex1g1r a alteração do planejamento m1cial.
morb1dades que exigem a,11Jiação adicional e a oumtZação da Ê sempre prudente sohcuar à paciente, ou a seu responsável
prevenção de complicações peri e pós-operatónas. A a'<~lia­ legal, a assinatura de um tenno de consentimento infonnado.
ção também melhora o uso dos recursos na sala de cirurgia. Os cuidados espectais que serão implementados desde o
A história clínica e o exame físico são elementos-chave na momento da indicação cirúrgica devem ser in formados à pa-
avaliação pré-operatória. Além disso, vários dados embasam a ciente. Intervenções pélvicas maiores geralmente exigem in-
necessidade de exames labo ratoriais e de imagem adequados ternação prévia, reserva de sangue , hid ratação, antibioticote-
ao tipo de proced imento e à paciente. rapia profi lática e uso de amicoagulames. No pré-operató rio
A adoção ele di retrizes clínicas no manejo pré e pós-ope- imed iato, a paciente deve ser in formada das med idas que se-
ratório pode reduzir significativamente o índice de complica- rão implementadas no pós-operatório, como uso de sondas e
ções cirúrgicas, o tempo de permanência hospitalar e, conse- drenos, exercfcios respiratórios, tosse, mobilização ativa ou
quememente, os gastos diretos e indiretos com as pac1emes. passi,·a, entre outras que se fizerem necessãrias.
A históna cllmca e o exame físico são imponantes para a
ANAMNESE avaliação das suuações que possam se agravar no ato Cirúrgi-
No pré-operatório, o ginecologista de,·e colocar em prática co e/ou no pós-operatóno. A Identificação de doenças crOm-
sua hab1lidade clínica. Nesse sentido, impõe-se uma anam- cas e dos hábitos e antecedentes cirúrgicos é de fundamental
nese detalhada com ênfase na pesquisa de smais e sintomas importância nessa condução.
de moléstias crônicas, como diabetes, hipertensão, cardiopa- Ê importante o conhecimento dos medicamentos em uso,
tias, endocri nopatias, colagenoses, nefropatias, he patopatias, a maioria dos quais não precisa se r interrompida, mas algu ns
pneumopatias, hemopatias e d istúrbios emocionais, cuj a pre- devem se r inge ridos na manhã da ciru rgia , como os anti-
sença pode alterar ou agravar a resposta ao trauma cirúrgico- -hipen ensivos.
-anestésico. Em relação ao uso de anticoncepcionais orais, mu itos estu-
O uso de medicamentos deve ser investigado nos mini- dos não recomendam sua desconlinuação como rotina.
mos detalhes. Igualmente importante é conhecer os hábitos Devem ser suspensos os medicamentos que interferem
de vtda da paciente, seu estado nutrictonal, históna pregressa com a coagulação, os h1potensores inibidores da monoaml-
e suuação SOCioeconOmica e familiar. Ê 1mprescmdível um noxidase (IMAO) e os anudtabéticos de longa duração. Os
dtálogo smcero, durante o qual se consolida a relação empáli- IMAO devem ser suspensos 2 a 3 semanas ames do proce-
ca entre o ginecologista e a paciente. Esse é o momento ideal dimento e os hipoglicem1antes, 2 a 3 dias ames. Os anucoa-
para que seJam esclarecidas d úvidas sobre o upo e a extensão gulames orais devem ser interrompídos 7 a l O d ias antes e
da intervenção, o Lipo de anestesia, a via de acesso, as conse- subslituidos por hepanna não fracíonada (HNF) ou de baixo
quencias e os riscos. Convém entrar em detalhes, fornecendo peso molecular. Os anticoagulantes modernos, como a rivaro-
478
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Capítulo 58 Pré e Pós-operatório em Cirurgia Ginecológica 479

xabana (Xarelto~) . devem ser suspensos pelo menos 24 horas missíveis devem ter os marcadores testados no pré-opera-
antes do procedimento cirúrgico. tório. A pesquisa compulsória do HIV tem sido motivo de
controvérsia com a argumentação de que o resultado negativo
EXAMES LABO RATORIAIS nem sempre significa ausência de infecção e que, além disso,
pode faze r com que a equipe cirúrgica negligencie os cuida-
Segundo Macpherson, os exames subsid iários pré-ope ra-
dos preventivos.
tórios têm os seguintes objetivos:
Outro argumento para justificar a necessidade dos exames
• Detectar situações insuspeitadas e imodificáve is que pos- subsidiários pré-operatórios de rotina é o crescente núme ro
sam alterar a avaliação do risco cirúrgico-anestésico. de processos judiciais contra cirurgiões em geral e anestesio-
• Detectar condições insuspe itadas nas quais a intervenção logistas no caso de resultados adversos. No Brasil, somente
pode apresentar maior risco cirúrgico-anestésico. agora essas questões têm sido motivo de maior preocupação.
• Obter parâmetros que sirvam de linha de base e que pos- Em muitos países já existe jurisprudência indicando o peque-
sam ser úteis em decisões no pós-operatório. no risco de realização de exames subsidiários seletivamente
com base no exame clínico. Por outro lado , tem sido consi-
Quanto aos exames pré-operatórios de rotina, ou não sele- derada falta grave a inobservância dos resultados dos exames,
tivos, a discussão ace rca das justificativas para que sejam ou quando concluídos.
não solicitados é pertinente, tendo em vista que, além da pe rda Um argumento favorável à solicitação de maior número de
de tempo e da possibilidade de resultados falso-positivos, exames d iz respeito à complexidade da cirurgia. Nesse sen-
podem ser gastas vultosas somas de dinheiro com exames tido, grandes e longas intervenções têm maior potencial de
desnecessários. Nos EUA, estima-se que sejam gastos a cada alte rar as funções vitais e comprometer a resposta neuroen-
ano mais de 30 bilhões de dólares com exames pré-operató- dócrina e metabólica. Nessas circunstâncias, o conhecimento
rios, dos quais 60% desnecessariamente. Esses gastos põem prévio de um número maior de parâmetros laboratOriais e de
em risco a viabilidade econômica dos sistemas públicos e pri- imagens pode servir como linha de base para melhor inter-
vados de atenção à saúde. pretação de futuras alterações.
Nos últimos anos, vários estudos fundamentados em análi- Após essas considerações, pode-se afirmar que sempre
se estatística tem mostrado a inutilidade dos exames de rotina que o exame clínico pré-operatório sugerir qualquer dúvida
quando requisitados aleatoriamente. Entretanto, em algumas ou alteração, esta deverá ser esclarecida por meio do exame
situações e nas urgências, ainda existem bons motivos para complementar necessário. Caso contrário, em pacientes do
que sejam realizados. Os exames pré-ope ratórios devem ser sexo feminino com menos de 40 anos de idade, candidatas
solicitados sempre com base em critérios determinados pela a intervenções de pequeno ou méd io porte, é justificável a
avaliação clínica e em nenhuma hipótese devem antecedê-la realização apenas de um hemograma completO e um exame
ou substituí-la. sumário de urina, desde que o exame clínico não deixe dúvi-
Segundo alguns autores que têm tentado normalizar os da quanto à sua h igidez (ASA 1).
critérios para a solicitação de exames pré-operatórios, mes- Na d iscussão sobre a necessidade ou não de exames subsi-
mo diante de um exame clínico sem alterações, a idade deve diários no pré-operatório, nenhum argumento deve se sobre-
ser considerada. Análises atuais mostram que a partir dos 50 por à defesa da segurança da paciente, que em todas as circuns-
anos aumenta a incidência de doenças cardiovasculares na tâncias deve ser encaminhada à sala de operações nas melhores
mulher, o que tOrna fundamental, a partir dessa idade, uma condições clínicas alcançáveis dentro de seu quadro.
avaliação mais completa do aparelho cardiovascular, incluin-
do eletrocardiograma (ECG) de repouso ou dinâmico.
Dentro do mesmo raciocinio, pacientes com mais de 60 AVALIAÇÃO DO RISCO CIRÚRGICO
anos estariam mais propensas a apresentar alterações da fun- A avaliação do risco cirúrgico-anestésico se fundamenta
ção renal, justificando a avaliação também de seus níveis de no exame clinico completo , incluindo exames subsidiários e,
ureia e creatinina. A partir dessa idade, a ocorrência de afec- se necessário, em pareceres especializados. Trata-se de tarefa
ções respiratórias é também significativamente maior, moti- abrangente, que vai além da simples investigação cardiológi-
vo pelo qual a radiografta do tórax e, às vezes, os testes de ca. Para executá-la é aconselhável a participação do anestesio-
função respiratória estão indicados. Nas mulheres em idade logista. Nas situações eletivas é desejável que esse profissional
reprodutiva, a possibilidade de gravidez deve se r sempre in- examine o paciente antes da internação hospitalar.
vestigada. Na literatura podem se r encontrados vários índices que
Outro aspecto pertinente às mulheres é a maior possibi- tentam quantificar o risco cirúrgico. Um dos mais conhecidos
lidade de anemia por perdas sanguíneas excessivas e de infec- e adotados é o chamado ASA, criado pela Sociedade America-
ção urinária devido à constituição anatômica do tratO genitu- na de Anestesiologia e segundo o qual as pacientes são classi-
rinário. Essas particularidades justificam a tendência de ava- ficadas de acordo com suas condições clínicas (Quadro 58.1).
liação rotine ira do hemograma e do exame sumário de urina. Goldman e cols. estudaram o risco cirúrgico com ênfase
Independentemente da idade, as pacientes sabidamente na integridade do sistema cardiovascular. Na oportunidade
pertencentes aos grupos de risco para doenças virais trans- verificaram que as situações de maior risco são o infarto do
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J 480 Seção I Ginecologia

Quadro 58.1 Classificação do risco cirúrgico (ASA) Quadro 58.2 Fatores que aumentam o risco de trombose venosa
profunda
ASA 1 Paciente sadia. sem outtas afecções além da que motivou
a indicação cirúrgica Obesidade -indice de massa corporal (IMC) >30
ASA2 Paciente portadora de doença sistêmica leve Idade >40 anos
História de ttombose venosa profunda prévia
ASA3 Paciente portadora de doença sistêmica grave sem risco
de vida constante Imobilização

ASA4 Cirurgia extensa


Paciente portadora de doença sistêmica grave.
incapacitante. com risco constante de morte Trombofilia
Uso de estrogênio
ASAS Paciente moribunda. sem expectativa de vida superior a 24
horas, com ou sem cirurgia Estase venosa crônica
História de ttombose venosa pulmonar
Tabagismo
miocárdio, principalmente demro dos primeiros 6 meses
após sua ocorrência, as arritmias e a insuficiência cardíaca
congestiva. Apesar de algumas alterações do ritmo cardíaco Para pacientes de baixo risco submetidas a cirurgia de pe-
e distúrbios de condução só serem identificáveis através do queno porte ou videolaparoscopia não se recomenda trombo-
ECG, não há consenso sobre a utilidade desse exame em to- profilaxia específica, apenas a deambulação precoce. Em to-
das as pacientes. das as paciemes submetidas a cirurgias de grande porte deve
A maioria dos índices adotados para avaliar o risco cirúr- ser realizada a trombroprofilaxia de rotina.
gico-anestésico falha na medida em que tentam agrupar es- Pode-se usar a HNF ou a heparina de baixo peso molecular
tados mórbidos e indivíduos, ambos com comportamentos (HBPM). O uso de compressão pneumática intermitente para
diferentes. Emretanto, são úteis ao repassarem àqueles que procedimentos de diagnóstico benigno reduz a incidência de
não examinaram a paciente uma noção acerca do risco cirúr- TVP para menos de 1%. A HBPM e a HNF conferem benefícios
gico-anestésico. Esse risco, na visão da maioria das pacientes similares, sem diferença nos efeitos adversos, quando adminis-
e familiares, talvez por mecanismo de defesa, é algo difícil de tradas por 7 dias ou até que a paciente possa se movimentar.
ser absorvido e enfrentado. A atitude mais comum parece se r
negá-lo ou subestimá-lo. Esse comportamento, infelizmente, Profilaxia da infecção cirúrgica
tende a reforçar o falso conceitO de que todos os infortúnios Segundo portaria do Ministério da Saúde, as cirurgias são
em cirurgia decorrem de "erro médico". classificadas em quatro níveis de risco de contaminação: (l)
limpas; (2) potencialmente contaminadas; (3) contaminadas;
Preparação da paciente ( 4) infectadas.
O período de internação deve ser limitado ao tempo mí- As taxas de infecção do sítio cirúrgico (ISC) dependem di-
nimo necessãrio por ser acrescido de riscos, em especial de retameme do grau de contaminação da cirurgia, sendo de 1%
infecção, e também pelos custos que implica. No emamo, al- a 5% para as cirurgias limpas, de 3% a 11% para as potencial-
mente contaminadas, de 10% a 17% para as contaminadas e
gumas pacientes precisam ter sua internação antecipada para
adequação das condições clínicas e ajuste terapêutico. >27% para as infectadas, segundo o Cente rs for Disease Con-
trol and Prevention (CDC).
A rese rva de concentrado de hemácias deve ser feita com
A taxa de infecção em procedimentos limpos é um dos
antecedência se o porte da cirurgia ou as condições clín icas
melhores indicadores de controle das infecções hospitalares.
da paciente assim exigirem. Casos de laparowmia explora-
Ind ica-se profilaxia nas cirurgias limpas apenas nas situa-
dora por massas anexiais devem ter biópsia de congelação
ções em que a ocorrência de infecção pode ser desastrosa,
programada.
como na microcirurgia tubária. Nas contaminadas, a indica-
No d ia que antecede a cirurgia, está indicada dieta leve e
ção é precisa. Nas infectadas não se faz profilaxia, mas trata-
facilmente d igerível. O tempo ideal de jejum deve ser de 8 a
mento de maneira específica.
12 horas, evitando-se assim o risco de aspiração brônquica. O
A profilaxia está indicada nas cirurgias potencialmeme
preparo do cólon está indicado em cirurgias oncológicas, de-
contaminadas. O antibiótico de escolha é a cefazolina endo-
vendo ser iniciado 12 horas antes do procedimento. A sonda-
venosa, durante a indução anestésica, repetida a cada 3 ho-
gem vesical deve ser realizada após a anestesia, o que diminui
ras em cirurgias prolongadas. Nas cirurgias em que há risco
o desconforto da paciente. de contaminação intestinal, como endometriose e cirurgia
oncológica, cefazolina e metronidazol são utilizados para des-
Profilaxia de trombose venosa profunda contaminação do cólon, sendo o preparo do cólon mais eficaz
O tromboembolismo pulmonar (TEP) é uma séria compli- do que a amibioticoterapia.
cação pós-operatória geralmente associada à trombose venosa Como para qualquer procedimento cirúrgico há múltiplos
profunda (TVP). A TVP pode acontecer de maneira espontâ- esquemas d isponíveis, deve ser solicitada a assessoria da Co-
nea, mas estima-se que em aproximadamente 2% a 20% das missão de Comrole de Infecção Hospitalar (CCIH) do hospi-
vezes aconteça no período pós-operatório (Quadro 58.2). tal na discussão e indicação do antib iótico.
r
((

Capítulo 58 Pré e Pós-operatório em Cirurgia Ginecológica 481

Recomendações para controle de infecção de sítio no Técnica cirúrgica


pré-operatório A técnica cirúrgica e a duração da cirurgia são cruciais no
Preparo da paciente desenvolvimento de ISC. São características de uma técnica
• Reduzir o tempo de internação em cirurgias eletivas, sendo cirúrgica com menos risco:
a meta um tempo inferior a 24 horas. • Minimizar os traumas.
• Compensar doenças subjacentes. • Menor manipulação da pele.
• Tratar infecções em sítio remoto ames da realização do • Menor duração possível.
proced imento, a não ser que o quadro clínico não possibi- • Eliminar os espaços monos.
lite o adiantamento do procedimento. • Remover os tecidos desvitalizados.
• Infecções: identificar e tratar infecções comunitárias an- • Usar o mínimo de sutura.
tes do procedimento cirúrgico para evitar que a infecção • Manter o suporte adequado de sangue e h idratação.
seja um fator de predisponente para ISC; se for necessário, • Manter o controle dos níveis de glicose.
adiar o procedimento até a cura do processo infeccioso. • Manter normotermia e oxigenação.
• Iniciar a profilaxia cirúrgica na indução anestésica.
Higiene corporal
O banho pré-ope ratório deverá ser realizado com água e Pós-operatório em cirurgia ginecológica
sabão na noite anterior e l hora ames da cirurgia, com o obje-
Para que sejam oferecidos cuidados pós-operatórios efi-
tivo de eliminar a oleosidade e a microbiota da pele.
cientes o ginecologista deve conhece r as possíveis complica-
Deve-se realizar higiene oral criteriosa, principalmente em
ções de cada procedimento realizado e a resposta metabóli-
pacientes que serão intubadas.
ca ao trauma. As metas são comuns a LOdos procedimentos
A glicemia deve ser controlada em pacientes com diabetes,
evitando, particularmente, hipe rglicemia no pré-operatório. cirúrgicos: em primeiro lugar, a observação da evolução da
paciente no tOCante à cirurgia; em segundo, ve ri ficação de
intercorrências ou complicações que possam surgir nos d ife-
Recomendações para controle de infecção de sítio rentes órgãos e sistemas. As metas são ressuscitação, controle
cirúrgico no intraoperatório da dor e retomada das atividades d iárias.
Equipe cirúrgica
Antissepsia das mãos da equipe cirúrgica Curativos
A escovação das mãos visa à retirada de SL~eira e detritos Convém manter umidade e temperatura adequadas nas fe-
com a fmalidade de reduzir o número de bactérias. ridas cirúrgicas, protegendo contra traumas mecânicos e con-
As escovas utilizadas no preparo cirúrgico das mãos devem taminação do meio externo. Um curativo compressivo ajuda
ser descartáveis e de cerdas macias, impregnadas ou não com a prevenir a formação de hematomas e se romas e oferece con-
antisséptico e de uso exclusivo em leitO ungueal , subungueal forto físico e psicológico à paciente. Sua utilização adequada
e espaços interdigitais. é um meio de prevenção das ISC.
A antissepsia cirúrgica ou preparo pré-operatório das mãos São medidas importantes no cuidado da ferida operatória:
deve durar de 3 a 5 minutos para a primeira cirurgia e de 2 a
• Higienizar as mãos ames e depois da troca de curativos e
3 minutos para as cirurgias subsequemes.
de qualquer contatO com o sítio cirúrgico.
• Realizar o curativo com técnica e material assépticos, logo
Solução utilizada após o término da ope ração, e mantê-lo por 24 horas, sem
Povid ine dege rmante (PVP-1) ou gluconato de clorexidina molhar.
a 4% (para profissionais alérgicos ao iodo). • Fazer a troca do curativo após 24 horas; ames desse horá-
rio, apenas se houve r acúmulo de secreções.
Tricotomia • Após 24 horas as feridas suturadas deverão ser mantidas
Recomenda-se que a tricowmia seja realizada somente se prefe rencialmente descobertas.
necessário e imediatamente ames do atO operatório, preferen- • A retirada dos pomos costuma ser realizada em torno do
cialmente com um LricotOmizador elétrico. décimo dia ou a crité rio médico.

Antissepsia do sítio cirúrgico Analgesia pós-operatória


• Degermação: com solução degermame de PVP-1 ou clo- Os recentes avanços nas técnicas cirúrgicas e anestési-
rexidina a 4% (para pacientes alérgicos ao iodo), seguida cas têm levado ao aumento do número de casos ci rúrgicos
de enxágue com compressa estéril. de baixa permanência e d iminuído a inc idência de do r no
• An lisseps ia: fricção de povidine tópico ou clorexidina, pós-operatório.
partindo do pomo onde vai ser feita a incisão para a peri- Entre os benefícios da analgesia estão o conforto da pa-
feria. A solução deve secar espontaneamente. ciente, a redução dos riscos de TVP, po r possibilitar a mobi-
/.
"
I )

j 482 Seção I Ginecologia

hzação precoce e a diminuição da inc1d~ncia de atelectasia jejum. A menos que hap grande desconforto, de,·e-se aguar-
e pneumonia, além da melhora da quahdade do sono e da dar o funcionamento natural.
d1mmU1ção da resposta metabóhca à dor, mclumdo hiper-
glicemia, hipercatecolamia e hipercorusolem1a. COMPLICAÇÕES
Apesar dos vários analgésicos disponíveis, não há consenso As principais complicações das cimrgias ginecológicas são
estabelecido com base em evidê ncias sobre a melhor opção de rep resentadas por infecções, deiscência de parede, TVP e re-
analgesia pa ra todas as pacientes. O uso de bloqueios regio- te nção urinária.
nais, anti-innamatórios não esteroides (AINE) ou paraceta- A retenção urinária pós-operatória é um problema comum
mol no intraoperatório está bem indicado nas cirurgias am- após cimrgia ginecológica com grande manipulação da be-
bulatoriais para reduzir a demanda de opioides. xiga. Recomendam-se, nesses casos, até duas sondagens de
Em doses adequadas ( 4g - dose diária) a d1p1rona, assim alívio e, caso o problema permaneça, deve-se fazer sondagem
como o paracetamol, tem reduzido o uso de anu-innamatórios. de demora fechada , com abertura intermitente, reurando-se a
Os AINE são fármacos amplamente uuhzados e bem mdi- sonda 2 a 3 dtaS depo1s.
cados para tratamento da dor no pós-operatóno ISOladamente A febre no pós-operatóno, sobretudo após 48 horas, leva
ou em assoc1ação a outros analgésicos. Para as pacientes com ã suspeita de alguma mfecção. Deve-se pesquisar a exisH!nc1a
problemas gástricos e asma, os AlNE estão relauva ou absolu- de focos infecc1osos em outros locais, como amlgdalas, se1os
tamente cont raindicados. Os inibidores seleuvos da cicloxige- da face e pulmões. As infecções urinárias são muito comuns
nase (COX-2) também são eficazes, embora haja preocupação em virtude da sondagem vesical. No entanto, deve-se inves-
com o aumento do custo e do risco de eventos trombóticos, tigar a ferida operatória; se ap resenlllr bom estado, deve-se
constituindo uma boa o pção para as pacientes com contrain- investigar a cavidade pélvica em busca de abscessos. A an-
dicação ao uso de AINE. tibioticoterapia se impõe, assim como cuidados especificos.
O tratamento com opioides é a primeira escolha para trata- As deiscências cirúrgicas são complicações da cirurgia, ape-
mento da dor moderada a intensa. Seu uso é controverso em sar dos avanços clinicos, dos antibióticos pré-operatónos, da
''irtude dos efeitos indesejáveis, especialmente náuseas e vô- tecnologia das suturas e dos cuidados pós-operatórios. O nivel
mitos, que retardam a alta da paciente, sendo reservado para de abertura de uma fenda é variável, podendo alcançar cama-
os casos de dor ma1s intensa. A morfina tem efeito emético das profundas e superficiaiS. As deiscêndas superfic1a1s são em
mais prolongado, enquanto o tramado! causa menos depres- geral consequencia de hematoma ou seroma (Quadro 58.3).
são resp1ratóna. Algumas técmcas tem sido sugeridas para reduzir as taXas
de deiscências, como:

RECOMENDAÇÕES GERAIS • Uso elo monopolor no modo cone (corrente ele baixa vol-
A d ieta eleve se r reintroduzicla, preferencialmente, após 6 a tagem e continua com menos lesão té rmica dos tecidos se
12 horas, dependendo do porte da intervenção cirúrgica. De- comparada com o modo coagulação).
vem ser observados apetite, eliminação ele natos e presença de • Hemostasia com suturas preferencialmente por meio de ele-
ruídos h1droaéreos. A evolução da dieta pode obedecer à se- trocoagulação.
gumte sequencia: líquida, branda e geral. Estudos randomiza- • Técnica cirúrgica adequada: espaçamento emre os pontos
dos confirmam a eficácia e a segurança da remtrodução preco- (cerca de 1 a 2cm da borda da ferida), boa hemostasia,
ceda alimentação oralli,•re no primeiro dlll depoiS de cirurgias fechamento do espaço mono e tensão adequada da sutura.
gmecológ1cas mtra-abdominais em pac1entes selecionadas.
A técmca 1deal para redução da taXa de deisc~nclll amda
A pre,·enção de náuseas e vômitos é normalmente realiza-
náo está determtnada, mas alguns desses principios parecem
da pelo anestesista com o uso de 4 a 8mg de dexametasona
promover melhores resultados.
antes da indução anestésica, seguidos por 4mg de ondanse- O diagnóstico e o tratamento do tromboembolismo come-
trona próximo ao final da cim rgia. Esse tratamento reduz
çam com exame clinico e estimativa da possibilidade da doen-
ele maneira signi ficativa os sintomas. Caso esses si nto mas
se desenvolvam, deve m se r administrados an tieméticos de
uma classe farmacológica d ife rente da previamente admi- Quadro 58.3 Fatores associados à deiscência da ferida
nistrada. Erro técnico (pontos muito próximos ou muito afastados, tensao
A deambulação precoce deve ser estunulada com a finali- excessiva)
dade de prevemr o surgimento de trombose venosa profunda, tnfecçao 111tra-abdomonat
assim como o uso de meias elásticas, se a pac1ente permane- DesnutriÇao
cer por longo tempo acamada. Idade avançada
A sonda ' 'esical de,·e permanecer por cerca de 24 horas nas Uso crooco de C()((tCOtdes
pac1entes com manipulação da bexiga e em tomo de 7 dias ComplicaçOes com a tenda (hemaloma. seroma, infecçao)
nos casos de cirurgia com manipulação de ureter e bexiga Comorbidades (diabetes. insuficiência renal, câncer. deficiêncoa
imune. quimioterapia, radoaçao)
(Wenheim-Meigs). As evacuações podem demorar sobretudo
Aumento da pressao ontra·abdominal (ascile, tosse, vômitos)
quando se realizou preparo intestinal com longos periodos de
r
((

Capítulo 58 Pré e Pós·operalório em Cirurgia Ginecológica 483

ça. Para o diagnóstico da TVP está indicada a uiLrassonografia to, a qualificação do hospital e os cuidados pós-operatórios
dúplex, altamente sens!vel para o dtagnóslico de TVP. Para são necessários para evitar complicações e alcançar o sucesso
o diagnóstico do TEP está indtcada a tomografia computa- do procedimento.
dorizada ou a cinulografia pulmonar. O tratamento agudo
do tromboembohsmo em·olve anucoagulação com hepari- Leitura complementar
na não fracionada endovenosa ou heparina de baixo peso Brasil, Agência NaoonaJ de Vigrlânclél Sanrtána. Segurança do pa-
ciente em serviço de saúde. hrgrenização das maos. Agêncra Na-
molecular por vaa subcutânea. Após anucoagulação adequa-
cional de Vigrlâncra Sandália, 2009.70.2.
da, imcta-se a admmtstração oral de anucoagulante, como Caderno de Protocolos Cllmcos da FHEMIG (rEMsada e ampliada).
a varfarina. A duração do tratamento é determinada pelas Antibioticoprolilaxia crrúrgrca. 2013. Orsponivel em; http;//Www.
circunstâncias cl!mcas, sendo de 3 a 6 meses para o pri- fhemrg.mg.gov.br/ptJprotocolos-chniCOs.
meiro episódio de TEP idtopático, 6 meses para TEP e inde- Caramell B, Ptnho C, Caldararo O et ai. Gu1delrnes for penoperative
evaluation. Arq Bras CardiOI2007, 89(6):e172-e209.
finidamente para as pacientes com segunda TEV ou condição Cunningham FG. Ginecologia de Wrlhams. Porto Alegre. Me Graw
trombofíhca. Hill, Artmed, 2011.
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graves e estão associadas a pacientes de risco cirúrgico maior tório. In: Santos NC (ed.) Pré e pós-operatório - particularidades
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e submetidas a procedimentos de grande porte. O Quad ro Finegan BA, Rashiq S. McAiister FA et ai. Selective ordering oi pre-
58.4 lista as situações com maior risco de complicações. operative invesligalions by anesthesiologisls reduces lhe number
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Frut uoso C . Cuidados pré-operatórios e cuidados pós-operatórios.
CONSIDERAÇÕES FINAIS In: Oliveira CF (ed.) Manual de ginecologia. Vol. 2. Permanyer
Este capitu lo apresemou tópicos gerais sobre o preparo Portugual, 2011:603·23.
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logia ambulatorial. 3. ed. 2015:88 1·93.
paro pré-operatório, as informações prestadas à paciente, a
Hogston P, O'Oonovan P. Abdominal wound closure: how to avoid
orientação e a assinatura do termo de consentimento livre e complications. In: O'Oonovan P (ed.) Complrcalions in gynecolo-
esclarecido são fatores importantes que antecedem o ato ci- gy surgery. London. Springer, 2008:43-51.
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Angina Obesidade vaginats e abdornrnars). In. Manual Sogrmrg de emergências obs-
tétricas. Roo de Janerro: Medbook. 2016.
Insuficiência cardlaca congest•va DPOC
Sociedade Brasilerra de Cardoologra. Orretnzes brasrlerras de anti-
Diabetes Asma coagulantes plaquetános e antrcoagulantes em cardiOlogia. Vol.
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ASA>2
Souza, C. Avaliação pré-operatória em ginecologra. 01sponivel em:
Idade >70 anos Idade > 70 anos www. bibllomed.com.br/blbllomed/bmbookS/glnecoiO/Irvro8.
Arritmia Cirurgra abdominal-torácica Tríginelli AS, Silva Filho, AL. Manual de clínica Cirúrgica em ginec~
logia- pré, per e pós-operatório. Rro de Janerro: Medsi , 2004.
Doença vatvar Ouraçêo da cirurgia >3 horas Yuan H, Chung F, Wong O, Edward R. Current preoperative tesling
Fonre. adaptado de GyneooiOgoc Onc:ology. Sociodode Americana do Anostesiologia. praticas in ambulatory surgery are widely d1sparate: a survey oi
DPOC: doonça pulmOnar obslruliva crOnlca CAS menbers. Can J Anaesth 2005; 52:675·9 .
CAPÍTUL O

Cirurgia Ginecológica:
Aspectos Técnicos
Aline Evangelista Santiago
Eduardo Batista Cdndido
Agnaldo Lopes da Silva Filho

INTRODUÇÃO tagens de resistência à tração remanescentes de fios de sutura


A atuação em ginecologia e obstetrícia envolve o conheci- absorvlveis comuns. Os fios inabsorvlveis são definidos como
mento clinico e o desenvoh-imento de hab1hdades e técnicas, suturas que mantêm a maior pane da resistência à tração por
além do amadurectmento de atitudes pessoaLS, éucas e profis- mais de 60 dias no teodo corporal e são subdivididOS em
SIOnaiS. O desenvolvimento da cirurgta gmecológ1ca mudou três classes: a classe I é composta de seda ou fibras smtéucas;
a face da especiahdade, possibilitando o cuidado e a mter- a classe 11 conSISte em libras de algodão ou linho ou libras
venção em munos problemas que afetam a saúde da mulher. naturais ou smtéucas revestidas, e a classe 111 é constitulda de
O treinamento em técnicas cirúrgicas envolve o aprendizado fio metálico monofilamentar ou multililamentar.
de procedimentos e de seus tempos operatórios com conhe- Os fios de sutura absorvlveis têm maior resisU!ncia inicial
cimentos sobre eletrocirurgia, tipos de sutura, os diversos ti- à tração do que os inabsorvlveis de tamanho comparável. No
pos de nós, além do conhecimento do instrumental cirúrgico, entantO, os inabsorvlveis têm a vantagem de manter a resis-
como as várias opções de fios de sutura e os d iversos tipos de tê ncia à tração por longos perlodos de te mpo. As desvanta-
agulhas, entre outros. gens dos fios inabsorvlveis incluem o potencial de dor rela-
cionado com a sutura, suturas palpáveis e a posslvel formação
FIOS DE SUTURA de fístulas de suturas.
A seleção adequada do fio de sutura e a técmca Cirúrgica
apropnada são essenciais para a prevenção de de1scênc1as da DRENOS
ferida operatóna. Uma baixa resistêncta ã tração ou ráp1da ab- A drenagem da ca'•1dade abdominal é apropriada sempre
sorção do fio podem ocasionar a ruptura da fenda ames que que a produção de llqu1do estiver acima da capacidade de
esta obtenha força suf1cieme para resistir aos esforços. Além reabsorção do organismo ou quando o produto segregado
disso, o número de nós, aplicados com técnica adequada, é puder atrapalhar o processo de cura da lesão estabelecida,
outro fator importante para que não ocorra falha na linha de como após drenagem de abscessos pélvicos ou para evitar a
sutura. As caracterlsticas q ue devem ser consideradas na es- formação de hematomas em caso de sangra me mo persistente.
colha de um fio de smura são: abso rção, origem, configuração A d renagem costuma ser ind icada após cirurgias por absces-
(mono ou multifilamemar), força tênsil, segurança dos nós, sos be m localizados na pelve; quando há intenção d iagnóstica
reação tecidual, elasticidade, memória, crescimento bacteria- de extravasamento de secreções intestinais, sangue ou urina
no, adesividade de células tumorais, capilaridade, VLSibihdade no pós-operatório; em caso de necessidade de orientação de
em campo cirúrg1co e custo. Algumas dessas características fístulas, quando é elevado o risco de formação dessas lesões
estão smteuzadas no Quadro 59.1. (p. ex., pacientes oncológicas e desnutridas); e nos grandes
A Unlled States Pharmacopeia (USP), um compendio ofi- desnudamentos pentoneaLS (p. ex., exenterações pelv1cas e
ctal que define as várias classes de fio de sutura, os dasstfica peritonectomias para câncer de ovário).
em absorvlveLS e mabsorvlveis com base em sua taxa de ab- Os drenos podem ser classificados em duas categorias bási-
sorção pelos teodos do corpo. Os absorvlve1s perdem a maior cas: passivos e ali vos. Os primeiros funcionam principalmente
pane da resistência à tração antes de 60 dias e são subdividi- por transbordamento, às vezes sendo assistidos pela gravidade,
dos em naturais e sintéticos. A Figura 59.1 ilustra as porcen- e os últimos são conectados a algum tipo de aparel ho de aspí-
484
:\_
r
((

Capítulo 59 Cirurgia Ginecológica: Aspectos Técnicos 485

Quadro 59.1 Tipos de fios de sutura, características e indicações de uso

Tipo de fio Nome comercial Configuração e origem Absorção e força tênsll Recomendações de uso
Suturas absorvivels
naturais
Categute simples Catgut"' Multifilamentar. Filamentos Rapidamente degradado por Tecidos em que a resistência é
altamente purificados enzimas proteollticas liberadas necessária por curtos períodos
de colágeno obtidos da por leucócitos em razão da de tempo
submucosa de animais acentuada resposta inflamatória
no tecido. Perde mais de 70%
da sua resistência em 7 dias.
Completamente absorvido em
2semanas
Categute cromado Catgut cromado" Multifilamentar. Tratado com Provoca menor resposta Adequado para tecidos em que
sais de ácido crOmico que se inflamatória; logo. é mais não é necessária resistência
ligam aos locais antigênicos resistente à degradaçào. a longo prazo. como tecidos
no colágeno Mantém alguma resistência semsos, viscerais e vaginais
mensurável até o 21• dia.
Totalmente absorvido em
70dias
Suturas absorvivels
sintéticas
Ácido poliglicólico Dexon s• Multifilamentar Degradação por hidrólise: logo, Aceitável para fechamento
Dexon ns reação inflamatória mínima e aponeurótico em pacientes de
Policryls taxa constante de absorção. baixo risco para deiscência.
Absorvido em 60 a 90 dias. Tem podendo ser usado na maioria
boa resistência, mantendo 50% das situações em que o categute
de sua força tênsil no 250 dia cromado seria utilizado
Poligalactina 910 Vicryl., Multifilamentar ttançado Absorvido por processo de Aceitável para fechamento
hidrólise não enzimático, mais aponeurótico em pacientes de
regular e previsível. Totalmente baixo risco para deiscência.
absorvido do 700 ao 800 podendo ser usado na maioria
dia pós-implante. Mantém das situações em que o categute
aproximadamente 50% de sua cromado seria utilizado
força tênsil entre o 250 e o 3CP dia
Poligliconato Maxon~ Monofilamentar flexível Absorção mais lenta por Excelente para fechamento de
hidrólise, com absorção aponeuroses
completa entre o 1800 e o 210>
dia. Mantém 81% de sua força
tênsil com 14 dias, caindo para
59% na quarta semana
Polidioxanona PDs• Poliéster monofilamentar Absorção mais lenta por hidrólise, Excelente para fechamento de
sendo totalmente absorvido aponeuroses
entre o 1600 e o 180> dia.
Mantém 74% de sua resistência
após 2 semanas, caindo para
50% em 4 semanas
Poliglecaprona 25 Monocryl" Monofilamentar Absorção por hidrólise, sendo Não é recomendado para
completamente absorvido entte fechamento aponeurótico ou
o 90> e o 1200 dia. Mantém 50% em qualquer tecido em que seja
a 60% de sua força tênsil ao necessária aproximação sob
final da primeira semana, caindo esforço
para 30% ao final da segunda
Suturas lnabsorvivels
naturais
Seda Seda• Multifilamentar ttançado e Perde mais da metade de sua Inadequada em tecido
Silk point"' revestido, constituído de resistência à tração após contaminado ou em tecidos em
proteína animal 1 ano; pode, em alguns casos, que o potencial de infecção é
sofrer absorção completa em alto em virtude de sua natureza
período tardio multifilamentar e ação capilar
Algodàocom Polycot" Multifilamentar com fibras de A mais fraca das suturas Deve ser umedecido antes do uso
poliéster Con point• algodão (produzido a partir inabsorvíveis: perde 50% (algodão molhado é 1O% mais
de fibras vegetais) ttançadas de sua resistência à ttação forte). Raramente utilizado
a fibras de poliéster em 6 meses: pode ser
absorvido anos após sua
implantação

(Continua)
/.

'
'/
J 486 Seção I Ginecologia

Quadro 59.1 Tipos de fios de sutura, características e indicações de uso (continuação)

Tipo de fio Nome comercial Configuração e origem A bsorção e força tênsll Recomendações de uso
Suturas lnabsorvivels
sintéticas
Náilon 1 - Mononylon"', Pollme(Q poliamida Sofre hidrólise lenta e perde 15% O náilon monofilamentar é o fio
Ethinon• sintético derivado de a 20% da resistência à tração a mais empregado em suturas de
2- Nurolon• carvão. ar e água. Pode cada ano. lnabsorvlvel pele
3 - Surgilon• ser monofilamentar ( 1).
multililamentar (2) ou
multililamentar siliconizado (3)
Poliéster 1 - Mersilene"' 1 - poliéster - dácron Grande força tênsil. lnabsorvrvel Excelente para suturas de
2 - Tevdek 11° 2- poliéster multililamentar aponeuroses. tendões e vasos.
3- Ticron•. imp<egnado por tellon Indicado para oftalmologia,
Policron• 3- poliéster multililamentar cirurgia cardiovascular,
4 - Ethibond• siliconizado gastrointestinal e ligaduras
4- poliéster multililamentar
revestido com polibutileno
Polipropileno Prolene~ Sutura monofilarnenlar lnabsorvível Fio de escolha nas suluras
Propilene• composta de um polímero vasculares, sendo também
hidrocarboneto linear indicado para suturas sob
algum grau de tensão, como as
hernioplastias
Politetrafluoroetileno Gore-teX"' Monofilamentar sintético, a Boa resistência. lnabsorvfvel Por desencadear mínima
(ePTFE) partir de politetralluoroetileno reação inflamatória e não
expandido, sendo 50% de sofrer degradação enzimática,
seu volume constituído de ar pode ser utilizado em feridas
contaminadas e potencialmente
contaminadas, nào aumentando
o risco de infecção
Aço Acillex• Aço inoxidável A mais alta resistência à uação Raramente utilizado em cirurgia
de todo o material de sutura ginecológica na atualidade.
Usado em locais infectados ou
para reparo de deiscência de
ferida e evisceração

O Categute simples A escolha do poder de vácuo dependerá da delicadeza das es-


O Vicryt
"'

c 100 o Categute cromado
truturas presentes nos locais que serão d renados.
""-
U>
·;;;
ô. Maxon
o Oexon
A drenagem passiva estã indicada na presença de coleção lo-
calizada - hematoma, seroma ou abscesso - ou com o intuitO de
l!? 80 1:>. PDS
<I> orientar uma fístula. Deve-se tentar aliar a gravidade ao meca-
'O

-
<I>
c
!9
60 nismo de drenagem - o local do dreno deve ser o mais posterior
possível. Além disso, o trajeto do dreno do local a ser drenado
U>
l!? 40 até a pele deve ser curto e/ou retilíneo. já a drenagem ativa, por
E sua característica de manter pressão negativa no local drenado,
<I>
20
-!!l"'
Cl

c
o
deve ser empregada quando há grandes descolamentoslretalhos
cutâneos, no espaço subfrênico, em procedimentos com a utili-
~

~ Osemana t• semana 2' semana 31 seroana 41 semana 5i semana 61 semana zação de próteses e na pelve, em virtude da impossibilidade de
Figura 59.1 Percentual de resistência à tração de suturas abscrvíveis se contar com a força da gravidade para auxiliar a drenagem pas-
em períodos de tempo pós-operatórios. (Adaptada de Rock JA, Jones siva. As especificações de cada d reno e suas indicações podem
HW, Te linde RW. Te Linde's operalive gynecology. 1O. ed. Philadel- ser encontradas no Quadro 59.2.
phia: Wolters Kluwer/Lippincott Williams & Wilkins, 2008: 1449.) O uso de drenos profiláticos no espaço subcutâneo ou
subaponeurótico é controverso. Em casos de descolamento
ração. Ambos contam basicamente com três mecanismos de extenso do subcutâneo (p. ex., tratamento de hérnias incisio-
ação: por escoamento (se utilizam da força gravitacional para o nais, colocação de tela sintética, mastecwmias subcutâneas
esvaziamento do local), por capilaridade (devem ser maleáveis sem reconstrução imediata da mama) e em pacientes subme-
e de formato laminar, além de conter grande área de superfície) tidas a procedimento limpo-contaminado sem antibióticos
ou por sucção (se utilizam de sistemas que produzem pressão profiláticos, a d renagem por aspiração fechada da fe rida pode
negativa). Atualmente existem sistemas fechados sanfonados ser benéfica. Para evitar a formação de coágulos e a obstrução
que promovem a drenagem por sucção sem a utilização de subsequente com infecção e deiscência da sutura, o dreno é
bombas de vácuo ou peras de borracha. São d ivididos em d re- colocado preferencialmente exteriorizado por contraincisão -
nos de alto vácuo (720mmHg) e de baixo vácuo (llSmmHg). e não pela ferida operató ria - e sob aspiração precocemente,
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r
((

Capítulo 59 Cirurgia Ginecológica: Aspectos Técnicos 487

Quadro 59.2 Tipo de drenas. caract&isticas e indicações de uso

Drenos Especificações Indicações


Drenagem passiva
Penrose Tubo chato de borracha de látex macia e flexrvel com Utilizado para drenar material purulento, sangue ou
diâmetro entre 1 e 3cm serosidade de uma cavidade corporal
Tubular e tubular Drenas de tórax. equipas de soro, sondas de Foley Utilizados para drenar material purulento, sangue ou
·encamisado" isoladamente ou dentro de drenas de Penrose (tubular serosidade de uma cavidade corporal
encamisado- para evitar traumatismo do dreno com os
órgãos abdominais)
Dreno em selo d'água Geralmente de polivinil clorido de estrutura rígida. de Para drenagem da cavidade torácica e do espaço
(fechada) vários calibles, que torna a drenagem uni direcional, subfrênico
impedindo o retorno do conteúdo drenado
Drenagem ativa

Sumpdrain Dreno aberto, que na verdade é um dreno dentro do outro, Utilizado especialmente em fístulas digestivas de alto
com comunicação com o meio externo, com o dreno débito
interno conectado a um sistema de aspiração contínua
Dreno porto-VAC Drenas multilenestrados de estrutura não colabável, feitos Muito úteis sob grandes retalhos cutaneos, como em
geralmente de polivinil clorido com uma "sanfona• que cirurgias de mama. dermolipectomias e hérnias
mantém alta pressão negativa incisionais. Deve ser evitado contato direto com alças
intestinais em virtude do risco de lístulas digestivas
pela alta pressão negativa
Dreno de Jackson-Pratt A porção localizada no int&ior do organismo é chata como Sistema ideal de drenagem por aliar a capilaridade dos
um dreno de Penrose. porém feita de silicone. sendo drenas laminares à pressão negativa dos drenas de
multifenestrada com um mecanismo que impede o sucção
colabamento total, apresentando uma zona de transição
para tubular que se oonecta a um "bulbo" (ou pera) que
mantém um ambiente de baixa pressão negativa
Dreno de Blake Aperfeiçoamento do dreno de Jackson-Prau com perlil que Dreno que oferece maior segurança para utilização E!(O
possibilita drenagem adequada em toda a sua extensão várias situações
intracorpórea. Apresenta as formas achatada e cilíndrica,
ambas com quatro lenestras longitudinais em toda a sua
extensão intracorpórea

em geral durante o fechamento da incisão. Os d renos no es- ao fio para melhorar as características de manipulação tam-
paço subaponeurótico ou subcutâneo devem ser removidos bém diminui a firmeza do nó, exigindo laçadas adicionais.
quando a drenagem for <50ml em 24 horas, geralmente em A firmeza do nó é importante quando é feita uma linha de
tOrno do segundo ou terceiro d ia de pós-operatório. sutura contínua. Constitui prática comum de muitOS cirur-
giões formar o nó terminal amarrando o fio isolado te rminal
NÓS CIRÚRGICOS à última alça de sutura, o chamado nó "da alça ao fio", po-
O conhecimento do nó cirúrgico é essencial para todos os tencialmente fraco. Se múltiplos nós quadrados não forem
cirurgiões. A simples colocação do nó reduz a resistência à usados, o fio isolado poderá deslizar quando colocado sob
tração da sutura em cerca de 30%. Se amarrado inadequada- tensão, ocasionando a ruptura da linha de sutura. Um mé-
mente, falhará ames que a resistência à tração da sutura seja tOdo mais seguro para amarrar sutura contínua consiste em
alcançada. Podem ser classificados em planos (quadrado, de correr dois fios até o pomo médio da incisão e amarrar um fio
cirurgião e da "vovó") e deslizames (idênticos e não idênti- ao outro, evitando o nó "de alça com fio".
cos), como ilustrado na Figura 59.2. Nós planos com apenas
duas laçadas também tendem a deslizar, em vez de se romper.
Nós deslizames de duas ou três laçadas deslizam frequente-
mente e não devem ser usados como nós cirúrgicos. O nó
quadrado plano é o mais seguro de wdos e por isso o mais
desejável para amarrar a sutura.
O número de laçadas necessárias para dar ftrmeza ao nó
depende do tipo de fio e se é realizado um nó plano ou des-
lizame. Estudos sugerem que um número de quatro a se is
laçadas é adequado para a maioria das suturas. Sabe-se que
pouquíssimas laçadas tOrnam o nó mais frouxo e laçadas aci- Nó deslizante Nó quadrado Nó de cirurgião
não idêntico
ma do necessário acrescentam sutura desnecessária à ferida e
podem aumentar a taxa de infecção. A adição de revestimento Figura 59.2 Nós p lanos e deslizante.
/.

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J 488 Seção I Ginecologia

AGULHAS CIRÚRGICAS de ponta arredondada no extremo de uma haste afilada, dese-


A agulha necessária para um procedimento cirúrgico de- nhada para uso em tecido friável.
pende do tipo de tecido e sua localização e acessibilidade, As agulhas cortantes são usadas em tecido resistente, como
além da prefe rência do cirurgião. Todas as agulhas cirúrgi- a pele. Podem ser cortantes inversas ou convencionais. As in-
cas são compostaS por três panes: o olho, o corpo e a ponta versas têm o lado cortante posicionado no lado externo da
(Figura 59.3) O olho, o ponto de ftxação do fio, pode se r curvatura da agulha, enquanto nas convencionais a borda
fechado, francês ou realizado com Sertix"' ou swaged. O olho afiada se encontra no lado interno da curvatura. As últimas
fechado se assemelha ao das agulhas de costura doméstica, apresentam como inconveniente a possibilidade de a lesão
enquanto as agulhas com olho francês têm uma fenda com causada por sua passagem no tecido progredir em d ireção à
cristas internas, que prendem e retêm o fio. Nas agulhas Ser- incisão, cortando a borda da ferida e desfazendo a sutura,
tix"' ou swaged o fio é ftxo à extremidade da agulha para for- principalmente quando aplicada em tecidos inOamados ou
mar uma unidade contínua. sob tensão. Já as com cone reverso não causam trauma da
A forma longitudinal do corpo ou haste da agulha pode borda voltada para a incisão. Duas variações da ponta cor-
ser reta, meio-<:urva, curva ou composta. As agulhas retas, tante são as pontaS em espátula e em lanceta, aplicadas em
raramente utilizadas por ginecologistas, são usadas quando oftalmologia (Figura 594 ).
o tecido é facilmente acessível. As meio-curvas ou em esqui
podem ser usadas para fechar a pele ou para facilitar a sutura INCISÕES ABDOMINAIS
laparoscópica. Como exigem menos espaço de manobra, as Em geral, as incisões abdominais usadas para a maioria dos
agulhas curvas são adequadas para a maioria dos procedimen- procedimentos ginecológicos podem ser divididas em trans-
tos cirúrgicos. Comumente denominadas com base na porcen- versas e verticais. As transversas seguem as linhas cutâneas
tagem de um circulo que elas completam (uma agulha de meio de Langer e por isso são atraentes para cirurgia pélvica, já que
círculo tem a metade de um círculo inteiro), se encontram d is- produzem melhores efeitos estéticos. As transversas baixas são
poníveis em várias curvaturas, sendo a de %de círculo a mais até 30 vezes mais fortes do que as medianas, são menos dolo-
comumente utilizada. Quanto menos de um círculo a agulha rosas e interferem menos na respiração pós-ope ratória. Entre-
completar, mais superficial a prega que ela apanhará. As agu- tanto, são mais demoradas e mais hemorrágicas. Além disso ,
lhas compostas foram desenvolvidas para cirurgia oftalmoló- ocasionalmente, nervos são d ivididos e a d ivisão de múltiplas
gica e não são usadas em ginecologia. camadas de fáscia e músculo pode resultar na formação de
A ponta da agulha se inicia na parte mais larga do corpo e espaços potenciais com subsequente formação de hematoma
se estende até o extremo da ponta. Os dois tipos de ponta de ou seroma. Outra desvantagem da incisão transversa baixa
agulha são a cortante (agulhas traumáticas) e a afilada ou ci- é o comprometimento da capacidade de exploração adequa-
líndrica (agulhas atraumálicas). As cilíndricas são usadas em da da cavidade abdominal. Várias incisões transversas foram
tecido facilmente penetrável, como intestino ou perilõnio. A desenvolvidas, como as de Kustne r, Pfannenstiel, Maylard e
romba é uma variação da ponta afilada com uma extremidade Cherney.
Com a incisão de Pfannenstiel - uma incisão transversa li-
'I, da circulo 3/o da circulo 'I, da circulo •1, da circulo geiramente curva com a concavidade para cima - o resultado
estético é excelente, porém a exposição é limitada, não sendo,
por isso , indicada para pacientes com malignidade ginecoló-
gica conhecida ou situações em que é necessária exposição
pélvica, como em endometriose grave, leiomiomas grandes
com deformação do segmento infe rior do útero ou em caso
de reabordagem cirúrgica em virtude de hemorragia. Se a
Comprimento do eixo da agulha incisão de Pfannenstiel for prolongada lateralmente além da
margem dos músculos retos abdominais e invadir a substân-
Ponta da
agulha Raio da _L cia dos músculos oblíquos externo e interno, pode ocorrer a
agulha!\:"" Buril - -f formação de neuroma em razão da possível lesão dos nervos
Diâmetro ílio-hipogástrico ou ilioinguinal.
da agulha /17-/.. Na incisão de Kustner, incorretamente chamada de Pfan-
nenstiel modificada, uma incisão curva começa abaixo do
nível das espinhas ilíacas anterossuperiores e se estende ime-
diatamente abaixo da linha dos pelos pubianos. Mais demo-
rada do que a de Pfannenstiel, oferece pouca ou nenhuma
vantagem e sua extensibilidade é limitada.
Comprimento da agulha As incisões de Cherney e de Maylard d iferem pelo local de
Figura 59.3 Características das agulhas cirúrgicas curvas. (Adap- transecção dos músculos retos abdominais. Em ambas, a pele
tada de Hoffman BL, Witliams JW. Williams gynecology. 2. ed. New e a fáscia são d ivididas transversalmente como em uma incisão
York: McGraw-Hill Medicai, 2012: 1401.) de Pfannenstiel, mas na de Cherney os músculos retos abdo-
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Capítulo 59 Cirurgia Ginecológica: Aspectos Técnicos 489

Corpo Corpo Corpo

o
Ponta

Ponta
Ponta -
Cilíndrica Cortante com corte reverso Ponta cortante e corpo cilíndrico

Corpo Corpo

o
Corpo

Ponta Ponta
Ponta

Cortante com ponta de precisão Ponta romba e corpo cilíndrico Microponta em espátula

Figura 59.4 Características das agulhas cirúrgicas disponíveis.

minais são liberados em sua inserção tendinosa na sinfise pú- linha média. Além disso, proporcionam excelente exposição
bica e então afastados cefalicamente para melhorar a exposição e baixas taxas de lesão neurovascular, sendo, portanto, me-
(Figura 59.5). Esta proporciona excelente acesso ao espaço de nos hemorrágicas. Em razão da vascularização reduzida na
Retzius para procedimentos em casos de incontinência uriná- linha média, alguns autores recomendam essa incisão para
ria e fornece excelente exposição da parede lateral pêlvica em pacientes com coagulopatias e para pacientes que recusam
pacientes que necessitam de ligadura da artéria hipogástrica. As hemotransfusão ou em uso de anticoagulantes sistêmicos.
incisões de Pfannenstiel podem ser transfomadas em Cherney EntretantO, as deiscências e hérnias são mais frequentes, par-
quando há a necessidade inesperada de maior espaço operatório. ticularmente na área inferior à linha arqueada. Isso se deve à
A incisão de Maylard consiste em uma incisão transversa maior tensão na incisão quando os músculos abdominais são
em que o músculo reto abdominal tem seu ventre seccionado contraídos. A evisceração ocorre com a frequência de 0,3% a
(Figura 59.6). Por promove r excelente exposição pélvica, é O, 7% em pacientes ginecológicas e está associada à mortali-
utilizada por muitos cirurgiões em casos de cirurgia pélvica dade de 10% a 35%.
radical, incluindo h isterectomia radical com dissecção linfo-
nodal pélvica e exenteração pélvica, e em pacientes jovens Vasos epigástricos
com massas anexiais duvidosas quanto à malignidade. Os inferiores prc>IUrldC>S
vasos epigástricos inferiores são ligados antes da incisão dos
músculos retos abdominais para evitar laceração ou retração
dos vasos e formação de hematomas. Em pacientes ginecoló-
gicas com comprometimento da circulação em membros in-
feriores, a incisão de Maylard não deve ser utilizada, uma vez
que o fluxo sanguíneo a partir da artéria espigástrica inferior
pode fornecer a única circulação colateral para as extremi-
dades inferiores. Também deve ser evitada em situações em
que os vasos epigástricos superiores tenham sido ligados em
virtude do risco de suprimento sanguíneo inadequado para
os músculos retos abdominais.
,.- .I-----
' II
Quanto às incisões verticais, podem ser med ianas ( rea- /
....
\ \
lizadas na linha média) ou paramedianas. As medianas po - / \
'
dem ser facilmente prolongadas e ofe recem entrada ráp ida
na cavidade abdominal em razão da anatomia simples da
/
Figura 59.5 Incisão de Cherney.
'
/.

'
'/
J 490 Seção I Ginecologia

Fluxo corrente
Vasos
Gerador
epigástricos
profundos
\.--
,_n
~·\,!..";..·~
- ...
.:· Eletrodo Bovie

Aterramento

A Eletrodo de retorno

Gerador

Figura 59.6 Incisão de Maylard.

A incisão paramediana, assim como a mediana, tem ex- Pinça


celentes extensibilidade e exposição, particularmente no -
Aterramento
bipolar
lado onde a incisão é realizada. Alguns estudos sugerem que
a incidência de hérnias incisionais é menor do que nas in-
cisões medianas, po rém apresentam problemas potenciais,
como maiores taxas de infecção , sangramento intracirú rgico
aume ntado, maior tempo cirú rgico e possibilidade de lesão
nervosa com atrofia do músculo reto abdominal.

ElETROCIRURGIA B
A eletrocirurgia é ferramenta muito utilizada para o cone
Figura 59.7A Circuito eletrocirúrgico monopolar. B Circuito bipolar.
de tecidos e coagulação de vasos, direcionando o fluxo da
corrente elétrica para os próprios tecidos e produzindo aque-
cimento tecidual e destruição localizada. Com o eletrocauté-
Eletrocirurgia monopolar
rio, a corrente elétrica passa por um objeto de metal, como
Na eletrocirurgia monopolar, o eletrodo de retorno é a pla-
uma alça de arame com resistência interna, provocando aque-
ca de aterramento. A corrente flui do gerador (fome de vol-
cimento da alça, que então pode ser usada cirurgicamente.
tagem), passando pela ponta eletrocirúrgica para o paciente
O circuito eletrocirúrgico contém quatro panes principais: ge-
rador, eletrodo ativo, eletrodo do paciente e eletrodo de retorno (fome de impedância), e então para a placa de aterramento ,
onde é dispersada. A corrente deixa a placa para reto rnar ao
(Figura 59.7). Por segurança, os geradores cirúrgicos modernos
gerador, completando o circuitO.
ope ram com frequência >200Hz.
Para o entendimento de eletrocirurgia é necessãrio o co- Os diferentes efeitOS cirúrgicos são criados alterando-se a
maneira pela qual a corrente é produzida e liberada. A alte-
nhecimento de alguns conceitos:
ração do padrão da onda de co rrente pode afetar as tempe-
• Corrente elétrica: fluxo de elétrons por um circuitO. raturas nos tecidos. Por exemplo, a forrrta de onda sinusal
• Voltagem: força que d irige o fluxo que passa pelo circuitO. contínua de alta frequência produzida com co rrente de con e
• Impedância: combinação de resistãncia, indutância e ca- promove temperaturas teciduais mais altas do que as obtidas
pacitãncia que a co rrente alternada encontra ao longo do com a corrente de coagulação (Figu ra 59.8). Além disso, a ex-
trajeto. Converte a corrente elétrica em energia té rmica, o tensão em que a co rrente é disseminada sobre uma área, tam-
que faz as temperaturas teciduais aumentarem, criando os bém chamada densidade de corrente, alte ra a taxa de geração
efeitos da eletrocirurgia nos tecidos. de calor. Assim, se a co rrente é concentrada em uma pequena
r
((

Capitulo 59 Cirurgia Ginecológica: Aspectos Técnicos 491

Mista Coagulação
- - -,.,
Corte

~ ~ ~
- Alta conoentraçlo
(densidade)
de corrente

-------- ----
Placa de aterramento deslocada --- ----------
L
------- --- ----- -- --------
Tamantlo
do eletrodo

BaiXa Alta
voltagem voltagem ------ -- -- ----- --- - ------
Baixa \ ntraçAo
(den~de)
( de COíf8nle

Placa do atorramonto

Figura 59.9 Concentraç!lo da corrente e seus efeitos. Quanto maior


a densidade e menor a área dos eletrodos, maiores a energia térmi-
CORTE MISTA 1 MISTA 2 MISTA 3 COAGULAÇÃO c a e o risco de lesao tecidual.
Duração da oooente:
1OO'!o.ligada 50'<. igada ~ igada 25" lgoda s<.lgoda
50'<. desligada 60"r. desligada 75" duiigada 94"- deolgada
dispositivos, além de possh·eis queimaduras elétricas no mto-
Figura 59.8 Tipos de correntes e seus efertos nos tecodos. cárdio, em decorrêncta da condução da corrente através do ele-
Lrodo desses dtspostuvos e não aLra,·és da placa de atemmento.
área, como um eletrodo de ponta de agulha, são geradas tem- Assim, medidas preventh'3S, como consulta cardtológtca pré e
peraLUras teciduais mais altas do que as que senam liberadas pós-operatória, momtoramento cardíaco conúnuo e plano de
por uma área maior, como uma lâmina eleLrocirúrgica. contingêncta para arri tm ias, são recomendadas nesses casos.
Outro determinante dos efeitos produzidos no tecido é a Deve-se optar por energia bipolar ou ultrassõnica, mas, caso
voltagem. À medida que a voltagem aume nta, o grau de lesão seja usada a monopolar, os eletrodos ativo e de retorno devem
tecidual té rm ica aumenta de modo similar e, li nalmeme, as ser colocados próximos um do outro.
qualidades e a impedância d os tecidos afetam a transferência
de energia e a dissipação d o calor. Por exemplo, a água tem Corrente de corte
baixa impedância elétrica e libera pouco calor, enquanto a Com o cone eletrocirúrgico é produzida uma onda smusal
pele, com sua maior impedância, gera temperaturas significa- conúnua. Formam-se faiscas entre o tecido e o eletrodo com pro-
Ü\'3mente mais altas. dução de calor mtensa, e\'aporação da água celular e explosão
O aterramento da paciente é realtzado atravês de uma placa das células na área adjacente. Os tecidos são cortados de modo
de atemmento com grande área, alta conduuvidade e baixa limpo e com a produção minima de coágulos. Asstm, poucos
resisttncta (Ftgura 59.9). A dissipação da corrente ao longo vasos são ocluldos e a necessidade de hemostasia é mini ma.
dessa grande área possib ilita que ela deixe o corpo sem gerar
temperaturas teciduais signíficativas no local de salda. Se a Corrente de coagulação
placa de aterramento estiver parcial mente desalojada, podem Com a corrente de coagulação a forma de onda prod uzida
ocorre r queimaduras na paciente. Isso se deve à redução da não é constante. Menos calor é produzido em comparação à
área de superfície com consequente concentração da co rrente de corte, porém a temperatura produzida é alta o suficiente
de salda e aumento da temperatura tecidual no local de salda. para desnatu rar proteínas e destruir a arquitetura normal da
Assim, a placa de aterramento deve estar firmemente aderida célula. Os coágulos produzidos selam os vasos sanguíneos
a uma superflcie corporal relath'llmeme plana, próxima ao menores, controlando o sangramemo local.
campo operatório. joias, objetos metáhcos ou qualquer outra
superflcte com alta condutividade e batxa reststtncia podem Corrente mista
sef\~r de eletrodo de retomo, podendo também causar quei- Efettos eletroctrúrgtcos com caracterfsticas de corte e de
maduras na paciente em vinude da concentração de corrente coagulação são produztdos por meio de variações no per-
nesses pequenos locais de contato. centual de tempo em que a corrente fluí. O tecido \'3SCular
Em pacientes com marca-passo ou cardtOversor/deslibri- mais delicado é o mais adequado para uma combinação com
lador implantável, uma corrente eletrocirúrgica pode ser in- tempo de corrente menos ativo, enquanto tecidos a vasculares
terpretada como sinal cardíaco e promove r alterações nesses mais densos exigem maior porcentagem de corrente ativa.
/.
"
I )

j 492 Seção I Ginecologia

Quadro 59.3 catacterlsticas da energia monopolar e bopolar • Os efeitos nos tectdos \'anam de acordo com o upo de cor-
Energia monopolar Energia blpolar rente. Com a corrente de coagulação pura, a lesão térmica
lateral é mator do que com as correntes de cone pura ou a
A placa de aterramento é o eletrodo de retorno não eSlá
colocada JUnto ao corpo da ligado à terra. locando próximo mista (Figura 59.8).
pacoente e a terra atua como ao eletrodo atovo
eletrodo de retorno l eitura complementar
Menor potência maxima Tem potência máxima superior Advincula AP, Wang K . The evolutionary stale of eleclrosurgery:
e é mais segura em algumas where are we now? Curr Opin Obstei Gynecol 2008; 20(4):353-8.
situaçOes Baggish MS, Karram MM . Atlas of pelvic anatomy and gynecologic
Tem poder de corte. coagulação Tem apenas capacodade de surgery. 3. ed. St. Louis, Mo. : Elsevier/Saunders, 2011 : 1408.
e lulguraçêo coagulaçao Benson JT. Atlas of female pelvic medicina and reconslrucllve sur·
--
gery. 2. ed. Pholadelphia, PA: Springer. 2009:271.
Ma.or rosca de queimaduras Não usa placa de aterramento Cuncliff GW. Te Uncle ~. Te Linde's atlas of gynecologoc surgery.
na paciente por risco de Philadelphoa. PA. WoltefS Kluwer Health/llpponcott Wilhams &
contato onadequado entre
WiDons; 2014.362.
a placa de aterramento e a
OiZerega GS. Pelvoc surgery: adhesion formation and preventoon.
pacoente
New York: Springer, 1997.269.
Orutz HP, Herschorn S, Oiamant NE. Female pelvic medicina and
reconstructove pelvíc surgery. London-New York: Springer,
Eletrocirurgia bipolar 2003:535.
Fonseca FP. Cirurgia ambulatorial. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Na eletroci ru rgia bipolar, a ponta do eletrodo contém o Koogan 1987:536.
eletrodo ativo e o de retorno (Figura 59.7). não sendo neces- Goffi FBS. Técnica cirúrgica: bases anatômicas, fisiopatológicas, e
sária a placa de aterramento nesse tipo de energia. O tecido técnicas da cirurgia. 3. ed. Rio de Janeiro: Alheneu, 1990.
Hoffman BL, Williams JW. Wilhams gynecology. 2. ed. New York: Me·
deve licar localizado entre os eletrodos, pois é entre eles que
Graw-Hill Medocal, 2012.140 1.
se concentra a corrente de coagulação. Se isso não ocorrer, lsaacs JH, Byrne MP. Pelvic surgery : a multidisciplonary approach.
os eletrodos ficarão em contato e criarão um curto-circuito, Mount Kosco. N.Y.. Futura Pub. Co., 1987:229.
não ocorrendo a coagulação. Esse tipo de energia não tem ca- Mattingly RF. Hosloncal development of pelvic surgery. Phíladelphla
pactdade de cone, pois usa somente corrente de coagulação, Upponcott. 1977:3-12.
Petroianu A. Corurgoa genâtrica. Roo de Janeiro: Medso, 1998:780.
sendo mutto úttl para a coagulação de \'3505. Pohl FPA. Tubos. sondas e drenos. Rio de Janeiro, 2000.
Rock JA, Jones HW. Te Unde FN-1. Te Linde's operativa gynecology.
Energia ultrassônica 10. ed . Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott Williams & Wilkins,
A energia utrassõnica consiste em ondas sonoras acima 2008: 1449.
Sabislon OC. Townsend CM. Sabiston textbook of surgery: lhe bio-
da variação audlvel. Como são ondas sonoras com l)Otencias logical basis of modern surgical practic e. 18. ed. Philadelphia,
maior·es, tem a capacidade de transferir energia mecânica aos PA: Saunders/Eisevier, 2008:2353.
tecidos impactados, produzindo corte, coagulação ou cavita- Sugarbaker PH. Pelvic surgery and treatment for cancer. St. Louis:
ção nos tecidos. Esse tipo de energia é utilizada em cirurgia Mosby, 1994:331.
Taheri A, Mansoori P, Sandoval LF, Feldman SR, Pearce O, Williford
videolaparoscópica.
PM. Eleclrosurgery: part 11. Technology, applications, and safety
of electrosurgocal devices. J Am Acad Dermatol2014. 70(4):607.
MENSAGENS-CHAVE e 1- 12, quiz 19-20.
Taheri A, Mansoon P. Sandoval LF, Feldman SR. Pearce O, Willoford
• A eletroctrurgta resulta na distorção htstológtca das mar- PM. Electrosurgery pan I. Basocs anel principies. J Am Acad Der·
gens ctrúrgtcas. Assim, é recomendado o uso de biSturi malol2014. 70(4):591 .81·14, quoz 605-6.
para amostras em que seja necessário estudo anatomopa- Taheri A, Mansooro P. Sandoval LF, Feldman SR, Wilhford PM, Pearce
tológico. O. Entrance and propagalion paltern of high-frequency electri·
cal currents in biologlcal tissues as applied to fractoonal skon re-
• Para hemostasia de uma superfície sangrante, a coagulação
juvenation using penetraling eleclrodes. Skin Res Technol 20 14;
é o modo preferido. A fulguração (corre nte mista) geral- 20(3):270.3.
mente é menos eliciente, pois causa a fragmentação da ca- Webb MJ, Mayo Clinic. Mayo Clinic manual of pelvic surgery. 2. ed.
mada coagulada. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2000:210.
CAPÍTULO (

Histeroscopia
Sergimar Padovezi Miranda

INTRODUÇÃO motivos para a suspensão da histe roscopia utilizando-se a ca-


Elaborado há mais de um século, o histeroscópio foi cria- misa de Beuocchi.
do com o objetivo de avaliação das causas de sangramemos Em 20 14, o Colégio Francês de Ginecologistas e Obstetras
uterinos. publicou as seguintes orientações com base em evidencias: na
Ao longo dos anos foi grande o avanço nos eleme mos ne- histeroscopia diagnóstica, a camisa deve rã ter <3,5mm; a solu-
cessários à realização de uma boa avaliação da cavidade en- ção salina é o meio de d istensão; não há necessidade de anes-
dometrial e do canal ce rvical, bem como de procedimentos tesia, preparo do colo, desinfecção vaginal ou de uso de anti-
cirúrgicos menos invasivos. bióticos. O uso de misoproswl, estrogênio vaginal ou agonista
O desenvolvimento da histeroscopia atual se deve funda- do GnRH não está indicado como rotina ames da histeroscopia
mentalmente ao aperfeiçoamento dos sistemas ópticos, à uti- ci rúrgica, sendo importante a retirada do ar do sistema em vir-
lização de fibra óptica e de novas fomes de iluminação e ao tude do risco de embolia pulmonar. A distensão da cavidade
domínio dos sistemas de distensão uterina. deverá se r mantida <l20mmHg. O balanço máximo negativo
Em 1976, Lidemann introduziu o histeroinsuflador de pres- de líquido deverá se r de 2.000ml , quando se usa solução
são de C02 controlada. Em 1980, Hamou desenhou o micro fisiológica, e l.OOOml , com o uso de soluções hipotõnicas.
-histeroinsuflador, o que melhorou a d istensão da cavidade, Se du rante a histeroscopia com co rrente monopolar ou bipo-
possibilitando a insuflação de co2 controlada eletronicamente, lar ocorrer a perfuração do útero, o procedimento deverá ser
bem como redesenhou o histeroscópio de contaLO, reduzindo interrompido e a laparoscopia realizada para afastar a possibi-
seu diâmetro de 7 para 4mm e promovendo a visão panorâ- lidade de lesão em alça intestinal. A histe roscopia d iagnóstica
mica e a celular de contato. A redução do d iâmetro da óptica ou cirúrgica é ap rovada em caso de suspeita de câncer de en-
tOrnou possível a realização da histeroscopia em nível ambula- dométrio
tOrial e praticamente eliminou a necessidade de anestesia.
Após as publicações de Bettocchi, mostrando uma nova INDICAÇÕES
proposta de camisa ci rúrgica, vários procedimentos ames O sangramemo uterino anormal, os p roblemas relaciona-
realizados exclusivamente em ambiente hospitalar passaram dos com a infenilidade e a pe rda gestacional de repetição são
a ser executados ambulatorialmeme. No pe ríodo de 1996 as principais indicações para a histeroscopia diagnóstica. As
a 2014 foram realizados 31.052 procedimentos utilizando outras são: (a) indicações diagnósticas: metrorragias, alterações
h isteroscópios rígidos de 4 ou 5mm. Em 93,9% dos casos o do ciclo menstrual, in fertilidade (fato r uterino ou cervical), lo-
proced imento foi realizado como o planejado, enquanto em calização de corpos estranhos, diagnóstico e seguimento das
4,3% o procedimento foi incompleto (ultrapassou o orifício hiperplasias, d iagnóstico do carcinoma de endométrio, diag-
interno e não foi possível realizar o procedimento) e em 1,9% nóstico e seguimento da neoplasia trofoblástica gestacional,
dos casos não foi possível ultrapassar o o rifício interno. A localização de restos placentários ou abortivos, indicação e
última situação foi mais frequente em mulheres menopau- controle de cirurgias uterinas (miomectomias, metroplastias,
sadas do que nas in férteis (70,1% a 29,9%). Em 44,3% dos endometrecwmias), e d iagnóstico diferencial de patologias
casos a estenose foi combinada (orifícios externo e interno). imracavitárias suspeitadas por outras técnicas diagnósticas;
Beuocchi concluiu que a estenose e a dor foram os principais (b) ind icações terapêuticas e/ou ci rúrgicas: polipectomias,

493
/.
'
'/
J 494 Seção I Ginecologia

miomectomias, ablação endometrial, metroplastia, biópsias lheres necessitam de anestesia, espectalmente as nuligestas,
dirigidas, ressecção de adertnctas intrauterinas, extração de inréneis ou na pós-menopausa.
dispositivos intrauterinos (DIU) e outros corpos estranhos, Ao se optar pela anestesia local, \'ários esquemas têm sido
histeroembnoscopia e contracepção. relatados na literatura, como bloqueto paracervtcal nas posi-
ções de 4 e 8 horas (são mjetados 2 a 3ml de hdoca!na por
CONTRAINDICAÇÕES sítio) e lídocalna spray (essa técmca pode reduztr o desconror-
Uma das princtpaiS vantagens dessa técmca é o rato de to quando da passagem do htsteroscópto pelo canal cervical,
carecer de auttnucas comramdtcaçôes, mas algumas são bem como a necessidade de anestesta local).
apontadas, podendo ser dtvtdtdas em absolutas e relativas.
A comramdicação absoluta é a presença de mrecção pélvica MEIO DE DISTENSÃO
aguda. As relauvas se rererem à perruração uterina recente e A visualização adequada da cavtdade endometnal exige
à gravidez. uma efetiva distensão uterina. Na htSteroscopta diagnOstica, a
solução salina é o meio de distensão de escolha, enquanto nas
COMPLICAÇÕES cirúrgicas a utilização da solução de sorbitol a 2,7% e manitol
a 0,54% ou glícina a l ,5% assegura boa visibilidade e baixo
As complicações da histeroscopia estão relacionadas com
risco de complicações. Com o uso do ressectoscópio bipolar,
o risco da anestesia local ou geral, os meios de distensão, o
o NaCI a 0,9% passará a ser a opção escolhida.
trauma istmocervical e a inrecção e podem ocorrer em cerca
de 4% dos proced imentos. Entre as complicações podem se r
citadas: perruração uterina, hemorragia e absorção do liquido INSTRUMENTAL
utilizado na distensão uterina. Entre os procedimemos com Histeroscopia diagnóstica
maior potencial de complicação está a ressecção de aderência, Na histeroscopia diagnOstica são usados h isteroscópios rí-
seguida das cirurgias de metroplastia, miomectomia, endo- gidos ou flexlveis com diâmetro S4mm. Na maioria das vezes
metrectomia e a polipectomia. não é necessãria a dilatação cervical para introdução do apa-
relho através do canal cervical e da cavidade uterina. Nesses
Anestesia equipamentos existe um canal para a passagem do meio de
Os riscos relatados são os inerentes ao procedimento anes- distensão, o qual vai criando um espaço à rrente, permitindo
tesiológico e semelhantes aos que ocorrem em qualquer ato a passagem do histeroscópio com o menor trauma possível.
cirúrgico. Em relação aos metos de distensão liquides, o risco A pressão intrautenna não deve exceder a 120mmHg. Após a
maior é de absorção mtravascular, uma vez que os volumes passagem do ori[lcio mtemo, a cavtdade utenna é distendida,
>l.OOOmL são mdtcação de mterrupção do procedimento. Já o que possibilita sua vtsuahzação e a tnspeção SIStemática.
em relação ao C02 como meto de diStensão, normalmente A histeroscopia, especialmente quando combmada com a
nos casos dtagnósucos, desde que se trabalhe com pressão biópsia endometrial, apresenta senstbthdade e espect11ctdade
<lOOmmHg, o nsco de complicações é pequeno. Quando superiores às de Olllros procedtmentos dtagnósucos (como a
acima desses parâmetros, pode ocorrer a abertura dos óstios curetagem uterina e a htsterossonografia) na identificação de
tubários e, às vezes, a pactente pode relatar dor rrênica por doenças endometriais berugnas e malignas.
irritação diarragmáuca. O melhor periodo para realização da htsteroscopia diag-
nOstica é durante o inicio da rase prohrerauva endometrial,
Infecção
imediatamente após terminada a menstruação. Nessa rase, o
Toda e qualquer manipulação do canal cervical e da cavi- endométrio é fino, e pequenas lesões podem ser visualizadas
dade Ulerina pode implicar baixo risco de inrecção. Em re-
com raci\idade.
lação à histeroscopia, o risco é muito discreto, em torno de Os achados mais rrequentes na histeroscopia d iagnOstica
0,5%, com resultado semelhante ao da util ização de antibióti- são: miomas, pólipos, hiperplasia, câncer e adenom iose. O
co, razão pela qual o uso do medicamento não está indicado. mioma submucoso pode ocorrer como uma protrusào a partir
do miométrio, em grau variável, resultando em deformida-
Trauma de da cavidade endometrial. Os pólipos são classificados em
As lacerações cervicais podem ser causadas pela pinça de runcionais (mucosos), não runcionais ou degenerativos. Os
Pozzi, durante a histeroscopia, ou na dilatação do canal cervi- mucosas ocorrem com maior rrequtncia na pré-menopausa,
cal com velas de Hegar. A manipulação do instrumento com medem em torno de 2 a 5mm e são pediculados. Os não fun-
suavidade e cuidado pode evitar esses acidentes, ocasião em cionais são causa comum de menorragia e apresentam con-
que o procedtmento deverá ser mterrompido mediante a ob- sistência intermediária entre o pólipo mucoso e o mioma. Ãs
servação da paciente. \'ezes é du!cil a duerenciação entre a htperplasia e o adeno-
carcinoma de endométrio à histeroscopia, ficando o diagnós-
ANESTESIA tico final a cargo da anatomta patológtca. ~ necessàna grande
Na maiona das situações não é necessàrio o uso rotineiro experiência para dtrerenctar o endométrio da rase secretora
de anestesia para a htSteroscopta dtagnóstica. Algumas mu- tardia e o hiperplàstco.
\.
r
( I

Capitulo 60 Histeroscopia 495

Cabe realçar o papel da histeroscopta dtagnósuca nos casos A seguir serão descntos, sumariamente, os procedtmentos
de espessamento endometrial, detectado à ultrassonografia cirúrgicos que podem ser realizados.
endo,'llginal (USEV), o qual toma necessária a 3\'llliação da
cavidade utenna. Miomectomia
Em parcela representativa de mulheres na pós-menopau- A miomectomia histeroscópica é geralmente realizada para
sa, sem sintomas, examinadas por USEV, fornm encontrados o tratamento de menonorrngia ou com propósito reproduti-
3,2% de póli pos endometriais. vo. Essa opção ev ita a laparotomia , a incisão ute rina e a per-
A frequencia de pólipos endometriais em mulheres na pós- manê ncia hospitalar, jâ que o proced imento é realizado em
-menopausa com sangramento tem variado de 3,5% a 33,2%. regime de hospital-dia. Em geral, o ato cirúrgico é indicado
O risco de trnnsformação maligna dos pólipos é muito pequeno, para mio ma submucoso <4cm de diâmetro. O tratamento pré-
mas pode estar associado ao adenocarc:inorna de endométrio. -operatório com danazol ou análogos do GnRH é uulizado
Vale ressaltar, entretanto, que a inctdtncia de htperplasia para estabtlizar a anemia e reduzir o tamanho do m10ma e a
atlptca e/ou câncer de endométrio nos póhpos endometriais espessura endometnal, bem como a vasculanzação utenna,
vana de 1,5% a 5,5%. Esses dados mostrnm que é prudente tomando o procedtmento mais seguro.
a retirnda ststemãtica por histeroscopia de todos os pólipos ~·liomas submucosos são ressecados utilizando-se alça de
endometnais detectados à ultrassonografia. ressecção ou laser, mediante [aliamento do mioma, até que
A hteratura reforça a substituição efetiva da curetagem seja encontrado o tecido uterino normal.
uterina pela histeroscopia na abordagem do espessamento A utilização do ultrnssom 30 torna possfvel a programação
endometrial. A curetagem apresenta valor preditivo positivo de uma ciru rgia mais segurn, pois define com maior precisão
de 100% e negativo de 7% para o diagnóstico das patologias a localização do mioma, a composição (submucoso e intra-
endometriais. mural) e, p rincipalmente, a espessura da capa miometrial até
a serosa.
Tamoxifeno A miomectomta histeroscópica, especialmente nos casos
As usuánas de tamoxifeno necessitam atenção especial com componente intramural, apresenta risco maior de ab-
quanto à mctdência de patologias endometnats, espectalmen- sorção de llqutdo e consequente intoxicação h!dnca. Nesses
te os póhpos endomelriais (em caso de espessamento, só se casos, a uuhzação do cautério bipolar é urna boa opção.
deve mtervtr se hoU\·er sangramento). Para mator segurnnça é aconselhável a adoção dos cnté-
rios que visam à classificação dos miomas. Pode-se uuhzar a
Fertilização in vitro (FIV) classificação da Sociedade Europeia de Endoscopia ou a de
A realização rotineira da histe roscopia em mulheres candi- Lasmar e cols., as quais tomam possível a realização de mio-
data à FIV não é consenso na lite ratu ra. Nos casos de falha de mecwmias histeroscópicas com mais segurança.
implantação é prudente a realização da histe roscopia no ciclo
anterior à próxima transferência de embriões, inclusive com Polipectomia
a realização de lesão endometrial e pesquisa de endometrite. A abordagem cirúrgica é semelhante à miomectomia, mas
A presença de pólipo, miomas, sinéquias e outras patolo- o proced imento é mais fácil e com menor !ndice de compli-
gias pode ser detectada pela histeroscopia, e sua resolução au- cações. Beuoccht e cols. relatam bons resultados nas aborda-
menta as taxas de gravidez (indicações de lesão endometrial). gens de póhpos endometriaís (0,5 a 4,5cm) e mtomas (0,6 a
2cm) com o uso ambulatorial do eletrodo bipolar.
Histeroscopia cirúrgica
Os mstrumentos para realização dos procedtmemos cirúr- Lise de aderências intrauterinas
gtcos podem ser mecânicos (pinça de apreensão, tesouras, A lise pode ser reahzada por meio de instrumentos mecâ-
pinça de biópsia e cateteres), eletrocirúrgicos (alça, rollerball) nicos, eletrocírúrgtcos ou laser sob visão d ireta. Essa técnica
e dispositivos parn lasers (KTP, Nd:YAG e argônio). se mostra superior à dilatação e à curetagem por aumentar
Uma etapa muito importante do proced imento cirúrgico a precisão da lise e reduzir o trauma em áreas endometriais
consiste na dilatação do canal cervical. A uti lização das velas normais. Atualmente, não se realiza a inse rção do DIU após a
de I legar intermediárias (5,5, 6,5, 7,5 e 8,5) é aconse lhável lise de aderencias.
para facilitar a dilatação e reduzir os traumas e riscos dessa
etapa do procedimento. Ressecção de septo uterino
Convém dar atenção às mulheres na pós-menopausa e às A metroplastia htSteroscópica é o tratamento de escolha na
que fornm submetidas ã amputação do colo uterino, bem presença do septo utenno. A reparação é poss!vel com o uso
como às nuhgestaS. de instrumentos mecâmcos, eletrocirurgia ou laser, sendo os
t sempre prudente ter ã mão a camisa dtagnósuca, nos casos resultados semelhantes. A transecção é realizada até o n!vel da
de estenose acentuada do orifícto interno do canal cervical. linha intertubária.
A utihzação de misoprostol em mulheres na pós-meno- A inserção de dtspostuvo intrauterino (DIU), ao término
pausa, objetivando facilitar a dilatação cervical, não tem en- da metroplastia, não encontra, atualmente, respaldo na lite-
contrndo respaldo na literatura. raLunL
/.
'
'/
J 496 Seção I Ginecologia

O uso prévio do ultrassom 3D ajuda a diferenciar com pre- Histeroembrioscopia


cisão o útero bicamo do septado, prescindindo da realização si- A histeroembrioscopta possibilita a anãlise genéuca do
multânea da laparoscopm durante a metroplaslia histeroscópica. abono retido, evitando a contaminação do sangue materno e
Vários estudos mdtcam que a metroplastia está associada conferindo maior confiabthdade ao carióupo.
ao aumento de nasctdos \'t\'OS nos casos de mulheres com
história de perdas gestactonaiS prévtas e de mferuhdade. :-Jas Esterilização tubária
pacientes sem esse htstónco, a realização da metroplastia de-
A esterilização tubária por meto da htsteroscopta \'em au-
verá ser avabada de acordo com os nscos e beneficios.
mentando nos úlumos anos. A ma10r expentncta é com o
dispositi,·o Essure• . Em comparação com o procedtmento rea-
Ablação endometrial
lizado por laparoscopta, são encontradas taxas de gravtdez
A ablação poderá ser reahzada com eletroctrurgia ou laser.
semelhantes, mas o risco de reoperação é matar nas pactemes
A destruição do tectdo endometnal alcança em torno de 3 a
que utihzaram a via lusteroscópica.
4mm de profundtdade, incluindo a basal. Melhores resulta-
dos são obLidos com o uso prévio de danazol ou análogos do
GnRH por 1 mês. Quando não se utilizam esses medicamen- Leitura complementar
Bettocchi S, Bramante S, Bifulco G et ai. Challenging lhe cervix:
tos, o procedimento deve ser realizado imediatamente após
strategies to overcome the anatomic impediments to hysteros-
o término da menstruação, perfodo no qual o endométrio se copy: analysis of 3 1,052 office hysteroscopies. Fertil Steril 20 16;
encontra em torno de 5mm. 105(5):e 16-7.
Os resultados, quando uLilizaclas as novas tecnologias (Ther- Bulun SE. Uterine fibroids. N Engl J Med 2013; 369( 14): 1344-55.
rnachoice~. M icrowave~. entre outras), nào di ferem signi ficaLi- Campos-Galindo I. Garcla-Herrero S. Martlnez-Conejero JA, Ferro
J, Simón C, Rubio C. Molecular analysis of products of conception
'<amente daqueles obtidos com a ressecção histeroscópica. obtained by hysteroembryoscopy from infertile couples. J Assist
A ablação endometrial oferece uma alternativa à histerec- Reprod Genet 2015; 32(5):839-48.
tomia no tratamento cirúrgico da hemorragia uterina disfun- Deffieux X, Gauthier T, Menager N, Legendre G , Agostini A, Pierre
c:ional. Ambos os procedimentos são efetivos e apresentam F; French College of Gynaecologists and Obstetricians. Hysteros-
copy: guidelines for clinicai pract•ce from the French College of
altas ta.xas de sausfação das pacientes.
Gynaecologists and Obstetric•ans. Eur J Obstei Gynecol Reprod
Biol2014; 178: 114-22.
Restos ovulares Hooker AB, Lemmers M, Thurkow AL et ai. Systematic review and
Atualmente, a conduta expecl3nte e o uso do miSOprostoltêm meta-analys•s of 1ntrautenne adhesJOns after m•scarriage: preva-
reduzido a modêncm de sméquias na abordagem do abono re- lence, risk factors and long-term reproductJve outcome. Hum Re-
prod Update 2014, 20(2):262-78.
tido. A persistênoa de restos ovulares é mais bem resolvida via Lensen S, Marbns W, Nastr1 C , Sadler L. Farquhar C . Plpelle for Preg-
histeroscop13 do que pela curetagem uterina. Nessa situação, a nancy {PIP): study protocols lor three randomJSed controtled tri-
incidênCLa de comphcações é redUZida, asstm como são obtidos als. Trials 2016; 17:216.
melhores resultados reproduU\'OS nas próxtmas gestações. Lieng M, lstre O, Ovlgstad E Treatment of endometnal polyps:
a syslematic reVJew. Acta Obslet Gynecol Scand 2010; 89{8):
A uLihzaçào de gel mtrautenno não reduz a taxa de sinéquias.
992-1002.
Nos casos de restos pós-pano, a mctdência maior de ade- Mao J, Pfeifer S, Schlegel P. Sedrakyan A Salety and effJCacy of hys-
rências está assoctada ao pano cesanano em comparação com teroscop•c slerilizatJOn compared w1th laparoscop•c slenhzation:
o normal. an observat•onal cohort study. BMJ 2015, 351 :h5162.
CAPÍTULO

Cirurgia Minimamente
lnvasiva em Ginecologia
Camila Martins de Carvalho
Eduardo Batista Cândido
Agnaldo Lopes da Silva Filho

INTRODUÇÃO nuo da taxa, da pressão e do volume do gás usado para a


A laparoscopia, uma técnica de cirurgia nummameme insuflação.
invasiva, promove ótima visualização da pelve e possibilita • Sis tema d e gravação d e imagem.
a realização de diagnósticos e procedimentos terapêuticos.
Além disso, apresenta outros beneficios em comparação com Instrumental cirúrgico
a laparotomia, como menos tempo de mtemação, menos dor • Agulha de Veress (Figura 61.1 ): promo,·e a realização do
pós-operatóna, retomo ma1s rápido às auVJdades habituais e pneumoperitOnio, sendo composta por dois tubos mseri-
tendência menor à formação de aderências e de contaminação dos um no outro: o externo é ma1s cuno e tem formato de
da cav1dade pentoneal. Por outro lado, esse tipo de cirurgia bisei, enquanto o Interno tem a extrem1dade romba e um
apresenta limitaÇões, como número fimto de entradas res- orifício Lateral que perm1te a entrada do gás.
' • Trocan es: são utihzados para transfixar a parede abdomi-
trição ao movimento dos mstrumentos, unpossibilidade de
palpação de vísceras péh1cas e custo ma1or. nal e manter as ,,as de acesso à ca'1dade abdonunal. Os
mais usados em gmecolog1a são os de 5 e 10mm (Figuras
61.2 e 61.3). o qual é utihzado para o pnme1ro ponal e
SISTEMA BÁSICO DOS EQUIPAMENTOS DE atualmente pode ser encontrado em matenal descartável,
VIDEOCIRURGIA oferecendo maior segurança.
Unidade geradora de imagem
A função da unidade geradora de imagem é captar e am-
pliar a região que se deseja operar, além de re produzi-la em
monitor, e é composta por:

• Câmara e mon itor de vídeo: a câmara de vídeo é formada


pelo conjunto de microcâmaras e o processador de imagem.
• Fonte d e luz e cabos de iluminação: os cabos de ilumi- Figura 61.1 Agulha de Veress.
nação transmite m luz da fonte para o endoscópio por meio
de um feixe denso de fib ras ópticas. As lâmpadas podem
ser de xenônio ou haleto metálico.
• Otica: as óticas variam de 3 a 12mm de diâmetro e contêm
lentes com ângulo de visão variando de O a 135 graus. A
mais utilizada nas laparoscop1as ginecológicas é a de 10mm
com ângulo de Ograu. Oucas de 1,7 a Smm podem ser uti-
lizadas para mm1laparoscopias e são adequadas para diag-
nósuco, mas comprometem a documentação da imagem.
• lnsufla dor de gás: aparelho que produz e mantém o pneu-
mopentOnio, além de poss1b1htar o morutoramento contí- Figura 61.2 Troca11e de Smm.

497
/"
)/:
I 498 Seção I Ginecologia

INDICAÇÕES DA LAPAROSCOPIA
Realizadas tanto para diagnóstico como para tratamento,
as indicações das laparoscoptas estão relacionadas, basica-
mente, com a paciente, a expenencta do profissional e o ma-
terial cirúrgico disponh·el:

• Diagnóstico: dtferenctação da ongem de massas anextatS,



doença inllamatóna péh'lca, dor pélvica (p. ex., endome-
triose, aderências), anomahas genums, ascue, mfenthdade
Figura 61.3 Trocarte de 10mm.
(p. ex., permeabihdade tubána), lavados e cultura perito-
neais e avaliação de perfuração uterina.
• Pinças (Figura 61 .4): as pmças podem ser classificadas como • Tratamento: estenlização tubária, lise de aderências, ful-
traumáticas e atraumáticas, as quais são utilizadas para ex- guração de endometriose, tratamento de gravidez ectópica,
ploração da cavidade, tração suave e manuseio de tecidos miomectomia, ooforectomta, cistectomia, histerectomia e
delicados (p. ex., Maryland, pinça jacaré, pinça fenestrada e doença inflamatória pélvica.
Babcock). As traumáticas têm pontas serrilhadas ou dentea-
das e são usadas em procedimentos que envolvam ressecção
e aproximação de tecidos (p. ex., pinça serrilhada, pinça co-
l aparoscopia nas urgências ginecológicas
bra, pinça de biópsia). • G ravidez ectópica: a salpingostomia linear via laparos-
• Tesouras: a llool1 c a Metzembaum são as mais comuns cópica pode se r realizada em caso de gravidez ectópica
(Figura 6 1.5). íntegra com saco gestacional <5mm. Nesse procedimento
• Aspirador e irrigador (Figura 61.6). é importante a hidrotubação com solução fisiológica para
• Sistema de hemos tas ia: podem ser uLilizados eletrocau- retirada de possíveis fragmentos embriológicos residuais.
térios mono ou bipolares, havendo ainda os instrumentos O controle pós-operatório dos nfveis de jl-HCG é necessá-
ultrassõnicos e a lase1. rio para avaliação da possibilidade de tecido trofoblásLico
• Outros ins trumentos: porta-agulhas, biSturi, pinças de persistente.
preensão, morceladores, endochpes, endobags e manipula- • Doença infecciosa pélvica (DIP): a laparoscopia está mdi-
dores uterinos. cada em caso de suspeita de DIP princtpalmente em mulhe-
res jovens com futuro reproduuvo, uma vez que o atraso
no diagnóstico e no tratamento pode comprometer sua fer-
tilidade. A cirurgia videoasstSuda posstbthta o dmgnósuco
correto, além da obtenção de matenal para cultura, ltSe de
aderências do processo mflamatóno agudo e abordagem
de abscessos pélvtcos.
Figura 61.4 PulÇa laparoscópoca de preensão. • Cisto hemorrágico: a posstbthdade de preservação da
maior parte de tecido ovariano em mulheres JOvens tOITlll a
laparoscopia a técnica de escolha em cirurgias bemgnas do
ovário, como o cisto hemorrágico.

l aparoscopia na oncologia ginecológica


A laparoscopia pode ser realizada na oncologia ginecológica
por ser excelente método para inventário da cavidade abdomi-
Figura 61.5 Tesoura laparoscópica. nal, possibilitando a execução de todo o proced imento radical
e podendo se r associada à abordagem via vaginal. A ci rurgia de
Wertheim-Meigs pode se r realizada via laparoscópica para o
tratamento do câncer do colo ulerino. No estadiamento e tra-
tamento em estád ios iniciais do câncer de endométrio, diminui
a morbidade perioperatória e apresenta eficácia semelhante à
da laparotomia. Alguns cirurgiões l!m utihzado a laparoscopia
para estadiamemo ou avaliação da viabilidade da dtorredução
no câncer de ovário, principalmente para tumores presumivel-
mente de estádio I ou 11. O risco de ruptura de cápsula e a pos-
sibilidade de lesões nos locats de entrada (p. ex. carc.momatose)
ainda fazem da via abena a mais uulizada em casos de tumor
Figura 61.6 Aspuador laparoscóplco. O\'llriano maligno.
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Capítulo 61 Cirurgia Minimamente lnvasiva em Ginecologia 499

CONTRAI NDICAÇÕES agulha de Veress. A pressão negativa exercida pela elevação


• Abs olu tas: condições que inviabilizam a realização do da parede abdominal fará com que o líquido seja aspirado. O
pneumope ritõnio e a anestesia geral, como hipertensão in- dióxido de carbono deve ser introduzido e monitorizado pelo
tracraniana, glaucoma agudo, choque h ipovolêmico, dis- insuflador pneumático, com velocidade inicial baixa, até atin-
tensão abdominal, peritonite e obstrução intestinal. gir uma pressão abdominal máxima de 15 a 20mmHg. Reti-
• Rela tivas: cardiopatia ou doença pulmonar grave, gravi- ra-se a agulha de Veress, e o p rimeiro trocane é introduzido
dez após o primeiro trimestre, grande massa abdominal, através da incisão umbilical até a cavidade abdominal, o que
cirurgia periumbilical prévia e obesidade mórbida. pode se r percebido pelo extravasamento de gás. Em seguida,
retira-se o mandril do trocarte, e a ótica é introduzida. Nesse
momento, deve-se inclinar a mesa de cirurgia em Trendelen-
PREPARO PARA A LAPAROSCOPIA
burg de modo a possibilitar a saída do intestino da pelve.
A paciente deve se r informada sobre os riscos e benefícios
Um segundo e tercei ro trocartes podem ser inseridos por
do procedimento e a possibilidade de conversão para laparo-
visualização direta, após incisão de Smm, nas fossas ilíacas.
tOmia. A preparação inclui a realização de exames pré-ope- Nesse tempo, o cuidado principal deve se r o de evitar lesões
ratórios, risco cirúrgico e exame físico adequados. O jejum
dos vasos da parede abdominal , principalmente das artérias
deve ser de pelo menos 8 horas para alimentos sólidos e de epigástricas superficial e in ferior. Para isso é possível observar
6 horas para líquidos. A limpeza intestinal não é recomenda-
o plexo vascular na parede po r transiluminação.
da rotineiramente, mas pode facilitar a visualização durante a Após a conclusão da cirurgia, retiram-se os trocartes aces-
cirurgia em virtude da descompressão do intestino delgado e sórios sob visualização para conferir a existência de sangra-
do cólon sigmoide. mentos. A ótica e a bainha são removidas também sob visão
para observação do trajeto de retirada sem provocar herniação
ORGANIZAÇÃO DA SALA DE CIRURGIA de ornemo e alças. O pneumoperitõnio deve ser esvaziado ao
O primeiro passo para a laparoscopia consiste na verifi - máximo e lentamente para minimizar o desconforto pós-ope-
cação do funcionamento da aparelhagem no p ré-operatório ratório. Realiza-se sutura da pele e aplica-se pequeno curativo
imediatO. Em seguida, convém avaliar e otimizar a organiza- sobre a ferida.
ção da sala de cirurgia. A mesa deve estar preferencialmente
no centro da sala com iluminação d ireta no campo operató-
COMPLICAÇÕES
rio. O monitOr deve ser posicionado di retamente à frente do
Em geral, as pacientes submetidas à laparoscopia apresen-
cirurgião, lO a 20 graus acima do nível dos olhos para evita r
sobrecarga no pescoço. tam rápida recuperação. Alguns fatores aumentam o risco de
complicações, como a presença de aderências, endometriose
grave, doença inflamatória pélvica, câncer, irradiação prévia,
ANESTESIA obesidade e a inexperiência do ciru rgião.
A anestesia mais utilizada é a geral com intubação endotra- A taxa geral de complicações é de 5, 7 a cada mil proced i-
queal, po r promove r maior conforto à paciente e possibilitar mentos, as quais são mais frequentes em cirurgias mais com-
o controle da ventilação, o relaxamento muscular e a proteção plexas. Uma revisão com 1,5 milhão de pacientes ginecológicas
das vias aéreas. A infiltração de anestésico local nos portais de constatou complicações em 0,1% a 10% dos procedimentos;
entrada reduz a dor pós-ope ratória. mais de 50% desses casos ocorreram na entrada e 20% a 25%
só foram reconhecidos no período pós-operatório.
TÉCNICA CIRÚRGICA
A paciente deve ser posicionada em litotomia dorsal baixa Complicações anestésicas e cardiopulmonares
com as pernas sobre apoios acolchoados e os braços mantidos Os possíveis riscos da anestesia geral incluem hipoventi-
ao lado do tronco em posição de sentido. Após a indução lação, intubação esofágica, broncoespasmo, h ipotensão, re-
da anestesia, procede-se à antissepsia adequada com atenção fluxo gastroesofágico, superdosagem de narcóticos, arritmias
especial ao umbigo, a região menos limpa do abdome. A be- cardíacas e parada card íaca. A posição de Trendelenburg, as-
xiga deve ser esvaziada por meio de catete rização vesical para sociada à elevação da p ressão intraperitoneal, acarreta maior
d iminuir o risco de lesões deste órgão e se prossegue com a pressão sobre o diafragma, o que pode favorecer a ocorrência
colocação de campos estéreis de maneira a mante r visíveis de algumas das complicações citadas. Em casos de hipotensão
apenas o abdome inferior e a região umbilical. súbita, arritmia cardíaca e cianose, deve-se pensar em embo-
Uma incisão de l cm de d iâmetro é realizada com bisturi, lia gasosa.
imediatamente inferio r ao umbigo , no sentido longitudinal
ou transversal. Em seguida, introduz-se a agulha de Veress Complicações da via de acesso
em inclinação de 45 graus em direção ao côncavo do sacro e As ocorrências mais comuns nesse tempo cirúrgico são as
posteriormente se realiza o teste de segurança para certificar- lesões vasculares, intestinais e u rinárias em razão da realiza-
-se do posicionamentO da agulha na cavidade. O teste pode ção de procedimentos "às cegas", como punção da agulha de
ser realizado com a introdução de solução salina através da Veress e introdução do primeiro trocane.
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J 500 Seção I Ginecologia

Lesões vasculares te r cond ições de suportar o pneumope ritõnio e as alterações


As complicações hemorrágicas mais graves são as lesões metabólicas ine rentes ao procedimento. A laparoscopia robó-
de grandes vasos, como aorta, veia cava e vasos ilíacos, com tica deve ser oferecida como alte rnativa à laparoLOmia e não
taxas de mortalidade entre 9 % e 17%. Os vasos da parede ab- em substituição à laparoscopia convencional.
dominal lesionados com mais frequência são os epigástricos
Vantagens da cirurgia robótica
inferiores superficiais, principalmente durante a introdução
dos trocartes auxiliares. Esse tipo de lesão pode se r evitado As vantagens desse sistema são inúmeras em razão da su-
mediante a introdução dos trocanes l a 2cm lateralmente ao pe ração de muitos obstáculos da cirurgia laparoscópica, como
pomo de McBurney (um terço do caminho entre a espinha aumentar a destreza, restabelecer a coordenação mão-olho
ilíaca anterossuperior e o umbigo). adequada e uma posição ergonômica e melhorar a visualiza-
ção do campo operatório. Além disso , por meio desse sistema
Lesões do trato gastrointestinal são realizadas ci rurgias ames consideradas tecnicamente difí-
ceis ou inviáveis, mas que são de possível execução.
Um terço das lesões intestinais está re!acionado com a via
Os robôs aumentam a destreza de várias maneiras. Instru-
de entrada, sendo importante reconhecer essas lesões durante
mentos com maior grau de liberdade aumentam a capacida-
a cirurgia para evitar complicações maiores; no entanto, mui-
de do ciru rgião de manipular os instrumentos e, portamo,
tas não são percebidas no intraoperatório. O cólon transverso
os tecidos. Esses sistemas são projetados para que o tremor
e o intestino delgado são os locais mais acometidos.
nas mãos dos cirurgiões seja compensado no movimento do
Lesões das vias urinárias efetor final através de filtros de hardware e software apropria-
dos. Além d isso, podem controlar melhor o aLO cirú rgico,
As lesões na bexiga são as mais frequentes na via urinária e
transformando grandes movimentos das alças de controle em
costumam se r reconhecidas no intraoperatório. Cerca de dois
micromoções dentro da paciente.
te rços ocorrem em procedimentos de histerecwmia vaginal
Outras vantagens importantes são a restauração da boa coor-
assistida por laparoscopia. O ureter é lesionado principal-
denação mão-olho e a posição mais ergonômica. Esses sistemas
mente por trauma eletrocirú rgico.
robóticos eliminam o efeito de fulcro, tornando mais intuitiva
a manipulação de instrumentos. Com o cirurgião sentado em
Outras complicações
urna estação de trabalho remota e ergonomicamente projeta-
Podem ocorrer ainda complicações neurológicas, hérnias da, os sistemas atuais também eliminam a necessidade de se
incisionais , enfisema subcutâneo, dor pós-operatória no om- movimentar e girar em posições desconfortáveis para mover os
b ro, infecções e metástase em sítio de trocane. instrumentos e visualizar o monitor.
A visão aprimorada oferecida por esses sistemas é sur-
CIRURGIA ROBÓTICA preendente. A imagem tridimensional com percepção de pro-
O protótipo do sistema DaVinci foi criado pelo Stanford fundidade representa uma melhoria acentuada em relação à
Research lnstitute and National Ae ronautics and Space Admi- visão convencional da câmara laparoscópica. Outro benefí-
nistration para uso militar, de modo a possibilitar a realização cio está na capacidade do ciru rgião de controlar diretamente
imediata de ci rurgias em campo de batalha por intermédio de um campo visual estável com aumento maior. Tudo isso cria
urna estação cirú rgica remota. Desde a aprovação do DaVinci imagens com resolução aumentada que, com a ampliação dos
pelo Food and Drug Administration (FDA), vários ci rurgiões graus de libe rdade e a destreza aprimorada, melhora conside-
ginecológicos têm optado pela cirurgia robótica. ravelmente a capacidade do ci rurgião de identificar e dissecar
A laparoscopia robótica utiliza acessos abdominais e pneu- estrutu ras anatõmicas, bem como realizar microci rurgias.
moperitõnio, como a convencional, mas dispõe de instru- Além disso, a laparoscopia robótica apresenta as vantagens
mentos articulados que realizam movimentos complexos em das cirurgias minimamente invasivas, como menor dor pós-
pequeno espaço operató rio. -operatória, incisões menores e mais estéticas e menos tempo
A curva de aprendizado para esse tipo de procedimento de internação hospitalar e recuperação e retOrno às atividades
depende do número total de cirurgias realizadas e do inter- habituais mais rápidos.
valo de tempo entre elas. Para adquirir habilidade na cirurgia
robótica é importante aprender a realizar o procedimento em Limitações da cirurgia robótica
si e saber lidar com suas complicações. Em estudo retrospec- A ciru rgia robótica rep resenta uma nova tecnologia, de
tivo realizado no Canadá, a curva de aprend izado para cirur- modo que seu potencial de uso e eficácia ainda não foram
giões com avançadas habilidades em laparoscopia convencio- bem estabelecidos. Até o momento foram realizados estudos
nal foi de 50 casos. de viabilidade e quase nenhum estudo de acompanhamento
a longo prazo. MuitOS procedimentos também deve rão ser
Indicações reestruturados para otimizar o uso dos braços robóticos e au-
Para considerar a cirurgia robótica é necessário avaliar as mentar sua eficiência.
caracte rísticas da paciente e do procedimentO a ser realizado. Outra desvantagem desses sistemas é seu custO proibiti-
Assim como na laparoscopia convencional, a paciente deve vo (ce rca de um milhão de dólares). Alguns acreditam que
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( I

Capitulo 61 Cirurgia Minimamente lnvasiva em Ginecologia 501

o apnmoramento da tecnologia e o aumento da experiência Os braços dos robós são acoplados a esses portaiS, e os as-
adqumda com os sistemas robóticos reduzirão esse custo com sistentes permanecem ao lado da mesa cirúrg1ca para a troca
o tempo, enquanto outros especialistas afirmam que a incor- dos instrumentos. A torre robótica pode ser posicionada entre
poração tecnológica e a utilização de novos softwares aumen- as pernas da paciente ou lateralmente, o que facilita o acesso à
tarão os gastos. vagina e ao períneo. O cirurgião permanece sentado no con-
O tamanho e a estrutura dos robós também se constituem sole com as mãos nos controles, que enviam seus movimentos
em desafios para sua implantação. Essa é uma desvantagem por meio de sinais elétricos para o carro cirúrgico e, assim,
importante nas salas de cirurgia já projetadas e nas quais é para os braços robóticos. Pedais são utilizados para controlar
d iflcil a adaptação do sistema. O custo para a construção de a câmera e ativar os dispositivos de energia. O acesso vaginal
espaços para esses robós, além do próprio custo desses robós, pode ser realizado, como na laparoscopia convencional, com
toma essa mcorporação tecnológica quase mvlá,·el no Brasil. um assistente sentado entre as pernas da paciente ou por ms-
Outro problema apontado diz respeito à falta de padroni- trumentos ligados aos d!SpOSiti,·os, descartando a necessidade
zação do mstrumental e de equipamentos compaUve1s. de um Clrurgtão d1rec1onado para a ,;a \'<lginal.
Comphcações especificas desse upo de procedimento in-
cluem problemas técnicos do equipamento, auvação errada leitura complementar
de um controle, movimento errante de um braço robótico Ávila I, Filogonio IDS. Noções práticas de cirurgia vldeolaparoscópl-
ca em gmecolog1a. Rto de Janeiro: MEDSI, 2000.
e perda de uma agulha fora do campo de visão. Sem dúvi-
Berek JS et ai. Berek & Novak: tratado de ginecologia. 15. ed . Rio de
da, o alto custo da cirurgia robótica é o principal responsável Janeiro: Guanabara Koogan, 2014.
pela dificuldade em sua implementação. O custo eslimado Decherney AH, Nathan L, Laufer N, Roman AS. Current ginecolo-
de um sistema DaVinci e/ou Zeus varia de 1,85 a 2,3 milhões gia e obstelrlcia: diagnóstico e tratamento. 11. ed. Porto Alegre:
de dólares, e cada instrumento ligado ao braço robótico, que AMGH, 20 14.
Hoffman et ai. Ginecologia de Williams. 2. ed. Porto Alegre: AMGH,
deve ser subslituldo a cada 10 procedimentos, custa entre 2014.
U$2.200 e U$3.200. Leninhan Jr JP, Kovanda C, Seshadri-Kreaden U. What is the lear-
ning curve for robolle asststed gynecologic surgery? lhe Journal
of M1ntmally tnvasiVe Gynecology 2008; 15{5):589-594.
Técnica cirúrgica
Magrina JF. Comphcallons of laparoscopic surgery. Clln Obstet Gy-
lmc1almente a paciente é posiciOnada e preparada como na necol 2002, 45(2):469.
laparoscopia com·encional. Antes de se acoplar o robõ, pode Mann WJ, Chalas E, Valea FA. Cancer of lhe ovarian, faltop1an tube
ser realizada uma laparoscopia para visualização do abdome, and pentoneum: Stagtng and initial surgical management. Up-
ToDate 2016. Dtsponlvel em: http://Www.uptodate.com/contents/
lise de aderências e mobilização do intestino, de modo a faci- cancer-of-the-ovary-fallopian-tube-and-peritoneum-staging-and
litar o acesso para os portais do robO. Em seguida é realizada -initial-surgical-management.
incisão de l2mm no abdome superior, a 20cm de distância ParaisoMFR, Falcone T. Robot-assisted laparoscopy. UpToDate 2016.
da Si11fise púbica e aproximadamente lOcm acima do fundo Disponlvel em: http://www.uptodate.com/contentslrobot-assisted-
-laparoscopy.
uterino para o ponallaparoscópico. Incisões de 8mm para os Plaxe SV. Endometrial carcinoma: pretreatment evaluation. staging,
portais acessórios são realizadas no abdome inferior, lateral and surg1cal treatment. UpToDate 2014. Disponivel em: hnpJ/Www.
ao músculo reto abdominal, na linha hem1cla,~cular, de 8 a uptodate.com/contents/endometrial-carctnoma-retreatment-
12cm de d1slância inferior e lateral do portal laparoscópico. evaluallon-stagtng-and-surgical-treatment.
Sharp HW. Overvl9w of gynecologic laparoscopic surgery and non-
Além diSSO, é realizada uma incisão de 8 a IOmm para lapa-
-umbllical entry Sites. UpToOate 2016. Disponível em: hnp:/twww.
roscopla convencional, à direita ou à esquerda da paciente, uptodate.com/contents/overview-of-gynecologte-laparoscopic-
para 1rngação, sucção, sutura e remoção de mate na!. surgery-and-non-umbilteal-entry-sites.
CAPÍTULO

Genética em Ginecologia e Obstetrícia


Marcos José Burle de Aguiar
Raíssa Tainá Gonçalves

INTRODUÇÃO • Agentes infecciosos: Treponema pallidum, Toxoplasma gondii,


Embora sempre estivesse presente em todas as áreas da saú- vírus da rubéola, citomegalovírus, varicela e parvovlrus.
de, apenas recentemente , após o Projeto Genoma Humano, a • Agentes ambientais: chumbo e metihnercúrio.
genética começou a desempenhar papel significativo em quase • Drogas: álcool, cocaína e solventes orgânicos.
todas as especialidades médicas. A ginecologia e a obstetricia • Medicamentos: talidomida, substânCias C1totóx1cas (me-
estão entre as especialidades com a maior interface com a gené- totrexato e outras), anticonvulsivantes (d1feml-hidantolna,
tica, não sendo incorreto afirrnar que é unpossh·el a boa prática trimetadiona, carbamazepina, ác1do valpro1co), honnOmos
dessas especialidades sem conhecer essas interfaces ou mesmo androgênicos, dietilesulbestrol, lluo, varfarina, ác1do reu-
desconhecendo concettos bás1cos de genética. noico e seus derivados, 1mb1dores da enz1ma de com·ersão
Em linhas gera1s, neste capitulo são apresentados alguns da angiotensina e misoprostol.
conceitos bás1cos de genética 1mponantes para a prática da A ação mais detalhada dos d1versos teratógenos é abordada
ginecologta e obstetric1a e as situações maLS comuns nas quais em outros capítulos deste livro.
esses conceitos podem dar sua conmbu1ção.
DOENÇAS GENÉTICAS
Classicamente, as doenças genéticas são dwid1das em doen-
CONCEITO DE ANOMALIA CONGÊNITA
ças de gene único ou mendelianas, de herança complexa ou
A anomalia congenita é considerada qualquer anomalia
multifatorial e cromossômica. No entanto, outros padrões de
anatômica, estrutural ou func1onal, presente ao nascimento,
herança atípicos têm sido descntos, como herança mnocon-
embora possa não ser aparente naquela ocasião, sendo seu
drial, impressão genômica. dissomia uniparental, mosaicismos
diagnóstico estabelecido somente mais ta rde, algumas vezes
e expansóes repetidas instáveis.
já na vida adulta.
As doenças de gene único são causadas por um alelo (forma
As anomalias congenitas podem ser determinadas por agen- alternativa de um gene) mutante ou um par de alelos mutantes
tes ambientais (teratógcnos), genéticos ou pela interação desses
em um mesmo locus gênico, as quais se subdividem em doenças
fatores.
autossômicas dominantes e recessivas, recessivas ligadas ao cro-
mossomo X e dominantes ligadas ao cromossomo X.
TERATÓGENOS As doenças de herança complexa ou multi fatoriais resultam
O teratógeno é qualquer agente capaz de produzir uma da interação complexa de fatores genéticos e ambientais. Acre-
alteração pennanente na estrutu ra ou função de um organis- dita-se que os fatores genéticos envolvam vários genes e, por
mo após a exposição na fase embrionãria ou fetal. Cerca de isso, essas doenças recebem também o nome de pol igenicas.
10% de todas as anomalias congemtas são determinados por As doenças cromossômicas são causadas por alterações no
teratógenos, sendo os segumtes os mais comuns: número ou na estrutura dos cromossomos e, por isso, se cli-
Yidem em anomalias cromossômicaS numéncas e anomaltas
• Doenças maternas: diabetes mtlhtus, femlcetonúria, lúpus cromossômicas estruturais.
eritematoso SLStem1co (LES), tumores secretores de andro- Diversas doenças genéucas apresentam heterogeneidade,
genios e d1strofia m1otOmca. ou seja, uma mesma doença pode ter mecamsmos dtferentes
502
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Capítulo 62 Genética em Ginecologia e Obstetrícia 503

de he rança ou urna apresentação clínica também diferente, o para filhos do afetado. Quando se trata de não penetrância, a
que ocorre porque podem ser determinadas por mutações em doença existe em parentes próximos, ou com expressão leve
loci diferentes ou por mutações variadas em um mesmo lorus. em um dos membros do casal, com risco de recorrência de
50% em futuras gravidezes, o que pode exigir o exame cuida-
Doenças autossômicas dominantes doso não apenas do casal, mas também de parentes próximos.
Esse tipo de doença é dete rminado pela presença do ale lo
mutante em heterozigose, ou seja, em dose única. As princi- Doenças autossômicas recessivas
pais características das doenças autossõmicas dominantes são Esse tipo de doença se manifesta em homozigows, pessoas
(Figura 62.1): com dois alelos mutantes em um mesmo lorus. Em pessoas
com uma cópia do alelo normal (hete rozigotas), este compen-
• DiSlribuição venical de indivíduos afetados no heredograma. sa o alelo mutante, e a doença não existe.
• Ambos os sexos são afetados em proporções iguais. Os alelos mutantes presentes no locus podem ser iguais
• Há transmissão de genito r para o filho. (homozigose) ou diferentes (heterozigose composta), e suas
• Se um dos genitores é afetado, há risco de 50% de cada um principais características são (Figura 62.2):
dos filhos he rdar a doença.
• Em geral, a d istribuição da doença no he redograrna é ho-
• Familiares normais não transmitem a doença aos filhos.
rizontal ou salta gerações quando são feitos heredogramas
• Proporção significativa dos casos se deve a mutações novas.
de várias ge rações, ou seja, a doença costuma ser vista em
Outras caracte rísticas das doenças auwssômicas dominan- irmãos do paciente, mas não em seus genitores.
tes podem dificultar seu reconhecimento, como: • Em geral, ambos os sexos são afetados em proporções iguais.
• Os genitores do afetado geralmente são sadios, hete rozigo-
• Expressividade variável (intensidades e mane iras d iferen- tos obrigatórios e chamados ponadores.
tes de expressão clínica do fenótipo). • É mais frequente a consanguinidade entre os genito res do
• Penetrância incompleta (possibilidade da ausência de ex- afetado, especialmente no caso de doenças raras.
pressão clínica da doença na presença do gene). • Há risco de recorrência de 25% de afetados em cada crian-
• Impressão genômica (alguns genes se expressam diferente- ça gerada pelo casal de portadores (hete rozigotos).
mente em função de terem sido herdados do pai ou da mãe).
• Mosaicismo (coexistência em um mesmo indivíduo de cé- Doenças recessivas ligadas ao cromossomo X
lulas com genótipos d iferentes). A maioria das doenças ligadas ao c romossomo X é recessi-
• Início tardio (algumas doenças podem manifestar-se tar- va e tem as seguintes características:
d iamente, como a coreia de Humington).
• Antecipação (tendência de algumas doenças se manifesta- • A doença afeta principalmente os homens.
rem mais precoce e gravemente em gerações subsequentes, • Os indivíduos afetados são conectados no he redograrna
como a distrofia miotônica e os rins policísticos). por intermédio de mulhe res não afetadas (heterozigotas
portado ras).
Quando um casal sadio tem um filho com doença autos- • Os afetados geralmente são filhos de pai e mãe normais. A
sômica dominante, é importante identificar se essa doença é mãe costuma ser portadora assintomãtica e pode ter irmãos
resultante de mutação nova ou de não penetrância. No caso afetados. Cinquenta por cento dos filhos de uma portadora
de se tratar de urna mutação nova, a doença não existe na serão afetados, assim como 50% das filhas.
família, e os genitores definitivamente não a apresentam, ou • Não há transmissão de pai para filho (o pai passa para seu
seja, vai começar na família com aquele caso. O risco de re- filho o cromossomo Y e não o X). Cem por cento das filhas
corrência é muito baixo para futuros filhos do casal e de 50% de um afetado são portadores.

1 o 11 111 111 11 o 1 1 o 11 111 111 11 o 1

• • Afetados • • Afetados

Figura 62.1 Heredograma de herança autossômica dominante. Figura 62.2 Heredograma de herança autossômica recessiva.
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J 504 Seção I Ginecologia

1 o 11 111 111 11 o 1 Doenças de herança complexa ou multifatoriais


Suas principais características são:
• Resultam da interação complexa de múltiplos fatores gené-
ticos e ambientais.
• Em geral, o componente genético depende de vários genes.
• A combinação de fatores genéticos e ambientais determina
para cada indivíduo um grau de suscetibilidade. Quando
esse grau de suscetibilidade excede certo limiar, a doença
se expressa.
• Algumas doenças multi fatoriais são mais frequentes em um
dos sexos. Nesses casos, quando acomete uma pessoa do
sexo no qual é mais rara, o risco de recorrência é maior do
0 Portadoras
que no sexo mais frequentemente afetado.
Figura 62.3 Heredograma de herança recessiva ligada ao X. • O risco de recorrência, em geral, é bem menor do que o
das doenças mendelianas.
• O risco de recorrência é maior para parentes de prime iro
Na avaliação de casos de doenças com herança recessiva grau e depende do número de indivíduos afetados na fa-
ligada ao cromossomo X (Figura 62.3) deve-se ter em mente mília, da gravidade da doença e, em algumas doenças, do
que existe uma proporção importante de mutações novas. Ao sexo do afetado.
se lidar com casos esporádicos na família, é preciso deter-
Para o cálculo do risco de recorrência de doenças multifato-
minar se a mãe é portadora do alelo mutante, com risco de
riais geralmente são utilizadas tabelas de risco empírico encon-
recorrência de 50% em futuros filhos do sexo masculino, ou
tradas em livros de genética. Esses riscos devem ser modificados
se a mutação ocorreu no filho, com risco de recorrência pra-
adequadamente, levando em coma o sexo do afetado, o número
ticamente nulo em filhos futuros de sua mãe. Para determinar
de afetados na família e a gravidade da doença no afetado.
se a mãe é portadora são utilizados informações do heredo-
Pode também ser utilizada a aproximação de Edwards,
grama, testes bioquímicos e análises de DNA.
segundo a qual o risco de recorrência de uma doença multi-
Outro aspectO importante a se considera r em doenças
fatorial em parentes de primeiro grau do afetado é aproxima-
recessivas ligadas ao cromossomo X é o p rocesso de inati-
damente igual à raiz quadrada da frequência daquela doença
vação desse cromossomo nas mulheres. Como se sabe, em-
na população.
bo ra as mulheres tenham duas cópias do cromossomo X,
em cada célula um dos cromossomos X é inativado. A ina-
tivação do cromossomo X pode possibil itar a mani festação Anomalias cromossômicas numéricas
da doença em mulhe res heterozigotas se o gene mutante O número normal de cromossomos na espécie humana é
estiver no cromossomo X que fo i inativado na maioria das 46: vinte e dois pares de autossomos e um par de cromos-
células. Outra consequência da inativação do cromossomo somos sexuais. As alterações do número de cromossomos
X nas mulheres é que isso leva a um mosaicismo desse cro- dete rminam as doenças cromossômicas numéricas ou aneu-
mossomo (algumas células têm o cromossomo X no rmal e ploidias, sendo as mais frequentes as trissomias e as monos-
outras, o gene mutante), o que diminu i a penetrãncia da somias. Nas trissomias existem três cópias de um dos cro-
doença na mulher. mossomos, enquanto nas monossomias existe apenas uma.
As características das trissomias são:
Doenças dominantes ligadas ao cromossomo X • Em geral, resultam da não disjunção ( falha na separação de
Existem poucas doenças dominantes ligadas ao cromosso- dois cromossomos homólogos) durante a meiose.
mo X. Suas principais características são: • Sua frequência aumenta de acordo com o aumento da ida-
de materna.
• Afetam mais frequentemente as mulheres do que os ho- • O risco de recorrência depende do cromossomo envolvido.
mens. No caso da trissomia 21, a mais frequente, é de 1% a 2%.
• As mulheres costumam apresentar doença mais leve e mais
variável do que os homens (a mulher tem dois cromossomos Como resultam de um acidente genético (a não d isjunção),
X, e o homem, um). não são familiares e não está indicado o estudo cromossô-
• Uma mulher afetada terá 50% de probabilidade de ter um mico dos genitores. A possibilidade do diagnóstico pré-natal
filho afetado, independentemente do sexo. em futuras gravidezes deve ser informada, já que o casal tem
• Todos os filhos de um homem afetado serão sad ios (o ho- risco de recorrência que, embora pequeno, é muitO maior do
mem passa para os filhos o cromossomo Y) e tOdas as suas que a frequência da doença na população.
filhas serão afetadas (o homem passa para as filhas o cro- As poliploid ias, outro tipo de doenças cromossômicas
mossomo X). numéricas, são caracterizadas por células com um conjunto
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Capítulo 62 Genética em Ginecologia e Obstetrícia 505

extra de cromossomos, ou seja, 69 cromossomos (triploidia) quase wdas as células, e a expressão fenotípica depende rá
ou 92 cromossomos (tetraploidia). As poliploidias geralmen- da proporção entre o DNA normal e o mutante em cada
te são encontradas em abonamentos, enquanto as triploidias célula, a penetráncia reduzida, a expressividade variável
podem estar associadas à degeneração molar. e a pleiotropia (múltiplos efeitos de um único gene sobre
o fenótipo) são características típicas da herança mitocon-
Anomalias cromossômicas estruturais drial.
As anomalias cromossômicas estruturais resultam da que-
b ra seguida pela reconstituição com uma combinação anor- Impressão genômica
mal do cromossomo. Essas anomalias podem ser definidas Pelas regras mendelianas, um gene mutante pode se r trans-
como balanceadas, quando o rearranjo se dá de maneira que mitido pelo pai ou pela mãe a um filho de qualquer dos sexos.
não haja perda ou excesso de material cromossômico, ou não Inicialmente não se deu muita atenção à origem desse gene,
balanceadas, quando há perda ou excesso de material cro- se paterna ou materna. Atualmente se sabe que, em algumas
mossômico. doenças genéticas, a exp ressão de seu fenótipo dependerá da
Nas anomalias balanceadas, o fenótipo costuma ser nor- origem do gene mutante, se paterna ou materna. As diferen-
mal , embora o indivíduo ap resente alto risco de vir a ter filhos ças na expressão do gene entre o ale lo herdado da mãe ou
com anomalias cromossômicas não balanceadas. Já nas não do pai são resultantes do fenômeno denominado impressão
balanceadas, o fenótipo costuma ser anormal. Suas principais genômica (imprinting).
características são: A impressão genômica é um processo normal provocado
pelas alterações na cromatina que ocorrem na linhagem ger-
• São mais raras do que as alte rações cromossômicas numé- minativa de um dos genito res, mas não no outro, em locais
ricas. específicos do genoma, que afeta a expressão do gene, mas
• Muitas vezes são familiares. não a sequência de seu DNA. Assim, trata-se de uma forma
• A história de abortamentos ou natimortos em um casal é reversível de inativação genética, mas não de uma mutação,
comum nesse tipo de anomalia. sendo por isso considerada um efeitO epigenético. A epigené-
• O risco de recorrência pode ser alto (em casos raros, de até tica é uma área de importância crescente na genética humana
100%) em virtude da influência significativa sobre a exp ressão gené-
Diante de um diagnóstico desse tipo, impõe-se o estudo tica e o fenótipo tanto em indivíduos normais como em d iver-
cromossômico dos genitOres para identificar se um deles é sos distúrbios, incluindo anomalias citogenéticas, doenças de
portador de translocação cromossômica equilibrada com alto gene único e câncer. Os d iversos genes candidatos a desem-
risco de recorrência em gravidezes futuras. Caso os cariótipos penhar papel na obesidade e no diabetes estão submetidos ao
dos genitores sejam normais, trata-se de um arranjo cromos- mecanismo de imprinting.
sômico de novo, de ocorrência acidental e com baixo risco de Estima-se que nos mamífe ros ce rca de 1% de wdos os ge-
recorrência. nes sejam suscetíveis ao processo de imprinting, e mais de 100
doenças parecem ser determinadas ou influenciadas po r esse
Padrões atípicos de herança genética processo.
A observação de algumas doenças raras e a anãlise detalha- Os exemplos mais bem estudados do papel da impressão
da de mutações moleculares to rnaram possível a identificação genômica nas doenças humanas são as síndromes de Prader-
de algumas doenças que não seguem os padrões mendelianos -Willi e de Angelman. Trata-se de duas s!ndromes com fe-
típicos. nótipos bastante diferentes, tanto no aspectO físico como no
componamental, que em ce rca de 70% dos casos podem se r
Herança mitocondria/ determinadas pela ausência de um mesmo segmento do braço
O DNA miwcondrial tem formatO quase circular e se lo- longo do cromossomo 15. A ausência do segmento de origem
paterna determina a s!ndrome de Prader-Willi e a do segmen-
caliza nas mitocôndrias e não no núcleo. A herança miwcon-
d rial ap resenta duas caracte rísticas não usuais na herança tO de origem mate rna, a síndrome de Angelman.
mendeliana: Outras doenças causadas pelo mecanismo de impressão
genômica foram descritas. Uma delas é a sínd rome de Beck-
• Trata-se de uma herança exclusivamente materna. O óvulo e with-Wiedemann. Discute-se se esse mecanismo não é facili-
não o espermatozoide é responsável por 100% das mitocôn- tado pela fertilização in vitro, pois a frequência de síndromes
drias do ovo e, assim, de seu DNA mitocondrial. Consequen- ligadas a esse mecanismo parece estar aumentada em crianças
temente, uma mulher com mutação em seu DNA mitocon- concebidas por esse método.
drial a passará para seus filhos. Já o homem não a passará.
• A segregação do DNA miwcond rial não é tão estritamen- Dissomia uniparental
te controlada como no DNA nuclear. Na divisão celular, A dissomia uni parenta! consiste na presença de uma linha-
cada nova célula-filha pode rá recebe r quantidades aleató- gem celular com dois cromossomos ou seus segmentos, vin-
rias do DNA mitocondrial normal e do DNA mitocond rial dos de um único geniLOr. Se os dois cromossomos idênticos
mutante. Como a função mitocondrial é essencial para estão presentes em duplicata, denomina-se isodissomia. Se
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J 506 Seção I Ginecologia

ambos os homólogos de um dos genitores estão presentes, do DNA formado por unidades repelidas de três ou mais nu-
denomina-se heterod issomia. Esse processo foi descoberto no cleotídeos em tandem (ou seja, adjacentes umas às outras).
final da década de 1980, e as síndromes de Prader-Willi e de Os mecanismos pelos quais essas expansões ocorrem não são
Angelman também desempenharam papel importante em sua bem conhecidos. Em geral, os genes associados a esse tipo de
elucidação. doença têm em seu alelo selvagem (normal) um número va-
Alguns pacientes com a síndrome de Prader-Willi apresen- riável de repetições e, à medida que são passados de geração
tam isodissomia materna, ou seja, seus dois cromossomos 15 em geração, o número de repetições pode aumentar e causar
são de origem materna. Assim, o segmento do braço longo do anomalias na função e expressão do gene. Já foram descritas
cromossomo 15 paterno está ausente, e a síndrome se mani- cerca de 20 doenças com esse mecanismo de herança, como
festa. Do mesmo modo, alguns pacientes com a síndrome de a síndrome do X frágil, a d istrofia miotônica, a doença de
Angelman apresentam ambos os cromossomos 15 de origem Huntington e a ataxia de Friedreich.
paterna - isodissomia paterna. Esse mecanismo já foi descritO A síndrome do X frágil é a causa mais comum de deficiên-
em outras doenças, como na fibrose cística e na síndrome de cia intelectual familiar. Nessa doença, o trinucleotídeo repeli-
Beckwith-W iedemann. do é o CGG. As pessoas normais têm de seis a 54 repetições
O obstetra deverá estar atemo a esse mecanismo quando, CGG na porção 5' do gene FMR1 do cromossomo X. Quando
ao realizar uma biópsia de vilo corial, encontrar uma trissomia essas repetições se situam entre 100 e 200, o portador tem
do cromossomo 15 que não evoluiu para o abonamento e, uma pré-mutação que, passando pela meiose feminina, pode
ao fazer uma amniocemese posterior, encontrar um cariótipo resultar em ampliação para mais de 200 repetições, determi-
no rmal. Já foram descritos vários casos de síndrome de Prader- nando o aparecimento da doença em seus filhos. As mulheres
-Willi com essa evolução. O feto foi gerado como uma trissomia portadoras da pré-mutação podem apresentar falência ova-
15 e perdeu o cromossomo de origem paterna, ficando apenas riana prematura. Outra doença apresentada pelos portadores
com os dois cromossomos de origem materna, mecanismo j á dessa pré-mutação é a síndrome do tremor/ataxia associada
descrito em outras síndromes genéticas, como nas de Russel- ao X frágiL
-Silve r e Beckwith-Wiedemann. Também pode ocorrer em
algumas doenças auwssômicas recessivas, quando o cromos- GENÉTICA NA PRÁTICA OBSTÉTRICA
somo duplicado, de origem materna ou paterna, contiver
Algumas situações devem alertar o obstetra para a possi-
um gene de doença auwssômica recessiva com uma mutação
bilidade de o casal apresentar um risco maior de vir a ter um
daquela doença. Esse mecanismo já foi descritO na fibrose
filho com doença genética.
cística.

Mosaicismo Casais com risco aumentado de ter filhos com doenças


O mosaicismo consiste na presença em um mesmo indi- cromossômicas
víduo de duas linhagens de células geneticamente diferentes, • Idade materna elevada: mulheres com 35 anos ou mais
ambas derivadas de um único zigoto. Acostumou-se a pensar apresentam risco aumentado de vir a ter filhos com doen-
que cada indivíduo teria em wdas as suas células o mesmo ças cromossômicas numéricas, especialmente a síndrome
complemento de genes e cromossomos; no entanto, esse con- de Down.
ceitO é uma simplificação. As mulheres, em razão da inativa- • Cas ais com perdas gestacionais d e repetição: cerca de
ção ao acaso do cromossomo X, apresentam duas populações 3% a 5% dos casais com duas ou mais perdas gestacio-
diferentes de células somáticas: uma em que o cromossomo X nais, sejam abortamentos ou natimortos, são portadores de
paterno é o ativo e outra em que o cromossomo X materno é uma anomalia cromossômica estrutural balanceada com
o ativo. Mutações em células isoladas, tanto na vida pré-natal risco aumentado de novas perdas gestacionais e de vir a
como na pós-natal, podem produzir clones de células geneti- ter filhos com malformações e/ou deficiência intelectual.
camente diferentes do zigoto. Assim, esses casais devem submeter-se a estudo cromossô-
O mosaicismo é um fenômeno importante em doenças mico ames de uma nova gravidez.
cromossômicas, podendo acarretar fenótipos mais leves das • Casais com abortamento com estudo cromossômico
doenças. com anomalia cromossômica estrutural: quando em um
O mosaicismo pode ocorrer tanto em células somáticas estudo cromossômico de um abonamento for encontrada
como em germinativas. Quando ocorrem nestas células, po- uma anomalia cromossômica estrutural, seja por estudo
dem levar indivíduos sem o fenótipo de uma doença autos- ciwgenético, seja por arranjo de comparação genômica
sômica dominante, acondroplasia, por exemplo, a ter um ou hibridizada (CGH array), essa anomalia pode ter ocorri-
mais fLlhos afetados pela doença. As mutações somáticas são do por acidente e ser esporádica ou consequência de uma
reconhecidas como causa importante de vários tipos de câncer. anomalia cromossômica estrutural balanceada em um dos
membros do casal e, assim, é necessário o estudo cromos-
Expansões repetidas instáveis sômico do casaL
As expansões repetidas instáveis constituem um grupo de • Filho anterior com anomalias congênitas: em grande
doenças que têm como causa a expansão de um segmento porcentagem dos casos, as anomalias congênitas apresen-
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Capítulo 62 Genética em Ginecologia e Obstetrícia 507

tam etiologia cromossômica, e o casal pode ser portador de de a ser a doença mais frequentemente identificada nessa
anomalia cromossômica estrutural. situação. Outras doenças, atualmente incluídas na triagem
• Diagnóstico d e anomalia cromossômica estrutural ba- neonatal, terão número crescente de portadores identifica-
lanceada e m um dos parceiros: o risco dos filhos fULuros dos (p. ex., fibrose cística, fenilcewnúria, h iperplasia su-
dependerá dos cromossomos envolvidos e do sexo do par- prarrenal congênita e deficiência de b iotinidase).
ceiro portador. O risco pode se r altO, alcançando até 100% • Idade paterna elevada: a idade paterna elevada se associa
em algumas poucas situações. a risco maior de mutações novas de doenças autossômicas
• An omalias congênitas em parentes próximos: anoma- dominantes. Há controvérsia sobre a a partir de que ida-
lias congênitas podem ser de natureza mendeliana, cro- de esse risco é significativo, com alguns autores preconi-
mossômica ou multifatorial. Os casais com esse tipo de zando a mesma idade considerada elevada para a mãe (35
h istória devem ter esclarecidos o d iagnóstico correto e a anos). Também não é determinado o valor preciso desse
etiologia da anomalia para avaliação correta do risco de risco .
recorrência e da propedêutica a se r realizada. • Ou tras s ituações: deve ser lembrado que as síndromes de
• De ficiência intelectual em paren te próximo: também a anomalias congênitas múltiplas, a deficiência intelectual e
deficiência intelectual pode ter etiologias múltiplas, e ca- as perdas gestacionais também podem ser determinadas
sais com esse tipo de h istória também devem te r esclare- por doenças de gene único. Assim, em algumas situações,
cida a etiologia da deficiência intelectual para a avaliação esse tipo de etiologia deve ser avaliado, preferencialmente,
correta de riscos e da propedêutica a ser realizada. por médico geneticista.

Casais com risco aumentado de ter filhos com Casais com risco aumentado de ter filhos com
doenças de gene único doenças multifatoriais
• História familiar de doença autossômica d ominante: Um grande número de anomalias congênitas isoladas é de
a determinação de risco nas doenças autossômicas domi- natureza multi fatorial com risco não desprezível de recorrên-
nantes pode ser complexa em razão de problemas como cia. Cabe lembrar que esse risco depende do sexo do afetado,
expressividade variável, não penetrância, mutações novas, da gravidade da doença e da presença de outros casos em
antecipação, mosaicismo gonadal e expressão tardia. As- parentes próximos. As patOlogias mais importantes e que exi-
sim, é mais prudente uma avaliação pelo geneticista quan- gem atenção são:
do existir na família do casal história desse tipo de doença.
Com as técnicas moleculares disponíveis, em diversas si- • Filho anterior com defeito de fechamento do tubo neu-
tuações de dúvida já é possível avaliar com precisão não só ral: os defeitos do tubo neural (anencefalia, meningoce-
se um dos genitores é heterozigoto para um gene mutante le, mielomeningocele) apresentam risco de recorrência de
determinado, mas também o diagnóstico pré-natal ou pré- aproximadamente 5%, que pode ser reduzido para cerca
-implantação. de 1% mediante o uso diário periconcepcional de 4mg de
• Consanguinidade: trata-se de um fator de risco para doen- ácido fólico.
ças auLOssômicas recessivas. Quanto mais próxima, maior • Filho anterior com cardiopatia congênita: as cardiopa-
o risco. Por meio da história familiar é possível estabelecer tia$ congênitas, embora na maioria das vezes sejam de na-
esse risco com precisão. Quando nessa avaliação for detecta- tureza multifatorial, podem ser determinadas por vários
da a presença de doença autossômica recessiva ou a existên- outros mecanismos. O risco de recorrência dependerá do
cia de portadores de genes desse tipo de doença na família, tipo de cardiopatia e da h istória familiar. Às vezes será ne-
em algumas ocasiões pode-se oferecer o diagnóstico mole- cessária a avaliação com o geneticista clínico para determi-
cular para identificação dos portadores. nação desse risco.
• História d e doença recessiva ligada ao cromossomo X • Filho anterior com outras malformações is oladas: para
na família da mulher: quando esse tipo de doença existir, as demais malformações é aconselhável a avaliação do ge-
o risco para os filhos pode rá ser muito baixo ou de até neticista. As mais frequentes são polidactilia, fendas labiais
25%. Com a construção do heredograma é possível avaliar e/ou palatinas e malformações das vias urinárias e do siste-
melhor o risco e, em diversos casos, identificar ou afastar ma nervoso central.
a possibilidade de a mulher ser portadora do gene mutado
em questão por meio de exames moleculares. TESTES DE TRIAGEM PRÉ-NATAl
• Portadores de genes mutantes para doenças autossômi- Apesar da identificação de diversas situações de risco para
cas recessivas: com a d isseminação da triagem neonatal, doenças genéticas, a maioria das crianças com anomalias con-
certamente essa situação tende a se r mais frequentemen- gênitas é filha de genitores nos quais essas situações de risco
te identificada na prática cotidiana. Sempre que um dos não são identificadas. Assim, foram desenvolvidos d iversos
membros do casal for reconhecidamente portador de um testes de triagem para identificação de gravidezes com risco
gene para doença autossômica recessiva, o outro membro maior de resultar em recém-nascido com anomalias congêni-
merecerá investigação para avaliação dos riscos. Com a tas. Grande parte desses testes de triagem é dirigida à síndro-
triagem neonatal de rotina da anemia falciforme, essa ten- me de Down, a doença genética mais comum. Por esse mo-
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J 508 Seção I Ginecologia

tivo, a sens1b1lidade e a especificidade para outras sindromes meiro trimestre. A dimmuição da veloc1dade do fluxo, especial-
são menores. mente o aparecimento do fllLxo reverso entre I Oe 1-+ semanas,
Trata-se de procedimentos não invasivos com o objetivo de pode associar-se a aneuploidtaS e cardiopauas. Alterações na
identificar, entre as gra\'ldezes, um grupo no qual o risco de onda de velocidade do dueto \"enoso são observadas em 80%
anomalias fetaiS é ma10r do que o esperado na população. Um dos fetos com lrissomia do cromossomo 21 e em 5% dos fetos
teSle de triagem alterado md1ca Situação de riSCO, mas não fir- euploides (com número normal de cromossomos).
ma um diagnóSliCO, ex1gmdo d1agn6suco especifico posterior
que confirme ou afaste a patologia suspenada. Testes bioquímicas em soro materno
Os métodos de triagem para anomalias congênitaS mais Os testes bioquimtcos amda são pouco usados no Brasil.
comuns são a medida da transluctncta nuca!, a avaliação ul- O mais utilizado é o teste trlphce com a dosagem simultãnea
traSSOnográfica do osso nasal , a dopplerfluxometria do dueto da alfafetoproteina, gonadotrofina coriômca e estnol conjuga-
venoso e os testes bioqu!m1cos. d o. Quando se deseja o rastreamen to no pnmeiro tri mestre,
a dosagem da alfafetoprotelna é substitu!da pela dosage m da
Medida da translucência nucal proteína plasmática associada à gravtdez (PAPP-A):
A med ida da translucl!ncia nuca i consiste na aparência ul-
• Alfafetoprotelna: a alfafetoprotefna no soro materno pode
trassonográfica do acúmulo de fluido na região cervical pos-
estar aumentada em casos defeito de fechamento do tubo
terior do feto no primei ro trimestre da gravidez. Diante da
neu ral (anencefalia, ence falocele, meningomielocele) e da
avaliação ultrassonográfica, realizada entre I Oe 14 se manas,
parede abdominal (onfalocele, gastrosquise, extrofia de
essa medida se traduz na área anecoica da porção posterior
cloaca), de obstntções do trato d igestório, agenesia renal,
d o pescoço fetal, se ndo considerada normal quando <2 ,5 mm.
rins policisticos, nefrose congênita, osteogenese imperfei-
Programas computadorizados relacionam a med ida obtida
ta, higroma cisLico, defeitos de pele e outros menos fre-
com a idade gestacional, calculada por meio d o comprimento
quentes. Esta alfaprotelna pode estar d imi nu!da nas doen-
cabeça-nádega, sendo considerada anormal a medida >per-
ças cromossômicas fetais, principalmente nas trissomias e
centil 95 para a idade gestacional. Esses progra mas também
na doença trofoblástica.
fazem uma esumativa do nsco de anomalia cromossômica
Essas observações levaram à sua uulízação, entre 15 e
fetal, assoc1ando a medida da translucencia nuca! à idade ma-
20 semanas, como teste de triagem de trissomias, especial-
tema.
mente a sindrome de Down. e de defeitos de fechamento
A translucenc1a nuca! aumentada pode estar associada à
do tubo neural. Seus resultados são expressos em termos
lrissomia do cromossomo 21 , a outras anomalias cromossô-
de múltiplos da medtana da população (MoM) e, por ISSO,
micas (trissomta do cromossomo 18, monossomia do cro-
sua utilização exige a extSt!ncta de curva de normahdade
mossomo X), a mfecções congl!mtas, a defenos anatômicos,
na população e laboratóno expenente, além da ceneza da
principalmente carchopauas, e a algumas doenças de gene
idade gestacional, poiS seus n!ve1s variam em função dela.
único, como a slndrome de Noonan. O casal deve ser alertado
OutrOs fatores, como batxo peso fetal, ohgotdrámnio,
de que se trata de exame de tnagem e, assim, um resultado
gemelaridade e batxo peso matemo, podem elevar os ní-
alterado não sigrufica um d1agn6suco estabelecido, mas um
veis séricos matemos da alfafetoproteína, enquanto morte
alerta para o risco de algumas patolog1as e a indicação para
fetal e peso matemo elevado podem reduzir esses fatores.
realização de outros exames, pnnc1palmente o cariótipo. Al-
• Gonadotrofina coriõnica: os niveis de gonadotroli na coriô-
gumas vezes a translucl!ncía nuca! está au mentada e todos
nica no soro matemo, entre 15 e 20 semanas de gestação,
os demais exames se apresentam normais, prejudicando a
se encontram signilicaLivamente elevados em gravidezes de
definição do prognóstico, o que deve ser d iscutido antes da
fetos com sindrome de Down , sendo esse o marcador bio-
realização do exame.
qulmico mais sensrvel para a triagem pré-natal dessa síndro-
me. Na trissomia do cromossomo 18 são encontrados níveis
Avaliação ullrassonográfica do osso nasal muito baixos. Seus resultados são ex pressos em MoM.
Parce la signi[icativa dos fetos com s!ndrome de Down não • Proteína plasmática associada à gravidez: a PAPP-A é de
a presenta o osso nasal no primeiro trimestre. Por esse motivo, origem placentária e aumenta expone11cialmente no soro
a avaliação ultrassonográfica desse osso foi introd uzida como matemo até o fim da gravidez. Seus nfveis reduzidos já no
teste de triagem ele primei ro trimestre, e o exame é considera- primeiro trimestre de gravidez se associam a doenças cromos-
do positivo quando não é poss!vel sua visibilização. Estudos sômicas numéricas fetais.
mostram que, entre 11 e l3 semanas, o osso nasal não é visí- • Estriol não conjugado: os n!veis de estriol não conjuga-
vel em 60% a 70% dos fetos com trissomia do cromossomo do no soro matemo se encontram d1minu!dos no segundo
21 e em 2% dos fetos cromossomicamente normais. trimestre de gestações com fetos com s!ndrome de Down.
Seus resultados também são expressos em MoM.
Dopplerfluxometria do dueto venoso • Testes duplo e triplo: como são testes de tnagem, as do-
A avaliação do dueto venoso pela dopplerfluxomelria vem sagens bioquímicas no soro matemo ex1gem a realização
sendo progressivamente adotada como teste de triagem de pri- do cliagnóstico pré-natal para confirmar ou afastar a sus-
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Capítulo 62 Genética em Ginecologia e Obstetrícia 509

peita diagnóstica. Ao se usar apenas um teste, o número gravidez gemelar também podem ser difíceis de determinar e
de mulheres submetidas ao d iagnóstico pré-natal com re- exigem avaliação cuidadosa.
sultados normais é muito grande, o que significa riscos de Como se trata de um teste de triagem, os resultados posi-
perda fetal, perdas econômicas e transtornos emocionais. tivos devem ser confirmados por amniocemese ou coleta de
Para melhorar sua eficácia foram desenvolvidos testes as- vi lo corial, cabendo lembrar que esse exame ainda não é ofe-
sociando as dosagens de alfafewproteína e gonadotrofina recido pelas companhias de seguro-saúde nem pelo sistema
coriônica (teste duplo) e as três dosagens (alfafetoproteína, público. Apenas alguns laboratórios privados o oferecem e a
gonadotrofina coriônica e estrad iol - teste triplo). Embora um custo ainda elevado.
possam ser realizados emre 15 e 20 semanas de gravidez, Em síntese, apesar dos muitos avanços recentes nos tes-
o período ideal é emre 16 e 18 semanas. tes de triagem neonatal, os protOcolos de triagem neonatal
• Teste quádruplo: caracte riza-se pela associação de inibina não são uniformes, havendo múltiplos algoritmos disponíveis
ao teste triplo. para uso nos diversos estágios da gravidez, o que d ificulta
• Rastreamento no primeiro trimestre: para rastreamento a definição de um protOcolo ideal. Diversos centros adotam
mais precoce, no primeiro trimestre, usam-se PAPP-A, go- protocolos de acordo com seus recursos técnicos e financei-
nadotrofina coriônica e estriol entre lO e 13 semanas. ros, e com os quais têm mais experiência e se sentem mais
aptos a realizar.
No emamo, persistem dificuldades na avaliação dessas do-
sagens no pais, uma vez que exigem a existência de curvas
de normalidade das dosagens na população, laboratório ex- DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL
periente e conhecimento exatO da idade gestacional, do peso Atualmente, um grande número de doenças é passível de
materno e do número de fetOs, bem como tabelas específicas diagnóstico pré-natal. Basicamente são apresentadas quatro
de conversão dos resultados em riscos. abordagens para o diagnóstico pré-natal de anomalias fetais:
Atualmente, os testes de triagem neonatal para aneuploi- estudos ultrassonográficos e estudos cromossômicos, testes
d ia fetais mais efetivos e frequentemente usados resultam da b ioquímicos e anãlise do DNA.
combinação de idade materna, medida ultrassonográfica da
translucência nucal e outros marcadores uhrassonográficos, Estudos ultrassonográficos
bem como de marcadores bioquímicos no prime iro e segun- A ultrassonografta é um método importante para o estudo
do trimestres de gestação. da anatomia fetal. As principais anomalias mais frequente-
mente d iagnosticadas pela uhrassonografta são hidrocefalia,
Teste pré-natal não invasivo (NIPT) defeitos de fechamento do tubo neural, holoprosencefalia,
Os testes de triagem de anomalias cromossômicas são di- microcefalia, macrocefalia, hidranencefalia, cistOs de plexo
rigidos principalmente ao diagnóstico da trissomia do cro- coroide, anomalia de Dandy-Walker, higromas císticos, car-
mossomo 2 1, sendo menor sua sensibilidade para as demais diopatias, hérnias diafragmáticas, onfalocele, gastrosquise,
trissomias. extrofias de bexiga e de cloaca, atresias do tubo digestório,
Desde 20 l l tornou-se disponível nos cemros mais desen- agenesia renal, hidronefrose, rins policísticos, cistOs renais e
volvidos a possibilidade da triagem neonatal a partir do DNA obstruções uretrais com megabexiga. Entre as sindromes dis-
fetal na circulação materna, o denominado NIPT (do inglês mórficas, algumas displasias ósseas podem te r seu diagnósti-
Non Invasive Prenatal Test). Trata-se de um teste não invasivo co estabelecido por ultrassonografia.
em que a partir da coleta do sangue materno é estudado o Ao ser identificada uma anomalia fetal , está indicado estu-
DNA fetal, ali presente pela passagem de sangue da circulação do cuidadoso da anatomia fetal em busca de outras anoma-
fetal para a ci rculação materna. lias. Além disso , é indispensável o estudo cromossômico fetal,
Inicialmente é destinado ao d iagnóstico das aneuploidias pois as doenças cromossômicas se associam às mais diversas
cromossômicas mais impo rtantes (21, 18 e 13, X e Y) e à anomalias congênitas.
determinação do sexo fetal. Atualmente, já é possível a iden- Diante de um feto com anomalias estruturais e estudo
tificação de algumas sind romes de microdeleçôes, como as c romossômico normal é preciso ter muita cautela e evitar as
síndromes velocardiofacial e de Di Georgi (22qll), cri du chat tentativas de diagnósticos sindrômicos ou tranquilizar o casal
(1 p36 e Sp-). precipitadamente ("o feto é normal excetO por esse achado
Também nesse método a taxa de detecção da trissomia 2 1 ultrassonográfico"). Mesmo após o nascimento, com o exa-
é maior do que aquelas encontradas para as trissomias 13 e me físico completo e todos os demais exames d isponíve is, os
18 e aneuploid ias dos c romossomas sexuais (X, XXY, XYY), melhores centros de diagnóstico dismórfico do mundo não
ainda não existindo dados suficientes para uma melhor ava- conseguem estabelecer um diagnóstico sindrômico em cerca
liação da detecção de microdeleções. de 40% das pacientes. A abordagem dessa situação deve se r
Esse exame só pode ser realizado a partir da décima sema- feita preferencialmente por uma equipe multidisciplinar que
na de gravidez (9 semanas completas). Não devem realizá-lo come com a participação de ultrassonografista expe riente em
mulhe res que receberam transfusão sanguínea ou transplante morfologia fetal, geneticista, obstetra, neonawlogista, cirur-
de medula óssea recentemente. Os resultados em casos de gião pediátrico e psicólogo.
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J 510 Seção I Ginecologia

Estudos cromossômicos dose extra (adição, duphcação) ou sua ausencia (deleção). No


O exame de natureza genético recomendado na grande diagnóstico pré-natal, muitas vezes são usadas para a obten-
maioria das snuações em que está mdicado o diagnóstico pré- ção de resultado ráptdo, que não depende de culturas celula-
-natal é o estudo cromossômico. Suas principais indicações res, ou para o diagnóstico de algumas slndromes especificas,
são idade materna elevada, resultado anormal em testes de como deleções cromossómtcas muno pequenas e slndromes
triagem pré-natal, anornahas fetats detectadas ao ultrassom, de genes conúguos.
filho anterior com anomalias cromossómtcas numéricas, ano- A amplificação pela PCR de mtcrossatéhtes do cromosso-
malias cromossõmtcas estruturaiS balanceadas em um dos mo 21, em conjunto com densnometna a laser asstsuda por
membros do casal e determinação do sexo fetal, quando a computador, vem sendo uultzada por dt,•ersos pesquisadores,
mãe for portadora de gene de doença recesstva ligada ao X. especialmente para o dtagnósuco pré-natal da sindrome de
Down, em DNA extra Ido de células fetats, células do liquido
amniólico ou de vilos conônicos. De modo semelhante, a ci-
Estudos do DNA togenélica molecular com a utilização da PCR pode ser usada
Embora um grande número de doenças genéticas já tenha para o diagnóstico pré-natal das trissomias 13, 16, 18 e 21
seu gene identificado, isso não significa que sempre seja pos- e das anormalidades numéricas do cromossomo X. Alguns
sivel seu diagnóstico molecular, porque em muitas delas o laboratórios oferecem o diagnóstico de trissomias de todos os
número de mutações possiveis é muito grande (centenas para cromossomos por meio da citogenética molecular.
algumas doenças) e em outras há mais de um gene e em cada Na técnica FISH (hibrid ização in sit.u por nuorescência),
um desses genes diversas mutações podem ser responsãveis sondas especificas de DNA para cromossomos ind ividuais,
por sua etiologia. regiões cromossômicas ou genes são utilizadas para identi-
Para o diagnóstico molecular pode-se lançar mão de mé- ficação de rearranjos cromossômicos particulares ou para o
todos diretos ou indiretos. Os diretos estudam a própria diagnóstico rápido de um número anormal de cromossomos
estrutura molecular do gene. Na maioria das vezes utilizam no material estudado.
enzimas de restrição associadas ao Southern blot ou à reação Outra técnica recente que possibilita identificar pequenas
em cadeia da polimerase (PCR) ou sequenciamemo genético. deleções e duplicações de segmentos de DNA que não podem
Quando existe doença de etiologta mendeliana na farnllia, um ser ,·istas pelo microscópio é a htbridtzação comparativa do
pré-requistto para o diagnóstico pelo estudo do DNA consiste genorna (CGH) com base em mtcroarranjos (CGH array ou
em identificar o gene envolvido e a mutação da doença presen- aCGH). Essa técnica, usada micíalmente em oncologta, vem
te na l'amilia. Como já abordado, urna mesma doença pode ser sendo aplicada para o diagnósuco de fetos e cnanças com
ocasionada por genes dtferentes e por mutações dlSlintas, e para malformações sem anomaltas detectávets no estudo cromos-
o diagnóstico pelo estudo do DNA é md!Spensãvel a obtenção sômico pela cítogenéuca convenctonal, mas com pequenas
dessas duas respostas. Caso amda não sejam conhecidos o gene deleções e inserções resultantes de tnstabthdades genOmicas.
e a mutação envoh~dos é necessáno, antes do dtagnóstico pré-
-natal, proceder ao estudo do DNA de pelo menos um membro Estudos bioquímicas
afetado da famiha para idenuficar o gene e a mutação que de,·em Muitas doenças metabólicas, como mucopolissacandoses,
ser pesqu!Sados no diagnóstico pré-natal. lípidoses e erros do metabolismo dos aminoáctdos, podem
Nas abordagens mdtretas são reahzados estudos de ligação. ser diagnosticadas no pré-natal por meto de dosagens enzi-
Para que isso seja possivel é necessário conhecer um locus máticas ou de metabólttos realizadas em liqutdo amniótico ou
polimórfico próximo a um gene que, quando mutado, predis- no vilo corial. No entanto, são poucos os laboratórios brasilei-
põe ou detennina a manifestação de uma doença. O princípio ros que as realizam, e as técnicas de diagnóstico molecular as
do estudo de ligação é que dois locí próximos não sofrem vêm substituindo com vantagens.
recombinação na meiose, sendo então segregados por várias
gerações. O locus polimórfico funciona como um sinal que
prediz a presença ou ausencia do ge ne no feto. Para isso são TÉCNICAS INVASIVAS PARA COLETA DO
analisados os DNA do feto e dos gcnitores, que serão tipados MATERIAL FETAL
por Southem blot ou PCR para o lows polimórfico conhecido. O objetivo dessas técnicas é a coleta de células fetais que pos-
Os estudos de ligação são ind icados quando o gene é des- sibilitem a realização dos estudos cromossõmicos, de DNA, ou
conhecido, sendo imposslvel a procura por mutações, ou dosagens bioqulmicas. A escolha da melhor técnica dependerá,
quando apresenta grande número de mutações e nenhuma é muitas vezes, da avaliação prévia do caso, sendo as mais impor-
prevalente na população, sendo muito dispendiosa a procura tantes a coleta de vi lo corial, a amniocentese, a corclocentese e o
sistemática das diversas mutações (FISH, citogenética mole- diagnóstico pré-implantação. A diSCussão dos detalhes técnicos
cular, CGH array). de cada uma delas é objeto de outros capltulos deste livro.
Apesar de essencialmente moleculares, essas abordagens se
situam na frontetra entre os estudos cromossómicos e os de Biópsia de vilo corial
DNA. Trata-se do estudo de regtões criticas do DNA de diver- A biópsia de v!lo corial consiSte na reurada de pequena
sas regtões cromossómtcas para tdenuficar sua presença em quantidade do córion frondoso, que é geneucamente represen-
r
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Capítulo 62 Genética em Ginecologia e Obstetrícia 511

tativo do fetO, como amostra dos exames que serão realizados. somias 21, 13, 16, 18, 22, monossomia X, triploidias) e tran-
Pode ser realizada com segurança a partir de 1O semanas de quilidade materna, alguns laboratórios realizam técnicas de
gravidez. Quando realizada a partir de 12 semanas, alguns au- citogenética molecular ou FISH para essas alterações. Essas
tOres denominam esse procedimento de biópsia de placenta. técnicas oferecem um resultado preliminar em relação a essas
Apesar de inicialmente te r sido utilizada a via transcervi- anormalidades em 1 a 2 d ias e posteriormente um resultado
cal, atualmente esse procedimento está praticamente restritO definitivo com o estudo ciwgenélico tradicional.
à via transabdominal, na qual o risco de complicações é bem A amniocentese é procedimento bastante seguro com risco
menor e a coleta pode se r realizada até o final da gravidez. de abonamento inferior a 0,5%. Suas complicações mais fre-
A quantidade de material a ser coletada dependerá da ha- quentes são sangramemo vaginal e sensibilização pelo fator Rh.
bilidade do laboratório e, algumas vezes, dos exames a serem
realizados. Em geral, para estudos cromossômicos a quanti- Cordocentese
dade ideal é de 20mg de vilo; no entantO, alguns laboratórios A cordocentese consiste na coleta de sangue diretamente
conseguem obte r resultados de quantidades tão pequenas do cordão umbilical orientada por exame ultrassonográfico.
como 1 a 5mg. O sangue obtido pode ser utilizado para estudos cromossômi-
Quando se deseja material para estudos de DNA (diagnós- cos e do DNA, dosagens bioquímicas, diagnósticos de hemo-
tico de doenças de gene único, determinação de paternida- globinopatias, dosagens de lgG e lgM fetais e uma variedade
de), esse é o métOdo de escolha, pois para esse tipo de análise crescente de novos exames.
não é necessária a realização de cultura. Para estudos cromos- Suas indicações mais frequentes são achado de anomalia
sômicos, alguns laboratórios preferem a cultura a curtO prazo fetal pelo estudo ultrassonogrãfico, falha em obte r resultado
(24 horas), que provê o resultado em 3 a 5 dias. ou resultado ambíguo na amniocentese ou para doenças que
A grande vantagem da coleta de vilo corial é sua precocida- só podem ser diagnosticadas por testes bioquímicas em plas-
de, reduzindo o período de incerteza do casal. ma fetal ou células sanguíneas.
Em cerca de 1% dos casos são encontrados mosaicismos Pode ser coletada a partir de 18 semanas de gravidez; no
cromossômicos, os quais, na maioria das vezes, estão restritos a entanto, sua coleta é mais d ifícil do que a de vilo corial e am-
tecidos trofoblásticos. No entanto, para essa definição é neces- niocemese. A perda fetal pelo procedimento se situa em tOrno
sária a realização posterior de amniocentese. Nos poucos casos de 1%. Suas complicações mais comuns são sangramento no
em que a amniocentese confirma o mosaicismo encontrado no local da punção, hematoma de cordão umbilical , bradicardia
vilo, o aconselhamento genético é complexo e exigirã consulta fetal, hemorragia fetO-materna, sensibilização pelo fator Rh,
com geneticista experiente em diagnóstico pré-natal. descolamento prematuro da placenta e pano pré-termo.
Os riscos maternos mais frequentes da coleta de vilos
coriais são: sangramento vaginal, infecção e sensibilização GENÉTICA NA PRÁTICA GINECOLÓGICA
pelo fatOr Rh, os quais são minimizados com a experiência
dos profissionais envolvidos na coleta e com o d iagnóstico e lnfertilidade
cuidados necessários nas mulheres Rh-negativas. O risco de A infenilidade acomete 10% a 15% dos casais e tem causas
abortamento é menor do que 1%. múltiplas e variáveis. Entre essas causas estão presentes fato-
Estudo conduzido sob o controle da Organização Mundial res genéticos, como os descritos a seguir:
da Saúde, abrangendo 138.996 coletas de vilo corial, con-
cluiu que esse tipo de exame é seguro, com taxa de perda fetal Anomalias cromossômicas
comparável à da amniocentese e a mesma incidência de defei- Em cerca de 2% a 4% dos casais com in fertilidade são en-
tOS de membros da população em geral. Esse mesmo estudo contradas anomalias cromossômicas estruturais dos cromos-
concluiu pela inexistência de qualquer anomalia congênita somos auwssômicos no homem e na mulher.
associada à biópsia de vi lo corial. Como seria de se esperar, as anomalias dos cromossomos
sexuais também estão envolvidas na etiologia da inferLilida-
Amniocentese de. Algumas vezes, o diagnóstico é fácil, como nos fenótipos
A amniocentese consiste na utilização de líquido amnióti- típicos da sindrome de Turner por monossomia X (cariótipo
co, coletado pela punção da cavidade amniótica, como amos- 45,X, anteriormente descrito como 45,XO). Quando se trata
tra para a realização dos estudos necessários. Costumam ser de mosaicismos cromossômicos ou de anomalias estruturais
coletados cerca de 20m L, e são estudadas células fetais (fibro- do cromossomo X, o d iagnóstico pode ser mais difícil, o mes-
blasws) provenientes da descamação da pele, das vias uriná- mo ocorrendo nas poliploidias do cromossomo X (cariótipo
rias e do tubo d igestório, após cultura. Podem ser realizados 4 7 ,XXX ou 48,XXXX). Quando se trata de infertilidade mas-
estudos cromossômicos, análise do DNA, testes bioquímicas culina, deve-se levar em conta a possibilidade da síndrome de
e dosagens hormonais. Klinefelter (cariótipo 47,XXY).
Em geral, a amniocentese é coletada a partir de 15 sema-
nas, e seu resultado, por ser dependente de cultura celular, Jnfertilidade masculina
demora cerca de 10a 14 dias. Para um resultado mais rápido Aproximadamente 7% a 10% dos homens apresentam oli-
em relação às anormalidades mais comuns nesse exame (tris- gospermia ou azoospermia. Após as causas obstrulivas, as
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J 512 Seção I Ginecologia

genéticas são as mais frequentes. Cerca de 10% desses pa- Assim, o casal deve ser submettdo a estudo cromossômico
cientes têm slndrome de Khnefelter. Quando o cariótipo for ames de nova gra\'idez.
normal, deverá ser avahada a possibthdade de microdeleções
no cromossomo Y. Cerca de 10% a 15% desses pacientes Crianças com genitália ambígua
apresentam mtcrodeleções do cromossomo Y na região AZF A avaliação precoce e oportuna da cnança com genitáha
(abre,·iação de fator da azoosperrma, em ingles), onde se en- amblgua de,·e ser feita logo após o nasc1mento, evttando com-
contram dt,·ersos genes envolvtdos na esperrna10genese. Es- plicações emocionaiS rna1s graves, além de poss1b1htar a con-
sas microdeleções não podem ser detectadas pelo estudo cro- dução m.ais adequada do caso. Trata-se de uma tarefa mul-
mossômico por meto da cttogenéuca convenctonal, exigindo tidisciplinar, envoh-endo ch,·ersos espec1ahstas, dependendo
o diagnóstico por FISH ou métodos moleculares. do caso.
Nos casos de slndrome de Khnefelter, a ICSI (injeção inua- Além da deterrmnação do sexo genéttco, que deve ser rea-
citoplasmática) pode levar à gravidez, mas há risco aumenta- lizada por meio do estudo cromossômtco, deve ser realizado
do de filhos com slndrome de Klinefelter ( 4 7 ,XXY) ou triplo exame físico minucioso em busca de outras anomalias asso-
X (mulher com carióttpo 47,XXX). Nos casos de microdele- ciadas que possam sugerir d1agnóstico sindrOmico.
ções do cromossomo Y, a ICSI pode resulta r em gravidez, mas Cerca de 89 slnd romes apresentam como caracterislica
todos os filhos homens herdarão a deleção no cromossomo Y fenotfpica a genitália ambigua. Entre as não cromossômicas
e, portanto, serão também in férteis. mais comuns estão as seguintes:
A agenesia bilateral congenita de vasos defe rentes e a fibro-
se cfstica apresentam um bacllgounc/ genético e embriológico • Sínd rome de Smith-Lem li-Opitz.
comum, e cerca de 65% dos homens com agenesia congêni- • Sínd rome de Opitz.
ta de vasos deferentes são portadores de mutações do gene • Hiperplasia congênita da suprarrenal.
CFTR (da Eibrose clstica) em hete rozigose (nesse caso, são Entre as s!ndromes cromossômicas, as mais comuns são:
portadores) ou homozigose (nesse caso, têm fibrose cfslica). 45,X/46,XX; 46,XX/46XY; mulheres 46,XY (testlculos femi-
Embora possam vir a ter filhos por técnicas de aspiração e nilizames, disgenesia gonadal); e anirid ia- tumor de Wilms
1CSI, é necessário verificar se suas parceiras também são por- ( 46,XY,del[ll l [pl31).
tadoras de uma mutação em heterozígose daquele gene, pois,
em caso afirmativo, eles apresentam risco de 25% (quando Amenorreia primária
portadores) ou de 50% (quando têm fibrose dstica) de ter um Existem mais de 20 s!ndromes, cromossômicas e não cro-
filho com fibrose clsttca ou com agenesia congenita bilateral mossômicas que exibem amenorreta pnmária, sendo a mais
de duetos deferentes. frequente a slndrome de Turner.
Urna parcela de pactentes que não apresentam mutações Entre as não cromOSSOmtcas são encontradas as slndromes
no gene CFTR mantfesta assoc1ação com agenes1a renal unila- de Goldenhar e Kallrnann e a sequênc1a de Rokuansky.
teral, que pode fazer pane de um grupo de anomalias renais
denominadas Congemral Anomalies oj lhe Kidney and Urinary Menopausa precoce
Tracr (CAKUT) com herança autOSSOmica dominante com
Enue as causas de menopausa precoce estão as alterações
baixa penetráncia e express1vtdade variável.
estruturais do cromossomo X e os mosatcismos envolvendo
Dados epidemtológtcos sugerem que as pacientes sub-
esse cromossomo. Além disso, está bem estabelectda a falenda
melidas a tratamentos de mfenilídade apresentam risco au-
precoce da função ovariana em portadoras da pré-mutação da
mentado de gerar fetos com anormal idades cromossômicas.
síndrome do X frágil, que é a causa mais frequente de deficiên-
Assim, esses casais devem ser adequadamente esclarecidos,
cia intelectual familiar, sendo mais comum no sexo masculino.
idealmente antes do tratamento, e em casos especfficos deve
Assim, diante de uma mulher com falencia ovariana pre-
ser providenciado o diagnóstico pré-nat.al.
matura, principalmente se apresentar história familiar de
Em virtude da alta p revalCncia do traço falci fo rrne na po-
deficiência intelectual, deve-se considerar a necessidade de
pulação (3% em Minas Gerais), convém ve rificar se um ca-
estudo molecular para essa doença com contagem do número
sal que desej a submeter-se às téct1icas de fertilização in vitro
de repetições CGG.
(FIV) o apresenta.

Casais com perdas gestacionais DIAGNÓSTICO GENÉTICO PRÉ-IMPLANTAÇÃO (PGO)


Como descrito na seção ded icada à prática obstétrica, cer- Desenvolvido para aprimorar os resultados da fertilização
ca de 3% a 5% dos casais com duas ou mais perdas gesta- in vitro (FIV), o diagnóstico genético pré-implantação evoluiu
cionais, independentemente das 1dades gestacionais, são por- para a possibilidade diagnósuca de grande número de doen-
tadores de anomahas cromossOmtcas estruturais balanceadas ças cromossômicas e de gene úmco, criando um novo am-
com risco aumentado de ter filhos com anomalias congênitas biente no cenário da reprodução humana.
e deficiência mtelectual. Esse nsco depende do cromossomo Como se sabe, a aneuploidta é a princ1pal causa de falha na
em·oh'ido, do ttpo de anomaha e do sexo do parceiro por- implantação, abono e anomahas congêmtas e consutui uma
tador, e pode ser alto, chegando a 100% em alguns casos. causa importante de falhas na reprodução asststtda. Estudos
r
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Capítulo 62 Genética em Ginecologia e Obstetrícia 513

pré-clínicos sugeriam que a seleção e a implantação de em- é necessária a presença de fatores ambientais para o apare-
b riões utilizando essa técnica poderiam melhorar os resulta- cimento da doença, o que acontece porque o câncer exige
dos da FIV um processo complexo de mutações somáticas para se de-
O PGD foi inicialmente desenvolvido para diagnosticar as senvolver. No entanto, como apresenta etiologia multi fatorial,
principais causas de abonamento e de sindromes cromossô- múltiplos genes (de predisposição) estão envolvidos e, assim,
micas de anomalias congênitas, como as trissomias 13, 16, muitas famílias têm risco acima da média de desenvolver cân-
18, 21 e dos cromossomos sexuais, possibilitando a identi- cer, mesmo na ausência de um padrão óbvio de herança men-
ficação do sexo do embrião, a qual é especialmente útil nas deliana (de gene único).
situações de risco para doenças ligadas ao cromossomo X. Estima-se que cerca de 5% dos cânceres sejam hereditários.
Atualmente, com o uso de dive rsas técnicas e plataformas Embora raras, essas situações merecem ser adequadamente
de diagnóstico molecular, é possível não apenas a triagem para identificadas, principalmente para evitar expectativas e medos
as aneuloidias de todos os cromossomos, mas também para o infundados entre as pacientes. Além disso, a compreensão des-
d iagnóstico do crescimento de doenças de gene único. sa situação favorece o uso adequado dos testes de suscetibili-
O PGD consiste na obtenção de b iópsia celular de um em- dade atualmente disponíveis. Para caracterização de um caso
b rião para avaliação de sua composição genética, possibili- de câncer como familial é necessária a construção de um here-
tando a seleção de embriões não afetados para a transferência dograma, o que pode exigi r conhecimentos específicos para a
ao úte ro. garantia da confiabilidade dos dados obtidos.
O diagnóstico pré-implantação pode se r conseguido po r Para a construção de um heredograma devem ser obtidas
meio de técnicas de micromanipulação para remover um informações de pelo menos três ge rações e, nos casos de cân-
corpo polar ou por b iópsia de uma única célula do blastôme- cer, é preciso saber se na família existe apenas um tipo de
ro no estágio de seis a dez células, após fertilização in vitro. cânce r ou mais de um e, nesse caso, quais. É necessário sabe r
Análises moleculares podem se r feitas usando PCR, FISH, ar- a idade do inicio da doença em cada um e, semp re que possí-
ranj o de hibridização genômica comparativa (aCGH) e outras vel, ter acesso aos resultados dos exames realizados. A seguir,
plataformas moleculares. sáo enunciados os critérios utilizados para caracterização de
O diagnóstico pré-implantação pode se r indicado para um câncer como familial. O achado de pelo menos um crité-
identificação de sexo fetal, aneuploidias, microdeleções, mi- rio torna possível caracterizar o câncer como familial:
croduplicações e doenças de gene único. Quando indicado
• Mãe ou irmã com cânce r de mama diagnosticado antes dos
para o diagnóstico de doenças de gene único, o método deve
40 anos.
ser muito específico. É necessário saber qual doença se deseja
• Mãe ou irmã com cânce r diagnosticado antes dos 50 anos
diagnosticar, qual mutação específica se deseja detectar e qual
e outra parente próxima do mesmo lado da família com
o métOdo adequado para fazê-lo. Se existem casos de doenças
câncer de mama, ovário, cólon, endométrio ou sarcoma
de gene único na família, é preciso saber quais as doenças e
diagnosticado ames dos 65 anos.
as mutações a pesquisar. Muitas vezes, isso exige o estudo
• Mãe ou irmã com câncer de mama diagnosticado entre 50
molecular prévio de familiares afetados pela doença para se
e 65 anos e outro parente próximo do mesmo lado da fa-
saber qual mutação específica pesquisar.
mília com câncer de mama, ovário, endométrio, colorretal
O PGD utilizando plataformas mais modernas de diagnósti-
ou sarcoma diagnosticado antes dos 50 anos.
co molecular pode revelar alterações que não se constituíam no
• Mãe ou irmã com duplo cânce r primário (cânce r de mama
alvo principal da investigação, o que levou ao surgimento de
e/ou ovário, cólon, endométrio ou sarcoma), sendo pelo
diversos questionamentos éticos sobre o que reportar ao casal.
menos um deles diagnosticado antes dos 50 anos e o cân-
Esse debate ético está longe de terminar e é importante conhe-
ce r de mama d iagnosticado antes dos 65 anos.
cê-lo para determinar uma prática mais adequada. Diante de
• Padrão de herança autossômica dominante de câncer de
tantas possibilidades para o PGD e questões éticas, é essencial
mama (quatro ou mais casos de câncer de mama ou ovário
que o casal receba o aconselhamento genético pré-teste e pós-
ou ambos no mesmo lado da família e em qualquer idade).
-teste e, especialmente quando envolver questões éticas, seu
• História de cânce r na mãe ou pai (colorretal, ovário, endo-
encaminhamento deve envolver uma equipe multidisciplinar.
métrio ou sarcoma) diagnosticado antes dos 50 anos e pelo
Câncer ginecológico e da mama menos um parente com cânce r de mama d iagnosticado an-
tes dos 50 anos.
À luz dos conhecimentos atuais, o câncer é fundamen-
• Dois ou mais tipos de cânce r (mama, ovário, colorretal,
talmente uma doença genética, podendo ocorrer espo radi-
endométrio ou sarcoma) em parentes próximos do lado
camente como resultado de mutações somáticas no indivíduo
paterno com um caso diagnosticado ames dos 50 anos.
ou em diversos indivíduos da mesma família (câncer familial)
como uma característica hereditária. No entanto, neste último Três classes de genes são relevantes para a prática clínica
caso, os aspectos clássicos da he rança mendeliana não são atual: os oncogenes, os genes de supressão tu moral e de repa-
suficientes para explicar tOdo o processo. ração do DNA. Todos esses grupos são fundamentais no con-
A grande maioria dos cânceres é esporádica e tem origem trole da divisão celular, e mutações em algum deles podem
multifatorial, ou seja, embora exista predisposição genética, alte rar sua função , predispondo ao aparecimento do câncer.
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J 514 Seção I Ginecologia

A Figura 62.4 ap resenta os diversos ciclos da divisão celu- Os genes de suscetibilidade mais conhecidos pelos gineco-
lar que auxiliarão a compreensão do pomo em que atuam os logistas são o BRCA1 e o BRCA2, que são associados ao risco de
genes envolvidos na gênese do cânce r. câncer de mama e ovário familial. O BRCA1 está localizado no
Os oncogenes atuam na fase G 1 da divisão celular, ace- cromossomo 17 (l7q2l), enquanto o BRCA2 está situado
le rando o c rescimento celular, e podem causar o câncer se no cromossomo 13 (l3q12-q 13). O BRCA é um ge ne de su-
ap resenta rem mutações específicas, amplificações ou expres- pressão tumoral e, como tal, necessita sofre r dupla mutação
são exagerada (ganho de função). As mutações dos oncogenes para perder sua função.
são quase semp re eventos somáticos, ou seja, acontecem na Embora as mutações no BRCA sejam relativamente infre-
célula tumoral. quentes, foram descritas centenas. No emamo, nem todas
Os ge nes supresso res do tumor atuam ames da fase de são prejudiciais. As mais comuns incluem a 185delAG e a
síntese (5), interrompendo o crescimento celular. A perda da 5382 insC. As mutações envolvidas variam de acordo com a
função dos genes de sup ressão tumoral pode induzir o cân- etnia e a região geográfica. Uma minoria parece ter significado
ce r. Para isso geralmente é necessãria a perda de função das clínico, sendo óbvio que, se um indivíduo herda o ge ne com
duas cópias dos genes de supressão tu moral. uma mutação , é bastante real a probabilidade de ocorrência
Os genes de reparação do DNA atuam na fase G2 da d i- da segunda mutação e, consequememente, do aparecimen-
visão celular e ap resentam características semelhantes às dos tO da doença. Entretanto, a identificação dessas mutações na
genes de supressão tu moral. prática clínica ainda ap resenta controvérsias, e as opções para
Algumas doe nças genéticas se associam a fone p redispo- prevenção do câncer em portadores da mutação no BRCA se
sição para o aparecimento de vários tipos de cânce r. Entre baseiam fundamentalmente na vigilância clínica e radiológica
aquelas que apresentam predisposição aumentada aos cân- rigorosa em busca do diagnóstico precoce.
ce res ginecológicos, além de outros tipos de cânce r, encon- Apesar da crescente demanda por testes de portadores de
tram-se: síndrome de Gorlin ou carcinoma nevoide de célu- mutações no BRCA, esses testes devem ser oferecidos a pes-
las basais (fibromas e carci nomas ovarianos); síndrome de soas que pertençam a famílias de alto risco nas quais seja alta
Bloom (câncer cervical); sínd rome do câncer de mama com a probabilidade de have r mutação na linhagem ge rminativa
translocação 11;22 associada (cânce r de mama); síndrome em um gene BRCA e, portanto, a ocorrência do câncer possa
de Cowden ou hamartomas múltiplos (câncer de mama); representar a expressão de uma predisposição genética alta-
disgenesia gonadal (as gõnadas disgenéticas são de alto risco mente penetrante.
para malignização); síndrome do cânce r de mama e ovário A mastecwmia bilateral profilática e/ou oofo rectomia profi-
he reditária (geralmente antes dos 40 anos, se ndo a doen- lática em portadores de mutação no BRCA tem sido discutida
ça frequentemente bilateral); câncer colorretal não polipoi- por alguns grupos como opção, mas esbarra em uma sé rie de
de hereditário (mama, ovário e endométrio); síndrome de problemas éticos. Alguns estudos têm demonstrado que, de-
li-Fraumen i (câncer de mama de início p recoce); sí nd ro- pendendo do procedimento utilizado na mastectomia, até 5%
me de líquen escle roatrófico (quando a lesão acomete a re- de tecido mamário permanecem in situ, podendo representar
gião vulva r, há risco aumentado de evoluir para carcinoma risco potencial para a paciente apesar da conduta radical.
escamoso); sínd rome de Muir-Torre (mama, ovário, endo- Outro avanço nos casos de câncer diz respeito à análise
métrio); neoplasia endócrina múltipla (tumor de ovário); genética do tecido tumoral para a avaliação do prognóstico.
síndrome do cânce r de ovário; ataxia-telangiectasia (os hete- Alguns marcadores ge néticos podem ser utilizados para aju-
rozigotOs apresentam risco aumentado de cânce r de mama). dar na conduta após o tratamento cirúrgico. Nos casos de
O fato de um ind ivíduo se r portado r de uma mutação em câncer de mama, o oncogene HER2/neu/ERBB2, localizado
um gene de predisposição ao cânce r não significa que obriga- no cromossomo 17 (l7q2l), quando expresso de maneira
toriamente terá o cânce r. Como o próprio nome diz, trata-se exagerada no tecido tumoral, é associado a prognóstico des-
de um gene de predisposição e não de diagnóstico. favo rável nos casos de cânce r de mama no estádio 2 com evo-

Mitose .. L _ l-
M
I .. Crescimento celular

Genes de
G2 G2 On cogenes
reparação de DN A

Síntese e Síntese e
replicação de DNA
~
I s Go replicação de DNA
Genes de
supressão tumoral
Figura 62.4 Ciclo celular.
r
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Capítulo 62 Genética em Ginecologia e Obstetrícia 515

lução mais agressiva da doença. O HER2/neu/ERBB2 também A identificação de famílias de risco para doenças genéticas
tem sido utilizado como marcado r p rognóstico nos casos de deve leva r o médico a indicar um geneticista com experiência
câncer ce rvical e ovariano. nessa área.
Mutações ou expressão exagerada do p53, um gene de su-
pressão tumoral, podem ser encontradas nos casos de cânce r leitura complementar
de mama e estão relacionadas com prognóstico desfavorável. Brezina PR, Kearns WG. lhe evolving role of eenetics in reproductive
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Lee E, lllingworth P, Wilton L, Chambers GM. The clinicai effective-
nal Version (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/books!NBK6576l) ness of preimplantation genetic d iagnosis for aneuploidy in ali 24
fornece aos profissionais de saúde info rmações abrangen - chromosomes (PGO-A): systematic review. Hum Reprod. 2015
tes sobre a abo rdagem do cânce r genético com base em Feb; 30(2):473-83.
evidências. Lichtenbelt KD, Knoers NV, Schuring-Biom GH. From karyotyping to
array-CGH in prenatal diagnosis. Cytogenet Genome Res 201 1;
Os avanços no conhecimento da import.ãncia da genéti- 135:241 -50.
ca no câncer, a proliferação de testes de suscetibilidade e os Milunsky A and Milunsky JM. Genetic disorders and lhe fetus diag-
aspectos éticos envolvidos tOrnaram o aconselhamento gené- nosis, prevention and treatment. 7. ed. New Jersy: John Wiley &
tico em ontologia uma área exaustiva e complexa que levou Sons Inc., 2016.
Nicolaides KH, Figueiredo OB. O Exame ultrassonográfico entre 11-
ao su rgimento de uma área específica na genética clínica, a 13 semanas. Londres: Fetal Medicine Foundation, 2004.
oncogenética, hoje disputada por alguns centros a se torna r Nussbaum RL, Mcinens AR, Willard HF. Thompson &Thompson ge-
uma área de atuação na genética médica. netics in medicine. 8. ed. Philadelphia: Elsevier, 2016.
CAPÍTULO (

Atendimento às Pessoas em Situação


de Violência Sexual no Brasil
Antônio Ca rlos Pinto Guimarães
Maria Flávia Furst Giesbrecht Gomes Brandão

INTRODUÇÃO sexuais, abusos emocionais, prostituição forçada, mutilação ge-


A sociedade civil, ao longo das últimas décadas, passou a nital, violência racial ou por orientação sexual.
reivindicar os direitos essenciais à vida humana, como saú- Entre os vários tipos de violência, a sexual representa uma
de , justiça e cidadania. A Declaração Universal dos Direitos das mais danosas, vistO que provoca grandes t ranstOrnos físi-
Humanos, promulgada em 1948, tornou-se fonte de inspi- cos e emocionais, como ansiedade, medo , pesadelos, dores no
ração para a construção de vários tratados inte rnacionais e corpo, risco de contrair doenças sexualmente transmissíveis
constituições ao elencar direitOS que visam resguardar valores (DST), gravidez indesejada, além de tOrnar as vítimas mais
fundamentais ao ser humano, como d ignidade da pessoa hu- suscetíveis ao consumo excessivo de d rogas, à prostituição, às
mana, igualdade, liberdade, solidariedade e fraternidade, sem disfunções sexuais, às doenças psicossomáticas, à depressão
qualquer distinção de sexo, raça, co r e idade. e ao suicídio. É definida como tOda ação na qual uma pessoa
A Constituição Federal do Brasil, promulgada em 1988, em situação de poder obriga outra a realizar práticas sexuais
trouxe para o sistema jurídico nacional os pátrios d ireitos e os contra sua vontade.
deveres dive rsos. Em seu texto é confirmada a igualdade de Instrumentos jurídicos foram criados para institucionalizar
gênero, é proibida a discriminação e são previstos os deve res o atendimento ob rigatório e integral de pessoas em situação de
do Estado em prover políticas públicas de combate à desi- violência sexual em todo o Brasil e, em particular, em Minas
gualdade de sexo. Gerais. A Resolução Conjunta 14 (SES/SEDS/SEDESEIPCMG/
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a violên-
Plv!MG/MPMG/COSEMS), de 30 de dezembro de 2005, criou a
cia como "o uso da força física ou poder, em ameaça ou na
Comissão Técnica l nterinstitucional para integrar e implemen-
prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo
tar as ações de atenção às vítimas de violência sexual no Estado
ou comunidade, que resulte ou possa resultar em sofrimen-
de Minas Gerais. O Decreto 46.242, de 15 de maio de 2013,
to, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejud icado ou
dispõe sobre o atendimento humanizado às vítimas de violên-
privação" e reconhece a violência como um grave problema
cia sexual e cria o Comitê Estadual de Gestão do Atendimento
de saúde pública, além de constituir uma violação aos Direi-
Humanizado às Vítimas de Violência Sexual (CEAHVIS).
tos Humanos.
Em 1994 foi realizada a Convenção lnteramericana para Pre- O DecretO 7.958, de 13 de março de 2013, estabelece dire-
venir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Conven- trizes para o atendimento às vítimas de violê ncia sexual pelos
ção de Belém do Pará). Essa convenção foi considerada o pri- profLSSionais de segurança pública e da rede de atendime nto
meiro tratado internacional de proteção dos direitos humanos do Sistema Único de Saúde (SUS). A Portaria 528, de 1° de
a reconhecer a violência contra a mulher como um fenômeno ab ril de 2013, do Ministé rio da Saúde, em seu artigo 1°, "de-
global. De acordo com os artigos 1 e 2 desta convenção, que fine regras para habilitação e funcionamento dos Se rviços de
foi ratificada pelo Brasil em 1995, a violência contra a mulher é Atenção Integral às Pessoas em Situação de Violência Sexual
qualquer ato ou conduta com base no gênero que cause morte, no âmbito do SUS. Em seguida, a l ei 12.845, de 2013, torna
dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher tan- ob rigatório, na rede hospitalar do SUS, o atendimento emer-
to na esfera pública como na esfera privada. Inclui d iferentes gencial, integral e multidisciplinar às vítimas de violência se-
manifestações, como assassinatos, estupros, agressões físicas e xual, visando ao controle, ao tratamento dos agravos físicos

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Capitulo 63 Atendimento às Pessoas em Situação de Violência Sexual no Brasil 517

e pslqu1cos decorrentes da violêncta sexual e ao encaminha- mas reg1ões, 1,5 \'ez mais chance de adquinr HIV do que
mento, se for o caso, ao serviço de ass1stênc1a soc1al. mulheres que não passaram por algum tipo de violl!nc1a com
o parce1ro lnumo. Sete por cento das mulheres no mundo Já
sofreram violência sexual por agressores não conhecidos.
VIOLÊNCIA SEXUALCONTRA A MULHER NO Cabe destacar os dados fornecidos durante a Campanha
MUNDO ENOBRASIL 16 dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulhe-
A violencia sexual é fenômeno universal que atinge mu- res: menos de 10% dos casos de violência sexual, no mundo.
lheres de todas as classes sociais, etnias, religiões e cultu ras e chegam às delegacias de polfcia e, de cada cinco mulheres,
ocorre em populações de diferentes nlveis de desenvolvimen- uma será vitima ou sofrerá uma tentativa de estupro até o fim
to econômico e social, em espaços públicos e privados e em de sua vida, segundo a Anistia Internacional (2004).
qualquer etapa da vida da mulher. Calcula-se que em todo De acordo com as Delegacias Especializadas no Atendimento
o mundo uma em cada cinco mulheres se tomará \'!Lima de à Mulher no Brastl (DEAM), são registrados 15 mil casos de
estupro ou de tentativa de estupro no decorrer de sua \~da. estupro por ano. Desses, 16% resultam em algum upo de DST
Somente em 2002 a OMS delin1u a v1olencia sexual como e urna em cada m1l mulheres é infectada pelo HIV; 1 b1lhão de
todo ato sexual não desejado ou ações de comerc1ahzação e/ou mulheres, ou uma em cada três do planeta, já fo1 espancada, for-
utihzac;ão da sexualidade de uma pessoa mediante qualquer çada a ter relações sexuais ou submetida a algum outro upo de
tipo de coerção. Apenas recentemente a viOlência sexual abuso; a cada ano são diretamente afetadas pela v1olência sexual
passou a recebe r destaque e visibilidade por parte de órgãos cerca de um milhão de crianças. Dessas, estima-se que 100 mil
governamentais, entidades civis, movimentos femin istas e casos estejam distribuldos entre Brasil, Filipinas e Taiwan.
organizações não governamentais. Nesse sentid o, a violê ncia De acordo com a OMS, até 69% das mulheres relatam te r
sexual vem sendo crescentemente abordada na área da saúde, sido agredidas fisicamente e até 47% declaram que sua pri-
considerando os agravos ao bem-estar da mulher. meira relação sexual foi forçada; de 85 a 115 milhões de
A v1olencia sexual é pouco denunciada. A inc1dência e pre- meninas e mulheres são submetidas a alguma forma de mu-
valência exataS da violência sexual são desconhecidas em vir- tiJação genital por ano. De acordo com o Fundo para o De-
tude da subnotificação. Calcula-se que apenas 16% dos estu- sem·olvtmento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM),
pros são comunicados às autoridades competentes nos EUA. o estupro manta! é reconhecido especificamente como cnme
Em casos de mcesto, esses percentuaiS não atmgem os 5%. em apenas 51 países, e apenas 16 têm legislação especifica
Acredita-se que a maior pane das mulheres não reg1stre quei- para agressão sexual; as mulheres latinas, particularmente as
xa por constrangimento e humilhação ou por medo da reação brasileiras e argenunas, são as mais expostas a crimes sexuais
do parceiro, familiares, amigos, vizinhos e autoridades ou por no mundo. A América Latina registra os mais altos lndices de
ameaça do agressor. Ao mesmo tempo, a mulher violentada crimes sexuais. Cerca de 70% dos casos de violência sexual
teme não se r acreditada. Esse sentimento, aparentemente são estupros, tentativas de estupro e outras agressões sexuais.
infundado, de fato se justifica. São incontáveis os relatos de A OMS constatou que, no Brasil, 10% das mulheres na área
discrim inação, preconceito, humilhação e abuso de poder em urbana e 14% na área rural já foram forçadas fisicamente a ter
relação às mulheres em situação de violêncta sexual. relações sexuais quando não queriam ou forçadas a práticas
Estima-se em 2% a 5% a prevalência global de estupro sexuais degradantes ou humilhantes por medo do que o par-
com a mcidência de l2 milhões de vlurnas a cada ano. A ceiro pudesse fazer.
prevalência de estupro em mulheres, ao longo da \~da, cor- Segundo o SIStema de Vigilância de Violênoas e Acidentes
responde a aproximadamente 20%. Dados nacionaiS mdicam {VNA) do M1msténo da Saúde, um total de 18.007 mulheres
a média d1ária de 21,9 mulheres procurando atendimentos deu entrada no sistema público de saúde em 2012 , apresen-
em serv1ços de saúde por violência sexual e 14,2 mulheres/ tando indlc1os de terem sofrido violência sexual; 75% eram
dia notificadas como vítimas de estupro no departamento de crianças, adolescentes e idosas. Segundo dados da Secretaria de
informática do SUS. Polfticas para as Mulheres (SPM), o número de relatos de abuso
A violência é um fenômeno complexo que envolve fatores sexual contra mulheres pelo sen~ço "Ugue 180" passou de 320
sociais, ambientais, culturais e econômicos e é innuenciada em 2006 para 1.686 em 2012. No ranking das agressões relata-
por uma estrutura patriarcal e machista. De acordo com o re- das ao serviço em 2012 está a violência fisica contra a mulher,
latório do Global and Regional Estimates of Violence Against Wo- com 50.236 casos- o que representa o aumento de 433% em
men , a VIOlência é a décima causa de morte de mulheres com relação ao ano de 2006. A seguir vêm a \~olência psicológtca
idades entre 15 e 44 anos em todo o mundo. Tnnta e cinco (24.477 casos) e a violência moral (10.372 casos). Os abusos
por cento das mulheres no mundo Já sofreram v1olência física se.xuais representam, por sua \'ez, 2% dos casos, com 1.686
e ou sexual por parceiro intimo ou por um desconhecido. relatos. O SUS recebeu em seus hospitais e clirucas uma méd1a
Mulheres que passaram por uma situação de v1olência física de duas mulheres por hora com sinais de violência sexual em
ou por um abuso sexual por seus parceiros apresentaram altas 2012, segundo dados do Ministério da Saúde.
taxas de problemas de saúde. Elas apresentam uma chance Faundes e cols. realizaram estudo entre os anos de 2005 e
16% maior de Lerem neonatos com baixo peso ao nascimento, 2006 no qual foi avaliada a situação do atendimento às mu-
duas vezes mais chances de sofrerem depressão e, em algu- lheres e crianças vitimas de violência sexual em 1.395 esta-
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J 518 Seção I Ginecologia

belecimentos públicos de saúde no Brasil , inseridos em 788 gravidez indesejada e estresse pós-traumático, e que tOdos
municípios brasileiros que referiram atende r essas vítimas de os médicos devem estar preparados para detectar sinais in-
acordo com a norma técnica do Ministé rio da Saúde de 1998. diretos e recebe r t reinamentO para coleta de material genético
Cerca de 8% deles seguiam um protOcolo fundamentado na para evidências, oferecendo kits de coleta para tal.
norma técnica do Ministé rio da Saúde. Dentre os 874 hos- Publicação do Reino Unido de 2011 apresenta proposta de
pitais e prontos-socorros incluídos na amostra, ap roximada- protocolo de atendimento em caso de vítima de violência se-
mente um te rço referiu realizar a inte rrupção legal da gesta- xual. Orienta sobre a importância da anotação no prontuário
ção: 30% nos casos de estupro; 37% nas situações de risco médico de wda a hiStória coletada e de exame completo e bem
de morte da mulher; e 26% nos casos de malformação fetal realizado, pois esse material poderá fazer pane de uma eviden-
incompatível com a vida extraute rina. Apenas 5,6%, 4,8% e cia em um eventual processo na justiça. As medidas profiláticas
5,5% tinham realizado ao menos uma interrupção da gravi- contra as DST virais e não virais e contra a gravidez não desejada
dez nos 10 a 14 meses que antecede ram a pesquisa. Mais são realizadas em até 72 horas após o evento. A coleta do mate-
de 85% dos municípios declararam contar com se rviços pú- rial genético é realizada por equipe forense. O acompanhamen-
blicos que ate ndiam mulheres que sofriam violência sexual to ambulatorial com exames de sorologia para HN, hepatites B e
e uma pequena porcentagem declarou que também atendia C e sífilis é realizado em O, 3 e 6 meses do fato ocorrido.
crianças nessa situação. Dois te rços dos municípios grandes O National Protocol for Sexual Assault Medicai Forensic Exa-
(mais de 100 mil habitantes) e pouco menos da metade dos minations Adults!Adolescents (2013) traz orientações para a
pequenos instalou esses se rviços para mulheres entre 2001 e classe médica e para os médicos forenses sobre como atender
2006. Somente uma quarta parte dos municípios utilizava o as vítimas de violência sexual, como examiná-las, como co-
protocolo normatizado pelo Ministé rio da Saúde. letar os vestígios e como armazená-los para fazerem pane da
Ainda segundo esse estudo, a anticoncepção de emergência cadeia de custódia.
era oferecida por pouco mais de 50% dos hospitais indicados
pelo Ministério da Saúde e por quase 60% dos não indicados.
CONSIDERAÇÕES LEGAIS ACERCA DO CRIME
lmunop rofilaxia contra hepatite B era ofe recida por quase a
DE ESTUPRO
metade dos hospitais ind icados pelo MS comparada com 70%
O Título VI do DecretO 2.848, de 7 de dezembro de 1940,
dos hospitais não indicados. Em torno de 45% dos hospitais,
Código Penal Brasileiro, tem como escopo a proteção à digni-
indicados ou não, ofereciam medidas de profilaxia contra HIV
dade sexual da pessoa, ao direitO de cada um de dispor livre-
Menos de 30% faziam coleta de material para identificar o
mente de seu próprio corpo. São os tipos penais compreendi-
agressor. Entre a metade e dois terços das instituições faziam
dos entre os artigos 213 e 234-<: do Código. Esses crimes são
sorologia para sífilis, HIV e hepatites B e C. A interrupção legal
classificados na doutrina jurídica como crimes materiais, ou
da gestação em casos de estupro foi realizada em 21% nos hos-
seja, crimes que, em regra, deixam vestígios.
pitais ind icados pelo MS e em menos de 5% nos não ind ica-
A Lei 12.01512009 registra importantes mudanças nos tipos
dos. Em 876 hospitais ou prontos-socorros que afirmaram ter
penais do Título VI do Código Penal, que passaram a refletir
condições práticas para realizar interrupção legal da gestação,
melhor a atual o rientação constitucional. Uma das mais impor-
somente 30,6% declararam realizar aborto legal por estupro,
tantes ocorreu no Capítulo I, "Dos Crimes contra a Liberdade
37% po r risco de morte e 26% por malformação fetal incom-
Sexual", no qual a Lei revogou o crime do artigo 216 - atentado
patível com a vida extraute rina.
ao pudor mediante fraude - e o incorporou na nova redação do
Os resultados dessa pesquisa revelam a dificuldade de gesto-
crime do artigo 215, CL~a nomenclatura passou de posse sexual
res e provedores realizarem uma prática padronizada, apesar de
mediante fraude a violação sexual med iante fraude.
reconhecerem o direitO dessas mulheres realizarem o abono na
Com as modificações t razidas pela lei referida, a nova re-
segurança de um estabelecimento de saúde. Revelam, também,
dação do artigo 2 13 do Código Penal assim define o estupro:
um avanço, pelo reconhecimento de que a violência sexual
existe, é frequente e que as mulheres, crianças e adolescentes Art. 213. Constranger a lguém, mediante violência ou grave
que sofrem essas agressões precisam de atendimento médico ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que
especializado. Falta, entretanto, um esforço enorme para que com ele se pratique outro ato libidinoso. Pena- reclusão, de
esse reconhecimento se transforme em uma realidade prática 6 (seis) a 10 (dez) anos.
em que a mulher e a criança agredidas sexualmente possam ter § t• Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave
ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (ca-
o atendimentO de emergência e o seguimento de que precisam.
torze) anos: Pena- reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§2' Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12
(doze) a 30 (trinta) anos.
PROTOCOLOS INTERNACIONAIS PARA OATENDIMENTO
OE MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL Os sujeitos do crime de estupro na atual redação são co-
O American College of Obstetricians and GynecologistS muns, ou seja, mulher e homem podem se r autOres ou víti-
publicou em 2011 um protOcolo onde recomenda que mu- mas do delito. A conjunção carnal não é mais requisitO único
lhe res vítimas de violência sexual devem ser rotineiramente para caracterização do c rime, mas outros atos libidinosos o
tratadas profilaticamente com o objetivo de evitar DST, AIDS, são. A lei, porém, não estabelece um rol de quais são os atos
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Capitulo 63 Atendimento às Pessoas em Situação de Violência Sexual no Brasil 519

cons1derados hbidinosos e , assim, deve-se atentar para a im- Pena- reclusão, de 10 (dez) a 20 {vinte) anos.
ponância da descrição pormenorizada, pelo médiCO, dos atos §4' Se da conduta resulta morte:
praticados, pois o laudo da perlcia técnica é fonte fundamen- Pena- reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
tal de auxfho ao Ministério Público e ao juiz. No parágrafo 3• a pena é aumentada se for constatada a
A pena deve ser graduada proporcionalmente ao danoso- presença de lesão corporal de natureza grave, na definição
frido pelo bem jurldico. Os danos flsicos, psicológicos e so- d o capul do artigo 129 e parágrafo 1Q do Código Pena l Brasi-
ciais causados por uma conjunção carnal não consenlida não le iro. Aqui se verifica novamente a importância ela descrição
são os mesmos que sofre alguém que é, por exemplo, beijado detalhada das lesões sofridas pela vítima da violência sexual.
sem seu consentimento. As duas pessoas são vitimas de estu- O estupro é considerado crime hediondo conforme a lei
pro, mas o laudo da polícia técnica exerce 1mport11ncia crucial 8.072 de 1990 (modificada pela Lei 8.930, de 6 de setembro
na diferenciação das penas dos agressores. de 1994), mas a posição majoritária exclui o crime praticado
A ruptura ou não do hímen (mesmo porque não haverá com viol~neta licta, ou seJa, aqueles em que se presume aVIO-
romp1mento nas hipóteses de hlmen complacente e mcapa- lência pela \<!Uma ser menor de 14 anos, possmr enfenmda-
Cidade fls1ca devido à tenra idade da vluma), a mtrodução de ou defic1êncta mental, náo ter o necessário dLSCem1memo
completa ou superficial do membro sexual mascuhno e a para a prática do ato ou que, por qualquer outra causa, não
ocorrencia ou não de ejaculação conunuam sendo fatores puder oferecer resistencia.
indiferentes à caracterização do dehto. Ass11n. a integridade
do hfmen e a negaliva dos laudos de conjunção carnal e
presença de espermatozoides continuam sendo insuficientes MARCOS REGULATÓRIOS E POLÍTICOS NO BRASIL
para elid ir a existência do delito d iante de outras provas. O Hâ, em âmbito nacional, marcos polflicos ele suma im-
Supremo Tribunal Federal (STF) possui vários precedentes porlància, como a criação da Secretaria de Polrticas para as
nesse sentido. Mulheres (SPM), no ano de 2003, a instituição da notificação
~ mdispensãvel, portanto, para a caracterização do crime compulsóna no caso de violência contra mulheres, cnanças,
de estupro a práúca do ato sob violênCia ou grave ameaça. adolescentes e pessoas idosas atendidas em serviços de saúde
O não consenumento da víúma deve ser smcero e posili\'O, públicos ou pmados pela Lei 10.778, de 2003.
caractenzando a resistência ao ato sexual na descnção do Nouficação é a comumcação obrigatória de determmadas
hLStónco do fato. O registro detalhado do histónco do fato, doenças ou agravos às autoridades competentes de saude. A
pelo médico, auxilia a disúnção entre relações consentidas notificação compulsóna da violência torna possl\'el o dimen-
e crimes de estupro. De acordo com Júlio Fabrini Mirabeue sionamento dessa ocorrencia, proporcionando vis1b1lidade e
(Código Penal Interpretado). possibilitando a captação de dados utilizados em diagnósticos
Violência é o emprego da força flsica contra a vttima, poden- que possibilitam desde intervenções policiais estratégicas, em
do ou não causar lesões, já a grave ameaça é aquela a que áreas com maior incidencia de crimes sexuais, até a formulação
a vllima nao pode resistir, de acordo com as circunstâncias de pollticas públicas pontuais. A obrigatoriedade da notificação
pessoais, não importando se é verdadeira ou não a promes- é estabelecida, dentre outros, pelos seguintes diplomas legais:
sa do mal ameaçado. Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei 8.069, de 1990; Lei
Outra imponante mudança trazida pela Lei 12.015/2009 foi da Notificação da Violência contra a Mulher - Le1 10.778, de
a criação, no Título VI do Código Penal, do Capítulo 11, que 2003; Estatuto do Idoso- Lei Federal10.741, 2003.
aborda os cnmes sexuais contra ' 't!lnerável. Da análise dos dis- A Lei Mana da Penha (Lei 11.340/2006), que deline regras
posmvos do anigo 217-A percebe-se a ma1or reprovabilidade para hab1htação e funcionamento dos Seniços de Atenção In-
da conduta pela sociedade, refletida no ma1or rigor do legis- tegral às Pessoas em Situação de Violência Sexual no âmbito
lador, na punição da conduta do agente que comete o crime do SUS, buscou co1bir a violência doméstica e , consequente-
contra pessoa vulneráveL Pessoa vulnerável é aquela que coma meme, restringir a violência sexual doméslica.
com menos de 14 anos à data do fato ou, se maior de 14 anos, Por sua vez, destaca-se també m a Lei 12.845, de 1• de
não apresenta o discernimento necessário à prática elo atO ou agosto ele 2013, que dispõe sob re o atendimento obrigatório
não pode oferecer resistência. Diante ela vulnerabilidade da ví- e integral de pessoas em situação de violência sexual. Essa lei
tima, a violência nessa hipótese é presumida e a ação penal é foi antecipada pelo Decreto 7.958, de 13 ele março de 2013,
pública incondicionada. que estabeleceu diretrizes para o atendimento às vitimas de
violência sexual pelos profissionais de segurança pública e da
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou prattcar outro ato libidi-
rede de atendimento do SUS.
noso com menor de 14 {catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 {oito) a 15 {qumze) anos.
§ta Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas ATENDIMENTO DAS MULHERES VÍTIMAS DE
no caput com alguém que, por enfermtdade ou deficiência
VIOLÊNCIA SEXUAL NO BRASIL
mental, não tem o necessário discernimento para a prática
do ato ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer Ao se cons1derarem as várias causas do abuso e os vários
resistência. transtornos dele decorrentes. é necessário um trabalho mul-
§~Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: tidisciplinar em local que disponha de estrutura flsica ade-
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J 520 Seção I Ginecologia

quada e de equipe composta de médicos, assistentes sociais, Po r sua vez, o Código Penal estabelece, como norma ge-
en fermeiros, psicólogos, terapeutas ocupacionais, agentes co- ral, que nos casos de crimes sexuais a ação criminal contra o
munitários de saúde, entre outros pro fissionais. agressor deve ser proposta (ajuizada) dentro de até 6 meses
O Ministério da Saúde assume lugar de destaque no en- depois de ocorrido o faLO. Exceção é feita se a vítima tiver
frentamento à violê ncia com ações articuladas com a Secreta- idade inferior a 18 anos ou no caso de se r considerada vul-
ria Especial de Políticas para as Mulhe res no âmbito do Pacto ne rável, conforme a nova Lei dos Crimes Sexuais, quando da
Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulhe res oco rrência da violência.
e lança a Norma Técnica de Prevenção e Tratamento dos Ao se rever a literatura, podem ser encontrados estudos regio-
Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e nais que revelam como as mulheres vítimas de violência sexual
Adolescentes ( l' edição, 1998). Com essa norma técnica, o vêm sendo atendidas nas d iferentes regiões e estados brasileiros.
Ministé rio da Saúde tem po r objetivo expandi r e qualificar Estudo realizado po r Facuri e cols. (2013) relata o atendi-
redes estaduais e municipais de atenção integral para mulhe- mento às mulheres vítimas de violência sexual realizado no
res e adolescentes em situação de violência e configurar urna Hospital da Mulhe r da Universidade Estadual de Campinas
rede nacional voltada ao atend imento em saúde das múlti- (Unicamp). Esse serviço o ferece atend imento de eme rgê ncia e
plas formas expressas da violência sexual. Pretende, também, ambulatorial multidisciplinar (ginecologista, enfermeiro, psi-
auxiliar profissionais de saúde na organização de serviços e cólogo, assistente social e psiquiatra), visando prevenir a gra-
no desenvolvimento de uma atuação eficaz e qualificada nos videz e as DST e promover a recuperação física, psicológica e
casos de violência, bem como garantir o exe rcício pleno dos social da mulhe r e inclui a assistência à gestação decorrente
di reitos h umanos das mulhe res, base de uma saúde pública de estupro em acordo com as normas preconizadas pelo Mi-
universal, integral. nistério da Saúde . Foram avaliadas 687 mulheres no período
À Secretaria de Política para as Mulheres compete:
de 2006 a 20 10 . Pouco mais da metade das vítimas preencheu
o boletim de oco rrência (BO), co rroborando a subnotificação
I - formular políticas de enfrentamento à violência contra policial. A baixa notificação policial pode contribuir para uma
as mulheres que visem à prevenção, combate à violência, disto rção da realidade no q ue concerne à real magnitude do
assistência e garantia de direitos àquelas em situação de p roblema e à estruturação e implementação adequada de po-
violência;
líticas públicas, tanto para preve nção como para assistência.
11 - desenvolver, implementar, monitorar e avaliar programas
e projetos voltados ao enfrentamento à violência contra as Não há relatO sobre a coleta de material genético.
mulheres, diretamente ou em parceria com organismos go- Estudo realizado por Montei ro e cols. (2008) sobre o Servi-
vernamentais de d iferentes entes da Federação ou organiza- ço de Atenção às Mulheres Vítimas de Violência Sexual (SAM-
ções não governamentais; e WlS), de uma maternidade pública em Te resina, Piauí, entre
111 - planejar, coordenar e avaliar as a tividades da centra l de fevereiro e março de 2008, descreve que o serviço tem como
atendimento à mulher. objetivo viabilizar o acesso imediato das mulheres vítimas de
violência sexual e introduzir as medidas de prevenção das
Nesse contexto, os centros de referência são espaços de
DST/AIDS, gravidez e outros agravos físicos e psicológicos.
acolhimento e atendimento hospitalar, psicológico, social e O SAMWlS tem como eixo norteador a Norma Técnica de
jurídico para a vítima em situação de violência. Os centros Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência
de refe rência proporcionam o atend imento e o acolhimen- contra Mulheres e Adolescentes, do Ministério da Saúde, e é
to necessários à superação da situação de violência ocorrida, realizado por uma equipe multidisciplinar. Não relata sobre a
contribuindo para o fortalecimento da vítima e o resgate de coleta de mate rial genético.
sua cidadania. Nesse momento de crise, a vítima teme por Em Campinas também existe o Centro de Assistência In-
sua vida , entra em choque, sente negação, desc rença, amorte- tegral à Saúde da Mulher (CAISM), que atende vítimas de
cimento e medo. Por isso , tOdos os profissionais que p restam violência sexual no regime de eme rgência e a longo prazo ,
atendimento às vítimas têm o desafio de evitar a revitimização com equipe multid isciplinar. Segue a Norma Técnica do Mi-
mediante uma conduta sistematizada, a fim de q ue o atend i- nistério da Saúde e encaminha as pacientes para realizar o
mento, a notificação, o encaminhamento, o acompanhamen- corpo de delitO no Instituto Médico-Legal (IML) da cidade.
to , a realização da pro filaxia das doenças resultantes da vio- Não relata sobre a coleta de mate rial genético.
lê ncia sexual e, sobretudo, a coleta de provas técnicas sejam Em Vitória existe o Programa de Atendimento às Vítimas
realizados adequadamente. de Violência Sexual (PAVIVlS). Esse programa é um convê-
Para vários profissionais, a revitimização é uma forma de nio entre a Secretaria do Estado de Segurança Pública, o De-
violência caracterizada pelo trauma causado pela repetição partamento Médico Legal (Vitória), a Universidade Fede ral
dos fatos ocorridos. Além da vítima , a própria justiça pode do EspíritO Santo, por inte rmédio do Hospital Universitá rio
sofrer as consequências da revitimização, pois a vítima pode Cassiano Antônio de Mo raes, o Ministé rio Público Estadual,
omiti r os fatos po r cansaço ou aumentá-los, conforme se por inte rmédio do Centro de Apoio da Infância e J uventu-
sente fragilizada. A peregrinação pelos serviços de saúde e de, e o Centro de Apoio Criminal. Proporciona assistência
policiais e a falta de privacidade e discrição no atend imento social, psicológica, médica e laboratOrial, assim como orien-
também são formas de revitimização. tação juríd ica aos casos de violência sexual contra a mulhe r,
r
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Capítulo 63 Atendimento às Pessoas em Situação de Violência Sexual no Brasil 521

crianças e adolescentes, incluindo agressores meno res de 18 as pessoas que estiveram de posse de um item de evidência".
anos, quando encaminhados pela j ustiça. Fornece medicação Para esse autOr ela est.ã reduzida a um documento contendo
quimioprofilática contra DSTIHIV e atua nos processos e pro- identificação dos que tiverem contato com as amostras. Essa do-
cedimentos da interrupção de gravidez (aborto legal). Não cumentação passa a ser integrante da cadeia de custódia.
relata sobre a coleta de material genético. Entretanto , a cadeia de custód ia é muito mais que uma
No Rio de janeiro, o Hospital Maternidade Alexander Fle- simples lista. A cadeia de custódia contribui para manter e
ming realiza o atendimento às vítimas de violência sexual am- documentar a história cronológica da evidência, para rastrear
paradas pelo protocolo da Norma Técnica do Ministé rio da a posse e o manuseio da amostra a partir do preparo do reci-
Saúde. Não há relato sobre a coleta de material genético. piente coleto r, da coleta, do transporto, do recebimento, da
Em Caxias do Sul (RS) , o Hospital Geral da Unive rsidade anãlise e do a rmazenamento, incluindo wda a sequência de
de Caxias do Sul realiza o atendimento às vítimas de violência posse. A cadeia de custódia é um procedimento utilizado pela
sexual de acordo com a No rma Técnica do Ministério da Saú- prática pericial, mas também pelas empresas em geral, que
de. Não relata sobre a coleta de mate rial genético. priorizam a qualidade, a técnica e o bom desempenho no de-
senvolvimento de seus serviços e produtos, utilizando essa
MARCOS REGULATÓRIOS, LEGAIS E POLÍTICOS EM garantia como guarnição de tudo que é realizado, na sequên-
MINAS GERAIS: A CRIAÇÃO OA CADEIA DE CUSTÓDIA cia de atos que compõem um resultado fmal.
A cadeia de custódia é um métOdo que torna possível efe-
Em dezembro de 2005 foi publicada a Resolução Conj unta
tuar o controle da confidencialidade e da segurança do vestí-
14 SES/SEDS/SEDESEIPCMG/PMMG/lv!PMG/COSEMS, que
gio, o qual possibilita estabelece r certificação de qualidade e
criou a Comissão Técnica lnterinstitucional para integrar e
idoneidade do processo investigatório, sendo fundamental o
implementar as ações de atenção às vítimas de violência se -
rigor que se estabelece nesse processo. Devem se r emp rega-
xual no Estado de Minas Gerais. Em 28 de janei ro de 2013
dos procedimentOs que preservem o vestígio de contamina-
foi instituído o Núcleo de Prevenção à Violência e Cultura
da Paz no âmbito da Secretaria de Estado da Saúde (SES) de ção e garantam que este, após os exames periciais, se transfor-
Minas Gerais. me em prova, não devendo sofrer alterações, desde sua coleta
Em 15 de maio de 20 13, o Vice-Governador, no exercício até sua tramitação laboratOrial.
da função de Governado r do Estado de Minas Ge rais, assinou Nóbrega (2006) relata que o fato de assegurar a memória
o DecretO 46.242, que d ispõe sobre o atendimento humani- de todas as fases do processo constitui um protocolo legal que
zado às vítimas de violência sexual e cria o Comitê Estadual possibilita garantir a idoneidade do caminho que a amostra
de Gestão do Atendimento Humanizado às Vítimas de Vio- percorreu. Lopes, Gabriel e Bareta (2006) definem cadeia de
lência Sexual (CEAHVIS). No artigo 7Gregistra-se: custódia como sendo "um processo para manter e documentar
a história cronológica da evidência, para garantir a idoneidade
Art. 7" Compete privativamente à Polícia Civil estabelecer, e o rastreamento daquelas utilizadas em processos judiciais".
mediante subsídio da Superintendência de Investigações e
O Grupo de Trabalho Cadeia de Custódia de Vestígio
Polícia J udiciária, da Superintendência de Polícia Técnico-
(GTCC) (2008) define cadeia de custódia como sendo regis-
-Cientílica e da Academia de Polícia Civil, as diretrizes gerais
e especílicas sobre os procedimentos referentes à Cadeia tro e certificação de wdo o trâmite de um vestígio, compreen-
de Custódia de Material coletado das Vítimas de Violência dendo sua localização, descrição do estado em que foi encon-
Sexual, bem como dispor sobre a capacitação e treinamento trado, forma de coleta, acondicionamento, posse, transporte,
de profissionais para atuar nessa área. processos de análises, guarda, descarte ou devolução do ma-
terial. WaLSon (2009) descreve a cadeia de custód ia como o
processo pelo qual as provas estão sempre sob o cuidado de
ENTENDENDO O SIGNIFICADO DA CADEIA DE
um indivíduo conhecido e acompanhado de um documento
CUSTÓDIA
assinado pelo seu responsável, naquele momentO.
É importante, neste momento , registrar o conceito de ca-
Espíndula (2009) conceitua cadeia de custódia como sendo:
deia de custódia para se entende r o significado desse processo
e sua importância para reduzir a revitimização das mulheres A sequência de proteção ou guarda dos elementos materiais
que sofreram violência sexual. Em termos periciais, o vestígio encontrados durante uma investigação e que devem manter
é definido como wdo e qualquer sinal, marca, objeto, situa- resguardadas as suas características originais e informa-
ção fática ou ente concretO sensível, potencialmente relacio- ções sem qualquer dúvida sobre a sua origem e manuseios.
Pressupõe o formalismo de todos os seus procedimentos por
nado a uma pessoa ou a um evento de relevância penal ou
intermédio do registro do rastreamento cronológico de toda
presente em um local de crime interno ou externo, direta ou
a movimentação de alguma evidência . Portanto, a cadeia de
indiretamente relacionada com o fatO delituoso. custódia é a garantia de total proteção aos elementos encon-
A cadeia de custódia não está prevista na legislação brasileira trados e que terão um caminho a percorrer, passando por
(Código Penal Brasileiro) de modo especial e preciso ou norma- manuseio de pessoas, análises, estudos, experimentações
tizado, ao contrário do que ocorre em outros países. De acordo e demonstração-apresentação até o ato final do proc·e sso
com Saferstein (2004), cadeia de custódia é "uma lista de todas criminal.
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J 522 Seção I Ginecologia

Cua, amda, que todos os elementos que darão ongem às tualidade de nova perfc1a". Esse fato garante ao invesugado a
provas penc1ats ou documentais exigem cu1dados para res- possibilidade de contestação e defesa. A imponãncta do pro-
guardar sua idoneidade ao longo de todo o processo de inves- cedimento adequado nas cenas de crime é a diferença entre
tigação e trâmite. o sucesso e o fracasso de uma condenação. A importância de
Como se pode perceber, a responsabilidade dos profissio- t ransparência nas ações periciais poderá melhorar a confia-
nais envolvidos na cadeia de custódia tem uma aplicação legal bilidade e robustez dos julgados de nossos tribunais. Estão
e moral, na med ida em que o destino das vitimas e dos réus na cadeia de custód ia as medidas necessárias para os devidos
depende do resultado da perícia. acompanhamento e registro de todos os eventos da prova,
A cadeia de custódia não se reduz à área de saúde e, desse de seu registro, identificação e utilização final. Tudo deve ser
modo, a percepção de sua imponância deve aung1r todos os relatado para Iins de poss!veis queslionamentos das partes
profiss1onatS de saúde que, mesmo não fazendo pane da área envolvidas no processo JUdicial.
forense, desenvolvem athidades que possam desencadear Conforme Cunha (20 12), os lnslitutos de Per!c1a do Brastl
processos JUdiCiatS. Os profissionais de saúde tem o de,·er têm de adotar med1das admuustralivas que visem umforml-
legal e moral de defender os interesses de seus pac1entes em zar e normatizar os procedimentos de coleta, reg1stro, posse,
disputas JUdiciais, preservando as possh·etS evidencias nos acondicionamento, transporte e guarda de vestrgios materiaiS
locais de suas aUVldades, que também servirão para se defen- \inculados a cnme, para manter a idoneidade física e jur!d1ca
derem judicaalmeme. da prova que deles se origina. Em âmbito nacional verificou-
No Brasil , o Ministério da justiça instituiu, no ano de -se a insuficiencia de normas e diretrizes que regulamentem
2008, o Grupo de Trabalho Cadeia de Custód ia de Vestrgio as atividades dos órgãos periciais e a não existencia de proce-
(GTCC) para tratar da implantação da cadeia de custódias dimentos e materiais padmnizados para garanti r a qualidade
de vestígios (CC) e certificação de procedimentos periciais da custód ia dos vest!gios ames e depois da realização dos exa-
relacionados com a produção da prova material. A cadeia de mes periciais. Foi verificada, também, a falta de instalações
custódia acompanha cada estágio do ciclo de vida do ,·est!gio, físicas adequadas e seguras para garanlir a custódia de vest!-
desde o seu registro, posse, coleta, acondicionamento, trans- gios. O autor conclu1 que existe urna necessidade de norma-
porte, processos de análises, guarda , descarte ou devolução Lização de procedtmentos em nh·el nacional que posstbthte
do matenal probatório e a emissão do laudo. implantar e assegurar a cadeta de custódia da prova penal
De acordo com a Cana de Brasília (2008), para garanur a tanto nos mstitutos de crimmallslica como nas dematS msu-
idoneidade jur!dica de provas e procedimentos peric1ais cri- tuições envolvidas nos proced1memos de apuração de crimes.
minais se faz necessária uma série de ações adm1mstralivas,
como aumentar a segu rança o rgânica dos órgãos de perícia;
EXPERIÊNCIA DOS CENTROS DE REFERÊNCIA EM
criar espaços especificas para a guarda e armazenamento
BELO HORIZONTE
do materia l probatório, respeitando as condições técnicas
O a rtigo 158 do Cód igo de Processo Penal Brasi leiro exige
apropriadas para sua identificação e conservação; aumentar
o exame de corpo de delito nos crimes materiais, ou seja, na-
pesquisas cient!ficas relacionadas às técnicas de acondiciona-
queles crimes que deixam vestígios. O exame, porém , pode
mento de vestlgios, tipos de embalagens, lacres e meios de
ser realizado direta ou mdiretameme. :--Ja modalidade indire-
transporte; 1mplamar métodos informalizados de reg1stros e
ta , a vitima é atend1da em um centro de referl!ncta que, por
controle de moVImentação de vest!gios; estabelecer progra-
meio de formuláno especifico, fornece todos os dados ne-
mas de capacuação e treinamento aos pentos cnmmats e de-
cessários à elaboração do laudo indireto pelos pentos olictatS
mais proftSSIOnatS da Segurança Púbhca e da jusuça acerca
(an. 167). O Tnbunal de justiça de Minas Gerais apresen-
de temas relacionados com a cadeia de custódia de veslig1os.
ta decisões nesse sentido [Processo 1070207415312-+0011
Segundo o Código de Processo Penal (CPP), a cadeia de
MG 1.0702.07.415312-4/001(1), TJMG]. A vitima não va1
custódia inicia-se logo após o conhecimento criminoso. Se-
ao IML, não conta novamente sua história, não é novamente
gundo o art. 6":
examinada e, porta11to, não é revitimizada.
Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a Em Belo Horizonte, o atend imento à vítima de violencia
autoridade policial deverá: sexual consistia em várias etapas, em uma verdadeira peregri-
nação que era definida conforme o local onde era realizado o
I - Dirigir-se ao local, providenciando para que não se alte- primeiro atendimento, como mostra a Figura 63.1.
rem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos Essas mulheres levavam até 12 horas para terminar o pro-
peritos cr11T11nais;
cesso de atendimento hospnalar, abertura do inquénto po-
11 - Apreender os objetos que tiverem relação com o fato,
licial em uma delegac1a de policia e realização do exame de
após liberados pelos peritos criminais;
corpo de delito no IM L. Munas \1timas interrompiam o fluxo
111 - Colher todas as provas que servirem para o esclareci-
mento do fato e suas circunstâncias. antes de termmado o atendimento completo por vános mou-
vos: falta de dinheiro para a condução; não poder se ausentar
Ainda segundo o artigo 170 do CPP: "nas perícias de labo- do trabalho; constrangimento com a repetição do processo;
ratório, os peritos guardarão material suficiente para a even- complexidade do processo.
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Capítulo 63 Alendimento às Pessoas em Situação de Violência Sexual no Brasil 523

Polic1al m1htar NORMAS GERAIS DE ATENDIMENTO ÀS VÍTIMAS OE


Delegacia da
VItima ououtras .. VIOLÊNCIA SEXUAL
Políc1a Civil
pessoas A assistência à saúde da pessoa que sofre a '~olêncta sexual é
prioritária e a recusa injustificada de atendimento pode ser ca-
Centro de referênCia ao atendimento às
vitimas de violênCia sexual
. lnsbMo
Méd1co-Legal
raaerizada ética e legalmente como omissão, segundo os anigos
13, §2", e 135 do Có<hgo Penal Braslletro. O médtco pode ainda
ser responsabihzado Cl\~l e cnmmalmente por eventuaiS danos
Figura 63.1 Auxograma para o atendimento às mulheres vitmas de físicos e mentais sofndos pela \1Uma, bem como pela mone em
violênc1a antes da 1mplantaçAo da cade1a de custódia. decorrência da omissão. Deve ser lembrado que as ,,umas de
se.xo masculino também de,·em ser prontamente atendtdas nos
centros de refertncia, mesmo que sepm hospttais-matemidade.
Tudo tSSO tmphcava vá nas consequênctas, desde o aumen- O profissional responsável pelo atendtmento à vitima de ,;o-
to da "cifra negra" (diferença entre o número de crimes ocor- lência sexual nos centros de referencia deve: realizar entrevista
ridos e o número de cnmes relatados às autoridades) até a (anamnese específica); efetuar o regtstro da história relatada;
completa impunidade dos agressores sexuais. Com o intuito proceder ao exame clínico e ginecológtco; realizar a coleta de
de reverter essa situação, após vários ajustes e treinamentos material biológico para pesquisa de DNA, espermatozoides etc.;
foram implantados a Cadeia de Custódia de Mate riais Bioló- solicitar exames complementares; realizar o encaminhamento
gicos e o Laudo Indireto nos quatro grandes hospitais públi- da vítima para acompanhamento psicológico.
cos que prestam atendimento às vitimas de violência sexual O preenchimento da ficha de anamnese especifica para a
em Belo Ho rizonte: Hospital júlia Kubitschek, Maternidade realização do laudo indi reto é ob rigatório. Todos os dados de-
Odete Valadares, Hospital das Clinicas e Hospital Municipal vem se r anotados no prontuário. A esse respeito, o Ministério
Odilon Behrens. da Saúde reeditou em 2015 a Norma Técnica de Prevenção
Após a coleta padronizada do material em um dos cen- e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual
tros de referênc ia iniciam-se os procedimentos que darão contra Mulheres e Adolescentes, assim como publicou um
origem à cadeia de custódia. Esses procedimentos, realiza- caderno de perguntas e respostas com os aspectos jurtdícos
dos de maneira segura e confiável, promovem a idoneidade do atendimento às vitimas de violencia sexual.
e integridade da prova matenal, até a sua utilização pelo Todo o material coletado da viuma serã recebtdo no IML,
Poder judiciáno, como elemento probatório. A cadeia de que se encarregarã de seu encammhamento ao Insututo de Cri-
custódia torna posslvel mtntmLZar a possibilidade de ex- minalística. O laboratóno de toxtcologia do IML deverã fazer
travto e dano das amostras, desde a sua coleta até o final as seguintes análiSes nos swabs vaginaiS e/ou anais coletados:
de fase analltica. Viabthza, também, o controle sobre os pesquisa de semen; fosfatase áctda prostáuca (FAP); anúgeno
processos e tdenuficação nommal das pessoas que tiveram prostático espedfico (PSA); mtcroscopta (esperrnatozotdes). O
contato com a evtdtncta. Caractenza, asstm, a responsabi- laboratório de O:>IA do lnsUtuto de Cnmtnallsuca farã as análi-
lidade de cada servtdor púbhco, Integrante dos órgãos da ses de DNA em swabs e vestes coletadas das vfumas.
segurança púbhca, bem como do laboratório que te,·e aces-
so à prova matenal. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Todo o material btológtco coletado nos centros de refe- As vitimas de ,;oltncia sexual ttm, como derradeiro cons-
ri!ncia em Belo Horizonte é encaminhado ao !ML, onde fica trangimento, o fato de serem obrigadas a peregrinar por várias
custodiado. Forma-se, então, um banco de dados genéticos instituições para expor seu corpo violentado a \'<\rios profiSSio-
de suspeitos, permitindo consultas e comparações com mate- nais. Isso faz que muitas delas não busquem atendimento e pa-
deçam sozinhas com sentimentos como autodepreciaçào e cul-
riais encontrados em vitimas. Esse sistema possibilita desde a
pa. Embora persista a exigencia de representação da vitima de
descoberta do número de vitimas de um mesmo agressor até
v1olência sexual para que sejam instaurados inquérito policial e
a área geográfica de atuação desses.
ação penal, há outros caminhos que os profissionais envolvidos
Após a implantação ela cadeia de custódia nos centros de
podem e devem seguir com o objetivo ele minimizar o sofrimen-
refe rência, o caminho pe t·corrido pela vitima de violência se-
to dessas vítimas e de garantir a aplicação da lei aos agressores.
xual ficou estabelecido conforme a Figura 63.2.
A implantação dos centros de referenda, do laudo indireto

Vi11ma .. Policial Militar ou outros


e da cadeia de custódia tem como objetivo maior resgatar a
dignidade dessas pessoas. mediante atendimento humaniza-
do, especifico e multidisciplinar, bem como da efetiva respos-
ta policial e judiciária aos agressores.
Segundo a ex-ministra de Pollticas para as Mulheres, lriny
Delegac1a para pedido Centro de referência ao
Lopes: "não poderá haver uma famlha harmoniosa onde há
de realizaçAo do laudo atendimento às vítimas de
1nd~reto v1olênc1a sexual
uma mulher violentada." Parafraseando essa declaração, acres-
centemos: "não poderã ha,·er uma famflta harmoniosa onde há
Figura 63.2 Auxograma para o atendimento às mulheres vitmas de uma criança ou adolescente violentado· ou "não pode rã ha'·er
violência após a unplantaçao da cadeta de custódia. uma família harmoniosa onde há um homem '~olentado."
/.

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J 524 Seção I Ginecologia

Leitura complementar DATASUS. 2012. O.sponfvel em: http://dtr2004.saude.gov.br/s•fl8n-


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CAPÍTULO (

Abdome Agudo
em Ginecologia e Obstetrícia
Agnaldo Lopes da Silva Filho
Renilton Aires Lima
Eduardo Batista Cândido

INTRODUÇÃO não de uma intervenção cirúrgica, e se esta deve ser realizada


Expressão que designa uma condição clínica potencial- imediatamente ou rtão.
mente grave e de caráter evolutivo, e que se manifesta por Apesar da importância de um diagnóstico preciso e preco-
meio de sinais e sintomas indicativos de afecção abdominal ce, a complexidade do abdome agudo, as dificuldades em se
aguda, o abdome agudo constitui um dos problemas mais im- realizar um exame clínico adequado e a urgência do caso nem
portantes na prática médica em virtude de sua alta incidên- sempre possibilitam um d iagnóstico acurado. As principais
cia, dificuldades d iagnósticas e necessidade de terapêutica causas de erro ou retardo no d iagnóstico são:
precoce. A dor abdominal aguda é uma queixa comum em • Omissão de um exame clínico adequado.
mulheres e, frequentemente, ginecologistas e obstetras são • Utilização inadequada de métodos propedêuticos.
consultados para ajudar a determinar a etiologia da dor. A • Rodízio médico impedindo uma avaliação adequada do
preservação da capacidade reprodutiva e da função hormonal quadro evolutivo da paciente por um único observador.
é uma questão importante a ser considerada na abordagem • Inexperiência do cirurgião.
cirúrgica de mulheres com abdome agudo. A gravidez deve
ser excluída em todas as mulheres em idade fé rtil com dor O diagnóstico etiológico do abdome agudo exige a ava-
abdominal. Alterações anatômicas e fisiológicas específicas da liação da história e do exame físico e a solicitação de exames
gravidez, a possibilidade de complicações obstétricas e a pre- laboratoriais e de imagem.
sença do feto representam desafios adicionais ao manejo do Não é recomendada a utilização de analgésicos até a com-
abdome agudo durante o período gestacional. pleta definição d iagnóstica em virtude do risco de mascara-
mento do quadro abdominal. A dor representa o melhor ele-
ETIOLOGIA E CLASSIFICAÇÃO mento para caracterizar ou mesmo definir o abdome agudo:
O abdome agudo pode se r causado por uma variedade de • Estã presente em todos os quadros abdominais agudos
transtOrnos. A localização da dor pode ser útil na classificação ("rtão existe abdome agudo sem dor").
do abdome agudo por ind icar as possíveis causas ou órgãos • Constitui o sintoma-chave de seu diagnóstico.
acometidos (Quadro 64.1). O abdome agudo também pode • E responsável pela condução da paciente ao méd ico.
ser classificado segundo a natureza do processo patOlógico
que envolve as estruturas abdominais (Quadro 64.2). Doen- História clínica
ças de localização extraintestinal ou sistêmica podem ser res- Apesar dos avanços nos métOdos complementares, espe-
ponsáveis por esse quadro clínico (Quadro 64.3). cialmente dos exames de imagem, a prática mais importante
para que seja obtido o diagnóstico preciso da causa do ab-
DIAGNÓSTICO dome agudo consiste em uma história clínica detalhada. A
O prognóstico das pacientes com abdome agudo depende natureza, intensidade, periodicidade, progressão e localização
de um d iagnóstico preciso, que torna possível a adoção de da dor devem ser pesquisadas e valorizadas, assim como os
medidas terapêuticas rápidas e objetivas. Reveste-se de gran- fatOres agravantes e atenuantes. A dor abdominal pode ser
de importância a decisão precoce quanto à necessidade ou classificada como visceral ou parietal (Quadro 64.4).
525
/.

'
'/
J 526 Seção I Ginecologia

Quadro 64.1 ClassifiCaÇãO anatômica da dor abclomln8l Quadro 64.2 Classíficaç&o sondrOmica do abdoome agudo cirúrgiCo
segundo a natureza determonante
Quadrante superior direito
Doenças péptocas Sindromes AlecçOes
Doenças b1hares: cóloca biliar. colecistite aguda. coledocOIItlase. lnflamatõrla ApendiCite aguda, colecistite aguda, pancreahte
colangile aguda, diverticulite do cólon, abscessos
Doenças hepáticas: hepatite. abscessos, neoplasia, lntracavitários, peritonites primária e secundária
hepatopatías Doença inflamatória pélvica (DIP)"
Doenças pulmonares: pneumonia, abscesso sublrénico.
pneumotorax, embolia, derrame pleural Perlurallva Úlcera duodenal perlurada, câncer gastrointestínal,
Parede abdominal: herpes·zóster, contraturas musculares divertlculos de cólon
Doenças rena1s: pielonelrite, abscesso perinelrétk:o e htlase Perfuraçao uterina e de vísceras ocas iatrogênicas·
Doenças do cOk>n Obstrutlva Obstruçao pilórica. hérnia estrangulada, bridas.
aderêoc1as. áscaris e câniCer gastrointestonal
Eplgástrlo
Doenças pép!JCas Hemorrágica Ruptura de aneunsma abdominal
Doenças pancreáticas: pancreatite. neoplasia Gr8VIdez ectõpica e cisto hemorrágico de ovároo'
Doenças bd1ares: cólica biliar. colecistite, coledoeohtiase. lsquêmlca Trombose mesentérica
colangote Torçao de anexos e degeneraçao de miomas'
Doenças esofág1cas: doença do refluxo gastroesolág1co.
esotag1tes Traumática Traumat1smo abdominal contuso ou penetrante
Doenças cardlacas: pericardite, IAM, angina Associada Perfuraçao de vrscera oca
Aneurisma de aorta abdominal: dissecção. ruptura
·causas ginecológicas e obstótricas do abdome agudo.
lsquemia mesentérica

Quadrante superior esquerdo


Doenças pépticas
Doenças esplênicas: infarto e ruptura Quadro 64.3 Causas extra-abdominais de abdome agudo
Doenças pancreáticas: pancreatite e neoplasia
Torácicas Pneumonia do lobo inferior. infarto agudo
Doenças pulmonares: pneumonia, abscesso subfrênoco.
pneumotOrax. embolia, derrame pleural do miocárdio. pericardite. infarto,
Doenças renaos. poelonelrite. abscesso perinelrétk:o e hliase tromboembolosmo puhmonar, pneumo10rax
Doenças do OOion: collte. cflllerticulite Hematolõglcas DrepaOOCIIose.leucemias
Quadrante Inferior direito Metabõllcas Cetoac1dose doabêtica. portiria aguda.
Apend1c11e h1perhpoproteinemia
Doenças 1ntest1nais: colile, gastroenterite, divertk:uhte, doença Neurolõglcas Herpes·zóster. tabes dorsal, compressao da raiz
inflamatória nervosa, flbromialgia
Hérnias
Relacionadas lntox1caç!lo por metais pesados, picadas de
Doenças renais: pietonetrite. abscesso perinelrétíco e l1liase
com tóxicos cobras e insetos, abstinência de narcóticos
Doenças ginecológicas: tumor ovariano, torçao ovariana, gravidez
ectópica, DIP. abscessos tubovarianos

Perlumbllfcal
ApendiCite (Inicial) Quadro 64.4 Caracterrsucas da dor visceral e parietal
Obstruçao ontest1nal
Gastroentente Dorvlsceral Dor parletal
tsquemoa mesentérica Origem PentOnio Vlsce<al PeritOnio paroetal
Rupt\Ka e/ou Clossecçâo de aneurisma de aorta
lnervação SIStema nervoso Sistema nervoso
Suprapúblca autOnomo: vago e cerebroespinhal:
Doenças 1ntesbna1s: collle. gastroenterite, divertk:uhte sompábco seis últimos nervos
Doença 1nflamatóna intercostais
Doenças unnánas: cistite, prostatite e litlase Tipo de resposta Lenta Rápida
Doenças ginecológicas: tumor ovariano, torção ovanana. gravidez ao agente
ectóplca, DIP. abscessos tubovarianos. dismenorreia lrrltatlvo
Quadrante Inferior esquerdo Caracterlstlcas Falta de localização Bem localizada e
Doenças intestinais: colite, sigmoidite, gastroenterile. diverliculite. precisa constante
doença inflamatória Agrava·se com
Hérnias movimento,
Doenças rena1s: pielonefrite. abscesso perinefrético e lotlase tosse ou qualquer
Doenças g1necológ1Cas: tumor ovariano. torção ovaroana. prenhez aumento da
ectópica. DI P. abscessos tubovarianos pressao
intra·abdominal
Difusa
Slnals clínicos Instalação progressiva Contratura muscular
Gastroentente. penton1te. obstrução intestinal, isquemia
do neo paralo!JCo: Sinais de irritação
mesentéroca. dOença .nllamatOria cetoacidoSe diabétiCa,
localozado ou peritoneal
porforoa aguda. urem1a, hipercatcemia. vascuhtes, intoxocaçao generalozado
por metal pesado, febre do Mediterrâneo, angioedema hered1lário, Pensta1t1smo diminuldo
crise lalc1forme
Rad1ogral1a de abdome:
IAM: lnfarlo agudo do miocárdio. alça em sentinela
r
((

Capítulo 64 Abdome Agudo em Gíne«~logia e Obsletrícia 527

A história cl!nica pregressa pode proporcionar importantes cia de hiperalges1a à palpação na mesma região anatômica
informações para o diagnóstico do quadro atual de abdome onde se situa o processo patológico:
agudo. Antecedentes fam1hares de anemia Calciforme ou de Cootratura muscular: a parede abdominal é formada
outraS doenças de natureza hereditária também de,·em ser in- pelos músculos retos ventralmente e, em sua porção la-
vestigados. Em mulheres na menacme deve ser coletada his- teral, pelos músculos oblfquos e transversos. Compar-
tória menstrual detalhada e mvesugados a au,~dade sexual e tilha sua inervaçào com o pentômo panetal subJacente.
o uso de métodos anuconcepc10na1S. Quando um processo 1mtauvo aunge os troncos ner-
Os sinaiS e sintomas assocmdos à dor abdominal podem ,·osos ou estruturas relac1onadas, ocas1onará contratu-
auxiliar o dmgnósuco: ra dos músculos abdominaiS, que é '~sta e palpada, ao
contrário da defesa muscular, que é desencadeada pela
• Vômitos: podem s1gmficar 1mtaçào dos nervos do peri- palpação.
tônio e mesentério (úlcera péptica perfurada ou torção Teste do psoas: a parede postenor do abdome é cons-
anexml), obstrução de órgãos de musculatura lisa (ureter, tituída pelo quadrado lombar, e med1almente a este se
intesuno, colédoco) ou toxemia. Na obstrução intestinal, encontra o músculo psoas. O teste do psoas consiste em
normalmente, a dor precede os vôm itos. executar a extensão da coxa, provocando dor.
• Febre: o abdome agudo que costuma iniciar-se com tem- Teste do obturador: movimento de rotação interna da
peratura >38"C raramente é cirúrgico. coxa previamente netida, causando dor referida na re-
• Anorexia: a anorexia geralmente precede a dor no abdome gíão hipogástrica. Significa que o obtu rador, constituin-
agudo inflamatório. te do assoalho pélvico, tem sua face irritada por proces-
• Constipação intestina l: quando associada à não elimina- so inflamatório.
ção de natos, vômitos e distensão abdominal, pode sugerir Sinal de Blumberg: compressão até o lim ite máximo
abdome agudo obstrulivo. da parede abdominal, seguida de descompressão súbi-
• Diarreia: é geralmente sugestiva de causas não ci rúrgicas ta, ocasionando dor em virtude da irritação peritoneaL
de abdome agudo, como gastroenterite. • Exame especular: avalia a presença de resíduo anormal,
Exame físico laceração, corpo estranho, úlceras, massa ou evid~ncia de
infecção.
O exame flsico completo, fundamental em todos os pacien-
• Toque reta! e vaginal: devem ser avaliados a sensibilidade
tes com abdome agudo, de,·erã ser feno com a objeti,~dade
à palpação e mo,,imentação do colo e do útero, o tamanho
exigida pelas pan1culandades do caso e do momento e ser in-
e a simetria uterina e a presença de sens1b1lidade ou massas
terpretado dentro do contexto da hiStória cl!mca e das caracte-
ane.xiais.
risticas de cada paaente. Os sma1s \~taiS devem ser avaliados,
sendo unportante exame card1orresp1ratóno para afastar causas
Exames complementares
extra-abdominaiS de abdome agudo. O exame do abdome deve
A propedêutica m1C1al geralmente se restnnge a um núme-
incluir:
ro limitado de exames, entre os qua1s podem ser destacados:
• inspeção: detecção de distensão, Cicatrizes, hérnias, equi-
moses e penstalusmo ~s!vel: Exames laboratoriais
- Sinal de Cullen: equimose na região periumbilical, co- • Hemograma completo: a leucocilose é comum nos qua-
mum em quadros de pancreatite aguda, pode estar pre- dros de abdome agudo innamatóno. Sua avaliação seriada
sente em casos de gra~dez ectópica rota. pode auxiliar o diagnóstico e a aval iação da evolução do
- Sinal de Grey-Turner: equi mose nos nancos, também processo patológico.
encontrado em quadros de pancreatite aguda, pode es- • Exame d e urina: especialmente em mulheres, é funda-
tar presente em outras afecções. mental afastar a possibilidade de infecção urinária; além
• Ausculta: a detecção dos ruídos hidroaéreos produzidos disso, o achado de hematúria pode sugerir nefrolit!ase.
no abdome pode ter importa nt e significado diagnóstico. • Gonadotrofina coriôn ica humana (HCG): deve ser aferi-
Ruídos hiperativos ou de timbre metálico podem sugerir do em todas as mulhe res em idade reprodutiva.
obstrução intestinal. A redução ou abolição dos ruídos está • Amilase: altos n(veis sé ricos de amilase em pacientes com
associada à presença de peritonite. O achado de peristaltis- quadro clinico d e pancreatite sugere m fortemente essa
mo normal em paciente com quadro abdominal não carac- doença.
ter!stico não exclui a causa cirúrgica, mas possibilita tempo • Velocidade de hemossedimentação (VHS): importante
maior de observação. no diagnóstico diferencial entre apendicite aguda e doença
• Percussão: importante na comprovação da existência da inflamatória pélVIca (DIP), está muito elevada na vigência
dor, determinação do ponto mais doloroso e reconheci- desta última.
mento da macicez fixa ou móvel, verifica a presença de
liquido e tunpanismo. Exames de imagem
• Palpaçào: em caso de envolvimento do peritônio parietal, • Radiografia de tórax: a presença de pneumoperitônio sugere
um processo mnamatóno ou 1rntauvo implica a ocorrên- perfuração de '1scera oca, podendo ocorrer no pós-operató-
/"
)/:
I 528 Seção I Ginecologia

rio de laparotomias sem significado patológico. lmponame • De,·em ser selecionadas cirurgias objetivas, simples e rã-
na avaliação de causas extra-abdominaiS de abdome agudo, pidas.
como pneumonta de lobo mferior e pneumotórax.
• Radiografia de abdome: reahzada em onostalismo e de-
CAUSAS GINECOLÓGICAS DE ABDOME AGUDO
cúbito dorsal. São coi1Siderados achados anormais na ra-
diografia simples de abdome: pneumopentõruo, presença Anomalias müllerianas obstrutivas
de ar no mtesuno delgado (também encontrada no recém- A ausência de desenvoh~mento dos duetos de Muller oca-
· nascido e em casos de uso de entorpecentes e laxantes), siona agenesia de tubas, útero e porção supenor da vagma.
níveiS htdroaéreos, apagamento da sombra renal e do mús- Esses duetos estão muuo próxtmos aos de Wollf, o que pode
culo psoas e alça em senunela. levar à associação de anomalias congemtas de nns e ureteres.
• Ultrassonografia (US) abdominal e pélvica: exame inó- Em geral, as anomalias mullerianas são assintomáticas, en-
cuo, sem contramdicações, de baixo custo e disponível quanto as obstrutivas podem se manifestar como dor crõmca
na maioria dos hospitaiS, pode auXIhar a determinação e mucocolpo na infância. A partir da menarca, a obstrução ao
da etiologia do abdome agudo. O exame é limitado pela fluxo menstrual acarreta hematocolpos, hematométrio e he-
presença de distensão abdominal por gases. O achado ul- matossalpinge, manifestando-se mais comumente como dor
trassonográfico de liquido livre na cavidade abdominal, pélvica c rônica, dismenorreia ou dispareunia. Para o diag-
associado a h istória e exame clínico da paciente, muitas nóstico apropriado é necessàrio alto índice de suspeição e,
vezes possibilita o diagnóstico de hemoperitônio, dispen- embora incomum, deve ser considerado como causa de dor
sand o a necessidade de punção abdominal, a qual é um abdominal aguda em adolescentes.
método de execução simples, praticamente inócuo e de O diagnóstico é frequentemente estabelecido a partir da
grande valo r, principalmente para o diagnóstico de he- história e do exame físico, e a investigação complementar
moperitõn io. Na mulher, a punção do fundo de saco pos- para confirmação de anomalia mulleriana inclui US, resso-
terior substitui com alguma vantagem o acesso parietal nância magnética (RM) e/ou videolaparoscopia, enquanto a
anterior. urografia excretora pode mostrar a coexistencia de anomalias
• Tomografia computadorizada (TC) de abdome: vem ga- do trato urinário.
nhando importância na eluctdação dtagnóstica, sendo ideal Os objetivos do tratamento dessas pacientes são o alivio
para o diagnóstico da pancreame aguda, abdome agudo ,-as- dos sintomas obstrutivos e a restauração da salda menstrual
cular e estudo de coleções liqUidas mtra-abdominais. normal e da função sexual com a preservação do potencial
• Videolaparoscopia: a laparoscopta torna possível a visua- reprodutivo.
lização direta dos órgãos abdommais, apresentando alta
capactdade dtagnósuca em pactentes com suspeita clínica Ovulação dolorosa (Mittelschmerz)
de abdome agudo. Está mdtcada espectalmeme naquelas Conhecida como "dor do meto", a ovolução dolorosa se
mulheres em tdade reproduuva que permaneçam com caracteriza por dor abdommal relaciOnada com a O\'Ulação e
quadro abdommal duvtdoso mesmo após a realização dos acontece em 20% das mulheres na ratxa etána fénH, normal-
exames climcos e laboratonats. Deverã ser realizada tam- mente na região em que os Ó\'Ulos foram hberados. A disten-
bém para o diagnóstico dtferenctal das afecções anexíais. são e a ruptura do foliculo durante o processo da O\'Ulação
Ajuda a dtferenctar apendicite aguda de salpingite aguda podem ser responsàveis por esse upo de dor, que costuma
ou da ruptura de follculo ovanano. Apesar de considerada ser unilateral e associada a náuseas e vômitos. A dor central
um exame invasivo, as comphcações são incomuns. pode ser explicada pela mobilidade do ovário. Quando ocorre
à d ireita, pode simular sintomas e sinais de apendicite aguda.
PRINCÍPIOS DO TRATAMENTO Em geral, dura apenas algumas horas, mas pode persistir por
2 a 3 dias. O tratamento é si ntomático e consiste na utilização
O d iagnóstico preciso da causa determinante e as reper-
de anti-inflamatórios e analgésicos.
cussões locais e gerais determ inam o tratamento do abdome
agudo, o qual poderã ser cl ínico ou cirúrgico. Entretanto, al-
Doença inflamatória pélvica (DIP)
guns princípios devem ser sempre observados:
A DIP é uma infecção aguda, polim icrobiana da parte su-
• A ressuscit.ação volemica das pacientes com sinais e sinto- perior do trato genital fem inino, incluindo qualquer com-
mas de hipovolemia deve preceder a indução anestésica. binação de endometrite, salpingite, abscesso tubovariano e
• A correção dos distúrbios hidroeletrolíticos, dos níveis de peritonite pélvica. Microrganismos sexualmente transmissí-
hemoglobina e dos distúrbios de coagulação deve ser reali- veis, especialmente Neisseria gonorrhoeae e Otlamydia Lracho-
zada ames da cirurgia, caso o quadro clínico assim permita. maLis, são os mais comumente encontrados; entretanto, tam-
• Convém iniciar antibioticoprofilaxia ou terapia. bém têm sido associadas bactérias aeróbias e anaeróbias que
• Opta-se pela laparotomia medtana nos casos em que há compõem a microbiota vagmal. Trata-se de uma das causas
dúvida dtagnóstica. mais comuns de dor péh~ca aguda em mulheres. Menos co-
• Procede-se à coleta de material para exame bacteriológico mumente pode causar dor no quadrante supenor direito em
nos casos de pentomte. ,·inude de inflamação peri-hepáuca medtante diSSCmmação
r
((

Capítulo 64 Abdome Agudo em Gineoologia e Obstetrícia 529

transperiwneal ou vascula r dos microganismos responsáve is independentemente associados à TA confi rmada po r ciru rgia:
pela DIP (síndrome de Fitz-Hugh-Curlis). A DIP acomete (l ) dor abdominal ou lombar unilateral, (2) dor com dura-
principalmente mulheres jovens, promovendo taxas signifi- ção <8 horas na prime ira apresentação, (3) vômitos, (4) au-
cativas de complicações, como formação de abscesso tubova- sência de leucorreia e metrorragia e (5) cisto ovariano >Sem
riano , infe rtilidade, gravidez ectópica e dor pélvica crônica. pela ecografia. Se houver suspeita de torção, laparoscopia de
São conside rados fatores de risco para DIP: emergência deve ser realizada para que sejam estabelecidos o
diagnóstico definitivo e o tratamento. Mesmo diante de um
• Mulhe res sexualmente ativas, especialmente com menos
ovário com aparência necrótica, deve ser considerada a possi-
de 25 anos de idade.
bilidade de deswrcê-lo.
• Múltiplos parce iros sexuais.
Embora as lesões hemorrágicas possam oco rrer em qual-
• Parcei ro sexual promíscuo.
quer idade, o cistO de corpo lúteo hemorrágico se desenvolve,
• Histó ria prévia de DIP.
especialmente, logo após a menarca e está comumente asso-
• Procedimentos uterinos, como histeroscopia, dilatação e
ciado à ovulação d is funcional. A hemorragia em cisto fun-
curetagem ou colocação de dispositivo intrauterino.
cional pode apresentar-se com dor pélvica aguda em virtude
Nenhum teste tem sensibilidade e especificidade adequa- da d istensão rápida do parênquima adjacente. A ruptura de
das para identificar com segurança a DIP, sendo considerada um cistO hemorrágico resulta em irritação peritOneal. Acha-
o padrão de referência para o d iagnóstico de DIP aguda a vi- dos ao ultrassom incluem massa arredondada hipoecoica sem
sualização direta dos órgãos pélvicos por meio de laparosco- vascularização interna e com aparência de coágulo retraído
pia. Entretanto, embora d ifícil em razão da grande variedade com diferentes quantidades de fibrina residual. O tratamento
de apresentações, o diagnóstico mais comumente se baseia em depende dos sintomas clínicos, do tamanho da lesão e da apa-
achados clínicos. As mulheres que apresentam fatores de risco rência ultrassonográfica. O tratamento cirúrgico está indicado
para DIP e dor à mobilização cervical, uterina ou ovariana sem na presença de dor abdominal intensa e persistente, hemor-
outras causas atribuíveis devem receber tratamento para DIP. ragia ou torção. O tratamento conse rvador, que consiste na
Elevação na velocidade de hemossedimentação, leucocitOse e enucleação do cisto ovariano, pode ser tentado nas pacientes
comprovação laboratOrial de infecção cervical pelo gonococo com sangramentO auwlimitado e estabilidade hemodinâmica.
ou clamídia embasam o d iagnóstico. O ulLrassom pélvico pode A laparoscopia parece superior à laparowmia para diagnósti-
detectar a presença de abscesso tubovariano ou piossalpinge. co e tratamento de mulheres hemodinamicamente estáveis.
A DIP é uma das causas de abdome agudo inflamatório, sen-
do importante o d iagnóstico d iferencial com apendicite agu- Complicações dos miomas uterinos
da. Os fatores que favorecem o diagnóstico de DIP são: (l )
Miomas uterinos volumosos podem supe rar seu sup rimen-
ausência de migração da dor, (2) sensibilidade abdominal
to sanguíneo e so frer degeneração. Leiomiomas subserosos e
bilateral e (3) ausência de náuseas e vômitos.
submucosos podem tornar-se pediculados e sofrer torção do
Para evitar sequelas em longo prazo, o tratamento deve
pedículo com infarto subsequente, degene ração, necrose e,
ser iniciado logo após o d iagnóstico presuntivo. Como a DIP
potencialmente, infecção. A degeneração ou torção do mio-
é uma infecção polimicrobiana, o tratamento empírico deve
ma pode causar dor pélvica aguda acompanhada de sintomas
fornecer cobertura de amplo espectro. A te rapia oral apresen-
sistêmicos, como febre baixa e leucocitose. O exame ultras-
ta eficácia clínica similar à parenteral nos casos de mulheres
sonográfico possibilita o diagnóstico e o acompanhamento
com quad ros de gravidade leve a moderada. Deve-se optar
das degenerações miomatosas. Miomas com degeneração ou
por hospitalização e tratamento parenteral na presença de
necrose têm aparência mais cística. Se o crescimento é rápido
gravidez, impossibilidade de excluir uma eme rgência cirúrgi-
sem causa identificável, deve-se estar ciente da possibilidade
ca (p. ex., apendicite), incapacidade de seguir ou tolerar a via
da rara ocorrência de degene ração maligna para leiomiossar-
oral, doença grave e presença de abscesso tubovariano.
coma ou leiomiossarcoma espontâneo.
Os casos que evoluem com deterioração clínica ou abdome
agudo devem ser abordados cirurgicamente.
Gravidez ectópica
Doenças anexiais Uma implantação ectópica, que ocorre em 2% de todas
Os cistos ovarianos estão SL~eiws a tOrção, infarto, hemor- as gestações, é responsável por 10 % de todos os casos de
ragia e ruptura, que podem se manifestar com dor abdominal abdome agudo relacionados com a gravidez. Os locais mais
e irritação periwneal pélvica. comuns são istmo (55%), fímbria (17%) e abdome, ovário
A tOrção do ovário, tuba ou de ambos é responsável po r e colo do útero (3%). A DIP é a principal causa de gravidez
2 ,7% de todas as eme rgências ginecológicas, ao passo que a ectópica, mas h istória de gestação ectópica anterior, ligadura
tOrção anexial (TA) é de d ifícil diagnóstico e exige cirurgia tubária, indução da ovulação, fertilização in vitro, uso de dis-
imediata. Os sintomas e achados físicos são inespecíficos, iso- positivo intrauterino e idade avançada também são fatores de
ladamente é incerta, e o Doppler cumpre um papel limitado. risco. A gestação ectópica constitui uma das causas de abdo-
A falha em se estabelecer o diagnóstico precoce pode ocasio- me agudo hemorrágico. Apesar do aprimoramentO dos métO-
nar perda ovariana e peritonite pélvica. Cinco critérios foram dos de diagnóstico, sua utilização em fases mais precoces ain-
/.
"
I )

j 530 Seção I Ginecologia

da tem s1do considerada um problema. Não existe associação ABDOME AGUDO NA GESTAÇÃO
s1gmficauva entre frequ~ncia card!aca e pressão anenal e o O abdome agudo na graVldez permanece entre os ma1s de-
volume do hemoperitõnio da gravidez ectóp1ca rota. Cerca de safiadores d1lemas diagnósticos e terap~uticos, ocorrendo em
20% das pacientes sem alterações nos sína1s vitaiS apresentam I a cada 500 a 635 gestações, e apesar dos avanços tecnoló-
hemorragia classe IV à laparotomia. gicos, seu diagnóstico pré-ope ratório ai nda é impreciso. Os
O d iagnóstico precoce é importante para preservação da parâmetros laboratoriais não são específicos, estando, muitas
fertilidade materna e di minuição do grande número de óbitos vezes, alte rados em consequência das alterações fisiológicas
relacionados com gravidezes ectópicas. A primeira meta dos da gravidez.
exames laboratoriais em uma possível gravidez ectópica con- A incidência de laparotomia durante a gestação é inferior a
siste em determinar se a paciente está grávida. A detecção da 0,5%, demonstrando a pequena experi~ncía do obstetra e do
HCG é a chave para o estabelecimento do estado gravídico. cirurgião diante de uma grávida com abdome agudo e contri-
O ultrassom amda é considerado o método 1deal para o diag- buindo para uma taxa de até 35% de laparotomías "brancas"
nósuco e avahação, tornando possh·el a locahzação anatômiCa nessa situação. A relutância da equipe em submeter uma pa-
da grav1dez ectópica e a\·aliando a presença de hemopentõ- ciente gráVlda a uma c1rurg1a desnecessária, além do rece1o
ruo, parâmetros essenciais para determmação da necess1dade em desencadear abonamento ou trabalho de pano prematu-
de tratamento cirúrgico imediato ou a possibihdade de trata- ro, dificulta a condução do abdome agudo no periodo gesta-
mento não cirúrgico. dona!. O fator isolado que mais afeta a morbimonalidade da
A ultrassonografia transvaginal (USTV) é mais sensível gestante com abdome agudo é o atraso d iagnóstico.
para o diagnóstico de gestação (ectópica ou intrauterina) do
que a transabdomi nal. Com 5 a 6 semanas de gestação ou Alterações anatômicas e fisiológicas da gravidez e
HCG >2.000mUVml (zona d iscriminatória) a sensibhdade suas implicações na abordagem do abdome agudo
da USTV em diagnosticar uma gra,·idez intrauterina viável é A gravidez é responsável por uma série de modificações no
de aproximadamente 100%. A não idenuficação de gestação organismo matemo, sendo essencial o conhecimento das alte-
mtrautenna pela USTV acima da zona dtSCrimmatória sugere rações anatômicas e ftS1ológ1cas presentes nesse perlodo para
uma gestação im~á,·el. uma abordagem correta do abdome agudo durante a gravi-
dez. Entre as alterações maiS importantes podem ser Ciladas:
Síndrome do hiperestímulo ovariano (SHO)
A SHO ocorre mais comumente como comphcação da in- • Alta prevalência de náuseas, vômitos e dor abdominal na
dução da ovulação, estando presente em 0,5% das mulheres gestação normal.
submetidas a essa terapia. Os sintomas geralmente se iniciam • Aumento do útero e distensão da parede abdominal , difi-
5 a 8 d ias após a admi nistração do ~-HCG. O principal me- cultando o exame fisico e d iminui ndo a intensidade dos
canismo patológico da SHO consiste no aumen to da pe rmea- sinais de irritação pe ritoneal.
bilidade capila r, resultando no extravasamento de liquido do • Aumento gradual da frequ~ncia cardiaca e do débito car-
espaço vascular para o terceiro espaço. Os fatores de risco diaco, queda ela pressão arterial d urante o segundo trimes-
para a ocorrencia da SHO incluem pacientes jovens, baixo tre e no hematócrito, o que dificulta o diagnóstico do cho-
peso corporal, síndrome dos on\rios policlsucos, altas doses que. Gestantes sem comorbidades podem perder de 1.200
de gonadotrofinas, níveis elevados ou aumento súbitO do es- a l.500ml do volume sanguineo ames de apresentarem
tradtOI, epiSÓdiOS pré\~OS de SHO e grande número de ro- sinais e smtomas de hipovolemia. )lo entanto, essa perda
Liculos em desenvoh~mento e de oóc1tos reurados durante ,-olêrnica está relacionada com redução do nuxo sanguineo
procedimento de reprodução assistida. placentário, podendo resultar em sofrimento ou até mes-
Chmcamente, a sindrome do híperestimulo ovariano se mo mone fetal.
manifesta por meio de sintomas relacionados com acúmulo • Dilatação dos ureteres que pode levar a estase unnária, au-
de liquido no terceiro espaço, ou seja, edema, ascite, derra- mentando não só o risco de lilfase, mas também de infecção.
me pleural e/ou pericárdico, hemoconcentração, leucocitose, • Aumento no número de leucócitos, o que interfere na ava-
hipovolemia, ohgúria, d istúrbio hid roe letrolltico, náuseas, liação Laboratorial do abdome agudo inrlamatório.
vômitos e dispneia, entre outros que variam de in tensidade • Maior tendência à trombose, devendo ser considerado o
conforme a gravidade do quadro. uso de dispositivos de compressão em todas as gestantes
A a\<ahação ultrassonográfica pode revelar ovários aumen- submetidas à cintrgia não obstétrica.
tados, muitas \'ezes >lOcm, com múluplos follculos e cistos.
Pode haver áreas de hemorragia no intenor do ováno. Pode Diagnóstico
ser \'ÍSto liquido hvre ao redor do útero ou em outros sitios no Os exames propedi!uucos são solicitados de acordo com o
pentõmo, derrame pleural e pericárdico. Em geral, a SHO é exame clinico mmucioso e a necessidade de esclareCLmento
uma cond1ção autolimitada, e os casos le"es necessitam apenas diagnóstico.
de cu1dados suportivos. Os casos mais graves exigem reposi- A radiação iomzante representa um possivel risco teratogt-
ção endovenosa de volume, monitorizaçâo da função renal e nico para o reto, o qual é determ inado pela idade gestacional,
prevenção de eventos trombóticos com terapia anticoagulame. tipo de exame, proxim idade do útero e uso de proteção abdo-
r
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Capítulo 64 Abdome Agudo em Ginecologia e Obstetrícia 531

minai. Abonamento espontâneo, malformações, restrição do • Em procedimentos de longa duração deve-se realizar ava-
crescimento e distúrbtos do desem·oiVlmento neurológico são liação da glicemia.
efeitos possíveiS da radtação 10nízante durante o per!odo ges- • Técnicas regionais (espmaVeptdural) estão assoctadas a
tacional. Apesar disso, os exames radtológtcos diagnósticos menor exposição à subst.ãncta, menos efenos sobre o cora-
não são contraindtcados durante a gravtdez porque não pro- ção fetal (vanabtlidade baumento a baumento) e melhores
movem expostção fetal considerá,·el e parecem não aumentar analgesia e mobihzação pós-operatóna.
o risco natural de anornahas congêrutas. No entanto, de,·e-se • ~anutenção da pressão arterial materna normal por causa
tentar dtmmUlr a expostçào fetal por meto da diminuição do da dependência da circulação uteroplacentãria.
número de cortes ou da área estudada por TC, proteção do • Efedrina e femlefnna são constderadas seguras e eficazes
abdome e e\'Ítando-se a repeução de exames. Quando vários para o controle da pressão artenal materna.
exames de imagens são necessãrios, deve ser considerada a • Administração generosa de nutdos endovenosos.
utilização de métodos não associados à radiação ionizante,
como USe RNM. Patologias não ginecológicas prevalentes na gestação
Apendicite aguda
Tratamento A apendicite aguda é a principal causa de abdome agu-
Laparoscopia do na gravidez, com incidência de uma a cada 500 a 2.000
O tratamento laparoscópico do abdome agudo tem as mes- gestações, representando 25% das indicações cirúrgicas não
mas indicações e os mesmos benef!cios em pacientes gestan- obstétricas na gestante. A gravidez não interfere na incidência
tes e não gestantes. Tem sido demonstrado que a lapa roscopia de apendicite aguda, a qual ocorre com mais frequêncía no
pode ser reahzada com segurança em qualque r trimestre da segundo trimestre ele gestação.
gravidez com mín ima morbidade para o feto e a mãe. A simomatologia é a mesma elas pacien tes não grávidas,
A Sociedade Americana de Cirurgiões Gastroimeslinaís e sendo a dor no quadrante inferior direito do abdome o sinal
Endoscopistas (SAGES) recomenda as seguintes medidas: clín ico isolado mais confiável. Representam dHiculclades para
o d iagnóstico de apend icite aguda na grávida:
• Posicionamento das gestantes em decúbito lateral esquer-
do para minimizar a compressão da veia cava e da aorta. • Não valorização dos sinais e smtomas da gestante.
• O acesso inictal pode ser realizado com segurança pela téc- • Mudança de localização anatõmica do apêndtce cecal.
nica aberta (Hassan) , agulha de Veress ou troearte óptico se
O diagnóstico diferencial da apendtcite aguda deve ser
o local é aJUStado de acordo com a altura uterina, incisão
feito com pielonefrite, pancreaute, coleclStite, gastroenterite
préVIa e experitncia do ctrurgião.
aguda, trabalho de parto pré-termo, TA e descolamemo da
• Insunação de I O a I 5mmHg de C02 pode ser uúlizada
placenta. Em caso de dúvtda d~agnósuca, não deve ser msli-
com segurança.
tuída conduta expectante. O atraso no dtagnósuco pode oca-
• Monitonzaçào mtraoperatóna de C02 pela capnografia.
sionar peritonite, sepse materna e trabalho de parto pré-ter-
• Uulização de dtsposiuvos de compressão no íntra e pós-
mo. A ocorrência dessas comphcações aumenta a morbtdade
-operatóno e deambulação precoce sào recomendadas para
e mortalidade fetal de 33% para -13%.
profilaxia de trombose venosa profunda.
O risco de parto pré-termo em caso de apendtcíte perfurada
• Monitorização cardíaca fetal deve ocorrer no pré e pós-
é de 10% a 43%, podendo ocorrer na semana seguinte à cirur-
-operatório.
gia, quando esta é realizada após 23 semanas de gestação. Na
• TocolíLicos devem ser considerados no perioperatório quan-
ausência de perfuração apendicular, a perda fetal é mferior a
do sinais de parto prematuro estão presentes, mas não de
1,5%. Segundo Babler (1908), a mortalidade por apendicite na
maneira profi lática.
gestação e no puerpério é decorrente do atraso no atendimento.
Anestesia As consequências de uma peritonite são mais prejudiciais
Embora estudos experimentais descrevam neurotoxicídade à mãe e ao feto do que os riscos de uma laparotomia ou lapa-
induzida por anestésico em modelos ele roedores, estes ainda roscopia com resultados negativos. A técn ica cirúrgica em -
não elevem se r aphcaclos à anestesia obstétrica. De modo a pregada depende da idade gestacional, do tempo ele evolução
equilibrar os benefícios do controle da dor e estresse ci rúrgico da doença e da p resença ou não ele peritonite. A laparoscopia
com a potencial neurotoxicidade, os cllnicos devem, sempre pode ser utilizada como método seguro para o esclarecimento
que posslvel, evitar a administração de anestésicos em mulhe- diagnóstico e o tratamento da apendici te aguda, principal-
res grá\'idas por perlodos prolongados e repetidamente. mente em gestações com menos de 20 semanas. Nas apendi-
Também sào recomendados: cites não complicadas, optando-se pela laparotomia, as inci-
sões específicas (McBurney ou Babcock) podem ser realizadas
• Deslocamento utenno (normalmente para a esquerda) de em todos os trimestres de graVIdez.
15 a 20 graus após cerca de 20 a 24 semanas de gestação.
• Quando se uuhza anestesia geral, recomendam-se pré-oxi- Co/ecistite aguda
genação (desmtrogemzação) eficaz e mdução com sequên- A segunda afecção cuúrgica não obstétnca maiS prevaleme
cia ráptda com pressão da cric01de. na gra,'idez é a colecisute aguda, que ocorre em uma a cada
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J 532 Seção I Ginecologia

1.600 a lO mil gestações. Colelitíase é a causa de colecistite tico d iferencial com hipe rêmese gravídica. A radiografia sim-
em 90% dos casos, sendo a colelitíase assintomálica obser- ples de abdome, em decúbito dorsal e ortostatismo, apresenta
vada em 3,5% a 10% das gestações. No período gravídico, a sensibilidade de 82% na detecção de níveis hidroaé reos e/ou
vesícula biliar diminui sua capacidade de esvaziamento, au- dilatação de alças intestinais.
mentando o volume residual e favorecendo a estaSe e a for- A obstrução intestinal mecânica simples é passível de tra-
mação da litíase biliar. tamento conservador por meio de sondagem nasogástrica,
A sintomawlogia é semelhante à apresentada pela mulhe r jejum, antiespasmódicos, reposição volêmica e correção dos
não grávida, incluindo dor tipo cólica, localizada no quadran- distúrbios hidroeletrolíticos. A monitOrização fetal e a ava-
te superior direito do abdome, ou epigastralgia generalizada, liação da oxigenação materna devem ser realizadas. O tra-
além de anorexia, náuseas, vômitOS, dispepsia, febre, taqui- tamento cirúrgico está ind icado em caso de persistência dos
cardia e intolerância a alimentos gordurosos. No puerpério é sintomas ou sinais, comprometimento vascular, como leuco-
comum um quadro clínico mais grave do que nas pacientes citose progressiva, aumentO da d istensão, prostração, febre e
não grávidas. A US é o método de escolha para o diagnóstico distúrbios hidroeletrolíticos.
de colelitíase, apresentando 95% de acurácia sem os riscos da
radiação. O diagnóstico diferencial da colecistite aguda é com Pancreatite aguda
infarto agudo do miocárdio, degene ração gordurosa hepática A incidência de pancreatite durante a gestação é de uma a
aguda da gravidez, síndrome HELLP, apendicite aguda, pré- cada mil a 3.000 gravidezes, especialmente no terceiro trimes-
-eclâmpsia, hepatite aguda, pancreatite, úlcera péptica, pielo- tre e no puerpério precoce. O fator etiológico mais comum é
nefrite, pneumonia e herpes-zóster. a colelitiase, que ocorre em 67% a 100% dos casos, seguida
O tratamento varia de acordo com a idade gestacional e a de alcoolismo. Nenhum fatOr no ciclo gravídico-pue rperal
gravidade dos sintomas. Tradicionalmente o tratamento clí- desempenha papel importante na eliopawgenia da doença.
nico tem sido a primeira escolha no primeiro e terceiro tri- O quadro clínico náo é alterado na gestação, sendo consti-
mestres de gestação e consiste na utilização de analgésicos, tuído por dor epigástrica e no quadrante superior esquerdo do
antiespasmódicos e antibióticos de largo espectro. A cirurgia abdome com irradiação para o flanco esquerdo, vômitos, ano-
costuma ser adiada para o segundo trimestre ou após o parto rexia e febre. Outros sinais, como icterícia, peritonismo, rigidez
com o objetivo de diminuir o risco de abortamento; entre- muscular e h ipocalcemia, também podem ocorrer. O d iagnós-
tanto, não se deve protelar o tratamento cirúrgico da colecis- tico diferencial mais importante da pancreatite aguda no pri-
tite aguda em qualquer momento diante da ineficiência do meiro trimestre da gravidez é com a hiperêmese gravídica.
tratamento clínico. Estudos recentes apontam a tendência de O tratamento de escolha é clinico, fundamentado em re-
uma abordagem cirúrgica mais liberal, seja por laparoLOmia pouso intestinal, equilíbrio h idroeletrolítico e alívio da dor.
ou laparoscopia, independentemente do período gestacional, Em caso de persistência da febre e dos sinais de sepse, é impe-
apresentando as seguintes vantagens: rativo o uso de antibióticos de largo espectro. A nutrição pa-
renteral tOtal e a te rapia intensiva são importantes no manejo
• Redução da utilização de medicamentos. dos quadros graves. Nessas formas graves, o prognóstico é re-
• Redução na taxa de recorrência durante a gravidez, que servado, podendo a mortalidade fetal e materna atingir 20%.
pode variar de 44% a 92%, dependendo da idade gestacio- O tratamento cirúrgico está indicado em caso de insucesso
nal ao diagnóstico. do tratamento conservador para desbridamento da necrose
• Menos tempo de hospitalização. pancreática e d renagem de abscessos.
• Redução na taxa de complicações graves, como perfura-
ção, sepse e peritOnite. Úlcera péptica
A maioria das mulhe res com doença péptica gastro-
Obstrução intestinal duodenal melhora na gestação em virtude da redução na
A obstrução intestinal é a terceira causa de abdome agudo secreção e motilidade gástrica e da histam inase segregada
na gestante, ocorrendo em uma a cada mil a 16 mil gravide- pela placenta. Entretanto, diante de um quadro de abdome
zes. As causas mais frequentes são aderências (60% a 70%), agudo com do r intensa e piora rápida, deve ser cogitada a
vólvulos (25%), intussuscepções (5%), hérnia e câncer. Entre possibilidade de úlcera péptica perfurada. A radiografia de
as obstruções mecânicas, o vólvulo de ceco é responsável por tórax em ortostatismo pode evidenciar pneumope ritônio
25% a 44% dos casos. Nos períodos de maior variação do vo- nos casos de pe rfuração. Sangramento de úlceras pépticas
lume uterino - entre 16 e 20 semanas, 32 e 36 semanas e no também pode oco rrer. O tratamento da úlce ra perfurada é
puerpério - é maior o risco de vólvulo de ceco. A mortalida- cirúrgico , enquanto a maioria dos sangramentos é tratada
de é mais elevada nas gestantes em comparação à população via endoscópica.
em geral. A obstrução intestinal está associada à mortalidade
materna de 6%, mortalidade fetal de 26% e necessidade de Ruptura hepática
ressecção intestinal em 23% dos casos. Hepatopatias são raras na gravidez, mas podem ocorrer
O quadro clínico é igual ao das pacientes não grávidas, colestase intra-hepática da gravidez, degeneração gordurosa
porém no primeiro trimestre também é importante o diagnós- hepática aguda da gravidez e síndrome HELLP. A degene-
r
((

Capitulo 64 Abdome Agudo em Ginecologia e Obstetrícia 533

ração gordurosa hepática aguda da grav1dez é doença rara Firstenberg MS. Malangoni MA. Gastroinlesbnal surgery dunng
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e a adoção de cuidados suponivos. As pacientes co m essa
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co nd ição apresentam risco aumentado ele ruptu ra hepática Huchon C, Slaraci S, Fauconnier A. Adnexal torsion: a prediclive
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A ruptura hepática ocorre frequentemente no final do ter- England) Jul 6.
ceiro tnmestre e está associada à hipertensão arterial, poden- Kamaya A, Shon L , Chen B, Desser TS. Emergency gynecologic ima-
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CAPÍTULO (
,
Aspectos Eticos
em Ginecologia e Obstetrícia
Cláudia Na varro Carvalho Duarte Lemos
Victor Hugo de Melo

INTRODUÇÃO Autonomia
A ÉLica consiste no estudo do comportamento moral dos O princípio da autOnomia implica o respeitO à capacidade
homens em sociedade. Para o filósofo Immanuel Kant a ética dos indivíduos de deliberarem sobre suas escolhas pessoais. As
determina regras de comportamento, distinguindo-se entre pessoas têm o direito de decidir sobre as questões relacionadas
bem e mal, e é uma construção individual. A palavra ética com seu corpo e sua vida. Todo e qualquer ato médico deve
tem origem no grego ethos, que significa bom costume, costume ser autOrizado pelo paciente. Diante de sua recusa, devem ser
superior ou portador de caráter. Impulsionado pelo crescimen- buscadas, com o diálogo , alternativas para solucionar ou aliviar
to da filosofia nos arredores da amiga Grécia, o conceitO de o sofrimento. No caso de indivíduos vulneráveis (deficientes,
ethos se difundiu pelas d iversas civilizações que mantiveram crianças, idosos e outros), o princípio da autonomia deve ser
contatO com essa cultura. A contribuição mais relevante se exercido em seu nome pelo familiar mais próximo ou por seu
deu com os filósofos latinos. responsável legal. Convém lembrar, entretanto, que o respeito
Em Roma, o termo foi traduzido como mor-morus, que tam- à autonomia do paciente não é absoluto, pois existem situações
bém significa costume-mor ou costume superior. É dessa tradução de conflito entre a autOnomia e os outros princípios éticos.
latina que surge a palavra moral em portugués. Com a expan-
são da fLlosofia, e em especial da ideia do pensamento sobre a Beneficência
ação, tornou-se preciso d iferenciar os termos élica e moral. No O princípio da beneficência refere-se à obrigação ética de
século XX, o filósofo espanhol Adolfo Sanches Vásquez estabe- maximizar o benefício e minimizar o prej uízo. O méd ico deve
leceu uma famosa diferenciação entre os dois conceitos. Para te r a real convicção, capacitação e conhecimento técnico que
ele o termo moral se refere a uma reflexão que a pessoa faz de lhe assegure se r benéfico para o paciente o ato médico a ser
sua própria ação, enquanto élica abrange o estudo dos discur- realizado. A beneficência é uma manifestação da benevolên-
sos morais, bem como os critérios de escolha para valorar e cia que, basicamente, significa fazer o bem para o outro.
padronizar as condutas em uma família, empresa ou sociedade.
Não maleficência
ASPECTOS GERAIS DA ÉTICA MÉDICA Esse princípio implica que , sendo necessário o aLO médi-
Diante da evolução dos direitOS humanos, a partir dos co, este deve causar o menor dano ou o mínimo agravo à
pressupostOs da Declaração Universal dos Dire itos Humanos, saúde do paciente. Sabemos que, eventualmente, o exercício
adotada pelas Nações Unidas em 1948, a humanização da da profLSsão médica pode causar danos para a obtenção de
conduta ética dos profLSSionais de medicina também se con- um benefício maior. Por exemplo, em pacientes com câncer é
cretizou. Evoluímos para resguardar os direitos dos pacientes provável que possam ocorrer danos ou eventos adversos em
e dos profLSsionais, buscando a construção de uma relação decorrência do t ratamento. Os princípios da beneficência e
médico-paciente que tenha, em sua esséncia, a garantia da da não maleficência estão sempre interligados.
qualidade da assistência à saúde.
Com base nos princípios da Bioética é possível afirmar que Justiça
a Ética Médica está alicerçada nos seguintes pressupostos: (a) O princípio da jusliça estabelece como pressuposto funda-
autonomia; (b) beneficência; (c) nào maleficência e (d) justiça. mental a equidade, ou seja, a obrigação ética de tratar cada

534
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Capítulo 65 Aspectos ~tícos em Ginecologia e Obstetrícia 535

indívfduo conforme o que é morolmente correto e adequado, dico denunciado o direito da ampla defesa e do contraditó-
dando a cada um o que lhe é devido. Com base nesse princi- rio. Terminada a mstrução do processo ético, a Corregedoria
pio, o médico deve trotar seus pacientes com imparcialidade, nomeia um conselheiro relator e um conselheiro revtsor e é
evitando que aspectos SOCiaiS, culturolS, religiosos, financeiros marcado o julgamento. A dec1são da Plenána de julgamento
e outros interfirom na relação que estabelece com seu paciente. pode ser pela absoh·1ção ou apenação, sempre cabendo recur-
so ao Conselho Federal de Medacma. As penas dtSCtplmares
SUPERVISÃO DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL que podem ser aplacadas aos médtcos estão defimdas no arli-
go 22 da Lei 3.268, de 30 de setembro de 1957, citada ante-
Para exercer sua profissão o médtco deve estar com sua
riormente, e são as segumtes: (a) advertencta confidenctal em
situação regulanzada no Conselho Reg10nal de Medicina
a,·iso reservado; (b) censuro confidenctal em aviSO reservado;
(CRM) de sua respectiva localidade, mantendo atualizados os
(c) censura pública em pubhcação ofictal; (d) suspensão do
dados cadastrots- em especial as mudanças de endereço - e
exercido profissional por até 30 dias; (e) cassação do exercí-
o pagamento da anutdade. Caso tenha obtido titulo de espe-
cio profissional, ad referendum do Conselho Federal.
cialista - por metO de Residencta Médica credenciada ou por
Cabe assinalar que o Conselho Fede rol e os Conselhos Re-
prova de Sociedade Cíentlfica -, deve registrar essa especiali-
gionais de Medicina não têm somente a função judicante ape-
dade no CRM para que sua qualificação como especialista seja
sar de ser esta a que mais se sobressai. Entre oulras funções,
reconhecida e, desse modo , possa divulgar sua especialidade
podem ser citadas: regislro de profiSsiona is médicos indivi-
sem proble mas.
duais e de pessoas jurídicas; registro de especialidades mé-
O Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Medicina
dicas; zelar pelo bom conce ito da profissão, pela autonomia
foram criados pela Lei 3.268, de 30 de setembro de 1957,
d o méd ico, pelo livre exercido da medicina, e pelos di reitos
com defin ições bastante claros de seus objetivos e limites de
d os médicos, respeitados os pressupostos legais; representar
atuação:
os médicos peronte os poderes constituídos nas matérias de
Art. 1•- O Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Me- sua competência; atuar na capacitação cientlfica e no aprimo-
dicina, instituídos pelo Decreto-lei 7.955, de 13 de setembro ramento técnico dos médicos junto às instâncias formadoras
de 1945, passam a constituir em seu conjunto uma autarquia, ou de maneira isolada; apoiar o desempenho digno da pro-
sendo cada um deles dotado de personalidade jurídica de fissão com remuneração e condições de trabalho adequadas;
direito público, com autonomia administrativa e financeira. promover articulações com as entidades representativas dos
médicos, visando ao fortalecimento da categoria.
Art. 2• - O Conselho Federal e os Conselhos Regionais de
Medicina sao os órgãos supervisores da ética profissional
em toda a República e, ao mesmo tempo, julgadores e disci- CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA
plinadores da classe médica. cabendo-lhes zelar e trabalhar,
por todos os meios ao seu alcance. pelo perfeito desempe- Todas as profissões estão submeudas ao conlrole da con-
nho ético da medicana e pelo prestigio e bom conceito da duta moral de quem as exerce com base em código de com-
profissão e dos que a exerçam legalmente. portamento ético-profissional e mecaniSI11oS de fiscahzação.
São regras que explicitam direitos e deveres.
Os Conselhos RegaonaiS de Medtcma recebem, constan- EYidentemente, os códigos - seJam quais forem - nào eli-
temente, denúnctaS contra médacos, solicitações de infor- minam a possibalidade da falha, do erro, mas oferecem ao
mações a respetto dos maas diversos temas e consultas sobre profissional e ao paciente a indicação da boa conduta, am-
questões especificas do exercido da profissão médica, além parada nos princlptos élicos da autonomia, da beneficência,
de demandas de órgãos oficiais. Todas essas manifestações são da não male6cência, da justiça, da dignidade , da veracidade
avaliadas pela Corregedoria Gerol do Conselho, que procede e da honestidade. O Código de t:tica Médica (CEM) traz em
aos encaminhamentos adequados. seu bojo o compromisso voluntário, assu mido individual e
Em relação à denúncia, a Corregedoria abre uma sindicân- coletivamente, com o exercido da medicina, representado em
cia paro que seja investigado o fato, nomeando um conselhei- sua gênese pelo juramento de Hipócrotcs.
ro para fazer a investigação correspondente, de modo que se A aceitação de uma nova tecnologia que a principio foi
possa obter material suficiente para elaborar um parecer con- motivo de dúvidas e questionamentos demonstra que , ape-
clusivo, que deve ser levado para julgamento de uma Câma- sar das barreiras éticas, sociais, psicológicas e econômicas,
ra de Sindicância. Esta, em função dos fatos apurodos, pode um aperfeiçoamento pode levar a sociedade a modi ficar suas
decidir pelo arquivamento da denúncia, por não vislumbrar perspectivas éticas, consagrondo o fato de que uma ordena-
infração ética, ou pela aberturo de processo ético-profissional ção da moral que rege o comporlamento humano se estabele-
(PEP), quando ex!Slirem indtcaos de possível infroção élic.a. ce em razão dos usos e costLtmes. Dar a necessidade de revisão
Tendo a Câmaro de Sindicância decidido pela instauração periódica do CEM e emissão de Resoluções para suprir ques-
de PEP, a Corregedoria nomeia outro conselheiro para instruir tões nào abordadas por ele.
o processo, ou sep, aprofundar a investigação, ouvindo os in- O CEM em vtgor (Resolução CFM 1.931n009) é compos-
teressados, as testemunhas e outras pessoas que possam estar to de 25 princlpios fundamentaiS do exerclcto da medicina,
ligadas à denúncaa, ao mesmo tempo que é concedido ao mé- 10 normas díceológtcas (dtreatos dos rnédtcos), 118 normas
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J 536 Seção I Ginecologia

deontológicas (éticas) e q uatro disposições gerais. Esse código quicos, mas de curso fortuito, que não poderia se r evitado
procura harmonizar a autonomia do médico e do paciente, po r aquele ou qualque r outro médico porque é imprevisível
onde aquele que recebe a atenção e cuidado , após ser bem in- e surge de fato alheio à vontade do agente (p. ex. , embo-
formado, passa a te r o d ireitO de aceita r ou recusar seu trata- lia do líquido amniótico, choque anafilático, descolamento
mento. A transgressão das no rmas deontológicas sujeitará os prematu ro da placenta [DPP] sem fatOr predisponente).
infrato res às penas d isciplina res p revistaS na l ei 3.268/1957. • Mau resultado: quando existem cond ições clínicas cujo
O (ato de não ter havido "erro médico" não exclui a pos- t ratamento ainda é desconhecido pela ciência, implicando
sibilidade de o paciente processar o profissionaL Por vezes, a impraticabilidade profissional, como no caso de doenças
a insatisfação do paciente é o gatilho para encaminhar uma incuráveis (p. ex., alguns tipos de câncer.)
denúncia ao CRM ou ao j udiciário. Uma boa relação médico- • Dano exclusivo da vítima: quando há exclusão do nexo
-paciente, o esclarecimentO de todas as etapas do tratamento, de causa (quebra do nexo causal), sendo o dano causal de
o uso do Termo de Consentimento Uvre e Esclarecido e o re- exclusiva responsabilidade da vítima (p. ex., colocar pó de
gistro completo e legível em prontuário são práticas impor- fumo ou esterco para cu rar coto umbilical).
tantes para evitar denúncias e, ao mesmo tempo, podem se r • Dano causado por terceiros: como, por exemplo, a alta
úteis como provas de um atend imento correto. MuitaS das a pedido, apesar dos riscos info rmados e dos termos de
infrações éticas decorrem também do desconhecimento do responsabilidade assinados.
CEM. Edever do médico te r conhecimento do CEM e das Re-
soluções dos Conselhos Federal e Regional de Medicina que ÉTICA EM GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA
são amplamente d ivulgadas em seus sites e mídias impressas. Em ginecologia e obstetrícia, além dos princípios éticos ge-
O CEM é divid ido em capítulos que abo rdam: responsabili-
rais, existem normas éticas relacionadas com procedimentos
dade profissional; di reitos humanos; relação com pacientes e e/ou temas específicos da especialidade. Alguns desses temas
familia res; doação e t ransplante de órgãos e tecidos; relação serão abo rdados a segui r.
entre médicos; remuneração profissional ; sigilo profissional;
documentos médicos; auditoria e pe rícia médica; ensino e Planejamento familiar
pesquisa médica; e publicidade médica.
O planejamento familiar (PF) no Brasil é regido pela lei
O Artigo 1• do Capítulo lll do CEM - Responsabilidade
9.263, de 12 de janeiro de 1996, e para os fins dessa lei enten-
Médica - diz
de-se por PF o conjunto de ações de regulação da fecundidade
É vedado ao médico: que garanta direitOS iguais de constituição, limitação ou aumen-
Art. 1• Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, ca- to de prole pela mulher, pelo homem ou pelo casaL Portanto, o
racterizável como imperícia, imprudência ou negligência . PF envolve tanto as ações contraceptivas como os tratamentos
Parágrafo único. A responsabilidade médica é sempre pes- de inferlilidade. A élica relacionada com esse tema diz respeito à
soal e não pode ser presumida. contracepção e às técnicas de reprodução assistida (TRA).

Cabe relemb rar alguns conceitOS das ações, ou omissões, Contracepção


registradas nesse artigo: A esse respeito destaca-se o artigo 15 do CEM (Resolução
• Negligência: ocorre quando o pro fLSSional tem ciência da CFM 1931/2009)
gravidade do quadro e p rotela sua atuação, deixando de É vedado ao médico:
tomar as p rovidências cabíveis.
• Imperícia: ocorre quando o pro fLSSional se aventura a pra- Art. 15. Descumprir legislação específica nos casos de trans-
ticar um ato para o qual não está preparado tecnicamente plantes de órgãos ou de tecidos, esterilização, fecundação
e seu ato resulta em dano ao paciente, descumprindo as a rtificial, abortamento, manipulação ou terapia genética.
regras técnicas da p rofissão.
A seguir, destacam-se alguns artigo da lei 9.263/1996:
• Imprudência: oco rre quando o profissional, embora pre-
parado tecnicamente, se p ropõe praticar um aLO médico Art. 1O. Somente é permitida a esterilização voluntária nas
em condições inadequadas e sem levar em conta os riscos seguintes situações:
pertinentes. I - em homens e mulheres com capacidade civil plena e
maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com
Para que o médico seja apenado, não basta que tenha sido dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de
negligente, imperito ou imprudente, é necessário q ue tenha sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúr-
ocorrido dano ao paciente. Essas condutas devem se r d ife- gico, período no qual será propiciado à pessoa interessada
renciadas de outras situações q ue podem levar a maus resul- acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo
tados, mas que independem da ação do méd ico, como, por aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desen-
exemplo: corajar a esterilização precoce;
li - risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro con-
• Acidente imprevisível: conhecido pelos antigos romanos cepto, testemunhado em relatório escrito e assinado por dois
como itifelicitas Jacó, q ue pode levar a danos físicos ou psí- médicos.
r
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Capítulo 65 Aspectos ~tícos em Ginecologia e Obstetrícia 537

§1• ~ condição para que se realize a esterilização o re- Reprodução assistida


gistro de expressa manifestação da vontade em documento Quase sempre, na H1stória, a cil!ncia se antecipa às ques-
escrito e f1rmado, após a informação a respeito dos riscos
tões éticas e mora1s da sociedade. A cada avanço cientifico
da cirurgia, posslveis efe1tos colaterais, dificuldades de sua
se toma possível a execução de procedimentos antes lmpen-
reversão e opçOes de contracepção reverslveis existentes.
§2· ~ vedada a esterilização cirúrgica em mulher durante sa,·eis, cabendo à soc1edade a resolução dos d1lemas éucos e
os períodos de parto ou aborto, exceto nos casos de com- morais. As mudanças SOCI31S, novos conceuos de famlha e o
provada necessidade, por cesarianas sucessivas anteriores. surgimento de novos parad1gmas fazem que as onentações
§3' Não será considerada a manifestação de vontade. na relacionadas com a conduta éuca profissiOnal esteJam sempre
forma do §1", expressa durante ocorrência de alterações na se atualizando. No Brastl, apesar dos vãnos projetos de lei em
capacidade de discernimento por influência de álcool, dro- tramitação, não extSte nenhuma legislação em v1gor sobre as
gas, estados emocionais alterados ou incapacidade mental técnicas de reprodução assisuda (TRA), sendo o CEM (Re-
temporária ou permanente. solução CFM 1.93112009) e a Resolução CFM 2.12112015
§4• A esterilização cirúrgica como método contraceptivo
utilizados como referência pelos méd1cos.
somente será executada através da laqueadura tubária, va-
Em termos de legislação relacionada com o tema, exis-
sectomia ou de outro método cientificamente aceito, sendo
vedada através da histerectomia e ooforectomia. te a Lei de Biossegurança (lei 11.105, de 24 de março de
§5" Na vigência de sociedade conjugal, a esterilização de- 2005), que regula as regras do uso de embriões humanos em
pende do consentimento expresso de ambos os cônjuges. pesquisas. Essa lei enfrentou grande debate na sociedade e
§& A esterilização cirúrgica em pessoas absolutamente quase foi revogada em razão ele uma Ação Di ret.a de Inconsti-
incapazes somente poderá ocorrer mediante autorização ju- tucionalidade, m as foi m antida e está em vigor. A Resolução
dicial, regulamentada na forma da Lei. de D iretoria Colegiada (RDC) 33/2006 da ANVI SA aprova o
Art. 11. Toda esterilização cirúrgica será objeto de notifi- Regulamento para Funcionamento d os Bancos de Células e
cação compulsória à direção do Sistema Único de Saúde.
Tecidos Genninativos.
Art. 12. ~vedada a indução ou instigamento individual ou
Em relação ao CEM, o mesmo artigo 15, citado em con-
coletivo à prática da esterilização cirúrgica.
A rt. 13. ~vedada a exigência de atestado de esterilização tracepção, é aplicado também em reprodução assistida (RA):
ou de teste de gravidez para quaisquer fins. É vedado ao médico:
Art. 14 . Cabe à instância gestora do Sistema Único de Art. 15. Descumprir legislaç!lo especifica nos casos de
Saúde, guardado o seu nlvel de competência e atribuições, transplantes de órgãos ou de tecidos. esterilização, fecunda-
cadastrar, fiSCalizar e controlar as instituições e serviços que ção artificial, abortamento, manipulação ou terapia genética.
realizam ações e pesquisas na área do planejamento familiar. §1• No caso de procnaçâo medicamente assistida, a ferti-
Parágrafo úrnco. Só podem ser autOfizadas a realizar es- lização não deve conduzir SIStematicamente à ocorrência de
terilização CirúrgiCa as Instituições que ofereçam todas as embriões supranumerânos.
opções de metos e métodos de contracepção reversíveis. §2" O médico não deve realizar a procriação medicamen-
te assistida com nenhum dos segu1ntes objetivos:
Também se destaca um arugo do CE~I (Resolução CFM
I - criar seres humanos genetiCamente modificados;
1.931/2009) que raufica a posição do Conselho Federal de 11 - criar embriões para investigação;
Med1cina em respe1tar a autonomia do pac1ente, após amplo 111 - criar embriões com finalidades de escolha de sexo,
esclarecimento das opções d1spontve1s: eugenia ou para originar hlbridos ou quimeras.
§3> Praticar procedimento de procriaç!lo medicamente
~ vedado ao médico:
assistida sem que os participantes estejam de inteiro acordo
e devidamente esclarecidos sobre o mesmo.
Art. 42. Desrespeitar o direito do paciente de decidir livre-
mente sobre método contraceptivo, devendo sempre escla- Por sua vez, o artigo 18 do CEM estabelece que:
recê-lo sobre indicaçao. segurança, reversibilidade e risco
É vedado ao médico:
de cada método.
Art. 18. Desobedecer aos acórdãos e às resoluções dos
Portanto, em relação à contracepção, os aspectos éticos Conselhos Federal e Regionais de Medicina ou desrespeitá-los.
mais i mportantes estão relacionados com amplas orientações
Portanto, o descumprimentoda Resolução CFM 2. 121/20 15,
à paciente, i ndividualiza11do os riscos e beneficios de cada
que regulamenta as T RA, con figura como in fração ética a deso-
método, respeitando, se mpre que possível , sua escolha e,
bediência ao artigo 18 d o CEM.
caso decida pela esterilização, seguir a Lei 9.263/1996. As
denúncias mais comuns relativas à laqueadu ra w bária estão Resolução CFM 2.121!2015
relacionadas, princ ipalmente, com a documentação incom -
A Resolução CFM 2. 12112015 estabelece as nonnas éticas
pleta para realização do ato, como a auséncia do Termo de
para a util ização das TRA e pode ser pesquisada em sua Inte-
Esclarecimento Livre e Esclarecido, e a possibilidade de falha
gra no portal do Consel ho Federal de Medicina.
do método. O méd1co não pode ser culpado pela falha do
Dessa resolução se destacam:
método, ''isto que sua efic1l!ncia, apesar de muito alta, não é
de 100%. No entanto, pode ser responsabilizado por não ter • As TRA podem ser uultZadas desde que ex1sta probabili-
comurucado à pac1ente a poss1bihdade de falha do método. dade de sucesso e não se mcorra em nsco grave de saúde
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J 538 Seção I Ginecologia

para o(a) paciente ou o possível descendente, sendo a ida- dado aos embriões crioprese rvados em caso de divórcio,
de máxima das candidat.aS à gestação de RA de 50 anos. As doenças graves ou falecimento, de um deles ou de ambos,
exceções ao limite de 50 anos para pa rticipação do proce- e quando desejam doá-los.
dimento se rão determinadas, com fundamentos técnicos e • Os embriões criop rese rvados por mais de 5 anos poderão
científicos, pelo médico responsável e após esclarecimento ser descanados se essa for a vontade dos pacientes. A uti-
quanto aos riscos envolvidos. lização dos embriões em pesquisas de células-tronco náo é
• O consentimento livre e esclarecido informado será obri- obrigatória, conforme previsto na l ei de Biossegurança.
gatório para todos os pacientes submetidos às TRA. • As TRA podem se r utilizadas aplicadas à seleção de em-
• As TRA não podem ser aplicadas com a intenção de sele- briões submetidos a diagnóstico de alterações genéticas
cionar o sexo (presença ou ausência de cromossomo Y) ou causadoras de doenças, podendo, nesses casos, ser doados
qualquer outra caracte rística biológica do futuro filho, ex- para pesquisa ou descartados.
ceto quando se trate de evita r doenças do filho que venha • As TRA também podem ser utilizadas para tipagem do
a nascer. sistema HLA (Human Leukocyte Antigens) do embrião no
• O núme ro máximo de oócitos e emb riões a serem trans- intuito de selecionar embriões HLA compatíveis com al-
feridos para a receptora não pode se r superior a quatro. gum(a) filho(a) do casal já afetado pela doença e cujo tra-
Quanto ao número de embriões a serem transfe ridos, fa- tamento efetivo seja o transplante de células-tronco, de
zem-se as seguintes determinações de acordo com a idade: acordo com a legislação vigente.
(a) mulheres até 35 anos: até dois embriões; (b) mulhe res • O tempo máximo de desenvolvimento de embriões in vitro
entre 36 e 39 anos: até três embriões; (c) mulheres com será de 14 dias.
40 anos ou mais: até quatro embriões; (d) nas situações • As clínicas, centros ou serviços de reprodução assistida po-
de doação de óvulos e embriões considera-se a idade da dem usar TRA para criarem a situação identificada como
doadora no momento da coleta dos óvulos. gestação de substituição, desde que exista um problema
• Em caso de gravidez múltipla, decorrente do uso de TRA, médico que impeça ou comraindique a gestação na doa-
é proibida a utilização de procedimentos que visem à redu- dora genética ou em caso de união homoafetiva.
ção embrionária. • As doado ras temporárias do útero devem pe rtence r à famí-
• Todas as pessoas capazes que tenham solicitado o proce- lia de um dos parcei ros em parentesco consanguíneo até o
dimento e cuja indicação não se afaste dos limites dessa quarto grau. Demais casos estão SL~eitos à autorização do
resolução podem ser receptoras das TRA desde que os par- Conselho Regional de Medicina. A doação temporária do
ticipantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclare- útero não poderá ter caráte r lucrativo ou comercial.
cidos, conforme legislação vigente. • É permitida a reprodução assistida post-mortem desde que
• É permitido o uso das TRA para relacionamentos homoafe- h~a auto rização prévia específica do(a) falecido(a) para o
tivos e pessoas solteiras, respe itado o d ireito à objeção de uso do material biológico criopreservado, de acordo com a
consciência por parte do médico. É pe rmitida a gestação legislação vigente.
companilhada em união homoafetiva feminina em que
náo exista infertilidade. Os avanços cada vez mais rápidos na área da RA, assim
• A doação de gametas ou embriões não poderá te r caráter como as mudanças socioculturais, têm criado dilemas éticos
lucrativo ou comercial. Os doadores não devem conhecer a que, muitas vezes, não estão previstos nos códigos e legislações
identidade dos recepto res e vice-versa. Será mantido, obri- existentes e, nesses casos, os procedimentos são apresentados
gato riamente, o sigilo sobre a identidade dos doadores de aos Conselhos Regionais de Medicina para análise e aprovação.
gameLaS e embriões, bem como dos receptOres. A escolha
dos doado res é de responsabilidade do médico assistente. Interrupção legal da gravidez
Dentro do possível, deverá garantir que o(a) doado r(a) te- A legislação sobre o abonamento no Brasil está entre as
nha a maior semelhança fenotípica e a máxima possibilidade mais restritivas do mundo. O abonamento é c rime previsto
de compatibilidade com a receptora. pelo Código Penal (DecretO-lei 2 .848, de 7 de dezembro de
• É permitida a doação voluntária de gametas masculinos, 1940) nos artigos 124, 125 e 126, com penalidades para
bem como a situação identificada como doação compar- a mulhe r e para o médico que o praticam. No entantO, o
tilhada de oócitos em RA, em que doadora e receptora, artigo 128 do Código Penal estabelece duas situações em
participando como portadoras de problemas de reprodu- que o abono praticado po r médico não é c rime: (1) quando
ção, compartilham tanto do material biológico como dos não há outro meio de salvar a vida da gestante; (2) quando a
custos financei ros que envolvem o procedimento de RA. gravidez resulta de estupro ou, por analogia, de outra forma
A doadora tem preferência sobre o material biológico que de violência sexual. Nesses casos, o abono deve ser prece-
se rá produzido. dido de conse ntimento da gestante ou, quando incapaz, de
• As clínicas, centros ou se rviços podem criop rese rva r esper- seu representante legal. O abortamento eugênico, ou sej a,
mawzoides, óvulos, embriões e tecidos gonád icos. na presença de grave malformação fetal, não é permitido
• No momento da criop rese rvação, os pacientes devem ex- pela lei, e somente poderá se r realizado se houve r sentença
pressar sua vontade, por escritO, quanto ao destino a ser judicial nesse sentido.
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Capítulo 65 Aspectos Éticos em Ginecologia e Obstetrícia 539

Por sua vez, o Código de Ética Médica em vigor (Resolução Abono (Artigo 214), ambos do Código Penal Brasileiro,
CFM 1.931/2009) assegura no item VII do Capítulo I - Prin- assumindo a responsabilidade penal caso as informações
cípios Fundamentais - que: prestadas não correspondam à ve rdade.
O médico deverá exercer sua profissão com autonomia, não • Termo de Relato Circunstanciado: nesse termo, a mulhe r
sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os dita- e/ou seu representante legal devem descreve r as circuns-
mes de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas tâncias da violência sexual sofrida e que resultaram na
as situações de ausência de outro médico, em caso de ur- gravidez, devendo constar: a data, o horário ap roximado,
gência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer o local e a descrição detalhada do ocorrido. Quanto ao
danos à saúde do paciente. agresso r, devem se r especificados: o número de envolvi-
Desse modo, garantem-se ao médico a objeção de cons- dos, se conhecido ou não, a idade aparente, a etnia, a co r
ciência e o direitO de se recusar a realizar o abo namento, dos cabelos, os trajes, sinais particulares, eventual grau de
mesmo nas situações previstas em Lei, ressalvadas as situa- parentesco e se aparentemente se encontrava sob o efeito
ções em que ele não pode se negar a realizar o procedimento. de álcool ou d rogas ilícitas.
A posição do médico que manifesta objeção de consciência • Termo de Aprova ção d e Procedime nto de Interrupção
deve ser sempre respeitada. Esses p rofissionais não podem de Gravidez: documento fi rmado pela equipe multip ro-
sofrer nenhuma forma de coerção, ameaça, intimidação ou fissional, incluindo psicólogos e assistentes sociais, e pelo
d iscriminação por se recusarem a praticar o abortamento le- di retO r ou responsável pela instituição, onde se ap rova
gal. Nesses casos, o médico deve declarar sua cond ição de a solicitação da mulhe r e/ou de seu representante legal,
objeção de consciência para a mulhe r, ou seu representante com base no inciso li do artigo 128 do Código Penal Bra-
legal, e encaminhá-la para outro profLSsional que conco rde sileiro, mediante análise e adequação dos demais te rmos
em realiza r o procedimento. firmados e na ausência de indicadores de falsa alegação
A Portaria MS/GM 1.508, do Ministério da Saúde, de 1~ de crime sexual.
de setemb ro de 2005, estabelece os Procedimentos de justi-
ficação e Auto rização da Interrupção da Gravidez nos casos Anencefalia
previstOs em Lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Esses A discussão sobre a legalidade da interrupção de gravi-
procedimentos devem se r adotados pelos serviços de saúde dez de feto ap resentando d iagnóstico ecográfico de anen-
para a realização do abo rtamento decorrente de violência se- cefalia foi ence rrada em 12 de abril de 2012 com o acó rdão
xual e incluem vá rios te rmos, que devem ser p rovidenciados da decisão do Sup remo Tribunal Fede ral (STF), pe rmiti ndo
antes do procedimento: inte rrompe r a gestação de fetOs nessa situação. Os minis-
• Termo de Conse ntimento Livre e Esclarecido: docu- tros decidiram q ue os médicos responsáve is pela realização
mento imprescindível para a realização do abortamenLO do procedimento e as gestantes que decidem interrompe r
decorrente de violência sexual, nesse termo a mulher e/ou a gravidez não cometem qualquer espécie de crime. Reite -
seu representante legal se declaram pela escolha da inte r- ra-se que, a partir dessa decisão do STF, as mulheres não
rupção da gestação de mane ira livre, consciente e info rma- p recisam de autorização judicial que as autOrize, basta ndo
da, e com ciência da possibilidade de manter a gestação existi r o diagnóstico de anencefalia. Até essa data a ante-
até seu té rmino. Devem, também, declarar que têm conhe- cipação terapêutica do pan o de fetos anencéfalos some nte
cimento dos procedimentos médicos que serão adotados, pode ria se r realizada no Brasil mediante autO rização do Po-
bem como dos desconfortos e riscos possíveis para a saú- de r j udiciário ou do Min istério Público. Em 12 de abril de
de, formas de assistência, acompanhamentos posteriores e 2012, com a conclusão do j ulgamento da Arguiçào de Des-
profissionais responsáve is. cumprimento de Preceito Fundamental 54, de 17 de junh o de
• Te rmo de Parecer Técnico: te rmo fi rmado somente pelo 2004 (ADPF-54), o Supremo Tribunal Fede ral decid iu que,
médico do se rviço que atende à mulhe r em situação de à luz da Co nstituição Fede ral, a antecipação terapêutica
violência sexual e que se propõe a se submeter ao abo r- do pano de fetO ane ncéfalo não tipifica o crime de abo n o
tamentO previstO em Le i. Nesse termo, o médico atesta p revisto no Código Penal, dispe nsando, assim , auto rização
a compatibilidade da idade gestacional ve rificada pela p révia.
ultrassonografia obstétrica, registros da anamnese e re- Por sua vez, a Resolução CFM 1.989, de 12 de maio de
sultados dos exames físico e ginecológico com a data da 2012, estabeleceu os crité rios diagnósticos de anencefalia:
violência sexual alegada pela paciente e/ou po r seu rep re-
sentante legal. Art. 1• Na ocorrência do diagnóstico inequívoco de anen-
cetalia o médico pode, a pedido da gestante, independente
• Termo de Responsabilidade: documentO em que a mu- de autorização do Estado, interromper a gravidez.
lher e/ou seu rep resentante legal declaram que as info rma- Art. 2" O diagnóstico de anencelalia é leito por exame ul-
ções prestadas à equipe de saúde correspondem à legítima trassonográlico realizado a partir da 12• (décima segunda)
expressão da verdade. Nesse termo deve constar claramen- semana de gestação e deve conter:
te que os declarantes estão cientes das consequências dos I - duas fotografias, identificadas e datadas: uma com a
crimes de Falsidade Ideológica (artigo 299) e de pratica r lac-e do feto em posição sagita l; a outra, com a visualização
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j 540 Seção I Ginecologia

do polo cefálico no C()(te transversal, demonstrando a au- por já ter reahzado uma cesariana anteriormente; por ter udo
sêncta da calota craniana e de parênquima cerebral ident~i­ urna experiêncta obstétnca anterior negativa e que evolu1u
cável; para pano vaginal.
11 - laudo assinado por dois médicos, capacitados para Como médicos obstetras sabemos que qualquer mterven-
tal diagnóstico. ção cirúrgica pode levar a maior morbidade, e a cesariana não
Art. 3• Concluído o diagnóstico de anencefalía, o médi-
é uma exceção, associando-se a mais elevado risco materno
co deve prestar à gestante todos os esclarecimentos que
lhe forem solicitados, garantindo a ela o direito de decidir de infecções, hemorragias - com aumento de transfusão de
livremente sobre a conduta a ser adotada, sem impor sua hemoderivados -. placenta prévia e/ou acretísmo futuros,
autoridade para induzi-la a tomar qualquer decisão ou para histerectomias, lesões vesicais, tromboembolísmos, admis-
limitá-la naquilo que decidir: sões em UTI e outras, inclusive a mone. Do lado neonatal, o
§ 1• '" direito da gestante solicitar a realização de junta mesmo ocorre com maior risco de prematuridade, que pode
médica ou buscar outra opinião sobre o diagnóstico. levar a dificuldades respiratórias, hipoglícemia. h1potenma,
§2" Ante o diagnóstico de anencefalia, a gestante tem o admissão e/ou mator permanência em UTI neonatal. E\1den-
diretto de: temente, essa abordagem sobre as complicações neonatatS d1z
I - manter a gravidez; respeito à prematundade 1atrogênica, e sem índ1cação técm-
11 - interromper imediatamente a gravidez. independente
ca, sendo exclu!dos os casos em que a interrupção prematura
do tempo de gestação, ou adiar essa decisão para outro mo-
mento. é realizada em beneficio fetal e/ou materno, nas situações de
§3' Qualquer que seja a decisao da gestante, o médico aho risco.
deve informá-la das consequências, incluindo os riscos de-
correntes ou associados de cada uma. Aspectos éticos
§~ Se a gestante optar pela manutençao da gravidez, É importante reiterar o conceito de cesariana a pedido da
ser-lhe-á assegurada assistência médica pré-natal compatí- gestante. De acordo com o American College o[ Obstetrícians
vel com o diagnóstico. and Gynecologists (ACOG- 2013):
§50 Tanto a gestante que optar pela manutenção da gra-
vtdez quanto a que optar por sua interrupção receberão. se Parto por cesanana a pedido materno é definido como urna
aSSim o desejarem, assistência de equtpe muttiprofissional cesariana antes do inicio do trabalho de parto. por solictta-
nos locais onde houver disponibilidade. ção materna, na ausência de quaisquer indicações mater-
§& A antecipação terapêutica do parto pode ser realiza- nas ou fetais.
da apenas em hospital que disponha de estrutura adequada
ao tratamento de complicações eventuais, tnerentes aos res- Essa definição é semelhante à que se utiliza para a cesaria-
pectivos procedimentos. na eletiva: procedimento cirúrgico realizado para interrupção
da gravidez, antes do inicio do trabalho de pano, e com bol-
sa amniótica Integra. Quando se consideram todos os riscos
Cesariana a pedido neonatais decorrentes da prematuridade, o ACOG recomen-
O Brasil é, infelizmente, um dos paises em que mais se da, nesse documento, que a extração fetal por cesariana a pe-
realizam cesarianas pelos mais diferentes motivos e com ta- dido seja realizada somente com 39 semanas completas de
xas comparativamente mais elevadas entre as pacientes do idade gestac1onal.
SIStema de saúde suplementar. Entretanto, essa situação não Para exemphficar, apresentam-se resultados de pubhcação
pode ser utihzada para se contrapor à leg111ma demanda das de 2008, em·olvendo 34.-+58 neonatos dinamarqueses nasci-
pac1entes que, também por diferentes razOes, desejarem que dos entre 1998 e 2006 com 1dade gestacional entre 3 7 a 41
sua gestação seja mterrompida de mane1ra eleuva por cesa- semanas e sem anomalias estruturais. Foram avaliados do1s
nana. Entre as jusuficativas dos médicos para realizar o pro- desfechos neonatatS: morbidade respiratória e morb1dade res-
cedimento, podem-se citar: maior segurança na realização do piratória grave. Entre essas crianças, 2.687 (7,8%) nasceram
procedimento em virtude da melhoria das técnicas cirúrgicas por cesariana eletiva. Comparando os resultados de morbi-
e anestesiológicas; estrutura hospitalar desfavorável para o dade respiratória entre os nascidos por parto vaginal e os de
parto normal; facilidade de planejamento; proteção pe rineal, cesariana, os autores verificaram redução das chances (Oclds
prevenindo prolapso e incontinência urinária ou fecal; não Ratio - OR) dessa morbidade à medida que aumentava a ida-
interferência na sexualidade feminina futura; o modelo atual de gestacional ao nascimento, conforme se pode observar: 37
de assistência obstétrica, em especial a questão dos honorá- semanas (O R: 3,9; !C 95%: 2,4 a 6,5), 38 semanas (OR: 3,0;
rios; prática defensiva, prevenindo processos jUdictais; inse- !C 95%: 2,1 a 4 ,3) e 39 semanas (OR: 1,9; !C 95%: 1,2 a
gurança para realizar manobras obstétncas. 3,0). O risco para a morbidade respiratória grave seguiU os
Entre os prováveis moti,·os para que uma gestante dec1da mesmos padrões, mas com \'alores mais ele,·ados.
fazer a cesanana eletiva destacam-se: desconhecimento do Os autores destacam que os resultados permaneceram se-
processo do trabalho de pano, por medo (tocofobia) ou mse- melhantes após a exclusão das gestações de alto nsco, com-
gurança; exercfcio de sua autonomia; por achar que é melhor plicadas por diabetes, hipenensão/pré-eclãmpsia, restnção
para o neonato; não interferência em sua sexualidade; por do crescimento intrauterino e outras. Percebe-se, assim , que
influência da mfdia, de am igas, de familiares ou dos médicos; uma redução de morbidade respi ratória neonatal significativa
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Capítulo 65 Aspectos Éticos em Ginecologia e Obstetrícia 541

poderá oco rrer se a real ização da cesariana eletiva for pos- necessidade de o médico: realizar o registro em prontuário de
tergada, aguardando- se que o fetO complete 39 semanas de todas as consultas, inte rco rrências, internações etc., de todas
idade gestacional. as pacientes, atendidas em consultórios, clínicas, hospitais e
Ao se rever a literatura, pode-se obse rvar que, além doBra- unidades de saúde, entre outros; mante r o sigilo profissional ,
sil, gestantes dos EUA, Reino Unido, Noruega, China, Itália, em wdas as situações de atendimento de pacientes; não fazer
Índia, N igéria e Hungria, entre outros países, têm solicitado a publicidade sensacionalista e/ou enganosa, e que possa suge-
real ização da cesariana pel os mais d iversos motivos. Percebe- rir auwpromoção, conco rrência desleal e a intenção de auferir
-se, assim, que cada vez mais gestantes têm exe rcido seu di- lucros; não deixar de comparecer a plantões ou se ausentar
reito de reivindicar a cesariana eletiva, e isso tem sido aten- deles sem deixar um substituto; não prescrever ou atestar sem
d ido. Mas essa opção tem sido bastante d iscutida do pomo que tenha sido realizada a consulta do paciente com o devi-
de vista ético e, felizmente, o Conselh o Federal de Medicina do registro no prontuário; finalmente, recomenda-se especial
emitiu parecer a esse respeitO em 2016. atenção aos pacientes e seus familiares, de modo a dar-lhes
A Resolução CFM 2.144, de 17 de março de 2016, apre- o devi do acolhi mento e o cuidado qualificado, de maneira
senta a seguinte ementa: a lhes oferecer o melhor que a ciência médica dispõe para
É ético o médico atender a vontade da gestante de rea- o diagnóstico e o tratamento e com perspectivas de melhor
lizar parto cesariano, garantida a autonomia do médico, da prognóstico.
paciente e a segurança do binômio materno fetal.
Extraem-se dessa resolução os artigos considerados leitura complementar
mais pertinentes para orientação dos obstetras: Brasil. Agência Nacional de Vigilancia Sanitária - ANVISA. Resolu-
Art. 1• É direito da gestante, nas situações eletivas, optar ção RDC 33, de 25 de fevereiro de 2003. Dispõe sobre o Regu-
pela realização de c-esariana, garantida por sua autonomia, lamento Técnico para o gerenciamento de resíduos de serviços
desde que tenha recebido todas as informações de forma de Saúde. Disponível em: http://www.cff.org.br/userfiles/file/reso-
pormenorizada sobre o parto vaginal e cesariana, seus res- lucao_sanitaria/33.pdf.
Brasil. Lei 11.105, de 24 de março de 2005. Lei da Biossegurança.
pectivos benefícios e riscos.
Regulamenta os incisos 11, IV e V do§ 1• do art. 225 da Constituição
Parágrafo único. A decisão deve ser registrada em termo
Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fis-
de consentimento livre e esclarecido, elaborado em lingua- calização de atividades que envolvam organismos geneticamente
gem de fácil compreensão, respeitando as características modificados- OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de
socioculturais da gestante. Biossegurança - CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional
Art. 2" Para garantir a segurança do feto, a cesariana a de Biossegurança - CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de
pedido da gestante, nas situações de risco habitual, somen- Biossegurança- PNB, revoga a Lei 8.974, de 5 de janeiro de 1995,
te poderá ser realizada a partir da 39' semana de gestação, e a Medida Provisória 2.1 91-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts.
devendo haver o registro em prontuário. 50, 60, 7•, 8", 9", 100 e 160 da Lei 10.814, de 15 de dezembro de
Art. 3• É ético o médico realizar a cesariana a pedido, e se 2003, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planal-
to.gov.br/ccivii_03/_ato2004-2006/2005~ei/1 11 1 05.htm.
houver discordância entre a decisão médica e a vontade da
Brasil. Lei 9.263, de 12 de janeiro de 1996. Lei do Planejamento
gestante, o médico poderá alegar seu direito de autonomia
Familiar. Regula o §7• do art. 226 da Constituição Federal, que
profissional e, nesses casos, referenciar a gestante a outro
trata do planejamento familiar, estabelece penalidades e dá ou-
profissional. tras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cci-
vii_03~eis/L9263.htm.
Recente documento da Com issão Nacional de Incorpo-
Brasil. Ministério da Saúde. Comissão Nacional de Incorporação de
ração de Tecnologia no SUS (CON!TEC), do Ministério da Tecnologia no SUS. Diretrizes de Atenção à Gestante: a operação
Saúde (2015), recomenda que, caso a gestante manifeste o cesariana. Relatório de Recomendação. Abril de 2015. Disponí-
desej o de não ter o pano v ia vaginal , ela deve ser encami - vel em: http:l/conitec.gov.br{lmages/Consultas/Relatorios/2015/
Relatorio_PCDTCesariana_CP.pdf.
nhada durante o pré-natal a outros profissionais de saúde
Brasil. Ministério da Saúde. Portaria 1.508, de 1• de setembro de
(p . ex., enferme ira obstétrica, psicól oga, outro obstetra pré - 2005. Dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autoriza-
-natalista, pediatras, anestesiologistas e outros) para que ção da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no
possa ser mais bem informada a respeito dos bene ficios e âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS.
riscos do procedimento. Se, após as informações, ela manti- Conselho Federal de Medicina. Código de Ética Médica. Resolução
CFM 1.931, de 17 de setembro de 2009. Aprova o Código de
ver se u desejo de que a interrupção da gestação oco rra po r
Ética Médica. Disponível em: www.portalmedico.org.br.
cesariana eletiva, o pano vaginal não é recomendado. Nesse Conselho Federal de Medicina. Resolução 2.1 44, de 17 de março de
caso, devem se r registrados tOdos os fatOres que inOuencia- 2016. Ementa: É ético o médico atender à vontade da gestante
ram sua decisão, e a cirurgia não deve ser realizada ames de de realizar parto cesariana, garantida a autonomia do médico, da
39 semanas. paciente e a segurança do binõmio materno-fetal. Disponível em
http://portalmedico.org .br.
Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM 1.989, de 12 de
CONSI DERAÇÕES FINAIS maio de 2012. Dispõe sobre o diagnóstico de anencefalia para a
A despeito das particularidades éticas da especialidade de interrupção terapêutica do parto e dá outras providências. Dispo-
nível em: www.portalmedico.org.br.
ginecologia e obstetrícia, existem outros temas bastante rele- Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM 2.121 , de 16 de julho
vantes para o corretO exercício ético da medicina e que de- de 2015. Adota as normas éticas para a utilização das técnicas
vem se r seguidos po r todos os médicos. Assim, destaca-se a de reprodução assistida- sempre em defesa do aperfeiçoamen-
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J 542 Seção I Ginecologia

to das práticas e da observância aos principies éticos e bioéticos Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Pre-
que ajudarão a trazer maior segurança e eficácia a tratamentos e ceito Fundamental 54, de 17 de junho de 2004. Relator ministro
procedimentos médicos- tornando-se o dispositivo deontológico Marco Aurélio, plenário, sessão extraordinária, julgada em 12 de
a ser seguido pelos médicos brasileiros e revogando a Resolu- abril de 20 12. Disponível em: http://stf.jusbrasil.com.br{jurispru-
ção CFM 2.013/13, publicada no D.O.U. de 9 de maio de 2013, denc ia/14 795 715/arguicao-de-descumprimento-de-preceito-fun-
Seção I, p. 119. damental-adpf-54-df-stf.
Hansen AK, Wisborg K, Uldbjerg N, Henriksen TB. Risk of respiratory The American College of Obstetricians and Gynecologists. Cesarean
morbidity in term infanls delivered by elective caesarean section: delivery on maternal request. Committee Opinion. Am J Obstei
cohort study. BMC. 2008; 336(7635):85-8. Gynecol 2013; 121(4):904-7.
C APÍTULO

Estilo de Vida e Promoção


da Saúde da Mulher
Rogéria Andrade Werneck
Myrian Celani

INTRODUÇÃO limitam a progressão da doença em qualquer um dos estágios.


De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), saú- A pre,·enção pode ser classificada em:
de não é apenas ausência de d~nça, mas também "uma me- • Prevenção primária: uma intervenção que impede a ocor-
dida da capaodade de realização de asp1rações e da sausfação rência da doença antes de seu aparecimento (p. ex., Imu-
das necess1dades". Ser saudá,·el impbca a capac1dade de "gerir nização);
a própna '~da eJ ou cuidar de si mesmo·, de maneira mdepen- • Prevenção secundária: mtervenção que diagnosuca a doen-
dente e autônoma, mesmo na presença de doenças. ça precocemente, detém ou retarda sua progressão ou suas
Além disso, o conceito de "d~ça" vem se modificando ao sequelas em qualquer momento da identificação (p. ex.,
longo do tempo, e os fatores de risco estão sendo agora consi- rastreamento de cance r; diagnóstico precoce).
derados equivalentes a "doenças". A diferença entre prevenção • Prevenção terciária: intervenção que reduz os prejuízos
e cura está se tornando cada vez mais indisti11ta. Tanto assim funcionais consequentes de um problema agudo ou crô-
que, nos países desenvolvidos, o foco dos cuidados clínicos nico, incluindo reabilitação (p. ex., prevenir complicações
passou da cura para a prevenção, ou seja, antecipar doenças do diabetes, hipertensão, reabilitar paciente pós-infarto ou
futuras em indiv1duos que se encontram saudáveis se tomou acidente vascular cerebral).
pnondade sobre o tratamento. • Prevenção quaterná ria: detecção de indivíduos em nsco
De modo a reduzir não apenas as taxas de mortalidade e de intervenções, d1agnósticas e/ou terapeuticas. excess1vas
morb1dade, mas também as cond1ções de saúde que possam para protege-los de n0\'35 intervenções méd1cas mapro-
le,·ar à perda da autonomia e da independencia das mulheres, priadas e sugenr-lhes alternati\'35 eticamente ace1táve1s.
o M1mstério da Saúde (~S) em 2010, e o Colégio Americano
Todas as dtretrizes do programa foram fundamentadas em
de Obstetras e Ginecologistas (American College of Obstetri-
ev1dencias, seguem recomendações e reDe tem a força da ev1den-
cians and Gynecologists - ACOG), em 2013, apresentaram
cia e a magnitude dos beneficios menos os danos (Quadro 66.1)
diretrizes de cuidados de saúde e bem-€stnr da mulher espe-
e, finalmente, essas d iretrizes são reavaLiadas continuadamente.
cíficas por idade. O processo do cuidado integral à saúde é
Os programas do MS e do ACOG fornecem quatro priori-
missão básica do Sistema Único de Saúde (SUS) e da Atenção
dades para o bem-estar da mulher: combates ao sedentarismo.
Primária à Saúde (APS) por meio da Estratégia Saúde da Fa-
ao tabagismo, ao alcoolismo e à obesidade. Ficou estabelecido
mília. Outro motivo é o processo de medicalizaçâo social in-
que a consulta anual é pane essencial dos cuidados de saú-
tenso, muitas vezes ocasionando intervenções d iagnósticas e
de preventiva. O ACOG convocou o Weli-Woman Task Force
terapeuticas excessivas e, por ,·ezes, danosas. Nesse contexto
(W\VTF), ou seJa, uma "força-tarefa" com as principaLS socie-
está a 1atrogenia como importante causa de má saúde e que
dades méd1cas de saúde da mulher para desenvolver d1retnzes
deu ongem ao conceito e à prática da prevenção quaternária, de cuidados de saúde específicas para cada ciclo da mulher:
relacionada com toda ação que atenua ou ev1ta as consequen-
CI3S do mtervencionismo médico excessivo. • Adolescentes (13 a 18 anos).
A prevenção, em senso estrito, s1gndica evitar o desenvol- • Mulheres em 1dade reprodutiva (19 a 45 anos).
vimento de um estado patológico e, em senso amplo, inclui • Mulheres maduras (-+6 a 64 anos).
todas as med idas, entre as quais as terapias defi niLivas, que • Mulheres com mais de 64 anos.
543
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J 544 Seção I Ginecologia

Quadro 66.1 Graus de recomendaÇão ESTILO DE VIDA


Grau Definição do grau Sugestio para prática Tabagismo, uso excess1vo de álcool e obesidade estão as-
A Serv1ço recomendado Oferecer/promover esse sociados a problemas passlveis de prevenção, que podem ter
Certeza ex11ema de que servíço impacto sobre a saúde a longo prazo. Comportamentos de
o benelfcio é
substancial
saúde, como a prática regular de exercícios físicos e a in gesta
de uma alimentação balanceada, devem ser estimulados. Os
B Serviço recomendado Oferecer/promover esse
Certeza moderada de que seNiço
esforços devem ser direcionados para que haj a controle do
o benelfcio é substancial peso, bom condicionamento cardiovascular e redução de fa-
a moderado tores de risco relacionados com diabetes e doenças cardlacas.
c ServiÇO recomendado Oferecer/promover esse Entretanto, embora a correlação entre dieta saudável, ativi-
apenas para pacientes serviço somente se dade flsica e a inc1denc1a de doença \'3SCular seja fortemente
IOdiVidU31S houver argumentos
Certeza substancial a
evidente, estudos md1cam que o benefício é pequeno quando
sobre sua necessidade
moderada de que o e apenas para pacoentes se inicia o aconselhamento comportamental na atenção pn-
benefício é pequeno individua1s mária para a população sem risco de doença cardi0\'3SCUiar.
o Serv1ço não recomendado Desencortljar a pré~ca O impacto é ma1or quando se escolhe um grupo da população
Certeza ex11erna a desse serVIÇO para aconselhar. O cálculo de risco de doença cardiovascular
moderada de que não
hé benelfcio: os danos
pode ser realizado por me1o de modelos e calculadoras vali-
superam os benelfcios dados disponíveis na Internet e em aplicativos para celulares.
I A evidência atual é Caso seja oferecido. O escore de Framingham (hup:/lhp20 10 .nhlbihin.net/atpiii/
insuficiente para avaliar a paciente deve ser calculator.asp), por exemplo, calcula o risco de uma pessoa
os benelfcios e os danos informada e estar ciente desenvolver doença cardiovascular em 10 anos.
desse serviço das incenezas sobre os
lmpossfvel determinar os danos e benetrcios da
benefíciOS e os danos de intervenção TABAGISMO
sua adoção
O tabagtsmo afeta negauvamente o organismo humano. No
Fome ~Nos~Ono da SaUde. Gade<no de Aiençao Pm>ana - rasu-.,. 2010.
Brasil, a pre\"altncta do tabagiSmo é de 17,2%, sendo a causa
de 200 mil mortes. Fumar durante a gra\idez resulta em cerca
O programa WWTF não levou em consideração casos de mil mortes mfanus a cada ano e está associado a aumento do
em que as mulheres estejam em áreas conflitantes onde, por risco de parto prematuro e crescimento intrauterino restnto.
exemplo, podem imperar violência, maus-tratos de crianças e Trata-se do principal fator prevenível de mone. Por isso, está
doenças sexualmente transmissíve is. No entanto, é claro que recomendado o rastreamento elo tabagismo em todos os adul-
as recomendações e aconselhamentos devem ser adaptados à tos, inclusive nas gestantes (grau ele recomendação A).
realidade epidemiológica da população sob cuidado para que Nos EUA, o tabagismo é a principal causa de morte prematu-
não afete o bem-estar da paciente, assim como às condições ra entre adultos. Mulheres tabagistas apresentam maiores taxas
de estrutura e organização da rede de serviços de saúde de de problemas reprodutivos, câncer ginecológico e não ginecoló-
cada mumclp1o. O imponante é que a mulher seja onentada gico, doenças card1ovasculares, doença pulmonar obslrull\"a e
sobre as cond1ções de risco que exijam rastreamento ou tra- osteoporose, quando comparadas com mulheres não tabagtstas.
tamento especifico. Em todos os encontros com as pacientes, recomenda-se que os
A manutenção do bem-estar mental, flstco e soctal da mu- profissionaiS de saúde perguntem a todas (incluindo as gestan-
lher m1c1a com urna anamnese bem reahzada, exame fls1co, tes) sobre o uso do tabaco e promovam intervenções para que
aconselhamento e rastreio. Desúna-se à manutenção da trlade abandonem esse háb1to. A United States of Prevemive Services
mencionada, como também da saúde ao longo da vida de Task Force (USPSTF) recomenda os "5 As" como modelo de in-
uma mulher. O ginecologista e o obstetra, como médico da tervenção fundamentada em e'~dências (Quadro 66.2).
atenção primária, deve exercer atenção preventiva à saúde da Mulheres que fumam tem seis vezes mais chance de desen-
mulher com o objetivo de adotar medidas capazes de reduzir volver infarto do miocárdio quando comparadas às não fuman-
as taxas de mortalidade e morbidade, bem como o impacto tes. O cigarro causa lesão endotelial e agregação plaquetária,
das condições de saúde que possam levar à perda da autono-
mia e da independência. Quadro 66.2 Os "5 As"- intervenção para interrupção do tabagismo
O ideal seria ha,·er registros médicos eletrônicos, educa-
1. Aborde e pergunte sobre uso de tabaco
ção e tremamento conúnuado on line de médicos residentes,
2. Aconselhe a parar de fumar mediante informaçoes claras e
bem como aphcações que melhorassem SIStemaucamente a personafiZ3das
coertnc1a e a qualidade dos cuidados de saúde prestados. O 3. Avalie a disposiÇào de parar de fumar
desenvolvimento de um modelo de prontuáno eletrõmco que 4. Ajude-a a parar de fumar
orientasse quanto às recomendações especificas por idade em 5. Acompanhe, planeje e apeie o seguimento da paciente
toda a vida de uma mulher poderia assegurar melhores cuida- Fonte: Clinicai Pract•CG Guldohne Troa11ng Tobacco Use and Oependooce 2008 Up.
dos e a integração adequada de saúde. date Panel.
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Capítulo 66 Estilo de Vida e Promoção da Saúde da Mulher 545

o que contribui para eventos tromboembólicos. O tabagismo Quadro 66.3 Consequênc1as do uso de álcool (três doses por ocasião
e/ou mais de sele doses po< semana) à saude da mulher
tem efeno antiestrogênico no organismo feminino, acelerando a
menopausa que, quando precoce. aumenta os riscos de doença Aumento dos ri scos i uúde
cardtovascular e de fratura osteoporótica, independentemente Gravidez nào planejBda
da densidade mmeral óssea (DMO). Além dLSSO, pessoas que Doença sexualmente transmssiVel
lnfertilidade
fumam tem o dobro de chance de apresentar acidente \'llSCular Irregularidade menstrual
cerebral. Também foram encontradas e\~dencias com~centes ConvulsOes
de que a cessação do tabagJ51110 dtmmut o nsco de doença car- Desnuttiçâo
Gardiomiopatia
d.iaca, derrames e doenças pulmonares. Cànce< de mama. ligado. reto. boca esOiago
Aconselhar a mterrupção do tabagtsmo e mostrar evidencias Aumento dos riscos psicossociais
de melhora soctal e da saúde à paciente tabagista sào estratégias VIOlência sexual
que podem persuadi-la a abandonar o cigarro. A abordagem Perda de vfnculo lamlhar
Perda financeira
breve (cerca de 5 mmutos) pode levar à taxa de cerca de 5% Negligência infantil ou abuso e perda da guarda dos lilhOs
do abandono do hábi to do tabaco. Nos adultos fora do período Violência doméstica
gestacional, encontrou-se evidencia convincente de que a in- Dirigir sob efeito de álcool
Prostituição
tervenção para o abandono do tabagismo, incluindo aconse- Depressão e suicfdio
lhamento comportamental breve (<10 min utos), foi efetiva em .
Fonte: Corrmittoe opVlion no. 633; Akohol abuse and other subs1anco use dtsor.
aumentar a proporção de fumantes que foram bem-sucedidas ders: eth.ical issues in obstotric and gynecologic practlce. Obstot Gyoocol, Jun 2015.
em abandonar o hábito e se mamer abstinentes por 1 ano. Em-
bora menos efetiva do que uma intervenção mais longa, mesmo Existem evidências de que aqueles usuários cujos padrões
uma intervenção mlnima (<3 mi nutos) demonstrou aumentar de consumo de álcool atendem aos critérios de dependência
as taxas de abandono do tabagismo. alcoólica estão sob maior risco de morbidade e mortalidade.
Além do aconselhamento, podem se r oferecidos medica- Há boa evidência de que o aconselhamento comportamental
mentos que reduzem os efeitos da abstinência - exceto para breve, com acompanhamento dos usuários, produz de pe-
gestantes, adolescentes e tabagistas leves. Podem ser usados quena a moderada redução no consumo de álcool de maneira
gomas de mascar e adesivos de nicotina e antidepressivos. A sustentada ao longo de 6 a l2 meses ou mais. Encontrou-se
buproptona, antidepressivo inibtdor seletivo do recaptação de alguma e\~dência de que a mtervenção produz resultados em
catecolaminas, promove boa resposta terapeutica por inibir os saúde 4 anos ou mais após o aconselhamento, porém a evi-
efeitos da sensação de prazer do tabaco causada no cérebro. dência de que o rastreamento e o aconselhamento reduzam a
Não é recomendada a tnagem de rotina para câncer de morbidade relaCionada com o álcool é limttada.
pulmão em mulheres fumantes assmtomáttcas. O rastreamento pode ser feno por meto de ferramentas,
como o TACE (Tolerance, Annoyed, Cut do\\'n, Eye opencd), que
ALCOOLISMO
quantifica o consumo e a frequ~ncia do uso de álcool (Qua-
Estudo brastletro com 60.202 pessoas evidenciou preva- dro 66. 4). Após a tdenuficação, o usuáno de\'e ser "classifi-
lência de consumo abustvo de álcool pelo menos uma vez nos
30 dtas que antecederam a pesquiSa de 13,7% (!C 95%: 13,1
Quadro 66.4 TACE: ferramenta de rastreamento para "problemas com
a 14,2). Essa pre,·alência foi mator entre os homens (21,6%; a bebida"
IC 95%: 20,7 a 22,5) em comparação com as mulheres
Tolersnce (tolerância)
(6,6%; IC 95%: 6,1 a 7,1). A prevalência foi mais elevada Você precisa de quantos drinks para se sen11r alta?
também entre adultos JOvens, negros e indlgenas e fumantes. (;,2 drink.s = 2 pontos)
No Brasil, a cada 100 mil mortes, 27,4 sào causadas pelo con- Annoyed (aborrecer)
Alguém já a aborreceu, criticando-a po< beber demais?
sumo de álcool. Trata-se da qu inta maior taxa de morte por (Sim = 1 ponto)
álcool nas Américas. Assim, é recomendado o rastreamento Cut down (reduzir uso)
do alcoolismo em todos os adultos. inclusive nas gestantes Você já leve vontade de cortar a bebida?
(Sim = 1 ponto)
(grau de recomendação B). Eye-opener (ao abrir os ol hos)
A ingesta de três doses de bebida alcóolica por ocasião e/ou Você já precisou beber logo pela manha. ao acordar. para
mais de sete doses por semana acarreta uma sé rie de danos à •acalmar os nervos· ou curar uma ressaca?
(Sim = 1 ponto)
saúde, à vida reprodutiva e à vida social da mulhe r (Quadro
Escore ;,2 pontos indica screenning posll1v0 para risco de apresentar
66.3). Mulheres dependentes de álcool são mais propensas problemas quanto à bebida
a negar o uso excessivo, bem como a minimizar problemas
Quantificação da lngesta e lrequincla de consumo de álcool
relacionados com o uso. Muitas mulheres se surpreendem ao Em uma semana normal. quantos drmks você mgere?
saber que seu consumo de álcool excede o nlvel seguro por (positivo para risco de alcoolismo se '1:.7 dllnk.s)
Nos ultimas 90 dias. quantas vezes você 1nget~u 3 drinks ou mais em
associá-lo ao de outras pessoas com consumo semelhante e o
uma ocasião?
considerarem "normal". Em geral, náo apresentam alterações (positivo para risco de alcooliSmo se >I vez)
no exame fisico, o que toma a anamnese a melhor maneira de Fonlil. Wi1o00mg ML. t.1assey SH. Galdnor MB He1pong P81*U who dnnl< 100 rrocho
investigar o uso excesstvo de álcool. an ewlence-based gude 1or P'"""'Y C8lll ~ Nf1 Fam Physlcaan. Ju1200l.
/.

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'/
J 546 Seção I Ginecologia

cado" de acordo com o estágio em que se encomra para que WWTF) com as principais sociedades médicas de saúde da
seja programada a intervenção, devendo ser aconselhado e mulher para desenvolver diretrizes de cuidados de saúde espe-
acompanhado. cíficas para cada ciclo da mulher. A seguir, serão apresentadas
as diretrizes recomendadas pelo MS e pela \1./WTF.
OBESIDADE
Recomenda-se o rastreamento de wdos os pacientes adul- Diretrizes de rastreamento do Ministério da Saúde
tos para obesidade, bem como oferecer intervenções de acon- Avaliação e rastreamento de risco cardiovascu/ar
selhamento e de mudança de comportamento para mante r A classificação de risco cardiovascular pode ser feita por
a pe rda de peso. A obesidade está relacionada com doença meio de instrumentos como o escore de Framingham e o
coronariana, h ipertensão arterial, diabetes mellitus tipo 2, aci- QRJSK ( www.qrisk.org/). Esses instrumentos levam em con-
dente vascular cerebral, alguns tipos de câncer e apneia do sideração o estilo de vida de determinada população, obesi-
sono. Além d isso, é associada a menor qualidade de vida em dade, história familiar de doença arte rial coronariana, disli-
virtude do estigma social e da redução da mobilidade. pidemia, hipertensão e diabetes mellitus (DM). Os fawres de
O d iagnóstico é estabelecido mediante o cálculo do índice risco podem ser divididos em baixo , intermediário e alto:
de massa corporal (IM C), que corresponde ao peso (kg) divi-
• Risco baixo/intermediário:
dido pela altura (metros) ao quadrado. De acordo com o valor
- Tabagismo.
do IMC, a paciente é classificada como:
- Hipertensão arterial sistêmica (HAS).
• IMC = 25 a 29,9 - sob repeso. - Obesidade.
• IMC = 30 a 34,9 - obesidade grau I. - Sedentarismo.
• IMC = 35 a 39,9 - obesidade grau 11. - Idade >65 anos.
• IMC <: 40 - obesidade grau IJI. - História familiar: mulher <65 anos com evento cardio-
vascular prévio.
Após o cálculo do IMC, a paciente é questionada quanto • Risco alto :
aos reflexos desse problema em seu dia a dia. Deve-se obser- - Ataque isquêmico transitório (AIT).
var se a paciente está motivada e qual seu grau de motivação - Acidente vascular ce rebral (AVC) previamente.
para promove r mudança de hábitos. A partir daí, é elaborado - Infarto agudo do miocárdio (IAM) previamente.
um plano de intervenção com aconselhamento sobre d ieta, - lesão periférica (LOA - lesão de órgão-alvo).
exercício físico e, se necessãrio, intervenções comportamen- - Hipertrofia de ventrículo esquerdo (HVE).
tais individuais ou em grupo. Não há recomendação clara - Nefropatia.
sobre a periodicidade do rastreamento; assim, fica indicado - Retinopalia.
durante a consulta de exame periódico de saúde. - Aneurisma de aorta abdominal.
- Estenose de carótida sintornãtica.
ATIVIDADE FÍSICA - DM.
A atividade física ajuda a comrolar e a evitar o ganho de
A classificação de risco cardiovascular (RCV) deve ser feita,
peso, hipertensão arterial, d iabetes, hipercolesterolemia, doen-
inicialmente , a partir da análise dos fatores de risco citados. A
ças cardiovasculares, sarcopenia e osteoporose. Além d isso,
paciente pode ser classificada em três grupos:
promove bem-estar, socialização e boas práticas de saúde. Re-
comendam-se 30 minutos de atividade física moderada, acima • Grupo l: pacientes com apenas um fator de risco baixo/
da atividade habitual, na maioria dos dias da semana, para re- intermediário não apresentam necessidade de calcular o
duzir o risco de doença crônica na vida adulta. Para manter o RCV, pois teráo menos de 10% de chance de morrer por
emagrecimento na vida adulta são necessãrios 60 a 90 minutos AVC ou IAM nos próximos lO anos.
diários de atividade física moderada. As atividades físicas de- • Grupo 2 : pacientes com <:1 fator de risco cardiovascular
vem ser planejadas e orientadas de acordo com as limitações altO; não há necessidade de calcular o RCV, pois apresen-
físicas de cada paciente. Exercícios de alto impactO não são tam >20% chance de morrer por AVC ou IAM nos próxi-
necessários para obter benefícios; além de poderem ser pre- mos 10 anos.
judiciais, são menos tolerados do que atividades aeróbicas de • Grupo 3: pacientes com > 1 fatOr de risco baixo/interme-
baixo/médio impacto realizadas regularmente. diário; há necessidade de calcular o RCV, uma vez que
pode mudar a classificação de RCV
PROMOÇÃO DE SAÚDE NA MULHER E As pacientes classificadas no grupo 3 devem ter seu RCV
RASTREAMENTO calculado de acordo com os fatores de risco encontrados. A
As ações preventivas visam reduzir ou prevenir as principais pontuação final fornecerá a projeção de risco em 10 anos
causas de morte em uma população. O MS e o ACOG organiza- (Quadros 66.5 a 66.7) e definirá as meLaS a serem alcançadas
ram recomendações para rastreamento e medidas preventivas. para a redução do risco de mortalidade e morbidade da pa-
O ACOG convocou uma "força tarefa" (Well-Woman Task Force - ciente (Quadro 66.8).
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((

Capítulo 66 Estilo de Vida e Promoção da Saúde da Mulher 547

Quadro SS.5 Estudo de Framingham: projeção do risco de doença arterial coronariana em 1O anos

Mulheres
Idade (anos) Pontos
20a34 -7
35a39 -3
40a44 o
45a49 3
50 a 54 6
55 a 59 8
60a64 10
65a69 12
70a 74 14
75a 79 16
Colest erol total ldade20 a 39 Idade 40 a 49 Idade 50 a 59 Idade soa S9 Idade 70 a 79
<160 o o o o o
160 a 199 e 200 a 239 4 3 2 1 1
240a 279 8 6 4 2 1
:;,280 11 8 5 3 2
13 10 7 4 2
ldade20 a 39 Idade 40 a 49 Idade 50 a 59 Idade soa S9 Idade 70 a 79
Não fumantes o o o o o
Fumantes 9 7 4 2 1
HDL (mg/dl) Pontos
:<60 -1
50 a 59 o
40a49 1
<40 2
Pressão arterial si stólica Pontos, se não tratada Pontos, se não tratada
<120 o o
120a 129 1 3
130a 139 2 4
140a 159 3 5
:<160 4 6
Fonte: Ministério da Saúde. Caderno de Atenção Primária- rastreamento (2010).

Quadro SS.S Determinação de risco de DAC em 10 anos Quadro SS.7 Classilicaçll.o de risco cardiovascular (estudo de
Framingham)
Mulheres
Total de pontos Ri sco em 10 anos Grau de risco Risco em 10 anos
cardl ovascutar
<9 <1
9 1 Baixo <10
10 1 Intermediário (moderado) 10% a 20%
11 1
12 1 Alto >20%
13 2 Fonte: Ministério da Saúde. Gaderno de Atençao Primária- rastreamento (2010).
14 2
15 3
16 4 Quadro SS.S Objetivos para o LDH e relação colesterol total/l-lO L de
17 5 acordo com o RCV
18 6
19 8 Risco Alto Intermediário Baixo Li mite
20 11 cardlovascular
21 14
22 17 PA <135/85 <140/80 <140/80
23 22 LDL < 100 < 130 < 160 < 190
24 27
:;,25 :<30 CT/HDL" <4 <5 <6 <7
Fonte: Ministério da Saúde. Caderno de Atenção Primária- rastreamento (2010). Fonte: Ministério da Saúde. Gaderno de Atençao Primária- rastreamento (2010).
/"
)/:
I 548 Seção I Ginecologia

Rastreamento de dislipidemia Quadro 66.9 Classificaçao dos nfveis pressóricos

Níveis altos do colesterol total (CT) e da llpoprotelna de baixa Classificação de PA PAS (mmHg) PAD (mmHg)
densidade de colesterol (LDL-<:), assim como baixos nlveis de Normal <120 <80
llpoprotelna de alta densidade de colesterol (HDL-<:), são im- Pré-hipertensilo 120 a 139 ou80a89
ponantes fatores de nsco para DAC. O risco de DAC é maior
HAS eslágio 1 140 a 159 ou90a99
naquelas pacientes em que há a combmação de fatores de riscos.
HAS eslágio 2 >160 ou >100
As mulheres entre 20 e -+5 anos com alto risco para DAC
devem ser submeudas ao rastreamento hpld1co. As pacientes Foora Mõnistétio da Saúde. Cade<no de Alênçao P,.rn:.t.a - ras1ro1at1Wlto (21HO).

com 75 anos ou mais com DAC devem receber terapia para


redução do colesterol. A dec1são de conunuar com a terapia
deve levar em conta o grau de funcionalidade do idoso. Rastreamento de diabetes mellitus tipo 2
Devem ser rastreados os níveis de colesterol de todos os Cerca de 7% da população adulta brasileira tem DM tipo 2.
pacientes com DAC, bem como: O diabetes é a principal causa de cegueira, doença renal e am-
putação, além de se estar associado a eventos cardtovasculares.
• Aneurisma de aorta abdommal. Há evidência convincente de que com o controle intensivo
• Estenose de coronária si ntomática (AIT ou AVC de origem da glicemia em pessoas com diabetes cli nicamente deteCLado
na carótida com >50% de estenose da artéria carótida). (em oposição à detecção por rastreamento) é possfvel reduzir
• Doença arterial pe rifé rica. a progressão d os danos microvascu lares. Contudo, os bene-
• Paciente com DM. fícios desse comrole rigoroso da glicemia sob re os resultados
• Paciente com ~2 fatores de risco e com projeção de 20% de clínicos dos danos microvascularcs, como dano visual severo
risco de desenvolver DAC em lO anos. ou estágio final de doença renal, levam anos para se tornar
• Hipertrofia do ventrículo esquerdo "defi nitiva". aparentes. Assim, não existe evide ncia convincente de que o
O rastreamento deve se r feito por meio de dosagem lipíd i- controle precoce do diabetes, como consequência do rastrea-
ca sé rica, devendo a l>aciente ser orientada a manter jejum de mento, adicione beneficio aos resu ltados clfnicos microvas-
12 horas e a não ingerir bebidas alcoólicas. Recomendam-se culares quando comparados com o in icio do tratamento na
dosagens a cada 5 anos para a população em geral. Intervalos fase usual de diagnóstico clínico.
menores podem ser recomendados para pessoas que apresen- Ainda não se conseguiu provar que o controle rigoroso da
tam nh·eis lipídiCOS próximos do hm1te para Instituição de glicemia reduza significauvamente as comphcações macro-
terapia. Intervalos ma1ores também podem ser estabelecidos ,·asculares, como infarto do mtocárdio e derrames. Encon-
para aquelas com ba1xo RCV ou que apresentem nh·eis lipídi- trou-se evidência adequada de que os danos de cuno prazo
cos repetidamente normaiS. decorrentes do rastreamento do dtabetes, como a ans1edade,
Existem vantagens na determmação da apoproteínas Be -Al. são pequenos. O efeuo a longo prazo da rotulação e tratamen-
:-Jos métodos de dosagem dessas apohpoprotelnas não é ne- to de grande pane da população como d1abéuca é desconhe-
cessãrio jeJum, sendo todos sensíveiS a nlve1s elevados de cido, mas é e\~dente que o estigma da doença, a preocupação
triglicerideos e. portanto, úteLS em d1versas snuações. A do- com as complicações conhec1das e a perda de confiança na
sagem da apo-8, que é a pnncipal apoprotelna das partículas própria saúde, assim como a demanda por maLS exames, po-
ate rogtnicas VLDL, !DL e LDL, traduz boa estimativa da con- dem causar prejuízos à população e aos ser.•1ços de saúde.
centração dessas partículas no sangue. já a apo-AI, principal Pessoas com glicemia em jejum >126mgtdl devem ter
apoproteína do HDL, fornece boa esumativa da concemraçào confirmado o resultado com nova glicemia de Jejum para,
do HDL-c. A relação entre a apo-B e a apo-AI, respectiva- dependendo do segundo resultado, que sejam diagnostica-
mente lipoproteínas ate rogenicas e antiaterogênicas, também das com DM. A meta de tratamento para as pessoas diabéti-
pode ser usada para esti mativa do RCV. cas consiste em alcançar hemoglobina glicosilada em torno
de 7%. Em geral, isso corresponde a uma glicemia de jejum
Rastreamento de hipertensão arterial sistêmica <140mg/dl. Entretanto, conforme o rientação descrita previa-
Todas as mulheres com mais ele 18 anos de idade que desco- mente, o grande benef!cio elo tratamento está na manutenção
nhecem ser hipertensas elevem se r rastreadas para hipertensão de controle mais rigo roso dos nfvcis pressóricos, ou seja, PA
arterial. Não há evidencia quanto a um intervalo ideal para ras- <135/80mmHg. Desse modo é possfvel reduzir a morbimor-
treamento da hipertensão. Recomenda-se rastreamemo a cada talidade carcliovascular nessas pacientes.
2 anos nas mulheres com pressão arterial ( PA) <120/SOmmHg e Nas pacientes assintomáticas com mais de 45 anos o ras-
anual se a pressão sistólica (PAS) estiver entre 120 e 139mmHg treio deve ser realizado a cada 3 anos.
e/ou a diastólica (PAD) emre 80 e 89mmHg.
Classifica-se como hipertensão a aferição de duas medidas Rastreamento de câncer de colo uterino
de PAS ~140mmHg e/ou PAD ~90mmHg em momentos dife- Estimativas de incidtncta do câncer de colo do útero o
rentes (Quadro 66.9). O nsco de doenças card10vasculares é situam como o terceiro mais comum entre as mulheres bra-
diretamente proporcional aos níve1s pressóricos, o que expli- sileiras em 2016, correspondendo a 7,8% das neoplas1as. A
ca a importância de seu controle. principal estratégia de rastreamento do câncer cervical, no
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r
((

Capítulo 66 Estilo de Vida e Promoção da Saúde da Mulher 549

Brasil, consiste no exame citopatOlógico. O Instituto Nacional possibilitem avaliar os benefícios adicionais e os malefícios
de Cânce r (INCA), o MS e o ACOG recomendam nas mu- do exame médico das mamas em mulheres com 40 anos de
lheres de 25 a 59 anos de idade, após dois exames normais idade ou mais.
consecutivos no intervalo de 1 ano, que o rastreio passe a Em síntese, o exame clínico das mamas também não de-
ser realizado a cada 3 anos. Se fo r necessário alongar ainda monstra ter benefício bem estabelecido como rastreamento,
mais essa triagem, associando o teste do papilomavírus hu- devendo ser conside radas as queixas clínicas apresentadas
mano (HPV), o rastreio deverá ser realizado a cada 5 anos pela paciente.
em caso de negatividade. A continuidade do rastreamento
após os 60 anos deve ser individualizada. Após os 65 anos, Rastreamento de câncer de cólon e reto
recomenda-se suspende r o rastreamento, desde que os últi - Estima-se que o câncer de cólon e reto passe a ser o segun-
mos exames estejam normais, exceto em mulheres expostas do mais comum entre as mulheres, correspondendo a 8,6%
ao dietilestilbestrol in utero, nas imunocompromelidas e na- das neoplasias (Figura 66.1). O câncer de cólon e retO está
quelas com d iagnóstico p révio de lesões de altO grau e/ou relacionado com obesidade , sedentarismo, tabagismo, uso de
câncer do colo uterino. álcool, baixa ingesta de fibras alimentares e consumo de car-
As pacientes histe rectomizadas por causas benignas e sem nes vermelhas. Por outro lado, hábitOS de vida saudáve is são
história de lesão de alto grau (NIC I! ou NIC lll) ou câncer considerados fatores de proteção contra a doença. História
cervical tratado até 20 anos antes não devem ser incluídas no familiar de câncer de colón e retO, predisposição genética ao
rastreamento. A única particularidade se refere às pacientes desenvolvimento de doenças crônicas do intestino e idade são
HIV-positivas, que devem realizar o exame anualmente. considerados outros fatores de risco para o desenvolvimen-
to da doença. A história natural do câncer de cólon e reto
Rastreamento de câncer de mama possibilita a prevenção e a detecção precoce da doença, uma
O câncer de mama tem incidência estimada em 28,1% vez que a maioria das lesões neoplásicas se origina de lesão
das neoplasias entre as mulheres brasileiras em 2016, sendo adenomatosa, a qual leva cerca de 10 a 15 anos para evoluir
o mais incidente na população feminina (Figura 66.1). São para lesão neoplásica e está relacionada com seu tamanho:
considerados fatores de risco para câncer de mama: idade >50 lesões <:1cm têm maior probabilidade de se transformar em
anos, menarca precoce, nuliparidade, primeira gravidez >30 lesões malignas.
anos, história pregressa ou familiar de câncer de mama, eti- O rastreamento é iniciado entre os 45 e os 75 anos de ida-
lismo, tabagismo, sobrepeso, exposição à radiação ionizante de (entre 50 e 75 anos nos homens) ou lO anos ames da idade
e terapia de reposição hormonal (estrogênio-progesterona). em que um parente de primeiro grau foi diagnosticado com a
No Brasil, a estratégia preconizada para o rastreamento de doença. Em adultos de 76 a 85 anos o rastreamento deve se r
câncer de mama consiste na realização de mamografia a cada individualizado, não sendo recomendado para aqueles com
2 anos para mulheres entre os 50 e os 74 anos. O início do ras- mais de 85 anos. Pode ser realizado por meio de pesquisa
treamento antes dos 50 anos deve ser individualizado e levar em de sangue oculto nas fezes anualmente ou sigmoidoscopia a
consideração o quadro clínico e familiar da paciente. A USPSTF cada 5 anos combinada com pesquisa de sangue oculto nas
e o ACOG informam que a partir dos 20 anos de idade está re- fezes ou colonoscopia a cada 1O anos ou colonograftaltomo-
comendado o auwexame das mamas. As mulheres devem ser grafia computadorizada a cada 5 anos. Os três métodos são
orientadas sobre os benefícios e as limitações do autoexame. capazes de detectar lesões pré-neoplásicas em estádio inicial
O ACOG recomenda que o exame clínico das mamas seja ou pólipo adenomatoso com sensibilidade e especificidade
realizado a cada 1 a 3 anos em mulheres entre os 20 e os 39 semelhantes. A sobrevida em casos de câncer de colón e reto
anos, devendo ser anual para as mulheres de 40 anos ou mais depende muito do estádio da doença, salientando-se que o
segundo a USPSTF; no entanto, não existem evidências que diagnóstico precoce ofe rece maior sobrevida à paciente.

Localização primária casos % Homens Mulheres Localização pri mária casos %


Próstata 61.200 28,6 Mama feminina 57.960 28. 1
Traqueia, brônquio e pulmão 17.330 8,1 Cólon e reto 17.620 8,6
Cólon e reto 16.660 7.8 Colo do útero 16.340 7.9
Estômago 12.920 6,0 Traqueia, brônquio e pulmão 10.890 5,3
Cavidade oral 11. 140 5.2 Estômago 7.600 3,7
Esôfago 7.950 3,7 Corpo do útero 6.950 3,4
Bexiga 7.200 3,4 Ovário 6.150 3,0
Laringe 6.360 3,0 Glândula tireoide 5.870 2.9
Leucemias 5.540 2.6 Linfoma não Hodgkin 5.030 2,4
Sistema nervoso cen!tal 5.440 2.5 Sistema nervoso central 4.830 2.3
Obs.: números arredondados para múttiplos de 10.

Figura 66.1 Distribuição proporcional dos dez tipos de câncer mais incidentes estimados para 2016 por sexo, exceto pele não melanoma.
(Estimativa- 2016. Incidência de Câncer no Brasil. INCA, 2015.)
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J 550 Seção I Ginecologia

Rastreamento de osteoporose que for atendtda em servtços de saúde, públicos ou pm'ltdos.


Osteoporose é definida por escore T <-2,5 de5\~os padrões, O Pacto também ongmou a Lei 11.340/2006, conhectda como
com ou sem fratura prévia, no exame de den.sítometria óssea. A lei Maria da Penha, que define a \'ÍOlência "doméstica e famt-
osteoporose resulta em 1,5 milhào de fraturas por ano nos EUA, liar contra a mulher" como qualquer ação ou omissão com base
a maioria ocorrendo em mulheres pós-menopausadas. A doença no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual
se caracteriza por fragilidade esquelética e deterioração da mi- ou psicológico e dano moral ou patrimonial. A notificação <le
croarquitetura óssea. A fratura de fêmur está associada à redução violência doméstica, sexual e outras violências foi unive rsaliza-
da qualidade de vida e ao aumento da mortalidade. A fratura da da pela Portaria 104/2011. Em 2014 essa portaria foi substitui-
coluna vertebral, por sua vez, está relacionada com aumento da da pela Portaria 1.271, que estabeleceu também a notificação
mortalidade e risco de nova fratura, além de dor crônica. imediata dos casos de vtolência sexual em âmbito municipal.
O pnnopal objetivo do rastreamento da osteoporose é preve- O ginecologista deve ser senslvel à situação da mulher vl-
nir futuras fraturas mediante a identificação das pacientes com tirrta de \~Oléncta, a qual não costurrta conseguir expressar-se
mator nsco cllmco. Recomenda-se rastreamento da osteoporose ,·erbalmente, o que tmphca acolhê-la com calma e pacténcta
por meto da dell.Sltometria óssea em mulheres ~65 anos. En- e observar seu componamento. A descrição da anamnese e
tretanto, pacientes com condições clínicas associadas a reduzida do exame físico deve ser a mats completa possivel com dados
massa óssea neceSSitam rastreamento precoce para avaliação do sobre as circunstâncias da situação de \'iolência e a descri-
inicio de tratamento (Quadro 66.10). Algumas ferramentas au- ção das lesões identificadas. O ginecologista deve conhecer as
xiliam a predição de fratura colo de fêmur em l O anos, como instituições envolvidas na atenção às pessoas em situação de
a FRAX (Fracture RiSk Assessment), desenvolvida pela OMS (ht- violência sexual e vincular a paciente o mais rápido possivel.
tps://www.shef.ac.uk!FRAX/tool.aspx?countrya55), que se ba- As instituições são responsãveis por medidas de prevenção,
seou em coortes internacionais, fatores de risco e DMO do colo emergência, acompanhamento, reabilitação, tratamento de
do femur para calcular a predição individual de risco de fratura eventuais agravos e impactos resultantes da viol~ncia sobre
de colo de fêmur ou fratura maior por osteoporose em lO anos. a saúde física e psicológica, além do abortamento legal, se
solicitado pela mulher ou adolescente, de acordo com a le-
Identificação da mulher em situação de violência gislação \~gente.
sexual e/ou doméstica/intralamiliar/parceiro íntimo
Violéncta contra a mulher é "qualquer ato ou conduta ba- RASTREAMENTO DE ACORDO COM OACOG/ WWTF
seada no gênero que cause morte, dano ou sofrimento fistco,
O Quadro 66.11 apresenta um resumo das recomendações
sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como
descritas a seguir.
na esfera privada". Considera-se como violência sexual qual-
quer forma de alividade sexual não consentida. A violência Violência doméstica e parceiro íntimo
doméstica/intrafamiliar "ocorre entre os parceiros fntimos e
Segundo a USPSTF, não há evidências para avaliação do
entre os membros da família, principalmente no ambiente da
equilíbrio entre os beneficios e os efeitos nocivos dos cuida-
casa, mas não unicamente". A violência atinge todas as mu-
dos primários de modo a evit.ar maus-tratos. Recomenda, no
lheres, sem exceção, e constitui uma das principais causas de
entanto, com o ACOG, a avaliação periódica de todas as mu-
morbtdade e mortalidade feminirta.
lheres sob risco: depnmtdas, que abusam de substánctaS e com
Desde 2011 vtgoram o Pacto Naciortal pelo Enfrentamento
problemas de saúde mental e doença sex'U3lmente transmtSSI-
à Violência contra a Mulher e a Políuca Nacional de Enfren-
,.el (DST) de repeução. Além diSSO, recomenda também o ras-
tamento à Violéncta contra a ~ulher com a deterrrunação de
treamento das mulheres sexualmente ativas quanto à \~oléncia
notificação compulsória dos casos de \'ÍOléncia contra a mulher
entre os parceiros, e todos os casos devem ser notificados aos
órgãos competentes.
Quadro 66.1 o CondiçOes clínicas associadas a massa óssea reduzida

Hipogonadismo (primário ou secundário) Depressão e suicídio


Hipercorlisolismo (endógeno ou exógeno) A USPSTF e o ACOG recomendam o rastreamento anual
Hiperpatireoidismo descompensado de saúde mental, depressão rrtaior e suicíd io em todas as ado-
Insuficiência renal crOnica lescentes e mulheres, mesmo assintomáticas, por meio de ins-
Neoplas1as do Sistema hematopoético (mieloma múft•piO) trumentos validados e, se necessãrio, acompanhamento com
Cirrose b•har pnmâria
psicoterapia. A vtgtlâneta, monitorização e avaliação psicosso-
Doenças onffamató<Jas ontestinais. doença cellaca
cial de,•em deter-se em relaciortamento interpessoal e famtliar,
Doenças reuná!Jcas onlfamatórias (diOenças do tecido conjun!JVO.
espondoloar!rotes. vasculites) orientação sexual, tdenudade de g~nero, distúrbios no aprendt-
lnlecçao pelO HIV (com ou sem terapia antirretrov~af) zado e '~oléncta sexual flstca e emociortal pela familta e/ou pelo
Medicamentos: giJCocorlicoides, hormOnios tireoidianos. parceiro, prevenindo o estupro e o bullying. Não há evidencta
heparona. varfarina, anticonvufsivanres (fenobarbital, fenotolna. para a recomendação de triagem de rotina da demencia em
carbamazep1na), lflio. metotrexato, ciclosporina idosas, a qual está indicada apenas nos casos de comprometi-
Footo: M•nlsléno da Saude. Caderno de Atençao Primána - ras1r&a.mooto (2010). mento cognitivo.
r
((

Capítulo 66 Estilo de Vida e Promoção da Saúde da Mulher 551

Quadro 66.11 Recomendações de rastreamento de acordo com o ACOG e a USPSTF

Rastreamento Recomendação
Violência doméstica e parceiro Avaliação anual de todas as mulheres de risco ou não
Intimo Avaliar as mulheres sexualmente ativas quanto à violência entre parceiros
Depressão e suicldio Rastreamento anual mesmo em mulheres assintomáticas. Não há evidência quanto ao rastreamento de
demência em idosa. exceto se houver comprometimento cognitivo
Álcool Triagem anual por meio de questionários e aconselhamentos
Tabaco Orientação nas escolas para evitar o início. Triagem anual, avaliação. aconselhamento e tratamento. Não é
recomendada triagem para câncer de pulmão em mulheres assintomáticas
Drogas Triagem anual por meio de questionários, aconselhamento e seguimento
Obesidade Todos com IMC :;,30, dieta. exercícios ffsicos, intervenções intensivas
Nutrição IMC = 25, aconselhamento intensivo, dieta, exerclcio ffsico
Síndrome metabólica Triagem de rotina para dislipidemias no linal da adolescência, em mulheres de 20 a 45 anos. independentemente
do risco, e aos 45 anos em mulheres com alto risco de doença cardiovascular
Diabetes metlitus tipo 2 Realizar a cada 3 anos para: PA :.:135/90; IMC ;,30; e em mulheres >45 anos
Hipotireoidismo Dos 19 aos 49 anos, dosar TSH em mulheres de risco
Triagem a cada 5 anos em mulheres após os 50 anos
Anemia Não há evidência quanto à triagem em mulheres assintomáticas
Hepatite B Não há evidência quanto à triagem de rotina. Pesquisar apenas grávidas
Hepatite c Rastreio para mulheres nascidas entre 1945 e 1965 e com alto risco para inlecção por HIV
Saúde sexual Perguntar sobre a saúde sexual em todas as consultas
DST o rastreio deve ser instituldo, de acordo com o coe. para DST
Planejamento lamiliar As mulheres devem receber orientação e ter acesso a toda a gama de métodos contraceptivos, além de serem
orientadas quanto ao uso de preservativo masculino ou leminino
Doença renal A triagem é recomendada apenas nas grávidas
Bacteriúria Não há evidência quanto à triagem em mulheres assintomáticas
Exame clinico das mamas Autoexame está recomendado a partir dos 20 anos
(ECM) e mamografia ACOG:
20 a 39 anos: ECM a cada 1 a 3 anos
>40 anos: ECM anual
INCA:
;, 35 anos e risco elevado: ECM e mamogralia anuais
Entre 40 e 49 anos: ECM anual; se alterado, mamografia
Entre 50 e 69 anos: ECM anual e mamografia a cada 2 anos
MS:
>50 a 74 anos: ECM anual e mamogralia a cada 2 anos
Dislunções do assoalho pélvico Rastrear incontinência urinária e lecal em toda mulher com mais de 18 anos
Câncer de ovário Não é recomendada a triagem para câncer de ovário
Câncer de mama De 25 a 59 anos: se dois exames consecutivos normais. rastrear a cada 3 anos
>65 anos: rastrear apenas em casos individualizados
Câncer COI()(retal De 50 a 75 anos: sangue oculto nas tezes anual ou bianual
De 76 a 85 anos: o rastteamento de câncer deve ser individualizado
Fonte:Conry JA. Brown H. Wei ~Woman Task FO<ce: CO<nponents of the Weii·WO<nan Visit. Obstei Gynocol Oct 2015: 126(4):697-701.

Uso de álcool em intervalos não especificados. A triagem de rotina para câncer


Segundo a USPSTF, o aconselhamentO deve ser anual, en- de pulmão em mulheres assintomálicas não está recomendada.
quanto o ACOG e o Centers for Disease Control and Preven-
tion (CDC) orientam que essa triagem anual seja feita por Uso de drogas
meio de questionários. Atualmente, segundo a USPSTF, não há evidências quanto
ao equilíbrio entre os benefícios e os efeitos nocivos da tria-
Uso de tabaco gem das usuárias. O ACOG recomenda, contudo, a seleção
De acordo com a USPSTF e o ACOG. as orientações e a edu- anual por meio de questionários ou por relatO de uso de subs-
cação para e'~tar o início do uso do tabaco devem ser feitaS nas tâncias ilícitas, medicamentos sem receita médica e fármacos
pré-escolas e escolas. Em todas as consultas deve ser questio- que melhoram o desempenho. Além disso, em tOdas as con-
nado o uso do tabaco, e a cada ano deve ser feita a triagem das sultas as pacientes devem ser avaliadas e receber aconselha-
usuárias, as quais deverão ser avaliadas, aconselhadas e tratadas mento sobre o uso de drogas, álcool e tabaco.
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J 552 Seção I Ginecologia

Obesidade de perguntas simples e diretas como: "vocl! está satisfeita com


A obesidade deve ser rastreada rotineiramente, segundo a a sua ,-ida sexual?", "você tem quatsquer dúvidas ou preocu-
USPSTF. Todas as pessoas com IMC ~O devem ser encami- pações sobre sexo?".
nhadas para acompanhamento, mtervenções intensivas multi-
Doenças sexualmente transmissíveis
componamentaiS e onentações sobre dteta e exerclcios ffsicos.
A USPSTF e os CDC recomendam aconselhamento para
prevenir DST. e o rastreamento de'-e ser tnstttuldo de acordo
Nutrição
com o manual de OST do CDC. de,-endo as mulheres ser onen-
A USPSTF, o ACOG, os COC e a Amencan Otabetes Asso- tadas sobre o uso de preservauvos mascuhnos ou femininos.
cíation (ADA) recomendam não apenas o aconselhamento in-
tensivo, mas também a adoção de dteta e auvuiade ffsica às Planejamento familiar
adolescentes com IMC <19 ou >25 com htperlipidemia e fato- A ACOG recomenda a onentaçilo de todas as adolescentes
res de risco para doenças cardiovasculares. Anualmente, devem antes do inicio das relações sexuais de modo a prevenir gravidez
rastreadas todas as doenças crOmcas associadas à obesidade. indesejada mediante o uso de opções de contracepção, inclusive
a contracepção de emergência. o coe reafirma que todas as
Síndrome metabólica mulheres devem receber orientação e ter acesso a toda a gama de
A USPSTF e o ACOG recomendam a triagem de rotina contraceplivos aprovados pelo Food and Orug Administ ration
para dislipidem ia apenas uma vez ao fi nal da adolescência (FDA) em todas as consultas anuais, sempre reforçando a orien-
e em mulheres dos 20 aos 45 anos, independentemente da tação quanto ao uso de preservaLivo masculi110 ou feminino.
presença ou não de fatores de risco. Segundo o coe. para
o d iagnóstico de slndrome metabólica são necessários três Bacteriúria
dos seguintes achados: obesidade abdominal; triglicerldeos Não é recomendada, segundo a USPSTF e o ACOG, a tria-
> 150mgldL; HDL <50mgldL; PA arterial >130185mmHg; gli- gem de mulheres não grávidas.
cemia de jejum ~lOOmgldL ou mais alta.
Rastreamento de doença renal
Diabetes mellitus A USPSTF informa que não há, entre as pessoas assinto-
Segundo o ACOG, não há recomendações para exames de máticas, evidências suficientes para a avaliação do equilfbrio
rotina em adolescentes assmtomáticos, exceto para aqueles entre os beneficios e os danos da triagem de rotina de doença
com IMC ~0. Nos adultos. o dtabetes deve ser rastreado em renal crônica.
todos os casos de PA ~l35190mmHg. Nas pactentes com mais
EXAME FÍSICO
de 45 anos, o rastreamento deve ser reahzado a cada 3 anos.
Segundo o ACOG e os COC, o exame ffstco da adolescente
Rastreamento de hipotireoidismo com ,-ida sexual am·a de,·e ser anual.
Segundo a USPSTF, os exames ttreotdtanos de rotina não
Exame das mamas e rastreamento
são recomendados para mulheres assmtornãucas de baixo ris-
A panir dos 20 anos de tdade está recomendado o autoe-
co, enquanto o ACOG recomenda a dosagem de TSH em mu-
xame das mamas, devendo as mulheres ser onentadas sobre
lheres dos 19 aos 49 anos sob nsco. Após os 50 anos, a tria-
os beneficios e as limitações do autoexame. O ACOG reco-
gem deve ser realizada a cada 5 anos em todas as mulheres.
menda que o exame dimco das mamas seja realizado a cada 1
a 3 anos em mulheres entre os 20 e os 39 anos, devendo ser
Anemia
anual nas mulheres com 40 anos ou mais. Para a USPSTF não
Não há evidências quanto à triagem de rotina de anemia há evidências quanto aos beneficios adicionais e prejulzos do
em adolescentes assintomáticas não grávidas. exame clinico das mamas em mu lheres com 40 anos ou mais.
Contradizendo a USPSTF, o Insti tuto Nacional de Câncer
Rastreamento de hepalíle B (INCA) recomenda que mulheres com risco elevado de cân-
A USPSTF e o ACOG não recomendam triagem geral e de cer de mama iniciem o rastreamento aos 35 anos com exame
rolina para a população assintomática. O rastreio de rotina clínico das mamas e mamografia anuais. As mul heres em ge-
deve ser realizado em todas as mulheres grávidas. ral, dos 40 aos 49 anos, devem ser submetidas ao exame clf-
nico anual e, se este estiver alterado, à mamografia. Mulheres
Rastreamento de hepatite C dos 50 aos 69 anos deverão fazer a mamografia.
A USPSTF, o ACOG e os COC recomendam o rastreamento
apenas uma vez em pessoas nascidas entre 1945 e 1965 e o Mamografia
teste de rotina em pessoas com alto riSCo de mfecção pelo HIV A USPSTF recomenda mamografia bienal nas mulheres
com menos de 50 anos. Para aquelas de 75 anos ou mais não
Saúde sexual há evidências suficientes quanto aos beneflctos e danos do
Anualmente , segundo o ACOG. durante a consulta de ro- rastreamento mamogrãfico, mas o ACOG recomenda a reali-
tina, a saúde sexual da mulher deve ser quesuonada por meio zação de mamografia anual nas mulheres ~-+0 anos.
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Capitulo 66 Estilo de Vida e Promoção da Saúde da Mulher 553

O INCA e o MS recomendam o rastreamento de câncer de colo do útero não é necessãria a pre,·enção, exceto se houver
mama bianual, por meio de mamografia, em mulheres de 50 história de lesão de alto grau (neoplasia imraceMcal upos 11 ou
a 74 anos de adade. lU) ou câncer cervical tratado até 20 anos antes.

Exame abdominal Prevenção do câncer cólon e reto


Tanto a USPSTF como o ACOG recome nda m a avaliação Tanto a USPSTF como o ACOG recomendam triagem indi-
de rotina, inde pendentemente da idade da mulher. ~dualizada em mulheres com menos de 45 anos (afro-america-
nas) ou de acordo com o risco e a história familiar. Dos 45 aos
Exame pélvico 75 anos a triagem deve ser realizada por teste de sangue oculto
Segundo a ACOG, em meninas com menos de 2 1 anos nas fezes anual, ou imunoqulmico anual ou sigmoidoscopia ne-
deve ser realizado apenas o exame da genitâlía externa. O xlvel a cada 5 anos, ou enema de bário com duplo contraste
exame da gemtália interna é realizado em memnas sexual- a cada 5 anos, ou colonografia tomográlica comput.adonzada a
mente attvas com história de corrimento ' 'agmal persastente, cada 5 anos, ou DNA nas fezes sem intervalo determinado, ou
d!Súna , amenorreia, sangramento ,-agmal normal, gravidez , colonoscopaa a cada I Oanos. Dos 75 aos 85 anos não são realaza-
dor pth1ca, suspeita e/ou confirmação de estupro, disme- das avahações de rotina, recomendando-se a indiVIdualização de
norreia que não responde ao trat.amento e como parte do cada caso. Nas mulheres com mais de 85 anos de idade não está
aconselhamento contraceptivo. recomendado rastreamento de câncer de cólon e de reto.

Disfunçiies do assoalho pélvico Triagem para mulheres com risco aumentado


Toda mulher com mais de 18 anos, segundo o ACOG, • Colonoscopia após os 40 anos de idade ou em mulhe res
deve se r rastreada para incontinência urinária e fecaL 10 anos mais jovens do que a idade do parente d iagnosti-
cado com câncer colorretal.
Rastreamento de câncer de ovário • Os testes genéticos de mulheres com maior nsco de câncer
são disculldos no Capitulo 62.
Mulheres de baixo ri sco
Não é recomendada , segundo a USPSTF, a tnagem de
câncer de ovário. Existe moderada probab1hdade de que os VACINAÇÃO
danos superem os benefícios da tnagem . Um teste com até A situação vacmal da paciente de,·e ser investigada, sendo
100% de sensibilidade e 99% de espectfic1dade teria valor identificadas as vac1nas indicadas e orient.ada sobre sua Im-
preditivo de 4,8% no cânce r epitelial do ovário. Isso signi- portância. As doenças do aparelho respiratório são a segunda
fica que 20 a 21 mulheres submetidas a ci rurgia não te riam causa de morte entre as mulheres com mais de 70 anos. As
cânce r. Atualmente, segundo o ACOG, nenhuma estratégia é alterações imunológicas relacionadas com o envelheci mento
eficaz para o rastreamento do cânce r de ovário. aumentam o risco de infecções que, em idosos, podem est.ar
associadas a decllnio funcional e comorbidades, levando a
Mulheres de alto risco hospitalizações e aumento da morblmortalidade.
Para o ACOG, ãs mulheres com mutações em BRCA1 e As vacinas contra inOuenza e pneumocócica (VPP23 e
BRCA2 com mais de 40 anos ou com prole definida de,·e ser VPCl3) são capazes de reduzir em 60% e 50% a 80%, as
oferec1da a salpingooforectomia bilateral. Segundo a ~ational infecções graves das '~as aéreas, respectivamente. Os Qua-
Comprehens1ve Cancer Network (NCCN) a ultrassonogralia dros 66.12 e 66. I 3 apresentam as recomendações vacma\S
transvagmal anual e a dosagem de CA-125 não são estratégias de acordo com a Soc1edade Brasileira de lmumzações (SBim)
eficazes para rastreio de câncer de o,·âno em pacientes q ue para cada faixa etária.
não foram submetidas à salpingooforectom1a.
CONSIDERAÇ0ES FINAIS
Prevenção de câncer cervical A consult.a gi necológica de rotina pode se r o momento
A USPSF e o ACOG não recomendam rastreamento de ro- oportuno para promover a atenção primária. Muitas mulhe-
tina em mulheres saudáveis com menos de 21 anos, indepen- res cosw mam fazer apenas o acompanhamento ginecológico
dentemente da idade de sua iniciação sexuaL Em mulheres com em toda a vida. Por isso, o ginecologista precisa ir além do
mais de 65 anos de idade, desde que os exames prévios tenham "habitual" e orientá-las sobre os hábitos de vida saudáveis,
sido negativos. não está recomendada a triagem de câncer de cuidados com as práticas de lazer, a escolha do parceiro se-
colo, exceto naquelas expost.as in utero ao d1eUlesulbestrol, nas xual e os hábitos de v1da sexual, bem como proceder a ras-
1munocomprometidas e naquelas com d1agnósuco pré\~O de treamentos de doenças cardiovasculares e neoplás1cas.
lesões de alto grau e/ou câncer do colo utenno. Para pacientes As recomendações das principais entidades méchcas brasilei-
com adade fértil, a USPSF e o ACOG recomendam citologia a ras e intemaaonais responsáveis pela saúde da mulher, apesar de
cada 3 anos. Quando se deseja alongar a tnagem , associa-se o discordarem em alguns pontos, fornecem as mesmas recomen-
teste do HPV. e o seguimento passará a ser, então, realizado a dações na maioria das cond ições. Cabe ao ginecologist.a indivi-
cada 5 anos. Em mulheres histeren omizadas com remoção do dualizar cada caso c oferecer medidas preventivas adequadas.
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J 554 Seção I Ginecologia

Quadro 66.12 Calendário de vacinação da mulher entre os 9 e os 59 anos de idade- recomendações da Sociedade Brasileira de Imunizações
(SBim)- 2015/2016

Disponibilidade de vacinas
Esquema e Não Gratuitas em Rede
Vacina recomendação gestante Gestante Puérpera rede publica privada

HPV' Duas vacinas estào disponfveis Sim Conuaindicada Sim Nào2 Sim
no Brasil: uma contendo
VLPdostipos6.11.16e 18,
licenciada para meninas e
mulheres de 9 a 45 anos de
idade e meninos e jovens
de 9 a 26 anos. e outra
contendo VLP dos tipos 16 e
18, licenciada para meninas e
mulheres a partir dos 9 anos
de idade. Três doses: O- 1 a
2- 6meses

Trfplice vira! É considerada protegida a Sim Conuaindicada Sim Sim (até os 49 Sim
(sarampo, caxumba mulher que tenha recebido anos)
e rubéola)' duas doses da vacina lffplice
viral com mais de 1 ano de
idade e com intervalo mínimo
de 1 mês entre elas

Hepatites A. B ou A Hepatite A: duas doses, no Sim Considerar nas Sim Nào Sim
e B' esquema O- 6 meses. suscetíveis3

Hepatite B: três doses. no Sim Recomendada Sim Sim Sim


esquema O- 1 - 6 meses

Hepatite A e B: três doses, no Sim Considerar nas Sim Nào Sim


esquema O- 1 - 6 meses suscetíveis3

Trfplice bacteriana Atualizar dTpa Sim Recomendada Sim Sim Sim


acelular do tipo independentemente de dTpa dT para todos dTpae
adulto (dTpa)/ inteNalo prévio com dT ou TI dTpa para dTpa-VIP
difteria. tétano e Com esquema de vacinação gestantes
coqueluche' básico para tétano
completo: reforço com dTpa
Dupla adulto (dT)I a cada 1O anos
difteria. tétano Com esquema de vacinação
básico Incompleto: uma
dose de dTpa a qualquer
momento e completar a
vacinação básica com uma
ou duas doses de dT (dupla
bacteriana do tipo adulto)
de modo a totalizar três
doses de vacina contendo o
componente tetânico
Para mulheres que pretendem
viajar para pafses nos quais
a poliomielite é endêmica:
recomenda-se a vacina dTpa
combinada à pólio inativada
(dTpa-VlP). A dTpa-VIP pode
substituir a dTpa, inclusive em
gestantes
Considerar antecipar reforço
com dTpa: para 5 anos após
a última dose de vacina
contendo o componente
pertussis para mulheres
contaclantes de lactentes
Durante a gestação': ver nota
abaixo

Varicela (catapora)' Para suscetíveis: duas doses Sim Conuaindicada Sim Nào Sim
com inteNalo de 1 a 2 meses

(continua)
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Capítulo 66 Estilo de Vida e Promoção da Saúde da Mulher 555

Quadro 66.12 Calendário de vacinação da mulher enue os 9 e os 59 anos de idade- recomendações da Sociedade Brasileira de Imunizações
(SBim)- 20 15/2016 (continuação)

Disponibilidade de vacinas
Esquema e Não Gratuitas em Rede
Vacina recomendação gestante Gestante Puérpera rede pública prtvada
lnfluenza (gripe)' Dose única anual Sim Recomendada Sim Sim, para Sim
grupos
de risco e
gestantes

Febre amarelaJ. 7 Uma dose para residentes Sim Contraindicada' Contraindicada Sim Sim
ou viajantes para áreas de na amamentação'
vacinação (de acordo com
c lassificação do MS e da
OMS). Se persistir o risco,
fazer uma segunda dose 10
anos após a primeira. Pode
ser recomendada também
para atender a exigências
sanitárias de determinadas
viagens internacionais. Em
ambos os casos. vacinar
pelo menos 1O dias antes da
viagem

Meningocócica Uma dose. A indicação Sim A ser considerada Sim Não Sim
conjugada ACWVS da vacina, assim como em situações de
a necessidade de risco aumentado
reforços. dependerá
da situação
epidemiológica

Meningocócica B Duas doses com intervalo Sim A ser considerada Sim Não Sim
de 1 mês. Considerar seu em situações de
uso avaliando a situação risco aumentado
epidemiológica

Pneumocócicas• Esquema sequencial de VPC 13 Sim A ser considerada Sim Não Sim
e VPP23 é recomendado em situações de
para mulheres com 60 anos risco aumentado
ou mais

Herpes· zóster 10 Recomendada para mulheres Sim Sim Não Sim


com 60 anos ou mais. dose
única

Orientações:
• Sempre que posslvel, preferir vacinas combinadas.
• Sempre que posslvel, considerar apticaçoes simultâneas na mesma visita.
• Qualquer dose nao administrada na idade recomelldada deve ser aplicada na visita subsequente.
• Eventos adversos significativos devem ser notificados às autoridades competentes.
• Algumas vacinas podem estar especialmente reoomendadas para pacientes portadores de comorbidades ou em outra situaçao especial

Sempre que possível, convém evitar a aplicação de vacinas no primeiro lfimesue de gravidez.
Após a aplicação de vacinas de vfrus vivos atenuados (trfplice vira!. varicela e febre amarela),
a mulher deve ser orientada a aguardar o prazo de 1 mês para engravidar.

1. Mulheres, mesmo q ue previamente infectadas. podem se beneficiar da vacina· para as hepatites A e B é tma opçao e pode substituir a vacinação isolada para
çao. as hepatites A e 8.
2. O Programa Nacional de Imunização (PNI) adotou esquema de vacinaçao COJl. S. A melhor época para a apticaçao da vacina dTpa em gestantes é entre a 27i e a
tendo VLP dos tipos 6. 11, 16 e 18, em esquema de duas doses (O- 6 meses). J6i semana de gestação (permite transferência de maior quan tidade d e anticor.
exclusivamente para meninas de 9 a 13 anos. 11 meses e 29 dias. pos maternos para o feto), mas a vacina pode ser recomendada a partir da 2oa
3. Vacinas de vfrus atenuados sao de risco teórico para o feto. sendo, portanto. semana até o momento do pano. Mulheres nào vaciMdas na gestação devem
contraindicadas em gestantes. ser vacinadas no puerpério, o mais precocemente possfvel. A vacinaçao com
4. Hepatite A é vacina inativada, portanto, nao contraindicada em gestantes. Já dTpa deve ser repetida a cada gestação. A vaciM está recomendada mesmo
que no Brasil as situaçOes de risco aumentado d e exposiçao ao Virus sao fre- para aq uelas que tiveram a coqueluche. iá que a proteção conferida pela infec.
quentes, a vacinaçao de gestantes deve ser considerada. A vacina combioada çâo nào é permanente.

(continua)
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J 556 Seção I Ginecologia

Quadro 66.12 Calendário de vacinação da mulher entre os 9 e os 59 anos de idade- recomendações da Sociedade Brasileira de Imunizações
(SBim)- 2015/2016 (continua~o)
Histórico vaclnal Conduta na gravidez Conduta após a gravidez
Previamente vacinada com pelo menos uês doses Uma dose de dTpa a cada gestação Fazer dTpa no puerpério. se não vacinada
de vacina contendo o toxoide tetânico durante a gestação
Em gestantes que receberam vacinação Uma dose de dT (a qualquer momento) Fazer dTpa no puerpério. se não vacinada
incompleta tendo recebido uma dose de vacina seguida de uma dose de dTpa (entre a durante a gestação, e completar esquema
contendo o toxoide tetânico na vida 27• e 360 semanas de gestação). sempre que para o tétano com dT
possrvel respeitando o intervalo mfnimo de
1 mês entre elas. no esquema O- 2 meses
Em gestantes que recet>ecam vacinação incompleta Uma dose de dTpa Fazer dTpa no puerpério, se não vacinada
para tétano. tendo recebido duas doses de vacina durante a gestação
contendo o toxoide tetânico na vida
Em gestantes com vacinação desconhecida. Duas doses de dT e uma dose de dTpa. Fazer dTpa no puerpério, se não vacinada
devendo a dTpa ser aplicada entre a 27• e a durante a gestação, e completar esquema
3& semana de gestação. Adotar esquema para o tétano com dT
O- 2-4 meses ou O- 2 -6meses
Na falta de dTpa, substituir por dTpa-VIP.
6. A gestante é grupo de risco para as complicaçOes da infecçào pelo Virus da 8. As vacioas meniogocócicas conjugadas sao inativadas; portanto, sem risco
influenza. A vacina está recomelldada oos meses da sazonaJidade do vírus, teórico para a gestante e o feto. Na indisponibilidade da vacina meningocócica
mesmo no prWneiro trimestre de gestação. Desde que disponlvel, a vacina in- conjugada ACWi, substituir pela vacina meningocócica C conjugada.
fluenza 4V é preferfvel à 3V, inclusive em gestantes, por conferir maior cobertura 9. A VPC 13 está licenciada a partir dos 50 anos de idade. ficando a critério médico
das cepas circulantes. Na m possibilidade de uso da vacina 4V, utilizar a 3V. sua recomendação nessa faixa etária. VPC13 e VPP23 saovacinas inativadas;
7. Contraindicada na gravidez, porém seu uso pode ser permitido após ponderação pOf'tanto, sem riscos teóricos para a gestante e o feto. Devem ser recomenda-
do riscolbeneffdo da vacinação: ( 1} oâo anteriormente vacinadas e que residem das para gestantes de aho risco para a doenca pneumocócica.
em áreas de risco para febre amarela: (2) que vao se deslocar para região de ris. 1O. Vacina licenciada a partir dos 50 anos. Recomendada mesmo para aquelas que
co da doeoça. na impossibilidade total de se evitar a viagem durante a gestação. já apresentaram quadro de herpes-zóster. Nesses casos, aguardar o intervalo
Gestantes que 'viajam para pafses qoo exigem o Certiftcado Internacional de Vaci- de 1 ano entre o quadro agudo e a aplicação da vacina. Em caso de pacientes
nação e Profilaxia {CIVP) devem ser isentadas da vacinação, se nâo houver risco com história de herpes-zóster oftálmico. ainda nao existem dados suficientes
de transmissao. É contraindicada em rutrizes até que o bebê complete 6 meses: para indicar ou contraindicar a vacina. Uso em imunodeprimidos: a vacina não
se a vacinaçâo não puder ser evitada. suspender o aleitamento materno por pelo deve ser empregada em indivSduos com estados de mullOdeficiência primária
menos 15 dias e preferencialmente 30 dias após a mwizaçao. Contraindicada ou adquirida ou em uso de terapêuticas em posologias consideradas imunossu-
para imunodepMlidas, porém, quando os riscos de adquirir a doença superam pressoras.
os riscos potenciais da vacinação, o médico deve avaliar sua Ulilização.

Quadro 66.13 Calendário de vacinação da mulher com mais de 60 anos- Recomendações da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBim)-
20 15/2016

Disponibilidade de vacinas
Esquema e Gratuitas em Rede
Vacina Quando Indicar recomendação Comentários rede pública privada
lnfluenza (gripe) Rotina Dose única anual Os mai()(es de 60 anos fazem pane Sim Sim
do grupo de risco aumentado
para as complicações e óbitos por
inlluenza. Desde que disponfvet.
a vacina inlluenza 4V é preferível
à 3V por conferir maior cobertura
das cepas circulantes. Na
impossibilidade de uso da vacina
4V, utilizar a 3V
Pneumocócicas Rotina Iniciar com uma dose da VPC13 Para aqueles que já receberam a SimVPP23 Sim
(VPC13 e VPP23) seguida de uma dose de VPP23, recomenda·se o intervalo para grupos
VPP23 6 a 12 meses depois e de 1 ano para a aplicação de de risco
uma segunda dose de VPP23 VPC13. A segunda dose de
5 anos depois da primeira VPP23 deve ser feita 5 anos após
a primeira. mantendo intervalo de
6 a 12 meses com a VPC13
Para os que já recebecam duas
doses de VPP23, recomenda-se
uma dose de VPC 13 com
intervalo mínimo de 1 ano após
a última dose de VPP23. Se a
segunda dose de VPP23 foi
aplicada antes dos 65 anos, está
recomendada uma te<ceira dose
depois dessa idade, com intervalo
mfnimo de 5 anos da última dose

(continua)
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Capítulo 66 Estilo de Vida e Promoção da Saúde da Mulher 557

Quadro 66.13 Calendário de vacinação da mulher com mais de 60 anos- Recomendações da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBim)-
2015/20 16 (continuaçâo)

Disponibilidade de vacinas
Esquema e Gratuitas em Rede
Vacina Quando Indicar recomendação Comentários rede pública prtvada
Trfplice bacteriana Rotina Atualizar dTpa A vacina está recomendada Sim Sim
acelular do independentemente de intervalo mesmo para aquelas que tiveram dT dTpae
tipo adulto pcévio com dT ou TI coqueluche, já que a proteção dTpa-VIP
( dTpa)/difteria, Para idosos que pretendem conferida pela infecção não é
tétano e viajar para paises nos quais permanente
coqueluche a poliomielite é endêmica, Considerar antecipar reforço
recomenda-se a vacina dTpa com dTpa para 5 anos após a
combinada à pólio inativada última dose de vacina contendo
(dTpa·VIP) o componente penussis para
A dTpa·VIP pode substituir idosas contactantes de lactentes
a dTpa. Com esquema de
vacinação básico para tétano
completo: reforço com dTpa a
cada 10 anos. Com esquema
de vacinação básico para
tétano incompleto: uma dose
de dTpa a qualquer momento e
completar a vacinação básica
com uma ou duas doses de
dT (dupla bacteriana do tipo
adulto) de modo a totalizar três
doses de vacina contendo o
componente tetânico
Hepatites A, B ou Hepatite A: após Duas doses, no esquema O - 6 Na população com mais de 60 Não Sim
AeB avaliação meses anos é incomum enconttar
sorológica ou individuas suscetiveis. Para esse
em situações grupo, portanto, a vacinação não
de exposição é prioritária. A S()(Oiogia pode
ou surtos ser solicitada para definição da
necessidade ou não de vacinar.
Em contactantes de doentes com
hepatite A, ou durante surto da
doença, a vacinação deve ser
considerada
Hepatite 8 : rotina Três doses, no esquema Sim Sim
0-1-6 meses
Hepatites A e B Três doses, no esquema A vacina combinada para as Não Sim
0-1-6 meses hepatites A e B é uma opção
e pode substituir a vacinação
isolada para as hepatites A e B
Febre amarela Rotina para Uma dose para residentes Conttaindicada para Sim Sim
residentes ou viajantes para áreas de imunodeprimidos. Quando os riscos
em áreas de vacinação (de acordo com de adquirir a doença superam os
vacinação classificação do MS e da riscos potenciais da vacinação. o
OMS). Se persistir o risco, médico deve avaliar sua utilização
fazer uma segunda dose 1O Há relatos de maior risco de eventos
anos após a primeira adversos graves nos maioces de 60
Vacinar pelo menos 1Odias anos; portanto, na primovacinação,
antes da viagem avaliar risCO/benefício
Meningocócica Surtos e viagens Uma dose. A indicação da Na indisponibilidade da vacina Não Sim
conjugada ACWY para áreas de vacina, assim como a meningocócica conjugada
risco necessidade de reforços, ACWY. substituir pela vacina
dependerá da situação meningocócica C conjugada
epidemiológica
Trfplice viral Situações É considerado protegido o Na população com mais de 60 Não Sim
(sarampo. de risco individuo que tenha recebido, anos é incomum enconttar
caxumba e aumentado em algum momento da vida, individuas suscetiveis a sarampo,
rubéola) duas doses da vacina triplice caxumba e rubéola. Para esse
viral > 1 ano de idade e com grupo, portanto, a vacinação
intervalo mini mo de 1 mês não é rotineira. Porém. a criterio
entte elas médico (em situações de surtos,
Está indicada em situações de viagens. entte outros), pode ser
risco aumentado, já que a recomendada. Containdicada
maioria das pessoas nessa para imunodeprimidos
faixa etária não é suscetível a
essas doenças

(continua)
/.

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J 558 Seção I Ginecologia

Quadro 66.13 Calendário de vacinação da mulher com mais de 60 anos- Recomendações da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBim) -
2015/2016 (continuação)

Disponibilidade de vacinas
Esquema e Gratuitas em Rede
Vacina Quando Indicar recomendação Comentários rede pública privada
Herpes-zóster Rotina Dose única Vacina recomendada mesmo para Não Sim
aquelas que já apresentaram
quadro de herpes-zóster.
Nesses casos. aguardar
intervalo minirno de 1 ano enue o
quadro agudo e a aplicação da
vacina
Em caso de pacientes com história
de herpes-zóster oftálmico, ainda
nào existem dados suficientes
para indicar ou contraindicar a
vacina
Uso em imunodeptimidos: a
vacina não deve ser empregada
em individuas com estado
de imunodeficiência primária
ou adquirida ou em uso de
terapêuticas em posologias
consideradas imunossupressoras

Orientações:
• Sempre que possivel, preferir vacinas combinadas.
• Sempre que possivel, considerar aplicaçOes simuhàneas na mesma visita.
• Qualquer dose não administrada na idade recomendada deve ser aplicada na visita subsequente.
• Eventos adversos significativos devem ser notificados às autoridades competentes.
• AlgOO\éls vacinas podem estar especialmente recomelldadas para pacientes portadores de comorbidades ou em outra situação especial.

leitura complementar Ministério da Saúde. Diretrizes para a detecção precoce do câncer


Conry JA, Brown H. Weii-Woman Task Force: components of the well- de mama no Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, 2015.
woman visit. Obstet Gynecol Oct 20 15, 126(4):697-701 . Ministério da Saúde. Protocolos da atenção básica: saúde das mu-
Ministério da Saúde. Diretrizes Brasileiras para o rastreamento do lheres. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 20 16.
câncer do colo do útero. Rio de Janeiro, RJ: Instituto Nacional de Ministério da Saúde. Rastreamento - Série A. Normas e Manuais
Câncer/Ministério da Saúde, 2011. Técnicos- Cadernos de Atenção Primária n. 29. Brasília, 20 10.
SEÇÃO
CAPÍTULO

Período lmplantacional e Embriogênese


Alberto Borges Peixoto
Edward Araujo Júnior
Luciano Eliziálio Borges Júnior

CICLO MENSTRUAL folículo atinja a maturidade. Durante o estágio de matura-


Durante a puberdade ocorre a normalização dos ciclos mens- ção folicular, as células da granulosa, presentes na parede dos
truais, os quais são controlados pelo hipotálamo. O hormônio folículos, segregam níveis crescentes de estrogênio até atin-
liberado r de gonadotrofinas (GnRH) passa a ser segregado de gir o pico de secreção horas antes da ovulação (Figura 67 .1).
modo pulsátil pelo hipotálamo, que estimula a secreção de Após a ovulação, as células da granulosa remanescentes na
gonadotrofinas pela adeno-hipófise. O hormônio folículo- parede do folículo, juntamente com as células da teca, sob
-estimulante (FSH) e o hormônio luteinizante (LH) estimu- estímulo do LH, passam a apresentar pigmentação amarelada
lam e controlam as funções cíclicas do ovário. e se transformam em corpo lúteo (Figu ra 67.2). As células do
Sob o controle das gonadotroli.nas, ce rca de 15 a 20 folículos corpo lúteo segregam progeste rona, que, juntamente com o
primários são estimulados a se desenvolve r até que apenas um estrogênio, prepara o tecido endometrial para a implantação.

Folículo
primordial
G
+--+
50~tm
Folículo
pré-ovulatório

Folfculo
pré-antral

Células da
granulosa
Folfculo
antral
Teca

- - - - - 20mm - - - --+

+--- 500ftm - -

Figura 67.1 Estágio de desenvolvimento e maturação folicular. Durante o desenvolvimento folicular ocorre aumento do número de células da
granulosa, que são responsáveis pelo aumento crescente na produção de estrogênio . Durante os últimos dias da maturação folicular o estro-
gênio, produzido pelos folículos secundários, estimula a produção de LH pelas células da adeno-hipófise. O LH faz um folículo passar para a
fase de folículo pré-ovulatório. (Reproduzida de http:/fes.slideshare.net/jotapex/07-c iclo-menstrual.)

561
/.

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J 562 Seção 11 Obstetrícia

Células da granulosa Células luteínicas


Antro Estroma ovariano

Teca interna Teca


externa

Vasos
sanguíneos

1• corpúsculo
polar

Oócito 11
(secundário) Célula do
na 2• divisão cúmulo oóforo
da meiose

A B c
Figura 67 .2A Folículo no período pré-ovulatório ocasionando protuberância na superfície do ovário. B Ovulação. C Corpo lúteo. (Reproduzida
de Sadler TW. Primeira semana do desenvolvimento: da oocitação â implantação. In: Sadler TW: Embriologia médica. Rio de Janeiro: Guana-
bara Koogan, 2005: 21 -32.)

Antes da ovulação, as fímbrias uterinas começam a varrer da fertilização. Os espermatozoides que sofreram o processo
a superfície do ovário com o objetivo de captar o oóciLO libe- de capacitação são capazes de ultrapassar a corona radiata do
rado. A condução do oócito pela tuba uterina ocorre graças oócito. A dispe rsão das células foliculares que envolvem o
à contratilidade ritmica de suas paredes e ao movimento dos oóciLO e a zona pelúcida para passagem dos espe rmatozoides
cílios do epitélio de revestimento tubário. A fertilização do parece resultar, principalmente , da libe ração da enzima h ialu-
oócito ocorre na região amputar da tuba uterina. Após se r ronidase pelo acrossomo dos espermawzoides.
fenilizado, o oócito se transfo rma em zigoto, o qual , em 3 a 4
dias, atinge a cavidade uterina na forma de mórula. Penetração na zona pelúcida
Essa é a fase mais importante do iníc io da fertilização.
FERTILIZAÇÃO A zona pelúcida é uma camada de glicoproteínas que cir-
Apenas l %dos espe rmawzoides depositados no canal va- cunda o oóciLO e facil ita e mantém a ligação do espermato-
ginal penetra na cérvice ute rina. Propulsionados pelo movi- zo ide, além de induzi r a reação ac rossômica. A penetração
mento de sua cauda e auxiliados pelo movimento dos líqui- do espe rmatozoide na zona pelúcida é garantida pela libe-
dos p roduzidos pelos cílios uterinos, atingem a região ístmica ração de enzimas do acrossomo, como esterase, acrosina e
do útero. Ao chegarem ao istmo uterino, os espermawzoides neuram in idase. A mais impo rtante dessas enzimas é a p ro-
têm seu movimento reduzido e se tornam imóveis até a ovula- teolítica acrosina. A liberação dessas enz imas possib ilita a
ção. Para a fertilização do óvulo são necessárias, inicialmente, passagem do espermatozoide pela zona pelúcida até entrar
a capacitação dos espermatozoides e a reação acrossômica. em contatO com a memb rana plasmática do oócito. Quan-
A capacitação é o período em que oco rre a interação dos do isso oco rre , enzimas lisossômicas são libe radas pelos
espermatozoides com o epitélio tubário. Nessa fase é removi- grânulos co n icais, que ocupam o espaço pe rivitelinico e
da a membrana plasmática que reveste a região acrossômica alte ram as p rop riedades da zona pelúcida, mantendo-a im-
dos espermatozoides. Apenas os espe rmatozoides capacitados pe rmeável à passagem de outros espermatozoides ( reação
podem ultrapassar a corona radiata do óvulo e se submeter à zona!).
reação acrossômica.
A reação acrossômica ocorre após a ligação do esperma- Fusão entre a membrana celular do oócito e a do
tozoide à zona pelúcida. Nessa fase ocorre a liberação de espermatozoide
enzimas (acrosina e substâncias semelhantes à tripsina) pelo As membranas plasmáticas do oócito e do espe rmawzoide
acrossomo. se fundem e sofrem dissolução na área de fusão. A cabeça e a
As fases da fe rtilização incluem: fase l - penetração na coro- cauda do espermatozoide penetram no citoplasma do oócito ,
na radiata; fase 2 - penetração na zona pelúcida; fase 3 - fusão mas a membrana plasmática fica para trás (Figura 67 .3).
entre a membrana celular do oóciLO e a do espermatozoide. Depois da entrada do espermatozoide, o oócito, que tinha
sua divisão celular interrompida na metáfase da segunda d ivi-
Penetração na carona radiata são meiótica, termina sua d ivisão e forma o oóciLO maduro e
Dos milhões de espermawzoides depositados no trato ge- o segundo corpúsculo polar. Em seguida, o núcleo do oócito
nital inferior feminino, apenas ce rca de 500 chegam ao local maduro se torna o pronúcleo feminino.
r
((

Capítulo 67 Período lmplantacional e Embriogênese 563

Núcleo do Espermatozoide
espermatozoide Acrossomo Membrana Perfurações Enzimas no citoplasma do
contendo contendo plasmática do na parede dissolvem a ovócito sem sua
cromossomos enzimas espenmatozoide do acrossomo zona pelúcida membrana plasmática

Figura 67.3 Fases de penetração do espermatozoide no oócito. (Reproduzida de Moere KL, Persaud TVN, Torchia MG. Primeira semana do
desenvolvimento. In: Moore- Embriologia básica. São Paulo: Elsevier, 2012:21-6.)

Dentro do citoplasma do oócito, o núcleo do citoplasma denom inado blaswcele. Nesse momento, o embrião é um
aumenta de tamanho, formando o pronúcleo masculino, e a blastocisto.
cauda do espermatozoide se degenera. Os pronúcleos mas- As células da camada mais externa - trofoblasto - darão
culino e femin ino são morfologicamente indistinguíveis, en- origem à parte embrionária da placenta. Um aglomerado de
tram em contato estreito e perdem seu envoltório nuclear (ca- blastõmeros localizados centralmente - embrioblasto - dará
rioteca). Durante a fase de crescimento dos pronúcleos ocorre origem ao embrião.
a replicação do DNA. Depois de o blastocistO ter flutuado no interior do líquido
As membranas dos pronúcleos se dissolvem e os cromos- da cavidade uterina por cerca de 2 d ias, a zona pelúcida se
somos se condensam e se d ispõem para a divisão celular mi- degenera e desaparece. Cerca de 6 d ias após a fe rtilização,
tótica. O oócito fertilizado , ou zigoto , é um embrião unicelu- o blastocisto se implanta nas células da cavidade uterina e
lar com 46 cromossomos (Figura 67.4). as células do trofoblasto se proliferam rapidamente, diferen-
A fenilização termina em até 24 horas após a ovulação. ciando-se em duas camadas: citotrofoblasto (camada celular
interna) e sinciciotrofoblastO (camada celular externa) (Figu-
CLIVAGEM DO ZIGOTO ra 67 6).
Consiste em divisões mitóticas repetidas do zigoto à me- As células do sinciciotrofoblasto se proliferam e invadem
d ida que este avança pela tuba uterina em direção ao útero o estroma do tecido endometrial. Durante o processo de in-
(Figura 67.5). As células resultantes dessa divisão são deno- vasão as células do sinciotrofoblastO promovem erosão nas
minadas blastõmeros. Até o estágio de oito células, os blastõ- glândulas, capilares e tecido conj untivo do endométrio.
meros se encontram ligados frouxamente. Após o estágio de
nove células ocorre a compactação, fenômeno pelo qual os FORMAÇÃO DA CAVIDADE AMNIÓTICA, DO DISCO
blastõmeros se aj ustam firmemente graças às glicoproteínas EMBRIONÁRIO E DO SACO VITELÍNICO
de adesão localizadas na superfície celular. Quando o aglome- Durante o período de implantação do blastocisto surge uma
rado de blastõmeros apresenta 16 células, forma-se a mórula. cavidade na massa celular interna, que representa o primórdio
As células da camada interna da mórula , que darão origem ao da cavidade amniótica. Concomitantemente ocorrem modifi-
embrião , estão envolvidas por uma camada de células achata- cações morfológicas na massa celular interna (embrioblasto),
das denominadas trofoblastos. resultando na formação de uma placa bilaminar (disco embrio-
nário). As duas camadas resultantes dessa transformação são o
Formação do blastocisto epiblasto e o hipoblasto.
Cerca de 4 dias após a fertilização, a mórula atinge a ca- Enquanto o epiblasto forma o assoalho da cavidade am-
vidade ute rina. Pouco tempo depois, o fluido presente no niótica, o hipoblasto forma o teto da cavidade exocelõmica.
inte rior da cavidade ute rina penetra pela zona pelúcida, for- A membrana da cavidade exocelõmica se modifica e forma o
mando um espaço no interior da mórula cheio de fluido, saco vitelínico primitivo.
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J 564 Seção 11 Obstetrícia

Zona pelúcida

Ovócito secun(lári'~...--

Primeiro corpo polar

'i' Pronúcleo

Cauda do espermatozoide
em degeneração

Primeiro e segundo
'SE!gu11do corpo polar corpos polares
c

Fuso da clivagem

Cromossomos
Zigoto

Dissolução das
~- membranas dos
pronúcleos

Figura 67.4 Diagrama ilustrando a fertilização, desde o contato do espermatozoide com a membrana plasmática do oócito até o emparelha-
mento dos cromossomos maternos e paternos na metáfase da primeira d ivisão mitótica do zigoto. A Oócito secundário rodeado por vários
espermatozoides. B A carona radiata desapareceu; um único espermatozoide penetrou no oócito e ocorreu a segunda divisão meiótica com
formação do oócito maduro. O núcleo do ovo é o pronúcleo feminino. C Aumento da cabeça do espermatozoide, formando o pronúcleo mas-
culino. D Fusão dos pronúcleos. E Formação do zigoto diploide com 46 cromossomos. (Reproduzida de Moere KL, Persaud TVN, Torchia MG.
Primeira semana do desenvolvimento. In: Moore- Embriologia básica. São Paulo: Elsevier, 2012:21-6.)
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((

Capítulo 67 Período lmplantacional e Embriogênese 565

A B c

o o o o

D E F
Embrioblasto

Blastocele

Trofoblasto

Figura 67.5 Etapas de d ivisão do zigoto. A Fusão dos pronúcleos masculino e feminino. B Estágio de duas células. C Estágio de quatro
células. O Estágio de oito células. E Estágio de 16 células (mórula). F Blastocisto, identificando-se blastocele, embrioblasto e trofoblasto. (Re-
produzida de http:{/vounascer.com{gravidezfa-gravidez-semana-a-semana.)

Glândula endometrial

r-==------==----"";"--"":!1--- Tecido conjuntivo

g endometrial

\ Secreção glandular

Polo
embrionário

Citotrofoblasto

Trofoblasto Hipoblasto (endoderma primário)


Cavidade blastocfstica
A B

Figura 67.6 Inicio da nidação pelo blastocisto. A Blastocisto de 6 dias aderido ao epitélio endometrial através do trofoblasto no polo embrio-
nário. B Blastocisto de 7 dias. (Reproduzida de Moore KL, Persaud TVN, Torchia MG. Primeira semana do desenvolvimento. In: Moore - Em-
briologia básica. São Paulo: Elsevier, 2012:21-6).

Durante a fo rmação da cavidade amn iótica, do disco Em um embrião de 12 d ias, lacunas adjacentes ao sinci-
emb rionário e do saco vitelínico, su rgem cavidades isola- ciotrofoblastO se fundem e dão origem à rede de lacunas (pri-
das no interior do sinciciotrofoblasto denom inadas lacu- mórdios do espaço interviloso da placenta). Em seguida , o
nas. As lacunas se enchem de sangue materno e secreção sinciciotrofoblastO promove erosão nos vasos sanguíneos
das glândulas endometriais erodidas. Essa mistura, locali- endometriais, possibilitando que o sangue materno nua para
zada no interior das lacunas, é impo rtante para nutrição do dentro da rede de lacunas e estabelecendo a circulação utero-
disco embrionário. placentária primitiva.
/.

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J 566 Seção 11 Obstetrícia

O final da segunda semana se caracte riza pelo aparecimen- A formação do tubo neu ral (neurulação) (Figura 67 lO)
to das vilosidades coriônicas primárias (primeiro estágio do também ocorre na terceira semana do desenvolvimento em-
desenvolvimento das vilosidades co riônicas da placenta). brionário. A placa neural se origina do ecwde rma, sendo sua
O có rion é constituído por mesoderma somático extraem- formação induzida pela nowco rda. A placa neural forma os
brionário e duas camadas do trofoblasw. O có rion forma a sulcos neurais e, após a fusão desses, forma-se o sistema ner-
pa rede do saco coriônico (saco gestacional), dentro do qual voso primordial (tubo neural). A partir desse momentO ocor-
o embrião e os sacos amniótico e vitelínico estão suspensos re a migração de células neuroecwdé rmicas, formando, entre
pelo pedículo do embrião. o ecwde rme e o tubo neural, a crista neural. Originam-se, as-
sim, os gânglios sensitivos dos ne rvos cranianos e espinhais,
TERCEIRA SEMANA: FORMAÇÃO DA CAMADA células pigmentares, células suprarrenais e de vários compo-
GERMINATIVA E INÍCIO DA DIFERENCIAÇÃO DOS nentes musculares e esqueléticos da cabeça.
TECIDOS E ÓRGÃOS O mesoderma de cada lado da nowcorda se espessa,
formando colunas longitudinais que darão origem aos so-
A te rce ira semana do desenvolvimento emb rionário é
mitos, que co ns istem em blocos de mesoderma localizados
marcada pela conve rsão do disco emb rionário bilaminar
ao lado do tubo neural em desenvolvimento e são semp re
em trilami nar, processo de nominado gastrulação, o qual
formados no sentido c raniocaudal, dando o rigem à maior
se ria o p recurso r de todos os tecidos embrionários (Figu ra
parte do esqueleto axial, aos músculos associados e à der-
67. 7). Essas mudanças se iniciam com o surgimentO da li-
me adjace nte.
nha primitiva, que resulta de um espessamento do ep iblasto
O celoma embrionário surge como espaços no mesoder-
na extremidade caudal do disco embrioná rio, formando as
ma. Esses espaços coalescem, formando uma cavidade única
três camadas germinativas do embrião, a partir das quais
em formato de ferradura que dará origem à cavidade pericár-
oco rre rá a formação de wdos os órgãos e tecidos específicos
dica, à cavidade pleural e à cavidade peritoneal.
(Figu ra 67.8):
No princípio da terceira semana se inicia a vasculogênese.
l. Ectoderma embrionário: dá origem à epide rme e seus ane- Células mesenquimais se diferenciam em células formadoras
xos; aos sistemas nervosos central e periférico; aos epité- dos vasos (angioblasws), as quais se agregam, formando as
lios sensoriais do olho, da o relha e do nariz; às glândulas ilhotas sanguíneas. Os angioblastos formam o endotélio dos
mamárias; às glândulas subcutâneas, ao esmalte dos dentes vasos, e as ilhotas se fundem, formando os canais vasculares e
e a alguns tecidos conjuntivos da cabeça. determinando assim a vasculogênese. As células sanguíneas se
2. Endoderma embrionário: dá origem aos revestimentos originam a partir das células dos vasos sanguíneos.
epiteliais das vias respirató rias e gastrointestinais; às célu- O coração é formado a partir de células mesenquimais e está
las glandulares do trato gastrointestinal e órgãos associa- representado por um par de tubos cardíacos endoteliais que se
dos, como fígado e pâncreas; ao parenquima de tireoide, fundem, formando um coração tubular, o qual está unido a va-
parati reoide, limo e à maior parte da uretra e do revesti- sos no embrião, no saco vitelínico e no córion, constituindo o
mento da bexiga. sistema cardiovascular primitivo. O coração começa a bater no
3. Mesod erma embrionário: dá o rigem ao tecido conjunti- final da terceira semana e nos primeiros dias da quarta semana,
vo; aos músculos esqueléticos; ao revestimento dos vasos sendo considerado o primeiro sistema de órgão funcional do
sanguíneos; às células sanguíneas; à musculatura lisa; aos se r humano.
ó rgãos e duetOs do aparelho geniturinário; à maior parte do Ainda na terceira semana acontece o desenvolvimento
aparelho cardiovascular; e às cartilagens, ossos, ligamentos e das vilosidades coriônicas secundá rias e terciárias, a partir,
tendões. respectivamente, da penetração do mesênquima nas vilosi-
dades co riônicas primárias e da diferenciação de células me-
No início da te rcei ra semana ocorre também o processo senquimais das vilosidades em vasos sanguíneos e da visibi-
notocordal, que surge a parti r da linha primitiva , mais pre-
lização desses nas vilosidades. Ao se formarem as vilosidades
cisamente a partir de células mesenquimais do nó primitivo. terciárias, ocorre a proliferação do citotrofoblasto, o qual se
Essas células se estendem cefalicamente entre o ecwde rma
estende através do sinciciotro foblastO, formando a capa citO-
e o endoderma até a placa precordal, formando o canal no- trofoblástica, que ancora o saco embrionário ao endométrio
tocordal, cujas aberturas coalescem, formando a nowcorda,
materno.
correspondente ao eixo primitivo do embrião em torno do
qual se formará o esqueletO axial (Figura 67.9).
O alantoide, também formado na terceira semana do de- Da quarta à oitava semana - Organogênese
senvolvimento embrionário, corresponde a uma evaginação As p rincipais estruturas inte rna e externa se formam entre
do saco vitelínico. Nos seres humanos, o alantoide formará os a quarta e a oitava semana do dese nvolvimento embrioná-
vasos que nutrirão a placenta e permanecerá durante o desen- rio, porém o sistema cardiovascular é o único que não é mi-
volvimento na forma do úraco, que corresponde a uma linha n imamente funcionante. Como esse período se caracteriza
entre a bexiga e a região umbilical. Na vida adulta, o úraco é pela rápida e intensa diferenciação , a exposição do emb rião
representado pelo ligamento umbilical mediano. a age ntes te rawgênicos pode ocasionar diversas anomalias.
r
((

Capítulo 67 Período lmplantacional e Embriogênese 567

Âmnio
Cavidade
Disco embrionário amniótica
Ectoderma
do embrião
Pedículo
Pedículo - - do embrião
do embrião
Placa
precordal Linha
primitiva

A B
Saco vitelino

Extremidade cefálica Ectoderma


Placa do embrião
Placa precordal precordal

Ectoderma do embrião

Linha primitiva
Nível da
secção O
Borda cortada Mesoderma
do ãmnio intraembrionário
c
Mesodenna
extraembrionário O
cobrindo o saco vitelino
Fosseta primitiva
do nó primitivo
Mesoderma somático
Processo notocordal extraembrionário
Âmnio

Nível da secção F

Nó primitivo

Linha primitiva Mesoderma esplãncnico


extraembrionário
Sulco primitivo
E F
Pedfculo do embrião

Ectoderma
Sulco primitivo do embrião
Processo notocordal

Mesoderma
intraembrionário

Nível da
secção H
Endoderma Disco embrionário
do embrião trilam ina r
Sulco primitivo
G H

Figura 67.7A a H Desenhos ilustrando a formação do disco embrionário trilaminar. (Reproduzida de Moore KL, Persaud TVN, Torchia MG.
Primeira semana do desenvolvimento. In: Moore- Embriologia básica. São Paulo: Elsevier, 2012:21-6).
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J 568 Seção 11 Obstetrícia

Sistema urogenital, inclusive


Músculos da cabeça, músculo estriado gônadas, duetos e glândulas
esquelético (tronco, membros), esqueleto, acessórias
exceto o c rânio, derme da pele, tecido conjuntivo
Tecido conjuntivo e músculos
das vísceras

Membranas serosas da pleura,


do pericárdio e peritônio

Coração primitivo

Crânio Sangue e células linfáticas

Tecido conjuntivo da cabeça Baço


Dentina Córtex da suprarrenal

Partes epiteliais de: ECTOOERMA SUPERFICIAL

Traqueia
Brônquios
t
Epiderme, pelos, unhas,
Pulmões
glândulas cutâneas e mamárias

Parte anterior da hipófise

Esmalte dos dentes

Orelha interna

Cristalino do olho

Epitélio do trato gastrointestinal,

ligado,
~---------- ENDODERMA ECTOOERMA
pâncreas, bexiga e

úraco NEUROECTOOERMA

MESOOERMA
Crista neural A Tubo neural

Partes epiteliais de:


t
Disco embrionário trilaminar
{
Nervos e gânglios
'\
Sistema nervoso
Faringe
Tireoide
t
Epiblasto
sensoriais e cranianos

Medula da suprarrenal
central

Retina
Cavidade timpânica
Tuba faringotimpânica
Tonsilas
t
Massa celular interna Células pigmentares Corpo pineal
Paratireoides
Cartilagens dos Parte posterior
arcos faríngeos da hipóftse

Mesênquima e tecido conjuntivo da cabeça

Cristas bulbar e conais do coração

Figura 67.8 Representação dos tecidos derivados dos três folhetos germinativos: ectoderma, endoderma e mesoderma. (Reproduzida de
Moere KL, Persaud TVN, Torchia MG. Primeira semana do desenvolvimento. In: Moere- Embriologia básica. São Paulo: Elsevier, 2012:21-6).
r
((

Capítulo 67 Período lmplantacional e Embriogênese 569

Borda cortada do âmnio

Processo notocordal Pedículo


do embrião

Plano das
secções
B, C e E Alantoide
Pedículo do embrião

Linha primitiva Saco vitelino


A B

Placa precordal Fosseta primitiva

Placa neural Canal neuroentérico (seta) Sulco neural Mesoderma


intraembrionário
Linha primitiva

Saco vitelino

Membrana Endoderma Placa notocordal


bucofaríngea do embrião
D intercalada no
Nível da endoderma do embrião
c secção O Sulco neural

Placa notocordal
dobrando-se

Membrana
cloaca I

Mesoderma Sulco neural Prega neural


intermediário

Mesoderma
paraxial
Nível da
secção G Mesoderma
Nível da
E secção F lateral

Figura 67.9A a G Desenvolvimento posterior da notocorda pela transformação do processo notocordal. (Reproduzida de Moere KL, Persaud
TVN, Torchia MG. Primeira semana do desenvolvimento. In: Moere- Embriologia básica. São Paulo: Elsevier, 2012:21-6).
/.

'
'/
J 570 Seção 11 Obstetrícia

Borda cortada do âmnio

Prega neural Crista neural


Prega neural - - - - -

Sulco neural --------~ Nível da


secção B

Somito

Nó primitivo - - - - -
Sulco neural 0 ----- Notocorda

Linha primitiva - - - - - -
A B

Ectoderma da superfície

Crista neural
Sulco neural

c o

Epiderme em desenvolvimento

Crista neural

Tubo neural
Gânglio espinhal em
desenvolvimento
E F

Figura 67.10A a F Secções transversais diagramáticas de embriões progressivamente mais velhos, ilustrando a formação do sulco neural, do
tubo neural e da crista neural até o fim da quarta semana. (Reproduzida de Moore KL, Persaud TVN, Torchia MG. Primeira semana do desen-
volvimento. In: Moore- Embriologia básica. São Paulo: Elsevier, 2012:21-6).

O desenvolvimento humano pode ser dividido em três fases: No início da quarta semana oco rre o dobramento nos pla-
nos mediano e horizontal, o qual converte o disco embrioná-
l. Crescimento: corresponde à divisão celular e à elaboração rio trila minar em um emb rião cilíndrico em formato de C. A
de produtos celulares. formação da cabeça, da eminência caudal e das pregas laterais
2. Morfogênese: presença de diversas interações complexas representa uma sequência contínua de eventos que resulta em
em sequência ordenada, tendo como consequência o desen- constrição entre o embrião e o saco vitelínico.
volvimento do tamanho e da forma de um órgão ou tecido. Com o dobramento cefálico ventral, parte da camada en-
3. Diferenciação: ocorre a maturação dos processos fLSioló- dodérmica é incorporada pela região cefálica do emb rião, for-
gicos, de modo que tecidos e órgãos se tornam capazes de mando o intestino anterior. O dobramento da região cefálica
executar funções especializadas. também leva a membrana bucofaringea e o coração a sedes-
r
((

Capítulo 67 Período lmplantacional e Embriogênese 571

locarem ventralmente, tornando o encéfalo em desenvolvi- Archer DF, Zeleznik AJ, Rockette HE. Ovarian follicular maturation in
women. 2. Reversal of estrogen inhibited ovarian folliculogenesis
mento a pane mais cefálica do embrião.
by human gonadotropin. Fertil Steril 1988; 50(4):555-61.
Com o dobramento ventral da eminência caudal, pane da Barrai CLR, Cooke ID. Sperm transpor! in lhe human female repro-
camada germinaliva endodérmica é incorporada pela extre- ductive tract: a dynamic interaction. lnt J Androl1991 ; 14:394.
midade caudal do embrião, formando o intestino posterior. Boldt J, Howe AM, Parkerson JB, Gunter LE, Kuehn E. Carbohydra-
A pane terminal do intestino poste rior se expande, formando te involvement in sperm-egg fusion in mice. Biol Reprod 1989;
40( 4):887 -96.
a cloaca. O dobramento da região caudal também resulta no Burrows TD, King A, loke YW. Expression of integrins by human tro-
deslocamento da membrana cloaca\, do alantoide e do pedí- phoblast and differential adhesion to laminin or fibronectin. Hum
culo do embrião para a superfície ventral do embrião. Reprod 1993; 8(3):475-84.
O intestino médio é formado pela incorporação de pane Carr DH. Chromosome studies in selected spontaneous abortions:
polyploidy in man. J Med Genet 1971; 8(2):164-74.
do endoderma ao embrião mediante um dobramento deste
Cowchock S. Autoantibodies and fetal wastage. Am J Reprod lmmu-
no plano horizontal. O saco vite\inico permanece unido ao nol 1991; 26:38.
intestino médio através de um pedículo vitelínico. Durante o Edwards RG, Bavister BD, Steptoe PC. Early stages of fertilization in
dobramento horizontal ocorre a formação dos primórdios das vitro of human oocytes matured in vitro. Nature 1969; 22 1:632-5.
paredes lateral e ventral do corpo. O revestimentO epitelial do Enders AC, Hendrickx AG, Schlafke S. lmplantation in the rhesus
monkey: initial penetration of endometrium. Am J Anal 1983;
cordão umbilical é formado a partir da expansão do âmnio, 167(3):275-98.
envolvendo então o pedículo do embrião, o alantoide e o pe- Handyside AH, Kontogianni EH, Hardy K, Winston RM. Pregnancies
d ículo vilelínico. from biopsied human preimplantation embryos sexed by Y-speci-
A formação dos primórdios de todos os principais sistemas fic DNA amplification. Nature 1990; 19: 344{6268):768-70.
de órgãos ocorre med iante a diferenciação das três camadas Johnson MH, Everitt BJ. Essential reproduction. 5. ed. London:
Blackwell Science Limited, 2000.
germinalivas nos vários tecidos e órgãos. Moore KL, Persaud TV, Torchia MG. Primeira semana do desenvol-
No final da oitava semana, o embrião apresenta caracterís- vimento. In: Moore KL. Embriologia básica. São Paulo: Elsevier,
ticas indubitavelmente humanas. O aspecto externo do em- 2012: 21-6.
brião é influenciado pela formação do encéfalo, do coração, Pedersen RA, Wu K, Balakier H. Origin of the inner cell mass in
mouse embryos: cell lineage analysis by microinjection. Dev Biol
do fígado, dos membros, das orelhas, do nariz e dos olhos. 1986; 117(2):581 -95.
Sadler TW. Primeira semana do desenvolvimento: da oocitação à
Leitura complementar implantação. In: Sadler TW. Embriologia médica. Rio de Janeiro:
Allen CA, Green DP. lhe mammalian acrosome reaction: gateway to Guanabara Koogan, 2005:21 -32.
sperm fusion with the oocyte? Bioessays 1997; 19(3):241-7. Wasserman PM. Fertilization in mammals. Sei Am 1988; 259:58.
CAPÍTULO

Fisiologia Placentária
Carolina Andrade Guedes dos Santos
Maria Laura Nogueira Campos

INTRODUÇÃO vi los primários, cobertos pelo sinciciotrofoblasto. A fusão das


A placenta é um órgão fundamental para a manUtenção da lacunas, delimitadas por colunas de citotrofoblasto, forma o
gravidez e para o crescimento e desenvolvimento do feto. Esse espaço interviloso. Assim, in icia-se o perfodo viloso.
órgão, além de exercer importante função endócrina, promove O vilo secundário é caracterizado pela invasão de tecido
a interação materno-fetal que possibtlita o transporte de nu- conjuntivo - tecido mesenquimal derivado do mesodenna
trientes, o aporte de oxigenio e a excreção de metabólitos fetais. - no eixo das vilosidades. A partir da tercetra semana, com
a ocorrência da angiogtnese, formam-se os vtlos terctãrios -
EMBRIOLOGIA caraCLerizados pela presença de capilares fetats no mterior do
O desenvolvtmento placentáno e fetal se inicia com a fe- ,·ilo (Figura 68.2).
cundação nas tubas utennas, que fonna o ztgoto. Este, após
passar pelos processos de chvagem e dtvtsão dos blastõmeros,
dará origem ã mórula, que aungtrá a ca,~dade uterina cerca
de 3 dtas após a fecundação. A mórula passa a ser denomina-
da blastocisto com o acúmulo de llqULdo entre suas células,
formando urna cavtdade (Figura 68.1).
Em torno do sexto dia o blastocisto se tmplama no en-
dométrio que, nesse momento, se encontra no pico de seu
desenvolvimento innuenciado pela progesterona produzida r - - Zona pelúclda
pelo corpo lúteo. Ocorre, então, a diferenciação do trofoblasto
em sinciciotrofoblasto e citotrofoblasto. O sinciciotrofoblas-
LO, constituído de um citoplasma sem limites celulares com
Estágio de
núcleos poli morfos, é um epitélio especializado com funções quatro células
como transporte de gases e nutrientes e sfntese hormonal. O
citotrofoblasto, por sua vez, é formado por células germi nati- Estéglo de
vas que darão o rigem às vilosidades coriõnicas, fundamentais oito células
no estabeleci mento da circulação uteroplacenlária.
A partir do oitavo dia, com o blastocisto totalmente inserido Massa
na dec!dua- nome dado ao endométrio grav1dico - .surgem pe- celular interna
quenos espaços no sinciciotrofoblasto, que se fundem e formam Mórula (estágio
lacunas. Com a invasão dos captlares da decfdua, essas lacunas de 16 células)

serão preenchidas por sangue matemo. São estabelecidas, então,


as primeiras relações uteroplacentánas, detennmando o período Trofoblasto
BlaSIOCISIO
lacunar pré-\~loso e miciando a nutrição hemotró6ca.
A proliferação do Cttotrofoblasto extraviloso, com o apro- Figura 68.1 O ivagem do zigoto e formação do blastocosto. (Repro-
fundamento da mvasão do blastoctsto, leva à formação dos duzida de Williarns Obstetrfcoa. 20 12.)

572
r
((

Capitulo 68 Fisiologia Placentária 573

capilares vasos alantoidtanos e os capilares vilosos. Nos vtlos tel'Ciános


Mesoderma
Sinciciotrofoblasto do vilo ocorre o contato do sangue matemo com o fetal, intermediado

•••
.......
• • ••
central
••~ · pela barreira placentána composta por urna camada continua de
sincíciotrofoblasto, urna de citotrofoblasto - que se toma des-

•• • contlnua a partir do segundo trimeStre - , lãmina basal, tecido

'. ••
••·~
conjuntivo - derivado do mesoderrna - e endotélio capilar fetal.

A Citotroloblasto B c Invasão trofobláslíca do endométrio


Figura 68.2 Desenvolvimento das vilosidades: (A) vilo primário; No primeiro trimestre da gestação, as células trofoblásticas
(B) v110 secundário; (C) vilo terciário. (Reproduzida de Zugaib têm alto potencml de invasão em virtude de sua capacidade
Obstetrfc1a, 2012.) de ativar proteinases presentes no endométrio e de segregar
enzimas proteollttcas que digerem a matriz extracelular. São
A camada externa das vilosidades será, então, formada pelo formadas colunas celulares que se estendem desde o endo-
smctctotrofoblaSto, enquanto a camada mtema será formada métrio até o m10métno em seu terço interno, o que se faz
pelo cttotrofoblasto (células de langhans). As vilosidades se necessário para a formação da placenta hemocorial.
ancoram na dec!dua através das vtlosidades de ancoragem, Na pnmeira onda de invasão, que ocorre antes da 12• se-
estruturas não invadidas pelo mesénquima fetal. mana, há invasão e modificação das arteriolas espiraladas da
As vilosidades, inicialmente, se localizam no entorno de decldua até o limite com o m iométrio. Na segunda onda, en-
toda a supe rffcie do blastocisLO. No decorrer da gestação, li - tre 12 e 16 semanas, há destruição da porção intramiometrial
mitam-se à porção mais profunda da placenta, constituindo o das artérias espiraladas, convertendo-as em vasos dilatados e
cório frondoso, principal componente da placenta. As vilosida- de baixa resistência. Há estudos que relacionam a inexistencia
des voltadas para a cavidade endometrial regridem, formando dessa onda com o desenvolvimento da pré-eclãmpsia.
o cónon hso. À medida que a gestação progride, o córion se
toma contlguo à deddua parietal materna, oblíterando o lú- CIRCULAÇÃO MATERNO-FETAL
men utenno (Ftgura 68.3). No decorrer da maturação placentária, as vtlostdades vão
Dos vtlos terciários primitivos, suuados na placa coriõnica
se ramtficando e se tornando mais numerosas. Os vasos fe-
(pane fetal da placenta), se originam os troncos vilosos de pri- tais se tomam mats proeminentes na superflcie das vtlosida-
meira ordem, que irão se dicotomizar e dar ongem aos de se-
des e hâ redução do estroma, da camada do citotrofoblasto
gunda e terceira ordens (terminais) sucesstvamente. Forma-se,
e da espessura do sinciciotrofoblasto que revestem as vilo-
então, o cotilédone fetal, conj unto de todos os troncos vilosos
sidades. Desse modo, assegura-se uma estreita aproximação
compostos por artéria e veia centrais, estroma e capi lares.
entre o le ito capilar fetal e o sangue materno, facili tando as
A conexão do leito intraembrionário com o leito placentário
trocas materno-fetais.
será estabelecida entre o 32Ge o 3SG dia, com a fusão entre os
Ao final do desenvolvimento placentário, podem ser encon-
tradas a face fetal da placenta, onde se situam os vasos fetais
Decídua basal coriônicos recobertos por ãmnio, e a face materna, que se apre-
Decldua parietal Cório frondoso senta dtvidtda em cotilédones delimitados por sulcos produ-
zidos por septos de tectdo fibroso. Os septos placentános não
alcançam a placa conOmca, mantendo, portanto, a comumca-
ção entre os cottlédones. Quando realizado o cone transversal
da placenta, observam-se o âmnio, o córion, as vilosidade co-
riônicas, os espaços intervilosos, a lãmina basal (decldua) e o
Cavidade
cori6nica -r-.....:....:....!f.. miométrio (Figura 68.4).
Cavidade O sangue fetal pouco oxigenado e rico em excretas chega
uterina - I- - -
à placenta através das duas anérias umbilicais que, após atra-
vessarem o âmnio, se ramificam e se dividem repetidamente
até as divisões terminais, formando uma ampla rede de ca-
pilares nas vilosidades coriõnicas. Após as trocas gasosas, o
Decldua capsular
sangue rico em oxtgenio segue por vasos cada vez mats cah-
brosos e passa pela placa coriõnica para chegar ao feto atra,·és
de uma veta umbthcal úmca.
A irrigação do útero é realizada pelas anérias utennas (ra-
Córionüso
mos das il!acas internas) e artérias ovarianas. A anéria utenna,
na altura do IStmo, dá origem aos ramos descendente - que
Figura 68.3 Decídua e córion. (Reproduzida de Zugaib Obstetrfcia, irriga a porção superior da vagina e a porção inferior do colo
2012.) uterino - e ascendente- que emite um ramo para irrigar a por-
/.

'
'/
J 574 Seção 11 Obstetrícia

Circulação
fetal
Veia umbilical f Decídua
(sangue oxigenado) 4»..J- .., ' Artérias umbilicais
parietal
"'="' (sangue desoxigenado) Cório
Tronco .___y.. _______,l

Artéria endometrial

Vilos de ancoragem
Figura 68.4 Circulação materno-fetal: ( 1) circulação nos troncos vilosos- sangue fetal, (2) circulação do sangue materno no espaço interviloso
e (3) trajeto do fluxo de sangue materno.

ção superior do colo uterino e outros que irão margear o útero aneríolas espiraladas, que atingem a superfície do endométrio,
e penetrar no miométrio, dando origem às artérias arqueadas. irrigando a decídua (Figura 68.5).
Destas, por sua vez, se originam anérias radiais, que penetram O sangue materno oxigenado e rico em nutrientes deixa a
no útero em ângulo reto. Dois tipos de aneríolas, que são rami- circulação materna através das ané rias espiraladas, impulsiona-
ficações diretas das anérias radiais, penetram diretamente no do pela pressão arterial, desemboca nos espaços intervilosos e
endométrio: as aneríolas basais, que irrigam o terço basal, e as se dirige à placa coriõnica, banhando a superfície externa das

Ramo do ligamento redondo

Artérias vaginais

Figura 68.5 Suprimento arterial uterino.


r
((

Capitulo 68 Fisiologia Placentária 575

vdostdades. Asstm é garantida a li'OCll de produtos metabólicos quantidade de lactato produzida como produto restdual do
e gasosos com o sangue fetal. A drenagem ocorre pelos orifícios metabolismo é remo,~da por meio de transportadores L-lac-
venosos da placa basal, promovendo o retomo à circulação ma- tato presentes nas mtcrovilosidades e na membrana basal.
tema pelas veias uterinas. Como a placenta não é um órgão ínervado, a comumcação
entre placenta, feto e mãe é feita por meio de agentes humo-
TRANSPORTE PLACENTÁRIO rais. As moléculas agem por regulação parácrina e autócrina.
Uma eficiente transfe rência de nutrientes através da pla- O principal local de prod ução hormonal na place11ta é
centa é fundamental para o crescimento e o desenvolvimen- o trofoblasto do vilo corial. Os hormônios produzidos pela
placenta, que serão liberados nas circulações materna e fe-
to do feto. Entre os mecan ismos envolvidos nesse transporte
(Quadro 68.1), os principais são: tal, podem ser peptldicos - como a gonadotrofma conOnica
humana (HCG), o lactog~nio placentário (HPL). o hormônio
• Difusão simples: a transferência ocorre pela dtferença de liberador de corticotrofina (CRH), os fatores de cresctmento
concentração entre dois solutos separados por uma mem- tipo insultna (IGF), as citocinas, o hormônio de cresctmento
brana permeável, sem consumo de energta. Com a evolu- (GH), o fator de cresctmemo do endotélío vascular (VEGF) e
ção da gestação a espessura da barreira placentána diminui o fator de crescimento placentário (PIGF) - ou esteroides -
e a superfrcie de trocas aumenta, [acihtando o processo. As como estrogênto, progesterona e glicocorlicoides.
principais substâncias transportadas por esse mecanismo A secreção de HCG pelo trofoblasto no inicio da gestação é
são os gases respiratórios (oxigênio e dióxido de carbono). responsável por manter a atividade endócrina do corpo lúteo.
• Difusão facilitada: transporte ativo que oco rre por meio A HCG pode ser detectada no sangue materno por volta do
de prote ínas transpo rtado ras - que se ligam a substâncias oitavo dia após a concepção e atinge o pico na oitava semana
e transpõem a barreira placentária. O principal exemplo é de gestação. A partir da 13" semana, os nlveis de HCG caem
a glicose, transportada pelo GLUT-1. significativamente e atingem um platô, urna ,·ez que a proges-
• Canais iônicos: canais presentes na membrana fosfolipldi- terona passa a ser produzida pela própria placenta.
ca que possibilitam a difusão de moléculas com carga e ta- O HPL tem a função de aumentar a oferta de ghcose para
manho específicos (p. ex., sódio. potássio, magnésio, cloro, o feto medtante a dtmmUtção das reservas maternas de ácidos
btcarbonato e fosfato). graxos com a alteração da secreção de insulina materna.
• Pinocitose: projeções do sínctctotrofoblasto englobam O etxo IGF contém stnahzações complexas e é fundamental
porções de plasma, transportando macromoléculas através na regulação do crescimento fetal. O IGF-2 atua por ligação ao
de inclusões citoplasmáticas. Albumma e imunoglobulina receptor de IGF-1 , onginando urna cascata de sinaltzação que in-
são as principais substâncias. duz a proliferação celular, a sobrevivência e o crescimento fetal.
O CRH, sintetizado pelo sinciciotrofoblasto, tem sua ex-
FUNÇOES ENDÓCRINAS E METABÓLICAS pressão estimulada por glicocorticoide se in ibida pela pro-
As funções metabólicas e endócrinas da placenta são fun- gesterona e pelo estrogênio. Seus níveis séricos aumentam
damentais para a manutenção de urna gestação. Entre as me- no decorrer da gestação. Está ligado à protelna de ligação de
tabólicas pode ser destacada a slntese de ghcogênio e coles- CRH (CRHBP), segregada pelo fígado, que impede seu efeito
terol, que constituem as fomes de energia fetal. A produção na hípófise materna. Se os nlveis de CRHBP sofrem redução
constderável de glicogênio pela placenta- medtante a absor- ames do termo, o CRH fica livre e pode desencadear o traba-
ção de ghcose da circulação materna- proporctona importan- lho de pano- aumento ráptdo de CRH pode ser vtsto em mu-
te reserva energética para o desenvolvtmento fetal. O coleste- lheres com trabalho de pano prematuro idiopáttco. Quando
rol, além de fome de energia, é fundamental para a produção atinge a circulação fetal, o CRH pode aumentar a produção de
placentária de progesterona e estrogênios. A placenta é tam- conisol, a maturação pulmonar e a produção de surfactante.
bém capaz de regular o metabolismo proteico de acordo com O VEGF, sintetizado no trofoblasto e nos macrófagos das
as demandas de crescimento ao longo da gestação. A grande vilosidades, est:\ envolvido na angiogênese do inicio da ges-
tação, agindo mediante a ligação a dois receptores (VEGF-RI
e VEGF-R2) presentes no endotélio vascular viloso, e sua se-
Quadro 68.1 Transporte placentário c reção é inibida pela proteína de ligação sFLT-1. O PIGF atua
Transporte Mecanismo SubstAnclas na angiogenese no último trimestre da gestação e tem sua ex-
D•fusao Simples Diferença de o, eco, pressão intbida pela hipoxia.
conce<ltraçao Os hormõntos esterotdes, derivados do colesterol, são mo-
plasmática léculas lipólilas que atra,·essam facilmente a membrana ce-
D•fusao laca.tada Proteínas Ghcose lular e têm a capacidade de alterar geneticamente a célula,
transponadoras promovendo alteração nos eventos bioqulmícos.
Cana•s •On•oos Canais especificas Na. K.ca.
Mg, Cl, A progesterona é produzida, inicialmente, pelo corpo lú-
HCO,. HPO, teo; no entanto, a partir de 35 a 47 dias após a ovulação, a
P1nocitose JnclusOes Albumina. lgG produção placentária passa a ser suficiente para manutenção
citoplasmáticas
da gravidez. Esse hormônio tem propriedades anti-innamató-
/.

'
'/
J 576 Seção 11 Obstetrícia

rias e imunossupressoras essenciais para a proteção do con- complexo principal de h iswcompatibilidade (MHC) surgem
cepto contra a rejeição imunológica pela mãe , além de mante r muito cedo na vida embrionária. Os citotrofoblasws extravi-
o útero sem contrações. losos expressam o HLA de classe I, o qual vem sendo muito
Os estrogênios são segregados pelo corpo lúteo, córtex da estudado, tornando-se responsável pela expressão de molé-
suprarrenal e pela placenta. A placenta não é capaz de pro- culas como HLA-C, HLA-E e HLA-G.
duzir sozinha o estrogênio, uma vez que não pode hid roxi- Entre as células responsáveis pela imunovigilância deci-
lar este roides C21 na posição 17. A desidroepiandrosterona dual se destacam as natural killer uterinas (uNK), linfócitos
(DHEA) - substratO para estrona e estradiol - segregada em que predominam no endométrio e são produzidos na medula
grande quantidade pelas glândulas suprarrenais fetais é con- óssea. A produção de interleucina 15 pelas células do estroma,
vertida a estrogênios na placenta. A h idrólise pela sulfatase a prolactina decidual e a progesterona promovem aumento
placentária produz DHEA e 16-hidroxi-DHEA que, por ação da infiltração das uNK. Se houver implantação, essas células
da 3-HSD e da aromataSe, produzem estrogênio. A produção irão persistir em grande número dentro da decídua durante
placentária de estrogênios é maior nas gestações em que o o início da gestação, permanecendo próximas ao trofoblasto
feto é do sexo feminino. A aromatase é oxigênio-sensível, o extraviloso e atuando na regulação da invasão trofoblástica,
que pode explicar a baixa concentração de estrogênios em além de expressarem fatores angiogênicos que teriam papel
mulheres com insuficiência placentária. importante no remodelamento vascular decidual. O número
Os glicocorticoides são fundamentais no desenvolvimento dessas células decresce com o decorrer da gravidez.
dos órgãos fetais e sua maturação. As enzimas desidrogenases O HLA-G, antígeno com distribuição tecidual restrita, é ex-
llf3-hidroxiesteroides catalisam a redução (1113-HSDl) ou presso nos citotrofoblastos extravilosos, no córion liso e nas
oxidação (ll f3-HSD2) de glicocorticoides. Localizada ao lon- células uNK. Acredita-se que seja imunologicamente permis-
go da camada de trofoblasto, a expressão da llf3-HSD2 au- sivo para a incompatibilidade antigênica materno-fetal, haven-
menta com a idade gestacional , metabolizando o cortisol em do estudos que mostraram a expressão anormal de HLA-G em
cortisona inativa e protegendo o feto da exposição excessiva mulheres com pré-eclãmpsia.
ao conisol materno. O aumentO na proporção de llf3-HSD2
e llf3-HSD1 nas membranas placentárias próximo ao termo l eitura complementar
pode levar à maturação do eixo fetal hipotalãmico-pituitário- Charnock-Jones OS, Burton GJ. Placental vascular morphogenesis.
-suprarrenal. Baitlieres Best Pract Res Clin Obstei Gynaecol 2000; 14:953.
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demais tecidos, o que pode ser atribuído a peculiaridades Sibley CP, Boyd ROH. Mechanisms of transfer across the human pla-
imunológicas nos componentes envolvidos na implantação e centa. In: Fox PA (ed.) Fetal and neonatal physiology. Philadel-
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to , sabe-se que os antígenos leucocitários humanos (HLA) do gaib obstetrícia. São Paulo: Maneie, 2012:78-95.
CAPÍTULO

Placenta, Membranas e Cordão Umbilical


Fernanda Magalhães Menicucci
]aqueline Dezordi da Silva Antonelli

PLACENTA ponlâneo, pano prematuro), procedimentos invasivos com


O lenno placenta tem origem no grego plahuos, que significa suspeita de dano placentário, descolamemo prematuro de
bolo achatado. Seu desem·olvimemo tem mlcio entre a sexta e placenta e llqu1do meconial espesso.
a séllma semarta pós-concepção, quando o blastocisto come- • Indicações fetais: admissão em UTI neonatal, naumono
ça a mvasão do míomélrio. A placenta é a pnnc1pal fome de ou óbllo pennatal, condição clínica desfavorá,·el , hldro-
oxigtmo, nutnemes, elettólitos e vitammas necessános para o pisia fetal , peso ao nascer abaixo do percenul I O, com·ul-
crescimento e o desenvolvimento dos órgãos fetaiS e promo,-e sões, infecção ou sepse, malformações congtnitas ma1ores,
a conexão entre a mãe e o reto, sendo um órgão conslitufdo fenótipo smdrOmico ou cariótipo alterado, d1scordância
de uma parte materna, a decídua basal, e outra fetal, o córion >20% no peso de gemeos.
fro ndoso, o que se reveste de fundamental imponãncia, pois as • Indicações placentárias: anormalidade macroscópica (in-
alterações placentárias causadas pelas doenças materrtaS aco- farto, massas, trombose vascular, hematoma retroplacentá-
metem a superffcie materna próximo à placa basal, e as causa- rio, âmnio nodoso, membrana opacificada o u de coloração
das pelas patologias fetais se alojam junto à placa corial. anonnal), placentas muito pequertaS ou grandes para a ida-
Embora seja o órgão mais disponfvel para observação direta de gestacional, lesões no cordão umbilical (trombose, tor-
na prática médica, a placenta é muitaS ,-ezes esquecida na avalia- ção, artéria umbilical única, auséncia da geleia de Whanon),
ção de rouna de uma gestação normal, recebendo atenção ape- cordão umb1hcal com menos de 32cm no tenno e óbito fetal
nas quando é detectada alguma anomalia. Como órgão fetal, seu ou perinatal.
exame oferece unportante subsídio para o estabelecunemo da
causa m011is, bem como para o diagnóstico de doenças maternas Anatomia
e/ou fetais. A observação macroscópica da placenta na sala de O entendimento completo da anatomia da placenta nor-
pano deve ser feita em todos os casos, enquanto a microscópica,
mal e suas variações, ass1m como das condições anonnats que
em geral, é reservada para casos especiais, quando o exame ana-
possam ocorrer, é muito importante para a interpretação das
tomopatológico pode, de alguma maneira, contribuir para escla-
patologias materno-fetais.
recer a causa do óbito ou da doença materna e/ou fetal associada.
A placema na gestação a termo tem, em ge ral, formato clis-
As principais indicações para o exame anatomopatológico
coide ou ovoide com variações que não representam necessa-
da placenta podem ser adaptadas conforme a necessidade e a
riamente alterações patológicas. A superfrcie fetal é recoberta
demanda de cada instituição:
pelo ãmnio, assumindo caracteristica lisa, brilhante e trans-
• Indicações maternas: doenças sisttmicas (dJabetes mellitus, parente (Figura 69.1). A superficie materna se caracteriza por
doenças rupenensÍ\-as, colagenoses), pano prematuro :04 massa placentána dt,·idlda, parcial ou totalmente, por septos
semanas, febre peripano e/ou mfecção, sangramemo de formados a pantr da placa basal, os cotilédones (Figura 69.2).
terce1ro trimeStre inexplicado ou excess1vo, sorolog1a posi- A coloração da placenta é ,-ermelho-escura, brilhante, poden-
uva para infecção (p. ex., HI\f, TORCHS - toxoplasmose, do conter focos de calcificação finos e irregulares, em quan-
citomegalovlrus, herpes e sffilis), ohgoidrámnio acentuado, tidade variável, até a formação de placas de fibrina subconO-
complicações gestacionais recorrentes ou inexplicadas (cres- nica. Sua espessura aumenta com o decorrer da gestação, em
cimento intrauterino restritO [CIURI, natimorto, abono es- geral medindo no máximo 4cm na 36' semana.

577
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J 578 Seção 11 Obstetrícia

• Grau 1: calcificações esparsas no parênquima placentário e


na camada basal.
• Grau 11: áreas septais direcionadas no sentido da placa basal
para a co rial parcialmente calcificadas e placa basal calcifi-
cada.
• Grau 111: calcificações em todo o compartimento lobar,
configu rando imagem calcificada anelar do cotilédone.

Não existem evidências científicas de que as calcificações


da placenta tenham algum significado clínico ou patológico.
Contudo, é importante a associação entre a calcificação pla-
centária precoce e a possibilidade de o feto desenvolver CIUR
nos casos de placenta grau I! antes de 32 semanas e grau lll
ames de 35 semanas. Elsayes e cols. observaram associação
entre a calcificação placentária precoce e h ipertensão, tabagis-
mo e pacientes jovens, enquanto a isoimunização e o diabetes
sem vasculopatia são condições associadas ao atraso no surgi-
mento das calcificações place ntárias.
Figura 69.1 Superfície fetal.
Alterações da placenta
Alterações de peso e volume
As alterações de peso e volume placentários costumam acom-
panhar as de peso fetal. PlacentaS pequenas e finas podem ser
encontradas nos casos de polidrãmio, hipertensão arterial mater-
na, infecções intrauterinas, CIUR intrauterino ou anomalias cro-
mossômicas e óbito fetal. Placentas maiores, espessadas, e muitas
vezes edemaciadas, podem ser encontradas nos casos de hidro-
pisia fetal, d iabetes, isoimunização Rh, infecções intrauterinas,
anemia materna, malformações fetais e tumores placentários.

Anomalias de posição
Normalmente, a place nta está localizada na porção ante-
rior ou posterior da parede uterina, estendendo-se para as
paredes laterais. Algumas vezes, porém, a placenta se implan-
ta anormalmente no segmento inferio r do útero, cobrindo o
orifício cervical inte rno ou ficando próxima deste. Quanto
mais próxima do o rifício cervical inte rno estiver a borda pla-
centária, maior o risco de hemorragia anteparto e pós-parto.
Figura 69.2 Superfície materna.
Quando a borda infe rior da placenta está a 2cm ou menos
do orificio ce rvical interno, denomina-se placenta de inse rção
Espessura e calcificação placentária baixa, que pode ou não se r prévia.
Quanto à calcificação placentária, trata-se de um processo
fisiológico que se ace ntua com o decorrer da gestação. Até a Classificação
24• semana as calcificações são microscópicas e a partir da 33• • Placen ta d e inserção baixa: quando a borda placentária
semana placas macroscópicas surgem com mais frequência. O dista menos de 2 em do o rifício interno do colo.
cálcio é primariamente depositado na placa basal e no septO, • Placen ta prévia marginal: quando a borda placentária
mas é visto também nos espaços intervilosos e subcoriõnicos. atinge o orifício interno do colo, mas não o recob re.
Mais de 50% das place ntas mostram algum grau de calcifica- • Placen ta prévia parcial: quando a borda placentária atin-
ção após a 33• semana. Nas placentas pós-maduras não pare- ge o o rifício interno do colo e o recobre parcialmente.
ce have r incremento nas calcificações. • Placen ta prévia tota l: quando a borda placentária recobre
O grau de maturidade placentária pode se r classificado totalmente o orifício interno do colo.
conforme os critérios ap resentados a seguir com base na clas- • Placen ta prévia cen tro-total: quando a região central da
sificação de Grannum (1979): placenta está implantada sob re o o rifício interno do colo.

• Grau 0: placenta homogê nea com placa coriallisa e ausên- Há grande contrové rsia na literatura com relação aos con-
cia de sinais de calcificação. ceitos de placenta de inse rção baixa, placenta prévia parcial e
r
((

Capítulo 69 Placenta, Membranas e Corctão Umbilical 579

placenta previa margmal. A matoria das diretrizes recomen- O rompimento desses vasos no trabalho de parto e/ou no
da a realização de cesariana quando, no terceiro trimestre, a pano, após amniorrexe ou por lesão direta, causa hemorragia
borda placentána está a menos de 2cm do orifício interno fetal gra,·e. Portanto, o dtagnóstico de vasa prévta tmplica a
do colo. Asstm, quando a placenta está inserida no segmento realização de pano por 'ia alta.
uterino mfenor, pode ser mats úttl cuar a dtstãncia e a relação O melhor método dtagnósuco é o ultrassom tran5\•aginal
entre a placenta e o orifrcto mterno do colo sem o uso de um com Doppler, realtzado no segundo e tercetro trimestres de
conceuo predetermtnado. gestação com espeCL[ictdade de 91%. Asstm como acontece
com a placenta pré,·ta, pactentes com \'a5a prévia diagnosuca-
Anomalias de implantação da no segundo trimestre de,·em ser reavaltadas mats tarde na
Placenta aereta gestação, pois os vasos que cruzam o orifício mterno do colo
podem mudar de postção com o cresctmento do útero.
Durante o processo de desenvolvimento da placenta e sua
implantação, um defeito na decldua basal normal decorrente
de cirurgta ou instrumentação prévia fa,·orece a adesão ou Variações no formato da placenta
penetração anormal das vilosidades coriOnicas na parede ute- Embora geralmente disc01de, a placenta pode apresentar
rina. A invasão do tecido placentário no miométrio varia da variações em sua morfologia, e as variantes incluem placenta
seguinte maneira: a invasão superficial da camada basal do membranácea, sucenturiada, circunvalada e bilobada.
miométrio é denom inada placenta acreta (aproximadamente
75% dos casos); a invasão profunda do miométrio, sem aco- Placenta membranácea
melimento da serosa, é denomi nada placenta increta; e a in- Rara anormalidade em que todas ou a maioria das me m-
vasão mais profunda, envolvendo a se rosa ou órgãos pélvicos branas fetais não se d iferenciaram em córion liso e córion
adjacentes, é denominada placenta percreta. O acretismo pla- frondoso, fazendo a placenta permanecer como uma fi na es-
centário pode resultar em hemorragia intraparto catastrófica trutura que envolve toda a cavidade uterina. Essa condição
no momento da dequitação placentária, necessitando, muitas está associada a sangramento anteparto recorrente, abonos
vezes, de histerectomia de emergencia. tardios, pano prematuro, óbito fetal , CIUR, hemorragia pós-
A prevalência da placenta acreta aumentou mais de dez ve- -pano e retenção placentária (Figura 69.3).
zes nos úlumos 30 anos para aproximadamente um em cada
2.500 panos. Esse aumento parece estar relacionado com o Placenta bilobada
aumento da taxa de ctrurgta uterina (curetagem ou cesaria- A placenta btlobada se caractenza pela presença de duas
na), o que resulta em um defeuo decidual que possibilita o massas placentárias de tamanhos semelhantes com a mserção
cresctmento mterno anormal da placenta. A combinação de do cordão entre os lobos ou em um dos lobos, os quais são
placenta prévia e Instrumentação prévta tem sido identificada ligados entre si por vasos não protegtdos por massa placentá-
como uma combmação smérgtca stgmficauva para a ocorrên- ria (Figura 69.4).
cia da placenta acreta, com taxas variando de 50% a 67%
em pacientes com a combmação de mais de duas cesarianas Placenta sucenturiada ou lobo acessório
anteriores e uma placenta prévta. Caracterizada pela presença de duas ou mats massas pla-
Em virtude da stgmficauva morbtmort.alidade associada, centárias com um ou mats lobos menores, unidos ao lobo
o diagnósllco antes do parto é importante para possibili- maior por vasos não protegidos por massa placentária (Figura
tar que o obstetra se prepare adequadamente para a possí- 69.5), essa variante pode ser observada em 5% das gestações.
vel resolução de complicações. O ultrassom com Doppler A principal complicação da placenta sucenturiada é a reten-
se revelou e[icaz para detecção de placenta acreta quando ção do lobo acessório no momento da dequitação, podendo
aplicado a uma popu lação de alto risco, como em pacientes causar hemorragia pós-parto.
com cintrgia uterina prévia ou placenta prévia, e por isso O mais importante tanto na placenta bilobada como na su-
é recomendado como método de escol ha para a avaliação centuriada consiste em recon hecer quando os vasos comuni-
dessas pacientes. O uso da ressonância magnética (RM) no cantes fetais se posicionam sobre o orifício do colo do úte ro,
diagnóstico do acretismo é relativamente incipiente. A com- resultando em uma vasa prévia.
plementação é recomendada nos casos em que os achados
ultrassonográficos são ambíguos ou quando a placenta tem Placenta circunvalada
localização posterior. A placenta circunvalada acontece quando a placa coriOnica
é menor do que a basal, ou seja, a membrana do córion liso
Vasa prévia não se insere na borda da placenta, e sim um pouco mais
Vasa previa se refere à presença de vasos fetais calibrosos internamente, o que resulta no dobramento das bordas da
que cruzam o orifrcto cervtcal uterino, mseridos no interior placenta para dentro (Figura 69.6). Ocorre em 1% a 2% das
das membranas ammóticas e desprotegidos de gdeia de War- gestações e sua aparêncta pode, por vezes, ser mterpretada
thon, podendo ser onundos de mserção vdamentosa do cor- como uma sinéqUta utenna. Quando parctal, esse achado não
dão, de placenta btlobada ou sucentunada. tem rele\'ância cl!mca.
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J 580 Seção 11 Obstetrícia

Figura 69.3 Placenta Figura 69.4 Placenta Figura 69.5 Placenta Figura 69.6 Placenta
membranácea. bilobada. sucenturiada. circunvalada.

Quando a placenta é circunvalada completa, ocorre a for- \oração esbranquiçada, amarelada ou esverdeada, ou mesmo
mação de um anel circunferencial que restringe a superfície aspecto purulento, por vezes com odor fétido.
do córion frondoso. Nesses casos parece haver maior risco ~

de pano prematuro, oligoidrâmnio, situação fetal não tran- Amnio nodoso


quilizadora na cardiowcografia, descolamento prematuro da O âmnio nodoso consiste em nódulos ou placas de nú-
placenta e morte fetal intraútero. mero e tamanho variáveis, dispostos na supe rfície do ãmnio
placentário, que podem também ser vistOs no ãmnio das
Impregnação meconial membranas e do cordão. Ocorre nos casos de oligoidrãmnio
As membranas e o ãmnio adquirem coloração esverdeada como resultado do atritO de panes fetais com a superfície do
ou verde-amarelada em consequência da deposição de mecô- âmnio com esfoliação do epitélio amniótico e deposição de
nio intrauterino em situações de h ipoxia fetal crônica (Figura elementos da epiderme fetal e do verniz caseoso que aderem
69.7). Quanto mais longo o tempo de exposição ao mecônio, firmemente ao âmnio. É importante não confundir o ãmnio
mais intensa se rá a impregnação e mais amarelada será a co- nodoso com o depósito subcoriônico de fibrina.
loração como resultado da degradação do pigmento meconial
por fagócitOS do córion. Depósito subcoriônico de fibrina
O depósito subcoriônico de fibrina pode ser demonstrado
Corioamnionile aguda através de uma área anecogênica ou hipoecogênica em apro-
A superfície fetal da placenta e das membranas perde a ximadamente 10% a 15% das ecografias, que corresponde à
transparência e se espessa em grau variável, adquirindo co- deposição subcoriônica de fibrina na placenta madura. Não
tem significado clínico e aparece como uma coleção laminar
entre a placa corial e o vilo placentário, resultado da estase
sanguínea no espaço interviloso abaixo do córion. O princi-
pal diagnóstico d iferencial dessa alteração é o corioangioma.

Brida ou banda amniótica


As membranas fetais (córion e âmnio, respectivamente) são
separadas no início da gestação e após a 16' semana de gestação
essas membranas se fundem e já não são diferenciáveis. Em ca-
sos raros pode ocorrer a ruptura corioamniótica tardiamente na
gestação. A ruptura é mais comumente relacionada com inter-
venção prévia, como amniocentese ou cirurgias intrauterinas.
Nos casos em que a ruptura ocorre espontaneamente, pode ha-
ver uma cromossomopatia fetal subjacente. Essa ruptura pode
ser focal ou extensa, e a membrana amniótica pode flutuar livre
no líquido amniótico ou aderir ao fetO. Casos extensos repre-
sentam um risco para o feto, aumentando as taxas de pano pre-
maturo e o desenvolvimento de faixas amnióticas. Essas bandas
amnióticas livres no líquido amniótico podem comprometer
panes fetais e assumir um amplo espectro de lesões, como am-
putação de extremidades, gastrosquise e fenda labiopalatina,
Figura 69.7 Impregnação meconial. entre outras.
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Capítulo 69 Placenta, Membranas e Cordão Umbilical 581

Trombose intervilosa Mola hidatiforme


A trombose intervilosa se caracte riza po r áreas de hemo r- A gravidez molar ocorre em l a cada 1.000 a 2.000 gesta-
ragia intraplacemária com aparência grosseira e de aspectO ções e é subd ividida em completa ou parcial com característi-
variável conforme o tempo da lesão. Não apresenta significa- cas h istO lógicas e genéticas distintas.
do clínico e tem sido observada em aproximadamente 50% A mola hidatiforme completa é caracterizada por placenta
das placentas de gestações a termo não complicadas. de espessura aumentada, hidrópica e ausência de embrião.
A maioria das molas completas apresenta cariótipo diploide
Depósito perivilositário de fibrina (46XX), sendo provavelmente resultado da fertilização de um
Resulta do acúmulo de sangue no espaço imerviloso. A ovo vazio por um esperrnawzoide com duplicação dos cro-
maioria das placentas a termo apresenta algum grau de depósi- mossomos X. Na mola hidatiforme parcial, áreas de dege-
tO perivilositário de fibrina, o que não tem significado clínico. neração molar se alternam com áreas no rmais. O fetO está
presente e é sempre triploide. A placenta está aumentada
Infartos de volume com lesões císticas difusas anecoicas intrapla-
O infarto placentário é resultado de urna interrupção do centárias. Cabe lembrar que a mola h idatiforme aumenta o
suprimento vascular, levando à necrose do vilo. Os infartos risco de a gestação cursar com hemorragia, h ipe rêmese, p ré-
ocorrem muito comumente na base da placenta e variam de -eclãmpsia, cistos tecaluteínicos, polidrâmnio e restrição de
poucos milímetros a alguns centímetros. Embora sejam ob- crescimento fetal.
servados em 25% das gestações normais, a maioria oco rre
em gestações que cursam com idade mate rna avançada, dia- Mola invasora e coriocarcinoma
betes materno, lúpus, pré-eclãmpsia e h ipertensão essencial. Na mola invasora ocorre crescimento anormal do tecido
Pequenos infartos não têm significado clínico, mas infartos para dentro e para além do miométrio, por vezes com a pe-
placentários que afetam mais de 10% do parênquima podem netração do peritõnio e paramétrios. Em razão do crescimen-
associar-se à restrição de crescimento e ao óbito fetal em de- to agressivo, molas invasoras são consideradas neoplasias
co rrência de insuficiência placentária. localmente invasivas não metastáticas. Coriocarcinomas são
semelhantes às molas invasoras, mas são capazes de causar
Hematoma metástases, frequentemente acometendo o pulmão e órgãos
A incidência de hematoma no primeiro trimestre na popu- pélvicos. Cerca de 50% dos coriocarcinomas surgem após
lação obstétrica em ge ral é de 3,1 %, e essas pacientes apre- gravidez molar, 25% aparecem após abono e 25%, após gra-
sentam risco maior de complicações. Os hematomas podem videz normal.
ocorrer na porção fetal (subamniótico ou subcoriõnico), na
porção materna (retroplacentário), ou podem estar no inte - Neoplasias primárias da placenta
rior da massa placentária. Apresentam-se como um coágulo Tumores placentários não trofoblásticos são muito raros.
aderido à superfície placentária e que ao ser retirado deixa Corioangiornas são os mais comuns e ocorrem em menos de
uma depressão crateriforme, onde, em geral, o parênquima l% das gestações. Teratomas da placenta são extremamente
mostra infarto recente ou antigo. No terceiro trimestre, o he- raros e se assemelham aos corioangiomas, mas são d ife rencia-
matoma é geralmente decorrente de descolamento da placen- dos pela presença de calcificações em seu interior.
ta, mas pode estar associado ao uso de drogas como a cocaína,
a traumatismo grave da região abdominal , ou pode não ter Corioangiomas
causa conhecida. Os corioangiomas são essencialmente hemangiomas da
porção fetal da placenta nutridos pela circulação fetal (Figura
Lagos venosos 69.8). Na maior parte dos casos, os corioangiomas são peque-
lagos venosos são áreas da placenta preenchidas por san- nos e sem significado clínico; entretanto, lesões >Sem e lesões
gue que, provavelmente, representam um estágio inicial de múltiplas podem determinar descompensação hemodinâmi-
trombose intervilosa e/ou de deposição perivilositária de fi- ca do feto e estar associadas a complicações como hidropisia,
brina. Os lagos venosos são observados em 67% das placentas polidrãmnio, trombocitopenia, CIUR e óbito fetal.
no segundo trimestre, geralmente localizados na placa corial
e na periferia da placenta, e não estão associados a desfechos Teratomas
neonatais adversos. Extremamente raros na placenta, quando presentes os te-
ratomas se localizam entre o âmnio e o córion e não têm sig-
Doença trofoblástica gestacional nificado clínico.
A expressão doença trofoblástica gestacional engloba mola
h idatiforme, mola invasora e coriocarcinoma. A característica Placentas gemelares
comum a esse grupo de d istúrbios é a proliferação anormal de Gestações gemelares ocorrem em 2,5% das gestações e
tecido trofoblástico com produção excessiva de gonadotrofina apresentam risco aumentado de desfechos adversos. O au-
co riõnica humana ~- mento das complicações perinatais tem correlação d ireta com
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J 582 Seção 11 Obstetrícia

toide e do pedúnculo embrionário, que são, então, revestidos


pela membrana amniólica, ongmando o cordão umbilical. Os
\'3505 umbilicais procedentes do alantotde são formados ini-
cialmente por duas veias e duas arténas. Ocorre obhteração
precoce da veia umbilical dtretta, permanecendo então uma
,·eia e duas artérias no cordão umbthcal.

Anatomia
O cordão umbilical é uma estrutura esptralada formada
por urna \'eia e duas anénas envoltas por uma substãncta
gelatinosa, chamada geleta de \Vanhon . Externamente essas
estruturas são recobertas por uma fina camada de llmnio.
A veia umbilical transporta sangue nco em oxigênio pro-
veniente da placenta e, ao penetrar no abdome fetal, se divide
em veia porta e dueLO venoso. Em condições normais, a veia
porta recebe aproximadamente 60% do sangue oxigenado,
irriga os si nusoides hepálicos e emão segue pelas veias hepá-
Licas até a veia cava inferior. O dueto venoso funciona como
um bypass e drena d iretameme na veia cava inferior, carrean-
do entre 30% e 40% do sangue oxigenado ao coração. As
arté rias umbilicais se originam das artérias il!acas internas,
Figura 69.8 Corioangioma. (Cortesia da Ora. Cristiane Oliveira e Sousa retornando com o sangue pouco oxigenado para a placenta
Xavier.)
(Figura 69.9).
A geleia de Warthon é composta por tecido conjunLivo mu-
a corionicidade placentária com maior taxa de morbimorta- coide de origem mesenquimal, contendo células muscula-
lidade na gestação monocoriOmca. As complicações próprias res lisas e fibroblastos, e exerce função protetora dos vasos
das gestações monocoriOnicas incluem a slndrome da trans- umbilicais, evitando torções e compressões.
fusão feto-fetal e a sequ~ncta TRAP, situações em que comuni- O cordão umbilical mede aproximadamente 50 a 60cm de
cações anenovenosas anOmalas estão presentes entre as mas- comprimento no terceiro tnmestre de gestação e 2cm de diâ-
sas placentárias, e o óbito de um dos fetos, que pode colocar metro e pesa em tomo de lOOg. Alterações em sua cor branca
em risco o outro gêmeo: podem ser decorrentes de mfecção, tmpregnação por mecO-
nio ou sequela de decesso fetal.
• Place nta gemelar di coriOnica , diamniótíca: cada gêmeo
A ultrassonogralia posstbthta a avaliação do cordão um-
se desenvolve no tntenor de sua própna caVldade amnióLi-
bilical a partir de 8 semanas de gestação. Até a 11• semana a
ca e também de sua própna membrana coriOnica.
inserção abdominal do cordão umbthcal pode apresentar-se
• Placenta gemelar monocoriOnica, diamniótíca: cada gê-
\'Olumosa em virtude da presença da hermação fisiológica do
meo desenvolve sua própna caVldade amnióLica, circunda-
intesLino. A partir do segundo trimestre de gestação é possl-
da por urna membrana coriOmca única.
vel estudar a anatomia do cordão, o número de vasos em seu
• Placenta monoamniót ica e monocori ôni ca : os fetos
interior e sua inserção na placenta e na parede abdominal.
ocupam uma cavidade amniótica única, envolta por urna
Os fluxos do cordão umbilical e do dueto venoso, avalia-
membrana coriOnica também única. A superfície fetal mostra dos ao estudo Doppler, refletem a hemodinãmica fetal, sendo
os dois cordões umbilicais, em geral, próximos em suas in- conside rados parâmetros importantes na avaliação da vitali-
serções. dade fetal.

CORDÃO UMBILICAL Anomalias do cordão umbilical


Embriologia Durante a realização do ultrassom obstétrico é possível
A formação do cordão umbilical ocorre entre a quinta e identifica r uma variedade de anormalidades no cordão umbi-
a 12• semana de gestação, após a fusão entre o dueLO onfa- lical, incluindo alterações em sua estrutura, trajeto e inserção,
lomesemérico e o alantoide. O alantoide é urna evaginação além da presença de tumores. Essas alteraçOes serão detalha-
do endoderma, procedente da parte caudal do intestino, que das a seguir.
penetra no pedúnculo embnonárío (formado por mesoderma
extraembrionário). Alterações estruturais
O ernbnão sofre um dobramento caudal, possibilitando As alterações estruturais do cordão umbthcal incluem alte-
que o alam01de fique postenor ao saco vitel!nico e estreitando rações no espiralamento, em seu compnmento e no número
o pedúnculo embnonário. Ocorre a fusão dos vasos do alan- e calibre dos \'3.SOS umbthaus.
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Capitulo 69 Placenta, Membranas e Cordão Umbilical 583

Croça da aorta

Veias pulmonares

. --:-- - - Átrio esquerdo

Válvula do loraiJle oval

Aorta descendente
Veia umt:lir

Saturação de oxigênio do sangue

Veia porta _ _;~::::=:::;;;~ • Alio teor de oxigênio

Veia umbilical--=:--r: • Médio teor de oxigênio

Bexiga
• Baixo teor de oxigênio

Figura 69.9 C1rculação fetal. (Moore & Persaud. 2003.)

Espiralamento lamento do cordão é recomendada como pane da avahação


O espiralamento normal do cordão umbilical é definido ultrassonográfica obstétnca (Figura 69.10).
pela presença de uma espiral completa a cada Sem do cor-
dão umbilical, isto é, 0,2 espiral por centfmetro. O espirala- Comprimento
mento anormal acontece quando há aumento ou diminuição No terceiro trimestre, o cordão mede aproximadamente
do número de espi rais com prevalência de 4% a 34% das 55cm, sendo considerado normal o comprimento de 35 e 77cm.
gestações. De causa desconhecida, sua presença pode acarre- São necessários no minimo 32cm para impedir a tração do cor-
tar alterações agudas e crônicas no bem-estar fetal, as quais dão durante o pano vaginal. O cordão umbilical curto está as-
representam um fator de risco antenatal para o aumento da sociado a mmor incidencia de ruptura de cordão, inversão ute-
morbimortalidade perinatal. Em estudo realizado por Machin rina durante dequitação, descolamento prematuro de placenta
e cols. (20 15). as principais correlações clinicas encontradas e sofrimento fetal durante o pano. O cordão longo prediSpõe a
no h1perespiralamento do cordão foram morte fetal (37%), prolapso de cordão. Circulares cen~cais e nós verdadeuos.
mtolerãnc1a ao trabalho de pano (14%), C1UR (10%) e co-
noammonne (lO%). Para o hipoesp1ralamento essas taxas fo-
Alterações vasculares
ram de 29%,21%, 15% e 29%, respecuvamente. O diagnós-
tico dessa condição antenatal tomou possfvel a interrupção Artéria umbilical única
da gestação dos fetos em risco, diminuindo em 50% a taxa O cordão umbilical pode apresentar alteração no número de
de mone fetal intrauterina. Por isso, a ava liação do espi ra- vasos. A anomalia do cordão mais frequente é a artéria umbíl i-
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J 584 Seção 11 Obstetrícia

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Figura 69.1 O Imagem ultrassonográfica do cordão umbilicaL A Espiralamento normaL B Hipoespiralamento.

cal única, que pode acontecer em até 1% das gestações únicas um curto segmento de cordão próximo à inserção placentá-
e ser resultante de três mecanismos principais: agenesia primá- ria, ocasionando falsa impressão de artéria umbilical única.
ria de uma das artérias umbilicais, atrofia secundária de uma Por esse motivo , deve-se evitar avaliar o número de vasos ao
artéria umbilical previamente normal ou persistência de artéria longo dos 3cm de cordão próximos à placenta (Figura 69.11).
umbilical comum (desde a embriogênese).
Na maioria dos casos, a anéria umbilical única é uma mal- Artéria umbilical hipop/ásica
formação isolada, mas pode estar associada a outras alterações, Ao se observar um corte transversal do cordão é possível
como anomalias musculoesqueléticas, geniturinárias, gastroin- identificar uma arté ria umbilical hipoplásica, definida como
testinais e cardiovasculares, entre outras. Em caso de malfor- a d iferença entre o diâmetro das artérias umbilicais >2mm.
mações associadas à artéria umbilical única, deve-se realizar As ané rias podem apresentar Ouxo discordante ao estudo
cariótipo para exclusão de cromossomopatia. Independente- Dopple r com aumento da resistência na artéria hipoplásica,
mente da presença de outras malformações, vários estudos de- podendo ocorrer d iástole zero ou reversa sem patOlogia pla-
monstraram aumento no risco de CIUR e de pano prematuro. centária associada. O d iagnóstico diferencial de artéria umbi-
A ultrassonografia tem altas sensibilidade e especificidade lical hipoplásica inclui estreitamento segmentar e trombose
para diagnosticar a artéria umbilical única. A avaliação pode de uma das artérias.
ser realizada na porção intra-abdominal da artéria umbili- O significado clínico ainda não está bem estabelecido. Foi
cal, com apenas uma anéria ao lado da bexiga, ou no corte relatado risco aumentado de mau desfecho neonatal, assim
transverso de uma alça livre de cordão. Nesses casos, a arté- como associação a diabetes mellitus materno, polidrâmnio, res-
ria única pode ter calibre aumentado , semelhante ao da veia trição de crescimento fetal, anomalias congênitas, inserção
umbilicaL As anérias umbilicais podem fundir-se ao longo de anormal do cordão e anormalidades placentárias. A avaliação

Figura 69.11 Imagem ultrassonográfica do cordão umbilical -corte transversaL A Cordão normal com três vasos. B Artéria umbilical única.
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Capítulo 69 Placenta, Membranas e Cordão Umbilical 585

pré-natal e o acompanhamento intrapano não devem ser al- Circular de cordão


terados, exceto em caso de como rbidades maternas, fetais ou A ci rcular de cordão ce rvical é um achado comum nas ges-
complicações da gestação. tações e, quanto mais precoce a gestação, mais frequente sua
ocorrência (Figura 69.12B). Ao termo, a incidência é de 20%
Vaso umbilical extranumerário a 33% nas gestações únicas e 4% nas gestações múltiplas. As
O cordão pode também apresentar quatro vasos umbili- circulares de cordão são mais comuns em fetos do sexo mas-
cais. A presença de duas veias e duas artérias, alteração mais culino e na presença de cordão longo. Sua presença não altera
comum, resulta da persistência da veia umbilical direita, con- o resultado pe rinatal, e não há consenso sobre a necessidade
siderada variação da no rmalidade e de incidência rara. À ava- de se relatar ou não esse achado no laudo de ultrassom.
liação do abdome fetal, observa-se curvatura da veia umbilical
em direção ao estômago. A presença de uma veia e três arté- Alterações de inserção
rias é resultante da pe rsistência de arté rias do saco vitelínico. O cordão umbilical pode apresentar anormalidade em am-
Em ambos os casos, não foi possível associar a presença de bas as extremidades, tanto na inserção placentá ria como na
vasos extranumerários ao aumento de anomalias congênitas. abdominal. As anomalias de inse rção placentária incluem a
inserção velamentosa do cordão e a vasa prévia.
Alterações de trajeto
Nós verdadeiros Inserção velamentosa
Os nós ve rdadei ros de cordão ocorrem em 1,2% das gesta- A inserção velamentosa do cordão ocorre quando os vasos
ções e são mais comuns em gestantes multíparas, com idade umbilicais se inserem ao longo das membranas amnióticas
avançada, história de aborto prévio, obesas, em fetos macros- ames de atingirem o tecido placentário. Essa alteração ocorre
sômicos, do sexo masculino, na presença de polidrãmnio e de em 0,5% a 1% das gestações únicas e em até 10% das geme-
co rdão longo (Figura 69. 12A). O d iagnóstico ultrassonográfi- lares. O diagnóstico pode ser realizado por meio de ultrasso-
co pré-natal é difícil. nografia obstétrica com Doppler.
Como esses casos estão associados a risco aumentado de
morte intrauterina, seu achado deve ser relatado no laudo do Onfalocele
ultrassom. Em estudo que avaliou o significado clínico dos A onfalocele consiste em defeito de fechamento da parede
nós verdadeiros de cordão, um grupo de gestantes apresen- abdominal anterior, na inserção do cordão no abdome fetal,
tando nó de cordão foi comparado com um grupo-controle, com herniação de órgãos abdominais envoltos por um saco
sendo observado aumento de quatro vezes no risco de mo rte membranoso em continuidade com o cordão umbilical. Com
fetal e de d uas vezes no Apgar baixo de primeiro minutO no incidência de 2,5 para cada lO mil nascidos vivos, essa ano-
grupo estudado. Em contrapartida, os resultados perinatais malia está frequentemente associada a outras malformações
foram semelhantes em ambos os grupos. A conduta apropria- e anomalias cromossômicas. O diagnóstico pode ser estabe-
da em relação aos nós verdade iros de cordão identificados lecido por meio de ultrassonografia obstétrica a partir de 12
durante ultrassom pré-natal é controversa. semanas de gestação, com base na presença de herniação do

Figura 69.12A Nó verdadeiro de cordão. B Imagem ullrassonográfica de circular de cordão cervical.


/.

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J 586 Seção 11 Obstetrícia

intestino e/ou fígado pela parede abdominal anterior envolvi- som. Apresenta-se como massa de aparência sólida, de tama-
da por urna membrana conectada ao cordão umbilical. nhos variados, adjacente ou dentro do cordão, podendo ser
O cariótipo fetal se encontra alterado em 24% a 46% das causado por punção do cordão umbilical para procedimento
vezes, sendo as principais alterações encontradas as trisso- fetal (transfusão sanguínea, cordocentese) ou por trauma não
mias do 18 e do 13. Por esse motivo, a investigação do carió- intencional do cordão durante amniocentese.
tipo deve ser sempre oferecida diante do d iagnóstico de onfa- O angiomixoma é extremamente raro e seu diagnóstico
locele. Em geral, quanto maior a onfalocele, menor a chance no p ré-natal é fundamentado em descrições de relato de ca-
de haver anomalia cromossômica associada. Se o fetO apre- sos isolados. O tumor costuma ap resentar-se como massa
sentar onfalocele associada à rnacrossomia e à macroglossia, h iperecogênica em estreita relação com os vasos do cordão
deverá ser investigada a síndrome de Beckwith-Wiedemann. e frequentemente associado a pseudocisto de tamanho va-
Outras síndromes também podem estar associadas à onfalo- riado. O estudo Dopple r demonstra vascularização no inte-
cele, como a pentalogia de Cantrell. Caso a onfalocele seja um rior do tumor.
achado isolado, o prognóstico fetal é geralmente bom. Os terawrnas de cordão também são raros, tendo sido rela-
tados apenas duas vezes. O diagnóstico deve ser considerado
Tumores do cordão umbilical diante de massas heterogêneas do cordão. Deve-se diferenciá-lo
Lesões císticas de pequeno gêmeo acárdico, o que pode ser feito a partir dos
Remanescentes embrionários do alantoide e do duetO onfa- seguintes critérios: gêmeos acárd icos possuem cordão umbili-
lomesentérico, os cistOs do cordão umbilical podem ser detec- cal independente, mesmo que rudimentar, enquanto os Lera-
tados a partir do primeiro trimestre de gestação, quando sua tomas estão localizados dentro do cordão umbilical; gêmeos
incidência varia de 0 ,4% a 1,3%. A etiologia dos cistos de cor- acárdicos apresentam uma organização craniocaudal do esque-
dão não está bem esclarecida, podendo ser classificados como leto que está ausente no teratoma e são recobertos por pele.
cistos verdadeiros ou pseudocistos, e definitivamente diferen- Avaliação histopatOlógica é necessãria para definição do d iag-
ciados apenas após o nascimento por meio de histOpawlogia. nóstico defmilivo.
Os cistos são considerados verdadeiros quando revestidos
por epitélio e estão localizados preferencialmente mais próxi- CONSIDERAÇÕES FINAIS
mos do feto. Dividem-se em cisto do dueto onfalomesentérico, Anormalidades da placenta, das membranas e do cordão
originado do duetO vitelínico, e cisto do duetO alantoide, origi- umbilical podem causar d iversas alterações no feto e na evolu-
nado da persistência do úraco, não sendo possível diferenciá- ção da gestação, aumentando a morbimonalidade materna, fe-
-los ao ultrassom durante o pré-natal. Nos casos de persistên- tal e/ou neonatal. A placenta deve ser analisada principalmente
cia do úraco , permanece uma comunicação entre a bexiga e o em sua localização, forma, implantação no útero, maturidade e
cordão umbilical (úraco patente), que possibilita o extravasa- na presença de sinais que sugiram infecção, infarto, hematoma,
mento de urina para a base do cordão, resultando em dilatação entre outras alterações. A presença de tumores em sua superfí-
cística. Nesses casos, preconiza-se seguimento ultrassonográfi- cie é rara, mas também deve ser pesquisada. O cordão deve ser
co semanal até a estabilização do tamanho do cistO. analisado em tOda sua extensão quanto a coloração, espirala-
Os pseudocistos não têm revestimentO epitelial. Originam- mento, composição vascular, presença de interrupções em seu
-se de edema focal da geleia de Wanhon ou de sua liquefação trajeto e também no que d iz respeitO à presença de tumores.
em consequência de trombos ou hematomas. São mais fre- A avaliação da placenta, das membranas e do cordão um-
quentes do que os cistos verdadeiros e podem estar associa- bilical deve ser incluída na rotina obstétrica, devendo ser rea-
dos a cromossomopatias e outras anomalias congênitas, par- lizada em tOdas as avaliações uhrassonográficas no pré-natal
ticularmente onfalocele. Em caso de cistOs persistentes após e macroscopicamente no momento do pano. Como é inviável
o prime iro trimestre, associados a outras malformações, cabe sua realização em tOdas as pacientes, o estudo anatomopa-
oferecer cariótipo à gestante a fim de excluir cromossomopa- tOlógico dos anexos fetais deve ser realizado em algumas si-
tia, em especial as trissomias do 18 e do 13. tuações específicas, quando pode contribuir para esclarecer
a causa do óbito ou da doença materna e/ou fetal associada.
Neoplasias
A literatura sobre o tema não é tão vasta e tem como limita-
As neoplasias do cordão umbilical são raras e incluem neo- ção a negligência na avaliação dessas estruturas por pane dos
plasias verdadeiras (angiomixomas e terawmas) e pseudotu- uhrassonografistaS e dos obstetras.
mores (hematomas, hemangiomas).
O hernangioma , a neoplasia mais comum, se apresenta ao Leitura complementar
ultrassom como imagem cística de conteúdo hiperecogênico ACOG Committee on Obstetric Practice. ACOG Committee opinion.
localizada próximo à placenta com edema da geleia de War- Number 266, January 2002: placenta accreta. Obstei Gynecol
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O hematOma é considerado um pseudotumor porque sua rion-amnion separation after second trimester amniocentesis. J
aparência se assemelha à de tumores verdadeiros ao uhras- Ultrasound Med 2003; 22(1 1): 1283-8.
:\.
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Capítulo 69 Placenta, Membranas e Cordão Umbilical 587

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C APÍTULO

Diagnóstico de Gravidez
Roberto Carlos Machado
Nilo Sergio Nominato
Natália de Andrade Machado

INTRODUÇÃO identificados por anamnese e exames físico e ginecológico por


Quanto matS precocemente for realizado o dtagnósLico de meio de inspeção, palpação, toque vaginal e ausculta fetal.
gravidez, melhores possibilidades de atenção e acompanha-
mento poderão ser dedicadas à gestante. uma \'eZ que os cui- Anamnese
dados pn!-natats adequados às mulheres estão assoctados a Amenorreta ou Simplesmente atraso menstrual é a quet-
taxas stgmficauvamente mais baixas de complicações. xa mais frequente em mulher na fase reproduuva, '"lendo
Dtante do exposto, um dos objetivos da assistencta pré-na- lembrar a impor!Ancia do dtagnóstico diferencial com falencia
tal é atender aos interesses matemos e fetats. Para que ocorra ovariana prematura, uso de medicamentos, como contracep-
esse cuidado é importante que o pré-natal tenha inicio pre- tivos hormonais, metoclopramida, antipsicóticos, reserpína,
coce com a participação de pessoal adequadamente treinado metildopa e antidepressívos tricrclicos, síndromes anovulató-
e especializado. rias causadas por endocrinopatias, estresse ou trauma psico-
Elaborado o d iagnóstico, é possível defin ir a condição de lógico, d ietas rigorosas ou com portamento alimentar patoló-
saúde da mãe e do concepto, estimar sua idade gestacional gico, além da prática de esportes em nível profissional.
e iniciar o planejamento do acompanhamento pré-natal. As Principalmente em multlparas pode acontecer pequeno san-
modificações e adaptações do organismo matemo decorren- gramento por 7 a 8 dtas após a concepção (às vezes confundi-
tes da gravtdez são dois processos dinãmicos, mter-relactona- do com a menstruação \'erdadeira) em razão da implantação
dos e mterdependentes. do blastocisto no útero (stnal de Hartmann).
Todas as alterações observadas no organtSmo da gestante Náuseas, võmuos e sialorreia, caracteristicamente matuu-
durante a gestação se fundamentam em alterações horrnonais, nas com infeto entre 5 e 6 semanas de gestação, podem estar
alterações enztmálicas, presença do feto e aumento do \'Oiume presentes em cerca de 50% das gestantes. Algumas mulheres
uterino. Vale lembrar que a gravidez representa um pan-hiperen- podem ter anorexia ou apetite aumentado, não sendo rara a
docrinismo, observando-se aumento de todos os horrnOnios. perversão ou extravagância alimentar.
Quase sempre as alterações fiSiológicas, endócrinas e ana- Acontecem também, nessa fase, alterações urinárias, como
tõmicas que acompanham a prenhez fornecem evidências polaciúria e noctúria, assi m como intestinais, como a consti-
claras de uma gestação em evolução. Em sua fase inicial, pação.
principalmente nas primei ras semanas, quando o útero ainda
é um órgão pélvico, o diagnóstico necessita de exames com- Exame ginecológico
plementares para confirmação dessa suposição. O diagnóstico São sinais de gravidez as transformações cutâneas com o
da gravidez pode ser realizado por meio dos smats e smtornas, surgimento de cloasma (màscara gra,·fdica), urna pigmenta-
dos achados laboratoriais e do exame ultrassonogrãfico. ção difusa ou ctrcunscnta de tonalidade escura e maiS nluda
nas áreas mUltO expostas à luz ([ace, nariz, região zigomãuca),
o aparecimento da linha nigrans (escurecimento da hnha alba)
DIAGNÓSTICO CLÍNICO e o escurecimento das axilas, que parecem se r consequentes
O dtagnóstico clinico se baseia inicialmente em sinms e sin- a uma hiperfunção do lobo anterior da h ipólise com hiperse-
tomas de presunção ou probabilidade de gravidez, os quais são creção do hormônio melanotrólico.
588
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Capitulo 70 Diagnóstico de Gravidez 589

A m1crovascularização perifénca aumentada é respon- Exames complementares no diagnóstico


sá,·el pelo enterna palmar e por spíders, que são alterações O desenvolvimento de técnicas imunológicas e o emprego
orgâmcas decorrentes de ação estrogêmca (vasogtnica) e de ultrassonografia possibilitaram o diagnóstico correto de
progesterOnica (vasodilatadora). Observa-se também au- uma gestação, às vezes antes do atraso menstrual, tornando-o
mento do conisol po r hiperfunção das supra rrenais durante cada vez mais precoce e preciso. O método de escolha vai
a gravidez, as quais, juntamente com a distensão abdominal depender da sua história clínica da paciente, lembrando que
e mamária, podem responde r pelo a parecimento de estrias a fração beta da gonadotrollna co riônica é o mais precoce.
nessas regiões. Apesar do custo da ultrassonograf.a, esse exame fornece
Constata-se aumento do volume mamário e de sua rede mais informações, poupando equí\'ocos como gestação anem-
anerial e venosa, tornando-se visivel à ectoscop~a e sendo de- brionada, gravidez ectópica e abonamemo, entre outros.
nommado sinal de Haller. Na pele se acentua a coloração da
aréola pnrnária e surge a aréola secundá.na de hmnes impre- DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
cisos, que aparece por ,·olta de 20 semanas e é denominada Em torno do final da pnmeira semana de desenvolvimen-
smal de Hunter. Na região areolornam1lar surgem os tubér- to, cerca de 3 semanas após o inicio da última menstruação,
culos de Montgomery, que correspondem à h1penrofia dos o blastocisto é implantado. À medida que aumenta a invasão
tubérculos de Morgagni. do endométrio, são desenvolvidas as vilosidades conOnicas
Em torno da sexta à oitava semana é visual izado o aumen- iniciais. Essas células produzem a gonadotrofina coriOnica
to da coloração violácea da mucosa vulvar no vestibulo e no humana (HCG). Essa gonadotrofina é a assinatura hormo-
meato urinário (sinal de jacquemier ou ele Chadwick) e a co- nal da gravidez e pode se r detectada tanto na urina como
loração violácea da mucosa vaginal (si nal ele Kluge). no sangue de mulheres grávidas. Por meio de reagentes de
Alterações do muco cervical decorrentes do aumento da alta sensibilidade, o diagnóstico de gravidez é possível com
progesterona, desaparecendo o muco fino e apresentando se- a dosagem de HCG na urina até 1 dia e no plasma até 7 dias
creção mucosa e espessa com imagem microscópica na cito- ames da amenorre1a.
logia de contas (desaparece a cristalização em samambaia), :-lo 11o d1a após a fecundação, cerca de 98% das grávidas
sugerem grav1dez. terão HCG >SmUVmL no plasma, significando teste de gra-
O aumento do volume uterino que acompanha a gra,~dez se videz pos1uvo. No 28• dia de gravidez, a méd1a de HCG no
inicia em tomo da sexta semana. Nesse perfodo, o útero apre- plasma estará em torno de lOOmUVmL, significando que um
senta o volume de uma tangerina. Com 10 semanas assume o teste de urina Já poderá detectar a gravidez. Em condições
volume de uma laranja e com 12 semanas se vê o tamanho de normais, a amostra concentrada de urina poss1b1lita o d iag-
uma cabeça fetal palpável logo acima da sinlise púbica. nóstico antes da amenorreia.
Associados ao aumento no volume uterino, podem se r en- Nem todo diagnóstico positivo de HCG sinaliza gravidez
contrados os seguintes sinais: em curso, principalmente nas fases mais precoces. antes da
amenorreia. Um importante fator limitador é o abonamento
• Sinal de Hegar: consistência elástico-pastosa principal-
subdinico, presente em um terço das gestações, e a elimina-
mente no istmo, presente entre o segundo e o quinto mês.
ç.ão completa dessa gonadotrofina da circulação materna se
• Sinal de MacDonald: ao toque vaginal, o útero pode ser
dará até o segundo dia de atraso menstrt1al. Outras reações
netido como dobradiça em vinude do amolecimento do
falso-posiuvas mcluem o uso de substâncias psicotrópicas (fe-
IStmo. noliazldas, anudepress1vos, anticom·ulsivantes, h1pnóucos),
• Sina l de Osiander: percepção de baumentos do pulso va- anticoncepcionaiS ora1s (mediante sunos de escape de LH),
gmal no fundo de saco causados pela hipenrofia do siste-
hipenireoidiSmo (a subunidade alfa do TSH e homóloga à da
ma vascular. HCG) e fator reumatoide.
• Sinal de Pis kacek: abaulamento e amolecimento na zona
de implantação do ovo, formando-se às vezes um sulco
que separa essa região do resto do útero.
DIAGNÓSTICO ULTRASSONOGRÁFICO
• Sinal de Nobile-Budin: o útero altera sua forma pi riforme A avaliação ultrassonográfica é um método não invasivo
para globosa, ocupando os fundos de saco laterais. e seguro para o diagnóstico da gestação. Sistemas ultrasso-
• Si nal d e Puzos: observa-se o rechaço fetal quando ao to- nográficos de alta resolução ulilizando transdutores vaginais
que vaginal os dedos são mantidos no fundo de saco ante- possibihtam a identificação da gravidez antes da quinta se-
mana e a idenuficação de urna gravidez implantada após 2,5
rior e se sente o feto ir e voltar.
semanas da concepção, quando se observa um saco gesta-
Os smaiS de comprovação da grav1dez mcluem a Identifi- cional de 2 a 3mm (aproximadamente 4 semanas e 3 d1as)
cação dos batimentos cardiacos do feto com sonar Doppler e, na abordagem transabdominal, um saco gestac10nal com
após 12 semanas (ou com o estetoscópio de Pinard após 18 diâmetro méd1o de 5mm, sugerindo gestação de 5 semanas.
semanas em grávidas não obesas) ou a percepção pelo exa- Entre 5 e 6 semanas pode ser identificada a vesícula Vltehna.
minador dos movimentos ativos do feto em torno de 18 a 20 O embrião pode se r visualizado dentro do saco amniótico
semanas. com a medida do comprimento cabeça-nádega (CCN) >2mm,
/.

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J 590 Seção 11 Obstetrícia

de modo que a presença de batimentos cardíacos pode ser de- Cunnighan FG, Leveno KJ, Bloorn SL, Hauth JC, Gilstrap Rouse DJ
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e l.OOOmUVml. Infelizmente, outras condições podem re- 20 15; 144:830-6.
sultar em coleções de líquidos na cavi dade uterina com apa- Ferreira A et ai. Proposta de um algoritmo para d iagnóstico de gra-
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a níveis circulantes de ~-HCG, ressaltando-se que os níveis
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de ~-HCG aumentam rapidamente, dupl icando aproximada- 144(6):830-6.
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CAPÍTULO (

Alterações Fisiológicas da Gravidez


Raquel Pinheiro Tavares

INTRODUÇÃO formato ao final da gestação, em que o corpo e o fundo assu-


A compreensão das alterações sofridas pelo organismo da mem formato mais globular.
mulher durante a gestação é de extrema impo rtância para O colo uterino sofre aumento da vascularização e ede-
o entendimento dos inúmeros processos, tanto fisiológicos ma generalizado, além de hipertrofia e hiperplasia de suas
como patOlógicos, pelos quais a gestante pode passar durante glândulas. A vagina também se torna mais vascularizada e
o período de gravidez. hiperemiada com secreção abundante e coloração violácea,
Essas alterações se iniciam na fecundação e se estendem alte rações essas que surgem como preparação para o pano,
durante wda a gestação, sendo causadas em resposta a estí- ocorrendo também aumento de espessura da mucosa, com
mulos fisiológicos produzidos pelo fetO no intuito de atender seu tecido conjuntivo se tornando mais frouxo.
às demandas para seu desenvolvimento adequado. As mamas aumentam de tamanho, oco rrendo hipertrofia
As alterações são de ordem principalmente bioquímicas, dos alvéolos, e os mamilos se tOrnam maiores e pigmentados.
anatõmicas e fisiológicas e se manifestam em vários órgãos
e sistemas da mulher, sendo fundamental seu conhecimento ALTERAÇÕES METABÓLICAS
para a correta diferenciação de estados patológicos.
Metabolismo lipídico
A gordura total aumenta , de modo que o colesterol LOtai
SISTEMA GENITAL pode elevar-se em até 50% e os triglicérides podem triplicar.
O útero passa por aumento progressivo de seu volume O armazenamento de gordura ocorre principalmente na
durante wda a gestação (seu peso pode aumenta r até 20 ve - metade da gestação de modo centrípeto e vai d iminuindo ao
zes e sua capacidade volumétrica de lOml pode chegar a final da gravidez com o objetivo de atender às demandas fetais.
5.000ml). O aumento no início da gestação (até a 12" sema- O ganho de peso, em sua maior pa rte, se deve ao volume
na) é decorrente de fawres hormonais e posterio rmente de uterino, e seu conteúdo, ao aumento das mamas, além do vo-
efeito de pressão exercido pelos produtos da concepção. lume sanguíneo e extravascular, sendo variado e individuali-
Há aumento progressivo do fluxo sanguíneo uteroplacen- zado, principalmente quando se leva em consideração o peso
tário durante toda a gestação, valendo a ressalva de que na anterior à gestação.
gravidez avançada pode chegar até 650mVmin, o qual é me-
d iado por vasodilatação e aumento continuo dos vasos pla- Metabolismo proteico
centários em virtude da estimulação estrogênica e também A concentração de albumina plasmática sofre redução, mas
pela ação do óxido nítrico. Isso se reveste de extrema relevân- os produtos da concepção, o útero e o sangue materno são
cia em face de uma urgência/emergência obstétrica causada ricos em proteínas mesmo que considerados em quantidade
por hemorragia , podendo levar rapidamente a gestante a um reduzida quando em comparação ao corpo materno. O feto
quadro de choque hipovolêmico. e a placenta contêm cerca de 500g de proteína, e a mesma
As células musculares do úte ro sofrem esti ramento e hiper- quantidade está presente no útero sob a forma de proteína
trofia e, além disso, há acúmulo de tecido fibroso e aumento contrátil e também nas mamas e na forma de hemoglobina no
do tecido elástico. Essas modificações conferem ao útero seu sangue materno.
591
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J 592 Seção 11 Obstetrícia

Metabolismo dos carboidratos ferência torácica em até 6cm, o que não evita a redução do
Várias alterações hormonais acontecem para a manutenção da volume residual de ar nos pulmões.
função metabólica e para assegurar um suprimento contínuo de O consumo de oxigênio aumenta, mas a frequência respira-
glicose para o feto. A gravidez é caracterizada por hipoglicemia tória praticamente não se altera. A venlilação-minuto também
leve de jejum, hiperglicemia pós-prandial e hiperinsulinemia. aumenta, resultando em leve alcalose respirató ria compensa-
Na primeira metade da gestação a estabilidade da glicose da pela excreção aumentada de bicarbonato pelos rins. Além
é derivada mais da ação do estrogênio e da progesterona com disso, há hipe rventilação materna causada pela progeste rona,
melhora de sua utilização periférica e maior armazenamento. Já ocasionando redução no CO,. Essas alterações mantêm está-
na segunda metade a elevação dos níveis de hormônio lactOgê- vel o pH materno.
nio placentário (HPL) e dos outros hormônios contrainsulíni- Já no trato respiratório supe rior são obse rvadas congestão
cos promove mais lipólise e maior liberação de ácidos graxos, e vasod ilatação com maior tendência a sangramentos e acúmu-
poupando assim a glicose para o crescimento fetal. Essas alte- lo de sec reções.
rações caracte rizam um estado "diabewgênico" com liberação
aumentada de insulina e aumento de sua resistência periférica. SISTEMA CARDI OVASCULAR
As modificações nesse sistema são inúmeras, sendo con-
SISTEMA DIGESTIVO sideradas os motivos de várias queixas das gestantes. Seu
As alterações na função esofágica e na motilidade gastroin- conhecimentO é de extrema importância para diferenciação
testinal garantem maior absorção de nutrientes. O estômago de cardiopalias durante esse período. A compressão causada
e os intestinos são deslocados pelo útero, e o esvaziamento pelo útero gravídico também ocasiona mudanças hemodinâ-
gástrico e o trânsito inteslinal são mais lentos tanto em ra- micas importantes.
zão de fatores hormonais como mecânicos. Ocorre também Durante a gravidez normal, a pressão arterial e a resistên-
diminuição da pressão do esfíncter esofágico inferior, o que cia vascular d iminuem (em vinude da ação vasodilatadora da
favorece os quadros de pirose tão frequentes na gestação. progesterona), enquanto o volume sanguíneo e a frequência car-
O fígado praticamente não altera seu volume, podendo díaca (cerca de lO a l5bpm) aumentam. Desse modo, o débitO
ocorrer leve alte ração nas bilirrubinas, na fosfatase alcalina cardíaco começa a se elevar a partir da décima semana, alingindo
e no colesterol. Esse úllimo é causado pelo aumento de sua um platô por volta da 20' semana de até 50% acima do basal.
satu ração em virtude do comprometimento da contração da A pressão diastólica é reduzida em cerca de l5mmHg, e a
vesícula e de seu volume residual aumentado, o que explica sistólica, cerca de lOmmHg.
a prevalência cresce nte de cálculos de coleste rol na gestação. O coração é deslocado para a esquerda e para cima em ra-
É comum também a queixa de sialo rreia principalmente em zão da elevação do diafragma, e seu ápice é desviado um pou-
razão da d ificuldade de degluLição, e as gengivas se tornam hi- co lateralmente, ocasionando aumento na silhueta cardíaca à
peremiadas e amolecidas, o que favorece o sangramento. radiografia. Além disso, sua capacidade cardíaca e se u volume
também aumentam. Pode-se auscultar facilmente hiperfonese
SISTEMA URINÁRI O da primeira e terceira bulhas em até 80% das gestantes. Além
O rim se encontra ligeiramente aumentado. A taxa de fil- disso , são comuns sintomas como dispneia, d iminuição da
tração glome rular e o fluxo plasmático renal também aumen- tolerância a exercícios e taquica rd ia.
tam até 50% em função da elevação do fluxo plasmático renal. A h ipotensão postu ra! quando a gestante está em decúbito
Observa-se dilatação do trato urinário superior com hi- dorsal se dá em virtude da compressão causada pelo útero
dronefrose e hid rou reter, favorecendo a estase urinária, o que na veia cava inferior, resultando em diminuição do retorno
to rna mais comuns as in fecções urinárias na gestação. São sanguíneo ao coração.
várias as causas, como níveis elevados de progesterona, que
causam hipotonia da musculatura, dextro rrotação uterina, SISTEMA SANGUÍNEO
promovendo maior comp ressão à direita, e pressão do útero O volume sanguíneo aumenta significativamente durante
sob re os ureteres, entre outras. a gravidez , o que se rve para atender às demandas do útero e
A bexiga sofre comp ressão e fica achatada em virtude do proteger a mãe e o feto dos efeitos prejudiciais das mudanças
crescimento uterino, aumentando o núme ro de micções. de decúbito e das perdas sanguíneas associadas ao parto, além
Ocorrem aumento do aporte sanguíneo e diminuição do tô- de aumentar a perfusão de outros ó rgãos. Oco rre aumento de
nus, aumentando sua capacidade, mas também seu volume 20% a 40% na massa de eritrócitos, mas o hematócrito cai
residual. A pressão causada pela ap resentação fetal pode oca- por volta do segundo trimestre em razão das mudanças na re-
sionar edema vesical, to rnando-a facilmente traumatizada e lação eritróciLOslvolume plasmático. Obse rva-se também uma
mais suscetível a infecções. "anemia" conside rada fisiológica na gestação, independente-
mente das rese rvas de ferro normais, já que a abso rção desse
SISTEMA RESPIRATÓRIO elemento pela dieta e sua mobilização de reservas podem não
Entre as alterações anatômicas, as mais marcantes são a ser suficientes para atender às demandas da gravidez. As ne-
elevação do diafragma em até 4cm e o aumento da ci rcun- cessidades do ferro são de aproximadamente l.OOOg, se ndo
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Capítulo 71 Alterações Fisiológicas da Gravidez 593

300mg passados para o feto e a placenta e cerca de 200mg SISTEMA ENDÓCRINO


perdidos pelas várias vias de excreção independentemente da A tireoide aumenta e também se torna mais vasculariza-
presença ou não de anemia. O restante é responsável pelo da, podendo às vezes ser palpável. Há aumento dos níve is da
aumento do volume eritrocitário. proteína de transporte da tiroxina por estímulo estrogênico,
Há aumento no número de leucócitos, podendo chegar a 16 assim como da produção placentária de fatOres que podem
mil. No momento do pano e no puerpério, esse número pode estimular a tireoide. Assim, os níveis de T3 e T4 livres per-
alcançar até 25 mil sem que seja considerado patológico. manecem normais e, como o TSH tende a não se modificar,
Os níveis de fatores de coagulação (!, VIl , VIII, IX e X) au- to rna-se impo rtante método de avaliação da glândula.
mentam, e o fibrinogênio pode aumentar cerca de 50%, ocor-
Leitura complementar
rendo d iminuição da fibrinólise e um estado de hipercoagula-
Creasy RK, Resnik R. Medicina materno-fetal - princípios e práticas.
bilidade. As plaquetas podem apresentar leve queda ao final da 7. ed. Rio de Janeiro: Elsevíer, 2016.
gestação em virtude do aumento de seu consumo. Cunningharn F. Willians obstetrícia. 23. ed. Porto Alegre: Artmed, 2011.
CAPÍTULO (

Assistência Pré-natal
Suzana Ma1ia Pires do Rio

INTRODUÇÃO • 3• passo: wda gestante deve assegura r a solicitação, a rea-


O Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento, lização e a avaliação em tempo oportuno do resultado dos
instituído pelo Ministério da Saúde (MS) por meio da Por- exames preconizados no ate ndimento pré -natal.
ta ria/GM 569, de ! Gde junho de 2000, com base na análise • 4" passo: promover a escuta ativa da gestante e de seus
das necessidades de atenção específica à gestante, ao recém- acompanhantes, conside rando aspectOs intelectuais, emo-
-nascido (RN) e à mulher no puerpério, representou grande cionais, sociais e culturais e não somente um cuidado bio-
avanço no cuidado à saúde desse grupo de pacientes e objeti- lógico - "rodas de gestantes".
vou a redução das altaS taxas de morbimortalidade materna e • 5" passo: garantir o transpo rte público gratuito da gestante
perinatal no Brasil com a implementação de medidas que as- para o atendimento pré-natal quando necessário.
segurassem a melho ria do acesso, da cobe rtura e da qualidade • 6• passo: é direito do(a) parceiro(a) receber o devido cui-
dos serviços prestados por meio de uma série de investimentos dado (consultas, exames e acesso a informações) antes, du-
na rede pública. Pane dessa estratégia parece ter sido atingida. rante e depois da gestação - "pré-natal do(a) parceiro(a)".
Em determinadas regiões brasileiras, mais de 90% da popu- • 711 passo: garantir o acesso à unidade de referência espe-
lação feminina têm acesso à assistência pré-natal. No entanto, cializada, caso necessário.
esse aumento ainda não representou impacto significativo na • 89 passo: estimular e informar a respeito dos benefícios do
incidência de sífilis congênita, assim como da hipertensão ar- pano fisiológico, incluindo a elaboração do plano de pano.
terial em suas diversas fases, que é a causa mais frequente de • 9" passo: wda gestante tem o direitO de conhece r e visitar
morb imonalidade materna e perinatal no Brasil, demonstran- previamente o se rviço de saúde no qual irã dar à luz (vin-
do que, na realidade, não basta oferecer atendimento, mas pro- culação).
mover a devida qualidade para que se alcancem os propósitos • 10• passo: as mulheres devem conhecer e exercer os d irei-
a que se destina. Essa qualidade não deve ser um objetivo ape- tos garantidos por lei no período gravídico-puerperal.
nas das instâncias gove rnamentais, mas comp romisso de tOdo
médico ou profissional de saúde que se coloca diante de uma
ASSISTÊNCIA PRÉ-NATAL
mulher grãvida para lhe prestar assistência.
Em 2013, o MS publicou em seus Cadernos de Atenção Caberã ao médico e à equipe de saúde a adoção de uma
Básica o Manual de Atençilo ao Pré-natal de Baixo Risco, comen- série de ações com o objetivo de assegurar a integridade física
do as principais diretrizes para sua assistência. Foram estabe- e emocional da gestante e de garantir o nascimento seguro de
lecidos 10 passos para o pré-natal de qualidade na Atenção um recém-nascido saudável.
Básica. Estados e municípios devem estar preparados para Para tanto é necessário:
prestar essa assistência com mecanismos estabelecidos de re- • Diagnosticar ou confirmar a gravidez, quando ainda exis-
ferência e contrarreferência: tem dúvidas. A dosagem sé rica de gonadotrofina coriõnica
• 1" passo: iniciar o pré-natal na Atenção Primária à Saúde humana (HCG) é o teste mundialmente reconhecido para
até a 12• semana de gestação (captação precoce). confi rmação da gravidez, a qual pode se r detectada entre 8
• 2" passo: garantir os recursos humanos, físicos, materiais e 11 dias após a concepção. Os níveis plasmáticos, em mu-
e técnicos necessários à atenção pré-natal. lheres com gestação eutópica, ge ralmente duplicam a cada

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Capítulo 72 Assistência Pré-natal 595

48 horas, atingindo um pico (em tOrno de l 00.OOOm Ullml) Quadro 72.2 Fatores de risco que indicam o encaminhamento ao
pré-natal de alto risco
entre 60 e 90 dias de gravidez. A maioria dos testes tem sen-
sibilidade para detecção de gravidez entre 25 e 30mUI/ml. Fatores relacionados com condições prévias
Resultados falso-positivos podem ser encontrados quan- Cardiopatias
do o resultado se situa na faixa de 2 a 25mUI/ml. Valo- Pneumopatias graves (incluindo asma brOnquica)
res <SmUI/ml são considerados negativos e > 25mUI/mL Nefropatias graves (como insuficiência renal crônica e em casos de
transplantados)
positivos. Endocrinopatias (especialmente diabetes metlitus, hipotireoidismo e
• Diagnosticar ou confirmar doenças maternas preexistentes, hipertireoidismo)
tratando-as de modo a reduzir seu impacto na evolução Doenças hematológicas (inclusive doença falcilorme e talassemia)
Hipertensão arterial crônica e/ou caso de paciente que faça uso de
da prenhez e em seus resultados. A caracterização de uma
anti-hipertensivo (PA > 140/90mmHg antes de 20 semanas de idade
situação que envolva risco mais relevante e que demande gestacional)
maior aparato tecnológico deve ser necessariamente referen- Doenças neurológicas (como epilepsia)
ciada a serviços especializados em atendimento a gestantes Doenças psiquiátricas que necessitam de acompanhamento
(psicoses. depressão grave etc.)
de altO risco , podendo retornar ao nível primário quando se
Doenças autoimunes (lúpus eritematoso sistêmico. outras
considerar a situação resolvida e/ou realizada a intervenção. colagenoses)
O MS orienta que, a despeito desse encaminhamento, a Uni- Alterações genéticas maternas
dade Básica de Saúde deve continuar responsável pelo se- Antecedente de trombose venosa profunda ou embolia pulmonar
Ginecopatias (malformação uterina, miomatose, tumores anexiais e
guimento dessa gestante referenciada para atendimento em outras)
nível secundário. Existem algumas condições em que, detec- Portadoras de doenças infecciosas. como hepatites. toxoplasmose,
tadas as condições desfavoráveis, a gestante deve permane- infecção pelo HIV, slfilis terciária (US com malformação fetal) e
cer na Unidade Básica (Quadro 72.1), enquanto em outras é outras DST (condiloma)
Hansenlase
encaminhada aos serviços de alto risco (Quadro 72.2). Tuberculose
• Orientar a gestante quanto a hábitos de vida, d ieta, ativida- Dependência de substâncias licitas ou ilícitas
de física, entre outros, ampará-la social e psicologicamen- Qualquer patologia cllnica que necessite de acompanhamento
te, além de educá-la para o parto e o aleitamento, ensinan- especializado

do noções de puericultura. Fatores relacionados com história reprodutiva anterior


• Acompanhar a evolução da gravidez, observando as condi- Morte intrauterina ou perinatal em gestação anteri()(, principalmente
ções da gestante e o desenvolvimento do feto. de causa desconhecida
História prévia de doença hipertensiva da gestação com mau
resultado obstétrico e/ou perinatal (interrupção prematura da
Quadro 72.1 Fatores de risco que levam à realização do pré-natal pela gestação, morte fetal intrauterina. síndrome HELLP. eclãmpsia,
equipe de atenção básica internação da mãe em UTI)
Abortarnento habitual
Fatores relacionados com características Individuais e condições Esterilidade{lnfertilidade
soclodemográllcas desfavoráveis
Fatores relacionados com a gravidez atual
Idade <15 e >35 anos
Ocupação: eslorço físico excessivo, carga horária extensa. Restrição do crescimento intrauterino
rotatividade de horário, exposição a agentes físicos. qulmicos e Polidrãmnio ou oligoidrãmnio
biológicos. estresse Gemelaridade
Situação familiar insegura e não aceitação da gravidez. Malformações letais ou arritmia fetal
principalmente em se tratando de adolescentes Distúrbios hipertensivos da gestação (hipertensão crônica
Situação conjugal insegura preexistente, hipertensão gestacional ou transitória)
Baixa escolaridade (<5 anos de estudo regular) Fonte: Ministério da Saúde - Secretaria de Atenção à Saúde - Oepanamento de
Condições ambientais desf avoráveis Atenção Básica, 20 13.

Altura < 1,45m


IMC que evidencie baixo peso, sobrepeso ou obesidade
Fatores relacionados com história reprodutiva anterior • Diagnosticar e tratar intercorrências gestacionais, encami-
Recém-nascido com restrição de crescimento, pré-termo ou nhando os casos considerados de alto risco para os centros
malformado especializados.
Macrossomia fetal • Adotar medidas preventivas recomendadas para a proteção
Síndromes hemorrágicas ou hipertensivas
da gestante e do feto.
lnteNalo interpartal <2 anos ou >5 anos
Nuliparidade e multiparidade (cinco ou mais partos)
Cirurgia uterina anterior INÍCIO 00 PRÉ-NATAl
Três ou mais cesarianas
A época em que deve ter início o pré-natal deve ser a mais
Fatores relacionados com a gravidez atual
precoce possível, urna vez que objetiva a identificação e a pre-
Ganho ponderai inadequado
venção de intercorrências clínicas, cirúrgicas e obstétricas que
Infecção urinária
Anemia possam agravar o estado de saúde da gestante ou do feto. O
Fonte: Ministério da Saúde - Secretaria de Atençao à Saúde - Departamento de
ideal é que esta tenha se submetido a uma consulta pré-con-
Atençao Básica, 2013. cepcional em que tenham sido descanados problemas pas-
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I )

j 596 Seção 11 Obstelrícia

slve•s de tratamento. O MS recomenda a reahzação de, pelo androide. Entretanto, o pano espontâneo é maiS frequente
menos, se1s consultaS durante a gestação; até a 28' semana, na raça negra em razão de a cabeça fetal ser maiS moldá,·el.
mensalmente; entre a 2& a 36" semana, qumzenalmente, e • Profissão: atenção especial deve ser dada à mulher cuja
depois a cada semana até o nascimento. Não é admissivel a ativídade profissional obriga a pern1anência por longos pe-
chamada "alta do pré-natal" ao se atingir o termo. A grávida rlodos na posição supina. O aumento da pressão venosa
deve ser acompanhada até que ocorra o parto. A partir da 41 • nos membros inferiores durante a gestação possibilita a
semana é necessário realizar a avaliação do bem-estar fetaL ocorrência de lesões valvares das veias com a consequen-
Estudos demonstram que a parür dessa idade gestacional é te formação ele varizes e aumento do risco de fenômenos
preferlvel proceder à indução do trabalho de pano a manter a tromboembólicos. Grávidas expostas a outros fatores de
avahação seriada da vitalidade fetaL risco profissional, como esforço fisico intenso e exposição
As pacientes com gestação de alto risco deverão ser a agentes qulm1cos, fls•cos e biológicos, além de estresse,
acompanhadas a intervalos avalíados indlVldualmente e de devem ser muno bem avaliadas a respeito da necess1dade
acordo com a gra\'tdade de sua doença, sendo mu•tas vezes de afastamento desses nscos.
necessário que esse acompanhamento seJa reahzado com a • Es tado civil: obsen'am-se mlluências marcantes no de-
gestante internada em hospitaL Estudos de metanáhse, no senvolvimento da gravidez em decorrência da situação
entanto, demonstraram que a redução no número tradi - conjugal da gestante, não somente pelo apoio econômico,
cional de consultas de pré-natal não se associou a resulta- mas também pelo suporte psicológico proporcionado pela
dos adversos maternos ou perinatais, como pré-eclâmpsia, presença do companheiro.
in fecção do trato urinário, mortalidade materna ou baixo • Procedência: o conhecimento do local de origem da ges-
peso ao nascer, desde que haja qualidade na atenção pré- tante é importante 110 acompanhamento pré-natal em ra-
nataL Entretanto, a redução do número de consultas foi as- zão da interferência de determinadas endemias na gestação
sociada à insatisfação da gestante em relação aos cuidados (como a malária, que é causa de restrição do crescimento
pré-natais. fetal e prematuridade em regiões endêmicas). Atualmente,
O roteiro da consulta de\'e seguir os mesmos critérios de com o ad\'ento da infecção pelo Zika vlrus e a possibi-
qualquer obsen·ação clínica com dados de anamnese, exame lidade da transm1ssáo \'ertlcal, torr13-se imprescmdlvel a
fis1co e sohc1tação de exames laboratona1s. O obstetra não identificação da posslvel procedência de gestantes de área
de,·e menosprezar qualquer queixa ou sintoma refendo pela com alta pre\'al~ncia do vlrus.
gestante, ass•m como não se pode negltgenc~ar o exame físico • Escolaridade: possibilita que o médico saiba como passar m-
por não estar lidando com doente. formações à gestante de acordo com seu grau de compreen-
Segundo o MS (2013), a atenção pré-natal deve obedecer a são. Nlveis mais baixos de escolaridade estão associados a
um roteiro com base no fluxograma apresentado na Figura 72. L menor acesso à informação e exposição a agravos, como a
infecção pelo vfrus da imunodeficiência humana (H IV).

ANAMNESE NA GESTAÇÃO
Queixa principal
Identificação
Embora grande número de gestantes se apresente comuni-
• orne: a relação médico-paciente só tem a crescer quando cando que estão gráv1das e desejam fazer o pré-natal, às vezes
a pac1ente é conhecida e tratada por seu própno nome, elas relatam outras queiXas, às quais, por ,-ezes, o obstetra não
e\'ltando-se o uso de expressões como "mãezmha ", "dona dá o de,~do ,-ator por collSlderá-las irreb-ames, uma vez que
Maria" etc.
muitas podem ser consequ~ncias de alterações fisiológ•cas da
• Idade: o conhecimento da idade da pac1ente é imprescindí- gravidez e, assim, termma a consulta sem atendê-las no que
vel em vmude da maior ou menor incidência de determina-
se refere a explicações e orientações, o que tem efeitos franca-
das doenças em cenas faixas etárias. Considera-se primiges- mente negativos no estado emocional das gestantes.
ta jovem a mulher cuja primeira gestação incide antes dos
17 anos e primigesta idosa aquela cuja gestação ocorre após
os 30 a110s. Ressalvadas as posslveis doenças em função da História familiar
faixa etária, a gestação pode desenvolver-se sem intercorrên- As doenças familiares devem se r interrogadas. Entre aque-
cias. As mulheres com mais de 35 anos devem ser orienta- las de transmissão hereditária destacam-se cardiopatia, diabe-
das quanto ao diagnóstico antenatal de doenças genéticas, tes, HAC, epilepsia, neoplasias e alterações pslquicas. Entre
principalmente as cromossomopatias, como a slndrome de as de transmissáo infecciosa vertical destacam-se LUberculose,
Down, além de ser maior a associação a outras comorbida- hepatites B e C, HIV e slfillS. De\·e ser valorizada a hlStóna
des, como h1penensão, obesidade e dtabetes. de hipenensão mduz1da pela gravidez e de fenômenos trom-
• Etnia: ressalta-se a maior incidência de h1penensão ane- boembóbcos em parentes de primeiro grau.
rial crônica (HAC), anemia Calciforme e miomatose uterina
nas gestantes de etnia negra. Diferenças étmcas também História pregressa
acompanham variações na bacia óssea. Entre as mulheres A história pregressa deve ser investigada com muita aten-
negras se encontra a maior porcentagem de bacia do tipo ção, em razão da possibilidade de repercussão negativa so-
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Capítulo 72 Assistência Pré-natal 597

Mu lheres com suspeita de gravidez


Atraso menstrual
Náusea
Suspensão ou irregularidade do uso do contraceptivo
Desejo de gravidez

f
Consulta de acolhimento
Devem ser avaliados: ciclo menstrual - DUM, atividade
sexual e uso de método contraceptivo

/ ~
DUM
> 12

Sim Sim

~-HCG urinária, teste rápido Ausente Ausculta de BCF

Negativo Positivo Presente

Repetir ~-HCG em 15 dias Consulta de acolhimento


Devem ser avaliados:
cic lo menstrual - DUM,
atividade sexual e
Negativo uso de método contraceptivo

+
Investigar outras
causas de
irregularidade
menstrual

Encaminhar a gestante para o


serviço de pré-natal de alto risco

Avaliação do
risco gestacional pelo Afastado o risco
médico

Confirmado o risco

Pré-natal de alto risco Pré-natal de alto risco

Atendimento pela equipe da área de abrangência


Garantir o atendimento no ambulatório de pré-natal de alto risco O ideal é que as consuttas sejam alternadas
Manter o acompanhamento da equipe da área de abrangência com o médico e o enfermeiro
Monitorizar os retornos ao ambulantório de alto risco Monitorizar os retornos
Visitas domiciliares mensais pelos ACS e pela equipe, se necessário Visitas domiciliares mensais pelos ACS e pela equipe, se necessário
Identificar o hospital de referência de alto risco para o parto Identificar a hospital de emergência de baixo risco para o parto
Agendar consulta de puerpério para a primeira semana pós-parto Agendar consulta de puerpério (para a mãe e o RN)
para a primeira semana pós-parto

Figura 72.1 Fluxograma para o atendimento no pré-natal de baixo risco. (Ministério da Saúde- Secretaria de Atenção à Saúde- Departa-
mento de Atenção Básica, 2013.) (DUM: data da última menstruação; BCF: batimentos cardiofetais; ACS: agente comunMrio de saúde; RN:
recém-nascido.)
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J 598 Seção 11 Obstetrícia

b re o concepto ou de complicações que agravem a doença investigadas, prefe rencialmente fora do período de gravidez,
ou coloquem em risco a vida da mãe. E o que acontece com para que seja instituída a terapêutica adequada. Atualmente ,
as mulheres portadoras de h ipertensão, cardiopatia, nefro- deve-se estar muitO atentO para o diagnóstico das trombo-
patia, diabetes, doenças auwimunes, d istúrbios mentais ou filias, questionado atualmente como possível etiologia dos
epilepsia, doenças infecwcontagiosas e distúrbios tireoidia- abortamentos de repetição. O tempo decorrido entre o úl-
nos, quase sempre em uso de medicamentos. Por fim, devem timo parto e a gestação atual se constitui no intervalo inter-
ser investigados os atos operatórios prévios, os acidentes e a parta! - quando de 10 anos ou mais, a atividade do organis-
ocorrência de transfusão sanguínea ante rior. Nesse particular, mo feminino equ ivale a uma estreia funcional. A evolução
ressaltem-se a importância da transmissão de moléstias infec- da gestação atual, bem como do parto, equivale à de uma
ciosas e a possibilidade da sensibilização materna ao fawr Rh. prim igesta.
No que se refere às gestações p regressas, deve-se perguntar
História ginecológica sobre a idade gestacional à interrupção e a respeito do tipo
Convém pe rguntar a idade da paciente na menarca. A re- de parto; nos casos de parto normal, se foram hospitalares
gula ridade ou não do ciclo menstrual e a quantidade e fre- ou domiciliares e se houve necessidade de fórceps. Em caso
quência do nuxo são de grande valia tanto no que diz respeito de cesa riana, cabe investigar a indicação e o tipo de h iste ro-
à confiabilidade da data da última menstruação (DUM) como tomia, principalmente naquelas gestações inte rrompidas com
para o cálculo da data provável do parto (DPP). menos de 30 semanas, em que a histerotOmia corporal é am-
De grande importância é o conhecimento de cirurgias gine- plamente utilizada.
cológicas p regressas. A incisão cirú rgica proveniente de mio- Quanto ao recém-nascido, é importante saber seu peso e as
mecwmia deve ser investigada em virtude do risco de ruptura condições presentes logo após o nascimento, assim como as
uterina por ocasião do trabalho de parto. A uretrocistopexia, intercorrências do período neonatal. Finalmente, deve-se saber
previamente realizada e bem-sucedida, implica a indicação se a paciente o amamentou, quanto tempo e se houve alguma
de cesariana, assim como fistulas vesicovaginais e rewvagi- complicação.
nais corrigidas. A amputação do colo uterino é compatível
com o parto normal, mas pode comprometer a competência História obstétri ca atual
ce rvical, merecendo acompanhamento criterioso durante o Neste tópico são enfatizadas as possíve is intercorrências
pré-natal. Os métOdos anticoncepcionais devem ser pesquisa- clínicas que repercutem negativamente sobre a gestante e seu
dos. Devem ser investigados o início da atividade sexual, sua conceptO. Nesse momentO é necessãrio o cálculo da DPP com
frequência e o número de parceiros. Cabe uma preocupação a utilização da regra de Naegele, a qual prevê uma duração de
pa rticular com as doenças sexualmente transmissíveis (DST), 280 d ias para a gestação , sendo necessário o conhecimento da
algumas das quais são danosas para o feto. DUM para sua obtenção. Somam-se 7 dias ao p rimeiro dia
Igualmente importante é inteirar-se da aceitação ou não da última menstruação e se subtraem 3 do mês, conforme
da gravidez, tanto por pane da mulhe r como de seu parcei- demonstrado a seguir:
ro e da família, principalmente se a gestante fo r adolescente.
E imp rescindível o reconhecimento daquelas mulhe res que Cálculo da OPP pela regra de Naegele
contam com fraca rede de suporte social.
Cálculo da DPP:
dia/mêS/ano +7/-3/ano
História obstétrica Obs.: se mudar de mês. subtrair 2 em vez de 3
Exemplos: DUM: 13/09/2014 DUM: 27/9/2014
A evolução dos panos anteriores deve ser analisada. Diante
DPP: +7/-3 DPP: +7/-2
de cesariana prévia, a possibilidade de nova intervenção de- 20/6/2015 04/7/2015
penderá da indicação e do tipo de incisão ute rina (corporal
ou segmentar) na cesariana anterior. A evolução das gestações Pata ano bissexto: se o mês de fevereiro lor incluldo no cálculo,
somam-se 6 ao primeiro dia da última menstruação em vez de 7.
anteriores, até ceno ponto, poderá repetir-se na gestação atual. Exemplo: 2016 (ano bissexto)
Partos vaginais espontâneos anteriores falam a favor de evo- DUM: 12/10/2015 DUM: 15/4/2015
lução melhor. No entanto, essa afirmação não é matemática, DPP: +6/-3/ DPP: +7/-3/
18/7/2016 22/1/2016
uma vez que alguns autores relatam que a multiparidade pode
originar contrações menos eficientes com alteração da prensa
abdominal. A gestação anterior ectópica, com natimorto, mal- Nem sempre a grávida é capaz de informar com fidelidade
formado ou gestação após tratamento de in fertilidade, é super- a DUM ou, às vezes, até a ignora, o que pode tornar proble-
valorizada. mática a estimativa da idade real da gestação (JGE). Naqueles
Com relação aos abortamentos, é imprescindível obte r as se rviços que d ispõem de ultrassonografia (US), esse problema
seguintes info rmações: espontâneos ou induzidos, em quais é mais facilmente resolvido. Quanto mais precoce a gestação,
idades gestacionais ocorreram, se fo ram seguidos ou não de melhor será a estimativa correta da idade gestacional. Outros
cu retagem e se apresentaram algum tipo de complicação. As dados podem ser utilizados para se aferir aproximadamente a
pe rdas gestacionais de repetição devem se r exaustivamente idade gestacional: até a sexta semana não ocorre alteração do
r
((

Capítulo 72 Assistência Pré-natal 599

volume uterino: na oitava, o útero corresponde ao dobro de seu quência cardlaca materna em torno de HO batimentos
tamanho: na 12', o útero se torna palpável na sinfise púbica; por minuto. Os medicamentos utilizados pela gestante
na 16", o fundo uterino se encontra entre a sínfise púbica e a devem ser in"esllgados e, se necessãrio , substituídos por
cicatriz umbuical: na 20', o fundo utenno se encontra na altura outros com menos nsco para a gestante e o feto (vep oCa-
da cicatnz umb1hcal. A 1dade gestac1onal serâ oblida median- pitulo 74).
te a soma do número de d1as desde o pnmeiro dia da úllima • Sistema nervoso: cefale1a, tonteira, alterações viSuais, de-
menstruação até a data desejada e a d1\~são do resultado oblido ambulação e sens1b1hdade dolorosa e tátil nas d1ferentes
por 7 (número de d1as de I semana), como mostrado a seguir: regiões do corpo são alguns dos sintomas para pesqui-
sa. Cefaleia e escotornas acompanhados de h1per-reOexia
ocorrem em casos de pré-eclâmpsia e eclâmps1a.
Cálculo da Idade ges'-c lonal
• Aparelho gastrointestinal: as alterações fisiológicas do
Exemplo: DUM 20/1012015 - Da1a do cálCulO: 11/1/2016 aparelho digestivo favorecem o aparecimento de sialorreia,
IGE: 11+30+31+11= 87 + 7=12 semanas e 3 dias pirose e constipação intestinal. Convém afastar dúvidas re-
ferentes à presença de vômitos que , embora comuns em
50% a 80% das gestantes no inicio da gestação, podem
Anamnese especial estar associados a doenças como apendicite. pancreatite,
A anamnese especial objetiva a análise das mod ificações fi- obstmção intestinal ou pielonefrite, acompanhadas de ou-
siológicas da gravidez sobre os diversos sistemas, assi m como tros sintomas. Na gestação tardia, a pré-eclampsia grave
das manifestações clinicas de doe nças preexistentes ou que se pode manifestar-se com qtmdro semelhante a uma patolo-
manifestam durante a gravidez, a sabe r: gia gastrointestinal.
• Aparelho circulatório: a gestante normal pode, frequente-
• Hábitos: o tabagismo está relacionado com o crescimento mente, apresentar palpitações em razão do estado hiperdi-
intrauterino restrito (CIUR). Convém anotar o número de nâmico da gravidez e dispneia provocadas pela hiperven-
cigarros fumados por dia . O álcool ingerido em grande Lilação e elevação da cúpula diafragmática. Nesse caso não
quantidade se associa à sindrome fetal alcoólica. Recém- existe antecedente de dispne1a aos esforços ou de decúbi-
-nascidos prematuros de gestantes que ingerem sete ou to. O exame fís1co da área cardiaca colabora para a exclu-
mais doses de bebida alcoóhca por semana e/ou três ou são de e,·emual doença card1ovascular.
mais na mesma ocasião apresentam risco maior de desen- • Aparelho respiratório: de\'e-se mquim sobre dispneia,
volver as formas maiS comuns de lesão cerebral: hemorra- tosse, expectoração e hemoptlSe e invesugar antecedente
gia cerebral e destruição da substância. Não foi encontrada de tuberculose. A d1spnem pode estar hgada a uma pneu-
nenhuma e\'ldêncm de que hap uma quanlidade segura de mopatia crônica que poderá repercuur sobre a oxigenação
consumo de álcool durante a grav1dez. A abstinência é o do concepto. Cabe mvesugar a presença de pneumopatia
recomendado. Há amda que pesqUisar o uso de substân- tipo obstruu"a que, além da ox1genação preJUdicada, tem
cias tlicuas que comprometam a integndade flsica e psiqui- implicações Importantes no momento do pano em função
ca da gestante e causem seque las no feto e no RN. O uso de do tipo de anestesia.
cocaina durante a gestação aumenta significati\·amente o • Aparelho urinário: a d1mmuição do penstalusmo urete-
risco de descolamento prematuro da placenta e de ruptura ral, a compressão do trato unnáno pelo útero gravidico e o
prematura das membranas. reOuxo "esicoureteral são condições fisiológicas que acar-
A orientação deve ser dada no senlido de abolir os ví- retam aumento da incid~ncia de mfecção do trato urinário
cios e, se necessãno, recorrer a apoio psicoterapêutico. A (ITU) no perlodo gestacional, a qual pode ser acompanhada
atividade f!sica pode ser mamida e mesmo estimulada caso de maior incidência de partos prematuros, justificando-se,
não haja contraindicações. Durante a gravidez, os exe rcí- assim, a pesquisa de sintomas como disúria, polaciúria e
cios mais indicados são caminhada, natação e hidroginás- hematúria.
tica. Os exercícios de alto risco, como basquetebol, hipis- • Aparelho locomotor: o aumento da pressão venosa nos
mo, voleibol, mergulho, jogging intenso, esqui aquático e memb ros in feriores e o estado de hipercoagu labilidade são
ginástica de alto impacto, devem ser desestimulados. As fatores que favorecem o surgimento de varizes dos mem-
atletas profissionais devem ser questionadas a respeito da bros inferiores e o aumento da incidt!ncia de tromboses ve-
restrição à ingestão de alimentos que possa resultar em nosas. Cabe ao obstetra a investigação de edema, aumento
CIUR ou do consumo excessivo de vitaminas que ocasione da temperatura e mialgias. Dificuldade na marcha, dores
malformações no concepto. lombares e ciatalgias podem ser decorrentes da embebição
Finalmente, deve ser investigado o uso de esteroides gravidica.
anabólicos que possam mascuhmzar um feto feminino.
Mesmo gestantes saudáveiS devem ser avaliadas antes
do inicio da atl\'ldade física . Recomenda-se a prática EXAME FÍSICO
de exercic1os moderados por 30 mmutos, diariamente, O exame flsico imctal da gestante é de fundamental im-
tendo como zona-alvo esumada a manutenção da fre- ponãncia no senudo de observar doenças maternas que, de
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'j 600 Seção 11 Obstetrícia

algum modo, comprometam o binõm10 mãe-feto. O exame A palpação está d1ficultada na geStação, porém os nódulos
frs1co da gestante deve ser feito de mane1ra s1Sttm1ca, ISto é, encontrados devem ser 1m·estigados.
analisando os diferentes sistemas e não apenas os que dizem Ê preciso orientar o preparo das mamas e dos mami-
respeito mats d iretamente à gestante: los durante a gestação para e,·itar transtornos no puerpé-
• Mucosas: muitas vezes indicam a presença de anemia, si- rio , sendo posslvel a realização de massagens para tornar
tuação deleté ria para mãe e feto. o mamilo mais saliente, fazendo pressão com os dedos e
• Varizes: justi ficam a o rientação pa ra o uso ele meias elásti- puxando a pele a parti r da aréola para os lados, para cima
cas com fi nalidade compressiva e de repouso. e para baixo. Esses exe rcidos devem ser feitos a pa rti r do
• Peso: a gestante deve ser estimulada a ganhar 10 a 12kg segundo t rimestre e de prefe rência durante o banho. Ma-
durante a grav1dez. Muitos estudos vem demonstrando milos invertidos ou malformados podem apresentar bons
que as mulheres não obesas que apresentam ganho pon- resultados com estimulação com seringa virada e, realizan-
derai aba1xo do recomendado tem frequentemente RN de do-se urna leve tração, obtém-se um vácuo que os faz pro-
ba1xo peso. Os prejuizos do ganho ponderai na grav1dez trundir. Recomenda-se também a exposição ao sol durante
são maiS pronunciados em mulheres desnutndas na fase 5 a 10 mmutos entre as 8 e as 9 horas para de1xar a pele
pré-gravld1ca. Elas têm, normalmente, neonatos pequenos mais resistente.
para a 1dade gestacional (PIG) como resultado do CIUR. • Abdome: no final da gestação, o abdome pode apresentar-
Essas deveriam ganha r mais peso, em torno de 500g por -se globoso, ovo1de ou às vezes em obus, representado pela
se mana. Em contraste , as gestantes obesas costu mam dar diástase méd ia dos músculos retos abdominais ou mesmo
à luz RN grandes para a idade gestacional (G IG), mesmo em pêndulo, q uando ocorrem diástase e anteversão uterina
q uando apresentam ganho ponderai gravfcl ico in ferior ao máxima, podendo ocorrer distocia no trabalho de parto.
mini mo recomendado de 10kg. Essas devem manter o ga- • Mensuraçâo d a altura uterina: medida pela fita métrica .
nho semanal de aproximadamente 300g e receber as orien- O útero cresce em média 4cm por mês. Nessas condições,
tações de nutricionistas. Gestantes adolescentes devem ga- na 400 semana de gestação terá uma altura méd ia de 34cm.
nhar I kg acima do estabelecido pela norma; gestantes com Nas primigestas, aproXimadamente 2 semanas antes do
altura <l40cm devem ter ganho máx1mo de lO a llkg ao pano, em razão da Insinuação do polo fetal, pode ocorrer
final da grav1dez. queda do ventre com d1mmuição da altura utenna. A me-
• Pressão arterial ( PA): a mensuração de,·e ser obuda com dida deve ser reahzada a panir da borda supenor da sln-
a gestante sentada com o antebraço apoiado em uma su- fise púbica. O útero deve ser colocado na posição correta,
perfrcíe no nlvel do coração após repouso de 5 m mutos. ou seja, na região mediai, corrigindo-se desvios da d1retta
Utiliza-se para a medida da PA d iastólica o quimo som de ou da esque rda e delimitando-se, sem comprimir, o fundo
Korotkoff (desaparecimento das bulhas). ute rino com a borda cubital da mão. Com a fi ta métrica
• Temperatura: sua finalidade é afastar processos in feccio- mede-se o arco uterino. A correlação entre o crescimento
sos ou innamatórios. uterino e a idade gestacional auxilia aqueles casos em que
• Glândula tireoide: apresema aumento fisiológico. Nos casos é desconhecida: até a sexta semana não ocorre alteração do
duv1dosos devem ser solicitados exames complementares. tamanho uterino; na oitava, o útero corresponde ao dobro
• Pulso: sua avaliação é importante, pois se pode suspe1tar de do tamanho normal; na décima, corresponde a tn~s ,·ezes o
alterações cardlacas, anemia, febre ou disfunção da ureo1de. tamanho hab1tual; na 12•, o útero enche a pelve, de modo
• Aus culta card !aca: detectam-se sopros SIStóhcos funcio- que é palpável na slnfiSe púbica; na 16', o fundo utenno se
naiS em função da hiperdinâmica circulatóna. encontra entre a slnfise púb1ca e a cicatriz umbihcal; na 20'
• Cabeça: JUnto ao limite do couro cabeludo ocorre a for- semana, o fundo do utero se encontra na altura da c1catnz
mação bastante evidente de lanugem em consequência u mbilical; a parur da 2()1 semana existe relação di reta entre
da intensificação da nutrição dos folrculos pilosos. que as semanas da gestação e a medida da altura. No entanto,
constituem o sinal de Halban, pode ndo surgi r manchas esse parâmetro se torna menos fiel a pan ir da 30• ou 32•
hipercrO micas nas regiões muito expostas, denominadas semana de idade gestacional.
cloasmas. Ê importante que a bexiga esteja vazia para não ocorrer
• Mamas: à inspeção, a aréola se encontra mais escura do que disto rção de sua med ida, a qual pode aumenta r em 3cm
fora da gestação, apresentando ao redor a aréola secundária quando a bexiga está cheia. A constatação de u ma med ida
menos p1gmentada, de limites imprecisos, o que consutui o maior do que a esperada para determinada idade gestaclo-
smal de Hunte r. A circulação mais cahbrosa que acompanha nal pode estar relacionada com erro na DUM, polidrâmmo,
o desem"Olvtmento das mamas deixa perceber urna trama gestação múlt 1pla, macrossomia fetal, diabetes ou doença
de vasos venosos na pele, chamada rede de Haller. Na aréo- =fobláslica. Quando a altura uterina é menor do que a es-
la pnmária aparecem, durante a gestação, os tubérculos de perada, pode-se estar d1ante de erro na DUM, fetos geneti-
Montgomery, que regridem no puerpério e são provenientes camente pequenos e CIUR.
das glândulas sebáceas hipenrofiadas ou das glândulas rna- • Palpação uterina : a palpação obstétrica é recurso de ex-
mârias secundárias. A inspeção também possibilita avaliar t remo valor e tempo ob rigatório no exame da grávida.
a e.~isttncía ou não de anomalias mamárias ou mamilares. O bjetiva recon hecer o volume ute rino nas gestações com
r
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Capitulo 72 Assistência Pré-natal 601

menos de 6 meses e , em idade gestacional mats avançada, EXAME GINECOLÓGICO


o d1agnósuco da situação, posição e apresentação fetal. A • Aparelho genital externo: de,·em ser idenuficados tumo-
técmca correta para palpação ex1ge que a pac1ente esteja res, lesões ou anormalidades genitais que possam dtficultar
em decúbito do rsal com os membros superiores para- ou impedir o parto pela via vaginal. Verifica-se a integri-
lelos ao tronco e membros inferiores estend idos, ventre dade ou ruptura perineal, incluindo ciswcele, retocele e
descoberto e bexiga vazia. A palpação uterina tem por anomalias da região perianal.
finalidade reconhecer o feto , sua aprese11tação, situação • Exame especular: possibilita a visualização da cavidade
e posição. A técnica de palpação segue as manobras de vaginal e do colo uterino, bem como a presença de ec-
Leopold: trópio ou pólipos cervicais que muitas vezes são causa
- Primeira manobra (Figura 72.2): objetiva fundamen- de sangramentos na gestação. Devem ser observadas as
talmente a determinação da altura do fundo uterino e caracterfsucas do resrduo vaginal e coletado matenal para
de sua relação com os pontos de referencía - a srnfise exame oncóuco. Na presença de qualquer lesão cerv1cal
púb1ca, a cicatriz umbilical, o apend1ce x1fo1de e os re- vagmal ou ''uivar suspeita deve-se ind1car colposcop1a
bordos costais. seguida de b1ópsia, se necessária. O teste de Sch1ller é
- Segunda manobra (Figura 72 .3): sua finalidade é obrigatório.
diagnosticar a situação e a posição fetal em relação aos • Toque: devem ser obtidas as seguintes informações: resis-
nancos matemos {longitudinal, transversa ou oblíqua, tência do perfneo e elasticidade da cavidade vagmal; com-
esquerda ou d ireita). No caso de situação transve rsa, primento, consistencia e dilatação ou não do colo. Além
essa manob ra possibilita identificar os polos fetais nos d isso, verifica-se a existência de massas uterinas ou ane-
nancos direito ou esquerdo da gestante. xiais. A pelvimetria interna está detalhada no Capítulo
Terceira manobra (Figura 72.4): por meio dessa ma- 77. Todos os dados importantes devem ser registrados no
nobra se identificam a apresentação fetal e sua altura. prontuário da gestante e transc ritos em seu cartão de pré-
Na presença de polidrãmnio, as paredes uterinas estão natal. Nas consultas seguintes devem-se avaliar o bem-
excessivamente distendidas, tornando d1flcil palpar as -estar fetal e o materno, analisando os seguintes aspectos:
panes fetais. Já no oligoidrãmmo é possrvel palpá-las Condições maternas: PA, ganho ponderai, edema pa-
com grande facilidade. tOlógico (mãos e face) e altura uterina. O exame espe-
• Ausculta fetal : os batimentos cardiofetaiS (BCF) podem cular de,·erá ser realizado na presença de sangramento
ser percebidos pelo estetoscópio de Pmard por volta de gemtal, perda de lrquido ou corrimento ,·aginal. Con-
18 a 22 semanas de gestação, pelo sonar entre 10 e 12 vém questionar sinais e sintomas de processos mfeccio-
semanas e pele US entre 6 e 7 semanas. Os BCF oscilam sos do trato urinário, além do hábito intestinal. Toques
entre 1.20 e 160 batimentos por minuto e, em média, 140 sequenciais devem realizados nas gestantes com in-
batimentos por minutO. Admite-se que no estado febril competencia istmoce rvical, estando proibidos naquelas
materno o batimento cardlaco fetal se eleva em lO a 20 com ruptura prematura pré-termo de membranas e que
batimentos por minuto para cada grau acima de 37"C. apresentem placenta prévia. Nas gestações de evolução

Figura 72.2 Primeira manobra de Leopold. Figura 72.3 Segunda manobra de Leopold. Figura 72.4 Terceira manobra de Leopold.
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J 602 Seção 11 Obstetrícia

normal, o toque é realizado próximo ao termo para ava- ca, renal, endócrina, neoplasia), podem ser responsáveis pelo
liação das mod1ficações do colo. surgimento ou agra,'llmento da anemm durante a gravidez. As
Condições fetais: BCF, movimento fetal. tamanho fetal, anemias hemollúcas, como as falctformes, as talassemias e a
situação e apresentação fetal e quantidade de liquido esferocitose, entre outras, são frequentemente d1agnosticadas
amnióuco. na infância e acompanhadas pelo hematologista.
Ocorre aumento moderado do número de leucócllos du-
rante a gestação, aungmdo valores entre 10 mH e 15 mil.
EXAMES LABORATORIAIS
Entretanto, não se observam formas JOvens caractenzando o
Na asslSt~ncia pré-natal, os exames laboratonalS complemen-
desvio para a esquerda. A valonzação da leucoc1tose na ges-
tam a propedêuuca cliruca, awohando a defimção do diagnósti-
tação ou mesmo do deSVIo à esquerda 1mphca a realização de
co. Os precoruzados nos Cadernos de Atenção Básica (Atenção
leucogramas seriados e a associação com o quadro clinico. O
ao Pré-natal de Bruxo Risco, 20 13) estão assmalados com asteris-
número de plaquetas dimmUl ligeiramente durante a gestação
co e podem ser consultados em conjunto no Quadro 72.3.
(150 mil a 320 mil) e essa d1minuição se deve à hemodiluição
e ao aumento de seu consumo.
Hemograma* O MS preconiza a realização do hemograma de rotina na
Em virtude do aumento desproporcional do volume plas- primeira consulta e novamente no infcio do terceiro trimes-
mático em relação ao do volume eritrocitário ocorre hipervole- tre, podendo ser repetido mais vezes ele acordo com necessi-
mia com hemodiluição. Essas alterações acarretam a chamada dades especificas.
anem ia úsiológica da gravidez, cujos nfveis de hemoglobina Os Capítulos 71 e 105 complementam as informações a
se encontram entre 10 e 13gldl. A anemia verdadei ra é ge- respeito da interpretação do hemograma e elo tratamento das
ralmente secundária à cleficiencia de ferro. Entretanto, outras anemias.
causas, como deficiência de ácido fólico e mais raramente
vitamina B11 (anemia perniciosa) e doenças crônicas (hepáti-
Eletroforese de hemoglobina*
A Coo rdenação de Saúde das Mulheres do MS, em nota
Quadro 72.3 Exames complementates para gestanles de baixo risco técnica de dezembro de 2013, instituiu em todo o território
nacional a inclusão do rastreamento das anemias hereditá-
Trimestre Exames complementares
rias com ênfase no diagnósuco da anemia e traço falei forme
Primeira Hemograma por meio da eletroforese ele hemoglobinas, na rotina dos
consulta Tipagem sangulnea e ta1or Rh
ou Coombs oncl•reto (se Rh-negatiVO) exames de pré-natal. Para tanto, o MS considerou a inci-
primeiro Glicemia em teJUm dência da anemia falc1forme (1:1.000) e do traço falc1forme
trimestre Teste ráp•do de tnagem para sltir.s eJoo VDRL (1:35), além da grande m1sc1genação da população brasi-
Teste rápido dt&gnósltCO anu-HIV
Toxoplasmose lgM e lgG
leira. O exame deve ser sohCltado na pnme1ra consulta de
So<olog18 para hepat•te B (HbsAg) pré-natal. Ao se idenuficar a forma homoz1gota (SS), ages-
Urocultura + unna upo I tante de,·erá ser encaminhada para o serv1ço de alto riSCo.
Ultrassonograf•a obstélflca Aquelas portadoras do traço (AS) deverão permanecer na
C•topatOiógiCO de colo de utero (se necessário)
Exame da secreçao vag•nal (se hOuver indicaçao atenção primária e receber onentação genéuca. O Capitulo
cllmca) lOS complementa as informações quanto à condução nos
Paras•t016gico de tezes (se hOuver indicaçao cllnica) casos de anemia hereditários.
Rastreamento da anem•a falei forme
Anti-HTLV'
Rastreamento do hipotireoidismo subelínioo' Tipagem sanguínea*
Segundo Teste de toterancia oral de gticose (TOTG) com 75g A dete rminação do grupo sangulneo e do fator Rh deve ser
trimestre (realizar esse exame preferencialmente entre a 24•
feita na primeira consulta ele pré-natal. Em caso de gestame
e a 28' semana) ..
Coombs indireto (se Rh-negativo) Rh-positiva, o estudo está encerrado, salvo se os antecede ntes
Terceiro Hemograma obstétricos suge rirem doença hemolftica por isoimunização a
trimestre Coombs indireto (se Rh·negativo) outros fatores.
VDRL Nas gestantes Rh-negativas eleve-se conhece r o fator OU.
Anti·HIV
Caso positivo, a grávida se comporta como Rh-positiva. Se
SorOiogia para hepal•te B (HbSAg)
Repeur o exame de toxoplasmose se o lgG nllo for for negativo o fator OU, torna-se indispensável a determina-
reagente• .. ção do tipo sanguineo do parceiro. Quando for Rh-positiva
Urocultura + unna l•po I ou se desconhece sua ti pagem sanguinea, está demonstrada a
Cultura para estreptococo dO grupo B (a parlir de 35
semanas de gestação)' incompatibilidade potencial entre os cônJuges.
Toda gestante Rh-negauva e OU-negauva deve fazer a
• O MS nao pteCOOIZa a reai•Z&Çao óo rouna Ó0$$8$ exames
•• O MS preconoza o TOTG apenas pata as pac181\IAIS CUJa glicemia de Je;.m no pesquisa da presença de anticorpos anu-O (teste de Coombs
ptime.ro trwnostre estava >85mg/dl.. ou se 8X&S11r atgum f.au:w de nsco.
indireto). Caso o prime1ro exame seJa negauvo. de,·erá ser
... o MS nao pr8C001Za a teala.aç<~e> IM'18$1lal ou mensal da sorolog.a para IOXO-
plasmose. repetido mensalmente a pan1r ela 241 semana. Um teste de
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Capítulo 72 Assistência Pré-natal 603

Coombs positivo na primeira metade da gestação exige sua por mililitro de uma espécie. Deve ser solicitada na primeira
titulação. Títulos baixos traduzem imunização anterior por consulta de pré-natal e repetida quando se fizer necessária ou
contato com hemácias Rh-positivas ames da gestação atual. de rotina no terceiro trimestre.
A positividade sorológica com títulos crescentes demonstra O Capítulo 113 complementa as informações quanto ao
transfusão feto-materna em mulher previamente sensibiliza- diagnóstico d iferencial e ao tratamento das diversas formas
da, ind icando a necessidade de propedêutica mais apurada de infecção urinária.
para investigar o grau de hemólise fetal por meio da avaliação
fetal não invasiva por métOdos de imagem e, se necessário, Sorologia para sífilis*
pela cordocemese.
A adm inistração de lOO~tg de imunoglobulina anti-O Dados do MS mostram que entre 2005 e 2014 foram no-
entre 28 e 34 semanas de gravidez a mulhe res em sua pri- tificados 100.790 casos de sífilis em gestantes. Em 2013, o
meira gravidez não reduz o risco de isoimunização. Embora número total de casos notificados no Brasil foi de 21.382, dos
a utilização dessa dose não confi ra benefício ou melhore o quais 47% foram registrados na região Sudeste. Em 2013, no
resultado perinatal da gestação atual, o teste de Kleihaue r, Brasil, obse rvou-se uma taxa de detecção de 7,4 casos de sífi-
realizado no sangue de puérpe ras com recém-nascidos Rh - lis em gestantes po r 1.000 nascidos vivos, taxa superada pelas
-positivos, foi significativamente menos positivo, o que sig- regiões Sudeste (8,7) e Centro-Oeste (8 ,5).
nifica que um número menor de mulheres produzirá anti- O rastreamento universal da sífilis é recomendado na pri-
co rpos anti-Rh em gestações subsequemes. Essa política, no meira consulta de pré-natal po rque o tratamento é benéfico
entanto, deve levar em consideração os custOs da profilaxia para a mãe e para o feto. Mulheres com risco aumentado de-
e dos cuidados com urna mulher que se torna sensibilizada vem submeter-se a nova sorologia com 28 semanas de gravi-
e com seus filhos acometidos, além do suprimento da gama- dez e novamente quando da internação para o parto.
globulina anti-O. No Brasil, o MS recomenda a repetição do exame em tOrno
Quanto à propedêutica e ao tratamento , veja o Capítulo 122. da 30" semana de gestação, no momentO do parto ou em caso
de abortamento. Das reações sorológicas atualmente empre-
Exame de urina (tipo 1) e urocultura* gadas, a mais utilizada é o VDRL, um teste inespecífico e,
Esses exames devem ser solicitados na primeira consulta do por consequência, passível de resultado falso-positivo , como
pré-natal, uma vez que as alterações do trato urinário que ocor- em casos de colagenose, hanseníase, mononuc\eose infeccio-
rem na gravidez predispõem a infecção urinária, que é compli- sa, malária, tuberculose e artrite reumawide, entre outros.
cação frequente e agravante na gestante, além de fornecer ele- Na sífilis, a positividade dessa reação aparece em torno de 4
mentos para o diagnóstico de uropatias e de afecções sistêmicas. semanas após a infecção e, por ser quantificada, possibilita
A proteinúria é expressa no exame como negativa ou posi- rastreamento de cura, que se traduz por diminuição das titu-
tiva e, quando presente, quantificada em cruzes ( + a +++). A lações. Exames negativos indicam, obrigato riamente, rastrea-
glicosúria pode ocorrer nas gestantes. O aumento da filtração mento trimestral durante a gestação. Dos testes específicos
glomerular, fisiológica na gravidez, sem o correspondente au- que utilizam antígenos treponêmicos, o mais empregado é o
mento da reabsorção tubular de glicose, determina esse acha- FTA-ABS, exame qualitativo (positivo ou negativo) de altas
do. EntretantO, a simples presença de glicose na urina exige especificidade e sensibilidade, importante quando associado
melhor investigação quanto à presença de diabetes mellitus ou ao VDRL, afastando reações cruzadas. Não se presta para con-
gestacional. O encontro de hemácias no sedimento urinário trole da cura.
não deve exceder duas a três por campo. Além desse valor Para a interpretação dos resultados do VDRL e do FTA-ABS
ou hernatúria macroscópica, pode significar afecção de algum e a conduta nos casos de sífilis, veja o Capítulo 111.
segmento das vias urinárias, como glomerulonefrite, pielone-
frite, litíase, cistite, neoformação de vasos da submucosa da
Sorologia para rubéola
bexiga, hemofilia, leucemia, estados febris, hematúria recidi-
vante benigna, entre outras. Aproximadamente 20% das mulheres em idade fértil são
A presença de mais de 10 pióciLOS por campo é sugesti- suscetíveis a essa infecção. A realização rotineira da sorologia
va de infecção urinária, mas pode significar contaminação da para detecção de anticorpos para esse vírus é criticada por
urina com elementos da vagina em caso de coletaS descui- muitOS, uma vez que os exames só indicarão o estado imuni-
dadas. O achado de piúria tOrna obrigatória a realização de tário da gestante e, nas suscetíveis, há poucos recursos para
urocultura com identificação do germe, contagem de colônias evita r o contágio, principalmente pelo fatO de que 50% das
e antibiograma. A cewnúria aparece quando as go rduras não infecções de rubéola cursam sem exantema.
são tOtalmente oxidadas no organismo, seja por excesso de O MS do Brasil não estabelece o rastreamento de rotina
gorduras na alimentação, seja por deficiência de glicogênio para a rubéola na gravidez. No entanto, àquelas sem histórico
(diabetes, jejum prolongado, doenças hepáticas). A urocul- vacina\ ou sem relatO de infecção prévia deve se r oferecido o
tura é o método mais sensível e específico para identificação teste soro lógico para identificar mulheres em risco de contrair
de bacteriú ria assintomática na gestante, caracte rizada pelo infecção e possibilitar a vacinação no período pós-natal, pro-
achado de >100 mil unidades formadoras de colônia (UFC) tegendo gestações futuras (grau de recomendação B).
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') 604 Seção 11 Obstetrícia

Caso a gestante seja inadvertidamente vacinada, deve se r acordo com esses novos critérios, um valor anormal estabele-
tranquilizada quanto a uma possível rubéola congênita, já ce o diagnóstico de DMG. Cabe lembrar que esse critério não
que não têm sido relatados casos de malformações pelo ví rus é de consenso mundial. O MS, muitas secretarias estaduais e
vacina! nessa situação. municipais de saúde e se rviços universitá rios continuam uti-
Para a interpretação da sorologia para rubéola e a conduta lizando outros pontos de corte para rastreamento e d iagnós-
na infecção aguda durante a gravidez, veja o Capítulo 1ll. tico do DMG. A mudança nas diretrizes da SBD ocorreu em
virtude de esses critérios terem sido determinados por estudo
Sorologia para toxoplasmose* que demonstrou associação entre os valores da glicemia ma-
Inquéritos sorológicos provenientes de vá rias regiões têm terna e os desfechos perinatais.
mostrado que 40% a 80% da população adulta já foram in- Para mais detalhes quanto à condução das gestantes com
fectados pelo Toxoplasma gondii. A toxoplasmose na gestação DMG, veja o Capítulo 98.
pode determinar risco de infecção fetal em 4 1% dos casos.
Os testes mais utilizados são imunonuorescência (JgG e lgM), Rastreamento de clamídia
ELISA e ELFA VIDAS. O Centers for Disease Comrol and Prevention (CDC) re-
Para confirmação de infecção aguda utilizam-se a dosagem comenda o rastreamento de c la mídia para todas as gestantes,
de lgA e a avidez de lgG, métOdos não disponíveis no serviço enquanto as diretrizes do American College of Obstetricians
público. As pacientes suscetíveis deverão realiza r sorologia a and Gynecologists (ACOG) recomendam o rastreamento ape-
cada trimestre, além das orientações higienod ietéticas. nas para as pacientes de risco (idade <25 anos, história de
Para mais detalhes quanto à interpretação dos testes so- doença sexualmente transmissível, mais de um parce iro se-
rológicos, principalmente com relação ao achado de lgM re- xual, uso inconstante de condom e usuárias de substâncias
sidual, e à conduta nas gestantes com infecção aguda, veja o ilícitas). O comitê nacional de rastreamento do Reino Unido
Capítulo 1ll. não recomenda o rastreamento rotineiro de tOdas as gestan-
tes. O MS não tem uma política de rastreamento de infecção
Glicemia de jejum* por clamídia para gestantes. Nos casos em que está indicado
A glicemia de jejum deve ser solicitada na primeira consul- o rastreamento, tem sido recome ndado o emprego das técni-
ta. Tanto o diagnóstico com base nesse exame como o rastrea- cas de amplificação de ácidos nucleicos, as quais apresentam
mento do diabetes gestacional (DMG) se tornaram, nos últimos maior sensib ilidade do que a cultura e do que os testes mais
anos, tema de inúmeros debates em razão dos diferentes cri- utilizados, como imunonuorescência direta e o ELISA. Em
térios estabelecidos pelos vários órgãos que cuidam do tema, caso de testes positivos está recomendado o tratamento das
como a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Associação pacientes.
Americana de Diabetes (ADA) e a Sociedade Brasileira de En-
docrinologia e Metabologia (SBEM), o que tem criado mais Diagnóstico do hipotireoidismo subclínico (HSC)
controvérsias do que consenso entre os obstetras e os endocri- O desenvoh~mento neurológico pode ser afetado em crian-
nologistas que acompanham a mulher grávida. Assim, tOrna-se ças nascidas de mães portadoras de hipotireoidismo, enquanto
quase impossível o estabelecimento de um único métOdo de o hipertireoid ismo pode dar margem a complicações fetais e
rastreamento a ser seguido por todos os profissionais. maternas. Dados da literatura demonstram que a avaliação da
Em suas diretrizes 2015/2016, a Sociedade Brasilei ra de função tireoidiana apenas naquelas gestantes sintomáticas ou
Diabetes (SBD) passou a recomenda r os c rité rios de rastrea- com histó ria pessoal ou familiar de doença tireoidiana ou na
mento e diagnóstico preconizados em 2013 pela OMS. O presença de condição clínica associada a disfunção da tireoide
rastreamento deve ser realizado com a dosagem da glicemia (diabetes mel!itus) deixa de identificar um terço das mulheres
de jejum na primeira consulta. Caso o valor encontrado seja com hipotireoidismo.
> 126mg/dl , é estabelecido o diagnóstico de diabetes mellitus Embora permaneça controverso, alguns especialistas reco-
na gravidez (Overt diabetes). Caso a glicemia plasmática em mendam o rastreamento universal de gestantes ou de mulhe-
jejum esteja entre >92mg/dl e <l 26mg/dl , o d iagnóstico res que pretendam engravidar em virtude dos efeitos bené fi-
é de DMG. Em ambos os casos o res ultado deve se r co nfi r- cos d o tratamento com levotiroxina nos desfechos obstétricos
mado com uma segu nda dosagem da glicemia de jejum e e fetais desfavoráveis (abonamento, hipertensão gestacional,
orie ntação rigo rosa a respeitO da observação de um período pré-eclâmpsia, parto prematuro, baixo peso de nascimento ,
de jejum de 8 ho ras. diminuição do quociente de inteligência e morte fetal) asso-
Caso a glicemia seja <92mg/dl , a gestante se rá submetida ciados a essa condição, quando não diagnosticada e tratada
ao teste oral de tolerância à glicose (TOTG) no segundo tri- precocemente.
mestre (entre 24 e 28 semanas) com dieta sem restrição de No entanto, as implicações da falha do diagnóstico em mu-
carboidratOs nos 3 dias que antecedem o teste com jej um de lheres com HSC não estão claras
8 horas. Mais recentemente, a Agência Nacional de Vigilância Sani-
Os novos pomos de corte para o jejum e 1 e 2 horas são tária (ANVISA) determinou a redução do conteúdo de iodo
>92mg/dl , <:180mg/dl e > 153mg/dl, respectivamente. De no sal da cozinha. Com a redução as gestantes poderiam to r-
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Capítulo 72 Assistência Pré-natal 605

nar-se insuficientes em iodo, principalmente aquelas que vi- critérios de risco (portadora de alguma DST, prática de sexo
vem em regiões com deficiência, além das hipenensas com inseguro, usuária ou parceira de usuário de substâncias in-
restrição da ingestão de sal. jetáveis), deverão repetir o exame após 3 meses, no final da
No primeiro trimestre da gestação, TSH >2 ,5 mUIIL asso - gestação ou no momento do parto, nos serviços que oferecem
ciado à redução nos níveis de T4 livre ou TSH > 10mUIIL, o teste rápido para HIV
independentemente dos níveis de T4 livre, estabelece o Na ocasião da internação para o parto, a paciente será sub-
diagnóstico de hipotireoidismo. Já o HSC é definido como metida ao teste rápido, cuj o resultado é rapidamente conheci-
TSH >2,5mUIIL associado a T4 livre normal. No segundo do, tornando possível a adoção de cuidados de proteção para
e tercei ro trimestres são conside rados HSC valores de TSH o feto/recém-nascido.
>3mUIIL. Mesmo não havendo evidências consistentes fa- Para mais informações, veja o Capítulo 112.
voráve is ou contrárias, o último consenso da SBEM reco-
menda o tratamento do hipotireo idismo subclínico durante Sorologia anti-HTLV
a gestação, particularmente naquelas mulhe res com anti - A transmissão vertical do HTLV-1 ocorre predominante-
TPO positivo. mente pelo leite materno de mulheres infectadas. A infec-
Para o aprofundamento da condução em gestações com ção precoce na criança está associada ao risco subsequente
hipotireoidismo estabelecido ou HSC, veja o Capítulo 99. de linfoma não Hodgkin e leucemia/linfoma de células T do
adulto. Cerca de 50% dos linfomas não Hodgkin podem se r
PROPEDÊUTICA FETAL prevenidos com a eliminação da infecção pelo HTLV-1 em
Ultrassonografia crianças residentes em áreas endêmicas. Estudos demonstra-
O exame ultrassonográfico, quando possível, deverá ser ram taxa de transmissão venical do HTLV variando de 10,5%
realizado uma vez a cada trimestre. O primeiro poderá ser a 39,6% nas crianças que foram amamentadas e uma taxa de
solicitado após a oitava semana de gestação, em busca do saco até 12,8% nas que receberam leite artificial, sugerindo a pos-
gestacional intrauterino com embrião apresentando ativida- sibilidade de transmissão transplacentária ou outros meios
de cardíaca, possibilitando, também, o diagnóstico de falhas de transmissão. Diversos estudos em países onde o vírus é
grosseiras de fechamento do canal medular ou ausência da endêmico encontraram associação entre aumento do risco de
calota craniana. A medida da translucência nuca! (TN) é uti- transmissão vertical do HTLV-1 e a carga vira! no sangue pe-
lizada entre 11 e 12 semanas de idade gestacional como mar- riférico materno.
cador de cromossomopatia. Em 2015, a subcomissão técnica de avaliação da Comis-
O segundo exame deverá ser realizado em torno de 20 a são Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC),
24 semanas. Nessa fase são melhores as condições para ava- que respalda os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas
liação da morfologia fetal. Um terceiro ultrassom deverá ser (PCDT) elaborados pelo MS, em sua 38a reunião ordinária,
realizado no terceiro trimestre, confirmando ou não os acha- ratificou as recomendações do MS. Embora tenham recebi-
dos anteriores e eventuais anormalidades. Nessa época são do , a partir de consulta pública, solicitação para incorporação
avaliados o crescimento fetal, o volume de líquido amniótico, da triagem para HTLV- l/2 na testagem pré-natal, este não se
a localização da placenta o bem-estar fetal por meio do perfil tornou disponível como exame de rotina na assistência pré-
biofisico fetal (PBF). -natal. A alegação é de que o teste confi rmatório ainda não
Qualquer alteração obse rvada no exame clínico, como está d isponível no SUS. Entretanto, já se encontra em discus-
crescimento uterino não compatível e sangramento genital, são, com áreas técnicas do MS, a possibilidade de incorpora-
entre outras, exigirá a repetição do ultrassom. ção desse exame na rotina de pré-natal em áreas geográficas
específicas onde a prevalência é maior, como a região Sudeste
Vitalidade fetal e a Bahia.
A vitalidade fetal pode se r avaliada por meio de cardio-
wcografia basal, PBF e dopplervelocimetria, os quais estão Hepatite B* e C
detalhados no Capítulo 118 O rastreamento da hepatite B com o antígeno de superfície
(HBsAg) deve ser realizado na primeira consulta de pré-natal
Sorologia anti-HIV* para que intervenções pós-natais possam ser oferecidas ao re-
O MS recomenda a realização de teste anti-HIV com acon- cém-nascido para redução da transmissão vertical. Mulheres
selhamento e consentimentO para todas as gestantes na pri- com risco aumentado devem ser vacinadas durante a gravidez
meira consulta de pré-natal. Nova dosagem deverá ser reali- e devem ser rastreadas novamente antes ou no momentO do
zada no terceiro trimestre e na internação para o pano ou em parto. Nos casos positivos se rá realizado o restante do pai-
casos de abonamento. Os testes mais utilizados são ELISA nel sorológico, que inclui anti-H&JgG, HBeAg e anti-HBe.
(padrão-ouro para o rastreamento), Western-blot e imuno- HbeAg positivo significa infecção ativa e se co rre!aciona com
fluorescência. Dois testes positivos utilizando ELISA deverão risco maior de transmissão para o feto. O anti-HBclgM é o
ser confirmados pelo Western-blot, mais específico. Gestantes único marcador detectável durante o pe ríodo de janela imu-
com resultado negativo, mas que se enquadram em um dos nológica. O rastreamento da hepatite C por meio do anti-HCV
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') 606 Seção 11 Obstetrícia

deve se r oferecido às gestantes de risco (p residiárias, usuárias vírus se baseia no uso de acetaminofeno (paracetamol) ou di-
de substâncias injetáveis, gestantes HIV-positivas, mulheres pirona para o controle da febre e da dor. No caso de e rupções
expostas a derivados de sangue ou submetidas à transfusão pruriginosas pode se r prescritO anti-histamínico.
com hemode rivados, parceiras de homens HIV-positivos, Toda gestante com quadro sugestivo de Zika em qualquer fase
mulheres com alteração da função hepática com múltiplos da gestação deverá seguir o protocolo estabelecido pelo MS:
parcei ros ou tatuadas).
• Até 8 dias de evolução: submete r-se a anamnese e exame
Para ap rofundamento das questões relacionadas com a in-
físico completOs de modo a averiguar outras hipóteses para
fecção pelo vírus da hepatite durante a gravidez, veja o Ca-
diagnóstico diferencial. O caso suspeito deverá se r notifi-
pítulo 1ll.
cado ao Centro de Informações Estratégicas e Resposta em
Vigilância em Saúde (CIEVS) de cada estado, preenchen-
Estreptococos do grupo 8 (EGB) do-se o FormSUS. O médico deverá solicitar os seguintes
Em 2010, o CDC atualizou suas diretrizes para a pre- exames complementares:
venção da sepse neo natal precoce. Essa atualização recebeu - RT-PCR para Zika vírus até 5 dias de evolução, pesqui-
o apoio do ACOG e da Academia Americana de Pediatria sa r no so ro ou na urina; de 5 a 8 dias de evolução, pes-
(AAP). Passou-se então a recomenda r o screening rewvagi- quisar somente na urina.
nal pa ra tOdas as mulheres entre 35 e 37 semanas de ges- - So rologias (IglvlllgG), que devem se r feitaS em duas co-
tação, com exceção daquelas com bacteriúria positiva pa ra letaS. A primeira 3 a 5 dias após o início dos sintomas e a
EGB durante a gestação vigente, independentemente de te- segunda 3 a 4 semanas após a primeira coleta. Essas so-
rem recebido tratamento adequado e daquelas com história rologias são para pesquisa de Zika vírus, chikungunya,
p révia de neo nato com sepse precoce por EGB. Esses casos dengue, parvovírus B19, herpes simples, citomegalo-
já seriam indicação para a utilização de antibioticoprofilaxia vírus (CMV), rubéola e toxoplasmose. Com relação a
(ABP) intrapano. esses três últimos quad ros (CMV, rubéola e toxoplasmo-
Dados da lite ratura mostram que o uso de ABP a partir se), sua pesquisa só deve se r solicitada se a mãe ainda
do rastreamento unive rsal promoveu redução significativa não as tiver ou se, no caso de já tê-las realizado, indicar
da sepse neonatal precoce, to rnando essa ocorrência bem suscetibilidade à infecção ou apresentar resultado in-
menos comum do que a obse rvada desde os anos 1970. No determinado. No caso específico da rubéola, se a ges-
entanto, o coe alerta para a necessidade de monitorização tante comp rovar a vaci nação, não é necessária a coleta.
de eventos adversos secu ndários ao uso da ABP intrapano, Entre os exames habituais do pré-natal destaca-se que,
como a resistê ncia antimicrobiana e o aumento na incidê n- se ainda não tiverem sidos realizadas as so rologias para
cia e gravidade de outros patógenos. Em suas alegações fi- HIV e VDRL, essas sorologias deverão ser realizadas nas
nais, a diretriz de 2010 preconiza que, na ausência de uma gestantes e, mediante resultados positivos, deverão ser
vacina contra o EGB, o rastreamento deve ser universal e adotadas as medidas de rotina.
que a ABP intrapano é a o padrão-ouro pa ra a p revenção da • Ultrassonografia: se a gestante já tiver exame prévio, a US
doença neonatal. deve se r feita 2 a 3 semanas após o quadro sugestivo de
Nos casos de cesa riana (sem trabalho de pano ou ruptura infecção pelo Zika vírus. Caso contrário, deverá se r fe ita o
das membranas), mesmo com cultura positiva, a ATB não está mais rapidamente possível. Recomenda-se o acompanha-
indicada. No Brasil não há recome ndação técnica ou consen- mento com a realização de dois a quatro exames, entre 12
so sobre o tema. e 36 semanas de idade gestacional, de preferência nas se-
manas 12, 16, 24 e 36
Zika vírus • Com mais d e 8 dias de evolução (ou gestantes com feto
microcefálico identificado pela US com ou sem relatO de
A infecção pelo Zika ví rus é uma doença febril aguda,
quadro sugestivo de infecção pelo Zika vírus): a única di-
autolimitada na maioria dos casos, e que não vinha sendo
ferença em relação à situação ante rior é que deverão se r so-
associada a complicações. Quando sintornãtica, a infecção
licitadas apenas as so rologias (IglvlllgG), em duas coletaS:
pode cursar com feb re baixa (ou eventualmente sem febre),
a primeira o mais rapidamente possível e a segunda 3 a 4
exantema maculopapular, artralgia, mialgia, cefaleia, h ipere-
semanas após a primeira coleta. Essas sorologias são para
mia conjuntiva! e, menos frequentemente, edema, odinofagia,
pesquisa de Zika vírus, chikungunya, dengue, parvovírus
tosse seca e alterações gastrointeslinais, principalmente vômi-
Bl9, he rpes simples, CMY, rubéola e toxoplasmose.
tos. Formas graves e atípicas são raras, mas, quando oco rrem,
podem excepcionalmente evoluir para óbitO.
VACINAÇÃO
Os si nais e sintomas ocasionados pelo Zika vírus, em
comparação com os de outras doenças examemáticas (como A preve nção do tétano no RN e a proteção da gestante são
dengue e chikungunya), incluem quadro exantemático mais enfaticamente recomendadas. Três perfLS costumam apresen-
acentuado e hiperemia conj untiva!, sem alte ração significati- tar-se ao pré-natalista:
va na contagem de leucócitos e plaquetas. O tratamento re- 1. Mulher previamente vacinada com pelo menos três doses de
comendado para os casos simornãticos de infecção pelo Zika vacina comendo o wxoide tetânico. Se a última dose foi ad-
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Capítulo 72 Assistência Pré-natal 607

ministrada há mais de 5 anos, a gestante deve receber uma de gestação. O objetivo é reduzir a transmissão da coqueluche
dose da vacina tríplice bacteriana acelular (dTpa) ou vacina entre recém-nascidos e garantir proteção indireta nos primei-
dupla bacteriana (dT). Aquelas que receberam a última dose ros meses de vida , quando o recém-nascido ainda não teve a
há menos de 5 anos devem receber uma de dTpa. Se por al- oportunidade de completar o esquema vacina!.
gum motivo essas mulheres não receberam reforço durante
a gestação, deve-se faze r dTpa no puerpério.
SUPLEMENTAÇÃO COM MICRONUTRIENTES
2. Gestantes que receberam vacinação incompleta para téta-
Os micronutrientes são essenciais para o desenvolvimento
no, tendo recebido apenas uma dose na vida , devem re-
e o crescimento do fetO. O aumento da necessidade de vita-
ceber uma dose de dTpa e uma de dT com inte rvalo de 2
minas e minerais no segundo e terceiro trimestres da gesta-
meses. Se receberam apenas duas doses na vida, fazer uma
ção é acompanhado pelo maior apetite no mesmo período,
dose de dTpa (ou dT). Em ambos os casos, as puérperas
o que costuma tOrnar desnecessãria a suplementação desses
devem receber dTpa no puerpério, se não foram vacinadas
nutrientes quando a gestante se alimenta adequadamente. No
durante a gestação.
entanto, podem ocorrer deficiências durante a gestação. São
3. Às gestantes com vacinação desconhecida devem ser ofereci-
particularmente frequentes as deficiências de ferro, iodo, vita-
das uma dose de dT pa e uma de dT com intervalo de 2 meses.
mina A e folato. As evidências mais recentes suge rem benefi-
Fazer dTpa no puerpério, se não vacinada durante a gestação,
cio tanto para a gestante como para o fetO com o uso da suple-
ou dT 6 meses após a última dose recebida na gravidez.
mentação com múltiplos micronutrientes durante a gravidez
A vacina para hepatite B deve se r aplicada durante a gravi- em vez da suplementação usual com ferro e folaLO. Todavia,
dez se a mulhe r não apresentar seu histórico vacina!. Deverão estudos com RN não demonstraram melhora na sobrevida
ser realizadas três doses no esquema 0-1-6 meses. neonatal, crescimento, composição corpórea, PA e problemas
A vacina da febre amarela (de ví rus vivo atenuado) é con- respiratórios ou cognitivos.
traindicada na gravidez , po rém seu uso pode se r liberado A utilização de suplementos vitamínicos isoladamente ou
após ponderação do risco-benefício da vacinação das gestan- na forma de complexos multivitamínicos, no período pré-
tes: (l ) não anteriormente vacinadas e que residem em áreas -gestacional ou no primeiro trimestre, não previne abona-
de grande risco de febre amarela; (2) que vão deslocar-se para mentos precoces, tardios ou perdas fetais.
região de risco da doença, na impossibilidade tOtal de se evi- Com base nesses achados, o MS preconiza o uso seletivo
tar a viagem durante a gestação. Gestantes que viajam para dos micronutrientes.
países que exigem o Ce rtificado Internacional de Vacinação
e Profilaxia (CJVP) devem ficar isentas da vacinação caso o Ácido fólico
local de destino não represente alto risco para a febre amarela. A suplementação pré-concepcional com folatO na dose
Essa vacina está contraindicada durante a lactação até que o de 400J.1gldia (ácido fólico) demonstrou fon e efeito protetor
bebê complete 6 meses. Se for necessária a vacinação nesses contra os defeitos do tubo neural e contra cua recorrência.
casos, o aleitamento materno deverã ser suspenso por 15 d ias Informações sobre a suplementação com ácido fólico devem
após a imunização. As vacinas meningocócicas conjugadas se r amplamente divulgadas em todos os programas de saú-
são inativadas, não havendo, po rtanto , evidências de riscos de. Não estão determinados os riscos e benefícios do enri-
teó ricos para a gestante e o fetO. No entanto, na gestação estão quecimento de alimentos com ácido fólico. Mulheres em uso
indicadas apenas em casos de su rtos da doença. de anticonvulsivantes e aquelas cujos fetos ou RN apresen-
Nos casos de mord ida por cães, o tratamento antirrábico taram defeitos do tubo neural devem ser orientadas quanto
deve ser realizado, se indicado. Outras vacinas que contêm or- ao risco da ocorrência em novas gestações, devendo manter
ganismos vivos atenuados não devem ser administradas duran- suplementação continua com ácido fólico pré-concepcional,
te a gestação. As modificações do sistema imunológico durante diariamente, na dose de 5mgldia até a 12' semana da gestação
a gravidez podem aumentar a probabilidade de ocorrência de subsequente.
complicações da gripe (pneumonia), especialmente no terceiro A United States Preventive Services Task Force (USPSTF)
trimestre. recomenda a suplementação de ácido fólico na dose de O, 4 a
Desde 2010, o Ministério da Saúde, por intermédio da Se- 0,8mgldia 1 mês ames e por 2 a 3 meses após a concepção e
cretaria de Vigilância em Saúde, publicou em seu Programa 0,6mgldia após esse período para suprir as necessidades de
Nacional de Imunizações a Estratégia Nacional de Vacinação c rescimento do fetO e da placenta.
contra o Vírus lnOuenza Pandêmico com a orientação de ofe-
recer a vacina a wda gestante du rante os meses da sazonalida- Ferro
de do vírus, mesmo no primeiro trimestre de gestação. O ferro é necessãrio tanto para o desenvolvimento do feto
Em 2014, o MS acrescentou a dTpa contra coqueluche, como da placenta e para a expansão eritroplasmática mater-
difteria e tétano ao Calendário Nacional de Vacinação do Sis- na. A perda LOtai de ferro associada à gravidez e à lactação é
tema Único de Saúde (SUS) A dTpa, desde então, está dispo- de aproximadamente l.OOOmg.
nibilizada para gestantes na rede pública de saúde. De acordo Dados recentes de revisão sistemática da USPSTF relatam
com o MS, a dose deve rã ser oferecida a partir da 2 7• semana que as evidências são inconclusivas com relação à melhora
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') 608 Seção 11 Obstetrícia

dos resultados na saúde materna e perinatal ao se utilizar a realizada a dosagem sérica de 25-hidroxivitamina D. Nesses
suplementação rotineira com ferro. No entanto, melhora os casos devem ser prescritos 1.000 a 2.000UI/dia. Com relação
índices hematimétricos maternos e reduz a incidência de de- à suplementação universal durante a gravidez, recomenda-se
ficiência de ferro e a anemia ferropriva em curto prazo. A aguardar o resultado de estudos clínicos em andamento. Por
despeitO desses dados, a OMS recomenda a suplementação outro lado , o Royal College of Obstetricians and Gynaecolo-
de ferro elemento (30 a 60mgldia) durante wda a gravidez. gists (RCOG) e o National l nstitute for Health and Care Ex-
O Programa Nacional de Su pie mentação de Fe rro do MS, cellence (NICE) preconizam tanto o tratamento nos casos de
criado por me io da Portaria 730, de 13 de maio de 2005, deficiência como a suplementação com vitamina D durante a
recomenda a suplementação de 40mgldia de ferro elementar gravidez e a lactação para as mulheres.
(200mg de sulfato ferroso), a qual deve se r administrada 1 O MS não orienta nem o rastreamento nem a suplementa-
hora ames das refeições, devendo ser mantida por 3 meses ção universal.
pós-parto e pós-aborto. Essa quantidade fornece suplemen-
tação adequada para mulheres não anêmicas, prevenindo Vitamina C
baixos níveis de hemoglobina (<lOg/dL) à época do pano, Os dados atuais são insuficientes para indicar a suplementa-
mantendo ou elevando os níveis séricos de ferritina e ferro ção de vitamina C isolada ou em suplementos combinados para
fólico e reduzindo o risco de baixo peso ao nascimento. Para benefício fetal ou neonatal, não havendo relatos de redução da
as puérperas são recomendados 40mgldia por 3 meses. natimortalidade, da mone perinatal, da restrição de crescimento
Para a suplementação com ferruginosos deve ser lembrada fetal ou de pré-eclãmpsia. Alguns estudos identificaram associa-
a possibilidade de efeitos colaterais adversos, como consti- ção entre parto pré-termo e suplementação com vitamina C.
pação intestinal, fezes escuras e intolerância gastrointestinal.
O ferro contido nos alimentos de origem animal é mais bem Vitamina E
absorvido pelo organismo do que o dos alimentos vegetais. Os estudos de revisão não identificaram melhora do resul-
Para aproveitar melhor o ferro dos alimentos de origem vegetal tado perinatal com o uso isolado ou combinado de vitamina
a gestante deve consumir, logo após as refeições, meio copo E. Alguma evidência tem apontado que o uso de vitamina E
de suco de fruta natural ou a própria fruta que seja fonte de aumenta a com ração uterina e os casos de ruptura prematura
vitamina C, como acerola, laranja, caju e limão, entre outras. de membranas ao termo.

Cálcio O CDC recomenda, então, a utilização dos multivitamí-


As mulheres que se alimentam pouco ou que não inge- nicos para gestantes que não consomem d ieta adequada dos
rem no mínimo 1g/dia de cálcio, que não toleram laticínios micronutrientes. Entre esses casos podem ser citadas mulhe-
ou que usem medicamentos que inibam a absorção de cálcio res com gestação múltipla, tabagistaS pesadas, adolescentes,
(heparina, prednisona) devem receber suplemento durante a vegetarianas estritaS e mulheres com deficiência de lacwse.
gestação. Nessas situações, a suplementação com doses eleva- Embora o conteúdo dos multivitamínicos varie de produto
das de cálcio pode reduzir a ocorrência de distúrbios h iper- para produto, uma opção razoável de suplementação diária
tensivos, particularmente da pré-eclãmpsia. A suplementação deve comer ferro (30mg), zinco (l 5mg) , cobre (2mg), cál-
não tem a mesma ação em nulíparas saudáveis com ingesta cio (250mg), vitamina B6 (2mg), folatO (0,6mg), vitamina C
adequada de cálcio. Também parece ter efeitO protetor em (SOmg) e vitamina D (200Ul).
mulheres com risco elevado para pré-eclãmpsia, independen- Aj ustes individuais podem ser necessários de acordo com
temente da ingesta adequada de cálcio. as necessidades específicas da gestante, valendo frisar que
aquelas com dieta adequada podem não necessitar da suple-
Vitamina A
mentação multivitamínica.
Para as puérperas de regiões brasileiras endêmicas para a O uso indiscriminado de suplementos, sem orientação mé-
deficiência de vitamina A ( região Nordeste e vales do Jequi- dica, pode ocasionar tOxicidade por overdose de vitaminas e
tinhonha e do Mucuri, em Minas Gerais) deve-se prescreve r minerais. Quando >lO.OOOUI/dia, a vitamina A pode ser te-
uma megadose de vitamina A (200.000Ul - uma cápsula, via rawgênica e a vitamina D pode causar hipe rcalcemia. Quanti-
oral). Seu emprego repõe os níveis de retino! da mãe e fornece dade excessiva de iodo pode causar bócio fetal.
níveis adequados da vitamina no leite materno até os 6 meses
de idade, não devendo ser adotado em outros momentos em
virtude do risco de terawgenicidade para o feto e em caso de ORIENTAÇÕES GERAIS
nova gravidez em curso. Pacientes vegetarianas
Durante a gravidez, a mulher aumenta suas necessidades
Vitamina D nutricionais e a absorção de alguns nutrientes, como amino-
Segundo o ACOG, até o momento os dados são insuficien- ácidos essenciais, ferro, vitamina D, cálcio e lípides comple-
tes para recomendar o rastreamento universal da deficiência xos. No entanto, a maior preocupação é com o consumo de
da vitamina D durante a gestação. Ao contrário, se houve r vitamina B12 , que praticamente não é encontrada na dieta de
indícios de risco aumentado para a deficiência, pode rá se r vegetarianas restritas e veganas. A deficiência de vitamina B12
r
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Capitulo 72 Assistência Pré-natal 609

pode ocas1onar anemia e distúrbios neurológiCOS. A vttamina No caso de gestantes com comorbidades assoctadas, como
8 12 é deposttada em reservas para durar normalmente de 6 a 12 hipertensão, d1abetes e gestação múltipla, são necessános
meses depois do nascimento da criança. A deficitncia desses mais estudos para estabelecer a segurança dos exerclc1os.
nuuientes pode provocar pano prematuro, morte fetal, CIUR e Caberá ao médico avaliar wdo o contexto que envolve ages-
baixo peso ao nascer. Essas gestantes devem ser acompanhadas tante antes de liberá-la para qualquer tipo de atividade física.
por um nutricionista para a co rreta correção de sua deficit ncia.
Atividade sexual
Uso de adoçante artificial Teoricamente, a atividade sexual pode estimular o trabalho de
Não existem evidtncias de que o uso de aspa name, su- parto em virtude da estimulação do segmento uterino, da libera-
cralose, sacarina ou esteviosídeo pela gestante aumente o ris- ção endógena de ocitocina secundária ao orgasmo, da ação d1reta
co de defettos congtnitos quando comparados à população das prostagland1nas presentes no stmen ou da mruor e.xpos1ção
em geral. Como estudos prévios demonstraram aumento do de agentes infecciosos. No entanto, na austncia de compbcações
nsco de câncer de bexiga em recém-nasc1dos de ratas que (sangramento vagmal ou ruptura de membranas), os dados da
consumiram altas doses de sacarina, seu uso de,•e ser evitado literatura são 1nsufic1entes para recomendar a a.bsuntncta sexual
durante a gra,~dez. durante a graVIdez. A mataria dos estudos não demonstra nsco
A quantidade média dos adoçames uuhzada pela maioria aumentado de trabalho de pano prematuro ou comphcações m-
fecciosas (exceto quando uma DST é adquirida).
das pessoas costuma estar abaixo da dose d1ária aceitável para
cada um dos prod utOs. De qualquer manei ra, deve-se aconse-
lha r seu uso parcimonioso durante a gravidez. Queixas mais comuns
Náuseas e vômitos
Ingestão de cafeína Esses sintomas normalmente se iniciam emre a primei ra e
Estudos observacionais ttm demonstrado associação entre a segunda semana de amenorreia e costumam persistir até o
a mgestão de cafeína e vários efeitos adversos, incluindo abor- final do primeiro tnmestre. Cerca de 20% das gestantes po-
tamentos e restrição do crescimento fetal. No entanto, esses dem expenmentá-los por mais tempo, enquanto 2% chegaráo
estudos não puderam ajustar os fatores de confund1mento, ao termo com essa que1xa. A possibilidade de agravamento
como a med1da exata da ingestão de cafelna, que depende dos sintomas com e,·olução para o quadro de htperemese gra-
do tamanho da xícara, da torrefação do café e do método de vfdica está presente em 0,3% a 3% das mulheres.
preparo. Em virtude dessas limitações e inconsisttncias dos E sua euolog1a estão os componentes horrnona1s (elevação
da HCG, do T4 livre e do estradiol matemo e fetal), psicosso-
dados recomenda-se às mulheres que desepm engravidar ou
máticos e infecciosos (H. py lmi).
que já estejam grávidas que limitem o consumo de cafeína a
A condução dos casos mais leves deve obedecer às seguin-
menos de 200mg/d ia.
tes orientações:
Trabalho • Orie ntação dietética: consumir d ieta fracionada (seis refei-
Mulheres com evolução normal da gestação e que estejam ções leves ao dia); evitar frituras, gorduras e alimentos com
trabalhando não apresentam riscos potenciais e podem con- cheiros fortes ou desagradáveis; evitar líquidos durante as
tinuar a trabalhar sem interrupção até o mlc1o do trabalho refeições, dando preferéncia à ingestão nos intervalos; m-
de parto. Entretanto, a demanda fls1ca da auv1dade exercida gerir ahmentos sóhdos antes de se levantar pela manhã,
pela gest.a nte de,·e ser considerada e reavaliada sempre que como bolacha de água e sal e ingerir alimentos gelados.
necessário. • Suporte emocional e acupuntu ra: a acupuntura tem se re-
velado efetiva nos casos de náusea persistentes. Caso não
Exercícios se obtenha resposta adequada, deve-se recomendar o uso
A atividade fisica está associada a melhora da cond ição car- de gengibre em cápsula (250mg VO, quatro vezes ao dia)
d iovascular, prevenção da incontinência uriná ria e lombalgia, e/ou piridoxina (25 mg, três vezes ao d ia).
red ução d os sintomas de depressão, ganho de peso e, nos • Em algumas situações mais resistentes pode ser necessário
casos d e gestantes com DMG, da necessidade de insulina. o uso de outros antieméticos, todos de categoria B do Food
Não existe associação entre a prática esportiva ou o tipo and Drtlg Administration (FDA): doxilamina lOmg e pirido-
de exercício e a redução do peso de nasc1mento ou parto pré- xina lOmg (dois compri midos ao deitar, um pela manhã e
-termo. Para as mulheres pre,~meme sedentãnas é recomen- à tarde); mez~clina (25 a lOOmg/dia em doses fracionadas);
dada a práuca de exercícios de leve a moderada mtensidade, metoclopram1da (I Omg por '~ oral, trés vezes ao d1a, 10
enquanto aquelas já praticantes podem adotar attv1dades de minutos antes das refeiÇões.); bromoprida ( 40 a 60mg por
moderada a alta intensidade. '~ oral, trts ou quatro vezes ao dia) e ondansetrona (4 a
As d1retnzes mais recentes recomendam que as mulheres 8mg por via oral ou sublingual, trés vezes ao dta).
saudá,•etS pratiquem atividade de moderada mtensidade e de • Nos casos de vOm tl os frequentes e/ou incoerclvetS será ne-
baLxo impacto, pelo menos trts vezes por semana, além da cessária a avaliação de eletrólitos e corpos cetõnicos, prin-
inclusão de uma sessão de alongamentos. cipal mente na prese nça de sinais de desidratação. Diant e
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') 610 Seção 11 Obstetrícia

do diagnóstico de hiperêmese gravíd ica, a gestante deve rá à ação miorrelaxame da progesterona sobre a musculatura
se r hospitalizada para tratamento adequado com hidrata- lisa e a diminuição do peristaltismo. A lema progressão do
ção e amieméticos venosos. bolo alimentar no intestino promove maior absorção de líqui-
dos e, consequemememe, aumenta a consistê ncia das fezes,
Pirose que chegam muitO endurecidas na ampola retal, não desen-
A pirose é um sintOma bastante frequente e mais acentuado cadeando o renexo da evacuação. O tratamento deve iniciar
no te rceiro trimestre. O volume uterino crescente, deslocan- com orientação d ietética (ingeri r alimentos que formam re-
do e comp rimindo o estômago, associado ao relaxamento do síduos: legumes, ve rduras, frutas cítricas, mamão, ameixa,
esfíncter esofagiano, conduz ao renuxo do conteúdo gástrico ingestão liberada da água). Nos casos com muita Oatulência
para o esôfago, causando a pirose. A sintomawlogia nem sem- deve ser evitada a ingestão de alimentos de alta fermentação,
pre é resolvida com med idas dietéticas (refeições ligeiras e fre- como repolho, couve, ovo, feijão, leite e açúcar. A mulher
quentes, não ingestão de alimentos gordurosos, qualque r tipo deve , também, realizar caminhadas e movimentação para a
de líquido du rante as refeições, café, chá preto, mates, doces, regularização do hábitO intestinal. Somente após o fracasso
álcool e fumo, além da ingestão de líquido gelado durante a dessa abordagem deve rão se r prescritos os laxativos estimu-
c rise) ou pelas medidas comportamemais (evitar deitar logo lantes ou os formadores de volume. Embora o primeiro grupo
após as refeições e mante r a cabeceira da cama elevada). seja mais eficaz, acarreta mais efeitos colaterais, como diarreia
Quando essas medidas falham, é necessário o tratamento e cólica abdominal. Os laxativos osmóticos ainda carecem de
medicamentoso (hidróxido de alumínio ou magnésio após as dados quanto à sua segurança e eficácia.
refeições e ao deitar; bloqueadores H, e inibidores da bomba
de prótons). A paciente também deve se r o rientada para não Hemorroidas
utiliza r bicarbonato de sódio, uma vez que interfere no pro- As hemorroidas são decorrentes da pressão venosa persis-
cesso da d igestão e da absorção de vitaminas do complexo B, tentemente elevada no plexo hemorroidário em virtude do
causa Oatulência e pode agravar o edema, além de elevar a PA aumento do volume uterino e/ou da presença de constipação
nos casos de uso constante e altas doses. intestinal. Causa dor, edema e sangramento, podendo com-
plicar-se com trombose hemorroidária aguda, fissura anal e
Sialorreia abscesso perianal. O d iagnóstico se baseia na história clínica
Durante a gestação ocorre d iscreto aumento na produção e no exame físico. O tratamento se fundamenta na recomen-
de saliva, além de d ificuldade em sua deglutição. Isso faz al- dação de dieta rica em fibras, a fim de evitar a obstipação
gumas gestantes, principalmente aquelas com náusea e vô- intestinal. A gestante também não pode permanecer sentada
mitOS, experimentarem esse desconforto e passarem a juntar por longos períodos nem usar papel higiênico colorido ou
saliva e depois cuspi-la. A hipersalivação pode se dar em fun- áspero. Ao fazer a higiene perianal após a evacuação, deve
ção da mudança dos níveis hormonais, geralmente depois de utilizar água e sabão neutro, podendo se r necessário o uso de
comer e à noite. Costuma regrid ir com a melhora da náusea anestésicos tópicos e de comp ressas úmidas aquecidas. O tra-
em tOrno de 12 a 14 semanas de gravidez. tamento cirúrgico não está ind icado na gestação, excetO nos
Para lidar com essa condição a mulher deve comer frutas, casos de trombose da ve ia retal, nos quais pode ser realizada
chupa r balas de limão, mastigar goma de mascar, fazer várias a remoção do coágulo sob anestesia local.
refeições ao dia, comer bolachas salgadas e aumentar a inges-
tão de líquidos para evitar a desidratação, podendo também Corrimento vaginal
escovar os dentes ou fazer bochechos com produtOs à base A maioria das gestantes ap resenta aumento do resíduo
de menta. vaginal (geralmente branco leitoso) que, no entanto, não é
acompanhado de outros sintomas, como prurido ou odor fé-
Fraquezas e desmaios tido. O exame especular é indispensãvel para o diagnóstico
Esses sintomas quase sempre estão associados a hipoten- diferencial entre essa condição e as demais vulvovaginites.
são arte rial ou hipoglicemia. Inicialmente, deve-se aconselhar jamais deverão ser prescritOS cremes vaginais na ausência de
a gestante a não fazer mudanças b ruscas de posição e a evitar um diagnóstico clínico, pois podem agred ir a microbiota va-
a inatividade. A dieta deve ser fracionada com o objetivo de ginal e promover o crescimento de outros patógenos.
evitar o jejum prolongado e grandes intervalos entre as refei-
ções. Caso oco rram, a gestante deve ser instruída a se sentar Queixas urinárias
com a cabeça abaixada ou deitar em decúbitO lateral. Exceto A gestante costuma queixar-se de aumento do número de
em situações indicadas, convém orientar a gestante a não re- micções, normalmente no início e no final da gestação (em
duzir a ingesta de sal. razão do aumento do útero e da compressão da bexiga), de-
vendo se r orientada e, no caso de su rgimento de outros sinais/
Dor abdominal, cólicas, flatulência e sintomas (algúria, d isúria, hematúria com ou sem febre), ser
obstipação intestinal investigada a possibilidade de infecção do tratO urinário. É es-
Esses sintomas acometem a maior pa rte das gestantes e sencial manter a atenção aos sinais de maior gravidade, como
são ocasionados pela hipotonia gastrointestinal secundária febre persistente, vômitOS e comp rometimento do estado ge-
r
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Capítulo 72 Assistência Pré-natal 611

ral, além dos sintomas já mencionados, pois o atraso no diag- deve ser acompanhada em serviço especializado, pois em um
nóstico de pielonefrite com possibilidade de evolução para terço das gestantes essas crises podem agravar-se significati-
sepse tem levado muitas gestantes a internações prolongadas vamente nesse período. A orientação inicial deve concentrar-
em UT!, aumentando as taxas de morbimortalidade materna. -se na mudança de hábitos e estilo de vida. Os medicamentos
da classe dos triptanos são os mais indicados nos casos de
Falta de ar e dificuldade para respirar crise de enxaqueca na gravidez. Quanto ao tratamento , veja
Embora esses sintomas sejam frequentes na gestação, em o Capítulo l 09
decorrência do aumento do volume do útero, da compres-
são pulmonar e, muitas vezes, da ansiedade, é importante dar Gengivorragia
atenção a essas queixas. Especialmente se forem recentes e A gengivorragia é quase sempre decorrente da congestão
de início súbitO, como wsse, d ispneia aos pequenos esforços, da mucosa oral, o que leva à hipertrofLa gengiva!, ou pode ser
sibilos e dor tOrácica, convém realizar ausculta cardiopulmo- secundária à doença periodontal. Recomenda-se a escovação
nar e, quando necessário, solicitar exames complementares e após as refe ições, assim como o uso de escova de dentes ma-
encaminhar para consulta especializada. cia; os bochechos com enxaguadores ou antissépticos bucais
devem ser orientados pelo odontólogo.
Mastalgia
Apesar de o desenvolvimento e o aumento das mamas Varizes
serem percebidos pela maioria das mulheres como parte do Além da pred isposição genética, as varizes podem surgir
preparo para a amamentação, é essencial orientá-las nesse ou agravar-se com o ortostatismo prolongado e com o decor-
sentido, principalmente as mais ansiosas. Todas deverão ser rer da gravidez em razão da compressão do útero e do ganho
examinadas quando apresentarem queixas e orientadas após de peso. Os sintomas são variáveis: desde leve desconforto
descartada qualquer intercorrência mamária. Nos casos sus- até dor intensa, tromboflebite ou trombose venosa profun-
peitos deve-se proceder ao exame complementar e ao encami- da. Varizes vulvares também ocorrem e podem causar muito
nhamento para avaliação de especialista. incômodo. Recomenda-se à gestante que não permaneça por
muitO tempo em pé ou sentada; que observe repouso (por 20
Lombalgia minutOs), várias vezes ao dia, com as pernas elevadas; que
A lombalgia é uma queixa comum de 60% a 70% das mu- não use roupas muito justas nas pernas e, sempre que possí-
lheres grávidas, podendo ocorrer a qualque r momento du- vel , utilize me ia-calça elástica para gestante.
rante a gravidez, e cerca de um terço dessas mulheres irá refe-
rir dor intensa , ocasionando a incapacidade para executar as Câimbras
atividades mais pesadas. Contribui para essa que ixa o ganho As cãimbras são decorrentes da contração espasmódica
de peso, que aumenta a quantidade de força aplicada sobre as involuntária dos músculos da panturrilha em função de seu
articulações e altera o centro de gravidade. O deslocamento estiramento súbito. São mais comuns à noite ou após alonga-
anterior do centro de gravidade causa hiperlordose da coluna mento. São recomendações úteis para alívio desses sintomas:
lombar, adicionando pressão sobre os discos intervertebrais, massagem do músculo contraído e dolorido e aplicação de
ligamentos e articulações. Além disso, os músculos abdomi- calor local; evitar o excesso de exercícios; embora necessários,
nais são estirados, dando menos suporte à região abdominal. a gestante deve evitar alongamentos musculares excessivos ao
Finalmente, o aumento da produção de relaxina e estrogênio iniciar exercícios ou caminhadas e quando for repousar. O
contribui para a embebição articular e torna a coluna verte - uso de medicação com base no equilíbrio de cálcio/fósforo
bral e as articulações sacroilíacas menos estáveis. não conta com o consenso da literatura.
As recomendações úteis para alívio desse sintoma são a
correção da postura ao se sentar e ao andar, evitar o onosta- Cloasma gravídico
tismo prolongado, não permanecer sentada por muito tempo, O cloasma gravídico é um sinal que causa grande constran-
usar almofada para apoio das costas, usar sapatos com saltos gimento à mulher, especialmente por estar sempre à vista. A
baixos e confortáve is, utilizar calor local, fazer massagens, fi- gestante deverá ser orientada a respeito de sua origem e evo-
sioterapia e acupuntura, e praticar exercícios de relaxamento lução. Cabe informar que costuma diminuir ou desaparecer,
(ioga e hidroginástica). Eventualmente, a critério e por orien- em tempo variável, após o partO. Caso não ocorra a regressão
tação méd ica, a gestante poderá fazer uso de analgésico (pa- completa após o parto, a paciente poderá submeter-se a trata-
racetamo\) por tempo limitado. mento cosmético. Toda gestante deve ser orientada a não expor
o próprio rostO diretamente ao sol e a usar protetOr solar.
Cela/e ia
A ocorrência de cefaleia , especialmente após 20 semanas Estrias
de gestação, deverá ser avaliada no contexto do d iagnóstico As estrias são secundárias à ruptura das fibras elásticas da
d iferencial das síndromes hipertensivas da gravidez. Excluí- pele que ocorre em razão da distensão rápida da pele. Por isso
da essa condição, deve-se diferenciar a cefaleia esporádica, são tão comuns, chegando a acometer 70% a 90% das gestan-
que responde a analgésico, da enxaqueca. Esta é mais difícil e tes, principalmente no terceiro trimestre. Além do aumento
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do volume abdominal e das mamas, outros fatores também objetivando sempre o parto seguro. Quando possível, a ges-
influenciam o desenvolvimento das estrias, como a produção tante deverá ser encaminhada à Unidade Básica para realizar
de estrogênio, cortisol e relaxinas, que tOrnam as fibras elásti- atividades práticas educativas individuais ou em grupo.
cas da pele mais frágeis, a tendência familiar para formação de
estrias, a idade da gestante (mulheres mais jovens têm maior l eitura complementar
concentração de colágeno na pele, apresentando maior faci- Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Depar-
tamento de Atenção Básica. Atenção ao pré-natal de baixo risco.
lidade de rompimento das fibras elásticas) , estar na primeira
1. ed. rev. Brasilia: Editora do Ministério da Saúde, 2013. 3 18 p.:
gestação (nas gestações subsequemes a pele já se encontra il.- (Cadernos de Atenção Básica n• 32.)
mais fiácida e mais apta a se d istender novamente), o peso do Cantor AG, Bougatsos C, Dana T, Blazina I, McDonagh M. Routine
feto, o número de fetos, o ganho de peso na gravidez (quanto iron supplementation and screening for iron deficiency anemia in
maior o ganho de peso na gravidez, maior o risco), a etnia pregnancy: a systematic review for lhe U. S. Preventiva Services
Task Force Annals oi Internai Medicina 2015; 162(8).
(mulheres de etnia não branca apresentam risco maior) e, fi-
Corrêa MO, Oliveira MJV. Assistência pré-natal. In: Corrêa MDC (ed.)
nalmente, a existência de estrias ames da gravidez. Noções práticas de obstetrícia. 14. ed., Rio de Janeiro: MEOSt,
Infelizmente, não existe tratamento ou prevenção efetiva 20 11:83- 114. Disponivel em: http://www.diabetes.org .br/sbdonli-
para o surgimento de estrias durante a gravidez. Cremes e ne/images/docs{OtRETRIZES-SBD-2015-2016.pdf.
loções têm pouco ou nenhum efeito. A mulher deve ser orien- Evenson KR, Barakat R, Brown WJ et ai. Guidelines for physical
activity during pregnancy: comparisons from around lhe world .
tada quanto à possibilidade de tratamento no pós-pano, utili- American Journal oi Lifestyle Medicina March/April 2014;
zando ácido retinoico ou tretinoína ou o laser. 8:102-21 .
Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Departa-
mento de DST, AIDS e Hepatites Virais. Protocolo clinico e diretri-
CONSULTAS SUBSEQUENTES zes terapêuticas para prevenção da transmissão vertical de HIV,
A cada consulta é sempre necessária uma breve anamnese sífilis e hepatites virais. 2015.
em busca das queixas mais comuns e de sinais clínicos que Ministério da Saúde. Boletim epidemiológico- Sífilis. Ano IV, n• 1; 2015.
apontem para o risco gestacional. O exame físico deve ser su- Montenegro CAB, Rezende JF. Assistência pré-natal. In: Rezende
J. (ed.) Obstetrícia. 12.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogann,
cinto e d irecionado para avaliar o bem-estar materno e fetal, 20 13:186-97.
além de identificar causas não relacionadas com as alterações OMS. Diretriz: Suplementação diária de ferro e ácido fólico em ges-
fisiológicas da gravidez. tantes. Genebra: Organização Mundial da Saúde, 2013.
Devem ser verificados a administração das vacinas, os re- Posicionamento Oficial da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e
Metabologia (SBEM) sobre utilização dos testes de função tireoi-
sultados de exames complementares solicitados e se a gestan-
diana na prática clínica 2014. Disponível em: http://www.endo-
te atendeu às recomendações e aos tratamentos prescritos. A crino.org.br/media{uploads/PDFs/ posicionamento_tireoide_atua-
cada consulta, o cartão da gestante deve ser atualizado com lizado.pdf.
todos os dados pertinentes ao pré-natal: idade gestacional, Programa Nacional de Suplementação de Ferro. Disponivel em:
peso materno, medida da PA, palpação obstétrica e medida da http://dab.saude.gov.br/portaldab/pnsf.php.
Royal College oi Obstetricians and Gynaecologists. Vitamin D in
altura uterina , pesquisa de edema, ausculta dos BCF e o regis- Pregnancy. Scientific lmpact Paper 2014; 43:7-11.
tro dos movimentos fetais. O peso materno e a altura uterina Sgarbil JA, Teixeira PFS, Maciel LMZ et ai. Consenso brasileiro para
devem ser anotados nos gráficos da caderneta da gestante e a abordagem clínica e tratamento do hipotireoidismo subclinico
acompanhados para detecção de possíveis desvios. em adultos: recomendações do Departamento de Tireoide da
Ao longo do pré-natal, a gestante deverá ser orientada so- Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. Arq Bras
Endocrinol Metab 2013; 57(3).
b re a melhor alimentação para esse período, além de incen- The American College oi Obstetrics and Gynecologists. Vitamin D:
tivada ao aleitamento materno exclusivo até os 6 meses, e screening and supplementation during pregnancy. Committee on
receber orientações sobre trabalho de parto e a via de pano, Obstetric Practice Number July 2011 ; 495 (Reaffirmed 2015).
CAPÍTULO

Rastreamento Fetal no Primeiro


e Segundo Trimestres da Gestação
Carlos Henrique Mascarenhas Silva
Mananna Amaral Pedroso
Luiza Meelhuysen Sousa Aguiar

INTRODUÇÃO cipais fatores etiológicos as condições genéticas e a exposi-


O rastreamento fetal de primeiro trimestre , uma realidade ção a substâncias teratogênicas e infecções.
nos melhores centros médicos do mundo, é ferramenta indis- • Deformação: resultado de uma força externa, mecãmca,
pensá,·el para o aconselhamento adequado ao casal gráúdo. imposta pelo ambiente uterino que age deformando uma
Cada vez mats fetos podem ser a\·aliados nesse pertodo graças estrutura com embnogênese normal (p. ex., pé torto con-
ao mcremento do conhecimento médtco e ao apnmoramento gênito em consequêncta de oligoidrãmnio).
dos equtpamentos de ultrassonografia (US), além dos no\'OS • Ruptura: tecido geneticamente normal modtficado em
métodos de rastreamento laboratorial. Sabe-se que a incidên- consequência de uma agressão; consiste no desarranJO do
cia de anormalidades estruturais aparentes ao nascimento é processo de desenvolvimento originalmente normal que
de 2% a 3%, sendo responsáveis por parcela significativa das fica comprometido por inte rferência de fatores extrlnsecos,
mortes neonatais. A cada ano se esti ma que 276 mil recém- como infecções congênitas, isquemia intraUie rina, radia-
nascidos morram durante as primei ras 4 semanas de vida em ções ionizantes ou outras agressões teratogênicas.
razão dessas anomalias. Em 2010, a principa l causa de óbi-
to neonatal na Inglaterra foram as anomalias congênitas. No Entre os teratógenos constam os med icamentos (Lalido-
mida, tetraciclina, calmantes, aminoglicosldeos, quinolonas,
Brasil, consULuem a segunda causa de morte entre menores
hidantolna, \oarfanna), o álcool e as substâncias illcttas.
de I ano, sendo responsá,·eis por 19,3% dos casos.
~últiplas anormalidades estruturais podem acontecer em
Os avanços nos cuidados de saúde e saneamento básico
um mesmo mdtvlduo da seguinte maneira:
contnbulram para a queda das taxas de óbtto mfantil por
doenças mfecciosas, parasitárias e resptratónas, ocastonando • Síndromc: todas as anomalias têm a mesma euologta.
aumento relam·o de mortes por malformações congêmtas. No • Sequência: os defeitos se desenvolvem sequenctalmente
entanto, os dados oftciais referentes às anomalias congênitas em decorrência da agressão inicial.
no Brasil ainda são escassos, sendo necessário melhorar os • Associação: anormalidades que ocorrem juntas, porém
sistemas de informação, assim como aumentar a integração não associadas etiologicamente.
entre os órgãos o ficiais do Governo e as instituições de saúde
públ icas e privadas com a fi nalidade de conhecer melhor a Os distúrbios genéticos são responsáveis por aproxi macia-
epidemiologia desse Lipo de agravo no pais. mente 25% das causas de anomalias congênitas, ressaltando-se
que parcelas importantes desses distúrbios são decorrentes de
ANOMALIAS CONGÊNITAS anormalidades cromossômicas, as chamadas cromossomopauas.
Estudos demonstram que 1 em cada 200 nasctdos vivos
As anomaltas congênitas se consutuem em um conJunto de
defettos funciOnais ou estruturais do desenvoh1mento de um apresenta uma anomaha cromossômica reconheclvel. Essas
cromossomopauas são alterações cromossõmtcas numéncas
feto causados por fatores genéticos, ambientaiS ou tdiopát.icos.
Esses defeitos podem surgir, pelo menos. de três maneiras: ou estruturats que afetam profundamente a expressão g~ni­
ca, implicando alterações morfológicas menores ou graves
• Malformação: resultado de um processo de embriogênese e , muitas vezes, múltiplas, além de serem responsáveis por
anOmalo que ocasiona defeitos estruturais, sendo os prin- 0,5% a 1% dos nascimentos com múltiplas malformações,

613
614 Seção 11 Obstelrícia

ocasiOnando 50% das mones embrionárias, 5% a 7% das • Exposição da gestante a certos agentes físicos, qulm1cos,
perdas fetaiS e 6% a 11% dos natimortos e mortes neonatais. biológicos e amb1enta1S teratogênicos.
Entre as cromossomopatias que mais afetam o ser huma- Dessa maneira, a frequencia e o tipo de malformação po-
no se destacam a monossomia do X (slndrome de Turner), dem variar de acordo com a etnia, as condições socioeconõ-
as trissomias do 13 (sindrome de Patau), 18 (slnd rome de m icas, assim como o acesso aos serviços de saúde, nutrição,
Edwards) e 21 (síndrome de Down) e o caríótipo 47 XXY estilo ele vida e educação mate rna.
(slnclrome de Kli ne felte r). Em relação aos fatores socioeconômicos e demográficos,
Atualmente se encontram disponlveis diversos métodos de estima-se que aproximadamente 94% das anomalias congê-
rastreamento pré-natal das anomalias fetais, que combinam nitas graves ocorram nos palses de rendas baixa e média, em
testes b1oqulmicos e/ou avaliação ultrassonográfica, princi- que as mulheres muitaS vezes não têm nutrição adequada (p.
palmente no primeiro e segundo trimestres da gestação. Essa ex., deficiência de iodo e/ou ácido fólico) e podem ter expo-
combinação constitui método eficaz. proporcionando altaS sição aumentada a agentes ou [atores que induzam ou au-
taXas de detecção. No primeiro trimestre da gestação, o ras- mentem a mc1dêncta de desenvolvimento pré-natal anormal,
treamento por meio da combinação de 1dade materna, fração como o álcool e as mfecções. As infecções estão entre as pnn-
bvre da 13-HCG e proteína plasmática A assoctada à gravidez cipais causas de malformações nesses países, com destaque
(PAPP-A) Identifica cerca de 60% das gestações acometidas para a sifilis e a rubéola.
por trissomias para urna taxa de falso-posiuvo de 5%. O risco de anomalias cromossômicas fetais aumenta consi-
Quando se associa a avaliação da US, são alcançados cerca deravelmente de acordo com a idade materna e se eleva mais
de 95% de detecção das cromossomopatias, segundo estudos rapidamente a partir dos 35 anos, faixa estabelecida como
prospectivos envolvendo dezenas de milhares ele pacientes. o ponto de corte para se conside rar uma mulher que queira
j á o rastreamento no segundo trimestre da gravidez. por engravidarcomo de "idade materna avançada". Esse aumento
meio ela idade materna e de várias combinações da fração li- de risco ocorre porque, com o passar dos anos, há uma frag-
vre de 13-HCG, da alfafetoprotelna, do estnol não conjugado mentação dos qUlasmas que mantém o alinhamento dos cro-
e da mibina A, tem taxa de detecção menor, podendo chegar mossomos pareados. Quando a meiose se completa no mo-
a 50% a 75% dos fetos com trissom1a do cromossomo 21, mento da ovulação, ocorre a não disjunção dos cromossomos,
com taxa de falso-positivo de 5%. A assoctação do ultrassom fazendo um gameta ter duas cópias do cromossomo afetado
morfológ1co, realizado entre 20 e 24 semanas de gestação, e aumentando, ass1m, o nsco das trissomias autossOm1cas. A
aumenta consideravelmente a taxa de detecção das anomalias incidência desses erros na meiose é diferente para os gametas
fetaiS. Em centros especializados de med1cma fetal, a sensi- masculinos e femminos: 3% a 4% dos espennatozoides e I 0%
bilidade da US morfológica para detecção das malformações a 20% dos oócitos são aneuploides, o que evidencia a idade
fetais ultrapassa 90%, sendo indispensável que essas infor- materna como o determinante principal no risco ele anomalia
mações sejam repassadas a todos os pacientes no momento fetal, uma vez que a população de oócitos está presente desde
do rastreamento. a vida intrauterina. Um exemplo é que o risco global de apre-
Nos programas de rastreamento pré-natal, as anomalias sentar um feto com trissomia do c romossomo 21 é ele 1 para
fetais devem ser conduzidas por equipes qualificadas, ade- cada 800 nascidos vivos. Após os 35 anos, esse risco aumenta
quadamente treinadas e submetidas a controles periódicos de para 1 em 370 nascimentos.
quahdade e auditoria externa para assegurar a reprodutibi- Outros fatores aumentam esse risco, como:
bdade dos resultados. A abordagem de,·e sempre ter caráter
• Gestação de gêmeos du1góticos e idade materna >31 anos
mformaU\'O e ser acessível, imparcial e abrangente, sempre
no pano.
respeitando a autonomia dos casais. O Colé&JO Amencano de
• Mulher ou parceiro portador de translocação ou m\·ersão
Obstetras e Ginecologistas (ACOG) recomenda que todas as
cromossômica.
mulheres que se apresentem para o cuidado pré-natal antes
• Nascimento de trissomia autossOm ica ou 47 XXX ou XXV
de 20 semanas de gestação sejam informadas e recebam a
anterior.
oferta elos testes de triagem. Além d isso, devem ter fácil aces-
• Perda gestacional ele repetição.
so à equipe multiprolissional e multid isciplinar, ele modo a
• Mulher ou parceiro com aneuploidia.
receberem adequado aconselhamento quanto à definição de
• História de triploidia.
conduta e terapias.
• Defeito estrutural fetal importante ao ultrassom.
A consanguimdade também aumenta a prevalência de
ETIOPATOGENIA
malformações congênitas genéticas. Em casamentos de pn-
Entre os fatores de risco importantes para a ocorrência de
mos de primeiro grau quase dobra o risco de morte neonatal e
malformações fetais estão:
infantil, defic1ênc1a mtelectual e outras anomalias congemtas.
• Idade materna avançada. Algumas comumdades étnicas, como a de judeus Ashkenaz1
• Filho anterior com anomalia congêmta. ou finlandeses, têm maior prevalência de mutações genéti-
• Uso indevido de fárrnacos/d rogas. cas raras que determinam au mento do risco de malformações
• Deliciencias nutricionais. congênitas.
r
((

Capitulo 73 Rastreamento Fetal no Primeiro e Segundo Trimestres da Gestação 615

ExiStem métodos preventivos para 70% das anomalias nome) , a pele parecia ser muito grande para o corpo. Na
cong~mtas, as quais podem ser pre,·emdas em trts nl\·eís: década de 1990 percebeu-se que esse excesso de pele pode-
ria ser consequêncta de um acúmulo de fluido subcutâneo
• Preve nção primária: ocorre no perlodo pré-<:oncepcional na parte posterior do pescoço fetal e foi denommado trans-
e consiste em evitar a doença, reduzindo a suscetíbilídade lucê ncia nuca!, pode ndo ser vis ualizado por ultrassono-
ou a exposição ao fator de risco. grafia, co mo a TN aumentad a no terceiro mês de vida in-
• Prevenção secundária: realizada no pré-nmal, tem por trauterina.
objetivo evitar a evolução e as seque las da doença por meio Nos últimos 20 anos, várias pesquisas comprovaram que
da detecção precoce e do tratamento oportuno. o medida da TN promove rastreio efetivo e precoce pa ra a
• Prevenção terciária: realizada no pós-natal, por meio da trissomia do 21 e outras aneuploidias maiores (tnssomias
reabtlitação e correções cirúrgicas, englobando o trata- do 18 e do 13). Além disso, a TN aumentada está associa-
mento multi profissional, no imullo de reduzir os riscos de da a defettos cardíacos e outras malformações e slndromes
comphcações e agra,·os. genéticas.
A mctdtncta de algumas anomalias congêmtas fot reduzida A idade gestactonal tdeal para a medida da TN é a de I I
por meto de programas de planejamento famtliar, educação semanas a 13 semanas + 6 dias, quando o compnmento ca-
em saúde, rigor na ,-enda de medicamentos, fortificação de beça-nádegas (CCN) alcança no mínimo 45mm e no máxtmo
farinha com ácido fólico, enriquecimento do sal com iodo, 84m m. A medida da TN pode ser realizada por via transab-
programa de pré-natal, Programa Nacional de Imunizações e dominal ou transvaginal, sendo os resultados semelhantes (Fi-
triagem neonataL gura 73.1).
A capacidade ele atingir uma medida confiável da TN de-
pende de treinamento adequado dos ultrassonografistas e da
RASTREAMENTO DE PRIMEIRO TRIMESTRE adesão a uma técnica padronizada de ultrassom, a fim de se
Em 1970, o primeiro método de rastreamento para trisso- alcançar a uniformtdade de resultados entre d tferentes opera-
mia do cromossomo 21 se basea,·a somente na idade mater- dores. A ampltação da imagem deve ser elevada de modo que
na. Nos anos 1980 o rastreio passou a ser fetto por meio da apenas a cabeça do feto e o tórax superior sejam mcluldos na
btoqulmtca maternal (fração livre da ~-HCG , alfafetoproteí- imagem. De,·e ser obudo um cone sagital estmo do feto na
na IAFPI , tmbma A, estriol não conjugado) e uma ultrasso- posição neutra e medtda a espessura máxima da transluctncta
nografia detalhada no segundo tnmestre. Nos anos 1990 o subcutânea entre a pele e o tecido celular que cobre a coluna
foco mudou para o primei ro trimestre com a combinação da cervicaL O cone sagital mediano é definido pela presença da
idade materna, medida d a transl ucêncía nuca! (TN), fração ponta ecogên ica do nariz e do palato retangular amenormen-
liv re da P-HCG e PAPP-A. Nicolaides e cols., em 1992, ob- te, diencéfalo translúcido e a membrana da nuca posterior-
se rva ram q ue a espessu ra da TN estava aumentada em alta mente. Os desvios em relação ao plano ela li nha méd ia não
propo rção de fetos com cromossomopatias e vá rios estudos possibilitam a visualização da ponta do nariz e, sim, do pro-
subsequentes confirmaram essa associação. Nos últimos cesso zigomátíco ela maxila.
10 anos, vá rios ma rcadores ultrassonográficos de p rimeiro Para uma taxa de 5% ele falso-positivo, o rastreio fetal para
trimestre fo ram incorporados ao rastreio, o que melhorou trissomia do 21 e outras aneuploidias maiores com base ape-
as taxas de detecção de aneuploidias e reduztu as de falso- nas na medtda da TN tdemifica 75% a 80% dos fetos.
-poslllvo.
O rastreamento das aneuploidias ganhou tmponãncia ame a
necessidade de diminuir o número de gestantes que eram sub-
metidas ao diagnóstico invasivo, notadamente à am niocemese
e à btópsia de vilo corial, uma vez que esses testes estão as-
sociados a riscos de perda gestacíonal que variam de 0,8% a
2%. A part ir desse rastreamento, gntpos de gestantes de alto
risco para cromossomopatias foram selecionados por meio
de um cálculo de risco individual, e aquelas consideradas de
alto risco poderiam, então , optar pelos testes diagnósticos in-
vastvos. Além disso, o rastreio permitiu às mulheres saber se
seus filhos eram portadores ou não de cromossomopatias e
planejar possiveís tratamentos ou até mesmo decidtr sobre a
mterrupção da gestação naqueles palses CUJa legiSlação oferece
essa permissão.

Translucência nucal (TN) Figura 73.1 Corte sag1tal mediano de feto para medida do CCN .
Em 1866, Langdon Down relatou que, e m indivíd uos (Imagem gentilmente ced1da pela ultrassonografista Marianna Ama-
com trisso mia do 21 (cond ição que passou a oste nta r seu ral Pedroso.)
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') 616 Seção 11 Obstetrícia

do cromossomo 21, são a ausênc ia do osso nasal (Figu ra


73.4), o aumento da impedância ao nuxo no dueto venoso
(onda A reversa - Figura 73.5) e a regurgitação da válvula
tricúspide, os quais são observados em cerca de 60%, 66%
e 55% dos fetOs afetados , respectivamente, e em 2,5%, 3%
e l % dos fetos euplo ides (Figu ras 73.6 e 73. 7)
Em 2014, Sepulveda e cols. descreve ram o triângulo re-
tronasal (Figura 73.8) como uma nova técnica para acessar o
osso nasal no primeiro trimestre e com desempenho similar
à técnica que usa o plano sagital estritO no rastreio de aneu-
ploidias.
A avaliação de cada um desses marcadores ultrassonográ-
ficos pode se r inco rpo rada no rastre io de primeiro trimes-
tre , combinando-se a idade materna , TN e fração liv re de
Figura 732 Medida da TN em corte sagital mediano. A posição neutra 13-HCG e PAPP-A, acarretando o aumento da taxa de detec-
da cabeça fetal, o corte da parte superior do tórax, o osso nasal e a ção para 93% a 96% e diminuição na taxa de falso-positivo
ponta do nariz aparecendo, sem o processo zigomático da maxila, são para 2 ,5%.
fundamentais para medida oorreta da translucência. (Imagem gentil-
mente cedida peta ultrassonografista Marianna Amaral Pedroso.)
Rastreio no primeiro trimestre seguido por
ultrassonografia de segundo trimestre
O melhor desempenho do rastreio de primei ro trimestre
é conseguido po r uma combinação de idade materna, testes
bioquímicos séricos e vários marcadores ecográficos de pri-
meiro e segundo trimestres.
Se a ultrassonografia de segundo trimestre demonstra gran-
des anomalias, é aconselhável oferecer ao casal o cariótipo fetal,
mesmo que essas anormalidades sejam aparentemente isoladas.
Caso as anomalias sejam letais ou estejam associadas à gran-
de incapacidade pós-natal, como a holoprosencefalia, o carióti-
po fetal deve ser ofe recido para se determinar a causa possível
e, assim, avaliar o risco de recorrência em futura gestação.
Se a anormalidade é potencialmente corrigível intraútero
ou com cirurgia pós-natal , como a hérnia d iafragmática, o
cariótipo fetal é importante antes da realização do procedi-
Figura 73.3 TN em feto com 12 semanas e 2 d ias. (Imagem gentil-
mente cedida peta Or. Carlos Henrique Mascarenhas Silva.) mento para se excluir previamente um defeito cromossômico
subjacente, já que os defeitOS mais comuns para muitas des-

Rastreio pela medida da TN e bioquímica


A combinação da medida da TN com a bioquímica ma-
te rna (fração livre da 13-HCG e PAPP-A) fornece um screening
mais eficaz do que cada um dos métodos individualmente,
obtendo-se taxa de detecção de 90% (com 5% de falso-posi-
tivos). O período ideal para esse modelo de rastreio é na 12•
semana, realizando-se a ultrassonografia com a coleta do san-
gue materno para dosagem bioquímica, seguidos do cálculo
de risco e orientação do casal em apenas uma visita. Outra
opção consistiria na coleta dos exames bioquímicos emre 9
e lO semanas e, posteriormente, na medida da TN na 12" se-
mana, incluindo as duas informações para o cálculo de risco
nesse momento do ultrassom.

Marcadores ullrassonográficos adicionais de primeiro


trimestre Figura 73.4 Osso nasal em feto de 12 semanas. (Imagem gentilmen-
Além da TN, outros marcadores ecográficos de p rime iro te cedida peta uttrassonografista Carlos Henrique Mascarenhas
trimestre, altamente sensíveis e específicos para trissom ia Silva.)
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Capítulo 73 Rastreamenlo FeiaI no Primeiro e Segundo Trimestres da Gestação 617

Figura 73.8 O triângulo retronasal é outra maneira de acessar o


Figura 73.5 Dueto venoso com onda A positiva. (Imagem gentil-
osso nasal no plano coronal. ( Imagem gentilmente cedida pela ul-
mente cedida pelo ultrassonografista Carlos Henrique Mascare-
trassonografista Marianna Amaral Pedroso.)
nhas Silva.)

Quadro 73.1 Desempenho dos diferentes métodos de rastreio da


trissomia do 21

Método de rastreamento TO(%)


Idade materna (IM) 30
IM e bioquimica sérica materna entre 15 e 18 semanas soa 70
IM e TN entre a 11• e a 13' semanas+ 6 dias 70a 80
IM e TN e dosagem sé<ica materna da traçao hvre da 85a90
P-HCG e PAPP-A entre a 11• e a 13' semanas+ 6 dias
IM e TN e osso nasal fetal (ON) entre a t t • e a 90
131 semanas + 6 dias
IM, TN, ON e dosagem séries materna da traçao lrvre da 95
Jl-HCG e PAPP-A entre a 11• e a 13' semanas+ 6 dl8s
HCG, gonadouolna cooonoca humana. PAPP-A ptOIOina plaSmâtoca A associada
àgeslaÇaO.

Figura 73.6 Dueto venoso apresentando onda A reversa. (Imagem


gentilmente ced1da peta ultrassonograhsta Mananna Amaral Pe- sas condições são as trissomtas do 18 ou do 13, as quats são
droso.) incompativeis com a vida pós-nascimento.
Anomalias fetais menores ou marcadores menores são co-
muns e não estão normalmente associadas a qualquer mcapa-
cidade funcional , a menos que haja um defeito cromossômico
subjacente. Acredita-se que a ultrassonografia morfológica de
segundo trimestre possa melhorar a taxa de detecção de tris-
somia do 21 em 6%. somando-se ao cálculo de risco obtido
no primeiro trimestre e a uma taxa de falso-positivo adicional
de 1,2%.

Rastreio em gestações gemelares


Em gestações gemelares o rastreio eficaz para anomalias
cromossôm icas é fornecido por uma combinação de idade
materna e medida da TN. O desempenho da triagem pode ser
melhorado com a bioquimica materna, mas são necessãrios
ajustes adequados para corionicidade. Em gêmeos dicoriõ-
nicos entre 11 e 13 semanas, os nh•ets de f3-HCG e PAPP-A
Figura 73.7 Fluxo através da valva tncuspide sem regurg1tação. livres no soro materno são cerca de duas "ezes matores do
(Imagem genblmente cedida pela ultrassonogral1sta Marl81lna Ama- que em gestações úmcas, mas os nh·etS em gêmeos mono-
ral Pedroso.) coriõnicos são mats baLxos do que em gêmeos dtcoriõnicos.
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J 618 Seção 11 Obstetrícia

Em gêmeos dicoriOnicos, os riscos especlficos do pacien- amniocemese) e, se negauvo, a pac1ente seria considerada de
te para trissomia do 21 são calculados para cada feto com baixo risco para anomalias cromossômicas.
base na idade materna e na TN, e as taxas de detecção (75%
a 80%) e de falso-pos1uvo (5% por feto ou 10% por ges-
RASTREAMENTO DE SEGUNDO TRIMESTRE
tação) são semelhantes às de gestações úmcas. No cálculo
do risco de trissom1as ficou defimdo que a cada gravidez Para as pacientes CUJOS testes de tnagem do pnme1ro tri-
os '·alores da TN para cada CCN entre do1s fetos eram in- mestre indicaram alto riSCo de aneuplo1d1as fetaiS são ofere-
dependentes uns dos outros. Uma vantagem Importante da cidos procedimentos mvasi\'OS para o d1agnósuco defimuvo
triagem pela TN é que a presença de um marcador ultrasso- dessas patologias. A realização dos testes mvaswos apenas
nográfico detectá,·el ajuda a garantir a correta 1denlificaçào para as pacientes com rastreamento positl,•o 1dentifica ma1s
fetos anormais do que se aplicados na população em geral,
do gêmeo anormal quando há discordância de uma anoma-
além de reduzir as taxas de perdas de fetos norrna1s em decor-
lia cromossômica.
rência de complicações nesses procedimentos. Esses métodos
Em gestações gemelares monocoriOnicas, a taxa de falso-
invasivos detectam todos os fetos com tnssomtas autossõmi-
-positivo de rastreiO pela TN é maior do que em gêmeos di-
cas, aneuploidias sexuais e mosaícismos.
coriõnicos, porque o aumento da TN em pelo menos um dos
As pacientes com testes de rastreamento do primeiro tri-
fetos também é manifestação precoce de sínd rome da trans-
mestre evidenciando baixo risco de anomalias fetais são enca-
fusão feto-fetal.
minhadas para a triagem no segundo trimestre em estratégia
No cálculo de risco de trissomias, as TN de ambos os fetos
de rastreamento sequencial. Os testes de primeiro e segundo
devem ser medidas e considerada a méd ia entre os dois. trimestres para o cálculo do risco de aneuploidias fetais ap re-
sentam taxa de detecção de 94% a 96% dos indivíduos afeta-
DNA fetal livre no sangue matern o dos com taxa de falso-positivo de 5%.
Apesar de amplamente estudados no passado, os testes bio-
Atualmente tem sido muito discutido o rastreamento de
quimicos realizados entre 15 e 20 semanas de gestação, que
aneuploidias no pré-natal por meio do DNA fetal livre no
mensuram a quantidade de diversos produtos fetoplacentários
sangue materno (dONA), pois, apesar da substancial melho-
presentes na circulação materna, como AFP, HCG, estriol não
ra na acurácia ao longo dos úlumos 20 anos nesse rastreio
conjugado (!lE3) e mesmo a tmbina A, que chamamos de teste
(as taxas de detecção aumentaram de aproximadamente 30%
quádruplo, não são mais recomendados em razão das baixas
para mais de 90%), as taxas de falso-posiuvo permaneceram
taxas de detecção e altas taxas de falso-positivo. sendo citados
basicamente as mesmas, ou seJa. em torno de 5%. A introdu-
neste capitulo apenas para regiStro ctenúfico.
ção do teste pré-natal não mvas1vo (NlPT) v1a dOe-IA, que
Para rastreamento e encammhamento d1agnósuco efeu-
pode ser feno entre 1O e 12 semanas de gestação, aumentou a
ms no segundo tnmestre é reahzada a avahação de marcado-
sensibilidade para ma1s de 99% no rastreamento de anorma- res ultrassonográficos durante o exame morfológiCO, entre
lidades cromossômicas com uma taxa de falso-positivo muito 19 e 24 semanas de gestação. Nesse exame, a anatomia fetal
baixa (0,1 %). Sabe-se que toda essa análise de,·e ser feita con- é examinada em detalhes para afastar a presença de malfor-
siderando-se um teste que apresente boa fração livre do DNA mações estruturais fetaiS ou sma1s que indiquem anomalias
fetal na amostra avaliada. cromossômicas. A detecção dos diversos marcadores ul -
Diversos estudos têm avaliado a possibilidade de implanta- trassonográficos está relac1onada com alguns fatores, como
ção do NIPT como prime1ra linha no rastreio de aneuploidias, experiência do operador, resolução do aparelho de ultras-
porém o alto custo desse exame ainda não torna possível sua som, idade gestacional quando da realização do exame ul-
aplicação na população em geral. Além disso, não é possível a trassonográfico, dificuldade técnica na avaliação fetal em
detecção de outras malformações estruturais, como as visua- virtude do panículo adiposo materno, volume de líquido
lizadas ao ultrassom de primeiro e segundo trimestres. Tam- amn iótico, número de fetos e posição fetal. A p resença de
bém deve ser lembrado que com o NIPT em uma pequena múltiplas ano rmalidades ultrassonográlicas está associada
porcentagem dos pacientes (I% a 8%) não é possível detectar a aumento significativo d o risco de anomalias c romossômi-
células fetais livres no sangue materno para a devida análise cas, sendo a associação menos clara para as anormalidades
e, nessas pacientes, o rastreamento conve ncional deveria se r isoladas.
realizado. Além disso, sua utilização em gestações gemelares As aneuploidias estão associadas a malformações anatõ-
é questionável em virtude de falhas na obtenção de resultados micas importantes e também a marcadores menores, valen-
confiáveis. do ressaltar que o risco de aneuploidia aumenta de acordo
Outra opção para o NIPT seria utilizá-lo como segunda com o número de marcadores identificados. Uma das limi-
ferramenta para rastreamento. Nesse caso, aquelas pacientes tações desses achados é que 10% das gestações não afetadas
que foram submetidas ao rastreamento convencional e que podem apresentar um dos marcadores menores, além de
calram na faiXa de nsco mtermed1ário para cromossomopa- sua utilização ser dificultada pela falta de critérios de medi -
lias teriam acesso ao dONA. Se pos1tivo, seriam oferecidos ção padronizados e clara defimção do que sena um achado
os testes diagnósucos lm'3SIVOS (b1ópsta de vtlo coriõnico ou anormaL
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Capítulo 73 Rastreamento Fetal no Primeiro e Segundo Trimestres da Gestação 619

À ultrassonografia, fetOs com trissomia do cromossomo os antígenos leucocitârios humanos visando ao potencial de
21 podem apresentar espessamento da prega nuca\, braqui- transplante de células-tronco de cordão umbilical para um
cefalia ou lobo frontal encurtado, ausência ou hipoplasia do irmão, embo ra esse seja ainda um propósitO controverso e
osso nasal, comprimento cuno da orelha, foco intracardíaco não regulamentado.
ecogênico, intestino ecogênico, hidronefrose leve, ângulo do As anomalias cromossômicas estão entre as p rincipa is
ilíaco alargado, encurtamento do úmero e/ou fêmu r, atresia causas de falhas no p rocesso de reprodução humana. As
duodenal , prega palmar transve rsa única, clinodactilia, falan- aneuploidias emb rionárias, por exemplo, são associadas
ge média do quinto dedo hipoplásica, vemriculomegalia leve, a 70% dos casos de abo n os espontâneos de primeiro tri-
defe itos cardíacos (principalmente do septo atriovemricular) mestre, havendo aumento significativo na incidência de
e maior espaço entre o primeiro e o segundo anelhos (gap da aneuploidia emb rionária com a idade materna avançada,
sandália). ocorrendo em até 85% dos blaswcistos de mulhe res com
A trissomia do 18 está assoc iada a cabeça em formatO de 43 anos ou mais. Essas alte rações genéticas são altamen-
morango, c istOs de plexo co roide, agenesia de corpo calo- te prevalentes em ciclos de fertilização in vitro, visto que
so, alargamento da cisterna magna , fenda palatina, microg- mulheres com idade avançada são seu principal público e
natia, edema nuca! e facial, defeitos ca rdíacos, hérnia d ia- contribuem para taxas de implantação embrionária dimi-
fragmática, atresia de esô[ago, onfalocele, arté ria umbilical nuídas e perda gestacional p recoce. Por isso, apesa r dos
única , defeitOS renais, intestino ecogênico, mielomeningo- avanços no campo da medicina reprodutiva, a probabilida-
cele, restrição de crescimento, encurtamento dos membros, de de se consegui r um nascimentO vivo nos casais que se
aplasia radial, sobreposição de dedos e pés em "mata-bor- subme tem a técnicas de rep rodução assistida é de apenas
rão" (o pé é plano e rígido com supe rfície plantar curva, de 5% a 8 % em pacientes com mais de 4 1 anos de idade.
com o ápice da curva na articulação mediotarsal). Já na tris - A PGD seleciona os emb riões euploides para trans ferência,
somia do 13, de feitOS comuns incluem holop rosencefa\ia melh orando, então, os resultados dos processos de fe rtili-
e anomalias faciais, microcefalia, ano rmalidades cardíacas e zação in vitro , além de evita r a transm issão de desordens
renais com rins aumentados e ecogênicos, onfaloce\e e po- genéticas pa ra a p role do casal. Essa transfe rência seletiva
lidactilia pós-axial. de embriões remove o efe itO negativo da idade mate rna
A ecocardiografia fetal está indicada para todos os casos avançada nos processos de reprodução.
com diagnóstico de malformação fetal ao exame morfológico As indicações dos testes de PGS incluem idade materna
ou para o grupo de risco para cardiopatias congênitas (ge- avançada , falhas de implantação recorrentes, abon o espon-
nitores portadores de cardiopatia congênita, filho anterior tâneo de repetição e grave fatOr de infertilidade masculino,
com cardiopatia congênita, diabetes pré-gestacional, uso de além de história de doenças de transmissão genética em um
agentes terawgênicos, medida da TN aumentada no primeiro dos membros do casal. Para que os testes sejam realizados
trimestre). é feita coleta de material genético dos embriões ge rados in
Cabe ressaltar que para os testes de rastreamento do se- vitro, o que é conseguido pela biópsia. Os embriões podem
gundo trimestre devem se r considerados os resultados do ras- se r biopsiados na fase de zigoto (remoção do primeiro e do
treamento do primeiro trimestre e o risco final corrigido em segundo corpúsculos polares), fase de clivagem (remoção de
sua função, que passa a ser considerado o risco inicial para os um a dois blastômeros do embrião de seis a oito células) ou
exames de triagem desse segundo momento. estãgio de blastocistO (remoção de algumas células trofoecw-
Convém frisar a importância, durante o ultrassom mor- dermas por meio da violação da zona pelúcida). Em seguida,
fológico, da avaliação do comp rimento do colo uterino por o mate rial é avaliado por meio de técnicas de análise do DNA.
meio da medida do eco glandular endocervical e como forma Hibridização in situ por fluorescência (FISH), matriz de hibri-
de rastrear mulheres com risco de parto pré-termo. dização genômica comparativa (CGH), reação em cadeia de
polimerase (PCR), detecção de polimorfismo de nucleotídeo
único (arrays SNP) e, mais recentemente, sequenciamento de
SCREENING GENÉTICO PRÉ-IMPLANTACIONAL (PGS) próxima ge ração (NGS) são técnicas usadas para análise cro-
O uso das tecnologias de rep rodução assistida vem au- mossômica.
mentando, estando disponíveis desde 1989 as técnicas de A técnica de PGS de primeira geração envolvia a utili-
PGS. Seu objetivo é testa r os emb riões ames da transfe- zação de FISH para avaliar anormalidades cromossômicas
rência em ciclos de fe rtilização in vitro para aneuploid ias em corpúsculos pola res e biópsias embrioná rias na fase de
e pa ra doenças específicas em casais com risco de trans- clivagem. No entantO, a FISH é limitada ao rastreio de ape-
missão de ano rmalidade genética para seus descendentes, nas três a 12 c romossomos em cada espécime de biópsia
sendo denom inado nesse caso diagnóstico genético pré- emb rião, o que só é capaz de identificar, no máximo, 90%
-implantacional (PGD). dos cromossomas anormais. Além d isso, a precisão do teste
Essas técnicas são capazes de detectar aneuploidias, iden- é afetada pela variabilidade na fixação das células. O fato
tifica r cerca de 200 d istúrbios de gene único (como fibrose mais importante, porém, é que os estudos recentes mostra-
cística, doença Calciforme ou betatalassemia), determinar o ram que a biópsia do embrião em estágio de clivagem mos-
sexo em doenças ligadas ao cromossomo X e compatibilizar trou efeito deletério, diminuindo o potencial de implantação
620 Seção 11 Obstelrícia

(redução de 39%), resultando em menores taxas de nasctdos ma e a nona semanas de gestação para datação correta de
vtvos após o procedtmento. Dessa manetra, o uso dessa téc- sua gestação.
ntca tem sido desencorajado e substituldo pelas tecnologias • Acesso: toda gestante deve ser encaminhada ao Serviço de
de segunda geração. Ultrassom e Medicma Fetal entre a 11' e a 13• semana + 6
A PGD de segunda ge ração é realizada, principalmente, dias (CCN de 45 a 84mm) para realização da ultrassono-
por meio de biópsia do embrião no estágio de blastocisto, grafia morfológica com med ida de TN, para avaliação de
o que, até o momento, não trouxe efeitos deletérios para o marcadores citados c a aferição de cálculo de risco ind ivi-
desenvolvimento embrionário. Além disso, são utilizadas dualizado.
técnicas de análise genética capazes de avaliar todos os 24 • Qualidade de exame: como em qualquer procedimento
cromossomos. A análise dos c romossomos pode ser reali- em medicina, o atendtmento realizado nessa fase da gesta-
zada por dtferentes plataformas genéucas: matriz de CGH, ção pelo ultrassonografista deve ser pautado em alta qua-
PCRe NGS. lidade assistenctal, obtida mediante conhecimento médtco
A CGH fot a pnmeira técnica a possibthtar a anáhse de associado a equtpamentos de ultrassom que proptctem a
todos os cromossomos, sendo realizada por meto de uma pla- adequada obtenção de tmagens de alta qualidade.
taforma que contém fragmentos de DNA com sequtncta co- • Técnica padronizada: todos os exames ultrassonográlicos
nhectda (controle) que são marcados com sonda nuoresceme aqui descntos para rastreamento cromossômico se basetam
e fixados sobre uma placa. O DNA do mdivlduo é marcado em técnica padronizada para a obtenção do marcador ul-
com corante nuorescente diferente e exposto aos fragmentos trassonogrâlico. Seguir essas padronizações é condição in-
de controle do DNA, sendo realizada análise compa rativa por dispensável para a efetividade desse rastreamento em con-
meio da leitura da intensidade dos sinais nuorescentes das formidade com os valo res descritos na literatura médica.
sondas por um scanner a laser, reunindo as desvantagens de • Au ditoria externa: programas internacionais de audito-
não detectar rearranjos estruturais cromossômicos equilibra- ria da qualidade de exames, como o realizado anualmen-
dos, como translocações ou inversões eqUilibradas. Além dis- te pela Fetal Medicine Foundaúon, em que as imagens
so, os polímorfismos genéticos identificados podem ou não analisadas por médtcos cadastrados em todo o mundo se
ter relevâncta cHmca. constituem em uma grande oportunidade de apresentar
O NGS , também conhecido como sequenctamento pa- exames de ultrassom adequados e padronizados para o
ralelo massivo do genoma, é a mais recente abordagem do rastreamento cromossómico fetal no primeiro trimestre da
PGD, devendo ser incorporado ao PGS de segunda geração gestação, elevando as taxas de detecção e diminuindo as de
com a vantagem de ter potencial para detectar aneuploidias falso-posttivo.
e doenças monogênicas simultaneamen te. Os custos mais • Aconselhamento c orientação: todas as pacientes, ao fa-
baixos dos reagentes e um maior rend imento do NGS em re- zerem os exames de ultrassonografia, devem ser orienta-
lação aos outros métodos util izados com a finalidade de PGS das sobre o significado do rastreamento, das limitações dos
são vantagens importantes da tecnologia. Por embrião, apre- métodos e do resultado obtido e te rem os riscos calculados
senta sensibilidade de 100% (sem falso-negativos) e 100% individualmente.
de espectficidade (sem falso posilivos). Já por cromossomo, • Referenciamento: as pacientes que apresentem alteração
o NGS apresenta 99,2% de concordância com a CGH. Com do rastreamento devem ser imediatamente referenctadas a
maiS melhorias pode ter também o potenctal de fornecer unidades de medtcma fetal para complementação de ras-
' 'ISãO maiS detalhada em outros aspectos da vtabthdade do treamento, onentação sobre os achados e realt.zação de
embrião. procedtmentos diagnósttcos necessários.
A PCR é utihzada para diagnóstico de defeitos de gene
úntco e, mais recentemente, para essa mesma finalidade foi
introduzida a matriz de microarranjos de polimorfismo de CONSIDERAÇ0ES FINAIS
nucleotldeo ún ico. O rastreamento fetal realizado no primeiro trimestre da
gestação deve fazer parte de toda a avaliação obstétrica rea-
lizada nesse perlodo da gravidez. É inqueslionáve l que esse
PONTOS CRÍTICOS
rastreamento deve ser oferecido a todas as gestantes que, após
São os seguintes os principais pontos crfticos a serem con- orientadas sobre o seu significado, desejem realizá-lo.
stderados: O fluxograma de atendimento proposto para a realiza-
• Datação da gestação: toda mulher ao engravtdar de,·e ter ção do rastreamento cromossômico fetal está descnto na
uma ultrassonografia realizada precocemente entre a séti- Figura 73.9.
r
((

Capítulo 73 Rastreamento Fetal no Primeiro e Segundo Trimestres da Gestação 621

Rastreamento combinado de 1• e 2• trimestres


(ultrassom + bioquímica + idade materna)
TNJON/DVNT + PAAP/[l-HCG

Cálculo de risco

Risco entre
Risco < 1/500 Risco <1/150
1/500 e 1/150

Aconselhamento ao casal Aconselhamento ao casal Aconselhamento ao casal

Prosseguir Desejo de 100%


Biópsia de vi lo corial
rastreamento de certeza

NIPT Normal Alterado

Orientação
Normal Alterado
ao casal

US morfológica US morfológica 2" trimestre


2" trimestre (20 a 24 semanas) + eco fetal

Normal AHerado Normal Alterado

Fim do Fim do
Amniocentese
rastreamento rastreamento

Figura 73.9 Fluxograma para rastreamento combinado.

leitura complementar Gil MM, Giunta G, Macalli EA, Poon LC, Nicolaides KH. UK NHS
Adiego B, Martinez-Ten P, lllescas T, Bermejo C, Sepúlveda W. First- pilo! study on cell-free DNA testing in screening for fetal !riso-
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a prospective study. Ultrassound Obstei Gynecol 2014; 43:272-6. 45:67-73.
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'
'/:
') 622 Seção 11 Obstetrícia

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CAPÍTULO

Medicamentos na Gravidez e na Lactação


Regina Amélia Lopes Pessoa de Aguiar

INTRODUÇÃO A farmacogenética, uma área da ciência em expansão, pode


O uso de medicamentos* na gestação é relativamente co- ser útil para ajudar os clinicas a implementarem uma farmaco-
mum, e seus estudos epidemiológicos demonstram que , na terapia personalizada. Os fármacos metabolizados são os que
prática, quase toda gestante fica exposta a algum upo de fár- exibem matar variabilidade farmacocinética, o que pode mter-
maco durante a gra,idez. Apesar dLSSO, uma das áreas pouco ferir tanto nos efeitos terapêuticos quanto nos adversos. Essa
desem·olvtdas na farmacologia clinica e nas pesqu•sas sobre variabilidade é, em pane, •nnuenciada pela capac1dade de as
drogas é exatamente acerca de seu uso na gestação e lacta- enzimas hepáucas e do trato gastroimestinal metabohzarem a
ção. Como a maioria dos estudos randomizados sobre drogas substância administrada. Existe uma familia de enzimas deno-
exclui grávidas e lactantes, o conhecimento sobre os efeitos minadas CYP-+50 que é essencial no processo da metaboliza-
dessas substâncias no embrião/feto!lactente fica mais comu- ção de drogas. Muitas dessas enzimas apresentam os chamados
mente li mitado aos estudos em animais, rclaLOs de casos e SNP, •• que podem levar ao aumento ou à dim inuição da ativi-
estudos de caso-controle, o que faz a prescrição e o uso de dade enzimática, determinando variações nas concentrações e
medicamentos na gestação e lactação serem considerados, de resposta. Além disso, existem SNP que podem afetar a ligação
certa forma, experimentais. de uma droga ao receptor, alterando seu efeito.
As mformações sobre o efeito das alterações fisiológicas e A farmacogenéuca procura descre,·er a variação de efeito
comphcaçOes comuns da gravidez na depuração e eficãcia de dos fármacos e relac1oná-la com diferenças genéucas nos SNP
drogas também são limitadas. Em geral, a absorção dos medi- de mane1ra a tentar pre,·er a resposta e minimtzar os efeitos
camentos na gestação não é alterada, mas a diStnbULção pode ad,·ersos. Testes de farmacogenélica já são utihzados em al-
estar aumentada em razão das modificações no \'Olume plas- gumas áreas da med1c1na para auxiliar a tomada de dec1são
mático, no débno cardíaco e na água corporal, o que pode exi- terapêutica, como no uso de alguns quimioterapêuticos- ce-
gir em algumas situações a necessidade de ajustes de doses. tuximabe e imaunibe- e outras substâncias, como o abacavir
Por outro lado, a diminuição relativa das protelnas plasmálicas e a carbamazepina. A farmacogenética na gravidez é um cam-
pode determinar o aumento da fração livre dos med icamen- po em desenvolvimento, sendo necessários muitos estudos
tos com intensi ficação do efeito e d iminuição da duração. O para se conhecer se a farmacogenética realmente ajudará na
aumento do nuxo plasrnãtico renal e da filtração glomerular individualização farmacoterapêulica na gravidez.
pode promover maior depuração renal de diversos fármacos, Durante a gestação, praticamente qualquer substância utili-
podendo exigir ajustes nos intervalos de administração. zada pela mãe pode alcançar o feto pela via sangulnea. Poucas
substâncias, como a msuhna e a heparina não fracionada, não
•o 1enno mcdu:amelllD na lingua ponuguesa 1em como Slgnoficado subslan- atra\'essam a placenta. O transpone placentãno pode se dar
<•• ou produ lo desenvolndo para tr.uar umo alecç;lo ou marulestaçlo pato- por difusão s1mples ou faalitada, transpone auvo, fagoatose
lógica Droga t uuhzada para deSJgnar qualquer sub<l3nc~;~ relacoonada com ou pinoatose. A transferéncia placentária depende s1grufica-
qu!moca, Úrm.oc~<~, embora esse tenno seja matS uulwdo no d.. a doa para
des1grur as subst.tnc1as que possam causar dependencLJ e/ou delto alucmó-
geno. Farmaco sognofica qualquer prodUio ou prepomdo lorm.octuuco. Nes1e • •Singlc nuclcondt p<>lymorphism- polimorfismo de nudeooideo unoco (SNP)
caphulo. os tennos medtcamento. fãrmaco e droga senlo uuhzados como - ê uma vanaç~o na sequ~nc1a de DNA que afeta somente uma base na se·
smOnimos. quência do genoma.

623
624 Seção 11 Obstetrícia

uvamente do metabolismo matemo, da 1dade gestac1onal, das Quadro 74.1 Sostema de classifiCaçãO de medicamentos na gestação
(US Food and Orugs Admnistration)
proteínas de ligação e armazenamento, da hpossolub1hdade do
fármaco e de seu tamanho molecular. Substâncias com peso categoria Riscos par• o embrlio/feto
molecular <500 dá!tons e aquelas com alta hpossolubihdade al- A Estudos controladOs demonstraram ausência de nscos
cançam rápida e facilmente a circulação fetal. Quanto menor a em humanos
ligação às proteínas plasmáticas maternas, mais facihtada será Estudos bem con1rolados e adequados em
gestantes nêo demonslraram aumento no risco de
a transferencia do fármaco da mãe para o feto. anormalidades letais
Essa relativa falta de informações sobre a segura11ça de me-
B Nenhuma evidência de risco em humanos
dicamentos na gestação tem sido determinante para o ocor- Estudos em animais não demonstraram riscos para o
rênCia de Situações de risco. Por um lado, algumas mulheres feto, mas nêo existem estudos bem conlrolados e
podem recusar ou atrasar o uso de medicações Importantes adequados em gestantes
para o controle clínico de suas condições de saúde, outras ou
Estudos em anwnais demonstraram eleitos adversos.
podem receber a prescrição indevida de med1cações para as mas es~udos bem controlados e adequados em
qua~s exista alguma e\~dência de possh·el teratogemc1dade e, gestantes falharam em demonstrar risco fetal
amda, outras podem ter suspenso o uso de medicações essen- c Roscos nào podem ser descanados em humanos
ciais para a preservação de sua saúde. Estudos em anomais têm demonstrado riscos letais e
Nas situações para as quais exista a necessidade de prescri- nao extstem estudOs bem controlados e adequados
em gestantes
ção de mais de um medicamento deve-se estar atento para o ou
risco de interfe rência na eficácia e/ou metabolismo das dife- N!lo há estudos em animais e não existem estudos
rentes drogas. Essa interferência pode ocorrer até mesmo com adequados e bem controlados em gestantes
o uso indevido de medicamentos sem prescrição utilizados o Clara evidência de riscos em humanos: no entanto. em
por decisão da própria gestante. Além disso, como parcela algumas Situações clfnicas os benelfcios da terapia
s1gruficativa das gestações não é planejada, muitas mulheres podem superar o potencial risco fetal
Estudos bem controlados adequados ou
podem expor o embrião a dh·ersas substâncias por não te- observacl()n8ís em gestantes demonstraram risco
rem conhecimento da gravidez incipiente. Portanto, torna-se para o feto
essencial que qualquer prescrição reahzada em mulheres em X Drogas contraondicadas na gestação
tdade reproduuva considere o potencial risco do uso da subs- Estudos bem controlados adequados ou
tância no caso de gravidez não reconhec1da. observacoonais em animais ou em gestantes
demonstraram evidência positiva de anomalias letaos
De forma sintética, a prescrição na gravtdez, sempre que
possível, deve considerar os seguintes princípios básicos:
• Utilizar medicamentos somente se absolutamente indicados. categoria A, e outros poucos são classificados como teratóge-
• Evitar iniciar a terapia durante o primeiro trimestre de ges- nos comprovados ou potenciais. Em situações especiais, até
tação. mesmo medicamentos da categoria D podem ser necessários
• Selecionar a medicação que tenha mais estudos disponl- na gestação, apesar das evidências de risco fetal.
veis sobre o uso na gravidez humana. Entretanto, essa classificação, embora útil, não atende a
• Usar monoterapia. todas as demandas do dia a dia do obstetra. Dai, o méd1co
• Usar a menor dose efetiva. responsá,·el pela prescnção deve sempre buscar mforrnaçOes
• Desesumular o uso de medicação sem prescnção. atualizadas sobre cada substância. Para tanto, consultas em h-
, ms-textos, an1gos e sites são 1mprescindh·eis. Ao final do capi-
CLASSIFICAÇÃO DAS DROGAS/MEDICAMENTOS NA tulo, o leitor encontrará hteratura a ser consultada, bem como
GESTAÇÃO endereços de sites c1entllicos úteis para a tomada de decisão.
Não existe, à luz do conhecimento atual, uma classificação
de drogas/medicamentos que contemple todas as necessida- MEDICAMENTOS TERATOGÊNICOS
des para a escolha de uma prescrição segura. Uma das classili- Teratógenos são agentes/substâncias capazes de alterar ir-
caçOes mais difund idas no meio médico sobre segurança dos reversivelmente crescimento, estrutura ou função do embrião
medicamentos na gestação é a utilizada pelo Food and Drug ou feto em desenvolvimento. Na espécie humana, microrga-
Administratíon (FDA). O Quadro 74 .l apresenta o sistema de nismos (vírus da rubéola, citomegalovírus, Zika vírus, Toxo-
classificação uulizado pelo FDA. plasma gondii, herpesvlrus), fatores ambientais (hipenermia,
A grande maioria das medicações é categorizada como C irradiação), agentes qulm1cos (mercúrio, álcool, clmmbo,
- os riSCos não podem ser descartados em seres humanos, cocalna), alterações características de doenças maternas (hl-
mas o beneficio da medicação pode superar os potenctaiS ns- perglicemta no d1abetes pré-gestacional, híperfemlalamne-
cos, fazendo o profissional adotar uma opção de prescrever mia na femlcetonuna, presença de anticorpos - anu-SSNRo e
ou não a medicação com base no julgamento cllmco da real anti-LLBII..a- no lU pus eritematoso sistêmico) e alguns medi-
indicação do tratamento. Poucos fármacos (<1 %) são clas- camentos descritos com mais detalhes a seguir são reconheci-
sHicados como inquestionavelmente seguros na gestação da dos como teratógenos.
r
((

Capítulo 74 Medicamentos na Gravidez e na Lactação 625

Embora a fase gestacional de mais risco para a ocorrência de conservador da ruptura prematura pré-termo de membranas
defeitos congênitos induzidos pelos teratógenos seja a chama- encontrou aumento no risco de enterocolite necrosante, não
da fase da o rganogênese (2 a 8 semanas pós-concepção ou 4 a sendo, em função desse achado, um esquema recomendado
lO semanas de amenorreia), diversas substâncias podem pro- para essa situação.
mover lesão fetal (fetopatia) em idades gestacionais mais avan- Dos macrolídeos, a eritromicina e a azitromicina parecem
çadas, não existindo nenhuma idade gestacional na qual o feto ser os mais segu ros. Alguns relatos suge rem associação do
esteja isento de risco. A primeira fase da gestação (período pré- uso da claritromicina com mais risco de abo rtamenws na
-implantação), que compreende as primeiras 2 semanas após gestação humana, sendo suge rido evitar se u uso na p rimei-
a concepção (p rimeiras 4 semanas de amenorreia), é conside- ra metade da gestação. Atenção especial deve se r dada na
rada o período "tudo ou nada", ou seja, ou a lesão causa dano escolha da eritromicina, pois a forma eswlatO pode induzir
significativo a ponto de determinar a morte do embrião ou hepatotOxicidade materna, o que não é obse rvado com os
ocorre o fenômeno da compensação no qual existe a recupe- outros derivados (base ou estea rato) . A eritromicina não
ração das células lesionadas com sob revida do emb rião sem deve se r util izada para tratar sífilis na gestação, pois não
malfo rmações. Cada ó rgão/sistema embrionário/fetal tem o alcança níveis te rapêuticos adequados no feto e, em con-
seu pe ríodo de maio r vulne rabilidade, mas foge aos objetivos sequência, não evita a in fecção congênita. A esp iram icina,
deste capítulo a d iscussão detalhada da embriologia humana. utilizada no tratamento da infecção aguda da toxoplasmose
Como já mencionado, a maioria dos medicamentos uti- materna, é segura para o fetO. As doses no co rdão umb ili-
lizados pela mãe alcança o feto pela via sanguínea e, obvia- cal são muito mais baixas do q ue as encontradas no sangue
mente, para que uma substância exe rça efeito te ratogênico materno; entretantO, a concentração na placenta é ap roxi -
sobre o embrião/feto é necessário que atravesse a placenta. madamente d uas a quatro vezes maior do q ue no sangue
Idade gestacional, via de administração, absorção do fármaco, materno. A anfote ricina B, que é um macrolídeo poliênico,
dose da med icação, níveis sé ricos da droga no so ro materno e pode ser utilizada nos casos de infecção fúngica s istêmica
clearance materno e placentário são críticos na determinação e grave.
do risco fetal. Entre os aminoglicosídeos, o uso da gentamicina ou ami-
No Quadro 74.2 são apresentadas as substâncias compro- cacina pode ser aceitável em casos de infecções por bacté rias
vada e possivelmente teratogênicas na espécie h umana e seus facultativas resistentes a agentes menos tóxicos. Não existem
riscos associados. relatos de ototoxicidade fetal com o uso da gentamicina. Em
função da nefrotOxicidade desses agentes, a função renal ma-
terna deve ser monito rizada regularmente d urante a terapêu-
MEDICAMENTOS DE USO COMUM NA GESTAÇÃO
tica.
Serão descritos a seguir os grupos de medicamentos que A nitrofurantoína é conside rada segura na gestação, em-
com maior frequência podem ser utilizados na gestação. O bora possa desencadear anemia hemolítica em fetos, prin-
leitor deve completa r seu conhecimento consultando tam- cipalmente naqueles com deficiência de glicose-6-fostato-
bém os capítulos específicos de intercorrências clínicas e obs- -desidrogenase. Por isso, seu uso no final da gestação deve,
tétricas que compõem este livro. prefe rencialmente, se r evitado.
A clindamicina é mais utilizada no tratamento da infec-
Antimicrobianos ção puerperal, mas o uso é compatível com a gestação. Seu
Existem inúmeras situações clínicas que podem exigi r o principal risco é a ocorrência de colite pseudomembranosa
uso de antimicrobianos na gestação, como prevenção de com- na gestante.
plicações maternas e perinatais, tratamento de bacte riúria as- As sulfonamidas náo causam dano fetal, mas sua admi-
sintomática, prevenção da sepse neonatal pelo estreptococo nistração no final da gestação pode induzir icte rícia, anemia
beta-hemolítico, oco rrência de doenças infecciosas na ges- hemolítica e, teoricamente, kernicterus no recém-nascido,
tação, infecções de vias aé reas supe riores, infecção urinária, principalmente nos prematu ros. A trimetoprima, que é anta-
pneumonia, sífilis, primoinfecção pelo I gondii, entre outras. gonista do folato, tem sido associada a mais risco de defeitos
Como já mencionado, tetraciclinas, estreptomicina e canami- card íacos e fendas orais no feto exposto à substância du rante
cina são os antimicrobianos com risco fetal inquestionável e o primeiro trimestre. Po r essa razão, seu uso é contraind icado
devem, portanto, ter seu uso proscrito na gestação. nessa fase da gestação.
As penicilinas (penicilina G, penicilina V) e seus de rivados Os dados d isponíveis na lite ratura não têm evidenciado
(ampicilina, amoxicilina e ce[alospo rinas) são consideradas associação entre o uso do metronidazol na gestação e efeitos
seguras na gestação, podendo se r utilizadas em qualquer pe - terawgênicos no feto, mas alguns estudos com animais su-
ríodo gestacional. gerem possível efeito mutagênico e carcinogênico. Seu uso
O ácido clavulânico, um inibidor da betalactamase, geral- na gestação pode se r justificado, desde que não exista outro
mente é utilizado em associação à amoxicilina ou à ticarcilina. fármaco mais seguro, principalmente no primeiro trimestre
Não existem relatos de aumento no risco de anomalias fe- da gestação. Existem poucos estudos disponíveis sobre o uso
tais pela exposição a esse ácido. Estudo em crianças expostas do tinidazol na gestação humana, devendo sua presc rição ser
intraútero à amoxicilina-ácido c\avulânico para o tratamento restrita.
/.

'
'/:
') 626 Seção 11 Obstetrícia

Quadro 74.2 Medicamentos teratogênicos em humanos

Substância Categoria Riscos fetais


US FDA
Antidepressivos CID Possível associação com hipertensão pulmonar neooatal persistente
Malformações cardíacas (deleitas de septo atrial e ventricular. deleitas de salda do ventrículo
Paroxetina D direito). SNC (anencelalia, craniossinostose) e onlalocete
Antiepilépticos (ácido vatproico. D "Sindrome do valproato": anomalias craniofaciais, anomalias de membros, defeitos cardlaoos.
carbamazepina, fenitoína) deficiência intelectual
"Sindrome da carbamazepina·: dismortismos faciais. atraso de desenvolvimento, espinha bífida.
hipoptasia de falange distai e unhas
"Sindrome da fenitoína": dismortismos laciais (hipertetorismo, microftalmia, pregas epicantais.
ptose patpebral, orelhas anormais e de implantação baixa. fenda labial e palatina). defeitos
cardíacos, hipoptasia de lalange distai e unhas, deficiência intelectual
Antimicrobianos
Estreptomicina e canamicina D Ototoxicidade/perda auditiva
Tetracictina D Anomalia da decidua dos dentes, redução do crescimento ósseo. hipospadia, hérnia inguinal,
hipoptasia de membros
Cictofosfamida D Restrição de crescimento intrauterino. palato ogival, microcefatia, base do nariz achatada.
sindactitia, hipoptasia de dedos
Supressão hematológica do período neonatal
Contraceptivos orais X Possível associação com slndrome de anomalias múltiplas (anomalias de vértebras, cardíacas.
anal. traqueoesofágica, renal e membros)
Danazot X Efeitos androgênicos em fetos do sexo feminino (atresia vaginal. hipertrofia de clitócis, lusão labial e
genitátia ambígua)
Diazepam D Possível aumento no risco de lendas orofaciais
Depressão neooatal (dificuldade para sugar. hipotonia, períodos de apneia, sedação. limitação
para resposta metabólica ao estresse). sintomas de abstinência no período neooatal
Dietitestitbestrol X Adenose vaginal. adenocarcinoma de células claras da vagina e oolo uterino. septos vaginais
(transverso e longitudinal), defeitos uterinos, infertilidade masculina e leminina
Fluconazot CID Em doses alias e prolongadas: braquicefalia. anormalidades da face, desenvolvimento anormal da
calota craniana, fenda labial e palatina. curvaturas anormais do lêmur, costelas magras e ossos
longos, artrogripose e cardiopatias congênitas
tnibidores da enzima de D Exposição no primeiro trimestte: malformações cardiovascutares (defeitos de septo attiat e ventricular,
conversão da angiotensina e estenose pulmonar) e do SNC (microcefalia, espinha bifida, anomalias oculares, ootoboma)
bloqueadores do receptor da Exposição no segundo ou no terceiro trimestre: otigoidrâmnio, hipocatvaria, anúria. insuficiência
angiotensina renal. persistência de dueto arterioso, estenose de arco aórtico e óbito letal
todo radioativo X Disfunção da tireoide
tsotretinolna X Anormalidades craniofaciais (microtia/anotia bilateral . estenose de conduto auditivo externo,
micrognatia. fenda palatina. hipertelorismo, base do nariz deprimida), anomalias cardíacas
(defeitos conotruncais -ttansposição de grandes vasos, tetratogia de Falfot, dupla via de salda
de VD: CIV -. hipoplasia de aroo aórtico). anormalidades de SNC (hidrocefalia, microcefalia.
malformação de fossa posterior, hipoplasia cerebetar, agenesia de vérmis cerebelar,
microdisgenesia cerebetar. megacisterna). anomalias do timo
Deficiência intelectual
Lítio D Arritmias cardíacas fetais e neonatais. polidrâmnio, prematuridade, hipotonia neonatal.
hipogtioemia no peóodo neonatal, diabetes insipidus nefrogênico, alterações na função
tireoidiana do neonato
Possível aumento no risco de anomalia de Ebstein
Metimazol D Hipotireoidismo congênito, aptasia cútis, atresia de esôfago e de cloanas
Metotrexato O, X Malformações fetais (anormalidades craniofaciais, esqueléticas, cardiopulmonares e
gastrointestinais) e atraso do desenvolvimento
Misoprostol X Exposição no primeiro trimestre: defeitos do crânio, paralisia de nervos cranianos, malformações
faciais e defeito de membros
Penicilamina D
Tatidomida X Defeitos de redução de membros (focometia). deleitas de orelhas (anotia). defeitos cardíacos.
defeitos da musculatura intestinal (atresia duodenal) e anomalias renais
Varfarina X Slndrome vartarínica: crescimento intrauterino restrito, deficiência intelectual. anormalidades
craniofaciais (hipoptasia nasal. base do nariz deprimida, entalhe entte aleta nasal e ponta
do nariz). anormalidades esqueléticas (epifises- fêmur e vértebras- não calcificadas e
pontilhadas). anormalidade de membros (dedos curtos, hipoptasia de unhas)
Exposição no segundo e terceiro trimestres: defeitos secundários a sangramento em SNC. perda
fetal. agenesia de corpo caloso. malformação de Dandy-Walker. attofia cerebelar. microttalmia.
atrofia óptica. cegueira, deficiência intelectual
r
((

Capítulo 74 Medicamentos na Gravidez e na Lactação 627

As nuoroquinolonas atuam mediante a inib ição da Sínte- da d idanosina e estavudina é contraindicada nos esquemas
se do DNA bacteriano. Como existe similaridade estrutural para gestantes em razão do risco de acidose lática fatal. Na
entre as moléculas de DNA das bacté rias e mamíferos, há o gestação, os inibidores da transcriptase reversa análogo de
risco teó rico de efeitos adversos, principalmente no fetO em nudeosídeo de primeira linha são a zidovud ina associada à
desenvolvimentO. Estudos experimentais têm demonstrado lamivudina. O inibidor da transcriptase reversa não análogo
que as quinolonas são tóxicas para a cartilagem em desen- de nucleosídeo de escolha na gestação é a nevirapina. Quan-
volvimento de alguns modelos animais (ratOs e cães). Uma do indicado um inibidor de protease, o lopinavir é a escolha
metanálise publicada em 2009 (cinco estudos com um total com o ritonavi r como adjuvante farmacológico.
de 934 gestações que usaram quinolonas no prime iro trimes- Entre os anti-helmínticos, apenas a piperazina é conside-
tre) conside rou que o uso no primeiro trimestre da gestação rada categoria B pelo FDA, sendo todos os outros classifica-
não parece estar associado a risco de malformações maiores. dos como C. Os dados d isponíveis conside ram que , princi-
Dessa maneira, considera-se que seu uso pode se r ace itável palmente em países em desenvolvimento, o tratamentO das
no caso de infecções por microrganismos resistentes a outros helmimíases durante a gestação supera os riscos teóricos do
amimicrobianos mais estudados na gestação. uso do praziquantel e do mebendazol, devendo o tratamento,
A fosfomicina é um antibiótico de largo espectro com preferencialmente, se r realizado após o primeiro trimestre.
propriedades farmacocinéticas e farmacodinãmicas que fa-
vorecem sua utilização no tratamento das infecções do tratO
Analgésicos e anti-inflamatórios
urinário. Não existem relatos de terawgenicidade em estudos
com animais, e os dados disponíveis suge rem apa rente segu- O paracetamol (acetaminofeno) é o analgésico mais utiliza-
rança no seu uso na gestação humana. do na prática clínica e apresenta fraca atividade anti-innama-
Os carbapenêmicos são utilizados em infecções graves po r tó ria e poucos efeitOs colaterais. Não é considerado terawge-
germes multirresistentes, sendo o imipenem o mais conheci- nico nas doses terapêuticas, mas pode ser hepatotóxico tanto
do e estudado. Em estudos animais não é considerado te rato- para a mulher como para o feto em doses elevadas. Como
genico. Não existem estudos adequados sob re sua adoção na não exerce atividade antiplaquetária e não determina risco de
gravidez humana, podendo, entretanto , ser considerado uma hemorragia para o feto , é considerado o analgésico de escolha
opção no período perinatal. na gestação.
lsoniazida, etambuLOl, pirazinamida e rifampicina, utiliza- O ácido acelilsalicílico (AAS) em doses terapêuticas deve
dos no tratamento da tuberculose, são compatíveis com o uso se r evitado na gravidez, principalmente em razão de seus efei-
na gestação. tos na hemostaSia materna e fetal, aca rretando mais riscos de
A pirimetamina, um antagonista do ácido fólico utilizado hemorragias. Além disso , existem relatOs de discreto aumento
em associação a outros med icamentos no tratamento da malá- no risco de gastroquise em fetos expostos ao AAS no primeiro
ria e LOxoplasmose, não deve ser usada no primeiro trimestre trimestre de gestação. No terceiro trimestre , o uso de doses
de gestação. Quando prescrita, deve estar sempre associada à terapêuticas pode, assim como com qualquer ami-innamató-
suplementação de ácido folínico para prevenção de deficiên- rio não esteroide, promover inibição das contrações uterinas
cia de folato. e fechamento prematuro do dueto arterioso fetal, levando à
Os antifúngicos de ação tópica (clotrimazol, miconazol, hipertensão pulmonar no pe ríodo neonatal. Seu uso em bai-
nistatina e isoconazol) são considerados seguros na gestação. xas doses (<lOOmg/dia) em gestantes com alto risco de de-
Não existem estudos adequados sobre a adoção dos antifún- senvolve r pré-eclâmpsia é considerado seguro. Para esse fim,
gicos de uso oral cnuconazol, cewconazol e itraconazol) na a intervenção medicamentosa deve ser iniciada por volta de
gestação humana, devendo ser evitados principalmente no 13 semanas, devendo ser suspensa, pelo menos, 7 dias ames
primeiro trimestre. do parto.
Dos antivirais, o acidovir é o que tem mais estudos na A dipirona tem ação similar à do paracetamol, mas maior
gestação humana, e os dados disponíveis suge rem que é apa- ação ami-innamatória. Apesa r de ser largamente utilizada em
rentemente seguro na gestação. Os dados d isponíveis sobre nosso meio, os estudos sobre seu uso na gestação são pratica-
o ganciclovir, o valaciclovi r e o fanciclovir são quase que ex- mente inexistentes, pois a substância foi retirada do me rcado
clusivamente os fornecidos pelos estudos patrocinados pelos nos EUA e de d iversos países da Europa em virtude do risco
fab ricantes. Nesses estudos não foram identificados riscos de agranulocitOse potencialmente fatal. Pela ausência de es-
maiores de malformações fetais. Os antivirais utilizados no tudos de segurança, sua adoção na gestação deve se r evitada.
tratamento da infecção mate rna pelo HIV são quase todos O ibuprofeno, assim como a indometacina e o naproxeno,
classificados como compatíveis com o uso na gestação. Dida- teve seu uso no primeiro trimestre de gestação associado a
nosina, nevirapina, atazanavi r, nelfinavir, ritonavir, tenofovi r mais risco de abortamenws. A associação com o risco de gas-
e saquinavir são considerados como categoria B pelo FDA e troquise também tem sido relatada nos estudos. Os três fár-
abacavir, estavudina, lamivudina, zalcitabina, zidovudina, de- macos são associados ao risco de fechamento prematuro do
lavirdina, amprenavir, indinavir, lopinavir + ritonavir e tipra- dueto arte rioso fetal , principalmente se utilizados após 32 se-
navir são categoria C. Apenas o efavirenz é considerado como manas de gestação. Além d isso, o uso dessas substâncias pode
categoria D por ser terawgênico em primatas. A associação induzir oligoidrãmnio por redução no débito u rinário fetal,
628 Seção 11 Obstelrícia

extgmdo, por ISSO, tntensa monitorização do volume de lrqui- a década de 1980 dentro do Programa Nacional de Suplemen-
do ammótico caso seu uso seja jusuficado. A mdometacina tação da Vitamina A. Entretanto, dada a ausência de evidências
tem sido cons1derada, por sua ação inibidora de prostaglan- quanto aos beneficiOS dessa suplementação nas puérperas, a
dmas, uma eficaz opção como tocol!tico. Entretanto, estudos partir de julho de 2016 o Ministério da Saúde (MS) decidiu
recentes tem apontado que o uso da indometacina como encerrar essa suplementação em LOdo o território nacional.
agente tocolltico no trabalho de pano pré-termo também tem O ferro participa de diversos processos metabólicos, in-
sido associado a risco aumentado de hemorragia ventricular cluindo o transporte de elétrons, metabolismo de catecola-
grave, enterocolite necrosame e leucomalacia periventricular. minas (cofator da enzima ti rosina hidroxilase) e sintese de
Os opioides, como a morfina e a meperidina, não parecem DNA. A preval~ncia mundial da deficiência de ferro é elevada,
apresentar potencial teratogênico significativo. A codeina foi inclusive em gestantes. A anemia ferropriva está associada a
associada em alguns estudos a mais nscos de malformações mais risco de mone materna, bem como resultados perinataiS
fetaiS, porém a qualidade desses estudos é fraca. A maior adversos. A Orgamzação Mundial da Saúde (OMS) recomen-
preocupação com os analgésicos opio1des se refere a seu uso da a suplementação umversal de ferro elemento na dose de 30
crõmco, que mais frequentemente acontece por drogad1ção. a 60mg por dta durante toda a gestação. Os efeitos colateraiS
O uso crõmco dessas substâncias pode mduzir a sindrome mais comuns mcluem náuseas, constipação inteslinal e dor
de absunencia do recém-nascido. A restrição de crescimento epigástrica. Entretanto, para gestantes com doença Calcifor-
intrauterino e o baixo peso ao nascer também podem ocorre r me e outras doenças hemolrticas a suplementação de ferro só
com o uso crOnico de opioides. deve ser feita nos casos de comprovada ferropenia.
O ácido fólico, uma vitamina do complexo B, apresenta
Polivilamínicos e micronutrientes pape l fundamental no processo de multiplicação celular, na
Embora as necessidades nutricionais na gestação sejam formação de proteinas estruturais e hemoglobina. Atua como
diferentes das mulheres não grávidas, na maioria das vezes coenzima no metabolismo de aminoácidos, na slntese de pu-
essas diferenças não são quamitatívamente significativas a rinas e pirimidmas e dos ácidos nucleicos, sendo vital para a
ponto de exig1r a suplementação rotineira de diversas \~tami­ di,isão celular e a sintese proteica. Os defeitos de fechamento
nas e m1cronutnentes. A avaliação individual deve 1denuficar de tubo neural representam uma das mais comuns anomahas
os grupos mms \'Ulneráveis e, em grande pane dos casos, a congênitas da espécie humana e podem ter sua ocorrência
orientação nutrictonal será capaz de supnr as necess1dades reduzida de forma s1gmficauva com o uso periconcepc1onal
do bmOmio mãe-feto. O objetivo deste capitulo não é discutir do ácido fólico. Além disso, a suplementação rotineira de
cada uma das ~taminas e cada um dos m1cronutnentes que ácido fólico na gestação reduz o risco de anemia materna. A
podem ser utilizados em situações especificas de deficiência. dose recomendada para a redução do risco de defeito de tubo
Entretanto, dada a importância da suplementação rotineira neural no feto e para suplementação durante a gestação é de
de ferro, ácido fólico e suplementação dife1·enciada de vitam i- O, 4mgld ia ( 400~tg/dia). O ideal é que essa suplementação seja
na A em 110sso meio, abordaremos sinteticamente essas três iniciada 3 meses antes da concepção, podendo ser mantida
situações. durante toda a gestação.
A vitamina A é um micronutriente essenctal para d iversos É importante ressaltar que o ácido fólico introduzido
processos metabólicos, como a diferenciação celular, o ciclo após o diagnóstico da gravidez tem beneflcio apenas para
visual, o cresc1mento, a reprodução e o SIStema antioxidan- a saúde da mulher, sem interferir na redução do nsco de
te e 1munológ1co. Gestantes com defioênc1a de ''ltamma A anomalia do tubo neural fetal. Alguns estudos sugerem que
podem apresentar cegueira noturna e parecem estar mais doses >lmg/dta (l.OOO~g/d1a) pode associar-se a efe11os ad-
prediSpostas às mtercorrências e comphcações gestac1onais, ,·ersos, como mascarar a deficiência de Yitamina B12• Doses de
como abortamento espontâneo, náuseas e vómllos, anemia, Smgfdia têm sido assoc1adas também a mais risco de morta-
infecções do trato urinário, reprodutivo e gastrointestinal e lidade por câncer em idade avançada, dados esses que não
pré-eclâmpsia. Eswdos experimentais associam a ingestão estão comprovados em outros estudos, mas que sinalizam
tanto deficiente quanto excessiva de vitami na A no periodo a vantagem da Ulilização correta das doses preconizadas.
gestacional a defeitos congênitOs cerebrais, ocu lares. auditi- Algumas situações clrn icas ind icam o uso de doses diárias
vos, elo aparelho geniturinário e carcliovascular, podendo pro- maiores de ácido fólico (4mgfdia) pa ra as mu lheres com fi-
mover reabsorção de embriões e, até mesmo, a mone fetal. lhos anteriores com defeito de fechamento de tubo neural,
Os efeitos teratogênicos têm sido reportados somente quan- em uso de anticonvulsivantes, com diabetes mellitus upo l e
do as doses diárias dessa ,;tamina ultrapassam 25.000Ul. com doença falei forme.
Como as necess1dades de \itamina A são fac1lmente alcançadas
na alimentação, sua suplementação na gestação só é jUStificada Anti-h ipertensivos
em snuações especiais, como, por exemplo, no pós-parto ime- A metildopa, um antagomsta adrenérgico de ação central,
diato em áreas endêmicas para deficiência de '1tam1na A. No é um dos anu-hipertensivos mais estudados na gravidez, com
Brasil, a suplementação desse micronutriente na forrna de dose padrão de segurança em curto e longo prazos bem estabeleci-
única (200.000Ul) para mulheres no pós-parto 1mediato (ain- dos. Em função disso é, em grande número de instituições, o
da na maternidade) em regiões especificas era realizada desde fárrnaco de primeira linha para o tratamento da hipertensão
r
((

Capítulo 74 Medicamentos na Gravidez e na Lactação 629

na gravidez, embora não seja a escolha terapêutica para os O emprego de diuréticos durante a gravidez é controverso.
quadros de hipertensão grave. O efeito colateral mais signifi- Considera-se que sua introdução durante a gestação deveria fi-
cati,·o da alfameuldopa é a sonolencta. Em pequeno número car restrita às pacientes com msufictt'ncia cardíaca congestiva
de mulheres, a meuldopa pode mduztr ele\'3Ção das transa- descompensada. Nas mulheres com hipenensão anenal SLStt'-
minases hepáucas ou postuvação do teste de Coombs e, mica e uso crônico de ludroclorottaztda nào há consenso se sua
excepctonalmente, anemta hemolluca. Seu uso em gestan- suspensão é imprescindlvel nem se sua manutenção acarreta
tes com diagnósuco prévto ou atual de depressão deve ser riscos para o feto. A htdroclorouaztda pode estar associada a ris-
feito com cautela. co de trombocitopema neonatal e dLStúrbtos htdroeletrol!ucos.
Os antagomstas de canal de cãlcio tt'm sido utilizados A furosemida tem mdtcação na gestação apenas para o trata-
como medicamentos de segunda ou pnmetra linha no trata- mento da insufictenaa cardlaca congesuva e em alguns casos de
mento da hipertensão na gestação. Em estudos com animais, insuficiência renal crônica. A esptronolactona não deve ser uti-
a nifedtpina, a mcardtpma e a nunodipina foram consideradas hzada em vinude do risco de feminilização de fetos masculinos.
potencialmente teratogt'nicas. Em estudos em humanos não
foi identificado aumento do risco de malformações maiores, Antidiabéticos
mas foi observado maior núme ro de partos pré-termo, o que A insulina humana não atravessa a placenta em quanti-
resultou rta tendência de maior ocorrencia de baixo peso ao dades clinicamente signi[icativas nem passa através do leite
nascer. Embora os dados atuais indiquem que a nifedipina, materno e, por isso, é a escolha para o controle de diabetes na
o verapamil e a anl odipi na sejam medicações provavelmente gravidez. As insuli nas de ação intermediária (insulina NPH -
seguras durante a gravidez, em razão do uso ainda limitado neutral protamine 1-/agedorn), ele ação rápida (insulina regu-
em humanos devem ser admi nistrados com cautela, princi- lar) e os análogos da insulina humana de ação ultrarrápida
palmente no primeiro trimestre da gestação. Dados recentes (lispro e aspane) e o de ação lenta (detem ir) estão aprovados
revelam sua eficácia também no controle da crise hiperten- para uso na gravidez. As insulinas glargina e degludeca ain-
siva, devendo a monitorízação materna se r intensiva, nota- da não foram Liberadas para uso na gestação.
damente se o uso for concomitante ao sulfato de magnésio, Os antidiabéticos orais não são rotineiramente indicados du-
em virtude do risco teórico de hipotensão grave e de dif!cil rante a gravidez, apesar de não serem claros seus efeitos deleté-
controle. rios no feto. A meúormina tem-se mostrado eficaz em mulheres
Os betabloqueadores, como o pindolol, tem sido utiliza- com slndrome de ovános pohclsticos ao auxíltar a concepção, a
dos em alguns centros como medicamentos de primeira es- pre,·enção de abonamentos e o controle do dtabetes, sem apa-
colha no controle da hipertensão arterial crônica durante a rentes repercussões deletérias para o feto, podendo ser mantida
gravtdez. O pmdolol é constderado pelo FDA compaú,·el com durante a gestação nesse grupo de mulheres. No tratamento do
gestação e alenamento. Os betabloqueadores não seletivos, diabetes gestacional o uso da metformtna apresenta eficácia e
como o propranolol e o metoprolol, aumentam o risco de segurança semelhantes às da tnsuhna nos desfechos tmedtatos
cresctmento mtrautenno restnto, além de estarem associados da gestação, mas a suplementação com tnsuhna pode ser ne-
a mais nsco de htpoghcemta e letargia neonatal. O proprano- cessãria em praucameme metade das gestantes para o controle
lol não de,·e ser uulizado como hipotensor na gestação, mas glicêmico. Estudos recentes t~m considerado a ghbenclamida
pode ser presente por tempo limttado no controle da taqui- claramente inferior à metformina e à insuhna no tratamento do
cardia em pacientes com htperttreoidismo descontrolado. O diabetes gestadonal e recomendam que não deva ser utilizada
atenolol é contraindtcado na gestação em razão da significati- se a meúormina e/ou a tnsuhna estiverem disponíveis.
va associação com crescimento intrauterino restrito e redução
do peso da placenta. Além disso, existe também o risco de o
Anti co nvu lsiva ntes
recém-nascido apresentar bradica rd ia se exposto a esse risco
na vida intrauterina ou por meio do leite materno. Como já apresentado neste capitulo e no Quad ro 74.2,
A hidralazi na é fármaco vasodilatador relativamente inefi- os anticonvulsivantes são teratogênicos na espécie humana.
caz quando usada isoladamente por via oral, mas altamente Entretanto, tem sido conside rado que as crises convulsivas
eficaz quando por via venosa. Determina aumento no débi- maternas sejam mais prejudiciais ao feto do que a própria
to cardlaco com taquicardia renexa, mas quando associada medicação. Portanto, o tratamento eficaz das crises convulsi-
a agentes betabloqueadores, a taquicardia renexa é preveni- vas deve ser alcançado durante toda a gestação. Sempre que
da com melhores resultados nos nlve is pressóricos. Também possível deve ser preferida a monoterapia, pois a politerapia
pode ser associada à metildopa. Atravessa rapidamente a pla- está mais associada a malformações congênitas. Embora não
centa e alcança concentrações sé ricas no feto, que são iguais exista consenso sobre o anticonvulsivante de escolha para uso
ou superiores àquelas encontradas na mãe. Os riscos fetais na gestação e se adequado, a carbamazepina parece ser o que
com o uso endovenoso são secundários ao risco materno de acarreta menos risco.
hipotensão grave. A htdralaztrta e a mfedipina são os medica-
mentos de escolha para o tratamento agudo da hipertensão Anticoagulantes
grave em nosso meto, uma vez que não dispomos do labetolol A heparina é o fá.rmaco de escolha para pre,·enção e trata-
no Brastl. mento do tromboemboiLSmo venoso e para as snuações nas
/.

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'j 630 Seção 11 Obstetrícia

quaiS estep md1cada a anticoagulação profiláuca ou terapeu- Anti-histamínicos


uca na gestação. Os anu-hlStamlmcos com ação amiemética (antagoniStas
Os estudos em animais demonstram que a heparina não do receptor H l) jâ foram abordados. Os antagonistas do re-
atravessa a placenta. Não há indícios de efeitos teratogênicos ceptor H2 da histamina (cimetidina e ranitidina) não tem sido
com o uso de heparina na gravidez. As heparinas de baLxo associados a risco elevado de anomalias congênitas e podem
peso molecular têm as seguintes vantagens em relação à he- ser ulilizados na gestação. Recomenda-se evitar o uso da ci-
parina não fracionada: melhor biodisponibilidade, maior vida metidina no primei ro trimestre e po r tempo prolongado em
média após a aplicação, é mais bem absorvida pela via sub- função da possível inibição do processo de masculi nização
cutânea e tem menos efeitos colaterais, como trombocitope- normal do feto masculino.
nia induzida e hemorragias. Entretanto, é imponante ressaltar
que, embora em menor frequência quando comparadas com
Antiácidos
a hepanna não fracionada, as heparinas de ba1xo peso mole-
cular também podem provocar trombocuopema materna e Não há contramd1cações ao uso de antiácidos que conte-
sangramentos na gestação. Portanto, o uso desses fá.nnacos nham sais de magnésto, cálcio e alum!nio. Os antagoniSlas do
de,·e ser realtZado apenas quando os benefrc1os do uso su- receptor H2 da h1stamma devem ter o uso restrito aos casos
pera rem os riscos inerentes ao medicamento. As principais de sintomatologia mais grave, que não respondam a med1das
limitações do uso das heparinas de baixo peso molecular são alimentares e medicação com os antiácidos supracitados. Dos
o alto custo e o fato de não serem adequadamente neutraliza- inibidores da bomba de prótons, omeprazol, lansoprazol e
das pelo sulfato de protamina. pantoprazol são os mais estudados e considerados compa-
A varfa rina, como mencionado, é sabida mente teratogê- tíve is com uso na gestação. O bicarbonato de sódio deve ser
nica. O pe ríodo c rítico para a embrio paLia varfarínica se si- evitado em razão dos riscos de alcalose metabólica e outros
tua entre a sexta e a nona semana de gestação. A exposição distúrbios hidroeletrolrticos na gestante e no feto. O trissilici-
fetal à varfarina no segundo e terceiro trimestres aumenta lato de magnésio pode causar nefroliúase silicosa, hipotoma,
o nsco de defeuos do sistema nervoso central (agenesta de disfunção respiratória e falência cardiovascular nos recém-
corpo caloso, anomalia de Dandy-\Valker, atrofia cerebelar -nascidos expostos a essa substância intraútero.
méd1a, encefalocele). provavelmente secundános a peque-
nas hemorrag1as nos tecidos neurona1s. Em gestantes com Medicamentos psicoativos
válvula cardíaca metálica, nas quais a anucoagulação é im- O tratamento dos transtornos psiquiátricos ainda é um
periosa, o uso da varfarina no segundo e terceiro trimestres tabu na prálica cliníca. Por um lado, alguns profiSSionais
pode ser ace itável, apesar dos riscos fetais. Nessas pacientes medicalizam em excesso sintomas comuns de ansiedade e
recome11da-se subslituir a varfarina por heparina na fase de tristeza que poderiam ser adequadamente abordados sem o
alto risco, ou seja, no p rimeiro trimestre, utilizando-a no uso de fármacos. Por outro, uma quase "psicofa rmacoterato-
segu ndo trimestre até por 36 semanas, quando a gestante fobia" tem colocado gestantes com doenças psiquiátricas sem
deverá ficar internada e submetida à anticoagulação plena acesso ao tratamento eficaz. Como em wda situação cl ínica,
com heparina venosa. a avaliação dos riscos e benefícios de qualquer intervenção
terapêutica deve ser cnteriosameme realizada. Na gestação,
Antieméticos essa avaliação deve ser maiS cuidadosa, pois os efeitos tanto
Náuseas e võmuos são sintomas comuns na gestação, prm- benéficos quanto mdesejáve1s podem afetar tanto a mulher
cipalmente no primeiro trimestre. Os estudos diSponíveis como o feto em desenvoh~memo. É bem estabelecido que o
sugerem que a metoclopramida, o dimemdnnato, a difeni- não reconhecimento e a não adoção de tratamento oportuno
dramma, a meclizina e a ciclizina podem ser utilizados como dos transtornos ps1quiâtr1cos detenninam não apenas conse-
medicamentos de primeira linha para o tratamento desses quências graves na vida da mulher, mas também se associam
si ntomas quando não responsivos a medidas não fannaco- a complicações gestacionais, como mais risco de pré-eclâmp-
lógicas. Ondansetrona, antagonista da se rotonina e primaria- sia, restrição de crescime nto intrauterino baixo peso ao nas-
ment e empregada no controle de náuseas e vOmitos provoca- cer, entre outras.
dos pela quimioterapia, pode ser útil em casos de hiperêmese Os estudos referentes aos riscos de exposição embrioná-
resistente a outras terapêuticas. Sugere-se reservar o uso da ria e fetal aos benzod iazepín icos são comroversos. Alguns os
ondansetrona apenas para casos graves, pois metanálise re- consideram potencialmente teratogênicos, quando em doses
centemente pubhcada concluiu que embora o nsco global de elevadas e de forma continua no primeiro trimestre da ges-
malformações ao nascimento associadas à exposição à ondan- tação. Seu uso nos segundo e terceiro trimestres da gra,1dez
setrona sep aparentemente baLxo, é possf\•el que ex1sta um predispõe à letargia e à h1perb11irrubinemia neonata1s. O clo-
pequeno aumento na incidência de card1opauas congênitas nazepam, o lorazepam e o oxazepam estão classificados como
nos expostos a esse fánnaco intraútero. A prometazma, even- categoria C pelo FDA, enquanto alprazolam, clordiazepóxl-
tualmente utihzada como antiemético, tem, em estudos com do, diazepam e midazolam estão relacionados na categoria
animais, associação questionável com baixo peso ao nascer e D. Entre os inibidores de recaptação de serotOnina , nuoxetí-
cardiopatia congênita. na, senralina, venlafaxi na e citalopram não foram, até o mo-
r
((

Capítulo 74 Medicamentos na Gravidez e na Lactação 631

mento, associados a efei tos ter.nogênicos quando prescritos A ciclosporina e o tacrolimus são cons1derados compallveis
na gestação, sendo considerados categona C pelo FDA, com com a gestação. A leflunom1da é contramd1cada na gestação,
orientação de cautela no uso. A paroxeuna foi reclassificada sendo recomendada a sua suspensão pelo menos 2 anos ames
como categona D. passando a ser contraindicada na gestação. da concepção. Ciclosponna, metotrexato e m1cofenolato tam-
Estudos ep1emiológ1cos assoctaram o uso da paroxeúna no bém são contramd1cados na gestação, e sua suspensão de,·e
prime1ro tnmestre à ocorr~ncta de defe1tos congênitos, prin- ser preferencialmente reahzada 3 meses antes da concepção.
cipalmente mairormac;ões cardlacas. Os anudepressivos lricl-
clicos (imlpramma. am1tnpuhna, clom1pramma, norlriplili- Antineoplásicos
na) não têm s1do associados a aumento significati,·o nas taxas Os agentes anuneoplás1cos atuam tmpedmdo a rephcação
de malformações congêmtas, podendo ser ULi!ízados quando celular, seja pela inibição da slntese de DNA ou RNA, seJa pela
a indicação for absoluta. Os recém-nascidos expostos intra- interrupção de alguma via metabóhca essencial. Como atuam
útero à med1cação antipsicótica (fenotiazmas - clorproma- em tecidos de maior replicação celular, seu efeito teratogênico
zina, nufenazma, perferazma, promazma e trifluoroperazina para o feto em desenvolvimento é óbvio. A fase gestacional da
- . haloperidol, clozapina) podem apresentar sintomas seme- exposição, a dose, a duração do tratamento e as caracterfsti-
lhantes aos efeitos colaterais manifestados pelas usuárias des- cas da transferência placentária são determinantes para o efei-
sas medicações (sedação, hipotensão, constipação intestinal to teratogênico. Os efeitos em cu rto prazo incluem mais risco
e sinais extrapiram idais). Não existem dados suficientes para de abonamentos e malformações congênitas, mais frequentes
avaliar a segu rança do uso de loxapina, risperidona. sulpirida, quando a exposição fetal ocorre 110 primeiro trimestre, e res-
pimozida e molindona. trição do crescimento intrautcrino em caso de exposição no
segundo e tercei ro trimestres. O feto também pode apresentar
lmunossupressores manifestações de toxicidade da droga utilizada (mielotoxici-
Os corticoides (betametasona e dexametasona) são usados dade, cardiotOxicidade e d isfunção glandu lar). Em função das
em obstetrícia com o objetivo de acelerar a maturidade pulmo- propriedades mutag~nicas e carci nogênicas dos antineoplá-
nar fetal. A dexametasona também pode ser uillízada no trata- sicos existe a preocupação com mais risco de ocorrência de
mento do bloqueio at rioventncular congênito e na prevenção neoplasias ao longo da vida, bem como risco de infemlidade e
ou redução da virihzação em razão da h1perplasia congênita da atrasO no desenvolvimento neuropsicomotor para mdivlduos
suprarrenal. O uso na gestação tem sido considerado seguro expostos a essas substâncias amda na v1da mtrauterina.
com recomendação de cautela para c1clos repeudos com obje- Os poucos estudos d1sponlvetS de seguimento de filhos
tivo de indução da maturidade pulmonar, por posslvel associa- de gestantes que foram submetidas ao tratamento de câncer
ção a redução do perfmetro cefáhco e do peso ao nascimento. na gravidez não ev1denctaram ma1or nsco de neoplasias na
A predmsona pode ser uuhzada em dtversas situações du- infância nem sequelas neurops1comotoras em longo prazo.
rante a gra,~dez (doenças aut01munes, crise asmática, gestan- Entretanto, os estudos em•oh·em número muno restnto de
tes transplantadas, entre outras). Seu uso durante a gravidez, crianças para perrmtir uma avahação de nsco matS consisten-
te. De qualquer modo, a gestação não deve ser cons1derada
quando necessãno, é considerado seguro. A placenta humana
uma contraind1cação ao uso de anuneoplás1cos nem a mter-
metabohza a prednisona e reduz a exposição fetal a menos de
rupção da gestação deve ser considerada a única alternati-
10% do nlvel materno. A prednisolona e a hidrocorlisona po-
va para o tratamento de uma gestante com câncer. A equipe
dem ser opções terapêuticas para a abordagem das crises as-
multidisciplinar deverá idenuficar a terapia ideal para a mãe,
máticas, sendo preferfvel o uso de prednisolona para esse fim.
garantindo o melhor bem-estar posslvel ao feto.
Gestantes em uso crônico de corticosteroides de,·em ter os
níveis glicêmicos monitorizados frequentemente. Além d isso, Outros fármacos
o uso crônico dessas substâncias aumenta o risco de desen- Os digitâhcos usados no tratamento das cardiopatias apre-
volvimento de hipertensão materna e ntptura prematura de sentam boa tOlerância para mãe e feto. Quando administrados
membranas amnióticas. com o objetivo de tratar arritmias fetais e/ou insuficiência car-
Os corticoides tópicos são considerados seguros na gesta- d laca fetal, deve-se Ler cuidado especial com os riscos de into-
ção, sendo preferlvel para o controle da asma o uso da bude- xicação digitâhca materna. A quinidina é considerada de uso
sonida. seguro durante curtos pe1iodos de tratamento tanto para ar-
A azaLioprina pode se r utilizada para prevenir rejeição em ritrnias maternas como fetais. A procaínamida tem ação seme-
órgãos transplantados ou tratar doenças autoimunes. Embora lhante à da quinid ina e é usada para controle ou profilaxia de
teratOgênica em animais, tem sido considerada relativamente arritmias atriais e ventriculares. O uso durante a gestação não
segura em humanos, embora estudos recentes demonstrem está associado a anornahas congênitas ou efe1tos fetais adversos,
risco de atraso de desenvolVImento na prole. Recomenda-se a mas seu uso por período superior a 6 meses pode causar urna
limitação da dose na gestação em até 2mglkg/dia. sindrome tipo lúpus eriternatoso em até um terço dos casos.
A hidroxicloroquma pode ser uultZada na gestação, mas é A disopiramida deve ser reservada para casos refratários
recomendado o controle oftalmológico materno em razão do aos demais antiarrftmiCOS e evttada no terceiro trimestre, pois
risco de reunopatia associada a esse fárrnaco. pode induzir contrações utennas. A hdocalna pode ser uti-
/.

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'/:
') 632 Seção 11 Obstetrícia

lizada na gestação, mas seu uso deve ser evitado durante o segu ra do que os beta-adrenérgicos, de eficácia semelhante
trabalho de pano prolongado e nos casos de sofrimento fetal, aos antagonistas da ociwcina e por te r custo mais aceitãvel ,
pois nessas situações o nível sérico da droga no feto é au- tem sido considerada em dive rsos protocolos como medica-
mentado, agravando a acidose fetal. A amiodarona deve se r mento de primeira linha para essa indicação. Os efeitos ad-
utilizada de forma excepcional e com muita cautela em razão versos têm sido relatados em 2% a 6% das gestantes e in-
de seus efeitOs no feto e no neonato, como hipo ou hiperti- cluem, principalmente, cefaleia, hipotensão arterial e rubor
reoidismo neonatal, bócio neonatal, restrição de crescimento facial. A nicardipina, outro bloqueador de canal de cálcio,
intraute rino, prematuridade, bradicardia transitória e prolon- também tem sido utilizada como uterolítico, mas com menos
gamento do intervalo QT. estudos disponíveis, nos quais ap resenta mais efeitOS colate-
O potencial efeito de redução do volume plasmático e da rais maternos do que com o uso da nifedipina.
pe rfusão placentária dos d iuréticos limita seu uso na gesta- O sulfato de magnésio continua sendo a droga de eleição
ção a situações clínicas especiais, como insuficiência cardíaca para prevenção e tratamento da eclãmpsia, sendo recomenda-
congestiva, insuficiência renal e congestão pulmonar seCLm- do como neu roproteto r para partos com 32 ou menos sema-
dária à estenose mitral. A furosemida é segura e pode se r pres- nas de idade gestacional. É ineficaz como uterolítico e parece
crita em qualquer fase da gravidez , desde que imp rescind ível. estar associado, quando utilizado para esse fim, a maior risco
Gestantes em uso crônico de diuréticos devem ser monitori- de mortalidade fetal e neonatal. Seu emp rego exige monitOri-
zadas em razão dos riscos de hipopotassemia, a\calose meta- zação rigorosa das condições maternas em razão do risco de
bólica e hiperglicemia. intoxicação. Vigilância da diurese , reflexo patelar e frequên-
Os d iuréticos osmóticos (manitol, ureia, glice rina e isos- cia respiratória mate rnas são essenciais para a prevenção dos
sorbida), os inibidores da anid rase carbônica (acetazolamida, efeitOS adversos.
metazolamida, d iclorfenamida) e os antagonistas da aldoste- Não existem evidências de risco para o uso dos 132-agonistas
rona (espi ronolacwna) não devem ser administrados na gra- de cu rta (salbutamol, fenoterol, terbutalina) e longa duração
videz. Os tiazídicos (hidroclorotiazida e clortalidona) atraves- (salmeterol, formoterol) como broncodilatadores na gestação.
sam a placenta, mas rtão promovem redução significativa do Não existem estudos adequados sobre o uso dos triptanos
volume de líquido amniótico. Entretanto, como têm ação ami- no tratamento da enxaqueca na gravidez; entretanto, é aceito
-hipertensiva apenas discreta e podem provocar hiperurice- seu uso em casos não responsivos ao tratamento com medica-
mia, h ipopotassemia, h iponatremia, hipomagnesemia, hipo- mentos considerados mais seguros. Nessas situações deve-se
ca\cemia e hiperglicemia materna, além de trombociwpenia preferir o sumatriptano po r ser o mais estudado.
neonatal, seu uso na gestação não é indicado como rotina.
O dopidogrel rtão parece se r teratOgênico em estudos com MEDICAMENTOS E LACTAÇÃO
animais, mas existe escassez de informações sobre seu uso na A dose de qualquer fármaco que o lactente receba depende
gestação, embora seja considerado compatível com a gravidez. da quantidade excretada no leite materno , do volume diário de
O tratamento do hipertireoidismo materno pode resultar leite ingerido, da concentração plasmática média da mãe e da
em hipotireoidismo fetal leve em razão de níveis aumentados absorção da substância no trato gastroimestinal do recém-nas-
de tireotrofina fetal. Para minimizar o risco de hipotireoidismo cido. Assim como na transferência placentãria, a transferência
fetal deve-se utilizar a menor dose possível para manter o con- de medicamentos através da membrana basal dos alvéolos da
trole da função tireoidiana materna. As duas opções para o tra- glândula mamária depende da lipossolubilidade, das proteínas
tamento do hipenireoidismo na gravidez, propiltiouracil e me- de ligação e do grau de ionização da droga utilizada. A maio-
Limazol, atravessam a placenta. Diversos estudos sugerem uma
ria dos med icamentos passa para o leite materno, mas quase
associação entre o uso do metimazol e a ocorrência de aplasia sempre em pequenas quantidades. Entretanto, o conhecimento
cútis e atresia de esô fago e de c\oanas. O propiltiouracil estã sobre a excreção dos medicamentos no leite materno é ainda
associado à hepatotoxicidade materna grave. Por isso, as reco-
bastante limitado, principalmente para as d rogas mais novas.
mendações para o tratamento do hipertireoidismo na gravidez Ponamo, deve ser sempre dada atenção especial a qualquer
consistem em evitar o uso do metilmazol no primeiro trimestre
prescrição no pós-parto. Na prática, são raras as situações nas
da gestação, até mesmo o substituindo no período pré-<:oncep- quais é imprescindível o uso de medicamentos que caracte-
cional nas mulheres com diagnóstico prévio de hipertireoidis-
rizem contraindicação ao aleitamento materno. É importante
mo e em uso desse [ármaco. No segundo e terceiro trimestres
manter um relacionamento próximo com o neonawlogista!
recomenda-se o uso de metimazol. Do pomo de vista prático, pediatra em situações nas quais se necessita lançar mão de me-
estima-se uma equivalência emre o propiltiouracil e o metima-
dicamentos durante a fase de aleitamento natural, buscando
zol de 10 a 15:1, ou seja, 100mg de propiltiouracil equivalem a
alte rnativas seguras para o binômio mãe-filho.
7,5 a 10mg de metimazol. Cabe lembrar que a dose ideal deve
Os princípios gerais para a prescrição para mulheres que
basear-se na moniLOrização da função tireoidiana materna. A
estejam amamentando são os mesmos já citados neste capítu-
levotiroxina e a liotironina são consideradas categoria A pelo lo, acrescidos dos seguintes:
FDA, sendo, portanto, seguras em qualquer fase da gestação.
Atualmente, a nifedipina tem sido utilizada como uterolíti- • Escolher os medicamentos com menor excreção no leite
co, e dive rsos estudos demonstram sua eficácia. Po r ser mais materno.
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((

Capítulo 74 Medicamentos na Gravidez e na Lactação 633

Quadro 74.3 Medicamentos incompatfveis com o aleitamento matemo

Medicamento Indicação Efeito no RN/aleltamento

Amiodarona Antiarótmico Risco de hipotireoidismo


Androgênios Terapia hormonal Risco de masculinizaçâo da genitália feminina

Anfepramona Obesidade Sem dados de segurança


Antineoplásicos· Neoplasias malignas Mielossupressão
Antipirina Analgésico Toxicidade medular
Brometos Antidepressivo Sedação
Bromocriptina Antagonista hormonat Inibição da lactação
Cabergolina Antagonista hormonat Inibição da lactação

Clomifeno Indução da ovulação Inibição da lactação


Doxepina Antidepressivo Sonolência. sucção débil. hipotonia, parada respiratória
Estrogênios Contracepção Inibição da lactação
Etretinato e isottetinoína Acne e psorlase Sem dados de segurança
Fenindiona Antiagregante plaquetário Risco de hemorragia
Ganciclovir Antiviral Risco teórico de carcinogênese e mutagênese

Leuprolide Antagonista hormonal Inibição da lactação


Linezolida Anti-infeccioso Risco teórico de mielossupressão
Sais de ouro Tratamento da gota Risco de intoxicação
Selegilina Antiparkinsoniano Inibição da lactação
Tamoxifeno Antagonista hormonal Inibição da lactação

Zonisamida Antiepiléptico Sonolência. vômitos. agitação, leucopenia


·Exceçao para alemtuz~Xnabe. bleomicina. hidroxiureia, metotrexato, teniposide e traztuZIXOélbe.

• Evitar medicamentos de ação prolongada por serem de ex- Deve-se evitar o uso do metronidazol durante a ama-
creção mais limitada pelo lactente. mentação, pois esse medicamento pode promover um gosto
• Programar o horário de administração do medicamento à amargo no leite, dificultando a aceitação do RN. Além d is-
mãe, evitando que o pico no sangue e no leite materno so, o RN pode ap resentar vômitOS e, ocasionalmente , d is-
coincida com o horário das mamadas. crasias sanguíneas. Quando p rescrito em dose única (2g),
• Orientar a mãe para observar a criança com relação aos recomenda-se descontinuar a amamentação por 12 a 24 ho -
possíveis efeitos colaterais, como alteração do padrão ali- ras para perm itir sua excreção, e a mãe deve se r orientada a
mentar, hábitos de sono, agitação, tõnus muscular e dis- extrair o leite com antecedênc ia e eswcá-lo no congelador
túrbios gastrointestinais. em copinhos para poder servir de alimento ao RN nesse
• Avaliar com o pediatra a necessidade de dosagem da con- inte rvalo.
centração sérica no lactente de alguns medicamentos de
uso materno prolongado, como, por exemplo, os amicon- Leitura complementar
vulsivames. Brasil. Ministério da Saúde. Amamentação e uso de medicamentos e
outras substâncias. Brasília: Ministério da Saúde, 2010.
O Quadro 74.3 traz a lista de medicamentos incompatíve is Briggs GG, Freeman RK, Yafee SJ. Drugs in pregnancy and lacta-
tion. 9. ed. Philadelphia: Lippincot Williams & WiiKins, 2012.
com o aleitamento materno e que só deverão ser utilizados
Buhimschi CS, Weiner CP. Medications in pregnancy and lactation.
se absolutamente imprescindíveis. Nessas situações, o aleita- Part 1. Teratology. Obstei Gynecol 2009; 113:166-88.
mento materno deve ser suspenso. Buhimschi CS, Weiner CP. Medications in pregnancy and lactation.
Alguns dos seguintes medicamentos, se utilizados pela Part 2. Drugs w ith minimal or unknown human teratogenic effect.
Obstei Gynecol2009; 113:417-32.
puérpera por período prolongado, podem determinar risco
Cunningham FG, Leveno KJ, Bloom LS et ai. (eds.). Williams obste-
neonatal, devendo na medida do possível ser de uso restrito: trics. 24. ed. New York: McGraw-Hill, 2014.
ácido nalidíxico, atropina, benzod iazepínicos, d iuréticos, er- Daw JR, Hanley GE, Greyson DL, Morgan SG. Prescription drug use
gotamina, esteroides, iodetos, reserpina e sulfonamidas. during pregnancy in developed countries: a systematic review.
Os barbitúricos, a difenil-hidamoína, os antidiabéticos Pharmacoepidemiol Drug Sal 2011; 20:895-902.
De Jonge L, de Walle HE, de Jong-van den Berg LT, van Langen IM,
orais, o propranolol, os analgésicos (em doses elevadas) e a Bakker MK. Actual use of medications prescribed during preg-
isoniazida são alguns dos fármacos que, se forem utilizados nancy: a cross-sectional study using data from a population-ba-
pela mãe, exigirão vigilância especial do recém-nascido. sed congenital anomaly registry. Drug Sal 2015; 38:737-47.
/.

'
'/:
') 634 Seção 11 Obstetrícia

EUROmediCAT Steering Group. EUROmediCAT Recommendations: Schüler-Faccini L, Sanseverino MTV, Abeche AM, Vianna FSL, Sil-
European Pharmacovigilance concerning Safety of Medication Use va AA (eds.) Manual de teratogênese em humanos. Febrasgo,
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McCarthy M. Use o f prescription drugs is common during pregnan- Tassinari MS, Sahin L, Yao LP. Assessing congenital malformation
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pender! lndian J Pharm Sei 2009; 71:1-7. drugs. Hum Reprod Update 2010; 16:378-94.
CAPÍTULO (

Fisiologia e Mecanismo
do Trabalho de Parto
Flávia Magaly Silveira Nobre
Silvan Márcio de Oliveira
Hubert Caldeira

INTRODUÇÃO te nem do pontO de vista funcional, porém se sabe que esse


O estudo da fLSiologia do trabalho de parto é fundamen- ponto da contração uterina se situa no fundo e lateralmente
tal para o manejo do processo de nascimento. Seu sucesso é próximo à implantação de uma das tubas. Daí é repassado
proporcional ao acolhimento da parturiente e de sua família, para as demais células em d ireção ao colo uterino. O número
associado a fatOres e fenômenos da parturição. de ligações intercelulares citoplasmáticas do tipo gap é hor-
Essa interação entre profissional e paciente fortalece a re- mônio-dependente, ou seja, aumenta ao longo da gravidez,
lação médico-paciente, traduzindo-se em segurança para am- à medida que se eleva a concentração sérica de estrogênio
bas as pa nes, o que comprova que •a ternura é tão importante materno e d iminui a concentração de progesterona.
quanto a técnica" (Michel Odem). O úte ro gravídico a te rmo estã d istendido, e o alongamen-
As últimas horas da gravidez humana se caracterizam por tO dos leiomiócitos os wrna mais ativos do pomo de vista

contrações uterinas que promovem a dilatação cervical, fazendo contrátil e mais sensível à ação de substâncias estimuladoras
o [ew se encaixar, descer e abandonar o canal de pano. de contração muscular, especialmente à ocitocina.
O trabalho de pano é caracterizado por complexa inte ra- Existe ainda, no final da gravidez, um desequilíbrio entre
ção de fatores autócrinos, endócrinos, parácrinos e moléculas sódio e potãssio intra e extracelular. E sabido que a progeste-
sinalizadoras intrauterinas. rona é um hormônio que estabiliza esses dois íons nas células
uterinas. Próximo ao término da gravidez, a queda da pro-
dução placentária desse hormônio faz o potássio intracelular
FISIOLOGIA DA CONTRAÇÃO UTERINA aumentar, enquanto o sódio se eleva no espaço intercelular.
O útero aumenta progressivamente de volume ao longo Essa alte ração promove elevado potencial contrátil, deixando
da gestação com o objetivo de abrigar adequadamente o [ew os leiomiócitos com elevado grau de excitabilidade.
em crescimento. Essa etapa é caracterizada por uma trans- Esse intercâmbio iônico induz a ocorrência de outro inter-
formação importante nas células miometriais, que passam câmbio de grande importância. Trata-se da entrada do cálcio
a conectar seus ciwplasmas de maneira mais intensa. Uma nas células ute rinas. A elevação do cálcio intracelular aumen-
característica interessante do útero gravídico é a ausência de ta a atividade da enzima ATPase, que induz a ativação con-
inervação. A força do útero para se contrair adequadamente, trátil das células miometriais pelo aumento de concentração
como estrutura única, surge a partir da criação de junções plasmática de actinomiosina. Pelo exposto, verifica-se que, ao
tipo gap entre as células, criando um contatO estreito entre o término da gestação, se instala uma situação apropriada para
citoplasma dos le iomiócitos, de maneira a tOrnar wda a estru- comratilidade uterina, ficando na dependência de um peque-
tura uterina uma só unidade celular. no estímulo exte rno para que a parturição tenha início.
O estimulo que faz uma célula se contrair é passado para a A com ração uterina se inicia em dois marca-passos localiza-
célula adjacente pela união citoplasmática existente entre es- dos próximos das regiões de implantação tubária. Do marca-
sas células (gap), dispensando a necessidade da inervação de -passo, a onda contrátil se propaga no sentido descendente à
condução do estimulo elétrico, como é observado em outras velocidade de 2cm/s e percorre todo o útero em aproximada-
estruturas musculares de contração. O ponto inicial do esti- mente l5s. As contrações começam, têm duração mais longa
mulo contrátil do útero não é determinado LOpograficamen- e são mais intensas nas panes superiores do útero (tríplice
635
636 Seção 11 Obstetrícia

gradiente descendente), pois nessa reg~ão existem ma1s fibras


musculares.

Bacia óssea materna


A bacia óssea materna se constitui da união dos ossos illa-
cos, sacro, cóccix, pube e quinta vértebra lombar e é d ividida
em grande c pequena bacia. Do ponto de vista obstétrico, a
pequena bacia é a mais importante, uma vez que os seus diâ-
metros devem ser compatlveis com a biometria fetal para que
Figura 75.2 Determinação do estreito médio (plano zero de De Lee)
um pano vaginal ocorra e é subdividida em tres estreitos com mediante palpação das espinhas ciáticas no segundo tempo da pel-
caracterfsticas dislintas: superior, médio e inferior. vimetria clíruca.

Estreito superior toca facilmente o promontório, conclui-se que a conjugata


Os hmlles do estreito superior são, postenormente, a JUn- obstétrica mede <I O,Scm.
ção da qumta vénebra lombar com a primeira sacra\, formando
urna saliencia óssea denominada promontóno; lateralmente, a O diâmetro transverso do estreito superior se estende da
união das asas do sacro, as articulações sacrollracas, as linhas linha inominada de um lado até a mesma linha do outro lado
inominadas e as eminências ileopecUneas; amerionnente, a e mede l3cm (ma ior abenura do estreito superior da pelve).
s1nf1se púbica. Os d iâmetros oblrquos são dois: o primeiro se inicia na
Nesse estreito, três d iâmetros são importantes: o antero- eminência iliopeclfnea d ireita e te rmina na articulação sa-
posterior, o transverso e os oblíquos direito e esque rdo. croillaca esquerda. O segundo começa na eminência iliopec-
O diâmetro anteroposterior, que representa a distância entre Línea esquerda e termina na articulação sacroiliaca direita. Os
o promontóno e a slnfise púbica, é dh·idido em (Figura 75.l ): dois medem cerca de 12,5cm (Figura 75.2).

• Conjugata anatõmica ou conjugata vera: formada pela Estreito médio


lmha que une a borda superior da slnfise púbica e o pro- Deterrrunado pela borda mferior do pube e pelas espmhas
montóno, CUJa medida é de ll,Scm aproximadamente. isquiálicas. Os diâmetros desse estreito medem aproximada-
• Conjugata obstétrica: representa a distância entre o pro- mente ll,5cm (diâmetro ameroposterior) e l0,5cm (diâme-
montório e a face interna da slnfise púbica. Corresponde tro biciálico).
ao espaço real do trajeto da cabeça fetal e mede aproxima- A distância entre as espinhas ciáticas delimita o diilmetro
damente 10,5cm. transverso desse estreito. As espinhas ciáticas são percebidas
• Conjuga ta diagonal: linha que liga o promontório à borda ao wque vaginal como proeminências nas alturas média e la-
inferior do osso púbico e mede l2cm. Na avaliação pelo teral da parede vaginal. São importantes pontos de referência,
toque vaginal, essa é a medida utilizada para a estimaliva pois representam o chamado zero de De l ee. Delas emergem
da medida da conjugata obstétrica. A avaliação prática do os nervos pudendos, que devem ser anestesiados no pano
estreito superior é realizada pelo toque vaginal. Identifi- \'aginal para a reahzação de episiotomia.
cando-se a conjugata diagonal - a qual mede 12cm - , sub-
trai-se I ,Sem e se tem a conjugata obstétnca. Quando se Estreito inferior
Os pomos de refertnc1a desse estreito são as panes moles.
E limitado pelos músculos que unem o osso sacro e as espi-
nhas isquiáucas (músculos sacrociáticos) e pelos músculos que
unem o osso isquio ao cóccix (músculos isquiococdgeos). Por-
tamo, sua delimitação é C011SLiLuída anteriormente pela borda
inferior do osso púbico, lateralmente pelos músculos sacroilla-
cos e posteriormente pelos músculos isquiococclgeos.
O diâmetro anteroposterior liga a borda inferior do osso pú-
bico ao cóccLx e mede 9,5cm, porém, com o movimento da ca-
beça fetal durante o desprendimento, pode alcançar llcm (re-
tropulsão do cóccix). O diâmetro transverso do estreito inferior
é determinado pelas tuberosidades isquiálicas e mede llcm.
Quanto ao formato da pelve, é possh·el identificar alguns
tipos distintos entre 51 com caracterislicas de diâmetros bem
diferentes. A mulher apresenta, de modo mais frequente, a ba-
cia óssea do tipo gmeco1de, embora outros tipos possam estar
Figura 75.1 ConJugara obstétrica (A) e conjugara diagonal (8) deter- presentes, dependendo da raça e das caracter!sticas hereditárias
minadas no primeiro tempo da pelvimetria clínica. (S: sJnfise púbica.) (Figura 75.3).
r
((

Capítulo 75 Fisiologia e Mecanismo do Trabalho de Parto 637

G•necOtde

Platipeloide Antropoide
Figura 75.3 Tipos de pelve.

Feto Estática fetal


O estudo do feto tem como objeuvo o conhecimento ~a estática fetal interessa 1denuficar a situação, a posição,
de suas estruturas ósseas e seu papel na estática fetal e no a apresentação e as variedades de apresentação e pos1ção do
pano. feto, a saber:
Para a avahação obstétnca no polo cefãbco fetal faz-se
necessária a 1denuficação dos ossos frontaiS, parietais e oc- • Si tuação: relação entre o mmor eLxo fetal e o ma1or eixo
uterino (canal cerv1cal-corpo utenno). São possh·etS as si-
cipital e das hnhas que os separam, as suturas. A sutura que
separa os ossos frontaiS é denommada inter(rontal; entre os tuações longitudmal , transversa e obHqua.
• Posição: relação do dorso fetal com pomos de referência
parieta1s, sutura sag1tal; entre os frontaiS e parietais, sutura
no abdome materno. Na situação longnud1nal pode ser di-
coronariana, e entre os paneta1s e o occip1tal, sutura lamb-
doide (Figura 75.4). reita ou esquerda; na situação transversa, antenor ou pos-
terior em relação à coluna vertebral materna.
As fontanelas são depressões na cabeça fetal e se formam
• Apresentação: relação entre o polo fetal e o estrello superior
pelo encontro das suturas. A fontanela bregmãtica, também
conhecida como grande fontanela ou fontanela anterior, mar- da pelve materrta. Na situação longitudinal, as apresentações
possíveis são cefálica e pélvica. Na Situação transversa, o pon-
ca o encontro das suturas interfrontal e sagital e ramos direito
tO de refer~ncia é o acrOmio c a apresentação é a córmica.
e esquerdo da sutura coronariana. Seu formato se assemelha
• Variedade d e ap resentação: a apresentação cefálica está
a um losango.
relacionada com o grau de denexão do polo cefálico. Na
Do encontro das sutu ras sagital e lambdoide é criada uma
estrutura com formato de triângulo, a pequena fomanela ou apresentação ce fálica nelida, o p011to de referência é a roma-
nela posterior; na denexão de primeiro grau, esse ponto é a
fontanela posterior.
fontanela anterior ou bregmática, caracterizando a apresen-
Em relação aos diâmetros do polo cefálico fetal, três mere-
cem a atenção dos obstetras (Figu ra 75.4A e B): tação de bregma; na denexão de segundo grau o ponto de
refer~ncia é o naso e na denexão de te reeiro grau é o me mo.
• Diâm etro occipit ofronta l: distância entre os ossos occipi- Na apresentação pélvica podem acon tecer duas variedades
tal e frontal com medida aproximada de 12cm. principais: completa e incompleta (modo de nádegas).
• Diâmet ro occipit omcntoniano: estende-se do occipital • Variedade d e posição: relação dos pontos de refer~ncia ci-
até o mento e mede 13,5cm. t o maior diâmetrO do polo tados com pomos de referenda rta pelve materna. Na pel-
cefáhco fetal. ve, esses pomos são o pube (antenor) e o sacro (posterior).
• Diâmetro subcoccipitobregmático: m1cta-se na pane infe- ~a apresentação cefáhca de vén1ce de,·em ser consideradas
rior do occip1tal e termma na fontanela bregmática e mede as fontanelas anterior e postenor, além da sutura sag1tal,
9,5cm. que será uma hnha de onentação.
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I 638 Seção 11 Obstetrícia

Fases ou tempos do mecanismo do parto


Em sua e~ncia, a expulsão da apresentação fetal aconte-
ce ao longo de trajeto de menores resistencias, ou seJa, pela
adaptação dos menores diâmetros da apresentação fetal às di-
Frontal mensões e contornos mais favoráveiS do canal de parto. Parti-
cularmente, no caso de apresentação de vértiCe, o parto pode
ser comparado com a passagem de um objeto redondo por
um túnel curvo com vários obstáculos (F1gura 75.5).
O mecanismo do trabalho de parto é composto de [ases
que transcorrem e se interpõem dmam1camente. Portanto,
essa divisão apresentada a seguir tem apenas o obJeU,·o di-
dáúco, podendo o mecamsmo do trabalho de pano com feto
em apresentação de vértice ser estudado como sete fases dis-
tintas, assim descritas:
A Encaixamento
O encaixamento consiste na passagem do d iâmetro bipa-
rietal do polo ce fálico fetal, que é o maior diâmetro transver-
so, através do estreito supe rior ela pelve materna.
Nas nuliparas, essa fase tem inicio nas últimas 2 semanas
Sutura_- '
ela gravidez, estimando-se que o cncaixamento ocorra antes
sagltal do início do trabalho de parto em cerca de 50% das nullparas.
Nas multíparas, acontece mais comumente com o inicio da
fase aúva do trabalho de parto.
Em bacias ósseas normais, na maioria dos casos, o encaixa-
I mento dos fetos em apresentação cefáhca ocorre pelos diâme-
' tros transversos e por movimento de assmchusmo. Em aproxi-
madamente 63% dos casos de pano a termo o enca1xamento se
dá com a sutura sag1tal no d1âmetro transverso da peh-e.
O encaixamento antes do inicio do trabalho de parto é
sinal de bom prognóstico para o pano vagmal , poiS é mdlctO
de boa proporção cefalopélv1ca. O contráno, porém, não é
,·erdadeiro. O fato de não se constatar o encatxamento do
, polo cefálico antes do mlcio do trabalho de pano (mesmo
B Frontal em nullparas) não é d1agnósuco de desproporção cefalo-
péh-ica nem de outro fator de mau prognóstico. Quanto ao
Figura 75.4 A e B Diametros do polo cefálico fetal e fontanelas.
diagnósúco clinico do encaixamento, percebe-se ao toque
vaginal que a porção mais baixa do polo cefálico se encontra
MECANISMO DO TRABALHO DE PARTO EM na altura das espinhas isquiáticas (plano zero de De Lee) ou
APRESENTAÇÃO DE VÉRTICE abaixo dele.

Conceito Flexão
Como mecan ismo de trabalho de pa rto, também deno- A flexão é o movimento passivo ela cabeça fetal em direção
minado "os sete movime11tos cardeais do trabalho de pano", ao tórax, permitindo que o menor diâmetro da cabeça fetal
entendem-se as modificações na posição da apresentação fetal (suboccipitobregmático) se apresente primeiro em relação à
durante sua passagem pelo canal do parto. A apresentação pelve materna. Na maioria dos casos, a nexão é essencial tan-
de vértice é a mais comum , ocorrendo em 95% de todos os to para o encaixamento como para a descida. Esse fenômeno
partos a termo. varia de acordo com a relação entre as dimensões fetais e da
Seu cu rso e prognóstico são determinados por fatores ma- bacia materna. Quando a cabeça não se encaixa de manei-
ternos e fetais: ra adequada ou quando os diâmetros da pelve são estreitos,
como, por exemplo, nas pelves platipeloides, pode haver al-
• Dimensões e configurações da pelve materna. gum grau de deOexão, quando não de extensão, o que resulta
• Resist~ncia das partes do canal do pano (colo uterino e nas apresentações Oetidas ou de face, que podem d11icultar ou
panes moles). mesmo impossibilitar o pano vagmal.
• Dimensões do feto. Para verificar climcamente se essa fase transcorreu adequa-
• Efia~nc1a das contrações utennas. damente é necessãrio deterrmnar, pelo toque ,·agmal, a pos1ção
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Capítulo 75 Fisiologia e Mecanismo do Trabalho de Parto 639

Figura 75.5 Mecanismo do parto em OEA: encaixamento, flexão e descida (a e b); rotação para OP (c e c!); completa-se a descida e se dá o
desprendimento cefálico. Nas letras com apóstrofe ocorre o mesmo, observando-se exclusivamente a cabeça em seu movimento de rotação
migratória.

da font.anela lambdoide (posterior ou pequena) e sua relação A amplitude da rotação vai depender da posição da cabeça
com os diâmetros da pelve mate rna, o que só é possível com fetal no momento do encaixamemo , sendo menor nas posi-
d ilatação cervical de pelos menos 4cm e sem a interposição ções occipitoante riores (por volta de 45 graus) e maior nas
de bolsa d'água entre os dedos do examinador e a cabeça fetal. occipitoposterio res (por volta dos 135 graus).
Simultaneamente à rotação interna da cabeça fetal ocorre
Descida a penetração das espáduas por meio do estreito supe rior da
bacia óssea mate rna.
A descida é o tempo seguinte ao encaixamento e represen-
A avaliação clínica dessa fase (realizada pelo wque vagi-
ta, na realidade, a passagem do fetO por tOdo o canal de parto.
nal) é muito importante para a verificação da evolução do
PortantO, começa no início do trabalho de parto e só te rmina
trabalho de parto e essencial para a execução de intervenções
com a expulsão total do fetO.
obstétricas, como fórceps e vácuo-extrator. O diagnóstico da
A descida deve ser gradualmente p rogressiva e pode se r
variedade da apresentação fetal é fundamental para a aplica-
afetada por d iversos fatores, como as contrações ute rinas, a
ção desses instrumentos.
configuração pélvica, a resistência do colo e das partes moles
da pelve e as d imensões e posição da cabeça fetal. Quanto Oeflexão
maior a resistência e pior o pad rão das contrações, mais lema
A deflexão se inicia quando a cabeça fetal chega ao nível
é a descida.
do períneo. Após o té rmino da rotação inte rna, a fontanela
Do pomo de vista clínico, é considerada o fator mais im-
poste rior Oambdoide) se encontra sob a sínfise púbica com
portante do trabalho de parto em relação à possibilidade do
a sutura sagital no sentido anteroposte rior. Em razão da cur-
parto vaginal. Sua avaliação é feita po r toques vaginais reali-
vatura in ferio r do canal de parto (formato de um anzol), o
zados periodicamente. A constatação de descida ininte rrupta
desprendimento da cabeça se processa po r movimento de
da apresentação fetal é sinal de bom prognóstico para o parto.
deflexão, fazendo movimento de báscula em di reção ao arco
púbico, tendo essa estrutu ra como pomo de apoio.
Rotação interna
Essa fase tem início quando o osso occipital entra em con- Rotação externa
tatO com o assoalho pélvico, onde se inicia o acotOvelamento A rotação externa acontece após a saída da cabeça fetal, que
do canal de pano, o que significa que a ci rcunferência máxi- gira assumindo a posição em que estava no período de encai-
ma da cabeça fetal se encontra no nível das espinhas isquiá- xamento. É um mo,~mento simultâneo à rotação interna das
ticas (plano zero de De Lee). A partir daí, a cabeça vai sofrer espáduas. Nesse momento, o diâmetro biacromial do feto as-
movimento de rotação que levará a sutu ra sagital a se orienta r sume o sentido ameroposterior da saída do canal, e esse tempo
no sentido ame roposterio r da saída do canal. do mecanismo do parto não requer intervenção do obstetra.
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') 640 Seção 11 Obstetrícia

Desprendimento das espáduas ma da sínfise púbica, acontece o assinclitismo posterior (obli-


O desprend imento das espáduas pode acontecer de ma- quidade de Litzmann).
neira espontânea, mas geralmente exige uma tração leve no Trata-se de um evento comum e mesmo fisiológico no pri-
sentido poste rior para o desprendimento do ombro anterior, meiro tempo do mecanismo do trabalho de pano (encaixa-
e , logo após, no sentido ante rior para desp rendimento do mento), mas se torna d istócico quando acontece (ou persiste)
omb ro posterior. nos estágios seguintes do trabalho de parto.
Nessa fase pode acontecer uma complicação que, embo ra
não muiLO frequente (1% a 4% dos partos), é uma das situa- Variedades de posição do polo cefálico fetal e distocia
ções mais temíveis da obstetrícia, a d istocia de ombros.
Assim como no assinclitismo, quando as posições transver-
O mecanismo do parto na ap resentação cefálica de vértice
sas e oblíquas poste riores são detectadas durante o prime iro
está representado na Figura 75.6.
tempo do trabalho de pano (encaixamento), não rep resentam
p roblemas para sua evolução. Ao contrário, sua manutenção
Sinclitismo
após essa fase pode acarretar diswcia.
O sinclilismo é o encaixamento do polo cefálico fetal com
As posições transversas persistentes, principalmente quando
a sutura sagital igual à distância entre a sínfLSe púbica e o
acompanhadas de assinclitismo, são mais comuns em bacias pla-
promontório sacra!.
tipeloides e frequentemente são causas de d isfunções do traba-
lho de pano, como os distúrbios de protaimento e a interrupção
Assinclitismo
da progressão, aumentando a incidência de panos operatórios.
O assinclitismo é o encaixamento da cabeça fetal com a A pe rsistência do polo cefálico em posições oblíquas pos-
sutura sagital desnivelado em relação ao plano do estreito su- te riores, menos comuns e habituais em pelve do tipo androi-
pe rior. de, pode ocasionar os mesmos problemas relacionados com
Quando essa inclinação se dá em relação ao parietal an-
as posições transversas pe rsistentes.
te rior, ou seja, esse osso se apresenta prime iro no canal do
pa rto com a sutura sagital, encontrando-se mais p róximo do
promontório sacra!, tem-se o assinclilismo ante rior, também Posições verticalizadas para o nascimento
conhecido com obliquidade de Nagele. Confo rme o momento histórico e o tipo de assistência obs-
Nos casos em que a inclinação oco rre em relação ao parie- tétrica prestada obse rvam-se diferenças marcantes na posição
tal posterior, ou seja, a sutura sagital se encontra mais p róxi- materna considerada mais adequada para o período expulsi-

Figura 75.6 Mecanismo do parto na apresentação cefálica de vértice. (A: descida; B: flexão; C: rotação interna; 0: rotação completa e início
da deflexão; E: deflexão; F: rotação externa e delivramento dos ombros.)
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Capítulo 75 Fisiologia e Mecanismo do Trabalho de Parto 641

vo. Parece que tanto na maioria das civilizações amigas como do polo cefálico no canal do pano, facilitando sua descida, que
em culturas primitivas a posição materna preferencial era a também se beneficia muito com a ajuda da força da gravidade.
vertical (Figura 75 7). Na hora do nascimento, a posição vertical (sentada , se-
Com a medicalização do parto, a posição deitada e com as missentada, de cócoras) pode se r escolhida pela mulher, se
pernas colocadas em perneiras (litotomia) passou a ser consi- assim se semir mais confortável. A posição vertical se associa
derada mais adequada pelas restrições impostaS pelos próprios também a melhor oxigenação fetal porque evita a compressão
procedimentos hospitalares, como a monitorização fetal, a te- da veia cava.
rapia endovenosa e a analgesia, entre outros, e também por fa- A adoção de posições verticalizadas revela vantagens im-
cilitar o controle da progressão fetal e a realização de um pano po rtantes sobre as demais, como as seguintes:
operatório por pane do profissional em caso de necessidade.
• Onostática.
O uso da posição horizontal materna no momento do período
• Sentada.
expulsivo, a exemplo do que ocorreu com outras intervenções
• Semissentada (inclinação de aproximadamente 30 graus).
obstétricas, foi adotado de maneira indiscriminada sem a devi-
• Ajoelhada.
da avaliação de sua efetividade ou segurança.
• Cócoras.
A partir do fim do século XX houve, em todo o mundo, um
• Cócoras em cadeira especial.
movimento para oferecer uma assistência à saúde com base na
evidência da segurança e efetividade dos procedimentos.
Vantagens
Não oferecer às mulheres posições mais cômodas e confor-
• Redução da duração do período expulsivo.
táveis para o nascimento, como as posições venicalizadas, só se
• Redução da necessidade de parto assistido.
j ustifica se houver bons indícios de que a conduta trará grandes
• Redução da prática de episiotOmia.
vantagens para a saúde da mãe e do feto. Durante o trabalho de
• Redução do relato de dor no período expulsivo.
pano, a mulher naturalmente procura posições mais confortá-
• Redução de pad rões alterados de batimentos cardiofetais.
veis. É agradável trocar de posição, caminhar, exercitar-se duran-
• Facilidade para a dequitação espontânea da placenta.
te o trabalho de pano. O movimento da pelve auxilia a passagem
Desvantagens
• Aumento das lacerações de segundo grau.
• Aumento do risco estimado de perda sanguínea >500ml.

Leitura complementar
Cabral ACV, Aguiar RALP, Reis ZN. Manual de assistência ao parto.
São Paulo: Atheneu, 2002.
Cabral ACV. Fundamentos de obstetrícia. São Paulo: Atheneu, 2009.
Correa MD. Feto, bacia óssea materna e mecanismo do parto. In:
Correa MD, Melo VH, Aguiar RALP, Correa Jr MD (eds.) Noções
práticas de obstetrícia. 13. ed . Belo Horizonte: Coopmed, 2004.
Cunhingham FG, Gant NF, Leveno KJ, Gilstrap L, Háuth JG, Wens-
trom KD. Williams obstetrics. 21. ed. New York: McGraw Hill, 200 1.
Enkin M, Keirse MJNC, Neilson J et ai. Guia para atenção efetiva na
gravidez e no parto. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
2005.
Gupta JK, Hofmeyr GJ. Position in lhe second stage os labour for wo-
men without epidural anaeslhesia Cochrane Database Syst Rev
2004; 1:CD002006.
Rezende J. Obstetrícia. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.
Figura 75.7 Posição materna vertical no nascimento. Smith R. Parturition. New Engl J Med 2007; 356:271-83.
CAPÍTULO

Amadurecimento Cervical
juliana Silva BaiTa

INTRODUÇÃO celular e matriz extracelular. A porção celular é composta


O amadurecimento cervical e a habilidade na mdução do essencialmente de células da musculatura lisa e fibroblastos,
pano ttm sido objeto de estudo da humanidade desde os seus enquanto a matriz extracelular é consútuída predominante-
pnmórdtos. Um dos motívos para a indução do pano se rde- mente de colágeno, a maior pane do úpo 1 (aproxtmadamen-
na espectalmeme ao óbito fetal, sendo acrescentadas a essas te 70%) e do upo 3 (aproXImadamente 30%), menos frequen-
mdtcações pactemes com pelve estreita, que se benefiCiavam temente do tipo 4.
de pano prematuro que permitísse a passagem do feto ames à exceção do áctdo hmlurõníco, todas as dentais classes de
de seu cresctmemo completo. glicosaminoglicana (GAG) contêm grupos numerosos de sulfa-
Atualmente, as indicações para indução de parto se cen- to e estão unidas a um etxo proteico. Em decorrência de seus
tram em pré-eclâmpsia, oligoâmnio, restrição de crescimento grupos sulfato e carboxil, essas macromoléculas são dotadas de
intraute rino e ruptura prematura de memb ranas, importantes elevada rede de cargas negativas determinantes para suas pro-
representantes da prematuridade eletiva e do pós-datismo. O priedades funcionais, em particular a permeabilidade scleLiva
fator que desencadeia o trabalho de parto espontâneo ainda da membrana basal e a hidratação da ntatriz extracelular.
é desconhecido. A gestação humana é considerada a termo A contribuição do ácido híalurônico no total de GAG no
quando resolvida entre 37 e 42 semanas. O pós-dausmo defi - colo não gravfdico é de l2% a 22% e parece ntanter essa bat.xa
ne as gestações que atingem ou ultrapassam 42 semanas (294 concentração durante a gra,~dez até o inicio do processo de
dtas) a contar da data da última menstruação e representa maturação cen'lcal, quando fot demonstrado marcante mcre-
aproxtmadamente 7% das gestações. mento em sua produção com decréscimo da concentração de
O uso rounetro da ultrassonogralia para confenr a tdade outras GAG.
gestactonaltem minimizado as intervenções equivocadas por Outros componentes, como elaslina e libronectina, tam-
erro de cálculo da idade gestacional. Gestações que se pro- bém fazem parte da matriz extracelular e são encontrados en-
longam após 41 sentanas podem evolui r com complicações tre as libras de colágeno.
maternas, como lesão perineal grave, hemorragia pós-pano, As libras de elastina estão dispostas paralelamente entre as
parto do tipo cesariana e complicações fetais, como decesso libras de colágeno e se distendem em qualquer di reção. Apre-
fetal, sindrome de aspi ração meconial, anoxia fetal e tocotrau- sentam grande força tênsil, em sua forma não estendida, su-
matismos por macrossomia. gerindo importante participação na manutenção da gravidez
Para a obtenção de melhores resultados na indução do pano ao manterem o colo utenno fechado. Durante o trabalho de
é necessãtio conhecer o processo de antadurectmento cervicalli- pano, com as contrações exercendo pressão mecânica sobre o
stológtco e as mudanças que ocorrem em sua ntatnz e.'([racelular. colo, as libras de elasuna podem ser distendidas, assummdo
A cérvtce, em pacientes não grá,~das, é uma estrutura fi- até o dobro de seu compnmento inicial e permiundo a dtlata-
brosa que sofre grandes modificações durante a gestação, tor- ção cen~cal no processo de panurição.
nando-se complacente o bastante para a passagem do feto no A libronectina, uma ghcoproteina, exerce importante fun-
trabalho de parto. ção na matriz extracelular cervical, pois se liga às libras colá-
Formada principalmente por tecido conjuntivo fibroso, genas justamente no local de sua di vagem enzimática, prote-
sua constituição pode ser didaticamente divid ida em porção gendo-as contra a degradação das colagenases.
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Capítulo 76 Amadurecimento Cervical 643

O aumento da concentração de ácido hialurônico nas qualquer outra prostaglandina e a possibilidade de eswcagem
proximidades do parto tem sido muitO estudado, pois essa em temperatura ambiente. Esse [árrnaco atua sobre a matriz
molécula parece desempenhar papel estratégico no amadure- extracelular do colo uterino, dissolvendo as fibras colágenas
cimento cervical. e aumentando a concentração de ácido hialurônico e água.
Os primeiros estudos sobre o processo de amadurecimen- Além d isso, relaxa a musculatura lisa do colo uterino e facilita
tO cervical enfocaram a avaliação das alterações do colágeno. sua dilatação, ao mesmo tempo que possibilita o acréscimo
Nesses trabalhos observou-se intensa colagenólise durante do cálcio intracelular, promovendo contração uterina. Todos
o amadurecimento e a dilatação cervical, transformando as esses mecanismos promovem o progressivo esvaecimento e a
fibras de colágeno, ames dispostas de maneira densa e em dilatação do colo uterino.
d irecionamento ordenado, em fibras d issociadas, finas e de - A via vaginal é a mais utilizada; no entanto, há vários estudos
sorientadas. publicados utilizando outras vias para o uso do misoprostOl na
Contudo, com o aprofundamento dos estudos nessa área indução do parto, como as 13 vias oral, sublingual e reta!. Há
e as novas técnicas de avaliação dos componentes da matriz ainda muitas dúvidas sobre o misoprostOl, principalmente sobre
extracelular, chegou-se ao consenso de que a colagenólise se- a via de administração e a posologia. Na literatura são descritos
ria apenas a etapa final na cascata de eventos que ocorre no vários esquemas de uso desse fármaco por via vaginal com po-
colo com vistas a promover as alterações de sua estrutura que sologia e intervalos diferentes. Na gestação a termo os estudos
possibilitassem um processo de parturição adequado. têm preconizado doses de 25 a 50]lgcom frequência de adminis-
O processo de amadurecimento cervical provavelmente se tração entre 4 e 6 horas, conforme o American College o[ Obs-
inicia com a d iminuição dos receptores de progesterona e a tetricians and GynecologisLS (ACOG) e o Ministério da Saúde
consequeme redução de sua atividade no segmento inferior do Brasil.
do útero. Esse seria considerado o primeiro passo para o pro- A revisão da literatura mostra que a taxa de parto cesa ria-
cesso de transformação catabólica da matriz extracelular. na não é maior no grupo de mulheres que são submetidas à
Foi descritO também, no início da maturação cervical, indução do parto po r pós-datismo. Pesquisado res relatam
decréscimo na concentração das GAG sulfatadas e da fibro- que pode até reduzir as taxas de cesariana quando com-
nectina. Além d isso, foi registrado grande incremento nas parado ao grupo que leva a gestação a 42 semanas de ma-
concentrações de hialuronato, resultando em aumento da con- ne ira expectante. Entre as complicações mais comuns des-
centração de água na matriz extracelular e em desestabilização c ritas com o uso do misop roswl estão a hiperestimulação
do arcabouço extracelular que mantém a d isposição espacial uterina e os recém-nascidos com a sínd rome de aspi ração
das fibras de colágeno. Dessa maneira, a estrutura colágena, já meconial.
desestabilizada, se prepara para receber a ação dos efeitos me- Em 2009, Ennen e cols. publicaram estudo de revisão
tabólicos finais com a subsequente d ilatação cervical. sobre fatores que influenciam o risco de cesariana em pa-
Na etapa seguinte, a queda da ação progesterõnica e as cientes submetidas à indução com colo imaturo em gesta-
elevadas concentrações de ácido hialurônico levam à ativação ções de 37 a 42 semanas, concluindo que as nulíparas com
dos fibroblastos e rnacrófagos, aumentando suas produções índice de Bishop <1, índice de massa co rporal >40 e diabetes
de interleucina-8 (IL-8), interleucina-113 (IL-113) e fator de mellitus , apresentavam maior risco de evolui r para parto do
necrose tu moral-a (TNF-a). tipo cesariana. Em 2011 , To rricell i e cols . publicaram um
As proteases, liberadas após a degranulação dos neutrófilos, estudo em que mostraram alguns fato res relacionados com
encontram fibras colágenas já desestabilizadas e suscetíveis à o sucesso do desfecho no parto vaginal de pacientes sub-
sua ação proteolítica. Ocorre, nesse ponto, intensa colagenó- metidas à indução do parto por pós-datismo. Em análise
lise. Esse evento, associado a grande acúmulo de água, em univariada, o índice de Bishop apresentou resultado signifi-
razão do poder hidrofílico do h ialuronato, acaba por deses- cativo (P 0,0005) com odds ratio (OR) de 0,1 (IC 95% 0,02
truturar a matriz extracelular, ultimando o amadurecimento a 0,46; P 0,002).
cervical. Descrito por Edward Bishop, o índ ice de Bishop tem o ob-
O amadurecimento do colo para a indução do parto com 41 jetivo de predizer as pacientes que se beneficiariam do ama-
semanas é urna proposta que objetiva reduzir essa morbimor- durecimento cervical antes do processo de indução, podendo
talidade. Embora se encontre disponível grande quantidade de variar de O a 13 pomos: O a 5, indicado amadurecimentO cer-
métOdos de amadurecimento cervical para posterior indução vical; 6 a 8, avaliação individualizada; >9, ind icada indução
do pano, sabe-se que ainda não há o ideal. No entanto, dois com ocitocina (Quadro 76.1).
se destacam. O primeiro é a ocitocina, que tem a vantagem de A maturação do colo é descrita em muitOS estudos como
promover contrações uterinas fLSiológicas de trabalho de par- um dos principais [atOres que influenciam o sucesso da in-
LO com a possibilidade de reverter os quadros de aumento da dução do parto e o desfecho como parto vaginal. As mu-
contratilidade uterina com sua suspensão. O segundo é o miso- lheres nulíparas, com maior medida de útero-fita, maior
prosLOl, o mais utilizado na atualidade, que amadurece o colo quantidade de misoprostOl utilizado , índice de Bishop mais
uterino e provoca contrações uterinas de trabalho de parto. baixo e a presença de taquissistOlia, assim como idade mais
O misoprosLOl, análogo sintético da prostaglandina E1 avançada, apresentam maior probabilidade de evoluir para
é amplamente utilizado no Brasil, tem custo inferior ao de parto do tipo cesariana.
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J 644 Seção 11 Obstetrícia

Quadro 76.1 ÍndiCe de BishOp variá\·el desfecho (tipo de parto). O modelo final não é sufi-
Pontuaçio ciente para predizer se uma pactente reahzará cesanana.
-r A dissertação de mestrado de Kanna Ferreira Soares con-
Parâmetros o 1 2 3
cluiu que foi de 31,1% a taxa de cesariana entre as pacientes
Dilatação do o 1e2 3e4 5+
submetidas ao amadurecimento cervtcal com mtSOprostol em
colo (em)
gestações com mais de 41 semanas. De acordo com os resul-
Apagamento Oa30 40850 60a 70 80+
do colo (%) tados obtidos no estudo, cabe observar que a probabihdade
de uma paciente realtzar cesanana é mato r entre as mulhe-
Consistência Forme Medoano Amolecido
do colo res mais ,-elhas, nulrparas, com mator medtda de útero-fita,
Posição do PosteriOr Centralizado Anteriorizado maior quantidade de nusoprostol utihzada , rndice de Bishop
colo mais baixo e com a presença de taqulSSistolia. TodaVIa, o mo-
Plano de -3 -2 - 1/0 +1 delo final de equação de probabtlidade de parto gerado não é
Delee suficiente para predizer se uma paciente realizará cesariana.
Provavelmente existem outros fatores e variáveis não ava-
liados que podem contribuir para aumentar o sucesso do
As mulheres que ultrapassam 42 sema nas de gestação de- amadurecimento cervical e da indução do parto.
vem ser submetidas à aval iação da vitalidade fetal. Apesar de
não existi r evidência de que a avaliação reduza a mortalidade Leitura complementar
perinatal, a vigilância fetal pré-11atal se tornou prática comum ACOG - Commitlee on Praclice Bullelins-Obslelrics. Management
nesses casos com base na aceitação universal. A lite ratura é of post-lerm pregnancy. Obstetrics and Gynecology 2004;
104:639-46.
inconsistente tanto no que se refere à frequ~ncia como no
Allen R. O'Brien BM. Uses of misoprostol in obstetrics and gyneco-
que diz respeito à maneira de se realizar a mon itorização da logy. Reviews in Obstetrics and Gynacology 2009, 2(3):159-68.
vitalidade fetal nos pacientes pós-termo. As opções incluem Caughey AB. Snegovskikh w. Norwitz E.R. Postlerm pregnancy: how
cardiotocografia basal (CTG), cardiotocografia de estresse can we improve oulcomes? Obstetrical Gynecologycal Survey
(com contrações). perfil biofrsico fetal (PBF), ou PBF 40 mo- 2008; 63:715-24.
Cheng YW, Kaimal AJ, Snowden JM, Nicholson JM, Caughey AB.
diftcado (+CTG). ou uma combmação das modalidades. A lnduction of labor compared to expectant manegement tn low-risk
avaliação pelo Doppler da artéria umbilical não tem nenhum woman and associated perinatal outcomes. Amencan Journal of
benefrcio no acompanhamento do feto pós-termo e não é re- Obstetrics and Gynecology 2012. 201 .6 502e1-502e8.
comendada nesse caso. Doherty L, No<wltz ER. Prolonged pregnancy: when shOuld we tn-
Em reviSão sistemauzada pubhcada por Hofmeyer e cols. , tervene? Current Opirnon on Obsletncs & Gynecology. Dec 2008;
20(6):519-27.
pacientes submeudas à mdução do pano com 41 semanas, Gala! M. Symonds I, Murray H, Petragloa F, Smoth R. Post-term preg-
uúlizando o nusoprostol, apresentaram as seguintes taxas de nancy. Facts, Views & Visoon tn ObGyn 2012; 4(3): 175-87.
complicação; taqUlssistoha em 85 de 651 casos (13%), he- Hofmeyr GJ. Gülmezoglu AM, Alfor9Vlc Z. Mosoprostol for nductoo
morragta pós-parto em quatro de 121 casos (3%), Apgar 5 of labour: a systemaliC r9Vlew. Bnsllsh Journal of Obsletric and
Gynaecology 1999; 106(8):798-803.
<7 em 16 de 614 casos (2%), mecOmo em 58 de 420 casos Hannah ME. Hannah WJ. Hellmann J . Hewson S. Molner R. Willan A.
(13%), ruptura utenna em dots de 17 casos (ll %) e hemor- lnduction of labor as compared wtth senal antenatal monttoring in
ragia pós-pano em quatro de 121 casos (3%). Entre as com- post-term pregnancy trial group. New E.ngland Journal of Medici-
plicações, a mais grave foi o óbtto neonatal. O be~ não foi na 1992; 326:1587-92.
submeLido a necropsia para esclarecer a causa da morte ou Hermus MA, Verhoeven CJ , Moi BW, de Wolf GS, Fiedeldeij CA.
Comparison of induction of labour and expectant rroanagement
descartar malformações. Outras complicações foram taquis- in posHerm pregnancy: a rroalched cohorl sludy. J Mtdwifery Wo-
sistolia, em 19 de 607 casos (3%), hipotonia uterina com he- mens Health 2009; 54:351-6.
morragia pós-parto, em seis de 607 casos (0,09%), febre, em Hofmeyr GJ . Gülmezoglu AM. Ptleggi C. Vaginal misoproslol for cer-
três de 607 casos (0,04%). e Apgar em 5 minutos. vical ripening and induclion ol labour. Cochrane Database Syste-
rroatic Review 201 O.
Ainda não se encontra descrito na lite ratu ra um modelo
Lopes V, Luz MAL. Alves AC, Souza GN , Souza E, Camano L. Altera-
abrangente que pred iga o sucesso da indução no desfecho ção da matriz extracelular da cérvice uterina durante a gestação.
em pano vaginal das pacientes submetidas a amadu reci men- Femina 2008; 36{1):21·4.
to cervical com misoprostol. Pelos rndices apresentados, po- Ministério da Saúde. O modelo de atenção obstétrica no setor de saú-
de-se afirmar que o modelo sugerido nesse estudo apresenta de suplementar no Brasil: cenários e perspectivas. Brasnia 2007.
Moraes Filho et ai. Métodos para indução do parto. Revista Brasileira
excelente especificidade (91,2%), ou seja, o modelo final é
de Ginecologia e Obstetrfcia 2005; 27(8):493-500.
capaz de identificar as pacientes que realizaram o parto vagi- Rodríguez OF, Marlínez IH. Moretón MP. lnducción dei parto con oxi-
nal, porém apresenta um rndtce fraco para a sensibilidade do tocina, proslaglandtnas ou ambas. Rev Cubana Obste! Gtnecol
modelo, uma vez que a capacidade de prever uma paciente 2001; 27(2):135-40.
que realizou cesariana é de apenas 30,2% (muito abaixo de Santos et ai. O uso de mtsoprostol para onduçao do parto de feto
vivo. Femina 2009, 37(8):433-6.
80% - valor de referência considerado sausfatórío), apesar de Torricelli et ai. Boochemlcal and btophystcal prediCtors of lhe respon-
o modelo final mostrar 72,2% de resultados corretos para a se to lhe tnducbon of labor tn nulkparous post-term pregnancy
obstetncs. Amencan Journal of Obstetncs and Gynecology 2011.
CAPÍTULO

Assistência ao Parto
Renato Ajeje
José Sérgio Ta vela Junior
Adriana Wagner

INTRODUÇÃO ( motor uterino), passageiro (feto), passagem (pelve), preparo


A assistência ao pano objetiva acompanhar a exterioriza- psicológico materno (patienl) e o assistente (provider).
ção do feto (mó,·el) desde o útero até a vulva (trajeto), impul- O diagnósuco do trabalho de pano pode ser delicado, uma
Sionada pelas contrações uterinas (motor). vez que as contrações utennas dolorosas não são suficientes
A assiSlência ao pano e ao nascimento ,-em sofrendo pro- para o estabelecimento desse diagnóstico.
fundas mod1ficações ao longo do tempo. As práucas obstétricas :-..luitas das opções para a'·aliar e conduzir as mulheres du-
atuaiS devem ter como pilares: (a) a valrização da experiência rante esse momento crucial não foram estudadas em ensa1os
humana; (b) a mulher e a famflia como centros do processo de clínicos, uma vez que os dados desses ensaios são insuficien-
atenção; (c) o respeito à dignidade da mulher; (d) o resgate das tes para a decisão apenas com base em evidências. Asstm,
caracter!sticas fiSiológicas e naturais dos nascimentos. muitas das recomendações para a assistência à gestante são
Em 1995, a assistência humanizada ao pano se fundamen- fundamentadas em experiências clínicas.
tou nas d iretrizes de quatro órgãos nacionais e internacionais: O trabalho de parto é uma síndrome caracterizada por con-
FEBRASGO, UNICEF, OPAS e Mi nistério da Saúde. Sua parti- trações eficientes que levarão à düatação e ao esvaecimento do
cipação tem por finalidade melhorar a assistenc1a ao pano de colo uterino. As contrações uterinas foram estudadas pelo grupo
modo a dtminuir as morbimonalidades materna e neonataL uruguaio coordenado por Caldeyro e Bárcia na década de 1950,
Segundo os novos conceitos de assiStência humanizada ao quando fo1 proposta a fónnula da atividade uterina, até hoje uti-
pano, os profissiOnais que atuam nessa área devem ter capa- lizada, que muluphca a mtensidade (lnt) e a frequêncta (Freq)
Citação e submeter-se a per!odos de rec1clagem, devendo as das contrações. O resultado dessa operação matemáuca mostra a
insutu1ções dLSponibüizar condições adequadas para que as atividade utenna (AU), que é descrita em Unidade MontC\1déu
partunentes e seus familiares recebam a dev1da assistência. (UM) em homenagem à capital de seu país de origem:
Na assistência ao parto é necessária a empatta médico- par-
AU: lnt. x Freq. (UM)
turiente, que evoluirá em uma relação de confiança, seguran-
ça e tranquilidade da gestante nesse momento lmpar. Q uando Considera-se o inicio do trabalho de parto quando AU
essa relação se estabelece, tOdo o proced imento é facilitado. >60UM, ou seja, duas ou t rês contrações de 20 a 30 segundos
Caso se verifique alguma anormalidade em sua evolução, o por 10 minutos. Essas contrações ocasionam a modificações
obstetra tomará as atitudes necessárias para sua correção. no colo uteri no, as quais ocorrem di ferentemente em primi-
Portanto, a empatia é urna via de mão dupla entre a partu- gestas e multigestas. Nas nullparas há o apagamento inicial-
riente e o profissional obstetra/assistente. mente para posterionnente haver a dilatação. Já nas multi-
paras, esses doLS fenômenos ocorrem simultaneamente. Para
TRABAlHO DE PARTO que seja cons1derado o miao dos trabalhos, o colo deve apre-
O trabalho de parto é um evento fis1ológ1co a partir do sentar d1latação de 2 a 4cm e esvaecimento de 30% a 50%.
qual o feto é apresentado ao mundo extenor por ação mecâ- Os outros eventos que estabelecem o inicio do trabalho
nica uterina. No entanto, o feto não é agente passivo dessas de parto são a formação da bolsa das águas, a modificação da
forças, devendo ser negociado o sucesso do parto com a pelve posição do colo uterino e o trlplice gradiente descendente
e a relação entre as variáveis conhecidas como "5 ps": poderes de pressáo (TGDP). A fonnação da bolsa das águas facilita a

645
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') 646 Seção 11 Obstetrícia

Trabalho de Sem de aceleração Dilatação Expulsão Expulsão Útero


parto ativo da dilatação completa do produto da placenta contra Ido

Fase ativa
-----~=~~

0 00
Figura 77.1 Divisão funcional do trabalho de parto até o parto.

distribuição da força de pressão causada pela contração por ~ ,---------------~---,----~~~


todos os seto res do colo uterino, garantindo dilatação unifor-
me. A ação das contrações uterinas conduz a posição do colo
uterino para o sentido ante rior ao canal vaginal, facilitando o
~ r-----+--L
o
eixo do trajeto a se r percorrido pelo feto. Esse tríplice gradien-
te é de avaliação subjetiva, mas de extrema importância para a
ap reciação do trabalho de pano. Só há d ilatação, esvaecimen-
to cervical e formação da bolsa das águas quando a contração
é eficiente. A expressão TGDP se explica po rque a contração
se inicia em um dos cornos uterinos (marca-passo) e se dirige
para o corno contralateral, para a região posterior e anterior
do útero, e então desce até o colo uterino, funcionando como
uma o rdenha, o que resultará em um veto r descendente dessa Tempo (horas)
contração agindo no colo para que ocorram a dilatação e o
esvaecimento (afinamento) do colo. A avaliação desse tríplice 10r------------------.~---.---.~~r-,
gradiente é a resposta efetiva da contração responsável pela
modificação da posição, a dilatação e o esvaecimento ce rvical. Ê 8
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O trabalho de parto é d ividido em quatro períodos (Figu ra ~ o
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77.1): o de dilatação, o expulsivo, o de dequitação e o de ~
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O período de d ilatação é deflagrado pela percepção da "'
pa rturiente das contrações uterinas e te rmina com a dilata- o 21 - - - - - - - --lr-./ CL.

ção cervical completa. HistOricamente Friedman, seguido por I+ - - - - Fase latente - - - + 11+--Fase ativa---+
QL_________________ _J I--~--~--~ L_J

Schwarcz e cols. (Ce ntro latino-Americano de PerinatOlogia 2 4 6 8 10 12 14


- CLAP), criou uma nova definição das fases funcionais do Tempo (horas)
pa no. Ao analisar cerca de 10 mil panos, dividiu o trabalho
de parto em d uas fases principais (Figura 77.2): 10 _ _ _ _ _ _ _
... ..... . o
• Fase latente (desde o início do período de dilatação até al-
cançar cerca de 3 a Sem de dilatação do colo): corresponde ~
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a dois terços do período de dilatação, o qual se caracteriza •
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por fenômenos preparatórios para o pano, como amadu- +2 8l
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recimento cervical, contrações de baixa frequência e baixa o • g.


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intensidade; marcador no qual o ritmo de dilatação está
abaixo de 0,6 a 1cmlh, com mínima ou ausente descida da
o
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2 ... .. .... . ... . ..... . ... . .. . .......
+3

+4
2
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apresentação. A transição para o início da fase ativa ocorre


quando se atingem os padrões contrátil e de d ilatação cervi- o
2 4 6 8 10 12 14
cal, os quais caracterizam o diagnóstico de trabalho de par-
Tempo (horas)
to. Considera-se fase latente prolongada quando são ultra-
passadas 20 horas em nulíparas e 14 horas em mullíparas. Figura 77.2 Fases do parto (conceitos de Friedman).
:\.
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Capítulo 77 Assistência ao Parto 647

• Fas e ativa: essa fase se inicia com mudança significativa menos fLSiológicos (dilatação cervical, descida da apresentação
na velocidade da dilatação cervical. Segundo Friedman, o fetal, padrão de contratilidade) devem ser analisados em rela-
início ocorre com aproximadamente 3 a Sem e vai até a ção a esse momento, sempre com o uso do parwgrama.
dilatação completa do colo uterino. Corresponde a um ter- O conceito de análise gráfica por curvas desse trabalho
ço desse período. Essa fase tem duração média de 6 a 12 foi introduzido por Friedman como uma maneira simples de
horas, dividindo-se em três estágios: aceleração (início do organizar informações obtidas no exame físico com vistas a
aumento da velocidade de dilatação em relação ao tempo), facilitar a observação do trabalho de pano para o assistente e
d ilatação máxima (maior velocidade de d ilatação) e desa- os observadores. As curvas descritas podem orientar um d iag-
celeração (diminui a velocidade de dilatação em relação nóstico sem nunca fi rmá-lo, mas fornecem uma base segura
ao tempo). A fase ativa é subdividida em dois períodos: para as intervenções.
dilatação (dilatação cervical propriamente dita) e pélvico Na curva original de Friedman, a relação entre a dilatação
(descida da apresentação). cervical e o tempo é representada como uma curva sigmoi-
dal, a qual evolui de acordo com a velocidade da dilatação
A duração do periodo de d ilatação depende da paridade. (aceleração, inclinação máxima e desaceleração). A descida
Nas multíparas, tem a velocidade de l ,Sem/h e a duração total
da apresentação é representada como uma hipérbole em que,
de aproximadamente 6 a 8 horas. Nas nulíparas, a velocidade
no parto normal, a fase de descida deve coincidir com a fase
da dilatação é de l cmlh com duração tOtal de l O a 12 horas. de inclinação máxima da curva de dilatação, fazendo, já no
Em 2014, por meio do consenso chamado Safe prevention
segundo periodo, uma curva linear até o nascimento.
of the primary cesarean delivery, o Colégio Norte-Americano de Existem diversas variações da curva de Friedman, mere-
Obstetras e Ginecologistas (ACOG), propôs mudanças na aná- cendo destaque a de Phillpot, descrita em 1972 na África com
lise desse periodo, tomando por base os estudos de Zhang e
o objetivo de orientar enfermeiras-obstetras e parteiras no
sugerindo que o trabalho de pano na fase ativa deverá ser con- diagnóstico de panos d isfuncionais e indicar a necessidade
siderado a partir de 6cm de dilatação, que a velocidade da di- de acompanhamentO em ambiente hospitalar.
latação em primíparas e multíparas até 6cm é a mesma, que as Phillpot e Castle criaram, então, o conce ito de linhas de
velocidades no período ativo para primíparas (O,S a 0,7cmlh) alerta e de ação, as quais separariam graficamente os panos
e multíparas (O,S a l,3cmlh) são substancialmente menores do
normais dos disfuncionais. Esse modelo é o recomendado
que as encontradas por Friedman e que na fase mais avançada atualmente pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para
desse período foram mais rápidas. As observações realizadas o acompanhamento do trabalho de pano. A construção do
pelo ACOG propõem, com base na medicina baseada em evi- partograma é simples, bastando ter à disposição papel qua-
dências, a diminuição do número de cesarianas. driculado para sua confecção.
A dilatação cervical, expressa em centímetros, e a descida
ACOMPANHAMENTO CLÍNICO OA FASE ATIVA- da apresentação (obedece ndo aos planos de De Lee ou de
PARTO GRAMA Hodge) são representadas nas ordenadas à esquerda e à d i-
A paciente pode assumir postura venicalizada, deambular, reita, respectivamente. O tempo é representado na abscissa,
sentar-se ou tomar banho, atitudes que podem proporcionar valendo frisar que cada quadriculado corresponde a l hora de
algum conforto. Deve-se evitar a restrição ao leitO. Não há evolução (Figura 77 .3).
consenso na literatura sobre o consumo de líquidos durante O registro deve ser iniciado quando a paciente preenche os
o trabalho de pano, podendo a hidratação, se necessária, ser critérios do verdadeiro trabalho de pano, ou seja, se encontra
suprida por via endovenosa. A ingestão de sólidos é geral- na fase ativa, para que não haja falsos registros e, mais ainda,
mente limitada durante a fase ativa do pano em razão do risco interpretações errôneas do processo.
de aspiração. As linhas de alerta e de ação (representadas como oblí-
O acesso venoso possibilita a prevenção e a rápida inter- quas) são construídas l e 4 horas, respectivamente, à frente
venção nos fatores complicadores no aLO de se dar à luz, mas do ponto de registro inicial. Exames vaginais são realizados a
não é necessário como rotina nas gestações de baixo risco. cada 2 horas, respeitando-se em cada anotação o tempo ex-
O acesso venoso pode restringir a movimentação e levar à presso no gráfico. A dilatação cervical é representada por um
necessidade de uso de tônicos uterinos. triângulo, e a apresentação e a variação, por um círculo. O
A tricowmia e o enteroclisma, segundo revisão sistemática trabalho de pano normal deve evoluir sem que se ultrapasse
da Cochrane, não mostraram benefícios; portanto, não devem a linha de alerta, a qual implica a necessidade de melhor ob-
ser recomendados de rotina. servação clínica, porém, ao ultrapassar a linha de ação, haverá
Todas as parturientes necessitam de vigilância constante indicação de intervenção médica.
(sinais vitais, frequência cardíaca fetal) em virtude da pos- Estudos controlados demonstraram que a indicação de
sibilidade de complicações rápidas, mesmo em pacientes de partos cesarianos e complicações perinatais aumenta em rela-
baixo risco. Cerca de 20% a 2S% de tOdos os registros de ção à evolução do trabalho após a ultrapassagem da linha de
morbimonalidade estão associados a gestações de baixo risco. alerta e, principalmente, a linha de alarme. No panograma
O tempo é o parâmetro fundamental para orientar o acom- podem ser anotados, ainda, o padrão de contratilidade ute-
panhamento da gestante no momento de parir, e todos os fenõ- rina, a frequência cardíaca fetal, o estado de integridade ou
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') 648 Seção 11 Obstetrícia

Partograma

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Vulva
1 1
J _____: IV

Tempo (horas)

Figura 77.3 Linhas de ação e alerta.

não das membranas e, se rotas, as características do líquido as contrações. As principais indicações para a amniotOmia
amniótico, o uso de ocitócitos e a dosagem, a instalação de precoce seriam a prova de trabalho de pano, a necessidade de
analgesia e outros parâmetros de vitalidade fetal, quando dis- avaliação do líquido amniótico (presença ou não de mecõnio)
poníve is (Figura 77.4). e a instalação de monitOrização fetal interna e oximetria. As
O principal erro na construção do panograma consiste na principais contraindicações são a infecção pelo HIV e a sus-
marcação inicial do registro quando a paciente se encontra na pe ita de vasa prévia.
fase latente do trabalho de parto (Figura 77 .5). As complicações potenciais da amniotOmia precoce são a
amniorrexe prolongada (>6 horas, constituindo fator de risco
CONDUÇÃO ATIVA DO PRIMEIRO PERÍODO de infecção puerperal), o prolapso de cordão umbilical e a
O conce ito de condução ativa do trabalho de parto surgiu ruptura de vasa prévia com consequentes hemorragia fetal e
em Dublin, na Irlanda, em 1963, mas só foi citado na litera- óbitO.
tura no final da década de 1960, sendo confi rmado como um Os estudos mais recentes sugerem que a amniotOmia deva
método capaz de reduzir índices de cesarianas em estudos ser reservada para as pacientes em trabalho de pano com evo-
controlados apenas em 1993. lução anormal.
O objetivo da condução ativa se ria reduzir o núme ro de
partos disfuncionais a partir do uso liberal da ocitocina, da Prova de trabalho de parto
amniotomia precoce e do acompanhamento intensivo da evo- A prova de trabalho de pano é um recurso aplicado às
lução da gestante por exames em curto intervalo de tempo (l nulíparas quando da suspeita de desproporção cefalopélvica
hora). (polo cefálico alto no início do trabalho de parto). É indispen-
sável a presença de contrações uterinas eficazes para promo-
Amniotomia ver a dilatação cervical quando, então, é realizada a amnio-
Com a revisão sistemática realizada em 2007 foi demons- tomia. O exame vaginal é repetido em torno de 2 a 4 horas,
trado que a amniotOmia reduziu significativamente o núme ro avaliando-se a dilatação cervical e a descida da apresentação
de panos d isfuncionais, mas com tendência ao aumento do fetal. A persistência do polo cefálico acima do plano zero de
risco de cesariana. Assim, a redução estatística do parto dis- De l ee sugere o diagnóstico de desproporção cefalopélvica.
funcional não foi vantajosa. Esse procedimento pode ser também aplicado às pacien-
Outra metanálise avaliou amniotomia e administração tes com cesariana ante rior em trabalho de parto, desde que
de ociwcina precocemente e concluiu que essa combinação cuidadosamente acompanhadas, tendo sido demonstrada a
pode estar associada à redução de 1 hora do trabalho de parto diminuição das taxas de cesariana sem aumento no risco de
e a modesta redução no risco de cesariana. ruptura uterina.
Embora não haja consenso sobre o momento ideal para a
amniotomia, quando realizada com polo cefálico encaixado Monitorização fetal
na pe\ve materna reduz-se a possibilidade de acidentes com A monitorização fetal envolve a interpretação do bem-estar
o cordão umbilical. Após a amniotOmia, é indispensável aus- a partir de informações obtidas d iretamente do fetO, em di-
cultar os batimentos cardiofetais (BCF) antes, durante e após versas situações, sendo seu objetivo servir como teste de
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Capítulo 77 Assistência ao Parto 649

Partograma
Nome RG Delee Hodge
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Vulva
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Hora de 12 345678
registro

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(bat.lmin.)
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Figura 77.4 Parto normal representado no partograma.

rastreamento para asfixia e agir na prevenção de danos neuro- pH fetal e, mais recentemente , à oximetria fetal, principal-
lógicos no recém-nascido. mente em parturientes de alto risco.
A ausculta fetal inte rmitente tem sido utilizada há quase 20 Durante o trabalho de parto, o conceptO pode expe rimen-
anos na prálica obstétrica como o principal meio de avaliação tar diversos estados de estresse e hipoxia, sendo o feto hígido
do bem-estar fetal. Há ce rca de 30 anos a monito rização ele- capaz de compe nsar e neutralizar essas anormalidades. A mo-
trônica da frequência cardíaca fetal se tornou o método mais nitorização fetal tem a capacidade de interpretar a resposta
aplicado para a vigilância intrapa no, associada à medida do fetal a esses eslimulos, identificando, dentro de cenas limita-
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') 650 Seção 11 Obstetrícia

Partograma
Nome RG De Lee Hodge
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Vulva
Dia de início

Hora real
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registro

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160
FCF
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(bat.lmin.)
120

100

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Figura 77.5 Registro da fase latente- erro de construção do partograma.

ções, os fetOs em risco ou em hipoxia. O padrão normal de Ausculta fetal intermitente


frequência card íaca fetal - incluindo boa reatividade e ausên- A ausculta fetal intermitente deve se r realizada a cada 30
cia de desacelerações associadas a pH e saturação de oxigênio minutos em gestantes de baixo risco e a cada 15 minutos
normais - fornece elementos para confirmar um bom estado nas de alto risco no primeiro pe ríodo do trabalho de parto.
de oxigenação. Não há relato de morte súbita de fetos com No segundo período, a ausculta deve se r realizada a cada 5
padrões de normalidade durante o trabalho de parto. A seguir minutos, independentemente do risco. Estudos retrospec-
se rão analisados os métodos disponíveis para monitorização tivos afi rmam que, em pacientes de baixo risco obstétrico,
fetal intraparto. a ausculta intermitente te ria o mesmo valor pred itivo que a
r
((

Capítulo 77 Assistência ao Parto 651

monitOrização contínua dos BCF na avaliação em relação à denominadas desacele rações, as quais são divididas em pre-
mortalidade perinatal e à paralisia cerebral. O único benefí- coces (DIP I) e tardias (DIP 11).
cio da monitorização contínua sobre a ausculta inte rmitente As DIP I, ocasionadas por quedas da FCF em associação
foi a redução na taxa de convulsões neonatais, mas houve às contrações uterinas, costumam ser encontradas nas dilata-
aumento no número de intervenções obstétricas operatórias ções cervicais mais avançadas (>4 a Sem), havendo em geral
(cesariana e fórceps). padrão normal de linha de base.
O mecanismo mais aceitO seria a compressão do polo ce-
Monitorização fetal eletrônica (cardiotocografia fálico, ocasionando o aparecimento de reflexo vagai secun-
intraparto- CTG) dário à elevação da pressão intracraniana. Não há associação
A monitorização eletrônica pode ser realizada por meio de a hipoxia fetal nem necessidade de medidas de correção, a
duas técnicas: a interna, por eletrodos ftxados no couro cabe- não ser quando em associação a outros padrões de desace-
ludo fetal, e a externa, por meio de um transdutor Doppler leração.
no abdome materno. As DIP !I consistem em quedas graduais da frequência car-
A monitOrização interna tem aplicabilidade clínica limita- díaca fetal que se iniciam cerca de 30 segundos após o tér-
da em nosso me io em razão do alto custO e de cenas d ificul- mino da contração uterina. O mecanismo mais aceitO seria a
dades técnicas. Comparada com a técnica externa, apresenta hipoxia fetal transitória associada à redução da perfusão ute-
traçado de melhor qualidade, pela análise do eletrocardiogra- roplacentâria durante a contração. A permanência do padrão
ma fetal (onda R e intervalo R-R), sendo ao mesmo tempo in- de desaceleração é causada pela depressão miocárdica direta.
serido um sensor para monitorização das contrações uterinas.
Os padrões repetitivos de desaceleração tardia - pelo me-
Para a inse rção do eletrodo são exigidos o mínimo de 3cm
nos 50% das contrações no período de 10 minutos - cons-
de dilatação cervical e amniotOmia precoce. O método, con-
tituem o sinal mais precoce de hipoxia fetal, indicando a
traindicado em caso de infecção cervicovaginal e nas pacien-
necessidade de medidas corretivas e a complementação da
tes soropositivas para HIV e hepatite B, é considerado fator de
propedêutica com oximetria e análise do pH fetal.
risco de infecção puerperal.
As alterações periód icas estão resumidas no Quadro 77. 1.
A monitorização externa se baseia no princípio da detec-
ção dos BCF pelo Doppler associada à monitOrização das con-
Alterações episódicas
trações uterinas com um wcod inamômetro, ambos colocados
sobre o abdome materno. As alterações episódicas, as mais comumente encontradas
A monitorização das contrações é fundamental pelo fatO no trabalho de pano, são denominadas desacelerações variá-
de a estimativa clínica tender a subestimar a intensidade das veis (DIP III), pois sua forma de apresentação (frequência,
contrações (em geral, uma contração só é palpável quando amplitude, duração e resolução) varia de uma contração para
excede 10mmHg). outra e muitas vezes independe dessas. O prognóstico é va-
Os padrões de interpretação são classificados em basais, riável, influenciado pelo tempo do parto. Essas DIP III podem
periódicos (associados às contrações) e episódicos (sem asso- estar associadas a esforço materno no periodo expulsivo sem
ciação às contrações). significar necessariamente sofrimento fetal agudo.
O mecanismo mais aceito consiste no comprometimento
Padrões basai s da circulação umbilical (oclusão, circulares, prolapso), levan-
• Variabilidade da linha de base entre 10 e 25bpm. do a hipertensão e hipoxemia fetais, estimulação de reflexos
• Frequência cardíaca fetal basal (FCF): 110 a 160bpm. barorreceptores e quimiorreceptores, depressão miocárdica e,
• Acelerações transitórias: aumento da FCF >1 5bpm por 15 finalmente, desaceleração da FCF.
segundos. Quando acompanhadas de lenta recuperação da FCF. as re-
• Desacelerações ausentes. cuperações incompletas (onda em W) e as alterações da linha
Todos esses parâmetros são considerados normais, e qual- de base são altamente sugestivas de h ipoxia fetal.
quer pad rão diferente deve ser considerado suspeito. A monitorização fetal eletrônica é um método precioso na
avaliação fetal intraparto, porém seus achados devem ser inter-
Alterações periódicas pretados com cautela, levando-se em consideração fatOres de ris-
As alterações periód icas se relacionam com as contrações co maternos e fetais e a própria evolução do trabalho de pano. A
uterinas, geralmente de início e de acordo com a intensidade má interpretação aumenta as chances de achados falso-positivos
máxima da contração (pico), e as de importância clínica são com consequente aumento da incidência de partos operatórios.

Quadro 77.1 Alterações periódicas

Tipo Padrão Correlação Mecanismo


Desacelerações precoces (DIP I) Queda gradual da FCF (>30s) lnicia·se e termina com a Estimulo vagai por compressão da
Desacelerações tardias (DIP 11) Queda lenta e recuperação contração perfusão placentária
gradual da FCF (>30s) Inicia-se 30s após a contração
652 Seção 11 Obstetrícia

Como Já relatado, os achados negaU\·os se correlactonam Satin referem que 20% dos trabalhos de pano têm lenufica-
com o estado de bem-estar fetal , enquanto os francamente ção ou imenupção da progressão.
posiu,·os - dtminuição da variabilidade da hnha de base,
bradicardia prolongada, desacelerações do tipo 11 ou lll sub- PERÍODO EXPULSIVO
sequentes e lenta recuperação da frequência para a linha de O periodo expulsivo se inicia com a dilatação completa e
base- estão relacionados com graus variados de hipoxia fetaL termina com a expulsão completa do recém-nascido, sendo
Em caso de dúvida, os achados da CTG intraparto elevem se r muito diffcil mensurar sua duração. Segundo o ACOG 2014, o
confirmados por métodos mais sensfveis e especfficos - mi- pequeno nfvel de evidencias cientificas encontrado nos traba-
croanálise do sangue fetal e oximetria - . uma vez que cerca lhos pode levar a variações individuais, e o aspecto mais impor-
de 50% dos traçados que indicam hipoxia fetal não são con- tante a ser observado diz respeito à vitalidade fetal e à exaustão
firmados no exame neonataL materna, mas fica claro que quanto maior o período expulsi,·o,
maior a probabtl1dade de comphcações matemo-fetaiS.
Microanálise do sangue letal O período expulsivo está diretamente relaciOnado com
A htpoxta é o principal determinante da actdose fetaL As- os seguintes fatores: padrão das conuações utennas, panl-
sim, a medtda do pH fetal determina mdtretamente as con- cipação da parturiente, resisttncia dos órgãos genitaiS e par-
dtções de oxigenação do feto. A gasometna fetal, obtida da ticipação da eqUipe obstétrica.
coleta de sangue por micropunção no couro cabeludo, exige O estudo de Menticoglon e cols., intitulado Perinatal Out-
material especifico. treinamento e experiência em sua inter- come in Relatíon to Second-Stage Duration (1995), refere que
pretação, o que limitou sua aplicação em larga escala. Deve não houve relação significativa entre a d uração do segundo
haver dilatação cervical de pelo menos 3cm e am niotomia, pe rfodo e os fndices baixos de APGAR no quinto minuto nem
apresentando, portamo, as mesmas contraindicações da mo- entre a incidência de convulsões neonatais e o aumento da
nitorização interna. admissão em UT I neonatal.

Oximetria letal intraparto Assistência à expulsão letal


A oxtmetna fetal inuapano foi desenvoh'ida como um Na assiStência à expulsão fetal, o obstetra de,-e aguardar os
método capaz de reproduzir os achados da gasometna fetal, reflexos matemos expulstvos, chamados de puxos (reflexos
apresentando, porém, menos desconforto e mats factltdade de Ferguson-Hams), \liSto que aumentam a força das contra-
técmca. Estudos em animais demonstraram que a acidose ções em cerca de 40mmHg, devendo ser evitada a manobra
metabóhca se desenvolve quando a saturação de oxigtnio fe- de Kristeller.
tal (Sa0 20 ca i para menos de 30%. Muitas manobras tem sido propostas para tentar diminuir o
Observações publicadas recentemente estabeleceram esse risco de lesão perineal, porém Eason e cols., em revisão siste-
valor como o lim ite para se considerar o feto em hipoxia, mática realizada no ano 2000, não mostraram d iferenças signi-
relacionando a oximetria com a gasometria fetal elo cordão ficativas em relação às várias manobras para proteção perineal.
umbilical após o nascimento. Pela primeira vez foi possfvel Na liberação dos ombros deve-se auxiliar a sua restituição
demonstrar que a oximetria pode predizer o desenvolvimen- caso não tenha ocorrido, tracionando levemente para baixo,
to de hipoxta fetal quando há Sa02f <30% perststente, com de modo a fa,•orecer a expulsão do ombro anterior, e depo1s
senstbthdade de 81% e especificidade de 100%. para cima, fac1htando a sarda do ombro posterior. Nesse mo-
O sensor deve ser introduzido com dtlatação de pelo me- mento, cabe recordar que a expulsão da cintura escapular
nos 3cm e bolsa rota, sendo fixado na face fetaL As contrain- acontece com o dtâmetro biacromial no sentido obllquo da
dlcações são as mesmas de outros métodos mvasivos. No pelve. Caso haja alguma dificuldade na sarda dos ombros, a
terceiro perfodo pode haver perda transitóna do sinal em paciente deve ser posicionada com as pernas e as coxas flexio-
30% dos casos. O método não foi associado a aumento de nadas sobre o abdome (promovendo rotação da slnfise púbica
infecções puerperais. Uma revisão da Cochrane, realizada em nos sentidos anterior e superior, aumentando a inclinação do
2007, salienta que a oximetria de pulso não diminuiu o nú- estreito superior ela pelve em 10 graus) - manobra de MeRo-
mero de cesarianas e não mudou a qualidade de saúde da mãe bens - seguida da aplicação de pressão suprapúbica.
ou do feto quando comparado com a CTG isolada.
CLAMPEAMENTO DO CORDÃO UMBILICAL
PERÍODO DE DILATAÇÃO PROLONGADO O clampeamento do cordão umbilical de,·e respeitar a in-
O período de dtlatação prolongado é conceituado como tenupção de seus baumentos ou pelo menos se aguardar I
progressão lenta e "anormal" do uabalho de parto, sendo res- minuto com o objetivo de dtminuir a anemia ferropnva. Os
ponsável por 60% das cesarianas nos EUA. Em um estudo protocolos de pedtatna recomendam o clampeamento do cor-
de 2009 no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Kaergaard dão após 2 minutos. As mdicações de clampagem imed1ata
e cols. mostraram que o periodo de dilatação prolongado é do cordão serão consideradas quando a mãe for Rh-negauva ,
responsável por 32% das cesarianas, sendo dois terços no pe- HIV-positiva ou caso tenha ocorrido sofrimento fetal agudo
rfodo expulsivo. Em outras publicações internacionais, Zhu e durante o trabalho de parto.
r
((

Capitulo 77 Assistência ao Parto 653

EPISIOTOMIA ocorrendo em cerca de 75% dos casos, além de apresentar


Sugenda por Michaelis em 1910 e recomendada por De a menor chance de complicações. Nesse tipo, a dequ1tação
Lee em I 920, a episiotomia, o procedimento obstétrico mais ocorre como um "guarda-chm·a invertido". Portanto, no
reahz.ado, é conceituada como alargamento cirúrgico do ori- ato da dequ1tac;ão não hâ perda sanguinea concomitante.
ffcio vaginal por incisão do períneo. A ind icação desse pro- O sangramento fisiológico é observado após a dequitação
cesso tem sido rotineiramente contestada com base nas evi- estar completada.
dências atuais. • Baudeloque-Duncan: a implantação placentária ocorre
Os beneffcios da episiotomia são: nas paredes laterais do úte ro . A incidência é de 2 5% dos
casos, estando sujeita a elevado número de complicações
• Diminuição da probabilidade de ruptura perineal de ter- em razão d o sangramento concomitante à salda das mem-
ceiro e quarto graus. branas livres e do tecido placentário e havendo alto nsco
• Preservação da musculatura pélvica e penneal, prevenindo de retenção de restos placentários e de membranas.
a perda de função sexual com a d1mmUtção do risco de
mcont meneia urinária e fecaL Estudo reahz.ado em 2004 demonstrou que a conduta au-
• Incisão Cirúrgica, facilitando o reparo da laceração. va no tercetro perlodo, com administração de 10 umdades
• D1minu1ção da duração do período expuls1vo, diminuindo de ocitocina por vta mtramuscular, pode reduz1r a mcidtncia
o risco de sofrimento fetaL de hemorragia pós-parto, sendo preconizada pela OMS como
boa prática para a red ução da morbimortalidade pós-parto.
As desvantagens são:

• Extensão da episiotomia com lesão de esflncter e reto. REVISÃO DO CANAL DE PARTO


• Cicatrização assimétrica com esu~nose do íntroito vaginal e • Cavidad e ute rina: revisão indicada em caso de suspeita
formações de fístulas. de retenção de restos placentários, atonia uterina e sangra-
• Ma1s perda sangulnea no per!odo expuls1vo e, portanto, roemo excessi,•o.
mais chances de hematomas. • Colo uterino: idenuficar e suturar lacerações.
• Ma1s dor e edema da região. • Revisão da mucosa vaginal.
• Alto nsco de deiscência e infecção. • Revisão perineal: tdenuficar e corrigir lesões anorreta1s.
• Alto nsco de disfunção se>."UaL
• Custos mais elevados. Classificação para correção das lacerações penneais:
• Implicações legais. • Laceração d e p rimeiro grau: mucosa e pele.
A revisão s istemática publicada pela Cochrane Lib rary • Laceração d e segund o grau: musculatura e fáscia.
em 2000 não most rou dife renças em term os de sangramen- • Laceração d e te rceiro grau: esfíncter anal.
to, do r em 3 d ias , 10 dias e 3 meses após o pa n o, incidência • Laceração d e qua rto grau: mucosa retal.
de d ispareu nia e !ndice de Apga r, mas foi alta a incidê ncia
de deisctncia no grupo submetido ao proced imento obs- PERÍODO DE OBSERVAÇÃO
tétrico. O per!odo de observação é importante para se evitar he-
A rev1são sistemática de 2005 também não demonstrou morrag•a puerperal. grande causa de mortalidade materna.
beneficios da episiotomia, e em um trabalho de a\'ahação re- Após a dequnação, toda a área da decidua basal que estava
trospecm•a de 284.783 panos ,·aginaLS na Holanda ficou de- abrigando a placenta terá ficado desnuda. Para que não haJa
monstrado que a episiotomia mecholateral protege bastante as sangramento importante, o útero contrai e faz compressão no
lacerações de terceiros e quartos graus, e sua ind1cação de,·e coágulo sangulneo ali formado. Essa com pressão no coágulo
ser ind1v1dualizada para cada caso, com a técnica devendo ser forma as ligaduras do leito sangrame. A primeira descrição
a mais adequada de acordo com a anatom ia perineal mate rna. desse evento foi relatada por Pinnard , no começo do século
Q uando indicada, deve ser realizada com o polo cefálico no XX, e hoje esse fenOmeno é reconhecido pela expressão liga-
plano +2 de De Lee. d uras vivas de Pinnard.

PERiODO DE DEQUITAÇÃO Leitura complementar


O perlodo de dequitação se inicia com a expulsão com- ACOG Committee Opin1on n" 441 . Oral intake during labor. Obstet
Gynecol2009 Sep, 114(3):714.
pleta do recém-nascido e termina com a salda da placenta. O
AlfireviC Z, Devane D. Gyte G. Continuous cardiOlocography (CTG)
tempo esperado para esse momento é de 15 a 30 minutos e as a form of ele<:troniC fetal monitoring (EFM) for fetal assessment
não deve se prolongar em \'inude da poss1b1hdade de fecha- dunng labour. Cochrane Data base Syst Rev 2006, 3.CD006066.
mento do colo uterino. Amencan Academy of Ped1atrics and Amencan College oi Obste-
tnc~ans and Gynecologists. Guidelines for pennatal care. 6. ed.
ACOG, 2007.
Tipos de dequitação American College of Obstetric1ans and Gynecologists. ACOG Prac-
• Baudc loque-Schultz: a implantação placentária se encon- tice Bulletin. Clinicai Management Guidelines for Obstetncian-
t ra no fundo uterino (corporal), sendo a mais frequente, Gynecologists, number 70, december 2005 (Replaces Practice
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'/:
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2004(4):CD004075. bidity: its validity and reliability. Arch MedRes 2003; 34:214-21.
CAPÍTULO

Puerpério Fisiológico
Quesia Tamara Mirante Ferrei ra Villamil
Flávia Ribeiro de Oliveira
Caroline Reis Gonçalves

INTRODUÇÃO O p rincipal mecanismo da homeostase Ulerina é a con-


Puerpério é o período pós-pano que se inicia depois da de- tração dos músculos miometriais por ação da ocitocina com
quitação e tellllina com a readaptação anatõmica e fisiológica subsequente vasoconst rição dos vasos intramiometriais. Logo
do corpo ao estado pré-gestacional. Nesse tempo ocorrem após a dequ itação, o hipotálamo é responsável pela pro-
profundas transformações fls1cas, emocionais, sociais e fami- dução de ocitocina, que irá conter o sangramento uterino.
liares, exigindo acompanhamento asseru,-o multi profissional Um mecanismo coadjuvante para a liberação de ocitocina,
para que a vivenc1a dessa fase pela mulher seja saudáYel e nesse momento, é o aleitamento. A sucção do mamHo pelo
sem mtercorrenc1as que afetem seu desenvolvimento na ma- recém-nascido logo após o nascimento é um estimulo para
ternidade e na Jactância, proporc1onando segurança para o a produção de ocuocma hipotalâm1ca com consequente
estabelecimento do vinculo mãe-filho e o sucesso no aleita- contração utenna. Essas contrações ocorrem pnncJpal-
mento materno. mente nos primeiros 3 d1as de puerpéno e causam mais
desconforto nas multlparas do que nas pnmlparas. Adicio-
nalmente ocorre trombose dos ''asas no le1to placentário
CLASSIFICAÇÃO
como mecanismo secundáno de prevenção da hemorragia
O puerpério é d1v1dido em três fases:
uterina.
• Puerpério imediato: representa as primeiras 24 horas
após o pano. Colo uterino
• Puerpério s ubagudo: nessa fase (do segundo ao 42• d ia O colo uterino, nos primeiros dias pós-pano, apresenta
após o parto), a mulher passa por importantes alterações dilatação de 2 a 3cm, chegando a menos de lcm ao final da
hemodinãmicas, geniturinárias, emocionais, metabólicas e primeira semana. O oriflcio externo do colo na nul!para é
hormonais. de formato circular e no puerpério se torna mais alongado,
• Puerpério tard io: representa o perlodo a partir do 42~ dia, em follllato de fenda transversal. Histologicamente, a cérvice
em que mudanças graduais ainda acontecem no corpo e na retorna à li nha de base 3 meses após o parto.
psique mate rna, pode ndo durar até l ano.
Lóquios
ALTERAÇÕES FISIOLÓGICAS E ANATÔMICAS A porção basal da decldua consiste em duas camadas:
'
a mais profunda, que origina novo endométrio, e a super-
Utero ficial, que origina os lóquios. O volume dos lóquios varia
Após a dequitação placentária, o peso uterino é de cerca de 200 a 500ml. Sua duração média é de 24 a 36 dias,
de l.OOOg, e a altura uterina corresponde a 20 semanas de podendo acontecer sangramentos por mais de 6 sema-
gestação, podendo ser pouco maior na mulllpara do que na nas. Iniciam-se com coloração vermelho-escura (lochia
primlpara e, também, maior após uma cesariana do que após rubra) até o sexto dia e, após esse período, começam a
um parto nollllal. Após a pnme1ra semana, o útero estará apresentar conteúdo ma1s aquoso de coloração acastanha-
palpável na altura da slnfise púb1ca e, ao final do puerpério, da (lochia scrosa), durando cerca de 3 semanas. Por fim,
estará pesando aproximadamente 60g. tornam-se branco-amarelados (/IX.hia alba), podendo não

655
656 Seção 11 Obstetrícia

estar presentes. ~ltcroscopicamente, os lóqu10s são com- cocitose fica reduz1da à metade rtaS primeiras 48 horas e em
postos de exsudato seroso, eritrócitos, leucócllos, decidua, tomo do sexto d1a retoma às taxas habituais. A quantidade de
células epiteliais e bactérias. plaquetas está aumentada nas primeiras semanas, assim como
o nível de fibrinogenio, o que significa a preocupação com a
Vagina imobilização prolongada da puérpera no leito, situação que
A vagina se contrai lentamente, e a mucosa e sua vascula- facilita o aparecimento de complicações tromboembólicas.
rização se reestruLUram até a terceira semana. As lacerações
pequenas que não foram suturadas cicatrizam em 4 ou 5 dias. Perda de peso
Na prega himenal remanescente após o parto são visualizadas l ogo após o parto ocorre redução de 5 a 6kg de peso cor-
as carúnculas himenais ou mirúformes. poral, em razão do esvaziamento uterino e da perda sanguf-
nea. Um a 2kg adicionais são consequemes à pohúria, que
Assoai ho pélvico pode acontecer após o parto em \~rtude da cessação do es-
A gestação e o pano afetam diretamente a estrutura do as- timulo remna-ang10tensma gestacional. O tempo para o re-
soalho pélv1co de acordo com o supone intnnseco de coláge- tomo ao peso pré-geslaCIOnal varia muito, influenc1ado pela
no, a vta de pano, o tamanho do feto, os graus de laceração e quantidade do ganho de peso durante a gravidez, pandade,
se houve ou não episiotomia. No puerpéno, alguns sintomas aleitamento e época de retomo ao trabalho, para as mulheres
relacionados com o assoalho pélvico podem estar presentes, que trabalham fora de casa.
como inconlinéncia urinária e para Oatos ou fezes e distopias
genitais. Cabe orientar e acompanhar as mulheres, visto que Alterações mamárias
a maioria desses sintomas tem remissão espontânea ao fim do As mamas, glândulas exócrinas q ue exe rcem a função de
puerpério, mas para algumas poderá ser necessária a inter- nutrição do recém-nascido, sofrem profundas transformações
venção terapeutica. teciduais que se 1mciam na gestação e continuam no puer-
pério. No mlcio da gravidez são obsem1dos probferação de
Abdome células epiteliaLS alveolares, formação de novos duetos e de-
A parede abdominal recupera a ma1or parte do tõnus senvolvimento da arqulletura lobular. Próximo ao pano, as
muscular, mas a diáStase dos retos abdominaiS pode persis- mamas adqULrem capacidade secretora com hipertrofia dos
ur. Após o fim do puerpério subagudo podem ser reahzados vasos sangulneos, aumento das células mioepitebais e tecido
exercfc1os locahzados para redução da dlástase. conjuntivo, depósito de gordura e retenção de água, o que faz
seu tamanho aumentar consideravelmente.
Fâneros Enquanto o desenvolvimemo mamário durante a gravi-
Quando a gestação implica o aparecimento de estrias aver- dez é estimulado por estrog~nio, progeste rona, hormônio do
me lhadas no abdome, essas estrias podem apresentar altera- crescimento, glicoconicoides e fator de c rescimento epite-
ção da coloração após o parto, passando para branco-pratea- lial, a produção láctea ocorre à custa da ação de prolacLina,
das. O cloasma gravidico pode sofrer redução, mas é variável glicocorlicoides e msulina.
o tempo até seu desaparecimento total. O eflúvio telógeno é Se a mulher não apresentou a produção de colostro duran-
o dlSlúrb1o captlar mais comum entre as mulheres nos pri- te a gestação, essa produção se fará presente logo após o par-
meiros 5 meses após o pano, sendo caractenzado por alo- to. O colostro é a pnme1ra secreção mamária que ahmenta o
pecla d1fusa com queda de fios em '-ánas reg1ões do couro recém-nasc1do nas pnme1ras horas após o pano, sendo com-
cabeludo, resultando na diminuição da densidade capilar. As posto de água, vitammas, protelnas e carboidratos, além de
mulheres de,•em ser tranquilizadas, uma vez que esse sintoma comer grande quanudade de células imunologicamente auvas
é geralmente autolimitado e ocorre retomo ao padráo capilar e imunoglobulinas, que tem a função de fornecer imunização
normal após 12 meses. passiva ao recém-nascido. Nas primeiras horas após o pano,
o colostro é ainda mais rico do pomo de vista nutricional, e,
Hormônios e ovulação por isso, é importante sua ingestão pelo bebê nesse momento.
Os valores da gonadotrofina coriônica humana (HCG) re- Cerca de 48 a 72 horas após o pano acontece a "descida do
tornam ao normal em 2 a 4 semanas após o parto. O retorno leite" ou "apojadura", isto é, o colostro é subslitufdo por uma
da ovulação ocorre em cerca de 2 7 dias nas mulheres que não secreção de composição nutricional diferente, o "leite de tran-
estão amamentando. Naquelas em aleitamento, esse intervalo sição", o qual é produzido por l ou 2 semartaS e tem aquele
é variá,·el, podendo ser ampliado por vários meses, de acordo aspecto aguado. Sua composição se modifica gradualmente
com a quanudade de mamadas. de acordo com as necess1dades nutricionais do recém-nasci-
do. A concentração de 1munoglobulirtaS e o teor de v1tam1nas
Sangue lipossolú,·eLS se tornam progressivamente menores, enquanto
Em cerca de 3 semartaS, o volume sangulneo retoma aos aumenta o teor de vitaminas hidrossolúveis, lipldios e Jacto-
niveis pré-gestacionais. A leucocitose no puerpério é espera- se, com consequente acréscimo de aporte calórico. No dia
da, podendo ati ngi r 20.000 leucócitos/mm 1• Em geral, a leu- em que se inicia a produção do leite de transição, ocorrendo
:\.
r
((

Capítulo 78 Puerpério Rsiológico 657

a "apojadura", a mulher pode apresentar aumento da tem- prescritos para facilitar o esvaziamento reta\ e evitar pressão
peratura corporal, dor de cabeça e aumento do volume das no local de sutura.
mamas em virtude da congestão vascular e glandular.
O "leite maduro" ou "defmitivo" só su rge por volta do 152 CUIOAOOS COM AS MAMAS
d ia após o parto e ap resenta coloração mais branca e aspectO A amamentação é um dos principais interesses da mulher
mais consistente do que o leite de transição, com maior teo r no período pós-parto. Todos os profissionais de saúde envol-
lipídico e de lacwse, quase LOdos os minerais e vitaminas li- vidos no cuidado de puérperas devem trabalhar em conjunto
possolúveis e menor quantidade de proteínas. e estar integrados a respeito das orientações corretaS e do in-
centivo à amamentação. Incentivar o aleitamento no momento
Alterações emocionais do nascimento é o primeiro passo para seu sucesso. A mulher
A chegada do bebe, ao mesmo tempo que promove pro- deve ser orientada, ainda na sala de parto, sobre a pega corre-
funda alegria e satisfação à mulher, também proporciona sen- ta do bebe na aréola mamária e as posições para amamentar.
timentos contraditórios, como medo, insegurança e tristeza. Nas primeiras horas após o pano é essencial que tire todas as
O puerpério abre uma 'janela na alma" feminina, e a mulher dúvidas sobre o processo de ale itamento e que, no momento
fica extremamente sensível a quaisquer alterações à sua vol- da alta hospitalar, esteja acompanhada de profissional (ou de
ta. Ao cansaço físico, associado à possível d ificuldade inicial uma equipe) de apoio que se mantenha como referência em
da amamentação, soma-se a perda do corpo gravídico que a caso de necessitar de ajuda nos primeiros d ias.
colocava em situação de status social favo rável. As atenções Sutiã apropriado e que se ajuste bem, permitindo que as
agora se voltam para o bebe, e a mãe pode sentir-se extrema- mamas fiquem firmes, deverá se r utilizado pelas lactantes.
mente solitária diante da nova vida e das novas rotinas. As mamas devem ser esvaziadas sempre que estejam cheias
a ponto de causar desconforto, o que evitará ingurgitamen-
Cuidados no puerpério LO mamário e, consequentemente, mastite. Quaisquer sinais

O nascimento de uma criança é um acontecimento nor- de fissura nos mamilos devem ser tratados prontamente com
mal da vida. Entretanto, as mudanças associadas a esse evento orientações e acompanhamento rigoroso.
colocam a mulher em situação de risco maior para o adoeci-
mento tantO físico como mental. Por isso, o pe ríodo pós-par- CUIOAOOS APÓS CESARIANA
LO deve ser acompanhado para detecção de qualquer proble- No pós-operatório imediatO, a mulher deve rá ser obse r-
ma de saúde materno em um estágio precoce para encor~ar vada em sala de recuperação pós-anestésica com checagem
o aleitamento e proporcionar às famílias um bom início de de dados vitais, sangramento genital e contração uterina.
maternidade e paternidade. Alguns analgésicos deverão se r prescritos de aco rdo com a
necessidade da pué rpera, além de antieméticos e hidratação
SISTEMATIZAÇÃO 00 CUIOAOO venosa. A observação clínica deverá ser mantida durante o
Nas primeiras 24 horas após o parto, a puérpera deverá re- período de internação hosp italar, de mane ira intermitente,
ceber avaliação regular de sangramento vaginal, contração ute- por equipe de enfermagem. Nessa fase, a pué rpera e seu
rina, altu ra uterina na pelve e temperatura, pressão arte rial e acompanhante devem esta r bem orientados sobre os cuida-
frequencia cardíaca. Devem ser avaliadas as funções urinária dos com a ferida operatória, que deve rá ser limpa com água
e intestinal e ser investigada a presença de dor abdominal ou e sabão durante o banho e mantida semp re seca, não sendo
perineal , dor de cabeça, fadiga e dores lombar e mamária. necessária a aplicação de medicamentos ou curativos locais.
As avaliações por profissionais de saúde após a alta hos-
pitalar devem ser feitas de rotina nos primeiros 7 a 15 d ias APOIO EMOCIONAL E FAMILIAR
pós-parto e depois entre 40 e 45 d ias. A visita domiciliar é A chegada de um bebe provoca mudanças significativas na
prática comum em vários países e possibilita a abordagem in vida dos novos pais. O sono e as rotinas diárias são alte rados,
loco da puérpe ra com detecção precoce de agravos e maior e ~ustes devem ser feitOS nas esferas profLSSional e pessoal. As
promoção da saúde. primíparas podem sentir-se particularmente desafiadas pelos
cuidados com o bebê, sendo comuns condições como ins-
Cuidados com o períneo tabilidade emocional, ansiedade e alterações de humor. Os
logo após o parto se segue o exame clínico da vagina e da profissionais encarregados de cuidar da mulher no puerpé-
vulva à procura de lace rações, que deverào ser suturadas. Em rio devem estar atemos à evolução emocional da mulher e
caso de episiotomia, a episiorrafia será realizada. Analgésicos da família, além de trabalharem em equipe para promove r
podem ser prescritos para alívio da dor perineal, assim como o bem-estar por meio de orientações e intervenções, com o
banhos de assemo e o uso de anestésicos tópicos. A limpeza diagnóstico e o tratamento precoce de doenças psiquiátricas.
do períneo deve ser feita da maneira habitual, após a mic-
ção, a evacuação e durante o banho, utilizando-se de água VIOA SEXUAL
e sabão. No caso de lacerações maiores, de terceiro e quarto O retOrno à atividade sexual pode acontecer após a cica-
graus, dietas laxativas e supositórios de glicerina podem se r trização total da laceração/episiotOmia ou depois do 40" dia
/.
'
'/,
J 658 Seção 11 Obstetrícia

após a cesanana. Entretanto, a função sexual normal feminina O contraceptivo oral combinado (COC), o método con-
poderá apresentar modificações importantes, como diminui- traceptivo mais empregado no mundo, está disponlvel para
ção do desejo sexual e da lubnficação, o que é considerado administração oral, intramuscular, transdérm1ca e vaginal.
normal para a rase. Quanto à d1mmUtção do desejo, a simples Teoricamente, não dC\·e ser utihzado no puerpéno porque o
orientação do casal Já promove beneficios, podendo ser re- componente estrogemco preJUdica a quanudade e a quahdade
comendado o uso de cremes lubnficantes e/ou pomada de do leite matemo ao suprimu a produção de prolacuna, hormô-
estrogêruo local para o maneJO da redução da lubnficação. nio responsá,-el pela produção do Iene. Mesmo em pac1entes
que não irão amamentar, sep por contramdicação méd1ca, seJa
ATIVIDADE FÍSICA por opção, o coe não de,·e ser prescnto nas pnmelras 6 se-
manas pós-pano, porque a associação estro-progestogênica é
Exerclcios no perlodo pós-parto devem ser prescritos de
acordo com o grau de auvidade flsica da mulher e o nlvel de trombogênica.
Quando os métodos não hormonais são cont raindicados,
energia atual. Enquanto a ma1oria das mães saudáveis poderá
inacesslveis ou a usuária não demonstra adesão adequada, os
retomar a auv1dade [[sica dias após o parto, os fatores estres-
anticoncepcionais com progestogêmos isolados (APl) repre-
santes do fim da gravidez e do parto e os cuidados com o re-
sentam uma boa opção para antíconcepção no puerpério. Es-
cém-nascido poderão diminuir a capacidade de manter a fre-
ses anticoncepcionais não interferem na quantidade ou qua-
quência e a intensidade dessa atividade. Em geral, o nlvel de
lidade da lactação nem no desenvolvimento ou crescimento
exerclcio praticado pela mulher antes da gravidez poderá se r
do recém-nascido e apresentam a vantagem de ter pouco ou
reassumido 6 semanas após o parto. A prática dos exe rclcios
nenhum efeito sobre o sistema hemostático, não alte rando
não diminui a quantidade nem a qualidade do leite materno.
significativamente o risco de trombose. Estão diSj)Onfveis nas
vias de administração oral, intramuscular e implantáveis.
CONTRACEPÇÃO A contracepção cirúrgica definitiva é um método eficaz
O intervalo curto entre os partos é fator determinante na com o objetivo de ser permanente. Por isso, o ideal é que
morbimortalidade neonatal e infantil. O intervalo inferior todas as pacientes adotem o método de modo voluntário e
a 23 meses entre os partos aumenta a incidência de efeitos sejam adequadamente informadas. Multas vezes, as pacientes
ad,·ersos perinataís. Por esse motivo, durante a consulta de optam por esse método por falta de orientação adequada. As
pós-parto deve-se orientar o casal sobre contracepção e pla- taxas de arrependimento em mulheres que se submeteram à
nejamento [amihar. laqueadura tubária \'<Iriam de 1% a 20%. Esse método não
O ideal é que o método contracepll\'0 prescrito seja efi- tem efeito negati,·o sobre a lactação. De acordo com a legisla-
caz, seguro, não mterfira na lactação e não altere o sistema ção brasileira, a contracepção delimuva Clrúrgtca, tanto femi-
hemostálico. O método lactação-amenorreia tem eficãcia de nina como masculma, não pode ser reahzada nos primeirOS
98% enquanto a mulher amamenta regularmente durante o 60 dias após o pano, exceto em caso de sucess1vas cesananas
dia e à none, sem oferta de ahmento suplementar ao bebé, e anteriores (isto é, se a mulher Já uver s1do submeuda a duas
permanece em amenorre1a. Apesar de ser método eficaz, o ou mais cesarianas).
retomo à [erttlidade é 1mprec1so, o que o toma não adequado
para populações de risco para intervalo mtergestacional cuno IMUNIZAÇÕES
e/ou com acesso diflctl ao serviço de saúde. O puerpério é um excelente momento para atuahzação do
Os dispositivos mtrauterinos (DIU) de cobre e o dispo- calendário vacina! da mulher, promovendo Imunidade con-
sitivo liberador de levonorgestrel são considerados bons tra várias doenças imunoprevenlveis. Tanto as vacinas vivas
métodos contraceptivos, sendo altamente eficazes, segu ros, como as inativadas podem sem administradas com segurança
de longa ação (5 a 10 anos) e não interferindo na lactação. às puérperas.
As taxas de expulsão variam conforme o momento, a técni-
ca de inserção e o tipo do DIU. Sua inserção no pós-parto
PROFILAXIA DA SENSIBILIZAÇÃO MATERNA PELO
imediato é popular em muitos palses, porém não existem
ensaios cllnicos randomizados que comparem sua colocação
FATOR RH
no pós-parto imed iato versus sua postergação. A Organiza- O maior risco de sensibilização materna pe lo fator Rh
ção Mundial da Saúde (OMS) demonstra taxas de expulsão ocorre justamente durante o parto e, por isso, as mães Rh-
de cerca de 20% no primeiro ano, quando o DIU é inserido -negativas não sensibilizadas com recém-nascidos Rh-positi-
no puerpério imediato. vos devem receber imunoglobulina anti-O na dose de 300!lg
A contracepção hormonal durante a lactação apresenta pe- em até 72 horas pós-parto, a qual é suficiente para suprimir a
culiaridades em função de seus efeitos na qualidade e quan- resposta imune do sangue fetal Rh positiVO que tenha entrado
tidade do Iene matemo, transferência de hormônios para o em contato com o orgamsmo matemo durante o parto.
recém-nasc1do e posslvetS alterações no crescimento infanto-
-puberal. Os métodos de contracepção hormonal incluem os PROFILAXIA TROMBOEMBÓLICA
contraceptivos combmados e também aqueles com base ape- O perlodo perigestac1onal é marcado por um estado de
nas em progestogêmos. hipercoagulabilidade e, por esse mouvo, a frequência de fe-
( I

Capitulo 78 Puerpério Fisiológico 659

nOme nos tromboembólicos no puerpéno é alta. Fatores como FEBRASGO. Manual de onentação assistência ao abertamente. par-
realização de cesariana, presença de pré-eclampsta, hemorra- to e puerpéno, 2010.
Figueira P, Corrêa H, Malloy-Donoz L, Romano-Solva MA. Escala de
gia e mfecção aumentam o risco, principalmente nas primei-
depressão Pós-Natal de Edomburgo para triagem no sostema pú-
ras 6 semanas após o nascimento. blico de saúde. Rev Saúde Pública 2009; 43{1).
A profilaxia tromboembólica deve ser feita com movimen- Haran C, van Driel M, Mitchell BL, Brodribb WE. Clinicai guidelines
tação e deambulação precoces após o parto, além de com- for postpartum women and infants in primary care-a systematic
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CAPÍTULO (

Puerpério Patológico
William Schneider da Cruz Krettli
Lara Rodligues Félix

INTRODUÇÃO de fornece r o respaldo necessário em um momento no qual


Complicações puerperais, especialmente as de origem in- as mulheres lidam com desafios físicos e mentais tão signifi-
fecciosa, estão entre as principais causas de morbidade e mor- cativos. Isso evidencia a importãncia da assistência multi pro-
talidade mate rnas evitáveis tanto em países subdesenvolvidos fissional efetiva nesse período de modo a garantir a melhora
como nos desenvolvidos. das estatísticas globais relacionadas com a saúde da mulher.
A maior pane dessas complicações se estabelece após a alta A partir dessas considerações, esta revisão tem como objetivo
hospitalar e, na ausência de acompanhamento puerperal ade- primário o estudo dos conceitos relacionados com as principais
quado, evoluem sem d iagnóstico, notificação ou tratamento afecções puerperais, sua etiopawgenia, prevalência, fatOres de
em tempo hábil. Com frequência, cursam com importante risco e critérios d iagnósticos. Contemplaremos, brevemente, as
deterioração do estado clínico e demandam readmissão hos- principais tendências em relação ao tratamento, mas se faz neces-
pitalar da puérpera, o que interfere não apenas nos cuidados sária a ressalva de que os protocolos terapêuticos devem seguir
e no afeto com o recém-nascido, mas também em sua dinâmi- as recomendações das coordenações de unidade e da Comissão
ca familiar e social, podendo resultar, em última análise, em de Controle de Infecções Hospitalares de cada instituição.
consequê ncias graves, como o óbito materno.
Recentemente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) pu- INFECÇÃO PUERPERAl
blicou análise sistemática sobre as causas de mortalidade ma- Denomina-se infecção pue rperal qualque r infecção bacte-
te rna em wdo o mundo com a finalidade de estimular o de- riana que acometa os ó rgãos ge nitais femininos após o parto.
senvolvimento de políticas públicas preventivas e ale rtar a Com frequência, decorre da contaminação da cavidade uteri-
comunidade méd ica sob re os entraves ainda encontrados na na por bactérias que ascendem do trato genital inferior e/ou
assistência à mulher durante o ciclo gravídico-puerperal. A da pele, tendo como principal sinal clínico a febre.
maioria dos países sul-ame ricanos, por exemplo, não conse- Define-se como febre puerperal a temperatura axilar >38°C,
guiu atingir a meta estabelecida pelos Objetivos de Desen- medida em quatro ocasiões d istintas, com técnica adequa-
volvimento do Milênio, a qual incluía a redução da taxa de da, em dois dos primeiros l O dias após o parto, excluídas
mortalidade materna em 75% até 2015. Segundo o documen- as primeiras 24 horas. Feb re baixa nas primeiras 24 horas
to, apenas em 2013 foram noti ficadas 283 mil mones mater- após o parto sem evidencia de bacteriemia, geralmente é
nas em todo o mundo, sendo identificadas como principais consequencia da resposta endocrinometabólica fisiológica ao
causas diretas a hemo rragia puerperal (27%), as desordens parto ou de atelectasia pulmonar pós-operatória. Contudo,
hipenensivas relacionadas com a gestação (14%), as infecções febre >38,5°C, mesmo nesse período, sugere in fecção grave,
(l l %), as complicações relacionadas com o parto (lO%) e o geralmente causada po r Streptococcus dos grupos A e B, de-
abo rto (8%) e, por fim, eventos tromboembólicos (3%). Asso- vendo ser prontamente tratada.
ciadas às alterações do ciclo de amamentação e aos transtOr- São múltiplos os fatores de risco identificados para a infec-
nos mentais, essas constituem também as principais causas de ção puerperal, podendo ser subdivididos em fatores antepartO,
complicações puerperais. Segundo a literatura, cerca de 50% intraparto e pós-pano. Os fatores de risco anteparto incluem
das mortes maternas oco rrem durante o puerpério, o que ex- obesidade, acompanhamento pré-natal inadequado ou ausen-
põe a fragilidade das políticas de saúde vigentes, incapazes te, desnutrição, intolerância à glicose e diabetes mellitus, ane-
660
r
((

Capítulo 79 Puerpério Palológico 661

mia, imunossupressão (incluindo paetentes com anemia falei- Quadro 79.1 Frequência dos princopais agentes causadores de
forme e porLadoras do vlrus HIV), histórico de colonização ou infecções no puerpério

infecção por Strcptocoa:us do grupo B e pacu~ntes submetidas Microrganismo Inc idência


a procedimentos mvastvos durante a gesLação (biópsia de vilo Escherichia co/i 42%
corial, cerclage CeiVlcal, ammocentese ou cordocemese). Slreptoccccus do grupo B 9.2%
No periodo mtraparto, a ruptura prematura de membranas
Anaeróbios 8.5%
e a fase auva de trabalho de parto prolongadas, especialmen-
Staph}ltOCOCcus aureus 9.2%
te em primiparas. consutuem tmportantes fatores de risco,
uma vez que, nesse estágto, dtversos mecarusmos protetores Enterococcus faecalis 4.6%
que envoh·em barreiras mecâmcas e a própria microbiota \'a- Streptococcus do grupo A 7.6%
ginal estão ausentes ou supnmidos. M31s de cinco exames Klebsielta 1.5%
de toque vagmal, manipulação perineal durante o segundo Outros (Enterobacter. Listeria. Moti!Jtella. 11.2%
estágio do trabalho de parto e parto instrumenLado (a fórceps Acinetobactel)
ou utilizando vacuoextrator) também contribuem para o in- Fonte: adaptado de Knowtes SJ. O Sulltvan NP. Meenan AM. MalemaI seps.s V>Ci-
dence, etiology and ootcome !Ot mother and rerus o prospocwo SI\Jdy. BJOG 2015:
cremento do risco. Por fim, o parto por cesariana não eleti-
122[5):663-71.
va se destaca como o fator de risco isolado mais importante
para sepse puerperal. Mu lheres submetidas à cesariana têm
aumento de cinco a vi nte vezes na incidê ncia de infecções radas, formação de he matomas, deiscências e lesão da serosa
graves, como endomctrite e infecção da parede abdominal, se d o reto (lace ração de quarto grau) são fatores que aumentam
comparadas com aquelas que tiveram pano por via vaginal. o risco de infecção nesse sitio.
Os fatores de risco pós-parto mais citados são retenção pla- O diagnóstico é clinico. A paciente geralmente se queixa de
centária, fissuras mamilares e pano vaginal operatório, e, dor no local e, ao exame clinico, se observam os sinais clássicos
também nessa fase , a obesidade se tem apresentado progres- de hiperemia, calor, edema e efusão de secreção purulenta. O
sivamente como condição predisponente. tratamento consiste na exploração cirúrgica da ferida, sob anal-
As infecções puerperaiS são tipicamente polimícrobianas gesia e amissepsia adequadas, associada à prescrição de cefa-
e, na maioria das vezes, causadas por bactérias pro,·enien- losporinas de primeira geração por via oral durante 7 dias, dei-
tes da microbiola vaginal e/ou epidénruca. O agente aeróbio xando-se a cicatrização perineal ocorrer por segunda intenção.
mais comumente isolado é a Escllerichia coli, que também é a ~os casos de infecção mais grave ou extensa, com compro-
principal responsãvel pelos casos de sepse. Microrganismos metimento do es1.ado geral, pode ser necessãna a anubtolico-
anaeróbtos são responsã,-elS por até 40% dos casos, segui- terapia venosa com ampliação do espectro anurmcrobtano,
dos pela combmação de bacténas aeróbtas e gram-negalivos sendo bem indtcada a assoctação de gen1.am1cma 5mglkg de
anaeróbtos facuhauvos. As mfecções ma1s gra,·es. que surgem peso, em dose única diána, e chndamtctna 600mg a cada 8
precocemente e tendem a evolutr para sepse, são geralmente horas por, no mínimo, -+8 horas.
causadas por StreptiXIXCUS do grupo A, Staphylococcus ou es-
pécies do genero Clostridium . Nos casos de mfecção puerperal Infecção da ferida operatória
tardia, do séumo dta à sexta semana após o pano, destacam-se A infecção incisional se mamfesta geralmente do qumto ao
as infecções gemLais causadas pela Chlamydia trachomatis, sétimo dia pós-operatóno. Sua incídencía é de aproximada-
apontada como a principal doença sexualmente transmissivel mente 7%, caindo para 2% quando uulizada antibioucopro-
do periodo puerperal, especialmente em adolescentes (prin- filaxia de rotina. Os principaiS fatores de nsco são obesidade,
cipal grupo de risco). O Quadro 79.1 resume os principais parto prévio por cesariana, desordens hipertensivas, ruptura
agentes etiológicos encontrados nas infecções puerperais. prematura de membranas, diabetes mdlitus gestacional, imu-
Após o pano, bactérias que porventura consigam ascende r do nossupressão e prolongamento do tempo cirúrgico.
trato geniLal inferior até o sitio da inserção placentária no útero Os sinais nogísticos podem lim itar-se à topografia da ferida
encontram ali um meio ele cultura extremamente favorável à sua cirúrgica sem outras manifestações. No entanto, alguns casos
proliferação, constituldo pelo sangue e pela decidua necrótica. evoluem com celulite e formação de abscessos ele parede, do r
Nos casos de parto por cesariana, somam-se ainda fatores como imensa, febre e mal-es1ar gera l. Sempre que possivel. reco-
o trauma cirúrgico, a desvitalizaç-.lo de tecidos, possiveis hemato- menda-se a coleta da secreção local para cu ltura, que guiará
mas e os próprios fios cirúrgicos, que se comportam como corpo a amibioLicoterapia.
estranho e aumenLam sobremaneira o risco de infecção. Nos casos em que se identifica apenas comprometimento
da epiderme/derme, deve-se explorar cirurgicamente a le-
são, com retirada dos fios de sutura, drenagem do conteúdo
FORMAS CLÍNICAS
e limpeza copiosa do tecido com soro fistológíco, podendo
Infecção do canal de parto ser necessãria a prescrição ambulatorial de cefalosporinas de
A infecção do canal de parto é evento relath·amente raro, primeira geração ou amoxtcHma-clavulanato por via oral du-
incidmdo em cerca de 0,05% dos casos. Antissepsia inade- rante 7 a 10 dias, espectalmente nos casos de celuhte sem
quada, lacerações não suturadas ou madequadamente sutu- comprometimento ststemtco, Já que essas mfecções são cau-
/.

'
'/
'j 662 Seção 11 Obstetrícia

sadas predommamememe por bactérias que compõem a mi-


Esquema duplo
crobiota da pele, como o Staphylococcus.
Em casos de celulite ou abscesso com comprometimento Clindam1cína 600mg EV a cada 8 horas
sistfmico, precomzam-se a internação da paciente e a admi-
Gentamicína Smg/kg de peso EV em dose única diária
nistração endovenosa de clindamicina e gentamicina, associa-
das à abordagem cirúrgica.
ou
Endometrite e endomiometrite
A endometrite e a endomiometrite constituem os Lipos mais Esquema tríplice
comuns de infecção puerperal. Paralelamente ao incremento
Metronidazol 500mg/kg de peso EV a cada 6 horas
das taxas de cesariana nos últimos anos houve também au-
mento da incidfnclll dessas afecções, que ainda se configuram Gentamícina Smg/kg de peso EV em dose única diária
como comphcações graves, oferecendo nsco não desprezível Penicilina cristalina 5 milhões de unidades EV a cada 6 horas
de óbuo matemo. O processo se inicia por meto da contamma-
ção bactenana do leito placentário com postenor acomeumen-
ou
to da musculatura uterina. A incídência varia de acordo com a
via de pano, sendo de 1% a 3% após o parto vaginal e de até
30% após cesariana sem adequada profilaxia antibiótica. Ampicilina 2g EV a cada 6 horas

O diagnóstico é essencialmente clinico, sendo a febre >38°C


o principa l s inal, como já defin ido. A paciente se apresen- Figura 79.1 Esquema de anlibiólico mais usado para o tratamento
da endometrite puerperal.
ta com compromelimento do estado geral, taquicardia e dor
em hipogástrio. Ao exame físico, verificam-se dor à palpação
abdominal e útero com aumento do volume e consistência Espera-se que ocorra melhora do quadro em até 72 horas
amolectda. O colo geralmente está dilatado, sendo comum a após a instituição do tratamento, cuja duração deve ser guiada
presença de secreção purulenta de odor fétido, o que sugere pela resposta clfmca, sendo habitualmente rnanudo até que a
a presença de anaeróbios. Ao toque vagmal, constata-se dor à pademe permaneça afebnl por pelo menos 48 horas. Não exiS-
mobthzação utenna. O quadro de útero doloroso, htpoim·o- te necessidade de progressão para esquema oral após resposta
luldo e amolecido é clássico na endometrite pós-parto, sendo adequada à terap•a paremeral. Uma \'ez suspensa a anubtoU-
também conheetdo como tríade de Bumm. coterapia, a paciente será monitorizada com curva térmica por
A propedêutica deve incluir hemograma completo (em 24 horas em ambiente hospitalar e, na auséncia de picos febris,
que se espera encontrar leucocitose com desvio à esquerda), será considerada tratada, recebendo alta sem medicação.
marcadores séricos de infecção como a protelna C reativa, e Recente revisão sistemática da Cochrane concluiu que o es-
exames de urina rolina e urocultura para diagnóstico diferen- quema terapêutico duplo com clindamicina e gentamicina per-
cial com in fecção do trato urinário. Embora não exista con- manece como padrão-ouro e que, sempre que posslvel, o regime
senso na hteratura quanto à sua premência, a hemocultura selecionado deve inclwr medicações com atividade contra BacLe-
(tres amostras), quando solicitada, deve ser coletada previa- roides fragilis e outras bactéflliS anaeróbias resistentes à penicthna.
mente ao inlcto da antibioticoterapia. A coleta da secreção Vale lembrar que os protocolos com·endonais geralmente não
cervtcal para coloração por Grame cultura é recomendada, já oferecem cobenura contra enterococos, devendo ser 3SSOCillda
que pode ser úul na orientação terapêutica e na condução dos ampicílina em caso de suspetta de infecção por esse germe.
casos refratános ao tratamento inicialmente mstituldo. A persistência de febre e stnais de comprometimento cllmco
A curetagem uterina está indicada apenas nos casos em por mais de 72 horas, a despeito do uso correto dos antibió-
que se faz o diagnóstico de retenção de restos placentários, ticos, pode indicar falha terapemica. Nesses casos, deve-se
enquanto nos casos mais graves, progressivos e que apresen- proceder a novo e criterioso exame clinico, avaliar o perfil de
tam sepse resistente ao tratamento clinico e às medidas de resistência bacteriana e pesquisar a coexistência de outros fo-
suporte de vida pode haver necessidade de histerectomia. cos, como abscessos pé lvicos, in fecções extragen itais e trom-
Nas pacientes com endometrite após parto vaginal, sem bofiebite séptica pélvica.
sinais de comprometimento sistêmico, pode-se empregar a
monoterapta com amoxicilina via oral na dose de SOOmg a cada Parametrite, anexite e abscesso pélvico
8 horas por 7 dtas. Nos casos mais graves, que implicam al- A parametrite, a anexite e o abscesso pêlvico se caracte-
terações do estado geral, a terapêutica se baseia no conhe- rizam pela propagação da mfecção uterina para os ligamen-
Cimento da natureza polimicrobiana da mfecção, geralmente tos parametriaiS (Oetrnão pararnetrial) e anexos utennos com
mcluindo ammoghcosfdeos e clindamtcina. Admne-se tam- possh·el formação de abscessos.
bém o uso de cefalosporinas de segunda ou terceira geração O diagnóstico também é clinico, sendo típica a dor em re-
associadas ao metronidazol. gião anexial ao toque bimanual. Nos casos em que há suspetta
Os esquemas antibióticos mais comumente empregados de coleções purulentas, podem ser úteis exames de imagem
nessa situação são apresentados na Figura 79.l. como a ultrassonografia.
r
((

Capítulo 79 Puerpério Palológico 663

O tratamento deve ser inicialmente semelhante ao da en- é atribuido, por alguns autores, ao aumento das taxas de gra-
dometrite grave, com o emprego de antibtoticoterapia endo- videz após os 35 anos de idade e, consequentememe, à maior
venosa. Em casos de abscessos pélVIcos não responsivos ao proporção de morbidades maternas que podem prejudicar a
tratamento clinico deve-se proceder à drenagem cirúrgica por capacidade de modulação imunológtca no perfodo puerperal.
laparotomta ou laparoscopta. Abscessos retrouterinos podem Os sinais indtcadores incluem febre ou hipotermia, taqui-
também ser drenados por '~a vagtnal atra,·és do fundo de saco cardia, taquipneta, dtarreta, commento gemtal purulento,
de Douglas. leucocitose ou leucopema. elevação do lactato sérico, acidose
metabólica, trombocttopema ou outras mamfestações de coa-
Peritonite gulopatia.
A infecção do trato gemtal supenor, se não diagnosticada e A prioridade do tratamento tmcial é a expansão vol~mi­
tratada em tempo hábil, invanavelmente irá evoluir para a ca- ca vigorosa, por meio de bolus endovenoso de cristaloides
~dade abdommal, causando peritonite purulenta e formação
na proporção de 30mUkg, monitorízação hemodmãmica e
de abscessos, o que muitas vezes leva a paciente a comparece r antibiolicoterapia venosa de amplo espectro em unidade de
ao serviço de urgtncia com quadro tiptco de abdome agudo terapia intensiva. O adiamento do tratamento cirürgico exclu-
infeccioso. sivamente em ~rtude da gravidade climca da paciente é desa-
A febre costuma ser alta, com temperatura axilar >39°C, conselhado, uma vez que a intervenção pode ser exatamente
e a dor abdom inal é intensa, com sinais de defesa, poden- a medida necessária para a reversão do quadro.
do haver queda do estado geral com pulsos finos e palidez
concomitantes. A rigidez abdominal coswma ser sinal pouco Fasciite necrosante
proeminente em razão da distensão local própria do pe riodo A fasciite necrosante é uma grave complicação das infec-
puerperal. ções de feridas operatórias abdominais ou perineais, que con-
O tratamento consiste em antibioticoterapia endovenosa diciona mortalidade de 20% a 50%, mesmo sob vigência de
(esquemas semelhantes aos usados em casos de endometrite) tratamento correto. Felizmente, sua ocorr~ncia é rara, sendo
e exploração cirúrgica com limpeza exaustiva da cavidade ab- estimada em 1,8 para cada 1.000 partos.
dominal. Nos casos de má resposta ao tratamento inicial com Trata-se de necrose tecidual extensa que compromete o te-
sinais de necrose tissular, a histerectomia total e eventualmen- cido subcutãneo e a fáscia subjacente. Ao exame clinico, cons-
te a anexectomia podem ser a úmca opção. tatam-se sinais de celulite e crepttação dos tecidos contiguos
à ferida operatória. A exploração ctrúrgtca e~dencia ãreas de
Choque séptico necrose no subcutâneo e fáscia muscular. Obesidade, dtabetes,
A sepse e o choque sépuco são resultado de uma resposta hipertensão, doenças vasculares penféncas, alcoohsmo, uso de
imunológtca exacerbada. complexa e generalizada, corres- substâncias endovenosas e outras condtções tmunossupresso-
pondendo às vtas finats da mfecção puerperal não tratada ras são apontados como os pnnctpais fatores de nsco.
adequadamente, sendo reconhectdos como causas e-xpressi- Tipicamente, pactentes que apresentem fatores de risco
vas de morte materna e de admt.Ssào de gestantes e puérperas e histórico de lesão perineal mtrapano ou mctsào ctrúrgtca
em unidades de te rapta intenstva. Os Streptococcus do grupo A abdominal desenvolvem quadro de dor local tntensa e mex-
são os princtpais patógenos associados à mortalidade materna plicada associado à rápida deterioração do estado geral. Esse
por sepse, contabtlizando 50% dos casos. cenário impõe monitorização rigorosa dos dados vitaiS e do
Nessas pacientes, geralmente ocorre rápida deterioração balanço hídrico, coleta penódica de reVIsões laboratoriais e
do quadro desde o reconhectmento dos critérios diagnósticos hemoculturas, observação da ferida e culturas de swabs lo-
até o surgimento de complicações como o choque séptico, cais. Exames de imagem como a tomografia computadorizada
além de ser frequente a presença de sinais que se con fundem (TC) e a ressonância magnética (RM) podem auxiliar o d iag-
com alterações fisiológicas relacionadas com o pano e o puer- nóstico precoce, mas resultados negativos não são suficientes
pério. Por esse motivo , são essenciais o alto grau de suspeição para excluir a afecção.
e o tratamento imediato. Os agentes causadores costumam ser o Streptoeoecus 13-hemo-
De acordo com parecer da OMS, 10,7% das mortes mater- lítico do grupo A (Streptoeoccus pyogenes) e o Staphyloeoccus
nas em LOdo o mundo entre os anos de 2003 e 2012 tiveram aureus, podendo apresentar etiologia pol imicrobiana.
como causa a sepse puerperal. Da mesma maneira, um re- O tratamemo consiste em dcsbridamento cirúrgico, fas-
latório demonstrou que sepses secundárias a infecções geni- ciecLOmia e antibioticoterapia endovenosa de amplo espectro,
tais, particularmente as causadas por Streptoeoccus do grupo com associação de penicilina cristalina, gemamicina, clinda-
A, foram a principal causa de óbtto materno no Reino Unido micina e metronidazol.
na última década. No Brastl, estudo prospecth·o em·olven-
do 298 pacientes obstétncas admiudas na unidade de terapia Tromboflebite séptica pélvica
intenstva de um hospttal terciáno demonstrou que 14,2% A tromboflebite séptica pélvica é rara e ocorre quando a in-
das admtssões foram mouvadas por sepse. O alarmante in- fecção uterina evolui com trombose de ' 'etas miometriatS que
cremento da incidencia dessa comphcação nos últimos anos se estende para as vetas péh~cas e ovananas. Em alguns ca-
/.

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') 664 Seção 11 Obstetrícia

sos, descreve-se acometimento da veia cava inferior e da veia sintomática em 8% a 12% das mulhe res no puerpério, e cerca
renal. Sua incidência é estimada de 1 em cada 3.000 panos, de 25 % dessas apresentarão posteriormente d isúria ou outros
sendo mais frequente após cesariana (1:9.000 partos vaginais sintomas urinários.
vs. 1:800 cesarianas). Diversos aspectos aumentam o risco da Após o parto, as estruturas do tratO urinário inferior e a
doença, destacando-se o parto por cesariana, a presença de bexiga apresentam certa hipoLOnia que, associada a fatores
infecção pélvica, miomas uterinos e condições malignas sub- como parto por cesariana ou parto vaginal operatório, trauma
jacentes. pe rineal, anestesia epidural, tOques vaginais repetidos e cate-
O diagnóstico pode ser desafiador e geralmente é feito por terização vesical, aumenta o risco de !TU.
exclusão, devendo ser suspeitado na presença de febre de ori- Os principais sintomas dessas infecções baixas no período
gem indeterminada na primeira semana após o pano. Não pós-pano são disúria, algúria, polaciúria e incontinência uriná-
existem marcadores laboratoriais definitivos, mas a maioria das ria. Em casos de pielonefrite, registram-se febre, calafrios e com-
pacientes apresenta Jeucocitose (70% a 100%) com hemocul- prometimento sistêmico. O diagnóstico é estabelecido a partir
turas negativas. Na ausência de critérios diagnósticos absolu- da associação dos sinais clínicos aos exames de rotina urinária e
tOS é comum que se inicie tratamento empírico em pacientes gram de gota, e a urocultura e o antibiograma devem ser sem-
que foram inicialmente admitidas para tratamento de infecção pre solicitados, uma vez que as !TU pós-pano se enquadram
puerperal, mas que mantêm picos febris frequentes a despeitO no conceito de infecção nosocomial e estão frequentemente
da antibioticoterapia adequada e da remissão dos sintomas pél- relacionadas com bactérias resistentes aos antibióticos triviais.
vicos. O d iagnóstico presuntivo é estabelecido diante da reso- O tratamento da cistite não complicada pode ser feitO com
lução da febre em até 48 horas após essa medida. cefalosporinas de primeira ge ração ou nitrofurantoína por via
São descritos dois tipos de tromboflebite séptica pélvica: a oral. Já as pacientes com pielonefrite necessitam antibiotico-
tromboflebite de veia ovariana e a tromboflebite profunda, que te rapia endovenosa sob regime hospitalar, incluindo medi-
apresentam mecanismos patogênicos idênticos e costumam ser camentos de espectro mais amplo, como cefalosporinas de
concomitantes, mas podem diferir em relação à apresentação te rceira geração, nuoroquinolonas ou aminoglicosídeos.
clínica. Pacientes com tromboflebite ovariana se queixam de
febre e dor abdominal ipsilateral ao vaso acometido, que se PROFILAXIA DAS INFECÇÕES PUERPERAIS
irradia para os flancos e a região lombar, valendo ressaltar que A melhor med ida para a prevenção das infecções puerpe-
a trombose da veia ovariana pode ser identificada por métodos rais continua sendo a adoção de técnicas adequadas de an-
de imagem em até 20% dos casos. Já as pacientes com trombo- tissepsia.
Oebite séptica profunda geralmente apresentam febre inespecí- A antibioticoprolilaxia de rotina durante o pano por cesa-
fica e/ou calafrios nos primeiros 3 a 5 dias após o pano, sem riana também está respaldada por evidências científicas. Essa
comprometimento do estado geral, e que persistem apesar do medida se mostrou capaz de reduzir a morbidez infecciosa
emprego de antibióticos, na ausência de evidências radiológi- em até 75%, sendo a intervenção com maior impacto na inci-
cas de trombose. Tipicamente, a queixa de sensibilidade abdo- dência de febre puerperal nos últimos 25 anos. As principais
minal ou dor pélvica não domina o quadro. diretrizes indicam a administração endovenosa de 1g de cefa-
O tratamento consiste na manutenção da antibioticotera- lotina, devendo a dose ser dobrada para gestantes obesas ou
pia até a melhora clínica (incluindo auséncia de febre por imunossuprimidas.
48 horas) e a regressão da leucocitose. Apesar de não haver Tanto o Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas
consenso, alguns pesquisadores defendem a associação de (ACOG) como a Sociedade Canadense de Obstetras e Gineco-
anticoagulantes ao esquema antimicrobiano sob o argumen- logistaS (SOGC) recomendam a administração do antibiótico
to de evitar a progressão da trombose e reduzir a chance de pelo menos 60 minutos antes da cesariana. Essa orientação se
disseminação de êmbolos sépticos. No entanto, não existem baseia em metanálise que comparou a eficácia e a segurança
ensaios clínicos que determinem a duração ideal da anticoa- da antibioticoprofLlaxia antes da incisão na pele com a admi-
gulação nesses casos. Outros autores desencorajam o uso de nistração apenas após o clampeamento do cordão umbilical,
heparina, já que um estudo randomizado não identificou di- como previamente preconizado. Observou-se que a admi-
ferenças significativas no tempo de remissão da febre ou na nistração precoce teve desempenho superior na redução da
duração da hospitalização entre pacientes com tromboflebite incidência de endometrite puerperal e das morbidades infec-
pélvica anticoaguladas ou não. Conclui-se que essa é conduta ciosas como um wdo, sem comprometer o desfecho neonatal.
ainda em discussão na literatura e que demandará estudos Por outro lado, não há respaldo científico para a indicação de
com mewdologias mais apropriadas até que se possa validar antibioticoprofilaxia de rotina em partos vaginais não compli-
sua eficácia. cados com dequitação placentária espontânea.
Infecções do trato urinário (ITU)
Em um conceito estriLO, as !TU não são formas clínicas de HEMATOMAS DA FERIDA OPERATÓRIA
infecção puerperal, mas se configuram em nosologia corri- Os hematomas puerperais ocorrem em 1:300 a 1: 1.500
queira nesse período, motivo pelo qual foram incluídas neste panos, mas raramente oferecem risco real à vida da puérpera.
capítulo. Estudos demonstram a existência de bacteriúria as- Em alguns casos, a pressão causada pelo acúmulo de sangue
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Capitulo 79 Puerpério Patológico 665

em detenmnado compartimento pode resultar em necrose e O tratamento de hematomas mh-ares pequenos e estáveiS
ruptura do tecido circundante, acarretando extenonzação do é consen·ador, mclumdo analgésicos e uso de compressas de
sangramento e, e\'entualmeme, choque hemorrágico. Acome- gelo no local. Nos casos mais gra,·es, empregam-se medidas
tem pnncipalmente a vulva {Figura 79.2), a vag1na, o tecido para reposição volemica e reversão da instabilidade hemo-
paravaginal e o retroperitõnio. A maioria decorre de lacerações dinâmica, podendo incluir a transfusão de hemoderivados.
relacionadas com panos operatórios ou episiotomia, mas po- Posteriormente, recomenda-se exploração cirúrgica do he-
dem resu ltar também de lesão indireta ele vasos sanguineos pe- matoma sob adequada analgesia, com d renagem de coágulos.
rineais causada pela distensão d urante o terceiro estágio do tra- ligadura dos vasos sangrames e sutura por planos com fios de
balho de pan o. Em contraste com a vulva, as veias vaginais são rápida absorção. O uso ele d renos locais não é recomendado,
cercadas por tecidos moles não delimnados pela fáscia super- e a amibioucoprofilaxia é prática habitual.
ficial e, portanto, sua lesão pode resultar em grande acúmulo Hematomas subcutâneos que se formam sob a laparorra-
de sangue no espaço paravaginal e fossa J.SqUIOrretal, podendo lia após cesanana são também muito comuns. O diagnós-
estender-se, por dissecção tecidual, até o reuopentOmo. tico é cl!mco com •denulicaçào de edema, eqUimose e dor
Os pnncipaiS fatores de risco são: nuhpandade, recém- no local. O tratamento pode ser consen•ador ou c1rúrg•co,
-nascido com peso >4 .OOOg, pré-edãmpsia, segundo estágio a depender do volume e da estabilidade do sangue acu-
do trabalho de pano prolongado, gestações múluplas, varico- mulado , da presença de infecção concomitante e do estado
sidade vulva r e distúrbios de coagulação maternos. clinico da pac1ente.
O d iagnóstico é clinico, guiado por sintomas que geral-
mente surgem em no máximo 24 horas após o parto. O exa- HEMORRAGIA PÓS-PARTO
me adequado do local pode demandar analgesia, já que, em
A hemorragia pós-parto é a complicação mais freque n-
virtude da sensibilidade da área, traumas vulvares e pe rineais
te do puerpério, sendo responsável po r mais de 2 5% das
podem causar dor desproporcional ao tamanho da lesão. Ape-
mortes maternas em todo o mundo. De acordo com crité-
sar de grande parte dos hematomas ser assmtomáuca, aqueles
rios ela Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrl-
de maior volume costumam cursar com dor e aparecimento
cia (FIGO), corresponde à perda de sangue em volume que
local de massa tensa, compressivel, muno dolorosa e coberta
comprometa a estabilidade hemodinãmica da puérpera,
por pele de coloração arroxeada.
resultando em sma1s cllmcos de hipovolem1a (h•potensào,
Hematomas vaginais geralmente se apresentam com pres-
taquicardia e oligúna), além de sintomas como slncope,
são reta!, mas a instabilidade hemodmãmica por sangramento
vertigem ou turvação visual. De maneira obJeUva, é defi-
oculto de grande monta para a fossa isquiorretal e o retroperi-
nida como perda sangulnea >500ml após o parto vaginal e
tõnio pode ser o primei ro indicador. Ao exame fisico, a massa
> l.OOOml em panos cesarianos. Há trabalhos que conside-
vaginal pode ser identificada com relativa facil idade. Nos ca-
ram como parâmetro diagnóstico a queda do hematócri to
sos em que há dúvidas quanto à localização ou à extensão do
>10% (em comparação a exame realizado à admissão e/ou
hematoma, pode-se lançar mão de propedêutica de imagem
no pós- parto imediato), pode ndo ser classif1cada como pri-
(ultrassonografia, TC ou RM) para auxflio d iagnóstico e pla-
nejamento teraptulico. mária ou precoce quando ocorre nas primeiras 24 horas
após o pano e como secundária ou tardia quando ocorre
entre 24 horas e 12 semanas após o parto.
A ma10na das mortes maternas atribuldas à hemor-
ragia é considerada e\'ltável, especialmente por me1o de
medidas como educação e treinamento profissional, de-
senvolvimento de protocolos de fácil compreensão e or-
ganização estrutural que otimi ze o atendimento durante
u ma emergência.
As principa is causas de hemorragia pós-pano são: atonia
uterine, lacerações do canal de pano, retenção placentária/
acretismo placentário e coagulopatias. Outras causas incluem
inversão e mptura uterina, prolongamento da histerotomia
com lesão de vasos uterinos e cervicais, deiscência da hlste-
rorrafia ou hemostasia maclequada.

Atonia uterina
A atoma utenna se manifesta quando há meficá.cia na ma-
nutenção da contração miometrial, sendo a princ1pal causa
de hemorrag•a e choque hipovolêmico após o secundamento
e uma das pnncipais indicações de h iste rectom•a pós-pano,
Figura 79.2 Hematoma vulvar puerperal. quando refratária ao manejo clinico.
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') 666 Seção 11 Obstetrícia

Os principais fato res de risco são: casos de hemorragia refratária à ocitocina. Devem ser
administrados na dose de 0 ,2mg IM a cada 2 a 4 horas e
• Hipoperfusão miometrial (h ipotensão). estão contraindicados em pacientes card iopatas ou com
• Anestesia ge ral, causando intenso relaxamento da mus- deso rdens hipenensivas.
culatura uterina. • Misoprostol: seu uso na prática obstétrica carece de in-
• Hiperdistensão uterina: gestação múltipla, macrossomia fe- dicações formais, sendo ainda considerado um fármaco
tal , polidrãmnio. off-label. Nos casos de atonia uterina, mostrou-se signifi-
• Trabalho de parto prolongado. cativamente inferior aos outros uterotõnicos. Ainda assim,
• Parto taquitócico ou precipitado. o protocolo de hemorragia puerperal da O!viS cita-o como
• Atonia ute rina em gestação prévia. medicação de segunda linha, considerando a possibilidade
• Corioamnionite. de ser medicamento de escolha nas localidades em que os
A prevenção envolve medidas como adequado seguimentO uterotônicos não estão disponíveis. A dose recomendada é
pré-natal, vigilância apropriada da evolução do trabalho de de 800 a l.OOOmg por via reta\. A via oral também pode
pano po r meio do panograma, uso ponderado de uterotôni- ser utilizada, porém frequentemente se associa a efeitos co-
cos durante o segundo estágio, suporte hemodinãmico efeti- laterais do trato gastrointeStinal, como vômitos e diarreia.
vo (quando necessário) e, principalmente, manejo ativo do 3. Tratamen to cirúrgico: é realizado nos casos refratários
tercei ro estágio do trabalho de parto, tendo como rotina a às med idas anteriores, devendo ser respe itada a sequência
aplicação intramuscular de ociwcina na dose de 3 a SUl logo dos procedimentos a seguir:
após o desprendimento do omb ro fetal. Quando não há dis- • Compressão uterina bimanual (manobra de Hamilton):
ponibilidade de uterotônicos, as d iretrizes citam como alter- comp ressão do fundo uterino com a mão esquerda, as-
nativa o c\ampeamento e a tração controlada do co rdão umbi- sociada ao toque vaginal com a mão direita, procurando
lical concomitantemente a leve massagem do fundo uterino. realizar elevação e ameversoflexão do útero com com-
O volume sanguíneo perdido pode ser avaliado po r meio pressão de suas paredes (Figura 79.3).
da sintomawlogia da paciente e de seu impacto na pressão
diastólica, como ilustrado no Quadro 79.2
A conduta deve seguir um protOcolo gradual:
l. Medidas gerais:
• Acesso venoso calib roso com in fusão rápida de 2.000 a
3.000ml de so ro fisiológico 0,9% ou Ringer lactato.
• MonitOrização da paciente.
• Rese rva de sangue.
• Sondagem vesical de demora para monito rização do dé-
bito uriná rio (ideal entre 30 e SOm Uh).
• Massagem do fundo uterino.
2. Tratamento farmacológico fundamentado na adminis-
tração d e medicamentos que promovam a con tração da
musculatura uterina (u terotônicos):
• Ocitocina: é, de maneira consensual, o agente de pri-
meira linha no tratamento da hemorragia puerperal,
reduzindo significativamente a queda dos níveis de he-
moglobina, a necessidade de uso de outros uterotônicos
Figura 79.3 Compressão uterina bimanual. (Adaptada de Filho ALS,
e a demanda po r transfusão sanguínea.
Lamaita AV. Hemorragias no pós-parto. In: Filho ALS, Aguiar RALP,
• Alcaloides derivados da ergotamina (metilergometri- Melo VH (eds.] Manual SOGIMIG de Ginecologia e Obstetrícia S. ed.
na - Methergin®): indicados pela d iretriz da OMS como Belo Horizonte: Coopmed, 20 12: 785-95.)
agentes de segunda linha, tendo emprego oportuno nos

Quadro 79.2 Classificação e manifestações do choque hipovolêmico na hemorragia puerperal

Graus de choque
Compensada Leve Moderado Grave
Perda de sangue 500 a 1.cxnnL (10% a 15%) 1.000a 1.500ml (15%a25%) 1.500 a 2.000ml (25% a 35%) 2.000 a 3.000ml (35% a 45%)
Alterações na Nenhuma soa 100mmHg 70a80mmHg 50 a 70mmHg
pressão diastólica
Sinais e sintomas Palpitações. vertigem, Taquicardia. sudorese, Agitação, palidez, oligúria Colapso, rebaixamento da
taquicardia fraqueza consciência, dispneia. anúria
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Capitulo 79 Puerpério Patológico 667

• Revtsão do canal de pano a fim de detectar e tratar pos- O uso de fórceps, a realização de manobras obstétricas e
s!vets lacerações. até mesmo o parto taqunócico aumentam as chances de la-
• Curagem e/ou curetagem uterina, com o objeth·o de re- ceração do trajeto péh•ico. O tratamento é feito com reVIsão
mover qualquer tecido placentário porventura relido. sistemática do canal vagmal, com sutura por planos e, se iden-
• Exploração digital da cavidade uterina em busca de so- tificados, ligadura de vasos sangrantes.
luções de continuidade que possam indicar ruptura da A ruptura uterina, condição grave associada a elevada
parede miometrial. mo rbimortaliclade fetal e materna, pode acometer gestantes
• Tamponamento uterino: pode ser realizado por meio em trabalho ele parto que apresentem cicatriz uterina prévia
de balões especificas ou sonda de Foley insuOados no ou quando há uso excessivo de agentes uterotOnicos. O tra-
mterior da cavidade, promovendo hemostasia por com- tamento engloba medidas de estabilização hemodinâmtca e
pressão direta. laparoLOmia de urgêncta para sutura da laceração. Quando
• Embohzação intra,·ascular (quando dispon!vel). essa intervenção nâo é possh·el, está indicada a htsterectomta.
• laparotomia:
- HemostaSia dos sflios de sangramento. Retenção de restos placentários
- Ltgadura bilateral das anénas utennas. A retenção da placenta ou de seus fragmentos provoca he-
- Suturas de B-Lynch (Figura 79.4). morragia por dificultar a contração miometrial. Pode resultar
- Ligadura das artérias il!acas internas (hipogástricas). da retenção de cotilédones avulsos, de lobo suscenturiaclo
- Histerectomia subwtal: deve ser considerada o úl- (identificado em até 3% das placentas) ou do acretismo pla-
timo recurso; entretanto, não deve ser ad iada em centário. A prevenção cleverã ser feita por avaliação rotineira
situações muito graves, como coagu lopatias que exi- e sistemática ela placenta logo após a dequitação.
jam controle imediato do sangramento. A preserva- O tratamento inclui extração manual da placenta sob anal-
ção do colo tem por objetivo a redução do tempo gesia e curagem/curetagem uterina. A antibiolicoprofilaxta
ctrúrgico, facilitando o controle de danos. Em casos está indicada.
de neoplasia, sangramento cervtcal ou placenta pré-
via central com acrelismo, indtca-se htSterectomia P/acentação anormal
total. A expressão acreusmo placentário é utilizada de manetra
genérica para descrever a condição em que a placenta mva-
Traumas do trato genital de, total ou parctalmente, a parede uterina, impedmdo sua
Os traumas mais comuns são: dequitação habitual após o pano. Quando a invasão atinge
o plano miometrial, a expressão mais adequada é placenta
• lacerações do per!neo, vagina ou colo uterino. increta e, nos casos com exLensão até a serosa uterina, po-
• Prolongamento da episiotom ia, incluindo lacerações. dendo acometer órgãos adjacentes, é denominada placenta
• Ruptura uterina. percreta.

Trompa de Falópoo
• •••
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• •
••
••
••'
• •••
•• ' ••
• ••
I
I


• •• ' #

--·-
••
-..... - • • Posterior

Anterior

Sutura compressiva
(6-Lynch)

Figura 79.4 Técnica de sutura de B-lynch para tratamento da hemorragia puerperal. (Adaptada de Pacora P, Santivanez A, Ayala M. la sutura
compressiva del útero em cesárea com atonia uterina. An Fac Med 2004; 65:4.)
/.

'
'/:
') 668 Seção 11 Obstetrícia

Qualquer condição que cause lesão do endométrio e con- pode preceder o evento. São consideradas predisponentes
sequente fibrose local é considerada fator de risco, especial- situações que propiciem maior troca de fluidos entre os com-
mente os procedimentOs uterinos prévios, como miomec- partimentos materno e fetal, como pano operatório (vaginal
tomia, histeroLOmia, curetagem e ablação endometrial. Sua ou cesariana), placenta prévia/acreta, gestação gemelar e rup-
incidência vem aumentando paralelamente ao aumento das tura ute rina. Diante da mínima suspeição d iagnóstica, deve-
taxas de cesariana. Autores relatam índices de 1:4.027 ges- se iniciar o tratamento d irigido basicamente às medidas de
tações na década de 1970, significativamente inferiores aos supone de vida, preferencialmente envolvendo equipe multi-
da última década, que chegaram a 1:533 gestações. A com- profLSSional (anestesistas, intensivistas e obstetras).
binação de cesariana anterior com placenta prévia é particu-
larmente preocupante, principalmente se a placenta atingir o Inversão uterina
segmento uterino. Em estudo publicado em 2006 concluiu-se A inversão uterina incide em 1:6.000 panos, podendo ser
que, na presença de placenta prévia, o risco de placenta acreta acompanhada tanto de choque hipovolêmico como neurogêni-
é de 3%, 11%, 40%, 6 1% e 67% para a primeira, segunda, co, em razão do quadro de hemorragia aguda e da intensa dor
terceira, quarta e quinta ou mais cesarianas, respectivamente. que proporciona. As principais causas são a tração excessiva do
O principal desafio em relação ao acretismo é seu manejo cordão e a pressão em fundo uterino no momento da dequitação
pós-parto imediato, quando a placenta não se separa comple- placentária. O tratamento consiste na administração de uterolí-
tamente da parede uterina, causando hemorragia maciça. Com ticos e/ou sedação venosa, seguida pela manobra de Taxe, que
muita frequência, o tratamento exige a realização de histerec- restitui o útero ao seu posicionamento normal (Figura 79.5).
tomia de urgência, podendo haver complicações mais graves, Se houver falha, está indicado o reposicionamento cirúrgi-
como coagulação intravascular disseminada (CIVD), síndrome co do útero por tração (procedimento de Huntingwn). Após
de angústia respiratória, falência renal e mone. Estima-se que as intervenções de restituição uterina, recomenda-se a admi-
até 7% das pacientes que apresentam a condição evoluam para nistração de agentes uterotõnicos a fim de evitar a recid iva e
o óbito. A perda sanguínea média durante o parto de uma pa- reduzir a perda sanguínea.
ciente com placenta acreta é de 3.000 a 5.000mL, com neces-
sidade de hemotransfusão em 90% dos casos. Hemorragia pós-parto tardia
O diagnóstico definitivo é basicamente anatomopatOlógi- As principais causas de hemorragia pós-parto tardia são:
co, mas a suspeita diagnóstica é fundamental para adequa-
da abordagem terapêutica. Nos casos de alta suspeição de- • Retenção de restos placentários.
vem ser realizadas ultrassonografias pré-natais seriadas com • l nvolução uterina anormal.
pesquisa dos principais sinais indiretos de acretismo, como • Infecção intrauterina.
adelgaçamento miometrial, perda da linha hipoecoica retro- • lacerações do canal de pano.
placentária típica, presença de múltiplos lagos placentários O tratamento deverá ser direcionado para a causa especí-
com fluxo sanguíneo turbulento ao Doppler e vascularização fica. Cerca de 2% das pacientes irão necessitar reinternação
aumentada na inte rface entra a serosa uterina e a bexiga. para se submete r a tratamento clínico ou cirúrgico.
Coagulopatias
O período peripano predispõe à descompensação de coa-
gulopatias preexistentes, na medida em que ocorre consumo
considerável de [atores de coagulação. Desse modo, sempre
que houver hemorragia pue rperal refratária às medidas tera-
pêuticas iniciais, deve-se aventar a possibilidade de distúrbio
de coagulação. Deve-se também atentar para o faLO de que
o choque hemorrágico de qualquer etiologia pode desenca-
dear ativação endotelial com consequente CIVD, condição
extremamente grave no puerpério. A conduta exige artálise
do coagulograma e da condição subjacente, que indicarão a
necessidade de transfusão de hemácias, plaquetas e/ou plas-
ma fresco congelado.
Outra condição rara, porém altamente letal e que frequen-
temente se associa a coagulopatias, é a embolia de líquido
amniótico. Seu diagnóstico é clínico, devendo ser aventado
em pacientes que apresentem, no período peripano, colapso
cardiovascular, parada cardíaca, convulsões, desconforto res- Figura 79.5 Manobra de Taxe para tratamento da inversão puer-
peral. (Adaptada de Filho ALS, Lamaita RV. Hemorragias no pós-
piratório agudo e/ou hipoxia, particularmente se seguidos por -parto. In: Filho ALS, Aguiar RALP, Melo VH (eds.] Manual SOGIMIG
CIVD (presente em 83% dos casos). Um período de ansieda- de Ginecologia e Obstetrícia 5. ed. Belo Horizonte: Coopmed, 2012:
de , confusão mental, agitação e sensação de morte iminente 785-95.)
r
((

Capítulo 79 Puerpério Palológico 669

ALTERAÇÕES DO CICLO DA AMAMENTAÇÃO As fissuras marnilares são consequêncta da pega inadequada


O processo de amamenlllção mflui em diversos aspectos do recém-nascido, por técnica incorrelll de amamenlllção ou por
do puerpério. Além de possib1hlllr rna1or contato e conse- ingurgilllrnento mamário. Por causarem dor, são causa frequente
quememente favorecer o estabeleCLmento do binômio mãe- de descontinuação do aleitamento, além de poderem coi1Slituir
-recém-nasc1do, exerce a função primordtal de fornecer ao pona de entrada para patógenos, fa,•orecendo o desenvol"imen-
bebê nutnentes adequados e fatores Imunológicos que serão to de rnastite. Sua prevenção lllrnbêm depende de aconselha-
determmantes para seu bem-estar a longo prazo. Tem tam- mento pré-nallll adequado com o emprego de mechdas como
bêm 1mpacto cons1derãvel sobre a saúde materna, urna ,.ez massagem dos rnarntlos e e.'.:pos1ção das mamas ao soL
que, ao acelerar a m\'olução utenna por meio do estimulo ~a '~gência de fiSSUras, mesmo que sepm Identificados
à secreção de ocitocma, reduz os nscos de hemorragia e de pontos de sangrarnento, não é necessána a suspensáo da ama-
anemia puerperal. mentação. Ao contrãrio, de\'e-se encorapr sua continuidade
Mesmo que 1mcialmente possam eXIstir dificuldades rela- com a técnica correta, e\~tando a hrnpeza marnilar excessiva
cionadas com a demanda frequente e a pega do recém-nasci- e utilizando a ordenha manual no auxilio contra o mgurgita-
do, a puérpera de"e ser estimulada a mvestir na amamentação rnento. A associação de analgésiCOS pode ser proflcua. Caso
com orientações quanto à técnica correta de aleitamento e aos haja falha dessas condullls e a amamentação se torne um pro-
potenciais beneflcios desse processo para si e para o bebê. cesso traumático, deve-se considera r a ordenha do leite ofe-
'
Cabe ressaltar que a produção de leite tem relação direta com recendo-o ao recém-nascido em copi nhos adaptados.
a sucção do recém-nascido e que, por isso, colocá-lo ao peito A mastite e o abscesso mamário ocorrem em 5% a 10% das
sob livre demanda, especialmente nos primeiros dias após o puérperas e são complicações que acometem principalmente
pano, é uma das medidas mais eficazes para o sucesso da as prirnlparas em razão das maiores dificuldades apresentadas
amamentação. em relação à amamentação.
Diversos fatores podem interferir nesse processo, salientan- A mastite puerperal decorre da contaminação das fissuras
do-se a fallll de orienlllção e preparo da mãe durante o pré-na- mamárias ou dos duetos lacllferos por patógenos provenientes
tal, a ansi.edade materna e condições ligadas à própria mama, da própria pele, da microbiolll bucal do recém-nascido ou do
como ingurgilllmento, fissuras e mfecções. Cirurgias rnamãrias ambiente, sendo o Slaphylococcus au,.eus o pnncip:~l agente etio-
prévias, seja a mamoplasua redutora, seja a inserção de implan- lógico. As bactérias encontram no leite um ótimo me10 de cul-
tes, tambêm podem ser responsá,·eis por laclllção insuficiente, tura, e a infecção, se não tratada adequadamente, pode e,·oluir
particularmente se hou,·er mci.Sôes penareolares, alteração da com a formação de abscessos. O diagnóstico é cllruco e se baseia
sensibilidade mamHar ou lesão de duetos lacúferos. nas queixas de dor mamária, dificuldade de amamentação, febre
Nos primeiros 3 d1as após o pano, as glândulas mamãrias e indisposição. Ao exame flslco observam-se edema, luperernia e
produzem o colostro, flu1do e.~rernamente rico em anticorpos endurecimentO mamános, geralmente localizados e umlateratS.
matemos que contrabalançam a 1matundade imunológica do A apresenlllção cl!mca dos abscessos se assemelha à da
recém-nascido e nutríc1onalmente adaptado às suas necessi- maslite, com dor rnarnána, febre e outros smtomas sistêmi-
dades em relação à proporção de proteinas, água e gorduras cos, mas, ao exame fíSICO, palpa-se área arnolec1da e flutuante.
O tratamento da rnaslite é feito com penicHmas ou cefalos-
essenciais. Entre 3 e 5 d1as após o parto ocorre a "descida· es-
pontãnea do leite, tambêrn chamada de apojadura. A despeito porinas de primeira geração por v1a oral em regime ambulato-
de ser um evento natural, pode ser acompanhado de ingurgi- rial, associando-se analgéSICOS e compressas frias. Se houver a
formação de abscesso, toma-se necessária a drenagem cirúr-
tamento mamãrio causado pela estase Linfática, vascular e lác-
tea. Usualmente se registra aumento da temperalllra local, que gica realizada preferencialmente em arnb1ente hospitalar sob
pode se r interprellldo como febre, caso a aferição seja feilll na analgesia. Assim como nos casos de ingurgitamento, na even-
tualidade de a dor impossibilitar a amamentação, as mamas
região axilar. Por acarretar aumento acentuado da sensibilida-
de mamária, o ingurgitamento pode constituir um empecilho à devem ser esvaziadas por o rdenha manual a cada 3 horas,
oferecendo-se o le ite ao recém-11asciclo.
amamentação e, em consequência da eslllse láctea que se esta-
belece, favorece o sUt·gimento de complicações como mastite e
formação de abscessos. EVENTOS TROMBOEMBÓLICOS
Ponamo, logo após a apojadura devem ser reforçadas me- Eventos tromboembólicos, como trombose venosa profun-
didas como o aleitamento sob livre demanda, a ordenha ma- da e trornboembolismo pulmonar agudo, são responsáveis
nual das mamas quantas \'ezes forem necessárias para esvaziá-las por 3,2% das mones maternas.
no inteLValo entre as mamadas e a aplicação local de compressas Para sua prevenção recomenda-se, especialmente em pa-
frias quando as providencias antenores falharem, podendo ain- cientes submetidas à cesariana, o uso de meias compressivas
da ser prescritos analgésicos e anutérm1cos. É conveniente que pelo menos durante os primeiros 7 d1as após o parto.
as puérperas seJam 1nstruldas quanto à 1mponAncia do uso de ~os casos em que a puérpera apresenta fatores de risco,
sutiàs que ofereçam sustentação adequada às mamas, devendo corno idade >35 anos, obes1dade, tabagismo, desordens hi-
ser desaconselhados hábitos como a rnarupulação frequente das penensi\·as ou infecc1osas, vanzes cal1brosas em membros
mamas e o emprego de banhos ou compressas quentes. inferiores, mobilidade reduz1da ou trornbofilias preextsten-
/.

'
'/:
') 670 Seção 11 Obstetrícia

tes, deve-se considerar o uso profilático de heparina de baixo • O adequado acompanhamento pré-natal, com suporte emo-
peso molecular. cional e orientações à gestante, são essenciais para redução
Este tópico se rá abordado mais profundamente no Capí- da incidência e gravidade das complicações puerperais.
tulo 101. • A melhor profilaxia contra as infecções puerperais comi-
nua sendo o uso de técnicas adequadas de antissepsia.
TRANSTORNOS MENTAIS NO PUERPÉRIO • O manej o ativo do terceiro estágio do trabalho está asso-
A adaptação da puérpera ao papel de mãe e às responsabi- ciado a taxas significativamente mais baixas de mortalida-
lidades que se apresentam após o nascimento do bebê causa de e morbidade maternas.
ceno grau de instabilidade psicológica, que é naturalmente • A ocitocina é considerada o medicamento de primeira es-
esperada após o parto. Paralelamente ao desafio da materni- colha na prevenção e conduta em caso de hemorragia puer-
dade, a mulher enfrenta questões como modificações do pró- peral, devendo ser rotineiramente administrada logo após o
prio corpo e de sua autoestima, cansaço, privação de sono e desprendimento do ombro fetal.
alterações hormonais importantes que interferem diretamente • A revisão do canal de pano é recomendada, verificando-se a
em seu humor. O puerpério, como qualquer período de tran- presença de lacerações, que podem ser fome de sangramento.
sição, é considerado um fator estressor e pode ser o "gatilho" • O manejo da hemorragia puerperal varia de acordo com a
para a manifestação de transtOrnos psiquiátricos em pacientes etiologia do sangramento e com as possibilidades terapêu-
que apresentavam, mesmo antes da gestação, fatores de vul- ticas d isponíveis, sendo geralmente necessãria abordagem
nerabilidade. Por esse motivo, condições como distúrbios de multidisciplinar.
ansiedade e do humor se mostram altamente prevalemes em • Na vigência de situações clínicas ou achados ultrassono-
puérperas, com incidência estimada em 13% dos casos. gráficos que indiquem risco de acretismo placentário, o
Vale ressaltar que cerca de 50% a 80% das mulheres apre- obstetra deve estar atemo ao diagnóstico e preparado para
sentarão período de tristeza aparentemente inexplicada nos o manejo de possíveis complicações, tomando todas as
primeiros dias após o parto, denominado blues puerperal ou precauções cabíveis previamente ao parto.
baby blues, o qual se associa a sintomas como cansaço e so-
nolência excessivos, choro fácil, insegurança quanto à capa- l eitura complementar
cidade de cuidar do bebê e tristeza constante. O tratamento Adair FL. The American Committee of Maternal Welfare, lnc: Chair-
é expectante, conjugando orientações sobre a nawreza tran- man's Address. Am J Obstet Gynecol 1935; 30:868.
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emocional" à mulher, especialmente por parte de seus fami- American College of Obstetricians and Gynecologists ACOG Prac-
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tânea em até lO d ias. Caso persistam, deve-se suspeitar de American College of Obstetricians and Gynecologists. Committe
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As mesmas condições fazem parte da gênese dos transtOrnos in relationship to sistemic inflammatory response syndrome crite-
de ansiedade, também muito prevalentes nessa fase. ria: a systematic review and meta-analysis. Obstet Gynecol2014;
Este tema se encontra mais aprofundado no Capítulo 109. 124(3):535-41 .
Benenson S, Mankuta O, Gross I, Schwartz C . Cluster of puerperal
fever in an obstetric ward: a reminder of lgnaz Semmelweis. lnfect
MENSAGENS-CHAVE Contrai Hosp Epidemiol 2015; 36(12):1488-90.
• O puerpé rio é um período que envolve complexas modi- Bohlman MK, Rath W. Medicai prevention and treatment of postpar-
ficações na fisiologia e no estado mental da puérpera, con- tum hemorrhage: a comparison of diferente guidelines. Arch Gy-
figurando-se como fator de risco para o desenvolvimento necol Obstet 20 14; 289(3):555-67.
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materno multiprofissional nesse período. sília: Ministério da Saúde, 2015. 184 p.: il. (Cadernos de Atenção
• Recomenda-se que todas as mulheres recebam visita domi- Básica n• 23.)
ciliar de um profissional de saúde dentro das primeiras 6 Brown CE, Stettler RW, Twickler D, Cunningham FG. Puerperal septic
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• Avaliação pós-parto precoce é recomendada para pacientes Burke C. Perinatal sepsis. J Perinat Neonatal Nurs 2009; 23( 1):42-51.
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Capítulo 79 Puerpério Patológico 671

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CAPÍTULO

Assistência ao Parto Distócico


Inessa Beraldo de Andrade Bonomi
Ana Ch ristina de Lacerda Loba to
Carnila Gabriele Silva

INTRODUÇÃO Quadro 80.1 Fatores associados a alleraçao na progressão do primeiro


período do trabalho de parto
Distocia significa pano difrcil e se caracteriza por uma pro-
gressão anormalmente lenta do trabalho de parto e do pano. Fator de risco Odds r•tlo Intervalo de
(OR) confiança 95%
Estima-se que 60% das indicações de cesarianas nos EUA
Ruptura prematura de membranas 3,8 3,2a 4,5
sejam atribuídas a esse diagnósuco. Diante da elevação das
taxas de cesanana, o diagnósuco de dtstocia assume grande Nutiparidade 3,8 3.3a 4,3
ímponãncía na prática obstétrica atual. Indução do parto 3,3 2,9a3,7
Três [atores mteragem para que o pano vagmal aconteça: Idade materna >35 anos 3.0 2.6 a 3.6
a [orc;a (contração utenna e esforços expulst\'OS matemos), o Peso letal >4.000g 2.2 1.8a2,7
feto (apresentação, postção e desem·olvtmento fetal) e o canal
Síndrome hipertensiva 2.1 1,8 a 2,6
(pelve e panes moles). O estudo do pano é dtvidido em três
Hidrâlmio 1.9 1.5a2,3
periodos: dtlatação Oatente e auva), expulsào e dequitação.
Tratamento de inlef!Jtldade 1.8 1,4 a 2
Um aspecto tmponante no acompanhamento do trabalho de
pano e na definição de anormahdades constste na utilização
do panograma, isto é, a representação gráfica do pano.
O obstetra de,·e estar preparado e tretnado para diagnosticar Fase latente
e intervir prontamente nas snuaçOes de risco, quando o trabalho A [ase latente prolongada se micia quando a gestante sente
de pano e o pano não estão ocorrendo de maneira satisfatória. contrações regulares que podem amadurecer, apagar e dilatar
o colo em uma velocidade muito lenta. Essa fase pode durar
ANORMALIDADES DO PRIMEIRO PERÍODO de 8 a 20 horas. Ao se seguirem os conceitos de Friedman,
No passado, a expressão desproporçao cefalopélvica (DCP) uma [ase !aLente prolongada consistiria em mais de 20 horas
era utilizada para caracterizar o trabalho de parto obstruído nas nulíparas e mais de 14 horas nas mulLíparas. Mais impor-
causado por vício pélvico. Atualmente, esse vicio é relativa- tante do que o diagnóstico correto dessa fase é definir se a
mente raro, e a DCP se refere ao diagnóstico subjetivo de que gestante está ou não na fase ativa do Lrabalho de parto,já que
o feto é grande 011 mal posicionado para a pelve materna ou a até 40% das cesarianas por DCP são indicadas antes do início
pelve é pequena para o feto. Uma expressão mais geral seria dessa fase ativa. Além disso, está associada a sofrimento fetal
a parada de progressão, resultado do progresso anormal da e admissão no Centro de Terapia Intensiva (CTl) neonatal.
dilatação cervical ou da descida do polo cefálico. Algumas condutas poderão ser adotadas na fase latente
Classicamente, o primeiro perlodo ou de dilatação começa prolongada:
com o início do trabalho de pano e termina com a dilatação
cen·ícal completa (lOcm), sendo dívídtdo em [ases latente e • Utilizar os critérios de Friedman para o diagnósuco de fase
ativa do trabalho de pano. latente.
A frequeneta de anormalidades do primeiro perlodo é de • Admissão tardia no hospnal: vários estudos demonstraram
8% a 11%, sendo os pnncipaLS fatores de risco apresentados que gestantes admmdas no hospnal com dtlatação de 3cm
no Quadro 80.1. ou menos sào submeudas a um número mator de mterven-

672
:\.
r
((

Capítulo 80 Assistência ao Parto Oistócico 673

ções desnecessárias ou prematuras, como uso de ociwcina, ••


- - - - - - - - - - · Friedman, 1955 • •
necessidade de analgesia, segundo pe ríodo prolongado,
aumento da taxa de cesarianas e experiência de nascimen-
_,_,_,_,_,_,.. Friedman 1978
• ••
8
tO mais traumática.
• Evitar a internação precoce: cabe estimular a ingestão de
-
E
S.
- - - - - Zhang e cols.

líquidos e o consumo de refe ições menores e frequentes,


receitar analgésicos quando necessário e orientar o retorno •••
ao hospital em caso de aumento da frequência ou da dura- %4 •
..................•............... ................... , ... .
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ção das contrações, perda de tampão mucoso ou ruptura


de membranas amnióticas.
..."' _,_,_...""W... .... -· .-· •

• Convém avaliar individualmente o nível de fad iga e a ne-


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cessidade de suporte para essas gestantes. Embora não seja


utilizados rotineiramente no Brasil, alguns estudos reco- ..... ••• -·· .-·
mendam o uso de opioides ou indutores do sono, como o o 2 4 6 8 10 12
Zolpidem"' 10mg, na fase latente do trabalho de pano. A Duração do trabalho de parto (h)
avaliação do uso hospitalar deve ser individual e depende Figura 80.1 Comparação da dilatação ceNical com as fases do tra-
da d ilatação do colo, do grau de fadiga, da paridade, da balho de parto.
condição social ou do estado psicológico. Cerca de 85%
dessas mulheres, após o uso desses fármacos, acordam na
fase ativa do trabalho de parto, enquanto 10% não estão Na fase ativa prolongada, a dilatação se processa lentamen-
em trabalho (falso trabalho de parto) e 5% apresentam um te (<1cmlh) e costuma ser secundária a uma atividade uterina
padrão disfuncional persistente. inadequada ou por posição anômala da cabeça. Na parada se-
• Manejo ativo da fase latente prolongada: nesse caso, com a cundária da dilatação não há progressão da d ilatação em um
paciente apresentando 3cm de dilatação ou colo totalmente intervalo mínimo de 2 horas ou mais. já o parto precipitado
apagado, inicia-se ociwcina até que se atinjam uma a três ocorre quando há dilatação e expulsão do fetO no intervalo de
contrações em 10 minutOs. A amniotOmia é um procedi- 4 horas ou menos.
mento controverso. Quando isolada, não reduz significati- As condutas que deverão ser adotadas em caso de desor-
vamente a fase latente do trabalho de parto e pode redundar dens da fase ativa são:
em efeito negativo no amadurecimento, apagamento e di- • Iniciar ocitocina até alcançar três a cinco contrações em 10
latação da cérvice, pois ocorre redução da pressão exerci- minutos.
da contra o colo uterino. Além disso, está relacionada com • Realizar amniotOmia antes de diagnosticar parada de pro-
aumentO de complicações quando realizada com menos de gressão.
2cm de d ilatação e aumento da taxa de cesariana e do uso de • Usar ocitocina por pelo menos 4 horas em pacientes com
fórceps. Quando associada à ocitocina, por exemplo, pode padrão de com ração adequado (>200U de Montevidéu) ou
reduzir significativamente o tempo de trabalho de parto. por 6 horas em casos de padrão de contração <200U de
Montevidéu, com taxa de sucesso de 92%.
Fase ativa • Adotar a posição vertical ou lateral, que está associada à
A defmição precisa de quando se inicia a fase ativa do redução do tempo do trabalho de parto.
trabalho de pano pode divergir de acordo com a literatura
adotada. Segundo o Colégio Americano de Obstetras e Gi- Por fim, é importante lembrar que o uso do partograrna
necologistas (ACOG), o início da fase ativa do trabalho de para o diagnóstico dessas anormalidades tem se mostrado
parto ocorre quando o colo atinge dilatação de 4 a 6cm, com bastante útil em virtude de seu caráter visual, e a Organiza-
contrações efetivas, sendo de 6cm o limite. A dilatação cer- ção Mundial da Saúde (OMS) estimula seu uso nas mater-
vical nesse intervalo ocorre de modo semelhante em multi- nidades.
paras e nulíparas e em uma velocidade um pouco mais lema
do que a historicamente descrita por Friedman (l,2cmlh nas ANORMALIDADES DO SEGUNDO PERÍODO
primíparas e 1,5cmlh nas multíparas). A inclinação máxima O segundo período do trabalho de parto se inicia quando a
da taxa de dilatação cervical não ocorre antes dos 6cm. Por dilatação do colo está completa e termina com a expulsão do
isso é recomendado que o d iagnóstico e a condução de fase fetO pelo canal do pano.
ativa prolongada (ou protraída) ou de parada secundária da Segundo o ACOG, o segundo período prolongado ocorre
dilatação não sejam realizados antes de alcançados os 6cm. A quando o período expulsivo ultrapassa 3 horas nas nulíparas
Figura 80.1 resume as diferentes fases do trabalho de pano sem analgesia e 4 horas com analgesia e 2 horas nas multipa-
segundo as teorias de Friedman e de Zang. ras sem analgesia e 3 horas com analgesia. Convém suspeitar
As desordens da prime ira fase podem ser classificadas em do atraso da progressão do segundo período (em termos de
fase ativa prolongada, parada secundária da dilatação e pano rotação e/ou descida do fetO) depois de 1 hora nas nulíparas
precipitado ou desordens combinadas. e meia hora nas multíparas.
674 Seção 11 Obstetrícia

Estudos recentes relataram que a progressão pode ocorrer Quadro 80.2 FatO<es de rosco para distocia de ombro

amda mats lentamente, sem aumento da morbtdade neonatal Macrossom1a


e materna. Portanto, o uso desses limttes pode nortear a con- Diaberes mellllus materno
duta no segundo período, mas, se não há smais de infecção
Idad e materna avançada
(materna ou neonatal), a mãe não está exausta e o pad rão à
Pano distócico anterior
cardiotocogralia (CTG) é tranquilizador, pode-se pe rm itir a
progressão do trabalho de parto além desses limites. Multiparid ad e

Uma estratégia adotada consiste no adiamento do esforço Pós-datismo


expulsivo materno ("puxo"). Um estudo randomizado de- Pano operatório
monstrou que o puxo deve ser aplicado tardtamente, sendo Segundo perlodo do parto prOlOngado
mais bem tolerado pela paciente e com menor taxa de desace- Obesidade materna e ganhO de peso excessivo na gestaçao
lerações cardfacas fetais.
Feto do sexo masculino
Além dtsso, pode ser realizada a manobra de Mueller-Htllis
(pressão no fundo uterino ao mesmo tempo que se avaha a
desctda do polo cefálico): se a cabeça fetal desce I em ou mais
com a pressão, o prognóstico é bom, podendo ser úul no se- cias de ombro. Desses. 30% apresentarão lesões neurológtcas
gundo perfodo do trabalho de parto. permanentes, cabendo ressaltar que muitos casos de lesão de
Entre as disfu nções que podem ocorrer nesse pe rfodo es- plexo braquial não estão associados à distocia de ombro. Um
tão o perlodo ex pulsivo (ou pélvico) prolongado e a parada estudo retrospectivo demonstrou que o risco de lesões neu-
secundária da descida, que serão mais detalhados na seção rológicas permanentes e de fratura clavicular (FC) está mais
destinada às d istocias por meio do partograma. associado ao parto sem distocia.
Outras complicações fetais associadas à distocia de ombro
são a FC, a fratura de úmero, a encefalopatia hipóxico-isque-
DISTOCIA DE OMBRO mica e o óbtlo neonatal. Entre as complicações maternas. as
A dtstocia de ombro é definida como a tmpacção do ombro mais comuns são as hemorragtas pós-pano e as lesões de par-
fetal atrãs da sfnlise púbica ou no promontóno sacra! mater- tes moles e do esffncter anal.
no. Subjetivamente, refere-se ao pano que exige manobras Distocia de ombro recorrente ocorre em 1% a 25% das ges-
obstétncas especificas para a salda dos ombros fetais após fra- tantes com lustória de distocia em pano anterior e, geralmen-
casso de leve tração para baixo exercida na cabeça (manobra te, se associa ao elevado peso ao nascer. O sexo mascuhno
cabeça-ombro). Trata-se de uma condição de diffcil previsão, está mais relacionado com disLOcia, provavelmente em razão
e cerca de metade dos casos não apresenta fatores de risco do RN com maior peso ao nascer e antropometria diferente se
ide ntificáveis. Ocorre em 0,2% a 3% dos partos c em 0,6% a comparada à femini na.
1,4% dos partos de fetos cefálicos, representando uma emer- Na prevenção da d istocia de ombro se destaca o controle
gência obstétrica. Alguns autores relacionam sua incid~ncia glicêmico e do ganho ponderai em gestantes diabéticas.
com o peso do recém-nascido (RN), variando de 0,6% a 1,4% Segundo o ACOG, a estimativa do peso fetal, seja a ul-
se o RN pesar de 2.500g a 4.000g e entre 5% e 9% se o peso trassonogrãfica pelo peso fetal estimado (PFE), seja a clfmca
ao nasctmento se situar entre 4.000g e 4.500g. (regra de johnson). e a avahaçâo dos fatores de risco matemos
Os pnnctpats fatores de risco para a dtStocta de ombro são não têm valor predtti\'O para macrossomia fetal. Da mesma
a macrossomta e o diabetes, podendo alcançar uma mcid~n­ maneira, a cesanana proliláuca não reduz a ocorr~ncta de
cia de 50% nos fetos com peso >4.500g em gestantes dtabéti- distocia de ombro em gestantes com suspeita de fetos ma-
cas. Embora o elevado peso ao nascer esteja relactonado com crossõmicos, devendo ser considerada em algumas snuações,
distocia, na maioria dos RN com peso 2:4.000g essa relação como em gestantes não diabéticas com PFE >5.000g (risco
não é encontrada, visto que mais de 50% dos casos dessa estimado em 15% de distocia) ou em gestantes diabéticas
distocia ocorrem em fetos com peso normal. Em estudo reali- com PFE >4.500g (risco estimado em 20%), assim como em
zado em RN com peso >5.000g, ape nas 15,5% apresentaram pacientes com história de distocia de ombro em parto prévio,
distocia de ombro. sobretudo se houver lesão neonatal grave associada a parto
A gestante diabética tem risco seis vezes maior de apre- instrumental em fetos >4.000g.
sentar distocta, provavelmente por dois motivos: fetos com Alguns estudos atuats recomendam indução do parto se
elevado peso ao nascer e os com proporção corporal diferente hou\'er macrossomta iminente entre 37 e 38 semanas de ges-
dos fetos de gestantes não diabéticas. tação, mesmo sem dados consistentes que demonstrem os
Outros fatores de risco incluem história de dtstocta de om- beneficios dessa práuca.
bro antenor, obestdade materna, mulupandade, pós-daus- A distocia de ombro é uma emergência obstétnca não pre-
mo, pano operatório e segundo perlodo do pano prolongado visl\'el, geralmente precedida pelo sinal da •tartaruga" em
(Quadro 80.2). que, após a salda do polo cefálico, ocorre retraimento da ca-
A complicação fetal mais grave associada é a lesão do plexo beça contra o perfneo. Estabelecido o diagnóstico, serão ini-
braquial (LPB), que ocorre em cerca de 2% a 16% das disto- ciadas as manobras necessárias. Cabe salientar que a força
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Capítulo 80 Assistência ao Parto Oistócico 675

excessiva, nesse momento, pode ocasionar lesão materna ou • Manobras rotacionais: a manobra de Rubin (Woods re-
fetal. Existem inúme ras manobras descritaS, devendo o obs- versa) consiste na aplicação de pressão sob re a face poste-
tetra seguir a rotina a que está mais habituado. rior do ombro anterior ou posterior, aduzindo-o. Já na ma-
Convém solicitar a ajuda de outro obstetra, ped iatra, anes- nobra de Woods a pressão é realizada sobre a face anterior
tesista e equipe de enfermagem. Como as lesões neurológicas do ombro posterior, tentando abduzi-lo.
permanentes são dependentes do tempo de permanência do • Remoção do braço posterior: o obstetra deverá exercer
fetO nessa condição, todos os profissionais envolvidos devem pressão sobre a fossa antecubital do braço posterior, ocasio-
saber executar as manobras com precisão e, preferencialmen- nando flexão do antebraço. Identifica-se a mão fetal, apreen-
te, alguém deverá anotar o momento em que se iniciaram as dendo-a, e se procede à retirada do braço, trazendo o braço
manobras, bem como o tempo de execução de cada uma. posterior anteriormente na frente do tórax. Deve-se e'~tar
Diante de uma situação de distocia de ombros, as mano- apreender o braço por sua metade, de modo a evitar fraturas.
b ras obstétricas devem ser aplicadas tendo como objetivo • Manobra de Gaskin: com a paciente posicionada de qua-
sua resolução nos primei ros 5 minutos, de modo a evitar tro, tenta-se retirar o ombro posterior.
lesões de encefalopatia hipóxico-isquêmica no RN. Na d is- • Outras manobras: é possível a adoção da manobra de Za-
tOcia reforça-se que o tempo é o fator de gravidade. Um vanelli (rotação da cabeça fetal para occipitoanterior, recolo-
estudo recente, que comparou dife rentes manobras ind ivi- cando-a no períneo e realizando a cesariana), sinfisiotOmia
duais realizadas ao mesmo tempo em relação a mortalidade ou histeroLOmia. A fratura de clavícula em virtude da difi-
neonatal, lesão fetal e depressão neonatal, demonstrou que culdade de realização e o risco de lesões graves não têm sido
não houve diferença nas taxas, independentemente da ma- descritos.
nobra escolhida.
Por fim, é importante reenfatizar a natureza emergente da
Algumas manobras estão assim descritas:
distocia de ombro, sendo necessãria uma equipe treinada em
• Manobra d e McRoberts: consiste na flexão e abdução das seu atendimento de modo a promover os melhores resultados
coxas sobre o abdome materno, o que ocasiona a retifi- materno-fetais.
cação do sacro em relação à coluna lombar com rotação
cefálica da sínfise púbica. DISTOCIAS DIAGNOSTICADAS POR MEIO DO
• Pressão suprapúbica: normalmente executada em con- PARTOGRAMA
junto com a primeira manobra, consiste em pressionar a O panograma, que se presta para avaliar e documentar a
face posterior do ombro anterior, forçando-o para baixo evolução do trabalho de parto, é um instrumento de impor-
da sínfise púbica. Recomenda-se a realização de pressões tância fundamental no d iagnóstico dos desvios da normali-
intermitentes sobre o ombro. A manobra de McRobe rts e dade e na adoção de condutas aprop riadas para a co rreção
a pressão suprapúbica podem solucionar 40% a 60% dos
desses desvios, ajudando ainda a evita r intervenções desne-
casos, estando descritaS na Figura 80.2. cessárias. Entretanto, em revisão sistemática não houve d ife-
rença entre o uso do partograma ou não na taxa de cesarianas,
pano instrumental e Apgar <7 aos 5 minutos.
O melhor período para a aplicação do partograma é na
fase ativa da dilatação. Na evolução normal do trabalho de
pano, a curva de dilatação ce rvical se processa à esquerda da
linha de ação. Quando essa curva ultrapassa a linha de ação,
evidencia-se um parto disfuncional (Quad ro 80.3).

Dilatação (fase latente prolongada)


Nessa fase, a conduta é expectante, desde que a vitalida-
Pressão de fetal estej a p rese rvada, e em mu itas mulhe res essa fase
supra púbica pode dura r mais de 20 horas. Dessa maneira, deve ser evi-
tado o uso de ocitócitOS em virtude do risco de aumento na

Quadro 80.3 Distocias diagnosticadas pelo uso do partograma

Período do parto Oistocias diagnosticadas

Dilatação (fase latente) Fase latente prolongada

Fase ativa prolongada


Dilatação (fase ativa) Parada secundária da dilatação
Parto precipitado
Peóodo pélvico prolongado
Expulsivo/pélvico
Parada secundária da descida
Figura 80.2 Manobra de McRoberts e pressão suprapúbica.
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') 676 Seção 11 Obstetrícia

incidência de cesariana em deco rrência da situação desfa- Dilatação (fase ativa)


vo rável do colo uterino. Os sinais de ale rta, como pe rda de • Fase ativa prolongada: a dilatação do colo uterino ocor-
líquido, sangramentO ute rino, cont rações e ficie ntes a cada re em velocidade dcmlh, geralmente em virtude de con-
5 minutos e diminuição dos movimentOs fetais , são orienta- trações ineficientes. Para a co rreção deve-se estimular a
ções para q ue a partu riente reto rne ao hospital no mome ntO deambulação, administrar ocitocina e realizar a ruptura
adequado. das membranas amnióticas (Figura 80.3).

Partograma
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Figura 80.3 Fase aliva prolongada.


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Capítulo 80 Assistência ao Parto Oistócico 677

• Parada secundária da dilatação: é diagnosticada por meio Pode se r resultado de DCP absoluta ou relativa. No pri-
de dois toques consecutivos, com inte rvalo de 2 horas ou meiro caso, a resolução será por cesariana. Na DCP relativa
mais, quando a dilatação cervical permanece sem alte ra- (deflexões ou variedade de posições t ransve rsas ou pos-
ção. Alguns auto res contestam a "regra das 2 horas" e con- teriores), as medidas de estímulo às contrações uterinas,
sideram 4 horas o intervalo ideal mínimo. Há associação ao deambulação, ruptura artificial da membrana amniótica e
sofrimento fetal. analgesia podem resolve r a distocia (Figura 80.4).

Partograma
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Figura 80.4 Parada secundária da dilatação.


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') 678 Seção 11 Obstetrícia

• Parto precipitado ou taquitócico: diagnosticado quando Período expulsivo/pélvico


a dilatação ce rvical, a descida e a expulsão fetal oco rrem • Período pélvico prolongado: após d ilatação completa do
em 4 horas ou menos. Pode se r espontâneo ou iatrogênico, colo nota-se descida progressiva da apresentação, mas ex-
po r administração excessiva de ocitocina. Mais frequente cessivamente lenta. Ocorre demora na descida e na expul-
em multíparas, deve ser dada a atenção à vigilância fetal e são fetal. Está relacionado com comraLilidade deficiente e
à revisão do canal de pano (Figura 80.5). macrossomia fetal, mais comumente. Para o diagnóstico

Partograma
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Figura 80.5 Parto precipitado ou taquitócico.
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Capítulo 80 Assistência ao Parto Oistócico 679

dessa distocia deve ser lembrado o conce itO atual de perto- dilatação do colo uterino esteja completa. As causas dessa
do expulsivo prolongado (Figura 80.6). distocia são a DCP absoluta ou a relativa. Na relativa é vá-
• Parada secundária da descida: d iagnosticada quando não lido como tentativa o uso de fórceps de tração ou rotação,
oco rre a descida da apresentação após dois toques con- dependendo da variedade de posição. Se a desproporção é
secutivos, com inte rvalo de 1 hora ou mais, desde que a absoluta, está indicada a cesariana (Figura 80. 7).

Partograma
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Figura 80.6 Período pélvico prolongado.


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') 680 Seção 11 Obstetrícia

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Figura 80.7 Parada secundária da descida.

ANORMALIDADES FETAIS Anormalidades de posição


A d iswcia fetal pode estar relacionada com o posicionamen- Occipitossacra ou occipital posterior (OS ou OP)
to do fetO na cavidade ute rina (posição e apresentação) ou com A ordem decrescente de frequência da variedade de insinua-
seu volume (macrossomia, malformações obstrulivas). ção do polo na pelve mate rna é a seguinte: OEA (60%), ODP
A apresentação cefálica é a mais frequente (96,5%) du rante (32%), OEP (6%) e, mais raramente, a ODA (<1 % dos casos).
a gestação e o parto, seguida pela apresentação pélvica (3%) O desprendimento em occipitossacra é pouco favo rável,
e a transversa (0,5%). pois a cabeça fica em flexão incompleta na pelve, ap resen-
r
((

Capítulo 80 Assistência ao Parto Oistócico 681

tando-se com seus maiores diâmetros. O diagnóstico é feitO estudos sugerem que a rotação manual pa ra a posição OA,
pelo toque vaginal, identificando-se a sutura lambdoide na em vez de co nd uta expectante (G rau 2C), apresenta alta
posição posterio r. taxa de sucesso, aumenta a p robabilidade de pa rto vaginal
Durante o trabalho de parto, cerca de 15% a 20% dos fetos e tem baixo risco de complicações mate rno-fe ta is. Cabe
se encontram na posição occipitossacra (OS) e no momento salie nta r que, se realizada muito precocemente e no início
do pa rto apenas 5% permanecem nessa posição. A OS é a má do pe ríodo expulsivo, há risco de p rolapso de co rdão e de
posição fetal mais comum e está associada a anormalidades partes fetais.
no pano que podem ocasionar complicações materno-fetais Poderá ser te ntado o uso dos fórceps de Simpsom ou de
(Figura 80.8). Os principais fatores de risco associados a essa Kielland , se houve r condições. Outras medidas que podem
posição estão resumidos no Quadro 80.4. reverter a apresentação poste rior são a posição de cócoras e
As variedades de posição poste riores, que tOrnam o pano a deambulação da pa rturiente , embora não aumentem a taxa
vaginal mais lento, estão comumente associadas à fase ati- de rotação espontânea.
va prolongada ou à interrupção da d ilatação. Alguns autOres Se não houve r possibilidade de rotação manual ou parto
relacionam o uso da analgesia epidural com relaxamento da ope ratório, a cesariana deverá ser realizada.
musculatura pélvica que pode ria inibir a rotação fetal de OS
para occipital ante rior (OA), mas o tema ainda é controve rso. Posição occipitotransversa (OT)
A principal causa do encaixamento fetal em variedade pos- A OT normalmente é vista como uma posição transitória,
terior parece se r a exiguidade do sacro. A pelve antropoide resolve ndo-se espontaneamente. A pelve platipeloide ou an-
favorece essa variedade de posição. droide favo rece essa variedade de posição. O d iagnóstico é
A conduta é expectante na maioria dos casos, se o trabalho feito pelo wque vaginal, identificando-se a posição do occipí-
de pa no progride normalmente e o feto está bem. cio (Figura 80.9).
Observa-se maior risco de laceração do esfíncte r anal e infec- Se pe rsistente, pode exigi r intervenção. A rotação d igital
ção puerperal quando comparada com as posições ante riores. e/ou manual deve se r tentada inicialmente. Em caso de falha
Caso o trabalho de parto esteja p rogredi ndo lentame nte, dessas manobras, pode ser tentada a aplicação dos fó rceps (de
as manobras de rotação podem ser realizadas mantendo- Simpson ou de Kielland). É fundame ntal a experiência para
se o polo cefálico Oetido du rante tOda a manob ra. Algu ns a manipulação dos fórceps de rotação. Se não for esse o caso,
se rá preferível a realização da cesariana.
Sutura
metópica Anormalidade de atitude- Deflexão
Bregma As apresentações deOetidas são classificadas de acordo
Sutura Sutura
coronal coronal com o Quadro 80.5 e ilustradas na Figura 80.10.

Sutura
sagrtal
Sutura S ut ura Sutura
sagital - -1--+---,1---H lambdoide coronal

Sutura Sutura
Lambda
lambdoide lambdoide
B regma
Figura 80.8 Feto na posição OS.
Sutura Sutura
lambdoide coronal
Quadro 80.4 Fatores de risco associados à posiçào OS Ossos
péM cos
Nuliparidade
Figura 80.9 Feto em apresentação OT.
Idade materna >35 anos
Raça negra
Quadro 80.5 Relação entre as atitudes da cabeça fetal cefálica, os
Posição OP em parto anterior pontos de ref&ência e os diâmetros de insinuação
Pelve estreita
Oeflexão Pontos de Diâmetros de Insinuação (em)
Idade gestacional :;,4 t semanas referência
Peso ao nascimento :.:4.000g Primeiro grau Bregma Occipitolrontal ( t2cm)
Placenta anterior Segundo grau Fronte Occipitomentoniano (t3,5cm)
Anestesia epidural Terceiro grau Face Submentobregmático (9,5cm)
/.

'
'/:
') 682 Seção 11 Obstetrícia

tu ra escapular e cabeça), maiores se to rnam os obstáculos.


Entre as possíveis complicações no parto pélvico estão asfixia,
acidose grave com compressão do cordão, traumatismo de
ombros e polo cefálico e prolapso de co rdão.
Convém orientar a paciente de que na cesa riana progra-
mada a termo, comparada com o parto vagi nal, observa-se
~ redução na morbidade perinatal e neonatal precoce e há um
~·· ···· ···· ··· ···
pequeno aumento do risco de graves complicações imediatas
ao pano.
A B c D
A versão externa é a primeira manobra a se r tentada, ob-
Fletida De bregma De fronte De face
jetivando transformar uma apresentação córmica ou pélvica
Figura 80.10A a D Apresentações defletidas.
em cefálica. O ideal é realizá-la na 36• semana, com taxa de
sucesso em torno de 50% (Quadro 80.6).
Apresentação de fronte Um obstetra experiente deve estar presente na assistência
A apresentação de fronte é rara e também diagnosticada ao pano pélvico, o que deve ocorrer em centros com o apara-
pelo toque vaginal. O ponto de refe rência é a fontanela ante- to necessário para a realização de cesariana.
Cerca de 45% dos fetOs que se encontram pélvicos com
rior. Mais de 50% dos casos revertem para cefálica flelida ou
face. O parto vaginal ocorre lentamente em cerca de um terço 35 semanas de gestação podem sofrer versão espontânea até
dessas pacientes (Figura 80.10C). o pa rto.
Em revisão de estudos randomizados realizada pela Co-
Apresentação de face ch rane, a versão cefálica externa reduziu a incidência de pa r-
tos não cefálicos e de cesarianas sem efeitO significativo na
O fetO está com a cabeça em extensão máxima e apoia o
occipício no dorso com a face voltada para o canal de parto mortalidade perinatal.
Os benefícios da ve rsão exte rna incluem:
(incidência de 0,2% a 0,3% [Figura 80.1001)
O diagnóstico é realizado pelo toque vaginal, sendo fun- • Redução da probabilidade de apresentação pélvica no mo-
damental a definição da posição do mento. As insinuações mento do pano.
mentoanteriores são de mais fácil resolução, podendo ocorrer • Diminuição das taxas de cesariana.
em dois terços dos casos. Nas posições mentotransversas, o • Chance de sucesso em torno de 50%.
mento com frequência roda espontaneamente para a posição • O trabalho de parto com apresentação cefálica após a ve r-
ante rior. Em ambos os casos, a conduta é expectante. já nas são está associado a altas taxas de inte rvenções.
mentoposteriores o partO vaginal é demo rado e impossível se • Recém-nascidos após versão exte rna de sucesso têm risco
o mento permanece em posição poste rior. reduzido de desenvolver displasia de quadril.

Anormalidades de apresentação Algumas condições podem favorecer a realização da ve rsão


externa: apresentação alta e móvel, membranas íntegras com
Apresentação pélvica quantidade normal ou aumentada de líquido amniótico, ine-
O polo pélvico do fetO está situado no estreito superior da xistência de doenças que comp rometam o b inômio materno-
bacia óssea materna e ap resenta incidência de 3% a 4% na -fetal e parede abdominal flácida e não espessa. Essa mano-
gestação a te rmo e de 12% nas pré-termo de fetos únicos e bra não é isenta de riscos, como descolamento prematuro de
60% em gestações gemelares. As apresentações pélvicas po- placenta, ruptura uterina, embolia por líquido amniótico, he-
dem ser classificadas em dois tipos fundamentais: morragia fewmaterna, isoimunização, sofrimento fetal e até
morte fetal.
• Pélvica completa (p elvipodálica): as coxas do feto estão
O Quadro 80.6 resume as contraindicações absolutas e re-
flelidas sobre a bacia e as pe rnas fletidas sobre as coxas.
• Pélvica incomple ta (pélvica simples): modo nádega ou lativas para realização de versão exte rna.
A posição da placenta, o ganho de peso materno e a posi-
agripina, modo joelho ou modo pé. Apresentação mais fre-
ção da perna não estão associados às taxas de sucesso.
quente, corresponde a cerca de 60% a 65% dos casos.
A versão cefálica externa deve ser realizada em local onde
O d iagnóstico pode se r feitO pelas manobras de Leopold, o fetO possa se r monito rizado e onde, se necessário, possa ser
pelo toque vaginal ou pela ultrassonografia. Quando realizado realizada cesariana de eme rgê ncia. Uma CTG reativa deve ser
durante o pré-natal, pode ser tentada a ve rsão exte rna, como obtida antes do procedimento, e a administração de wcolílico
recomendado pela OMS, e se estabelecido durante o trabalho parece se r benéfica.
de parto, devem ser levados em consideração diversos fatores, A paciente deve ser colocada em posição lateral, prevenin-
como experiência do obstetra, peso fetal estimado, posição do do hipotensão. O polo pélvico é então elevado para fora da
feto e presença de anestesista no local. pelve materna e a versão é realizada, tentando rodar por sua
O parto apresenta d ificuldades crescentes, pois, à medida parte anterior (pela frente). Se não há sucesso, pode-se ten-
que os segmentos vão se desprendendo (cintura pélvica, cin- tar na d ireção oposta. A quantidade de força é regida pela
\.
r
( I

Capitulo 80 Assistência ao Parto Oistócico 683

Quadro 80.6 ContraindicaçOes à versão externa • Desprendimento da cintura escapular e do polo pélvico:
A bsolutas (eumenlam o risco Relativas - Bracht: permne a salda dos ombros e da cabeça fetal.
de mortalidade) Apreende-se o polo pélvico com as mãos; levando-se o
lndocaçao de cesariana Fetos pequenos para a idade dorso contra a slnfise púbica para facilitar o moVImento
pO< causas que não a gestecional com parâmetros giratório, não há tração.
apresentação pélvica alterados à dopplerlluxometria
• Desprendimento da cabeça derradeira:
Hemorragia periparto até 7 dias Pré-ectêmpsla com proteinúria - Mauriceau: os dedos indicador e médio da mão dorsal são
antes da data da versão
aplicados sobre os ombros do feto e os da mão ventral na
Cardootocogralia não Oligoldrêmnio arcada alveolar da mandíbula, forçando a Oexão cefálica.
tranqu•hzadora
Anomall8s uteronas maiores Anomalias feta•s ma•ores Apresentação c6rmica
Ruptura de membranas Cicatrizes utefinas A situação trans,·ersa ocorre quando o eixo longttudinal do
prevwnente à versão
feto se encontra perpendtcularrnente ao eLxo longo do útero, e
GeSlaçao múlllpla (exceto antes
do parto do segundo gemelar)
a apresentação fetal é então denominada apresentação córrruca.
a qual ocorre em 0,5% das gestações com feto único, sendo
mais frequente nas gestações múltiplas. Em geral, é diagnosti-
tolerância à dor da paciente. Após a versão, o feto deve se r cada pelas manobras de Leopold e confirmada pelo ultrassom.
monitorizado por no mínimo 30 minutos. Em palses desenvolvidos, prolapso do cordão umbilical,
Caso a manobra fracasse ou tenha passado o perlodo ideal traumatismo fetal e prematu ridade são os principais resulta-
para sua realização, o parto deve iniciar-se espontaneamente, dos adversos associados à apresentação córmica. Em regiões
não sendo recomendada a indução. O parto há de ser diri- em dese nvolvimento, a ruptura uterina está entre as princi-
gido. Durante o perlodo de dilatação devem ser mantidas as pais causas de morbimonalidade materna e perinatal.
membranas Integras, e o uso de ocitocma de,·e ser evitado. Para as pactentes com fetos em situação transversa, antes
A epistOtomta é imprescindh·el, pois atenua os traumatismos do inicio do trabalho de pano e na ausência de contratndt-
cramoencefáhcos. diminui ou impede a compressão funicular cações para o pano vagrnal, pode-se tentar a versão externa
e facHna o desprendimento das escápulas. para apresentação cefáhca entre 38 e 39 semanas de gestação.
O trabalho de pano deve ocorrer sem manobras até o Para os paCientes em trabalho de pano prematuro com feto
aparecimento do cordão, pois a tração do feto ames desse único em situação transversa e membranas integras, pode-se ten-
momento pode promover a extensão de sua cabeça e braços. tar a versão externa para apresentação cefálica, segwda de rup-
Após o surgimento do cordão umbilical realiza-se a alça de tura artificial das membranas e condução do trabalho de pano.
co t·dão para sua descompressão, evitando-se hipoxia fetal. Nessas situações, o parto vaginal é impossível e há grande
Com a sarda das pernas o feto é ge nti lmente segurado pela chance de prolapso de braço quando o ombro é forçado para
região sacroillaca e é exercida leve tração. A extração das es- a pelve dura nte o trabalho de pano. Portanto, em caso de
páduas pode ser facilitada com as manobras de Rojas ou De- falha na tentativa de versão externa, a cesariana está indicada.
venter-Muller. O desprendimento do polo cefáhco representa
o momento de mais risco para o feto, podendo ser auxiliado ANORMALIDADES ANEXIAIS
pelas manobras de Brach e de Mauriceau. Em caso de falha As dtStoctas anextatS podem ser relacionadas com o cordão
'
pode-se recorrer ao fórceps de Piper (pnmetra escolha) ou de umbilical, membranas ou a placenta.
Stmpson.
As manobras utilizadas para auxiliar o parto pélvtco con- Anormalidades do cordão umbilical e da placenta
sistem em: O comprimento do cordão umbilical é considerado curto
• Desprend imento dos ombros (cintura escapular): quando mede <20cm e longo quando >SOem. Em caso de
- Deventer-Müller: envolvendo o polo pélvico com as cordão cu no há dificuldade de progressão cefálica com bt·a-
mãos, traciona-se o corpo fetal para baixo, colocando dicardias fetais em razão da compressão cervical no perfodo
o acrõmio anterior na região subpúbica. Com o dedo expulsivo. As principais complicações obse rvadas são ruptu-
mdicador envolve-se o ombro e se exteriorize o mem- ra e desinserção do cordão, descolamemo placentário e inver-
bro anterior; em seguida, elevando-se o corpo fetal para são uterina. Nos casos em que o cordão é longo, as circulares
Ctma com manobra semelhante, desprende-se o mem- são bastante frequentes, mas a maior pane não tem repercus-
bro posterior. sões sobre o feto. Obsen·a-se risco aumentado de prolapso
Rojas: o feto é segurado como na manobra ante no r. Rea- de cordão.
hza-se rotação axial do corpo fetal, procurando transfor-
mar o ombro posterior em anterior. Com o auxrlto digital ANORMALIDADES DE PARTES MOLES
desprende-se esse ombro, e um movimento inverso favo- As anormalidades de panes moles se referem às alterações
rece o desprendimento do membro restante. localizadas no colo uterino e na vulva.
/.

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') 684 Seção 11 Obstetrícia

Quadro 80.7 Recomendações com base em evidências para assistência ao parto distócico

Pratica Intervenção Grau da


recomendação
Uso de ocitocina O uso de ocitocina até atingir padrão de contrações de 3 a 5 em 1Ominutos aumenta a A
chance de parto normal
Amniotomia Realizar amniotomia precoce antes de diagnóstico da parada de progressão reduz o B
tempo do trabalho de parto e o uso de ocitocina
Posição vertical ou lateral Alcançar a posição vertical ou lateral pode diminuir o tempo do trabalho de parto A
Prevenção de distocia de ombro PFE ao US, medida do lundo uterino (regra de Johnson) e avaliação dos Iatores de risco A
maternos não têm valor preditivo para macrossomia letal
Cesariana prolilática para distocia Cesariana prolilática não reduz a ocorrência de distocia de ombro em gestantes com B
de ombro em leto macrossOmico suspeita de fetos macrossOmicos
Treinamento em distocia de ombro O treinamento para distocia de ombro da equipe de uma maternidade se associa à B
melhoria no manejo e à redução dos danos neonatais
Queda da taxa de cesariana com o Não se observa dilerença significativa entre a utilização do partograma e a anotação no A
partograma prontuário
Uso do partograma O partograma se apresenta como ferramenta extremamente barata, de lácil utilização e D
apresentação gráfica para anotação da evolução do trabalho de parto, funcionando
como orientador para a formação dos profissionais de saúde e facilitando
transferências hospitalares, não devendo seu uso ser desestimulado
Versão cefálica externa Oferecer versão cefálica externa para todas as mulheres com gestações únicas, não A
complicadas. com 36 semanas. Contraindicada: mulheres em trabalho de parto.
cicatriz uterina prévia ou anormalidades uterinas, comprometimento da vitalidade fetal,
membranas amnióticas rotas, sangramento vaginal e condições médicas
PFE: peso fetal estimado; US: uttrassonografia.

O edema de colo uterino é consequência da compressão Cunningham FG, Leveno KJ, Bloom SL, Hauth JC, Gilstrap 111 LC,
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CAPÍTULO (

Hipoxia Fetallntraparto
Gabriel Costa Osanan
Zilma Silveira Nogueira Reis
Diogo Ayres-De-Campos

INTRODUÇÃO A hipoxia fetal intraparto é um dos fatores contribuintes


As últimas décadas foram marcadas por grandes avanços para a mortalidade pe rinatal, seja po r mone fetal intraparto,
científicos e tecnológicos nas áreas da saúde materno-infantil seja po r morte neonatal precoce ou, mais raramente, morte
com alguma expectativa de que se ria possível a eliminação da neonatal tardia. O desenvolvimento de lesões neurológicas
mortalidade perinatal. De fato, a mortalidade neonatal sofreu pe rmanentes é outra das possíveis consequências dessa hipo-
uma redução de 39% entre 1990 e 2013 em wdo o mundo, xia fetal intraparto, cuja incidência é muito variável entre as
segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). instituições de saúde e entre os países. Em geral, acredita-se
Contudo, as d isparidades observadas entre os países são im- que ocorra em cerca de 2% de todas as gestações, mas alguns
po rtantes e refletem suas políticas, cond ições de dese nvol- hospitais que realizam gasometrias do sangue do cordão um-
vimento socioeconõmico e qualidade do cuidado materno- bilical em todos os nascimentos têm relatado redução muito
-infantil, fazendo essa desejada realidade permanecer ainda acentuada de sua incidência nos últimos anos.
distante.
No Brasil, a mortalidade neonatal passou a ser o principal FISIOPATOLOGIA
componente da mortalidade infantil, em te rmos proporcio- Os fews necessitam de oxigênio e glicose em concentra-
nais, a parti r dos anos 1990. No pe ríodo neonatal precoce ções adequadas para manter sua produção celular de energia,
falece ram 10,6 a cada 1.000 neonaws em 2011, enquanto a recorrendo ao metabolismo aeróbico quando necessário. Em-
mortalidade infantil foi de 15,3 a cada 1.000. As taxas globais bora a glicose possa ser armazenada nos tecidos, esse fenôme-
se encontram em torno de 33,3 mil, mas países como Po rtu- no não ocorre com o oxigênio. Assim, a privação de oxigênio
gal atingi ram, em 2014, a incidência de 2,1 em cada 1.000 por apenas alguns minutos é suficiente para diminuir a pressão
nascimentos. A mortalidade perinatal (a que ocorre na segun- parcial de oxigênio na circulação fetal (h ipoxemia) que, se não
da metade da gravidez e nos primeiros 7 dias de vida) refle- revertida, leva, mais cedo ou mais tarde, à redução da pressão
te melhor os cuidados obstétricos, mas não há um consenso parcial de oxigênio nos tecidos (h ipoxia). Para mante rem a
generalizado sob re como defini r a segunda metade da gravi- produção ene rgética intracelular, as células conseguem tem-
dez, e alguns países não d isponibilizam esses dados. Cerca de porariamente se converte r para o metabolismo anaeróbico,
10% da mortalidade perinatal oco rrem durante o trabalho de mas esse metabolismo ap resenta como produto secundário o
pa rto, mas esse percentual vem sendo reduzido e, em alguns ácido lático. A produção desse ácido faz aumentar a concentra-
países de elevados recursos, as mortes fetais intrapano prati- ção imra e extracelular de íons de hidrogênio livres, situação
camente desapareceram. denominada acidose metabólica, identificada laboratorialmen-
A expressão hipoxia fetal substituiu há uns anos a desig- te como d iminuição do pH e aumento do lactato e diminuição
nação de so frime nto fetal agudo po r refleti r melhor a condi- das bases circulantes no sangue umbilical (Figura 81.1).
ção que determina o risco fetal. Infelizmente, no Brasil, sua A privação energética e o aumento desses íons de hid ro-
incidência se encontra acima do esperado, assim como a da gênio no meio intracelular dete rminam a disfunção e depois
morbimortalidade relacionada com esse evento. Além disso, a morte das células, causando as lesões teciduais típicas da
a hipoxia fetal intrapano já se configu ra como uma das prin- hipoxia. A hipoxia fetal intrapa rto pode resultar em danos
cipais causas de litígio médico-legal no país. ne urológicos importantes e até mesmo na morte do concepto.
686
( I

Capitulo 81 Hipoxia Fetal lntraparto 687

Quadro 81.2 Cuoda<los na gasometria do sangue de COC'dêO umbtlical


Acidose metabólica
Não é necessáriO clampar o cOC'dào umbilical an1es da coleta
Hipoxia fetal • pH <7,00 e déficit Coletar, imedl81ameme após o nascimento, 1ml de sangue da
de bases anéria umbilical para uma seringa e 1ml de sangue da veia
• Redução na >12 mmoVml umbilical para ou Ira seringa. As seringas devem ser previameme
Hlpoxemia fetal
concentração Possibilidade de heparinizadas, e deve-se assegurar que o sangue se misiUre com
de 0 2 tecidual lesão em órgãos
• Reduçllo da a heparina
importantes
concentração Tampar as seringas. idenlilicá-las com o nome da parturienle.
de o,
no rolá-las en1re os dedos para mislurar com a heparina e
sangue arterial encaminhá-las imediatamente para o laboratório de análise
Figura 81.1 Sequênc1a de eventos metabólicos em feto com pnva- Realizar a gasome1na em menos de 30 minulos
ção persistente de ox1gênio. Avaliar a adequação da coleta comparando o resultadO de duas
amostras: o vaiOC' do pH arterial é sempre inferior ao da vel8 Se
a diferença de pH for <0.02 e a de pCO, for < 5mmHg. trata-se
provavelmente de sangue coletado do mesmo vaso ou de sangue
O supnmento de oxigênio às células fetaiS depende de di- misrurado da arléna e da vel8. Mesmo nesses casos. se pH < 7
versos fatores: capacidade materna de transportar oxigênio pode-se conclw que se trata de acidose metabólica. No caso de
até a placenta, capacidade placentária de realizar trocas ga- pH > 7 nao é posslvel excluir a ocorrência de acidose melabóhca
sosas, capacidade de o cordão umbilical conectar adequada- Registrar o resullado dO exame no pronruário médico
mente a circulação fetal à placentária e capacidade fetal de
transportar o oxigênio e utilizá-lo em seus tecidos. Assim, LO-
das as situações ou fatores capazes de interferir ou d ificulta r cordão umbilical logo após o nasci mento. O sangue da artéria
esse processo são potencialmente capazes de ocasionar a hi- umbilical é o que melhor reflete a acidose fetal, mas é impor-
poxia fetal. O Quadro 81.1 apresenta as condições maternas tante também ser coletado da veia umbilical para assegurar
e fetai.s mais comumente associadas à hipoxia fetal intrapano. a qualidade da amostra. A presença de um pH <7 e o défictt
Algum grau de hipoxemia ocorre na maiona dos fetos du- de base> 12mmoVL no sangue do cordão umbilical traduzem
rante o trabalho de pano. O feto a termo saudável se encontra uma acidose metabólica, a qual significa que ocorreu htpoxia
apto a suportar estados de hipoxemta mtermnente causados fetal importante nos mmutos que antecederam o nasctmento.
pelas contrações, desde que não excesstvas em mtensidade, Recomenda-se a coleta de sangue do cordão umbthcal para
duração ou frequência. gasometria em todos os fetos em que tenha ocorrido mter-
venção obstétnca por suspeita de hipoxia fetal e sempre que
DIAGNÓSTICO DE HIPDXIA FETAL houver um fndice de Apgar baixo. O Quadro 81.2 descreve
A concentração de oxigênio tecidual não pode ser quantifi- os cuidados a observar durante a coleta para gasometria de
cada na prática clinica, uma vez que o d iagnóstico de hipoxia sangue de co rdão umbilical.
só é possfve l por meio da documentação da acidose metabóli- O índice de Apgar reflete as funções pulmonares, cardio-
ca no sangue do cordão umbilical coletado ao nascimento ou vasculares e neurológicas do recém-nascido. Os fetos bem
na circulação neonatal nos primeiros minutos de vida. oxigenados apresentam quase sempre um fndice de Apgar
Assim, para documentar a ocorrência de htpoXlll fetal in- normal, enquanto os submetidos à hipoxia tendem a apre-
trapano é necessário efetuar uma gasometria de sangue de sentá-lo reduzido no primeiro e quinto minutos. Contudo,
esse indtce pode ser afetado por ,·ários fatores não htpóxi-
cos, como prematundade, infecções, anomahas congennas,
Quadro 81 .1 Pnncipais mecanismos de hipoxia fetal 1ntraparto
medicações admtrtiStradas à gestante, aspiração mecomal e
Hipoxemia materna intervenções neonatais, entre outros. Assim, cabe ressaltar
Anemia materna que nem todos os casos em que esse fnd ice está reduztdo se
Hipotensâo materna (epidural)
Compartimento Parada cardiorrespiratória materna
relacionam com evento hipóxico intraparto e que situações
matemo Grávida em de<:úbito dorsal condicionando menos marcadas de hipoxia fetal intrapano podem cursar
compressão aorta-cava pelo útero com índice de Apgar normal. O primeiro minuto continua
Atividade uterina excessiva (hipertonia,
taquissistolia)
a ser importante elemento clinico para a decisão quanto ao
inicio da reanimação, enquanto o obtido no quinto minuto
Insuficiência placentária crOnica (pré-eclampsia.
Compartimento diabetes. restriçao de ccesc1mento fetal)
está mais frequentemente associado a sequelas neurológicas
placent6rlo Descolamento prematuro da placenta a cu no e longo prazos, mas nenhum dos dois é especifico da
Ruptura uterina hipoxia fetal mtrapano, o que Je,·a à necessidade de conjugá
Prolapso do COC'dao umbilical -los à gasometria do sangue umbilical.
Laterocidência do COC'dêO umbthcal
Nó apertado do COC'dêO umbthcal
Compartimento
Circular cervical aperlada
Encefalopatia hipóxico-isquêmica
Intrauterlno
Ruptura de vass prévia A encefalopatia neonatal é definida como uma sfndrome
Hemorragia feto-malerna neurológica que surge nas primeiras 48 horas de vida em um
Anemia fetal
recém-nascido com idade gestational >35 semanas e que se
/.

'
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') 688 Seção 11 Obstetrícia

manifesta clinicamente por h ipotonia, d ificuldades de sucção, MO NITORIZAÇÃO FETALINTRAPARTO


convulsões ou alterações do nível de consciência, associadas O principal objetivo da monitorização fetal intraparto é
frequentemente a d isfunções respiratórias e de outros siste- identificar sinais precoces de hipoxia fetal e inte rvir o mais
mas. Essa ence[alopatia apresenta etiologia diversa e, quando rápido possível para prevenir o aparecimento de situações as-
ocorre associada à acidose metabólica, é denominada ence- sociadas a lesões neurológicas e morte perinatal. Por outro
falopatia hipóxico-isquêmica. Ressalta-se que apenas lO% a lado, pretende simultaneamente evitar a intervenção obstétri-
15% dos casos de encefalopatia neonatal estão relacionados ca desnecessária, a qual está associada a maior morbimortali-
com hipoxia fetal intraparto e que apenas cerca de 13% dos dade materna e do recém-nascido.
fetos com diagnóstico dessa encefalopatia desenvolverão pa-
ralisia cerebral. Ausculta intermitente
Paralisia cerebral A ausculta da frequência card iofetal (FCF) com o estetOs-
cópio de Pinard ou com o Doppler portátil é o método mais
A paralisia cerebral se refere a uma cond ição neuroló-
simples, barato e acessível para monitorização do feto duran-
gica pe rsistente e não progressiva caracterizada por déficit
te o trabalho de pano, sendo o mais uLilizado nos países com
motor (mau controle muscular, espasticidade e paralisias),
frequentemente associado a disfunções sensoriais, epilepsia poucos recursos.
e déficit cogn itivo. Trata-se de uma cond ição heterogênea, O Min istério da Saúde d ivulgou recomendações para a
multifatorial, que pode ter origem no período ante pano, in- ausculta intermitente durante o trabalho de pano. A Fe-
Lrapano ou neonatal. Acredita-se que cerca de 10% a 20% deração Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO)
das situações de paralisia ce reb ral sejam causadas po r hi- também publicou recentemente recomendações com essa
poxia fetal intraparto. Os outros fatores que causam lesão finalidade. No Quadro 8 1.4 são comparados os dois docu-
neurológica estão associados a cond ições prévias ao nasci- mentos, sendo possível obse rvar que a mon iLorização reco-
mento, como malformações congênitas, doenças genéticas, mendada pela FIGO é a mais exigente. Convém destacar que
prematuridade, infecções congênitas e crescimento intrau- os intervalos entre as auscultas fetais se baseiam em reco-
terino restrito. mendações de especialistas e que não há estudos que com-
Existem critérios d iagnósticos internacionais bem defi- parem a eficácia dos diferentes protocolos de ausculta fetal
nidos para se considerar um quadro de paralisia cerebral inte rmitente.
como secundário a um evento de hipoxia fetal intrapano A FIGO recomenda ainda critérios mínimos para a aus-
(Quadro 81.3). culta inte rmitente como método de vigilância fetal intraparto

Quadro 81.3 Critérios diagnósticos para se considerar evento hipóxico Quadro 81.4 Protocolo de ausculta intermitente segundo as
intraparto como potencial causa de paralisia cerebral recomendações da FIGO e do Ministério da Saúde- Brasil (MS·BR)

Critérios essenciais (todos os quatro critérios devem estar Ausculta Recomendação


presentes) Intermitente•
1. Evidência de acidose fetal intraparto em amostras do
sangue arterial do cordão (pH <7 e déficit de base :?:12mmoi/L) FIGO:
2. Inicio precoce (dentro das primeiras 24 horas) de encefalopatia a) ;;, 60 segundos
neonatal moderada ou grave em recém-nascidos com idade b) por três contrações. nos casos de
gestacional :?:34 semanas anormalidade no FCF
3. Paralisia cerebral do tipo espástica quadriplégica ou tipo c) Monitorizar com CTG se disponivel nas
Duração anomalias da FCF
discinésica
4. Exclusão de outras etiologias identificáveis de paralisia M5-BR:
cerebral• a) :?:60 segundos
b) Monitorizar com CTG nos casos de
Critérios não essenciais (que em conjunto sugerem o momento
anormalidade no FCF·•
lntraparto como causa da paralisia cerebral, mas não são
especillcos para um dano asfixiante) FIGO: durante a contração e por mais
1. Evento sentinela intraparto.. 30 segundos pelo menos após seu término
2. Bradicardia fetal persistente a partir da OC()(rência do evento Momento
M5-BR: imediatamente após uma contração por
3. Apgar ao quinto minuto <4 pelo menos 60 segundos
4. Sinais de falência múltipla de órgãos no neonato nas primeiras
72 horas após o nascimento Periodicidade FIGO: a cada 15 minutos
5. Neuroimagem com sinais de edema e hemorragia intracraniana (período de
nos primeiros 5 dias de vida dilatação) M5-BR: a cada 30 minutos

·Exemplos de causas de paralisia cerebral não relacionadas com hipoxia: pre. Periodicidade FIGO: a cada 5 minutos
maturidade. malformação fetal. distúrbios de coagulaçao fetal. trauma. infecçOes (período
congênitas. distúrbios genéticos (p. ex .. erros inatos do metabolismo). restrição expufsivo) M5-BR: a cada 5 minutos
do crescimento intrauterino, coagulopatias maternas, gestaçOes múhiplas. nemor.
ragia anteparto, apresentaçâo pétvica e anOf'maJidades cromossômicas ou con. ·oevem ser registrados no prontuário ou partograma: a linha de base da
gênitas. frequência cardíaca fetal e a presença ou ausência das acelerações e
..Exemplos de eventos sentinelas de hipoxia fetal intrapano: prolapso de COf'dão desacelerações.
umbilical, acidentes funiculares graves, distocia de ombro, hemorragia antepano, .. 0 MS·BR nào especifica como proceder quando a ausculta fetal se
ruptura uterina, embolia amniótica e parada cardiorrespiratória da gestante. encontra an()(mal e não há CTG.
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Capítulo 81 Hipoxia Fetal lntraparto 689

Quadro 81.5 Condições mínimas para a utilização da ausculta Cardiotocografia contínua


intermitente na monitorização fetal intraparto em locais com
disponibilidade de cardiotocografia (FIGO 2015) A CTG consiste na captação e no registro contínuo dos ba-
limemos card íacos fetais, podendo ser realizada com sensores
Condi ções anteparto Condições lntraparto externos ou imernos. Os sensores externos são os mais utili-
Ausência de morbidade materna Ausência de excesso de zados, por serem menos invasivos e reutilizáveis. Consistem
importante conttaçOes em um wcodinamõmetro colocado no fundo uterino para
Ausência de diabetes ou Ausência de induçãO/aceleração
distúrbios hipartensivos Ausência de analgesia epidural avaliação das comrações ute rinas e em uma sonda Dopple r
Ausência de sangramentos Ausência de sangramento direcionada para o coração fetal.
obstétricos vaginal A FIGO reviu recentemente sua classificação dos traçados
Crescimento fetal adequado, Ausência de líquido meconial
liquido amniótico normal. Ausência de febre intraparto
card iowcográficos (Quadro 81.6 e Figura 81.2)
Doppler fetal n()(maf Trabalho de parto < 12 horas Existe alguma variação intra e inte robse rvado r na inter-
CTG anteparto normal Período expulsivo < 1 hora pretação da CTG, principalmente na identificação dos d ife-
Ausência de cicatriz uterina FCF normal rentes tipos de desaceleração e na avaliação da variabilidade.
prévia
Movimentos fetais normais Na tentativa de eliminar essa variação imerobse rvador foram
Bolsa rota <24 horas desenvolvidos programas computacionais que realizam aná-
Gestação de termo e cefálica lises automáticas dos traçados e emitem alertas em situações
consideradas de risco de hipoxia fetal. Atualmente, cinco sis-
temas de análise computadorizada da CTG se encomram dis-
em locais onde a cardiowcografia (CTG) está disponível, e poníveis no mercado mundial. Em Belo Horizonte, o Hospital
esses critérios representam as características de uma partu- das Clínicas da UFMG já dispõe de um desses sistemas, o
riente de baixo risco (Quadro 8 1.5). Nas gestações de risco, Omniview-SisPonoe . Trata-se de urna tecnologia promissora,
a CTG deve ser o métOdo de escolha para monitOrização fetal mas ainda são necessários mais estudos para definição de sua
durante o trabalho de parto, quando d isponível. superioridade em predizer eventos hipóxicos em comparação
Um sinal clínico considerado de risco para a ocorrência com a análise visual da CTG.
de hipoxia fetal imraparto consiste na presença de mecõnio A CTG tem alta sensibilidade (os traçados normais tradu-
no líquido amniótico, achado esse que se associa a maior in- zem sempre boa oxigenação fetal naquele momento), mas bai-
cidência de hipoxia fetal e baixo índice de Apgar e, portan- xa especificidade (os traçados anormais nem sempre implicam
tO, quando presente, é indicativo de monitorização fetal com o feto mal oxigenado). Cerca de 30% dos fetos vão exibir, em
CTG. Sabe-se, no entanto, que a eliminação de mecõnio antes algum momemo do pano, urna CTG suspeita ou patOlógica.
do nascimento pode também acontecer de maneira fisiológi- Essa limitação quanto à especificidade explica a necessidade
ca, p rincipalmente em gestações no termo ou pós-termo , o de se utilizarem técnicas adjuvantes para determinar com mais
que explica sua baixa especificidade. precisão a oxigenação fetal.

Quadro 81.6 Critérios de classificação da CTG . interpretação e recomendações clinicas de acordo com as normas da FIGO, 20 15

Normal Suspeito Patológico

Li nha de base 110 a 160bpm <100bpm

Variabilidade reduzida durante >50 minutos


Variabilidade 5a 25bpm Variabilidade aumentada durante >30 minutos
Ausência de paio menos uma das
Padrão sinusoidal durante >30 minutos
características de normalidade, mas
sem critérios patológicos Desacelerações repetitivas· (tardias ou
prolongadas) por >30 minutos ou por
Desacelerações Não repetitivas·
>20 minutos se variabilidade reduzida
Desaceleração prolongada >5 minutos

Feto sem Feto com baixa probabilidade de hipoxia/ Feto com alta probabilidade de
Interpretação
hipoxiatacidose acidose hipoxiatacidose

Identificar rapidamente e corrigir causas


reversíveis (se existirem), ou uso de métodos
Identificar e corrigir causas reversfveis
adjuvantes". Em caso de causa irreversível,
de hipoxia (se existirem). estreitar
Conduta clínica Manter a monitorizaçll.o se não houver indicação de uso de métodos
vigilância. ou uso de métodos
adjuvantes ou em caso de falha da correção
adjuvantes..
das causas reversíveis, o parto deve ser
imediato

·oesaceleraçOes sâo repetitivas quando associadas a >50% das contraçoes.


A presença de acelerações sugere 001 feto bem oxigenado, mas sua ausência oo intraparto tem signifteado iodeterminado.
Taquicardia: linha de base> 160bpm pOl mais de 10 minutos.
Bradicardia: linha de base < 110bpm por mais de 10 minutos.
••r.Aétodos adjuvantes sào ECG fetal, estimulação fetal e coleta de sangue fetal (para pH e lactato).
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') 690 Seção 11 Obstetrícia

Cardiotocografia Cardiotocografia suspeita Cardiotocografia patológica


normal (desacelerações repetitivas) (padrão sinusoidal)
I 710 110

I '\V

90
I -·-
11
r30
rr
t 12, 30,
11

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I
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I 50
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..so
t
Figura 81.2 Classificação do traçado cardiotocográfico de acordo com as normas da FIGO, 2015.

Estudos realizados nas décadas de 1970 e 1980 eviden- Coleta de sangue fetal
ciam que a CTG, quando comparada com a ausculta inter- O objetivo da coleta de sangue fetal é confi rmar a presença
mitente, reduz o risco de convulsões neonatais, mas aumenta de acidose nos casos em que a CTG é suspeita ou patológica.
as taxaS de cesariana e de parto instrumental. O tamanho da Ao se utilizar um amnioscópio colocado por via vaginal , efe-
amostra não é suficiente para dete rminar se reduz ou não o tua-se micropunção do cou ro cabeludo do feto para obtenção
risco de paralisia cerebral e de mortalidade pe rinatal. No en- de pequena amostra recolhida em um tubo capilar, na qual é
tanto, esses estudos fo ram realizados em um momento em dete rminado o pH ou a concentração do lactato. O Quadro
que os apa relhos e o conhecimento sobre CTG eram muitO 81.7 apresenta os valores de referência mais utilizados e a
diferentes dos atuais. respectiva conduta obstétrica recomendada.
Tanto a avaliação do pH como a do lactato podem ser uti-
Eletrocardiograma (ECG) fetal lizadas, mas a última apresenta menor taxa de falha, já que
Diversos estudos têm demonstrado que a hipoxia fetal in- exige menor quantidade de sangue. A coleta de sangue fetal é
te rfere no ECG fetal, determinando aumento da amplitude da mais utilizada em alguns países da Europa Central e do Norte,
onda Te infradesnivelamento do segmento ST. e alguns estudos sugerem que sua utilização reduz os partos
Assim, foi proposto o uso complementar da análise do seg- distócicos quando comparada com a CTG isolada.
mento ST à CTG intraparto para identificação da h ipoxia fetal
como maneira de reduzir os falso-positivos da CTG, que po-
dem acarretar uma intervenção obstétrica desnecessá ria. CONDUTA CLÍNICA PERANTE A SUSPEITA
Os seis ensaios randomizados que avaliaram essa técnica DE HIPOXIA FETAL
demonstram que o uso combinado de CTG+ST reduz a ne- A hipoxia fetal intraparto se manifesta geralmente median-
cessidade de coletas do sangue fetal , a taxa de partos d istóci- te o aparecimento de desacele ração prolongada (>3 minutOs)
cos e a incidência de acidose metabólica, quando comparado ou de desacele rações tardias (com descida lenta e/ou subida
com o uso isolado da CTG. lenta e/ou baixa variabilidade) de caráter repetitivo. A pri-

Quadro 81.7 Condutas obstélticas de acordo com o resultado da coleta de sangue fetal (FIGO, 2015)

Resultado pH Lactat o• (mmot/L) Conduta obstétrica


Geralmente sem necessidade de atuação. Se CTG persistir anormal, repetir após
Normal >7.25 <4,2
60 minutos
Medidas para melhorar a oxigenação fetal. Se padrão CTG persistir ou se agravar,
Intermediário 7,20 a 7,25 4,2 a 4.8
repetir em 20 a 30 minutos
Anormal <7.20 >4.8 Ação para rápida normatização do padrão CTG ou parto imediato
·Para avaJiaçao dos valores do lactato é necessário levar em conta o aparelho usado.
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Capitulo 81 Hipoxia Fetal lntraparto 691

metra traduz uma hipoxia de instalação aguda, enquanto a • A ma1oria das causas de hipoxia fetal intrapano é re\'ersf-
segunda demonsua uma hipoxia subaguda e recorrente que vel, sendo decorrentes de excesso de ati,·idade utenna, de-
provavelmente é agravada com as contrações utennas. cúbito dorsal materno e hipotensão mateiTI3 súbna. Entre
Perante a suspeita de uma hipoxia aguda, a primeira ati- as causas irreversfveis estão prolapso do cordão umbihcal,
tude é tentar determinar se a causa é reversfvel (excesso de descolamento prematuro da placenta e ruptura uterina.
contrações ute rinas, hipotensão materna súbita ou decúbito • A encefalopatia neonatal, um diagnóstico clínico que se
dorsal materno) ou irreverslvel (pro lapso elo cordão, descola- manifesta nas primeiras 48 horas de viela por hipoton ia,
mento maior da placenta, ruptura uterina). dificuldades ele sucção, convulsões e/ou alterações do nível
Devem ser avaliados o padrão de contrações do CTG e/ou de consciência, apresenta etiologia diversa, sendo denomi-
a tensão no fundo uterino, assim como deve ser realizado exa- nada encefalopaua hipóxico-isquêmica quando é conco-
me vaginal para excluir prolapso do cordão, a'-aliar se existe mitantemente documentada uma acidose metabóhca.
hemorragia vaginal e determinar se hã cond1çôes para um par- • A paralisia cerebral é uma condição neurológica que se
to Instrumentado. Por fim, avaliam-se os sinaiS \1taiS matemos. mamfesta entre o pnme1ro e o quarto ano de \'Ida e se
D1ante do d1agnóstico de taquissistoha (excesso de comra- caractenza por déficll motor frequentememe assoc~ado a
ções utennas), devem ser suspensos os fárrnacos uterotõnicos epilepsia e déficit cognitivo. Apesar de ser a cond1ção neu-
em curso (ocitocina e prostaglandinas) e, se não for o sufi- rológica mais associada à hipoxia fetal intraparto, apenas
Ciente, iniciada tocólise aguda (com salbutamol endovenoso 10% a 20% das situações de paralisia cerebral têm origem
ou terbutalina subcutânea). no trabalho de parto.
Em caso de diagnóstico de compressão vcnocava em vi r- • Os objetivos da monitorização fetal imrapano são identifi-
tude do decúbito dorsal materno, a única atitude necessária car sinais precoces de hipoxia fetal, possibilitando uma ação
é a mudança da posição materna (decúbito lateral, posição que evite lesões neurológicas e mone perinatal, e ao mesmo
sentada ou de pé). tempo evitar a intervenção obstétrica desnecessãria, associa-
Ante o diagnóstico de hipotensão materna súbita deve-se da a maior morbimonalidade mateiTI3 e do recém-nasc1do.
imc1ar/aumentar a perfusão de soros e, se não for o bastante, • A ausculta mtermitente da FCF com o estetoscópio de Pi-
adnumstrar efedrina em bolus endo,·enoso de 3 a Smg, até a nard ou com o Doppler portátil é o método ma1s s1mples,
dose mronma de lOmg. Na suspeita de causa 1rreversh•el e/ou barato e acessfvel de monitorização do feto durante o tra-
ausencia de recuperação emre os 7 e os 8 mmutos de desace- balho de pano, sendo o mais utilizado nos pa!ses com me-
leração de\'e-se fazer a opção por um parto 1mediato, que po- nos recursos.
derá ser Instrumentado ou cesariana, confom1e as condições • Nos hosp1tais com condições de proceder à momtorização
tocológicas locais. com CTG, a ausculta inte rmitente deve ser realizada ape-
Em se tratando de hipoxia subaguda, o excesso de ati- nas em parturientes de baixo risco.
vidade uterina e/ou a compressão elo cordão umbilical são • A análise da CTG exige tre inamento contrnuo de todos os
hipóteses cliagnósticas prováveis. Mesmo nessas situações, o profissionais de saúde, e seus traçados devem ser classifi-
intervalo entre as contrações pode ser suficiente para assegu- cados em três categorias - normal, suspeito e patológico
rar a recuperação da oxigenação, mantendo-se a progressão - de acordo com as mais recentes normas da FIGO.
da dilatação cervical. De,·em ser suspensos os medicamentos • O ECG fetal e a coleta de sangue fetal do couro cabeludo
uterotómcos em curso (ocitocina e prostaglandmas) e a\-alia- estão md1cados em situações não agudas em que a CTG é
da a necessidade de reduzir a frequêncl3 e a 1ntens1dade das suspeita ou patológ1ca, não se identificando causa reversí-
contrações com tocolíticos (salbutamol endovenoso ou ter- vel para a h1pox1a fetal.
butalina subcutânea), além de soliCilar à grávida que mude • Diante da suspeita de hipoxia fetal intrapano, a equ1pe
de posição (na tentativa de encontrar uma posição em que deve estar preparada para identificar a causa, adotar medi-
ocorra menor compressão do cordão) e, caso ela se encontre das de correção nos quadros reversíveis (suspender fárma-
no perfodo expulsivo, solicitar que suspenda temporariame n- cos uterotõnicos, real izar tocólise aguda, mudar a posição
te os esforços expulsivos ou puxar em contrações alternadas. materna, corrigir hipotensão materna) e, nas situações ir-
Essas medidas pode rão melhorar o padrão CTG, mantendo-se reversíveis ou que não reve rtam rapidamente com as medi-
vigilância estreita até haver condições tocológicas para um das anteriores, realizar pano instrumentado ou cesariana.
pano vaginal seguro.
Leitura complementar
ACOG Comr111ttee Optn1011 326. Committee on Obstetríc PracliCe.
MENSAGENS-CHAVE AmeriCan College of Obstetncians and Gynecotogosts. lnapprcr
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de gasometna de sangue do cordão umb11ical ou coletado Gonecol 2005: 106(6): 1469-70.
ACOG. Amencan College of Obstetricians and Gynecologists and
nos pnmeiros minutos de "ida (circulação neonatal). lm- Amencan Academy of Pediatncs. Executiva summary: neonatal en-
phca a documemação na gasometna de acidose metabólica cephalopathy and neurologic outcome, second edibon. Report of lhe
(pH arterial <7, déficit de bicarbonato IDBI >12mmolfl ou Amencan College oi Obstetricians and GynecologtslS' Task Force on
lactato >lOmmolfl). Neonalal Encephalopathy. Obstei Ginecol 2014; 123(4 ).896·90 1.
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CAPÍTULO

Cirurgias Obstétricas
Carlos Henrique Mascarenhas Silva
Carolina Antunes Dias
Anna Dias Salvador

INTRODUÇÃO O abono inevitável corresponde a um quadro em que


Os procedtmeruos cilúrgicos realizados no ciclo gravldico- ocorre sangramento vaginal acompanhado de dor pélvica
·puerperal constituem grande desafio à prática cllmca, uma vez e, ao exame frstco, é obsercado colo uterino dilatado, e al-
que sua execução adequada representa o dtferenetal no bom gumas vezes se percebe o produto da concepção no canal
resultado alcançado a fim de se preservar o bem-estar fetal e cenrical, o qual pode evoluir com a expulsão de todo o ma-
matemo. Para LSSO, sào necessários a atenção muludtSCtplínar e terial, constttumdo o abono completo, ou com a expulsão
o conhectmemo de todos os aspectos do atendimento pré-natal parcial do material da cavidade uterina, o aborto incomple-
dessas gestantes. As alterações fisiológicas que ocorrem durante to. Nos quadros de abono incompleto, a paciente permane-
a gestaçào sào eventos desafiadores e complicadores naturais, ce com sangramento, podendo o colo uterino permanecer
exigindo ainda mais o cuidado do obstetra ao executar proce- d ilatado.
di mentos cirúrgicos de modo a evitar intervenções inadequadas O aborto retido é d iagnosticado com o achado ultrasso-
que aumentem a morbimortalidade do binOmio mãe-feto. nográfico de uma gravidez anembrionada ou de morte fetal.
Esses procedimentos incluem o tratamento cirúrgico do Muitas vezes, a paciente estará assintomática.
abono e as técnicas de cerclage para evitar a prernaturídade, Os abortos incompleto e retido geralmente sào tratados
além do pano vaginal instrumentado, a cesanana e os proce- mediante a evacuação completa do material contido na ca-
dimentos para controle da hemorragia puerperal. '~dade por meto de asptração a vácuo, curetagem uterina ou
aspiração manual mtrauterína (AMIU). A técnica escolhtda
ABORTAMENTO -TÉCNICAS CIRÚRGICAS dependerá do volume uterino e da experiência do obstetra.
O abono é definido como o término de uma gestação ames Exames como grupo sangulneo e fator Rh devem ser soli-
de 20 semanas ou o nascimento de um feto pesando <500g. citados para todas as pacientes com aplicaçào de imunoglo-
Os princtpais sinais cl!nicos de abonamento silo sangramemo bulina anti-Rh nos casos de mães Rh-negalivas e hemogra-
vaginal acompanhado de dor abdominal em cólica. O abor- ma completo caso não haja avaliação recente ou em casos de
to pode ser classificado como completo ou incompleto, de- sangramento volumoso. Não há evidê ncia quanto ao uso de
pendendo da presença de restOs ovulares relidos na cavidade antibiótico profilálico ames do proced imemo.
uterina. Nos abortamentos com feto de idade gestacional acima de
Estima-se que 10% a 15% das gestações evoluam para o 12 semanas é indíspensàvel sua eliminação antes do esvazia-
abono. A causa geralmente é desconhecida, mas se acredita mento cirúrgico do útero, uma vez que as pequenas estru-
que a maior pane dos abonos que ocorrem no pnmeiro tri- turas ósseas fetats podem levar à perfuração utenna ou ficar
mestre se deva a anomalias cromoSSOmtcas. incrustadas no mtométrio.
Com base nos sintomas apresentados e nos sinaLS obtidos :-Jos casos em que o colo uterino se encontra fechado, re-
no exame flstco será feita a classificação do aborto. Quando comenda-se a dilataçào cen<ical para tomar o procedtmento
ocorre sangramento vaginal e o colo uterino se encontra fe- mais seguro e fácil de ser executado. Essa dilatação pode ser
chado, apresenta-se um quadro de ameaça de aborto. OULras medicamentosa ou mecânica, sendo a medicamentosa, reali-
expressões utilizadas são abono inevitável, aborto incompleto zada com misoprostol na dose de 400mg, colocado no fundo
e aborto retido. de saco vaginal 3 a 4 horas ames do esvaziamento uterino, o

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J 694 Seção 11 Obstetrícia

método mais utilizado. Com essa opção se obtém alteração Curetagem uterina
cervical sigmlicati\'3 (d1latação e amolecimento) para aborda- Após o toque bimanual para determinação do tamanho e
gem segura da cav1dade utenna, com menos risco de trauma- da orientação uterina, são realizadas a anussepsia padrão e
tismo cen'lcal. a colocação de campos estéreiS. A exposição vagmal é feita
Para a dilatação mecâmca pode ser usada a laminária, um com um espéculo, e o lãb1o antenor do colo é pmçado com
dilatador osmóuco que reura lfqu1do dos tecidos adjacentes, a pinça de Pozzi. Opcionalmente, é posslvel pmçar o láb1o
dilatando o colo utenno progressivamente, devendo ser inse- posterior para o útero em retroversâo. Reahza-se a histero-
rida de 12 a 18 horas antes do proced1mento. A d1latação cer- metria e, em seguida, uuhza-se a cureta cortante para imciar
vical também pode ser realizada com os dilatadores rigidos, o esvaziamento cen·1cal. Deve ser escolh1da a maior cureta
as velas de Pratt (Figura 82.1) ou Denniston, aumentando-se disponh·el compatlvel com a transposição do onffc10 endo-
gradativamente o número das velas até aungir a dilatação de- cervical, a qual é insenda genulmente e sem força, segurada
sejada, mas com o cu1dado de não ultrapassar a de número 8 pelos dedos indicador e polegar, em direção ao fundo uterino
para não ocas1onar lesão cerv1cal. e depois tracionada, fazendo pressão contra a parede uterina
A anestesia pode ser por sedação endovenosa ou bloqueio até o nlvel do oriflcio interno do canal endocervical.
paracervical. A raquianestesia e a anestesia peridural devem Esse movimento deve ser repetido circulannente no sen-
ser reservadas para os casos em que será grande a manipula- tido horário ou anti-horário, de modo a garantir que toda a
ção uterina. cavidade uterina seja abordada. Quando não mais se observa
a saída de mate rial da cavidade uterina, deve-se interromper a
manobra. Os sinais de esvaziamento completo da cavidade
incluem a sensação de aspereza à passagem da cureta e a di-
minuição d o sangramemo.
Antes da introdução da cu reta, pode-se optar pela introdu-
ção da pinça de Winter reta, objetivando tracionar o material
trofoblástico comido na cavidade.

Aspiração a vácuo
Utiliza-se urna cânula de aspiração elétrica acoplada ao vá-
cuo-aspirador (Figura 82.2). A cânula é introduzida através
do canal cen<ical até o fundo utenno e posteriormente tracio-
nada até o nlvel do orif[Cto mtemo. O movimento é repeudo
em toda a cavidade utenna.

AMIU
Figura 82.1 Os dilatadores de Pran promovem dtlatação gradual e
menos traumállca. (Reproduztda de Baggtsh MS. Atlas oi pelvic ana· Semelhante à aspU'3ção a vácuo, o AMIU é mais uulizado
tomy and gynecologic surgery. Elsevl8t', 2016:95-107.) em abonos diagnosucados com até 12 semanas de 1dade ges-

Sucção

Figura 82.2 Curetagem a vácuo. A cânula é introduzida até que se santa a resistência oferecida pelo fundo utenno. (Reproduztda de Bag91sh
MS. Atlas of pelvoc anatomy and gynecologtc surgery. Elsevier, 2016:205-12.)
r
((

Capitulo 82 Cirurgias Obstétricas 695

A técntca de Shtrodkar (suturas laterais e nós amenor e


postenor à cérvice) e a de McDonald (sutura em bolsa) são
executadas na altura do istmo uterino.

Técnica de Shi rodkar


l. Incisão transversal é realizada na mucosa que recobre o
colo anteriormente, e a bexiga é rebatida superiormente.
2. Introduz-se fita de Smm sobre a pinça de Mayo.
3. Procede-se à inserção da fita de trás para a freme no lado
oposto do colo, a qual é amarrada firmemente à frente,
depots de se assegurar de que toda a folga fot ehmínada.
4. Fecha-se a mucosa cervical com pomos conUnuos de fio
absorvivel, sepultando o nó da fita.

Técnica de McDonald (Figura 82.4)


l. Aplicação de sutura com fio monofilamentado número 2 no
corpo do colo uterino na altura do oriflcio interno do colo.
Figura 82.3 Seringa para AMIU- técnica para produçao do vácuo
a ser utilizado para aspiração. (Reproduzida de Tuggy ML. Uterine
aspiration [Family Medicina]. Elsevier. 2011.)

tacional. As principais indicações são os casos de suspeita de


infecção ou doença trofobláslica gestaoonal em razão do maior
nsco de perfuração uterina. Para o procedtmento são utiliza-
das uma seringa de 60ml e uma cânula acoplada, após pinça-
menta do colo, à semelhança dos procedtmentos de curetagem
(Ftgura 82.3). Após a introdução da cânula, cria-se um vácuo
na sennga que exercerá sucção a uma pressão de 60mmHg.
A cânula é tracionada até o oríficio mtemo do colo uterino,
repetindo-se esse movimento de maneira ctrcular até que tOda
a cavidade uterina seja abordada.
Cabe ressaltar que o material obtido deverá ser enviado para
estud o anatomopaLOlógico a fim de se afastar a possibilidade
de doença t rofoblástica gestacíonal. Além disso, para os casos
especificas e previamente discutidos com o casal, pane do
material fetoplacentário deve ser separada para o cariólipo
fetal com a finalidade de estudar as patologias cromossômicas
como causa da perda gestacional.
A probabthdade de haver compLicações aumenta com a
tdade gestactonal em que é realizado o procedtmento. Com-
phcações possh·eis incluem perfuração utenna, laceração cer-
vical, hemorragia, persistência de restos 0\oulares e infecções.

CERCLAGE UTERINA
Ci rurgia realizada sobre o colo uterino para mantê-lo fe-
chado ao longo da gestação por meio de suturas, a cerclage
uterina foi inicialmente descrita em meados de 1950 como
procedimento a ser realizado nas mulheres com o d iagnóstico
de msufidtncia cervical, definida como históna de dilatação
cervical mdolor e que está associada a perdas gestacionais de
segundo e tercetro trimestres, geralmente repeudas e sem ou-
tras causas tdentificáveis.
Várias técnicas foram descritas desde a sua criação, quase B
sempre como variações das duas princtpats técnicas mais co- Figura 82.4 Cerctage - técntca de McDonald. (Reproduzida de Lud-
mumente utilizadas e consagradas pelos resultados, que são a mir J. Obstetrics: normal and problem pregnancies. Etsevier, 2017:
de Shirodkar e a de McDonald. 595-614.91 .)
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J 696 Seção 11 Obstetrícia

2. Continuação da aplicação da sutura no corpo cervical à quais a medida do colo uterino é <25mm antes da 24• se-
medida que CLrcunda o onfrcio. mana de gestação, a cerclage pode ser md1cada. Uma me-
3. A sutura é apenada em tomo do canal cer.~cal com for- tanálise com cinco ensaios mostrou redução de 30% na
ça suficiente para reduz1r o diâmetro do canal em até 5 a recorrência do pano pré-termo e de 36% na morblmona-
10mm. Em segUida, a sutura é amarrada. lidade perinatal no grupo submeudo à cerclage. Os auto-
4. Uma segunda sutura aphcada em local um pouco mais alto res esúmam ainda que a monahdade possa ser evuada em
pode ser úttl quando a pnme1ra não foi aplicada bem pró- 6.500 recém-nasc1dos e que 23. 100 panos pré-termo po-
ximo ao onflcio mtemo. dem ser pre,·enidos com a adoção dessa técmca nos EUA.
• Indicação de cerclage após exame físico evidenciar en-
A técruca por '~ abdomtnal (suturas na altura da prega ve- curtamento cemcal: nesses casos, a cerclage é reahzada
sicouterina e na base dos ligamentos uterossacros) é reservada em caráter de emergência depois de ficar demonstrado no
para os casos em que há falha de outras técmcas ou quando a hi- exame especular ou de toque que o colo estã d1lat.ado, apa-
poplasia ceMcal é gra\'e. Vale ressaltar que Zaveri e cols. (2002), gado ou ambos. A decisão quanto à cerclage de emergencia
após revisão de 14 estudos, demonstraram que 3% das mulheres nesses casos, antes de 24 semanas de gestação, deve ser in-
submetidas à cerdage transabdom inaltiveram complicações ci- di~dualizada e levar em conta a idade gestacional e a via-
rúrgicas graves, enquanto não houve complicações nas mulheres bilidade fetal. Dado o risco potencial de ruptura prematura
do grupo submetido à cerclage realizada por ~a transvaginal. de membranas iatrogenica e subsequente parto prematuro,
a cerdage raramente é indicada em gestames com mais de
Complicações 24 semanas de idades gestacionais.
Os riscos e as complicações da cerclage cervical estão re-
lacionados com o momento do proced imento, se eletivo ou Contraindicações
emergencial. As complicações relatadas incluem sepse, ruptu- As contraindicações ao procedimento são trabalho de par-
ra prematura de membranas ovulares, trabalho de parto pre- to ativo, evidência cllnica de corioamnionite, sangramento
maturo, distocia e lacerações de colo uterino no momento do vaginal continuo, ruptura prematura de membranas ovulares,
pano (11% a 14%) e hemorragia. evidências de compromeümento fetal e morte fetal.
Três ensaios cllrucos randomizados mostraram que a cercla-
ge está associada a aumento das mtervenções médicas durante PARTO VAG INAL INSTRUMENTADO
a gestação, como uso de tocol!ucos, hospitalizações e pano por O pano vaginal instrumentado envolve a utihzação do
cesariana. Esses mesmos estudos evidenciaram o dobro do ris- fórceps ou vacuoextrator, que dão ao operador a possibtlida-
co de desenvoh'i.mento de febre no puerpéno, porém não foi de de aumentar as forças de propulsão ao longo do canal de
obser.'3do aumento nos casos de conoammomte. pano. Está indicado quando o feto não prognde no canal de
Cabe ressaltar amda que a cerclage cer.•1cal deve ser rea- pano ou quando o pano deve ser abreviado por condições
lizada somente após exclusão de mfecções mtrauterinas, ge- maternas ou fetais {Quadro 82.1).
nitais ou urinárias, anornahas congenitas que m\~abilizem a Com o vácuo são aphcadas forças de sucção e tração a par-
gestação, ruptura prematura das membranas, hemorragia ge- tir de uma área no couro cabeludo fetal. Em contato com os
nital ati,·a e polidn\mmo. ossos parietal e malares do feto, o fórceps aplica forças de
tração, bem como desloca lateralmente o tec1do matemo, fa-
Indicações cilitando a passagem ao nascimento.
As três principais ind icações da cerclage são: Esses métodos têm sido comparados em muitos estudos.
Em metanálise realizada por j ohanson e Menon foi demons-
• His tória indicativa de incompetência is tmocervical: em
trado que o vácuo tende a apresenwr mais falhas como ins-
pacientes com dois ou mais abortos espontâneos entre 16
tmmento de pano do que o fórceps. No entanto, o risco de
e 22 semanas de gestação ou com história de dois ou mais
lesão materna foi maior no grupo que utilizou fórceps, como
panos prematuros por dilatação ce rvical sem trabalho de lacerações graves e dor perineal nas primeiras 24 horas após o
pano, antes da 34• semana, e/ou pe rdas repetidas de se-
parto. As taxas de complicações neonatais foram semelhantes
gundo trimestre entre 14 e 24 semanas. Essas indicações com ambos os imrumentos. Cefalematomas e hemorragias reli-
estão presentes em três ensaios cl!nicos random izados que
compararam a cerclage com a não ce rclage em gestações
Quadro 82.1 lndicaçOes para parto vaginal inslrumenlado
com alto risco de parto pré-termo.
• Indicação de cerclage por meio da ultrasson ografia: o Fetai s: padrao letal nào tranquilizadO<

padrão-ouro para o diagnóstico ecográfico de incompetên- Matemos: condições méd•cas que contramd•cam a manobra de
Valsalva: doença cerebral vascular e doenças cardlacas
cia istmocer.'Ícal é a vta endovagínal. Os parâmetros usa-
Progressão fetal Inadequada
dos para o diagnóstico são compnmento do colo, diâmetro
Contrações uterinas Inadequadas
do oriflc10 mtemo, formato do canal cer.~cal e protrusão
Desproporção cetalopétvlca descartada
das membranas ammocona1s pela cér.•1ce. Nas gestantes
Exaustão materna
com htStóna de parto prematuro (de 16 a 3-l semanas) nas
:\.
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Capítulo 82 Cirurgias Obstétricas 697

nianas são mais comuns nos panos a vácuo, enquanto as lesões po rtante do uso de fórceps nos últimos tempos. No Reino
oculares exte rnas e a paralisia do nervo facial são mais frequen- Unido, as taxas de utilização do método variam de 10% a
temente observadas com o uso do fórceps. O vácuo apresenta, 15%, sendo de 14,8% no Canadá, 12% na Austrália e 4,5%
ainda, posicionamento mais fácil e preciso na cabeça fetal. nos EUA. Em países de baixa renda observam-se taxas ainda
menores, como <1% na África Subsaariana.
Fórceps Diferentes tipos foram desenvolvidos para situações d iver-
Apesa r de o fórceps ser um instrumento há muito tempo sas no momento do pano. Mais de 700 tipos se encontram
consolidado na rotina obstétrica, verifica-se diminuição im- disponíveis no me rcado (Figura 82.5), porém o mais comu-

TIPOS DE FÓRCEPS

Fórceps clássicos

Curvatura cefálica

Tucker-Mclane
Tucl<er-Mclane

Simpson

Elliot
. -'

Elliot

Fórceps de rotação

Articulação
Articulação Sem curvatura pélvica

Kielland
c Kielland

Fórceps para parto pélvico

Piper

Piper

Figura 82.5 Tipos de fórceps. (Reproduzida de Nielsen PE. Obstetrics: normal and problem pregnancies. Elsevier, 2017:289-307.)
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') 698 Seção 11 Obstetrícia

mente utilizado é o fórceps de Simpson, que pode ser apli- • Aprese ntação fietida.
cado quando o couro cabeludo do feto é visível no imroitO • Dilatação cervical total.
vaginal ( fórceps de alívio). • Posição da cabeça fetal identificada.
O American College of Obstetricians and GynecologisLS • Desproporção cefalopélvica descartada.
(ACOG) divide os panos instrumentados em três categorias: • Coagulopalia ou distúrbio da desmineralização óssea fetal
fórceps de alívio, baixo e médio (Quadro 82 .2) O fórceps descartados.
para aprese ntações fetais altaS não está mais nessa classifica-
ção, não sendo indicado atualmente. Técnica
Os princípios para sua aplicação são:
Se a apresentação da cabeça fetal estiver em occipitopúbica
• Familiaridade com o instrumentO. (Figura 82.6):
• Cabeça fetal insinuada. • Dois ou mais dedos introduzidos na região posterior es-
• Ruptura de membranas. querda da vagina ao lado da cabeça fetal.

Quadro 82.2 Critérios para os tipos de partos instrumentados

Categorias de parto Instrumentado Condições necessárias para realização


Polo cefálico fetal visfvel no introito vaginal sem a separação dos lábios vaginais
Crânio do feto localizado no assoalho pélvico
Alivio Sutura sagital no diâmetro anteroposterior ou na apresentação occipitopúbica ou sacro direita ou esquerda
(rotação não excede 45 graus)
Cabeça letal no perfneo
Ponto mai s alto do crânio letal está plano;;, + 2cm Rotação S:45 graus
Baixo e não no assoalho pélvico
Rotação >45 graus
Cabeça letal já insinuada
Médio
Ponto mai s alto do crânio letal está acima do plano +2

Figura 82.6 Técnica para aplic ação de fór-


ceps. (Reproduzida de Nielsen PE. Obstetrics:
normal and problem pregnancies, Elsevier,
2017:289-307.)
r
((

Capitulo 82 Cirurgias Obstétricas 699

• Cabo do ramo esquerdo do fórceps firmado entre o pole-


gar e os dedos da mão esquerda.
• Lâmina mtroduzida delicadamente na ,·agi na entre a cabe-
ça do feto e a superfície palmar dos dedos da mão direita.
• Dois ou mais dedos da mão esquerda introduzidos na par-
te poste rior d ireita da vagina para direcionar a lâmina di-
reita. Mesmo procedimento j á detalhado para aplicação da
lâmi na direita.

Verificação da técnica A
• Fontanela posterior localizada entre os d01s lados das lâmi-
nas, com as suturas lambdoides eqUidtStantes e um dedo
diStante da base das hastes.
• A sutura sag1tal de,·e estar perpendicularmente ao plano
das hastes ao longo de seu compnmento.
• A fenest ração das lâminas deve ser pouco sentida igual-
mente nos lados das lâminas.
• Não mais do que uma ponta do dedo deve ser capaz de ser
inse rida entre a lâmina e a cabeça d o feto.

Complicações
Um estudo retrospectivo em Quebec relatou taxa de 3 1%
de lacerações perineais de terceiro ou quarto grau em par- B
tos a fórceps. No mesmo estudo, a parahs1a do nervo facial
neonatal ocorreu em 0,5% dos casos. Figura 82.7A e B Aplocação de vacuoextrator. (Reproduzida de
As pnnc1pa1s complicações relaciOnadas com o uso do Tuggy M. Atlas oi essenhal procedures. Elsevier, 2011.64-7.)
fórceps são: laceração materna, trauma ocular neonatal, he-
morragiaS retinianas, traumas de partes ósseas fetais, parali-
sia do nervo facial, cefalematomas, hemorragias subaponeu-
A maior parte dos nascimentos (76% a 96%) acontece
róticas, hemorragias intracranianas e lacerações de couro após quatro contrações. Se essas não ocorrerem, a técnica
cabeludo.
deve ser verificada novamente. A descida no canal de par-
to deve se r verificada após cada contração e, se não oco rrer
Vacuoextrator apesar da técnica correta, deve-se considerar desproporção
O uso do vácuo em panos vagina1s operatórios vem au- cefalopélvica.
mentando ao longo das últimas décadas (1991 a 2001) - de
aproximadamente 6,8% para 10,6%. Complicações
Os vácuos podem ser de plástico ou metal, rig1dos ou ma- As comphcações maternas e fetais com o uso do \'ácuo m-
CIOS, podendo diferir quanto ao formato e tamanho e conter cluem: lacerações cerv1cais e vaginais, hematomas vagmalS,
hastes flexh•eis ou semiflexh·eis. Aqueles featos de metal con- lacerações de couro cabeludo, hemorragia subaponeuróuca e
tam com maiores taxas de sucesso quando comparados aos hemorragaa tntracraniana.
de plástico; no entanto, apresentam maas chances de traumas Lacerações de terceiro ou quarto grau foram descritas em
no couro cabeludo. 17% dos casos com o uso do vácuo em estudo realizado em
Quebec de 1991 a 1992 e de 1996 a 1996. Esses valores são
Técnica (Figura 82. 7) menores quando comparados aos do pano a fórceps.
• Checa-se se o vácuo está funcionando e se sua pressão não Estudos realizados com métodos de ímagem, como res-
excede 500 a 600mmHg. Pressões maiores aume ntam os sonância magnética e ultrassonografia 30, têm demonstrado
nscos de complicações e não melhoram os resultados. maior incidência de lesões no músculo levantador do ânus
• Com a sucção do vácuo desligada, aphca-se o centro da em comparação aos panos normais espontâneos. Em 2015,
cúpula no occipício, cerca de 2cm antenormente à roma- Díetz observou taxas de lesões do músculo levantador do
nela postenor. A sutura sagital de,•e estar centrada sob o ânus em 10 estudos equ1valemes a 15,3% após o pano nor-
vácuo. Checa-se se a cúpula do vácuo não engloba tecidos mal esponlâneo (n • 1396) e 25,7% (n = 358) após o parto
matemos. vaginal a ''ácuo.
• Aphca-se a sucção no couro cabeludo fetal. O ACOG estima a incidência de morte fetal em I em
• A tração deve ser aplicada durante as contrações e seguir a cada 45.455 nascimentos com o uso do vácuo em partos va-
cu rvatura da pelve materna. ginais.
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j 700 Seção 11 Obstetrícia

Nova tecnologia em parto instrumentado CESARIANA


Pela importância clínica que pode rá ter em futuro breve, A cesariana, a principal cirurgia obstétrica, consiste na re-
embora ainda se encontre na fase de ensaio clínico pela O rga- tirada do few através de urna incisão abdominal. Em 1985, a
nização Mundial da Saúde (OMS), vale mencionar um novo OMS, com base nas altas taxas de morbimo rtalidade materna
modelo de fórceps, denominado Odón Device (Figura 82 8). e fetal nos países de baixo desenvolvimento humano, suge riu
Recoberto por tecido de polietileno, esse novo instrumento que a taxa ideal de cesariana não deveria ser inferior a 10% a
se caracteriza, em teoria, pela manipulação mais fácil quando 15%, urna vez que é responsãvel, quando bem indicada, por
comparado ao fórceps tradicional e ao vacuoextraLOr, poden- salvar a vida do binômio mãe-filho(a)
do reduzir os riscos de traumas fetais e do canal do parto e de Após o grande ape rfeiçoamento da técnica cirúrgica e dos
transmissão vertical de patologias. cuidados pe r e pós-ope ratórios com o consequente aumento
de sua eficiência e segurança, esse tipo de pano sofreu au-
mentO exponencial em sua execução em vá rios países. Segun-
do dados o ficiais, no final de 2014, 55% dos pan os realiza-
dos no Brasil foram realizados por cesa riana. A garantia desse
p rocedimento com indicação adequada deve se r o principal
objetivo dos serviços de saúde para obtenção do melhor des-
fecho na saúde materna e fetal.
A cesariana pode se r indicada tanto por fatores maternos
como por fato res fetais, ressaltando-se que as principais in-
dicações oco rrem por parada de progressão, estado fetal não
tranquilizado r e anomalias de apresentação (feto em situação
transve rsa, em ap resentação pélvica ou deOetida de face ou
de fronte).
Outras indicações de cesariana são placentação anormal, in-
fecção materna com risco de transmissão para o feto no pano va-
ginal, prolapso de cordão, cesarianas prévias, deformidades pél-
vicas ou tumores que obStruem o canal vaginal e ruptura uterina.
Recentemente, a cesariana por opção materna tem sido aceita
como indicação desse pano, centrado na questão de wcofobia.

Técnica
Antibiótico profLlático deve ser administrado 30 a 60 minutos
antes da incisão da pele para diminuir a incidência de endome-
trite e infecção de parede abdominal. Deve-se utilizar cefalospo-
rina de primeira geração (p. ex., cefazolina) ou ampicilina.
O cateterismo vesical intraoperató rio não é mandatório,
apesar de diminuir o risco de lesão de bexiga. Não é necessã-
ria a tricotomia local. A antissepsia do sítio cirú rgico pode ser
realizada com solução de clorexidina ou iodopovidona.
Prefe rencialmente, a incisão da pele deve ser a t ransversa,
uma vez que diminui a incidência de dor no pós-operatório
e melhora a aparência, sem prejuízo da eficácia na retirada
do concepLO do útero materno. Entre as técnicas, a incisão
à Pfannenstiel é a mais utilizada, sendo realizada dois dedos
acima da sínfise púbica na linha média e avançando lateral-
mente com leve curvatu ra para superior, lembrando que o
tamanho da incisão deve levar em conta o peso fetal estimado
(Figura 82 9).
Outra técnica de incisão transve rsa é a de joel-Cohen. Tra-
ta-se de urna incisão reta, pouco maior e mais alta do que a
de Pfannenstiel. A incisão na pele é feita 3cm abaixo da linha
c que une as cristas ilíacas supe riores.
Figura 82.8A a C Odón Device. Ressalte-se, mais uma vez, que
Em caso de procedimentos eme rgenciais pode-se optar pela
ainda não há aplicabilidade clínica disponível desse instrumental incisão vertical, realizada entre a cicatriz umbilical e a sínfi-
cirúrgico. se púbica. A aponeurose e o pe ritõnio também são incisados
r
((

Capítulo 82 Cirurgias Obstétricas 701

sangramento durante o procedimento. Entretanto , convém


adaptar esse local após variações relacionadas com miomas,
idade gestacional e localização da placenta. Utiliza-se o bisturi
na região central e, posterio rmente , a incisão é ampliada por
extensão digital.
A incisão vertical do útero é recomendada em certas situa-
ções, como no caso de parto prematuro extremo (<30 sema-
nas) , quando o segmento ainda não está formado. Essa incisão
facilita o parto , possibilitando melhor acesso e d iminuindo o
trauma no nascimento. Outra variação no local de histerorrafta
ocorre nos casos de acretismo placentário em porção inferior
do útero , sendo preferida a incisão na região fúndica.
Quando se realiza a incisão transversa no segmento infe-
rior e é necessário mais espaço para acesso ao feto , pode-se
estender a incisão verticalmente na linha média superiormen-
te, formando um T invertido.
Para a extração fetal , a mão do obstetra é introduzida na
histerotOmia entre o osso púbico e a apresentação fetal (ca-
beça ou nádegas). Em caso de polo cefálico, este é extraído
realizando-se manobras de elevação e flexão com o auxiliar
fazendo pressão sobre o fundo uterino. O c\ampeamento do
Figura 82.9 Incisão à Pfannenstiel (A). em linha média (8) e à
Maylard (C). (Modnicada de Baker C, Shingleton HM. lncisions. Clin
cordão umbilical é realizado entre 1 e 3 minutos após o nas-
Obstei Gynecol 1988; 31 :701. Berghella V- Cesarean Delivery. Obs- cimento, a depende r das cond ições do recém-nascido. O uso
tetrics: normal and problem pregnancies. Elsevier, 2017:425-43.) de fórceps específico para cesariana pode ser necessário em
alguns casos em que há dificuldade para a extração fetal.
Nas apresentações pélvicas, após a saída da pelve fetal por
ve nicalmente. Estudos mostram redução do tempo de proce- tração digital sobre a cintura pélvica, procede-se à reti rada
d imento com essa técnica, mas essa diferença não implica me- gentil e individual de cada um dos membros inferiores,
lhor resultado neonatal. A principal desvantagem dessa técnica realiza-se a alça de cordão, a fim de se reduzirem a compres-
pode ser a pouca prática em sua execução, uma vez que não é são e a tração no cordão umbilical, reti ra-se cada um dos
adotada com frequência em obstetrícia, o que leva à perda de membros superiores por meio de rotação mediai e, após a
seu maior benefício, além do maior risco de deiscência de feri- saída da face fetal que foi rodada para a região da pelve mater-
da operatória e da oco rrência de hérnia incisional. na , retira-se o polo cefálico.
Após a abenura da pele, o subcutâneo é incisado com bis- A remoção da placenta deve se r realizada espontaneamen-
turi ou com dissecção romba até a aponeurose, que é abe r- te com leve tração no cordão e massagem uterina. Essa forma
ta transversalmente em d ireção às laterais do abdome com de remoção está associada à menor perda sanguínea e à me-
tesoura curva. Em seguida, as bordas superiores e inferiores nor taxa de endometrite quando comparada com a extração
são segu radas com uma pinça Kocher e elevadas, sendo man- manual. Após extração da placenta, o útero deve ser cureta-
tidas sob tensão para afastamento por d issecção romba da do manualmente, utilizando-se uma compressa, e a cavida-
musculatura que está ade rida à face posterior da aponeurose. de uterina deve ser revisada para a retirada dos cotilédones
O próximo passo consiste na separação da rafe mediana dos placentários e suas membranas. O útero pode ser suturado
músculos retos abdominais, que também pode ser realizada em um plano com pontos separados ou contínuos. Nos casos
por d issecção romba ou, no caso de estarem muito aderidos, de incisão ute rina vertical, o fechamento da cavidade uterina
por separação cortante. O peritônio é aberto na linha média, deve ser realizado em dois planos. Os fios absorvíveis 1 ou O
e a incisão inicial é aumentada com uma tesoura de modo a são os mais recomendados. Após síntese ute rina, é realizada
expo r o conteúdo intraperitoneal. revisão da hemostasia e da cavidade abdominal com a reti-
Caso o campo exposto fique limitado nessa técnica, po- rada de sangue e líquido amniótico porventura acumulados.
de-se usar a de lvtaylard ou a de Cherney. Na de Maylard o Os perilônios visce ral e parietal não precisam ser ob rigatoria-
músculo reto abdominal é incisado transve rsalmente apenas mente aproximados. A ap roximação muscular pode ser reali-
na porção media\. Já na de Cherney, esse músculo é com- zada com pontos separados em U com fio 2-0 .
pletamente seccionado e os tendões dos músculos retos são A aponeurose deve ser fechada com boa tensão, idealmen-
expostos e realizada sua desinserção. te com fio absorvível 1, com pontos geralmente contínuos,
Após a divulsão do peritônio e a liberação vesical é feita que devem ser feitos a 1cm da margem da incisão e distar
a incisão ute rina, sendo a mais utilizada a incisão transversa aproximadamente 1cm entre si. Não precisam ser cruzados
no segmento inferior, uma vez que essa região é menos vas- (feswnados), excetO para a área onde haja necessidade de he-
cularizada e com síntese mais fácil, d iminuindo o risco de mostasia.
702 Seção 11 Obstetrícia

O tec1do subcutâneo deve ser rechado caso sua espessura Ligamento


Trompa de
seja >2cm ou se isso racilitar a sutura da pele. A pele deve ser Ligamento Falópio Logamento ovariano
rechada com pontos simples ou idealmente em suturas intra- redondo redondo
dérmicas com fios 3-0, absorviveis ou não. \~
A técnica que prioriza a manipulação manual de tecidos,
não utilizando instrumentos cortantes, é a de Misgav Ladach,
na qual a incisão da pele é transversal reta, mais elevada. O
subcutâneo e a aponeurose são divulsionados com os dedos.
O músculo reto abdominal é separado ao longo de suas fibras,

,.--
e o peritOnio é aberto com os dedos indicadores. O útero é I.
aberto com o dedo indicador, e alarga-se essa abertura com o '•
dedo md1cador de uma das mãos e o polegar da outra. A hlste- A ••
...........__. B
rorrafia é re1ta em camada única com pontos contlnuos. O pe-
ritOmo e o músculo reto abdominal não são aproximados, e a
aponeurose é rechada com pontos continuos. Essa técmca é
assoc1ada a menores tempo cirúrgico e sangramento.
As complicações intraoperatórías possiveiS são hemor-
ragia, laceração uterina, lesão intestinal e lesão ureteral ou
vesical. No pós-ope ratório é possivel surgirem complicações
como atelcctasia, endometrite, inrecção de parede abdominal,
tromboembolismo, inrecção do trato urinário, tromboflebi-
te pélvica e ceraleia pós-raquianestesía. Além disso, a longo
prazo, ocorre aumento do risco de placenta prévia, acretismo c
placentário e ruptura uterina.
Figura 82.10 Sutura de B-Lynch. (Reproduzida de B-Lynch C. Coker
A. Lawal AH et al. The B-Lynch surgical tech111que for the control oi
TRATAMENTO CIRÚRGICO DE HEMORRAGIAS massive postpartum haemorrhage: an alternative to hysterectomy?
PUERPERAIS Five cases reported. BJOG 1997, 104:372. Reprinted wllh permiS-
sion. Robb1ns KS. lntens1ve Care Considerations for the Crrtically 111
A atoma uterina é uma das possiveis complicações após o Parturient Creasy and Resnik's maternal-fetal medic1ne: pnnc1ples
pano. A maioria dos casos de atonia pode ser revertida com a and practice. Saunders Elsev1er, 2014:1182-211. e 6.)
massagem uterina e o uso de agentes uterotõnicos (ocitocina,
metilergometrina e misoproswl). Nos casos em que o manejo
com medicamentos não seja eficaz, medidas cirúrgicas devem A agulha é introduzida 3cm acima da histerotomia à es-
ser tomadas prontamente para controle da hemorragia. querda e sai 3cm abaixo de sua borda inferior.
As extremidades livres do fio são tracionadas ao mesmo
B· Lynch tempo em que é mantida a compressão manual sobre o útero
Intervenção uulizada para manter a contrauhdade uterina e é reito um nó duplo. Trata-se de um procedimento ampla-
nos casos de hemorragia e atonía, a técmca de 8-Lynch roi mente uLiltzado e que tem como complicação, na mmona dos
descnta miC!almente por Chrístopher 8-Lynch e tem como casos, a necrose utenna.
vantagem a preservação da renilidade (F1gura 82.1 O).
Caso se opte pela realização dessa técnica nas pac1entes que Ligadura de artéria ilíaca interna
uveram pano vaginal, procede-se a urna laparotomia, seguida Se não ocorrer reversão da atonia com massagem uteri-
de histerotomia transversa para a retirada de coágulos e de co- na, medicamentos uterotOnicos e sutura de B-Lynch, deve-se
tilédones placentários porventura reLidos na cavidade uterina. realizar a ligadura das artérias. Em prime iro lugar, tenta-se o
Com fio absorvivel número l ou O, a agulha é introduzida controle do sangramento com ligadura do ramo ascendente
3cm abaixo da região da histerotomia e a 3cm da borda lateral da anéria uterina bilateralmente (Figura 82.11).
direita do útero. A agulha sai da cavidade uterina 3cm acima da Em caso de ralha nessa medida, a próxima alterna li \'3 con-
região da hiSterotomia e a 4cm da borda lateral d1reita. Passa-se siste na ligadura da arténa iliaca interna, que se dh·ide em ra-
o fio sobre o rundo uterino a cerca de 3 a 4cm da borda cornual mos interno e externo. O espaço retroperitoneal é alcançado
d1re1ta e se mtroduz a agulha na parede posterior no mesmo após abenura do pentOnio, lateral ao ligamento inrundlbulo-
nlvel em que o processo roi reito na parede antenor, samdo péhico, e se prossegue cranialmeme com a dissecção até en-
horizontalmente à esquerda com a mesma marcação realizada à contrar os vasos 0\'3rianos e o ureter cruzando a anéria 1llaca
dtreita. O fio deve ser mantido sob tensão moderada enquanto comum. Após 1denuficação da artéria ilíaca interna, posioona-
é exerc1da compressão manual sobre o útero para sua contra- se urna pinça de Mixter sob o vaso 3cm abaixo da birurcação da
ção e diminuição de tamanho; passa-se o fio no rundo uterino ilíaca comum. Passam-se duas laçadas com fio absorvfvel l ou
da região posterior para anterior, agora no lado esquerdo. O e liga-se a artéria. Convém identificar bem o ureter para que
r
((

Capítulo 82 Cirurgias Obstétricas 703

placentária. Se possível, deve-se comunicar à paciente e aos


familiares a decisão de realizar o procedimentO.
Ligadura A histerecwmia subtotal é mais rápida e fácil de se r reali-
útero-ovariana
zada do que a h isterectomia total e está indicada nos casos de
sangramento proveniente do segmento uterino supe rior.
O p rocedimento se assemelha àquele de padrão ginecoló-
gico, mas a anatomia local pode estar distOrcida em virtude
da gravidez. Observam-se pedículos vasculares mais edema-
Ligadura ciados, e a bexiga pode estar mais aderida ao segmento infe-
uterina rior, aumentando o risco de lesões desse órgão.

Artéria uterina Técnica cirúrgica


Após h isterorrafia e separação vesical do segmento inferior
Figura 82.11 local de ligadura de artéria uterina. (Reproduzida de
do úte ro , a histerecwmia é iniciada, localizando o ligamento
Gabbe SG, Niebyl JR, Simpson JL. Obstetrics: normal and problem
pregnancies. 4. ed. New York: Churchill Livingstone, 2002:470; with redondo. Este é clampeado com duas pinças de Koch próxi-
permission. Su, CW. Primary care: clinics in office practice. Elsevier, mo ao útero e ligado com fio absorvível O ou 1 bilateralmente
2012; 39(1):167-87.) (Figura 82 .13). O passo seguinte consiste em criar um pe-
dículo incluindo a tuba ute rina, os vasos ovarianos e o liga-
mento útero-ovariano. Esses são duplamente clampeados ad-
não haja lesão dessa estrutura durante o procedimento. Outra jacentes ao úte ro e cortados entre as pinças. Posteriormente,
possível complicação é a lesão das veias ilíacas (Figura 82.12). o pedículo é ligado com fio de sutura.
Os folhetos posterior e anterior do peritônio visceral são
Histerectomia puerperal dissecados. Após a dissecção, identifica-se a artéria uterina em
A histe recwmia abdominal é considerada o último recurso cada lado, próximo à sua origem, com atenção à localização do
para tratamento da atonia uterina e hemorragia. A decisão de ureter para evitar lesão. O assistente deve tracionar o útero em
realizá-la não deve ser poste rgada quando a paciente se en- direção contrária à do vaso a ser clampeado. A artéria uterina
contra hemodinamicameme instável e não responsiva às me- deve ser ligada duplamente adjacente ao útero, e então é corta-
d idas citadas. A vida da paciente é semp re mais importante do o tecido entre as pinças e os vasos ligados com fio l.
do que a preservação da fertilidade. Caso se opte pela histerecwmia subwtal , é necessário ape-
As principais indicações, além da atonia ute rina, são rup- nas amputar o corpo uterino imed iatamente abaixo da ligadu-
tura uterina, laceração de vasos e sangramemos no segmento ra das artérias ute rinas. O coto cervical deve se r fechado com
inferior causados pela incisão ute rina ou pela implantação sutura contínua ou pomos separados (Figura 82.14).

Ur e t e r - - - - - - -
Artéria ilíaca externa
Veia hipogástrica--.,.
Artéria hipog~ístrica ·--j~.....J~___;

Figura 82.12 Local de ligadura de artéria ilíaca interna.


Observe sua posição em relação ao ureter. (Modificada
de Breen J, Cregori CA, Kindierski JA. Hemorrhage in
gynecologic surgery. Hagerstown, MD: Harper & Row,
1981; 438. Berghella V. Cesarean delivery- Obstetrics: A 8
normal and problem pregnancies. Elsevier, 20 17:425-43.)
/.

'
'/:
j 704 Seção 11 Obstetrícia

Corte e
ligadura do
ligamento redondo

Fechamento da
incisão da cesariana
(transversal)

Clampagem e corte
da tuba e do
ligamento
útero-ovariano

Abertura na
área avascular

Ligadura dos .......,


ligamentos redondos

Corte da borda
do perítõnio -

Colo _ _ ___.

Bexiga alastada /

Fechamento da incisão
da cesariana (vertical)

Figura 82.13 Clampeamento de ligamentos redondo, tuba uterina e ligamento útero-ovariano na histerectomia puerperal. (Sibai BM. Evaluation
and management of poslpartum hemorrhage- Management of acute obstetric emergencies. Saunders Elsevier, 201 1:41-70.)
r
((

Capítulo 82 Cirurgias Obstétricas 705

Fechamento do
coto cervical

Coto cervical

Histerectomia subtotal (supracervical)

Figura 82.14 Fechamento do coto cervical em histerectomia subtotal. (Sibai BM. Evaluation and management of postpartum hemorrhage -
Management of acute obstetric emergencies Saunders Elsevier, 2011 :41-70.)
/.

'
'/:
j 706 Seção 11 Obstetrícia

Nos casos em que a histerecwmia total é necessária, a am- Kapp N, Lohr PA, Ngo TO, Hayes J L. Cervical preparation for first
trimester surgical abortion. Cochrane Databa se of Systematic Re-
putação do co rpo pode facilitar a retirada do colo uterino.
views 2010, lssue 2. Art. No.: CD007207. DOI: 10.1002/14651858.
Também é necessária maior dissecção da bexiga, estando a CD007207.pub2.
pa rede cervical anterior tOtalmente livre. Os ligamentos cardi- Lisonkova S, Lavery JA, Ananth CV et al. Temporal trends in obstetric
nais e uterossacros devem se r identificados, clampeados du- trauma and inpatient surgery for pelvic organ prolapse: an age pe-
plamente e seccionados próximo ao coLO cervical. A j unção riod cohort analysis. Am J Obstet Gynecol 2016.
Mackeen AO, Packard RE, Ota E, Berghella V, Baxter JK. Timing of
ce rvicovaginal é localizada e incisada com a remoção comple- intravenous prophylactic antibiotics for preventing postpartumin-
ta do colo uterino. A cúpula vaginal é suturada com pontos fectious morbidity in women undergoing cesarean delivery. Co-
contínuos ou separados e os ligamentos cardinais e ute rossa- chrane Database of Systematic Reviews 2014, lssue 12. Art. No.:
cros são nela ftxados para sustentação. A parede abdominal é CD009516.
Mathai M, Hofmeyr GJ, Mathai NE. Abdominal surgical incisions for
fechada normalmente. caesarean section. Cochrane Database of Systematic Reviews
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CD004732. 10.1002/1465 1858.CD001993.pub2.
CAPÍTULO (

Analgesia e Anestesia em Obstetrícia


Vinícius Pereira de Souza
Paulo Carvalho Pimenta Figueiredo

INTRODUÇÃO ETIOPATOGENIA
A complexidade da medicina advém do grande volume de O ato anestésico é uma situação de risco, já que a anestesia
informações, da velocidade das mudanças, dos avanços tecno- interfere com os sistemas vitais do organismo, alterando sua
lógicos contínuos e da fragmentação do conhecimento, o qual fisiologia. O parto representa, na maioria das vezes, um mo-
se encontra distribuído pelas diversas áreas e especialidades em mento de alegria para pacientes e familiares. Entretanto, não
saúde. A integração entre d iferentes profissionais e áreas do co- devem ser esquecidos nem subestimados os riscos reais dos
nhecimento assume um papel fundamental para a qualidade procedimentos médicos, anestésicos e cirúrgicos envolvidos
e a segurança assistenciais. As inovações tecnológicas promo- na assistência à gestante.
veram o desenvolvimento de novos fármacos e equipamentos, A anestesia para a obstetrícia apresenta forte relação com a
além de diferentes monitOres, com aperfeiçoamentos técnicos e mortalidade materna ainda nos dias de hoje, sendo esse fato já
mudanças de paradigmas em anestesiologia. conhecido da literatura médica há muitOS anos. Desde 1952 o
Nesse contexto , a anestesia busca oferecer segurança, con- Reino Unido publica, a cada 3 anos, os dados sobre as princi-
forto e qualidade durante a realização dos inúmeros proce- pais causas de morte materna, sugerindo d iretrizes para a me-
d imentos da prática médica com sua evolução valorizando lhoria da assistência médica e para a redução do número de
e humanizando a medicina. Em obstetrícia, as situações ex- complicações. Esses dados revelam a redução significativa
tremas são vivenciadas no cotid iano, e a atuação do aneste - de óbitos relacionados com a anestesia ao longo do tempo em
siologista deve ser precisa e segura com condutas lastreadas países desenvolvidos.
nas melhores evidências da literatura méd ica, aliadas à ex- Na década de 1970, a anestesia representava a terceira cau-
periência do profissional e às necessidades dos pacientes. A sa de morte materna nos EUA, ficando atrás somente da em-
interação entre anestesiologista, obstetra e gestante deve ser bolia pulmonar e da pré-eclãmpsia. Nos anos 1990 atingiu a
intensa, extrapolando o ambiente do parto por meio de reu- sexta posição; poste riormente, passou a ocupar a sétima desse
niões interclínicas, consultas pré-anestésicas, elaboração de ranking, onde se mantém. A anestesia foi causa direta ou indi-
protOcolos conjuntos de atendimento e disponibilização de reta de 1,8% das mones maternas de 1991 a 1997 nos EUA.
maneiras e procedimentos direcionados para um bom con- A redução da utilização da anestesia geral para a cesariana
tatO pessoal. foi o principal fator contribuinte para a redução da mortalida-
As técnicas anestésicas em gestantes não estão isentas de de materna ao longo do tempo. O risco de morte da gestante
riscos. A anestesia interfere d iretamente na homeostase do submetida a essa anestesia chegou a se r 16,7 vezes maior do
binômio materno-fetal , criando novo equilíbrio em que siste- que o da gestante submetida à anestesia regional (ráqui ou
mas vitais são afetados. Os riscos dos procedimentos anesté- peridura\) em 1985. Desde então, sua utilização em pacientes
sicos em gestantes não devem ser subestimados. obstétricas vem sendo reduzida drasticamente, porém, ainda
Esta revisão tem o objetivo de discutir os pontos críticos hoje, os riscos maternos pe rmanecem elevados com a utiliza-
relacionados com as técnicas de analgesia e anestesia em ção de anestesia geral.
obstetrícia, a fim de melhorar a qualidade e a segurança dos As técnicas de anestesia regional, por outro lado, são cada
cuidados assistenciais do binômio materno-fetal em busca de vez mais seguras em obstetrícia, apresentando redução signi-
excelência. ficativa dos riscos para as pacientes. Atualmente , representam
707
/.

'
'/:
j 708 Seção 11 Obstetrícia

as técnicas mais utilizadas em tOdo o mundo. A preferência e cols., em estudo randomizado, compararam a analgesia in-
mundial é pela utilização da raquianestesia, que vem sendo dicada precocemente (dilatação <4cm) com a analgesia indi-
recomendada para a redução da mortalidade materna tam- cada em fases mais avançadas do trabalho de parto (dilatação
bém em países em desenvolvimento, que, por sua vez, apre- >4cm), em relação à incidência de cesariana, e não registraram
sentam números expressivos de complicações. No Brasil não diferença significativa (17 ,8% e 20, 7%, respectivamente).
há dados consistentes sobre a prática da anestesia obstétrica. Com base nos dados apresentados, desde junho de 2006 o
ACOG passou a propor a seguinte recomendação: "... na ausência
ANALGESIA E TRABALHO DE PARTO de contraindicação médica, o pedido materno é indicação mé-
Durante o trabalho de parto, a dor é de forte intensidade, dica suficiente para realização de analgesia, independentemente
muitas vezes excedendo tOdas as expectativas da paciente. da dilatação do colo uterino; nenhuma das técnicas de analgesia
McGill, em questionário de dor publicado em 1984, relata parece estar associada a risco aumentado de cesariana."
que a dor do pano pode constituir-se na mais intensa sen-
sação dolorosa vivenciada por muitaS mulheres. Comparada TÉCNICAS ANESTÉSICAS PARA A ANALGESIA
com outras condições clínicas, essa dor é mais fone do que a DE PARTO
dor de dente, lombalgia, lacerações profundas e dor ontoló- A técnica de analgesia de parto mais comumente emprega-
gica não te rminal. da em tOdo o mundo é a analgesia peridural contínua. Nessa
técnica é puncionado o espaço peridural, introduzindo-se, a
Primeiro estágio do trabalho de parto seguir, um cateter, o qual deve ser adequadamente fixado e
A dor no prime iro estágio do trabalho de pano decorre, utilizado para injeções subsequentes de soluções anestésicas.
basicamente, das contrações uterinas e da dilatação ce rvical. A peridural contínua é extremamente eficaz para o controle
O estímulo doloroso alcança a medula espinhal pelas raízes da dor, apresentando altos índices de satisfação materna. En-
de TIO a ll. A dor nesse período é conside rada víscera\, sen- tretanto, seu início de ação é lento, em torno de 20 minutos.
do d ifusa e mal localizada, aumentando de intensidade com Os anestésicos mais utilizados são bupivacaína e ropivacaí-
a evolução do pano. No rmalmente é referida como cólica, na. Vários tipos de soluções anestésicas podem ser injetados.
localizando-se no dorso, abdome ou retO. Preconiza-se a utilização de soluções muitO diluídas de anes-
tésicos locais em concentrações <0 ,1 25 %. A utilização de so-
Segundo estágio do trabalho de parto luções mais concentradas, em torno de 0,25%, está associada
Na pane final do primeiro estágio e no periodo expulsivo, a maior incidência de bloqueio moto r, o que é indesejável na
a dor é causada pela d istensão e compressão de te rminações analgesia de parto; a presença de bloqueio motor se associa ao
nervosas sensitivas somáticas das estruturas pe rineais da via aumento na incidência de instrumentação no parto vaginal.
de parto, assim como por certo grau de lesão mecânica e is- Recenteme nte, a técnica combinada, também chamada de
quêmica dessas estruturas, as quais são ine rvadas principal- duplo bloqueio ou ráqui-peri, vem ganhando cada vez mais
mente pelo nervo pudendo, formado pela junção de raízes espaço na literatura, uma vez que apresenta rápido início de
nervosas de 52, 53 e 54. ação e excelente analgesia da raquianestesia, aliadas à Oexibi-
A dor do pe ríodo expulsivo é somática, parietal, de forte lidade do catete r epidural.
intensidade e bem localizada, sendo referida como dor inten- A raquianestesia em injeção única também pode ser uti-
sa, aguda, em pe ríneo, vagina ou reto. lizada, promovendo cerca de 120 minutos de analgesia. En-
As caracte rísticas da dor mudam de acordo com as fases do tretanto, um cateter epidural deve se r colocado sempre que
pa no e com as vias nervosas envolvidas em cada uma dessas. possível, pois pode se r necessãria a extensão do bloqueio pe-
A analgesia do trabalho de parto ap resenta, nesse contex- ridural em caso de indicação de cesariana de urgência.
to, os seguintes objetivos: alívio rápido da dor, ausência de
bloqueio motOr, não inte rferir com a evolução de trabalho de Analgesia e anormalidades na frequência
pa no, não apresentar efeitos adversos para mãe e fetO, pro- cardíaca fetal
move r satisfação mate rnal e humanização do pano. Após a injeção de anestésicos para a analgesia de parto
é comum a ocorrência de alte rações na frequência cardíaca
Quando indicar a analgesia de parto? fetal. As principais alterações são as desacelerações tard ias e
Em 2000 e 2002 o Colégio Americano de Obstetras e Gi- a bradicardia fetal. A monito rização com a card iotOcografia
necologistas (ACOG) recomendava postergar a analgesia de evidencia que a variabilidade da frequência cardíaca fetal está
pa no até que a dilatação de colo uterino atingisse 4 a Sem; preservada.
as evidências da literatura, até então, apontavam para maior As alterações descritas ocorrem principalmente com as
risco de cesariana quando do início precoce da analgesia em técnicas de bloque io combinado com a administração de
pacientes nulíparas. opioides intratecais. Entretanto, essas alterações não são si-
Entretanto, metanálises independentes concluíram que a nônimos de indicação de cesariana. A fisiopatOlogia das al-
analgesia de pano não aumenta a incidência de pano cesáreo terações da frequência cardíaca fetal ainda não é totalmente
(odds ratio l a 1,04; !C 95%: 0,71 a 1,48). Em 2005, Wong conhecida. Algumas h ipóteses questionam se a instalação
:\.
r
((

Capítulo 83 Analgesia e Anestesia em Obstetrícia 709

rápida da analgesia promoveria desequilíb rio entre os ní- analgésico opioide administrado pela via endovenosa, 120 ve-
veis de noradrenalina e adrenalina, resultando em hipera- zes mais potente do que a morfina, que apresenta meia-vida
tividade uterina, ou se a di fusão dos anestésicos no líquor curta, sendo rapidamente metabolizado por enzimas presen-
promoveria libe ração de ocitocina, também conduzindo à tes na circulação sanguínea. O remifemanil deve ser admi-
hipe ralividade ute rina. nistrado por meio de bomba de infusão contínua ou bombas
O decúbitO lateral esque rdo , a hidratação e a oxigenote- de ACP, com a infusão sendo interrompida poucos minutos
rapia poderão ser utilizados para o tratamento, sendo funda- ames do nascimento.
mental a medida da pressão arterial a fim de afastar a hipoten- Outra opção é o bloqueio do nervo pudendo, bilate ral-
são como causa dessas alterações. mente, que pode ser realizado no segundo estágio do trabalho
de parto. Coagulopatias se constituem em comraindicações
Administração em bo/us intermitente relativas para a realização desse bloqueio em virtude da rica
A administração em bolus intermitente depende da presen- vascularização da pelve.
ça do profissional para sua administração. De acordo com a Técnicas não farmacológicas também apresentam boa efi-
queixa materna, procede-se à injeção de solução anestésica cácia, não devendo, entretanto, ser utilizadas em associação
pelo cateter epidural, sendo preferidas as soluções anestésicas às farmacológicas. O banho em água quente apresenta risco
diluídas. de deslocamento do cateter epidural. O uso de bolas para
Se não houve r resposta rápida do profissional após a quei- massagem pélvica ap resenta risco de queda e trauma, uma
xa de dor pela mãe, a injeção não é administrada, a dor au- vez que a p ropriocepção das pacientes estará prejudicada
menta e a satisfação da cliente diminui. pelo bloque io de neu roeixo, ainda que não haja p rejuízo
moto r.
Administração em infusão contínua
Para a administração em in fusão continua utiliza-se bomba
EFEITOS COLATERAIS
de infusão para que o anestésico local seja injetado continua-
mente pelo cateter epidural. Com a evolução do trabalho de Prurido
parto, a velocidade da infusão pode rá ser mod ificada, método A administração espinhal de analgésicos opioides, parti-
esse que se associa a maior consumo de anestésicos e a maior cularmente a morfina, está associada a grande incidência de
grau de bloqueio motor, sobretudo em trabalhos de pano prurido, que ocorre em 30% a 100% dos casos. O prurido
prolongados (>8 horas). não é causado pela liberação de histamina, ressaltando-se
que a utilização de anti-histamínicos não atua em sua pre-
Analgesia controlada pelo paciente (ACP) venção nem em seu tratamento. O prurido parece ser me -
diado pelos receptOres dos analgésicos op ioides, tendo em
Introduzida em 1988, a ACP é realizada com a instalação
vista que fármacos antagonistas desses recepto res (naloxo-
de urna bomba de infusão no cateter epidural. Diferentemen-
na) promovem melhora do quadro clínico. Entretanto, esses
te da bomba de infusão, a bomba ACP poderá ser programada
com a dose de anestésico a ser in fundida com um intervalo fármacos se antagonizam, também, com o efeito analgésico
entre as doses, podendo, ainda, mante r infusão basal de anes- dos opioides.
tésicos ou não com a própria paciente acionando o comando A orientação da gestante a respeitO dos efeitos colaterais
para a administração da solução anestésica. da morfina, principalmente o prurido, reduz a necessidade
Comparada às técnicas de infusão continua, essa analgesia de tratamento desses sintOmas, aumentando sua tOlerância.
reduz em 35% o consumo de anestésicos durante o parto e
está associada a reduzido bloqueio motor, aumentando a mo- Náuseas e vômitos
bilidade materna e podendo associar-se à redução da duração Náuseas e vômitos são sintomas comuns em cirurgia obs-
do trabalho de parto. tétrica e no período pe roperatório se associam mais frequen-
A ACP confere autonomia à gestante, que assume o contro- temente à presença de h ipotensão arterial após realização de
le da administração anestésica, ajustando as doses de acordo bloqueio. Manobras cirúrgicas, como a exteriorização do úte-
com suas necessidades. Essa autonomia está associada a índi- ro e a tração periwneal, aumentam sua incidência.
ces mais elevados de satisfação materna. No período pós-operatório, a administração de opioides
Além disso, oferece maior liberdade de movimentação aos por via espinhal para analgesia contribui para seu apareci-
profissionais, tornando-se extremamente atraente para mater- mento. A administração de 100~tg de morfina acarreta a in -
nidades com grande movimento. Comparada às técnicas in- cidência de até 30% de náuseas e vômitos. Fármacos como
termitentes, reduz para 19% as intervenções do profissional. a ondansetrona, 4mg, podem ser utilizados para prevenção
e tratamento, além de apresentarem eficácia superior à me-
Técnicas alternativas de analgesia de parto toclopramida. Entretanto, recentemente, relatos anedóticos
Pacientes com comraindicações aos bloqueios do neuroei- sobre paradas cardiovasculares associadas à administração
xo (peridural ou duplo bloqueio) podem recebe r analgesia de ondansetrona em gestantes levaram algumas instituições a
venosa com a administração de remifemanil. Trata-se de um desaconselhar seu uso nessas situações.
/")/;
I 710 Seção 11 Obstetrícia

Retenção urinária acordo com o quadro clínico da paciente, mantendo-se o


A retenção urinária pode ser causada pelo bloqueio simpá- suporte até que a ligação do anestésico com os canaiS de
tico que ocorre com as técnicas do neuroetxo, as quais Je,·am sódio se desfaça. Há casos de manutenção dessas rrtano-
ao relaxamento do músculo detrusor e ao aumento da capa- bras por mais de 90 mmutos.
cidade vesicaL O aumento do hmaar de dor com bloqueios • Injeção subdural: a inJeção subdural consiSte na tnjeçãO de
também contribua para a retenção unnária. A administração anestésico em um espaço habatualmente \1rtual, s11uado en-
de opioides vta espmhal aumenta essa mcad~ncia, que pode tre a dura-rnãter e a membrana aracnoadea; essas membra-
chegar a 35%. Caso a paciente não consaga urinar após um nas estão praticamente adendas. Na raquianestesia, porem,
período de 6 horas, aproxamadamente, deve-se indicar cate- a injeção é realizada entre a membrana aracnoadea e a pta-
terismo vesicaL rnãter. A injeção subdural provoca a diSpersão do anestésico
local em níveis muito acima do desejado. A paoente apre-
Depressão respiratória senta bloqueio alto, atingindo raizes medulares cervicais,
A morfina administrada em técnicas de bloqueios do neu- com consequente bloqueio de membros superiores, poden-
roeixo (ráqui, peri ou combinada) pode causar depressão res- do alcançar centros superiores do SNC e levar à perda da
piratória em virtude da inibição do centro respiratório bul- consciência. O tratamento consiste na manutenção das vias
bar. A depressão respirmória não é sinônimo de apneia, que aéreas e no controle hemodinâmico até o término do efeito
é definida pela redução da frequência respiratória :SlOirpm. do anestésico locaL
A depressão do centro respiratório promove aumento da con- • Ráqui total: a ráqui total decorre da perfuração acidental
centração sanguínea de col, levando à hipercarbia, sendo da dura-máter durante a realização da anestesia peridu-
esse o principal mecanismo de morte. raL O anestésico que seria injetado no espaço peridural é
A depressão respiratória é dose-dependente. Nas concen- imroduzido no espaço subaracnóideo, ou seja, injetam-se
trações utilizadas comumente na prática cllnica, sua inci- 10, 15, 20 e até 30ml de anestésico local em um espaço
d~ncia é muito baixa (<I%). Pacientes obesas mórbidas se onde, habitualmente, caberiam 2, 3 ou 4mL O anestésico
constituem em grupo de risco para depressão respiratória. A local bloqueia, então, toda a medula espinhal, desde os
prevenção da depressão respiratória é posslvel com a vigilân- níveis lombares e sacrais até os superiores do SNC. Há de-
cia das pacientes, pois exaste risco enquanto durar o efeito. pressão respiratória, perda da conscaencia, hipotensão ar-
terial e bradicardia, consistindo o tratamento em intubação
RISCOS DAS TÉCNICAS ANESTÉSICAS traqueal, ventilação mecãnica e rrtanutenção das condições
cardiocirculatórias da paciente.
EM PACIENTES OBSTÉTRICAS
Anestesia peridural
Raquianestesia
C>Ja anestesaa pendurai, o volume da solução anestésica
O principal mecanismo envoh1do na monahdade rrtater-
injetada é grande, \'llrtando de 15 a 30mL A mjeção pode
na com essa técnica consiSte na presença de htpotensão ar-
ser realizada em bolus, lentamente, ou pode ser titulada em
terial não reconhecida e não tratada. As complicações maiS
cateteres epadurais. Comphcações decorrentes dessa injeção
frequentes da ráqui decorrem da punção e perfuração da
podem ocorrer, sendo as mais frequentemente encontradas a
dura-rnãter, ressaltando-se que a cefaleia pós-raquaanestésaca
injeção intravascular, a tnjeção subdural e a ráqui total:
é a principal complicação, ocorrendo em virtude da perfura-
• Injeção intravascular: os anestésicos locais interrom- ção intencional da dura-máter com a agulha de raquaanestesia
pem a condução do estimulo nervoso mediante o blo- ou em virtude da perfuração acidental dessa membrana du-
queio dos canais de sódio. Esses canais são responsáveis rante a anestesia periduraL O desenvolvimento ele agulhas de
pela despola rização das fibras nervosas e condução dos fmo calibre com novos desenhos em sua ponta reduziu sig-
estímulos. Em caso de injeção intravascu lar ocorre a in- nificativamente a incidência de cefaleia para nfveis aceitáveis
tOxicação po r anestésicos locais, valendo ressaltar q ue as à prática cllnica.
soluções anestésicas se ligam aos canais de sódio de fibras Em ge ral, a cefaleia pós-raquianestésica, que se inicia
nervosas p resentes no sistema nervoso central (SNC) e/ou 24 horas após a punção anestésica, localiza-se nas regiões
no sistema cardiovascular. Os primeiros sinais da inj eção frontal ou occipital, p iorando com a posição ortostâtica e
imravascular no SNC são os zumbidos e os escotomas melhorando com o decúbito dorsal, podendo ser acompa-
visuais. Recomenda-se a manutenção do contato verbal nhada de náuseas e vômitos. Em pacientes obstétricas, a ce-
com a pacieme durante a injeção de anestésicos locais. faleia prejudica a amamentação, pois quando a mãe assume
No aparelho cardiovascular, os anestésicos locais blo- a posição sentada reaparece a sintomatologta. O repouso em
queiam os canais de sódto do sastema de condução e das decúbito dorsal apenas alivia a sintomatologaa, não exercen-
fibras musculares cardlacas, podendo provocar arritmia, do influência na prevenção e evolução da cefaleaa. Portanto,
bradtcardta, hapotensão arterial e parada cardlaca. O tra- no pós-anestésico de raqutanestesta pode-se elevar a cabeça,
tamento da inJeÇão intravascular é suportavo, e as mano- colocar travesseiro e deambular sem restrições em relação ao
bras de ressuscitação cardlaca deverão ser realizadas de bloqueio realizado.
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Capitulo 83 Analgesia e Anestesia em Obstetrícia 711 \

Sem tratamento, a maioria das cefaletas apresenta resolução rapidamente durante a reahzação do ato de intubação. Assim,
em tomo de I a 7 dias e seu tratamento pode ser reahzado com: o anestesiologtSta tem pouco tempo para reahzar esse proce-
dimento em comparação com as pacientes não obstétricas.
• Repouso no leito: não exerce influência sobre a evolução As alterações fisiológicas da gra,~dez sobre o trato gastrom-
da cefaleia. Deve-se deixar a critério da paciente, de acordo testinal aumentam o risco do procedimento anestésico. A ges-
com sua tolerância à posição onoslática. tante apresenta relaxamento da junção gastroesofágica com
• Hidratação: deve ser presc rita de acordo com o procedi- incompetência do esflncter esofágico inferior, além elo relaxa-
mento ci rú rgico, não sendo necessário alterar a roti na. A mento da musculatura gástrica em vinude do efeito da proges-
hiper-hidratação não deve ser realizada, não reduz a inci- terona com o aumento do tempo de esvaziamento gástrico. A
dência e não influencia a e,·olução da cefaleia. gestante é considerada uma paciente de estômago cheio, mes-
• Analgésicos: produzem alivio temporário dos sintomas. mo quando em jeJum. Assim, a perda dos reflexos de proteção
As cefaleias com agulhas de fmo cahbre apresentam evo- das vias aéreas durante a indução da anestesia geral, associada
lução bemgna e fácil controle com a admmlStração de ãs alterações fisiológicas da gravidez, aumenta o risco de regur-
analgéstcos, sendo os analgésicos com cafelna os mais uú- gitação com consequeme aspiração de conteúdo gástnco.
hzados na prática clínica. A cafelna apresenta ação vaso- Recomenda-se que o anestesiologista obtenha ajuda para
constntora, sendo eficiente para o controle da maior pane iniciar a anestesia geral, ressaltando-se que a presença de ou-
dos casos relacionados com as agulhas de fino calibre. tro profissional, no caso o obstetra, torna-se de grande val ia.
• Tampão sanguíneo: consiste na retirada de lO a 20ml O processo de intubaçâo traqueal da gestante é denominado
de sangue venoso autólogo de uma veia periférica com a intubação em sequCncia rápida e apresenta várias particula-
injeção subsequente desse sangue no espaço epidural, pró- ridades, a sabe r:
ximo à punção inicial da paciente. O sangue injetado pro-
move fechamento do orifício da dura-máter. Esse procedi- • A paciente obstétrica não deve ser ventilada com másca-
mento apresenta índices de sucesso em mais de 90% dos ra facial. A pressão positiva exercida pela ventilação pode
casos. estando indicado em casos refratários ao tratamento distender o estOmago e causar regurgitação de conteúdo
cllmco, nas pacientes muito sintomáucas e naquelas que gãstrico com subsequente aspiração pulmonar.
apresentam smais de tração de nervos cramanos. Nesse úl- • Após a perda da consci~ncia, o risco de aspiração é tmmen-
umo caso deve ser indicado precocemente. te. Nesse momento deve ser realizada a manobra de Selhck,
que consiste na compressão da cartilagem cric01de da la-
Anestesía geral ringe, a fim de deslocar o esôfago cervical postenormente,
A anestesia geral apresenta cinco objetivos bem defi nidos: comprimmdo-o contra a coluna vertebral (Figura 83.1), ou
analgesia, am nésia, hipnose, relaxamento muscular e comrole seja, é criada uma barreira mecânica no esôfago, reduzin-
das respostas do sistema ne rvoso autônomo ante os dive rsos do o risco de aspiração pulmonar. Essa manobra deverá se r
estímu los anestésicos e cirúrgicos. realizada até que a paciente esteja imubada e o balonete do
São vários os fatores que contribuem para aumentar o risco tubo traqueal seja insuflado. A panir desse ponto, a insu-
flação do balonete do tubo promove a ,·edação da traqueia,
em relação aos bloqueios do neuroeixo na paciente obstétrica.
A dtficuldade de imubação nessas pacientes se constitui no protegendo-a contra a aspiração pulmonar.
• Uma vez realizada a intubação traqueal, o posicionamen-
pnnc1pal fator para aumentar a morb1mortahdade materna
relaciOnada com a anestesia geral, sendo 01to ,·ezes mator nas to correto do tubo deverá obrigatoriamente ser verificado
med1ante o uso de capnografia e ausculta pulmonar.
gestantes, na proporção de uma para 280, enquanto na popu-
lação em geral a incidência é de uma para 2.230.
A dificuldade de intubação predispõe ao surgimento de
complicações potencialmente fatais, entre as quais se desta-
cam a hi i)Oxemia, a intubação esofágica não reconhecida e
não d iagnosticada, a aspiração pulmonar de conteúdo gás-
trico e a parada cardíaca. Por que as gestantes apresentam
dificuldades de intubação traqueaP As alterações fisiológicas
da gravidez, principalmente sobre o aparelho respiratório,
são perigosas para a anestesia. A gravidez promove edema Cart1lagem
cricokle
das mucosas oral, nasal, farlngea, larlngea e traqueal, ocasio-
nando o estreitamento das vias aéreas e as tornando friáveis e
maiS propensas a sangramentos e traumausmos durante a in-
tubação. A redução da capacidade pulmonar, pnnc1palmeme
da capacidade residual funcional (volume que permanece nos
pulmões ao final da expiração), causa h1poxemia precoce- Figura 83.1 A manobra de Sellick consiste na compressão da carti-
mente durante os episódios de apneia provocados pela anes- lagem cricoide da laringe a f1m de se criar uma barreira mecênica no
tesia geral, com a queda da saturação de oxigenio ocorrendo esôfago, prevenindo a aspiração de conteúdo gástrico.
/")/;
I 712 Seção 11 Obstetrícia

• Nos casos em que a intubação traqueal é diffcil e sem su- • Presença de limitação à extensão da cabeça.
cesso, a paciente pode apresentar hipoxemia, e a ,-emila- • Presença de dentes incisivos proemmentes.
ção sob máscara facial de,·erá ser reahzada nessas condi- • Distância lireomentoniana <4cm.
ções sob o nsco de parada cardíaca 1mineme. A manobra
de Sellick deverá ser manuda até o final do procedimento. Nessas situações devem estar disponí\'eis, além do tubo
Entretanto, o nsco de asp1ração pulmonar nesse contexto orotraqueal e do laringoscópio, dtSposiu,·os alternauvos para
é elevadlss1mo. O anestes1olog1sta deverá ter à mão outros abordagem da via aérea, como máscara lartngea e vldeolarin-
recursos para venulação e mtubação da pac1eme. destacan- goscópio. Em situações extremas pode ser necessária a mtu-
do-se as máscaras lartngeas e os v1deolaringoscópios. bação orotraqueal com a paciente acordada ou o estabeleci-
• Em situações extremas, quando não se consegue imubar mento de via aérea cirúrg1ca.
a paciente e a ventilação não está recomendada, deve-se Deformidades na coluna lombar, escohose, obes1dade e ci-
partir para a abertura Cirúrgica da \'Ía aérea. A cricotireoi- rurgias de coluna pré\<ias estão entre os fatores que dificultam
dostOmia é, então, ind1cada nesses casos. Geralmente, a a punção do neuroeixo para realização tanto da raquaaneste-
traqueostomia de urgencía não é a primeira escolha, não sia como da anestesia peridural, devendo estar d1sponh·eis
sendo inicialmente preconizada. agulhas próprias para pacientes obesas. !! posslvel a utiliza-
ção de ultrassom como método auxiliar em punções diflceis
de neu roeixo. O posicionamento precoce de cateter epidural
REDUÇÃO DOS RISCOS MATERNOS RELACIONADOS está indicado durante o trabalho de parto de pacientes com
COM A ANESTESIA preditores de punção diflci l de neuroeixo.
Jejum Em situações de urgencia, em que não for posslvel a reali-
zação de consulta pré-anestésica, o anestesiologista deverá ser
Para prevenção da aspiração pulmonar na gestante reco-
me nda-se jejum de 6 a 8 horas nos casos de cirurgia obsté- comunicado precocemente para que proceda às avaliações em
ambiente hospitalar.
trica eletiva.
Durante o trabalho de parto, a liberação da ingestão de
líquidos claros (água, chá, líquidos isotônicos) parece não ABORDAGEM DO ANESTESIOLOGISTA EM SITUAÇ0ES
aumentar o risco de aspiração pulmonar, reduzmdo a cetose CRÍTICAS EM OBSTETRÍCIA
de jejum. A ingestão de ahmemos sólidos nesse pertodo não O trabalho em equipe, a adoção de protocolos mslitucionais
encontra respaldo na hteratura méd1ca, podendo aumentar os e a comunicação são fundamentaiS para o sucesso no atendi-
riscos maternos. mento a situações crtticas. O anestes1ologasta deve ser comuni-
As pacientes que apresentam alterações anatômicas su- cado precocemente para se preparar de manetra efic1ente para
gesti,·as de intubação d1Hc1l de,·eráo receber metocloprami- o atendimento às gestantes em Situações de nsco munente.
da, ramtid1na e anuác1do não panaculado (Cilrato de sódio) Os protocolos insutuciona1s são fundamentaiS para redu-
ames do bloque1o espmhal. Essa mesma conduta deverá ser zir as \'llriações de conduta em saúde nos d1,·ersos setores en-
adotada em pac1entes que serão submeudas à anestesia geral mh~dos no atendimento às gestantes com quadros crtticos.
eletivamente. Pronto atendimento, centro cirúrg1co, UTI adulto e neonatal
e banco de sangue de,·em trabalhar de modo coordenado.
Consulta precoce ao anestesiologista Para isso é fundamental a transmissão eficiente de informa-
A avaliação pré-anestésica se conslitui em um momento es- ções pelo obstetra responsáveL
pecial não só para a avaliação das pacientes, mas também para Hemorragia materna
o esclarecimento das dúvidas sobre analgesia/anestesia no pano.
Os cenários mais comumente associados à hemorragia ma-
As opções técnicas com seus riscos e complicações são des-
tema envolvem atonia uterina, descolamento de placenta e
critaS às pacientes. A consulta pré-anestésica é o momento
ruptura uterina. As informações fundamentais para o aneste-
ideal para obtenção de termo de consentimento livre esclare-
siologista envolvido em cenários de hemo rragia materna são
cido pelo anestesiologista.
as seguintes:
Devem ser necessariamente avaliados os pred itores de via
aérea di flcil e de pu nção diflci l de neuroeixo. Entre esses pre- • Quad ro hemodi nãmico.
ditores estão indu Idos: • Estimativa de volume de sangramento.
• Coagulação da paciente.
• Classificação de Mallampali: consiste na visualização das
• Doenças prévias.
estruturas da cavidade oral e da orofaringe das pacientes.
• Hemograma.
De acordo com a visualização dessas estruturas pode-se
• Reserva de hemoderivados.
aferir, em grande parte dos casos, a d1ficuldade ou não de
intubação traqueal, antecipando-se condutas para facilitar Ob,<iamente, nem todas essas mformações podem ser for-
a realização desses procedimentos. necidas imediatamente. Entretanto, é necessário que seJam
• Abertura da cav1dade oral: abertura limitada mdica dificul- obtidas precocemente, devendo ser sohc1tados hemograma,
dade de intubação. coagulograma e reserva de hemocomponentes.
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Capítulo 83 Analgesía e Anestesia em Obstetrícia 713

Ferramentas de avaliação da coagulação à beira do leito Em situações de pré-edâmpsia grave em que se evidencie
- point of care -, como a tromboelastometria, possibilitam a coagulopatía que não possibilite a realização de bloqueios de
investigação rápida e eficiente de diStúrbios de coagulação e neuroeixo, a anestesia geral é a ind1cada. Os riscos envolvidos
direcionam as transfusões. O ROTEM, equipamento de trom- extrapolam os habnuatS relac1onados com a \'Ía aérea, e os re-
boelastometna rotaciOnal, é capaz de diferenciar distúrbios Oe.xos simpáticos exacerbados com taqu1card1a e hipertensão
específicos de fibnnogémo, plaquetas e outros fatores de coa- arterial secundários à lanngoscop1a podem associar-se a san-
gulação. Ass1m, com o d1stúrb1o especifico evtdenciado pre- gramento do SNC, msufic1tnc1a cardíaca e edema pulmonar.
cocemente, podem ser sohc1tados concentrados de fatores, ~!ais uma ,.ez são fundamentaiS a comumcação e o trabalho
como os concentrados de fibnnogtmo e os comple.xos pro- em equipe para melhor abordagem da situação.
tromblnicos, com redução do nsco de reações transfusionais,
objetí,·ando mtervenção teraptutica precisa para abordar o CONSIDERAÇÕES FINAIS
distúrbio de coagulação 1denlificado. A atuação do anestes1olog1sta não se limita ao período pe-
Os protocolos de transfusão evoluíram com a utilização roperatório, mas se inicta com a avaliação criteriosa e o pre-
cada vez ma1s consistente dos hemocomponentes. Convém paro pré-operatório das gestantes. Essa abordagem minimiza
ter em mente que em situações de risco im inente pode ser os riscos envolvidos em vários procedimentos méd icos, além
necessãria a utilização de hemocomponentes sem os testes de de agregar grande valor à clínica obstétrica.
compatibilidade, cabendo às instituições o estabelecimento No perlodo peroperatório, a participação da equipe de
de um fluxo de informação com o envolvimento do centro anestesiologia é decisiva para o sucesso dos procedimentos. A
ci rúrgico e do banco de sangue que possibilite a rápida d ispo- integração, a comunicação e o entrosamento entre as equipes
nibilidade de hemoderivados nessas situações. de obstetrlcia e de anestesiologia contribuem sobremanei ra
para a melhoria dos resultados.
Prolapso de cordão Por fim, a anestesia obstétrica bem conduzida e praticada
Em cenários de prolapso de cordão é fundamental que o de acordo com as evidências da literatura médica é realmen-
anestesiologista prepare a paciente da maneira mais rápida te capaz de promover qualidade, conforto e segurança para
posslvel para a cesariana. O tempo necessãrio para o bloqueio gestantes, familiares e profiSsionaiS. Todavia, não se deve es-
de neuroeixo pode ser frequentemente maior do que para a quecer dos seus riscos nem negligenciá-los ou subestimá-los,
anestesia geral, evidenciando, portanto, um dilema para o pro- mesmo existindo um chma de festa no ar, po1s as consequtn-
fissional: a melhor técmca para a segurança materna pode não cias podem ser desastrosas.
ser a melhor para a do feto. Deve ser a\·ahada rapidamente a
possib1ltdade de uma \'13 aérea d1flctl, asstm como os fatores leitura complementar
pred1tores de d1ficuldade de punção de neuroeixo, para que Areodt KW. lhe 2015 Gerard W. Oslhetmer Leclure. Whafs new '"
seja tomada a dect.Sâo sobre a técmca a ser adotada. Caso se labor analges~a and cesarean dellvery. Anesth Analg [lntE!fnet]
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A condução cllmca de pacientes com pré-eclãmpsia repre- of an algonthm for ROTEM-gu•ded f1brinogen concentrate admi-
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principais preocupações são os distúrbios de coagulação e [lnternet]2015 Dec [cited 2016 Jun 271: 115(6):8 15-8. Disponível
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Practice Guidellles for Obstetric Aneslhesia: An Updated Repor! by the
O bloqueio de neuroeixo é a técnica de escolha em caso American Sociely of Anesthesiologists Task Force on Obstetric Anes-
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preocupação entre os anestesiologistas em relação ao risco lhesiology [lntemet]2016 Feb [ciled 2016Jun 27]; 124(2):270-300.
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obtenha a contagem de plaquetas próximo ao momento do decision-making in cnllcal situat•ons. Anaeslhesia [lnternel]20t5
pano. Apesar da austncia de consenso, a maior pane dos cen- Nov [cited 2016 Jun 27]; 70(11): 1221-5.
tros utiliza como pomo de cone para realização de bloqueios l effert LR, Abalos E. Cuesla C et ai. Whal's new 1n obslelric anesthe-
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tas. Mais do que o valor absoluto, a tendtncia de redução da Van de Velde M, Carvalho B . Kap1la A et ai Rem•fentan•l for labor anal-
contagem de plaquetas pode ser decish'3 para a realização ou gesia: an evldence-based narrat•ve rev~ew. lnt J Obstei Anesth
conmund1cação do bloqueio do neuroeixo. [lntE!fnet]. Elsevter. 2016 Feb [coted 2016 Jun 271: 25.66-74.
CAPÍTULO (

Hiperêmese Gravídica
Marianna Amaral Pedroso
Maria Luisa Braga Vieira
Alaís Virgínia Ferreira de Souza

INTRODUÇÃO vidica é responsável por 2,3% das internações nesse perío-


Náuseas e vômitos são comuns no início da gestação, po- do. Trata-se da forma mais grave de náuseas e vômitOS du-
rém debilitantes, e afetam cerca de 50% a 85% das mulhe res rante a gravidez, os quais são capazes de produzi r pe rda de
grávidas. Na maioria dos casos, os sintomas são leves a mo- peso, deficiência nutricional, cetonúria, desidratação com
derados e auwlimitados, mas 0,3% a l% das gestantes são instabil idade de fluidos e eletróliws, d istúrb ios metabólicos
afetadas pela hipe rêmese gravídica, a qual é definida po r náu- e hipopotassemia.
seas e vômitos intensos que não respondem a antieméticos e Os sintomas são mais intensos pela manhã, podendo ser
modificações simples na dieta, cewse, distú rbio eleLrolítico, desencadeados por odores fortes, como rapé, óleo, perfume,
desid ratação , deficiência nutricional e perda de peso (em ge- ou por ce rtos alimentos e medicações. As pacientes também
ral mais de 5% do peso ante rior à gravidez). Tem grandes podem apresentar dor epigástrica, h ipersalivação, hematême-
implicações para a saúde e o bem-estar materno-fetal e está se gastroesofágica, erosão em lábios, língua seca e com racha-
associada a maior probabilidade de parto pré-te rmo e fetos duras e gengivas ave rmelhadas e doloridas. Normalmente o
com restrição do crescimento; além disso, apesar de ainda hálito é fétido ou de odor frutado.
inconsistentes, os estudos apontam para sua associação a ano- Várias complicações, tanto maternas como fetais, podem
malias congênitas e mone perinatal. Além d isso, os efeitos estar p resentes, podendo ser encontradas algumas compli-
emocionais e psicológicos das náuseas e vômitos comprome- cações mais leves, como desidratação , acidose por desnu-
tem profundamente a qualidade de vida dessas mulheres. trição, alcalose metabólica, h ipopotassemia, hiponatremia
(sódio plasmático <l20mmoVL), fraqueza muscular, altera-
ETIOPATOGENIA ções eletrocardiográficas, tetania e d istúrb ios psicológicos.
A etiologia da h iperêmese gravídica ainda é pouco conhe- Complicações mais graves também podem ocorrer, como a
cida, parecendo tratar-se de uma condição clínica multifato- ruptura esofágica decorrente de vômitOS severos, encefalo-
rial com as causas podendo ser categorizadas em três grupos: patia de Wernicke, composta pela tríade ataxia, nistagmo e
função e crescimento placentário, função endócrina materna demência e causada pela deficiência de tiam ina (vitamina
e doenças gastrointestinais preexistentes. Níveis altOs de go- B1), hemo rragia de retina, lesão renal, vasoespasmo da ar-
nadotrofina coriônica humana (HCG), estrogênios, progeste- téria cerebral, rabdomiólise, coagulopatia, pneumomedias-
rona, hormônios tireoidianos e leptina e infecção por H. pylori tino espontâneo, restrição do crescimento intrauterino e até
parecem ser os marcadores biológicos da hiperêmese gravídi- morte fetal.
ca. Fato res psicológicos também parecem ter grande impacto A hiponatremia grave é uma emergência médica cuja
na gravidade dos sintomas. Diabetes mellitus, gestação molar, correção deve ser cautelosa em razão do risco de tetrapare-
doenças gastrointestinais preexistentes, hipenireoidismo e ges- sia e paralisia pseudobulbar, conhecida como síndrome da
tação gemelar são fatOres que aumentam o risco de internação. desmielinização osmótica ou mielinólise pontina central. A
maio ria dos estudos não aponta a h iperêmese gravídica como
QUADRO CLÍNICO um fator de risco para o pano p rematuro e sim para baixo
Mais comum no primei ro trimestre, mais especificamente peso ao nasce r, em deco rrência de ganho de peso materno
antes do final da 22" semana de gestação, a h ipe rêmese gra- reduzido.
714
r
((

Capitulo 84 Hiperêmese Gravidica 715

DIAGNÓSTICO Quadro 84.1 Ooagnóstoco diletencial de hipe<êmese gravidoca

O diagnósuco da hiperemese gravldtca é cllmco, tomando- Patologias relacionadas com a gravidez


-se por base a observação cuidadosa de smais e sintomas de Mola h1datilorme
pactentes grávidas com excesso de vômttos, sendo suficiente PolidrâmniO
Gestação múltipla
a presença de apenas um dos sintomas citados para rechar o
Pré-eclampsia
d iagnóstico. Em primeiro lugar, a gravidez deve se r con firma- Síndrome HELLP
da por meio de exame laboratorial ou ultrassonográfico. As Esteatose hepática aguda da geslaçao
pacientes geralmente se apresentam com sinais de desidra- Patologias nio relacionadas com a gravidez
tação, cetose e d istúrbios eletrolllicos e ácido-básicos. Pode Digestiva: gastroenterije, hepatite, colecistite. apendicite. pancreaote etc.
estar presente perda >5% do peso basal. Infecções agudas SIStêmícas
A mani[estação clínica é típica do primeiro tnmestre da gra- Neurológicas. men1ng1te, tumores, hipertensão intracran~ana etc.
Urinária: p•elonelnte
videz, geralmente começando entre a quana e a décima sema-
PsicológiCaS
na de gestação e com pico em 12 semanas. Apenas lO% das Hipe<tJreood•smo
pactentes vão apresentar sintomas que persiStem ao longo da Diabetes {cetoacldose d.abética)
lnsuficiênc.a da suprarrenal
gestação. Torçao de cisto de ováriO
Os exames laboratoriais também podem auxiliar o diag- Efeitos colateraiS de substancias químicas
nósuco e o tratamento da doença, sendo avaliados eletrólitos, Medicamentos
provas de runção hepática, amilase, lipase, testes de runção da lngestao de toxinas

tireoide, gonadotrofina coriônica humana (HCG), creatinina, Fonte: Lombardla Pnelo J 01 ai. ~sls e hiperêmesis grav1dicas. SOmergon 2003;
29(8):411 ·4.
ureia, exame de urina e hemograma completo com atenção
para o hematócrito, que pode estar elevado.
No inicio da gravidez há aumento dos nlveis dos hormônios
e determinados chetros e odores, ter períodos de repouso du-
lireotdtanos decorrente da leve ação estimuladora da HCG na
rante o trabalho, reduztr a quantidade de cada porção e aumen-
tireOtde, que mostra relação com seus níveis plasmáticos e a
tar a rrequêncta das rereições, e\itando alimentos gordurosos e
gra,•idade dos sintomas. HipenireotdtSmo transnóno [ot obser-
pre[erindo carbOidratos secos, e dar intervalo de, pelo menos,
vado em 60% das pacientes com hipertmese gra,1dtca.
2 horas entre o consumo de llquidos e alimentos sóltdos.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Hidratação


O diagnóstico di[erencial é de exclusão, devendo ser des- A correção de distúrbios hid roeletrollticos deve ser imedia-
cartadas por meio da ultrassonografia as condições associa- ta. Se a paciente não tole rar a reposição h!d rica por via oral,
das às gestações múltiplas, mola hidatirorme e tumores, que deve-se considerar a via endovenosa, mantendo jejum abso-
podem estar associados em até 30% dos casos. Por causa da luto até que as deficiências hid roe letrolíticas sejam corrigidas.
relação entre hiperemese gravldica e inrecção pelo H. pylori, a A hospitalização, que pode ser necessária em até 1% a 5%
solicitação de sorologia pode ajudar nesse diagnóstico. dos casos com o objetivo de aliviar sintomas e preventr com-
A avaliação precoce de náuseas e ,·õmnos durante a gravidez plicações, está indtcada nas pacientes cetóticas e mcapazes de
é essencial para e\~tar atraSO no diagnóstico e no tratamento manter a htdratação adequada por ,;a oral. Deve-se, dtana-
da htperemese gra,1dica, sendo por essa razão de extrema im- mente, anotar a rrequencia dos vômitos, o volume de llqutdo
ponância conhecer e identificar os diagnósttcos dtrerenciais ou tolerado, o peso materno e os resultados do ionograma.
comphcações subjacentes associados a vômttos perststentes, Um estudo mostrou melhora na tolerância à dteta oral e
podendo ser destacadas as condições gastromtestinais (hepa- interrupção dos vOmnos 24 horas após hidratação ,·enosa.
tite , pancreatite ou colecislite), alterações renais (pielone[rite) Recomenda-se a hidratação venosa com soro fisiológico
e distúrbios metabólicos (cetoacidose diabética, hipertireoidis- 0,9% ou solução de Ringer lactato. O uso de solução com dex-
mo ou hiperparatireoidismo primários, porfiria ou doença de trose deve ser evitado em vinude do risco de precipitar encera-
Addison), como descrito no Quadro 84.1. lopatia de Wernicke por carboidratOs. A reposição de eletrólitos
(Na, K, Cl) deve ser feita conrorme o necessário e lentamente.
TRATAMENTO E SEGUIMENTO
O manejo da hiperemese gravldtca deve ser precoce e en- Antieméticos
volve mudanças no estilo de vida, aconselhamento dietético, Ainda faltam evtdências que indiquem o medtcamento
apoto pstcológico e tratamento de suporte por meio de hidra- mais deuvo para o controle das náuseas e võmnos e qual se-
tação e uso de smtomáticos. O tratamento pode ser hospitalar ria o maiS seguro para o bmõmio mãe-reto, pnnctpalmente no
ou ambulatonal de acordo com a gravtdade do caso. primeiro tnmestre de gestação.
A maioria das medicações usadas são da classe B (estudos
Estilo de vida e modificações dietéticas com animais de laboratório náo demonstraram nsco retal, mas
As mudanças no estilo de vida e na dieta podem ajudar a não existem estudos adequados em humanos) ou C (estudos
gestante a tolerar melhor os alimentos. Convém evitar estresse em animais de laboratório revelaram efeitos adversos ao reto,
716 Seção 11 Obstelrícia

mas não exiSte nenhum que seja adequado em humanos), de tração endo,·enosa pode ser fella da seguinte rnane1ra: 1OOmg
acordo com a classificação de medicamentos segundo o nsco diluídos em 100m L de soro fisiológico a 0,9% em 1 hora por
para o feto do Food and DrugAdministrauon (FDA) dos EUA. semana, até a mgestão oral se normalizar. Tabletes oraiS po-
No entanto, sabe-se que os antieméucos são mais efetivos dem ser usados quando be m tolerados (50mgldia).
do que o placebo no controle das náuseas ou vômitos. redu-
zindo o risco de prematuridade , o baixo peso e as malforma- Suporte nutricional
ções congenitas. A d ieta enteral ou parenteral está rese rvada para casos gra-
Os med icamentos de primeira escolha são o d imenidrina- ves, como desnutrição, perda de peso materno mesmo após
to e a prometazina (antagonistas dos receptores histamlnicos tratamento adequado, presença de distúrbios absortivos (gas-
H l) ou a metoclopramida (antagonista dopaminérgico), os troplastía, diabetes mellirus, doença de Crohn) ou em pacien-
quais apresentam efeitos semelhantes. No entanto, a meto- tes com muita dificuldade para consumir os alimentos por via
clopram•da tem menos efeitos colaterais, prmc1palmente em oral, mesmo após a adoção das outras medidas.
relação à sonolenc~a. A dieta enteral deve ser sempre a primeira opção por ser
Outras opções são o droperidol (ação anudopammérg•ca) menos invas1va, de maiS fácil manejo e pro,·er a d1eta de ma-
assoc1ado à d•femdramina (antagonistas dos receptores h•sta- neira mais fis1ológ•ca, aliviando os sintomas e dimmuindo o
minicos H!), que reduz o tempo de internação e as readmis- tempo de internação. No entanto, se o risco de aspiração for
sões hospitalares. A ondansetrona, um antagon ista altamente muito alto, deve ser escolhida a via parenteral, de modo a
seletivo dos receptores de serotonina 5-HT3, tem ação central melho rar o estado nutricional da paciente.
e periférica e aumenta o esvaziamento gástrico. Há relatos de Embora não estejam disponíveis dados sobre a incidência
me lhora dos sintomas logo após a primeira dose, e a paciente de complicações associadas à via parente ral nesses casos, é
tolera bem a dieta após 2 dias de tratamento. A clorpromazina descrita a ocorrência de pneumotórax, sepse, trombose, en-
(antagonista dopaminérgico) exerce ação central ao bloquear docardite infecciosa e aumento do risco de macrossomia fetal.
os receptores 02 e no trato gastrointestinal. Não há eVIdencias
de teratogemcidade com doses usadas para tratar hiperemese. Acupuntura/acupressão
O tratamento alternall\'0 com acupuntura reduz os võmuos
Corticoides e não causa efeuos adversos no feto. Foi descrito um ponto- P 6
Os conico•des tem efeito benéfico no controle das náu- (a Sem da dobra do punho, na face palmar do antebraço)- que
seas e vômitos provavelmente em razão da ação direta sob parece es~ar relac1onado à redução da frequência de vômitOS,
o centro do vOmito no sistema nervoso central (SNC). São se estimulado por 30 minutos a cada 8 horas. O mecaniSmo
mais eficazes do que a prometazina e apresentam menos epi- seria a inibição da nocicepção e dos reOexos autonômicos. No
sód ios de readmissão hospitalar. Melhoram mais rapidamente en~anto, ainda não foi comprovado benefício clínico.
o apetite e o estado ge ral, e não há evidência ele tcratogeni-
cidade, estando indicados nos casos de vômitos persistentes Suporte psicológico
por mais de 4 semanas quando excluidas outras causas. Pode Em virtude do possível componente psicossomático da hi-
ser utihzada a hidrocortisona, na dose de 15 a 45mgldia, por peremese gravidica, a psicoterapia, os exercidos de controle
via endovenosa. Um estudo mostrou rem1ssão completa dos da respiração e a hipnose (biofeedbach de controle interno)
smtomas 3 horas após a primeira dose. Outra opção é a me- podem ajudar no controle e na prevenção do quadro. A h•p-
ulpredmsolona, 16mg, por via endovenosa, a cada 8 horas. nose, por me•o de um profundo relaxamento e redução do
estado símpâuco, melhora as nãuseas e os ,·ômitos.
Gengibre (Zingiber officinale)
Estudos demonstram que o uso de gengibre é seguro e PONTOS CRÍTICOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS
efetivo na gestação, uma vez que age aumentando a molili- Mais estudos serão necessários para melhorar a acurácia
dade gastrointestinal, e suas propriedades abso rtivas podem do diagnóstico e escla rece r tratamentos alternativos, medidas
diminuir o estimulo no quimiorreceptor, o qual estimula o preventivas em mu lheres de alto risco, novos biomarcadores
centro d o vOm ito no SNC. É utilizado na dose de I gldia, pelo etiológicos da hiperemese gravldica e intervenções que pos-
menos, por 4 dias consecutivos. sam reduzir os resultados adversos na gra,·ídez.
Além disso, omras pesquisas são necessárias para elucidar
Piridoxina (vitamina 86) a melhor maneira de prover suporte emocional às gestantes.
A vnamma B6 tem demonstrado efe•tos na redução das As mulheres que sofrem com náuseas e vômitos deseJam em
nãuseas e võmllos leves, mas ainda carece de mms estudos. primeiro lugar entender quaiS são os riscos para os fetos ex-
postos aos medicamentos uulizados no tratamento. Melhorar
Tiamina (vitamina 81) as informações veiculadas na mídia talvez seja uma boa estra-
A suplementação rotineira da vitamina B1 está mdicada em tégia. Entretanto, qualquer nova intervenção tem de se mos-
pacientes com quadros de vômitos de duração prolongada no trar segura para o binôm io mãe-feto, a fim de ser mais bem
inlllito de preveni r a encefalopatia de Wernicke. A adminis- aceita pelas gestantes e ter um bom custO-benefício.
r
((

Capítulo 84 Hiperêmese Gravídica 717

MENSAGENS-CHAVE Jewell O, Young G. lnterventions for nausea and vomiting in early


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CAPÍTULO (

Abortamentos
Néli Sueli Teixeira de Souza
Tatiana Teixeira de Souza Couto

INTRODUÇÃO INCIDÊNCIA
Os abortamentos constituem quad ros hemo rrágicos clássi- Mais de 80% dos abonamemos espontâneos acontecem
cos da primeira metade da gravidez e representam importante nas primeiras 12 semanas, sendo a oco rrência mais comum
causa de morbimortalidade materna necessitando, portanto, na gestação, e pelo menos a metade se deve a anomalias cro-
se r prontamente diagnosticados e tratados. mossômicas.

CONCEITO ETIOPATOGENIA
Abo rtamento consiste na inte rrupção da gravidez antes da Fatores anatômicos
viabilidade fetal.
A incompetência cervical é a principal causa de abo rta-
Como o conceitO de viabilidade fetal é variável, a Organi-
menta tardio. Os tumores uterinos intracavitários (miomas
zação Mundial da Saúde (OMS) definiu abortamento como a
submucosos), quando volumosos e provocando deformação
inte rrupção da gravidez antes de 20 semanas de gestação com
da cavidade, podem se r causa de inte rrupção da gravidez, as-
o feto pesando menos de SOOg.
sim como as malformações uterinas (úte ro bicorno, septado e
Esses critérios são contraditórios, uma vez que o peso de um
didelfo) e as sinéquias uterinas.
feto com 20 semanas gira em torno de 320g, sendo a méd ia de
SOOg para fetOs entre 22 e 23 semanas. O abortamemo é ditO
Fatores maternos
precoce quando ocorre até a 13a semana e tardio entre a 13•
e a 20' semana. Se a interrupção oco rre até a terceira semana Qualquer infecção aguda grave no início de uma gesta-
de gestação, denomina-se morte ovular; se entre a quarta e a ção poderá leva r ao abortamento. Os agentes etiológicos
oitava semana, mone embrionária; e a partir da nona semana, potencialmente implicados são: Treponema pallidum, Neis-
morte fetal. seria gonorrhoeae, Chlamydia trachomatis, Listeria monocy-
togenes, estrepwcoco do grupo B, he rpes gen ital e c itome-
galovírus.
CLASSIFICAÇÃO As endocrinopatias descompensadas, quando não impe-
Os abortamentos podem ser classificados em: dem a gravidez, podem levar à sua interrupção, e a insuficiên-
• Abortamento espontâneo: estão aqui incluídos ameaça cia lútea (insuficiência do corpo lúteo) aumenta o risco de
de abortamento, abo namento inevitável, em evolução, in- abortamento precoce. As causas imunológicas, responsãveis
completo, completo e retido. Qualquer uma dessa moda- pela maior parte dos abortamentos habituais, podem se r au-
lidades pode complicar-se com infecção, caracte rizando o toimunes ou aloimunes. A sínd rome de amicorpos antifosfo-
abonamento in fectado. lípides (amicoagulante lúpico e amicardiolipinas) caracte riza
• Abortamentos de repetiçâo (habitual): são os abortamen- a forma autOimune, sendo responsável pelas perdas fetais por
tos espontâneos repetidos, em geral em virtude de um fator infarto e trombose place ntários.
causal coexistente. Com relação à imunidade alogenética, vale lemb rar que do
• Abortamentos provocados: representam as gestações inter- pontO de vista imunológico o fetO representa um transplante
rompidas clínica ou cirurgicamente antes da viabilidade fetal. alogênico tolerado pela mãe por motivos desconhecidos.
718
r
((

Capítulo 85 Abortamentos 719

As trombofilias (tendência a trombose por alterações here- repouso e a abstinência sexual também não se mostraram efi-
d itárias ou adquiridas da coagulação) também são causas de cazes. Há controvérsias quanto ao benefício do uso da proges-
abonamento. As hereditárias são decorrentes de alterações as- terona micronizada, devendo a paciente ser orientada sobre a
sociadas aos inibidores fisiológicos da coagulação (antitrom- provável evolução do quadro.
bina III, proteínas C e S e resistência à proteína C ativada) ou
nas mutações de fatores da coagulação (fatOr V de l eiden e Abortamento inevitável
mutação G202 10A da protrombina). No abortamento inevitável não existe possibilidade de
As trombofilias adquiridas decorrem de uma outra condi- prosseguimentO da gestação. Três quadros caracterizam esse
ção clínica, como síndrome de anticorpo antifosfolípide, neo- abonamento:
plasia, imobilização ou uso de medicamentos (contraceptivos
orais, terapia hormonal, heparina). • Ruptura das membranas amniólicas.
• Hemorragia genital: sangramento volumoso com coágu-
Fatores fetais los e dilatação cervical.
Ce rca de 50% dos abonamentos espontâneos estão asso- • Infecção intracavilária.
ciados a anomalias cromossômicas ou genéticas do produtO Ao exame clínico, poderão ser obse rvados o volume do
da concepção. Quanto mais precoce o abortamento, maiores sangramento, a presença de líquido amniótico, a dilatação
as chances de causa cromossômica, sendo as trissomias as al- cervical ou a presença de pus ou secreção piossanguinolenta
terações mais frequentes (trissomia dos cromossomos 13, 16, fétida, exteriorizando-se através do colo uterino.
18, 21 e 22).
Tratamento
EPI DEMIOLOGIA O tratamentO consiste no esvaziamento da cavidade ute-
O risco de abortamemo espontâneo aumenta com a parida- rina, que poderá ser realizado por curetagem ou aspiração
de e com a idade materna e paterna. O abortamento aumenta manual intrauterina (AMIU).
de 12%em mulheres com menos de 20anos para 26%em mu-
lheres com mais de 40 anos. Sua incidência é elevada em ges- Abortamento em evolução
tantes que engravidam nos 3 meses posteriores a um pano No abortamento em evolução o processo se encontra em
a termo. andamento. O ovo já se desprendeu da cavidade uterina e
poderá ser observado no canal ce rvical ou cavidade vaginal.
FORMAS CLÍNICAS E CONDUTA
Ameaça de abortamento e abortamento iminente Tratamento
A ameaça de abortamentO e o abonamento iminente são O tratamento poderá consistir apenas na tração desse ma-
quadros semelhantes com prognósticos distintos. Enquanto terial por meio de uma pinça, como a de Winter, e, se neces-
na ameaça de abortamento a probabilidade de interrupção da sãrio, em posterior curetagem para completo esvaziamento da
gestação é de cerca de 30%, no abortamento iminente pode cavidade. Se a curetagem for necessária, a paciente precisará
chegar a 80%. de anestesia e, portamo, ficará internada até sua recupe ração.
O quadro clínico é caracterizado por sangramento e dor
lombar persistente, associada a pressão pélvica e dor supra- Abortamento incompleto
púbica. Na ameaça de abortamento, o sangramento é discretO O abortamento incompletO é mais frequente após 10 se-
e pode durar d ias ou semanas e ocorrer por alterações deci- manas e é diagnosticado quando tOda ou parte da placenta
duais ou descolamento do ovo. No abonamento iminente, o é retida no útero após a expulsão do feto. O sangramento
sangramento é mais volumoso, de maior duração e acompa- está presente, podendo se r muito importante nas gestações
nhado da eliminação de coágulos. avançadas.
A ultrassonografta transvaginal pode auxiliar a avaliação O exame clínico mostra o útero amolecido e aumentado,
do prognóstico gestacional. A presença de hemorragia retro- porém menor do que o esperado para a idade gestacional, e o
coriônica pode predizer a evolução do abortamentO. Quando colo uterino entreaberto.
a área de hemorragia é <60ml ou correspondente a menos de À ultrassonografia é observado material intraute rino he-
um quarto da área do saco gestacional, o prognóstico gesta- terogêneo e amorfo com a presença ou não de líquido. A es-
cional se tOrna favorável. pessura endometrial ao corte longitudinal >15mm tem sido
considerada ind icativa de abonamento incompleto.
Tratamento
O tratamento se constitui basicamente de apoio e orienta- Tratamento
ções, além do uso de analgésicos e antiespasmódicos. A conduta deverá consistir no esvaziamento uterino por
A literatura sugere, com base em evidências científicas, meio de AMIU ou curetagem. Entretanto, em gestações de
que o tratamento com gonadotrofina coriônica ou wcolíticos prime iro trimestre, em pacientes oligossintomáticas e esclare-
não alte ra o prognóstico e, embora muito recomendados, o cidas, pode-se adotar a conduta expectante.
/")/;
I 720 Seção 11 Obstetrícia

Conduta expectante Cerca de 50% dos abortos de primetro tnmestre apre-


Cerca de 95% dos abonamentos espontâneos, incomple- sentam alterações cítogenéticas. Para abordagens futuras é
tos de primeiro trimestre, são resolvtdos em 2 semanas sem recomendado estudo do canótipo do produto da concepção
nenhuma intervenção. Entretanto, esses casos devem ser se- a partir do segundo abonamento. O casal com alterações ci-
lecionados. A conduta poderá ser expectante em pacientes togenéticas deve ser encammhado para aconselhamento ge-
esclarectdas, com acesso fáctl ao hospttal e que apresentem nético. Procedimentos mvastvos, como a fenthzação asstsuda
quadro com pouco sangramento e dor, além de auséncia de com diagnóstico pré-tmplantactonal dos embnões e carióupo
sinais de infecção. A uhrassonografia, a espessura endome- fetal (biópsia de '~lo corial e ammocentese), são controversos.
trial de,·erá ter até SOmm. Se em 15 dtas não ocorrer a reso-
lução do quadro e a espessura endometrial estiver >15mm, Abortamento tardio
inicia-se a conduta auva. Defirtido por perda fetal de segundo tnmestre (entre 12 e
O seguimento deverá ser clinico com o auxilio da ultras- 20 semanas), o abonamento tardto tem como pnncipal causa
sonografia. a incompetência cervical, que é caracterizada pela dtlatação
cervical indolor no segundo trimestre ou no inicio do tercei-
Conduta ativa ro, com prolapso e abaulamento das membranas e expulsão
A conduta ativa poderá ser medicamentosa ou cirú rgica. do feto imaturo. Tende a se repetir em gravidezes subsequen-
Portanto, na aus~ncia de infecção e na presença de pouca dor tes, sendo responsável por 20% a 2 5% dos abonamentos de
e sangramento, realiza-se uma ultrassonografia. Se a espessu- repetição e 3% a 5% dos abortamentos tardios esporád icos.
ra endometrial for de até 50mm, admi nistram-se 600~tg de Entre os fatores etiológicos do abo rtamento ele repetição
misop rostol po r via vagi nal, em dose única, associado a anal- são destacadas as causas traumáticas, como dilatação elo colo,
gésicos e antieméticos. Após 24 horas repete-se a ultrassono- curetagem uterina, laceração cervical pós-parto traumático
grafia. Se a espessura endometrial for de até lSmm, significa ou pós-abon amento, amputação ou conização do colo llle-
abon ame nto completo; se >15mm, está indicado o esvazia- rino, podendo ser ai nda de origem congen ita por de[iciência
mento uterino por AMJU ou curetagem. de colágeno (slndrome de Ehlers-Dan los), malformações llle-
Para a condUia cirúrgica pode ser necessário o amadure- rinas ou em consequência da exposição intrauterina ao die-
cimento do colo com 4001-lg de misoprostol 4 horas ames tilestilbestrol.
do procedimento (curetagem ou AM lU). O uso de laminárias O diagnóstico se fundamenta na históna cllmca. Fora da
pode substituir o mtsoprostol. gestação poderá ser confirmado pela htsterossalpmgografia na
fase lútea do ciclo menstrual.
Uma medida da região istmocervtcal (onflcio interno)
Abortamento completo
>Bmm sugere insufictêncta cervtcal. Uma medtda de auxlho
O abonamento completo se caractenza pela eluninação de
diagnóstico fora da gestação constSUna na passagem de uma
todos os componentes da gravtdez, sendo frequente em abor-
,·eJa de Hegar 8 sem resisttncta através do onflcto mterno do
tamentos precoces (até 8 semanas).
colo na segunda fase do ciclo.
O diagnóstico se baseta nas mformações da paaente de que
A ultrassonografia transvagmal durante a gra\'tdez tem
após o período de sangramento e cóhcas elurunou "massa car- grande utilidade para o diagnósuco, é de fácil execução e não
nosa" pelos genitais. Após a ehmmação desse material ocorre
im·asiva, tornando posslvel a\'aliar o compnmento do colo,
melhora completa da dor e do sangramento. Ao exame, o útero
o formato do canal cervical e a presença de protrusão das
se encontra completamente involuldo e o colo fechado.
membranas amnióticas.
Recomenda-se repouso domiciliar por 24 a 48 horas.
O t ratamento clássico da incompetencia cervical consiste
na realização de cerdage ou cerclage cervical, preferencial-
Abortamento habitual mente por via vaginal. A principal técnica empregada é a de
Também chamado de abonamento de repetição ou recor- McDonald, sendo também descritas as de Shirodkar e de
rente, o abortamento habitual é definido como a ocorrência Aquino Sales. A de MacDonald consiste na realização ele su-
consecutiva de tr~s ou mais abortamentos espontâneos e in- tura em bolsa no nível do o riflcio interno do colo.
cide em cerca de l% das mulheres. A American Society fo r A de McDonald modificada por Ponte consiste em duas
Reproductive Medici ne modificou essa definição, consideran- sut uras circulares: a primei ra no nlvel do oriflcio interno do
do para efeito de avaliação cllnica do casal a ocorrência de colo e a segunda lcm abaixo da primeira. As suturas são em
apenas dois abortamentos. bolsa, com fio inabsorvivel monofi lamentar (propileno), dei-
As causas podem ser divididas em cromossômicas, genéticas, xando-se os nós com cerca de l,Scm na regu'lo anterior do
anatõmicas, endócrinas, infecctosas, tmunológicas, metabólicas colo uterino.
e ambientais. As mais tmponantes mcluem anorrrtalidades
cromossômicas (Lranslocaçôes), anormalidades uterinas e Cerc/age eletiva ou profi/ática
sindrome de anucorpos anufosfol!ptdes (SAAF). Anovulação A cerclage é dita profilática quando realtzada antes da al-
crônica e idade materna >40 anos também estão associadas a teração do colo uterino, tdealmente entre 12 e 16 semanas,
essas perdas. comprO\-ada a vitahdade fetal.
r
((

Capítulo 85 Abortamentos 721

Cerclage de emergência A progesterona natural micronizada, na dose de 100 a


A cerclage de eme rgência se restringe a pacientes com di- 200~tg deverá ser mantida até 36 semanas, o parto deverá
latação cervical >3cm no segundo trimestre, apagamento cer- ocorrer por cesariana, que deverá ser programada com 38 se-
vical pronunciado e membranas protrusas através do canal manas, e a cerclage deverá ser mantida.
cervical ou na vagina, podendo conter panes fetais.
Nesses casos em que o abortamento parece inevitável e a Abortamento retido ou missed abortion
sobrevida fetal é baixa, a cerclage de emergência pode ser ten- O aborta me mo retido é definido como a retenção de pro-
tada até a 24' semana de gestação. A técnica proposta é a de dutos da concepção por várias semanas após sangramenLO e
Olatunbosun e Dick (1981). morte do embrião/feto.
A paciente deverá ser hospitalizada e submetida à amibio- Grande parte desses casos evolui para abortamento espontâ-
ticoprofilaxia com celalotina ou cafazolina 2g endovenosa. O neo em até 15 dias. A paciente bem orientada suporta essa es-
proced imento deverá ser realizado sob anestesia, e a posição pera, desde que emenda os benefícios da conduta expectante.
de Trendelenburg poderá facilitar a redução das membranas Os sintomas de gravidez desaparecem. O volume uterino
herniadas. é menor do que o esperado para a idade gestacional e o colo
O uso de wcolíticos e progesterona natural micronizada é uterino se encontra fechado ao toque.
controverso. A ultrassonografia desempenha importante papel, fornecen-
A técnica consiste no pinçamento dos lábios anterior e pos- do o diagnóstico de morte do produto conceptual nos casos em
terior do colo com pinças de De l ee, redução das membranas que não houve sua manifestação clin icamente. Denomina-se
com um chumaço de gaze umedecida e sutura do colo pela morte do produtO conceptual a ausência de atividade cardíaca
técnica de MacDonald modificada por Pontes (duas bolsas). em embriões com comprimento cabeça-nãdega >5mm.
Enquanto o sucesso da cerclage profilática gira em torno Em alguns casos ocorre a reabsorção do embrião ou não
de 90%, no procedimento emergencial os resultados não são chega a acontecer seu desenvolvimentO. Trata-se de gestação
tão bons, mas segundo alguns autores chegam a 50%. anembrionada.
As complicações infecciosas, como ruptura prematura de Os critérios d iagnósticos por meio de ultrassonografta
membranas, corioamnionite e a mortalidade materna e fetal, transvaginal são ausência de vesícula vitelínica em sacos ges-
são obviamente maiores na cerclage de emergência do que na tacionais com diâmetro >8mm e não visibilização do embrião
eletiva. com saco gestacional > 16mm.
Não existem estudos randomizados sobre a eficácia e a Se em 15 dias após o diagnóstico não ocorrer o abortamen-
segurança da cerclage de emergência realizada na presença to completo e a ultrassonografia mostrar endométrio >15mm,
de d ilatação cervical avançada. Os estudos são retrospectivos, deve-se adotar conduta ativa.
em sua maioria, e não demonstraram resultados positivos. A coagulopatia de consumo é evento raro em casos de
Os pontos deverão ser retirados com 37 semanas ou em abortamentos precoces (sendo mais observada quando ocorre
qualquer momento da gestação na presença de trabalho de morte fetal após a 20• semana).
parto, amniorrexe prematura, corioamnionite e óbito fetal.
Tratamento
Seguimento pós-cerc/age
Caso se opte pelo esvaziamento uterino imediato, deve-se
As consultas pré-natais e pós-cerclage deverão ser mais levar em coma a idade gestacional:
frequentes e, após 34 semanas, quinzenais ou mesmo sema-
nais, e o comprimento do colo deverá ser acompanhado por • Em caso de idade gestacional <1 2 semanas: dilatação
ultrassonografia, e seu encurtamento (distância do ponto da cervical e esvaziamento da cavidade, que poderá ser pre-
cerclage e orifício interno do colo <lOmm) ou a presença de cedida pelo uso de 400~tg de misoprostOI, via vaginal, ou
afunilamento são sinais de mau prognóstico. de colocação de laminãria, e realização de AMIU ou cure-
Deverão ser adotados acompanhamento e controle rigo- tagem uterina.
rosos de infecções vaginais com repetição de pesquisa infec- • Em cas o d e idade gestacional >1 2 semanas: promover o
ciosa laboratorial entre 20 e 24 semanas e 28 e 30 semanas. amadurecimento do colo com prostaglandinas, seguido do
Entre 35 e 37 semanas deverá ser realizada a pesquisa para uso de ocitóciws em altas doses e curetagem uterina, após
estrepwcoco beta-hemolítico do grupo B por meio de cultura a eliminação fetal. O tratamentO medicamentoso deverá
de mate ria\ (swab) vaginal e anal. ser iniciado com 400J.lg de misoprostOI por via vaginal. Se
não houver alteração clínica após 4 horas, manter 400~tg
Cerc/age abdominal a cada 4 horas (até cinco doses) até a expulsão completa.
A cerclage abdom inal é realizada quando não há possibi- Caso não ocorra a expulsão, a medicação deverá ser sus-
lidade de cerclage por via vaginal, pelo fato de o colo estar pensa por 12 horas. O tratamento deverá então ser rei-
muitO curto ou lacerado, e deve rá ser feita entre 11 e 13 niciado com 600J.!g de misoproswl, seguidos de 400J.lg a
semanas em virtude da maior facilidade técnica. A técnica cada 4 horas (até cinco doses). A falha da eliminação do
adotada é a de Benson e Durfee (1965), que se utiliza de fita produtO da concepção após três ciclos é considerada te-
cardíaca. rapêutica. Nesses casos, inicia-se ocitocina venosa, cujas
/.

'
'/:
j 722 Seção 11 Obstetrícia

doses não são padronizadas, sendo recomendado o uso de As bactérias envolvidas nos abonamentos infectados são
doses crescentes. Cabe lembrar que no segundo trimestre aeróbias e anaeróbias, merecendo destaque estreptococo beta-
da gestação o núme ro de recepto res de prostaglandinas é -hemolítico do grupo B, Enterococcus, Escherichia coli, Peptos-
pequeno, o que limita sua ação. treptococcus, Bacteroides Jragilis e Clostridium.
O diagnóstico se baseia na presença de febre, dor hipogáslrica
Uso de misoprostol em úteros com cicatriz e mobilização uterina, além de corrimento purulento e fétido.
Nas pacientes com cicatrizes uterinas por cesarianas prévias O abo rtamemo infectado pode se r subd ividido em está-
ou outras intervenções sobre o útero deverá ser maior o cui- gios (tipos), confo rme a extensão do processo e a gravidade
dado na administração de ute rotônicos. Nas interrupções do clínica:
primeiro trimestre, o misoproswl poderá ser utilizado na dose
• Tipo 1: localizado apenas na cavidade uterina e na decí-
habitual. Entretanto, em paciente com quadro de abonamemo
dua. O útero se encontra aumentado de volume, e o canal
de segundo trimestre, caso seja necessário o uso de uterotôni-
ce rvical pérvio, drenando secreção piossanguinole nta. O
co, o misoproswl deverá ser utilizado em casos selecionados.
estado geral da pacie nte ainda é bom.
Critérios para o uso de misoprostol • Tipo 11: a infecção atinge miométrio, paramétrios, anexos
e peritõnio. Há a presença de feb re, taquicardia, íleo para-
Um dos critérios para o uso de misoproswl é altura uterina
lítico e dor abdominal, podendo existi r defesa abdominal.
até 12cm (dose habitual), assim como altura uterina >12cm
O toque vaginal é extremamente doloroso e pode haver
e <l 6cm (lOO~tg por via vaginal). Se a expulsão não ocor-
empastamento dos paramétrios.
rer após 6 horas, deve-se manter lOO~tg a cada 6 horas até
• Tipo 111: quadro grave com a paciente com septicemia.
a expulsão ou por no máximo cinco doses. Na ausência de
Alta morbimonalidade.
sucesso, o tratamento deve ser inte rrompido por 24 horas e
reiniciado com 200~tg, seguidos de lOO~tg a cada 6 horas. No tipo li!, além dos cuidados iniciais de antibioticotera-
Se não ocorrer a resolução após o segundo ciclo, deverá se r pia e cirurgia para a remoção dos focos e abscessos, a paciente
feita nova pausa de 12 horas e o tratamento reiniciado com necessitará de monito rização em unidade de terapia intensiva.
400~tg, seguidos de 100J.!g a cada 4 horas por, no máximo,
cinco doses. Tratamento
Na ocorrência de abonamemo completo será conside rada O tratamento deverá ser individualizado com base na gra-
falha terapêutica, iniciando-se, então, o uso de ocitóciws. vidade do quad ro, na idade gestacional e se o abo no é retido
A altu ra uterina >16cm, gestações de segundo trimestre ou não.
mais avançadas com antecedentes de duas cesarianas ou mio-
mecwmia transve rsal são indicações controve rsas para o uso Conduta de acordo com a idade gestacional
de misoproswl. Gestações até 12 semanas
Nesses casos, o uso de misop rostOI deverá ser cauteloso, Se o colo uterino se encontra amadurecido e pérvio, o es-
iniciando-se com SO~tg a cada 6 horas e aumentando grada- vaziamento da cavidade uterina é possível po r meio de AMIU
tivamente as doses, utilizando até cinco doses em cada ciclo ou curetagem.
po r, no máximo, três ciclos. Nos casos em que houve a necessidade de dilatação do
Os raros casos de ruptura uterina estão relacionados com colo uterino ames da cu retagem ou AM!U podem ser utiliza-
o uso de doses > l. OOO~tg/2 4 horas e a associação aos outros das laminárias ou velas de Hegar.
uterotõnicos. O abortamentO será completO se a ultrassonografta eviden-
ciar espessura endometrial de até 15mm. Se >15mm, a pro-
Efeitos colaterais do misoprostol
pedêutica deverá ser continuada.
Os efeitos do misoproswl, que pode se r utilizado pelas
vias vaginal, reta!, o ral ou sublingual, consistem em feb re, Gestação após 12 semanas
náuseas, vômitOS, d iarreia, h ipenonia uterina e taquissistOiia. Após 12 semanas é necessã rio aguardar a eliminação do
feto , que pode se r induzida por meio de medicamentos, ames
Abortamento infectado da curetage m.
O aborto infectado constitui a te rceira causa de morte ma- Se o colo estiver imaturo e fechado, preconiza-se o uso de
te rna no Brasil. A eliminação incompleta do ovo/embrião ou misoproswl nas doses sup ramencionadas para o tratamento
da placenta dete rmina a manutenção da abe rtura do canal do abortamento retido. Além do misoprostOl, pode-se lançar
ce rvical, favorecendo a ascensão de bactérias da microbiota mão de doses altas de ociwcina na indução dos abonamentos
vaginal e intestinal. de segundo trimestre.
As complicações graves são geralmente decorrentes de Os esquemas preconizados consistem no uso de ocitoci-
abo rtamemos provocados. Hemo rragia grave, septicemia, na entre 20 e 100UI em SOOml de soro fisiológico ou soro
choque bacte riano e insuficiência renal aguda são relatados glicosado a 5%, infundidos até 2mUmin. A cada esquema
em abonamentos espontâneos ou legais, mas em frequência é aumentada a concentração de ocitocina, de aco rdo com a
muitO menor. resposta terapêutica.
r
((

Capítulo 85 Abortamentos 723

Caso não ocorra a expulsão com a infusão inicial, pode-se sária a manutenção de antibióticos, mesmo por via oral, e a pa-
realizar infusão seriada por 2 a 3 dtaS, tendo-se o cuidado de ciente poderá receber alta hospitalar para controle ambulatorial.
evitar ruptura utenna e mtoxicação hldnca. Caso não ocorra a Entretanto, em casos de sepucem1a, o tratamento deverá
expulsão do produto conceptual após u-ts tentativas, considera- ser feito pelo menos por 14 dtas. Após o esvaztamemo ute-
-se falha do método, devendo ser adotada, então, nova conduta. rino são mantidos os medtcamentos uterotOmcos e anubió-
ticos. A persiStencia de febre apesar das medtdas adotadas
Condução do tratamento sugere complicações, como cobertura anubtóuca madequada,
A condução do tratamento deve ter o segumte direciona- febre induzida por medtcamentos, tromboflebne pélvtca, per-
mento: furação uterina, miometntes graves e abscessos, entre outras.
• Punção de veia de grosso cahbre para coleta de sangue para laparotomía
exames e infusão de soros e sangue quando necessário.
A laparotomia está reservada para os casos em que não
• Hidratação com soro fiStológtco a 0,9%, procurando
houve melhora do quadro com as medidas terapêuticas ado-
manter a pressão arterial em nlveis aceitá,·eis e diurese
tadas ou existe evidencia de perfuração ou necrose uterina,
>30mUh.
massas anexiais ou septicemia.
• Iniciar antibioticoterapia de largo espectro e uterotônicos.
A histerectomia não deve ser protelada, pois pode melho-
• Promover o esvaziamento da cavidade uterina.
rar muito o prognóstico dessas pacientes. Os anexos, quando
Os esquemas te rapêuticos mais utilizados são: comprometidos, não devem ser poupados. Nessas cirurgias
sempre avaliar a presença de trombose séptica de veias uteri-
• Clindamicina associada à gentam icina.
nas e ovarianas. Se oco rrerem abscessos cavitá rios, se rão ne-
• Ampicilina associada à gentamici na e ao metronidazol. cessários procedimentos cirúrgicos mais complexos com in-
Se não houver resposta à associação de am inoglicosldeo ao tervenções sobre alças intesti nais e outros órgãos abdomi nais.
anaerobicida, associa-se ampicil ina ou penicilina ao esque-
Coagulopatía hemorrágica
ma, cobrindo assim o Streptococcu.s Jaecalis (enterococo), ou
se amplia o espectro antibactenano com outros antibióticos. Nas pacientes com indicação de cirurgia e distúrbio de
Nas pacientes com função renal comprometida, a gentami- coagulação será necessário o controle hematológico prévio,
cina e a amicacina poderão ser uulizadas com fator de corre- sendo fundamental que a cavidade abdommal seja mantida
ção ou subsutuldas por uma cefalosporina de terceira geração com um sistema de drenagem efictente, uuhzando-se drenos
(ceflriaxona). tubulares ou de Penrose. Nas pactentes com posstbLitdade de
O tratamento no upo I constste na remoção do foco infec- no,·as laparotomias, a parede não de,·e ser fechada em sua
cioso por meto de curetagem utenna, precedida do ínldo da totalidade, utihzando pontos totaiS ou subtotaiS.
antibioucoterap~a venosa. O espectro de ação desses medica-
Tromboflebile séptica pélvica
mentos mclut germes gram-negauvos e anaeróbios.
Diante de febre persiStente sem mdtcação ctrúrgtca deve-
No upo 11, apenas a curetagem não soluctona o problema,
-se pensar em tromboflebne séptica pélvtca. Alguns autores
sendo necessária a abordagem ctrurgtca (drenagem de absces-
recomendam a associação de heparina como prova terapêu-
sos, histerectomia, ooforectomta etc.).
Os exames complementares são necessários para avaliação tica nos casos em que a anubioticoterapta não foi eftcaz. En-
tretanto, alguns estudos mdtcam que a heparina associada à
do grau de comprometimento (hemograma, coagulograma,
antibioticoterapia não melhorou os resultados quando com-
função renal e hepática, ultrassonografia, radiografias de tó-
rax e abdome. tomografia e ressonância magnética). parada com a antibioticoterapía isolada.
Abscessos pélvicos, dependendo de sua localização, po-
dem ser d renados pelo fundo de saco vaginal posterior. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A antibioticoterapia é semelhante ao tipo l (Quadro 85.1). • De fundamental importância é definir o grupo sangulneo
Nos casos de endometrite não complicada, na auséncía de de fato r Rh dessas gestantes, em principio, e o fe rece r imu-
manipulação e com a paciente assintomática, a antibiotícotera- noglobulina anti-Rh a todas com fator Rh!Du negativos e
pia deverá ser mantida por via endovenosa por pelo menos 48 não sensibilizadas.
horas após o último pico febril. Após esse perlodo, não é neces- • Todo material de cu retagem, biópsia ou cirurgia deve rá se r
encam inhado para estudo anatomopatológico.
Quadro 85.1 Principais antibióticos empregados em casos de • Os abonamentos inrectados (importante causa de morte
abortamento infectado
materna), deverão ser prontamente diagnosticados e ade-
Amplclllna ta 2 EV 6/6h quadamente tratados para que as complicações seJam pre-
Gentamlclna t ,Smg/kg EV 8l8h venidas e o futuro reprodutor dessas mulheres não fique
Cettrlaxona t a2EV 12/12h comprometido.
• O tratamento com dilatação do colo utenno e curetagem em
Metronldazol
. 500mgEV 8l8h
primigeStaS pode ocasionar aumento de graVIdez ectópica,
Cllndamlclna 600 ou 90()ng 6/6hou818h abortamento de segundo tnmestre e batxo peso ao nascer.
/.

'
'/
'j 724 Seção 11 Obstetrícia

MENSAGENS-CHAVE Leitura complemenlar


• No abonamento espontâneo de primetro tnmestre, com American College of Obstetnc~ans and Gynecologtsts: medtcat ma-
nagement of aborlion. Practtce Bulletin No. 67, October 2005,
a paciente estável e bem inrormada, a conduta expectante
Reaffirmed 2011c.
poderá ser adotada. American College of Obstetrictans and Gynecologists. Ultrasono-
• Em casos de abortamento com retos > 12 semanas, deve-se graphy and pregnancy. Practice Bulletin No. 101, February 2009,
promover a expulsão do reto com uterotOnicos (misopros- Reaffirmed 2011e.
Berghella V, Airoldi J, O'Neil AM, Einhom K, Hoffman M. Misoprostol
tol e/ou ocítocina) antes da curetagem uterina. for second trimester pregnancy termination in women with prior
• Antes da curetagem em útero inrectado, cabe iniciar cober- cesarean: a systematic review. BJOG 2009; 116:1 151-7.
tura antibiótica de amplo espectro e uterotOnícos. Bittar RE, Pereira PP, Uao A. Fittipaldi FS. Intercorrências obstétrocas. In:
• O uso de trusoprostol deverá ser criterioso, em abona- Zugaibobstetrlcia. 2. ed. Baruen- São Paulo: Manole, 2012:565-612.
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CAPÍTULO (

Gravidez Ectópica
José Avi/mar Uno da Silva
Joana Sara Fonseca Dumont

INTRODUÇÃO mento, dor ou ambos no primeiro trimestre da gravidez varia


A gravidez ectópica acontece quando um blaswcisto em de 6% a 16%.
desenvolvimento é implantado fora da cavidade corpórea O número de gestações ectópicas tem aumentado muito nos
do útero. A maioria dos casos (98%) oco rre na tuba ute rina. últimos anos. Dados americanos mostram que a incidência pas-
O utros locais possíveis são colo ute rino, cicatriz de histero- sou de 0,5% de todas as gravidezes em 1970 para 2% na déca-
LOmia, corno uterino rudime ntar, ovários e cavidade abdo- da de 1990, última referência relatada pelo Centers for Disease
minal. Como esses sítios anatômicos geralmente não podem Control (CDC) americano. Essa maior incidência está fortemente
acomodar o desenvolvimento placentário ou o crescimento associada ao aumento dos casos de doença inflamatória pêlvica,
do embrião, o risco de ruptura e hemorragia sempre existe, além da evolução dos métodos propedêuticos, que possibilitam
podendo desencadear um quad ro de emergência médica. Ex- o diagnóstico precoce de casos ames resolvidos espontaneamen-
cepcionalmente, uma gravidez ectópica evolui até a viabilida- te, de modo assintomático, e, ponamo, sem diagnóstico.
de fetal , resultando no nascimento de um few vivo e sem mal- Apesar do aumento da incidência da gravidez ectópica,
formações, o que só oco rre em gestações intra-abdominais. pelo menos em países dese nvolvidos a taxa de mortalidade
Entretanto, a ocorrência de gravidez ectópica pode prejud ica r po r essa patologia tem d iminuído. Nos EUA, a taxa de morta-
substancialmente o futuro rep rodutivo da paciente. lidade materna por gravidez ectópica diminuiu 57% entre os
A incidência da gravidez ectópica é alta (1,3% a 2% de wdas períodos de 1980 a 1984 e 2003 a 2007 (de 1,15 para 0,50
as gestações) e tem aumentado significativamente a partir da morte por 100 mil nascidos vivos), sendo maior na popu-
década de 1970. Em vi rtude dos altos índices de morbidade lação a fro-americana e nas mulheres com mais de 35 anos.
e mortalidade maternas, essa patOlogia é considerada questão Mesmo assim, permanece como a principal causa de morte
de saúde pública, especialmente nos países desenvolvidos,
mate rna no primeiro trimestre de gestação, sendo responsàvel
onde é a principal causa de morte materna no primeiro tri-
po r 10% a 15% desses falecimentos.
mestre de gestação. O aumento do número de casos se deve à
maior prevalência dos fatores de risco e ao aprimoramento dos
métOdos diagnósticos. FATORES DE RISCO E CAUSAS
A ultrassonografia endovaginal e a dosagem sé rica da fração A maioria das gravidezes ectópicas se desenvolve em razão
beta da gonadotrofma co riônica humana (~-HCG) identificam do atraso do transporte do ovo, decorrente de anormalidades
casos de gravidez ectópica em regressão espontânea, anterior- da trompa de Falópio. As potenciais causas de anormalida-
mente não d iagnosticados, além de possibilitarem o diagnósti- des LUbárias incluem anomalias congênitas, ci rurgias prévias
co mais precoce. O diagnóstico precoce, com maiores chances e exposição ao dietilestilbestrol durante a vida imrauterina.
de identificar uma gravidez ainda íntegra, aliado aos avanços Uma pequena porcentagem é causada por anormalidades do
na terapêutia, tem diminuído a mortalidade por essa patologia. ovo fertilizado (alterações cromossômicas e amadurecimento
precoce, entre outras) ou por disfunção hormonal, levando à
EPIDEMIOLOGIA implantação do ovo fora de seu sítio normal.
A prevalência de gravidez ectópica entre mulheres que Os fato res de risco pa ra gravidez ectópica podem ser di-
procuram o serviço de eme rgência com quadro de sangra- vid idos em de alto, moderado ou baixo risco (Quadro 86.1).

725
/.

'
'/:
j 726 Seção 11 Obstetrícia

No entanto, as características que colocam uma mulher em • Infecção genitaVdoença inflamatória pélvica prévia:
risco de gravidez ectópica não são completamente indepen- infecção pélvica (salpingite inespecífica, clamídia, gonor-
dentes umas das outras. Ce rca de 50% das gravidezes ectó- reia), especialmente quando recorrente, é uma das prin-
picas não apresentam fatores de risco associado, como os cipais responsáveis por deso rdens tubárias e, po rtanto ,
seguintes: aumenta a incidência de gravidez ectópica.
• Múltiplos parceiros sexuais: te r mais de um parceiro se-
• Gravidez ectópica prévia: pacientes com tratamento con-
xual du rante a vida está associado ao risco moderado de
sen•ado r prévio para a gravidez ectópica são de alto risco,
gravidez ectópica, o que se relaciona com o aumento do
sendo estimada em 15% sua recorrência. Esse risco está
risco de doença inflamatória pélvica na mulher com histó-
relacionado tanto com a desordem tubária subjacente, que
ria de múltiplos parceiros sexuais.
levou à gravidez ectópica inicial, como com a causada pelo
• Tabagismo: fumar no período pe riconcepcional aumenta
tratamento.
o risco de gravidez ectópica e é dose-dependente, podendo
• Fatores tubários (cirurgia prévia, ligadura, outra pato-
ser considerado um risco moderado ou baixo. Acredita-se
logia): o comprometimento da anatOmia tubária normal a
que isso ocorra em razão da piora da imunidade em fu-
partir de fatores como infecção, cirurgia, anomalias congêni-
mantes, predispondo-as à doença inflamató ria pélvica ou
tas ou tumores geralmente é acompanhado do comprometi-
mento funcional em vinude da atividade ciliar danificada. ao comprometimento da motilidade tubária.
• Exposição ao dietilestilbestrol: mulheres com história • Reprodução assistida: mulheres submetidas a técnicas
de exposição ao d ietilestilbestrol intraútero têm risco nove de reprodução assistida apresentam risco variável, de-
vezes maior de gravidez ectópica em função da morfologia pendendo da técnica utilizada, da saúde rep rodutiva e
anormal das trompas e, possivelmente, da função fimbrial do potencial estimado para a implantação emb rionãria.
prej udicada. A fertilização in vitro (FIV) está associada a aumento do
• Uso de dispositivo intrauterino (DIU): mulheres que usam risco tanto de gravidez ectópica como hete rotópica.
DIU têm menor incidência de gravidez ectópica do que as que • Ducha vaginal: o uso regular de ducha vaginal está rela-
não usam outros comraceptivos, uma vez que esse dispositivo cionado com risco aumentado tanto de doença inflamató-
funciona impedindo a fertilização, bem como a implantação. ria pélvica como de gravidez ectópica.
No entanto, suas usuárias têm maior risco de contrair uma • Início precoce das relações sexuais: a primeira relação
gravidez ectópica (uma em duas gravidezes para o DlU com sexual antes dos 18 anos de idade aumenta ligeiramente o
levonorgestrel contra uma em 16 gravidezes para o DIU de risco de gravidez ectópica.
cobre). O uso de contraceptivos hormonais diminui a chance de
• Infertilidade: a incidência de gravidez ectópica é maior no gravidez eutópica e ectópica. No entantO, se há falha no mé-
grupo das mulheres in férteis, embora esse fatO possa refle- tOdo, o risco de ocorre r gravidez ectópica é maior. O Quadro
tir-se no aumento da incidência de anormalidade tubária 86.2 exibe a proporção da gravidez ectópica com todas as
nesse grupo. Alguns estudos têm sugerido a associação en- gravidezs no uso de alguns métodos contraceptivos.
tre o uso da medicação para tratamento de infertilidade e
a gravidez ectópica, o que pode estar relacionado com a
função tubária alterada secundária à flutuação hormonal.
APRESENTAÇÃO CLÍNICA E DIAGNÓSTICO
Os sintomas da gravidez ectópica geralmente são inespecí-
ficos e em cerca de 50% dos casos não são d iagnosticados na
Quadro 86.1 Fatores de risco para gravidez ectópica primeira visita ao médico. As manifestações clínicas aparecem
tipicamente de 6 a 8 semanas após a data da última menstrua-
Risco Fator de risco Odds ratlo
ção, tendo o sangramento vaginal no primeiro trimestre e/ou
Ectópica prévia 9,3 a 4,7
dor abdominal como a ap resentação clínica mais comum. No
Cirurgia tubária prévia 6,0a 11,5 entanto, a gravidez ectópica também pode ser assintomática.
Ligadura tubária 3,0 a 13.9 O sangramento vaginal está presente em 40% a 50% das pa-
Alto
Doença tubária 3.5 a 25 cientes, mas não há padrão pawgnomônico para a gravidez ec-
Exposição ao dietilestilbestrol intraútero 2.4 a 13 tópica. Tipicamente, o sangramento é precedido de ameno rreia
Uso de dispositivo intrauterino (DIU) 1.1 a45
lnlertilidade 1.1 a 28 Quadro 86.2 Proporção de gravidez ectópica de acordo com o uso de
Cervicite prévia (gonorreia, clamldia) 2,8 a 3,7 alguns métodos contraceptivos

Moderado Doença inflamatória pélvica prévia 2,1 a 3 Método contraceptivo Gravidez ectóplca/todas as gravidezes
Múltiplos parceiros sexuais 1,4a4,8 DIU levonorgestrel 1:2
Tabagismo 2,3 a 3.9 Pllulas progesllnicas 1:20
Uso de ducha vaginal 1,1 a 3.1 Pllulas combinadas o
Baixo
Inicio sexual precoce ( <18 anos) 1,1 a2.5 Todas as mulheres 1:50
r
((

Capítulo 86 Gravidez Ectópica 727

e é intermitente, podendo ser confund ido com a menstruação é esperado um aumento de pelo menos 66% do nível sérico
normal. No entanto, pode variar do spotting à hemorragia. desse hormônio em uma gravidez de evolução normal a cada
A palpação abdominal dolorosa está presente em 75% dos 48 horas; apenas 15% das gravidezes viáveis apresentam taxa
casos. A dor ge ralmente é em baixo-ventre, mas pode ser di- de crescimento inferior a esse limiar. O aumento mais lemo
fusa ou unilateral. Quando há sangramento intra-abdominal, registrado ao longo de 48 horas associado a uma gestação
a dor pode chegar ao abdome supe rior e até ser referida ao tópica viável foi de 53%.
ombro (quando atinge o diafragma), podendo causar des- A dosagem da 13-HCG sérica pode auxiliar muitO o d iag-
comp ressão dolorosa (sinal de Blumberg positivo), indicando nóstico da gravidez ectópica. O aumento inadequado dos ní-
irritação peritoneal. Ao toque vaginal, observa-se dor à mo- veis sé ricos desse hormônio é consistente com uma gravidez
bilização do colo uterino em aproximadamente dois terços anormal, pois sua concentração aumenta mais lentamente na
das pacientes e massa anexial palpável em aproximadamente maioria das gravidezes ectópicas ou inviáveis , e a d iminuição
50% dos casos. Em geral, o útero se encontra menor do que dos níveis séricos de 13-HCG é compatível com o quadro das
o esperado para a idade gestacional relatada pela paciente. gestações interrompidas, como aborto retido , gestação anem-
Os desconfonos comuns de uma gravidez eutópica (sensi- brionária, abono tubário e abono incompleto. No entantO,
bilidade mamária, micção frequente, náuseas, vômitos, can- para a confirmação do diagnóstico é necessário o uso de ou-
saço) podem estar presentes na gravidez ectópica, mas são tros métOdos propedêuticos, como o ultrassom endovaginal.
menos frequentes, uma vez que a progesterona, o estradiol e O ultrassom endovaginal tem papel fundamental no d iag-
a 13-HCG se apresentam com títulos menores se comparados nóstico da gravidez ectópica. Isoladamente (sem dosagem de
com os da gravidez no rmal. 13-HCG) é capaz de confLrmar o diagnóstico ao se observar
A gravidez ectópica pode estar íntegra ou rota no momento um saco gestacional com vesícula vitelina ou embrião implan-
da consulta médica. Qualquer sintoma sugestivo de ruptura tado fora da cavidade uterina. Além disso, possibilita excluir
deve ser investigado, como dor abdominal intensa ou persis- uma gravidez intrauterina em pacientes com 13-HCG positiva
tente e sinais de pe rda sanguínea importante (instabilidade e sinais e sintomas de gravidez ectópica, corroborando o d iag-
hemodinâmica, sensação de desmaio ou perda de consciên- nóstico , ou praticamente afastar o diagnóstico ao se detectar
cia, choque h ipovolêmico), pois se trata de risco de morte o saco gestacional com vesícula vitelina ou embrião dentro da
iminente. cavidade uterina (rara exceção para a gravidez heterotópica,
Na gravidez ectópica íntegra, o d iagnóstico não pode ser em que há a coexistência de gravidez tópica e outra ectópica -
confirmado apenas pelos sintomas clínicos e achados do exa- 1 caso em cada 3.000 gravidezes ectópicas).
me físico, porém a história clínica (anamnese) e os dados do Os achados do ultrassom endovaginal em gestação inicial
exame físico são de extrema importância para identificação são capazes de definir a idade gestacional com margem de
das pacientes de risco. Prosseguindo com a propedêutica, erro inferior a 7 d ias. Em uma gravidez entre 4 e 5 semanas é
pode-se estabelecer o diagnóstico mais precoce, o que pos- possível visualizar apenas o saco gestacional, devendo-se ter
sibilita a adoção de terapêutica menos agressiva em maior cautela para não confundir com um pseudossaco gestacional
número de pacientes com consequente d iminuição da morbi- ou com o acúmulo de líquido na cavidade endometrial en-
dade e mortalidade maternas. tre os folhetos, que são achados ultrassonográficos em alguns
Os principais testes diagnósticos utilizados para auxiliar o casos de gravidez ectópica. O saco gestacional verdade iro se
d iagnóstico da gravidez ectópica consistem em uma combi- localiza no endométrio, "mergulhado" em um dos folhetos. A
nação da dosagem da 13-HCG quantitativa com a realização vesícula vitelina é visualizada ao ultrassom endovaginal entre
do ultrassom endovaginal. 5 e 6 semanas de gestação, enquanto o embrião é visto , já
A 13-HCG, hormônio produzido pelas células do trofoblas- com atividade cardíaca, entre 6 e 7 semanas. Se a via for su-
10 ou da placenta, é um marcador muitO acurado da presença prapúbica, é esperado que wda gravidez viável seja detectada
de gravidez e vitalidade placentária, podendo ser detectado após 7 semanas.
no soro e na urina após o oitavo d ia do pico do hormônio Os dados ultrassonográficos, quando analisados em conjun-
luteinizame (LH), aproximadamente 21 a 22 dias após o pri- to com os valores séricos de 13-HCG, ganham mais confiabili-
meiro dia do último pe ríodo menstrual em mulheres com dade no diagnóstico da gravidez ectópica. O limite mínimo de
ciclos de 28 d ias. A concentração desse hormônio em uma valores desse hormônio para se detectar a gravidez tópica ao
gravidez tópica normal aumenta de maneira exponencial até ultrassom pela via endovaginal varia de 1.500 a 2.000UVml,
cerca de 41 d ias de gestação e comi nua de maneira mais lema dependendo do serviço, devendo ser levadas em conta a exper-
até aproximadamente lO semanas, quando se estabiliza e, em tiSe do profissional, a qualidade do aparelho de ultrassom e a
seguida, passa a declinar até atingir um patamar no segun- presença de alterações uterinas, como os miomas. Ao se usar o
do e te rceiro trimestres de gestação. De maneira prática, no valor maior (2 OOOUVmL), a sensibilidade d iminui de 15,2%
primeiro trimestre, a 13-HCG em uma gestação de evolução para 10,9% e a especificidade aumenta de 93,4% para 95,2%,
típica dobra a cada 36 a 48 horas. reduzindo os riscos de interferência em uma gestação tópica
Não é possível determinar a viabilidade de uma gestação viável, mas aumentando o de atraso do diagnóstico de uma
com dosagem única de 13-HCG porque há ampla gama de ní- gravidez ectópica. Assim, em pacientes com 13-HCG igual ou
veis normais para cada semana de gravidez. Na prática clínica superior ao limite mínimo do serviço (1.500 ou 2.000UVmL)
/.

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'/:
j 728 Seção 11 Obstetrícia

deve-se visualizar o saco gestacional na cavidade uterina • A curetagem é um métOdo d iagnóstico limitado pelo po-
(5 semanas) com a ultrassonografia endovaginal. Nos casos de tencial de interrupção de uma gravidez viável. Além d isso,
utilização da via suprapúbica ou transabdominal, o pomo de podem ocorrer resultados falso-negativos, urna vez que até
co ne da ~-HCG é de 6.SOOUVml, correspondendo a aproxi- 20% dos anawmopaLOlógicos de curetagens eletivas pós-
madamente 7 semanas. -abonamento incompleto não detectaram vilo coriônico. A
Quando a ~-HCG sérica ainda não atingiu o limite mínimo curetagem pode ser indicada nos casos de ~-HCG abaixo
(1.500 ou 2.000UIIml), o seguimento é feito com dosagens do limite mínimo, com aumento insuficiente, como já ex-
se riadas desse hormônio a cada 48 ou 72 horas da seguinte posto. Após o esvaziamento da cavidade uterina em uma
mane ira: gestação tópica é esperado que o nível desse hormônio caia
pelo menos 15% 24 horas após o procedimento.
• Se a ~-HCG estiver aumentando normalmente, o que sig-
• A culdocentese (aspiração com agulha de líquido do fundo
nifica um acréscimo de 53% em 48 horas ou de 100% em de saco de Douglas através do fórnix vaginal) já foi muito
72 horas, espera-se atingir o valor mínimo para realiza r o
utilizada na propedêutica da gravidez ectópica para de-
ultrassom endovaginal. tectar a presença de sangue no fundo de saco posterior.
• Se estiver aumentando, mas em ritmo menor do que o espe-
No entantO, essa avaliação pode ser obtida facilmente por
rado, é provável que não se trate de uma gravidez eutópica meio do ultrassom transvaginal. O sangue no fundo de
viável, devendo-se, então, realizar a ultrassonografia endo- saco pode ser decorrente de uma gravidez ectópica rota
vaginal. Se for visualizada massa anexial, sugerindo urna ou íntegra, mas também ocorre após ruptura de cistos ova-
gravidez ectópica, estã indicado tratamento medicamentoso rinos. Portanto, a culdocentese positiva não confirma o
ou cirúrgico. Quando não é visualizada massa anexial ao diagnóstico.
ultrassom, pode ser coletado material da cavidade uterina
por meio de curetagem ou aspiração da cavidade. Se não for
encontrado, ao estudo anawmopalógico, tecido compatível TRATAMENTO
com restos ovulares e os níveis de ~-HCG não diminuírem, Diante do diagnóstico de gravidez ectópica são apresentadas
deve-se pensar em gravidez ectópica, podendo ser indicado três opções terapêuticas: cirurgia (salpingectomia ou salpin-
laparoscopia ou o uso de metOtrexato. goswmia), uso de metotrexato ou conduta expectante. His-
• Se estiver diminuindo, é mais provável que se trate de um toricamente, a gravidez ectópica era sempre tratada por meio
quadro de gestação interrompida, já em resolução (abor- de cirurgia, mas na prática clínica atual o tratamento com me-
tos espontâneo e tubário). O acompanhamento é feitO com totrexaw é preferível, quando possível, por não ser invasivo
dosagem semanal do ~-HCG até sua negalivação. e garantir eficácia, segurança e fertilidade futura semelhantes
ao tratamento cirúrgico.
Pacientes acompanhadas com suspeita de gravidez ectópi- Aproximadamente dois terços das pacientes vão precisar
ca devem ser orientadas sobre o risco de ruptura e os sinais de abordagem cirúrgica e um terço será candidatO ao trata-
de alerta para procurar atendimento médico imediato, como mento medicamentoso. A conduta expectante é limitada a
piora de dor abdominal , hemorragia vaginal e hipotensão, poucos casos apenas.
entre outros.
Quando a ~-HCG sérica está acima do limite mínimo , os
Tratamento cirúrgico
achados ultrassonográficos vão guiar a conduta. Em caso de
massa anexial complexa, o diagnóstico de gravidez ectópica O tratamento cirúrgico estã indicado quando há instabi-
é muito provável, e o devido tratamento deve ser realizado. lidade hemodinãmica, suspeita ou confirmação de ruptura,
Se não for encontrada nenhuma alteração ao ultrassom, intra contraindicações ao metOtrexatO e falha no tratamento me-
ou extrauterina, é prudente repelir o exame de imagem em dicamentoso.
48 horas, urna vez que não há nível mínimo estudado para as A laparoscopia é considerada o padrão-ouro para aborda-
gestações múltiplas. gem da gravidez ectópica, mesmo em casos de hemoperitô-
Outros testes d iagnósticos têm sido realizados nas pacien- nio. No entanto, a escolha da via é feita pelo cirurgião, levan-
tes com suspeita de gravidez ectópica, mas, excetO em casos do em conta sua experiência e domínio da técnica, além da
específicos, não promovem informações clínicas relevantes: disponibilidade dos recursos, e pelo anestesista, que avaliará
as condições clínicas da paciente.
• A dosagem de progesterona sérica é mais acentuada nas Duas opções de cirurgia estão d isponíve is para tratamen-
gestações tópicas viáveis do que nas gestações ectópicas to da gravidez ectópica tubária: a salpingecwmia (retirada da
ou naquelas que evoluirão para abonamento. Níveis de trompa) e a salpingostomia (incisão da trompa para remoção
progesterona > llngtml têm sido encontrados em 91% da gravidez ectópica com preservação da trompa). Ambas
das gravidezes viáveis, enquanto níveis de 25ngtml apresentam resultados similares na morbidade e na fertilida-
têm demonstrado 97,5% de viabilidade. No entanto, a de futura das pacientes. Tradicionalmente, a salpingecwmia
dosagem da progesterona apenas confirma as impressões tem sido o procedimento padrão, mas a salpingoswmia é a
diagnósticas obtidas pelo valor de ~-HCG e pelo ultrassom escolha quando se deseja (e é possível) uma opção mais con-
transvaginal , não sendo indicada sua realização de rotina. servadora.
r
((

Capítulo 86 Gravidez Ectópica 729

A salpingectomia é a melhor técnica em casos de sangra- Os critérios de elegibilidade para o tratamento de gravidez
menta não controlado (mesmo após a curetagem do leitO de ectópica com o metotrexato são:
implantação do trofoblasLO), disto rção anatômica importan-
• Estabilidade hemodinãmica.
te da trompa acometida, saco gestacional >3cm de diâmetro
• Possibilidade e comp rometimento da paciente para fazer o
médio, gravidez ectópica recorrente na mesma trompa, quan-
seguimento após o tratamento.
do não há desejo de fenilidade futura, quando a paciente já
• ~-HCG em concentração <5.000mUVmL
tem indicação de se submeter à fenilização in vitro (FIV) para
• Ausência de atividade cardíaca embrionãria ou fetal.
gestações subsequentes e naqueles casos em que o monito-
ramento dos níve is sé ricos de ~-HCG no pós-operató rio não O tamanho de massa ectópica <3 a 4cm de diâmetro médio
possa ser realizado com segurança. também é comumente usado como c rité rio de seleção das pa-
A salpingosLOmia pode ser oferecida como modalidade te - cientes. No entanto, isso ainda não foi confirmado como um
rapêutica para as mulheres com gravidez ectópica íntegra que pred ito r de sucesso no tratamento.
desejam preservar suas chances de fe rtilidade futu ra, p rin- O metotrexato ainda é utilizado na profilaxia de gravidez
cipalmente quando a trompa contralate ral não existe ou se ectópica pesistente após tratamento cirú rgico conservador (p.
encontra danificada. O risco de não se conseguir retirar tOdo ex., salpingosLOmia) e tratamento de gravidez ectópica per-
o tecido trofoblástico ectópico (gravidez ectópica persistente) sistente.
com essa técnica é da o rdem de 8%. Os fatores que aumentam As contraindicações ao uso do meLOtrexaLO são: amamen-
esse risco incluem saco gestacional pequeno (<2cm de d iâme- tação, imunodeficiência, d iscrasia sanguínea e coagulopatia,
tro méd io), tratamento precoce (idade gestacional <6 sema- doença pulmonar em atividade, hepatopatia, úlcera péptica,
nas) e dosagem de ~-HCG no pré-operatório >3.000UI/mL disfunção renal e h ipersensibilidade ao med icamento.
Nesses casos de altO risco para gravidez ectópica persistente, Portanto, antes da prescrição desse medicamento, devem
quando utilizada a salpingosLOmia, deve -se emp regar de ma- estar em mãos: hemograma completo, coagulograma, testes de
neira p rofilática uma dose de meLOtrexaLO. funções hepática e renal, bem como a dosagem sé rica de ~-HCG
No acompanhamento de pacientes submetidas ao trata- quantitativa. Recomenda-se também a realização de ultrassom
mento da gravidez ectópica por essa técnica, a dosagem de endovaginal e ti pagem sanguínea (avaliar a necessidade do uso
~-HCG sérico é imp rescindível. Deve-se realizar a dosagem de imunoglobulina anti-Rh)
desse hormônio semanalmente até que sejam atingidos níve is Têm sido descritOS regimes terapêuticos em dose única
séricos compatíveis com a ausência de gravidez. O risco de e com múltiplas doses de metotrexato para o tratamento da
recorrência de gravidez ectópica nesses casos (5% a 20%) é gravidez ectópica.
maior quando comparado com os casos envolvendo a salpin- No regime de dose única utiliza-se a dose intramuscular
gecwmia. profunda de 50mg!m2 de superfície corporal. Cerca de 15% a
20% das pacientes vão precisar de uma segunda dose e menos
Tratamento medicamentoso de 1%, de mais do que duas. No quarto e no sétimo dia após
Embora a abordagem ci rú rgica seja o pilar do tratamento a aplicação deve-se repetir a dosagem de ~-HCG. É espe rada
da gravidez ectópica, avanços no d iagnóstico precoce facili- urna redução de pelo menos 15% no valor desse ho rmônio no
taram a introdução de terapia medicamentosa com o meLO- sétimo dia, comparado com o quano. Caso nada ocorra, urna
trexaLO na década de 1980. Em virtude do uso rotinei ro da segunda dose de metotrexato (50mg/m2 de superfície corpo-
ultrassonografia no início do primeiro trimestre de gestação, ral) deve ser aplicada nesse d ia, desde que não tenham sur-
o diagnóstico de gravidez ectópica pode ser estabelecido pre- gido contraindicações. No 14" dia, nova dosagem de ~-HCG
cocemente, aumentando as chances de elegibilidade para o está indicada, sendo esperada outra redução de pelo menos
tratamento não ci rúrgico em muitos casos. A taxa de sucesso 15% em relação ao sétimo dia. Se essa redução não ocorrer,
global do tratamento medicamentoso em mulheres adequa- estará indicada uma te rceira dose de metotrexaLO (50mg/m 2
damente selecionadas é de quase 90%. de superfície corporal) .
O metotrexaLO é um antagonista do ácido fólico que in- A partir de entáo, a dosagem desse hormônio é repetida
terfe re na síntese do DNA e do RNA e, consequentemente, semanalmente, até que se torne negativa, o que geralmen-
na multiplicação celular. já foram testadas várias vias de ad - te acontece em torno de 35 dias, podendo estender-se, no
ministração, tanto sistêmicas (e ndovenosa, oral, intramus- entanto, até 109 d ias. Se os níveis séricos de ~-HCG se es-
cular) como locais (no inte rio r do saco gestacional, guiada tabilizarem por 3 semanas, repete-se a quarta dose única do
por laparoscopia ou ultrassonografia), ressaltando-se que a metotrexaLO. Se eventualmente o nível aumentar ou pe rma-
via intramuscular é a mais usual. A aplicação local apresen- necer estável, será necessário realizar nova ultrassonografia
tou resultados um pouco melhores quando comparada com endovaginal e excluir uma nova gestação.
a via sistêmica em uma revisão sistemática, mas sem atingir No regime de múltiplas doses, administra-se 1mglkg de
sign ificància estatística. Como a aplicação local é mais one- metotrexaLO, intramuscular, no p rimeiro, tercei ro, quinto e
rosa, invasiva e tecnicamente mais difícil, e sendo o trata - sétimo dias, e 0,1mglkg de ácido folínico, via oral, no segun-
mento medicamentoso o mais indicado, a via intramuscula r do, quarto, sexto e oitavo d ias após o diagnóstico. A dosagem
é a p referida. de ~-HCG deve ser realizada no primeiro, terceiro, quintO e
/")/;
I 730 Seção 11 Obstetrícia

séti mo dias. Durante essas dosagens, se ocorrer decréscimo Tratamento expectante


de pelo menos 15% em relaç!o ao nh·el do primeiro dia, sus- Em vinude de alguns casos de grav1dez ectóp1ca serem re-
pende-se o restante das doses e são realizadas dosagens sema- soh·idos espontaneamente, o tratamento expectante tem s1do
nais da (3-HCG. Espera-se o decréscimo de pelo menos 15% estudado e pode ser uma orçAo em casos bem selec1onados.
a cada semana. Caso não ocorra, adnumstra-se outra dose do Assim, em pacientes com suspe1ta d1agn6suca de gravtdez
tratamento, cons1derando que uma dose consiste na admi- ectópica, sem saco gestactonal ou massa anexial suspeita ao
nistração de metotrexato em l d1a com o ác1do fol!nico no ultrassom e com nivel sénco de f3-HCG <200mUVmL e em
dia segumte. Caso ocorra o decrésc1mo esperado dos nh·eis queda, essa possib1hdade de tratamento deve ser dtSCuuda
(3-HCG, suspende-se o tratamento e repete-se nova dosagem com a paciente. Se a dosagem de f3-HCG é <200mUVmL, a
desse hormônio, semanalmente, até que se tome negativo. paciente apresenta a possibilidade de 88% de resolução es-
Com o esquema de tratamento em doses múluplas podem ser pontânea. Quando se opta por essa modahdade terapêutica,
alcançados até 93% de sucesso. a paciente não pode deixar de ser onentada quanto ao risco
Os efeitos colaterais são geralmente leves e autolimitados, de ruptura com consequente hemorragia e à possibilidade de
sendo os mais comuns a estomaute e a conjumivite. Outros, tratamento cirúrgico de urgencia.
mais raros, incluem gastrite, enterite, dermatite, pneumoni-
te, alopecia, elevação dos n(veis de transaminases e supressão
medular. No regime de múltiplas doses, os e feitos colaterais
FORMAS RARAS DE GRAVIDEZ ECT0PICA
acometem 40% das pacientes, e no de dose única, 30%, não A gravidez ectópica de localizaç!o extratubâria ocorre ra-
tendo sido descritos efeitos a longo prazo, como possibilidade ras vezes, mas é possivel, podendo ac011tecer no colo uterino ,
de indução de fo rmação de tumores malignos ou mal forma- na cicatriz de histe rotomia, em um corno uterino rudimentar,
ções fetais. na porção ime rsticial da trompa, nos ová rios e na cavidade
A maioria das pacientes (aproximadamente 60%) relatam abdominal. Independentemente do local de im plantação, o
dor abdominal leve a moderada, com 1 ou 2 dias de duração, endométrio geralmente responde à produção de hormônios
6 a 7 dias após o uso do metotrexato. Acredita-se que a dor ovarianos e placentários, sendo o sangramento vaginal sinto-
seja decorrente da degeneração trofoblásuca e/ou da disten- ma comum em todos esses casos.
são da tuba por formaç!o de hematoma. Em geral, a dor é
controlada por meio de analgés1co comum, devendo ser evi- Gravidez cornual
tado o uso de anu-inflamatórios não esteroides em razão da Também denominada intersucial, representa 2,5% das gra-
possivel reação medicamentosa com o metotrexato. ,·idezes ectópicas. Nesse caso, o saco gestac1onal se desenvol-
Ocasionalmente, a dor pode ser intensa, devendo ser afas- ,.e na porç!o imersucial da trompa, mais espessada e trrigada.
tada a poss1b1hdade de ruptura tubána (que pode ocorrer em Ponanto, quando a ruptura ocorre, Já está na fase maiS tanha,
até 5% das pac1entes tratadas com medicamentos). A prin- geralmente após a Olta\'a semana de gestaç!o, e o sangramen-
cípio, se a paciente se apresentar estável, não há mdicaç!o to é mais profuso e, consequentemente, se tornam mmores os
cirúrgica. Em caso de perstsU!ncia da dor, estão indicados riscos e as possh·eis comphcaçOes.
ultrassom endovagmal e um entrograma para avaliaç!o de O diagnóstico é obudo medmnte avahaç!o crluca de todos
hemoperitOmo (>300mL) e queda da hemoglobina. No en- os métodos propedeuucos dJSponiveis. A ultrassonografia de-
tanto, essas pac1entes devem ser acompanhadas de peno para monstra assimetria entre o útero e o saco gestacionallmplan-
a observaç!o de sinais de instabilidade hemodinãmica que tado em sua região cornual. Deve-se estabelecer o d1agnóstico
podem estar presentes em um quadro de ruptura tubária e, diferencial com o útero bicorno.
ao menor sinal desta, está indicado o tratamento cirúrgico. As O tratamento segue as mesmas orientações adotadas para a
quedas nos niveis de f3-HCG não excluem a possibilidade de gravidez tubária. Quando há critérios para o tratamento me-
ruptura tubária. dicamentoso, é preferivel a terapia com multidose. Nos casos
Não há estudos sobre o intervalo de segurança necessário de saco gestacional grande e, principalmente, nos de ruptu-
entre o tratamento com metrotexato para gravidez ectópica ra da po rção cornual do útero, pode ser necessá rio ressecar
e a libe raç!o para nova tcmativa ele engravidar, mas também grande porç!o miometrial, e até mesmo a histerectomia fún-
não há evidencias de teratogenicidade nas pacientes que en- dica ou subtotal poderá esta r indicada.
gravidaram logo após o uso. Convém recomendar o uso do
ácido fól ico para preve nção de defeitos de tubo neural. Gravidez abdominal
Apesar do sucesso com o uso sistêmico do metotrexato, A gravidez abdominal, que ocorre quando o ovo se im-
outros fármacos têm sido estudados para o tratamento da gra- planta e se desenvolve na cavidade abdominal, representa
videz ectópica. O mifeprostone tem stdo uulizado em razão 1,4% das gravidezes ectópicas, havendo relatos de gravidez
de sua ação antiprogesterona. Esse agente não é eficaz quan- ectópica abdominal em pacientes histerectom1zadas. Os locais
do usado isoladamente no tratamento da gravidez ectópica e mais propícios para implantaç!o são: ornemo, parede pélvi-
não teve seu uso liberado pelo Food and Drug Administraúon ca lateral, ligamento largo, fundo de saco posterior, órgãos
(FDA). Ex1stem estudos sobre reg1mes combmados com me- abdominais (baço, mtestino, figado), grandes vasos pélvicos,
totrexato, mas amda são 1nsufic1entes para ,-altdar seu uso. diafragma e serosa uterina.
:\.
r
((

Capítulo 86 Gravidez Ectópica 731

Os fatores de risco incluem anormalidades tubárias, doen- A administração de meLOtrexato pode provocar rápida
ça inflamatória pélvica, endometriose, utilização de técnicas destruição da placenta abdominal, resultando no acúmulo de
de reprodução assistida e multiparidade. grande quantidade de tecido necrótico, o que se constitui em
Ao contrário das gestações em outras localizações extra- meio favo rável para o crescimento de bactérias do cólon, au-
uterinas, a abdominal pode progredir até o termo , porém, em mentando a frequência de complicações maternas. A taxa de
razão das precárias condições de irrigação sanguínea no local degeneração da placenta, sem a administração de meLOtrexa-
onde ocorre a nidação, menos de 50% desses fews sobrevivem. LO, é muito mais lenta, permitindo a reabsorção em ritmo
Existem ainda os riscos maternos, como hemorragias, infec- mais devagar e com menos risco de complicações sérias. No
ções, obstruções intestinais e de vias urinárias, entre outros. entanto, o meLOtrexato pode ser administrado em casos sele-
Em virtude da grande variedade de possíveis locais de im- cionados de retenção de placenta (pacientes mantendo níveis
plantação, a gravidez abdominal reúne ampla gama de sinais sé ricos elevados de ~-HCG) com acompanhamento estreito
e sintomas que aparecem mais tardiamente quando compara- dos sinais de infecção.
da com a gravidez tubária. A sintomawlogia mais comum é a
dor, principalmente se associada aos movimentos fetais. Gravidez ovariana
O exame físico evidencia um útero menor do que o espera- No caso de gravidez ovariana, o óvulo é fecundado antes
do para a idade gestacional e uma massa na cavidade pélvica de ocorrer sua libe ração pelo ovário (ovulação) ou aborto de
ou abdominal. Em gestações mais avançadas, a palpação de um ovo para a cavidade abdominal, e este se ftxa na superfície
partes fetais fora do útero pode ser um achado. O ulLrassom do ovário para, então, desenvolver-se. Representa O, 7% das
pode mostrar, claramente, a gravidez fora do útero, possibi- gravidezes ectópicas.
litando, assim, o diagnóstico de certeza dessa patologia em
Os critérios para definição da gravidez ovariana incluem:
mais de 75% dos casos.
As gravidezes abdominais, mesmo quando avançadas, são • Cisto lúteo bem preservado na parede do saco gestacional.
interrompidas no momento do diagnóstico, pois o potencial • Trompa de Falópio intacta, separada do ovário.
de nascimento de um bebê saudável é pequeno e o risco de • Saco gestacional ocupando claramente a posição do ovário.
complicações maternas é alto. A conduta expectante para • Saco gestacional conectado ao útero pelo ligamento útero-
aguarda r a maturidade fetal tem sido tentada e bem-sucedida -ovariano.
em alguns casos, mas o monitoramento das condições mater- • Demonstração inequívoca do tecido ovariano na parede do
nas e fetais deve ser constante. saco gestacional.
O tratamento da gravidez abdominal no primeiro trimes-
tre, eventualmente, pode se r medicamentoso. No entanto, o O diagnóstico precoce de gravidez ovariana é difícil. To-
dos os sintomas de gravidez ectópica podem esta r presentes,
tratamento ci rúrgico Oaparoscopia) é preferível, pois a res-
posta ao uso de meLOtrexaLO é pior em comparação com a po rém o mais comum é a dor pélvica. Todos os critérios uti-
gravidez tubária, possivelmente em razão da maior idade ges- lizados para d iagnóstico de gravidez tubária contribuem para
tacional ao diagnóstico. o d iagnóstico de gravidez ovariana (anamnese, exame físico,
Após o primeiro trimestre, o tratamento é cirúrgico e a via dosagem de ~-HCG, ultrassonografia, curetagem uterina, cul-
preferencial é a laparotOmia, mas a abordagem ideal para ex- docentese, laparoscopia). A dosagem de ~-HCG geralmente
tração do feto e da placenta ainda não é consensual. O fetO indica a presença de níve is baixos, compatíveis com gravidez,
costuma ser extraído facilmente, mas a remoção da placenta os quais, porém, são menores do que nas gravidezes intra-
pode ocasionar hemorragia com risco de morte para a mãe. uterinas.
O procedimento mais comum consiste em extrair o fetO, ligar A utrassonografia pode mostrar ovário com aumento do
o cordão umbilical, aguardar a involução da placenta e, em volume, às vezes com massa simulando corpo ou cistO lúteo,
uma segunda intervenção, extraí-la. Para acele rar essa invo- e ausência de gravidez eutópica. Nos casos mais avançados,
lução, alguns autOres têm suge rido o uso intramuscular do pode-se visualizar o saco gestacional junto ao ovário, e a ima-
metotrexatO. gem laparoscópica pode ser confundida com hematoma de
O acompanhamento da involução placentária é realizado corpo lúteo , mas também pode afastar a possibilidade de gra-
mediante dosagem seriada de ~-HCG , que vai d iminuindo videz tubária.
à medida que ocorre a involução, e por meio do estudo com O tratamento de gravidez ovariana inicial e íntegra pode
o Doppler dos vasos que a nutrem, que vão obliterando e se r medicamentoso. No caso de ruptura, a ciru rgia está in-
aumentando a resistência ao fluxo , até negativar. Pode leva r dicada, podendo-se, então, realizar-se oofo rectomia parcial,
anos para que a massa da placenta seja reabsorvida. Compli- sempre que possível, ou total, nos casos em que não se consi-
cações a longo prazo relacionadas com as alte rações inflama- ga controlar o sangramento.
tórias causadas pela placenta necrótica incluem formação de
abscessos, sepse, hemorragia tardia , obstrução intestinal ou Gravidez cervical
urete ral, fistula de vísceras abdominais e de iscência da ferida. O ovo pode também implanta r-se e desenvolver-se no
Essas complicações ocorrem apesar da perda do fluxo vascu- canal ce rvical. Essa é a forma menos comum de gravidez
lar intraplacentário. ectópica (0,4%). Entre os fato res pred isponentes são encon-
/.

'
'/:
j 732 Seção 11 Obstetrícia

tradas doenças ce rvicais, dilatações e curetagens prévias, Bouyer J, Coste J, Shojaei T et ai. Risk factors for ectopic pregnancy:
a comprehensive analysis based on a large case-control, popula-
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e/ou wque vaginal. Ao exame físico, pode -se encontrar colo Casanova BC, Sammel MO, Chittams J et ai. Prediction of outcome
in women with symptomatic first-trimester pregnancy: focus on
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e se procede à biópsia, pode acontecer hemorragia profusa. Fertil Steril 2007; 87:303.
Essa patologia também pode se r confundida com abono es- Clayton HB, Schieve LA, Peterson HB et ai. Ectopic pregnancy risk
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O tratamento na fase inicial, sem sangramentO abundan- Condous G, Kirk E, Lu C et ai. Oiagnostic accuracy of varying d iscri-
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consiste no emp rego de metotrexato isoladamente ou asso- col 2005; 26:770.
ciado à actinomicina D, enquanto o ci rúrgico consiste na d i- Creanga AA, Shapiro-Mendoza CK, Bish CL et ai. Trends in ectopic
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CAPÍTULO

Doença Trofoblástica Gestacional


João Bosco Melgaço de Oliveira
Leonardo Pandolji Caliman
Nathalia Cristina Mezzonato Machado

INTRODUÇÃO Quadro 87.1 Caracterlsticas das molas hidatilormes parcial e oompleta

A doença trofoblástica gestacional (DTG) abrange um am- Características Mola parcial Mola completa
plo espectro de condições que se origmam de blaslomas do Cariótipo 69 XXX/69 x:xv 46 XX/46 '1:'(
tec1do de revesúmemo das vilosidades conais (trofoblasto), Fero Presente Ausenle
apresenlam crescimento anárquico do ponto de v1sta histopa-
Vilosidades FocaiS Difusas
tológlco e podem exibir alterações degenerall\'liS no estroma. hidrópicas
Essa doença constitui um grupo de doenças da placenlll
Prolileraçao Focal Oilusa
conhec1das como mola hidatiforme completa ou parcial (for- trofoblástica
mas bemgnas) e capazes de evolui r para formas invasoras e/ Oiagnóslico Aborto retid o Gestaçao morar
ou malignas (neoplasia tro foblástica gestacional - NTG) de-
Tamanho uterino Menor do que o Maior do que o
nomi nadas mola invasora, coriocarcinoma, tumor trofoblásti- esperado esperado
co do sitio placentário e tumor trofoblástico epitelioide.
Cistos tecalutelnicos Raramente presen1es Presentes em
A gonadotrofina coriõnica humana (HCG) é o marcador 15% a25%
biológico hormonal da gravidez, produzida em excesso pela COmplicações Raras Presentes em menos
mola h1daúforme e a NTG, constituindo-se em marcador tu- médicas de25%
moral da DTG. MalignizaçAo <5% 20%

MOLA HIOATIFORME
A ocorrênoa de gestação molar vana de acordo com as um potencial de mahgmzação ou doença trofoblásuca persis-
diferentes regiões, sendo a proporção de l,l para 1.000 ges- tente em torno de 15% a 20% e risco de coriocarcínoma de
tações na Europa, 1,19 para 1.000 nos EUA e 4,65 para 1.000 3% a4%.
no Brasi l. A mola hidatiforme parcial ou incomplelll inclui algum
As gestações molares sáo classificadas em parciais ou com- elemento de tecido fetal e alte rações hidatiformes focais. l-Lá
pletas com base em caracte rlsticas cl inicas, macroscópicas, edema estromal das vilosidades co riõnicas com presença de
histológicas e citogenélicas (Quadro 87.1). O d iagnóstico ci rculação fetoplacentária funcionante. Sua composição cro-
d iferencial entre mola parcial e mola completa é imponame mossôm ica é Lriploide (69 XXX ou 69 XXY). O risco de doen-
para o prognóstico, porém a conduta cllnica é s1milar. ça trofoblásüca persistente depois de mola parcial é muito
A mola h1datiforme completa se apresenta, macroscopica- menor do que após gravtdez molar complelll, eslllndo entre
mente, como uma massa de veslculas transparentes, ,·arian- 1% e 5%, com nsco murto raro de desenvoh~mento de co-
do em tamanho, que com frequénc~a se agrupam a partir de riocarcmoma.
pedlculos finos. Histologicamente, mostram degeneração hi-
dróplca e edema das vilosidades conOnicas, ausência de vasos Etiopatogenia
sangulneos vilosos, graus variados de prohferação do epitélio Apesar de a euolog1a ainda ser incena, a patogenia da mola
trofoblástico e ausência de elementos embrionários, como hidatiforme está relacionada com gametogênese e fenilização
feto e !\mnio. Sua composição cromossômica é diploide, com imperfeitas. Na mola completa, a composição cromossômica

733
/")/;
I 734 Seção 11 Obstetrícia

é diploide de origem paterna. O óvulo, por moúvos desco- rectomia normalmente não é necessária, poiS esses cistos
nhecidos, perde sua carga genética haploide. Em 85% dos regridem após o esvaziamento utenno.
casos, o óvulo é fenthzado por um espermatozoide normal,
A apresentação cllnica "tlptca· de mulheres com gravtdez
que duplica sua carga genéuca hapl01de (androgenese), resul-
tando em ztgoto diplotde obrigatoriamente 46 XX, pois um molar mudou considera,•elmente durante as últimas décadas
zigoto 46 YY sena mvtá\'el. Em 15% dos casos o óvulo é feni- em virtude do diagnósuco precoce. Munas delas com dtag-
lizado por dots espermatozotdes normaiS (dtSpermia). nóStico de gravidez reahzam ultrassom precocemente, e as
:-Ja mola parcial, 90% dos casos são tnpl01des, sendo com- gestações molares acabam sendo detectadas antes que au-
postos por um conjunto de cromossomos haploide matemo e mentem de tamanho e apresentem quadro dlmco maiS ca-
dois paternos, caracterizando-se por apresentar dois conjun- racterístico.
tos distintos de células: um normal, que pode comer partes A ultraSSOnografia tem papel fundamental no dtagnóstico.
ou tecidos embrionários. e outro anormal, com proliferação Na mola completa identifica-se edema htdrópico dtfuso das
trofoblástica. vilosidades coriônicas com padrão caracterfstico que con-
siste em múltiplos ecos anecogenicos na massa placentária,
Fatores de risco estando ausentes embrião e seus anexos, enquanto na mola
parcial podem ser observados espaços clslicos focais placen-
• Idade: a idade materna em ambos os extremos é um fator
tários com o aspecto de "queijo sufço" e aumento d o diâmetro
de risco para a gravidez molar, sendo duas vezes maior
entre adolescentes e mulheres ele 35 a 40 anos e 10 vezes transversal do saco gestacional. Já outros achados são a restri-
ção do crescimento fetal e as múltiplas malformações associa-
maior entre mu lheres com mais ele 40.
• Gravidez molar ante ri or: existe risco substancialmente das à placenta focalmente hid rópica.
Apenas metade das gestações mola res de primeiro trimes-
maior de doença trofoblástica recorrente, se ndo de 1,5%
para a mola completa e de 2,7% para a parcial. tre tem a aparência clássica à ultrassonografia, múiLiplas ve-
sículas de dimensões d iferentes e ausencia de embrião (ou
Diagnóstico embrião não vislvel). Já no segundo trimestre a visualização
de vesículas se torna mais frequente em função do edema
O diagnóstico da mola hidati forme pode ser suspeitado
acentuado das vilosidades. Como a maior parte dos casos é
a panir do quadro cllmco e confirmado pela propedeulica
submetida ao exame ultrassonogrãfico no primetro trimestre,
complementar, mas na matoria das vezes é achado ocasio-
essa característica acaba por não ser vtSuah.zada. Por esses
nal do exame anatomopatológico de rnatetiais coletados após
moli,·os, a taxa de acenos da ultrassonografia é batXa, esta-
curetagens por abono espontâneo ou gestação anembrionada.
belecendo o diagnóstico em apenas 40% a 60% dos casos.
Nas duas formas de gestação molar, os quadros clínicos são
Os demais casos terrnmam com os dtagnósucos de gestação
semelhantes, vanando a mtenstdade dos StnatS e sintomas,
anembrionada, abonamento mcompleto ou abonamento re-
ressaltando-se que na mola parctal as alterações clinicas são
Lido até resolução e avaliação hiSlopatológtca.
mais discretas com extbtção de tectdos embnonános ou feto.
A dosagem da HCG pode complementar as mformações da
Em geral, exiSte um período de L a 2 meses de amenorreia. Os
ultrassonografia, parucularmente se os tltulos forem supenores
sinais e sintomas mais frequentes são os segmmes:
ao valor esperado para a idade gestacional. Os nfveis de HCG
• Sangramento vagmal quase constante, geralmente sem có- entre as portadoras de mola hidatiforrne são muno elevados e
licas. podendo variar de borramento até hemorragia profu- quase metade das pacientes apresenta nlveis> l OO.OOOmUVmL,
sa. Pode haver elimmação de vesfculas. podendo ser observados valores >5. 106mUVmL. No entanto,
• Volume uterino maior do que o esperado para a idade ges- os níveis são bem menores entre os casos com mola hidati-
tacional, estando o útero com consistência amolecida. forrne parcial, e valores >lOO.OOOmUVmL são observados em
• Manifestações clinicas de hipenireoid ismo que ocorrem apenas 10% d os casos. Todavia, o nível da HCG tem mostra-
em razão da semelhança ela molécula d e HCG com a Li- do correlação com a gravidade da doe t1<;a.
reotrofi na. Os nlveis de Liroxina livre se apresentam fre- O d iagnóstico precoce de mola hidatiforme alterou a his-
quememente elevados e os elo hormônio estimulaclo r da tória natural da gravidez molar, especialmente com a redução
Li reoide (TSH) diminuldos. Os nfveis ele tiroxina livre se dos sintomas clfnicos clássicos, como sa ngrame nto vaginal,
normalizam rapidamente após evacuação uterina. eliminação vaginal de "veslculas", hiperemese e pré-eclãmp-
• Hiperêmese, que é frequen te e pode ocasionar desidrata- sia. No entanto, o diagnóstico precoce não resultou em re-
ção e emagrecimento, estando associada a nfveis elevados dução da duração do segu imento pós-molar ou do tempo de
da HCG. remissão da doença, não interferindo com o desenvolvimento
• Hipertensão induzida pela gravtdez quando de ocorrência da NTG.
precoce ( <20 semanas) assoctada a sangramemo genital. A paciente com suspeita diagnósuca de DTG apresenta
• Os cistos tecalutefnicos, evidenctados ao ultraSSOm, po- rísco aumentado de complicações médicas, como anerrua,
dem ser uni ou btlateratS e resultar da esumulação da HCG hemorragia, sindrome do hiperestímulo ovatiano, cistos te-
sobre a teca dos ovános. podendo aungtr 10cm e, quando caluteínicos, pré-eclãmpsta, hipenireotdtsmo, edema agudo
\'olumosos, sofrer torção, mfarto ou hemorragta. A oofo- de pulmão, tromboembolismo pulmonar, slndrome da an-
r
((

Capitulo 87 Doença Trofoblástica Gestacional 735

gúsua respiratória e emboüzação trofoblásuca. Portanto, é na reahzação de f}-HCG semanal, até três dosagens negau-
necessána a propedêuúca complementar para pesquisa des- vas, passando a mensal até 6 meses de dosagens negauvas. A
sas complicações. São recomendados hemograma completo, a,·aliação clrnica ginecológica e a propedêulica complementar
exames bioqulmicos, perfil hepático e da ureo1de , análise uri- com rad1ografia de tórax e ultrassom pélvico deverão ser rea-
nária, rad iografia de tórax e ti pagem sangulnea. lizadas na presença de sinais e sintomas sugestivos ou se a
1}-HCG estiver acima do limite superio r da curva de regressão
Tratamento normal. O sangramcnto vaginal deve ser sempre valorizado e
No tratamento, dois pontos são fundamentais: o esvazia- investigado.
mento ute rino e o seguimento pós-esvaziamento para detec- A remissão dos níveis de 1}-HCG até valores indetectáveis ge-
ção precoce da doença trofobláslica persistente. ralmente ocorre entre 7 e 9 semanas de seguimento pós-molar.
Para o esvaziamento é recomendada a vácuo-aspiração, As mulheres são aconselhadas a não engravidar até que
devendo ser ev1tada a curetagem em razão do elevado risco completem 6 meses de negativação da ~-HCG. Ass1m, a con-
de perfuração uterina. Além disso, o tempo necessário para tracepção segura durante o seguimento pós-molar deve ser
o es,-az1amento por curetagem pode ser multo longo, o que enfatizada. Os métodos mais recomendados são os hormo-
aumentana a perda sangu!nea. Já a vácuo-aspiração elétrica, nais. Os d1sposiuvos mtrauterinos são contramd1cados até a
além de mais prática, cursa com esvaziamento uterino mais remissão completa da doença.
rápido , mostra ndo-se boa opção para úteros aumenta dos de
volume, notadamente naqueles de altura uterina >l6cm. NEOPLASIA TROFOBLÁSTICA GESTACIONAL
O uso de medicamentos que provoquem contrações ute- A neoplasia trofoblástica gestacional, que co rresponclc a
rinas deve ser evitado, pois a indução de contrações ames do um grupo de tumores placentários que se caracte rizam po r
esvaziamento molar aumenta o risco de doença persistente e invasão agressiva do miométrio e propensão para metástases,
de embolização trofoblástica para vasos pulmonares. Exceto também é conhecida como doença trofoblástica gestac1onal
em caso de mola hidatiforme parCial com presença de feto, maligna. Histologicamente, esses tumores consistem em mola
o esvaziamento uterino medicamentoso deverá preceder a im·asora, coriocarcmoma, tumor trofoblástico do sluo placen-
vácuo-asp1ração, e, nas situações de sangramento vagmal ex- tário e tumor trofoblásuco epitelioide.
cessl\'0, a ocaocina poderá ser usada durante o eS\-azlamento Na ma1ona dos casos essa neoplasia se origma de urna ges-
uterino como medida auxiliar de correção da hemorragia. O tação molar (50%), mas também pode se desem·olver a partir
preparo cervical pré-esvaziamento com dose única de prosta- de aborto ou graVIdez ectópica (25%) e gestações a termo ou
glandinas também deverá ser evitado. pré-termo (25%), enquanto 95% dos casos de tumor do sitio
O ultrassom imraoperatório ajuda a garanti r que a cavida- placentário e tumor trofoblástico epitelioide surgem a pa rt ir
de uterina ficou completamente esvaziada. Todo o material de aborto não molar ou gestação normal.
extrard o deve ser submetido à análise anatomopatológica.
A histerectomia pode ser uma salda para as pacientes com Classificação
prole definida ou para as que apresentarem quad ros hemorrá- Mola invasora
g•cos que coloquem em risco suas vidas. Apesar de diminuir A mola mvasora é caracterizada por vilosidades coríõni-
o risco de mvasão local, a histerectomia não ehmina a chance cas hidróp1cas com proliferação trofoblástica que mvadem
de doença metastática. Portanto, essas pac1entes de,·erão rea- diretamente o m1ométno, por vezes em·okendo pentOmo,
lizar o acompanhamento pós-molar de rouna. paramétrio ou cúpula vagmal, sendo rara a dtSsermnação ex-
Apesar de o diagnóstico precoce da mola h1dauforme com- trautenna, que se desenvolve a panír da mola hidattforme. O
pleta pelo ultrassom reduzir as mantfestações clrmcas da doen- diagnóstico é habitualmente clínico, estabelecido durante o
ça e suas complicações, não se observou qualquer mudança seguimento pós-molar em razão da elevação ou platO dos ní-
na prevalência de NTG, mostrando que, inexpl icavelmente, veis de ~-HCG associados ao achado ultrassonográ(ico. Com
a antecipação ou o atraso no esvaziamento uterino não mo- o tratamento, a cura ocorre na totalidade dos casos, exceto
d ifica o dese nvolvimento de malignidade. 1: posslvel que na para a doença metastática.
gestação molar completa ocorram eve ntuais alte rações preco-
ces que predete rminam o risco d e d esenvolvi mento de ma- Coriocarcinoma
lignidade, e a evacuação uterina precoce poderia não alterar O coriocarcmorna pode originar-se de qualquer tipo de
esse resultado. gravidez: 50% em caso de gestação normal, 25% de mola hi-
Pacientes Rh-negati,·as devem receber imunoglobulina datiforme e 25% de abonamento e gravidez ectóp1ca. HtSto-
anu-O nas doses habituais no momento do esvaziamento ute- logícamente, extStem elementos do cito e do smc1otrofoblasto
rmo, VtSto que o trofoblasto expressa o fator RhD. e, quando este úlumo predomina, os nh·eis da ~-HCG en-
contrados podem ser extremamente elevados. Trata-se de
Acompanhamento tumor extremamente agressivo que normalmente desenvolve
O objetivo mais impon ante do acompanhamento é a de- precocemente metástases hematogênicas, se ndo o pulmão e a
tecção precoce da doença molar persistente, o qual cons iste vagina os sltios ma is comuns. Menos frequentemente, vulva.
/.

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j 736 Seção 11 Obstetrícia

rins, fígado, ovários, cérebro e intestinos também podem ficar Quadro 87.2 Estadiamento clínico da neoplasia trofoblástica
geslacional (FIGO. 2000)
comprometidos.
Estadlamento
Tumor trofob/ástico do sítio placentário I Tumor confinado ao útero
O tumor trofoblástico do sítio placentário se origina do lo- 11 Tumor se estende a outtas estruturas genitais: vagina,
cal de implantação placentária após gravidez normal, aborto ovário, ligamento largo e trompa (por metástase ou
espontâneo ou induzido e gravidez ectóp ica ou molar. His- extensão direta)

wlogicamente, observam-se células trofoblásticas intermediá- 111 Metástase para pulmão com ou sem envolvimento do trato
rias, muitas das quais produtoras de lacwgênio placentá- genital

rio. Por esse motivo, os níveis da ~-HCG são relativamen- IV Outras metástases a distancia (cérebro. fígado) com ou sem
envolvimento pulmonar
te baixos. Os tumores com invasão local são resistentes à
quimioterapia, e a h isterecwmia constitui a melho r opção
terapêutica.
Quadro 87.3 FIGO/WHO- Sistema de escore com base em fatores
prognósticos (2002)
Tumor trofob/ástico epitelioide
O tumor trofoblástico ep itelioide é raro , hiswlogica- Fatores de o 1 2 4
ri sco
mente semelhante ao tumo r trofoblástico do sítio placen-
Idade <40 >40
tário, porém com células menores, mostrando menos pleo-
morfismo. A h is terecwmia consiste na melhor forma de Gestação Mola Aborto A termo
anterior
tratamento.
Intervalo <4 4a6 7 a 12 >12
(meses)
Diagnóstico
HCG <1 .000 1.000 a 10.000a > 100.000
O achado clínico mais comum na NTG é o sangramento pré·ttatamento 10.000 100.000
irregular associado à subinvolução uterina, o qual pode se r
contínuo ou intermitente. Algumas mulheres podem apre-
Maior diâmetro - 3a4cm >Sem -
tumorai
sentar-se com lesões vaginais ou vulvares ou metástases a
Local das Pulmão Baço, rim TGI Cérebro,
distância. metástases ligado
O diagnóstico da NTG é caracte rizado pela manutenção
ou elevação dos níveis da ~-HCG identificada durante o se-
Número de o 1a 4 5a8 >8
metástases
guimento pós-molar ou, ainda, a identificação de metástases,
conforme segue:
Falha naQT - - Monoterapia Politerapia

• Platô do nível sé rico da ~-HCG para quatro medições du-


rante 3 semanas ou mais - 1, 7, 14 e 21 dias. Nas pacientes com NTG de alto risco está indicada quimio-
• Elevação da ~-HCG sérica >10% durante três medições terapia com múltiplos agentes, regime El\WCO (etoposídeo,
consecutivas semanais ou mais, em ;<:2 semanas (l, 7 e 14 metotrexato, actinomicina-0 , alternando ciclofos(amida/vin-
dias). cristina) ou regime EP/Elv!A (etoposídeo, metotrexato, acti-
• O nível sérico da ~-HCG permanece detectável por 6 me- nomicina-0 e cisplatina). A cirurgia tem papel coadjuvante,
ses ou mais. sendo realizada em pacientes com doença residual localizada
• Critérios histOlógicos para o coriocarcinoma. sem resposta à quimioterapia. A cura completa é observada em
Estabelecido o diagnóstico, a paciente deverá ser subme- todos os casos de NTG de baixo risco e ultrapassa os 80% nas
tida a exame ginecológico à procura de metástases vaginais, pacientes de alto risco.
sendo ainda recomendados hemograma completO, função he- O acompanhamento das pacientes após o término do tra-
pática, função renal e radiografia de tórax, assim como resso- tamento da NTG é ambulatorial com dosagem mensal de
nância magnética ou tomografia computadorizada nos casos ~-HCG por 24 meses ou por período indeterminado, sendo

de suspeita de metástaSe cerebral ou hepática. importante a contracepção segura por 12 meses após o tér-
O estadiamento imediato da NTG (Quadro 87 2) e a análi- mino da quimioterapia para evitar abono e confusão entre
se dos fatOres prognósticos para o risco de quimiorresistência recidiva e gravidez.
(Quadro 87.3) estão recomendados. Se o escore for de O a 6,
a paciente será considerada de baixo risco com indicação de CONSIDERAÇÕES FINAIS
monoquimioterapia (agente único). Se o escore for >7, será Por se tratar de doença com possibilidades de persistên-
considerada de alto risco, devendo ser realizada poliquimio- cia, malignização e complicações clínicas graves, as pacientes
terapia (múltiplos agentes). precisam se r tratadas em centros de referência, sendo o se-
A quimioterapia com metotrexato ou actinomicina-0 (agen- guimentO pós-molar táo importante quantO o d iagnóstico e o
te único) está indicada para pacientes com NTG de baixo risco. tratamento corretos.
:\_
r
((

Capítulo 87 Doença Trofoblástíca Gestacional 737

Doença trofoblástica gestacional


I
t t t t
Mola hidatiforme Mola Tumor trofoblástico
Coriocarcinoma
(completa e parcial) invasora do s ít i o placentário

t
Vácuo-aspiração

t I
Cirurgi a
I
Seguimento Estadiar o risco
pós-molar (HCG) (FIGO)

/ ~ / ~
Normal por Níveis Baixo risco Atto risco
6 meses estabilizados (O a 6) (;,7)
ou em
elevação

t
Estadiamento Agente único Vários agentes
MTX-FC EMA-CO

Figura 87.1 Fluxograma de conduta em caso de doença trofoblástica gestacional.

MENSAGENS-CHAVE leitura complementar


• A doença trofobláslica gestacional exibe duas formas pato- Altman AO, Bently B, Murray S, Bently JR. Maternal age-related
rales of gestational trophoblastic d isease. Obstei Gynecol 2008;
lógicas: uma benigna e a outra maligna.
112(2Pt 1):244-50.
• A berligna é representada pela mola hidatiforme com duas Andrade JM. Mola hidatiforme e doença trofoblástica gestacional. Re-
apresentações clínicas: mola parcial e mola completa. Tra- vista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia 2009; 31(2):94-1 01 .
ta-se de anomalia placentária. Berkowitz RS, Goldstein DP. Current advances in lhe management of
• A maligna é representada pela neoplasia trofoblástica ges- gestational trophoblastic disease. Gynecol Oncol 2013; 128:3-5.
Biscaro A, Braga A, Berkowitz RS. Diagnosis, classification and treat-
tacional com quatro apresentações clínicas: mola invasora, ment of gestational trophoblastic neoplasia. Rev Bras Ginecol
coriocarcinorna, tumor trofoblástico de sítio placentário e Obstei 2015; 37(1):42-5 1.
tumor trofoblástico epitelioide. Braga A, Moraes V, Maesta I et ai. Changing trends in lhe clinicai
• O d iagnóstico da mola hidaliforme associa a dosagem preservation and management of complete hydatidiiorm mole
quantitativa de 13-HCG à avaliação ultrassonográfica. among Brazilian women. lnt J Gynecol Cancer 2016; 1-7.
Braga A, Uberti EM, Fajardo MC et ai. Epidemiogical repor! on lhe
• O tratamento se fundamenta no esvaziamento uterino e no treatment of patients with gestational trophoblastic d isease in 10
seguimento pós-molar. Brazilian referral centers: results after 12 years since lnternational
• Todo material do esvaziamento uterino deverá ser subme- FIGO 2000 Consensus. J Reprod Med 2014; 59:241 -7.
tido a análise anatomopatOlógica. Costa HL, Doyle P. lnfluence of oral contraceptivas in lhe develop-
• A aspiração uterina a vácuo é o método escolhido para o ment oi post-molar trophoblastic neoplasia -a systematic review.
Gynecol Oncol 2006; 100(3):579-85.
esvaziamento. Cunningham FG, Leveno KJ, Bloom SL, Hauth JC, Rouse DJ, Spong
• A indução do abonamento molar e a histerotOrrlia não são CY. Obstetrícia de Willians. 23. ed. Porto Alegre (RS): Artmed,
métodos recomendados para o esvaziamento uterino , pois 2012.
aumentam a morbimonalidade materna com maior perda Ferraz L, Lopes PF, Rezende-Filho J, Montenegro CAB, Braga A.
Atualização no d iagnóstico e tratamento da gravidez molar. JBM
sanguínea e esvaziamento incompleto.
2015; 103(2):6- 12.
• A indução do abo rtamento molar e a histerotOmia podem Kani KK, Lee JH, Dighe M, Moshri M , Kolokythas O, Dubinsky T. Ges-
cursar com aumento do risco de d isseminação trofoblásti- tational trophoblastic disease: multimodality imaging assessment
ca e desenvolvimento de NTG pós-molar. with special emphasis on spectrum of abnormalities and value of
• Pacientes Rh-negativas deverão receber imunoglobulina imaging in staging and management of d isease. Curr Probi Diagn
Radiol 2012; 41(1):1 - 10.
anti-Rh após o esvaziamento molar.
Lurain JR. Gestational trophoblastic disease I: epidemiology, patho-
• Recomenda-se a contracepção segura até que seja concluí- logy, clinicai presentation and diagnosis of gestational tropho-
do o seguimento pós-molar. blastic disease, and management of hydatid iform mole. Am J
• A quimioterapia é o tratamento de escolha na NTG. Obstei Gynecol 2010; 203(6):53 1-9.
/.

'
'/:
j 738 Seção 11 Obstetrícia

Maestá I, Braga A. Desafios do tratamento de pacientes com doença Seck MJ, Sebire NJ, Fisher RA, Golfier F, Massuger L, Sessa C. Ges-
trofoblástica gestacional. Rev Bras Ginecol Obstet 2012; 34( 4): 143-6. tational trophoblastic disease: ESMO Clinicai Practice Guidelines
Mangili G, lorusso O, Brown J et ai. Trophoblastic disease review for for diagnosis, treatment and follow-up. Annals oi Oncology 20 13:
diagnosis and management: a joint repor! from the lnternational Soci- 24(6):vi39-50.
ety for the Study oi Trophoblastic Oisease, European Organisation for Seckl MJ, Sebire NJ, Berkowitz RS. Gestational trophoblastic d is-
the Treatment oi Trophoblastic Oisease, and the Gynecologist Cancer ease.lancet 2010: 376:717-29.
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Rio de Janeiro 2014. Med 2014; 59(5-6):188-94.
CAPÍTULO (

Descolamento Prematuro da Placenta


Cláudia Lourdes Soares Laranjeira
Maliana Mitraud Ottoni Guedes

INTRODUÇÃO disseminada (CIVD), que consome fatores de coagulação e re-


O descolamento premaLuro da placenta (DPP) consiste no sulta em repercussões hemodinâmicas, podendo evoluir para
desprend imento abrupto da placenta, normalmente inserida o óbitO materno.
no corpo uterino, de seu local de implantação após 20 sema-
nas de gestação, ocorrendo em 1% a 2% de todas as gestações Fatores de risco
e sendo importante causa de sangramento no terceiro trimes- A principal causa do DPP é ge ralmente desconhecida, mas
tre associada ao aumento da morbimonalidade maLerno-fetal. vários fatOres de risco foram identificados, entre os quais:
Em geral, o sangramento causado pelo DPP se evidencia
como hemo rragia externa, quando o sangue se localiza entre • Hipertensão arterial materna: principal fator etiológico,
o útero e as membranas, sendo eliminado pelo colo. Com ocorre em cerca de 44% de todos os casos.
menos frequência, o sangue não é exteriorizado e fica retido • Causas mecân icas ou traumáticas:
entre a place nta descolada e o útero, resultando em hemo r- - TraumaLismo abdominal (acidentes automobilísticos,
ragia oculta. agressão física, entre outros): cerca de 1,5% a 9,4% de
todas as causas.
ETIOPATOGENIA - Brevidade do cordão.
O DPP é iniciado pela hemo rragia na decídua basal. Com o - Versão fetal externa.
rompimento das arté rias espiraladas da decídua, desenvolve- - Retração ute rina intensa e súbita (p. ex., ruptura pre-
-se o hematoma retroplace ntário, que se expande, rompendo matura de membranas, expulsão do primeiro feto em
outros vasos e aumentando, assim, a área descolada com con- gestação gemelar).
sequente separação e perda da função placentária. O sangue - Miomatose ute rina: principalmente quando localizado
pode d issecar as membranas da parede uterina e ser elimina- no local de implantação da place nta.
do exte rnamente ou ficar retido no útero. Pode também infil- - Placenta prévia.
trar-se no líquido amniótico, o que constitui o hemoâmnio, - Torção do útero gravídico.
ou no miométrio, denominado apoplexia uteroplacentária - Ruptura uterina.
ou "útero de Couvelaire", quadro visualizado macroscopica- - Gestação múltipla.
mente por apresentar um útero edemaciado, arroxeado e com - Hemorragias retroplacentárias por punção com agulha
sufusões hemo rrágicas. O miométrio in fLltrado pelo sangue (p. ex., na amniocentese).
deso rganiza seu sistema de fibras musculares, podendo evo- • Causas não traumáticas:
luir com hipotOnia ou awnia uterina. - Histó ria do DPP em gestação anterior.
A contratil idade ute rina geralmente está associada a al - - Tabagismo ou uso de cocaína: alguns estudos demons-
gum grau de hipenonia em virtude da ação irritante do san- tram aumento em torno de 40% de DPP em tabagistaS e
gue sobre a fibra muscular uterina. nas usuárias de cocaína a chance aume nta ce rca de 15%
A liberação da tromboplastina decidual para a circulação a 35%, dependendo da dose admi nistrada.
mate rna em razão de lesão tecidual ativa o sistema fib rinolí- - Consumo de álcool: provavelmente associado a isque-
tico e, em casos mais graves, leva à coagulação imravascula r mia placentária por infartos e necrose na decídua basal.
739
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j 740 Seção 11 Obstetrícia

Anemia e má nutrição: associado a isquemia placentária. Em ge ral, o sofrimento fetal, que ocorre em cerca de 60%
Corioamnionite: provavelmente associado a isquemia. dos casos, manifesta-se com alterações na frequência cardíaca
Idade: se idade materna >35 anos, provavelmente por fetal que podem estar diretamente relacionadas com a grande
má perfusão placentária, ou nas menores de 20 anos. extensão do descolamento, e a duração prolongada, podendo
Ruptura prematura de membranas prolongada (24 ho- o feto evoluir para óbito por hipoxia.
ras ou mais). A ruptura alta das membranas pode provocar a passa-
Aumento da alfafetoproteína no sangue materno: asso- gem de sangue para a cavidade amniótica, ocasionando o
ciado a risco lO vezes maior de DPP. quadro de hemoâmnio, que ocorre em até 50% dos casos.
O exame físico da paciente com idade gestacional >20 se-
CLASSIFICAÇÃO manas e com quadro de sangramento deve se r d irecionado
A classificação do DPP é fundamentada no grau (parcial ou para a determinação da origem da hemorragia. Ao mesmo
total) e na localização (marginal ou central). A classificação tempo, é necessário estabilizar rapidamente a gestante, que
clínica se caracte riza da seguinte mane ira: pode apresentar sinais de h ipovolemia, como taquicardia, su-
dorese, palidez e hipotensão. O DPP, mesmo em pacientes
• Grau O (assintomálico): diagnóstico retrospectivo, pode inicialmente estáve is, pode progredir rapidamente para cho-
revelar hemaLOma ao exame hisLOpaLOlógico da placenta. que hipovolêmico. No exame inicial deve-se evitar o LOque
• Grau I (leve): caracteriza-se por sangramento vaginal dis- vaginal antes de ser dete rminada a localização da placenta,
creto ou ausente, sem repercussões materno-fetais, repre- pois em caso de placenta prévia pode ser desencadeado um
sentando aproximadamente 48% dos casos. quadro de sangramento profuso.
• Grau 11 (moderado): caracteriza-se por sangramento vaginal Vale ressaltar que a maior parte dos casos se manifesta de
moderado ou ausente, hipenonia uterina, alterações nos níveis maneira intermediária com quadros clínicos apresentando
pressóricos maternos e nos batimentos cardíacos fetais, além poucos sinais. É necessário ter a sensibilidade para identificar
da diminuição dos níveis de fibrinogênio (50 a 250mg/dl ), pequenas hipenonias uterinas e lembrar do diagnóstico de
representando aproximadamente 27% dos casos. DPP diante de uma paciente com sinais de pano prematuro e
• Grau 111 (grave): caracteriza-se por sangramento vaginal sangramento vaginal mesmo que de pequena monta.
volumoso ou ausente, h ipenonia uterina muito dolorosa,
choque materno, d iminuição nos níveis de fibrinogenio
Exames laboratoriais
(<l 50mg/dl), coagulopatia e morte fetal, representando
Nenhum exame laboraLOrial se revela eficaz para o diag-
cerca de 24% dos casos.
nóstico diferencial de DPP. Em casos de hemorragia maciça,
exames laboratoriais devem ser realizados para o rastreio de
DIAGNÓSTICO
possíveis complicações. Recomenda-se a realização de tipa-
O diagnóstico de DPP se baseia nos achados clínicos da pa-
gem sanguínea, hemograma, contagem plaquetária, dosagem
ciente, sendo importante a procura de fatores de risco, sinais
de fibrinogênio (como a gravidez está associada à hipe rfibri-
e sintomas de DPP na anamnese e no exame físico. Os exames
nogenemia, a queda nos níveis de fibrina pode estar associada
laboratoriais têm por objetivos a avaliação das repercussões
a coagulopatias por consumo), produws da degradação da
maternas e o rastreamento de possíveis complicações.
fibrina, eletrólitos, gasometria, função renal (identificar al-
Quadro clínico te rações renais agudas causadas pela h ipovolemia) e função
Os sinais e sintomas podem incluir sangramento vaginal hepática, incluindo coagulograma. Cabe ressaltar que os va-
associado a dor abdominal por h ipenonia uterina, sofrimento lores iniciais de hemoglobina podem não representar a perda
fetal e hipertensão arterial materna. sanguínea real da paciente; portanto, o julgamento clínico é
O sangramento vaginal está presente em 80% dos casos, necessário na avaliação de transfusão sanguínea, quando esta
e o volume do sangramento pode não reOetir a gravidade do for necessária.
descolamento. Em tempo relativamente cuno, o sangramen-
to uterino pode ser suficiente para colocar em risco a saúde Ultrassonografia (US)
materna e a fetal. Vale ressaltar que 20% dos casos irão cursar A US auxilia a determinação da localização da placenta,
com hemorragia oculta, e a ausência de sangramento vaginal de modo a excluir placenta prévia, mas não é muiLO útil no
não exclui o diagnóstico de DPP diante de outros sinais su- diagnóstico de DPP, valendo ressaltar que achados ultrassono-
gestivos da doença. grãficos normais não excluem essa condição (valor preditivo
As contrações e/ou a hipenonia uterina fazem parte dos negativo de 50%). A visualização de hematoma retroplacen-
sinais clássicos. A atividade ute rina alterada é um marcador tário à US ocorre em apenas 2% a 25% dos casos e depende
sensível no descolamento, e na ausência de sangramento va- de sua extensão e localização.
ginal deve-se ter em mente a possibilidade diagnóstica de São achados possíveis: (l) coágulo retroplacentário (ima-
DPP. À palpação uterina, notam-se taquissistOlia, h ipenonia gem h iper ou isoecoica, quando comparada com a placenta,
e, por vezes, um útero de consistência Jenhosa, o que pode na fase aguda, modificada para hipoecoica dentro de l sema-
levar à dor abdominal intensa. na), (2) hemorragia oculta ou (3) expansão hemorrãgica.
r
((

Capítulo 88 Descolamento Prematuro da Placenta 741

Cardiotocografia paciente. O tipo de incisão uterina depende da idade gesta-


A avaliação cardiotocográfica é recomendada nos casos dona!. A hemorragia após a extração do concepto pode ser
de suspen.a cllmca de DPP em que a ausculta fetal inicial é profusa em virtude da hipotoma ou atonia utenna por mlil-
normal , a mulher se encontra estável, ou quando se inicia tração de sangue, podendo ser necessária a h1sterectomia. No
ressusc!lação voltm1ca com o objetivo de dec1dir sobre a via entanto, outros procedimentos são precomzados antes des-
de pano para conhecer a cond1ção fetaL O sofrimento fetal é sa decisão, inclumdo admm1stração de uterotõrucos, como
e\~denc1ado por alterações na frequtnc1a cardlaca. Posslveis ocitócitos, alcal01des de Ergot e prostaglandmas, correção da
achados mcluem: ausenc1a de acelerações, bradicardia fetal coagulopatía, e métodos cirúrg1cos. como sutura de B-Lynch
prolongada, desacelerações vanáve1s e tardias repetiu'-as e di- e ligadura de anéna utenna, entre outros.
minuição na vanab1lidade. Além diSSO, obsen·a-se aumento Durante a cesariana, são imponantes a diSponibilidade de
do tõnus utenno assocmdo a contrações frequentes que po- hemocomponemes e maior cuidado com a técnica operatória
dem evoluir para taquissistolia. Essas alterações podem aju- com hemostasia rigorosa.
dar na confirmação diagnósuca.
Parto vaginal
Diagnóstico diferencial Quando não houver comprometimento matemo e o traba-
A placenta prévia, o principal diagnóstico diferencial a se r lho de parto estiver avançado,já no segundo estágio, a via vagi-
excluldo, manifesta-se com sangramento vaginal não acom- nal poderá ser tentada com cuidados maternos e monitorização
panhado de dor e pode ser confirmada pela US. materna e fetal rigorosa (nfvel de evidência 4). sendo a via de
A anamnese e os exames frsico e complementares podem escolha em caso de decesso fetal secundário ao DPP, quando
ajuda r a exclui r outras posslve is causas, como vasa prévia, as condições maternas estão estáveis. A amn iotomia deve ser
traumatismo vagina l, sangramentos do seio marginal, traba- realizada, sempre que posslvel. com o intuito de reduzir a com-
lho de pano pré-termo, apendicite aguda e sangramemo por pressão da veia cava inferior, dim inuir a área de descolamemo,
lesões do colo (pólipos e carcinoma cen•ical). reduzir a passagem de tromboplastina para circulação materrta
e a hipenonia uterina, coordenar as contrações, identificar o
hemoâmnio e otimizar o trabalho de pano.
TRATAMENTO E SEGUIMENTO ~ão foram identificados quaisquer estudos que apoiem as
O tratamento do DPP deve ser mdividualizado, variando recomendações sobre o momento ideal para o pano na austn-
de acordo com a 1dade gestac1onal e as condições matemo- cia de repercussões maternas ou fetaiS nos casos de DPP. Em
-fetais. O bom prognóstico para a pac1ente e o concepto de- gestações com menos de 34 semanas a conduta deve ser in-
pende de inten·enção rápida e adequada. di,·idualizada, dependendo das cond1ções cllmcas maternas e
da vitalidade fetal, com momtonzação dlána dos parâmetros
Medidas gerais maternos e fetais e a\'llhação da área descolada. No entanto,
As med1das m1c1a1S em d1reção ao centro Cirúrgico incluem no caso de DPP em pac1entes com maiS de 34 semanas a in-
aquelas de supone básiCO da v1da, que são: terrupção da gestação é 1mpenosa a fim de evnar consequen-
cias potencialmente graves associadas ao DPP.
• Obsen'llção e monitonzação ngorosa dos dados vitais.
• Manutenção de vms aéreas pén•ias e parâmetros hemodi-
nãmicos estáveiS. COMPLICAÇÕES
• Inicio de infusão de cnstaloides (proporção de 3:1 - 3.000ml As complicações maternas mais frequentes são o útero de
para cada l.OOOmL perdidos) através de dois acessos veno- Couvelaire com atonia uterina, choque hipovolêmico intra-
sos calibrosos. pan o ou pós-parto e seus desfechos. coagulação intravascular
• Oxigenoterapia. disseminada, insuficiência renal aguda (DPP é a causa mais
• Monitorização fetal continua. comum de necrose corticorrenal bilateral aguda na gestação).
• Coleta para exames laboratoriais. síndrome da angústia respiratória aguda, embolia de l!quido
• Avaliação da necessidade de transfusão de sangue. amniólico, necrose hipofisária (slndrome de Sheehan) e morte.
As complicações fetais e neonatais incluem hipoxia, acidose,
Conduta obstétrica anemia, óbito imrauteri no, lesão cerebral e morte neonatal.
Cesariana
A cesariana é a via de pano adequada quando o feto tem PROGNÓSTICO
idade viável e o parto vaginal não é iminente. Diante de um Materno
quadro de DPP com comprometimento fetal o pano deve ser Alguns fatores pioram o prognóstico matemo, como os se-
realizado em situação de emergência. Alguns autores reco- guintes: postergação exagerada do pano (>20 mmutos), ruptu-
mendam que o nascimento deva ocorrer em até 20 minutos ra uterina, DPP com austncia de sangramento ,·aginal (oculto),
para que se obtenha melhor prognósuco. idade gestacional <34 semanas, assocmção à mone fetal, exten-
A cesariana facihta o acesso direto ã ,·ascularização uterina, são do descolamemo >50% da área placentána, o1·erdose aguda
porém pode ser complicada por coagulopaua já instalada na de cocalna e associação à pré-eclâmpsia gra1·e.
/.

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j 742 Seção 11 Obstetrícia

Descolamento prematuro da placenta

t t
Feto vivo Feto morto

t t t t
Instabilidade materna Estabilidade materna Estabilidade materna Instabilidade materna
ou vitalidade fetal e vitalidade fetal
comprometida preservada

t - Parto vaginal" '- Cesariana

Parto iminente
(dilatação do colo
<34 semanas Individualização
uterino 10cm)
do caso
t l
Sim I Não I Cesariana
;,34 semanas
(extração do concepto
Parto vaginal em até 20 minutos)

Figura 88.1 Abordagem do descolamento prematuro da placenta. (•Avaliar cesariana se não houver parto vaginal em aproximadamente 6 horas.)

Na vigência de fatores de mau prognóslico e diante da ins- • Diagnóstico rápido: convém pensar nos sinais clássicos,
talação de complicações graves, como coagulação intravascu- como sangramemo vaginal na segunda metade da ges-
lar d isseminada e insuficiência renal por choque hipovolêmi- tação, associada a hipenonia uterina e so frimento fetal.
co, a mortalidade materna se aproxima dos 10 %. A associação de níveis pressóricos elevados também re-
fo rça a hipótese d iagnóstica, cabendo lembrar que ce rca
Fetal de 30% dos casos não se apresentarão com sintomas tão
O prognóslico fetal é mais reservado, e óbito pode alcançar evidentes.
a tOtalidade dos casos mais graves. A prematuridade é fator • Pano imediatO.
relevante na morbimonalidade fetal. • Equipe adequada, multiprofLSsional (obstetra, neonawlo-
gista, anestesiologista, enfermagem), bem treinada, é fun-
PREVENÇÃO damental para que o diagnóstico ao nascimento seja esta-
A eliminação de fatores de risco evitáveis pode diminuir a belecido no menor tempo possível e o desfecho favorável
recorrência do DPP em gestações subsequentes, sendo dois dos com diminuição da morbimortalidade materno-fetal.
mais notáveis o tabagismo e o consumo de cocaína. A educação
sobre os riscos decorrentes do uso de d rogas e dos hábitOs com- MENSAGEM-CHAVE
ponamentais, além de programas que auxiliam a cessação ou
Por se tratar de uma urgência obstétrica, é importante man-
a reabilitação, pode ajudar a prevenir futuros quadros de DPP.
te r em mente que o diagnóstico do DPP é eminentemente
As mulheres hipe rtensas devem se r acompanhadas ade-
quadamente de modo a se evitarem o descontrole pressórico clínico e que devem ser conhecidos todos os sinais e sintomas
apresentados nessa patologia para que possam ser adotadas
e suas complicações.
Em virtude da associação potencial do DPP às trombofi- condutas rápidas e adequadas.
lias, uma paciente com quadro de trombofilia que teve des-
colamento grave ou muito prematuro, especialmente com a l eitura complementar
morte do feto, pode ser tratada com terapia anticoagulante Abu-Heija A, ai-Chalabi H, el-lloubani N. Abruptio placentae: risk
durante a gravidez e por 6 semanas no puerpério, embora factors and perinatal outcome. J Obstei Gynaecol Res 1998 Apr;
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Capítulo 88 Descolamento Prematuro da Placenta 743

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CAPÍTULO (

Placenta Prévia
Ca rlos Henrique Mascarenhas Silva
Cláudia Lourdes Soares Laranjeira
Alaís Virgínia Ferreira de Souza
Camila Rios Bretãs

INTRODUÇÃO • Prévia marginal: a bo rda da placenta se localiza às mar-


A placenta prévia ou ante rior é aquela implantada total ou gens do orifício interno, a 2cm ou menos.
parcialmente no segmento uterino inferior, abaixo da apre- • Implantação baLxa: a placenta é implantada no segmento
sentação fetal. uterino inferior sem alcançar o o rifício interno, po rém pró-
Estudos evidenciaram que a placenta prévia complica ximo deste (distância >2cm).
ap roximadamente 0,3% a 1,7% das gestações, va riando de
acordo com a população estudada. No Brasil, essa taxa pode ETIOPATOGENIA
se r maior em razão das maiores taxas de cesarianas. É sabido
As causas da placenta prévia não são totalmente conheci-
que para cada cesariana há aumento na incidê ncia de placen-
das, sendo provavelmente multifato riais. Estudos evidencia-
ta prévia. Essa mudança nas características clínicas da popu-
ram que os fatores de risco incluem história de cesariana pré-
lação tem implicações na morbidade obstétrica com riscos de
via, ciru rgia uterina, idade materna elevada, mulliparidade,
complicações maternas e fetais, como hemo rragia periparto,
aborto prévio, curetagem, tabagismo e uso de cocaína.
transfusão sanguínea, histerectomia peripano, vasa prévia e
O motivo de algumas placentas não se implantarem no fun-
ap resentação anômala a te rmo, além de prematuridade neo-
do não está claro, mas aparentemente está relacionado com a
natal e malformações.
vascularização uterina deficiente. O primeiro autor a estabele-
A placenta prévia (Figura 89.1) pode ser classificada como:
ce r a relação entre cesariana e placenta prévia foi Bender, em
• Prévia total: o orifício interno é completamente coberto pela 1954. A presença de cicatriz uterina no segmento infe rior atrai-
placenta. ria a implantação baixa da placenta. Provavelmente nas cesa-
• Prévia parcial: o o rifício interno é parcialmente cobe rto rianas de repetição, com inúmeras cicatrizes, o endométrio do
pela placenta. segmento infe rior te ria maior d ificuldade em sofrer o processo

Total Parcial Marginal Implantação baixa

Figura 89.1 Tipos de placenta prévia. (Reproduzida de Oyelese. Placenta praevia, placenta accreta and vasa praevia. Obstei Gynecol, 2006.)

744
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Capítulo 89 Placenta Prévia 745

de decidualização, favorecendo também o acrelismo. As taxas quantificar o sangramemo e verificar a tipagem sanguínea
podem chegar a 2,7% em três cesarianas e a 3, 7% na presença com a solicitação de hemograma, grupo sanguíneo, fato r Rh e
de cinco ou mais. outros exames laboratOriais complementares, como fatores de
Com o avanço da gestação, em cerca de 90% dos casos as coagulação e fibrinogênio.
placentas irão posicionar-se longe do colo, fenômeno conhe- Cabe avaliar a vitalidade fetal por meio da US obstétrica ou
cido como "migração placentária". A aparente mudança de cardiowcografia. Em geral, o bem-estar fetal não é alterado
posição se deve, provavelmente, à formação do segmento in- po r não gerar hipenonia uterina, já que o sangramento vagi-
fe rior Lllerino, que Lraciona a placenta em direção ao fundo do nal tem liv re acesso pelo colo uterino, dife rentemente de ou-
útero, além do tropismo por áreas mais bem vascularizadas. tras causas de sangramemo na segunda metade da gestação,
Assim, se a placenta prévia for identificada no início da gesta- como descolamemo placentário.
ção, deve se r solicitada nova ultrassonografia (US) no terceiro Em Silllações de eme rgência, em caso de indisponibilida-
trimestre para confirmar se houve migração placentária. de de US, hemorragia vaginal profusa ou sofrimento fetal, o
A hemo rragia na placenta prévia ocorre no próp rio local diagnóstico pode ser confirmado por exame vaginal na sala
de implantação placentária, geralmente no terceiro trimestre, de cirurgia com a programação imediata de cesariana.
com o desenvolvimento do segmento uterino inferior. Co-
mumente se apresenta também no trabalho de parto, quando Tratamento e seguimento
as contrações uterinas aplicam fo rças de cisalhamemo com Os princípios básicos de atendimento imediato das mu-
o objetivo de dilatar o colo, podendo, consequemememe, lheres com qualquer tipo de hemorragia amepano incluem
ocasionar o desprendimentO da placenta. O sangramemo é avaliação da condição materna e fetal, ressuscitação materna
aumentado em razão da incapacidade intrínseca de contrair e avaliação da idade gestacional e da matu ridade pulmonar.
as fibras miometriais do segmento uterino inferior e, desse Uma vez o diagnóstico de placenta prévia tenha sido confi r-
modo, comprimir os vasos lacerados. mado, as condutas obstétricas vão depender da idade ges-
tacional, da quantidade de sangramemo e das condições e
apresentação fetais.
DIAGNÓSTICO Caso o sangramemo cesse espontaneamente com a paciente
A paciente pode apresentar-se assimomática, sem evidências estável do pomo de vista clínico e o feto longe do termo, o tra-
de hemorragia, com diagnóstico realizado por meio da US, ou tamento expectante é o ideal, com possibilidade de observação
pode apresentar-se na urgência com sangramemo vaginal com imra-hospitalar por 72 horas e orientações de retOrno em caso
ou sem US prévia, principalmente após 24 semanas de gestação. de novos episódios de hemorragia. Podem ser recomendados
Após o uso rotineiro da US obstétrica ocorre aumento nas abstinência sexual e repouso a partir do p rimei ro sangramemo,
taxas de diagnóstico da placenta prévia, principamente quan- apesar de não have r evidências que embasem essas recomen-
do realizado entre 16 e 18 semanas de gestação (5% a 15% dações. Além disso, um plano de cuidados deve ser realizado
das mulheres), podendo haver evidências de placenta com e d iscutido exaustivamente com a paciente e a equipe médica
implantação baixa nesse período. Em seguida, com a migra- com orientações sobre as potenciais complicações maternas e
ção placentária, 0,5% dos casos tem o diagnóstico de placenta fetais e sua abordagem. Se a primeira hemorragia acontecer em
previamente confi rmado. Assim, a US deve ser repelida entre gestações com mais de 37 semanas, o pano poderá se r realiza-
a 28' e a 32" semana para confi rmar a posição placentária. do em função do risco de uma nova hemorragia.
A US transvaginal é preferível à transabdominal (sensi- A via de pano varia de acordo com as condições maternas,
bilidade de 87,5% e especificidade de 98,8%) em caso de a localização da placenta, a apresentação fetal e a dilatação
suspeita diagnóslica em virtude da melho r acurácia. A son- cervical, podendo ser conduzida por via vaginal se a placenta
da ecográfica endovaginal não aumenta as taxas de sangra- estive r a mais de 2cm do orifício interno do útero. No caso de
mento se for inse rida no máximo 3cm na vagina, sem entrar, placenta prévia tOtal, parcial ou marginal , a cesariana deve se r
ponamo, em contato d iretO com o colo do úte ro. A US com realizada, com 38+0 a 38+6 semanas, se as condições clínicas
dopple rfiuxometria ou a ressonância magnética (RM) podem forem favoráveis.
ser realizadas principalmente para investigar a possibilidade A cesariana pode ser difícil nos casos de placenta prévia,
de acrelismo placentário e o nível de invasão miometrial. em virtude da hemorragia e da dificuldade de extração fetal,
As pacientes admitidas na urgência apresentam sangra- principalmente se a placenta estiver em posição anterior. Além
mento vaginal , em geral não abundante, indolor (em 80% disso, há maior chance de atonia Lllerina e de invasão da pla-
dos casos) e com cessação esponlànea. Com frequência, esse centa no miométrio - acretismo placentário com consequeme
sangramemo ocorre após a relação sexual. O exame especular dificuldade para sua remoção. Nesses casos, durante o proce-
cuidadoso pode ser realizado com o objetivo de esclarecer a dimento cirúrgico, se a placenta nào se separar do miométrio
origem do sangramemo e excluir outras causas, como tumo- mediante a adoção das medidas usuais, deve-se deixá-la no lei-
res ce rvicais e lacerações de colo. O toque vaginal, a fim de LO e procede r à histerorrafia e à histerecwmia, que promovem
delimitar as relações entre a placenta e o colo ute rino, não menor perda sanguínea em relação à tentativa de separação.
deve se r realizado em razão do traumatismo direto da pla- Nos casos de hemo rragia grave deve-se proceder rapida-
centa e po r poder causar hemo rragia grave. Convém ainda mente à ressuscitação materna, utilizando protocolos especí-
/.
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/ 746 Seção 11 Obstetrícia

ficos para hemorragia periparto: massagem uterina, ocitocina consequente aumento da morbtmortalidade fetal em três
EV lenta (máximo de 40UI), 800 a I.OOO~tg de misoprostol a quatro n~zes. A morbtdade causada pela placenta pré\"Ía
intrarretal, ácido tranexâmico, sutura de B-Lynch, ligadura de está associada à prematuridade sem causar outras alterações
anérias utennas ou htpogástncas e histerectomia total ou sub- comprovadas.
total até a cessação do sangramento. Se dLSponh·el e em caso
de eStabthdade hemodmâmtca, pode ser realizada cateterização MENSAGENS-CHAVE
ou embohzação selell\·a da dt,'lSão antenor da artéria iliaca in- • A ocorrência de placenta prévta deve ser sempre cogttada
tema ou das anénas utennas, um ou btlateralmente, que apre- em casos de sangramento \'agtnal de tercetro tnmestre com
senta altas taxas de sucesso, como uma alternativa à ligadura e hemorragia geralmente indolor e hmttada. Suas causas são
hísterectomia, com a vantagem de preservar a fertilidade. desconhecidas, e a inctd~ncia vem aumentando, associada
Os corucOtdes podem ser administrados para amadureci- principalmente à mulupandade e ao aumento da tdade ma-
mento pulmonar, se houver posstbtlidade de parto iminente, terna e das taxas de cesariarta.
entre 24+0 e 34+6 semanas. Em caso de trabalho de parto • Em \"Írtude de sua dtSpombthdade, a US deve ser realizada e
prematuro com sangramento controlado, o sulfato de magné- repetida após 28 semanas, se o diagnóstico for precoce, com
sio e os tocolrticos podem ser utilizados com cautela. o objetivo de verificar a migração placentária. Durante a ava-
Todas as pacientes Rh-negalivas não sensibilizadas devem liação e a abordagem da paciente, convém enfaLizar a possibi-
receber imunoglobulina anti-Rh. lidade de hemorragia grave se o toque vaginal ror realizado.
Se a transfusão for necessária ou houver grande volume de • O tratamento expectante deve ser realizado em casos de
perda sangulnea prevista, pode-se utilizar o cell salvage, prin- prematuridade e estabilidade matemo-fetal. A paciente deve
cipalmente em mulheres que recusam transfusão. ser investigada e mantida em observação até ap resentar con-
Pelo fato de a hemorragia ocorrer principalmente como dições de alta e acompanhamento ambu latorial com orien-
resultado do desprendimento da placenta de um segmento tações de retorno e elaboração de um plano de cuidados
anterior alongado, alguns estudos citam a cerclage como me- para melhor acompanhamento. Se o sangramento ocorrer a
dida de exceção em gestantes com idade gestacional <22 se- termo, a cesariana deverá ser realizada, havendo a possibili-
manas e abertura do colo utenno. Embora aumente os riscos dade de pano "aginal em caso de placenta 2cm distante do
de sangramento, a reahzação da sutura pode promover be- orifício interno.
neficios. No entanto, esse procedtmento não é recomendado • Graves complicações maternas e fetais aumentam com a
rotineiramente em \"Írtude da escassez de estudos. placenta pré\"Ía, como sangramento profuso, transfusões,
histerectomia e prematuridade com tmphcações para a fer-
PONTOS CRÍTICOS tilidade e a saúde da população.
A placenta pré\'ia deve ser sempre lembrada como impor-
tante causa de morbtdade obstétnca em caso de sangramentos Leitura complementar
vaginais de tercetro tnmestre. Poucos estudos tem abordado Cunningham FG, Leveno KJ. Bloom SL et aJ Obstetnc hemorrhag1c.
os aspectos referentes aos cutdados diante dessa importante In: Wilhams obstelncs. 23. ed. McGraw·H•II. 2010:75Hl03.
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co, às opções de tratamento, às potenciais complicações e à ning of the utenne isthmus is associated Wllh high risk of bleeding
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Capítulo 89 Placenta Prévia 747

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CAPÍTULO (

Ruptura Uterina
Carlos Henrique Mascarenhas Silva
Cláudia Lourdes Soares Laranjeira
Camila Rios Bretas

INTRODUÇÃO ridade, outras cicatrizes uterinas, uso de ute rotõnicos, indu-


A ruptura uterina, uma rara emergência obstétrica, está as- ção do trabalho de parto, parto distócico, desproporção cefa-
sociada a aumento na mortalidade e morbidade maternas e lopélvica, gemelaridade, macrossomia, apresentação anômala
fetais, como histe rectomia, necessidade de transfusão sanguí- ou malformações uterinas. O traumatismo uterino é causa
nea e lesão geniturinária, além de morte fetal. Sua incidência incomum de ruptura, ocorrendo geralmente em colisões de
é variável no mundo e está relacionada com a prevalência de alta velocidade.
cirurgias uterinas, principalmente cesarianas, podendo repre- As rupturas que ocorrem em cicatrizes uterinas estão rela-
sentar de 0 ,4% a 1% das pacientes em trabalho de parto com cionadas principalmente com cesarianas prévias, em especial
cesarianas prévias. A taxa de mortalidade materna no Reino nas clássicas ou múltiplas transversais. As taxas de ruptura
Unido foi de 1,3%. em cicatrizes variam muito, com estudos relatando até 92%
A ruptura pode ser classificada em: de relação com cesarianas anteriores. Podem ocorrer também
em miomecwmias prévias, ressecções laparoscópicas por en-
• Ru ptu ra u terina completa: envolve wda a espessura da dometriose profunda, ressecções cornuais em cirurgias para
parede uterina, com ou sem expulsão fetal, e se apresenta correção de gestação ectópica, entre outras.
como emergência obstétrica com sofrimento fetal e ameaça No pe riparto, a ruptura traumática pode ocorrer quando
de morte materna. um trabalho de parto prolongado é inadequadamente con-
• Ruptura incompleta ou d eiscência uterina: ocorre rup- duzido ou em manobras obstétricas. O uso de uterotõnicos,
tura da parede, mas o peritônio víscera\ permanece íntegro. como a ociwcina, pode predispor à ruptura, principalmente
Assintomática, seu d iagnóstico é estabelecido incidental- de úteros com cicatrizes prévias. O trabalho de parto distó-
mente no momento da cesariana, geralmente sem associa- cico promove contrações uterinas contínuas e intensas por
ção a resultados clínicos adversos. longos períodos, e podendo ocasionar também rompimento.

ETIOPATOGENIA DIAGNÓSTICO
A ruptura uterina pode ocorrer em qualquer paciente, A ruptura ute rina pode ocorrer antes do parto, no parto ou
principalmente naquelas com cicatrizes prévias, sendo rara no pós-parto com sinais e sintomas muitas vezes inespecífi-
nos úteros sem lesões anteriores e em primigestas. Alguns cos, o que pode dificultar o diagnóstico (Quadro 90.1 ).
estudos indicam que nenhum fator de risco isolado ou as- Normalmente, a história encontrada é a de uma gestante
sociado , incluindo os fatOres sociais, demográficos, clínicos, com cesariana transversal prévia que apresenta alterações da
ultrassonográficos e obstétricos, apresenta sensibilidade e es- frequência cardíaca fetal, bradicardia e desacelerações variá-
pecificidade adequadas para predizer a ruptura uterina. veis ou tardias, ocorrendo em 55% a 87% dos casos. Dessa
A ruptura ocorre com frequência em mulheres que apre- maneira, para uma adequada assistência obstétrica é reco-
sentem qualquer fator que ocasione fraqueza na parede ute- mendado que as mulheres submetidas a cirurgia uterina ante-
rina, hiperd istensão ou estímulos contráteis contínuos, ex- rior recebam monitoramento rigoroso durante o trabalho de
tremos e prolongados. A frequência da lesão uterina é ainda parto. Se houver alterações, o diagnóstico deverá ser conside-
maior se a fraqueza do músculo uterino se associa a multipa- rado e a paciente encaminhada para cesariana de emergência.
748
\.
r
( I

Capitulo 90 Ruptura Uterina 749

Quadro 90.1 SltlaJS e sintomas de ruptura uterina volêmica e encammhamento da paciente para cesanana de
Alleraçoes da VItalidade fetal: emergência ou laparotonua exploradora.
Oesaceleraçoes variáveis da frequêncía cardfaca Na cesariana, o dtagnóstico é confirmado, o bebé é entregue
Vartabtfldade reduzida
ao pediatra e, posteriormente, deve-se avaliar a extensão da rup-
Sangramento vaginal tura uterina. Se o recém-nascido ou a placenta forem expulsos
Alteração das contrações uterinas/discineslas do útero, o resultado neonatal será provavelmente problemático
Elevação repentina da apresentação fetal ou ausência da em razão da grave h ipoxia estabelecida. Após a reli rada da pla-
apresentaçao na pelve materna centa, o objetivo é o controle da hemorragia. O útero e as estru-
Dor em regiao sobre o segmento uterino turas vizinhas devem ser cuidadosamente inspecionados, uma
Htpotensao e taquicardia materna vez que pode ha'•er a extensão do trauma e, em alguns casos,
será suficiente a hiSlerorralia com simples reparação do sitio de
ruptura. As mulheres com instabilidade hemodinãmtca refralána
Antes da ruptura, em alguns casos, pode-se observar pro-
à reposição volemtca e com CJ.'tensas lesões utennas de dtflol
gressão lenta do uabalho de pano após 7em de dilatação, o
reparação podem ser beneficiadas pela histerectomia puerperal.
que sugere que a distocia de trabalho de pano em dilatações
m•ançadas, em pacientes com cesariana prévia, pode ser um
sinal de rompimento iminente, sendo necessáno controle CONSIDERAÇÕES FINAIS
mais intensivo como monitorização fetal continua. No mo- As informações sobre o pano após a ruptura uterina anterior
mento da ruptura intraparto ocorre a cessação das contrações são escassas em parte porque sua ocorrência é mais provável
uterinas e, po r conseguinte, qualquer decisão sob re o aumen- em multfparas com prole definida. Em função do temor de
to das contrações com ocitocina deve se r tomada com cautela. ruptura após incisões uterinas, os obstetras geralmente optam
Pode haver dor abdominal constante, sendo ou não associa- pela cesariana eleti va nesses casos, tomando a incidencía desse
da a hemorragia vaginal, com posterior choque hemorrágico, rompimento cada vez mais baixa. No entanto, essa atitude não
e também pode ocorrer dor escapular em razão da trritação previne todos os casos, Já que essas pacientes podem entrar em
diafragrnãuca causada pelo hemoperitõmo. A dor abdominal e uabalho de pano antes da data programada.
o sangramento são aparentemente desproporctonats ao estado ~os casos de urna cesariana prévia sem ruptura antenor,
geral da pactente e ao mlume sangulneo extravasado, em ra- apesar do riSCo, deve-se tentar o pano vaginal , desde que o
zão de a perda ser intra-abdominal. Esse quadro também pode trabalho de pano receba monitorização obstét.nca e fetal ade-
ocorrer no pós-pan o em paciente com hemorragta sem respos- quada e que seja evnado o uso da ocitoc ina.
ta às manobras corretivas. Em caso de parto após ru ptura, os dados em relação à cesa-
A alteração no formato uterino d urante o exame f!sico ab- riana ou à tentativa de pano vaginal são conn itantes, devendo
dominal é comumente descrita, porém rara, podendo não se r feita a avaliação caso a caso.
ocorre r até que parte d o conteúdo ute rino seja expulsa para O resuhado neonatal em caso de ruptura é pobre, com
a cavidade abdomi nal. Se o feto tive r sofrido extrusão parcial problemas e morte fetal ocorrendo em um percentual de até
ou tota l pelo local da ruptura, apalpação abdominal ou vagi- 80%. Nos casos de ext.rusão total do feto pelo local da ruptu-
nal poderá ajudar a identificar a região de apresentação q ue ra, as taxas de Apgar <7 no quinto minuto e mone perinatal
terá se afastado do estreito superior da pelve. Alguns autores são mais elevadas. Os resultados perinatais adversos mais co-
relatam como sinal de Bandl a distensão do segmento mferior, muns foram: hemorragta imerventricular, leucomalacia pen-
formando uma depressão em faixa, de locahzação mfraumbi- vemricular, convulsões e mone neonatal.
hcal , o que dá ao útero o aspecto de ampulheta.
No caso de ruptura uterina em pactentes sem cicatrizes pré- MENSAGENS-CHAVE
vias ou em primigestaS, o desfecho pode ser pior em ,inude • Embora rara, a ruptura uterina é uma grave comphcação
do atraso no diagnóstico provocado pela baixa suspeição clini- obstétrica relacionada principalmente com as lesões uteri-
ca. No caso de multiparas sem cesarianas anteriores. também nas, com taxas elevadas de morbidade materna e feta l.
pode haver atraso na detecção e menor taxa de conversão para • O d iagnóstico pode ser d ificil em virtude da inespcci ficida-
laparotomia. Se o rompimento ocorre no pós-pan o normal, em
de dos si nais e sintomas, como dor abdominal, sangramen-
geral são pesquisadas inicialmente outras causas de hemorragia to vaginal e principalmente b radicardia fetal tenni nal, mas
pós-pano. Dessa maneira, apesar de raro, os médicos devem é fundamental a detecção precoce da evolução anormal do
permanecer vigilantes quanto à possibtlidade dessa complica- uabalho de pano e/ou alterações da frequência cardiaca fetal
ção, particularmente durante o uabalho de pano a,·ançado ou nas mulheres que tentam o pano ,·agina.l após cesanana, de
tmedtatameme após, no caso de hemorragta vagtnal gra,-e, hi-
modo a posstbthtar a adoção de inten·enções tmedtatas que
potensão e dor abdominal intensa e continua.
possam e'~tar comphcações gra\-es ou a própna ruptura. A
panir da hipótese de rompimento, o uatamento consiste em
TRATAMENTO E SEGUIMENTO laparotomta de emergência e ressuscitação materna '~goro­
Para um t ratamento bem-sucedido, o diagnóstico deve se r sa. MuitaS vezes, o reparo uterino é suficiente, mas, em al-
precoce e a intervenção imed iata com pronta ressuscitação gumas situações, a hísterectomia é necessária.
750 Seção 11 Obstelrícia

• Ao se constderar a falta de sinais de ale na especlficos para Mareovtci I. Utenne ruptura before lhe ooset of labor foiiOWing exten-
siva resecbon oi deeply 1nflltrating endometrios1s Wlth myornetn-
ruptura utenna, o principal fator para prevemr a ocorrén-
ali invas100. lnternat10nal Journal of Gynecology and Obstetncs
cta dessa grave emergência obstétrica é uma adequada as- 2015; 129:267-75.
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CAPÍTULO

Pré-eclâmpsia, Eclâmpsia
e Síndrome HELLP
Cezar Alencar de Lima Rezende
Clóvis Antõnio Bacha

INTRODUÇÃO (1% a 2%). Cerca de 35% das mulheres com hipertensão


A pré-eclâmpsia pode ser definida como doença sistêmica gestacional com menos de 34 semanas iráo desenvolver pré-
de causa desconhecida, caracterizada por resposta vascular -eclâmpsia em uma médta de 5 serrtanas. A PE é a compli-
anormal à placentação, associada a aumento da resiStência cação maiS comum após a 200 semana de gestação, e a tm-
vascular stStêmtca, aumento da agregação plaquetária, dis- portâncta de seu estudo se deve à alta incidência (6% a 8%
função celular endotelial e ath·ação do SIStema de coagulação. de todas as gravtdezes), embora existam grandes ''mações na
O termo pré-eclâmpsia (PE) é usado para descrever um literatura, e à sigmficauva contribuição na natimortalidade e
largo espectro de pacientes que podem apresentar desde ele- morbimortahdade neonatal.
vação leve da pressão arterial (PA) até hipertensão grave com Na prática clínica, a PE parece consistir em mais de uma
d isfunção de vários órgãos, hemólise, alteração das enzimas doença por diferir em vários aspectos, como a época de seu
hepáticas, plaquetopenia ou eclâmpsia. aparecimento na gestação, a presença de fatores de risco as-
Desde o in feio do século XX, com a introdução da medida sociados, o envolvimento de sistemas orgânicos maternos e
indireta da PA e a determinação da proteinúria na prática clí- o acometimento fetaL Algumas mulheres desenvolvem a for-
nica, tem stdo poss!vel reconhecer esse processo como uma ma grave de hipertensão sem proteinúria. Hipertensão e pro-
doença acompanhada de hipertensão artenal, proteinúria e, teinúria podem estar ausentes em 10% a 15% das gestantes
às \'ezes, convulsões. O rastreamento para PA aumentada e com quadro de hemóltSe, disfunção hepática e trombocnope-
a anáhse de proteinas na urina se transformaram em prática nia (a slndrome HELLP) e em 38% das gestantes que desen-
padromzada na assistência pré-natal, e a htpertensão e a pro- voh·em edãmpsta. Na austncia de proteinúna, a PE deve se
teinúna tem sido reconhecidas como sinaiS de alarme de sua considerada quando a hipertensão está associada a smtomas
ocorrencta. cerebrais persistentes, epigastralgia com náusea e vOmitos ou
A hipertensão arterial é a complicação médica mais co- a plaquetopenia e enzimas hepáticas alteradas.
mum durante a gravidez. As doenças hipertensivas compli- A PE pode manifestar-se como síndrome materna (hiper-
cam mais de 10% das gestações e permanecem como a causa tensão arterial, proteinúria e alterações sistêm icas) e ser acom-
mais comum de morbidade e mortalidade maternal e peri- panhada por complicações fetais, cuja gravidade do compro-
natal em todo o mundo. Segundo a Organização Mundial da metimento é variável (Quad ro 91.1). Em gestação próxima
Saúde (Ol\15), na América Latina e no Caribe as complicações ao termo poderá não haver acometimento fetal a despeito do
hipertensivas são a causa da maior pane das mortes maternas quadro clinico matemo, mas em fase mais inicial, antes de 34
(25, 7%), princtpalmente quando se tnstalam em suas formas semanas, a PE pode ser responsãvel por elevada morbtmorta-
graves: eclãmpsia e sindrome HELLP (hemóltSe, enZtmas he- lidade pennatal em virtude da restrição do cresctmento fetal,
pállcas aumentadas, baixa de plaquetas). Espera-se a ele,-ação do descolamento prematuro da placenta, de asfixta fetal e da
dessas taxas, uma ,-ez que as populações obstétncas estão se prematundade. Acarreta amda grande número de neomortos
tomando mats ,-e lhas, mais obesas e com mats comorbidades. com sequelas em razão dos danos provocados pela htpoxia
Os distúrbios hipertensivos da gravidez devem ser clas- perinatal, a prematundade e o baixo peso. Restnção do cres-
sificados como hipertensão preexistente (l% a 3% das ges- cimento fetal, redução do liquido amniótico e sofrimento fetal
tações), hipertensão gestacional (5% a 6%) e pré-eclâmpsia agudo são eventos esperados. A maioria dos óbitos maternos,

751
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j 752 Seção 11 Obstetrícia

Quadro 91.1 Complicações maternas e letais na pré·eclampsia grave vasculares rígidos, que não respondem então às substâncias
Complicações maternas vasoconstritoras mate rnas. Acredita-se que, pelo menos par-
Descaramento placentário (1% a 4%)
cialmente, esses eventos são induzidos pela interação i muno-
Coagulação disseminada/sfndrome HELLP (10% a 20%) -complexa entre o trofoblasto fetal e a decídua materna. O
Edema pulmonar/aspiração (2% a 5%) trofoblasto constitui um semialoenxerto porque contém pro-
Insuficiência renal aguda (1% a 5%)
dutos ge néticos de he rança paterna e antígenos de diferencia-
Eclãmpsia (<1%)
Hemorragia ou insuficiência hepática(<1%) ção celular específica, que são reconhecidos como estranhos
Acidente vascular encefálico por seu hospedeiro materno. O reconhecimento imunológico
Morte (0,2%) do trofoblasto pelas células deciduais e pelos macrófagos ma-
Morbidade cardiovascular tardia
te rnos parece atuar como estímulo para liberação de citoci-
Complicações fetais
nas, mediadores peptídeos de grande atividade nas respostas
Prematuridade (15% a 67%) inOamatórias e imunológicas. Parece que as citocinas, em as-
Restrição de crescimento inuauterino (10% a 25%)
Lesão neurológica por hipoxia (<1%)
sociação a fato res hormonais, atuam entre a interação imu-
Morte perinatal (2% a 3%) nológica feto-materna e as alterações adaptativas da gravidez.
Complicações cardiovasculares no futuro em consequência do baixo Alguns sistemas bioquímicos maternos são ativados. Um
peso ao nascec (origem fetal da doença no adulto)
aumento da atividade vasodilatado ra da prostacicli na (PGI,)
Fonte: Sibai, 2005. endotelial, apoiado pelo óxido nítrico, o qual é responsável
pela atividade biológica do fator relaxante do endotélio, supe-
em países em desenvolvimento, é evitável e reOete as precá- ra os efeitos vasoconstritores do sistema renina-angiotensina,
rias condições socioeconõmicas da população, a falta de in- aldosterona e tromboxano A2 plaquetário (TxA2). Como con-
vestimentOs na rede hospitalar, o despreparo de grande parte sequência do predomínio da PGI2 , instaura-se a vasodilatação
dos médicos e, às vezes, a iatrogenia. fLSiológica da gravidez, necessária para manter uma pressão
normal ou baixa, apesar do aumento do débito cardíaco e de
ETIOPATOGENIA E FISIOPATOLOGIA uma resposta vascular refratária às substâncias vasoconstrito-
A etiologia da PE permanece um enigma em obstetrícia, e ras, como a angiotensina 11.
várias hipóteses têm sido propostas. Algumas sugerem causas Algumas mulheres sadias, ge ralmente nulíparas, não ap re-
que incluem invasão trofoblástica anormal dos vasos uterinos, sentam as respostas adequadas de adaptação na presença do
intolerância imunológica entre os tecidos maternos e fetopla- trofoblasto fetal. A invasão trofoblástica das paredes das arte-
centários, má adaptação às alterações cardiovasculares, altera- ríolas uteroplace ntárias não oco rre ou é incompleta, os vasos
ções inOamatórias da gravidez e anormalidades genéticas. não se dilatam, e algumas arteriolas são ocluídas por mate-
A pawgenia da pré-eclãmpsia em nulíparas pode d iferir em rial fibrinoide e trombos (aterose), o que provoca infarto pla-
relação à de uma mulher com doença vascular preexistente, centário e insuficiência ci rculatória uteroplacentária. Desen-
gestação múltipla, d iabetes gestacional ou pré-eclãmpsia prévia. volve-se um déficit generalizado de PGI2 que, associado ao
RelatOs de anormalidades fisiopawlógicas da PE incluem isque- aumento concomitante de ação do TxA, e à perda da refrata-
mia placentária, vasoespasmo generalizado, hemostaSia anor- riedade vascula r fisiológica à angiotensina 11, leva à vasocons-
mal com ativação do sistema de coagulação, disfunção vascular trição e a uma perfusão sistêmica diminuída.
endotelial, óxido nítrico anormal e metabolismo lipídico altera- As respostaS imunes têm inOuência genética, havendo
do, ativação de leucócitos e alterações de várias ciwcinas e fato- grande predisposição familiar para o desenvolvimento da PE
res de crescimento. Além d isso, vários estudos sugerem que as e o crescimento intrauterino restrito.
alterações fisiopawlógicas da PE são causadas por angiogênese Outra causa possível de adaptação circulatória inadequa-
anormal, particularmente um desequilíbrio na relação Lirosino- da consiste na incapacidade dos mecanismos bioquímicos de
cinase solúvel (sFit-1)/fator de crescimento placentário(PLGF). reagi rem a um estímulo imune e citocínico adequado. Esse
O volume plasmático materno e o débito cardíaco na pode se r o caso de mulheres com anticorpos autoimunes, es-
gestação normal aumentam 40% a 50% em relação aos pa- pecialmente os anticorpos anticoagulantes lúpicos e outros
râmetros pré-gravídicos, o que beneficia, principalmente , a antifosfolípides, os quais certamente interferem na síntese da
circulação renal e uteroplace ntária. O Ouxo ute roplacentário PGI2 • A resposta do órgão-alvo pode também se r inadequada,
elevado entre as vilosidades co riônicas, de 700 a 900mUmin como no caso de mulhe res com hipe rtensão crônica e ne fropa-
no final da gravidez, é decorrente de alte rações morfológi- tias. A lesão endotelial extensa provoca perda da integridade
cas que acontecem nas a rtérias uteroplacentárias ao longo do do compartimento vascular. Ativam-se as plaquetas e se for-
primeiro e no início do segundo trimestre. As células do tro- mam trombos na microcirculação sistêmica e no leitO vascular
foblasto invadem as paredes das arte ríolas espiraladas, desde uteroplacentário com permeabilidade vascular aumentada e
o espaço interviloso, através do te rço interno do miométrio, vasoconstrição adicional. A síndrome HELLP é uma das ma-
destruindo a capa muscular lisa e sua ine rvação ad renérgica. nifestações clínicas de caráter multissistêmico na PE.
Essas mod ificações promovem aumento de até quatro ve- O organismo da gestante tenta compensar a produção das
zes no d iâmetro vascular, promovendo um Ouxo sanguíneo a minas vasoconstrito ras med iante a elevação na síntese de va-
uteroplace ntário elevado, à baixa pressão, através dos canais sodilatadores do tipo prostaciclina, óxido nítrico e peptídeos
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Capítulo 91 Pré-eclâmpsía, Eclâmpsía e Síndrome HELLP 753

natriuréticos cardíacos, sem, contudo, reve rte r o processo fi- inte rviloso são mais importantes para o estímulo ao desen-
siopawlógico. Atribui-se à disfunção endotelial generalizada volvimento placentário do que para o consumo fetal. Portan-
o papel mediador de um estado de vasoespasmo sistêmico tO, inadequada invasão trofobl.ástica e isquemia placentária,
nas gestantes que se tornam hipenensas e passam a aprese n- isoladamente, parecem não ser a causa direta de PE, mas um
tar baixa perfusão renal, tornando-se proteinúricas. Associa- pode roso fator predisponente, uma vez que o quadro ma-
do a isso, a persistência da musculatura lisa nas aneriolas terno e o fetal não se correlacionam diretamente. Excelentes
espi raladas preserva a capacidade de resposta a agentes vasoa- condições fetais são com frequência encontradas em gestantes
tivos endoteliais endógenos e exóge nos. A fisiopawlogia da extremamente doentes e vice-versa.
PE e seus sinais e sintomas são deco rrentes do transtorno As alterações morfológicas e funcionais das gestantes porta-
da desadaptação ci rculatória e da lesão endotelial resultante doras de pré-eclãmpsia têm como base fundamental o espas-
(Quadro 91.2) mo arteriolar decorrente do aumento da resistência vascular.
O foco patOgênico da pré-eclãmpsia parece decorrer de Estudos de necropsia mostraram que as lesões teciduais são
uma resposta materna anômala à presença da placenta e do decorrentes mais da hipoperfusão do que propriamente do
tecido trofoblástico. Durante a placentação, a falha do citotro- grau de hipertensão arte rial. No entanto, as alterações endo-
foblastO em remodelar as arte ríolas espiraladas em sua po r- teliais presentes nessas gestantes antecedem a manifestação
ção miometrial parece levar à diminuição na perfusão local clínica da doença, sendo a mais consistente a ano rmalidade
e à hipoxia tecidual com consequente alteração na resposta morfológica renal, denominada endoteliose glomerular, na
angiogênica, provavelmente modulada por predisposição ge- qual o endotélio glomerular se mostra envolto por grossa ca-
nética. No início da gravidez, os níveis de oxigênio no espaço mada de inclusões celulares. Esse achado é pawgnomônico
da PE e está presente em 70% dos casos com remissão com-
Quadro 91.2 Manifestações c línicas da forma grave de pré-eclãmpsia
pleta após o pano, concomitantemente ao té rmino do quadro
causada por perfusão diminufda e lesão endotelial clínico materno.
O achado de edema secundário à perda proteica do espaço
Órgão ou sistema Principais s inais e sintomas
imravascular para o interstício nas mulheres com PE demons-
Rim Ptoteinúria
Redução da taxa de filtração glomerular
tra a perda da integridade da barreira do endotélio normal
Redução da excreção de urato do sistema vascular de transporte. A proteinúria na PE é uma
Oligúria manifestação decorrente do envolvimento renal que resulta da
Necrose cortical renal lesão endotelial glomerular (permeabilidade alterada às proteí-
Necrose tubular renal
nas) e de capacidade tubular anormal de filtrar proteínas.
Fi gado Edema
O endotélio lesionado estimula a cascata de coagulação e,
Necrose periportal
Hematoma subcapsular/ruptura de hematoma embo ra a coagulação intravascular d isseminada seja demons-
Oor trada rotineiramente em apenas 20% dos testes laboratoriais,
Transaminases elevadas marcado res mais sensíveis de ano rmalidade da coagulação
lcterlcia
Síndrome HELLP estão alterados na maioria das gestantes com PE. Achados
Sistema Vasoespasmo generalizado
bioquímicos seriados evidenciam consumo de plaquetas, ati-
cardiovascular Resistência periférica elevada vação do fator VIII, circulação de betatromboglobulina e re-
Redução do volume plasmático dução dos níveis de antitrombina 111.
Ativação e degradação de plaquetaS/ Portanto, é provável que a pawgenia da PE seja decorrente
plaquetopenia
Hemoconcentração/elevação da viscosidade
da ausência de uma segunda onda de migração trofoblástica,
sangul nea provavelmente modulada geneticamente, levando a uma pla-
Sistema de Hemólise microangiopática centação inadequada e à hipoxia tecidual.
coagulação Ativação de baixo grau/coagulopatia Essa perfusão placentária reduzida parece ocasionar altera-
Sistema visual Consuição arteriolar na retina ção no perfil dos fato res angiogênicos, e sua concentração na
Oescolamento da retina sanguínea materna resulta em lesão do endotélio sistêmico.
Escotomas
Em consequência dessa cascata de lesão endotelial ocorrem
Visão "borrada"
Amaurose perda da integridade do vaso como barreira e extravasamento
Cérebro Edema cerebral
de nuidos extracelulares, perfusão reduzida nos tecidos, ati-
Cefaleia vação da cascata de coagulação e liberação de agentes vaso-
Cegueira cO<tical pressores responsãveis pela vasoconstrição generalizada.
Edema/descolamento de retina
Ec lãmpsia (convulsões)
Hemorragia cerebral
Fatores de risco
A PE é mais comum em primigestas, mas pode ocorrer
Placenta Infarto
Crescimento intrautef'ino restrito também em pacientes multigestas, principalmente em mulhe-
Hipoxia letal res acometidas pela doença em gestações anteriores, quando
Oescolamento prematuro da placenta há mudança de parceiros e em pacientes hipertensas crônicas,
Morte fetal
nefropatas ou portadoras de colagenoses.
/.

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j 754 Seção 11 Obstetrícia

A filha de paciente que foi acometida po r PE tem risco MAPA ou a MRPA, são considerados como hipertensão ca-
quatro vezes maior do que o da população em geral. Caso seja sos com níveis de PAS > 135mmHg e/ou de PAD >85mmHg.
irmã, o risco é seis vezes maior; e se a mãe teve eclâmpsia, o A hipe rtensão é considerada grave com PAS >160mmHg
risco de a filha ter PE é oito vezes maior. e/ou PAD >llOmmHg, confirmadas depois de 15 minutos na
A mudança de parceiro e o uso de métOdos contraceptivos mesma visita. O aumento da PA pode refletir uma ascensão
de barreira, que impedem o contato com o espe rma, aumen- situacional, o efeitO do "jaleco branco", ou PE precoce. Até
tam a incidência de PE. 70% das mulheres com hiperte nsão no consultório têm PA
Os principais (atores de risco para o desenvolvimento da normal em aferições subsequentes na mesma visita ou nas
doença são nulipa ridade, gestação múltipla, gestação molar, avaliações por MAPA ou MRPA. O efeito do '1aleco branco" é
hipertensão prévia ou doença renal, PE prévia, hid ropisia fe- observado quando a PA é> 140/90mmHg no consultório, mas
tal não imunitária e história familiar. <l35/85mmHg por MAPA em vigília ou MRPA
Mulheres com PE prévia são propensas a apresentar tanto A hipertensão mascarada é observada quando a PA é normal
hipertensão gestacional (média de 22%) como PE (média de no consultó rio (<l40/90mmHg), mas >135/85mmHg fora.
15%) na próxima gravidez, principalmente aquelas com índice
de massa co rporal (!MC) elevado e/ou com PE grave precoce. Critérios para o diagnóstico
Convém identificar as mulheres em risco aume ntado de A PE é defi nida inicialmente como hipe rtensão gestacional
PE antes da concepção ou na primeira consulta de pré-natal. (PAS > 140/90mmHg e/ou PAD >90mmHg [fase V de Ko rot-
Os fatOres mais importantes estáo associados a aumento kofO, em pelo menos duas ocasiões com intervalo mínimo de
de duas a quatro vezes no risco e podem se r identificados no 6 horas, após 20 semanas de gestação, em mulheres previa-
pré-natal: PE anterior, como rbidades (hiperte nsão preexisten- mente normotensas) mais proteinúria (>300mg na urina de
te), sínd rome do anticorpo antifosfolípide e gravidez múltipla 24 horas), ou com sintomawlogia específica, ou anormalida-
(Quadro 91.3). Mulheres com um ou mais fatOres devem se r des nos testes laboratOriais, ou aparecimento de complicações
encaminhadas para assistência especializada, avaliações mais decorrentes da doença (Quad ro 91.4).
frequentes e terapia preventiva para PE, assim como as que Se não estiver disponível a coleta de urina po r 24 horas,
ap resentam dois ou mais fatores menores. a proteinúria é defi nida como concentração de pelo menos
30mg/dl (uma + ou mais na fita) em pelo menos duas amos-
DIAGNÓSTICO tras de urina coletadas com intervalo de 6 horas ou mais, não
A PA deve se r medida três vezes, sendo a média entre a necessitando se r repetida depois de confirmada.
segunda e a terceira considerada a PA da consulta. A PA pode O grau de proteinúria não está associado a resultados ad-
se r medida no consultório (método auscultatório ou autO- versos da gravidez em cu rto prazo ou a prognóstico mater-
matizado) ou fora do consultó rio por monitOrização ambu- no renal a longo prazo. Revisões de dados sobre mortalidade
latOrial da PA (MAPA) ou monitorização residencial da PA maternal têm demonstrado que mortes poderiam ser evita-
(MRPA). Na MAPA, a PA é medida de maneira se riada por das se os se rviços de atendime nto de saúde permanecessem
meio de um dispositivo automatizado durante 24 horas. A em ale rta quanto à probabilidade de que a PE progrida para
MRPA é realizada pela mulher por meio de um dispositivo formas graves e fatais e às vezes piore rapidamente. Essas re-
automático com medidas duplicadas efetuadas pelo menos visões indicam que interve nções em mulheres agudamente
duas vezes po r d ia durante vá rios dias. enfermas com disfunção múltipla de ó rgãos são, algumas ve-
A hipertensão na gravidez é caracte rizada pela medida ob- zes, postergadas em virtude da ausência de proteinúria. Além
tida em consultó rio/hospital da PA sistólica (PAS) <:140mmHg disso , a intensidade da proteinúria não é um preditor con-
e/ou da PA d iastólica (PAD) >90mmHg. Quando se utiliza a fiável do prognóstico materno-fetal. Esse é um dos motivos

Quadro 91.3 Fatores de risco para o desenvolvimento de pré-eclãmpsia

História familiar e Hi stória pregressa e Primeiro trimestre Terceiro tri mestre


demográfica passado obstétrico

Idade >40 anos Pré-eclãmpsia prévia Gestação múltipla t PA (hipertensão gestacional)


Mãe/irmã com HP pré-eclãmpisa SAF Sobrepeso/obesidade Ganho excessivo de peso
HF de DCV precoce Comorbidades: HAS/DM/ Primeira gestação Doppler de AU alterado
doença renal Intervalo gestacional >10 anos Infecções durante a gestação
Parto pré-termo Novo parceiro CIUR
Trombcfilias hereditárias Tecnologias de reprodução
tTG Doença !fofoblástica prévia
Tabagismo
Uso de cocaína/metan fetamina
Aberto prévio
< 1O semanas com o mesmo
parceiro
Fonte: adaptado de Magee et ai. Pregnancy hyperteosion. 2014: 4: 10S..45.
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Capítulo 91 Pré-eclâmpsía, Eclâmpsía e Síndrome HELLP 755

Quadro 91.4 Síndromes hipertensivas na gravidez Quadro 91.5 Formas clínicas da pré-eclãmpsia

1. Pré-i>clâmpsla: doença sistêmica caracterizada por aparecimento Anormalidade Leve Grave


de hipertensão recente (hipertensão gestacional) e proteinúria ou
Pressão arterial <160/110 :.:160/110
aparecimento de sintomas tlpicos, graus variados de hemólise,
plaquetopenia, testes de função hepática anormais ou surgimento Celaleia persistente Ausente Persistente
de complicações decorrentes da doença após 20 semanas de
Distúrbios cerebrais ou visuais Ausentes Persistentes
gestação em mulheres normotensas
PAS :.:140mmHg ou PAD :.:90mmHg após 20 semanas em Dor no abdome superior Ausentes Persistentes
gestantes com PA prévia normal Náuseas e vômitos
Proteinúria :.:300mg em 24 horas (ou :.:1 + em amostra de urina)
Falta de ar/constrição torácica Ausentes Presentes
2. Hipertensão arterial crônica de qualquer etiologia anterior
Edema pulmonar
à gestação ou antes de 20 semanas: essencial, renovascular,
doença vascular colagenosa. feocromocitoma etc. Oligúria Ausente ,;500ml/24 horas
3. Pré-i>Ciâmpsia sobreposta à hipertensão crônica: definida pelo C/earance de creatinina Normal Diminuído ( <60ml/min)
desenvolvimento de um ou mais dos seguintes eventos com 20
semanas ou após: Trombocitopenia Ausente Presente
Hipertensão resistente ou em elevação da PA em mulheres que (<100.000/mm')
se encontravam previamente bem controladas
Hiperbilirrubinemia Ausente Pode estar presente
Aparecimento repentimo ou piora da proteinúria
Sintomas c línicos ou presença de condições adversas Síndrome HELLP Ausente Presente
Alterações laborat()(iais
Aumento do ácido úrico (>6ng/dl) CIUR Ausente Pode ocorrer
Aumento de TGO (>70UI/L), TGP e DLH (>600UIJL)
Convulsões Ausente Pode ocorrer
Trombocitopenia (,;1 OO.OOO/mm3 )
Coagulograma está indicado quando ocorre trombocitopenia. Elevação de TGO Mínima Acentuada (>70UI/L)
dislunç!l.o dos órgãos-alvo ou sangrarnento clínico
Ocorrência de uma ou mais complicações Creatinina <1 ,2mg/dl >1.2mg/dl
4. Hipertensão gestacional : hipertensão que se desenvolve Elevação de DHL Ausente Presente (>600UI)
pela ptimeira vez :.:20 semanas de gestação, sem proteinúria, Déficits neurológicos/ Presente
Ausente
retornando ao normal em 6 a 12 semanas após o parto
eclãmpsia
5. Outros ef eitos hlpertenslvos transitóri os: estímulos ambientais,
dor do parto, "jaleco branco" etc. Fonte: modificado de NHBP. 2(0).

pelos quais tem sido recomendado um sistema alte rnativo de Forma leve
critérios para o d iagnóstico nos casos de hipertensão recente A doença exibe níve is pressóricos <160/llOmmHg (pres-
mesmo na ausência de proteinúria. são arterial média IPAMI = 126mmHg), com a d iastólica se
Nos casos de risco aumentado, proteinúria deve ser soli- situando sempre <l l OmmHg e não havendo evidências de
citada no início da gravidez para detecção de doença renal falência de órgãos-alvo ou de restrição de c rescimento ou so-
preexistente e com 20 semanas para triagem de PE. Em ge ral, frimento fetal. A maioria dos casos de h ipertensão gestacio-
o rastreio é realizado por meio de testes de fita , que têm bai- nal leve costuma surgir em torno de 37 semanas e ap resenta
xa sensibilidade (média de 55%), mas especificidade razoá- resultados maternos e perinatais similares aos das gestantes
vel (média de 84%). Um resultado negativo não deve excluir normotensas, assim como as complicações materno-fetais na
uma investigação mais apro fundada se houver suspeita de mulher. A incidência de eclãmpsia é <1 %, mas ocorre au-
PE (ou doença renal) e um resultado > l+ deve levar a inves- mento do número de cesarianas em virtude do aumento das
tigações adicionais mesmo com baixa suspeita de PE. Uma induções de trabalho de parto.
relação proteína/creatinina na urina de 30glmol representa
proteinúria significativa em gestação única, podendo ser mais Forma grave
apropriados 40glmol em gestações múltiplas. Entretanto, re- Nessa fase da doença, a PA é de 160/l lOmmHg (PAM
comenda-se maior atenção a esses casos, principalmente se >126mmHg). Além disso, considera-se como critério de gra-
existe proteinúria ou hiperuricemia (ácido úrico ~6mgldl). vidade , mesmo com níveis pressóricos menores, a presença
Uma característica marcante da doença é sua evolução impre- de sintomas de iminência de eclâmpsia ou de envolvimento
visível, às vezes lenta, gradual, com poucas alterações das con- de múltiplos órgãos, como epigastralgia ou dor no hipocôn-
dições maternas ou fetais, possibilitando que a gravidez alcance drio direito persistente, hiper-reflexia patelar, edema pulmo-
seu termo. Em outras ocasiões, no entanto, apresenta início pre- nar, convulsões, oligúria (<500ml/24h), plaquetOpenia, al-
coce, evolução rápida, sintomatOlogia exuberante e repercussões terações das enzimas hepáticas ou sintomas persistentes do
dramáticas, colocando em risco a vida do fetO e da geStante e sistema ne rvoso central (estado de consciência alterado, cefa-
exigindo medidas urgentes e defmitivas. le ia, escowmas visuais ou amau rose).
Na presença de hipe rtensão arterial sistêmica prévia, con-
FORMAS CLÍNICAS sidera-se o agravamento súbitO dos níveis pressó ricos após
A PE tem sido mais recentemente classificada em dois ti- a 20• semana naquelas bem controladas ou que apresentem
pos: a doença em sua forma leve e a forma grave, con forme o anormalidades laboratoriais caracte rísticas de PE. Por outro
quadro clínico e os exames laborato riais (Quadro 91.5). lado, as morbidades materna e perinatal são substancialmen-
/.

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j 756 Seção 11 Obstetrícia

te elevadas nas pacientes com h ipertensão gestacional grave, gestações sem antecedentes de PE. As primeiras manifestações
devendo ser conduzidas como PE grave. da desordem costumam surgir após a 25asemana, e cerca de um
As complicações perinatais são acentuadas nas gestantes que terço dos casos ocorre no pós-pano (24 a 48 horas).
desenvolvem PE no segundo trimestre, enquantO são mínimas Os dados atuais indicam que a solicitação de tempo de pro-
naquelas que com PE grave após 35 semanas de gestação. trombina, tempo de tromboplastina parcial ativado e fibrinogê-
O diagnóstico de PE sobreposta é estabelecido quando há nio é desnecessãria quando se avaliam pacientes com suspeita
hipertensão resistente (necessidade de três ou mais anti-h i- ou conftrmação de PE, desde que não haja evidência clínica de
penensivos para controle), aparecimento ou agravamento de sangramento, de condição clínica que produza coagulopatia ou
proteinúria ou surgimento de d isfunções de um ou mais sis- de contagens de plaquetas e DHL.
temas orgânicos (Quadro 91.6).
TRATAMENTO E SEGUIMENTO
Eclâmpsia O objetivo da conduta na paciente com PE deve ser sempre
A eclãmpsia foi defmida como o aparecimento de convul- a preservação da segurança da gestante e do pano de um re-
sões e/ou coma inexplicado durante a gestação ou no pós- cém-nascido que não necessite cuidados neonatais intensivos
-pano em pacientes com sinais ou sintomas de PE. Trata-se de ou prolongados. De modo a alcançar esse propósito, devem
convulsão tônico-clônica, do tipo grande mal, sucedida por ser consideradas as seguintes variáve is: gravidade da doença,
estado comatoso de intensidade variável. Embora a maioria idade gestacional, condições maternas e fetais na avaliação
dos casos (90%) ocorra no terceiro trimestre ou dentro de inicial, presença de com rações de trabalho de pano, índice de
48 horas após o parto, raramente podem ocorrer ames de 20 Bishop, desejo da paciente e recursos da unidade hospitalar.
semanas ou até 23 d ias após o pano. Outros sintomas podem Há consenso de que o tratamento definitivo da PE consiste
ocorrer antes ou após o início das convulsões, incluindo cefa- na interrupção da gestação. Quando as primeiras manifesta-
le ia frontal ou occipital persistente (50% a 70%), escowmas ções hipenensivas aparecem em uma gestação próxima ao
visuais ( 19% a 32%), fowfobia, epigastralgia/dor no hipocôn- te rmo, a conduta é clara e executada sem d ificuldades. Ten-
drio direito e estado mental alterado. Todos esses sintOmas tam-se inicialmente o amadurecimento ce rvical e a indução
devem alertar a equipe médica para a possibilidade iminente do trabalho de parto, quando possível.
de eclâmpsia. Os exames laboratOriais são solicitados com o objetivo de
avaliar o envolvimento de órgãos-alvo, detectar complica-
Síndrome HELLP ções e sua gravidade e/ou diferenciar PE de outras doenças e
Outras formas de agravamento da doença, além da eclãmp- tratá-las. Os exames frequentemente recomendados são: uri-
sia, podem estar associadas, como a síndrome HELLP. caracte- na, proteinúria de 24 horas, hemograma completO, creatini-
rizada pela presença de hemólise (desidrogenase lática [DHL] na, ácido úrico, TGO, transaminase pirúvica (TGP) e DHL. O
>600Ulll, hemoglobina <10,5%, presença de esquizócitos em coagulograma está indicado em caso de sangramento, trom-
esfregaço sanguíneo, bilirrubina tOtal >1 ,2mg%), trombocitope- bocitopenia ou outra disfunção de órgãos-alvo materna. Em
nia (plaquetas <100.000/mm 3) e elevação das enzimas hepáti- caso de suspeita de PE em curso, uma alteração no quadro
cas (transaminase oxalacética [TGO] >70Ulll). Pode complicar materno ou fetal indica a necessidade de repetição do exame.

Quadro 91.6 Condições adversas e complicações graves da pré-eclâmpsia

Órgão ou si stema Condição adversa Complicações graves (Indicam Interrupção da gestação)


afetado (irisco de complicações graves)
SNC Cefaleia/alleraçôes visuais Eclâmpsia, encefalopatia hipertensiva
Cegueira oortical ou descolamento de retina
AVE, isquemia transitória, déficit neurológico
Cardiorrespiratório Dor torácica HA grave incontrolável (> 12 horas apesar do uso de três agentes anti-hipet1ensivos)
Dispneia Saturação de 0 , <90% necessidade de o,. edema pulmonar. isquemia ou IAM
Saturação de o, <97%
Hematológico Leucocitose Plaquetas <50 x Hl'IL
INR ou TIPa elevado Transfusão de qualquer produto de sangue
Renal Creatinina (P) elevada Insuficiência renal aguda (creatinina ;;,1 ,5)
Ácido úrico elevado Indicação recente de diálise
Hepático Náusea ou vômito Disfunção hepática (!NR >2 na ausência de CIVD ou varfarina)
Dor epigástrica ou no QSD Hematoma ou ruptura hepática
TGO, TGP. DHL ou bilirrubinas elevadas
Albumina p lasmática baixa
Fetoplacentário CTG não tranquilizadora DPP com evidência de comprometimento materno ou fetal
CIUR Dueto venoso com onda A reversa
Oligoidrâmnio Morte fetal
Diástole zero ou reve<sa
Fonte: adaptado de Magee et ai. Pregnancy hypertension. IJWCH 2014: 4:105-45.
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Capitulo 91 Pré-eclâmpsia, Eclâmpsia e Síndrome HELLP 757

Monitorização fetal Quando se adota conduta e.xpectame dom1c1har, as pa-


Não exiSte um teste de monitorização fetal que pre,·eja cientes são 1nstrufdas a fazer repouso relativo, ter a PA e a
isoladamente o comprometimento fetal na PE, embora seja proteinúria de fita checadas diariamente e relatar smtomas
consensual o uso de Doppler nesse cenário. suspeitos imediatamente. As pacientes devem ser avaliadas
A avaliação fetal inicial inclui os exames ultrassonográficos pelo menos duas vezes por semana na unidade ambulatorial,
para d atação, morfologia e Doppler de artérias ute rinas (AU). onde são aferidas a PA, a proteinúria e as cond ições fetais e
No primeiro trimestre deve-se realizar o Doppler de AU por investigados os sintomas Li picos.
via transvaginal e repeti-lo, se necessário, com 24 a 26 se- Os exames laboratoriais semanais incluem hemograma,
manas nos grupos de risco para o desenvolvimento de PE. A plaquetas, enzimas hepâlicas e proteinúria em urina de 24
seguir, a partir de 26 semanas, avalia-se o perfil de crescimen- horas. Essa avahação é tmponante porque algumas pacientes
to fetal a cada 2 semanas nos casos gra,•es e precoces, além desenvolvem plaquetopenia ou elevação das enzimas hepáti-
do volume de liquido amniótico e da dopplerfluxometria das cas com elevações mfnimas da PA.
anérias e vetas fetais com frequéncta vanável , dependendo da Em caso de s1na1s de agra,·amemo da doença estão mdlca-
grav1dade do quadro clírúco. da a hospuahzação tmedtata da paciente e a avahação quanto
A cardiotocografia computadorizada melhora os resulta- à interrupção da gestação {Quadro 91.7).
dos perinata1s. Oligoidrâmnio, isoladamente, não foi preditor Para as mulheres com hipertensão gestacional (sem PE) com
de resultados adversos em estudos obse rvacíonais de PE pré- 37 semanas deve ser discutida a interrupção da gestação den-
·termo. Entretanto, oligoid râmnio e anormalidades no Dop- tro de alguns dias. A conduta expectante ames de 36 se manas
pler de AU têm sido preditores de nalimon aliclade. O perfi l e 6 dias pode di minuir a morbidade respiratória nconatal. A
bioffsíco fetal (PBF) não tem utilidade comprovada em mu- indução do parto di minui os pio res resultados matemos com
lheres de alto risco e pode demonstrar padrão tranqullizador redução dos custos.
mesmo com sofri mento fetal iniciaL Em caso de hipenensão leve a moderada preexistente, sem
Nas gestações com menos de 34 semanas com fetos de pe- complicações, o parto pode se r realizado entre 38 e 39 sema-
quenas d1mensões e/ou anormalidades progresstvamente gra- nas e 6 dias.
ves ao Doppler anerial e ,-enoso, a dtástole reversa nas AU ou
nos duetos venosos (DV) com diástole d1mmufda ou zero/re- Conduta na PE grave
versa ou pulsações da ,-eia umbilical sugerem a necesstdade de Em grande número de casos, a hipertensão se 1nstala de
monitorização frequente para evitar decesso. Fetos natimortos maneira gra\'e e precoce na gestação, exigindo a anteclpa-
com menos de 34 semanas demonstraram lndíces de Doppler ç.ão do parto, de modo a evitar complicações maternas, mas
anormais de AU e DV que aumentaram paralelamente. elevando a morbimortalidade neonatal em virtude da pre-
Em gestações de 34 semanas ou mais, como os decessos maturidade.
feta is não podem ser previstos pelo uso d o PBF, o Doppler de Nos casos em que a paciente ap resenta idade gestacional
anéria cerebral média (ACM) parece ser o único parâmetro bem documentada com mais de 34 semanas ou q uad ro clini-
de moni torização que pode prever esse desfecho adverso e co instável ou com piora progressiva, mesmo com feto ima-
guiar os intervalos de monitorização e/ou indicação para in- turo, ou quando Já se tem assegurada a maturidade fetal por
terrupção da gestação. A naúmonalidade não pode ser an- arnniocentese , ou amda se a vitalidade fetal estiver compro-
tectpada nem pelos achados ao Doppler habnual nem pelo metida, está md1cado o pano pré-termo teraptuuco. A con-
PBF. O fnd1ce de pulsalilidade (IP) da ACM , o mtervalo médio duta expectante na PE gra,·e só deverá ser adotada quando o
entre um IP de ACM baixo e a naumonahdade, sugere um controle pressónco materno for adequado (PAD <li Omm Hg)
intervalo de monitorização de 5 dias. Antes da morte fetal e não hou\'er ev1dênctas de comprometimento dos órgãos-
ocorre decllmo significativo no IP da ACM, demonstrado pelo -alvo (insuliciêncta renal ou cardfaca, lesão hepáuca, com-
aumento da prevalência de centralização de fluxo fe taL prometimento encefálico). O feto deve apresentar vitalidade
preservada d urante todo o período de espe ra. Nos casos de
dete rioração da saúde materna ou fetal, a gestação deve se r
Conduta na PE ou hipertensão gestacionalleve
A PA-a lvo deve ser <150/l OOmmHg durante a gravidez. A Quadro 91.7 lndicaçOes para o parto em caso de p ré-eciAmpsia leve
d ieta deve ser regular e sem restrição de saL Diu réticos, ami-
Idade gestaclonal ;a:40 semanas
-hipertensivos ou sedativos não são usados. Vários estudos
Idade gestacl onal ;a:37 semanas com:
ind1caram que esses agentes não melhoram os resultados da indice de BiShop ~
gravtdez e podem aumentar a incidl!ncta de cresctmento fe- Peso fetal <percenlll 1O
tal restnto. Um estudo recente (Controle de Htpenensão em Alteração nos lestes de 111tahdade felal
Grav1dez- CHIPS) mostrou que a normalização da PA (com Idade gestacl onal ;a:34 semanas:
Rup1ura de membranas
a meta de PAD de 85mmHg) não alterou os resultados peri- Sangramento vag1nal
natais primários (perda gestacional ou ass1stl!ncia neonatal de Cefaleia persistente ou d1slúrbios visuais
alto nfvel por mais de 48 horas) nem secundános de morte Ep igaslralgia, náuseas. vOmitos
materna ou complicações graves. Doppler de artérias letais ou perfil biofísico fetal anormal
/.

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j 758 Seção 11 Obstetrícia

inte rrompida. Os fetOs imaturos te rão maior chance quando uma mulher com PE apresentar convulsão quando compara-
encaminhados ainda dentro do útero para hospitais de refe- do com placebo (RR: 0 ,4 1; !C 95%: 0 ,29 a 0 ,58). O suHato
rência com unidade de tratamento intensivo neonatal. de magnésio deve ser administrado po r via endovenosa (EV)
Existem controvérsias a respeitO do tratamento de pa- para prevenção de convulsões (Quadro 91.8), acompanhan-
cientes com PE grave antes de 34 semanas , quando as con- do de anti-hipertensivo para preve nir potenciais complica-
dições maternas e fetais estão estáveis, com alguns autOres ções ce rebrovasculares e cardiovasculares. O objetivo da tera-
conside rando que a interrupção da gravidez se ria o trata- pia anti-h ipertensiva é manter a PAS entre 140 e 155mmHg e
mento definitivo independentemente da idade gestacional, a PAD entre 90 e 105mmHg. As crises recorrentes devem ser
enquantO outros recomendam a tentativa de prolongamento tratadas com a dose de 2 a 4g EV Os benzodiazepínicos não
da gestação até que seja alcançada a maturidade pulmonar, estão indicados, a não ser em casos de convulsão prolonga-
até 34 semanas ou até o aparecimento de indicações mate r- da e quando o MgSO, não estiver disponível na unidade de
nas ou fetais. A co nduta expectante deve se r adotada apenas tratamento.
em caso de quadro clínico estável e paciente assintomáti- A paciente em uso de sulfatO de magnésio deve se r ava-
ca, sem alte rações laboratOriais significativas e fetO imaturo, liada continuamente para se evitar tOxicidade. Ao se ele-
porém em adequadas condições de oxige nação. A conduta varem os níveis sé ricos do sulfato de magnésio, red uz-se
expectante é segura em mulheres bem selecionadas, embora o reflexo patelar, podendo oco rrer depressão respiratória
as cond ições mate rnas o u fetais possam dete rio rar-se rapi- e até mesmo parada cardio rrespiratória quando sáo atingi-
damente. dos níveis tóxicos. A diurese necessária para eliminação do
Essas gestações envolvem altos índices de mo rbidade magnésio deve se r obrigatO riamente >25mUh. O a ntídoto
materna e risco significativo de morbiletalidade fetal. Des- desse fármaco é o gluconatO de cálc io a 10% na dose de 1g
se modo, nesse período de espe ra com a paciente internada EV (Quadro 91.9).
em hospital terciário , p refere ncialmente em unidades de Convém manter a atenção quanto ao risco da associação do
tratame nto intens ivo com vigilância contí nua da enfe rma- sulfatO de magnésio a outros fármacos, entre os quais a nifedi-
gem e avaliação frequente das condições clínicas, labo ratO- pina, anestésicos e agentes curarizantes, em virtude da possibi-
riais e por me io de exames complementares, as pacientes lidade de sinergismo na musculatura lisa com risco de parada
deverão permanecer em repouso relativo e recebe r dieta respiratória.
normossód ica e tratame nto hipote nsor e p re ventivo co ntra
convulsões.
Quadro 91.8 Esquemas de uso de MgSO,?H,O
Devem se r ofe recidos à paciente wdos os recursos neces-
sários para evita r complicações graves enquanto se aguarda a 1 Pritchard (IM): 5 a Smg/dl (P)
4g EV (3 a 5 minutos) + 1Og IM (dose de ataque)
matu ridade fetal espontânea ou induzida por co rticoterapia, Manutenção: 5g IM a cada 4 horas (5 a Smg/dL) (P)
sendo a betametasona, 12mg, administrada em duas doses
2 Zuspan (EV)
com intervalo de 24 horas. 4g EV (5 a 10 minutos) (dose de ataque)
Deve ficar claro que a decisão de continuar com a conduta Manutenção: 1 a 2g/h (3 a 4mg/dl )
expectante será revista d ia riamente e que o número médio de 3 Sibai (EV)
dias de prolongamento da gestação nesses casos é de 7 dias 4g EV (10 minutos) (dose de ataque)
(variação de 2 a 35 dias). Manutenção: 2 a 3g/h (5 a 6mg/dl )
A indicação de cesariana deve ser fundamentada na idade 4 Correa (EV)
gestacional e nas condições fetais, na iminência do trabalho de 4 a 6g EV (10 minutos) (dose de ataque)
Manutenção: 4 a 6g a cada 6 horas
partO e no índice de Bishop. Quando há indicação de interrup-
ção da gestação, a cesariana eletiva é recomendada para mulhe-
res com PE grave com menos de 30 semanas nas quais o índi- Quadro 91.9 Efeitos associados à magnesemia (MgSO,)
ce de Bishop é <5. Nas pacientes com PE grave e crescimento
intrauterino restritO com colo desfavorável é preferível indicar Manifestações Concentrações plasmáticas (mgldl)

cesariana. O prognóstico materno-fetal depende da idade ges- Níveis nOC'mais na gravidez 1.5 a 2,5
Profilaxia anticonvulsivante 4a8
tacional no início das manifestações da síndrome, da gravidade Perda do reflexo patelar 9 a 12
do quadro clínico, da qualidade da conduta médica e da presen- Sensação de calor. fogachos 9 a 12
ça ou não de doenças preexistentes. Sonolência 10 a 12
O grande ensaio multicêntrico MAGPIE demonstrou que Fala arrastada 10 a 12
Paralisia muscular 15 a 17
o sulfato de magnésio (MgSOJH 20) é a melhor alternativa Dificuldade respiratória 15 a 17
para o controle de pacie ntes com eclâmpsia. Após a inclu- Parada cardíaca 30a35
são de cerca de lO mil pacientes, os resultados comprovaram Conduta
que o uso do suHato de magnésio reduziu em mais de 50% o Interromper a infusão de MgSO,
risco de eclãmpsia em mulheres com PE. A combinação dos Administrar 1g de gluconato de cálc io
resultados desse ensaio clínico com os dos estudos incluídos lntubar
Ventilação assistida
na revisão sistemática identificou redução de 59% no risco de
:\.
r
((

Capítulo 91 Pré-eclâmpsía, Eclâmpsía e Síndrome HELLP 759

Terapia anti-hipertensiva para hipertensão grave O prognóstico materno-fetal depende da idade gestacional
Na prevenção das complicações cardiovasculares são usados em que se iniciam as manifestações da síndrome, da gravidade
agentes hipotensores, como hid ralazina, nifedipina e labetalol, do quadro clínico, da qualidade da conduta médica e da pre-
em doses menores, mais fracionadas e em administração mais sença ou não de doenças preexistentes.
lenta do que fora da gravidez. Esses fármacos, que diminuem A hidralazina (EV) tem sido usada na dose de 5 a 10mg a
as complicações fetais decorrentes da hipotensão brusca e cada 20 minutOs (máximo de 40mg), até que sejam alcança-
acentuada, são empregados para o controle das eme rgências dos níve is de pressão diastólica <lOOmmHg na hipertensão
hipe rtensivas ou quando se adotam condutaS expectantes nas grave. Uma alternativa consiste no uso de nifedipina, 10 a
formas graves. Quando não se obtém controle da crise hiper- 20mg, que pode se r repetido em 30 minutos se necessãrio.
tensiva com os medicamentos usados anterio rmente, usa-se o Ambos os fármacos são potentes vasodilatadores e podem
nitroprussiato de sódio, apesar dos riscos fetais associados à provocar rubor facial, cefaleia pulsãtil e taquicardia. Após
possibilidade de hipotensão grave e tOxicidade (Quadro 91.10). controle pressórico inicial, deve-se manter a PAD <lOOmmHg
A PA deve ser reduzida para <l60/110mmHg. A maioria dos com nifedipina oral (30 a 120mg!dia) até a resolução do caso.
casos de hipertensão grave não está associada à disfunção de As principais causas de morte materna na sínd rome hi-
órgãos-alvo , de modo que a PA pode ser reduzida ao longo de pertensiva são hemo rragia ce rebral, edema agudo de pulmão,
horas. A terapia inicial consiste, geralmente, no uso de anti-hi- insuficiência renal e coagulopatia. Todas as intercorrências
pe nensivos de curta duração (pico em 30 a 120 minutOs), como têm como característica comum o fato de ocorrerem em fases
nifedipina, hidralazina parenteral ou labetalol. avançadas da doença de base, podendo o atendimento médi-
Quando comparada com outros anti-hipe nensivos de ação co, perfeitamente factível em qualque r nível de atendimento,
curta, a hidralazina parenteral foi associada a mais efeitOS ad- inte rrompe r a evolução do quad ro clínico e melhorar o prog-
ve rsos, incluindo hipotensão materna, cesariana e alte rações nóstico materno. As causas mais comuns de morte materna
da frequência cardíaca fetal, e quando comparada com os blo- na eclãmpsia são decorrentes de complicações pulmonares e
queadores de canal de cálcio, pode se r um anti-hipertensivo ce rebrais , principalmente em virtude de aspiração e asfixia
menos eficaz e mais frequentemente associada a mais efeitOS durante as crises convulsivas, e consequentes à assistência
colaterais maternos. médica tard ia ou, muitas vezes, inadequada.
Convém te r cuidado com a manutenção do balanço hídri- A conduta clínica se completa com a avaliação laborato rial:
co mediante so roterapia com soluções cristaloides (ao ritmo avaliação hematOlógica - hemograma, esfregaço sanguíneo
de 85mLih ou do débito urinário na hora precedente acres- (esquizócitOS, equinóciws) e contagem de plaquetas; avalia-
cido de 30ml ). Os efeitos da infusão de coloides são transi- ção da função hepática - transaminase glutãmico-oxalacética,
tórios, ao passo que a infusão de cristaloides diminui ainda desidrogenase lática e bilirrubinas; avaliação do sistema de
mais a pressão oncótica, podendo levar a edema pulmonar e coagulação - tempo de protrombina, tempo de tromboplasti-
cereb ral, especialmente no puerpério imediatO, pe ríodo em na parcial ativado , fibrinogênio e produtOs de degradação da
que a pressão oncótica d iminui ainda mais e aumenta a pres- fibrina; e avaliação renal - ácido úrico, creatinina e proteinú-
são capilar pulmonar. ria de 24 horas.

Quadro 91.10 Terapia medicamentosa na h ipertensão grave

Droga (classe Dose/vla Início da ação/pico de ação Comentários


da FDA)
Hidralazina EV (C) 5 a 10mg bolus EV; após. 5 a 10mg a cada 20 5 a 20 minulos/30 minutos Maior risco d e hipotensão materna.
minutos ou infusão continua de 0,5 a 10mg/h (10 a 80 minutos) Evitar em casos de cefaleia intensa e
Dose máxima: 40mg taquicardia
Nifedipina VO (C) 10 a 20mg VO a cad a 30 minutos até o máximo 15 a 20 minutos/30 minutos Atentar para os dilerentes modos de
de 50mg em 1 hora; após. 1O a 20mg VOa a 2 horas ação. Evitar em casos d e celaleia
cada 3 a 6 horas. Duração: 6 horas Dose máxima: 120 mg/dia intensa e taquicardia
Labetalol EV (C)" 20 a 40mg EV; após. 20 a 80mg a cada 20 a 30 2 a 1O minutos/5 a 30 Evitar em caso de asma grave.
minutos até 300mg ou inlu são conllnua de 1 a minutoS/ bradicardia ou insuficiência cardíaca.
2mg/min até efeito desejado; então. parar ou Dose máxima: 300mg Risco de bradicardia letal
reduzir para 0.5mg/min (máximo de 300mg)
Duração: 4 horas
Nitroprussiato de 2 a 14tJQJ1<g/min a cada 5 a 15 minutos 30 a 60 segund oS/1 a 2 Maior risco fetal. Usar com cautela em
sódio minutos/ razão do maior risco de hipotensão e
Infusão EV (cr· Dose máxima: 1Omg/kg/min ao acúmulo de cianeto e tiocianato
Nitroglicerina 51-Jg/min Imediato/imediato Ideal nos casos de edema pulmonar.
lnfusão EV Dose máxima: 3001-Jg/min Contraindicado em caso de
encefalopatia hipertensiva
·Não disponfvel oo Brasil.
··Deve ser usado, se possfvel. somente após a retirada do feto.
/")/;
I 760 Seção 11 Obstetrícia

Emergência hipertensiva na gravidez com a PAD permanecendo na faixa de 60 a 120mmHg. Exis-


Hipertensão grave, de mfCIO agudo, aferida corretamente tem limites mfnimos e máximos para autorregulação do nuxo
por meio de técmcas padronizadas e que persiste por 15 mi- cerebral constante. Quando o hmlle máximo é ultrapassado,
nutos ou mais, é cons1derada uma emerg~nc1a hipenensiva ocorre a desorganização do mecanismo de autorregulação das
na gra,~dez. anerfolas cerebrais, em geral obsen'ada em pac1entes com
A hipertensão grave é defimda como PAS > 160mmHg ou PAS >250mmHg ou PAD >l50mmHg, com aparecunento
PAD >l!OmmHg com base na médm de pelo menos duas subagudo e ao longo de 24 a 72 horas.
aferições com o mten·alo mfmmo de 15 mmutos, usando o Quando a PA aumenta, as anerfolas cerebraiS sofrem cons-
mesmo braço (grau de recomendação 118). DoLS terços das trição para que o nuxo sangufneo cerebral permaneça cons-
mones maternas resulmm de hemorragia cerebral ou enfane. tante, podendo ocorrer \'aSodllatação cerebral renexa. que
Tem sido observada uma estreita relação entre a PAS grave resulta em hiperperfusão, dano a pequenos \'aSOS, edema
e o acidente vascular encefálico hemorrág1co. cerebral e aumento da pressão intracraniana (teoria do break-
As emergencias h1penens1vas exigem tratamento parente- through), o que pode levar ao desenvolvimento de anenolite
ral de modo a d iminuir a PAM em não mais do que 25% nos necrosante, microinfanos, hemorragia petequial, múltiplos
próximos minutos, seguida pela diminuição progressiva para pequenos trombos ou edema cerebral. A diminuição rápida
<160/lOOmmHg nas próximas horas. As urgências hipertensi- demais da pressão arterial pode acarretar isquemia cerebral,
vas não apresentam complicações de órgãos-alvo e podem ser AVE ou coma. O nuxo sangufneo coronariano, a perfusão
tratadas com agentes orais com pico de ação em 1 a 2 horas. renal e o nuxo uteroplacentário também podem sofrer de-
A meta é alcançar os lim ites de 140 a 150/90 a lOOmmHg terioração.
com o objelivo de evitar a exposição prolongada e repetida da No manejo da encefalopatia hipertcnsiva, a meta é a pre-
paciente à hipertensão sistól ica grave com consequente perda venção do dano orgânico hi penensivo. As pacientes que apre-
da autorregulação vascular cerebral. sentem risco de desenvolvimento de crise hipenensiva devem
O tratamento deve ser iniciado com cápsulas de curta receber supervisão intensiva durante o trabalho de parto e
ação de nifedipina (grau de recomendação IA) , hidralazina por um pertodo mínimo de 24 horas após o parto. O único
parenteral (grau de recomendação lA) ou labetalol parente- critério confiável para confirmação do diagnóstico de ence-
ral (grau de recomendação IA). Ex1stem riscos associados falopalia hipenensiva é a resposta imed1ata à terapia anu-hi-
à redução excessiva ou multo ráp1da da PA alta. Recomen - penensiva. A cefaleia e o nfvel de conscitncia mu1tas ,·ezes
dam-se pequenas reduções da PA durante os primeiros 60 melhoram de maneira dramáuca, por vezes em 1 a 2 horas
minutos, de modo a alcançar um nfvel d1astólico de 100 a após o tratamento, sendo necessãno instalar acessos venosos
110mmHg. O nsco de bloque1o neuromuscular (reverslvel para administração de lfqUJdos e med1cações.
com o gluconato de cálciO) com o uso concomitante de ni- Pode ha,·er contração do volume decorrente da nauiurese.
fedipina e mfed1pma e MgSO. é mfenor a 1%. Urna queda acentuada da PAD com ele,'ação da frequenoa
cardíaca quando a pac1ente muda da pos1ção de decúbuo
para a \'enical constitUI uma e\'ldtncla de contração de vo-
Síndrome da encefalopatia reversível posterior e lume. Nesse caso, deve ser considerada a mfusão de solução
acidente vascular encefálico (AVE) saUna durante as prime1ras 24 a 48 horas para promover a
A incidencia de AVE aumenta com o avanço da idade ma- expansão de volume.
tema e as gestações mais tardias. Obes1dade, hipertensão de
longa duração e diabetes também aumentam o risco, deven- Conduta obstétrica
do-se aconselhar as pacientes, sobretudo as que apresentem A interrupção da gravidez depende da apresentação cllnica
fatores de risco relevantes, a procurar socorro imediato. do distúrbio hipenensivo, da idade gestacional, da condição
Os sinais e sintomas de encefalopatia hipertensiva ou de he- clínica materna e do bem-estar fetal. Nas formas graves, como
morragia encefálica são cefaleia persistente, alterações visuais eclãmpsia e síndrome HELLP, está formalmente ind icada a in-
(visão turva, fotofobia, escotomas, cegueira, descolamento de te rrupção da gravidez, embora não deva ser imediata nem
retina), epigastralgia, náuseas e vômitos, falta de ar, constrição intempestiva, sendo necessária a estabilização da condição
torácica, déficits neurológicos (convulsões, estado mental altera- clínica materna.
do, délicits motores, coma), hipenensào grave e pulsação baixa.
Os achados laboratoriais e dos exames de neuroimagem de Conduta na PE ou hipertensão gestacionalleve
pacientes com AVE se sobrepõem aos encontrados na PE e na Na PE leve, mantida a vigilância do bem-estar materno e
eclãmpsia. A história e o exame flsico sào decisivos, embora fetal, a gra~dez pode prosseguir até o termo. No ensaio clini-
os exames de neuroimagem com tomografia computadoriza- co randomizado do HYPITAT foi sugerido beneficio matemo
da (TC), ressonância magnética (RM) e demais procedimen- com a indução do pano depois de 37 semanas em casos de
tos (p. ex., punção lombar) possam ser necessários para es- hipertensão gestacional e PE leve. Entretanto. e,·entualmente
clarecer o diagnóstico. é possível aguardar até a 40' semana se a h1penensão for bem
Existe uma relação entre a PAM e o nuxo cerebral. O nuxo conuolada e não houver sinaLS de agravamento do quadro,
cerebral é de cerca de SOm Ul OOg de tec1do cerebraVminuto, uma vez que existe a poss1b1hdade de a gestante entrar es-
r
((

Capítulo 91 Pré-eclâmpsía, Eclâmpsía e Síndrome HELLP 761

pontaneamente em trabalho de parto e ter mais chances de sinais de descolamento prematuro da placenta ou presença
consegui r um parto vaginal. de sintomas pe rsistentes de cefaleia grave, alterações visuais e
Mulhe res com PE sem gravidade entre 24 e 33 semanas do r epigástrica grave.
de gestação podem se r conduzidas de maneira conservadora, A conduta expectante com menos de 24 semanas está asso-
mas apenas em centros com a capacidade de cuidar de recém- ciada a importantes taxas de complicações mate rnas, incluin -
-nascidos pré-te rmo (grau de recomendação IB). do a morte (27% e 71 %), e de mortalidade perinatal (>80%),
enquanto a adotada entre 24 e 33 semanas completas está
Conduta obstétrica na PE grave associada a baixos índices de complicações maternas (média
Para mulheres com PE grave e idade gestacional "2!37 se- <5%) e menos complicações neonatais, apesar do CIUR. O
manas, recomenda-se o pano (nível de evidência IA). O risco prolongamento médio da gravidez é de 2 semanas, mas de
de complicações maternas é maior quando se realiza cesaria- apenas 5 dias naquelas com a síndrome HELLP, que está mais
na em pacientes com PE grave, destacando-se manifestações associada às complicações maternas (média de 15%); no en-
hemorrágicas, infecção, picos hipe rtensivos e maior duração tanto, pode have r melhora temporária e espontânea na con-
da hospitalização. O Colégio Ame ricano de Obstetras e Gine- tagem de plaquetas, possibilitando a anestesia regional. As
cologistas (ACOG) recomenda o pano vaginal para essa classe anormalidades labo ratoriais na sínd rome HELLP geralmente
de gestantes em virtude dos benefícios maternos, destacando melhoram em 4 dias após o parto.
ainda a alta probabilidade de sucesso com a indução. O par- Para mulheres entre 24 e 34 semanas de gestação com hi-
tO vaginal é considerado mais seguro do que a cesariana em pertensão arterial sem gravidade, mas complicada pela sín -
mulhe res com PE e deve se r tentado, a não se r que existam drome HELLP, deve ser considerado o atraso do parto para
outras indicações de cesariana. realização de conicote rapia antenatal em caso de aumento
A conduta expectante deve se r adotada apenas em centros temporário dos testes labo ratoriais.
especializados com capacidade de fornecer assistência a neo- A conduta expectante com 34 e 36 semanas diminui a síndro-
naws pré-termo, podendo ser recomendada em casos sele- me da angústia respiratória neonatal, e a indução do trabalho de
cionados com monito rização rigorosa do binômio mãe-feto. parto está indicada entre a 37' e a 39' semana de modo a reduzir
A interrupção da gestação está indicada em caso de gesta- a possibilidade de piores resultados maternos (Figura 91.1).
ção a te rmo, complicação mate rna grave, morte fetal ou esta- Em mulheres com a síndrome HELLP e idade gestacional
do fetal não tranquilizador, contagem de plaquetas <100.000 >35 semanas o parto deve se r considerado imediatamente (grau
células/m3 , declínio progressivo da função hepática ou renal, de recomendação IIB).

Conduta em caso de pré-eclâmpsia grave

Unidade de cuidados intermediários


Avaliação materno-fetal por 24 horas
Sulfato de magnésio
Anti-hipertensivos se PA ~ 160/11OmmHg

t
<24/26 semanas Entre 24/26 e >34 semanas
32/34 semanas

t
Quadro clínico Quadro c línico Colo favorável
Quadro clínico
instável instável
estável
Complicações Sofrimento fetal
Feto reativo
Sofrimento fetal CIUR grave

9
Não

Interrupção Corticoide Interrupção


via alta Indução
da gravidez Vitalidade fetal
Monitoriza da
Via baixa

Interrupção com
32 a 34 semanas
Avaliar indução do trabalho de parto

Figura 91.1 Conduta obstétrica na pré-eclâmpsia grave.


/.

'
'/:
j 762 Seção 11 Obstetrícia

Conduta na síndrome HEl l P com essas queixas após a segunda metade da gravidez sejam
Todas as gestações com PE/eclâmpsia devem ser avaliadas rastreadas para a síndrome independentemente da elevação
em busca de alterações sugestivas de síndrome HELLP, ca- ou não da PA (Quadro 91.12).
racte rizada po r PE associada a hemólise, enzimas hepáticas As pacientes devem ser referidas a um centro de cuida-
elevadas e baixa de plaquetas (Quadro 9110) Cerca de 90% dos terciários e tratadas inicialmente como pacientes com
das pacientes acometidas são examinadas pela primeira vez PE grave. A conduta inicial consiste em avaliar as condições
longe do final da gestação e se queixam de epigastralgia ou maternas e fetais, procurando estabilizá-las, principalmente
dor no hipocôndrio direito. Quase 50% apresentam episó- se houver distúrbios de coagulação. O feto será avaliado por
dios de náuseas ou vômitos e outros sintomas não específicos meio do Doppler dos vasos fetais, além do pe rfil b iofísica e de
semelhantes aos da hepatite vi ra!. Hipertensão ou proteinúria crescimento fetal. O tratamento de suporte será realizado até
pode, ocasionalmente , estar ausente ou ser leve. a intervenção obstétrica com uso de h ipotensores, correção
Desse modo, é aconselhável a realização dos exames labora- dos distúrbios de coagulação e da trombociwpenia e emprego
toriais apropriados para todas as gestantes que se queixam des- de corticoide , se ind icado.
ses sintomas. Algumas pacientes podem se apresentar com icte- A conduta obstétrica consiste na interrupção imediata da
rícia, sangramento gastrointestinal, hematúria ou sangramento gravidez, após estabilização do quadro clínico, preferencial-
gengiva!, frequentemente recebendo o falso diagnóstico de he- mente por via vaginal. A interrupção da gestação pode rá ser
patite vira!, doenças do colédoco, úlcera péptica, litíase renal, adiada por 24 a 48 horas na gestação com menos de 32 a
glomerulonefrite, esteatose hepática aguda da gravidez, sín- 34 semanas para administração de corticoide se a paciente
drome hemolítico-urêmica, púrpura trombocitOpênica trom- fo r assintomática e a vitalidade fetal estiver prese rvada. Nes-
bótica e trombocitopenia id iopática (Quadro 9111). se pe ríodo, as condições materno-fetais devem se r avaliadas
O acometimento pela síndrome HELLP tem sido associado continuamente (Figura 912) Os estudos recentes são contro-
a risco aumentado de mortalidade materna (1%) e perinatal versos, e alguns não demonstraram benefícios com o empre-
(7,4% a 20,4%) ou de outras complicações, como edema pul- go de altaS doses de corticoides na tentativa de melhorar a
monar agudo (8%), insuficiência renal aguda, coagulação intra- plaquetopenia ou a morbidade materna.
vascular disseminada (CIVD) (15%), descolamento prematuro A síndrome HELLP não representa uma indicação de ce-
de placenta (9%), hemorragia ou insuficiência hepática (l %), sariana, embora esta possa ser aceitável antes de 30 semanas
infecção, insuficiência respirató ria do adulto e choque (d %). em caso de colo uterino desfavo rável em razão do tempo p ro-
Em virtude da natu reza variável de sua apresentação clíni- vavelmente longo de indução em uma situação em que pode
ca, o diagnóstico da sindrome costuma ser retardado em cerca have r rápida deterioração clínica. Prostagland inas locais ou
de 8 a 14 dias. Alguns autores recomendam que as gestantes ocitocina podem ser usadas para dar início ao trabalho de
parto após 30 semanas. Em caso de plaquewpenia importan-
te, a anestesia locorregional e o bloqueio do ne rvo pudendo
Quadro 91.11 Critérios para o diagnóstico de sfndrome HELLP
estão contraindicados. Nessa situação, narcóticos endoveno-
Hemólfse (pelo menos dois achados) sos podem ser empregados na analgesia do parto.
Eslregaço perilérico: esquizócitos, equinócitos A contagem de plaquetas deve ser mantida >20.000/mm3
Bilirrubina total ;;:1,2mg/dl
Haptoglobina sérica baixa para o parto vaginal e >40.000/mm3 para cesariana. Se a conta-
Anemia grave nào relacionada com perda sanguínea gem de plaquetas estiver <40.000/mm3 antes da cesariana, logo
Elevação das enzimas hepáticas no início da incisão da pele devem ser adminiStradas seis a dez
TGO ou TGP;, 2 vezes o valor normal superior (> 70) unidades de plaquetas no intraoperatório, além de um volu-
DHL;, 2 vezes o valor normal superior (>600)
me adicional de seis unidades se for observado sangramento
Plaquetopenla: <100.000/mm'
difuso durante a cirurgia. A anestesia deverá ser geral nos casos

Quadro 91.12 Incidência dos sinais e sintomas na síndrome HELLP e principais diagnósticos diferenciais

Sinais e sintomas Slndrome HELLP Esteatose Púrpura Slndrome Exacerbação do


hepática aguda trombocltopênlca hemolítlco-urêmlca fúpus erltematoso
trombótlca slstêmlco
Hipertensão 85% 50% 20%a 75% 80%a90% 80% (com SAF)
Proteinúria 90%a95% 30%a50% Com hematúria 80%a90% 100% com nefrite
Febre Ausente 25%a32% 20%a50% Não relatada Comum
Náuseas e vômitos 40% 50%a80% Comum Comum Somente com SAF
lcterfcia 5%a 10% 40%a90% Rara Rara Ausente
Dor abdominal 60%a80% 35%a50% Comum Comum Somente com SAF
Sistema nervoso central 40%a60% 30%a40% 60%a 70% Não relatada 50% (com SAF)
SAF: slndrome do anticOf'po antifosfolfpide.
:\_
r
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Capítulo 91 Pré-eclâmpsía, Eclâmpsía e Síndrome HELLP 763

Vig ilância c linicolaboratorial


sódio agudo. Fornecer suporte imediatO para as funções
Referir a centro de cuidados terciários respirató ria e cardiovascular de modo a prevenir hipoxia.
Sulfato de magnésio EV Mesmo que a convulsão inicial seja de curta duração , é
Anti-hipertensivos se PA;, 160/1OSmmHg importante manter a oxigenação, oferecendo oxigênio su-
t t plementar (8 a 10Umin) através de máscara facial, uma
vez que pode oco rrer h ipoventilação seguida por acidose
IG >24 a 26 semanas IG ;,34 semanas
IG <34 semanas IG <24 a 26 semanas
respirató ria. Convém manter oximetria de pulso para mo-
Sofrimento fetal nitoramento da oxigenação nessas pacientes; se a saturação
Indicação materna: for anormal (<92%), deve-se solicitar análise da gasome-
Eclâmpsia tria arterial e pedir apoio (dois enfermeiros, obstetra mais
Completar o C IVO
tratamento com Insuficiência renal
graduado, anestesista) e avisar ao pediatra e ao bloco ci-
corticoide para DPP rúrgico. Aguardar que a convulsão cesse espontaneamente.
estimular maturidade Insuficiência respiratória Cabe lembrar que não se deve tentar interromper a pri-
pulmonar (48 horas) Suspeita de hematoma hepático meira convulsão especialmente quando não se conta com
Interrupção da
gravidez t •
acesso venoso ou pessoal treinado para intubação rápida.
Segunda etapa: prevenir a aspiração de secreções ou võmi-
Programar interrupção imediata
da g ravidez após estabilização
tos, posicionando a paciente em decúbitO lateral; colocar a
do quadro c línico e avaliação cânula bucal para evitar que ela morda a língua e adotar me-
materno-fetal d idas de contenção em cama adequada com grades de prote-
ção laterais para evitar quedas e ferimentos durante as crises.
Figura 91.2 Síndrome HELLP confirmada.
Avaliar estado de consciência, respiração, temperatura, fre-
quência cardíaca, saturação de oxigênio e diurese. O volu-
de contagem de plaquetaS <75.000/mm3 . Devem ser deixados me total de fluidos venosos não deve ultrapassar 80mllh.
d renos fechados de sucção, intraperitoneal e subaponeurólico Cateterização de veia periférica com 16 ou 18G. Coleta de
e subcutâneo; convém deixar sem peritonizar para prevenir a sangue para hemograma, Lipagem sanguínea, plaquetas, coa-
formação de hematomas. Fazer transfusões de sangue se neces- gulograma, ionograma e funções hepática e renal. Avaliação
sário. A contagem de plaquetaS pode d iminuir rápida e imprevi- das condições fetais e cardiowcografia contínua.
sivelmente na sínd rome HELLP, sendo recomendada a dosagem • Terceira etapa : administrar o anticonvulsivante e iniciar
seriada dentro de horas. A transfusão de plaquetaS é recomen- infusão de sulfatO de magnésio com dose de ataque de 6g
dada em casos com contagem <20.000, de 20 a 49.000 antes da em 15 a 20 minutos, seguida por infusão contínua de 2gfh
cesariana, de 50.000 com sangramento ativo excessivo e queda (diurese >30mUh). Dez por cento das pacientes podem te r
rápida da contagem de plaquetas e/ou coagulopatia. uma segunda convulsão após receber o sulfatO de magné-
Uma vez instalada a CJVD, surgem alterações laborato riais sio. Nesse caso, outra dose de 2g de sulfato de magnésio
no TP e no TTPa, queda do fibrinogênio (<300mg/dl), au- pode ser administrada EV em 3 a 5 minutOs. Se a pacien-
mento dos produtOs de degradação da fibrina (>40mg/ml) e te continuar com convulsões, podem ser administrados
trombocitopenia. 250mg de amobarbital sódico em 3 a 5 minutos.
Após o parto, as pacientes deverão ser continuamente mo- • Quarta etapa: reduzir e manter a PASentre 140e 160mmHg
nito rizadas com balanço hídrico, avaliações laboratoriais e e a PAD entre 90 e 110mmHg. O objetivo pode ser alcan-
oximetria de pulso (por pelo menos 48 horas) , além do uso çado com doses de 5 a 10mg de hidralazina EV em boLus a
profilático de sulfato de magnésio por 48 horas e de hipoten- cada 15 minutOs, se necessário, ou 10 a 20mg de nifedipina
so res, se necessário. O tratamento clínico pós-operatório deve oral a cada 30 minutOs até a dose máxima de 50mg em 1
incluir a correção dos d istúrbios da coagulação nos casos de hora. Labetalol EV; na dose de 20 a 40mg a cada 15 minu-
CIVD e a infusão de plaquetas nas pacientes com contagem tos, se necessário, tem sido cada vez mais usado nos EUA e
<20.000/mm3 . O acompanhamento dessas pacientes deverá na Europa em virtude de sua segurança. NitroprussiatO de
ser realizado em unidade de cuidados intensivos em vi rtude sódio ou nitroglicerina raramente são necessários. Os diuré-
do risco elevado de falência de ó rgãos vitais. ticos sõ são usados em caso de edema agudo de pulmão.
Os achados clínicos e laborato riais da síndrome HELLP po- • Quinta eta pa: restau rar o equilíbrio ácido-básico. Reava-
dem aparecer pela prime ira vez no pe ríodo pós-parto, dentro liação: frequência cardíaca, reflexo rotuliano, débito uriná-
de poucas horas até 7 d ias, a maior parte dentro de 48 horas. rio e resultados dos exames laboratoriais.
• Sexta etapa: decisão sobre o parto com a neonawlogia.
Conduta na eclâmpsia Iniciar a indução de trabalho de parto dentro de 24 horas.
As etapas para a condução da eclampsia são descritas a Se houve r indicação de cesariana, a paciente não deve rá
seguir: ser levada para a sala de ciru rgia em condições instáveis.

• Primeira etapa: mante r as vias aéreas pé rvias e oferece r Se possível, o fetO deve ser ressuscitado primeiro intraúte-
oxigenação materna durante ou imediatamente após o epi- ro. Entretanto, se permanecer com b radicardia ou desacelera-
/")/;
I 764 Seção 11 Obstetrícia

ções tardias apesar das medidas adotadas, deve ser conside- tratamento da oligúria (li C). A dopamina e a furosemida não
rado o diagnóstico de descolamento de placenta ou feto não estão indicadas em casos de oligúna persistente (!C).
reali\'O. A realização de cesariana após a estabilização materna Nas pacientes com hipertensão gestacional, a PA costuma
é decidida com base na idade gestac1onal, nas condições fe- normalizar-se durante a pnme1ra semana pós-pano, ao passo
tais, no fato de estar ou não em trabalho de pano e no indíce que aquelas com PE demoram mais tempo para se tomar nor-
de Bishop. A cesariana é recomendada para gestações com motensas. Além disso, em algumas mulheres com PE ocorre
menos de 30 semanas, sem trabalho de pano, e com !ndice diminuição inicial 1med1atamente após o pano, segu1da por
de Bishop <5. O trabalho de parto pode ser induzido com nova elevação entre 3 e 6 d1as. O uso de anu-h1pertensl\·os
prostagland1nas ou ocltocma em todas as pacientes com mais está recomendado quando a PASse mantém C!:l 55mmHg e/ou
de 30 semanas mdependentemente do !nd1ce de Bishop. a PAD > 105mmHg. O fármaco de escolha é a mfed1pma oral
Durante as convulsões costumam ocorrer desacelerações (10mg a cada 6 horas) ou de longa ação (lOmg duas vezes
prolongadas e/ou bradicardia. Após as com·ulsões, em função ao dia) para manter a PA abaixo desses nfve1s. A paciente só
da hipoxia e da h1percapnia, os batimentos card!acos fetais deverá recebe a alta hospitalar quando a PA estiver bem con-
podem apresentar taquicardia compensatória, diminuição da trolada e assintomática. A PA deverã ser aferida diariamente
variabilidade de batimentos e desacele rações tardias transi- até a suspensão do anti-hipertensivo e o controle pressórico
tórias. Além d isso, pode haver aumento do tônus e da fre- adequado. Os anti-hipe rtensivos são geralmente necessários
quência das contrações uterinas por 2 a 14 minutos. Como a por d ias ou semanas, principalmente após a pré-eclãmpsia.
frequência cardlaca fetal volta ao normal alguns minutos após Os anti-hipertensivos pode rão se r suspe nsos se a PA perma-
as convulsões, outras alterações elevem se r consideradas se o necer dentro d os valores normais por mais ele 48 horas.
padrão anormal persistir. Nos fetos pré-termo ou com CIUR, Os anti-inflamatórios não este roides (A IN E) podem agra-
o tempo para o pad rão dos batimentos cardlacos fetais se var a hipe rtensão ou causar lesão renal aguda e devem ser
normalizarem pode ser mais prolongado. Após as convulsões evitados em casos de hipertensão resistente, creatinina sérica
alta ou baixa contage m de plaquetas.
pode ocorrer o descolamento prematuro de placenta, o qual
A hipertensão também pode surgir antes ou se desenvolver
deverã ser considerado se houver persistência da hi perativi-
nos primeiros dias após o pano, geralmente em 3 a 6 dias, po-
dade uterina e das desacelerações tard1as ou bradicardia fetal.
dendo ou não estar associada à PE. As mulheres com h1penensào
O sulfato de magnésio deve ser mantido por pelo menos 24
prévia geralmente necessitam de anti-h1pertens1vos após o parto.
horas após o pano ou após a uluma convulsão. Na presença
A PA de\·e ser reduzida para <140190mmHg e <130180mmHg
de insuficiência renal, deve ser reduzida a administração de
nas pacientes com diabetes mellitu.s pré-gestacional. O anu-luper-
fluidos e do sulfato de magnés1o. Após o pano, anti-hipenen-
tensivo mais comumente usado antes da gestação são os irubido-
sivo oral de,·e ser usado para manter a PA <l55/105mmHg.
res da enzima com·ersora de angioteOSina (captopnl), os quais
Iniciar com !Omg de mfed1pma a cada 6 horas (mãximo de
são apropriados no pós-pano e durante a amamentação.
120mgldia). A mfed1pma oral oferece um beneflao diurético
O rastreio para causas subjacentes da PE (p. ex., doença re-
le,·e no perlodo pós-parto. Não há nsco com o uso combinado
nal) pode contribuir para a manutenção da saúde da mulher
de sulfato de magnéSIO e mfed1p1na oral.
após a gravidez ou em gestações subsequentes. O rastreio de
Conduta no pós-parto trombofilia não é recomendado no seguimento de mulheres
que tiveram PE ou outras complicações relaciOnadas com a pla-
As pacientes geralmente recebem grande quantidade de
centa, exceto o teste de anticorpos antifosfolfp1des em mulheres
líquido EV para a pré-hidratação antes da administração da
com critérios clínicos para SAF. As desordens hipertensivas da
anestesia peridural durante o trabalho de parto ou na cesaria-
gestação estão associadas a risco cardiovascular e renal elevado,
na . Uquidos são infund idos também durante a administração
tromboembolismo, hipotireoidismo e diabetes mel/itus tipo 2.
de ocitocina e sulfato de magnésio. Além d isso, no pós-parto
ocorre a mobilização do liquido extracelular, provocando au- Hematoma subcapsular hepático
mento do volume intravascular, o que resulta em aumento Emre 10% e 20% das pacientes com PE grave/eclãm psia apre-
d o risco de edema puhn011ar e exacerbação da hipertensão sentarão acometimento hepático. Na maioria elas vezes, a rup-
nesse período nas mulheres com PE grave, particula rmente tura envolve o lobo d ireito do ftgado, que é preenchido por he-
naquelas com função renal anormal, extravasamento capilar matoma parenquimal. A ruptura de um hematoma intacto pode
e com inicio precoce das mani festações da doença. Essas mu- ocorrer espontaneamente ou estar associada a forças exógenas de
lhe res deve m receber avaliação adequada do balanço h!drico, trauma, incluindo palpação abdomi nal, convulsões ou vômitos.
das t ransfusões diversas e do débito urinário e monitorízação O diagnóstico diferencial deve ser feito com esteatose he-
com oximetria de pulso e ausculta pulmonar [requente. pática aguda da gravidez, descolamento prematuro da pla-
Novas recomedações podem ser consultadas no Quadro centa, CIVD, ruptura uterina, púrpura trombocitopênica
100.1 (veja a página 824). trombólica e ruptura de aneunsma de arténa esplênica.
A admimstração oral e endovenosa de flutdos às mulheres A taxa de morbimortahdade materna depende de o hema-
com PE deve ser reduzida de modo a evnar edema pulmonar toma estar roto, de haver d1sponib1lidade de sangue e hemo-
(IIB). Fluidos não devem ser roune1ramente administrados no derivados e do maneJO Clrúrgtco uuhzado. As complicações
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Capítulo 91 Pré-eclâmpsía, Eclâmpsía e Síndrome HELLP 765

maternas incluem necessidade de grandes volumes de trans- Convém identificar as mulheres em risco aumentado de
fusão de sangue, hospitalização prolongada em UTI, edema PE antes da concepção ou na prtimeira consulta de pré-na-
pulmonar, síndrome da angústia respiratória aguda (SARA), tal. Intervenções preventivas podem ser iniciadas ames de 16
insuficiência renal e hepática , sepse, CIVD, hemo rragia intra- semanas.
cerebral, risco potencial de transplante de fígado e mone, en- A suplementação de cálcio (pelo menos 1gldia VOou lácteo
quanto o few está sujeito ao risco de pano pré-termo, asfixia três a quatro vezes ao dia) pode ser útil em reduzir a gravidade
perinatal, paralisia cerebral e mone fetaVneonatal. da PE em populações com baixa ingestão de cálcio - <600mg,l
Os sinais e sintomas mais comuns são dor epigástrica in- dia (grau de recomendação IA), mas não se mostrou relevan-
tensa, náuseas e vômitos, sangramemo de mucosas e alte- te em populações com ingestão adequada (RR: 0,45; !C 95%:
rações laboratoriais sugestivas de síndrome HELLP. Outras 0,31 a 0,65).
alterações sugestivas são hipotensão arterial, taquicardia de O AAS é recomendado para reduzir a incidência de PE, par-
início agudo, choque, dor no ombro/pescoço, dificuldade to prematuro, recém-nascido pequeno para a idade gestacio-
respiratória, dor à inspiração, hipotensão recidivante, CIVD, nal (PIG) e mone perinatal sem aumento do risco de abono,
elevações abruptas das enzimas hepáticas, ascite maciça, der- malformações, sangramemo materno e resultados neonatais
rame pleural e morte fetal. adversos. Recomenda-se o uso de AAS (nível de evidência l-A)
Os exames de imagem mais eficazes são a ressonância mag- para mulheres com história pessoal ou familiar de PE precoce e
nética e a tomografia computadorizada, mas a radiografia de pano pré-termo com menos de 34 semanas, doença h ipertensi-
tórax pode revelar a presença de derrame pleural e diafragma va, renal ou autoimune crônica e/ou Doppler de artéria uterina
d ireitO elevado, enquanto a ultrassonografia pode mostrar a anormal antes de 24 semanas (E: moderada, R: eficaz).
imagem de hematoma hepático e líquido intraperiwneal. Segundo um estudo (Villa e cols., 2013), quando iniciado
No manejo do hematoma subcapsular hepático não roto é em baixa dose ames da 16' semana, o AAS reduz o risco de
feita transfusão, quando necessária, assim como a correção da desenvolvimento de PE em geral (RR: 0,6; !C 95%: O, 4 a 0,8)
coagulopatia. O monitoramento seriado é realizado à espera e de PE grave (RR 0,3; IC 95% 0,1 a 0,7) Em outro estudo,
de aumento do hematoma ou piora da condição materna. o AAS promoveu pequena redução na PE (RR 0,83; IC 95%:
No caso de ruptura pode ser necessãria a utilização de 30 0,77 a 0,89; NNT 72; !C 95%: 52 a 119), no trabalho de
unidades de concentrado de hemácias, 20 de plasma fresco, parto pré-termo (RR: 0,92; IC 95%: 0,88 a 0,97; NNT 72; !C
30 a 50 de plaquetas e 20 a 30 de crioprecipitado. A pacien- 95% 52 a 119), PIG (RR 0,90. !C 95% 0,83 a 0,98; NNT
te é submetida à laparotomia para drenagem do hematoma, 114. !C 95%: 64 a 625) e mortalidade perinatal (RR 0,86; !C
sutura da laceração, se possível, utilização de malha cirúrgica 95% 0,76 a 0,98; NNT 243; !C 95%: 13 1 a 1666) sem au-
ou ornemo, tamponamento, se necessário, embolização da ar- mento do risco de sangramento. O AAS pode ser mais eficaz
téria hepática e coagulação com laser de argônio. em mulheres sob alto risco, quando iniciado antes de 16 de
semanas e em doses >80mgldia.
PREDIÇÃO E PREVENÇÃO DA PRÉ· ECLÂMPSIA Não é recomendada a restrição calórica em mulheres com
Inúmeros métOdos clínicos, biofísicos e bioquímicos têm excesso de peso, assim como terapia anti-hipenensiva para
sido propostos para predição ou detecção precoce da PE. A prevenir PE, as vitaminas C e E ou heparina. Não há evidên-
maioria dos testes tem baixa sensibilidade ou valor preditivo cia suficiente sobre a prática de exercícios ou a redução da
positivo, além de não apresentar praticidade na prática clí- carga de trabalho/repouso.
nica. Os mais usados são a dopplerfluxometria das arté rias O uso de heparina ainda é controverso, uma vez que não
uterinas e a dosagem sérica de fibronectina, ácido úrico etc. se dispõe de estudos com grande número de casos até o mo-
Até o presente, no entanto, nenhum teste simples é conside- mento, mas existem algumas avaliações promissoras. Obser-
rado confLável e de bom custO-benefício para predição da PE. vou-se que o emprego de qualquer dose profilática de he-
Atualmente, a prevenção primária da PE e da eclâmpsia parina versus nenhum tratamento promoveu d iminuição da
só é possível evitando-se a gravidez. A adoção de atitudes ou mortalidade perinatal (2,9% vs. 8,6%; RR: 0,40; !C 95%: 0,20
medicamentos na prevenção da PE pe rmanece em fase de a 0,78), de parto com menos de 34 semanas (8,9% vs. 19,4%;
pesquisa, pois as conclusões dos estudos considerados mais RR: 0,46; !C 95% 0,29 a 0,73) e de PIG (7,6% vs 19%; RR:
importantes com a utilização de ácido acetilsalicílico (AAS), 0,41; IC 95%: 0,27 a 0,61) em mulheres com alto risco de
cálcio, zinco , magnésio, óleo de peixe e vitamina C ou E re- complicações mediadas por disfunção placentária.
velam que essas substâncias não devem ser rotineiramente O uso de HBPM ( vs. nenhum tratamento) reduziu o risco
empregadas para prevenção de PE em primíparas. Mesmo em de PE grave ou de início precoce (1,7% vs. 13,4%; RR 0,16;
estudos em grupos de risco que apresentaram alguns efeitOS !C 95%: 0,07 a 0,36), trabalho de pano pré-termo (32,1%
benéficos, a definição de PE não ficou clara e os resultados vs. 47,7%; RR: 0,77; !C 95%: 0,62 a 0,96) e PIG (10, 1% vs.
perinatais não foram visivelmente melhores. 29,4%; RR: 0,42, !C 95%: 0,29 a 0,59), mas sem efeitO signi-
Mulhe res com PE prévia são propensas a desenvolver tanto ficativo na mortalidade (perda gestacional >20 semanas 1,9%
h ipertensão gestacional (média de 22 %) como PE (média de vs. 5,3%; RR: 0,41, IC 95%: 0,17 a 1,02).
15%) na próxima gravidez, principalmente aquelas com IMC Além disso, foi observada diminuição nas complicações
elevado e/ou com PE grave precoce. mediadas pela placenta (ou seja, PE, DPP. PIG ou perda fetal
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j 766 Seção 11 Obstetrícia

>12 semanas) (18, 7% vs. 42 ,9%; RR: 0,52 ; !C 95%: 0,32 a co e pode apresentar um padrão tranquilizador mesmo com
0,86). Seu uso deve discutido com a mulher que teve compli- sofrimento fetal iniciaL Nas gestações com menos de 34 se-
cações prévias para prevenção de recorrência de PE grave ou manas com fetos de pequenas dimensões e/ou anormalidades
precoce, pano pré -termo e/ou PIG (nível de evidência 1-B). progressivamente graves ao Doppler arterial e venoso, a d iás-
A redução da mona! idade materna em decorrência da sín- tOle reversa na AU ou DV com d iástole d iminuída ou ze ro/
drome hipertensiva deve rá ser alcançada com o investimento reversa ou pulsações da veia umbilical sugerem a necessidade
em educação continuada, a sistemalização de ações preventi- de monitOrização frequente para evitar decesso. Para fetos
vas de assistência primária e a padronização de condutas nas com idade gestacional >34 semanas, a indicação quanto à in-
situações de emergência, bem como com a criação de unida- te rrupção da gestação deve se r fundamentada na presença de
des de refe rência devidamente equipadas para o atendimen- centralização fetaL
to dos casos graves, cobrindo a maior parte das regiões, e o A conduta expectante com <24 semanas está associada a
esclarecimento contínuo da população. importantes taxas de complicações maternas (incluindo mor-
O momento exige uma estratégia de ação imediata, e os te - 27% e 7l %) e de mortalidade perinatal (>80%).
progressos médico-assistenciais alcançados nas últimas déca- A conduta expectante entre 24 e 33 semanas completas está
das devem se r estend idos à população mais carente. associada a índices baixos de complicações maternas (média
<5%) e menos complicações neonatais, apesar do C!UR O pro-
longamento médio da gravidez é de 2 semanas, mas apenas 5
PONTOS CRÍTICOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS dias com a síndrome HELLP. que está associada a mais com-
Numerosos métodos clínicos, biofísicos e bioquímicos têm plicações maternas (média de 15%); no entanto, pode haver
sido propostos para predição ou detecção precoce da PE. A melhora temporária e espontânea na contagem de plaquetas,
maioria dos testes tem baixa sensibilidade ou valor predilivo tornando possível anestesia regionaL As anormalidades labora-
posilivo, além de não apresentar pralicidade na prática clí- toriais na síndrome HELLP geralmente melhoram 4 d ias após
nica. Os mais usados são a dopple rfiuxometria das artérias o parto.
uterinas e a dosagem sé rica de fibroneclina, de ácido úrico Para mulheres com hipertensão arte rial sem gravidade,
etc. Até o presente, no entanto, nenhum teste simples foi con- complicada pela síndrome HELLP entre 24 e 34 semanas de
siderado confLável e de bom custo-benefício para a predição gestação, deve ser considerado o atraso do pano para realiza-
da PE (grau de recomendação C). ção de conicote rapia antenatal se houver aumento temporá-
Atualmente, a prevenção primária da PE e da eclãmpsia só rio dos testes laborato riais.
é possível evitando-se a gravidez. A adoção de atitudes ou me- A conduta expectante entre a 34' e a 36' semana d iminui
dicamentos para a prevenção da PE conlinua em fase de pes- a síndrome da angústia respirató ria neonataL Indução do tra-
quisa, uma vez que os estudos considerados mais importantes balho de pano está indicada entre a 37• e a 39• semana para
com a ulilização de AAS, cálcio, zinco, magnésio , óleo de peixe reduzir as complicações maternas.
e vitamina C ou E concluem que essas substâncias não devem PA persistente >160/llOmmHg é conside rada uma eme r-
ser rotineiramente empregadas para prevenção de PE em pri- gência hipertensiva e pode te r graves consequências. Para seu
míparas. Mesmo em estudos em grupos de risco que apresenta- controle podem se r usadas a hidralazina EV em bolus, o labe-
ram alguns efeitos benéficos, a definição de PE não ficou clara e talol ou a nifedipina VO (grau de recomendação C). A revisão
os resultados perinatais não foram visivelmente melhores. sisternãtica conclui que, à exceção do quetanse rina e do d ia-
Nenhum teste de monitorização fetal prevê o comp rometi- zóxido, que não são indicados, a escolha do anti-hipertensivo
mento fetal na PE, embora seja consensual o uso de Doppler será feita de acordo com a experiência do profissional que
nesse cená rio. atende a paciente (grau de recomendação A).
A avaliação fetal inicial inclui os exames ultrassonográficos O uso de AAS na dose de 100mg/dia tem sido recomenda-
para datação, morfologia e Doppler de AU, o qual deve se r do para as pacientes de risco com história prévia de hiperten-
realizado no primeiro trimestre por via transvaginal e repeti- são e/ou PE (eclâmpsia, sínd rome HELLP. DPP), história fami-
do , se necessário, com 24 a 26 semanas nos grupos de risco lia r de PE, crescimento restritO sem causa ou prematuridade
para o desenvolvimento de PE. A seguir, a parlir de 26 sema- ame rio r (grau de recomendação A).
nas, realiza-se o pe rfil de crescimento fetal a cada 2 semanas O uso do cálcio, na dose diária de 2g, tem sido recomen-
nos casos graves e precoces, além da avaliação do volume de dado ape nas para pacie ntes de risco e com baixa ingestão do
líquido amniótico e da dopplerfiuxometria das arté rias e veias íon na alimentação (grau de recomendação A).
fetais com frequência variável, dependendo da gravidade do Apresentam risco maior de síndrome HELLP as mulheres
quadro clínico. brancas e multi paras com mal-estar geral, náuseas e vômitos, dor
A cardiowcografia computadorizada melhora os resul- epigástrica e/ou hipocõndrio direito, com cefaleia persistente, ic-
tados perinatais. Oligoidrâmnio, isoladamente, não foi pre- terícia subclínica e hipe rtensão grave (grau de recomendação A).
ditor de resultados adversos em estudos obse rvacionais de A conicoterapia reduz a morbimonalidade neonatal nas ges-
PE pré-termo. Entretanto, oligoid rãmnio e anormalidades do tações de menos de 34 semanas (grau de recomendação A).
Dopple r de AU têm sido preditores de natimo nalidade. O O sulfatO de magnésio é o fármaco mais indicado para pre-
PBF não tem uLilidade comprovada em mulheres de alto ris- venção e controle da eclãmpsia (grau de recomendação A).
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Capítulo 91 Pré-eclâmpsía, Eclâmpsía e Síndrome HELLP 767

São indicações pa ra interrupção da gravidez em pacien- leitura complementar


tes com PE (grau de recomendação C): idade gestacional Dodd JM, McLeod A, Windrim RC et ai. Antithrombotic therapy for
>37 semanas, contagem de plaquetas <l00.000/mm3, dete- improving maternal or infant health outcomes in women conside-
red at risk of placenta! dysfunction. Cochrane Database 8yst Rev
rio ração da função hepática e renal, descolame nto de pla- 2013:CD006780.
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e vôm itos sem outra causa e/ou alterações visuais sign ifica- preventing pre- eclampsia and its complications. Cochrane Data-
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Duley L, Gülmezoglu AM, Henderson-8mart DJ. Magnesium sulpha-
e p rovas de vitalidade fetal alte radas (g rau de recomen-
te and other anticonvulsants for women with pre-eclampsia. Co-
dação C) chrane Database 8yst Rev 2006; (1 ):CD000025.
Os dados disponíveis indicam que inibidores da enzima Fonseca JE, Mendez F, Catano C, Arias F. Dexamethasone treatment
de conversão, bloqueadores de canais de cálcio, metildopa e does not improve the outcome of women with HELLP syndrome: a
betabloqueadores com alta ligação prote ica (pindolol, labeta- double-blind, placebo-controled, ramdomized clinicai Trial. Am J
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lol) sáo seguros no período de lactação quando é necessário o Ghulmiyyah LM , 8 ibai B8. Gestational hypertension-preeclampsia
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que mortes poderiam ser evitadas se os se rviços de assis - Hofmeyr et ai. Calcium supplementation during pregnancy for pre-
tência à saúde permanecessem alertas para a probabilidade venting hypertensive disorders and related problems. Cochrane
Database Syst Ver 20 10:CD001059.
de PE se agravar. Essas mesmas revisões observam que as Hypertension in Pregnancy. Report of the American College of Obste-
inte rvenções na mulher agudamente acometida com d isfun- tricians and Gynecologists' . Task Force on Hypertension in Preg-
ção de múltiplos órgãos são algumas vezes ad iadas em razão nancy. Executive 8ummary. Obstetrics & Gynecology 2013; 122(5).
da ausência de p roteinúria. Informações ad icionais ind icam Koopmans CM, Bijlenga D, Groen H et ai. lnduction of labour versus
expectant monitoring for gestational hypertension or mild pre-e-
que a quantidade de prote inúria não tem relação com os clampsia after 36weeks' gestation (HYPITAT): a multicentre, open-
resultados maternos e fetais. Por isso, tem sido recomenda- -label randomised controlled trial. Lancet 2009; 374(9694):979-88.
da a utilização de sistemas alternativos que conside ram que Magee LA et ai. Best Practice & Research Clinicai Obstetrics and
alterações laboratoriais, sintomas e outros fatOres adve rsos, Gynaecology 2015; 29:643e657.
Magee LA, Pels P, Helena M et ai. Pregnancy hypertension: an inter-
quando associados ao aparecimento de h ipertensão recente,
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são suficientes p ra o d iagnóstico de PE mesmo na ausência Milne F, Redman C, Walker J et ai. The pre-eclampsia community
de proteinúria. guideline (PRECOG): how to screen and detect onset of pre-e-
Uma di retriz padronizada com base em evidências para clampsia in the community. BMJ 2005; 330:576-80.
o manejo de pacientes com PE e eclãmpsia tem demons- National High Blood Pressure Education Program Working Group on High
Blood Pressure in Pregnancy. Am J Obstet Gynecol2000; 183:81-822.
trado reduzir a incidência de resultados maternos adve rsos. Rodger MA, Carrier M, Legal G et ai. Meta-analysis of low molecular
As instituições devem adotar mecanismos para dar início weight heparin to prevent recurrent placenta-mediated pregnan-
prontamente aos procedimentos e à administração de me- cy complications. Blood 2014; 123(6):822.
dicamentOs quando a paciente ap resentar uma emergência 8ibai BM, Barton JR. Expectant management of severe preeclamp-
sia remate from term: patient selection, treatment, and delivery
hipertensiva. indications. Am J Obstet Gynecol2007; 196(6):514.e1-9.
A redução da mortalidade materna em decorrência da sín- 8ibai BM, Dekker G, Kupfermic MJ. Pré-eclampsia. Lancet 2005;
d rome hipertensiva deverá ser alcançada com o investimento 365:785-99.
em educação continuada, a sistematização de ações preventi- 8 ibai BM, Stella C L. Diagnosis and management of atypical preeclamp-
sia-eclampsia. Am J Obstet Gynecol 2009; 200:481 .e1-481.e7.
vas de assistência primária e a padronização de conduta nas
8ibai BM. Diagnosis, prevention, and management of eclampsia.
situações de emergência, bem como com a criação de unida- Obstet Gynecol2005; 105:402- 10.
des de referência devidamente equipadas para o atendimento 8ibai BM. lmitators of severe preeclampsia. Obstet Gynecol 2007;
dos casos graves, cobrindo a maioria das regiões, e o esclare- 109:956-963.
cimento contínuo da população. Teixeira PG, Cabral AC, Andrade SP et ai. Relevância clínica dos fa-
tores de angiogênese na pré-eclampsia. Femina 2008; 36:23 1-5.
O momento exige uma estratégia de ação imed iata e os Teixeira PG, Cabral ACV, Andrade SP et ai. Placenta! growth fac-
progressos médicos-assistenciais alcançados nas últimas dé- ter (PLGF) is a surrogate marker in preeclamptic hypertension in
cadas devem ser estend idos à população mais carente. pregnancy. Hypertension in Pregnancy 2008; 27:65-73.
CAPÍTULO (

Trabalho de Parto Pré-termo


Malia Paula Moraes Vasconcelos

INTRODUÇÃO prematuro e a ruptu ra prematura de membranas pré-termo,


O parto pré-termo é o que ocorre ames de 3 7 semanas com- enquanto o induzido se associa às doe nças intercorrentes,
pletas de gestação, ficando estabelecido que 20 semanas repre- maternas e/ou fetais, que são responsáveis pelo aumento da
sentam o limite reconhecido como pomo de corte entre a defi- frequência de prematuridade, além do aumento das gestações
nição de abortamemo e parto prematuro. múltiplas e de gestantes mais idosas. O aumento da prematu-
A prematuridade, a principal causa de morbimortalidade ridade, com a melhora dos índ ices de mortalidade pe rinatal
pe rinatal em tOdo o mundo, ocorre em 6% a 10% dos nasci- com mais de 28 semanas por indicação de interrupção da
mentos nos países desenvolvidos e, no Brasil, atingiu 11,5% gestação em razão de inte rco rrências mate rnas e fetais, pode
dos nascidos vivos em 201 1, sendo classificada como extrema estar se refletindo em melhorias na assistência pré -natal.
quando abaixo de 28 semanas e tardia quando acima de 34
semanas. Vale ressaltar que o risco perinatal é inversamente ETIOPATOGENIA
proporcional à idade gestacional. O trabalho de parto pré-te rmo é uma sínd rome com múl-
Síndrome de descon forto respiratório, hemorragia intraven- tiplas causas, wdas elas de o rigem multi fatorial.
tricular, eme rocolite necrosame, sepse, retinopatia da prematu- Inúmeros processos patológicos podem levar à ativação de
ridade, hipertensão pulmonar, desequilíbrio hidroeletrolítico, uma via comum da parturição: in fecção e inflamação, isque-
anemia e hipoglicemia se apresentam como morbidade a curtO mia e hemorragia uterina do prime iro ou segundo trimestre,
prazo, enquantO a longo prazo ocorrem displasia broncopul- hiperdistensão uterina, estresse materno e fetal, resposta imu-
monar, paralisia cerebral, cegueira, hipertensão arterial e au- ne a processos alérgicos, insuficiência cervical e doenças en-
mento da resistência à insulina. dócrinas que provoquem a suspensão da ação da progestero-
A prematuridade tardia, isto é, entre 34 e 36 semanas de na. Cada um desses mecanismos promove o amadurecimento
gestação, representa 75% dos nascimentos pré-termos, valen- cervical, as contrações uterinas e/ou a ruptura de membranas.
do lembrar que 80% dos casos oco rrem espontânea e idiopa- Há evidências de que inflamação e infecção intrauterinas
ticameme por trabalho de pano prematuro ou ruptura pre- desempenham impo rtante papel na patOgênese do trabalho
matu ra de membranas. Em comparação com fetos a te rmo, os de parto pré-termo espontâneo, ruptura prematura de mem-
prematuros apresentam morbidade respiratória e problemas branas pré-te rmo e lesão fetal, resultando em seque las a longo
no desenvolvimento neu rológico. No Brasil, a prematuridade prazo. O diagnóstico e o tratamento precoces de inflamação e
ta rd ia foi responsãvel por 17,1% das mortes neonatais, o que infecção subclínica podem auxiliar a adoção de inte rvenções
representa um risco de morte nove vezes maior do que o de clínicas.
recém-nascidos a termo. As infecções do trato genital se associam ao trabalho de
A proporção de gestações que terminam prematuramente não parto pré-termo po r ativa rem a via inflamatória. A integri-
sofreu redução nos últimos anos. A melhora significativa nos re- dade das membranas não exclui a possibilidade de invasão
sultados perinatais se deve às intervenções realizadas ames do bacte riana intra-amniótica.
nascimento, assim como aos cuidados neonatais intensivos. Os fatores que determinam a magnitude da resposta in-
O parto pré-termo pode se r espontâneo ou ind uzido. O flamatória dependem, em parte, da resposta imune materna
primeiro está relacionado com o próprio trabalho de parto e fetal, dos fatores de virulência bacteriana e da quantidade
768
r
((

Capítulo 92 Trabalho de Parto Pré-lermo 769

de bactérias invasoras. A mOamação sistêmica causada por A avaliação de risco de parto pré-termo se baseta nos seguin-
infecções, como pneumoma. p1elondnte, doença periodomal tes aspectos: caracterlsticas maternas, nsco soctal, etnia, taba-
e peritonite, também pode au,·ar essa via. gismo, estresse, atividade fls1ca, desnutnção, mfecção do trato
gertital e extragenital, hiStória de pano pré-termo espontâneo
DIAGNÓSTICO e por indicações de doenças maternas, anomaltaS uterinas, ci-
Não é fácil a diferenciação entre o trabalho de pano e o rurgias do colo utenno, presença de sangramento rta gestação
falso trabalho de parto. Cons1dera-se o trabalho de pano pré- atual, gestações por técnicas de reprodução asstSllda, gestação
-termo na presença de contrações regulares e em caso de mu- múltipla, aumento do volume uterino, colo curto, entre outros.
dança do colo utenno antes de 3 7 semanas. Apesar da identificação de todos esses fatores de risco •
A precisão do d1agnósuco pode se r melhorada por meio da mais de 50% dos panos pré-termo ocorrem em gestações em
medida do comprimento cef\•ical por ultrassom transvaginal que nenhum é identificado, não estando amda dtsponlveis os
e/ou detecção de fibronectina fetal em secreção cervicovagi- estudos conclusivos que avaliem o uso de um escore de risco
nal. Ambos os testes melhoram a precisão diagnóstica, redu- com o objetivo de prever e propor mtervenções adequadas
zindo a chance de diagnóstico falso-positivo. para diminui r a incidtncia da prematuridade.
A medida do colo uterino de 30mm ou mais sugere que o O rastreamento e o tratamento de infecção do trato genital,
pan o pré-termo é pouco provável em mulheres sintomáticas, como vaginose bacteriana, tricomoníase ou candidfase ames
'
assim como um teste negativo para a prese nça de fibronectina de 20 semanas de gestação estão associados à d iminuição do
(Figura 92.1). parto pré-termo, estando defi nido o melhor programa de ras-
Entre as mulheres com membranas Integras, ausência de san- treamento.
gramemo e com d ilntação cervical com menos de 3cm, a combi- A pro filaxia antibiótica du ra111e o segundo e te rcei ro tri-
nação de um teste de libronecti na positivo ao comprimento cer- mestres da gravidez só está ind icada nas gestantes com histó-
vical com menos de 30m m represema risco de parto pré-termo ria de prematuridade em gestação ante rior e que apresentem
aumentado dentro de 48 horas em 26%; se apenas um dos testes vaginose bacteriana na atual.
ou ainda se nenhum deles é positivo, o risco é inferior a 7%. Na prevenção secu ndária, os [atores de risco podem ser
identificados a partir da história obstétrica sugestiva de in-
Tratamento e seguimento suficiência cervical ou da detecção do apagamento do colo
pelo ultrassom endovaginal independentemente da presença
Os esforços para prevenir a morb1monalidade associada
de fatores de risco.
à prematuridade podem ser classificados como primários,
A história obstétrica de perdas recorrentes no segundo tri-
quando indicados para todas as mulheres ames ou duran-
mestre com a presença de d•latação cef\~cal indolor sugere o
te a gestação para prevemr e reduz1r seu risco, secundários,
quadro de insuficttneta cervtcal, ass1m como a lustória de panos
quando \'153m ehmmar ou reduzi! o nsco em mulheres com
progressivamente rrtalS prematuros, lendo como fatores de risco
fatores de nsco 1denuficados, e temános, quando instituídos
as anomalias cef\~CatS congémtas e as adqwndas. As pnmelfliS
após 1mciado o trabalho de pano pré-termo com o objetim
incluem distúrbios genéucos que afetam o colágeno, exposição
de reduzir as comphcações e oumiZ3r o tempo ganho com a
intraútero ao daetilesulbestrol, anorrtaltaS utennas e, ru.nda, a pró-
tocólise para melhorar os resultados perlnatals.
pria variação biológica. As adqu•ridas mcluem o trauma cef\ical
durante trabalho de parto ou no parto, dilatação cef\'1Cal mecã-
Suspe1ta de trabalho de parto pré-termo (TPP) rlica rápida antes de procedimentos ginecológtcos e tratamento
Contrações regulares de neoplasia intraepitelial cervical. Pode ser assintomática ou
Modif1caçao do colo uter~no
apresentar sintomas leves, como pressão pélvica, cólica discreta

/ ~
ou dor nas costas, ou ainda mudança no volume, na cor ou na
consistência da secreção vaginal. As contrações uterinas se mos-
tram ausentes ou leves.
Medida do colo uterino por Detecção da fibronectina Na avaliação ultrassonográfica, o colo pode apresentar-se
ultrassom endovaginal fetal em secreção encu rtado (<2 5mm), podendo ser notada a prese nça de de-
cervicovaginal bris no líquid o amniótico (sludge). O diagnóstico da insufi-

I \
Colo Colo Teste
/ ~
Teste
ciência cef\•ical não pode se r realizado ou exclufdo fora do
periodo gestacional.
A cerclage em caso de insuliciencia cervical deve ser reali-
:l:30mm <30mm pos1tivo negativo zada entre 12 e 14 semanas, reduzindo a incidência de pano
pré-termo, rrtas não a mortalidade perinatal ou a morbidade
~ / neonatal em termos estatisticamente significativos. O tmpac-
FALSO TRABALHO DE PARTO FALSO to a longo prazo sobre o recém-nasc1do (RN) é mceno, e a
TPP PRÉ-TERMO TPP necessidade de cesanana se torna mais provável. Ponanto,
a decisão sobre a melhor manetra de mimmtzar o nsco da
Figura 92.1 D•agnóshco de trabalho de parto pré-termo. prematuridade recorrente de,·e ser avahada com base nas cir-
/.

'
'/:
j 770 Seção 11 Obstetrícia

cunslâncias clínicas, na habilidade e experiência da equipe mesmo, nenhum efeito sobre a incidência de parto pré -ter-
clínica e, mais importante, na escolha da gestante após in- mo. A inibição do pano pré-te rmo tem o objetivo de possibi-
formação adequada. A ce rclage não está indicada em caso de litar o ganho de tempo necessário para a transferência da mãe
gestação gemelar. para o hospital de refe rência e permitir a administração de
O uso da progesterona nos casos de insuficiência cervical conicoides, antibióticos e neuroprotetores.
está indicado de 16 a 36 semanas de gestação. Não há estudos Após diagnosticado o trabalho de parto pré-termo, é ne-
que tenham avaliado a eficácia da te rapia combinando cercla- cessário avaliar a presença de contraindicações à sua inibição.
ge e uso da progesterona. Não havendo contraindicação, iniciam-se a inibição e os pro-
A cerclage de emergência, quando o colo já se ap resenta cedimentos visando à melhora do resultado perinatal.
com dilatação ~2cm e membranas visíveis, promoveu melho- As contraindicações para inibição do trabalho de parto
ra do resultado perinatal quando comparada com a conduta pré-termo são d ivididas em maternas e fetais, as quais preci-
expectante em razão da maior idade gestacional ao nascimen- sam ser avaliadas. Entre as principais contra ind icações mater-
to. Mesmo em se tratando de dados em grande pane obser- nas estão a hipertensão, o sangramento e a doença card íaca.
vacionais com evidências de baixa qualidade, a análise indi- O trabalho de parto pré-te rmo pode ocorrer em resposta
vidualizada é a melhor conduta para a tomada de decisões, a estresse fetal, isquemia uterina ou descolamento prematuro
sendo importante descartar a presença de infecção. da placenta relacionados com o quadro hipen ensivo. O esti-
O comprimento do colo uterino é pred itivo do trabalho de mulo da trombina nos quadros de placenta prévia e descola-
pa no pré-termo. Quando se avalia a efetividade da medida mento prematuro de placenta também pode levar ao trabalho
do comprimento do colo uterino como método de screening de parto pré-termo. A doença cardíaca é uma contraind icação
na prevenção do trabalho de pano pré-termo, ainda não há em razão dos riscos dos agentes wcolíticos nas pacientes.
provas suficientes para recomendação de rotina, devendo As contraindicações fetais para tocólise incluem idade ges-
se r realizada em pacientes que apresentam fatOres de risco, tacional de 34 se manas ou mais, morte fetal ou anomalias
sem parto pré-termo ante rior, ou naquelas que têm história letais, corioamnionite e evidência de comprometimento fetal
de pano pré-termo. Colo com menos de 20mm de compri- agudo ou crônico.
mento deve receber a progeste rona. A corticoterapia reduz a morbimortalidade perinatal, dimi-
A progesterona parece ser importante na manutenção da nuindo a incidência da síndrome de angústia respiratória do
latência uterina na segunda metade da gravidez, mas o meca- RN, mone neonatal, hemo rragia intraventricular, enterocolite
nismo não está claro. Próximo ao início do trabalho de parto, necrosante, morbidade infecciosa, necessidade de suporte res-
tanto a te rmo como pré-termo, ocorre d iminuição da atividade piratório e de admissão em UTI neonatal e não aumentando o
da progesterona no útero, sem mudança significativa nos ní- risco de morte materna, corioamnionite ou sepse puerperal.
veis plasmáticos, prevenindo também a apoptose de membra- Seu uso está indicado nas gestantes com risco de parto
nas fetais em condições basais e pró-inflamatórias e as prote- prematuro com idade gestacional entre 24 e 34 semanas. O
gendo de ruptura prematura. fármaco de escolha é a betametasona, na dose de 12mg IM
A suplementação de progesterona pode aumentar essas a cada 24 horas, no total de duas doses. Pode ser utilizada a
ações, as quais são provavelmente mediadas po r receptores, dexametasona, na dose de 6mg a cada 12 horas, até o total de
estando indicada na dose de 200mgldia nos casos de prema- quatro doses.
turidade anterior ou quando for identificado colo cu rto ao O benefício de um único curso de co rticoides não dura
ultrassom. além de 7 dias. Para as mulheres que mantêm o risco de pa r-
O pessário cervical é um anel de silicone com um diâmetro to pré-termo iminente nos próximos 7 dias, a repetição da
menor para ser inserido em torno do colo do útero e um maior dose de co rticoides está indicada, pois d iminui a oco rrência
para fixar o dispositivo contra o assoalho pélvico, alterando, de complicações respirató rias e problemas de saúde graves
dessa maneira, o ângulo entre o canal cervical e o útero. nas primeiras semanas de vida, apesar de os RN se rem meno-
O uso do pessário foi avaliado em gestações únicas com res ao nascimento, deve ndo, portanto, se r avaliada c rite riosa-
colo inferio r a 25mm e se mostrou eficaz na diminuição da mente a repetição de doses.
prematuridade com menos de 34 e 37 semanas, sendo neces- Estudo realizado na prematuridade tardia, istO é, entre 34
sário o uso menor de wcolítico e conicoide. Quando se rea- e 36 semanas de gestação, em que os RN apresentam maior
lizou essa avaliação em estudo multicêntrico e com amostra risco de complicações respiratórias e outros resultados ad-
maior, esses achados não se confirmaram: em gestações úni- versos quando comparados com aqueles que nasceram com
cas com colo curto (<25mm) o pessário ce rvical não resultou idade gestacional com mais de 37 semanas de gestação, ve-
em taxa menor de pano pré-te rmo (34 semanas), de início rificou-se que o uso de betametasona diminuiu os riscos de
espontâneo, quando comparado com a conduta expectante. complicações respirató rias.
A maior parte dos cuidados obstétricos para o parto pré- Não têm sido identificados benefícios com o uso de an-
-termo tem acontecido em inte rvenções te rciárias, como tocó- tibióticos no trabalho de pano pré-te rmo com membranas
lise, uso de co rticoide, antibióticos e precisão no tempo ideal integras. O uso de antibióticos reduz o desenvolvimento de
de nascimento. Essas medidas têm o objetivo de reduzir a infecções maternas, mas não melhora os resultados dos RN
morbidade associada à prematuridade e têm pouco ou, até quando considerado o risco de parto antes de 36 a 37 sema-
r
((

Capítulo 92 Trabalho de Parto Pré-termo n1

nas, mortes pe rinatais ou admissão em unidade de cuidado à mortalidade perinatal, não se observou diferença. Esses blo-
intensivo neonataL Além d isso, foi identificada associação a queadores diminuem o risco de pano pré-termo em razão da
aumento de mortes neonatais, comprometimentO funcional diminuição do inOuxo de cálcio extracelular para as células
e paralisia ce rebral aos 7 anos de idade. Diante desses resul- do miométrio, reduzindo a resistência vascular ute rina, além
tados, não há ind icação de antibioticote rapia no trabalho de de promover seu relaxamento. O melhor esquema posológico
pano pré-termo com membranas íntegras, exceto se houver não está estabelecido, podendo ser utilizada a dose de ataque
sinais de infecção. de 30mg VO, seguida de 20mg a cada 6 horas durante 24
Prematuros têm risco aumentado de infecção neonatal pelo horas, 20mg a cada 8 horas no segundo dia e 20mg a cada 12
Streptococcus do grupo B em comparação com crianças nas- horas no terceiro d ia.
cidas a te rmo. O agente de escolha para profilaxia da sepse Os antagonistas do receptor de ocitocina atosiban consti-
neonatal pelo Streptococcus do grupo B é a penicilina crista- tuem um grupo de fármacos wcolíticos que apresentam menos
lina, com dose de ataque de 5 milhões de UI EV e 2 milhões efeitos colaterais maternos quando comparados com o uso de
e meio a cada 4 horas até o parto. Sua efetividade é maior bloqueadores de canal de cálcio e betamiméticos; entretanto,
se iniciada pelo menos 4 horas antes do nascimento. Como quando se avalia seu efeitO wcolítico ou a melhora dos resul-
segunda escolha pode ser utilizada a ampicilina na dose de 2g tados neonatais, não se mostraram efetivos em comparação
EV, seguidos de 1g EVa cada 4 horas até o parto. Em pacien- com placebo, betamiméticos ou bloqueadores de canal de cál-
tes com alto risco de anafilaxia ( reações imediatas de hiper- cio. Além d isso, verificou-se aumento do número de mortes
sensibilidade - anafilaxia, angioedema ou urticária) e história infantis e nascimentos antes de 28 semanas de gestação. Não
de asma, recomenda-se clindamicina na dose de 900mg EVa está ind icada a manutenção da wcólise após inibição do tra-
cada 8 horas até o parto. balho de pano prematuro.
No trabalho de parto pré-termo até a idade gestacional O planejamento da via de pano na prematuridade não
de 31 semanas e 6 dias, está recomendado o uso de sulfato de pode ser definido com basee em evidências. O planejamen-
magnésio como neuroprotetO r, pois a prematuridade é o to da cesa riana pode levar ao aumento da prematuridade, já
principal fator de risco para paralisia cerebral , devendo se r que em alguns casos não há progressão do trabalho de parto
utilizado tanto no trabalho de parto pré-termo espontâneo pré-termo. Outro ponto a ser considerado d iz respeitO ao au-
como na prematuridade planejada po r indicação materna mento da necessidade de cesariana intraparto em virtude de
e/ou fetaL O uso do sulfatO de magnésio está indicado na complicações durante o trabalho de pano, ou ainda à evolu-
iminência do parto; se o parto não é iminente, seu uso deve ção para pano vaginal , mesmo quando planejada a cesariana,
ser descontinuado, não devendo ser utilizado po r mais de em razão da rapidez da evolução de wdo o processo.
24 ho ras. Recomenda-se a dose inicial de 4g em 20 a 30 Quando se considera o resultado do RN, não há diferen-
minutos, seguida de infusão contínua de 1glh até no máxi - ça entre wcotraumatismo, h ipoxia e mortalidade perinataL
mo 24 horas. Devem ser adotados tOdos os cu idados com a Quando avaliado o resultado materno, há aumento do risco
monitorização materna do uso de sulfato de magnésio nos de infecção e não existe diferença em relação à hemorragia
quadros de pré-eclãmpsia. pós-pano.
Os wcolíticos, agentes utilizados para inibição do traba-
lho de parto, não são capazes de prolongar substancialmente
a gestação, mas podem retardar o nascimento em 48 horas, PONTOS CRÍTICOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS
possibilitando a administração do corticoide e a transferência A prematuridade é a principal causa de morbimortalidade
para centro de referência. perinatal em wdo o mundo e, apesar de tOdo o avanço na
Os agon istas f32 agem nos recepto res ute rinos ativando assistência, sua incidência não d iminuiu, mas vem apresen-
a adenilciclase, que diminui o cálcio livre e a atividade da tando melhora nos índices de mortalidade perinataL
miosinocinase, inibindo a contração muscular e o trabalho A importáncia da assistência pré-natal adequada na iden-
de pano. No entanto, apresentam efe itos colaterais maternos tificação e no acompanhamento dessas gestações, o controle
e fetais que devem ser considerados. Entre os maternos se das doenças maternas, d iminuindo a necessidade de inter-
destacam dor to rácica, dispneia, palpitação , edema pulmo- rupção com prematuridade extrema em função do mau con-
nar, hipotensão, tremo res, cefaleia, hiperglicemia, hipopo- wle de doenças de base, a identificação do melhor momento
tassem ia , náuseas e vômitOS, congestáo nasal e taquicardia da interrupção da gestação e o preparo adequado, proporcio-
fetaL nando intervenções pertinentes e o nascimento em centros
Não foi demonstrado benefício em seu uso quando avalia- de referência com condições de assistir adequadamente RN
dos os desfechos morte pe rinatal, morte neonatal, síndrome prematuros, propiciam esse resultado de modo a melhorar a
do desconforto respiratório, paralisia ce rebral e enterocolite qualidade de vida das famílias envolvidas no processo.
necrosante. O desenvolvimento de ações integradas e articuladas na
Bloqueadores dos canais de cálcio, principalmente a nife- rede de atendimento em wda a linha de cuidado, desde o
d ipina, apresentam vantagens sobre os betamiméticos quan- nível primário até o terciário, é fundamental para que sejam
do são comparados o prolongamento da gestação, a morbida- alcançadas a redução da mo rbimonalidade e a melhoria na
de neonatal grave e os efeitos adve rsos maternos. Em relação qualidade de vida.
772 Seção 11 Obstelrícia

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CAPÍTULO

Ruptura Prematura Pré-termo


das Membranas
Mário Dias CoiTta)únior

INTRODUÇÃO branas, levando a seu en fraquecimento e ruptura. Diversos


A ruptura prematura das membranas (RPM) é defmida como marcadores inllamatónos estão presentes no liquido ammó-
ruptura espontânea das membranas amnióucas após 20 se- úco em casos de RPPM, destacando-se as interleucmas 6 e 8.
manas de gra•,dez e antes do infcto do trabalho de pano. Na gravtdez a termo, a amniorrexe parece estar assoctada a
A ruptura das membranas amnióticas antes de 20 semanas um processo natural de amadurecimento das membranas. A
de gestação caracteriza o quadro de abonamento me,'itá,·eL quantidade de colágeno do córion diminui progressiVamente
Quando a RPM acontece antes do termo, entre 20 e 37 se- com a continutdade da gravidez. Esse fenômeno ocorre tanto
manas, classifica-se como ruptura prematura pré-termo das em gestações complicadas com RPM como naquelas em que a
membranas (RPPM). O tempo decorrido entre a ruptura das amniorrexe ocorre durante o trabalho de pano, e há ainda d i-
membranas e o parto é denominado perfodo de latência. minuição das concentrações de fosfatidilinositol nas membra-
nas. O fosfalidi linositol exerce papel como lubrificante na in-
INCI DÊNCIA terface entre o córion e o âmnio , e sua dim inuição leva a uma
Cerca de 10% de todas as gestações vão apresentar ruptu- menor distensibilidade das membranas e favorece a ruptu ra.
ras das membranas amnióticas antes do infeto do trabalho de
parto e 75% a 80% delas já estarão a termo. A RPPM acome- FATORES DE RISCO
te I% a 3% das gestações, sendo tmportante causa de mor- Alguns fatores são associados a risco maior de RPM , como:
btmortahdade perinatal e responsável por cerca de 30% de
• Tabagismo.
todos os panos pré-termo e por 20% das mones pennatais
• Trabalho de pano pré-termo ou RPM prévios.
nesse pertodo.
• Sangramento gemtal.
• Insuficiência cervtcal.
HIST0RIA NATURAL • Vaginose bacteriana.
Nas gestações a te rmo, 65% a 70% das pacie ntes vão en- • Útero distendido (polidrãmnio, gemelaridade, macrossomia).
trar em trabalho de parto nas primei ras 24 horas e 86% em • Proced imentos invasivos (biópsia de vilo corial, amniocen-
até 48 horas. Entre 2% e 5% das pacientes vão demorar até tese, co rdocentese).
72 horas e 2% a 5% vão demorar mais do que 7 dias para • Deficiências nutricionais (vitamina C e cobre).
entrar em trabalho de parto. Nas gestações pré-termo, 90% • Doenças maternas, como deficiência de alfa-1-antitripsina,
das pactentes entrarão em trabalho de pano em até 1 semana. drepanoctlose e slndrome de Ehlers-Danlos.

ETIOLOGIA Diagnóstico
A mfecção e a aúvidade inllamatóna nas membranas são O diagnóstiCO da RPM pode '-ariar do extremamente fáctl,
a pnncipal causa de RPM, e alguns estudos mostram que até sendo suficientes a anamnese e o exame físico, ao extrema-
70% dos casos podem ter infecção comprovada histologica- mente diffcil, quando nem os exames complementares mais
mente. As bactérias infectantes produziriam enzimas (pro- avançados fornecem a certeza. Felizmente, a anamnese e o
teases, colagenases e elastases) que atuariam sobre as mem- exame flsico estabelecem o diagnóstico em 90% dos casos:
773
/.

'
'/:
j 774 Seção 11 Obstetrícia

• Anamnese: a paciente relata perda de grande quantidade Nos casos de RPM , o achado ultrassonogrã fico de oligoi-
de líquido claro. drâmnio acentuado persistente, caracterizado pelo índice de
• Exame físico: observa-se a saída de líquido pelos genitais ex- líquido amniótico (!LA) in ferio r a Sem ou maior bolsão infe-
ternos, pelos pubianos umedecidos e presença de verniz. O rior a 2cm, ind ica mau prognóstico. O oligoidrãmnio persis-
exame especular possibilita a observação da saída de líquido tente em medidas consecutivas está relacionado com período
pelo orifício externo do colo e a estimativa de seus apagamen- de latência diminuído , menor taxa de sucesso na conduta
to e dilatação. Quando não é observada a saída de líquido, conservadora e maior risco de infecção materna e fetal.
pode-se mobilizar o feto pelo abdome materno, enquanto se
observa o colo pelo exame especular. Se mesmo assim não há
RISCOS MATERNOS
percepção da saída de líquido, deve-se tentar o diagnóstico
Seja a causa ou a consequência da RPM, a in fecção intrau-
pela observação clínica ou pelos exames complementares.
te rina é uma complicação potencialmente grave para a mãe.
A observação clínica consiste em colocar um forro (ge- A incidência da corioamnionite varia de acordo com a popu-
ralmente de cor escura) e solicita r que a paciente deambule. lação estudada, aumentando nas pacientes com menor idade
Após o prazo de 1 a 2 horas observa-se o fo rro para ve rificar gestacional e com tempo de ruptura prolongado.
se está molhado, o que sugere perda de líquido. Nas gestações a te rmo com RPM, a incidência de co rioam-
O wque deve se r realizado o menor núme ro de vezes pos- nionite varia de 5% a 9%. Naquelas com RPM prolongada,
sível na suspe ita de RPM em virtude do risco de infecção, a incidência varia de 3% a 15%. Nos casos de RPPM a inci-
mas em algumas situações é bastante útil no diagnóstico, pois dê ncia varia de 15% a 25% e nas rupturas com menos de 24
possibilita a mobilização mais eficiente do polo cefálico. semanas pode chegar a 40%.
Embora a maioria dos casos de corioamnionite responda
bem aos antibióticos, podem acontecer casos de sepse e mor-
Métodos laboratoriais
te mate rna.
• Cristalização do muco cervical: quando de ixado secar A incidê ncia de descolamentO prematuro da placenta tam-
sob re uma lâmina de vid ro, o líquido amniótico (LA) se bém é significativamente maior, variando de 4% a 12%, e a
cristaliza, apresentando um aspecto a rbori forme, perceptí- incidência de endometrite pós-parto oscila entre 2% e 13%.
vel à microscopia. A presença da cristalização tem sensibi-
lidade de 85% a 98%.
• Determinação do pH vaginal: o pH vaginal geralmente é RISCOS FETAIS E NEONATAIS
ácido, oscilando entre 5,2 e 6,0, enquanto o pH do LAva- Inúmeras são as complicações para o fetO e o neonato de-
ria de 7,0 a 7, 7. O achado de pH entre 6,0 e 8, 1, detectado correntes da RPM, sendo as mais importantes:
em fita de papel nitrazina, é indicativo da presença de LA
• Infecção neonatal: sepse em até 19% dos casos.
na vagina. Vale lembrar, entretanto, que a presença de san-
• Complicações decorrentes da prematuridade.
gue e de vaginoses bacte rianas também aume nta o pH. O
• Hipoplasia pulmonar (dependente da idade gestacional
pH vaginal entre 6,5 e 7,5 ap resenta sensibilidade de 90%
quando da ruptura e do volume de LA): 50% com 19 se-
a 98%, segundo a literatura.
manas, 25% com 22 semanas e 10% com 26 semanas, sen-
• Injeção de corantes na cavidade amniótica por amnio-
do in frequente com mais de 26 semanas.
centese: se as membranas estiverem rotas, percebe-se a saída
• Prolapso de cordão.
desses corantes pelos genitais. Os corantes mais utilizados são
• Descolamento prematuro da placenta.
o índigo carmim e a \~tamina B12. Trata-se de procedimento
• Doença da membrana h ialina.
muitO invasivo e, portamo, pouco utilizado na prática.
• Deformações fetais em caso de oligoidrãmnio persistente.
• Detecção da microglobulina placen tária d o tipo alfa 1
(PAMG-1): essa proteína é exp ressa por células da parte
decidual da placenta. Presente no líquido amniótico, não é CONDUTA
encontrada normalmente na sec reção vaginal. No caso de A conduta a ser adotada varia segundo a idade gestacional,
ruptura das membranas, a PAMG-1 é detectada na vagina as condições da mãe e do fetO e a expe riência do obstetra:
po r teste próp rio e aprese nta sensibilidade de 98,9% com
especificidade de 100%. • Gestações a termo: em gestações com mais de 37 sema-
• Ultrassonografia: deve ser sempre realizada quando não nas, uma metanálise com 6.814 pacientes mostrou que a
se tem certeza da ruptura das membranas ou quando se indução imediata do pano com ocitocina diminuiu a inci-
dência de infecções maternas (co rioamnionite - RR: O, 74;
deseja adotar uma conduta conse rvado ra. Seus principais
objetivos são confirmar a idade gestacional e o peso fetal !C 95%, 0,56 a 0,97 - e endometrite - RR: 0,30; !C 95%,
0,12 a 0,74) e neonatais, o uso de antibióticos pelo RN e
estimado e verificar o volume de LA.
as admissões no CT! neonatal (RR: O,72; !C 95%: 0 ,57 a
A presença de oligoidrãmnio associada ao relato de perda de 0,92) e aumentOu o grau de satisfação mate rna.
líquido é fone indicativo de RPM. já o achado de volume normal • Gestações en tre 34 e 36 semanas: nesses casos, uma me-
do LA não confirma nem afasta o diagnóstico de amniorrexe. tanálise de 18 estudos também mostrou maiores benefícios
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Capítulo 93 Ruptura Prematura Pré-termo das Membranas ns

com a indução imediata do parto com ocitocina quando antibiótico venoso ao entrar em t rabalho de pano e naquelas
comparada à conduta conservadora. Houve redução nas com cultura desconhecida o antibiótico deve se r administra-
taxas de infecção materna (corioamnionite - RR: 0,63 - e do quando houve r ruptura de membranas com duração su-
endometrite - RR: 0,72) e neonatais (RR: 0,64). Os resul- perior a 18 horas, febre intraparto, história de bacteriúria por
tados foram melho res com a indução com ocitocina do que SGB na gestação em curso ou recém-nascido ante rior acome-
com a indução com prostaglandinas. tido com essa infecção. A medicação de escolha é a penicilina
• Gestaçõe s ent re 24 e 34 semanas : caso não existam sinais cristalina 5 milhões de UI, EV. como dose de ataque, mais 2
de infecção materna ou comprometimento fetal, a conduta milhões e meio de UI, EV. a cada 4 horas até o parto.
conse rvado ra é a melhor opção, pois a pe rmanência do Nos casos em que se opta pela conduta conse rvadora, deve
feto por mais tempo dentro do útero diminui a incidência se r iniciada a administração da penicilina cristalina após a
de problemas relacionados com a prematuridade. coleta do swab vaginal e anorretal para cultura do SGB. O
Quando se opta pela conduta conservadora, esta geral- antibiótico deve ser continuado por 48 ho ras ou até que a
mente é mantida até 34 semanas, quando então se induz o cultura se mostre negativa. Em casos de cultura positiva, o
parto. tratamento deve ser mantido por 7 dias e reiniciado quando a
Uma metanálise de sete estudos com 690 pacientes não paciente entrar em trabalho de parto (Quadro 93.1).
mostrou diferença estatisticamente significativa entre a con-
duta intervencionista e a conservadora na RPPM no que d iz Uso de antibióticos
respeitO à redução da mortalidade perinatal (RR: 0,98; IC Em pacientes longe do termo nas quais se opte por tratamen-
95% 0,41 a 2,36) ou à morbidade neonataL A conduta in- tO conservador e que apresentem cultura negativa para SGB, o
te rvencionista aumentou a incidência de cesariana (RR: l ,5 1; uso de antibióticos mostrou diminuir a morbidade neonatal e
IC95%: l ,08a 2,10) e curiosamente também adeendometri- o risco de infecção materna (RR: 0,66; IC 95% 0,46 a 0,96)
te (RR: 2,32; IC 95%: 1,33 a 4,07), mas não a de corioam- e aumentar o pe ríodo de latência com redução do número de
nionite (RR: 0,44; IC 95%: 0,17 a 1,14). gestantes que tiveram o parto em até 7 dias (RR: O, 79; IC 95%:
Para que a conduta conservadora seja estabelecida deve-se 0,71 a 0,89), com d iminuição das taxas de infecção neonatal
ter certeza de que não existem infecções, o que exige a reali- (RR: 0,67; IC 95%: 0,52 a 0,85), uso de surfactante (IR: 0,83;
zação de hemograma, dosagem da proteína C reativa (PCR) IC 95%: O, 72 a 0,93) e anormalidade detectadas na ultrassono-
e urocultura, além de exame físico minucioso. A taquicardia grafia transfontanela (RR: 0,81; IC 95%: 0,68 a 0,98), embora a
fetal (> l60bpm) é sugestiva de infecção intra-amniótica. mortalidade neonatal não tenha sido alterada. O antimicrobia-
As contraindicações para instituição da conduta conser- no mais utilizado foi o estearato de eritromicina (250mg VOa
vadora são infecção materna ou fetal, descolamenLO da pla- cada 6 horas). O tratamento deve ser mantido por pelo menos
centa, malformações fetais, óbito fetal e trabalho de pano. lO d ias. A combinação amoxicilina + clavulanatO aumentou a
A conduta conservadora deve ser realizada com a pa- incidência de enterocolite necrosame (RR: 4,72; IC 95%: 1,57
ciente internada, e a curva térmica deve ser estabelecida ri- a 14,23) e não deve ser empregada.
gorosamente. Quanto à avaliação laboratorial, é repetida a O Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas conti-
cada 3 dias (hemograma e PCR), devendo a avaliação fetal nua recomendando em suas últimas diretrizes (2016) o uso de
ser realizada diariamente (ausculta do batimentO cardiofe- ampicilina (2g a cada 6 horas) + eritromicina (250mg a cada 6
tal ou card iotOcografia) , com repetição da ultrassonografia horas) po r 48 horas Ev; seguidos po r mais 5 d ias de tratamento
a cada 3 dias para realização do perfil biofísico fetal e me- por via oral (ampicilina 250mg a cada 8 horas + eritromicina
d ida do !LA. O surgimento de sinais de infecção materna 333mg, a cada 8 horas), em casos de RPPM, para aumentar o
ou fetal e a medida do líquido amniótico persistentemente período de latência e d iminuir a morbidade infecciosa neonatal.
baixa indicam a necessidade de interrupção da gestação. Já o Royal College of Obstetricians and Gynaecolo

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