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A ATUAÇÃO DO PSICOPEDAGOGO NA SOCIEDADE PÓS-MODERNA:

REFLEXÕES SOBRE APRENDIZAGEM, SUJEITO E MERCADOi


Profa. Msc. Júlia Eugênia Gonçalves – Fundação Aprender | julia@fundacaoaprender.org.br
Prof. Dr. José Renato Silva – FAI | renato@fai-mg.br

RESUMO chamamos horizontal, ou


seja, em extensão, nem a
O percurso de análises deste artigo — inscrito na completude, ou
Análise do Discurso de linha francesa articulada com a exaustividade em relação
Psicopedagogia — teve o objetivo de compreender a ao objeto empírico. Ele é
importância do trabalho do Psicopedagogo na sociedade inesgotável. Isto porque,
contemporânea em que Mídia e Mercado instauram por definição, todo
demandas de (auto)aprendizado aliadas a um sentido de discurso se estabelece na
urgência inerente ao contexto pós-moderno. Dito de relação com um discurso
outra forma, o objetivo deste artigo é pensar o papel do anterior e aponta para
Psicopedagogo no entendimento do contexto Pós- outro. Não há discurso
Moderno e no trabalho de potencializar e/ou sanar fechado em si mesmo.
dificuldades do processo de aprendizagem do indivíduo.

ABSTRACT Por conta dessa questão de


The course of analisis in this article — registered in método, estudos e conceitos de outras áreas (i.
French Line of Speech Analysis articulated with
Psychopedagogy — has as its goal to understand the e., Sociologia, Pedagogia, Engenharia, entre
importance of the work of a psycopedagogist on the
contemporary society, in which the Media and the outras) são tomados para refletir sobre, por
Market install demans of (self)learning alied to a sense
of urgency, inherent in the postmodern context. Putting
exemplo, a constituição do que é a sociedade
it in another way, the objective of this article ir to think pós-moderna. Antes de ser uma soma de
od the roll od the psycopedagogist in the understanding
of the postmoderns contex and in the work of conceitos de diferentes campos
potencialize and/or heal dificulties in the process of
learning of an individual. epistemológicos, o que se propõe é uma
ampliação para além de uma análise de
INTRODUÇÃO
conteúdo, a resolução de um problema. Assim,
O presente artigo busca construir
estabelecendo pontos de reflexão e não a
um percurso de reflexão sobre o contexto pós-
afirmação de uma verdade una, inequívoca. Ou
moderno e como suas características
seja, uma visão teórica, e menos empírica,
determinam a relevância da atuação do
sobre o papel de determinadas instituições
Psicopedagogo. Para isso, toma a Análise do
sociais e de como esse funcionamento instituí
Discurso de linha francesa (AD) como
a circulação de sentidos.
processo metodológico, articulada a conceitos
Também a Psicopedagogia, num
de outros campos epistemológicos de forma a
recorte específico tem seus conceitos
constituir um percurso em que não seja
apresentados para dar lastro ao entendimento
seguidos critérios empíricos (positivistas), mas
da área e do trabalho de seu profissional. A
teóricos. Como afirma Orlandi (2002):
Psicopedagogia tal como se dá a conhecer no
Não se objetiva nessa
forma de análise, a Brasil — mediante uma expressiva bagagem
exaustividade que
teórico-cultural fundada nas obras de Sara Paín
(Psicopedagogia Operativa), Jorge Visca integrando nele os aspectos
cognitivos, afetivos e
(Epistemologia Convergente) e Alícia sociais do ser humano. A
psicopedagogia tem, então,
Fernández (Psicopedagogia Clínica) — se como objetivo, facilitar
esse processo de
constitui na integração entre diversos campos aprendizagem, removendo
do saber inicialmente a partir de um trabalho os obstáculos que impedem
que ele se faça. (SILVA,
voltado aos problemas relacionados às 1998, p. 26)

dificuldades de aprender e ao fracasso Mas o modo como esses campos


ii
escolar , São, diferentes campos de de saber se relacionam é particular e demanda
conhecimento, tais como a Filosofia, a algum comentário. Não se trata de uma adição
Sociologia, a Epistemologia Genética, a ingênua para desembocar em uma nova
Psicanálise, dentre outros — entendidos numa teoriaiii, não se trata de estabelecer, a saber, a
abordagem de não transparência — que vão relação cognitiva sujeito/objetoiv,consciente e
constituir o cerne do conhecimento da inconscientev e da interação social dos
Psicopedagogia, campo transdisciplinar que se indivíduosvi pressupondo-se uma teoria mais
dedica ao estudo do processo de aprendizagem ou menos geral de um mesmo objeto: o
humana: indivíduo e seu processo de aprendizagem. A
(…) quando a Psicopedagogia tem seu método e seu objeto
psicopedagogia considera a
aprendizagem como próprios que tocam os bordos das ideias de
processo, ou seja, quando
trata da aprendizagem no Piaget, das de Freud e das de Pichon Rivière;
momento em que ela se faz,
se constrói — de uma mas que não se confundem com os deles.
maneira interativa,
integrativa, estrutural e Pode-se, sim, dizer que a Psicopedagogia
constante — podemos pressupõe a Epistemologia Genética, a
então identificá-la com o
processo de construção do Psicanálise e a Psicologia Social. E as
conhecimento
(SILVA,1998, p.27) pressupõe na medida em que se constitui da

Essas formas de conhecimento vão relação destes três conhecimentos específicos.

constituir um lugar propício à elaboração da É este, stricto sensu, o contexto histórico da

Psicopedagogia, mais precisamente para a Psicopedagogia atual. São essas as condições

formulação do que seja, atualmente, seu históricas de constituição da Psicopedagogia

objeto, o qual foi designado como sendo: como entendida no contexto pós-moderno.
(...) um campo do
conhecimento que, como o
próprio nome sugere,
CONFIGURAÇÃO DA SOCIEDADE
implica uma integração PÓS-MODERNA, MERCADO E O
entre psicologia e
pedagogia, tendo como SUJEITO-CONSUMIDOR
objeto de estudo o processo
de aprendizagem, visto É ponto pacífico a possibilidade de
como estrutural,
construtivo e interacional, construir uma história dos sentidos do termo
Pós-Moderno, com toda sua polissemiavii. preciso dividir para conhecer, a qual é
Entretanto, grosso modo, o desenvolvimento substituída por uma visão de síntese, de
de um senso totalitário no bojo da 2a Guerra complementaridade entre os conhecimentos.
Mundial pode ser considerado o Suas raízes emanam de pesquisas na Biologia
acontecimento que historicamente pôs fim ao que vão culminar com a Teoria dos Sistemas
que se denomina de Moderno. Muito dessa Vivos de Maturana e Varela, os quais
afirmação se sustenta pelas diversas obrasviii concluem que o ambiente vivo é complexo
que surgem no pós-guerra e tratam da porque o processo vital é uma atividade
construção do pensamento e reflexão sobre a contínua que tem o poder de produzir e
condição da pós-modernidade. reproduzir-se continuamente a si mesmos.
O Pós-Moderno é o momento em (apud GONÇALVES, 2018)
que há um colapso. Colapso da crença em Estas observações preliminares
metanarrativasix. Nas Ciências, é momento de sobre o pós-moderno destacam o clima
crítica da noção de princípios transcendentes intelectual que se constitui, principalmente a
ou, dito de outra forma, mesmo os princípios partir da década de 60 do século XXx. De
imanentes devem ser resultado de consensos: forma geral, há um enfoque crítico em torno da
O que se verifica é que a concepção do Iluminismo: o universo e as
pós-modernidade muda o
enfoque sobre o sujeito promessas que giravam em torno do progresso
definido pelo Iluminismo:
um ser superior localizado, pareciam sólidas. Porém, não se mostraram
com um perfil
eurocêntrico, branco,
como pretendiam. O que se presencia a partir
machista e colonizador. A dessa decepção é uma divisão temporal, do
relação sujeito/objeto
dirigida pelo primeiro, ‘sólido’ para o ‘líquido’xi. Entendendo-se por
privilegiava o segundo e
acabava objetivando o líquido um processo progressivo de
convívio humano. O
movimento pós-moderno individualização, acelerado e cada vez mais
passa a considerar o par
sujeito/objeto sob uma
intenso. Sobretudo, um espaço em que os
ótica humanista e conteúdos não se estabilizam, não são
ecológica, pautando suas
ações pela cooperação e conformados e passíveis muitas vezes de
pela solidariedade e não
mais pelo domínio e análise e crítica. Processo esse que conduz o
competição.
(GONÇALVES, 2018, p. sujeito a um estado de desespero, de angústia.
43)
Principalmente a um estado de melancolia,
O paradigma pós-moderno uma tristeza sem motivo concreto, sem razão
distingue-se do anterior — o moderno — numa consciente. Entretanto, o que aqui se identifica
forma de ver e entender o mundo, por essas questões não é a causa, mas sim uma
diametralmente oposta à visão mecanicista e consequência. Não é o indivíduo, mas a
analítica cartesiana, baseada na ideia de que é
ideologia e as instituiçõesxii que vão outra instância se coloca como definidora das
construindo esse lugar. formas de linguagem e de sujeito que vêm
Entender este cenário a partir da sendo requisitadas nas condições de produção
conceituação da forma-sujeito históricaxiii de que se apresentam na forma da globalizaçãoxvi.
cada momento é entender as imbricações dos E esta instância é o Mercado.
processos de interpelação e de individuaçãoxiv Entender estas formas de
que permitem que esta forma-sujeito se linguagem e de sujeito no contemporâneo é
constitua em indivíduo com forma social, nas entender em que demandas está posto, hoje, o
condições que se está discutindo. A forma indivíduo social:
social capitalista, em seu processo de (...) nos encontramos
expostos à demanda de
individuação, tem como articulador simbólico conhecimento e domínio de
múltiplas linguagens,
o Estado. No entanto, se assim ainda fosse variadas e eficazes:
domínio da linguagem
atualmente, ou seja, se o Estado continuasse a virtual, das suas
ser o articulador da sociedade atual, tomar-se- tecnologias, domínio de
línguas, de linguagens
ia por base seus diversos instrumentosxv: a técnicas, das formas de
linguagem em espaços
Constituição, o Julgamento, o Tribunal para públicos, domínio de uma
enorme diversidade de
assim, ser o cidadão, ou seja, o sujeito com situações discursivas (...)
É notarmos que esta
direitos e deveres. Entretanto, ao tomar-se os demanda requer também
fatos de linguagem da contemporaneidade, que sejamos capazes de
uma certa performance de
certos deslocamentos podem ser linguagem, a fim de
imprimir essa tal imagem
compreendidos. de domínio destes
elementos, de impressionar
Tem-se, pois, atualmente, duas os interlocutores e de
convencê-los através da
questões merecedoras de reflexão tomando produção de evidências de
todo o arcabouço teórico acima exposto. sentidos. (PAYER, 2005,
12)
Primeiro, é preciso entender que a noção de
Na medida em que o Mercado se
líquido pensada do ponto de vista sociológico,
coloca no papel de, como dito acima, ao menos
apesar de relevante, acaba por reduzir a
um dos articuladores simbólicos da sociedade
incompletude constitutiva da realidade a
contemporânea, desliza o lugar da forma-
apenas uma desilusão com uma explicação da
sujeito de sua posição de sujeito de direitos e
realidade, no caso os ideais da Revolução
deveres, o paradigma constituído na
Francesa: Liberdade, Igualdade e
Revolução Francesa, para o lugar da forma-
Fraternidade!
sujeito consumidor, aquele que, como já
Por outro lado, é preciso entender
expresso anteriormente, para estar no lugar do
que, hoje, mesmo que ainda não como
correto, do ordinário, precisa consumir.
articulador simbólico específico da sociedade,
O que parece apenas uma demanda É nesse deslocamento que a autora
social a mais — e ela não pode ser negada na afirma que:
medida em que, empiricamente, se prova tal (..) tudo indica que um
novo Texto vem
paradigma quando observa-se, por exemplo, o adquirindo o valor de Texto
Fundamental na sociedade
sentimento de impotência que atinge aqueles contemporânea.
que não conseguem ter rendimentos E que:
Este grande texto da
suficientes para se colocar no papel de atualidade consiste na
consumirxvii — é na verdade uma mudança de Mídia, daquilo que está na
mídia, em um sentido
natureza fundante para uma nova realidade. E amplo, e em especial no
marketing, na
essa mudança se dá através de um dos publicidade.”xix

elementos conformadores da forma-sujeito


Mas essa mudança de forma
histórica que está aqui se propondo.
material do Texto Fundamental da sociedade
Se, a partir da Revolução Francesa,
traz uma característica que não se colocou
a forma-sujeito capitalista se constituiu a partir
anteriormente na troca, diga-se, da Bíblia para
do Estado como articulador simbólico e a
a Constituição. Enquanto na mudança da Idade
Constituição como texto matriz, hoje, para o
Média para a Modernidade, se dava uma troca
Mercado como articulador simbólico, tem-se a
de textos estáveis, a mudança da Pós-
mudança do texto para a Mídia. E essa
modernidade configura por fundamental — ou
mudança não é banal, pois essas mudanças
um dos textos fundamentais — um texto
nunca o são.
mutável, instável, impermanente e móvel e
Em torno do século XVI, na
que, por essas características e sustentado
passagem da Idade Média para a Modernidade,
pelas inovações do desenvolvimento da
se estrutura uma mudança histórica a partir da
tecnologia, se torna onipresente, tanto no
instituição que terá o predomínio do poder:
espaço público quanto no privado.
desloca-se da Igreja para o Estadoxviii. Em
Aqui se coloca a questão: como
outras palavras, não mais aos axiomas/dogmas
pode o sujeito, imbricado nesse contexto do
divinos da Bíblia e sim às leis jurídicas é que
impermanente, do impreciso, da insegurança,
se deve prestar obediência.
se configurar em indivíduo preparado,
Payer (2005) também faz
eficiente e eficaz? Como pode esse indivíduo
referência a esse processo histórico para dizer
atender às demandas a que é exposto? E a
que, a partir de fatos da linguagem, elementos
resposta que se coloca é a de que deve se
de trabalho do arcabouço da AD, entende-se
configurar em ser cognoscente, como um
que há o esboço de uma nova transformação na
sujeito “ensinante-aprendente ao longo de toda
forma de poder, como a que se constituiu da
a sua existência”, conforme propõe a
Idade Média para a Modernidade.
Psicopedagogia a partir das ideias de sociais e comunicação —, informações em
Fernández (2001, p. 54): profusão — adquirir, armazenar, processar e
Contamos também com disseminar —, entre outros. Por fim, não pode
desenvolvimentos
importantes da o profissional deixar de observar como se
antropologia, do
estruturalismo, da constitui o sujeito em seus processos de
linguística e da história,
pois permitem-nos pensar
formação da condição de indivíduo
os alunos fazendo/fazendo- biopsíquico à identidade subjetiva.
se em/nas culturas. No
entanto, a psicopedagogia Um sentido que, por conta deste
necessita definir seu
próprio sujeito; eu defino ambiente acima detalhado, se constitui é o de
como o sujeito próprio da
psicopedagogia o uma urgência inerente a qualquer atividade.
ensinante-aprendente, ou
seja, o sujeito da autoria de Essa urgência muito está ligada a uma relação
pensamento. de sentido entre qualidade=velocidadexx. Por
E, se como exposto anteriormente, conta dos avanços tecnológicos, uma ‘postura
o momento é o de transição ou ao menos de 24/7’xxi passa a ser expressão síntese da
articulação entre formas-sujeito históricas e, qualidade. Entretanto, ao mesmo tempo,
principalmente, entre textos fundamentais da apaga-se o tempo de maturação, de reflexão e
articulação simbólica, este sujeito não está de abstração.
pronto para o que se configura em sua A despeito de todos os benefícios
realidade e em como apre(e)nder essa da sociedade da informação: liberdade de
realidade. É nesse ponto que se configura, de expressão e comunicaçãoxxii, há pontos
maneira macro, o papel da Psicopedagogia e, nevrálgicos que vão sendo negligenciados por
de maneira micro, o do psicopedagogo. conta deste sentido de urgência que vai se
construindo. Entre estes, destaca-se entender
O PAPEL DO PSICOPEDAGOGO NUMA que, ao se falar em sociedade de informação,
SOCIEDADE DE ESTADO E MERCADO não se está falando em uma sociedade de
De acordo com Gonçalves (2005), conhecimento. E isso faz toda diferença.
o psicopedagogo deve se configurar em Setzer (1999), matemático e
profissional multi especialista em engenheiro, apresenta essa diferença da
aprendizagem humana. Para tanto, deve seguinte forma:
desenvolver conhecimentos em diversas áreas. Informação é uma
abstração informal, que
Em particular, naquelas que permitam intervir representa algo
significativo para alguém
no processo de aprendizagem, demanda da através de textos, imagens,
sons ou animação. [...] Esta
sociedade atual. No escopo geral, entender a não é uma definição isto é
abordagem holística que hoje constitui uma caracterização, porque
algo, significativo e alguém
exigências de toda sorte: tecnologia — mídias não estão bem definidos;
assumimos aqui um
entendimento intuitivo O teórico da área de
desses termos. [...]
Conhecimento é uma Administração, Peter Drucker (1999), acentua
abstração interior, pessoal,
de alguma coisa que foi o conhecimento como a informação eficaz em
experimentada por alguém.
[...] não pode ser descrito
ação, focalizada em resultados. E, assim,
inteiramente de outro modo reforça o fim pragmático do conhecimento.
seria apenas dado ou
informação [...] não Em Psicopedagogia usa-se o termo
depende apenas de uma
interpretação pessoal, [...] Sociedade Aprendente, utilizado com
requer uma vivência do
objeto do conhecimento. propriedade por Assmann (1996), ao se referir
[...] Associamos
informação à semântica.
a um estado no qual as mudanças tecnológicas
Conhecimento está e culturais levam a uma necessidade constante
associado com pragmática.
[...] O conhecimento é de aprendizagem.
puramente subjetivo cada
um tem a experiência de Paín (1996) traz a distinção entre
algo de uma forma
diferente. informação, conhecimento e saber,
relacionando tais conceitos com as estruturas
Sobre a mesma diferenciação,
de aprendizagem que considera presentes em
Davenport e Prusakxxiii (1998, p. 25), declaram
todo ser humano: organismo; corpo; estrutura
o:
cognitiva e estrutura dramática ou desejante.
Conhecimento como a
informação mais valiosa, Ao seu ver, a informação mantém relação com
precisamente porque
alguém deu à informação o organismo porque é captada pelos órgãos
um contexto, um
significado, uma
sensoriais; já o conhecimento é processado
interpretação. cognitivamente, enquanto que o saber é aquele
conhecimento automatizado porque já foi
Os autores, através de um quadro
incorporado: pertence ao corpo.
explicativoxxiv, apresentam a informação como
Mas, se ao indivíduo falta o tempo
dados dotados de relevância e propósito, que
de reflexão, falta o tempo de compreensão das
requer consenso em relação ao significado e
condições de produção, de síntese; se esse
que exige a mediação humana. Já o
indivíduo é o que é movido pelo senso de
conhecimento, para os autores, inclui reflexão,
urgência, pela demanda do ‘24/7’, como terá
síntese e contexto, ou seja, exige o indivíduo.
esse indivíduo a capacidade de tornar a rede
Em suma, o que aqui retratam os
infindável de informações a que tem acesso
autores é justamente a questão da construção
atualmente em conhecimento?
de sentidos através das informações, que
Neste ponto é que se justifica o que
podem ser compreendidas e interpretadas e
Gonçalves (2005) afirma: a Psicopedagogia é
somente a partir desses processos
um campo essencial para a sociedade da
configurando-se em um conhecimento, um
informação. O é na medida que permite ao
lastro consistente de saberes.
indivíduo articular saberes e fazeres de forma pesquisas apontam para uma média de 12
transdisciplinar. E, articular saberes é, num empregos durante a vida produtiva.
primeiro momento, versar informação em Por conta dessa transição
conhecimento e, ainda, relacionar constante, constrói-se um sujeito que,
conhecimentos. Ou seja, a Psicopedagogia tem continuamente, tem de (re)começar,
por objeto o ser em processo de construção do (re)aprender, adaptar-se. Assim, o
conhecimento e o faz na medida em que psicopedagogo deve também se comprometer
constrói a autonomia desse sujeito. com o entendimento das condições pessoais
Nesse ponto, o psicopedagogo deste sujeito em constante necessidade de
deve intervir a partir de instrumentos que lhe aquisição de conhecimento, da melhoria das
permitam potencializar (ação preventiva) e/ou suas condições de aprendizagem, afastando
sanar dificuldades (ação terapêutica) do obstáculos que se coloquem. Deve atender
processo de aprendizagem. Como diz indivíduos em necessidades de educação
Gonçalves (2005, p. 7) quando afirma o papel continuada, ampliando seu campo de atuação
do psicopedagogo na construção de “padrões até adultos e idosos, que se configuram num
integradores e geradores de sínteses”. novo público para os psicopedagogos:
Para além do processo de Hoje não há mais dúvidas
em relação à necessidade
aprendizagem, como dito no início deste item, de continuidade do
processo de aprendizagem
é papel do psicopedagogo também abordar a durante toda a vida
humana, como uma
autonomia a partir da construção da cidadania, maneira de se evitar e ou
da moral, da ética, entre outros aspectos que postergar o envelhecimento
senil. A Psicopedagogia
constituem o sujeito para trabalhar o incerto, o tem demonstrado que
processos de aprendizagem
impreciso o indeterminado e o complexo são mantenedores da vida
e, por isso, são
característicos da sociedade contemporânea. considerados processos
vitais e se apresenta como
Este incerto pode ser visto, por uma alternativa para o
exemplo, em como as relações trabalhistas se atendimento à terceira
idade, seja em grupos ou
modificaram e se adaptaram de forma mesmo em espaços
terapêuticos individuais.
acelerada nas últimas décadas por conta de (GONÇALVES, 2020)

diversos fatores, como a presença de 4 ou 5


Entendido o trabalho do
gerações distintas no mercado de trabalho ou o
psicopedagogo no processo de aprendizagem e
fim de vínculos profissionais com uma mesma
na relação do indivíduo com o meio, resta
instituição por 20, 30 anos. Não é difícil
tomar o sujeito em sua constituição. Neste
encontrar um familiar que tenha trabalhado por
ponto, imbrica-se a um só tempo ideologia e
décadas em uma mesma organização. Hoje,
inconsciente, instâncias que interpelam o
indivíduo em sujeito na medida em que ele se
submete à língua, na história. Ou seja, campos de reflexão e repensar. (SCOZ E
xxv
assujeita-se . O que se está dizendo é que há ANDION, 2020)
um processo de identificação-interpelação do
sujeito que resulta na evidência de identidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS - O
Aqui, a ideologia responde pelo simbólico e o PROCESSO DE APRENDIZAGEM
inconsciente pelo processo de experiênciasxxvi. COMO ESPAÇO POLÍTICO-
Apesar de apresentados por razões SIMBÓLICO E O PAPEL DO
didáticas de forma particionada: o processo de PSICOPEDAGOGO NA FORMAÇÃO DO
aprendizagem, a relação do indivíduo com a SUJEITO COGNOSCENTE
sociedade e a constituição do sujeito — todos Desde a Revolução Francesa,
os aspectos elencados como fatores de trabalho quando a escola se coloca como instituição
do psicopedagogo — são indissociáveis e se social fundante para legitimar o papel de
sobrepõem e se contrastam no entendimento ‘classe de poder’ da burguesia, o processo da
do que é a área de atuação hoje deste aprendizagem tornou-se ponto de articulação
profissional: para a sociedade.
Portanto, a Psicopedagogia Esse processo deixa de ser lugar
é uma atividade
profissional integrativa, exclusivo de um ensinar-aprender para dar
inter e transdisciplinar, que
nasceu assim, e ela é e está visão a diferentes concepções de realidade de
a frente de seu tempo. É
uma nova atividade caráter político-ideológico como a instituição
profissional e requer um que, por excelência, seria a responsável por
novo profissional, que seja
coerente com essa nova isso.
epistemologia.
(GASPARIAN,2020, Ao longo da história, diversas são
p.141)
as textualidades em que o papel da escola e do
Nessas reflexões entende-se que o processo de aprendizagem, entendido como
que se coloca, muito além da prática, é uma ensino-educação se colocam como expressão
necessidade incontornável do psicopedagogo da sociedade do momentoxxvii.
de ser um sujeito em constante aprendizado, Hoje, no contexto pós-moderno,
detentor de um lastro multi e transdisciplinar são imensos os desafios que se apresentam ao
que o capacite à compreensão da relação sujeito para esse processo. Como exposto, há
sujeito/sociedade de forma dinâmica e, hoje um estado líquido da realidade, estado
característica do contemporâneo, sensível a esse que se instala por conta de uma
uma realidade transmorfa, acelerada e articulação simbólica que conduz a uma
inapreensível se não na troca constante com relação sujeito/sociedade mediada pelo
outros profissionais, outras teorias que, antes Estado, mas igualmente — se não de forma
de contradizer ou negar, acrescentam e abrem mais marcante — pelo Mercado e por seu texto
fundamental, a Mídia. Esse panorama constrói constante e práticas de supervisão — de forma
um sentido de incerteza, de impermanência multifatorial.
que impacta o sujeito em todas as suas esferas. Longe de uma atuação mecanicista
É esse sujeito, envolvido nessa ou automática, o psicopedagogo pela própria
realidade movediça e transmorfa que precisa natureza da área a que pertence é o profissional
não mais da aprendizagem na escola fundamental para a abordagem do sujeito e de
exclusivamente, mas que necessita de uma seu processo de aprendizagem por meio de
aprendizagem contínua a partir dos mais uma visão multifacetada e fortemente
diferentes meios disponibilizados pelas amparada num profundo lastro teórico.
inovações tecnológicas constantes. Inovações Assim, com uma visão sistêmica, o
que acrescentam um sentido de urgência nunca psicopedagogo é o profissional que atuará no
antes vivenciado na história pelo indivíduo. âmbito da complexidade inerente à condição
É nesse cenário que o humana. E este não é um papel banal, mas o
psicopedagogo se torna preponderante na papel fundamental para a construção de um
mediação desse indivíduo com a novo sujeito para uma época de
aprendizagem, com o desenvolvimento da (auto)formação constante e ininterrupta, para a
autonomia desse indivíduo. É papel desse qual o psicopedagogo precisa estar apto a
profissional não só potencializar o processo de produzir sentidos em seu próprio processo de
aprendizagem ou diagnosticar dificuldades, é aprender e ensinar, de tal maneira que
papel dele a própria construção da capacidade possibilite a emergência da autoria de
do indivíduo de tomar as informações e dar- pensamento nos sujeitos com os quais atua,
lhes o caráter de conhecimento, talvez esse o permitindo-lhe, desta maneira, fazer suas
maior desafio contemporâneo. próprias escolhas, independentemente do
Não se pode esquecer que ele é, ao Mercado e das Mídias que perpassem sua
mesmo tempo, o profissional que trabalhará subjetividade.
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L.B; DANTAS, M.A.S e BARBOSA, L.M.S.
i
As primeiras reflexões presentes neste artigo são suas obras a partir do que propõe Althusser em suas
oriundas do trabalho do autor apresentado para releituras das obras de Marx. Hoje, já se pode afirmar
conclusão da disciplina de Princípios e Fundamentos da duas formas-sujeito: a do sujeito religioso da Idade
Psicopedagogia do curso de Especialização em Média e a do sujeito de direitos e deveres ou de sujeito
Psicopedagogia da FAI – Centro de Ensino Superior em capitalista. Ao longo deste trabalho, será proposto um
Gestão, Tecnologia e Educação e da Fundação Aprender deslocamento para outra forma-sujeito ainda em
sob responsabilidade da Profa. Msc. Elizabeth de processo de estabilização e, no mínimo, concorrente
Oliveira Machado. Posteriormente, o texto foi àquela definida pela Revolução Francesa.
xiv
(re)elaborado com a participação da autora para Conforme Orlandi (2001).
xv
desenvolvimento e articulação das ideias. Para estar em consonância com a forma-sujeito, o
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Vale ressaltar que, no início do século XIX na França, indivíduo deve proceder a leitura e aceite de um texto, a
os estudos visavam resolver problemas de fracasso prática de um ritual, a ocupação de um determinado
escolar associando-o a problemas relativos à conduta e espaço que lhe permitam o lugar do ‘correto’, do
às diferentes faces do desenvolvimento do indivíduo. ordinário.
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Conforme define Michel Pêcheux (apud Gadet e Hak Conforme proposta de reflexão presente no trabalho
– 2001) na formação da Análise do Discurso para a de Payer (2005).
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constituição de teorias no contato com outros campos Aqui, vale refletir sobre os quadros de ansiedade e
epistemológicos. depressão que hoje são recorrentes e também as diversas
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De acordo com o que enuncia Piaget (1976). questões de caráter financeiro que foram interpostas às
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Segundo Freud (2006). questões de saúde durante o período da atual Pandemia
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De acordo com Pichon Rivière (1998). do Covid-19.
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A polissemia, segundo Orlandi (2001, p. 36) “é a Conforme os estudos de Claudine Haroche em
ruptura de processos de significação, ou seja, poderá ‘Fazer Dizer, Querer Dizer’ (1984).
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fazer novas interpretações do assunto tratado.” É importante notar que, o que hoje se dá não é a
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Dentre essas obras, vale citar ‘Filosofia e o Espelho substituição de um articulador simbólico por outro, de
da Natureza’ do filósofo pragmatista Richard Rorty, ‘A uma forma-sujeito por outra, mas de um entremeio entre
Condição Pós-Moderna’ do também filósofo Jean- essas instâncias ao menos neste momento.
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François Lyotard e ‘Ética Pós-Moderna’ de Zygmunt Essa igualdade de sentido muito decorre da evolução
Bauman, sociólogo que elabora sua obra enfocando as tecnológica dos meios de produção e comunicação.
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relações sociais, econômicas e de produção. Termo de senso comum usado muito no contexto
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Aqui, entende-se, filosoficamente, o termo remetendo profissional em que o ‘bom’ colaborador está sempre
a explicações globais, totalizantes. Em outras palavras disponível, ou seja, 24 horas nos 7 dias da semana.
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narrativas mestras cujo objetivo é ganhar o caráter de Além de diversos outros de ordem cultural, social e
explicação geral do mundo e da sociedade em que o econômica.
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sujeito está inserido. Em suma, definições amplas e Autores que trabalham com reflexões sobre a gestão
universalizantes. do conhecimento.
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Interessa ressaltar que é também um momento de (1998, p. 18).
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(re)leituras de diferentes teorias, i. e., de Lacan para a Conforme explica Orlandi (2001) sobre o conceito de
obra de Freud, de Althusser para Marx ou mesmo de assujeitamento.
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Benveniste para Saussure, entre outros. Por exemplo, o papel dos traumas na construção do
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Conforme Bauman (2012) e Bauman e Donskis sujeito do ponto de vista de Freud.
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(2014). No contexto brasileiro, pode-se exemplificar essas
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Conforme as reflexões de Pêcheux (apud Gadet e textualidades a partir já da primeira Constituição (1824)
Hak, 2001) e Foucault (2004). ainda do período do Império e também em textos como
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Conceito da Análise do Discurso de linha francesa as Leis de Diretrizes e Bases ou mesmo o Manifesto da
conforme trabalhada por Eni Orlandi (i. e., 2006) em Nova Escola, conforme analisado por Silva (2010).

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