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Jan-Abr 2000, Vol. 16 n. 1, pp. 071-079
leva essas idéias da psicologia alemã para os Estados Uni- 2 O conceito de Strukturiertheit com que trabalha Lewin, em sintonia com a
Psicologia da Gestalt, não é incompatível com a idéia de dinâ
mica. A importância concedida ao Princípio do Equilíbrio (todo siste
1 Endereço: Rua das Laranjeiras, 226/801, Laranjeiras. Rio de Janeiro, tos dinâmicos da estrutura psíquica (Lewin, 1935/1975).
RJ. CEP: 22240-001. E-mail: epassos@antares.com.br
ma tende ao equilíbrio) é correlata, neste autor, à definição dos aspec
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4 A noção de microorganização tem aqui sentido de pequeno, local, res
guardando nessa escala menor as propriedades de identidade,
o pesquisador está colhido em seu campo de pesquisa. Aí totalida de e unidade presentes nas macroestruturas.
é a questão da objetividade do pesquisador que é evolução das relações, conduzindo a uma maior sensibili
destacada como não mais podendo se colocar “fora” do zação e conscientização.
campo inves tigado. O campo incluía tanto o pesquisador O que podemos perceber é que Lewin, marcado certa
quanto o obje to pesquisado. mente pelo fato de ter se tornado cidadão norte-americano,
A concepção lewiniana, apoiada na perspectiva cientí partilhando dos ideais dessa “democracia capitalista” que
fico-fisicalista, ratifica a introdução da noção de campo no valorizava seus estudos em Psicologia Social, rompia com
terreno da Psicologia. Fica claro, entretanto, que ainda per os ditames conservadores que regiam as ciências sociais
manece a separação entre indivíduo e meio, entre grupo e da época (ao mostrar que o pesquisador era colhido em
meio ambiente, etc. Os termos se relacionam, há zonas de seu campo de investigação), mas ainda permanecia numa
interferência entre ambos, mas eles se mantêm enquanto visão dicotomizante no que se refere à relação
unidades. A quebra maior destas fronteiras talvez tenha se teoria-prática e à relação sujeito-objeto.
situado no projeto da pesquisa-ação, quando propunha a
reunião da teoria e da ação. Aproximemo-nos um pouco Da pesquisa-ação à pesquisa-intervenção.
mais e acompanhemos o movimento do referido projeto.
A corrente positivista em voga, que acreditava ser pos A partir dos anos 60, com a influência tanto da Psicaná
sível o pesquisador se manter “fora do campo de investiga lise – que valorizava os aspectos inconscientes e a escuta
ção”, pregava um entrevistador neutro e independente em analítica – quanto dos movimentos políticos – que critica
relação às estruturas de poder da organização estudada, vam o centralismo partidário –, a perspectiva
um sociólogo ou psicólogo que deveria fazer tábula rasa conscientizadora da pesquisa-ação passou a ser
de suas experiências anteriores, de seus valores, opiniões contestada. O movimento po lítico da década de 60, com
ou pre conceitos. Ele deveria, em suma, colocar-se como sua característica descentraliza dora, tem no Maio de 68
um ob servador “exterior”. uma das expressões da multi plicidade de formas e focos
No projeto da pesquisa-ação (Thiollent, 1987; Barbier, de luta sócio-política. A Grande Recusa, no dizer de
1977/1985) a busca de dados inclui testemunhos, associa Marcuse (1955/1968), apontava para uma crítica
entrevistas, questionários, análises de conteúdo e restitui disseminada e multifocalizada das formas estabele
ção das informações aos pesquisados. O pesquisador se vê cidas/instituídas de existência. Era o status quo, em suas
como incluído no campo que investiga e sua ação mais variadas versões, que era colocado em cheque,
modifica o objeto estudado. Visa, muitas vezes, à tomada inclusive aque le tão bem estabelecido pelo Partido
de consci ência, e os disfuncionamentos são vistos como Comunista.
efeitos de erros (de juízo, de estratégias), efeitos de crises A articulação entre a Psicanálise e os movimentos
(ação de agentes patógenos) e de descomposturas políti cos de esquerda foi um dos resultados, a princípio
(deterioração de elementos). A ordem é racional e natural, surpreen dente, dos acontecimentos que marcaram o
e a desordem, patológica. movimento contracultural dos anos 60. Tomando a
Uma perspectiva socioterapêutica3 desenvolve-se a par situação exemplar de Maio de 68 na França, podemos
tir das contribuições de Lewin, voltada para as organiza avaliar como a indisposição inicial da esquerda frente ao
ções. Buscava examinar as formas de resistência à mudan freudismo foi se alterando até alcançar tanto uma
ça, estabelecendo relações entre o formal (nível estrutural) reconciliação, ou um novo freudo-mar xismo, de base
e o informal (nível conjuntural). O questionamento se estruturalista, quanto o aparecimento de ou tros híbridos
fazia sobre uma análise microorganizacional4 que que atravessavam os domínios da clínica e da política
objetivava a otimização do funcionamento social. Em (Turkle, 1981). Em 1963, L. Althusser convida J. Lacan a
ambas as pers pectivas – lewiniana e socioterapêutica – levar seu seminário para a Escola Normal, onde a filosofia
verifica-se o ca ráter utilitário com que a pesquisa-ação é marxista se agencia com a Psicanálise graças ao
usada. O pesqui sador se via como “agente de mudança” e denominador comum do estruturalismo. E se os “comitês
o privilégio de sua ação era o amadurecimento dos de ação”, que tomaram para si a tarefa de ser a forma
indivíduos através da embrioná ria da “nova sociedade revolucionária”,
pichavam slogans antipsicanalíticos e antiestruturalistas
3 G. Lapassade (1974/1977), ao falar do nível de intervenção numa or na Paris de 68, ao fi nal do movimento se aceitava que
ganização social, apresenta algumas experiências voltadas para a “fa cabia buscar explicação sobre o fracasso da revolução nas
cilitação de certas mudanças das relações” estabelecidas no campo produções inconscientes da subjetividade. A força
do trabalho. Iniciada com Lewin em 1943, quando este atua nos iconoclastra de Lacan (1966/1978), a partir dos anos 50,
conflitos sociais, logo outras intervenções se sucedem, ora utilizando
certos ins trumentos de abordagem, ora alterando etapas e
sobretudo seu antiamericanismo (na forma de seus ataques
procedimentos de ação. É neste sentido que Lapassade chega a à Psicologia do Ego) e seu antiinsti tucionalismo (na
nomear de Socioterapia aque las intervenções em que o forma de suas lutas com as sociedades psi canalíticas)
psicossociólogo consultor é chamado para facilitar mudanças “um permitiram que o determinismo da concepção
pouco como o psicanalista e, de maneira geral, o psicoterapeuta
estruturalista de inconsciente fosse progressivamente
[que] são especialistas em mudança” (p. 91).
tolera do, apesar de sua impossível conciliação com revolução? Re petia-se a mesma indagação que na década
noções tão defendidas naquele momento político, como as de 20 motivou as reflexões dos marxistas da escola
de liberdade e autonomia. Mas se as condições objetivas e frankfurtiana, perplexos
materiais esta vam garantidas, como explicar o fracasso da
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dos especialismos.
lar que entra em jogo, através, especialmente, da análise Esta flexibilização se realiza através de diferentes pro
das implicações. Não há mais aqui sujeito e objeto, mas cedimentos: o movimento de disciplinas que se somam na
proces sos de subjetivação e de objetivação, criação de tarefa de dar conta de um objeto que, pela sua natureza
planos que ao mesmo tempo criam sujeitos/objetos, que se multifacetada, exigiria diferentes olhares (multidisciplina
revezam. ridade), ou, de outra forma, o movimento de criação de
Na pesquisa-intervenção, conforme a entendemos, é uma zona de interseção entre elas, para a qual um objeto
sua dimensão de produção que compromete, inicialmente,
a dicotomia sujeito-objeto. Nesta mesma direção, um 7 Lembremos da etimologia das palavras: teoria, derivando do grego
outro dualismo é abalado quando se afirma o caráter de theoria “ação de contemplar, examinar”; e técnica, derivando do gre
criação da intervenção, pois as noções de teoria e prática go techné “fazer”.
são ne cessariamente reequacionadas. Tradicionalmente, o específico seria designado (interdisciplinaridade). Mas o
momen to teórico do conhecimento refere-se à construção que vemos como efeito, seja da multidisciplinaridade, seja
lógica de um sistema de inteligibilidade para o objeto, e o da interdisciplinaridade, é a manutenção das fronteiras
mo mento técnico diz respeito à intervenção prática sobre disci plinares, dos objetos e, especialmente, dos sujeitos
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o objeto . Em se apostando no caráter sempre desses saberes.
intervencionista do conhecimento, em qualquer de seus Tomemos como exemplo o caso dos grupos, para avan
momentos todo co nhecer é um fazer. çarmos um pouco mais em nossa análise.
Fernández e De Brasi (1993) apontam, através da idéia
O conceito de transdisciplinaridade de campo grupal, para uma almejada superação da “velha
dicotomia sujeito-objeto”. Entretanto, mesmo nestes auto
Podemos, agora, retomar nossa afirmação inicial que res, a argumentação não chega à ruptura almejada da dico
concebia a clínica como um campo. Devemos, então, re tomia sujeito-objeto e da dualidade indivíduo-sociedade.
considerar esta afirmação contando com o reequaciona O que nos apontam Fernández e De Brasi? Dizem:
mento da relação sujeito-objeto e o redirecionamento da
relação teoria-prática. Tanto num quanto noutro aspecto o Campo [grupal] e não objeto [grupo]. Multiplicidade nas vi
sadas, nas intervenções e nos saberes. Entrecruzamentos nos
que se vê ruir é a idéia de identidade/unidade.
atos e discursos. Campo que resgata o diverso como aquilo
A noção de campo começa a experimentar um desloca que agrupa o descontínuo sem cultivar o homogêneo... Cam
mento de seu sentido habitual quando é apontado o engen po, então, que não é outro que o do camponês...Metáfora que
dramento dos termos que lhe balizariam os limites. Sujeito conecta, mais além de si mesma, ao ser humano com a natu
e objeto não são mais realidades previamente dadas, mas reza num clima social-histórico e discursivo particular e
se produzem por efeito das práticas. Estas, sejam teóricas irrepetível... ( Fernandéz & De Brasi, 1993, p. 15).
ou não, devem explicar as posições subjetivas e objetivas
Percebe-se que as formulações dos autores trazem uma
que tendem a se estabilizar como realidade. Nessa perspec
crítica ao dualismo sujeito-objeto quando se referem ao
tiva, já não se pode mais admitir sujeitos determinando for
campo como entrecruzamento de atos e discursos ou quan
mas de conhecer objetos, nem objetos com suas bem
do metaforizam, ligando-o ao campo do camponês (liga
marcadas linhas se dando a conhecer aos sujeitos.
ção natureza-cultura, embora ainda dualizada...). Entretan
Mas precisamos avançar mais em nossas formulações
to, o que propõem é uma articulação entre os termos, man
para que possamos radicalizar nossa afirmação inicial de
tendo-os, de todo modo, como unidades que guardam suas
que a clínica só pode ser concebida como transdisciplinar.
identidades. Aqui os termos continuam vindo antes da rela
Neste ponto temos que tomar em análise as disciplinas
ção que estabelecem. São condições a priori a partir das
que vêm marcando fronteiras muitas vezes rígidas na defi
quais o entrecruzamento se faz. O cuidado que temos que
nição de seus objetos de pesquisa e/ou interesse.
ter é o de não se substituir simplesmente a noção de
Em que pese o esforço observado nas últimas quatro
campo pela de objeto já que assim a oposição entre os
décadas de se flexibilizar tais fronteiras, o mais que se con
termos é mantida só que, desta vez, com um certo grau de
seguiu, no melhor dos casos, foi se estabelecer um diálogo
articulação.
entre profissionais mais identificados com tal ou qual dis
ciplina, remetidos, na maior parte das vezes, a determina Para nós, romper com as dicotomias sujeito-objeto, in
divíduo-sociedade, natureza-cultura implicaria a constitui
ção de planos onde, ao mesmo tempo, sujeitos-objetos dá? Pois se no movimento do institucionalismo, em suas
adviriam. Neste caso, o que vem primeiro é a relação, esta diferentes vertentes, como apresentamos até então, a
sim constituidora dos termos. A noção de campo, é claro, noção
pode ser assim entendida, desde que se tenha o cuidado de
não a tornar equivalente a um espaço de articulação entre
sujeitos, entre objetos ou entre sujeitos e objetos. Neste
caso, cairíamos na noção de intersubjetividade, seja de 8 Lewin (1936/1973) define assim sua noção de espaço vital: A
totalidade de fatos que determinam o comportamento de um
sistema de objetos ou de “espaço vital”8, mantendo a idéia
indivíduo num certo momento. O espaço vital (E) representa a
de sujei tos independentes em contato uns com os outros. totalidade de possíveis eventos. O espaço vital inclui a pessoa (P) e
Como ainda conservarmos a noção de campo quando o ambiente (A). C = f(E) = f(P, A). Pode-se ser representado por um
queremos apontar para o processo de produção que aí se espaço finitamente estruturado ( p. 242).
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nos estudos epistemológicos contemporâneos, que ganham
e do inconsciente. Sem deixar de forjar os seus próprios o impulso de uma geração de pesquisadores dedicados a
instrumentos com uma preocupação eminentemente utili pen sar a “invenção” dos procedimentos de verdade e
tária, as psicotécnicas se desenvolveram voltadas para ins objetivi dade das ciências naturais (Stengers, 1990; 1993;
tituições como a escola, a fábrica e o hospital geral. São, Latour, 1991/1994). O caráter inventivo ou construtivo
portanto, linhas evolutivas que tenderam a correr paralela que se atri bui agora às ciências atesta que se deve menos
mente. E, se é constrangedor este estado de dispersão, é buscar seu fundamento do que traçar o mapa de sua
porque se espera do campo uma identidade que reflita constituição, dan do conta dos diferentes “interesses” e
aquela de seu objeto. Vemos que o eixo de sustentação de componentes que participam da formação dos saberes.
um cam po epistemológico é, em última instância, a Com Stengers, pode mos então dizer que, no lugar de
relação estabe lecida entre sujeito e objeto do buscar o fundamento das ciências, devemos localizar sua
conhecimento. A especi ficidade desta relação é que fundação: “a fundação
distingue os campos, que defi ne as fronteiras
epistemológicas, que delimita as discipli nas (Passos,
1995). 11 A noção de plano de imanência formulada por Deleuze e Guattari per
mite uma boa apreensão desta dinâmica de produção de realidade a
Transdisciplinaridade e clínica que nos referimos. (Deleuze & Guattari, 1991; 1980/1997).
concerne ao solo e mostra como alguma coisa se estabele
Mas é exatamente a estabilidade desta relação que, ce sobre este solo, ocupa-o e o possui; mas o fundamento
contemporaneamente, criticamos. Podemos chamar esta vem antes do céu, vai do cume às fundações (...)”
atitude crítica de transdisciplinaridade, já que os limites (Stengers, 1993, p. 82).
entre as disciplinas é perturbado quando se coloca em A ciência possui uma fundação tal como qualquer
ques tão as identidades do sujeito que conhece e do objeto outra forma de conhecimento, não se distinguindo por uma
co nhecido. A noção de transdisciplinaridade subverte o pure za ou soberania que transcenda ao mundo sobre o
eixo de sustentação dos campos epistemológicos, graças qual ela produz os seus efeitos de verdade e de
ao efeito de desestabilização tanto da dicotomia objetividade. É nes te sentido que podemos dizer que o
sujeito/objeto quanto da unidade das disciplinas e dos conhecimento é uma forma de implicação e de
especialismos. interferência que é ativa na pro dução tanto do seu objeto
Identificamos, na atualidade, um “construtivismo radi quanto do sujeito de um determi nado saber ou
cal” (Watzlawick, 1981/1994) que não se limita a afirmar especialismo. Estes dois termos (sujeito/ob jeto) não
que o objeto do conhecimento é histórica e regionalmente explicam o processo cognitivo, mas devem antes ser
constituído. A afirmação da inexistência de uma garantia explicados por ele. O emergentismo de que falamos – este
ou fundamento último para o conhecimento dá a medida que afirma a situação paradoxal do ato cognitivo que
da radicalidade desta posição. Pois não só o objeto é engendra seus pólos subjetivo e objetivo – deriva das for
construído, mas o sujeito e o sistema teórico ou conceitual mulações da Biologia do Conhecimento ou Teoria da
com o qual ele se identifica, eles também, são efeito emer Autopoiese de Humberto Maturana e Francisco Varela, re
gente de um plano de constituição que não se pode dizer presentantes de uma fase recente das ciências cognitivas
ter a unidade e homogeneidade de uma disciplina ou do que trabalham com a noção de sistemas cognitivos
campo científico, já que é composto de materiais heteró operacio nalmente fechados e em rede. O impacto da
clitos, de diferentes gêneros. Há componentes teóricos e Teoria da Autopoiese nos estudos da cognição se deve
tecnológicos, mas também estéticos, éticos, econômicos, muito à sua recusa do modelo da representação. Para estes
políticos e afetivos que se atravessam neste plano, impulsi autores, co nhecer não é representar, como se supõe em
onando seu mecanismo de produção de realidade, seja ela uma perspecti va que toma a cognição como
objetiva ou subjetiva11. Esta idéia, podemos encontrá-la processamento da informa ção transferida do meio para o
organismo. Ao contrário, o organismo e, mais
especificamente, o sistema nervoso, é concebido como um (fundamento no sujeito cog noscente) ou no realismo
sistema em rede fechada. A noção de “clausura (fundamento no objeto do conhe cimento). Pois se o ato de
operacional” busca dar conta desse funcionamento de uma conhecer engendra os pólos de sua relação, devemos
rede que é espacialmente fechada (fechada informa aceitar que este ato é sem fundamen to ou, como prefere
cionalmente, não sendo um sistema input) , embora aberta Varela, uma “enação”13.
temporalmente, já que em constante modificação de sua No lugar de campo epistemológico pensamos então
estrutura ao longo de uma “ deriva natural”. (Maturana & em um plano de constituições ou de emergências a partir
Varela, 1980). do
Nesta perspectiva, a noção de rede se torna central já
que permite pensar uma mecânica de conexão de elemen
tos pré-individuais12 e sub-simbólicos que produz como 12 Em Simondon (1989) esta noção de processo de produção de
efei to emergente o mundo individuado: “todo ato de realidade é apresentada com o conceito de “individuação”. Segundo
conhecer produz um mundo (...) todo fazer é conhecer e esse autor, preocupado com a gênese dos indivíduos, individuação é
todo conhe cer é fazer” (Maturana & Varela, 1987/1995). a “resolução parcial e relativa que se manifesta em um sistema que
encerra potenciais e mantém uma certa incompatibilidade por
Conclui-se que, em se assumindo este construtivismo relação a si mesmo, incom patibilidade feita de forças de tensão
radical, já não podemos nos contentar com uma como também de impossibilidade de uma interação entre termos de
explicação do conheci mento assentada no idealismo dimensões extremas” (p. 12).
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perceptos presentes nas situações clínicas que não ganham
No lugar do indivíduo, individuações. No lugar do sujeito, a palavra e, em sendo assim, produzem alterações/movi
subjetivação. Como nos conceitos, não se trata de modo mentações nos territórios engessados dos sintomas. Tais
algum de reunir, unificar, mas de construir redes por resso signos, a-significantes, podem emergir na situação, com
nâncias, deixar nascer mil caminhos que nos levariam a pondo desenhos num território existencial inesperado, “de
muitos lugares. sequilibrado”, em estado de mutação. As histórias, neste
A clínica transdisciplinar se formaria como um sistema momento, parecem “perder o sentido a que habitualmente
aberto onde o analista14 não apenas criaria intercessores, estavam ligadas”. Emerge, na cena analítica, a diferença,
elementos de passagem de um território a outro, mas onde produzindo novos efeitos-subjetividade.
ele próprio seria um intercessor. Produzindo A intercessão, assim, pode se dar com qualquer elemen
agenciamentos, misturando vozes, as enunciações, agora to. É o caso, inclusive, do analista. Este pode estar como
sem sujeito, nas ceriam da polifonia dos regimes de signos intercessor quando entra no movimento de interferência
que se atraves sam. Por exemplo, uma sensação, um som, das diversas linhas que vêm ora da arte, ora da política,
um cheiro ex perimentado como ato no território que ora da
define o nível de intervenção, produz interferências,
ressonâncias, amplifi cações, mantendo o sistema em
aberto para o tempo. 14 O que nos interessa afirmar quando utilizamos o termo analista é justa
As histórias trazidas pelos pacientes não seriam mais mente a posição clínico-crítica de se colocar em análise os diferentes
apenas conectadas entre si ou com as introduzidas pelo vetores de existencialização que se apresentam na situação de inter
ana lista, mas também interfaceadas a outros sistemas, venção. A discussão entre as diferentes correntes clínicas, psicanalíti
cas ou não quanto ao caráter terapêutico e/ou (psi)analítico de suas
outros regimes de signos. Isto constituiria, muitas vezes, intervenções não é objeto de interesse deste trabalho. Para nós
descone xões das/nas histórias para deixar passar outros trata-se mais de acompanhar os efeitos problematizadores da
devires. A intercessão, aqui, se dá por atravessamentos intervenção clí nica e menos de classificá-los considerando a
desestabiliza dores, produzindo sistemas separados, distinção entre terapia e análise.
tornando-se difícil falar em homeostase ou tendência ao filosofia, ora de outro domínio qualquer que esteja em pro
equilíbrio. É impor tante que se faça esta ressalva, pois cesso de nomadização, transmutando-se em devir, sendo
não se trata do estabe lecimento de sistemas interacionais, minoritário, rompendo-se enquanto totalidade,
mas de diferenças que se introduzem em dimensões da abandonando seus sujeitos-objetos disciplinados em prol
subjetivação, complexi ficando a situação através da da criação.
pressão promovida pelos mo vimentos de Tomar, enfim, em análise, os funcionamentos e seus
desterritorialização. efeitos, experimentar ao invés de conjecturar, ocupar-se
Elkaim (1994/1996) utiliza o termo assemblage para dos maquinismos que insistem na produção de outros
designar uma composição que se dá por atravessamentos, modos de existência, esquecer-se de si e de sua história e
impossível de retornar a seus elementos iniciais. Neste encon trar-se na criação, parecem ser algumas faces desta
caso, o que há é uma espécie de emergência na situação clínica transdiciplinar.
por com posição.
Novamente, um bom exemplo seriam as sensações, os Referências
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