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pensamento”, que constituiria só verdades lógicas ou metafísicas. Esta imagem
– que encontra uma base em afirmações de Platão e de Aristóteles, lidas fora
do contexto em que os dois grandes pensadores as inseriram, ou seja, no
contexto de suas críticas à filosofia de Parmênides e das reconstruções que
dela fizeram de maneira instrumental à exposição das próprias teorias – não é
uma imagem da Antiguidade, mas apenas uma interpretação moderna (a partir
de Hegel) e contemporânea (a partir de Heidegger), que depois foi se
afirmando na historiografia.
II
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embora por um lado se insira nos esquemas da poesia tradicional (em particular
de Hesíodo), por outro se apresenta, em seu conteúdo, bem diversa daqueles
esquemas. Se formalmente se trata de uma revelação, nela estão presentes
todos os caracteres de uma filosofia e de uma ciência que demonstram os
próprios pressupostos e não os comunicam apenas. A segunda parte do
poema, por sua vez, pode ser dividida em duas outras partes: a primeira fala da
via da verdade e a segunda fala da via das opiniões, isto é, dos discursos que
se pode construir concretamente sobre as experiências, sobre as observações
cosmológicas, físicas, biológicas. A leitura tradicional de Parmênides quer que
esta última parte seja o resumo das opiniões falsas que Parmênides deveria
abandonar, com base, como dissemos, na contraposição entre verdade e
opinião que no texto parmenidiano não existe, mas que é afirmada com base
em interpretações posteriores. Mas vejamos.
III
¢lhqšj, isto é, uma crença, uma certeza verdadeira, não significa que elas não
tenham nenhum valor, mas apenas que elas têm um valor diferente das
primeiras. De fato, a grande novidade de Parmênides em relação aos
pensadores que o precederam, e com os quais partilha plenamente a distinção
entre uma realidade pensada como uno-todo e uma realidade pensada como
multiplicidade
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dos fenômenos que nela se manifestam, foi ter refletido sobre isso e exprimido
com grande clareza o método, ou melhor, os métodos com os quais o homem
deve conduzir suas investigações: métodos que não podem ser confundidos,
porque, embora olhem para o mesmo objeto, levam a afirmações diversas
exatamente por o verem de duas perspectivas diferentes. O pressuposto
teorético da metodologia parmenidiana é o de que as leis que governam a
realidade governam também o pensamento que reflete sobre a realidade, como
se diz no fragmento 3: “de fato, a mesma coisa é pensar e ser” (DK28 B3).
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sinais: por isso de tÒ eÒn se deverá dizer que é eterno, que não tem tempo,
que não nasce nem morre, que é imóvel; enquanto dos t£ eonta, pelo contrário,
se deverá dizer que nascem e morrem, que mudam, que se movem etc. A
novidade da obra de Parmênides reside, por um lado, em estabelecer
claramente pela primeira vez que estas afirmações são consequência de dois
métodos diferentes de ler a mesma realidade e, por outro, na justificação lógica
de suas afirmações, justificação em que ele faz nitidamente referência ao
princípio de não contradição que será depois teorizado por Aristóteles, motivo
pelo qual se pode afirmar que ele, se não é o pai da metafísica, é certamente o
pai da lógica ocidental. Mas leiamos os frag. 6, 7 e 8 até o verso 45:
É necessário dizer e pensar que aquilo que é existe, de fato, só é possível que
ele exista enquanto o nada não existe: sobre isto te convido a refletir (DK28 B6).
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Parmênides pode afirmar que ele é finito, mas ilimitado, homogêneo, intuição
científica surpreendente, que só encontrará confirmação cerca de dois milênios
mais tarde, na física relativista do século passado.
IV
Mas dado que todas as coisas foram chamadas luz e noite, /e o que é conforme
às suas propriedades é atribuído a esta ou àquela coisa, /tudo está igualmente
cheio de luz e de noite escura/e ambas se equilibram, pois cada coisa provém
da união das duas (DK28 B9).
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regularidade na sucessão das observações, com base em princípios
explicativos que possam dar conta dos fenômenos. Que é precisamente o que
faziam jônios e pitagóricos, e o que faz também Parmênides, bem inserido na
nova atmosfera cultural de seu tempo. É bastante significativo, a este
propósito, o termo di£kosµoj que Parmênides usa no verso 60 de B8: trata-se
precisamente do “discurso coerente” sobre o cosmos da multiplicidade
fenomênica, de uma recognição sistemática das experiências, de modo que
elas não sejam mais elementos de erro, como acontece nas “opiniões
humanas”, mas objetos de reflexão consciente.
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possamos ter uma ideia bastante completa delas em linhas gerais; contudo,
elas parecem-nos bem enquadradas no interior do esquema de seu poema.
E tu conhecerás a natureza do éter e todas as estrelas que existem no éter,/e da
pura e clara lâmpada do sol/a obra destruidora, e de onde nasceram,/e
conhecerás o errar da lua do olho redondo/e a sua natureza, e saberás do céu
que tudo envolve e de onde nasceu [...] (DK28 B10, 1-6).
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depois em Empédocles. Parmênides era aproximado a este último já na
Antiguidade (DK28 A51):
Empédocles [...] afirma [DK31A72] uma tese do gênero, isto é, que antes cada
membro saiu disseminadamente da terra que era como que prenha; depois
uniram-se e formaram a matéria do homem completo, a qual é uma mistura de
fogo e de água [...]. Esta mesma opinião seguiu também Parmênides, que,
exceto por poucas coisas e de pouca importância, não discorda de Empédocles
(DK28 A51).
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(DK28 B17J, quando a parte direita do útero é fecundada, nascem homens,
quando é fecundada a parte esquerda nascem mulheres: os intérpretes antigos
confirmam (cf. DK28 A54), testemunhando-nos ainda a existência de duas
escolas de pensamento sobre o assunto, uma segundo a qual o sêmen
feminino não serve para a geração, a outra segundo a qual na concepção dos
filhos contribuem o sêmen do pai juntamente com o da mãe. Portanto,
Parmênides coloca-se nesta segunda escola.
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homem, é contudo algo que difere dele pelas funções, por suas modalidades de
ser e de funcionar, pelas capacidades de refletir sobre a sensibilidade e sobre si
mesmo. Pelo contrário, a redução do pensar ao sentir, ou sua identificação, é
outra das características atribuídas por Aristóteles não só a Parmênides, mas
também a boa parte do pensamento pré-platônico, para marcá-la como
atrasada e primitiva. Com efeito, Aristóteles encontrava-se perante uma
tradição de pensamento filosófico e científico já bem enraizada na cultura
grega, e que exprimia uma clara ruptura com um tipo de argumentação mítica:
também o homem e o mundo específico de seus pensamentos são objeto de
investigação científica e não mais objeto apenas de reflexões éticas ou
religiosas. Havia muito tempo já fora afirmado pela cultura grega, por Homero e
por Arquíloco, por exemplo, que o noàj, o intelecto, dos homens e seu qÚµoj,
sua afetividade, eram “funções variáveis”. Mas, se nos poetas há ainda o
sentido da dependência do homem em relação ao deus, nos primeiros
“filósofos” gregos é evidente o salto de mentalidade.
VI
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desta viagem; os testemunhos relativos a ela são, contudo, significativos do fato
de que naquele período começavam a difundir-se e a discutir-se também em
Atenas as teses da escola eleática. Zenão é descrito por fontes textuais como
“homem eminentíssimo em filosofia e em política”, “filósofo físico e verdadeiro
político” (DK29 A1): de fato, participou ativamente da vida política de sua
cidade combatendo contra o tirano Nearco, por quem foi condenado à morte.
Suportou a tortura e a morte dando provas de grande coragem; os pormenores
de sua tortura e sua morte são contados por Diógenes Laércio (DK29 A1).
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2. O argumento chamado de “Aquiles”: o mais lento nunca será alcançado em
sua corrida pelo mais veloz. De fato, é necessário que quem persegue chegue
com antecedência lá de onde se moveu quem foge, de modo que
necessariamente o mais lento terá sempre alguma vantagem (DK29 A26).
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