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Temas em Psicologia

ISSN: 1413-389X
comissaoeditorial@sbponline.org.br
Sociedade Brasileira de Psicologia
Brasil

Barros, Carlos César


Reflexões sobre a formação de professores de Psicologia
Temas em Psicologia, vol. 15, núm. 1, junio, 2007, pp. 33-39
Sociedade Brasileira de Psicologia
Ribeirão Preto, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=513751430005

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ISSN 1413-389X Temas em Psicologia - 2007, Vol. 15, no 1, 33 – 39

Reflexões sobre a formação de professores de


Psicologia

Carlos César Barros


Universidade de São Paulo

Resumo
Este artigo expõe reflexões sobre a formação do professor de psicologia considerando a história
e o papel da Psicologia na educação do cidadão brasileiro. Levanta a hipótese de que a
psicologia aplicada, em conjunto com a crítica que lhe é feita, afastou o interesse dos
profissionais psicólogos pela prática do ensino de Psicologia na educação básica. Segue
descrevendo como o tema da práxis vem sendo retomado nas recentes discussões sobre a
formação de professores como intelectuais críticos e reflexivos. Propõe uma retomada crítica do
interesse pelo ensino da Psicologia em um sistema educativo que tenha como finalidade a
educação contra a barbárie, considerando esta também em sua dimensão subjetiva: para a
formação do cidadão auto-reflexivo, uma educação psicológica é imprescindível.
Palavras-chave: Psicologia, Formação de professores, Educação básica, Teoria crítica,
Adorno, Theodor.

Reflections about the Psychology teacher’s education

Abstract
This essay aims to reflect upon the education system of psychology professor preparation course
considering the history and the role of psychology in Brazilian education. It suggests the
hypothesis that applied psychology - among its critics – has withdrawn the interest of
psychologists for its teaching practice in the basic education. The paper also describes how the
praxis matter have been reconsidered in the most recent colloquies about the need of the
professor’s education in order to develop more critical and intellectually reflexive
professionals. It proposes a critical retake of the interest by the psychology teaching in an
educational system focused in the education against barbarity, considering that in subjective
dimension as well: a psychological education is essential for a self- reflexive citizenship.
Keywords: Psychology, Professors Education, Basic Education, Critical Theory, Adorno,
Theodor.

A formação do professor de psicologia interessa levantar questões sobre a relação


destaca dois temas para reflexão: a formação entre psicologia e educação do cidadão. Se o
de professores e a formação de psicólogos. saber psicológico não compõe os projetos de
O desinteresse – e os rudimentos de um educação básica e os próprios psicólogos
novo interesse – do psicólogo pela profissão não dão importância ao fato, o que isso
de professor é uma questão essencial que significa? Para qual educação a psicologia
convida a uma incursão, mesmo que breve, seria relevante?
pela visão que se construiu entre os O interesse da ciência psicológica pela
psicólogos sobre a educação. Também é educação tem suas origens no
preciso considerar como os educadores vêm desenvolvimento da psicologia aplicada. As
tratando da formação do educador pesquisas acadêmicas nos laboratórios de
profissional. Mais que refletir sobre a psicologia de Wilhelm Wundt (1832-1920)
formação do professor de psicologia, ou Edward B. Titchener (1867-1927) não

Endereço para correspondência: Rua Clóvis Bevilacqua, lote 4, quadra 39, apartamento 101. Bairro: Praia
do Flamengo. Salvador – Bahia. CEP: 41603-120. Telefone: (71)3378-5096. E-mail: ccbarros@usp.br
34 Barros, C. C.

obtiveram a repercussão que as técnicas ensino da psicologia nos cursos de medicina,


desenvolvidas por James M. Cattell (1860- houve também “uma compreensão crescente
1944) ou por Alfred Binet (1857-1911). Tal do valor das técnicas de aplicação
repercussão parece se dever mais a fatores psicológica na organização racional do
externos que a uma superioridade teórica. trabalho” (Lourenço Filho, 1969/2004, p.
Segundo Schultz e Schultz (2006), no 111).
início do século XX, nos Estados Unidos, a Quando, em 1962, estabeleceram-se as
psicologia acadêmica não era valorizada e, diretrizes para a formação do psicólogo, elas
por questões financeiras, o crescente número se concentraram nas áreas clínica,
de psicólogos que se formava passou a tentar educacional e empresarial. Foram os
a vida com alguma aplicação prática da resultados de um campo em que “os
psicologia. remédios da Psicologia” foram reclamados
mesmo sem um pensamento propriamente
A solução era clara: valorizar a
psicológico. A psicologia aplicada é,
psicologia, aplicando-a. Mas aplicá-la
portanto, a base da psicologia brasileira que
em quê? Felizmente a resposta logo
se reflete nos cursos de formação de
ficou evidente. As matrículas nas
psicólogos até os dias atuais.
escolas públicas aumentavam
Vinte anos depois, em 1982, já no
significativamente e, entre 1870 e
período de transição do governo ditatorial
1915, passaram de 7 para 20 milhões.
para o dito democrático, a relação entre os
Os gastos do governo com as escolas
psicólogos e a educação básica do cidadão
públicas durante esse período
entra em uma nova fase. A Lei 7.044
aumentaram de 63 para 605 milhões
delimitou o ensino médio não mais como de
de dólares. A educação tornou-se um
“qualificação” para o trabalho, como
grande negócio, chamando a atenção
constava na Lei 5.692 de 1971, mas sim,
dos psicólogos (Schultz & Schultz,
como um ensino de “preparação” para o
2006, p. 187).
trabalho. Preparar-se para o mundo do
No Brasil, o espírito foi parecido, trabalho é diferente de adquirir qualidades
apesar da inversão temporal na relação entre para ser um trabalhador. Este novo
o profissional psicólogo e a demanda posicionamento favorece um projeto de
educacional: profissionais formados em formação para uma leitura crítica do mundo.
psicologia só passaram a existir depois que a Como conseqüência, as unidades de ensino
demanda educacional pela psicologia já se poderiam estabelecer uma parte
havia instalado. diversificada em seus currículos. Segundo
Mrech (2000), foi nesse momento que se
O movimento de industrialização
introduziu a disciplina Psicologia para os
fez deslocar grandes grupos da
alunos do ensino médio. No mesmo ano
população rural para as cidades,
surgiu a 1a Comissão de Ensino do Conselho
gerando graves problemas de
Regional de Psicologia de São Paulo. Em
ajustamento; por outro lado, elevou a
1984, 454 escolas de 2o Grau do Estado de
demanda de ensino por toda parte, em
São Paulo tinham a disciplina Psicologia em
si mesmo, vindo a sentir delicadas
seu currículo; em 1985, 445; em 1986, 603;
questões de organização e
e em 1987, 593. Em 1990 foi elaborada pela
administração. Os remédios da
Secretaria de Estado da Educação de São
Psicologia passaram a ser reclamados,
Paulo, por meio da Coordenadoria de
com maior ou menor propriedade, ou
Estudos e Normas Pedagógicas (CENP),
mesmo sem ela (Lourenço Filho,
uma “Proposta curricular de Psicologia para
1969/2004, p.109).
o ensino de 2o Grau”, que obteve uma
Alguns dos primeiros laboratórios de segunda edição em 1992 (Secretaria de
psicologia do Brasil já surgem dentro de Educação do Estado de São Paulo, 1992).
escolas; os demais, em instituições médicas. Com a LDB de 1996, Lei 9.394,
Os primeiros ensinantes da disciplina eram disciplinas como Psicologia, Sociologia e
advogados, mas foram superados em Filosofia deixaram de fazer parte dos
número por médicos e pedagogos (Cabral, currículos, tendo seus conteúdos trabalhados
1950/2004). Além do autodidatismo e do como temas transversais. Em 2006, Filosofia
Reflexões sobre a formação 35

e Sociologia se tornaram disciplinas apoiado por cerca de vinte instituições da


obrigatórias nos currículos do Ensino área, que retomam a Psicologia no Ensino
Médio. A Psicologia, não. Discussões em Médio como tema de militância, solicitando
Conselhos e Sindicatos aparecem e dos psicólogos a assinatura eletrônica e o
desaparecem, um número reduzido de apoio à luta.
psicólogos se empenham por uma A formação de professores de
articulação que retome a Psicologia como psicologia assume o risco de lançar no
disciplina do Ensino Médio. Por quê? mercado profissionais desinteressados pela
Segundo Mrech: profissão de professor, mas que a exerceriam
apenas por ser uma fonte de renda
Como diz o provérbio: Casa de
disponível, o que já acontece com
Ferreiro, Espeto de Pau. Os
professores em geral. Nestas condições, é
psicólogos apresentam um olhar
prudente perguntar: como estão se
crítico frente ao social, mas acabam
preparando os educadores e o que os
apresentando um olhar terrivelmente
psicólogos poderiam aprender com eles?
ideologizado em relação ao seu
Segundo Pimenta (2002), a partir dos
próprio processo como agentes
anos noventa, compondo um movimento de
formadores. Eles acreditam ter um a
valorização da formação e da
mais que os educadores não têm. E
profissionalização de professores, surgiram,
por este “a mais” eles teriam acesso a
em diferentes países e influenciaram
todas as respostas que os educadores
discursos de pesquisadores e políticos, as
não têm (Mrech, 2000, p. 13)
noções de “professor reflexivo” e “professor
São poucos os psicólogos que chegam a pesquisador”. Tais noções tiveram como
pensar em sua atuação como professores no principal formulador o estadunidense
Ensino Médio e outros tantos que até Donald Schön.
pensam em atuar como professores no Schön estava preocupado com a
Ensino Superior. A opção pela licenciatura é formação dos profissionais de uma forma
reduzida nos cursos que ainda a oferecem. geral, não apenas com os professores. As
Professores de psicologia, os formadores de ciências estavam (e estão) em crise, o que
psicólogos, não acreditam que seja tornou o ensino universitário algo
defensável a obrigatoriedade da psicologia anacrônico, desvinculado do mundo do
na formação do cidadão ou do trabalhador. trabalho, sem respostas práticas (Schön,
O fenômeno é complexo e carente de 2000). Encontrou nas escolas de música, na
estudos. A única hipótese que podemos supervisão psicanalítica e nos ateliês de
sustentar, reunindo as poucas informações arquitetura um bom modelo para a formação
disponíveis, é a de que a história da de profissionais. Nestes exemplos, a
psicologia no Brasil transformou seus profissão é aprendida desde o começo por
profissionais em pessoas que pensam em meio da prática. É na prática que se aprende
termos de aplicabilidade de sua ciência. Os os termos técnicos, que os obstáculos
psicólogos de posicionamento crítico surgem e podem ser superados.
afastam-se tanto da prática tradicional, que Mas não é tão simples. O conhecimento
não consideram a psicologia salutar para o prático, o conhecimento “na ação”, constitui
cidadão, talvez até a considerem prejudicial um conhecimento tácito, que deve ser
por ser adaptativa e comprometida com a reconhecido nos momentos de
manutenção do status quo. Não deixam de problematização e análise da prática
ter razão. Mas o aumento do número de profissional. Este conhecimento não pode
psicólogos no mercado, a busca por ser antecipado pela teoria, é uma questão
alternativas para a atuação e a vitória de prática. Mas este conhecimento é
sociólogos e filósofos no campo do ensino insuficiente, novos problemas surgem,
de suas disciplinas parece reavivar o ânimo situações inéditas que levam a uma
dos profissionais psicólogos em voltar a “reflexão na ação”. Desta reflexão surgirão
atuar no Ensino Médio. Reflexo disso é o as novas práticas, que irão se deparar com
manifesto “8 razões para aprender psicologia novas situações inusitadas. Este é um
no ensino médio”, publicado recentemente movimento contínuo. Schön (2000) ainda
no sítio do Conselho Federal de Psicologia e propõe a “reflexão sobre a reflexão na
36 Barros, C. C.

ação”, o que sugere uma contextualização, Stenhouse (1987) e Elliott (1993)


um diálogo, elaborações explicativas, teorias reivindicam esta concepção de práxis para a
sobre a prática profissional. educação. Ao propor a formação de
A aplicação dos conceitos de Schön à professores como pesquisadores,
educação, à formação de professores, dá subentende-se que formar profissionais da
origem ao conceito de professor-reflexivo, educação é algo mais específico que formar
aquele que reflete sobre sua ação, sobre os profissionais em geral. Afinal, a educação é
problemas que surgem em sala de aula e uma espécie de causa final, ou seja, ao ser
que pode pensar sobre a reflexão na ação por planejada tem como finalidade a questão
meio das teorias e das pesquisas moral e política, deve formar o homem e a
educacionais. sociedade não só do amanhã, mas do
Mas as idéias de Schön passaram a presente. E mais, um planejamento
receber críticas que ampliaram em muito curricular já possui uma intenção, uma
suas discussões: finalidade específica, uma concepção de
homem. Ao revés do tecnicismo, os
[...] diversos autores têm verdadeiros resultados práxicos não podem
apresentado preocupações quanto ao ser vistos de imediato. Para Stenhouse
desenvolvimento de um possível (1987, citado por Contreras, 1997, p. 88) “é
“praticismo” daí decorrente, para o a intenção de ver as possibilidades práticas e
qual bastaria a prática para a os problemas que origina a pretensão de
construção do saber docente; de um levar a cabo uma idéia educativa, o que se
possível “individualismo”, fruto de converte em motor da reflexão”. Sendo
uma reflexão em torno de si própria; assim, não são os problemas práticos da
de uma possível hegemonia profissão, mas as intenções educacionais que
autoritária, se se considera que a motivam a reflexão educativa.
perspectiva da reflexão é suficiente É Elliott quem destaca o fundamento
para a resolução dos problemas da aristotélico da noção de professor como
prática; além de um possível investigador. Este conceito deriva de um
modismo, com uma apropriação trecho em que Aristóteles disserta sobre a
indiscriminada e sem críticas, sem deliberação e a investigação:
compreensão das origens e dos
contextos que a gerou, o que pode Como o próprio Aristóteles disse,
levar à banalização da perspectiva da o que delibera “parece que investiga”,
reflexão (Pimenta, 2002, p. 22) para acrescentar mais adiante que
“nem toda investigação é
Esta crítica ao praticismo na formação deliberação... mas toda deliberação é
de professores remete à discussão sobre investigação”. Da mesma maneira, e
teoria e prática. Segundo Chauí: segundo o que já vimos, a prática
pedagógica, frente aos momentos que
Devemos a Aristóteles a
apresentam características de surpresa
distinção entre saber teorético e saber
e incerteza, demanda deliberação,
prático. O saber teorético é o
reflexão e investigação com objetivo
conhecimento de seres e fatos que
de julgar o melhor modo de proceder
existem e agem independentemente de
no caso, e isto sempre em relação aos
nós e sem nossa intervenção ou
significados que devem adquirir os
interferência. Temos conhecimento
valores educativos pretendidos nas
teorético da Natureza. O saber prático
circunstâncias particulares (Elliott,
é o conhecimento daquilo que só
1993, citado por Contreras, 1997, p.
existe como conseqüência de nossa
92)
ação e, portanto, depende de nós. A
ética é um saber prático. O saber Outras críticas foram desenvolvidas
prático, por seu turno, distingue-se de sobre a argumentação de Stenhouse e Elliott
acordo com a prática, considerada no campo da formação de professores, mas
como práxis ou como técnica. A ética nos limitaremos ao ponto em que chegaram,
refere-se à práxis (Chauí, 1999, p. remetendo o leitor que queira se aprofundar
341) às obras dos autores mencionados até aqui
Reflexões sobre a formação 37

(Pimenta, 2002; Contreras, 1997). Interessa- suas leis não constituem mais
nos, a partir de agora, considerar alguns explicação suficiente por si sós. Não
destes argumentos para refletir sobre a seria possível, a não ser graças à
formação do professor de psicologia. psicologia – através da qual se
A ausência do professor de psicologia interiorizam sem cessar as coações
na educação básica impede a “reflexão na objetivas – compreender nem que os
ação” ou a “reflexão sobre a reflexão na homens aceitem passivamente uma
ação”. Para a formação do professor de irracionalidade sempre destrutiva,
psicologia as idéias iniciais de Schön soam nem que se alistem em movimentos
bastante avançadas. Mas, se levarmos a sério cuja contradição com seus interesses
a hipótese de que a atitude do psicólogo não é difícil de perceber (Adorno,
frente à educação ou é de desinteresse crítico 1969/1995, p. 218).
ou de interesse corporativo, torna-se A psicologia, entendendo o termo como
relevante buscar elementos teóricos que a configuração interna individual ou como a
relacionem a psicologia à práxis educativa. ciência psicológica, não alcança o que é
Um primeiro cuidado a ser tomado é o decisivo no esforço para a saída da barbárie.
de não reduzir a práxis à educação formal ou E neste caso apresenta-se a racionalidade do
ao ensino institucionalizado. Por isso, antes desprezo por uma educação psicológica.
de pensar em uma relação entre psicologia e Mas não pensar psicologicamente, reforçar a
ensino escolar, comecemos nosso ascese contra a psicologia, tem algo de
encadeamento lógico por uma expressão insustentabilidade, com a polissemia que
mais geral da relação entre práxis e este termo pode oferecer. Só a psicologia
psicologia. fornece elementos para a compreensão da
Ao comentar a prevenção do socialismo irracionalidade destrutiva e da aceitação
contra a iminente recaída na barbárie, passiva dos homens diante dela, ou do
fazendo alusão à conhecida fórmula ativismo destes em função de interesses
“socialismo ou barbárie”, Adorno contrários aos seus. A compreensão da
(1969/1995) escreveu o seguinte: “A recaída interiorização da barbárie – elemento para
já se produziu. Esperá-la para o futuro, sua reprodução e, por outro lado,
depois de Auschwitz e Hiroshima, faz parte possibilidade de identificação de possíveis
do pobre consolo de que ainda é possível resistências contra a barbárie – não pode ser
esperar algo pior. [...] Uma práxis oportuna completa sem a psicologia, sem uma
seria unicamente a do esforço de sair da compreensão dos “fatores subjetivos da
barbárie” (Adorno, 1969/1995, p. 214). barbárie” (Barros, 2003) ou da “barbárie
Este esforço leva em conta a atividade interior” (Mattéi, 2002).
teórica, que neste caso não é apenas Se a psicologia é indispensável para a
contemplação da natureza como em práxis mais geral, seria ela também
Aristóteles, mas também contemplação da indispensável para uma escola que esteja
história. Ao contemplar a história e refletir contida nesta práxis?
sobre presente e futuro da humanidade, a
teoria é também práxis. Mas dado um Enquanto a sociedade gerar a
direcionamento para a práxis – a saída da barbárie a partir de si mesma, a escola
barbárie – qual o papel da psicologia nesta tem apenas condições mínimas de
discussão? resistir a isto. Mas se a barbárie, a
terrível sombra sobre a nossa
A teoria objetiva da sociedade, existência, é justamente o contrário da
como algo independizado em relação formação racional, então a
aos seres viventes, retém o primado desbarbarização das pessoas
sobre a psicologia, a qual não alcança individualmente é muito importante.
o que é decisivo. [...] Mas, a ascese A desbarbarização da humanidade é o
contra a psicologia tampouco é pressuposto imediato da
objetivamente sustentável. Desde que sobrevivência. Este deve ser o
a economia de mercado se encontra objetivo da escola, por mais restritos
desorganizada e está sendo remendada que sejam seu alcance e suas
de uma medida provisória a outra, possibilidades. E para isto ela precisa
38 Barros, C. C.

libertar-se dos tabus, sob cuja pressão é também fator indispensável em uma
se reproduz a barbárie. O “pathos” da sociedade cuja racionalidade tecnológica
escola hoje, a sua seriedade moral, administra e gere as vidas das pessoas em
está em que, no âmbito do existente, seus trabalhos, ou até mesmo no chamado
somente ela pode apontar para a tempo livre.
desbarbarização da humanidade, na
Na medida em que pôde se
medida em que se conscientiza disto
apoiar no fato de que na sociedade da
(Adorno, 1971/2000, p. 116).
troca o sujeito não é sujeito, e sim, de
Para uma educação apenas adaptativa, fato, objeto desta última, a psicologia
talvez a psicologia seja realmente pôde fornecer-lhe armas para torná-lo
dispensável. Mas se tomamos como meta mais do que nunca objeto e mantê-lo
uma educação contra a barbárie, a psicologia subordinado. A divisão do homem em
se torna necessária e cabe então questionar suas faculdades é uma projeção da
qual tipo de educação é desejável. Com divisão do trabalho sobre os seus
relação à barbárie como violência, que é pretensos sujeitos, inseparável do
gerada socialmente, mas se expressa interesse de utilizá-los com o maior
individualmente, a educação parece ser o ganho possível e, em geral, de poder
meio que, ainda que não transforme as manipulá-los (Adorno, 1951/1993, p.
condições objetivas, pode levar às pessoas 54)
elementos para refletirem sobre si mesmas e E como criticar a psicologia sem
sobre as violências que executam externa ou conhecê-la ou quando ela entra pelas portas
internamente. É preciso que a escola seja de dos fundos dos currículos escolares como
alguma forma adaptativa, para que o tema transversal?
indivíduo possa sobreviver, trabalhar. Mas O momento educacional atual é um
frente a esse papel adaptativo, propor a momento com potencial para uma educação
resistência contra a barbárie é essencial. Para outra, o discurso em prol de uma educação
que as pessoas tenham ferramentas para para todos possibilita uma reavaliação das
compreender os mecanismos internos de finalidades e dos meios educacionais. Uma
reprodução da barbárie, parece indicado que das forças para a inserção do pensamento
a psicologia faça parte do clima educacional psicológico é justamente a proposta de uma
de forma diferente de como ocorreu até hoje. educação para as diferenças, contra a
Como hoje em dia é discriminação e o preconceito. É um
extremamente limitada a possibilidade momento para se refletir sobre o porquê de
de mudar os pressupostos objetivos, tanta ciência natural na educação básica. Por
isto é, sociais e políticos que geram que vivemos num Estado de direito sem
tais acontecimentos, as tentativas de aprender noções básicas de direito? Por que
se contrapor à repetição de Auschwitz vivemos num mundo regido pela economia e
são impelidas necessariamente para o não aprendemos noções básicas de
lado subjetivo [...] Torna-se economia? Por que somos bombardeados
necessário o que a esse respeito uma pela mídia e pela produção cultural
vez denominei de inflexão em direção industrializada e não aprendemos a ver
ao sujeito. É preciso reconhecer os televisão, ouvir música, a contemplar uma
mecanismos que tornam as pessoas obra de arte? Por que a educação física não
capazes de cometer tais atos, é preciso trata realmente de discutir e ensinar sobre
revelar tais mecanismos a eles cuidados com o corpo e se degenera, na
próprios, procurando impedir que se maior parte dos casos, em competição
tornem novamente capazes de tais esportiva?
atos, na medida em que se desperta A formação de psicólogos e, por
uma consciência geral acerca desses conseqüência, a formação de professores de
mecanismos (Adorno, 1971/2000, p. psicologia deve levar em conta a reflexão e a
121). pesquisa sobre o papel da psicologia na
práxis educacional. É preciso que os
Mas dar espaço à psicologia não psicólogos encontrem sentido na ocupação
significa psicologizar. A crítica à psicologia de professor se desejam lutar por ela. Se a
Reflexões sobre a formação 39

psicologia tomar um posicionamento em Lourenço Filho, M. B. (2004). A psicologia


direção à saída da barbárie, contra os no Brasil nos últimos 25 anos. In M. A.
fenômenos de violência social, ela será M. Antunes (Org.) História da psicologia
indispensável a uma educação com os no Brasil: primeiros ensaios. Rio de
mesmos propósitos: “uma educação Janeiro: EdUERJ: Conselho Federal de
efetivamente procedente em direção à Psicologia. (Trabalho original publicado
emancipação frente a esses fenômenos não em 1969).
poderia ser separada dos questionamentos da
Mattéi, J-F. (2002). A barbárie interior:
psicologia profunda” (Adorno, 1971/2000,
ensaio sobre o i-mundo moderno (I. M.
p. 149).
Loureiro, Trad.). São Paulo: Editora
UNESP. (Trabalho original publicado em
Referências 1999).
Adorno, T. W. (1993). Minima moralia: Mrech, L. M. (2000). Casa de ferreiro,
reflexões a partir da vida danificada (L. espeto de pau: o campo da psicologia no
E. Bicca, Trad.). São Paulo: Ática. Ensino Médio. São Paulo: Universidade
(Trabalho original publicado em 1951). de São Paulo (mimeo).
Adorno, T.W. (1995). Palavras e sinais: Pimenta (2002). Professor reflexivo:
modelos críticos 2 (M. H. Ruschel, construindo uma crítica. In S. G. Pimenta
Trad.). Petrópolis: Vozes. (Trabalho & E. Ghedin (Org.) Professor reflexivo
original publicado em 1969). no Brasil: gênese e crítica de um
Adorno, T. W. (2000). Educação e conceito. (pp. 17-52). São Paulo: Cortez.
emancipação (W. L. Maar, Trad.). Rio de Secretaria de Educação do Estado de São
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original publicado em 1971). psicologia para o ensino de 2o. Grau.
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barbárie. Dissertação de Mestrado, reflexivo: um novo design para o ensino
Faculdade de Educação, Universidade de e aprendizagem (R. C. Costa, Trad.).
São Paulo, São Paulo. Porto Alegre: Artes Médicas.
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Chauí, M. (1999). Convite à filosofia. São


Paulo: Ática. Enviado em Dezembro/2007
Contreras, J. (1997). La autonomía del Revisado em Maio/2008
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Publicado em Junho/2009
Elliott, J. (1993). Reconstructing teacher
education. London: The Falmer Press.

Nota do autor:
Carlos César Barros – Doutorando do Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento
Humano do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.

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