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Os 

filósofos pré-socráticos, ou physiologos (filósofos da natureza), foram


homens que se ocuparam da cosmologia, abandonando a explicação do
Universo que apelava para os deuses. Tais pensadores procuraram formular
ideias sobre a gênese do cosmos a partir da observação da realidade imediata.

Ao olhar para a natureza, para o mundo material, começaram a se perguntar


quanto à existência de um elemento que pudesse ter dado origem a tudo, que
pudesse se tornar a causa final da existência, assim como também o meio
através do qual tudo existe. Nesse sentido, haveria um princípio material do
Universo, uma arché originária do cosmos.

É neste ponto que esses pioneiros vão discordar, desenvolvendo as primeiras


linhas de raciocínio em busca da compreensão da realidade e do princípio
gerador, que pode ser a água, o ar, a terra, o átomo, o infinito, representantes
da physis que compõem a arché.

É comum nos equivocarmos com o termo, relacionando-o a um elemento


temporal, como se todos estes filósofos antecedessem Sócrates, mas a verdade
é que o método investigativo destes filósofos, pautado na busca e na
compreensão da arché, difere da dúvida socrática e de seu método
investigativo.

Repare, também, que seus nomes vêm acompanhados das pólis das quais eram
cidadãos, o que reforça a ideia de que a filosofia nasceu com as cidades-
Estado gregas, fruto do debate, da palavra, da política, do universo monetário
e de uma vida coletiva complexa que permitiu a alguns de seus moradores o
tempo necessário para a reflexão filosófica.

Tales de Mileto, Heráclito e Parmênides, Pitágoras de Samos, Zenão de


Eleia e Demócrito de Abdera são alguns dos nomes associados à filosofia
da physis, ou pré-socrática.
Tales de Mileto (624-546 a.C.)
Tales é considerado o primeiro filósofo. Sua ruptura com o conhecimento
mítico se situa na afirmação da água (hýdor) como a arché do Universo. O
pensador de Mileto buscou um elemento que poderia ser considerado a base
de todas as coisas do Universo.

De acordo com Tales, só algo que pudesse ocupar qualquer forma existente
poderia ter dado origem às coisas que possuem diversas formas; da mesma
forma, só algo que pudesse ser encontrado em todos os estados em que se
encontravam as coisas poderia ter produzido tais coisas.

Disso, observou que a água podia ocupar qualquer forma e que se encontrava
nos estados sólido, líquido e gasoso, o que lhe garantia uma condição especial
no mundo, sendo identificada enquanto a matéria primeira do Universo,
a physis, aquela que teria dado origem a todo o existente. Toda matéria,
portanto, seria dotada de certa umidade que lhe conferiria vida. A inexistência
de umidade, a completa seca, corresponderia à não existência, à morte.

A importância de Tales para o nascimento da filosofia está em afirmar a ideia


de que “Tudo é um”. A esta proposição de unidade denominamos unitarismo.
Além de Tales, podemos considerar unitaristas Heráclito de Éfeso e
Parmênides de Eleia, responsáveis pela primeira grande disputa filosófica,
cujo impasse seria resolvido por Sócrates.

Heráclito de Éfeso (± 535-475 a.C.)


Heráclito afirma que o fator de mudança das coisas é o fogo, e não a água
pensada por Tales.

A água, em sua transformação de estado e de fluidez, está vinculada ao fogo:


se a água perde fogo (calor), fica sólida; se ganha calor (fogo), evapora.

Tudo flui (panta rhei) e se transforma, continuamente, nutrido pelo fogo.

O fogo é o elemento que representa essa transformação contínua; Heráclito o


associava à guerra, ao conflito entre opostos: o dia em confronto com a noite,
o quente com o frio, o doce com o salgado. Tudo gera uma confrontação de
opostos, o que abre espaço para o surgimento da dialética. No caso de
Heráclito, a dialética do ser e do não ser.

Para Heráclito, o ser não é mais ou menos que o não-ser, uma vez que o
verdadeiro está na unidade de opostos, no ser e no não-ser. A verdade está no
movimento contínuo, pois nada persiste, nem permanece, mas é parte
integrante do movimento do surgir e desaparecer.
Na contracorrente do pensamento de Heráclito, encontramos outro pré-
socrático monista, Parmênides de Eleia.

Parmênides de Eleia (± 515-445 a.C.)


Parmênides de Eleia opôs-se à “luta de contrários”, característica do
pensamento de Heráclito, por acreditar que isso não poderia abrigar a verdade
do Universo. Em sua cosmologia, colocou a questão, absurda para ele, de se
pensar que o ser e o não-ser são equivalentes e verdadeiros: se algo é, ele não
pode não-ser; se deixou de ser, não é verdadeiro.

Tais considerações levaram Parmênides a trilhar o caminho da lógica da


existência do ser, abandonando a physis dos demais pré-socráticos e
caminhando em direção à ontologia, ao estudo do ser.

O pensamento de Parmênides exige uma explicação transcendente, que remete


a algo além da experiência sensorial dos homens. Assim, a verdade não
residiria nestas coisas, pois os sentidos humanos não são confiáveis; as
impressões que colhemos de nossos sentidos expressam nossa opinião, e não a
verdade. Esta, obrigatoriamente, deve se encontrar além do experimentar,
motivo pelo qual Parmênides se volta para a razão, que pode ser praticada
através do pensamento humano.

É a razão que permite a Parmênides responder ao “tudo flui” de Heráclito. O


confronto entre opostos de Heráclito nada mais seria do que o conflito entre
partes do ser. Recorrendo ao exemplo do dia e da noite, tanto um como o
outro “é”, ou seja, juntos, o dia e a noite “são”, portanto não podem “não ser”,
o que seria uma contradição e uma impossibilidade, sendo parte de um todo
indivisível.

Pitágoras de Samos (± 570-495 a.C.)


Pitágoras propôs que o princípio do Universo residiria nos números. Em tudo,
até mesmo nos elementos que os demais pré-socráticos consideravam ser a
physis, havia números e pode ser traduzido em números, seja através de uma
proporção, seja através de uma relação matemática ou somatória. É possível
perceber a matemática no movimento diário que realizamos, na gravidade
exercida sobre nossos corpos, nas dimensões de nossos corpos e nas leis
naturais que se manifestam ao nosso redor.

Os pitagóricos acreditavam poder tornar os números perceptíveis por meio da


música proveniente de uma lira. Assim, cada nota musical estava associada a
uma medida na corda da lira, de modo que, quando um músico tocava,
articulava medidas (números) diferentes, criando harmonia musical.
Demócrito de Abdera (± 460-371 a.C.)
Este pensador, discípulo de Leucipo e fundador da Escola atomista, teria
tentado resolver a questão de Heráclito e Parmênides, procurando desenvolver
um raciocínio que abandonava o caráter monista da physis e incorporava-lhe
uma formação múltipla e pluralista, a partir da existência de vários elementos
responsáveis pela composição do todo.

Demócrito afirmou a existência de uma matéria invisível, infinita e


indivisível, o átomo (o “não divisível”). Os átomos são separados uns dos
outros pelo vazio, mantendo propriedades atrativas que os associavam, dando
origem às coisas existentes no Universo, e propriedades repulsivas que os
desconstituíam, desagregando-os assim como sua forma. Atração e repulsão
resultavam das formas geométricas incorporadas pelos átomos: assim, formas
idênticas se atraíam e formas distintas se repeliam.

Um novo rumo para a filosofia


A partir do século V a.C., a filosofia dá um salto qualitativo com as
proposições socráticas, rompendo com as primeiras preocupações pré-
socráticas, que não serão abandonadas completamente. Caberá a Platão,
discípulo de Sócrates e principal referência bibliográfica das ideias do mestre,
procurar solucionar a questão do mobilismo e do imobilismo de Heráclito e
Parmênides, assim como caberá a Sócrates aprofundar a busca pelo verdadeiro
e belo.

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