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4. Jaeger diz: “Naturalmente não se pode pensar que Parmênides com a sua
filosofia tenha querido sustentar a causa de qualquer seita religiosa. A intuição
de Parmênides permanece em todo caso um ato original da criação do
pensamento. É muito mais que uma metáfora: é a transposição da expressão
religiosa para o campo filosófico por onde se vem a formar verdadeiramente um
novo mundo espiritual”. Logo, como não poucos concordaram, não se trata de
pura alegoria, mas de uma grandiosa expressão de uma experiência de acesso à
Verdade.
5. E qual é o significado da Deusa, e por que vem chamada em causa uma Deusa e
não um Deus? E como a Deusa parece assumir em vários momentos aspectos e
nomes diferentes? Pode-se notar um nexo cultural bem preciso entre a Deusa e a
figura mítica da Grande Mãe próprio da religiosidade mediterrânea pré-
Helênica, onde Parmênides deve ter se inspirado.
7. Eis o elenco dos nomes: Deusa (fr. 1, v, 22); Divindade que tudo governa (fr.12,
v.3); Justiça (fr. 1, v.14; 1, v.28; 8, v.14); Sorte (fr. 1, v.26; 8, v.37); Lei Divina
(fr. 1, v.28); Persuasão (fr. 2, v.4); Verdade (fr. 1, v.29; 2, v.4); Necessidade (fr.
8, v.30).
8. Em Parmênides, a única grande Deusa se funde nos seus múltiplos aspectos,
cada um dos quais se mostra necessariamente conexo com o outro e todos juntos
constituem a forma total do divino. Sem esta polinomia, a potência do divino
permaneceria em qualquer modo muda e inexpressiva, indistinta.
12. O prólogo contém o quadro geral da tratação que virá desenvolvida no poema.
Trata-se de versos que foram subentendidos, e que somente nos últimos decênios
foram interpretados de modo correto. Neles se perfilam não dois (como se
acreditou por muito tempo), mas três vias de investigação, ou, se se quer, duas
vias, uma das quais tem dois traços bem distintos, como veremos. Os versos (28-
32) dizem assim:
13. “Terás, pois, de tudo aprender: (1) o coração inabalável da verdade bem redonda
(2) e as opiniões dos mortais, em que não há uma verdadeira certeza. (3) Mas,
também isto aprenderás: como as aparências têm de aparentemente ser, sendo
tudo em todo sentido”.
14. Logo, tem a via segundo a qual se colhe o coração inabalável da Verdade bem
redonda; tem a via das opiniões dos mortais, que é de tudo falácias; e tem
também uma via que indica o modo correto como as coisas que aparecem são
interpretadas, ou seja, como são incluídas no ser (no modo em que veremos).
17. O segundo eleatismo, representado por Zenão e Melisso, tem em larga medida
contestado o significado da doxa, concentrando-se na discussão sobre a Verdade
pura, e os filósofos sucessivos consideraram mais interessante a primeira parte
do poema. Vejamos em seguida estas vias examinando uma a uma.
18. A via do erro e as figuras dos homens errantes que a seguem - O fragmento 2
distingue de modo claro duas vias: aquela da verdade e aquela do erro. A via da
Verdade e da Persuasão é a via do Ser, a via que leva a compreender “que é e
que não é possível que não seja” (fr. 2, v.3).
19. A segunda via é aquela do erro, e é a via do não-ser, a via que induz a crer “que
não é e que é necessário que não seja” (fr. 2, v.5). Esta segunda via deve ser
excluída de forma categórica, porque aquilo que não é não se pode nem
“conhecer”, nem em algum modo “exprimir” (fr. 2, vv. 7-8). O pensar é sempre
e somente pensar o ser. O célebre fragmento 3 diz: “(...) pois o mesmo é pensar e
ser”.
20. E o fragmento 8 (vv. 34-38) reforça: “O mesmo é o que há para pensar e aquilo
por causa de que há pensamento. Pois sem o ser – ao qual está prometido -, não
acharás o pensar. Pois não é e não será outra coisa além do ser, visto o Destino o
ter amarrado para ser inteiro e imóvel”.
22. A paralela via do erro é aquela que crê no devir entendido como ser tocado pelo
não-ser, ou seja, como cíclico passagem do ser ao não-ser e vice-versa. Convém
ler antecipadamente o fragmento 6, porque contém conceitos-chaves do ponto de
vista hermenêutico:
23. “ É necessário o dizer e o pensar que o ser seja: de fato o ser é enquanto o nada
não é: nisto te indico que reflitas. Desta primeira via de investigação te afasto, e
logo também daquela em que os mortais, que nada sabem, vagueiam, com duas
cabeças: pois a incapacidade lhes guia no peito a mente errante; e são levados,
surdos ao mesmo tempo que cegos, aturdidos, multidão indecisa, que acredita
que o ser e o não-ser são o mesmo e o não-mesmo, e por isto de todas as coisas
tem um caminho que é reversível”.
24. Uma correta compreensão destes versos é, por muitos aspectos, essencial,
enquanto, no passado, não poucos intérpretes acreditaram que Parmênides toma
uma precisa posição polêmica contra Heráclito.
25. Alguém chegou até mesmo a dizer que o poema de Parmênides é o melhor
comentário – negativo – à doutrina de Heráclito. Porém, outras versões dizem
que Parmênides tem na mira os homens em geral, enquanto faz uso de
expressões gregas usadas para determinar a essência do homem.
26. A fonte de erro em que caem os homens “com duas cabeças”, ou seja, aqueles
que admitem o ser e o não-ser, está nas sensações. A Deusa, em particular no
fragmento 7, exorta a não ter fé nos sentidos e na experiência sensível contra os
ditames do logos, que diz que o Ser é e não pode em algum modo não ser: “ Pois
nunca isto será demonstrado: que são as coisas que não são; mas afasta desta via
de investigação o pensamento, não te force por este caminho o costume muito
experimentado, deixando vaguear olhos que não veem, ouvidos soantes e língua,
mas decide pela razão a prova muito disputada de que falei”. Qual é, então, a via
que se deve seguir?
28. Sobre a base do que foi dito até aqui, a via que pode ser percorrida é apenas a do
Ser (cf. fr. 8, vv. 1-2). E sobre tal via existem precisos sinais indicadores,
características essenciais do ser, reveladores da sua natureza (fr.8, vv. 2 ss.).
29. Para poder compreender estas características essenciais, é preciso ter bem
presente a interpretação de fundo que Parmênides dá do Ser, considerando-o
como o puro positivo em sentido absoluto livre de qualquer negatividade e
diferenciação, isto é, como contraditório do não-ser como o puro negativo,ou
seja do nada em sentido absoluto. Vejamos quais são esses sinais indicadores:
30. a) O ser não “era”, ou seja, não pode ter um passado, porque para ter um passado
deveria não ser mais; e nem mesmo ‘será’, ou seja, não pode ter um futuro,
porque para ter um futuro deveria não ser ainda (fr. 8, vv. 5s. e vv. 19ss.).
31. b) Portanto, o ser é ‘não-gerado’ e ‘incorruptível’ (fr. 8, vv. 6 ss.). De fato, não
poderia derivar do não-ser, que não é; nem do ser, enquanto, em tal caso, o ser já
seria e não seria preciso nascer (do ser não pode nascer alguma coisa que seja
outro do ser). E pela mesma razão é impossível que se corrompa, ou seja que
caminhe para o não ser: “E assim a gênese se extingue e da destruição não se
fala” (fr.8, v.21).
36. Os seguintes versos são verdadeiramente emblemáticos (fr. 8, vv. 42-49): “Visto
que tem um limite extremo, é completo por todos os lados, semelhante à massa
de uma esfera bem redonda, em equilíbrio do centro a toda a parte; pois, nem
maior, nem menor, aqui ou ali, é forçoso que seja. Pois nem o não-ser é, que o
impeça de chegar até ao mesmo, nem é possível que o ser seja maior aqui,
menor ali, visto ser todo inviolável: pois é igual por todo o lado,e fica
igualmente nos limites”.
37. Depois de tudo aquilo que vimos, a pergunta vem espontânea: mas este ser é de
caráter imaterial ou material? Esta pergunta, que não poucos intérpretes
colocaram, não é hermeneuticamente correta. Parmênides não podia colocar-se
este problema, enquanto a categoria de material e de imaterial nasceram com
Platão.
38. Todavia, é bem claro que o ser do qual fala Parmênides é o ser do cosmos, em
grande parte purificado e ‘abstrato’ e, se pode dizer com uma expressão
paradoxal, é um tipo de cosmos ‘descosmicizado’.
39. No entanto, se considere o fato que esta doutrina de Parmênides, como já outras
vezes se colocou aqui em evidência, revoluciona de forma radical a problemática
iônica da investigação do ‘princípio’ do qual todas as coisas derivam.
41. O modo correto segundo o qual a via da opinião pode ser percorrida, depois de
ter percorrido a via do ser, como um prosseguimento desta mesma via.
43. Com efeito, como vimos, Parmênides fala de duas vias: uma verdadeira e uma
falsa (distinta em duas formas). Mas, sobretudo, através de alguns estudos do
século XX, emergiu com clareza que Parmênides declara, sim, a opinião dos
mortais falaciosos, mas concede à ‘aparência’, oportunamente entendida, uma
certa plausibilidade.
45. Já na conclusão do prólogo (fr 2, vv. 28-32) do poema a Deusa disse com
clareza que além do “sólido coração da Verdade bem redonda”, e além das
opiniões do s mortais “nas quais não existe uma verdadeira certeza”, mostrará
também que “como as coisas que aparecem precisavam que verdadeiramente
fossem, sendo todas em todo sentido”.
46. E ao início da exposição da via das aparências (fr. 8, vv. 60 s) reforça: “ Este
ordenamento do mundo, verdadeiramente em tudo, completamente te exponho,
de forma que nenhuma convicção dos mortais poderá te transviar.
48. Desta constatação, e podemos bem dizer, descoberta, que pensar quer dizer
sempre pensar que é alguma coisa, Parmênides deduz que somente o ser é e que
o não ser não é (como ensina a Verdade), enquanto a via do erro diz que não é,
afirma o não ser.
51. Se como não podemos pensar se não pensando alguma coisa; se como no fundo,
a cada nosso conceito existe um conceito do ser, Parmênides conclui que a
fundamento de cada ente tem um único ser.
57. As coisas são aquelas que aparecem ao homem, tais quais aparecem ao homem.
Portanto, é inútil investigar o que a realidade em si: a única tarefa séria é aquela
de procurar colocar em acordo as opiniões dos homens e ali prospectar uma “lei”
que regule em melhor modo a vida e a convivência humana.
60. A teoria das ideias é antes de tudo a afirmação que a realidade verdadeira não é
aquela que se colhe sensivelmente, aquela que nasce e perece e muda, mas uma
realidade transcendente, que não se colhe com o olho material ou com algum
outro sentido, mas com a mente.