Você está na página 1de 3

“PSICOPEDAGOGIA

PSICOPEDAGOGIA
& PSICOMOTRICIDADE
R E S&
EN H A: PONTOS DE INTERSECÇÃO”
PSICOMOTRICIDADE

“PSICOPEDAGOGIA &
SICOPEDA PSICOMOTRICIDADE:
PSICOMOTRICIDADE
PONTOS DE INTERSECÇÃO NAS
DIFICULDADES DE APRENDIZA
DIFICULDADES GEM”
APRENDIZAGEM
Autora: Auredite Cardoso Costa; Editora Loyola, 2002.

Resenha: Cássia Virgínia Moreira de Alcântara

A Psicomotricidade explica a movimento e não conheça o


imagem corporal construída corpo discursivo do sujeito que
pelo sujeito cognoscente a partir aprende. É preciso que haja uma
de uma noção de completude. interdisciplinaridade na ação
Mas embora já se tenha ensinar-aprender para que o
consciência desta representação, sujeito que aprende seja
não será esta noção a única compreendido em sua tota-
que orientará os caminhos de lidade, mesmo dentro de uma
vários profissionais. Há uma forte abordagem específica”.
tendência à fragmentação corpo- A psicopedagoga e psico-
mente. Esta fragmentação tem motricista introduz sua obra
caracterizado a prática de vários fazendo uma auto-análise de
segmentos profissionais que sua prática profissional afir-
fracionam o indivíduo atuando mando ter sido inicialmente
em suas mais diversas partes. uma prática extremamente
A Psicopedagogia e a Psico- tecnicista, que abordava o
motricidade não escapam à essa caracterização. sintoma de forma fragmentada e exercitava
Por isso, recomenda-se a obra em questão na qual partes do corpo para justificar a melhoria do
a autora, Auredite Cardoso Costa, busca pontos todo. Mas ao mesmo tempo que este relato
de intersecção nas práticas desenvolvidas por expressa um “mea culpa” não significa apenas
profissionais da Psicopedagogia e da queixas e lamurias. Vem associado de um outro
Psicomotricidade, a partir da concepção de um movimento mais saudável e carregado de uma
sujeito total. Já nas primeiras páginas de seu energia libidinal que ressignifica suas
livro, o sentido desta obra se explicita nas inquietações em busca da superação do que lhe
palavras de sua autora: incomodava. É neste movimento de práxis que
“Não se concebe um psicopedagogo que a autora gesta em si própria a semente, que
trabalhe com o corpo estático e desconheça os germinada, faz nascer esta reflexão teórica. Este
movimentos desse no aprender. Não se concebe movimento de superação de suas angústias
um psicomotricista que trabalhe com o corpo em pessoais associado ao privilégio do exercício
simultâneo da Psicopedagogia e da Psicomotri-
cidade, duas práticas que se dirigem, respec-
Cássia Virgínia Moreira de Alcântara – Pedagoga com tivamente, para ações que têm como alvo à
Especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional, esfera intelectual e corporal, prioritariamente,
Professora de Planejamento e Avaliação da Faculdade mas não exclusivamente, levaram a autora a
Pio Décimo – Aracaju – SE, Mestranda em Educação pela encontrar os pontos de intersecção entre essas
Universidade Federal de Sergipe – UFS, Aracaju – SE. duas áreas do conhecimento, elegendo um

Rev. Psicopedagogia 2003; 20(61): 87-9

87
COSTA
COSTA
ACAC
ET AL

elemento em comum entre elas – o corpo – que padrão para os portadores de distúrbios
tomado como objeto de análise, permitiu esta psicomotores e de aprendizagem. Um segundo
produção científica, sintetizada por ela própria momento, apontado durante o resgate histórico
na poesia das palavras abaixo: destas duas práticas, revela “...uma visão mais
“o corpo em movimento entrelaça-se com o ampla dos processos de aprendizagem e suas
movimento do corpo e, nessa dança harmônica, ‘patologias’ ... um caráter multifacetário,
Psicopedagogia e Psicomotricidade formam um exigindo assim um atendimento multidis-
‘corpo’ que discursa sobre o corpo”. ciplinar”. Neste momento, as contribuições de
Este “corpo’ teórico vai sendo produzido pela autores como Visca e Sara Paín são consideradas
autora ao tentar responder ao seguinte pela autora como fronteiras que delimitam uma
questionamento: Há similaridade nos processos nova concepção evidenciada pelas diferenças
terapêuticos da Psicopedagogia e da Psicomo- entre distúrbios, problemas e dificuldades de
tricidade ? Que pontos de intersecção podem ser aprendizagem. Um terceiro e último ponto de
identificados no exercício das duas práticas intersecção é levantado por Costa ao demarcar
profissionais em prol da superação das mais uma destas zonas limítrofes que definem
dificuldades de aprendizagem? radicais alterações no âmbito destas práticas
Tomando o corpo como ponto de partida, o profissionais. Este momento se dá quando
primeiro capítulo deste livro foi dedicado ao finalmente Psicopedagogia e Psicomotricidade
resgate histórico das diferentes leituras que constroem uma prática que ultrapassa as
este corpo já possibilitou desde a visão barreiras da ação reeducativa buscando, a partir
cartesiana que o toma como “ res extensa”, dos fundamentos da psicanálise, atender às
passando pela visão de um corpo que ocupou exigências de um sujeito uno.
lugar de destaque nas ciências neurológicas e A influência da psicanálise para estas duas
foi visto como sede das perturbações motoras áreas do conhecimento - Psicopedagogia e
até chegar numa visão que deixa de pôr ênfase Psicomotricidade - será tomada como objeto de
na separação e na dualidade para reafirmar a estudo mais detalhado no terceiro capítulo, quando
unidade, resultando um olhar clínico que tem a autora faz uma revisão teórica, resgatando a
como objeto um corpo real, simbólico e importância deste “olhar psicanalítico no trabalho
imaginário que representa um sujeito visto em dos psicopedagogos e psicomotricistas. O relato
sua dimensão social, afetiva, intelectual e revela que estes profissionais redimensionaram
psicomotora. A autora conclui este primeiro suas práticas ao perceber “o homem como um ser
capítulo afirmando que: interdisciplinar, sujeito ‘psicomotor cognoscente’,
“...o corpo é considerado um instrumento na marcado por uma falta, representada pela
relação, realidade interna e externa, um eixo de linguagem simbólica” (p. 37). Neste capítulo, as
sustentação da vida sócio-psico-afetiva do contribuições da psicanálise, em função da
sujeito”. compreensão dos processos transferenciais, em
Em seguida, no segundo capítulo, a autora função da transformação do próprio conceito de
debruça-se sobre a árdua tarefa de identificar corpo e em função da visão de um sujeito que é
os pontos de intersecção entre Psicopedagogia dotado da capacidade de se comunicar a partir da
e Psicomotricidade ao longo de uma detalhada construção da linguagem, são destacadas pela
análise histórica destas duas práticas autora como importantes contribuições para a
profissionais. Inicialmente, um primeiro ponto compreensão do aprender como um ato desejante
de intersecção levantado por Costa, reporta-se e do não-aprender como “um sintoma que pode
a uma prática classificatória, realizada no início ser uma defesa e tem um efeito positivo sobre o
do século XX, que tomava como distúrbios tantos sujeito” (p. 42). É neste contexto que a autora
os problemas psicomotores quanto os problemas afirma que:
de aprendizagem, instituindo um diagnóstico “A Psicopedagogia e a Psicomotricidade são

Rev. Psicopedagogia 2003; 20(61): 87-9

88
“PSICOPEDAGOGIA
PSICOPEDAGOGIA
& PSICOMOTRICIDADE
& PSICOMOTRICIDADE
: PONTOS DE INTERSECÇÃO”

áreas do conhecimento que têm um caráter prática era marcada por uma tendência
interdisciplinar e, no seu processo de evolução, tecnicista onde a ação principal resumia-se
recebem contribuição da psicanálise. Em sua no tratamento do sintoma. Ao concluir seu
abordagem terapêutica dirigem olhar para o livro, Costa afirma:
sujeito desejante, embora cada uma tenha sua “Não se pode pensar num sujeito epistêmico
especificidade de trabalho e linha de ação sem pensar que ele porte uma subjetividade que
diferentes.” (p. 42) é da ordem do inconsciente. No sujeito
No quarto e último capítulo desta obra a aprendente, objetividade e subjetividade
possibilidade de pensar um sujeito desejante, entrelaçam-se num contexto do aprender. O corpo
que nasce dentro dos limites da psicanálise, em seus movimentos transmite e capta. É o porta-
é ampliada e complementada a partir da voz de seu saber e conhecer, mas exige um
visão de um sujeito cultural, inserido num interlocutor que saiba eficazmente decodificar
dado contexto histórico e marcado pelas sua mensagem expressa numa linguagem sem
mediações que exerce sobre esse meio. Esta sons verbalizados.” (p. 74)
possibilidade vai sendo descortinada ao tempo À guisa de conclusão, não há muito o que
em que Costa faz um histórico da Sociop- acrescentar do que já foi dito pela própria
sicomotricidade Ramain-Thiers e tor na autora. A riqueza e significatividade da obra
possível a compreensão da riqueza meto- se expressam duplamente nas sua palavras
dológica contida nesta proposta de trabalho finais. A trajetória percorrida por Costa ao
psicomotricista. buscar um caminho alternativo de superação
“O sujeito abordado pela Socio- da mesmice para reorientar sua prática
psicomotricidade Ramain-Thiers é um sujeito profissional é um grande elemento de
psíquico, que engloba o sujeito social, aproximação do leitor com a obra e sua autora.
cognitivo e motor em sua dinâmica grupal e Deixa vir à tona a mensagem que está em suas
individual.” (p. 54) entrelinhas funcionando como um incentivo a
Este último elemento, o sociocultural, essa busca que deve orientar os caminhos de
completa o quebra-cabeça que permitirá qualquer outro profissional. A contribuição
compreender o homem a partir de uma teórica que permite um repensar de outras
perspectiva de totalidade. Mais do que isso, tantas práticas profissionais está resumida em
a mensagem principal da autora nesta obra é algumas palavras já lidas em outras
uma espécie de lição que revela para cada circunstâncias, mas que se aplicam muito bem
um dos leitores a possibilidade de neste momento: “Não se aprende de qualquer
transformação de uma prática. Como foi dito um, aprende-se daquele a quem se outorga o
pela autora na introdução de sua obra, sua direito de nos ensinar”. (Monteiro, 1993).

E RRATA
No artigo “O estilo de aprendizagem e a queixa escolar: entre o saber e o conhecer”, de
autoria de Edith Rubinstein, publicado na edição nº 60/2002, pág. 81, no destaque escrito:
“Porém, o “Conhecer”, enquanto regra de apresentação...”, o correto é “Conhecer”, enquanto
regra de representação. Na mesma página, na 12ª linha, o texto está incorreto.
O correto é “Porém, o “Conhecer”, enquanto regra de representação, precisa do saber
enquanto instância subjetiva...”

Rev. Psicopedagogia 2003; 20(61): 87-9

89

Você também pode gostar