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13.01.2022/18.01.2022 Matheus S.

Correia

FRIEDRICH NIETZSCHE

A FILOSOFIA NA ÉPOCA TRÁGICA DOS GREGOS

Prefácio

Nietzsche pretende nessa obra analisar a personalidade e a natureza dos primeiros filósofos. É, pois, uma simplificação totalmente
consciente da história da filosofia pré-socrática. Ela é uma tentativa do autor de avaliar aquilo que tem para ele um valor singular, o
espírito grego. Num esforço por mostrar em cada um deles o que, em suas palavras, “devemos amar e venerar sempre [...]: o
grande homem.

Segundo Prefácio

O interesse do autor e apresentar o que há de mais pessoal em cada pensador, e com isso em mente escolheu as doutrinas em que ela
ressoa com mais força. Por isso não se preocupou em descrever nenhum pensador por completo, pois era seu interesse apenas o
único, o pessoal e a particularidade de cada um.

Nietzsche inicia questionando-se sobre se a Filosofia seria ou não benéfica para o povo que a cultivasse. Essa questão parece vir a
ele através daqueles que a desaconselham para o povo alemão, Goethe e Wagner, esses, que assim como o filósofo, o consideravam-
no um povo doente. Primeiramente, aponta que houveram povos sãos que não a cultivaram, como os Romanos. Houveram também
povos doentes em que ela somente os adoeceu mais. Porém, afirma Friedrich, houve um povo inteiramente são que justificou a
Filosofia para sempre, “pelo facto de terem filosofado; e mais do que todos os outros povos” 1. Os gregos nos ensinaram a época
correta do filosofar: não na tristeza e na desgraça, antes na plena alegria, maturidade viril e idade adulta vitoriosa e corajosa. São, os
grandes mestres gregos, todos ‘talhados de uma só pedra’, a da energia virtuosa. Sendo os primeiros e únicos homens totalmente
voltados ao saber, viveram num extraordinário isolamento, condição propicia para a plena e singular genialidade. Portanto, é o
filosofo grego totalmente condizente com a sua cultura, nada de estranho a ela. Afirma Nietzsche: “Os Gregos justificaram o
filósofo, porque este, junto deles, não é nenhum cometa” 2. O autor se propõe então a analisar esse elevado diálogo entre esses
espíritos singulares, tendo como foco a personalidade de cada um, aquilo que neles faz transparecer o grande ‘génio grego’.

II

O autor começa dando uma justificativa do privilégio que ele concede aos filósofos pré-platónicos: há neles algo de essencial que se
perdeu após Platão. Ele afirma que os pré-platónicos formam uma ‘sociedade coerente’ por serem todo tipos puros, sendo Platão o
primeiro tipo misto de filósofo. Lamenta-se de ter-nos restado dos antigos apenas fragmentos, a despeito da abundância das obras
de Platão, Aristóteles e dos helenísticos posteriores.

III

A filosofia nasce com a proposição de que a água é a origem de todas as coisas. Essa ideia absurda, diz Nietzsche, deve ser levada a
seria por três motivos: 1º- porque é algo que se refere a origem das coisas; 2º- não utiliza imagem ou alegoria e 3º- contém a ideia
nascente de que ‘tudo é um’. A primeira o colocaria ao lado de qualquer religioso, e a segunda, dos investigadores da natureza. É a
terceira característica que o torna o primeiro filósofo propriamente. Esse, a crença num dogma metafísico presente em todas as
filosofias, diz Friedrich. E é esse o poder de ‘apoiar-se’ em pontos frágeis e a partir deles calcar voo. É esse poder ilógico e
imaginativo que, para Nietzsche, faz com que a Filosofia encontre mais rapidamente os seus objetivos. O autor parece pôr o pensar
filosófico em uma posição intermediaria entre a contemplação artística, a compassividade religiosa e o ardor investigativo científico.
Ele dá valor a Tales e sua proposição principalmente por não ter recorrido nem a imagem nem alegoria, e sendo, na medida que crê
na água, crê na Natureza – e não em uma imagem dela. Afirma: “Quando Tales diz: “Tudo é água” – o homem sai do apalpar
vermiforme das ciências particulares, pressente a solução última das coisas e, graças a esse pressentimento, supera a timidez vulgar
dos graus inferiores do conhecimento.” 3 Isso o fez grande, divino e espantoso, isso o fez Filósofo. Viu ele a unidade do ente, e
quando quis falar dela, falou da Água.

IV

Nietzsche inicia seu discurso sobre o primeiro filósofo escritor: Anaximandro de Mileto. Sua sentença lapidar e enigmática (“De
onde as coisas tiram a sua origem, aí devem também perecer, segundo a necessidade; pois elas têm de expiar e de ser julgadas pelas
suas injustiças, de acordo com a ordem do tempo”) é, para Friedrich, a marca patente de um pessimista – tudo aquilo que veio a ser
deve sofrer a punição de deixar de sê-lo. O filosofo aponta para a clara antropomorfização da realidade, isso na medida em que
atribui a ela uma espécie de culpa que deve ser expiada. No entanto, Nietzsche entende essa tomada de Anaximandro como mais
uma demonstração do poder imaginativo do ‘filósofo saltitante’, a habilidade de pular de possibilidade em possibilidade. O autor
aproxima a Arché de Anaximandro – o Ápeiron (Indefinido) – ‘à coisa em si’ de Kant, na medida que não podemos atribuir a ele
nenhum predicado retirado da realidade do devir. Portanto, a questão sobre a realidade é, para o pré-socrático, não mais puramente
de ordem física – como em

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Tales –, mas de ordem moram (como algo que têm direito a existência pode perecer?). Diante desse mundo mutável, Anaximandro
se refugia em uma fortaleza metafísica – O Ápeiron. Um pensamento eminentemente trágico. E, segundo nos lega a tradição, vivia
ele como escrevia, cerimonial e trágico no andar, no respirar e no falar.

Aparece, diante do devir de Anaximandro, Heráclito de Éfeso tal qual um raio divino e luminoso. Afirmou ter comtemplado o Devir
como nenhum outro, tendo visto somente justiça suprema, legalidades e infinitas certezas – a Diké. O Filósofo retira essa nova visão
de uma dupla negação de seus predecessores: 1º- Negou a dualidade de dois mundos totalmente distintos e 2º- negou o ser em geral,
pois num mundo de eterna impermanência, nada há que sempre dure. Apenas o Devir é eterno, a inconstância total de todo o real. É
ele um conflito de contrários, cada aparente característica estável de qualquer objeto é apenas temporária, atual apenas enquanto não
sede lugar ao seu oposto. Essa luta é a manifestação da justiça eterna. Para Nietzsche, somente um grego, e um bom grego, poderia
ter ideado algo assim – a ideia da luta como o único princípio do real, o conflito como cosmodiceia.

VI

VII

Apresenta-se a Hybris, conceito central para Heráclito. É ele a afirmação de que as contradições, a injustiça e o sofrimento só são
percebidas como presentes no real por aqueles homens limitados que vêm as coisas separadas umas das outras. A realidade nos é
apresentada por ele com perfeita harmonia dos contrários que são apenas um e o mesmo. Mostra a nós a imagem da criança à jogar
como alegoria do devir, transformando água em fogo com a inocência de um artista. Nietzsche afirma ser essa uma visão própria de
um homem estético, de um artista que percebe a realidade como harmonia criadora. Friedrich afirma ser um grande erro a tradição
tê-lo considerado melancólico e de estilo obscuro – era ele um profundo afirmador do real e, diz Nietzsche, escreveu de forma clara
e luminosa (para aqueles com olhar de fogo).

VIII

Estão presentes em Heráclito, segundo Friedrich, traços psicológicos essenciais do ‘Filósofo’: o orgulho, a solidão e o desprezo
pelo presente e momentâneo. Afirma: “Homens assim vivem num sistema solar próprio; é aí que se devem procurar. Um Pitágoras,
um Empédocles tratavam-se a si mesmos com uma consideração sobre-humana, com um temor quase religioso; ” 4. Não voltou olhos
para ninguém além de si mesmo, não quis julgar, salvar ou redimir nenhum homem. Foi, pois, o filósofo que mais a sério seguiu o
preceito de Delfos.

IX

Heráclito, diz Nietzsche, não chega à essas conclusões através de uma ordenação lógica e calculadora, mas às contempla por
intuições. Parmênides de Eléia é seu completo oposto. Pela mais pura abstração, totalmente subtraída de qualquer realidade, o
filósofo chegou à sua Teoria do Ser – o momento menos grego da idade trágica, diz Friedrich. É, diz ele, a petrificação do real pela
inflexibilidade da lógica. Distingue-se de Heráclito, primeiramente, na sua posição em relação a natureza das qualidades: são para
ele, ao contrário das qualidades contínuas de ‘arco e lira’, divididas em dois tipos distinto na medida em que qualidades são sempre
ou afirmações ou negações de algo, positivas ou negativas (a escuridão é a ausência ou negação da luz, por exemplo). Empregou à
essas duas esferas os termos ‘Ser’ e ‘Não-Ser’. O devir é, pois, fruto desses dois polos, interagindo pelo amor e pelo ódio.

Parmênides chegar à ideia de unidade do ser – concepção que já havia sido preludiada 5 pelo seu mestre Xenófanes (esse através da
religiosidade mística, aquele pela dureza lógica) – seguindo a gélida suposição dedutiva derivadas das ideias de Ser e Não-Ser é um
acontecimento que, afirma Friedrich, parece não se encaixar no espírito grego trágico. Essa ideia nasce primeiramente, em
Parmênides, da desconfiança em relação à existência do Não-Ser. Afirma sê-lo contraditório, abandonando o conceito. Lança, pois,
‘um banho de água fria’ no devir. O ser derivado da então certeza da não existência do Não-Ser deve ser Eterno, Indivisível e
Imóvel, portanto: uma Unidade Eterna. O filósofo ao crer na impossibilidade lógica do devir, realiza a primeira crítica aos sentidos
– crítica essa que, afirma Nietzsche, levará Platão a amaldiçoar a filosofia com a distinção entre razão e sentidos, mente e corpo –, a
rejeição da percepção da mudança como completa ilusão.

XI

Quanto à busca do Ser por Parmênides, Nietzsche afirma ser clara fuga do real. Diz ser ela totalmente não condizente com a
essência grega do período trágico – um conceito totalmente ausente de fervor místico, de sangue e de calor. Prefere ele uma única
certeza flutuante e congelada à realidade do devir, do abundante, do colorido, do vivo.

XII

Um conceito advindo de Parmênides que foi largamente utilizado pelo seu discípulo Zenão de Eléia é o de Infinito. Ele o emprega
co-

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Preludiada somente em relação a ideia geral, visto que as formas com as quais os dois filósofos chegam a ela são distintas;
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mo ácido nítrico, empregando a metáfora de Friedrich, no real e a dissolve. O infinito não pode ser aplicado ao real, seria uma
contradição. Zenão aplica essa ideia ao movimento e nega-o (demonstra-o nos exercícios de Aquiles e a tartaruga e o da Flecha em
movimento). Para ele, qualquer movimento é uma infinita sucessão de momentos, por tanto uma contradição patente. E como o
pensar e o ser são iguais, o movimento não existe. O movimento é, pois, completa fantasmagoria dos sentidos. Zenão e seu mestre
preferiram as certezas lógicas a despeito do mundo sensível – do real diante de seus próprios olhos.

XIII

Nesse capítulo Nietzsche nega a os dois pontos principais da filosofia parmenideana: a imobilidade do real e a igualdade entre
pensar e ser.

XIV

Essas são críticas feitas por outro filósofo pré-platônico à teoria do Ser de Parmênides: Anaxágoras de Clazomênas. Porém, afirma
Nietzsche, seu pensamento continua ainda subjugado à proposição fundamental do eléata (assim como todos os posteriores), a da
impossibilidade do devir e do perecer, no sentido anaximandrino e heraclitiano. Nega-se, pois, a unidade do ser e também a ideia de
que a realidade empírica constitui apenas aparência irreal. Consequentemente deve-se crer que há nas coisas um ser verdadeiro e
absolutamente real, e que qualquer mudança na realidade é uma modificação da posição, ordem, agrupamento e mistura dessas
essencialidades eternas. Entramos, portanto, no território de Anaxágoras, Empédocles e Demócrito.

XV

Nietzsche diz ser necessário analisar as propostas dos adversários dos eleatas para fazer jus às vantagens que a hipótese de
Parmênides oferece. Anaxágoras diz serem as substancias infinitas em número. O filósofo de Eléia poderia facilmente demonstrar aí
uma inconsistência utilizando a concepção de irrealidade da infinidade. Considerações desse tipo levaram ele, afirma Friedrich, a
formular uma hipótese memorável, há: 1º algo que é causa do próprio movimento e 2º causa do movimento de algo totalmente
diferente de si, o Corpo. A essa substância deu o nome de Nous, possuía a qualidade especifica de pensar. Para resolver o possível
problema acerca do como algo imaterial moveria algo material, dotou esse nous como o caráter de matéria, matéria origem do
próprio e do alheio movimento. Tinha além disso uma característica, ‘descoberta maravilhosa’, o Arbítrio: os movimentos da
realidade advinham da sua vontade.

XVI

Para compreender essa ideia propriamente devemos lançar luz sobre a concepção anaxagoriana de devir: o filósofo de Clazomênas
defendia que ‘Tudo nasce de Tudo’, a ideia de que as características que observamos nos objetos da realidade advém da
preponderância das substâncias correspondentes a elas no objeto, as substancias estão distribuídas pelo real, apenas em maior ou em
maior grau, e a mudança de grau explica o devir. Por isso crê ele que antes do início do movimento, na ‘massa primordial’, as
substâncias estavam infinitamente misturadas – esse é o Caos de Anaxágoras. Teve, porém, que tolerar uma exceção: o Nous. Ele
não poderia estar totalmente disperso no caos, se não também deveria estar disperso agora.

XVII

O que se deveria fazer para transformar caos em Cosmos. Anaxágoras responde: por ação do Nous. Esse movimenta a realidade em
uma espiral concêntrica que abarca todo o real, unindo semelhante com semelhante. Nietzsche descreve a cosmogonia do filósofo.
Diz não ser uma antropomorfia desajeitada, como muito a disseram, mas uma concepção clara e audaz.

XVIII

Apresentação da discussão sobre o ‘centro’ dessa espiral: não poderia ser um ponto girando sobre si mesmo, mas sim uma massa
realizando uma orbita – esse movimento impulsionaria o restante da realidade.

XIX

Poder-se-ia questionar o motivo de tal iniciativa do Nous. Porém, Anaxágoras responderia facilmente: ele não tem obrigação de
defender causa alguma, pois não há nenhuma causa que seja externa a ele mesmo. A iniciativa de iniciar o movimento de real, nada
disso nunca passou de um ‘jogo’ de sua vontade. Nietzsche afirma essa parecer a mais alta solução do real para o povo grego.
Conceber o espirito do real como um grande artista, um gênio de arquitetura universal, detentor de um poder criativo irracional que
jaz na natureza do artista. Bradaria ele: “O Devir não é um fenômeno moral, é apenas um fenômeno Estético”. O valor da existência
para ele, narra Aristóteles, está em poder contemplar a beleza do Cosmos.
P. 74 – 109

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