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Kaés, R.
O grupo e o sujeito do grupo : elementos para
uma teoria psicanalítica do grupo / René Kaés ;
tradução José de Souza e Mello Werneck. — São
Paulo : Casa do Psicólogo, 1997.
Bibliografia.
ISBN 85-85141-85-9
1. Psicanálise de grupo I. Título
96-2689 CDD-150.195
•k IV
O projeto deste trabalho compreende certos objetivos limitados, mas ar-
ticulados uns com os outros, de tal modo que nenhum deles será realmente
atingido se os outros não forem abordados. Deveria portanto ser possível fa-
zer diversas leituras do trabalho presente neste livro.
O objetivo mais patente é colocar os elementos de uma compreensão
psicanalítica dos fenômenos psíquicos produzidos nos pequenos grupos huma-
nos. Entretanto, o que se visa por intermédio desse objetivo comporta um ou-
tro propósito: compreender como, através das diversas modalidades e efeitos
da sujeição dos seres humanos entre si, na forma paradigmática do grupo,
constituem-se, transformam-se ou desaparecem tanto o sujeito singular como
o Eu (Je) capaz de pensar em seu lugar nos conjuntos intersubjetivos. De
suas relações com esses conjuntos, os sujeitos são, por um lado, constituídos
como sujeitos do Inconsciente, e, de outro, constituintes da realidade psíquica
aí produzida.
Para atingir esses dois objetivos é necessário introduzir, de maneira sufici-
entemente ampla e crítica, a questão do grupo na psicanálise. Trata-se em pri-
meiro lugar de dar forma, conteúdo e sentido a investigações, práticas e
teorizações que já há quase meio século se organizaram ao redor do trabalho psi-
canalítico em grupos. Admitimos que esta longa experiência, que encontrou obs-
táculos e resistências em mais de uma etapa de seu desenvolvimento, e que por
meio disso abriu alguns novos caminhos para a pesquisa, adquiriu suficiente valor
na psicanálise, a tal ponto que ela está apta para interrogar seu objeto básico: o
Inconsciente e as formas de subjetividade que dele se originam. Essa é a propos-
ta desta introdução da questão do grupo na psicanálise.
psicanalítico, não foram por ele postas à prova de uma situação psicanalítica cuI
hoc. A longa experiência da prática do trabalho psicanalítico em situação grupai
permitiu e s t a b e l e c e r as c o n d i ç õ e s em que o g r u p o pode c o n s t i t u i r um
paradigma metodológico apropriado à análise dos conjuntos intersubjetivos.
I nquanto dispositivo metodológico o grupo é uma construção, um artifício; está
regulado por um objetivo preciso que não poderia ser atingido de outra maneira
com os mesmos efeitos. Esse estatuto metodológico do grupo tornou possível a
emergência de formações e processos psíquicos enquanto tais, permitindo pôr
cm suspenso ou em decantação seus vínculos habituais com as formações e os
processos compósitos que funcionam nos grupos empíricos: não são as forma-
ções sociais, culturais, políticas que são o objeto preferencial da análise, mas
seus efeitos, e apenas na medida em que são traduzidos no campo da realidade
psíquica. Se bem que elementos comprovados de metodologia tenham sido, des-
de então, utilizados, a teorização do grupo enquanto dispositivo metodológico
continua, sob muitos aspectos, insuficiente: a respeito de questões tão fundamen-
tais como as modalidades de transferência, o enunciado da regra básica, os pro-
cessos associativos e a formação das cadeias associativas, os conteúdos, os des-
tinatários e as modalidades de interpretação, sendo raras ainda hoje as pesquisas
suficientemente fundamentadas. Existem, entretanto, pontos de apoio e sua rela-
tiva fragilidade indica melhor ainda o interesse em desenvolver uma área de re-
flexão crítica sobre as relações entre teoria e situação analíticas. Isso será obje-
to que deverá ser exposto e discutido num outro trabalho.
resse no grupo: a qual objeto para ser conquistado, seduzido, originado dirigem
eles seu desejo de saber antes de transformá-los (de passagem para o conheci-
mento do Inconsciente), em saber a respeito do desejo de estar em grupo, a
respeito do desejo no grupo, a respeito daquilo que o grupo objeta contra o de-
sejo? No fundo, interessar-se pelo grupo não é também tentar fazer melhor do
que os pais, que S. Freud, que M. Klein, que J. Lacan? Tentar revelar sua manei-
ra de fazer (filhos), mas também recolher sua herança, transformá-la?
Interessar-se pelo grupo é também aceitar entender o desafio de novos
enigmas que nem a tragédia nem a interpretação psicanalítica formulam a Édipo,
quando ela se amputa com o Totem e Tabu. O retrato que Didier Anzieu traça
de si mesmo e de cada um de nós em Œdipe supposé conquérir le groupe não
é apenas o de um herói solitário que toma o grupo do Pai para instalá-lo aí como
figura fundadora e representante da Lei. Somente sendo solidário de Irmãos e
Irmãs é que o herói pode cumprir seu destino: o grupo inventa uma irmandade
para Édipo; o grupo coloca o Édipo permanentemente na posição de se transfor-
mar em Pai e Mãe, de coincidir com o Genitor arcaico, cruel, narcísico: Édipo
antes do complexo de Édipo.
Conquistando o grupo, Édipo só tomará conhecimento de seu próprio desejo
se se conhecer como sujeito ambíguo. Mantido na sucessão de todos os desejos
que o precederam, na síndrome dos vínculos que os atualizam, ele poderá encon-
trar no grupo e em seu discurso tanto sua verdade como aquilo que o dispensará
dela, em nome do destino que prescreve isso, dos mandatos e dos auto-mandatos
obrigados, desconhecidos mas consentidos.
Uma oscilação fundadora é necessária para que, correlativamente o Eu
(./< ) se pense como sujeito do Inconsciente, ali onde ele se constituiu como su-
lfito do grupo, e para que o grupo na qualidade de condição intersubjetiva do
sujeito possa se organizar nas posições psicológicas de seus associados.
Como Freud sublinhou em Psicologia dos grupo e a análise do Ego (e
esse lítulo-programa deve ser entendido na correlação de seus termos), o Eu,
para pensar e se pensar, deve romper com o grupo, que o precede: como o poe-
ia herói-historiador encarnado pelo Dichter. O Eu deve recuperar e pensar nele
sua parte não realizada, sem memória de suas exigências e de suas faltas, e da
qual lez o grupo sua extensão gerenciadora. O que tomou emprestado aos obje-
tos, a mais de um outro, ao grupo, ele terá que reconhecer como seu, fazendo
uma concessão ao transicional, e a tratá-lo como aquilo que nele é a marca, a
passagem, a pegada da falta e de sua própria ausência de si mesmo.
( ) grupo, por sua vez, para se constituir, exige de seus sujeitos que lhe aban-
donem, senão contra sua vontade, ao menos por seu interesse, essa parte deles
I>t• >1 >iins que não pede outra coisa além de retirar-se para ali. Com esse material,
"um Introduzir a Questão do Grupo na Psicanálise 2.1