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Temas em Psicologia

ISSN: 1413-389X
comissaoeditorial@sbponline.org.br
Sociedade Brasileira de Psicologia
Brasil

da Silva Leite, Sérgio Antônio


Psicologia no Ensino Médio: desafios e perspectivas
Temas em Psicologia, vol. 15, núm. 1, junio, 2007, pp. 11-21
Sociedade Brasileira de Psicologia
Ribeirão Preto, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=513751430003

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ISSN 1413-389X Temas em Psicologia - 2007, Vol. 15, no 1, 11 – 21

Psicologia no Ensino Médio: desafios e perspectivas


Sérgio Antônio da Silva Leite
Universidade Estadual de Campinas

Resumo
O presente texto tem como objetivo discutir a questão do ensino de Psicologia no ensino médio,
analisando aspectos do seu histórico e apontando alguns desafios. Parte-se do pressuposto que a
Psicologia, enquanto ciência e profissão, tem uma importante contribuição para o processo
educacional dos jovens, tendo em vista a sua formação como cidadãos críticos e participantes.
Palavras-chave: Ensino de Psicologia, Ensino Médio, Educação e Cidadania.

Psychology in high school: Challenges and perspectives

Abstract
This paper aims to discuss the Psychology teaching matter in high school, analyzing aspects of
its historical process and some current challenges. It is assumed that Psychology – as both
scientific and professional area – has an important role in the youth educational process,
keeping in mind their constitution as critical citizens.
Keywords: Psychology Teaching, High School, Education and Citizenship.

A questão da inserção da disciplina categorias e respectivas entidades, pelo


Psicologia no ensino médio, presentemente, retorno das disciplinas da área de Humanas
voltou a ser discutida. A ABEP (Associação ao ensino de segundo grau. No Estado de
Brasileira de Ensino da Psicologia), bem São Paulo, este movimento de organização
como o Sindicato dos Psicólogos no Estado coletiva da categoria, do qual o autor
de São Paulo e o Sistema Conselhos Federal participou ativamente, demonstrou aspectos
e Regionais de Psicologia, incluíram a muito relevantes e historicamente
questão em suas agendas e organizam-se importantes: daí a necessidade de
visando à inserção da disciplina nas escolas retomarmos o histórico deste processo, não
brasileiras de ensino médio. com uma postura saudosista, mas com um
Se, por um lado, é inegável a olhar crítico, pois, embora estejamos
importância deste processo, uma vez que a vivendo um outro momento, entendemos
Psicologia pode desempenhar um papel que algumas questões desafiadoras
educacional fundamental no ensino médio, permanecem merecendo serem retomadas
por outro, exige que os profissionais da área nesta nova etapa de discussão.
retomem a discussão da questão de fundo Como ponto de partida, assumimos que
neste quadro. Qual seja, as reais a Psicologia, enquanto área de produção de
possibilidades para o exercício da docência conhecimento científico e também como
em Psicologia, numa perspectiva área de exercício profissional, tem uma
socialmente relevante, justificando o esforço contribuição fundamental para o
organizativo em torno do tema. desenvolvimento educacional dos jovens do
Deve-se ressaltar que a questão não é ensino médio. Tal contribuição relaciona-se
nova. Nas agendas das entidades de com o processo de constituição destes
representação da categoria, em São Paulo, o jovens como cidadãos críticos e
assunto surgiu com muita força e interesse participantes, auxiliando-os na superação do
nos anos 80, período em que ocorreu uma processo de alienação, muito presente em
importante articulação, envolvendo várias uma sociedade injusta como a nossa.

Endereço para correspondência: Sérgio Antônio da Silva Leite. Faculdade de Educação– Universidade
Estadual de Campinas. Rua Cayowáa, 1553, Apto 10. Sumaré, São Paulo (SP). CEP: 01258-011. Fone:
(11) 3673-0759. Email: sasleite@uol.com.br.
12 Leite, S. A. S.

Os anos 80 disciplinas da área das Ciências Humanas


foi uma das medidas que a política pós-64
O movimento a favor do retorno das conseguiu impor. Possivelmente, isto se
disciplinas da área das Ciências Humanas – explica porque a política implantada pelo
Psicologia, Filosofia e Sociologia – no sistema militar também visava à transmissão
ensino de 2o grau, ocorrido nesse período, da ideologia liberal, que dava sustentação ao
coincidiu e relacionou-se com a luta pela regime, da mesma forma que visava também
redemocratização do país, que envolveu ao controle político-ideológico dos jovens
todas as entidades e associações estudantes, o que era incompatível com a
progressistas da sociedade civil brasileira. inclusão curricular de disciplinas que tinham
Obviamente, incluiu, também, as entidades como objetivo o desenvolvimento do senso
de representação dos psicólogos no Estado crítico nos alunos.
de São Paulo. No final dos anos 70, mais A estratégia assumida pelo grupo de
precisamente em 1979, articulou-se um oposição da Psicologia, depois que assumiu
movimento de oposição da Psicologia, que, as entidades de representação da categoria,
no ano seguinte, venceu as eleições no foi criar a Comissão de Ensino 1 , que deveria
Sindicato dos Psicólogos no Estado de S. cuidar das questões relacionadas à disciplina
Paulo e, posteriormente, as do Conselho Psicologia, no ensino de 2o grau, bem como
Regional de Psicologia de S. Paulo. Um dos propor às entidades uma política na área
pontos da plataforma deste movimento visando ao seu retorno à grade curricular.
incluía a luta pela democratização da Esta comissão, por sua vez, assumiu uma
Educação e, especificamente, pelo retorno política de aproximação com os demais
da disciplina Psicologia no, então, ensino de representantes das outras disciplinas da área
segundo grau. das Ciências Humanas, no caso,
Isto porque a política educacional pós- representantes dos professores de Filosofia e
64, praticamente, excluiu as chamadas de Sociologia através da ASESP –
disciplinas da área das Ciências Humanas do Associação dos Sociólogos do Estado de S.
currículo das escolas brasileiras de 2o grau. Paulo. Na realidade, este grupo de trabalho –
Como nos ensina Freitag (1977), “A política conhecido como GT de Humanas, formado
educacional, ela mesma expressão da por representantes das três disciplinas, teve
reordenação das formas de controle social e um papel crucial na interlocução com os
político, usará o sistema educacional representantes da Secretaria Estadual de
reestruturado para assegurar este controle” Educação – o que possibilitou enfocar,
(p. 69). O que significa que toda a política continuamente a questão da área das
educacional passou a ser direcionada para Ciências Humanas no seu conjunto.
atender os interesses econômicos, exigindo Entretanto, cada grupo de
amplas reformas educacionais. A Lei 5692 representantes desenvolveu sua política
de 1971, sobre a Reforma do Ensino de 1o e específica junto à respectiva categoria, a
2o graus, previa a ampliação deste último qual era discutida nas reuniões do GT. No
nível com uma forte ênfase na caso da Psicologia, assumiram-se as
profissionalização, visando ao fornecimento seguintes metas para a Comissão de Ensino:
de mão de obra semi-qualificada (formação a) avaliar a situação do ensino da
de técnicos para atender o crescimento disciplina de Psicologia: quantas escolas
industrial), ao mesmo tempo em que previa ainda ministravam (apesar da política
diminuir a forte pressão da classe média, que educacional vigente ter desestimulado),
aspirava ao acesso à universidade para os quem eram esses professores, como eram os
seus filhos.
1
Apesar desta política não ter tido o A Comissão de Ensino era formada, desde sua
êxito esperado, na medida em que o Estado constituição, pelos psicólogos Yvone G. Khouri,
Carlos Rodrigues Ladeia e Sérgio Antônio da
não investiu nas condições de
Silva Leite, representantes do Sindicado e do
profissionalização das escolas de 2o grau e CRP e, a partir de 1984, pela psicóloga Regina
pelo fato de a universidade continuar sendo Aparecida Loureiro Caroni, que atuava na CENP
vista como o principal canal de ascensão - Coordenadoria de Ensino e Normas
para todos os setores da população, em Pedagógicas, e que representava a Secretaria
especial a classe média, a retirada das Estadual da Educação.
Psicologia no Ensino Médio 13

programas desenvolvidos, que temas eram maioria dos programas podia ser
tratados e qual a bibliografia utilizada; considerada como uma proposta de ensino
b) elaborar uma proposta de programa burocratizada, fato verificado pela
para a disciplina que representasse um bibliografia utilizada pela maioria dos
avanço em relação às tradicionais, e que professores em sala de aula.
fosse fruto da reflexão dos profissionais Tendo informações que a Secretaria de
envolvidos e interessados; Educação realizaria um concurso de ingresso
c) divulgar a proposta junto à categoria para professores, incluindo as disciplinas da
e acompanhar criticamente o seu área das Ciências Humanas – o que de fato
desenvolvimento na rede. aconteceu em 1986 –, a Comissão de Ensino
Uma das primeiras iniciativas da planejou e desenvolveu um curso para
Comissão de Ensino, ainda em 1980, foi psicólogos, no segundo semestre de 1985,
convocar, através do jornal das entidades, os denominado “Psicólogo – Docente no
psicólogos envolvidos e interessados no Ensino de 2o Grau”, no anfiteatro da CENP,
ensino de Psicologia no 2o grau, para uma na cidade de São Paulo. Este curso, que se
reunião na sede do Sindicato. Tal chamada desenvolveu através de 10 encontros
causou, na época, um grande semanais, durante mais de dois meses, teve a
desapontamento junto aos membros da participação de cerca de 250 psicólogos
comissão, dado que compareceram não mais interessados.
que 10 profissionais. Deve-se lembrar que, Os conteúdos desenvolvidos no curso
no primeiro lustro dos anos 80, a categoria abordaram 11 grandes temas, escolhidos
tinha em torno de 12.500 psicólogos no pela Comissão de Ensino, ouvidos os
Estado de S. Paulo, segundo pesquisa colegas das entidades de representação da
realizada pelo DIEESE – Departamento categoria. Para cada tema foi convidado um
Intersindical de Estatística e Estudos Sócio- profissional, de reconhecido envolvimento
Econômicos (Sindicato/CRP, 1984). Ainda com a questão e com uma posição também
segundo esta pesquisa, a categoria reconhecidamente não conservadora. Foi-
praticamente desconhecia as possibilidades lhe, então, solicitado que apresentasse um
de docência no ensino 2o grau 2 . seminário sobre o assunto durante o curso,
A aproximação com a CENP ocorreu além de elaborar um texto para possível
em 1984, através da inserção de uma publicação.
psicóloga, que lá atuava, na Comissão de Terminado este curso, e dada a
Ensino CRP/Sindicato. Tal decisão excelente qualidade dos textos produzidos, a
possibilitou um salto qualitativo no trabalho Comissão de Ensino propôs a organização
desenvolvido, pois representava uma do material em um livro, publicado em 1986
parceria direta com o órgão oficial da (CRP/Sindicato, 1986), que representou a
Secretaria de Educação do Estado, primeira grande proposta de conteúdos para
responsável pela normatização do ensino os profissionais que foram aprovados no
público na rede estadual. concurso – para os que já estavam na rede.
A primeira tarefa realizada pela De acordo com o texto de apresentação do
comissão ampliada foi avaliar o ensino de livro, assinado pela Comissão de Ensino
Psicologia que então existia nas escolas de CRP-Sindicato, o livro representou “uma
2o grau. Tal levantamento mostrou uma colaboração efetiva para os licenciados em
realidade parcialmente conhecida, mas Psicologia, para os próprios cursos de
surpreendente: somente metade dos Licenciatura e para todos os profissionais
professores que atuavam na disciplina tinha interessados pelo ensino da Psicologia” (p.
formação específica em Psicologia; a vi). Na seqüência, segue-se uma síntese
dessa primeira proposta de programa para a
2
disciplina Psicologia no ensino de 2o grau.
Segundo a pesquisa, a distribuição dos
psicólogos em termos de área de atividade
principal, no Estado de S. Paulo, em 1984, era a O programa proposto
seguinte: Clínica (57,5%), Organizacional
(21,2%), Escolar (11,9%), Ensino de Psicologia - Para o planejamento do referido curso,
Universidade (6,9%), Pesquisa (1,3%) e que gerou a primeira proposta de programa
Comunitária Social (1,1%). de ensino para disciplina de Psicologia, a
14 Leite, S. A. S.

Comissão de Ensino propôs a seguinte tanto na instância interna, quanto com outros
questão, como ponto de partida para a profissionais externos à comissão – no
discussão: quais a contribuições que a sentido de identificar os conteúdos
Psicologia, enquanto área de conhecimento e específicos produzidos pelo conhecimento
de atuação profissional, tem para oferecer psicológico que pudessem ser recortados e
aos jovens do ensino de 2o grau? Ou, selecionados para serem desenvolvidos.
colocado de outra forma: que experiências e Nesse período, uma decisão importante
conhecimentos acumulados a Psicologia tem assumida pela comissão foi que o recorte
a oferecer ao cidadão (que não vai ser deveria ser por temas e não por correntes
psicólogo) que vive numa sociedade como a teóricas. Isto porque, a avaliação realizada
nossa, para que possa ter uma inserção pela Comissão de Ensino sobre o trabalho
social crítica e transformadora? dos docentes remanescentes na rede, que
Obviamente, os membros da comissão, ministravam a disciplina Psicologia no 2o
ao elaborar estas questões iniciais, grau, indicava que os cursos desenvolvidos
assumiam, como pressuposto, que a em torno das teorias psicológicas conhecidas
Psicologia tinha acumulado conhecimentos e mostravam-se como propostas
experiências considerados relevantes para a burocratizadas, dificultando a contribuição
constituição dos cidadãos e sua inserção da área para a análise das condições de vida
social numa perspectiva de transformação. dos jovens. Eram cursos que reproduziam
Apesar de a área ter sofrido muitas críticas disciplinas teóricas da Graduação, onde se
de vários setores e dos próprios psicólogos ensinavam as escolas psicológicas.
comprometidos com a construção de uma Ao optar por uma organização por
sociedade mais justa. Na intersecção temas, a comissão acreditava na
Psicologia/Educação, por exemplo, podemos possibilidade de abordar assuntos que, de
citar os trabalhos de Patto (1981, 1984) um lado, possibilitassem uma relação com as
denunciando e analisando criticamente o condições de vida dos jovens e, por outro,
conhecimento e as práticas tradicionais dos permitissem uma análise teórica, a partir das
psicólogos escolares, que pouco contribuições das várias correntes
colaboravam com a democratização do psicológicas existentes.
sistema escolar brasileiro, marcado por um
histórico processo de fracasso escolar, A partir daí, o próximo passo foi a
principalmente dos setores socialmente já seleção efetiva dos assuntos: definiram-se 11
excluídos. temas, que serão abaixo explicitados. A
Neste sentido, a resposta que a próxima etapa foi mais delicada: tratava-se
Comissão de Ensino assumiu em relação à de delinear, com um mínimo de clareza, que
questão norteadora acima apresentada é que aspetos julgávamos que deveriam ser
a Psicologia tinha acumulado práticas garantidos em cada tema, bem como
profissionais (mesmo que incipientes) e selecionar um profissional que pudesse
conhecimentos teóricos que, certamente, desenvolver cada tema no curso, elaborar
poderiam colaborar para que os jovens do um texto sobre o assunto, atendendo,
Ensino de 2o grau desenvolvessem uma obviamente, nossas expectativas.
postura crítica a partir das suas relações Embora, na época, os membros da
sociais vivenciadas em nossa cultura. comissão não haviam assumido critérios
Especificamente, o conhecimento rígidos, podemos afirmar que três condições
psicológico poderia ser organizado e balizaram as escolhas, tanto dos
estudado de forma a facilitar o processo de temas/conteúdos recortados, quanto dos
análise e de discussão dos fatores/condições, profissionais indicados:
mediatos ou imediatos, que, de alguma a) os conteúdos teórico-psicológicos
forma, interferem/relacionam-se com a vida abordados deveriam possibilitar uma crítica
dos jovens – envolvendo tanto seu aos modelos tradicionais, principalmente às
comportamento expresso, quanto suas concepções biologizantes e naturalizantes
dimensões subjetivas. dos fenômenos psicológicos. Isto porque
Com este referencial assumido e estes eram os modelos dominantes e
acordado, os membros da Comissão de utilizados de forma ideologizada pela
Ensino iniciaram um período de discussão, Psicologia tradicional, freqüentemente
Psicologia no Ensino Médio 15

assumidos como justificativas para a de 1985, os quais, posteriormente, foram


manutenção do status quo; publicados em forma de capítulos, no livro
b) os conteúdos deveriam permitir uma editado em 1986:
crítica à ideologia dominante, no caso a - Caracterização da Psicologia (tema
ideologia liberal, principalmente no que se introdutório): a Psicologia como ciência,
refere ao individualismo, como nos ensina desmistificando-se a idéia de “ciência que
Cunha (1977). A razão desta posição estuda a alma”; a diversidade teórica da
centrava-se na compreensão de que, Psicologia; as áreas de atuação do
consoante com a concepção liberal, a Psicólogo;
Psicologia foi tradicionalmente utilizada - Concepções de adolescência: a
para reproduzir e justificar a idéia de que a adolescência como parte do processo de
maioria das mazelas humanas é causada por desenvolvimento humano, desmistificando-
fatores situados dentro do próprio indivíduo, se a idéia de período problemático; a
excluindo-se destas análises as condições necessidade de se entender a adolescência a
sociais e institucionais, por exemplo. partir das relações sociais; as mudanças na
Pretendia-se, com esta indicação, realizar concepção de adolescência entre as
escolhas que possibilitassem, efetivamente, diferentes culturas e numa mesma
aos jovens superar as concepções alienadas e sociedade, entre diferentes classes sociais;
alienantes sobre as suas relações com o - Neutralidade científica: analisar, pelo
mundo; menos, duas concepções diferentes sobre o
c) os conteúdos deveriam ser abordados tema – ciência como atividade humana
respeitando-se a diversidade teórica da neutra x ciência como atividade sujeita a
Psicologia, ou seja, reconhecia-se que várias valores e concepções dominantes em uma
correntes teóricas têm contribuições sociedade; as relações entre produção do
relevantes, de acordo com as expectativas conhecimento científico e os interesses
acima colocadas, não devendo, pois, o dominantes, em uma sociedade de classes; a
desenvolvimento dos temas ficar dependente questão da tecnologia e a quem ela tem
apenas da opção teórica do professor. servido em nossa sociedade; necessidade de
Pretendia-se, explicitamente, evitar que produção científico-tecnológica em função
a disciplina Psicologia, no ensino de 2o grau: dos problemas que afetam a maioria da
a) assumisse um caráter burocratizado – na sociedade e não só de determinados setores;
medida em que pudesse trazer para a sala de - Comportamentos herdados x
aula um conhecimento irrelevante e pouco aprendidos: o que se sabe sobre
funcional para o processo de reflexão dos comportamentos humanos “transmitidos
jovens; b) fosse transformada em uma geneticamente”; analisar, pelo menos, duas
prática clínica ou pretensamente terapêutica, posições sobre o tema – as que enfatizam a
distanciando-se de sua função educacional; dimensão genética do Homem (“o homem já
c) reproduzisse modelos teóricos nasce feito”) e as que realçam o papel do
conservadores, como as concepções meio (“o homem se constitui na relação com
baseadas no modelo médico, tão comuns em a cultura”); caracterização do ser humano
nossa história recente. como o animal mais dependente das
Segue-se uma síntese dos temas 3 condições da aprendizagem na sua cultura;
propostos e desenvolvidos durante o curso as implicações que interpretam a
inteligência, a personalidade, a aptidão, etc.
como fatores essencialmente herdados
3
Os seguintes profissionais foram responsáveis geneticamente; a quem interessam essas
pelos temas: 1) Adolescência: Fermino crenças;
Fernandes Sisto; 2) Psicologia e - Conceitos da normal e anormal em
Comportamento: Joel Martins; 3) Neutralidade Psicologia: identificar, pelo menos, duas
da ciência: Joel Martins; 4) Genes a ambiente: posições sobre a questão – as patológicas,
Oswaldo Frota-Pessoa e César Ades; 5) Noção derivadas do modelo médico e as
de normal e anormal: Antônio Armindo Camillo; psicossociais, realçando o papel do grupo
6) Motivação: Emma Otta; 7) Alienação: Alberto
Abib Andery: 8) Psicologia e a Comunicação:
Fúlvia Rosemberg; 9) Emoção e Afetividade: Sérgio Antônio da Silva Leite; 11) Trabalho e
Solange Nogueira Buono; 10) Agressividade: Profissão: Silvio Duarte Bock.
16 Leite, S. A. S.

social e da cultura; a questão dos estigmas analisar, pelo menos, duas concepções sobre
sociais derivados do conceito tradicional de o tema – de um lado, a interpretação da
“anormalidade”; agressividade como parte da “natureza
- Motivação humana: o que determina o humana” e, de outro, a agressividade como
comportamento e as ações humanas; padrão de comportamento aprendido nas
caracterizar, pelo menos, duas concepções relações sociais vividas; os fatores
de motivação – de um lado, as que conhecidos como desencadeadores da
enfatizam, basicamente, os fatores agressão humana; a agressividade em uma
intrínsecos e, de outro, as que valorizam as sociedade como a nossa; fatores ou
fontes de motivação nas relações que o condições que podem inibir a agressão
indivíduo mantém com a sua sociedade; humana; o papel das formas de controle
analisar situações concretas de envolvimento punitivas como tentativa de diminuir a
dos jovens com aspectos ou questões de seu agressão;
ambiente e discuti-las à luz das concepções - Trabalho e Profissão: a questão da
teóricas sobre a motivação humana; análise escolha profissional; discutir, pelo menos,
crítica das concepções do senso comum duas concepções – de um lado, as que
sobre a questão e suas implicações sociais; enfatizam a vocação individual, de natureza
- Alienação: o que se entende pelo inata e, de outro, as que enfocam a escolha
conceito; analisar, pelo menos duas profissional determinada pelas condições de
concepções sobre alienação – como um vida; a função do trabalho em uma
fenômeno puramente individual ou como um sociedade capitalista como a nossa; as
fenômeno determinado pelas condições opções que os jovens têm para uma escolha
concretas de vida e pela própria ideologia profissional.
subjacente à sociedade capitalista; fatores Obviamente, tais temas e conteúdos não
determinantes da alienação humana em foram propostos com a intenção de se
nossa sociedade, com ênfase nos delimitar um programa fechado, da mesma
adolescentes; a questão da alienação no forma que não esgotam as questões que
trabalho; o papel da escola, da religião, da poderiam ser incluídas no trabalho dos
propaganda na determinação e manutenção professores de Psicologia, com seus alunos
da alienação humana; alternativas que os do 2o grau. Mas, sem dúvida, tal proposta
jovens podem ter para superação das pressupõe uma ênfase na questão do
condições alienantes; exercício da cidadania pelos jovens, numa
- Comunicação: o processo de perspectiva crítica e transformadora.
comunicação na família, no trabalho, na
escola e na comunidade; o papel dos meios
de comunicação de massa em nossa Os anos 90
sociedade; as razões pelas quais o Estado Durante os anos 90, observou-se um
tenta controlar os meios da comunicação nítido refluxo no processo de discussão
social; os efeitos dos meios de comunicação sobre as disciplinas da área das Ciências
de massa na população e, em especial, nos Humanas no ensino de 2o grau. Embora a
jovens; Comissão de Ensino CRP/Sindicato
- Emoção e afetividade: caracterizar houvesse assumido que um dos objetivos da
emoções e afetos; analisar, pelo menos duas política na área seria o acompanhamento da
posições sobre o tema – de um lado, como nova proposta de programa para a disciplina
processos puramente individuais na rede, tal meta não se concretizou. A idéia
determinados exclusivamente por fatores era a realização, em parceria com a CENP,
hereditários e, de outro, como processos de encontros periódicos com professores da
vividos nas relações sociais, dependentes disciplina Psicologia, no qual pudessem
das condições concretas de vida; a questão trocar experiências e aprimorar a referida
da afetividade nas relações que o jovem proposta, elaborada no curso ministrado em
mantém com o seu meio; a questão da 1985.
sexualidade na adolescência; afetividade e Inúmeros fatores podem ter contribuído
valores morais; para o esvaziamento desse processo de
- Agressividade: caracterização do discussão. Com relação à esfera oficial,
comportamento ou da ação agressiva; deve-se destacar que as mudanças no
Psicologia no Ensino Médio 17

governo estadual, com as conseqüentes concurso de ingresso de professores na rede


alterações dos responsáveis pelos órgãos de ensino público estadual, realizado no
centrais da Secretaria de Educação de S. final dos anos 80, que incluiu as disciplinas
Paulo, não garantiram a continuidade da da área das Ciências Humanas, obteve-se
política traçada com relação às disciplinas uma vitória da categoria organizada, a qual
da área das Ciências Humanas. Aliás, o se consolidaria naturalmente. No entanto,
problema na rede estadual envolveu todos os não se considerou, na época, que o concurso
componentes curriculares da rede: a partir seria uma condição necessária, mas não
dos anos 90, a CENP – como já visto, o suficiente para que a Psicologia se firmasse
órgão da Secretaria de Educação responsável como uma disciplina importante para a
pela normatização do ensino público formação dos jovens do ensino médio: isto
estadual – sofreu um processo brutal de só ocorreria através de um trabalho
enxugamento, perdendo gradualmente uma organizado e coletivo dos professores da
de suas características até então mantidas, disciplina, que possibilitasse a troca de
que era a produção e divulgação das experiências, a avaliação contínua da
propostas pedagógicas para todas as áreas, proposta e o aprimoramento dos próprios
em todos os níveis do ensino. Isto aponta, professores – ou seja, exigiria uma política
evidentemente, para a questão política, ou mais clara e propositiva por parte das
seja, as propostas de trabalho – em termos entidades. Como tanto a CENP quanto a
de políticas públicas – nas secretarias entidades de representação não assumiram
estaduais ou municipais só se concretizam tal tarefa, pode-se supor que os professores
na medida em que pessoas ou grupos que gradualmente foram se isolando nas escolas,
assumirem os órgãos centrais estiverem sem as condições mínimas de reflexão
comprometidos com as mesmas, além de se coletiva sobre suas práticas pedagógicas
garantirem, obviamente, as condições específicas.
mínimas de trabalho. No caso da CENP, Além disso, deve-se observar que, a
além do enxugamento, ocorreu alteração nas partir dos anos 90, a ação dos psicólogos na
funções do respectivo órgão, fruto da Educação sofreu um refluxo geral,
mudança na estrutura da secretaria. observado pelos dados de pesquisas
Deve-se destacar, também, que, na produzidos pelos Conselhos de Psicologia,
esfera federal, a nova Lei de Diretrizes e envolvendo os psicólogos escolares e os
Base da Educação Nacional – LDBEN –, de professores de Psicologia. Simultaneamente,
1996, foi omissa com relação às disciplinas no mesmo período, amplia-se o mercado na
da área das Ciências Humanas. Sendo que, área da Saúde, no qual os psicólogos
nesta década, o Ministério da Educação passam, gradualmente, a atuar nas diversas
assumiu gradualmente a tarefa de instâncias públicas. Não se está, com isto,
normatização do ensino público nacional, assumindo uma relação simples de causa e
através, por exemplo, dos Parâmetros efeito entre estas condições – aumento da
Curriculares Nacionais para todos os atuação na área da Saúde e diminuição na
componentes curriculares. Educação –, mas pode-se supor, que em um
Entretanto, se tais acontecimentos, nas quadro de múltipla determinação, tal relação
esferas oficiais, contribuíram para o deve ser considerada.
arrefecimento da discussão sobre as Sobre o assunto, já expressei algumas
disciplinas das Ciências Humanas na rede de considerações críticas (Leite, 1995): penso
escolas de ensino médio, deve-se também que o refluxo observado na área
notar que algo semelhante ocorreu com as educacional, por parte da categoria,
entidades representativas da categoria no certamente é um fenômeno
Estado de S. Paulo – a saber, o Sindicato dos multideterminado, mas tem como um dos
Psicólogos e o Conselho Regional de principais determinantes o fato de que os
Psicologia. Por razões que ainda precisam psicólogos, enquanto categoria, não
ser melhor analisadas, ocorreu um conseguiram atender as demandas
progressivo distanciamento destas entidades educacionais, principalmente relacionadas
com relação à questão da disciplina ao fracasso escolar nas redes de ensino. Isto,
Psicologia no ensino médio. A impressão provavelmente, porque não conseguiram
que se tem é que, com a realização do rever e superar seus modelos teóricos
18 Leite, S. A. S.

tradicionais – baseados no modelo médico – apontávamos que, nos anos 90, é importada
que sempre direcionaram o olhar dos da Inglaterra uma série de idéias que se
profissionais para as causa subjacentes dos opunham aos valores prevalecentes do pós-
problemas que os indivíduos apresentam. guerra (bem estar social, educacional, de
Este modelo, dominante na clínica saúde, mantido pelo Estado): concepções
psicológica, transposto para a educação, inspiradas nas idéias de Friedrich von
pouco contribuiu para a construção de uma Hayek, defendendo o Estado mínimo, a
escola democrática, na medida em que não descentralização, a descentração, a
prioriza os fatores ambientais – sociais, privatização, a desregulamentação e a
econômicos, educacionais, etc. –, sem economia global, enfim, este conjunto de
dúvida os grandes responsáveis pelo questões, nem sempre claras, mas de grande
fracasso dos alunos na escola. impacto, que ficaram conhecidas
Em síntese, a questão da disciplina ideologicamente como neoliberalismo.
Psicologia no ensino médio, a partir do final Moraes (2001) defende que este
dos anos 80 e durante os anos 90, deixou de conceito constitui-se como uma ideologia,
ser assumida e cuidada como deveria e uma forma de ver o mundo, uma corrente de
mereceria ser, seja por parte dos órgãos pensamento, centrada na valorização de
oficiais da Secretaria de Educação, seja por concepções como concorrência, mercado,
parte das entidades de representação da desemprego estrutural, que caracterizam a
categoria. Mas, em ambas as instâncias, por economia moderna, contra as quais seria
falta de uma clara opção política que inútil se contrapor. Tal corrente defende
priorizasse o fortalecimento das disciplinas arduamente a idéia de sociedade aberta,
das Ciências Humanas no ensino médio. sendo que a presença do Estado,
principalmente na esfera econômica, é
sempre entendida como uma ameaça à
Os desafios e as perspectivas liberdade do indivíduo e de competição,
atuais condições assumidas como responsáveis
Com a retomada da discussão sobre a diretas pelo progresso humano. Da mesma
inclusão da Psicologia no ensino médio, a forma, combate as ideologias nacionalistas,
questão a ser discutida nos parece óbvia: desenvolvimentistas e populistas, muito
como se coloca, hoje, o problema do ensino comuns nos países de terceiro mundo ou em
da disciplina Psicologia no nível médio? desenvolvimento. Ainda baseando-se em
Que desafios se apresentam? Será que o Moraes, o neoliberalismo defende uma forte
movimento ocorrido, durante os anos 80, ação do Estado contra os sindicatos e
com o tipo de reflexão desenvolvida, está instituições corporativas, priorizando uma
totalmente defasado para os dias atuais? política antiinflacionária monetarista e
Penso que, em sua essência, a questão reformas orientadas para a realidade do
continua a mesma e pode ser assim mercado.
resumida: qual é a contribuição que a Curiosamente, o neoliberalismo
Psicologia, enquanto ciência e profissão, tem considera que a Educação tem um papel
a oferecer para o processo educacional dos fundamental e determinante na formação das
jovens (que, na maioria, não serão condições de competição entre os países;
psicólogos), numa perspectiva de formação assume que a educação formal é um dos
de cidadãos críticos e transformadores? – a principais instrumentos para conter a
mesma pergunta que colocamos nos anos 80. pobreza, desde que seja direcionada para e
Ou seja, embora reconhecendo que as pela realidade do mercado.
condições sociais e econômicas mudaram Como conseqüência, nossa sociedade,
bastante nestas duas décadas, julgamos, no nesses tempos de neoliberalismo, já
entanto que o problema central que se apresenta os efeitos sensíveis de uma
coloca, em sua essência, é o mesmo. economia globalizada. Marcada: a) por um
Neste ponto parece necessário inacreditável, persistente e crescente
especificarmos um pouco mais as mudanças processo de concentração de renda; b) por
a que estamos nos referindo, frutos das um conseqüente aumento da situação de
transformações recentes em nossa sociedade. exclusão social e econômica da grande
Em outro trabalho (Leite, 2007) já maioria da população que já vivia numa
Psicologia no Ensino Médio 19

condição de pobreza; c) por um mercado de – o que, em nossa opinião, constitui-se como


trabalho geral reduzido, com exceção, uma visão empobrecedora e reducionista do
apenas, dos setores considerados nobres para ser humano, na medida em que desconsidera
o mercado; d) pela crescente falta de outras dimensões fundamentais para o
perspectivas para os jovens oriundos dos processo de humanização dos indivíduos.
setores mais pobres; e) pelo aumento Sem negar a importância do trabalho,
crescente da criminalidade, verificada, portanto, reconhecendo que a Educação tem
principalmente, nas faixas mais jovens da um papel importante na preparação dos
população. jovens para esta dimensão da vida,
Por outro lado, o desenvolvimento deste reconhecemos que o Homem também deve
modelo de economia globalizada só foi ser entendido como um ser estético, ético,
possível pelo aprimoramento e social, ecológico, lúdico, político, etc. –
fortalecimento de mecanismos de controle dimensões que não podem ser
ideológico (controle de consciências) no marginalizadas no processo de Educação.
qual se destaca o papel das mídias O desafio, portanto, que se coloca para
eletrônicas, em especial a televisão – hoje, a disciplina Psicologia, no ensino médio,
sem dúvida, o mais bem sucedido veículo de também está posto: trata-se de participar do
controle ideológico da população. A esforço de recuperação das dimensões
ideologia atualmente veiculada, na humanizantes e humanizadoras, que
realidade, é a mesma centenária ideologia sofreram um duro golpe no período pós-64,
liberal, base do sistema de produção e, atualmente, com a disseminação da visão
capitalista, exceto que apresenta alguns do neoliberalismo. Acreditamos que a
conteúdos adaptados para as novas formas Psicologia, como área de conhecimento
de produção e distribuição de riqueza: acumulado e de prática social
valorização do mercado, do consumo, da comprometida, tem contribuições relevantes
competição, da habilitação e capacitação dos para a constituição dos jovens como seres
cidadãos para as necessidades da produção; humanos críticos e transformadores.
porém, numa situação sócio-econômica onde Obviamente não estamos assumindo a
se torna muito mais difícil o processo de falaciosa argumentação de que tudo depende
ascensão de jovens oriundos de setores somente da Educação, como se esta área
marginalizados. pudesse, per se, promover o
Assim, chegamos ao desafio central que desenvolvimento da economia e o bem-estar
nos coloca: como desenvolver a disciplina dos indivíduos. Ao afirmar isto não estamos
Psicologia, no ensino médio, para jovens negando a importância de um sistema
que vivem/sobrevivem numa sociedade com educacional democrático para o país e seu
as características acima apresentadas? O que povo. Mas, reconhecemos que os
não é explicitado, na mídia, é que o mecanismos de desenvolvimento passam,
neoliberalismo tem se constituído como uma primariamente, pelas formas de produção e
ideologia de suporte para um modelo distribuição da riqueza, expressas nas
econômico de natureza excludente para dimensões econômicas e políticas dos países
grande parcela da população, sendo capitalistas.
crescente o aprofundamento do processo de Nesta perspectiva, se os professores de
concentração de renda em nossa sociedade. Psicologia pretendem se constituir como
Além disso, tal ideologia tem sido muito profissionais socialmente comprometidos,
questionada na medida em que reduz o além de constituir a disciplina de Psicologia
Homem a uma dimensão basicamente como relevante, no quadro do ensino médio
econômica, ou seja, uma concepção de brasileiro, devem assumir, organizadamente,
Homem como um ser que apenas produz e o desafio histórico que se coloca, qual seja, a
consome. Este nos parece o grande problema (re)construção do sistema educacional como
que se enfrenta atualmente na Educação: um espaço de formação da consciência
assumir que a principal tarefa é crítica e da cidadania transformadora. Tal
preparar/educar o cidadão para se inserir inserção não se dará de forma isolada, mas
com sucesso no mercado. Implica em em parceria com outros educadores de boa
assumir uma concepção de Homem como vontade, comprometidos com a escola
um ser que, basicamente, consome e produz democrática.
20 Leite, S. A. S.

Aliás, nunca foi tão necessário que o processo de conscientização poderá se


retomarmos as idéias de Paulo Freire, desenvolver, possibilitando que os alunos
certamente um dos mais importantes possam ir se constituindo numa perspectiva
educadores de nossa época: a Educação tem mais crítica e transformadora.
um papel fundamental no processo de Obviamente, este processo exigirá do
transformação da consciência ingênua em professor um esforço de aprofundamento e
consciência crítica, ou seja, no processo de ampliação do seu universo teórico, no
conscientização dos homens (Freire, 1980). sentido de identificar, dentre os
E para este empreendimento histórico, a conhecimentos psicológicos acumulados,
Psicologia, sem dúvida, pode ter um papel aqueles que melhor possibilitarão aos jovens
crucial. a ressignificação de suas práticas.
Por outro lado, é fundamental aos
Algumas considerações finais professores de Psicologia perceberem que
este empreendimento – a construção de uma
Para finalizar este trabalho, julgamos
proposta educacional emancipadora e
pertinente apresentar algumas reflexões que
geradora de consciência crítica – não é uma
temos produzido com vários educadores
tarefa a ser desenvolvida isoladamente.
comprometidos com a luta pela
Exige, nas situações concretas de trabalho, a
democratização da escola e com a retomada
criação de parcerias: numa posição otimista,
de valores humanizadores nos currículos
com todos os demais professores e
desenvolvidos.
educadores que atuam na escola; numa
Penso que os professores de Psicologia perspectiva realista, com aqueles
no ensino médio – e, também, em todas as companheiros de trabalho comprometidos
demais instâncias educacionais – enfrentam com estes ideais.
alguns desafios que exigirão novas
alternativas para o trabalho pedagógico a ser Isto coloca um outro desafio: os
desenvolvido com seus alunos. O primeiro professores de Psicologia devem se assumir,
relaciona-se ao fato de que não estão efetivamente, como professores, o que
formando psicólogos, mas cidadãos que implica um total envolvimento com a equipe
podem se beneficiar, em suas vidas, com o escolar e com os problemas que a escola
conhecimento acumulado por esta área. Isto apresenta. Pela sua formação, os professores
parece implicar no fato de que os programas de Psicologia, certamente, poderão
de ensino de Psicologia devem assumir, apresentar uma valiosa contribuição no
como estratégia, as condições concretas processo de construção e desenvolvimento
vivenciadas pelos alunos, no caso, os jovens do Projeto Político Pedagógico da escola, no
estudantes do ensino médio. De preferência, qual poderão se envolver com questões que
as condições sociais geradoras de conflitos extrapolarão os limites de suas salas de aula.
que os estudantes vivenciam em seu Finalmente, resta abordar, mesmo que
cotidiano – este poderá se constituir como o rapidamente, a questão do papel das
material básico, a partir do qual o professor entidades de representação da categoria – no
poderá auxiliar os alunos a ressignificar caso a ABEP, associação criada para
estas situações, à luz dos referenciais organizar a discussão sobre o ensino de
teóricos que deverão ser incorporados ao Psicologia em termos nacionais. Os erros
processo de discussão. Não se trata de uma cometidos na história recente, vivida pela
proposta pragmática, mas de uma estratégia categoria nos anos 80, com relação à
de apropriação do conhecimento psicológico disciplina Psicologia no ensino médio,
realizada de forma funcional, ou seja, apontam na direção de que não basta incluir
relacionada com a vida que os alunos vivem. a disciplina nos currículos das escolas. Pelo
Neste processo abrem-se as menos na fase inicial, a ABEP poderá criar
oportunidades de superação das concepções importantes espaços de discussão e de troca
alienadas e alienantes, relacionadas com a de informações e experiências entre os
realidade vivenciada e seus impactos na docentes da área, o que, certamente,
dimensão psicológica dos jovens. É pela representará uma contribuição valorosa para
análise destas situações, marcadas pelas o próprio processo de constituição dos
relações dialógicas entre alunos e professor, professores de Psicologia.
Psicologia no Ensino Médio 21

Referências Leite. S. A. S. (2007). A construção da


escola democrática: algumas reflexões
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Paulo e Sindicato dos Psicólogos no Souza (Org.). Orientação à queixa
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Paulo: Editora Moraes. Ideologia – Uma introdução crítica à
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Leite, S. A. S. (1995). Instituições escolares. Sindicato dos Psicólogos no Estado de São


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Comportamental e Cognitiva – pesquisa, de São Paulo (1986). O perfil do
prática, aplicações e problemas (pp. 245- psicólogo no Estado de São Paulo. São
255). Campinas: Editorial Psy. Paulo: Editora Cortez.

Enviado em Setembro/2007
Aceite em Abril/2008
Publicado em Junho/2009

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