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PSICOLOGIA CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2000, 20 (2), 60 - 65

O Saber Psicológico
e a Docência:
Reflexões sobre o Ensino de Psicologia na Educação

Apresentam-se, neste artigo, algumas reflexões sobre um dos campos de atua-


ção do psicólogo: o ensino de Psicologia na formação profissional de profes-
sores. Discutem-se os paradigmas da profissionalização de professores, o papel
auxiliar da Psicologia na Educação, a necessidade de pluralidade e contex-
tualização teórica, o resgate da articulação teórico-prática bem como muitos
problemas envolvidos em tais questões.

Desirée Estevam Sales Rosa

Priscila Larocca Recentemente esta revista publicou um inte- Pensando no caso dos psicólogos que traba-
ressante e oportuno artigo de uma professora lham “ensinando” Psicologia a futuros profes-
Professora Assistente do de Psicologia - Maria Teresa Castelo Branco,
Departamento de sores nas licenciaturas ou atuando em proje-
Educação da UEPG - que, ao considerar o contexto de mudança tos de formação permanente de professores
Universidade Estadual presente na realidade social, apresentou re- junto às redes de ensino fundamental e mé-
de Ponta Grossa - flexões sobre novas demandas pelo trabalho
Paraná. Mestre e
dio, a reflexão sobre identidade continua im-
Doutoranda em do psicólogo no Brasil. portante.
Psicologia Educacional
pela UNICAMP - Na leitura de seu texto, depara-se com uma afir-
Universidade
Evidentemente, muitos concordarão que o
Estadual de Campinas mação: a de que as pesquisas vêm mostrando ensino de Psicologia como componente da
que o psicólogo, quando não trabalha em con- qualificação profissional de educadores não
60 sultório, tem grande dificuldade em definir sua pode e nem deve, envolver as mesmas finali-
identidade (Castelo Branco, 1998, p.33). dades portadas pela clínica psicológica. Assim,
O Saber Psicológico e a Docência: Reflexões Sobre o Ensino de Psicologia na Educação

diferentes demandas podem implicar a cons- sores, visando a despertar reflexões, ques-
trução de diferentes identidades, o que não tionamentos e interesses entre aqueles que
quer dizer, necessariamente, o acordo com se envolvem com Psicologia e com Educação.
ações conformativas, adaptacionistas, norma-
tivas ou corretivas, mas, identidade com uma O primeiro ponto valioso para iniciar esta dis-
prática social, com aquilo que essa prática ob- cussão gira em torno das finalidades persegui-
jetiva, e com o que nela precisa ser transfor- das pela formação de professores. Pressupõe-
mado. se, portanto, que a formação psicológica des-
tes deva organizar-se em torno de uma dada
A formação do psicólogo, de fato, como diz a concepção de trabalho docente, incluindo-se
autora, não deverá visar ao atendimento de aí os fins que essa concepção legitima (Mauri
ditames mercadológicos (Id, ibidem) mas, pre- & Solé, 1996).
cisará observar que o conhecimento psicoló-
gico, enquanto patrimônio da humanidade, Dois paradigmas principais vêm disputando o
tanto deve, quanto precisa, colocar-se à dis- entendimento do que devam ser os saberes e
posição de outros campos profissionais, ou- o saber-fazer dos professores: o paradigma
tras áreas de atuação, ajudando-os a construir racional-técnico e o paradigma crítico-reflexi-
suas próprias identidades. vo. Ambos traduzem modos de ver a prática
profissional educativa e é a partir deles que se
O compromisso ético com o ser humano é pode depreender a participação da Psicologia
inquestionável na formação do psicólogo, mas nesse contexto.
há de se buscar, ainda, o compromisso com o
coletivo da vida humana e, por aí se vê que a A racionalidade-técnica é uma perspectiva de
promoção da saúde, também envolve com- formação herdada do Positivismo que se con-
promisso com a Educação. solidou fortemente no Brasil a partir dos anos
70 e supõe a atividade educativa como sendo
Os Paradigmas da Prática uma aplicação rigorosa de princípios e leis
Profissional Educativa gerados na investigação científica. Trata-se de
um enfoque linear entre processo e produto
Os docentes de Psicologia, envolvidos na no qual logra importância vital a correlação
profissionalização de professores, por força da entre os padrões de comportamento do pro-
própria atuação na área educacional, confron- fessor ao ensinar (processo/ variável indepen-
tam-se, freqüentemente, com duas diferen- dente) e o rendimento acadêmico dos alunos
tes constatações. (produto/ variável dependente) (Gómez,
1998). Norteia esta concepção o princípio de
A primeira diz respeito ao proveito indiscutí- que é a pesquisa psicológica que deverá pro-
vel que a teoria e a prática educativas podem porcionar o conjunto de saberes e este, por
retirar do acervo de saberes erigidos pela Psi- sua vez, será empregável tanto na Educação
cologia. A segunda corresponde à polêmica como em qualquer outra área da atividade
acerca de como esse proveito se dá, ou seja, humana. Assim, o centro gravitacional está 1- Coll (1996, p.11) explica que
sempre no conhecimento psicológico o qual a concepção de “Psicologia
inclui questões que vão desde a necessidade Aplicada” comporta variantes.
de definir qual seja a participação da Psicolo- não se coloca de modo instrumental mas fi- Tanto se dá em relação à esfera

gia na compreensão do fenômeno educativo gura como um fim em si mesmo. Bastará, da Psicologia tomada como
referência (Psicologia Evolu-
até questões relativas à formação teórica, con- portanto, que se respeitem as leis universais tiva aplicada à Educação,
teúdos, metodologias e perfil profissional do identificadas pela Psicologia Científica e se Psicologia Social aplicada à
Educação, como exemplos),
formador de Psicologia que atua com docen- apliquem corretamente as prescrições para que quanto se dá referenciada em
tes ou futuros docentes. se resolvam de modo científico e racional os teorias psicológicas (Psicaná-
lise aplicada à Educação,
problemas que se apresentarem no âmbito Análise Experimental do
Levando-se em conta a complexidade e pro- educacional (Coll, 1996)1. Comportamento aplicada à
Educação, também como
fundidade de tais questões, é prudente admi- exemplos).
tir que este texto não carrega pretensões de Há, portanto, uma acentuada hierarquia nos
esgotar o assunto. Antes, apresenta-se com o conhecimentos que não apenas retrata uma
objetivo de colocar na pauta das discussões o subordinação entre categorias, mas, também, 61
problema da formação psicológica de profes- o isolamento e as corporações profissionais,
Priscila Larocca

refletindo, simultaneamente, diferentes esta- permanente movimento dialético na práxis


tutos acadêmicos e sociais daqueles que tra- humana (Gamboa, 1995, p.39), a racionalidade
balham com tais categorias de saberes. técnica esquece também os fins sociais, mo-
rais e políticos da ação profissional. No caso
Nessa perspectiva, o professor ou futuro pro- específico da formação do professor, chega
fessor nada mais será senão um técnico que mesmo a depreciar sua figura e seu papel,
deve aprender conhecimentos e desenvolver pois reduz a docência à mera execução de
competências e atitudes adequadas à sua in- procedimentos e regras gestados por outros
tervenção prática, apoiando-se no conhecimen- profissionais, roubando-lhe a reflexão sobre a
to que os cientistas básicos ou aplicados ela- própria ação e sobre os objetivos educacio-
boram, ou seja, não necessita chegar ao co- nais que persegue na medida em que supõe
nhecimento científico, mas dominar as rotinas que o professor, ou futuro professor, deva acei-
de intervenção técnica que se derivam daque- tar que as suas intervenções sejam definidas
le. (Gómez, op. cit., p. 357). pelo lado “de fora” de sua prática profissional.

Não é difícil perceber as razões das críticas Atualmente, não se pode mais conceber que
dirigidas à perspectiva de formação profissio- a formação de professores restrinja-se a uma
nal no modelo racional-técnico. Assim como questão de técnicas para a solução de proble-
promove a separação e subordinação do co- mas previamente formulados. Os aspectos
nhecimento em níveis, também favorece ou- técnicos, embora extremamente necessários
tros tipos de dissociações a exemplo de “quem à profissionalização de docentes, não são su-
pensa versus quem faz” e “teoria versus práti- ficientes para dar conta das questões educaci-
ca”. Aliás, julga-se conveniente lembrar que onais. A racionalidade-técnica é muito mais
muitos cursos de formação profissional pré- um “componente” da formação profissional,
jamais o seu todo, e muito menos um mode-
lo unívoco para tal.

A complexidade da dinâmica educativa e a


própria realidade social em que esta se insere
colocam resistências muito concretas ao
enquadramento em esquemas fixos de causa
e efeito, à previsibilidade de certos fenôme-
nos, às taxionomias existentes e às generaliza-
ções que se arrogam universalmente válidas.

Na verdade, a atuação do professor, na sala


de aula e na escola, é ecologicamente com-
plexa (Gómez, 1995), coisa que quer dizer vi-
vacidade e mudança, isto é, interação simul-
tânea de múltiplos fatores e condições. Em
Educação, a imbricação das variáveis inter-
venientes é de tal modo intensa que não exis-
tem “problemas a serem resolvidos” mas “si-
tuações problemáticas” que, via de regra,
2- A adoção do modelo curricular via, em diferentes áreas, traduzem a perspec-
apresentam-se como casos únicos, singulares
linear e seqüencial “teoria tiva racional-técnica na própria organização
antes, prática depois” tem sido e raramente enquadráveis (Id, ibidem).
efetivada em diversas áreas de curricular ao adotarem a premissa de que pri-
formação profissional além do meiro vêm as disciplinas “básicas” ou “teóri-
caso dos professores. A forma- cas” para só depois, em momento subseqüen- Além disso, deve-se considerar que os instru-
ção do médico e do psicólogo
te, permitir-se a prática e/ou a pura e simples mentos e as metodologias só podem definir-
são exemplares do mesmo tipo
de questão. aproximação com o campo de atuação profis- se, conforme o projeto educacional que se
sional2. tem. E essa definição não é técnica mas filo-
sófica, ética e politicamente orientada. Assim,
62 Ao mesmo tempo em que ignora teoria e prá- também, a complexidade das situações con-
tica como categorias inter-relacionadas e em cretas interpõe-se entre aquilo que o profes-
O Saber Psicológico e a Docência: Reflexões Sobre o Ensino de Psicologia na Educação

sor pensa, enquanto um ideal a ser atingido, propiciar fundamento científico à reformu-
e aquilo que realmente faz. Não há mera lações gestadas por certas políticas educacio-
transposição do pensar para o agir, mas sim nais. Freqüentemente, e por interesse de
um movimento mediado pela concretude dos autopromoção das equipes de assessores das
desafios cotidianos. Secretarias de Educação estaduais ou munici-
pais, a perspectiva teórica adotada é apresen-
Em se tratando de ensino, na dinâmica dos tada aos professores através de processos
acontecimentos de sala de aula, as próprias massivos de capacitação, como se fosse a única
decisões pedagógicas e metodológicas do pro- ou a última palavra válida sobre desenvolvi-
fessor produzem diferentes manifestações por mento e aprendizagem, por exemplo, verda-
parte dos alunos, além do que, na relação pe- deira panacéia para todos os males educacio-
dagógica, em constante interação e mudança, nais.
estão a subjetividade do aluno, a subjetividade
do professor e a dimensão sócio-cultural de Criam-se, dessa maneira, modismos psicoló-
3- Amparando-se na
cada qual, forjadas no interior de condições gicos na educação e a cada alteração que ocor- Psicanálise, Perrenoud (1993,
objetivas passadas e presentes que, por sua vez, re nas equipes dos governos, os professores p.175-176) utiliza a imagem
da profissão docente como
são histórica e socialmente produzidas. são chamados a aderir a um “novo remédio “profissão impossível” , na
milagroso”4, desvalorizando-se, ao mesmo medida em que está entre
aquelas que trabalham com
Sendo assim, como diz Perrenoud (1993, tempo, o conhecimento até ali construído e pessoas e, por isso mesmo, o
p.177), a complexidade está na base e não se sem que nenhuma transformação substanci- sucesso do empreendimento
deve querer simplificá-la. Pelo contrário, para al, de fato, aconteça nas condições estrutu- educativo nunca estará
assegurado pois em tais
enfrentá-la, será preciso utilizar todas as ar- rais do trabalho docente. Portanto, não é à profissões sempre se depara
mas analíticas na tentativa de dominá-la tanto toa que muitos professores se mostram resis- com mudanças, ambi-
güidades, desvios, conflitos,
quanto for possível3. Eis porque se faz neces- tentes às inovações. opacidades, meca-nismos de
sário um paradigma formativo crítico e refle- defesa etc.
xivo para os professores. 4- Isso aconteceu com as
contribuições de Piaget e
assiste-se à mesma tentativa
E a Formação Psicológica dos em relação ao referencial
Professores? vygotskyano. Registre-se,
nesse sentido, as palavras de
Souza e Kramer (1991, p.70):
... não se pode desconsiderar
Como pensar a formação psicológica do pro- as contribuições de Piaget, da
fessor num quadro de tanta complexidade e mesma forma que não se pode
incerteza? difundir a obra ou o pensa-
mento de Vygotsky como se
fosse a última e única palavra
Desirée Estevam Sales Rosa

A Psicologia, como bem se sabe, dispõe de dita sobre o desenvolvimento


infantil e sobre o trabalho com
uma pluralidade de “armas analíticas” que a criança. Não devemos , nesse
precisam ser colocadas à disposição do pro- sentido, repetir com Vygotsky,
nos anos 90, o que foi feito
fessor, em sua formação, para o enfren- com a obra de Piaget, nos anos
tamento eficaz das situações colocadas na 70, [...]. Simulta-neamente,
educação. Já, há muito, foi dito que não há não podemos menosprezar
agora o trabalho de Piaget,
“Psicologia”, mas “Psicologias” (Gabby Jr, nem ‘jogá-lo fora com a água
1986). E, como mostrou Figueiredo (1991), a do banho’. [...] É preciso, mais
do que tudo, uma postura de
diversidade instalou-se no seio da Psicologia Ora, somente um pensamento simplificador cautela e (palavra pouco usada
no mesmo momento em que ela nascia. Nes- e pragmatista acreditará que seja possível apli- em textos acadêmicos, mas
que supomos necessário usar
se sentido, negar o acesso à diversidade teó- car inteira e linearmente uma única aborda- aqui) humildade. [...] mais do
rica é desvalorizar a construção histórica do gem teórica à prática pedagógica, sem consi- que precipitadamente optar
conhecimento psicológico. derar a complexidade e incerteza que se en-
por uma das duas abordagens,
é preciso indagar a respeito
volvem na educação humana e que advém dos paradigmas que norte-
No entanto, em se tratando de Psicologia e de fatores tanto psicológicos como contex- aram seu pensamento, suas
investigações e as teorias que
Educação, o problema não é só este. tuais. O modismo fetichiza a teoria e faz dela, contribuíram.
apenas, mercadoria a ser consumida.
Na área educacional, vem se repetindo histo-
ricamente o que se pode chamar de “seqües- Os docentes de Psicologia que atuam com 63
tro” de determinadas teorias psicológicas para professores precisam ter em conta este tipo
de problema, se pretendem participar da for-
Priscila Larocca

mação de profissionais críticos, reflexivos, au- ção educação-sociedade para, finalmente,


tônomos e, numa palavra, “sujeitos”. Execu- erigir teorizações próprias que constituirão a
tando “teorias-receita”, os professores só po- base da intervenção no real.
derão alienar-se de suas condições pensantes,
convertendo-se em meros objetos. Como, en- Pensar uma Psicologia Educacional mais con-
tão, educarão crianças e jovens para a auto- creta também requer que se tome o ser hu-
nomia? Para a cidadania? mano em sua multidimensionalidade. Se a
escola foi instituída para realizar a transmis-
Contudo, mais que possibilitar acesso as vári- são/assimilação dos conhecimentos, não se
as correntes teóricas, o projeto de pluralidade deve esquecer de que o homem intelectual é
na Psicologia Educacional precisa amparar-se também afetivo, social, cultural, sexual, lúdico,
em três aspectos essenciais: a compreensão estético, econômico, biológico. Compreendê-
epistemológica, a práxis e a consciência histó- lo implicará reconhecer as condições que se
rica (Freire, 1980, p.26). Ou seja, a pluralidade, fazem necessárias ao seu desenvolvimento
por si só, não remete à formação crítico-refle- integral e harmonioso, não no sentido pura-
xiva. Para que possa servi-la será preciso pro- mente individualista mas num sentido pleno,
piciar clareza acerca dos objetos de estudo onilateral.
dos diferentes teóricos, dos princípios episte-
mológicos que os regem, dos pressupostos fi- Manacorda (1990, p.78-79) explica que a
losóficos que os sustentam e da história de onilateralidade é um desenvolvimento total,
cada elaboração. (Larocca, 1999). Sem isso, o completo, multilateral, em todos os sentidos
pluralismo vira ecletismo e favorecerá a ma- das faculdades e das forças produtivas. Sendo
nutenção de consciências ingênuas. onilateral, o homem será inteiro, não-fragmen-
tado, concreto, a referência básica para a
Mais ainda, o resgate da práxis significa “tra- interlocução e o questionamento das teorias
balho vivo” , movimento dialético entre ação psicológicas na formação de professores.
e reflexão, coisa que não se dará, se a Psico-
logia Educacional continuar distanciada da Freire (1980, p.82) na defesa de uma educa-
escola, dos alunos, do trabalho pedagógico, ção crítica e problematizadora ressalta as pos-
dos professores. sibilidades de limitação e desafio representa-
dos pelo “aqui e agora” dos homens no mun-
Portanto, sendo a Educação o trabalho em do. É, por isso, que o real não pode ser perdi-
pauta, a Psicologia, enquanto área auxiliar, só do de vista pelo formador em Psicologia. É
poderá conduzir-se a contento, se tomar como este real que permitirá que sejam feitas
ponto de partida e de chegada a própria Edu- (re)leituras das teorias psicológicas e, como
cação como prática social, contrapondo ao tra- conseqüência, reestruturação e superação do
balho alienado o trabalho socialmente produ- conhecimento atual.
tivo (Larocca, 1999).
Últimas considerações
Esta posição requer um trânsito contínuo da
análise das questões cotidianas presentes nas Muito se disse sobre o ensino de Psicologia
salas de aula e nas escolas para os fins e fun- para professores. Tem-se claro, entretanto, que
ções da Educação na sociedade (cidadania, a formação em Psicologia Educacional, tal
sobretudo). Daí a necessidade da pesquisa no como se apresenta hoje nas licenciaturas, é
espaço escolar e da constante problematização um grande entrave para o alcance do objetivo
de temas e tarefas emergentes dessa realidade. de profissionalizar docentes para o exercício
da reflexividade e crítica.
A condução do ensino de Psicologia através
de problematizações temáticas, potencialmen-
te, sugere um desenvolvimento profissional O formador em Psicologia necessitará contar
mais crítico e reflexivo, porque, ao fundamen- com grande capacidade de articulação teóri-
tar-se na pesquisa sobre a prática, aprende-se co-prática e precisará desenvolver um sólido
a reconhecê-la, a refletir sobre ela com a aju- domínio das diversas teorias psicológicas auxi-
64 da dos instrumentais teóricos da Psicologia e liares à Educação. Deverá, necessariamente,
do mirante de questionamento sobre a rela- vincular-se a escolas e esforçar-se no entendi-
O Saber Psicológico e a Docência: Reflexões Sobre o Ensino de Psicologia na Educação

mento do que se faz e do que se objetiva al- gam nos cursos, pouco ou nada compreen-
cançar através do trabalho pedagógico. Preci- dem acerca de como estes lhes servirão para
sará privilegiar a postura dialógica, a indagação a análise e interferência no campo educacio-
e a pesquisa e abrir mão do ensino bancário. nal e em benefício de uma educação cidadã.

Um dos frutos das intensas críticas que se fi- A Psicologia da Educação ainda integra o rol
zeram ao caráter ideológico da Psicologia na das disciplinas “teóricas” nas licenciaturas, não
área educacional, apesar de todo o mérito que havendo espaços institucionalmente pensados
portaram para a superação das consciências que favoreçam a articulação teórico-prática, a
ingênuas, foi a minimização, cada mais fre- vivência no cotidiano escolar, o confronto com
qüente, da carga horária de Psicologia da Edu- a realidade.
cação nos cursos de formação de professo-
res. O que se assiste, em quase todas as li- Se considerarmos tudo isso, a concretização
cenciaturas deste país, é que a disciplina pa- de uma Psicologia transformada em vida, po-
rece só sustentar-se nos cursos, porque integra derá parecer vã utopia. No entanto, Paulo
o currículo mínimo exigido pela legislação. Freire (1980, p.27) ensinou que toda utopia
tem seu valor pois que representa uma
Os acadêmicos, futuros professores, embora dialética entre denúncia e anúncio: a denún-
se mostrem quase sempre “encantados” com cia da estrutura desumanizante, o anúncio da
os conhecimentos psicológicos que lhes che- estrutura humanizante.

Priscila Larocca
Rua Manoel Ferreira Pinto, 258, apto 93Ponta Grossa -
cep. 84.010-660 - Paraná Fone: (042) 224 -14-68
e-mail:laroccapriscila@hotmail.com

Recebido em 14/06/99 - Aprovado em 30/09/99

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