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As

Profissões
Im periais
Edm undo Cam pos Coelho

As
P r o fis s õ e s
im p e r ia is

Medicina, E ngenharia e
Advocacia no Rio de Janeiro
1 8 2 2 -1 9 3 0

A __________
E D I T O R A R E C O R D
R IO DE JA N E IR O • SÃ O PA U LO
CIP-BrasS. Catalogação-na-foute
Sindicato Nacional dos Editores de livros, RJ.

Coelho, Edmundo Czropos Em I a de janeiro de 1999 transcorreram exatos trinta anos de minha
C6I5p As profissões uapesiaís: medicina, engenharia
e advocacia no Rio de Janeiro, 1822-1930 / admissão no corpo docente do Iuperj, que nestas três décadas foí minha
Edmundo CamposCoelho.—Rio de Janeiro: Record,
1999. única Casa. Não encontro forma toais feliz de comemorar por antecipa­

ISBN 85-01-03653-7 ção do que dedicando este ensaio aos que criaram o Instituto, nele per­

1. Profissões - Kio de Janeiro (RJ) - História. maneceram ou a ele recornaram e aqui generosamente me tem acolhi­
2. Advocacia - Rio de Janeiro (RJ) - História.
3. Medicina - Rio de Janeiro (RJ) - História. do. A Cândido Mendes, Wanderfey, Maria Regina, Cesar, Machado,
4. Engenharia—Rú>deJaneiro(RJ)- História I. Título.
Carlos, Renato Boschi. E ao Bolívar Lamouníer que em 1969 me fez o
CDD —981.04
99-0778 CDU —981“1822/1930” convite.

C o p y rig h t © 1999 b y E d m u n d o C am pos C oelho

C apa: R o d rig o F ra ies C am pos

D ire ito s exclu siv o s d e sta e d ição reservados p e la


D IS T R IB U ID O R A R E C O R D D E SERV IÇO S D E IM P R E N S A S A
R u a A rg e n tin a 171 - R i o d e Jan eiro , R J - 209 21-380 - T el.: 585-2000
Im presso n o B rasil

IS B N 85-01-05653-7

P E D ID O S P E L O R E E M B O L S O PO ST A L
C a ix a P o s ta l 2 3 .0 5 2
R io d e Ja n e iro , R J - 2 0922-970 EDITORA AFIL1ÂD&

SESPA
& tty /200Q
P R E FÁ C IO

D e sa fo rtu n a d a m en te nã o so b ro u vivalm a do século X IX ; e, se acaso, é


p ouco provável q u e se d isp o n h a a confidências sobre a m edicina en tã o p ra ­
ticada, pré-m icro b ian a e m iasm ática, o u sobre rábulas de p o rta d e xadrez e
m estres-d e-o b ras irregulares (eles e elas). F altam -n o s juízos coetâneos sobre
estas profissões que, descontados os hieráticos costum es egípcios, nasceram
h u m ild es — a m edicina co n tid a em m ezinhas e erudição h erbácea d e cozi­
nheiros e nas investigações angiológicas e anatôm icas dos barbeiros p ré -
cristãos; já a advocacia, com o se sabe, descende d a retórica d o s sofistas,
assim com o a en g en h aria d a inventividade de H ip o d a m u s d e M ileto, q u e
insatisfeito com bem -sucedidas perfurações de alguns túneis R ebouças pela
G récia afora, legou-nos o fio d e p ru m o e a im prescindível fech ad u ra a ch a­
ves — , nascidas hum ildes, dizia, te rm in ariam p o r conquistar d ignidade aris­
tocrática. M enos m a l q u e E d m u n d o C am pos te n h a decidido in v en tariar os
m e a n d ro s e m cujo d esag u ad o u ro encontra-se a introdução e n tre nós d a
q u a re n te n a e ugêníco - universitária sim bolizada pelo canudo bacharelesco.
F ique d e u m a vez p o r to d a s estabelecido, co n tu d o , q u e o arre b ita d o nariz
d e nossos atuais d o u to re s disfarça u m p é n a cozinha, literalm en te, o u tro nas
enxovias e a in d a u m terceiro ■
— q u e p a ra ta n to servem as m eto n ím ias —
nas edificações clandestinas, já e n tã o pu b lic a m e n te subvencionadas.
N ã o o b sta n te o to m n arrativ o d e E d m u n d o , crítico, cáustico p o r vezes,
parece-m e surpreendente a p ertinácia com que fulano e beltrano, p o r exem plo
(os personagens reais serão conhecidos o p o rtu n a m e n te ), esbaldaram -se p a ra
p ro d u zir e replicar, p artin d o a b e m dizer do nada, aquela m e m b ra n a asséptica
q u e lh es p e rm itiria d em arcar la distinction e n tre eles, autênticos profissio­
nais, e a c h u sm a de práticos qu e em pesteavam os m inúsculos núcleos u rb a ­
n o s d o Brasil im perial. Sim , p o rq u e pelos cam pos agrícolas e vastidões pas-
to n s , lá , n e n h u m a serventia descobrira-se p a ra engenheiros, m édicos o u , H o p k ín s U n iv e rs ity P re ss, 1 9 9 9 ). C o m o d e c o s tu m e , n o ssa s elite s, v á lá,
im aginem , advogados a reivindicar justiça. Q u an d o m u ito u m a au to rid a d e m a c a q u e a v a m o q u e ia e n tã o p e lo m u n d o , d a s p o la in a s ao a n e l d e g r a u .
eclesiástica, m en o s, u m pacato pároco, p a ra casam entos, batizados, confir­ Á busca do singular,, discreto, personalizado e s tá em to d a p a rte , n o sé­
m ações e ex trem a-u n ção . N a s cidades, era nas cidades q u e hab ita v a m aq u e­ culo X IX : n a nascente antropologia, n a teo ria d a h istó ria, n a reclusão n e u ­
las prag as de curiosos com petidores, e ali m esm o deviam ser p erseguidos e ró tica d e solitários inventores e no individualism o possessivo. A h , o indivi­
exterm inados, vedando-se-lhes acesso à in tim id ad e d o d ip lo m a e n e g a n d o - dualism o possessivo! P ode se r p a té tic o , com o nos revelam os discursos,
se aos sem -d lp lo m a licença profissional. D epois dos sem -liberdade, c h eg a­ artigos, e sta tu to s e regulam entos, recolhidos p o r E d m u n d o C am pos, rendo
v a m ao p e lo u rin h o social o s sem -d ip lo m a, d e o n d e saíam d e v id a m e n te p o r fim la c ra r castiças individualidades, tem erosas d e sutis infiltrações o u
e tiq u etad o s com destino ao isolam ento. Possuir u m d ip lo m a não significava, declarados e stu p ro s. O diplom a é e sem p re foi o h ím e n social d e universitá­
m u ito , é certo , m as não exibi-lo já dizia tu d o . E e sta classe de d e stitu íd o s rios sem fu n ção . E irrelevância funcional, p o ré m , n u n c a foi sinônim o de
não devia v io len tar a m e m b ra n a p ro te to ra dos virginais bacharéis — v irg i­ ineficácia, e o b ailado sim bólico das fó rm u las acadêm icas, o rq u estrad o pelos
nais, isto é , não corrom pidos pelo m ercantilism o d a lei d a oferta e d a p ro c u ­ a co rd es sin c o p a d o s d a coerção , d á lu g a r, ao fim e ao c a b o , a a lg u m
ra — , n em introduzir-se op o rtu n isticam en te nos orifícios desocupados de o rd en am en to d e cam adas d e pessoas e afazeres a q u e e stá associada u m a
u m inocente m ercado de trab alh o , a q u e não haviam ch egado ain d a as ine­ escala d e recom pensas de prestígio e renda..
vitáveis regras. F ixar p ap éis e funções sociais e m reg u lam en to s estim u la a estratificação
V êm a p ro p ó sito essas alegorias de prag as e pestes, de m e m b ra n a s, re­ coletiva e a irresponsabilidade individual — co m o nos revela E d m u n d o
gras e orifícios, d e virgindades violentadas e d e contágios, p o is à obsessão C am pos e m exem plos q u e o Leitor verificará — , fazendo desaparecer a pes­
brasílica d e tran sfo rm ar diplom as em películas intransponíveis, livrando as soa e c o m e la o livre-arbítrio, o m é rito e o d em érito p róprios. D e onde as
identidades ag o ra regulam entadas de prom íscua confusão social, correspondia associações p ro te to ra s, dos celerados aos celebrantes, refúgio d e to d o s os
o u tra obsessão, de europeus e norte-am ericanos, m édicos e pesquisadores, refugos. E m vingança histórica, o an o n im ato d o p a p e l, q u e d istinguia, veio
em busca d o s indivíduos biológicos, patogênicos, responsáveis ju sta m e n te a ser su b stitu íd o pelo p ap el d e an ô n im o , to d o s nós, anões e m face d e a b stra ­
p o r o u tro s tip o s de p ra g a e p e ste . T am bém , com o nossos pudicos esculápios ções ro b ó tic a s— o h o m e m econôm ico, p o r exem plo — , anões e descartáveis
e colegas, im ag in av am os investigadores d e v a n g u a rd a q u e , sim , as doenças (E m Mtsstng Persons— A Critique ofPersonb&od ia the SocialSciences, U niversity
tran sm itiam -se p o r contágio, não m iasm ático, e n tre ta n to , m as p o r bacilos o f Califórnia P ress, 19 9 8 , de M ary D o u g la s e Steven N ey, o le ito r e n c o n tra ­
p e rs o n ific a d o s , p e rfe ita m e n te iso láv eis e d is tin to s d o s d e m a is se re s rá sensível reflexão sobre o tem a). J á n a origem percebem -se as boas e as
m icrobianos. Escritores todos, rom ancistas alg u n s, a sag a d a ta x o n o ra ia m á s intenções, as m á s m m freqüência e m m aioria, e m b u tid a s n a criação de
m icrobiana, distinção, isolam ento e exterm ínio d e germ es e b a d io s en co n ­ m onopólios p o r desígnio. O m onopólio do exercício profissional é subproduto
tra-se nos trab alh o s de Virchow, K och, R am ón y C ajal,W eir M itch eií, assim d o enríjecim ento d a estratificação social, e m alg u m a s sociedades, e n q u a n to
com o, c o m as m esm as preocupações investigatívas e esterilizadoras, n o o lh o e m o u tra s, com o a q u i nos expõe m a g istra lm e n te E d m u n d o C am pos, é o
clínico e pro ced im en to s sanitários d e Sherlock H o ím es, m anifesto Ideoiógí- m onopólio p o r decreto que g e ra u m sim ulacro d e estratificação. N ã o era
co-colonízador do ex-m édico A r th u r C onan D oyle, e em A morte em Veneza, fácil, e m conseqüência, sa b e r se o próxim o e ra m e sm o próxim o o u distan te,
d o aficionado e ig u alm en te obcecado T hom as M a n n (o le ito r in teressad a o u m esm o se era q u e m dizia ser, o u blefe. N ã o e ra fácil, não, nem é.
en co n trará docum entação p e rtin e n te em L aura O tis, Mmbranes — Metaphors Com o roteiro d e A s profissões imperiais identificam -se os estra ta g e m as
o f Invasion in Nineteenth-Century Literature, Science, and Politics> T h e J o h n s usados no passado p a ra tran sfo rm ar diferença e m h ierarquia, com fu n d a-
m e n to a o a rrifíc » d a legislação. Se ao lo n g o do te m p o o reivindicado crité­
rio d istrib u tiv o , conhecim en to específico, acab o u p o r v in g a r com o a trib u to
pessoal efetivo, díferencialm ente d istrib u íd o p e la p o p u lação , n a d a assegura
q ue, fossem o u tra s as fam ílias d e aq u in h o ad o s com o privilégio do m o n o p ó ­
lio, e m epocas tra n sa ta s, e seriam os m esm os os ilustres sobrenom es das
elites profissionais co ntem porâneas. Q u e obstáculos estão sendo construídos A P R E SE N T A Ç Ã O C O M A G R A D E C IM E N T O S
pelo s engenheiros d a ordem , hoje, se g u n d o as diretivas legais q u e se vão
im p o n d o , ta m b é m hoje, e q u e justificarão no fiitu ro os princípios social­
m e n te discrim ina-tórios do n o rm al e d o patológico?
E m p rim e iro lu g a r q u ero esclarecer q u e as Profissões Im p eriais do títu lo
n ã o fo ra m profissões exercidas p elo Im p e ra d o r, m a s aquelas q u e se consti­
W anderiey G u ilh e rm e do s Santos
tu íra m d u ra n te o Im pério. O ra, d irá o leitor, d e u m a u to r q u e ju lg a necessá­
rio u m t a l esclarecim ento não se p o d e esp erar m u ita coisa. D e fato. E já
an tecip o q u e os m ais graves scholars o acom panharão neste sábio juízo após
a le itu ra d a o b ra . O s historiadores dirão, e co m in te ira ju stiça, q u e este não
é u m livro d e H istó ria . F alta-lhe acuidade, percepção, objetividade n a in te r­
p re ta ç ã o d o s fatos históricos e do co m p o rta m e n to dos atores e, o qu e é m ais
im p o rta n te , faltam -lh e as evidências q u e só a p rá tic a d a p esquisa d o cu m en ­
ta i localiza e m qu alid a d e e qu an tid ad es necessárias. O s m e u s colegas soció­
logos dirão , ta m b é m com criterioso ju lg a m e n to , q u e não é este u m livro de
Sociologia. C arece ele d e suficiente m o ld u ra conceituai p a ra estabelecer um
q u a d ro teórico com indiscutível e registrado pedigree sociológico.
R eceio, p o is, q u e o le ito r te n h a e m m ão s u m te x to razo av elm en te
inclassificável. Tktvez apenas u m ensaio, d e preferência n o sentido literal.
C o m p e n so -o com a p o ssib ilid ad e d e le r c a d a c a p ítu lo com o u m te x to
a u tô n o m o , pois o q u e faz d e todos u m co n ju n to é u m a tê n u e lin h a narrativa
n a q u a l possivelm ente não e stará interessado. D e q u a lq u e r m o d o , o q u e
desejei fazer foi tão-só explorar e m lin h as m u ito gerais u m a o u o u tra idéia
co lh id a e m su b -á re a disciplinar (des)conhecida p o r “sociologia das profis­
sões”, ex p erim en tan d o com elas n u m lu g a r e n u m período p a rtic u la r d a
h istó ria brasileira. U m projeto m ais p retensioso (e m alsucedido, receio eu)
e ra o d e su g e rir u m a versão altern ativ a p a ra o pouco q u e os cientistas sociais
brasileiros tê m escrito sobre a institucionalização d a m edicina, d a advocacia
e d a en g e n h a ria brasileira ao longo d o século X IX (em p a rtic u la r, d a m ed i­
cin a). Seja com o for, sentir-m e-ei recom pensado se os interessados n esta
pouco freqüentada m atéria encontrarem no texto indicações úteis sobre fontes nhia e m o u tra s m atérias nas quais eie é m estre e e u u m dilig en te aprendiz
de dados, referências bibliográficas das q u ais não te n h a m a in d a tid o notícia, (pelo m o m e n to , tex to s sobre dem onism o na Id a d e M édia).
ap o n tam en to s sobre u m a legislação m u ito ra ra m e n te pesquisada e coisas Q u a n d o o p ro jeto desse livro exalava o p e n ú ltim o suspiro, tirou-o d a
d e sta natu reza. E m sum a: se o le ito r ju lg a r q u e te m e m m ãos u m p o n to de U T I o nosso caro D iretor-E xecutivo. prof. R enato Lessa, autorizando, com
p a rtid a (o u u m contraponto) p a ra suas pró p rias pesquisas. saudável ceticism o, u m a ú ltim a injeção d e alen to . Redivivos, agradecem os.
 n arrativ a que o leitor en co n trará estende-se pelo período e n tre a In ­ D o d r. Jo sé C arlos M oreira devo dizer que g a n h o u o cliente p o b re sem
dependência e as prim eiras décadas do século X X , e to d a a ação transcorre lívrar-se d o am igo im p o rtu n o . P erd en d o nas d u a s p o n ta s , d e u -m e ainda
n a cidade d o Rio de Janeiro. A restrição geográfica não deve preo cu p á-lo , assim h o ras preciosas do seu te m p o g u ian d o -m e p elo lab irin to dos R egi­
q u e não e n co n trará no texto q u a lq u e r traço d e paroquialism o o u regionalis­ m e n to s d e C ustas.
m o . O a u to r não é paulista; é m ineiro. D ev o , todavia, preveni-lo das fre­ O q u e d iz e r de B ía e A ngela? Se solicitadas, conseguem cópia do con­
q ü en tes e» às vezes, longas citações; ta m b é m d e q u e m a n tiv e a o rto g rafia tra to p elo q u a l F au sto vendeu a alm a ao D e m ô n io . A rig o r não h á alfarrábio
dos d o cu m en to s de época assim com o a das edições dos livros d o s quais o u in cunábulo, te sta m e n to ou certid ão , au tó g rafo o u confissão de q u e não
foram extraídas as citações. A convenção gráfica de destacá-las foi sistem a­ consigam m ila g ro sa m e n te aqu ela inestim ável xerox (e p erfeitam en te legí­
ticam en te ig n o ra d a p a ra d ar m aio r fluência à n arrativ a. v e l). O b tiv e r a m todos o s te x to s q u e so lic ite i p a r a e s te tr a b a lh o , e
D ito isso, devo declarar o d é b ito im p a g á v e l q u e te n h o ac u m u la d o ao p razerosam ente faço-lhes, e ta m b é m às suas auxiliares d a biblioteca, a m ais
lo n g o d e anos com u m querido colega. M e u p rim e iro te x to , d e 1 9 7 6 (Em d e slu m b ra d a m e su ra .
busca ek identidade: 0 Exército e a política na sociedade brasileira,), só não N o c o m an d o d a p e q u e n a m a s b rava a rm a d a d a secretaria do lu p erj,
p e rm a n e c e u in a c a b a d o e, n a m e lh o r d a s h ip ó te s e s , in é d ito p o r q u e Silvinbo te m ao Longo dos anos nos p o u p a d o d a s cotidianas agruras que
W a n d e rle y G u ilh erm e estim u lo u -m e a v e n c e r u m a c o n g ê n ita e irresistível afligem a v id a d o co m u m dos m o rtais: ir ao banco, p o s ta r a correspondên­
inclinação p a ra a inércia (preguiça, se q u iserem ). M ais d o q u e isso, com e­ cia, bu scar aq u e le em préstim o d e biblioteca, providenciar o reparo do a t-
te u a te m e rid a d e de p ublicá-io n a coleção q u e e d ita v a . C o m d iligência c o n d id o n a d o e m u ita s o u tras coisas m ais. N ã o posso im a g in a r v ida inteli­
insu p eráv el (e u m a sa n ta paciência), eis q u e W a n d e rle y re p ro d u z c o m este g e n te desp ro v id a d e ta n ta e p re d o s a assistên d a, e sem ela esce livro teria
ú ltim o livro o m ilagre do p rim eiro e d e la m b u ja d á -m e d e p re s e n te u m ficado p a r a as calendas.
caprichado Prefácio. D evo-lhe (se não b a sta sse m as já in ú m e ra s e n tra d a s Foi possível pesq u isar com a indispensável b o lsa d o C N P q , o q u a l, sen­
n a c o lu n a d o s D everes) a le itu ra a te n ta e a ten cio sa d e não sei q u a n ta s d o u m a e n tid a d e no to riam en te incorpórea e d esalm ad a, só to m a form a h u ­
versões p relim in ares. N ã o lhe cabe, e n tre ta n to , a resp o n sab ilid ad e do n ih il m a n a e só ag e com hu m an id ad e través d a g e n e ro sa atenção com q u e o
obstat. S ou in te ira m e n te responsável p e la im p ru d ê n c ia . pessoal d a C oordenação d e G ê n d a s Sociais lida com as nossas sem pre pânicas
Ao F abiano dos Santos, m e u jovem am igo e colega, ta m b é m d evo. L e m ­ solicitações. Elejo R osana W a n d en k o lk rep resen tan te d e sta valorosa troupe
bro os com entários preciosos a u m a versão inicial d o C a p ítu lo 5 , e u m ouvi­ p a ra estender-lhe m e u s agradecim entos.
d o sem pre a te n to às perg u n tas descabeladas e às q u e stõ e s desconexas d o Last but not tbe least, R odrigo c o b riu com u m a b ela c a p a as sofridas
pesquisador p erd id o em algum p o n ro d o século XTX
especulações d o p a i. A o artista, agradeço; o filho, quero continuar m erecendo.
N a seqüência registro com in usirado g o sto o interesse do R icardinho
{altas, Prof. Ricardo Benzaquen de A raú jo ) p o r m in h as agonias e d e sv e n tu ­ Rio d e Ja n e iro , novem bro d e 1998
ras com bricolage (as m inhas e as alheias); ig u a lm e n te , su a e ru d ita co m p a­
SU M Á R IO

P R Ó L O G O <À G U IS A D E T E O R IA )
1. R e g u lan d o as profissões 19
2 . E stad o , m ercado e as profissões 36

PRÓ TA SE
3 . O s profissionais n a sociedade d a C o rte 71

E P ÍT A S E
4 . O D r . J o b im e sua A cadem ia 105
5 . Á m aç o n a ria d e Q uincas, o Belo 151
6 . Â apoteose d e M m e L ab at 192

CATÁSm SE
7 . lib e r d a d e profissional: u m a controvérsia republicana 227

CATÁSTROFE
8 . A cam inho d a Revolução 265

E P ÍL O G O
9- D e v o lta ao P rólogo 289
PRÓLOGO
(À GUISA DE TEORIA)
*

R egulando as profissões

T a n t o q u a n to sei, foi W anderley G u ilh erm e d o s Santos u m dos prim eiros,


se não o p rim eiro , a d a r adequado d e sta q u e à te m á tic a d a regulação ocu­
p a d o naL1. P a ra os propósitos d o m e u arg u m e n to resum o o d e W an d erley no
seguinte: a regulação o c u p a d o n a l foi a e stra té g ia selecionada p e la elite d i­
rig e n te n o p ó s-3 0 p a ra reorganizar a esfera d a acum ulação com o prévia
condição p a ra im p le m e n ta r políticas sociais d e n a tu re z a preventiva, com ­
pensatória o u social strktu sensu2. A extensão d a cidadania ocorreu, pois,
associada a u m sistem a d e estratificação ocupacíonal definido p o r n o rm a
legal. O s direito s d e d d a d ã o drcunscreveram -se ao â m b ito daqueles q u e a
lei vinculava a ocupações p o r ela reco n h ed d as e definidas, e o conceito de
"cidadania re g u la d a ” p recisam ente descreve este tip o d e d d a d a n ia dep en ­
d e n te d e regulação ocup ad o n al.
Ig u a lm e n te im p o r ta n te no c o n ju n to d a m in h a a rg u m e n ta ç ã o é a n o ­
ta r o q u e 'W an d erley G u ilh e rm e d o s S a n to s n o s m o s tra e m su a le itu ra
d o p e n o d o a n te rio r. Pois e n c o n tra m o s e m o p eração d e sd e 1 8 8 8 u m a
p o lític a taisiez-fairutna q u e n ã o se d eix a c o m p ro m e te r p o r u m a tím id a ,
e m b o ra e fe tiv a , le g isla ç ã o so cial m a s q u e , p e io c o n trá rio , re sp o n d e
c o a tiv a m e n te às reivindicações d o s tra b a lh a d o re s u rb a n o s . A s u b s titu i-

‘W anderiey G uiiberm e dos Santos, Cidadania ejustiça. Rio de Jaaeiro: Editora Cam pus, 1979,
pp- 74-79-
^ o b re w n classificação, idem , ibldem, p . 58.
ção d a s e lite s p ro m o v id a p e lo m o v im e n to rev o lu c io n á rio d e 3 0 ro m p e tido d e adesão pública, a u m credo religioso e , ta m b é m , o a to d e to m a r os
com a rig id e z id eo ló g ica d a R e p ú b lic a V elha, a b rin d o a b re c h a q u e h a ­ vocos d e u m a o rd e m religiosa. E ste é u m dos sentidos e m q u e o term o fora
veria d e p e r m itir o exercício d e e n g e n h a ria social c o n su b sta n c ia d o na em p reg ad o e m P o rtu g a l no século X V II, como se lê n o p a d re A ntonio V ieira
reg u la ç ã o o c u p a c io n a i e n a p o lític a p re v id e n c iá ria q u e a e la se se g u iria . ao le v a n ta r ele dúvidas sobre o p erte n c im e n to à o rd e m do seu confrade
E m su m a , e n te n d o q u e o q u e W a n d e rle y G u ilh e rm e d o s S a n to s re g is tra , jesuíta, o Pe. A n to n io N oíasco, q u e além de '‘to ta lm e n te id io ta” ad m itia
e q u e c u id a d o sa m e n te deixo a q u i a n o ta d o , é o fra g o r d e u m a a b r u p ta q u e “sua profissão foi n u la...”3. E m Vieira en co n tram o s a seg u n d a acepção
fra tu ra e s tr u tu r a l n a so c ie d a d e b ra s ile ira , u m a d e ssa s in s ta n c ia s d e d o te rm o , a in d a n u m a refe re n d a ao Pe. N olasco q u e “é religioso m ercen á­
d e sc o n tin u id a d e h istó rica e m vários p la n o s q u e b e m ju stific a m a c e ie b ra - rio, cuja profissão é rem ir cativos...’’. Peio texto e n ten d e-se q u e a atividade
Ção d a s ru ín a s d e u m ancien régime. h a b itu a l d e ta l sacerdote, seu “oficio” n a província d o P ará, não eta o d e set
Isso p o s to , re to m o o te m a d a reg u la ç ã o o c u p a c io n a i o b se rv a n d o q u e pároco nas igrejas d o s índios, m a s o d e aco m p an h ar soldados po rtu g u eses
W an d erley às vezes u tiliz a in te rc a m b ia v e lm e n te o s te rm o s “p ro fissã o " e e m suas incursões p e lo in terio r p a ra liv rar índios cativos d e trib o s inim igas
o cu p a ç ã o ”, o u tra s vezes su g e re q u e c a d a q u a l te m u m re fe re n te d is tin ­ e vendê-los e m seguida aos colonos. E m o u tro te x to , diz V ieira q u e “os
to (“profissões e /o u ocu p açõ es”), m a s se m p re co n fia n d o e m q u e o le ito r p ad res d a C o m p an h ia d e Jesus, q u e residim os nesce E srado, não só som os
sa b e rá e sta b e le c e r c o n c e x tu a ím e n te as d ife re n ç as. E le s u g e re a p is ta religiosos p o r p ro fissã o , m as p o r ofício som os p á ro c o s d a s igrejas dos
m e n c io n a n d o u m a vez n o te x to u m p ro fissio n a l d e nível s u p e rio r, o ín d io s..."4.
sociólogo, ao e x em p lificar a d issem in ação d o co n c e ito d e c id a d a n ia re­ “D eclaração p ú b lica”, “v o to ” e “ofício” são o s significados p a ra profis­
g u la d a n a c u ltu r a cívica d o p a ís. D e v o d iz e r q u e , d e fa to , a d istin ç ã o n ã o são registrados e m to d a s as edições n o século X I X do Dicionário da Língua
é re le v a n te n o te x to d e W a n d e rle y G u ilh e rm e , já q u e p a r a o s e u a r g u ­ Portugueza d e A n to n io M oraes Silva. N ã o sei q u a l edição d o M oraes Silva
m e n to nã© in te re ssa m as im p o rta n te s diferen ças e n tre a forma de regulação registrou-o p o r p rim e ira vez, m as a 4 a d o C ândido d e F igueiredo, d e 192 5 >
d a s profissões d e nív el su p e rio r e a d a s d em ais o c u p a ç õ e s. A lé m d esse a in d a n ã o havia an o ta d o o term o “profissões liberais".5 O L audeiino Freire,
p o n to , to d a v ia , n ã o a p en as as diferen ças e n tre as fo rm a s d e re g u la ç ã o d e 1943 tra z o reg istro : “Profissões liberaes: a m edicina, o professorado, a
m a s p rin c ip a lm e n te as razões dessas diferenças to rn a m -s e essenciais p a ra advocacia”.6 O rig in a lm e n te , o te rm o latin o liberalis designava o indivíduo
o meu a rg u m e n to , te n d o e m v ista , e m p a rtic u la r, a s c o n tro v é rsia s q u e o q u e , adem ais d e liberdade política, gozava de boa situação m aterial, o que
te rm o “p ro fissão " e o se u uso em d ife re n te s so cied ad es tê m su sc ita d o n a lh e p e rm itia d ed icar horas d e lazer ao escudo o u , m ais precisam ente, às artes
lite ra tu ra so ciológica. P a ra d e s lin d a r o p ro b le m a é n e cessária e sb o ç a r liberales q u e co n stitu íam su a m ais a d e q u a d a educação. N a In g la te rra e nos
p re lim in a rm e n te e s ta d istin ç ã o , e p a r a ta l p ro p ó s ito p e rm ita -m e o le ito r E stados U nidos d o século X V III, as liberal arts significavam u m a educação
a b rir u m lo n g o p a rê n te s e d e n a tu re z a lexicográfica. d e co rte h u m an ístico , ab ra n g e n te e suficientem ente v e n tila d a p a ra ser p ró ­

3Pe. A ntonio Vieira, “ín fo n n a ç ia sobre o m odo com que foram tom ados e sentenciados po r
cativos os índios do a n o de 1655“’, etn Obras completas, voh V , Obras varias (III). Prefácio e notas
d e A ntonio Sérgio e H e m ân t Cidade. Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1951, p. 4 1.
‘‘“Representação ao senado da caarara do Pará”, idem , ibídem , p p. 153-154.
5A prim eira edição do Dicionário de Moraes Silva data de 1789; a 8 a e últim a no século X IX , de
U m a d a s dificuldades com o term o “profissão” ad v ém d e sua n a tu re z a 1891, e a 10a é de 1948; a 9 a edição não tem data e n ã o a encontrei nas principais bibliotecas do
polissem iea.D erivado do vocábulo htinoprojèssm, significava o rig in alm en te Rio de Janeiro. O de C ândida d e Figueiredo é o Nova dicionário da Língua Portuguesa, 4a edição.
Lisboa: A rthur Brandão & C a., 1925-
^Grande e novíssima dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Á N oite Editora, 1943-
p ria d a s sbree: kam edprofm ions, q u a is sejam : d m n ity, physica nd lavP . D a í à p re te n d o d esig n ar som ente os estu d o s clássicos d a poesia, d a eioqüencia e
v in c u la ç ã s dzsl3&ra.larts com âsliberalprofessiom foi u m passo, m a s a ênfase d a g ra m m a tic a g e ra l, m as ta m b é m esses alto s estu d o s d e p hilosophia, das
se m p re esteve n o c o n teú d o d esta m o d a lid a d e de educação e n a d ig n id ad e s d e n d a s históricas e philoíogícas...”.I<J A in d a assim , sem serem “cultas”,
d a s profissões q u e n e ia se fu n d av am . A liberal educatim in g lesa o u am erica­ e ra m as “profissões liberais” (a m edicina, o m agistério, a advocacia) as esco­
n a incorporava— o u ainda in co rp o ra— as conotações d a Bildung germ ânica lhas m ais apropriadas aos indivíduos livres e aos espíritos in d ep en d en tes.
e a velha, distinção q u e os gregos d a A n tig u id a d e estabeleciam entreeleutherios N o te -s e q u e esta trin d a d e profissional diverge d a v arian te anglo-am ericana
ebanamos,„e n tre a educação q u e p ro m o v e o cultivo d a m e n te o u d o espírito p ela substituição d a teo lo g ia p ela educação, m as não sei com o explicar a
e a edu cação n a s artes m ecânicas o u técnicas, a educação “v u lg a r”.8 divergência. Seja com o for, os dicionários m ais antigos n a d a acrescentaram
Assim ,, e se dicionários são confiáveis g u ia s nessas m a té ria s, “profissão ao q u e o Laudelino já registrara: n e m novos vocábulos relacionados a “p ro ­
lib eral” n ã o te ria sido term o usado e m P o rtu g a l o u no Brasil a n te s d o século fissão” nem significados novos p a ra o te rm o . Passo, e n tã o , ao A u rélio 11.
X X . E q u a n d o o reg istram p o r p rim e ira vez p o d e-se su p o r p o r desenvolvi­ N o A urélio o prim eiro significado d e profissão é o d e “declaração ou
m e n to s posteriores q u e a ênfase, ao c o n trá rio d a v a ria n te anglo-am ericana, confissão p ú b lica d e u m a crença, sen tim en to , opinião o u m o d o d e ser” (1);
foi p o s ta n o exercício “livre” o u au tô n o m o d a s trê s profissões, m ais no a tri­ o seg u n d o é o d e “atividade o u ocupação especializada, e q u e supõe d e te r­
b u to d e “liberais” d o que p ro p ria m e n te no d e “cu ltas". M as dicionários não m in a d o p rep aro ”: a profissão de engenheiro, a profissão d e m o to rista (2). O
são confiáveis nessas m até ria s. O te m ia já e ra u sado n a lin g u a g e m coloquial terceiro, d e “atividade o u ocupação especializada que encerra certo p restí­
d o século. X IX , e a conotação q u e se d a v a a “profissões liberais” não as g io pelo c a rá te r so d a l o u intelectual”: a profissão de jo rn alista, d e ator; as
v in cu lav a a. q u a lq u e r preparação sem elh an te a u m a liberal education, e ra ra ­ profissões liberais (3). E ste terceiro sentido resu lta d a adição ao an te rio r do
m e n te eram vfecas no Brasil cu lto com o profissões “cu lta s”. E m u m in te re s­ a trib u to d o prestíg io social o u in telectu al, d e form a q u e o b té m -se aqui a
s a n te d e b a te n a C âm ara, e m 1 8 7 7 , sobre lib erd ad e d e ensino, o d e p u ta d o so m a das seguintes características: especialização q u e re q u e r a lg u m preparo
C u n h a L eitão referia-se à ad v o cad a e à m ed icin a n ã o com o profissões libe­ + p re stíg io social o u in telectu al. O q u a rto significado é o d e “carreira": a
rais, m as se m p re com o “profissões lucrativas” q u e n ã o se fu n d a v a m n u m carreira jurídica (4). O q u in to , o de “m eio d e subsistência rem u n erad o re­
“ensino elevado”, m a s n u m a instrução “p rá tic a ”;9 to d av ia, n a m esm a época, s u lta n te d o exercício de u m tra b a lh o , d e u m ofício” (5)- E e sta a acepção
e ta m b é m dítscatindo a lib erd ad e d e en sin o , F rao k lin D ó ria m e n d o n a v a o c o rre n te n o p o rtu g u ê s coloquial e q u a n d o se p e rg u n ta ao indivíduo q ual
d ip lo m a d a s nossas faculdades com o u m “p a ssa p o rte p a ra as profissões libe­ su a profissão deseja-se sab er apenas q u a l seu m eio h a b itu a l d e g a n h a r o
rais”, m a s fa@3 a d ia n te co n trastav a-o com os “g rao s p u ra m e n te rientífícos” s u s te n to , e a re sp o sta c o rre ta p o d e ser q u a lq u e r das “profissões”, espe­
concedidos p d a s universidades alem ãs, la m e n ta n d o , adem ais, q u e o s p ro je­ cializadas o u não especializadas, d e p restíg io o u sem p restíg io s o d a l o u in ­
to s p a ra u m a universidade n o B rasil não incluíssem u m a “facu ld ad e d e le­ telectu al: “so u en g enheiro”; o u “so u m o to rista ” ; o u “so u a to r”, etc.
tra s : e , senhores, q u an d o m e refiro à litte ra tu ra , e s tá b e m visto q u e não F in a lm e n te , q u a n d o se acrescenta ao vocábulo “profissão”, n o terceiro
sen tid o acim a m e n d o n a d o , o term o “liberal” ob tém -se a se g u in te definição
7B ruce Kimbal3»T,Ôeí‘2r»? ProfessionalIdeal”m America:A History. Boston: R ow m aa & Littlefield, a o A urélio: “profissão d e nível superior caracterizada p e la inexistência de
1 995, especialm ente p p . 9 9 -1 0 2 . Seria cansativo m encionar p o n to p o r p o n to e m sucessivas
n o tas a extensão, d o m e u d é b ito nesta seção com este excepcionai livro.
q u a lq u e r vinculação hierárquica e pelo exercício p re d o m in a n te m e n te técní-
S h e ld o n Rocfiblktt, ”I h e lim bs o f Osiris: Fiberaí education in th e E nglish-speaking world", em
Síefcfoô R othbíatt e Björn W k tto c k (orgß.\ The European and American University since 1800: “ íd em , sessão de 4 d e o u tu b ro de 1877, p p . 32-39-
Historical and Sodolagkai Essays. Cam bridge: Cam bridge University' Press, 1 993, p . 2 5 . “Aurélio Buarque d e H olanda Ferreira, Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio d e Janeiro:
3'Anaisda Cãmam-dosDeputados, sessão de 4 de setem bta de 1877, A ppendice, p p . 135-146. N ova Fronteira, 2 a edição, 33a impressão, 1996.
AS PROFISSÕES IM PERIAIS / / 25

co e in te le c tu a l d e conhecim entos". D essa fo rm a ‘profissão liberai” fica d e -


biblioteconom ia, e n tre o u tras) su rg iram p a ra a te n d e r necessidades de o rg a ­
M a n esta acepção pela som a final dos atrib u to s: (especialização e n e re­
nizações d e n a tu re z a d iv e rsa (a g ê n c ia s p ú b lic a s , e m p re sa s p riv a d a s ,
q u e r p re p a ro ) + (educação superior) + (prestígio social o u in telectu al) A
universidades), consritumdo- u m g ru p o q u e b e m se poderia, designar por
(ausência d e relações hierárquicas) + (caráter técnico o u in te le c tu a l d a co­
“profissões burocráticas" e, assim , ta m b é m desqualificadas p a r a in te g ra r o
nhecim ento). E m o u tro s term os, profissão liberal seria a atividade especia­
gru p o das “liberais”.
lizad a q u e req u er preparo através de trein am en to fo rm al de nível superior,
N a acepção sociológica convencional, a existência o u não d e vincuiação
q u e encerra prestígio social o u intelectual o u am bos, que é p ra tic a d a de
hierárquica não é o q u e define u m a “profissão”. O s engenheiros são via de
fo rm a a u to n o m a e cuja base de conhecim entos é de n a tu re z a p re d o m in a n ­
regra assalariados e subm etidos a a lg u m tip o d e co n tro le hierárquico; ainda
te m e n te técnica o u intelectual.
assim , a engenharia, é u m a “profissão” pelo c a rá te r sistem ático d o conheci­
F icam o s, e n tre ta n to , com u m p ro b le m a : e m q u a l d essas acepções
m e n to q u e c o n tro la (produção e reprodução) e p e la significativa a u to n o m ia
classificar o s profissionais q u e, a exem plo de ta n to s m édicos e advogados
técnica n o tra b a lh o d e que g o zam o s engenheiros. O s p siq u iatras e os psica­
tra b a lh a m e m em presas sob alg u m a fo rm a d e supervisão hierárq u ica e d e
nalistas ra ra m e n te são assalariados, e n o e n ta n to a psicanálise n ã o é u m a
assaían am en to . Se jã não são “profissionais liberais”, são o qu e? A finai de
“profissão” n o sentido q u e a lg u n s sociólogos e m p re sta m ao te rm o , dado
contas, m u d a ra m o u estão m u d a n d o nesses casos as condições d o exercício
q u e o conhecim ento q u e c o m a n d a m é escassam ente sistem atizado e efeti­
indtm duaíà a m edicina, m a s não m u d o u a m edicina com o t a i T am bém a
vo.15 A lé m disso, e com o ensina Freidson, "profissão” é m ais d o q u e u m a
advocacia não se tran sfo rm a em ^ profissão q u a n d o é p ra tic a d a n o s de­
coleção d e indivíduos a tran sacio n ar no m ercado seja c o m em pregadores,
p a rta m e n to s jurídicos d e g ran d es em presas. Sendo óbvio q u e as condições
seja com clientes individuais, pois existe u m a dim ensão co rporativa q u e se
e strita m e n te individuais do exercício profissional não se co n fu n d em com os
m anifesta e m form as d e associação e em “abrigos” institucionais criados na
atrib u to s corporativos d e u m a profissão, ta m b é m é óbvio q u e as “profissões
econom ia po lítica. E ta n to a form a com o se o rg an izam coletivam ente q u a n ­
liberais d o A urélio são aquelas em cujo desenvolvim ento estatistic a m e n te
to suas peculiares Instituições c o n trib u em p a ra a privilegiada posição dos
p omtna o exercício “liberal” o u au tô n o m o , caracterizando n u m ericam en ­
profissionais n o m ercado, sejam eles au tô n o m o s o u assalariados.14
te u m a trib u to corporativo. Q uais são estas profissões? H isto ric a m e n te , a
Isso p o s to , o tra ç o im p o rta n te q u e d istin g u e as “profissões” em sua
en g en h aria já nasceu com o profissão p re d o m in a n te m e n te assalariada, p ri­
dim ensão corporativa seria, e m prim eiro lugar, a capacidade d e a u to -re g u -
m eiro p e io E stado e depois p o r em presas industriais, e não seria n a acepção
lação coletiva; e m seguida, e e stre ita m e n te asso d a d a à condição anterior,
d o A urélio u m a das profissões liberais. E u diria q u e a ad v o cad a a in d a é u m a
u m a certa capacidade d e reg u lar o m ercado de p re sta ç ã o d e serviços profis­
delas, m a s nao ten h o a m esm a convicção com relação à m edicina. ^ A m b as
sionais, so b re tu d o pelo lado d a o ferta, oferecendo a lg u m tip o d e “p ro teção ”
sofreram n a s trê s últim as décadas consideráveis alterações e stru tu ra is —
aos seus m e m b ro s. U m m onopólio, enfim . N e ste s term o s, n em codas as
e m su a base d e conhecim ento, em seu p restíg io , e m sua inserção n o m em a-
profissões liberais, n a acepção do A urélio, são profissões no sentido socio­
d o . M u ita s o u tra s profissões de nível superior (adm inistração, econom ia
lógico convencionai, e m b o ra as dem ais características d a s prim eiras (educa-

l3"Q t!ier so-caíÍed sktlls m ay b e entirely nonexísteat, sach as th e case o f th e social worker,
aÍSéíTenEe “ " T bím ° m3ÍS ~ -vela que nlim* whose profèssional rhetcmc covers u p activities as w elfite functiooaríes, o r ©f psychiatrists
whose cures do n o t exceed ene proportion expectabFe b y chance." Randall CoFlins, The Credential
Scciety: A n HistorkalSocíohgy o fEducation and Stratfkation. N ova York: Acadeinic Press 1979,
p . 1 3 3 . Collisis cham a a estas ocupações de pseudoprofessioni.
I4Fie£dsoa, op. cit-, p . 129-
çao su p en o r, p re stíg io social, n a tu re z a técnica d o co n h ecim en to ) sejam n e ­ III
cessárias n a definição das seg u n d as. P o r e u tro la d o , n e m to d a s as ocupações
q u e sociologicam ente são hoje profissões tin h a m t a l e s ta tu to no p assad o . O É p o ssív el a g o ra e n te n d e r as h e sita ç õ e s te rm in o ló g ic a s d e W a n d e rle y
q u e o s sociologos ch am am d e “profissionalização" co n siste p recisam en te no G u ilh e rm e do s S a n to s. O q u e ele afirm a é q u e a reg u la ç ã o e s ta ta l fox ex­
processo peio q u a l ocupações a d q u ire m o sta tu s d e profissão, e boa p a r te d a ten siv a à s ocupações d e nível su p e rio r com o a m ed ic in a , a e n g e n h a ria , a
lite ra tu ra d esd e pelo m en o s os anos 6 0 tr a ta d e esclarecer o c a rá te r h isto ri­ fa rm á c ia. N o e n ta n to ele não disp õ e d e u m te rm o p a ra d istin g u i-la s das
c am en te c o n tin g e n te d e ste processo e suas form as e variações d e sociedade d em ais o cupações. “Profissão”, com o já se v iu , in c lu i ta n to as de nível
p a ra sociedade,
su p e rio r q u a n to o u tra s q u e re q u e re m “d e te rm in a d o p re p a ro ”, m as não
T à l W isso b aste p a ra situ a r o le ito r n o s m e a n d ro s c o n ceitu ais, o s d e n e c essariam en te a d q u irid o nas u n iv ersid ad es. E n a acepção q u e lh e d á o
senso c o m u m e os sociológicos. Todavia é b o m ad v e rti-lo so b re a o b serv a­ A u rélio “profissão lib e ra l” d eix aria d e fo ra m u ita s profissões d e nível s u ­
ção d e FreM son d e q u e “profissão" é p o ssiv e lm e n te u m co n ceito fo lk cujo p e rio r: a e n g e n h a ria , p o r exem plo, o u a farm ácia, m e sm o se o te x to de
uso d ev eria s e r reserv ad o p a ra c o n te x to s nacionais e h istó ric o s específi­ W a n d e rle y d a ta sse d e 1 9 3 0 . N ã o o b s ta n te a carên cia d e u m v ocábulo q u e
cos.15 D iferences sociedades a trib u e m -lh e significado diverso e a lg u m a s a fixe, te ria sido im p o rta n te q u e a d istin ção e n tre a s o cupações d e nível
n e m m e sm o c o n h ecem o te rm o .16 F o ra d o s te x to s d e sociologia n ã o existe su p e rio r e as d em ais houvesse ficado b e m e stab elecid a p e lo sim ples uso do
q u a lq u e r e q u iv a le n te em alem ão p a r a o te rm o prafesnon e po d e -se a firm a r te rm o profissão. P o r quê?
o m esm o, c o m relação ao francês: professiam se m o qualificativo libérales E n tre o u tra s razões, p o rq u e as profissões (de a g o ra e m d ia n te , p a ra d e ­
refere-se & q u a lq u e r ocu p ação .57 E m su m a , o s sociólogos p re te n d e m q u e sig n a r ocupações d e nível superior) não estão inseridas n o processo p ro d u ti­
se ja u m co n c e ito genérico q u a n d o se tr a ta d e u m co n c e ito h isto ric a m e n te v o o u n o d e acum ulação strictu sensu.18 O q u e os profissionais pro d u zem , ao
c o n tin g e n te r a m raízes e m in stitu iç õ e s in g lesas e n o rte -a m e ric a n a s. D ito co n trário do operário in d u stria i o u do artesão, é d e n a tu re z a intangível e
isso, o le ito r d e v e rá re fle tir se ria m e n te so b re a su g e stã o d e J a ra u s c h : sim ­ qu ase sem p re inextrincaveim ente vinculado à pessoa e à personalidade do
p le s m e n te a p o s e n ta r p a r a efeitos d e análise a acepção a n g lo -a m e ric a n a p ro d u to r.19 T am bém o regim e d e tra b a lh o do profissional n o início dos anos
associada & “p ro fissão ”.
3 0 e ra in te ira m e n te diverso d o reg im e a q u e estava su b m e tid o o operário.
M édicos e advogados e ra m p re d o m in a n te m e n te au tô n o m o s o u “liberais”, e

18A propósito, este. é a razão pela qua! as profissões de nível superior provocam ex cruciantes
S tU d y * * * o f FormalKnowledge. C h ic a ­ dores d e nos autores marxistas q u e procuram acomodá-las d e n tro do clássico esquem a
g o . T h e U iu v e rs jS y o f C h ic a g o P re s s , 1 9 8 6 , p p . 3 0 - 3 5
d e classes d o m arxism o roais ortodoxo. O s analgésicos analíticos produzidos p o r neomarxistas,
- S i n c e t f c e ig h te e n th c e n tu ry n o tio n o f Professions e v e n t u a l l y d i s a p p e a r e d , t h e w o r d sendo O íin W right o m ais notório deles, resultam irônica e freqüentem ente e m sucessivos e
S S Ï T * “ “ * * * 10 - * ™ * » s o d a l s c ie n tis ts a f t e r d T s Z d transitórios estados d e alívio analítico caracteristicam ente neoweberianos. Ver Eric O ü n W right,
W o r ld W a n The ganam g G e r m a n c o n c e p t w a s B eruf a P r o t e s t a n t s e n s e o f c a l lin g t h a t d u r i n g "R ethinking once again th e concept o f class structure”, em Eric O lin W right (ed) The Debate
“ T fT * W ith tK e ia t£ feUdaf l‘dea °f ^W >d e n o t i n g s o d a ! e s ta te , to On Classes. Londres: Verso, 1987, especialm ente p p . 2 6 9 -3 4 8 . Tam bém o cáustico texto de
fo r m t h e t y h n d Benfsstand. D u r i n g th e e m p ir e t h e h ie ra rc h ic a l c o lle c tiv e t e r m n a r r o w e d t o fra n k Parkin, Marxism and Class Theory:A Bourgeois Critique. Londres: Tavistock, 1979. Tam bém
^ henj m0dl'fied * *** aclject’ve akadenmch, d e s i g n a t e d a n a c a d e m ic a lly R aym ond M u rp h y Social Closure: The Theory o fMonopolization and Exclusion. Oxford: Claredon
JT C t’ “T h e G e r m â n P s o k s s io D S * ^ r y a n d theory**, e m Press, 1 9 8 8 . U m a excelente análise e m apeam ento da questão foi feito p o r Marli D iniz, 0s
U o i v e J t y P r e s s . ^ p ^ ' i 3” ' N o v a York: O xford donos do saber: Profissões e monopólios profissionais. Rio de Janeiro: Tese d e D outorado, IUPERJ,
Í9 9 6 .
iV Ï? “ * iîÈ éif f a : in te lle c tu e l ( a rc h ite c te , a v o c a t, m é d e c in ) q u e I o n e x e rc e ^M agali Sarfatti Larson, The Rise o f Professionalism: A SociologicalAnalysis. Berkeley: University of
li b r e m e n t o u s o u s Se s e u l c o n trô le d ’u n e o r g a n is a t io n p ro fo ssio n n e lîe ."’ Petit Robert, 1 9 7 3 .
California Press, 1977, p . 14.
AS PROFISSÕES IM PERIAIS / / 29

m esm o os engenheiros, g era lm e n te assalariados peio E stad o , esta v a m su b ­


tipicam ente norm ativos e associativos (código de ética, desenvolvim ento
m etid o s a condições d e tra b a lh o b a sta n te d iferentes, d a d a a m a rg e m d e
profissional, etc.).
a u to n o m ia típica das atividades técnicas. D e fato , se a m otivação p a m a
A legislação teg u lato ria sofreu inúm eras alterações ao lo n g o do tem p o e
regulação profissional foi apenas a reorganização d o processo de acum ula­
não cabe aqui d a r c o n ta dessas m udanças. O certo é q u e p e rm a n e c eu como
ção, as profissões deveriam te r sido. excluídas. E , precisam en te p o r não p a r­
c o m p e tê n c ia d o s p ró p rio s C o n selh o s p ro fissio n a is le g isla r, a tra v é s de
ticip arem d o processo d e acum ulação, as reivindicações d e m édicos, advo­
resoluções, sobre o â m b ito das atividades e funções privativas das profissões.
g ados, engenheiros o u farm acêuticos n a d a tin h a m em c o m u m com a p a u ta
E m bora fossem fixados critérios adicionais p a ra o exercício profissional (por
d e dem andas dos trabalhadores urbanos d e diferentes categorias ocupacionais.
exem plo, o p a g a m e n to d a contribuição a n u a l e o registro no respectivo con­
Segue-se q u e a política social j trian sensu p ro m o v id a p e la elite no p ó s-30
selho), o m ecanism o básico de exclusão o u de “fecham ento” do m ercado de
n a o visava os profissionais n e m e m u m a d e m a n d a p rio ritá ria deles. O q u e
prestação d e serviços profissionais era, e c o n tin u a a ser, o do credenciam ento
p rio ritariam en te reivindicavam h á te m p o s e ra “fech am en to ” do m ercad o de
educacional, a p o s s e do d ip lo m a d e nível superior.
se rn ç o s profissionais e capacidade au to -re g u la tó ria, isto é , m o n o p ó lio e a u ­
to n o m ia corporativa. O q u e obtivessem p a r a além disso seria contabilizado
com o lucro.
IV
ISS° p o sto > 1 fcg isk são re g a k c ó ria n o p ó s-3 0 o rg an izo u as profissões
fe ra d a e s tru tu ra sindical típ ica d a s o u tra s ocupações.20 E m b o ra s i n d i e , . ^ e
N ã o o b sta n te a novidade d a fo rm a corporativa ad o ra d a (filiação com pulsó­
assodações fossem p erm itid o s, a e s tru tu ra básica ficou a sse n ta d a nos diver­
ria aos Conselhos, m onopólio de representação, tu te la do E stado), a regulação
sos Conselhos n ad o n ais e regionais criados p a ra a fiscalização d o exercido
das profissões não foi u m a invenção dos revolucionários de 3 0 . D e fato ela
profissional. D e fato, o conceito d e 're g u la m e n ta ç ã o profissional" n a legis­
existiu em m oldes diversos desde a In d ep en d ên cia e sem pre sobre a base do
lação brasileira pressupõe a criação, p o r lei, d estes órgãos fiscaíizadores e
credenciaiism o educacional. E stim u lad a p e la C onstituição d e 18 9 1 , m as
sem o s respectivos C onselhos u m i profissão a in d a não e stá re g u la m e n ta d a .
d e fla g ra d a n a s d é c a d a s a n te rio re s (a p a rtir, p e lo m e n o s, d e 1 8 7 9 ), a
Tihis C onselhos foram criados com o en tid a d e s d e direito pó h lico , a u ta rq u ia s
controvérsia sobre liberdade profissional acom p an h o u a v ira d a do século
com a u to n o m ia financeira e ad m in istrativ a m a s su b o rd in ad as ao M inistério
com o a d e m o n stra r a precariedade d o credencíaíism o acadêm ico. A pós 1930
. ° p a ra efeitOS d e N a lin g u a g e m oficial, constítufcm a R epública definitivam ente consolidou o nexo e n tre privilégios profissio­
serviço pú b lico ”. A o finai a organização das profissões re g u la m e n ta d a s des­
nais e U niversidade. R e g u la m e n ta d a u m a profissão, o q u e incluía quase
cansava e m três pilares, cada q u a l c o m função diversa: o s C onselhos p a ra a
sem pre a criação d o s C onselhos, o respectivo curso acadêm ico passava ao
hscahzaçao do exercício profissional, o sindicato p a r a e n c a m in h a r reivindi­
controle do C onselho F ederal d e Educação. Criava-se p o r e sta fo rm a um a
cações d e n atu re z a trab alh ista, e a associação p a ra a te n d e r aos aspectos m ais
in u sitad a h ie ra rq u ia e n tre profissões: as reg u lam en tad as, cujos diplom as
g eravam efeitos legais no m ercado d e tra b a lh o , e as não reg u lam en tad as,
DcuieioB
^ â Í T liy4U
f m l8?(Ít8 Í7} T 718
xT^de a o19}\ ' ^ h 0 ^ m l“ d,pm^ ° ^ f,omcSoci^ cujos diplom as n a d a g a ra n tia m aos seus p o rtad o res. N a lin g u ag em oficial:
(art. 17)de v e m b ra d e 1930, cria a O rd e m d n c Arlxr» A a
Bcasil, cujos regulam entos foram consolidados pelo D ecreto „» 9 0 4 7 0 j ->n j e. 1° “Q u a n d o a le i [d e D ire triz es e Bases da Educação} d e te rm in a n o a rt. 6 8 que
193 3 ; D ecreto o° 23196 d e 12 de « i t n h m T í o « , “ f . 47, 8 d e 2 0 d e de
D e c re to u 0 2 3 5 6 9 de I I A A u j ^ ^ » re g u la o e x e ra a o daprofissão d e agrônom o; os diplom as expedidos pelas universidades o u pelos estabelecim entos isola­
dos d e ensino superior oficiais o u reconhecidos serão válidos em to d o o te r­
q ^ £O Íe! Q 7955 de 13 de « t e m b » de 1945, in stitu i os Conselhos i e medidrm..
ritório nacional, entende-se, n a tu ralm e n te, q u e se tr a ta d e validade p ara
efeitos legais. N o âm b ito das atividades p artic u la res n ã o é necessário que apenas n a esfera d a form ação profissional através das freq ü en tes e m inucio­
u ra curso seja reconhecido p a ra q u e seu d ip lo m a seja aceito com o idôneo sas resoluções do Conselho F ederal de E ducação. O pan tag ru éiico a p e tite
p a ra q u alificar profissionalm ente seu possuidor. N a esfera d a s atividades reguiatório do Conselho to m o u -se p artic u la rm en te insaciável d u ra n te os
profissionais n ã o reguladas p o r lei, a validade de u m d ip lo m a h á d e se m ed ir governos m ilitares pó s-6 4 . E m tese, e ra lim ita d a sua com petência no que
tão -so m en te pela eficiência d o curso co m p ro v ad a n a p rá tic a profissional.”21 d m a respeito aos cursos q u e p re p a ra v am p a ra as profissões re g u la m e n ta ­
Isso significa, q u e , em se tra ta n d o d e profissões re g u la m e n ta d a s (aquelas das: “N ã o cabe a este Conselho o p in ar sobre a conveniência de reg u lam en ­
cujos cursos acadêm icos d e form ação achavam -se sob c o n tro le do C onselho ta r profissões, criando o privilégio d o exercício profissional, m as tão -so m en ­
F ed eral d e E ducação), o v aío r d o d ip lo m a com o a te sta d o d e co m petência te a com petência p a ra fixar os currículos m ínim os e a duração d o s cursos
profissional in d e p e n d ia de q u a isq u e r dem onstrações práticas d e perícia p o r q u e forem reg u lam en tad o s.”22 N ã o era po u ca coisa. M as havia m ais. Q u a n ­
p a r te d b p o rta d o r, ocorrendo o inverso com as profissões n ã o re g u la m e n ta ­ d o o governo dispensou do “exam e de o rd e m ” os bacharéis em D ireito p a ra
das, aquelas cujos cursos acadêm icos d e form ação n ã o necessitavam p a ra efeito d e inscrição no quadro d a O rd e m dos A dvogados, to rn o u -se com pe­
fu n cio n ar d e autorização do C onselho. N o prim eiro caso, a p o s s e d o diplo­ tência do C onselho Federal de E ducação disciplinar o estágio de p rá tic a
m a concedido pelas escolas ctaprimafacie evidência d e p erícia e g a ra n tia u m forense e d e organização judiciária, q u e su b stitu iria o exam e.23 N a p rá tic a
m erc a d a “p ro te g id a ”; no se g u n d o , era a com petição n u m m ercad o literal­ coube-lhe fixar as condições p a ra o exercício legal d a advocacia, d a d a a exi­
m e n te Kvre q u e havia d e co m p ro v ar a co m petência profissional. gência, ta m b é m legal, de inscrição n a O rd e m . N a form ação d o s m édicos
E x tin ta s a s condições p o lític a s e ideológicas q u e e n c a m in h a ra m nos era ta m b é m o C onselho q u e m disciplinava o In te rn a to . E m sum a, era su a a
anos 3 0 a o rg an ização c o rp o ra tiv a d a s p rofissões, n ã o su rp re e n d e q u e o com petência d e reg u lar o d iâm etro d o funil pelo q u a l necessariam ente d e ­
m o d e lo te g u la tó rio te n h a sobrevivido às c irc u n stâ n c ias q u e o g e ra ra m . veriam passar, ao final dos cursos acadêm icos regulares, os candidatos ao
I o d a s as p rofissões não re g u la m e n ta d a s p a ssa ra m a asp ira r aos privilégios exercício das profissões reg u lam en tad as.
d a regulação e , p o rta n to , investiam n a m a n u te n ç ã o d o m o d e lo corporativo, É razoável su p o r q u e p o r d e trá s d e m u ita s das resoluções d o C onselho
a té p o r q u e o s e u aspecto p re su m iv e lm e n te n e g a tiv o , o d a tu te la do E sta ­ F ederal d e E ducação estivessem as elite s profissionais rep re se n ta d as nos
d o e a a u sên cia d e capacidade a u to -re g u ía tó ria , v irtu a lm e n te d eix ara h á G ru p o s de E specialistas aos q u a is os conselheiros p o d ia m re co rrer p a ta
m u ito d e existir. A vínculação ao M in istério d o If a b a lh o to rn o u -s e p u r a ­ assessoram ento. N o s anos 7 0 as resistências à auto rização p a ra a b e rtu ra
m e n te n o m in a l; os C onselhos profissionais fo ra m “b aican ízad o s” p elas as­ d e novas escolas d e m edicina o u p a ra o c red en ciam en to definitivo d e o u ­
sociações e sin d icato s q u e , n o â m b ito d e a lg u m a s p rofissões, fe rre n h a - tra s já em fun cio n am en to fo ra m in sp irad as p o r e stu d o s d e u m g ru p o d e
m e n te d isp u ta v a m seu co n tro le . R eplicando o q u e o c o rria e m v irtu a lm e n te em in e n te s m édicos c o n stitu íd o s e m C om issão E special p e lo M inistério d a
to d a s a s a o ip a ç õ e s sindicalizadas, as lid eran ças d a s associações e sindica­ E ducação.
to s p ro fissio n ais desenvolveram sólidos in teresses n a conservação d a es­
tr u t u r a im p la n ta d a n o p ó s -3 0 . T am b ém o s C o n selh o s a fe rra ra m -se ao
m o d e la c o rp o ra tiv o q u e lh es p ro p o rc io n a v a preciosos canais clientelísticos
e p o d e re s consideráveis.
^Parecer 352/73. Conselho Federal d e Educação.
A o fim e a o cabo, a ingerência efetiva d o E stad o to rn o u -se conspícua »Lei n° 5842 de 6 de dezembro de 1972. O Parecer 162/72 do CFE fixara em 2 .700 horas a
duração (m ínim a) das atividades escolares para cum prim ento do currículo m ínim o; a Resolução
a 0 1 5 d e 2 de m arço de 1973 fixava em trezentas horas as atividades para cum prim ento do
estágio.
m esm o os engenheiros, g eralm en te assalariados pelo E stad o , esta v a m su b -
tipicam ente norm ativos e associativos (código de ética, desenvolvim ento
m e a d o s a condições d e tra b a lh o b a sta n te diferentes, d a d a a m a rg e m d e
profissional, etc.).
a u to n o m ia típica das atividades técnicas. D e fato , se a m otivação p a m a
A legislação reg u lató ria sofreu inúm eras alterações ao io n g o do tem p o e
regulação profissional fo i apenas a reorganização d o processo de acum ula­
não cabe aqui d a r c o n ta dessas m udanças. O certo é qu e p e rm a n e c eu como
ção, as profissões deveriam te r sido. excluídas. E, precisam en te p o r não p a r­
c o m p e tê n c ia d o s p ró p rio s C o n selh o s p ro fissio n ais leg islar, a tra v é s de
ticiparem d o processo d e acum ulação, as reivindicações d e m édicos, advo­
resoluções, sobre o âm bito das atividades e funções privativas das profissões.
g ados, engenheiros o u farm acêuticos n ad a tin h a m em c o m u m com a p a u ta
E m bora fossem fixados critérios adicionais p a ra o exercício profissional (por
d e dem andas dos trabalhadores urbanos d e diferentes categorias ocupadonjust
exem plo, o p a g a m e n to d a contribuição a n u a l e o registro no respectivo con­
Segue-se q u e a política social xtrkm im m p ro m o v id a p e la elite no p ó s-30
selho), o m ecanism o básico de exclusão o u d e “fecham ento” do m ercado de
não visava os profissionais n e m e ra u m a d e m a n d a p rio ritá ria deles. O q u e
p restação d e serviços profissionais era, e c o n tin u a a ser, o d o credenciam ento
p rio rita ria m e n te reivindicavam h á te m p o s e ra “fecham ento" d o m e rc a d a d e
educacional, a posse d o d ip lo m a d e nível superior.
serviços profissionais e capacidade a u ro -reg u lató ria, isto é , m o n o p ó lio e a u ­
to n o m ia corporativa. O q u e obtivessem p a ra além disso seria contabilizado
com o lucro.
IV
Isso p o sto , a legislação reg u lató tía n o p ó s-3 0 org an izo u as profissões
fe ra d a e s tru tu ra sindical típ ica d a s o u tra s ocupações.20 E m b o ra sindicatos e
N ã o o b sta n te a novidade d a fo rm a corporativa a d o ta d a (filiação com pulsó­
assooaçoes fossem p erm itid o s, a e s tru tu ra básica ficou a sse n ta d a nos diver­
ria aos Conselhos, m onopólio de representação, tu te la d o E stado), a regulação
sos C onselhos nacionais e regionais criados p a ra a fiscalização d o exercício
d as profissões não foi u m a invenção dos revolucionários de 3 0 . D e fato ela
profissional. D e fato, o conceito d e “reg u la m e n ta çã o profissional** n a legis­
existiu e m m o ld es diversos desde a In d ep en d ên cia e sem pre sobre a base do
lação brasileira pressupõe a criação, p o r lei, d estes órgãos fiscalizadores, e
credencialism o educacional. E stim u lad a p eia C onstituição d e 1891, m as
sem o s respectivos C onselhos u m a profissão a in d a não e stá re g u la m e n ta d a.
d e fla g ra d a n a s d é c a d a s a n te rio re s (a p a rtir, p e lo m e n o s, d e 1 8 7 9 ), a
% ís C onselhos foram criados com o en tid a d e s d e direito p ú b lic o , a u tarq u ias
controvérsia sobre lib erd ad e profissional aco m p an h o u a v ira d a d o século
c o m a u to n o m ia financeira e ad m in istra tiv a m a s subordinadas ao M inistério
com o a d e m o n stra ra p re c a rie d a d e d o credencialism o acadêm ico. A pós 1930
d o 'B ab alh o p a ra efeitos d e fiscalização. M a lin g u a g e m oficial, co n stitu íam
a R epública definitivam ente consolidou o nexo e n tre privilégios profissio­
serviço publico**. Ao finai a organização das profissões re g u la m e n ta d as des­
nais e U niversidade. R eg u la m e n ta d a u m a profissão, o q u e incluía quase
cansava e m trê s pilares, cada q u a l com fhnção diversa: o s C onselhos p a r a a
sem pre a criação d o s C onselhos, o respectivo curso acadêm ico passava ao
realização d o exercício profissional,, o sindicato p a ra e n c a m in h a r reivindi-
controle d o C onselho Federal d e E ducação. Criava-se p o r e sta fo rm a um a
arções d e n a t trab a lh ista , e a a sso d a jã o p a ra a te n d e r aos aspectos m ais
in u sitad a h ie ra rq u ia e n tre profissões: as reg u lam en tad as, cujos diplom as
g eravam efeitos legais n o m ercado d e tra b a lh o , e as não reg ulam entadas,
cujos diplom as n a d a g a ra n tia m aos seus po rtad o res. N a lin g u ag em oficial:
“Q u a n d o a lei [ d e D iretrizes e Bases da E ducação] d e te rm in a no a rt. 68 que
D e c re fn n « 7 í « o > ,, , . , 7 3 3 , reg-uia ° exercício da profissão de ajFronomo' os diplom as expedidos pelas universidades o u pelos estabelecim entos isola­

s a s t e s s it S S S S E S S 2 ;
dos d e ensino superior oficiais o u reconhecidos serão válidos em todo o ter­
ritório nacional, entende-se, n a tu ralm ente, q u e se tr a ta d e validade p ara
efeitos legais- N o â m b ito das atividades p artic u la res não é necessário q u e apenas na esfera d a form ação profissional através das freq ü en tes e m inucio­
u m curso seja reconhecido p a ra q u e seu d ip lo m a seja aceito com o idôneo sas resoluções do Conselho F ederal de E ducação. O p a n tag ru élico a p e tite
para. q u alificar profissionalm ente seu possuidor. N a esfera d a s atividades regulatório do Conselho to m o u -se p artic u la rm en te insaciável d u ra n te os
profissionais n ã o reguladas p o r lei, a validade de u m d ip lo m a h á d e se m ed ir governos m ilitares pó s-6 4 . Em tese, e ra lim itad a sua com petência no que
tão -so m en te p ela eficiência do curso co m p ro v ad a n a p rá tic a profissional.”21 dizia respeito aos cursos q u e p re p a ra v am p a ra as profissões re g u la m e n ta ­
Isso significa q u e , em se tra ta n d o d e profissões re g u la m e n ta d a s (aquelas das: “N ão cabe a este Conselho o p in ar sobre a conveniência de reg u lam en ­
cujos cursos acadêm icos d e form ação achavam -se so b c o n tro le do C onselho ta r profissões, criando o privilégio do exercício profissional, m as tão-som en­
F ederai d e E ducação), o v alo r d o d ip lo m a com o a te sta d o d e com petência te a com petência p a ra fixar os currículos m ínim os e a duração d o s cursos
profissional in d e p e n d ia de q u a isq u e r dem onstrações prá tic a s d e perícia p o r q u e forem reg u lam en tad o s.”22 N ã o e ra pouca coisa. M as havia m ais. Q u a n ­
p a rte d o p o rta d o r, ocorrendo o inverso com as profissões não re g u la m e n ta ­ d o o governo dispensou do “exam e d e o rd e m ” os bacharéis em D ireito p a ra
d a s, aq u elas cujos cursos acadêm icos d e form ação n ã o necessitavam p a ra efeico de inscrição no q u ad ro d a O rd e m dos A dvogados, to rn o u -se com pe­
fu n cio n ar d e autorização do C onselho. N o prim eiro caso, a p osse do diplo­ tência d o C onselho Federal d e E ducação disciplinar o estágio d e p rá tic a
m a concedido pelas escolas era prim a fa d e evidência d e p erícia e g a ra n tia u m forense e d e organização judiciária, q u e substituiria o exam e.25 N a p rá tic a
m e rc a d a “p ro te g id o ”; no se g u n d o , e ra a com petição n u m m ercad o literal­ coube-lhe fixar as condições p a ra o exercício legal d a advocacia, d a d a a exi­
m e n te livre q u e havia d e co m p ro v ar a co m petência profissional. gência, ta m b é m legal, de inscrição n a O rd e m . N a form ação d o s m édicos
E x tin ta s a s condições p o lític a s e ideológicas q u e e n c a m in h a ra m nos era tam b ém o C onselho q u e m disciplinava o In te rn a to . E m sum a, era sua a
anos 3 0 a o rg an ização c o rp o ra tiv a d a s p rofissões, n ã o su rp re e n d e q u e o com petência d e re g u la r o d iâm etro do funil pelo q u a l necessariam ente d e ­
m o d e la te g u la tó rio te n h a sobrevivido às c irc u n stâ n c ias q u e o g e ra ra m . veriam passar, ao finai dos cursos acadêm icos regulares, os candidatos ao
T odas a s profissões não re g u la m e n ta d a s p a ssa ra m a a sp ira r aos privilégios exercício das profissões reg u lam en tad as.
d a regulação e , p o rta n to , investiam n a m a n u te n ç ã o d o m o d e lo corporativo, É razoável su p o r q u e p o r d e trá s d e m u ita s das resoluções d o C onselho
a té p o rq u e © se u aspecto p re su m iv e lm e n te n e g a tiv o , o d a tu te la do E sta ­ F ederal d e E ducação estivessem as elites profissionais re p re se n ta d as nos
do e a au sê n c ia d e capacidade a u to -re g u la tó ria , v irtu a lm e n te d eix ara h á G ru p o s d e Especialistas aos q u a is os conselheiros p o d ia m re co rrer p a ra
m u ito d e e x istir. A vinculação ao M in istério d o T rab alh o to rn o u -se p u r a ­ assessoram ento. N o s anos 7 0 as resistências à autorização p a ra a b e rtu ra
m e n te n o m in a l; os Conselhos profissionais fo ra m “b a k a n íz a d o s ” p elas as­ de novas escolas de m edicina o u p a r a o c red en ciam en to definitivo d e o u ­
sociações e sin d icato s q u e , n o â m b ito d e a lg u m a s profissões, fe rre n h a - tra s já e m fu n cio n am en to fo ra m in sp irad as p o r escudos d e u m g ru p o de
m e n te d ísp u ra v a m se u co n tro le. R eplicando o q u e o co rria e m v irtu a lm e n te em in e n te s m éd ico s c o n stitu íd o s e m C om issão E special pelo M inistério d a
to d a s a s o cupações sindicalizadas, as lid eran ças d a s associações e sindica­ Educação.
to s p ro fissio n ais desenvolveram sólidos interesses n a conservação d a e s­
tr u t u r a im p la n ta d a no p ó s-3 0 . T am b ém o s C onselhos a fe rra ra m -se ao
m o d e la c o rp o ra tiv o q u e lh es p ro p o rc io n a v a preciosos canais d ie n te lís tk o s
e p o d e re s consideráveis.

“ Parecer 352/73, Conselho Federal de Educação.
A o fim e ao cabo, a ingerência efetiva d a E stad o to rn o u -se conspícua 2,Lei a° 5842 de 6 de dezembro de 1972. O Parecer 162/72 do CFE fixara ero 2-700 horas a
duração (m ínim a) das atividades escolares para cum prim ento do currículo m ínim o; a Resolução
n° 15 de 2 d e m arço de 1973 fixava em trezentas horas as atividades para cum prim ento do
estágio.
28 tí E D M U N D O C A M PO S C O E L H O
A S PROFISSÕES IM PERIAIS // 29

m esm o os engenheiros, g era lm e n te assalariados pelo E stad o , e sta v a m su b ­


tipicam ente norm ativos e associativos (código d e ética, desenvolvim ento
m etid o s a condições d e tra b a lh o b a sta n te d iferentes, d a d a a m a rg e m d e
profissional, etc.).
a u to n o m ia típica das atividades técnicas. D e fa to , se a m otivação p a ra a
A legislação reg u lató ria sofreu inúm eras alterações ao longo do tem p o e
reguiaçao profissional foi apenas a reorganização d o processo de acum ula­
não cabe aqui d a r c o n ta dessas m udanças. O certo é q u e p e rm a n e c eu como
ção, as profissões deveriam te r sido excluídas. E , precisam en te p o r não p a r­
c o m p e tê n c ia d o s p ró p rio s C o n selh o s p ro fissio n ais leg islar, a tra v é s de
ticip arem d o processo d e acum ulação, as reivindicações d e m édicos, advo­
resoluções, sobre o âm b ito das atividades e funções privativas das profissões.
g ad o s, engenheiros o u farm acêuticos n a d a tin h a m em c o m u m com a p a u ta
E m bora fossem fixados critérios adicionais p a ra o exercício profissional (por
d e dem andas dos trabalhadores urb an as d e diferentes categorias ocupaciònais.
exem plo, o p ag am en to d a contribuição a n u a l e o registro no respectivo con­
Segue-se q u e a p olítica social strm n setuu p ro m o v id a p ela elite no pós-3G
selho), o m ecanism o básico de exclusão o u d e “fecham ento” d o m ercado de
a a o visava os profissionais n e m e ra u m a d e m a n d a p rio ritá ria deles. O q u e
prestação d e serviços profissionais era, e c o n tin u a a set, o d o credenciam ento
p rio ritariam en te reivindicavam h á te m p o s e ra “fech am en to ” do m ercado d e
educacional, a posse do d ip lo m a de nível superior.
serviços profissionais e capacidade au ro -reg u lató ria, isto é, m o n o p ó lio e a o .
tonozm a corporativa. O q u e obtivessem p a ra além disso seria contabilizado
com o lucro.
IV
Isso p o sto , a legislação re g u la tá ria n o p ó s-3 0 org an izo u as profissões
fo ra d a e s tru tu ra sindical típica d a s o u tra s ocupações.20 E m b o ra sindicatos e
N ã o o b sta n te a novidade d a fo rm a corporativa a d o ta d a (filiação com pulsó­
associações fossem p erm itid o s, a e s tru tu ra básica ficou a sse n ta d a nos diver­
ria aos Conselhos, m onopólio de representação, tu te ia do E stado), a regulação
sas C onselhos nacionais e regionais criados p a ra a fiscalização d o exercício
das profissões não foi u m a invenção d o s revolucionários d e 3 0 . D e faro ela
profissional. D e fato, o conceito d e “reg u la m e n ta çã o profissional" n a legis­
existiu e m m oldes diversos desde a In d ep en d ên cia e sem pre sobre a base do
lação brasileira pressupõe a criação, p Qr lei, d estes ó rg ão s fiscalizadores, e
cred en d alism o educacional. E stim u lad a p ela C onstituição de 18 9 1 , m as
sem o s respectivos C onselhos u m a profissão a in d a não está re g u la m e n ta d a.
d e fla g ra d a n a s d é c a d a s a n te rio re s (a p a r tir , p e lo m e n o s, d e 1 8 7 9 ), a
T&is C onselhos foram criados com o en tid a d e s d e direito p ú b lic o , a u ta rq u ia s
controvérsia sobre lib erd ad e profissional acom p an h o u a virad a do século
com a u to n o m ia financeira e ad m in istrativ a m a s su bordinadas ao M inistério
com o a d e m o n stra r a precariedade d o credenciallsm o acadêm ico. A pós 1930
d o H a b a lh o p a ra efeitos d e fiscalização. N a lin g u a g e m oficial, co n stitu íam
a R epública definitivam ente consolidou o nexo e n tre privilégios profissio­
serviço pú b lico ”. Ao finai a organização d a s profissões re g u la m e n ta d a s des­
nais e U niversidade. R e g u la m e n ta d a u m a profissão, o q u e incluía quase
cansava e m trê s pilares, ca d a q u a l com função diversa: o s C onselhos p a ra a
sem pre a criação d o s C onselhos, o respectivo curso acadêm ico passava ao
fiscalização do exercício profissional, o sindicato p a r a e n c a m in h a r reivindi­
co n tro le do C onselho F ederal d e Educação. Criava-se p o r esta fo rm a um a
cações d e natu reza trab a lh ista , e a associação p a ra a te n d e r aos aspectos roais
in u sitad a h ierarq u ia e n tre profissões: as reg u lam en tad as, cujos diplom as
g eravam efeitos legais no m ercado d e tra b a lh o , e as não reg ulam entadas,
cujos diplom as n a d a g a ra n tia m aos seus p o rtad o res. N a lin g u ag em oficial:
B -a . = * ; t S i í i S Í ” d“ f “Q u an d o a lei fd e D iretrizes e Bases d a Educação} d e te rm in a no a rt. 6 8 que
os diplom as expedidos pelas universidades o u pelos estabelecim entos isola­
d o s d e ensino superior oficiais o u reconhecidos serão válidos em todo o te r­
* q 7955 de 13 é e secembra de 1 945, in stitu í os Conseíhos de medccíaa.
ritório nacional, en ten d e-se, n a tu ra lm e n te , q u e se tr a ta d e validade para
efeitos legais. N o ârabíto d a s atividades p a rtic u la res n ã o é necessário q u e apenas n a esfera d a form ação profissional através das freqüentes e m inucio­
u m cu rsa seja reconhecido p a ra q u e seu d ip lo m a seja aceito co m o idôneo sas resoluções d o Conselho Federal de Educação. O p an tag ru élico a p etite
p a ra q u alificar profissionalm ente seu possuidor. N a esfera d a s atividades regulatório do Conselho tornou-se p artic u la rm en te insaciável d u ra n te os
profissionais não r e g u k d a s p o r lei, a validade d e u m d ip lo m a h á d e se m ed ir governos m ilitares p ó s-64. E m tese, e ra lim itad a sua c o m p e tê n d a n o q u e
tao -so m en te p e la eficiência d o curso c o m p ro v ad a n a p rá tic a p ro fissio n a l”21 dizia respeito aos cursos q u e p re p a ra v am p a ra as profissões re g u la m e n ta ­
Isso significa q u e , em se tra ta n d o d e profissões re g u la m e n ta d a s (aquelas das: “N ã o cabe a este Conselho o p in ar sobre a conveniência de re g u lam en ­
cujos cursos acadêm icos d e form ação achavam -se so b co n tro le d o C onselho ta r profissões, criando o privilégio do exercício profissional, m as tão -so m en ­
fe d e r a l d e E ducação), o v alo r d o d ip lo m a com o a te sta d o d e co m petência te a com petência p a ra fixar os currículos m ínim os e a duração d o s cursos
profissional in d e p e n d ia de q u a isq u e r dem onstrações prá tic a s d e perícia p o r q u e forem reg u lam en tad o s.”22 N ã o e ra p o u ca coisa. M as havia m ais. Q u a n ­
p a rte d a p o rta d o r, ocorrendo o inverso com as profissões não re g u la m e n ta ­ d o o governo dispensou do “exam e de ord em ” os bacharéis em D ireito p a ra
das, aq u elas cujos cursos acadêm icos d e form ação n ã o necessitavam p a ra efeito de inscrição no q u ad ro d a O rd e m dos A dvogados, to rn o u -se com pe­
fu ncionar d e autorização d o C onselho. N o p rim eiro caso, a p o s s e do d ip lo ­ tência do C onselho Federai d e E ducação disciplinar o estágio d e p rática
m a concedido pelas escolas era primafacie evidência d e p eríc ia e g a ra n tia u m forense e d e organização judiciária, q u e su b stitu iria o exam e.25 N a p rática
m ercado “p ro te g id o ”; no se g u n d o , e ra a com petição n u m m ercado literal­ coube-lhe fixar as condições p a ra o exercício legal d a advocacia, d a d a a exi­
m e n te livre q u e havia d e c o m p ro v ar a c o m p e tê n d a p ro fissio n a l gência, ta m b é m legal, de inscrição n a O rd e m . N a form ação d o s m édicos
E x tin ta s as condições p o lític a s e ideológicas q u e e n c a m in h a ra m nos era ta m b é m o C onselho q u em disciplinava o In te rn a to . E m su m a, era sua a
anos 3 0 a o rg an ização c o rp o ra tiv a d a s profissões, n ã o su rp re e n d e q u e o com petência d e reg u lar o d iâm etro do funil pelo q u a l necessariam ente d e ­
m o d e lo re g u la tó rio te n h a sobrevivido às c irc u n stâ n c ias q u e o g e ra ra m . veriam passar, ao final dos cursos acadêm icos regulares, os candidatos ao
T odas a s profissões não re g u la m e n ta d a s p a ssa ra m a a sp ira r aos privilégios exercício das profissões reg ulam entadas.
d a reg u lação e , p o rta n to , investiam n a m a n u te n ç ã o d o m o d e lo corporativo, E razoável su p o r q u e p o r d e trá s d e m u ita s das resoluções d o C onselho
a té p o tq u e o se u aspecto p re su m iv e lm e n te n e g a tiv o , o d a tu te la d o E sta ­ Federal d e E ducação estivessem as elites profissionais re p re se n ta d as nos
d o e a a u s ê e d a d e capacidade a u to -re g u ía tó ria , v irtu a lm e n te d eix ara h á G ru p o s d e Especialistas aos q u a is os conselheiros p o d ia m reco rrer p a ra
m uito, d e e d s tir . A vínculação ao M in istério d o T rab alh o to rn o u -se p u r a ­ assessoram ento. N o s anos 7 0 as resistências à autorização p a r a a b e rtu ra
m e n te n o m in a l; os Conselhos profissionais fo ra m “b alcanizados” p e la s as­ de novas escolas de m edicina o u p a ra o cred e n c iam e n to definitivo d e o u ­
sociações e sin d icato s q u e , n o â m b ito d e a lg u m a s profissões, fe rre n h a - tra s já e m fu n c io n a m e n to fo ra m in sp irad as p o r e stu d o s d e u m g ru p o de
m e n te d isp u ta v a m se u co n tro le . R eplicando o q u e o co rria e m v irtu a lm e n te em in e n te s m édicos c o n stitu íd o s e m C om issão E special p elo M inistério d a
to d a s a s o m p a ç õ e s sindicalizadas, as lid eran ças d a s associações e sindica­ E ducação.
to s profissionais desenvolveram sólidos interesses n a conservação d a es­
t r u t u r a im p la n ta d a n o p ó s-3 0 . T am bém o s C o n se lh o s afo rraram -se ao
m o d e fe c o rp o ra tiv o q u e lh es p ro p o rc io n a v a precio so s canaís d ie n te lístic o s
e p o d e re s consideráveis.
^Parecer 352/73, Conselho Federai de Educação.
A o fim e ao cabo, a ingetên cia efetiva d o E stad o to rn o u -se conspícua «Lei n° 5842 de 6 de dezembro de 1972. O Parecer 162/72 do CFE fixara em 2 .700 horas a
duração (mínima) das atividades escolares para cum prim ento do currículo m ínim o; a Resolução
n ° 15 d e 2 de março de 1973 Sxava em trezentas horas as atividades para cum prim ento do
estágio.
ír
v sism o s d e closure e o fez e m term o s idênticos aos q u e u saram os adversários
d a lib erd ad e profissional, nos deb ates de finais d o século X I X /5
À falta de estudos sobre o tópico, quase nad a se sabe sobre os fatores q u e afetam
N ã o o b s ta n te a ap a re n te ausência d e inequívoco interesse n a regulação
as probabilidades de sucesso de um projeto de regulam entação, em particular
das profissões, não h á com o desconhecer o peso específico do E stado na
sobre as razões peias quais algum as profissões são bem-sucedidas en q u a n to ou­
q u e stã o , q u a n d o m enos p o rq u e é ele q u e m confere os privilégios associados
tras fracassam. Mas, feitas todas as contas, um a profissão não regulam entada
à regulação, e n tre os quais avulta o do m onopólio profissional. Sob este
que aspire a ascender ao nirvana das regulam entadas terá prelim inarm ente de
aspecto, e n tre ta n to , n a d a h á d e especial e m relação ao E stado brasileiro.
satisfazer duas condições. A prim eira consiste em razoável capacidade de m o ­
In ú m ero s e stu d o s historico-com parativos d e m o n stra ra m à saciedade que
bilizar os praticantes (e a existência, de um a associação pode ser u m fato r im por­
não se faz a sociologia o u a h istória das profissões ig n o ran d o o p a p e l do
tante) e d e persuadir setores d a sociedade de sua “im portância”. Á segunda, em
E stado- P a ra além desse consenso m ín im o com eçam as divergências e os
encontrar no Congresso u m “padrinho” qu e se disponha a apresentar u m p ro ­
jeto de regulam entação e a zelar pelo seu encam inham ento até aprovação fina? problem as d e qu e m se p ro p õ e ao e stu d a d a s profissões n o Brasil. E n co n tra-

na Câm ara e no Senado. N orm alm ente haverá u mlobby d a profissão p a ra acom ­ se n a E te ra tu ra u m “m odelo anglo-am ericano” e u m “m odelo eu ro p eu -co n -
panhar nas casas legislativas a tram itação d o processo, m as ao fim. to d o o em pe­ rinental” d e processos d e profissionalização, d u a s m atrizes históricas das

nho pode ser frustrado p o r u m veto presidencial. E m todo caso, a iniciativa te m quais te ria m surgido ao lo n g o do século X I X as form as institucionais das
pertencido à com unidade profissional interessada. profissões m o d e rn a s. D esd e logo cada m odelo p o stu la e n tre o E stad o e as
Seja com o for, esgotadas as condições históricas q u e a in sp iraram em profissões u m a e s tru tu ra relacional q u e é o reflexo especular do q u e se vê no
sua form a a tu a l, é difícil d istin g u ir hoje o específico interesse d o E stad o n a o u tro : e m u m , a intervenção e statal; no o u tro , a auro-regulação profissio­
regulação profissional. E m p articu lar, e utilizando a fó rm u la do an tig o C on­ nal. A dem ais, o “m odelo anglo-am ericano” é n a lite ra tu ra p e rtin e n te o d a
selho Federal de E ducação, não é facií enconcrar razões d e E stad o p a ra a profissionalização bem -sucedida; o “m odelo e u ro p eu -co n tin en tal”, u m a his­
existência do híbrido sistem a com posto d e u m lado p elo “â m b ito d a s ativi­ tó ria d e fracasso. E m b o ra contestados, m a s à falta d e u m a terceira via, em
dades p articulares” identificado com a esfera das atividades profissionais q u a l d o s m o d elo s encantar o caso brasileiro?
não reg ulam entadas, e d e o u tro , p o r c o n tra ste , p e la esfera d a s atividades S ituá-lo n o contexto d e sta controvérsia é tarefa na d a fácil. E talvez in ú ­
profissionais reg ulam entadas q u e seria o “âm b ito das atividades públicas”. til, se ad m itirm o s, com o ad m ito , qu e não h á u m a re sp o sta única o u inequí­
O u, se quiserem , o m isto de laissez-fatre c o m a m ais e strita reg u lação . M ais voca q u e d ê fim ao velho e desgastado d e b a te a respeito d e se o E stado
níddos ficaram , e n tre ta n to , os interesses de seg m en to s diversos d a socieda­ brasileiro no período form ativo das profissões (basicam ente ao longo do
de dvit. N u m a atm osfera já d esim pedida das pesadas n u v en s d o arbítrio século XTX) e ra fo rte o u fraco, p a trim o n ia l o u burocrático, ktissez-fairiano
jn ü ttar e ao sopro das m ais generosas aspirações civis, foi su b m e tid a à A s­ o u intervencionista, e tc ., e tc. Receio q u e ele te n h a sido cada u m a dessas
sembléia C o n stitu in te d e 1988 a p ro p o sta d e instauração d o reg im e d e li­ coisas e m m o m e n to s diferentes e com relação a qu estões d istin tas, e assim
berdade profissional em term o s q u e sugeriam q u ase u m re to m o à le tra d a m esm o q u a n d o se concede às categorias q u e p re te n d e m c a p ta r a “essência”
Constituição d e 1 8 2 4 .24 A C onstituição C idadã, todavia, m a n te v e os m eca- deste E stad o o u d a sociedade tão -so m en te o e sta tu to de m etáforas do que
rep resen taram n o co ntexto histórico q u e as g e ro u . N e s to r D u a rte , p a ra
»N o capítulo dos D ireitos e G arantias Individuais, a proposta da Comissão Afonso A rínos
rezava que: a) a íeí não poderá im pedir o Üvre exercício de profissões vinculadas à expressão
direta do pensam ento, das ciências e das artes; b ) a lei só estabelecerá exclusividade p a ra o
exercício da profissão q u e envolva risco d e rid a e d e privação da liberdade, o u q u e possa causar ^ lo tis o X III d o A rt. 5a: É livre o exercício de q u alq u er trabalho, ofício ou profissão, atendidas
grave dano ao indivíduo ou í coletividade. as qualificações profissionais q u e z íei estabelecer.
exem plificar com u m a análise hoje clássica, a d m ítid a m e n te u tiliz o u o con­ rom ancista q u e se ga b a de tr a ta r seus personagens com o escravos d e galés,
ceito d e feudalism o n e sta acepção m etafórica: u m feudalism o atípico, se p re te n d o q u e os m e u s te n h a m im p o sto o ru m o à narrativ a e escorraçado o
quiserem , sem as cores tradicionais d o sistem a e u ro p e u , a n te s d e anacronís- autor. E , n ã o sendo eles sociólogos profissionais, h á escasso diáLogo com
m os e arrem edos e m ais d e ten d ên cias...’*.2* A s categorias w eb erian as (buro­ q u a lq u e r teoria. O u m elhor: suspeito que exista u m a a organizar a n a rra ti­
cracia, p a tn m o n ia lis m o , e tc .) n ã o tê m c o n h e c id o d estin o m e lh o r n a va, m as não esto u seguro sobre se seria capaz de expô-la de form a sistem á­
indiscrim inada aplicação au to riz a d a p elo cô m o d o p re ssu p o sto d e q u e to - tica. E la está , digam os assim , no su b tex to e talvez seja m ais p ru d e n te deixá-
dos-sabera-o-que-entendo-por-patrim oniafism o-e-por-estado-burocrático.27 la aí. Confio e m q u e o s especialistas em sociologia d a s profissões saberão
Isso p o sto , procederei d a seg u in te fo rm a . E x p o n h o no p ró x im o cap ítu lo identificá-la, a té p o rq u e m e u pressuposto é o de q u e to d o s-sab em -a-q u al-
os dois foodelos correntes (em b o ra contestados) n o e stu d o d a s relações en ­ te o ria -e sto u -m e-re fe rin d o . P o r ú ltim o , ad v irto o le ito r d e q u e ele não
tr e E stado e profissões. Á exposição é d e c a rá te r histó rico -co m p arativ o e e n co n trará n e n h u m a conclusão su b stan tiv a com o fecho deste ensaio e a este
concede-m e u m a certa m a rg e m d e lib erd ad e p a ra indagações às q u a is não respeito não h á n a d a q u e e u p ossa fazer (apenas confessar o q u a n to custou-
p ro ponho q u a lq u e r resp o sta, e isso p e ia sim ples razão d e q u e n ã o te n h o m e e v itar u m a conclusão conclusiva).
n e n h u m a . D e q u a lq u e r fo rm a , o cap ítu lo p o d e rá servir ao le ito r c o m incli­ A o fim e ao cabo reconheço ao le ito r to d a s as razões p a ra su sp eitar de
n a r e s “teóricas” com o p a n o de fu n d o p a ra o q u e v e m a seguir. E o q u e v em u m ensaio q u e não d á resp o sta a coisa a lg u m a e te rm in a no nad a. M as pode
a segm r é m in h a versão do processo d e constituição das profissões tradicio­ u m a u to r desejar m e lh o r p o n to d e p a rtid a p a ra u m a lo n g a, ed u cativ a e
nais (m e d id n a , advocacia e e n g e n h a m ) ao lo n g o do século X IX e d a s p ri­ esclarecedora conversa?
m a r a s décadas d o se g u in te. D e i ênfase à dim en são in stitu c io n a l, m a s não
fia d a s relações profissÕes/Estado o k à m m if à o en red o , m a s tã o -so m e n te o
fio q u e unifica a tra m a e lh e d á a lg u m a u n id a d e . A o c o n trá rio d e certo

p . 0r^ mpriVadaea nacional. São Paulo: C om panhia Editora

^Existem as notórias exceções, algum as das q u a « incorrem n o m esm o equívoco E m vários


aspectos u m dos melhores trabalhos já escritos so b re a questão, o estudo d e Fernando Uricoechea
p e ^ c h m e o t* w ebenano, tropeça n a caracterização d a G uarda Nacional com o serviço IM njco
l u fT 3 4111116,1510 ^sp o nsa P iM ale coUlha q u e distinguia os s t S
Jiturgjeos- ^Just as the kinship g ro u p is answerable fo r crim es o f its m em bers s o th e s c trm

^ “ itE ^ te ld “ ™ t , b l e . -Slqr g m c J L d '


fe rfk S fT “ “ • m “ ,b els- Simifarly th e v i l k j ^ became collectively liable for the
" t “ ■PoCtiml , „ d econom ic tAIigadona... O n e exam ple is r f i 0f

grotqj o f neighbors for th e iaw -abid.ng behavior and political compliance o f every m em ber ”
° £ S° u !l GUaKk NacionaL N os “ « » d e prestação individual de s e i w Z Ütúrgicos
^cfem am fas do soberano não podiam ser arbitrárias e as obrigações eram fixas,
inveiso d o q u e ocorria na G uarda Nacional o nde n ão taram enm os c o m a n S ^ t T S T .r

Im vp a h * S O n h o . Nova Yorfc Bedm inster P m » , voi, J , I9 « 8 , ° * 4


Á S PROFISSÕES IMPERIAIS / / 37

o D is trie t o f C olum bía a in d a conservavam a lg u m a fo rm a de re g u la m e n -


tação. A e lite m éd ica do le ste , g ra d u a d a e m C a m b rid g e , O x fo rd o u E d im ­
b u rg o , viu-se com pelida a abdicar d o p ro jeto de re p ro d u z ir e m solo am e­
ricano as gradações de s ta tu s e os privilégios associados à organização
h ie ra rq u iz ad a d a m ed icin a inglesa. A p a r tir d o s anos 3 0 , o radicalism o
laissez-fairiano d a d e m o c ra c ia ja e k s o n ia n a te rm in o u o d e s m o n te d a
2 regulação profissional. U m a advocacia sem ad v o g ad o s e u m a m edicina
sem m édicos, a p rática d e u m a e o u tra a b e rta a to d o e q u a lq u e r cidadão,
tal e ra o princípio do igualitarism o radical q u e os republicanos jacksonianos
E stado, m ercad o e as p ro fissõ es
o p u n h a m ta n to ao m ono p ó lio d a “a rte d e c u ra r” q u a n to aos privilégios de
s ta tu s reivindicados p o r m édicos e advogados.
Isso p o sto , o controle do nascente m etcad o d e serviços m édicos e legais,
q u e se ex p an d iria consideravelm ente a p a rtir d e m eados do século, to rn o u -
se u m a incum bência das lideranças profissionais, algo a ser o b tid o através
£ \ é s a G u e rra d a Independência* a tím id a e s tr u tu r a re g u la tó ria , g e ra l- d a co m b in ação d e fa to re s tais com o organização (a A m erican M edicai
m e o re ce n tra d a nas qualificações p a r a o lic en ciam en to p ro fissio n al, q u e  ssociation, e m 1 8 4 6 ; a A m erican B ar A ssociation, e m 1878), disciplina
alg em as colônias am ericanas haviam in s titu íd o p o r solicitação d e associa­ in te rn a e controle sobre as práticas profissionais (código de ética), ideologia
ções locais de m édicos e ad v o g ad o s co m e ç o u a se r d e s m o n ta d a .1 E stad o (“serviço público”), ênfase no trein am en to form al, controle so b te o ensino e
após E stado, os req u isito s form ais d e qualificação p a ra o exercício d a a d - sobre o s critérios de licenciam ento. E ntenda-se p o r controle d o m ercado de
v o eada e d a m edicina fo ra m ab o lid o s com o sobrevivências “a risto c rá ti­ serviços a elim inação d e p ráticas e p ratican tes concorrentes e não qualifica­
cas” inglesas incom patíveis co m a c u ltu ra ig u a litá ria d a n o v a n ação . O h ío dos através de alg u m a m odalidade de trein am en to form al: n a m edicina, as
e m 1802, a G eó rg ia em 1 8 0 6 , o Tennessee e m 1 8 0 9 , a C a ro lin a do S ul em inúm eras “seitas” curativas (hom eopatas, botânicos, thom sonianos, cientis­
1812 lid eraram o m o v im e n to d e desreg u iação d a advocacia, e m u ito s dos tas cristãos, h id ro p a ta s, etc.) e os “em píricos”, todos ig u a lm e n te identifica­
advogados d a elite tó ri tre in a d o s n a s In n s o f C o u rt p a rtira m p a r a o C an a­ dos com o charlatanism o, e n a advocacia os q u e haviam se qualificado no
d á o u p a ta a In g la te rra . A desreg u iação d o e x ercid o d a m e d ic in a teve an tig o sistem a d o apprenticeship. Todavia a fó rm u la não era eficaz p a ra con­
infcio em 1 8 2 4 no M aine, seguindo*© o E sta d o d e Illinois e m 1 8 2 8 e m ais trole d o m ercado sem q u e lhe fosse a d id o n ad o o ingrediente d o su p o rte do
quinze o u tro s e n tre 18 3 0 e 18 5 0 ; p o r v o lta d e 1 8 4 9 ap e n a s N o v a Jé rse i e E stado. O quase-m onopólio o b tid o pela m edicina a p a rtir dos anos 8 0 veio
n a esteira do desencanto com o laissez-faire> d o te m o r peias conseqüências
'É vasta a Etecatura sobre a medicina e a advocacia, am ericanas no século X IX . O leito r encon­
d a com petição sem. lim ites, d o crescente p o d e r das g ran d es corporações
trar!. o e aw m a l em Jeffrey B erlant, Profession and Monopoly: A Study o f Medicine in the United
States and Great B ntam . Berkeley: University o f California Press, 197 5 ; Paul S ta n ; The Social nacionais.2 O igualitarism o d a e ra jaeksoniana p e rd e ra se u en c a n to , e d e ­
Transformation efAmerican Medicine. N ova York: Basic Books, 1982; Sam uel H aber, The Quest
for Authority and Honor m the American Professions, 1750-1900. Chicago: U niversity o f C hieaeo
m andas p o r m ais p roteção dos interesses locais e p o r u m a presença mais
Press, 1991? Brnce K im ball, op. cit. Para os séculos X V II e X V III, v e t A k a R D ay “Lawyers
ia Colonial M aryland, 1 6 6 0 -1 /1 5 ”. The AmericanJournal o f Legal History, n. X V II , 1 9 7 3 pp.
1454; <55; Erwin „ Surrency, “T he courts in Am erican colonies”. The American Journal o ff ra*? 2A exclusão dos com petidores não foi com pleta porque alguns Estados concederam proteção
History, 11* 1 9 6 /, p p . 2 5 3-276. J ' g legal a certas medicinas “alternativas".
ativa d o p o d e r público, associadas ig u a lm e n te à “busca p e la o rd e m ”, leva­ nhados com os proprietários d e te rra , g a ra n tir a m a n u te n ç ã o d o s in stitu to s
ram a q u e E sta d o após E stado baixassem legislação re g u la tó tia e m vários d a herança e d a p ro g e n itu ra n a transferência d a p ro p ried ad e fu n d iária con­
setores d e atividades, inclusive sobre as condições do licenciam ento p a ra a tra as investidas dos reform adores q u e percebiam am bos com o obstáculos à
p rática profissional. livre circulação d a propriedade.5
N a In g la te rra , desde te m p o s im em oriais, a capacidade a trib u íd a aos N a m ed icin a, o monopólio dos “físicos” esteve assegurado desde p rin ­
juizes p a r a a d a p ta r e h arm o n iz a r o s co stu m es locais (tbe law o f the land ) cípios d o século X V I q u a n d o , p o r concessão real, foi criado e m 15 1 8 o
havia su b stitu íd o p rocedim entos de im posição d a s leis reais. A common lam R oyal C ollege o f Physicians co m am p lo p o d e r re g u la tó rio so b re a área de
nasceria assim fora das universidades e d a b u ro cracia real, e aos m ag istrad o s L ondres, m ais ta rd e am p liad o p a r a as províncias. D o A p o th ecaries A c t de
seria ta m b é m deixada a atribuição d e d efin ir as qualificações p a ra o exercí­ 1815 a té a unificação d a s trê s “o rd e n s ” m éd icas (físicos, ciru rg iõ e s e
cio d a s atividades forenses p e ra n te os trib u n a is so b sua jurisdição, l à l a tri­ apotecários) pelo M edicai A c t d e 1 8 5 8 , a p a rtic ip a ç ã o do E stado nas tra n s ­
buição eles d elegariam aos p róprios barristers q u e p e ra n te eles com pareciam form ações p o r q u e p assou n este p e río d o a m ed icin a inglesa foi d e n a tu re ­
n o s trib u n a is e qu e h aviam se organizado n a s q u a tro In n s o f C o u rt. D e sta za reativ a e co m p le m e n ta r. C o m efeito , o e stím u lo não veio d o E stado
fo rm a, a s In n s o f C o u rt vieram a g o z a r d e in te ira a u to n o m ia n o p rep aro m as de organizações com o a P ro v in cial M edicai a n d S urgical A ssociation
profissional d e seus m em b ro s e c o n tin u a ra m a re g u la r a té nossa época a (B ritish M edicai A ssociation a p a r tir de 1 856) e d e refo rm ad o res com o
atividade d o s barristers, 3 g a ra n tin d o -lh e s o m o n o p ó lio d a apresentação dos T h o m as W akeley, o ciru rg ião -ap o tecário e d ito r do The Lancet. T oda a tr a ­
casos p e ra n te a H ig h C o u rt e, através d o s vínculos com esta, d o m onopólio jetó ria de reform as foi g e s ta d a n a acirrad a d is p u ta e n tre físicos, p o r u m
d a acesso à m a g istra tu ra .4 T am bém o s solmlors, processualisras q u e g u a rd a ­ lado, e apotecários e cirurgíões-apotecários p o r o u tro , estes ú ltim o s d e te r­
v a m o acesso aos barristers e aos p ro ced im en to s legais, o rg anizaram -se na m inados a ro m p er, so b a lid eran ça de W akeley, o m ono p ó lio d o títu lo , se
T h e L aw Sotiety, e m 1 8 2 5 , p a ra p ro te g e r s e u m onopólio. E m b o ra não go ­ não m ais d a p rá tic a , sob o c o n tro le do s prim eiro s. M esm o os m ecanism os
zassem d o prestígio d o s barristers, a posição e stratég ica dos solicitors e m di­ reg u lató rio s d o M edicai A c t e ra m o p erad o s p elas trê s “o rd e n s”, a g o ra
versas q u estõ es legais dava-lhes condição suficiente p a ra , p o r exem plo, ali­ unificadas, e não p o r funcionários d o E stad o . N o te -s e , ad em ais, q u e a
re fo rm a m éd ica d e 1858 m a n te v e a “lib erd ad e d e c u ra r”, u m a afirm ação

^Poe d u a s vezes ao longo d e séculos os barristers tiveram su a autonom ia contestada e ameaçada:


do liberalism o c o n tra p reten sõ es m onopolísricas, e m b o ra a in stitu iç ã o d o
X V I p o r Carlos II e seu irm ão (que o sucedeu) Ja im e II; n o século X X p o r Mrs. M edicai R eg ister (u m a lis ta oficiai d o s m édicos qualificados c o m seus res­
Matga&etia T hatcher. Michael B urrage, “M rs T h atch er A g ain st th e ‘L ittle R epublics’: Ideology;
pectivos títu lo s) co n stitu ísse u m a a d v ertên cia à p o p u lação c o n tra o s servi­
Precedents, a n d Reactions”, e m Terence C. H atliday e L u d e n K arp ik (eds). Lawyers and tbe Rise
afWestsrx B ditical Liberalism: Europe and North Americanfrom tbe Eighteenth to Twentieth Centuries. ços d o s em píricos e d e o u tra s classes de p ra tic a n te s “alte rn a tiv o s”, in ib in ­
O xfiiK t C larendon Press, 1997, p p . 125-165.
do su a p re se n ç a no m ercado.
4W Üfüd Presr, “T he English Bar, 1550-1700“, em W ilfrid P rest (ed). Lawyers in Early Modem
Europe: a n d America. N ova Vbrk: H olm es & M eier; 1 9 8 1 , 6 5 -8 5 ; D . D u m ao , “Pathw ays to
professionalization: tbe English Bar in th e 18 th a n d i 9 t h contones'.Journal o f Social History, 13,
19S0', 6 1 5 -6 2 8 ; Berlant, op. cit.; Ivan W addington» “G eneral practitioners an d consultants in
early' n in eteen th -cen tu ry England: th e sociology erf a n intraprofessional conflict", em Jo h o
W hodw ard « D a v id Richards (eds), Ke«/rA Care and PopularMedicine in Nineteentb-Century England.
N ova Y otIc H olm es & Meier; 1 9 7 7 ,1 6 4 -1 8 8 ; S-WF-. Holloway, “Medical education in England, 5Eileen Spring, “Landowners, Lawyers, a n d Land Law Reform in N ineteenth-C entury E ngland”.
1830-1858'". History, 4 9, 1964, 299 -3 2 4 ; Michael B urrage, “From practice to school-based AmericanJournal o fLegal History, 2 1 ,1 9 7 7 , especialm ente p p . 56-59- Com o observa a autora, a
professional education: patterns o f conflict a n d accom m odation in England, France an d the transmissão da propriedade fundiária pela via da progenitura de ta! forma complicava a titulação
l i n k e d S tates”, e m Sheldon R othblatt e B jom W cttrock (eds), Tbe European and American e dificultava o registro de terras qu e as transações tornavam -se extrem am ente dispendiosas e
Unwetsiiiss since J800. Cambridge: Cam bridge U niversity Press, 1993, p p . 142-187. excepcionalm ente lucrativas para os solicitors.
II R evolução ab o liu a Ordre des Ávocats, q u e n o ancíen régirrn g o zara d e in teira
a u to n o m ia p a ra co n tro lar a p rática profissional e im p o r as n orm as d a profis­
P q ís b em , estas duas histórias to rn aram -se exem plares n a lite ra tu ra socioló­ são (fUOrdre est maítre deson tahkaux,!'}. T o talm en te desorganizada a advoca­
g ic a a té a p ro x im a d a m e n te a d é c a d a d e 6 0 . A d m itiu -s e c o m o p o n to cia, a Ordre seria restabelecida p o r N a p o íe ã o em 1 8 1 0 , m as sem os antigos
in d isp u tsd o q u e “profissão” eram apenas aquelas ocupações em cu ja co n sti­
p oderes a u to -reg u lató rio s q u e lhe seriam devolvidos in te g ra lm e n te apenas
tuição histórica o m ercado e não o E stado fora o fa to r d e te rm in a n te . E m
n a Terceira R epública. N e ste lapso d e te m p o ela esteve, em m a io r o u m e n o r
o u tro s term o s, profissão significava sem pre profissão "livre”, e n te n d e n d o -se
g ra u , d e p e n d e n te seja d o s controles d o s procareurs généraux, ainda no P ri­
p o r “W ” não apenas a a u to n o m ia do profissional n a p re sta ç ã o d o serviço m eiro Im p ério , seja d o s e sta tu to s q u e lh e im p u n h a o M inistère d e ía Ju stic e
m as ain d a u m g r a u superior de a u to n o m ia c o rp o rativ a p a ra o rg a n iz a r e
nos sucessivos regim es, e p o r esse â n g u lo a sucessão d e regim es políticos foi
controlar, sem intervenção do E stad o e in d e p e n d e n te m e n te d e q u a lq u e r ta m b é m u m a seqüência d e conflitos e n tre q s avocats e o E stad o , com a Ordre
m a n d a to e sta ta l, a p rá tic a coletiva dos profissionais. G m ono p ó lio le g a l d a
perseguindo p ersisten tem en te a recom posição d e su a a u to n o m ia . T am bém
p restaçao d e serviços q u e o E stado, com o m ero coadjuvante* concedera sob
a m edicina foi in te ira m e n te d eso rg an izad a p ela R evolução. R econstituída
o clam or âzs associações profissionais representava n a lite ra tu ra fim d o n alísta
p eia Lei d e V en tô se e m 1803, não recu p ero u todavia os privilégios e a a u to ­
não so m en te o reconhecim ento d a superioridade técnica das profissões so-
nom ia corporativa d e q u e gozara no ancien réghm. N o novo regim e o s médecins
j bre as ptãtieas. “empíricas” concorrentes, m as ta m b é m u m a proteção adicionai
não o btiveram o m onopólio d a “a rte d e c u ra r”, pois o E stado, a despeito das
I c o n tra a interferência do próprio E stad o . N u m e stu d o clássico, W iie n sk y
resistências, in s titu iu o officiat de santé p a r a servir nas províncias e p e rm itiu
j esb°Ç°a 13121 m odelo de desenvolvim ento das profissões no q u a l a seqüência
am p lam en te q u e o s curês prestassem ali serviços d e saúde.8 E se após o período
cronológica d o s elem entos e stru tu ra is (código d e ética, cotpo d e conheci­
anárquico q u e se seg u iu à Revolução a “liberdade d e c u ra r” não en co n tro u
m e n to a b stra to e sistem atizado, escola e associação profissionais) segue ap ro ­
abrigo legal com o n a In g la te rra o u apoio n u m a c u ltu ra ig u a litá ria com o nos
x im ad am en te a seqüência histórica de seu ap arecim en to n o s E stad o s U n i­
E stados U n id o s, n e n h u m a lei efetiva veio p ro te g e r os m édicos franceses d a
d o s e n a In g la te rra .15J u s ta m e n te a c u sa d a d e e tn o c ê n tríc a , e s ta versão
concorrência d o s “em píricos” e d o s charlatães n u m m ercado a in d a m u ito
anglo-am ericana d a constituição das profissões foi c a b a lm e n te desacredita­
e stre ito . A d em ais, p o r lo n g o te m p o estiv e ra m p ro ib id as p ela lei d e Le
d a n a m e d id a e m q u e historiadores com eçaram a re c o n stitu ir a h istó ria d a s
C hapelier as associações profissionais so b o arg u m e n to d e q u e na d a deveria
p ro fissõ es tra d ic io n a is (m ed icin a, adv o cacia e e n g e n h a ria ) n a E u ro p a
se in te rp o r e n tre o povo e o E stad o . A s q u e su rg iam tin h a m existência p re ­
c o n tin en tal.
cária e c aráter não oficial, e o p rim eiro sindicato m édico, criado e m 18 8 3 ,
E sta reconstituição m o stro u q u e foi necessário q u a se u m século p a ra
foi declarado ileg al no ano se g u in te. So m en te e m 1892 restaurou-se o m o ­
q u e a advocacia n a F rança se recuperasse d o g o lp e sofHdo .em 1190 J A
nopólio d o s médecins com a dissolução d o officiat, p erm itin d o -se ta m b é m a
criação dos sindicatos com p o d e r d e fiscalizar a p rá tic a leg a l d a m edicina.
t a i d L m n s k y , 'T h e professionalization o f e v e r y o n e r . A ^ J W ^ W ^ , 7 0, Ind iv id u alm en te, todavia, a p rá tic a m éd ica e ra “liberal”, isto é, os m édicos
v en d iam livrem ente seus serviços n o m ercad o . U m a vez estabelecido o for­
JC“ p a - F°lkks f^nce, 1814-1950: the state, the market and the
pubiic ^ W W £ w , 13 a 9 8 8 ,l°7-136;Macchew Ramsey-Thepolitfcstfpmfeasionai m a to institucional das profissões, o c o n tro le d o E stado foi exercido, princi­
monopofy .nineteenth century medicine: the French model andits rivals”, emGeraHL.Ge.son
1984 1700-1900- University of Pennsylvania Press ®Inúmeros leitores terão tom ado conhecim ento do officzat de santé através das desventuras da
848” I '‘TW ofmedka? P^srioaahzation m W e , 1845- infíel esposa d e u m certo m edíocre o ffkkr q u e clinicou durante o Segundo Im pério na pequena
1848 -jownalafSocia!Hmerry, 12,1978, 3-29. Michael Burrage, op. a t
cidade d e Tostes.
p a lm e n te , através d o ensino, já q u e as faculdades eram p ú b licas e, p o r m eio
advocacia. Tànto foi assim q u e no m esm o ano d e 1879 u m R egulam ento
dele, sobre o credenciam ento e o licenciam ento p a ra o exercício profissio­
dos H onorários A dvocatícios, reproduzindo e m nível nacional a introm issão
n a l N e s te caso fica ev id en te o co n tra ste com a In g la te rra , o n d e as universi­
dos an tig o s E stados nas relações encte advogado e cliente, e stip u lav a o valor
d a d e s d e elite privilegiavam u m a educação clássica em d e trim e n to d a for-
de vários serviços legais. O m esm o p adrão intervencionista o corria no âm ­
m a ç a o técnica, e c o m o s E sta d o s U n id o s, o n d e as escolas p a rtic u la re s
bito d a m e d id n a , q u e , p o r sinal, não estava unificada n a m aio ria dos E sta­
p re d o m in a ra m d isp u ta n d o c o m as associações profissionais locais a com pe­
dos. U m n ú m ero significativo de m édicos era d e funcionários públicos, “m as
tê n c ia p a ra licenciar p a ra o exercido profissional.
m esm o os d o u to re s n a p rá tic a priv ad a estav am sujeitos a u m co n ju n to de
T am bém a co n stitu ição d a s profissões n a A le m a n h a d o século X IX
regulam entos governam entais, os quais faziam deles, de fato , e m p a rte agen­
escap o u in te ira m e n te ao m o d e lo anglo-am ericano.9 A í a n o rm alid ad e d a
tes do E stad o (e, u su alm en te, não rem unerados). A lg u m as dessas exigências
reg u laçao e s ta ta l fazia p a r te d a m odernização in id a d a com as reform as
incluíam a supervisão local d e farm acêuticos, a redação d e relatórios perió­
napoleônicas, as quais colocaram n a m ã o dos E stados m aiores, com o a Prússia
dicos sobre as condições m édicas em suas localidades e o tra ta m e n to g ra tu i­
e a B aviera, u m p o d e r se m preced en tes. N eles os advogados e ra m tidos
to d o s in d ig en tes. H av ia restrições à sua U berdade d e p ra tic a r fo ra d e suas
m e n o s com o rep resen tan tes legais d e interesses privados p e ra n te os trib u ­
locafidades”.10O s ventos d a UberaUzação cheg aram ta m b é m à m edicina após
nais d o q u e com o fu n d o n ã rio s o u auxiliares d o Ju diciário. E sta concepção
a unificação d o Im p ério , m a s a ingerência d o E stado seria a in d a b astan te
d a advocacia com o se g m e n to d a adm inistração p ú b lic a estav a en raizad a n a
com um , com o nos conflitos e n tre m édicos e fu ndos d e saúde e m to rn o d a
noção d e q u e p e ra n te o E stad o o s direitos individuais se a te n u a v a m e q u e ao
adm inistração d o s planos d e assistência m éd ica instituídos p o r B ism ark.
advogado cabia d eclin ar d a rep resentação d e clientes com “interesses im ­
Foi assim q u e o E stado, que até en tão estiv era nos bastidores d a litera-
pró p rio s”, p o d e n d o o E stado in te rv ir p a r a correção d e “percepções equivo­
tu ra sociológica desem penhando funções m e ra m e n te d e su p o rte , foi trazido
cadas”. O ju rista d o E sta d o e ra o m o d elo d o advogado alem ão. A s associa­
à cena pelos historiadores com o u m d o s pro ta g o n ista s principais d a tra m a
ções profissionais e ra m to d as locais, sem pre sob a vigilância d o p o d e r público,
d a profissionalização. D e fato , o processo d a constituição d a s profissões
e n a P rússia eram os Ifib u n a is d e H o n ra , criados e m 18 4 7 e com postos de
m odernas n a E u ro p a c o n tin en tal to tn a -se incom preensível sem a conside­
rep resen tan tes d o governo e d e advogados criteriosam ente selecionados, q u e
ração do p a p e l d o E stad o . O único p ro b le m a foi o d e refu n d ir as d u a s histó­
cuidavam d a d isd p lín a profissional. E m o u tro s E stad o s e ra m o s trib u n ais
rias n u m único en redo, e nisso os sociólogos fracassaram : o u d av am u m fim
c o m u n s q u e fiscalizavam , d e n tro e fo ra do exercício profissional, o co m p o r­
ao E stado o u liquidavam com as profissões. C om o observou J o h n so n , fica­
ta m e n to dos advogados. A p a r tir d e 1 8 6 0 , e depois d a unificação d o Im p é ­
m o s com apenas d u a s conclusões alternativas: o u a u to n o m ia profissional o u
rio e m 1 8 7 1 , reduziram -se significativam ente as p rá tic a s re g u la tó ria s u n i-
regulação e statal.11 O u m ercado o u E stad o , com o preferem o u tro s.
laterais. O C ódigo d o s A d vogados d e 18 7 9 refletiu a te n d ên cia liberalizante,
Isso p o sto , fica b a sta n te claro q u e e n g lo b a r experiências históricas tã o
m a s o fa to ê q u e o E sta d o ja m a is re d ro u-se in te ira m e n te d a esfera d a
diversas so b o eixo de u m a única dim ensão d e “m ais” o u “m en o s” E stado
o u , inversam ente, d e “m ais” o u “m enos” m ercado é u m recurso analítico
S ie g m t, “Public office o r free profession? G erm an attorneys in th e n in ete en th and
b a sta n te precário e em pobrecedor. B a sta o b servar q u e, e m b o ra m e d id n a e
lf° /f f UnjVe£Slty F t e s ’ 1 9 9 0 ,4 6 -6 5 ; Charles E. M cClelland, “Escape
“ professionaIizacion> 187 0 -1 9 3 3 ", em R olf Torstendahi ‘“M cClelland, The German Experience..., p . 123-
& v e m O U9 7 ? i ? f lS P o ti o n f Professions: Knowledge, State and Strategy. Londtes: “ Terry Johnson, “T he state an d th e professions: peculiarities o f th e British", em A nthony Giddens
e G . Mackenzie (eds), Social Class and the Division o f Labour. Cambridge: C am bridge University
Press, 1 9 8 2 ,1 8 6 -2 0 8 .
ÁS PROFISSÕES IM PERIAIS / / 45

advocacia te n h a m estado n a F rança e n a A le m a n h a q u ase q u e p e rm a n e n te ­ do m onopólio dos físicos, tratav a-se de acom odar as dem an d as das ordens
m e n te so b pohcícas reg u lató rias, os m édicos e os ad v o g ad o s alem ães não m édicas inferiores, m as sem deslocam ento excessivo de valores e sem ofen­
concebiam a regulação e sta ta l com o fa to r adverso p a ra os seus p ro je to s p ro ­ d er ero dem asia os guardiães m ais exacerbados do laissez-faire. D a í tam b ém
fissionais. c m prim eiro lu g a r p o rq u e tais profissões não haviam conhecido a m an u te n ç ã o d a “liberdade de cu rar” .
n o século X V III a. a u to n o m ia d e q u e d esfru taram suas congêneres n a F ra n ­
ça. E m seg u n d o lugar, o burocraca alem ão, so b retu d o o ju rista d o E stad o ,
c o n stitu ía u m m odelo ocupacional d e excepcionai prestíg io e p o d e r, razão ill
p e k q u a l m édicos e advogados não viam n a instituição d e u m m e rc a d o de
Ao fim e ao cabo, talvez se pudesse dizer q u e identificar laissez-faire com
serviços livres a m e lh o r v ia p a ra a estabilidade e p a ra o sucesso profissionais.
ausência d e ação e sta ta l e regulação com “m ais E sta d o ” constitui rigorosa­
O s m édicos não se o p u n h a m ao princípio d a “lib e rd a d e d e c u ra r" e , de fa to ,
m en te u m a ilusão de perspectiva. C om en tan d o a expansão do credo laissez-
n e g a ra m apoio à legislação q u e p u n ia os p ra tic a n te s não licenciados. A d e­
mais^ co m p artilh av am com o re sta n te d a classe m é d ia e d u c a d a (a Bildung- fairiatio n a In g la te rra após 1830, K a rl Polanyi observava q u e a via p a ra o
livre m ercad o foi a b e rta e assim m a n tid a p o r u m m o n ta n te sem precedente
bürgmum ) u m a visão escatista-eorporativa d a sociedade d a q u a l n ã o estav a
a u se n te u m a acen tu ad a inclinação p a ra co o p erar c o m o g o v e m o . M esm o no d e intervenção e sta ta l e q u e , assim , “não h av ia n a d a d e n a tu ra l no laissez-

curso d o processo d e liberalização nas décadas de 6 0 e 7 0 advocacia e m e d i­ faire £...} o próprio laissez-faire foi im p o sto pelo E stad o . O s anos trin ta e
cin a m a n tiv e ra m u m a e stre ita associação com o E stad o . In v e rsa m e n te , os q u a re n ta viram não apenas u m a explosão legislativa repelindo regulações
restritivas, m as ta m b é m u m enorm e acréscim o nas funções adm inistrativas
advogados franceses p artic ip a ram ativ am en te d a q u e d a d o s sucessivos regi­
do E stad o , a g o ra d o tad as de u m a burocracia cen tra l capaz d e realizar as
m e s a té a Terceira R epública, tra n sfo rm a n d o fre q ü e n te m e n te o s trib u n a is
tarefes p o sta s pelos seguidores d o liberalism o £...} o laissez-faire não foi um
n u m eficiente in stru m e n to d e p ro p a g a n d a po lítica. A lém disso, a a m p litu ­
m éto d o p a ra se o b te r algo, ele era o algo a ser o b tid o ”.12 N estes term os, não
d e d a regulação profissional n a F rança e ra m en o r, b a sta n d o o b serv ar nova­
haveria q u a lq u e r paradoxo na afirm ação d e q u e em sociedades d e pouco
m e n te q u e a incapacidade d a m ed icin a francesa d e se a u to -re g u la r com o
E stado, com o o s E stados U n id o s e a In g la te rra , u m a das condições d a a u to ­
corporação não im p e d iu q u e os m édicos in d iv id u alm en te exercessem seu
nom ia das profissões foí a intervenção do E stado. N o s m esm os term o s, seria
ofícto d e n tro dos m esm os m o ld es “liberais” co m q u e o exerciam os m édicos
am ericanos o u ingleses. razoável rever os estudos sobre a fase fo rm ativ a das profissões no m u n d o
anglo-am ericano, pois é p ouco provável q u e o laissez-faire in stitu íd o pelos
T am bém as trajetó rias d a s profissões n a In g la te rra e n o s E sta d o s U n id o s
to rn a m -se superficialm ente sem elh an tes q u a n d o exam in ad as p e k ó tic a d a jacksoníanos te n h a escapado à “equação Polanyi .
M as Polanyi ain d a não resolve to d a a q u e stã o . Ele apenas qualifica seus
oposição e n tre a u to n o m ia profissional e regulação e sta ta l. A a tiv a po lítica
anti-reguiacória d a era jacksoniana, fu n d a d a com o estava e m valores ig u ali­ term os sem abandonar, todavia, u m a visão essencialm ente convencional da
a n títese intervenção estatal /laissez-faire. C om o tê m sugerido revisões con­
tários, co n tra sta v a com o liberalism o in d iferen te o u , n a m e lh o r d a s h ip ó te ­
tem p o rân eas ta n to d a h istó ria das instituições políticas inglesas q u a n to das
ses, c o m o ate n u a d o e reativo intervencionism o d o P a rla m e n to in g lês. N o s
suas articulações com a Revolução In d u stria l d eflag rad a n a m e ta d e do sécu­
E stad o s U n id o s trata v a -se d e n e g a r às profissões o s ta tu s diferenciado q u e
reclam avam com base e m critérios “aristocráticos” com o educação fo rm a i e lo X V III, é possível ag o ra reler o laissez-faire m enos com o o resultado dè

acesso privilegiado a u m corpo d e conhecim ento especializado. N a In g la ­


te rra , o n d e u m a educação d ã ssic a no siste m a O x b rid g e e ra u m a das bases L2K arl Polanyi, The Great Transformation. Boston: Beacon Press, 195/7, p . 139-
Kj
l
iim a m a d ç a intervenção do E stad o n a esfera econôm ica-do q u e com o u m a historiografia liberai q u e re tra ta a econom ia d o século XVEX com o u m sis­
deliberada, difusa e d iscreta política d e generalizada perm issividade com te m a d e m ercado liv r e ’ negligenciou a experiência d e am plos setores d a
relação a vários tipos d e p ro p rie tá rio s.13 A o co n trário d a d e Polanyl, e sta força de tra b a lh o (jovens, m ulheres, trab alh ad o res sem especialização o u
m irada repõe a substância escam o tead a p e ia m io p ia das teorias d o “pouco sem i-especializados d e todos os tipos), o s q uais vivenciavam s e u cotidiano
E stado”, m a s sem lhe d ar d e m asiad a visibilidade, sem to rn á -la p o r dem ais d e tra b a lh o d e n tro d e u m a e s tru tu ra legal ‘a u to ritá ria ’ q u e restrin g ia seve­
óbvia. À s vezes d an d o apenas fo rm a à “idéia” d o E stado, o u ao E stad o com o ram en te seus direitos d e tra b a lh a r o u não trabalhar» de escolher suas o c u p a ­
construção c u ltu ra l d ilu íd a em p rá tic a s cotidianas e, p o r isso, taken fo r ções, de ab a n d o n a r u m em prego p o r o u tro o u d e se c o m p o rta r In su b o rd i­
gramed.14 Sem a ênfase de Polaeyí, m a s com as som bras das suas p alav ras.15 n a d am en te’ com seus p atrõ es.”17 E ventuais te n ta tiv a s d o P a rla m e n to de
O perado este deslocam ento d e perspectiva, descobre-se u m E stado m u ito a lterar tais o rd en am en to s tradicionais através d e e s ta tu to s não raro eram
ativo e m lugares insuspeitados. P o r exem plo, reg u lan d o as relações d e tra ­ declarados inconstitucionais p ela m a g istra tu ra so b o a rg u m e n to de q u e vio­
balho através d a resistência d o s m a g istra d o s ingleses em refo rm ar a common lavam disposições d a common law e precedentes já ju lg a d o s p e la s trib u n ais.
law. A ênfase, b a sta n te exclusiva e convencional, n a (não) regulação d o m e r­ Se não bastasse isso, o C om bination A c t d e 1800 colocou fo ra d a íei to d a s as
cado e o m ito d a soberania d o P a rla m e n to nas funções de laum aking p e rm i­ form as d e negociação coletiva; a H o u se o f C om m ons p ro m u lg o u íeis p ro i­
tiram aos econom istas e aos d e n tista s políticos erigir k e n n e tb burkean am en te bindo a sindicalização e m várias ocupações e localidades; o M a ste r a n d Servant
u m a m o d e rn a ecclesia lib eral so b re u m a cloaca àç relações d e tra b a lh o d esp ó ­ A ct d e 182 3 definia a q u eb ra de c o n tra to d e em p re g o p o r p arce dos- p a trõ e s
ticas, m edievais e d esu m an as.16 C abe a q u i u m a transcrição m ais lo n g a: “A com o u m m ero d elito civil, q u e a o u tra p a rte p o d ia re m e d ia r através d e ação
judicial, m a s com o crim e o ro m p im e n to do c o n tra to p elo e m p re g a d o , sujei­
Pfokp C o m g a a e D e rek Sayer, The Great Arch: English State Formation as Cultural Revolution. tando-o a condenação, m u lta e prisão.18 P o r longo prazo o m ercado d e tr a ­
ndres: Basil Blackwell, 1985, p . 9 1 - Pára os autores é um equívoco confundir o laissez-faire balho ficaria suspenso “e n tre a servidão feu d al e o sistem a c o n tra tu a l livre
n a Inglaterra do seculo X V III com ausência de regulação estatal ou interpretá-lo com o expres­
s o de u m Estado im potente m esm o quando com parado aos absolutism os continentais d a econom ia po lítica do século X IX ”.19
7 “ ’ C<T ÔqDeiem C0rr‘San eSayer- “« a te s* * * : th e arcane rituals o fa court o f law, th e form ulae Pois b e m , a legislação tra b a lh ista v ig en te n o s E stad o s U n id o s a té as
o f royal assent to a n Act o f Parliam ent, visits o f school inspectors, are all statem ents. They
e ne, m g re a t details, acceptable ferm sand im ages o f social activity an d individual a n d collective prim eiras décadas d o século X X e ra a inglesa, a d a p ta d a aq u i e ali às condi­
identity; th ey regulate, in empirically specifiable ways, m u ch — very m uch, by th e tw entieth ções do país.20 Seria e sta herança histórica, m u ito m ais d o q u e a função
^ life' Indeed’ “ se n se 'th e S ta te ’ ^ e r stops talking”. Id em ,ibidem , p. 3
w e th in k n o t m words b u t in shadows o f words. Jam es Joyce’s m istake In (hose otherwise constitucional d e rev er decisões d o s o u tro s dois p o d eres, o q u e explicaria
raarvelous rr^ n ta l soliloquies o f his consists in th a t he gives too m uch verbal body to tho u g h ts ” m elhor o ativism o d o s juizes n a adjudicação d o s conflitos tra b a lh ista s e sua
Vladimrr Nabokov, Strong Opinions. N ova York: V intage Books, 1990, p . 30. Com entário parti­
cularm ente oportuno se, de foto, com o sugere E rnst Bloch, o Estado, desde q u e desapareceram resistência e m ced er terren o aos e s ta tu to s d o C ongresso o u d o s legislativos
os fantasm as, e u m a entidade das m sis invisíveis. Sem elhante é a versão de M alloy segundo a estaduais n o d o m ínio d a common law . C om o n o ta K a re n O trea* o s juizes
th e sta te ts n o t an entity o r a th in g th a t can b e k now n directly. Rather, th e sta te is a
theoretical concept n o t unlike those in o th er disciplines such as subatom ic particles, intelligence
« o u rm u c m an, o r the like. Such theoretical entities, w hile crucial to theory, cann o t'b e grasped "P atrick K . O ’B rien, “Political preconditions fo t th e Industrial Revolution”, em Patrick O ’Brien
directly b u t are know n only indirectly b y m eans o f theoretically constructed indicators such as e Roland Q u m au ît (eds), The Industrial Revolution and British Society. C am bridge: C am bridge
traces in a d o u d cham ber, th e results o f intelligence tests, o r the fluctuations o f aggregate University Press, 1993, p- 130.
econom ic data*. Jam es M alloy “Statecraft, Social Policy, and Governance in I a ti n Am erica" '“David Philips “C rimpy law «nd p u nishme n t in the Industrial Revolution .E m P a tric k K .Q Brian
G overnance,^. 6 , n . 2 , abril de 1 9 9 3 ,p - 2 2 6 . e Roland Q u in aalt, op. cit., p . 168. O M aster an d Servant A ct só foi revogado em 1875.
“ “W h at m ore fittin g place to erect one s church th an above a sewer! O n e m ig h t even say th a t ’’Patrick K. O ’Brien, o p. c í t , p. 130.
sewers are w hat churches are for. B u t usually this is done b y laying all th e stress upon the eccksia ^Sobre este p o n to sigo d e perto o texto de K aren Orren» “L abor regulation an d constitutional
arid its b e au ty .. . K enneth Burke, The Philosophy o f Literary Form. Berkeley: T he U niversity o f theory in th e U nited Slates an d England“1. Political Theory, vol. 2 2, n . 1, fevereiro d e 1994, p p .
California. Press, 1973, p- 259. 98-123.

AS PROFISSÕES IMPERIAIS / / 49

o b stru ía m o trabalho do s legisladores com o a rg u m e n to d e q u e os e sta tu to s agências. D ev iam se r elas a ex ten são d a cidadania a n tes do q u e in stru m en to
p o d ia m su p le m e n ta r a camman law o a esfera d a s relações de tra b a lh o m a s dos políticos, e sua. tarefa era essencialm ente a d m in istrativ a e não a de legis­
não ãLterá-ia substancialm ente, em b o ra não oferecessem a m esm a resistên­ lar o u fazer com q u e as leis fossem aplicadas...”.22 O in ten so trabalho ideo­
cia n o cam p o do direito com ercial. F o r quê? P orque, ta l com o as relações lógico d e legitim ação d a nova o rd em , o ingente esforço p a ra conservar o
e n tre cônjuges, o u en tre p ais e filhos, as relações e m p re g a d o -p atrã o tin h a m m ito do “E stado fraco” e d e u m ap arato burocrático essencialm ente distinto
raízes e m íeis n atu rais”, ao passo q u e as relações d e negócios e ra m “artifi­ das burocradas fortes e centralizadas dos E stados eu ro p eu s não foram de
ciais”. O u po d ia m os juizes invocar o princípio d a n ão -retro ativ id ad e, con­ todo bem -sucedidos: “u m ‘sentido de E stad o ’ to m a c o n ta d a política am eri­
sag rad o n a common law, p a ra invalidar os e sta tu to s com o a rg u m e n to d e q u e cana con tem p o rân ea. Trata-se do sen tim en to de u m a organização com p o ­
a lte ra ra m post boc as condições so b as quais e m p reg ad o s e p a trõ e s haviam d e r coercitivo q u e o p e ra p a ra além d e nosso controle im ed iato e q u e p e n e tra
estabelecido seu c o n tra to . E m síntese, “e m su a m a io r p a rte , a le i tra b a lh ista em todos os aspectos d a nossa vida. A esta organização tem o s cham ado de
am ericana p erm an eceu com o cmrnon law , p ro d u to d a s decisões ju d ic ia is__ Estado administrativo, Estado burocrático, Estado capitalista, Estado corporativo,
d e fato* legislação judicial — , basead a e m a n tig o s precedentes,, sem p a rtic i­ Estado pós-industrial, Estado regulatório, Estado do bem-estar, m as tem o s ainda
pação seja d o s legislativos estaduais, seja dos legisladores nacionais”.21 D e de considerar a g ran d e ironia histórica q u e p erm an ece p o r d e trá s destes
fã te , a p le n a soberania do C ongresso e d o s legislativos estad u ais n a fe itu ra rótulos. Pois, afinal d e contas, é a ausência d e u m se n tim e n to de E stado o
d a s íeis viria, no en ten d im en to d e O rre n , com o o p ro d u to d a ação coletiva q u e te m sido o g ra n d e traço distintivo d a c u ltu ra política am ericana” (ênfa­
d o s trab alh ad o res am ericanos n o século X IX e m resistência l.common law âo ses no original).23
senhor-e-servo. E p o r a q u i descobrim os a chave p a ra o u tro en ig m a: com o O ra , o fato d e q u e em vários E stados am ericanos a regulação d a advoca­
re g u la r se m ap aren tem en te ab d icar d e u m “E stado fraco”. cia e o re to m o d a legislação reg u lató ria d a m edicina te n h a m sido p a rte
P o r v o lta d e 1870 to rn o u -se b a sta n te claro p a ra os am ericanos q u e a deste am plo processo d e “reconstrução” do E stado cobre d e densas nuvens
p o íth c a d e laim z-faire produzira efeitos colaterais indesejáveis: incensa u r­ d e ceticism o a tese d a predom inância do m ercado no processo de profis­
banização seg u id a de tensões sociais sem p reced en tes n a h istó ria d o país, sionalização nos E stados U nidos.
rá p id a centralização d o p o d e r econôm ico p ela via d a cartelização e concen­
tração d a econom ia, crescentes pressões sobre o ideal d a ig u a ld a d e d e opor­
tu n id a d e s e am pliação das desig u ald ad es sociais. N a v ira d a d o século, a IV
extensiva intervenção das a u to rid ad es p a ra c o n tro la r o processo d e m u d a n ­
ç a havia, d a d o cabo do “caráter excepcional" da. sociedade am ericana, pois H á , finalm ente, a q u estão do “projeto profissional”, u m conceito im p o rta n ­
e n tre 1S77 e 1920 foi se p u ltad o o se n tim e n to d a “ausência d o E stad o ” . te nas análises d e institucionalização das profissões. C u n h ad o p o r M agali
A g o ra h av ia a “busca de o rd e m ", e a saíd a foi a criação de u m sem -núm ero Sarfari L arson, ele rem e te às estratégias pelas quais, n a fase d o capitalism o
d e agências adm inistrativas e re g u la tó ria s fu n cio n alm en te especializadas, com petitivo, as lideranças profissionais n a In g la te rra e nos E stados U nidos
in d e p e n d e n te s e escassam ente articu lad as en tre os diversos níveis d e gover­
no.. N o com entário de H a m ilto n e S u tto n , “a fam ília, a criança, a co m u n i­ ^G ary H am ilton e Jo h n R. Sutton, “T he problem o f contraí in th e w eak state: dom ination in
th e U nited States, 18 8 0 -1 9 2 0 ”. Theory and Society, 18/1, janeiro d e 1989, p . 32.
d a d e , o m ercado e o consum idor — estes e ra m os objetos d a atenção das ^Stephen Skowrooek, Building a Mew American Stale: The Expansion o f National Administrative
Capacities, 1877-1920. Cambridge: C am bridge University Press, 1982, p . 3. Citada na nota
anterior^ o trabalho de H am ilton e Sutton ocupa-se precisam ente do esforço ideológico de
Zlidem 7 ibidem , p . 103.
legitimação do novo Estado interventor.
m overam -se em direção ao monopólio d o m ercad o d e serviços, p o r u m lado, sance d u clien t. E n au c u n cas ií. ne p e u t être exsgé,”26 Funcionários públicos
com licenciatura e m direito não o b tin h a m m a tríc u la n a Ordres a q u a l, invo­
Mobilidade coletiva, p o r o u tro , n u m a o rd e m social ta m b é m
em ergente que se organizava em to rn o 'd o cash nexus. L iteralm en te: ‘‘Vejo a cando a proibição de assalariam ento e a rejeição a relações d e subordinação,

5a0 como o processo pelo q u a l p ro d u to re s d e serviços espe­ traçou u m a rígida fronteira e n tre a advocacia e o serviço p ú b lic o . D esde
ciais procuram cnr... ■ . 1822 o exercício d a profissão era incom patível com o d e atividades com erciais
wiistituir e controlar u m m ercad o p a ra su a perícia. E p o rq u e
sacionável 0urn mercacj0 é u m e lem en to crucial n a e s tru tu ra o u de interm ediação d e negócios, e 20 lo n g a das décadas seg u in tes a Orâre
d a desigualdade m A im pôs regras ainda m ais restritivas à adm issão n o Tableau. A p a rtir d e 1865
moderna, a profissionalização surge também com o u m a afir-
ficava pro ib id o aos advogados franceses servir e m q u a lq u e r função e m e m ­
d StatUS esPec‘a^e com o 11111 processo coletivo d e m o b ílid a-
_ 2sce°dente (ênfases no original).24 P rojeto profissional talvez seja presas públicas o u sociedades an ô n im as, q u a n d o seus agressivos colegas

importante na análise d e L arson, aq u ele q u e o rganiza to d a am ericanos j á en trav am n a era d a advocacia em p resarial.
visao d o desenvolvimento d a m edicina e d a advocacia nos E stados C om o m o stra K a rp ik , foi n a esfera po lítica q u e os advogados franceses
U n id o s e n a Inglaterra. estabeleceram as bases d e se u p ro je to coletivo.27 N o s períodos e m q u e o
conflito e n tre E stado e sociedade civil se ac e n tu o u , eles la n ç a ra m m ão da
"d ^ ersPectlva não e tn o c ê n tric a, a q u e s tã o su sc ita d a é: e nas
_ , e 0 Estado, e não o m ercado, c o m a n d o u a organização das retórica, d a m obilização política e d a e stim a q u e a leí lh es e m p re sta v a p a ra

possível aí resgatar an alitic a m e n te u m p ro jeto profissional? O en carnar fielm ente a opinião p ú b lica, n u m a lu ta incessante p a ra lim ita r os
q u e supostam ente j . poderes d o E stado. E , ta m b é m , p a ra recu p erar su a in dependência através
e Pode significar “profissionalização” n a A le m a n h a a té o
X3ínn^O1 do } d a restauração d a a u to n o m ia d a Ordre. O s trib u n a is tra n sfo rm a ra m -se em
, X IX , onde ascender individual o u coletivam ente
amento estam ental estav a sim p lesm en te fo ra d e to d a cogi- arenas político-jurídicas, so b re tu d o p o r ocasião dos ju lg am en to s m ais im ­

1 . ° m on°pólio de m ercado d e serviços e ra u m a noção fo ra do p o rta n te s. D ivergindo e n tre si, v io le n ta m e n te às vezes, n a p o lític a o u n a

_ ’ arespeito, o caso d a advocacia, a profissão m ais p ró x im a das C âm ara, “não hesitavam e m defen d er o s adversários n o s trib u n a is o u em
^ ia do em qualquer sociedade. reu n ir seus tale n to s n u m a causa co m u m ; a indiferença q u e exibiam nos
França a Qrdre adotou u m a posição n itid a m e n te an ticap ítalista e trib u n ais pelas cores políticas p o d e ser explicada pela existência d e u m in ­

» e»garantida a p rerro g ativ a d o s avocats d e a p re se n ta r os casos teresse to ta lm e n te com partilhado* q u e a apresentação do s casos jam ais dei­
pera as cortes, não se em penhou ela e m m o n o p o lizar o u tra s funções le­ x o u de m o stra r: a exigência d e u m a .urdem legal capaz de garantir as liberdades
gai a dos avouês, dos agréés e dos notaires. O código d e ética d a profis- fundamentais"2* (ênfase no original)..
goroso, e a Qrdre aplicava punições p esad as nos casos d e infração.25 N a A lem an h a e ra d e o u tra n a tu re z a o p ro je to coletivo d o s advogados n a
prá tic a privada.29 O b jeto fre q ü e n te d a h o stilid ad e do E sta d o , o p ro jeto d a
su a independência profissional e sta v a m in te rd ita d a s aos advo­
ga publicidade, a procura d e clientela e a exigência d e honorários:
etre un p résen t libre, u n tr ib u t volontaire d e la reconnais- “ G uilhaum e Ernest Cresson, Usageset n g ksd i ktpnfession d’awcat. M s : Larose & Parcel,vol.
1 ,1888, p. 3 0 5 . , _ ,
KMagaÍf S atiãti la rs o n 7 7 , D- ^P rojeto coletivo não equivale a p r o j e t o ^ ^ W i u m concerto q u e descarto p o r razoes q u e logo
afCalifoaaik Press, I 9 7 ' K ° f Professionalism: A SociologicalAnalysis. Berkeley: U niversity
e estratégias perfeita ’ F Larson adverte q u e ° conceito de “projeto” não postula objetivos ficarão claras ao leitor.
antes enfatiza a “ - ente daros para os participantes, nem m esm o para as lideranças. Ele ^ Í a X o ld ^ r ív a d a n a A le iW ^ s ig a d e p e r r a o p n m o r o s o e s m d o d e K e m ie th F .L e d f o r d ,
ífe srôas j * COQsist«icia qu e p odem ser reveladas ex postfacto num a variedade
Frcm General Estate to Speãal Interest: Germm Lawjers, 1878-1935 - Cam brsdge: Cambn. ge
^ c o m e n tá d o s ^ ! r SCOnexas” <P- 6>‘ University Press, 1996.
S e n te s sigo Karpik, op. d t .
A ém katut eom ou-se indissociável d o p ro jeto político liberal d a Bürgeríum, fundido d o reino de H an ô v er p a ra alguns o u tro s E stad o s, e n a Prússia os
d a qual os advogados eram u m elem ento c o n stitu in te . B asicam ente, o p ro ­ "conselhos d e honra" concediam aos advogados privados a lg u m a a u to n o ­
jeto liberal, a o tes e após a unificação dos E stados alem ães e m 18 7 1 , consis­ m ia d is c ip lin a r. Á A sso c ia ç ã o d o s A d v o g a d o s A le m ã e s (Deuíscher
tia em estabelecer o im pério d a lei, in stitu ir u m a o rd e m legal {Rgchtsstaod) Anuiahverein), de âm b ito nacional, já existia desde 1 8 7 1 , e p a rte substancial
que. im pusesse iimices ao p o d e r arbitrário d o E stad o , protegesse os direitos do p ro g ra m a d e reform as veio e m 1878 com o E sta tu to dos A dvogados
individuais, abrisse espaço p a ra a auto-afirm ação d a cid ad an ia e liberasse o ('ggcbísarm/ahsordnung)?2 A p a rtir d e sta d a ta a advocacia n a A le m a n h a to r­
indivíduo d a cam ísa-de-força d e u m a o rd em e sta m e n ta l. N o p en sam en to nou-se progressiva e e stru tu ra lm e n te m ais assem elhada às suas congêneres
liberal alem ão , o caráter universal desse projeto residia n a universalidade d a nos E sta d o s U n id o s e n a I n g la te rra , m a s s e m e lim in a r d e to d o suas
Bürgeríum c o m o p o rta d o ra dos interesses do co n ju n to d a com u n id ad e cívi­ vínculações com o E stado.
ca.30, O ra , p o r su a c u ltu ra e perícia nos a ssu n to s legais, p ela p rá tic a profis­ N ã o im p o rta q u e, elim inados os gran d es focos d e a trito com o E stado a
sional in d e p e n d e n te , p o r su a atividade cívica e po lítica, os advogados ti­ p a rtir d a Terceira R epública, o prestígio d a advocacia francesa te n h a e n tra ­
n h a m , n a concepção d o s teóricos d o liberalism o alem ão, a m issão histórica do em declínio o u q u e a Advekatur te n h a fracassado n a função d e p o rta d o ra
d e lid e ra r a realização do p ro je to lib e ra l C abia a eles “serem os educadores, do p rojeto liberal d a Bürgeríum , 33 A m b as tiveram seu p rojeto coletivo (não,
guias e p o rta-v o zes da Bürgeríum, despercando-a p a ra seus d ireito s legais de obviam ente, u m “projeto profissional” no sentido q u e L arson d á ao term o),
proteção c o n tra a arbitrariedade governam ental, rep resen tan d o -a d ia n te dos ainda q u e as respectivas agendas de profissionalização não te n h a m sido or­
trib u n a is e m su a lu ta p e la certeza e regularidade n a aplicação d a lei civil, e ganizadas p rio ritariam en te em to rn o d o casb nexus. P ercorreram u m a e ou ­
servindo com o seus tu to re s e rep resen tan tes, prim eiro a nível local e even­ tr a se u trajeto histórico nos lim ites do q u e L ucien K a rp ik ch a m o u de eco­
tu a lm e n te a nível nacional, a té q u e a Bürgeríum crescesse o suficiente em nom ia d a m oderação” e nos trilhos de u m a “função representativa” n a esfera
m a tu rid a d e po lítica p a ra a d q u irir a au to d e te rm in a çã o seg u n d o o m odelo política, am b as ausentes com a m esm a in ten sid ad e d a experiência d e suas
inglês”'.2,1Todavia o s advogados não hav eriam de desincum bir-se d o seu p a ­ congêneres inglesa e am ericana.
p e l e n q u a n to o E stado regulasse o nú m ero dos q u e p o d ia m d e n tre eles apre­
sentar-se d ia n te d e q u a lq u e r trib u n a l, e n q u a n to estivessem su b m e tid o s à
m e sm a disciplina d o s funcionários pú b lico s (e com estes fossem confundi­ 32Em 1876 haviam sido prom ulgados o Código Civil, o C ódigo Criminal e a Lei da Constitui­
ção dos Tribunais. O s advogados privados participaram ativam ente nos debates q u e antecede­
d o s pelo pú b lico e m geral), e n q u a n to estivessem im p ed id o s d e estipular ram a redação final do Código Civil, e ju n to com os juristas do Estado garantiram a abrangência
seus. p ró p rio s honorários. nacional d o Código, bloqueando a inclusão de cláusulas relativas a interesses setoriais ou regi-
onais. V er Michael Jo h n , “T he peculiarities o f th e G erm an state: bourgeois law and society in
À re fo rm a d a advocacia p riv a d a e ra , assim , u m a p reco ed ição p a ra a th e Im perial era”. Past and Present, a . 119, m a io d e 1 988, p p . 105-131-
realização d o p ro jeto liberal: a extinção d a nurmrm clausm , a auto-regulação 33Nestes term os, a própria Biir^erturn teria fracassado na missão de assum ir a liderança na política
e n a sociedade, dilacerada internam ente ao se confrontar com as forças de preservação da
profissional através d e associações a u tô n o m as, a lib erd ad e d e c o n tra ta r li­ hegemonia tradicional dos Junkers, po r um lado, e com a política de massas do Partido Social
v re m e n te c o m os clientes. E nfim , a instituição d a freie Aduokatur. M as al­ Democrático. E seu fracasso teria colocado a Alem anha na “via especial” (Sonderweg) que a con-
duziriáà era do nacionalsocialismo. Ledford, o p. cit., p . xxi- E ntretanto, advirto o leitor de q u e a
g u n s sucessos já estavam consolidados. D esde 1 8 4 8 , a instituição d a Kamrmr, tese do fracasso da Bürgeríum, um a ortodoxia na historiografia alem ã que Ledford aparentem en­
ó rg ão pcofissionai disciplinar de c a rá te r oficiai e com pulsório, havia se di­ te endossa, foi brilhantem ente contestada po r GeoffEiey» “T he British Model an d the G erm an
Road: R ethinking the Course o f Germ an H istory Before 1914”, em D avid Biackboum e G eoff
Eley, The Peculiarities o fGerman History: Bourgeois Society and Politics in Nineteenth-Century Germany.
30A Bürgrtum seria a versão liberal do "Estado gera!" q u e H eg el identificara com os aitos Oxford: O xford U niversity Press, 1984, pp. 3 9 -1 5 5 -0 ensaio de Blackboutn no m esm o volume
fü n ao o árib s d o Estada.
(‘T h e Discrer Charm o f the Bourgeoisie: Reappraising G erm an H istory in the N ineteenth-
3‘Ledford, o p. c i t , p . 4 .
Centnry”) vai na m esma direção.
IV d a s e n sa ta a d v e rtê n c ia de B a u d ritla rd .36 Pois b e m , h a v ía m o s deixado
J o h n so n q u a n d o ele nos dizia q u e as profissões c o n s titu e m u m a condição
A o fim e ao cabo, q u a l e n tã o a a lte rn a tiv a à an tin o m ia e n tre a u to -reg u lação d a form ação do E sta d o e q u e a fo rm ação d o E sta d o é u m a d a s condições
profissional e regulação e sta ta l? T e n ta tiv a m e n te, p o d e -se seg u ir u m a vez d a a u to n o m ia d a s profissões — o n d e e la ex iste. E le re to m a a conversa
m ais a J o h n s o n e afirm ar q u e e s ta é u m a falsa a n tin o m ia . C om o u m a in tro d u z in d o o co n ceito d e g o v e rn a b ilid a d e (gpverttmentality) to m a d o d e
fo rm a d e in stitucionalização d a perícia, as profissões te ria m sido d e sd e o em p réstim o ao célebre m âitn apenser. G o v e rn a b ilid a d e , n o s diz ele, “são
início do século passad o , m esm o em países d e “p o u c o ” E sta d o , p a rte in te ­ to d o s os p ro c e d im e n to s, técnicas, m ec a n ism o s, in stitu iç õ e s e co n h ecim en ­
g r a n te d o g o v ern o o u , o q u e significa a m e sm a coisa, d o processo d e for­ to s q u e , e m c o n ju n to , energízam os p ro g ra m a s e o b jetiv o s d o g o v ern o (e
m ação d o E sta d o . A ssim , p ro p o sta s p a ra red u zir a a u to n o m ia d o s barristers
q u e ta is p ro g ra m a s estejam a lin h ad o s c o m o processo d e “n orm alização” e
fracassaram p o r ex ig ê n d a d a s in stitu içõ es d o E sta d o lib e ra l d em o c rá tic o ,
“d is d p lin a m e n to ” d o s sujeitos n ã o in te re s s a m u ito a J o h n s o n , e m b o ra seja
as qu ais e m e rg ia m n a d e p e n d ê n d a d a d o u trin a d a separação d o s p o d e re s
o coração d a m a té ria p a ra F o u c a u lt). O r a , e fácil p e rc e b e r o n d e e n tra m ai
e d a in d e p e n d ê n c ia d o judiciário. O u , com o diz J o h n s o n , n a I n g la te rra o
as profissões c o m se u corpo d e co n h e c im e n to s e técn ica. E las são p a rte
E stad o e sta v a se to m a n d o d e p e n d e n te d a in d e p e n d ê n d a das In n s o f C o u rt.
in te g ra n te d o processo d e g o v ern o e d a g o v e rn a b ilid a d e , indissociáveis
P o r s e u la d o , n o c o n te x to d o Im p é rio britânico a m ed icin a te ria sido o
deles e , p o r ta n to , d o Estado,, q u e é a p e n a s o “resíd u o in stitu cio n alizad o
exem plo d e u m a p ecu liar m istu ra d e profissão e d e E sta d o q u a n d o a B ritish
d o governo”, a fo rm a q u e ele a d q u iriu n a s sociedades m o d e rn a s. J o h n so n
M ed icai A sso ciatio n negociava m elh o res condições d e tra b a lh o e d e salá­
d ispensa, p o is, a noção de E sta d o co m o a g e n te cujo p o d e r cresce n a p ro ­
rio p a r a o s m édicos coloniais, m as go zan d o sim u lta n e a m e n te d a condição
p o rção e m q u e in te rv é m n a sociedade civil (p o r e x e m p lo , re g u la n d o as
de corporação autônoma e su p ran acio n al em su a fu nção d e c o n su lto ra do
profissões). D e sa p a re ce , sim u lta n e a m e n te , a id é ia d e q u e a s profissões se
C olonial O ffice.
fortalecem e se a u to n o m iz a m n a m e s m a p ro p o rç ã o e m q u e o E stad o se
L o g o , com o q u e r Jo h n so n , a fo rm a ad e q u a d a d e e n te n d e r as relações
en fraq u ece. Belo c o n trá rio , elas sã o , d e sd e o inicio, p a r te in te g ra l d o a p a ­
e n tre E stad o e profissões seria e m term o s d e u m processo histórico n o q u a l
ra to in stitu c io n a l e d o s recursos d e g o v e rn a b ilid a d e q u e c o n stitu i o E s ta ­
“as profissões emergem como uma condição da formação do Estado e a formação do
Estado como uma condição maior da autonomia profissional — o n d e esta ú ltim a d o , e , p o rta n to , dissolve-se a d u a lid a d e E stado-profissões, a a n tin o m ia
exista”54 (ênfase no original). m e rcad o -E stad o n a q u a l a, lite ra tu ra sociológica e n c e rro u o processo d e
profissionalização.
N e s te p o n to devo reg istrar u m a dificuldade. Pois, se Jo h n so n leva a
V sério F oucault,37 ele deve ad m itir q u ã o in te ira m e n te v ã é su a p retensão (e a
pretensão d e q u a lq u e r o u tro sociólogo) d e e tn a d a r a dinam ica das relações
L a m e n ta v e lm e n te , e m tra b a lh o p o ste rio r35 J o h n s o n deixa-se se d u z ir p elo s e n tre E stado e profissões (o u a d e q u a lq u e r o u tro processo histórico) fo ra d a
d elírios e p ístêm ico s e p e la p re stid ig ita ç ã o v e rb a l d e F o u c a u lt a d esp eito m o ld u ra do foucaultianism o, ta n to q u a n to é in ú til bu sc a r n a h istoriografia
os o o n trafattu ais à “história" d e F o u c a u lt, p a ís seu p ro je to é precisam ente o
14Idem , p . 189.
^T enyjofeoson, “G ovem m eatality and the institutionalization o f expertise”, em Terry Johnson,
Gerry Larkin e M ike Saks (eds), Health Rnpectives and the State in Europe-. Londres: Routledtre ^Jea n BaudoHard, Oublier Foutatdt. Paris: É ditions Galilée-, 1977-
1995, p . 7 -2 4 . 0 * q u e , devo esdarecer, não é o m eit casa.
56 ft EDM UNOO c a m p o s c o e l h o
AS PROFISSÕES IM PERIAIS / / 57

<?e cfescruir a historioeraS- v - i»


 d m írin d o -se ^ m r . “ « v e n a o n a l e m to d a s as suas v e rte n te s * de decisória e m m atérias específicas. N ão h á ta m b é m p o r q u e fazer restri­
pt oSs m
i c o ss h
n eeuur t&
í s t ítíc
c o sf f« e a qtK.j0hnS0D apenas ^ F o a c a o l t c o m p to - ções a Jo h n so n q u a n d o nos diz q u e “os m édicos estão in tim a m e n te envolvi­
«u* a rq u e c ío s-a ( ’ ~ ^ ^ Codavia SOS func?am encos e p iste m o íó g ic o s d e dos a a geração d e definições oficiais d a realidade” o u q u a n d o afirm a q u e “há
fc -l « * ,rd e m a s“ d a m e n “ » Séri0 ° F o u c a a k -t* * » ™ - um sentido real em q u e , zelando pelas definições estabelecidas de doença, a

E scoiho. pois, . ° d a l° 80 6 P ” ” 8 ' * “ COnVeiSa' profissão {m edicina} é o E stado” . S u rpreendente seria q u e os governos das
Isso posro, comern ^ > sociedades contem porâneas orientassem seus p ro g ram as pelas definições dos
im torã^a, * V t °bSm a P e rfd a é > * fe“ » « * leigos o u q u e os adeptos dos Florais de Bach falassem pelo E stado em m a té ­
restriçõ es a > W „ NS» « «™ > W ria de saú d e pública.
aeoxraE dadedaperíc- ° ^ “° S g ° VemQS d e p e n d e m d a J o h n so n se equivoca, to d av ia, ao p ro p o r q u e “o sucesso dos m édicos
d o observa que “a “ £* a to m a r S -vernáveis realidades sociais’ o u q u a n - na co n stru ção d e u m a realidade social u n iv e rsa lm e n te v álid a é u m a conse­
sões e a autoridade “ a ” ÍdadeS P ríd c a a d “ P » S - qüência d o seu reconhecim ento oficial com o p e rito s” . A o co n trário , o re­
Drocesso d e t o m a r « * ™ cu !ad a „ profissionalism o estão im plicadas no conhecim ento oficial d o s m édicos com o p e rito s é conseqüência d o seu

c o g n o sd v e is, pr a t íci, * ” f Í m 0dem a ^ “ “ £ ' “ n ím ia * sucesso n a c o n stru ç ã o d e u m a realidade u n iv e rsa lm e n te válida. Profissões
« firm an d o q u e o co n h « O T e rn o ” - E u Jo hnson q u e , co m o a m edicina o u a e n g e n h a ria , p o d e m em ú ltim a in stân cia a p o n ­
estão , d e f e t o . d i s s e n T T “ “ CSpedaliZado e a P e d d * <•<* p ro fissio n a is ta r p a ra o s fu n d a m e n to s científicos de sua base co g n itiv a e so b re tu d o p a ra
*> q u a n to p j r a os J ! ^ S° d e d a d e e disP o o ív eis ta n to p a r a o g o v e r- os re su lta d o s p rático s d e suas técnicas e p ro c e d im e n to s acu m u la ra m ao
m esm o p a ra a o u e fa ^ * ° P 5 em a° S P r0« ram as d o S " ™ » e ate' iongo d e ste século u m m o n ta n te in d isp u ta d o d e “créd ito social” e u m a

fcgovem abiiidade 8 ^ 8™ * a u to rid a d e c u ltu ra l v irtu a lm e n te in c o n tra stá v e l e in d e p e n d e n te de reco­


nhecim ento oficial. M esm o a advocacia, cu ja base co g n itiv a é de n a tu re z a
q u e o governo u t f e a J rf“ T ’““ “ de de
P* cm dos profissionais p a ra m elh o rar su a capacida­ m enos técnica d o q u e n o rm a tiv a , dispõe d e u m a “tecn o lo g ia” a lta m e n te
a p u ra d a e so cialm en te valorizada. A d vogados são especialistas e m re d a ­
38Q u a I q a e r q u e s e ja o g r3 u d e -
q u e s e j a o g i a u de legitim idade S * * * episcêm íca <*o p e o s a m e n to n e s te /w de s& k , q u a lq u e r ção d e c o n tra to s, e m com plexas m atérias fiscais, e m in terp retação d e textos
co n tem porâneas, estam os ainda * m o d e m a c o n ced e 3 0 & w d a s ciên cias sociais legais, e m co n d u ção d e litígios e n tre cidadãos o u e n tre estes e ó E sta d o , e
q o e s e en co n trav a o p e n s a i ^ S T ? meCaf?síco e ^Ô i^à p e m e rt n o está g io e m
q o e i « j * í á f aM trconespon.fc enCaI n o 8601110 X V n > to ta lm e n te c e g a d o s p e ia ilu são d e em alg u m a s sociedades são eles os especialistas e m m u d a n ç a e adap tação
a história, (so b retu d o a h istó ria l ^ D “ so se d e d u z q u e a sociologia, de e s tru tu ra s ad m in istra tiv a s g o v e rn a m e n ta is e m situações d e razoável
reiScações d e e stratég ias p UtamL * OB a “ “ « * P ° lfc c a a p e n a s a b stra ç õ e s ou'
em cada ép oca s u a empHràétaen n t - i“ S u,stlcas a tQ v é s d as q u a is e sta s d /sc ip íín as c o n s titu e m risco d e íngov ern ab iíid ad e.
d a q u a l F o u cao it veio n o s ce<üxnir T T * } e ía s m a n if« ta ç õ e s d a m e s m a irracio n alid ad e N a d a disso a p o n ta p a ra a essencial id e n tid a d e e n tre profissões e E sta ­
da. pós-m o dfecairiade. M íchel Fouca I 2' Q OS’ co m ^ p e « co n d escen d ên cia, p a r a as luzes
tíb& a* p r e tw s ã o d e se r o m am o f ^ Párís: G * U im « d , 19(56. Q u e F o u c a u ft do p ro p o sta p o r Jo h n so n . Terence H a llid a y su g e riu q u e no curso deste
La w renee B írk en , “F oucauit m a r ép o ca fo i « p e r ta m e n te p e rc e b id o p o r século dois fen ô m en o s co n co m itan tes o co rreram : d e u m lado, profissões
A m arigljo". H btory o fP o lu L l p T T S T - . ' S th e híSt° r y ° f eco n o rn ic th o u g h n a te ío in d e r to
reivihdicat m o n u m e n to s pessoais 3> 1 9 9 0 , p p - 5 5 7 - 5 6 2 . D ig a -se d e p a ssa g e m q u e
com o m ed icin a e advocacia tra n sp u se ra m os lim ites d e sua fase fo rm a tiv a
ses, inim itáveis nacharm com q u e T " * * ínsofieáveI tn c lm a ç io dos in te le c tu a is fran c e- e c o n stitu íra m u m significativo e valioso portfolio d e recursos h e te ro g ê ­
Veja-se Pierre B o u rd ieu , Para ^ “ ^ m T O n fo re a v e ím e n te e n tre a G u n ilà n d ia e a S o k a lá Q d ia .
apresam e avant-V ^,. a « “ to n a d a so cio lo g ia b e m p o d e ria se r p e rio d iz a d a em neos, tan g ív eis e intangíveis; de o u tro , os governos v iram -se pro g ressiv a­
m e n te e m m eio a sucessivas crises g erad as p e la incap acid ad e d e a te n d e r a
núm em ciesceoce de d em an d as não ra ro c o n tra d itó ria s.39 A crescente in ­ despeito d e F o u cau lt) a m edicina não lo g ro u falar pelo E sta d o no século
tervenção d o E sta d o na so cied ad e m u ltip lic o u as m a lh a s d a re d e d e X V III senão d u ra n te os períodos d e em ergência provocados p o r su rto s epi­
Interdependências n a q u a l viu-se ele e n re d a d o a p o n to d e su scitar d ia g - dêm icos; cessados estes, a aliança e n tre m edicina c E stad o , a ju sta d a d e n tro
nósricos de im in e n te in g o v ern ab ilid ad e. A tese desen v o lv id a p o r H alH day do a p arato b u rocrático, se dissolvia.40 A Société Royale d e M édecíne, q u e
e a de que estes dois co n ju n to s d e processos ev o lu íra m d e u m E stad o d e nos projetos d e T u rg o t deveria in stitu ir u m a "polícia m édica” com o aspecto
justaposição, n o q u a l m u d an ças em si im p o rta n te s e m ca d a u m não p ro ­ p erm an en te d a po lítica d o E stado, ficou reduzida, a té o C onsulado, a p o u c o
duziam c o n ju n tam en te q u a lq u e r efeito, p a r a o u tro d e convergência no m ais q u e u m a agência d e coleta d e relatórios locais sobre as devastações
qual 0 E stado insaciavelm ente co n so m e p erícia, e, c o rre la tiv am e n te , as epidêm icas.41 O conflito q u ase p e rm a n e n te e n tre a Ordre des Ávocats e os
profissões, agora m enos d e p e n d e n te s d a s concessões d o g o v ern o e m ais sucessivos regim es autoritários d u ra n te o século passado e a hostilidade dos
seguras q u a n to aos seus privilégios, oferecem recu rso s (além d a p erícia, governos absolutistas nos E stados alem ães com relação à advocacia priv ad a
tam bém in â u ê n d a política, p re stíg io , o rg an ização e u m n u m ero so q u a ­ não se h arm o n izam c o m a tese d e Jo h n s o n . N a In g la te rra , o p restíg io
dro de associados) p a ra m a n te r o u a u m e n ta r o g r a u d e g o v ern ab ilid ad e ocupacional d o s barristers e d o s físicos tin h a em p a rte o rig em no fato d e q u e
durante as crises. C om o su g ere o títu lo d o livro d e H alliday, p a ra a lé m d a não estavam a serviço d o E stado e q u e haviam se organizado fo ra d o seu
estreita preocupação com m o n o p ó lio s típ ic a d e s u a fase fo rm a tiv a su rg i­ âm bito o u d o â m b ito d e q u a lq u e r e s tru tu ra burocrática m o ld a d a à sua fei­
ram agora as “profissões cívicas” . ção. Isto não q u e r dizer q u e fossem indiferentes ao E stad o , m as ap enas q u e
A tese d e Jo h n so n m ostra-se m u ito m ais frágil q u a n d o e x am in ad a no estavam nele interessados unicam en te com o fonte d e privilégios e d e capa­
contexm da fase de form ação das profissões m o d e rn a s ao lo n g o d o século cidade au to -re g u la tó ria.
passado. E dlficil im aginar o q u e ele consideraria com o perícia profissional
neste período, e a dificuldade não é ap enas o efeito d e u m a avaliação re tro s­
pectiva com os critérios de u m a era su p e rio rm e n te d o ta d a d e conhecim en­ VI
tos e tecnologias. A noção tão c ara aos jacksonianos d e q u e q u a lq u e r cida­
dão dotado de bom senso po d eria ser seu p ró p rio m édico e advogado não Feitas cantas restrições e qualificações, vejo-m e n a contingência d e d efen­
era fruto tão-som ente de inclinações ideológicas. C orrespondia precisam en­ d er-m e d e eventuais acusações d e b o n g o bongoísm o.42 Sendo assim , e a des­
te ao geral reconhecim ento d a precariedade d a base cognitiva sobre a q u a l p e ito d a s dificuldades a té a q u i m en cio n ad as, a d m ita m o s p a ra efeito de
os profissionais fundavam suas p ráticas e à recusa d o s governos e m oficiali- arg u m en tação q u e a antinom ia. “E sta d o forte/E stado fraco foça a lg u m sen­
qualquer das definições concorrentes d e realidade pro d u zid as p o r "sei­ tid o e te n h a a lg u m a u tilid a d e an alítica p a ra o estu d o d a form ação das p ro -
tas” profissionais.
■^Nestes casos, seria difícil dizer se os problem as dos governos estavam restritos à debelação
Ao fixnea© cabo, a noção d e q u e as profissões fo ra m sem p re (e p e rm a ­ das epidem ias (o q u e nunca conseguiram ) ou se os riscos da ingovernabilidade com punham -se
necem sendo) passivos in stru m en to s d e gov ern ab ilid ad e re q u e r considerá­ da revolta das populações subm etidas compuboriam eo.ee às. quarentenas e à vigilância sanitá­
ria. Em m ais de u m a ocasião, os segm entos m ais pobres acreditaram n u m a conspiração de
veis qualificações, ainda m ais d o p o n to d e v ista histórico. N a F rança (e a
- m édicos e governantes para eliminá-los.
'“J a n G oldstein, “M oral contagion:: a professional ideology o f m edicine a n d psychiatry in
e ig h teen th -an d nineteenth-century France”, em Gerald L. Geison (ed), o p. cit., p p . 197-198.
B^ondMonopoly: Lauryers, State Crisis, and Profissional Empmvermnt. Chicago- 42“~. Bongo-Bongoism , th e trap of all, anthropological discussion. H itherto w hen a generalization
m7r análisededasum is tentatively advanced, i t is rejected osrt o f co u rt b y any fieldworkers who can say: T h is is all
P o a t o d e p a ^ p ^ uma■exce|ente “ bentre
relações * ^perícia
de eCh^ to Wprofissões
poder, entre o c3o
very well, b u r i t doesn’t apply tothe- Bomgo-Bongo.'“ M ary TSoxt^lss^NaturalSymMs:: Explorations
in Cosmology. H arm ondsw orth: Penguin* 1 9 7 8 , p - 16.
fissões RO século passado. A d m itam o s, pois, q u e a F rança n o século X IX las sociedades faltas d e “u m a trad ição h istó rica e legal d e E sta d o com o
ram a u m "E stado forte” que im pôs regulação profissional, ao contrário da instituição q u e ca g e ’ em n om e d a au to rid a d e p ú b lic a £...] ta n to q u a n to de
In g la te rra o u dos E stados U nidos com seus “E stad o s fracos” e suas profis­ u m a trad ição de c o n tín u a p reo cupação in te le c tu a l com a Idéia d e E sta ­
sões a u to -reg u lad as. Se desejam os e ste n d e r a análise ao caso brasileiro, a do”-44 N ã o é este o caso. M as se h av ia a lg u m “E sta d o ” no B rasil d o Im p é ­
prim eira questão é: q u e tipo de E stado era o brasileiro, d ig am o s, d u ra n te o rio e ra , creio e u , u m “E stado ex tern o ”, se m raízes n a sociedade.
Im pério?
H á , to d av ia, u m a o u tra fo rm a de e n q u a d ra r a q u e stã o : se a você d esa­
M in h a p ercepção é de q u e a h isto rio g ra fia brasileira c o n té m am b as as g ra d a a noção de q u e a a u to rid a d e d o E stad o em a n a d a v o n ta d e o u d a
respostas: “E stado fo rte ” e “E stad o fraco”, e m b o ra não p re c isa m e n te nes­ soberania p o p u lar, m e lh o r não u tilizar o conceito d e E stado e m seus a rg u ­
tes term os.. N ã o v o u a q u i rever o q u e já foi e x a u stiv a m e n te ex p o sto p o r m en to s políticos; su b stitu a -o , p o r ex em plo, p o r “governo re p re se n ta tiv o ”
ou tro s a u to re s, a lin h a n d o as teses d e N e s to r D u a rte , O liv e ira V íanna, e p ro p o n h a p a ra operacionalizá-lo o sufrágio censitário. E sta p o d e se r u m a
R a im u n d o F aoro, F ío restan F ern an d es e o u tro s m e n o s v o ta d o s. O ra é o boa e s tra té g ia se você é u m lib eral brasileiro d o século p assado: ela elim i­
“d o m ín io p riv a d o ” q u e se im põe ao “d o m ín io p ú b lic o ”, o ra o inverso; o ra n a os inevitáveis p ro b le m a s de convivência d o liberalism o com a d e m o ­
e a te se d e u m E sta d o “fo rte ” cujo d e sp o tism o sá n ã o se m a n ife sta p o r cracia, tu d o em n om e d e u m a Razão Ilu s tra d a — a dos “cidadãos b o n s”
força d a p erso n alid ad e a m e n a do soberano q u e exerce o P o d e r M oderador, — e d a o rd e m p ú b lica. A e stra té g ia é p a rtic u la rm e n te reco m en d áv el a
ora. e a te se do p o d e r privado reca lc itra n te q u e resiste e se im p õ e local­ u m lib e ra l se sua aplicação estiver a carg o d o s conservadores e ig u a lm e n te
m e n te aos desígnios d e u m E stado q u e n ã o c o n se g u e alcançá-lo e m seus a u m conservador se su a aplicação estiv er a cargo dos liberais. P revina-se,
fortificados d o m ín io s m unicipais e p rovinciais. In te rm in á v e l, e sta é u m a e n tre ta n to , co n tra alg u n s efeitos colaterais: o p e rm a n e n te q u e stio n a m e n to
co n tro v é rsia co n stru íd a p o r ilu stra d o s leito res d a ciência p o lític a m o d er­ d a le g itim id a d e d o governo e do reg im e, a co ntestação d e jacobinos e o
n a , n a o pelos, p e rso n a g e n s q u e p a rtic ip a ra m d a h istó ria p o lític a do Im p é ­ receio p e rm a n e n te d e q u e os excluídos saiam às ru as p a ra v io len tas m a n i­
rio . D e fa to , s ã o é in te ira m e n te eq uivocada a noção d e q u e o B rasil, p elo festações d e inconform ism o. A in d a assim , e se o reg im e d u r a r p o r, d ig a ­
m eeo s o d o seculo X IX , não e ra u m p aís d e cultura e s ta ta l e , com efeito, o m os, cin q ü e n ta anos, m u ito s analistas ch am arão no fu tu ro d e “fo rte ” a ta l
te rm o E sta d o fre q u e n ta v a p ouco os d e b a te s n a s c â m a ra s legislativas, os E stad o sem q u e isso lhes cause o desco n fo rto d e u m p a rad o x o . Seja com o
a rg u m e n ta s d o s políticos e e stad istas, as seções p o líticas d o s jornais ou os for, creio q u e o p ra g m a tism o d o s nossos políticos e esta d ista s do século
escritos d e c a rá te r m ais do u trin á rio « F alava-se m u itíssim o , p a r a defendê- passado não e ra co m p atív el com construções a b stra ta s. A o conceito ju rí­
lo- e p a r a ata c á -lo , d o G o v ern o , d o P o d er E xecutivo e d o P o d er M o d era­ dico d e E stado preferiam suas form as co n cretas, as e stru tu ra s o rg an iza­
dor, g e ra lm e n te p a ra d e n u n c ia r ascendência so b re a P oder L egislativo, a cionais d e g o v ern o . M as, fa lta n d o -lh e a noção d e in teresse coletivo e sem
irresp o n sab ilid ad e d o s m in istro s e m relação ao C o rp o L egislativo e , so­ u m co rre sp o n d e n te conceito de sociedade civil (o q u e d a ria se n tid o ao de
b re tu d o , p a r a reivindicar descentralização e m a io r a u to n o m ia provincial. finalidade d o E stado), a representação d o s “h o m e n s bons” ap e n a s reagia,
S obre o E sta d o , qu ase n e n h u m a referência — exceto na s rela tiv a s ao C on­ sem p ro je to arquitetônico, a eventuais deslizam entos d o terren o q u e am ea­
selh o d e E sta d o . M as, a c o n tin u a r nas p e g a d a s d e jo n e s , co m e te ría m o s a çavam u m a a in d a rú stica edificação g o v e rn a m e n ta l (su a C asa, a p ro teção
h eresia d e d e c la ra r o B rasil Im p e ria l com o u m ^ta teb ss society, u m a d a q u e - c o n tra a R ua), acrescen tan d o -lh e, sem q u a lq u e r p reo cupação d e funcio-

S * n a épOCa para 3 das fo°sSe* do E stado, procure o leitor


« fc a ra f r e c h o , do Carmo ‘•Estado” nos ViJconde d e UrL. S. Jo n es, The French S tate in Q uestion: Public Law and Political A rg u m en t in th e T hird
Republic. C am bridge: Cam bridge U niversity Press, 1993, p- 8.
n a ü d a d e o u sim e tria , a rte fa to s in stitu c io n a is c o p iad o s d e p ro je to s feitos B o a e a g e n h a ria so d a t é c a m b e m o que. e ria a nação, e s ta “inovação
p a r a o u tro s te rre n o s, o u tro s clim as e o u tro s usos.45 hísrórica re c e n te ” com o a c h a m o u H o b s b a w m ; e com a n ação o n ac io n a ­
O que o s analistas m odernos cham am de “construção d o E stado” adqui­ lism o, o E sta d o -n a ç a o , os sím b o lo s e a h is tó ria n ac io n a l, t u d a o q u e os
riu no caso d o Brasil um sentido quase literal d e engenharia adm inistrativa o u estad istas brasileiros fracassaram e m c o n stru ir. N e s te p o n to p e rc e b o a
institucional. M á engenharia, e n tre ta n to . A d m itia o visconde de U ru g u a i q u e necessidade d e q u alificar ô p a rá g ra fo anterior acrescentando q u e a cons­
“a legislação q u e reg u la a nossa organização e hierarquia adm inistrativa, a q u e tru ção d o E sta d o brasileiro,, se é q u e ta l expressão faz a lg u m se n tid o neste
criou as M unicipalidades, os Juizes de Paz, o Código Crim inal, o do Processo, caso, ob e d e c e u m ais à lógica d a bricolage d o q u e à ló g ica d a e n g e n h a ria .49
o A to A dicionai, a íeí de 3 d e dezem bro de 1841, a do Conselho d e E stado, O q u e fizeram o s nossos hábeis bricdm rs d o século p a ssa d o foi p recisa­
etc., tu d o isso foi feito aos pedaços, sem verdadeiro nexo, em épocas diversas, m en te coletar e arm azenar u m variad o e sto q u e d e m a té ria -p rim a h eteró clita
nas q u ais dom inavam vistas e idéias desencontradas, e não te m p o rta n to , nem e d e fe rra m e n ta s “p ré -c o n stra n g id a s”,, o s “re síd u o s d e c o n stru çõ es e d e ­
o u tra coisa p o d ia ser, aquele nexo, aquela previsão, aqu ela harm onia, aquele m olições” d a e n g e n h a ria in s titu c io n a l e u ro p é ia d e diversas ép ocas (a lg u n s
desenvolvim ento q u e um a boa, com pleta e perfeita legislação deve te r”.46 já ob so leto s n o s países de o rig e m ) p a r a utilizá-lo s e m e rg e n c ia ím e a te , sem
E ste edifího e ra irregular, esta o b ra era desconexa p o rq u e feita d e rem endos q u a lq u e r p ro je to o u noção d e c o n ju n to , m a s sim p le sm e n te p o rq u e “isso
díspares tarados de tecidos estranhos, o “fruto d e ta n ta s lu tas, d e ta n ta s dores sem pre p o d e serv ir”, e m b o ra “isso” n ã o te n h a sido o rig in a lm e n te conce­
e d e ta n ta experiência” alheias. O bservava o V isconde q u e “procedem em bido p a ra a ta re fa o u p a ra o s p ro p ó sito s im e d ia to s p a ra o s q u a is a g o ra o
g ra n d e p a rte os inconvenientes dos nossos R egulam entos d e serem copiados,
d estin a v a m .50 Tal e q u a l n a descrição d o V isconde d e U ru g u a i. W a n d e rle y
m a l e sem o s devidos descontos, dos regulam entos franceses, em dem asia
G uilherm e d o s Santos ch a m o u nossa atenção p a ra o fetichism o in stitu cio n al
m inuciosos e q u e tu d o qu erem uniformizar, centralizar, p ro v e r e dirigir” .47
do s liberais d o Im p é rio e creio q u e c a b e a m p lia r se u significado: a in d a
O ra, as instituições que servilm ente copiávam os, “principalm ente as inglesas,
q u e p ré -c o n stra n g id a s, a in d a q u e m o ld a d a s p o r o u tra s circu n stân cias his­
am ericanas e francesas, fo rm am u m todo sistem ático e harm ônico. C ada u m a
tó ricas “a s in stitu iç õ e s e ra m as in stitu iç õ e s e to d o o p ro b le m a político
d e suas m o las supõe o concurso e jôgo d e o u tras, certo espírito, hábitos, cará­
co n sistia e m a fa sta r o s o b stá c u lo s a s e u livre fu n c io n a m e n to , a saber, o
te r nacional e-certas circunstâncias, cuja falta não é possível suprir”.48 O b ra de
p o d e r do m o n a rc a ” .51 E q u iv o caram -se.
b o a engenharia política.
Vale a p e n a reiterar, a g o ra n o s te rm o s d e L évi-Strauss, a desm d in ação
« D iz » P a u lin o jo sé Soares de Sousa: “N ão ju lg o perfeita a lei d e 3 de ou tu b ro , ela não está em
perfeita hamaa o » com os princípios abstratos da ciência. Está, porém , e m m ais hatm onia com ^Sabceàrkolage sigo a q u i a Claude Lévi-Strauss,lL* PemieSauvage. Paris: PIon, 1 9 6 2 , sobretudo
as nossas peculiares circunstâncias. U m edifício levantado em terre n o desigual, cheio de altos pp.. 2 6 -3 3 - G ia n fra n c o P o g g i n ão e n co n tra razões p a ra o u so do te rm o state building.
e baixos, n ã o p o d e apresentar a sim etria e regularidade e te r a beleza de o u tro levantado em “Furthermore, th e concreto historical processes leading to tire em ergence o f a sta te have typica y
terreno ig u al e plano.” Em Joaquim N abuco, Um estadista do Império. São Paulo- In stitu to b een protracted , ten ta tiv e, an d circuitous, an d have presented a -wide discrepancy b etw een
Progresso Editorial, 1949, vol. I, p p . 190-191. undertaking a n d outcomes. Sim ilar aspects o r phases of these processes have received, m different
46Visconde de U ruguai, Ensaios seère o direito administrativo. Rio de Janeiro: Ministério da Justiça dra in sta n ce s, w idely different justifications an d interpretations b y th e participants— a n appeal
1960, p - 122-A prim eira edição data d e 18 6 2 .0 Visconde certam ente não se vê na companhia dos here t o dynastic interests, there to national in te g rity th e re ag ain to th e need to create larger
bncokurs q u e , supostam ente, seriam em suas “exagerações" doutrinárias majoritariam ente liberais. m arkets. All this m akes d o u b tib l th e ‘stare-building’ im agery, th e n otion th a t th e historical
Um equivoco d o Visconde. Apesar d e sua percepção fimcíonalista e orgânica da organização events involved actua tized a conscious purpose, an explicit design." The Development o f the Modem
m stituaonai d e o stra s sociedades, tam bém ele foi exímia brkakstr desde sua passagem pela presi­ State- A Sociological Introduction. Stanford: Stanford U niversity Press, 1 978, p . 99-
dência d a p so v ráo a d o Rio de Janeiro, m andando traduzir, im prim ir e distribuir m anuais e livros *5eauram ente a nostalgia do. Im pério distorceu a percepção d e Joaquim N abuco: "A M onarquia
didáticos franceses aos professores e alunos da província. Ver lim ar Rohloff d e M attos, O tempo para aquelas épocas de arquitetos, pedreiros e escultores políticos mcomparaveis, era um a bela e
SaquarenuK Â formaçãodo Estado imperial. Rio de Janeiro: ACCESS Editora, 1 9 9 4 , p p . 256-257 pura forma--."- M inha Formação. Rio d e Janeiro: W M -Jackson Inc., 1948, p . 3 2 8 . _
""Visconde d e U ruguai, op. d t., p . 3 5 9-360. " m n d e r te y G uilherm e dos Santos, “Paradigma e H istória: A O rdem B urguesa na Imaginaçao

“ Idem , íbidem , p , 383- Sedai Brasileira”, em Ordem burguesa e liberalismopol&ka.. São Paulo: D u as Cidades, 1978, p. 51.
dos nossos escsdiscas oitocentistas p o r sistem as e noções ab stratas.52 Abricolage e l i t e s profissionais fazem o u deixam d e fazer re p e rc u te sobre as dem ais
io s titu d o n a l d e u m visconde d e U ru g u a i o u d e u m N a b u c o d e A ra ú jo su ­ profissões* fre q ü e n te m e n te com efeitos p ro fu n d o s. A b b o tt c u n h o u a ex­
p õ e um tip o d e conhecim ento q u e , ta l co m o o m írico, e stá m ais próxim o d a pressão “sistem a de profissões” e x a ta m e n te p o r cre r q u e o conflito p o r
intuição sensível, d a percepção e d a im aginação ,53 E p o r isso é tã o com plica­ jurisdições c o n stitu i o cerne dos processos d e profissionalização.55 Isto sig­

do dizer se o E stad o no Im p ério e ra fo rte , firaco o u o q u ê ; se o '‘dom ínio nifica, p o r exem plo, q u e o e stu d o d a m ed icin a em sua fase fo rm a tiv a re­
privado” prevaleceu sobre o “dom ínio p ú b lic o ” o u vice-versa, o u o q u ê . O q u e r a te n ç ã o p a ra o q u e ocorre e m o u tra s profissões com o ele m e n to s

E stado bricolage não se deixa revelar através d este jogo a b stra to e conceituai c o n stitu tiv o s d o seu am b ie n te in stitu c io n a l. E m se tra ta n d o de pro b lem as
d e antinom ias. Talvez exija, u m pouco m ais d e intuição e d e im aginação. públicos (crim in alid ad e, alcoolism o, p ro stitu iç ã o e saúde p ú b lic a ), é p o s­

E , se assim é o u p arece ser, ao Invés d e b u sc a r a essência d e s te E sta d o , sível tra d u z ir o co n flito p o r jurisdição e m te rm o s d e c o m p etição p ela
d e in q u irir so b re o q u e ele era-, não fe ria m ais sen tid o o b se rv a r o q u e que se propriedade do p ro b le m a e pela responsabilidade p o r sua solução.5 C om o
passava, 0 que acontecia? O b se rv a r o q u e este E stado fa zia ou deixava de o b serv o u G usfieid, am b o s p o d e m co nvergir n u m a m e sm a agência, m as
fazer?*4 este não é necessariam ente o caso, pois q u e m reclam a a p ro p rie d a d e do
p ro b le m a (a a u to rid a d e p a ra definir su a n a tu re z a e fo rm u la r teo rias sobre
sua cau salid ad e) n e m sem p re deseja a resp o n sab ilid ad e p ela solução. In ­
¥11 v ersa m e n te , h á q u e m d isp u te a resp o n sab ilid ad e sem desejar a p ro p rie d a ­
de d o p ro b le m a . N ã o é raro q u e a resolução d a d isp u ta p e ia responsabili­
Seria reco m en d áv el ap lic a r o m esm o p ro c e d im e n to ás p rofissões e m su a dad e v e n h a do E stad o através da form ulação d e políticas p ú blicas, q u an d o
fase fo rm a tiv a . O q u e faziam os nossos m éd ico s, ad v o g ad o s e en g en h eiro s não assum e ele p ró p rio am bos os te rm o s d a equação. D e q u a lq u e r form a,
n o século passad o ? A lé m d a razão a n te rio rm e n te m e n c io n a d a , u m a o u tra a com p etição envolve u m a dim ensão co g n itiv a o u , se q u ise re m , u m a d i­
re c o m e n d a e s ta lin h a d e inv estig ação . M u ito d o q u e as lid e ra n ç a s e as m ensão c u ltu ra l: q u e m legisla so b re a “essência” do p ro b le m a e form ula
sobre ele a “teo ria causal” prevalecente — se é q u e a lg u m a te o ria prevale­

“ “N abuco [o conselheiro N abuco de Araújo} m ostrou-se desde 1843 u m legislador prático


ce n u m d e te rm in a d o m o m e n to e lu g ar.57
O q u e êfe não é, é escravo de n e n h u m a teoria, d e nen h u m sistem a ab strato ." Jo aq u im A ceitas estas prem issas, atenção a g o ra p a ra os tre s equívocos a serem
N abuco, Um-estadista..., op. cít., vol. I, p . 122.
evitados n a análise subseqüente. E m prim eiro lu g ar, o m odelo do profissio­
^G uerreiro Ramos considera com o o efeito im portante do transplante institucional o formalismo,
isto e, o feto de sim ultaneam ente afirmar-se a validade da norm a e infringi-la na prática, e este n a l com o H eró i, típico dos nossos historiadores das profissões, eles próprios
seria sem pre u m eftsto não intencionado. Creio, ao contrário, q u e o formalism o p ode m u ito bem
profissionais e, p o rta n to , inclinados a destacar figuras exem plares e a des-
serCe freqüentem ente é) u m efeito desejadoe antecipado; m uitas leis, creio eu, são prom ulgadas
exatam ente porque o legislador prevê q u e n ã o vingarão. Toda a análise fimcionalista de G uerrei­
ro Ramos está assentada na noção d e transplante com o m era cópia e na oposição (m ertoaiana)
e n tte efeitos manifestos e latentes- Isto não se aplica à bricolage. Pelo contrário, o qu e conta na 35A ndrew A b b o tt, The System of Professions. Chicago: T he University o f Chicago Press, 1988.
3ÉSigo aqui Joseph IL Gusfieid, The Culture o fPublic Problem: Drinking-Driving and the Symbolic
briadags (tal com o n u m a obra de colagsw) á a form a com o bete/éditos com ponentes institucionais
transplantados combinam-se, recom binam -se ou interagem entre si p a ra produzir efeitos novos(e
Order. Chicago: The U niversity of Chicago Press, 1981, especialmente p p. 10-16. ^
i’U m a “teoria causal” efetivam ente espúria ou com o tal percebida pela popuiaçao encontra
a a a m ía vez inovadores) e não premeditados, os quais não p odem ser atribuídos a qualquer dos
problem as de legitimação e, freqüentem ente, resistências quanto a sua operacionalização. A m a
eomponentes. tom ado isoladam ente. Ao invés d e um a equação aditiva, ou tra m ultiplicativa.
Ademais, a noção d e q u e a cópia to m a-se "frmcionaT quando adaptada ao novo contexto (um a vontade dos proprietários de automóvel em abdicar do seu uso 6m certos dias d a semana advém
espécie de redução institucional) tem implicações claram ente conservadoras e fiai abundante- do feto de qu e não se sentem responsáveis pela solução do problem a da poluição como quer a
“teoria" dos ambientalistas. Em outros países a “teoria" atribui corretam ente a responsabilidade
m e o te u rilizada. p o r estadistas como o Visconde d e U ruguai. (A lberto) G uerreiro Ramos, Admi-
rnsfração e estratégia da desenvolvimento. Rio d e Janeiro: Fundação G etúlfo Vargas, 1966. às indústrias automobilística e química (motores e combustíveis menos poluentes) e não impõe
Neste- poneo, acolho integral e literalm ente a lição de lim a r Rohíoff de M attos, op. c it , p . I3G . restrição de uso aos proprietários de automóvel.
crever cronologicamente os g ra n d e s feitos q u e dignificaram a profissão.58 nismo raso re su lto u e m rama espécie d e m acdonaídização léxica, e in te le c tu a l
Trata-se de uma versão d a história e m te rm o s d e A gência. E m seguida, o que nega ao in c a u to le ito r d e sta lite ra tu ra catacrésica a m ais escassa p ro b a ­
modelo do profissional com o M ario n ete, m en o s interessado n o s m édicos, bilidade d e se surpreender.61
advogados ou engenheiros com o categorias ocupacionais m a s e m d estacar Isso po sto , co m o p ru d e n te a ltern ativ a pouco oferecerei ao leito r e m ter­
os serviços que, como ideólogos o u , m ais ex ata m e n te, com o “in telectu ais mos de conceitos, análise e conclusões definitivas. N ã o afirm arei p e re m p to ­
orgânicos”, necessariamente e stão p re d estin ad o s a p re s ta r à classe social riam ente q u e o E sta d o e ra isto o u aquilo, n e m q u e e ra e sta o u a q u e la a
“hegemônica” na preservação do stattis quo. 5 9 T rata-se d a versão d a h istó ria natureza das profissões no B rasil d o século X I X o u a n atu re z a d e suas rela­
como Estrutura. H á, finalm ente, o m odelo d o profissional com o B o q u irro to , ções com o E stad o . D eixarei e m ab e rto um a série d e q u estõ es com plicadas e
menos disposto a registrar o qu e os profissionais fazem o u deixam d e fazer, som ente convidarei o feitor a re to m a r a n a rra tiv a e prosseguir n a investiga­
mas exclusivamente o q u e falam d e si m esm os e d a sociedade o n d e vivem . ção. Pois o texco q u e se le rá c o n stitu i, d e feto , u m a n a rra tiv a q u e e m sua
Trata-se da versão da h istória com o Verbo. D o s crês, este ú ltim o m ereceria simplicidade não alm eja m ais d o q u e u m satisfatório g ra u daquilo q u e Scriven
certo destaque por ser o q u e m ais estrag o s te m feito nas ciências sociais cham ou d e p la uú bü ttf in depth.61 Reside a plausibility in tfcpth no m esm o
brasileiras, inclusive n a lín g u a nacional. O in stru m e n to d e análise (e sim u l­ sentim ento d o “inevitável'“' q u e a audiência ex p e rim e n ta a o assistir a u m a
taneamente o objeto d a análise) dos seus cultores são en tid a d e s co m o dis­ peça te a tra l o u ao le r u m ro m ance. P o r m ais su rp re e n d e n te e inesperada
curso (füscours), fala (récit), o lh ar (regard) e sa b e r (savoir), e to m e d e sociologia que seja e sta o u aqu ela ação n o desenvolvim ento d ra m á tic o , ela so ará com o
(ou história, ou an tro p o lo g ia) d a s representações! A c re r n e ste tip o d e necessária (inevitável) n u m a visão retrospectiva d o e n re d o . O b té m -se ta l
produção, é aparolagem , e m vez d a ação, o q u e in sta u ra e fu n d a o m u n d o , efeito, p o r e x em p lo , q u a n d o q u a lq u e r co m p o rta m e n to p o ste rio r d o s perso­
pois o céu tomou o lu g a r d a te rra e a te rra o do céu, e e stu d o s sobre a nagens q u e não seja consistente com os an teriores deve e n c o n tra r u m a ex­
advocacia, a medicina o u a e n g e n h a ria re d u z e m -se a u m a fra n c isc a n a plicação no in terv en ien te desenvolvim ento d a ação. E ta m b é m à sem elhan­
hermenêutica dos discours (o u será récit?') oficiais “disciplinares”, d e prefe­ ça dos textos dram atrargícos e novelescos, a narrativa sociológica deve m a n te r
rência os de celebração profissional.60 A subm issão servil a u m fò u cau ltia- consistência co m o que conhecem os do c o m p o rta m e n to hu m a n o .
D ito isso, im p ru d e n te m e n te convido o le ito r a p ro sseg u ir a té o cap ítu lo
58EaKe os mais abrangentes: Lycurgo Santos Filho, História geral da medicina brasileira Sao
seguinte o n d e com eça m in h a narrativa.
Rmlo: Hucitec/Edusp, 2 vol„ 1991; Pedro C . da Silva Telles, História da engenharia no Brasil
(xadas XVIa XIX). Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1984. N ão conheço q u a lq u er
trabalho sobre a história da advocacia (não confiiadir com biografias de advogados em inentes
oa com a história da Ordem dos Advogados e das academ ias de Direito).
’Típico desta vertente em su a form a evangélica e, p o rtan to , quase caricata, Lili K atsuco
Kzmtmm^Engtéeiro: Trabalho e ideologia. São Paulo: Ática, 1981. Um revival se não das teses
psío menos da terminologia gramsciana p ode ser constatado em inúm eros trabalhos que, com o
o próprio Gramsci, classificam com o “intelectual” virtualm ente qualquer categoria dedicada a «‘Vulgarizados, estes term os perderam todas as suas originais implicações epistem ologicas, e
trabalho mental: médicos, advogados, m agistrados, engenheiros, o clero, cientistas, professores saber (saber m édico, etc.X p o r exem plo, é usado com o sinônim o d e conhecim ento em sua
e s ., etc. ’ acepção p u ra m e n te lexicográfica. E n tre tan to , em Foucault, savorr est£ p a ta amnasssance assim
sua forma paradigmática: Roberto M achado e t al. Danação da norma: Medicina sociale cons- como, em Saussure, a langue está.p ara a parole. O incom petente uso q u e dela fezem nao im pede
tè&içãsdapsiquiatria no Brasil. Rio: G raal, 1978. Trata-se, como espero dem onstrar neste texto, que a obra d o festejado metafísico deva se r avaliada com o m esm o rigoroso cnterio com o qual
de um monumental equívoco analítico sobre a institucionalização da medicina brasileira no sé­ D e Q uineey sopesou o valor da filosofia de Locke. Thom as D e Q u in c e* Doassasstnato como uma
culo XDC, transformado em "clássico” p o r incontáveis m as rotineiras epreguiçosas referências de das belas artes. Porto A !e g terL & PM Editores, 1985, p - 19-
rodapé. Para Machado et al. é suficiente q u e um g ru p o enuncie com estridência um determ inado ®Michael Scriven, “Thiism as th e G rounds fo r Historical Explanations, >e m P a tn ck G ardiner
projetode poder para que o poder se feça tão real a pon to de dispensar o pesquisador d e qualquer (ed), Theories o fHistory. N ova 'f t r ic T he Free Press, 1959, p p . 4 4 3 -4 7 5 , especialmente p p . 4 7 0 -
posterior averiguação. Ê o que chamo de Efeito Foucauk.
471.
PROTASE

“A ll accounts o f the p a s t te ll stories a b o u t it, an d


hence are p a rtly in v en ted ...” (D avid L ow enthal,
T h e P ast is a Foreign C ountry)
3

Os p ro fissio n ais na so c ie d a d e d a C o rte

j e com eço a p e n s a r n a m in h a profissão, vejo com o o povo e s tá e n g a n a ­


d o , ach an d o q u e o s m édicos estão felizes e b em -sucedidos; d e fe to , h a al­
gu n s q u e o v e n to d a b o a fo rtu n a elevou acim a d a m u ltid ã o , m a s a m aioria
dificilm ente consegue g a n h a r s e u su ste n to , h á p o rta n to m u ito s q u e não
conseguiriam sobreviver se não tivessem o u tro s lucros.”
E ste foi o d e p o im e n to d eix ad o p e lo D r . P ed ro C h e m o v itz n o ano de
su a c h e g a d a à C o rte d© R io d e Ja n e iro , 184G .1 T u d o in d ica q u e ele se
a d a p to u à c id a d e e n e la foz am izad es valiosas, p rin c ip a lm e n te a p ó s se filiar
à A cad em ia Im p e ria l d e M e d ic in a . Foi p e la s m ã o s d o U r. J o s e d a C ruz
J o b im , u m d o s m éd ico s d a fa m ília im p e ria l e fig u ra d e g ra n d e p re stíg io
n a A cad em ia, q u e o rec é m -ch e g a d o foi levado a o Paço Im p e ria l p a r a e n ­
tre g a r p e sso a lm e n te a S .M .I o s e u Dicionário de medicina popular^ q u e ta n ta

‘Esta e o u tras cartas d b D c. Pedro foram transcritas em Bella H ersoo, Cristaas-novos e seus
descendentes na medicinabtasikèm (1500/1850). São Paulo: E dusp, 1 996, p . 4 0 2 . O D r. Pedro
era o m édico p o lonês P jb trO srm e w ic z , a u to r dos popularíssim os Dicionário de medicina popular
e Formulário ou guia medka d® 3razilu usados pelas famílias, fazendeiros, d é rig o s d o in terio r e
p o r to d o s os q u e não podiam, te z acesso aos serviços dos m édicos.

....... saa
í'
iüm iaa trouxe &o a u to r e ta n ta irritação ao e d ito r d o s A rrnaes d e M edicina onfie rodopiava a alta sociedade. N o Prim eiro Im pério, e n tre u m baile na
n en se/ m ansão do m arquês d e Á brantes e o urro na residência do com endador Joao
A cidade q u e acolheu o D r. N apoleão era “feia e suja” seg u n d o todos os B atista N o g u eira, cônsul de P ortugal, ia-se ao São Pedro ouvir o "gorjeio
cronistas d a época— e o m esm o juízo fariam d e la o s ta m b é m e n v erg o n h a­ m erencório e suave d a Candiani, trilando adoravelm ente a Casta D iva"?
dos ctOQistas do fim do século até q u e ap ro x im a d a m e n te u m terço d a sua S ab e -se q u e , q uando aqui aportou o D r. Chernovitz, o m unicípio teria
regia© central fosse dem olida e reconstruída e depois o u tra vez dem o lid a ao então algo em to rn o de 137 m il habitantes e p o r volta d e 9 0 m édicos, aproxi­
longo dos tem pos. E ra verdade, no e n ta n to , q u e havia m u ito negros n a m adam ente 6 p o r 10 m il habitantes ou , alternativam ente, 1 p a ra cada 1.533
ridadejem 1838 os escravos já eram 3 8 % d a população, m as o D r. Chernovitz habitantes.6 C o n s i d e r a n d o - s e apenas as paróquias urbanas, visto que nelas
nao iria testem unhar os esforços m ais ta rd e p ro v id e n d a d o s p a ra o adequado concentravam -se o grosso do contingente médico e o d a população (71% do
branquearneoxo C orte. E e m m eio a ta n ta feiúra h av ia sem p re algo a se to ta l dos habitantes), seria de 9,2 a razão médicos/iO.OOG h a b ., u m quadro
louvar*como o d e q u e os estrangeiros (e to d o s brancos) representavam bem m enos favorável. Mais: subtraindo-se os escravos d a população das paró­
a época da chegada d o D r. C hernovitz cerca de 10% d a p o p u lação . quias u rb a n a s— pois não iam a m édico n em recebiam visita deles — , a razao
Era de esperar q u e a cidade fosse a d q u irin d o ares m ais civilizados, e foi médicos/lO.QOO hab. iria a 15, e neste caso é de supor q u e o D r. C hernovitz e
precisamente o q u e ocorreu. E m 18 4 4 o Rio d e ja n e iro já co n ta v a com 19 colegas de profissão tivessem boas razões p a ra queixas. É m uíto provável que
lojas de m odas (proprietárias francesas em su a m aioria), 1 0 lojas d e ch aru - lhes faltassem clientes- U m indicador m oderno do m ercado d e serviços m édi­
^ 5 lojas d e rapé, 10 livrarias, 14 lojas d e c h á e 15 lojas d e calçados, cos e d a natureza “liberal” d a profissão é o tem p o gasto pelos d outores nos
embora a g rande m aioria d a população fosse m iserável, a n a lfa b e ta e andasse consultórios. O Almanak Lamm erf publicou p a ta vários anos a relação no­
descalça. M elhor estava a C orte em 1 8 6 5 , pois e n tão havia m ais professores m in a l dos m édicos d a C orte com seus horários de ate n d im e n to , e, exam i­
de piano e d e c an to do q u e den tistas e engenheiros: 7 4 c o n tra 19 e 2 7 , nando-as, o leitor concluirá que pelos nossos padrões era bem escasso seu
respectivamente. E , p a ra não deixar desafinados os in stru m e n to s, havia 2 4 tem p o de perm anência nos consultórios. E m 1854, 1865 e 18 7 7 , anos que
afinadores e consertadores d e pian o .3 exam inei, não m ais do que três horas em m édia, alguns m edicos advertindo a
E cantava-se e dançava-se m u ito na C orte.4 E com o os q u e valsavam rara­ clientela de que após o horário anunciado poderiam ser encontrados e m casa.7
mente viam a cidade do ponco d e vista d a rua, p a ra eles o Rio d e Janeiro não Todavia é bom lem brar que o atendim ento aos pacientes e ra u sualm ente feito
sena feio n e m sujo, m as d eslum brante n a elegância e n a riqueza dos salões
>E a ouvi-la, confessava enlevado o jovem Francisco O taviano, “tiv e cãibras, tive dores de
I.ylrNT S ° k Ceve demissão de m em bro titu la r d a sessão m edica da A cadem ia o sr. dr. Pedro cabeça, quase tive faniquitos". W anderley Pinho, Salões e damas da Segunde Remado. Sao Paulo:
dever Chernovitz. D esde qu e pertencem os a esta corporação n u n ca tivem os o prazer Livraria M artins Editora, 3a ed., 1959, p- H l e 2 6 6 . ^
a nosso Eado o sr. C hernovitz; e se não nos erta a m em ória, tam b ém n em -u m dos nossos «Valores m uito aproximados. A população inform ada é a do ano de 1838; o num ero de médicos
o de 1844. Para a primeira, EuláUa Maria lah m ey er Lobo, Histéna do Rw dejanetro (do capital
_ antígos «xslíegas póde contar essa ventura p o r m ais d e um a a té duas vezes. D iversas
ouvíam os d ar com o explicativas da não in terrom pida ausência d e nosso colega: __
comercial ao capital industrial efinanceiro). Rio de jan eiro : IBMEC, 1978, p . 136; para o segundo,
o Almanak Laernmrt. . . , ,
so!!:dt£aS,’^>Q<^ rnOS acre£kta r’ PorcJue nao Q0S capacitam os q u e o titu ío d e um a Academia se 70 leitor mais curioso gostará de saber que em 1854 o femoso D r. Francisco Xavier S.gaud, um dos
so p ara ornar o frontispício de aígum a obrinha, com o p o r exem p lo — a tradução de um
fundadores da Academia Imperial de Medicina, dava consultas a rua da Misencordia das 9 as 10 da
-. tvtoavtvdicmadomestica, etc....etc[...}. Felizm ente o sr.C b em o v itz teve consciência: e das 2 às 4 da tarde; mais sistemático, o D r. Antonio da Costa atendia a rua do Hospício de
F gou <Je st para st (e julgou m uito bem ) q u e ihe era indecoroso ser m em bro de um a
6 às 8 da m anhã no verão e d e 7 às 8 no inverno; em 1865 o D r. Gama Lobo, “oculista e medico das
s^Q aça°e sem concorrer em nada para o seu brilho e engrandecim ento; e p o r isso enviou seu
moléstias do ouvido”, diva consultas todos os dias úteis do meio-dia as 2 na rua Direita, ja o Dr.
1 ° e demissão. H onra lhe seja feita, e agradeçam os-lhe tão acertada deliberação” (ênfases Cados Luiz dos Santos atendia clientes à rua da Q uitanda de 11 à 1 da tarde e no Andarai-Pequeno
^o ^ g in af^ri/iT zsta-^ medicina brasiliense, voi. 4 , n. 6 , dezem bro de. 1848, p p . 128-129. de 5 da tarde às 9 da noite, uma jornada de trabalho bastante mcomum. O famoso D e . Hilano da
■"'Edln 05 dado3 extraídos òa Almanak Laemncen para os respectivoss anos. Gouvea atendia à rua dos Ourives de mao-día às 2 d a tarde e seu colega não menos famoso, o Dr. 8a
QÇou-se m crÍTo a té o Enai do Im pério. Valsando caiu a M onarquia. Ferreira d e 9 às 11 “n a Ê n n á d a darua doGeneraí Bolidoro, e d e 11 às2 da tarde na rua 1 deMarço .
na residência destes, bem ao estilo d a m edicina d e beira-da-eam a q u e prece­ devía ser invejável. Inferior, to d av ia, d o s m édicos d o reduzido círculo d a
deu a medicina hospitalar. D e qu alq u er fôrm a, tu d o ap o n ta p a ra u m a concor­ elite e s C o rte, os q u ais, alé m d e a te n d e r u m a clien tela d o m ais alto p o d e r
rência acirrada, e a dísputa de clientela parece cer sido b a sta n te intensa pelo aquisitivo, fre q ü e n te m e n te acrescentavam aos g a n h o s d o consultório a re­
que se deduz de u m a crônica publicada em 1862 n a Gazeta Mêdtca d o Rio de m uneração p o r vantajosos cargos públicos. N o m esm o ano e m q u e o D r.
Janeiro. ... os médicos, desesperados com o lisonjeiro E stado sanitário (d a Oliveira Santos m eticulosam ente re g istra v a seus créditos, o d ire to r d a Esco­
CorteJ, 'vingam-se uns dos outros, procurando cada u m deslocar o colega de la d e M e d i c i n a do Rio d e Janeiro recebia u m salário an u a l de 6 :0 0 0 $ m ais os
alguma casa de p artido, prom etendo fazer o m esm o serviço m ais b aratin h o , ganhos d e co n su ltó rio , as v an tag en s d a vitaliciedade e d a isenção d e im pos­
censoranda as receitas do o u tro ...”.8 to s sobre o m agistério e a ap o sen tad o ria com v en cim en to s integrais p a g a
Sends m enor a concorrência n o in terio r d a província, o m édico talvez pelo governo.
pudesse desfrutar alí de u m a situação m ais confortável. Clinicando em 1882
no município de Parahyba do Sul, o D r. O liveira Santos deixou-nos o n om e i T a b e la d e H o n o rá rio s M é d ico s d » B r . O liv eira S a n to s — 1S82

e 37 clientes e o m o n ta n te d a s suas dívidas, com o q u e ficam os sabendo


1 visita p ela m an h ã, n a fazenda,, e A m o ra até 2 horas da tard e 100$
que os médicos atendiam a crédito.9 N ã o resisto à te n ta ç ã o d e transcrever
oo Quadro 1 alguns dos itens d a tab ela de h o n o rário s do ilu stre esculápio, 40$
1 visita, b &fazenda, às 4 horas d a tarde
acrescentando q u e apenas de u m dos clientes, o fazendeiro A g o stin h o L. de 200$
Estada fora to d a a noite, até 6 horas da m an h a
Barros, o médico recebera em 2 4 de m arço a im p o rtâ n c ia d e 1 :4 1 8 $ 0 0 0
(um conto e quatrocentos e dezoito m il réis), p a rte d e u m a dívida d e 1 :7Q0$ 5$
U m a consulta
por cuidados prestados a pessoa d a fam ília. P o r to d a s as evidências d isponí­ 50$
U m a visita à n o ite , n a fazenda
veis, o Dr. Santos cobrava b em p o r seus serviços, p ro v av elm en te recebendo
30$
mais do que pagavam várias das sinecuras m édicas n a burocracia im perial. Extração A duas unhas, cauterização e curativo
N a Corte, em 1886, u m m em bro d a im p o rta n te In sp eto ria G e ra i d e H ygiene 11$
Um a injeção hipodérm ica
percebia um salário anual de 3 :6 0 0 $ , o q u e n ã o é m u ito co m p arad o à q u a n ­
15$
tia recebida pelo D r. Santos pelos cuidados p re sta d o s a u m único p aciente U m a visita pela m anhã
por algumas sem anas.10N as províncias, os salários p a g o s p elo governo eram 50$
U m a visita à noite
ainda menos im pressionantes. U m In sp e to r d e H y g ie n e e m São Paulo g a -
ava .400$ anuais e u m m édico d a in sp eto ria provincial não m ais do qu e gòrnce; ver nota 10.
1.200$. Estes ganhos provavelm ente eram com plem entados com atendim en­
to a clientes particulares. A in d a assim , a re n d a d o esculápio d e P arahyba d o E m su m a , e n tre o recém -chegado D r. C hem ovitz, esm orecido com as
, considerando-se a diferença e n tre o custo d e v id a n a C orte e no interior, dificuldades d a profissão, e o D r. Jo sé d a C ru z jo b im havia to d a u m a escala
d e te n d a e p restíg io , devendo-se ap reciar d e v id am en te o fato d e q u e n a
época to d a s essas gradações p ouco deviam a diferenças d e com petência p ro ­
’“Livro dos 54_lyS4- Sao Paul° : Dissertação de M estrado, USP, 1992, p . 8 1 , nota 4. fissional, p elo m enos se avaliada p o r nossos critérios atuais. M édicos anoni-
anatadas d c^e a '_es ^ uran£e o an o de 1882 com os respectivos transportes de dívidas
f- -/; m ^sn30s Parahyba do Sul, em 1 de janeiro d e 1 8 8 2 ." In stitu to H istórico e mos- e d o u to re s palacianos, p ra tic a n d o to d o s eles a m esm a terap êu tica rig o ­
i S o Q ' ÍO’ U ca 40 2 >P ^ ta 32. ro sa m e n te Ineficaz, sim p lesm en te n ã o p o d ia m c u ra r n a m e sm a e e x a ta
11 9554, de 3 de fevereiro de 1886 — Reorganiza o serviço sanitário do Im pério.
extensão. Os critérios que d istrib u íam re n d a , prestígio e p o d e r eram todos dades anônim as. E n tre 1851 e 1865 fo ram criadas 5 8 3 dessas em presas,
de natureza exiraprofissional: h áb ito s cu ltu rais, extração social d a clientela, en tre firm as comerciais (62% ), bancos, com panhias de seguros, em presas
relações pessoais e outros assem elhados. de tra n sp o rte , serviços públicos, m u lta s delas d e capital e stran g eiro . 5 Su­
Informações sobre a condição econôm ica d e advogados e engenheiros, p onho q u e os efeitos do novo ord en am en to jurídico sobre a propriedade
o u sobre a mercado p ara seus serviços, são tão escassas q u a n to os d ados te n h a d a d o origem a u m a nova especialidade, a do “co n su lto r jurídico de
sobre médicos. A qui e ali um d e p o im en to lança a lg u m a luz sobre a m atéria, em presa”. Profissionais conceituados com o A ntonio Rebouças, F ran k iin D ó ria
n « n sempre sobre as condições n a C orte. A d vogando n a B ahia em princí­ e Francisco Inácio de Carvalho M oreira (principal a u to r d o C ódigo do P ro ­
pios dos anos 70 , ainda no início d e carreira, u m desalen tad o R ui B arbosa cesso Com ercial) elaboraram m ais d e u m p arecer p o r solicitação de firm as
queixava-se de qu e '‘a advocacia, n esta província, m e n d ig a , e d ia p a ra dia nacionais e estrangeiras. R ui B arbosa viria a te r e n tre os clientes de sua
decai desammadoramente”, u m a avaliação b a sta n te razoável p a ra q u em nos banca várias sociedades com erciais da p ra ç a d o Rio de Ja n e iro . Jo a q u im
dois primeiros anos de trabalho g a n h a ra u m a m éd ia de 4 :0 0 0 $ , assim m es­ N ab u co centou ligar-se profissionalm ente ao m u n d o dos negócios, de prefe­
mo porque recebia, como secretário d a S a n ta C asa de M isericórdia, 2 :0 0 0 $ rência a com panhias inglesas, com o reclam ava su a alm a britân ica, m as ap a­
anuais.61 Três décadas antes o conselheiro A ntonio Saraiva, recém -form ado ren te m e n te não foi bem -sucedido.
em 1842 n a academia de direito d e São P aulo, tra n sm itia a se u “avô p o sti­ O c aráter m eram en te iLustrarivo desses exem plos não d ev erá escapar ao
ço” as más novas de um fu tu ro profissional sem g ra n d e s horizontes, ta l o leitor. R ui B arbosa ganhava pouco no início d a carreira, m as to rn o u -se u m
numero de advogados como ele à c a ta d e trab alh o ta n to n a província com o dos m ais ricos advogados décadas após. N ã o é im possível recu p erar as infor­
na Corte.12A v ista destas desalentadoras condições, os jovens bacharéis p o ­ m ações sobre os salários dos m édicos em funções públicas, m as seria neces­
bres e ambiciosos, como fora o conselheiro Saraiva, buscavam fa 2 e r carreira sário aju star a série às variações do custo d e vida. D o is o u trê s c o n trato s p a ra
na magistratura, n a q ual en trav am ap ad rin h ad o s p o r a lg u m político d e p ro ­ prestação de serviços advocatícios, recolhidos e m arquivos pessoais, pouco
vinda. in fo rm am sobre o tam an h o d a clientela e sobre os ren d im e n to s anuais.
Comissões do governo po d ia m ser b a sta n te co m p ensadoras, m a s eram M édicos, advogados e engenheiros m enos ilustres não d eixaram traços de
ratas e contratadas apenas com os advogados m ais fam osos. P ara elaborar o sua existência, q u a n to m ais d e seus negócios. O sim ples esboço d e u m q u a ­
projeto do Código Civil, o ilu stre bacharel A u g u sto Teixeira d e Freitas rece­ d ro m ais nítído e com pleto requereria inform ação a g re g a d a sobre a p o p u la ­
beu, por contrato de 1859, 1 :2 0 0 $ p o r m ês; e teria auferido u m p rêm io de ção d e profissionais em períodos d istin to s. E sta inform ação, Lamentavel­
100:000$, fixado posteriorm ente, se houvesse te rm in ad o a tarefa. D e q u a l­ m e n te , não existe. B, se existe, não sei on d e e stá ela.
quer forma,. quanrias significativas p a ra a época. Seriam necessários estudos E m princípio, as listas eleitorais seriam a fo n te disponível d a inform a­
especialmente diredonados p a ra avaliar o im p acto sobre o m ercado d a a d ­ ção necessária, m as apenas as d e 1876 re g istra ra m ciados sobre ren d a. Tanto
vocacia da prom ulgação do C ódigo Com ercial em 19 5 0 , pois é b e m p ro v á­ q u a n to sei, foi a professora M aria Yeda Linhares a p rim e ira a exam iná-las
vel que renba sido considerável o efeito d a constituição d a s p rim eiras sorie- p a ra seus estudos d e estratificação sócio-ocupacional no m unicípio d a Cor­
te .14 A p rim orosa pesquisa, tão injustificadam ente ig n o rad a n a lite ra tu ra

“Fem andoNay, RmBarbosa: Ensaio biográfico. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1955, p.
‘ em fogueira, O advogado R ui Barbosa. Belo H orizonte: N ova Alvorada Edições, 1996, «M aria Bárbara Levy, A indústria do Rio de Janeiro através de suas sociedades anônimas. Rio de
p‘o5. Janeiro: Editora UFRJ, 1994, pp. 51-66. . , ,
“Wanderley PmLo, “Infanda e Mocidade de Saraiva”, em Política e políticos no Império. Rio de 14Maria Yedda Linhares, “As listas eleitorais do Rio de Janeiro no secalo X IX : Projeto de classm-
Janeiro: Imprensa Nacional, 1930, p p . 24-28. cação sócio-profissional”. Cahier du Monde Hispanique et Luso-BrésÜkn, 2 2 ,1 9 7 4 , pp. 41-67.
AS' PROFISSÕES IM PERIAIS H 7 9

sociológica, reconstitui a e s tru tu ra ocupacionai d o s eleitores do m unicípk Q u a d r o 2 — C a teg o rias S ó cio -p ro fissío n ais e R e n d a M é d ia — 1 8 7 6 (c o n t.)
do Rio d e Ja n e iro a p a rtir d e centenas d e inform ações q u e a a u to ra classifi­
5 - P a trõ e s (a g ric u ltu ra , f s d ú s tr ia , c o ­ 7 - E m p re g a d o s e m fisc aliza çã o d e tr a ­
cou e m nove ca te g o ria s (seis c o m b ase n a s listas eleito rais), as q u a is
m é rc io , fin a n ç a s ] (2r998$/19,9% ) b a lh o e serv iço s
prazerosam ente, reproduzo no Q u a d ro 2 .15
50. Fazendeiros 7 0 . Fiscalização de escravos, (feitor, capataz)
51. Patrões A pesca 71- F«scaFi2 ação de o bras (m estre-de-obras,
Q u a d ro 2 — C a teg o rias S ó c io -p ro fissío n ais e R e n d a M é d ia __
52. Com erciantes e negociantes aparelhador)
53* Patrões A indústria
0 - A g ric u ltu ra e a tiv id ad e s e x tra tiv a s 2 3 . D iversos (tropeiros, carroceiros, 5 4. Finanças (tip o : pm prieíári®, corretor, 8 - T ra b a lh o esc ra v o
(2 8 1 $ /I8 ,4 % ) arreadores) capitalista)
2 4 . Sem especificação 5 5. A tividades interm ed S rias (tipo: agen­ 80. Serviço dom éstico
00. Lavradores (lavoura de subsistência) te , despachante) 81. Com ércio
01. Lavrador-arrendatário 3 - E m p re g a d o s a serviço d o E sta d o 56- Diversos 82. A rtes e oficios
(tipo: m eeiro, rendeiro) (1:735$/213%> 83. M anufaturas
02. Trabalhadores rurais (tipo: cam arada, 6 - P ro fissõ e s lib e ra is 0 * 3 8 8 $ /8 ,6 % ) 8 4. Lavoura
campeiro, lenhador) 30. Em pregados públicos sem especificação
03- Pescador 31. Em pregados da Casa Im perial 6 0 . C ategorias superiorra (trpoc tabelião, 9 - D iv e rso s
04. Serviço doméstico rural 3 2. E m pregados aposentados m édico, advogado),
33- Funcionários públicos de alto nível (tipo: 61 C ategorias m édias (tipo: professor, jor­ 90. Serviço dom éstico (urbano)
1 - T rab alh ad o res u rb a n o s e arte sã o s m agistrado) n alista, solicitador) 91 - E studantes
(721$/24,6% > 3 4. D efesa do Estado (oficiais) 6 2 . Categorias inferiores (tipo: m úsico, ator) 92. Soldados e m arinheiros
3 5. Igreja 6 3 . Q uadros superiores (ripo: engenheiro) 93. Sem profissão
10. Artífices (tipo: artista) 36. Diversos 6 4 . Q uadros m édios (tip o : adm inistrador) 94. Indigentes
11. A rtesãos d e e sta tu to in te rm e d iá rio
entre o artesanato e o salariato (tipo: 4 - E m p re g a d o s a se rv iç o d e
marceneiro, pedreiro, sirgueiro) e m p re sa s e d e e n tid a d e s p ú b lic a Ibate: ver nota 15 (ensxe parênteses: à esquerda, renda, média; à direita: % do cocai A eleitores).
12. Operários saio discriminados e p riv a d a (l:2 6 0 $ /4 ,6 % )
13. Operários especializados (tipo:
tipógrafo, torneiro) P a ra le itu ra desce q u a d ro , a p rim e ira observação a se r re tid a é q u a n to à
4 0 . Em pregados sem especificação
14. Oficios ambulantes 4 1 . Em pregados n o comércio (tipo: caixei­ re n d a m ín im a a n u a l d e 2 0 0 $ , q u e , e n tr e o u tro s c rité rio s, q u alificav a
15. Aprendizes e ajudantes de oficio ros, guarda-livros) leg alm en te o s eleitores. É o v a lo r q u e o nosso D r. O liveira S antos cobraria,
4 2 . E m pregados especializados (tipo: tele­
2 - E m pregados em tra n sp o rte s grafista, taquígrafo)
seis anos d ep o is, p o r « m a ú n ic a visita à faz e n d a d o cliente. M a ria Yeda
(959$/i,9% ) 43- Serviços auxiliares n ã o burocráticos (ti­ T.ínhflfp-s n o ta c o rre ta m e n te q u e com re n d a abaixo d e ste v a lo r estav am os
p o : andador, pagador) in d ig en tes, q u e e ra m , a o q u e tu d o indica, a m aio ria d a p o p u lação . S egunda
20. Transportes coletivos urbanos 4 4 . Diversos
21. Transportes marítim os observação: a legislação exigia apenas a com provação d a re n d a le g a l d e d u ­
22. Transportes ferroviários zentos m il réis, o quie significa q u e , a te n d id a e sta exigência, o e le ito r p o d ia
declarar q u a lq u e r o u tro v alo r o u deixar aos recenseadores d e q u a rte irã o a
uCalculei a renda média para as categorias de patrões e d e profissões liberais, suprindo sua falta ta re fa de fix ar n m a re n d a a n u a l p re su m id a . Â p ró p ria lei p re su m ia q u e cer­
no texto mencionado na nota anterior. O bviam ente, a professora Linhares n ã o te m q u a lq u er
ta s categorias d e eleitores a ten d iam prim afack ao critério legal, e os recensea­
responsabilidade pelos resultados de m eu m anejo da m atem ática elem entar. Entxe parênteses,
a renda média anual das categorias sócio-profissíooaís e sua participação (% ) no total de 15.958 dores a n o ta v a m sim p lesm en te: “d a le T . E sta e o u tra s particu larid ad es d a iei
eleitores.
reco m en d am c a u tela n a In terp retação d o s registros. N ã o o b s ta n te este e
A S PROFISSÕES IMPERIAIS / / 81

outras problem as, as listas eleitorais d e 1 8 7 6 c o n stitu e m a m ais co m p le ta Q u a d ro 3 — R e n d as A n u a is p o r P ro fiss ã o — 1S7Ó


fouce de inform ação disponível.
Examinando o Q uadro 2 vê-se que a categoria dos “profissionais liberais” é M éd ico s A dvogados E n g e n h e iro s
simultaneamente um a das m enores (8,6% do to ta l d e 15.958 eleitores) e a de
Renda N % N % N %
rendimento m édio mais alto. Intuitivam ente, era d e esperar que a categoria dos
.3 0 0 - - 1 0,8 - -
“patrões“"* na q u a l estavam incluídos os grandes comerciantes, os proprietários 400 - - - - 2 2,6
de terra e os. capitalistas, figurasse como a de renda m édia mais elevada. N ão 500 1 0,5 - - - -
600 3 1,4 1 0,8 - -
teoíjo como explicar a aparente inconsistência. A p a rtir das próprias listas extraí 0,8
800 - - 1 - -
asinfermações constantes dos Q uadros 3 e 4 . E6Pefo núm ero d e profissionais em 1000 12 5,5 4 3,1 3 3,9
atividade n a C orte nom inalm ente listados peloAlm anak Larnm rt, calculo que 1200 3 1,4 - - 4 5,2
1500 » - 2 1,5 1 1,3
ostotrédios Q uadros 2 e 3 representam aproxim adam ente 39% dos médicos, 2 - - - -
1600 0,9
54% dós advogados e 9 4 % dos engenheiros» e isso o leitor deverá igualm ente 1800 1 0,5 1 0,8 1 1,3
2000 23 10,6 14 10,7 11 14,3
tomarem consideração. lam en tav elm en te, en tre as listas consultadas não está a
2400 4 1,8 - - 3 3,9
da paróquia de Santana, a m a is populosa d a cidade. -
2500 1 0,5 - - -
Isso p o sto , dois aspectos ch a m a m a atenção n o s Q u a d ro s 2 e 3: a a lta 2600 1 0,5 - - - -
2800 1 0,5 1 03 - -
concentração d e m édicos e advogados n a re n d a m o d a l e a p ró p ria m o d a q u e
3000 14 6,5 5 3,8 11 14,3
é de exatos 6 :0 0 0 $ . N ão te n h o com o explicá-la, e m in h a in tu ição leva-m e a 3600 - - 1 0,8 3 3,9
suspeitar d a diligência dos recenseadores d e q u arteirão . Seja com o for, 5 0 ,3% 4000 16 7 ,4 8 6,1 4 53
4200 - - - - 1 1,3
de rodos os profissionais g an h av am precisam en te esse valor. É b o m obser­
4600 - - - - 1 1,3
var tam bém q u e as rendas declaradas n ã o e ra m necessariam ente as auferidas 4800 4 1,8 1 0,8 2 2 ,6
tão-só no exercício profissional. U m advogado p o d ia ser ta m b é m fazendei­ 5000 8 3,7 1 0,8 4 5,2
5520 - - - - 1 1,3
ro, aa um m édico, só d o de em p reen d im en to com ercial. F in alm en te, n o te - 18 2 3 ,4
6000 114 52,5 82 62,6
se que e n tre os engenheiros a in d a não estav am rep resen tad o s os egressos d a 6820 - - - - 1 1,3
Escola Polyrechnica, q u e seria criada e m 1 8 7 4 . 7000 - - - - 1 1,3
8000 1 0,5 3 2 ,3 - -
8400 - - - - 1 1,3
E staíaom esm o tem po um a nota metodológica e u m fam entopela irresponsabilidade com que 10000 3 1,4 2 1,5 2 2 ,6
e tm ada a m ernona do país. As listas eleitorais de 1 8 7 6 foram microfilm adas pela professora 12000 2 0 ,9 3 2,3 1 1,3
Ltnitetes e o. m aterial doado à biblioteca do D epartam ento <fe H istória da Universidade Federal 13000 1 0,5 - - - -
Humoense. de onde desapareceram. Por seu turno, o A rquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro 14000 - - - - 1 1,3
ja » possua « x b s as listas, possivelmente po r extravio d e várias delas n a m udança da Avenida -
16000 1 0,5 - - -
Pedro í l p a « « d e atual do Arquivo. Em sum a: p arte destes valiosos docum entos e stio irreme­
20000 1 0,5 - - - -
diavelmente perdidos p o r incúria e, mais lam entável ainda, possivelmente p o r ignorância do seu
valor Lstonco- Exam inar as listas restantes, relativas a oito das treze paróquias urbanas (Santa
217 100 131 100 77 100
Rita, Santo Anronio, Sao José, Candelária, Espírito Santo, E ngenho Velho, Lagoa e Gávea) e a seis
das oito paróquias rurais (Ilha do Governador; Irajá, Cam po G rande, Jacarepaguá, Paouetá e
Inhaoma), comabrhzando u m total de 50d observações. D estas foram eliminadas 81 p o r falta de
informação s e t e renda, restando 425 observações válidas. Com o Q uadro 3 o leitor poderá Fonce: ver nota 17.
agrupar os dados, em feixas d e renda diferentes das qu e utilizo n o Q uadro 4.
82 / / E D M U N D O C A M PO S C O E L H O AS PROFISSÕES IM PERIAIS II 83

Q u ad ro 4 — M é d ico s, A dv o g ad o s e E n g e n h e iro s: D a d o s d e R e n d a A n u a l, 1876 cadcios;*7 o u seja, q u a se o m e sm o v a lo r q u e o D r. D u q u e E s tra d a Teixeira,


n a m e s m a ép oca, d e c la ro u co m o re n d a a n u a l ao re c e n se a d o r d e q u a rte i-
a) R enda p o r iã o . M esm o a d m itín d o -s e q u e e n tr e o c o n selh eiro D ó ría e o D r . D u q u e
Paróquia
E stra d a houvesse u m a c o n sid eráv el d is tâ n c ia e m te rm o s d e p re stíg io
U rb a n a s R u ra is
Renda M M a 4:975$ 2 :5 3 6 $ p ro fissio n a l, a in d a assim fico c o m a im p re ssã o d e q u e .o D r . D u q u e E s­
Anua! (N = 3 9 5 ) (N = 3 0 ) tra d a so n e g o u -n o s a in fo rm ação c o rre ta . O D r. A n to n io Felicio d o s S an­

b) R enda p o r
to s , m édico v á ria s vezes ele ito d e p u ta d o , d e c la ro u ig u a lm e n te u m a re n ­
Profíssá© d a a n u a l d e 6 :0 0 0 $ e m b o ra fosse p ro p rie tá rio d e u m a c a sa d e s a ú d e e
M édicos A dvogados E n g en h e iro s m n d o s sócios d a F á b ric a P a u G ra n d e d e te c id o s. D e o u tro s re g is tro s h á
Renda Média 4:823$ 5:142$ 4:169$ n ie n o s m o tiv o s p a r a d ú v id a s. D a r e n d a d e 6 :0 0 0 $ d e c la ra d a p e lo m é d i­
Anual
co e b a rã o d e P e tró p o lis, e le ito r d a p a ró q u ia d e P a q u e tá , p ro v a v e lm e n te
Renda Modal 6:000$ 6:000$ 6 :0 0 0 $ a m a io r p a rc e la c o rre sp o n d ia a se u s p ro v e n to s d e a p o se n ta d o d o m a g is­
(52% ) (6 3 % ) (23% )
té rio n a F a c u ld a d e d e M ed ic in a , e n e s te caso n ã o vejo razõ es p a r a c o n ­
c) Classes d e R e n d a p o r tro v é rsia s.13 O D r . H e n riq u e C a rn e iro L e ã o , c o m n u m e ro s a c lie n te la
Profissão (% )
e u m d o s m a is a fa m a d o s m éd ico s d a C o rte , d e c la ro u r e n d a d e 1 6 :0 0 0 $ ,
Menos d e 2:000$ 10,1 7,6 su p e rio r e m q u a tr o c o n to s d e réis à d e u m c o le g a n ã o m e n o s fa m o so , o
14,3
2:000 - 2:800$ 13,8 11,5 D r . H ilá rio Soares d e G o u v ê a . C o n s ta d o s re g istro s q u e e r a d e 1 0 :0 0 0 $
18,2
3 :0 0 0 -5 :5 2 0 $ 19,4 12,2 35,1 a re n d a a n u a l d e A n d ré R eb o u ças, id ê n tic a à d o e n g e n h e iro F rancisco
6:000$ 52,5 6 2 ,6 2 3 ,4
Mais de 6.-000$ 4,1 6,1 P in h e iro G u im a rã e s.
9
N ã o o b s ta n te a p o u c a confiabilidade d e alg u n s d o s reg istro s, ce rta m e n ­
Tbta! 100,00 100,00 100,00
te nãr> h á erro n a afirm ação de qu e o obscuro D r. Jo se Luciano P ereira, com
(217) (131) (77)
re n d a d e clarad a d e 2 :0 0 0 $ , d e fe to não p e rte n c ia ao m esm o e s tra to profis­
sional e sociaí d a D r. C arneira Leão, q u a lq u e r q u e fosse a re n d a re a l d e u m
e d e o u tro . O u seja: ad m itin d o -se q u e a diferença e n tre as re n d a s declaradas
É difícil fazer q u a lq u e r afirm ação m ais fu n d a d a so b re a co n fia b ilid a d e fosse a p ro x im ad am en te pro p o rcio n al à diferença e n tre as re n d a s efetivas
das te n d a s a rro la d a s n o s dois Q u a d ro s . M in h a im p re ssã o , b a se a d a e m q u a isq u e r q u e fossem elas, o q u e parece razoável, e n tã o é possível su p o r que
inform ações b a s ta n te circ u n sta n c iais, é d e q u e m u ito s d o s ilu s tre s elei­ as feixas d e re n d im e n to no Q u a d ro 2 ta m b é m refletem ap ro x im a d a m e n te o
tores foram m o d e sto s n a d eclaração d e se u s g a n h o s a n u a is . N ã o creio perfil d a estratificação profissional: u m a m p lo estrato in term ed iário (rendas
q u e o D r. Luiz J o a q u im D u q u e E s tra d a Teixeira, u m ad v o g a d o b a s ta n te
conhecido n a C o rte e u m do s sócios m a is a tiv o s d a O rd e m d o s A d v o g a ­ "In s titu to H istórico e Geográfico Brasileiro, l a t a 30 3 , Pasta 9 . Provavelm ente p o rq u e era dos
m ais sim ples, o co n tra to adm itia q u e o D r. D ó ria “subestabdecesse a procuragao . isto e,
dos B rasileiros, tiv e sse o b tid o a p e n a s 6 :0 0 0 $ d e te n d a a n u a l. O r a , p a r a pagasse a outro advogado, ou m ais provavelm ente a u m solicitador, p a ra se encarregar do caso.
prom over u m a sim p le s c o b ra n ç a d e “tre s le ttr a s , com g a r a n tia d e h ip o ­ Por o u tro lado, n o valor estabelecido com o honorários estavam incluídas as despesas com custas

teca , o co m ercian te A n to n io J o a q u im V ie ira d e C a rv a lh o p a g o u ao D r. judiciárias. , ,m ,


e q b aião, n atural d e Santana de Macacu, Rio d e ja n e iro , nasceu a 4 d e m arço de l « U i; estava,
F rankiín D ó ria , e m 2 3 d e ju n h o d e 1 8 7 6 , 5 :0 0 0 $ d e h o n o rá rio s a d v o - então, com 7 4 anos.
á c 3 :0 0 0 $ 2 6 :0 0 0 $ ) principalm ente n a advocacia ( 7 4 3 % ), e m a base rela­
tiv a m e n te p e q u e n a e n tre advogados e m édicos (19,196 e 2 3 ,9 % , respecti­
v am en te) e u m estrato superior m u ito reduzido. E n tre os engenheiros a
diferença e n tre o s tam anhos d a base (3 2 ,5 % ) e do estrato m éd io (5 8 ,5 % ) é
co m p a ra tiv a m en te m u ito m enor. Á razão c e rta m e n te é q u e quase todos os
en g e n h e iro s e ra m funcionários públicos, e n a burocracia im perial as dife­ Gráfíco 1 - Engenheiros, Advogados s Médicos por 10.000 hab. da população
renças sak n ais dentro da m esm a categoria profissional não seriam acentuadas.
Á a fim e ao cabo, o leito r deve e sta r a se p e rg u n ta r o q u e significam tais
re n d im e n to s. O u m elhor: com o eles se co m p aram com o to p o d a pirâm ide
n a C o rte . E sta e u m a p e rg u n ta difícil d e se r respondida p o rq u e não sei o q u e
p o d e se r to m a d o com o base d e com paração. O conde d ’E u d eclarou u m
re n d im en to anual de 150:000$; os 12:000$ declarados pelo d u q u e de Caxias,
ta m b é m o ord en ad o d e um m inistro d e E stad o , talvez sejam u m p o n to d e
referencia m ais razoável. O s m inistros do m ais alto trib u n a l do p aís, o Su­
p re m o T ribunal d e Ju stiça, tin h a m u m ord en ad o d e 9 :0 0 0 $ ; o s dos trib u ­
nais d a Relação, 6 :0 0 0 $ . M as talvez o m e lh o r critério seja c o m p a ra r os ren ­
d im e n to s profissionais não c o m o d im in u to to p o d a p irâm id e, m a s com a
a m p la base co m posta p ela m aioria d a p o p u lação . N e ste caso, parece óbvio
q u e a té m esm o o valor médio d a re n d a a n u a l d e advogados, engenheiros e
m édicos se n a suficiente p a ra situ a r a m aio r parcela deles e n tre os m ais afor­
tu n a d o s h a b ita n te s d a Corte.
O G ráfico 1 descreve as tra je tó ria s d a razão profíssionais/10.000
h a b ita n te s d a população ao longo d e u m espaço re lativ am en te longo de
te m p o , m a s pouco se p o d e inferir dele a respeito d o ano d e 1 8 7 6 , o ano d a
lista eleitoral. O traçado d a curva sugere u m período desfavorável e n tre
1 8 4 9 e 1872» com o núm ero d e m édicos e advogados crescendo m ais rapi­
d a m e n te do q u e a população, e u m a m e lh o ria significativa a p a r tir daí.
O bserve-se, e n tre ta n to , que a sim ples razão m édico/população não é suficien­
te p a r a au to rizar seguras inferências sobre as condições d o m ercado d e ser­
viços o u sobre a concorrência e n tre o s profissionais. D u a s localidades com o
m esm o n ú m e ro d e m édicos e com a m esm íssim a popu lação p o d e m exibir
condições d e m ercado inteiram en te diversas se as suas densidades forem
diferentes: u m a, com a população dispersa, o u tra com ela c o n cen trad a em
u m o u o u tro bairro. Clínicos gerais e especialistas reagem d e m a n e ira dife-
re n te às condições am bientais, incluídas as d em o g ráficas.'9 O q u e q u e ro 0 9 X especialistas das “m oléstias d a s cavidades nasais (1), das m ulheres
dizer é q u e razões ponderáveis sugerem u m a in te rp re ta çã o m en o s lite ra l d o (4X “d a g a rg a n ta ” (10), “do ú te ro ” ( 1 IX “da. p ele” (10), “das crianças” (21),
gráfico. dos “sifiííticos" (14), e várias o u tra s especializações. A especialização seg­
E n tre 1 8 3 8 e 18 7 2 a p o p u la ç ã o u rb a n a d a cid ad e d o R io d e ja n e ir o m en tav a o m ercado de serviços m édicos, ex p an d in d o o lim ite d e ‘ to le râ n ­
cresceu a u m a ta x a m é d ia a n u a l d e 2 ,8 % ; e n tre 1 8 7 2 e 1 8 9 0 , â 5 ,3 % . cia” d o am b ie n te à e n tra d a d e novos profissionais. O s nossos treze “oculis­
N a s p a ró q u ia s m a is cen trais o ritm o d o cre sc im e n to foi ta m b é m acelera­ tas” nã o d isp u ta v a m a m e sm a clientela com o s v in te e u m “especialistas de
d o : n a d e S a n ta n a , a de m a io r po p u lação , a ta x a m é d ia a n u a l fo i d e 4 ,2 % crianças”, n e m estes com os onze especialistas e m “m oléstias do ú tero , e
n o p rim e iro p e río d o , m a n te n d o -se no seg u n d o n e s te m e sm o p a ta m a r. É p o r isso to d o s p o d ia m com od am en te a d m itir a e n tra d a d e novos colegas em
b a sta n te p ro v á v e l q u e a expansão u rb a n a cenha a c o m p a n h a d o as lin h as suas respectivas especialidades, sem dem asiado risco d e saturação d o m er­
do s ô n ib u s n a d écad a dos 4 0 e as dos carris n o s a n o s 6 0 , p o is n a m e d id a cado desd e q u e as taxas d e rre.srtm en.rQ d a popu lação não declinassem .
e m q u e os b a irro s eram in te rlig a d o s a m p la s áreas c o m ra re fe ita p o p u la ç ã o A lg u m a especialização ocorria ta m b é m n a advocacia, m a s o fa to r m ais
to rn a v a m -se m ais d e n sa m e n te povoadas com a c o n tín u a o c u p a ç ã o dos relevante e r a o do nível d a atividade econôm ica. Creio q u e u m a investiga­
te rre n o s ao lo n g o d a s vias d e tra n s p o rte .20 P o r s u a vez, p a ró q u ia s d is ta n ­ ção a d e q u a d a revelaria n m considerável a u m e n to no num ero dos litígios de
te s in te g ra v a m -se m ais in tim a m e n te à v id a d a cid a d e a tra v é s d o s trilh o s n atu re z a patrim oniaL ta n to n a esfera d v il q u a n to n a com ercial, inclusive no
d a E s tra d a d e Ferro D . Pedro II: p o r v o lta d e 1 8 6 2 o D r . Jo sé M a rtin s d a in terio r d a província, m a s com reflexos n a advocacia d a C orte p o r via dos
C ruz J o b im p o d ia deslocar-se d ia ria m e n te d e su a no v a resid ên cia n a p a c a ­ recursos à Relação e ao S uprem o T ribunal d e Ju stiç a . E sta in teg ração do
ta e s u b u rb a n a p a ró q u ia do E n g e n h o N o v o p a r a as sessões d o S enado o u m ercado d e serviços advocatícios pro d u zia, e n tre ta n to , u m a p a rtic u la r m o ­
p a r a a F acu ld ad e d e M edicina, d escansando os p é s d a s b o tin a s a b o rd o d e dalid ad e d e segm entação, n a m e d id a e m q u e as instâncias superiores do
u m vagã© d a 3a C lasse.21 ju d iciário e ra m m o n o p o liz a d a s p e ia e lite d o s a d v o g a d o s. E x tra io e sta
O q u e q u e ro destacar é o im p acto dessas m u d a n ç a s sobre o m ercad o d e inferência n ã o ap en as d a a g e n d a profissional d o conselheiro F ran k lin D o ria
serviços profissionais. M édicos e advogados, c o n c e n tra d o s n a s paró q u ias qmrg ta m b é m d a esta tu ra do s seus adversários n o trib u n a l d a Relação e no
centrais, to m a ra m -se m ais acessíveis a u m a n o v a clien tela. E m fins d a déca­ Suprem o T ribunal d e Ju stiç a : conselheiro S a ld a n h a M arin h o , T ito Franco
d a d e o ite n ta , com a eletrificação d o s b o ndes, as distâncias to m a ra m -se d e A lm e id a , A n to n io F e rreira V ia n n a , o s re sp e ita d o s ju ristas L afay ette
a in d a m en o res e transposras com m aio r eco n o m ia d e te m p o . A s m u d an ças R o d rig u es P ereira e A n to n io J o a q u im R ibas, e n tre o u tro s.22
ocorridas n a m edicina e n a advocacia tiv e ra m ta m b é m efeitos consideráveis. O diário d o escritório de advocacia d o conselheiro N a b u c o d e A raújo
A s especializações m édicas já a d q u iriam u m c o n to rn o b a sta n te definido: o
Almanak Laemm&tpam 1877 reg istra m édicos “oculistas” (1 3 ), “op erad o res”
-F cm k ííix D ó ria, QuestõesJurídicas. Rio de Jan eiro : B . L .G am ier, 1 8 8 1 . A obra é u m a coletânea
organizada p o r D ó ria dos seus arrazoados e m vários processos n o civil, no comercial e no
rrfmm«! pnira 1870 e 1878. Sua leitura constitui um a oportunidade única d e conhecer a m en te
Para u m m odelo dinâm ico q u e exam ina o efeito dessas variáveis sobre o co n tin g en te m édico, de u m g ra n d e advogado da época. Particularm ente brilhante o seu desem penho aum a cause
v er T hom as G . Runckll e jo h a O'M cCIain, “Environm ental Selection a n d Physician S u p p ly ”. eé&rre:su a defesa de José C aodfdo d e Pontes VisgueZro, 6 0 anos, desem bargador d a Relação do
AmericanJournal o f Sociology, vol. 8 7 , n. 5, março de 1982, p p . 1 .0 9 0-1.112. M aranhão, réu pelo assassinato d e um a jovem , d e idade presum ida e n tre 16 e 2 0 anos, p o r ter-
“ Oswaldo P orto Rocha, A era das demolições: Cidade do Rio de Janeiro, 1870-1920, em Oswaldo se n a«-|i‘«aAT. d a a ro n tim rar prestando-lhe favores sexuais. A perícia d e D ó ria se m anifesta
Porto Rocha e Lia d e A quino Carvalho, A era das demolições/habitações populares. Rio de Janeiro: através da d e su a tese, a única q u e lhe deixava o caso, a do “hom icídio praticado no
Prefeitura do Rio d e Janeiro/Secretaria Municipal de C ultura, 2 a edição, 1995, p p . 28 -4 0 . paroxism o d e paixão violenta”. O leitor apreciará o relatório do juiz relator, o discurso da
2,Reg£naSdo Fernandes, O conselheiroJobim e o espírito da medicina do sen tempo Brasília- Senado acusação, o d a defesa, a réplica d a acusação e a sentença. U m relato m ais com pleto do processo
Federal, 1982., p . 140. está e m O D ireito, anno II„vol. 4o, 1873, p p . 115-203-
confirm a mínba suspeita: a m aioria dos processos corre no trib u n a l d a Rela­ co" É o único círculo capaz de conferir “h o n ra ”, o único a u d itó rio cuja
ção e no Supremo *j[ribunal de Ju stiça.23 E m su m a, creio que as condições do atenção alegra e fora dele existe tão -so m en te u m a som a a e oao-entidatíes: o
m ercado para serviços profissionais eram c ertam en te b em m ais satisfatórias povo.
em i.S7ó do qUe no ano chegada à C orte do D r. C hernovitz (e tenderam E m b o ra este estreito círculo confira h o n ra e d ê justas alegrias aos q u e
a m elhorar), ainda que o p adrão de vida d a população não te n h a experim en­ dele se aproxim am e lhe p re sta m serviços, dele fazer p a rte é h istó ria m u n o
ta d a m elhoria significativa. E m todo caso, creio q u e a base d a p irâm id e d t diversa. Q uando em inentes, os m édicos são apreciados p o r su a educação e
estrcttncação profissional era m u ito m ais a m p la nos anos 4 0 do q u e na d é ­ c u ltu ra e a clientela p o d e a té confiar-lhes segredos m u ito ín tim o s. M as a
cada dos 70, m antendo-se relativam ente in a lte ra d a a p roporção d o s q u e se relação é sem pre assim étrica: o cliente e s tá n u m pla n o su p erio r e não ra ra
situavam ao topo. vez com anda o tra ta m e n to o u a escolha d o s procedim entos m édicos. Isto
ocorre a té m esm o nas relações com um a clientela apenas a b a sta d a . A este
re sp e ito o D r . R o d rig o S oares C id d e B iv a r p r e s ta u m d e p o im e n to
esclarecedor: ao a te n d e r n a residência d a cliente, n a P rain h a, às dores do
p arto d e u m a “g o rd a e plethorica” sen h o ra de 19 anos ele e n te n d e u ser
'Voltando à correspondência do D r. C hernovitz ficamos sabendo que a m aioria conveniente, q u e a d o e n te parisse o mais depressa possível, e p o r isso p ro p u z
dos m édicos n i 0 se elevava p o r sua condição m ate ria l acim a d a “m u ltid ã o ” a sangria, a fim d e p ro d u zir alg u m a relaxação das p a rte s; m as e sta idéa não
q u e m uitos m etiam -se em outras atividades p a ra g a ra n tir seu su sten to . foi acceita p ela d o en te, á q u e m , havia d ito a p a rte ira , q u e a sangria havia de
C ertam ente em busca de fo rtu n a e, p o rta n to , a te n to às chances d e fazer um produzir m u ita debilidade. E n tão p ro p u z-lh e a extracção In stru m e n ta l do
bo m pé-de-m eia, o depoim ento do polonês parece confiável. M elh o r ainda: feto ao q u e accedeo; e ten d o -lh e ta m b é m p ro p o sto o chlotoform ro, dice-m e
ele d á algum as pistas sobre o prestígio social de seu ofício ao c o m e n ta r n a (sic) q u e o qu eria ex p erim en tar”.24 O d e p o im e n to dispensa com entários, e
m esm a carta que a adm issão à A cadem ia Im p e ria l d e M edicina “não m e apenas alerto o leitor p a ra a au to rid ad e d a p a rte ira , q u e , a o fim e ao cabo, é
trouxe n a d a mais que u m pouco d e h o n ra , alegrou-m e, m u ito , pois a p o n - q u e m v e ta a sangria (e com base n u m diagnóstico d e m u ito b o m senso)
to u -m e ao oíhar pubiico". proposta pelo o b stetra. E lem bro q u e não havia n ad a de singular n a experiên­
F o r tecom endação de u m dos sócios, o can d id ato à A cadem ia p e n e tra v a cia d o D r. d e Bivar; pelo co n trário , eía fielm ente rep ro d u z u m p a d rã o d a
m im círculo social bem diferente d o d a q u e la m aioria q u e n ã o se elevava m edicina d a época.25
a c im a d a m ultidão”. D e feto, já vim os q u e p ela m ão do D r. Jo b ím o recém - Isso posto, creio q u e o prestígio social d a m edicina e ra tã o precário q u an to
ch eg ad o e desconhecido D r. C hernovitz foi p a ra r no Paço Im p e ria l. E se a
soa assídua asisênda das sessões d a A cadem ia não o reco m en d aram a estim a
MAnnaes de Medktna Brasãiense, 4o Armo, vol. 4 . c . 4 , o u tu b ro de 1848, p . 91 - O D r - de Bivar
d o D r . H ad d o ck Lobo, ele te rá tido, de u m a fo rm a o u de o u tra , o p o rtu n id a - era “m édico-parteiro de m aternidade’' a o H ospital da Santa Casa de M isericórdia do Rio de
e estreitar relações com os m ais im p o rta n te s m édicos d a C orte e, a tra ­ jan e iro . O USO do clorofórmio com o anestésico estava apenas começando no Rio de ja n e iro e
seus efeitos eram ainda razoavelmente desconhecidos. N o s anos 1 8 4 0 as páginas dos Aniraes
vés. deles, com o u tras notáveis figuras d a sociedade local. C e rta m e n te é ao fra 7 pm várias observações sobre sua aplicação na C orte e é fácil perceber q u e os m édicos ainda
o lh a r d este círculo que o D r. C hernovitz se refere com o te rm o “o lh ar p u b lí- não dom inavam a técnica. H á indicações de cuidados particulares n a sua aplicação às m ulheres,
aparentem ente justificados p o r notícias de abusos sexuais.
«Alguns estudiosos da medicina dos séculos XV III e X IX atribuem ao pod er do d ie n te sobre o
médico a relativa lentidão no progresso da ciíniea. Ver N . D . Jewsors, ‘ Medicai K now ledge and
n re ^ O a -^SCnt®r,° Advocacia do Conselheiro N abuco de Araújo e Sízenando N abuco à
th ep a tro n a g e system in 18c^ Century Engh.na’ySoaelogy, v. 8, n . 3 ,setem bro de 1 9 7 4 ,p p- 569-
Naóaco — 18ó9". In stitu to H istórico e Geográfico Brasileiro, Cokgao Senador
sua a u t o r i z e c u ltu r a l* I m o q u e r dizer q u e o inegável prestigio d e s te o u Veja-se o q u e d isp u n h a, p o r exem plo, o a tt. 7 0 3 d o Processo C om ercial.
d a q u e le m edico d e elite não p ro v in h a dos resultados prático s d e suas te ra - “N a s causas com m erciaes he licito ás p a rte s co m parecer nas audiências p o r
p ias. d e u m a e strita avaliação d e com petência profissional, m a s d e u m con­ sí seus A dvogados, o u procuradores judíciaes, p a ra in q u irirem as suas tes­
ju n to d e o u tro s fatores: dom ínio de u m a lín g u a e stra n g e ira (p rin cip alm en te tem unhas, re p e rg u n ta re m o u c o n tra d ita re m as d a p a r te co n tra ria , e re q u e ­
o francês), conhecim ento das teorias me'dicas m ais e m v o g a n a E u ro p a , ad e­ rerem o q u e ju lg a re m a b e m d o s seus direitos.”28 É v erd ad e q u e o m esm o
q u a d a proveniência social, u m a c e rta c id tu ra h u m an ística, ap ro p riad as refe­ artigo ta m b é m dispõe q u e “as petições iniciaes d a s causas, e to d o s os a rtic u ­
rencias sociais (de o u tro s clientes notáveis) e, c e rta m e n te , posse d e u m d i­ lados e aliegações q u e se fizerem no s au to s” deveriam ser assinadas p o r a d ­
p lo m a e m m edicina. C onsiderando-se a n o tó ria ineficácia d a s tera p ia s d a vogado” (ênfase m in h a); vinha» e n tã o , u m a d á u s u la d e exceção: “salvo, não
epoca e su pondo-se q u e sua adm issão fosse u m d a d o c u ltu ra l a m p la m e n te havendo A d v o g a d o n o auditório, o u n ã o q u e re n d o prestar-se ao patrocínio
co m p artilh ad o , e' razoável m esm o su p o r q u e os a trib u to s acim a m en cio n a­ d a causa n ^ H u m d o s q u e houver, o u n ã o sendo eles d a confiança d a p a rte .
d o s definissem a c o m p e tê n d a profissional. E m o u tra s p alav ras: a d m ito q u e V ê-se q u e e ra leg alm en te p e rm itid o à p ró p ria p a rte re p re se n ta r a si m esm a.
e ra a d ie n te la , e não a co m u n id ad e m édica, q u e m socialm ente definia o M as se desejasse c o n tra ta r serviços legais sua escolha n ã o ficaria lim ita d a a
carater d a m e d ia n a e seus p a d rõ e s ad eq u ad o s d e p ro c e d im e n to , e isso ocor­ nm ad v o g a d o fo rm a d o , pois h a v ia a in d a o s solicitadores, o s advogados
ria, p o r exem plo, q u a n d o p o r q uestões m orais u m p a c ie n te (p rin cip alm en te provisionados e os ráb u las, to d o s eles co m form ação e strita m e n te p rática e
as m ulheres) recusava-se a se r to cad o pelo m é d io .5 ' Isso q u a n ta à clientela n e m sem p re d a m e lh o r q u alid ad e. Q u a n to ao re sto , n a d a im p ed ia q u e u m
m ais ab astad a; p o is to d a s as evidências são d e q u e o h o m e m d o po v o te m ia “prático” com prasse a assin atu ra d e u m p o b re e obscuro bacharel; o u q u e a
o s m édicos e suas “terap ias heróicas” (as sangrias, os p u rg a n te s, a aplicação p a rte declarasse fa lta d e confiança n o s advogados d o au d itó rio a fim de
d e sanguessugas, os banhos escaldantes, etc.), não lhes tin h a q u a lq u e r esti­ e n tre g a r a causa a u m rá b u la o u solicitador cujos serviços lhe saíssem m ais
m a e p re fe n a re co rrer à "m e d ia n a " caseira o u à p o p u la r. N ã o su rp reen d e e m c o n ta . É razoável su p o r q u e t a l liberalidade nã o e ra d e m o ld e a elevar o
pois, q u e u m a fração significativa d o s egressos d a escola d e m ed icin a t ú prestígio d a a d v o cad a; e não o b sta n te a fe ita d e critério m ais rigoroso, e ra a
C orte d ependesse d e o u tra s atividades p a ra o se u su ste n to , m esm o em te m ­ fo rm a p e la q u a l os serviços d e u m “p ro c u ra d o r judicial ficavam ao alcance
p o s m elhores d o q u e o descrito p elo D r. C hernovitz. d a m assa d a p o p u lação , In d u sív e d e escravos q u e in id assem u m a ação de
E so rn a r o p re stíg io d a advocacia é u m p o u co m ais com plicado, d a d a a lib erd ad e, p o is suspeito q u e a m a io ria d o s tu to re s q u e lhes d esignavam os
variedade d e p ra tic a n te s q u e a noção p o d ia recobrir. D e posse de p ro c u ra ­ trib u n ais d e p rim eira instância e ra co m p o sta d e solidtadores.29 E ra essa m assa
ção d e a m a d a s p a rte s em litígio, v irtu a lm e n te q u a lq u e r pessoa p o d ia exer­ d e bacharéis an ô n im o s e d e “práticos” q u e m o v im en tav a o foro d a C orte.
cer m u rtas d a s atividades q u e u su a lm e n te asso d am o s ao tra b a lh o d o advo­ M as h a v ia » m a o u tra ciasse m u ito e sp e d a l d e advogado d a q u a l faziam
gado isto é, do bacharel e m direito q u e se d e d ic a à ad v o c a d a .

s Com. outras peças processuais (entre o u tias, o Livro IU das O rdenações), o C ódigo d o Processo
C a m e rc ã í era utilizado tam b é m nas «auras cíveis.
“ í“ T 1: - - ^ pr°M ‘* * * «Sobre ações d e liberdade v er o instigante te x to de Keila G rinberg, Uberatcu A lei da ambiguida­
p T i ^taEF’ rheSaáal Iransformatitm tfAm & lcanftkdjçin). t f c v a T ir k : f e s íe B o o Ç ^ í^ g á ^ de. A s ações de liberdade da CorU de Apelaçãodo Rio deJaneiro noséculo X IX . Rio d e Janeiro: Relume-
D um ará, 1 9 9 4 . E ra considerável o núm ero de solicitadores n a C orte e o leitor encontrara a
publicidade d e seus serviços em q ualquer nú m ero àa Almanak Lammert. U m exemplo de 1871:
“Bernardo Pinto Carvalho, procurador e solicitador, encarrega-se de todas e quaisquer questões
ov eis, com m erdaes, inventários, apellações e revistas, e tu d o o m ais concernente ao foro. Tàmbern
se encarrega d a administração de quaisquer bens, ccsno predíos, escravos, apólices e acções dos
eu fizeram parte N ab u co de A raújo, S aldanha M arinho, F ran H in D ó ria (ba- tuíção do jú ri p o p u la r não exfetíu no- cível;31 e d o juízo cn iru n al (pouco

tao de Loreto), Rol Barbosa, Francisco I g n a d o de C arvalho M oreira (barão recom endável pela com posição po p u la r do jú ri, p e k extração social dos réus

de Penedo), Frandsco O ctaviano, T ito Franco, Francisco G ê d e Acayaba e pela p ró p ria n atu re z a d a s causas) ra ra m e n te p articiparam esses form idá­

Montezuma (barão de Jeq u itin h o n h a), M achado P ortela, P erdigão M alheiro veis advogados, exceto q u a n d o em apuros alg u m a celebridade ou. p o te n ta ­
d o local. Assim é q u e eram literalm ente advogados de escritório e nele deixa-
e canros outros % urões do Im pério (e ta m b é m d a R epública). D a lista é
razoável inferir que o prestígio destes ho m en s era função m en o s d e sucessos •ram-se ficar a redigir petições, alegações finais, articulados e, principalm ente,

no exercício d a advocacia do q u e d a atividade política, em p a rtic u la r das pareceres p o r co n su ltas da clientela m ais a b astad a, p o is d a í tiravam eles a

funções pata. as quais foram eleitos o u dos cargos q u e o cu p aram n a alta p a rte d o leão.32
O escritório d e advocacia do conselheiro N ab u co de A raújo (ru a dos
administração do E stado. C om binando em diferentes m o m e n to s d e sua car­
reira passagens pela m ag istratu ra, m inistérios, p re sid ê n d a d e p ro v in d a s, O urives n° 1 9 , 1° a n d a r — aluguel d e 1 20$) pode não se r típico, m as d á

Conselho de E stado, Senado o u C âm ara, vía de reg ra esses advogados n o tá ­ u m a precisa idéia d a escassa atividade p ú b lica d a elite d o s advogados.33 O

veis unham o escritório de advocacia com o u m a estação inicial d e o n d e Conselheiro m u ito ra ra m e n te com parecia ao escritório; tra b a lh a v a em casa.

embarcavam p a ta a aventura d a política, p la ta fo rm a d e baldeação e n tre U m p o b re Sr. L obo, provavelm ente u m solicitador m a l p a g o (salário de

dois ramais políticos o u adm inistrativos e estação te rm in a l no p o e n te d a 8 0$), esfalfava-se d o escritório à residência d o Conselheiro e vice-versa Le­

vida pública. Seja com o for, o que se conhece sobre a advocacia n o século vando e trazendo processos, tu d o a n o ta d o no D iário d o escritório de u m a
XIX refere-se a esses cavalheiros, os quais, pelas razoes expostas (e a exem ­ form a sui gemrisz as páginas d a esq u erd a e ra m reservadas às anotações (n u ­

plo das notabilidades m édicas d a C orte), não eram profissionais acessíveis a m eradas) d o Conselheiro (ex.: ~Veja o E stado d a d ita revista" — 2 1 1 8 ), as
qualquer bolsa ou, pelo m enos, à bolsa p o p u lar. E m u m a ação de lib erd ad e d a d ire ita ao sócio, provavelm ente o filho Sizenando (ex.: “E stá com o {mi­

estanam certam ente ao serviço do sen h o r d e escravos, e m b o ra fossem m u i­ n istro] A lbuquerque"— 2 1 1 8 ). T rata-se, com o se vê, d e u m D iário diaiógico
tos deles... abolicionistas! no q u a l o in terlo cu to r d a esq u erd a é q u ase sem pre lacônico e freq ü en te­

Pode-se im aginar q u e form idável fig u ra fariam esses ilu strad o s, te m í­ m ente m u d o . À s vezes o Conselheiro p e rd ia p é no vaivém d a p a p e la d a (“C au­
veis e poderosos varões perorando nos tribunais! E no e n ta n to q u ã o d ista n ­ sa n° 6 d e 1869?” — 2 2 3 9 ), cabendo ao sócio restitu í-lo à superfície (“E stá
tes estavam d a clássica e ciceroniana im ag em d o advogado elo q ü e n te , do finda; foi c o n tra ” — 22 33),. ocorrências p a ra as qu ais d o u a seg u in te expli­
intrépido wator no patrocínio d e u m a causa. Pois m a l falavam , se ta n to , cação: o D iário reg istra n a d a m enos d o q u e 37 processos vindos d e 1868,
reservando seus estim áveis recursos d e orató ria p a ra a trib u n a d a C âm ara cada u m e m fase diferente, e m ais u m a dúzia d o ano d e 1869- A lém disso, o
ou do Senado.36 A despeito do que e statu ía a C onstituição d e 1824, a in sti-
31N este e e m tantos outro s p o n tas a Constituição d e 1824 e ra extrem am ente elástica, até
porque em seu art. 178 Ü w e : “É só constitucional o qu e diz respeito aos iunites, e atr.buiçoes
respectivas dos Poderes Políticos, aos D ireitos Políticos, e individuais dos Cidadaos. Tudo o que
. N° COme5d21;. P °r esemP io> «as ações sum árias leria o advogado a petição
não é constitucional, p o d e ser a lc e a d o , sem as form alidades referidas, pelas Legislaturas
2 Í d ei d e - p o n n d e v iv a ™ ^ ^ in te nÇã ° .. : '( a r t . 2 38); em seguida “o r é o o u
O rdinarias.” , . ,
o À Ív n 0\ í í f \ 0ra} 0UpOt eSCrípt0> exhlbindo 05 docum entos q u e tiver...“ (art «H avia a í u m princípio de estratificação profissional de venerável m d iç a o nos países de cm t tow.
239). Ver Decreto n 737 de 2 5 de novembro de 1850 (D0 Prócer Cmmerciat). Q uando m inistro
da Justiça, jo se de Alencar propos que se instituísse “a discussão orai, com o base no processo Desde a idade clássica ern Roma as funções da advocacia eram estratificadas: a m ais nobre,
n& m drn, consistia n a exposição de u m a questão legal em resposta a um a consulta, e m típica
SU~ ° e “ rKS“ ° ’ e «>™> com plem ento nos processos ordinários substituindo as
razoes finaes escnptas que se usão actualm ente". Relatório á Asm nbkia Geral. Rio de Janeiro- dos ju ris ta s;* ^ « , a defesa orai do constituinte p e ran te os tribunais, típica d o advogado forense,
a&ere, a redação de testam entos, contratos e outros docum entos, típica dos n o tanos ou tabehoes.
? EeD5 r ' 9 ’ P ’ 11S' 119- A eXPOS^ ° 0ra! e pÚbIí^ *> cível, sem pre Estas distinções sem pre foram m uito atenuadas aos países de emrmitt lauf.
io x .„ d“ N a A ,“ " h* ■***■ HV e rn o ta 2 I.
Conselheiro respondia a dezenas d e co n su ltas (honorários e n tre 10 $ e 2 0 $ ,
atividade “m ecânica”. N ã o e ra m de tra b a lh a r n o s canteiros d e obras, de
raramente 30$ p o r consulta) sem descanso aos sábados (“R esidência à ru a
“p ô r a m ã o n a m assa”, com o faziam os ingleses o u o s am ericanos q u e cons­
da Princeza d a C a tte te n° 1, o n d e recebe to d o s os sa b b a d a s, d e sd e as 6 d a
tru íram as ferrovias, os cais das cidades p o rtu á ria s e as obras d e in fra-estru ­
Etfde, as pessoas q u e o pro c u ra re m ”).54
tura u rb a n a . Exam inavam contratos, escreviam pareceres, fiscalizavam obras.
N ão creio qu e a ro tin a dos colegas d o Conselheiro fosse m u ito diversa. Q uase to d o s funcionários públicos n u m a sociedade a g ro e x p o rta d o ra onde
Seja coma for, fechados em seus escritórios, afastados d o p o v o , é p o u co p ro ­
pouco lu g a r havia p a r a a perícia técnica e escasso e ra o capital p a ra av en tu ­
s e i que o hom em das ru as tom asse conhecim ento d a existência desses ras em presariais, os nossos engenheiros d esfru tav am d e d e p au p erad o pres­
q u e os ilu stres cidadãos to m a sse m tígio s o d a l e ex ata m e n te p o t isso, m ais d o q u e os m édicos e os advogados,
conhecimento d a existência d o p o v o . L ogo, o p restíg io d e q u e d e sfru ta v a m atrib u íam d e sp ro p o rd o n a l im p o rtân cia aos títu lo s acadêm icos e ao anel de
cmha lim itado raio e e ra a rigor d istrib u íd o interpores, À sem elhança d a elite g r a u ( a m a io ria e ra d e d o u to re s em m a tem áticas e ciências físicas e n a tu ­
méâk®^ c M a v a a dos advogados n u m m eio s o d a l e x tre m a m e n te rais). O s m ais notáveis e ra m “lentes” n a Escola C e n tra l e, depois dela, na
rarefeito e hom ogêneo.
Polytechnica. A despeito disso, alguns p o ucos a fo rtu n ad o s (u m a m inoria
Finalm ente, os engenheiros. A rig o r só com eçam a a p a re c er no cenário reduzidíssim a, é verdade) po d iam ch eg ar a receber os m ais altos salários do
da Corte com a construção das prim eiras e strad as d e ferro n a s e g u n d a m e ta ­ Im pério, n ã o raro superiores à re n d a dos m édicos e dos advogados de m e ­
de do século e só ad q u irem a lg u m a visibilidade social a p ó s a criação da lh o r clientela. O d ire to r d a E stra d a de Ferro D . P edro II, n o rm a lm e n te um
°?a PoIy t e c t o a em 1874. E ra m en g en h eiro s d e u m a espécie b a sta n te engenheiro, g an h av a e m 1876 exatos 1 8 :0 0 0 $ , d u a s vezes o salário de um
peculiar, evitando sem pre a identificação d e se u oficio c o m q u a lq u e r tip o de juiz d o Sup rem o T ribunal d e Ju stiç a e m ais d o q u e o d e u m m in istro de
E stado. Pela direção d a ferrovia passaram , e n tre o u tro s m enos notáveis, Paulo
d e F ro o tin , C hristiano O ctoni e Francisco P ereira Passos.
I w J Í S Í y f 1“ "5 ^ te X tu a l à d o c o n s e lh e iro
p e rfo c b t ^ « d t a d b . c o n tra íd a s n o M édicos, advogados e engenheiros criaram associações p a ra intercâm ­
mtT ° í ■JUStÍSa’ D ê **• * e ie ®a s t o u * vez q u e ocupou o bio d e experiências e p a ra estu d o d e m atérias d e suas especialidades: a A ca-
^ P - d e u m p r im e ir a p a s s a g e m p e lo g o v e r n o , o c o n s e J h e ir o ti n h a
dista e n c o l a « t e r e s s a d o n a s d e s p e s a s (e n o p a d r ã o d e v i d a ) d o i n s i g n e e s t a - d e m ia lm p e ria l d e M edicina, o In s titu to d o s A dvogados Brasileiros e o Ins­
^ 3 6 í' H > d o In stitu to titu to Poíytechnico do Brasil. Com suas diferentes categorias de sócios (titular,
Osas comer " .‘® * StD B“ * * “ o ( C ontas — recibos e notas fiscais d o C o n s. com diversas
agosto a 30 d e d e i r ^ U ™a am o stra: Confeitaria d o le ã o : 760$2Ó 0, de 4 de a d ju n to , correspondente), apresentação d e m em órias, sessões fechadas e
apenas ev e n tu a lm e n te a b ertas ao público, seções especializadas, prêm ios e
3 3 5 1 ^ ^ E D e“ ÍS> CabeUeiteiros d a O s a Im perial:
3' ^ ^ b“ deí854(^ s decharotos,eseo«demarfiípata m ed alh as, o m odelo a p a re n te m en te e ra a A cadém ie des Sciences parisiense.
^ t o d e ^ ^ e s c ^ p a « unhas, e tc .iJa c q u e s& v e íh -.M a sc a te R o m a n o iS U ÍT m
N ã o ta r a vez as sessões m ais solenes (aniversário d a associação, p o r exem ­
* 7 ^ ' ^ 1 8 5 4 (^ nC?íe re d e s^ ^ « “ d e s e t K r o ^ p a r a c r i a n ç a s ,
1 8 5 5 -^ r . ? ^ C r UKr S 6 M odístas: 7 7 0 5 0 9 0 de dezem bro d e 1 8 5 4 a abril de plo ) e ra m ab rilh a n ta d a s p ela presença do Im p e ra d o r; em o u tras a presença
v - J à S 1* Ír2 6 5 $ 2 0 0 d e 13 d e Janeiro a 2 9 de ab ril d e 1855 (1 2 earrafes
d e S M 1 era p o r si m esm a m otivo d e salenidades. M ais ta rd e vieram o C lub
l8 5 ? S re l 5 7 3 * 0 0 0 d e 2 5 d e Janeiro a 2 6 d e dezem bro d e d e E n g e n h a ria e a Sociedade d e M edicina e C iru rg ia do Rio de Janeiro.
o f£ de casirmra- » l e t e de veludo O tto m a n , calça d e casim ira cetim Dara
u Í o? 0 r ° & W aM erT ' W i r o s : 4 1 0 $ d e 9 d e fe v e re iro a 1 0 d e a g o s t o d e 1 8 5 5 '
M as, a lé m d e suas próprias associações, o s profissionais d isp u n h a m de
um se m -n ú m e ro d e o u tra s sociedades d e c aráter literário e c u ltu ral freqüen­
OcanleibeimN Para resum jr: QUma som a p a rd a l d e despesas desse tip o
ta d a s ig u a lm e n te p ela n a ta d a intelectualidade d a C o rte. O In s titu to H istó ­
»» epoca de 7 .ÜÜÜ$ o saiario de u m m uustro de Estado.
rico e G e o g ra p h ic o (lá e sta v a m e n tre o u tro s o s en g e n h e iro s b arão de
C apanerna e P a u la Freitas), o In s titu to dos Bacharéis, a Sociedade de G eo ­ m eirinhos, os exam inadores e os escrivães q u e c o m p u n h a m as com issões de
g ra fia ( q u e c ed ia suas salas q u a n d o tu m u lto s estu d an tis n a escola de enge- devassa e as ju n ta s de examinação» sem esquecer d e en v iar p a r a a M etrópole
oharia im possibilitavam as reuniões d o Inscituro Polycechnico), a S odedade o quinhão a q u e faziam jus o Físico e o C irurgião-m or. A s rabeias das p ro p i­
P ro p a g a d o ra d a s Beilas A rtes e a té m esm o u m a Associação d e H o m e n s d e nas sugerem q u e não saíam b a ra to aos candidatos o s ex am es a q u e se su b ­
Letras q u e ed itav a a revista Bibliotheca Brasileira, e m cujo terceiro núm ero m etia m p a ra o exercício dos ofícios curativos. Se apiicado no P orto o u em
(setembro d e 1 863) o leitor e n co n trará indexado u m p o e m a d e M achado de C oim bra custavam 2 0 $ 9 0 0 aos can d iáad o s a cirurgião, a í incluídas as des­
Assis 0 s ondinas), u m “rom ance in éd ito ” de Q u in tin o B ocayuva (A morte pesas com a carta (“feitio, im pressão, a ssig n a tu ra ”), e u m p o u co m ais
Moral) e u m “rom ance indígena” d e J o a q u im F e lía o d o s Santos (Acayaca). (2 1 $ 5 0 0 ) se aplicado nas p ro v in d as. O s m édicos e cirurgiões estran g eiro s
O u tra associação im portante, fre q ü e n ta d a principalm ente p o r engenheiros, q u e desejassem c u ra r nos dom ínios p o rtu g u eses p a g a v a m 3 7 $ 0 0 0 pelos
era a Sodedade Auxiliadora d a In d u stria N acional. Todas elas trocavam en ­ exam es a q u e ta m b é m eram su b m etid o s.35 N a s colônias esses exam es não
tre si convites p a ra as solenidades aniversarias e enviavam às sessões com e- tin h a m m u ito v a lo r p rático e e ra m ocasião p a ra fre q ü e n te s ab usos d o s
moradvas das coirm ãs suas graves comissões d e representação. Tudo com delegados d o F ísk o -m o r, os quais, diga-se d e passagem , não tin h a m em su a
um saboroso e índisfarçável to q u e provinciano. M as o q u e esperava o leitor? m aioria q u a lq u e r qualificação. T ratava-se nesses casos d e p u ro e sim ples
interesse fiscal no s m o ld es d e u m a econom ia m e rcan tilista: a C oroa vendia
privilégios (as licenças p a ra curar), p erm itin d o q u e seus funcionários se ap ro ­
III
p ria sse m d a s re n d a s e p e n a liz a n d o se v e ra m e n te o s q u e c u ra sse m o u
p artejassem sem as devidas provisões.30
g ta n to b asta p ara a p re se n ta r m in h a e lite d e p ro fissio n a is, ta m b é m C om a In d e p e n d ê n d a e a criação d a s escolas superiores, as taxas escola­
profissional da elite. O problem a é q u e m u ito pouco h á o q u e dizer sobre a res no Brasil foram , d e certa fo n n a , os equivalentes d a s p ro p in a s p ag as aos
massa de advogados, m édicos e engenheiros, sobre os q u e não deixaram delegados d a Fisicatura. A té m esm o as q u e a C oroa p o rtu g u e sa cobrava
rastro nos arquivos e que a história ig n o ra. In d ire ta m e n te, e n tre ta n to , é p a ra exam e d o s “físicos” e d ru rg iõ e s estrangeiros p e rm a n e c era m n a legisla­
possível esboçar um quadro dos obstáculos a q u e tin h a m d e fazer frente em ção fiscal brasileira e nos regulam entos acadêm icos sob a rubrica d e tax as e
SÊU coddiano de estreitos horizontes, e u m dos m enores n ã o e ra o d e fazer d e im p o sto do selo. O governo ta x a v a a licença p a ra ad v o g a r sem d ip lo m a
frente às despesas com sua form ação profissional e com os im p o sto s q u e lhes (a ch a m a d a ad v o c a d a p ro visionada) e cobrava pelo ch am ad o “em p reg o v i­
cobrava o governo. Vamos ao p o n to .
talício d e advogado não form ado”; tax as in d d ia m ain d a sobre a concessão
Garantir aos “físicos’' form ados em C oim bra o m onopólio d a co n su lta e
do s g ra u s d e d o u to r e bacharel fo rm ad o e m d ê n c ia s jurídicas e m edicina;37
da prescrição e aos cirurgiões o d e tra ta r d e doenças ex tern as; fiscalizar as
boticas para que não vendessem substâncias nocivas o u m edicam entos p o r
35Sobre as origens e evolução da Fisicatura e do C irurgiao-roor, v e r Eduardo de A breu (D r), A
preços que onerassem a econom ia dos súditos; exam inar can d id ato s a cirur­ Physicatura M ór e o Cirurgião M or dos Exércitos do Reino d e Portugal e Estados d o Brasil”.
gião, sangrarior, parteira o u d en tista passando atestações oaprovisões aos ap ro ­ Revista Trimestral do Instituto Histórica e Geograpbico Brasileiro, Tomo LV1II, P arte I, 1901, pp.
1 5 4 -3 0 6 .0 origina! d ata de 1886.
vados» taís eram os cuidados d a C oroa p o rtu g u e sa com seus súditos. N o s wjá nessa época, um a das mais severas penas p a ra os m etropolitanos q u e violassem as regras era
domínios ultramarinos os delegados d a F isicatura e d o C iru rg ião -m o r (m ais o degredo para o Brasil.
37Tabeia anexa à Lei n ° 2 4 3 de 30 de novem bro de 1841 (Parte I — D o s em pregos e vencim en­
sobre estas instituições no C apítulo 4) in cum biam -se d estas benéficas fu n ­ tos: 5° — D o em prego vitalício de advogado não formado, 6Q$00G; }7 D o grao de
ções peias quais recebiam suaspropinas assim com o ta m b é m as recebiam os doutor em sciencias jurídicas e sotiaes ou m edicina, 40$0GQ; 8 o— D o grao d e bacharel nas ditas
srieacias, 30$QG0).
AS PROFISSÕES IM PERIAIS / / 99

a A p o s t o do selb' gravava as cartas (diplom as) d e d o u to r e d e bacharel for­


rátios d e expediente d a s repartições. E a crer n o e m p e n h o d o s M inistérios
m ado** A s íeís: o rçam entárias incluíam n a e stim a tiv a d a receita a previsão
da F azenda e d a Ju stiç a e m rep rim i-la, a p rá tic a d e disp en sar o diplom a
dos valores a serem arrecadados com to d as essas taxas e im p o s to s , e n u n c a é
devia ser b a sta n te difundida;41 no lim ite, alcançava a té m e sm o juizes de
dem ais insistir na observação de q u e não e ra m cobrados com o c o n tra p a rtid a
direito e juizes m unicipais.42
do s serviços p re sta d o s pelas escolas, m a s com o verdadeiros im p o sto s pes­
U m a das razões pelas quais advogados e a té m a g istra d o s (com freqüên­
soais recolhidos ao tesouro nacional.39
cia m enor) encontravam relativa facilidade p a ra escapar dos fiscais fazendários
_D e q u a íq u e r fo rm a >m e u P ropósito não é o d e ftz e r o histórico d a legis­
consistia e m q u e não havia agência d o governo in c u m b id a d o registro dos
lação fiscal, m a s © d e c h a m a r a atenção d o le ito r p a ra a s despesas q u e os
diplom as. E p o r isso era m ais d ifid l aos m édicos escapar d o fisco, já q u e seus
ca n d id a to s as carreiras profissionais deviam satisfazer. P a ra as fam ílias m ais
títu lo s d eviam , p o r lei, ser reg istrad o s p rim eiro n a s C âm aras M unicipais, e
a b astad as p o d ia ser p o uco; p a ra as d e recursos m o d e sto s, fo rm a r u m “d o u ­
s p a rtir d e 1851 n a J u n ta C e n tra l d e H ig ie n e e nas q u e a sucederam a té a
to r “ c o n stitu ía considerável sacrifício e m u ita s sim p le sm e n te ab an d o n av am
virad a d o século. A dem ais, p elo exercício profissional sem reg istro d o diplo­
p e io m eio o pro jeto . O s q u e concluíam o curso e o p ta v a m p elo efetivo exer-
m a ficavam eles sujeitos a punições (inclusive prisão) q u e inexistiam p a ra os
d o o d a profissão, sem c o n ta r com a a ju d a d e am ig o s o u p a re n te s influentes
advogados e q u e e ra m tã o pesadas q u a n to aquelas pelo exercício d a m edici­
lo g o d a v a m - s e c o n ta d e q u e o in v e s tim e n to n ã o g a r a n t i a re to r n o
n a sem o títu lo . O u tro fa to r p a ra d ificu ltar u m a m ais eficiente fiscalização
com pensador. A lé m d e escassa, a clientela e ra p o b re , e os profissionais fre­
sobre o s bacharéis e m direito é q u e a advocacia e ra b a s ta n te m a l definida,
q u e n te m e n te haviam d e se satisfazer a té m esm o com h o n o rário s p ag o s em
co m p o rtan d o práticas hetero g ên eas e hetero d o x as (m ais sobre isso no C apí­
especie.40 P o r isso m esm o , e à m an eira d o s te m p o s coloniais, n ã o era m p o u ­
tu lo 5).
cos os q u e p ro cu rav am fu g ir à carg a d e tax as e im p o sto s. N a s escolas de
É b o m registrar, to d av ia, q u e n© afã d e recolher im postos ao M inistério
d ire ito e ra co m u m q u e e stu d a n te s dentassem d e re q u e re r o d ip lo m a , e
d a F azen d a im p o rta v a m p ouco as condições, legais o u ilegais, nas quais
escudados n a deficiente fiscalização passassem ao exercício d a advocacia
ap enas co m a colação do g ra u . O e stra ta g e m a e ra u tilizado, p o r exem plo
p e io s q u e faz ia m d a advocacia u m * W , t a l co m o o s b ac h a ré is que’ •“N o Aviso Circular n ° 3 d e 16 de janeiro d e 1882, expedido p o r solicitação d o M inistério da
fazenda, o da Justiça alertava p a ra os estudantes q o e “to m a m o grao d e bacharel e não solici­
in g ressav am no fim donalism o pú b lico e exerciam a advocacia fo ra dos h o - ta m suas cartas, deixando assim de p a g a r os direitos exigidos po r lei. Logo, não sejam adm iti­
dos ao exercido de q u alq u er função judiciaria, inclusive ao exercido d a advocacia, os indivíduos
q u e n ã o apresentaram o u nã o apresentarem títulos acadêmicos". N o m esm o ano o Aviso G r-
c u la rn 0 58 de 17 de abril, d o M inistério d a Fazenda, fixava a ‘‘inteligência do Aviso Circular de
( S i ^ T im7 r0" 0“ £EteoResu!amento 16 d e janeiro ú ltim o , relativo a exibição q u e o s m agistrados e advogados devem fazer dos
respectivos diplom as ou títu lo s científicos". Ver ain d a o Aviso n ° 2 5 d e 12 d e julho de 1887, do
M inistério da Justiça, com o m esm o teor.
«Aviso n ° 53 de 30 de agosto de 1882, do Ministério dajustíça, advertia o Presidente da Provinda
i d e 3 d e outubro d e 1832 estipulava em 2Q$O0O o va!or d a m atricula m r» r A ■ a d o Rio de Janeiro d e q u e n ã o cabia im pedir a posse de u m Ju iz M unicipal p o r não te r este
apresentado seu títu lo , visto q u e o juram ento já havia sido deferido: “E m resposta cabe-me
declarar qu e , conquanto o citado aviso-circuíar {de 16 de janeiro d o m esm o ano] expedido a
requisição do M inistério d a Fazenda, tivesse o in tu ito m anifesto d e evitar a defiaudação dos
Cursando em Sao Paufo © últim o ano da academia de D ireito Pautino W A t direitos nacionaes, devidos pelo titu lo acadêmico, é certo, todavia, q u e o m eio d e obstar ao
prestava alguns serviços advocatícios e seu biógrafo Kyristxou ^ * exercício nas circunstancias expostas, era evitar o juram ento, que, u m a vez prestado, torna apto
salta, sobre u m a a p e l * ^ 4 |G 0 0 e mais 2 po rco , e 4 capões; p í l t t a o funcionário para assum ir o exercício, com m um cando-se as autoridades com petentes, sem
depen d en d a d e outra formalidade ou sujeição a q ualquer interferência prohibitiva não expressa­
m en te prevista em lei." Para caso idêntico relativo a u m juiz de direito, v er o Aviso n 23
Justiça.— E m 15 d e janeiro de 1881.
C apanem a e P a u la Freitas), o In s titu to dos Bacharéis, a Sociedade d e G eo­ m eirinhos, os exam inadores e os escrivães q u e c o m p u n h a m as com issões d e
grafia (que cedia suas salas q u an d o tu m u lto s e stu d an tis n a escola d e en g e ­ devassa e as ju n ta s de exarrunação, se m esquecer d e en v iar p a r a a M etró p o le
nharia im possibilitavam as reuniões d o In s titu to Polytechnico), a Sociedade o quinhão a q u e faziam jus o Físico e o C irurgião-m or. A s tab elas das p ro p i­
propagadora d a s Bellas A rtes e a té m esm o u m a Associação d e H o m e n s de nas sugerem q u e não saíam b a ra to aos candidatos os ex am es a q u e se su b ­
Letras que ed ita v a a revista Bibliotbeca Brasileira, e m cujo terceiro núm ero m etia m p a ra o exercício dos ofícios curativos. Se aplicado n o Porto o u e m
(setembro d e 1 863) o leito r en co n trará indexado u m p o e m a d e M achado de C oim bra custavam 20$9QQ aos can d id ad o s a cirurgião, a í incluídas a s des­
Assis 0 S ondinas), um rom ance in é d ito ” de Q u in tin o B ocayuva ÇA morte pesas c o m a carta (“feirio, im pressão, a ssig n a tu ra "), e u m p o u co m ais
m ral) e u m “rom ance indígena” d e J o a q u im Feiído d o s Santos (Acayaca). ( 2 1$500) se aplicado nas províncias. O s m édicos e cirurgiões estrangeiros
O u t r a associação im p o rtan te, fre q ü e n ta d a prin cip alm en te p o r engenheiros, q u e desejassem c u ra r nos dom ínios p o rtu g u eses p a g a v a m 37& 000 pelos
e r a a Sociedade A uxiliadora d a In d u stria N acional. Todas elas trocavam e n ­ exam es a q u e ta m b é m eram su bm etidos.35 N a s colônias esses exam es não
tre si convites p a ra as solenidades aniversarias e enviavam às sessões com e­ tin h a m m u ito v a lo r prático e e ra m ocasião p a ra fre q ü e n te s ab usos dos
morativas das coirm ãs suas graves com issões d e representação. Tudo com delegados d o Físico-m or, os quais, diga-se d e passagem , n ã o tin h a m e m su a
um sabotoso e índisfarçável to q u e provinciano. M as o q u e esperava o leitor? m aioria q u a lq u e r qualificação. T ratava-se nesses casos d e p u ro e sim ples
interesse fiscal n o s m o ld es d e u m a econom ia m erca n tilista : a C oroa v en d ia
privilégios (as licenças p a ra curar), p erm itin d o q u e seus fu n cio n án o s se a p ro ­
III p ria sse m d a s te n d a s e p e n a liz a n d o se v e ra m e n te o s q u e c u ra sse m o u
p artejassem sem as devidas provisões.36
£ ta n to b a sta p a ra a p re se n ta r m in h a e lite d e p ro fissio n a is, ta m b é m C om a In d ep en d ên cia e a criação d a s escolas superiores, as taxas escola­
profissionais da elite. O problem a é q u e m u ito pouco h á o q u e dizer sobre a res no Brasil fo ram , d e certa form a, os equivalentes das p ro p in as p a g a s aos
massa de advogados, médicos e engenheiros, sobre os q u e não deixaram delegados d a Fisicatura. A té m esm o as q u e a C oroa p o rtu g u e sa cobrava
jascra nos arquivos e que a história ignora. In d ire ta m e n te , e n tre ta n to , é p a ra exam e d o s “físicos” e cirurgiões estrangeiros p e rm a n e c era m n a legisla­
p o s s ív e l esboçar um quadro dos obstáculos a q u e tin h a m d e fazer frente em
ção fiscal brasileira e nos reg u lam en to s acadêm icos so b a ru b ric a d e taxas e
seu cotidiano de estreitos horizontes, e u m dos m enores n ã o e ra o d e fazer
d e im p o sto d o selo. O governo tax av a a licença p a ra a d v o g a r sem d ip lo m a
frente às despesas com sua form ação profissional e com os im p o sto s q u e lhes (a c h a m a d a advocacia provisionada) e cobrava pelo c h am ad o “em p reg o vi­
cobrava o governo. Vamos ao p o n to .
talício d e advogado não form ado”; taxas incidiam a in d a sobre a concessão
Garantir aos “físicos” form ados em C oim bra o m onopólio d a co n su lta e
dos g ra u s d e d o u to r e bacharel fo rm ad o e m ciências jurídicas e m edicina;37
da prescrição e aos cirurgiões o d e tr a ta r d e doenças ex tern as; fiscalizar as
boticas para que não vendessem substâncias n o d v as o u m ed icam en to s p o r
35Sobre as origens e evolução da Fisicatura e do Cirurgiãn-m or, v e r E duardo d e A breu (D r), “A
preços que onerassem a econom ia dos súditos; exam inar can d id a to s a cirur­ Physicatura M ó r e o Cirurgião M ór dos Exércitos d o Reino de Po rtu g al e Estados do Brasil”.
gião, sangrador, parteira ou d en tista p assando atestações ou provisões aos apro­ Revista Trimestral do Instituto Histórica e Geographico Brasileiro, Torna LVIII, P a rte I, 1 9 0 1 , p p.
1 5 4 -3 0 6 .0 origina! d ata de 1886.
ados» tais eram os cuidados d a C oroa p o rtu g u e sa com seus súditos. N o s nessa época, um a das mais severas penas p a ra os m etropolitanos q u e violassem as regras era
domínios ultramarinos os delegados d a Fisicatura e do C iru rg ião -m o r (m ais o degredo para o Brasil.
37Tàbela anexa à Lei n° 2 4 3 d e 30 de novem bro de 1841 (Tarte 1 — D o s em pregos e vencim en­
sobre estas instituições no C apítulo 4 ) incum biam -se d estas benéficas fu n ­ tos: 5° — D o em prego vitalício de advogado não formado, 60$Ü0Q; {...} 7 ° — D o grao de
ções pelas quais recebiam sazs propinas assim com o ta m b é m as recebiam os doutor em sciências jurídicas e sociaes ou nsedícíoa, 40$0QG; 8 ° — D o grao d e bacharel nas ditas
sciencias, 30$000).
o im p o sto d o s d o gravava as cartas (diplom as) d e d o u to r e d e bacharel for­
rários d e ex p ed ien te d a s repartições. M a cre r no e m p e n h o d o s M inistérios
m a d o .33 A s íeis-, orçam entárias incluíam n a e stim a tiv a d a receita a previsão
da F azenda e d a Ju stiç a e m reprim i-la, a p rá tic a d e dispensar o d ip lo m a
dos valores a serem arrecadados com to d a s essas taxas e im p o sto s, e nu n ca é
devia se r b a sta n te difundida;41 no lim ite, alcançava a té m esm o juizes de
dem ais msüsdr na observação de q u e não e ra m cobrados com o c o n tra p a rtid a
direito e juizes m unicipais.42
dos serviços p re sta d o s pelas escolas, m a s c o m o v erdadeiros im p o sto s pes­
U m a das razões pelas q u ais advogados e a té m a g istra d o s (com freqüên­
soais recolhidos a o tesouro nacional.3^
cia m enor) encontravam relativa facilidade p a ra escapar dos fiscais fazendários
_ ° e <luaV < * fo rm a>m e * p ro p ó sito não é o d e fazer o histórico d a legis­
consistia e m q u e não havia agência d o governo in c u m b id a d o registro dos
l a d o fiscal, mas, o d e ch am ar a atenção d o le ito r p a ra a s despesas q u e os
diplom as. E p o r isso era m ais difícil aos m édicos escapar d o fisco, já q u e seus
can d id ato s às c a rm ra s profissionais deviam satisfazer. Para. as fam ílias m ais
títu lo s deviam , p o r lei, ser reg istrad o s p rim eiro n a s C âm aras M unicipais, e
a b astad as po d ia se r p o uco; p a ra as d e recursos m o d esto s, fo rm a r u m “d o u ­
a p a r tir d e 1851 n a J u n t a C e n tra l d e H ig ie n e e nas q u e a sucederam a té a
to r c o n s titu o considerável sacrifício e m u ita s sim p lesm en te a b an d o n av am
virad a d o século. A dem ais, pelo exercício profissional sem reg istro d o diplo­
pelo m eio o p ro je m . O s q u e concluíam o cu rso e o p tav am p e lo efetivo exer­
m a ficavam eles sujeitos a punições (inclusive prisão) q u e inexistiam p a ra os
cício d a profissão sem c o n ta r com a a ju d a d e am ig o s o u p a te n te s influentes
advogados e q u e e ra m tã o pesadas q u a n to aquelas pelo exercício d a m edici­
lo g o d a v a m - s e c a n t a d e q u e o in v e s tim e n to n ã o g a r a n t i a re to r n o
n a sem o títu lo . O u tro fa to r p a ra d ificu ltar u m a m ais eficiente fiscalização
com pensador. A lém d e escassa, a clientela e ra p o b re , e os profissionais fre­
sobre o s bacharéis em direito é q u e a advocacia era b a s ta n te m a l definida,
q u e n te m e n te haviam d e se satisfazer a té m e sm o com honorários p a g o s em
co m p o rtan d o p ráticas hetero g ên eas e hetero d o x as (m ais sobre isso no Capí­
especie. P o r isso m esm o , e à m an eira d o s te m p o s coloniais, não e ra m p o u ­
tu lo 5).
cos o s q u e p ro cn m v am fu g ir à carga d e tax as e im p o sto s. N a s escolas de
É b o m registrar, todavia, q u e n o afa d e recolher im p o sto s ao M inistério
direito e ra c o m u m q u e e stu d a n te s deixassem d e re q u e re r o d ip lo m a e
d a F azen d a im p o rta v a m p ouco as condições, legais o u ilegais, nas quais
escudados n a deficiente fiscalização passassem ao exercido d a ad v o c a d a
ap enas c o m a coiaçao do g ra u . O e s tra ta g e m a e ra utilizado, p o r exem plo
p e lo s q u e faziam d a advocacia u m "bico”, t a l co m o o s b a c h a ré is q u e ■
“N o Aviso Circular n ° 3 d e 16 de janeiro d e 1882, expedido p o r solicitação do M inistério da
fazen d a, o d a Justiça alertava p a ra os estudantes q u e “to m a m o grao d e bacharel e não solici­
in g ressav am no fim donalísm o público e e x e rd a m a a d v o c a d a fo ra dos h o - ta m suas cartas, deixando assim d e p a g a r os direitos exigidos p o r lei. L ogo, não sejam adm iti­
dos ao exercício de q u a lq u er função ju d iciam , inclusive ao exercido d a advocacia, o s indivíduos
q u e n ã o apresentaram o u n ão apresentarem títu lo s acadêm icos". N o m esm o ano o Aviso Cir­
3eDecretoa°353de26<feabriíde 1844 — Mm A ,—™ » « ^ - • „ . cular n ° 58 de 17 d e abril, d o M inistério d a Fazenda, fixava a “inteligência do Aviso Circular de

f e iç ã o
. T T *
( t
p a s t a arrecadação do S e lf a .0 a rt 2R rT V nl •• - f P rovts°nam ente- o R egulam ento
e hterarios) estipulava e m 2 5 $ 0 0 0
c a irta d e d o u to ro u bacharel form ada“’,, e em 1 5 S 0 0 0 » j
16 d e janeiro ú k im o , relativo a exibição q u e c s m agistrados e advogados devem fazer dos
respectivos diplom as ou títu lo s científicos”. Ver ainda o Aviso n ° 2 5 d e 12 d e julho de 1887, do
indivíduo q u e n ã o seía fom-iadr." licença p a ra advogar o M inistério da Justiça, com o m esm o teor.
? cS l . ■="i s “ ’e * «Aviso n ° 53 de 30 de agosto d e 1882, do M inistério da Justiça, advertia o Presidente da Província
d o Rio d e Jan eiro de q u e nã o cabia im pedit a posse de u m Ju iz Municipal p o r não te r este
Ji z t n 20 S í f iAt r i r ^io010^
e em 1 8 8 l o
0í otda
u m b ro
D e c re to a ° 8 0 2 4 d e 1 7
**>*-*■- *
d e 1 8 4 3 d o b ro u e s te v a lo r ( a r t. 1 6 ) ;
apresentado seu títu lo , visto q u e o juram ento já havia sido deferido: “E m resposta cabe-me
declarar q u e , conquanto o citado aviso-circuiar {de 16 de janeira do m esm o ano] expedido a
c ad a u m a d as ^ e m 1 0 2 $ O O Q o v a f o r d a m a tr í c u la p a r a
4 0-, , s e t e s e rie s de exam e s d o c u rso d e m e d ic in a ( a r t. 1 1 ) requisição do M inistério d a Fazenda, tivesse o in tu ito m anifesto de evitar a defraudação dos
direitos nadonaes, devidos pelo títu lo acadêmico, é certo, todavia, q u e o m eio de obstar ao
exercício nas circunstancias expostas, era evitar o juram ento, que, um a vez prestado, to m a apto
o funcionário para assum ir o exercício, comm unicando-se as autoridades com petentes, sem
de o u tra formalidade ou sujeição a qualquer incerferencia probibltíva não expressa­
m en te prevista em íeí.” Para. caso idêntico relativo a um juiz de direito, v er o Aviso n° 23 —
Justiça -—- Em 15 de jaseico de 1881.
eram exercidas as profissões n o Im p ério . O Aviso n ° 135 de 12 d e n o v e m ­ p ela concorrência no m ercad o , tin h a m escassas pro b ab ilid ad es de b u rla r o
bro de 1846 m an d av a cobrar o im p o sto d e escritório aos funcionários p ú b li­ fisco e apenas o s m ais bem -sucedidos po d iam dar-se ao luxo de. e sta m p a r
cos q u e praticassem a advocacia fo ra das h o ras de serviço, "ad v ertin d o , p o ­ nos jornais o u revistas as excelências de sua perícia.
rem que,, não c o m p etin d o às auto rid ad es fiscais conhecer se os q u e exercem O m ais curioso em tu d o isso é q u e os valores arrecadados não justifica­
a advocada são o u não daqueles a q u e m as leis a p e rm ite m , o u p ro íb e m , a v a m as atribulações causadas aos p o b res profissionais. N o Im pério as m a trí­
n enhum servirá de arg u m en to p a ra justificar-se do exercício indevido a ale­ culas nos cursos superiores não re n d ia m ao governo n e m m esm o o suficien­
gação. de te r p a g o o im p o sto ”. T am bém não in teressava à F azenda se os te p a ra cobrir as despesas com as escolas, e o valor cobradG sobre os diplom as
m édicos m ilitares po d iam o u não exercer sim u lta n e a m e n te a clínica civil, seria u m a parcela ínfim a d o to ta l arrecadado com o im p o sto do selo 40 F ran­
lim itando-se a co b rar o im posto dos q u e o faziam .43 cisco Ignãcio de C arvalho M oreira, o fu tu ro b arão de P enedo, ad m itiria d u ­
Isso p o sto , o le ito r p o d e concluir que n ã o e ra n a d a fácil a v ida d o s p ro ­ ra n te d e b a te n a C âm ara q u e , se as altas taxas cobradas p e k s escolas não
fissionais m en o s aquinhoados p e ia sorte. À s vezes o g o v ern o im ag in av a fór­ m elhoravam o estado do tesouro nacional, tin h a m no e n ta n to o im p o rta n te
m u las m ais eficientes de cercá-los o u d e dificultar suas atividades. P o r ex em ­ efeito d e blo q u ear aos brasileiros m ais pobres as o p o rtu n id a d e s d e u m a car­
p lo , com o já referido im p o sto so b re escritório: tax av a-se o m éd ico , o reira profissional, fazendo delas m onopólio d e u m a m in ú scu la elite.
advogado e o engenheiro p o r u m v alo r p ro p o rd o n a l à locação d o im óvel Seja com o for, e com o a vida não é frita apenas d e fracassos e n e m ape­
o n e exerciam suas atividades, visto q u e e ra m ais fácil m a n te r u m cad astro nas de triste z a , quero, encerrar este capítulo com u m a u tên tico happy end.
im obiliário razoavelm ente atualizado do q u e u m registro profissional.44 Logo, P razerosam ente, inform o ao leito r q u e o B r . Pedro Luiz N apoleao C hem ovitz,
nao surpreende a quantidade d e pequenos advogados, rábulas e ptovisionados q u e e n co n tram o s no início d e ste cap ítu lo e m p recária situação, fez fo rtu n a
nas im ediações das sedes dos trib u n a is a te n d e n d o os eventuais clientes em com edições sucessivas d o s seus Dicionário de medicina popular e Formulário
p le n a m a (e o le ito r p o d e im a g in a r o q u e e r a essa clien tela). M édicos médico do B razil e m u ito feliz d a v id a regressou à E u ro p a.
m icavam e m suas residências o u c lan d estin am en te nos fu ndos d e farm á­
cias. O im p o sto sobre indústrias e profissões, in stitu íd o em 1867 com o u m a
agregação d o *de escritório” e d e o u tro s, o b e d e d a à m e sm a fórm ula, exceto
p a ra os engenheiros aos quais se tax av a "em razão d a im p o rtâ n c ia d o s lu g a ­
r e s o n d e e x e rd a m a profissão.« M édicos e advogados q u e desejassem fazer
p u b licid ad e d e seus serviços, u m a p rá tic a q u e iria se to rn a n d o necessária

«F ? IÀ 'J r0: ^P Q grapbia Imperial, 1848.


« N a lei orçam entária de 1845 & 36 9 de 18 de se tem b ro jo valor arrecadado com as n ^trículas
fc ra d a cid ad ? o S S c o S q7 Pratj CâVam “ Corte eram taXados e m 2 5 1 0 0 0 , e em i 2 |0 0 0 se
o ^ « e a d v o ^ o w v i » 10 % d o v a lo r lo c a t iv o d o s p r é d io s o n d e fà d s s e m
correspondeu a 18% das despesas governam entais com as escolas de direito e e me ^ ,
C oK eed o q v eO S O m ^ P™ !* “ “ '“ 1 « r is inferior a lOjOOO no m nnicípio da de 1 8 5 0 (n° 5 5 5 de 15 d e junho) 38% , u m d a s percentuais m ais altos durante o L ap •
taxas term inaram revertendo para m elhoram entos nas bibliotecas e Ia ratonos
sendo excluídas das estim ativas orçam entárias do governo.
4

O Dr. Jo b im e s u a A cadem ia

A s sessões aniversarias d a A cadem ia Im p e ria l d e M edicina e ra m invaria­


v elm en te cercadas d e cuidados especiais de stin a d o s a im prim ir-lhes a sole­
nidade e o brilho d e q u e os ilustres sócios julgavam -se m erecedores. Era
m ister, além disso, receber c o n d ig n am en te o Im p e ra d o r, q u e n u n c a faltava
aos festejos e q u e de ta n ta s m ercês cobria a n o b re instituição. O ritu a l e ra de
ano p a ra ano o m esm o. O presidente ab ria a sessão com u m discurso dirigi­
d o a S .M .1, o m in istro d o Im pério resp o n d ia e m n om e d o soberano com
d u a s palav ras de ag radecim ento, o secretário d a A cadem ia lia a a ta com o
resum o d a s atividades d o ano findo. E e ra m ais o u m en o s esperado que
a lg u m m édico com inclinação p a ra as b eias-letras deleitasse o s presentes
com u m a p e ç a literária. N a sessão d e 6 d e d ezem bro d e 1 8 4 8 , p resid en te o
D r. Jo sé M artin s d a C ru z J o b im , o D r. Jo sé M a ria d e N o ro n h a F eital recitou
u m lo n g o ensaio p oético de sua la v ra a q u e d e ra o títu lo d e 0 sofrer do medico:

“A quelíe q u e aos h u m an o s se v o tan d o


P ro c u ra ailiviar seu so fífim en to ,
C om o a d o ra a v irtu d e , é generoso!
Sensivel, bem -fazejo, crè q u e to d o s
Sem pre g ra to s serão justos com eile;
£ssas: sessões solenes nunca se realizavam n a sede d a A cadem ia, cuja çoes, a ignorância do povo, o provincianism o dos costum es, o acanham ento
m°a«tiá de instalações não a recom endava. Á de 6 d e m aio desse m esm o da C orte, o aspecto colonial d a cidade e ta n to s aspectos m ais. A alienação
ano del$48 reunira os sócios no local costum eiro, a C asa d o C onsistório d a espiritual, q u e levaria Tobias B arreto a e d ita r em alem ão u m jo rn a l (Deutsche
do Rosário, alugada à sua Irm andade, e destaco-a p o rq u e foi dedicada Kampfir) na ddadezinha de E scada,3 in terio r d e P ern am b u co , era a m esm a
à Qüestã© do “estado actual d a cirurgia no Rio de Ja n e iro ” e to m o u u m que estim ulava o s doutores d a A cadem ia Im p e ria l a dissertarem com fluên­
ruzr'° ^esperado, embora nada surpreendente. A p ó s ouvir de se u colega, o cia sobre os sistem as médicos q u e se dig lad iam n a E u ro p a o u q u e fazia
Costa, a opinião de que tal Estado era “m ui1satisractorio, sendo este u m circular pelas salas d a Escola d e M edicina d o Rio d e Jan eiro o demier cri d a
A tam os; da arte de curar que talvez m ais se te n h a a d ia n ta d o en tre nó s”, o ciência m édica parisiense. D o seu p aís conheciam p o u co , q u a n d o m u ito d a
^ r- Paula Menezes pergunta “se se deve considerar com o progresso a sim - Corte. N o p la n o d a terapêutica os d o u to res usavam com típ ic a freqüência a
pfô imitação ou tão somente a invenção”; pois e le espera sinceridade d o s m etáfora d o s m uitos dialetos q u e se m istu ra m e con fu n d em . Pois na p rática
c°iegas “e que se diga que remos m archado m u i le n ta m e n te , e q u e tu d o não da arte d e c u ra r reinava o caos, a a n arq u ia, “u m a p erfeita B abel, u m a confu­
é ef|tte nós senão pequenos vôos”. Á discordância do D r. C o sta e ta m b é m são d e línguas, m onstruoso p ro d u c to d o tra b a lh o d e to d a s as seiras m ed i­
do Dr. Feqó com tal avaliação prendia-se a q u e , segundo o prim eiro, " a boa cas”, a d m itia o D r. H a d d o e k io b o ;4 no cam po d a p rática, confirm ava o D r.
e P«fèita imitação ... é tam bém u m progresso aonde ella a n tes não existia”; Sigaud, “tu d o é aqui actualm ente u m a v erd ad eira anarchia”;5 e u m desola­
e â que, n a opinião do segundo, “antes de ir além d o conhecido é necessário do D r. D e-S im oni observava q u e “os m édicos vão q u asi c u stan d o a se e n ­
c^egar primeiro aonde outros já chegaram ”.1 tenderem u n s com os outros, parecendo renovar-se e n tre nós u m a verdadei­
ttpo de preocupação era bem característica d a elite m éd ica d a ép o - ra babel”, o q u e levava a uro ceticism o desesperado.
^ wsegum quanto ao seu statss, d e n te d a fragilidade d e sua base cognitiva, Sem referências mais sólidas, cada m édico im provisava seu próprio m é to ­
mas Eaaibém com ambiciosos projetos profissionais. P re v a le á a e n tre o s d o u - do alterando-o ao sabor de observações superficiais e pouco sistem áticas,
£ores ^tna. fundam ental am bigüidade q u e os levava a afirm ar sim u ltan ea­ aplicando tratam en to s inspirados pelo m ais raso em pirism o. Aos dolorosos e
mente os progressos da medicina no país — e neg á-lo , dizia o D r. R oberto abundantes “incommodos” de u m a senhora cujos “renovam entos eram aos
“seria tão disparatada porfia com o a d e u m cego q u e com ­ sabbados e pelo fim d a tarde” (diagnosticados p o r ele prim eiro com o u m a
batesse a exístenda e os efeitos d a luz” — e seu atraso : “u m p á lid o reflexo, “afecção nervasa-pulm onarCasthm a) com dependencias uterinas , e depois
111111Mutação m uitas vezes desnaturada das escolas d e B roussais e B ichat: como “hypersthenia nervosa pneum o-hysterica”), o D r. F eitai tratou-os “p ro ­
riao Podendo p o r isso ter um a exístencia p ró p ria , u m com o cu n h o d e origi­ veitosam ente” com sulfeto d e quinina, o “vencedor d a periodicidade ; e ao
nalidade ta í com o elia cem tid o m a is o u m e n o s e m to d a s a s n ações
rivilísadas”' 2
^Nem o q u e W lido nem o q o eteE de Tobias Barreto, nem a reavaliaçao d e Páulo M ercadante
nações civilizadas! Como outros setores ilu strad o s d a elite brasileira, e de A ntonia Paim modificaram m in b a convicção d e q u e se trata de u m a u to r que, alem de
alienado d o seu m eio, era destituído de q u alq u er originalidade. E m particular, experimento
os G^ ° s postos n a Europa, na França e m p articular, a elite m éd ica cultivava
insuperáveis dificuldades entender com o alguém , m esm o naquela epoca, pode se ocupar
51111Profundo sentim ento de rejeição às coisas d o país: o atraso d a s in stitu i- tão arduam ente e m d ar resposta ao rom pante de u m jovem energúm eno de 18 anos que anu n -
c ia raa m o rte da m e t a f í s i c a . A reavaliação d o “filósofo“ d a “Escola do Recife (dois pleonasm os,
obviam ente) está em Paulo M ercadante e A ntonio Paim , Hòues Barreto na cultura brasileira.
ZHyy1*5 ^ fátdicãta Brasllknte, 4° anao, v®l.4 , n . 3, setem bro d e 1 848, pp. 55-56. Uma reavaliação. São Paulo: Grijalbo/Editora da U5P, 1972.
[j, ..180 teci.tado em presença de S.M.L, na sessão armíveísaria d a Academia Im perial de 7£>. 154- to AO OI
e clna>no día 6 de novembro de 1&4S, pelo D r Roberto Jo rg e H addock Lobo“., Armaes de 'Am ass & M tdkina B r a s ilm 4 ° armo, vol. 4, n . 4 , o utubro de 1848 p . 82
F7 At 1 A —O Áe* 1Ã4Q. n. 184.
4 anno, vol. 4 r o . ?„ janeiro de 1849, p . 149 e 151. / a . »• •
Car •c
retorirsT, ^ !’íiCRaa aos colegas d a A c a d e m ia Im p e ria l p e r g u n ta v a d a í d a A cadem ia Im perial, o leicor te rm in a rá com a desconfortável im pres­
^ toda ' ° Pc°veícoso tentar-m os a acção d o su lp h ate d e q u i- são de q u e os m édicos — os de m aior c u ltu ra e prestígio — não tin h a m a
feysceristuQ ' "" vjjereça perzoaiadade; N a. epilepsia, no m ais lo n g ín q u a noção do que faziam, procedendo com u m a ab su rd a dose
^ F e ir a i * 1^0tra! e Das nossas erysipelas o u angioleucfres...” (éofase do de arrogância e irresponsabilidade.9 E a freqüência com q u e, a p a re n te m en ­
spÜcado a ^ anm^- ® ®tmiaava ele expondo seu m é to d o , depois de te p o r c o n ta p ró p ria, autopsiavam os cadáveres de pacientes hum ildes —
etsxpelas.":« tanieattí P*°r segonda vez a u m m enino atacado d e “repetidas em geral, escravos — e a m inúcia e gosto com qu e relatavam suas descober­
pelo fesuitada d *Kq>eriment:o e esPero a confirm ação d o m eu. p ensam ento ta s n a s sessões d a A cadem ia — te d d o s necrosados, órgãos intum escidos,
^ketvafví ° ^ cto. Eíle me decidirá, com o o presente m e te m decidido”.7 carne e ossos dilacerados — fazem cre r n a existência d e u m a inim aginável
m a rg e m d e im punidade no exercício profissional. E, a despeito d o horror
sobre tudo d ospnera.„; pois, como sabem todos, a im pressão d o ar,
q u e possam im prim ir n a alm a, esses relatos n a d a tê m de extraordinário: a
promove fiem ^ ^ Urm^ ° SQ^ire ° c o rP ° q u e n te o u ban h ad o d e suor, barbárie terap êu tica não estava re strita ao p a ís.10D e fato, não diferem m u i­
ment°s(Iav2 i: Eemente 0 tetano”>QB r. Pereira R ego indicava vários tra ta - to d o s q u e se lêem sobre a prática m édica nas “nações m ais civilizadas” d a
JW leigos rec^ID"n a s a ^ ° ' P a r a re d ra d a de im purezas aplicadas época.11 A observação clínica e a fisiologia pro g red iam nos hospitais pú b ii-
rodos capazes d ° Su^£t!tUR1^0' as P ° r cataplasm as em olientes, etc.),
de calmante ,£^rCTen“: 0 ma^ m orm ente q u an d o “associados ao em prego
3“Ássitn é q u e um po b re morfético de cinqüenta anos de idade, internado n o Lazareto do Rio
menino ffe- rQ^ ^ ^Üternamente- Feito isto, se houver febre violenta, e o de Ja n e iro , após assinar um a declaração formal de qu e era de sua vontade deixar-se picar po r
um a cascavel para te n ta r obter a cura, subm eteu-se à experiência em presença de médicos e
fongo daesté k °* a^ ^ car' se"^ia duas o u m ais sanguessugas p eq u en as ao
cirurgiões da C orte. A serpente utilizada pertencia a um cirurgião residente na rua do Valongo.
desembaragjrq^1eS£en^endQ' as da Qttca ao sacro, clysteres laxativos, a S m d e O paciente m orreu 2 4 boras após a m ordedura.” Lycurgo Santos Filho, História geralde medicina
brasileira. São Paulo: Hucitec/Edusp, voi. 2 ,1 9 9 1 , p . 231-
com poimuada ° VentFe> Vlst0 ^ aver sem pre constipação, fricções à espinha
“N a inspirada tradução de Terezinba Barretti Mascarenhas:“O s eruditas doutores apinhados em
beíladona ac^ ^ 0nant^o 'frie a lg u n s g rã o s d e e x tra to d e volta do D oente Imaginário, com seu latim macarrômco e gigantescas bom bas pata. clister, deixam
de ser engraçados quando Molière inesperadamente tosse sua alm a no palco turbulento. E horrível
de íoaro-cerem ^ a^’uma kebãlaem q u e e n tre m algum as g o tta s d ag u a ler o relato sobre a m anipulação grotescamente rude a q u e o frágil corpo de G ogol foi subm etido
tratamento ^ UaG^° ° £etano depender d e u m a causa g eral, e n tã o o quando tu d o o q u e ele pedia era para ser deixado e m paz. Com um a primorosa interpretação
incorreta de sintomas e com uma clara antecipação do q u e seriam os métodos de Charcot, o D t
sim, se soa —- avanarcant0 quanto as m usas q u e o te m d eterm in ad o . As Auvers (ou H overt) mergulhava seu paciente num a banheita quente onde a cabeça era encharcada
Ingestão de sabs com u m a g a stro -e n te rites p ro v o cad a p e la com água fria, após o q u e ele era colocado n u m a cam a com m eia dúzia d e rechonchudas sangues­
sugas afixadas ao seu nariz. Ele gemia e chorava e se contorcia, enquanto seu corpo desventurado
BiosapplfCaíaj aas anitantes, e pelo abuso d e p u rg a n te s, n ã o duvldare-
(podia-se sentir a coluna vertebral através do estômago) era carregado p ata um a funda banheira
de hank ^UíQas kã&as á região epigastríca e ao anus, e p ô r o m e n in o no de m adeira; ele trem ia enquando jazia nu na cama e continuava suplicando para que retirassem
as sanguessugas: elas estavam pendendo de seu nariz e entrando em sua boca (Ergam -nas,
e calmantes a n d rnos»feitos com adecocção de substancias em oHentes m antenham -nas longe de m im — suplicava ele). E tentava livrar-se delas, de m odo que suas
txusy^ ° ° cu“k £*° aquecer previam ente os p an n o s e m q u e se m ãos tinham de ser contidas pelo corpulento assistente de A uvert (ou Hauvers).” Vladim ir
o “t o m ^n ío /, „ o Nabokov, Nicolai Gogol: Uma biografia. São Pauto: Ars Poética, 1994, p p . 7 -8 . Diagnosticado
transpiracãrv 5 ver’ se com esCe m ei° x consegue u m a equivocadam ente seu Estado como insanidade m ental, G ogol estava, de fato, fisicamente exausto
s3 0 S eta! fevoravel e seguida d e eaíraa”.8 devido a um a voluntária greve de fome da qual resultara um a isquemía cerebral aguda. Ele viria
a falecer (1 8 5 2 ) em seguida ao tratam ento acima descrito.
tais matérias nos Annoes de Medicina Brasilmzse. ó rg ã o ofi- siO s barbarism os médicos q u e se praticavam no H ôtel D ieu e no H ôpital de Ia Charité, o despo­
tism o dos cirurgiões e médicos e a provável relação de tudo isso com os progressos da medicina
francesa foram analisados p o r Ivan W addíngton, “T he role o f the hospital in the developm ent o f
m odern m edicine: a sociological analysis^íceio/o^, 7 ,2 , maio de 1973, p p . 2 1 1-224. A busca de
celebridade era, m u ito freqüentem ente, um a das. motivações para indescritíveis “experimentos”
a o corpo dos pobres e indigentes.
spansfetisBS___0 a n tr o irradiador dos progressos d á ciência m édica — à lo, não sobrevivera à Société Royale d e M édecine e n e m havia condições
e domináreis sofrimentos im pingidos aos p o b re s e aos in d ig en tes, e p a ra ressu scitá-la no novo regim e.15
^ generosa,(feponibíiídade de seus corpos nos an fiteatro s atraía estu d a n te s Á desp eito d a im pressionante pro d u ção teórica, d o s higienistas franceses

to a a Earopa para preciosas lições de anatom ia e pato lo g ia. N ão o b stante, n a p rim e ira m e ta d e d o século X IX ,16 se u p ro g ra m a e ra o q u e era: um a

^ túiímm terapêutico nasceu nos hospitais públicos franceses, e o p ro - irrealizável aspiração d e com partilhar p le n a m e n te o poder do Estado, de
0 t^eaçanto com as infundadas prom essas d a m ed icin a clínica se disciplinar física e m o ralm en te a sociedade, d e fo rm u la r as leis gerais d e sua
spraioa catno uma contagiosa onda de v iru len ta p e ste profissional, m as evolução. A c k e rk n e c h t lem bra ap ro p riad am en te o clim a in te le c tu a l p ro p í­

® a íetafidade necessária para sepultar as inúteis e b árb aras “terap ias h e ­ cio a tais devaneios, pois a dos higienistas e ra ta m b é m a época d e S aint-
róicas”.12 Sim on, C o m te , P ro u d h o n , Fourier, Je a n -B a p tiste Say e LguÍs B lanc, e n tre
o u tro s.17 Isto explica e m p a rte po rq u e em. m ead o s d o seculo X I X a b a n d o ­
Simultaneamente aos fracassos d a m edicina clínica, o u a té m e sm o p o r
n a ra m as velhas idéias sobre as causas d a s doenças epidêm icas — fatores
sadeíes;>g “higienismo" o u “m edicina social” to rn o u -se n a F ran ça u m a
clim áticos e am b ien tais geradores das “em anações deletérias”, d o s “m iasm as
peae d e i^ lc| í'smo durante a prim eira m e ta d e d o século X IX .13 C om
e d e o u tra s indefinidas e voláteis en tid a d e s atm osféricas — p a ra tr a ta r d a
2 í^ í1^ 0 abrangente do seu cam po d e atu ação , os m édicos híg ien is-
pobreza o u d a s condições d e vida nas incipientes ag lom erações industriais.
preteodiam pouco m enos do que realizar a u to p ia d e u m a ciência do
Pois b e m , n a C o rte d o Rio de Jan eiro os m édicos d a A cad em ia Im p erial
3(12 higiene: “a higiene pú b lica”, escrevia u m d e seus ex-
copiaram n ã o so m e n te os m étodos terap êu tico s d e B roussaís,18 m a s ta m ­
p^ ntes, Eameatis, em 1839, “se ocupa d o h o m e m n a sociedade, e o co n -
bém im p o rta ra m e m bloco o ideário d o s higienistas franceses. A ssim , e ao
moespéde. Religião, governo, tradições e co stu m e s, in stitu içõ es,
co n trário d o q u e o co rrera n a França, o n d e o m o v im e n to afastara-se, p o r
^ oes de homem a hom em , e de povo a povo, tu d o isso e s tá e m seus
desencanto e n tre o u tra s razões, d a m ed icin a clínica, n o Brasil fu n d iram -se
manos. te£n a ver, em u m a p alavra, com to d a s as facetas d e n o ssa
as d u a s v e rte n te s, u m a com binação h etero d o x a se v ista c o n tra o p a n o de
5ÜStenCía mais ainda p o rq u e ela te n d e , com o q u e ria C ab an is, a
fundo d a m a triz francesa. P ara com eçar, lem b ro q u e a S o d été Royale de
p tfeiçoar a natureza hu m an a geral”.14 P re te n d ia m ad em ais os hig ie n is-
M édecine, a precu rso ra no ancien régime d o higienism o d o século X IX , não
le ^ S^ Ca^ 0s nas no£Ões d e “m edicina política” (san itarism o e m e d ic in a tin h a r a Í 7 P«: a r a f l ê m r r a s e en co n tro u fo rte resistência n a d i t e d a F aculté de
® e poííck m édica” d ifundida pelo cam eralísm o ale m ã o , in s titu ir
M édecine, receosa d e p e rd e r sua posição d e c o n su lto ra do g o v e rn o . A lém
01112 e despótica disciplina sobre a sociedade c o m a c o b e rtu ra d e
disso, o s hig ien istas franceses eram em p ro p o rção considerável m édicos e
nm desmesur-, 4„m eíjte e m aj definido p ro g ra m a d e h ig ien e p ú b li-
a£a entre a m edicina e o E stado, necessária p a ra im p ie m e n tá -
“ Sobre a s origens da Société Royale de M édecine e su a estreita colaboração com o Estado sob
o patrocínio d e A im e-R obert Turgol, v er C arolíne C . H annaw ay, “T b e Société Royale de
preseatKta-' aos a u sw n os relatos médicos da época não se deve a q u a lq u er desvio M édecine an d Epidêm ica in tb e Ancien Régime”. Balkdrt ofthe History o f Medicine, v. 4 1 , 1972,
critérios é t ^ e8 ‘c‘m a avaliação dos resultados da m edicina do século X IX com os p p . 2 5 7-273.
dentes de f 7na *^e século X X . O s médicos sabiam q u e não sabiam , estavam ‘«Ackerknecht, o p . cit-, listou 2 5 2 livros editados e n tre 1315 e 1848.
I3Erwin H^A CUravam e da inutilidade das suas terapias. "Idem , íbidem , p . 144.
v y jr n 7 € ec^'t>“Hygíene in France, 1815-1848”. Bulletin o flhe History ofMedicine, v. “ Alguns, é verdade, não punham fé na teoria <fe excitação d e Broussaís. O D n Jo b im , que
certam ente considerava-a m ais um a das “extravagâncias, n a soencia”, perguntava retoncam ente:
mmj ; á ^ w s°^bd * 1948, p' 14°.
WA T- ^34- fera um paralelo entre o higienismo e as ciências sociais (D urkheira, em "E ntretanto o q u e é feito de tantas promessas e bravatas, q u e é feito do seu [de Broussaís]
system afrascezem França mesmo?“A nnaes de MedicinaEm xiiknse,4 o armo, vol. 4, n . 5, novem ­
bro d e 1848, p p . 121-122.
CAM POS C O E L H O

gresso d a C o rte a íb rtu g a í.20 E sta peça de legislação c o n tin u a ria em vigor
^ ‘gjoes vereranos das guerras napofeõ nicas e , e m com paração -com os
após a Independência, com o de resto todas “as ordenações, leis, regim entos,
" ^ei^ tltaVam nem P °^ e r nem d e posições d e lid eran ça. P o u -
alvarás, decretos e resoluções prom ulgados pelos Reis d e P o rtu g a l, e pelas
•conavam em universidades, geralm ente nas cadeiras d e higiene, q u e
quais o Brasil se governava até o dia 25 de abril d e 18 2 1 ”. A ssim d eterm i­
gozavam a t prestígio científico. E m síntese, o m o v im en to higienista,
n o u a C arta de Lei d e 2 0 de ou tu b ro d e 1823 levada ao Im p e ra d o r p o r um a
1í o ^ ^ U^ iam S^ ° suas realizações, p a re c e te r p ro je ta d o u m a des-
com issão d e constituintes e p o r ele assinada. Pois be m , o R eg im en to do Ju iz
ímagem em seu tempo e na história d a m edicina francesa. Seu
o resgate tem sido obra de pesquisadores d o século X X . Com issário dava co n ta das seguintes categorias: os m édicos, os cirurgiões e
os boticários. Todavia, a q uem lhe requeresse, ap resen tan d o certidão de
Na Brasa, <®contrário, quase tudo o q u e se te m escrito so b re a m e d id -
q u a tro anos d e aprendizado com M estre aprovado, p o d ia o Ju iz Com issário
seculo XIX e princípios do nosso fora-se no higienism o (o u sanitarism o).
a d m itir a exam e d e farm ácia passando-lhe, se aprovado, a co m p eten te Cer­
0 apenas as das vincolações e interesses ín s d tu d o n a ls e
tidão. N a s localidades o n d e não houvesse m édico o u fosse insuficiente o
res os pesquisadores, em bora estas n ã o sejam irrelevantes.19 M ais
portante é o fato de que é a elite a parcela d a so d ed ad e q u e deixa regis- núm ero deles p o d ia m os cirurgiões, “em núm ero certo”, p ra tic a r a m edicina
após subm eterem -se a exam es p e ra n te o Comissário D e le g a d o . E nas Locali­
^ ^ p a r n a íiEtória, e do Dr. José Martins, d a C ruz J o b im ao D r. O sw aldo
dades onde não houvesse m édicos nem cirurgiões nem boticários, “os que
higienismo brasileiro foi sem pre u m m o v im e n to d a elite m édíca, e
não sendo C irurgiões se tiverem aplicado ao estudo d a m edicina e observa­
po razões mais ou menos óbvias. Em prim eiro lugar, oferetia-lh e to d o s os
ção d o s m edicam entos d o país” poderiam ser exam inados e m m edicina e
^LmeQC0S ^ ue necessitava para reivindicar a instituição d a “m edicina
p ^ t o com. sua polícia médica”, e com e s ta u m a parcela d o p o d e r do farm ácia, “segundo o s seus poucos conhecim entos”; e se julgados necessá­
rios naqueles Lugares rem otos o Comissário D elegado lh es passaria licença
. _ ' ^S^ndo, o higienismo abria-lhe o cam inho p a ra cargos n a a d -
a n u al d e C uradores. Por esses atos, e tam b ém pelas visitas às boticas, inclu­
tração pública, desejáveis não apenas com o fo n te d e re n d a m a s ta m -
sive a dos navios, pag av am os interessados (exam inandos, boticários, p ro ­
„ COm° 1111131“ P^cie de participação vicária n o p o d er. D o s dois, o p ri-
prietários de navios) p ropinas ao Físico-mor, ao seu C om issário D elegado e
projeto esteve desde o início fãdado ao fracasso, m a s b e m sabiam os
a c a d a u m dos q u e c o m p u n h am seu ju íz o (u m escrivão, dois visitadores
aros o quanto m anter viva a u to p ia e ra necessário ao sucesso
do mais. mundano deles exam inadores, u m m eirinho e seu escrivão). Com a finalidade d e fazer ob ­
servar este R egim ento devia o Comissário prom over devassas anuais in q u i­
rin d o os iten s seguintes: “se alg u m a pessoa, que mio e ra M edico, o u não
II tin h a licença p a ra su b stitu ir a falta de Medicos, applicava rem edios ás enfer­
m idades internas, receitando o u p o r qualquer outro m odo; se alg u m Boticário
~^ -^hrara de 22 de Jan eiro d e 1 8 1 0 , o R e g im e n to do Ju iz vendia rem edios activos, suspeitosos, perigosos o u venenosos sem receita de
ãrío Delegado do Physico-m ór d o R eino foi, p ro v av elm en te, a ú lti- pessoa auto risada; se os Boticários haviavão receitas d e m edicina passadas
p ça de legislação m édica assinada pelo P rín cip e R e g e n te a n te s d o re­ p o r pessoas ilegítim as; se tinhão parceria com alg u m M edico o u C irurgião;

^Pes^uisad se se in trom etíão a c u ra r, ainda q u e fosse pelas receitas qu e ião à su a botica;


aaií^e-publica- aj^ )E° !fSSOres cenCros oficiais de ensino e pesquisa vinculados a serviços de se alg u m M edico, o u Cirurgião q u e substituía a falta do M edico, receitava
século XIX- a ' f- ° ^ OS ,Qíetessados nas implicações disciplinares da m edicina legal n o
medicina brasileira.- hr 5 ° U Ps‘<5Uiatras «mpeabados n a reconstituição do alienismo de n tro da
século XX r iiadores voirados para o esrudo das reform as urbanas d o princípio do
a Todas as referências à Fisicacura encontram -se em Eduardo de A breu, op. cit.
e m la tim , otx e m breves; se receiravão m ed icam en to s e com posições com M ór, C o m m a n d a n te de D ístric to , p o d e rá em b araçar o u su sp en d er acto ou
nom es desconhecidos p a ra serem enten d id o s ap enas p o r a lg u m Boticário; diligencia algum a dos Juizes Com m íssarios D e leg ad o s do Physico M ór do
se os sangradores sangravão em febres, e o u tra s enferm idades m edicas sem R eino, a n tes todos lhes daraõ o auxilio d e q u e precisarem e req u ererem por
ordem de pessoa legitim a; e se as p arteiras curavão e aplicavão m edicam en ­ Officio; e q u a n d o en te n d e re m que elles te m c o m m e ttid o a lg u m excesso,
tos às m oléstias da s m ulheres”. As infrações re su lta v a m em condenações e daraõ co n ta, o u ao Physico M ó r do R eino o u m ’o faraõ saber p e la Secretaria
e m m u ltas pesadas, p artic u la rm en te as q u e se aplicavam aos boticários das d e E stado com p eten te, sem com tu d o lhes em baraçar o exercicio d e que
quais se ocupava em detalh es o R eg im en to . A n u a lm e n te , os Juizes Com is­ estaõ encarregados e os seus m a n d a d o s e diligencias...” .
sários D elegados enviavam ao Físico-m or do R eino u m relatório (das visitas, D e u m a m an eira g e ra l, os historiadores d a m edicina brasileira form a­
d a s “ex am inações”, d a s c o n d en açõ es, e “d o E s ta d o em q u e se a c h a a ra m u m conceito n a d a lisonjeiro dos D e leg ad o s do Físico-m or e do Cirur-
observância deste R eg im en to ”) e “to d o o d inheiro q u e lh e p erten cia, decla­ g iã o -m o r n a colônia.21 O A lv a rá a n te rio rm e n te citado estipulava q u e d e ­
rando &q u e e ra propina, e de que, o qu e era condem nação, a q u e m foi feita viam ser m édicos form ados e m C oim bra, m as raram en te o foram an tes dessa
e po rq u e ...”. lei. Podia-se co m p rar a nom eação p a ra o cargo p a ra o q u a l não era necessá­
H á u m a evidente preocupação no R eg im en to e m d e lim ita r co m p e tê n ­ rio co m p ro v ar q u a lq u e r qualificação. A s evidências disponíveis fazem supor
cias e e m estabelecer a jurisdição d o m édico co n firm an d o c laram en te seu q u e, u m a vez chegados ao B rasil, os, deleg ad o s v endiam “provisões e car­
m onopólio d a consulta e d a prescrição (m edicina in tern a), exceto nos casos tas” indiscrim inadam ente, a té p o rq u e sabiam ta n to q u a n to os candidatos
e m q u e seus serviços não estivessem disponíveis p a ra a população o u fosse q u e su b m e tia m a “exam inações”; adem ais, usavam das devassas p a ra extor­
escasso © n u m e ro dos habilitados. A in d a assim é a a u to rid a d e m édica m ais q u ir e do cargo, d e m an eira g eral, p a ra enriquecim ento pessoal. M u ito fre­
alta, o K k k o -m o r, q u e m po d e, através d o s seus delegados e com exclusivi­ q ü e n te m e n te , as arb itraried ad es com etidas pelos delegados confundiam -se
d ad e, a a » m a t cirurgiões o u boticários o u “em píricos” a p ra tic a r a m edici­ com o exercício do p o d er p o r u m a m o n a rq u ia despótica, in teressad a unica­
n a e fiscalizar e penalizar su a p rática não au to riz a d a . O s exam es tin h a m , ao m e n te em extra ir riquezas d a colônia. E ra n a tu ra l, pois, q u e o p o d e r conce­
q u e p arece, u m v aío r p u ra m e n te sim bólico. Se n ã o p o d ia m aferir conheci- dido aos Juizes C om issários pelo A lvará d e 2 2 d e janeiro d e 1 8 1 0 reforçasse
m e n to s (inexistentes), sim bolizavam a su p erio rid ad e e as exigências intelec­ as naturais prevenções dos brasileiras co n tra a secular instituição d a Fisicatura.
tu a is d a m e d id n a c o n tra sta n d o -a com o c a rá te r “m ecânico” d a cirurgia e Pois bem , escando já e m v ig o r o R eg im en to do J u iz Com issário D eleg a­
com a n a tu re z a “com ercial” d a farm ácia. Sobre e sta o R eg im en to p ro jetav a do su rg iu u m g rave conflito d e jurisdição e n tre as d u a s m áxim as a u to rid a ­
u m a lu z especial, p o is os boticários e d ro g u ista s faziam o com ércio d e subs­ des m édicas do R eino. A q u a l delas co m p e tia exam inar, aprovar e d a r a
tâncias an,p o rta d a s e caras, fabricavam com elas “rem édios secretos”, v e n ­ C a rta aos q u in ta n ista s d a s academ ias m édico-cirúrgicas criadas p o r D . João
d ia m n o m ercad o u m p ro d u to essencial e d e g ra n d e d e m a n d a e e ra dever do V I, u m a no Rio d e Jan eiro e o u tra n a B ahia? A o Físico-m or? A o C irurgião-
Ju iz C om issário D elegado velar p a ra q u e , além d o s d a população, tam b ém m o r? A p ó s m ais de q u a tro c e n to s anos d e convivência ham oníosa, am bas as
os interesses fiscais d a C oroa não fossem prejudicados (falsificação d e pesos auto rid ad es desandaram n o Brasil, ta n to assim q u e relendo-se a questão
e m ed id as, aloeraçao n a com posição d o s rem édios, desobediência ao R egi­ o b têm -se du a s respostas. Á o Físico-m or, segundo o p róprio, p o rq u e era ele,
m ent© dós, p reço s, etc.). M an o el Luiz A lvares d e C arvalho, do C onselho do Príncipe R eg en te e rnédi-
P o r ó ítn n o , o A lvará de 22 d e janeiro, id e n tic a m e n te ao q u e d isp u n h a
iegislaçao m a is a n tig a , d o ta v a os Juizes C om issários d e invejável p o d e r: “37°
21Ver,p o r exem plo, Pedro Safles, História da medicina no Brasil. Belo H orizonte: Editora G.
— N e n h u m G overnador, C apitão G en eral, M in istro d e Ju stiç a , C apitão H elm aa, 1 9 7 1 ,p p .4 5 -6 .
cg h o a o rá n o c a R eal C âm ara, o d ire to r «dos escudos de m edicina e cirurgia leis, alvarás e d ecretos, regim entos do- P h y sico -M ó t e C irurgião -M ó r do
n a C o rte e n o Reino do Brasil a q u e m o Príncipe R egente elevara p o r alvarás Im pério'5.24 M ais ainda: os m édicos portugueses g an h av am indesejáveis com ­
e re g im e n to s a u m plan o superior. A o C irurgião-m or, re to rq u ia o p ró p rio , o petidores c o m a inesperada unificação d a m edicina, pois concedia-se aos
D r. Jo sé C otrea Picanço, p ernam bucano e barão de G oyanna, p o ro u e além cirurgiões licença p a ra cu rar de m edicina e m to d o o Im p ério desde que
d e te re m os escudances d e “assisar ao curativo” desde o I o a n o , no 4 o ti­ houvessem repetido as disciplinas do 4 ° e 5o anos e co m p letad o os exam es
n h a m “instruções cirúrgicas, e operações das 7 horas até as 8 1/2 d a m a ­ com distinção (to m av am -se “cirurgiões form ados”); e se o desejassem p o ­
n h a , as q u ais eram repetidas n o 5° ano.22 E sendo de cirurgia estas m a té ­ d iam subm eter-se a exam es p a ra o b ten ção d o g ra u d e d o u to r em m edicina.
rias, ca b e ria o b v íam e n te ao C irurgião-m or a com petência p a ra e x a m in a r os O q u e aos cirurgiões ingleses cu staram ap ro x im a d a m e n te c in q ü e n ta anos
candidatos a cirurgião e cirurgião form ado. Por d e trá s d este conflito d e ju ­ d e d isp u ta s co m o sj& ô aí, os brasileiros o b tiv eram sem tê-lo solicitado. Para
risdição estav am os esculápios p o rtu g u eses p a ra q u e m o s cursos m édico- a rre m a tar a o b ra , e ten d o com o pretex to o s abusos com etidos p o r seus dele­
d rú rg ic o s do Rio e d a Bahia não p o d ia m expedir diplom as, atrib u ição q u e gados, a A ssem bleia G e ra l d ecretou em 1828 a extinção do s cargos de Físi-
seg u n d o eies e ra privativa d a U niversidade d e C oim bra.25 E se o conflito de co-m or, C iru rg ião -m o r e Provedor-m or, tran sferin d o suas atribuições para
jurisdição pe rd e u fôlego com a renúncia e substituição do barão d e G o y an n a as câm aras m unicipais.25 B ernardo Pereira d e Vasconcellos ja antecip ara o
e m 1 8 1 8 , o antagonism o dos m édicos po rtu g u eses, q u e não se e sg o to u nes­ desenlace ao d a r c o n ta aos seus eleitores d a aprovação n a C âm ara d o projeto
te episódio, obteve alguns anos depois u m resultado inesperado e ao m esm o de extinção d a F isicatura: “qu eira D e u s q u e o Senado o aprove. O Fisicato,
te m p o auspicioso aos brasileiros. além d e in ú til, te m sido u m flagelo p a ra o Im p ério ”.25
C o m efeito, e m 1826, d a b a ta lh a jurisdicional não saiu v encedor n e m o N a v e rd a d e , as atribuições do Físico e d o C iru rg ião -m o r já não existiam
B ísico-m or n e m o C irurgião-m or, m a s os d ireto res d a s escolas m é d ic o - desde a lei d e 9 de setem b ro de 1826, e d a revogação d e seus regim entos,
cirúrgicas q u e d ela não haviam to m a d o p a rte o stensivam ente. C o m o país leis, alvarás e d ecreto s vale a p e n a su b lin h ar d u a s conseqüências. E m p ri­
in d e p e n d e n te e com a A ssem bléia G e ra l to m a d a d e um explícito se n tim e n ­ m eiro lu g a r, n e n h u m a lei resto u q u e regulasse o exercício d a m edicina e d a
to a n tilu sita n o , as escolas m éd ico -d rú rg ícas g a n h a ra m seu qu in h ã o d e a u ­ cirurgia o u , m ais p recisam ente, q u e interditasse o exercício d a a rte de curar
tonom ia. A dem ais d e ser transferida aos d ire to re s a co m p etên cia exclusiva a indivíduos n ã o qualificados o u nao licenciados. O q u e fez a A ssem bleia
p a ra con ced er as c artas d e cirurgião, fo ra m ta m b é m revogadas “to d a s as G e ra l foi p assar às câm aras m unicipais apenas a com petência p a ra exam inar
os gêneros alim entícios consum idos p ela pop u lação , u m a das atribuições do
P rovedor-m or d e Saúde, e p a ra fiscalizar as b oticas e lojas d e d ro g as, o que
22D ecreto d e 1 de abril d e 18 í 3 — A p p m v a o p la n e d os Estudos de C irurgia do H ospital da
M is e n c o d è do Rio de Jan eiro (com o Piano d«» Estados d e G ru rg ia); C arta Regia d e 2 9 de
dezem bro d e 1815 — C têa u m curso com pleto de G ru rg ia n a Cidade d a Bahia, e m-xnA»
executar n elle provisoriam ente o piano dado para curso desta C orte. O curso d a Babia existia »L ei de 9 d e setem bro d e 1 8 2 6 — M anda passar cartas de cirurgião, e de cirurgião formado
desde ISO ã, criado p ela Carta Régia de 18 de fevereiro do m esm o ano com o n o m e d e Colégio aos q u e concluírem os cursos das escolas de cirurgia do Rio d e Janeiro e da Bahia.
Médico-Cirargico» e apenas foi am pliado e transferido do H ospital M ilitar para a Casa d e »Lei de 30 d e agosto d e 1828 — Extingue os lugares de Provedor-mór, Physico-mór e Cirur-
Misericórdia p o r concorrerem ahi para as experieacias e operações enferm os e cadaveres de gião-m ór do Im pério, passando para as Camaras Municipais e justiças ordinarias as atribuições
amhos. os sexos e de todas as idades...”. O do Rio d e Jan eiro , criado tam b é m e m 1 8 0 8 p o r que lhes competiam. O Provedor-mór de Saúde da Corte e Estado do Brazil, cargo criado por
D ecreto d e > de novem bro do m esm o a n o com o nom e de Escola C irúrgica d o Rio de Jan eiro , Decreto de 2 8 de julho de 1809, teve seu Regim ento expedido p o r Alvará de 22 de janeiro de
transferiu-se igualm ente para a Casa de Misericórdia do RJ p o r razões idênticas. 1910. Pelo Regim ento competia ao Provedor tratar das questões de higiene e salubridade públi­
3 AbceuI Qp_cir.,pp. 2 ó l-2 ó 2 .S o b re o m e srn a in d d e n te v e r "A Faculdade de M edicina do Rio de cas e da saúde dos portos.
Janeiro. N oticia histórica lida no Instituto H istorico e G eographico Brazileiro e m 1866 pelo D r. »B em ardo Pereira cie Vasconcellos, “Carta aos senhores eleitores da Província de M inas Gerais",
Moreira de Azevedo”. Annaas Brazilkmes de M edkma, a° 10, março de 1868, Tomo VOT p p emBernardoRreb-aá VascmceHos:Mamfestopolítkoeexp05^ãodeprincípios. Brasília: Senado Federai,
433-451.
1978, p . 4 9 .
OS d i g a f a «fa Físico-mor já haviam dekado d e fazer. N e m a m a p alav ra
reo exercício da medicina e da cirurgia. Pbr om issão, instituiu-se a liber-
e corar. Para a justiça ordinária transferiam -se as causas a n tes p roces- O p e río d o q u e v a i d a s ú ltim o s anos d a d écad a d o s 2 0 a te m e a d o s d o s anos
as nas juízos áo Provedor, do Físico e do Ci‘rurgÍão-m or, o q u e n a p rá ti­ 4 0 firflfia n a m e m ó ria d a elite m éd ica d a época co m o d e te m p o s a n á rq u i­
ca, tendo em vista as deficiências da organização judiciária, significava u m a cos, d e ocorrências exem piares com o lição de com o n ã o se deve d e ix a r em
arnpfiaçan eonnderável na m argem de im punidade p o r infrações às leis d e m ão s leigas o q u e cabe à co m p e tê n c ia de profissionais. N a p ercep ção d e s­
sande pública. Em segundo lugar, o país ficou literalm en te sem a u to rid ad e ta elite, a in co m p e tê n c ia d a s câm aras m unicipais e a excessiva to le râ n c ia
medica, o que kvatia, anos depois, a que os mais ilustres d o u to res d a C orte, d a s a u to rid a d e s in c u m b id a s d e rep rim i-lo s e s tim u la ra m a a u d á c ia dos
ao fazer o balanço dos estragos deixados pelas câm aras m unicipais, se íe m - ch arlatães e os abusos c o n tra a saúde p úbíica. M as, a n te s d e h isto ria r com o
msemcom saudades da incontrastável autoridade d a F isicatura. se e m p e n h a ra m os m édicos e m rev e rte r tão d e sa stro sa s circu n stan cias, e
As câmaras municipais receberam responsabilidades q u e estavam m u i- necessário ir à P aris d e 1 8 2 4 p a ra v e r nascer a A c a d é ra ie d e M édecine. A
m alem de sua capacidade. D iga-se de passagem q u e já se en contravam A cadém ie d e M édecine d e P aris tin h a d u a s faces p ro e m in e n te s, am b as
b « e s c a d a s das im portantes funções que haviam o u tro ra desem p e­ re sta u ra d a s d a s feridas e d a s cicatrizes pro d u zid as p e la R evolução: u m a,
nhado, e eopinião de abalizados estudiosos do m unicipaíism o brasHeiro q u e to m a d a d e e m p ré stim o à Société RoyaLe de M é d e c in e , re fle tia o a n tig o
2 outubro de 1828 era tím ida, nada acrescentando de n o tá v e l à zelo c o m a sa ú d e p ú b lic a e c o m a salubridade d o s núcleos u rb a n o s, te n d o
autonomia do município.27 Criou-lhes, entretanto, m ais responsabilidades: se m p re e m v is ta a am eaça dos su rto s epidêm icos e a necessidade d e u m a
entre outras coisas, elas deviam agora vigiar sobre “tu d o q u a n to p o ssa alte ­ “p o líc ia m é d ic a ” . Á o u tr a face, m a is a m e n a m a s n ã o m e n o s so len e,
rar e corromper a salubridade d a atm osfera” (§ 2 o, a rt. ó ó ) e deliberar “em e sp elh av a as inclinações acadêm icas e científicas d a A cadém ie R oyale de
geral sobre os meios de prom over e m anter a tranquilidade, segurança, saude C iru rg ie, a ad esão ao racionalism o ilum inísta. h e rd a d o d o s enciclopedistas
e comodidade dos habitantes” (art. 71). Todavia, e “p a ra re m a te d a o b ra de d o século X V II.
creapo de nm simples arrem edo de instituições m unicipais foram regateadas Pois a S ociedade d e M ed icin a d o Rio d e Ja n e iro , fu n d a d a e m 3 0 de
as. cansaras as tendas necessárias ao desem penho dos serviços q u e lhes eram ju n h o d e 1 8 2 9 , e r a u m a cópia tro p ic a lista d a a c a d e m ia parisien se.29 N o
p e g a d o s , alguns de interesse gerai e dispendiosos, com o a assisten d a in teresse d a h u m a n id a d e a Sociedade d e M edicina d o R io d e J a n e iro in s­
pubka aos enfermos, a construção e conservação das cadeias, e tc.”.28 E ra titu ía -se p a r a se o c u p a r d e to d o s os ob je to s q u e p o d e m c o n trib u ir p a ra os
também no Senado das câm aras que p o r L d de 11 de o u tu b ro de 1 8 2 8 os pro g resso s d o s d iferen tes ra m o s d a a rte de cu rar” , e ta m b é m p a r a co m u ­
meéms e cmirgiões estavam obrigados a averbar suas ca rta s com o condi- n ic a r às a u to rid a d e s c o m p e te n te s pareceres so b re a h y g ie n e p u b lic a ” .3°
Çao para o exercício da “a rte de curar”. C o m efeito , alé m d e se p ro p o r a elevação d a m e d ic in a , “n a s ocorrências
difíceis a S ociedade oferecerá u m apoio sa lu ta r a o G o v e rn o , assin alan d o as
cau sas q u e am eaçam a sau d e p u b lic a , tra ç a n d o as re g ra s d e c o n d u ta na

®Do p e q u en a g ru p a inicial q u e organizou a Saciedade q u a tro socios eram form ados em Paris
(José M artins d a C m z jo b m i, Francisco Freire Alemão, Francisco d e Pa.uk C ândido, Jo aq u im
Cândido Soares d e M eireles) e um em Estrasburgo (José Francisco X avier Sígjuid).
^ . . M á i - b m á > íxh a,m imigi0 de l 8 2 4 ° l r L o 7 L l” T ? ° r fqUe
te te E k h im tG e o v r a tò k o B ra sile iro Tr,rA r , ^P A dditional . R g v ista do InsU-
3 0 as citações, do. Preâmbulo aos estatutos d a Sociedade, foram extraídas <k Alfredo Nasci­
m en to , OanCenáriodzAcadkmiaNacionalde Medicinado Rhdejaneinf, 1829-1929. Rio de Janeiro:
op. peci ’ m> 19101 301-318-
Im prensa N acional, 1929, pp- 52 a 54.
m V a s a o e m a r d a d a s g e m i a s , p ro p o n d o íeis s a n ita m * e m W i o n i a “aco stu m ad o ao gozo d e in te ira e a b s o lu ta lib e rd a d e d e tu d o fazer q u a n to
c o m o E sta d o a to a i d o s conh ecim en to s m é d ic o s...”. A S ociedade não era lhe a p ra z ...”'.33 D o lado d o E stado não havia, e n tre ta n to , q u a lq u e r d isp o ­
pois, u m * associação profissional. E la n ã o fo ra c ria d a p a r a o rg a n iz a r a sição o u co m p ro m isso em c o m p a rtilh a r seu p o d e r c o m associações civis
m assa d o s m édicos, cirurgiões e farm acêuticos e re p re s e n ta r seus in te re s­ e m relação às q u a is, d ig a-se de p a ssa g e m , a M o n a rq u ia n u trira e n u triria
ses profissionais e n e m se d isp u n h a a tais p ro p ó sito s. O s v alo res q u e a n i­ sem p re a m a is to ta l desconfiança. A fo rm a ro tin e ira c o m q u e e ra m g e ra l­
m a v a m os sócios e ra m os d a H u m a n id a d e e d a M ed icin a, os d a F ila n tro p ia m e n te apro v ad o s os e sta tu to s dessas associações n ã o deve obscurecer o
o d a Ciência to d a a p a u ta ideológica d o líu m ín ísm o — , co m o co n v in h a fa to d e q u e tin h a m d e ser su b m etid o s à aprovação do g o v e rn o , q u e dessa
a a u s te ra s le n te s d a acad em ia m é d ic a d a C o rte , a in flu e n te s d o u to re s exigência n ã o a b ria m ã o . O s d a Sociedade de M ed icin a do R io de Ja n e iro
p a ia a a n o s ^ e a p ró sp e ro s clínicos d a elite , n o ta n d o -s e q u e n o m a is das fo ra m aprovados e m 15 d e janeiro de 1 8 3 0 , e v ale a pe n a o reg istro de qu e
vezes as tre s posições convergiam em sig n ificativ a p ro p o rç ã o d o s sócios.31 m éd ico s (e p a d re s) fre q ü e n te m en te h av iam sido ativ o s e m sociedades se­
A firm a v a o D r. J o s é M a rtin s d a C n iz jo b im , m édico d e suas a ltezas im p e - cretas e em m o v im e n to s libertários. N ã o q u e necessariam en te fosse ocor­
n a is , q u e n a m ed icin a h av ia se m p re d u a s classes, “u m a d e m édicos sábios rer o m esm o com os esculápios d a Sociedade de M edicina, m as u m a eficiente
e o u tra d e m éd ico s p u ra m e n te p rá tic o s q u e , sem c o n h e c e rem in fin itas fó rm u la p re v e n tiv a , so b retu d o e m época de ta n ta s co n tu rb açõ es políticas
cu rio sid ad es científicas, são co n tu d o ó tim o s p rá tíc o s.f...} U m a coisa € p r a ­ com o fo ra a R egência, p o d e ria ser a d e “oficializá-la”, com o de fato ocorreu
tic a r lo u v a v e lm e n te a m ed icin a e a c iru rg ia , o u tr a m u ito d iv ersa é se r e m 18 3 5 ao tra n sfo rm á -la o governo em A cadem ia Im p e ria l d e M edicina.
c a p a z d e c o n trib u ir p a ra os p ro g resso s d a ciência”.32 O ra , o D r . J o b im e M as e s to u rn e a d ia n ta n d o à história.
seus co leg as d a Sociedade d e M edicina d o R io d e J a n e iro n ã o se viam n a
classe d o s p u ra m e n te p rático s” e , sendo h o m e n s d a ciência, não co m p a r­
tilh a v a m « m a m a ssa d o s clín ico s e c iru rg iõ e s q u a is q u e r in te re sse s IV
p rofissionais. S im p lesm en te ig n o rav am su a existência.
E b o m o b se n ra r ta m b é m q u e a s boas disposições c o m q u e a Sociedade E m sua breve existência a Sociedade de M edicina do Rio de Jan eiro com pôs
o fe re c ia se u s se rv iç o s (n ã o s o lic ita d o s ) fariam , p a r t e d e u m p ro jm u m currículo d e m o d estas realizações, com exceção, talvez, d e u m a m ais
m s n tu c io n a l d e c o m p a rtilh a r o p o d e r d o E sta d o . P a rte . p o is. d a s aspirações notável p o r razões q u e e m seguida esclareço. D iscutia a Com issão de Saúde
d e u m a e lite profissional q u e , n ã o o b s ta n te fa lta r-lh e a u to rid a d e c u ltu ra l P ú b lica d a C âm a ra d o s D ep u tad o s u m a nova organização p a ra as academ ias
(o u e x a ta m e n te p o r isso), n ã o via c h e g a d a a h o ra d e d isc ip lin a r u m po v o m édico-citúrgicas, q u a n d o decidiu solicitar à Sociedade sua colaboração,
rem eten d o -lh e p a ra exam es os pro jeto s até e n tão apresentados. F orm ada
jO ® í,m !oS d e n o b re z a «sãc eram mcoim ms e a tre os lentes d a Eacaidade de Medi«»*» su a p ró p ria com issão d e notáveis, a Sociedade elab o ro u u m prim eiro projeto
q u e ficou e m d e b a te interno de o u tu b ro de 1830 a julho de 1831, o q u e d á
& B ? J r T Z ? de ^ is a b d 0eate d e ^ f o g l a E x t e r n a em 1852), B a S o

^ ‘•Representação a S.M . o Im perador acerca das infracções das leis da saúde e dos abusos na
A natom ia e m 1857), BarSo de Maceió (lente de A o a to m Í e m I s Í l H "
profissão m édica, etc. etc. Apresentado pela Comissão adfaoc, era 12 de julho de 1849 -Annaes
de Medicina Brasiliense, vol. 4 , n ° 12, junho de 1849, p- 2 7 7 . Starr, o p. cit-, p . lo , define
autoridade cuhitral como “probabilidade de que definições particulares da realidade e julgam entos
de valor e d e significados prevalecerão com o válidos e verdadeiros”. O leitor não deve estranhar
C ãm piaense GeXetraSj fi0 12, 1964 ’ arnP iQas- Academia
a remissão à revista d a Academ ia Im perial de Medicina quando de referências à Sociedade de
'^Rsginâldo Fernandes, qj». cit, p . 148.
M edicina do Rio de Jan eiro , pois, como ser verá em seguida, são um a única e m esm a instituição.
b e m a idéia diaim portância q a e a trib u ía à q u e stã o .34 Pode-se su p o r q u e esta lo g o viria o A to A diciona! p a ra a g lu tin a r o cam p o lib eral. É difícil não
fosse u m a excepcional ocasião p a ra q u e firm asse seus p o n to s d e v ista sobre
discernir u m afago aos liberais qu a n d o se lê o a rt. 16 do projeco inicial: “nas
a p rá tic a d a m edicina, sugerindo aos d e p u ta d o s noEmas m ais rígidas p a ra
capitais das pro v in d as m ais longinqtias e populosas se estabelecerão escolas
seu exercício.. S u rp reen d en tem en te, ta n to a versão inicial q u a n to a final d o
secundárias d a m a n e ira q u e fo r d e te rm in a d o p o r u m a lei especial. Estas
p la n o p ro p o sto e ra m excepcionalm ente tím id as, e dois dos vários artigos
escolas darão o direito d e curar so m e n te nas províncias e m q u e existirem , e
m erecem referência especial. O a rt. 12 d a p rim e ira versão d isp u n h a q u e
naquelas em q u e não as houver”. O curioso n este artig o , elim in ad o d a ver­
“so m e n te p o r consenso das escolas d o Brasil se p o d e rá curar, ser boticário e
são final, é q u e ele criava u m a v arian te brasileira do efficiat de santé%ab o m i­
p a rte ira . Á s cam aras m unicipais velarão sobre a execução d o p re se n te a rti­
nado pelos m édicos franceses, e. ig u a lm e n te inviabilizava n o Brasil o irrestrito
g o ” . O significado desse “consenso” é p ro b le m á tic o , e fica-se sem saber m onopólio m édico ta l co m o ocorrera n a França. E no a rt. 8 ° d a s D isposi­
c o m o d ele p o d e ria re su lta r a regulação d a m edicina, o u m esm o com o po d e ­
ções Gerais ocorreu à Sociedade d e M e d id n a p ro p o r q u e “o ensino d e m ed i­
ria s e r nego ciad o e n tre duas escolas tã o d iferentes (e tã o d is ta n te s u m a d a a n a fica livre: q u a lq u e r pessoa, nacio n al o u estran g eira, p o d e rá estabelecer
o u tra com o s m d o s d e com unicação d a época) q u a n to as do Rio e d a B ahia. cursos particulares sobre os diversos ram os das ciências m édicas e accessorias,
Talvez quisessem os m édicos prevenir-se c o n tra a in g erên cia d o E stad o nes- e lecionar à s u a v o n ta d e , sem oposição q u a lq u e r da p a rte d a s Faculdades”.35
ca m a té ria g a ra n tin d o p a ra si, através d e acordo e n tre as academ ias, capaci­
E sta disposição lhes v aleria no- fo tu ro sérios aborrecim entos. M as n a época a
d a d e au to-regislatória. Todavia a im pressão q u e se o b té m é q u e a Sociedade Sociedade d e M edicina não p o d ia v islu m b ra r no nascente o brilh o de o u tro s
d e M ed ic in a o p to u p o r u m a posição d e excessiva p ru d ên cia, acé d e tim idez, ascros capazes d e d isp u ta r com ela o m onopólio das luzes sobre a saúde do
p o r n ã o s e r capaz d e p re v e r a reação d a C â m a ra n u m a q u a d ra p o liticam en te Im p ério .
c o n tu rb a d a . Â deferência inicial às câ m a ra s m u n icip ais, d a s q u a is já se D e q u a lq u e r m o d o , o u tra foi a a titu d e d a Com issão d e S aúde P ú b lica d a
conhecia a ineficiência desde q u e a Lei d e 3 0 d e a g o sto d e 1828 lhes d e ra C âm a ra dos D e p u ta d o s, presidida pelo m édico baiano L ino C o u tin h o .36 N a s
a tn b u iç õ e s n a á re a d a saúde pública, su g ere ig u a lm e n te u m a razoável dose em en d as ao p la n o d a Sociedade e la su b stitu iu o “consenso d a s escolas” p o r
d e in se g u ra n ç a . Tkm bém o a rt. 4 0 d isp u n h a q u e “as pessoas hab ilitad as algo incisivo e definitivo: “Sem u m titu lo conferido o u a p p ro v ad o pelas
p a r a c u ra r serão ob rig ad as a apresen tar os títu lo s às C âm aras M unicipais, Faculdades de M edicina d o Im pério, n in g u é m p o d e rá curar, te r botica o u
q u e d e p o is d e reconhecerem sua legalidade, inscreverão o n o m e e m o rad ia partejar, e n q u a n to disposições p artic u la res q u e re g u le m o exercício d a m e ­
d e suas pessoas e m u m a lista, q u e estará afixada à p o rta d a s m esm as C âm a­ d id n a não providenciarem , a respeito. N ã o estão com preendidos n esta dis­
ras” . A Sociedade, com o se vê, escrupulosam ente observou a legislação vi­ posição os M édicos, B oticários, C irurgiões e Parteiras le g a lm e n te autoriza­
g e n te , n o caso a L ei d e 11 de o u tu b ro de 1 8 2 8 , q u e m a n d a v a m édicos e d o s e m v irtu d e d e lei anterior. ”' D e u m a só p e n a d a a C om issão estabelecia o
cirurgiões av erb arem suas cartas n o Senado d a s câm aras. R egistre-se, p o r d ip lo m a com o critério d e credenciam ento e licenciam ento p a ra o exercício
outED la d o , q u e as forças d a descentralização p o lítica g a n h a v a m ím p e to e

Ao contrario do q u e se cre, & Lef de 3 tfe o u tu b ro de 1832 não inovou ao ad m itir o ensino
54 Plano d e organização das Escolas de Medicina do Rio de Ja n e iro e Bahia, p a ra ser apresentado livre, segundo o p lan o d a Sociedade de M edicina. O D r. Jo a q u im Cândido Soares de Meirelíes,
à C am ara dos Srs. D e p u tad o s pela Sociedade de M edicina do Rio de Jan eiro , em satisfação ao u m dos fundadores da Sociedade, obtivera, e m 1828 licença para ab rir u m curso- de medicina
convite q u e ih e fox feito pela m esm a Camara a 7 de o u tu b ro de 1 8 3 0 ” (versão inicial) / “Plano prática. Aviso n° 145 — Im pério — E m 4 d e o u tu b ro de 182S — Concede licença para a
«fe- organizagao das escolas m édicas do Im pério do Brasil, redigido p ela Sociedade d e Medicina abertura de um Curso de medicina, pratica nesta C orte.
do Rio d e Jan eiro , p o r convite que a A ugusta C am ara dos D eputados lhe dirigio em 7 de ^ E m e n d a s ao P lano de Organização das Escolas de M edicina d o Im peiio ofFereadas pela
o u tu b ro d e 183QT (Versão final). Annaes Brazilienses de Medicina, a° 10, Tomo X IX , m arço de commissão de Saude Publica". Ammm BraziUsmes de Medicina, n ° 10, m arço d e 1868, Tomo
18 6 8 , p p . 4 5 2 -4 5 7 e 4 5 8-464.
X I X pp- 473-476.
d a m edicina, na p rá tic a criando o m onopólio m édico. A s escolas ficaram a Seja com o for, os e sta tu to s d a A cadem ia não diferiam su b stan cialm en te
dever ta m b é m aos d eputados u m a considerável m a rg e m d e a u to n o m ia d i­ dos d a Sociedade, a té p o rq u e tratava-se, d e faro , de u m a única e m esm a
dática e ad m in istra tiv a , visto q u e iriam reger-se d u ra n te a lg u n s anos pelos associação. T am bém a A cadem ia era “especialm ente in s titu íd a p a ra resp o n ­
estatu to s e regim ento d a Faculdade d e M edicina de Paris, a té q ue o Legislativo d e r às p e rg u n ta s d o G overno sobre tu d o q u a n to possa interessar à saúde
providenciasse sobre a m até ria . Seja com o for, com as escassas em en d as da publica, e principalm ente sobre as epidem ias f...} ocupando-se além disso
C om issão d e Saúde P ública o plan o d a Sociedade de M e d ia n a viria a ser a d e rodos os objetos d e estu d o , e de indagações q u e p o dem concorrer p a ra o
Lei d e 3 de o u tu b ro de 1832, u m m arco n a h istó ria d a m e d ia n a brasileira progresso d o s diferences ram os d a arte de c u ra r” (a rt. 4 5 ). E, sem abdicar
seg u n d o o s seus historiadores, p o r representar u m p o n to d e inflexão no dos seus alto s ideais d e serviços à H u m a n id a d e e à G ê n d a , lem b raram -se
ensino m édico. R ecom endável, todavia, é reter, com binados, dois artig o s d a d esta vez os esculápios d e incluir nos e sta tu to s preocupações m ais m u n d a ­
Lei d e 3 de o u tu b ro pelo q u e iriam rep resen tar em dores d e cabeça p a ra a n a s e interesses m ais terrenos, inscrevendo n o a rt. 7° q u e “o Lugar de m e m ­
elite m édica. O a r t. 13 repetia a e m en d a dos d e p u ta d o s: “Sem títu lo confe­ b ro d a A cadem ia é u m títu lo d e recom m endação p a ra to d as as com m issões
rido, ou aprovado p elas Faculdades, n in g u é m p o d e rá c u ra r, te r b o tic a o u o u em pregos relativos ao exercício d a m edicina...”. O s reg u lam en to s, q u a n ­
partejar...“ (ênfase m inha). O a rt. 3 3 estabelecia o ensino livre: “O ensino d o p ro n to s, seriam subm etidos à aprovação d o G overno (a rt. 30), o q u a l
d e m edicina fica livre: q u alq u er pessoa nacional o u e stra n g e ira , p o d e rá es­ po d eria, adem ais, rejeitar sob certas condições candidatos a m em b ro s h o n o ­
tab e le c er cursos p articu lares sobre os diversos ram os d a s ciências m edicas, e rários (a rt. 2°). O Tesouro N acio n al supriria a n u a lm e n te a A cadem ia com
lecionar à s u a v o n ta d e sem oposição alguma de parte das Faculdades. ” (ênfase u m a so m a p a ra despesas com publicação d e u m periódico e com prem iação
m inha). O bserve-se q u e o a rt. 33 não se refere à c o m p etên cia desces cursos d e m em órias (a rt. 29).33
p articu lares p a r a conceder d ip lo m a o u g r a u acadêm ico. N e m diz sim , nem A s inclinações d a Sociedade B rasileira de M edicina e ra m definitivam en­
diz não. te repressivas, p a ra não dizer policialescas. P a ra com eçar, e m anifescando-se
se m p re p e la p e n a d o re d a to r d e s u a re v ista oficial, jam ais absolveu os
reform adores liberais (“p la n ta d o re s d e s t a sem en te revolucionaria, e n tão
IV
senhores d a im p ren sa e d a trib u n a ”) d o equívoco d e haverem abolido, “sem
a m e n o r reflexão”, leis q u e encerravam a experiência de séculos, e n tre elas a
Tem os, e n tã o , q u e q u an d o a Sociedade de M edicina do Rio d e Janeiro foi
q u e criara a Fisicatura, instituição q u e com su a au to rid ad e fo ra tão ú til e
oficializada” e m 1835 com o n o m e de A cadem ia Im p e ria l d e M edicina, as
benéfica.39 E e m b o ra feliz com o m o vim ento conservador d o Regresso, não
escolas d o Rio e d a B ahia já controlavam a concessão dos diplom as e a m edicina
tã o radical com o ela o desejara, lam en tav a a A cadem ia Im p erial a om issão
“oficial” já disp u n h a d o m onopólio legal d a prestação d e serviços m édicos.57
d o s delegados d e polícia n a repressão às inflações das leis d e saúde, recrim i­
Bem vistas as coisas, não havia m u ita inovação nisso, pois, d e certa form a, as
n av a a ju stiça ordinária q u e to m a ra a st “a a rd u a tarefa d e absolver os crim i­
academ ias d e m edicina apenas to m av am o lu g a r d a Fisicatura o u d o s seus
nosos”,40 lastim ava n o Legislativo “a m ania d e tu d o em endar, a in d a aquillo
Delegados,. A fo rm u la d a regulação perm anecia a m esm a: exam es (agora ao
fim de uxo curso acadêm ico) e diplom a (em lu g a r das antigas “cartas”).
^Eata som a variou en tre u m e dois contos de réis a té o fina! do Im pério, u m a q uantia irrisória
te n d o em vista as pretensões da Academia.
^ D ecreto de 8 d e m aio de 1835 — C onverte a Sociedade d e M edicina do Rio de Ja n e iro em 35R o b erto J o rg e H a d d o ck Lobo, “A A cadem ia im p e ria l d e M edicina e a rep ressão ao
Academ ia, com o titek» d e — Academia Im perial de M edicina do Rio de Janeiro- e dá-lhe charlatanismo'’. Annaes de Medicina Brasilieme, vol.. 4 , a° 12, junho de 1849, pp - 274-5.
estatutos. ^ d e m , ibidem , p . 280.
q u e com todo o esm ero é feito p o r profissionaes", e criticava os d e p u ta d o s
u m a a fio n ta à dig n id ad e dos sócios e u m a am eaça p o te n c ia l à jurisdição d a
q u e “co m p le ta m e n te hospedes e m assum ptos de nossa a rte , se ju lg u e m com
m e d ia n a “oficial”, to d a e la o b tid a so b a ég id e d a “ciência” m éd ica alopática.
d ire ito d e legislar naquillo que ig n o ra m ”.41 Inconform ada e impotente, ela
M ais intolerável e ra , todavia, a adesão q u e as tetap ias hom eopáticas o b ti­
im ag in av a a existência d e u m a “classe rival”, a dos advogados e m a g istra ­
n h a m n a p o p u lação , p artic u la rm en te nos círculos m ais elevados d a socieda­
dos, q u e c o n tra e la estaria conspirando n a C âm ara e nos trib u n a is e espera­
d e 45 A h o m e o p a tia e ra não apenas m ais acessível às cam adas m ais p o b res,
v a “q u e a b o n d a d e de D e u s nos livre d a judicocracia, q u e e m tu d o influe” 42
q u e o s h o m eo p atas p ro cu rav am a te n d e r g ra tu ita m e n te , m a s ta m b é m m ais
E ste re g istro agressivo nas m anifestações d a A cad em ia Im p e ria l d e
assem elhada, às p ráticas curativas p o p u la re s e um a b e m -v in d a a ltern ativ a às
M edicina coincidiu com o surgim ento d a h o m eo p atia no B rasil e c o m sua
sangrias,, p u rg a s, vom itórios, sanguessugas e o u tro s m é to d o s agressivos d a
crescen te p o p u la rid a d e a p a r tir d a d é c a d a d o s 4 0 ; e g a n h o u adicionais
te ra p ê u tic a “oficiai”. Essas m esm as v a n ta g e n s relativas co n quistavam sim ­
decibéis, to rn an d o -se estridente, q u an d o convenceram -se os associados m ais
p a tiz a n te s n a a l t a so cied ad e d a C o r te , c ie n te d a d ifu s ã o d o sis te m a
in flu en tes d e q u e © governo não reprim iria as atividades d o In s titu to H o ­
h ah n em m an ian o n a E u ro p a e ta m b é m m ais cética q u a n to à superioridade
m eopático d o B rasil n e m as d e sua dissidência, a A cadem ia M édico-H om eo-
d a m ed icin a convencional. D isp o sta a u s a r d e q u a lq u e r recurso c o n tra os
p á tic a .43 D e faro, invocando o a rt. 33 (o d a liberdade d e ensino) d a L ei d e 3
ho m eo p atas, a A cadem ia Im p e ria l p ro ta g o n iz o u episódios d e explícito e
d e o u tu b ro d e 1 8 3 2 , o governo, e m 1 8 4 6 , d e u reconhecim ento oficiai à
p re m e d ita d o d ra m a tism o com o q u a n d o am eaçou “ir e m corpo a n te o 'S o ­
E scola H o m e o p á tic a m a n tid a peio In s titu to e, confirm ando ta m b é m o d i­
n o ” e arm n riar ao Im p e ra d o r stia autodíssolução: “E p ra z a a D e u s, q u e a
re ito q u e tín h a m o s seus egressos d e p re sta re m exam e d e suficiência p e ra n te
revolução q u e o ra se p re te n d e fazer n a a rte d e curar, n ã o seja ta m b é m a
a s bancas d a s faculdades, abria-lhes, desde q u e aprovados, a via do exercício
precursora d e u m a o u tra q u e te n d e a a n iq u ila r o s sagrados direitos d e V M .I.,
kg a l d a m e d itin a e m to d o o Im pério.44 D e n ad a v aleram os p ro te sto s d a
e d a religião d o estad o ”, concluía c o m indisfarçável m á-fé.46 Todavia era m
A cadem ia Im p e ria l d e M edicina c o n tra o “despotism o” d o executivo e con­
m édicos d iplom ados os q u e aderiam e m nú m ero c a d a vez m a io r ao sistem a
tr a a in c o n stím d o n a íid a d e ” do a to g o v ern am en tal.
h a W m m fln ig n nj e , q nando &dissidência fu n d a d a pelo D r. D u q u e E stra d a
A m e ra existência dessas instituições co n stitu ía u m desafio à A cadem ia,
g a n h o u peso n o co rrer do s anos, a E scola d e M edicina to rn o u -se a ú ltim a
•“ “O s m édicos a s p ad am en to : esperanças bem fundadas”. Annaes de Medicina Brasilieme, v. 4 , lin h a d e resistência d a m edicina a lo p ática, p o is e ra crucial e v ita r q u e m a té ­
n ° 5 , novem bro d e 184S, p . 103- A Redação da revista assume a autoria destas críticas n a seção rias d a d o u trin a e d a te ra p ê u tic a rival fossem alojadas no currículo d a esco­
Folhetim ; o autor, todavia, é o D r. R oberto Jo rg e H addock Lobo, red ato r dos Annaes.
“ "Resposta do Redactor à carta do Sr. D r. MeireHes inserta no n ° 6 dos A nnaes”. Annaes de la. E sta línha os hom eopatas não conseguiram cruzar, a despeito das investidas
Medicina^ Brasiliemet v o l 4 , n° 7, janeiro de 1849, p p. 152-3 (seção Folhetim). c o m an d ad as p e lo D r. Jo a q u im M u rtin h o no início d a décad a d e 8Q.47
430 In stitu to Hom eopático foi fundado em 1 8 4 4 no Rio de Janeiro pelo francês Benoít M ure,
representando a corrente m ais ortodoxa q u e professava a separação radical e n tre a hom eopatia e
a alopatia; a Acadeaua M édico-Hom eopática, cujo líder dissidente era o D r. D om ingas de Azeredo
C o atin h o D u q u e Estrada, foi fundada em 1848, representando a concepção de q u e a hom eopatia
só p o d ja ser praticada p o r médicos formados nas escolas oficiais. Para um a história da hom eopatia
45C o n stara q u e a princesa Isabeî e o coo d e cf'Eu eram adépcos d a hom eopatia. Ver Santos Filho,
aio Brasil e das disputas com a m edicina “oficial”, tendenciosa nos julgam entos m as rica de.
detalhes factuais, v e r José Rodrigues G alhardo (D r), Historia da homeopatia no Brasil. Kio de op. cit., p . 395 -
Janeiro: Editora d o In stitu to H ahcem m am ano do Brasil, 1928. “'Annaesde M edkina Brasiiknse, vof. I, nt° I I , abril d e 1846, p . 449- N este trecho a Academia
Aviso de 2 7 de m arço de 1846, do Ministério d a Justiça, advertia q u e os hom eopatas forma­ lem bra ao Im perador a doutrina feurieristada q u a l era adepto B enoit M ure, e associava d e m á fé
dos n a Escola H om eopática não podiam exercer legalm ente a medicina antes de se habilitarem a hom eopatia ao "comunismo”.
p e ran te as faculdades asm as provas que a lei exige dos que apresentam diplomas de outras escolas'’. O 47Fem ando A ntonio Faria docum enta a bsttaiha travada, nas páginas do Jornal do Commemo,
a rg u m en to frequentem ente usado pelos homeopatas era o de que a homeopatia nãem nwf.Vi.y». m ostranífo tam b ém persuasivam ente com o a questão m ais im portante era, de fero, o controle
fogo, os q u e a pratica v aia n ã o estavam infringindo a lei. das farmácias hom eopáticas. Vee o seu Querelas brasileiras: Kcmeopatia e política imperial. Rio de
Janeiro: N otrya Editora, 1994, especialmente os capítulos 4„ 5 e 7-
V os m aís em c o n ta de pobres de espirito... Pela aversão q u e [esta gente} te m a
alguns delles [m édicos], e lk aborrece e persegue a ciasse inteira, e não perde
A feroz resistência à h o m eo p atia era, e n tre ta n to , apenas u m a das faces d o occasião d e guerreal-a.”49 Seja com o for, a proposta d o D r. Jo b im não vingou,
projeto d e hegem onia que a A cadem ia Im perial te n ta v a desesperadam ente m as u m a o u tra comissão foi criada com a incum bência d e redigir u m projeto
im plem entar, m a s sem m u ito sucesso. P orque, ao fim e ao cabo, ela aspirava a d e lei relativo ao exercício d a m edicina.
ser o próprio E stado em m atéria m édica e d e saúde pública: aconselhando, M as não e ra apenas a p rática d a m edicina q u e os d o u to re s d a A cadem ia
legislando, fiscalizando, julgando e executando ta l com o fazia o trib u n a l d a Im p e ria l d esejav am colocar n u m a c am isa-d e-fo rça, m a s ig u a lm e n te o
Fisicatura d e tã o p ra n te a d a m em ória. O D r. C ruz Jo b im , len te d e m edicina com ércio de m edicam entos e d e d ro g as. H á m u ito a A cadem ia solicitava
legal e presidente d a A cadem ia, desejava nada mais n a d a m en o s d o q u e refor­ u m a lei rigorosa de saúde pública e a instituição de u m a au to rid a d e m édica
m a r os códigos crim inal e do processo: “Considerando a A cadem ia q u e o codigo c om a feição d a a n tig a Fisicatura. M ais p o r razões d e n a tu re z a fiscal, ta m ­
crim inai e do processo q u e estão e m vigor, c o n tém varias disposições m enos bém ao E stado interessava m uitíssim o o controle sobre o com ércio d a s b o ti­
acertadas, e m u i defeituosas e m vários p o n to s relativos à m edicina legal o u cas, so b retu d o o dos m edicam entos e das substâncias im p o rta d a s p a ra a
forense, e além disso varias lacunas respectivam ente a e sta m até ria , ju lg o u fabricação d e rem édios “secretos”.50 A ssim foi q u e e m 16 de julho d e 1846
necessário não só inform ar o governo im perial sobre esse p o n to senão ta m ­ o D r. R o b erto Jo rg e H ad d o ck L obo ap resen to u à A cadem ia u m p ro je to de
b ém habilital-o a prover a este inconveniente, oíferecendo-lhe u m p rojeto de lei q u e incorporava velhas aspirações d a elite m édica. N o s seus 4 4 artig o s o
lei d e reform a ou. m esm o u m codigo.”48 Bem poderiam os juristas e m ag istra­ p ro jeto consolidava a m aioria das disposições co n tid as nos an tig o s reg im en ­
dos, q u e e ra m os peritos e m m atérias legais, to m a r declarações d esta natu reza to s d o P ro v ed o r-m o r e d a Fisicatura, sem se esquecer o a u to r d e avançar
com o m anifestação d e hostilidade. P orque a A cadem ia Im p e ria l d e M e d íd n a sobre searas alheias.51 Vale a p e n a esm iuçá-lo, visto q u e revela o espírito e as
n u tria um persistente inconform ism o com sua exclusão d a fe itu ra das leis d e disposições com q u e foi redigido.
saúde pública, com. as alterações q u e a C âm ara dos D e p u ta d o s in tro d u zia e m O p ro jeto criava n a capital d o Im p ério , com o a u to rid a d e superior, u m
suas p ro p o sta s (q u a n d o to m a d a s e m consideração), com a le n tid ã o e o C onselho d e Saúde P ública com posto de sete vogais efetivos: 4 m édicos, 2
form alism o dos ritos processuais d a justiça, com a inflexibilidade d a leL Beira­ farm acêuticos e 1 “jurisconsulto” (a rt. I o). Seriam vogais n ato s o presid en te
v a à paranóia sua. a titu d e com relação aos d eputados bacharéis e m direito, aos d a A cadem ia Im p e ria l d e M edicina e o d ire to r d a Escola d e M edicina, no ­
juristas e m a g istrados: "... e o nosso g rao elevado d e iiiustraçao e m varios m e a n d o o governo os dem ais m em b ro s d e n tre os len tes d a Escola e os sócios
ram o s do saber h u m an o , cousas m u ito m a l encaradas p e la inveja e org u lh o d e d a A cadem ia (listas sêxtupias). N a s capitais d a s províncias seriam criadas
certas notabilidades, q u e com algum as lições àejus q u e e stu d aram , julgam -se com issões m édicas delegadas d o C onselho, co m p o stas d e três m édicos, que
as unira s capacidades e os untcos b o n s servidores do E stado, havendo a todos n a B ahia seriam selecionados d e n tre os lentes d a Escola de M edicina (art.

‘•‘‘Annaesde Medicina Brasiliense, vol. 3o, n . 4 , o u tu b ro d e 1847, p- 79-


“^Atmdesde Medicina Brasiliense, vol. 2 a, n . 3 , agosto de 1846, p . 62. Esta animosidade o u relação 30Em 1848, ate n to à grande quantidade de arsênico qu e entrava no país, o inspetor interino da
aos m agistrados n a Clamara transparecia em caria enviada à redação áasAnnaes p o r ü m D r-J S A , Alfândega oficia ao governo, e este à Academia Im perial de M edicina, interessado nos empregos
coro críticas à atuação d a bancada médica: “Erraram ainda [os médicos deputados], porque deixa­ médicos da substância. A resposta da Academia está aosAnnaes de Medicina Brasiliense, vol. 4, n.
ram e concorreram, talvez sem o saber, para que um a outra classe ciosa, como é, d e seu exclusivo 5, novem bro de 1848, p p . 104-109-
dom iaio, e cujo dogm a soberano é — tudo pela toga; nada sem a toga — aproveitando-se d e sta 510 projeto foi publicado em duas partes: A nnaes de Medicina Brasiliense, vol. 2, n .7 , dezem bro de
culposa mdifferença. continue a proclamar e propalar, q u e em gera! o medico é m enos apto, senão 1846, pp. 166-168, e Annaes de Medicina Brasiliense, vol. 2, n . 11, abril de 1847, pp- 259-263-
m u lto insproprio, para legislar.” Ansaes de Medicma Brasiliertse, vol. 4, n. 4 , outubro de 1848, p . 76 Ju lg u e i desnecessário com entar todos os artigos e parágrafos do projeto, concentrando a atenção
(“O s Médicos n o R islam ento— Esperanças Malogradas” — seção Folhetim) (ênfases no-originai). nos q u e interessavam ao argum ento até aqui exposto-
2 o). T am b ém m édicos d everiam se r os chefes d a s “estações d e sau d e”, in­ relação d o s m édicos, cirurgiões, den tistas, e tc. “q u e p o d e m le g a lm e n te exer­
c u m b id as da s visitas d e saúde do s p o rto s, a serem criadas nas cidades m arí­ cer suas profissões” (a rt. 1.9). Pelo a rt. 3 6 , após com pletado u m ano d a
tim as d e I a o rd e m (art. 3o). A s atribuições do C onselho e ra m as clássicas: p ro m u lg a ç ã o d a lei, h aricas p o d eriam se r a b e rta s o u m a n tid a s e m funciona­
fiscalizar a p rá tic a d a m edicina, d a cirurgia e d a farm ácia, verificar as h a b i­ m e n to ap e n a s após com provação, a n te a a u to rid a d e san itária, d e investi­
litações dos p ratican tes e providenciar sua m atríc u la ; “su p e rin te n d e r a p o li­ m e n to s e m drogas n o valor d e 2:0GQ$0GG nas capitais e cidades d e I a or­
d a m ed ica e a hygiene publica e m to d o s os lu g ares, estações e estabeleci- d e m , o u d e 1:0O€$OOG nas de 2 a ordem . Pelo a rt. 39 incum biria ao C onselho
m e n to s , q u e r públicos, q u e r p rivados"; in sp e c io n a r e fiscalizar b oticas, d e S aúde fazer “u m a tarifa d e honorários d o s m édicos, cirurgiões, parteiras,
hospitais, cem itérios, fábricas, açougues, p a d a ria s, tav ern as e “d em ais lojas d e n tista s e a su b m e te rá à aprovação d o governo p a ra ser a d o ta d a em to d o o
e estabelecim entos q u e p o ssam prejudicar a saude” (a rt. 3o). N o §8 d este Im p ério “. H o n o rário s m édicos devidos e n ã o p a g o s c o n stitu iriam dívida
a rtig o , ° p ro jeto invadia a esfera de atribuições das câm aras m u n id p a is para. priv ileg iad a e não prescritível (art. 4 0 ).
“e rig ir delas as providências necessárias p a ra o asseio e lim peza d o s aq uedutos, C o m o se v ê , o p ro jeto e ra elitista, xenófobo, centralizador, m onopóíico.
ru as, praças, praias e m ais lugares públicos” . Pelo § 11 d o m esm o a rtig o 3 o In v a d ia c o m p e tê n c ia s (dos m u n ic íp io s, d a M in istério d a F a z e n d a , d o
caberia ain d a ao C onselho “re g u la r a n u a lm e n te o preço d o s m ed icam en to s, Judiciário), uniform izava burocraticam ence p ro ced im en to s e m â m b ito n a ­
seg u n d o a alteração e variações do m ercado” . Pelo § 1 2 , “estabelecer os m o ­ cional e in te rv in h a nas relações co n tra tu a is e n tre m édico e p acien te fixando
delos de atestad o s m o rtuários, dos bilheres d e e n te rra m e n to , das g u ias dos honorários. A A cadem ia não o aprovou, c o n stitu in d o -se o u tra com issão q u e
hospitais, d o s m ap as necrológicos, & c., de m o d o q u e e m to d o o Im pério c o m base n ele red ig iu u m p ro jeto su b stitu tiv o m ais en x u to , co m p o sto de
seja uniform e o serviço sanitario”; e pelo § 17 “fiscalizar e p ro m o v e r a execu­ trê s T ítu lo s e v i n t e e dois artigos, o q u a i foi ap resen tad o e m 2 0 d e ag o sto de
ção dessa lei, b e m com o a correcção e punição d o s transgressores d e q uais­ 1 8 4 6 . D e s ta d a ta e m d ia n te quase na d a p o d e ser afirm ado sobre a trajetó ria
q u e r d e suas disposições”. O a rt. 13 e ra algo re d u n d a n te : “os m édicos, ci­ d este o u d e o u tro s p ro jeto s no â m b ito d a A cad em ia Im p e ria l d e M edicina.
rurgiões, boticários, p arteiras, den tistas e sangradores, assim n acionais com o Sabe-se o seg u in te:
estran g eiro s, não po d erão exercer suas profissões sem q u e seus títu lo s o u
diplom as sejam apresentados ao C onselho d e Saude P u b lica n a c ap ital d o Î — O p ro je to su b stitu tiv o co m eço u a ser discutido n a s sessões d a
Im p é rio , e n a s províncias às com issões m edicas”. Pelo a rt. 1 5 , os q u e não A cadem ia e m 2 7 d e ag o sto d e 1 8 4 6 . O s Annaes ãe Medicina Brasiliense,
fossem m édicos, cirurgiões, etc., m a s q u e se dissessem tais p a ra exercer ó rg ão oficial d a Academ ia Im p erial, no se u n ° 3 d e ste a n o in fo rm a n a colu­
essas profissões, ficariam sujeitos às pen as estip u lad as no código crim inal e n a Notícias Diversas, p á g in a 73> q u e se decid ira discu tir p rim e iro o p rojeto
p a g a n a m m u lta d e 3 0 0 $ 0 0 0 .52 O estrangeiro, a n tes m esm o d e com p ro v a­ e m s e u co n ju n to , & q u e te ria to m a d o trê s sessões, p a ra depois, e m duas
d a s suas habilitações e títu lo s, deveria “p ro v a r q u e sabe o id io m a nacional, e o u tra s ro d ad as, exam iná-lo artigo p o r artig o ;
q u e conhece o sistem a de pesos e m edidas a d o ta d o s no paiz” (a rt. 18). E m
janeiro d e c a d a ano as auto rid ad es co m p eten tes p u b licariam nos jo rn a is a 2 — A o con trário do q u e havia feito c o m o p ro jeto d o D r. L obo, os
Annaes n ã o transcrevem o tex to d o p ro jeto su b stitu tiv o e m q u a lq u e r dos
v o lu m es pub licad o s e n tre 1846 e 1850;
52 =
A rt. 301 — U sar de nom e supposto, ou m udado, ou de alg u m títu lo , dístinctivo, ou conde­
coração, q u e a io tenha — Rena: de prisão p o r dez a sessenta dias, e m u lta correspondente á
m etade do tem po; A rt. 302 — Se em virtu d e do sobredito uso se tiver o btido o qu e de outco
3 — N a sessão d a A cadem ia d e 2 2 d e o u tu b ro d o m esm o ano o s drs.
m o d o se não conseguiria— Penar a m esma em que incorreria o réu, se obtivesse p o r violência”.
Le* d e 16 de dezem bro de 1830 — C odigo Criminal do Im pério do Brazil. Jo b im , P aula C ândido e ou tro s c o m e n ta m aspectos de u m p ro jeto , fiosúvel-
mente & su b stitu tiv o . Paula C ândido critica a inclusão do “jurisconsulto” no b e n ig n a m e n te à representação q u e a A cadem ia Im p erial d e M edicina lhe
Conselho d e Saúde P ública (indício d e que o A r t. I o do p ro jeto L obo fora dirigio £...} na q u a l se lhe p ed ia houvesse au torizal-la a confeccionar uni
mantido}., “com o se os m édicos não sejam capazes d e ju lg a r e m m a té ria de re g u la m e n to provisorio tal, q u e harm onizasse c o m as leis existentes”, foram
seu foro, sem o adjutorio de u m bacharel, o u d o u to r em leis, e com o se n a d a nom eados p a ra redigir e apresen tar o referido tra b a lh o “os srs. dr. Sigaud,
se p o ssa fazer d e bom neste m u n d o sem a intervenção d e sta g e n te ”. Jo b im Ezequiel e dr. Lobo”;
observa, q u e “o p ro je to cria um trib u n a l m edico, e estabelece u m juízo espe­
cial,. e privativo a u m a classe, o q u e sendo co n trario à constituição do E stado 8 — D o referido n° 12 em d ian te não h á q u a lq u e r notícia o u m enção
q u e proscreve os juízos privados, irá form ar tazões p a ra se r rejeitado”53 (pos­ nos Annaes a trab alh o s d a comissão acim a reg istrad a, n e m nas a tas das ses­
sivelmente u m a referência ao § 1 7 do a rt. 7o do p ro jeto L obo, possivelmente sões d a A cadem ia encontra-se q u a lq u e r referência a projetos d e lei de saúde
m a n tid o n u m substitutivo); pública. A questão sim plesm ente desaparece d a s páginas d a revista e, ap a­
re n te m e n te , do â m b ito d a A cadem ia Im p erial;55
4 — D iscursando na sessão d e 13 d e m aio d e 1 8 4 8 , o D r. S ígaud insiste
n a “necessidade q u e h á de ser a A cadem ia Im p erial d e M edicina au to riz a d a 9 — E m princípios d e 1850 surgem inequívocas evidências de um a
p e lo G o v e rn o p a ra vigiar a v en d a dos rem edíos secretos”,54 u m a fo rte evi­ epidem ia d e febre am arela no Rio de Janeiro.
dencia d e q u e n a d a se havia resolvido q u a n to à lei d e saúde pública;
P erm anecem com o u m m istério as razões pelas quais a A cadem ia foi
5 — O s Aimaes n° 10, d e a b ril d e 1849, noticiam n a sessão Noticias incapaz d e form ular u m projeto de saúde p ú b lica no prazo d e q u a tro anos,
Diversas, p á g in a 2 5 0 , q u e a A cadem ia “occupa-se n a actu alid ad e d e u m a q u a n d o dav a to d o s os sinais de q u e tra b a lh a v a nessa direção. A hipótese
im p o rta n tíssim a q u estão . T rata-se d e d a r rem edio ao desgraçado E sta d o em m ais plausível é a de q u e havia divisões in te rn a s, a té p o rq u e alg u n s associa­
q u e n o s ach am o s, relativo à insufficienda das leis e m vigor, p a ra se p o r u m d o s, receando q u e o governo não prestasse a esperada atenção ao projeto da
d iq u e ao charlatan ism o ”, m as advertindo qu e não se devia “p o r o ra a v e n ta r A cadem ia, com o ocorrera em o u tra s o p o rtu n id ad es, voltasse a com prom e­
juiz© ce rto o u provável, d e q u a l deva se r o desfecho d e s s a discussão...”; te r-lh e o p restíg io .56
O q u e se sabe é q u e n a sessão de 3 d e setem bro d e 1850 d a C âm ara dos
6 — M o se u n ° 11, d e m aio d e 1849, a in d a n a sessão Noticias Diversas> D e p u ta d o s foi retom ado o deb ate sobre u m a lei d e saúde p ública, ag o ra sob
p á g in a 2 7 4 , os Annaes reg istram u m a “re n h id a discussão” ao fim d a q u a l a fo rm a do projeto o° 2 0 0 , vindo d o Senado.57 O projeto foi d u ra m e n te
decidiu-se “re p re se n ta r ao G overno solicitando autorização p a ra q u e a A ca­
d em ia Im p e ria l d e M edicina, harm o n izan d o to d a s as leis de sau d e e m vigor,
MN io encontrei nos arquivos da Academia Nacional de M edicina q ualquer traço seja de um
fo rm u le u m p ro je to sanítario q u e te n h a a força das m esm as íeis”; projeto substitutivo ao do D r. H adock Lobo, seja de q u a lq u er outro elaborado pela Academia
Im perial no período 1846-1850.
^ N a sessão de 2 0 de m aio de 1848 o D r. N unes Garcia manifestou a tal respeito sinais de uma
7— N o n ° 12, d e junho d e 1849, n a m esm a sessão Noticias Diversas, antiga paranóia que a ata registrou asssim: “O sr. dr. N unes Garcia faz observar que nada lucrou
p á g in a 2 9 7 , n oticiam os Annaes q u e “te n d o o governo d e S .M J . a tte n d id o a Academia com a representação que fez sobre os abusos de policia medica; e falia da anim osida­
de q u e ha contra a Academia em u m dos m em bros influentes do senado; e ao contrario indo ella
[representação d a Academia contra os abusos e prejuízos da venda de remédios secretos] peia
corporação dos pharmaceutícos seria menos guerreada.“ Annaes de Medicina Brasiiiense, 4o Anno,
^Amaesde. M tdkm a Brasilieme, voL 3, n . 4, o utubro cfe 1847, p p . 8 0 -8 1 . vo!. 4 , n . 9 , março de 1848, p . 205-206.
'^Annaes de Medicina Brasãknse, vof. 4 , n . 9, março de 1849, p . 20 2 . Annaesda Camaradas Depaiadas, TòmoII, 1880. O sdebates se estenderam de 3 a 10 de setembro.
criticado p o r C ruz Jo b im , en tão n a C âm ara, o qu e é suficiente evidência d e O p rojeto enco n tro u o u tro critico no d e p u ta d o Jo ã o M aurício W anderley,
q u e sua origem , não fora a A cadem ia Im p e ria l. fu tu ro b arão d e Cotegípe* inconform ado com a centralização d o s serviços
A crítica d e Jo b im concentrava-se em trê s p o n to s. P rim eiro, no crédito sanitários, p o is e m su a opinião caberia às assem bléias provinciais e às c â m a ­
especial d e 2 0 0 .0 0 0 $ ao M inistério d o Im pério p a ra d a r início a obras de ras m unicipais leg islar so b re a m a té ria n o âm b ito d e su a jurisdição a d m in is­
m elh o ram en to s do estado sanitário d a capital e d e o u tra s povoações, tais tra tiv a . M as o im p o rta n te é n o ta r a aprovação da d a p e lo D r. P aula C ândido,
com o “dessecam ento de lugares alagadiços q u e se te n h a m reconhecido in ­ ta m b é m d e p u ta d o , u m a fo rte indicação de q u e a A cadem ia Im p e ria l de
salubres, o estabeiiecim ento de valias e canos d e despejos, a reparação e M e d íd a n a , d a q u a l ele e J o b im e ra m em inências, e sta v a dividida.60 Seja
lim peza d o s existentes, a m ultiplicação d e depositos d ’a g u a p a ra uso e as­ co m o for, o p ro je to transform ou-se n o D ecreto n ° 5 9 8 d e 1 4 d e setem b ro
seio das povoações, e o u tro s trab alh o s d e se m elh an te n a tu re z a ”. E m face do m esm o a n o q u e criava, a J u n t a d e H y g ien e P u b lica à q u a l d e u re g u la ­
d a s d o u trin a s m édicas d a época sobre “em anações m iasm áticas” e sim ilares, m e n to o D e c re to n° 8 2 8 d e 2 9 d e setem b ro d e 1851. É b a sta n te im provável
é su rp re e n d e n te ouvir a afirm ação do D r. Jo b im d e q u e tais obras p ouco q u e e n tre a discussão n a c â m a ra d o p rojeto n° 2 0 0 e a edição d o R egula­
efeito teriam sobre o E stado sanitário do Im pério, e q u e fa lta ra m n a elabo­ m e n to d e 1851 te n h a havido co n su ltas à A cadem ia Im p e ria l d e M edicina.
ração d o p ro jeto inform ações sobre as verdadeiras necessidades d a saúde Vale a p e n a realçar a lg u n s artig o s do R eg u lam en to p o rq u e ele seria a
p ú b lica. Sobre q u ais era m estas Jo b im não inform ava, a té p o rq u e su a insa­ base p a ra o u tro s d a m esm a n a tu re z a . N o te -se , e m p rim e iro lu g ar, q u e ele
tisfação estava dirigida p a ra u m segundo p o n to d o p ro je to , a criação d e u m a apresen tav a alg u m a s sem elhanças com o p rojeto L obo, o q u e n ã o su rp reen ­
com issão d e engenheiros p a ra d a r c o n ta d a s referidas obras. Por q u e , p e r­ d e , v is to q u e e r a p o u c o m a is d o q u e a c o n s o lid a ç ã o e c o d ific a ç ã o
g u n ta v a ele, não in cu m b ir delas a In sp e to ria d e O b ra s P úblicas, já existen­ (“h arm onização”, com o se dizia n a época) d e alvarás e re g im e n to s e d e n o ­
te ? A lé m disso, “se essa com m issão de q u a tro en g en h eiro s é o essencial, a v a s leis e p o s tu ra s ro é d íe o -sa n itá ria s e m v ig o r n o Im p é rio . O a r t. I o
q u e v em , e q u e p a p e l farão os m édicos? Eiies farão sem d u v id a u m p a p e l renom eava com o J u n ta C e n tra l d e H y g ie n e P u b lica a q u e la c riad a p elo D e ­
b e m secundário nas próprias cousas qu e são d e su a p a rtic u la r com petência, creto 5 9 3 d o a n o an terio r. D o to ta l d e 8 3 artig o s, 3 3 (4 0 % ) referiam -se à
no q u e é relativo à saude pubLica”. O terceiro p o n to d a crítica d e J o b im e ra fiscalização d o com ércio d o s d ro g u is ta s e das boticas, com posição d o s rem é­
a criação de u m a J u n ta d e H ygiene P ública q u e ele e n te n d ia com o “m e ra dios prescritos e m o d o d e prescrição das receitas, e 15 (1 8 % ) diziam respei­
expectadora, u m corpo co n su ltan te”. E p e rg u n ta v a ele se “p a ra c o n su lta r h á to à regulação e fiscalização d o exercício profissional d e m édicos e farm a­
a lg u m a necessidade d e sahir-se do q u e já está estabelecido”, o u seja, a A ca­ cêuticos. O s d e m a is d istrib u ía m -se p o r m atérias relativ as a inspeção d a
d e m ia Im p e ria l d e M edicina.58 Por fim , J o b im a p o n ta v a n o p ro je to a ausên­
vacinação, saú d e d o s p o rto s e p olícia san itária (inspeção d e alim en to s e fis­
cia d e q u a lq u e r dispositivo p a ra re g u la r o exercício d a m edicina (e no q u e
calização san itá ria d e fábricas) e “disposições diversas”. O R eg u lam en to p re ­
n ã o tin h a razão; o p rojeto apenas não tra z ia inovações) e p a ra d o ta r as esco­
servava jurisdições ad m in istrativ as, institucionais e políticas: n a s visitas às
las m édicas d e e sta tu to s definitivos (que só lh es seriam d ad o s e m 1854).
boticas iria c o m as a u to rid a d e s sanitárias u m fiscal d a C â m a ra M unicipal
“E u não q u e ro ”, finalizava ele, “q u e os m édicos te n h ã o o direito exclusivo
e ncarregado d e la v ra r “o s te rm o s necessários” (a rt. 59), e as recom endações
d e julgar, com o talvez alguem p resu m a; o q u e e u qu ero é q u e eííes te n h ã o
d a s a u to rid a d e s sanitárias aos m unicípios seriam co m u n icad as prim eiro aos
m ais direito d e in terv ir nestas m atérias do q u e se p õ e à su a disposição; sejao
p re s id e n te s p ro v in c ia is q u e fo rm a ria m com issões e x tra o rd in á ria s p a ra
elles juizes a té certo p o n to , haja recurso p a ra q u e m q u e r q u e seja...”59

^ Id e m , p . 722. ^ P àu la C ândido foi o primeira- d ire to r da J u n ta e penuaaecefia a o cargo p o r m ais de duas


>9Idem , p . 793- décadas.
exam iná-las (a rt. 8 0 ). C ahla ta m b é m aos presidentes d e provinda, a nom eação d e H y g ie n e Pública e Provedores d e Saúde P ú b lic a nas províncias (a rt. 28).
dos com issários m unicipais e p aroquiais d e vacinação (a rt. 2 2 ). H o cap ítu lo Sem esse registro o u m atrícu la não era lícito o exercício d a m edicina (art.
d a reg u la m e n ta çã o d o exercido profissional, ju lg a d a ilegal a m a tríc u la de 2 9 ), e ao m udar-se de u m a p ro v in d a o m édico deveria o b te r “h u m Passe —
u m m édico o u farm acêutico haveria recurso p a ra o C onselho d e E stad o (art. nas costas do diplom a, q u e servirá p a ra m elhor p ro v a r a id en tid ad e d a pes­
38), e no g e ra l as sanções disponíveis p a ra as a u to rid ad es sanitárias ficavam soa e le g itim a posse d o diplom a” (art. 31)- D e posse d a lista dos m a tric u la ­
restritas a m u lta s . O R eg u lam en to não tra ta v a de h o n o rário s m édicos nem dos e m to d o o Im pério, inclusive dos q u e houvessem an terio rm en te sido
d e preço s d e m ed icam en to s, n e m exigia dos p ro p rietário s d e botica m ais do registrados nas câm aras m unicipais, a j u n t a C en tral providenciaria sua p u ­
q u e u m a d e q u a d o so rtim e n to de rem édios. Ig u a lm e n te , não privilegiava blicação p e la im p ren sa (a rt. 33).
m e m b ro s d a A cad em ia Im p e ria l d e M e d ia n a o u le n te s d a s faculdades m é ­ U m o u tro aspecto a ser ressaltado diz respeito à centralização prom ovi­
dicas p a r a ocupação d e cargos n a organização sa n itá ria q u e e sta v a sendo d a pelo D ecreto n° 8 2 8 ao colocar sob a a u to rid ad e d a J u n ta C e n tra l o
im p la n ta d a . Ficavam regulados aspectos q u e seriam h oje tidos co m o q u e s­ In s titu to Vacínico (autônom o desde sua criação em 1811), as provedorias e
tõ es d e ética: não h av er sociedade e n tre m édicos e boticários n e m Im p o r os comissões provinciais, e ao esvaziar as câm aras m unicipais d a s atribuições
m édicos a o s p acien tes “&condição d e co m p rar os rem ed io s em cerca e d e te r­ sanitárias q u e lhes haviam sido conferidas desde a lei de I o d e o u tu b ro de
m in a d a botica” (a rt. 39)* não p re p a ra r os boticários “receita q u e não esteja 1 8 2 8 .61 N a realid ad e, a J u n ta C e n tra l to rn o u -se , d esd e a ex tin ção d a
assig n ad a p o r F acu ltativ o m atricu lad o ” (a rt. 4 2 ) e coisas sem elhantes. Fisicatura, a p rim eira autoridade m édico-sanitária com jurisdição sobre todo
N u m asp ecto tã o reclam ado p ela A cadem ia, a reg u la m e n ta çã o m ais o te rritó rio nacional. Sua ineficiência foi n o tó ria, e não apenas pelo atraso do
e strita d o exercício profissional, o a rt. 25 n a d a acrescentava ao q u e já d isp u ­ conhecim ento m édico d a época, im p o te n te p a ra d a r c o n ta so b retu d o das
n h a a legislação v ig en te (p o r exem plo, a Lei d e 3 d e O u tu b ro d e 1832): epidem ias q u e periodicam ente assolavam a C orte e o país.62 C om freqüên­
“N in g u é m p ó d e exercer a m edicina, o u q u a lq u e r dos seus ram o s, se m titu lo cia a A cadem ia Im p erial criticaria seu desem penho n a fiscalização d o exercí­
conferido p e la s Escolas d e M edicina do Brasil, n e m p ó d e servir d e p e rito cio d a m edicina e d a farm ácia, m as os recursos à disposição d a J u n ta eram
p e ra n te as A u to rid a d e s Ju d ic ia d a s, o u A dm inistrativas, o u p assar certifica­ escassos. A crônica pobreza do E stado inviabilizava investim entos em sanea­
d o d e m o lé stia p a r a q u a lq u e r fim q u e seja”, m a s os in fra to re s incorriam m e n to básico (insistentem ente reclam ado, e m b o ra p o r razões m édicas equi­
unicam en te n a p e n a de m u lta , a não ser q u e sem d ip lo m a se apresentassem vocadas), hospitais, sanatórios e pessoal, m a s é tam b ém verdade q u e saúde
com o titu la d o s e exercessem efetiv am en te a m ed icin a (n a reincidência, p ri­ p ú b lica era u m a das últim as prioridades do governo.
são p o r q u in z e d ias e as pen as d o C ódigo C rim inal). O R eg u la m e n to não
vinculava o exercício d a m edicina p o r d iplom ados e m escolas estran g eiras à
e x ig ê n a a d e ex am es p e ra n te as brasileiras, em b o ra se referisse a p en as aos
61P eio D e c r e to d e 2 9 d e ja n e iro d e 1 8 4 3 a s c â m a r a s m u n ic ip a is já h a v ia m p e r d id o a in s p e ç ã o
m é d ic o s4q u e fo re m o u tiverem sido professores d e q u a lq u e r U niversidade
s a n itá r ia d o s p o r to s , q u e p a s s a ra p a r a o g o v e r n o c e n tr a i.
o u E sco la d e M e d ic in a ” ( a r t. 2 6 ) e d o s q u e fossem " a u to re s d e o b ra s “ N o mesmo Decreto n° 598 q u e instituía a Ju n ta de H ygiene Publica o govem o ctiou um a
comissão de engenharia composta de 5 oficiais do Corpo d e Engenheiros (incluído o presidente)
srientificas d e reconhecido m erecim en to , e q u e sejam d e b em estabelecida
com a incum bência de “tirar a planta” e fazer o orçam ento das obras e serviços tendentes a
rep u tação lite rá ria (art. 2 7 ), n a d a estipulando sobre o co m u m d o s profis­ m elhorar o Estado sanitário da Corte e de outras povoações do Im pério (dessecamento de
alagadiços, encanam ento de despejos, etc.); propor todas as obras e serviços que julgar necessários
sionais. H a v ia u m a n ovidade e e s ta e ra a ênfase sobre o registro d o s diplom as.
ou convenientes, e dar seu parecer em todos os casos em q u e pelo govemo fôr consultada acerca
Feito an te rio rm e n te nas câm aras m unicipais (lei d e 11 d e o u tu b ro d e 1828), de tais objetos. A parentem ente, o govem o não confiava m uito nas soluções médicas e precavia-
se com a engenharia disponível. Contudo não encontrei qualquer notícia sobre as atividades da
a co m petência passava p a ra a J u n t a C entral, n a C o rte, e p a ra as Com issões
comissão.
V p o n to de referência n a m a lh a d e associações c u ltu ra is d a C o rte . E , a d e s ­
p e ito d a p e rd a p a ra a F aculdade d e M ed icin a d e p a r te su b sta n c ia l d e se u
O D e c re to n ° 8 2 8 foi provavelm ente a ú ltim a regulação m é d ic a im p o rta n te p a p e l co m o c e n tro d a ciência m é d ic a , a A c a d e m ia Im p e ria l p e rm a n e c e ria
d o Im p é rio . Reorganizações d o serviço sanitário foram e fe tu a d o s, J u n ta s com o a â n c o ra d o s p ro jeto s h ig ie n ista s m e sm o q u a n d o , ao ap ro x im ar-se
sucederam -se com n o m es diversos, m as to d a s com re g u la m e n to s q u e p re ­ 1889» to rn a v a -se ev id e n te q u e eles n ã o seriam realizados sob o s auspícios
servavam o essenciaL d o d e 1851 q u a n to à regulação d o exercício d a s profis­ d a M o n a rq u ia .
sões d a saúde.® E m to d o s ficavam reg istrad o s os precisos lim ites d a jurisdi­
ç ão d a m ed icin a c o m as sanções a q u e esta v a m sujeitos farm acêu tico s,
d e n tista s e parceiras q u e os violassem . A té a virada d o século, com im p acto VI
su bstancial sobreveio ap e n a s o Código Penal d e 1 8 9 0 crim inalizando o exer­
c id o ilegal (isto é , sem d ip lo m a) d a m edicina, d a farm ácia e d a a rte d e n tá ria V iria a s e r a R e p ú b lic a o re g im e d a co n sa g ra ç ão d o p ro je to m éd ico ?
(a rt. 1 5 õ )e o c u ra n d e Íris m ó (a rt. 158).64 D e fato , m u ito p ouco foi acrescen­ B em , e m a lg u m m o m e n to d o p e rc u rs o re p u b lic a n o (d ig a m o s, d e 1 8 8 9 a
ta d o n a m a té ria aos a n tig o s alvarás e regim entos p o rtu g u eses. 1 9 9 8 ) a s a ú d e p ú b lic a c e rta m e n te h a v e ria d e o c u p a r p o sição d e d e s ta ­
O D e c re to n ° 8 2 8 é im p o rta n te ta m b é m p o r o u tr a ra z ã o . F unções q u e n a a g e n d a d o g o v e rn o . M a s n ã o e n tr e 1 8 8 9 e 1 9 0 0 . O s tr ê s p rim e i­
consultivas e m m a té ria d e saúde p ú b lic a to rn a ra m -se c o m p e tê n d a d a J u n ta ro s an o s fo ra m caó tico s ta n to n o p la n o do g o v e rn o fe d e ra l q u a n d o n o d a
C e n tra l d e H y g ie n e com o a m ais a lta a u to rid a d e m é d ic a d o Im p é rio . C o m a d m in is tra ç ã o d a c a p ita l d a R e p ú b lic a . E n tre 1 8 8 9 e 1 8 9 2 a In te n d ê n ­
isso o s ta tu s d a A c a d e m ia Im p e ria l d e M ed icin a ficou s u b sta n c ia lm e n te cia M u n ic ip a l fo i a d m in is tra d a p o r cinco C o n se lh o s q u e se su c e d e ra m
re d u z id o , condição a g ra v a d a a p a r tir d o s anos 6 0 p e la s c o n tu n d e n te s crí­ e m m e io a d iv e rg ê n c ia s e n tr e in te n d e n te s , a tr ito s c o m o g o v e rn o fe d e ra l
tic a s q u e lh e d irig iria u m a nova geração d e m éd ico s v o lta d o s p a r a a m e d i­ e im p ie d o sa s c rític a s e oposição d a im p re n s a e d a p o p u la ç ã o 67 P ressio ­
c in a ex p e rim e n ta l ale m ã .65 Todavia, e n ã o o b s ta n te as restriçõ es c a d a vez n a d o s p e la S ocied ad e U n id a d o s P ro p rie tá rio s d e P ré d io s e E sta la g e n s,
m a is fre q ü e n te s e c a d a vez m ais severas ao se u “o fid a lism o ”, n ã o d isp u ­ en v o lv id o s n a tr a m a dos in te re sse s d a s e m p re sa s d e c a rris e c o m o m o ­
n h a m os m éd ico s d e alte rn a tiv a s in stitu c io n a is q u e lh es p e rm itisse m afas­ n o p ó lio d o s fo rn e c e d o re s d e c a rn e , fre q ü e n te m e n te d e sa u to riz a d o s p e lo
ta r-s e d a A cadem ia.06 A lé m disso, s o d a lm e n te ela a in d a re p re se n ta v a n m g o v e rn o fe d e ra l os in te n d e n te s fo rm a v a m u m a p a té tic a troupe. S e g u i-
ra m -s e a L e i O rg â n ic a d o D is tr ito F e d e ra l (L ei n ° 58 d e 2 0 d e s e te m b ro
® D ecreto n ° 6 3 7 8 d e 15 d e novem bro d e 1 8 7 6 e D ecreto n ° 9 5 5 4 d e 3 d e fevereiro d e 1886;
d e 1 8 9 2 ) e o in crív el a ffair B a r a ta R ib eiro q u e assim re su m o : F to ria n o
n a p rim eira década republicana os D ecretos n ° 1172 de 17 de dezem bro de 1892 e a ° 3 0 1 4 de
2 0 de setem bro d e 1898. P e ix o to p r o te lo u o q u a n to p ô d e a no m e a ç ã o d o P re fe ito , d e ix a n d o B a ra ­
6 *‘A rt- 156: Exercer a m edicina em q ualquer dos seus ram os e a arte dentária o o farmácia;
praticar a hom eopatia, a dosim etria, o hipnotism o ou m agnetism o anim al, sem estar habilitado t a R ib e iro , s e u a m ig o e p re s id e n te d o ú ltim o C o n se lh o d e In te n d ê n c ia , à
segundo as leis e regulam entos (Pena: prisão de u m a seis meses e m u lta de 100$ a 500$00)> A rt. t e s ta d o e x e c u tiv o m u n ic ip a l p a r a fin a lm e n te n o m e á -lo a d e s p e ito d e
158: Ministrar, ou sim plesm ente prescrever, com o m eio curativo para uso in tem o o u externo e
sob q ualquer form a preparada, substancia de q u alq u er dos reinos da natureza, fazendo, ou exer­ im p e d im e n to le g a l in sc rito n a p r ó p r ia L ei O rg â n ic a .68 O S enado a n u la ­
cendo assim, o oficio denom inado de curandeiro.” D ecreto de 11 d e o utubro de 1890- ria a n o m e a ç ã o .
S5A m elhor análise deste descompasso foi realizada p o r Flavio Coelho Edler, op. c it. Flavio Ecüer
foi particularm en te feliz ao escolher jornais m édicos não oficiais com o m aterial d e referência.
“ Em 1886 foi criada a Sociedade de M edicina e C irurgia do Rio de Janeiro. N ão encontrei 67A proveito-m e am p lam en te da. pesquisa de A na Marta. Rodrigues Bastos, O Conselho de Inten-
q ualquer documentação sobre a SMCEJ e, aparentem ente, o m esm o ocorreu com outros pesqui­ dència- M m kipah Autonomia e instabilidade (1889-1892}. Rio de Janeiro: CEH/FCRB, m im eo,
sadores. Ver, po r eseaaplo, Luiz O távio Ferreira, Marcos Chor M aio e N ara Azevedo, “A Sociedade 1984.
de M ediana e Cirurgia do Rio de Janeiro: a gênese de um a rede institucional a!tematrva’“.ífãM rã^ “ O a rt. 4 a § 8 ° d a Lei n ° 58 incompatibilizava para o cargo q u em houvesse servido na adm inis­
ciências, saúde: Mangumbes, v. 1, n . 1, julbo-outubro 1994, p p . 47 5 -4 9 1 . tração m unicipal no an o anterior:.
N o nível fed erai não era m en o r a an arquia. Áriscides Lobo, m in istro d o
décad as in sistem n a “influência” d o h igtenism o e n o “p o d e r m éd ico ” no
In te rio r d o G overno Provisório, sum ariam ente d e m itiu to d o s os funcioná­
B rasil d aq u e le s te m p o s.70 É v erd ad e q u e e m 1 9 0 4 o índice a tin g iu a casa
rios d a In sp e to ria G erai de H igiene, m as D e o d o ro os repôs nos cargos. D e ­
d e 108 vacinações p o r 1.0 0 0 h a b ita n te s, m a s p re c isa m e n te a í e sto u ro u a
m itiu-se o m in istro , logo su b stitu íd o p o r Cesário A lvim q u e ta m b é m p o r
R ev o lta d a V acina. Veja-se o m esm o p a n o ra m a p o r u m oucro ân g u lo : a
ord em d e D e o d o ro su sto u a execução do Código d e P osturas aprovado p ela
d e sp eito do C ódigo P en al d e 18 9 0 e d a e n c a rn iç ad a p erseguição d a m ed i­
In te n d ê n c ia M u n icip a í e c o n te sta d o pela Sociedade U n id a dos Proprietários
c in a “oficial” aos e sp íritas (os “ch arlatõ es” d a R ep ú b lica Velha), a polícia
d e Prédios e E stalagens. R enunciaram coletivam ente os conselheiros, com e­
do D is trito Federal in sta u ro u escassos 19 in q u é rito s c o n tra eles e n tre 1891
m o raram o s pro p rietário s das hospedarias, cortiços e estalagens o fim d o
e 1901 (e ap enas d u a s condenações); e n tre 19 0 1 e 1 9 1 0 ,1 6 ; e n tre 1911 e
cerco q u e lhes fazia & In ten d ên cia. T am bém os pro p rietário s d e terren o s
1 9 2 0 , a p e n a s 2 in q u é rito s. É v erd ad e q u e fo ram 4 0 e n tre 19 2 1 e 1940,
escaparam d o p a g a m e n to do foro com o q u a l a In te n d ê n c ia p re te n d ia ta p a r
m a s e n tã o já havíam os e n tra d o n o regim e p olicial do E stado N o v o .71 A in ­
os buracos d a s finanças m unicipais. P ara resum ir: e m m eio a p ro te sto s d e
d a p o r o u tro ân g u lo : e n tre 18 9 0 e 1 8 9 9 os g a sto s com sa ú d e p ública,
ru a , repressão policial, revoltas de guarnições m ilitares locais, desgoverno,
inclusive no D is trito F ederal, re p re se n ta ra m e m m é d ia não m ais do que
inflação e recessão, o D istrito Federal teve e n tre a p ro m u lg ação d e su a Lei
1,1% d a despesa to ta l do governo federal.72 F in a lm e n te , e u m e su rp re e n ­
Orgânica. (1 8 9 2 ) e a posse d e R odrigues A lves (1 9 0 2 ) n a d a m en o s d o q u e
d e ria se com u m q u a d ro funcional d e pouco m ais de 34 3 funcionários
12 p re fe ito s e n tre interinos e efetivos, u m núm ero ex tra o rd in a riam e n te alto
(to ta l p a r a 1 890) a p re fe itu ra providenciasse efetiva e siste m a tic a m e n te
se se considera q u e en tre 18 4 9 e 18 8 9 foram 11 os prefeitos d o m unicípio
d a C orte. vistorias a to d o s o s cortiços e h ab itaçõ es coletivas com o reclam av am os

E m m e io a to d o esse caos é n o m ín im o tem erário a firm a r q u e p o líticas hig ien istas e com o crêem os pesquisadores m e u s co n te m p o râ n e o s. P orque

hig ien istas te n h a m sido efetiv am en te im p le m e n ta d a s n o R io d e Ja n e iro n o ra stro d a s vistorias h av eriam d e v ir ain d a os respectivos a to s adm inis­
p o r o b ra e g ra ç a d o “p o d e r m édico” . É v erd ad e q u e o D r. B a ra ta R ibeiro, tra tiv o s d e e m b a rg o s d e c o n stru ção , in tim açõ es p a ra reform as e p a ra d e ­
u m flo ria o ista d a m a is p u ra estirp e jaco b in a e tã o in clin ad o ao d e sp o tism o m olição e o u tra s providências afins, le m b ra n d o -se q u e e m 1 8 8 8 já exis­
q u a n to o se u p o d e ro so am ig o , foi co m p arad o a “u m H a u s m a n n “ e m u m tia m n a cidade 1-331 cortiços e apenas n a ru a São Jo sé 16 casas d e côm odos.73
s u rto d e ex ag erad o entusiasm o d e 0 Paíz. Pois o q u e ficou e fe tiv a m e n te P a ra a g ra v a r a situ ação , in fo rm a Syivia D am azio q u e o s cortiços m u ltip lí-
inscrito n a b io g ra fia d o D r. B a ra ta , im o rta liz a n d o -o p a r a a p o ste rid a d e , c aram -se nas ú ltim a s décadas d o século X IX , a lg u n s sem licença d a p re ­
foi u m a ú n ica e co n sa g ra d o ra o b ra , a dem olição e m 1893 d o cortiço C a­ fe itu ra e m u ito s e m fla g ra n te desrespeito às p o stu ra s m u n icip ais, 0 que,
beça d e Barco.69 A d m ito , to d av ia, q u e o a rg u m e n to a in d a n ã o é suficien­ c o n v en h am o s, não reco m en d av a m u ito n e m a a d m in istração d o D istrito
te m e n te sólido p a r a p è rsu a d ír o leito r, razão p e la q u a l p eço su a a te n ç ã o F e d e ra l n e m a e te rn a v igilância d o s h ig ie n ista s. Q u a n to aos estáb u lo s
p a r a o se g u in te : e n tre 1 8 1 8 e 18 2 2 foi em m é d ia d e 2 1 ,8 p o r 1 .0 0 0 h a b i­
ta n te s o n ú m e ro d e vacinações c o n tra a varíola n a cid ad e d o Rio d e J a n e i­ 70As estatísticas de vacinação encontram -se em Sidney Chalhoub, Cidadefebril: Cortiços e epide­
ro ; s e te n ta e no v e anos depois, em 1 9 0 1 , d e 2 0 ,9 p o r 1.0 0 0 h a b ita n te s , o mias na corte imperial. São Paulo: Com panhia das Letras, 1996, p p . 112-113 e l t í i .
71A s estatísticas estão em Emerson Gium belli, 0 cuidado dos mortos: Uma história da condenação e
q u e p e d e u m a co n v in cen te explicação p o r p a r te d o s estu d io so s q u e h á legitimação do espiritismo. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997, p p . 28 8-294.
51Richard G raham , “G overnm ent Expenditures and Political Change in Brazil, 1880-1899: W ho
G o t W h a t”. Journal of Interamevkan Studies and World Affairs, voi. 19, n° 3, agosto de 1977, p.
®AvaIíaxio coaiosatts& is critérios cariocas de administração m unicipal, o D r. B arata parece te r 368.
sido usn dos prim eiros e m ais hábeis criadores de factóides. ,3N úm eros q u e o leitor encontrará em Sylvia F. Dam azio, Retrato socialdo Rio deJaneiro na virada
do século. Rio de Janeiro: EdUerj, 1996, p p . 56 (cortiços) e 163 (funcionários).
esp alh ad o s p o r diversos p o n to s d a cid ad e, e q u e so m a v a m 2 0 4 e m 19 1 0 , im p le m e n tá -lo s e m m e ia ã. escassez d e recursos, à in flação , à a n a rq u ia
“n e m o p re fe ito Passos conseguiu so lu c io n a r o p ro b le m a ”.74 p o lítica e ao caos a d m in istra tiv a .
N ã o e s to u su g erin d o que o m o v im e n to h ig ie n ista te n h a sido u m a fic­ A d em ais o le ito r deve m a n te r p e rm a n e n te m e n te n a le m b ra n ç a q u e
ção in v e n ta d a p o r historiadores, p siq u ia tra s e a n tro p ó lo g o s in teressad o s aos m édicos não in teressav am ta n to p olíticas h ig ie n ista s tout court, m as
n a m a té ria . A p e n a s suspeito que p ro d u z iu -se u m a lite ra tu ra pleo n ástíca, so m e n te a q u e la s sobre as q u a is tivessem o m áx im o d e c o n tro le . O d e se n ­
excessiva n a avaliação do p o d e r d o s m éd ico s e d a in flu ê n c ia d a s idéias canto q u e e x p e rim e n to u o D r. C ru z J o b im com a j u n t a C e n tra l d e H y g ie n e
hig ien istas (d a m e sm a fo rm a com o os esculápios ex a g e ra v am p o r razões em 1 8 5 1 ex p e rim e n ta ria m nas p rim e ira s d écad as re p u b lic a n a s os clínicos
óbvias a d im en são d o p ro b le m a san itário ),75 n ã o d eix an d o p o r m e n o s ao doublés. de h ig ie n ista s. O s sucessivos arran jo s in stitu c io n a is n o â m b ito d a
descrever os e v e n to s com expressões tais co m o a "o p e ra ç ã o d e g u e rra ” saú d e p ú b lic a ficavam irrita n te m e n te aq u é m d o s seus p ro je to s e, se já não
c o n tra os cortiços, a “g u e rra d e p ic a re ta s” do D r. B a ra ta R ibeiro q u e te ria so n h a v a m com reedições d o trib u n a l d a F ísicatu ra, n e m p o r isso a b d ic a ­

“ac a b a d o ” c o m o s casarões “infectos”, a “e n o rm e re p e rc u ssã o ” d a confe­ ra m d a aspiração p o r u m Ju íz o san itário so b c o n tro le m é d ic o . O q u e m ais

rên cia de ta l o u q u a l h ig ie n ista m ais o u m e n o s p ro e m in e n te e assim p o r se m e lh a n te a isso lh e s d e u o g o v e rn o (e q u ã o d is ta n te ficou, d o m o d e lo


d ia n te .76 idealizado!) foi o Ju íz o d o s F eitos d a Saúde P ú b lic a d e 1 9 0 4 , com ju risd i­
ção re s trita ao D is tr ito F e d e ra i e sob o c o m a n d o d a v e lh a in im ig a , a
D e fe to , e n o rm e s e num erosos e ra m o s re g u la m e n to s e as p o stu ra s
»_79
sa n itá ria s, e se p o r tais a trib u to s se m e d e m a in flu ên cia d o h ig ien ism o e o
F in a lm e n te , receio q u e as p eriodizações (in e v ita v e lm e n te a rb itrá ria s,
p o d e r m édico re s ta , e n tã o , po u c a m a rg e m p a ra d iv erg ên cia, po is ap en as o
a lg u m a s m a is, o u tra s m enos) in tro d u z id a s p elo s estu d io so s n u m a h istó ria
R e g u la m e n to d e 1 9 2 0 do D e p a rta m e n to N a c io n a l d e Saúde P ú b lic a ti­
q u e resiste a se r de sp o ja d a d e s u a p ró p ria te m p o ra lid a d e a c a b a m p o r p r o ­
n h a exatos 1 .1 9 5 a rtig o s.77 E sta a b u n d a n te e d e ta lh a d íssim a p ro d u ç ã o
d uzir u m a e q u iv o c a d a im pressão d e q u e tu d o co m eça realmente a p e n a s no
leg islativ a, u m a pecu liarid ad e nacional já g lo s a d a p e lo visconde d e U r u ­
p erío d o selecionado p a r a e s tu d o , q u e h á se m p re a lg o n o v o e in u sita d o
g u a i, n ã o d eix aria d e tra z e r in q u ietação , ta is e ra m su a a b ra n g ê n c ia e os
ocorrendo, q u ase u m esquem a evolutivo no q u a i a m ed icin a o u o higienism o
rig o re s a n u n c ia d o s.78 E n tre ta n to o p ro b le m a a in d a e ra o q u e já fo ra no
e stão p e rm a n e n te m e n te m u d a n d o d e p a ta m a r o u d e e stág io a desp eito
Im p é rio a p ó s 1 8 5 1 : com o im p le m e n ta r os re g u la m e n to s san itário s, o n d e
d o s “desvios” d a história.. A lte ra ria seus m o d elo s d e an álise dízer-Ihes q u e
b u sc a r v o n ta d e pana fazê-lo. E , n a p rim e ira d é c a d a re p u b lic a n a , com o
e m 1 9 3 4 re g istra ra m -se n o D is trito F e d e ra l escassas 2 0 m a tríc u la s no
curso d e H ig ie n e e S aúde P ú b lic a , não m ais d o q u e 7 1 e m to d o o B rasil?
7-iIdem , ibidem , p . 57 e 59- Q u e p o r essa m e s m a época, e n ã o o b s ta n te a m ito lo g ia c o n s tru íd a em
75D a d o s coligidos p o r Sylvia D am az/o m ostram q u e dos 1331 co rtiços ("estalagens” o a ta ­
to m o d o D r. N in a R o d rig u es, a m e d ic in a le g a l e r a u m a m e ra seção e os
b ela apresentada) contabilizados na cidade e m 1 8 8 8 apenas 2 1 % exibiam “m ás condições
higiênicas". Id em , ib id em , p . 173. O s exageros dos higienistas n ã o passavam despercebidos m édicos le g ista s, o bscuros b u ro c ra ta s das d elegacias policiais? É razoável
ao govem o.
su p o r q u e n o p ra z o d e u m século (d ig am o s, d e 18 2 2 a 1 9 2 2 ) a in trin c a d a
”C om caríssimas exceções trata-se de um a literatura m ais d e ênfases do q u e de argum entos, para
usar a observação d e Borges em um ensaio que bem poderia te r neste contexto o títu lo parodia­ tra m a d a h istó ria te n h a sido enriquecida com in ú m ero s episódios su rp re e n ­
do p a r a “Lasupem iciasa.éticadelíZ»W r“. Discussión. Buenos Aires: Emecé Editores, 1964 p 39 -
d e n te s e q u e se u de sen v o lv im en to te n h a sido tru n c a d o e m u m a o u o u tra
43-
^D ecreto n° 3987 d e 2 de janeiro de 1920.
7,D e feto, foi o Executivo quem organizou o D epartam ento Nacional de Saúde Públicaeelaborou
seu Regulam ento p a r autorização legislativa, um velho hábito d o Im pério q u e a República 39D ecreto a ° 51 5 6 d e 8 d e m arço à s 19 0 4 — R egulam ento dos serviços sanitários a cargo da
reproduzia. União, a. q u e se refere o decreto; e.. 5 1 5 6 , desta data.
c e n a p o r d esc o n tln u id a d e s e ru p tu ra s q u e, n ã o o b s ta n te ojrisson q u e ins­ n a com a C âm ara e com o Senado, m a s ta m b é m , e so b re tu d o , com a m a ­
tig a m n o a u d itó rio , revelam -se, no final d a s c o n ta s, p e q u e n o s incidentes g is tra tu ra e com as a u to rid a d e s policiais. O s ím p e to s d e sp ó tico s d a A ca­
n u m in fin d á v e l e n re d o q u e pouco m u d a a c a d a geração d e n a rra d o re s. d e m ia , sua indisfarçável inclinação repressiva não e n c o n tra ria m resso n ân ­
Receio q u e n este s e n a d o as periodizações e n c e rram p re m a tu ra m e n te o cias no lib eral Im p ério d o B rasil com su a M o n a rq u ia co n stitu c io n a l, p o r
Mníida d o p a ssa d o . m e n o s clássicos o u canônicos q u e te n h a m sido o liberalism o e o regim e
Isso p o s to , reto rn o ao Im pério deixando ainda e m ab erto m in h a n a rra ­ p a rla m e n ta r d a ép oca. N e m p o d e ria m os m édicos, im p u n e m e n te , res­
tiv a d a R epública. p o n sab ilizar p o r suas frustrações o “p a tro n a to ” e a “m á v o n ta d e de a lg u ­
m a s ju s tiç a s o rd in á ria s ” e m fa z e r v a le r o s r e g u la m e n to s s a n itá rio s ,
acu san d o -as d e “to m a r a si a á rd u a tarefa d e absolver os crim inosos”.81
VI Leve-se em co n ra qu e a m a g is tra tu ra e sta v a p o r dem ais o c u p a d a em la m ­
b e r suas p ró p rias feridas, infligidas p e ia reform a d e 1842 d o C ódigo do
 in fle x ib ilid a d e d a e lite m é d ic a q u e d o m in a v a a A c a d e m ia Im p e ria l de Processo C rim inal, e m a l curadas p e la refo rm a ju d iciária d e 1 8 7 1 , e q u e o
M e d ic in a ex p lic a m u ito d o fracasso do p ro je to m é d ic o d e p a rtic ip a ç ã o P o d e r Judiciário era, de fato , u m p o d e r im p o te n te m a s e x tre m a m e n te
n o c o n d o m ín io d o p o d e r, m a s h á o u tra s razões q u e d e v e m s e r le m b ra ­ ressen tid o . N e sta s condições, reivindicar u m Ju ízo especial a d m in istrad o
d a s . C re io q u e s. p rim e ira e a m ais fa c ilm e n te id e n tific á v e l fo i a carência p o r m édicos, à feição d a an tig a F isicatura, era excessiva provocação.82 Creio
d e re c u rso s c o m b in a d a c o m o d e sin te re sse do E sta d o p e la s q u e s tõ e s de razoável a trib u ir p a rte desses exageros à fa lta de experiência com os m e ­
s a ú d e p ú b lic a . Se os g a s to s g o v e rn a m e n ta is c o n s titu e m u m ra z o á v e l in ­ canism os e processos d e g o v ern o . E m p a rtic u la r, a rep resen tação m édica
d ic a d o r, a s a ú d e p ú b lic a o c u p o u o ú ltim o lu g a r n a s p rio rid a d e s d o g o ­ n a C âm a ra e no Senado sem p re fo i red u zid a, m ais a in d a se c o m p arad a
v e rn o c e n tra l: e x c e tu a d o o ano d e 1 8 8 9 , q u a n d o o d isp ê n d io c o m a r u ­ com a do s m a g istra d o s e a d o s ad v o g ad o s. R aros, assim , os m édicos que
b r ic a r e p r e s e n to u a p r o x im a d a m e n te 1 1 ,3 % d a d e s p e s a g lo b a l, o n o d e se m p e n h o d e u m m a n d a d o eletivo p u d e ra m , n o a te n d im e n to a
p e r c e n tu a l fico u p o r v o lta d e 1 ,4 % em m é d ia no p e río d o 1 8 8 0 -1 8 8 8 .80 d e m a n d a s diferenciadas dos eleitores o u das clientelas p o líticas, afrouxar
V isto s d e u m o u tr o â n g u lo , estes n ú m e ro s sig n ificam q u e a m o n ta g e m , os vínculos com os interesses exclusivam ente profissionais. D a fo rm a com o
a p a r t i r d e 1 8 5 1 , d e u m a p a ra to b u ro c rá tic o p a r a lid a r c o m as q u e stõ e s fizeram o s m é d ico s-d ep u tad o s d a Terceira R epública francesa, pressiona­
d a sa ú d e p ú b lic a (a J u n t a C e n tra l d e H ig ie n e e su a s su cesso ras), as c o n ­ d o s e n tre os interesses dos v iticu lto res e a c a m p a n h a m éd ica c o n tra o
tínuas. reform as, e sucessivos re g u la m e n to s sa n itá rio s p o d e m te r tid o , alcoolism o.83
e v e n tu a lm e n te , com© ú nico efeito sig n ificativ o o a u m e n to n a fo lh a de A crescento ain d a ao rol d e sta s razoes as dificuldades d e a rtic u la r u m a
sa lá rio s d o g o v e rn o . id eo lo g ia e u m p ro g ra m a hig ien istas so b a liderança d e clínicos, os quais
C reio q u e u m a s e g u n d a razão p a ra o fracasso d o p ro je to m éd ico te n h a
sido a p o s tu ra d e p e rm a n e n te confronto d a A cad em ia Im p e ria l d e M edici­
mAnnaes de Medicina Brasiliense, 4° an n a, vol. 4 , a . 12, junho de 1849, p . 2 7 9 .
82Nem m esm o ° Executivo jamais cogitou de ressuscitar u m tal ju íz o . O u m eihon houve uma
u m a exceção registrada no Relatório do M inistério da Justiça de 1837: ‘Ju lg o tam bem que
Ricfjard G rah am , o p. ck., p . 368. Sob o item de saúde pública G raínun incluiu despesas com: h u m Ju ry Med.co he indispensável nas principais Capitaes das Províncias...”, etc., etc., afirmava
o In s titu to Vacínico, coattole d e epidem ias, o serviço de saúde dos po rto s, instituições para o m inistro Gustavo Adolfo de Aguilar Pantoja. Relatório da Repartição dos Negocies da Justiça
leprosos e mendigos, e gastos gerais com higiene pública. A excepcronaífdade d o ano de 1889 é apresentado a Assembleia Geral Legislativa na sessão ordinária de 1837, p 3 5
atrib u íd a aos program as d e socorro a províncias do N ordeste atingidas p o r um a das mais T í- S ' S h 1? ^ ‘«»«-Legislators o f Eance: Medicine and Politícsin the Early Third Republic,
severas secas. 1870-1914. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.
co n stitu ía m a a b so lu ta m aioria dos m édicos d o Im p é rio . N o s E sta d o s U n i­ h a v e ria e n tr e seus colegas d a A cad ém ie. E e ste é p re c isa m e n te o p o n to .
d o s, F ran ça, In g la te rra e A le m a n h a , h ig ien istas e clínicos c o m p u n h a m , M as h á alg o m ais n este e x e m p lo , p o rq u e o q u e d is tin g u ia d o D r. L e fo rt os
com o re g ra , g ru p o s d istin to s e não fo ra m raro s os co n flito s e n tre eles. seus colegas brasileiros e o q u e to rn a v a n o tá v e l o “d e sp o tism o m é d ic o ” de
C u ra r o d o e n te e p re v e n ir a d o en ça su b su m e m éticas, filosofias, co n cep ­ nossos clínicos doubtés d e h ig ie n ista s e ra p re c isa m e n te e s ta a m b ig ü id a d e :
ções etio ló g icas e estra té g ia s o p erativ as su fic ie n te m e n te d istin ta s, q u a n d o p reserv ar B e rn a rd o P ereira d e V asconcelos, fazen d o seg red o d e su a sífilis,
não irreconciliáveis, p a ra d ific u lta r su a articulação so b re u m a m e sm a base m a s im p o r à p o p u la ç ã o m ais p o b re e a o s escravos a vacinação b raço a
in stitu c io n a l. A p e n a s p a ra exem plificar, ie m b re -se q u e a m e d ic in a clínica bra ç o c o n tra a varíola.86
o p e ra v a (e a in d a op era) sob a lógica d o livre m ercad o d e serviços profis­ O b se rv e -se , a d ic io n a lm e n te , a p re o c u p a ç ã o v irtu a lm e n te ex clu siv a
sionais, a “m ed icin a social” o u “p ú b lic a ” sob a é g id e d a in te rv e n ç ã o do d o s m é d ic o s d a C o rte com a p re v e n ç ã o d a fe b re a m a re la , d o c ó le ra e d a
E sta d o .84 H á a í u m a n ta g o n ism o rad icai q u e irra d ia d ilem as insolúveis v a río la , u m a v isão e x c e p c io n a lm e n te se le tiv a te n d o e m v is ta o s e stra g o s
p a ra o u tro s â m b ito s d a ativ id a d e m éd ica, inclusive p a ra o é tic o . D o u u m q u e , e n tr e o u tr a s d o e n ç a s, a sífilis e a tu b e rc u lo s e c a u sa v a m n a p o p u la ­
ex em p lo : e n tr e 1 8 7 4 , d a ta d a in tro d u ç ã o n a A le m a n h a d a vacinação çã o . E s ta h a v ia sid o n a E u ro p a u m a ên fase d o século X V I I I , p o is os
o b rig a tó ria c o n tra a varíola, e 1 9 0 4 , d a ta d e su a in tro d u ç ã o n a F rança, p ro g ra m a s h ig ie n ista s d o século se g u in te e ra m m u ito m a is a b ra n g e n te s ;
m o rre ra m d a d o e n ç a cerca d e 10 m il franceses p o r a n o . A c o n ra d a s v íti­ e co m a re v o lu ç ã o in d u s tria i in c o rp o ra ra m u m a v isão n itid a m e n te re fo r­
m as fa ta is d a tu b e rc u lo se foi sig n ificativ am en te m aio r, a té q u e e m 1 9 0 4 m is ta d a s co n d iç õ e s só cio -eco n ô m icas d e n tr o d a co n cep ção d e q u e a
to rn o u -se co m p u lsó ria p o r lei a notificação d o s casos. N ã o o b s ta n te esta s p o b re z a g e ra v a a d o e n ç a (n ã o o in v e rso , co m o q u e ria m n o sso s clínicos-
dfiras n e g ra s, afirm av a o D r. L éon L efo rt aos seus colegas d a A cad ém ie d e h ig ie n is ta s ).87 O ra , a in d a m e sm o se m in d ú s tria , o Im p é rio b ra sile iro não
M édecine d e P aris q u e “d a m e sm a fo rm a co m o n in g u é m te m o d ire ito , e s ta v a fa lto d e m isé ria e d o e n ç a ; m a s so b e s te a sp e c to a A c a d e m ia I m p e ­
c o n tra m in h a v o n ta d e , d e b a tiz a r m e u filho n a convicção d e salv ar-lh e a ria l d e M e d ic in a tin h a su a s ó b v ia s lim ita ç õ e s e c o n s tra n g im e n to s . C om o
alm a, n in g u é m te m o d ire ito , c o n tra m in h a v o n ta d e , d e v a d n á -lo c o m o e n tid a d e oficial, p e r m a n e n te m e n te s o b a “p ro te ç ã o d o T ro n o ” e d ele
p ro p ó sito d e p ro te g e r-lh e o c o rp o ” .85 P ara o D r . L e fo rt, u m a legislação d e p e n d e n te , fa lta v a -lh e â n im o p a ra a p o n ta r a n e g lig ê n c ia d o g o v e rn o , e
q u e in tro d u z isse a vacinação c o m p u lsó ria seria “u m severo g o lp e n a lib e r­ e la n u n c a o fez. D e u m a fo rm a o u d e o u tr a o b te v e in e g á v e l sucesso em
d a d e in d iv id u a l”, e com ele a p a re n te m e n te c o n c o rd a ra m seus co leg as, o e rra d ic a r d e s e u p r o g r a m a h ig ie n is ta a p o b re z a e a s d o e n ç a s m a is co -
p a rla m e n to , a sociedade, a F ra n ç a d a T erceira R e p ú b lic a . Q u a n to à n o tifi­
cação d e casos d e tu b ercu lo se, o s m édicos d a A c a d é m ie sim p le sm e n te re ­
esN i o h á q u a lq u e r sentido m etafórico nesta oposição, ainda q u e d a possa, t e r algum significado
cu sav am -se a ro m p e r a relação d e confiança com seus c lie n te s e x p o n d o - sim bólico. Com o suspeitaram aígu n s m édicos d a época, a vacinação aorivariólica braço a braço
d e 6 to facilitava a transm issão da. sífilis. Sidney C halhoub, o p . cit., p p . 1 1 6 -1 2 5 . D esde os
os, c o n tra s u a v o n ta d e , ao o p ró b rio d a revelação p ú b lic a d e d o e n ç a s
a n ts cfe 1 8 3 0 a vacinação era obrigatória paca crianças.
e stig m a riz a n te s. M as o D r. L e fo rt não e ra u m h ig ie n ista , e p o u c o s deles 87Edwin. C hadw ick, ex-secretário d e B e n th a m , a ssn m m a Liderança d o m o v im e n to sanitaris-
ta a p a rtir d e 1 8 3 4 com o p a rte de seu trab a lh o n a Boor Law C om m ission. N a A lem anha,
R udolf V irchow “was coro m ited to a political ideal th a t th e p o o r a n d th e oppressed should
n o t hav e t o w a it fo r heaven fo r th e ir rew ards; a h ealth fu l ex istence sho u ld be a rig h t o f
ftN o s Estados U nidos o s clínicos opunham -se a projetos dos higienistas com o arg u m en to de
citizenship i n th is life [~ .} ln th is co n te x t th e role o f th e physician sho u ld be as ‘th e n a tu ra l
q u e perdiam clientela p a ra os serviços de saúde pública. A questão de fundo era, obviam ente,
a tto rn e y o f th e p o o r'”, E lizabeth Fee e D o ro th y Porter, “P u b lic h e alth , p re v en tiv e m edicine
a dos lim ites da ação do Estado. Starr, op. cit., p p . 180-189.
a n d professionalization: E ngland a n d A m erica in th e n in e te e n th c en tu ry ”, em A ndrew W ear
ssÁilan M itchelL "Bourgeois Liberalism and Public H ealth: A Franco-G erm an Com parison”, em
(edX Medicine in Society: Historical Essays. C am bridge: C a m b rid g e U niv ersity Press, 1 9 9 2 , p.
Ju rg e n K ocka e A llan M itchell (eds), o p. cit., 356-360.
251
m u n s n a m a ssa d a p o p u la ç ã o , p e lo m e sm o m o d o a b o lin d o d ele a escra­ q u estio n á v e l m e sm o p a ra os critérios d a época;9* n a p e n ú ria d e recursos
v id ã o e suas se q ü e la s m édicas. nu n ca foi so co rrid a com a ju d a oficial,92 e n e m m esm o os m édicos d a v a m -
F in a lm e n te , é b o m le m b ra r q u e p e la ótica d a A c a d e m ia Im p e ria l d e lh e a im p o rtâ n c ia d e que se ju lg a v a m ereced o ra: “o E stad o de to rp o r em
M edicina e do s seus sócios efetivos os lim ites do Im p é rio m a l ch e g a v a m às q u e v e g e ta a A cadem ia Im p e ria l de M edicina”, c o n sta ta v a e ra 1848 um

fím b rias d a C o rte , às paró q u ia s su b u rb a n a s. E , d e fa to , o B rasil foi desco­ desolado re d a to r d o s Annaes, “é, e m v e rd a d e , u m a tris te re a lid a d e ” ;93

b e rto pelo higienism o apenas nas p rim e ira s d u a s décadas do século X X .88 q u a to rz e anos depois diria o D r. J o b im q u e a A c a d e m ia “com o e stá ou

A q u i as com parações são inevitáveis. O s h ig ien istas d a A cad ém ie Royale te m E sta d o a té ag o ra , não vale o q u e com e, não vaie os 2 :0 0 0 $ q u e o
E stad o lh e d á , p o rq u e passam -se anos e anos q u e n ã o se v ê reu n irem -se
d e M édeeine, o orig in ai o ito c e n tista d a c ó p ia brasileira, n a d a te ria m o b ti­
senão q u a tro o u seis m em b ro s, q u a n d o m u ito , q u e , ap e z a r d e se u zelo,
d o sem a. a m p la rede d e oficiais d a ad m in istra ç ã o real, os intenãerüs e seus
p o u co o u n a d a p o d e m fazer”.94 A d e riu à R epública c o m d e sp u d o ra d a p re s­
d e le g a d o s, q u e se esten d ia p o r to d a s as províncias francesas;89 e n o século
teza (m u d a n d o o nom e p a ra A cadem ia N a c io n a l d e M edicina) e tã o inglória
X I X p u d e ra m se a p o ia r no officiat de santé. N a Itá lia , a in d a u m a sociedade
q u a n to fo ra su a g u e rra aos h o m e o p a ta s foi sua b a ta lh a c o n tra os espíritas
a g rá ria , p o b re , fra g m e n ta d a e o c u p a d a p o r p o tê n c ia s e stra n g e ira s, e ra o
no novo re g im e .95 E , com o te m e ra C ruz Jo b im n o s idos d e 1 8 5 0 , as so iu -
v a sto n u m e ro d e m a l-re m u n e rad o s mediei condotti, e m p re g a d o s p elas m u ­
n icipalidades e m re g im e tem p o rário d e tra b a lh o , q u e re sp o n d ia pela.ques­ 91Em 1846 consultava o govem o a Academia sobre: “a) um as capsulas gelatinosas do Sr. Blanc,
tione sanitaria e p o r v o lta d e 1 8 7 6 c o n stitu ía m 4 9 % d e to d o o c o n tin g e n te objeto de fabricação para a qual o Sr. Blanc requeria u m privilégio; b ) duas m em órias do Sr.
D r. Faivre, um a sobre as aguas thermaes de Caldas N ovas, ou tra sobre a m orphea ou elephantiasis
m édico d o p a ís.90 O ra , as faculdades d o Rio de Ja n e iro e d a B ahia e ra m dos G regos; c) um a representação de G erm ano C onstant, ao q u al, p o r determ inação da camara
in cap azes d e su p rir a carência d e m édicos, e o s apelos d o D r. J o b im p e la m unicipal, se negava n o m atadouro publico a com pra de sangue de boi para m eio de refinação
do assucar; d) a efficada do guano no tratam e n to da elephantiasis dos G regos”. Annaes de
criação d e escolas provinciais não c o n se g u ira m ven cer o velh o a rg u m e n to Medicina Brasiliense, vol. 2 , n ° 2 , julho de 1846 (“Relatoriodos trabalhos da Academia Im perial
d o excesso d e d ip lo m a d o s, a v e tu s ta defesa d a distinção co n fe rid a p e io d i­ de M edicina fido na sessão publica annual em 30 de jun h o d e 18 46").
92Para se te r um a idéia do escasso prestígio da Academia aos olhos do govem o, um carregam ento
p lo m a . de assacu (nr) foi enviado pelo presidente da provinda do Pará a pedido dos acadêm icos para
exame d e su a eficáda contra a “elephantiasis dos Gregos”. A conta de 96$ foi cobrada pelo
Ministério do Im pério nos seguintes term os: “... H á S .M J. p o r bem q u e a Academia entre com
a referida quantia para o thesouro nacional.” A resposta da Academia: “... e sendo assim julga
V il q u e nem é justo que a Academia pague p o r objetos que ella soliidtou do Govem o, não para seu
uso particular, m as para o fim d e poder satisfazer a um a consulta d ’este e para u m objeto de
Utilidade e serviço publico; e m uito mais p o r não ter ella fiindos consignados para estas despesas,
m al chegando a consignação annual que tem para as despesas ordinarias.” O M inistério term inou
F eitas to d a s a c o n ta s, o sta tu s d a A cad em ia Im p e ria l d e M edicina foi, d e
p o r assum ir a despesa. Annaes de Medicina Brasiliense, 4 o anno, voL 4 , n . 1 0, abril de 1849, P-
fa to , m u lto m a is m o d e sto d o q u e p re te n d e m fazer cre r seus cro n ista s e 2 7 5 -Alfredo N ascim ento, o p .cit., narra a epopéia da Academia em busca de um a sede, realizan­
do suas sessões até m esm o n a residência do D r. De-Símoot, seu perpétuo e fiel secretário.
histo riad o res. À s consultas q u e lh e fazia o g o v ern o e ra m d e relevância
99Annaes de Medicina Brasiliense, 4 o anno, vol. 4, n . 5, novembro de 1848, p . 104. Em 1844 a
Academia contava em seu quadro de sócios titulares com 38 nom es, entre médicos, cirurgiões e
farmacêuticos; em 1871, com 40, im acréscimo de 2 sóciosem. 27 anos. A inda em 1849 o secretário
53A história desta descoberta e de seus desdobram entos foi contada exem plarm ente p o r G il­ De-Sim oni não conseguia atinar com as razões pelas quais os jovens médicos não se inscreviam
b erto H ochm aa, A Era do Saneamento: A s Bases da Saúde Publica no Brasil. Rio d e Janeiro: Tese n a classe dos sócios adjuntos “onde poderiam vir a brilhai; e fazec conhecer seus talentos, e suas
de doutorado, IU PERJ, 1996. luzes". Annaes de Medicina Brasiliense, vol. 4 , n . 8 , fevereiro d e 1849, p . 1 7 6 .0 núm ero de sócios
^C aroline C . Hannaway, op. cít. está n o Abnanak Laemmert para os anos de 1844 e 1872.
30 Paolo Fraseani , “Betw een th e state a n d th e m arket: physicians in liberal Italy”, em M aria MReginaldo Fernandes, op. rit., p . 161.
Malatesta (ed), Society and Professions in 1860-1914■ Cam bridge: Cam bridge U niversity ^Ivonne M aggie, Bglações entre magia e poder no Brasil.. Rio de Janeiro: Arquivo N acional, 1992;
Press, 1995, pp.. 145-174. Emerson G ium belfi, O cuidado dos mortos... o p. cít.
ções d o s e n g en h eiro s, so b re tu d o n a v ira d a do século, te rm in a ria m p o r
im p o r aos m édicos u m desconfortável re g im e d e co n d o m ín io n a esfera d a
saú d e p ú b lic a , com. p o n d eráv eis d ú v id a s a resp eito d e q u e m e ra efetiva­
m e n te o síndico. O so n h o d o D r. C ru z J o b im , já tão fu g a z n o velh o re g i­
m e , o d e v er u m siste m a d e saúde in stitu íd o so b insp iração e g o v e rn o d o s
m éd ico s, e sfu m o u -se p o r in te iro n a R e p ú b lic a V elha n o d e s p e rta r d e u m a
m a g is tra tu ra re n o v a d a e revigorada p e la C o n stitu ição d e 1891» e com o a 5
d o Im p é rio ig u a lm e n te d e te rm in a d a e m não ced er à m e d ic in a u m c e n tí­
m e tro d e suas p re rro g a tiv a s. A d v o g ad o s e ju rista s, m a g is tra d o s e d e le g a ­ A maçonaria de Quincas, o Belo
d o s d e polícia (a m e sm a “classe rival”, a v e lh a judicocraeid) c o n tin u a ria m a
a sso m b ra r o esp írito d o velho, co m b ativ o e h o n ra d o D r . J o s é M a rtin s d a
C ruz Jo b im .

F o í u m a sessão tu m u ltu a d a a d e 19 de dezem bro d e 1871 d o In stitu to dos


A d v ogados B rasileiros, sob a presidência do E xm o. Sr. Conselheiro José To­
m á s N a b u c o d e A ra ú jo . Aliás, o tu m u lto ap enas p ro lo n g av a o d a sessão
a n te rio r d o dia 1 6 . D iscutia-se, acalo rad am en te, quais m ed id as deveria to ­
m a r o In s titu to c o n tra o Sr. D r. L opo D in iz C ordeiro, juiz su p len te d a 3 a
v a ra crim inal, o q u a l e ra acusado d e inom ináveis ofensas a alg u n s sócios
d u ra n te audiência n o foro.1 F alo u o conselheiro Áffonso Celso, ta m b é m o
D r. D u q u e -E stra d a Teixeira (u m d o s ofendidos), o s conselheiros L iberato e
R ay m u n d o l i m a e fa lo u o Sr. D r. J o a q u im N a b u c o . L evantou-se o D r. J o a ­
q u im N a b u c o (elegantíssim o no s e u paletot d e co rte inglês, os cabelos sim e­
tric a m e n te rep artid o s no alto d a aristocrática cabeça d e leão do norte, u m a
p u lse irin h a teim an d o e m aparecer sob o p u n h o d a cam isa)2 e, lim pando u m
im aginário p ig a rro , com eçou p o r le m b ra r aos e m in en tes colegas “q u e te m
p a ra si q u e o In s titu to é u m a m aço n aria d e h o n ra, e assen ta em certos
princípios d e d ig n id a d e profissional: a delicadeza, q u e fez com q u e a offensa

“O leitor acom panhará coda a confusão {encfo as atas d as sessões cie 16, 19 e 21 d e dezem bro de
1871 na Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros, Tomo V III, 1871-1880, p p . 20 2-214.
2“Q uando surgia, afastando u m reposteiro blasonado dos Viscondes d a Silva, alto, erecto, o olhar
m eio tem o, o bigode artisticam ente cofiado, ostentando os requintes da ultim a moda nos exageros
de u m incroyabk* Q uincas o Belo parecia u m avatar.” W anderíey Pinho, op. cit., p . 144. Sobre a
ptitseinnha, idera, ibidem , p - 318, n o ta 2 -
feita a u m d e seus m em bros im p o rta a offensa d e to d o s” e q u e , p o r isso, o legislação p á tr ia as q u estõ es ain d a não en c o n tra sse m solução, recorria-se
D r. Lopo B in iz “offendeu os deveres d e cavalheiro, d ia n te d e cada u m dos ao d ire ito ro m a n o p a ra as d e o rd em te m p o ra l d esd e q u e disso não resul­
advogados, v íctím as de seus atos”. E m ais: q u e... tasse "p ecad o ”, e ao direito canônico ta n to p a ra as d e o rd e m e sp iritu a l
M as o le ito r só fará sentido d a indignação dos cavalheiros aqui reunidos q u a n to p a ra aq u elas de o rd e m te m p o ra l q u e as “leis im p eriais” n ã o resol­
e dispostos a u m a ação disciplinar (de resto leg alm en te inexequível) co n tra viam sem “p e c a d o ” ; p ersistin d o dú v id as, p o d ia m os trib u n a is e os legistas
o D r. Lopo D in iz q u a n d o souberm os u m pouco m ais sobre o sistem a leg a l e se so co rrer prim eiro d a s G losas d e A c u rd o , e d e p o is d o s C o m e n tá rio s de
so b re a organização d a advocacia no Im pério. B árto lo , o s d o u to re s auto rizad o s p a ra in te rp re ta çã o do d ire ito ro m an o ;
falh an d o estes recursos, cab ia ao Rei em ú ltim a in stâ n c ia d a r a “in te rp re ­
tação a u tê n tic a d a lei”.
I N a s O rdenações M anuelinas g u ardou-se a h ie ra rq u ia d a s fo n tes, m as
com alterações im p o rta n te s: o direito canônico p assou a ser aplicado apenas
A lé m d a s O rdenações Filipinas, co n ju n to d e leis com piladas e sistem atiza­
nos trib u n ais eclesiásticos, dando-se prim azia ao direito rom ano p o rq u e fu n ­
d a s em 1603* o B rasil ta m b é m ad o tav a p e la C a rta d e Lei d e 2 0 de o u tu b ro
dado n a “b o a razão” — a razão ju sta o u razão n a tu ra l, aquela q u e conduzia
d e 18 2 3 u m v a sto e disperso corpo de disposições legais q u e ig u alm en te
à eq ü id ad e e às “soluções m ais h u m an as”; e os com entários d e A cursio e de
n ã o coubera n a s O rdenações anteriores, as ch am adas leis e x trav ag an tes.3
B ártolo seriam acatados apenas se a “opinião co m u m ” d o s d o u to re s, e n te n ­
A dem ais, e e ste é o p o n to principal, faziam p a rte d a heran ça a a n a rq u ia e o
d id a com o a d a “m aioria qualificada”, a eles não fosse co n trá ria . M as com o
caos ju risp n id en ciai q u e aco m p an h aram a h istó ria d o direito p o rtu g u ê s.4
d istin g u ir n a p rá tic a a opinio communis constituía m a té ria controversa e “h a ­
D e sd e p e lo m e n o s as O rd en açõ es A fonsinas, P o rtu g a l re c o rre u ao d i­
via regras u m pouco p a ra to d o s os gostos”.5 D e fato, as causas sub judice
re ito ro m a n o e ao d ire ito canônico p a r a p re e n c h e r as lacu n as d e se u in su ­
resolviam -se pelo arbítrio d o s juizes, ad o tan d o -se m a is ta rd e n a p rá tic a fo­
ficien te o rd e n a m e n to jurídico. O p re d o m ín io d e sta s d u a s fo n te s su b sid iá­
rense o critério d e to m a r a p ra x e o u jurisprudência do s trib u n a is superiores
rias d u ro u q u a s e seis séculos, a té p e lo m e n o s a re fo rm a d a U n iv ersid ad e
com o expressão d a “opinião co m u m ”, d a í o prestígio das obras q u e recolhiam
d e C o im b ra e d o s seus cursos jurídicos, o rd e n a d a p e lo m a rq u ê s d e P o m b a l
e co m en tav am ta l jurisprudência, la m b e m era controversa a in te rp re ta çã o
e m 1 7 7 2 . E , c o m efeito, h ouve é p o ca e m q u e o s le g ista s e o s trib u n a is
d a “b o a razão” com o critério d e recurso ao direito rom ano com o fo n te su b ­
re c o rria m m a is às “leís im periais” e aos “sa n to s cân o n es” d o q u e às leis d a
sidiária, e a lg u n s ju ristas su g eriam q u e , se o e n te n d im e n to e ra d e q u e
te r r a com o fo n te d e soluções p a r a os p ro b le m a s jurídicos c o m o s q u a is
to d o o Corpus luris Civilis fundava-se nesta boa razão, ela m e sm a p o d e ria ser
tin h a m d e se haver. A s O rdenações A fonsinas fix aram , e n tã o , u m a h ierar­
fonte subsidiária d e direito.
q u ia d e fo n te s d o d ire ito d e fo rm a a re a firm a r a p rec e d ê n cia d a s “leis do
Á s respostas a tais questões seriam fixadas não nas O rdenações Filipi­
R eino, estilos d a C o rte e co stu m es” sobre as d em a is; e se no â m b ito d a
nas, m as n a Lei de 18 d e agosto d e 1769 d u ra n te o consulado d o poderoso

5A s Ordenações Afonsinas, de 1446, e as O rdenações M anuelinas, de 1 5 2 1 .0 te rm o “extrava­


m a rq u ê s d e P o m b al. C onhecida com o a Leí d a B oa R azão, ela m a n tin h a a
g an te" vem d a expressão Decreiaksextra Decretum Gratiani vagantes, usada para indicar os cânones,
regras e princípios q n e não couberam na eompilação do ius ncvum da Igreja, isto é„ nas Decretais ’idem , ibidem , p . 2 7 4 . Á controvérsia girava em to m o dos critérios — quantitativ o ou q uali­
de Gregório D L d e 1234, da qual fora incum bido pelo m esm o G regório IX o m onge, legista e ta tiv o — para se determ inar o q u e form ava a opinio communis. A solução mais côm oda era a do
sa n to Graciano. critério num érico, m as tam bém a m enos satisfatória pela quantidade de regras aplicadas na
■*0 que segue é um a síntese m uito seletiva de pontos desenvolvidos p o r Guilherm e Braga da escolha das opiniões q u e entrariam n a constituição num érica da ‘'opinião com um ". Tam bém os
C ruz, O direita subsidiária na história do direitoportuguês. Coimbra: Faculdade de Letras d a Univer­ juizes confondiam-se nos casos em q u e com petiam pela sua preferência opiniões diferentes,
sidade de C oim bra/Instituto de Estudos H istó ria » D o u to r A ntonio de Vasconcelos, 1975- m as igualm ente qualificadas coroo “com uns”.
prim azia d a s “Leis n a d o n a is, estilos d a C o rte e co stu m es d o R eino”/ assegu­ © d o Reo, q u e se dev a e n te n d e r d e o u tro m o d o ”. M as reconhecendo q u e “a
rava ao direito ro m an o sua precedência com o fo n te su b sid iária d o direito, experiencia te m m o s tta d o q u e as sobreditas interpretações d o s A dvogados
m a s d e fin in d o © se n tid o em que a “b o a razão” seria critério p a r a selecionar consistem o rd in ariam en te em raciocínios frívolos, e o rd en ad o s m ais a im ­
do c o n ju n to d o C ódigo d e Jusriniano o q u e era servível. A g o ra , não era a p licar com sofism as as verdadeiras disposições das Leis, d o q u e a dem o n s­
“b o a razão” a razão justa o u n atu ral, m as a recta ratio, aq u e ia q u e a) encon- t r a r p o r ellas. a ju stiça das p a rte s”, estipulava a Lei d a B o a Razão severas
trava-se no direito n a tu ra l; b) a q u e se achava nas reg ras q u e alicerçavam o p en as p a ra os advogados q u e com etessem os “referidos a tte n ta d o s”, inclusi­
direito d a s g en tes o u direito internacional, p a ra o governo d e to d a s as n a ­ v e deg red o p a ra A n g o la . A ssim , u m dos propósitos d a Lei e ra o de precaver
ções civilizadas; c ) aq u e la “q u e se estabelece nas Leis P olíticas, E conom icas, “a s in terpretações abusivas, q u e o ffendem a M ag estad e d a s Leis, d e sa u -
M ercantis e M arítim as, q u e as m esm as N ações C hrlstãs te m p ro m u lg a d o thorizão a rep u tação dos M agistrados, e te m p erplexa a justiça d o s litig an ­
com m anifestas u tilid ad es, do soccego pu b lico ” . P ara identificação do s p re ­ tes, d e sorte q u e no direito , e dom ínio do s bens d o s Vassalos não p ossa h aver
ceitos do direito ro m an o fundados n a b o a razão, a reform a dos cursos jurídi­ aqueEa provável certeza, que só p o d e conservar e n tre eíles o publico soccego”.
cos d e 1772 introduziu, to d a u m a série d e princípios d e h e rm e n ê u tic a, m as N e ste p articu lar, e n tre ta n to , e a cre r n o s com entários d e ju ristas d a época, a
tã o reconhecidam ente laboriosos7 q u e se oferecia aos professores e e stu d a n ­ Lei não p ro d u z iu q u a lq u e r dos efeitos esperados: n e m e lim in o u a chicana
tes u m a reg ra prática: “Ind ag arão {os juristas} o U so M o d e rn o d a s m esm as e n tre os advogados n e m as in terp retaçõ es arbitrárias do s juizes. A “b o a ra­
Leis R o m a n a s en tre as sobreditas N ações, q u e boje h a b ita m a E u ro p a . E zão” não se m o stro u suficiente p a ra c o m p e n sa r a fe ita d e lei positiva. Seja
d escu b rin d o , q u e Elias se observam , e g u a rd a m ainda no te m p o presen te: com o for, q u a n d o d a instituição d o reg im e constitucional, o d ire ito rom ano
terão as m esm as Leis p o r applicaveis” .8 com o fo n te subsidiária já havia sido q u a se q u e in te ira m e n te su b stitu íd o em
F in a lm e n te ; a L ei d a B oa Razão autorizava a C asa d e Suplicação d e Lis­ P o rtu g a l pelas leis d a s “nações q u e hoje h a b ita m a E u ro p a ” — o código civil
boa, o m ais a lto trib u n a l p o rtu g u ês, a proferir assentos n o rm a tiv o s — a francês, o pru ssian o , o d a Á u stria e o d a Sardenha.
criar ju risp ru d ên cia — em determ inados casos, e n tre os q u a is aq u ele e m Isso p o sto , é im provável que ignorassem a origem do caos n a jurisprudência
q u e “a lg u n s d o s Juizes d a C ausa e n tra r e m d u v id a sobre m te ü ig e n d a d a s p o rtu g u esa os constituintes brasileiros q u e m andaram comissão à presença d e
Leis... m a s q u e ta m b é m se observe ig u a lm e n te o m e sm o , q u a n d o e n tre os D . Pedro I, solicitando-lhe q u e assinasse, aprovando-a, a C a rta d e L ei d e 2 0 de
A d v o g ad o s d o s litig a n te s se a g ita r a m esm a d u v id a ; p re te n d e n d o o d o o u tu b ro de 1 8 2 3 . B o a p a rte deles e ra d e bacharéis o u doutores form ados nos
A u th o r {da ação}, q u e a Lei se d ev a e n te n d e r d e h u m m o d o ; e p re te n d e n d o cursos jurídicos d e C oim bra. N ã o p o d ia m ig ualm ente ig n o ra r o s indesejáveis
reflexos d a desordem jurisprudência! n a adm inistração d a justiça, a té p o rq u e
* 0 costume deveria: e sta r em harm onia com a "boa razão”, não ser contrário a íei escrita (a Lei já haviam sobejam ente se m anifestado n a adm inistração colonial. D e s ta for­
b ania assim o costum e contra kgtm, adm itido nas Ordenações} e te rm a is d e cem anos. Estilo ê
o q u e se cham aria hoje direito adjetivo o» processual, acrescido da praxe ou usos d o foro.
m a , as diatribes dos liberais no período subseqüente à Independência, todas
7A s regras d e interpretação envolviam a comparação do direito rom ano com vários outros sistemas as denúncias d e arbitrariedade e d e corrupção nos tribunais devem ser relidas,
(o direito N atural; o D ivino, o das G entes, o Político, o Econômico, o M ercantil, o M arítimo), e
Eal confrontação “he obra de m uito trabalho; depende da Lição d e g ra n d e num ero d e Livros;
hoje, cum grano salis, d a m esm a form a com o devem ser to m ad as com as devi­
occupa po r m u ito tem p o os Professores; e se íãz superior à dilligenda. dos O uvintes”. d a s reservas afirm ações do cipo: “O espírito reform ista q u e persistiu e se es­
8Porque havia aquelas íeis rom anas que: a) eram visivelm ente incom patíveis com a boa razão; b )
não tinham razão algum a; c) atendiam apenas os interesses dos partidos e facções a q o e pertenciam
p raio u após a Independência in d u ta u m a fo rte oposição ao sistem a legal por­
os jurisconsultos que as form ularam ; d) atendiam apenas os costum es particulares dos rom anos; tu g u ê s com o u m to d o . N a m ed id a e m q u e aum entavam as dem andas p o r
e )n a d a tin h am e m com um com as Nações que habitavam a Europa, poE m anterem superstições
próprias dos rarnsaos; e ãaietramence alheias da “christianidade dos séculos q u e depois deües se
reform as, o s liberais brasileiros acaravam a falta d e m ud an ças no judiciário
seguirão”. colonial com críticas q u e iam d a corrupção dos m agistrados à n atu re z a pesada
e m o ro sa do edifício legal p o r inteiro.”9 Pois seria o caso d e se p e rg u n ta r peias (o T ítulo I d a P arte Terceira), com a g aran tia das liberdades individuais, nada
reform as que o s liberais, e os conservadores depois deles, pro m o v eram na acrescentava ao q u e o Príncipe R egente já .m andara fixar p o r C artas de lei e
e stru tu ra jurídica d o país. É certo q u e vieram o Código C rim inai e m 1830 e o Avisos.11 E tivem os em 1850 o Código Com erciai e seu processo, rigorosa­
d o Processo e m 1832, m as tratava-se a í de revogar o bárbaro liv r o V das m en te a única peça notável de direito q u e resistia em to d o o século X IX , um a
O rdenações Filipinas com sua procissão d e horrores, principalm ente n a p a rte façanha dos nossos juristas.
processual;10 e onde o Código C rim inal m ais correspondia ao espírito liberal N o âm bito das relações entre os cidadãos, esfera do direito civil, e naquele
das relações en tre os cidadãos e o E stado, esfera do direito adm inistrativo,
9Thom as FloryjudgeandJury h>ImperialBrazil, 1808-1871: Social Controland PoliticalStability m perm aneceu lastim ável estado de confusão jurisprudendai. N a introdução à sua
she N un State . A ustin: University o f Texas Press, 1981, p . 36. Como a m aioria dos historiadores e
cientistas sociais, estrangeiros e brasileiros, qu e escreveram sobre o Brasil d o século X IX , Flory
nem de longe dá indicações de que considera relevante para a com preensão d o Estado e da 11Por exemplo, a C arta de Lei de 23 de m aio de 1821, o Aviso d e 28 de agosto de 1822 e a Carta

sociedade im periais a m a análise, po r sucinta que seja, da m oldura jurídica d o país. Se não po r de Lei de 2 3 de setem bro de 1828. A prim eira dessas leis é u m belo docum ento de garantia dos
outras razões, &negligência surpreende tendo em vista a recomendação de Wfeber d e que, em bo­ direitos individuais contra o arbítrio e merece a transcrição de seusprincipais pontos: “E constando-
ra possa n ã o lhe interessar o conteúdo teórico d e um a norm a legal, “the sociologist... will norm ally m e que alguns Governadores, Juizes Criminais e Magistrados, violando o sagrado depósito da
sta rt from th e observation th a t 'factual' powers o f com m and usually claim to exist ‘by virtue o f jurisdição que se lhes confiou, m andam prender p o r m ero arbítrio, e antes de culpa formada,
law '. I t is exactly for th is reason th a t the sociologist cannot help operating w ith th e conceptual pretextando denúncias em segredo, suspeitas veem entes e outros m otivos horrorosos à hum ani­
operations of law". M ax Weber, op. clt., v. 3 ,1 9 6 8 , p . 94 8 . Por outro Sado, o sm a is autorizados dade, para im punem ente conservar em masmorras, vergados sob o peso dos ferros, hom ens que
weberianistas tê m insistido na importância da sociologia do direito de W éber para a compreensão se congregaram p o r os bens que lhes oferecera a instituição das sociedades civis, o primeiro dos
d e sua sociologia d a dominação. Schluchter recomenda m esm o q u e a segunda seja lida em cone­ quais é sem dúvida a segurança individual; E sendo do m eu prim eiro dever e desempenho de
xão com a p rimeira e , de fato, põe em prática a recomendação cora excelentes resultados. W olfgang m inha palavra o prom over o m ais austero respeito à lei e antecipar q u a n to se possa os benefícios
Schluchter, The Rise sfVCístem Rationalism: M ax Weber's DevelopmentalHistory. Berkeley: University de um a Constituição liberal; Hei po r bem excitar pela m aneira m ais eficaz e rigorosa a observân­
o f California Press, 1981, p p. 85-86. Talvez valha a pena acrescentar q u e as m ais recentes e cia da sobremencionada legislação, amptiando-a e ordenando, como p o r esse D ecreto ordeno: I o)
interessantes revisões da sociologia da dom inação de W eber têm adotado com o pon to de partida Q u e desde sua data em diante nenhum a pessoa livre no Brasil possa jam ais ser presa sem otdem
exatam ente sua sociologia do direito. Ver, entre outros, G ary G. H am ilton, “Patriarchalism in p o r escrito do juiz ou m agistratura crimina! do território exceto som ente o caso de flagrante
Im perial China and W estern Europe: A Revision o f W ebers Sociology o f D om inance". Theory delito, era q u e qualquer do povo pode prender o delinquente; 2 °)Q u e nenhum juiz ou magistrado
and Society, v. 13, a® 3 , m aio de 1984, 393-425', G ary G. H am ilton e J o h n R. S utton, “T he criminal possa expedir ordem de prisão sem proceder culpa formada p o r inquirição sum ária de
Problem o f Control in. th e W eak State: D om ination in th e U nited States, 1880-1920". Theory três testem unhas, duas das quais jurem contestes, assim o feto e m lei expressa seja declarado
and Society,v. 18/1, janeiro d e 1989,1-46; Joachim J . Savelsberg, ““Law T h a t D oes N o t Fit Society: culposo, como a designação individual do culpado; escrevendo sem pre sentença ínterlocutória
Sentencing Guidelines as a Neoclassical Reaction to th e D ilem m as o f Substantivized Law”, que o obrigue à prisão e livramento, a qual se guardará em segtedo a té q u e possa verificar-se do
AmericanJournal ofSociology, v. 9 7, n° 5, março d e 1992, pp. 1.346-1.381. qu e assim tiver sido pronunciado delinqüente; 3o) Q u e quando se acharem presos os qu e assim
t£0 Código C riminal m antinha procedimentos bárbaros. O ritual da aplicação da pena d e m orte forem indiciados criminosos, se lhe faça im ediatam ente e sucessivamente o processo, q u e deve
p o r enforcamento- n ão diferia m uito daquela a q u e o despotismo português subm etera Tiradentes: findar dentro de quarenta e oito horas perem ptórias, improrrogáveis, e contadas do m om ento da
‘A rt. 4 0 . 0 réo. com o seu vestido ordinário, e preso, será conduzido pelas ruas m ais publicas até prisão, prinapiando-se sem pre que possa ser p o r confrontação dos réus com as testem unhas que
a forca, acom panhado do Ju iz Criminal do lugar, aonde estiver, com o seu Escrivão, e da força os culparem, para assim fecilitar os meios de justa defesa, q u e a n inguém se deve dificultar ou
m ilitar, q u e se requisitar. Ao acom panham ento precederá o Porteiro, lendo e m voz a lta a se n tença tolher, excetuando-se p o r o ra as disposições deste parágrafo os casos q u e , provados, merecerem
q u e se for executar; Are. 4 2 . O s corpos dos enforcados serão entreguesa seus parentes ou amigos...; p o r as Leis do Reino pena d e m orte, acerca dos quais se procederá infalivelmente nos term os dos
m as não poderão entesral-os com pom pa, sob pen a de prisão p o r u m m ez a u m a o n o “. Incluídos §§ 1° e 2 “ do Alvará d e 31 d e março de 187 2 ; 4°) Q u e em caso nenhum , possa alguém ser
a o repertório d o Código estavam as penas de banim ento (A rt. 50. “... q u e privará para sem pre os lançado em segredo ou masmorra estreita, escura, ou iafecta, pois a prisão deve só servir para
réos doa direitos, de cidadão brasileiro, e os inhibirá perpetuam ente de h a b ita r o tem to rio do guardar as pessoas e nunca as adoecer e flagelar; ficando im plicitam ente abolido para sem pre o
Im pério”), d e g^Iês (A rt. 44. "... sujeitará os réos a andarem com calceta n o pé, e corrente de uso d e correntes, algemas, grilhões e outros quaisquer ferros inventados para martirizar homens
feno, juntos o u separados...”), de degredo e de desterro. Dizia o A rt. 6 0 : “Se o réo for escravo, e ainda não julgados a sofrer qualquer pena aflitiva p o r sentença final; entendendo-se, todavia, que
incorrer e m pena,, q u e não seja a capital, ou de galés, será condem nado na de açoutes, e depois de os juizes e m agistrados criminais poderão conservar p o r algum tem po, em casos gravíssimos,
os soffrer, será entregue a seu senhor, q u e se obrigará a trazei-lo com u m ferro, pelo tem po, e incomunicáveis os delinqüentes, contanto que seja em casas arejadas e cômodas e nunca m anie­
m aneira q u e o Juiz designar. O num ero de açoutes será fixado n a sentença; e o escravo não tados ou sofrendo qualquer espécie de torm ento; 5°) Determ ino, finalm ente, que a contraven­
poderá levar p o r dia. m ais d e cincoenta.” Finalm ente, o A rt. 53: “O s condem nados á galés, á ção, legalm ente provada, das disposições do presente D ecreto, seja irremissivelmente punida
prisão com trabalho,, ã prisão simples, a degredo ou a desterro, ficam privados do exercieio dos com o perdim ento do em prego e inabilidade p e rp étu a para qualquer outro em q u e haja exercício
direitos politicos de cidadão brazileiro, em quanto durarem os effeitos da condem nação.” d e jurisdição.”
Consolidação das leis civis observava Teixeira d e Freitas q u e , ainda q u e fosse pos­ N o â m b ito dos litígios e n tre o s p articu lares e a adm inistração e sta ta l, o
sível — e não o era — considerar o Livro XV das O rdenações Filipinas com o d o c h a m a d o contencioso ad m in istrativ o , a situação n ã o e ra m e lh o r: “um
nosso código civil, “estaríam os ainda assim envolvidos n a im m ensa ceia das Leis verdadeiro caos , afirm ava o visconde de XJruguai, “n o q u a l a in d a não pen e­
extravagantes, que se têm acum ulado no decurso de m ais d e dois séculos e tro u u m só raio d e luz”. E c o n tin u av a: “M u i p o ucos são os p o n to s definidos
m eto”.12 E havia mais;: o recurso freqüente aos direitos rom ano e canônico, o e fixados, não direi em leis, m as em reg u lam en to s(...) N o s casos q u e nascem
arbírrio fom entado p e k L e i d a Boa Razão, o subsídio dos estilos e costum es, d a aplicação d a s atribuições adm inistrativas do s M inistros d e E stad o , e dos
“tu d o concorreu, paxaque os nossosJuristas carregassem suas O bras de P residentes d e P ro v in d a , e das circunstâncias q u e revestem os m esm o s ca­
estranhos, ultrapassando mesmo as raias dos rasos omissos. A s cousas te m chegado sos, é e x tra o rd in á ria e n tre nós a coofusão(„.) (Q u a n to à legislação) quase
a tal p o n to , q u e m enos se conhece, e estuda, nosso D ireito pelas leis, q u e o n a d a te m sido feito nessa p a rte . O s arestos não tê m c aráter e n a tu re z a p ró ­
constituem ; d o que pelos Praxistas que as invadiram ”. M as Trix^tra d e Freitas p ria, n ã o fixam princípios claros; são as m ais das vêzes ta n g e n te s p a r a esca­
sabiit quão indispensáveis eram em meio a esse caos as obras dos praxistas, visto p a r a u m a dificuldade, adiando u m a solução d a ra e franca. N ã o estão coligidos
que p ara a m aioria dos advogados e juizes era impossível o acesso ao texto origi­ e classificados. M u ita s soluções n e m estão im pressas. N ã o h á p ro p ria m e n te
nal d e dispersas e seculares leis extravagantes o u às raríssim as compilações que p rá tic a e ju risp ru d ên cia ad m in istrativ a.”15
se fizeram delas Sabei ele tam b ém que apenas u m a ínfim a fração deles podia Creio q u e a g o ra fica razoavelm ente clara a razão o u razões p e la s quais
dispensar as lições dos praxistas, e que m esm o dentro d a elite dos “jurisconsultos” nos trib u n a is o s processos esten d iam -se p o r longos prazos à c u s ta d e recur-
poucos seriam capazes d e prosseguir p o r sí sós n a elucidação de com plicadas sos e apelações in terp o sto s p elas p a rte s. O ad v o g ad o h á b il o u experiente
questões de exegese jurisprudencial.14 p o d ia sem p re e n c o n tra r u m co stu m e esquecido n o te m p o , u m a filigrana
processual au to riz a d a p o r a n tig o s estilos e praxes do foro, u m a in te rp re ta ­
u A ugusto Teixeira d e Eoeítas, Consolidação das leis civis. Rio d e Ja n e iro : Ja c in tb o Ribeiro dos
ção avalizada p o r este o u aq u ele prax ista, à q u a l o adversário p o d e ria con­
Santos, Q u in ta Edição, 1915, p p . xxv-xxvi. A prim eira edição é de 1S58.
I50 próprio Teixeira d e S e ita s adaptou às necessidades d o foro brasileiro obras d e praxistas p o rtu ­ tra p o r a abalizada opm ião e m co n trário d e a lg u m o u tro p ra x ista . E m ú ltim a
gueses, quando n ã o utilizou ele próprio suas lições nas causas q u e defendeu. Ver, p o r exemplo, suas
analise, tra ta v a m d e u tilizar o s recursos disponíveis p a r a g a n h a r a causa
“tasões d e appeiação” o a m d o s casos mais rumorosos n o foro da C orte em “Causa Celebre”, Revista
do Instituto dosAdvogados Bam&iras, Anno II, Tomo II, el° 4„ outubro/novem bro de 186 3 ,1 4 1 -1 6 2 . p a ra o d ie n te e receber os correspondentes honorários sem d e m asiad a p re o -
E ntre as obras adaptadas. A s Primeiros Linhas Sobre o Processo CivilporJoaquimJosé Caetano Pereira e
cupaçao com u m a e tic a profissional nebulosa. Se os liberais ch am av am a
Souza, Advogado da Casa da Suplicação — Accommodadas ao FSro do Brasil, até o armo de 1877, por
AaptíSo Tkòzira de Freitas, advogado na Corte do Rio deJaneira. Rio d e jan e iro : B. L. G am ier, 1880. isso d e chicana , associando tais p ráticas com os m ales d a h era n ç a colonial,
KA este respeito, as notas que o mesmo Teixeira de Freitas acrescentou ao corpo d e sua Consolidação,
o s cien tistas sociais nao tê m p o r q u e d ar-lh es o seu aval com o faz F lo ry ao
e e m particular suas réplicas aos comentários de A ntonio Pereira Rebouças, constituem u m exce­
lente repertório destas complicações hermenêuticas e das divergências entre os juristas. Sobre os descrever o foro d a C o rte co m o u m “bazar judicial”.16 A té p o rq u e não se
costum es com o fonte d e dEreito tanto quanto sobre as confiisõesno foro, u m caso exemplar: Teixeira
tr a ta d e pecu liarid ad e d a h istó ria brasileira.
d e Freitas afirmava q u e o costum e de embargar exmjudiciaEmente u m a obra atirando-lhe pedras
— perjactam lapida — estava e m desuso; A ntonio Rebouças discorda: “N ão ê tão exacto, como se N a s colônias am erican as os ad v o g a d o s n ã o g o zav am d e b o m conceito,
poderia crer d a N ota exposta, q u e não está mais em uso: esse direito porquanto: D e facto proprio
e a s restrições p e rsistira m p o r razoável te m p o após a in d e p e n d ê n c ia. TS-
sabemos, q u e , estando-se a íkexx p o r parte da Alfândega desta Capita! do Im pério um a sova o tua,
que prejudicava ao trapiche a ella iramediato, foi essa obra. em bargada symbolíeamente po r parte
da proprietária do visinho trapiche, lançando-se-lhe tres pequenas pedras perante testem unhas, de “ Visconde d e Usugun!,Emawsah?âdirei[o administrativo. Rio d e Janeiro: M inistério d a Justiça,
que assim a m esm a nova ©bea ficava embargada .... Participou-se dessa occoaencia ao Im peetor da 1 960, p . 1 0 4 . A p n m e u a edição ê d e 1 862. Aproveitei tam b ém da leitura d e Nvrno Pinheiro
Alfândega, que então era. om Jurista notável po r sua iRustragão; e, apresentando-se eüe, um a vez d e A ndrade, “O Contencioso A dm inistrativo: Teve Elle U m a O rganização Regular?”. Revista
informado tk> occotkio, acceáeti, respeitando o facto pelo direito. Effectuado o em bargo symboíico, do Instituto Historko e Geograpbxe Brasileiro, Tbmo EspedaJ, Parte III, 1916, p p . 6 6 3 -6 9 1 .
foi ao depois, ratificada, ou feito judiciai, peio competente Ju iz Municipal, e teve d e seguir seu “ O p . cit., p . 3 8 . Flory usa e abusa do testem unho de viajantes estrangeiros d e passagem pela
termos legais.” Teixeira, d e Freitas aceitou o reparo. Qmsolsiação, op. cit., nota 2 , p p . 472-473. C orte.
' .

160 t! E D M U N D O CAM POS C O E L H O

nham . -s. ver, e m p rim eiro iu g a r, com as resistências religiosas ao litíg io servava L edfòrd q u e p a ra o m in istro é s J u s tiç a d e Frederico IX, J o h a n n
co m o fc rm a d e resolução d e d isp u ta s e n tre p a rtic u la re s .17 O s advogados H e in ric h C assirer C arm er, “se o verdadeiro d e v e r d o s ad v o g ad o s e ra b u s­
eram . tid o s p e lo s m inistros calvinistas, p re sb ite ria n o s, b a tista s o u c o n g re - c a r a verdade, não im p o rta n d o a q u a l caso ta l p ro c u ra aju d a o u preju d ica;
gaciom stas co m o in stig ad o res d e discórdia, e, a p a re n te m e n te sob su a ins­ e não escondê-la o u m ascará-ia se eía c o n tra ria os interesses do cliente,
p ira ç ã o , as leis de várias colônias penalizavam as pessoas “tu rb u le n ta s e e n tão a relação básica e n tre ad v o g ad o , c lien te e trib u n a l d ev eria se r m u ­
litigiosas” q u e iniciavam processos “v erg o n h o so s”.18 A ênfase religiosa n a d a d a ”.20 Isso significou a extinção d a advocacia privada, e m 1781 e a su b s­
h a rm o n ia c o m u n itá ria privilegiava a m ediação e o a rb itra m e n to co m o for­ titu ição dos advogados p o r “conselheiros a ssisten tes’'', q u e e ra m fu n c io n á ­
m a s de solução d e conflitos. M esm o após a in d e p e n d ê n c ia os ad v o g ad o s rios públicos.21 T ratava-se d e u ra p e rm a n e n te esforço- p a r a s u b m e te r os
e ra m visto s co m reservas, p a rtic u la rm e n te p o rq u e a advocacia e o s tr ib u ­ advogados p articulares ao co n tro le do E sta d o , su p o sta m e n te in ib in d o o
n ais e sta v a m fre q ü e n te m e n te envolvidos com a c o b ra n ç a d e d é b ito s e p rin cip al estím ulo ao litígio e n tre os cidadãos. N a Icãlia a h o stilid a d e vo l­
im p o sto s; a té n a lite ra tu ra in fa n til sua im a g e m e ra a d e u m a “ocupação ta v a -se c o n tra osstrascinafaccende(p ro m o to res e p ro lo n g a d o re s d e litígios),
p a ra sitá ria ” .19 N a P rússia c o n sta q u e a razão s u p o s ta m e n te a p re se n ta d a co n tra os spicciafaccende (acusados d e n eg o ciar c o m o s funcionários ju d i­
pelo re t F rederico G u ilh e rm e I p a ra a p ro m u lg a ç ã o d e u m a lei exigindo ciais a conclusão dos casos) e, fin alm en te, c o n tra os faccendierit in te rm e ­
d o s ad v o g ad o s p artic u la res u m vestuário p e c u lia r e ra d e q u e “assim to d o s diários que agenciavam clientes p a ra os ad v o g ad o s.22
p o d e m rec o n h e c er os chicanistas d e lo n g e e p ro te g e re m -s e d eles”; e o b ­ Seja com o for, e exceção fe ita aos lib e ra is e n tre 18 2 7 e 1 8 3 7 e aos
histo riad o res e c ie n tista s sociais d e fin ais d o século X X , n ã o e n c o n tre i
q u a lq u e r e v id ên cia m a is só lid a d e h o s tilid a d e c o n tra o s a d v o g a d o s
,7B ruee A K im b a ll, o p. cit., especialm entecap. 3 -N u m estudo sobre a advocacia na M aryland
colonial cwatro a u to r observou que aí “a hostilidade [com relação aos advogados] era m o d era­ brasileiros no p e río d o p ó s-in d e p e n d ê n c ia . A e lite d o s b ac h a ré is, to d a ­
da e n u n ca a tin g iu a ferocidade indisferçadam ente m anifesta e m o u tras colonias”. A iao E
v ia , n ã o esteve im u n e a p re c o n c e ito s c o n tra os co leg as d e m e n o r d is tin ­
Day, “Law yers ira C olonial M aryland, 1 6 6 0 -1 7 1 5 ". American Journal o f Legal History, 17,
1973, p . 161.. Paia o período seguinte G a ry B. N ash , “T he Philadelphia B ench an d Bar, ção, n ã o fosse e la ta m b é m lib e ra i e m p ro p o rç ã o co n sid e rá v e l d e seus
180Q -I8âl'*. ComparativaSiudies m Society and History, v. V II, n . 2 , janeiro de 1 9 6 5 , especial­
m e m b ro s. N o e n ta n to p a re c e te r havido n o p e río d o c o lo n ia l razo áv el
m en te p p . 2 0 9 -2 1 2 .
^Ktmhalí,, o p . cit-, p p . 87-88. dose d e ho stilid ad e d o s co lo n o s com relação à m a g is tra tu ra , ao q u e tu d o
19ídem , ibidem» p p . 110-11. Aparentem ente em todos os idiomas a literatura do séc. X IX não
indica p o r boas razoes. N o Im p é rio , todavia, e sta resistência tra n sfo rm o u -
condescende seja. com a ambigüidade m oral q u e o leigo ou o hom em com um vislum bra na
advocacia sejja com seus critérios de excelência. E m um texto ironicam ente intitulado ‘A lgo se a p a r tir d a abdicação d e P ed ro I em c a m p a n h a d o E x ecu tiv o c o n tra o
so b re os; a d vogados em g eral. M inhas in g ên u a s e in co m p e te n te s presunções”, escreveu
Ju d ic iá rio . E co m o , a lé m d o corpo d e leis, o s trib u n a is c o n s titu e m o
Dostoievsky;. “Parece-m e que, falando genericam ente, é difícil para um advogado evitar a falsi­
dade e preservar a honestidade e a consciência assim com o o é para qu alq u er indivíduo alcançar o u tro p a râ m e tro d a a tiv id a d e d o s a d v o g a d o s v ale a p e n a d e d ic a r a lg u ­
o Estado paradisíaco. D e feto, tem os tido a oportunidade de ouvir d e advogados nos tribunais o
m a s lin h as a ta is escaram u ças.
virtual juram ento — ao se dirigirem aos jurados — de q u e tom aram a defesa do cliente po r
estarem convictos de sua inocência. E quando se ouvem tais juram entos a mais desagradável
suspeita, qu e de im ediato e inevitavelm ente irrom pe na m ente é: ‘M uito bem , e se ele está
m entihdò e agsndo assim apenas po r dinheiro?’ E, de feto, com freqüência fica provado em
seguida, q u e o cliente, defendido com tanto ardor, é com pleta e indiscutivelm ente culpado." F.
M . Dostoievsky, Diary o f a Writer. Nova York: G eorge Braziller, 1954, p . 21 3 (m iaha tradução),
D e M eíriJle o leitor se lem brará do patrão do patético Bartieby, o pequeno advogado, o burguês “ Ledford, op. cit., p p . 32-33.
d e sentim entos convencionais. H erm an Melville, Bartleby, The Scrivener: A Story ofW all Street. 31 Esta mudança não vingou, restaurando-se a advocacia privada em 1783-
N ova Yòtk::Sim©n& Schuster Editions, 1997. A C ourtofC hancery ocupa u m espaço central na “ Adrian Lyttelton, "The m iddle class in liberal Italy", em Jo h n A . D avis e Paul G insborg (eds.),
Londres d e D-iclaens q u e traça dos seus juizes e advogados u m perfil pouco recomendável. Charles Society and Politics tn the Age o f Risorgbnenvo. Essays m Honour o f Dennis Mack Smith. Cambridge:
Dickens, B kak House. N ova York: W W! N orton, 1985. Cambridge University Press, 1991, p. 23 7 .
II d ú v id a s inum eráveis", dizia e m se u relató rio d e 1857 o m in istro d a Ju stiç a
(o m esm íssim o N a b u c o d e A raújo), o c u p a d o com o sem p re estav a com as
P ela C o n stitu iç ã o d e 1 8 2 4 e ra a trib u iç ã o d o L e g islativ o fa z e r as leis, “questões p o líh cas o u com plexas”; e ta m b é m p o rq u e su a existência era tra n ­
in te rp re tá -la s, su sp en d ê-las e revogá-las (a rt. 15, n° V IU ); ta m b é m cabia- sitória, p o rq u e leis m terp re ta tiv a s d e m o ra ria m a se r fo rm u lad as e, final­
lhe velar n a g u a rd a d a C onstituição (a rt. 5°, n° 9)- A o Executivo ca b ia , além m e n te , p o rq u e ex istia a herm enêutica p a r a revelar as intenções d o legisla­
d e no m ear, rem over, p ro m o v e r e a p o se n ta r os juizes, ta m b é m ex p e d ir d e ­ d o r, fazen d o -se necessária a m anifestação d o C o rp o L egislarivo ap enas
c re to s, instruções e reg u lam en to s p a ra a boa execução d a lei (a rt. 102 § 12). “q u a n d o sua v o n ta d e não p o d e ser sabida”.24 E assim , afirm ava o m inistro,
O R eg u lam en to tí° 124 d e 5 de fevereiro d e 1845 d a v a ao C onselho d e o E xecutivo, “so b o im pério sucessivo d e tô d a s as opiniões políticas, com o
E sta d o (recriado p ela Lei d e 2 3 de n o vem bro d e 1 841) a atrib u ição d e assis­ assen tim en to d o s d em ais Poderes, te m exercido o direito d e in te rp re ta r as
tir o P oder M o d e ra d o r n a resolução d e conflitos en tre as a u to rid a d e s ad m i­ leis p o r via d e a u to rid a d e ”; o u p o rq u e “e n tre nós, co m o e m o u tro s países
n istrativ as e judiciárias, assim com o n a fe itu ra dos citad o s d ecreto s, re g u la ­ constitucionais, fre q u e n te s vezes o P oder Legislativo d e le g a ao Executivo a
m e n to s e instruções p a r a a boa execução d a s leis. A s Im p eriais R esoluções m issão d e desenvolver e co m p letar p o r m eio d e re g u la m e n to s o pen sam en ­
assim to m a d a s so b co n su lta ao C onselho d e E stado seriam execu tad as com o to do legislador” .25
q u a isq u e r sentenças judiciárias e p e la fo rm a com o elas o era m . Isso p o sto , nã o cab ia aos trib u n ais n e m q u e stio n a r a constitucionalidade
D e p e n d e n te d o E x e c u tiv o p a r a o b te r recu rso s e s u b o r d in a d o ao d a s leis n em in te rp re tá -las, m as tão-só aplicá-las aos casos ocorrentes e ain­
L egislativo, a a u to n o m ia d o Judiciário era u m a ficção. E assim qu eriam q u e d a assim ap enas no â m b ito d o s litígios e n tre os p articu lares. P orque não era
perm anecesse o s o u tro s dois poderes. D iz ia e m 1857 o conselheiro N a b u c o concebível q u e o s juizes se im iscuíssem nos litígios d o s p articu lares com o
d e A raú jo q u e o Executivo e o Judiciário e ra m poderes rivais; e sem p re foi E stado (p a r exem plo, e n tre o Fisco e o cidadão), o ch am ad o contencioso
e sta a com preensão q u e prevaleceu no Im p é rio . A in d a n o p e río d o regencial a d m in istrativ o : “se o s ato s d o governo forem subordinados aos juizes ord i­
Feijó, m in istro d a Ju stiç a , queixava-se d e q u e “ao G o v ern o co m p e te d irig ir nários, este s c o n stitu irão o verdadeiro governo e a adm in istração , sacrifi­
D e c re to s, R eg u lam en to s e Instruções a d e q u ad o s á b o a execução d a s le is ; can d o p o rv e n tu ra o b e m publico ao p articu lar, e gu ian d o -se p o r apreciações
m a s q u a lq u e r h o m e m lhe d isp u ta a in te lig e n tia delias; o M a g istra d o se e stra n h a s e m orosas”.20
a rro g a esse diceiro; fo rm am -se duvidas, reais o u ap a re n te s; e o G o v e rn o é D u a s conseqüências resu ltav am d a p rá tic a leg iferan te do E xecutivo. A
m e ro espectador dessa confusão {„.J C ad a J u iz e n te n d e a L ei e ju lg a com o p rim e ira é q u e juizes, delegados d e polícia, presidentes d e Relação congestio­
lh e convem ; e o G o v ern o , q u e é o p rin cip al e x ecu to r d e la , n e m ao m en o s navam o s m inistérios e o C onselho d e E stado com sucessivas consultas a
p o d e fixar sua inteligência p a ra exigir a s u a execução. Á A ssem bleia com pe­ respeito d a aplicação d a lei in te rp re ta d a p o r avisos, resoluções, reg u lam en -
te p ô r te rm o a e s ta colisão, e declarar o d ire ito d o G o v ern o firm a r a inteli­
g ên c ia d a s Leis, pelo m en o s e n q u a n to o P o d er L egislativo n ã o in te rp re tá -la s ^'íran scríto Joaquim N abuco, o p -d t-, vol. I, p . 2 8 1 .
z ídem , ibidem , p . 2 8 0 .
díversam en te “.2i T odavia o Legislativo ja m a is exerceu su a a trib u ição consti­ 3 Voto do m arquês d e São Vicente na sessão de 21 de fevereiro de 1 8 7 4 do Conselho d e Estado.
tu c io n a l d e in te rp re ta r as leis. P o r quê? Ver Im periais resoluções tom adas sobre consulta da Seção d e Justiça do Conselho de Estado,
desde o anno d e 1842, em q u e começou a ?uaccionar o m esm o Conselho, a té hoje, colligidas pelo
P o rq u e o C orpo Legislativo não d isp u n h a d e te m p o p a r a d ecid ir “essas bacharel José Ptospero j enovah da Silva Coroa tá . Rio de Janeiro: B. L. Garnier, vol. II, 1884, p.
1 6 8 8 .0 Conse&o deliberou se podia z Cia. Soro cabana entrar com recurso arbitrai no Juizo dos
Feitos da Fazenda para contrapor-se a a to d o presidende da Província de São Paulo. Decidiram os
3 R elatório d a Repartição dos Negócios da Justiça apresentado à Assem bléia G eral Legislativa conselheiros q u e se tratava de contencioso adm inistrativo e que,, p ortanto, não cabia ao Judiciá­
n a sessão ordinária, dfc 18 3 2 , p p . 13-14. rio questionar o ato do presidente da província.
cos e circulares não raras vezes inconsistentes q u a n d o não co n trad itó rio s tu cío n al e os estadistas tão h a b itu ad o s a ig n o rá -la q u e , neste p o n to , o o b stá ­
e n tre si. A C ircular de 7 d e fevereiro de 1 8 5 6 , do M inistério d a Ju stiç a , culo era m ais ap aren te do q u e reaL O óbice verdadeiro foram as resistências
tinha, o p ro p ó sito m enos de regular, p a ra e v ita r abusos, os p ro ced im en to s d o s políticos cujas preferências e ra m , definitivam ente, p o r u m ju d iciário
do Executivo n a interpretação das leis do q u e de c o n te r a e n x u rra d a de dócil à “herm en êu tica” do p a rtid o no poder.29 A té a proclam ação d a R epú­
co n su ltas q u e a ele chegava dos tribunais de to d a s as províncias; e ta n to era blica a com petência d o Suprem o perm aneceria lim ita d a à concessão d e re­
assim q u e no m esm o d ia 7 o Aviso n° 7 0 , dirigido ao P resid en te d a P ro v in ­ vistas, p o d e n d o as Relações revisoras decidir as causas com o se n a d a h o u ­
d a d o Rio de Ja n e iro , insistia p a ra qu e “cesse o abuso q u e co m etem m u ita s vesse ocorrido nas o u tra s instancias.
A u to rid ad es judiciárias deixando d e decidir os casos co rren tes, e su jeitando- T udo isso refietia-se n a advocacia, m as a in d a não e ra tu d o , N a F rança,
o s c o m o dú v id as à decisão do G overno Im p e ria l”; e n o dia seg u in te o Aviso n a P rússia e n a A lem an h a unificada, n a In g la te rra e nos E stad o s U nidos, os
n° 7 4 , dirigido a g o ra ao Presidente d a Província do P iauí, reafirm ava q u e juizes sem pre foram a m ed id a p e la q u a l o s advogados m e d ia m sua pró p ria
“não é lícito ao Ju iz dem o rar a adm inistração d a Ju stiç a á esp era d a decisão e s ta tu ra . Q u a n to m ais alco o prestígio do Judiciário, m ais a advocacia foren­
d o G o v em o Im p erial, q u e não te m com petência p a ra decidir casos p e n d e n ­ se buscava preservá-lo preservando o u elevando a si m esm a. A té p o rq u e em
tes e sujeitos ao P oder Judiciário”.27 Estas co n su ltas n u n c a cessaram , e p a ra países com o In g la te rra e E stad o s U n id o s o bench recrutava n o bar. Q u an d o
a in teligência d a Lei n° 2 0 3 3 d e 2 8 de setem bro de 1871 (a d a re fo rm a do após a G u e rra Civil a m anipulação d a s cortes d e justiça p elas m áquinas
ju d ic iá rio ) m ais de u m a c e n ten a d e avisos fo ram p u b licados. E m 1 8 8 8 a in ­ políticas nas g ran d es cidades to m o u a d im ensão d e u m escândalo, a reação
d a e sta v a o Executivo instruindo o Judiciário ao cen su rar o Su p rem o T ribu­ d o s advogados am ericanos foi im ed iata, refletindo-se n u m a excepcional p ro ­
nal d e J u s tiç a e as dem ais cortes d e justiça p e la falta de fu n d a m e n ta ç ão nas liferação de associações p o r todo o país, à fren te com o m o d elo a A ssociatíon
revistas concedidas e nas sentenças.28 A se g u n d a conseqüência d a atividade o f th e B ar o f the Q t y o f N e w 5í>rk fu n d a d a em 18 7 0 .30 N a F ra n ç a do ancien
h e rm e n ê u tic a g o v ern am en tal era que, ao co n trário do qu e afirm ara o conse­ regime, a Ordre, a d espeito d o s conflitos com a nobreza e n c astelad a nos
lheiro N a b u c o d e A raújo, não se uniform izava a jurisprudência. Pelo con­ parlements, desafiava o p o d e r d a M o n a rq u ia A b so lu ta (até m esm o com p a ra ­
trá rio , o caos jurisprudencial agravava-se, visto q u e as in te rp re ta çõ e s ofere­ lisações) p a ra defen d er a tradição d e ind ep en d ên cia d o Ju d ic iá rio , q u e a si
cidas p e lo Executivo eram tão p erm a n e n te s q u a n to o s g a b in e te s q u e se m e sm o considerava com o “u m feeio a u tô n o m o às ações do m onarca” e o
sucediam .
E m s u a prim eira passagem pelo governo, no g a b in e te d a Conciliação ^Jo aq u im N abuco gastaria to d o o seu arsenal de sofism as e todas as suas habilidades literárias
presidido p eio m a rq u ê s de P a ra n á (6 d e setem b ro d e 1853 a 4 d e m aio d e para justificar a inconstância e a inconsistência p a tern a nesta questão: “M ais tard e terem os
ocasião de ju lg a r detidam ente essa dualidade d e concepção q u e fez com q u e N ab u co , o defensor
1 857), N a b u c o d e A raújo quis atrib u ir ao Suprem o T rib u n al d e Ju stiç a a e pa tro n o d a independência e predom ínio da m agistratura, seja o m aio r interp retad o r da lei
co m p e tê n c ia p a ra decidir em ú ltim a instância as causas e m q u e concedesse p o r aviso, o subjugador à ortodoxia m inisterial do> livre exam e dos m agistrados, p o r últim o o
aposentador e principal sustentador das aposentadorias forçadas dos juizes vitalícios”. O p . cit.,
revista. P o r esca fo rm a po d eria o T ribunal uniform izar a ju risp ru d ên cia, a te ­ vol. X, p . 122. N abuco de A raujo proposers d ar ao Suprem o Tribunal de Justiça a competência
n u a n d o o caos rein an te. H avia, e n tre ta n to , dois obstáculos: u m , a C onsti­ p a ra firm ar jurisprudência, mas resistia eux Incluir no seu pro jeto d e refotm a do Judiciário a
incom patibilidade da m agistratu ra para as eleições legislativas. Seria perigoso, dizia ele, sufo­
tu ição , q u e d e term in av a fossem as Relações trib u n a is d e ú ltim a in s tâ n d a . car as aspirações políticas da m agistratura.. Jo sé M urilo de Carvalho desenvolve um a excelente
M a s & C a rta d e 18 2 4 e ra tão flexível na definição d o q u e e ra m a té ria consti- exposição sobre o peso da m agistratura n a C âm ara e sobre a votação do projeto q u e finalm ente
estabeleceu a incom patibilidade. Ver o seu l-Á construção da ordem. ll-Teatro de sombras. Rio de
jan e iro : Editora U FEJ/R elum e D um ará, 1996, p p . 159-165-
27A Circular de 7 de fevereiro de 1856 era dirigida a todos os presidentes de província e está ^T erence C . Halliday e Bruce G . C arruthers, "M aking th e Courts Safe for th e Powerful: the
reproduzida em Jo aq u im N abuco, op. cit., vol. I, pp. 2 8 3 -2 8 4 . Com mercial Stimulus for ju d icial A utonom y in Reforms o fth e U nited States’ B ankruptcy Law”,
»Aviso d ° 83 — ju stiç a — E ra 17 de dezembro de 1888. e ra Terence C. Halliday e Lncien K arpik (ids), o p . cit., p p . 270-271.
p rin c ip a l su ste n tá c u lo d e u m a ju stiça im parcial.51 N a A le m a n h a o e ru d ito razoavelm ente se possão m a n te r”. E não havendo e m q u a lq u e r lu g a r Procu­
ju rista do E stad o , o m ag istrad o severo, solene e poderoso e ra o m o d e lo e m u ­ radores d o n ú m e ro “p o d erá p ro c u ra r q u e m quizer, sem as d itas Provisões,
lado pelos ad v o g ad o s particulares. sendo pessoa id ô n ea, e a q u e p e r nossas O rdenações, o u p e r D ireito com m um
N o Im p ério do Brasil, e n tre ta n to , u m J u d id á rio in e rm e , d e p e n d e n te e não seja defeso” .
su b o rd in a d o fez p a r c o m um a a d v o c a d a forense d e s titu íd a d e b rilh o e d e  o rg an ização d a advocacia no B rasil após a In d e p e n d ê n c ia se g u iu
h o n ra . m u ito d e p e rto a d a p o rtu g u e sa .33 H a v ia , e m p rim e iro lu g a r, o bach arel
e m d ire ito fo rm a d o em C o im b ra e , a p a r tir d e 1 8 2 7 , nas escolas d e São
P au lo e O lin d a (depois, Recife). O d ip lo m a e r a su ficien te p a r a o exercício
Ifl d a advocacia, disp e n sa n d o exam es e licenças e p o d e n d o o b ac h a re l p r o tu -
r a r e m q u a l q u e r d o s tr ib u n a is . V in h a m e m s e g u id a o s a d v o g a d o s
A s O rdenações Filipinas d istin g u ia m p recisam en te q u e m p o d ia , e o n d e ,
pro v isio n ad o s, aq u e le s q u e , não te n d o g ra u s acadêm icos das escolas de
procurar o u a d v o g a r nos Reinos.32 H a v ia e m p rim e iro lu g a r o s L etra d o s, d ire ita , s u b m e tia m -s e a exam es teóricos e p rá tic o s d e ju risp ru d ê n c ia p e ­
“ho m e n s d e b o a fa m a e consciência”, com o ito anos d e e stu d o s d e D ire ito
lo s p re sid e n te s d o s trib u n a is d a R elação. P o d iam p ro c u ra r ap e n a s nos tr i­
Canônico o u C ivii cursados n a U n iv ersid ad e d e C o im b ra, e só a eles era b u n a is d e I a in stâ n c ia e nos lu g a re s o n d e n ã o houvesse ad v o g a d o fo rm ad o
p e rm itid o p ro c u ra r o a C asa d e Suplicação d e L isboa, o n d e seriam e m n ú ­ o u o s h ouvesse e m n ú m e ro insuficiente para. o b o m a n d a m e n to d a justiça.
m ero d e q u a re n ta . P ara p ro c u ra r n a C asa d o P o rto exigia-se ta m b é m o d i­ F in a lm e n te h a v ia o s solicitadores, sem d ip lo m a com o os provisionados,
p lo m a d e C oim bra, dispensando-se, to d av ia, os rigorosos exam es a q u e e ra m q u e s u b m e tia m -se p elos juizes d e d ire ito a ex am es a p e n a s so b re a p rá tic a
su b m e tid o s o s L etrad o s. A lém desses, “os q u e forem g ra d u a d o s p e r exam e, d o processo. T an to s estes q u a n to os ad v o g ad o s pro v isio n ad o s necessita­
e tiverem o te m p o d e oito annos, p o d erão pro c u ra r n a s correições, C idades,
v a m re q u e re r renovação d e suas licenças o u provisões n o p ra z o d e dois a
Villas e lu g a re s d e nossos R einos e S enhorios, sem p a r a elio te re m necessida­ q u a tm anos.
d e d e licença, m o stra n d o aos J u lg a d o re s as C artas d e seus g rá o s, e c ertid ão
E ra essa a e s tru tu ra básica. N a p rática, interesses os m ais diversos cria­
a u th e n tic a d o s cursos. P orém , nas correições, o u alçadas, q u e m a n d a rm o s v a m desvios q u e os repetidos avisos m inisteriais e ra m incapazes d e corrigir.
p e lo R eino, o n d e h o u v e r certo n u m e ro d e P rocuradores, não p o d e rã o p ro ­ P residentes d e Relação concediam núm ero exag erad o d e provisões, presi­
c u ra r sem n o ssa licença”. F inalm ente havia aqueles q u e , não p o ssu in d o g ra u s d e n te s d e p ro v ín cia usurpavam a atribuição d e concedê-las o u e ra m as p ro -
acadêm icos, su b m e tia m -se a exam es p elo s D e se m b a rg a d o res d o P aço e q u e ,
u m a vez ap ro v ad o s, recebiam suas C a rta s, “havendo p rim e iro inform ação
®A legislação é dispersa. Veja-se, en tretan to . Lei de 2 2 d e setem bro de 1828: 'Aos Presidentes
d e q u a n to s h á nas correições, C idades, o u Y iilas, p a r a o n d e p e d e m a s d ita s das Relações com pete conceder licença para q u e advogue hom em q u e oão he form ado nos
lugares o nde h o u v er feita d e Bacharéis form ados q u e exerção este officio, precedendo para isso
C artas, e d o s q u e são necessários: d e m an eira q u e n ã o sejão m a is d o q u e
exam e na sua presença” (§VTí a rt. 2 o}, D ecreto de 3 d e janeiro de 1833 — D á R egulam ento
para. as Relações d o Im pério. Pelo §5 do art. 7o com petia ao presidente d a Relação "conceder,
3,D av íd A . Beii, Lawyers and Ciim ns: The M aking o f a Rolitical Elite m Old Regime France. N o v a precedendo exam e, licença para q u e advogue hom em , q u e oão é form ado, nos lugares onde
\ó r k : O xford U aiversíty Press, 1994, especialm ente o prim eiro capítulo. O s parfements, dos houver feita d e Bacharéis formados, q u e exerçam este officio, e p a ra advogar em q ualquer
quais o m ais im p o rta n te era o Parhment de Paris, constituíam o ápice d o sistem a Judiciário iugaroscidadãos brazileíros formados, ou doutorados, e m U niversidades estrangeiras"; tam bém
francês n o século X V III e seus m agistrados eram recrutados n as cam adas superiores d a nobhsse o D ecreto n . 5 6 1 8 de 2 de m aio d e 1 8 7 4 — D á novo R egulam ento às Relações do Im pério, §§
de robe. 9 e 1 0 d o art- 14, e Cap. IV (“D o s Advogados provisionados e solicitadores”), a rt. 4 3 a 48;
^Ordenações e leis do Remo de Portugal'recopiladasper mandada dehei D. Filippe o Primeiro-, undécima Aviso n,013 9 0 — Ju stiça — Em 4 d e setem bro de 1875: “A faculdade conferida aos Presidentes
edição segunde a nana, Coimbra, 1824. Coimbra: N a Imprensa, da Universidade,. 1847,. liv r o I, das Relações, de concederem licença para advogar a m dividoos não form ados é dependente da
T ítu lo XLVUI. condição d e feita, d e Bacharéis, e cfe conveniência do serviço d a adm inistração da Justiça.”
visões concedidas p a ra lugares o n d e já e ra b a sta n te o n ú m ero d e bacha­ espécie.. P oúe o cego advogar? É co m p a tív e l o exercício d o lu g a r d e pároco
réis.54 O advogado provisionado po d ia iivrar-se d a inconveniência d a ren o ­ c o m o d a profissão de advogado e p ro c u ra d o r? 'É c o m p a tív e l o exercício d a
vação periódica d e su a licença p a g a n d o a tax a de 6 0 $ (em 1 841) pelo “e m ­ advocacia com o cargo de secretário d e província? U m in d iv íd u o suspenso
p reg o vitalício d e advogado não fo rm ad o ” o u provisão vitalícia, e te n d o p o r p ro n ú n c ia d o s em p reg o s d e c u ra d o r dos órfãos e g u a rd a -m o r d a s te r­
notório sab er e influentes relacionam entos po d eria o b te r d o governo a con­ ras m inerais dev e sê-lo d a profissão d e ad v o g a d o n ã o fo rm ad o ? E stá o
dição de d o u to r e m leis.35 Tudo isso provocava razoável g ra u d e incerteza, ad v o g ad o sujeito à disciplina judiciária? Pode a d v o g a r q u a n d o em exercí­
m e sm o e n tre o s p e rito s . N o p rim e iro d ia de se u fu n c io n a m e n to , os cio o su p le n te do ju iz su b stitu to ? 37 D e u m a fo rm a o u d e o u tra , to d a s estas
desem bargadores d a Relação de O uro P reto in d ag av am , indecisos, se as q u e stõ e s en v o lv iam d isp u ta s p o lític a s locais* decisões q u e c o n tra ria v am
provisões passadas pelo presidente d a província autorizavam a ad v o g ar p e ­ interesses e q u e , e m ú ltim a in stâ n c ia , solicitavam u m a in te rp re ta ç ã o a u ­
ra n te a Relação o u apenas n a I a instância, se o n ú m ero de provisionados to riz a d a e final. In te rp re ta çõ e s c o n tra d itó ria s n ã o e ra m in fre q u e n te s, e
m arcado p a ra a província pelo presid en te d a Relação d a C orte deveria ser u m a q u e stã o em pa rtic u la r, fu n d a m e n ta l p a t a a caracterização d a ad voca­
observado e se as provisões vitalícias im plicavam o direito de ad v o g ar em cia c o m o p ro fissão , não o b te v e re sp o sta defin itiv a: é a advocacia u m a
a m b as as instâncias.50 “in d u stria p riv a d a ” o u u m “oficio p ú b lic o ” ? E m 1 8 6 0 , c o n su lta d o o M i­
M as p a r a alé m dos “em p en h o s”, do favor p re sta d o a correligionário nistério; d a J u s tiç a pelo p re sid e n te d a província d o R io d e Ja n e iro se o juiz
o u am igo p o r via d e u m a provisão; p a ra além dos interesses q u e interferiam d e C abo Frio e ra c o m p e te n te p a r a “p ro c e ssa r co m o e m p re g a d o s públicos
n a a d m in istração d a justiça d a q u a l ad v o g ad o s e so licitadores e ra m p a rte não privilegiados” o s advogados q u e aco nselhavam c o n tr a as O rdenações
c o n s titu in te , h a v ia u m a a m p la m a rg e m de im precisão acerca d a p ró p ria e c o n tra & D ire ito expresso, re sp o n d e u -lh e o conselheiro c o n su lto r dos
n a tu re z a d a advocacia, particu larm en te sobre suas in c o m p atib ilid ad es com N e g o d o s d a J u s tiç a que, p o r exercerem u m a “in d u s tria p riv a d a ”, não es­
o exercício d e carg o s públicos, o q u e ta m b é m facilitava ab usos d e to d a tav am os ad v o g ad o s sujeitos ao a r t. 1 6 0 d o C ódigo C rim in a l.38 Ib d a v ia ,
em. 1 8 6 6 , a u m a co n su lta d o p re sid e n te d a p ro v ín c ia d e M in as G erais
34Aviso n ° 4 8 0 — Justiça — Em 25 de agosto de 1836 — A o Presidente da R eiaçãodo Rio de so b re se e stra n g e iro s p o d ia m ad v o g ar, re sp o n d e u o C onselho d e E stado
Jan eiro , restringindo as licenças para advogarem pessoas não formadas; Lei 111 d e 6 d e abril q u e o ad v o g ad o “é u m in te rp re te d o u trin a l d a s leis d o E stad o , u m a e n ti­
d e 1838 (Lei Mineira): “A rt. I o— O Presidente da Província é autorizado a prover os Advogados
n ã o formados d a m esm a m aneira p o r q u e faz o Presidente da Relação, poden d o conceder-lhes d a d e p u b lic a ...” e, m ais a in d a, q u e a profissão d e a d v o g a d o “na ad m in is­
que se habilitem p e ran te os Juizes de D ireito das respectivas Comarcas. A rt. 2 o — Ficam tra ç ã o d a ju stiç a não p ó d e se r classificada com o p u r a e a m p la profissão
revogadas as disposições em contrario”; Aviso n ° 160 — Justiça — Em 2 de m aio d e 1874 —
H avendo Bacharéis em num ero sufficiente, não se devera d ar novas licenças aos Advogados industrial, titu lo unico q u e po d eria favorecer o estra n g e iro ”.39 O R egim ento
provisionados.
35Lei n° 243 de 30 de novembro de 1841 — Fixa a Despesa e orça a Receita para o exercício F N a m esm a ordem das questões ver: Resolução de 4 de m arço de 1863 — Seção de Justiça do
1842-18431(Parte I — D os empregos e vencim entos, art. 5o); D ecreto n° 4 6 6 de 4 de setem bro
Conselho d e Estado (o cego pode advogar); Resolução de 4 d e agosto de 1863 — Seção de
de 1847 — H abilita A ntonio Pereira Rebouças para advogar em todo o Im pério, independente Jusríça do Conselho de Estado (é incom patível); Aviso de 2 4 de o u tu b ro de 1 8 6 4 — ju stiç a e
de licença dos presidentes das Relações: “A rt. I o — A ntonio Pereira Rebouças está habilitado
Resolução d e 8 de janeiro de 1881 — Seção de ju stiç a do Conselho d e Estada (é incom patível);
para advogar em todo o Império, independente de licença dos Presidentes das Relações, com o se Resolução d e 6 de abril d e 1867 — Seção de ju stiç a do Conselho de Estado (não deve ser
fora Bacharel Formado, ou D outor em ciências jurídicas e sociais; A rt. 2 o — Fica, para este fim , suspenso); Resolução de 23 de novem bro d e 1863 — Seção de ju stiç a do Conselho de Estado
dispensada a Lei de vinte e dois de Setembro de m il oitocentos e v in te e oito, A rtigo segundo, (não e3 tá sujeito à disciplina judiciária); Aviso de 2 3 de m aio d e 1 8 7 4 — Justiça (não pode
paragrafo sétimo.” Trata-se do pai dos famosos engenheiros A ntonio e Á ndré Rebouças. Sua advogar).
petição encontra-se reproduzida em A ntonio Pereira Rebouças, Recordações da vida parlamentar. ^Aviso de 2 9 de setem bro d e 1860 — Justiça.
Rio de Janeiro: Laemmert, 1870, p p . 559-578. Sobre a Lei de 22/9 /1 8 2 8 , ver nota 29- i9lmpenairmelações... op. cie^ v o l.II, p . 1259- Após expurgadas das m inúcias das razões legais e
36A ugusto d e Lima }s.xTribunalde Relação (1874-1897) . Belo Horizonte: Im preosa Oficial, 1965, das controvérsias snterpretativas em que se envolviam os conselheiros da Seção de justiça, um a
p p - 51-54. versão resumida das resoluções era. publicada a o D iário Oficial.
d a s C u s ta s Ju d iciárias d e 1855 m arcav a as ta x a s d e v id a s aos ad v o g ad o s tivessem exercício.43 lã m b é m o C ódigo d o Processo C rim inal estabelecera
p o r a to s legais (petições de conciliação, lib elo s, e m b a rg o s, e tc .), e q u ip a - q u e “será p erm itid o a s p a rte s c h a m a r os advogados o u p ro cu rad o res que
ra n d o -o s, assim , aos dem ais funcionários judiciais m a s p e rm itin d o -lh e s , quiserem ” ( a r t. 3 2 2 ), significando isso lite ra lm e n te qu e qualquer pessoa p o ­
p o r o u tr o lado, socorrer-se d e a rb itra m e n to no caso d e não se c o n fo rm a­ d ia re p re se n ta r as p a rte s n o trib u n a l do jú ri desde q u e m u n id a d a necessária
re m com os valores estip u lad o s no R e g im e n to ;40o de 1 8 7 4 (q u e a lcerav ao procuração.44 O s rá b u la s, com o e ra m cham ados estes “p ro cu rad o res p riv a­
d e 1 8 5 5 ) p e rm itia ao advogado firm a r c o n tra to d e serviços (sem p re escri­ d o s”, sobreviveriam a té a terceira d écad a d o nosso século à condenação p e ­
to ) c o m o cfiente, reconhecendo o c a rá te r p riv a d o d a profissão, m as ad v er­ los advogados d e elite . F in alm en te, e ra m b a sta n te im precisos os contornos
tin d o q u e “e m fe ita d e c o n tra c to escripco c o m a p arce, e n te n d e -s e q u e o d o cam p o d e n tro d o q u a l se pudesse increver a advocacia com o conjunto
A d v o g ad o se su je ito u às taxas do R e g im e n to ” .41 d istin to d e qualificações e atividades. Tem -se fre q ü e n te m en te a im pressão
M e s m o a q u e s tã o a re s p e ito d e q u e m p o d ia a d v o g a r s u s c ita v a d e q u e , desco n tad o o q u e e ra lícito fazer a té ao cidadão a b so lu ta m e n te leigo

controvérsias. U m a interpretação m ais e stre ita d a legislação qu eria q u e "p ro ­ nas q u estõ es forenses, resum ia-se a advocacia a u m a categ o ria profissional
residual. C o n su ltad o sobre se ao estrangeiro era perm itid o req u erer em juízo,
curadores” fossem apenas os advogados (form ados e provisionados) e os
resp o n d eu o M inistério d a Ju stiç a q u e “se as nossas leis p ro ib e m ao e stra n ­
solicitadores e q u e só eles p u dessem ser a d m itid o s e m juízo, n ã o estabele­
geiro o exercido d a advocacia, p o r considerá-la u m munus publico, não lhe
cendo q u a lq u e r diferença e n tre u n s e o u tro s.42 O s p rax istas, e n tre ta n to ,
v e d a m , e n tre ta n to , o s a to s q u e a p ró p ria p a rte po d e p ra tic a r e m juizo, b em
socorriam -se d a s O rdenações p a ra fixar q u e p ro c u ra d o re s judiciais p o d ia m
com o assin ar re q u e rim e n to d e conciliação, in q u irir te ste m u n h a s, defender
se r ro d o s aq u eles q u e as íeis n ã o excluíam , e e ra m excluídos os seguintes: a)
n o ju ri e o u tro s q u e n ã o são privativos d o p ro cu rad o r judicial c o m p e te n te ­
o m e n o r d e 21 anos; b) o furioso o u d e m e n te e o p ró d ig o depois d e sentença
m e n te titu la d o ”.45
q u e o privasse d a adm inistração d e bens; c) a m u lh er, salvo se a cau sa fosse
N a p rá tic a , a g r a n d e lin h a d e diferenciação e n tre ta is categ o rias de
sua, d e s e u m a n d o , o u de seus p a is le g itim a m e n te im p ed id o s; d ) o q u e
p ro c u ra d o re s e r a d e n a tu re z a social e c u ltu ra l, relegado o crité rio fo rm a l-
houvesse sido condenado p o r falsidade, o u houvesse p e rd id o o ofício p o r
Legal a se g u n d o p la n o . O c o rte e ra estabelecido p e la e lite e consistia em
erro nele co m etid o ; e) as pessoas poderosas e m razão d e ca rg o ; f) o s m ag is­
d istin g u ir o s “verdadeiros” advogados d o s q u e não eram dignos deste nom e.
tra d o s e seus oficiais, exceto pelas pessoas a q u e m fossem suspeitos; g) os
Isso p o rq u e , d iz ia C a e ta n o A lb e rto Soares em 1 8 6 7 , “o ad v o g ad o {digno
clérigos e o s religiosos, exceto p elas igrejas e pessoas m iseráveis, p o r seus
d e s te nom e} p re c iso u se m p re , com o d iz M erlin, re u n ir as q u alid ad es de
d escen d en tes e irm ãos; h) os em p reg ad o s d a fazen d a nas rep artiçõ es e m q u e
u m e sp írito re to e ilu s tra d o às q u a lid a d e s a in d a m ais estim áv eis do c o ra ­
ção b e m fo rm a d o , ta is com o u m sacrifício c o n sta n te e g en ero so d e seus

'K'D eereto a “ 1 569, d e 3 de m arço de 1855 — A pprova o R egim ento d e custas judiciarias
d iv e rtim e n to s e p ra z e res, e d a p ró p ria lib erd ad e e m b e m d a ju stiç a e d a
m andado organizar p ela Lei n° 6 0 4 de 5 cie ju lh o d e 1 8 5 1 . A té essa d ata os honorários h u m a n id a d e ; u m a c o ra g e m cap az d e v en cer q u a isq u e r o b stácu lo s q u e
advtjcatícios estavam regulados pelas O rdenações (L ivio 1°, T itu lo 4 8 § 11 e T itu io 92 ) e peio
Alvará d e 10 d e o u tu b ro de 1754.
41 D ecreto n ° 5737, d e 2 d e setem bro de 1 8 7 4 — A ltera o R egim ento das custas judiciarias. 43A lberto A n to n io d e M oraes Carvalho, Praxe forense ou diretorio pratico d o processo civil
Existem evidências de q u e há m uito os advogados m ais solicitados cobravam m u ito a d m a das brasileiro, conform e a actua! legislação do Im pério, 2a edição revista e au m en tad a pelo juiz de
taxas, estipuladas no R egim ento de 1855. direito Levíndo Ferreira Lopes. Rio de Janeiro: Livraria Popular d e C ruz Coutinho, 1888, pp.
■,2O tym p!o Giffenihg de Niemeyer, "Exetcrcid d a profissão de advogado. Reíatorio fido em sessão 4 8 -4 9 - T am b ém a a O rd e n aç õ e s, L ivro I, T itu lo X LV III, § 19 (“Q u a es n ã o podem ser
de 6 de dezem bro de 1875 •— D eve ser adm ittido e m juizo a requerer p o r ou trem quem não seja Procuradores”).
sofiritador o u advogado?”. Fevisia do Instilunx da Ordem- dos Advogados Brasileiros, Tom o VIU, 44E receber as custas com o se advogado ou solicitador fosse.
LSSl (1871-1880), pp. 71-73. 45Aviso n 0 79 — ju s tiç a — E m 14 de fevereiro de 1881.
168 / / E D M U N D O C A M PO S C O ELH O

visões concedidas p a ra lugares o n d e já e ra b a sta n te o n ú m ero d e b acha­ espécie. P ode o cego advogar? E co m p a tív e l o e x e rc id o d o lu g a r de p ároco
réis.34 O advogado provisionado po d ia livrar-se d a inconveniência d a ren o ­
com o d a p ro tis s ã o d e advogado e pro c u ra d o r? É c o m p a tív e l o exercício d a
vação periódica d e su a licença p a g a n d o a tax a de 6 0 $ (em 1841) pelo “e m ­ ad v o c a d a .co m o cargo de secretário d e província? U m in d iv íd u o suspenso
p re g o vitalício d e advogado não fo rm ad o ” o u provisão vitalícia, e te n d o p o r p ro n ú n c ia d o s em pregos d e c u ra d o r dos órfãos e g u a rd a -m o r das te r­
notório sab er e influentes relacionam entos po d eria o b te r d o governo a con­ ras m inerais d ev e sê-lo d a profissão d e ad v o g a d o n ã o fo rm ad o ? E stá o
dição de d o u to r e m leis.35 Tudo isso provocava razoável g ra u d e incerteza, ad v o g ad o su jeito à disciplina judiciária? P o d e a d v o g a r q u a n d o em exercí­
m e sm o e n tr e o s p e rito s . N o p rim e iro d ia de se u fu n c io n a m e n to , os cio o su p le n te d o juiz su b stitu to ? 37 D e um a. fo rm a o u d e o u tra , to d a s estas
d esem b arg ad o res d a Relação d e O u ro P reto in d ag av am , indecisos, se as q u e stõ e s en v o lv iam d isp u ta s p o líticas locais, d e d s õ e s q u e c o n tra ria v am
provisões passadas peio presidente d a província autorizavam a ad v o g ar p e ­
xnteresses e q u e , e m ú ltim a in stâ n c ia , solicitavam u m a in te rp re ta ç ã o a u ­
ra n te a Relação o u apenas n a I a instância, se o n ú m ero de provisionados
to riz a d a e final. In te rp re ta çõ e s c o n tra d itó ria s n ã o e ra m in fre q u e n te s, e
m arcado p a ra a província pelo presid en te d a Relação d a C orte deveria ser u m s q u e stã o em pa rtic u la r, fu n d a m e n ta l p a r a a caracterização d a ad voca­
observado e se as provisões vitalícias im plicavam o direito de ad v o g ar em cia co m o profissão, não o b te v e re sp o sta d efin itiv a; é a advocacia u m a
am b as as in stancias.30
“in d u stria p riv a d a “ o u u m “oficio p ú b lic o “? E m 1 8 6 0 , c o n su lta d o o M i­
M as p a ta alé m dos “em p en h as", d o favor p re sta d o a correligionário n istério d a Ju sriç a peio p re sid e n te d a p ro v ín cia d o R io d e Ja n e iro se o juiz
o u am ig o p o r via d e u m a provisão; p a ra além dos interesses qu e interferiam d e C abo Frio e ra c o m p e te n te p a ra “p ro c e ssa r com o e m p re g a d o s públicos
n a ad m in istração d a ju stiça d a q u a l advogados e solicitadores e ra m p a rte não priv ileg iad o s” os advogados q u e aco nselhavam c o n tra as O rdenações
c o n s titu in te , h av ia u m a a m p la m a rg e m d e im precisão acerca d a p ró p ria e c o n tra o D ire ito expresso, re sp o n d e u -lh e o conselheiro c o n su lto r dos
n a tu re z a d a advocacia, p artic u la rm en te sobre suas in c o m p atib ilid ad es com N egócios d a J u s tiç a q u e, p o r exercerem u m a “in d u s tria p riv a d a ”, não es­
o exercício d e carg o s públicos, o q u e ta m b é m facilitava ab u so s d e to d a tav am os ad v o g ad o s sujeitos ao a r t. 16 0 do C ódigo C rim in a l.38 lò d a v ia ,
e m 1 8 6 6 , a u m a co n su lta do. p re sid e n te d a p ro v ín c ia d e M in as G erais
34Aviso D° 4 8 0 — ju stiç a — Em 25 de agosto de 1836 — A o Presidente da Relação do Rio de so b re se estran g eiro s p o d ia m ad v o g ar, re sp o n d e u o C onselho d e E stado
Jan eiro , restringindo as licenças para advogarem pessoas não formadas; Lei 111 de 6 de abril q u e q ad v o g ad o “é u m in te rp re te d o u trin a l d a s leis d o E sta d o , u m a e n ti­
d e 1838 (Lei M ineira): “A rt. I o— O Presidente d a Província é autorizado a prover os Advogados
n ã o form ados da m esm a m aneira po r q u e faz o Presidente da Relação, podendo conceder-lhes d a d e p u b lic a ...” e, m ais ainda, q u e a profissão d e ad v o g a d o “na a d m in is­
qu e se habilitem p e ran te os Juizes de D ireito das respectivas Com arcas. A rt. 2o — Ficam tração d a ju stiç a não p ó d e ser classificada com o p u r a e a m p la profissão
revogadas as disposições em contrario”; Aviso n ° 160 — Ju stiç a — Em 2 de m aio de 1 8 7 4 —
H avendo Bacharéis em num ero sufficience, não se devem d ar novas licenças aos Advogados industrial, titu lo unico q u e po d eria fav o recera estra n g e iro ”.39 O R egim ento
provisionados.
35LeÍ n° 243 de 36 de novembro de 1841 — Fixa a D espesa e orça a Receita para o exercício
37Na. m esma ardem das questões ver: Resolução d e 4 de m arço de 1863 — Seção de ju stiç a do
1 842-1843 (Parte 1— D os empregos e vencim entos, art. 5o); D ecreto n° 4 6 6 de 4 de setem bro
Conse&o d e Estado (o cego pode advogar); Resolução d e 4 de agosto de 1863 — Seção de
d e 1847 — H abilita Antonio Pereira Rebouças para advogar em todo o Im pério, independente
Justiça do Conselho de Estado (é incom patível); Aviso de 2 4 d e o u tu b ro de 1 8 6 4 — ju stiç a e
de licença dos presidentes das Relações: “A rt. I o — A ntonio Pereira Rebouças está habilitado
Resolução d e 8 d e janeiro d e 1881 — Seção d e ju stiç a do Conselho de Estado (é incom patível);
para advogarem todo o Im pério, independente de licença dos Presidentes das Relações, com o se
Resolução de 6 de abril de 1867 — Seção d e ju stiç a d o Conselho de E stado (não deve ser
fôra Bacharel Form ado, ou D o u to rem ciências jurídicas e sociais; A rt. 2 o — Fica, para este fim,
suspenso} Resolução de 23 de novem bro d e 1863 — Seção de ju s tiç a do Conselho d e Estado
dispensada a. Lei d e vinte e dois de Setembro de m il oitocentos e v in te e oito, A rtigo segundo,
(não e s ti sujeito à disciplina judiciária.); Aviso d e 2 3 de m aio de 1 8 7 4 — ju sriça (aão pode
paragrafo sétimo.” Trata-se do pai dos famosos engenheiros A ntonio e Á ndré Rebouças. Sua advogar).
petição encontra-se reproduzida em A ntonio Pereira Rebouças, Recordações da vida parlamentar. 38Aviso de 2 9 de setem bro de 1 8 6 0 — justiça.
Rio de Janeiro: Laemmert, 1870, pp. 559-578. Sobre a Lei de 22/9 /1 8 2 8 , ver nota 29-
^Imperiaisnsolações... op. cit., vol. II, p . 1259- Após expurgadas das m inúcias das razões legais e
^A ugusto d e Lima j r ., Tribunalde Relação (1874-1897). Belo Horizonte: Im prensa Oficial, 1965,
das controvérsias interpretatívas em que se envolviam os conselheiros da Seção de ju stiça, uma
p p. 51-54.
versão resum ida das resoluções era. publicada n o Diário Oficial.
d a s C u s ta s Ju d iciárias de 1855 m arcav a as ta x a s d ev id as aos ad v o g ad o s tivessem exercício.45 la m b e m o C odigo d o Processo C rim inal estabelecera
p o r a to s legais (petições de conciliação» lib elo s, e m b a rg o s, e tc .), e q u ip a - q u e “será p erm itid o às p a rte s c h a m a r os advogados o u p ro cu rad o res que
ra n d a -o s , assim., aos d em ais funcionários judiciais m a s p e rm itin d o -lh e s , qu iserem ” Cart. 3 2 2 ), significando isso literalm e n te q u e qualquer pessoa p o ­
p o r o u tr o lado, socorrer-se d e a rb itra m e n to n o caso d e não se co n fo rm a­ d ia re p re se n ta r as p a rte s n o trib u n a l d o júri desde q u e m u n id a d a necessária
re m com os, v alo res e stip u la d o s no R e g im e n to ;40 o d e 1 8 7 4 (q u e a lte ra v a o procuração.44 O s rá b u la s, com o e ra m cham ados estes “p ro cu rad o res priva­
d e 1 8 5 5 ) p e rm itia ao ad v o g ad o firm a r c o n tra to d e serviços (sem p re escri­ d o s”, sobreviveriam a té a terceira décad a do nosso século à condenação p e ­
to ) c o m o c lie n te , reco n h ecen d o O1c a rá te r p riv a d o d a profissão, m as adver­ los advogados d e elite . F in alm en te, e ra m b a sta n te im precisos os contornos
tin d o q u e “e m fe ita d e c o n tra c to e sc tip to c o m a p a rte , e n te n d e -s e q u e o d o cam p o d e n tro d o q u a l se pudesse increver a advocacia com o conjunto
A d v o g ad o se su je ito u às taxas d o R e g im e n to ” ,41 d istin to d e qualificações e atividades. Tem -se fre q ü e n te m e n te a im pressão

M e s m o a q u e s tã o a re s p e ito d e q u e m p o d ia a d v o g a r s u s c ita v a d e q u e , desco n tad o o q u e e ra lícito fazer a té ao cidadão a b so lu ta m e n te leigo

controvérsias. U m a interpretação m ais estre ita d a legislação qu eria q u e “p ro ­ nas q u estõ es forenses, resum ia-se a advocacia a u m a ca te g o ria profissional

curadores” fossem apenas os advogados (form ados e provisionados) e os residual. C onsultado sobre se ao estrangeiro era p erm itid o req u erer em juízo,
resp o n d eu o M inistério d a Ju stiç a q u e “se as nossas leis p ro ib e m ao e stra n ­
solicitadores e q u e só eles p u dessem se r a d m itid o s e m juízo, não estabele­
g eiro o exercício d a advocacia, p o r considerá-la u m munus publico, não lhe
cen d o q u a lq u e r diferença e n tre u n s e o u tro s.42 O s praxiscas, e n tre ta n to ,
v e d a m , e n tre ta n to , o s a to s q u e a p ró p ria p a rte p o d e p ra tic a r e m juizo, bem
socorriam -se d a s O rdenações p a ra fixar q u e p ro c u ra d o re s judiciais p o d ia m
com o assin ar re q u e rim e n to d e conciliação, in q u irir te ste m u n h a s, defender
se r to d o s aq u eles q u e as leis n ã o excluíam , e e ra m excluídos os seguintes: a)
n o ju ri e o u tro s q u e n ã o são privativos do p ro cu rad o r judicial c o m p e te n te ­
o m e n o r d e 2 1 an o s; b) o furioso o u d e m e n te e o p ró d ig o depois d e sentença
m e n te titu la d o ” .45
q u e o privasse d a adm inistração d e bens; c) a m u lh er, salvo se a causa fosse
N a prática» a g ra n d e lin h a d e diferenciação e n tre ta is c ateg o rias d e
sua, d e s e u m arido, o u de seus p ais le g itim a m e n te im p ed id o s; d ) o q u e
p ro c u ra d o re s e r a d e n a tu re z a social e c u ltu ra l, releg ad o o crité rio fo rm al-
houvesse sido condenado p o r falsidade, o u houvesse p e rd id o o ofício p o r
íe g a l a se g u n d o p la n o . O c o rte e ra estab elecid o p e la e lite e co n sistia em
erro n ele com etid o ; e) as pessoas poderosas e m razão d e carg o ; f) os m agis­
d istin g u ir o s “v erdadeiros” advogados dos q u e não eram dignos d este nom e.
tra d o s e seus oficiais, exceto pelas pessoas a q u e m fossem suspeitos; g ) o s
Isso p o rq u e , d iz ia C a e ta n o A lb e rto Soares em 1 8 6 7 , “o ad v o g a d o fd ig n o
clérigos e o s religiosos, exceto pelas igrejas e pessoas m iseráveis, p o r seus
d e s te nom e} p re c iso u sem p re, co m o diz M erlin , re u n ir as q u a lid a d e s de
d escen d en tes e irm ão s; h) os em p reg ad o s d a fazenda nas repartições e m q u e
u m e sp írito re to e ilu s tra d o às q u a lid a d e s a in d a m ais estim áv eis do c o ra ­
ção b e m fo rm a d o , ta is com o u m sacrifício c o n sta n te e g en ero so de seus

® D ecteto a “ I5<59» d e 3 de m arço d e 1855 —— A pprova o R egim ento d e custas judicia rias
d iv e rtim e n to s e prazeres» e d a p ró p ria lib erd ad e e m b e m d a ju stiç a e d a
m andado o rganizar p ela Lei n° 6 0 4 de 3- d e ju lh o d e 1 851- A té essa d ata os honorários h u m a n id a d e ; u m a c o ra g e m cap az d e v en cer q u a isq u e r o b stá c u lo s q u e
advocatídos estavam, regulados peias O rdenações (Livro 1°, T itu lo 4 8 § 11 e T itulo 9 2 ) e pelo
Akvará. deT O d e outuirco de 1754.
"‘'D e c re to a ° 5737, d e 2 d e setem bro d e 1 8 7 4 — A ltera o Regim ento das custas judiciárias. 43A lberto A n to n io d e M oraes Carvalho, Praxe forense ou diretorio pratico d o processo civil
Existem evidências de que há m uito os advogados m ais solicitados cobravam m uito acima das brasileiro, conform e a acm aJ legislação do Im pério, 2a edição revista e au m en tad a pelo juiz de
taxas, estipuladãs no R egim ento de 1855. direito Levindo Festeira Lopes. Rio de Janeiro: Livraria Popular de C ruz Coutinho, 1888, pp.
4201ym pü>G ifFénihgdeN iem eyer, “Exercício d a profissão d e advogado. Relatorio lido em sessão 4 8 -4 9 - T am b ém a s O rd e n aç õ e s, l i v r o I, T itu lo X L V III, § 19 (“Q u a es n ã o p o d e m ser
de 6 de deaem bro d e 1875 — D eve ser a d m in ü o e m juízo a requerer p o r o u trem quem não seja Procuradores“).
solicitador o tt advogado?”. Revista do Instüum da- Ordem- das Advogados Brasileiros, Tom o V IU , receber as custas com o se advogado ou solicitador fosse.
1881 (1871-1880), pp. 71-7 3 . 45Aviso n ° 79 — ju s tiç a E m 14 de fevereiro de 1881.
possam a p re se n ta r-se no desem penho d e s u a n o b re m issão; u m zelo ar­ lh eirn Francisco Octzvs&ao la m e n ta v a , e m 1 8 7 5 , q u e estivesse d e sa p a re ­
d e n te d.e so co rrer o desgraçado, d e defen d er o in o c e n te ; u m a n o b re fra n ­ cen d o o solicitador, “© c e n tro do trab alh o m ecânico, d ig a m o s assirn, de
q ueza p a ra fa la r sem pre a lin g u a g e m d a v e rd a d e , q u a isq u e r q u e sejam as nossa profissão” e q u e , em consequência, se visse forçado o ad v o g a d o a
circunstâncias; e m ais q u e tu d o u m desinteresse ta l, q u e n a d a p o s s a a lte ­ “a c u m u la r com o tra b a lh o d o espírito a ta re fa m a té ria !” ;49 e B ulhões de
ra r a g ra n d e z a d ’a lm a qu e o deve c aracterizar” .46 G conselheiro S a ld a n h a C arvalho, já n a R epublica ain d a insistia e m q u e “a p ro v a do m ais elevado
M arinho a d v e rtia p a ra qu e não se confundisse “o ad v o g a d o c o m o m erca­ se n tim e n to jurídico se revela n a c o m p le ta separação de d u a s classes — a
d o r d o d ire ito , com o c o rreto r d a justiça, co m o ré p til do foro q u e p o r a í se dos q u e exercem a a rte e a do s q u e professam a ciência do d ire ito ”.50
a rra sta , e m b u sc a so m en te d e sórdido l u c r o P r o b i d a d e , desinteresse, E b a sta n te provável q u e to d a esta devoção à “ciência” d o D ire ito , este
in d e p e n d ê n c ia , d e v o ta m e n to , a b n e g a ç ão , tra b a lh o in cessan te, ciência, desgosto inconrido com os q u e e x e rd a m m e ra m e n te a “a rte ” escondessem ,
a m e n id a d e n o tr a to , sem q u e b ra d a indispensável en e rg ia , tais são os a tri­ de fato , u m p ro fu n d o desprezo p e la advocacia forense, se não p ela advocacia
b u to s indispensáveis àqueles q u e quiserem te r o d ire ito ao n o m e d e ad v o ­ tontcrnrtcom o u m a atividade m ercan til. Jo a q u im N a b u c o , com seus exage­
g a d o — vir banus, dicentiperitus” ,47 O “v erd ad eiro ” ad v o g ad o , acre sc en ta ­ ros d e sensibilidade estética (m u ito m ais do q u e ética), não é u m b o m exem ­
va B u lh õ es d e C arvalho, é, adem ais, “o obscuro e h u m ild e ju risc o n su lto ” plo d a m en talid ad e d a época m a s, d e q u a lq u e r m o d o , fornece u m a p ista.
q u e “no silêncio d e seu g a b in e te , e stu d a os m eios d e realizar a re g ra a b s­ D izia ele q u e “h á a lg u m a coisa d e h u m ilh a n te , p a ra a nobreza d o pen sa­
tr a ta nas aplicações concretas d a v ida e a d a p ta c a d a u m a d a s in stitu içõ es m e n to , no espetáculo d e u m a g ra n d e inteligência p o n d o to d a a sua p e n e tra ­
novas ao g ra n d e m ecanism o fo rm ad o peça a p e ç a p e la trad ição d a ju ris­ ção, ciência, recursos, a o serviço, p o r exem plo, d e u m a operação com ercial,
p ru d ê n c ia e m o v id a pelo gênio in sp ira d o r d o d ire ito ”; e e s ta ciência do d e u m a especulação- o u esperteza, p o r m ais le g ítim a q u e seja; e m tô d a d e ­
d ire ito , so b re a q u a l se d eb ru ça o ad v o g ad o , n a d a te m a v e r com a ob scu ­
m a n d a h á em geral, d e ca d a la d o , alg u m a coisa q u e o advogado te m de
rid ad e e a.confusão das leis v ig en tes n em com “a falsa ciência d o s p rá tic o s,
m itig ar, esconder o u explicar; adquíre-se, le g itim a m e n te , sem delicadeza;
q u e se c rê e m g ra n d e s ju risco n su lto s p o r se re m m u ito e n te n d id o s em
fazem -se c o n tra to s p erfeitam en te válidos, sem n e n h u m requisito m o ral; o
p e q u e n in a s fó rm u la s de processo e e m ro d a s as arg ú cias e e stra té g ia s fo­
direito m ais p u ro p o d e te r o rigens im puríssim as, form ar-se com o a tra n sp a ­
renses. Esses conhecedores dos can to s e re c a n to s d a s salas d o s p asso s p er­
rência d o gêlo sôbre a á g u a e sta g n a d a ; h á u m a g ra n d e p a rte nêle, e m q u e a
d id o s d a J u s tiç a e das câm aras e a n te c â m ara s d o s trib u n a is sem p re existi­
ra m e m to d o s os tem p o s, corvejando no m eio d a s n o b re s pelejas d o s q u e
^Conselheiro Francisco G ctavíaao, discurso na sessão de 7 de setem bro de 1875 do In stitu to
c o m b a te m p e lo d ire ito ...”.48 C om freq ü ên cia usav am ta m b é m os a d v o g a ­
dos Advogados Brasileiros. Revista da Instituto dosAdvogados Brasileiros, Tomo V III, 1871-1880
d o s d a e lite u m critério d e distinção m ais c o rre n te n a sociedade e q u e p . 301.
^'Bulhíies de Carvalho, o p . r ik , p . 8 . C om o ena vários outro s aspectos, Rui Barbosa foi im ba-
consistia e m d istin g u ir o tra b a lh o in telectu al d o tra b a lh o m a n u a l. O conse-
tívei o o uso dessa retórica q u e edificava freqüentem ente o qu e o pro£ W andetley G uilherm e
dos Santos, lendo um a versão prelim in ar deste trabalho, cham ou com precisão e argúcia de
^C a e ta n o A lberto Soares, discurso na sessão de 16 de julho de 1867 do In stitu to dos Advogados “belos exem plas de conjunta vazio“. D izendo-se “patro n o da lei e não da p a rte ”, afirm ava Rui:
Brasileiros. Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros, n ° 1/2/3, A no U, Tbma 3(A), jan./out. “N ão liao pelos interesses d e a m a clientela: bato-m e p o r u m direito, qu e as m ais antigas leis
d e 1865,. p - 3 1 . d a N ação fizeram m eu , p ela inteireza da constituição, q u e representa a fórm ula perfeita da
47Conselheiro Saldanha Marinho, discurso n a sessão de 7 de setem bro de 1875 do In stitu to dos solidariedade de todos os cidadãos n o reg im e legal.” C om o se vê, outro belo exem plo de
Advogados. Bta&iieiros. Revista do Instituto dos Advogadas Brasileiros, Tòm o V III, 1871-1880, p . conjunro vazio, a té p o tq u eC 1p róprio Rui Verbosa, digo, Barbosa com um a exquisita inclinação
298. a com entar publicam ente sobre seus ganhos profissionais, anunciava q u e d e m arço a outubro
U - E. Sayãb d e B ulhões de Carvalho, discurso na sessão de 15 de janeiro de 1893 n o In stitu to da d e 1896 gaofaara com su a banca p equena fortuna de “680:000$00Q em honorários ajustados
O rdem dos- Advogados Brasileiros. Revista do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiras, Torno com vários com erciantes desta praça”. Fernando N ery, op. cit., p . 7 9 ; R ubem N ogueira, op.
X III, janeko, 2a edição, 1893, p- 6 . cit., p . 5 2.
ética saciai m a n d a a te n d e r à m an u te n ç ã o d a lei, a n te s q u e à h o n o rab ilid ad e adm inistração d a justiça, to rn a n d o acessível ao cidadão co m u m a com preen­
d o fato ".51 são de seus deveres e direitos. M esm o após a Reconstrução, q u an d o o vazio
d e p o d e r ap o n ta v a o Judiciário com o o m enos co rru p to dos poderes e p a re ­
ciam ex istir as condições p a ra a precedência d a bench e d a “ciência lib eral” e
ISI acadêm ica d e L angdeil, E liio t e W rig h t, o bar p e rsistiú e m rejeitar ta n to tal
“ciência” q u a n to os códigos, e com am b o s a heg em o n ia de u m a classe supe­
É verdade q u e & M eai dessas v irtu d e s aristocráticas não estev e m e n o s p re ­
rior d e advogados cultos dedicada exclusivam ente a u m a advocacia d e re­
sen te e m n u tra s sociedades. B a sta m en cio n ar os ad v o g ad o s am ericanos q u e
curso (appelate advocacy). A s lideranças d o bar c o n tin u a ra m a v ir dos advoga­
K o b e rt G o trio n iden tifico u com a “ciência lib eral” d o d ire ito , o s q u e ,
d o s p ra tic a n te s, d o s q u e viviam das disp u tas nos trib u n ais, m u ito s deles
la stim a n d o ncs ú ltim o q u a rte l d o século as im perfeições d a common law , so­
form ados no sistem a d o apprenticeship e quase to d o s inclinados a su b o rd in ar
n h a v a m e m edificar u m a ciência so b re a noção d e siste m a e sobre u m a es­
o id e a l d e p u re z a ética aos interesses d e seus clientes.53 E era aí, nas disp u tas
tr u tu r a a b s tra ta e lógica à feição d a civil lau/?1 E ra m o s q u e d e fen d iam a
nos trib u n a is, n o tra b a lh o do foro (q u e a elite dos bacharéis brasileiros abo­
devoção a prin cíp io s a n tes q u e a preced en tes, u m a devoção q u e deveria
m inava), q u e advogados e juizes am ericanos in terp retav am a C onstituição,
e s ta r a c o m p a n h a d a d a eloqüência, d a erudição, d a re p u lsa ao com ercialism o
form avam jurisprudência e a d m in istrav am a justiça.
e à p rá tic a p u ra m e n te técnica d a advocacia. H o m e n s d a academ ia, L a n g d e li
Isso não ocorria no Brasil onde a a lta advocacia e a alta m a g istra tu ra ,
e E liio t em. H a tv a rd , D w ig h t e m C o lu m b ia (os renovadores d a educação
isoladas no am b ie n te herm ético da s Relações e, n a C o rte, ta m b é m do Supe­
leg a l n o s E stad o s U nidos), e sta v a m p ersu ad id o s (ta n to q u a n to o s “juris­
rior T ribunal d e Justiça, p o d ia m alim entar, sem contestação, delírios de g ra n ­
co n su lto s”’ brasileiros) d e q u e a escassa d e m a n d a p o r ta l ciência do direito
d eza, d e c u ltu ra jurídica e d e h eg em o n ia profissional. Lem bre-se ta m b é m o
d evia-se à m difeeenciação e n tre a “a rte d o attomey ” e a “ciência d o councelor”.
le ito r q u e no Im pério d o Brasil, ao contrário d o q u e se passava nos Estados
E sta e ra a distinção q u e antes já p arecera intolerável à dem ocracia jacksoniana
U n id o s e n a In g la te rra , onde os juizes po d iam ser recrutados e n tre os advo­
e n ã o a p e n a s p o r se u te o r elitista. C o m efeito, e n q u a n to o s aristocráticos
g a d o s p ra tic a n te s, a m a g istra tu ra era u m a carreira e a alta advocacia, nor­
fe d e ra lista sK /é^ d o an te -g u e rra (os precu rso res d a “ciência liberal” d o direi­
m a lm e n te d e recursos, era c o m p o sta d e considerável núm ero d e ex-m agis­
to ) e le g ia m a s técnicas jurídicas com o in stru m e n to s Ae.lawmaking e erig iam
tra d o s. Som e-se a tu d o isso a m ediocridade dos “lentes” das academ ias de
o Judiciário (assistido pelos c u lto res d a “ciência” e p elo s seus tra ta d ista s)
direito e a dependência e a subordinação do Judiciário aos dois o u tro s p o d e ­
c o m o o g ra n d e d e fin id o r d e direito s, os jacksonianos o p ta v a m pelos p ro c e ­
res, so b re tu d o ao Executivo n o q u e dizia respeito à interp retação das leis,
d im e n to s d em o cráticas d o Legislativo. N ã o é p o r o u tr a razão q u e o m o v i­
m e n to p e la codificação d a s I d s tin h a p a ra o s jacksonianos o se n tid o d e res­ 530 típ ic o ad v ogado am ericano se assem elharia a A rchibald W rig h t e Edw in M . Yerger,
trin g ir a. eapaeM ade d o s juizes d e fazer leis e o p ro p ó sito d e sim plificar a a m b o s d a cidade d e M em phis e com ta le n to n a tu ra l para a advocacia forense. “A s alegações
d e A rchibald W rig h t, um dos m ais im p o rta n te s advogados d e M em phis, eram cuidadosas,
laboriosas, pen o sas e disformes, ap resen tan d o to d a prop o sta q u e p o rv e n tu ra pudesse pesar
51Jo aq u ím N a ím e e, sp~ c it^ vol. IV, p . 1 4. N abuco dedica e m a s p oucas páginas à atividade a o caso. Poucos se igualavam a êle n a erudição q u a n to às leis do Tennessee e aos principais
advocatícia d b p a t (usais precisam ente 16 pág in as n u m a obra e m q u a tro volum es), assim m esm o processos julgados n o Estado £...} O prin cip al crim inalista dos anos 50 foi Edw in M . Yerger.
para defèndê-ío d e aeesações ou insinuações d e co m portam ento po u co ético. Seja com o for, U m dos o ito irm ãos espalhados pelo Tennessee (sete deles advogados), Yerger estava obvia­
talvez sua percepçãoda advocacia refletisse a opinião do p a i q a e declarara te r exercido a profissão m e n te e n tre o s gran d es advogados ‘n a tu ra is’ do Estado. Tinha escassa form ação acadêm ica e
apenas para p o d e r p a g a r dívidas. forte aversão pelo s detalhes na preparação dos casos. Consideradas m enores, ta is deficiências
KR o b e rtW G o rd o s, “Legal th o u g h t an d legal p ractícein th e a g e o f A m erican eaterprise, 1870- eram facilm ente com pensadas p o r u m a m e n te a ten ta, p o r seus poderes de argum entação,
1920’’- Em, Geral d I_ G eison (ed), Prqfèssàms and Professbmal ídeaíogks in America- Chapei H ill: pela voz m elodiosa e p o r seus faiscantes tale n to s cômicos.” Sam uel H arber, o p . cit-, p p . 125-
T h e University o f N o tíít Caroiina Press, 1983, pp - 70-110. 126.
pouco m ais re stan d o -ih e do que seguir o risco dos avisos m in isteriais e das c ã o lhes p e rm itia m c- luxo d o cultivo d a “Ciência” d o D ireito e d a s a b stra -
resoluçõesdo C onselho de E stado,54 D escontados a retórica e o exercício de võ f; jurídicas, o u a r e a ú n d a aos usos e costum es do foro, às v a n ta g e n s d a
eloqüência, havia nas expressões desta elite u m indisfarçávei desprezo p o r confusa e dispersa legislação p o rtu g u e sa e d a s in ú m eras leis avulsas do Im ­
este pequeno advogado das pequenas causas, pelos anônim os solicitadores e pério, so b re tu d o as do processo, fu n d a m e n to d e s e u segtedo profissional e
provisionados q u e , m anuais dos praxistas à m ão, em pen h av am -se m ais p e ­ d e su a especial perícia.
los interesses d o s clientes e p o r seus próprios interesses d o q u e p ela p u re z a U m a fro n te ira sÓcío-cultural tão m are a d a m en te esculpida c o n tra o pano
d a “ciência” do D ireito . Para estes, a p rática das “qu alid ad es estim áveis de de fundo d a adm inistração d a justiça pode explicar, pelo m enos p arcialm en ­
u m coração b e m form ado” nas lides d o foro (e so b retu d o n o trib u n a l do te , a d esin teresse d a e lite d o s ad v o g ad o s p e la am pliação d e seu cam po
júri), aliás ra ra m e n te freqüentado pela elite dos advogados,55 rep resen tav a p ro fissio n al, c descaso p e lo te rre n o o c u p a d o p o r o b sc u ro s ad v o g a d o s,
m ais freq ü e n te m en te u m a causa p e rd id a e honorários incertos. O n ú m e ro solicitadores, provisionados e “procuradores p articu lares” . A d istân cia en tre
crescente d e concorrentes e a reduzida clientela d e baixo p o d e r aquisitivo o s dois e x trem o s era tão a m p la e m term os sociais e culturais q u e , d e fato,
eles co n stitu íam dois universos distintos,, dois círculos q u e não a d m itia m
^ “Esca autorização, porém , concedida com a clausula de — provisoria — ou enquanto o poder interseção. Tanto era e s tra n h a e inacessível à m assa do s “p ro cu rad o res ju d i­
legislativo não decide o contrário, será semelhante às autorizações todos os dias concedidas ao
podeF executivo afim d e fazer regulamentos para o complemento das leis, será outrossim justificada ciais”1a esfera e m q u e se m oviam N a b u c o d e A raú jo , M o n tezu m a, S aldanha
pela impossibilidade em que se acham as camaras legislativas preocupadas com as questões po­ M arinho, Francisco O ctaviano e ta n to s o u tro s figurões d o Im p ério , q u a n to
líticas e grandes interesses do Estado, de providenciar sobre as dificuldades qu e frequentem ente
ocorrem n a aplicação d a lei...”. Comissão de Legislação do Senado, parecer lido q& sessão de 6 de p a ra estes u m m o v im e n to e m direção aos a n típ o d a s c u ltu ra is e sociais
agosto de 1867 (sobre assentos da Casa de Suplicação de Lisboa, tomados após a criação da Casa co rresp o n d eria a u m c o n tág io m o ral irreparável.
de Suplicação do Brasil). Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros, A nno V II, Tomo V I (janeiro-
junho), 1868, p . 154. A Comissão era formada po r N abuco de Araújo, Silveira da M otta e Barão N o e n ta n to , aos Ideais aristocráticos ta n to q u a n to ao desprezo d evotado
de Piiapam a- D o jurista e deputado Perdigão Malheiro ouviu-se na sessão de 7 d e outubro de à m assa d o s profissionais anônim os não co rresp o n d iam m anifestações visí­
1869 da câmara; “Eu entendo que, desde que o Poder legislativo não pode p o r si exercer a
atribuição q u e lhe está conferida, é preciso lançar m ão d e outro m eio; deverá o Poder executivo veis de m a io r lu stre in telectu al d a elite, excetuadas ocasionais incursões pelo
continuar a interpretar, po r via de autoridade, as leis, em forma de avisos ou d e outros atos m em orialism o, ensaísm o político, crítíc a M terátia, jornalism o e produções
em anados, com o a té aqui se tem feito?... N o entanto, ainda hoje o G ovem o se v ê na dura ne­
cessidade, m uitas vezes, de dar pronta solução a questões de direito, que lhe são subm etidas, afins. D e fa to , a despeito das devotas m a nifestações d e u m exaltado cu lto à
mesmo de direito privado. E a lei da necessidade; porque nem o Poder legislativo te m podido “ciência” d o d ire ito , a p ro d u ção d o u trin a l e jurisprudencial d e s ta elite foi de
fàzê-lo, nem o p ode n a ocasião, nem tão cedo o poderá, Tampouco o tem feiro o Poder judicial,
pela ausência d e tradição, de uniformidade, de jurisprudência.” Revista do Instituto dos Advogados u m a p o b reza fianciscaaa. O elevado conceito em q u e se tin h a repousava, na
Brasileiros, A nno IX , Tomo VIII, nQ 1, janeiro/julho, 1871, pp. 222-225. verdade, e m fundações b e m pouco sólidas; o u m elhor, em u m a espécie de
35A aversão dos advogados aos trabalhos do foro era bem conhecida e bastante an tig a. N o discurso
de posse com o prim eiro presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros, M ontezum a censurava c u ltu ra o rn a m e n ta l e genérica q u e ta n to m ais ate n d ia a u m a exigência so­
os advogadas “q u e hoje desappareeerão das Audiências; tu d o está entregue aos cuidados e zelo cial q u a n to m ais lh e falta v a e m relevância profissional. U m a d a s razões po ­
d e pessoas, q u e com q uanto sejão revestidas de Poderes com petentes, com tu d o não se derão,
com poucas excepções, ao estudo da Jurisprudência Patria, e m u ito raenos ao dos outros Ramos d ia se r a d e q u e , não existindo n a C orte faculdade de direito, haveria de
indispensáveis para merecer o honroso titu lo de Advogado, apparecendo este no Fôro unicam en­
faltar-lhe o q u e e m o u tro s países as escolas- tin h a m e p ro d u z ira m e m g en e­
te pelas suas Aílegações escriptas e assignadas, a m ór p arte das vezes po r quem as não redigio”
(Discurso na. sessão de 7 de setem bro d e 1843 do Instituto dos Advogados Brasileiros. Revista do roso n ú m e ro : u m a ciasse d e advogados e d e ju ristas m enos interessados
Instituto dos Advogados Brasileiros, A nno I, Tomo I, 1862, p . 105). Em seu relatório de 1835 ó n u m direito p u ra m e n te in stru m e n ta l d o q u e n o e stu d o e n a construção de
miniscro M anoel Alves Branco, d a Justiça, faz tam bém reparos à ausência dos advogados nas
audiências (p. 25). E consultado sobre se era perm itido ao advogado falar sentado nas audiências sistem as jurídico-form ais a b stra to s. A lém disso, talvez fosse razoável le m ­
judiciais, respondeu o Conselho de Estado “que este privilegio deve ser-lhes m antido até porque b ra r q u e u m agitado ce n tro com ercial, político e adm inistrativo com o era a
será O' m eio d e os fazer frequentar as Audiências ”. Resolução de 2 6 de julho d e 1 856, em
Imperiais Resoluções..., op. cit., vol. I, p . 609- cidade do Rio d e Ja n e iro , com suas exigências de u m a v id a p rá tic a e de
sociabilidade in ten sa, não co n stitu ía am b ie n te propício ao tip o d e tra b a lh o A li se dizia, q tie a finalidade das d u a s academ ias d e direito q u e se fun d av am
intelectual q u e u sualm ente se associa à em blem ática fig u ra d o jurisconsulto.56 no Im pério e ra a d e form ar “sabios M agistrados, e p e rito s A dvogados, de
M a s São Paulo satisfazia am bas as condições (o sossego d e u m a d d a d e p ro ­ q u e ta n to se carece; e o u tro s q u e possam vir a ser d ig n o s D e p u ta d o s, e
vin cian a e u m a academ ia d e direito), e , n ã o o b sta n te , a p ro d u ç ã o d o s seus Senadores, e a p to s p a ra occuparem os lu g ares diplom áticos, e m ais e m p re ­
acadêm icos não foi m en o s escassa e in d ig e n te ,57 p a ra n a d a dizer so b re a gos d o e sta d o ...”. E c o m ta l propósito de form ar indivíduos p a ra a te n d e r às
escola d e O lm d a-R ed fè, p ró d ig a e m m a g istra d o s-líte ra to s e e m bacfiaréis- funções d o E stad o , e ra necessário não incorrer no equívoco dos eru d ito s
filósofòs, m as ig u a lm e n te avara q u a n to à p ro d u ção p ro p ria m e n te jurídica.58 au to res dos e s ta tu to s d e C oim bra p ela “profusão com q u e a d e rra m a ram [a
M as a trad ição p o rtu g u e sa , cão in flu en te n o B rasil, e ra a dos p rax ístas e erudição} n a su a o b ra , o m u ito e dem asiado cuidado com q u e in tro d u ziram
a d o s com entários aos textos legais, e foi este tip o d e p ro d u ç ã o q u e p re d o ­ o estudo d e an tig u id a d e s e as am iudadas cautelas q u e ensinaram p a ra a
m in o u . O le ito r e n c o n tra rá u m a bo a q u a n tid a d e d e o b ra s d edicadas a g lo ­ inteliigenela d o s te x to s, e q u e só deveriam servir p a r a aclarar, e alcançar o
sar, artig o p o r a rtig o , a C onstituição do Im p é rio , os C ódigos C rim in al e d o sentido d o s difficies, fizeram q u e os estu d a n te s sahissem d a U niversidade
P rocessa, o C odigo Com ercial e o u tra s peças legais. U m a p ro d u ç ã o q u ase m a l aproveitados n a Science d o direito patrio, e sobrecarregados de subtilezas,
n u n c a o rig in al, d e alcance p u ra m e n te p rá tic o , u m ta n to q u a n to m im érica e an tig u id ad es, q u e m u i pouco uso p re sta ra m n a p ra tic a d o s em pregos a
d a lite ra tu ra francesa nos co m en tário s d e n a tu re z a m ais d o u trin á ria , m a s q u e se d estin aram ” . E e n tre ta n to s ou tro s excessos aos quais estivera expos­
o u tr a coisa n ã o se esperaria dos egressos d e escolas d esd e su a origem orien ­ ta u m a geração d e brasileiros, incluído a í o próprio visconde, e m su a passa­
ta d a s p a ra o s aspectos práticos d a s profissões d o d ireito . O s e s ta tu to s d o g e m p e la refo rm ad a U niversidade de C oim bra, m encionava ele o direito
visconde d e C achoeira co n stitu em n este p a rtic u la r u m d o c u m e n to ím p ar.59 rom ano q u e p o r se r subsidiário e d o u trin a l “não po d ia jam ais ser ensinado
com ta n ta p ro fu são e extensão á cu sta do direito p a trio ...’’.
5êW eber observou m ais d e um a vez. q u e a prática da advocacia, q u an d o estruturada em to m o P ro v a v e lm e n te te r á sido esse m esm o esp írito p rá tic o e avesso às a b s­
d os interesses econômicos e da rem uneração do advogado, te m sido historicam ente incom pa­
tív e l com a atividade intelectual do jurisconsulto: “T h e existence o f such a special class o f trações ( d o a rra ig a d o ta m b é m nos nossos estad istas) q u e in d u z iu o m in is­
p e g a lj honoratiores is, genera Illy speaking, possible only w here legal practice is n o t sacredly tr o d a J u s tiç a Jo s é d e A len car a en x e rg a r excessos n o Esboço d e código
dom inated and legal practice has n o t y e t becom e to o involved w ith th e needs o f u rb a n com m erce
£...) I t is, o f course, tru e th a t w hen commercial activity is in ten se th e functions o f th e legal civil, a v a s ta e e ru d ita o b ra de codificação elab o ra d a p o r T eixeira d e F reitas.
honoratiores is m erely drifted from th e co nsultants to th e cautelary ju rist”. O p . c it., vol. 2 , p p . Pois u m có d ig o d v ii, dizia A len car em se u R elató rio d e 1869» “não é o b ra
7 9 2-793-
i;E m seu detalhado estudo da academia d e direito d e São Paulo, Sergio A dorno coochri q u e os d a c ie n d a e d o ta le n to u n icam en te; é so b re tu d o a o b ra do s co stu m es, das
“feotes” tin h am escassa produção jurídica e pouco deixaram com odoutrinadores ou jurisconsultos. trad içõ es, e m u m a p alav ra, d a dvilização b rilh a n te o u m o d e s ta d e u m
Q u a n to ao ensino q u e a escola oferecia “apenas esporadicam ente produziu juristas d e notorieda­
d e nacional e dontrinadores do D ireito; foi celeiro, entretanto, de u m verdadeiro “m andarinato p o v o ”.®7Á s sociedades m u d a m le n ta m e n te p o r processos seculares e não
im perial’ d e bacharéis“. Os aprendizes do poder: O bachatelismo liberal na política brasileira* Rio d e se p o d e ria e sp e ra r a aplicação a u m a so d e d a d e com o a brasileira d e “u m a
ja n e iro : P aze lé rra , 1988, p p . 7 9 e 120-134.
5“D o is aspectos im pressionam na história da academ ia de OIínda-Recife: o fantástico núm ero de lei civil, a o n ív e l d o m ais alto desen v o lv im en to social” (“se n este v asto
bacharéis com pretensões literárias (raro o qu e n ão ten h a produzido um livro de sonetos, u m te rritó rio d e 2 9 7 .0 0 0 leguas qu a d ra d a s ap en as u m espaço d e 10 a 2 0 .0 0 0
rom ance, u m a peça teatral e p o r at a fbta) e a com pleta anarquia q u e m arcou p o r um largo
período a vida académ ica da escola pernam bucana. H ouve ocasiões em q u e o corpo docente c o m p o rta rá a b o a execução d a legislação a c tu a l”).61 A m esm a restrição,
to rn o u -se literalm ente refem da arrogância e da violência, física inclusive, dos estudantes. C lovk aliás, m a n ife sta d a p o r Jo a q u im N a b u c o n a com paração d o pai com Teixeira
E e v ih q u a Historia da Bxvldade de Direito ds Becife. Brasília: In stitu to Nacional do Livro, 1977.
®Projeta de regulamento ou estatutospara e canoJuridico cnado pelo Decreto de 9 de Janeiro de 1825,
organizado pelo Conselheiro de Estado Visconde da Cachoeira, e mandado observar prmnsoriamenSs nes ®José M artiiriaao As Alencar, Relatorio á Assembleia Geral. Rio d e Janeiro: Im prensa N acional,
CursosJurídicos e&S. Pauloe Olindapelo art. 19 desta lei. O s estatutos estavam anexados ao te x to da 1869, p - 1 1 6
6IIdem , ibidem , p . 117
Lei.de I I de agosto d e 1827 que criou os cursos de Olinda, e S o Paulo.
d e F re ita s: o conselheiro N a b u c o d e A ra u to seria o ju risco n su lto com visão publicidade d o s d ire ito s. Q u a n d o não há lei escrita, o u q u a n d o a le i é incer­
d e h o m e m d e E sta d o , os pés so lid a m e n te p la n ta d o s n a re a lid a d e do país e t a o u fu n d a d a e m p re c e d e n te, tu d o é q u e stã o : as decisões são arb itra ria s,
sen sív el às su a s n ecessidades sociais; o o u tro , o sáb io d e g a b in e te , o os ju lg a m e n to s c o n tra d k o rio s, e os processos se m u ltip lic a m ...'’’(ênfases
ju risc o n su lto d e escola e de p rin cíp io s.62 O q u e se sab e, alé m dessas rea­ no o rig in a l) 65 R eferindo-se à c o n tro v é rsia sobre a codificação das leis civis
ções in d iv id u ais, é d a ab so lu ta in d iferen ça c o m q u e a Consolidação e o Esbo­ n a A le m a n h a , C arvalho M o reira id en tificav a T h ib a u d com o p re se n te e
ço fo ra m recebidos nos m eios jurídicos.65 Seja com o for, e e m b o ra a Conso­ com a “id ealid ad e e n th u sia sta d a u n id ad e d a p á tria a ile m ã ” e Savigny com
lidação ap e n a s sistem atizasse as leis já ex iste n te s, o se n tid o d e a m b a s as o passad o , c o m “a a n tig a G e rm a n ia , corn seus círculos, suas m esclas de
restriçõ es p o d ia b e m ser q u e , h o m e n s p ú b lic o s d e esp írito prático» ta n to p o p u laçõ es e nacionalidades d istin c ta s”, com as “trad içõ es p a te rn a is” e
A le n c a r q u a n to J o a q u im N a b u c o , a m b o s bacharéis e m d ire ito , resistiam
c o m o s "co stu m es hered itário s” . E sta lu ta d e co rre n te s era , e m su m a , a do
a o fo rm alism o d a m e n ta lid a d e ju ríd ic a n a fe itu ra d e leis o u , com o d iria
“an tig o p riv ileg io c o m a sociedade m o d e rn a ”. E C arvalho M o reira tin h a
W e b e r, p ro c u ra v a m “em a n c ip a r d o ad v o g a d o profissional a lei, p o r via d o razão.
e sclarecim en to d ire to d o p ú b lic o p e lo p ró p rio leg islad o r...” .64 N ã o creio,
G s g ra n d e s m o v im e n to s d e codificação d a s leis civis n a E u ro p a c o n ­
todavia» q u e e s ta seja u m a in te rp re ta ç ã o a d e q u a d a , a té p o r fa lta d e ste
tin e n ta l — d o C ó d ig o Civil d a P rú ssia (1 7 9 4 ), p a ssa n d o p e lo C ódigo
p ú b lic o que» a o co n trário d o s franceses, o s ad v o g a d o s brasileiros jam ais
N a p o ie ã o (1 8 0 4 ) e p e lo d a S ax ô n ia (1 8 6 3 ), a té o C ó d ig o C ivil A le m ã o
so u b e ra m criar. Receio q u e as restrições não e ra m p ro p ria m e n te à o b r a d e
d e 1 8 9 6 — a te n d ia m a aspirações d e b u rg u e sia s a sc e n d e n te s. T ra ta v a -
Teixeira d e F reitas m as à codificação e m si.
se ta n to d e s u b s titu ir o s p riv ilég io s d a a risto c ra c ia d a v e lh a o rd e m p o r
E m 1845 o bservava o fu tu ro b a rã o d e P enedo q u e " u m a codificação
d ire ito s d o in d iv íd u o , q u a n to de lim ita r o a rb ítrio d o s m o n a rc a s. T ra ta ­
sim ples» c la ra e breve é u m im enso benefício p a ra u m a n ação ; p o rq u e
v a -se , e m síntese» d e im p le m e n ta r a clássica a g e n d a lib e ra l d a rule oflavj,
a s s e n ta , e p õ e fo ra d e d iscussão o s d ire ito s d e c a d a u m ; a s s e g u ra a
d a lib e rd a d e individual» d o s d ire ito s civis e d a re p re se n ta ç ã o p o lític a . Se
o b serv ân cia d o s m esm os d ire ito s v u lg a riz a n d o o co n h e c im e n to deles; é o
é c e rto q u e a p rin c íp io n e m to d a a a g e n d a £òi a b so rv id a p e la b u rg u e sia
m a is fo rm id áv el e vig ilan te in im ig o d o a rb ítrio ; e m u m a palavra» te n d e a
(co m as re striç õ e s clássicas co m o , p o r ex em p lo , a d o p rin c íp io cen sitá rio
satisfazer a necessidade, q u e te m to d o p a is co n stitu c io n a l, d a Jixidade e
p a r a a re p re se n ta ç ã o p o lític a o u , c o m o e m a lg u n s países, a d a exclusão
d a m u lh e r c a sa d a d o acesso a d ire ito s fu n d a m e n ta is ), ta m b é m é certo
^Jo aq u im N ab u co , op. clt., vol. IX p p . 8 4 -8 6 . Cancelado o contrato com Teixeira d e Freitas
p a ra a elaboração d o C ódigo Civil, e m 1 872, o u tro contrato foi feito pelo governo com o q u e p e lo fim d o século o b u rg u ê s b av ia p e rd id o a p rec e d ê n cia p a r a o
conselheiro N a b u co de Araújo que em q uatro anos, a té sua m o rte, deixou redigidos apenas
c id a d ã o c o m a sig n ific a tiv a a m p lia ç ã o d a s fra n q u ia s p o lític a s e sociais.
3 0 0 artigos. Ã opinião de alguns especialistas com o Pontes d e M iranda n ão é particularm ente
lisonjeira em. relação ao talento de codificador d o Conselheiro. T a m b é m n o s E s ta d o s U n id o s o m o v im e n to p e la codificação a b rig a v a
®Â exceção ficou p o r conta d e A ntonío Pereira Rebouças que, a propósito, nem diplom a de
advogado tinha. u m c o m p o n e n te in o v a d o r e d e m o c rá tic o (ra d ic a lm e n te d e m o c rá tic o na
“ M a s W eb e ^ o p . d t ., vol. 2 , p . 8 5 7 .0 leitor terá percebido q u e refiro-m e aqui à clássica distin­ su a g e n u ín a v e rsã o jack so n ia n a ) q u e p u n h a e m q u e s tã o a ca p a c id ad e do
ção weberiana en tre racionalidade formal e racionalidade substantiva, isto é, entre escolhas com
e stn ta base em norm as gerais e abstratas o u, inversam ente, com base em outras norm as qualita­ Ju d ic iá rio d e s u b s titu ir o L eg islativ o n a p ro d u ç ã o d e leis com o n a tra d i-
tivam ente distintas {eqüidade, conveniência política, m oralidade, etc.). D e um a perspectiva
propriam ente weberiana é óbvio que a preferência p o r critérios formais ou po r critérios substantivos
d epende do sistema de dominação em cujo contexto as decisões são tom adas. Como exem plo, í5‘D a revisão geral e codificação das leis d v is e do processo no Brazil (M emória lida em sessão
W e b e r m en c io n a com o característica d o p a triarc a h sm o m o n árq u ico “th e desire for a n do In stitu to a 7 de setem bro de 1845, e offeredda ao m esm o In stitu to pelo so d o effetivo
a dm ioistration o f justice which w ould stríve fo r so b stan tiv e justice unaffected b y ju n stic Frandsco Ig n a d ò d e Carvalho Moreira)”. Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros, A nno I,
hairsplitting a n d íbrmaiism...”. Idem , íbidem» p . 8 5 6 . o° 3 , julho/agosto/aetem bro de Í8 õ 2 » p p . 147-169-
ç ã a ãscomman- (ame C o n sid e ra d a s as diferen ças d e c o n te x to , os o p o sito re s n h e c im e n ro d e q u e a codificação d a s leis civis e ra im p o r ta n te n o ap erfei­
a m e ric a n o s d a codificação re sp o n d ia m e m te rm o s se m e lh a n te s a o s de ç o a m e n to d a o rd e m ju ríd ic a e d a a d m in istra ç ã o d a ju s tiç a , a q u e s tã o
J o s é d e A le n c a r: o s c o stu m e s, p ro d u to d a se c u la r ev o lu ção d a so c ie d a d e , n ã o p ro s p e ro u , p o ssiv e lm e n te p o rq u e n ã o a te n d ia a n e n h u m d o s in te ­
e x p re ssa ria m m e lh o r o e sp írito d e m o c rá tic o d o p o v o ; l á c a b ia a o s juizes, resses c rista liz a d o s.69 N ã o é difícil p e rc e b e r q u e ao e lim in a r leis já em
n ã o aos le g isla d o re s, d e sc o b rir e e x p o r a h i c o s tu m e ira ; n o B rasil, ao desuso, ao sistem atizar o conjunto de o u tra s que perm aneciam dispersas
E x e c u tiv o .56 e a cujo te x to n e m to d o s tin h a m p r o n to acesso, ao d a r so lu ção a in c o n ­
M as, ad em ais d a fbnção crítica q u e coube aos m o v im en to s de codificação sistên cias e c o n tra rie d a d e s e n tr e o u tra s m a is e a to d a s d a r fo rm a c la ra e
d a s íeis civis n a instauração d o s regim es p a rla m e n ta re s n a E u ro p a , desejo o rg a n iz a ç ã o n u m s is te m a ló g ico , a e x istê n c ia d e u m có d ig o fav o recia a
ressaltar d o is p o n to s m ais. E m prim eiro lugar, a posição crucial q u e coube in te lig ib ilid a d e d a s leis e d o s pro cesso s, d isp e n sa v a o E x e c u tiv o d a im ­

n a condução desses, m o vim entos aos setores c u lto s d a classe m é d ia (os p ro ­ p o r ta n te fu n ç ã o d e In te rp re tá -la s a tra v é s d o s re g u la m e n to s , avisos m i­

fissionais liberais n a F rança, a Bildungsbiirgertum n a A lem an h a, a borguesia n iste ria is e d a s Im p e ria is R esoluções n a sc id a s d a s c o n su lta s ao C onselho
d e E sta d o .70 In e v ita v e lm e n te o Ju d ic iá rio g a n h a ria c o n sid e rá v e l g r a u d e
tm a n h tka n a Itá lia ), m a s, em particular, o d estacad o p a p e l d o s advogados e
in d e p e n d ê n c ia , q u e e r a tu d o o q u e o E xecutivo n u n c a p ô d e a d m itir,
suas associações.® N ã o fo i p o r acaso q u e n a F ra n ç a a Terceira R epública, a
a in d a q u e a a u to n o m ia re c la m a v a com o P o d e r (in te r p r e ta r as leis, ju lg a r
d o reg im e b u rg u ê s e lib eral p o r excelência, te n h a sido ta m b é m ch a m a d a de
d e s u a c o n s titu c io n a iid a d e , e tc .) fosse u m a q u e stã o c o n s titu c io n a l q u e
R epublica d o s A d vogados. O segundo d e sta q u e refere-se à v a sta pro d u ção
u m c ó d ig o civil n ã o resolveria.
jurídica e m to m o d a codificação das leis d v is . N o s E stad o s U n id o s a c o n tro ­
N o â m b ito d a so c ie d a d e , os in te re sse s com erciais já d is p u n h a m d e s ­
vérsia p r o d u z ia “várias cen ten as de livros, a rtig o s e p an fleto s n o s ú ltim o s
d e 1 8 5 0 d o s e u p ró p rio có d ig o e ta m b é m tin h a m s u a p r ó p ria le i (c o stu ­
tr in ta a n o s d o século*“;65 n a A lem an h a, v a sto s tra ta d o s ; n o B rasil, coisa al­
m e ira ) o s se n h o re s d e te rra s n a soleira d e cujas casas d e tin h a -s e a ju stiç a
gum a.
oficial. E o s ju rista s? E a re fin a d a e lite d e a d v o g a d o s? A d isp o n ib ilid a d e
M a s o d e s in te re s s e d o s m eio s ju ríd ic o s n ã o fo i ap e n a s c o m relação à
d e u m có d ig o s im p le sm e n te elim in a ria b o a p a r te d a d is tâ n c ia p ro fissio -
Consolidação o u a o Esboço, talv ez ju stific á v e l p o r q u e a in d a nã o s u rg ira n o
h o riz o n te q u a lq u e r fo rm a ç ã o n e m d e lo n g e a s s e m e lh a d a a u m a b u r g u e ­
®Em to ra o da codificação d o direito civil seria necessário u m enfoque analítico sem elhante ao
s ia , m u ito m e n o s a sc e n d e n te . O c e rto é q u e a d e s p e ito d a u n a n im id a d e
q u e M angabeira U n g e r sugeriu para explicar a Institucionalização da ruk o f law na E uropa
d e o p in iã o e m to m o d o E sta d o caó tico d o s is te m a íe g a í, d o c la ro reco - O cidental: “to find a satisfactory explanation [...] w e m u st m ove tow ard a dynam ic view o f the
w ay these groups [rulers, aristocracy, bureaucracy, noblem en, m erchants] reacted and adjusted
t o o n e a n o th e r in tile course o f th eir fig h t for pow er. [...} For all parties concerned, th e rule o f
law, like life insurance an d like liberalism itself, was a n a tte m p t to m ak e th e b e st o f a bad
® 0 Feitor encontrará' a essencial d a controvérsia exposto d e m an eira ágil e m M orton J . H orw itz, situation”- R oberto M angabeira U nger; Law and Modem Society: Toward a Criticism o f Social
The Transformation o f Amerkan Law, 1870-1960. The Crisis e f LegalOrthodoxy. N o v a York: Oxford Theory. N o v a York: T h e Free Press, 1976, p p . 74-76.
U niversity Preso, 1 9 9 2 , p p . 1 Ï7 -1 2 3 - ^M ax Rheinsteín cham a a atenção para a forma pela qual a codificação facilita a administração
®îfetx a A lem an h a a referência é Ledford, o p . cit.; p a ra a Itália, M arco M eriggi, “T h e Italian da justiça ao m encionar a experiência da Inglaterra n a extensão da common law às colônias. A
Borghesia”, e m J ü rg e n K ocka e A llan M itchell (eds), Bourgeois Society in Nineteenth-Century solução encontrada para superar a grande complexidade da common law e perm itir que fosse
Europe. OxfottT: B erg Publisher; 1993, pp- 42 3-43S, e Fulvio C am m arano, "T he professions In adm inistrada p o r coloniais a q u e m não seria possível d ar u m treinam ento apropriado nas sutilezas
p arliam ent”, e m M arfa M&Iatesta (ed), o p. cit., p p . 2 7 6 -3 1 2 ; para a França, L . G irard, Ler d o processo e n a vastidão da jurisprudência já firmada, foi elaborar u m conjunto d e códigos,
libéraux français, 1814-1875. Paris: 1 9 8 5 , e P h ilip N o rd , “Les orig in es d e la Troisièm e prim eiro para a India (Indian C ontract Code, Indian Penal Code, Indian Easem ent A ct, etc.) e
R épublique e n F rance(1 8 0 0 -1 8 8 5 )’\ Actes de la Recherche en Sciences Sociales, 1 1 6 /1 1 7 , m arço de logo introduzidos nee territórios da Africa O riental. Ver ‘‘Problems o f law in the new nations o f
1997, p |t . 5 3 -6 7 . Africa”, em Clifford G eeriz (ed), Old Societies and New States: The Questfo r Modernity in Asia and
“ H orw itz, o p . c it., p.. 117.. Africa. Nova York: T he Free Press, 1 9 6 3 ,p p . 244-245.
184 / / E D M U N D O CAM POS C O E L H O AS PROFISSÕES IM PERIAIS / / 185

n a l q u e h av ia in te rp o s to e n tre si e a m a ssa d o s p r a tic a n te s . C ó d ig o n a gão M alhe iro;72 e se Teixeira d e F reitas n e n h u m dispositivo legal sobre a
m ã o , ta n to v a le ria u m F ra n k lin D ó ria q u a n to u m o b sc u ro rá b u la do “escravidão dos negros’’ kiclum em sua Consolidação, ta m b é m é verd ad e q u e a
fo ro , pois as diferen ças, q u e não p o d ia m s u rg ir d o e n sin o u n ifo rm e m e n ­ elite dos nossos juristas e advogados, os devotados cultores d a “ciência” do

te m edíocre d a s academ ias d e Recife e São P aulo, seriam m ais d e e x p eriên ­ D ireito e d a s lib erd ad es, não p ro d u z iu u m a única e escassa o b ra jurídica

cia e de ta le n to p e sso a l do q u e d e p o ssibilidades d e acesso a caros tra ta d o s sobre o reg im e d o tra b a lh o escravo.73 E no e n ta n to , ainda rep etin d o Perdi­

de ju ris p ru d ê n c ia , a raros te x to s d e leis c e n te n á ria s e o b sc u ra s, a u m a gão M alheiro, o escravo et&coùa e propriedadep o r um a ficção do nosso direito.
A o fim e ao c a b o , o p ra g m a tis m o , tã o avesso às form ulações m ais
fo rn id a b ib lio te c a d e o b ras de p ra x ista s. P o r o u tro la d o , se é c e rto q u e
a b stra ta s, p o d e re su lta r e m graves efeitos colaterais, e c e rta m e n te foi no
n m código d o p ro cesso fa cilitaria m u itíssim o a elim in ação d a c h ic a n a
Brasil u m dos fatores d a notável a p a tia e om issão d a advocacia com relação
nas a tiv id a d e s forenses, sobre o q u e , e n tã o , ed ific a riam os ju ris ta s e a
a ta n to s d o s p ro b lem as q u e afligiam a so d e d a d e . C om o observou D avid
a lta advocacia sua ascendência m o ral? C om ênfase talvez excessiva, apo a to
T ru b ek n u m im p o rta n te tra b a lh o , “esforços p a ra to m a r o p en sam en to ju rí­
a q u i p a ra a q u e s tã o do c o n tro le d o co n h e c im e n to e d e su a o rg a n iz a ç ão
dico m ais in stru m e n ta l p o d e m fazer a o rd em leg a l cada vez m ais d e p e n d e n ­
social, e p a r a as d is p u ta s in tra p ro fissio n a is q u e ao r e d o r d e la se a rtic u ­
te d o a p a ra to d o E stad o . {T...3 Isto ocorre q u a n d o o in stru m e n ta lism e corrói
la m . A q u e s tã o estev e p re s e n te o n d e q u e t q u e se te n h a d is c u tid o a
codificação d a s leis civis e o n d e q u e r q u e te n h a s u rg id o u m a a d v o cacia ^ “Q u e ro fãilar das leis sobre a escravidão n o Brasil. É sabido q u e quasi nenhum as temos
e stra tific a d a . N o s E sta d o s U n id o s, L a n g d e il a firm a v a q u e os v e rd a d e i­ próprias q u e regulem essa classe, infelizm ente não pouco num erosa da nossa sociedade. A
excepção do direito crim inal e d o processo respectivo, é sabido q u e a legislação m oderna do
ros p e rito s e ra m os p rofessores d e d ire ito e os m a g is tra d o s c u lto s; J a m e s ím perio quasi não tem d ’etla curado f...] Essa m esm a legislação crim inal relativa aos escravos
C . C á rte r, os juizes a q u e m c o m p e tia “d e sc o b rir” n o s c o stu m e s os p r in ­ é digna d e em enda, já em razão das penalidades e classificação dos delictos, já em razão da
forma d o processo. Â m o rte e os açoutes perseguem o escravo. O s recursos lhe são denegados.
c íp io s le g a is ; D a v id D u d le y F ie ld , o c a m p e ã o d o m o v im e n to d e Parece an tes um e n te execrando lançado fora das leis dos hom ens, do q u e um a criatura hum a­
codificação, a v o n ta d e p o p u la r re p re s e n ta d a no le g isla tiv o e n a m a g is ­ n a qu e tenha o direito d e defender-se plenam ente, e de ser p u n id o (quando crim inoso) com
pen a proporcional ao d e líc to e não infam ante. A legislação civil, q u a n to aos escravos, fluctua
tr a tu r a e l e i t a / 7 N o B rasil, A le n c a r b e m p o d e ria t e r d ito q u e os su m o s n o v ago e indefinido. D e m odo q u e , alguns espiritesfortes, apezat de viverem no seculo X IX e
d e professarem a regíigíão deC hristo, não querem v e r no escravo senão ximacousa, exactam ente
sa c e rd o te s d a v e rd a d e ira “ciência” d o D ire ito n ã o e ra m os c u lto re s d e
com o um anim al, ou o u tra sem elhante; preten d em applicar-Ihe, conseguintem ente, a theoria
a b stra ç õ e s ju ríd ic a s (com o T eixeira d e F re ita s, p o r s in a l u m a d v o g a d o geral da propriedade em toda o seu rigor, sem se lem brarem de que o escravo não é cousa pela
natureza, e apenas re p u tad o ta l p o r um a ficção de direito, que sanccionou o facto revoltante da
p ra tic a n te ), n e m as m ed io c rid a d e s q u e e n sin a v a m n a s a c a d e m ias n e m sujeição do hom em ao dom inro d e o u tro hom em . E studar essa m atéria, fixar a sua theoria
o s “c o r r e to r e s d a ju s tiç a ” , e s te s q u e , p a r a u s a r u m a e x p re s s ã o d o acom m údada ao Estado accual da sociedade no seculo em q u e vivemos, aos nossos costum es e
Índole, tem perando o rigor d o direito com a equidade (justiça para o escravo) e com balsamo
re q u in ta d o a n g ió filo J o a q u im N a b u c o , o fe n d ia m o s “deveres d e c a v a ­ da verdadeira e sã philosophia d o christiaoism o, é p o r certo tarefa dig n a do In stitu to . E, em
lh e iro ”, m as a “m a ç o n a ria d e h o n ra ” c o n g re g a d a n o I n s titu to d o s A d v o ­ q u a n to as circunstâncias do p a iz n ão p erm íttem a abolição com pleta da escravidão, seria tam bem
dig n o d ’elle, estudar os m eios e providencias para m elhorar o seu Estado, a sua sorte, preparar
g ad o s B rasileiros, os ju ristas e advogados p ra g m á tic o s com o Jo sé T h o m a z o s escravos para o gozo da liberdade, disp ô r a abolição gradual; até q u e em epocha apropriada
N a b u c o d e A ra ú jo . possa ter lugar a extíneção absofnta d ’esse cancro, introduzido pela cobiça, e q u e nos corroe a
sodedade e a propria industria.”' Bevista do Instituto dos Advogados Brasileiros (sessão magna m 7
M as não e ra ap enas sobre a questão d a codificação das leis civis q u e de setembro ds 1862), A n n o V III, Tbmo V II, o n c/nov/dezem bro de 1870, p- 149- A gostinho
nossos advogados e juristas nad a tin h a m a dizer. Se a legislação civil q u a n to M arques Perdigão M aíheiro foi a exceção qu e confirm a a regra, pois é dele a mais im portante
(e provavelm ente a única) obra jurídica sobre o regim e servil, A escravidão no Brasil: Ensaio
aos escravos flu tu a v a “no vago e indefinido”, p a ra u sa r a expressão d e P erdi- histórico, jurídico, sociaL Petrópoiis: 3* edição, 2 vol. 1976.
7íEm Um estadista do Império- Jo aq u im N abuco duas vezes refere-se, corretam ente, à tradição
antíescravista dos presidentes di> IAB- Coletivam ente o Instituto nunca produziu um único docu­
7 1H orw itz, o p . c it. Tkmbém Harber, op. cit., p p. 2 0 6 -2 IS . m ento contra a escravidão.
a le g itim id a d e d e u m p e n sa m e n to jurídico a u tô n o m o e , c o m o co n seq ü ên ­ d e precedências e regras protocolares serviam com o estra té g ia d e afirm ação
cia» n e g a a juizes, e ad v o g ad o s q u a lq u e r prem issa válida p a ra q u a lq u e r to ­ d e itatus e m otiv av am até m esm o consultas ao C onselho de E stado.77 For­
m a d a de decisão q u e n ã o seja a d e im p le m e n ta r as políticas d o E sta d o ”.74 m alm ente» o IA B d esfru tav a d e m a io r consideração d o q u e associações
N a ausência de' u m sistem a com petitivo e p lu ra lista , o p e n s a m e n to jurídico congêneres e d o u um exem plo: p elo D e c re to n° 6 1 4 2 de 10 de m arço de
fu n d ad o em arg u m e n to s ab strato s e form ais p o d e ser u m m eio m a is efetivo 1 8 7 6 o Suprem o T ribunal de Ju stiça p o d ia to m a r assentos “a requerim ento
d e resistência a to d a s a s fo rm as d e absolutism o e d e d e sp o tism o . feito pelo In s titu to d a O rd em dos A dvogados” (art. 4 o, 3);78 e, reconhecida
a necessidade do assento, o T ribunal “p o d e rá ta m b é m ouvir, q u an d o julgue
conveniente, o In s titu to d a O rd e m do s A dvogados...” (a rt. 6° § 2 0).79
IV
U m a p e q u e n a am ostra das q uestões ag itad as nas sessões do In stitu to
incluiria as seguintes: Código d o Processo C rim inal (1 8 4 4 ), casam ento de
E r a n o I n s t i t u t o d o s A d v o g a d o s B ra sile iro s q u e s e c o n g re g a v a m o s
não-católicas (1848), o Digesto de Corrêa Telíes (1 8 5 l) ,30 a bancarrota (1864),
cavalheiros.75 F u n d a d o e m 1842» o IÀ B assem elhava-se e m certo s aspectos
o R eg im en to das C ustas Judiciárias (1 8 7 2 ), ação de arresto (1872), separa­
à A cadem ia Im p e ria l d e M edicina, so b retu d o nas c o n su lta s q u e lhe fazia o
ção Ig teja-E stad o (1 8 7 3 ), o casam ento civil (1873), a revista n as causas de
governo e m b o ta não desfrutasse do c a rá te r “oficiai" d a A IM . P areciam -se
a lçad a (1 8 7 7 ), o valor jurídico d o te le g ra m a (1 8 9 4 ), lib erd ad e profissional
ta m b é m as d u a s associações n a desconsideração c o m q u e o g o v e rn o recebia
(1 8 9 4 ), refo rm a d o Código Penai (1 8 9 7 ). O regim e d a escravidão m ereceu
os pareceres e relatórios laboriosam ente prep arad o s p o r com issões d e só­
a p en as d u a s sessões (em 1845 e 1887), e o m esm o n ú m ero a codificação das
cios. A o co n trário d a A cadem ia, o In s titu to não recebia subvenção go v ern a­
leis civis (1 8 4 6 e 1888). O IA B evitava escrupulosam ente as questões polí­
m e n ta l; e ta m b é m diferia dela ao se colocar com freq ü ên cia n a defesa dos
ticas, qu ase n u n c a criticava o governo, e alg u n s sócios tin h a m sérias dificul­
interesses d o s advogados — a in d a q u e apenas dos q u e c o m p u n h a m o q u a ­
dades em definir a natureza do In stitu to , considerando-o uns com o “associa­
d ro . Esce interesse e ra quase sem pre o d a “h o n ra ” profissional — u m a o b ­ ção literária”.
sessão q u e levava a “m açonaria d e h o n ra ” a c o m p o rta m e n to s d e absoluto
O re g u la m e n to de 1888 d isp u n h a q u e o IA B fo ra criado para: “ 1) o
non-sense, com o a decisão d e aplicar a u m juiz as n o rm a s disciplinares do
e stu d o d o d ireito , n a sua historia, no seu m ais am plo desenvolvim ento, nas
In s titu to o u a d e re p re se n ta r co n tra o u tro q u e não p e rm itira a u m ad v o g a­
suas aplicações práticas e com paração com os diversos ram os d a legislação
d o fa la r se n ta d o d u ra n te u m a audiência.76 P equenas escaram uças e m to m o
estran g eira; 2 ) a assistência judiciária”, e p o d ia m ser m em b ro s efetivos d o

MD avid M . Trubek,, “T ow ard a Social T heory o f Law: A n Essay o n d ie S tu d y o f Law a n d


D evelopm ent’’. The. Yak: Raw Journal, v. 82, a . 1, novem bro de 1 9 7 2 , p p . 19 -2 1 . Para T fu b ek o 7 7 0 bacharel Ja cin th o José Coelho queixou-se do ju iz m unicipal d e C abo Frio q u e o havia
instrumentalism©,, tam b é m enraizado nas academias de direito, é precisam ente o q u e ainda pro ib id o d e fkfar sentado nas audiências públicas. Consultado sobre esta m om entosa questão,
caracteriza o cam po ju rítfe o a o Brasil. o Conselho d e Estado deu solução ao conflito entre o art. 6 0 do Código do Processo Criminal,
^B revem ente o leitor saberá m u ito mais sobre o IAB e sobre a advocacia brasileira em geral a Oirienaçao (Livro 3 , T itulo 19, § 1) e o Assento d e 7 de junho de 1605 decidindo pelo
através das pesquisas: da D ia . M aria da Gloria Bonelb*, do D ep artam en to d e Ciências Sociais da direito do advogado de falar de p é . Resolução d e 2 6 d e julho de 1856 em Imperiais Resoluções,
Universidade Federal' d ê São Carlos, qu e gentilm ente perm itiu-m e ler o resultado da prim eira o p . c it., vol. I, p . 609.
p arte de suas investigações. A s relações entre profissionalismo e Estado: O Instituto das Advogados ^ In s titu to da Ordem dos Advogados Brasileiros foi o nom e q u e tom ou o IAB com a reform a dos
Brasileiros (1843-1997) e a Ordem dos Advogados do Brasil (1933-1997J, estatutos em 1 S 8 8 ; a freqüência com que a designação foi usada antes desta época aparentem ente
7âQ primeiro mtèroglio’eneosstra-se descrito em cores vivíssimas nas atas das sessões d a s dias 16, 6 zia p a rte da estrategia (malsucedida) para criação da O rdem dos Advogados Brasileiros.
19 e 2 1 á e dezembro de 18 J ] , reproduzidas na Revista do Instituto dosAdvogados Brasileiros, Tomo Tribuna! jamais tom ou qualquer assento.
VIII,. 1871/1880, pp. 2Q J-214. O segundo, de 1901, é m encionado p o r A rm ando Vidàl em “O “ O govem o consulta o Instituto sobre se o Digestoportuguês ou Tratado dos direitos e obrigações civis
In stitu to da Ordem: dbs Advogados Brasileiros”, Livro do Centenário dm CursosJurídicos (1827- emoldado às leis e costumes da nação portuguesa, de jo sé H om em Corrêa Telles, serviria provisoria­
1927), Rio de Janeiro;-Im prensa Nacional, 1928, p . 403. m en te com o o Código Civii do Im pério. Resposta negativa do IAB.
I n s titu to “a s advogados form ados em faculdades d e d ire ito e le g a lm e n te q u e r co n stran g im en ro oficial; pois n este p lano a advocacia, ta l com o a m e ­
h ab ilitad o s q u e , n e ste C orte, fizerem d a advocacia, profissão h a b itu a l".81 O s dicina, e ra de faro u m a profissão livre o u “lib e ta i”. N e m o governo nem
e sta tu to s de 1 8 4 2 , todavia, rezavam q u e a finalidade, da. associação e ra '“o r­ q u a lq u e r associação profissional im p u n h a restrições o u norm as éricas ao seu
ganizar a o rd e m d o s advogados, e m proveito g eral d a scíencia d a ju risp ru ­ exercício exceto, c o m certeza, o s m ag istrad o s a q u e m in cu m b ia v elar p ela
dência", e a. constituição d a O rd em foi, de rato , d esd e o p rim e iro m o m e n to , o b ed iên ciaàs convenções disciplinares d o foto. A penas ocorria q u e sem u m a
o g ran d e projeto d a elite congregada no In s titu to dos A d v o g ad o s B rasilei­ O rd e m a e lite d o IA B considerava “incom pleta” a profissão; m ais do que
ros. Q u a n d o se o lh av a p a ra os E stados U nidos, a advocacia ali parecia aos isso, sentia-se a “m açonaria” d e N ab u co caren te d a p ro teção q u e só u m a
nossos m ais ilu stres causídicos com o desorganizada e falh a d e disciplina, e o organização profissional a u tô n o m a e au to -re g u ia d a po d ia prover.
m odelo d a s In n s o f C o u rt, cujas origens perdiam -se n o s séculos, revelava-se E ste p ro je to seria realizaao e m 19 3 4 , e as te n ta tiv a s m alsu ced id as de
d e m asiad am en te estra n h o p a ra ser copiado. O s franceses, to d av ia, estav am im p le m e n tá -lo d u ra n te o Im p é rio e a R epública V elha são in trig a n te s se
no coração d e to d o s — no coração d a elite brasileira — e n o s tra ta d o s q u e se c o n sid era q u e e m épocas diversas figuras p olíticas d e relevo estiv e ra m
co n stitu íam a fo n te d a c u ltu ra jurídica do B rasil. E era. a Ordrs dss Ávocats
filiadas ao In s titu to : N a b u c o d e A raú jo (seu p resid en te e n tre I S ó ó e 1873),
q u e fascinava com su a tradição d e autonom ia, sua a u to rid a d e ab so lu ta so­ J o a q u im N a b u c o , S ald an h a M a rin h o (p re sid e n te e n tre 18 7 3 e 1 892),
bre os filiados, u m a au to rid ad e q u e beirava ao d esp o tism o e q u e não ra ra F ra n k h n D ó ria (b arão d e L oreto), T íto F ranco, Francisco O c ta v ia n o , J o a ­
vez levara filiados a buscar proteção nos tribunais.32 E ra essa a u to rid a d e q u e q u im Ig n a c io A lvares d e A zevedo, Francisco Ignacio M arco n d es H o m e m
alm ejava o b te r a elite congregada no IA B , até m esm o p a r a subordinar, d is­ d e M ello , Francisco Ig n acio d e C arvalho M o re ira (barão d e P enedo, seu
ciplinar e m oralizar os usos e costum es do foro. N o se u discurso d e posse, o se g u n d o p re sid e n te ), P auíino Jo sé Soares d e Souza (o v isconde d e U r u ­
conselheiro M o n te z u m a , prim eiro presid en te d o In s titu to , lem b rara-se de g u a i) e ta n to s o u tro s c o m p o d e r o u acesso aos círculos d o p o d e r. Pelo
agradecer ao jo v em Im p e ra d o r “pelos actos d e graciosa p ro te ç ã o com q u e se m en o s d u a s te n ta tiv a s fracassaram d u ra n te o Im p ério : o P ro je to n° 45 de
te m dig n ad o favorecer a O rd em , q u e vai ser o rg an izad a e m p ro v eito g e ra l 1851 e o P ro je to n° 9 5 , d e 1 8 8 0 , a p re se n ta d o à C â m a ra p elo s d e p u ta d o s
d o E stado e d a Scíencia d a Ju risp ru d ên cia” ; e ao fin a l observava q u e “nos S ald an h a M a rin h o e B a p tista P ereira.34 É razoável supor, to d a v ia , q u e a
Paises m ais civilizados, os advogados co n stitu em u m a O rd e m in d e p e n d e n ­ criação d a O rd e m interessasse m en o s ju s ta m e n te aos sócios m a is e m in e n ­
te , su ste n ta d a e p ro te g id a pelos poderes Politicos d o E stad o ” .83 E ra , d e fato , te s, àqueles e m cujas carreiras a advocacia o c u p a ra espaço m e n o s signifi­
a p ro teção d o E stado q u e os advogados brasileiros desejavam o b te r p a r a se c ativ o . V indos d a m a g is tra tu ra o u d a p resid ên cia de províncias, no S ena­
to m a re m au tô n o m o s q u an d o organizados n u m a O rd e m in d e p e n d e n te do
d o o u e m trâ n sito p a ta o S enado, n o C onselho d e E stado o u e m trâ n sito
pró p rio E stad o .
p a ta o C onselho, c u m p rin d o u m a tra je tó ria n a q u a l o escritório d e a d v o -
N ã o q u e fossem , o u se sentissem , ind iv id u alm en te to lh id o s p o r q u a l-

^ N a sessão d e 2 0 d e o u tu b ro de 1865 do Conselho de Estado foi discutida a criação da O rdem


dos Advogados e os dem ais conselheiros seguiram o v o to d e José de A lencar para q u em o
^Rsgtdamenia do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros> 1 8 8 8 , art. I o e 16.
projeto apresentado pelo IAB era deficiente, pois "esta m atéria n lo se resum e unicam ente na
S2Q despotism o da Ordre vinha do antigo regim e: ‘'[The Parisian. O td e r] s e t dow n standards o f
ereação d e u m conselho adm inistrativo, e em algum as disposições relativas ás pessoas que
conduct and appearance fo r its members, enforced them w ith draconian discipline [...]. Beyond
podem exercer a advocacia e procuradoria judicial. Em m inha opinião é preciso escrever de
th e oath, a profusion o f treatises, manuals, and orations sponsored b y th e Ordre em phasized th a t
u m a vez o capítulo de nossa O rganização Judiciaria, relativa a procuradores e advogados,
the barrister s every gesture should reflect the sobriety, seriousness, an d ssIRsacrifice o f his calling."
convém com pendiar o que existe, reviver o b o m que caducou sem razão, e revogar o m áo que
D avid A . Bell, op. cit., p p . 35-36. A expulsão do Tableau era um a experiência- hum ilhante que
ainda subsisto pela rotina. E m um a palavra devem -se consignar os direitos e obrigações dos
m uitos encaravam com o u m a m orte civil.
advogados e procuradores em relação ás p a rtes e aos juizes; deve-se regular o exercício desses
^Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros, A nno I, "forno 1 ,1862, p p . 6 9 e I iS -
m isteres d e conform e com asíd éas actuais“. Imperiais Resoluções... op. cit-, vol. II, p . 1.259.
c a d a fre q ü e n te m e n te e ra ap enas o p o n to d e p a rtid a o u a e stação o n d e d o s n a C o rte , e a ú ltim a m a tríc u la o c o rre ra e m 1 8 6 2 .88 M as, a in d a que
tro c a v a m d e destino,, q u a n d o não e r a a fo n te d e re n d a q u e o s su ste n ta v a su p erad o s to d o s estes óbices e ra m b é m a rarefeita a tm o sfe ra o n d e suspira­
n a a lta a d m in istra ç ã o ,85 n ã o h av eriam d e te r fo tte id en tificação c o m ela. v a a elite d o IA B , fa lta ria v e r se o E srado Im p e ria l se disp o ria a conceder
E m o u tro s, o esp írito lib e ra l cen su raria o c a rá te r co m p u lsó rio d a filiação a aos advogados a a u to n o m ia co rp o ra tiv a q u e reivindicavam , vencendo a
u m a O rd e m , e a o s m ais versad o s n a h istó ria d a m a triz fran cesa d e sg o sta ­ desconfiança q u e sem pre n u trira p elas associações civis e ab d ican d o d a
r ia a p ersp ectiv a d e re p ro d u z ir n o B rasil a tira n ia d o bãtonmer.86 F in a l­ p a te rn a l a u to rid a d e q u e m a n tin h a to d a s elas d e p e n d e n te s de suas graças.
m e n te , p a ra a u m e n ta r as p ro b ab ilid ad es d e sucesso do p ro je to d e fu n d ação O ra , n ã o h averia de escapar aos g overnos a h istó ria d e resistências d a
d a O rd e m se ria necessário q u e o p ró p rio In s titu to se fo rtalecesse, o q u e Ordre parisiense ao a rb ítrio , su a trad ição d e in d e p e n d ê n c ia, se u espírito
n u n c a ocorreu.. O ap o io d o s sócios e ra p recário , escassa a fre q ü ê n c ia às belicoso, m as so b retu d o o absoluto co n tro le q u e ela exercia sobre o Tableau.
sessões e h o u v e ép o c a e m q u e ele q u a se se e x tin g u iu no p ró p rio m a ra s ­ E e ste não era, defin itiv am en te, o m o d elo q u e o E sta d o ansiasse p o r p ro ­
m o .87 A d e m a is, 0 I n s titu to p are c e não te r oferecido su ficien te e stím u lo m over.
p a r a a am pliação d o q u a d ro : os s e te n ta sócios efetivos ex iste n te s e m 18 7 0 N e m cedeu o Im pério nem a R epública n o século X IX . M as o projeto
c o rre sp o n d ia m a a p ro x im a d a m e n te 2 9 % d e to d o s os a d v o g a d o s h a b iü ta - d e criação d a O rd e m foi su sten tad o com a m esm a p ertin ácia com q u e os
advogados franceses recuperaram n a Terceira R epública a p le n a a u to n o m ia
p a ra su a corporação.89
83A o ser nom eado em 1851 para o Conselho d e Estado M ontezum a afastou-se d a presidência
d o In stitu to dos Advogados Brasileiros p o r julgar incom patível o “novo em prego” com o “no­
b re officio d e advogado". N abuco de Araújo tom ou atitude inteiram ente oposta ao se r empossado
n a m esm a presidência.es» 18 6 6 , pois "a p e q u en a retribuição do cargo de C onselheiro «TEstado,
retribuição q u e a lei cham a gratificação, m ostra q u e atualm ente esse cargo n ã o é senão u m
accessório d e o u tras profissões”. Adem ais, pe rg u n tav a ele, p o r q u e deveria haver e sta in co m ­
patibilidade apenas para- a advocacia? D e M ontezum a, sessão d e 2 3 d e janeiro d e 1851 n a
Revista do Instzttãa dos. Advogados Brasileiros, A c n o II, Tomo II, n° 1, jan./fev./maícço d e 1 8 6 3 , p.
2 ; d e N abuco d e A raújo, sessão d e 8 de novem bro de 1866 n a Revista do Instituto das Advogados
Brasileiros, A rtno DL, Tbmo V U I, a 1, jan./junho de 1871, p- 141. N a b u co d e A raújo estava
p resen te n a sessão d e 2 3 d e fevereiro d o Conselho d e Estado (u m m ês a n te s d e so a posse na
presidência do IABJcfe qual se registrou o seguinte: “U m Conselheiro de E stado, q u e p o rventura
advogasse, nã o exerceria influencia sobre o espirito de alguns julgadores? Á Let tem e u e bem .
O Conselheiro d e E stzdo é ouvido sobre as queixas q u e se fazem contra os julgadores, a respei­
t a d e suspensão ou; rem oção d e ü e s ,e ás vezes a té sobre a íntelhgencia da Lei o u R egulam entos,
e n in g u ém d uvidara da connexão q u e essas consultas te m com a sorte, e dependencia dos
m agistrados, e p o rta n to dos cidadãos interessados nos pleitos.’* Imperiais Resohíçêes—, ©p. cit.,
vol. H , p . 1.256.
®sO prim eiro leg ã n e n to io te m o do In stitu to já dentava antecipar desenvolvim entos n este sentido,
tão generoso era ele e m m atéria de controles, obrigações e penalidades, ainda que nas condições relaçao nominal dos socios efetivos esta na Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros,
d a época permanecessem letra m o rta. N inguém ousaria penalizar com o a rt. 15 a Conselheiro A n n o V III, Tomo V II, out./nov./dezem brode 1870, p p . 136-137- A relação nom inal dos advo­
N abuco de A ranjo, cobsando-liie u m a m em ória para a biblioteca do In stitu to p o r ausências às gados qualificados está no Almanak Latnonert.
sessões d o Instituto, Õ R egim ento pode ser encontrado na Revista do Instituto dasAdvogados Bra­ ® 0 leitor mais curioso há de perg u n tar como foi afinal criada a O rdem dos Advogados Brasileiros.
sileiros, A n o I, Tom o 1 ,1862, p p . 11-23. Eis o que ocorreu: um discreto art. 17 espertam ente inserido no corpo de um a lei com relação à
wN a sessão m ag n a d e 7 d e setem bro de 1862 perguntava o presidente Perdigão M alheíro sobre qual nenhum a relação tinha, declarava que: “Fica criada a O rdem dos Advogados Brasileiros,
a s causas da falta de. en tusiasm o dos sócios p ela vida da associação. Vício- da. raça latina? orgão de disciplina e selecção da classe dos advogados, que se regerá pelos estatutos que forem
Im possibilidade d e “m m vida puram ente literária” devido a outras ocupações diárias? Falta de votados pelo Instituto dos Advogados Brasileiros, com acoQaboraçãodos Institutos dos Estados,
consciência d o dever? N a sessão de 1 1 de o u tu b ro d e 1866 ele solicitou d isp en sad o cargo apon­ e approvados pelo Governo.” Decreto n° 19408 de 18 d e novembro de 1930 — Reorganiza a
tando o m arasm o d b In stitu to , as sessões esvaziadas, a falta de em penho dos sócios. C orte d e Âppelação [do D istrito Federal] e dá outras providencias.
B eíleg ard e, le n te e e x -d ire to r d a Escola C e n tra l, ex -m in istro d a G u e rra e
d e Viação e O b ra s P úblicas. A m b o s p o ssu em u m a lo n g a fo lh a d e in esti­
m áveis serviços p re sta d o s à M o n a rq u ia , m as à visão d o m arech al B eílegarde
— a fro n te la rg a , a s lo n g a s suíças ne g ra s q u e íh e c h e g a m q u ase ao queixo,
os óculos m iú d o s q u e a te n u a m a m io p ia, as so b ran celh as c errad as n u m a
expressão p re o c u p a d a — ex p erim en to u m e stra n h o se n tim e n to ao p rev er
sua m o rte p a r a dois anos após. T am bém p re se n te o en g e n h e iro Carlos
B ra c o n n o t, te n e n te d a M a rin h a d e tr in ta e u m anos, especialista e m m á ­

A a p o te o s e d e fvlme L abat q u in a s e cald eiras, e q u e esteve re c e n te m e n te afastad o de suas im p o rta n ­


tes funções n o A rse n a l d a C o rte p a ra e m p re e n d e r u m a v iag em d e estu d o s
à E u ro p a . O en g en h eiro B ra c o n n o t conversa a n im a d a m e n te c o m dois co­
leg as d e re p a rtiç ã o , os en g en h eiro s N a p o íe ã o J o ã o B a p tis ta Levei, d ire to r
d e construções navais d o A rsenal d a M arinha, e A n to n io G om es d e M a tto s,
p ro je tis ta e c o n s tru to r d e caldeiras e m á q u in a s a v ap o r, ta m b é m do A rse­
J \ . c o n s tru ç ã o , d e dois p a v im e n to s, é d e a lv e n a ria d e p e d ra - V isto do n a l. A q u e le o u tro cavalheiro q u e se a g ita d e n tro d e s u a e le g a n te casaca,
L a rg o d a Sé d e sta c a m -se as p la tib a n d a s n o te lh a d o e as trê s p o r ta s e n u m a a n im a d a in terlo cu ção com o e n g en h eiro G u ilh e rm e d e Schuch de
jan elas em. a rc o ; no vão c e n tra i, m a is sa lie n te , so b re ssa e m a s g ra n d e s
C a p a n e m a , é o te n e n te - c o ro n e l e n g e n h e iro C h ris ria n o d e A z e re d o
c o lu n a s e o fro n tã o tria n g u la r. E m d a ta d e sc o n h e c id a foi a c re sc e n ta d o o C o u tin h o , in s p e to r d e O b ra s P úblicas d a C o rte . D e n o tá v e l e n tre os de­
belo te rra ç o fro n teiriço com a b a la u s tra d a d e p e d r a la v ra d a . O e stilo m ais p o r suas im p o rta n te s relações nas a lta s esferas d a sociedade d a C or-
neoclássico d o edifício su g e re e q u ilíb rio e d ig n id a d e . P o r s u a e sc a d a ria te , ap en as o conde Rnw asdosky, ta m b é m e n g en h eiro .
m o n u m e n ta l e p e la s ra m p a s la te r a is c h e g a m à E sc o la C e n tr a i p e la
A in d a e m m eio a o b u rb u rin h o das an im a d a s conversas, C a p a n e m a
n o itin h a d o d ia 11 de s e te m b ro d e 18 6 2 d e z o ito cav a lh e iro s q u e lo g o se so b e ao pro scên io e , lad ead o a u m a a m p la m esa p elas d u a s em inências
re ú n e m n o Salão d a C o n g reg ação no p a v im e n to s u p e rio r. C o n v id o o im periais, d a inicio aos tra b a lh o s. D o q u e disse e n tã o u m a a ta re g is tro u o
le ito r a o b se rv á -lo s.
se g u in te : O Sr. C ap an em a, p ed in d o a p alav ra, fez v e r o s fin s com que
E n v e rg a m s u a m e lh o r casaca os m a is ve ih o s, e os m a is jo v en s a d e ri­
trn h a convidado a s srs. E ngenheiros p re se n te s seus colegas p a ra aq u e la
ra m a o paletot} Á u m deles, o m a is idoso e d e s e m b la n te severo, to d o s se re u n iã o ; q u e , se n tin d o h á m u ito te m p o a g ra n d e conveniência d e q u e os
dirigem , re sp e ito sa m e n te e com esp ecial d eferên cia, pois se t r a t a d o conse­
e n g en h eiro s brasileiros form assem u m c e n tro , o n d e liv rem en te p u d essem
lh eiro M a n o e l F elizardo de Souza e M ello, se n a d o r do Im p é rio , a n tig o
co n v ersar a resp eito d a s m até ria s concernentes à profissão, p a te n te a ra esse
lente d a A cad em ia M ilitar, ex-m inistro d a M a r in h a e d a G u e rra . N ã o m en o s
se u Inteiro desejo aos srs. Levei, M a tto s e B ra c o n n o t, os q u a is in te ira m e n ­
reverenciado p elo s cavalheiros m ais jovens, e m b o ra não te n h a a in d a ch e­
te o c o m p a rtilh a ra m , nascendo a idéia d e q u a n to a n te s satisfazê-lo. Q u e
g a d o à c a sa d o s se sse n ta anos, é o m a re c h a l D r . P edro d e A lc â n ta ra
to d o s os seus colegas reconheciam a g ra n d e v a n ta g e m q u e dessas m o d e s­
ta s reuniões tirariam n ó s o s engenheiros, q u e a m u ito s respeitos a nossa
uso absoluto dk casaca ia tam bém decaindo. E m 1862. já. os representantes da nação iam às a rte vive as escuras, so b retu d o em m a té ria d e o rç a m e n to , tra z e n d o cada
sessões d a câm ara d e paklot...". W anderley Pinho, c p . cir., p . 303-
q u a l ao c o n h ecim en to d e to d o s, as suas p ró p ria s, o u alheias observações,
q u e r a re sp e ito d e o b ra s, de q u e p o rv e n tu ra fosse e n c a rre g a d o , q u e r colhi­ A cadem ia R eal M ilitar, e com u m currículo q u e vale u m breve co m e n tá rio .
d a s e m países e stra n g e iro s, o u m esm o tira d a s d e jo rn ais q u e tra ta s s e m de Todo o curso tin h a a duração d e sete anos, m as so m en te no últim o co m p a ­
c o n stru ç õ e s e stra n g e ira s, cujo co n h e c im e n to n o s in teressasse. E sperava reciam disciplinas típicas d a en g en h aria civil: A rq u ite tu ra , H idráulica, C ons­
q u e seus co leg as, c o n fo rm an d o -se c o m essas idéias, n a d a p o u p a ria m em tru ção . A té o q u a rto a n o a form ação dos estu d a n te s era fo rte m e n te o rie n ta ­
seus esforços p a ra a cooperação do b o m êx ito d e tã o ú til sociedade. P ro p u ­ d a p a ra as M atem áticas e p a ra as Ciências físicas; n o q u in to e no sexto
n h a q u e essa se den o m in asse In s titu to d o s E n g e n h e iro s, e q u e suas re u ­ en trav am disciplinas características d a form ação m ilitar: Fortificação, T á ti­
niões se fizessem às Q u in tas-feiras d e 6 Vz às o ito d a n o ite , e e m u m d o s ca, E stratég ia, A rtilh a ria e o u tra s de idêntica n a tu re z a . O m ilita r o u o civil
s a iõ e s d a E s c o ia C e n tra l, q u e p o r o r d e m d o g o v e rn o im p e ria l fo ra q u e preferisse cu rsar apenas o s prim eiros q u a tro anos recebia o títu lo de
fra n q u e a d a p a r a esse fim ”.2 O fu tu ro b a rã o d e C a p a n e m a an u n c ia v a n a ­ bacharel e , cursando-os com distinção, o d e d o u to r e m M atem áticas e C iên­
quela. n o ite o n asc im e n to d o In s titu to P o ly tech n ico B razileiro, a p rim e ira cias Físicas e N a tu ra is.
associação d e en g e n h e iro s c riad a no p a ís. O D e c re to n ° 2 1 1 6 d e I o d e m a rç o d e 1 8 5 8 tro u x e u m a im p o rta n te
M as e s to u m e ad ian tan d o n u m a histó ria q u e te m início décadas atrás. a lte ra ç ão no e n sin o d e e n g e n h a ria c o m a criação d a E scola C e n tra l. A
E scola tin h a o rg an ização b a s ta n te s e m e lh a n te à d e s u a a n te c e sso ra : os
q u a tto p rim e iro s a n o s d e d ic a d o s às m a te m á tic a s e à s ciências; o s dois
II ú ltim o s , à E n g e n h a ria C ivil. H a v ia m d e sa p a re cid o as disc ip lin a s m ilita ­
res, e a E sco la C e n tr a l foi, d e fa to , u m a escola civil c o m d isc ip lin a m ili­
A econom ia d o Im p ério , p re d o m in a n te m e n te a g ro e x p o rta d o ra e fu n d a d a
ta r e so b o c o n tro le d o M in isté rio d a G u e rra . M as n o s ú ltim o s d o is anos
n o tra b a lh o escravo, pouco necessitava do concurso da s ocupações técnicas. p o d ia m a g o ra os e s tu d a n te s fam iliarizar-se co m m a té ria s c o m o a te rro s e
A s poucas escolas d e “artes e ofídos” q u e h aviam sido criadas nã o p ro sp e ra ­
dessecação d e p â n ta n o s , e n c a n a m e n to d e á g u a s, v ia s fé rre a s, re g im e e
ra m , po is d estin av am -se m ais à in stru ção d e órfãos, aos filhos d e escravos e m e lh o ria d o s p o rc o s e o u tra s q u e in te re ssa v a m v iv a m e n te ao p a ís. C u m ­
a o u tr a s espécies d e desvalidos sociais, e m m a is u m a m a n ife sta ç ão do p rid o s o s seis a n o s d e e s tu d o s , o s e g re sso s d a E scola faziam ju s ao títu lo
d e sp restíg io d a s atividades “m ecânicas”.3 N e ste a m b ie n te adverso s u rg iu a d e E n g en h eiro Civil; ap enas os q u a tro p rim eiro s anos d e cursos científicos,
en g en h aria brasileira, a terceira d a s trê s g ra n d e s profissões a se o rg a n iz a r no
ao títu lo d e b a c h a re l o u d o u to r e m M a te m á tic a s e C iências Físicas o u
século X IX . C iências N a tu r a is .
Peía. lis ta d o s p resen tes à reunião convocada p o r C a p a n e m a o le ito r n o ­ E m 18 7 4 su rg iu a Escola P olytechnica q u e era, d e fato , a C e n tra l com
ta r ia a p red o m in ân cia de m ilitares, e a razão é q u e a en g e n h a ria civil m a l o u tro nom e e ag o ra so b a jurisdição d o M inistério do Im p é rio . O D e c re to n°
com eçara a e x istir n o p aís. P ara n ã o re c u a r dem asiado n o te m p o , registro 5 6 0 0 d e 2 5 d e abril d este m esm o ano dava-lhe e s ta tu to s e organizava-a em
q u e a Escola M ilita r d a C o rte foi c riad a e m 1 8 3 9 , e m su b stitu ição à a n tig a seis cursos: o G e ra i, o d e Ciências Físicas e M atem áticas, o de Ciências Físi­
cas e N a tu ra is, o d e E n g en h aria Civil, o u tro d e M in as e ain d a o u tro de A rtes
2D a ata de fundação d o In stitu to Polytechnico Brazileiro, e m Revista do Instituto Pofyteabnico
Brazileirv, 'Forno S I , fevereiro de 1874, Parte III, p . 5 1 -6 7 . A revista com eçou a ser publicada e M an u fatu ras. O s trê s prim eiros tin h a m ca d a u m a du ração d e dois anos;
e m 1 8 6 7 , cinco an o s após a fundação d o In stitu to , transcrevendo desde então as atas das os se g u in te s, d e trê s . Ã aprovação n o s d o is p rim e iro s cursos especiais
sessões dos anos anteriores. Indicarei s dada das sessões referidas n o texto, reg istrando os
n ú m ero s da. R evista e m q u e foram transcritas as respectivas atas apenas quando for necessário (“científicos") levava ao títu lo d e B acharel, e com a defesa d e tese ao de
o u conveniente e ste procedim ento. D o u to r; além d a obtenção d e u m a “c a rta de habilitação”. A conclusão dos
3Sobre estas escolas e su a clientela ver Celso Suckow da Fonseca, História do ensino industrial no
Brasil. Rio d e Janeiro: SEN A I, I o volume, 1986. dem ais cursos especiais dava o títu lo d e E ngenheiro.
 P olytechnica viria a sofrer várias alterações, in d u siv e c o m fo rte oposi­
le n ta expansão d a “cu ltu ra escolar ” nas engenharias inglesa e am ericana.5
ção d o corpo a o c e n te d u ra n te a R epública, m a s n a d a q u e m u d asse radical­
Sim plesm ente não havia no Brasil com petência técnica p a ra d a r coaca des­
m e n te a n atu re z a d o ensino e o cipo d e en g enheiro q u e fo rm ava. A s distin ­
ses em preendim entos.6 J á nos anos 6 0 e 7 0 era curioso o b serv ar os e n g e ­
ções d e g ra u s acadêm icos, um a espéde de h ie ra rq u ia In telectu al, sugerem
nheiros brasileiros, dip lo m a no bolso e a n el d e g ra u no d ed o , subordinados,
c o rre ta m e n te que o ensino era excessivam ente livresco, teórico e enciclopé­
nos canteiros d e o b ras, à autoridade técnica dos “p rático s” estrangeiros.
d ico, e e s ta defidencia foi escassam ente re m e d ia d a pelas sucessivas reform as
U m a im agem m ais precisa, e n tre ta n to , re trataria a m aior p ro p o rção d e nos­
curriculares- E stas características, so b re tu d o a im p o rtân cia e individualida­
sos engenheiros às v o ltas com atividades b em m enos “m ecânicas”: exam i­
d e d o s “cursos científicos”, provavelm ente tin h a m a v e r c o m o fa to d e q u e o
n an d o c o n tra to s d o governo, fiscalizando obras públicas, p rep aran d o rela­
m odelo p a ra a Polytechnica, e e m razoável m e d id a ta m b é m p a r a a a n tig a
tórios e pareceres técnicos, u m pouco com o faziam os engenheiros dos corps
Escola C e n tra l, tin h a sido a Ecole Polytechoique d e Paris com se u currículo
oficiais franceses. A p ro p ó sito , é b o m lem b rar q u e a Écoie Polytechnique de
c en trad o o a s m atem áticas — sím bolo d e superioridade in te le c tu a l e d e p res­
Paris foi a sucessora e m lin h a d ire ta das Ecoles d e T ravaux P ubliques de
tígio so c ia l— e u m a rasa preocupação com p ro b le m a s p rático s o u Im edia­
1792.
tos.4 Seja com o for, o fato é q u e a educação dos p rim eiros engenheiros,
ran to s os d a C e n tra l q u a n to os d a Polytechnica, p erm an eceria p o r u m largo
p erío d o tecnicam ente irrelevante p a ra o s tra b a lh o s p a r a o s q u a is seriam I!
convocados. f*al este o caso d a construção d e ferrovias, iniciada p o r v o lta d e
1852 e im pulsionada nos anos 60 peia crescente d e m a n d a d e tra n sp o rte d a Com o em oucras sociedades, ta m b é m n o Brasil a engenharia, ao contrário
c u ltu ra cafeeira. A o m esm o te m p o , o co n tín u o a d en sam en to dem ográfico d a m edicina e d a advocacia, nasceu com o u m a profissão assalariada. N a
nos p rincipais cen tro s urbanos com eçara a so ficitaro b ras d e infra -e stru tu ra . m ed id a em q u e a Polytechnica fo rm av a seus engenheiros civis, a burocracia
E stes projetos e o b ra s d e engenharia e de construção civil d e g ra n d e p o rte im perial os absorvia com o o principal, senão único, em p reg ad o r. A alte rn a ­
— e stra d a s d e ferro, redes de esgoto, ilum inação pública, estações ferroviá­ tiva p a ra os m ais am biciosos era co n stru ir u m a carreira em presarial, escolha
rias, etc. — foram en treg u es a ingleses e , e m m e n o r escala, a am ericanos, a q u e n u m a sociedade agrária e p ré -in d u stria l via d e re g ra levava apenas à
g ra n d e m aioria deles sem títu lo s acadêm icos d a d a a im p la n ta ç ã o ta rd ia e a

5Q surgim ento tardio da “cultura escolar” n a engenharia inglesa pode ser comprovado em R.
A . Buchanan, “The Rise o f Scientific E ngineering in Britain”. British Journalfo r the History o f
‘‘São vários os. estudos q u e ressaltam o caráter teórico do ensino na École Polytechnique. Ver,
e n tre ou tro s, Eda. K ranakis, “Social determ inants o f engineering practice: a. com parative view
Science, v. 18, 1 985, p p - 2 1 8 -2 3 3 . Segundo Buchanan, somados os inscritos no Institution o f
Civil Engineers e n o In stitu tio n o f Mechanical Engineers, havia p erto de mil engenheiros no
o f France a n d America in th e nin eteen th century '".SocialStudies o f Scknce, vo l. 19, 1989, 5-70;
pais em 1850 ‘an d virtually all these ’professional’ engineers had acquired th eir skills b y a
Terry C h in n , “D e s Corps de l’E tat aux secteur industriel: genèse de la profession d'ingénieur,
process o f pupilage in th e office o f an e a s tin g engineer, in a m an n er derived directly from
1 750-1920'’. Revue Française de Sociologie, X IX , janeiro/m arço de 18-78, p p . 3 9 -7 1 . A resistên­
tim e-hallowed experience o f the practical train in g o f apprenticeship" (p. 2 1 9 ). Ver tam bém
cia d a École Polytechnique a m udanças n o seu “estilo" foi estudada, p o r lee ry Shinn, “Reactionary
A nna G uagnim , "La form ation des ingénieurs en G rand-B retagne à la fin du X IX e. siècle”.
technologists: th e stru g g le over the École Polytechnique, 1880-1914". Minerva, vol. X X ÏÏ, a .
Culture Technique, 12, 1984, pp. 292-303- A predom inância dos ingleses no Brasil explicava-se
3 -4 , 1 9 8 4 , p p . 329-345- As necessidades do processo de industrialização foram atendidas po r
pelo fato de qu e vinham da Inglatetra os capitais necessários aos em preendim entos.
in stitu to s de formação técnica, como as Écoles d ’A rts e t M étiers das quais a m ais famosa foi a
^Praticamente todos os cais dosportos das principais capitais m arítim as do Brasil foram obras de
Ecole C entrale des. A rts e t M anufactures. Ver C . R. Day, “T he m ak in g o f m echanical engineers
engenheiros e de empresas estrangeiras. E ntre estas grandes obras, a exceção foi a construção de
in France: th e Écoles d ’A rts e t Métiers, ! 803 T 9 1 4 " . French Historical Studies, v. 1 0 ,1 9 7 8 ,p p.
u m cais no porto de Santos que perm itia a atracação de vapores transoceânicos, a prim eira
4 3 9 -4 6 0 ; G oran A hlstrom , “H igher technical education and th e en g in eerin g profession in
concedida pelo governo a um a empresa nacional em 1886, a Cia. Melhoramentos do Porto de
France a n d G erm any d u rin g th e 19th cencury”. Economy and History, vol. X X I, 2 , 1978, p p .
51-88. Santos. Ver Milton Vargas, ‘A engenharia civil na República Velha”. Em M ilton Vargas (org.),
História da técnica e da tecnologia no Brasil. São Paulo: Editora Unesp, 1994, p p . 189-209.
fru stração . S em recursos próprios, d ep e n d e n te s d e favores d o governo e às nava estrangeiros, e ad m itia ao C orpo d e E ngenheiros os “q u e tiv erem o
v o ltas com a crônica,escassez de capitais e d e sócios p a ra o s em p reen d im en ­ curso d a ex tin ta academ ia o u d a a c tu a l escola de m a rin h a ” d esd e q u e pres­
to s, p o u co s fo ra m os q u e obtiveram a lg u m sucesso.7 A g ra n d e m aio ria era tassem pro v a especial de habilitação com o engenheiros civis.9
ab so rv id a p e la burocracia im perial, que g e ra lm e n te os encam in h av a p a ra o A p a re n te m e n te a legislação re g u la tó ria era iniciativa exclusivam ente
se to r ferroviário. g o v ern am en tal, em b o ra u m o u o u tro engenheiro de m aior p re stíg io p u d es­
E ra natural,, assim , q u e as prim eiras leis so b re o exercício d a en g en h aria se ocasionalm ente re d a m a r reg u lam en to s m ais rigorosos q u e excluíssem os
se d e stin a sse m a re g u la r se u em p reg o no serviço p ú b lic o . F oi precisam ente “co n stru to res” e os m estres-de-obras d o estreito m ercado d e construções.
o q u e o c o rre u e m 1 8 6 2 com a criação d e u m C o rp o d e E n g en h eiro s civis Se e ra necessário o d ip lo m a p a ra curar, p re p a ra r m ed icam en to o u extrair
d e n tro d a S ecretaria d a A g ric u ltu ra , C om ércio e O b ra s P úblicas.8 O decreto d en tes, p o r q u e não exigir o m esm o p a ra o exercício da profissão de “cons­
q u e lh e d a v a u m R eg u lam en to ad m itia p a ra as posições d e In s p e to r G eral e tru to r” ?, p e rg u n ta v a L uis R a p h a e l V ieira S outo. P o r q u e p e rm itir q u e se
d e E n g e n h e iro ap enas os q u e tivessem o curso d a Escola C e n tra l o u o das arvore em engenheiro q u a lq u e r m estre-d e-o b ras, sujeitando os cidadãos aos
a n tig a s A c a d e m ia e E scola M ilitar, o u a in d a o s q u e ap resen tassem títu lo s de riscos d e d esab am en to d e prédios e preju d ican d o a higiene civil e o bem -
escolas e stra n g e ira s acreditadas (art. I o §4), p e rm itid o o em p re g o ta m b é m e s ta r d a população?10 N ã o o b s ta n te a referência, engenheiros com o Vieira
d e estrangeiros; d e sd e q u e tivessem a “necessaria a p tid ã o e reconhecido Souto tin h a m escasso interesse neste m ercado, g eralm ente de construção de-
m erecim en to ” ( a r t .l ° §5); m as n este caso n ã o fazia o R eg u la m e n to referên­ m oradias, peq u en o s sobrados e edificações de sem elhante escala. S eu hori­
c ia a cu rso s form ais, a títu lo s acadêm icos o u a q u a lq u e r o u tro critério de z o n te era m ais vasto: ob ras públicas d e san eam en to , co n ju n to s p a ra h a b ita ­
a p tid ã o o u d e com petência. U m novo R eg u la m e n to , d e 1 8 7 1 , não m e n d o - ção p opular, ate rra m en to s e d e s m o n te d e m o rro s; obras, e m su m a , d e m aior
p o rte e qu e reclam avam generosos investim entos. Inclusive era n este te rre ­
7Ã s frustrações d a engenheiro A ndré Rebouças foram narradas carinhosam ente p o r M aria Alice
no q u e os engenheiros p o d ia m ev e n tu a lm e n te d e m o n stra r sua superiorida­
d e Carvalho em. & quinto século: André Rebouças e a construção do Brasil. Rio de Janeiro: Revan/
IU PERJ, 1 9 9 8 . M ariaA lice nao se d e u conta, todavia, da nzvaiszagaucbe do q u e ela cham a de d e técnica sobre os “construtores” e sobre os m estres-de-obras. N ã o o b stan te,
“ianquism o” d o insigne engenheiro. A insistência com q u e Rebouças b a tia à p o rta d os gabine­ m esm o n a escala m e n o r trata v a -se d e m o s tra r q u e u n s e o u tro s edificavam
te s ministeriais, q u a a d o nã o im portunava o próprio Im perador com queixas pessoais ou com
solicitações d e fãwotes, contrasta vivam ente com a carreira dos prim eiros “engenheiros” mecâ­ casas m a l v entiladas, deficientes e m ilum inação n a tu ra l, anti-higiênicas e
nicos am ericanos, m iríada sem títu lo s acadêmicos e sem patro cín io oficial nas oficinas de fabri­ d estitu íd as d e q u a lq u e r estílo o u q u alid ad es estéticas. M as e m am bas as
cação o u de re p aro d e m áquinas; ou co rn ad o s “engenheiros” civis iniciada em cargos gerenciais
assalariados nas em presas privadas. D e feto, nada m enos conform e ao espírito de u m genuíno escalas, iam tra ta n d o os engenheiros d e vincular sua profissão aos tem as
“ianquism o” d o q u e o com portam ento do nosso ilustre engenheiro- E n ão poderia ser diferente sem pre candentes do saneam ento e d a higiene p ública, acrescentando-lhes
n a época, ainda q u e © p róprio Rebouças não o perceba e se deixe em b alar p o r um a im agem
n eg ativ a e razoavelm ente equivocada de seus colegas e p o r o u tra extrem am ente lisonjeira de si o co m p o n en te d a estética u rb a n a . M as n e m to d o s seguiam V ieira Souto.
m esm o: a d o eogenlsãnoinodem o e em preendedor n u m a socfedadette acom odados engenheiros
A n d ré R ebouças m anifestou-se e m m ais d e u m a o p o rtu n id a d e favorável à
burocratas. Registro, st propósito, q u e as biografias d e Rebouças e seus próprios escritos sugerem
inequívocos traços d e paranóia. Sobre "ianquismo" ele teria m u ito o q u e a p ren d er com o amigo liberdade de profissão no sentido m ais am p lo , e A arão Reis aprovava o faro
q u e registrou: o se g u in te sobre a socialização das crianças americanas: "N ão h á p orém , no
de q u e “a carreira d e en g enheiro e stá, felizm ente, e n tre g u e à livre con-
m u n d o u m a escola igual a essa para se aprendet o qu e , d o ta e m dian te pelo m enos, é o mais
im p o rta n te d o s preparatórios da v id a — a a rte de contar consigo só.”Jo a q u im N abuco, Mtnha
formação, o p . cíc. p . 193- Sobre os engenheiros am ericanos v e t D an iel C alhoun, The American
C ivil Engineer: íh ig izs and C m flkt. C am bridge, Mass.: M IT Press, 1960; M o n te Calvert, The ^Decreto n ° 46 9 6 d e 16 de fevereiro d e 1871 — A pprova o novo R egulam ento d o Corpo de
Mechankal Engineer m America, 2830-1910: Prafessional Cultores in Conflkt. Baltim ore: Jo h n s Engenheiros Civis.
H opkrns U niversity Press, 1967- ,0Raphael Vieira Souto, O melhoramento da Cidade do Rio deJaneiro. Critica dos trabalhos da respectiva
8Decset® s f 2 9 2 2 d e í D d e m aio de 1862 — Crêa um Corpo de Engenheiros civis ao serviço do Commissão. — Coikção de artigospublkados noJom al do Commercio de 23 de fevereiro a 15 de abril de
M inistério ek. Agricuizm a, Com mercio e O bras Publicas, e approva o respectivo Regulam ento. 1875. — Rio de Janeiro: Lino Teixeira & C., 1875, pp- 71-72.
cutrencía, não í privilegiada”, q u eren d o d íz e r q u e o diplom a, ao co n trário III
do q u e ocorria n am edícm a-e n a advocacia, não g a ra n tia m ono p ó lio d e m e r­
cado.11 Seja c o m o for, p e lo D ecreto n° 30 0 1 d e 9 de o u tu b ro de 1 8 8 0 v o lto u o
M esm o e n tre engenheiros que, como Vieira S outo, v ia m necessidade de g o v ern o a estabelecer o títu lo acadêm ico co m o requisito p a ra o p reen ch i­
regulação profissional, a reação à concorrência d e "práticos"' ra ra m e n te m e n to d e cargos técnicos n a adm inistração im perial, ta n to p a ra os nacio­
produzia reg istro s exacerbados à m an eira d o s m édicos. O ra , o s m édicos n ais q u a n to p a ra os estran g eiro s.15 Todavia logo se d e u c o n ta das graves
satisfazem u m a necessidade v ital e universal d e consum idores individuais inconveniências do D ecreto nos term os d a seg u in te co n su lta ao C onselho
de seus serviços e a d e m a n d a é v irtu a lm e n te ilim ita d a , ain d a q u e sensível ao d e E sta d o : “N ão havendo n a In g la te rra escolas d e en g en h aria q u e confiram
p adrão ou a variações n o p adrão de v ida d a pop u lação . E não se p o d e esque­ d ip lo m a s officiais, p ó d e o G overno Im p e ria l, á vista do q u e prescreve o
cer q u e existe n a m edicina e ste co m p o n en te essencial q u e a diferencia ta n to a t a d o a r t. I o d a L ei 30 0 1 de 9 d e o u ru b ro d e 1880, aceitar com o titu lo
de o u tra s profissões: a relação im ediata, in d ividualizada e ín tim a com o cientifico d e capacidade d o s E ngenheiros inglezes o d ip lo m a d e m e m b ro ou
p aciente, u m a d a s fontes do p o d e r profissional. O mercado- d e serviços de s o d a d o In s titu to d o s E ngenheiros d v ls d e Londres?” Pode, resp o n d eu o
engenharia reage m ais ao nrvel dos investim entos públicos e. p riv ad o s e aos C onselho, sendo naquelle paiz m elh o r titu lo de aptidão a p ra tic a profissio­
ciclos econôm icos, e o consum idor final ra ra m e n te é q u e m o s c o n tra ta o u n a l, q u a n d o se tr a ta d e serviços com o o s d o s E ngenheiros, em q u e , m ais do
c o m p ra; e n tre o engenheiro e o consum idor final d o s serviços in te rp õ e m -se q u e as theorias e especulações scientificas, valem a experiencia e o exercido
o u o E stado ou. a em presa privada, o u am b o s. P a ra a en g e n h a ria o m o n o p ó ­ d iu tu rn o d a profissão... E ssencialm ente p rá tic o s, os inglezes p referem ás
lio o u quase-m onopóíio d o m ercado soluciona fiação m e n o r d o p ro b le m a , grad u açõ es acadêm icas a p ra tic a d a en g en h aria com o titu lo d e habilitação
visto q u e o co m p o rtam en to d a d em an d a d ep en d e d o nível a g re g a d o dos profissional .14 P o r p o u co não a d m itiram os conselheiros q u e os cursos,
in v estim en to s. Isso posto, o prestígio social d a profissão te m n o rm a lm e n te d ip lo m a s, títu lo s e anéis d e g ra u d a Escola Polycechnica e ra m m eros ador­
sido o fa to r q u e g e ta a insegurança nos profissionais e lh es in c u te u m a ex­ nos d e u m a form ação profissional equivocada e in ú til.
tre m a d a preocupação com m obilidade social. A in d a assim , o m ono p ó lio E n q u a n to isso, o exercido d a engenharia no se to r privado perm anecia
p o d e ser e m d e te rm in a d a s circu n stân cias u m a eficaz d e fe sa c o n tr a as d esreg u lad o . N a construção d e m oradias c o n tin u a ra m dom in an d o os m es-
flutuações econôm icas. A despeito de su a satisfação c o m a lib e rd a d e de tre s-d e -o b ra s, exím ios n a aplicação d e técnicas sim ples, m as perfeitam en te
m ercado, A a r ío Reis não deixava d e se expressar c o m dose apreciável de a d a p ta d a s às condições e necessidades locais.15 A s obras m o n u m en tais o u os
a m b ig ü id ad e ao n o ta r q u e “os diplom as d a nossa escola d e e n g e n h a ria não p alacetes residenciais d ep en d iam d a “a rte ” em p írica dos estran g eiro s, inclu-
conferem d e facto privilegio a lg u m ; pois, n ã o só as em p rezas p a rtic u la res
não se e m b araçam com eíles e a té n e m lhes d ã o o valor q u e re a lm e n te m e ­ a D e c re ro n o 3001 de 9 de o utubro de 1 8 8 0 — Estabelece os requisitos q u e devera satisfazer os
E ngenheiros G v is, G eographos, Agrim ensores e os Bacharéis formados em m athem aticas,
recem , com o o p ró p rio governo não lhes lig a a m ín im a im p o rtâ n c ia e tr a ta nacionais ou estrangeires, para p oderem exercer em prego ou conunissões de nom eação do
G o v ssio .
m esm o de desconsiderai-os, p a te n te a n d o a nem u m a confiança q u e lh e in s­
64D ecreto n ° 8 1 5 9 de 1 de julho de 1881 ——Consulta, a q u e se re fe re o Decreto n ° 8 1 5 9 de I de
p iram ” .12 ju lh o de 1881 — Declara que, n a expressão-“carta, de habilitação scientifica" a q u e se refere o
art. I d a Lei n 3001 de 9 de o utubro d e 1880, se comprehendem os diplom as de m em bro
eSétivo d o Instituto dos Engenheiros civis de Londres.
“ E m São Paulo, com a intensificação da imigração ítafiana a p a rtir de 1874, ruas inteiras foram
uAarão Leal de Carvalho Rêis,A ItssSrucção superior na Império. Rio d e Ja n e iro ; Tÿp. d e D o m in ­ co naruidas p o r mestres-de-obra italianos, muitos dos quais se tornariam proprietários de cons­
gos Luiz dos Santos, IS 7 5 , D. 41- trutoras. A nita Salmont e Em m a Debenedem,Arquitetura italiana em São Pado. São Paulo: Pers­
!2Iderat ibidem , p . 41- pectiva, 1 981, especialmente p p . 56-73..
sive p a ra a in tro d u ção de novos m ateriais d e c o n stru ção . E m v ista disso, o IV
I n s titu to Po-iytechntc© B razileiro, a m esm íssim a associação q u e e m 1862 o
b arão d e C a p a n e m a p en sara b a tiz a r com n o m e diverso, oficiou e m 18 8 8 ao M a s o to m d a reivindicação e ra o a d e q u a d o à n a tu re z a d o I n s titu to
m in istro d a A g ric u ltu ra , C om m ercio e O b ras Publicas su g erin d o q u e fosse Poíytechnico, criado com o u m a associação dedicada ao e stu d o d e tem as téc-
exigido o d ip lo m a o u a carta de habilitação p a ra a p rá tic a d a en g e n h a ria e nico-científicos, não com o entidade representativa d e interesses corporativos.
d a a rq u itetu ra, n a s cidades m ais im p o rta n te s d o Im p é rio , e q u e a construção Á m a n e ira d e o u tra s associações assem elhadas e m q u e foi fecundo o Im p é ­
e reco n stru ção d e casas nestas cidades fossem au to rizad as exclusivam ente rio, ta m b é m o In s titu to destinava-se à difusão d a s luzes d a G ên cia. O a rt.
m e d ia n te a ap resentação d e p ro je to s elab o rad o s p o r en g e n h e iro s e a rq u ite ­ I o d o s E sta tu to s de 1862 estabelecia q u e seus p ro p ó sito s eram “o estu d o e a
to s le g a lm e n te qualificados p o r títu lo acadêm ico. O ofício le m b ra v a ao m i­ difusão d o s conhecim entos teóricos e práticos d o s d iferentes ram os d a E n ­
n istro q u e a exigência d o d ip lo m a e m itid o p o r faculdade o u p o r escola supe­ g en h aria, e d a s ciências e artes accessorias”. N o discurso d e posse, n a sessão
rio r já e ra u m a p rá tic a con sag rad a n a m edicina e nas profissões d o direito, d e 19 d e m arço d e 1 8 6 7 , o conde d B u , seu p resid en te a té a q u e d a d a m o ­
q u e e ra ju sto este n d ê -la à en g en h aria, acrescentando q u e e m b o ra a Lei n° n arq u ia , in clu iu a associação e n tre as q u e “v o lu n ta ria m e n te se ded icam à
3 0 0 1 d e 9 d e o u tu b ro d e 1 8 8 0 houvesse regulado a m a té ria n o aspecto discussão d a s m a té ria s cientificas”, m a s alertan d o os sócios p a ra q u e não
relativo a o exercido d e em p reg o s e com issões d o g o v e rn o c e n tra l, pouco restrin g issem os estu d o s apenas “aos conhecim entos gerais d e n a tu re z a
havia a d ia n ta d o essa providência à fe ita de definição d a s áreas especializadas especulativa”, lem brando “o auxilio q u e ao governo im perial p o d e m p re s ta r
d e a tu a ç ã o d o s diversos profissionais (arq u iteto s, ag rim en so res, bacharéis as luzes d o In s titu to em assuntos q u e perte n ç a m aos tra b a lh o s públicos o u
e m m a te m á tic a s, en g en h eiro s civis, etc.), alé m d o q u e a reg u lam en tação com estes te n h a m relação”.18
n ã o tin h a força d e lei p e ra n te a s câm aras m u n icip ais.16 M as e ra chocho o A o fim e ao c a b o , o q u e c a ra c te riz o u os tr a b a lh o s d o I n s titu to
to m d a reivindicação, falta v a ênfase ao ofício, u m d o c u m e n to q u ase enver­ P oíytechnico foi a abrangência d o s interesses. N isto se refletia c laram en te o
g o n h a d o e , d e fe to , houve sócio d o In s titu to q u e lem b rasse o princípio d a enrieiopedism o d a form ação ad q u irid a n a E scola C en trai e n a Polytechnica.
lib e rd a d e pro fissio n al p a ra se o p o r à re g u la m e n ta ç ã o , c o m o fez A n d ré O c aráter a b stra to o u teórico das m em órias e d o s d eb ates devia-se n ã o so­
R ebouças.17 m e n te à presen ça dos doutores e m m atem áticas e ciências físicas, m a s ta m ­
b ém à g en eralizada carência d e tre in a m e n to e d e experiência p rá tic a . A lé m
disso, após 1 8 7 4 a g ran d e m aioria d o s sócios veio a se r d e professores d a
P olytechnica com o afastam ento progressivo d o s en g en h eiro s m ilitares, a
p e q u e n a fração q u e disp u n h a d a experiência p rá tic a nos arsenais, nos e sta ­
WA m in u ta d o oficio fcã lida na sessão d e 6 d e o u tu b ro de 1 8 8 6 . Revista do Instituto Polytecbnico leiros d a M a rin h a e nas comissões d o governo. U m a fotografia b a sta n te
Brasileiro, T om o X IX , 1 889, p- 9 6 .
l7Ma verdade, não houve propósito deliberado d e redigir o offcio. Ele nasceu de »m a peodenga n ítid a d o perfil intelectual do In s titu to Poíytechnico Brazileiro po d eria ser
e n tre o engenheiro-arquiteto aiemão LuizSchreiner, sócio do Instituto, e o conselheiro e arquiteto c o m p o sta com a seguinte am o stra das m em órias lidas pelos sócios:
Francisco Joaquim B ithencourt da Silva, discípulo de G randjean de M ontigay, a respeito da
construção d o edifício da Praça do Comércio da qual B ithencourt era o fiscal de obras. A s críticas
d e Schreiner à arq u itetu ra q u e então se fazia, e destinadas a ferir o desafeto, evoluíram p a ia um a 1. N a sessão d e 18 d e junho d e 1863 “o sr. A m érico d e B arros lê u m
proposta de alteração dos currículos das escolas d e engenharia e arq u itetu ra e daí para a proposta
d e regulação profissional. Ver de Schreiner os “Discursos sobre as O bras da N ova Praça do trab alh o sobre o anel de S aturno, tra b a lh o q u e é apenas a p a rte p relim in ar
C ommercio e sobre a A rchitectura no Btasil”. Revista do Instituto Polytecbnico Brasileiro, Tòmo
X V I, 1 884. Pradcam ente todo o tom a está dedicado aos trabalhos de Schreiner, q u e financiou
parcialm ente a edição. ^Revista do Instituto Poíytechnico Brasikiro, Tomo I, n° I , julho de 1867-
de u m tra b a lh o geral sobre a luz radical, q u e ap resen tará m ais ta rd e , n 'o u tra 7 . “O san eam en to d a cidade do Rio d e Ja n e iro ”, conferência do enge­
sessão”. nheiro A n to n io de Paula Freitas, na sessão d e 7 d e abril d e 1 8 9 7 (prim eira
d e u m a série de cinco conferências sobre o m esm o tem a).
2. N a sessão d e 8 de setem bro de 18 6 4 o D r. Pereira Passos “a p re se n to u
m a p a in dicando a duração relativa d e q u a re n ta e d u a s espedes d e m ad eiras 8 . “A m eteorologia no Brasil”, pelo B r. A lfredo Lisboa, e m sessão de 8
em pregadas com o dorm entes n a estrada de ferro D . Pedro l í , e m via lastreada d e m aio de 1901.

já d e arêa, jã d e p e d ra q u e b ra d a ; e b em assim os pesos em. k ilogram as p o r


m e tro c u b ico d a m ó t p a rte dessas especïes e d e o u tra s e m n u m e ro d e O In stitu to dedicou várias de suas sessões a assuntos estritam ente técni­
q u ato rze” . cos d e engenharia: o barão de C apanem a e Francisco Pereira Passos trazem à
discussão o te m a d a organização dos orçam entos de obras (sessões de 29 de
3- M a sessão d e 7 de m a io de 1 8 6 7 “o D r. R eb o u ças o fereceu d u a s abril e 14 de julho de 1864); a necessidade de norm atizar o sistem a de pesos e
tabuas* um a. p a r a redução de p é s e p o leg ad as in g leses, desde u m a p o le g a ­ m edidas e a adoção do sistem a m étrico são discutidas p o r C apanem a e por
d a a té m il p é s e onze p o leg ad as, ao sistem a m é tric o c o m a ap ro x im ação d e G iacom o Raja G abaglia (sessões d e 13 e de 27 de agosto d e 18ó7); em maio
m eio m ilím e tro , e o u tra p a ra co nversão d e m e tro s , d e c im e tro s e c e n - de 1867 A ndré Rebouças apresenta sua m em ória sobre a resistência do ci­
trím e tro s , a p é s e p o leg ad as c o m a aproxim ação d e m eio ce n te sím o d e m e n to Portland (resultado de suas experiências n a direção das obras hidráuli­
p o le g a d a ...” . cas no caís d a A lfândega), e Capanem a discorre sobre a resistência de diversos
tipos de cabos telegráficos, n a sessão de 9 de julho do m esm o ano;20 novas
4 . “A N itro g íicerin a”, de G u ilh erm e Schuch de C ap an em a, m e m ó ria aplicações d o aço e m construções civis são apresentadas n a sessão de 2 0 de
lid a n a sessão d e 19 de m arço de 1867. julho d e 1892. A lém disso, através de suas diversas comissões o In stitu to
respondia com cerra freqüência a consultas d o governo e de particulares. Evi­
5 . “O s to rp ed o s n a G u e rra do P arag u ay ”, d o I o te n e n te L uiz P hilippe tav a escrupulosam ente a vizinhança de m atérias políticas, constrangido pelos
d e S ald an h a d a G a m a , d a A rm a d a Im p erial, m e m ó ria lid a n a sessão d e 9 d e títulos do seu presidente.21 U m a rara m anifestação d e crítica ao governo, de
setem b ro d e 1869- B enjam im C o n stan t e m relação ao “atual sistem a d e ensino das ciências exa­
tas” nas escolas oficiais e afavor do "program a de estudos d e A ugusto C om te”,
6 . N a sessão d e 19 de m arço de 1 8 8 4 £òi lid a a m em ória d o Sr. R odrigues foi elegantem ente co n tornada p o r um a intervenção final d o conde d ’Eu.22
V ieira, d e n o m in a d a “C irculom etria”, q u e “te m p o r ob jeto d e m o n stra r q u e
^C apanem a foi u m dos pioneiros do telégrafo no Brasil, e de 1 8 5 1 a 1889 dirigiu a Repartição
há. u m n u m e ro diferente d e 3 -1 4 1 5 9 2 6 5 , e tc ., q u e ex p rim e c o m m aio r Geral dos Telégrafos.
aproxim ação d a q u e aquele a relação d a circunferência ao d iâ m e tro . A firm a a N a sessão de 17 de novembro de 1897 os sócios aprovam um a moção de pesar e repudiam o
atentado contra opresidente da República no qual foi morto o Marechal Carlos Machado de Bittencourt
o a u to r q u e a fracção 19/6, geratriz d a dizim a p erió d ica 3 .1 6 6 6 , e tc ., expri­ e ferido o General Luís Mendes de Moraes. Tratava-se, todavia, de sentimentos comuns à nação.
m e re a lm e n te a m e d id a d a circunferenda” .19 ^ “Sua Alteza, o Sr. Presidente, ordena q u e fique declarado na presente ata, q u e pelo modo
porque o Dr. Benjamtn se houve, q uer na sessão anterior, quer na que se refere esta ata, não julga
quem quer que seja autorizado a atribuir a S 3 . outro fim além o de ser util à sã instrução” (Ata
da sessão de 25 de agosto de 1874). Revista do Instituto Polytecbnko Brasileiro, Torno V, dezembro
15Parecer da seção com petente lida na m esm a data: O a u to r parece desconhecer com pleta­ de 1875, p . 58. Após examinar as atas das sessões do Instituto, poderá o leitor se convencer de
m en te a_geometria, era seu desenvolvimento iogieo e a seção de m atem atica abstrata e concreta que Benjam in Constant, m em bro da seção de matemáticas, entrava nelas m udo e calado delas
é de parecer q u e o In stitu to não se deve ocupar com. a referida m em ória.“ saía. Era um dos sócios mais inexpressivos.
V O C lube in te g ro u -se d e m a n e ira p a rtic u la rm e n te dinâm ica à v id a do
Rio de Ja n e iro . N a d a que interessasse à cidade deixava d e Interessá-lo, ne­
O In stitu to - P o íy tech n ico n ã o foi fo rm a lm e n te d isso lv id o . E le e x tin g u iu - n h u m a o p o rtu n id a d e p a ra in te rv ir o u sim plesm ente m anifestar-se escapa­
s e e m d a ta in c e rta , p ro v a v e lm e n te n a s e g u n d a d é c a d a d o nosso século, va-lhe. M as é p re d s o dizer q u e a R epública viria a ser o se u regim e, cerra-
in c a p a z d e a d a p ta r-s e aos novos te m p o s e su p e ra d o p o r associações cie n ­ m ente porque prim eiro foi o regim e d a engenharia.
tíficas e p ro fissio n ais m ais d in â m ic a s. O â n im o d e sin te re ssa d o q u e p r e ­ Eis com o vejo a o rigem d e s ta afinidade eletiva.
sid ira se u s tra b a lh o s , o a m b ie n te d e c av alh eiresca c o rd ia lid a d e q u e c o n ­
g r e g a r a a c iên cia d e civis e m ilita re s , d e m o n a rq u is ta s e re p u b lic a n o s,
u m a im p re c isa p á tin a d e n o b re z a q u e lh e d e ix a ra a lo n g a , h ie rá tic a , a u s­ VI

te r a m a s a fè tu o s a p re sid ê n c ia d o c o n d e d ’E u ,23 tu d o isso m o stro u -se p o r


d e m a is frá g il e an acrô n ico so b a a g ita ç ã o re p u b lic a n a e ao peso d o s n a s­ D izia A arão R eis q u e o se u e r a u m século “essen cialm en te p o sitiv ista ” .
c e n te s in te re sse s em p re sa ria is q u e o c a p ita lism o , e m to d a s as la titu d e s , E x ag erav a. N e m m e sm o a R epública, p e la q u a l ta n to se e n tu sia sm a ra n a
s o p ra n a a lm a d o s en g e n h e iro s. In v e rs a m e n te , o C lu b e d e E n g e n h a ria , ju v e n tu d e , te rá sido u m re g im e p o sitiv a m e n te po sitiv o , e q u e e la o te n h a
fu n d a d o e m 1 8 8 0 , oferecia o a m b ie n te p ro p íc io p a r a o e n c o n tro dos d esilu d id o n e s te e e m o u tro s ta n to s aspectos não v e m ao caso. P o r o ra é
e n g e n h e iro s c o m o n a sc e n te e m p re s a ria d o , a té p o rq u e e s ta e ra u m a de suficiente d a r c o n ta d o q u e q u e re m nos fa z e r c re r o s h isto ria d o re s das
su a s fin a lid a d e s: “p ro m o v e r e e s tr e ita r relaçõ es e n tr e as classes d e e n g e ­ idéias: u m d im a in te le c tu a l sa tu ra d o d a s idéias d e p ro g re sso , d e civiliza­
n h a ria e a s d o s v ario s ra m o s in d u s tria e s , no q u e diz re sp e ito aos in te re s ­ ção, d e in teresse coletivo e d e u m c e rto an tilib eralísm o q u e c o m d ificu ld a­
ses rec íp ro c o s d a s suas profissões” ; a lé m d isso , tin h a o C lu b e p o r p ro p ó ­ d e reconhecia a lg u m a s lib erd ad es in dividuais. N e s te clim a, e in d e p e n ­
sito “e s tu d a r e a c o m p a n h a r o m o v im e n to in d u s tria l d o p aiz, e m p re g a n d o d e n te m e n te d e filiações institucionais, todos e ra m d e c e rta fo rm a v ag am en te
to d o s o s m e io s a s e u alcance p a r a p ro m o v e r seus in te re sse s”.24 N ú m e ro p o sitiv ista s; e , se n ã o e ra m p o sitiv ista s, e ra m ev o lu c io m sta s à m o d a
significativo d o s m ais im p o rta n te s sócios d o I n s titu to P oíytechnico filiou- sp en cerian a; e , se n ã o e ra m u m a coisa n e m o u tra , se m d ú v id a ju lg a v a m -
se ta m b é m à n o v a e n tid a d e , e n tre o u tro s A n d ré R ebouças, P ereira Passos, se to d o s, ta m b é m v a g a m e n te , “m o d e rn o s” e m o d e rn iz a n te s, nisso a u to ­
P a u la Ffceitas, F rancisco B icalh o , V ie ira S o u to , C a p a n e m a e P au lo d e rizados p e lo u so e a b u so d o código lin g ü ístico e m v o g a n o s círculos le­
F r o n tin . A in d a no século X I X o u tr a s ad e sõ e s v iria m d e c a p ita lista s e d e trad o s.26
e m p re sá rio s c o m o J o r g e S treet, M a u á , C â n d id o G affrée, E d u a rd o G u in le O ra, q u e m m elh o r do q u e o s engenheiros p o d eriam sim bolizar e encarnar
e Ju Iío B e n e d ito O tto n i.25 o etéreo espírito p ro g ressista e civilizatório d a época? Pois afinai d e c o n tas o
progresso e a civilização não po d e ria m v ir d a “m etafísica” d o s bacharéis do

3 N a sessão de 6 de m aio de 1896 são os sócios inform ados de q u e o ex-presidente perpétuo


doava 3 :5 0 0 $ ao In stitu to . 36A historiografia n ão é d e m o ita ajuda n a fixação de qu a lq u er conceito m ais preciso sobre a
* Artigos. I® e dos Estatutos (Decreto n ° 82 5 3 de 10 de setem bro d e 1881 — Approva os influência d o positivism o ou d e q ualquer o u tra corrente d e idéias. D e foto, não há razoável
estatutos d o C lu b d e Engenharia). consenso nem m esm o sobre- se o positivism o teve influência efetiva fora d o estreitíssimo círculo
2SD e 1.517 sódós inscritos no Clube de Engenharia entre 1880 e 1930, 2 2 % eram constituídos d e unta m inúscula elite intelectual carente d e podec Sobre as diversas interpretações ainda
d e empresários, estrangeiros e nacionais, e 73% d e engenheiros. Maria Inez 'Iiirazzi, O trovo do hoje correntes ver A ngela AJonso, “D e Positivismo e de Rtsjrtivistas: Interpretações db Positivismo
mando:A engenharia, a indústria e a organização do trabalho na virada doséculo X IX aoséculo X X . Rio Brasileiro“. BIB — Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências- Sociais, a ° 4 2 , 2a
de Janeiro: Tese d e M estrado, COPPE/UFRJ, 1 987, p . 176. sem estre de 1996, p p . 109-134.
re g im e d e c a íd a , m a s d a c iê n c ia p o s itiv a q u e se e n s in a v a n a E sc o la d ade n ã o te r realizado o se u inevitável d e stin o .29 W anderLey G u ilh erm e
Poiycechníca. A ssim pensava-se n a R epública d e finais d o século passado. dos S an to s n o s d á c o n ta d e com o n isto se e m p e n h a ra m os “a u to ritá rio s
N ó s, os sociólogos de fins d o século X X , não e stam o s sob t a l Jurisdição in stru m e n ta is” e com o p ro p u se ra m a se g u in te solução: p ro d u z ir artificial­
líieológica.N ã o estam o s constrangidos a v e r u m p o sitiv ista o u e v o lu d o n ista m e n te u m o u tro “acidente”, u m in te rre g n o a u to ritá rio p a ra rep aro s na
e m ca d a egresso d a Polytechnica q u e te n h a exaltado a ciência, o pro g resso e com posição social rep u b lican a a fim d e re p ô -la nos trilh o s o u n a “viação”
a civilização n e s ta o rd e m , isto é, q u e h aja celebrado su a profissão. E, apenas d e sua “h istó ria n a tu ra l”.30
p a r a citar os m ais em inentes, não h á n a d a n a biografia d e P ereita Passos, (M as so u e u q u e m está agora descarrilhando do m e u te m a . R eto rn o à
Paulo d e P ro n tin , Francisco B icaiho o u V ieira Souto q u e ju stifiq u e o equívo­ viação n a rra tiv a com a convicção de q u e encontra-se fo ra d a h istó ria das
co de associa-las e às obras que dirig iram n a v ira d a d o século (o u a retó rica idéias a o rig em d a afinidade eletiva e n tre R epública e engenharia.)
d o s m o m e n to s d e celebração) à in flu ê n c ia d a d o u tr in a o u d o e sp írito L em bro q u e e m 1875, q u an d o n em o C lube de E n g en h aria n e m Belo
positivistas. Pois o q u e h á d e fazer o en g enheiro senão d e m o lir e construir? H o rizo n te haviam ainda ap o n tad o em seu horizonte profissional, A arão Reis
E d e preferência cidades inteiras, se estiv erem disponíveis os recursos neces­ — ele, sim , u m po sitiv ista confesso — observava q u e aos en g en h eiro s
sários. nacionais faltava a experiência prática indispensável p a ra co n q u ista r a con­
S u rp re e n d e n te , d e fa to , é q u e p o sitiv istas e ev o lu cio n istas d e to d o s os fiança dos capitalistas; e aos capitalistas e negociantes, em endava ele, fa lta ­
m a tiz e s p u d e sse m resistir à a n a rq u ia d a p rim e ira d é c a d a re p u b lic a n a ; e, v a m “e stu d o s d a m aio r im p o rtân cia e necessários a tão difficeis profissões”,
m a is d o q u e sobreviver a ela, qu e fossem levados a sé rio . Pois a fo rm a p e la tais com o “o com plexo d e altos estudos econom icos, financeiros e estatísticos,
q u a l se d e u a q u e d a d o anckn regime, o caos p o lítico d u r a n te o G o v e rn o o conhecim ento g e ra l d a legislação com m erciai e m uitos o u tro s estudos,
Provisório e a p resid ên cia d e D e o d o ro e F lo ria n o , os a n o s d e a g itação d o q u e n ã o são ensinados n e m aprendidos e n tre nós. E m geral, os nossos nego­
g o v e rn o P ru d e n te d e M orais, tu d o isso e ra a p ró p ria a n títe s e do q u e reza­ ciantes não te e m as bases indispensáveis p a ra desinvolverem seus negocios,
v a m a s te o ria s evolucionistas: a m u d a n ç a le n ta e o rd e ira q u e dev eria m a r­ investigarem as causas d o s desequilíbrios com m erciaes, p ro m o v erem as
c a r a evolução p o r e stág io s d a sociedade. A a rã o R eis, ap licad o discípulo d e m edidas ten d e n te s ao restabelecim ento do equilíbrio, &c”.31 Creio q u e A arão
C o m te e b o m e n g e n h e iro ferroviário, já a d v e rtia e m 1 8 7 5 : “O pro g resso Reis e s tá dizendo d u a s coisas: a prim eira, a respeito d a q u a l ele sem pre
p ó d e e n c u rta r a s d istancias d o te m p o , com o o w a g o n as d istan cias d o insistiria, refere-se à necessidade de d istin g u ir o ensino profissional, de na­
esp aço ; mas s i &precipitam para além das condições humanas, d e s c a m lh a d a tu re z a p rá tic a e q u e v irtu a lm e n te inexistia no país, do ensino superior ofe­
viação social"27 (ênfase n o o riginal). N atura nonfa c it saltum. E stev e assim a recido n a s faculdades do Im pério; m as a seg u n d a diz respeito à feliz com bi­
R epública a té o g o v e rn o C am pos Sales: fo ra d o s trilh o s, a p o n to d e R en a­ nação q u e p o d e ria resu ltar d a cooperação e n tre o capital e certo tipo de
to L essa, q u e c o m m ae stria ra s trc o u o s p ara d o x o s d o s seus “anos e n tró - conhecim ento q u e , m esm o faltando-lhes a p rática, era fam iliar aos enge-
p ico s”, te r se su rp re e n d id o com a sobrevivência d o re g im e .28 N e s ta s cir­
cu n stân cias © evolucionism o, em q u a lq u e r d e suas versões, só se m a n té m
^S tanford M . Lym an, “T he acceptance, rejection, and reconstruction o f histories: O n some
d e p é se tip ifica co m o “acidentes” e ste s d e sc a rrilh a m e n to s; pois arm a d o controversies in th e stu d y o f social and cultural change”, em Richard H arvey B rown e Stanford
do co n h e c im e n to d a s suas disfunções ele p o d e e x p licar o p o rq u ê d a socie- M. Lym an (eds), Structure, Consciousness and History. Cam bridge: Cambridge U niversity Press,
1978, p p . 55-61.
^W anderley G uilherm e dos Santos, “Paradigma e História: A ordem burguesa n a im aginação
^ O p .c í t ^ p . 71.. social brasileira”, em Ordem burguesa e liberalismopolitico. São Paulo: D uas Cidades, 1978, especi­
^ R en ata Lesai, A ài&ençío rspiííkanaz Campos Sales, as bases e a decadência da Primeira República alm ente p p . 52-55.
Brasileira. Rio-de Ja n e iro e São Paulo: IU PESJ/V ertice, 198S. JtO p . cit., p . 48.
nheíros.32 D e c e rta fo rm a , pelo m enos a convivência e n tre o s dois fatores já culares, isenção p o r v in te anos cfo im p o s to p re d ia l e d o im p o sto d e tra n s ­
o co rria n a Sociedade A uxiliadora d a In d u stria ; e m 1877 p articip av am de m issão d e p ro p rie d a d e , concessão g r a tu ita do dom ínio ú til d e te rre n o s d o
suas v árias seções en g en h eiro s d e prestíg io co m o Á n to n io P a u la Freitas, E sta d o .35 C o in c id e n te m e n te , este d e c re to fora p recedido p e la L ei n ° 3 15 0

A n d ré Rebouças, H e n riq u e Eduardo H argreaves, Francisco Soares d ’A ndrea, d e 4 de n o v em b ro q u e a lte ra v a a L ei d a s Sociedades A n ô n im a s, elim in a n ­
e n tre o u tro s. Seja com o for, o q u e, e m su m a, A arão Reis su g e ria e ra ta n to a d o a lg u n s d o s o b stácu lo s in te rp o sto s p e la fam osa “le i d o s e n tra v e s” d e
refo rm u lação d o ensino n a Escola P olytechnica quanco in v estim en to s em 1 8 6 0 .36 A lém disso, e atendendo* aos reclam os dos in teressad o s, a L ei n°
obras, inclusive privados, ta m b é m com o fo rm a d e propiciar instrução p rá tic a 3 5 4 9 de 2 0 d e o u tu b ro de 1887 d e so b rig av a as em p resas c o n stru to ra s
aos engenheiros.34 d o s custos d e dem olição dos cortiços e d e indenização aos p ro p rie tá rio s n o
N o te -s e q u e p o r essa época agravava-se o processo d e d e cad ên cia d a v alo r das o b ra s realizadas. O c o n ju n to dessas m ed id as re£letiu-se n a cons­
c u ltu r a d o c afé n o V ale d o P araíba e o s c a p ita is com erciais acu m u lad o s titu iç ã o d e em p resas im obiliárias e d e c o n stru ção d e cujo c o rp o d e acio­
p ro c u ra v a m n ovas aplicações m ais se g u ra s. In fo rm açõ es sistem atizad as nistas p artic ip a v a m en g e n h e iro s com o V ieira S outo, P a u la F reitas, C arlos
p o r M a ria B á rb a ra L evy m o stra m q u e e n tre 1 8 8 0 e 18 9 1 a particip ação Sam paio, B elford R oxo e P aulo d e F ro n rin ; e d o s benefícios concedidos
ac io n á ria d e n e g o c ia n te s nas em p resas têx teis d o Rio d e Ja n e iro cresceu p elo governo ta m b é m se a p ro v eitaram alg u m a s in d ú stria s d e tecid o s p a ra
c o n sid e ra v e lm e n te , su p e ra n d o e m alg u m a s a m a rc a d o s 9 0 % ; m ais im ­ c o n stru ir casas p a ra o s operários.17
p o r ta n te p a r a o m e u a rg u m e n to é , e n tre ta n to , a co n sta ta ç ã o d e q u e e m ­ A in d a q u e não caiba resenhá-las a q u i, fica ta m b é m o reg istro d e q u e as
b o ra d a s 1 3 3 $ e m p re sa s co tad as n a B olsa d o R io d e J a n e iro e m 1891 crises econôm icas q u e ag ita ra m o p rim e iro decênio republicano deixaram
a p e n a s 2 9 p e rte n c e sse m ao se to r d a c o n stru ç ã o civil, o c a p ita l realizado ao final u m saldo b a sta n te positivo p a r a a in d ú stria d o R io d e Ja n e iro . O
e r a d e 1 3 0 m i c o n to s d e réis, superior ao d a s em p resas d e seto res com o o “encilham ento* re p re se n to u u m im p o rta n te esforço d e superação d o passa­
d e fiação e c e a d o s , nav eg ação , alim e n to s e b e b id a s e co lonização.34 E p ro ­ do agrícola d o p aís, e n o se u período crítico os em préstim os à in d ú stria e
v áv el q u e o in teresse d o governo n a c o n stru ç ã o d e h a b ita ç õ e s p o p u la re s u m a decididapoiítica protecionista a b rira m u m im p o rta n te p reced en te. P ara
te n h a in iciad o e e stim u la d o o afluxo d e c a p ita l m e rc a n til p a r a a c o n stru ­ m u ito s o “encilham ento” m a rc o u a gênese d a acum ulação d e c a p ita l in d u s­
ç ã o civil. O D e c re to n° 3 1 5 1 de 9 d e d ezem bro d e 1882 concedia condições tria i no p aís. N e ste c o n te x to , o interesse d o s engenheiros e m m aciços inves­
ex cepcionais a o s Investidores: d ire ito d e d esap ro p riação de te rre n o s p a rti- tim e n to s seja e m o b ras públicas seja n a incipiente base in d u stria l e n c o n tro u

^ N ã o obstante* os.engenhalros, q u e seriam os nossos primeiros "econom istas"práticos, estiveram 35S obie as habitações populares e a legislação d a época consultar l i a de A q u ia o Carvalho,
sem pre às voltas. n o setas“ferroviário com cálculos d e tarifas, relação custo-benefício de bitolas "C ontribuição ao estudo das habitações, populares: Rio de Janeiro, 1 8 8 6 -1 9 0 6 ”, e m Oswaído
la rg a e estreita, análise «fe projetos de financiam ento de construção d e ferrovias e outras ques­ Porto Rocha e l i a d e A quino Carvalho, A. ers das ckmoliçõislHabàafõespopulares. Rio de Janeiro:
tões «iimilarpg, s&n. eosssax q u e adquiriam considerável experiência gerencial n a administração Secretaria M unicipal de Cultura, 1995-
d as estradas d e ferro. V ários deles passaram pela presidência d a Estrada d e Ferro D . Pedro II ^Conhecida como “lei dos entraves”, a L ei n® 1 0 8 3 d e 22 de agosto de 1860, reagindo aos
(Chrcstiano O ttonf* Pfesesra Passos, Ewbank da Câm ara, Jerônsm o R odrigues de M oraes Ja r­ m ovim entos especulativos q u e haviam causado grave crise no comércio da praça do Rio d ejaneiro,
d im , Paulo d e F ro n tal, A arão Reis, entre outros). A p a rtir d e 1863 o pro g ram a d a Escola im punha rigoroso controle governam ental sobre a constituição de sociedades anônim as. Consultar
C entral incluiu as disciplinas de EcoQQmía Política, Estatísticas e Princípios d e D ireito A dm i­ a respeito M aria Bárbara Levy, op. eít.
n istrativo com o 2? cad eira d o 6 o ano, todas elas m antidas n o prim eiro pro g ram a da Escola 37As pesquisas de Roberto Moses Pechman e d e Lufe César Queiroz Ribeiro indicam a existência
Polytechnica para: as- esssos especiais (Engenharia Civil, d e M inas e A rtes e M anufaturas). de u m “mercado de concessões de privilégios” mais do q u e efetiva construção de habitações
35A depto, com o bom pcaritívista, da liberdade profissional e do ensino livre Aarão Reis referia-se populares.D e qnalquer m odo, de 1887 a 1895 teriam sido edificadas cerca de 8 .4 2 0 casas, o q u e
a estudos práricosadquiridos em qualquer estrada de ferro ou obra, m esm o particulares, que é um núm ero considerável. Ver dos autoras “Á Com panhia de Saneamento do Rio de Janeiro:
são, p o r b e m dizer,, escfeoias livres de engenharia". O p . cit., p . 71. contribuição à história da formação d ocapiraí im obiliário1’, Revistado Rio deJaneiro, v o l-1 , n ° 1,
* O p .c ic ,p .l3 te l5 I - setjdez. de 1 9 8 5 ,p p . 105-113-
expressão- p a rá c o ía rm e a c e ex em p lar nas críticas d e R a p h a e l V ieira Souto à V II
po lític a recessiva. e anriinduscriaiista d e Jo a q u im M u rtin h o , m in istro d a
Fazenda d e C am p o s Sales: “O acuai Ivfinistro d a F azenda p re te n d e q u e a P o r e n q u a n to , desejo le m b rá -lo d e q u e a irrita ç ã o d o D r. J o s é d a C ruz
N ação deve re strin g ir suas despesas ao p ro d u to d o s im p o sto s a n u a lm e n te J o b ím n a q u e la sessão d a C â m a ra e m 3 d e s e te m b ro d e 18 5 0 p ro v a v e l­
arrecadados (...) e hoje não hã econom ista o u financista q u e subscreva sem e­ m e n te fo i c a u sa d a p e la p re m o n iç ã o d e q u e a com issão d e e n g e n h a ria
lh a n te d o u trin a .”38 O ra , reto rq u ia V ieira S outo, “o abuso d o s im p o sto s é e m b u tid a n o p ro je to de criação d a J u n t a C e n tra i de H y g ie n e e ra a p e n a s
m ais desastroso do q u e o do crédito e, q u a n d o os p rim eiros não b a sta m p a ra o início d e a lg o b em m a is te m ív e l. Se assim fo i, ela c u m p riu -se n a s ú lti­
a satisfação d a s despesas sociais, forçoso recorrer aos ú ltim o s”, m ais a in d a m a s d é c a d a s do século X I X q u a n d o a frá g il a u to rid a d e c u ltu ra l d a m e ­
q u a n d o , “a lé m d a s circunstâncias excepcionais q u e o b rig a m os governos a d icin a m ais se e sg a rç o u n o c o n fro n to com a técnica dos e n g e n h e iro s.
lan çar m ão d o s em préstim os, u m a causa g eral e p e rm a n e n te a tu a em id ê n ­ N ã o im p o r ta assin a la r p re c isa m e n te o m o m e n to o rig in a l e m q u e a e n ­
tico sen tid o : a necessidade d e a u m e n ta r a força e o p o d e r p ro d u tiv o do g e n h a ria a in d a tim id a m e n te h a s te ia su a b a n d e ira no espaço d a ju ris d i­
país’'.35' E à afirm ação de M urtinho d e que os em préstim os to m a d o s no passa­ ção m é d ic a . M as o re la tó rio d a C om issão d e N o tá v e is n o m e a d a e m 1 8 7 4
d o p a ra obras, p úblicas tin h am sido estéreis V ieira Souto c o n tra p u n h a os p elo m in is tro d o s N e g ó c io s d o Im p é rio é c e rta m e n te u m d o s m a rc o s d a
benefícios d a s ferrovias, os q u ilô m etro s de linhas telegráficas c o n stru íd o s e invasão.. N o d o c u m e n to os e n g e n h e iro s M arcelin o R am os, J e rô n im o de
as obras d e ab astecim en to d ’á g u a ao m unicípio, p a ra concluir q u e n a d a M orais J a r d im e F rancisco P e re ira Passos p ro p u n h a m v árias m e d id a s
disso po d eria te r sido feito apenas com o p ro d u to do s im p o sto s e d a s rendas p a r a m e lh o r a m e n to s d a c id a d e , p rin c ip a lm e n te das suas co n d ic õ e s
ordinárias. D e fe to , M u rtin h o não deixaria boas recordações: d u ra n te sua h ig iên icas e sa n itá ria s, não fa lta n d o as desairo sas referências aos m e s-
adm in istração a en g en h aria nacional te ria sido “a legião licenciada pelos tre s -d e -o b ra s e às suas casas in sa lu b re s. D e 2 3 d e fevereiro a 15 d e a b ril
Poderes P úblicos” n a expressão d e F ro n tin q u a n d o p re sid e n te d o C lu b e de d e 1 8 7 5 V ieira Souto an a liso u d e tid a m e n te nas páginas d o Jornal do
E n g en h aria; e A lfredo Lisboa, o u tro engenheiro d e prestíg io , lem b rar-se-ia Commeirio as p ro p o sta s d a C om issão n u m a série de artig o s m a is c o m e n ­
queix o sam en te já n o governo R odrigues A lves d a “ferocidade ... p o r elle ta d o s d o q u e o p ró p rio re la tó rio .41 D u r a n te a década s e g u in te o sa n e a ­
{Joaquim M u rtin h o ] d u ra m e n te exercida c o n tra a eng en h aria nacional” (ên ­ m e n to d a cid a d e , as suas condições d e sa lu b rid a d e e d e h ig ie n e to r n a ­
fase no original).40 ram -se o b je to p e rm a n e n te d a a te n ç ã o d o s engenheiros, d eslo can d o -se,
D eixo a q u i o le ito r com a sugestão d e q u e o te rm o “en g e n h a ria nacio­ p rim eiro , p a ra o â m b ito d o In s titu to P oíytechnico com o aval d o go v e rn o .
nal”, usado p o r F ro n tin e Lisboa n a euforia dos prim eiros anos d o século F o ra m m u ita s a$ sessões do In s titu to pre sid id a s pelo Im p e ra d o r nas q u ais
X X , iria se to m a r m u ito m ais fre q ü e n te d o q u e havia sido a té e n tã o , u m se tr a to u d e ste s p ro b le m a s. A p e n a s p a r a ilu s tr a r a te n d ê n c ia , e m co n -
p o n to ao q u a l a in d a farei referência. co rrid íssim a n o ite solene S .M .I p re s id iu a sessão de 28 d e a b ril d e 1882
d ed icad a ao te m a “O reserv ató rio D . P ed ro I I p a ra abastecim ento d a g u a
à cidade d o Rio d e Ja n e iro ”. E m 2 4 d e no v em b ro de 1886 v o lta o soberano
a p re sid ir o u tra sessão solene p a ra o u v ir a exposição do D r. A n to n io de
^L uiz Raphael Vieira Souto, “O u ltim o relatorio da Fazenda, 1 9 0 2 ”, em N i a a Yillela Luz
(org-X Idéias econômicas deJoaquim Murtinho. Brasília e Rio de Janeiro: Senado Federal/FCRB,
1980, p.. 3-50. Vieira Souto era professor d e Economia Política na Escola Polytechaica. 4£Primeira Relatório da Commissão de Melhoramentos da Cidade do Rio deJaneiro. Rio de Janeiro-
^ Id e ra , ibidem , p . 351- Typogtaphía Nacional, 1875; Rapbael Vieira Souto, O melhoramento da Cidade do Rio deJaneiro.
^A lfredo Lisboa, “O bras do porto do-Rio de Janeiro”. Kosmos, A ono 1, n ° 2, fevereiro de 19 0 4 (a Critica dos trabalhos da respectiva Commissão — Colleção de artigos pMkados noJornal do Cmmtrno
revista não trazia num eração de pãgiaa). de 2$ de.fevereiro a 15 deabnlde 1875. Rio de Janeiro: Z in o C. Teixeira e C., 1875.
P a u la F re ita s, le n te d a P olytechnica e u m d o s m a is ilu s tre s e n g e n h e iro s N o p la n o p rá tic o não se fez m u ita coisa, é v e rd a d e . E n tr e ta n to m in h a
d a c a sa , so b re o s a n e a m e n to d a c id a d e .42 p ercepção é d e q u e os m édicos, p io n eiro s d a s idéias h ig ie n ista s, fo ra m aos
E ste e stu d o foi su b m etid o ao lo n g o d e várias sessões à apreciação dos p o u co s p e rd e n d o te rre n o . E m lu g a r d a s especulações m éd icas so b re os
sócios a té sua aprovação final em dezem bro, após a q u a l foi rem etido ao efeitos d o "m efitism o ”, d a s “e m an açõ es d eletérias” e d e o u tra s fa n ta s­
g o v ern o com o “p en sam en to oficiai” do In stitu to . C onsultas q u e décadas m ag ó ricas e n tid a d e s atm osféricas n a p ro p ag ação d a s doen ças; e e m su b s­
a trá s te ria m sido e n cam in h ad as à A cad em ia Im p e ria l d e M ed icin a são titu iç ã o às p ro p o sta s genéricas e fre q ü e n te m e n te inexequíveis d e in te r­
en dereçadas aos engenheiros. E m 1887 o C lube de E n g e n h a ria su b m e te a v en ção n o espaço u rb a n o para. fin s san itário s, o s e n g e n h e iro s tra z ia m
u m a criteriosa avaliação relatório n o q u a l u m a com issão d a J u n t a C entral e stu d o s e su g estõ es e m lin g u a g e m incisiva e p recisa, a lin g u a g e m d a c iên ­
d e H y g ien e p ro p u n h a obras relativas ao saneam ento d a cidade.43 J á n a Re­ cia “p o sitiv a”. A e n g e n h a ria já lev av a so b re a roedirin« a v a n ta g e m d e
p ú b lic a , e m 1 8 9 6 , é o C onselho M unicipal do D istrito F e d e ra l q u e m con­ soluções te cn icam en te dem o n stráv eis c o m o s recu rso s d a é p o ca e u m a
su lta o In s titu to Polytechnico “acerca d a p ro p o sta firm ada p o r J o h n M ackíe, p reo cu p ação c o m seus aspectos econôm icos q u e e ra in te ira m e n te e s tra ­
com o re p re se n ta n te de u m syndicato anglo-brasiieiro, p a ra o saneam ento n h a aos m édicos, m a s im p o rta n tíssim a p a ra o s g o v ern o s. A C om issão d e
d e s ta cap ital”; o m esm o Conselho solicita parecer sobre o u tra p ro p o sta se­ N o tá v e is já m o stra v a e m seu p rim e iro re la tó rio q u e se fossem investidos
m e lh a n te ap re se n ta d a p o r José E d e Souza D a n ta s; em 1897 o D r. Carlos 3 2 .0 0 0 :0 0 0 $ n a s o b ras de m e lh o ra m e n to , 7 5 % d o in v e stim e n to p o d e ­
d e Sam paio, presid en te d a E m presa In d u stria l de M e lh o ram en to s d o Brazil ria m s e r re c u p e rad o s, p rim e iro c o m a v e n d a d o s te rre n o s disponíveis com
e fu tu ro prefeito d a cidade, é q u em solicita ouvir d o In s titu to sobre vários a dem olição d e m u ito s p réd io s in sa lu b re s e daq u eles q u e im p e d ia m a n e ­
qu esito s acerca d o arrasam ento do m o rro do Senado e aterro d o s p â n ta n o s cessária a b e rtu ra d e novas ru as e aven id as e , se g u n d o , com a v e n d a do
d a s p ra ia s d e F orm osa e d e Lázaros.44 P atrocinado pelo C lube d e E n g e n h a ­
m a te ria l re su lta n te das dem olições; o s serviços d e q u e n ecessitariam as
ria e m 1 9 0 1 , o P rim eiro C ongresso N acio n al de E n g e n h a ria esgocou sua
n ovas ru as e avenidas arejadas, a m p la s e m o d e rn a s p o d ia m g e ra r re n d a s e
a g e n d a com as q uestões relativas ao saneam ento e “em b elezam en to ” d o
im p o sto s d a o rd e m d e 6 4 0 :0 0 0 $ an u ais p a ra am o rtização d a p a rc e la res­
D is trito FederaL
ta n te d o in v estim en to inicial. E m su m a , o s e n g e n h e iro s avaliav am cu sto s,

Im perador, q u e ao tem p o d a Regência certam ente aborrecia-se com os iongos poem as e


escalonavam p rio rid ad es, elim inavam alte rn a tiv a s m ais dispendiosas a p o n ­
relatórios do D r. D e-Sim oni nas sessões aniversarias da Academia Im perial de M edicina a que ta n d o relações custo-benefício, p ro c e d im e n to s b em característico s d a p ro ­
era levado, e q u e já adu lto comparecia à Academia apenas em ocasiões m ais solenes, aparente­
m e n te apreciava m uitíssim o as do In stitu to Polytechnico às quais ia com freqüência. E ntre os fissão. U m a visão d e c o n ju n to d o s rela tó rio s, re g u la m e n to s, p o s tu ra s e
m eses de ju lh o e dezem bro de 1875 S.M .I compareceu a nada m enos do q u e a 17 sessões. o u tro s d o c u m e n to s d a época d eix am a fo rte im pressão d e q u e nos p ro jeto s
^Revàta do Clube de Engenharia, A no 95, n. 423, fevereiro de 1 9 8 1 ,p p . 2 2 -2 3 . Em outEos tem pos
a Academ ia Im perial d e M edicina é quem avaliava relatórios de engenharia, com o e m 1874 d e “m e lh o ra m e n to s” d a cidade ficav am o s m édicos c o m o “tra b a lh o sujo”:
q u ao d o u m a comissão analisa o relatório do engenheiro fiscal do govem o relativo a obras de desinfecções dom iciliares, q u a re n te n a s, vacinação e rem o ção d e d o e n te s.
esgoto realizadas p e k Cia. Rio de Janeiro City Im provem ents. Luiz Correa de Azevedo Junior,
José Pereira Rego e Nicolao J. Moreira, Relatório da commissão nomeada pela Academia Imperial de E isso sem as delícias do p o d e r d a s q u a is em. breve g o z a ria m o s e n g e ­
Medicinapara analisar o relatório apresentado ao governopelo engenheirofiscaljunto à Companhia City- n heiros.
Improvements acemx da Estado dos esgotos e sua influência sobre a saude pública. Rio d e Janeiro: 1874.
■^Sessões respectivam ente em 25 de m aio e 3 de junho de 1896, e em 2 6 de maio de 1897. A
C om panhia de M elhoram entos desejava o parecer do Instituto a respeito de se a inundação dos
terrenos m arginais ao canal do M angue e aos rios Trapicheiro, M aracanã e Joana, ocorrida po r
ocasião dos últim as chuvas torrenciais, podia te r tido po r causa os aterros q u e a empresa realiza­
v a. O parecer do Instituto, elaborado por um a comissão de sócios, não achava relação d e causa-
U d a d e.
VIII sg d e “seleção n a tu ra l” do m ercado operasse livrem ente. O princípio aplica­
va-se ig u a lm e n te aos engenheiros-em presários e às em presas co n stru to ras,
Se algum , g o v ern o republicano a p resen to u as condições ideológicas as m ais pois, e m su m a , a en g en h aria nacional iria fortalecer-se n a com petição: “O
afinadas com o ideário “a e n ric ista ” q u e ta n to s estudiosos d a época associam o ra d o r é en g en h eiro , m as considera os interesses d a sua classe m u ito supe­
à natu reza d a engenharia* este fo i, sem dú v id a, o d e C am p o s Sales com sua riores aos d e cada u m d o s seus m em b ro s”, diria algo reto ricam en te o sena­
ênfase n u m a " o b ra d e adm inistração p u ra ” infensa às paixões p a rtid á ria s.45 d o r M u rtin h o ao criticar as condições do em p réstim o q u e o governo to m ara
Seu. m in istro d a F azenda acom panhava-o: “a im p o rtâ n c ia q u e M u rtin h o p a ra financiar as obras d o p o rto e “os desperdícios e os luxos das comissões
a trib u ía à e sta tístic a é m ais u m a p ro v a d e su a Inclinação aos m é to d o s posi­ no m ead as, sem n e n h u m a econom ia" 49
tivos e a o dentificism o do século X IX e d e sua contraposição ao ‘bacharelism o’ E ste ju lg a m e n to não p o d e ria e s ta r m a is d is ta n te d a s concepcões de
brasileira. C onsiderava-a u m a ‘aplicação* do m é to d o ex p e rim e n ta l d a s ciên­ F ro n tin q u a n d o ele faz restriçõ es a “m u ito s c o le g a s” p a ra q u e m “o e m ­
cias positivas ao escudo dos fenôm enos sociais, tira n d o -o s d a v a g a confusão p re ite iro d e v ia failir p a ra so b re a s u a ru in a e rig ir-se o p e d e s ta l d a h o n e s­
d a s form as o ra tó ria s p a ra o s fazer e n tra r, c o m a rig o ro sa ex atid ão d a s ex­ tid a d e d o fisc a l...” .50 U m a se n te n ç a a m b íg u a , se m d ú v id a , m a s se in ­
pressões n u m éricas, nos qu ad ro s d e u m a classificação sim ples e cla ra m e n te te r p r e to c o rre ta m e n te seu se n tid o e s te seria o d e q u e p a r a F ro n tin os
d e te rm in a d a ”'.45 C om o explicar, pois, a “ferocidade” d e M u rtin h o c o n tra a “d e sp e rd íc io s” e os “lu x o s” c o n d e n a d o s p o r M u rtin h o c o m p o rta v a m in ­
e n g e n h a ria n acional? C om o d a r c o n ta d a q u eix a d e F ro n tin ? te rp re ta ç ã o m ais a d e q u a d a : e ra m o ju sto iu c ro d o em p re sá rio , essencial
Q u e e m 1 9 0 1 M u rtin h o te n h a sugerido arre n d a r a C e n tra l d o B rasil “a p a r a q u e existisse no B rasil algo s e m e lh a n te a “e sta s e m p re sa s e firm as
u m g ru p o d e engenheiros nacionais” com o fó rm u la p a ra m e lh o ra r a re n ta ­ c o n s tru to ra s (e stra n g e iras} , d isp o n d o d e a v u lta d o s capitais e p erfeito
bilidade d a ferrovia su g ere a n tes u m a a titu d e d e confiança do q u e d e a n ta ­ a p p a re ih a m e n to ...”. N e s te s te rm o s o c o n tra p o n to com a “h o n e stid a d e
gonism o.® O s engenheiros, todavia, p ed iam m ais d o qu e confiança: q u eriam d o fiscal” su g e re u m a correção à idéia (q u e F ro n tin p o d e ria e s ta r associan­
concessões e p ro te ç ã o oficial. P o r m ais pro ced en tes q u e te n h a m sido as res­ d o ao a n tig o reg im e ) d e q u e o lu c ro seria algo co n d en áv el e o e m p re s á ­
trições d e "Vieira Souto à política econôm ica d e M u rtin h o , n ã o deixa ele d e rio u m p a r a s ita d o s cofres p ú b lic o s, ju stific a d a m e n te p o rta n to su jeito a
to car “nas te o ria s u ltra-indlvidualístas” q u e o m in istro d efendia: “S. Bxcia. rig o ro sa fiscalização n o s seus c o n tra to s com o g o v e rn o . P ro n u n c ia d o em
filia-se à escola d o s q u e a in d a fazem favor co n sid eran d o o G overno ap enas s e te m b ro d e 19 0 3 no C lu b e d e E n g e n h a ria , do q u a l era p re s id e n te , em
com o u m m a l necessário, u m a espécie d e úlcera social q u e co n v ém conser­ c o m e m o ra ç ão ao início d a s o b ra s q u e M u rtin h o iria criticar, o discurso
v a r a b e rta , m a s te n d o sem pre o c u id ad o d e im p e d ir q u e ela se e ste n d a o u se d e F ro n tin p re te n d ia sin alizar u m ro m p im e n to com o p assad o e m pelo
ala stre pelo o rg a n ism o nacional.”48 E nisso tin h a ele razão: M u rtin h o , u m m e n o s d o is asp ecto s: e m p rim e iro lu g a r, le m b ra v a à a u d iê n c ia d e e n g e ­
ad e p to d o d arw im sm o social, p re g a v a u m liberalism o e x tre m a d o , conce­ n h e iro s, d e p o lític o s e d e e m p re sá rio s a escassa e stim a q u e , e m fu n ção
den d o a p e n a s a intervenção m ódica e in d ire ta d o E stad o p a ra q u e o p ro ces- d o re g im e escrav ista, o tra b a lh o m e re c e ra d o re g im e m o n á rq u ic o ; em
se g u n d o lu g a r, in v e stia c o n tra a “tra d iç ã o c o lo n ia l” de c o n tr a ta r o b ras
45Com.o b e n t n o to u Renato Lessa, u m a utopia ou “um a convicção deslocada e m a m m u n d o de p ú b lic a s c o m e m p re sa s e stra n g e ira s e em n o m e d a e n g e n h a ria nacio n al,
cínicos oligarcas— O p . cít.,. p . 160. Lem bro q u e C am pos Sales foi o g ra n d e arq u iteto da
“política, dbs governadores”. cujo p e n s a m e n to o C lu b e tra d u z ia , c o n g ra tu la v a -s e com o m in istro da
« N íc ia V d le la L u z , “J o a q u i m M u r tin h o e o D a rw in is m o e c o n ô m ic o " , e m Idéias econômicas de
Joaquim Martinbs^ o p . e i t ., p . 5 3 -
47“In tr o d u ç ã b a a R e la tó rio d o M in is té r io d a F a z e n d a — 2 9 0 1 “, ib id e m , p . 2 7 7 . ‘‘ Jo a q u i n a M u r t i n h o , ‘ A s O b r a s d o P o r t o d o R i o d e Ja n e i r o — I " , ib id e m , p . 2 8 6.
'^RaphaelVieira. So u to , “O últim o relatório d a Fazenda— 1902’’’, ibidem , p . 4 5 0 . ^ A p u d G io v a n n a R o s so D e l B r e n n a , o p . c it., p . 1 0 5 - 1 0 6 .
V iação , o> e n g e n h e iro L a u ro M üller, p e lo in sp ira d o le m a q u e p re sid ia elegância d e m aneiras que exibia n a p rivacidade d o seu sa h n ; o q u e m e
a q u e la c o m e m o ra ç ã o : “Fazer e n g e n h a ria ” . in stig a neste o u tro hornm du monde q u e era ta m b é m V ieira So u to ; o q u e , em
E , d e fato , fez-se m u ita en g en h aria no governo R odrigues Alves. Toda­ su m a, infiro d a fo rtu n a , d a posição social e d o p o d e r destes trê s engenheiros
via, e d a d a a n o tó ria fe ita d e charm e e m g u in d astes, docas e cais, pouco é q u e de c e rta fo rm a, e no ap o g eu d e suas carreiras, eles sim bolizaram à
sabem os d a q u e la q u e C . H . W alk er & C o., de L ondres, realizo u no p o rto do m an eira d a época ta n to o esplendoroso p o d e r tran sfo rm ad o r e civilizatório
Rio d e Ja n e iro , p o r sinal a p a rte m ais im p o rta n te do s tra b a lh o s d e rem ode­ d o conhecim ento “positivo” (as ciências exatas e a técnica) q u a n to as asp ira­
lação d a cidade e a q u e consum iu m aior parcela do em p réstim o to m a d o aos ções de to d a u m a geração de politécnicos. N a s décadas seg u in tes os e n g e ­
R otschilds. M a s so b re a Era das D em olições os h istoriadores d o Rio d e J a ­ nheiros exigiriam com u rg ên cia crescente o reconhecim ento d o valor d a
neiro p ro d u z ira m m o n ta n h a s de livros, artig o s e teses acadêm icas. Isso po s­ engenharia nacional — e co n se q ü e n te m e n te m ais p restíg io social p a ra si
to , acrescen tarei ap enas q u e a E ra fam osa foi ta m b é m a belle époque carioca; m esm o s. L am e n ta v e lm en te fo ra m escassam en te a te n d id o s, se ta n to . O
e a n te s d e se e sg o ta r n o insaciável fu ro r d a p ic a re ta d e P ereira Passos com ­ m o d elo d o en g enheiro nacional n ã o seria p elo s a n o s v in d o u ro s n em Pereira
p le to u -se ap ro p ria d a m en te no chic dos recônditos en can to s d e M m e L a b a t Passos, n e m Vieira Souto n e m F ro n tin , todos eles exceções à n o rm a re p re ­
aos q u a is, seg u n d o com entava-se n a época, o “H a u ssm a n n brasileiro” p a g a ­ se n ta d a p o r A arão Reis: o funcionário pú b lico exem plar, o profissional das
v a g en ero so trib u to com parcelas su b traíd as d a arrecadação m unicipal. com issões técnicas d o governo,, o m o d e sto fiscal d e obras.
D e fa to , ta n to os e leg an tes salões afrancesados q u e re u n ia m a a lta D ito isso, insisto m ais u m a vez n a posição c o n tra sta n te d a m ed icin a q u e
sociedade carioca q u a n to a “haussm annização” d o R io d e Ja n e iro foram , ainda não era u m a “artep e rfeita m e n te racionalizada” (na expressão d e M iguel
c a d a u m a se u m o d o , a m áx im a expressão d o q u e Jeffrey N e e d e li ch am o u Lem os). A resistência e n tre os p ró p rio s m édicos às descobertas d e P asteu r
d e “p a ra d ig m a aristocrático franco-inglês” .51 M elh o r a in d a: n a percepção (ao contrário d e ta n to s engenheiros q u e as celebraram ) g a ra n tia m a p e rm a ­
d e O lavo B dac, u m a das m ais grotescas expressões d a alienação in telectu al nência das velhas teorias “m lasm átícas” . D e c e rto â n g u lo , e c o m p a ra d a à
d a ép o ca, a sofisticada futilidade in a u tê n tic a d o s salões e leg an tes e o poei­ en g e n h a ria q u e fizera b ro c a rd a to rtu o s a , “suja e feia cidade colonial” a p er­
re n to charm d a n o v a A venida C en tral e n te rra v am ju n to a u m passado inde­ feita linearidade d a A venida C en tral, a m edicina clínica n a virad a do século
coroso a V elha B a o tu lâ n d ia P ortuguesa (expressão d o m edíocre parnasiano), po d eria ju sta m e n te se r to m a d a p o r u m a relíquia d o passado; e é significati­
e nesse juízo era© so n e tista entu siasticam en te secu n d ad o p o r colunistas de v o q u e , a despeito d e su a p e q u e n a a m o stra , n o s salões d a a lta sociedade
frivolidades co m o o s deslum brados Luis E d m u n d o e Jo ã o d o Rio.52 Tbdavia descritos p o r N ee d e li n ã o se d e sta q u e m m édicos (com a exceção q u e a seu
o q u e m e Interessa nas coleções d e objets d ’a rt d e P ereira Passos, no corte te m p o o leito r conhecerá). Ê b em provável q u e d esinfetar cortiços, v acin ar e
lo n d rin o d e sua casaca, nos seus m odos d e gentleman e e m su a M m e L ab at; o rem over bexigosos, m a ta r m o sq u ito s e ír à caça d e ra to s não fossem consi­
q u e m e cham a. &atenção no “irrita n te so ta q u e afrancesado” d e F ro n tin e n a deradas ocupações d e b o m -to m n o s círculos eleg an tes d o Rio d e Ja n e iro ; e
n o u sualm ente ex altad o zelo p e la sa ú d e p ú b lica o s higienistas (com os quais
JIJef& ey D . N eedefi, A Tropical Belle Epoque: Elite Culture and Society in Tum-of-the-Century Rio
to d o s os m édicos term in av am identificados n a percepção p o p u la r) b e m se
deJaneiro. Cara b a d g e : Cam bridge U aiversity Press, 1 987, p p . 111-112.
520 médiocre, so aetîstan âo encontrou nada m ais relevante a com entar sobre a Era das Demolições assem elhavam a u m b ando de jacobinos. E jacobinos, com o observou N eedeli,
senão q u e u m a “avenida precisa de prédios bem construídos, elegantes ou suntuosos’', q u e o
e ra m out no s salões d a belh époque. H a v ia advogados nestas altas-rodas, m as
coacuiso d e fachadas p a ra os novos prédios da Avenida Central era u m "ato louvabilissimo do
governo” e q u e o “gosto publico estava depravado e corrom pido” pelos m estres-de-obras. C om o estes sem pre estiveram p o r to d a p a rte e e ra m a n tig a s as conexões d a alta
tan to s o utros istelectoais de sua época, o sonetista acalentava n o fundo da alm a o sonho de um a
ad v o c a d a com em presários, políticos e capitalistas d o Rio de Jan eiro .
Paris reproduzida i s m argens do Canal do M angue. Ver sua "Chronica” e m Kosmos, n ° 4 , abril de
L904 (sem num eração d e páginas). A estreiteza do espaço profissional d e n tro d o q u a l efetivamente v ingavam
a s idéias do s higienistas fica o u tra vez evidente no fa to d e q u e Pereira Pas­ d e q u e só a engenharia p o d e estabelecer e assegurar d e m o d o satisfatório. E
sos, V ieira S outo, F ro n tin , Francisco Bioaiho, A lfredo L isboa, D e l Vecchio o m esm o sucede e m relação à pavim entação das ruas, estrad as, praças e
o u q u a lq u e r dos q u e se envolveram n a rem odelação u rb a n a do Rio de Ja n e i­ m ais logradouros públicos e, ainda, e m relação aos cursos d*água, lagoas,
ro ja m a is c o u b e ra m n o m o ld e d e e v an g élico s e n g e n h e iro s s a n itá rio s , m an g u es, p â n ta n o s, etc., q u e m iste r se to m e regularizar, m odificar, o u eli­
fu n d a m e n ta lísta s d a higiene p ública. Suspeito q u e m u ita s d a s p o stu ra s m inar, p a ra o conveniente saneam ento do povoado; o q u e define, clara e
m unicipais e d a s sanções im postas pelo prefeito no início d e su a a d m in istra ­ expressam ente, a a lta e im p o rtan tíssim a m issão que à en g en h aria cabe —
ção (coisas do ripo: proibição d e cuspir nas ruas; extinção d e cães vadios; quiçá mais do que a própria medicina — no que respeita à saúdepública, à higiene
repressão à m endicância; vistorias dom iciliares, e tc .) e ra m balões d e ensaio e â salubridade*’ (ênfase m in h a ).54
do reg im e d e exceção sob o q u a l governou a cidade. M u ito pouco a v e r com Seja com o for, e n q u a n to os engenheiros levantavam das ruínas do cen­
saú d e p ú b lic a , a ré p o rq u e se houve u m a escandalosa om issão n a E ra das tro d a cidade u m m o n u m e n to a si m esm os, arreb atan d o a im aginação da
D em olições c ia c e rta m e n te fox a das obras d e sa n e a m e n to pú b lico , a com e- desvairada belle époque, o D r. O sw aído C ruz te ria d e se h av er com a hostili­
Çar p elo crônico p ro b le m a d o abastecim ento d ’á g u a q u e infernizava a cida­ d a d e p o p u la r q u e explodiria com a R evolta d a Varin a.
d e . P a u la F reitas, q u e já. conhecem os d e suas conferências sobre saneam en to
n o In s titu to Polytechnico, foi ch am ad o d e re tró g ra d o ao o b serv ar q u e a
solução p a ta a escassez d e á g u a e as obras d e in fra -e stru tu ra san itária deve­ U m a n o t a s o b r e a a r q u ite tu r a
ria m te r p recedência sobre a b e rtu ra d e ruas e avenidas cen trais.53 Tais defi­
ciências e ra m p a rtic u la rm e n te graves nos su b ú rb io s aos q u a is P ereira Passos D a m esm a fo rm a com o a farm ácia e a odontologia estiveram su b o rd i­
jam ais o b se q u io u com o m ais fugaz d e seus cuidados civilizatórios. N ã o n ad as à m edicina, desde a épo^a d a Escola Polytechnica a a rq u ite tu ra era
o b sta n te , v a le a p e n a frisar q u e houvesse ele a ten d id o a ta l o rd e m d e ques­ concebida com o u m ram o d a engenharia, não com o especialidade au tô n o ­
tõ e s n ã o te r ia desd en h ad o das velhas teorias m édicas, tã o funcionais eram m a . N a Escola ela e ra u m a d isd p lin a do prim eiro ano dos cursos especiais e
elas p a t a a s am bições d a engenharia, pois sem a chave d o “m efid sm o ” o u nas reform as curriculares sucessivas e la p erm an eceu assim . T am bém era
d a s “em anações deletérias” não se abririam os cofres p a ra o “aform oseam ento” en sin ad a n a A cadem ia Im p erial d e B elas A rtes, criada em 1826 com o u m a
d a cidade. A dem ais, n e m m esm o cogitavam os engenheiros d e d isp u ta r d a s conseqüências d a M issão A rtística Francesa. O decreto de 12 de agosto
c o m o s m éd íco s ^.propriedade dos problem as sanitários. S ua p erícia e sta v a do d e 18 1 6 pelo q u a l o Príncipe R egente concedia u m a pensão aos m em bros
lado âassolugfes, e p e lo te m p o q u e predom inassem as teorias “m iasm áticas” d a M issão até q u e se estabelecesse u m a Escola R eal d e Ciências, A rtes e
eles dividiriam c o m a m edicina a jurisdição d a higiene p ública. C o m su a Ofícios refere-se “aos gran d es socorros d a estética p a ra a p ro v eitar p ro d u to s
experiência n a Com issão C o n stru to ra d e B elo H o riz o n te , Á arão Reis co n ti­ cujo v alo r e preciosidade p o d em v ir a fo rm ar no Brazil o m ais rico e o p ulen­
nu av a afirm an d o já em 1923 q u e “a construção d a s h ab itaçõ es dom ésticas to d o s Reinos conhecidos”, p a ra o que fazia-se necessário aos h a b ita n te s o
e, p rin c ip a lm e n te , d o s edifícios d estin ad o s a reuniões coletivas, exigem — “estu d o das Belas Á rtes com o aplicação referente aos ofícios m ecânicos...”.
q u a n to à c u b a ç ã o d e a r, à n o rm a l re n o v a ç ã o d e s te , à v e n tila ç ã o , ao N e m o Brasil to rn o u -se opu len to reino, nem os brasileiros m o stra ra m as
refrescam ento o u aquecim en to , e tc .— condições de higiene e d e salu b rid a- esperadas aptidões p a ra os ofícios m ecânicos, preferindo a n tes as Belas A r-

53Presidente d o Conseliro M unicipal, Paula. Freitas renunciaria e m 2 3 de novem bro de 1903 ao


cargo de in te n d e n te ero pro testo contra os poderes despóticos de q u e fora in vestido Perreira ^ E o n H e íía a a A n g o tti Sa lg u e ir o , EngenheiroAarão Reis: 0 progresso cmo missão. B e S o H o r i z o n te :
Passos. F u n d a ç ã o Jo ã o P t n h e i r o / C R E A - M G , 1 9 9 7 , p . 1 5 8 , n o t a 1 2 6 .
tes q u e , de fato , pro sp eraram à cusra do E stado com a criação d a A cad em ia ju lg a m e n to n a in terp retação criativa, e orig in al d e convenções estéticas re­
Im p e ria l d e B elas A rte s.55 N a A cadem ia en sin o u até 1 8 5 0 G ra n d je a n de conhecíveis.56 A ssim , a a rq u ite tu ra brasileira v irtu a lm e n te ínexistiu a té p o r
M ontigny, o a rq u ite to d a Missão Francesa, sem conseguir, a p a re n te m e n te , v o lta d e 1 9 3 0 p o r fe ita , so b re tu d o , d estes dois elem en to s: u m se g m en to d a
ex tin g u ir a concepção de q u e a a rq u ite tu ra e ra o c o m p le m e n ta estético d a população capaz d e reconhecer e d iscrim inar en rre convenções artísticas
engenharia. gerad o ras de p ro d u to s arq u itetô n ico s d istin to s e u m profissional capaz de
Seja com o for, “a rq u ite to ” e ra u m títu lo livrem ente utilizado p o r cons­ p ro d u z ir as bases d e com parabilidade d e se u p ro d u to .
tru to re s, engenheiros e m estres-de-obra. O s egressos dos cursos d a A cadem ia
Im p e ria l d e B elas A rte s, pelo d o m ínio d o desenho artístico , e ra m fre q ü e n ­
te m e n te utilizados pelos construtores com o “fachadistas” qu e o rn am en tav am
as e s tru tu ra s edificadas. O design não tin h a q u a lq u e r relevância o u a u to n o ­
m ia n o processo d a edificação, o q u e dificultava a form ação d o a rq u ite to e
su a diferenciação d o m ero co n stru to r o u d o en g enheiro civil. E m o b ra s com
a lg u m a p re te n sã o artística, das q u ais g era lm e n te se encarreg av am os es­
tran g eiro s, p a ra o b te r a dim ensão que produzisse o efeito “a rq u ite tô n ic o ”
desejado pelo cliente bastava a h abilidade p a ra im itar, re p ro d u z ir o u co m b i­
n a r estilos históricos, m as sem q u a lq u e r preocupação com a consistência e a
e x a tid ã o , a té m e sm o p e lo d e sc o n h e c im e n to d a s co n v e n ç õ e s e s té tic a s
subjacentes aos d iferentes estilos e às suas aplicações e m edificações p a ra
diferentes usos.
Isso se devia, e m p a rte , ao deficiente ensino d a a rq u ite tu ra . N a s escolas
d e e n g e n h a ria a ênfase recaía nos aspectos técnicos d a c o n stru ção , e n a d e
B elas A rte s raro s era m os professores q u e d isp u n h a m d e a lg u m a ex periên­
cia d ire ta c o m as tradições européias e, n a fa lta d ela, d e bibliotecas a d e q u a ­
d a s. S om e-se a isso a inexistência d e q u a lq u e r in teresse m ais a m p lo p o r
a rq u ite tu ra , en te n d id a com o algo diverso d o p a d rã o v e rn acu lar d e c o n stru ­
ção . F altav a, so b re tu d o , u m a cu ltu ra d e elite su ficien tem en te desenvolvida
p a ra d istinguir, p o r exem plo, e n tre o efeito “cenográfico” p ro d u zid o pelo
uso indiscrim inado d e elem entos o rn am en tais e a cap acid ad e cu ltiv a d a d e

35U m a clara antevisão do desapreço dos brasileiros pelas atividades “mecânicas” tev e Jo aq u in
Lebre to a , chefê da M issão A rtística Francesa, ao m anifestar ao C onde da Barca seu desejo de ^E sta capacidade cultivadas ê o q u e B rain chama d e “gosto" (farte}. A cultura de elite e a
q u e não se repetisse aqui o q u e ocorria n a França onde as famílias pobres, ao invés d e m an d ar associação com alguns mecenas foi utilizada pelos primeiros arquitetos americanos parara separar
seus filhos para as oficinas dos artesãos, eneam inhava-os para a École des B eaux-A rts. M ario o desigs d o processo de edificação* e assim para diferenciarem-se dos construtores q u e faziam
Barata , “M anuscrito inédito de Lebreton: sobre o estabelecim ento d e dupla Escola de A rtes n o ' “arqu itetu ra". D avtd Brain,. “D iscipline & styte: th e École des Beaux-A rts a n d th e social
Rio de Ja n e iro e m 18 1 6 “. Bevhia do Departamenío do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 14, production a f an Am erican arehiteeture”. Theory andSociety, vol. 18* n ° 6 , novem hro de 1989,
1959, p p . 2 8 3 -3 0 7 .
C A T Á ST A SE
7

L iberdade profissional:
u m a c o n tro v é rsia rep u b lican a

Q p ro je to constitucional d e 1823 abolia as corporações d e oficio (a rt. 17),


p ro ib ia o s m onopólios (a rt. 19), m as, la m e n ta v e lm e n te, jam ais saberem os o
q u e p re te n d ia m o s co n stitu in te s ao p ro p o r no arr. 18 q u e a leivigiasse sobre
a s profissões q u e interessassem o s costum es, a se g u ra n ç a e a sa ú d e d o povo.
N o s anais d a co n stitu in te n a d a h á m ais registrado sobre o assu n to . T am bém
la m e n ta v e lm e n te jam ais saberem os o q u e teriam sido as profissões no B rasil
sob o § 2 4 d o artigo 19 d a constituição d o Im p ério : “n e n h u m g ê n e ro de
tra b a lh o , c u ltu ra , in d ú stria o u com ércio p o d e se r p ro ib id o , u m a vez q u e
não se o p o n h a aos costum es públicos, à segurança e sa ú d e d o s cidadãos” . O
sentido d o tex to é razoavelm ente obscuro, m a s su p o n h a-se q u e prevalecesse
a in terp retação d e P im e n ta B ueno: “a livre escolha e exercício d o tra b a lh o ,
in d u stria o u profissão, sua livre m u d a n ç a , o u su b stitu ição , a e sp o n tâ n e a
ocupação das faculdades d o h o m e m , te m p o r base não só o s e u dire ito de
lib erd ad e, m as ta m b é m o d e sua pro p ried ad e”.1 P im e n ta B u en o a n tecip a­
va-se ta m b é m a q u a lq u e r inclinação reg u lató ria d o E sta d o , a d v e rtin d o que
se a profissão é e m si lícita, se não é im o ral e n ã o afeta a se g u ra n ç a o u a

sJ osé A ntooío Pim enta Bueno,. D^eàopM icobrasikira e análise da Comtàuiçãado Império. Brasília:
Senado Federal, 1978, p . 191. A. obra foi p o r primeira, vez publicada, e m 1857.
CATÄSTASE
7

Liberdade profissional:
lima co n tro v é rsia rep u b lican a

O p ro jeto constitucional d e 1823 abolia as corporações d e oficio (a rt. 17),


p ro ib ia os m onopólios (a rt. 19), m a s, la m e n ta v e lm e n te, jam ais saberem os o
q u e p re te n d ia m o s co n stitu in te s ao p ro p o r no a rt. 18 q u e a le i vigiasse sobre
as profissões q u e interessassem os costum es, a se g u ra n ç a e a. sa ú d e d o povo.
N o s anais d a c o n stitu in te n a d a h á m ais registrado sobre o assu n to . T am bém
lam en tav elm en te jam ais saberem os o q u e teriam sido as profissões no Brasil
so b o § 2 4 d o artig o 19 d a constituição d o Im pério: “n e n h u m g ên ero de
tra b a lh o , c u ltu ra , in d ú stria o u com ércio p o d e se r p ro ib id o , u m a vez que
não se o p o n h a aos costum es públicos, à segurança e sa ú d e d o s cidadãos”. O
sen tid o d o te x to é razoavelm ente obscuro, m a s su p o n h a-se q u e prevalecesse
a in terp retação de P im e n ta B ueno: ”a livre escolha e exercício d o tra b a lh o ,
in d u stria o u profissão, sua livre m u d a n ç a , o u su b stitu ição , a esp o n tâ n e a
ocupação d a s faculdades d o h o m e m , te m p o r base não só o se u d ire ito de
lib erd ad e, m a s ta m b é m o d e sua propriedade” .1 P im e n ta B u en o a n tecip a­
va-se ta m b é m a q u a lq u e r inclinação reg u lató ria do E stado, ad v e rtin d o que
se a profissão é e m si lícita, se não é im o ra l e n ã o afeta a seg u ran ça o u a

‘J osé A ntonio P im ta * B v a io ,D â tâ a & fo in a ã m v e análise da Comtãuipadalmpêrio. Brasília:


Senado Federai, 1978, p . 5 9 1 -A obra foi p o r prim eira vez publicada e ra 18-57.
saúde d o s cidadãos não havia p o r q u e im p o r restrições ao seu exercício peia p rin cíp io s nela co n sag rad o s.” N o v a m e n te m u d a v a -se o re g im e , u m ev en ­
m era possibilidade o u te m o r de abusos, os qu ais u m a vez co n statad o s deve­
to q u e su p o sta m e n te im p lica m u d an ças pro fu n d a s n a s leis e nas in s titu i­
riam ser reprim idos pela lei e nisso consistia o único d ite ito e d ever d a ad m i­
ções, m a s p e rm itin d o -se o u tra vez q u e o E stado p erm anecesse ex pressan­
nistração, E m su m a , cabia ao E stado vigiar as profissões p a ta coibir abusos,
d o -se a trav és d a s leis do anden rêgime — su p o n d o -se, o b v ia m e n te , q u e de
m as não im p ed ir seu livre exercício o u dificultar seu “aperfeiçoam ento p ela fa to se tr a ta v a de u m o u tro E stado no q u e diz respeito a u m â m b ito razoa­
livre concorrência” e livre expressão dos talen to s, q u e e ra e x a ta m e n te o q u e
v e lm e n te am p lo d e relaçõesjurídicas.2 O significado disso n o q u e concerne
faziam as corporações de ofício, em boa h o ra abolidas, in stituições q u e ser­
ao m e u a rg u m e n to é q u e m a n tin h a -se to d a a legislação r e g u k tó r ía do
viam apenas p a ta “d isp u ta r privilégios e m onopoiios, p a ra p re te n d e r direi­
exercício profissional, especialm ente d a m ed icin a através d o s re g u la m e n ­
to s e extorsões”.
to s sa n itário s do Im p ério ; a ela acrescentou-se o artig o 5 6 d o C ódigo Pe­
A lib e rd a d e profissional, q u e era e m síntese a re sp o sta d e P im e n ta
n a i d e 1 8 9 0 q u e crim inalizava a p rá tic a d a m edicina, d a o d o n to lo g ia e d a
B u en o à reg u lação e aos m onopólios profissionais, te ria e n c o n tra d o c o n d i­
farm ácia p o r q u em não possuísse títu lo s acadêm icos. H o u v e q u e m n a época
ções favoráveis à época d a p ro m u lg ação d a C o n stitu iç ã o . O fa to d e q u e os
a rg u m e n ta s s e q u e a lei p e n a l a p e n a s ta rd ia m e n te tra d u z ia a cláu su la
anais d a c o n s titu in te d e 1823 não reg istrem q u a lq u e r d e b a re so b re a o r­
condicionai d o § 2 4 d o a rtig o 179 d a C onstituição d e 1 8 2 4 (“d esd e que
gan ização pro fissio n al o u sobre as condições d e se u exercício é b e m u m a
n ã o se opusesse aos co stu m es pú b lico s, à segurança e à saúde d a p o p u la ­
ev idência d e q u e estes não eram te m a s p rio ritá rio s e de q u e , p o ssiv elm en ­
ção”), e m cujo caso o d ip lo m a seria a g a ra n tia de p rá tic a s profissionais
te , não h av ia op in ião cristalizada c o n tra o prin cíp io d a lib e rd a d e p ro fis­ seg u ras e, p o r isso, p ráticas legais. Todavia o d e b a te q u e iria se e ste n d e r
sio n al. Á lé m disso, não havia profissões o rg an izad as n o p a ís n e m m o v i­
p elas prim e ira s duas décadas d o século se g u in te g iro u e m to rn o d a q u e s­
m e n to s d e organização profissional cujos interesses p u dessem se c o n d en sar
tã o d e se havia incom patibilidade e n tre o dispositivo p e n a l e o co n stitu cio ­
e m to rn o d a defesa d a regulação e do m o n o p ó lio . O esp írito d a época e ra n a l d o novo regim e. Ficava o a rt. 56 d o C ódigo de 1 8 9 0 rev o g ad o pelo
fra n c a m e n te lib eral, e o se n tim e n to a n tilu sita n o , q u e se m a n ife s to u m ais § 2 4 d o a rt. 7 2 d a nova constituição?
ta rd e e m to m o d a o rg a n iz a çã o d a m edicina, te ria sido po ssiv elm en te capaz
N e s ta p ro lo n g a d a d is p u ta estav am , d e u m lado, os q u e e ste n d e n d o a
d e n e u tra liz a r o s m édicos e m a g istra d o s p o rtu g u e se s, os ún ico s a q u e m le tra d o C ódigo Penal p a ra o u tra s profissões afirm avam q u e só o d ip lo m a
beneficiaria a rep ro d u ção do m odelo m e tro p o lita n o d e o rg an ização das g a ra n tia a p erícia e, p o r essa fo rm a, sa lv ag u ard av a os interesses d a p o p u ­
p rofissões. Seja com o for, o fa to é q u e o §2 4 d o a rt. 1 7 9 não g e ro u q u a l­ lação c o n tra os perigos d a p rá tic a n ã o qualificada. C ham em os a esses de
q u e r co n seq ü ên cia face à aprovação d a C a rta d e Lei d e 2 0 d e o u tu b ro de c re d e n d a iista s . A rg u m e n ta v a m ta m b é m q u e a intenção dos c o n stitu in te s
1823- rep u b lican o s, em b o ra m an ife sta d a d e fo rm a p o u co clara, não e ra d iferen ­
Já o § 2 4 d o a rtig o 7 2 d a C onstituição re p u b lic a n a d e 1 8 9 1 dizia: “É te d a d o legislador no C ódigo P enai, b a sta n d o p a ra co n firm á -la rev er as
g a ra n tid o o liv re exercício d e q u a lq u e r p ro fissão m o ra l, in te le c tu a l e a ta s das sessões d a c h a m a d a Com issão d o s 2 1 . Essa fu n d a m e n ta ç ã o “his­
in d u s tria l.” O se n tid o desse dispositivo c o n stitu c io n a l p a re c e ev id e n te , tó rica d o a rg u m e n to tin h a p o r base a rejeição d e sucessivas em e n d a s a p re ­
com o se estivesse disp en san d o q u a lq u e r esforço h e rm e n ê u tic o . E n tr e ta n ­ se n ta d a s p e lo s c o n stitu in te s positivistas nas q u ais inscreviam explicita­
to o c o n s titu in te republicano re p e tiu a p ro x im a d a m e n te a fó rm u la d o d e m e n te a lib erd ad e profissional. N a sessão d e 12 d e janeiro d e 1 8 9 1 foi lid a
1 8 2 3 , inserindo n a C onstituição o a rt. 8 3 : “C o n tin u a m em v ig o r, e n q u a n to
não re v o g a d a s, as leis do a n tig o reg im e, no q u e e x p lícita e im p lic ita m e n te
T s u p o n d o - s e , c o m o e n s i n a P o g g i , q u e “ t h e l a w i s t h e s t a t e s s ta n d a r d m o d e o f e x p r e s s i o n it*
não fo r c o n trá rio a o sistem a d e g o v ern o firm ado p e la C o n stitu ição e aos v e r y l a n g u a g e , t h e e s s e n ti a l m e d i u m o f i t s a c t i v i t y “ . G i a n f r a n c o P o g g i , o p . c i t . , p . 1 0 2 .
a e m e n d a assin a d a p o r D e m e trio R ib eiro , A lcirtdo G u a n a b a ra , Á n n ib a l A r t. 3 7 £1° X IX : É g a ra n tid o o livre e x e rd d o d e to d a s as profissões,
Falcão, B a rb c z a L im a e A n tã o d e F a ria com o s e g u in te te o r: “
Accrescente-se q u e r m o raes, q u e r intelfectuaes, q u e r in dustriaes.
ao additiva do a n . 1 2 offerecido pela commissão dos 21 — ‘Independente de títu ­
los ou diplomas de qualquer natureza, cessando desdejã todos os privilégios que a Se assim e ra , a le tra d o a rt. 3 7 não tin h a sentido q u a n d o dissociada de
elles se liguem ou delles d im a n e m (ênfase no o rig in al). N a m e sm a sessão, s e u espirito e d e se u p ro p ó sito , q u e e ra o de in stitu ir a lib erd ad e profissio­
o u tr a e m e n d a assin a d a p o r B arboza L im a dizia: “A c re sc e n te-se o n d e c o u ­ n al. A lém do m a is, insistiam os positivistas, e rrav am o s cre d e n d a listas em
b e r — *E livre o exercício de todas as profissões, independentemente de qualquer invocar legislação o rd in ária (com o o s reg u lam en to s sanitários) com o fu n d a ­
titulo escolar, acadêmico ou qualquer outro’” (ênfase n o o rig in a l).3 O ra , a r g u ­ m e n to d e s u a d o u trin a , p o is “a lib erd ad e profissional, re g u la d a p o r lei ord i­
m e n ta v a m o s credencialistas, se ta is e m e n d a s fo ra m d isc u tid a s e re je ita ­ nária, é um m o n stru o so a te n ta d a à C onstituição”, so b re tu d o p o rq u e não se
d a s é p o rq u e os c o n stitu in te s co n sid eraram o títu lo acadêm ico c o m o re ­ p o d ia im ag in ar a C a rta M a g n a “tã o ca m b ian te, tã o in c o n g ru e n te , p a ra con­
q u is ito in d isp en sáv el p a r a a p rá tic a p ro fissio n al, e é n e ste c o n te x to d a sa g ra r ta n to s p rincipias g e n u in a m e n te republicanos e cah ir lo g o no su p re­
h istó ria d a c o n s titu in te q u e devia ser in te rp re ta d o o § 2 4 d o a r t. 7 2 d a m o illogism o d e a d m itir a odioso privilegio d e u m a s d e n a a a m p a ra d a n a
c o n stitu iç ã o . sancção o ffid al” .4

D o o u tr o la d o e sta v a m o s a n tic re d e n c ía lista s p a r a q u e m o títu lo C o m p re e n siv e lm e n te , e ra m o s m éd ico s o s m a is e n tu s ia s ta s d e fe n so ­


aca d ê m ico n ã o e r a g a ra n tia d e q u a lific a ç ão . F a r a esses q u a lq u e r r e s tri­ res d o cred en cíalism o e d a m a n u te n ç ã o d e leis o rd in á ria s h e rd a d a s d o
ç ã o à lib e rd a d e p ro fissio n a l significava p re m ia r o s b a c h a ré is ig n o ra n te s Im p é rio . A in te rp re ta ç ã o lite ra l d o d is p u ta d o a rtig o d a c o n stitu iç ã o d e s­
q u e as escolas su p erio res p ro d u z ia m às c e n te n a s, p u n ir os n ã o d ip lo m a d o s m o n ta ria o m o n o p ó lio le g a i d a p re s ta ç ã o d e serviços m é d ic o s d e q u e

q u e d e m o n s tra s s e m c o m p e tê n c ia e, p rin c ip a lm e n te , n e g a r a o c id a d ã o o d e s fru ta v a m d e sd e 1 8 3 2 , e ju s ta m e n te n u m a q u a d r a e m q u e a d e m a n d a

d ire ito d e se c o n s u lta r com q u e m m e lh o r lh e conviesse. N e sse s te rm o s , p o r ta is serviços e n c o n tra v a -s e e m fra n c a e x p a n sã o . E m São P a u lo e r a a

o d isp o sitiv o c o n s titu c io n a l d isp e n sa ria q u a lq u e r in te rp re ta ç ã o a d icio ­ c o n c o rrê n cia d e m éd ico s e stra n g e iro s, so b re tu d o ita lia n o s , q u e in sp iro u
a o d e p u ta d o e m ed ico D r . M ira n d a A zevedo a s in g u la r te se d e q u e e ra m
n a l, se n d o o s e n tid o lite ra l o ún ico ad m issív e l. E ssa e r a a p o sição d o s
a q u e le s o re síd u o “p e r tu r b a d o r ” e “p e rig o so ” d o e x c e d e n te p ro d u z id o
p o sitiv ista s. E tin h a m eles seus tru n fo s n a d is p u ta , e n tr e os q u a is o fa to
p e la s fa c u ld a d e s e stra n g e ira s, o s déclassés q u e tra ria m a d e so rd e m m e n ­
d e q u e o § 2 4 do a r t. 7 2 d a C o n stitu iç ã o e ra e m tu d o id ê n tic o a o a r t . 3 7 ,
t a l e social ao p a ís .5 A lé m disso, c o m a le m b ra n ç a a in d a v ív id a d a s b a ta ­
n ° X I X d o p ro je to c o n stitu c io n a l d e M ig u e l L e m o s e T eixeira M e n d e s,
lh a s tra v a d a s c o n tr a o s h o m e o p a c a s e s u a e sc o la n o s a n o s 4 0 , n ã o
d a ta d o d e 1 8 9 0 , isto é, a n te rio r à convocação d a A sse m b lé ia C o n stitu in te .
d e sc u ra v a m os m éd ico s d a s possíveis vincuíações e n tr e lib e rd a d e p ro -
C o m p a re -se :

4M -1- Carvalho de M endonça (Juiz seccional), “A U berdade Profissional — O p o n to d e vista


A r t. 7 2 § 2 4 : É ga ra n tid o o livre exercido d e q u a lq u e r profissão m o ral,
p u r a m e n t e ju ríd ic o ” . < ?D » B 7 tt,v e ,L 9 9 » fe v e re iro d e 1 9 0 6 , p . S S T - 'I a n t o o a r g u m e n t o “h is tó ric o ”
in te le c tu a l e in d u stria l. q uanto o tecm so à leglskção-oidmária foram am plam ente utilizados n a s decisões d os tribunais.
Ver, p o r exem plo, Recurso d e despacho d e n ã o recebim ento de denuncia — Conselho do
T ribunal C ivil e C rim inal do D istrict» Federal”. O Diteito, voL 8 0 , o u tu b ro de 1899 d d 300-
314.
sAugustt> Cezar de M iranda Azevedo (Dr), A U berdade Profissional Perante as Constituições da
U nião e do Estado de São Paul® (Discurso pronunciado na sessão d e 16 de agosto de 1898 do
30 i ei to r interessado nos trâm ites das em endas positivistas lerá com proveito A genor de Roure, Congresso Legislativo do EstacU efeSao Paulo). São Paido: Escola Typ. Salesiana, 1898, p p . 41 -
A Constituinte republicana. Rio de Janeiro: Im prensa Nacional, vol. II, 1 918, p p . 6 1 8 -6 3 2 .
2 3 2 II E D M U N D O C A M PO S C O E L H O AS PROFISSÕES IM PERIAIS / / 233

fissio n a i e lib e rd a d e d e en sin o e d a s am eaças q o e re p re s e n ta v a m p a r a o regim en u n itário e centraÜ sador d a M o n a rc h ía V A lé m d o m ais, a experiên­
m o n o p ó lio d o c o n h e c im e n to m éd ico c o m sede n a s fa c u ld a d e s oficiais. cia d e o u tro s países m o strav a q u e a erradicação d o exercício ilegal d a m e d i­
N ã o s u rp re e n d e , p o is , q u e te n h a m v o lta d o su a s b a te r ia s c o n tr a o s cina e d o charlatanism o era ex trem am en te difícil ou im possível, e qu e te n ­
p o sitiv ista s, tra n sfo rm a n d o -o s no g ra n d e in im ig o . O D r . N in a R o d rig u es tativas d e regulação haviam gerado freq ü en tem en te a crença de que seus
n ã o o s p o u p o u » e m b o ra visasse m e n o s os “o rto d o x o s ” d o q u e aq u eles propósitos eram os de beneficiar os m édicos p e la restrição d a com petição,
q u e c h a m a v a d e “ sim p ático s” o u “p o sitiv ista s in c o m p le to s ” , p e rc e b e n ­ o u os de “su p p rim ir os credos schism aticos”, resu ltan d o e m q u e “a lei cabe
d o q u e a te se d a lib e rd a d e p ro fissio n a l p o d e ria g a n h a r a d e p to s e n tr e os em descredko e é revogada o u torna-se le ttra m o rta ”. Sendo u m a boa regra
e s p írito s m a is lib erais. deixar ser explorados os q u e o desejam ser”, ta m b é m era necessário im ita r

Boa p a rte do arg u m e n to d o m édico baiano consistiu e m c o n tra p o r aos os ingleses e h ab ilitar as pessoas q u e carecem de serviços m édicos a distin ­

positivistas o u tro evolucionista, H e rb e rt Spencer, e com o C o m te adversário g u ir o p ratico qualificado do não qualificado”.8 E m elh o r do q u e b ran d ir

d a intervenção do estado.6 O ra, ensinava ele, S pencer esperava q u e o E stado c o n tra os curandeiros o Código Penal seria in stitu ir u m a “lei severa d e res­
ponsabilidade profissional”.
mínima viesse a caracterizar apenas as sociedades industriais, q u e rep resen ta­
v a m u m estágio» avançado d a evolução social ain d a não atingido n e m m es­ C o n tra to d o s os a rg u m e n to s c te d e n ria lista s, os p o sitiv istas não se

m o pelas nações m ais desenvolvidas. O q u e dizer» e n tã o , d e u m a sociedade lim itavam a a p o n ta r as sem elhanças do controvertido dispositivo c o n stitu ­

com o a brasileira, a in d a n o estágio m ilitar , em q u e a R epública acabara de cional com o d o projeto de M iguel le m o s e Teixeira M endes. E scolhendo os
m édicos com o os adversários m ais tem íveis, fo ram direto ao coração da
ser aclam ada p e io Exército e p e la A rm a d a , q u e carecia d a u n id ad e étn ica
m atéria: não havia qu a lq u e r evidencia d e que a m edicina oficial fosse m ais
q u e lh e p e rm itiria despreocupar-se com os conflitos raciais e q u e im p o rta v a
d a E u ro p a to d o s os elem entos civilizatórios. E m sociedades com o e sta a efetiva do q u e a a rte dos curandeiros o u a p rática dos em píricos. J á em 1887
M iguei L em os, n u m m anifesto c o n tra m édicos d a C orte que haviam proces-
intervenção reg u lad o ra do E stado era indiscutivelm ente leg ítim a p a ra evi­
t a r q u e a lib erd ad e de uns se transform asse e m licença lesiva d o s direitos sado um cidadão p o r crim e d e charlatanism o, observava que a m edicina, ao

d o s o u tro s. N e la s, em q u e é “n u lla o u insufficente a acção d a cooperação contrário d a engenharia, não era um a “a rte perfeitam en te racionalizada”,
b astando observar a “anarchia m e n ta l” em que ela se encontrava: “cada um
ex p o n ta n e a ” capaz d e criar “in stitu to s d e ensino m édico com pletos”, cabe
te m as suas teorias e a sua p ratica e não hesita em accusar de charlatanism o
ao E sta d o cria r escolas m édicas oficiais e só a ele a trib u ir os g ra u s acadêm i­
o u ignorancia tu d o q u a n to se afasta do seu m odo d e pe n sa r”.9 Com o p ro ­
cos. E “p o r m ais depreciado q u e se considere o d ip lo m a scientifico, sem pre
c o n stitu e elie u m a especie d e selecção, defeituosa, insuíficiente, m a s selecção pósito único d e defender seu m onopólio, erguia a m edicina oficial “barreiras

e m to d o caso” .
M a s se o U r . N in a R odrigues julgava a b su rd a a tese d a desregulaçao
’N ina Rodrigues faz aqui um a dupla referenda à constituição do Rio G rande do Sul, que
total do en sin o e d a p rá tic a m édicas, ta m p o u c o d e fe n d ia ele a h era n ç a instituíra a liberdade profissional e a de ensino» e ao governador positivista Ju lio de Castilho,
sugerindo q u e outros Estados poderiam ir na m esm a direção.
re g u la tó ria d o Im p ério , p o is “será erro p a lm a r p re te n d e r conservar in ta c ta e eA referência aqui é ao Medicai Registar, instituído em 1858 na Inglaterra, uma relação de todos
inteiriça, n a R epublica federativa, a organização q u e p o ssu ia a m ed icin a no os médicos qualificados com seus títulos e endereços. Esta lista era publicada pata orientação dos
que necessitassem procurai serviços médicos. Note-se que o MedicaiA ct não extinguiu a “liberdade
de curar”, m as pum a severamente os que, não sendo médicos qualificados, se apresentassem
6Liberdade Pmfisskmalem Medicina— Conferencia de abertura do Ctmo de Medicina Legal na Facul­ como tal. G arantia o monopólio do título, mas não o do exercício profissional.
dade da Badid, peio Ur- N ina Rodrigues. São Paulo: Publicações da R evista Medica de São Paulo, A liberdade espiritual — 0 exercício da medicina. Rio de Janeiro: C entro Positivista do Brazil,
q uasi insuperáveis à evolução dó p en sam en to h u m a n o ” e o p rim ia o cidadão II
q u e o u se su b m etia aos cuidados d e u m “m edico official” o u ficava ao d e ­
sa m p a ro . O D r. Jo a q u im B agueira ia m ais lo n g e e m ais c o n tu n d e n te ao Á princípio, en g en h eiro s e advogados tiv eram p o u co com q u e c o n trib u ir
cern e d a q uestão. M édico form ado p ela F acu ld ad e d e M edicina d o R io de p a ra o d e b a te sobre a liberdade profissional, e m b o ra viesse a c a b e r aos b a ­
Ja n e iro , cirurgião d o Exército, o D r. B agueira p u b lic o u o se g u in te n a o rto ­ charéis em direito — juizes e m ag istrad o s — p ô r u m fim à controvérsia. A
grafia p ositiva; “(...) 6 o. Q u e a sciencta deve inpor-se p e la d em o n stração i lei 30 0 1 de 18 8 0 p e rm a n e c e m a té a v ira d a do século com o o dispositivo
p e rd e sua d ig n id ad e to rn an d o -se suspeita, cu an d o q u e r inpor-se p e la força; reg u lató rio m ais im p o rta n te n o cam po d a en g en h aria, e as insufidências
7 o. Q u e o academ icism o não te m u m a teo ria ezata das funções d o cerebro, nacionais n e ste ca m p o co n stitu íam ain d a o nó d a q u e stã o . T an to isso é ver­
n e n p o r conseguinte d e sua pato lo g ia, nen d a s relações do fizico i d o m o ral d a d e q u e em 1901 a legislação a in d a m a n tin h a a e x ig ê n d a d e exam es d e
d o o m e n , í m o stra desconhecer a indivizibilidade d a n a tu re z a u m a n a pelo habilitação n a s faculdades oficiais p a ra m édicos e advogados estrangeiros,
cultivo ezajerado d a s especialidades; 8 o. Q u e o m esm o academ icism o não m as sem q u a lq u e r m en ção a engenheiros, sinal d e q u e a c o n tra ta ç ão de
te m u m a teoria e z a ta d a n atu re z a das m oléstias, e n je ta l, d e seu m o d o de ingleses e n o rte-am erican o s sem form ação acadêm ica a in d a e ra u m a neces­
invazão i d e prop ag ação , nen possui m eio a lg u n infalível p a ra as in p e d ir o u sidade.11
d eb elar; 9 o- Q u e n ã o é justo conferir o m onopolio d e cu rar a q u e n desse P o r razões j ã m en cio n ad as, o s ad v o g ad o s, a o c o n trá rio d o s m édicos,
m o d o e stá fo ra d a s condições de ezecutar cabalmente o q u e propõe; (...) 12®. n ã o h av iam e sta d o p a rtic u la rm e n te interessad o s e m d e lim ita r jurisdição
Q u e o em prego ab ítu al dos m edicam entos sendo bazeado som ente n a efícassia profissional o u e m esta b e le c er m o n o p ó lio d o s serviços leg ais. O grosso d a
m a n ife sta d a e m cazos parecidos, i n ã o avendo teo ria acadêm ica alg u m a q u e advocacia e ra feito p o r a d v o g ad o sp ro v isio n ad o s, p o r so licitadores o u m e s­
esplique ezatammte 2. sua ação, fica a terap êu tica oficial re d u zid a a p u ro m o p o r leigos e n ã o e ra raro q u e rá b u la s estabelecessem re p u ta ç ã o d e
em pirism o, i n ã o é ju sto que se p ro te ja certos em píricos d e preferencia & n o tó rio s a b e r ju ríd ico , com o fo ra o caso de A n to n io B sreira R ebouças no
o u tro s ; 13® Q u e , sendo assim , o s m édicos e sp o n tâ n e o s, b e m c o m o o s Im p é rio , o u d e E v aristo d e M oraes ao fim do século.12 É e x a to q u e m u ito
d ip lo m a d o s, p ó d en ap re z e n tar rezultados terapeudicos valiozos, o q u e aiiaz d a lib erd ad e profissional n o cam p o d a advocacia e ra exercido n a esfera
é univ ersalm en te reconhecido, não te n d o o u tra o rig en a a rte d e cu rar; (...) crim inal, u m te rritó rio p o u c o resp eitáv el q u a n d o n ã o e ra ilu m in a d o , p o r
17°. Q u e , a p re te sto d e saude publica, o verdadeiro fin d a g u e rra aos c u ra n ­ ocasião ànscauses célebres, p e la luz d e a stro s d a g ra n d e z a d e F ra n k lin D ó ria,
d e iro s é a fa sta r a co n c u rre n cia p a r a m e lh o ra r a situ a ç ã o d o s m édicos, o barão d e L o re to . P o r q u e não e ste n d ê -la ao cível, in q u iria u m ad v o g ad o
e n b a ra ç a d a pelo se u nu m ero essesstvo; (...) 2 1 °. Q u e a p erseguição aos cu­ p o sitiv ista, se e la ex istia n o â m b ito d a s q u e stõ e s m ais im p o rta n te s , q u e
ran d eiro s n ã o afastará a co n c u rre n d a, pois não averá lei n e n h u m a capás d e e ra o d a lib e rd a d e in d iv id u a l.13A re sp o sta d o s c re d e n d a lista s co n sistia em
im p e d ir o s cidadãos, m esm o os ricos i le tra d o s, e a té m édicos, d e pro cu ra­ m o s tra r q u e na. e sfe ra c rim in al o ju iz e ra so b eran o , p o d e n d o decidir se­
re m seus conselhos; (...) 2 3°. Q u e av en d o x arlaran ism o ta n to e n tre o s g u n d o su a convicção» in d e p e n d e n te m e n te d a s p ro v as d o s a u to s o u dos
d ip lo m ad o s, com o e n tre os espontâneos, o m onopolio e n vês de afastá-lo, so
consegue ptevilejiá-lo” .10 ’’D ecreto n° 389Q d e-1 d e janeiro de 1901 — A pprove o Codigo dos In stitu to s Official's de
Ensino Superior e Secundário, dependentes do M inistério d a Ju stiça e N egocios Interiores
(A rt. 226).
l2Vêr Evaristo de Mota es, Renriniscêncús de um rábula criminaíista. Rio d e Janeiro: Ed. G rande
Livraria Leite Ribeiro, 1922.
“ O rejimen republicano — O livre ezercicia da medicina. Rio de Janeiro: Tip. C entra!, 1890. BA , de Souza Pinto, Cutara Acadêmica^ A n n o 1, vol. 1, janjfev. 1905, pv. 2 7 .
a c e rto s e d e sa c e rto s dos advogados, os q u a is, d essa fo rm a , tin h a m pouco classe em cujo exercício se a g ita o direito d o cidadão, q u e r em relação à sua
efeito o o re s u lta d o final; n o cível ocorria e x a ta m e n te o o p o s to , e a í o êxito v ida, q u e r e m relação à su a liberdade, q u e r em relação à su a p ro p rie d a d e ”.
d a causa, d e p e n d ia d a c o m p etên cia dos ad v o g ad o s, d a sua c u ltu ra ju ríd i­ Profissões q u e , com o a advocacia, “tão d e p e rto in teressam a sociedade e
c a .14 E n ã o foi sem a lg u m a hesitação q u e o In s titu ro d a O rd e m d o s A d v o ­ ain d a m ais pro x im am en te o indivíduo” não p o d ia m ficar “à m ercê de u m a
g a d o s B razileiros definiu-se com relação à m a té ria . S u a C om issão d e J u s ­ falsa lib erd ad e d e in d ú stria ”; e “se h á casos em q u e precisa o indivíduo da
tiç a re d ig iu p arecer, lido e discutido n a sessão d e 17 d e m aio d e 1 8 9 4 , nos im e d ia ta vigilância do E stad o , o do exercício profissional é u m dos m ais
se g u in te s te rm o s : “Á advocacia p o d e ser ex ercid a p o r q u a lq u e r cidadão salientes”.
(C o n stitu iç ã o , a r t. 7 2 § 2 4 ). O s advogados n ã o c o n s titu e m « m a ciasse o u O u tr a v e rte n te d o p en sam en to jurídico (ou a m esm a v e rte n te e m cir­
casta. Á esco lh a do p a tro n o a m ax im a lib e rd a d e . O s profissionais d e m e ­ cunstâncias diferentes) p o ria a ênfase m enos nos interesses do indivíduo do
re c im e n to im p õ e m -se m e n o s p elo d ip lo m a , q u e p o u c o v ale, d o q u e pelo q u e n a natureza d o E stad o . Isso p o rq u e "o m esm o E stado q u e consagra a
sab er, c a ra c te r e ín d ep en d en cia.” C o n tra e s ta posição p rev aleceu , e n tre ­ liberdade profissional, reserva-se o direito d e contrasteal-Ia, p o rq u e essa re­
ta n to , o p a re c e r d o sócio Isaías G u ed es d e M ello q u e p ro p u n h a a exigência serva assen ta n a p ró p ria base d e sua existência, q u e depende d a re g u la m e n ­
de d ip lo m a p a ra o exercício d a profissão, e m b o ra incluísse os p ro visionados tação de todas as m anifestações d a actividade h u m a n a . E stado é organiza­
n a c a te g o ria d o s q u e p raricav am le g a lm e n te a adv o cacia.15 O In s titu to ção politico-juridica. E stado é regulamentação. O E stado se fu n d a sobre a lei
iria m a n te r d e sd e en tão a tese credencíaíista. O q u e m u d o u c o m su rp re e n ­ E sta é a sua base. Tòdas as liberdades q u e elle reconhece o u concede ficam
d e n te fre q ü ê n c ia e n tre os ad v o g ad o s fo ra m as razões a p re se n ta d a s com o sujeitas à su a fundam entação, po rd e p e n d e n c ia m aterial. N ã o h á liberdades
fu n d a m e n to p a r a a regulação e x clu d en te. in d ep en d en tes. É preciso ser pleonasrico e dizer com clareza d e lu z solar:
O a rg u m e n to “histórico” no parecer d e Isaías G u ed es não tin h a fu n d a ­ não bã liberdades livres, há liberdadesjurídicas (...). U m regim en d e liberdades
m e n to d o u trin á rio indispensável a cultos advogados, e não e ra adm issível a livres seria u m regim en de confusão e anarchia. U m reg im en d e liberdades
defesa d a lib erd ad e profissional com base n a sim ples razão d e q u e assim jurídicas é u m regim en d e o rd em , de segurança”17 (ênfases n o original). O ra ,
haviam de c id id o os constituintes. Sua base deveria ser m ais sólida: tra ta v a - co n tin u av a o arg u m e n to , as profissões liberais são “actividades q u e os cida­
se d o s dire ito s do s cidadãos. N o m esm o ano d a apresentação d o p arecer foi d ãos pratic a m ; logo, a sua regulam entação se c o n tém d e n tro d o s fins soci­
p u b lic a d a a m e m ó ria d o D r. M anoel  ívaro d e Souza Sá V ian n a, I o secretá­ ais; a su a liberdade é sujeita a d ita regulam entação, sem o q u e excederia o
rio d o In s titu to d a O rd e m dos A dvogados B rasileiros, lid a n a sessão com e­ d om ínio d o E stado, ficando além do dom inio do direito, o q u e é ab su rd o ”.
m o ra tiv a d o 5 0° aniversário d a instituição.10 Sá V ian n a re to m a v a o te m a d a N e ste s term os, pouco im p o rta v a a form a p ela q u a l o E stado escolhesse fazer
criação d a O rd e m dos A dvogados com o u m im p erativ o d a c o m p le ta consti­ a regulação do exercício profissionaL, e a exigência de d ip lo m a não era a
tuição d© Ju d iciário , do q u a l a advocacia seria p a rte c o m p lem en tar, e ap o n ­ q u estão principal.18 O que im portava e ra reg u lar p o r q u a lq u e r m eio “a capa-
ta v a e s ta providência com o u m a fo rm a d e n ã o d e ix a r “d esab rig ad a” u m a
" “Parecer da Commissão de Justiça e Legislação do In stitu to d a O rdem dos Advogados -
Brasileiros sobre o Projecto de creação da O rdem dos Advogados Brasileiros”, em A rm ando
14H e n riq u e B arreto Praeger, Uberdade profissional. Bahia: Litho-Typographia Á lm eira, 1907, Vídal, A Ordem dos Advogados no Brasil. Rio d e Janeiro: Typographia Revista d os Tribunais,
p p . 2 3 -2 4 ,
1917, p p - 193-213- Aurelino Leal foi o relator do parecer, assinado tam bém p o r Esmeraldino
ts% r Isaías Melío, o p . cit. O Instituto aprovou o parecer p o r 35 votos contra 3 em sessão de 22 Bandeira, C anuto de Figueiredo e Jo ão Marques.
de m aio d e 1895- !9Isso posto, "si, pois, o projecto e o substitutivo [da criação da O rdem dos Advogados Brasileiros]
x^Cinqnenta Armes de Existência— Memória lida na sessãosoknase commemorativa do 50aaniversario da exigem para a iosctípção n o quadro da Ondem, quanto aos advogados, a exhibição do diploma
fundação do' Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros pela I a secretario ManoelAhraro de Souza Sá acadêm ico é apenas porque, queiram ou não queiram, esta é ainda, felizmente, a nossa situação
Vianna- R io d e Janeiro: Im prensa Nacional, 1894. jurídica..." (ênfase minha). Idem , ibidem, p . 194.
tid a d e do indivíduo q u e se d estin ar a p a te n te a r os seus conhecim entos» deíles
III
se valendo paira a p ra tic a d a profissão judicial”. A razão d e ser d a re g u la ­
m entação profissional não era o dispositivo constitu cio n al q u e a autorizava O p a re c e r d e Isaías d e M ello, vitorioso no In s titu to d o s A dvogados Brasilei­
e exigia, m as “o d ire ito in tim o , visceral, im m a n e n te , q u e o E stado te m de ros, tin h a a p a rtic u la rid ad e d e conservar a velha fó rm u la do Im p ério seg u n ­
su b m e te r à disciplina jurídica os p h e n o m e n o s d e q u a lq u e r o rd e m q u e se do a q u a l n ã o im p o rtav a co m o o u o n d e houvessem os provisionados a d q u i­
desdobram n a co m u n h ão ”. rid o se u c a b e d a l d e conhecim ento jurídico, b a sta n d o o exam e d e suficiência
E ste d iscu rso e s ta tis ta e o b v ia m e n te p ra g m á tic o d e s a b a ria fra g o ro - p e ra n te as Relações p a ra h abfiltá-los p a ra o exercício legal d a advocacia.
s a m e n te q u a n d o o E sta d o se d isp u sesse a re g u la r c o n tr a o s in te re sse s e T am bém o a rt. 6 6 dos e sta tu to s d a E scola Folytechníca já ad m itia , e m 18 7 4 ,
p riv ilég io s d o s a d v o g a d o s. N e s ta s ocasiões o u tro s ju ris ta s le m b ra ria m o m e sm o princípio: “O s indivíduos estran h o s à Escola, q u e p re te n d e rem
ao E s ta d o , p o r v ia d e ação ju d ic ia l, q u e a re g u la ç ã o p ro fissio n a l d e v e ria p re s ta r ex a m e d e q u a lq u e r d a s m a té ria s nella ensinadas, o po d erão fazer,
t e r seus lim ite s n o q u e a u to riz a v a o § 2 4 d o a r t . 7 2 d a C o n stitu iç ã o d e satisfeitas as condições exigidas e m re g u la m e n to especial, o u as d o artigo
1 8 9 1 q u e ele s in te rp re ta v a m d e m a n e ira p e c u lia r. P ois n o e n te n d im e n ­ an te c e d en te .”20 E é b o m le m b ra r q u e a despeito d a s resistências d a A cade­
to d e e m in e n te s ju ris ta s e la d e v e ria se re s trin g ir à c o n s tru ç ã o d e b a rre i­ m ia Im p e ria l d e M edicina nos anos 4 0 , dispositivo legal idêntico p e rm itira
ra s à e n tr a d a n a s profissões e à exclusão d a q u e le s q u e n e la s h a v ia m sido aos egressos d a Escola H o m eo p ática p re s ta r exam es nas faculdades p a ra se
a d m itid o s p e la s leis a n tig a s se m a in d isp e n sá v e l e v id ê n c ia d e p e ríc ia , a h a b ilita re m ao exercido d a m edicina.
p ro v isão o u o d ip lo m a . A advocacia, com o a s d e m a is p ro fissõ e s lib e ra is e F re q ü ê n c ia livre e exam es liv re s e ra m dois d o s asp ecto s so b re os qu a is
d ife re n te m e n te d a s ocupações co m u n s, e ta u m a p ro fissã o livrer e o E s ta ­ p ro sse g u iu , d e sd e a p ro x im a d a m e n te 1 8 6 9 , o d e b a te so b re a lib e rd a d e
d o e x o r b ita r ia e m s e u p o d e r r e g u la tó rio se e x ig isse d o s a d v o g a d o s d e e n sin o o u e n sin o livre.21 C u rio s a m e n te a p a rta n d o lib e ra is d e liberais
inscrição o u m a tríc u la e ra a g ê n c ia fa z e n d á ria c o m a fin a lid a d e d e fisca­ e a lin h a n d o v á rio s d e ste s c o m os co n serv ad o res, u m d o s p o n to s m ais

lizar o re c o lh im e n to d o im p o sto d e re n d a e , d e m a n e ira g e ra l, se ria in ­ c o n tro v e rtid o s referia-se à criação d e facu ld ad es liv res. Q u a l seria, o u

c o m p a tív e l co m a lib e rd a d e a sse g u ra d a p e la C o n s titu iç ã o q u a lq u e r o u ­ d e v e ria ser, a a m p litu d e d e ssa lib e rd a d e ? N e s te p o n to as d iv erg ên cias

t r a e s p é d e d e re g u la ç ã o b em co m o m a tríc u la s , re g is tro s o u insp eçõ es m a is p ro fu n d a s d iziam re sp e ito a se d e v e ria m ta is in stitu iç õ e s d e en sin o


g o z a r d o p riv ilé g io d e c o n c e d e r g ra u s . E ta n ta s fo ra m as resistên cias q u e
p o r a g e n te s d o g o v e rn o .19
o d e p u ta d o C u n h a L eitão , u m co n serv ad o r, d e p u ro u seu p ro je to d e 1873
d e q u a lq u e r refe rê n cia a concessão d e g ra u s, a p re s e n ta n d o e m 1 8 7 7 su a
v e rsã o “fra c a ” . P a ra e sc a p a r ao “circulo d e fe rro tra ç a d o p e lo m o n o p ó lio
d o E s ta d o ”, o p ro je to d e C u n h a B u e n o p ro p u n h a e m dois a rtig o s a liber-

l90 Imposta sobre a Rendados Profissionais Liberais: A acção de Instituto dos Advogados em defesa da ^‘O art- 6 5 sim plesm ente dízis q u e "para os alunm os da Escoia a approvação nos exam es de
classe. A petição de interditoproibitorio apresentadapelo Doutor Edmundo de M iranda Brandão ao ju iz generalidades su b stitu e a freqezencia d e aulas em todos os seus effeitos...”. Isto é: u m a vez
federal da 2? sara. Rio d e Janeiro: J . Miccoiis, 1923- E sta ação foi m ovida pelo In stitu to dos m atriculado n a Poíytechníca» © a í u n o podia estudar onde e com quem quisesse, faltar a todas
Advogados contra. disposições do D ecreto n° 15589 de 2 9 de ju lho de 1922 q u e aprovou o a s aulas às Escola e, ainda assim, p re star os seus exames desde q u e o requeresse ao D ire to r e
regulam en to para.a arrecadação e fiscalização do im posto de renda. O In s titu to se socorre do § pagasse a tax a estipulada.
2 4 do a rt. 7 2 da C onstituição de 1891 p a ra se o p o t à exigência, d e m atrícu la dos profissionais 2lT àato q u a n to sei, a m elhor exposição sobre este debate está e m Roque Spencer Maciel de
Barras, A Ilustração Brasileira e a Idéia de Universidade. São Paulo: Editora Convívio/Edusp,
no órgão arrecadador.
âade âe estudar — “a lib e rd a d e d a d a à m o c id a d e d e e s c o lh e r o p ro fe sso r p ro p rio E s ta d a d e c u ja p ro te c ç ã o elia se p rev alece, u m a c o n c u rre n cia
cu ias th e o ría s e m e c h o d o de ensino m e lh o r lh e a p ro u v e r” — e a liberda­ p o d e ro sa n o te rre n o v e rd a d e ira m e n te leig o e n a c io n a l d e ensino su p e ­
de de ensinar — “a exiscencia d e p ro fesso res p a rtic u la re s e a creação d e r io r ” .25 Q u a n to ao g r a u acadêm ico, a firm a v a N a b u c o , ele e ra um “a rre s­
cu rso s e e sta b e le c im e n to s livres, fa c ilita n d o assim a c o n c u rre n c ia q u e
ta d o d e c o m p e tê n c ia q u e o E sta d o d á ”, e não se d ev e d a r à Ig re ja ta l
p e lo a r t . I o se rá p e r m ittid a à n o ssa m o c id a d e ” .22 M a s já asso cíav a-se a
m o n o p ó lio , q u e só p e rte n c e ao E s ta d o . “O s n o b re s d e p u ta d o s ”, c o n ti­
lib e rd a d e d e en sin o à lib erd ad e profissional (ou, in v e rsa m e n te , à regulação
n u a v a ele, “q u e n ã o recu am d ia n te d e id ea a lg u m a a d ia n ta d a , p o rq u e
d a s profissões) e , d a n d o -se c o n ta d o s riscos q u e a v in c u la ç ã o tr a r ia ao
razão não p e d e m com o nos E sta d o s-U n id o s q u e não h a ja g rã o s? P orque
se u p ro je to , C u n h a B u e n o tr a to u d e c o n to r n á - la ao c o n te s ta r u m a p a rte
n ã o p e d e m q u e to d o s sejam m é d ic o s, q u e to d o s p o s s u a m o ditefco saig-
d o d e p u ra d o C o rrê a d e A ra ú jo se g u n d o o q u a l a lib e rd a d e d e en sin o
nandi, purgandi, occidendil F o rq u e é q u e os n o b res d e p u ta d o s não q u e -
le v a v a à d e so rd e m d a s profissões e e x ig ira n a I n g la te r r a a re g u la ç ã o d a
re m q u e to d o s te n h a m a m esm a fa c u ld a d e d e a d v o g a r, q u e to d o s p o s ­
m e d ic in a .
sa m se r m a g istra d o s? N o s E sta d o s-U n id o s é assim ; só h á d e u s p rin cíp io s
C u n h a B u e n o a p resso u -se e m e sclarecer q u e o M edicai A ct d e 1858
ío g ico s, co n v en çam -se os n o b res d e p u ta d o s , o u in te ira lib e rd a d e de p r o ­
n a d a riv e ra c o m su p o sto s m a le s d a lib e rd a d e d e e n s in o , m a s c o m os
fissão, o u o g rá o conferido so b a g a r a n tia do E s ta d o .”26
in c o n v e n ie n te s d a lib e rd a d e p ro fissio n a l.23 T e n ta v a , a ssim , d isso c ia r os
N ã o era b em assim, e a lógica de N a b u c o tin h a p ro p ó sito s p u ra m e n te
d o is te rm o s d a eq u a ç ã o . U m a re sp o sta c la ra m e n te e q u iv o c a d a , o u p ro p o -
retóricos. Ele escolheu a dedo o exem plo, pro v av elm en te p a ra in stig a r o
s íta lm e n te fa lse a d a . O lib e ra l F ra n k lin D ó ria , f u tu r o b a rã o d e L o re to ,
espirito de corpo d o s m agistrados, dos advogados e d o s m édicos no p a rla ­
a c o m p a n h o u C u n h a B u en o e m su a p r o p o s ta d e e s ta b e le c im e n to s o u fa ­
m e n to e neste caso ele não m en cionou nem a experiência d a A lem an h a,
c u ld a d e s livres, p o is e m su a o p in iã o e ra necessário d a r fim no en sin o
o n d e a "liberdade d e cu rar” e o livre exercício d a advocacia e ra m tolerados a
s u p e rio r a o “o p p re ssiv o sy ste m a d a tu te lla official” . D ó r ia re c o n h e c ia
d espeito do m onopólio estatal dos g rau s acadêm icos, nem o d e sua qu erid a
e n tr e ta n to q u e , se m a ca p a c id ad e d e e x a m in a r e co n c e d e r g r a u s , o s e s ta ­
In g la te rra , onde os barristers m onopolizavam a advocacia em b o ra se educas­
b e le c im e n to s n ã o oficiais p e rd e ria m c o m p e titiv id a d e , p o is “q u a e s são os
sem nas In n s o f C o u rt que não e ra m instituições e statais d e ensino.27 E ele
e s tu d a n te s q u e fte q u e n ta riã o este s e s ta b e le c im e n to s , se elle s n ã o lh es
b e m o sabia. M as N ab u co receava, não apenas q u e as faculdades livres se
offerecem o m e sm o p ro v e ito q u e os e s ta b e le c im e n to s officiaes?". A d e s­
tornassem “a p ro p a g a n d a do fanatism o, a creação do s bispos”, m a s tam b ém
p e ito d isso , co n c lu ía ele, “a coliação d e g rá o s , Sr. P re s id e n te , é u m a p re r­
ro g a tiv a q u e assu m e n o tá v e l im p o rtâ n c ia so b o asp e c to d o s effeitos legaes q u e se convertessem n u m a “especulação in d u strial q u e não d a ria resu lta­

a ttr ib u id o s aos g rá o s e m relação ao exercicio d a s p ro fiissõ e s” , e q u a n to a dos . P ara ele as deficiências do ensino superior reclam avam so bretudo q u e

isso e r a prefe rív e l m a n te r o m o n o p ó lio d o E s ta d o a té q u e o p a ís pu d e sse


“ W e m , T o m o I, sessão d e 1 5 d e m a io d e 1 8 7 9 , p . 2 0 4 .
g o z a r d e p le n a lib e rd a d e de profissões.24 D o is a n o s a p ó s J o a q u im N a b u c o ^ íd ern , p . 2 0 6 .
m e n c io n a ria o> p ro je to d e C u n h a L e itã o , a q u e m c h a m o u d e co n serv a­ ^ C o m o já f o i d i t o , a s I n a s o f C o u r t , o n d e o s solkitm a p re n d ia m s e u o f ic io , e r a m to ta lm e n te

a u to n o m a s e a u to - r e g u la d a s . T a m b é m a e d u c a ç ã o d o s generalpractkionen o c o r r e u o u a tr a v é s d o
d o r, p a r a o p o r-se d e m a n e ira rad ical à lib e rd a d e d e e n s in o a n re s q u e a appnnticeship o u n o s c u r s o s e e s c o la s f u n d a d a s p e lo s p r ó p r io s c ir u r g iõ e s - a p o te c á r io s . A d e s p e i to

Ig re ja c a tó lic a , a Ig re ja d o E s ta d o , criasse u m m o n o p ó lio e “v á fazer ao d e s u a e d u c a ç ã o c lá s s ic a e m C a m b r id g e o u O x f o r d , ta m b é m o s físicos lo n d r in o s tin h a m d e se

s u b m e te r a o s e x a m e s d o R o y a l C o lle g e o f P h y s ic ia n s . D e m a n e ir a g e r a i, a s o rg a n iz a ç õ e s p r o f is ­
s i o n a i s d e f i n h a m o c o n t r o l e s o b r e a f o r m a ç ã o p r o f i s s i o n a l . U m a e x c e l e n t e e x D o s íç a o d e s ta m a t é ­
22Annaes da Camara dm Deputados, Appendke, s e s s ã o e ra 4 d e s e te m b r o d e 1 8 7 7 , p p . 1 3 5 - 1 4 6 .
ria e s tá e m M ic h a e l B u r r a g e , " F r o m p r a c ti c e t o s c h o o l- b a s e d p r o f e s s io n a i e d ú c a tío n : p a t t e m s o f
s íd e m , p . 1 3 7 - 1 3 8 .
c o n f h c t a n d a c c o m m o d a ti o n i n E n g l a n d , F r a n c e a n d t h e U n i t e d S t a t e s " , e m S h e í d o n . R o r h b l a t t
s * I d e m , T ò i n o X s e s ^ d e s n 4 d e o u tu b r o d e 1 8 7 7 , p p . 3 2 - 3 9 - e B jö r n W i r t r o c k ( e d s ) , o p . c i t . , p p . 1 4 2 - 1 8 7 .
de sobre as faculdades tirasse o E stad o suas g a rra s, concedendo-lhes a m ais afin al, m e d ic in a ? O n d e so c o rre r-se d e a u to r id a d e c u ltu ra l n a esfera d o s
a m p la a u to n o m ia . c u id a d o s à saú d e? A q u a l c o rp o d e c o n h e c im e n to c o rre sp o n d e ria ta l a u ­
A u to n o m ia e r a ta m b é m o q u e desejavam p a ra as facu ld ad es oficiais to rid a d e ? Q u a í o c rité rio d e p e ríc ia m é d ic a ? O s p o sitiv ista s d iria m q u e
D ó ria e C u n h a B u en o , m as n u m reg im e c o m p e titiv o o n d e a p e n a s a c o n ­ n u m 1re g im e d e lib e rd a d e p ro fissio n a l o m e rc a d o d a ria a m e lh o r resp o s­
cessão d o s g ra u s acadêm icos p erm anecesse sob o m ono p ó lio d o E sta d o . t a a ta is q u e stõ e s em te rm o s d o ún ico critério v á lid o , a eficácia te ra p ê u tic a
P o r q u e essa restrição? D e p u ra d a s d o anticlericalism o, e to m a d a s e m c o n ­ d a s v á ria s m e d ic in a s c o n c o rre n te s . N u m c o n te x to p ré -p a s te u ria n o , e n ­
ta as especiais relações e n tre o E sta d o e a Ig re ja católica no p a ís, as razões tr e ta n to , to d a s o b te ria m a p ro x im a d a m e n te a m e s m a p o n tu a ç ã o n este
d e N a b u c o n ã o e ra m in te ira m e n te in fu n d a d a s, e m e sm o u m p o sitiv ista ite m , p e s a n d o n a e sc o lh a d o c o n s u m id o r d e serviços m éd ico s a p en as su a
n ã o o rto d o x o com o P ereira B a rre to p re fe ria m a n te r n a “fase d e tra n siç ã o ”
lib e rd a d e in d ív id u a ip a r a se le c io n a r p ro v e d o re s individuah-, fossem eles
a função ed ucacional d o E sta d o , v isto q u e só ele e a Ig re ja p o d ia m a rc a r
h o m e o p a ta s , c u ra n d e iro s o u b a c h a ré is. Ã c o rp o ra ç ã o m é d ic a , o u a m e ­
com ta m a n h a e m p re sa .28 E n tre ta n to não h á evidências d e q u e e s te fosse o
d ic in a c o m o profissão oficiai, d e s in te g ra r-s e -ia e m fu m a ç a , p o is sua exis­
a rg u m e n to q u e resp ald av a a restrição e m D ó r ia e e m C u n h a B u e n o , com o
tê n c ia e m a n a v a d o a v a l q u e o E sta d o d a v a aos se u s “p r o d u to s ” e à “p ro ­
n ã o h á evidências d e q u e fosse e sta a razão q u e viria d e m a rc a r o s lim ite s
d u ç ã o d e seus p ro d u to re s ”.
p riv a tiz a n te s d a re fo rm a p ro m o v id a p e lo m in istro Leônclo d e C a rv a lh o .
M a s seria esse u m p ro b le m a ta m b é m p a ra o E stad o , a p o n to de criar
C o m efeito , as faculdades livres d a re fo rm a d e 1 8 7 9 d ev eriam s e r réplicas
e ste considerável g r a u d e consenso e n tre liberais e conservadores? U m a das
d a s oficiais, o b rig a d a s a a d o ta r o currículo d a s fac u ld a d e s e s ta ta is e su b ­
teses m ais interessantes d e J o h n so n é a d e q u e a existência d e form as con­
m eter-se à fiscalização d o g o v e rn o , p a ra fazerem jus ao priv ilég io d e c o n ­
c o rren tes d e perícia não apenas cria obstáculos à profissionalização das ocu-
c e d e r g ra u s a p ó s u m p erío d o p ro b a tó rio d e se te anos.29 P o r q u e e s ta res­
pações, m a s ta m b é m reduz a coerência d o s p ro g ra m a s g o v ern am en tais.30
trição?
T raduzida a te se p a ra o contexto d o século X IX , com o p o d e ria o E stado
D o p o n to d e v is ta d o s p ro fissio n ais n ã o é difícil e n te n d ê -la . N o s
p ro g ra m a r d e m aneira consistente o c o m b a te aos tem id o s su rto s epidêm i­
a n o s 4 0 a A c a d e m ia Im p e ria l d e M ed ic in a v is lu m b ro u as p re c isa s c o n se ­
cos d a cólera o u d a febre a m arela se as diversas “m edicinas”, tão diferentes
q ü ê n c ia s p a r a a p ro fissão m é d ic a d a ex tin ç ã o d o m o n o p ó lio e s ta ta l d o
u m a s d a s o u tra s e m seus fu n d am en to s e terap ias, ao fim e ao cabo se equi­
d ip lo m a . D e f a to , se a E scola H o m e o p á tic a p u d e sse c o n c e d e r g r a u s , se
valiam ? A resp o sta m ais razoável é a d e q u e o E stado fatia sua opção p o r
o s seus e g re sso s n ã o h o u v essem d e se s u b m e te r aos ex a m e s d a F a c u ld a ­
a q u e la q u e contasse c o m m aio r capacidade d e “persuasão ideológica”, e ao
d e d e M e d ic in a p a r a o b te r o d ire ito ao exercício p ro fissio n a l, o q u e se ria ,
fazê-lo concederia algo sem elhante a u m “m ono p ó lio d e credibilidade” de
n a tu re z a p ú b lica.31
28R oque Spencer M acieí de Barros, op. cit., p p . 3 4 7-348.
 te se d e Jo h n so n é engenhosa, m a s é p o r d em ais fo u cau ltian a n a sua
^ D e v e ria m ser“ porque, com o se sabe, a criação de faculdades livres era a m dos pon to s do
D ecreto de 1879 « q a implementação dependia de aprovação íegislariva. O Aviso d e 2 1 de m aio form ulação e e m su a lim ita d a validade histórica. N ã o existem evidências
d e 1879, a que se resum iu a chamada Reforma Leôncio de Carvalho, pu n h a em execução apenas
historrcas d e q u e os surtos epidêm icos q u e assolaram os E stados U n id o s no
alguns dos dispositivos contidos no referido decreto, com o o da freqüência livre. N a sessão
legislativa referida na n o ta 2 5, N abuco discute esse p onto: "Então, senhores, © decreto não tem século X IX te n h a m levado as leg islaturas e sta d u a is a “oficializar”, m esm o
alcance prático; sí não se pode realizar em nenhum a das suas p artes essenei&es independente­
m en te do voto do parlam ento, não é decreto, não é u m acto com pleto do po d er executivo..." (p.
2 03). O período probatório a qu e m e refiro eram os sete anos consecutivos ao longo dos quais as Jo h n so n , G overam entafity and th e institutionalization o f expertise“, o p. cit., p . 15.
faculdades livres deveriam te r quarenta de seus alunos aprovados nos exames, das faculdades verdade, esta nãò e a resposta de Johnson, qu e não sngeriu aenhum a, m as de Larson, op.
oficiais. QC,.pv 38.
provisoriam ente, q u a lq u e r d a s “m edicinas” q u e concorriam n o m ercado.
{K urksfm èezt} e x istiu a n te s e após a unificação, e o s “c u ra d o re s n a tu ­
D a d a a su a superioridade num érica, os m édicos regulares tin h a m condições rais” (h o m e o p a ta s, herb a lista s e o u tro s) g o z a ra m d e g ra n d e co n ceito e n tre
d e , a nível local, discrim inar os ho m eo p atas, os ecléticos e o u tro s “sectá­
a s e lite s d o T erceiro R e ic h .^ E o a d v o g a d o não d ip lo m a d o {Rechtskon-
rios”, excluindo-os d a s comissões sanitárias o u dos po sto s hospitalares, m as
sulenten) so b re v iv e u à v ira d a d o século a d e sp e ito d a h o stilid a d e d a s a s­
não se tra ta v a a í d e decisões d e governo. N a v erd ad e, S ta tr ob serv a q u e sociações p ro fissio n a is.35
tan ro a im p ren sa q u a n to os trib u n a is e os legislativos m an tiv eram -se sem ­
Ha» e n tr e ta n to , trê s exem plos históricos d e “oficialização" das p ro fis­
p re d istan tes dos conflitos e n tre as “m edicinas” concorrentes» g u a rd a n d o
sões p e la v ia d o sistem a educacional nos q u a is definições c o n c o rre n tes de
u m a a titu d e rigorosam ente agnóstica, e q u e q u an d o pressionados p e la o p i­
profissão fo ra m p o sta s n a ilegalidade p o r razões d e E stad o , m a s não exa­
nião p ú b lic a já a g astad a os legisladores encam inhavam soluções d e c o m p ro ­
ta m e n te p o r aq u elas d e q u e se socorre J o n h s o n . H m p rim e iro lu g a r, a
misso» com o o co rreu no E stado d e M ichigan em 1875 q u a n d o o legislativo
F ran ça. A reg u la ç ã o profissional e ra indissociável d a s re fo rm a s no ensino
o b rig o u a M e d ic a i S chool d a u n iv e rsid a d e e s ta d u a l a in c o r p o r a r os
superior, e esta s não fo ram pro m o v id as p o r N a p o le ã o p o r razões p e d a g ó ­
h o m eo p atas no seu quadro d o cen te e as disciplinas hom eopáticas n o c u rrí­
gicas, m a s p o r razoes d e E stad o . A té m esm o p o rq u e fo ra m p e rm itid a s
culo.32
un iv ersid ad es provinciais, a un ifo rm id ad e social e a e sta b ilid a d e p o lític a
N a I n g la te rra , o p e río d o d e 1 8 3 4 a 18 54 foi ch a m a d o d e “o s an o s d e
to m a ra m -s e u m a preocupação c e n tra l n a re fo rm a na p o leô n ica. A m b a s, a
c ó lera” , m a s ta m b é m d e “a e ra C h a d w ic k ” p o r refe rê n cia a sir E d w in
u n ifo rm id a d e e a estab ilid ad e, d ev eriam se r servidas p o r co rp o s docentes
C h ad w íck , a p rin c ip a l fig u ra associada à saú d e p ú b lic a , u m d o s trê s m e m ­
m o d e la d o s à m an eira das corporações: estáveis, p e rm a n e n te s, so b u m con­
b ro s (n e n h u m m édico) d o G e n e ra l B o ard o f H e a lth (criad o p e lo P u b lic
ju n to unificado d e re g u la m e n to s m a s ta m b é m d e d o u trin a e d e ação.36 As
H e a lth A c t d e 1 848), u m advogado a d e p to d a s soluções d e e n g e n h a ria
in stitu iç õ e s educacionais refletiriam o m a is fie lm e n te possível a idéia de
p a r a o s p ro b le m a s d e sa ú d e p ú b lic a e d e escassa c re n ç a soluções
u m E sta d o u n itá rio e centralizado q u e disp en sav a ta m b é m e m su a relação
m é d ic a s.33 P o r o u tro lado» se o M e d ic a i R e g is ta r re p re s e n to u , se m d ú v i­
c o m a sociedade a m ediação d a s associações, Inclusive as profissionais.
d a , u m av al d o P a rla m e n to à m e d ic in a re g u la r (a lo p á tic a ), ta m b é m é
E v id e n te m e n te , havia ta m b é m u m p ro p ó sito p ra g m á tic o . A s faculdades
v e rd a d e q u e a “lib e rd a d e d e c u r a r ” p e rm a n e c e u le g a lm e n te p ro te g id a
oficiais fo rm a ria m os profissionais d e q u e necessitava o E sta d o , m as a ên­
n a I n g la te r r a p e lo M edica! A c t, menos dentro da burocracia estatal. N a
fase p ra g m a tic a d o p ro jeto napoleônica estav a m u ito m ais nas grandes écoles,
A lem anha» o a rq u é tip o d o E s ta d o c e n tra liz ad o , com a excelência e p re s ­
in stitu íd a s p a r a fo rm ar a e lite do Estado» do q u e n&sfacultes com s e u e n s i-
tíg io d e s u a s u n iv e rs id a d e s , to d a s e s ta ta is , a “lib e r d a d e d e c u r a r ”

Em 1869» u m an o em q u e o m ercado de serviços médicos apresentava aspectos bastante


^S tarr, op. cit., p . 100. Mais tarde os state board o f examinations seriam tam bém com postos com positivos, a Sociedade Médica de Berlim recom endou e obteve a extinção de todas as sanções
m édicos hom eopatas, pois sem esta solução de comprom isso a A m erican M edical Association contra os chariataes” e ra troca de certas prerrogativas p a ra a m edicina oficia!; q u an d o as
não obteria a legislação regul&tótía q u e desejava. condiço esd o m ercad o se deterioraram , em 1888, os m édicos tentaram sem sucesso reverter a
F. Bjauza.Science and the Practice o f Medicine in lhe Nineteenth Century. Cam bridge: C am bridge
decisão. la m b e m os dentistas não puderem ex d u ir os técnicos odontóiogos, aos quais faltava o
University Press, 1994, pp. 56-78. P or longos anos secretário d e Jerem y B entham , Chadwick
d ip lo m a u n iv e rs itá rio , dos fundos d e sa ú d e . V er C harles E . M cC lelan d , The German
transferiu o utilitarism o benchamiaao tam bém para a reforma da Poor Law era 1834. Sua subs­ Expenence...,op. cit., p p . 78 e 143-
tituição pelo D r. Jo h n Simon deveu-se m ais aos seus m étodos intim idantes do qu e ao insucesso
» K enneth F. Ledford, op. cit.. p p . 2 0 6-207. O s Pecbtskonsnknten podiam atu ar apenas nas cortes
de seu program a: “... th e nation decided th a t cholera was easier to tolerate th an Chadwick”.
distritais, disputando com os advogados u m mercado relativam ente estreito
Idem , ib idem , p . 78. As três grandes epidem ias de cólera na Inglaterra ocorreram era 1831»
1848 e 1854. Ezra R Sufeiman , i n Frencb Society: The Policies o/SurvrvaL Prm cetcn: Princeton University
rress» 1 9 / 0 , especialmente o prim eiro capítulo.
n o teó rico .57 É im p o rta n te ta m b é m le m b ra r q u e a Ig re ja C atólica ig u a l­ d ig o s e e s ta tu to s à a e m ! laia, fo ra m suficientes p a r a q u e a U n iv ersid ad e d e
m e n te p a sso u a reivindicar n a F ran ça, a p a r tir d a L ei F a llo u x d e m a rç o d e N á p o le s su b stitu ísse in te ira m e n te a avvocatura co m o c e n tro d o ensino ju ­
1 8 5 0 , d e inspiração clerical, o d ire ito d e a b rir suas p ró p ria s facu ld ad es, rídico.42
s e n d o v ig o ro s a m e n te im p e d id a p e lo m in is tro d a I n s tr u ç ã o P u b lic a , E necessário o b se rv a r ta m b é m q u e as escolas p riv a d a s d e d ire ito h a ­
H ip p o ly te F o rto u l, q u e receava p e lo e n fra q u e cim e n to d a s in stitu içõ es d o v ia m se tra n s fo rm a d o e m focos d e in te n s a re sistê n c ia p o lític a a p ó s a
re g im e b o n a p a rtís ta , hostilizadas n o S eg u n d o Im p é rio p e la b u rg u e sia e re sta u ra ç ã o d a c a sa de B o u rb o n e m 1815 e fo n te do esp írito rev o lu cio ­
p e lo clero J58 D e q u a lq u e r m an eira, “o p ro p ó sito ú ltim o [d o m o n o p ó lio d o n ário q u e c a n to p re o c u p a ra o p rín c ip e de C an o sa e m su a reco m en d ação
E s ta d o so b re © siste m a educacional] e ra o d e re g u la r n ã o a p e n a s aq u e la s p a r a e x tin g u ir “esses g ru p o s d e jovens fa n á tic o s, irre lig io so s e d e s a tin a ­
elite s d e stin a d a s d ire ta m e n te ao serviço do E stad o (oficiais m ilita re s, p ro ­ d o s” .43 T o d a v ia a unificação do re in o d a Itá lia , u m p ro c e sso lo n g o q u e
fessores, en g en h eiro s), m as ta m b é m o u tra s cujas fu n çõ es e ra m tid a s co m o seria fin alizad o a p e n a s e m 1 8 7 1 , e x ig ia a u n ifo rm ização d o en sin o su p e ­
n ecessárias a u m a sociedade p ró sp e ra , am biciosa e d isc ip lin a d a . D e s ta for­ rior, e ta n to fo i assim q u e ap ó s a anexação d o re in o d a s D u a s Sicílias em
m a , as re fo rm a s napoleônicas v isavam ao co n tro le d o s m éd ico s, a d v o g a ­ 1861 as escolas p riv a d a s do Mezzogiorno fo ra m e x tin ta s e o a d v o g a d o -
d o s, farm acêu tico s e o u tro s g ru p o s assem elhados”.39 p ro fe sso r in te g ra d o n a e s tr u tu r a u n iv e rsitá ria o a q u a lid a d e d e libero do­
E m se g u n d o lu g a r, a Itá lia , e talv ez o exem plo sirva m e lh o r p a r a jo g a r cente. F o r e s ta fo rm a a tra d iç ã o d a libera docenza foi p re s e rv a d a , o p ro fe s­
u m p o u c o m ais d e lu z no confuso cenário e m q u e c o n tra c e n a ra m n o sécu­ s o r p a rtic u la r p o d ia a in d a oferecer cursos liv res, m a s a g o ra so b o c o n tro le
lo p a ssa d o o E sta d o e as profissões.40 O Mezzogiomo m a n te v e a té 1 7 9 9 d a s a u to rid a d e s acad êm icas, v a le d iz e r so b a fiscalização e c o n tro le d o
u m a sólida tra d iç ã o d e ensino p riv a d o d a advocacia, e N á p o le s e n c a rn a v a E sta d o .44 C o m o a o fin a l e n sin a M azzacan e, “a rem o ção d a s c o n o taçõ es
a essência d e ssa trad ição .41 N a s b ancas d o s g ra n d e s ad v o g a d o s e n sin a v a - re g io n a is ta n to d a c u ltu ra q u a n to d a s p rá tic a s q u o tid ia n a s d o s a d v o g a ­
s e u m a c u ltu ra ju ríd ic a p rá tic a , q u a se in d ife re n te à fo rm ação a c ad êm ica d o s foi im p le m e n ta d a ‘d e cim a ’ e c o n d u z id a p e lo ím p e to c e n tra liz a d o r
q u e a fa sta v a d a univ ersid ad e c o m suas d o u trin a s a b s tra ta s os c a n d id a to s à acio n ad o p e lo E s ta d o . À nacionalização d a s profissões d o d ire ito foi so­
p ro fissã o . O en sin o p rá tic o e p riv ad o e sta v a c e rta m e n te associada n a re ­ b re tu d o o re s u lta d o d o s d e te rm in a d o s esforços d o g o v e rn o p a ra co lo car
g iã o às p ro fu n d a s raízes d a iuscommune, e n e m as retaliaçõ es d e F e rd in a n d o o s a d v o g a d o s so b c o n tro le ” .45
I V à mtelligentsia n a p o lita n a e m se u p rim e iro re to rn o , n e m o s d e z a n o s O terceiro exem plo é o d o Brasil, q u e não p o r acaso co p io u d a F rança o
so b J o s e p h B o n a p a rte e L u rien M u ta t, q u a n d o fo ra m in tro d u z id o s os c o -
^E ritre a expulsão de Fernando IV pelos franceses em 1799 e seu retom o, com o auxílio da
Inglaterra, e m ju n h o d o m esm o ano bouve um a breve experiência republicana (a República
32A propósito, ‘ra le a peasa m encionar q u e o prestígio d a m edicina francesa p o r v o lta da m etad e Partbenopeía.), uxna. das razões para a retaliação. O rei d e N ápoles seria expulso u m a segunda
d o século X IX d&via-se m u ito mais i s observações clínicas q u e se aperfeiçoavam nos hospitais vez pelos franceses e m 1 8 0 6 , retornando em 1815 (Restauração) com o nom e de Fernando I,
parisienses do q tre à qualidade do ensino m édico nas faculdades. rei das D u a s SícQias (reinos de N ápoles e da Sicília). O reino das D u as Sicílias seria emancipado
38\ è r Robert Fox, “Science, the university; an d th e state in nineteen th -cen tu ry fTance”. E m p o r G aribaídi em 1 8 6 0 , sendo en tão anexado ao reino da Itália, parcialm ente unificado com
Gerald. G erson (èd), o p. cít., especialmente p p . 8 5 -9 2 . Victor Emmsmuel II. A unificação com pleta viria com a anexação de Veneza (sob o dom ínio
^S uleim an, o p - cst^ p . 18. austríaco a té 18 66% d e R om a e dos Estados papais (sob o proteto rad o de N apoleão III até
■^Parodéndo Borges em "La duración def Inferno”, e u diria qu e , ta l com o o reino d o D iab o , a 1870).
com plicada história do reino da Itália não é assunto pata, am adores. Por extrem a necessidade 43U m extrato d o m em orando do príncipe a Fernando I de N ápoles está reproduzido em S. J.
arrisco-m e nas breves anotações seguintes a incorrer n o desdém dos profissionais e» p io r ainda, Woolf, The Èa&m Risargimetita. N ova Bames & N oble, 1969, p . 4 2.
n a “deshonra d e Ia im agioación y de !a deceocia”. Jo rg e Luis Borges, Disaaión. B uenos Aires; 44Tàm bém. escolas privadas d e medicina eram u m a tradição nnMezzogiümo, e reagiram fortem ente
Emecé Editores, 1964, p p . 83-88. à regulação ern 1 812- 1813. ^ e r Paolo Frascanl, “Betweem th e State and th e m arket: physicians
^S ig o aqui A ldo M azzacane, ‘A jurist fbr united Itaíia: th e train m g an d culture o f N eapofitan in liberal k a ly ”. E m M arta Mala,testa (ed), op. cit., p . 152..
íaw yers in th e nirieteenth century". E m M aria M aiatesta (ed% op- e/t-, p p . 8 0 -1 1 0 . ^Mazzacane,. o p . cit., p . 10Q.
m odelo d e suas instituições de ensino profissional. O ensino superior não foi o ire ro r d a escola, is to é, do g o v em o cen tral.45 O m e sm o zeío m anifesrava-
p reo cu p ação m e n o r dos estadistas brasileiros n a fase de consolidação d a se com relação a cursos livres, m in istra d o s íôra das facu ld ad es. E m 1843
u n id a d e nacional. E m m eio às turbulências d a R egência, m esm o o m ovi­ M o n te z u m a su g e riu p ro je to q u e criava ‘‘n o serb e d eb aix o d a inspecção e
m e n to d e descentralização prom ovido peio A to A dicional im p ed ia a s p ro ­ disciplina do In s titu to d o s A d v ogados B rasileiros” mês c a d e ira s de d ire ito ,
v in d a s d e legislar sobre ensino superior, e desde e n tão foi m a n tid o severo e “S.M . o Im p e ra d o r, a q u e m fo ram p re se n te s os referidos a rtig o s fd o
c o n tro le e vigilância sobre as escolas profissionais, O p rim eiro e s ta tu to das projeto} h á p o r b e m dar-lhes a s u a Im p e ria l a p p ro v ação , com a clau su la
academ ias d e dire ito , elaborado pelo visconde de C achoeira, já antecipava a d e ficarem as diferen tes aulas sob a inspecção d o g o v e m o ” .49 J á co n c lu íd a
c o m p le ta subordinação ao governo d o d ire to r e das congregações acadêm i­ a centraiszaçao, g a ra n tid a a un id ad e nacional e consolidado n a m e ta d e do
cas. A s d a s escolas de direito “ju n tar-se-ão to d a s as vezes q u e o D ire to r século o E sta d o , o co n tro le sobre as escolas profissionais to rn o u -se a té
ju lg a r conveniente”, e suas deliberações deviam ser levadas a S .M .I p ela m ais ríg id o . O s e s ta tu to s das facu ld ad es, d etalliad íssím o s, n ã o deixavam
secretaria de E sta d o correspondente, à q u a l reportar-se-ia o D ire to r. M as o m a rg e m a q u a lq u e r a u to n o m ia a o d ire to r e às congregações. Prazos e p r o ­
asp ecto m ais p ecu liar dos e sta tu to s d o V isconde e ra a m in u d o s a e n u m e ra ­ c ed im en to s e ra m m in u cio sam en te definidos e especificados, não se e sq u e ­
ção d o s tra ta d ista s, brevem ente com entados em suas v irtu d e s e pecados, cendo o g o v e m o d e in c lu ir nos e s ta tu to s e re g u la m e n to s u m c a p ítu lo so ­

q u e p o d e ria m se r adotados em to d a s as m atérias nos cinco anos d e duração b re disciplina (“p o liria acadêm ica” o u “po líc ia d a E scola”) d e stin a d o aos

d o curso.46 D u ra n te o Im pério n e n h u m governo, co n serv ad o r o u liberai, e stu d a n te s.50 A “opressiva tu te la oficial” a q u e se referia F ra n k lin D ó ria

a b riu m ã o d a p re rro g a tiv a de indicar o u aprovar os co m p ên d io s utilizados sufocava; “o p ro fesso r”, queixava-se Tavares B elfbrt, d a F a c u ld a d e d e D i­

n o s cursos d a s escolas d e direito, não sem resistências p o r p a rte d a s co n g re­ re ito d o R ecife, “n ã o p o d e o rg a n iz a r u m p la n o d e e n sin o , n ã o p o d e

gações.47 desenvolver as m a té ria s , dividi-las, tr a ta r d elas com o b e m e n te n d e r e ju l­


g a r conv en ien te; e stá , ao co n trário , su b o rd in a d o a te x to s e co m p ên d io s
E m 1828 o rd e n o u o governo q u e as a u las p re p a ra tó ria s d o curso ju rí­
certos e d e te rm in a d o s, aprovados d e fin iriv a m e n te p elo g o v e m o sobre p r o ­
d ic o d e São P au lo passassem do go v ern o pro v in cial p a ra a c o m p e tê n c ia d o
p o s ta d a C o n g reg ação ”.51

&A s razões para ta n to zelo podem ser inferidas pelo seguinte com entário d o Visconde sobre o
D ire ito P úblico: "8 ° — Com o, porém , a base essencial deste direito seja o com plexo dos direi­
to s e obrigações das nações para com os Soberanos, e reciprocam ente, cum pre qu e com m u ito ““ Aviso q ° 19 9 — Im pério — Em 2 0 de dezembro de 1828 — O rdena q u e as aulas preparatórias
discernim ento se m o stre aos discípulos a n atureza dos m esm os direitos, e obrigações, e se do Curso Ju ríd ico de São R ndo fiquem a cargo dos respectivos D iretores, ficando som ente sob
estabeleçam os seus verdadeiros lim ites, do qu e depende a tranquilidade publica, e a consoli­ a inspecção d o Presidente da p ro v in d a as aulas de prim eiras letras.
dação d o govem o- 9 o — E sendo boje m u i discutidas estas m atérias, as explicará com m u ita ^A viso— Justiça — E m 22 d e fevereiro de 1845.
m adureza, e cuidado...”. 50N a Escola Polytechnica as provas do concurso para preerrciumento das vagas d e Substituto
^A viso a® 145 — Im pério — Em 4 de outubro de 1828 — Resolve as duvidas propostas pelo m eteriam do govem o instruções detalhadas sobre sorteio dos pontos, o núm ero de qnestões da
L ente da 2a cadeira do 2o ano do Curso Jurídico de São Paulo sobre as m atérias que deve ensinar prova e a fornia pela qual seriam enunciadas, o tem po d e duração do exame oraí, votação ( “p o r
e sobre o com pendio p o r onde há d e lecionar: Em 1860 o governo forçou a congregação da escrutínio secreto") sobte o “merecimento de cada candidato" (“p o r escrutínio secreto”), a forma
Faculdade d è D ireito de São Paulo a recuar de um a decisão segunda a qual pertenceria à “a u to ­ de classificareis aprovados (tam bém po r “escrutínio secreto”), e outras questões da mesma n a tu ­
nom ia d a C ongregação a escolha dos compêndios”. A resposta do governo veio n o Aviso ri* 6 0 0 reza. N o Regulam ento d e 1881 para os exames da Faculdade de Medicina o govem o achou
de 2 9 de dezem bro do m esm o ano: “a autonom ia d a Congregação, pelo m odo porque ela qu e r necessário incluir a proibição de troca de lugares entre os estudantes (Art. 40). Para a Polytechnica,
entende-la, não existe, nem podia jamais existir; os estatutos a repelem . A adoção dos compêndios D ecreton0 5 6 0 0 d e 2 5 d eab rií de 1874 (3a Parte, A rt. 3 2 ,3 6 ,3 7 ), para a Faculdade d e Medicina,
n ão é direito exclusivo ou privativo dos lentes, porque im portaria isto p rivar o G ovem o de D ecreto n° 8 0 2 4 de 12 de março de 1881. Tudo à revelia das congregações e do diretor.
exercer interferência e inspecção a respeito d e um a m atéria tão transcendente n o ensino pubíico, 51j . j . Tavares Belfort, “Memória. Histórica da Faculdade de D ireito do Recife”, em Relatorio do
■esq u e é inadmissível”. Datava-se, no caso, d e um com pêndio sobre D ireito Romano de autoria Ministério do Impem — 1874 (Anexo B). Rio de Janeiro: Imprensa Oficiai, 1874, p.. 17. A p rep a­
d o lente D c. Em es to Ferreira França. ração destas “mem órias históricas1' era. a m a exigência do govem o.
IV e s tu d a n te s d e d ire ito se v a i rarefazen d o p o rq u e é m u ito p e n o so u m a m a ­
tric u la q u e c u s ta 1 0 0 $ F”54 N a v e rd a d e , não h o u v e red u ção d e m atríc u la s,
M as havia ainda duas o u tra s funções desem penhadas peias faculdades oficiais, m a s as tax as e sta v a m e fe tiv a m e n te fo ra d o alcance d e u m la rg o se g m en to
e não m e n o s im p o rta n te s, o clientelism o e a seleção social. O s m esm os d a sociedade.
d etalh ad o s dispositivos q u e regiam a adm inistração escolar e ra m fre q ü e n te ­ B em ex am in ad o s, o q u e h á d e co m u m e n tre estes trê s e x em p lo s, e o
m e n te desconsiderados peio governo n o a te n d im e n to a u m a significativa q u e esclarecem ele s so b re este já co m p licad o en red o ? E m p rim e iro lugar,
clientela política.. F o ra m centenas os decretos p e lo s qu a is m a n d a v a -se m a ­ rev o lu çõ es, re v o lta s p o p u la re s e forças reg io n ais c e n tríp e ta s in tro d u z ira m
tric u la r n a escola.©u e m determ in ad o ano» o u a d m itir a exam es, can d id ato s o a a g e n d a d o s g o v e rn a n te s o p ro b le m a d a u n id a d e n ac io n a l, e n e ste p a r­
sem as m ín im a s qualificações, n u m fro n ta l d esc u m p rim e n to d o s e s ta tu to s e tic u la r o c o n tro le d o siste m a ed u cacio n al foi u m in s tru m e n to e stratég ico .
re g im e n to s, se m p re “revogadas as disposições e m co n trário ’’'.52 E se solicita­ É b o m le m b ra r q u e n o B ra sil o m e sm o p ro b le m a re ssu rg iria n a R epública
ções d e e m p re g o n a s faculdades (com o professor o u e m posições adm inis­ n o s d e b a te s so b re o re g im e fed e ra lista , e q u e d a solução re p u b lic a n a cons­
trativ as) não era m as m ais freqüentes, não deixavam d e te r se u peso d e n tro t o u a padro n ização d o en sin o su p e rio r p e la v ia d a equiparação d a s in s titu i­
d o clien telism o im perial.55 ções p a rtic u la re s às oficiais q u e lhes serviriam d e m o d e lo . E m segundo
Q u a n to à função d e filtra g e m social, d u r a n te discussão d o o rç a m e n to lu g a r, ta n to n a F ra n ç a q u a n to n a Itá lia e n o B rasil, a e lite e a lid eran ça
n a C â m a ra e m 1 8 4 $ , Francisco Ig n a c ío d e C a rv a lh o M o re ira , fu tu ro b a ­ profissionais sa íra m d a s facu ld ad es e s ta ta is , n ã o d a m a ssa d o s p ra tic a n te s
rão d e P e n e d o , le m b ra v a o patronato com o “a p o r ta fra n c a p o r o n d e e n trã o se m q u alificação fo rm a l, c o m o n o s E sta d o s U n id o s e n a In g la te rra . Elas
e saem o s m a is estú p id o s bacharéis”, m a s s o b re tu d o c ritic a v a o g o v e rn o nasc e ra m d e n tro d o E s ta d o , n u trira m -se no E sta d o e nele se fo rtaleceram
p e io v a lo r d a s m a tríc u la s q u e im p e d ia m a e n tr a d a d o s c a n d id a to s m ais a tra v é s, e n tre o u tro s recursos, d a “oficialização” d e su a s associações cultas
p o b re s. “A té com so rp re sa sua”, dizia e le, “vio q u e já e m a lg u m te m p o (acad em ias d e ciências, in s titu to s , e tc .). E m terceiro lu g a r, o E sta d o e ra o
n e s ta c a m a ra se disse q u e e ra necessário ele v a r a ta x a d a s m a tric u la s p a ra g ra n d e e m p re g a d o r d o s profissionais, seja nas faculdades oficiais, seja na
q u e n ã o c h e g a sse m a ser h a b ilita d a s c o m u m d ip lo m a d e u m a acad em ia b u ro c ra c ia g o v e r n a m e n ta l ( m a g is tr a tu r a , h o s p ita is p ú b lic o s , m u n i­
d e d ire ito p esso as p e rte n c e n te s a classes in fim a s d a sociedade! C om o se a cip alid ad es n a Itá lia , co rp o s d e en g e n h e iro s no B rasil e n a F rança). E m
n o ssa c o n stitu iç ã o tivesse m arcado o berço a c a d a u m d o s b ra rile iro s, com o c e rto se n tid o a b u ro cracia e sta ta l, c o m s u a e s tru tu ra h ie rá rq u ic a e h o ri­
se a c o n stitu iç ã o rivesse designado q u a e s e rã o as classes d o n d e devião sahir z o n ta lm e n te d iferen ciad a, e stratifico u as profissões a n te s m e sm o q u e elas
o s m a g is tra d o s , o s p a rla m e n ta re s, os e sta d ista s d o pais; co m o fin a lm e n te , p u d e sse m desen v o lv er seus p ró p rio s c rité rio s d e diferenciação in te rn a (pe­
se a co n stitu ição não tivesse g ara n tid o expressam ente o e n sin o d o s collegios rícia, especialização, e tc .). A b u ro cratização p reced eu a profissionalização
e u n iv ersid ad es Q u e m ig n o ra , p o r e x e m p lo , q u e h o je o n u m e ro d o s e , a sso ciad a a c rité rio s p a rtic u ía rista s, c o n trib u iu sig n ificativ am en te p a ra
a s consideráveis desig u a ld a d e s in trap ro fissio n ais. A n in h a d o s no cu m e d a

52U m m odelo destas.autorizações: “Hei p o r bem Sanccionar e M andar q u e se execute a seguinte


Resolução da Assembleia G era!: A rtigo Ú n ico — Fica o G overno autorizado a m an d ar a d m ittir
a exam e vago d e anatom ia do I o anno da Faculdade d e M edicina d esta C o rte, o alu m n o do *Anxaesda Comam dos Deputados, sessão e m 2 9 de agosto d e 1848, p . 304. A s leis orçamentárias
cursopharm aeeutico da roesroa Faculdade, Julio Cesar A lves d e Moraes; revogadas as disposições incluíam a arrecadação das m atrículas n a estim ativa d a receita. N o orçam ento de 1843 o
e m contrário.“ D ecreto u 0 3 0 0 2 de 9 de ou tu b ro de 1880. governo sim plesm ente dob rara o valor das m atrículas. Vèt Lei n° 3 1 7 de 2 1 d e o utubro de
s Ver Richard Grahara» Baínmag and Polilks tn Nimteentb-Cznturj Brazií. Stanfotd: Stanford 18 4 3 C a rt- 16: as m atriculas dos cursos jurídicos e escolas d e m edicina ficam elevados ao
Üniversity Press, 199Qyespecialmente Parth T hree, pft- 2 1 9 -2 2 2 . G raham exam inou 57 7 cartas d obro do q u e atu a lm e n te s e paga"). É b o m lem b rar q u e tais valores referiam -se a cada ano do
de recomendação, para em pregos, os conhecidos “em penhas“. curso.
ad m in istra ç ã o , m e m b ro s d a e lite dem arcav am e c o n tro la v a m ren d o sas si- V
n ecu ras.55
E m q u a rto lu g a r, as profissões não se o rganizaram , o u as associações N a b u c o , C u n h a B u en o , D ó ria e C arv alh o M o re ira pertenciam , à e lite
p ro p ria m e n te profissionais surgiram muico ta rd ia m e n te , seja p o r interdição profissional, o u eram filhos dela, m a s seria ingênuo p o s tu la r u m a vincuíação
d o governo, com o n a França p ela iei d e Le C hapelier, seja p o r carência de im ed iata e au to m ática c o m interesses individuais o u de e strato s sociais com o
recursos organizacionais com o no Brasil e Itália, ao co n trário do q u e ocor­ explicação p a ra as reservas que esces e o u tro s p ersonagens de extração social
re u nos E stados U nidos, n a In g la te rra e m esm o n a A lem an h a após a unifi­ assem elhada o p u n h a m à liberdade profissional e à extinção do m onopólio
cação.56 Assim , se os interesses das elites en contravam trâ n sito factl p a ra as e statal dos g ra u s acadêm icos. A d m itin d o -se, todavia, q u e o acesso ao diplo­
instâncias governam entais, os d a m assa profissional p erm an eceram sem veí­ ma. co n stitu ía u m eficiente m ecanism o de exclusão social, é possível com ­
culo d e representação frente ao E stado. N ã o é d e surpreender, pois, q u e a preen d er com o a defesa d o m onopólio e statal d o s g ra u s associava-se à p re ­
reg ra te n h a sido nestas sociedades (ao contrário d o q u e o co rreu n a In g la te r­ servação d o s in te re sse s d a s e lite s p ro fissio n ais a tra v é s d e u m a ló g ica
ra e nos E stados U nidos) u m a quase c o m p leta ausência d e conflito e n tre co n stitu íd a em to rn o d a organização social do conhecim ento e d a perícia.58
elite e m assa e q u e , novam ente em co n traste com os E sta d o s U n id o s e a Se as repetidas adm oestações q u a n to ao n ú m e ro excessivo d e bacharéis
In g la te rra , a direção im prim ida ao desenvolvim ento das profissões te n h a diplom ados pelas escolas superiores d o Im p ério n u n c a re su lta ra m e m fixa­
estado sob o co n tro le das elites.57 ção de u m numerus dausuí, ta m b é m não eram d e m o ld e a e stim u la r a ex p an ­
são do ensino superior. Áo fim d o Im p ério existiam seis escolas, to d as ofi­
55Exemplos 0 2 m edicina brasileira são ilustrativos. O Dr. Francisco de Paula C ândido, lente da
Escola de M edicina, professor d e suas altezas im periais e p o r três vezes presidente da Academia
ciais, apenas duas a m ais d o q u e no início d o período (a Polytechnica e a
Im perial d e Medicina, foi durante 13 anos (de 1850 a 1863) o presidente de sucessivas juntas Escola d e E n g en h aria d e O u ro Preto), e m e ta d e delas n a C o rte. A extinção
de higiene pública. O D r. José Pereira Rego, que o sucedeu, ficou no cargo p o r 17 anos (18 6 4 -
1881). O D e . A n to aio Felix M artins foi encarregado da saúde dos porto s p o r 16 anos (1 8 4 3 -
d o m onopólio e sta ta l dos grau s faria crescer esse n ú m e ro com o estím ulo à
1859), o D e . N u n o d e A ndrade, p o r 10 (1881-1891). O D r. José da C ruz Jo b im foi direto r da fundação d e novas escolas, inclusive nas províncias. O receio d a v u lg ariza­
Escola de M edicina p o r 18 anos não consecutivos. Colhi estas informações em Jo a q u im José da
Silva Sardinha, “H ygiene Publica: A pontam entos para a história da repartição de saude do
ção dos diplom as, o tem o r d a corrupção desse m ecanism o d e exclusão social
porto do Rio de Janeiro”. Revista do Instituto Histérico e Geográfico Brasileiro, lo m o Especial, traduzia-se nos arg u m en to s d e resg u ard o d a “cientifícidade” d o conheci­
Parte III, 1916, p p . 7 1 8 -7 5 5 . O utras fontes desinecuras foram as instituições governam entais
para doentes meneais: o D r. A ntanio D ias de Barros foi direto r do H ospital N acional dos
m e n to e d a p u re z a do exercido profissional. D e o n d e vin h am as am eaças?
Alienados p o r 13 anos (1890-1903), e seu antecessor, Teixeira Brandão perm anecera n o cargo N ã o apenas d a “falsa ciência d o s p rático s” (fossem eles rábulas, h om eopatas
p o r 7 anos (1 883-1890); no mesmo cargo ficou Juliano M oreira p o r 9 anos (1903-1912). Um
recorde foi o do D r. Francisco da Rocha, diretor do Manicômio Judiciário d o J u q u e ti(S P )p o r
o u m estres-d e-o b ras) m a s ta m b é m dos “m ercad o res d a profissão”, dos
27 anos (1896-1923). diplom ados q u e não podiam fazer d o exercício profissional u m sacerdócio
KN a Alemanha o governo contribuiu para a organização da m edicina e d a advocacia criando as
Kjsmer, agênefas para a fiscalização do com portam ento profissional (um a espécie de cotregedoria o u um a ocupação c u lta d e mero ex p ediente, m a s ap enas u m m eto d e g a n h a r
ética). A contribuição para as Kamer era compulsória, mas sua administração era incum bência a vida em te m p o integral. Seja com o for, e a despeito do desprezo qu e devo­
dos próprios profissionais. Além disso elas não faziam concorrência às associações voluntárias.
J7Tbdavia, os conflitos intra-elite não eram infrequentes. Foram estes os q u e impulsionaram,
tavam às atividades com erciais e aos ofícios “m ecânicos”, o u ex ata m e n te
num a ou noutra, época, as inovações, ao contrário do q u e ocorreu nos Estados Unidos e na p o r isso, as elites profissionais brasileiras preferiam ao excedente de bacha-
Inglaterra onde, pelo m enos n a medicina, foram as lideranças da massa profissional q u e condu­
ziram o assalto ã cultura (Estados Unidos) e aos privilégios da elite (Inglaterra), prom ovendo
transformações substanciais nas práticas e na organização da profissão. N o Brasil, o «tem plo 58As analises mais influentes do diplom a com o m ecanism o de exclusão social tê m sido as de
mais notável de conflito intra-eiite ocorreu após 1860 entre a nova geração de médicos, inspirada autores que, utilizando o conceito àsclasure, estenderam o u reform ularam o m odelo de classes
pela medicina- experim ental alemã, e a geração encastelada na Academia Im perial de M ediana. d e Weber. Entre outros F raak P&düh, o p . c it; Randall. C ollías, The Credential Society. Nova
Ver jrlavio Coelho E d ieq o p . cit. York: Aeademic Press, 1979; Raymood M tirph^ o p . cit.
reis q u e b arateava o v a lo r social dos d ip lo m a s s u a d estin açao p a ra o u tra s N o s E stad o s U n id o s, in v ersam en te, o acesso à carreira m édica era m ais
ocupações nas q u a is “p o d e ria m se r m u i u teis a si e ao estad o ” .59 fácil seja p elo g ra n d e n ú m ero d e escolas p articulares q u e h av iam se espraia­
N ã o s o m e n te o n ú m e ro d e escolas cresceu p o u c o , m a s os o b stá c u lo s à d o p e lo país, seja pelo m e n o r te m p o g a sto n a form ação, o q u e reduzia bas­
ad m issão nelas n ã o era m d e p e q u e n a m o n ta . C arv alh o M o re ira tin h a ra ­ ta n te o s custos, principalm ente os ch am ad o s custos de o p o rtu n id a d e .63 A
zão ao a p o n ta r o v a lo r d a s m a tríc u la s com o u m sério im p e d im e n to ao m aio ria dos advogados am ericanos, a té o últim o q u a rte l d o século X IX ,
acesso às carreiras p ro fissio n ais, m as p o d e ria t e r a c re sc e n ta d o a ele o d e habiiitava-se através d e u m tre in a m e n to basicam ente p rá tic o , pouco dife­
o u tr a s d e sp e sa s in d isp en sáv eis. E m 1 8 7 5 a m a tríc u la em cada ano d o s c u r­ re n te daq u e le pelo q u a l passavam os ráb u las brasileiros. E n a In g la te rra a
sos c u s ta v a 5O$GG0„ o q u e d a v a u m m o n ta n te d e 3GG$OO0 p a r a to d o o m a io ria d o s generalpractitionm , m esm o depois d o M edicai Acc, form ava-se
cu rso d e m ed icin a e d e 2 5 0 $ 0 G 0 p a ra o d e d ire ito e d e e n g e n h a ria . S o m e- o u através d o apprentkesbip ou d e cursos de c u rta duração m inistrados fora
se a isso o v a lo r d a concessão d o g r a u d e b ac h a re l (2 5 $ 0 0 0 ), d a o b te n ç ã o das universidades.

d a c a rta o u d ip lo m a (25$00G ) e , sendo o caso, o v a lo r d a o b te n ç ã o d o g r a u N ã o se p o d e ta m b é m su b estim ar o te m o r d e q u e a extinção do m o n o ­

d e d o u to r (1 0 0 $ ) e o respectivo títu lo (2 5 $ 0 0 0 ), a lé m d e o u tr a s d esp esas p ó lio e s ta ta l d o s g rau s resultasse em corrupção das idéias, dos costum es
políticos e n u m a real am eaça à M o n arq u ia. O rigoroso c o n tro le q u e o g o ­
c o m e x p e d ie n te s acadêm icos.60 R esidindo fo ra da s pro v ín c ia s o u d a s c id a­
v e m o m a n tin h a sobre a seleção d o s co m p ên d io s nas faculdades de direito
d e s o n d e se localizavam a s escolas, as d esp esas d o s c a n d id a to s à s p ro fis­
não foi arrefecido d u ra n te o Im p é rio , e a in d a assim havia q u e m , com o o
sões cresciam d e sm e su ra d a m e n te . E screvendo ao se u “avô p o stiç o ” e m
se n a d o r Jo sé M a rtin s d a C ruz Jo b im , condenasse a le itu ra d o Contrato social
1 8 4 2 , o b aian o  n to n ío Saraiva, d e o rig e m m o d e s ta e fu tu ro conselheiro
pelos e stu d a n te s d e direito de São Paulo com o u m risco descabido: “N in ­
d o Im p é rio , solicitava a u m e n to d a m e sa d a d e 3 0 $ 0 0 0 p a r a 4 0 $ 0 0 0 p a ra
g u é m d e boa fé o u d e boa form ação jurídica”, afirm ava J o b im , “adm itiria
fa z e r fre n te a g a s to s pessoais e n q u a n to c u rsa v a a esco la d e d ire ito e m São
ta m a n h o despaurério. O Senado conhece o ex trem ad o m o d o p o r q u e esse
F a u lo .61 F e ita s a s c o n ta s, fa z e r u m b a c h a re l e m d ire ito o u e m m e d ic in a d e
a u to r ÊJ.-J. Rousseau} p re g a as suas d o u trin a s. E ssa o b ra su ste n ta o concra-
u m c a n d id a to exilado d e su a p ro v in d a d e o rig e m o u n ã o re s id e n te n o Rio
senso d e q u e o s governos das nações dev am ficar sob o arb ítrio d a v o n tad e
d e Ja n e iro , São P a u lo , S alvador o u Recife c u sta v a a lg o e m to rn o d e 2 :5 0 0 $
dos povos” .64 M o n arq u istas com o Jo b im , anticlericais com o N a b u c o , libe-
(dois c o n to s e q u in h e n to s m il réis), u m a p e q u e n a fo rtu n a p a r a a s fa m ílias
d e p o sses m a is m o d e sta s, u m d isp ê n d io in im a g in á v e l p a r a a g r a n d e m a io ­
®PeIo câm bio da época (1$ — U S$0,55) e tom ando-se em conta apenas as taxas escolares, um
ria d a população.,® estu d an te d e m edicina no Brasil e nos Estados U nidos tinham o m esm o custo em 1850 (US$
6 0 3 no Brasil, US$ 60 0 nos Estados U aídos). Á s diferenças, q u e faziam a formação profissional
n o Brasil significativam ente mais cara, estavam nos custos de oportunidade; isto é, n o q u e o
^Relatório do Ministério ã& império, 1835. estu d an te estaria deixando de ganhar se estivesse trabalhando, e no que renderiam US$ 6 0 0 se
®Era 1854 cobrava-se-ms Escolas d e Medicina 50 0 réis p o r certidão do exam e preparatória, 1$ estivessem aplicados a um a certa taxa de juros- N o Brasil estes custos seriam contados p o r seis
p o r certidão de a to acadêmico, 2$ p o r certidão de g ra u d e doutor; 1$ p o r certidão de q ualquer anos; n o s Estados U nidos, po r m enos d e q u a tro (três anos d e apprenticesbip com plem entados
objeto pela I a página e p o r cada p á g in a adicional, etc. Ver D ecreto n ° 1497 d e 2 3 d e dezem ­ p o r aproxim adam ente 26 semanas d e cursos form ais). Para u m estu d an te americano Starr
b ro de 1 8 5 4 — A pptova tabela dos em olum entos q u e se devem perceber n a Secretaria da Facul­ calculou estes custos de oportunidade e m US$ 1 5 0 (tem po) e em US$ 125 (capital, a um a taxa
dad e de M e d ian a desta C orte e da Cidade da Bahia. d e 10% ), elevando o custo da formação profissional para US$ 875- Ver Starr, op. cit., p . 456,
^'Correspondência transcrita em W anderley Pinho, ‘Infância e M ocidade de Saraiva", o p . cit. nota de rodapé n ° 1 2. Para o câmbio da época, Stanley J . Stein, Vassouras: A Brazilian Coffee
^ A p en as pata efeito de. avaliação algo impressionista d o investim ento e d o seu reto m o , e n tre CosmSy’r 1850-2890. N ova York: A theneum , 1970, p . 2 9 3 (Appendix). D efendendo no Senado,
1871 e 1882 o rendim ento anual d e um. prom otor público e m comarca d e segunda exitrância n o em 1 8 6 2 , a am pliação do núm ero de escolas m édicas, o Dx. C ruz Jo b im falava em custos
interior (Rio Preto e M areie Espanha em MG, Itajaí, SC, São Bernardo das Russas, C E ) estava em superiores a 10:000$ para a formação d e u m médico residente fora do Rio ou da Bahia. Reginaldo
t o n o de 1:200$'; Decretes a® 48 2 8 de 33 d e novem bro de 1871; D ecreto n° 6381 d e 3 0 de Fernandes, o p . cít., p . 149-
novem bro de 18 7 6 ; D ecreto n° 8 7 5 7 de 18 de novem bro de 1882. 34ReginaIdb Fernandes, op. cit., p . 170.
rais com o D ó ria , conservadores com o C u n h a L eitão, e a té positivistas com o privados, devia en c o n tra r rem édio e m diques m en o s frágeis, e m e stru tu ra s
Pereira B arreto , todos acalentavam tem ores de que sobreviesse algum a ca­ estatais erigidas p a ra p ro v e r a sociedade com m odelos e p a ra d ig m a s, com
tástro fe social n a eventualidade d a extinção do m onopólio e sta ta l dos g ra u s ordem e segurança. Tanto q u a n to N a b u c o ou. D o n a , N in a R odrigues estava
e d a instituição d a liberdade profissional. im p reg n ad o de u m liberalism o e sta tísta q u e descria d a capacidade d e o rg a ­
O espírito d e corporativism o profissional, alim entado nas escolas oficiais nização d a sociedade, m enos p o r razões objetivas d o q u e p e k . crença na
an tes m esm o q u e as profissões se organizassem no m ercado, ta m b é m ele­ im a n e n te carg a de d e so rd e m q u e ele associava a o livre jogo dos interesses
g e u o ensino oficial como o ancoradouro seguro de privilégios. V inte anos privados, im p o n d o -se, como indispensável, a regulação discíplinadora do
após a intervenção de N abuco na C âm ara, e q u an d o já estava em curso a E stado.
re fo rm a L e o n d o de Carvalho, N in a R odrigues a p o n ta v a as escolas oficiais
d e ensino su p erio r com o o últim o b alu arte d a ciência e d a perícia profissio­
n a l. P ara o m édico baiano o governo deveria fiscalizar as faculdades livres VI
p a ra g a ra n tir o valor profissional dos diplom as p o r elas conferidos. Q u a n to
às faculdades oficiais, m ais do que “corporações docentes” au tô n o m as e m ais Áo fim e ao cabo, venceram os credenciaiistas. M as os positivistas p o r d u a s

d o q u e sim ples escolas profissionais, deveriam se co n stitu ir em “padrões d o vezes te n ta ra m re v e rte r a situação. P rim eiro, su b m e te ra m à Com issão de

ensino m édico e grandes centros de c u ltu ra das sdencias biológicas. Q u a n ­ C onstituição, Legislação e Ju stiç a d a C âm ara o p ro jeto d e lei in te rp re ta tiv a

d o a m an h ã, d estru íd o o frágil dique d a actu al exigencia d a m odelação das n ° 2 4 d e 16 d e ju lh o de 1891* cujo prim eiro artigo dizia q u e “o exercício das

F aculdades livres nas Faculdades offidais, tiver auctorisação p a r a conferir profissões d e q u a lq u e r o rd em , m o rai, intelectual e in d u stria l, a q u e se refere

d ip lo m a de m edico q u a n to hospital, q u a n ta reunião de alg u n s m édicos se o a rt. 7 2 , § 2 4 , d a C onstituição, n ã o d epende d a obten ção o u exhibição de

q u iz e r co n stitu ir, o abaixam ento do nivel d a instrucção clínica e n c o n tra rá q u a lq u e r titu lo o u diplom a”; o segundo artig o , q u e “ficam revogados os
correctivo n a s escolas convenientem ente organisadas p a ra q u e se h á d e a rts. 156, 157 e 158 d o Codigo Penal, o capitulo V d o D e c re to n ° 1 6 9 , de
ap p eliar com o centros de aperfeiçoam ento, e o G overno saberá o n d e buscar 18 d e janeiro d e 1 8 9 0 , e todas as dem ais disposições q u e forem expressa e
profissionaes n a a ltu ra de auxilia-lo n a grave m issão d e zelar pela saude im plicitam ente contrarias ao livre exercido d e q u a lq u e r profissão sdentifica,
p u b lic a e p e la segurança in te rn a e ex tern a d a N ação ” .65 E m síntese, N in a iitteraria, te c h n ic a o u p ra ric a " . E n tre o u tra s razões p a ra rejeitar o p ro je to , a
R odrigues, professor d a Faculdade d e M edicina d a B ahia, não se co n te n ta v a Com issão afirm ava q u e o dispositivo co n stitu tio n a l não tin h a o p ro p ó sito
c o m a uniform ização do ensino, com a im posição do m odelo d a escola ofi­ de ex tin g u ir d ip lo m as e títu lo s científicos com o critério d e adm issibilidade
cial d e q u e era. destacado p ro d u to e re p ro d u to r; deseja ta m b é m a estre ita a alg u m as profissoes, pois o b e m geral e o do- indivíduo ficavam m elh o r
fiscalização das. faculdades livres pelo p o d e r público com o m eio d e vigiar a p ro teg id o s com precauções indispensáveis n a p rática d e certas artes e tiê n -
execução d o m odelo. Como tan to s do seu tem po. N in a R odrigues desconfiava tias. N o sentido contrário, afirm ava a Com issão, ia o p ro jeto d e lei ao p er­
d a organização dos interesses privados n u m a esfera co n stitu tiv a d a ordem m itir fran cam en te o curandeixism o, a m a g ia e a carto m an cia, m odalidades

social. N u m p la n o m ais geral, a desordem profissional (“q u a n to hospital, d e exploração d a credulidade pública, ao dispensar as p ro v a s autên ticas de
q u a n ta reunião d e alguns m édicos se quizer constituir. q u e tra rá abaixa­ idoneidade p a ra o exercício, d a fa rm á tia e d a m edicina. D e s ta fo rm a, carecia
mento d o s p ad rõ es e que vem n a vag a d a livre e aleatória reunião d e interesses ele d e fu n d am en to p a ra ser aprovado.66

“ O t e x t o i n t e g r a l d o p r o je t o e d o p a r e c e r d a C o m i s s ã o d e C o n s t i t u i ç ã o » L & g í s l a c ã o e Ju s t i ç a
® N ia a R o d n g tie s , op. c i t . , pp. 48- 49. e s tã o e m A g e n o r d e R o u r e = o p . c i t . , , p . 6 7 7 - Ó 7 8 .
Á se g u n d a te n ta tiv a veio no c o n te x to d o s arran jo s p o lítico s p a ra a n a â n sia d e e lim in ar d o m ercado os “charlatães” e os “curandeiros”, a fragi­
fo rm ação d o m in istério d e H e rm e s d a F onseca. Á no m eação d e R ivadávia lid ad e d a s denuncias e o s vícios d o s in q u éritio s in sta u ra d o s p e la s a u to rid a ­
C o rrê a p a ra a p a s ta d a J u s tiç a a te n d ia aos interesses d e B o rg es d e M edeiros d e s policiais resu ltav am q u ase se m p re e m absolvição dos indiciados o u em
q u e e sp erav a não a p e n a s n eu tra liz a r, com o b o m p o sitiv ista , a influência a rq u iv a m e n to dos processos. M as, excluídos os casos d e insanável vício p ro ­
d o g o v e rn o fed eral no en sin o superior, m a s ta m b é m im p le m e n ta r, ao lado cessual, os juizes inclinavam -se a ig n o ra r o D ecreto n° 8 6 5 9 e a proferir
d e P in h e iro M a ch ad o , o “p ro g ra m a o rg â n ic o ” d o s g a ú c h o s.67 N o m e a d o , sentença co n d en ató ria. U m acórdão d o T ribunal d e J u s tiç a d o E stado de
R iv ad áv ia e d ito u , p o r auto rização legislativa, o D e c re to n ° 8 6 5 9 , cujo a rt. São Paulo declarou-o “e m d iam e tra l opposição à letra e esp írito do a rt. 7 2 ,
I a e ra c u rto e sim p les: “A in stru ç ã o su p e rio r e a fu n d a m e n ta l, d ifu n d id a s § 2 4 , d a C onstituição F ederal B rasileira, cuja disposição te m sido tão m a l e
p eio s in s titu to s c ria d o s p e la U n ião , não go zarão d e p riv ilég io d e q u a lq u e r so p h isticam en te in te rp re ta d a ”.70 T am b ém o Suprem o T ribunal F ederai ig ­
n a tu re z a .”68 H a v ia m a is: “O C onselho S u p e rio r d e E n sin o , criad o p e la n o ro u o D e c re to n° 8 6 5 9 , reafirm ando a exigência d e d ip lo m a p a ra o exer­
p re s e n te le i, s u b s titu irá a função fiscal do E sta d o ; e sta b e le c erá as ligações c id o profissional.71

n e c e s s á ria s e im p te s c in d iv e is a o re g im e n d e tr a n s iç ã o , q u e v a i d a A R eform a Rivadávia teve vigência a té 1 9 1 5 , q u a n d o e n tã o a R eform a


oficialização c o m p le ta d o ensino, o ra v ig e n te , á s u a to ta l in d e p e n d e n c ia M axim ibano restabeleceu as condições anteriores, e, e m to d a s as ocasiões
fu tu ra , e n tr e a U n iã o e os estab elecim en to s d e en sin o ” (a r t. 5°). E m sín te ­ e m q u e foi provocado a se m anifestar, o Suprem o T ribunal F ed eral reafir­

se , a R e fo rm a R ivadávia desoficializava o siste m a d e e n sin o su p erio r, ex­ m o u a m esm a d o u trin a : a exigência d o d ip lo m a e a valid ad e leg a l apenas

tin g u ia o s p ro c e d im e n to s de eq u ip aração tã o la b o rio sa m e n te in stitu íd o s d o s q u e fossem concedidos p o r escolas oficiais o u e q u ip a ra d a s.72 M as o

p e la R e fo tm a E p itá tio Pessoa (D ecreto n ° 3 8 9 0 d e 1 d e ja n e iro d e 1 9 0 1 ), cred en d alism o acadêm ico p erm an eceu com o princípio c o n te sta d o a despei­
to d e sucessivas decisões judiciárias q u e o consagravam , e vale re g istra r u m a
e in s titu ía a lib e rd a d e profissional a o e lim in a r o s p riv ilég io s v in cu lad o s
d a s ú ltim as contestações a n tes q u e revisões c o n stitu d o n a is a p a r tir d e 1930
aos d ip lo m a s.69
d efinitivam ente liquidassem com a controvérsia.
A R efo rm a c rib u razoável confusão, a té p o rq u e p e rm a n e c era m e m v ig o r
"Voto d iv erg en te e m decisão do S uprem o T ribunal F ederai, E d m u n d o
o C ódigo P e n a le a legislação sanitária (inclusive a d o s E stad o s) q u e exigiam
o d ip lo m a p a ta o exercício d a m edicina, d a farm ácia e d a “a rte d e n tá ria ” .
C o m base n o s a rtig o s 1 5 6 ,1 5 7 ,1 5 8 e 15 9 d o C ódigo P enai, os m édicos e as ^A n to m o Cândido d e A lm eida e Silva (m inistro relator), U berdade Profissional — Accordam
pro fendo pek> Tribunal d e Ju stiç a d e São Paulo 0 0 Recurso C rim e n ° 2 8 6 8 d e S. B ento do
a u to rid a d e s sanitárias insistiam nas denúncias d e p rá tic a ile g a l dessas p ro ­ Sapucahy. São Paulo: D u p ia t & G a , 1915, especialm ente p . 1 5 - 0 Tribunal negava recurso a
fissões fa z e n d o d e alvo preferencial o s e sp iritas, c o n tta o s q u a is h av iam A ntonio d e Paiva M artins, jovem de 18 anos, denunciado p o r prática ilegal da profissão de
dentista. A legou o réu q u e exercia a profissão sem títu lo com fundam ento n o A rt, I o do D ecreto
m o n ta d o d e sd e Siraís d o século a n te rio r u m a p e rtin a z ca m p a n h a . Todavia, n 0 8 6 5 9 de 5 de abril d e 1911.
71A resto 16 4 2 : “A liberdade profissional assegurada pelo a rt. 7 2 , § 2 4 , d a C onstituição não
e x d u e a necessidade d o titu lo de habilitação p a ra exercer n o Brasil a m edicina e outras
67Jo sep h L . Love,, FioG nmde do Sui and Brazilian. Regionalism, 1 8 8 2 -1 9 3 0 -Stanford: Stanford profissões cientificas” (1 0 .4 .1 9 1 2 ). Ver ta m b é m os de n ú m ero 1 6 4 3 (7 .8 .1 9 1 2 ), 1644
U niversity Presa-, 1 9 7 1 , p p . 153-154. (19-4.1913), todos em Jo sé Affonso M endonça d e A zevedo,ri Constituição Federal Interpreta­
®Lei O rganica d b Ehsrars Superior e do Fundam entai na Republica a qu e se refere o D ecreto n° da pelo Supremo Tribunal Federal (18Ç l-lÇ 24).R io d e Jan eiro : Typ. da “Revista do- Suprem o
8 6 5 9 , desta d ate — Décrefèon6 8659 de 5 de abril d e 1911: Aprova a Eel O rganica do Ensino T ribunal”, 1925-
Superior e do Fundam ental :aa Republica. ^A resto 1648: "Ji em vários Acc. tem julgado o ST F que somente os indivíduos habilitados pelas
®A Reforma Benjamin* C onstant (Decreto n ° 1232 d e 2 d e janeiro d e !8 9 l)lim ita v a a equiparação faculdades de Direito oSiciais, e peias livres a essas equiparadas pódem exercer a advocacia, e as
apenas às escolas dè diieito:, o D ecreto n° 1159 de 3 de dezem bro d e 1892 estendeu-a para as petições úuciaes asstgnarias por esses advogados são as unicas que devem ser admitridas.” José Affonso
dem ais escolas. A KefoErna Epitácio Pessoa instituiu m ecanism os m u ito rigorosos d e fiscalização Mendonça de Azevedo, o p. cit. A referência a petições iniciais rem ete ao art. 5° do Regimento de 15
daquelas q u e obtivessem a equiparação. de março de 1842, pelo qual só advogados formados podiam assinar tais petições. Idem, íbidem.
L ins re b a te u u m a a u m a as diversas teses d o s cre d e n c iaü sta s,73 m a s a U m a ú ltim a observaçao: é b a sta n te provável q u e u m a desastrad a te n ta ­
fundam entação' cen tra l d o seu voto residia no seg u in te a rg u m e n to : ao não tiva. de co n fro n to com o Suprem o te n h a exacerbado a resistência d a m ag is­
fazer q u a lq u e r refe re n d a às profissões liberais, a C onstituição d e 1 8 2 4 de tra tu ra brasileira à tese d a irre strita liberdade profissional. O c o rre u q u e em
fato preservava os privilégios q u e a a n tig a legislação p o rtu g u e s a concedia 1 8 9 4 o m arech al F lcn an o Peixoto, aproveitando-se de um a redação falha
aos advogados e m édicos; estes privilégios ficaram e x tin to s p eio § 2 4 d o a rt. q u e na C onstituição deixara de m encionar o requisito do “notável sab er e
72 d a C onstituição de 1891, visto q u e a fonte deste dispositivo constitucio­ rep u tação ” jurídicos^ n o m eo u u m dileto am igo, o m édico B ara ta R ibeiro, e
n al, orig in ad o d e u m a em en d a ap resen tad a p o r Ju lío d e C astilhos e aceita m ais q u a tro correligionários p a ra p reen ch im en to d e vagas no S uprem o Tri­
p e la c h a m a d a C om issão dos V inte e U m , era o n° X I X d o a rt. 3 7 d o p ro jeto bu n a l Federal, im agino nao so m en te o s sisudos m inistros, m a s coda a m a ­
d e constituição oferecido ao C ongresso C o n stitu in te p o r M ig u e l L em os e g is tra tu ra brasileira, projerando u m q u a d ro co n stran g ed o r sobre o c o n tu r­

Teixeira M endes. Proferindo o v o to divergente, co n tin u av a L ins, ele apenas bado p a n o d e fundo cia jacobina Repúblicas d d a d ã o s em inentes, o u tro s nem

executava a lei d a s leis, a C onstituição Federal, não afirm an d o q u e o C o n ­ ta n to , m a s todos leigos nos m is te rio s tía d e n d a ju risp ru d e n d a l, en vergando
gresso C o n stitu in te te n h a procedido b em ao v o ta r o § 2 4 d o a rt. 7 2 , “m a s as sagradas vestes talares p o r nom eação d e despóticos presidentes d a R ep ú ­
blica o u d e esquisitas entidades assem elhadas.
ta m b e m n ã o affirm a q u e te n h a procedido m a l. A lg u n s factos ineiuctaveis
O Senado rejeitou as nom eações, m a s não creio q u e isto te n h a aliviado o
in h ib e m -a ’©- d e o fa 2 er: I o) U m m in istro , q u e m u ito h o n ro u o S uprem o
tra u m a d a m a g istra tu ra .
T ribunal, não cu rso u n e n h u m a das nossas A cadem ias d e D ire ito e e m n e ­
n h u m a delias d e fe n d e u theses o u p re sto u q u a lq u e r exam e — o D r. A m aro
C avalcanti; 2 a) P o r u m decreto legislativo é q u e A n to n io Pereira R ebouças
obteve a ca rta d e d o u to r em D ireito ; e, e n tre ta n to , foi o unico ju ris ta q u e
teve co rag em d e criticar a Consolidação das leis civis e d e travar, a respeito,
discussão com Teixeira de Freitas... q u e o tra to u com to d o o respeito (...);
3o) H á tr in ta anos q u e o Rio G ran d e do Sul a d m itte o livre exercício de
to d a s as profissões iiberaes, e , e n tre ta n to , não co n sta q u e a m o rta lid a d e lá
seja superior á do s o u tro s Estados do Brasil com o, e g u a lm e n te , n ã o co n sta
seja m a io r o coeffidente dos processos anuilados o u das causas p e rd id a s p o r
im p e n d a profissional dos advogados. N u n c a verifiquei isto n o s in n u m e ro s
processos: daquelle E stado, que tenho exam inado, q u e r civds, q u ercrim in aes.
C u m p ra -s e , p o is , o m a n d a m e n to d a C o n s titu iç ã o , q u e é d e c lareza
tra n s lu d d a ; e, sí a p ra tic a d e m o n stra r q u e é in a d a p ta v e i ao nosso m e io , q u e
o p o d e r c o m p e te n te o ab ro g u e. E ste T ribunal é q u e não te m co m petência
p a ra fazel-o — g u a rd a , q u e é, d a C onstituição”.

73“Liberdade profissional— Interpretação do § 2 4 do art. 72 da Constituição pelo D r. Edm undo


Lias, M inistro d o Suprem o Tribunal Federal (voto divergente na apellação o . 3 .2 8 3 d o Ceará)".
Revista.Juridicay A.nno 7 , vol, 76, abril de 1922, p p . 2 1 4-226.
CATÁSTROFE
8

A ca m in h o d a R evolução

/ l i n d a q u e a e x ig ên cia d o d ip lo m a p a ra o exercício p ro fissio n al en c o n ­


tra sse u m c o n siste n te arrim o n a ju risp ru d ê n c ia q u e a s c o rte s d e ju stiça
iam firm ando» a in d a n ã o e ra o suficiente p a r a g a ra n tir privilégios aos p ro ­
fissionais. C om o ficaría ev id en te n a c a m p a n h a d o s m édicos c o n tra os espí­
rita s, e ra necessário p ro v o c a r o s trib u n a is p a r a q u e se p ro n u n c ia sse m so­
b re ca d a caso individual, u m a fo rm a n a d a p rá tic a è n e m u m p o u co eficiente
p a r a e x p u lsa r d o m e rc a d o u m n ú m e ro in d eterm in ad o » m a s significativo,
d e “p rá tic o s" e “c h a rla tã e s” . A lé m d isso , as fo rm a lid a d e s legais e os infle­
xíveis rito s processuais n a ad m in istra ç ã o d a ju s tiç a to rn a v a m im previsível
o re su lta d o . E sta ria m os espíritas indiciados e m in q u é rito s exercendo u m a
p ro fissão , is to é , u m ofício exp lo rad o c o m h a b ítu a lid a d e e visan d o ren d as
pessoais? Q u a l o e s ta tu to “científico” d a m e d iu n íd a d e ? C om o d istin g u ir o
e sp iritism o com o religião (p ro te g id o p e la cláu su la c o n stitu c io n a l d a liber­
d a d e d e crença) d o “b a ix o ” espiritism o? O q u e c o n s titu ía ev id ên cia leg a l­
m e n te v álid a d a p rá tic a do “cu ra n d e irism o ”? A in d a q u e o s juizes não p u ­
dessem ig n o ra r in te ira m e n te os a rg u m e n to s m édicos a re sp e ito dos efeitos
d a s p rá tic a s m e d iú n ic a s so b re a saú d e p ú b lic a (in san id ad e m e n ta l, etc.),
ta m b é m é certo q u e n ã o co n sideravam co m o d e p e rito s a s opiniões rnédi-
cas e n e m se d is p o n h a m a dar-lh es a ú ltim a p a la v ra , ced en d o p a rc e la d e leg islação d o e n sin o su p e rio r, co m o o d o re g istro d o s d ip lo m a s, n ã o fu n ­
s u a jurisdição-./ cio n av am o u fú n c ío n a v a m m a l. E gressos d a s escolas d e d ire ito n ã o oficia­
T a m b é m a v itó ria d o s c re d e n c lalista s so b re a d e rra d e ira te n ta tiv a lizad as e cu jo s d ip lo m a s não p o d ia m ser re g istra d o s a in d a assim exerciam
d o s p o sitiv ista s e m in s titu ir a lib e rd a d e p ro fissio n a l p e la v ia d a lib e rd a ­ a advocacia (a té p o r q u e o s rá b u la s e os p ro v ísio n a d o s p e rm a n e c ia m no
d e d e en sin o n ã o p ro d u z iu d e im e d ia to o s e sp e ra d o s efeito s. É c e rto q u e m erc a d o ) a e x e m p lo d o s e g resso s d e escolas oficiais o u oficializadas q u e
a R e fo rm a M a x im ilia n o re in s titu iu a “oficialização” d o e n sin o s u p e rio r e v ita v a m o re g is tro p a r a fu g ir ao fisco.3
e x tin ta p e la R e fo rm a R ivadávia e , m a is d o q u e isso , e rig iu co n sideráveis C o n clu siv am en te, o q u e a ca u sa d o s credencialistas necessitava e ra de
ó b ic e s às p re te n s õ e s d a s escolas nã o o f ic ia is / O d e c re to d a re fo rm a p r o i­ u m a lei o u re g u la m e n to q u e fixasse a in te rp re ta ç ã o q u e os trib u n a is con-
b ia a e q u ip a ra ç ã o d e fa c u ld a d e c ria d a e m c id a d e d e m e n o s d e 1 0 0 m il siscen tem en te v in h a m d a n d o ao § 2 4 d o a rt. 1 7 9 d a C o n stitu ição . M ais
h a b ita n te s , salv o se c a p ita l d e E sta d o c o m m a is d e u m m ilh ã o d e h a b i­ a in d a : q u e in stitu ísse m e canism o s eficazes d e fiscalização d o exercício p ro ­
ta n te s e s e n d o “fo rte m e n te su b v e n c io n a d a p e lo g o v e rn o re g io n a l” ( a r t. fissional.
2 5 ); ta m b é m n ã o p o d ia m se r e q u ip a ra d a s às oficiais m a is d e d u a s a c a d e ­
m ia s d e d ire ito , m e d ic in a e e n g e n h a ria e m c a d a E s ta d o o u n o D is tr ito
F e d e ra l, e “o n d e h a ja u m a official, só u m a p a r tic u la r p ó d e s e r a ella I!
e q u ip a ra d a ” ( a r t. 2 6 ) . P a ra p ro d u z ire m o s e fe ito s le g a is p re v isto s e m lei,
o s d ip lo m a s c o n fe rid o s p o r escolas e q u ip a ra d a s d e v e ria m se r re g is tra d o s A fa lta d e ssa le i o u re g u la m e n to , m e sm o os p ro fissio n ais d a á re a d e sa ú ­
n a s re sp e c tiv a s re p a rtiç õ e s federais: S u p re m o T rib u n a l F e d e ra l (d ire ito ), d e tin h a m b o a s razões p a r a te m e r p o r u m fu tu ro d e d ificu ld ad es e de
D ire to ria d e S a ú d e P ú b lic a (m ed icin a, fa rm á c ia , o d o n to lo g ia ) e M in is té ­ in se g u ra n ç a . C o n tra a s 9 5 8 m a tríc u la s nas escolas d e m e d ic in a do Rio
rio d a V iação (e n g e n h a ria , a g ro n o m ia ) ( a r t. 11). N ã o o b s ta n te ta is re s­ d e J a n e iro e d a B a h ia n o s a n o s finais d o Im p é rio (1 8 8 7 ), re g istra v a -se
triç õ e s, © q u e a R e fo rm a M axim ifiano v isa v a n ã o e r a a rig o r re s trin g ir o u m to ta l d e 2 .8 8 9 e m p rin c íp io s d o século X X (1 9 0 7 ) e e ste n ú m e ro
crescim e n to d o n ú m e ro d e escolas su p e rio re s , m a s d ific u lta r o pro cesso iria crescer sig n ific a tiv a m e n te n a s d écad as v in d o u ra s . A p a r tir d a p r o ­
d e e q u ip a ra ç ã o q u e d a ria a ta n ta s d e la s a s co n d iç õ e s d e c o n c e d e r c o m clam ação d a R e p ú b lic a a c o n tro v é rsia so b re a s lib e rd a d e s d e en sin o e
s e u s d ip lo m a s p riv ilé g io s le g a lm e n te g a ra n tid o s . T a m b é m é c e rto q u e o p ro fissio n a l p ro s s e g u iu p a ra le la m e n te à sig n ificativ a ex p an são d o n ú ­
d e c re to d a re fo rm a tin h a efeitos m a is e v id e n te s tã o -s o m e n te so b re as m e ro d e esco las su p e rio re s. D e 18 9 3 a 18 9 7 v ie ra m so m ar-se m ais cinco
p ro fissõ e s q u e já c o n ta sse m com leg islação re g u la tó r ia e x c lu d e n te , e a
rig o r e s te e ra o caso a p e n a s d a s p ro fissõ es d a sa ú d e , já le g a lm e n te p r o te ­ 3P o r E dital d e 2 6 d e m arç o âe 1 9 1 6 o p resid en te d a C o rte d e A pelação do D istrito Federal
convocava o s ad vogados a reg istrarem seus diplom as "habilitan d o -se p o r esse m eio a le­
g id a s d a c o n c o rrê n c ia d o s “e m p íric o s” p e lo s re g u la m e n to s sa n itá rio s e g a lm e n te exercerem seu m an d a to judicial no fôro d o D istrito Federal, nos devidos term os
p e lo C ó d ig o P e n a l. A d e m a is, m e c a n ism o s d e s e g u ra n ç a in s titu íd o s p e la dos Avisos C ircu lares do M inistério d a Ju s tiç a de 3 d e jan eiro de 1 8 8 2 , 12 d e ju lh o de
1887 e 17 d e m arço d e 1 9 0 3 , expedidos d e acordo com o d o M inistério da Fazenda d e 17
d e a b ril d ’a q u e!ie a n o . P rovidencia n ’elles recom m endada p a ra a fiscalização d os d ireito s
’G ium belii m enciona a s “n e m sem pre calibradas engrenagens q u e articulavam instituições taxados so b re os referidos títu lo s scientíficos e, obrigados os diplom ados ao p ré v io p a g a ­
m édicas a judiciarias-'’; e m u ito apropriadam ente observa q u e nos desajustes e n tre acusações m e n to , p a ra q u e sejam a d m ittid o s a o exercício d a advocacia o u qualquer cargo judiciário...”.
m édicas e sen ten ças judiciais "o que se recoloca são a legitim idade e os lim ites do pod er m édico D e sd e o im p é rio o s bacharéis e m D ire ito usavam de vários expedientes p a ra fu g ir aos
e m sua atuação, so b re a sociedade". O p. cit., p . 190- im p o sto s so b re o dip lo m a , e u m deles era o de n ão re q u erê-lo ao fira do curso, confiando
•D ecreta s® 1 1 5 3 0 d e 18 d e março de 1915 — Reorganiza a ensino secundário e superior na em q u e a fiscalização era in ex iste n te e q u e a ob ten ção d o g ra u bastava p a ra o exercício da
Republica- profissão.
escolas d e e n g e n h a ria às d o Rio d e J a n e iro e d e O u ro P re to e o u tra s c o n tin g e n te s d e d ip lo m a d o s , m u ito s d o s q u a is h a v e ria m d e se a c o m o d a r
cinco e n tr e 1 9 1 1 e 1 9 1 4 ; a p e n a s u m a fa c u ld a d e d e m e d ic in a v eio ju n ­ e m p o s to s d e tra b a lh o fo ra d a s c a rte ira s p ro fissio n ais.
ta r-s e à s d o R io d e J a n e iro e d a B ahia a ré o fin a l d o sécu lo X I X (em U m a ra o io g ra fia p a rc ia l d a a n sie d a d e e d o s te m o re s q u e in q u ie ta ­
1 8 9 8 ), m a s e n tr e 19 1 2 e 1 9 2 0 fo ram c ria d a s m a is cinco (seis, se c o n ta ­ v a m os p ro fissio n ais foi e x ib id a e ra 1 9 2 2 , a n o e m q u e irro m p e u o m o v i­
d o o I n s titu to H a h n e m a n n ia n o no D is tr ito F e d e ra l, re c o n h e c id o e m m e n to te n e n ris ra . V á rio s E sta d o s m a n d a ra m o m e lh o r dos se u s q u a d ro s
1 9 1 2 ). E m 1 8 9 1 foi c ria d a a F a c u ld a d e L ivre d e D ire ito d a B a h ia , a m é d ic o s ao C ongresso N a c io n a l cíos P rá tic o s, realizado no D is rrito Fe­
F a c u ld a d e d e C iências Ju ríd ic a s e Sociais d o R io d e J a n e ir o , e ta m b é m d e ra i c o m o p a tro c ín io d a Sociedade d e M e d ic in a e C iru rg ia d o Rio de
n o D is tr ito F e d e ra l u m a F a c u ld a d e L ivre d e D íre iro . Â d e M in a s G e ra is J a n e iro . D e fa to , o C o n g resso fbl u m a re p re s e n ta tiv a a m o s tra d e p e rp le -
veío e m 1892» a d e P o rto A leg re e m 19 0 0 e a té 1 9 3 0 a s d o P a rá , A m a ­ x ia a d e s , d e in c e rte z as e d e te m o re s.4 P ela p rim e ira vez o u v iu -se d e n tro
z o n a s, C e a rá , N ite r ó i e P a ra n á . O n ú m e ro d o s q u e p ro c u ra v a m as car­ d a e lite m é d ic a p ro p o s ta fo rm a i p a ra im p o sição d e u m numerus clausus às
re ira s p ro fissio n a is cre sc e u sig n ific a tiv a m e n te n a p r im e ira d é c a d a do m a tric u la s e m m e d ic in a e d e u m freio à ex p an são do n ú m e ro d e escolas,
século e n a p a ssa g e m p a r a os a n o s 30 a e x p a n sã o d a s m a tríc u la s m a n te ­ a lg o q u e te ria in d ig n a d o o D r . C ru z J o b im . M u ito d e b a te ra m o s m é d i­
ve ritm o a c e le ra d o , com o se vê no Q u a d ro 5 - A p e n a s o D is tr ito F e d e ra l cos a re sp e ito ta m b é m d a s associações fila n tró p ic a s e d a s m u tu a lis ta s
re sp o n d ia e m 1 9 3 4 p o r a p ro x im a d a m e n te 3 0 % d o to ta l d a s m a tríc u la s
q u e (s u p o s ta m e n te ) cresciam n u m e ric a m e n te p a ra p ro v e r g r a tu ita m e n ­
n a s escolas d e m e d ic in a , farm á c ia e o d o n to lo g ia , p o r 3 1 % d o c o ta i n a s
te d e serviços m é d ic o s a p o p u la ç ã o o u a associados.5 E d is c u tira m os
esco las d e e n g e n h a ria e p o r 1 7 % das m a tríc u la s nas fa c u ld a d e s d e d ire i­
c o n g re ssista s a in te rv e n ç ã o d o p o d e r p ú b iic o a p ro p ó s ito d a s in te rn a ç õ e s
to . C e d o se v e ria q u e o m e rc a d o n ã o tin h a c o m o a b so rv e r o s sucessivos
n o s casos d e in cid ên cia d e u m a d a s v in te d o e n ç a s d e n o tificação o b rig a ­

Q sja d ro 5 — M atríc u las n o E n sin o S u p e rio r, 1 907-1933


tó ria . N e s te p o n to o d e b a te te n to u re sp o n d e r à q u estão de se a g ra tu id a d e
d o s serviços m éd ico s d e v e ria lim icar-se ao se g m e n to m aís p o b re d a p o ­
p u la ç ã o o u a lc a n ç ar ta m b é m a q u e le d e m a io re s recu rso s. O D r. M ig u e l
P ro fissõ es A g ro n o m ia e
A nos DÍESStO d a Saú d e E n g e n h a ria V e terin ária T otais C o u to p r o p ô s “v e rific a ç ã o d e in d ig ê n c ia ” p a r a p r e v e n ir a b u s o s n a
h o sp ita liz a ç ã o , o D r . E d u a rd o M eirelles a p o n to u os “m alefício s” p a ra
1907 2481 2889 425 153 5948
1908 467 70 3 4
m é d ic o s e d o e n te s d a s c o o p e ra tiv a s clínicas, o D r. M o n c o rv o F ilh o p e ­
2479 3609 479
1909 2471 4027 534 1047 8079 d iu re g u la m e n ta ç ã o q u e h a rm o n iz a sse as relações e n tre a ssistê n c ia m é ­
1910 2186 4043 62 4 1382 8235
d ic a p ú b lic a e p riv a d a . H a v ia u m m d isfa rç á v e i receio, p rin c ip a lm e n te
1911 2538 4814 854 1402 9608
1912 2728 4820 1276 1117 9941
1927 2525 7195 1935 74 2 12397
!A p ó i°-m e aqui no- detalhado estudo d e A ndré de F. Pereira-N eto, Palavras, intenções e gestos: es
1928 2707 7495 2023 749 12974 interesses profissionais da elite médica — Congresso Nacional dos Práticas. Rio de j aneiro: "lese de
1929 3200 7696 2370 980 14246 D outorado, In stitu to de Medicina Social, UERJ, 1 997.
1932 6448 10 664 2180 1158 204 5 0 3A s referências a associações filantrópicas visavam » ao q u e parece, às organizações esp íri­
1933 7818 10993 2055 1305 22171 ta s e d u ra n te o C ongresso o u v iram -se m anifestações c o n tra a Sociedade E sp írita R e d en to r
1934 8515 12390 2005 1565 24475 q u e resistia às investidas da m ed icin a “oficial” com a pro teção , se g u n d o os m édicos, de
a lta s person alid ad es d a R epública. Seja como- for, a s receitas dadas pela Federação E spíri­
t a B rasileira passaram de 4 8 -3 0 9 a 2 4 0 .6 5 2 e n tre 1903 e 1 9 1 0 ; n o m esm o p e río d o o
Fonte: Sinopse Retrospectiva, do Ensino no Brasil, 1 8 7 1 /1 9 5 4 . Rio d e Janeiro: n ú m e ro d e prescrições aviadas pela Federação cresceu d e 7 4 .5 6 9 p a ra 1 9 5 .4 3 7 . Id e ia ,
M E C /SE EQ 1936, p . 30 íbídena, p . 191-
e n tr e os m é d ic o s co m clínica p a rtic u la r, d e q u e o E s ta d o , no p re s e n te e e la ta m b é m in a u g u ra v a a e ra d a m e d ic in a a ssa la ria d a . R e g istro q u e a in ­
n o f u tu r o , Lhes s u b tra ís s e c lie n te la . A lé m d isso , p e r g u n ta v a m e le s, q u e d a nesse c lim a d e te m o re s e in c e rte z as foi c ria d o e m 1 9 2 7 o S in d icato
f u tu ro te r ia a m e d ic in a “Liberai” e o q u e re s ta ria d a d ig n id a d e d o s m é d i­ N a c io n a l d o s M édicos, u m a q u a d ra e m q u e o sin d ic a to e ra u m in s tr u ­
cos c o m p ro fissio n ais su b m e tid o s a o re g im e d o a s s a la ria m e n to to ta l o u m e n to asso ciad o ao o p e ra ria d o in d u s tria l e in u s ita d o sob o m a n e jo d a
p a rc ia l, à s ta b e la s d e vis h o n o rá rio s im p o s to s p o r a g ên cias p ú b lic a s o u ilu s tre classe m éd ica.
e m p re g a d o re s privados?' E h a v ia os q u e se m a n ife sta v a m e n fa tic a m e n te E n q u a n to isso , o m e rc a d o d e serv iço s p ro fis s io n a is p e rm a n e c e u
p o r in te rv e n ç ã o m a is a m p la do E sta d o n a e sfe ra d a s a ú d e p ú b lic a e e ra m de sre g o la d o p a ra engenheiros; e n a advocacia rá b u la s e provisionados so­
e ste s e m n ú m e ro sig n ificativ o o s q u e h a v ia m sid o c o o p ta d o s p e la b u ro ­ b rev iv eram à v ira d a d o século, m a s não se m a trib u laçõ es. A in d a q u e a
cracia e s ta ta l p a ra p o sto s d e d ireção n o D e p a r ta m e n to N a c io n a l d e S aú ­ p a r tir d e 1 9 2 0 a vulgarização d o concreto a rm a d o tivesse ate n u a d o a co n ­

d e P ú b lic a .6 co rrên cia d o s m estres-d e-o b ras e c o n stru to re s (d a d a a com plex id ad e dos

A florou c o m clareza m erid ian a no C ongresso a a m b ig ü id a d e q u e aflige cálculos q u e a técnica req u eria), isso n ã o era o b a s ta n te , v isto q u e o m e r­
cad o p a r a co n stru çõ es prediais era m u ito lim ita d o e m u ito c o m u m a in d a a
as profissões: o h o rro r ao livre m ercado de serviços profissionais e , sim u lta ­
c o n tra ta ç ã o d e estran g eiro s. O n ú m e ro d e em p resas c o n stru to ra s e ra p e ­
n e a m e n te , o te m o r d a regulação e sta ta l do m onopólio profissional (fixação
q u e n o , as in d ú stria s não h av iam a tin g id o a d im en são e a com p lex id ad e a
d e preço s p a ia o s serviços, restrições à livre escolha d a clientela, etc.). Tam ­
p a r tir d a s q u a is se to m a necessário o e n g en h eiro especializado nas p o si­
b é m ficaram n ítid o s os an tag o n ism o s en tre os princípios (e m la rg a m e d id a
ções g eren ciais e d e p ro d u ç ã o ; e n a adm in istração p ú b lic a fed eral a p refe­
irreconciliáveis) q u e d istin g u e m d a m edicina p re v e n tiv a o u “p ú b lic a ” a m e ­
rência a in d a e ra p e lo e n g en h eiro “ferroviário” . A cap acid ad e d a b u ro c ra ­
dicina clínica, os q u a is não h av iam p o d id o aflorar no elitizado e d im in u to
cia e s ta ta l d e absorção do s profissionais q u e saíam das escolas politécnicas
m ercado d e serviços m édicos d o Im pério.
e ra a p a re n te m e n te m u lto re d u z id a . U m a das po u cas pesquisas conduzidas
A L e i E lo y C h av es (D e c re to -L e i n ° 4 6 8 2 d e 2 4 d e ja n e iro ) veio n o
so b re o te m a m o s tra q u e h av ia e m 1935 cerca d e 6 4 3 cargos p a ra e n g e ­
a n o s e g u in te e d e c e r ta fo rm a c o n firm o u os m a u s p re s s e n tim e n to s d a
n h e iro s n a a d m in istração p ú b lic a fe d e ra l (incluídos os serviços nos E sta ­
e lite m é d ic a a o c ria r a C aixa d e Pensão e A p o s e n ta d o ria d o s F e rro v iá rio s.
d o s); to d a v ia n o m esm o ano fo rm a ra m -se 3 7 0 profissionais, n ú m e ro q u e
E m 1 9 2 6 se ria m 3 3 as in stitu iç õ e s sim ila re s; e m 1 9 3 0 , 4 7 c a ix a s a te n ­
c o rre sp o n d ia a 5 7 ,5 % do to ta l d aq u e le s carg o s e a 7 1 % do s existentes na
d e n d o a 1 5 -0 2 2 a p o s e n ta d o s e p e n sio n ista s; e m 1 9 3 2 , 1 4 0 C P A s e s te n ­
ad m in istra ç ã o c e n tra l.8 Transcrevo d e p o im e n to d e u m d o s e n trev istad o s
d ia m a ssistê n c ia m é d ic a a 2 G 8 .5 8 1 s e g u ra d o s, a p o s e n ta d o s e p e n s io n is ­
n a p esq u isa: “N a q u e la época as alte rn a tiv a s técnicas p a ra e n g en h eiro s não
ta s .7 S o b os auspícios d o E s ta d o , a p o lític a social c o m p e n s a tó ria a m p lia v a e ra m m u ita s . H a v ia alg u m a s firm as d e co n stru ção re la tiv a m e n te m o d e s­
o m ercad© p a r a serviços m é d ic o s, m a s n ã o n o s te rm o s d e se ja d o s p e la ta s , e o s e m p re g o s públicos era m p rin c ip a lm e n te nas secretarias d e gover­
e lite m é d ic a . À o a m p lia r as o p o rtu n id a d e s p a ra a m a s s a d e p ro fissio n a is, n o , p a ra fa z e r o b ra s d e ab aste c im e n to cTágua no interior, a lg u m as p o n te s
f...} fazer m ed iç ã o d e te rra p a r a re g istro . N a época {1932} e ra a g ra n d e
so re g u la m e n to d a D N S P (D eereto-tei n ° 14354 d e 15 d e setem bro d e 1920} a b ria m ais de ta re fa d o s en g e n h e iro s...”9
q u in h en ta s vag as s serem e m soa. m aioria ocupadas p o r m édicos. D e sd e o início d e suas
operações o D e p arta m e n to era. uma: vasta burocracia m édica q u e despendia c o m pessoal e
^José Lociano d e M attos Dias, “O s engenheiros do Brasil”, em A ngela de Castro Gom es (coord.),
m aterial parte, substancia! de seus recursos, pouco d estinando à m edicina p re v e n tiv a m as
su bvencionando cfmicas particulares com o a Policlínica do Rio d e ja n e iro - Id e m , ibiriem , p p .
Engenheiros e economistas: Novas elites burocráticas. Rio d e Janeiro: Editora da Fundação G etúlio
2 8 6 -2 8 7 e 2Í>5. Vargas, 1994, p p . 41-43-
rWanderLey Gralherxne d os Santos, Cidadania e justiça, o p. cit-, p p . 24-31- íbldens; p . 43-
A lg u n s E sta d o s p ro c u ra ra m s a n a r a fa lta d e legislação re g u la tó ria . C rític a s a o c a rá te r o rn a m e n ta l d o p re p a ro oferecido p e la s escolas
São P a u lo e m 1 9 2 4 e Rio d e Ja n e iro e m 19 2 5 p a r a os e n g e n h e iro s , m as su p e rio re s e ao d ip lo m a com o p a s s a p o rte p a r a a p o lític a e p a r a os cargos
se e m 1 8 7 5 p a re c e ra suficiente a V ieira S o u to so lic ita r à C â m a ra M u n i­ n a a d m in is tra ç ã o p ú b lic a já era m o u v id as n o s ú ltim o s a n o s d o Im p é rio .
c ip a l q u e im p e d isse a c o n co rrên cia d o s “p rá tic o s ” n o s lim ite s d o m u n i­ N a R e p ú b lic a , e n tr e ta n to , so b re tu d o a p ó s a v ira d a d o sé c u lo , o b a c h a -
cípio d a C o rte , p a ra os profissionais d a d é c a d a d e 19 2 0 e ra in a d e q u a d a a relism o e ra v isto co m o so b revivência do re g im e d e c a íd o , u m a n a c ro n is­
p ro te ç ã o a p e n a s no â m b ito d e m e rc a d o s re g io n a is. A d e m a is, a p ro te ç ã o m o q u e dav a te ste m u n h o do p róprio descam inho re p u b lic a n o . N a acepção
q u e d e sejav am e ra c o n tra o d e se m p re g o , o q u e e sp e ra v a m o b te r com re s trita d o te rm o , e ra a in d a a ascen d ên cia p o lític a d o s “so fista s” saídos
u m a legislação q u e ob rig asse as e m p re sa s a c o m p u lso ria m e n te d e s tin a r das a c a d e m ias d e d ire ito e e n c a rn a d o s n o s p o lític o s p ro fissio n a is o q u e
a e n g e n h e ir o s c e rta s p o siç õ e s té c n ic a s . O u tr o s E s ta d o s e n s a ia ra m se c r itic a v a /1- p o r a n a lo g ia , a chicana fo re n se e m p re s ta v a seus piores
reg u la ç ã o lo c a l p a r a o exercício d a advocacia c o n sid e ra n d o q u e no in te ­ a sp e c to s à p e rc e p ç ão d o s a rra n jo s o lig á rq u ic o s c o m o fra u d e s q u e desvir­
rio r os b ac h a ré is sofriam in te n sa co m p etição p o r p a rte do s pro v isio n ad o s. tu a v a m as instituições e m a n tin h a m a sociedade a ta d a às p rá tic a s p olíticas
O a r t. 5 o d a Lei (m in eira) n° 10 d e 14 d e s e te m b ro d e 1 9 2 0 p ro ib ia a d o p a ssa d o . N u m a acepção m a is a m p la , a p o n ta v a -se p a r a o e sp írito
concessão e a reno v ação das p rovisões p a r a a d v o g a r e d a s c a rta s d e “m eta físic o ” q u e e m to d a s as esferas ile g itim a m e n te c o n tin u a v a a o b s­
so lic ita d o r n u m a te n ta tiv a de a m p lia r o m e rc a d o de serviços p a r a os tr u ir n a R e p ú b lic a o avanço d a c iê n d a e d a p e r íd a ré c n íc a . É b o m le m ­
b a c h a ré is.16 b r a r n esse c o n te x to q u e a b ase c o g n itiv a d a m ed ic in a e s ta v a a g o ra a s­
s e n ta d a e m solidas bases e x p e rim e n ta is c o m os d e se n v o lv im e n to s d a
b a c terio lo g ia e d e novas técnicas d e d ia g n ó stico e q u e , afin al, a codificação
III
d a s íeis civis e m 1 9 1 6 ad icio n ara ra d o n a lid a d e a o â m b ito d a s profissões
d o d ire ito . E v ale a p e n a re g is tra r a n o v a fé n o p ro g re sso técn ico , na
L em bro q u e , já nos prim eiros anos do nosso século, o Inscituto dos A d v o g a­ ciência e n a s a tiv id a d e s “p rá tic a s”, re le g a d a s no Im p é rio a posição s u ­
dos Brasileiros, a A cadem ia (agora, N acional) d e M edicina e o In scitu to b a lte rn a , m a s q u e n a R e p ú b lic a flo resceu a p a r tir d o s a n o s v in te , até
P olytechnico tin h a m irrem ediavelm ente pe rd id o com a au ra elitista e aris­ m e sm o n a p re o c u p a ç ã o com o en sin o técn ic o -p ro fissio n a l m in istra d o
to c rá tic a q u e lhes em p restara a M o n arq u ia u m a boa p a rte d o se u an tig o p e la s E scolas d e A p re n d iz e s A rtífic e s.12
prestígio, e q u e o núm ero crescente d e m édicos, advogados e engenheiros C reio q u e esta s idéias novas tin h a m a v e r ta m b é m com a expansão do
saídos das escolas “livres", to ta lm e n te desinteressados nestas associações, já ensino superior e d a s m atrículas e com as aflições das novas levas d e g ra d u a ­
não p e rm itia ig n o rar a existência d e u m a m assa d e profissionais. E nesse d o s pelas faculdades e escolas “livres”. Se a form ação bacharelesca m in istra ­
m esm o c o n tex to deve-se reg istrar que to d o s os esforços p elo definitivo m o ­ d a n o Im pério p o r u m reduzido núm ero d e escolas o fid ais servira a u m
nopólio legal d o m ercado de perícia profissional ocorriam sim u ltan eam en te
a u m a transform ação considerável nas concepções sobre o ensino su p erio r e
sobre o valo r dos diplom as. 11Sofistas é u m te rm o d e A lb e rto Torres para. q u e m as faculdades d e d ire ito e ta m J‘n u lid a -
des científicas", “oficinas d e sophistas" q u e en ch iam o p aís to d o s o s a n o s de ráb u las e
chicAuistas. Ensaiossobre a madsma concepção dadinilo. São Paulo: T ypographie d a Província,
1885, p -2 6 Ó .
C onfirm ando qs receios dos advogados provisionados de Minas Gerais. Ver N icolau Soares, O '•^Jorge N agle, Educaçãhsssciedade na Prhneira República. São Pauto; Editoia- Pedagógica e Univer­
exercício da advocacia em Minas. Araxá: Typographía Menezes & Com p., 1919- sitária, Ltda/Edusp, 1 9 7 4 ,p p . IÓ3-175-
p u n h a d o d e a fo rtu n ad o s (g eralm en te ap a d rin h a d o s p o r políticos) d e passa­ cias p o lític a s .14 A s referências a u m a e n g e n h a ria nacional, tã o re c o rre n ­
p o rte p a ra a s posições de m a io r relevo n a sociedade, tra ta v a -se agora, n a te s a p a r tir d a v ira d a do sécu lo , não e ra m a p e n a s u m a m a n ife sta ç ão de
R epública, d e in stitu ir critérios m erito crátieo s q u e tã o b e m a d eriam ao co­ x en o fo b ia e d e defesa c o rp o ra tiv a , p o is c o m p o rta v a m ta m b é m o se n tid o
n h ecim en to técnico e científico (ao contrário d a form ação o rn a m e n ta l d o d e co lo car a té c n ic a e a ciência d o s e n g e n h e iro s a serviço d o s in te re sse s
passado). N e ste s term o s, o d ip lo m a d everia p e rd e r o c a rá te r d e m arca d e su p e rio re s d a N a ç ã o .
distinção social; e tão -so m en te com o a te sta d o d e p erícia re n d e r aos g ra d u a ­ E sta oposição d e técnica e política, e sta com binação de centralism o e
d o s v a n ta g e n s e strita m e n te profissionais a serem o b tid a s p o r com petição no antiliberalism o, d e nacionalism o e saivacionism o ajudava a co m p o r u m cli­
m ercado» m a carreg ad o d e som brios prenúncios e crescen tem en te h o stil à lib erd ad e e
Todavia» p a ra in s titu ir a n o v a p a u t a d e v a lo re s m e rito c rá tie o s , s u p u ­ aos d ireito s individuais.
n h a -s e n e c e ssá rio a n te s re p u b iic a n iz a r a R e p ú b lic a , in clu siv e d e p u r a n ­
d o - a d o e x a c e rb a d o in d iv id u a lism o q u e lh e f o r a le g a d o c o m a v e lh a e
o b s o le ta m e n ta lid a d e iib e ra l-d o u trin á ria d a g e ra ç ã o d e litera ti d o s anos
sv
8 0 , a d o s q u e h a v ia m fe ito o m o v im e n to d a A b o liç ã o e a p ro p a g a n d a
N a sc id o a o s 2 1 d e d e z e m b ro d e 1 8 7 6 e m L ençóis, in te rio r d a Bahia»
re p u b lic a n a . A p e ríc ia d o s n o v o s p ro fissio n a is p o u c o v a le ria se as lib e r­
g ra d u a d o e m m e d ic in a aos 2 1 anos p e la F a c u ld a d e d e M e d ic in a d o seu
d a d e s e o s d ire ito s in d iv id u a is p u d e s s e m p e rm a n e c e r co m o o b s tá c u lo s à
E s ta d o , o fe ste ja d o m é d ic o e sa n ita ris ta D r. Ju lio A frâ n io P eixoto circu ­
ra c io n a liz aç ã o d e d ife re n te s e sfe ra s in s titu c io n a is , o u co m o e n tra v e s a o s
lav a c o m d e s e n v o ltu ra n o s círculos e le g a n te s d a so cied ad e cario ca ao
in te re sse s c o le tiv o s p ro p ria m e n te re p re s e n ta d o s p e lo E s ta d o . E m o u tr o
te m p o àd.belleêpoqm> m a s nos m eios “científicos” s u a fa m a e s ta v a m e n o s
p la n o , isso in c lu ía u m a d rá s tic a lim ita ç ã o d o p rin c íp io fe d e ra tiv o q u e
a sso ciad a a o s re fin a m e n to s d a e tiq u e ta social d o q u e a u m a p e c u lia r o b ­
tr a n s fo rm a ra c a d a E sta d o e m u m fe u d o so b o c o n tro le d e in te re sse s lo ­
sessão com o a d u lté rio (m a l h e re d itá rio , o a d u lté rio n ã o te ria c u ra , m as
cais. N a c a r tilh a d o s sa n ita rista s d a L ig a P ró -S a n e a m e n to , o v a s to h o s ­
a p e n a s p ro fila x ia ) e co m o u ra n ísm o (e n tre o u tra s c a ra c terístic a s: p ên is
p i t a l q u e e r a © p a ís re c la m a v a p o lític a s n a c io n a is c e n tra liz a d a s ; e u m a
afilado, a b u n d â n c ia d e n á d e g a s, conform ação in fu n d ib u lifo rm e d o ânus),
in c a n s á v e l v ig ilâ n c ia so b re excessos n o exercício d a s lib e rd a d e s m d iv i- _
o b je to s d e v á rio s d e seus escritos. P re n d a s lite rá ria s e e stim áv eis re la ­
duaxs e r a a f o r m a d e d e te r a p ro p a g a ç ã o d a s d o en ças in fe c to c o n ta g io sa s .13
ções sociais fizeram d e le p re s id e n te d a A c a d e m ia B rasile ira de L e tra s e
E n ã o e r a a titu d e iso la d a e n tr e o s e n g e n h e iro s a d e A a rã o R eis, q u e ,
u m a referên cia p a r a o s in te le c tu a is d e 19 9 8 q u e se v o lta m p a r a a p r o d u ­
in d e p e n d e n te m e n te d e convicções p o sitiv ista s, n ã o fazia se g re d o d a s suas
ção c u ltu r a l d a R e p ú b lic a V elha. A d e m a is, o D r. P eixoto fo i c a te d rá tic o
p o siçõ es d e “re p u b lic a n o c o n v ic to a serviço d a n a ç ã o ” e d a s fre q ü e n te s
d a F a c u ld a d e d e M e d ic in a do Rio d e J a n e iro e o p rim e iro re ito r, em
q u e ix a s s o b re o s e fe ito s d a “p o litic a lh a ” s o b re a razão té c n ic a : a p r o te la ­
1 9 3 5 , d a U n iv e rsid a d e d o D is trito Fed eral. N e s ta c e leb rid ad e confluíam ,
ção in ju s tific a d a d e im p o rta n te s o b ra s p ú b lic a s (co m o a d e u m sis te m a
assim» ocharm d e c a d e n te d a elite social carioca, o fu n d a m e n ta lism o sani­
d e a b a s te c im e n to d ’á g u a p a r a o D is tr ito F e d e ra l), c o n tr a to s p ú b lic o s
ta ris ta , o fe rv o r e fe n tifk is ta d a é p o ca, a d istin ção c u ltu ra l e u m a in d is-
q u e fav o reciam interesses p riv ad o s, alteraçõ es no s p ro je to s p o r c o n v e n iê n ­
farçáv el in c lin a ç ã o a n tilib e ra i e a u to ritá ria assaz e n c o n tra d iç a e n tre as

l3A m e íb o r arferêncí» sobre estas e o u tras concepções d a L iga é ainda G ilb e rto H o cb m an ,
®p. eit. MH eííaaa A n g o tri Salgueiro, op. cit., especialm ente capítulo 4.
m e lh o re s in te lig ê n c ia s do D is trito F e d e ra l. Pois e ra esse m e sm o D r. Pei­ F e d e ra l d e a lg u m a fo rm a am p lificav a as aflições d a a lm a n ac io n a l, eis o
x o to q u e em 1 9 3 4 su g eria a su p eração âograu três. P o r q u e , p e rg u n ta v a q u a d ro .
e le , in sistia a p o líc ia n a s v a ria d a s e p o u c o eficazes m o d a lid a d e s d e v io ­ E m 1 9 0 6 são 8 0 5 .3 3 5 h a b ita n te s , q u ase o d o b ro d a p o p u la ç ã o de
lê n c ia física p a r a a rra n c a r confissões d e c rim in o so s, se em grau quatro a 1 8 9 0 (5 1 8 .2 9 0 )- C o n ta rn -se 3 -2 5 0 e sta b e le c im e n to s in d u stria is e, no
violação in te r n a te m u m e v id e n te fu n d a m e n to cien tífico e p ro m e te efi­ e n ta n to , tr a ta - s e d e u m a eco n o m ia p ré -in d u s tria l. M a s ta m b é m já n ã o é
ciência com m ais h u m a n id a d e ? A lém disso, ac re sc en ta v a o sáb io , as su b s­ a cid ad e esse n c ia lm e n te com ercial q u e se m p re fo ra . P a ra u m a p o p u la ­
tâ n c ia s q u ím ic a s (o v ero n a i, os b a rb itú ric o s , a m o rfin a , e tc .) p o d e m se r ção d e 1 .1 5 7 -8 7 3 h a b lta n c e s o censo d e 1920 re g is tra 1 5 4 .3 9 7 o p e rá rio s
v a n ta jo s a m e n te co ad ju v ad as p e ia p sican álise c lín ic a e p e lo h ip n o tism o . n a in d ú s tria , a lg o e m to m o d e 3 2 % d a p o p u la ç ã o c o m profissão d e c la ­
E , sa tisfeito co n sig o m esm o e m u ito b e m -h u m o ra d o , p e rm itia -s e u m ra d a e bem d e fin id a . T odavia o e m p re g o é in stá v e l e p a r te d o s tr a b a lh a ­
g racejo : ln v im veritasP d o re s não r a r a v ez p ro c u ra g a n h o s e m ocupações m a rg in a is , e o m e sm o
D e sc o n h e ç o se a polícia d e F ilin to M ü lle r u so u a ciência d o D r. Pei­ censo d e 1 9 2 0 c o m p u ta 6 7 5 -3 2 8 in d iv íd u o s (5 8 ,3 % d a p o p u la ç ã o ) n a
x o to . Sei* e n tr e ta n to , q u e idéias d e s ta n a tu re z a e stiv e ra m g e rm in a n d o c a te g o ria d e “se m p ro fissão /p ro fissão m a l d e fin id a /p ro fissã o n ã o d e c la ­
d e s d e a p ro c la m a ç ão d a R e p ú b lic a n u m solo g e n e ro s a m e n te a d u b a d o , ra d a ” . A d e sp e ito d a a lta p ro p o rç ã o d e op erário s n a p o p u la ç ã o , a p a rc e la
e n tr e o u tr a s coisas, pelas teo rias ra c ista s d o D r . N in a R o d rig u e s e as do d eles q u e vai à s ru a s p ro te s ta r é c o n s titu íd a d e c o n su m id o re s e suas
c o n s a g ra d a b a c h a re l D r. Silvio R o m e ro , p a r a c ita r ap e n a s dois d o s b e m - d e m a n d a s sã o a in d a p r é - m o d e r n a s ; o u m e lh o r, sã o re iv in d ic a ç õ e s
p e n s a n te s q u e os m e u s c o n te m p o râ n e o s c o b re m d e g ló ria s .16 Sei ta m ­ c e n tra d a s n o “lo c a l d e residência” a n te s do q u e no “p o n to d e p ro d u ç ã o ”:
b é m q u e o D r . P eixoto c o n tin u a a in d a hoje in su p e rá v e l, m a s q u e m u ito s m e lh o re s con d içõ es d e h a b ita ç ã o , serviços d e tr a n s p o r te u rb a n o m ais
d o s “in te le c tu a is ” d o seu te m p o n ã o e stiv e ra m lo n g e d e fazer-lh e so m ­ eficiente e m a is b a ra to , re d u ç ã o d o c u sto d e v id a , serviços d e s a ú d e .17
b ra . M as o p a ís , ao a tra v e ssa r u m a c o n tu rb a d a fase d e tra n siç ã o , e r a u m E m b o ra o s sin d ic a to s e stiv essem a u to riz a d o s, in e x istia m as condições
c a m p o fé rtil p a ra essas esq u isitas p e rso n a lid a d e s e id éias, e, se o D is trito p a r a q u e o p e ra sse m eom o in s tru m e n to s “m o d e rn o s” d e o rg a n iz a ç ão do
o p e ra ria d o u rb a n o in d u s tria l. Â s m an ifestaçõ es d e ru a su rg e m d e m a ­
n e ira e s p o n tâ n e a , d e so rg a n iz a d as, e m g ru p o s d e c em o u p o u co m ais in ­
S5Afranio PtíxoED, “El interrogatorio y la confêsión en el proceso judicial ’’.Revista de Criminologia, d iv íd u o s, f r e q ü e n te m e n te v io le n ta s e q u a se s e m p re d isso ív e m -se d a
Psiquiatria y Medicina Legal. Buenos Aires, A no X X I, a° 124, julho/agosto d e 1934, p p . 388-
390. m e sm a fo rm a co m o irro m p e m . O g o v e rn o re sp o n d e com a polícia e com
l6E ntre outros, tam b ém o campeão do abolicionismo deixou-nos esta pérola: “H om em de duas a c av alaria.
raças [a mulato» Antoruo Pereira Rebouças}, pertencendo à raça branca, como om aís p u ro caucásico,
 sim p lic id a d e d o p a d rã o d e estra tific a çã o le g a d a p e lo Im p é rio d i-
p e k inteligência, pela consciência m oral, pela intuição jurídica, e ten d o orgulho dessa procedên­
cia, efe sentia-se o p rotetor natural da raça inferior d e q u e tam bém lhe corria o sangue nas veias.” lu íra -se m a s n a d a se crista liz o u e m se u lu g a r. A so c ie d a d e é in fo rm e ,
Jo aq u im N abuco, Um estadista..., vol. I, p . 55- Cientistas sociais m a is conscientes do qu e eu das
regras da objetividade científica cham am de racialistas a tais idéias e teorias. D e m inha parte,
,7N u m excelente trabalho sobre os sortos de resistência po p u lar no Rio de Janeiro Teresa Â.
creio (e p o r óbvias razões históricas) que se trata de um eufem ism o e tão m aligno q u a n to o que
M eade quesuona de form a, creio eu , pouco convincente o conceito de m ovim ento popular))rá-
ele escamoteia. Pois a despeito da diferença abissal e n tre miscigenação e fom os crematórios
modemo. Seja como for, devo m uito à feitura do seu “Ctvilhing" Rio: Reform and Resistance in a
com o soluções.para o “problem a racial” encontram os, n o fundo, as m esm as convicções. O s histo­
Brazilian City, 1889-1930. U arversity Park : Pennsyívanã U niversity Press, 1 997, especial­
riadores dirão p o r seu turn o que “estas eram as idéias científicas da época” e sem outro com entá­
m en te o prim eiro capítulo. Pela natureza das reivindicações pode-se entender p o r que as políticas
rio passarao às contribuições do D r. Romero à crítica literária. Ver, p o r exem plo, Roberto V entu­ sociais com pensatórias tom aram s frente das q u e viriam m ais tarde p o r via da regulação do
ra, Estilo tropical: História, cultura e polêmicas literárias no Brasil. São Paulo: Com panhia das Letras, processo de- acum ulação. Vei a respeito 'W ãnderíey Guilherm e dos Santos, Cidadania- ejustiça,
i 9 9 i , p.. m . o p. cit., p p . 1-15.
in e x iste m id e n tid a d e s sociais e o s in d iv íd u o s n ã o e n c o n tra m se u nich o d ire ito s d o p a c ie n te so b a m ira d o s “su p erio res in te re sse s d a co letiv i­
n a so c ie d a d e p o r q u e a flu id ez d a o rg a n iz a ç ã o social n ã o o p e rm ite . N o s dade”.
círc u lo s c u íc a s h á d e se n c a n to e fru stra ç ã o c o m a R e p ú b lic a q u e n ã o c u m ­ O m ais p recio so e x em p lo v e m , to d a v ia , d o S u p rem o T rib u n a l F e d e ­
p r iu s u a s p ro m e s s a s , m a s ta m b é m d e s o rie n ta ç ã o q u a n to ao f u tu ro . São ra l, e convido o le ito r a e x a m in á -lo à lu z d e u m a se le tiv a a m o s tra d e
o s filh o s das: o lig a rq u ia s re g io n a is d e sa lo ja d a s d o p o d e r p o r facções ri­ a re sto s, n ã o sem a n te s esclarecer q u e d e sd e a C o n stitu iç ã o d e 1 8 9 1 es­
v ais e q u e a c o rre m à c a p ita l d o p a ís e m b u sc a d e o p o rtu n id a d e s ; n o v o s ta v a m e m d is p u ta d u a s in te rp re ta ç õ e s: p a r a a p rim e ira o babeas-corpus
b a c h a ré is q u e jo g a m su a s esp e ra n ç as d e e m p re g o n a e x p a n s ã o do a p a re ­ e ra in s tru m e n to a p e n a s d a g a ra n tia d a lib e rd a d e d e locom oção (u m a
lh o d o E s ta d a ; lite ra ti e m b u sca d e p ro je ç ã o e q u e se a n in h a m e m re d a ­ h e ra n ç a d a ju risp ru d ê n c ia d o Im p é rio ); p a r a a se g u n d a , o babeas-corpus
ções d e jo rn a is, to d o u m a g re g a d o d e in d iv íd u o s s o c ia lm e n te d e s p ro ­ e ra ex ten siv o à g a r a n tia d e o u tra s lib e rd a d e s e d ire ito s in d iv id u a is. Isso
te g id o s , de. m a rg in a liz a d o s p o lític o s. T o d o s re le g a d o s p a r a o p la n o d e p o s to , solicito s u a paciên cia p a ra a le itu ra d o s seg u in tes a c ó r d ã o s /9 11 8 4
u m a a in d a in fo rm e ciasse m é d ia u rb a n a , sã o eles o s a u to re s d e v a ria d a s — “O d ire ito d e e x p u ls a r u m e stra n g e iro é a ttrib u to essen cial d a so b e ­
m o d a lid a d e s d e “saiv acio n ism o ” , o s q u e p r e g a m o p a tr io tis m o n a L ig a ra n ia f...} A e x p u lsã o n ã o é p e n a , é m e d id a d e p o licia a d m in is tra tiv a e
d e D e fe s a N a c io n a l (1 9 1 6 ), o s q u e a d e re m à p r o p a g a n d a d a L ig a P ró - e n tr a n a s a ttrib u iç õ e s d o P o d e r E xecutivo (...) O direito de residencia é
S an eam en t© Ç 1918), a o p ro se litism o c ató lico n a Á ç ã o S ocial N a c io n a lis­ p riv a tiv o d o n a c io n a l. A s g a ra n tia s d o a r t. 7 2 {da C o n s titu iç ã o ) não
t a e n o C e n tro D o m V ita l (1 9 2 0 , 1 9 2 2 ), ao o tim is m o p e d a g ó g ic o n a p ó d e m , com o se p r e te n d e , ser e n te n d id a s lite ra lm e n te , e e m te rm o s
A ssociação B ra sile ira d e E d u c a ç ã o (1 9 2 4 ) .18 E se rã o ele s o s q u e c o m p o ­ ab so lu to s; to d a s ellas e stã o m ais o u m e n o s su jeitas a restricçõ es aconse­
rã o n o s a n o s 3 0 o s q u a d ro s d a s o rg a n iz a ç õ e s a u to ritá ria s ta n to à d ire ita lh a d a s p e la s c o n v e n iê n c ias d o b e m g e ra l, p e la o rd e m p u b lic a , p e la
q u a n to à e s q u e rd a . E e m b o ra a q u e la s “so luções” n ã o fo ssem in te g r a l­ h y g ie n e , e tc .” (3 0 .1 .1 9 0 7 ); 1 3 4 4 — “O babeas-corpus sò g a r a n te a lib e r­
m e n te conciliáveis e m su a o rig e m h a v ia g e n e ro s a m a r g e m d e a m b ig ü i­ d a d e pessoa! e n a o se e s te n d e á g a ra n tia d e to d o s os d ire ito s in d iv id u a is”
d a d e p a r a p e r m itir in te rse ç õ e s, p e lo m e n o s d e e s tr u tu r a s se m ió tic a s, d e (9 .5 .1 9 0 8 ); 1 3 8 6 — “N ã o h á c o n s tra n g im e n to iliegal n o a c to d e a u to ­
v o c a b u lá rio s p o lític o s , d e c o n ju n to s d e im a g e n s c o n s titu íd o s e m to r n o rid a d e p o lic ia l q u e reco lh e u m in d iv íd u o ao H o s p ita l N a c io n a l d o s A li­
d e a lu s õ e s m a is o u m e n o s e x p líc ita s à o rd e m , à d isc ip lin a , à a u to rid a d e e n a d o s, m e d ia n te p a re c e r d e m édicos le g ista s” (2 7 .7 .1 9 1 0 ); 1 1 6 8 —
e a u m E s ta d a “f o rte ” . P o r u m p ro c e sso d e d e c a n ta ç ã o v ã o se e sb o ç a n d o “N ã o se co n ced e babeas-corpus p a ra q u e e sp irita s p o ssa m re a liz a r suas
a s “so lu ç õ e s” a u to ritá ria s e v a i se a p ro fu n d a n d o u m a fr a tu r a . O C o n ­ sessões, c o n tra d e te rm in a ç ã o d a po licia, p o r se tra ta r d e a c to s p ro ib id o s
g re sso N a c io n a l d o s P rá tic o s é b e m u m e x e m p lo : s o b a a m b ig ü id a d e p e lo s a rts . 15 6 e 1 5 7 d o C odigo P e n a l” (1 6 .8 .1 9 1 6 ); 1 1 7 6 — }
d o s in te re s s e s p ro fissio n a is d e se n h a -se a cisão e n tr e os “e s ta tis ta s ” (sa n i- A in d a q u e e m th e se n ã o fosse reco n h ecid o o direito d a p o lic ia d e p ro h ib ir
ta r is ta s ) e o s “p tiv a tis ta s ” (os clín ico s p a rtic u la re s ). E m a is a o fu n d o meetings, n a especíe n ã o p o d e ria d e ix a r d e ser reconhecido esse d ire ito ,
d e lin e ia m -se o u tr a s oposições: o se g re d o p ro fis s io n a l ( u m a v e lh a ria , se­ p o rq u a n to a liberdade d e re u n iã o p re ssu p p õ e fins lic ito s, p ro c e d e n d o
g u n d o o D r . P e ix o to ) a m e a ç ad o p e lo re g u la m e n to sa n itá rio q u e im p õ e a d e n tro d a o r b ita le g a l O ra , o s meetings q u e os p a c ie n te s p re te n d e ­
n o tificação c o m p u ls ó ria d a s d o e n ç a s in fe c to c o n ta g ío s a s , a lib e rd a d e e os ra m realizar e ra m d u p la m e n te crim in o so s, p o rq u e se d e s tin a v a m á p ro ­
p a g a n d a d o anarchismOy q u e é a m a is illo g ic a , a m ais falsa, e a m a is su b -
*®Ensbora jo g u e asfeaesm ais fortes sobre o cenário de São P aulo (e p reste excessiva hom enagem
à parafernália analfeira d e M . Píetre B ourdieu), recom endo a o leito r o excelente estu d o de
Sérgio M iceJi, tnü&cSssis e classe dirigente no B rasil (1920-1945). São Paulo: Difel, 1979. 19Jo s é A f f o n s o M e n d o n ç a d e A z e v e d o , o p . c i t . É d e l e a n u m e r a ç ã o , n ã o d o S T F .
v ersiv a das d o ccrin as an ti-so ciais {...] O s meetings e ra m ta m b e m c rim i­ ção d e p e n s a m e n to p e la im p re n sa o u p e la trib u n a , re sp o n d e n d o c a d a u m
n o so s, p o rq u e p re te n d ia m exercer p re ssã o sobre os o p e rá rio s tr a b a lh a ­ p e lo s ab u so s q u e com m ecter, nos casos e pela form a que a lei determinar, é
d o re s e h o n e sto s, v io le n ta n d o -o s n a su a lib e rd a d e , e c o m p e llin d b -o s a evidente q u e não se p ó d e allegar, co m o ju stificativ a d e u m d ecreto d e ex­
não tra b a lh a r q u a n d o eiies e sta v a m d isp o sto s a n ã o a d h e rir a u m a g r e ­ p u lsã o , a sim ples p ro p a g a n d a d e id éas co n trarias á ac tu a l organisação so­
v e , cujos m o tiv o s não ach av am ju stifk a v ie s. É d e v e r d a p o lic ia g a r a n tir
cial, n o in tu ito d e c o n q u ista r a v ito ria das u rn a s, sem se aco n selh ar actos
a lib e rd a d e d o tra b a lh o , em to d a s as suas m anifestações, n ã o p e rm k tin d o
d e violência c o n tra as pessoas o u c o n tra a p ro p rie d a d e ” (2 2 .1 2 .1 9 2 0 ) (ê n ­
q u e a íg u e m seja c o ag id o a tra b a lh a r; o u , ao c o n tra rio , se p ro c u re o b s ta r fases no o rig in al).
q u e tra b a lh e q u e m e stiv e r d isp o sto a fazel-o A cco rd ão n e g a r p ro v i­
O le ito r te tá percebido q u e não se tra ta v a tão -só d e u m a divergência
m e n to ao re c u rso , p a ra confirm ar, c o m o c o n firm a m , o A c c , re c o rrid o , h e rm e n ê u tic a e n tr e ju rista s, com o querem , n o s fa z e r c re r c ro n ista s e
q u e m u lto ju rid ic a m e n te n e g o u a o rd e m d e habeas-corpus, im p e tr a d a em
historiadores d o Suprem o.20 O s m in istro s não se restrin g ia m a divergir n a
fav o r de In d iv íd u o s q u e , em vez d e c o ag id o s, e ra m n a v e rd a d e co a c to re s”
in te rp re ta çã o d a lei, m a s o p inavam e decidiam e m m a té ria social e p olítica
( 1 1 .7 .1 9 1 7 ) ; 1 1 3 6 — “N ã o c o n s titu e m c o n s tr a n g im e n to ilie g a i as
sobre a q u a l n em m esm o haviam sido consultados. E n a m e d id a e m q u e
lim ita ç õ e s im p o sta s á lib e rd a d e in d iv id u a l p e la necessid ad e d e p re se rv a ­
avançam os n a le itu ra dos acórdãos em direção aos anos trin ta m ais tra n sp a ­
ção d a sa u d e p u b lic a , com o jã o te m d e cid id o o T rib u n a l” (2 1 .1 .1 9 2 0 X
re n te to m a -se a fra tu ra q u e divide a suprem a co rte d o país. In stala-se u m a
E isso seria tu d o se não houvesse estes o u tro s a c ó rd ã o s: 13 2 8 —
d u alid a d e ju rísp ru d e n d a l a p a re n te m en te inconciliável e não te rá escapado
“Habeas-corpus — cabe c o n tra exigencia d e a u to rid a d e sa n ita ria , d e q u e
ta m b é m a o le ito r a e n tra d a e m c e n a do b o d e ex p ia tó rio d a época: o
possa re su lta r coacção physica do paciente” (3 1 .1 .1 9 0 5 ); 145 5 -A — “...N e ­
a n arq u ism o , os anarquistas.21 N a revisão constitucional d e 1926 foi confir­
g ar-se esse m eio d e defesa im m e d ia ta a p re te x to d e q u e o habeas-corpus não
m ad a a interp retação re strita d o habeas-corpus e a perm issão ao Executivo
p ro te g e senão a pesso a physica, c o m p o rta ria em n e g a r m u íra s d a s lib e r­
p a ra “ex p u lsar do terricdrio nacional os súditos estrangeiros perigosos á or­
d a d e s q u e fig u ra m n a D eclaração dos D ire ito s, pois não h a o u tro senão
d e m p ublica o u nocivos aos interesses d a Republica” (§ 33 do a rt. 72). A van­
e ste recurso p a r a g a ra n til-a s” (1 3 .1 2 .1 9 1 3 ); 1177 — “Á p o licia não assis­
çava a repressão aos an arq u istas e a suas associações, o p re te x to p a ra rep ri­
te , d e m o d o a lg u m , o direito d e iocalísar meetings o u com ícios, p o rq u e
m ir os m o v im en to s operários.
p a r a uso d e ssa facu ld ad e não é necessaria p re v ia licença d a a u to rid a d e
po licial, q u e só p o d e rá p ro h íb ír a reu n ião a n n u n c ia d a no caso d e su sp e n ­
^ E m su a inform ativa hístâtia do Judiciário Lenine N eq u ete q u e r nos fazer crer que a interpre­
são d a s g a ra n tia s constitucionaes e , a in d a assim , ‘lim ita d a sua acção a tação am pí a àahabeas-corpus prevaleceu n a República a té a revisão constitucional de 192Ó, que
d isso lv er a re u n iã o , g u a rd a d a s as fo rm alid ad es d a lei e so b as p e n a s o elia fixou sem m arg e m de dúvida 2 restritiva. C om o comprova nossa sum ária am ostra de arestos
trata-se d e a m a leitura vsesada (aliás bastante com um e n tre juris tas/m agistrados-historiado-
c o m m in ad as” (5 .4 .1 9 1 9 ); 11 7 8 — “A g rev e pacifica é u m d ire ito q u e res) cujo propósito á o de resguardar o ST F e resgatar a consciência jurídica (e os m agistrados
p ó d e ser liv re m e n te exercido p e lo o p erário , e o exercício d e u m d ire ito , e juristas, de m aneira geral) de seus inúm eros tropeços autoritários. Por essas e outras é qu e tal
tipo d e literatu ra rom a-se im prestável para finalidades analíticas. E tam bém pelo registro
e m q u a lq u e r p aiz livre e policiado, não co n stitu e u m delicco n e m colloca a
apologético, pois o pronunciam ento m ais banal d e Rui 'Vérbosa, digo, Barbosa transform a-se
se u titu la r e m situação d e ser considerado u m e le m e n to pernicioso á so­ em um ‘ m on u m en to jurídico”. Ver Lenine N equete, O PuderJudiciário no Brasil a partir da
independência. M — República. Porto Álegre: Livraria Sulina Editora, 1973. p p . 4 0-49 e notas
ciedade e c o m p ro m e tte d o r d a tra n q u ilid a d e p u b lic a ” (1 4 .7 .1 9 2 0 ); 11 7 9
6 8 a 78.
— “Q u a n to ás leis co m m u n istas do p a c ie n te , d eclaran d o a C o n stitu ição 21G leitor interessado em processos de criação desta espécie de bode expiatório lerá com p ro ­
v eito a K e n n eth B urke, “T he Rhetoric o f H itle r's ’B attle’”, e m K enneth B urke, op. cit., pp.
F edera! , no a rt. 7 2 § I o, q u e “e m q u a lq u e r assu m p to ” é livre a m a n ife sta ­
191-220-
M a s essas n ã o era m a in d a p ro p o s ta do s a u to ritá rio s , e m b o ra fizessem V
p a r te d o s e u a rsen al. A in d a e stam o s n a a n te -sa la d o la b o ra tó rio (o u d a
delegacia) d o D r. Peixoto e aí hav erem o s d e e sp e ra r p o r a lg u m te m p o . A I9 3 O. 1 9 3 4 , 1 9 3 7 . N ã o vejo necessid ad e d e re v isita r c o m o le ito r a
in te rp re ta ç ã o re s trita d o babeas-corpus veio n a c a u d a d o s recu rso s co n ced i­ co p io sa lite r a tu r a s o b re a tr iu n f a n te m a r c h a d e n o sso patbos a n t i ­
dos c o n tra cassação, d e m a n d a to s eletivos p o r assem b léias e sta d u a is o u d e m o c rá tic o . A p e n a s ju lg o o p o rtu n o fa 2 e r d o is o u trê s re g istro s. P ri­
c o n tr a re g u la m e n to s e d ita d o s p e lo E x ecu tiv o p o r v ia d e a u to riz a ç ã o m e iro , p a re c e -m e q u e são ra z o a v e lm e n te sólidas as ev id ên cias d a p e n e ­
leg islativ a, u m a v e lh a p rá tic a do Im p é rio a g o ra c o n te s ta d a . N a c o n ju n tu ­ tra ç ã o d e id éias a n tilib e ra is nos e s tra to s pro fissio n ais d o D is trito F e d e ra l
ra , tra ta v a -se d e u m a resp o sta d o s laissez-fairianos q u e a in te rv ir n o p ro ­ e su p o n h o q u e s u a recepção n ã o escava disso c ia d a d o s s u rto s d e reiv in d i­
cesso d e acu m u lação preferiam a p u r a e sim p les re p re ssã o d o s m o v im e n ­ cações p o p u la re s n e m d a p ro p a g a n d a oficial c o n tra os a n a rq u ista s e suas
to s o p erário s, m a s ta m b é m d e u m a defesa d o arran jo oligárquico. c o n tra associações. É b o m le m b ra r q u e u m a a m p la e c re sc e n te p ro p o rç ã o de
q u a lq u e r v e leid ad e d e oposição a o s re su lta d o s d e eleições v iciad as. E m no v o s p ro fissio n ais (e q u e re p re se n ta v a m u m a p ro p o rç ã o c rescen te de
su m a , creio q u e se tra ta v a d o velh o p ra g m a tism o d a s elite s p o lític a s e do to d o o e s tta ro pro fissio n al) hav ia feito p e sa d o s in v e stim e n to s em e d u c a ­
m e sm o in stru m e n ta iism o jurídico q u e n u m a o rd e m h ie ra rq u iz a d a e não ção e c e rta m e n te não v ia com o o b te r re to rn o e m u m c o n te x to d e suces­
p lu ra lista s u b m e te o dire ito e a ta as profissões ju ríd icas aos p ro p ó s ito s do sivas g re v e s o p e rá ria s e d e a g itaçõ es p o p u la re s . D e m a n e ira g e ra l, cada
E sta d o . m a n ife sta ç ão d e r u a e m p u rra v a o s se g m e n to s in te rm e d iá rio s (fu n c io n á ­
D a p a r te d o s lib erais m ais a p e g a d o s a p rin c íp io s d o u trin á rio s h a v ia rio s p ú b lic o s , p e q u e n o s c o m e rc ia n tes, e m p re g a d o s d o com ércio e das
p re ssõ e s p a r a a re fo rm a (lib e ra l) d a s in s titu iç õ e s lib e ra is d e s n a tu ra d a s fin a n ç a s) e m d ire ç ã o a u m a c re sc e n te in to le râ n c ia com o exercício das
p e io a rra n jo o lig á rq u ic o , m a s n ã o c o g ita v a m eles d o s e fe ito s d e u m a lib e rd a d e s p ú b lic a s, a in d a q u a n d o as reivindicações não e ra m específi­
o r d e m i n d u s t r i a l q u e se e x p a n d ia e d e u m a d iv is ã o d o t r a b a l h o cas d e s te o u d a q u e le e stra to e m p a rtic u la r (tra n s p o rte m a is b a ra to e
c re sc e n te m e n te diferen ciad o . A s p ro p o s ta s re fo rm ista s nã o in c o rp o ra v a m m a is e fic ie n te , re d u ç ã o do c u sto de v id a , e tc .). E , com o a inclinação
a s d e m a n d a s d o s o p e rá rio s u rb a n o s e n e m tin h a m o p ro p ó s ito d e d a r a n tílib e ra l tin h a , e m p a rte , raízes n a in s e g u ra n ç a e co n ô m ica, ela refle­
c o n ta d a q u e s tã o social, po is tra ta v a -s e u n ic a m e n te d e re fo rm a r as in s ti­ tia -se n u m a a g e n d a d e “soluções” q u e d a v a a lta p rio rid a d e à repressão
tu iç õ e s: o siste m a e le ito ra l p a r a g a ra n c ir g e n u ín a re p re s e n ta ç ã o , o J u d i ­ d a d e so rd e m , à afirm a ç ão d a a u to rid a d e e d a discip lin a com o fa to re s de
c iário p a r a a firm a r a u n iv e rsa lid a d e d o d ire ito , a a d m in is tra ç ã o p ú b lic a e s ta b ilid a d e . A sucessão d e d is tú rb io s n a d é c a d a d o s 2 0 su g e ria -lh e s

p a t a in s titu ir c rité rio s m erito c rá tic o s d e re c ru ta m e n to , e assim p o r d ia n te . ta m b é m q u e a consecução d a a g e n d a d e p e n d ia m e n o s d a p olícia do

A p rin c íp io fo ra m e s ta s as p ro p o s ta s d e re fo rm a a ssim ila d a s p e la p la ta ­ D is tr ito F e d e ra l d o q u e d e u m a in te rv e n ç ã o m a is radical e d e fin itiv a do


E s ta d o . C reio q u e esses se n tim e n to s e ra m , p ro v a v e lm e n te , m ais im e d ia ­
fo rm a d a A lia n ç a L ib e ra l e e r a su a im p le m e n ta ç ã o o q u e p r o m e tia m o s
to s , m a is p o n d e rá v e is e m e n o s difusos d o q u e a p ercepção d o m a u fu n cio ­
n a m e n to d a s in stitu iç õ e s lib erais so b o d o m ín io o lig á rq u ic o : eleições
fra u d u le n ta s , C â m a ra e S enado su b se rv ie n te s, Ju d ic iá rio c o n tro la d o p o r
n o m e a ç õ e s p o lític a s . E p ro v á v e l q u e os c o m p o n e n te s in stitu c io n a is e n ­
tra s s e m n a p e rc e p ç ão d o s e s tra to s m é d io s co m o fato res a g ra v a n te s d e
s u a co n d ição ec o n ô m ic a , m as não com o o c e n tro d e suas co g itaçõ es. Seja
c o m o fo r, receio q u e não se d ev a a trib u ir-lh e s u m g r a u d e se n sib ilid a d e D e fa to , a re g u la ç ã o pro fissio n al no p ó s-3 0 m o ld o u p a r a as profissões de
p o lític a q u e m e p a re c e in v ero ssím il p a r a a é p o c a , e m b o ra c o n v e n ie n te nível su p e rio r o esta caco d e u m a v e rd a d e ira aristocracia acupacional com
p a r a c e rto s m o d e lo s d e análise. seus m o n o p ó lio s, p riv ilég io s e m ecanism os d e re p re se n ta ç ã o d e in te re s ­
R e g istro , e n tre ta n to , q u e a parcela m ais visível e m ais p o litiz a d a d o s ses c o rp o ra tiv o s.22
profissionais já se a n in h a ra n a burocracia c e n tra l do E sta d o d e o n d e p ro ­ M as esta é urna o u tra história cujo início apenas esbocei no Prólogo na
c u ra v a a m p lia r s u a influência. E ra d a í q u e saíam p a ra os livros e p a r a as esperança d e q u e algum , le ito r queira d ar-lhe prosseguim ento.
redações d o s jornais as form ulações m ais e la b o ra d a s a respeito d e “in te ­
resses g erais d a coletividade”, de “lib erd ad es re g u la d a s”, “d e fed eralism o
anacrônico”, d e “interesses nacionais” se m p re e m oposição aos “d ire ito s
individuais”, às “lib erd ad es livres”, à “a u to n o m ia d o s E sta d o s” e aos “in ­
teresses reg io n ais”. N e ste s nichos o d e se n c a n to c o m as in stitu iç õ e s (de
m is tu ra c o m interesses corporativos) m an ifestav a-se, em p a rtic u la r, a tra ­
vés d a noção d e q u e os m ecanism os liberais clássicos d e re p re se n ta çã o
d ev eriam ced er iu g a r a p ro c e d im e n to s m ais afinados c o m as “realid ad es
d a época” .
D e fa to , ao lo n g o d o s anos 2 0 saíra d e fin itiv a m e n te d e m o d a a c o n ­
c e p ç ã o d e u m a so c ie d a d e a d m in is tr a d a p o r p e r ito s , ao q u e p a re c e
in v iab ilizad a n ã o ap e n a s p e la de cad ên cia d a s idéias p o sitiv ista s m a s ta m ­
b é m p o r co n flito s jurisdicionais e n tre m éd ico s e p ro fissio n a is d o d ire ito
(s o b re tu d o ju ris ta s e m a g istra d o s), p re te n sõ e s d a e n g e n h a ria n o ca m p o
d o s a n íta rism o , o d e s p o n ta r a in d a in c ip ie n te d e n ovas esp e c ia lid a d es
pro fissio n ais (eco n o m ia, p e d a g o g ia , a d m in istra ç ã o ) e as q u e s tõ e s m a is
g e ra is re la tiv a s à re g u la m e n ta ç ã o p ro fissio n a l e ao c o n tro le d o m e rc a d o
d e tra b a lh o . A p re se n ç a dos p e rito s n a o rg an ização nacio n al d ev eria a g o ra
a m o ld a r-se a o u tr a s circ u n stâ n c ias, e a re o rg a n iz aç ã o d a so c ie d a d e q u e
v iria a se r ta lh a d a n o p ó s-3 0 já e sta v a la te n te no im a g in á rio d o s p ro fis­
sio n a is, n a p re fig u ra ç ã o d e u m a so cied ad e o rg a n iz a d a e m “e s ta d o s ” c o rre sp o n d en t ia e n tre E stado (Stand), aristocracia e a fo rm a de organização das profis­
sões m o d ern as foi sugerida p o rS tin c h c o m b e ao s se g u in te s term o s: “By aristocracy, I m ean
o c u p acio n ais (co ro a d a p elas profissões d e nív el su p e rio r) e d e u m a e sp é ­ a g ro u p o f p e o p le g ra n te d ro u g h ly equal sta tu s (a ‘p eerage’) in a co n tin u o u s flow o f goods
cie âzStãndestaat n o q u a l ta is “e sta d o s” o u c o rp o ra ç õ es te ria m se u s in te ­ (a ‘te n u re ’), u n d e r a pro v iso o f loyalty ro a n e th ic a tta c h e d to t h a t s ta tu s (an ‘o a th o f
f e a lty ’) , w h o a re g iv e n e x te n s iv e r i g h ts o f s e l f g o v e r n m e n t (‘in d e p e n d e n c e ’ an d
resses a d e q u a d a m e n te re p re se n ta d o s. N ã o e s to u p ro p o n d o q u e os s e to ­ ‘re p re s e n ta tio n ’ i n a ‘p a rlia m e n t’) in an area o f a c tiv ity in w h ich th e ir m o n o p o ly is
res p ro fissio n ais te n h a m tid o q u a lq u e r influ ên cia m ais decisiva n a esco lh a g u a ra n te e d b y higher; g en erally political, au th o rity (a ‘f ie f ) In fact, th e m ain m od ern
fa rm o f aristocracy, th e ‘classical’ professions o f law, m ed icin e, a n d u n iv ersity teaching,
do m o d e lo c o rp o ra tiv o no q u a l se a ju sta ria a so cied ad e b rasileira n o p ó s - only achieved organized a o atro cra tic statu s in A m erica in the m iddle o f th e late n in ete en th
3 0 . M a s n ã o creio seja irre le v a n te a n o ta r s u a ad e sã o sin c e ra à R evolução century, a n d d id so under de pressure o f m odernization” no orig in al). A rth u r L.
S tm eh co m b e, Stratification a n d Organization: Selected Papers, C a m b rid g e : C a m b rid g e
(e lo g o d e p o is ao E stad o N o v o ), d a q u a l seriam d o s m a is b en eficiad o s. U niv ersity Press, 1 986, p . 2 4 4 -2 4 5 .

:. - - - -- - ;■ : 'y : - - r r r .i i .: - ;' ;1, .. .. ......


E P ÍL O G O
D e v o lta a o P ró lo g o

JC a q u i chego ao E pílogo, q u e , no te a tro clássico, e ra o m o m e n to em que


u m d o s ato res v in h a à boca de cena p a ra d irig ir à d istin ta p la té ia u m a derra­
d eira p alavra d o a u to r (às vezes n a fo rm a de u m soneto). O q u e teria eu
a in d a a dizer ao leitor?
Talvez q u e relen d o m in h a n a rra tiv a te n h a te rm in a d o com u m vago
s e n tim e n to d ep ressiv o . N ã o fo ra m h is tó ria s e d ifican tes as q u e te n te i
reconstituir, m as la m e n ta v e lm e n te m elancólicas. E difícil não se deixar im ­
pressio n ar pela p e rm a n e n te disposição d o s nossos profissionais p a ra o des­
p o tism o , a inclinação p a r a ver na extinção o u n a lim itação d a s liberdades
individuais a via p a ra a felicidade g e ra l. São histórias de elites satu rad as de
valores excludentes, antidem ocráticos, antipovo. São histórias d e p ro m is­
cuidade com o p o d e r o u d e explicita (e fru stra d a ) aspiração a e s ta relação
p ro m íscu a. E p o r q u e a decepção? P erm ito -m e, p a ra responder, u m a refe­
rência literária.
V ladim ir N a b o k o v não se cansava d e ridicularizar o le ito r do q u e ele
cham ava de literatu ra d e idéias. Topicaltrasb!ydiria ele ao leitor de D ostoiévski,
p a ra lem b rar o a u to r p red ileto d e se u inesgotável e á tid o sarcasm o. E m sua
p ro clam ad a busca d à p erfeita satisfação estética não caberiam e m seu u n i­
verso n e m Ivan K aram azov, n em Ip p o iit Terenciev, n e m A leksei Kirillov,
p a r a cicar apenas trê s d a p e rtu rb a d o ra g aleria dostoievskiana d e “heróis
m etafísicos”'. M a u gosto! S ubliteratura! M a s N a b o k o v e ra u m e sa o b e a es­ sabem sem aviso prévio liquidando u m a b o a po rção d e nossos sociólogos,
co nder seu h u m a n ism o envergonhado nas delicadas d o b ra s d e u m a a d m irá ­ d a nossa sociologia e d a nossa historiografia.
v e l ficção fe ita .d e infinitas tran sp arên cias do reaL 1 Q u e ele se acautele ta m b é m com essas estórias q u e tra n sfo rm a ra m a
M as nó s, o s c ie n tista s sociais, não som os esnobes e n ã o te m o s d e ence­ p o b re m edicina brasileira d o século X IX em u m p o d e r adm irável e terrível,
n a r u m d ista n c ia m e n to d o p assad o q u e seria, e m ú ltim a in stâ n c ia , u m a ilu strad o e despótico a disciplinar os h a b ita n te s do Rio d e Ja n e ito . Feliz­
re c u sa a to d o co m p ro m isso ético com o p re s e n te e com o f u tu ro . M e lh o r m e n te p a r a os brasileiros do O ito cen to s tra ta -se d e u m grave equívoco,
fazer co m o os h isto ria d o re s alem ães. A b ru ta lid a d e d o nacionat-socialis- provocado n a m aioria das vezes p o r surtos de foucaultianism o ag u d o . O
m o lançam a h isto rio g rafia a le m ã p ó s -II G ra n d e G u e r r a n u m a a g o n ia d a ho n esto D r. Jo b im , q u e graças ao b o m D eu s não p o d e ria te r lido o festejado
b u sc a p e la s raízes lo n g ín q u a s d o Terceiro R eich, u m a jo rn a d a In te le c tu a l m etafísico francês, jam ais deixou-se e n g a n a r pelas arengas “disciplinares”
q u e ta n to ttn h a d e scbolarsbip q u a n to d e expiação. P o r q u e fracassaram os dos seus colegas d e A cadem ia e m u ito m en o s pelas suas p ró p rias arengas
p ro je to s lib erais e d em o crático s d a Bürgertum, à fre n te o s ad v o g ad o s e higienistas.
o u tro s profissionais? P o r q u e , p e rg u n ta v a R a lf D a h re n d o rf, a A le m a n h a F in alm en te, solicitaria ao le ito r q u e m e perm itisse v o lta r a algum as
não foi u m a In g la te rra ? 2 P o r q u e , p e rg u n to e u , te v e a m in h a n a rra tiv a d e questões com q u e a b ri este ensaio p a ra não deixá-lo in teiram en te sem ru m o .
la srim a v e im e n te te rm in a r n o D r. R o m ero e n o D r . P eix o to ? T odavia h á R egulação esta ta l o u auto-regulação profissional? E stado “fo rte” o u m erca­
u m se n tid o e m q u e a p e rg u n ta é p u ro nonsense. J a ra u s h p o d e la s tim a r o do? O m odelo e u ro p e u -c o n tin en ta l ou o m odelo anglo-am ericano? Talvez
declín io d a s id éias liberais e n tre o s profissionais a le m ã e s p re c isa m e n te seja infu n d ad a m in h a expectativa de q u e a n arrativ a q u e se le u te n h a pinçado
p o rq u e ele s a s tiv e ra m ; n ã o h á p e rd a s a la m e n ta r e n tr e os profissionais u m fio q u e possivelm ente leve a u m prim eiro esboço d e respostas. D e q u a l­
brasileiros.^ q u e r fo rm a, desejo ch am ar a atenção p a ra dois o u trê s p o n to s q u e , se não
Isso p o sto , e u a in d a d iria ao le ito r q u e desconfie dessas estó rias sobre esclarecem a qu estão inicialm ente po sta , p o d e m servir de p o n to d e p a rtid a
te re m sido o s nossos m édicos, advogados e en g en h eiro s os “in te le c tu a is u r­ p a ra o u tra s narrativas.
banos” (te rá a lg u é m tid o a lg u m a notícia d e intelectuais rurais?) p o rta d o re s J á co n h ecem o s a h istó ria -p a d rã o q u e a sociologia das profissões, a in d a
d a “m o d e rn id a d e ” n a virad a d o século. N o Brasil? T enho sérias dú v id as, im p re g n a d a p e lo e tn o c e n trism o d o s pesq u isad o res an g lo -a m e rica n o s, es­

m a s receio q u e o s sociólogos d a c u ltu ra e os h isto riad o res das idéias, à fa lta ta b e le c eu com o v e rd a d e ira o rto d o x ia . S in teticam en te p o d e-se lê -la assim :
d e m e lh o r m a te ria l, c o n tin u arão a colocar p e d rin h a s ao p é d o s m o n u m e n ­ o E stado o u é laissez-fairiano o u é re g u la tó rio (o u é “fraco” o u é “fo rte ”).

to s q u e e rig ira m a o D r. R om ero, ao D r. P eixoto, ao D r. P ereira Passos (o N o e stág io fo rm ativ o das profissões m o d e rn a s, suas relações c o m o E stad o
“H aussznm aíi brasileiro” !.) o u ao D r . F ro n tin . C e rta m e n te p a ra q u e n ã o d e - fo ra m u m c o m p o n e n te essencial e m su a c o n stitu ição h istó ric a . Isso p o sto ,
as profissões o u fo ra m a u to -re g u la d a s e a u tô n o m a s o u re g u la d a s pelo E s­

íN a b o k o v não p ô d e fu g ir à adm issão d e q u e os totalitarism os são m o rtais inim igos de su a arte


ta d o e d ele d e p e n d e n te s. N o s países o n d e p re d o m in o u o E stado so b re o
e, p o r exteasãcr, d a s im ensas possibilidades da liberdade hum ana. Ver R obert A lter, “Invitation m ercad o , o “m o d e lo profissional” re p ro d u z iu o m odelo d a b u ro cracia do
to a Beheading:.N a bokov a n d th e A rt ofPolitics”, em Ju lian W C onnolly (ed), Nabokov's “Invitation
to a Beheading*:; A Critical Companion. E vanston, HI.: N o rth w estern U niversity Press, 1 997,
E sta d o e foí, p o rta n to , “m e n o s” profissional do q u e nas sociedades o n d e o
especialm ente p p . 6 0 -6 4 . m ercad o p re d o m in o u sobre o E sta d o , pois a í as profissões co n stitu íra m -se
?RaFFDabreftd'orf, Society and Democracy in Germany. G arden C ity NY: D ou b led ay 1969-
3K onrad H -ja ta itsh , “T he D ecline o f Liberal Professionalism: Reflections o n th e Social Erosion
e m to rn o d o cash nexus com o form ações a u to -re g u la d a s e a u tô n o m a s. N a
o f G erm an Liberalism, 1867-193-3“, esn K onrad H . Jarausb e L. E. Jo n es (edsX In Search o f a França e n a A le m a n h a elas foram , pois, aberrações, ex em plares d e profissio­
Liberal Germany: Studies in die History o f German Liberalism from 178Q to the Present. N o w York:
B erg Publishers, 199© ,p p . 261-186.
nalização fracassada; n a In g la te rra e nos E sta d o s U n id o s c o n stitu íra m -se
292 U E D M U N D O C A M PO S C O E L H O A S PROFISSÕES IMPERIAIS / / 293

com o ex em p lares “p u ro s” d o m o d elo p ro fissio n al, com o a n o rm a .4 P ara m e d id a s d e te rm in a v a q u e a c o n stitu ição d e sociedades a n ô n im a s ficava
to d o e q u a lq u e r efeito prárico d e análise não im p o rta m as p ro fu n d a s dife­ d e p e n d e n te d a prévia audiência do C onselho d e E sta d o .15 R e c e n te m e n te
renças e n tre os processos de profissionalização na In g la te rra e nos E stad o s p e rg u n ta v a u m estudioso á a R epública Velha co m o e ra possível d e sig n a r
U n id o s, m u ito m e n o s as diferenças e n tre a form ação h istó ric a cias pro fis­ d e liberal u m E stad o q u e regulava a operação das m a is im p o rta n te s fe rro ­
sões n a F ra n ç a e n a A le m a n h a . A dem ais, tra ta -s e d e nonsense su p o r q u e vias (tarifãs, e q u ip a m e n to s, etc.), tin h a a p ro p rie d a d e de 2 /3 d a s estações
n o s E sta d o s U n id o s e n a In g la te rra d o século X IX o E sta d o não te n h a e d a m aio ria das lin h a s telegráficas, p o ssu ía a m a io r e m p re sa d e n av eg a­
sido e strita m e n te laissez-fairians, d a m esm a fo rm a co m o é a rre m a ta d a to ­ ção d a A m érica d o Sul (os navios do L loyd B rasileiro re p re se n ta v a m m e ta ­
lice s u p o r q u e n a A le m a n h a e n a F ran ça o E sta d o não te n h a sido e s trita ­ d e d a fro ta m e rc a n te nacional), re g u la v a o p reço e a d istrib u ição d e ali­
m e n te re g u la tó rio . E sta s são prem issas n ã o falsificáveis a té p o rq u e fica m e n to s no D is trito F ederal, subsidiava a ag ric u ltu ra , estab elecia p olíticas
im p lic ita m e n te leg islad o q u e as evidências e m c o n trá rio são, ao c o n trá rio , d e valorização d o café, e tc ., e tc.6 Sua conclusão: a ex te n sa in te rv e n ç ã o do
evidência d o q u e acim a ficou d ito .
E stado n a econom ia ao longo d a R epública V elha d estin a v a -se via d e re ­
S em s o m b ra d e d ú v id a, e n c o n tro consideráveis dificu ld ad es d e n a tu ­
g ra a re sg a ta r e m p re e n d im e n to s p riv ad o s falidos (p ara o q u e c o n tra ta v a
reza em p íric a c o m e sta h istó ria -p a d rã o q u a n d o p ro c u ro v e r n e la refleti­
v u lto so s e m p ré stim o s ex tern o s) e a in d u z ir in v estim en to s d e c ap italistas
d a s, com o n u m fan tá stic o espelho universal, a face do E sta d o e d a s profis­
nacionais e estra n g e iro s (através d e g a ra n tia d e Lucros, d e em p ré stim o s,
sões brasileiras o ito c e n tista s. V ejam os. N o â m b ito d a e c o n o m ia h o u v e
d e co m p ra d e e sto q u e s, etc.). E m o u tro s term o s: “O E sta d o veio a p a rtic i­
re g u la ç ã o q u a n d o e o n d e aos nossos e sta d ista s p a re c e u n ecessário, e isso
p a r a m p la m e n te n a econom ia p recisam en te p a ra p ro m o v e r a e m p re sa p ri­
p o d e su rp re e n d e r q u a n d o se tr a ta d e u m E sta d o u su a lm e n te tid o com o
v a d a .”7 É esta am b íg u a e e stra n h a acepção d e laissez-faire o u , se q u iserem ,
iib e ra l d a In d e p e n d ê n c ia à Revolução de 3 0 . Três e x em p lo s no Im p é rio : a
d e liberalism o iiib eral (o u d e iliberaiism o liberal?) q u e K e n n e th B urke
Lei d e T erras d e 1 8 5 0 , a form ação d e u m n o v o B anco d o B rasil em 18 5 3 e
deliciosam ente g lo so u com o a versão d o “h a n d s-o ff à la h a n d s-o n ”.8
a c h a m a d a “lei d o s e n tra v e s” de 1 8 6 0 . R e su m id a m e n te : a) fo rm u la d a p e lo
C o rte p a r a o â m b ito d a sociedade civil. D e u m a p e rs p e c tiv a c o m p a ­
C onselho d e E stad o e d isc u tid a n a C â m a ra a p a rtir d e 1 8 4 3 , a L ei d e
ra d a , a e x p eriên cia b rasileira co m as profissões p a re c e m u itíssim o p e c u ­
T erras c riav a o b stácu lo s à p ro p rie d a d e d a te rra , acessível e a b u n d a n te ,
lia r. E m u m m o m e n to crítico d a h is tó ria d o p a ís, o s nossos e sta d ista s
p re te n d e n d o c o m isso re o rie n ta r a m ã o -d e -o b ra livre d a p o sse d e p e q u e ­
v ira m -se n a c o n tin g ê n c ia d e a d o ta r in te g ra lm e n te as leis p o rtu g u e s a s
n a s p ro p rie d a d e s p a ra o tra b a lh o na s g ra n d e s fazendas o n d e su b s titu iria o
c o n ta n d o q u e e m b re v e te ría m o s os nossos p ró p rio s c ó d ig o s. Isso não
escravo; b) e m 1 8 5 3 o governo fo rço u os do is m aio res b a n c o s p riv a d o s n a
o c o rre u n o q u e dizia resp eito às relações jurídicas e n tre os cid ad ão s (e
C o rte a se fu n d ire m com o m atriz, d e u m novo B anco d o B rasil, e n a s
p ro v ín cias a s in stitu içõ es ban cárias m ais im p o rta n te s c o m o a g ên cia d o m e sm o e n tre os cid a d ã o s e o E sta d o n a fa lta d e u m d ire ito a d m in is tra ti­

novo ban co . N a p rá tic a , o B anco d o B rasil, in stitu iç ã o p riv a d a , to rn o u -s e vo fo rm alizad o ) e as O rd e n a ç õ e s F ilip in a s a in d a e ra m p a r te d a nossa

o a g e n re financeiro d o g o v ern o , u m banco oficial e in s tru m e n to d a M o ­ legislação n a v ira d a do século. É v e rd a d e q u e m u ita s leis n ovas fo ra m
n a rq u ia p a r a c o n tro le d a m o e d a ; c) a “lei d o s en tra v e s” in stitu ía u m a v er­
d a d e ira tu te la d o E sta d o sobFe o. se g m e n to e m p re sa ria l e e n tre o u tra s
^Vec M aría Barbara Levy, op. cit., p p . 4 8 -4 9 ,6 1 -6 2 ,7 5 -7 6 .

HistoricalReview,
S te v e n Topik, ‘S ta te Intervention ia a Liberal Regime: Brazil, 1889-1930”,
6 0 ,4 ,1 9 8 0 , p p . 593-616.
HispanicAm
erican
B
AGram m arofMotives.
4E de ou tra form a não poderia ser, visto q u e o m odelo idea! de profissão é com parado com as 7idem , ibidem, p . 6 1 1 .
m esm as formações profissionais q u e lhe deram origem . Berkeley: University o f California Press, 1969, p . 350.
d e cretad as» m a s a n tig o s re g u la m e n to s e a lv a rá s fo ra m co n se rv a d o s e m ­ ta c u lo s” .10 E m su m a : p o u c a d o u trin a , m u ito p ra g m a tis m o .11 R eg u lação
b o ra sob fo rm a m a is m o d e rn a e “h a rm o n iz a d o s” c o m a leg islação m a is a q u i, laissez-faire acolá.
re c e n te . E ste fo i p re c isa m e n te o caso d a re g u la m e n ta ç ã o p ro fissio n a l.
B e m e x a m in a d o , o re g u la m e n to d e 1 9 2 0 d o D e p a r ta m e n to N a c io n a l d e
S a ú d e P ú b lic a e ra , a o q u e re s p e ita à re g u la ç ã o d a s p ro fissõ e s d a sa ú d e , o
II
v e lh o re g u la m e n to d a F isic a tu ra e o d o P ro v e d o r-m o r so b n o v a s r o u p a ­
g e n s . Â a d v o cacia p e rm a n e c e u so b as disp o siçõ es d o T ítu lo X L V II, L i­ O le ito r e n te n d e rá q u e não e s to u p ro p o n d o q u e o B rasil deve ser conside­
ra d o com o caso único e in co m p aráv el. N e m d e lo n g e p re te n d o su g erir
v ro I d a s O rd e n a ç õ e s , sem tir a r n e m p ô r u m a ú n ic a v írg u la , e a e n g e ­
q u a lq u e r espécie d e n o m in alism o . M as c e rta m e n te devem os o lh a r com
n h a ria fic o u ao d e u s -d a ra . E m su m a , o E sta d o n e m d e s re g u lo u n e m
sau d áv el ceticism o p a ra generalizações p o r d em ais g lo b a liz a n te s o u p a ra
a c re s c e n to u re g u la ç ã o n o v a . P u n h a p o u c a fé n a re g u la m e n ta ç ã o h e rd a ­
conceitos d e se n tid o “cong elad o ” p o r u so excessivo e c a d a vez m en o s re ­
d a d o s te m p o s coloniais e não estev e d is p o s to a m e x e r u m d e d o se q u e r
flexivo. Seja com o for, devo confessar q u e m in h a s preferências n ã o são
p a ra fisc a liz a r su a ap licação . E a c o m e ç a r p e la a d v o c a c ia, a q u a l, e m
pelas a m p la s generalizações o u p elas g ra n d e s te o ria s. Pelo c o n trá rio , es­
p rin c íp io , o s n o sso s e s ta d is ta s bacharéis h a v e ria m d e t e r o m a io r in te ­
to u p e rsu a d id o d e q u e as explicações m ais persuasivas e n c o n tra m -se no
re sse e m p r o te g e r c o m re g u la m e n to s e x d u d e n te s , o q u e v in g o u fo i a
exam e d e configurações h istó ricas p artic u la res (em d istin ta s sociedades)
m a is liv re lib e rd a d e d e p ro fissã o . R á b u la s, h o m e o p a ta s c o m o u sem d i­
m ais d o q u e e m dois o u trê s fa to re s carnais in clu íd o s e m generalizações
p lo m a d a s fa c u ld a d e s d e m e d ic in a , m e s tre s -d e -o b ra s e c o n s tr u to r e s
“e m p íric o s” , e s p írita s re c e itista s, to d o s e x e rc e ra m seus ofícios n a m ais em píricas o u históricas.
Cabe aqui, certa m e n te, a p e rg u n ta a respeito d o q u e se p re te n d e com
s a n ta tr a n q ü ilid a d e a té p e lo m e n o s os a n o s v in te e in c o m o d a d o s a p e n a s
u m a sociologia d a s profissões q u e não deve ser ap enas histórica m as ta m ­
p e la h o s tilid a d e (fre q ü e n te m e n te in ó c u a ) d o s c o m p e tid o re s “oficiais” .
b é m , e necessariam ente, co m p arad a. Rsssivelm ente u m d o s em p re g o s m ais
P o r q u ê ? A re s p o s ta m ais sim p le s é d e q u e h a v ia coisas m a is im p o r ta n ­
fecundos d a sociologia histórica co m p arad a seja m enos p a ra d escobrir se­
te s a r e q u e r e r a a te n ç ã o d o E s ta d o . P o r e x e m p lo : r e g u la r e fiscalizar c o m
m elhanças do q u e p a ra estabelecer diferenças; isto é, p a ra re sg u a rd a r ta n to
rig o r o exercício d o s ofícios d e d e s p a c h a n te d a s alfândegas* d e c o rre to r,
q u a n to possível o q u e as u nidades d e análise (grupos, organizações, in stitu i­
d e in té r p r e te e tr a d u to r d o co m ércio , d e a g e n te d e leilõ e s e d e c o m e r­
ções, etc.) te n h a m d e p a rtic u la r e d e historicam ente irredutível. N a p io r das
c ia n te , o c u p a ç õ e s v ita is n u m a e c o n o m ia a g r o e x p o r ta d o r a , im p o n d o
hipóteses, seria este u m inestim ável recurso p a ra disciplinar a inclinação
co n d iç õ e s m u ito re s tritiv a s p a r a a p rá tic a desses ofícios.9 In v e rs a m e n te ,
generalizadora tã o enco n trad iça nas Ciências Sociais de u m a m a n e ira geral.
q u a n d o o d ir e to r d a A c a d e m ia N a c io n a l d e B e la s A r te s p ro p ô s q u e o
P erm ita -m e o le ito r esboçar no q u e segue u m exem plo do q u e im agino seja
g o v e rn o re g u la m e n ta s s e o exercício d o re sp e c tiv o m a g is té rio , re s p o n ­
n m b o m uso d a sociologia histórica co m p arad a no âm bito do e stu d o das
d e u o M in isté rio d o Im p é rio q u e " a p ro te ç ã o m a is v a lio sa q u e se p o d e
d a r á s B e lia s A r te s é d e ix a l-a s d e se n v o lv e r-se liv r e m e n te se m o b s -
l0A v is o n ° 1 9 4 — Im pério — 3 de m aio de 1860.
“ Sobre o espírito pragm ático dos nossos estadistas, tão pouco inclinados a comprom issos doutri­
6
^ r a os despachantes, D ecreto n® 362 d e de junho de 184 4 ; p a ta os corretores. D ecreto n° nários sobretudo n a esfera econômica, o leitor aprendera com o excelente capítulo escnt« por
4 1 7 d e 1 4 d e ju n h o d e 18 4 5 ; para os agentes de leilão, D ecreto n ° 8 5 8 de 1Q de novem bro de
àofomalkmo,
José M urilo de Carvalho com base nas atas das reuniões plenas do Conselho d e Estado. Menos

Construção-daordem.
1851;. p a ra o s intérpretes do- com ércio. D ecreto o® 8 6 3 d e 17 d e novem b ro d e 185 1 ; para os feliz foi o uso tom ado emprestado a Guerreiro Ramos, como princípio mterpretativo.
com erciantes, o C ódigo Comercial de 1850. Ver í — o p, cit-, p p. 327-358.
profissões. C om eço com u m a das m ais conhecidas generalizações e n c o n tra ­ disciplinar d a Ordre su;ekavam -se a d u ras pen alid ad es, incluída a í a expul­
d as na. lite ra tu ra . são d o Tabkau , os advogados q u e , e n tre o u tra s coisas, exigissem honorários
N u m livro hoje clássico, M agali Sarfari L arson q u e r q u e c e rto s valores o u os cobrasse judicialm ente (os honorários deveriam ser um reconhecim ento
an tím etcad o o u anticapitaíistas (o “ideal d e serviço”, a “vocação” com o si­ v o lu n tário d o cliente), os q u e recebessem ho n o rário s excessivos face às p o s­
nalização d o v alo r intrínseco d o tra b a lh o , o altru ísm o , etc.) te n h a m sido sibilidades financeiras do cliente (sujeitos a devolução parcial), os q u e solici­
incorporados aos “projetos profissionais” (m obilidade coletiva e co n tro le do tassem clientela, os q u e fizessem publicidade d e seus serviços, os q u e acei­
m ercado) e s m o cam ada ideológica d estin a d a a c arrear c réd ito social p a ra as ta sse m cargos públicos (e já no século X IX o s que ocupassem q u a lq u e r
profissões e fazer crer na dim ensão ética do seu exercício.12 U m te s te crucial posição e m sociedades com erciais o u industriais), os q u e aceitassem m a n d a ­
d e s ta generalização seda o exam e d o s vaiores do désintéressmsnt in stitu íd o to o u p ro cu ração d o cliente (o advogado não o rep re se n ta v a, ap enas o
pela Ordre des Avocats já no século X V II e d e certos traços a a d m e rc a d o aconselhava).14 N ã o se tra ta v a , ao fim e ao cab o , d e d esd ém p o r van tag en s
observáveis n a advocacia brasileira d o século passad o . A co m p aração e n tre m a te ria is, m a s d e in stitu ir u m a “econom ia d e m oderação” q u e se c o n fu n ­
os casos francês e brasileiro deverá fornecer a d em o n stração d e irm a e stra té ­ disse com a p ro p ria id en tid ad e d a profissão. Só a “p u reza” d a advocacia, sua
gia m u ito m ais apropriada e fecunda d e análise. in d ep en d ên cia com relação às estru tu ra s d e riqueza e p o d e r; só o desinteres­
O s anteced en tes do dêsintéressentent confundem -se com a p ró p ria h istó ­ se, a p ro b id a d e e a m oderação dos seus p ratican tes p o d eriam , associados à
ria d a úrdre e com os desafios a q u e tiveram d e resp o n d er o s avocats na extinção e n tre eles d a s “diferenças injuriosas à v irtu d e ” (prevaleceria o m é ­
preservação d e sua au to n o m ia.13 R esum idam ente, desde o século X V I a p rá ­ rito), colocá-la ao serviço exclusivo d e trê s e n tid ad es: la société, la patrie, le
tica da. venalidade dos cargos não apenas bloqueava o acesso d o &avocats aos public.n
carg o s d a m a g istra tu ra (em sua m aioria n ã o d isp u n h a m d o s recursos p a ra P ressionados e n tre o E stad o e as atra e n te s possibilidades lucrativas do
com prá-los), m a s ta m b é m enfraquecia o Judiciário: tran sfo rm av a e m juizes m ercado (q u e am eaçavam p ela com petição ta m b é m a unidade corporativa),
(e em. n o b res) indivíduos sem qualificação e m m a té ria s legais e q u e , ad e­ os advogados eq u ilib ram a relação o p ta n d o p ela estim a e p elo p restíg io do
m ais, p o d ia m ser dem ovidos d e suas posições ao sa b e r d o s interesses d a “pú b lico ” seja através d a assistência judiciária, seja através d a recusa d a ló­
justiça real. E m princípios do século X V H , a p rá tic a d e e s te n d e r c o m p u lso - gica d o lucro, seja através d o com prom isso c o m os valores do altru ísm o e,
riam enee a venalidade a cargos su balternos n a adm in istração d a ju stiç a (aos fin alm en te, através d a s funções d e rep resentação política d a “opinião p ú b li­
prm trm rs , p o r exem plo) am eaçava tra n sfo rm a r ta m b é m os ad v o g ad o s em ca” . N o p la n o d o exercício profissional efetivo, a advocacia estru tu ro u -se
m em soffickrs ministériels. N e ste c o n tex to , a ética do désintéress&ment foi p o sta e m to rn o d e u m a clientela de indivíduos e fam ílias (excluídas as em presas),
a serviço d a independência d a advocacia, seriam en te am eaçada p e la in g e ­ d a apresentação d o s casos nos trib u n ais (m as não d e seu p rep aro ), d e u m a
rência. do E sta d o A bsolutista n o funcionam ento d o s parkments. N o código p rá tic a q u a se arte sa n a i (o advogado tra b a lh a só o u auxiliado p o r apenas um
o u dois colaboradores), d a prim azia do direito civil e do p e n a l (excluídos o
I27 íe Rise o f Projèssiena/ism , op. cit-, p . 63- A dvertindo o leitor d e q u e seus ac bacios n ã o p o d e m
ser g eaeraJüadospara outras sociedades, Larson não faz o u tra coisa senao erigir Estados U nidos
dire ito com ercial e o adm inistrativo). E m síntese, e nos te rm o s d e K arpik:
e Inglaterra com o os casos m ais “puros” do m odelo profissional: "T he m odel o f profêssion “A determ in ação fu n d a m e n ta l refere-se à relação tria n g ular e n tre u m ato r
sh o ald b e d o s e r in these cases [ França e Rússia no século X I X ] to t h a t o f th e civil Service th an
i t ís t o professions in Engfand or. especiaíly, in th e U n ited States. For this. reason, I beíieve it coletivo q u e e n te n d e sa lv ag u ard ar u m m o d o d e existência (a in d ep en d ên -
shoedd presen t sts ‘p u re r features tn th e Àngio-Saxon eountries”. Ibidem , p . xvisi.
LJSigo aqui a L u d en Karpik, 'Xc- desíntéressement”, A n n a h s: Économie, Soàétis, C iviliza tu m s, 4 4 “ MU m a b o a r e la ç ã o d o s p r in c íp io s é t ic o s im p o s t o s p e ia Ordre o le it o r en co n tra rá e m G . E.
Aon, n Q3, maks-junbo de 1989, pp. 733-751, e a D avid Â. Beü, Lavryen & C itizens , o p . cit-, C r e s s o n , o p . c it. p p . 2 7 5 -3 0 5 -
c a p ítu Ío 2 .
d a ), adversários m ais poderosos (o m ercado e o E stado) q u e am eaçam absorvê- p e rm itia a celebração d e c o n tra to (sem pre escrito) e n tre o advogado e o
lo e debiíitá-fo n u m a lógica de fu n cio n am en to q u e lh e é e stra n h a , u m te r­ cliente reconhecendo-se p o r e sta form a o c a rá te r “p riv a d o ” d a profissão.
ceiro p a rtid o (o p ú b lico ) cuja posição d e te rm in a o c e rn e d o conflito. O O u tra s questões definitivam ente resolvidas pelos advogados franceses n u n ­
désintéressement: e s u a fo rm a concreta roais sistem ática — a fo rm a d e u m a ca o btiveram e n tre os nossos razoável consenso no século passado, en tre elas
p e rm u ta e q u ita tiv a — não são m ais d o q u e os m eios pelos q uais a profissão as relativas aos cham ados honorários a forfait, os d ep en d en tes do resultado
co n v erte a indiferença o u a hostilidade do terceiro p a rtid o em aliança e soli­ do processo e, so b re tu d o , os cham ados co n trato s d e quola-lites.18
darie d a d e e m odifica d u rav elm en te, e m seu favor, o equilíbrio d e forças.”16 M as so b re tu d o h av ia u m a p e rm a n e n te p reo cupação e m dissociar a
A d espeito do fe to d e que a advocacia francesa e ra o m o d e lo no q u a l advocacia dos valores q u e e ra m associados à s atividades m ercan tis e em
m irav am -se o s advogados brasileiros, po u cas razões tin h a m eles p a ra em u ­ d is tin g u i-la d o s a sp e c to s “m e c â n ic o s” d e o u tro s o fício s (com o o d o s
la r a ríg id a ética a n tim ercad o im p o sta p e la Ordre. E n tre ta n to , e e m b o ra solicitadores), d e fo rm a a acen tu ar sua dim ensão in te le c tu a l e a “p u reza” de
p o u co s co n stran g im en to s pesassem sobre o exercido d a profissão, creio q u e suas finalidades. N isso a elite do s advogados tra ía m en o s u m desvelo ético
os nossos advogados m a n tin h a m u m a posição m u ito a m b íg u a o u am bivalente d o q u e u m a apreciação estética dos valores do trabalho n u m a C orte p ovoa­
so b re a q u estão d e honorários, d a s incom patibilidades p a r a o exercício d a d a p o r escravos e p o r com erciantes sem iletrados. T ratava-se para nossos
advocacia e sobre o u tro s p o n to s de ética profissional.17 São b a sta n te sim bó­ advogados e ju ristas d e “aristocratizar” a ad v o c a d a sim u lta n e a m e n te crian ­
licas d e sta am b ig ü id ad e as a titu d e s o p o stas q u e to m a ra m N a b u c o d e A ra ú ­ d o u m a “aristocracia” d e indivíduos cu lto s, d e cultores d a “ciência” d o D i­
jo e M o n te z o ra a , o prim eiro acu m u lan d o o exerdcio d a a d v o c a d a (e a p re ­ reito. C om o isto envolvia tam b ém o cultivo d e u m estilo de v ida “aristocrá­
sidência do ín s ritu to dos A dvogados) com o cargo d e conselheiro d e E stado, tico”, criava-se a am bigüidade q u e n e m m esm o a retó rica d e R ui B arbosa
o seg u n d o d em itin d o -se d a p re síd ê n d a d o ÍÀ B (e a b a n d o n a n d o a advoca­ p o d ia dissolver (o le ito r estará lem b rad o d o s seus “co n ju n to s vazios”). Por
cia) p o r ju lg á -la incom patível com suas funções n o C onselho d e E stad o . m ais q u e ferisse su a sensibilidade estética a dim ensão “m ercenária" d a a d ­
Tem os a í a m anifestação de duas personalidades d istin ta s, m a s n ã o se tr a ta vocacia, Jo a q u im N a b u c o cultivava h á b ito s dispendiosos; u m dilem a, p o s­
u n ic a m e n te disso. N u m a sociedade com consideráveis dificuldades e m esta ­ sivelm ente, m a s n a d a q u e um a b o a clientela inglesa não pudesse resolver
belecer a distin ção e n tre o público e o p riv ad o , a advocacia, n a interface d o (havia, n este caso, o irresistível apelo d e u m a c e rta gentlemanliness).&O ideal
E sta d o e da. so d e d a d e , teria u m e s ta tu to p ro b lem ático . L e m b ro q u e nas destes valores “aristocráticos” explica ta m b é m o desprezo pelos pequenos
definições oficiais e la oscilou e n tre as categorias d e “in d ú s tria p riv a d a ” e de a d v o g a d o s a n ô n im o s, rá b u la s e p ro v isio n a d o s. N ã o se fu n d a v a m os
“fu nção pública.”', refletindo-se e sta indefinição n o tra ta m e n to d o s h o n o rá ­ preconceitos tão-só e m u m ju lg am en to ético sobre as práticas d o foro, sobre
rio s. C om o vim os, o R eg u lam en to d a s C u stas Ju d iciárias d e 18 5 5 fixava a
rem u n e ra çã o d o s advogados p o r a to s legais, ig u alan d o -o s p o r e sta fo rm a ,8N ã o seí q u ã o freqüentes eram os honorários dependentes de resultados dos processos, mas
aos m a g istra d o s e o u tro s servidores d o Ju d iciário ; o R e g u la m e n to de 1874 não creio q u e esse tip o d e contrato fosse com um , pelo m enos a té a m etade do século X IX . U m
deles, assinado pelo conselheiro Fraakíin. D ória com H u g h W ilson & Sons. em 1883, estipula­
(q u e a lte ro u © d e 1 855), sem d ú vida legalizando u m a p rá tic a já difundida, va honorários de 30-000$ a serem pagos “q uando for ajustado e liquidado com o G overno a
d ita rescisão ou se for a questão liquidada de ou tro m odo, e n tío quando se realizar o levanta­
láK a rp ik , “Le désintéressem ent’', p . 746-747- m en to da prim eira q u o ta de capital com autorização d » dito G overno”. In stitu to H istórico e
ü U m a posição sobre honorários q u e se inspira n o exem plo d es franceses é a de Isaias G uedes de Geográfico Brasileiro, L ata 3 0 3 , Pasta 1 1. Com o sem pre m uito pragm ático nestas m atérias, o
M d lo , Honorários dé advogados, segundo a k i rm ana, a lição franceza e o direito pátrio nos debates do conselheiro N abuco d e A raújo não encontrava o q u e censurar n os contratos de quota-títis.
Instituto da Ordem-dm Advogados Brasileiros. Rio de Janeiro: Typograpfua do Jo rn al do Commercio, Joaquim N abuco, Um estadista..., o p. d t . , vol. IV, p .12.
I 9 Í 5 - O Dr. G uedes M elo se opõe ao retom o do arbitram ento de honorários com o n m “trá­ !9Ver Richard G raham , Britam and d/e onset e f Modemization in Brasil, 1850-1914 -C am hridge:
fico vil, o u esse- sõrdiiio interesse, a avareza do dinheiro" {p. 5X C am bridge Univetsicy Press, 1972, p p. 26 6-267.
a p ro cu ra d e clientela, sobre as form as pouco convencionais d e a rrecad ar corpora as aspirações damassa dos p ro fissio n a ista tc o m o são in te rp re ta d a s e
honorários» m a s ta m b é m em u m a apreciação estética d o estilo d e v ida d e organizadas p o r suas lideranças.21 D e fato» p o r q u e Iriam preocupar-se as
indivíduos q u e maL o b tin h a m no exercício d a profissão a re n d a necessária elites profissionais com ptojetos coletivos d e m o b ilid ad e social e d e o rg an i­
p a ra to m a re m -se eleitores e q u e, p o r isso, enodoavam a nobreza d a “v e rd a ­ zação d o m ercado? O ra , n a C orte brasileira as profissões só p o d ia m organi-
deira" advocacia. N ã o havia no- ideário d a elite dos advogados lu g ar p a ra o zat-se à m an eira d a p ró p ria sociedade: havia u m a elite . E o resto e ra o resto.
princípio d a ig u a ld a d e c u itiv a á a p e la Ordre. D o p o n to de v ista d a m açonaria N a d a m ais longe das cogitações dos sócios do IA B d o q u e pro jeto s d e m obi­
congregada, n o In stitu to dos A d vogados B rasileiros, as diferenças sociais lidade coletiva, de prom oção social do conjunto d a profissão. Pelo contrário,
não injuriavam a v irtu d e p o rq u e e ra m elas m esm as virtuosas. tra ta v a m a n tes d e preservar e d e fo rtalecer os critérios d e distinção social,
Isso p o sto , o leitor pode a q u ila ta r o quão equivocada é a generalização d e m a n te r tã o intransponível q u a n to possível o fosso q u e os separava da
d e M ag aií Sarfatl L arson, ab su rd a c o m relação à advocacia francesa. B em m assa d esorganizada. M ais d o q u e e m to rn o d e u m m ercado, desejavam a
feitas as concas, os advogados franceses perdiam m ercado com. a é tic a d o advocacia org an izad a e m to m o de u m estilo de vida.
désíntémsement, O conselho d a Ordre to rn o u -se p a rtic u la rm e n te severo no A ética dos franceses e a esté tic a dos brasileiros re su lta ra m e m duas
aspecto disciplinar na m ed id a em q u e com o co rrer do século X IX cresce­ form as d e organização d a advocacia in te ira m e n te d istin tas. A s exigências
ram; os apelos p o r u m a advocacia d e em presa. E a situação to m o u -se p a r ti­ d e u m a econom ia q u e se industrializava e se to rn a v a m ais com plexa e as
cu la rm e n te com plicada p o rq u e m anteve-se co n sta n te ao lo n g o do século a dem andas d o contencioso adm inistrativo suscitaram questões legais das quais
tax a nacional d e litigiosidade n o â m b ito d a advocacia p e rm itid a aos avocats o avocat à la cour d ’appel (ou sim plesm ente avocat)-, co n stran g id o p ela disci­
à la cour cFappel (cujo núm ero n ã o p a ro u de crescer).20 N e m p o d e cab er n a p lin a d a Ordre, não po d ia se ocupar. D a í o su rg im en to do agrée p a ra repre­
generalização d e L arson a indignação do s sócios d o In s titu to dos A d vogados se n ta r o s clientes nos trib u n ais de com ércio; d o avocat au Conseil d ’E tat et à la
Brasileiros c o m os “mercadores d o direito, com os corretores d a ju stiça“' (ênfa­ Cour de Cassation p a ra lidar com o contencioso adm inistrativo; d o conseil
ses m inhas), p a ra u sar as expressões d o n o b re conselheiro S a ld a n h a M a ri­ juridique p a ra aten d er às em presas com erciais e in d u striais (assessoria legal,
n h o , C om o en sin o u W eber, tra ta -se a q u i d a clássica reação d e g ru p o s d e negociação, redação d e contratos, etc.). T ão a n tig o s q u a n to o avocat exis­
sta tu s a quaíquerAtp/zri&r participação e m aquisições econôm icas, desse p o n to tia m a in d a o avoué, encarregado dos d etalh es processuais e d a redação de
d e v ista u m co m p o rta m e n to efetivam ente e stig m a tiz a n te e m u lto p o u co alegações finais (correspondente ao nosso solicitador), e o notaire, responsá-
aristocrático. E m o u tro s term os: a q u estão e ra a d e como a d q u irir, c o m refi­ veL p e la autenticação d e atos e co n trato s (o corresp o n d en te ao nosso tab e­
n a m e n to , ce rta m e n te, com u m a c e rta elegância d e m aneiras. O q u e é o u tra lião). T odos estes especialistas estav am excluídos do Tableau, fora d a jurisdi­
fo rm a d e d iz e r q u e os g ru p o s de s ta tu s a b o m in a m o livre desenvolvim ento ção do bâtonnier. Por contraste, os advogados brasileiros po d iam desem penhar
do m ercado» e m p a rtic u la r p a ra aqueles bens (m ateriais o u sim bólicos) q u e to d a s esta s funções sem q u a lq u e r restrição d e o rd e m legal o u ética. E não
eles n o rm a lm e n te u su rp am através d e m onopólios. residiria ju sta m e n te aí, n a a m p la liberdade do exercício profissional e no
D e resto» a noção d e “p ro jeto profissional” fica in te ira m e n te d eslocada receio d e códigos éticos excessivam ente restritivos, a resistência secular ao
no contexto d a advocacia brasileira d o século X IX . L arson observa q u e o p ro jeto d e criação de u m a O rd e m brasileira?
processa d e profissionalização (u m equiv alen te d e p ro je to profissional) in -

A.rtnales:Écontm
au X IX e. siècle''. ks,Sociétés,Civilizations,
^ B e ra a id Sdanapper, “Pour asse géographie des m entalités judiciaires: ia Iitígíosits en France

1979, jp- 3 9 9 - 4 1 9 (ver o Diagram a 3 à p- 403)-


34° A no, n ° 2 , feveresto-março de
u Op'. cit., p . ó3-
IV g ia am eaçasse desin teg rá-lo s e m p ó co m o e m certos film es d e te rro r. B n a ­
queles onde h aja u m m ín im o de pulsação, lá estão os m esm os e aborrecidos
D irã o a lg u n s d o s m e u s colegas versados e m filosofias q u e a G ê n d a é p o r p ersonagens q u e d e livro p a r a livro p erm an ecem lineares e canônicos, esva­
n a tu re z a g en eralizan te, e q u e o “verdadeiro” c ien tista (à im a g e m do soció­ ziados d e to d a h u m a n a am bigüidade e d e to d a h u m a n a paixão. Se ta n to .
logo, do historiador, d o antropólogo) é aquele q u e id ealm en te está em bus­ N eles jam ais h a b ita rã o crápulas ilum inados p o r u m g esto generoso, n em
ca d e leis gerais, a té p o rq u e segundo P o p p er e n u n d a d o s singulares não são honestíssim os cidadãos aureolados p o r u m a canalhice inom inável. Somos
falsificáveis, e tc ., e tc ., etc. C hegada a h o ra d e p ô r u m p o n to final neste antidostoievskianos profissionais p o rq u e som os p o r profissão os inquisidores
E pílogo a n te s q u e se esvaia a generosa paciência d o leitor, não v o u m e m e­ das singularidades, o s apóstolos d a s g eneralidades e das generalizações p a ra
te r nestes com plicados arg u m en to s. D irei ap e n a s o seg u in te: e m m a té ria de escárnio d e to d a u m a g eração d e g a n d e s criadores. E som os a té m esm o os
histó ria (o u d e estória) e sto u no g ru p o d o s d ile ta n te s ap enas apíicados, m as an tí-G ib b o n e m nossa v ito rian a e anacrônica m odéstia: nossos im périos des­
já in stru íd o n a lição d e q u e não sendo escassa a im aginação p o r m il e u m a m o ro n a m m ais n a v irtu d e d e kreprocháveís e inverossím eis varõ es d o q u e
n o ites p o d e-se c o n ta r e ou v ir m il e u m a versões d a Q u e d a d a B astilha: u m a n a lascívia d e tu m u ltu o so s césares d e carne e osso o u n a v o lú p ia alucinada
versão d ra m á tic a , o u tra côm ica, a in d a u m a o u tra irônica e a in d a tragicôm i- d e cortesãs enlouquecidas. H av erá Jo a q u im N a b u c o d e ser e te rn a m e n te o
ca, p a té tic a , etc., etc.22 E estes gêneros são ap enas u r a d o s in ú m ero s e po s­ ch ato hierático, o im p o lu to e in trag áv el herói d o abolicionism o, a m ú m ia
síveis prin cíp io s organizatórios p a ra dezenas d e n arrativ as. A dem ais, o lei­ do s nossos livros d e h istó ria? E Jo sé P au lin o Soares d e Souza, o nosso
t o r d e v e e s ta r a d v e rtid o p a ra o fa to d e q u e nossa sobrevivência com o espertíssim o visconde d e U ru g u ai, q u e os historiadores crim inosam ente con­
co n ta d o re s d e histórias (e que o u tra coisa som os?) d ep en d e basicam ente d o g e la ra m n ofkezer d e u m a desolada fe ita de im aginação? Por q u e escam otea­
p e rm a n e n te exerdcio d e im aginação (Sherazade salvou-se n a m ilésim a p ri­ ra m a p u iseirin h a d o N a b u c o ? P o r q u e não p e rm ite m ao visconde, n o s infla­
m eira n o ite casando-se com o su ltão , m as suspeito q u e c o n tin u o u a encantá- m a d o s d e b a te s p a rla m e n ta re s, u m escasso, h u m an íssim o , saLubérrim o e
lo co m o u tra s ta n ta s narrativas). im ag in ário p ig a rro nelsonrodrigueano? “N ã o se faz po lítica se m bolinhos”,
L am en táv el, pois, que com to d as as inum eráveis possibilidades e com sentenciou o g ra v e b arão d e C otegipe p a ra escândalo d o s nossos sisudos
to d a a rica m a té ria im ag in ativ a q u e a H istó ria oferece estejam os p e rm a n e n ­ d o u to ra n d o s e m Ciência Política. E , n o e n ta n to , u rg e p ô r b olinhos nas C iên­
te m e n te ocu p ad o s e m recuperar e reciclar as m esm as e en fad o n h as histó­ cias Sociais.
rias, as m esm as congeladas o rto d o x iaso u , n a m e lh o r d a s hipóteses, em subs­ Posso o uvir an tec ip a d am e n te as objeções m ais graves. D irã o alg u n s com
titu ir a ru m in ação d e ta n ta s delas p o r esquisitas exegeses d e saberes, falas e severidade q u e não ex istem evidências d o cu m en tais o u te ste m u n h a is d a
o lh ares (o q u e q u e r q u e sejam tais estran h as entidades). C o m nossos lasti­ p u iseirin h a, o u q u e Q uincas não a usava nas sessões d o IA B , m a s tão-so­
m áveis d ia le to s disciplinares (inodoros, insossos e incolores) e nossa insana m e n te nos bailes d a viscondessa d e C avalcanti- Ig u a lm e n te o b je ta rã o o u tro s
obsessão c o m o e sta tu to científico (seja isco o q u e fb r)d as nossas elucubrações q u e não h á registros d e q u e o irascível e b o m D r. J o b im te n h a descansado
acadêm icas, exercitam os com o d em e n te s u m a incurável inclinação p a ra a os pés d a s b o tin as e m u m vagão d e terc e ira classe d a D . Pedro I I , acé p o rq u e
aridez te x tu a l, N ossos livros de h istó ria são exem plares. D e sa b ita d o s de (e a b e m d a v erd ad e histórica!) não calçava ele b o tin a s m a s epocaís e g asto s
quzísquerdramatispersonde, povoados d e d ep rim en tes m ortos-vivos q u e m al borzeguins. A lém disso, dirão o u tro s m ais, o q u e te m a v er a du v id o sa rep u ­
falam e p o u c a se m o v em , com o se a m e n o r m anifestação d e v id a e d e ener­ tação de M m e L a b a t com a g ra n d e o b ra rivilizacória d e P e re ira Passos (o
“H a u ssm m a n brasileiro” !), o u a serin g a hip o d érm ica d o D r. Peixoto com
E N ad a a ver com o Melsbistory
de H ayden W hice. su a o b ra literária? E a to d a s estas p ro ced en tes e ponderáveis objeções, cu r-
304 // E D M U N D O C A M PO S C O E L H O

v o -m e. D e fã to . E com o aquele A frikane Sem ionitch Pigassov d a novela d e


Turgueníev devo deixas- tã o severos stholars e bu scar a co m p a n h ia d o s idio­
tas? N e m pensar! A condição d e sociólogo não m e im p ed e d e re g istra r com
gosto o b ad alar dos sinos das igrejas (g ra to , Chekov!).
R esta esp e ra r que sejamos redim idos p o r vindouras gerações d e cientis­
ta s sociais. H a v e rã o de descobrir q u e não existirá jam ais versão d efinitiva do
baile d a Ilh a Fiscal e k en n e th b u rk e a n am e n te “dan çarão ” seus preconceitos
e a n tip a d a s e m te x to s q u e le m b rarão u m a p á g in a jam esiana: dispersos,
difusos, atm osféricos. E aprenderão com o criad o r d e to d as as universais
ninfetas e s ta fu n d a m e n ta l e preciosa regra m eto d o ló g ica; q u e realidade é
u m a destas p o u c a s palavras q u e só fazem sentido e n tre aspas. A ssim : “rea-
1039659118431

* 1 0 3 9 6 5 9 1
3 3 1.7 0 2 C 6 7 2 19 9 9

Este üvrofbi composto na tipoiogia American e x .0 0 4 r .19 17 7

Garamond, em corpo 11/I4j e impresso em papel

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