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artigo

Gregory Bateson e o Construtivismo

Gregory Bateson and the Constructivism

Resumo: Esse artigo tem como propósito expor Abstract: This article aims at exposing some Murilo José
algumas contribuições teóricas de Gregory Bate- theoretical contributions of Gregory Bateson D’Almeida Machado
son (1904-1980), em particular sobre o “Sistema (1904-1980), in particular the “Codification and
Psicólogo, antropólogo,
de Codificação-avaliação” e a “Teoria dos Tipos Evaluation System” and the “Theory of Logical especialista em Intervenção
Lógicos”, no sentido de propiciar ao leitor uma Types”, in order to provide the reader with a re- Familiar: Psicoterapia e
reflexão sobre a importância de tais contribuições flection on the importance of such contributions Orientação, pela FAMERP,
para a mudança paradigmática que ocorre na to the paradigm shift that occurs in science. This doutor na área de
ciência. Esta é uma mudança do paradigma ca- is a shift from the characteristic paradigm of Antropologia Visual pela
racterístico da chamada era moderna da ciência the so-called modern era of science to the new UNICAMP, professor no
para um novo paradigma, o da era pós-moderna. paradigm of the postmodern era. The process of Curso de Psicologia da
O processo de mudança paradigmática foi impul- paradigm shift was improved by the contribution Universidade Paulista – UNIP
sionado pela contribuição de vários autores que, of various authors who, over time, were instilling – Campus de Araraquara.
ao longo do tempo, foram incutindo outro modo another way of thinking scientific knowledge. This
de pensar o conhecimento científico. Este artigo article points at Gregory Bateson. Ulisses Herrera
aponta para Gregory Bateson. Chaves
Keywords: Gregory Bateson, constructivism, Psicólogo, especialista em
Palavras-chave: Gregory Bateson, constru- postmodern, new paradigm, systems theory. Terapia Familiar e de Casal
tivismo, pós-moderno, novo paradigma, teoria pela PUC-SP, doutor em
sistêmica. Ciências da Reabilitação pela
USP, coordenador auxiliar do
Curso de Psicologia – UNIP –
Campus Bauru.

Muito se fala na mudança do paradigma característico da era moderna da ciên-


cia para um novo paradigma, o da era pós-moderna. Esse tipo de mudança não
ocorre da noite para o dia e sim por um processo de longo prazo, consequência da
contribuição de diversos autores que nem sempre aparecem ligados a ela.
A ideia desse artigo* surgiu em algumas ocasiões, enquanto lia sobre as carac-
terísticas do chamado “novo paradigma da ciência”, em que me vieram à mente
alguns conceitos propostos por Gregory Bateson e a reflexão sobre a influência *
Agradeço a Nelson Iguimar
destes na mudança paradigmática, mesmo que de forma embrionária. Algo me Valerio, coordenador do Curso
de Intervenção Familiar:
fazia lembrar dele. Esse foi o caso da leitura de Sobre a reconstrução do significado Psicoterapia e Orientação,
de Marilene Grandesso** (2000), em particular do primeiro capítulo, “Para uma da FAMERP – Faculdade de
Medicina de São José do Rio
Epistemologia da Pós-modernidade”, em que são descritas de forma detalhada Preto, pelas suas contribuições.
algumas características das epistemologias modernas e pós-modernas. Alguns **
Agradeço a Marilene
trechos me remetiam a Bateson. Grandesso, que contribuiu
generosamente para o
A intenção de relacionar Bateson com o novo paradigma não foi a de classificá- destaque de alguns pontos
-lo como moderno ou pós-moderno ou novo-paradigmático, mas sim a de resga- tratados nesse artigo.
tar conceitos desenvolvidos por ele, no sentido de divulgá-los e de refletir até que
ponto podem ter contribuído para a construção desse novo paradigma da ciência.

Recebido em: 27/09/2015


Aprovado em: 04/01/2016

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O NOVO PARADIGMA DA CIÊNCIA “conhecer”, aqui, não significa “go-
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vernar”, mas, sim, “dominar”. Então,
A passagem do paradigma moderno poderíamos representá-la da seguinte
para o pós-moderno não se deu em forma: “Dividir para conhecer e do-
um momento único da história ou minar.” A ciência moderna procurou o
de forma semelhante dentro das di- conhecimento por meio da divisão do
versas ciências ou mesmo dentro das “todo” complexo em partes mais sim-
Ciências Humanas, que são as que nos ples, para classificá-las em separado e
interessam em particular. Tampouco conhecê-las em profundidade sectária,
podemos considerar esse processo de dissociadas do “todo” de que fazem
mudança paradigmática próximo de parte. Essa foi a forma que a ciência
estar finalizado. moderna encontrou para conhecer os
Segundo Grandesso (2000), o novo fenômenos naturais e os fenômenos
paradigma pós-moderno se configu- humanos passíveis de serem observa-
rou (e, todavia, está se configurando) dos e sistematizados, com o intuito de
na Psicologia, “do ponto de vista epis- dominá-los. E, claro, criar tecnologia.
temológico, em torno de processos Morin (2011, orig. 1990) denomi-
de construção do conhecimento sob nou, criticamente, esse processo de
a rubrica do que veio a se chamar de “paradigma da simplificação”, em que
epistemologias construtivistas e cons- o método científico moderno apoiou-
trucionistas sociais*” (p. 56). Essa -se na ideia de redução da complexi-
mudança de paradigma ou “virada dade e na de quantificação, como nos
pós-moderna”** veio oferecer uma lembra Ferreira (2001):
contrapartida à visão moderna, mas
não foi aceita de forma consensual, Assim, a ciência moderna passou a
pois, na Psicologia, tal visão encontra conceber as leis da natureza como o
defensores determinados. É possível reino da simplicidade e da regula-
observar esse processo em pleno an- ridade, onde seriam possíveis a ob-
damento e não sabemos exatamente servação e a quantificação rigorosa,
quando irá parar. convertendo-se a quantificação na
Ferreira (2001) fez uma síntese do categoria privilegiada, em detrimen-
que seria a epistemologia construtivis- to da qualidade intrínseca dos obje-
ta na Psicologia, em contraste com a tos de conhecimento (p. 29).
tradicional ciência moderna, tão fami-
liar à nossa formação acadêmica. Em Podemos encontrar um exemplo
sua descrição da perspectiva moderna típico dessa metodologia moderna na
da ciência, o autor cita a emblemática formação que se pratica nas faculda-
proposição de Descartes (1989, orig. des de medicina, em que, nas aulas de
1637), pela qual a ciência deveria, na anatomia, coloca-se um órgão do cor-
abordagem de seus objetos, “Dividir po humano na bancada, em frente aos
cada uma das dificuldades (...) em tan- estudantes, com o objetivo de se co-
tas partes quantas possíveis e quantas nhecer todas as partes daquele órgão,
*
Não irei me deter nas necessárias forem para melhor resol- classificando-as pelos seus respectivos
diferenças entre essas duas
epistemologias, como o fez vê-las” (p. 44). Então, para representar nomes e funções, para que os médicos
de forma precisa Grandesso. a estratégica metodológica da ciência se tornem verdadeiros “especialistas”.
Ver o primeiro capítulo da
obra citada.
moderna, parafraseando Maquiavel, Entretanto, apesar de tal perspectiva
**
Expressão utilizada pela
poderíamos lançar mão da seguinte considerar as implicações funcionais
autora. expressão: “dividir para conhecer.” E do órgão, em relação ao organismo,

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as funções ficam dissociadas das co- tivistas, que procuram representar os Gregory Bateson e o
nexões mais complexas do organismo problemas mentais através de descri- Construtivismo 31
Murilo José D’Almeida Machado
vivo com um “todo sistêmico”, como, ções supostamente reais, “uniformi- Ulisses Herrera Chaves

por exemplo, as de natureza emocio- zando pessoas e contextos por meio


nal e cognitiva. de definições e explicações padroni-
Tal perspectiva moderna se desen- zadas” (Grandesso, 2000, p. 54). O
volveu dentro do que se chamou de crivo científico moderno oferecia (e,
“epistemologia objetivista”, em que se todavia, oferece) um status de confia-
busca o conhecimento como domínio bilidade às hipóteses diagnósticas psi-
da natureza, por meio de representa- cológicas e escondia ou escamoteava o
ções fidedignas da realidade, cópias do que se sabe hoje, dentro do paradigma
mundo real ou “fotografias” da reali- da pós-modernidade: o caráter ine-
dade, utilizando a analogia com uma rentemente relacional e complexo do
das tecnologias mais emblemáticas do diagnóstico psicológico. Tais proce-
mundo moderno. dimentos produziram a estigmatiza-
Segundo Grandesso (2000): ção de muitos pacientes, assim como
internações desnecessárias. Uma vez
No campo específico da psicologia, que o diagnóstico era dado, o crivo
o projeto epistemológico da moder- científico moderno não permitia uma
nidade resultou em uma teoria e interpretação mais contextual do pro-
prática psicológicas afinadas com a blema, gerando rígidos rótulos que se
ênfase iluminista no progresso e na impregnavam no paciente como mar-
tecnologia. Tal psicologia pautava-se cas vitalícias.
pelos parâmetros de métodos lógicos O construtivismo pós-moderno ou
e empíricos que pudessem resultar na novo-paradigmático, grosso modo,
descoberta de leis gerais do compor- representa a interdependência inequí-
tamento, fidedignamente validadas voca entre o sujeito e o objeto, entre o
na sua correspondência com a rea- observador e o universo observado,
lidade criteriosamente observada e em contraposição às explicações ob-
confirmada pela replicação de resul- jetivistas do mundo, que postulavam
tados de observações cientificamente a separação entre o sujeito congnos-
obtidas. Condizente com esse mo- cente e a realidade conhecida. Assim,
delo, o “universo” psicológico, como dentro da nova visão, o conhecimento
qualquer outro, era pensado como não é passivamente recebido nem pe-
passível de ser conhecido de forma los sentidos, nem pela comunicação e,
isenta dos vieses do observador e do sim, construído pelo “ser ativo”, sendo
ato de observar (p. 54). descartada a possibilidade de se co-
nhecer uma realidade independente
Seguindo por esse caminho, pode- do observador.
mos evidenciar como a modernidade Historicamente, o embate entre os
se manifestava (e, todavia, se mani- objetivistas e construtivistas é herdeiro
festa) na prática da ciência psicológi- de uma tensão filosófica de longa data,
ca, com um olhar para o diagnóstico entre os idealistas, de um lado, que de-
dos problemas mentais e para o estu- positavam nas características do sujei-
do da formação do “eu”, advindo da to observador o fator fundamental na
concepção de um indivíduo universal. produção do conhecimento, e os em-
Na visão moderna, tem predominado piristas, posicionados no lado opos-
práticas e critérios diagnósticos obje- to, que consideravam o objeto como

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o determinante das características do A autora argumenta que Bateson
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conhecimento e, desta forma, por estes não descartaria a existência de uma
últimos, “o procedimento científico é realidade objetiva, muito embora ad-
visto como a busca de uma aproxima- mita que o conhecimento não a possa
ção cada vez mais precisa dos objetos” alcançar, apenas se aproximar. Ao afir-
(Ferreira, 2001, p. 32). mar um conhecimento aproximado da
Maria José Esteves de Vasconcellos realidade e não colocar a palavra “rea-
(2002) descreve a passagem para o lidade” entre aspas, Bateson faz a dis-
novo paradigma da ciência, simulta- tinção entre observador e a realidade,
neamente ao próprio desenvolvimento segundo a autora, mesmo se referindo
da Teoria Sistêmica. Essa passagem te- a uma realidade inatingível, por isso
ria se dado, segundo a autora, a partir estaria a um passo de ser um cientis-
do momento em que os cientistas as- ta novo-paradigmático, todavia num
sumiram três atitudes fundamentais: degrau anterior. Cita, também, a op-
ampliar o foco de observação; descre- ção de Bateson pela Cibernética*, que,
ver os fenômenos através do verbo “es- para a autora, não permitiria a supe-
tar”, ao invés do “ser”; e acatar “outras” ração do paradigma modernista. Ape-
descrições. sar dos esforços dele, para introduzir
O cientista novo-paradigmático a Cibernética num contexto interdis-
passou a incluir em sua epistemolo- ciplinar e de considerar que não há
gia, segundo Vasconcellos (2002), três conhecimento à parte do observador,
novas dimensões, em relação à era Bateson descreveria a existência dos
moderna: a “complexidade”, a “insta- sistemas num mundo onde a realida-
bilidade” e a “intersubjetividade”, de de objetiva não é de todo inexistente.
forma indissociável. A “complexida- Apesar da ênfase que ele atribuiu ao
de”, é representada pela mudança de “contexto” e ao “processo relacional”,
foco do observador, que passou a per- sem os quais não se poderia construir
ceber não apenas o fenômeno propria- o conhecimento, sua epistemologia
mente dito, mas a “teia de fenômenos não teria dado o passo necessário em
recursivamente interligados”, isto é, a direção ao novo paradigma e rompido
rede de relações complexas entre os de vez com a existência de uma reali-
sistemas que envolvem o fenômeno. A dade independente do observador, se-
“instabilidade” pressupõe que os sis- gundo a autora. Nas palavras de Vas-
temas estão em constante mudança, concelos (2003), Bateson:
evolução e auto-organização, que as
relações estão sempre num presente (...) afirma a impossibilidade da ob-
instável e que não podem ser previstas jetividade, mas preserva a existência
ou controladas. A “intersubjetividade”, de uma realidade independente do
já citada, significa que não se pode observador, quando diz, por exemplo,
distinguir o observador do sistema que os experimentos de Ames sobre
observado, em que o observador re- percepção demonstraram como nos-
conhece sua própria participação na sos sentidos podem nos enganar. Ou
construção da realidade por ele des- quando, ao falar do experimento de
crita. Desse ponto de vista, ela faz uma McClloch com a rã, considera que é
análise sobre alguns autores, em rela- a estrutura neurofisiológica que im-
ção às suas respectivas contribuições pede que a informação objetiva seja
*
Falarei da Cibernética mais
ou ligações com o “novo paradigma da transmitida ao observador. Assim, ele
adiante. ciência”. Dentre eles, Bateson. mantém o “mundo lá”, independente

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do observador, atendo-se apenas à respeito apenas às características da Gregory Bateson e o
impossibilidade de representá-lo ade- topografia do terreno que margeia as Construtivismo 33
Murilo José D’Almeida Machado
quadamente. Então, para ele, agir águas, nem tampouco às caracterís- Ulisses Herrera Chaves

acreditando na objetividade, igno- ticas da água, mas ao “encaixe” entre


rando a circularidade do sistema e as duas. A correnteza é a resultante do
tentando controlá-lo seria um erro “encaixe” entre as margens e a lógica
epistemológico, porque essas ações da água. Se o observador consegue ver
estariam em desacordo com o que o apenas a correnteza, mesmo assim,
mundo é (p. 250). terá uma ideia das características da
topografia do terreno e da lógica da
Tal argumentação me remete à se- água, sem necessariamente precisar
guinte questão: que diferença episte- saber se realmente existem.
mológica haveria, em termos práticos, Identificando-se com o construti-
entre aqueles que não consideram a vismo crítico, por outro lado, Maho-
existência de qualquer realidade inde- ney (1998, orig. 1991) dizia que os
pendente do observador e aqueles que construtivistas radicais seriam como
acreditam na sua existência, mas tam- os idealistas:
bém na sua inatingibilidade? E me re-
mete também à discussão trazida por (...) o construtivismo radical posi-
Grandesso (2000) entre os chamados ciona-se nas cercanias da posição
“construtivistas radicais” e os “cons- clássica do idealismo ontológico,
trutivistas críticos”*, em particular argumentando que não há nenhu-
entre von Glasserfeld (1991, 1994) e ma realidade (mesmo hipotética)
Mahoney (1998). Trago essa discussão além da nossa experiência pessoal
à tona, apenas para ajudar no mapea- (p. 111).
mento do local de onde a obra de Ba-
teson pode ter se constituído. Ele considera que o construtivismo
Von Glasersfeld (1994), segundo radical, proposto por von Glasersfeld,
Grandesso (2000, p. 60), descreve o é indistinguível do idealismo ontológi-
construtivista radical como aquele que co, uma vez que nega a existência de
“procura pelo conhecimento que en- qualquer realidade além da percebida
caixa (fit), da mesma forma que uma pela nossa experiência pessoal.
chave encaixa em uma fechadura e, as- Grandesso (2000), entretanto, co-
sim, pode abrir a porta”. Esse “encaixe” menta que a distinção entre o constru-
dos construtivistas radicais, segundo tivismo radical e o crítico, na verdade,
a autora, “não descreve nem uma ca- não se sustenta. Ela cita o próprio von
racterística da chave, nem da fecha- Glasersfeld (1991), na sua argumenta-
dura, mas sim uma operação que se ção, quando este disse que o constru-
processa em um espaço comum entre tivismo radical não nega a existência
ambas, resultando em uma adaptação da realidade, tal qual ela é, mas, sim, *
Há um caleidoscópio que
harmoniosa da qual resulta o abrir a ao experimentador humano a possi- se formou na Psicologia
porta”. Outra analogia proposta por bilidade de obter dela uma represen- com a pós-modernidade,
representado pela emergência
von Glasersfeld (1994) é a que existiria tação verdadeira. Nos dizeres de von de diversos termos adjetivos
na relação do observador com um rio Glasersfeld (1991): “Como um cons- associados a diferentes
formas de construtivismos
correndo por meio de suas margens. O trutivista, eu nunca disse (nem mesmo (construtivismo radical,
rio corre limitado por suas margens; poderia dizer) que não há um mundo construtivismo crítico,
construtivismo social etc.).
as características da correnteza (co- ôntico, mas posso dizer que não pode- Não é objetivo desse artigo
nhecimento) que se forma não dizem mos conhecê-lo (p. 17).” detalhar tais termos.

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Assim, seguindo o raciocínio da da chamada “Escola Funcionalista In-
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autora, podemos questionar uma dis- glesa”. Nessa época, recebeu um finan-
tinção, de ordem prática, entre aqueles ciamento para realizar um trabalho de
que não consideram a existência de campo na Nova Guiné, onde fez suas
qualquer realidade independente do pesquisas de campo com os Iatmul,
observador e aqueles que acreditam na que resultaram no livro Naven.
sua existência, mas que admitem que Naven, na época de sua publicação
ela é inatingível pela experimentação (1936), obteve críticas severas pela
humana. forma particular de Bateson fazer An-
Tendo em mente as reflexões coloca- tropologia, dissonante com seus mes-
das acima, as características das episte- tres representantes do funcionalismo
mologias objetivistas e construtivistas inglês da época, sobretudo Bronislaw
e das chamadas ciências moderna e Malinowski e Radcliffe-Brown. É pos-
pós-moderna, vamos descrever alguns sível identificar, entre tais dissonân-
aspectos da obra de Bateson, com o cias, um fator que tem a ver com a
intuito de identificar possíveis contri- visão de Bateson sobre o modus ope-
buições deste autor na realização dessa randi da cultura e a formulação de um
“virada” paradigmática da ciência. A “modelo circular” para representar a
obra de Bateson é vasta e com várias relação entre o indivíduo e a sociedade
dimensões. Eu pretendo apenas desta- (Pauzé, 1996; Winkin, 1981). Em ou-
car algumas ideias úteis para os nossos tras palavras, Bateson já demonstra-
objetivos, a saber: a ideia de “Sistema va, nessa época, a emergência de um
de Codificação-avaliação” e a “Teoria pensamento sistêmico. Para ele, have-
dos Tipos Lógicos”. ria uma retroalimentação contínua na
Antes, porém, é necessário contex- relação entre indivíduo e sociedade, na
tualizarmos a época moderna em que qual esta última não seria um “ser so-
ele recebeu sua formação acadêmica. cial” coercitivo, como nos moldes do
funcionalismo antropológico inglês,
influenciado pelas ideias de Émile
GREGORY BATESON E SUA ÉPOCA Durkheim, reinantes no ambiente de
MODERNA Cambridge.
Ao se considerar sua formação ini-
Gregory Bateson nasceu em 9 de maio cial, oriunda das Ciências Biológicas,
de 1904, em Grantchester, próximo a e o ambiente acadêmico onde reali-
Cambridge, Inglaterra, naturalizou-se zou suas primeiras incursões no cam-
norte-americano em 1956 e faleceu em po da Antropologia, era de se esperar
4 de julho de 1980 em São Francisco, que Gregory Bateson se tornasse um
EUA. Iniciou sua formação acadêmica objetivista moderno e convicto. Não
na área da zoologia (em Londres) e da que tivesse passado imune a tal influ-
biologia (em Cambridge). Era filho de ência. Na época, Bateson criticava a
um eminente biólogo inglês, William excessiva subjetividade das categorias
Bateson, conhecido como um dos pais antropológicas presente na literatura.
da genética. Ele considerava estas categorias muito
Apesar de biólogo de formação, presas ao plano de “meras abstrações
Bateson enveredou-se no campo da convenientes” para o antropólogo, não
Antropologia, no ambiente de Cam- representando bem o fenômeno pre-
bridge, no final dos anos 1920, no sente na cultura. Essa crítica ia além
apogeu do modernismo, em particular da objetividade que se poderia obter

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com os dados de campo na pesqui- tanto ao controle náutico como ao Gregory Bateson e o
sa antropológica, a que seus mestres, social (Lipset, 1991, p. 203). Construtivismo 35
Murilo José D’Almeida Machado
sobretudo Malinowski, pretendiam. Ulisses Herrera Chaves

Bateson buscava encontrar uma base A primeira dessas reuniões chamou-


epistemológica mais objetiva para -se “Mecanismos de retroalimentação
seus modelos, daí o seu “namoro” com e sistemas causais circulares nos sis-
a Cibernética, a qual iria tratar, mais temas biológicos e sociais”. Para Bate-
tarde, de adaptar às Ciências Huma- son, a participação nessas reuniões e o
nas. Encontramos um exemplo disso, contato com os estudos da Cibernética
mesmo que de forma embrionária, em foram particularmente enriquecedo-
Naven, no conceito de cismogênese* res. Viria a dizer mais tarde a seu bió-
(Bateson, 1965, orig. 1936), o qual já grafo Lipset (1991), que essa experiên-
*
Cismogênese, grosso
modo, significa uma cisma
tinha sido descrito no artigo “Cultura cia talvez tenha sido a mais importante (ruptura) retroalimentada
Contact and Schismogenesis” (Bateson, de sua vida. A partir dessas reuniões e sistemicamente. Esse
conceito foi aplicado a alguns
1987a, orig. 1935). do contato com a Cibernética, Bateson comportamentos dos Iatmul,
Durante os anos 1940, até 1953, já passou a utilizar os termos “ciclo dege- descritos por Bateson (1965)
em Naven. Mais tarde, ele
morando nos Estados Unidos, Bateson nerativo”, “retroalimentação negativa” mudou a nomenclatura para
participou de uma série de reuniões ou “ciclo regenerativo”, emprestados aquela mais familiar à Teoria
Sistêmica: “Retroalimentação
patrocinadas pela Fundação Macy**. da engenharia da comunicação. Negativa”.
Nestas reuniões, Bateson conheceu O lado naturalista e objetivista de **
A Fundação Macy Jr. foi
os trabalhos do matemático america- Gregory Bateson estava no auge nes- iniciativa de uma rica família
no Norbert Wiener que, junto com o sa época. Entretanto, algumas ideias inglesa que imigrou para
os Estados Unidos, ligada
engenheiro especialista em compu- construtivistas viriam à tona a partir à indústria do petróleo. Foi
tadores Julian Bigelow, investigavam de então. fundada com o objetivo de
financiar pesquisas nas áreas
a matemática na autorregulação dos da saúde e afins.
projéteis antiaéreos, que eram dotados ***
Samain organizou a edição
de controles internos que mantinham O CONSTRUTIVISMO DE BATESON dos trabalhos de Winkin,
La nouvelle communication
uma mesma direção (autorregulada) (orig. 1981) e Anthropologie
durante a trajetória. Nessa época Wie- Como sou adepto ao novo paradig- de la Communication (orig.
de 1996) em um só volume,
ner batizou esse tipo de sistema autor- ma da ciência, eu não posso dissociar em português. Ver Winkin, Y.
regulável com o nome de “Cibernéti- Gregory Bateson da minha própria (1998). A Nova Comunicação:
ca”, que vem do grego kibernetes, cujo visão de Gregory Bateson; posso, sim, da teoria ao trabalho de campo.
(Trad. de Roberto Ferreira
significado original estava ligado aos procurar deixá-la explícita. Fui apre- e Org. e Apresentação de
sistemas de navegação, mais precisa- sentado à obra de Bateson pelo Prof. Etienne Samain). Campinas:
Papirus.
mente ao timão dos navios. Dr. Etienne Samain (meu orientador ****
Winkin (1981) apresenta
no doutorado), cujo talento para des- tal grupo por meio do termo
Do ponto de vista histórico, esta pa- cobrir e divulgar autores com muita “colégio Invisível” (expressão
inventada por Dereck J.
lavra tinha três diferentes centros de expressão, mas pouco conhecidos no Solla Price em 1963), para
referência: mecanismos de controle Brasil, é bem conhecido. Entre esses, representar as redes de
foi o caso de Winkin (1981, 1996), a conexões que dominam uma
automatizados, pessoal encarrega- disciplina científica, sem, no
do de controlar veículos (barcos, quem trouxe para fazer uma série de entanto, atribuir a nenhum
por exemplo), controle político da palestras na UNICAMP, no final dos dos integrantes do grupo a
ideia de controle ou poder
sociedade. Wiener, em 1948, escre- anos 1990***, divulgando principal- em relação aos outros. Além
veu do quanto se havia ampliado o mente o seu trabalho de contextuali- de Bateson, Winkin (1981)
destacou desse grupo, pelo
significado dessa palavra, e tratou zação de um grupo de cientistas que lado da Antropologia, Ray
de reduzi-lo à raiz grega “kibernetes” ficou conhecido como “Colégio Invisí- Birdwhistell, Erving Goffman,
Edward T. Hall e, pelo lado da
exclusivamente à sua acepção de “ti- vel”**** de Palo Alto, no qual Bateson Psicologia, Don Jackson, Paul
moneiro”, porém Platão já a aplicava exercia um papel bastante relevante. Waltzlawick e Albert Scheflen.

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Em relação à obra de Bateson, Samain Bateson: sua Epistemologia da Comu-
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(2004) comenta: nicação.
No âmbito da comunicação huma-
É uma obra circular, em perpétuo na*, os estudos de Bateson sobre os di-
movimento, de tal modo que nunca ferentes métodos de codificação obti-
se sabe onde exatamente começa e, veram grande desenvolvimento, ainda
sobretudo, quando terminará. Além como desdobramento de sua partici-
disso, vários territórios do saber en- pação na série de reuniões financiadas
trecruzam-se, com deferência e pre- pela Fundação Macy, nos anos 1940.
cisão, no empreendimento sistemáti- Algumas das reflexões realizadas du-
co de Bateson. São eles: a biologia, a rante o período destas reuniões estão
antropologia, a cibernética, a lógica, expostas num livro que escreveu em
a psiquiatria, a etologia. Todas essas parceria com Jurgen Ruesch, intitula-
áreas, por sua vez, convergem em di- do Communication: The Social Matrix
reção a uma epistemologia da comu- of Psychiatry, publicado em 1951.
nicação (p. 2). Nesta obra, Bateson considerou
vários níveis de codificação, desde o
Da obra de Bateson, penso que a nível intrapessoal até o social, e disse
suas ideias relativas ao “Sistema de que toda percepção de um indivíduo
Codificação-avaliação” e a “Teoria dos de qualquer evento exterior depende
Tipos Lógicos” sejam as mais signi- de uma tradução interior deste even-
ficativas em termos de uma possível to. Desde o momento que o indivíduo
contribuição ao construtivismo, que capta as sensações visuais, sonoras
podem, de algum modo, ter adentrado e táteis do mundo exterior, até que
em um novo tipo de pensamento, mais cada uma destas sensações atinja uma
característico da época pós-moderna. forma definida, como significação,
elas passam por uma série de trans-
formações. Por exemplo, uma onda
Sistema de Codificação- de luz exterior ao atingir a retina e o
avaliação nervo ótico, transforma-se em impul-
so nervoso que, no final do processo,
Apesar da forte influência moderna de transformar-se-á numa “imagem” no
sua época, penso que Bateson desen- cérebro, cujos códigos interiorizados
volveu uma epistemologia com carac- ao longo da vida oferecerão, a esta
terísticas relacionais pós-modernas e “imagem”, uma significação. Em cada
não por acaso, mas, sim, porque elegeu codificação desse processo ocorre uma
Muito embora o sistema
*
a “comunicação” como o ponto central transformação: “(...) o sentido exato da
de codificação-avaliação
diga respeito sobremaneira
de suas pesquisas e esta, por sua vez, é palavra codificação é transformação”
à comunicação que se dá no o amálgama da construção do conhe- (Bateson & Ruesch, 1965, orig. 1951,
âmbito das relações humanas, cimento, assim como da construção
para Bateson, o conceito de
p. 142).
comunicação assume uma da própria realidade. Quando fala- Bateson descreveu três métodos
dimensão que vai além da mos em construção da realidade ou na básicos de codificação e, consequente-
linguagem ou das relações
sociais. Possui um caráter existência (ou não) de uma realidade mente, três códigos diferentes que são
universalista que abrange, independente do observador e na in- utilizados para transformar e decifrar
além da comunicação humana,
a comunicação que ocorre tersubjetividade, estaremos sempre a informação, no âmbito das relações
na natureza, na transmissão evocando, mesmo que de forma indi- humanas: o código digital ou simbóli-
genética, nas características
das plantas e animais (Bateson,
reta, a comunicação. Aqui, a meu ver, co, o código analógico e o código ges-
1985, orig. 1979). está a grande contribuição de Gregory táltico (Pauzé, 1996). O primeiro, o di-

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gital ou simbólico, é um código muito posteriormente por meio da utiliza- Gregory Bateson e o
específico e puramente convencional, ção da linguagem na qual os subs- Construtivismo 37
Murilo José D’Almeida Machado
utilizável para decifrar os símbolos tantivos e os verbos sempre estão re- Ulisses Herrera Chaves

apenas por aqueles que o aprenderam lacionados com Gestalten percebidas


e possuam o conhecimento das regras externamente. Entretanto, quando se
e convenções culturais de transforma- aceita que o reconhecimento das Ges-
ção da informação. Dentro do univer- talten depende das relações formais
so humano, a linguagem pode repre- existentes entre os fatos exteriores,
sentar o exemplo mais emblemático fica evidente que na realidade pensar
da codificação simbólica. No segundo em termos de “coisas” é secundário, é
método de codificação, o analógico, um epifenômeno que encobre a ver-
os eventos exteriores são representa- dade subjacente de que ainda pensa-
dos por modelos de algum modo re- mos em termos de relações* (Bateson
conhecíveis, que tenham algum tipo & Ruesch, 1965, p. 145).
de semelhança com o seu objeto refe-
rente. É possível aplicar esse método Para ilustrar a visão relacional ges-
para reconhecer a expressão corporal táltica, proponho um exemplo que en-
representativa das emoções huma- contramos no estudo da Física avan-
nas. Finalmente, temos a codificação çada, que envolve a compreensão do
gestáltica, pela qual a informação é espaço de n dimensões. Num nível
organizada sob a forma de uma Ges- da Física elementar, quando o espa-
talt (uma forma total e organizada). É ço se limita a três dimensões, que é
por meio desse método de codificação o espaço que estamos acostumados a
que diferenciamos alguns traços como ver no cotidiano, podemos imaginar
uma figura geométrica reconhecida, concretamente os objetos por inter-
como um quadrado, não importando médio de imagens mentais desses ob-
o tamanho que ele tenha. É através da jetos. Estas imagens que construímos
Gestalt que pensamos o mundo por em nosso pensamento nos iludem a
intermédio de imagens, que formamos achar que estamos pensando em obje-
em nossas mentes imagens das coisas tos concretos e não, na verdade, num
que pensamos que existem. Para as conjunto de relações codificadas por
coisas que vemos, transformamos as meio de um código gestáltico. Em ní-
imagens formadas em nossas retinas, veis mais complexos, como no espaço
através da percepção visual, em obje- de n dimensões, essa ilusão se desfaz
tos concretos e reais em nossas men- e tornam-se evidentes as relações en-
tes. Para as coisas abstratas, criamos volvidas. Os físicos não conseguem
imagens para representá-las e pode- mais seguir “imaginando” os objetos
mos oferecer a elas um status de rea- e seus movimentos por meio do códi-
lidade. Mas, na verdade, todos esses go gestáltico, quando são obrigados a
objetos mentais são um conjunto de pensar em espaços com mais de três
relações gestálticas. dimensões, configurados apenas pelas
relações matemáticas. Quando o pro-
Parece que a existência de processos blema a ser pensado excede as três di-
gestálticos dentro do pensamento hu- mensões do cotidiano, então, somente *
Tal afirmação de Bateson
mano é responsável por nossa crença as relações matemáticas são capazes de tem como referência, ao
de que somos capazes de pensar em abordá-lo e a codificação desse mundo meu ver, tanto o nível das
relações sociais quanto as
objetos concretos, não meramente passa a ser puramente numérica (que é características da mente
em relações. E esta crença se reforça o mundo das partículas subatômicas, individual.

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por exemplo) e a ilusão de estar pen- base de valores culturais adquiridos na
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sando na realidade em termos de “coi- convivência com o nosso grupo cul-
sas” concretas se desfaz. tural e o contexto onde aprendemos a
No caso da cultura, Bateson olhou aprender.
para a troca de informações e para o Com relação ao modus operandi do
sistema de codificação humana como sistema de codificação-avaliação, Ba-
indissociável dos valores e das crenças. teson identifica alguns níveis de com-
Os três métodos de codificação esta- plexidade dentro dos quais a codifica-
riam sempre ligados aos valores cultu- ção e decifração do mundo ocorrem.
rais e às crenças que, por sua vez, são No sistema de codificação-avaliação
forjadas nos contextos onde os apren- podem operar diferentes níveis cres-
demos e, além: aprendemos a apren- centes de complexidade de decifração
der. Os valores culturais e as crenças do mundo, relativo à percepção do
têm, portanto, uma importância capi- “meio ambiente”, de “si mesmo” e de
tal na construção da noção de realida- “si mesmo inserido no meio ambiente”.
de, como nos aponta Pauzé (1996): Bateson descreve oito níveis de com-
plexidade do sistema de codificação-
Nós agimos em função da percepção -avaliação, propondo a seguinte ima-
que temos das coisas. Assim, o desen- gem como referência:
rolar de uma relação entre duas pes-
soas não depende somente da cadeia
de eventos que constrói a interação,
mas, também, do modo como os in-
divíduos envolvidos veem e interpre-
tam estes eventos. Segundo Bateson,
a percepção dos eventos depende da
crença e de pressuposições que temos
sobre nós mesmos e sobre o mundo
ao redor. Estas pressuposições esta-
rão limitadas em relação aos contex- Fonte: Bateson e Ruesch (1965, p. 156).
tos nos quais nós temos aprendido a
aprender (p. 69). 1. discriminação de entidades per-
cebidas dentro desse arco do cir-
As nossas crenças influenciam a cuito chamado de meio ambien-
ideia que temos do mundo e de nós te. É aquele do reconhecimento
mesmos e definem a forma como ava- e delimitação dos elementos per-
liamos e deciframos a realidade. Des- tencentes ao meio ambiente;
te modo, os valores culturais em que 2. subdivisão em subcircuitos aos
acreditamos determinam aquilo que quais podemos chamar de or-
nos orienta a dizer: isto é real ou não ganismos. É aquele do reconhe-
é real. A este sistema de codificação, cimento e discriminações pelo
em que se juntam valores culturais e organismo de partes do corpo, de
crenças, Bateson chamou de “sistema sensações, de ações etc.
de codificação-avaliação”. É por meio 3. subdivisão do circuito total em
deste que nós codificamos, deciframos duas partes: a pessoa e o meio
e avaliamos o mundo e damos status ambiente. É aquele da diferencia-
de realidade a ele, utilizando os méto- ção de si mesmo em relação ao
dos de codificação citados, aliados à meio ambiente;

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4. conceitualização do controle tração. Descreve também os erros e as Gregory Bateson e o
entre pessoa e meio ambiente. contradições que podem ocorrer em Construtivismo 39
Murilo José D’Almeida Machado
É aquele onde o organismo é le- relação à distinção dos “tipos lógicos”. Ulisses Herrera Chaves

vado a perceber o meio ambien- Por exemplo, quando ocorre o “fato de


te como coercitivo e ao mesmo tomar a conduta geral de um grupo
tempo perceber a si mesmo exer- por aquela dos indivíduos que o com-
cendo também coerção sobre o põem” (Pauzé, 1996, p. 70). O estudo
meio ambiente; de Bateson sobre os “tipos lógicos”
5. conceitualização de arcos cau- das mensagens surgiu a partir do seu
sais separados dentro da pessoa. contato com os trabalhos de Bertrand
É aquele do reconhecimento de Russell e Whitehead, em particular,
partes separadas no interior do com a “Teoria dos Tipos Lógicos”*, a
indivíduo; qual Bateson retomou em diversos de
6. distinção dos níveis de abstra- seus artigos.
ção. É aquele utilizado para o Esse tema pode ser representado
reconhecimento de múltiplos pelo chamado “Paradoxo de Russell”
tipos lógicos das mensagens; e se refere, grosso modo, a tomar por
(grifo meu) “classe de coisas”, as “coisas” propria-
7. gestalten que ocupam lapsos de mente ditas ou, de outra forma, a mis-
distinta duração. É aquele do re- turar níveis deferentes de abstração na
conhecimento de sequências in- comunicação, gerando contradições.
teiras de eventos; Bateson apresenta esse paradoxo da
8. reificação dos conceitos. É aque- seguinte maneira:
le utilizado para reificar concei-
tos tais como o da moralidade, (...) um homem classifica entidade
das convenções culturais etc. em classes e toda classe que define
(Bateson & Ruesch, 1965, pp. estabelece uma classe de outras en-
156-159). tidades que são não-membros. Ele
nota que a classe dos elefantes não
Bateson trabalha com a possibi- é em si mesma um elefante, porém
lidade de ocorrer o que chamou de que a classe dos não-elefantes é em
“contradições internas do sistema de si mesma um não-elefante. Deduz-
codificação-avaliação”, em que podem -se que certas classes são membros
ocorrer “alterações” na percepção em de si mesmas, enquanto outras não.
relação às características internas em Portanto, ele estabelece duas amplas
cada um dos níveis de complexidade classes de classes. E ele deve decidir:
citados e, em última análise, na per- A classe de classes que não são mem-
cepção da realidade. bros de si mesmas é um membro em
si mesma?
Se a resposta for “sim”, ocorre que
Teoria dos Tipos Lógicos esta classe deve ser uma daquelas que
não são membros de si mesmas – dado
Em relação ao 6º nível de complexi- que todos os membros são deste tipo –
dade do sistema de codificação-ava- e, portanto, a resposta deve ser “não”.
liação, Bateson (1965) descreve dife- Se, por outro lado, a resposta é “não”, *
Ver Whitehead, A. N.
rentes “tipos lógicos”, que representam então a classe deve ser membro dessas & Russell, B. Principia
Mathematics. Cambridge:
uma hierarquização em termos de outras classes que têm por caracterís- Cambridge University Press,
níveis primários e superiores de abs- tica que seus membros são membros 1910.

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em si mesmos e, portanto, a resposta me da voz utilizado na mensagem ver-
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deve ser “sim”. Se a resposta é “sim”, bal (grave e alto ou baixo e suave) etc.
deve ser “não”, porém se é “não” deve A interpretação que o receptor terá das
ser “sim” (Bateson & Ruesch, 1965, mensagens do tipo II o fará entender
p. 161). diferentes significados para a mensa-
gem transmitida do tipo I ou o que o
Outra situação que representa o emissor está pensando da relação en-
“Paradoxo de Russell” está contida nos tre eles.
seguintes enunciados: “Eu estou men- Em 1955, Bateson publicou um ar-
tindo. Ele está dizendo a verdade? ” Se tigo intitulado A “Theory of Play and
a resposta for “sim”, deve ser “não”; po- Fantasy” (Bateson, 1987b, orig. 1955),
rém, se for “não”, deve ser “sim”. Esse no qual investigou a capacidade dos
paradoxo representa a existência de animais em discriminar diferentes ti-
uma mistura ou contradição entre dife- pos lógicos de transmissão das mensa-
rentes níveis de abstração. Nesse caso, gens. Esse artigo foi escrito com base
há que se prestar atenção que, simulta- nas observações de Bateson sobre o
neamente, existem tanto um enuncia- comportamento das lontras no aquá-
do do tipo I, como um enunciado do rio do Zoológico Fleishhacker, em São
tipo II, que se refere à falsidade do pri- Francisco (EUA), onde ele realizou
meiro enunciado. O enunciado do tipo uma série de filmagens sobre as “brin-
II é de um nível de abstração superior cadeiras” (play) desses animais, dentro
ao primeiro. Na apresentação formal do contexto da disputa pelo alimento.
do “Paradoxo de Russell”, em termos Ele estava interessado em observar até
de “classe de classes”, explicitando-se a que ponto esses animais eram capazes
diferença dos níveis abstração, o para- de distinguir uma mordida de “brin-
doxo fica excluído. cadeira” de outra, que deveria ser le-
Diferentes níveis abstração da men- vada a sério. Isto é, distinguir quando
sagem podem ser encontrados nos as investidas de uma lontra contra a
distintos tipos de transmissão da in- outra não passavam de um “jogo”. Ele
formação, dentro das interações hu- observou, em relação a essas experiên-
manas face a face. Bateson divide a cias, que o fenômeno “jogo”, somente
comunicação face a face em dois tipos: poderia ocorrer se os organismos par-
a da transmissão do conteúdo propria- ticipantes fossem capazes de algum
mente dito, e a da metacomunicação. grau de metacomunicação, ou seja, de
O tipo I envolve os códigos convencio- trocar sinais que poderiam transmi-
nais da comunicação verbal, com suas tir a mensagem “isto é um jogo”. Em
regras gramaticais e semânticas. O outras palavras, o “jogo” somente é
tipo II, o da metacomunicação, ocor- possível caso os organismos tenham a
Estou utilizando o termo
*
re por meio de uma sobreposição de consciência de que um signo pertence
“referente” oriundo da a uma “classe” (jogo) diferente do “ato”
semiótica de Peirce, que
signos ao conteúdo do primeiro tipo.
representa aquilo a que o signo A comunicação não-verbal é muito (agressão) da mordida propriamente
se refere, análogo ao termo utilizada na metacomunicação; quan- dita, fato que foi observado positiva-
“significado” utilizado na
semiologia de Saussure. Ver do uma pessoa está falando, ela pode mente em relação às lontras. O artigo
Peirce, C. (1972). Semiótica e emitir signos não-verbais que comu- de Bateson refere-se à possibilidade
Filosofia. Textos Escolhidos.
São Paulo: Cultrix. (Original nicam o que ela está pensando sobre das lontras perceberem os signos sub-
de 1932) e Saussure, F. (1995). sua relação com seu interlocutor. Estes jetivamente “deslocados” do seu refe-
Curso de Linguística Geral.
São Paulo: Cultrix. (Original
sinais podem ser emitidos por gestos rente* e da metacomunicação, isto é,
de 1916). (bruscos ou mais suaves), tom e volu- os diferentes níveis de abstração. Já

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que “deslocaram” o signo do seu re- postamente pertenceriam (beliscadas Gregory Bateson e o
ferente, elas conseguem distinguir o de repreensão). Construtivismo 41
Murilo José D’Almeida Machado
referente “jogo”, de outro, de um nível Ulisses Herrera Chaves

lógico mais concreto: o da “agressão” O que permite, então, aos organismos


propriamente dita. Em outras pala- A e B não se deixarem levar pela con-
vras, distinguir o nível abstrato de uma fusão e entender a mensagem “isto é
realidade mais concreta. um jogo”? Para Bateson, a confusão
Bateson avança na formulação de desses atos somente pode ser evitada
uma “teoria do jogo”, comparando a na medida em que se situe sua co-
capacidade dos animais de deslocarem municação dentro de um quadro psi-
subjetivamente o signo do seu referen- cologicamente definido, quadro que
te, com a dos seres humanos. Obvia- permita distinguir a qual nível lógico
mente os seres humanos são capazes pertencem os signos do jogo (Pauzé,
de realizar abstrações, mas, diante de 1996, p. 79).
certas experiências, tendem a se deixar Distinguir o nível de abstração do
levar por automatismos cognitivos: tipo lógico do “jogo” é tomar consci-
ência de que o “jogo” é uma “classe
Claramente essa realização, que sig- de atos” diferente dos “atos” da vida
nos são signos, de jeito nenhum é cotidiana. A beliscada de brincadei-
completa mesmo na espécie huma- ra não denota uma repreensão, mas
na. Nós todos também respondemos uma “classe de atos” feitos com um
muitas vezes automaticamente às espírito lúdico. Uma “classe de atos”
manchetes de jornais como se esse possui um nível de abstração supe-
estímulo viesse direto dos eventos em rior aos “atos” em si. Assim, para que
nosso meio ambiente ao invés de sig- um indivíduo entenda que um “ato”
nos forjados e transmitidos por cria- representa uma “classe de atos” espe-
turas tão complexamente motivadas cífica, é necessário realizar um exer-
como nós mesmos (Bateson, 1987b, cício de abstração superior àquele
p. 179). que seria necessário para a compre-
ensão de um tipo lógico primário*.
Bateson (1987b) mostra que a
mensagem “isto é um jogo” contém Bateson fez uma correlação entre
elementos que nos remetem ao para- os atos do “jogo” e os da “terapia”, pois
doxo do tipo russelliano: os “atos de ambos são produzidos dentro de um
um jogo” são ações que “não denotam quadro psicologicamente definido e de
aquilo que se esperava que denotas- uma delimitação espacial e temporal,
sem” (p. 180). Por exemplo, quando que pode ser representado pela pala-
um indivíduo dá uma beliscada de vra “contexto”. Dentro do “contexto do
brincadeira em alguém (um pai brin- jogo” e do “contexto da terapia”, os atos
*
Bateson identificou algumas
cando com seu filho), essa beliscada possuem um nível lógico de abstração enfermidades psicológicas
não denota aquilo que poderíamos es- distinto (tipo II), em relação aos “atos” que teriam como sintoma
perar que uma beliscada denotasse (o cotidianos (tipo I). Entretanto, tanto o a redução dessa capacidade
de compreensão de níveis
pai repreendendo a criança com uma “jogo” como a “terapia” procuram pro- de abstração superiores.
beliscada). Assim, os signos (belisca- duzir experiências que induzam certa Ele relacionou algumas
doenças mentais, em
das de brincadeira) emitidos pelo in- mistura desses tipos lógicos. É objeti- particular a esquizofrenia,
divíduo A (pai) ao indivíduo B (filho), vo comum de muitos jogos, e das tera- com dificuldades de ordem
psicológica em perceber
no momento do “jogo”, não pertencem pias, criar processos de ação que indu- tipos lógicos superiores de
à mesma classe a que estes signos su- zam as pessoas a perceberem os atos, comunicação (Pauzé, 1996).

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dentro desses “contextos”, com o nível CONSIDERAÇÕES FINAIS
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de abstração análogo ao dos “atos” da
vida cotidiana. Nesse sentido, uma boa Este artigo tem como intuito expor al-
terapia busca, dentro de sua metodo- gumas contribuições teóricas de Gre-
logia, que o paciente confunda esses gory Bateson e propiciar ao leitor uma
tipos lógicos, para que as emoções e as reflexão sobre possíveis associações
cognições produzidas durante o tem- destas com a mudança de paradigma
po da sessão sejam percebidas com o nas ciências. O processo de mudança
mesmo status de realidade daquelas da paradigmática foi impulsionado pela
vida cotidiana. contribuição de vários autores que, ao
O conceito de “contexto” é central longo do tempo, foram incutindo ou-
na obra de Bateson. Ele relativiza a re- tro modo de pensar o conhecimento
alidade e a condiciona ao “contexto”, científico. Este artigo aponta para Gre-
isto é, a realidade está sempre relacio- gory Bateson.
nada ao “contexto” dentro do qual ela Ao meu ver, Bateson instrumenta-
é construída. Nunca podemos ter uma lizou a compreensão do processo de
noção absoluta da realidade tal como construção da realidade e um exemplo
ela é: “nunca poderemos ter certeza disso é a ideia que a realidade depen-
se estamos nos referindo ao mundo de do “contexto” em que o observador
tal como ele é ou tal como o vemos” está inserido. Não é apenas uma cons-
(Bateson & Rusch, 1965, p. 197). A trução de significado feita pelo indiví-
mistura dos tipos lógicos aproxima a duo, por meio de sua interpretação da
realidade construída no “contexto do realidade, mas do processo de ação in-
jogo”, da “terapia” – e também do “ri- dutor característico de cada “contexto”,
tual”*, diríamos – da realidade da vida na construção da realidade. Isto o dis-
cotidiana. No caso da “terapia”, isso faz tanciou de qualquer noção objetivista.
*
O “ritual”, de um ponto de com que o terapeuta tenha que tomar A instrumentação teórica deixada
vista antropológico, também
pertence a um quadro consciência desta aproximação, na por Bateson atribui, a meu ver, espe-
psicologicamente definido, condução do processo terapêutico. cial ênfase ao papel dos sistemas de
dentro de uma delimitação comunicação na construção da rea-
espacial e temporal, em que os
Obviamente, essa mistura de tipos
atos, dentro deste “contexto”, lógicos não ocorre da mesma forma lidade, que incluem os exemplos aci-
distinguem-se do tipo lógico no “jogo” e na “terapia”; mais precisa- ma citados: a codificação-avaliação,
dos “atos” cotidianos. Assim
como no jogo e na terapia, mente, não através do mesmo proces- em particular, a codificação gestáltica
existe um processo de ação so de ação indutor. Entretanto, distin- e as possíveis contradições nos níveis
indutor que provoca a mistura
desses tipos lógicos. guir tais “contextos” não é tarefa desse de abstração das mensagens. Tais con-
**
Assim como o conceito de artigo. Gostaria apenas de ressaltar, ceitos e ideias podem ser entendidos
“comunicação”, o “contexto” deste modo, que os conceitos bateso- como contribuições à epistemologia
no sentido batesoniano, é
mais amplo e extrapolam as
nianos acima expostos podem, de al- construtivista novo-paradigmática,
interações humanas e nem gum modo, ajudar na compreensão da na medida em que não vejo graves
sempre enfatizam as práticas contradições nisso, destacando-se a
sociais. Isso fica claro em
construção de realidades alternativas,
algumas passagens de Mente dentro de contextos distintos e de que “intersubjetividade” e o modo rela-
e Natureza, livro escrito modo os atos, em determinados “con- cional “complexo” da construção da
às vésperas de sua morte
(1979), quando se refere ao textos”, são codificados-avaliados de realidade. Tais características são en-
“contexto” da comunicação forma análoga, como sendo do mesmo contradas constantemente na obra de
que ocorre no âmbito da
natureza. Isso, ao meu ver, nível lógico aos “atos” da vida cotidia- Bateson e estão bem representadas no
afasta Bateson de uma possível na, com o mesmo status de ­realidade. termo “contexto” utilizado por ele**.
aproximação com um tipo de
pensamento característico do
Pela época em que obteve sua for-
“contrutivismo social”. mação, Bateson guardou caracterís-

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ticas modernas em sua obra. Mas, ao intersubjetividade como condição ne- Gregory Bateson e o
longo de sua carreira, foi adotando cessária de toda observação e percep- Construtivismo 43
Murilo José D’Almeida Machado
uma visão sistêmica que o aproximou, ção de mundo, por meio da busca de Ulisses Herrera Chaves

ao meu ver, da pós-modernidade. São compreensão dos sistemas complexos


essas transformações as mais difíceis: envolvidos. Se, por um lado, Bateson
as pioneiras. Hoje, falar em intersubje- buscou certa objetividade no conheci-
tividade e realidade construída por re- mento, e a Cibernética foi um exemplo
lações sistêmicas é comum. Expor tais disso, por outro, sua Epistemologia
ideias no começo do século XX exigiu da Comunicação contribuiu para de-
criatividade e coragem. talhar os “contextos” da construção
Tudo leva a crer que Bateson tinha em relacional da realidade, instrumentali-
mente a existência de uma realidade in- zando a compreensão de seus possíveis
dependente do observador, até porque, processos. A consideração das possibi-
pela época em que obteve sua formação, lidades de contradições no sistema de
seria muito difícil que pensasse de ou- codificação-avaliação e da mistura dos
tra maneira. Em algumas de suas frases níveis de abstração das mensagens, por
isso fica evidente, como, por exemplo, exemplo, criam uma combinatória de
quando disse que “nunca poderemos variáveis que nos ajuda a compreender
ter certeza se estamos nos referindo ao a construção de diversas realidades,
mundo tal como ele é ou tal como o ve- em que a cotidiana é apenas uma delas.
mos” (Bateson & Ruesch, 1965, p. 197).
Entretanto, assim como alguns constru-
tivistas, deixou clara a inatingibilidade REFERÊNCIAS
desse mundo “tal como é”. Outro trecho
representa e reforça essa ideia. Bateson, G. (1965). Naven. The culture
of the Iatmul people of New Gui-
Digamos que a verdade significaria nea as revealed through a study of
uma correspondência precisa entre the “naven” ceremonial. Standford:
nossa descrição e o que descrevemos, Standford University Press. (Origi-
ou entre nossa malha de abstrações nal de 1936).
de deduções e um total entendimento Bateson, G. (1985). Mente e Natureza:
do mundo exterior. Não se pode ob- uma unidade necessária. London:
ter a verdade nesse sentido (Bateson, Flamingo. (Original de 1979).
1985, p. 33). Bateson, G. (1987a). Cultura Contact
and Schismogenesis. In: Steps to na
Retomo a questão anteriormente Ecology of Mind. Northvale: Janson
colocada: que diferença epistemológi- Aronson. (Original de 1935).
ca, em termos práticos, haveria entre Bateson, G. (1987b). A Theory of Play
aqueles que não consideram a existên- and Fantasy, in: Steps to an Ecology
cia de qualquer realidade independente of Mind. Northvale: Jason Aronson.
do observador e aqueles que acreditam (Original de 1955).
na sua existência, mas também na sua Bateson, G. & Ruesch, J. (1965). Co-
inatingibilidade? Insuficiente, a meu municacion. La matriz social de la
ver, para considerar os primeiros como psiquiatría. Buenos Aires: Paidos.
novo-pardigmáticos e os segundos não. (Original de 1951).
Se Bateson não colocou a palavra Descartes, R. (1989). Discurso do Mé-
“realidade” entre aspas, colocou o ob- todo. São Paulo: Ática. (Original de
servador entre aspas, demonstrando a 1637).

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Ferreira, R. (2001). Construtivismo: cas da psicoterapia. Porto Alegre:
44 NPS 54 | Abril 2016
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Ribeirão Preto, 4(1), 27-39. mento Complexo. Porto Alegre: Edi-
Glasersfeld, E. von. (1991). Knowing tora Sulina. (Original de 1990).
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