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O Saber Psicológico
e a Docência:
Reflexões sobre o Ensino de Psicologia na Educação
Priscila Larocca Recentemente esta revista publicou um inte- Pensando no caso dos psicólogos que traba-
ressante e oportuno artigo de uma professora lham “ensinando” Psicologia a futuros profes-
Professora Assistente do de Psicologia - Maria Teresa Castelo Branco,
Departamento de sores nas licenciaturas ou atuando em proje-
Educação da UEPG - que, ao considerar o contexto de mudança tos de formação permanente de professores
Universidade Estadual presente na realidade social, apresentou re- junto às redes de ensino fundamental e mé-
de Ponta Grossa - flexões sobre novas demandas pelo trabalho
Paraná. Mestre e
dio, a reflexão sobre identidade continua im-
Doutoranda em do psicólogo no Brasil. portante.
Psicologia Educacional
pela UNICAMP - Na leitura de seu texto, depara-se com uma afir-
Universidade
Evidentemente, muitos concordarão que o
Estadual de Campinas mação: a de que as pesquisas vêm mostrando ensino de Psicologia como componente da
que o psicólogo, quando não trabalha em con- qualificação profissional de educadores não
60 sultório, tem grande dificuldade em definir sua pode e nem deve, envolver as mesmas finali-
identidade (Castelo Branco, 1998, p.33). dades portadas pela clínica psicológica. Assim,
O Saber Psicológico e a Docência: Reflexões Sobre o Ensino de Psicologia na Educação
diferentes demandas podem implicar a cons- sores, visando a despertar reflexões, ques-
trução de diferentes identidades, o que não tionamentos e interesses entre aqueles que
quer dizer, necessariamente, o acordo com se envolvem com Psicologia e com Educação.
ações conformativas, adaptacionistas, norma-
tivas ou corretivas, mas, identidade com uma O primeiro ponto valioso para iniciar esta dis-
prática social, com aquilo que essa prática ob- cussão gira em torno das finalidades persegui-
jetiva, e com o que nela precisa ser transfor- das pela formação de professores. Pressupõe-
mado. se, portanto, que a formação psicológica des-
tes deva organizar-se em torno de uma dada
A formação do psicólogo, de fato, como diz a concepção de trabalho docente, incluindo-se
autora, não deverá visar ao atendimento de aí os fins que essa concepção legitima (Mauri
ditames mercadológicos (Id, ibidem) mas, pre- & Solé, 1996).
cisará observar que o conhecimento psicoló-
gico, enquanto patrimônio da humanidade, Dois paradigmas principais vêm disputando o
tanto deve, quanto precisa, colocar-se à dis- entendimento do que devam ser os saberes e
posição de outros campos profissionais, ou- o saber-fazer dos professores: o paradigma
tras áreas de atuação, ajudando-os a construir racional-técnico e o paradigma crítico-reflexi-
suas próprias identidades. vo. Ambos traduzem modos de ver a prática
profissional educativa e é a partir deles que se
O compromisso ético com o ser humano é pode depreender a participação da Psicologia
inquestionável na formação do psicólogo, mas nesse contexto.
há de se buscar, ainda, o compromisso com o
coletivo da vida humana e, por aí se vê que a A racionalidade-técnica é uma perspectiva de
promoção da saúde, também envolve com- formação herdada do Positivismo que se con-
promisso com a Educação. solidou fortemente no Brasil a partir dos anos
70 e supõe a atividade educativa como sendo
Os Paradigmas da Prática uma aplicação rigorosa de princípios e leis
Profissional Educativa gerados na investigação científica. Trata-se de
um enfoque linear entre processo e produto
Os docentes de Psicologia, envolvidos na no qual logra importância vital a correlação
profissionalização de professores, por força da entre os padrões de comportamento do pro-
própria atuação na área educacional, confron- fessor ao ensinar (processo/ variável indepen-
tam-se, freqüentemente, com duas diferen- dente) e o rendimento acadêmico dos alunos
tes constatações. (produto/ variável dependente) (Gómez,
1998). Norteia esta concepção o princípio de
A primeira diz respeito ao proveito indiscutí- que é a pesquisa psicológica que deverá pro-
vel que a teoria e a prática educativas podem porcionar o conjunto de saberes e este, por
retirar do acervo de saberes erigidos pela Psi- sua vez, será empregável tanto na Educação
cologia. A segunda corresponde à polêmica como em qualquer outra área da atividade
acerca de como esse proveito se dá, ou seja, humana. Assim, o centro gravitacional está 1- Coll (1996, p.11) explica que
sempre no conhecimento psicológico o qual a concepção de “Psicologia
inclui questões que vão desde a necessidade Aplicada” comporta variantes.
de definir qual seja a participação da Psicolo- não se coloca de modo instrumental mas fi- Tanto se dá em relação à esfera
gia na compreensão do fenômeno educativo gura como um fim em si mesmo. Bastará, da Psicologia tomada como
referência (Psicologia Evolu-
até questões relativas à formação teórica, con- portanto, que se respeitem as leis universais tiva aplicada à Educação,
teúdos, metodologias e perfil profissional do identificadas pela Psicologia Científica e se Psicologia Social aplicada à
Educação, como exemplos),
formador de Psicologia que atua com docen- apliquem corretamente as prescrições para que quanto se dá referenciada em
tes ou futuros docentes. se resolvam de modo científico e racional os teorias psicológicas (Psicaná-
lise aplicada à Educação,
problemas que se apresentarem no âmbito Análise Experimental do
Levando-se em conta a complexidade e pro- educacional (Coll, 1996)1. Comportamento aplicada à
Educação, também como
fundidade de tais questões, é prudente admi- exemplos).
tir que este texto não carrega pretensões de Há, portanto, uma acentuada hierarquia nos
esgotar o assunto. Antes, apresenta-se com o conhecimentos que não apenas retrata uma
objetivo de colocar na pauta das discussões o subordinação entre categorias, mas, também, 61
problema da formação psicológica de profes- o isolamento e as corporações profissionais,
Priscila Larocca
Não é difícil perceber as razões das críticas Atualmente, não se pode mais conceber que
dirigidas à perspectiva de formação profissio- a formação de professores restrinja-se a uma
nal no modelo racional-técnico. Assim como questão de técnicas para a solução de proble-
promove a separação e subordinação do co- mas previamente formulados. Os aspectos
nhecimento em níveis, também favorece ou- técnicos, embora extremamente necessários
tros tipos de dissociações a exemplo de “quem à profissionalização de docentes, não são su-
pensa versus quem faz” e “teoria versus práti- ficientes para dar conta das questões educaci-
ca”. Aliás, julga-se conveniente lembrar que onais. A racionalidade-técnica é muito mais
muitos cursos de formação profissional pré- um “componente” da formação profissional,
jamais o seu todo, e muito menos um mode-
lo unívoco para tal.
sor pensa, enquanto um ideal a ser atingido, propiciar fundamento científico à reformu-
e aquilo que realmente faz. Não há mera lações gestadas por certas políticas educacio-
transposição do pensar para o agir, mas sim nais. Freqüentemente, e por interesse de
um movimento mediado pela concretude dos autopromoção das equipes de assessores das
desafios cotidianos. Secretarias de Educação estaduais ou munici-
pais, a perspectiva teórica adotada é apresen-
Em se tratando de ensino, na dinâmica dos tada aos professores através de processos
acontecimentos de sala de aula, as próprias massivos de capacitação, como se fosse a única
decisões pedagógicas e metodológicas do pro- ou a última palavra válida sobre desenvolvi-
fessor produzem diferentes manifestações por mento e aprendizagem, por exemplo, verda-
parte dos alunos, além do que, na relação pe- deira panacéia para todos os males educacio-
dagógica, em constante interação e mudança, nais.
estão a subjetividade do aluno, a subjetividade
do professor e a dimensão sócio-cultural de Criam-se, dessa maneira, modismos psicoló-
3- Amparando-se na
cada qual, forjadas no interior de condições gicos na educação e a cada alteração que ocor- Psicanálise, Perrenoud (1993,
objetivas passadas e presentes que, por sua vez, re nas equipes dos governos, os professores p.175-176) utiliza a imagem
da profissão docente como
são histórica e socialmente produzidas. são chamados a aderir a um “novo remédio “profissão impossível” , na
milagroso”4, desvalorizando-se, ao mesmo medida em que está entre
aquelas que trabalham com
Sendo assim, como diz Perrenoud (1993, tempo, o conhecimento até ali construído e pessoas e, por isso mesmo, o
p.177), a complexidade está na base e não se sem que nenhuma transformação substanci- sucesso do empreendimento
deve querer simplificá-la. Pelo contrário, para al, de fato, aconteça nas condições estrutu- educativo nunca estará
assegurado pois em tais
enfrentá-la, será preciso utilizar todas as ar- rais do trabalho docente. Portanto, não é à profissões sempre se depara
mas analíticas na tentativa de dominá-la tanto toa que muitos professores se mostram resis- com mudanças, ambi-
güidades, desvios, conflitos,
quanto for possível3. Eis porque se faz neces- tentes às inovações. opacidades, meca-nismos de
sário um paradigma formativo crítico e refle- defesa etc.
xivo para os professores. 4- Isso aconteceu com as
contribuições de Piaget e
assiste-se à mesma tentativa
E a Formação Psicológica dos em relação ao referencial
Professores? vygotskyano. Registre-se,
nesse sentido, as palavras de
Souza e Kramer (1991, p.70):
... não se pode desconsiderar
Como pensar a formação psicológica do pro- as contribuições de Piaget, da
fessor num quadro de tanta complexidade e mesma forma que não se pode
incerteza? difundir a obra ou o pensa-
mento de Vygotsky como se
fosse a última e única palavra
Desirée Estevam Sales Rosa
mento do que se faz e do que se objetiva al- gam nos cursos, pouco ou nada compreen-
cançar através do trabalho pedagógico. Preci- dem acerca de como estes lhes servirão para
sará privilegiar a postura dialógica, a indagação a análise e interferência no campo educacio-
e a pesquisa e abrir mão do ensino bancário. nal e em benefício de uma educação cidadã.
Um dos frutos das intensas críticas que se fi- A Psicologia da Educação ainda integra o rol
zeram ao caráter ideológico da Psicologia na das disciplinas “teóricas” nas licenciaturas, não
área educacional, apesar de todo o mérito que havendo espaços institucionalmente pensados
portaram para a superação das consciências que favoreçam a articulação teórico-prática, a
ingênuas, foi a minimização, cada mais fre- vivência no cotidiano escolar, o confronto com
qüente, da carga horária de Psicologia da Edu- a realidade.
cação nos cursos de formação de professo-
res. O que se assiste, em quase todas as li- Se considerarmos tudo isso, a concretização
cenciaturas deste país, é que a disciplina pa- de uma Psicologia transformada em vida, po-
rece só sustentar-se nos cursos, porque integra derá parecer vã utopia. No entanto, Paulo
o currículo mínimo exigido pela legislação. Freire (1980, p.27) ensinou que toda utopia
tem seu valor pois que representa uma
Os acadêmicos, futuros professores, embora dialética entre denúncia e anúncio: a denún-
se mostrem quase sempre “encantados” com cia da estrutura desumanizante, o anúncio da
os conhecimentos psicológicos que lhes che- estrutura humanizante.
Priscila Larocca
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