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RODRIGUES ALVES

MINISTÉRIO DA EDUCACXO E CULTURA

^\J
"Raça hoje é uma abstração de laboratório".

ARTHUR RAMOS

"O nosso movimento não é de ódio, nem de rés


sentimento"...

ActHNALDO O. CAMARGO

"preconceito de cor no Brasil, só nós os negros


o podemos sentir".
o início do nosso curso, que rifemos ó pro-
posto de dedicar os nossos esíudos e pesquisas às con-
dipões sociais do Alegro no Brasif. Agora o fazemos,
nesre despretensioso ira&a/Ao, /usíamenre de cbncftí-
são do nosso Curso de .Assisfeníe <Soc:aL
D:r;'df?nos nosso íra&aíno em ires capííuíos ass:/n
construídos:
7 — Das T*cor;as 7?ac:a:s e 5eus
dos -Sécu/os.
77 — O Ti/emenfo y4^ro-Bras:7e<ro, A Procfama-
çáo e o 7?econ/:ecM7!enío dos Dfrefíos 77undamenía!S da
Pessoa Tíumana em Eace do 5err:co .Socíaf,
777 — Ao ^erptpo .Soctaf Compeíe ^ofucionár o

No prúnetro capífu/o, como i/usíracáo, mosíramos


p concebo rac:a/ dos ânimos aníropó/ogos, socíófogos
e efnó/o^os, que com suas concepções de raças tn^c-
r:ores e superiores espafAaram por iodo p mundo a
discriminação racial separando grupos Aumanos por
simpfes iracos fisionômicos. i .
Não íemos a preíensão de discuíir o assunto es?
boiando o ám&iío cieni:^:co. ^imp/esmen^e apresentar
car o /:omem negro para participar da sociedade sem
/nos as opiniões dos estudiosos do pro&fema, ao con-
complexo de inferioridade e o branco para receí?ê-ío
c/uirem pe/a não existência de rapas superiores ou in-
sem preconceito de cor. Assim, a nosso fer, o grande
feriores e sim de poros mistos e cufturas várias.
proMema é de reeducação e não como querem os co-
No secundo capitu/o apresentamos o fesíemun/:o munistas, encarando-o no ángu/o econômico somente.
de pessoas entendidas nas questões re/aíi^as ao com-
poríamento do negro no Brás:?, cu/o depoimento com- Parece-nos que o proh/ema do preconceito de cor
prova a e^fsténcta de um pro^/ema de cor no pais, de no Brasif é mais da Ação SociaZ, mas, como o Serpico
uma maneira especificamente caracterizaníe de nossa 5'ocia? é uma ^orma de atividade que tem como meio
origem e numa ^órmuJa de "racismo à &rast7eira". a cooperação, êíe inicia, estudando e dando so/ucão a
O Prof. Arínur J?amos, de saudosa memória, Pro^. esta magna questão.
GiJ&río Freire, Pro^. Nina Rodrigues, Pro^. Ofipeira Estudamos íam&ém os "processos" que o Serviço
Viana, Pro^. J?oger Basíide e ü/timameníe uma pfêia- .Sócia/ usa para resoíper o "caso", apficando a técnica
de de estudiosos nopos, dentre ê/es destacando-se o e os métodos específicos no combafe à causa dos desa-
^. Nami/ton Nogueira, Dr. Aguinafdo O/i^eira Ca- jíisíamentos do nomem de cor.
, Dr. /osé Pompifno da Nora, Pro^. /ronides Essa a razão do nosso estudo despretensioso,
s, /osé Correta Leite, /sa/íino Veiga dos <San- como a/Aures já a/irmamos.
íos, Fernando Coes, Ccra/do Campos e Luiz í,o&aío,
t'ê/7! preocupando-se com os estudos A^ro-Brasi/eiros
e yá prestaram seus depoimentos no nosso inquérito
?<?a?Í2ado pefo matutino carioca "Diário 7*ra&a//:ista",
sendo que a ^inaíidade dessa inpesíigfacão era apurar
como se apresentada o pro^fema do negro em nossa
terra.
No terceiro capitufo será estudada a atitude (fo
^4ssisfente -Sociaf em ^ace do com&ate ao preconceito
de cor e suas conseqüências na formação harmônica
da nossa sociedade.
Como o -Serviço tSociaf se baseia no respeito á
dignidade da pessoa numana, o Assistente 3ociaí en-
um rasto campo para atuar no sentido de reedu-

6 —
INTRODUÇÃO

A NTES de tudo sabemos que não nos será possível


evitar escolhos com que cremos esbarrar, nós os que
procuramos resolver e tratamos os delicados assuntos,
como sejam os que estão intimamente ligados à refor-
ma social. Não obstante, a finalidade ser construtiva
e não de simples acusação, esperamos que seja bem
conhecida a nossa intenção. Faltas há em virtude da
complexidade do problema aqui abordado, tratado as-
sim em largas pinceladas.
Sem maiores preocupações, como arautos da nova
ciência, Gobineau e Darwin espalharam pelo mundo
as suas concepções bio-antropo-sociológicas através
dos séculos. Como se tratava de novidade cientifica,
tão do sabor da ansiedade do século XIX, todos os
ensaístas, biólogos, filósofos e sociólogos se apegaram
àqueles conceitos havidos como certos, e disseminaram
o erro das inferioridades raciais do gênero humano.
Essa tese veio empolgando ura sem-número de estu-
diosos e constituiu verdade para muitas gerações.
Vemos aqui um campo onde o Serviço Sócia! terá
grande tarefa, no sentido não só de contradizer aquilo
de errôneo que havia em tais teorias, como de ajustar

-9
uma maioria que vive à margem da sociedade, e prin-
cipalmente no nosso meio brasileiro. O objetivo aqui
visado pretende demonstrar que esse serviço além de
gera!, deve ter caráter acentuado como ação social prá-
tica e direta, para um grupo societário, que vive com-
pletamente postergado, já não dizemos pelo poder es-
tatal, mas por causa daquelas teorias e por incompre- CAPITULO t
ensão pelos próprios indivíduos irmãos, no que diz res-
peito à personalidade humana. DAS TEORIAS RACIAIS E SEUS EFEITOS
ATRAVÉS DOS SÉCULOS

Go&tneau, Afende/ e as íet's da


rtedade anfe a origem do Momam — Posição da /greja
— A confusão na .Era Moderna — JBsfudos
— M'na T^odrigfues — .ArfAur Toamos — G;7&erfo
rt. — A fertiade sobre Go&ineau — .Afáo do <S'erfiyo
J

'OMO esforço, tentativa e esboço preliminar de


tão palpitante tema, não se poderá recriminar a obra
daqueles pensadores já citados, pois, tudo que o ho-
mem faz no campo do saber, tudo que a inteligência
produz, não se deve assim de pronto relegar ao es-
quecimento ou banir sem exames. A tese de Gobineau
não resistiu às críticas que se lhe foram apresentadas.
Caiu por terra como sói acontecer a tudo que de apres-
sado, imperfeito e parco de verdades produz o gênio
do homem. Se no terreno científico, porém, o banimen-
to foi completo, o mesmo não sucedeu no campo so-
cial, onde as gerações educadas sob a influência malsã
dos preconceitos oriundos da falsa verdade científica,

— li
continuaram com a venda em seus olhos, proliferam
do-se o mal que encontrou fértil terreno para seu de- pendia para o lado do patrimônio histórico que é a
senvolvimento, que é o so!o sempre adubado da vaida- herança comum da humanidade. E é essa herança
de humana. infirmando o racismo, que vem perguntar aos teóricos
antropologistas onde estão os seus cálculos que num
Renunciar ? Quem resistiria ? A essa tentação
tempo se chamaram de cientifico. E não é somente
de se considerar superior ao seu próximo ? Somente
os antropólogos que logo reconheceram ser preciso
aquele que recusou o mundo e foi cantar com Salomão:
fazer uma revisão na ciência, mas também os ensais-
«.Vaníras, pan:Yaíem ei ornn?a ^aníras/» E isso porque
tas-sociólogos, principalmente os da estirpe dum Gobi-
mesmo aquê!e mais crente filho da Bíblia, pode amar
neau ou dum Lapouge. Antropólogos como Retzius,
a Deus e ao próximo como a si mesmo, e, por amor
de mera comparação de dois crânios acharam uma fon-
de Deus, considerá-lo como igual. Ora isso é a cari-
te enorme de material para implantar com a craniome-
dade evangélica que com carícia envolve a vaidade que
iria a classificação dos povos. Isto não resistiu a aná-
se aninha em seu coração.
lise. Dolicocéfalo, braqui ou mesocéfalo os /;omens
Eis, pois, dois grandes estados de consciência co- .serão sempre tzns seme?/:anres aos oufros, recebendo,
letiva, que iriam os opositores de Gobineau enfrentar aceiranJo, consertam/o, aumenfanJo e rran$m:í:nc?o
para demonstrar em tese a igualdade psicofisiológica ?ssa Aeranca que é uma das bases do verdadeiro pro-
do "Ao??:o sapíens".
gresso. Prova nossa asserção contrariando Lapouge-
No primeiro a vaidade lhe dominou as entranhas Gobineau, (com a tão célebre superioridade nórdica
e até lhe deu a convicção de que o homem nórdico que deu primazia na civilização do mundo aos dolico-
louro é ser privilegiado. Este estado de consciência céfalos loiros), o crânio de Anatole Prance com 1.200
é um reduto forte, é o posto de comando do precon- gramas de peso. abaixo, portanto, da média de um sim-
cebo. , . - . . . , ples cabila e igualando-se com o da mulher. Mas não
No segundo, o amor a Deus, sob a forma de ca- pára. nesse exemplo. São milhares e a questão já foi
ridade fraternal nulificou a ação maléfica da vaidade tão debatida que enfadonho seria repetir-lhe a história.
e impede que o preconcebo se externe. Com esses bon-
Curvier, Bichat, Mendel e Morgan, fisiologista e bio-
dosos desse grupo o trabalho de catequese é mais f á-
logista, apesar de tudo ainda estão sujeitos ao que diz
ci!, pois, eles já são colaboradores espontâneos para
Garre!: aos mistérios da vida. Interessante, curioso e
a derrocada do mal. "
promíscuo vem sendo através dos séculos os aspectos
Essa rápida sintese mostra a questão que assim se
diversos quê os cientistas, filósofos e pensadores têm
apresentava em relação ao racismo. A verdade porém:
dado à questão racial em todas as suas particularida-
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dês. E em resumo de todos esses estudos, um critério de interrogação. Ainda não se difiniu. Pensamos
que consideramos estreito foi impresso no seio da hu- mesmo que não está na alçada dos processos científicos
manidade. Esse critério atendido para sua divisão, se definirem. A dominância da chamada raça branca
muito do que pessoa] havia nas teorias dos tratadistas que se apoderou dos "bens do progresso" (!) depois
empolgou a todos que aceitaram com mais ou menos de se apoderar do melhor da cultura asiática, orienta!
essa ou aquela parte. Aqui vai grande culpa ao obje- e de outras, expandiu-se e impôs às outras culturas a
tivismo do século. sua razão de ser, já então ocidental. A História regis-
As raças foram divididas em preta, branca, ama- tra esse fato, fazendo até uma das divisões de seu es-
rela, etc. Já sabemos quais as suas localizações origi- tudo com a queda do Império do Oriente. Vê-se que
nárias e as causas que determinaram essas divisões. não se trata de um fator eugênico puramente. Seu
Com o expansionismo dos povos conhecemos o mescla- expansionismo é justificável na História.
do de todas as gerações, não perdendo contudo certos O outro híbrido, o tipo que tende às oscilações
caracteres somáticos quando se agrupam sob certas in- genéticas mais acentuadas, deu-nos tantas variações
fjuências, quer climatéricas, quer de solo, alimentação, que a Ciência o põe à margem já por saber de todos
etc. Mas desde aí notamos nessas fusões de raças, se- os seus antecedentes. Sua evolução histórica é a evo-
gundo todos os antropologistas, as variações somáticas lução dos próprios elementos que o compuseram. O
com todos os seus característicos. O recessivo de Fr. amarelo e o negro assim também chamados são fato-
Mende! e a Lei da Dominância do mesmo autor apa- res componentes que muito nos deixam a desejar para
rece em todos esses agrupamentos. Como e por que que o possamos considerá-lo puro. Tanto assim que
essas variações ? Vem a nosso encontro todos os fatos ninguém ousou ainda afirmar, textualmente, serem pe-
históricos das misturas das raças. Desde a Grécia e culiares todos os seus característicos somáticos. Em-
muMo antes os cruzamentos se processavam. E sabe- bora haja diferenças étnicas profundas nas popula-
mos que isso se dá desde a Pré-/HSfór:'a. Tanto assim ções do globo e os caracteres diferenciais se encon-
que Aubrey Diller, moderno antropólogo, em seu livro
"The race mixture among the Greek about Alexander"
(1) "Bens do progresso" é toda utilidade que faz parte do
encontra a primordial dificuldade para seu estudo o patrimônio comum da Humanidade. Assim temos: a moeda (cul-
discernimento racial dos povos gregos. tura fenícia); os folclores e lendas (que eram formas filosófi-
cas ou religiosas de cultura de vários povos e que agora apare-
O recessivo mendeliano aí se explica. Qual o cem no patrimônio artístico e literário do gênero humano); os
dominante — o fator que justificaria "in totum" a Lei talheres (cultura chinesa); o fumo (culturas orientais); o véu de
noivado (cultura muçulmana); monumentos (cultura egípcia); o
do célebre frade ? — Aqui a ciência está com um ponto cristianismo (monofilosofia e teologia hebraica); etc.

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trem sempre nos mesmos indivíduos constituindo ra-;a. todo o mundo e pregai o Evangelho a todos os povos".
Em virtude dessa incerteza, a ciência procura então E povos quer dizer sob o ponto visual étnico-antropo-
desvendar esses característicos e é obra que os moder- lógico, promiscuidade, variações somáticas, seleções
nos deveriam empreender com mais afinco. Logo eles genéticas, caracteres eugênicos distintos, perdendo uns
são ainda objeto de estudos. Sua história é também a para outros, colisão de fatores, etc. Não há para o
dos dois já citados. cientista no padrão "stand" o mérito de ordem.
É neste estado que em síntese se acham os cien- Separados assim por simples fatores parciais,
tistas no tocante ao racia!. Acrescentado ainda mais quais os da pigmentação cutânea, capacidade cranio-
do expurgo. Sim. o expurgo daquilo que pareceu ci- lógica, índice cefálico, nasal, etc., em raça branca,
entífico. Porque tratados diversos cheios duma preten- amarela, negra e vermelha, ficaram ainda insatisfeitos
siosa ciência, ou melhor para sermos mais precisos, os propósitos. E principiaram a investigar esses agru-
tratados destituídos das múltiplas investigações sérias pamentos étnicos, vamos assim considerar. Concluí-
no assunto, vêm misturar-se ainda na época atual às ram depois com um erro, fruto do falso ponto-de-par-
bases sólidas de nossos tempos. Raça !. . . À Ciência tida. Erro esse da superioridade dum grupo sobre ou-
este conceito pode ter uma vasta extensão. Além disso tro. Essa foi uma visão tomada pelo momento evo-
ale já vem preestabelecido por muitas hipóteses. JVa lucional dos brancos, estudada pelos diversos fatos so-
Msêncfa tifMcí? é únpossífc/ Je^HÍ-ío, .senão cowzo sen- ciais que influenciaram o grupo. Quando esses fatos
c/o raça /Mimada. sociais não são índices de desenvolvimento e evolução
O Santo Padre Pio X, em sua Encíclica ,AJ D:em orgânica e sim reflexos de transformações sociais ha-
:?/H7n, assim se expressa: "Enquanto Deus-Homem. vidas.
Cristo possuía um corpo igual ao dos outros homens;
Já aí não pararam. Seguindo unicamente esse
enquanto 7?ec?enfor ífa nossa raça, possuía, também,
grupo que os antropólogos tornaram distinto, estabele-
um corpo espiritual ou como dizem místico, formado
ceram as diferenciações no mesmo grupo. E novamen-
pela sociedade de todos aqueles que NELE crêem".
te disseminaram outro erro originário do primeiro, qual
O conceito de raça está intimamente ligado ao o da superioridade dos nórdicos-louros sobre os de-
homem, este à sua origem e esta origem à vida, e todos
mais. Foi o ponto final da questão ao que se nos
esses problemas se perdem em nossa finita personali-
dade humana. parece.
O mais sábio de todos os homens, considerado Particularizando, porém, o negro, como "ser an-
<:omo homem, expressou-se nestes termos: "Ide por tropològicamente inferior, bem próximo do macaco e

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!
pouco digno do nome de homem", segundo o Sr. Oli-
veira Viana, o caso era perdido. E foi no turbilhão dessas idéias e conceitos que
surgiu no Brasil a figura sempre simpática, estudiosa,
Retzius liga seu nome à craniometria; Bilden e
honesta e autoritária de Arthur Ramos.
Franz Boas se preocupam em estudar os "coloreds";
Perfilando ao lado de Nina Rodrigues, o pionei-
o cérebro de Anatole France pesa menos que o de um
ro do estudo da cultura africana em nossa pátria, como
cabila; Toussant de Louverture marca uma página na.
sendo seu discípulo mais devotado, teve a paciência de
história do mundo; apesar de estar muito longe do
eliminar o joio e afirmar a existência de capacidade
arianismo; Rebouças aparece na Engenharia brasilei-
daquele ser que já se tornara objeto de especulação,
ra; surge uma série de negros que são doutores e até
depois do surto indianista de José de Alencar, Gon-
autoridades em certos ramos do saber; a mistura de
çalves Dias e tantíssimos outros.
sangue negro é tida como fator de degenerescência
Conhecedor profundo da formação do povo bra-
por livros vindos lá dos confins da Europa; Pio X diz
que raça só existe uma: a humana; o negro Washing- sileiro, sabedor de sua origem etnológica, procurou ver
no elemento vindo para o trabalho, a sua expressão.
ton é tido nos Estados Unidos como grande capacida-
Com o carinho dos sábios penetrou no segredo da sua
de no campo educacional; os tratados de Geografia
Humana doutrinam que, apesar dos pigmentos os índole, para mostrar a sua capacidade e sua autocul-
abissinios são de raça caucásia — raça branca. Car- tura quando em terras africanas e sua poderosa ação
well inicia a sua luta que colima colocando-o no con- de sincretização.
ceito dos cientistas; a Escola Alemã nega qualquer Thomaz Buckle foi o ponteiro dos estudos da an-
capacidade ao negro; outros dizem que o negro nunca tropogeografia. Taine vulgarizou seus conceitos da
teve cultura própria, sendo portanto incapaz de civi- influência que o meio exerce sobre o homem. Errou
lizar-se por si próprio; Nina Rodrigues no Brasil tor- de maneira espantosa porém em se tratando do Brasil.
na-se marco dos estudos sobre o Negro enfim... "a Afirma e proclama a inferioridade do brasileiro, tipo
confusão era geral"... e por ironia, esta célebre fra- mestiçado e negróide, que acabaria cedendo ao meio
se da literatura patrícia era soltada ao vento por um fisiográfico que lhe era inóspito. O Tipo mestiço, ao
mestiço, pai de academia e maior figura das letras bra- invés, resistiu ao meio, porque seu cruzamento era de
sileiras: Machado de Assis. bom sangue, dado as grandes nações eugênicas de ne-
Após as trevas vem a luz. Depois da borrasca gros, que vieram para o Brasil. E Arthur Ramos mos-
surge a bonança, e das tentativas se coligam os fins; tra os Bantos, os Nagôs e outros tipos negros, cheios
feita a colheita tem-se à parte o joio. de saúde, de beleza e ânimo, prontos para não sucum-
birem pela simples ação do meio geográfico brasileiro
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— esse gigante de matas, temperaturas as mais diver- Conclusões apressadíssimas como essa forram as
sas, de lagoas e rios quase lendários — que tanto im- bibliotecas. Mas, sociologia impressionista não é so-
pressionara Budde quando por aqui passou no princí- ciologia. Bryce se preocupou com meros acidentes po-
pio do século. líticos, porém a verdade científica e meticulosa, que
prova a docilidade do coração, dos sentimentos do ne-
Bryce, também nos visitou. Viu o Brasil e viu o
gro no conceito harmônico dos destinos do povo na-
negro. E quando seu bate! singrava a Guanabara,
cional está com Arthur Ramos, que dá testemunho da
rumo além-América, Bryce com seus olhos fixos num
meiguice de sentimentos do elemento por ele tão bem
pedaço qua!quer da terra para ê!e ma!sinada, durante
estudado.
a!gum tempo interroga: "Que será de seu futuro? E
o seu povo será digno da opulenta herança que rece- Gilberto Freire fez sua odisséia com "Casa Gran-
beu ? Com o correr dos tempos é indubitáve! que as de e Senzala" e "Sobrados e Mocambos", verdadeiros
terras e os instrumentos irão para aqueles que os pos- monumentos de influência africana na vida do Brasil.
sam utilizar". Sua obra é honesta.
É interessantíssimo esse trecho do vaticínio bry- Arthur Ramos não teve as mãos tão cheias de pro-
ceano, principalmente o fleugmático "indubitavel- digalidade. Gilberto é sociólogo. Arthur antropólogo.
mente". Mas o amor científico que transcende das páginas de
Esse sociólogo saiu daqui apenas ma! impressio- «O Negro Brasileiros é tão visível, que um mestiço
nado, porque assistiu com toda a Europa ao golpe le- paulista, moço inteligente e culto — Fernando Góes
gislativo sofrido pelo nosso grande e querido Rui Bar- — ao lê-las, não pôde deixar de reconhecer no seu au-
bosa nas eleições presidenciais. E por cúmulo dos tor o amigo do elemento africano no Brasil, e espa-
maus fados, Bryce estava no Rio quando a esquadra lhou pelas páginas do "Estado de São Pau!o" essa
brasileira caíra nas mãos do almirante negro que enca- verdade pelo país em fora.
beçara lamentavelmente o levante naval de 1911. Sa-
Góes está com a razão. O professor Ramos era
bemos pela História que o governo com todos os ga-
antes de mais nada um amigo devotado do negro. Tal-
lões e espadas capitulou ante a ameaça de bombardeio
vez fosse esse o estímulo para que ele o estudasse e
da cidade, suplicando ao rebelde que espoliara na vés-
procurasse conhecê-lo, contrapondo-se, no que é nor-
pera, o prestígio do seu voto.
mativo, aos inimigos gratuitos que disseminaram sob a
Esses dois fatos impressionaram, sobremodo, Bry-
forma de falsa ciência os erros de suas imperfeitas
ce, que deduziu logo ser o povo um carneiro político e
observações.
a arrogância negra fruto da maldade da raça.

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Da afeição do antropologista moderno para o ob- uma cidade atrasada, onde esfervilhava uma grande
jeto de seus estudos, vicejam na árvore da antropo-so- população de cor. Dos brasileiros só conviveu estrei-
ciologia os frutos preciosos que constituem mais um tamente com um: D. Pedro II. Estabeleceu-se entre
passo avançado para um perfeito entendimento entre eles um comércio de simpatias e amizade, que predile-
os homens. E oxalá se multipliquem pelo mundo das ções comuns pelas letras contribuíram para consolidar.
ciências modernas de após guerra, o número dos Ar- Mas nem por isso o diplomata francês abriu mão dos
thur Ramos para que a Atropologia Social se expurgue preconceitos com que nos olhava. A sua correspon-
de vez, daqueles apressados conceitos espalhados pelos dência particular revela que para ele não passávamos
unilaterais do século XIX. de um país de negros.
Agora que o século XX procura alcançar numa Um incidente de ordem pessoal deve ter contri-
vertigem voraz a sua segunda metade, temos a certeza buído para a antipatia com que nos observa. Exilado
que os discípulos do mestre brasileiro sairão a campo num país tropical, sem as facilidades amorosas tão co-
empunhando armas mais sólidas, para o estudo da for- muns noutros onde já fora e onde ainda devia ser
mação do povo brasileiro, com bases mais seguras do acreditado, o elegante diplomata cuja finura fisionômi-
que aquelas usadas por Oliveira Viana, que educado ca e cuja barbiça lembram o Aramis de Alexandre
pelo chulo romantismo do século XIX e de pretensio- Dumas, teve, num teatro carioca, um incidente lamen-
sos observadores, verdadeiros manequins de salão como tável. Segundo tradições da época numa noite de es-
Gobineau. petáculo, pensou que encontrara numa senhora brasi-
E não erramos em chamar o diplomata francês com leira a Duquesa de Chevreuse que lhe faltava e foi-lhe
tal epíteto. Gobineau, julgando o negro brasileiro, por à fala, sem tir-te nem guar-te. Pessoa da família e
certo estava ainda sob a influência dum atrito que por das mais cotadas, o Visconde de Sabóia, sem ligar im-
aqui teve. portância à sua ascendência ft/cíng' e aos seus vinte e
Contar-vos-emos o incidente, nas palavras de Ba- quatro quartéis de nobreza escandinava, espalmou-lhe
tista Pereira, relatado em seu livro: "O Brasil e a a mão no rosto. O Aramis normando-y:Á::ng subiu à
Raça". Diz o livro: "Para Gobineau só as raças intei- serra. Só mesmo num país de bárbaros um selvagem
ramente brancas têm o valor e direito ao Sol. Para Go- moreno teria o topete de perder o respeito a um neto
bineau, o arianismo é o Moloch ao qual se devem sa- de Odin, que era, além do mais, um íntimo amigo do
crificar as raças mescladas." Imperador. "Pays de Souvages" — resmungava ele,
Esteve ele no Brasil em 1868, como Ministro de no átrio do teatro, passando o lenço no frontespício
Napoleão III. Era o Rio, realmente, como ele o pinta, avariado.

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Desde aí que ê!e nos pôs no índex.
As suas teorias raciais esbraseadas pelo calor da
face fustigada, vulgarizaram-se-lhe num ódio implacá-
vel. Eis aí porque o Sr. Gobineau não via no Brasil
senão um país de negros, inspirando a Lapouge a ri-
dícula profecia de que estes em breve dominariam os CAPÍTULO t !
brancos e que o Brasil africanizado, dentro de algum
tempo não passaria de um Congo Sul-Americano. O ELEMENTO AFRO-BRASILE1RO E O RECO-
Eis uma grande verdade sobre Gobineau. E as- NHECIMENTO DOS DIREITOS FUNDAMEN-
sim outras deveriam ser ditas. Somente agora os pa- TAIS DA PESSOA HUMANA EM FACE DO
péis se invertem. É um negro que a diz sobre o auda- SERVIÇO SOCIAL
cioso e arrogante D. Juan improvisado, condenando-
lhe também a fa!sa ciência e homenageando a verda- l — DecZaracáo ÍZniyersa? cfos Dt're;Yos Jo Homem.
da científica de Arthur Ramos que como Ripley, nos 2 — .A 7?euo?Hcáo francesa e a Cowencáo Naciona/ A?
Negro. 3 — .á ex:'sf<?ncía do preconcebo Je cor e sua
Estados Unidos, sabe fazer no Brasil uma grande obra denuncia à Nação. 4 — /nquérifos, pesquisas e soZucões
de Antropologia. — EsfafísHca
O negro deveria ser estudado, na sua cultura
afro, na sua estrutura etnológica e antropológica e 1. Isto posto, é que o homem, como "índice bio-
depois na sua condição de escravo, como observa Gil- lógico". tem aspirações legítimas na Terra e, como
berto Freire e como quer Arthur Ramos que já traba- "centelha da luz eterna", aspirações superiores do in-
lha nesse sentido, ao lado de uma plêiade de jovens finito, é que o Serviço Social cuida da pessoa humana
da moderna geração. assegurando-lhe os direitos e apontando-lhe os de-
Após isso será justo que se diga se ele presta ou veres.
não; se é tipo antropològicamente inferior ou não; se Já as Nações Unidas ^considerando que o reconhe-
é digno do nome de homem ou não. cimento da dignidade intrínseca e dos Direitos iguais
E é essa a obra que devemos, nós os Assistentes e inalienáveis de todos os membros da família humana
Sociais, por intermédio do Serviço Social, e de todos é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no
os brasileiros de boa vontade, empreender. mundo; considerando que o desconhecimento e o des-
prezo dos direitos do homem resultaram em atos barba-*

— 25
Tos que ultrajaram a consciência da humanidade e que a fim de que todos os indivíduos e todos os órgãos da
o advento de um mundo em que os seres humanos sociedade tendo-a sempre em mente se esforcem atra-
gozem de liberdade de palavra e de credo e da liber- vés do ensino e da educação, pelo incentivo do respei-
dade de viverem a salvo do temor e da miséria, foi pro- to a esses direitos e liberdades e pela adoção de me-
clamado como a mais alta aspiração do homem comum; didas progressivas, de caráter nacional e internacional
considerando que é essencial que os direitos do ho- que assegurem seu reconhecimento e observância".
mem sejam protegidos por um regime de Direito para Esse é o caminho a seguir pelo homem na face da
que o homem não se veja obrigado a lançar mão como terra. Trabalhar para o bem comum. Como resultan-
supremo recurso, da revolta contra a tirania e a agres- te naturalmente obterá sua própria perfeição.
são; considerando que os povos reafirmaram sua fé
A Revolução Francesa também não foi realizada
nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e
sem outro objetivo, senão o de amparar todos os di-
no valor da pessoa humana e se decidiram promover
reitos e liberdades do homem que jaziam sepultados
o progresso social e melhores condições de vida dentro
pela prepotência. Fase difícil aquela para a humani-
de um conceito de liberdade mais ampla", através da
dade, mas no entanto venceu a razão e com ela o pró-
Assembléia Geral, proclama:
prio homem alevantou-se mais nobre e mais perto da
"Todos os seres humanos nascem livres e iguais sua perfeição.
€m direitos. Todos são dotados de razão e consciên-
Como já vimos aqui no Brasil, apesar de existir
cia e devem se tratar mutuamente dentro de um espí-
a legislação magna com um dos dispositivos sagrando
rito de fraternidade". esse princípio de igualdade que é o anseio eterno do
E acrescenta ainda: homem, sabemos que justamente pelas razões apresen-
"Todo indivíduo tem acesso a todos os direitos tadas na primeira parte, o homem negro e seus des-
€ a todas as liberdades proclamadas na Declaração cendentes ainda sofrem muito de restrições e falta
Universal dos Direitos do Homem sem distinção de total de amparo.
espécie alguma, seja de raça, cor, sexo, idioma, credo 2. Inspirados pois nos ideais bilaterais como
político, religioso ou de outra natureza, origem nacio- aqueles da revolução francesa, homens de boa vonta-
nal ou social, fortuna, nascimento ou qualquer outra de resolvidos em orientar, desagravar e esclarecer si-
condição". tuações em um conclave havido na cidade de São Paulo,
A Declaração foi proclamada "como ideal comum objetivaram um mínimo de reivindicações de que care-
a ser atingido por todos os povos e todas as nações, cia o elemento afro-brasileiro.

26 — — 27
De fato, a Convenção Nacional do Negro Brasi- consciente desse direito, da realidade angustiosa de
leiro, além de constituir um acontecimento de elevado sua situação e do acumpliciamento de várias forças in-
alcance sócia], foi em novembro de 1945 o marco da
teressadas em menosprezá-lo e condicioná-lo.
Segunda Abolição do Negro Brasileiro, no momento
em que todas as forças vivas da nação se arregimen- Eis porque conclamando todos, políticos e religio-
tavam e se articulavam em prol da redemocratização, sos, homens e mulheres, nacionais e estrangeiros, gen-
também o elemento afro-brasileiro num trabalho de te de todas as raças e de todas as cores e principal-
conjunto eficiente e construtivo trouxe a sua palavra mente os homens públicos do Brasil se propuseram
e expôs as suas reivindicações, após o exame detido e conseguir:
escrupuloso sobre a sua situação atual, não somente, a) Que se torne explícito na Constituição do
mas também no passado e em face do futuro. nosso país a referência à origem étnica do povo bra-
sileiro constituído das três raças fundamentais: a indí-
Dessa análise verifica-se que mais do que nunca,
é imperioso realizar-se um trabalho de unificação e gena, a negra e a branca.
coordenação para que com todos os esforços e anseios &) Que se torne matéria de lei na forma de cri-
o ideal da Abolição se torne de agora em diante uma me de lesa-pátria o preconceito de cor e de raça.
realidade expressiva sob todos os títulos. E foi assim c) Que se torne matéria de lei penal o crime pra-
que formulando principies básicos de reivindicações e ticado nas bases do preceito acima, tanto nas empre-
de Direito que de fato lhe foi outorgado por aquele sas de caráter particular como nas sociedades civis e
magno acontecimento, não puderam, entretanto, ser nas instituições de ordem pública e particular.
completamente concretizados em conseqüência de con- d) Enquanto não for tornado gratuito o ensino
dições estranhas à sua vontade, quer no domínio eco- em todos os graus sejam admitidos brasileiros negros,
nômico, social, intelectual e moral. O elemento afro- como pensionistas do Estado, em todos os estabeleci-
brasileiro teve a consciência de sua valia no tempo e mentos particulares e oficiais de ensino secundário e
no espaço, como os convencionais franceses da grande superior do país, inclusive nos estabelecimentos mili-
revolução, e ao mesmo tempo a coragem que sempre tares.
lhe faltara de se utilizar de sua própria força. Gui- e) Isenção de impostos e taxas tanto federais
ou-se por si mesmo. Proclamando com altivez a sua como estaduais e municipais a todos os brasileiros que
constituição somática de descendente da raça negra, desejarem se estabelecer com qualquer ramo comer-
tornou-se responsável por seu próprio destino sem cial, industrial e agrícola, com capital não superior a
atutelar seu direito a quem quer que fosse. Ciente e
Or$ 20.000,00.
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— 29
verava: "O que nos importa entretanto no momento
^) Considerar como problema urgente a adoção é abordar este ponto (o do preconcebo de cor) e estu-
de medidas governamentais visando a elevação do ní-
dá-lo sob aspecto altamente doutrinário para demons-
vel econômico cultural e social dos brasileiros.
trar que no instante atual da civilização nesse momento
g*) Poderá se pensar nessa altura que um grupo da história de nossa pátria em que procuramos im-
distinto, como esse afro-brasileiro organizando-se para plantar uma democracia, não nominal, mas de bases
enfrentar por si mesmo tão magno problema, poderá humanistas na qual devem ser respeitados todos os
incindir num erro ou criar um problema sério qual seja direitos do homem, estejam de pé, permanentemente,
o da discriminação racial. Entretanto assim não é, em nossa Carta Constitucional, que, queira Deus seja
pois, no Brasil é necessário que se diga e com firmeza, Carta definitiva, estejam de pé, permanentemente, es-
esse problema da discriminação racial, do preconceito ses direitos do homem de todas as condições e de to-
de cor já existe. Velado é verdade, sem os tons car-
das as raças". E depois o senador carioca faz o céle-
regados em que está tisnando a democracia americana,
bre discurso, analisando esse estado de coisas no mun-
mas de sua existência interna não mais se pode olvi-
do e principalmente no Brasil, combatendo tenazmen-
dar. E são nossos maiores, nossos homens de letras,
nossas personalidades de relevo no mundo político, so- te todas as formas de racismo e de discriminação
cial que assim nos asseveram. E para darmos uma pá- racial.
lida idéia dessa verdade, a fim de que os racistas en- Após esse discurso de 14 de março de 1946 na
cobertos e os incautos tomem conhecimento de que o Assembléia Nacional Constituinte, ainda o mesmo se-
véu já está descoberto, citaremos algumas opiniões que nador coerente com o que pregara, num debate público
confirmarão nossa asserção. provocado pela Convenção Nacional do Negro, em
3. Em plena Assembléia Constituinte de 1946, resposta a um aparte, teve ocasião de afirmar que "os
o parlamentar Senador Hamilton Nogueira interroga- pretos não estão em absoluto criando uma questão. A
va: "Existe no Brasil uma questão racista?" — E ele questão de fato existe já suficientemente registrada
mesmo o respondia: "É possível que não exista nas pelos sociólogos e, mais do que isso denunciada pelos
leis, mas existe de fato, não somente em relação aos próprios prejudicados, os negros cujos direitos de ci-
nossos irmãos pretos como em relação aos nossos ir- dadãos brasileiros são freqüentemente sonegados"
mãos israelitas. Há uma questão de fato: restrição da (30/4/46). E isso é uma grande verdade. Ninguém
entrada de pretos na Escola Militar, na Escola Naval, melhor que o próprio negro pode sentir o preconceito
na Escola de Aeronáutica e principalmente na carreira
de cor.
diplomática". E continuando a sua oração-libelo asse-
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30 —
e Grego no Instituto Lafaiete e outros colégios cario-
4. Para darmos uma prova concreta dessa amar-
cas, também critica com acerbo a nossa propalada de-
ga verdade, citaremos a opinião sincera do Dr. Lau-
mocracia. E sua opinião, além de trazer o selo da
rindo Pompilho da Hora, um médico mulato que foi
experiência própria, vem enriquecida e escoimada dos
educado na Itália e para cá regressou após uma ausên-
recalques que seriam naturais, não se tratasse de um
cia de vinte anos fora de seu torrão natal, pois o mes-
dos valores novos da geração negra do Brasil, que com
mo é natural da Bahia. Elemento esse que na Europa
tanto brilho tem emprestado o seu saber, lecionando
freqüentou os melhores centros culturais e manteve
com eficiência, não só, mas também como político de-
sempre boa amizade com excelentes famílias de dife-
mocrata que é. Diz ele: "Esse Mundo tão grande é
rentes países; principalmente em Nápoles, era estima-
composto de negros, mestiços e mulatos. O negro so-
díssimo por todos que o conheciam. No entanto, de-
fre, e apesar das aparências em contrário é tido à mar-
vido à guerra, viu-se obrigado a retornar e qual não
gem da vida nacional. Democracia eqüivale a governo
é o seu espanto ao perceber que no Brasil o elemento
do povo. Entretanto a democracia é a seguinte: até
negro e seus descendentes sofrem por parte de gran-
agora não existiu um presidente negro, ministros de
de número de pessoas, entidades e certos agrupamen-
Estado, juizes negros, generais e almirantes. Os ne-
tos, o malfadado preconceito. O "Diário Trabalhista"
gros observam que a democracia existente entre nós.
que se fundara naquele ano, iniciava por meio da "Con-
não pode alcançar o seu ideal. Democracia para os
venção Nacional do Negro" uma série de reportagens
negros tem sido o direito de limpar ruas, construir pré-
sobre o problema do afro-brasileiro e esse médico em
dios onde não podem morar. É por isso que trazemos
carta para a redação assim externava a sua dor e de-
em nossos corações dores de séculos. Não temos ódios
cepção com relação às restrições por ele observadas:
mas não podemos reprimir os nossos protestos pelo
"no nosso país desde que a escravidão íísico-materia!
passou para a liberdade constitucional, foi substituída desrespeito às nossas leis, por essa falsificação do es-
pela escravidão moral e dos valores intrínsecos da per- pírito democrático" (3/2/46).
sonalidade. Aqui nesta terra de negros, mulatos e cri- Não só esses dois jovens, negros cultos de nossa
oulos, onde raças se fundem em um só bloco, existe terra denunciaram o preconceito contra o negro. Tam-
uma luta surda e passiva contra a gente de cor, só por bém o Pro^. Guerreiro Ramos a^rma como eíemenío
ser de cor" (12/3/46). descendente de negro que exisíe essa òarreira coníra
o ne#ro (24/3/46). E o escritor negro Raimundo Sou-
E assim como esse médico afro-brasileiro, também,
sa Dantas chega até a dar certas indicações para a re-
um seu irmão, o Dr. José Pompilio da Hora, advogado
solução do problema quando afirma.: "Para a extinção
formado em Nápoles e atualmente, professor de Latim
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32 —
do preconceito de cor, acredito numa campanha desen- Cláudio do Nascimento (9/5), Aladir Custódio
volvida no particular da prática positiva da democra- (10/5), Maria de Lourdes Vale (16/5), Corsino de
cia não somente econômica, mas política e humana" Brito (4/7), Solano Trindade (12/7), Honório Ge-
(1/8/46). Outro elemento negro também dessa mo- rônimo de Santana (28/7, Izaltino Veiga dos San-
derna geração é o Prof. Luiz Lobato, que interessado tos, etc.
em estudar mais de perto as coisas desse ridículo pre- Porém não foram somente negros e seus descen-
conceito, prestou também o seu testemunho dizendo: dentes que denunciaram a existência funesta dessa dis-
"Já foi sobejamente provado que o preconceito racia! criminação. Vários elementos da raça branca, bons
e sua variante — o preconceito de cor — é uma técnica brasileiros democratas, vendo tão somente a unidade
de dominação econômica de um povo sobre o outro, da nossa pátria, selo comum de nossas aspirações, sen-
de uma casta sobre a outra, de uma classe sócia! para tindo eles também a grande injustiça social, protesta-
justificar a escravidão de outra enfim!. A campanha ram e apontaram outrossim à consciência nacional essa
cultural que vimos empreendendo nestes últimos anos, farsa e sonegação de direitos a uma gente que também
tem demonstrado que o preconceito de cor está ligado ou melhor mais que outra qualquer ajudou o trabalho
estritamente ao problema econômico do negro brasi- do Brasil.
leiro" (18/7). Assim o poeta Rossini Camargo Guarnieri, que
Também Aguinaldo Camargo declara: "O negro desde os dias amargos de perseguição policial aos ne-
mais que qualquer outra classe social, sofre todos os gros paulistas se destacou como um verdadeiro homem
horrores do capitalismo internacional. O lar do negro de letras de seu tempo, colocando-se corajosamente
é um mar de misérias" (17/2/46) . E assim além des- ao lado de seus oprimidos irmãos de cor diferente, ten-
sas legítimas expressões de elementos descendentes da do feito várias observações sobre o assunto, declara:
raça negra, muitíssimos outros valores negros confir- «O negro no Rio de Janeiro não sofre, com tanta in-
maram a existência desse cancro social na nossa de- tensidade, a influência do preconceito racia! como em
mocracia e entre eles podemos citar Abdias do Nasci- São Paulo. Atribuo essa situação ao fato de na for-
mento (15/11), Fernando Oscar Araújo (18/1), mação histórica do povo carioca haver o caldeamento
Claudemiro Tavares (24/1), Sinval Silva (30/1), de raças se processando com maior percentagem de
Valdomiro Machado (7/2), Tibério Wilson (3/2), sangue negro. Além desse fator é preciso que se con-
J. Rui Moreira e Rezende de Jesus Amaral (12/2), sidere o fato da população do Rio ter recebido uma
Arinda Serafim (13/2), Ademar Homero (16/2),Iro- contribuição mais uniforme de raças européias com pre-
nides Rodrigues (16/3), Walter Cardoso (23/3), José ponderância do elemento português, tradicionalmente

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liberto de preconceitos raciais. Em São Paulo a situa-
ção do negro é simplesmente horrível. Além do pre- até absurdo. Aliás esse fato paulista modernamente é
conceito disseminado no espírito da população bran- o pior atentado sofrido pelos negros em terras brasi-
ca é preciso considerar a volúpia que certas autorida- leiras. Não faltou, porém, graças a Deus a intervenção
des manifestam de vez em quando na perseguição aos autoritária de escritores, políticos e até de membros
negros. Nos começos de 1944 uma autoridade policial das forças armadas como o ínclito General Rabelo
resolveu de um dia para outro que eles deviam ser que naquela ocasião declarou que a sua espada estaria
afastados de certas ruas da capital bandeirante. Com pronta para se desembainhar a favor dos direitos do
esse propósito foram praticadas muitas violências. Não homem negro brasileiro, que como outro qualquer é
conseguindo subornar os dirigentes negros com pro- cidadão obreiro do progresso da pátria.
messas quase sempre fictícias dos bons empregos a au- Outra figura marcante da inteligência brasileira
toridade exasperou-se e desmandou a praticar verda- é o Professor Joaquim Ribeiro. Estudioso arguto dos
deiros desatinos, sob as vistas complacentes do gover- problemas da sociologia, folclore e literatura, também
no do Estado. Fechou salões de bailes localizados na traz sua contribuição e seu depoimento e sempre aca-
parte central da cidade num acintoso desrespeito à le- tado pela sua sólida erudição, a par do brilho que re-
tra e ao espírito de nossa legislação sobre o Direito do veste suas idéias.
Homem; proibiu o trânsito de negros pelas ruas do
Sobre esse tão palpitante tema da vida nacional,
triângulo como se nós estivéssemos em plena Dtx:e na
em uma entrevista que aqui transcrevemos diz ele o
América do Norte, onde uma população excitada por
seguinte: "Não há dúvida que existe de fato um pro-
agitadores profissionais massacrou um regimento ne-
blema do negro no Brasil. Não problema racial mas
gro que acabava de regressar dos campos de batalha
essencialmente social e psicológico. O aspecto social
onde lutara em defesa da liberdade e da democracia.
deriva da situação econômica em que se encontram,
Os negros de Los Paulo Liso se assustaram com a tru-
atualmente, os descendentes dos antigos escravos. A
culência do beleguim social e valendo-se de seus direi-
abolição foi um ato liberal e justo mas imprevidente
tos protestaram e resistiram. Sinto-me orgulhoso de
porque não cuidou como devia cuidar da defesa da
ter participado como escritor antifascista, da campanha
família negra. A lei libertadora foi de caráter pura-
desencadeada para defender o homem de cor do meu
mente político e primou pela falta de conteúdo econô-
Estado» (25/1/1946) . Eis por um depoimento va- mico e social. Esse fato deplorável trouxe tristes con-
liosíssimo para constatar a que ponto chegou a ques- seqüências para os descendentes dos escravos: aniqui-
tão de preconceito de cor em alguns Estados do Brasil, lou-os numa situação de classe abandonada e despro-
tegida sem outras garantias que as ficções liberais. De-
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ram-lhe liberdade, mas não lhe deram nem casa, nem de recursos necessários a um nível de vida satisfatório
alimento, nem trabalho, nem meios de instrução. O e aos meios de instrução. Sem essa base não é possí-
resultado social dessas condições objetivas provocou vel conjurar a lastimável situação atual e nem tampou-
uma pequena e reduzida mobilidade vertical — empre- co é viável qualquer estímulo à mobilidade vertical para
go esta expressão no sentido da técnica de Pitiun So- as profissões liberais. Julgo que enquanto a nação
rokin, o conhecido sociólogo russo-americano da Uni- não resolver essa questão, o negro continuará a ser
versidade de Harvard — do elemento negro para as coisa pior do que era no Império: um escravo sem
classes elevadas do meio social. Assim é que entre os senhor. É claro que esse problema não tem merecido
advogados, médicos, engenheiros e intelectuais, a per- .a atenção devida dos nossos governantes. Atribuo
centagem de negros é muito pequena, principalmente essa pouca atuação dada a este problema ao precon-
num pais como o nosso em que o coeficiente demográ- ceito que deploràvelmente ainda existe. Apesar de nós
fico dos negros não é pequeno. Ora, essa ausência afirmarmos constantemente que no Brasil não há pre-
de mobilidade vertical progressiva quase nula na rea- conceito contra o negro, os fatos desmentem a asser-
lidade é a prova mais nítida de que os negros não dis- -ção. Nós ainda temos redutos que desarrazoàvelmente
põem de recursos para vencer os obstáculos econômi- conservam a tola tradição de preconceito. É fácil apon-
cos e porventura os preconceitos sociais. A questão tá-los. No Itamarati, por exemplo, negro nunca é
social do negro é pois uma questão econômica. O que aproveitado nos postos diplomáticos. Só há casos de
é necessário é que a nação cumpra com o que a Aboli- mulatos disfarçados. Qual o nosso Embaixador negro?
ção não pôde ou não quis cumprir, isto é, garantir a Não existe. Outro reduto do preconceito é no oficia-
reabilitação econômica do negro, colocando-o em igual- !ato da Marinha. Qual o nosso Almirante negro? Só
dade de condições com os demais elementos étnicos da houve um e apenas por algumas horas de revolução:
sociedade. É possível realizar-se concretamente essa o marujo João Cândido. Ora isso que digo é a verda-
reabilitação. A iniciativa deve partir do Estado e deve de comprovada pelos fatos concretos e reais. Já é tem-
estar subordinada a um programa econômico-social po de acabar com as reminiscências desses precon-
predeterminado, cujos itens principais, a meu ver, co- ceitos que constituem a vergonha da civilização"
gitarão do seguinte: (27/1/46).

1) Serviço de Assistência Social à família negra Vê-se daí como sincera e construtiva essa lição
(casa, alimento, saúde, trabalho); de democracia que nos dá o inclito professor da Uni-
2) Serviço de Assistência Cultural ao estudan- versidade do Brasil. Se esses sábios conselhos fossem
te negro (bolsa de estudo). O que o negro precisa é .aplicados pelos nossos governantes, desde há muito

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que teríamos solucionado esse tão grande problema. assim se exprime: "Considero antes de tudo o pro-
Da mesma opinião também é o Dr. Rômulo de Almei- blema do negro um capítulo do grande problema so-
da que assim se expressa: "Opino que sim. sobre a cial. Enquanto perdurar males econômicos, sociais e
existência de uma questão do preto no Brasil — e acho políticos que nos afligem não se pode pensar em dar
contraproducente ocultá-la ou desconhecê-la, embora uma solução definitiva à chamada questão negra, Não
essa atitude seja para muitos inspirada no desejo de quero dizer com isso que não exista o preconceito de
que não houvesse ou no vão intento de contribuir para cor no Brasil, nem que se deva fazer desde já todo es-
que a sociedade a esqueça. Em grande parte o pro- forço no sentido de combatê-lo. Apesar de todos os
blema do preto é o problema do povo, do povo pobre desmentidos e do jogo de palavras, o fato concreto é
mas está longe de ser apenas isso. Persiste também que no Brasil o negro não é bem recebido e muitas
um preconceito que tem sido quiçá reforçado por al- vezes não é aceito em inúmeras carreiras cujas glórias
guns fatores: as correntes imigratórias provindas de são tão caras a certos medalhões. É dever de todos
povos com sensível consciência de superioridade social, nós de qualquer forma contribuir para a dignificação
os reflexos dos pruridos racistas e a coincidência de se do trabalho e do trabalhador e nestas condições abrir,
sedimentarem os pretos na cômoda de inferior condi- exigir para os negros todas as oportunidades e situa-
ção educacional, técnica e econômica, fato em que mui- ções a que nas democracias devem ter acesso os ho-
tos encontram a "Evidência" um "documento" de in- mens de qualquer cor" (16/8/46. E para pormos um
ferioridade racial. Antes mesmo que se esclareça a fim a esta série de depoimentos que constituem a mais
consciência contra o preconceito já se deve extirpar séria base de denúncia até hoje, no Brasil, feita atra-
qualquer manifestação ostensivamente discriminatória vés da Convenção Nacional do Negro, vamos rematar
na área de influência do Estado e nos órgãos sociais com a sempre nova e autorizada palavra dos Profs.
como as Igrejas, os clubes, as escolas, os partidos. Gilberto Freire e Arthur Ramos, que entre os pesqui-
Deve ser declarado fora da lei qualquer discrimina- sadores de raça branca são no Brasil as maiores ex-
ção racial nas atividades estatais e nas relações de pressões nos estudos sobre o negro de nossa terra.
trabalho em quaisquer empresas privadas (28/2/46) . Gilberto Freire analisando com Aguinaldo Camargo
Não há dentro da intelectualidade brasileira quem o livro deste último intitulado «Os Problemas do Ne-
cem honestidade não sinta a existência desse fato so- gro Brasileiro", dizia: "A existência do preconceito de
cial. E para acrescentarmos outra opinião valorosa., cor no Brasil remonta há vários séculos. Vem mesmo
trazemos a palavra de Ricardo Werneck de Aguiar, antes do Império, isto é, desde o Brasil-Colônia. H
um estudioso dos problemas artísticos e sociais que temos que observar que o preconceito dos europeus
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não era só contra o negro, mas também contra todos o das classes. Em outras palavras, as discriminações
os homens aqui nativos. Fomos porém com o correr à base de cor se reconhecem em última análise pelas
-dos tempos vencendo a Coroa. Homens nossos foram causas econômicas. Ê preciso não esquecer que o ne-
quebrando com a sua inteligência e cultura os azedu- gro no Brasil, só em dado relativamente recente, emer-
me, da nobreza de além-mar, como o fez José Bonifá- giu da escravidão — esse terrível "handicap" econômi-
cio e outros. E desta maneira a existência preconcei- co. Empreendeu a sua marcha livre desajudado de to-
tual foi-se atenuando até chegar às formas de hoje. dos, não podendo concorrer com o braço estrangeiro.
No caso do negro porém a luta ainda é grande aqui Até hoje sofre esse estado de coisas. O preconceito
no Brasil e somente um trabalho profícuo de uma ge- de cor é um fenômeno de racionalização histórica, ou
ração bem formada de elementos da raça poderá or- melhor, um pretexto, uma estereotipia que ocultam os
ganizada vencer as barreiras ainda impostas. Porém verdadeiros fatq,res econômicos (D. T. 9/2/46).
há um perigo. E isto é o de recrudescer esse preconcei- Assim se manifestam nossos maiores no presente.
to de cor, caso esse movimento ou essa luta não forem Pena entretanto que tanta boa intenção no passado
bem orientados dentro dos postulados sociais e cientí- tenha se perdido com o ato precipitadíssimo e ao mes-
ficos". Vê-se pois que nosso maior sociólogo apenas mo tempo insensato de Rui Barbosa, quando Ministro
tem receio que devido a uma sua orientação das elites da Fazenda, em Circular n*? 29 de 13/5/1891, que
negras brasileiras, esse preconceito venha aumentar. numa profunda imprevidência ou desconhecimento to-
Quer isto implicar já na sua existência, como ele mes- tal da realidade sociológica, ordenou que se queimasse
mo o afirma, embora acredite o mestre pernambucano tudo que fosse relacionado com a escravidão no Brasil.
como Caio Prado, que a cultura e a posição social ate- Com esse gesto, de verdadeiro louco, talvez por pa-
nuem esse preconceito que desde há muito campeia triotismo, o nosso Ministro da Justiça daquele tempo
pelo Brasil. Arthur Ramos depõe: "Não existe só um e grande figura da primeira República liquidou a ver-
problema, mas vários problemas do negro no Brasil, dadeira fonte informativa de assuntos oficiais sobre o
sociológico, antropológico, biológico, etc. E podemos negro.
responder que esse problema existe embora de ma- Sobraram apenas os trabalhos particulares. E
neira diferente da de outros países, no que concerne, sempre foi assim; bem poucos tiveram a coragem, po-
por exemplo, à "linha de cor". Não se pode deixar rém, de afirmar com honestidade as qualidades e van-
de reconhecer a existência de castas quando conven- tagens da incidência do Negro no Brasil.
cem minorias étnicas variadas. No Brasil, porém, o O grande General Manoel Rabello, de saudosa
problema das castas é atenuado e se confunde com memória, o decidido amigo dos homens de pele tis-

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42 —
mar conhecimento deste instrumento Oficiais do Es-
nada, no processo em que era acusado o i ? Tenente tado-Maior e aqueles que pertencessem aos diversos
Aviador (preto) Benedito Alves do Nascimento Fi- Serviços ligados à seleção e à admissão dos candida-
lho, por ter reagido, como homem e com dignidade de tos ao Oficialato. No Batalhão de Guardas, na polí-
caráter, aos insultos que lhe dirigira um seu colega cia do Exército, não admitem negros; não precisa nada
(branco), insultos estes diretos à sua cor, ao proferir mais do que a observação da ausência de elementos de
o seu brilhante voto de juiz, entre outras coisas, acen- cor naquelas Corporações para prová-lo. Não citare-
tuou: 'Wão conAepo .País no AÍHncfo oncfe o Precon- mos alguns casos porque é irrefutável tal afirmação.
cebo de Cor se/a maior c?o que no Brás:/ .. . "O Dr. Cavalcanti, Major Médico do Exercito,
E ninguém ousou contraditar tão grande verdade, declarou-nos que recebeu uma ordem para julgar in-
testemunho mais insuspeito, sentença mais real. E capazes todos os Negros que se submetessem à inspe-
para exemplificar e consubstanciar o seu veredito, ção de saúde, com o fim de ingressar nas escolas su-
citou o saudoso Apóstolo do Bem, revestido da toga periores militares".
de Ministro do Supremo Tribunal Militar, o lamentá- O Prof. Dr. Castro Barreto em seu livro "Estu-
vel caso ocorrido com um menino ?7iH/aío, então Ma- dos Brasileiros de População" cita um caso interessan-
jor-aluno do Colégio Militar e que por duas vezes ti- te de preconceito de cor. no branqueamento do açúcar
vera dificuldades para ingressar na Escola Militar, com o objetivo de clareá-lo, de torná-lo branco, e tal-
embora fosse um protegido do não menos lembrado vez houvesse neste fato a projeção do fenômeno so-
General Moreira Guimarães. cial da época, o preconceito de cor. de que o nosso
Intrigado com o fato, procurou S. Ex^ dele to- folclore é tão rico:
mar inteiro conhecimento e, em caráter secreto (é ele, O Branco é da cor de prata.
o gen. Rabello quem diz) lhe informaram que "O Negro da cor de urubu. ..
Rapaz Era Mulato" (Do voto citado). Ainda no Sa-
lão Nobre do Automóvel Club, na comemoração da O preconceito foi de tamanha ordem naquela
Libertação dos Escravos, no dia 13 de maio de 1943, época, que foram tomadas medidas que empobrecem o
o General Rabello declarou em discurso, que no Exér- produto e a indústria, aguçada pelas exigências siba-
cito existia um "Boletim Secreto", proibindo a entrada ríticas do homem civilizado, vai causando outros ma-
de Negros no Oficialato do Exército, só podendo to- les: "A preocupação do refinamento desses açúcares
chegou a exigir das indústrias até o emprego de subs-
(!) "O Problema do Negro Brasileiro" -— Aguinaldo O.
tâncias para anilá-los, como sejam azul da Prússia,
Camargo.
, 45
anil e azu! ultramar, tolerados pelo nosso Regulamen- dos os cidadãos participassem no Poder, — deste modo,
to em seu artigo 695 § l*?". Entretanto substâncias to-* conserva-se a paz social e todos amam e defendem o
xicas, como ferrocianeto férrico, eram empregadas, não regime" (S. Teológica, 1,11 ao Q. 105).
somente a anilagem, para clareamento do açúcar. A ação dos representantes da Igreja Católica foi
menos ativa, menos solícita do que na escravidão dos
"O açúcar bruto ou mascavo é uma substância al-
índios. Somente três papas intervieram durante toda
tamente nutritiva, porque encerra quase todos os ele-
a existência da maldita instituição: Pio H, que em 1462
mentos do "caldo" da cana: sacarose e açúcares re-
"expediu um breve censurando os portugueses por es-
dutores (dextrose e levulose) e não açúcares, como
cravizarem os neófitos da Guiné", Pio VII, que in-
proteínas, pectina, cálcio, ferro, sílica, fósforo, potássio,
terveio já depois de ter a França abolido a escravidão
cobre, sais e ácidos orgânicos, vitaminas e especialmen-
em suas colônias, e Gregório XVI, em 1839, justa-
te os elementos do complexo B. mente no período em que a Inglaterra (por altruísmo
À proporção que o açúcar foi sendo melhor cris- ou por interesse próprio, pouco importa) se empenha-
talizado e "refinado" foi-se alargando o seu emprego, va junto de todos os países, inclusive o nosso, para
especialmente nas grandes cidades, e a preferência pelo a supressão do infame tráfico. E essas raras interven-
açúcar branco tornou-se quase uma obsessão". É ina- ções foram inteiramente nulas- como os fatos nos mos-
creditável essa modalidade de preconceito de cor, até tram à sociedade. O mesmo descaso, a mesma indife-
no açúcar!? rença pela sorte dos escravos africanos se nota por
Outro aspecto chocante na vida social brasileira, parte de todo o clero — bispos, padres, membros das
para os lidadores no Serviço Social, é o "Catálogo de diversas ordens religiosas.
Obras Sociais da Legião Brasileira de Assistência" que Até aquele grande dominicano, cujo vulto majes-
em flagrante desrespeito à dignidade da pessoa hu- toso aparece na história aureolado pela dedicação sem
mana e à nossa Constituição, especificando condições íimites com que se votou à causa dos índios, Bartolo-
de admissão: — Cor. São as seguintes Obras que fa- meu Lãs Casas, não teve idêntico proceder para com
zem restrições ao negro: Dispensário São José, Semi- os infelizes africanos; antes pesa sobre ele a acusação
nário Bethel, Colégio Santa Marcelina, Recolhimento em benefício dos indígenas, aprovado a escravidão dos
Santa Tereza e Asilo Bom Pastor. O que faz pasmar negros. (Cezar Cantú, obr. cit., vol. XII, pág. 191).
é que estas obras declaram que são religiosas e cató- Em nosso país, já vimos (*) que um prelado, D.
licas.
Já no século XI, opinava, sabiamente, o grande (*) Discurso proferido a 28 de setembro e publicado na
doutor da Igreja Santo Thomaz de Aquino: "Que to- Gazeta de Piracicaba de 3 de outubro de 1912.

— 47
José J. da Cunha de A. Coutinho, bispo de Pernam- idéias da época, tolerada pela Igreja, supunha-se legt-
buco, justificou a escravidão dos negros (como, aliás, tima ou de algum modo justificável, nem pertencia aos
dos índios também). Os carmelitas e beneditinos pos- jesuítas averiguar se fossem justa ou injustamente es-
suíam fazendas que eram lavradas por numerosas es- cravos quando na África eram comprados como tais".
cravaturas: em 1858 os conventos carmelitas possuíam (V. Compêndio de História do Brasil, I, pág. 217-
em São Pau!o, 22 fazendas com 704 escravos, e os 218).
mosteiros beneditinos 100 nas suas 6 fazendas. Quan- O Sacerdócio católico foi impotente para dominar
to ao clero regular, o seu proceder acha-se nitidamen- a escravidão moderna, isto é, "não teve prestígio po-
te retratado naquela apreciação, já citada, do velho lítico nem influência moral para impedir que ela reapa-
José Bonifácio, que com a nobre franqueza de quem recesse no Ocidente, e tomasse o incremento que to-
advoga uma causa sagrada, dizia na representação à mou" .
Assembléia Gera!: É a lógica dos fatos, e a lógica não há força capaz
"... o nosso clero, em muita parte ignorante e de a torcer.
corrompido, é o primeiro que se serve de escravos e os Mas a outra parte do dilema que formulamos- não
acumula para enriquecer pelo comércio e pe!a agricul- será também verdadeira ? Será mesmo o espírito, a
tura, e para formar, muitas vezes, das desgraçadas es- doutrina da Igreja Católica, incompatível com a es-
cravas, um harém turco". tr a vi dão ?
E os jesuítas, que foram em toda a América os É o que vamos examinar.
mais estrênuos defensores dos índios, que fizeram ê!es O incidente a propósito do escravo Onézimo, é
pe!a libertação dos escravos ? Ouçamos a palavra de característico. Este cativo convertido ao cristianismo,
um historiador insuspeito para os católicos, o padre foge para junto de S. Paulo e este, em vez de o açoitar
R. Galanti, professor no Colégio de S. Luís, de Itu. ou pleitear a sua liberdade, o devolveu a seu senhor,
Diz ele: a Pilemon, sobre o qual S. Paulo tinha o ascendente
"Perguntam Varnhagem e outros da mesma es- que transparece dos termos carinhosos da sua epístola
cola: Por que não se opuseram os jesuítas ao cativeiro (A Filemon, 8, 9- 14), tão legítima ele julgava a pos-
dos negros, a respeito dos quais não se praticaram me- se do senhor sobre o escravo, tão inconcusso o dever
nores crueldades do que com os índios ? A resposta que corre a este de obedecer.
é fácil. Os jesuítas não reprovaram no Brasil a escra- E realmente se Deus era o Senhor universal de
vidão dos africanos porque não o podiam, nem o de- todos os homens grandes e pequenos; se diante dessa
viam. A importação de negros era legal, e segundo as divina e infinita majestade nivelavam-se o forte e o

48 — — 49
fraco, apagando-se as desigualdades que a vida soí rés do catolicismo. Mas tem tanto peso a autoridade
estabelece entre os homens na terra; se perante ss destes nomes, exerceram uma tão decisiva influência
conspecto augusto deviam comparecer para serem ju. na constituição do catolicismo que, se eles não repre-
gados segundo a mesma lei, que importava a distinçãt. sentam o espírito da Igreja, se não sabem definir e in-
entre senhores e escravos ? O que cumpria a todos é terpretar o seu dogma, pode-se afirmar não haver nin-
que fossem bons, virtuosos, sofredores; e sob esse pon- guém que represente aquele, e defina e interprete este.
to-de-vista, a situação do escravo podia ser considerada
No decurso da escravidão moderna, vemos ainda
até como mais vantajosa, porque colocava cada fiel em
a mesma tradição continuada por sumidades como
melhores condições para a sua salvação. E ante a
Bossuet (1627-1704), a grande águia de Meaux, e pe-
imensidade de gozos prometidos pe!a bem-aventurança
los teólogos, Bailly, Bouvier, arcebispo de Mans, e
celeste aos crentes, numa existência eterna, de todo o
abade Lyon, todos baseando a sua argumentação, já na
sempre, que eram os padecímentos, as torturas a que
íradição dos santos padres, já em passagens da Bí-
cada um podia estar sujeito nesta vida efêmera da blia.
terra ?
Diante desta plêiade de nomes aureolados pelo
Pois bem; aceitaram a escravidão e a defenderam
prestígio de uma autoridade indiscutível, poder-se-á di-
como compatível com as leis divinas e humanas, estes
zer ainda que o espírito da Igreja católica é infenso à
vultos imorredouros, cuja autoridade é universalmente
escravidão ?
reconhecida: S. Cipriano, o ardoroso bispo de Cartago
Por que razão os jesuítas, que se mostraram tão
(ano 200-258 da E.C.); S. Basílio (329-379); São dedicados à causa dos índios, conservaram-se indife-
João Crisóstomo (ano de 347-407); Santo Agostinho rentes à sorte dos escravos africanos ?
(354-430); S. Gregório Magno (450-604); Santo Iná- É o último ponto a ventilar para darmos por con-
cio, bispo de Antióquia (m. em 817); S. Tomaz de cluída a tarefa que nos impusemos, e é o que vamos
Aquino (1225-1274) (*). Todas estas intervenções fazer.
se deram ainda na vigência da escravidão antiga; é O padre Rafael Galanti procura explicar o fato
certo; e não se resume só nestes a lista dos fundado- iizendo que os jesuítas não podiam nem deviam com-
a escravidão dos negros, porque a importação
(*) A necessidade de abreviar estes escritos, que já se vão era legal (!) e segundo as idéias da época, to-
tornando demasiado longos, obrigam-me a prescindir de maiores
considerações sobre o modo e o alcance da intervenção de cada ídas pela Igreja, supunha-se legítima (!) ou de al-
um destes santos padres. Todavia, os interessados encontrarão modo /Hsí:^:'cápef (e não somente tolerável). Eles
mais amplas indicações bibliográficas no Grane? Díctbnaíre áe
Z,aro:?.sse, Vo!. VII, pãg. 857. tinham, pois, que o contrário, porque "os jesuítas

50 — — 51
haviam sido enviados a esta terra com o fim expresso
de converter e civilizar o gentio". com as crenças ingênuas, como as ^e:f:pan'a.s, que for-
Já mostramos o que vale esta distinção casuística mavam o fundo da sua fé religiosa — o fetichismo.
entre escravidão lega! e ilegal, a qua! não se coaduna Nenhum obstáculo se opunha à pseudoconversão dos
com o dever de humanidade, que os obrigava a cobrir africanos, pois aos próprios interesses dos senhores
com a mesma proteção e amparar com o mesmo zelo convinha que eles fossem católicos, para terem-nos
as vítimas da mesma barbaridade, sem distinção de ori- mais obedientes e sujeitos. Para que, pois, libertá-los?
gem, nem de raça. Convertidos, batizados, arregimentados como filhos da
A verdadeira explicação para o caso, reside, a nos- Igreja — a salvação deles devia estar até mais garan-
so ver, na orientação doutrinária dos jesuítas e dos tida do que se fossem livres.
membros das diversas ordens. Com efeito, eles vieram
Acreditamos ser esta a explicação mais simples,
para aqui, não para defender a liberdade dos índios,
de acordo com os dados que possuímos, e a mais sim-
e sim, como diz o padre Galanti, com o fim expresso
pática para o próprio clero.
de catequizá-los, isto é, de convertê-los ao catolicismo,
para salvar-lhes a alma que é o objetivo de toda fé teo- Os que desejarem maiores esclarecimentos sobre
!ógica, e deve ser o móvel primeiro de toda ação sa- alguns pontos desta questão, e os que quiserem conhe-
cerdotal. cer mais detalhes sobre a posição do clero em face da
Ora, a escravidão dos indígenas e os maus tratos escravização, podem ler as seguintes publicações:
infligidos pelos católicos, eram um obstáculo perma- Quanto à escravidão africana: O Positivismo e a
nente à catequese, pois anulavam por completo o pro- Escravidão Moderna, N? 11; Organização do Trabalho,
selitismo tentado pelos padres. Dai a necessidade de N? 54; A Propósito da Agitação Republicana, N? 61;
subtrair os incolas ao domínio dos colonos, daí o se e Abolicionismo e Clericalismo, N*? 65.
tornarem aqueles paladinos à força da liberdade dos Aía:'s um "caso":
índios.
Só nós os Assistentes Sociais, que militamos nas
Já o mesmo não se dava com os africanos. Trans- obras de Serviço Social e particularmente aqueles que
portados brutalmente para a América, eles se subme- exercem sua atividade em Agências ou Centros Sociais,
tiam com docilidade à condição que se lhes criava aqui; como Plantonistas de Casos Sociais, sabem como é cho-
deixavam-se batizar e acompanhavam sem relutância cante e aviltante ser encaminhado um desempregado
as práticas religiosas aconselhadas pela Igreja e ado- que tem como causa do seu desajustamento esse fator,
tadas por seus senhores, misturando-as, fundindo-as e, depois de um longa peregrinação, ser ali o Assistido
recusado, simplesmente por ter a epiderme negra. E
52 —
53
aqui vamos documentar mais uma modalidade de pre-
conceito de cor, com uma transcrição:
"Há lugares, principalmente de escritórios e labo-
ratórios para os quais nos são feitos pedidos, limitando
a admissão aos candidatos de cor branca. Por aí ve-
mos que, sendo estes um pouco mais da metade do to-
CAPÍTULO I 11
tal, as oportunidades reservadas aos demais fica assim
restringida". AO SERVIÇO SOCIAL COMPETE SOLUCIO-
Podemos apresentar como ilustração do que ficou NAR O "CASO" APRO-BRASILEIRO
dito, um quadro estatístico da referida Agência de em-
pregos: SERVJÇO SOCIAL

Cor
Branca ...........
Preta .............
350
92
N A solução dos problemas sociais o Serviço So-
cial, como intérprete e aplicador das leis, no que diz
Parda ........... 179 respeito à dignidade humana, sustenta o princípio de
Cor não registrada 3
igualdade dos seres humanos, empenhando para que
T o t a l 624 as leis a todos favoreça e obrigue igualmente sem dis-
Ora, qualquer negro que tivesse uma experiência tinção de raças, de cor, de classes e de crenças religio-
sas, criando assim um clima democrático (*) .
dessa, sendo recusado o seu trabalho, por ser escuro,
provavelmente não iria em outra agência, porque pode- Embora o Serviço Social, não seja o "princípio"
ria passar mais tarde por maiores constrangimentos e nem o "fim", é evidentemente um "meio". Sua "fun-
ção" precípua "é garantir" a cada homem, como ser
que só o negro sabe sentir.
animal- substancial e racional, a realização de sua mis-
são tanto no plano espiritual, quanto no intelectual,
Boletim da L.B.A. de agosto de 1950.
econômico e social, com base no "bem comum".
Sob o título — "Experiência cie Serviço Sócia/ Numa agên-
cia de .Empregos". Daí decorre a finalidade do Serviço Social, de
Relatório de Hza Rodrigues Gomes. amparar esse homem e estimulá-lo, dando-lhe oportu-

(*) Democracia aqui, não tem o sentido de forma de go-


verno, regime ou partido político, e sim uma ação e responsa-
bilidade partilhada por todos os constituintes do grupo.

54 — 55
nidade para patentear suas virtudes criadoras assim conseguir contradizer essa verdade, não logrando re-
como o desenvolvimento da personalidade, concorren- sultados, ao contrário cada vez mais patenteiam afir-
do para que possa ver realizadas suas legítimas aspi- mativamente que os homens não poderão viver sem o
rações. auxílio mútuo, dependendo quase sempre do concurso
O homem consciente de suas finalidades, necessá- dos outros. Ora a lei imutável da interação determina
rio se torna de um instrumento orientador, asseguran- esse fenômeno que designamos como lei natural.
do-lhe por meio de métodos e técnica especifica, ba- O meio social, que é composto de um emaranha-
seados na ciência, a realização da sua missão na Terra. do de fatos como tradições, costumes, crenças religio-
Este /nsírHTnenío, chama-se Serviço Social. — que sas, políticas, sociais, culturais e de uma maneira de
reconhece e garante todas as liberdades individuais — sentir, pensar, é o mundo que o homem encontra ao
cujo exercício é imprescindível à realização da intera- nascer, já construído, sendo esse complexo de fatores
ção social. biológicos, do meio social e do meio ambiente natural,
O Homem não é um simples "objeto' e sim, um o agente modelador do ser vivo.
ser semelhante ao Criador, cuja personalidade não Como já falamos desde o início, em Serviço So-
pode ser absorvida na trama social, onde irremedia- cial, seria óbvio defini-lo para podermos nos orientar
velmente o mutua e conseqüentemente o desumaniza. nos princípios científicos, pedagógicos e técnicos da
Como criatura de Deus, substância individual com- sua aplicação. Mas, antes de definir Serviço Social,
pleta, composta de natureza intelectual e senhor de devemos conhecer o campo no qual é aplicada a sua
suas ações, autônomo no sentido lato do vocábulo, é a atividade e a sua técnica para a solução dos problemas
base e o fundamento da sociedade, e, destarte, tem di- com que lida (já nem sempre os leitores deste modesto
reito ao respeito e à proteção do Serviço Social. É por trabalho, terão idéia do que será Serviço Social e seus
essa razão que este tem por fim demonstrar que em campos, exemplifiquemos): pobreza, desemprego, fa-
nossa pátria, o Serviço Sócia! além de sua finalidade velas, doenças, delinqüência, problemas emocionais,
específica, terá de lutar para vencer a barreira existen- preconceitos, etc. O indivíduo que é tratado pelo Ser-
te contra o grupo Afro. viço Social pode ser chamado: "Depencfeníe 5oc:aZ" —
O mestre Aristóteles proferiu a sentença de que que é aquele que não tem capacidade para solucionar
o homem é essencialmente um animal social, por con- seu -acaso» — no seu meio sem auxílio de outrem. Há
seqüência, o seu reduto específico é a sociedade. Dos vários fatores da dependência":
milenários tempos até aos nossos dias atômicos, um l?) "A desigualdade dos homens, todos são di-
grupo de homens tem por toda a forma procurado sem; ferentes desde o berço, na educação, personalidade, etc.

56 — 57
2^) Na luta pela vida, há concorrência entre in-
29) Serviço Social de Grupo ou Coletivo;
divíduos desiguais, criando competições na luta pela
sobrevivência. 39) Organização da Comunidade.
De^mícão c?e 5erp:co Sócia/ — "É o conjunto de
S?) Há forças cti#Hra;s que sustentam o indiví- esforços visando aliviar os sofrimentos provenientes
duo e quando estas se enfraquecem, o indivíduo se res-
da miséria (Assistência Paliativa); reconduzir os indi-
sente do fato. O indivíduo que precisa de auxílio de
víduos e as famílias às condições normais de existên-
uma organização torna-se "dependente".
cia (Assistência Construtiva); prevenir os flageles so-
A Dependência tem suas características que são
as mais variadas. ciais (Assistência Preventiva); amenizar as condições
sociais e elevar o nível de vida (Assistência Curativa)
",F;'na/7nenre femos duas — "Bacre 1935 — 59 Congresso de Serviço Social em
Bruxelas".
a) Acreditamos que todo o indivíduo Poríer Lee — Sertão SociaZ "É aquele que
é uma pessoa humana e que por isso tem di- reajusta o indivíduo ao seu meio".
reitos;
&) Há uma grande massa social viven- SERVIÇOS DE CASOS !ND!VtDUA!S OU SOCIAL DE CASOS
do à margem da sociedade sem gozar de seus
direitos, aqui no nosso caso, o negro é a Man/ 7?:'c/!?nonG? — ".Ser^yo de Casos
maioria dos marginais". t?Ha['s:" — Consiste no conjunto de processos, cuja fi-
nalidade é desenvolver a personalidade humana, atra-
Por isso mesmo teremos que tratar desse proble- vés de ajustamentos feitos conscientemente, do indi-
ma separadamente para dar a todos uma vida normal
víduo consigo mesmo, com os outros e no meio onde
e feliz — é isto que visa o Serviço Social.
vive".
0 Serviço Social, procurando prevenir e construir,
O -Serftco 5oc:a/ de Casos usa de
usa de três métodos conforme os problemas.
meios ou instrumentos:
Ãféroc/os ífe <Serp;po .Socfa/ — Para atingir sua
finalidade de ajustar os indivíduos e os grupos, o Ser- a ) Entrevista
viço Social usa os três métodos. & ) Observação
c) Informação de outras obras
1 9) Serviço de Casos Individuais ou Tratamento d) Auxílios técnicos vários.
dos casos sociais;
jpases c?o .Sert^co c?e Casos
58 —
— 59
Para o tratamento de um caso, o Assistente Social
a) Estudo ou inquérito recorre freqüentemente a obras sociais existentes, téc-
&) Diagnóstico ou interpretação nicos- etc., e a solução do problema depende muitas
c) Tratamento
vezes da organização social da comunidade.
O trabalho dos Assistentes Sociais do SESI no S?) Documeníacão
Centro Social 02, dão-nos uma idéia da Entrevista.
Documentos tais como: certidões, carteira profis-
sional, ajudam na compreensão e orientação do caso.
I — PARTE
Entretanto, a principal documentação no caso social
é relatório, conciso e claro, das entrevistas e providên-
cias o que vai constituir o prontuário do assistido.
"O reajustamento de um caso supõe três elemen- São os relatórios, instrumentos indispensáveis
tos fundamentais obedecendo às seguintes fases: para a realização do estudo, diagnóstico e tratamento
estudo, diagnóstico e tratamento. do caso social.
Há continuidade entre elas, tendo em vista sua fi- 4?) A enrret?:sía
nalidade. Podem ocorrer ao mesmo tempo, pois em al-
guns casos, à medida que se vai estudando, vai-se fa- É o instrumento mais importante do S. S. de Ca-
zendo um julgamento (Diagnóstico) e indicando esta sos Individuais.
ou aquela providência (tratamento). I — Consiste numa palestra amigável porém de
Na prática do S. S. de Casos, o Assistente So- cunho científico, profissional. A entrevista supõe ob-
cial utiliza-se de vários instrumentos: servações, porém nem toda observação supõe entre-
1 9 (%serpapão vista.

Do Assistido ou interessado e do meio — atitu- II — Loca/ da


des, ambiente em que vive, meio profissional, etc. Na obra, residência do interessado, local de tra-
Através da observação vai-se conhecendo a persona- balho, etc. jamais em presença de terceiros, evitando
lidade do assistido. assim ao assistido a inibição natural em relatar seus
2?) ^?3ÍH&) G?O 7HCK?
problemas muitas vezes de caráter íntimo.
A atitude da Assistente Social deve ser compre-
Conhecimento dos recursos e das deficiências da co- ensiva, calma, delicada, sempre inspirando confiança,
munidade em que vive o assistido.

60 — — 61
não procurando impor-se, e sim respeitando-o como Não perguntar demais, nem prometer em vão, cui-
ser humano. Ser discreta e despertar a colaboração dar dos aspectos:
do assistido no plano de tratamento . o&;ef:t?o — aquilo que o problema é realmente;
III — sH&/ef:t?o — aquilo que o problema representa
e (%/ef:fo.s que conc?:'cz'onafn
para o cliente.

l?) V — Tipos Je
l?) Entrevista preliminar ou inicial, realizada no
Ainda que o objetivo em dada entrevista seja plantão (ínía^e) .
obter informações ou discutir um tópico, há um fim 2°) Primeira entrevista — na própria obra ou
constante e sempre em vista: O írafamenfo, isto distin- na residência do cliente.
gue a entrevista no caso individual de outros tipos de 3?) Entrevistas posteriores.
entrevista-questionários, pesquisas sociais, reportagens, 4<*) Entrevistas com colaterais — visando co-
etc.
lher dados para completar o estudo do caso. Poderão
Concluímos assim que cada entrevista tem um fim ser realizadas com professores, médicos, empregado-
próprio em vista de algum plano a ser obtido, de uma res, vizinhos, etc. Deverão ser realizadas sempre com
orientação a ser dada, etc. a permissão do cliente.
2?) (%/ef;'ro TneAaío
II — PARTE

Como objetivo mediato temos então: o reajusta- A Enfret?['sfa Pre?í?nt'nar no P/anrão


mento do caso (a educação do cliente) .
Consiste esta entrevista, como dissemos anterior-
IV — %cn;'ca c/e enfrepi'sía mente, em uma palestra amigável, na qual o Assisten-
te Social ouve o pedido de auxilio do candidato que
É a entrevista um trabalho de reflexão preliminar. recorre à determinada obra. É portanto, a exposição
dos problemas e necessidades do assistido ao Assis-
Antes da realização da entrevista deve o Assis-
tente Social estudar o prontuário do assistido e pre- tente Social.
parar-se para a mesma, que deve ser feita em parti- T*écn:ca da .Enírepísfa no Pfanfáo
cular, e com objetivo próprio, sabendo o que visa com Cabe ao Assistente Social colocar o cliente a par
a sua realização. das funções da obra, dos requisitos e condições esta-
62 — — 63
belecidas para sua admissão e finalidade da referi-
da obra. cie Fichas na Eníreyfsfa Pre/imínar
Deve o Assistente Social ouvir mais do que per- Tendo em vista a finalidade preliminar não deve
guntar, aceitar nesta entrevista aquilo que o assistido o Assistente Social deturpar sua técnica, "bombarde-
expõe antes de explorar os sentimentos do mesmo, des- ando" o assistido com perguntas excessivas ou reali-
pertar a confiança e o interesse, animando-o e enco- zando a entrevista com o fito somente de preencher
lajando-o. um questionário (A entrevista no Serviço Social dis-
Procura-se no "intake" saber o que o cliente ten- tingue-se das demais entrevistas por não ter como fi-
nalidade exclusiva o preenchimento de um questio-
tou fazer para solucionar sua situação e, também, o
nário).
que pretende fazer.
Sabemos ser necessário a existência na obra de
Nesta entrevista o Assistente Social encontrar- uma ficha de identificação para cada caso, esta deve
se-á diante de três situações: conter apenas os dados essenciais de identificação, mo-
l — O problema não é da alçada da obra, mas tivo da vinda à obra, providências tomadas pelo As-
poderá ser tratado por outra que melhor atenda ao sistente Social, etc. Esta ficha não deverá conter da-
mesmo. O papel do Assistente será o de encaminhar dos excessivos porquanto não se trata de um rela-
o cliente para instituição adequada. Para isto é neces- tório.
sário que o Assistente Social tenha conhecimentos bá- Os dados constantes da referida ficha, e que são
sicos dos recursos da comunidade. deveras importantes, devem ser colhidos à medida que
se vá efetuando novas entrevistas com o assistido.
2 — O problema "objetivamente" não é um pro- Conc/Hsáo
blema que necessite ser atendido por qualquer obra. A entrevista preliminar, realizada no plantão, su-
É função do Assistente Social então fazer o cliente põe uma tentativa de diagnóstico, após constatado o di-
compreender, diante da análise do caso, que não se
reito de ser o assistido atendido ou não pela obra, ter
trata de dar-lhe assistência; será um trabalho impor- sido matriculado e identificado.
tante de educação.
De^imçáo — "Diagnóstico social é a tentativa para
3 — O caso se enquadra dentro da finalidade da se definir tão exatamente quanto possível a situação e
obra; cabe ao Assistente Social matricular o cliente, a personalidade de um ser humano sofrendo ou apre-
anotar os dados necessários para a entrevista e dar as sentando um problema social de situação ou personali-
providências mais urgentes que o caso requeira. dade, isto é, em relação a outros seres humanos dos
quais depende ou deles dependem, e também em rela-
64 —
— 65
cão às instituições sociais de sua comunidade" (Mary O Assistente Social não é um homem comum, pois
Richmond). que dele se exigem, além de preparo técnico para o
No tratamento de Casos individuais, o Assistente exercício da profissão, qualidades invulgares, tais como,
Sócia! precisa possuir quatro qualidades imprescin- por exemplo:
díveis : Io) QuaZíJades Físicas
l?) Ser capaz de travar "relações significativas a) Saúcfe — uma pessoa doente é contra-indi-
para o tratamento do caso Social; cada para a função de Assistente Social. A doença
2?) Capacidade de descobrir as causas do pro- obriga o indivíduo a interromper constantemente a sua
blema social e os mefos para resolvê-los; atividade. A cada período de doença, corresponde a
3?) Conhecimento e disciplina do seu "Eu"; uma quebra de continuidade na sua linha diretriz de
4?) Habilidade de se harmonizar com a filoso- conduta.
fia e a rotina da obra social onde trabalha. A doença enfraquece a resistência moral do ho-
Ora, como se vê, o Assistente Social para tratar mem, diminui o seu poder de raciocínio, modifica as
de Casos Individuais, independente das qualidades suas capacidades intelectuais. Sob a ação da doença,
inerentes ao seu mister, necessita de certos atributos o ser humano toma, muitas vezes, resoluções que não
específicos para realizar com eficiência a sua magna adotaria, se estivesse bom.
função, de ajustar e reajustar indivíduos, sendo o seu &) AcH!'c?acfe c!os senfiJos — um Assistente So-
objeto o homem "esse eterno desconhecido". cial precisa, especialmente, de ouvir e de ver bem. A
má audição prejudicá-lo-ia grandemente, pois não per-
QUALIDADES EXIGÍVEIS DO ASSISTENTE SOCIAL DE CASOS' mitiria escutar o que se passa em redor dele.
c) fisionomia — um Assistente Social de fisio-
(Trabalho de Jandira Pinto de Oliveira, nomia carrancuda ou antipática não pode gerar sim-
Supervisora do Centro Social 03. com a co- patia em redor de si: o que provoca é repulsa e mal-
laboração de Sebastião Rodrigues Alves).
estar.
É por vezes, tão exaustivo o tratamento indivi- É preciso acentuar que o dom da simpatia não
dual dos casos, que exige do Assistente Social de Ca* depende, apenas, dos traços fisionômicos, mas sim da
sós Individuais uma verdadeira revolução interior ca- própria atitude do Assistente Social. Há pessoas que
paz de lhe assegurar uma permanente c?:sposicão espí- repelem à primeira vista, e que, no entanto, são pro-
níua/ ^aforáye/ a uma boa receptividade dos proble- fundamente atraentes e sedutoras, no seu trato pes-
mas trazidos ao seu conhecimento. soal.

66 — — 67
cf) /c/acíe — embora a idade não dê qualidades pele sem violência, reduz sem porfia, convence sem de-
diretivas, a quem não as possui, no entanto, apura as bate, todas as dúvidas desata, e corta caladamente to-
aptidões daquele que as tem; modera os impu!sos da das as desculpas.
mocidade; dá experiência; inspira confiança. Pelo contrário, fazer uma coisa e mandar outra,
ou aconselhar outra, é querer endireitar a sombra da
2?) Qtia?:'c?aa?e3 Pszco/ógàras
vara torta" (Pé. Manoel Bernardes — "Luz e Calor").
a) /nfutpão — tá! é uma das aptidões básicas &) 5:'ncer:c?ac?e — há indivíduos que dão ordens,
para o Assistente Sócia!: saber no momento oportuno, fazem discursos, defendem doutrinas e idéias, mas,
e com rapidez, a maneira como convém agir. Distin- tudo isso, apenas por palavras, sem convicção.
guir, num re!ance, e às vezes, sem cfacfos ou elementos c) 5erenK?aJe — "Aquele que não sabe domi-
bastantes, onde está a verdade ou a Justiça.
minar-se, observa Gustavo Lê Bon, está condenado a
A intuição é qualidade essencial e insubstituível: ser dentro em pouco, dominado por outro". Uma exal-
não há cultura, nem preparação capaz de a suprir. tação momentânea pode perturbar irremediavelmente a
A intuição é um poder divinatório que põe nas visão de qualquer problema.
mãos de quem a possui a verdade, antes de esta se re- d) NaíuraMaJe — é com a naturalidade que
velar, e muitas vezes contra todas as aparências e até se cativam as almas e se conquistam as consciên-
contra todas as "provas" humanas, habilidosamente ou cias. É com a simplicidade que se vencem todos os
-astuciosamente reunidas.
amores próprios, exacerbados ou doentios. "A fatui-
Morafs dade, a presunção tornam-se impopulares e indispõem
os subordinados além de revelarem inferioridade" (An-
a) #onesf:G?acfe — a honestidade é uma virtude
dré Maurois — «A Arte de Viver»).
primária e fundamental. Só pode ser respeitado e go-
e) D:scr:pão — Quem fala muito, arrisca-se a
zar de prestígio aquele que procede, sempre, com per-
errar, a dizer o que não quer, o que não convém, ou o
feita correção e lisura no exercício de suas funções.
que não deve. Por outro lado, falar fora de propósito
Em muitos casos, a própria vida particular do in- é dispersar-se.
divíduo tem de ser a marca feridora da honestidade do André Maurois resume, sob este aspecto, nos se-
Assistente Social . É impossível separar o Aomem cfo guintes termos, a atuação do indivíduo que orienta, que
,4ys:3íeníe .Soc:'a?. dirige:
"Não há modo de mandar, ou ensinar mais forte, "Não dizer senão o que é preciso, a quem é pre-
c suave, do que o exemplo: persuade sem retórica, im- ciso e quando é preciso".
68 — — 69
c?e Aamor — A desigualdade de as dos demais; torna-se, deste modo, mais tolerante,
humor constitui uma terrível inferioridade para quem altruísta e cooperativista".
a possui. &) Per-sonaHdade — cada pessoa tem um crité-
rio próprio, uma pfsão especía/, um ponío de nnra df-

a) /nfeJ;'gênc;'a — um indivíduo que não atinge O Assistente Social sem personalidade seguirá
o fundo dos problemas; que não sabe conduzir, dentro hoje uma linha de conduta, amanhã, e no dia seguin-
da lógica, qualquer raciocínio; que, em suma, não sabe te, outra, conforme as influências que sofrer. A sua
dominar mentalmente os assuntos, nunca poderá ser orientação será portanto falha de unidade.
um bom orientador. Firmeza de caráter e consciência das suas respon-
sabilidades são características de uma personalidade
Inteligência rápida
bem formada.
Inteligência vigorosa
Inteligência sintética. c) /nícfaíít-a -— sem iniciativa não há vida nem
progresso. "A iniciativa rasgada e inteligente é uma
O Assistente Social necessita, pois, de uma inteli- das marcas do verdadeiro orientador, vale dizer do
gência vigorosa mas com forte poder de síntese, mercê verdadeiro educador".
dela, centralizar rapidamente qualquer problema ur- O Assistente Social que apenas faz aquilo que vê
gente (cuja solução é necessária às soluções do pro- fazer, e que, como tal, não tem coragem de inovar ou
blema geral), e para apreender e abraçar fortemente de resolver problemas novos, será um Assistente Só-
objetos díspares e novos, que, aliás, se renovam sem cia! tímido, acanhado, sem ação.
cessar, sob a influência, tão vária, das circunstâncias.
J) Visão g?o&af — o Assistente Social deve
(Prançois Charmont — La Teste bien faicte).
possuir em alto grau uma visão global. Todos os pro-
Como afirma Maurois — Lima :'nfe%?êncfa aço-
blemas, ainda os mais insignificantes e os mais parti-
/Aedora é uma inteligência capaz de aceitar as idéias
tulares, devem ser integrados no conjunto da função
dos outros, modificando-as, adaptando-as, no entanto,
do Assistente Social e de interesse geral.
aos princípios diretivos que informam a sua situação.
e) Pregão — ao tomar uma resolução, deve
Conc/Hsáo:
proceder em atenção ao futuro.
"O homem desdobra-se à proporção que aumenta
o coeficiente dos seus conhecimentos; e tanto mais efi- ^) Poder sH^esííyo — o Assistente Social deve
ciente quanto melhor conhecer as próprias fraquezas e possuir para transmitir idéias otimistas, convicções,

70 — — 71
entusiasmos, verdades, amor ao trabalho, dignidade Um homem que não é entusiasta não pode entusi-
profissional, etc. asmar; um homem que não é animador não pode ani-
Sem esse poder de transmissão, a ação do Assis- mar.
tente Sócia! nunca poderá exercer-se frutuosamente.
;) JRap:'c?ez nas decisões — há numerosas cir-
y) F/e.y['M!'Jac?e — o Assistente Sócia! deve
cunstâncias em que o Assistente Social se vê forçado
possuir um grande poder de adaptação às circunstân-
a agir com brevidade, e a tomar por vezes, resoluções
cias e às pessoas. Deve mudar de processos conforme
quase fulminantes. Se não tem a perspicácia sufici-
os indivíduos com quem trata, de maneira a não os
ofender. ente para solucionar, com urgência, as situações difí-
ceis, não pode satisfazer como Assistente Social. Há
A atuação do Assistente Sócia! imp!ica, necessa- problemas que podem esperar, mas há outros que de-
riamente, espírito flexível, tato, dip!omacia, guardan- vem ser resolvidos, porque não os resolver e cometer
do-se fide!idade às próprias convicções.
erros, é sancionar injustiças.
A rigidez de métodos é sempre nociva. Podemos
conseguir resultados brilhantes por processos dife- A:) Progressiptcfacíe — o Assistente Sócia! deve
rentes. evoluir, acompanhando com serenidade e dignidade o
O tratamento dos casos, exatamente por ter fina- progresso. O apego acanhado a uma idéia, a incapa-
lidade educativa, deve assumir uma forma individua- cidade de admitir outras idéias, constitui uma contra-
lizada. indicação, que urge considerar como inibitória.
A) t$Mnpaf:a — "Por SMnpaf/a, não se deve en- Nas qualidades mínimas exigiveis para ser Assis-
tender o mero ato afetuoso de agradar a outrem, mas tente Social, temos os preceífos para tim per^eifo As-
stm a atitude acolhedora e humana, daquele que sabe sistente Social, que D. Terezita M. Porto da Silveira,
compreender as dificuldades de seus assistidos, e que, nos ensina, com toda aquela força idealística que des-
como tá!, procura fazer-lhes justiça, desculpar faltas fraldou a bandeira do Serviço Social no Brasil, cujo
insignificantes, suprir deficiências, melhorar, dentro do título de pioneira ela detém com muito orgulho, para
justo, as condições de vida". Para isto é necessário a glória da história do Serviço Sócia! em nossa Pátria.
possuir aptidão de se colocar, mentalmente, na posi- Imperdoável seria se nós aqui tivéssemos omitido tão
ção em que se encontram os assistidos. substanciosos quão profundos ensinamentos, na forma-
:) Z?nftM:'a.y/?zo — não se compreende um Assis- ção da profissão apostolar de Assistente Sócia!.
tente Social apático. Todo Assistente Social deve ser Transcrevemos os preceitos da ilustre mestra Te-
dinâmico e deve viver os problemas com intensidade. rezita M. Porto da Silveira:

72 — — 73
!.*) Ser Assistente Social é ser bom, prestimo-
;so e altruísta. 15.9) Deve gozar boa saúde e ter agradável apa-
2.°) É ser cumpridor dos deveres, metódico e rência para obter melhores resultados.
tolerante. !6.9) O Assistente Social não deve ter vícios,
3.°) É não distinguir os seres pe!a sua exterio- de qualquer natureza, para se impor ao respeito e ad-
Tidade e sim, pelas suas qualidades intrínsecas. miração gerais.
4.") É ser disciplinado: quem não sabe obede- 17.") Ser Assistente Social é ter consciência das
cer não sabe mandar. suas imensas responsabilidades, pois que a Assistência
5.°) É ser leal e sincero consigo próprio, para Social é uma profissão-sacerdócio.
poder sê-lo com os demais. 18.°) A conduta do verdadeiro Assistente So-
6.°) É ser alegre, na suave e consciente alegria cial deve ser perfeita para ser imitada.
de quem está fazendo higiene mental. Em reunir tais predicados pode julgar-se, sem fa-
7.°) É pensar nos outros; é ser útil, levando aos vor, o tipo modelar do Assisíeníe Sócia?.
seus assistidos o conforto pela palavra ou pela ação. ALGUMAS DAS CAUSAS DE DESAJUSTAMENTOS
8.° É ser perigoso consigo próprio e tolerante DA FAMÍUA
para com os demais.
Instrução
9.°) É ser justo na distribuição de valores, se-
guindo assim a sábia doutrina de Cristo. Higiene
Educacionais
Compreensão das rela-
Í0.°) É ter fé em Deus e em si próprio e confi-
ança nos seus semelhantes. ínírínsecas ções humanas
1!.°) É considerar-se sempre em plano secun- Baixa Capacidade Aqui-
dário, em face da nobilíssima função da Assistente Econômicas
'Social. sitiva
j 2.°) É esforçar-se até o sacrifício, para bem Interferência do Estado
ir à humanidade. Educacionais no Processo Educacional
Í3.°) O Assistente Social deve agir com o cére- da Nação
bro e com o coração, o primeiro, porém, orientando o
segundo; só o perfeito equilíbrio destas duas forças Ryírínsecas ( Situação Econômica da
Econômicas
nos permitirá agir conscientemente. j Nação
14.°) O Assistente Social deve ser amável, mas f Regimes Políticos e
uiscreto, comedido e finamente educado. Políticas ) Planos de Ação.
?4 —
— 75
Essas são as principais causas do desajustamento Muitos fatos objetivos podem ser idênticos, mas
que apresentamos em quadro sinótico, tentando assim
os subjetivos, isto é, as atitudes de cada pessoa diante
reduzir esquemàíicamente algumas delas, porque um
do fato objetivo, e a sua reação, são sempre diversos.
sem-número de elementos constitui causas as mais va-
Exemplifiquemos: O Pro^/ema Aa&zíactbna/:
riadas, geradoras das perturbações da família, por
— externamente: falta de higiene, desconforto.
conseqüência não nos será possível computá-las todas
— subjetivamente: humor, ânimo, laços de famí-
as que deveriam fazer parte deste esquema.
lia, etc.
Ainda no estudo das diversas causas do desajus-
tamento, podemos tomar por base esses ensinamentos MecMas:
da Professora Josefina Albano, que nos dá diretrizes Para os ^afores o&;effpos: — são medidas de or-
para melhor conhecermos os elementos constitutivos dem geral, quase sempre da Ação Social.
dos flageles sociais, causas dos desajustamentos. "As .Para 05 ^aíóre.s 5H&;eíwos (Tratamento social) —
deficiências variam conforme os indivíduos (persona- estudo dos aspectos particulares de cada caso social.
lidade de cada um), época, lugar, etc. São sempre com- 0 elemento subjetivo é o objetivo direto do tra-
plexos, em virtude da combinação de fatores físicos e tamento individual dos casos.
psíquicos de cada indivíduo. Essas deficiências cons- CAMPOS DO SERVIÇO SOCIAL
tituem o que denominamos profissionalmente de "Caso
Social". Portanto, "Caso Social" é a circunstância em Há no Serviço Sócia!, a divisão em "campos", va-
que aparece uma deficiência qualquer. riando diferentemente segundo os critérios a que se
quiser adotar. Vamos apresentar aqui, como exemplo,
O Ca.so <Sbc:a/:
as divisões adotadas pela Conferência Internacional
a) é a situação anormal que a pessoa está vi- de Serviço Social (1928), segundo anotações em au-
vendo, e não a pessoa em si.
las da Professora Ailda Pereira.
&) é sempre um problema vivo. Envolve uma SS de família ou de casos individuais.
ou várias pessoas.
SS de grupo ou coletivo.
c) é um problema complexo, pelo conjunto de SS de pesquisa e documentação.
vários elementos e fatores (econômicos, mentais, emo- Nos Estados Unidos é adotada comumente esta
cionais, morais, etc.) multiplicidade de causas e efeitos. divisão:
cf) apresentar aspectos objetivos (problema con- 1 — SS família.
creto, real, igual para vários, atingidos por ele) e sub- SS menores.
jetivos (reação individual, subjetiva).
SS pesquisa (Org. Comunidade).
76 —
77
H — SS família. Exemplifiquemos :
SS menores. a) no campo da ^amí/ta, há diferentes "setOBes"
SS psiquiátrico. de atividades:
SS grupo, etc.
— SS em "vilas" ou conjuntos residenciais;
Podemos também adotar essa divisão a titulo de — SS de "casos individuais", propriamente dito
ilustração, simplesmente como exemplo: (quando as famílias não residem em vilas ou conjuntos
e são assistidas por uma agência de SS de família);
1.°) Por categoria de assistidos: — SS em Centros Sociais ou Residenciais So-
— família ciais;
— menores -— SS em zona urbana;
— enfermos — SS rural. etc.
— trabalhadores &) no campo dos menores, há dois setores prin-
cipais:
2.°) Pe!os processos do Serviço Sociai: — infância normal;
— SS de Casos Individuais ou Social de Casos. — infância anormal.
— SS de Grupo. * No primeiro caso, infância normal, pode-se con-
— SS Organização da Comunidade. siderar a infância na ^amíHa ou em :nsí:rtncóes (lac-
3.") Também pe!a natureza do trabalho reali- tantes, pré-escolares, escolares) e então, teremos o SS
zado: funcionando nas Casas da Criança, Recrc Jtórios, o
SS escolar, etc .
— os três acima mencionados (N.2) e mais: No segundo caso, infância anormal, temos os se-
— S de pesquisa — documentação — estatística. tores dos menores abandonados, dos menores delin-
Na divisão em "Campo" não se observa um mé- qüentes, com deficiência física ou mental, etc. Casos
todo rígido, podendo variar segundo o critério que for esses em que os menores são encaminhados a institui-
adotado. ções ou à "colocação familiar" "provisória ou definiti-
Podemos encontrar dentro de cada campo várias va, isto é, adoção).
subdivisões de "setores", conforme a categoria parti- Poderíamos estudar os "setores" no campo cfos
cular de pessoas (assistidos) a que se dirige o tra- fraí<aínac?ores, no campo dos enfermos, no campo cfos
balho. s, etc.

78 — — 79*
Razões que justificam a Divisão em "Campos". "O Serviço Social de Grupo consiste em organi-
Há uma infinidade de razões, que justificam de zar e orientar grupos onde os membros participam co-
sobejo a divisão em «campos»; dentre eias passaremos letivamente de tudo que diz respeito aos interesses
a enumerar as que se seguem: comuns: iodos tomam parte no sentir, pensar e proce-
— A individualização do tratamento — em SS, der do grupo. Essa intimidade psicológica é que ca-
exige-se que o Assistente Social aprofunde seus co- racteriza o grupo" (*).
nhecimentos, orientando-se num determinado tipo de O Serviço Social de Grupo é a arte de se lidar
trabalho (daí a especialização se fazer pelos "campos" com pessoas, visando promover e orientar uma intera-
e pela aplicação sistemática de um processo do SS e o ção coletiva, inteligente, entusiástica e empreendedora,
Assistente Social para trabalhar &e/n precisa de con- que as auxilia a atingir a finalidade particular e social
cenírar-se num tipo de trabalho). do grupo que as reúne. Por conseqüência o Serviço
Social de Grupo tem o fim de:
— Cada categoria de assistido apresenta proble-
mas particulares, isto é, os problemas do enfermo, como Io) Estimular e aperfeiçoar no indivíduo a sua
tal, são diferentes dos problemas do trabalhador, por capacidade de interesse, de expressão e de iniciativa.
exemplo, do mesmo modo o SS de menores se ocupa 2.°) Desenvolver um senso social, baseado no
de outras questões que o SS de família. espírito de colaboração e de responsabilidade partilha-
Destarte, pois, o que caracteriza o «campos são da, oferecendo-lhe a ocasião de cooperar na interação
os problemas específicos daquela categoria de pessoas do grupo.
a que se destina o SS.
3°) Proporcionar ao indivíduo um meio de rea-
SERVIÇO SOCIAL DE GRUPO OU COLETIVO lizar sua personalidade, não esquecendo o bem comum,
contribuindo para a construção de uma sociedade me-
Nas atividades do Serviço Social do Grupo, ou
lhor.
coletivo, não se estuda ali mais o indivíduo em si, mas
o grupo, isto é, a coletividade. O Serviço de Grupo 4.°) Permitir aos indivíduos a expansão de suas
se caracteriza na aplicação do processo que é bem di- idéias e ensiná-los a aceitar e empreender a dos ou-
verso do Serviço de Casos Individuais, que cuida do tros.
indivíduo no sentido de prepará-lo para tomar parte 59) Favorecer o progresso da comunidade atra-
sozinho, com suas próprias forças, no seio da coletivi- vés da ação do grupo.
dade ou do grupo; entretanto no Serviço de Grupo,
faz-se mister preparar-se o grupo para o indivíduo. ') Neva Leona Boyd.

80 — — 81
PROCESSO DE REALIZAÇÃO ciais, que contribuem para que se evidenciem conflitos
Quase sempre no estudo do Serviço Social de e diferenças entre os membros do grupo. Entremen-
Grupo, o que mais nos interessa não é somente o re- tes, se estabelecem relações psicológicas e emotivas,
sultado finai, mas a maneira pela qua! o resultado ou conciliadoras entre aqueles que ocasionam os conflitos.
o fim foi alcançado — e como foi obtido. Daí a im- As dificuldades acima referidas aparecem e desa-
portância do processo da técnica do grupo. parecem nas operações do grupo, porque cada membro
é alvo de uma interação dinâmica. É, ao mesmo tem-
No Serviço de Grupo, o processo consiste em le-
po, causa e produto das reações do grupo.
var um grupo a realizar sua finalidade particular e so-
cial. Podemos aqui apresentar os estudos da Srta. Ma-
ria Helena Corrêa de Araújo, baseados em trabalhos
Reuniões, planos, projetos, vida coletiva, são o
de diversos autores, adaptado às nossas experiências
laboratório do serviço social do grupo. Os seus pro-
e às condições do meio brasileiro do Serviço de Gru-
cessos, programas determinam — a ação, o comporta-
po, pode ser estudado da seguinte maneira:
mento, as reações e as atitudes do grupo.
a) em si mesmo, quer dizer, na sua natureza; Na aplicação da técnica do "serviço do grupo .
&) na sua aplicação; isto é, na vida do grupo, consideram-se:
c) no seu controle,
— o meio
a) Naíureza
— os membros
O processo de grupo em si mesmo, é o conjunto — a ação da técnica do grupo:
de operações através das quais se consegue a inte-
a) sobre o indivíduo
gração dos membros do Grupo e realização completa
&) sobre o grupo
e harmoniosa das finalidades do mesmo. Esta inte-
c) seu mecanismo.
gração baseia-se na cooperação, na participação dos
membros nos projetos e planos, tendo como objetivo a A técnica de grupo tem a dupla função de obser-
mútua satisfação. var e proceder, porque é observando o meio e os mem-
É uma maneira de fazer todos partilharem das bros que se pode realizar o processo do serviço de
responsabilidades, dos interesses e das atividades co- grupo de modo eficiente.
muns. Essa observação é constante e deve estar sempre
Nesse processo se dão a conhecer aspectos ínti- alerta e presente durante a ação. No grupo, a obser-
mos das personalidades e se desenvolvem relações so- vação tem um valor psicológico e prático que a chefe

82 83
não pode desprezar, porque, para dirigir, é preciso co-
nhecer os membros e o grupo; esse conhecimento, essa 29) uma vontade firme e bem orientada.
compreensão indispensável obtém-se observando, es- 3.°) visão social e se interessar pelo bem do
tudando, analisando o grupo, os membros e suas rea- grupo.
ções. Observa-se todas as vezes que se tem ocasião 4?) gosto e habilidade para fazer coisas que pos-
de estar com os membros. Observa-se imparcialmente sam interessar ao programa de um grupo.
e com o interesse rea! de descobrir o meio mais ade- 5^) saber comunicar, transmitir.
quado para conduzir o grupo ao seu fim particular e
6?) saber lidar com as pessoas de trato difícil.
social e para proporcionar aos membros uma vida co-
letiva sadia. 7?) ter habilidade para dirigir, sem dominar.
O processo afua só&re o :nc?:t7ÍG?HO, tornando efi- Além dessas qualidades, a chefe de grupo, para
ciente o meio que o grupo lhe proporciona para se bem dirigir precisa:
expandir, desenvolver-se e educar-se psicológica, in-
telectual, social e moralmente, para realizar seu bem — ter senso de responsabilidade, inspirar confi-
ança e ser dotada de iniciativa e presença de
próprio e o do grupo.
O processo atua no grupo criando, estimulando e espírito;
dirigindo a vida coletiva, incutindo entre os membros — conhecer os recursos sociais básicos da comu-
um espírito social, fundado na prática de uma vida de nidade;
cooperação e de responsabilidade mútua. e, finalmente: ter tempo para tratar do grupo.
O mecanismo do grupo é o modo como funciona "O seu prestígio de chefe, a compreensão que ela
o seu processo. É ele que mostra quem trabalha, como tem das manifestações do comportamento exibido nos
eu quando trabalha. grupos, habilitam-na a dirigir a interação dos membros
Pode-se dizer que os três elementos da vida co- de modo que a vida do grupo realize os interesses dos
letiva: os indivíduos, o grupo e a dirigente- atuam si- membros e a ação alcance um resultado satisfató-
multaneamente ou em conjunto. Todos tomam parte rio" (*)-
na interação coletiva. É estabelecendo esses princípios e traçando essas
As qualidades de uma dirigente são pois: normas que a chefe realiza o seu "trabalho com os
indivíduos".
Io) uma personalidade formada, amadurecida,
psicologicamente ajustada. (*) "Group Work and Case Work" — Cap. II, pág. 14
Gertrude Wilson.

— 85
Gertrude \Vi!son regista algumas maneiras de di- O objeto da verificação:
rigente trabalhar com indivíduos num grupo, isto é, — o que só quer realizar e o que está sendo rea-
üdar com os membros de um grupo: Lzado;
"a) deixar que os acontecimentos tomem seu — os resultados finais.
curso natural; Nem sempre se realiza o que se tem em vista. Às
&) expor o indivíduo à pressão do grupo; vezes, um processo parece bem e, entretanto, depois
c) proteger o indivíduo contra o grupo, fazendo de aplicado, vê-se que determina uma ação coletiva
a hostilidade cair sobre ele para aliviar o membro do que não corresponde ao fim almejado.
grupo, ou identificando os membros ou subgrupos; É preciso, então, estudar uma técnica adequada,
d) usar de autoridade para limitar a ação de in- teórica e prática, porque de outro modo não se alcan-
divíduo ou subgrupo; çará as finalidades propostas.
e) proteger o grupo contra o indivíduo que o Se não se verifica o método de trabalho, não se
destruiria, utilizando-se dele como um meio de expan- percebe os erros eventuais da técnica ou de sua aplica-
dir as suas hostilidades pessoais; ção. Sem esta verificação não se poderá corrigir as fa-
lhas nem medir as suas conseqüências.
^) encorajar o indivíduo reconhecendo o valor
Verificar apenas o modo de proceder não é o su-
de sua ação;
ficiente. Torna-se mister apurar também se os resul-
g) desviar a discussão ou atividade para um tados obtidos são positivos, animadores, ou negativos,
terreno menos apaixonado, menos sensível (suscetí- desastres, etc.
vel) ou c?ecíarar responsabilidades especiais de indi-
Para atestar a eficácia do processo de grupo e a
víduos que estão desintegrando o grupo".
ação coletiva, a dirigente precisa estar atenta ao exa-
Para que a ação coletiva seja eficiente é necessá-
me das reações dos membros provocadas e estimu!a-
rio averiguar se o processo do serviço está sendo bem
iadas pela técnica empregada nas operações de grupo.
aplicado; indagar se os motivos que determinam a ma-
A dirigente deve anotar não somente o progra-
neira de proceder e a técnica empregada pela chefe,
ma das atividades e número de membros nas reuniões,
realmente, conduzem o grupo ao seu fim específico e
também, à sua finalidade social. isto é, a freqüência, mas também o que acontece em
Essa verificação apura se de fato o processo ado- cada reunião; registrar as atitudes de "a" e "b" em
tado reajusta e educa os indivíduos que participam da face dos problemas ou das sugestões que aparecem
vida coletiva. em cada reunião. Deve ainda ter sempre em dia a fi-

86 — — 87
chá dos membros. Só assim poderá acompanhar efici- atividades e quais foram os ensejos que teve de orien-
entemente a vida do todo. tar a vida coletiva.
Todas as vezes que o grupo se reúne, a dirigente Quando o entender a chefe, é conveniente proce-
pede e deve "controlar" tanto as diretrizes como as der a um exame geral de seu modo de atuar. Por exem-
reações dos membros e a eficiência da ação coletiva. plo, se há necessidade de mudar um horário, ela deve
Para a chefe atuar bem, cabe-lhe verificar: a ma- verificar se essa troca foi ou não vantajosa. Os mem-
neira porque orienta o grupo; se no preparo da reunião, bros fazem, às vezes, certos pedidos ou insistem em
teve o cuidado de se utilizar dos meios mais conveni- certas opiniões, cabendo à dirigente pesquisar de acor-
entes à finalidade especifica do grupo, à natureza dos do com o que lhe parece preferível.
membros e ao fim social dos mesmos. Durante a reu-
Em determinadas épocas, no fim de ano ou por
nião, cumpre-lhe o comportamento dos membros ser
ocasião de aniversário de um clube, é necessário apre-
exemplar e ver se na verdade o processo escolhido con-
sentar a prestação de contas à Diretoria da Obra ou
tribui para a realização satisfatória da vida coletiva.
fazer relatório das atividades.
Finalmente, deve observar as conseqüências na vida
de cada membro, se o grupo o auxilia a desenvolver as O controle deve ser exercido tendo-se em vista os
suas capacidades psicológicas, intelectuais, práticas, membros, o meio e a direção do grupo.
morais e se a vida de grupo concerne não só para ê!e Quanto aos membros, cumpre observar os novos
viver melhor na sociedade, como também para a sua e os antigos: as atitudes manifestadas pelo grupo em
participação construtiva na formação de uma socieda- face dos membros novos e as reações destes na vida
de mais perfeita. coletiva.
O controle de processo pode ser feito logo após Quanto ao meio, é importante verificar se este é
uma reunião ou um passeio, com um intervalo que favorável às operações de grupo.
fica ao critério da chefe ou em épocas fixas. Deve-se verificar também se os métodos empre-
Depois da reunião, ao registrar as operações do gados para a realização dos objetivos são eficientes.
grupo, a chefe pode apurar as causas que determina- Exemplificando: num grupo há pessoas que têm von-
ram os acontecimentos principais daquele programa e tade de desenvolver suas leituras e então resolvem
quais os resultados das reações dos membros em face organizar uma biblioteca, onde possam encontrar a sa-
do conjunto. Poderá verificar se a reunião ou passeio tisfação de seus desejos. Compete à dirigente estudar
correspondeu ou não à expectativa do grupo, como os se a biblioteca está de fato servindo aos membros, isto*
membros aceitaram e se integraram no programa das é, se eles estão aproveitando.

88 — — 89
À Chefe incumbe o encargo de fiscalizar a pró- ORGANIZAÇÃO SOCIAL DA COMUNIDADE
pria ação. Este ponto é capita! porque a desvirtuali-
zação da técnica de orientar e dirigir a da co!etiva im- Embora, no Brasil, a Organização da Comunida-
porta no fracasso do grupo. Ela deve proceder com de seja uma abstração, não podemos nos estudos de
toda a isenção, pronta a reconhecer e corrigir as suas Serviço Social, prescindir desse método. Por conse-
falhas no serviço. qüência, iniciaremos essa parte do nosso trabalho,
abordando o conceito e as diversas fases da sua apli-
Podem-se ainda exemplificar uns pontos sobre os
cação.
quais o controle deve ser eficiente:
Quando se procura explicar fenômenos e situa-
— ação no grupo e não fora dele; ções novas surge um conceito, não só por uma neces-
— adaptação de programa, local e o horário à sidade expositiva inerente à própria ciência, como tam-
natureza de grupo, ao nivel dos membros; bém por imperativos sociais criados por dado momento
— esforços e boa vontade da parte dos mem- histórico.
bros para consecução das finalidades de grupo; Em Sociologia, ciência informativa no Serviço So-
— requisitos para atingir o fim particular do cial, "comunidade" não é um conceito administrativo.
grupo; Isto quer dizer que a comunidade não é, por exemplo,
— a satisfação auferida pelos membros. expressão correlata de município, ou vila ou cidade.
Uma divisão administrativa não se torna automatica-
A dirigente deve ainda apurar o grau e a quali- mente comunidade.
dade da sua influência, se está de acordo com a boa Comunidade no sentido genérico é qualquer gru-
técnica. po com características comuns na sua totalidade de
funções sociais e de cultura, peculiares à área.
A conseqüência desse controle é evitar erros gra-
Assim "comunidade consiste em um grupo de pes-
ves que possivelmente determinarão a desintegração
soas que vivem em uma área geográfica, pequena ou
entre os membros, a desvirtuação dos fins do gru-
po, etc. não, as quais têm interesses comuns, na vida sociat".
Para que exista uma comunidade é necessário:
Uma ação coletiva que encerre as características ajuda, crença, aspirações, atitudes, conhecimentos e
de uma boa técnica ali dadas a uma verificação inteli- entendimento comum a todos. Por isso se concebe
gente tem 100% de probabilidades de reajustar os in- que todos aqueles profundamente ligados a uma igre-
divíduos e educar o grupo, o que só pretende apresen- ja, sindicato ou qualquer outro grupo de interesses si-
tar nos exemplos da terceira parte deste trabalho. milares, podem, desse ponto-de-vista, constituir uma co-
90 — — 9Í
As fronteiras da comunidade não são necessaria-
munidade, ainda que os membros individuais estejam
mente os limites formais de uma municipalidade ou
muito afastados dos outros e não ocupem a mesma
qualquer outra entidade política, o que é demonstrado
área geográfica. A comunicação é que assegura a par-
muitas vezes quando a função econômica e a unidade
ticipação no entendimento recíproco, assim como esta-
social numa área, transcendem a linha da fronteira
belece uma mesma disposição emociona! e intelectual.
política.
A comunidade representa uma unidade sócia!, Como vimos, a comunidade dispõe de caracterís-
cujos membros reconhecem como comum um número ticas que lhe dão um significado, pois sepiore que oS
de interesses suficientemente extensos, capazes de per- homens vivem em coletividade, desenvolvem e.n algum
mitir ações mútuas na vida em coletividade. grau, qualidades comuns, muito determinadas.
As atividades de Organização da Comunidade Tendo visto o que seja uma comunidade no sen-
das Agências ou Centros Sociais, entretanto, sempre tido sociológico, passemos agora a estudar a comuni-
se relacionam à área geográfica razoavelmente defini- dade considerada do ponto-de-vista do Serviço Social,
da, a que se destina e onde se ap!ica a preponderante isto é, em organização para o bem-estar social.
maioria dos programas de Serviço Sócia!, governamen- Há várias definições de "ORGANIZAÇÃO SO-
tais e voluntários, que são executados. CIAL DA COMUNIDADE". Podemos aqui oferecei
Esta ê uma afirmativa verdadeira, ainda que em a de Arthur Dunhan, seguida do conceito emitido com
caso de organização de caráter religioso ou profissio- prodigalidade de ensinamentos e profundeza pela Con-
nal e outras, os membros possam ser identificados mais ferência Nacional de Serviço Social dos Estados Uni-
facilmente em termos de uma vizinhança ou área geo- dos, realizada em 1939. "Organização Social da Co-
gráfica definida. munidade é o processo de promover e manter um bom
Sem vida de comunidades, os homens não se de- ajustamento entre as necessidades e os recursos so-
senvolvem normalmente, e um exemplo disso temos ciais em uma determinada área geográfica ou campo
no fato de procurarmos uma igreja, um clube ou mes- funcional"; e "Organização Social da, Comunidade
mo relações de vizinhança. pode ser definida como arte e o processo de descobrir
os problemas sociais e de criar, coordenar e sistematizar
A comunidade, como qualquer outro grupo hu-
organismos através dos quais os recursos e as habili-
mano, consiste basicamente de relações entre pessoas,
dades dos grupos são dirigidos em favor da concreti-
com todas aquelas características que implicam na di-
zação dos ideais do grupo e do desenvolvimento das
versidade das reações individuais e formas de intera-
ção social. potencialidades dos seus membros. Pesquisas, inter-

92 —
pretação, entrevista, trabalho de grupo e Ação Sócia! temente esse trabalho de emúlasão não é fácil como-
são os principais instrumentos usados nesse processo". não o é, aliás, qualquer outra atividade do Serviço So-
Pois muito bem, das experiências dos Congressos- cial. Requer o processo da Organização Social da Co-
Seminários de Serviço Sócia], nos chegaram luzes munidade cinco tipos de atividades específicas:
e dados resultantes de acuradas pesquisas e informa- l?) Pesquisar — fazer o levantamento do meio
ções de assistentes sociais devotados à elucidação dos para sentir, conhecer as necessidades e os recursos
problemas que martirizam e desajustam os indivíduos, locais;
de que lançamos mão para melhor discutir os ensina- 2"?) Planejar — elaborar um programa de ação;
mentos condensados na conceituação de Organização S*?) Coordenar — reunir as entidades já exis-
Social da Comunidade acima citada. tentes para haver troca de serviços; coordenar as obras
Luiz Carlos Mancini, ilustre professor, nos ensi- já existentes para não haver perdas de esforços;
na que "Pr;'7ne['ro, devemos intensificar nossa vida gru- 4?) Organizar — se não existir nada feito, ten-
pai ou de associação, procurando adotar métodos di- ta-se organizar alguma coisa, sendo observado em pri-
nâmicos de participação democrática, a fim de que o meiro lugar o que houver de ser atacado com maior
grupo seja a síntese da vida social e que nos ajude a urgência, procurando criar grupos novos e incentivar
cultivar aquelas virtudes de sinceridade, respeito à os já existentes nos novos trabalhos a serem empreen-
opinião alheia, caridade para com os outros, sem as didos;
quais não é possível a convivência humana; 5egíinc?o, 5?) Interpretar — tudo, as necessidades locais,
não é suficiente a existência de grupos organizados as diversas organizações existentes — por meio de pa-
para conseguir uma comunidade organizada". E con- lestras, conferências, artigos nos jornais, etc.
tinua o brilhante mestre: "A comunidade será forte Toda obra que se deseja duradoura e eficiente
na medida da qualidade de seus interesses, da vitali- há de ser baseada na realidade dos fatos e sua constru-
dade dos grupos que a constituem, e da capacidade de ção procedida com os melhores materiais e instrumen-
iniciativa e de colaboração que revelem seus mem- tos ao alcance do trabalhador. Assim, quando enu-
bros" . meramos em primeiro lugar nas atividades de orga-
Parece-nos que fica perfeitamente esclarecida a nização social da comunidade a "pesquisa", partimos
participação dos grupos por interesses e idéias no me- do princípio de que já exista alguma coisa feita em
canismo da formação da comunidade, que cresce e se que nos possamos apoiar, para desenvolver o nosso
aperfeiçoa na razão do dinamismo e da comunicação trabalho e de que nos servimos para alcançar os nos-
psicológica que anime os seus constituintes. Eviden- sos futuros objetivos. Somente mediante pesquisa cri-

— 95
teriosa do que existe, podemos saber quais os primei- evoluir ininterrupto com tudo o que diz respeito a ati-
ros passos a serem dados, para solucionar as dificul- vidades humanas. Neste trabalho a atividade das
dades oriundas dos problemas que afligem a comuni- obras sociais, governamentais ou particulares, tem pa-
dade, e cujas origens também, só os inquéritos sociais pel de magna significação, pela experiência de que são
são capazes de denunciar. Por outro lado, o grau de portadoras e cabedal de capacidade de trabalho e or-
"senso comunitário", de "união Psicológica" tem de ganização de que são capazes. Elas podem ser dividi-
ser auscultado, porque se a característica principal das em três grupos, relativamente à organização so-
dessa sociedade são as ralações pessoais, há uma ne- cial da comunidade e os entendimentos que mantive-
cessidade evidente de se saber até que ponto estão os rem entre si. E com as outras entidades existentes ou
seus elementos preparados, para a colaboração que que vierem a ser organizadas constitui o que se con-
vise um maior bem-estar de posse desses dados, isto é, vencionou chamar de coordenação de serviços múlti-
conhecendo os problemas e os recursos atuais de que plos para unificação de esforços visando o programa
se dispõe, o planejamento surge como etapa seguinte, geral de trabalho.
que, a um tempo, imagina uma situação ideal, conside- Quando se verifica a existência da obra ou sua in-
radas as possibilidades ambientes, e elabora um plano capacidade para atender às exigências dos desajusta-
de ação para se chegar a um resultado proposto. mentos, torna-se necessária sua criação e desenvolvi-
mento. Neste caso a gravidade do problema determi-
É interessante dizer que as fases enunciadas não na a prioridade do trabalho e um dinamismo mais
têm, necessariamente, de seguir uma ordem cronoló-
acentuado na execução.
gica e rígida, mesmo porque pesquisa, planejamento,
Como dissemos, as obras oferecem três valores
coordenação, etc., têm de ser levados a cabo pelos agen-
naturais relativamente à função que podem desempe-
tes sociais da coletividade conhecedores do meio. En-
quanto se pesquisa um problema se pode estar coor- nhar na organização da comunidade.
denando forças para atacar outro, ou procedendo ao Assim, há aquelas que prestam serviços direta-
esclarecimento do povo sobre um terceiro. Com isto mente ao assistido, em limitado específico setor do bem-
queremos significar que a organização da comunidade estar social. Por exemplo, o Instituto de Surdos-Mu-
para o bem-estar social não se faz de um só golpe, mas, dos, a Campanha contra a Tuberculose, a CRIPA.
é, no final, uma coordenação inteligente e razoavel- Elas têm um lugar secundário no trabalho propria-
mente desenvolvida dentro das possibilidades de pes- mente dito de organização da comunidade.
soal, material e tempo, orientadas pelo desejo de me- O segundo grupo enquadra obras que eventual-
lhoria constante do ambiente em que se vive. Ê um mente atendem os assistidos, mas cuja missão princi-

— 97
pá! é mais objetiva porque trata de uma variedade de rio, no traço psicológico em que se alevanta a comunida-
problemas, interessando-se por toda a estrutura do de e sem o que qualquer organização de cúpula há de
bem-estar sócia!. Estão nesse caso os conselhos dire- ruir fragorosamente..
tores do SESI e do SESC, o Conselho Nacional de
O esclarecimento que se realiza, assistido por as-
Serviço Social, que, aliás, tem suas manifestações no
sistido ou que é feito sob a égide da ação social de vas-
terceiro grupo de obras, através dos seus Centros So-
tos contornos, isto é, mediante mobilização geral da
ciais, Escolas Profissionais, Cooperativas, etc. Tudo,
atenção do povo para determinado problema de desa-
porém, sob uma orientação única, debaixo de um mes-
justamento o que dá a cada consciência de sua res-
mo plano; numa comunidade regularmente preparada
ponsabilidade, traduz a última exigência que enuncia-
pelo Serviço Social ou para o Serviço Social, conta-
mos ao início destas considerações, isto é, a interpreta-
ríamos nesse grupo o conselho de obras sociais, o Fi-
ção das necessidades locais, pela provocação do inte-
chário Geral de Assistidos, as Caixas de Manutenção
resse dos indivíduos e dos grupos convidados a sanar
da Comunidade, etc., (Community Chest). Essas
o corpo social e criar novos padrões de vida.
obras seriam a origem, o fermento da O.S.C., pelo
interesse próprio que teriam de promover o melhor Disso resulta a formação de grupos, pela desco-
aproveitamento possível do que já existe para alcançar berta de interesses variados, correlates a problemas
seus fins comuns e particulares. individuais comuns, ou em que estejam interessados
vários grupos. Essa aproximação significa o soergui-
O último grupo de obras é também o mais vasto mento de novas formações geralmente mais ativas e
e se caracteriza pela função executiva de direta pres- que constituem os primeiros degraus para a efetivação
tação de serviços ao assistido, constituindo-se das
da Organização Social da Comunidade.
Agências, Ambulatórios, Centros Sociais, Coopera-
tivas, etc. Considerados em suas relações com as agências
de Serviço Social, da mesma forma como procedemos
Apesar da sua destinação executiva, a este grupo com as obras sociais, podemos dividir os grupos em
de obras está reservado, a nosso ver, pape! relevante
três categorias, tendo em vista a conexão entre as
no conjunto que se pretende plasmar, desde que se agências, e dessa forma serão designados: primários ou
atente que cada serviço prestado deve ser acompanha-
íntimos; secundários ou congêneres correlates próxi-
do de um esclarecimento, um conselho, um apelo a mos; grupos estranhos ou alheios ao Serviço Social.
que responde uma obrigação, um esforço, um liame Os grupos primários enquadram todas as pessoas
novo a prender obra e desajustamento, assistido e as- interessadas na atividade das agências, isto é, seus ór^
sistente no processo interativo, no espírito comunitá- gãos de direção, seu funcionamento, seus assistidos,
98 —
— 99
seus Comitês de auxilio e manutenção, seus colabora- tra, calamitosa, como o combate a uma invasão de ga-
dores voluntários. fanhotos, formigas ou lagartas.
Organizações como sociedades patrióticas e cívi- Nesse último caso podemos encaixar as ativida-
cas, igrejas, organizações de donas-de-casa, de cari- des dos partidos políticos em nossa terra, ainda que
dade e outras cuja ligação com uma agência determi- eles, talvez, deveriam ficar no quadro dos grupos pró-
nada é acidental, constituem o conjunto classificado ximos, cooperando mais estritamente para a Organi-
como grupos próximos ou congêneres, uma vez que zação Social da Comunidade. Tal procedimento, por-
apesar de não terem seus objetivos diretamente presos rém, não se torna possível, uma vez que a atuação dos
ao fim visado pela agência, podem eventualmente na líderes políticos sobre o povo só se verifica durante o
proporção da vizinhança genérica de seus propósitos, período imediatamente antes e pós-eleitoral, sendo de
prestar excelente colaboração na consecução de um se notar que os eleitores, isto é, grande quantidade do
plano mais amplo e geral, justificando até, em muitos povo não toma conhecimento da existência dos parti-
casos, um auxílio contínuo mais demorado. dos como organização, mas tão-somente conhece al-
Agora esses dois grupos em que a finalidade de guns nomes de políticos.
prestação de serviços assistenciais é presente, temos
Assim esses grupos e os tipos de obras anterior-
outros completamente divorciados dessas intenções
porque estão voltados para interesses de lucro comer- mente referidos constituem o principal material com
cia! ou industrial, de esportividade, grupos de dire- que terá de lidar o Assistente Social dedicado à O.S.C.
ções militares, ou nitidamente especializados. No en- E de suas qualidades diplomáticas, do seu senso
tanto eles também podem ser convocados para o tra- de oportunidade, dependerão em grande parte o su-
balho de Organização Social da Comunidade em emer- cesso da obra final. Viver a vida da Comunidade, isto
gências especialíssimas, quer nos casos de catástrofes, é, ser um sócio interessado, juntar díspares às vezes
quer em questões que lhe são estritamente peculiares. diversos, polir arestas e afastar dificuldades, servir-se
É o caso da participação de forças militares no honestamente dos interesses políticos dos homens de
auxílio e evacuação de zonas assoladas por inundações partido e organizações classistas, procurando tirar o
ou no atendimento de reclamos de transportes por máximo de cada um para o bem da comunidade, sa-
ocasião de greves ou ainda a mobilização de pesquisa- bendo parar e estudar situações e avançar com deste-
dores, cientistas e laboratórios para a busca de antído- mer quando o terreno for propício — são obrigações
tos, vacinas ou práticas que atendam às necessidades que lhes competem e interesses que têm de despertar
do surto epidêmico inesperado ou de uma situação ou- em seus líderes e companheiros.

100 — — 101
Indubitavelmente, a ausência desses preceitos, jus-
òo espír-t criação e desenvo!vimento tifica-se na falta da mentalidade ou na ignorância da
^^^^"° ^ividual), existência do problema. Antes desses preceitos, à gui-
retratado na
grupos de interesses especí- sa de instrumentos utilizados no tratamento desse de-
sajustamento coletivo, temos que usar um sistema para
metódico e que a previsão e o trabalho criar um espírito de cooperação de negros e brancos
o todo proporcionar, quando pá solução do problema, que tem sido um dos fatores
-dade do nosso atraso, não só no campo social, como no inte-
lectual, econômico e moral.
conseguir tal desiderato.
Dai, é de bom alvitre não darmos normas para a
na - importante aspecto a atuação do Assistente Social, pois antes destas regras,
Brasií, onde a .-, no devemos cuidar de esclarecê-lo, no que se diz respeito
senso comunitár J à situação do homem de cor, nas relações com os ou-
que tros membros componentes da comunidade nacional.
Tal esclarecimento está no que tange os conhecimen-
sociológico ToW ^^°- ecológico, tos de uma cadeira entrosada nos bioantropossociológi-
* da ca, imprescindível, que proporcionaria um acervo de
saber ao Assistente Social, que iria transmitir à mas-
sa através de uma metodização, em que participaria,
como dorme em consciências adormecidas, negros e brancos de todas as categorias e profissões,
erço esplêndido" o Brasil
numa simbiose de sentimentos, que seria um amplexo
em de fraternidade nacional, tudo isso supervisionado e
Para cada aspecto coordenado pelo Assistente Social.
e variadís-
E, para solução do problema que nos propusemos
estudar, daremos mais algumas sugestões, nas conclu-
'' na solução do pró-
^ de algumas ré- sões deste trabalho.
Hexões

° A"*""" Soda,, d,

102
— 103
CONCLUSÕES
BIBLIOGRAFIA
Não temos a pretensão de nos aprofundar em as-
AFRO AMARAL FONTOURA — "Introdução ao Serviço Social"
suntos, que quase sempre têm sido da preocupação
dos cientistas, antropólogos, etnólogos, biólogos e so- AcuiNALDO CAMARGO DE OLIVEIRA — "O Problema do Negro
ciólogos. É precisamente neste último ramo do saber Brasileiro" — "Filosofia do Progresso".
que queremos dar nossa contribuição, simplesmente ALEX CARREL — "O Homem -— esse desconhecido".
apresentando fatos, o que já fizemos até agora. Pas- ARTHUR RAMOS -— "O Negro Brasileiro" — "Tratado de An-
saremos agora para o campo prático, procurando nas tropologia" — Guerra e Relações de Raças" — *'.A. Acul-
nossas conclusões dar sugestões objetivas na solução turação Negra no Brasil" — "A Cultura Negra no Brasil".
do problema Afro-Brasileiro: AuBREY DlLLER — "The Race Mixture Among the Greck about
Alexander".
l"?) Que o «caso& atro-brasileíroa é uma ques-
tão de reeducação; BATISTA PEREtRA — "O Brasil e a Raça".

CcsTRO BARRETO — "Estudos Brasileiros de População'


2?) Reeducar o branco para receber o negro sem
preconceito, sem restrições; CONGRESSO BRASILEIRO (ANAtS 1946) — "Seção 14-3-1946".

DiÁRio TRABALHISTA — "Coleção 1946, Seção "Problemas e As-


3") Reeducar o negro para intrometer-se na so-
pirações do Negro Brasileiro".
ciedade, sem o complexo de inferioridade;
ELPÍDIO REIS — "Serviço Social e Evasão Escolar*.
49) O complexo de inferioridade do negro é um
EUCUDES DA CUNHA — "Os Sertões".
reflexo do preconceito de cor;
FERNANDO DE AzEVEDO — "Princípios de Sociedade".
59) Deverá ser criada uma cadeira nos Cursos
FERNANDO Góes — "Sobre o Negro Brasileiro" (Artigo publi-
de Assistentes Sociais, com os conhecimentos de bio-
cado no "Estado de S. Paulo")".
antroposociologia para completa elucidação do proble-
ma negro-brasileiro. GILBERTO FREIRE — "Casa Grande e Senzala" — "Sobrados e
Mocambos".
104
— 105
HELENA CoRRÊA DE ARAujo — "Notas de aula".

I. B. G. E. — "Separata do Anuário Estatístico do Brasil —


Ano VH — 1946".

NABUco — "O Abolicionismo".

JoAQUtM DA StLVEiRA SANTOS — "Escravidão e Igreja".


JosÉ iNGENiEiRos — "O Homem Medíocre". ÍNDICE
JosEPINA ALBANO — "Notas em aula".
Páps.
Lutz CARLOS MANCIN! — "Notas em aula" e "Responsabilidades
APRESENTAÇÃO 5
dos Assistentes Sociais ante a Comunidade'.
INTRODUÇÃO 9
MARCEL — M. DESMARAIS, O. P. — "Daqui a 300 anos' .
CAPÍTULO I
MARY E. RlCHMOND — TraduçSo de Aiberto de Paria — "Diag-
Das Teorias Raciais e seus efeitos através dos
nóstico Sócia!".
Séculos 11
MODESTO DE ABREU "La Raza Negra y su Contribucion".
CAPÍTULO II
"A !a Cultura Brasileira'.
O elemento Afro-Brasileiro e o reconhecimento dos
NiNA RODRIGUES — "O Animismo Petichista dos Negros Baianos". Direitos Fundamentais da Pessoa Humana em face
O. N. U. — "Declaração Universal dos Direitos do Homem". do Serviço Social M

OTÁvtO DomNGUES — "Cinco Lições de Eugenia". CAPÍTULO 111


Ao Serviço Sócia! compete solucionar o "caso" Afro
Pio X — "Ad Diem IHum" (Enciclica)".
Brasileiro 55
PLÍNIO SALGADO — "Aliança do Sim e do Não".
CONCLUSÕES 104
RENATO IKELL — "A Psicologia da Personalidade". BIBLIOGRAFIA [05

SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA — "Raízes do Brasil".

WBNDEL WiLLKlE — Tradução de Monteiro Lobato — "Um


Mundo Só".

106 —

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